O estudo PLATO

Transcrição

O estudo PLATO
Estudo comentado
Nº. 1 | 2011
PLATO
(PLATelet inhibition and
patient Outcomes)
Comentado por:
José Carlos Nicolau
PLATO
(PLATelet inhibition and
patient Outcomes)
José Carlos Nicolau
Professor Associado da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP);
Diretor da Unidade de Coronariopatia Aguda
do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - USP.
CRM-SP: 21.038
2
PLATO
(PLATelet inhibition and
patient Outcomes)
Introdução
Existem vários mecanismos de agregabilidade plaquetária, sobre os quais atuam
diferentes antiplaquetários. Dos antiplaquetários “tradicionais”, o ácido acetilsalicílico
(AAS) bloqueia a ciclo-oxigenase e, no final
da cascata, também a produção do tromboxane A2, um potente indutor da agregabilidade plaquetária; já o clopidogrel inibe, de
forma irreversível, a ação do ADP, via bloqueio de seu receptor específico, o P2Y121.
Entretanto, há muito se sabe que o clopidogrel apresenta várias limitações, como,
por exemplo, lento início de ação e grande
variabilidade de resposta individual, que se
relacionam fundamentalmente ao seu complexo mecanismo de absorção e metabolismo, interações medicamentosas e presença
de polimorfismos relacionados basicamente
ao CYP2C192. Essas constatações apontaram para a necessidade de serem desenvolvidos novos produtos que apresentassem
fundamentalmente, em re­lação ao clopidogrel, maior rapidez de início de ação, maior
bloqueio médio da agregabilidade e menor
variabilidade interindividual. O prasugrel e
o ticagrelor, que preenchem essas características, já estão aprovados em nosso meio
e em diversos outros países. O ticagrelor,
primeiro bloqueador oral reversível do ADP
testado em um grande estudo de fase III, é
o alvo deste resumo.
O estudo PLATO
No estudo PLATO (PLATelet inhibition
and patient Outcomes) foram incluídos
18.624 pacientes portadores de coronariopatia aguda, com ou sem supradesnível de
segmento ST, randomizados para utilizar
clopidogrel ou ticagrelor nas primeiras 24
horas do evento agudo. A meta primária de
eficácia foi a análise das incidências do desfecho composto de óbito cardiovascular,
(re)infarto ou acidente vascular cerebral, e
o desfecho primário de segurança levou em
conta as incidências de sangramento maior
nos dois grupos analisados. Os desfechos
secundários pré-especificados incluíam análises isoladas de cada um dos componentes
do desfecho primário, além de mortalidade
global. Os pacientes foram seguidos por
até um ano2.
Os resultados iniciais do estudo foram
publicados em 20093. Os dados obtidos, no
que se refere ao desfecho primário, estão
sumarizados na Figura 1. Como se pode notar, ao final do seguimento, demonstrou-
3
PLATO
(PLATelet inhibition and
patient Outcomes)
se diminuição significativa na incidência de
eventos a favor do grupo ticagrelor, com
um NNT de apenas 54, o que significa que,
para cada 54 pacientes tratados com ticagrelor, em relação ao clopidogrel, pode-se
esperar a diminuição de um evento. Importante salientar que os benefícios se manifestam precocemente, com diminuição
significativa na incidência do desfecho primário já nos primeiros 30 dias de evolução
(hazard ratio = 0,88; P = 0,046), com as
curvas continuando a se separarem depois
dos 30 dias iniciais, até o final do seguimento (hazard ratio = 0,80; P< 0,001).
Em relação à incidência de sangramentos maiores (desfecho principal de segurança do estudo), contrário às expectativas,
não se encontraram diferenças significativas entre os grupos, tanto levando-se em
conta a definição do próprio estudo, quanto a definição do grupo TIMI, ou mesmo
transfusão sanguínea.
Alguns dos resultados mais relevantes
relacionados aos desfechos secundários
pré-especificados estão sumarizados na
Tabela 1. Como se pode notar o ticagrelor, em relação ao clopidogrel, diminuiu
de forma significativa a incidência de (re)
infarto e de óbito cardiovascular (NNT = 91);
ademais, diminuiu, também de forma significativa (P = 0,0003), a incidência de
óbito por qualquer causa, com NNT de
apenas 71,4. Finalmente, saliente-se que
o ticagrelor mostrou-se claramente eficaz
na diminuição de trombose de stent (diminuição de 33% na incidência de trombose
definitiva; P = 0,009). Do ponto de vista
de sangramento, detectou-se aumento
Incidência cumulativa (%)
Figura 1. Desfecho primário de eficácia (morte por causa cardiovascular, infarto ou acidente vascular cerebral.
