A Alta Idade média

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A Alta Idade média
A
Alta
Idade média
Felipe de Medeiros Guarnieri
Renan Matsuzaka Kenji
Trabalho final de História Medieval I, Noturno
Prof. Marcelo Cândido da Silva
FFLCH, USP, 2011
A Idade Média é temporalmente compreendida entre a queda do Império Ro mano Ocidental e a
queda do Império Ro mano Oriental. Embora a historiografia clássica tenha estabelecido a Idade Média
entre marcos políticos de 476 (renúncia do impe rador do Ocidente Rô mulo Augusto) e 1453 (to mada
turca de Constantinopla) tais datas devem ser relativ izadas e tomaremos um processo que segue de
princípios do século V d.C. e pára no século XV. O h istoriador Henri Pirenne (Maomé e Carlos Magno),
por exemp lo, argumenta que é a expansão do Islã e o ―fechamento‖ do Mediterrâneo pelos árabes o
verdadeiro ―ponto final‖ da Antiguidade, na transformação do mar, outrora unidade, numa fronteira entre
duas realidades distintas. Outros historiadores como Peter Brown (O fim do mundo clássico) usam o
conceito de Antiguidade Tardia estendendo-se da crise do século III até a crise da autoridade na
dissolução do Império Caro língio no século VIII, aí co mpreendendo toda a Alta Idade Média. Foi também
a historiografia clássica, co mo vimos no capítulo anterior, que to mou o ano de 476 co mo fim cataclís mico
do Império Ro mano, em especial as obras de Edward Gibbon (Declínio e Queda do Império Romano),
Fustel de Coulanges (A Cidade Antiga) e Theodor Mommsen (História de Roma). Pesquisas recentes
contestaram a tese dos autores oitocentistas. Todos estes historiadores citados até então, de teses díspares
e até antagônicas, têm algo em comu m, entretanto: o enfoque no Mediterrâneo como principal articu lador
das dinâmicas da Europa: se o foi como presença durante o mundo clássico, é também como ausência na
Europa med ieval, ao menos durante a Alta Idade Média. Devemos compreender as dinâmicas em torno do
Mediterrâneo, veremos, para compreender os processos históricos na Europa Ocidental durante a Idade
Média. Propo mos outro enfoque neste livro: to mar a h istória co mo movimento e focando nossos estudos
nas articulações em torno do outrora mare nostrum dos romanos. Diremos, portanto, que a Alta Idade
Média é u m processo de rearticulação das províncias romanas em reinos bárbaros e das elites germano militares em aristocracias, processo que ocorre à sombra do Mediterrâneo, e cujo movimento culminante
é a ascensão e queda do Império Caro língio sob Carlos Magno.
Devemos tomar, também, a Idade Média em suas especificidades e dinamis mo próprio, não
como u ma ―transição‖ – med ialidade – entre eras, idéia despontada com o human ismo no Renascimento e
postergada pela historiografia oitocentista. A Idade Média foi berço de diversas inovações na tecnologia
de produção agrária, na dinâmica sócio-polít ica do ambiente urbano, e em especial no campo do
pensamento com a patrística e escolástica. O tema será dividido em três capítulos: Alta, Média e Tardia.
Neste primeiro capítulo estudaremos a Alta Idade Média, entre os séculos V e X, das mig rações bárbaras
até as mutações políticas no reino Franco, partindo do ano de 476 (renúncia de Rô mulo Augusto) e
detendo nossa caminhada em 987 (ascensão de Hugo Capeto), tomando as datas como balizas
interpretativas.
Co mo nos capítulos anteriores, o questionário e a bibliografia seguem após a discuss ão.
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AS MIGRAÇÕES BÁRBARAS
Entre os fatores que levaram às transformações políticas entre os séculos IV e V no Império Romano
Ocidental expostos no último capítulo – a política fragilizada pelos levantes militares nas fronteiras, a sucessão
de crises financeiras, o reaparecimento do Império Persa, a questão da supervivência das instituições romanas
após a deposição de Rômulo Augusto, a problemática do cristianismo, entre outros – destacamos as migrações
bárbaras. Embora a historiografia clássica, a partir de Edward Gibbon (1737-1794), tenha visto este movimento
como ―invasões bárbaras‖ fundamentando-se em testemunhos do alto escalão político-intelectual romano da
época, tais quais o bispo Sidônio Apolinário (c.430-489) e o historiador Amiano Marcelino (325/330-c.391), tal
tese hoje é contestada pela historiografia, baseando-se esta na existência de elites militares bárbaras já nos anos
finais do Império Romano. O Império dos séculos IV e V era bastante diferente daquele da dinastia JúlioClaudiana sob Augusto; não havia traços claros de distinção entre romanos e bárbaros nas fronteiras: os
segundos já eram latinizados, isto é, absorvidos nas dinâmicas políticas do Império. Dito isso, usaremos aqui
antes os termo germânicos e povos germânicos, entendendo por eles os bárbaros já latinizados. Até mesmo os
hunos, que são os bárbaros por definição devido à obra de Amiano Marcelino, já eram latinizados e articulavam
seu poder em consonância com o Império.
Outra questão que nos será importante neste capítulo é a da identidade bárbara. É quase unânime, na
historiografia moderna, que o ideal de identidade comunal entre os povos germânicos surge apenas tardiamente,
no contexto da formação das aristocracias. Não havia uma identidade bárbara que permitisse a articulação
própria dos mesmos em unidades. A denominação de bárbaros e demais categorias foi estabelecida pelos
historiadores romanos, como Tácito (54-117), que descreveram os germanos a partir da comparação com o
sistema militar romano e não poderiam tê-lo feito de outra maneira. Os bárbaros, em outras palavras, nos
aparecem sempre como os não-romanos, os outros. Não se trata de dizer que os bárbaros não existem, mas que
sua existência se dá somente mediante aos romanos, e compreender tal relação é central para compreender o
processo das migrações bárbaras.
Estas migrações confundem-se com a movimentação das fronteiras do Império. Diversos fatores explicam
o movimento migratório dos povos germânicos dos quais destacamos as batalhas pelas fronteiras, a pressão
populacional, o efeito dominó dos hunos sobre os godos e dos persas sobre as legiões imperiais – movimentação
de outros povos que efetuaram a movimentação dos povos germânicos. O marco inicial das movimentações é a
Batalha de Adrianópolis em 378, na qual o imperador romano Valêncio foi morto ao tentar expulsar os
Visigodos que haviam se instalado no Danúbio, fugindo dos hunos. Em 382, o imperador Teodósio (347-395)
editou um tratado de paz permitindo a instalação dos povos germânicos nas fronteiras. Porém, em 395, os
Visigodos se rebelaram sob o comando de Alarico (c.370-410), culminando no saque de Roma em 410. Pouco
antes, em 406, os Vândalos, os Alamanos e os Suevos cruzaram o Reno, atravessaram a Gália e entraram na
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Hispânia através dos Pirineus. Os Vândalos conquistaram o norte da África em 439 e saquearam Roma em 455.
Finalmente em 476 o imperador Rômulo Augusto renunciava em favor do general dos povos germânicos,
Odoacro, transferência realizada com o apoio do Império Oriental (ou Império Bizantino) comandado por Zeno.
\
“Por conseguinte, todas as devastações, chacinas, pilh agens, incêndios, tormentos que se cometeram na
recente catástrofe de Roma foram produto dos hábitos de guerra. O que porém de insólito ali ocorreu, ou seja,
que, mudando o rumo dos acontecimentos de uma forma insuspeitada, a crueldade dos bárbaros se tenha
tornado branda até ao ponto de estabelecer que, por escolha, o público enchesse as basílicas mais amplas [...]
quem não vê que tudo isso deve ser atribuído ao nome de Cristo, ao cristianismo, é cego *...+”
(Santo Agostinho sobre o s levant es do s Visigodos; A Cidade de D eus, livro I, cap.VII; c.426)
De fato, o período de migrações viu batalhas violentas, caso dos saques de Roma em 410 e 455, referidos por
autores contemporâneos como Santo Agostinho (354-430) e São Jerônimo (347-420). Mas mesmo Alarico era
comandante das legiões bárbaras do exército romano. Flávio Estilico, cônsul romano entre 400 até sua morte em
408, era filho de pai vândalo. Devemos nos aproximar deste processo de maneira cuidadosa, tomando-o não
como um evento cataclísmico, espécie de blitzkrieg na Antiguidade, e sim processo lento, encontrando
encontrando no ano de 476 nada mais que uma baliza interpretativa apontando
transformações políticas na Europa, de maneira alguma uma invasão contra o poder
central. Na realidade, ocorrem transferências de centros de poder, mutações na
administração das províncias, queda
poder centralizado, deslocando-se
este para elites militares nas
fronteiras.
As migrações foram um processo
lento, compreendido entre o século
III e IX, iniciado com o influxo de
povos germânicos e terminando com
a expansão árabe e as migrações
vikings na Bretanha; processo que,
em síntese, percorre todo o período
da Alta Idade Média.
