DELPHOS ESPAÇO PSICO-SOCIAL PSICOTERAPIA

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DELPHOS ESPAÇO PSICO-SOCIAL PSICOTERAPIA
DELPHOS ESPAÇO PSICO-SOCIAL
PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA BIPESSOAL
O entendimento e a prática dos psicodramatistas contemporâneos.
Mary Marly Basilio de Barros
RIO DE JANEIRO
2009
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RESUMO
A autora apresenta um estudo sobre a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, através
das obras de Jacob Levy Moreno e de psicodramatistas contemporâneos, com o objetivo de
ampliar o conhecimento teórico e prático sobre essa modalidade de atendimento. Aborda a
importância da relação terapêutica, o trabalho com a transferência na psicoterapia
psicodramática e as adaptações na prática e nas técnicas do psicodrama clássico, para
aplicação no psicodrama bipessoal. E, ainda, propõe a sua inclusão como mais um
instrumento da Sociatria.
PALAVRAS-CHAVES
Psicodrama; psicoterapia psicodramática bipessoal; relação terapêutica; tele; transferência;
Diretor; ego-auxiliar.
ABSTRACT
The author presents a study about the Bipersonal Psychodrama Psychotherapy, through the
work of Jacob Levy Moreno and contemporary psychodramatists, trying to broaden the
theoretical and practical knowledge about this way of treatment. Broaches the importance of
the therapeutic relationship, the work with transference in psychodramatic psychotherapy and
the adaptations in practice and techniques of the classic psychodrama, to be applied in
bipersonal psychodrama. And, also, propose its inclusion as another instrument of the
Sociatry.
KEYWORDS
Psychodrama; bipersonal psychodrama psychotherapy; therapeutic relationship, tele;
transference; director; auxiliary ego.
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SUMÁRIO
Introdução
....................................................................................................
Capítulo 1. A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal
..................................
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Capítulo 2: A relação terapêutica e a Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal
.................................................................................... 14
Capítulo 3: A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal e o trabalho
com a transferência
................................................................. 22
Capítulo 4: A prática psicodramática e as técnicas na Psicoterapia
Psicodramática Bipessoal
......................................................... 41
Capítulo 5: Um caso clínico e a minha prática atual na Psicoterapia
Psicodramática Bipessoal
Conclusão
........................................................ 62
.................................................................................................... 72
Referências bibliográficas
............................................................................ 78
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INTRODUÇÃO
Sendo uma psicodramatista iniciante na prática de atendimentos individuais sem a
presença de egos-auxiliares, prática esta conhecida como Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal, sentia dificuldade de, na cena dramática, no papel de diretor, entrar no papel de
ego-auxiliar. Ou seja, era difícil para mim, atuar nos contrapapéis e, até mesmo, no próprio
papel do cliente.
Por outro lado, sentia-me insegura quanto às técnicas a utilizar, uma vez que teria que
funcionar ao mesmo tempo como diretora da cena dramática e como ego-auxiliar. Faltava-me
a espontaneidade e a criatividade que via acontecer naturalmente em supervisões e
apresentações de psicodramatistas mais experientes.
Minha experiência, até então, havia sido com grupos, como terapeuta e como cliente
de psicoterapia e, principalmente, em atividades sócio-educacionais.
Sabemos que o Psicodrama foi criado para o grupo. Assim, há todo um conjunto de
instrumentos disponíveis e, mais especificamente, estou falando das pessoas do grupo que
funcionam como egos-auxiliares. Sentia falta dos egos-auxiliares. Sem eles, parecia que o
trabalho ficava incompleto, empobrecido e, o pior, desaquecido.
Havia ainda um outro ponto, talvez o mais importante, que permeava todas estas
apreensões: estou trabalhando com psicodrama?
Tomada, então, por estas questões, resolvi melhor compreender essa modalidade de
atendimento e suas correlações teóricas, com o objetivo de favorecer o desenvolvimento de
meu papel de psicoterapeuta de psicodrama bipessoal.
Assim, iniciei um estudo dos escritos de Dalmiro Bustos, José Fonseca Filho, Laurice
Levy, Maria da Penha Nery, Noemy Lima, Rosa Cukier, Sérgio Perazzo e Teodoro Herranz.
Obras essas, que recomendo a leitura e estudo. Com o mesmo propósito, revisitei a obra de
Jacob Levy Moreno, mesmo considerando que a sua proposta teórica e prática está
direcionada para o trabalho com grupos, o que no meu entender faz da Psicoterapia
Psicodramática Bipessoal uma espécie de licença poética da obra original.
O que pretendia com este estudo?
Em primeiro lugar obter um amplo conhecimento sobre a Psicoterapia
Psicodramática Bipessoal. Assim, julguei importante incluir os seguintes temas: a relação
terapêutica; os conceitos de tele e transferência e a ocorrência desses fenômenos nessa
relação; o trabalho com a transferência na prática psicodramática; os cuidados e ajustes
efetuados e recomendados por alguns autores para o atendimento bipessoal; o preparo do
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terapeuta para atuar, senão no papel de ego-auxiliar, pelo menos com a função de ego-auxiliar
e ainda, algumas das técnicas psicodramáticas mais adequadas a essa modalidade.
Objetivando estruturar o trabalho de maneira mais didática, organizei os temas acima
em capítulos. E, dessa mesma forma apresento a visão dos autores sobre cada tema,
acompanhado de meu entendimento sobre o material pesquisado.
O presente estudo tem ainda a importante missão de ser o trabalho de conclusão de
curso do nível III, o que viabilizará a obtenção do título de Psicodramatista Didata Supervisor.
Acredito também que este material que ora apresento possa ser útil para colegas,
psicodramatistas, em sua prática clínica.
Por fim, desejo contribuir para a validação dessa prática junto a Sociatria de Moreno.
Além do Sociodrama, da Psicoterapia de Grupo e do Psicodrama por ele desenvolvidos, é
possível acrescentar a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal criada por Dalmiro Bustos e tão
largamente praticada por nós, psicodramatistas?
Capítulo 1: A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal
Um grupo começa com duas pessoas,
quando o terapeuta é um verdadeiro segundo
e não apenas um observador.
Jacob Levy Moreno
Apresento, neste capítulo, o resultado de meu estudo sobre a modalidade de
atendimento conhecida como a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, através do
entendimento de importantes psicodramatistas contemporâneos. E, principalmente, como se
relaciona com a teoria de Jacob Levy Moreno, pois a questão que sempre esteve em minha
mente é se essa prática é Psicodrama.
Aliás, para minha surpresa e, confesso, até certo alívio, essa mesma preocupação
encontrei na grande maioria dos autores estudados.
“Angústia do psicodramatista em seu setting de psicoterapia individual” (FONSECA,
2000, p. 54), é como bem define José Fonseca Filho, a inquietação sentida pelos
psicodramatistas, diante da riqueza da obra de Moreno voltada exclusivamente para o trabalho
com os grupos, deixando quase que na ilegitimidade o que o próprio Moreno chamou de
psicodrama a dois.
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Por outro lado, desconfio que essa mesma angústia é a motivação necessária para que
o psicodramatista, fazendo uso da espontaneidade e criatividade, como Moreno incentivava,
dê novas respostas às questões.
1.1 - O Psicodrama e a psicoterapia psicodramática bipessoal:
Pioneiro no uso do psicodrama no contexto das psicoterapias individuais, Bustos
(1982) entende a psicoterapia psicodramática como o psicodrama inserido em um processo
psicoterapêutico. E, esclarece que é um erro pensar no psicodrama unicamente como uma
técnica grupal.
O termo bipessoal diz respeito ao atendimento em que estão envolvidos apenas o
psicoterapeuta e o cliente, logo sem a presença de egos-auxiliares. É uma relação de dois.
