Diagnosticar para educar, cuidar e formar
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Diagnosticar para educar, cuidar e formar
ANÁLISE DA ACÇÃO EDUCATIVA DIAGNOSTICAR PARA EDUCAR, CUIDAR E FORMAR COMUNICAR PARA AGIR ESPELHAR PARA AJUDAR O OUTRO Problemáticas transversais à Educação e à Enfermagem Luís Marques Barbosa 2005 Índice 1) Uma nova pedagogia precisa-se 2) A Escola Sensível e Transformacionista, uma solução para o futuro 3) Entre o desempenho dos agentes educativos e o agir dos enfermeiros são muitas as similitudes 4) O espelhamento mediatizado enquanto instrumento de formação de agentes de ensino e de enfermeiros 4.1) Um pouco de história 4.2) Fundamentos metodológicos do espelhamento 4.3) Princípios para aplicação da técnica 5) A dimensão prática do espelhamento 6) Bibliografia de apoio 2 Introdução Uma das actividades a que já há algum tempo nos temos votado é a de tentar estabelecer pontos de contacto entre a Educação e o Mundo da Saúde. Fazêmo-lo por duas razões: a primeira porque temos da Escola uma ideia de instituição que tem a obrigação não só de ensinar crianças e alunos mas, também, de cuidar desses mesmos aprendentes uma vez que neles desencadeia fenómenos complexos pelos quais tem de passar a assumir inteira responsabilidade já que, sabemos hoje, eles tanto interferem no seu crescimento como no seu desenvolvimento; a segunda tem a ver com o facto de entendermos que se no âmbito de desenvolvimento da acção educativa a intervenção dos agentes educativos modernos algum sentido ganha, para lá de serem meros informadores de conteúdos, é porque o sentido de ajuda ao outro deve estar sempre presente a marcar os seus diferentes desempenhos. De resto, para nós é ponto assente: as organizações educativas ou trabalham a favor das crianças e alunos que dentro delas evoluem, ou funcionam contra esses actores. Claro que os nossos propósitos não são os de misturar as águas dos dois universos anteriores, ao invés, o que nos move é aproveitar o que cada um deles tem em comum valorizando o que possuem de diferente. Não tem sido tarefa fácil essa a de organizar os “links” por onde os conhecimentos particulares das duas áreas de intervenção possam transcorrer, não apenas porque a inércia da Escola portuguesa continua a ser muito grande mas, também, porque os agentes de ensino só muito lentamente se vão abrindo a novas ideias. De tal forma por vezes nos sentimos nadando contra a corrente que não raro pensamos mesmo que o deserto onde pregamos transforma as nossas palavras em ecos menores e sem ressunância. Porém, como não desistimos, lá vamos transmitindo as nossas convicções. O instrumento que mais utilizamos para o propósito anterior é a Formação Profissional e os públicos que tentamos sensibilizar são, do lado da Educação, educadores de infância e professores dos diferentes ciclos de ensino, do lado da Saúde, os enfermeiros. A uns e a outros falamos de Pedagogia e a ambos os actores dizemos que trabalhar nas escolas e agir nos hospitais tem muito em comum. Quando perante esta nossa afirmação nos interpelam pedindo que esclareçamos a ideia, fazemos referência à tipologia da intervenção que os educadores de infância promovem no interior de creches e jardins de infância para mostrar quanta semelhança existe entre a sua actuação e a que os enfermeiros promovem quando lidam com crianças nas situações de intervenção clínica. Para mostrar ainda como durante um dia de trabalho na Escola a dimensão comunicativa é lastro fundamental do trabalho dos professores, referimos por fim que se o enfermeiro tem de fazer da pessoa humana o seu objecto de trabalho o mesmo se passa com os agentes de ensino anteriores já que quer seja na creche, na escola ou até na universidade têm também, e sempre, o ser humano como seu interlocutor. Claro que uma coisa é tratar de quem se apresenta doente, outra bem diferente é ensinar quem vai à escola para aprender. Porém, como temos das organizações educativas a ideia de que são espaços onde muito para lá das práticas de ensino e de aprendizagem o 3 que tem de ser preocupação primeira é produzir factores que levem à criação de ambientes estáveis e propícios ao crescimento e desenvolvimento de seres humanos, então encontramos aqui uma outra estreita ligação entre o ser professor e o ser enfermeiro, já que tanto um como o outro não podem funcionar sem ter em conta que o que fizerem com os humanos para quem trabalham não pode pôr em risco a sua integridade física e psíquica. Se nos hospitais o enfermeiro tem a obrigação de cuidar dos outros fazendo-o bem, nas escolas os educadores e professores têm também de cuidar e bem tanto da criança utente de creches e jardins de infância, como dos alunos a quem ensinam conteúdos escolares. Claro que a natureza dos cuidados é diferente nos dois contextos, mas se hoje se diz que o êxito de um tratamento, qualquer que seja, passa muito pela Pedagogia que ao doente se ministra, então tanto num lado como no outro encontramos esse mesmo universo de conhecimento particular como instrumento fundamental. Se a Escola difere dos hospitais e das enfermarias facto é que à luz das ideias anteriores encontramos muitos pontos de contacto. Primeiro, porque se a acção do professor não pode ser confundida com a do enfermeiro, facto é que ambos têm o cuidar e o ensinar como actividades que marcam muito o regime de competências com que têm de desenvolver os seus desempenhos. Depois, porque se cuidar é, como vimos em ambos os contextos, cuidar dos humanos e se a Pedagogia é uma ciência única, então os seus princípios e as metodologias tanto são recursos utilizados pelos agentes de ensino como pelos profissionais de enfermagem. Na Escola diz-se que comunicar é dialogar e tanto quanto nos vamos apercebendo também nas áreas onde actuam os enfermeiros se diz que não há cuidar sem comunicar afirmando-se que este desiderato só se atinge quando existe diálogo com os utentes dos cuidados. A estreita relação entre a Educação e a Saúde é aqui uma evidência e se atrás dissémos que o êxito das intervenções dos profissionais a que vimos fazendo referência depende da forma como conseguem aplicar as competências que foram adquirindo ao longo da sua experiência profissional, então o que decorre do exposto é que a âncora comum que sustenta a prática profissional de ambos é a Formação Profissional. Competências de cuidar para comunicar com o outro, dialogando com ele, e de ensinar a fim de ministrar ensinamentos que possibilitem aprendizagens úteis, eis uma segunda trave mestra que faz de agentes de ensino e enfermeiros pares de universos afins. Se o diálogo com o outro implica utilizar os sentidos que se possuem, e mais do que simpatizar ou antipatizar com alguém, ser capaz de empatizar com ele é o vínculo essencial da relação que se tem de estabelecer, então tanto ao professor como ao enfermeiro está vedado excluir quem quer que seja do seu universo de relação por meras questões de preconceito. Possuir competências empáticas e treiná-las para que as mesmas sejam objecto de actualização permanente é pois preocupação comum aos dois profissionais referidos. Claro que o diálogo pressupõe olhar o outro, observá-lo e por via disso ser capaz de organizar uma aranha interactiva onde o exercíco de espelhamento se afirma a teia que há que tecer, a fim de conseguir manter a relação. Também aqui nos parece que existem similitudes entre as actuações de enfermeiros e professores 4 Sendo dos que afirmamos que um dos handicapes das Ciências da Educação é não serem capazes de construir os seus próprios instrumentos de acção somos também dos que entendemos que não é por tal facto que estas Ciências devem ficar paradas. Por isso advogamos que a importação para a Educação de técnicas oriundas de outros domínios científicos deve ser feita sempre que tal favoreça avanços no conhecimentos dos fenómenos educativos e desde que com esse comportamento se vá tentando fazer aparecer instrumentos construídos pelas suas ciências. Se trazemos à colação este problema é porque achamos que o exercício não quebra a linha lógica que vimos desenvolvendo, senão vejamos: É ou não verdade que um dos problemas delicados que se coloca à afirmação dos enfermeiros como corpo científico autónomo tem a ver com o facto de terem de trabalhar utilizando o chamado modelo de intervenção biomédico e que muitas das técnicas e procedimentos da sua área de acção são importados do universo médico? Se a resposta é afirmativa, então eis aqui mais um facto a permitir vislumbrar quão próximos estão os dois profissionais anteriores. Uma das afirmações que produzimos é que a Escola do futuro tem de trabalhar com base nas necessidades educativas das crianças e formativas dos agentes de ensino. Em decorrência desta exigência dizemos também que para tal, não só temos de ter nas Escolas um agente de ensino com um perfil totalmente diferente do que até aqui existia, como pensamos que a prática do diagnóstico de necessidades tem de passar a ser um instrumento de utilização quotidiana. Claro que quando referimos esta intenção somos de imediato contrariados por uns quantos que nos advertem dizendo que o diagnóstico não pertence ao universo da Educação e que a sua utilização é meramente clínica. Somos então sempre obrigados a referir que o esforço que estamos a fazer é o de construir instrumentos de diagnósticos de necessidades a utilizar em salas de aula sem que os mesmos se fundem nas práticas clínicas, deixando também expresso que é nosso propósito formar os agentes de ensino para a utilização adequada dos instrumentos que vamos produzindo. Como somos agentes de formação a trabalhar nas Escolas de enfermagem, então também junto de enfermeiros em formação tanto inicial como especializada transmitimos os nossos propósitos, já que sendo muitas das acções executadas nestas instituições de carácter meramente pedagógico, estultícia seria que os diagnósticos educativos e formativos fossem marcados por preocupações apenas clínicas. Da Saúde procuramos importar para a Escola a atitude de ajuda sem a qual pensamos que as organizações educativas do futuro não funcionarão. Porém, entenda-se que ao contrário do que poderia pensar-se este é talvez um dos desideratos mais difíceis de cumprir já que não tendo sido a Escola tradicional orientada para ajudar a criança a aprender mas mais para lhe impor o saber, muitos dos professores actuais entendem ainda que a atitude de criar afinidades com os alunos é sinónimo de perca de autoridade. Mas a pergunta que aqui fazemos é se algo de semelhante se passa nos contextos de intervenção dos enfermeiros. Então do lado da enfermagem não é facto que muitos enfermeiros se escudam nos procedimentos técnicos para assim dessimularem os seus preconceitos para com os doentes? Assim sendo, também aqui as afinidades são estreitas. Por via do que dissemos encontramos razões para agir procurando estreitar as relações entre a área da Educação e da Saúde. Deste modo, agimos formando educadores, 5 professores e enfermeiros. Tivemos outrora dúvidas quanto a este caminhar, mas contactos com especialistas diversos e em especial com a Prof. Doutora Margon Phaneuf conduziram-nos a dissipar esse cenário cinzento. Porquê? Porque pensando nós que a chave para abrir o caminho do sucesso educativo e formativo é a comunicação e a relação, encontrámos na obra “Comunication, entretien, relation d’aide et validation” respostas a muitas das nossas interrogações. Nesta brochura ensaiamos uma possível aproximação entre as nossas preocupações e as da Profª Phaneuf. Por um lado procuramos dar conta de como pensamos que a futura Escola, a que chamamos Sensível e Transformacionista, tem de ser contexto de acção de novos e diferentes profissionais que não só façam dos afectos o cenário de fundo da sua organização, mas que marquem também a comunicação pela atitude de cuidar e empatizar com outro a fim de o ajudar a reconfigurar as suas experiências de vida e logo as aprendizagens. Por outro, tentamos dar conta de como este último propósito encontra na formação em enfermagem uma linha lógica de intervenção em tudo semelhante à dos agentes de ensino, já que tanto estes como os enfermeiros devem ser olhados enquanto actores orientados para minimizar insucessos nas experiências da vida humana. Assim, na primeira parte deste documento apelamos à necessidade de termos uma Escola bem diferente da que tem sido timbre nas nossas actuais sociedades e enunciamos os princípios segundo os quais pensamos que essa nossa nova Escola deve ancorar. Recuperamos muito do que escrevemos na obra “Da Análise de Contextos Educativos e da Criança Enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Trransformacionista”, publicada em Lisboa, pela Escola Superior de Educação João de Deus, em 2001 e tansmitimos ideias desenvolvidas com mais profundidade no último livro que escrevemos com o título “A Escola Sensível e Trnaformacionista – Uma Organização Educativa para o Futuro” que as Edições Cosmos publicaram em Alpiarça no ano de 2004. Depois, num segundo capítulo, chamamos à colação ideias da Profª Phaneuf escritas na sua obra “Communication, entretien, relation d’aide et validation” editada por Karole Lauzier em Les Éditions de la Chenelière McGraw-Hill, Montréal (Québec), 2002, para evidenciar como as suas preocupações orientadas para a formação dos enfermeiros ganham similitude com as nosssas quando em causa está formar os educadores e professores para a problemática da comunicação, sobretudo quando esta tem de ser marcada pela preocupação de transmitir bem estar ao outro (propósito que na nossa Escola tem de ser atitude central de quem ensina). Por fim, recuperando ideias escritas em “Ensaios sobre Fenomenologia do Conhecimento – Do Espelhamento à Transcendência”, obra publicada pela Universidade de Évora em 2003, procuramos mostrar como a prática do espelhamento, enquanto técnica que concebemos, desenvolvemos e aplicamos na formação de educadores, professores e enfermeiros é, tem de ser, utensílio fundamental de todo aquele cujo dia a dia, passado tanto a formar como a ensinar, é levado a fazer interagir o seu eu com o dos seus semelhantes. 