3
A FORMAÇÃO DOS REINOS GERMÂNICOS
As migrações germânicas transformaram as relações de poder da Europa, dando término ao poder central do
império romano-ocidental e eclodindo numa série sucessiva de órgãos políticos menores chamados de reinos
bárbaros. Usaremos o termo ―reinos germânicos‖ seguindo a discussão no tópico anterior. Estes poderes
nasceram e se fixaram nas antigas províncias do Império Romano, da Gália à Bretanha.
Tendo entendido as migrações como lento processo de transformações no seio do Império, destacamos o
ano de 476, data na qual o imperador Rômulo Augusto renunciou ao poder em favor de Odoacro, general
romano líder das tropas germânicas, evento que se deu com o apoio do Império Bizantino. Odoacro reinou sobre
a Itália de 476 a 493 como cliente de Júlio Nepos, imperador de jure do Ocidente e, após a morte deste, sob
Zeno, imperador do Oriente. O germano foi assassinado em 493 por Teodorico, sendo a Itália posteriormente
incorporada ao reino Visigótico. O mapa abaixo ilustra as fronteiras dos ditos reinos germânicos em circa 525.
Os Visigodos haviam estabelecido seu reino a partir da Aquitânia , na Gália, já no ano de 418, e daí
expandiram para a Hispânia, a Ibéria e a Itália. Parte considerável da Gália estava sob poder dos Burgúndios. Os
Vândalos partem da Gália para conquistar as províncias da África do Norte em 439. Os Anglo-Saxões saem da
Dinamarca para a Bretanha entre os séculos IV e V, onde se estabelecem e imergem entre as legiões romanas.
4
Os Suevos dominam parte do norte da Hispânia. Os Ostrogodos dominaram toda a costa da Dalmácia até as
fronteiras do Império Bizantino, incorporando a Itália no ano de 476. Coube aos Francos a conquista das regiões
de Viennensis e da Gália ao longo do século V, vencendo os Visigodos em 507 e estendendo suas fronteiras até
os Pirineus, sob o comando de Clóvis (481-511).
Moedas com as efígies de, respectivamente, Rômulo Augusto, Odoacro, Teodorico e Alarico II. As moedas eram cunhadas aos montes
no auge do Império durante o século II e continuaram a ser produzidas, mesmo se em menor quantidade, durante a Idade Média.
Constituem elas vestígios arqueológicos importantes para estudarmos o influxo comercial de determinado território, relações de
poder aí presentes e, no caso, o soberano reinante no período.
A formação dos reinos germânicos não passou despercebida pelo Império Bizantino. Após a morte de
Odoacro, e entre os anos de 533 e 554, o imperador oriental Justiniano lança campanha na Europa a fim de
reunificar o Império e reaver as províncias; tal campanha ficou conhecida, a partir da obra do historiador
bizantino Procópio de Cesaréia (500-565), como Guerra Gótica. Justiniano reconquistou a África do Norte
(533), obliterou os Vândalos e Ostrogodos, retomou parte da costa da Itália, mas vacilou no âmago do antigo
Império ocidental, sendo a Itália central tomada pelos Lombardos em 568. No Norte da África, o domínio
bizantino continuaria por mais duzentos anos, até a tomada árabe destes territórios no século VIII. Na Alta Idade
Média o poder romano continuou a existir no Império Oriental, no entanto Bizâncio era apenas um de diversos
Estados na batalha pelo controle da Europa ocidental e do Mediterrâneo. Malograda a campanha de Justiniano,
não houve outras tentativas de re-estabelecer a unidade do Império por parte do Império Bizantino.
O processo de formação dos reinos germânicos também é lento, e articula-se com o processo de
migrações bárbaras. De maneira alguma as fronteiras são, neste momento, fixas; elas estão em constante disputa
entre os povos germânicos, o Império Bizantino e, posteriormente, os Árabes e os Eslavos. A expansão árabe
deu novo fôlego à formação dos reinos germânicos, fortalecendo um deles – o Franco – em detrimento de
outros, nomeadamente o Visigótico. Após a morte de Maomé (570-632) e já unificados sob califados islâmicos,
os árabes saem do Oriente Médio, conquistam o Norte da África entre 640-710, e são finalmente barrados em
Poirtiers, 732, pelo rei franco Carlos Martel. Ao cabo de um século os árabes conquistaram grande parte das
posses do Império Bizantino e também o reino dos Visigodos na Ibéria (711), tornando-se assim outro poder no
jogo pelo controle do Mediterrâneo. Seu domínio na Ibéria foi duradouro, permanecendo os árabes em algumas
cidades como Toledo e Granada até o século XV. A expansão ocorreu entre os anos de 632 e 732, e o ínterim
674-78, tomada de Cartago, é o ponto central deste processo. Retomando a campanha de Justiniano a fim de
5
reunificar o Império, alguns historiadores colocam que foram estas duas correntes, e não os povos germânicos,
as maiores responsáveis pela destruição física do mundo Antigo. As afirmações são corretas quanto a campanha
de Justiniano; o papel da expansão islâmica, todavia, reunificar
deve ser relativizado.
O conhecimento
Greco-romano
foi
o Império, alguns
historiadores
colocam que
absorvido por intelectuais árabes e o intercâmbio cultural
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considerável
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duas correntes,
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1037), ou Avicena, e Ibn Rushd (1126-1198), ou Averróis,
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suas obras
Aristóteles
e Galeno
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responsáveis
pela em
destruição
física
do mundo
obra de Avicena também influiu nos círculos intelectuais
da As
Europa
medieval,
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Antigo.
afirmações
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corretas quantoem
a campanha
Aquino (1225-1274). Podemos concordar com Henri
citado
na Introdução,
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do
dePirenne,
Justiniano;
o papel
da expansão
todavia,
Mediterrâneo significou uma ruptura nas dinâmicasdeve
político-culturais
daOEuropa
no mundo
antigo, mas
ser relativizado.
conhecimento
Greco-romano
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questão da supervivência da cultura romana é uma questão
maispor
delicada.
Quanto
aos ereinos
germânicos,
estes
absorvido
intelectuais
árabes
o intercâmbio
cultural
absorveram as estruturas romanas e se consideravam herdeiros
do poderao
imperial.
foi considerável
ponto dos filósofos Ibn Sina (9801037), ou Avicena, e Ibn Rushd (1126-1198), ou
Averróis, basearem suas obras em Aristóteles e Galeno –
a obra de Avicena também influiu nos círculos
intelectuais da Europa medieval, nomeadamente em
A expansão do Islã, c.632-732, mudou de vez as dinâmicas
em torno do Mediterrâneo, condicionando mudanças
políticas na Europa Ocidental e possibilitando, do Oriente
Médio ao Califado de Córdoba na Península Ibérica, as
maiores produções culturais e intelectuais da Idade Média,
tendo os árabes absorvido o conhecimento clássico e
copiado zelosamente manuscritos antigos. Os cinco
séculos imediatos após as conquistas árabes, c.750-1250,
ficaram conhecidos como Era de Ouro do Islã e viram
progressos sem precedentes em todos os campos do
saber. A equação de Bhaskara, que usamos para resolver
funções de segundo grau em matemática, foi elaborada
por um matemático indiano neste período. Aqui, vemos
astrônomos trabalhando em códice produzido entre os
séculos VIII e XIII.
Tomás de Aquino (1225-1274). Podemos concordar com
Henri Pirenne, citado na Introdução, que o fechamento
do Mediterrâneo significou uma ruptura nas dinâmicas
político-culturais da Europa no mundo antigo, mas a
questão da supervivência da cultura romana é uma
questão mais delicada. Quanto aos reinos germânicos,
estes
absorveram
as
estruturas
romanas
e
se
consideravam herdeiros do poder imperial.
A fragmentação do poderio central romano, redistribuído em elites locais e despontando em novos reinos,
constituiu dinâmica política fragilizada. Dos reinos germânicos surgidos ao longo dos séculos IV e V, apenas o
Franco constituiria posteriormente um Estado forte, baseado numa burocracia sob autoridade pública. A
formação do Império Carolíngio sob Carlos Magno será analisada em capítulo posterior.
Em síntese, as dinâmicas políticas da Europa entre os séculos V e X acompanharam as migrações e formação
dos reinos germânicos, dois movimentos que constituem um mesmo processo. Encontramos, concomitante ao
mesmo, as transformações nas dinâmicas políticas do Império Romano ao tempo de seu declínio e aquelas ao
redor do Mediterrâneo, com a expansão árabe e o Império Bizantino. Resta-nos investigar as transformações na
outra grande instituição política do Império Romano, a Igreja.
6
A CONVERSÃO DOS POVOS GERMÂNICOS
Se os reinos germânicos formados entre os séculos V e IX constituíram realidade política fragmentária e
descentralizada, o cristianismo foi o responsável pela coesão cultural, espiritual e também política dos povos
germânicos durante este período para além do mesmo.
A Igreja de Roma, ou Cristã Romana, não restou incólume do processo da queda do Império Romano
Ocidental: teve sua unidade fragilizada, redistribuindo-se em bispados locais. Todavia, o cristianismo serviu
como cimento de idéias unificadoras entre os povos germânicos e as instituições eclesiásticas representadas pela
Igreja. Nesta realocados, alguns historiadores argumentam que as elites senatoriais romanas continuaram a
governar após a renúncia de Rômulo Augusto. Pensamos em dois bispos, Sidônio Apolinário e Gregório de
Tours (c.538-594), historiadores que constituem fontes importantes para o estudo deste período – ambos eram
de origem senatorial e figuras políticas importantes em seu tempo.