Mas, antes de continuar, vale a pena relembrar, mesmo que de forma sucinta, os
elementos fundamentais do Psicodrama, por se constituir em nosso orientador teórico.
O que caracteriza o Psicodrama?
Em seu livro Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, Moreno define Psicodrama como
“o método que penetra a verdade da alma através da ação” (MORENO, 1974, p.106).
O que caracteriza o Psicodrama é, no meu entender, uma concepção filosófica de
compreender a pessoa humana segundo a visão moreniana – cósmica e relacional, na qual não
há o Eu sem o Tu. Inclui todos os importantes conceitos teóricos que o embasam como a
Teoria dos Papéis, onde todos os vínculos se realizam através do relacionamento de um papel
com o seu contrapapel, sendo o papel por definição a unidade funcional de conduta. E, ainda,
a Categoria do Momento; a Espontaneidade e a Criatividade; o fator Tele que estrutura
dinamicamente os vínculos; entre outros.
Mas, e na prática? O que caracteriza o método psicodramático?
Acredito que é a aplicação do método da ação, a disposição do terapeuta para o
encontro com o cliente, trabalhando com os cinco instrumentos criados por Moreno –
protagonista, diretor, ego-auxiliar, platéia e cenário ou palco –, roteirizado pelas três etapas –
aquecimento, dramatização e compartilhar - e a aplicação das técnicas psicodramáticas.
Aqui, também se incluem, como denominados por Bustos, “os parâmetros básicos do
método psicodramático” (BUSTOS, 1985, p. 16), desenvolvidos por Moreno: a matriz, o
lócus e o status nascendi. Uma vez aplicados, objetivam a investigação do conflito, suas
causas (a matriz), como foi o seu desenvolvimento (status nascendi) e quais são os
condicionantes do lugar em que se produziu o conflito (lócus).
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Penso ser bastante esclarecedora a definição de Dias Reis (1990) sobre a metodologia
psicodramática: “(...) o caminho que utilizamos para chegar a um fim, fim aqui entendido
como a verdade humana, é o da ação dramática ou dramatização” (DIAS REIS, 1990, p. 574).
Bustos (1985) afirma que Moreno se referia à psicoterapia bipessoal como um
exemplo de antiespontaneidade. Ao mesmo tempo, recomenda que entendamos essa
afirmação considerando o contexto em que Moreno a formulava.
E, continua tecendo considerações bastante interessantes, acerca do contexto
bipessoal, historicamente relacionado à Psicanálise e, o contexto grupal, no e para o qual foi
criado o Psicodrama. Na psicoterapia individual, todo o foco do trabalho está nas
necessidades de um único cliente. Também favorece o autoconhecimento mais aprofundado e
amplo, uma vez que esse tipo de processo terapêutico possibilita uma espécie de concentração
das tensões, oriundas do vínculo com o terapeuta. A propósito, o único vínculo real, presente
nesse contexto. Por outro lado, afirma Bustos (1985), que os grupos, mais assemelhados aos
contextos sociais, com múltiplos vínculos, propiciam o trabalho das tensões inerentes às
relações interpessoais.
É preciso reconhecer que Moreno estava absolutamente coerente com a sua proposta
de trabalho com os grupos. Para ilustrar, transcrevo um trecho do seu livro Psicoterapia de
Grupo e Psicodrama, no qual ele resume essas duas modalidades da Sociatria por ele criada:
“O fundamento da psicoterapia de grupo é a doutrina da interação terapêutica. O fundamento
do psicodrama é o princípio da espontaneidade criadora, a participação desinibida de todos os
membros do grupo na produção dramática e a catarse ativa” (MORENO, 1974, p. 38).
É bem verdade que Moreno criou o psicodrama para o grupo. Mas, por outro lado, a
realidade é que um número significativo de psicodramatistas atua em suas clínicas em
atendimentos individuais, devido a, pelo menos, dois fatores preponderantes: uma maior
procura por parte dos clientes para os atendimentos individuais e o custo acrescido pela
inclusão de mais um profissional para funcionar como ego-auxiliar, o que impacta no valor
final a ser pago pelo cliente.
O que fica diferente na prática do atendimento bipessoal?
Um pequeno grande detalhe: não temos o conjunto completo de instrumentos, que fica
reduzido a diretor, protagonista e palco (chamo de palco o espaço que os psicodramatistas
normalmente utilizam para o desenvolvimento da cena dramática). Ficam faltando os egosauxiliares e a platéia. No mais, todos os elementos teóricos estão presentes, assim como as
etapas e as técnicas psicodramáticas, mesmo que com algumas adaptações.
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Sem dúvida, considerando a proposta de Moreno com os grupos e os objetivos para os
quais ele criou o uso do ego-auxiliar, prescindir da platéia e dos egos-auxiliares, requer
ajustes e adaptações. Por outro lado, ganha-se, sem dúvida, novas perspectivas de trabalho,
como por exemplo, a possibilidade de melhor explorar o potencial terapêutico da relação
terapeuta–cliente, inserindo aí, o trabalho com a transferência. Esses temas serão mais
amplamente abordados nos capítulos 2 e 3.
1.2 - Jacob Levy Moreno e a psicoterapia psicodramática bipessoal:
A história nos conta que Moreno fez alguns poucos atendimentos bipessoais. Está
claro que ele não se interessava pela psicoterapia processual como a praticamos hoje e que
tem sua origem na psicanálise de Freud. E, segundo Fonseca (2000), ele, até mesmo, não
valorizava esse tipo de atendimento.
Já para Perazzo (1990), Moreno “cria dúvidas sobre a validade de existir psicodrama
individual”, à medida que afirma que esse tipo de atendimento “traduz menos uma indicação
específica que uma dificuldade do diretor de psicodrama de incluir o grupo” (PERAZZO,
1990, p. 578).
Os dados biográficos de Moreno, que Fonseca (2000) apresenta em seu livro
Psicoterapia da Relação, ampliaram a minha compreensão quanto ao posicionamento de
Moreno em relação ao atendimento individual.
Moreno não trabalhava como psicoterapeuta, nem como psiquiatra até 1936, quando
então estava com 47 anos, época em que adquire o Sanatório Beacon Hill. Lá, ele trabalhava
com uma equipe de paramédicos, futuros egos-auxiliares.
Não era de sua prática esse modelo de psicoterapia processual que nos é bastante
familiar, tampouco, funcionou como um psicoterapeuta que, como nós, diariamente atende em
nossas clínicas uma série de clientes, na grande maioria das vezes, com uma frequência
semanal e, em tratamentos de média e até longa duração.
O mesmo vale para os seus atendimentos de grupos, o que faz com que a experiência
de Moreno seja completamente diferente do psicodramatista contemporâneo.
Fonseca (2000), então, aconselha que é preciso considerar essas diferenças, quando
analisamos a sua construção teórica, técnica e prática. E sentencia: “A transposição pura e
simples das propostas morenianas para o nosso dia-a-dia psicoterápico é ingênua e enganosa”
(FONSECA, 2000, p. 277). Moreno propôs o psicodrama para o teatro terapêutico, para
grupos abertos. É a psicoterapia momento e não a psicoterapia processo.
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Concordo com Fonseca (2000), quando pontua que são completamente diferentes as
relações interpessoais de um mesmo grupo, cuja frequência de encontros é semanal, das
interações pessoais de um outro grupo que teve um único encontro. Como também são
diferentes as relações entre terapeuta e cliente de contatos esporádicos, daqueles que
participam do chamado processo psicoterápico, semanal, logo frequente e com certa duração
de tempo. Fonseca (2000) acredita localizar-se aí, um dos motivos da não valorização por
parte de Moreno, da “importância da transferência no setting terapêutico. A relação
transferencial é essencialmente processual” (FONSECA, 2000, p. 277).