6 1) Uma Nova Escola precisa-se O Diagnóstico de necessidades em Educação, mesmo que importado da área da Saúde, tem de ser prática quotidiana nas escolas A afirmação anterior, de tão peremptória que é, impõe uma interrogação. Porquê? Esta interpelação exige esclarecimento. Claro que os educadores e professores não trabalham à toa. Por isso, quando falamos da necessidade de introdur a prática do diagnóstico de necessidades nas escolas estamos a dizer que o que se torna verdadeiramente indispensável é que os agentes de ensino recorram cada vez mais a práticas de rigor científico a fim de ultrapassaram progressivamente o tão estafado empirismo com que em muitas situações ainda actuam. Feito o esclarecimento entramos directa e definitivamente no assunto que nos move.Em intervenções diversas temos defendido a ideia de que a descoberta da Escola, da sua força e, sobretudo, da sua importância enquanto instrumento de afirmação de saberes, é um dos fenómenos educativos mais interessantes da sociedade actual. Uma das formas de evidenciar a afirmação anterior torna-se bem clara quando a própria sociedade cria outras instituições com igual desiderato e faz passar a mensagem de que, se os problemas da Escola se resolverem, resolvem-se também os da sociedade. Claro que para nós estas mensagens mascaram apenas os grandes problemas. O facto em si não nos espanta já que o questionamento à escola não é fenómeno apenas dos nossos dias. Não nos preocuparia esta forma de estar se ela indiciasse uma tomada de consciência face à própria função social que a Escola deve cumprir e se o sucessivo pôr em causa, a que hoje se assiste, significasse um pensar acrescido sobre o perfil de quem deve ensinar. Tão pouco apreensivos ficaríamos se os impulsos para a mudança aparecessem em função de pressões geradas no interior das instituições escolares e se em consequência de reflexão por parte de quem nelas trabalha. Para que a finalidade das nossas apreensões seja bem equacionada esclareçamos que quando nos referimos à Escola, fazêmo-lo em sentido lato, significando que enquadramos nesse conceito todos os organismos de intervenção educativa independentemente do tipo de aprendizagens que neles se ministrem. Assim sendo, o nosso conceito de escola incorpora tanto a Creche como a Escola do Ensino Básico ou Secundário e, porque não, até mesmo a Universidade. É essa mesma dimensão que nos faz pensar que o vocábulo professor está nitidamente em desuso levando-nos a propor a sua substituição pelo de agente educativo, até porque para nós também este profissional não pode mais ser entendido apenas como alguém que se limite a meras transmissões de saberes. A problemática é portanto muito abrangente e tem como pano de fundo a necessidade de equacionar o contributo que a Educação e suas ciências podem e devem dar para a melhoria da vida dos cidadãos. É inquestionável o direito que as populações têm em assumir posição face às preocupações anteriores, mas a legitimidade de certas intervenções e a forma como actualmente se procura impôr à Escola, e aos professores, o sentido das mudanças, merece-nos reflexão acrescida. Falar da Escola sem dela ter conhecimento está na ordem do dia e dizer ao professor o que ele deve fazer tornou-se um lugar comum. Não entendemos bizarras tais formas de afirmação cívica já que, ao invés, encontramos argumentos justificativos para estes comportamentos. O primeiro, poderá ser justamente a 7 preocupante inércia da Escola face à evolução das sociedades bem como o enorme alheamento da classe docente para com as questões que a mesma encerra. O segundo é configurado pela ausência de uma pedagogia que ajude a ver mais claro os limites das áreas de intervenção e as frontreias entre a Educação, a Formação e a Cultura. A ligação entre os dois factos anteriores é muito forte e provoca no interior do próprio sistema educativo uma enorme onda de indefinições que não sendo parada no seu fluxo, origina múltiplas disfunções tanto no sistema de ensino, como na formação de docentes. Por não se ser capaz de parar essa turbulência continua-se a ministrar ensinos de inúmeras didácticas específicas desenquadradas de adequadas dimensões curriculares. O leque de questões que anteriormente referimos foi inicialmente por nós tratado na obra que publicámos em 1998 com o título “Pensar a Escola e seus Actores” e tem sofrido desenvolvimentos sistemáticos e diversos tanto em “Da Análise de Contextos Educativos e da Criança enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista” que foi editada em 2001 como ainda em “Ensaio sobre o Desenvolvimento Humano-De Uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como Implicação” que o Instituto Piaget publicou em 2002, ou de forma mais técnica e científica na obra ultimamente publicada. Ausência de claro entendimento quanto às funções que as sociedades actuais incumbem à Escola e actuação demasiado empírica por parte dos que nela trabalham tem sido problemática por nós reflectida nas nossas obras. Ensaiando nelas sempre uma ligação estreita entre as duas temáticas, tentamos porém fazê-lo de forma não abusiva, embora implicante, já que pensamos ser de facto em função da anomalia expressa que a formação de professores continua a preocupar-se em formar os docentes mais em torno de métodos e técnicas de ensino, que de outras dimensões científicas. As preocupações anteriores levantam inúmeros problemas, entre outras razões porque: “O homem de hoje não se forma convenientemente se for mobilizado só para saber utilizar métodos e técnicas de forma exemplar e a evolução da Educação depende não da existência da Pedagogia enquanto sua única ciência, mas do contributo de vários saberes que, organizados em rede, façam aparecer um paradigma verdadeiramente educacional.” Dissémo-lo na obra citada e tínhamos já aprofundado o tema em 1990 em a “A Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo, publicada pelas Edições A.S.A. O problema é que, para além de sabermos pouco sobre as reais funções que a Escola deve ter na sociedade, e de não conhecermos ainda o verdadeiro perfil da função docente, é também uma evidência que a descoberta da Escola não tem conduzido a uma real compreensão das inúmeras dificuldades com que as crianças se confrontram quando em múltiplas situações de aprendizagem. São afirmações contidas nas actas do colóquio que a “Association Francophone d’Investigation et de Recherche Scientifique en Éducation” publicou em 1994 e que já nós em tese de doutoramento, em 1992, tínhamos referido na Universidade francesa de Caen. Assim continua a ser. Pese embora as intenções que se enunciam em muitas das reformas e a existência de imensos projectos de intervenção educativa, facto é que 8 os esforços na formação de professores, e de outros agentes educativos, não têm impedido que continue a existir um vasto leque de profissionais de ensino a desenvolver a sua actividade sem ter uma clara noção daquilo que o aluno é enquanto indivíduo. Diríamos mesmo, sem saber daquilo que ele necessita ser, quer como agente de aprendizagens, quer enquanto alguém em permanente formação e integração social. Esta temática, por nós tratada nas obras citadas, continua também na ordem do dia, sem que tenhamos assistido a intervenções de fundo verdadeiramente reparadoras do disfuncionamento em causa. 2) A Escola Sensível e Transformacionista, uma solução para o futuro Como já dissemos, o conjunto de temáticas que tratamos nesta brochura têm sido por nós desenvolvidas em obras diversas. Porém, e porque muitas das práticas da acção educativa em que nos temos envolvido vêm-nos permitindo visualizar novas e diferentes formas de aplicar os princípios porque nos batemos trazemo-los de novo aqui à colação embora sofrendo diferente enquadramento. É exemplo do que se disse o facto de pensarmos hoje a acção educativa fortemente condicionada ao que vimos designando por “Transversalidade educativa”. Conceito novo introduzido por nós nos programas da formação de educadores e professores com o qual pretendemos trabalhar a ideia de que face ao entendimento de que o Sistema Educativo tem de ser pensado como um longo processo em que a influência da acção educativa sobre os seres humanos começa quando estes ainda de tenra idade entram para a Creche, aos três meses, e deixa de ser exercida sobre muitos deles quando por volta dos vinte e cinco anos obtêm um curso superior. Este novo conceito serve-nos para mostrar como por via desta nova concepção as próprias organizações educativas devem ser entendidas partes de um processo em que se é facto podem ser concebidas de forma autónoma não menos forçoso se torna pensá-las fortemente ligadas, já que o trabalho que nelas se faz com a criança na Creche respalda para o que mais tarde com ela se realiza no 1º Ciclo, da mesma forma que facto idêntico acontece em relação ao trabalho nos 2º e 3º Ciclos, sendo até de referir que mesmo na Universidade é-se confrontado com a qualidade da acção educativa desenvolvida em anos antecedentes. A noção de transversalidade educativa não é por nós trabalhada apenas no que respeita à ligação das instituições que tutelam a educação e a formação dos seres humanos. Pensando que quem passa por todo o Sistema é a criança ( na Creche é até designada por bébé) que se vai desenvolvendo e transformando em jovem e mais tarde em adulto, chamamos a atenção dos nossos alunos para o facto de que o grande suporte de toda a actividade educacional e formativa é o processo de desenvolvimento humano. Fazêmo-lo para referir que tendo em conta o desabrochar de capacidades afectivas e cognitivas da criança, o trabalho de ensinamento orientado no sentido de que as aprendizagens se cumpram é obrigatoriamente sustentado pelas particularidades de três tipos de relações específicas: a relação de apego que antecede a educativa e que é típica 9 da Creche, a relação educativa/pedagógica muito particular do trabalho no Jardim de Infância e a relação pedagógica/educativa que é suporte essencial da Escola a partir do 1º Ciclo. Desenvolvemos o tema chamando a atenção para o facto de que também aqui a “Tranversalidade relacional” deve ser respeitada, já que pese embora o Sistema Educativo ser pensado por níveis, facto é que o ser humano que o transcorre é sempre o mesmo evoluindo na vida através de dois processos de dinâmica progressiva e gradual, a saber, o do seu crescimento e, como anteriormente referimos, o do correspondente desenvolvimento que é complementar do anterior. É uma abordagem que nos vem permitindo avançar com a ideia de que também os agentes educativos devem pensar as suas intervenções em regime de transversalidade a fim de que educadores e professores se empenhem em articular de forma estreita as suas intervenções. Estamos então determinados em formar agentes de ensino que rejeitando a concepção espartilhada do actual Sistema sejam capazes de funcionar em regime de estreita relação entre pares e pensem as suas actividades em equipa por forma a que o processo de ensino seja cada vez mais próximo do de desenvolvimento da criança, do jovem ou até do adulto que se forma. A segunda ideia que enfatizamos, que é objecto de desenvolvimento maior na última obra que publicámos e é, como pensamos se percebe, central na abordagem feita nesta bruchura, é de que os agentes educativos não podem mais actuar sem ser com base na prática do diagnóstico de necessidades. Claro que por via das preocupaçõe anteiores justifica-se que princípios oriundos da psicologia e da psicanálise sejam definitivamente transportados para o interior da sua formação desses actores educativos a fim de poderem agir com conhecimento das características específicas dos seres humanos que são seus objectos de trabalho e estudo. Duas determinantes orientam o nosso trabalho de formação de agentes de ensino: levá-los a organizar a sua intervenção quotidiana na sala de aula a partir de cartas de sinais de necessidades com duas valências: educativas porque emitidas pelas crianças e formativas porque respeitando temáticas de auto-formação pensadas pelos agentes educativos mas em função das necessidades emitidas pelas crianças, ou seja, cartas onde cada educador ou professor identifique a sua própria formação em função daquele para quem desenvolve o seu desempenho. A terceira ideia que justifica o novo enquadramento de conceitos respeita o entendimento de que também as organizações educativas têm de ser concebidas e geridas em função dos pressupostos anteriores, o que significa que o seu projecto educativo deve ser concebido em função do desenvolvimento dos seres humanos que as frequentam. Mas porque a Escola assume nos nossos dias uma centralidade acrescida bom é que quem tenha a responsabilidade de a gerir o faça intuindo a organização escolar como “pivot” do desenvolvimento de locais e regiões. Este é desiderato que também desenvolvemos em extensão e profundidade nas obras anteriormente referidas. 10 Expressas as ideias anteriores bom é que reforcemos a convicção de que nas nossas intervenções move-nos sempre a intenção de referir como pensamos a Escola um vasto observatório caracterizador da acção educativa, uma estrutura sensível e transformacionista a ser organizada com base no diagnóstico de necessidades educativas das crianças e alunos e formativas dos professores. Assim sendo, se algumas ideias novas aduzimos quando falamos ou escrevemos, outras há que chamamos à colação, não tanto pelo facto de ser a primeira vez que as referimos mas, porque ligadas às anteriores, nos vêm permitindo construir cenários diferentes de enquadramento das situações pedagógicas. Pensamos então que através do último livro que publicámos não fazemos a repetição do que escrevemos em obras anteriores mas sim a reconfiguração de muitas das nossas convicções escritas agora num formato que se pode assumir típico de um projecto de desenvolvimento científico que tendo vindo a ser construído progressivamente se apresenta agora como um todo que pensamos coerente. A ser verdadeira a afirmação anterior torne-se a mesma extensiva à brochura que agora publicamos. Princípios há então que como outrora continuam a ser para nós como que lanternas a balizar a rota que seguimos. Em jeito de ajuda à memória deixemo-los expressos: A prática pedagógica dos nossos dias tem de ser suportada pela ideia de que são vários e complexos os objectos de trabalho sobre os quais deve recair, em simultâneo, a atenção dos agentes de ensino; A articulação desta complexidade tem de estar subordinada ao que chamamos princípio da multireferencialidade de objectos de análise; Esta subordinação tem de ser estrategicamente sustentada, ou seja, organizada em função de diagnósticos das necessidades educativas de quem aprende e formativas de quem ensina; A finalidade última para que deve tender a sua organização é a de ajudar o outro no seu crescimento e desenvolvimento integral. Trata-se pois de montar na Escola um outro caminhar onde todos são pares e por isso todos se devem ajudar mutuamente. Por isso, entendemos que a nossa Escola tem de ter uma pedagogia orientada pelo sentido de ajuda. Em primeira instância uma ajuda à criança para que, ao olhá-la, a deixemos de pensar como um mero tubo digestivo que come e dorme. Depois, porque é indispensável ajudar o educador e o professor, já que, não tendo este hoje apenas essa criança como seu objecto de estudo, se vê confrontado com a necessidade de ter de centrar a sua atenção em múltiplos universos que passaram a ser da sua responsabilidade integrar de forma eficaz na complexa acção educativa. Por fim, ajudando funcionários e pais a lidarem de forma eficiente com a panóplia que esta nova e turbulenta realidade propõe. Tal como pensamos, a nossa pedagogia de ajuda tem de se fundar na criação e institucionalização de uma atitude a que chamamos “extensão de Si” e que implica que a acção de ensinar se paute pela preocupação de saber estar com, ou seja, não 11 querer estar apenas presente na mesma situação em que, ensinando, o outro tem de aprender, mantendo-nos apenas a seu lado, ou perto dele. Mais do que preocupado com os produtos das aprendizagens o que este agente de ensino tem de saber é que grande parte do seu empenho diário terá de ser orientado para a construção de apropriadas situações de aprendizagem. É o princípio de que as aprendizagens humanas mais do que dependerem de sofisticadas metodologias são presas fáceis da qualidade das relações que o organismo estabelece com o seu meio ambiente. É por isso que dizemos e escrevemos que por muito excelentes que as metodologias possam ser, ao educador e professor do futuro se exige, cada vez mais, forte domínio de competências pessoais. Empatizar com o outro sendo capaz de percepcionar a forma como sente cada momento do aprender, possuir a capacidade de ir imaginando novos cenários mudando sistematicamente os elementos das paisagens de aprendizagem a fim de que se crie a possibilidade de que a natureza humana do aprendente experimente novas possibilidades de actuação e levar este actor a colocar no presente o seu arsenal de saberes a fim de, por imaginação, ser capaz de recriar no agora situações que só no futuro possam vir a ser reais, eis o leque de competências que a extensão de Si impõe significando que a acção educativa vai passar a exigir que sejam as capacidades humanas capazes de suportar as competências acima referidas os indicadores configurantes do cartão de apresentação do futuro mas já necessário agente de ensino. É o leque das competências