Para compreendermos a formação dos reinos germânicos também é
importante compreendermos, portanto, a conversão dos povos germânicos
ao cristianismo, liderada pela Igreja de Roma. Tomaremos aqui, para
fins didáticos, a associação dos bárbaros ao paganismo (isto é, toda
atividade religiosa que não advém dos rituais cristãos), embora notemos
que as práticas religiosas entre diferentes tribos eram bastante distintas,
especialmente se lembrarmos que os bárbaros eram latinizados:
extratos dos povos germânicos já adotavam o paganismo romano em
idos do século IV, por exemplo. A Igreja Romana Cristã era tão forte nos
últimos anos do Império a ponto de Santo Ambrósio (c.339-397), bispo
de Milão, exigir penitência pública do imperador Teodósio após o
massacre de Tessalônica em 390. A conversão de pagãos não-romanos
já havia iniciado durante o Império, sob Santo Agostinho e São
Jerônimo no Norte da África e na Gália , mas foi sobretudo entre os
séculos V e X que os povos germânicos adotaram por fim a religião.
A dependência germânica da Igreja não provém apenas da necessidade
de legitimação do poder por uma instituição central – o Papado – mas
Santo Ambrósio em mosaico do século V,
na Basílica de Sant’Ambrogio, Milão. As
representações artísticas no Império
Romano tardio tornam-se mais sóbrias e
icônicas, próximas à posterior iconografia
bizantina e às representações figurativas
medievais.
pela própria gerência política dos reinos, posto que os germanos eram em sua maioria analfabetos, sendo as
habilidades de ler e escrever privilégio dos clérigos e monges. A manutenção da justiça também dependia da
inferência dos bispados. A dinâmica política na Alta Idade Média encontra-se entre dois pólos, os reinos
germânicos e a instituições eclesiásticas, entre elites provinciais e as antigas elites senatoriais absorvidas, mas
ambos muitas vezes se confundem.
7
“Outro dos homens mais caros ao rei concordou com suas palavras e conselhos, e adicionou: ‘É assim que
me parece, ó Rei, o tempo de vida do homem na terra em comparação àquele tempo que nos é desconhecido:
como se estivéssemos sentados numa sala com n obres e guerreiros durante o invern o, estando uma fogueira a
queimar no meio do salão e dentro tudo é aquecido, enquanto lá fora as tempestades de neve e chuvas invernais
rugem [...] Assim se apresenta a vida do homem, apenas um instante – sobre o que veio antes, ou s obre o que
virá em seguida, de nada sabemos. Se esta nova doutrina contém maiores certezas, parece -me correto que
devamos segui-la’. Os outros anciãos e conselheiros falaram da mesma maneira, guiados pela inspiração
divin a.”
(Beda sobr e a conv er são de Edwin, rei dos Ang los; História Eclesiástica dos Po vos Ing leses, livro II, cap.XII; c.725)
Os Francos adotaram o cristianismo em meados de 500, os Visigodos abandonaram por vez o Arianismo em
589 e os Lombardos se converteram em meados de 650. Na Inglaterra foi necessário o envio de missões
evangelizadoras, como a Santo Agostinho de Canterbury em 597. A cristianização também é um processo de
alguns séculos. Os Visigodos continuaram durante muitos anos a realizar seus rituais pagãos, e estes mesmos
rituais, por parte dos germânicos tomados em conjunto, transformaram a própria doutrina cristã e tornou-a
bastante diferente da Igreja Bizantina ou Ortodoxa.
Nas concepções religiosas dos povos germânicos
Nas entre
concepções
os séculos
religiosas
V e X, vemos
dos povos
um misto
germânicos
de noçõesentre
pagãsos
e
e X, vemos
umocorreu
misto de
noções pagãs
na
cristãs na tomada do Cristo como um deus doséculos
panteãoVnórdico,
conforme
inicialmente
entre eoscristãs
romanos.
do Cristo
como
um deus doprivilegiadas
panteão nórdico,
conforme
A arte e a literatura produzidas na Alta Idadetomada
Média nos
oferecem
representações
deste composto
que o historiador francês Jean-Claude Schmitt
ocorreu
chamou
inicialmente
de ―culturaentre
intermediária‖.
os romanos.
Outros
A arte
princípios
e a literatura
da arte
romana tardia, em especial da pintura iconográfica
produzidas
em murais
na Alta
e mosaicos,
Idade Média
sobrevivem
nos oferecem
e se transformam
representações
na arte
privilegiadas
composto
que o historiador
francês
Jean-Claude
dos povos germânicos, em especial dos celtas
e visigodos.deste
Malgrado
o abandono
das medidas
helenísticas
de
sobriedade e realismo, estas que geralmente associamos
Schmitt chamou
a ―grande
de ―cultura
arte‖ Greco-romana,
intermediária‖.
a arte
Outras
do Império
tendências
tardio
da
já era bastante diferente da dos tempos de Augusto,
arte romana
e bastante
tardia,próxima
em especial
da artedamedieval.
pintura iconográfica
Na literatura,em
o poema
murais
Ang
e mosaicos, sobrevivem e se transformam na arte dos povos
germânicos, em especial dos celtas e visigodos. Malgrado o
abandono das medidas helenísticas de sobriedade e realismo, estas
que geralmente associamos à arte Greco-romana, a arte do Império
tardio já era bastante diferente da austeridade dos tempos de
Augusto, e bastante próxima da arte medieval, mais icônica e
Esta representação tanto quanto mística do
imperador
Teodósio
num
missorium,
provavelmente esculpido em 388, é carregado
de símbolos cristãos e dista bastante da
austeridade e realismo da arte romana dos
tempos de Augusto.
simbólica. Na literatura, o poema anglo-saxão O sonho da cruz
(The dream of the rood), c.VIII, retrata Cristo como um guerreiro;
e o épico oral Beowulf também se encontra entre a cruz e a espada.
Dentro da ―cultura intermediária‖ encontramos não apenas representações caras à Idade Média: na
supervivência e transformação da Igreja Romana Cristã como mediadora da cultura clássica, aqui está o
nascimento das tradições – política, literária, filosófica, artística – européias por excelência. Os valores
propagados pela Igreja Romana Cristã são os mesmos valores civis do Império Romano tardio.
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Palco de disputas políticas entre reinos germânicos e dois poderes centralizados, o Islã e o Império Bizantino
– vimos no capítulo anterior que este último sobreviveu como autoridade imperial após a queda do Império
Ocidental – a Europa Ocidental torna-se também palco de disputas religiosas neste e para além da Alta Idade
Média. Todavia, o cristianismo garante a coesão entre os reinos e aristocracias germânicas e polariza a disputa
política inter-Européia em três núcleos – o cristão-romano, o Islã, e a Igreja Bizantina. Em suma, o processo de
conversão dos povos germânicos também ocorre mediante disputas políticas internas, porém só estudaremos
estas em capítulos posteriores.
O Cristo entronado do Livro de Kells é bom exemplo da “cultura intermediária”
entre cristianismo e paganismo. Nesta iluminura de códice produzido por monges
ingleses no século VIII, o Cristo é acompanhado por animais mitológicos e
intrincada disposição de figuras geométricas típicas da arte celta.
9
AS ARISTOCRACIAS GUERREIRAS
O estabelecimento dos reinos germânicos a partir das migrações estudadas nos últimos tópicos viu também o
levante de aristocracias no governo desses órgãos políticos. Estas aristocracias surgiram de uma lenta mistura
entre as províncias romanas (a Gália, as Germânias) e os bárbaros lá instalados, no nível institucional e também
individual; são elas provenientes das mesmas elites militares e provinciais de germanos discutidas no tópico
sobre as Migrações Bárbaras. Aqui discutiremos também a gerência da justiça, a questão da guerra e a
problemática da autoridade pública, o rei.
A questão da identidade bárbara volta com toda força quando abordamos a formação das aristocracias: desta
vez, não em torno de um ponto de vista romano, mas da construção de identidade por parte dos próprios povos
germânicos. Vimos que a idéia de uma identidade comunal ao tempo das grandes migrações era um mito e que
não havia unidade de articulação entre esses povos. A idéia de uma identidade – seja esta franca, visigótica,
ostrogótica – surge agora, quando estes povos já articularam seus reinos; isto é, a realidade de uma identidade
germânica – preferiremos este termo a bárbaro – surge juntamente com a instituição das aristocracias. Num
duplo movimento, as aristocracias buscam sua origem tanto em figuras heróicas dos povos germânicos, como
Alarico e o rei Arthur na Bretanha, como nos heróis da mitologia, reconstruindo sua genealogia aos moldes dos
antigos senadores romanos. O exemplo mais famoso é o de Carlos Magno, que conta sua ascendência em
Aquiles, herói da Guerra de Tróia. O historiador Marc Bloch chamou este processo construtivo de identidades
de ―obsessão das origens‖, articulado e também articulador das aristocracias. As aristocracias vinculam-se a
uma dupla origem na formação de sua identidade germânica, a partir das heranças bárbara e romana, que, longe
de distintas, não possuíam fronteiras desde há muito, seja na ausência de articulação interna ou na já
mencionada latinização a partir do século III.