Sem dúvida, o método de trabalho praticado por Moreno, de frequência esporádica,
com um ou poucos encontros, não oferecia condições para focalizar e trabalhar a relação
transferencial. Consequentemente, não havia porque valorizá-la.
É admirável o brilhantismo e a originalidade da criação de Moreno; a filosofia e os
conceitos que dão base à sua construção teórica; a sua paixão pelo grupo e pelo que ele
representa no desenvolvimento e na vida do indivíduo. E, ainda, o criativo método da ação.
Pergunto-me, então, quais não teriam sido suas contribuições para o âmbito da
psicoterapia bipessoal se ele a tivesse considerado com um campo do psicodrama.
1.3 - O atendimento bipessoal para os psicodramatistas contemporâneos:
Sistematizo, a seguir, a criatividade e o esforço de alguns psicodramatistas que, no
meu entender, desejosos de se manterem fieis à sua formação e aos ensinamentos de Moreno,
bem como fazendo uso da proposta de obra aberta, legada pelo próprio Moreno, criam
alternativas e derivações do psicodrama clássico, para trabalhar em seus atendimentos clínicos
individuais e processuais.
Dalmiro Bustos
O termo Psicoterapia Psicodramática Bipessoal foi criado por Bustos, na década de
70, e, segundo seu entendimento, deriva do Psicodrama desenvolvido por Moreno que, como
vimos, em sua prática, contemplava tão apenas o grupo, por meio de atos terapêuticos. Com a
criação dessa modalidade de atendimento, Bustos provoca os, ainda tão atuais,
questionamentos sobre a legitimidade do atendimento bipessoal frente ao psicodrama clássico.
Defende que, há circunstâncias que validam a psicoterapia bipessoal, mesmo em
detrimento da redução da aplicação do instrumental técnico dramático. E que, muitas vezes, é
somente nesse contexto que emergem conteúdos que, no contexto grupal ou ainda numa
modalidade de atos terapêuticos, não se poderiam acessar. Levanta a questão de que a
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presença de um terceiro pode criar campos de tensão que são intoleráveis para determinados
clientes. Concluo então que, nem todos se beneficiam do trabalho em grupo.
A psicoterapia bipessoal possibilita a criação de um circuito contínuo entre o trabalho
em ação e o verbal. E, o “eixo télico-transferencial aparece aqui de forma muito clara, o que
não ocorre no caso do psicodrama-ato” (BUSTOS, 1982, p. 30 e 31). Favorece concentrar a
situação transferencial, que nos grupos ou mesmo nos atendimentos individuais com presença
de egos auxiliares, se dispersa sobre várias pessoas. Apreciando as diferenças da psicoterapia
psicodramática em relação ao Psicodrama moreniano, comenta:
Não são tão frequentes as catarses de integração, mas sim os insights dramáticos e
as resistências aparecem diante da ação da mesma forma que diante da palavra. O
enfoque básico moreniano não pode, nem deve manter sua estrutura original, não
obstante não deixa de ser Psicodrama já que nas sessões puramente verbais se
mantenham os traços básicos de todo o pensamento moreniano (lócus, matriz e
status nascendi), toma as bases da sociometria como eixo da compreensão da
relação interpessoal e se coloca o psicoterapeuta na posição existencial de encontro
(BUSTOS,1982, p. 31).
É oportuno esclarecer que Bustos (1982) entende insight sob uma perspectiva
psicodramática. Ou seja, ocorre no âmbito do interpessoal. O insight, a compreensão, a
clarificação, não é apenas do cliente, e sim, de ambos, cliente e terapeuta.
E, ao defender o verbal na prática psicodramática, sentencia que é falso acreditar que o
Psicodrama é somente ação. “(...) o objetivo da ação é reabrir a significação do nível
simbólico da comunicação, nunca prescindir do mesmo” (BUSTOS,1982, p. 31).
O objetivo básico da Psicoterapia Psicodramática Bipessoal é, então, para Bustos
(1985), promover a integração dos níveis afetivos, corporais, intelectuais e vinculares
(sociais) do indivíduo.
Esclarece, ainda, que não trabalha em seus atendimentos individuais, com egosauxiliares por duas razões: para respeitar o necessário campo bipessoal e por razões
econômicas, já que a inclusão de mais um terapeuta encareceria o custo da sessão.
As intervenções terapêuticas têm base no vínculo entre terapeuta e cliente, ou seja, têm
no encontro o posicionamento filosófico. Esse vínculo se constitui na matriz essencial
promotora das transformações. Pois é, no aqui e agora da relação terapêutica que ocorre o que
denomina de o drama terapêutico e, aí inserido está a análise da transferência.
Sem dúvida, é de Bustos o primeiro movimento para a aproximação entre o
Psicodrama e a Psicanálise, à medida que, propõe psicoterapia psicodramática individual e a
bipessoal e nela inclui o trabalho com a transferência do cliente. Esse último tema será mais
profundamente abordado no capítulo 3 deste estudo.
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Rosa Cukier
Em seu livro Psicodrama Bipessoal sua técnica, seu terapeuta e seu paciente, a
autora, ao analisar esse tipo de atendimento, questiona se a ausência do grupo e de egosauxiliares constitui desfigurar o psicodrama. E, ainda, se não seria melhor assumir esse tipo
de psicoterapia como um “desvio teórico”, denominando-a por exemplo, como psicoterapia
psicodramática. Ao final de outras análises, elege e passa a utilizar o termo psicodrama
bipessoal e justifica dizendo tratar-se de psicodrama com apenas duas pessoas. Também, se
contrapõe a idéia de que a prática psicodramática bipessoal é uma abordagem terapêutica
menor, argumentando que o indivíduo precede a sua condição de membro do grupo. Assim,
compreender esse indivíduo na sua subjetividade e inter-relações é o objetivo de qualquer tipo
de modalidade terapêutica.
Outro aspecto interessante nessa autora (CUKIER,1992), é que ela compreende a
modalidade de atendimento bipessoal, apoiando-se no processo de desenvolvimento humano,
do indiferenciado para o diferenciado; do autocentrado, para a abertura e inclusão do outro;
em que, de maneira análoga, “a atenção focal, a continência e aceitação” do terapeuta no
psicodrama bipessoal, repete o que a autora denominou de “modelo relacional mãe-bebê”
(CUKIER,1992, p. 24).
José Fonseca Filho
Psicoterapia da Relação, é o método criado por Fonseca (2000), que o define como
um psicodrama minimalista. Diz ter recebido influência tanto da psicoterapia psicanalítica,
como do psicodrama clássico e ainda, da filosofia dialógica de Martin Buber.
Explica que a Psicoterapia da Relação: “(...) se refere a uma psicoterapia que
privilegia, por um lado, o trabalho da relação cliente-terapeuta e, de outro, o trabalho das
relações eu-tu e eu-eu” (FONSECA, 2000, p. 19).
Esclarece ainda que, a Psicoterapia da Relação objetiva o diagnóstico do inter, por
meio de uma prática de observação e compreensão do fenômeno relacional. Esse
conhecimento do inter é que favorecerá o conhecimento de si mesmo, o Eu e o conhecimento
do outro, o Tu.
Sérgio Perazzo
Para Perazzo (1990), o psicodrama bipessoal levanta a discussão sobre o psicodrama
ato e psicodrama processo, sobre as questões dos vínculos em cada uma dessas modalidades.
