Jornal O Popular, Suplemento da Mulher, matéria de março de 2011
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Jornal O Popular, Suplemento da Mulher, matéria de março de 2011
EDUCERE: PELA INTELIGÊNCIA DO CORPO QUE DANÇA Adriano Jabur Bittar Trecho do livro diálogos com a Dança, organizado pela Dra. Lúcia Lobato, disponível para a venda no Studio Adriano Bittar. Por uma Abordagem Diferenciada Para o Bailarino: Pilates e Terapia Craniossacral A. O Método Pilates O método Pilates, criado pelo alemão Joseph Hubertus Pilates (1880 – 1967), é um sistema alternativo de movimento que ensina os seres humanos a conhecerem e respeitarem os seus corpos. As idéias de Pilates, sintetizadas no método, evidenciam que o movimento trabalhado de uma forma diferenciada seria o responsável por uma educação mais global e privilegiada de quem o praticasse. Esta diferente forma de cultura física, como foi definida pelo próprio Pilates (Pilates, 1934), poderia trazer bem-estar físico e mental, saúde e felicidade, e em uma leitura mais específica, a formação diferenciada do bailarino, a prevenção de lesões nos mesmos, o retorno mais precoce às atividades artísticas quando de uma lesão e a melhora da performance em dança: “Equilíbrio perfeito entre corpo e mente é aquela qualidade do homem civilizado, que não somente dá a ele uma superioridade sob o reino selvagem e animal, mas também provê ao mesmo todos os poderes físicos e mentais que são indispensáveis para o atingir do objetivo da humanidade – SAÚDE e FELICIDADE”. (Pilates, 1934) O método Pilates vem se tornando uma nova opção em várias áreas, como no condicionamento físico, reabilitação e prevenção. A comunidade da dança foi uma das primeiras a abraçar o método, pois o mesmo conseguia introduzir movimento não destrutivo em uma fase precoce da lesão, ajudando bastante na recuperação dos bailarinos. Apesar de sua eficácia entre os bailarinos, o método começou a ser descoberto e mais amplamente utilizado por diferentes profissionais da reabilitação no mundo todo a partir dos anos 90 (Spector e Anderson, 2000), mesmo tendo sido criado há quase um século. O método Pilates parece funcionar como veículo para a exploração segura e apropriação do movimento, fatos tão necessários para todos e em especial para os bailarinos. Através do treinamento da inteligência corporal cinestésica e conscientização corporal fomentados pelo estudo e prática do método, um diálogo mais concreto com o corpo se dá e as vias de aperfeiçoamento para a boa postura e movimento dentro da biomecânica perfeita passam a ser facilitadas. Citar a educação corporal ou inteligência corporal cinestésica, o “... hábito de correção consciente do movimento pela assimilação dos sentidos” (Sampaio, 2001), é falar necessariamente de dois aspectos: controle e aprendizado motor. O controle motor pode ser definido como “... o estudo da natureza e causa do movimento” (Shumway-Cook e Woollacott, 1995). Refletir sobre o controle motor é pensar sobre de onde vem o movimento, o que nos impulsiona a mover, onde começa ou termina o movimento, como nos movemos, por que nos movemos desta ou daquela maneira. Já o aprendizado motor é definido por Stevans e Hall (1998) como uma modificação na capacidade de um indivíduo de executar uma habilidade; esta habilidade é relativamente permanente e é o resultado da prática. Uma habilidade aprendida adequadamente resultaria, segundo os mesmos pesquisadores, em padrões de movimento cada vez mais econômicos e eficazes. Sherman (2002) reafirma que uma função proprioceptiva deficiente, ou em uma segunda leitura, um controle e aprendizado motor inadequados, é fator de predisposição a lesões, pois “Quando a função proprioceptiva é deficiente há uma predisposição para ocorrer mais lesões. Presumivelmente, as alterações nestes sistemas sensoriais importantes conduzem a uma incoordenação relativa de grupos musculares na área funcional relacionada”. Em uma analise mais especifica, estudar o controle e aprendizado motor do bailarino, ou a consciência que move o mesmo, o sentido mais profundo do self e a transição da inocência e da ignorância para o conhecimento e auto-interesse (Damásio, 2001), envolveria questionar o poder que o mesmo tem sobre a