De fato, encontramos aqui as sementes do que viria a se transformar posteriormente na nobreza, esta
fundamental aos trames políticos no contexto da Europa Ocidental após a dissolução do Império Carolíngio.
Porém, ainda é cedo para dizermos que as aristocracias constituem uma espécie de nobreza, por duas razões. As
aristocracias nada mais eram que um grupo administrador da burocracia real. Sua função é governar o território
através da administração da justiça. Seus cargos não eram hereditários e sua função e status social não surgiam
de nascença, tampouco no vínculo com a terra. Em relação às aristocracias feudais que surgiram no contexto da
Média Idade Média, as aristocracias germânicas admitiam maior mobilidade social e a possibilidade de ocupar
cargos diferentes independente de distinção familiar. A distinção social entre elas dava-se a partir da posse de
bens materiais relacionados à atividade guerreira: a espada e o cavalo.
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“§5. Se três ossos do crânio que protegem o cérebro são fraturados , que seja condenado a pagar 1200
denários, que perfazem 30 soldos . §6. Se a ferida foi feita entre as costelas ou no ventre de maneira que ela
atinja os órgãos internos, que seja condenado a pagar 1200 denários. §7. Se a ferida permanec e aberta e se a
vítima não recupera a saúde, ele será julgado meio-culpado e pagará 2500 denários, que perfazem 62 soldos.
Para o custo dos cuidados médicos, ele pagará 36: denários, que perfazem 8 soldos.”
(cláusula s do Pact us Legis Sa lica e, c.511)
A dupla herança mencionada acima está intrinsecamente ligada a outro fator de extrema importância na
constituição das aristocracias, a saber, a relação entre violência e justiça. Tomando as aristocracias em relação
ao governo dos reinos, sua função estava vinculada primordialmente à manutenção da justiça no âmbito da
administração territorial. Neste período, não há distinção entre articulação da justiça e administração da
violência: o governante é o guerreiro, e vice-versa – afinal, as aristocracias descendiam das elites militares
germânicas das fronteiras. Em meados do século VII boa parte das aristocracias já havia editado códigos
escritos de normas, dos quais destacamos o pioneiro Pactus Legis Salicae (―Pacto da Lei Sálica‖) dos francos
em 511. Entretanto, não devemos concluir a existência de uma autoridade pública forte a partir destes códigos:
eles não constituem um conjunto fixo de leis, foram escritos por clérigos e baseados em códigos romanos, e não
sabemos até que ponto eram obedecidos. Em conjunto com a edição do Pactus e da Lex Salica (c.500) sob os
francos de Clóvis, os Visigodos já tinham fixado seu código de normas no Código de Eurico (c.480) e os
Burgúndios, na Lex Burgundionum (c.500). O período de formação das aristocracias acompanha o surgimento
destes códigos conhecidos como leges barbarorum (―leis dos bárbaros‖), eles mesmos peças fundamentais na
articulação da identidade germânica dos grupos. As leges barbarorum apresentam detalhismo e rigorosidade
espantosa para povos comumente vistos como rústicos e sanguinolentos, esforçando-se aquelas para estabelecer
penalidades e fianças a determinadas ofensas, muito além de normas consuetudinárias.
O Pactus Legis Salicae é um dos poucos
códigos de normas germânicas que
chegaram até nós. Versão da Lex Salica
originalmente editada sob Clóvis entre
506-511, conserva-se neste manuscrito
de 793 – nenhum atestado da época
sobrevive. A Lex Salica foi a base para
códigos posteriores, tal qual o
Capitularia
regum
francorum
(“Capitulários dos Reis dos Francos”) e
a promulgação destes capitulários
(séries
de
atos
legislativos
e
administrativos do reino) e polípticos
(registro administrativo dos bens do
reino) na formação da legislação
carolíngia sob Carlos Magno, entre
806-811. A figura ao lado representa o
próprio rei Clóvis.
11
A administração da justiça confunde-se com o controle da violência, seja no nível individual (a vingança
pessoal) ou no inter-reinol (as guerras). A mentalidade moderna toma a violência como oposta à paz, mas tal
não é verdadeiro nesse período: para um franco no século VIII, por exemplo, a guerra e a vingança são medidas
legítimas para a conquista e manutenção da paz no reino. Na Alta Idade Média a violência, longe de desmedida
e sem sentido, é medida legítima para a resolução de conflitos, fator agregador e construtor de identidades.
Neste sentido, podemos falar de aristocracias guerreiras, posto que, administrando a justiça, invariavelmente
deveriam administrar a violência em todos os níveis , sendo o maior desses a guerra. Igualmente, as aristocracias
não governam sozinhas, mas o fazem em consonância com os bispados. O cimento responsável pela articulação
da justiça é o próprio cristianismo – as aristocracias, além de guerreiras, são aristocracias cristãs, posto que
seguiam rápido processo de conversão ou, em sua maioria, já estavam convertidas.
Em síntese, as aristocracias acompanham a formação dos reinos germânicos e sua constituição também é
lenta, estendendo-se do século VI até o XII. Sua responsabilidade é a administração dos reinos, sendo esta
inseparável da administração da justiça, isto é, da violência desde o âmbito individual até o inter-territorial.
Estas aristocracias formam-se em conjunto com a construção de uma identidade germânica, indissociável das
articulações políticas dentro e fora dos reinos, pois a identidade permite que estes povos se unifiquem em
unidades fortes. Os quatro movimentos estudados até então – as migrações bárbaras, a formação dos reinos
germânicos, a conversão dos povos, as aristocracias – estão todos relacionados num grande processo de rearticulação do poder romano após a queda do Império Ocidental.
A construção das identidades germânicas é atestada pela arte e
literatura produzidas no período. O Codex Aureus, documento
encomendado pelo rei Carlos, o Calvo, no século IX, é recheado de
representações laudatórias aos francos e possui uma iluminura do
próprio rei assistido pela mão de Deus. No caso anglo-saxão,
The Battle of Maldon (―A Batalha de Maldon‖), de 991, poema no
qual as tropas inglesas batalham o inimigo viking até a própria morte,
constitui verdadeira demonstração de identidade ânglica por parte do
poeta que o escreveu. Os textos mais conhecidos são as Sagas
islandesas, literatura complexa e profundamente autoconsciente,
conjunto de textos escritos na Idade Média Tardia refletindo sobre as
migrações nórdicas e a realidade pagã na Alta Idade Média.
E sobre a autoridade pública? O rei não constituía uma autoridade
pública forte como foram os imperadores romanos. Lembremos
que os Ostrogodos e Vândalos foram facilmente conquistados
pelos Bizantinos e o mesmo se deu com os Visigodos na Ibéria,
derrotados pelos árabes na década de 710. O rei neste momento
nada mais é que uma peça na administração dos reinos, sendo
A arte produzida pelas aristocracias já
solidificadas nos séculos VIII-IX atesta a
representação de cenas e figuras bíblicas com
conotação guerreira. Aqui, a Virgem como a
Igreja porta armadura. Placa de marfim
esculpida c.800-875 em terras Francas.
12
ele mesmo proveniente das aristocracias discutidas acima.
ele Após
mesmo
a queda
proveniente
do Império
dasRomano
aristocracias
não houve,
discutidas
até a
acima. Após
queda doa Império
Romano
houve,
ascensão
de Carlos
Magno,
autoridade
pública
forte o suficiente
paraa legitimar
justiça em
âmbitonão
reinol
ou
“Em combate,
os bravos
partiram
brancos
escudos;
a borda quebrou
a cota
de malha,da justiça
internacional.
A Igreja tomae cantou,
a função
de gerência
até inter-Européia,
a ascensão de mas
Carlos
demorou
Magno,
ao autoridade
Papado acertar
pública
sua
a canção de terror.
Offa atingira, em guerra,
autoridade
– será somente após aque
Reforma
forte
que opoderemos
suficiente falar
para delegitimar
autoridade
a justiça
eclesiástica.
em âmbito
Das
algum marinheiro,
veio em Gregoriana
terra,
o companheiro
de Gadde
ganhava
o solo.VIII conseguirão
reinol ou internacional.
A Igreja toma
funçãopara
de
aristocracias,
somente
os merovíngios
no século
constituir gradualmente
realezaa sólida
rápido, repartido em combate,
o corpo de Offa:
sustentar
e expandir as terras francas
através
de conquistas
gerência
militares
da na
justiça
Aquitânia,
inter-Européia,
Germânia mas
e Itália.
demorou
Antes ao
de
porém cumpria
a promessa
ao lorde,
como amantinham
diante do
anel um pouco
discutir
formação do Império Carolíngio,
vejamos
Papadomais
acertar
sobresua
a administração
autoridade – será
da justiça
somente
em relação
após a
deveriam os dois
regressar à cidade,
Gregoriana
que isto
poderemos
falar de autoridade
a uma
figura ímpar para as dinâmicas
sócio-políticas das Reforma
aristocracias
e da Igreja,
é, o pobre.
sãos e salvos,
ou perecer em combate,
no campo de guerra,
foi, ao lado do lorde,
estilhaçados escudos!
enfurecidos soldados,
a casa da vida.
contra as tropas,
três deles matou
antes de morto
Foi sangrenta disputa;
combatentes de guerra.”
morrer sangrando;
levado ao chão, e deixado;
Espreitavam, os navegantes,
eclesiástica. Das aristocracias, somente os merovíngios
trespassavam lanças,
Avançava Vístan,
o filho de Túrstan;
naquele tumulto,
o descendente de Vígelin.