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Ao citar o primeiro atendimento de Moreno do caso Rath, o qual entende caracterizarse de um psicodrama individual, acredita que Moreno não desconhecia a possibilidade de
ocorrência de uma catarse de integração nessa modalidade de atendimento. E, baseia-se nessa
mesma compreensão para validar o psicodrama individual como um método da Sociatria.
Nesse mesmo texto, define a psicoterapia psicodramática individual bipessoal como
um teatro terapêutico sem egos-auxiliares e sem platéia, em que o protagonista é único e “não
detém em si mesmo o conceito de ser aquele que se sacrifica pelo grupo” (PERAZZO, 1990,
p. 579), pois não existe o grupo.
Quanto à atuação do terapeuta no papel de diretor de psicodrama, entende não haver
diferença do contexto bipessoal em relação ao grupal, no tocante às funções ego-auxiliar.
Sublinha a diferença entre funções ego-auxiliar do diretor e papel de ego-auxiliar. O conceito
de funções ego-auxiliar do diretor será apresentado no capítulo 4.
Acredita que o diretor cumpre a função de platéia, todas as vezes que se distancia da
cena e a contempla de fora. Somente esse olhar de fora lhe permite propor o contínuo
desenrolar da dramatização. E que, quando o diretor propõe a técnica do espelho ao
protagonista, esta visão de fora nada mais é que a função de platéia que impulsiona o
caminhar progressivo do seu drama.
Por último, defende o compartilhamento do diretor, com visibilidade de sua emoção,
ressaltando que, não necessariamente com relatos da sua própria vida, completa as etapas do
psicodrama, como ocorre nos trabalhos com os grupos.
Para Perazzo (1990), a psicoterapia psicodramática, de caráter processual, permite e
justifica a inclusão de outras abordagens psicoterápicas, que complementem a prática
psicodramática. Lembra que, em uma ocasião, Calvente lhe disse que o melhor trabalho no
interpsíquico é de Moreno, assim como o melhor trabalho no intrapisíquico é de Freud. Isso
justificaria a relação natural feita pelos psicodramatistas de interpsíquico no trabalho com
grupo e intrapsíquico no atendimento individual bipessoal. Daí defender a inevitável “mistura
de modelos e de abordagens” (PERAZZO, 1990, p. 580).
Teodoro Herranz
Na Introdução de seu livro Integrações: Psicoterapia Psicodramática Individual e
Bipessoal, Herranz (2000) afirma que estaremos cometendo uma imprecisão todas as vezes
que, falando de psicodrama, nos referirmos a atendimentos individuais, pois o psicodrama é
uma psicoterapia de grupo. Acredita ainda, ser possível ao psicodramatista, fazer psicodrama
bipessoal, baseado e inspirado pela teoria criada por Moreno.
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Entende que, a prática bipessoal não implica em procedimento distinto daquele
utilizado no trabalho com os grupos. E que ocorre, sim, uma mudança de intensidade, que vai
do real ao imaginário e que se trabalha com os grupos internos do terapeuta e do cliente.
Posiciona-se em relação à crítica de Moreno sobre a antiespontaneidade do
psicodrama bipessoal, afirmando que, “A espontaneidade não é privativa do objeto com o
qual se intervém, (...)” (HERRANZ, 2000, p.33). Defende que, o fato de Moreno não ter se
interessado pelo psicodrama bipessoal, não significa que o psicodramatista que se interessa,
seja carente de espontaneidade. Acredita que, esse mesmo psicodramatista tem toda condição
de ajudar seus clientes, prescindindo da presença de egos-auxiliares.
Herranz (2000) concorda com Bustos e Cukier que, nessa modalidade de atendimento,
o terapeuta tem, como papel primordial na relação, o papel materno. Ou seja, uma relação de
aceitação e proteção incondicionais.
Como se dá através de um processo, o processo terapêutico, diz ser “imprescindível
que o terapeuta se abstenha do desempenho de papéis nas cenas do paciente” (HERRANZ,
2000, p.35). O próprio cliente trabalhará seus personagens internos, desempenhará seus
papéis.
Valoriza a relação terapêutica como elemento fundamental do tratamento, pois
favorece o controle dos processos télicos, transferenciais e contratransferenciais.
E ainda que, é um trabalho orientado para a estrutura de personalidade do indivíduo,
para as relações diádicas que, para ele, se constituem como fonte dos conflitos mais graves.
Ao examinar a questão sobre quem pode ser o cliente de uma psicoterapia
psicodramática bipessoal, desaconselha essa modalidade de tratamento para crianças. A
propósito, em todos os autores estudados, essa foi a única restrição que encontrei em relação
ao atendimento bipessoal. Assim, justifica seu posicionamento:
(...) na relação bipessoal predomina a proteção, contenção e o cuidado do outro. No
momento em que o terapeuta se coloca nessa posição está suplantando uma figura
paterna encarregada de criar seu filho. Se, se leva a cabo o tratamento, provoca-se
na criança um alto grau de confusão emocional (HERRANZ, 2000, p.38).
Completa, declarando que nos casos que atendeu, sentiu necessidade de ir incluindo os
pais da criança, de modo a que fossem assumindo a sua parte de responsabilidade do processo
terapêutico do filho.
Quanto a adultos e adolescentes, julga ser essa modalidade de atendimento a mais
adequada para indivíduos com núcleos psicóticos. Ou seja, aqueles que, sob o entendimento
psicodramático, não chegaram a “relações triangulares” (FONSECA, 1991, in: HERRANZ,
2000). Esses clientes precisam reparar/rematrizar as suas carências básicas na relação a dois,
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em uma relação materna, para que possam ir organizando a sua própria identidade e
diferenciando-se dos demais.
Para os casos de neurose estruturada, considera que o tratamento bipessoal possa ser o
mais aconselhável. Acredita que sob as neuroses organizadas existam núcleos psicóticos
indiscriminados, mais difíceis de serem avaliados e resolvidos num trabalho em grupo.
“Trabalhar com psicoterapia psicodramática bipessoal é trabalhar com as
representações do mundo que o sujeito realiza, diante das quais se adapta, desfruta, fica
doente ou se enamora” (HERRANZ, 2000, p. 64).
Analisando a eficácia da psicoterapia psicodramática bipessoal, afirma que o poder de
alcance dos objetos internos do cliente pode ser maior do que quando se utiliza egosauxiliares, pois a presença desses, pode afastar o indivíduo de suas representações internas.
O próximo capítulo tem a missão de apresentar, em detalhes, a importância e o
potencial terapêutico da relação que se estabelece entre o terapeuta e seu cliente.
Capítulo 2: A relação terapêutica e a psicoterapia psicodramática bipessoal
O terapeuta e o paciente se inflamam um ao outro;
é um encontro verdadeiro,
uma luta de espíritos.
Jacob Levy Moreno
Neste capítulo, apresento o estudo sobre a relação terapêutica na prática
psicodramática, principalmente na psicoterapia psicodramática bipessoal que, segundo
concluí, cresce de relevância como fator terapêutico.
Busco ainda, a opinião dos autores sobre a necessidade de um diferenciado preparo
técnico, profissional e pessoal do psicodramatista para desempenhar de forma plena o papel
de psicoterapeuta em um atendimento bipessoal, uma vez que toda a nossa formação está
voltada para o trabalho com grupos.
2.1 - Jacob Levy Moreno
. O psicodrama, o diretor e a relação terapêutica:
Moreno concebe o terapeuta psicodramatista como disposto ao encontro emocional
profundo com o seu cliente, capaz de construir um vínculo genuíno, no qual estarão presentes
suas vivências pessoais, experiências e conhecimentos e, através do qual possa manter um
canal aberto de comunicação e relacionamento com essa outra pessoa – o cliente.