manutenção da boa postura e equilíbrio, tanto estática quanto dinamicamente, para o uso mais apropriado do corpo. Neste sentido, a capacidade de estabilização do corpo no espaço representaria um dos itens fundamentais a serem pesquisados. Estudos realizados por Jull e Richardson (1995) e por Hodges e Richardson (1999) comprovam a importância do fortalecimento dos músculos do tronco (centro), em uma referência também à estabilização da coluna lombar, para facilitar os movimentos das extremidades. Dentro deste enfoque, dois músculos teriam importância maior - o transverso do abdômen e os multífidos – e juntos funcionariam de modo a aumentar a estabilidade segmentar da coluna, através do controle da zona neutra segmentar. Goldstein et alli, (2002) expande este raciocínio ao considerar a zona neutra segmentar perigosa, pois nesta situação haveria um mínimo de suporte oferecido por componentes articulares passivos, o que poderia predispor o segmento a forças destrutivas. Estes estudos reforçam a opinião de Pilates (1934) de que o controle de centro é o fator de maior importância para a realização correta dos movimentos desejados. Além deste aspecto, o estudo da percepção sensorial do corpo, tão importante para modular a ação, a atenção ou concentração, a motivação, os aspectos emocionais envolvidos, a tarefa e o ambiente onde a ação ocorre também influenciarão por demais o controle e aprendizado motor. É bastante provável que o fomentar da organização corporal através do controle de centro seja uma das ferramentas-chave para a adequação de capacidades nos bailarinos. Através do contato com padrões motores mais saudáveis e o uso da biomecânica corporal adequada durante o movimento e repouso, o bailarino poderia se educar apropriadamente: “O que é equilíbrio entre corpo e mente? É o controle consciente de todos os movimentos musculares do corpo. É a correta utilização e aplicação dos princípios das alavancas dadas pelos ossos que compõem a estrutura do esqueleto do corpo, um conhecimento completo do mecanismo do corpo, e uma compreensão integral dos princípios de equilíbrio e gravidade como aplicados às ações do corpo em movimento, em descanso e no sono. Não ter este conhecimento... é não poder obter perfeição física, que é o resultado de uma vida normal, e a morte precoce não poderá ser evitada”. (Pilates, 1934) Pode-se aqui fazer um rápido paralelo entre o pensamento de Pilates e o osteopático moderno (Sutherland, 1990). Parece que a ênfase dada pelo método é na manutenção da forma corporal ideal e do estado mental adequados para que houvesse saúde e felicidade. Tal referência apresenta-se na osteopatia como uma de suas leis básicas, que coloca a estrutura corporal como determinante da função que o corpo possui. Estrutura inadequada levaria à função inadequada e a doenças. O inverso também é verdadeiro: “...a solução correta para as doenças atuais pode melhor ser obtida pelo reconhecimento de que o desenvolvimento normal de corpo e mente é possível, não colocando o corpo em desvantagem com relação à mente, ou vice-versa, que seria o resultado da concentração somente na mente ou somente no corpo, mas ao contrário, pelo reconhecimento das funções mentais da mente e dos limites físicos do corpo, assim fazendo com que a completa coordenação entre corpo e mente seja alcançada”. (Pilates, 1934) Analisando o trecho acima, percebe-se que Pilates acaba apontando consciência corporal, entendimento profundo da estrutura e funcionamento corporal, domínio cinestésico durante o movimento, no descanso e até no sono, como definições do seu trabalho. Tudo isso seria adquirido pela educação apropriada de idéias de tensão e relaxamento, que corrigiriam os maus hábitos, assegurando, assim, uma melhor saúde. Apesar de não ter citado com clareza os princípios que embasam o seu sistema de cultura física em suas duas únicas obras, Pilates deixa-os implícitos. Entretanto, os discípulos mais próximos do mestre fizeram uma leitura em busca de princípios norteadores, adotando seis deles: a concentração, o controle, o centro, o movimento fluido, a precisão e a respiração (Gallangher e Kryzanowska, 2000). O primeiro princípio, o da concentração, diz muito da influência que os exercícios