Suportavam firmes
realeza sólida para sustentar e expandir as terras francas
no século VIII conseguirão constituir gradualmente
através de conquistas militares na Aquitânia, Germânia
e Itália. Antes de discutir a formação do Império
Carolíngio,
vejamos
um
pouco
mais
sobre
a
administração da justiça em relação a uma figura ímpar
(da Batalha de Maldon; c.991)
para as dinâmicas sócio-políticas das aristocracias e da
Igreja, isto é, o pobre.
13
OS POBRES e A POBREZA
O tema da pobreza na Idade Média é fundamental para compreendermos como se articulavam
politicamente (isto é, quais relações de poder estão em jogo, no momento) os diferentes grupos que compõem a
rica e complexa sociedade do Ocidente medieval. Na Alta Idade Média, mais do que nos informar a respeito da
situação econômica de um determinado indivíduo, o termo pobre (pauper, em latim) era utilizado para designar
todo aquele que não fosse capaz de prover sua própria subsistência — categoria à qual pertenciam os velhos, os
doentes, os órfãos, as viúvas e os peregrinos, bem como todos aqueles que houvessem sido vítimas das crises
periódicas ou das catástrofes naturais. Ou seja, alguém poderia ser considerado pobre mesmo sendo possuidor
de muitos bens materiais. O pobre é, acima de tudo, uma categoria jurídica de nuanças claramente políticas,
articuladas pelas aristocracias e pela Igreja em relações de poder e interdependência.
Os pobres, naturalmente, eram um — dentre outros tantos — motivo de constante preocupação dos
governantes e das demais autoridades do período. A Igreja, por exemplo, exigia de seus fiéis, tanto como dos
próprios clérigos — sobretudo dos mais abastados —, que tomassem sob sua proteção, sempre que possível, as
vítimas da fome, fazendo-os (isto é, aos fiéis e aos clérigos) assegurar-lhes o sustento até o início da próxima
colheita. Era também considerado dever dos fiéis repartir seus mantimentos com os mendigos que circulassem
em sua região, além de prevenir que estes continuassem a praticar a mendicância em outras áreas. Tais medidas
tinham como objetivo imediato mitigar o sofrimento dos pobres e eram comuns na Alta Idade Média sobretudo
porque estavam inscritas no ideal de justiça que predominava então.
“Em outro pagus de Tours existe um túmulo localizado entre arbustos e espinhos. Dizem que um bispo
foi sepultado neste túmulo, mas não sabemos o nome dele. O filh o de um homem pobre morreu. Em seguida, o
rapaz foi enterrado, o pobre homem não pôde encontrar uma cobertura para o seu sarcófago, por isso ele foi
lá e tirou a cobertura do túmulo do bispo. A tampa era tão gran de que foi necessário a força de três bois para
puxá-la. Através do roubo da sepultura de outro homem, o pobre homem cobriu o corpo do seu filho. Mas ao
fazer isso, ele se tornou surdo, mudo, cego e paralizado. Durante quase um ano, o homem sofreu com essa
angústia. Em seguida, o bispo apareceu em sonho e disse a ele: "Qual o mal que eu fiz a você e à sua família
para você me descobrir removendo a cobertura de meu túmulo? Vai agora se quiser ser curado e ordene que a
tampa seja rapidamente restabelecida. Se não o fizer, você morrerá imediatamente. Pois eu sou o Bispo
Benignus, que veio como estrangeiro a esta cidade". Em seu retorno, a cobertura de pedra era tão leve que dois
bois puderam transportar o que a força de três bois havia removido.”
(Gregório de Tour s, Da glória dos conf essores; c.575-582)
É forçoso relativizar o alcance da justiça sustentada pelas aristocracias no período. Há diversas fontes,
algumas em franca contradição e que nos revelam outra faceta, bastante distinta, das sociedades medievais. A
anedota de Gregório de Tours aponta esta diferença de concepção de justiça entre as autoridades encarregadas e
14
a Igreja. Aqui também encontramos disputas internas nas sociedades, nas aristocracias entre si e em relação aos
bispados. Todavia, as sociedades da Europa na Alta Idade Média não apresentavam uma divisão clara entre os
diversos grupos que a compunham, divisão essa que pudesse ser norteada por critérios tão-somente econômicos
— mas é possível inferir que a distinção social esteve de fato presente nessas sociedades, e que certos grupos —
como aquele constituído pelos membros do alto clero – e como as aristocracias — detinham certos privilégios
que a outros não eram concedidos. Na Vida do Imperador Ludovico, texto do século IX, encontramos a história
do bispo Ebbon de Reims, ―liberto de uma família de servos‖, e cujos ―pais foram pastores de cabras, e não
conselheiros do rei‖. Ebbon atenta contra o imperador numa rebelião. Aqui, vemos claramente que de fato há
uma relação de hierarquia política estabelecida entre diferentes grupos, sendo um mais importante do que outro.
O episódio da visita dos reis magos ao menino Jesus pode ser usado para ilustrar a
questão do estatuto do pobre neste período. Se toda a subsistência humana e divina
provém do Cristo, que homem, mesmo possuidor de inúmeros bens materiais, não seria
pobre diante Ele? De fato, a denominação mais comum do Cristo durante a Idade Média é
“Rei dos reis”. Detalhe de iluminura do Codex Egberti, c.98:.
O estudo dos pobres é importante para compreender como se consolidaram as relações de poder entre as
aristocracias e os bispados no seio da disputa pela administração da justiça; e em relação a indivíduos que, tendo
à sua disposição pouca ou nenhuma maneira de assegurar sua própria alimentação e indumentária, bem como
sua própria segurança, firmam com os proprietários de terras acordos que lhes garantam tudo isso, em troca de
seu trabalho e obediência.
Após esta breve reflexão, voltemos a nossa caminhada e vejamos qual a situação das aristocracias naquele
que se tornará o grande reino germânico. Falamos do reino Franco.
15
O REINO FRANCO DE CARLOS MAGNO A HUGO CAPETO
Vimos, durante a Formação dos reinos germânicos, que a fragmentação do poder romano-ocidental em
elites germanas nas províncias eclodiu numa série de reinos menores, politicamente frágeis e carentes de
autoridade pública forte. A administração destes reinos, isto é, a manutenção da justiça, cabia às aristocracias,
cristãs e guerreiras, em conjunto com os bispados. Houve, no entanto e conforme citamos anteriormente, um
reino que conseguiu articular liderança político-militar forte, o reino Franco, na antiga Gália. A primeira casa
real franca foi a dinastia Merovíngia, responsável pela derrota árabe na Batalha de Poirtiers, liderada por Carlos
Martel em 732; mas diversas eram as disputas internas no seio desta realeza – no entanto, os merovíngios
conseguiram articular um poder territorial suficientemente forte para, quando Pepino III (714-768) ascendeu ao
trono no ano de 741 e teve início a dinastia Carolíngia, aquele poder expandir-se e solidificar-se num poder
público centralizado na figura do rei. Como resultado das campanhas militares de Pepino, o reino Franco anexou
novas terras com o apoio do Papado.
Pepino morreu em 768, dividindo o reino entre seus dois filhos, Carlomano e Carlos Magno. O último
sobreviveu o primeiro, morto em 771. Sob Carlos Magno (c.742-814) o reino Franco consolidou-se como
autoridade pública, o maior e mais forte Estado na Europa Ocidental após a quebra
do Império romano-ocidental – forma-se o Império Carolíngio. Entre 771 até sua
morte, Carlos Magno anexou parte do território árabe da antiga Hispânia, a
Saxônia, o reino Lombardo da Itália, e parte das terras eslavas. As relações
aristocráticas transformam-se sob seu reinado: não mais laços burocráticos
cuja única função é a manutenção da justiça, os primeiros se transformarão
numa hierarquização de cargos sob uma autoridade central, o rei. Lentamente
configuram-se no que posteriormente serão as relações feudo-vassálicas, no
aparecimento de uma nobreza – os cargos mais altos no Império Carolíngio
tornam-se hereditários e vinculados à posse de terras –, no ideal de cavalaria –
na elaboração de uma complexa ritualística guerreira – e na re-articulação
da sociedade segundo uma lógica fixa de ordens; todas estas mutações
centrais para compreendermos os séculos posteriores na Europa.
Com o objetivo de resgatar o esplendor dos romanos, Carlos
Magno iniciou um movimento de renovação cultural conhecido
como Renascimento Carolíngio. A arte dos povos germânicos,
argumentamos anteriormente ser já bastante próxima da arte
produzida no Império Romano tardio, adquire novo fôlego latino.