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Para Moreno (1991), o diretor psicodramático tem três funções: produtor ou diretor da
cena, terapeuta e analista social. Como diretor de cena “deve estar sempre pronto a captar o
menor indício que o sujeito ofereça e incorporá-lo à ação dramática, identificar no jogo com a
vida do sujeito e nunca deixá-lo perder o contato com o público” (MORENO, 1974, p.108).
Como terapeuta, tem a responsabilidade final pelo valor terapêutico. “A sua tarefa consiste em
fazer os sujeitos atuarem naquele nível de espontaneidade que beneficia o seu equilíbrio total”
(MORENO, 1991, p. 19). E, como analista social, “usa os egos-auxiliares como extensões de
si mesmo, a fim de extrair informações dos sujeitos no palco (...)” (MORENO, 1991, p. 309).
. Relacionamento com o cliente:
“A relação com o diretor (...) é mais realista, toma amiúde o caráter de uma luta entre
diretor e o paciente” (MORENO, 1974, p. 111). Assim, explica a sua visão sobre a atuação
ativa do diretor psicodramático, na relação com o seu cliente. Essa luta é primordial para que
o sujeito possa apresentar em atos os seus conflitos. E, acrescenta que, “a transferência
começa assim, às vezes, de seu lado e é dominante, (...)” (MORENO, 1974, p. 111).
Fundamental para a situação psicodramática, ainda esclarece, a luta entre o diretor e o
cliente demanda a espontaneidade de ambos, construindo assim, uma relação mais positiva e
produtiva, de maneira que “as tendências transferenciais entre eles são deslocadas para um
plano inferior ou reduzidas” (MORENO, 1974, p. 112).
. O treinamento do terapeuta e a qualidade dramática do diretor:
É preciso ter “(...) a qualidade, a espontaneidade, o carisma, a energia persistente,
capazes de inspirar uma produção (...)” (MORENO, 1984, p. 13).
Defende que, as primeiras preocupações do terapeuta são a produtividade terapêutica e
a estabilidade do grupo. Para desenvolver bem essas funções ele aponta duas habilidades que
favorecem a sua missão de ajudar pessoas, que são a telessensibilidade e a experiência.
Alerta para o despreparo que pode resultar em dificuldade do terapeuta de conduzir, de
forma tecnicamente adequada, os seus atendimentos. Explica assim, essa questão: “(...) As
dificuldades da “transferência” não são sempre uma parte da neurose do paciente; originamse, frequentemente, da incapacidade do terapeuta de responder às exigências que lhe são
propostas” (MORENO, 1974, p.84).
O terapeuta psicodramático tem uma posição descoberta (grifo de Moreno), vulnerável
às agressões que vêm do grupo e para as quais deve estar preparado. Assim, para dar conta
dessa posição, recomenda que por meio da sua própria personalidade, o terapeuta, ocupe o
que chamou de “âmbito terapêutico”, com sua emotividade, empatia e presença autêntica. A
sua conclusão é de que se torna impossível separar a habilidade do terapeuta de sua
16
personalidade. O terapeuta está ali inteiro, com toda a sua subjetividade, na relação que
estabelece com seu cliente.
Apresentei, brevemente, a concepção de Moreno sobre a relação terapêutica e o papel
de diretor, por entender não haver distinções entre a postura filosófica, existencial e conceitual
do terapeuta psicodramatista, quer em seus atendimentos de grupos, quer nos individuais.
Acredito sim, como veremos a seguir, que alguns ajustes técnicos e práticos se façam
necessários, uma vez que trabalhamos sem o ego-auxiliar e, principalmente, quando incluímos
o trabalho com o material transferencial. Nessa mesma linha, também será foco desse estudo,
a capacitação do diretor psicodramático, nesse contexto.
2.2 - A relação terapêutica nos atendimentos individuais e na Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal, no entendimento dos autores estudados:
Dalmiro Bustos
Para Bustos (1985), a postura existencial de um terapeuta psicodramático tem base na
relação EU–TU, o que favorece o encontro, todos são participantes ativos, ambos são sujeitos
da experiência. A relação terapeuta–cliente é, então, promotora da co-criação. A posição do
encontro é, a única adequada e coerente quando se trata de psicoterapia psicodramática, na
qual a espontaneidade para esse trabalho, favorece a disponibilidade existencial.
Entende que a relação terapêutica em psicodrama se constitui de um vínculo de caráter
assimétrico, com a participação de dois papéis (terapeuta e cliente), em interação. A proposta
de horizontalidade dessa relação diz respeito à natureza da interação entre as duas pessoas.
Mas, o modelo em si é assimétrico devido a fatores como um (o cliente) tomar os serviços do
outro (o terapeuta), a questões como a confidencialidade e o sigilo profissional que são
requeridos de apenas uma das partes (do terapeuta), o que requer níveis de responsabilidades
diferentes, inerentes aos dois papéis. Ou seja, há regras específicas que contextualizam essa
relação terapêutica, de papéis complementares assimétricos.
Bustos (1982) faz uma interessante análise sobre a posição do encontro da relação
terapêutica, comparativamente entre ato e processo terapêutico. Esclarece que, o compromisso
emocional, a interação e o mútuo conhecimento se mantêm tanto no ato quanto no processo.
No entanto, o ato favorece a participação mais horizontal no vínculo do que no processo
terapêutico. A relação télica fica privilegiada.
Nos encontros únicos, o diretor psicodramático pode compartilhar aspectos da sua vida
pessoal, pois o que está sendo privilegiado é a sua abertura emocional e a sua entrega ao
17
processo dramático. Já nos processos terapêuticos, devido à dinâmica télico-transferencial, é
preciso que o terapeuta se acautele, a fim de não impor “um encontro em termos de realidade
a alguém cujas percepções estão dificultadas por figuras que estão ligadas a seu passado”
(BUSTOS, 1982, p. 31).
Assim, o processo terapêutico exige mais observação e reflexão. Contudo, essa postura
e cuidado não afetam a atitude básica como psicodramatista, a “relação de pessoa a pessoa,
seres humanos, (...)” (BUSTOS, 1982, p. 32).
José Fonseca Filho
Para Fonseca (2000), a proposta da Psicoterapia da Relação focaliza, o trabalho da
relação cliente–terapeuta, por um lado e, por outro, o trabalho das relações do mundo interno
do cliente. Assim, cliente e terapeuta, co-participam de um encontro humano que, ao mesmo
tempo, é um vínculo não igualitário e uma relação horizontal. Não igualitário devido à relação
terapêutica se estabelecer a partir de papéis de caráter distintos, papel de cliente e papel de
terapeuta e, horizontal porque ambos estão incluídos no mesmo inter. E é este ambiente interrelacional que, favorece o desenvolvimento do indivíduo.
Quanto à atuação, o psicoterapeuta da relação, é um misto de diretor de psicodrama e
de ego-auxiliar, é um ator terapêutico. O terapeuta joga os papéis internalizados do cliente.
Nesse método é, então, preservada a distância do diretor. Distância esta necessária
para o trabalho e que é viabilizada no psicodrama clássico através da atuação dos egosauxiliares. Recomenda, que o terapeuta, ao desempenhar os papéis do cliente, não se envolva
fisicamente nas cenas. Mais precisamente, cliente e terapeuta não se tocam durante as cenas.
“Assim se procede para evitar a indução transferencial ou mesmo um comprometimento
emocional desnecessário” (FONSECA, 2000, p.21). Justifica a sua posição, esclarecendo que
o psicoterapeuta tem uma posição especial na vida de seu cliente, assim o seu toque físico será
sempre percebido pelo cliente, como um contato da pessoa do terapeuta.