referidas e por inerência das capacidades que as mesmas implicam que serve de rede ao exercício da extensabilidade de Si. A esta rede a que gostamos mais de chamar aranha apelidamos de estrutura de terceira dimensão a qual, impondo treino aturado executado em situações pedagógicas diárias concretas para que as respectivas capacidades se transformem e actualizem sistemática e progressivamente em competências orientadas para o exercício da acção do ensinar, implica que em resposta aquele que aprende corresponda através de comportamentos e atitudes adaptativas, também eles organizados em rede de competências mas agora de aprendizagem, ao exercíco da extensabilidade acima eferida. Claro que se é a quem ensina que compete iniciar o exercício da criação da “extensão de Si” nas situações pedagógicas, facto é que inevitável se torne que quem aprende tenha de ser par obrigatório da partilha dessa extensabilidade. Quem ensina terá então de se assumir como um espelho daquele que aprende. Assim sendo, se a construção de um bom espelho é essencial para o estabelecimento de uma eficaz relação de ajuda servindo justamente para aumentar e alimentar a comunicação que se estabelece entre os pares dialogantes, então a pedagogia que lhe está subjacente não pode fugir a esta determinação. Como poder então ignorar as características pessoais dos intervenientes no diálogo? Como ao mesmo tempo deixar de ter o grupo como suporte desse diálogo? E como agir sem respeitar o cenário onde o mesmo se desenrola? Como por fim determinar novas acções sem ter a preocupação de conseguir o melhor clima possível para que o comunicar e o agir se façam adequadamente? Se saber ensinar é uma determinação indispensável, saber organizar os grupos de actores por forma a que se estabeleça o diálogo adequado à ajuda injectando o sistema que 12 configura a pedagogia que se aplica é, pois, exigência que se coloca ao agente de ensino da nossa Escola Sensível e Transformacionista. Algo porém nos distingue de outros e a pequenina nuance está em termos enunciado como pressuposto básico do nosso modelo que o agente de ensino responsável pela organização grupal se disponha não só a organizar cartas de sinais das necessidades dos aprendentes como ainda determine a partir delas as suas próprias necessidades de auto-formação. Avisados que estamos face ao falhanço de certas práticas de desenvolvimento dizemos que indo além desta perspectiva o que nos interessa é que a Pedagogia de Ajuda introduza nas organizações educativas a ideia de que mais do que desenvolver o que importa é sustentar as alterações que as mundivivências dos actores enquanto aprendentes vão vivendo. Assim sendo, o nosso modelo pedagógico pode ser apelidado, não de desenvolvimentista, mas de sustentador de alterações pedagógicas induzidas. A nossa Pedagogia de Ajuda trai todos quantos avaliem o sucesso das organizações educativas apenas pelo sucesso nas aprendizagens escolares e à pergunta de Alberto Souza (1997) indagando se à sociedade interessa ter na Escola crianças com elevado nível cognitivo e deficiente vida afectiva ou social dizemos peremptoriamente não. Não porque sabemos hoje quão trágica e enganadora é essa atitude e não porque tal como o autor refere na sua obra também sabemos que tanto melhor são as aprendizagens escolares quanto melhores são os suportes afectivos e sociais dos aprendentes (entendase aqui criança, jovem adolescente ou adulto que aprende e o professor ou educador que ensina). Estamos conscientes que o nosso modelo é tencional, mas isso não constitui para nós “handicap” pois como anteriormente referimos entendemos que não há aprendizagem sem tensão. O que importa é que quem tem a responsabilidade de conduzir o modelo saiba ver em cada momento do caminhar qual a tipologia dessa mesma tensão. Se o diagnóstico das necessidades educativas e formativas é vital para fazer funcionar a Pedagogia de Ajuda bom será que pensemos que é justamente a forma como a tensão provocada pelas aprendizagens se manifesta o indicador primeiro que urge ser capaz de registar, pois é ele que permite ao agente educativo inferir dos níveis de conforto ou desconforto, prazer ou desprazer, motivação ou desmotivação segundo os quais quem aprende vai vivendo o processo de ensino/aprendizagem e sobretudo dos níveis de quebra de partilha com que muitas vezes o aprendente está nas situações pedagógicas. São as preocupações até aqui explicitadas que nos levam a Ministrar na Universidade de Évora um seminário de formação soburdinado ao tema “O Agente Educativo e a criação da Extensão de Si”. Para quê? Sobretudo para sensibilizar os actores de intervenção educativa para as questões da relação pedagógica e da sua influência sobre a dimensão humana quando, nas suas actividades lectivas, desencadeiam, obrigatoriamente, fenómenos comunicativos que se projectam sobre as crianças e alunos com que privam no seu quotidiano. Vejamos o programa desse mesmo seminário: 13 UNIVERSIDADE DE ÉVORA SEMINÁRIO PROFISSIONALIDADE E EDUCAÇÃO “O Agente Educativo e a criação da “Extensão de Si” Responsável: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa 14 PROGRAMA Nocão de “mediação afectiva” A noção educativa e formativa em pedagogia A “transferência” e “contra-trnaferência pedagógica” O estatuto do professor O papel do professor O estatuto do aluno Da representação à categorização que o professor faz do aluno Natureza do diálogo educativo Poder e “contrato pedagógico” Interação e espelhamento na relação pedagógica O jogo das forças inconscientes Os fantasmas O conflito inconsciente do docente A comunicão inconsciente da relação pedagógica A transferência pedagógica A contra-transferência pedagógica O desejo na relação pedagógica A sedução na relação pedagógica O processo de identificação 15 3) Entre o desempenho de agentes educativos e o agir dos enfermeiros são muitas as similitudes Acaso é difícil aceitar que muitas das preocupações expressas no programa do seminário anterior e nos parágrafos que o antecederam são possíveis de transpor para a forma de actuar dos enfermeiros? Pensamos que não. Entre outras razões porque para além de poderem ser enquadradas no contexto das temáticas formativas de tipo profissional, as podemos compaginar numa problemática mais fina, a saber, a que trata as questões da comunicação. Claro que o exercício agora aqui sugerido não é senão intencional. Através dele visamos criar condições para aproximar as nossas preocupações das que marcam a intencionalidade formativa de Margot Phaneuf. Um primeiro facto vale a pena referir: talvez porque a ilustre professora tenha formação em Ciências da Educação, tal como nós, sentimo-nos, desde o primeiro momento em que entrámos em contacto com as suas convições muito próximos das sua preocupações. Tal como para Phaneuf o corpo é para nós o eixo central da rede interactiva que o comunicar exige e da mesma forma que para a ela também o sentimento de ajuda é no contexto da nossa postura formativa o vínculo que pode e deve alimentar toda a partilha entre o ensinar e o aprender quer este exercício se faça na Escola quer no Hospital. Foram justamente os sentimentos expressos nos parágrafos anteriores que nos fizeram aproximar ainda mais das coisas da saúde. Porquê? Porque também neste contexto o diagnóstico é essencial, o comunicar indispensável e a ajuda à partilha de emoções e sensações intencionalidade imprescindível. Phaneuf justifica a pertinência das suas abordagens explicitando dois queixumes face ao agir de muitos enfermeiros: que não raro dão mais importância às tarefas de organização das intervenções e aplicações de métodos, técnicas e medicamentos que aos próprios doentes, e que nessa voragem a relação humana torna-se automática, impessoal, transformando-se a pessoa para quem o agir se cumpre numa mera coisa. Nós, como de resto já referimos anteriormente, procuramos uma nova Escola, entre outras razões, porque a actual nos parece desumanizada, justamente porque os agentes de ensino se preocupam mais com os métodos e as técnicas que com as necessidades específicas das crianças e alunos. Claro que nas escolas comunica-se mas vale a pena perguntar de que tipo é essa mesma comunicação e sobretudo para que fins a mesma se organiza. É uma pergunta que a autora formula de forma diferente mas quanto a nós para atingir o mesmo objectivo que é o de enfatizar a necessidade de que o comunicar, em sítios onde o ajudar é actividade mais nobre, se sustente pela preocupação de humanizar o próprio diálogo. Observar o outro, contactá-lo intencionalmente e sobretudo procurando conhecer as suas dificuldades eis o que entende ser a chave para o estabelecimento de relações conseguidas. No momento em que muitos dos nossos estudo dão conta de que na Escola uma enorme quantidade de crianças e alunos movem-se sem que os agentes de ensino contactem com elas dias a fio, a preocupação anterior ganha dimensão acrescida. 16 Sublinhe-se aqui a importância do ouvir e veja-se então que o observar não é apenas para satisfazer a curiosidade. Da vida do dia a dia sabemos que ao sermos olhados sem que para lá disso se estabeleça a possibilidade de interpelações mútuas a desconfiança instala-se. Mas do quotidiano sabemos também que quando acreditamos que somos ouvidos para lá de olhados a aceitabilidade do outro aparece, entre outras razões porque tal acto de partilha permite que muitas das angústias que nos tranzem e muitas das preocupações que amarfanhamos no íntimo se dissipam ou atenuam pelo facto de terem sido explicitadas a outrém. Nas acções de formação temos investido imenso na prática do ouvir e por isso nos sentimos príximos das procupações de Margot Phaneuf. A Comunicação é, no âmbito no nosso trabalho quotidiano, uma actividade integrada em propostas de formação e nos nossos planos de actividades figuram sempre seis objectivos que procuramos sejam atingidos: fazer com que os propósitos da comunicação sejam claramente intuídos por aqueles que frequentam as acções, que valorizem a componente afectiva e informativa da comunicação, que assimilem os princípios fundamentais da comunicação, que apreendam a relação enquanto eixo central do processo comunicacional, que valorizem as atitudes facilitadoras e que sejam capazes de identificar os obstáculos à comunicação. Mas para que procuramos nós tornar tanto os agentes de ensino como os enfermeiros sensíveis aos objectivos anteriores? Primeiro, para que assumam que é de enorme responsabilidade influenciar o outro no que quer que seja e para o que quer que seja. Depois, porque seja na aula, seja na enfermaria, é da maior utilidade procurar estabelecer a confiança da pessoa enquanto aluno ou utente de cuidados na nossa própria acção. Além do mais porque o respeito e a confiabilidade têm de ser introduzidos. Por fim, porque a criação da Extensão de Si implica que o dar-se dos eus aconteça num momento de parceria de responsabilidades partilhadas. Se nos domínios da enfermagem é indispensável salvaguardar o total respeito pela caixa preta que a zona de intimidade de cada pessoa representa, na escola tal não é menos verdadeiro. Confrange-nos a forma como em muitas escolas ouvimos falar de alunos pais ou professores, da mesma forma que ficamos desagradados quando em hospitais ouvimos mensagens que transportam a marca do desrespeito pelo outro. É para nós motivo de agrado quando no interior de uma escola sentimos que o observar é prática bem treinada e bem mais satisfeitos ficamos quando verificamos que a ela se cola um ouvir calmo e sereno e um olhar terno e respeitador. Margot Phaneuf evidencia bem estes propósitos na sua obra e valoriza bem até as características do olhar a fim de chamar a atenção para o facto de que a expressão facial é cartão de visita fundamental nas coisas da comunicação humana. Ficamos por vezes siderados quando em muitos jardins de infância e noutras instituições educativas constatamos níveis de ruído por vezes verdadeiramente ensurdecedores. Por isso, nas nossas acções formativas chamamos a atenção para a necessidade de nestas instituições se privilegiar o silêncio ao lado das manifestações obrigatoriamente mais exuberantes. Claro que aqui somos traídos por uma cultura que cada vez mais afirma o barulho como forma de estar. Pensamos que tal como nós 17 Phaneuf sente a mesma necessidade e por isso dedica ao tema espaço acrescido na sua obra. Na nossa Escola as famílias das crianças e alunos são parceiros fundamentais dos educadores e professores. A referência tem hoje, felizmente, menos relevância que outrora. Mas o que interessa neste momento sublinhar é que no âmbito dos cuidados de saúde e da enfermagem em particular referir a importância de uma boa relação com a família daquele a quem se ministra cuidados é mensagem de primeiro plano. Definitivamente Saúde e Educação estão cada vez mais perto. Há anos lutámos muito para que na Universidade onde trabalhamos fosse incluída nos currículos formativos dos Educadores de Infância uma disciplina a que chamámos “Expressão e Criatividade” e o objectivo primeiro que procurámos atingir foi o de possibilitar aos agentes de ensino em formação o treino das suas capacidades perceptivas por forma a saberem utilizar a chamada linguagem não verbal. Constituíu drama o conjunto de entraves que tivemos de ultrapassar e ainda hoje sentimos que a temática é pouco valorizado pelos académicos. Por isso ficamos contentes quando em “Communication, entretien, relation d’aide et validation” esta problemática é desenvolvida com respeito. Reforçamos mesmo o nosso entusiasmo porque na obra não só se fala das características da comunicação verbal e não verbal como ainda se refere a importância de uma ser compatível com a outra. Também há alguns anos já introduzimos nas disciplinas que são da nossa responsabilidade ensinar, e logo desde o primeiro ano da formação inicial, a temática das questões da percepção. Porquê? Porque a intenção é não só de encaminhar a atenção dos alunos para a necessidade de estudá-la enquanto processo complexo mas, também, perceberem a influência dos factores físicos e psicológicos que interferem na sua organização, levando-os o inferir daí as implicações que tais complexidades trazem à construção comunicativa. Como dissemos anteriormente, valorizamos o diagnóstico de necessidades. Por isso, nas nossas aulas valorizamos o treino da observação de comportamentos indiciadores de conforto/desconforto, prazer/desprazer, aceitação/rejeição, o que significa dizer que procuramos que os alunos se habituem a organizar uma comunicação de tipo funcional onde pontifique a simplicidade de expressão, a concisão descritiva, a precisão do explicitado, a clareza de raciocínio, a pertinência temática, a leveza argumentativa e a adaptação contextual. Do mesmo modo treinamos estes aspectos na formação que ministramos aos enfermeiros. Porquê? Porque o êxito comunicativo está justamente no exercício destas competências sobretudo porque, tal como referimos anteriormente, mais do que simpatizar ou antipatizar com o outro está em causa ser capaz de empatizar com ele. Se no cuidar o conhecimento dos diferentes actores que integram o leque de interacções que obrigatoriamente o enfermeiro tem de desencadear é de importância vital, nas organizações educativas tal não é menos importante. Por isso, ser informado sobre o que a ciência diz dos chamados estilos comunicativos dos sentimentos que as interacções provocam, das necessidades afectivas que geram, das motivações que desencadeiam e dos mecanismos de defesa que fazem eclodir, transforma-se em conteúdos formativos tão importantes como saber observar, saber ouvir e saber falar com o outro. Em Métodos e Técnicas de Investigação aprende-se então a fazer a constução de guiões de 18 observação e de entrevista bem como a organizar grupos de interacção para