O relicário de Carlos Magno foi adicionado à
Catedral de Aachen, onde está o túmulo do rei, no
século XIV, tempo de sua canonização. Carlos foi a
figura central para as posteriores transformações
políticas na Europa Ocidental, tanto as da Igreja
quanto dos reinos.
16
O Renascimento
retomardoasperíodo
medidas
O Renascimento Carolíngio procurará retomar
as medidas Carolíngio
helenísticasprocurará
da arte clássica
de helenísticas
Augusto, e
arteos
clássica
do período
Augusto, e códices
torna-se importantes
latinizada num
outro
torna-se ―latinizada‖ num outro sentido.daSob
carolíngios
foramdeproduzidos
como
o
sentido. Sob
os carolíngios
foram eproduzidos
códices
importantes
Saltério de Utrecht e o Codex Aureus, contendo
os Evangelhos
da Vulgata;
diversas obras
arquitetônicas
–
como odoSaltério
Utrecht
e o Codex
Aureus,
contendo
os Evangelhos
citamos o Palácio Real em Aachen, c.792-805,
qual nosderesto
a Capela
– foram
baseadas
nos antigos
templos
da Vulgata;
e diversas
obras
arquitetônicas
– citamos
o Palácio Real
romanos. Ainda mais notável foi a reforma
educacional,
no que
Carlos
Magno ordenou
a revitalização
de
Aachen,
c.792-805, Este
do qual
nossistema
resto a foi
Catedral
– foram
baseadas
escolas antigas e a criação de um novoemcorpus
instrucional.
novo
dividido
no trivium
e
antigos templos
romanos.
Ainda emais
notável lecionadas
foi a reforma
quadrivium e ministrado em escolas nos
monásticas,
sob comando
da Igreja,
palatinas,
por
educacional,
que as
Carlos
Magno
ordenou a revitalização
de futuras
escolas
funcionários do rei. Alguns historiadores
encontramnoaqui
origens
da escolástica
e também das
antigas
e a criação
um novo
corpus Carolíngio
instrucional.logrou
Este hegemonia
novo sistema
universidades medievais. Geograficamente
hegemônico
nestedeperíodo,
o Império
foi dividido no trivium (lógica, gramática e retórica) e quadrivium
Moeda
cunhada
entre
812-814
representando o Imperador Carlos Magno –
KAROLVS IMP. AVG. (“Carlos, Imperador
Augusto”). As reformas dos Carolíngios
possibilitaram grande expansão política,
econômica e cultural da Europa Ocidental.
(aritmética, geometria, música e astronomia) e ministrado em escolas
monásticas, sob comando da Igreja, e palatinas, lecionadas por
funcionários do rei. Alguns historiadores encontram aqui as origens da
escolástica e também das futuras universidades medievais. Geograficamente hegemônico neste período, o
Império Carolíngio logrou hegemonia também política e cultural. Fotografemos um momento deste período, o
ano de 814, morte de Carlos Magno, e vejamos como se encontra a Europa Ocidental no mapa abaixo.
17
Coroado em 800 pelo papa Estevão III, o rei dos Carolíngios foi apontado como Imperador do Ocidente e
preencheu um trono vazio desde 476. O Renascimento Carolíngio, as transformações no seio das aristocracias
Francas e as relações com o Papado desembocam na fundação do que ficou conhecido como Sacro Império
Romano. Aos anos finais de Carlos Magno, o Império Carolíngio, aos olhos de seus contemporâneos, havia se
tornado uma espécie de Novo Império Romano.
Entender os trâmites entre Carlos Magno e a Igreja são fundamentais neste momento: as reformas e mutaçõs
realizadas no Império Carolíngio permitirão que a Igreja também se fortaleça e articule-se num corpo
politicamente uno, tornando-se o órgão político mais poderoso da Média Idade Média e Idade Média Tardia.
Ademais, o evento eclesiástico mais importante em fins da Alta Idade Média, encontra-se certamente no ano de
910, data na qual Guilherme I, duque da Aquitânia, funda a Ordem de Cluny. Nos próximos cinqüenta anos, o
Papa Nicolau o Grande será protagonista de disputas com os herdeiros de Lotário I, neto de Carlos Magno e
ajudará a centralizar ainda mais a autoridade papal. Saltando para além do ano mil, figuras como o papa Urbano
II (1035-1099), Bernardo de Claraval (1090-1153), Hugo de São-Victor (1096-1141) e Anselmo de Canterbury
(1033-1109) serão fundamentais para as articulações políticas, sociais e culturais da Europa. A Igreja entra no
novo milênio portando um conjunto de idéias fomentadoras de uma reforma eclesiástica em seus fundamentos
doutrinais e políticos.
Retrocedendo ao ano imediato da morte de Carlos Magno, no ano de 814 o poder é herdado por seu filho
Luís, o P io (778-840), que continuou as reformas do pai em vista de submeter as províncias ao poder real
centralizado.
840, data
sua morte,
centralizado. Em 840, data de sua morte, três filhos seus herdaram
o reinoEm
– Carlos
II, ode
Calvo;
Lotáriotrês
I; efilhos
Luís
o Germano –, e este foi formalmente dividido em 843, comseus
a assinatura
herdaramdo
o reino
Tratado
– Carlos
de Verdun.
II, o Calvo;
Até o Lotário
fim do
século IX, estas três unidades políticas acabaram se fragmentando
I; e Luísainda
o Germano
mais. Em–,888,
e este
o outrora
foi formalmente
uno Sacro
Império Romano havia se transformado em cinco reinos menores:
dividido em
o Reino
843, com
Franco-Ocidental,
a assinatura do
a Provença,
Tratado dea
Burgúndia, o Reino da Itália e o Reino Franco-Oriental.
Verdun. Até o fim do século IX, estas três unidades
Entre os fatores que explicam esta fragmentação, destacamos
políticas aacabaram
problemática
se fragmentando
do poder personalizado
ainda mais. sob
Em
888, o outrora
unoosSacro
Império
Romano havia
se
Carlos Magno; novos movimentos migratórios de outros bárbaros,
a saber,
Vikings,
os Magiares
(futuros
Húngaros) e os Eslavos. Tão crítica se tornou a fragilidade
transformado
dos reinosemque
cinco
suasreinos
unidades
menores:
políticas
o Reino
eram
meramente formais, estando a administração na mão de novas
Franco-Ocidental,
aristocracias, vinculadas
a Provença,
a terra
a eBurgúndia,
submetidas oa
Reino da Itália
Reino Magno
Franco-Oriental.
relações de vassalismo, transformadas pelas reformas empreendidas
pore oCarlos
e seu sucessores,
cristalizadas com a ascensão de Hugo Capeto ao trono em 987,Entre
inícioosdo
fatores
controle
que Capetíngio
explicam esta
do fragmentação,
Reino Franco
Ocidental. Os sucessores de Luís o Germano no Reino Franco-Oriental
destacamos ativeram
problemática
sucessodoem
poder
re-anexar
personalizado
parte do
território dividido em 888 e, em 962, o rei Oto I e funda osob
SacroCarlos
ImpérioMagno;
Romano-Germânico,
as disputas dividido
internas entre
nas
novos movimentos
migratórios
de
Reino da Germânia e Reino da Itália, tomando a herançaaristocracias;
da unidade esustentada
dois séculos
antes pelos
Carolíngios. Estas duas unidades francas, o Reino Ocidentaloutros
e o Oriental,
bárbaros,oua moderno
saber, osReino
Vikings,
Franco
os Magiares
e a parte
germânica do Sacro Império Romano-Germânico, perdurarão
(futuros
até 1328
Húngaros)
e 1815,erespectivamente,
os Eslavos. Tãocom
crítica
poucas
se
Carlos, o Calvo entronado, iluminura no Codex Aureus de São
Emmeram, em
c.IX.seu
O Renascimento
mudanças
território. Carolíngio viu uma produção sem
precedentes de códices iluminados, laudatórios dos Francos.
Códices são livros grandes e luxuosos, encadernados de folhas
(fólios) feitas de pele animal, típicos de edições medievais mas
mesmo assim raros, dado seu custo exorbitante de produção; em
geral, eram escritos por monges e continham obras religiosas,
mas também obras copiadas dos autores clássicos e sermões,
homilias e demais textos para o uso no dia-a-dia da Igreja.
tornou a fragilidade dos reinos que suas unidades
políticas eram meramente formais, estando a
administração na mão de novas aristocracias,
vinculadas a terra e submetidas a relações de
administr
18
administração na mão de novas aristocracias, vinculadas a terra e submetidas a relações de vassalismo,
transformadas pelas reformas empreendidas por Carlos Magno e seu sucessores, cristalizadas com a ascensão de
Hugo Capeto em 987, início do controle Capetíngio do Reino Franco Ocidental. Os sucessores de Luís o
Germano no Reino Franco-Oriental tiveram sucesso em re-anexar parte do território dividido em 888 e, em 962,
o rei Oto I funda o Sacro Império Romano-Germânico, dividido entre Reino da Germânia e Reino da Itália,
tomando a herança da unidade sustentada dois séculos antes pelos Carolíngios. Estas duas unidades francas, o
Reino Ocidental e o Oriental, ou moderno Reino Franco e a parte germânica do Sacro Império RomanoGermânico, perdurarão até 1328 e 1815, respectivamente, com poucas mudanças em seu território.