Quanto ao desempenho de papéis internalizados do cliente, pelo terapeuta, defende
que essa prática possibilita ao paciente a discriminação entre as suas figuras internas e a figura
real do terapeuta. Favorece ainda a percepção de possíveis transferências em relação ao
terapeuta.
Em relação à transferência, a Psicoterapia da Relação não tem por objetivo incentivar
a ocorrência do fenômeno no contexto terapêutico. Embora seja, naturalmente, esperado que
ocorra em decorrência da relação terapêutica. E, uma vez trabalhada, pode favorecer ao
cliente ampliar a consciência e a discriminação do seu mundo interno.
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Fonseca (2000) fala de estado de sintonia télica, para mostrar o nível de
aprofundamento qualitativo do terapeuta em direção à subjetividade de seu cliente. Ao mesmo
tempo, ressalta que não faz interpretações do conteúdo que emerge. E, explica: “O terapeuta
se conduz pelo princípio do duplo (estado de sintonia télica) e pelo princípio da entrega (por
extensão, ao princípio do duplo) ao papel desempenhado” (FONSECA, 2000, p. 22). Nesse
método, o terapeuta desempenha o papel do cliente com disponibilidade plena, sem hipóteses
teóricas, deixando-se fluir pelo que capta consciente e inconscientemente do cliente. É o coconsciente e co-inconsciente de Moreno.
Além do estado de sintonia télica, Fonseca (2000) também fala de um estado alterado
de consciência decorrente do desempenho de papéis alheios à sua própria identidade.
Recebendo, mesmo que por um pequeno período de tempo, uma outra identidade, permite ao
terapeuta saber do cliente, à medida que contracena com ele. É uma experiência revigorante
para o terapeuta e para o cliente e, provoca sutis alterações de estados de consciência,
acompanhado de liberações de energia, manifestadas por sensação de bem estar e leve euforia.
O desempenho de papéis do cliente pelo terapeuta, facilita o desvelar de seu mundo
interno, como também trabalhar com a transferência. Favorecer o conhecimento sobre o
cliente, constitui-se assim, em um potente recurso para o êxito da terapia.
Quanto ao preparo técnico, profissional e pessoal do terapeuta, Fonseca (2000) aponta
que a eficácia do psicoterapeuta, no método da Psicoterapia da Relação, se baseia na sua
qualidade de saber criar o clima propício à inter-relação de cliente e terapeuta. Esse
psicoterapeuta, que atua como diretor e como ego-auxiliar, deve possuir conhecimento de
psicodinâmica e treinamento psicodramático. A sua qualidade dramática, como um dos
componentes da espontaneidade para Moreno, é que favorecerá a fluência no desempenho dos
papéis do cliente, por parte do terapeuta.
Rosa Cukier
Cukier (1992) faz uma análise sobre as vantagens e desvantagens advindas da não
participação de egos-auxiliares nos atendimentos psicodramáticos bipessoais.
Considerando o desenvolvimento cognitivo natural do ser humano, que evolui da fase
mais concreta para fases mais complexas e abstratas, destaca que a presença do ego-auxiliar
favorece esse processo evolutivo, à medida que, concretiza o mundo interno do cliente na
cena dramática, facilita a apreensão do conteúdo simbólico e abstrato. Sem dúvida, no
atendimento bipessoal, não se faz uso desse benefício. Outro ponto indicado como uma
desvantagem da não utilização de egos-auxiliares, diz respeito à questão da “perda de
19
distância terapêutica e as concomitantes confusões transferenciais e contratransferenciais dela
resultantes” (CUKIER, 1992, p. 24).
Por outro lado, entende que, a presença de um ego-auxiliar pode trazer desvantagem
para o processo terapêutico bipessoal, uma vez que configura uma relação triangular,
consequentemente mais elaborada e exigente, o que nem sempre é favorável ao processo do
cliente. Para justificar seu ponto de vista, destaca dois aspectos: a psicoterapia bipessoal é de
natureza focal nas necessidades do cliente, oferecendo atenção e suporte exclusivos,
assemelhando-se à relação mãe-bebê. E, ainda, o desenvolvimento emocional, cujo processo
de indiferenciação do bebê, vai de uma fase mais autocentrada para o reconhecimento do
outro – o Tu. Assim, dependendo das questões emocionais e afetivas desse cliente, a presença
do ego-auxiliar pode se constituir em um elemento que mais prejudica do que auxilia.
Quanto à possível sobrecarga de funções que possa sofrer o terapeuta, em virtude da
ausência de egos-auxiliares, entende que não há perda de seu papel de diretor, mesmo quando
contracena com o cliente. Afirma que, mesmo que lidar com essa sobrecarga exija algum
treino, esse é o papel fundamental do diretor psicodramático.
Noemi Bernadete Lima
Em seu texto O processo de cura no psicodrama bipessoal, Lima (1999) inicia
situando a importância da relação terapêutica na teoria de Moreno, uma vez que para ele, o
que está doente é sempre a relação e não a individualidade.
Focalizando o atendimento bipessoal, afirma que, no processo de transformação e
cura, a relação entre cliente e terapeuta ganha um peso maior, dadas às peculiaridades dessa
relação. Diferentemente da terapia de grupo, aqui o terapeuta se constitui no único fator de
ajuda (no grupo todos são agentes terapêuticos), que é a consequência direta da ausência de
egos-auxiliares. E há, ainda, a dificuldade de manutenção do distanciamento estratégico que o
papel de diretor requer, como apontado por Cukier (1992).
Assim, defende que “O Psicodrama Bipessoal se faz a dois, no pequeno enorme
universo que cabe aí” (LIMA, 1999, p. 14). E, declara que na sua prática, a relação terapêutica
tem se constituído em rico instrumento de trabalho.
Teodoro Herranz
Ao focalizar a importância e o significado da relação terapêutica na psicoterapia
psicodramática bipessoal, Herranz (2000) faz interessantes afirmações. Pontua, que a relação
cliente-terapeuta é o principal fator de mudança, responsável pela cura.
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Para a compreensão do sofrimento, além da proposição teórica que, para Herranz
(2000) são o Psicodrama, a Psicanálise e a Teoria Sistêmica, parte também da convicção de
que a saúde psíquica inclui aspectos da relação pessoa a pessoa que são: o respeito pelo outro,
a confiança e o amor, e ainda, a cooperação e a solidariedade.
Na relação terapêutica as interações são constantes, na qual a estrutura emocional do
terapeuta se constitui como o espaço terapêutico psicodramático, tornando-se essencial, a
aceitação incondicional do outro. Assim, e utilizando o método da ação, o terapeuta criará as
condições para que o cliente faça as suas descobertas e consiga um modo satisfatório de viver
consigo mesmo e com os outros, nas múltiplas relações de sua vida.
Para Herranz (2000), o psicodrama bipessoal se apóia em dois pontos para possibilitar
a mudança. O primeiro é a relação terapêutica, incluídos aí os elementos tele-transferenciais e
contratransferenciais. O segundo, é a ativação emocional. Ou seja, favorecer que as emoções
emerjam no tratamento, a fim de que o indivíduo acesse as suas representações internas,
ampliando o seu autoconhecimento.
Maria da Penha Nery
Passo, agora, a apresentar, o meu estudo sobre o intenso e instrutivo livro Vínculo e
Afetividade: caminhos das relações humanas, repleto de conceitos desenvolvidos pela autora.
Embora não focalize especificamente a psicoterapia psicodramática bipessoal em sua obra, no
meu entender, esses conceitos são perfeitamente aplicáveis à essa modalidade de tratamento.
Inicio com seus entendimentos sobre o vínculo terapêutico, tema deste capítulo.