discussões partilhadas. O trabalho formativo a que nos votamos não é fácil e muito menos simples. Ao invés, é exigente e complexo. Nele encontramos até hoje fortes motivos de interesse e por isso redobramos a motivação. Porém, dois fenómenos nos marcam mais que outros: o primeiro tem a ver com o facto de tanto do lado da formação de educadores e professores, como da enfermagem, lidarmos na formação inicial com populações de alunos muito jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, ou seja, com seres humanos a viver a sua fase de desenvolvimento interior mais instável à qual se cola um período difícil e doloroso de inserção profissional; o segundo com a inércia à mudança que profissionais instalados manifestam nas acções de formação dos cursos de especialização. Tal significa então que para muitos dos nossos alunos a abordagem das questões da comunicação é vivida de forma intensa, já que quer seja temática tratada de forma mais ou menos individual quer abordada em estruturas grupais o eu de cada um acaba sempre por se sentir posto em causa, quanto mais não seja porque a criação do sentimento de pertencimento ao nós não se faz sem que o indivíduo teste interna e externamente a complexa conexão do seu eu com o eu de cada um com quem priva. Assim, se treinar a emergência das manifestações de empatia e trabalhar sobre a problemática dos mecanismos de defesa é acção da maior relevância, fazê-lo com as populações referidas assume-se tarefa de dificuldade acrescida. Daí que utilizando as competências criadas pela formação em investigação tenhamos partido para a construção e aplicação de técnica que aplicada ao longo das acções de formação possibilitasse a amortecimento do impacto negativo dos dois fenómenos anteriormente referidos. A técnica do Espelhamento Mediatizado que hoje utilizamos tanto na formação inicial como na especializada de agentes de ensino e enfermeiros é então o instrumento científico que resultou desse investimento. O percurso que fizemos neste capítulo visou satisfazer duas intenções: mostrar como nos sentimos próximos das preocupações de Margot Phaneuf e criar condições para introduzir a temática seguinte. Quanto à primeira pensamos que, embora de forma muito singela, conseguimos fazer a demonstração do propósito. No que respeita à segunda resta-nos pensar que uma vez lido o próximo capítulo se possa dizer o mesmo. 4) O Espelhamento mediatizado enquanto instrumento de formação de agentes de ensino e de enfermeiros O nascimento de uma nova metodologia. Questões de princípio Sendo nossa intenção deixar expressas algumas ideias quanto à fundamentação da técnica do espelhamento, parece-nos conveniente que expressemos em nota introdutória algumas posições de princípio que, balizando as nossas estratégias da sua utilização, certamente ajudarão a compreender melhor porque razão temos sido tão reservados na enunciação pública das nossas concepções. A primeira preocupação que queremos sublinhar é a de que a técnica do espelhamento é por nós aplicada tendo em conta que esta técnica, qualquer técnica, mais não é que um mero instrumento com o qual o homem satura semanticamente o Mundo, que o mesmo 19 é dizer, engendra sistemáticas linguagens através das quais procura compreender mais profundamente o Universo. Poderíamos desenvolver aqui inúmeras teorias através das quais tal exercício se pode fazer, porém o nosso propósito é darmos conta de como ancoramos esta preocupação em dois corpos de ideias particulares, a saber: as naturalísticas, segundo as quais Hegel entende que o espírito dialoga com o Ser, as fenomenológicas que, desenvolvidas por Husserl, permitem visualizar uma das formas mais particulares em que o pensamento se assume fabuloso descritor da realidade. A segunda preocupação que nos move é a de expressarmos que não nos entendemos os pais do espelhamento, já que este recurso técnico de índole relacional é muito antigo e tem sido utilizado de diversos modos em diferentes culturas e sociedades. Pensando ser nosso dever referir que também não fomos os iniciadores da utilização do espelhamento como técnica de formação, em particular nos domínios profissionais, achamos porém ser de bom tom assumir que, no tocante ao jogo de espelhos, somos de facto responsáveis pela introdução de uma metodologia diferente da que tem sido tradicionalmente aplicada na investigação em geral e nos domínios das Ciências da Educação em particular. De facto, procurando que através do espelhamento o Homem se assuma mediador do conhecimento, a forma como o aplicamos inova muitas das práticas de observação e análise seguidas não só na formação superior de professores mas, também, na investigação educacional. 4.1) Um pouco de história Parece-nos importante a enunciação das ideias anteriores não para arvorar as mesmas em bandeiras com que queiramos defender autonomias científicas, mas porque no momento em que a autoridade académica já não se estabelece em função do saber científico é mais fácil a uns quantos apropriarem-se das ideias dos outros que construir as suas. Somos peremptórios: os nossos estudos para inovar a utilização dos jogos de espelhos começaram perto de 1992 quando em Lisboa, no interior de um Instituto de Educação Física, desenvolvemos investigações no âmbito da formação de professores de educação física e aí procurámos que eventuais alterações das suas práticas provocassem subsequentes mudanças organizacionais. Vale a pena dizer que as décadas de 1970/80 e 1980/90 foram os períodos de ouro da aplicação em Portugal, no âmbito da formação de professores, das chamadas autoscopias e que a utilização da técnica de observação naturalista era moda incontornável. Também nós enquanto formadores profissionais de professores utilizámos as duas técnicas anteriores um pouco por todo o lado sendo justamente por via disso que cedo percebemos duas coisas: a autoscopia apresentava-se técnica limitada face a análise de desempenhos, a observação naturalista, tal como havíamos aprendido, necessitava ser inovada. Quanto à primeira técnica, as suas limitações foram por nós claramente diagnosticadas quando integrando equipas de investigação percebemos que pedir a um profissional que após a realização de uma tarefa dissesse como lhe parecia ter decorrido o trabalho, e 20 levá-lo a enunciar os pontos fortes e fracos dos seus desempenhos, não era suficiente para lhe aumentar significativamente o nível de tomada de consciência face à complexidade da estrutura do processo de trabalho. Quanto à observação naturalista, cedo percebemos que a utilização da técnica com o fim de proporcionar a caracterização e descrição dos fenómenos, tal como eles ocorrem, só era possível se a observação fosse pensada sistemicamente, se a sua utilização pressupusesse formação prévia dos observadores e, ainda, se existissem práticas de autoformação não só ao longo do processo observacional mas também durante o decurso das análises aos fenómenos que se queiram estudar. À medida que as nossas investigações iam decorrendo procurámos sempre inovar as formas de utilizar as técnicas anteriores mas foi quando realizámos investigação na Escola de Investigadores Criminais em Portugal que alterámos significativamente as nossas metodologias de investigação quando, no âmbito de posterior intervenção, integrámos as ideias acima referidas nos propósitos metodológicos. Substituímos aí a autoscopia tradicional por um processo de trabalho em que sustentámos as análises às tarefas por reflexões analógicas entre verbalizações feitas pelos analisados e imagens videogravadas captadas em simultâneo aos seus desempenhos. Aprofundámos as mudanças aos processos de investigação quando anos a seguir desenvolvemos no Instituto do Trabalho Portuário uma investigação conducente à mudança do processo formativo dos então estivadores do porto de Lisboa. Aqui, às duas práticas anteriores colámos aquilo a que chamámos a observação multireferenciada e que no essencial se traduz pela intervenção de juízes que enquanto também observadores apenas colocam questões a quem é espelhado, no sentido de que este parta para a descoberta dos reais entraves ao que chamamos “aumento do potencial de performance”. Foi porém no Instituto de Educação Física anteriormente referido que com mais clareza vislumbrámos a nova forma de utilizar o jogo de espelhos. Na nossa tese de doutoramento damos conta de como trabalhámos junto de professores de múltiplas actividades gímnicas e desportivas, de como actuámos com os praticantes das mesmas, de como interviémos perto dos frequentadores mais diversos do Instituto e, por fim, de como utilizámos o espelhamento nas actividades de análise e diagnóstico de necessidades educativas, formativas e culturais dos próprios directores da instituição. 4.2) Fundamentos metodológicos do Espelhamento O espelhamento tem na técnica de Observação o seu grande suporte e as metodologias da sua aplicação resultaram das inovações técnicas atrás referidas. Enfatize-se porém que na utilização da observação seguimos de perto as ideias de Witrock uma vez que este autor pensa esta técnica como um sistema. O espelhamento é hoje uma técnica que pode ser utilizada para introduzir junto dos profissionais práticas de reflexão sistemática, fazendo-os passar, em tempo controlado, da mera descrição factual dos fenómenos para a utilização da análise naturalista e 21 procurando depois que cheguem à análise crítica. É um trabalho que pode ser desenvolvido a pares, ou em grupo, e que utilizando no início justamente o que se vem designando por observação naturalista, ao jeito de Albano Estrela, visa que o plano observacional pressuponha também a utilização da observação participante e participada. Nas primeiras fases da utilização da observação aceitamos mesmo que algumas delas se façam sem grandes preocupações científicas e vamos ao ponto de aceitar que as mesmas não sirvam senão para ajudar os participantes no espelhamento a estabelecer relações, manter a atenção sobre determinados objectos e variáveis de análise, controlar as sua emoções e sentimentos face ao que observam, suspender os seus juízos a fim de aumentarem as suas possibilidades de participar nas acções de observação de forma distendida. Porém, sendo nossa intenção que a observação se utilize como processo consciente, sugerimos sempre aos espelhados que antes de qualquer observação determinem com rigor os objectivos das mesmas. Quem observa deverá ser sempre capaz de responder às seguintes questões: O que se observa? Quem se observa? Como se observa? Quando se observa? Em que lugar se observa? Como se registam os dados observados? O que se deve registar? Como se devem analisar os dados? Que uso se deve fazer dos dados analisados? São perguntas cujas repostas, se justificam formação prévia dos espelhados, impõem também que a mesma tenha continuidade ao longo de todo o processo de espelhamento. São vários os propósitos que a observação visa cumprir: descrever e caracterizar fenómenos a fim de construir dos mesmos imagens mentais que constituam seguras representações de acontecimentos, processos de trabalho, actividades e tarefas bem como os desempenhos que as mesmas implicam. Sendo a selectividade uma característica inevitável da observação, a metodologia que montamos pressupõe sempre a utilização alongado do processo observacional, o que quer dizer que subordinamos sempre a um plano faseado no tempo qualquer intervenção desta técnica. 22 Um objectivo procuramos com pertinácia: que os espelhados se habituem a recolher dados apropriados e suficientes para assegurar boas descrições e caracterizações do que querem ver, que o mesmo é dizer, do que pretendem analisar e estudar. É sempre da forma como se consegue satisfazer as exigências que até aqui foram explicitadas que depende a capacidade de responder eficazmente a questões como as que a seguir enunciamos: Pressupostos teóricos em análise. Questões a desenvolver ao longo das análises. Objectivos definidos ou a definir. Hipóteses colocadas ou a colocar. Estudos a realizar. Grau de desenvolvimento do processo de espelhamento. Como dissemos, o nosso entendimento da observação é o de que esta deve ser utilizada como um sistema. Nos seminários doutorais que desenvolvemos utilizamos o seguinte esquema para mostrar como intuímos a observação: 23 A OBSERVAÇÃO ENQUANTO FENÓMENO MULTIFACETADO Observações avulsas quotidianas Observações Deliberadas Sistemáticas não Sistemáticas Menos Mais Formais Formais Situações espontâneas Situações Específicas, questões não particulares Situações específicas, questões particulares Descrições de superfície Descrições das estruturas profundas Entendimento do real Compreensão do real Olhar Ver Observar Clarifica as descrições factuais Induz na busca pelo significado das acções Permite contrastes Torna viáveis certos vínculos causais 24 Parte-se do pressuposto de que se os espelhados forem capazes de utilizar em crescendo os diferentes modos de observar enquanto analisam o que fazem, e o que os outros executam, ficam também em condições não só de serem reflexivos como críticos face a si e ao Mundo. O espelhamento não é uma organização de práticas de observação por justaposição e acúmulo de informação. Ao invés, funda-se na reformulação sistemática dos protocolos de observação elaborados e sustenta-se na renovação constante dos discursos analíticos. Por isso, a sua processologia é sempre concebida em espiral e esta está intimamente ligada ao nível de entendimento e compreensão com que os espelhados se referem aos factos e fenómenos analisados. Assim sendo, todo o processo evolui com base na tomada de consciência manifestada por quem se espelha e, por isso, o encaminhamento do espelhamento por diferentes estádios de entendimento a caminho da compreensão dos fenómenos pressupõe anuência prévia dos espelhados. A utilização desta técnica exige sempre que no início do processo esteja presente um observador especializado que não tendo por função substituir os espelhados deve providenciar ao enquadramento adequado dos participantes nas acções de espelho. É facto que, dependendo da capacidade de autoformação manifestada por estes últimos, os jogos de espelhos podem ir ficando entregues aos próprios espelhados à medida que estes vão sendo capazes de visualizar mais pormenores dos universos que analisam. Porém, a experiência diz-nos que a presença de juizes com funções mediadoras entre os intervenientes no espelhamento revela-se da maior utilidade. Ao contrário do que muitos pensam o espelhamento não tem só na observação a sua base de sustentação. O diálogo é talvez o lastro fundamental de toda a aplicação da técnica. Cedo nos apercebemos deste pormenor porque de há muito que pensamos que tão importante para compreender o Mundo é vê-lo como ouvi-lo. O espelhamento visa, em primeiro lugar, a criação da capacidade de escolha de um parceiro que seja par nas observações. Depois, actividades de aproximação e aceitação negociada dos objectivos das análises. A seguir, a maturação de uma linguagem emitida pela positiva, mesmo quando há que falar de aspectos negativos e, por fim, a aquisição de um linguajar despido de juízos de valor. O espelhamento é para nós um processo interactivo em que os espelhados evoluem da observação para a acção e desta para a avaliação, do dito e feito, para refazerem a experiência de acordo com informações continuamente assimiladas. Por isso, chamamos a este processo de renovação das vivências e entendemo-lo algo diverso do que vem sendo chamado de renomeação das experiências. De facto, não se trata aqui de voltar a fazer o já feito mas de renovar mentalmente os referentes segundo os quais se havia agido. Nas nossas últimas intervenções temos organizado o processo do espelhamento de forma espiralada arquitectando o mesmo em três patamares: um primeiro em que os espelhados