A ascensão e queda do Império Carolíngio é o
movimento culminante do longo processo estudado
até então – a Alta Idade Média. As aristocracias
cristalizam-se e transformam-se;
solidificam seu poder em conjunto com a Igreja e
o poder real baseado em relações hierárquicas
futuramente configuradas nas dinâmicas políticas do
feudo-vassalismo. A Igreja Romana Cristã também saiu
fortalecida da aliança com os Carolíngios, a ponto de
enfrentar a autoridade do Sacro Império durante o
papado de Nicolau o Grande , ocasionando o cerco de
Roma por Lotário II em 863. As reformas de
Carlos Magno concluíram na centralização de dois
poderes, o imperial e o eclesiástico. Esta relação,
conflituosa e ao mesmo tempo de interdependência,
explicará as dinâmicas entre o Sacro Império, a Igreja e
os reinos cristãos nos próximos séculos.
Chegamos a nosso destino: viemos longe de 476,
retrocedendo alguns cinqüenta anos, período no qual
Oto III entronado, do Evangelho de Oto III. Neto de Oto I e
imperador entre 980-1002. Nesta iluminura é acompanhado de
clérigos e soldados, reinando sobre ambos. A dinastia Saxônica
herdou dos Carolíngios a parte Oriental do Império, a Germânia,
mais tarde anexando a Itália e formando o Sacro Império
Romano-Germânico.
encontramos as instituições políticas, outrora centralizadas no Império Ocidental, em frangalhos. Então
atravessamos quinhentos anos até pararmos momentaneamente em 987, ponto no qual encontramos uma Europa
Ocidental sofrendo outras mutações, fortalecendo territórios e em franca expansão política, econômica, cultural
e urbanística. Agora, saltemos treze anos e vejamos como se encontrava o continente no ano mil.
19
EPÍLOGO. O ANO MIL
O Bispo. Lembra-te da grande glória com a qual te incumbiu o Rei dos reis; Ele em sua clemência te ofereceu um dom mais precioso que
todos os outros; Ele te deu a inteligência da verdadeira sabedoria, graças a qual tu podes compreender a natureza das coisas celestes e
eternas. Tu és destinado a conhecer a Jerusalém celeste, suas pedras, muros, portões, toda sua arquitetura e os cidadãos que ela comporta e a
intenção com a qual ela foi edificada. Seus numerosos habitantes são separados, para serem melhor governados, em classes distintas; o
divino todo-poderoso lá impôs tal hierarquia. Poupo-te, contudo, dos detalhes que seriam longos e fastidiosos.
O Rei. A ciência não é meu ofício; deixemos esta com a divina Providência. M as o espírito humano está próximo à divindade, e aquele que
quer ignorar o que está acima de si não pode se conhecer. Esta poderosa Jerusalém não é outra, penso, que a visão da divina s erenidade; o
Rei dos reis lá governa, o Senhor a governa, e é afim deste objetivo que Ele a dividiu em classes. Nenhum de seus portões é ornado com
metais inferiores; lá os muros não são feitos de pedras, e as pedras não constroem muros; são pedras vivas, vivo é o ouro que pavimenta as
ruas, do qual o brilho passa por mais esplendoroso que o brilho do ouro mais fino. Edificada para ser a morada dos anjos, ela assim se abre às
multidões de mortais; uma parte de seus habitantes a governa, a outra lá vive e respira. E isso é tudo que sei, mas eu adoraria que me
dissessem mais.
O Bispo. O leitor assíduo deseja conhecer o máximo possível de coisas; ao passo que um espírito sonolento e sem ardor tem costume de
esquecer até o que aprendeu há muito. Caríssimo rei, consulta os livros de Santo Agostinho; é de bom feitio para compreender o que é a
sublime cidade de Deus.
O Rei. Diz-me, bispo, eu te peço, quem são aqueles que habitam nesta cidade; os príncipes, se lá existem, são eles iguais entre si, qual é a
hierarquia?
[...]
O Rei. Assim a casa de Deus é uma, e regida por uma única lei?
O Bispo. A sociedade de fiéis conforma senão um único corpo; mas lá [na Jerusalém celeste] o Estado comporta três. Pois a outra lei, a lei
humana, distingue outras duas classes: nobres e servos não são, de fato, regidos pelo mesmo estatuto. Duas personagens ocupam a primeira
ordem: um é o rei, o outro o imperador; é em decorrência do governo de ambos que vemos assegurada a solidez do Estado. O resto dos
nobres tem o privilégio de escapar da punição de qualquer poder, conquanto se mantenham distantes dos crimes reprimidos pela justiça real.
São eles os guerreiros, protetores das igrejas; são eles zelosos do povo, dos grandes e dos pequenos, enfim de todos, e também de sua própria
segurança. A outra classe é aquela dos servos: esta raça infeliz não possui nada senão o que compra com o próprio esforço. Qu em poderia,
usando as bolas do ábaco, calcular a rigidez que absorvem os servos, de suas longas caminhadas, de seus duros trabalhos? Dinheiro, vestes,
comida, os servos fornecem tudo a todo mundo; nenhum homem livre poderia sobreviver sem os servos.
A casa de Deus, que dizemos uma, é, portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem, e mais enfim trabalham. Estas três part es
coexistem e não são disjuntas; os serviços realizados por uma são a condição das obras das outras duas; cada uma por sua vez se encarrega de
aliviar a carga total. Assim, este conjunto triplo não é menos que um; e é assim que a lei pode triunfar, e o mundo alegrar-se na paz.
(excertos do Poema de Roberto II, Adalberão de Laon, c.1000)
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QUESTIONÁRIO
1. Em que medida podemos afirmar que as migrações bárbaras contribuíram às transformações nas dinâmicas polít icas
do Império Ro mano?
Dica. As migrações estão vinculadas à rearticulação dos governos provinciais após a queda do Império Romano -Ocidental.
2. Baseado na questão anterior, você concorda com a afirmação do h istoriador Patrick Geary de que ―o mundo
germân ico foi talvez a criação mais importante e duradoura do gênio político e militar ro mano‖? Justifique.
Dica. Os bárbaros foram assim nomeados por historiadores romanos, e nos aparecem sempre como os outros, os não-romanos.
3. Co mente, baseado no processo de migrações e formação dos reinos germân icos, o excerto abaixo :
―Espíritos mal resignados ao destino devem ter imaginado que o governo de Odoacro e mesmo as realezas bárbaras da Gália,
da Espanha, da África, ainda recentes e mal consolidadas, durariam pouco tempo. Em parte eles tinham razão, pois Justiniano quase
realizou essas esperanças no século seguinte. Mas para nós que conhecemos o que os contemporâneos não podiam prever, ou seja, o
futuro, é possível estabelecer retrospectivamente o atestado de óbito do Império Romano no Ocidente e nós podemos estabelecer por
verdadeira data o dia quatro de setembro de 476.‖
( F. Lot, Ch . Pf ister, F. L. G anshof In Les destinées de l’Empire en Occident, p.99)
Dica. Os reinos germânicos de fato eram órgãos políticos frágeis e insustentáveis aos olhos dos contemporâneos, mas isso não implica que o
ano de 476 foi o “atestado de óbito” do Império Romano no Ocidente, devido a, de um lado, a sobrevivência do Império Bizantino e, posteriormente
a fundação do Sacro Império Romano. Os reinos germânicos também se consideravam herdeiros legítimos do poder romano.
4. Co mo podemos compreender a expansão árabe e as campanhas pela re -unificação do Império Ro mano sob Justiniano
na formação dos reinos germânicos?
Dica. As campanhas de Justiniano e a expansão árabe têm em vista principalmente o controle do Mediterrâneo. A expansão do Islã na Europa
Ocidental, igualmente, está intimamente ligada à queda dos Visigodos e à formação do reino Franco.
5. Podemos afirmar que a cristianização dos povos germânicos é tamb ém u m traço de sua latinização?
Dica. O cristianismo na Europa Ocidental é o da Igreja Romana Cristã, mesmo estando esta fragmentada em bispados locais. O s valores da
Igreja são os mesmos valores civis do Império Romano tardio.
6. Em que medida as aristocracias descendem dos povos germânico s responsáveis pelas migrações?
Dica. Retomar a questão 1; os reinos germânicos e a formação das aristocracias são diferentes faces de um mesmo processo que se articula com
as migrações bárbaras.
7. Em que medida podemos dizer que a violência é o princíp io social de formação e art iculação das aristocracias?
Dica. A função das aristocracias é a administração da justiça, que se confunde com a administração da violência em foros territoriais e
privados. A violência também está vinculada à construção das identidades germânicas.
8. O que é ser pobre na Alta Idade Média? Discuta.
Dica. O pobre na Idade Média é uma categoria jurídica e não necessariamente implica aquele que não tem dinheiro.
9. É correto afirmar que o Império Carolíngio, ou Sacro Império Ro mano, era realmente herdeiro do Império Ro mano?