13 12 11 10 9876543210-
9,8
Ticagrelor
p=0.0003
HR 0.84 (IC 95% 0.77-0.92)
RRR=16%, RRA=1.87%, NNT=54
0
60
120
180
240
300
360
Dias após a randomização
No. sob risco
4
11,7
Clopidogrel
Ticagrelor
9333
8628
8460
8219
6743
5161
4147
Clopidogrel
9291
8521
8362
8124
6743
5096
4047
K-M=Kaplan-Meier; HR=hazard ratio; IC=intervalo de confiança
Wallentin et al, NEJM 2009;361:1045
significativo na incidência do mesmo, no
grupo ticagrelor, quando se excluiu sangramento relacionado à cirurgia (NNT = 143;
P = 0,0264).
Dentre os efeitos colaterais mais comumente notados, salienta-se a incidência de
dispneia, que foi significativamente maior
(13,8%) no grupo ticagrelor, em relação ao
grupo clopidogrel (7,8%; P < 0,001). Entretanto, é importante recordar que esse
efeito costuma ser precoce e transitório,
levando à suspensão do tratamento em
menos de 1% dos casos (0,9% no grupo
ticagrelor e 0,1% no grupo clopidogrel).
Por outro lado, em busca ativa (monitorização contínua), notou-se, no grupo ticagrelor, aumento significativo na incidência
de pausas ventriculares, durante a primeira
semana de tratamento. Esses fenômenos
geralmente foram assintomáticos, ocorrendo fundamentalmente durante o período
noturno, e não se correlacionaram com
eventos clínicos, como síncope, necessidade de marca-passo ou parada cardíaca.
Nas análises realizadas após 1 mês de tratamento não foram detectadas diferenças
significativas entre os grupos, no que se refere a fenômenos bradicárdicos4.
Algumas publicações analisaram em
detalhes subgrupos pré-especificados e, de
maneira geral, mostraram resultados muito
similares aos obtidos na população global:
1. subgrupo “invasivo”5: diminuições significativas nas incidências do desfecho
primário (P = 0,0025), óbito cardiovascular (P = 0,025), mortalidade global
(P = 0,010), (re)infarto (P = 0,002), trombose provável/definitiva de stent
Tabela 1. Desfechos maiores de eficácia
Ticagrelor
(n=9333)
Clopidogrel
(n=9291)
HR para ticagrelor
(IC 95%)
Valor de p
864 (9.8) NNT=53
1014 (11.7)
0.84 (0,77-0.92)
0.0003
Morte total + IM +AVC
901 (10.2) NNT=48
1065 (12.3)
0.84 (0.77-0.92)
0.0001
Morte CV + IM + AVC +
isquemia severa + recorrente +
AIT + trombo arterial
1290 (14.6)
1456 (16.7)
0.88 (0.81-0.95)
0.0006
IM
504 (5.8)
593 (6.9)
0.84 (0.75-0.95
0.0045
Óbito CV
353 (4.0) NNT=91
442 (5.1)
0.79 (0.69-0.91
0.0013
AVC
125 (1.5)
106 (1.3)
1.17 (0.91-1.52)
0.2249
Óbito qualquer causa
399 (4.5) NNT=71
506 (5.9)
0.78 (0.69-0.89)
0.0003
Todos os pacientes
Objetivo primário, n(%/a)
Morte CV+IAM+AVC
Objetivos secundários, n(%/a)
Wallentin et al, NEJM 2009;361:1045
CV: cardiovascular; IAM: infarto agudo do miocárdio; AVC: acidente vascular cerebral; AIT: acidente isquêmico transitório
IM: infarto do miocárdio
5
PLATO
(PLATelet inhibition and
patient Outcomes)
6
(P = 0,01), sem diferenças significativas
nas incidências de acidente vascular cerebral ou sangramento maior;
2. subgrupo com infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST6:
hazard ratios de 0,85 (P = 0,02), 0,82
(P = 0,04), 0,84 (P = 0,09), 0,61
(P = 0,01), 0,77 (P = 0,01), respectivamente, para o desfecho primário, mortalidade global, mortalidade cardiovascular, trombose de stent e (re)infarto,
com incidências similares de sangramentos maiores nos dois grupos;
3. subgrupo com diabetes7: o ticagrelor foi
melhor do que o clopidogrel em todos
os parâmetros analisados e em pacientes com ou sem diabetes. Por exemplo,
para o desfecho primário de eficácia, a
P para interação (diabetes/não diabetes) foi de 0,49, o que significa que o
ticagrelor foi melhor do que o clopidogrel independentemente da presença
ou não de diabetes. Na mesma direção,
a P para interação, no que se refere à
mortalidade por qualquer causa, foi de
0,66, significando que ticagrelor diminui
mortalidade, em relação ao clopidogrel,
independentemente da presença ou
não de diabetes;
4. subgrupo submetido à cirurgia de revascularização miocárdica8: hazard ratios
de 0,84 (P = 0,029), 0,52 (P = 0,009) e
0,49 (P < 0,01), respectivamente, para o
desfecho composto, óbito cardiovascular e óbito por qualquer causa;
5. subgrupo com polimorfismos9: demonstração do beneficio do ticagrelor
em relação clopidogrel, independentemente da presença de polimorfismos
(P para interação = 0,46 para o caso
da presença ou não de polimorfismo
relacionado ao CYP2C19). Portanto,
o armamentário terapêutico disponível para tratamento de pacientes com
coronrariopatia aguda vem melhorando de forma consistente há décadas,
contribuindo significativamente para o
aumento na expectativa de vida observado na nossa população. Sem dúvidas,
o ticagrelor é uma opção bastante atraente dentro desse cenário de contínuo
desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
1. Storey RF. Biology and pharmacology of the
platelet P2Y12 receptor. Curr Pharm Des.