actuam em grupo de pares fechado e apenas com o apoio de um observador 25 enquadrador, um segundo em que os espelhados cotejam os protocolos de observação com observadores de retaguarda e um terceiro em que a análise é sujeita ao confronto com especialistas. Claro que estamos a ver como no espelhamento é tão importante a função dos espelhados como dos observadores enquadradores ou os de retaguarda. Os espelhados são sempre aqueles que aceitam o jogo dos espelhos porque querem melhorar as suas performances profissionais. A estes se pede que escolham o par com quem querem fazer as análises às actividades e tarefas em relação às quais lhes interessa visualizar os comportamentos de execução. Claro que sendo o espelhamento uma técnica por nós utilizada em contextos profissionais aconselha-se sempre que qualquer que seja o par escolhido este conheça bem os contextos profissionais onde as actividades decorrem e tenha também das tarefas conhecimento profundo a fim de ser alguém bem sintonizado com os comportamentos que os desempenhos das mesmas exigem. A função do observador enquadrador é sempre a de organizar adequadamente as situações de espelhamento e de enquadrar eficazmente os actores que se determinaram a executar o jogo dos espelhos. Não sendo determinante que seja alguém treinado para executar os desempenhos dos espelhados deve porém estar no mínimo enquadrado com os pressupostos e objectivos dos modos de estar e fazer dos espelhados. É evidente que este tipo de observador deve dominar as técnicas de observação e deve ainda ser alguém que se disponha a exercer uma atitude pedagógica face aos espelhados. Por isso, deve conhecer os objectivos a que se propõem os espelhados, as estratégias que querem seguir nas análises e identificar os aspectos particulares segundo os quais os espelhados actuam enquanto executantes de actividades profissionais. Ao longo do processo de espelhamento bom é que procure ir identificando a forma como cada espelhado exibe o seu saber, o seu saber-fazer e saber-estar, e mesmo que a recolha destes elementos não seja para confrontar directamente quem se espelha com o seu retrato, eles devem servir para ajudar os espelhados a sugerir ideias, práticas de acção e eventuais soluções para os problemas desenhados ao longo do espelhamento. Uma das funções essenciais deste enquadrador é a de encaminhar os espelhados para a possibilidade de serem capazes de referir em alternativa ou em regime de complementaridade três tipos de estratégias face aos problemas que pelo espelhamento detectaram: curativas se as disfunções identificadas exigem intervenção imediata, remediativas se os males evidenciados ainda podem esperar por soluções a médio e a curto prazo e preventivas se apenas há que tentar que o que se faz bem continue a ser bem feito ou a ser ainda melhor executado. Já as funções dos observadores de retaguarda são bem distintas das que são típicas do observador anterior. Levados a olhar os espelhados enquanto estes procuram transmitir as suas experiências analíticas a um grupo alargado de actores, a sua função é a de recolocar sistematicamente o diálogo encetado em torno do que chamamos problemas pivot, ou seja, aquelas questões em relação às quais parece haver dificuldades de abordagem, ou que causam mais constrangimento abordar. Com o espelhamento procuramos justamente criar as possibilidades de se aceder a esse outro patamar essencial do ser. No espelhamento o Eu, abstraindo, nega o determinismo 26 e num primeiro instante fecha-se sobre si, não para se enquistar, mas para, ao invés, se recolher num acto humilde de olhar-se a si mesmo e tornar-se livre de preconceitos. É assim que qualquer Eu atinge a liberdade universal, negando-se para deixar que o seu oposto se afirme. Analisa-se então a si para que de si e em síntese emerja o outro enquanto alteridade. Fazendo como a cegonha que num determinado momento atira o seu progenitor para fora do ninho para que se afirme voando, o Eu de cada um atira mesmo o do outro para fora da sua natureza, deixando que o outro se afirme, e quanto mais o outro é em si mais se torna ser absoluto na sua integridade. O espelhamento é de facto para nós uma técnica que se funda na relação dialógica. Não esqueçamos que ela é introduzida por nós para provocar mudanças em comportamentos, sobretudo nos gestos técnicos de elevada precisão, e que por isso é, normalmente, desenvolvida apenas entre duas pessoas. Lembremos ainda que o espelhamento é realizado durante o treino de uma determinada tarefa e que os pares vão alternando as suas funções de observador do outro com a de executante a ser observado pelo par. Embora numa fase inicial da situação de espelho aceitemos a presença de outros elementos que possam ajudar à montagem dos cenários de execução, o espelhamento visa provocar efeitos de mudança apenas e só nos pares em diálogo estreito. Por ser sustentada pela presença forte das técnicas de observação aos comportamentos e execuções alheias, a caracterização do real é no início fortemente marcada pela intersubjectividade com que os sujeitos se dão na luta pela afirmação dos seus Eus. Porém, verdade se diga que a enunciação entre os actores de aspectos correctivos e a alternância de papéis que faz com que num momento um seja observador e depois passe a observado vai impondo progressivamente o reconhecimento do Eu do outro. Mas a pergunta pode aqui ser feita: e porque razão atinge elevado nível ético este percurso em crescendo? Porque pelo espelhamento os participantes acabam por se reconhecer no interior de uma situação que passa a ser uma mundivivência comum. Nela sentem que os efeitos da presença do outro Eu proporciona desenvolvimento das competências de iniciativa, decisão, observação, implicação, tolerância, partilha, responsabilização, reflexão e sobretudo espírito crítico. Quem connosco trabalha sabe que um dos nossos objectivos é orientar os espelhados para um aprofundamento das reflexões tornando sobretudo mais dinâmicas as análises críticas. Fazemo-lo introduzindo a necessidade de se organizarem duas dimensões estratégicas: de natureza correctiva, levando os actores através de acções programadas a tomar consciência dos pontos fortes e fracos das execuções técnicas, pedindo que enunciem actividades de correcção; de natureza preventiva, procurando que tomem consciência das dificuldades próprias e alheias e que sejam pensadas atempada e conjuntamente tarefas de retaguarda que permitam prevenir, em tempo, os inêxitos detectados. 27 Pelo espelhamento exige-se então um dar-se amplo, não sendo difícil aceitar que esta entrega, para acontecer, faz emergir o conflito, ou seja, uma interacção complexa que para ser gerida tanto necessita que se utilizem saberes teóricos como práticos. E se o Eu é de facto a unidade primariamente pura, tal como refere Hegel, que para se conhecer a si e reconhecer as particularidades dos outros Eus exige uma relação conflituante, então o conflito é a instância sobre que se funda toda a dialéctica do diálogo que o Homem tem de manter com o Mundo. De facto assim é, já que a posse objectal, seja das flores em negociação, seja do amor do outro, ou até dos conhecimentos teóricos e práticos que se vão adquirindo pressupõe uma dimensão ética em que opressões e seus opostos, ostracizações e aceitações, prazeres e seus contrários se vão fazendo e desfazendo, para se refazerem sistematicamente, a favor de uma sabedoria cada vez mais universal que só se consegue atingir quanto melhor se vai conhecendo a particularidade das coisas. É o que acontece nas nossas acções de formação. Pelo espelhamento uns actores observam outros e a tempos planeados alteram os seus papéis e expressam entre pares os dados dos registos que efectuaram e registaram em protocolos de observação. As opiniões sobre o outro, mesmo que sejam dadas na perspectiva de provocar melhorias, são quase sempre recebidas com forte presença dos efeitos desencadeados pelo por em marcha dos inúmeros mecanismos de defesa que as sensações anteriores desencadeiam. Faz-se aqui aparecer de imediato os indicadores do conflito. Porém, “Tal dialéctica reconstrói a opressão e o restabelecimento da situação dialógica como uma relação ética. Neste movimento, o único que é permitido chamar-se dialéctico, as relações lógicas de uma comunicação distorcida pela violência exercem também uma violência prática.” Quer isto dizer que a interacção que se desencadeia, pese embora as tensões que têm de ser vividas, impõe um entendimento de nível superior para que inevitavelmente os epelhados tendem. Já vivemos bastas vezes este efeito, quer enquanto espelhados, quer como espelhadores, para podermos afirmar que Hegel tem aqui razão. Pese embora ser sempre sem dúvida elevado o nível de subjectividade que esta relação dialógica impõe aos actores nela intervenientes, há que referir que é justamente a vivência desta conflitualidade que vai tornando possível o aparecimento das estratégias objectivas de apropriação do Mundo, sejam elas na perspectiva de condução do outro, seja na de se assimilar mais e melhor o conhecimento técnico e científico. Porquê? Porque o diálogo que se estabelece, visando passar da mera reflexão à análise mais profunda do real, aumenta significativamente a objectividade com que se analisa e induz na construção de uma comunicação mais rica e mais cuidada. Espelhar-se é então mergulhar no intersubjectivo, é conflituar, porque a comunicação é sempre distorcida mas também é isso porque a linguagem que se utiliza na relação é cada vez mais depurada. 28 A busca do Eu que serve de oposto torna-se uma prática de objectivação. Através dela aumenta a reflexão após a execução das tarefas analisadas, os actores participantes na acção são colocados num processo interactivo marcado pela necessidade de compreenderem a lógica dos procedimentos mútuos. Pelo diálogo interactivo aumentam a segurança em si e no outro, e porque o real aparece por fim mais transparente há espaço mental para as preocupações de executar as acções com mais qualidade técnica. A luta que se joga é apenas e só pelo reconhecimento: primeiro de si como individualidade contida no universal que o Mundo configura, depois do outro como alteridade. O espelhamento reivindica o conflito mas não alimenta os comportamentos delituosos. Estes ficam de fora porque a dimensão é Ética. Funda-se na humildade do ser e na busca pela concórdia que conduz à harmonia. O QUE O ESPELHAMENTO FAZ AUMENTAR A autonomia face ao indivíduo e à técnica As intenções de corresponsabilização O espírito crítico O desenvolvimento relacional entre os pares O relacionamento entre os intervenientes no processo dialéctico A coesão da parceria por obrigar à vivência mútua de momentos de sucesso e insucesso O nível de determinação da reflexão após as execuções 29 O QUE O ESPELHAMENTO FAZ DIMINUIR O stress dos actores ao longo da execução das actividades O distanciamento de estatutos Os preconceitos sociais O distanciamento calculado entre pares O medo de reflectir conjuntamente A fuga às análises O desinteresse em realçar os pontos fracos As dificuldades de auto-consciencialização O cansaço nas aprendizagens As dificuldades de observação As dificuldades de caracterização do real As dificuldades de descrever os objectos do conhecimento A ausência de responsabilização Espelhar-se é então partir em busca da consciência total, é salvar o Ser já que jogando o jogo do pertencimento ao nós se vai renunciando ao particular que existe em cada Eu para se aceder à universalidade do Ser. Espelhar é enredar-se numa conexão comunicativa de elevado constrangimento. Porquê? Porque tal acto implica religar num só momento a Educação que se adquiriu, com a cultura que se possui, à formação que se recebe. O processo é essencialmente auto-formativo e a “violência” do mesmo radica no facto de que a tomada de posse de uma consciência alargada implica a aquisição de um nível de abstracção que impõe prescindir da futilidade do que é supérfluo a favor daquilo que se torna essencial. Entenda-se porém que obrigatório se torna ter em conta que no espelhamento se têm de sacrificar os interesses pessoais a favor dos que se vão afirmando mais universais. 30 Na formação profissional esta prática torna-se essencial e se ela ocorrer em contextos organizacionais precisos tanto melhor, já que abstraindo de si o Homem parte para o Mundo. Sendo cada vez mais capaz de se elevar sobre os contextos onde actua vai tornando menos emocionais as suas intervenções, porque através do espelhamento vai acedendo à serenidade interior que o caminho para a sabedoria permite. Por essa razão dizemos a miúde que a luta do futuro é pela autonomização dos indivíduos e das organizações onde vive e trabalha. Claro que para nós o espelhamento ajuda tanto numa como noutra das tarefas, mas, mais do que isso, o que a utilização desta técnica permite é aquilo a que chamamos de renomeação do já dito, ou seja, o exercício de uma actividade que recorrendo à memorização vai permitindo que cada nome se atribua tendo em conta o léxico que se adquiriu e se assimilou, ora para inventar nova palavra, ora para melhorar a utilização de outras já utilizadas. É o aumento da tomada de consciência que o espelhamento permite e é ao mesmo tempo a actualização da memória que está em jogo. Dar nomes às coisas é interpelar os factos, pedir-lhe indicações precisas e isso obriga a remontar ao já referenciado. É aqui, neste momento preciso, que a instância do “RE” a que tanto nos referimos entra em funcionamento. Este “RE” é então de facto o núcleo onde se dá a relação do físico com o psíquico e onde em Damásio nasce o “sentimento de si”. Lido com atenção este “avant- propos” permite-nos ir ainda mais longe: Na vida mental há tons diferentes, nós dizemos nuvens, e a nossa vida pode ser orientada em função desse matiz. Em obra que escrevemos antes deste texto deixámos expresso como entendemos que os esquemas mentais de acção se engendram na mente. Aqui procuramos dar conta de como pensamos que os mesmos rompem a opacidade das nuvens de informação que se organizam no cérebro e partem para a dimensão teleológica da busca pela transcendência. Não se rompe a opacidade sem que se comecem a desenhar imagens mentais e estas, ao emergirem, vêm acompanhadas de tendências par agir. Temos referido várias vezes que para entrar em acção o Homem tem primeiramente que encontrar um significado plausível para se por em marcha e estar decidido a querer realizar a acção. Se este empenhamento existir e a ele chamamos de intencionalidade orientada, então o indivíduo determina-se em dialogar com o Mundo, e esse exercício significa ir conhecendo melhor o universo que o rodeia, ou seja, ir cada vez mais sendo proprietário do próprio Mundo. A este exercício chamamos nós transformar os objectos que nos rodeiam, sejam eles teóricos ou práticos, em objectos/objectivados. Pelo que se lê de Bergson a construção das imagens mentais, ou seja, das representações, visa justamente responder à intencionalidade anterior. 