Justifique.
Dica. Retomar a questão 3; Carlos Magno pretendeu reviver o poderio romano através de reformas políticas, sociais e culturais. Deve-se
articular também o legado do Império na formação dos reinos germânicos.
10. As dinâmicas políticas e reformas do Império Caro língio estão intrinsecamente ligadas ao fortalecimento da Igre ja
Ro mana Cristã. Discuta esta relação.
Dica. As reformas empreendidas por Carlos Magno possibilitaram o fortalecimento de dois núcleos, a Igreja Romana Cristã e o Sacro Império
Romano, na rearticulação interna das aristocracias entre si e em relação aos bispados e o Papado.
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BIBLIOGRAFIA SELETA
Autores antigos
A quantidade de autores antigos traduzidos ao português ainda é ínfima, portanto, abaixo citaremos obras
também em inglês (se for o caso, bilíngues) para o leitor que deseja aventurar-se nas fontes antigas.
Santo Agostinho. A Cidade de Deus, 3 vols. (Fundação Calouste Gulbenkian, 1991)
_____________. Confissões (Paulus,)
_____________. Selected letters (Loeb Classical Library, 1930)
Santo Ambrósio. Examerão (Paulus, 2009)
Amiano Marcelino. Roman History, 3 vols. (Loeb Classical Library, 1950)
Beda. Historical Works, 2 vols. (Loeb Classical Library, 1930)
Boécio. A consolação da filosofia (Martins Fontes, 1998)
Einhard & Notker o Gago. Two lives of Charlemagne (Penguin, 2008)
Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica (Paulus, 2009)
Gregório de Tours. A History of the Franks (Penguin, 1974)
São Jerônimo. Selected letters (Loeb Classical Library, 1933)
Paulo Diácono. History of the Lombards (University of Pensylvannia Press, 1975)
Procópio de Cesaréia. Gothic War, vol.5 de History of the Wars (Loeb Classical Library, 1928)
_______. The Anecdota or Secret History (Loeb Classical Library, 1935)
Tácito. Anais (Clássicos Jackson, 1970)
_____. Opera Minora: Agricola, Germania, Dialogus (Loeb Classical Library, 1914)
Sidônio Apolinário. Letters, 2 vols. (Loeb Classical Lib rary, 1965)
*
HISTORIOGRAFIA MODERNA
Aqui também to mamos a liberdade de citar obras em inglês e espanhol que não foram tradu zidas para o
português.
Do min ique Barthélemy. A Cavalaria: Da Germânia Antiga à França do século XII (Unicamp, 2010)
Marc Bloch. A sociedade feudal (edições 70, 2009).
Guy Bo is. The transformation of the year One Thousand (Manchester University Press, 1992)
Peter Brown. O fi m do mundo clássico: De Marco Aurélio a Maomé (edições 70, 1972)
Averil Cameron. The later Roman Empire (Fontana, 1993).
_____. The Mediterranean World in Late Antiquity (Routledge, 1993)
Marcelo Cândido da Silva. A Realeza Cristã na Alta Idade Média (Alameda, 2008)
Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga (Martins Fontes, 1987)
E. R. Dodds. Pagan and Christian in an age of anxiety (Cambridge Un iversity Press, 1991)
Georges Duby. O ano mil (ed ições 70, 1986)
______. Guerreiros e camponeses (Estampa, 1993)
______. As Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo (Estampa, 1994)
F. L. Ganshof. O que é o feudalismo? (Europa-A mérica, 1976)
Patrick Geary. O Mito das Nações (Conrad, 2005)
Edward Gibbon. Declínio e Queda do Império Romano (Co mpanhia das Letras, 2005)
Walter Goffart. The Narrators of Barbarian History (University of Notre-Dame Press, 2005)
Alain Guerreau. O feudalismo: Um horizonte teórico (Martins Fontes, 1980)
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J.M. Wallace-Hadrill. The Barbarian West, 400-1000 (Blackwell, 1996)
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MANUAIS, ANT OLOGIAS, ATLAS
Andrew Jotischky & Caroline Hull. The Penguin Historical Atlas of the Medieval World (Penguin, 2005)
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Ingo F. Walther & Norbert Wolf. Codices Illustres (Taschen, 2005)
The Broadview Anthology of British Literature, The Medieval Period (broadview, 2009, 2ª edição)
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CRÉDITOS DAS FONTES
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- Detalhe de O milagre dos pães e peixes, c.520. Mosaico, Basílica de Sant’Apollinare Nuovo, Ravenna;
retirado de E. H. Go mb rich, The Story of Art (Phaedon, 2006, 1ª edição de 1950).
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- Mapa das migrações bárbaras em The Penguin Historical Atlas of the Medieval World (Penguin, 2005).
- Tábua com cenas em Emaús, ca.850-890. Marfim, hoje no museu The Cloisters, Nova Iorque; retirado
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- Moedas cunhadas sob Rômu lo Augusto, Odoacro, Teodorico e Alarico II, todas do Google Images.
- Astrônomos trabalhando, ilu minura de códice árabe produzido durante a Era de Ouro do Islã, c.7501250. Não encontramos a fonte. Retirado do Google Images.
- Detalhe de Justiniano e séquito. Mosaico, Basílica de San Vitale, Ravenna, c.548; retirado de The
Penguin Historical Atlas of Ancient Rome (Penguin, 1995).
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Historical Atlas of Ancient Rome (Penguin, 1995).
- Detalhe do missorium de Teodósio I, c.388. Prata, hoje na Real Academia de Historia, Madrid; ret irado
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- O Cristo entronado do Livro de Kells (fo lio 292r). Ilu minura, hoje no Trinity Co llege, Dublin; ret irado
de www.tcd.ie
- Batalha entre Clóvis e Alarico II. Ilu minura de manuscrito produzido c.1325-1335, hoje na Koninklijke
Bibliotheek; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
- A Virgem como a Igreja. Marfim, c.800-875, hoje no The Cloisters, Nova Iorque; retirado de
http://www.met museum.org/toah/hi/hi_carolingn.htm
- Frontispície do Pactus Legis Salicae conservado em manuscrito. Fólio, c.793, hoje na Bibliothèque de
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- Senhor [Pater familias] e escravos [servi], do Codex Aureus Eptarnecensis (Hs. 156142). Ilu minura,
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2005).
- Detalhe de Os reis magos visitam o menino Jesus, do Codex Egberti (MS. 24). Ilu minura, c.980, hoje na
Trier Stadtbibliothek; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
- Soldados romanos, Salmo 72 do Saltério de Utrecht (MS Bibl. Rhenotraiectinae I Nr 32). Gravura, hoje
na Universiteitsbibliotheek, Ut recht; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
- Mapa do Império Carolíngio em The Penguin Historical Atlas of the Medieval World (Penguin, 2005).
- Relicário de Carlos Magno. Ouro, c.1349, na Catedral de Aachen; retirado do Google Images.
- Moeda cunhada sob Carlos Magno, c.812-814, do Google Images.
- Fólio com Carlos, o Calvo, entronado do Codex Aureus de São Emmeram (Cl. MS. 140). Ilu minura,
c.IX A.D., hoje na Bayerische Staatsbibliothek, Munique; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
- Fólio co m Oto III entronado do Evangelho de Oto III (Cl. M S. 4453). Ilu minura, c.X A.D.; hoje na
Bayerische Staatsbibliothek, Munique; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
- Detalhe dos Profetas louvando o Cristo Triunfante do Apocalipse de Bamberg (MS A. II. 42).
Ilu minura, c.1000-1020, hoje na Bamberg Staatsbibliothek, Bamberg; retirado de Codices Illustres
(Taschen, 2005).
- Mapa da Europa no ano mil em http://www.eurat las.com
- Detalhe de São Mateus. Ilu minura de manuscrito em Reims, c.830, hoje na Bib liothèque municipale,
Épernay; retirado de E. H. Go mbrich, The Story of Art (Phaedon, 2006, 1ª edição de 1950).
- Excerto do Codex Aureus de São Emmeram (Cl. MS. 140). Fó lio, ca.IX A.D., hoje na Bayerische
Staatsbibliothek, Munique; retirado de Codices Illustres (Taschen, 2005).
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CITAÇÕES
- Santo Agostinho, A Cidade de Deus, vol.1 (Fundação Calouste Gulbenkian, 1991), p.115, trad. de J.
Dias Pereira.
- Beda, Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum, vol.1 (Loeb Classical Library, 1930), p.282-285, trad.
nossa a partir do inglês de J. E. King.
- Pactus Legis Salicae, XVII, excerto analisado em au la, trad. do prof. Marcelo Cândido da Silva.
- Excerto de The Battle of Maldon, In Glauco Micsik Roberti. A Batalha de Maldon: Tradução e
aliteração, trad. em tese de mestrado defendida na USP em 2006.
- Gregório de Tours, Liber in gloria confessorum, excerto analisado em aula, trad. do prof. Marcelo
Cândido da Silva.
- Adalberão de Laon, excerto do Poema de Roberto II In Georges Duby, L’an mil (Gallimard, 1980),
pp.71-75, t rad. nossa a partir da tradução francesa de Duby.

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