2006;12(10):1255-9.
2. James S, Akerblom A, Cannon CP, Emanuelsson
H, Husted S, Katus H et al. Comparison of ticagrelor, the first reversible oral P2Y(12) receptor
antagonist, with clopidogrel in patients with
acute coronary syndromes: Rationale, design,
and baseline characteristics of the PLATelet inhibition and patient Outcomes (PLATO) trial. Am
Heart J. 2009;157(4):599-605.
3. Wallentin L, Becker RC, Budaj A, Cannon CP,
Emanuelsson H, Held C et al. Ticagrelor versus
clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2009;361(11):1045-57.
4. Scirica B, Cannon C, Emanuelsson H, Michelson E, Harrington R, Husted S et al. The incidence of bradyarrhythmias and clinical bradyarrhythmic events in patients with acute
coronary syndromes treated with ticagrelor or
clopidogrel in the PLATO (Platelet Inhibition
and Patients Outcomes) Trial. J Am Coll Cardiol.
2011;57(19):1908-16.
5. Cannon CP, Harrington RA, James S, Ardissino
D, Becker RC, Emanuelsson H, Husted S, Katus
H, Keltai M, Khurmi NS, Kontny F, Lewis BS, Steg
PG, Storey RF, Wojdyla D, Wallentin L; PLATelet
inhibition and patient Outcomes Investigators.
Comparison of ticagrelor with clopidogrel in patients with a planned invasive strategy for acute
coronary syndromes (PLATO): a randomised double-blind study. Lancet. 2010;375(9711):283-93.
6. Steg PG, James S, Harrington RA, Ardissino D,
Becker RC, Cannon CP, Emanuelsson H, Finkelstein A, Husted S, Katus H, Kilhamn J, Olofsson S,
Storey RF, Weaver WD, Wallentin L; PLATO Study
Group. Ticagrelor versus clopidogrel in patients
with ST-elevation acute coronary syndromes
intended for reperfusion with primary percutaneous coronary intervention: A Platelet Inhibi-
tion and Patient Outcomes (PLATO) trial subgroup
analysis. Circulation. 2010;122(21):2131-41.
7. James S, Angiolillo DJ, Cornel JH, Erlinge D, Husted
S, Kontny F, Maya J, Nicolau JC, Spinar J, Storey RF,
Stevens SR, Wallentin L; PLATO Study Group. Ticagrelor vs. clopidogrel in patients with acute coronary syndromes and diabetes: a substudy from the
PLATelet inhibition and patient Outcomes (PLATO)
trial. Eur Heart J. 2010;31(24):3006-16.
8. Held C, Asenblad N, Bassand JP, Becker RC,
Cannon CP, Claeys MJ et al. Ticagrelor Versus
Clopidogrel in Patients With Acute Coronary
Planmark Editora Ltda.
Syndromes Undergoing Coronary Artery Bypass
Surgery Results From the PLATO (Platelet Inhibition and Patient Outcomes) Trial. J Am Coll Cardiol. 2011;57(6):672-84.
9. Wallentin L, James S, Storey RF, Armstrong M,
Barratt BJ, Horrow J, Husted S, Katus H, Steg
PG, Shah SH, Becker RC; PLATO investigators.
Effect of CYP2C19 and ABCB1 single nucleotide
polymorphisms on outcomes of treatment with
ticagrelor versus clopidogrel for acute coronary
syndromes: a genetic substudy of the PLATO trial.
Lancet. 2010;376(9749):1320-8.
Rua Basílio da Cunha, 891 - Vila Mariana - São Paulo - SP - CEP 01544-001 - Tel.: (11) 2061-2797
E-mail: [email protected]
© 2011 Planmark Editora Ltda. Todos os direitos reservados. OS 2366
Diretora executiva: Marielza Ribeiro, Gerente editorial: Karina Ribeiro, Coordenador editorial: Alexandre Barros,
Executivo de contas: Fábio Leal, Criação: Carlos Alberto Martins, Diagramação: Yuri Fernandes/Paulo Henrique.
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados,
sem a autorização prévia por escrito da Planmark Editora Ltda. O conteúdo desta publicação é de responsabilidade
exclusiva de seu(s) autor(es) e não reflete necessariamente a posição da Planmark Editora Ltda.
www.editoraplanmark.com.br
1621450 – Produzido em junho / 2011