Para Nery (2003), cada cliente tem uma forma específica de se vincular, propiciando
tanto para ele próprio, como para o terapeuta, um vínculo singular. Assim, uma das funções
do terapeuta, para compreender o vínculo estabelecido na relação terapeuta-cliente, é estar
atento às formas de se vincular tanto do cliente, como de si mesmo. Pois, a forma como
desempenha o seu papel de cliente na relação com o terapeuta, revela a sua maneira de se
vincular, na vida.
Defende que, a carga afetiva do amor se constitui como a necessidade psicológica
mais primária para todos os seres humanos e, em particular a do cliente, pois favorece a
dignidade, o desenvolvimento social e psíquico e, ainda, a construção de um sentido
construtivo da existência. Ao oferecer essa continência afetiva ao cliente, o terapeuta propicia
o processo de mudança.
Assim, afirma ser “tarefa do terapeuta tornar-se, no vínculo terapêutico, o primeiro
recurso para vivência de processos transferenciais e co-transferenciais favorecedores da
21
correção dos demais vínculos conflituosos que o cliente vive e já viveu” (NERY, 2003, p.
180).
Assim define a co-transferência:
(...) a co-transferência é a exposição, pelas pessoas do vínculo atual, dos aspectos
dos vínculos conflitivos, por meio das condutas e da afetividade da pessoa, para que
ela realize desejos e expectativas (projetos dramáticos) que ficaram irrealizados,
resolva conflitos antigos, ou conquiste a homeostase que aprendeu a conquistar. A
co-transferência é possibilitada pelos estados de co-consciente e co-inconsciente
(NERY, 2003, p. 70).
A continência afetiva, se constitui como o fundamento da psicoterapia. Somam-se
ainda, outros recursos do terapeuta, denominados por Nery (2003), de qualidades vinculares.
São elas: a inteligência relacional, a competência interpessoal, a capacidade empática, a
habilidade para lidar com as patologias e os bloqueios do cliente. Qualidades essas que
suportem e favoreçam o seu desenvolvimento psíquico.
E, lembra que, “Moreno afirma que a personalidade do terapeuta e a sua capacidade de
amar são os maiores responsáveis pelo êxito do processo terapêutico. E, ainda, nos deixou
claro que espontaneidade se desenvolve com espontaneidade (....)” (NERY, 2003, p. 180).
Assim, espontaneidade e criatividade são qualidades primordiais a um psicoterapeuta.
Continuando sua análise sobre a importância da relação terapêutica, afirma que, a
maior parte das respostas não está no cliente, e sim, na relação. Nos conteúdos do coinconsciente e do co-consciente entre terapeuta e cliente, é que se revelam as respostas para as
questões desse cliente. Essa relação é que favorecerá a resolução de seus conflitos
exteriorizados na ação dramática, ou vivido no co-inconsciente de seu vínculo com o
terapeuta, bem como proporcionará a ação libertadora de suas questões internas, favorecendo
a mudança, o alívio da dor.
E, de uma forma poética, Nery (2003) fala da dinâmica desse encontro existencial
presente na relação do terapeuta com seu cliente:
Assim, a minha dor (com)partilha a dor de meu cliente, a minha força terapêutica
(co)labora com a dele. (...) eu e meu cliente nos identificamos e nos encontramos na
essência humana do aprendizado das emoções, na luta pela sobrevivência psíquica e
social. (...) Na verdade, revivemos, eu e ele, juntos, um drama e tecemos o enredo
libertador das tramas ocultas e impeditivas da co-criação (NERY, 2003, p. 182).
Outro ponto importante destacado por Nery (2003), diz respeito a presença dos
fenômenos tele e transferência que influenciam a relação terapêutica. É, pois, no vínculo
terapêutico que, por meio do desempenho dos papéis de terapeuta e cliente que se explicita a
modalidade vincular afetiva, ora influenciada pelo fator Tele, ora impregnada pela cotransferência.
22
Ainda sobre o vínculo terapêutico, chama a atenção para a responsabilidade do
terapeuta de, em sua própria vida privada, construir vínculos saudáveis, uma vez que a sua
subjetividade estará em xeque na realidade do vínculo com o seu cliente.
Assim, entendo que vale a pena refletirmos sobre como estão nossas escolhas afetivas,
sociais e profissionais. Sobre as experiências e sentimentos relacionados a abandonos, medos,
fracassos, inveja, vergonha, raiva, desejos não realizados e violências vividas. E, ainda, o
nível de nossa satisfação quanto aos papéis que temos na vida e a qualidade das relações que
temos construído. Pois, com certeza, a história do cliente interferirá nessas questões.
É inevitável a existência do co-inconsciente e do co-consciente nos vínculos. E, a
relação terapêutica, assim como pode produzir uma co-transferência que reforçaria as
dificuldades do cliente, pode também promover a co-criação, quando cliente e terapeuta,
resgatam suas forças terapêuticas – a espontaneidade e a criatividade. “Na co-criação há o
resgate do self tanto do terapeuta como do cliente, por meio da ação vincular atualizadora de
potenciais criativos (...)” (NERY, 2003, p. 187).
No processo da co-criação participam, de um lado, o cliente, com “sua própria força
terapêutica, com aquilo que se constituirá no seu novo status nascendi relacional” (NERY,
2003, p. 187). De outro lado, o terapeuta, facilitador desse encontro, que ao reviver suas
questões nas cenas do cliente, resgata o seu potencial espontâneo-criativo. A co-criação tem
relação direta com a capacidade do terapeuta de identificar a co-transferência e de trabalhá-la.
Além de seu preparo teórico e prático.
No capítulo 3, apresento as recomendações dessa autora sobre a prática com a
co-transferência, como também, as propostas de outros psicodramatistas contemporâneos para
o trabalho com a transferência que entendo se constituir numa grande vantagem instrumental,
principalmente para o atendimento bipessoal.
Capítulo 3: A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal e o trabalho com a transferência.
Em janeiro de 1968, assisti a um psicodrama dirigido por Moreno e por sua
mulher Zerka Toeman Moreno ... Tratava-se de uma assistente social que tinha
grandes dificuldades de relação com seu noivo. Após vinte minutos de aquecimento
e por meio de associações de idéias a partir de um quadro que se encontrava na
parede da sala de jantar onde estava o noivo, a protagonista “regressa” à sua
primeira infância, reencontrando seu pai, um marinheiro alcoólatra,
completamente embriagado. Assim, além de experimentar uma catarse de agressão
reprimida com relação a seu pai, teve chance de analisar as associações entre seu
pai e seu noivo.
Pierre Weil.
23
“Moreno trabalhando com a transferência”? É a pergunta feita por Alfredo Naffah
Neto na Apresentação da Edição Brasileira do livro de Dalmiro Bustos, O Psicodrama Aplicações da Técnica Psicodramática, na qual apresenta o texto acima (NAFFAH NETO,
1982, in: BUSTOS, 1982).
Ao transcrever aqui o texto de Pierre Weil, desejo também prestar minha homenagem
a esse brilhante autor que tanto contribuiu para a Psicologia e para o Psicodrama, falecido
recentemente.
É objeto de estudo desse capítulo, apresentar como os autores, psicodramatistas
contemporâneos, compreendem e fazem uso da transferência como um recurso na prática
psicodramática.
Laurice Levy
Para começar, julgo esclarecedor, apresentar o estudo feito por Laurice Levy sobre
Tele e Transferência, em seu livro Integrando diferenças – possíveis caminhos da vivência
terapêutica, no qual inclui os conceitos de Moreno e as releituras de psicodramatistas
contemporâneos, principalmente, Perazzo e Aguiar. O outro propósito de registrar aqui o seu
estudo, diz respeito à autora defender o trabalho com a transferência nas psicoterapias
psicodramáticas, ponto que abordo neste capítulo.