31 Mas como se desencadeia tal desiderato? Toda a representação mental é acompanhada de tendências, isto é, da vontade de agir orientada para o objecto e este tanto pode ser uma realidade prática como abstracta, tanto pode ser um querer fazer, como um querer pensar. De facto, tanto pode ser uma coisa como outra, mas, no momento do agir, se não existir a fusão das duas intenções sabemos hoje que o Homem não cumpre a totalidade da sua relação com o Mundo. Porquê? Porque se, de facto, ao pensar o Homem existe, como diz Descart, não menos é correcto afirmar, como o fazemos, que se existimos, logo pensamos. Cumpre-se então assim o “RE” supremo que tanto nos apraz evidenciar. Pelo “RE”ligar anterior pode então o Homem cumprir a sua própria totalidade de ser, mas facto é que por efeitos diversos de cultura mal assumida este mesmo Homem tem sido impedido de aceder a esta realização total. Orientado ora para a teoria, ora para a prática, e pouco habituado à síntese que a universalidade do “RE” impõe, o indivíduo criou a rotina de olhar os objectos por meias janelas. Aproveita mal a tensão psicológica que subjaz à problemática enunciada por Bergson e malbaratando as enormes possibilidades do “RE” fecha-se muitas vezes dentro de pensamentos e perspectivas redutoras de diálogo com o Mundo. Repare-se porém que a revisitação da memória pode ser a chave para o refazer de tendências enquistadas, refundindo o que em nós existe de teórico e de prático, e este é, sem dúvida, um profundo exercício de transcendência. Pelo espelhamento identifica-se o já memorizado mas, quase em simultâneo, pode renomear-se o já assimilado. É uma dialéctica que exige aprendizagem e formação adequada para que o trabalho de caracterizar o Mundo que nos rodeia, e descrevê-lo adequadamente, se cumpra na justa medida. Habermas aceita o que Hegel entende por dialéctica do trabalho, e sobretudo a afirmação de que nesta acção de renomear as coisas o trabalho dialécticamente executado serve de mediador entre o sujeito que caracteriza o Mundo e este que é sistematicamente renomeado. Nós também aceitamos esta asserção, mas o que mais nos parece importante realçar é o facto de, pelo espelhamento, o Homem aprender, através do jogo dos Eus, a deixar em suspensão a satisfação imediata dos seus desejos, transferindo as energias da realização das acções para o próprio objecto do processo interactivo desencadeado. Em Hegel: “O trabalho é por este lado, um transformar-se em coisa. A cisão do Eu enquanto desejo (a saber: numa instância do Eu que escrutiniza a realidade e nas pretensões reprimidas dos instintos) é justamente o transformar-se em objecto” (p. 26) Efeito decisivo, já que partindo para uma tomada de consciência superior o Eu que se espelha deixa de se preocupar apenas com a imediatez de objectivos facilitistas procurando projectar-se para a universalidade do Ser. São os juízos de valor com que normalmente se marca a linguagem do quotidiano que se abandonam, porque passou-se a estar mais orientado para as finalidades últimas a cumprir pela espécie. É então aqui 32 que o Eu de cada actor interveniente nas acções inscreve o seu dar-se numa dimensão teleológica. Já não é só a Educação que importa utilizar para que o espelhamento se cumpra a preceito, nem apenas a formação recebida chega para satisfazer a eticidade onde os Eus espelhados se instalam. Porquê? Porque cada vez mais a natureza que os caracteriza vai apelando para um outro plano que é o da cultura. Tal como fez Habermas, entendemos não dever esquecer que: “Na metodologia da faculdade teleológica de julgar, Kant considera a cultura como o fim último da natureza, na medida em que compreendemos esta como um sistema teleológico.” (p. 27) A partir da matriz anterior, onde referimos algumas opiniões de actores sujeitos ao espelhamento, vislumbra-se a possibilidade de inferir vários efeitos do espelhamento sobre o Eu de cada interveniente nas situações de espelho: primeiro, instala os actores numa dimensão ética teleologicamente vivida; depois, indu-los a mergulhar numa consciência moral acrescida e, por fim, obriga-os a tomar consciência de que a utilização cega da técnica, de qualquer técnica, os conduz a uma instrumentalização aniquilante. Ao lado da humildade a que esta prática obriga vislumbra-se então a necessidade de ser astuto, ou seja, a de adquirir comportamentos cautelosos, já que o ajuizar do que se sabe, e sobretudo do que se faz e se vê fazer, impõe a serenidade de se ser cada vez mais ético e obrigatoriamente mais moral. São preocupações que tornam quem se espelha progressivamente menos fechado sobre si e mais aberto aos outros, mais sensível para com o Mundo. São preocupações que treinadas com habituação fazem emergir aquilo a que chamamos a atitude de renomear as experiência vividas e que, no fundo, se traduz pela capacidade de utilizar triplicemente a tomada de consciência: dando nome às coisas e aprendendo a chamá-las pelo designativo correcto. Encaminhando o utilizador do Mundo, que o mesmo é dizer, das técnicas, astutamente através das estratégias de acção mais adequadas aos procedimentos justos e eficazes, e procurando que reconheça de forma sistemática, não apenas o que de correcto acontece nesse diálogo, como o que de impróprio é dito ou feito, cada experiência dilui-se no momento da reflexão a favor de outras formas de a intuir de novas maneiras. Mais uma vez nos aproximamos de Hegel, se não vejamos através do que é referido na obra que analisamos: “Nas lições de Iena, Hegel desenvolve a tríplice identidade da consciência: que dá nomes, da consciência astuta e da consciência reconhecida. Estas identidades constituem-se na dialéctica da representação, do trabalho e da luta pelo reconhecimento.” (p. 29) Vale a pena dizer que se desde há muito nos sentimos identificados com esta perspectiva hegeliana é porque a intuímos, tal como Habermas, a base fundamental para toda a aproximação fenomenológica que o Homem pode fazer no seu diálogo com 33 o Mundo. Dito de outra maneira, sustentamos que toda a prática de caracterização do Mundo e da descrição dos fenómenos passa pela capacidade de renomear as experiências vividas, ou seja, de utilizar triplicemente a consciência. É esta tomada de consciência que em nosso entendimento faz emergir a efectiva capacidade de criticar adequadamente e que permite ir além da mera reflexão. É esta possibilidade natural de ir utilizando a linguagem de forma cada vez mais apropriada, de se ser progressivamente mais astuto nas escolhas estratégicas e de reconhecer humilde, mas eticamente, o que se é, se faz e sobretudo o que se sabe, que transforma a técnica do espelhamento numa prática da transcendência. Porquê? Porque a renomeação da experiência permite a cada um reconhecer que, para além do muito que se possa conhecer, fica ainda o que de muito há a saber para cumprir adequadamente o estar do Homem no Mundo. É então por possuir esta capacidade natural de utilizar a linguagem que o Homem se transcende. Claro que a transcendência pressupõe a organização de categorias mentais que, como já referimos em obra publicada, visam não apenas a organização dos esquemas mentais de acção como, também, da padronização modelar de comportamentos. Nos nossos escritos vislumbra-se a ideia de que somos de facto favoráveis à naturalização da linguagem como estrutura fundante da fenomenologia enquanto actividade de bem descrever os objectos com que o Homem priva, isto é, com o Mundo que o rodeia. Mas não esqueçamos porém que nessas obras temos defendido que a prática da caracterização é a actividade que, ligando a atitude natural de pesquisa à da descrição fenomenológica, se afirma um processo propedêutico a toda a crítica do conhecimento. Transcende-se então o Homem sempre que se torna caminhante do processo anterior. Porém, facto é que se tal não acontecer não é porque exista nele a possibilidade de organizar sínteses transcendentais antecipatórias. A nossa oposição a Kant é aqui visível como já o fora quando defendemos em tese de doutoramento que a relação fenómeno/númeno, tão cara ao filósofo, enfermava de uma concepção redutora. O espelhamento é então importante: primeiro, porque recoloca o Homem na sua dimensão natural, a fim de que aprenda a utilizar uma adequada atitude de pesquisa que o diálogo com o Mundo lhe impõe. Depois, porque o leva a ser bom caracterizador dos factos que vive, dos contextos onde se determina e das situações onde as suas mundivivências se desenrolam. Por fim, porque a caracterização do Mundo implica que se saiba descrever a si, aos outros e ao próprio Mundo como objecto. Fá-lo através da renomeação sistemática das experiências efectuadas e utilizando um diálogo de Eus pautado pela humildade de saber ser, estar e fazer. Este tem como característica dominante o facto de obrigar o indivíduo a reconhecer que o seu conhecimento é limitado, fazendo-o abandonar pragmatismos interesseiros a favor da aceitação de uma ética marcada pelo entendimento de que a transcendência se consegue sobretudo pela aquisição de uma sabedoria valorizadora mais do saber da experiência feito que do conhecer instrumentalizado. 34 Não nos parece difícil que se aceite que através da leitura de Habermas nos encontrámos de forma mais estreita com Hegel e Kant. Fizémo-lo intencionalmente porque nos motivou a tentativa de estruturar o que podemos chamar a dimensão naturalista da técnica do espelhamento. Porém, e porque como já dissemos, as nossas perspectivas de investigação colam com as concepções fenomenológicas de Husserl, inevitável se torna que desenvolvamos agora as ideias procurando dar conta de como entendemos que os pressupostos husserlianos se podem apresentar também fundantes da técnica em análise. 4.3) Princípios para a aplicação da técnica Diz-nos a experiência que de facto um bom começo para a aplicação desta técnica é fazer com que a tentativa de compreender mais profundamente o Mundo se inicie sem a preocupação de criticar saberes que se têm, ou que estão na posse de outros ainda que, tal como Hegel nos adverte, a prática da negatividade seja a primeira atitude que o espírito desencadeia quando em causa está querermo-nos apropriar do Mundo. Porquê esta nossa preocupação? Porque, tal como Husserl diz: “Na atitude espiritual natural viramo-nos, intuitivamente e intelectualmente para as coisas que, em cada caso, nos estão dadas e obviamente nos estão dadas, se bem que de modo diverso e em diferentes espécies de ser, segundo a fonte e o grau de conhecimento.” (p. 39) É um momento em que exprimimos o que a experiência directa nos dá, fazendo-o de acordo com aquilo que nos move no momento. Não esquecemos que actuamos sempre em função daquilo que directamente experienciamos. Contudo, o grau de abertura ao Mundo e ao outro permite que, com certa facilidade, extrapolemos das mundivivências pessoais para o âmbito da generalização, ou que, na inversa, se parta desta para integrar em nós novos conhecimentos em novas experiências. Quando pelo espelhamento se consegue este grau de abertura sente-se que os conhecimentos que se vão adquirindo não se sucedem em fila, e que as acções que propomos viver não se intuem como se estivessem à espera da sua vez para serem realizadas. Ao invés, é a emergência de um pensamento determinante lógico que se sente eclodir, e é sobretudo a visualização dos dados empíricos que nos servem de esteio. Sente-se também que a progressão natural do conhecimento é feita em função de um conflito cognitivo que estala e se intensifica à medida que o, ou os objectos, que queremos conhecer melhor, se tornam mais intencionalmente motivos de apropriação. 35 A curiosidade aqui é que a dimensão natural que se procura só é atingível quando se instala um profundo regime de contradições que a um tempo são por vezes angustiantes mas, também, estimulam a aceitar o percurso fenomenológico do conhecer. Claro que as contradições perturbam as motivações para o agir, até porque questões de auto estima interferem nas decisões em prosseguir, mas sem sombra de dúvida se sente que os conhecimentos mais débeis vão cedendo aos saberes mais fortes e que o mundo das recordações se vai abrindo aos novos estímulos percepcionados. Em síntese, diga-se, que estamos aqui no âmbito da reflexão natural mais simples, ocorrendo então perguntar como se vence esta etapa inicial a favor de outra em que a procura pelo conhecimento se quer mais estruturada e objectiva. Tal como Hegel nos sugeriu sempre que o Eu parte para o confronto com outros Eus enquista-se, ou seja, fecha-se na sua particularidade para só depois se abrir ao universal. É o tal momento da negação que Husserl designa como o fenómeno segundo o qual o conhecimento surge à mente como mistério. Mas enquanto algo de misterioso, aparece carregado da intencionalidade de que seja desvendado o mistério que se constituíu. Acaso o ditado popular não diz que o fruto proibido é o mais apetecido? Conhecer é neste momento para o espírito um facto da natureza, e tal como também Hegel nos disse, a sua atitude negativista vai-se vencendo com o surgimento da necessidade de se ser objectivo. Em Husserl verifica-se que esta mundivivência que é fenomenológica faz surgir a necessidade de investigar a natureza, o que dito de outra maneira é o mesmo que dizer de pesquisa. É justamente a fusão que desenhámos no parágrafo anterior que nos tem feito reivindicar a atitude de pesquisa como o primeiro grande alicerce de toda a investigação científica. É talvez neste texto que pela primeira vez formulamos com precisão este conceito, mas tal não nos tem feito evitar que todo o nosso trabalho de investigador e formador de investigadores seja marcado pela exigência de fazer com que esta atitude se imponha antes mesmo de serem realizadas acções de investigação. Porquê? Porque se esta naturalidade espiritual não existir na mente do investigador pode acontecer que a objectividade com que se parte para a apropriação do real não seja senão um mero escape à subjectividade com que o Homem caracteriza e descreve o Mundo. Interessa-nos esta atitude porque através dela habituamo-nos a aceitar o conhecimento como um facto natural mas do qual faz parte a luta para o tornar cada vez mais objectivo. É então esta aparente contradição que faz emergir a necessidade de recorrer à investigação, não apenas usando a reflexão como estratégia primeira mas a análise crítica também, e em consequência. Claro que numa primeira instância todo o conhecimento é um dado psíquico, mas Husserl habituou-nos a colocar aqui uma intrigante questão: 36 “O conhecimento é, em todas as suas configurações, uma vivência psíquica: é conhecimento do sujeito que conhece. Perante ele estão os objectos conhecidos. Mas, como pode o conhecimento estar certo da sua consonância com os objectos conhecidos, como pode ir além de si e atingir fidedignamente os objectos?” (p. 42) Na passagem do pensamento natural para a atitude crítica do conhecimento nasce não só o que Husserl chama uma gramática pura, ou seja, uma capacidade de renomear os objectos segundo lógicas diversas das que nos permitiam utilizá-los empiricamente mas, também, uma lógica normativa que baliza as estratégias de acção na utilização desses mesmo objectos. Dito de forma mais corrente, aprimora-se a linguagem e aumenta o rigor na manipulação do Mundo. Isto significa não só um momento de profunda reorganização do pensamento como também de construção de novas técnicas de pensar. É então neste momento que o pensamento parte para as análises críticas tão caras ao conhecimento científico. Espelhar significa então ser capaz de num primeiro momento de reflexão enquistarmonos a fim de viver a negatividade para que, deixando que na mente ocorram as transformações referidas, se consiga criar capacidades de caracterizar a realidade de outras maneiras e segundo novas linguagens. É como anteriormente se referiu deixar que apareça em nós a intencionalidade e a vontade de organizar criticamente o conhecimento. É, a limite, deixar que se instale o mistério do não conhecido a fim de começarmos a mergulhar nessa opacidade. O espelhamento torna mais fácil a renomeação das experiências, mesmo daquelas que nos parecem mais íntimas. É consequência de se querer abandonar a posição de enquistamento com que se iniciou a reflexão sobre o diálogo que estabelecemos com o Mundo. Tal fica a dever-se ao facto de aumentar no indivíduo o seu índice de questionamento, a si, aos outros e ao próprio Mundo, e de se porem em marcha os princípios que defendemos na nossa obra Ensaios sobre o desenvolvimento humano. Na figura a seguir pode ver-se como entendemos que o espelhamento