orientais como o Yoga, artes marciais, meditação Zen e exercícios grecoromanos deixaram no mestre, que se embasou nesses para a criação de seu sistema. Ao realizar os exercícios do método, o praticante deve ter uma consciência diferente de seu corpo. Uma atenção diferenciada às várias partes do corpo, que devem estar organizadas para o correto uso dos músculos, fazendo com que o alinhamento corporal seja mantido pela consciência do movimento. O controle vem também da influência oriental do método e diz respeito ao uso mais preciso da energia corporal. A quantidade de energia que deve ser depositada em um movimento para que não se gaste mais do que o necessário. Já o terceiro princípio, centro, é um dos pontos mais fortes do método. Através do treino do “centro de força”, ou powerhouse, região do corpo composta pelos abdominais, principalmente os mais profundos, pela fáscia tóraco-lombar e pelos glúteos, o praticante começa a organizar profundamente o seu corpo, pois consegue se manter em um eixo mais apropriado para as atividades gerais. A precisão completa os princípios citados acima, pois com um centro fortalecido, um controle e uma consciência adequados, o praticante do método consegue executar movimentos mais precisos e econômicos. A fluidez de movimento significa a suavidade do gesto corporal, realizado com precisão e leveza, sendo todas as partes do corpo conduzidas de modo seguro por toda a amplitude de movimento existente. E, por fim, o princípio da respiração segue a regra de usar inspirações na preparação do movimento e expirações durante sua execução, sendo as expirações forçadas e as inspirações profundas. Só assim o pulmão seria capaz de se encher de ar fornecendo aos tecidos um sangue mais oxigenado. Atualmente, após quase quarenta anos da morte do mestre alemão, muitos instrutores de Pilates proliferam por todo o mundo, seguindo os mesmos preceitos do criador. Outros seguidores adicionaram estilos e diferenças próprias, embasando-se na evolução do conhecimento em ciências como a anatomia, a cinesiologia, biomecânica, controle e aprendizado motor, dentre outras. No intuito de rever o que era utilizado pela maior parte dos instrutores que haviam estudado diretamente com Pilates, Brent Anderson, fisioterapeuta americano, desenvolveu uma abordagem interessante para o método, ao reunir os princípios mais utilizados por esses instrutores em seu sistema de ensino conhecido como Polestar Pilates. Anderson estava interessado em fazer um estudo analítico, onde dissecaria os princípios de movimento usados no método, para revelar e justificar o emprego do mesmo. O primeiro princípio segundo Anderson é a respiração: organização do tronco com a inspiração e a expiração. A respiração mais fomentada é a diafragmática com expansão abdomino-torácica com atenção para a região posterior do tórax. Isso assegura uma ventilação adequada e uma expansibilidade e elasticidade aumentadas ao tórax. Áreas normalmente pouco ventiladas são estimuladas a se ativar através de estímulos táteis, dicas verbais e de imagem, que aumentam o aprendizado motor (Anderson, 2001). Com os efeitos de uma respiração apropriada, pode-se perceber os benefícios que os bailarinos terão em adotar tal sistema. Normalmente ensinados a respirar de forma curta e usando mais a respiração intercostal, pois não se pode mostrar à platéia que existe um grande esforço por trás dos movimentos realizados, os bailarinos acabam se desorganizando profundamente. O tórax normalmente encontrado em bailarinos é rígido, a respiração muito curta e a expansibilidade e elasticidade torácicas, portanto, diminuídas. O segundo princípio é o alongamento axial e controle de centro que são conquistados através da ativação correta do powerhouse, ou centro, em uma referência à ativação do transverso do abdômen, oblíquo interno e externo, multífidos, grande dorsal e assoalho pélvico, pois a contração desses músculos cria um cinturão rígido na coluna (Fritz et alli, 1998). A ativação do cinturão abdomino-pélvico pelo controle de centro é de suma importância para os bailarinos, uma vez que os mesmos terão que estar bem organizados para os movimentos fora de eixo e para as grandes e diferentes demandas a que normalmente são