ajuda o Homem a dialogar com o Mundo. Acautelemo-nos, porém, já que este exercício não é um acto fácil. Intuição e imaginação dão-se de um lado, para forçar a razão do outro. Interessante é contudo verificar que as três capacidades juntam esforços para fazer com que apareçam zonas de intercepção, cuja finalidade é deixar que se expressem necessidades. São estas zonas de confluência que chamamos ondas informativas da mente. Na mente, sucessivos bloqueios acontecem, porque diversos constrangimentos à acção paralisam o aparecimento do sentido do agir. Torna-se então necessário caracterizar sistematicamente o Mundo para que, reflectindo sobre ele, mude o estado de paralisia anterior. Porém, reflectir só, não chega, já que a reflexão por si não permite que se expressem muitas das necessidades latentes que vagueiam no mar do pensamento. As ondas que se vão formando crescem em curva a partir desse mar revolto e a sua concavidade consubstancia a superficie das análises que o pensador vai fazendo, a fim de poder navegar nessa interioridade, a um tempo fina, mas deslizante. Qual surfista 37 que aproveita a dinâmica analítica do túnel que se forma, o caminhante, que o mesmo é dizer, navegante, espera então o tempo derradeiro da síntese que o momento de toque da crista da onda com o mar à frente simboliza, para sair do túnel que atrás de si se vai progressivamente fechando. A habilidade está em não cair e em ir aproveitando a velocidade das análises para, por fim, se deixar submergir, já perto de terra firme, pela síntese das águas então menos turbulentas e revoltas. Importa sobretudo não cair durante a viagem, e se ser exímio nos movimentos de adestramentos típicos do surfar a onda é importante, não menos o é ser capaz de manter o equilíbrio que as sistemáticas análises impõem. Para tal, torna-se indispensável caracterizar sistematicamente a situação que a todo o momento se transfigura, descrever pelos sentidos as características do mar onde se navega, tipificar adequadamente cada momento e particularidade dos fenómenos experienciados, sobretudo os de deslizamento e subida na concavidade da onda e os de adequação do tempo de execução ao espaço exíguo que se tem para abrir, na mesma, a linha de rumo que se tem de seguir, a fim de que a acção se cumpra com sentido adequado. Há que ser então analítico mas, acima de tudo, utilizador parcimonioso das competências criticas que o jogo de equilíbrios anteriores impõe. Pelo espelhamento adquire-se e aprimora-se essa competência, sendo justamente este ganho que se torna decisivo, já que por via dele se perde o medo em agir, conquistandose a serenidade humilde de nos deixarmos conduzir pela acção, ainda que pertencendonos determiná-la a contento. O exemplo anterior do surfista talvez facilite a compreensão do esquema racional que a figura a seguir consubstancia: 38 vendo, olhando, escutando para caracterizar Intuição e imaginação dão-se para organizar a relação traços,/indícioscampos de acção negociando a explicitação de necessidades intgernas e externas fazendo aparecer o sentido da acção orientado para a reflexão conducente à mudança zona de confluência das necessidades latentes com as explicitadas razão emerge para constranger o agir tornando necessário o aparecimento de cartas de sinais de necessidades razão emerge para constranger o agir tornando necessário o aparecimento de cartas de estratégias de acção intuição, imaginação e razão dão-se para desocultar a acção tornando necessário o aparecimento de ambientes não só reflexivos mas também técnico/críticos Com a emergência das preocupações analíticas e críticas faz-se nascer a tendência para a organização de dados que passem a ser os referentes para as mundivivências que se desejam experimentar. É o que se pode designar por entendimento de dados absolutos e que não sendo determinados pela objectividade das realizações imediatas se afirmam indicadores das finalidades últimas para que tendem as acções do Homem. Descobre-se então aqui a dimensão teleológica do pensamento e por isso se pode dizer que a fenomenologia enquanto crítica do conhecimento, faz descobrir os desígnios ocultos da espécie. Não custa certamente aceitar que segundo a perspectiva fenomenológica a imaginação é a grande responsável pelo conhecimento. Nas nossas obras dizemos mesmo que esta responsabilidade se estende ao conhecimento científico. Na perspectiva husserliana a imaginação é a capacidade que o Homem mobiliza, quando já suficientemente capaz de exercer o questionamento eficaz se sente 39 capacitado para reinterpretar o conhecimento que imana das suas interpelações ao real. É esta a função do cógito e por isso Descarte dizia que “se penso logo existo”. Da dialéctica que aqui estamos a desenhar faz parte agora aprofundar as análises críticas a fim de deixar que se instale a intencionalidade de diálogo com o Mundo. É o deixar de conceber o diálogo anterior apenas em função de interesses pessoais e permitir que a relação com outros Eus seja marcada pela intencionalidade de orientarmos a caminhada para o universo que nos rodeia em função de indicadores que nos são sempre externos. Imaginando transcendemo-nos e caracterizando os fenómenos vamos intuindo que eles são diversos, ainda que neles se manifeste o que é universal. Descrevendo-os vamo-los intuindo nas suas particularidades O espelhamento ajuda à redução fenomenológica já que, de análise em análise, de síntese em síntese, se vai descrevendo com mais rigor o que é imanente e, ao mesmo tempo, desvendando o que é transcendente. Tomamos então posse do Ser. O processo dialéctico da fenomenologia do conhecimento acaba com a organização e implementação de novos e diferentes modos de ser, ou seja, com a aquisição de comportamentos diferentes dos que se tinham como normais e marcavam a relação com o Mundo. E se os modos do ser se alteram não menos é verdadeiro que se modificam as formas de estar e fazer. Eis a consequência directa da entrada em funcionamento dos novos dados trazidos pela intuição, fruídos pela percepção e laboriosamente trabalhados pela imaginação. O conjunto de ideias que anteriormente desenvolvemos em torno da problemática do espelhamento tem sido, como de resto várias vezes referimos, desenvolvido por nós na formação dos enfermeiros. Temo-lo feito leccionando tanto na formação inicial como na especializada. Por isso, ao encerrar o conteúdo desta brochura, parece-nos correto dar a conhecer o programa segundo o qual temos desenvolvido as nossas leccionações. 40 - SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO - O ESPELHAMENTO COMO TÉCNICA DE FORMAÇÃO Espelhar para transcender Prof. Doutor: Luís Marques Barbosa 41 Programa 1ª Unidade temática O nascimento de uma nova metodologia. Questões de princípio 2ª Unidade temática Um pouco de história 3ª Unidade temática Fundamentos teóricos do Espelhamento 4º Unidade temática Fundamentos metodológicos do Espelhamento 5ª Unidade temática A criação de situações de Espelhamento 6 Bibliografia de apoio A aplicação da técnica do espelhamento traz consigo a necessidade de o professor recorrer a uma postura de observador da acção prática da criança, não se centrando apenas na avaliação formal, mas sim nos elementos de controlo da relação educador/educando, que o mesmo é dizer, formador/formando, que favoreçam e desenvolvam a empatia entre ambos. Fortemente orientada para a Pedagogia de Ajuda ao Outro podemos materializá-la em esquema do seguinte modo: 42 Técnica de Espelhamento 1º momento - Observação de estudantes em situação de sala de aula sujeitos ainda a acções de formação descontextualizada mas manifestando já comportamentos típicos de procedimentos espontâneos que permitem avaliar da adequação dos mesmos a futuras situações concretas, face não só às suas possibilidades de execução mas, também, tendo em conta reais necessidades de acompanhamento (ênfase na provável relação futura com crianças e alunos em situações de intervenção concretas). 2º momento - Observação de gestos técnicos simples em contexto, sua sequêncialização e orientação tendo em conta os objectivos das execuções. - Observação com parceiro das tarefas realizadas e das suas características. 3º momento - Observação de gestos próprios e avaliação pessoal dos mesmos aquando da aplicação de técnicas básicas sujeita a validação de supervisor. 1ª. Fase - Avaliação de indicadores técnicos e relacionais. - Avaliação de indicadores de utilização de recursos. - Avaliação de competências relacionais. 2ª. Fase -Avaliação das capacidades de controlo emocional durante as execuções. - Avaliação da conquista da autonomia. - Avaliação do controlo das emoções pessoais. 3ª. Fase - Avaliação da forma como o agente em formação construiu a representação simbólica da acção. Fonte: BARBOSA, L. (1994) – La caracterization des processus de formation et la formation des formateurs comme strategies de changement organizationnel. Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de CAEN (p.296). Como já várias vezes referimos, temos procurado adaptar muitas das nossas intervenções técnicas ao universo da formação em enfermagem. Neste nosso esforço temos sido secundados por colegas que procurando desenvolver as suas linhas de investigação têm permitido não só testar as múltiplas aproximações ensaiadas mas, também, inovar alguns aspectos das aplicações instrumentais e metodológicas. Um dos exemplos do que acabamos de referir pode ser expresso ao colocar a seguir a matriz resultante da aplicação do modelo anterior da técnica do espelhamento ao contexto da formação inicial de enfermeiros: 43 Técnica de Espelhamento ACÇÃO - Observação em situação simulada: - Dos gestos técnicos, sua sequêncialização e orientação. - Das tarefas realizadas e suas características. (Estudantes em situação de sala de aula, confrontados com os seus procedimentos espontâneos e pondo em evidência as suas possibilidades e necessidades face à hipótese de futura relação concreta com doentes). ACÇÃO - Observação em situações concretas (desenvolvimento a pares): 1ª. Fase - Dos gestos típicos da manipulação de técnicas básicas (medir tensão arterial, fazer um penso,...). - Da forma como faz a exploração da intervenção técnica/relacional. - Da forma como manipula os materiais (pinças, seringas, sondas,…) - Da forma como utiliza competências relacionais. 2ª. Fase - Das capacidades de controlo emocional durante a prestação de cuidados. - Da forma como organiza a acção e a controla, tendo em conta a necessária conquista da autonomia e do adequado autoconceito. 3ª. Fase - Da forma como explora e controla as emoções pessoais e colaterais. - Da forma como constrói a representação simbólica da acção. Fonte : FERREIRA, C : Dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Évora, adaptado de BARBOSA, L. (1994) – La caracterization des processus de formation et la formation des formateurs comme strategies de changement organizationnel. Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de CAEN (p.296). A encerrar vale a pena ainda dar conta de algumas da fichas de trabalho que colocamos à consideração dos alunos em formação a fim de que a partir das mensagens nelas contidas reflictam sobre a importância da utilização da técnica do espelhamento mediatizado. 44 5) A Dimensão prática do espelhamento FICHAS PARA DESENVOLVIMENTO DE TRABALHOS PRÁTICOS 45 Ficha 1 Diz-nos a experiência que um bom começo para a aplicação desta técnica é fazer com que a tentativa de compreender melhor a realidade se inicie sem a preocupação de criticar saberes que se têm, ou que estão na posse de outros, ainda que a prática da negatividade seja a primeira atitude que o espírito desencadeia quando em causa está quermos compreender melhor Mundo. 46 Ficha 2 Fundamentos Espelhamento metodológicos do Tem na técnica de Observação o seu grande suporte. É utilizado para introduzir práticas de reflexão sistemática. É utilizado para que se passe da descrição factual dos fenómenos para a análise crítica. Pode ser desenvolvido a pares, ou em grupo. 47 Ficha 3 Perguntas que devem ser feitas antes de aplicar a técnica Como se devem analisar os dados? O que se observa? Quem se observa? Como se observa? Quando se observa? Em que lugar se observa? Como se registam os dados observados? O que se deve registar? Que uso se deve fazer dos dados analisados? 48 Ficha 4 No acto educativo é cada vez mais necessário trabalhar com base no: Diagnóstico de necessidades 49 Ficha 5 Educativas dos alunos Formativas dos agentes educativos 50 Ficha 6 A atitude de pesquisa implica: Saber caracterizar o real 51 Ficha 7 E saber caracterizar o real implica: Descrever fenómenos Tipificar indicadores de análise Categorizar informação Seleccionar informação Aplicar informação 52 Ficha 8 Saber observar: O que se observa Quem se observa Como se observa Quando se observa Onde se observa 53 Ficha 9 Quando a problemática é humana também é necessário: Ouvir o outro 54 Ficha 10 Para reconhecer identidade melhor a sua Para lhe exprimir adequadas opiniões Para lhe fazer justos pedidos Para enfatizar as suas atitudes Para lhe recusar atitudes 55 Ficha 11 Para ouvir críticas atentamente as suas Para lhe emitir respeitosas críticas Para o motivar a contento Para o ajudar a vencer medos 56 Ficha 12 Para o ajudar a adaptar-se a novas situações Para empatizar com ele Para prevenir insucessos Para gerir conflitualidades 57 Ficha 13 A fim de sermos orientados no Sentido de ajuda ao outro Criando distanciamento calculado Criando distanciamento autonómico Criando a escuta selectiva Organizando a escuta defensiva Construindo a escuta intencional Preparando a escuta avaliativa 58 Ficha 14 Preparando a escuta contundente Organizando o sentimento de empatia e a Pedagogia de ajuda 59 Ficha 15 Como aplicar a técnica Observações avulsas quotidianas Observações Deliberadas Sistemáticas não Sistemáticas Menos Mais Formais Formais Situações espontâneas Situações Específicas, questões não particulares Situações específicas, questões particulares Descrições de superfície Descrições das estruturas profundas Entendimento do real Compreensão do real Olhar Ver Observar Clarifica as descrições factuais Induz na busca pelo significado das acções Permite contrastes Torna viáveis certos vínculos causais 60 Ficha 16 O QUE O ESPELHAMENTO FAZ AUMENTAR A autonomia face ao indivíduo e à técnica As intenções de corresponsabilização O espírito crítico O desenvolvimento relacional entre os pares O relacionamento entre os intervenientes no processo dialéctico A coesão da parceria por obrigar à vivência mútua de momentos de sucesso e insucesso O nível de determinação da reflexão após as execuções 61 Ficha 17 O QUE O ESPELHAMENTO FAZ DIMINUIR O stress dos actores ao longo da execução das actividades O distanciamento de estatutos Os preconceitos sociais O distanciamento calculado entre pares O medo de reflectir conjuntamente A fuga às análises O desinteresse em realçar os pontos fracos As dificuldades de auto-consciencialização O cansaço nas aprendizagens As dificuldades de caracterização do real As dificuldades de descrever os objectos do conhecimento 62 6) Bibliografia geral de apoio Barbosa, L.; La Caracterisation des processus de formation et la formation des formateurs comme strategies de changement organisationnel (vol.I,II.III); Caen, Université de Caen (tese de doutoramento), 1994 Barbosa, L.; Da Análise de Contextos Educativos e da Criança enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista; Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2001 Barbosa, Luís Marques: “Uma Perspectiva Pedagógica na Formação Profissional”; Lisboa, “Noesis a Revista do Professor”, nº 1, 1987 Barbosa, Luís Marques: A Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo; Porto, Edições A.S.A, 1990 Barbosa, Luís Marques: La Caracterisation des processus de formation des formateurs comme strategies de changement organisationnel (I, II e III); Caen, Université de Caen (tese para defesa do grau de doutor), 1994 Barbosa, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de Deus, 1997 Barbosa, Luís Marques: Pensar a Escola e seus Actores, Mem-Martins, Associação de Professores de Sintra, 1997 Barbosa, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de Deus, 1997 Barbosa, Luís Marques: Ciências da Educação e Fundamentos de Gestão; Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 1999 Barbosa, Luís Marques: A Avaliação e a Supervisão, Instrumentos de Gestão Estratégica das Organizações Educativas; Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 1999 Barbosa, Luís Marques: Da Relação Educativa à Relação Pedagógica, Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2000 Barbosa, Luís Marques: Da Análise de Contextos Educativos e da Criança Enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista, Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2001 Barbosa, Luís Marques: Ensaio Sobre o Desenvolvimento Humano - De Uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como Implicação, Lisboa, Instituto Piaget, 2002 osa 63 Barb, Luís Marques: Ensaio Sobre Fenomenologia do Conhecimento – Do Espelhamento à Transcendência, Évora, Universidade de Évora, 2003 Barbosa, Luís Marques: A Escola Sensível e Transformacionista – Uma Organização Educativa para o Futuro; Alpiarça, Edições Cosmos, 2004 Bergson, H.; Matiére et mémoire; Paris, P.U.F., 1999 (6ª ed.) Bergson, H.; Ensaios sobre os Dados Imediatos da Consciência; Lisboa, Edições 70,1988 Ferreira, Carlos Manuel Santos: Terapêuticas Complementares: Um Contributo para a divulgação da Homeopatia; Coimbra, 1996 Ferreira, Carlos Manuel Santos e al: Terapias Naturais na Prática de Enfermagem; Coimbra, Formasau, 2003 Habermas, J; Técnica e Ciência como “Ideologia”; Lisboa, Edições 70, 1997 Hegel, G.W.F.; Fenomenologia do Espírito; Petrópolis, Editora Vozes, 2001, (parte I, 6ª Ed.), (parte II, 5ª Ed.) Husserl, E.; A Ideia da Fenomenologia; Lisboa, Edições 70, 1989 Kant, E.; Critique de la raison pure, Paris, P.U.F., 1944 Phaneuf, Margot: Guide d’apprentissage en milieu psychiatrique, Saint-Hyacinthe, Édisem, 1980 Phaneuf, Margot : Guide d’apprentissage de la démarche de soins, Paris, Masson, 1996 Phaneuf, Margot : La planification de soins. Un système intégré et personnalisé, Montréal, Chenelière/McGraw-Hill, 1996 Phaneuf, Margot : Relação de Ajuda. Elemento de competência da enfermeira, traduzido por Nídia Salgueiro, Coimbra, Portugal, Cuidar, 1997 Phaneuf, Margot: Démarche de soins face au vieillissement perturbé, Paris, Masson, 1998 Phaneuf, Margot e Louise Grondin : Diagnostic infirmier et rôle autonome de l’infirmière, Montréal, Études vivantes, 2000 Phaneuf, Margot: Comunicação, entrevista, relação de ajuda e validação; Lisboa, Lusodidáctica 2005 As temáticas anteriormente desenvolvidas foram amplamente problematizadas no âmbito de um curso intensivo realizado em Portugal, na Universidade de Évora e no contexto de formação superior especializada conforme a seguir se dá conta. 64 UNIVERSIDADE DE ÉVORA DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA E EDUCAÇÃO, ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM S. JOÃO DE DEUS (ÉVORA) Mestrado: A Criança em Diferentes Contextos Educativos -Curso Intensivo“Os efeitos de espelho, Comunicação e Sentido de Ajuda, preocupações comuns à Educação e à Saúde” Intervenientes : Profª. Doutora Margot Phaneuf, (Participação especial) Prof. Doutor Luís Marques Barbosa, Universidade de Évora Profª Coordenadora Drª Gabriela Calado, Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes, Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus Drª Anjos Bento, Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira, Escola Superior de Enfermagem, Bissaya Barreto Fevereiro, 2005 Apoios: Edições Cosmos Lusodidáctica Fundação Molina Fundação Eugénio de Almeida 65 Programa 17.02.05 9,00 h Recepção aos participantes, cumprimentos e satisfação de formalidades 9,30 h Sessão plenária: “Os Efeitos de Espelho, Comunicação e Sentido de Ajuda, preocupações comuns à Educação e à Saúde Intervenientes: Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes Prof. Doutor Luís Marques Barbosa Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira Profª. Doutora Margot Phaneuf Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação. 11,00 h Abertura do Curso 1ª sessão temática: “Os Doentes e os Enfermeiros; Construção de Uma Relação”. Responsáveis: Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes e Drª. Anjos Bento Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação, mas enfatizando relações terapêuticas. 12,30 h Almoço 66 14,00 h (Continuação do Curso) 2ª sessão temática: “A Comunicação e a Relação como Instrumentos Terapêuticos” Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação. 16,00 h pausa 16,30 h 3ª sessão temática: “Diagnóstico de necessidades e Pedagogia de Ajuda, instrumentos fundamentais tanto no Ensino como na Formação Profissional” (1ª parte) Responsável: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação, mas enfatizando as relações de tipo educativo/formativo. 18,30h Lançamento da obra: « Communication, entretien, relation d’aide et validation » Autora: Profª. Doutora Margot Phaneuf Sessão apoiada por Edições Lusodidáctica que editam a obra e a ter lugar na Escola de Enfermagem S. João de Deus, Évora. 20,00 h Jantar social 67 18.02.05 (Continuação do Curso) 10,00 h 4ª sessão temática: “A organização da Comunicação funcional, preocupação profissional quotidiana » Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação. 12,30 h Almoço 14,00 h 5ª sessão temática: “Diagnóstico de necessidades e Pedagogia de Ajuda, instrumentos fundamentais tanto no Ensino como na Formação Profissional” (2ª parte) Responsável: Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação, mas enfatizando as relações de tipo educativo/formativo. 16,00 h pausa 16,30 h 6ª sessão temática: “Conhecer e interagir com o outro, jogos de mecanismos de adaptação e de defesa” Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da Saúde e Educação. 68 18,30 h Lançamento da obra: “A Escola Sensível e TransformacionistaUma Organização para o Futuro” Autor: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa Sessão apoiada por Edições Cosmos que editam a obra e a ter lugar na Universidade de Évora. 19.02.05 10,00 h 7ª sessão temática: “A Validação enquanto técnica de comunicação nas situações de ajuda complexa” Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf Sessão destinada a todos os inscritos no Curso e durante a qual se procura enfatizar a importância da utilização desta técnica tanto no domínio da Saúde como no âmbito da Educação Especial, sobretudo quando se lida com seres humanos possuídos de défices cognitivos. 12,30 h Almoço 14,00 h Sessão de síntese temática : “Efeitos de espelho e desenvolvimento profissional” Profª. Doutora Margot Phaneuf Prof. Doutor Luís Marques Barbosa Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes Sessão apoiada pela apresentação de trabalhos orientados por investigadores portugueses, destinada a todos os inscritos e durante a qual se enfatizará a pertinência da utilização da técnica do espelhamento, tanto nos domínios da Saúde como nos da Educação e Formação. Aproveitar-se-á o momento para relevar também a importância de ter esta técnica como sustentáculo da Investigação-Acção/Formação sempre que a pesquisa esteja orientada para o desenvolvimento humano e organizacional. 17,30 h Sessão de encerramento 69 Os Dinamizadores das sessões: Prof.ª Doutora Margot Phaneuf Após ter obtido uma formação universitária em Ciências de Enfermagem, Margot Phaneuf obtém, na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Montreal, uma “Maîtrise” em Educação e um Doutoramento em Didáctica. A sua carreira tem-se repartido não só por actividades de ensino e formação universitária mas, também, na área dos cuidados de enfermagem. Autora de vastíssima obra, os seus livros e artigos repartem-se pelos domínios da planificação dos cuidados de enfermagem, a formação de enfermeiros e de agentes de intervenção social, a formação farmacológica e a avaliação de competências profissionais. É consultora superior para questões de saúde e formação profissional junto de vários governos e instituições internacionais, actuando neste momento de forma muito particular junto do Governo do Québec e da Comissão Europeia. Saliente-se que a Prof.ª Margot tem feito questão de que os seus últimos livros, orientados sobretudo para a formação dos enfermeiros, respaldem as grandes preocupações que têm timbrado as reformas educativas canadianas e europeias, o que significa que ao ler-se os seus livros e ao privar-se com a autora se colhe a sensação de se estar perante fontes ricas de saber experienciado e actualizado. Quando se entra em contacto com o que escreve sobre a temática da Comunicação e se ouve a forma como dialoga com os seus interlocutores rápido se percebe que a maneira como intui a problemática do diálogo colhe o Homem em toda a sua extensão. Preocupada com os chamados défices de relação, Margot Phaneuf assemelha-se a uma verdadeira operária da reconstrução do diálogo. Não estamos porém perante uma trabalhadora da linguagem técnico/esteriotipada, ao invés, nas suas intervenções sentese a fusão entre a utilização técnica e científica da linguagem e a arte de bem dirigir a palavra. Nos prefácios que autores insuspeitos escrevem para anteceder os conteúdos dos seus livros lê-se que a autora possui a rara capacidade de explicar com simplicidade tanto as particularidades da teoria como as matreirices da prática, sendo sentimento generalizado que no final dos seus cursos se fica mais apto a encetar o exercício difícil do “saber estar com” o outro. 70 As sua principais obras são: PHANEUF, Margot: Guide d’apprentissage en milieu psychiatrique, Saint-Hyacinthe, Édisem, 1980 PHANEUF, Margot : Guide d’apprentissage de la démarche de soins, Paris, Masson, 1996 PHANEUF, Margot : La planification de soins. Un système intégré et personnalisé, Montréal, Chenelière/McGraw-Hill, 1996 PHANEUF, Margot : Relação de Ajuda. Elemento de competência da enfermeira, traduzido por Nídia Salgueiro, Coimbra, Portugal, Cuidar, 1997 PHANEUF, Margot: Démarche de soins face au vieillissement perturbé, Paris, Masson, 1998 PHANEUF, Margot e Louise Grondin : Diagnostic infirmier et rôle autonome de l’infirmière, Montréal, Études vivantes, 2000 PHANEUF, Margot: Communication, entretien, relation d’aide et validation; Montréal (Québec), Les Éditions de la Chenelière, McGraw-Hill, 2002 71 Prof. Doutor Luís Marques Barbosa Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e em Ciências da Educação pela Universidade de Caen (França). Nesta mesma Universidade fez a “Maîtrise” em Psicologia e Ciências da Educação e o Doutoramento em Letras e Ciências Humanas/Ciências da Educação. Professor Associado de nomeação definitiva da Universidade de Évora, ensina Filosofia do Desenvolvimento, investiga em Análise da Acção Educativa e na Formação de Educadores e Professores. Ligado ao Ensino Técnico-Profissional, tem também exercido funções docentes na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e na Universidade Católica Portuguesa. No Instituto Superior de Línguas e Administração foi responsável pelas cadeiras de Psicossociologia das Organizações e Comunicação Organizacional. Sendo colaborador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa, tem leccionado ainda na Escola Superior de Educação João de Deus em Lisboa e na Escola Superior de Enfermagem de Évora as disciplinas de Métodos e Técnicas de Investigação em Educação, Observação e Caracterização da Realidade e Pedagogia Geral. Tendo sido responsável pela concepção e implementação, em Lisboa, de um centro de formação e integração social para jovens em risco, deixou expresso na obra “A Formação do Jovem – Um Modelo Interactivo” (Porto, Ed. ASA, 1990) a estrutura do modelo pedagógico arquitectado bem como os currículos alternativos que, ao longo do tempo, foram desenvolvidos. As principais obras são: BARBOSA, Luís Marques: “Uma Perspectiva Pedagógica na Formação Profissional”; Lisboa, “Noesis a Revista do Professor”, nº 1, 1987 BARBOSA, Luís Marques: A Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo; Porto, Edições A.S.A, 1990 BARBOSA, Luís Marques: La Caracterisation des processus de formation des formateurs comme strategies de changement organisationnel (I, II e III); Caen, Université de Caen (tese para defesa do grau de doutor), 1994 BARBOSA, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de Deus, 1997 BARBOSA, Luís Marques: Pensar a Escola e seus Actores, Mem-Martins, Associação de Professores de Sintra, 1997 72 BARBOSA, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de Deus, 1997 BARBOSA, Luís Marques: Ciências da Educação e Fundamentos de Gestão; Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 1999 BARBOSA, Luís Marques: A Avaliação e a Supervisão, Instrumentos de Gestão Estratégica das Organizações Educativas; Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 1999 BARBOSA, Luís Marques: Da Relação Educativa à Relação Pedagógica, Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2000 BARBOSA, Luís Marques: Da Análise de Contextos Educativos e da Criança Enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista, Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2001 BARBOSA, Luís Marques: Ensaio Sobre o Desenvolvimento Humano - De Uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como Implicação, Lisboa, Instituto Piaget, 2002 BARBOSA, Luís Marques: Ensaio Sobre Fenomenologia do Conhecimento – Do Espelhamento à Transcendência, Évora, Universidade de Évora, 2003 BARBOSA, Luís Marques: A Escola Sensível e Transformacionista – Uma Organização Educativa para o Futuro; Alpiarça, Edições Cosmos, 2004 73 Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira Licenciado em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca é Mestre em Educação/Administração Escolar pela Universidade de Évora onde se encontra a preparar tese de doutoramento em Ciências da Educação. Os seus domínios de investigação são tanto o Ensino Clínico como as Ciências de Educação. Repartindo as suas actividades lectivas tanto pela formação inicial como pela especializada de enfermeiros procura construir um novo modelo de formação. Em Maio do presente ano cumpriu mais um ano de trabalhos do projecto que abraçou. Pese embora os muitos afazeres que a vida docente lhe impõe, o Dr. Carlos Ferreira nunca se remeteu a uma inércia expectante dando conta nos seus relatórios de como tem desenvolvido as actividades de pesquisa por forma a criar parcerias institucionais orientadas para as actividades de investigação. Sendo seu propósito conseguir mudanças nos processos de formação dos enfermeiros e, por via disso, implementar novo e diferente modelo de formação do que vem sendo tradicionalmente seguido nas escolas de enfermagem, o Dr. Carlos Ferreira tem dedicado os primeiros anos de trabalho de investigação à análise e caracterização de contextos de intervenção, à negociação institucional do seu plano de trabalho, à organização de parcerias institucionais, ao estudo de pressupostos teóricos de ancoramento da investigação e a acções de auto-formação. Tendo-se especializado na utilização da técnica de espelhamento mediatizado, o seu maior esforço actual vai no sentido de generalizar a aplicação deste instrumento de formação. As suas obras são: FERREIRA, Carlos Manuel Santos: Terapêuticas Complementares: Um Contributo para a divulgação da Homeopatia; Coimbra, 1996 FERREIRA, Carlos Manuel Santos e al: Terapias Naturais na Prática de Enfermagem; Coimbra, Formasau, 2003 74