impostos. O terceiro princípio é a eficiência do movimento através da organização da cintura escapular, coluna torácica e cervical. Através da organização dessas áreas, relacionadas umas às outras pelas conexões fasciais existentes, uma melhor biomecânica é conquistada. Esse fato pode garantir uma melhor respiração, postura e biomecânica com melhor transferência de força pelo esqueleto (Silva e Machado, 2002). A maioria dos bailarinos assume uma postura excessivamente ereta, com a perda da cifose torácica e a protusão da cabeça. Além do mais, o trabalho dos braços nem sempre sendo bem orientado, acaba por desativar ou hiperativar músculos importantes da cintura escapular, que poderá se desorganizar em uma escápula alada, ou muito abduzida, sendo os rombóides freqüentemente enfraquecidos e doloridos. O quarto princípio é o da articulação da coluna, que deve ser treinada para se mobilizar em todas as direções, sendo que os movimentos intersegmentares de cada vértebra poderão auxiliar na manutenção da postura adequada. A mobilidade segmentar da coluna é conquistada através de movimentos articulados da coluna, que acabam por ativar os multífidos, assegurando um bom suporte estrutural. A mobilidade da coluna, na maior parte das vezes, está reduzida nos bailarinos, pois a estratégia de movimento adotada para as grandes amplitudes de movimento da coluna está freqüentemente errônea. Poucos exercícios são utilizados em aulas de dança para a manutenção da mobilidade segmentar da coluna. O quinto princípio é o alinhamento corporal e descarga de peso nas extremidades superiores e inferiores. O bom alinhamento e descarga de peso durante os exercícios são essenciais para a organização dos tecidos corporais. Seguindo a lógica das cadeias musculares do corpo humano, qualquer mau posicionamento de um segmento do corpo pode causar uma desorganização do todo. No método Pilates o corpo é convidado a se alinhar. Essa manutenção isométrica da musculatura estática organiza os tecidos ao redor dos ossos e articulações e mesmo os mais superficiais. O resultado é a reorganização biomecânica e o movimento eficaz (Anderson, 2001). Para uma prática segura de exercícios, os bailarinos devem ser constantemente relembrados quanto ao alinhamento e descarga de peso ideais. O alinhamento corporal na dança quase sempre é negligenciado, pois o que interessa ao bailarino é ter acesso a grandes amplitudes de movimento, independente de como o corpo está se organizando para chegar até esse objetivo. São comuns as lesões meniscais decorrentes de um mau posicionamento da tíbia em excessiva rotação externa, na busca de um en dehors perfeito. Também é freqüente o acometimento dos punhos na dança moderna, pois os membros superiores não estão organizados o suficiente para evitar-se a descarga de peso sob uma região frágil como o túnel do carpo. O sexto e último princípio, integração de movimento da pélvis, tórax, cabeça e extremidades exige do praticante a integração de corpo e mente em uma combinação dos cinco princípios antecedentes. Sobre a integração referida no último princípio, propõe Anderson (2001): “A movimentação precisa da pélvis pelo espaço é essencial para o movimento funcional eficaz. A integração das costelas com a pélvis pode facilitar o alongamento axial... a flexão da coluna, a flexão lateral e a rotação. A integração da cabeça ao tronco e extremidades pode aumentar a estabilidade do pescoço em grandes amplitudes de movimento... e viabiliza a maior produção de forças nas extremidades”. Ainda segundo Anderson (2001) “a meta de alcance do movimento eficiente, retorno para movimentos funcionais e melhora da performance é o fundamento do trabalho de Pilates”. Podemos, então, perceber que tal método pode contribuir em muito para criar um corpo mais inteligente para o bailarino. Referências ANDERSON, B. Manual de Reabilitação Focalizando no Treinamento em Pilates Evoluído. Revisão Adriano Bittar. Polestar Education, 2001. (Apostila do curso em reabilitação ministrado pela Polestar Educaiton) ANDERSON, B. Manual Polestar Pilates Mat. Polestar Education, 2001. (Apostila do curso de Pilates mat ministrado pela Polestar Education) BAUMAN, Z. 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