De forma clara e didática, incluindo a sua própria compreensão, Levy (2000) apresenta
o que há de mais atual nos dois conceitos e, esses serão, especificamente, os conteúdos que
focalizarei aqui.
Sensível à preocupação dos autores em aclarar o conceito de tele, uma vez que Moreno
apresenta em sua obra várias definições, sendo algumas delas até mesmo contraditórias entre
si e insuficientemente sistematizadas, Levy (2000) inicia registrando, resumidamente, o que
esses autores destacaram sobre as idéias de Moreno a respeito de tele.
E o que veremos na sequência dessas reflexões sobre tele, é o resgate do conceito de
transferência e a proposta de sua inclusão no método psicodramático, entendimento aliás,
compartilhado pela autora.
Assim, apresento algumas das análises e conclusões registradas na parte do texto sob o
subtítulo Desfazendo as confusões em torno dos conceitos de (LEVY, 2000, p. 151):
percepção; tele como oposto da transferência; encontro e, importância dos papéis imaginários,
da fantasia e do inconsciente.
Quanto à percepção, as confusões mais comuns são:
- tele é percepção correta
24
- transferência é percepção distorcida
Levy (2000) registra que Aguiar diz ser leviano considerar apenas um critério, a
percepção, para definir tele. Há outros componentes que devem ser considerados, como:
emoções, conteúdos cognitivos, memória, aprendizagem e aparelho sensorial, entre outros.
Sobre a transferência, apresenta a compreensão de Aguiar que rejeita o entendimento
da transferência como uma percepção distorcida. Se assim fosse, conclui a autora, “o conceito
de transferência atribuiria ao que é normal uma característica patológica” (LEVY, 2000, p.
153). O que implicaria em tornar utópico, o objetivo do psicodrama “de transformar as
percepções transferenciais em télicas, ou seja, fazer com que o sujeito veja as coisas como
elas realmente são (...)” (LEVY, 2000, p. 153). O que é impossível de se alcançar, assinala,
pois não existe relacionamento que esteja isento de subjetividade.
Estudando Perazzo e Aguiar, Levy (2000) conclui que o tele não pode ser entendido
como oposto de transferência. Até mesmo o próprio Moreno afirmava que tele era social e
transferência psicológica. Registra então, as formulações de Perazzo que, em concordância
com Aguiar, afirma que tele é de caráter inter-relacional e que transferência é intrapsíquico.
Logo, os fenômenos não podem mais ser entendidos como par de oposição, pois são de
naturezas distintas.
Continuando, Levy (2000) entende que Perazzo, ao avançar em suas reflexões,
percebe a possibilidade de, até mesmo, a coexistência entre os dois fenômenos. “A tele, pois,
entendida como vinculada a um projeto dramático e à co-criação não só não se opõe à
transferência como também pode não estar desvinculada dela em seu processo co-criativo”
(PERAZZO, 1994, in: LEVY, 2000, p.154).
Quanto à questão de que tele é ainda entendido e aceito como promotor do encontro.
Ou seja, para muitos psicodramatistas e, reconheço que, até há bem pouco tempo, assim
também entendia, o tele é como uma espécie de único caminho para se alcançar o encontro.
Levy (2000) estuda a evolução das formulações de Perazzo sobre o tema, que passa a definir
“(...) tele como um campo relacional no qual a própria transferência poderia ocorrer, que se
estabelecia sempre a partir da construção de um vínculo (...)”. Logo, não há “tele de uma
pessoa, mas tele de uma dada relação e desvinculada da noção de encontro” (PERAZZO,
1994, in: LEVY, 2000, p. 155).
Levy (2000) afirma, então, que os fenômenos tele-transferência, termo que passa a
utilizar com um hífen, são de natureza teórica e o encontro um entendimento filosófico. Sobre
a transferência, registra a afirmação de Perazzo sobre o seu “grande valor instrumental”, uma
25
vez que é a transferência a responsável pela fluidez ou obstrução do vínculo, sempre
contextualizada pela categoria do momento.
Este capítulo de meu trabalho, tem o objetivo de mostrar esse valor instrumental da
transferência, principalmente como recurso dos atendimentos bipessoais.
Continuando, Levy (2000) mostra a posição mais moderna de Perazzo que, em
alinhamento com a compreensão de Aguiar, entende tele como “viabilizadora de um projeto
dramático que se desenvolve na complementaridade de papéis (...)” (PERAZZO, 1994, in:
LEVY, 2000, p. 156).
Acerca da importância dos papéis imaginários, da fantasia e do inconsciente para o
psicodrama, Levy (2000) destaca em seu estudo sobre esse tema em Perazzo, que o projeto
dramático inclui o consciente e o inconsciente. E ainda, do texto Perséfone e o mendigo, “A
transferência está presente em qualquer processo de co-criação, não sendo necessariamente
obstrutiva ou paralisadora, mas muitas vezes se constitui até como aquilo que movimenta esta
co-criação...” (PERAZZO, 1994, in: LEVY, 2000, p. 157).
Levy (2000) então conclui, de maneira bastante clara, que tele não é o oposto de
transferência e que podem, até mesmo, ocorrer concomitantemente. Tampouco, tele é garantia
do encontro e que não se pode mais entender tele como saúde e transferência como doença.
Sobre a transferência, Levy (2000) constata que muitos psicodramatistas revisaram o
entendimento sobre a transferência como um “fenômeno humano e universal”. Ou seja,
comum aos seres humanos e presentes em todas os relacionamentos. Exemplifica, registrando
que para Perazzo não existe vinculo sem transferências. E ainda, que Salles Gonçalves
confirma que, a transferência está presente em todas as relações, inclusive na relação
terapêutica psicodramática.
Operacionalizando-a, Levy (2000) afirma que a transferência poderá constituir-se em
uma grande aliada do tratamento. Assim entendida, a transferência não pode mais ser vista
como o ramo patológico do tele e, endossa o entendimento de Perazzo de que a transferência
pode ser o ponto de partida da dramatização.
Justificando Moreno, sobre seu posicionamento radical, de opor tele a transferência,
Levy (2000) explica que Moreno precisou fazer uma defesa apaixonada para poder firmar o
seu conceito tele. E, a respeito da situação histórica e natural pela qual passa todo teórico e
pensador que, para provar a sua criação ao mundo, na maioria das vezes, precisa apresentar
certa oposição ao vigente, à conserva cultural. Assim, Moreno precisou opor a sua tele à
transferência. O mesmo ocorreu com Freud, exemplifica, para provar a existência do
26
inconsciente. É fato também, lembra Levy (2000), que Moreno, ao longo de sua obra, foi
mudando o seu entendimento sobre tele.
Propõe, então, o termo tele-transferência, “demonstrando assim a possibilidade desta
complementaridade para a compreensão dos fenômenos que ocorrem em nossa clínica”
(LEVY, 2000, p. 161).
Na continuação de seu texto, apresenta alguns casos clínicos em que declara ter
encaminhado a cena apoiando-se nas orientações de Perazzo, que devemos agir como um bom
detetive; como também em Freud que, sempre comparou o trabalho psicanalítico com a
pesquisa arqueológica. Para que seja possível reconstituir a história do indivíduo, favorecendo
que ele a reescreva com espontaneidade e criatividade.
Dalmiro Bustos
Perazzo (1994), conta que Bustos, na década de 70, em sua vinda ao Brasil, com suas
idéias e entendimentos, contribuiu para o surgimento de uma consciência crítica. Dentre as
inúmeras contribuições de Bustos, Perazzo (1994) aponta a revalorização do método de ação,
incluindo a possibilidade de trabalhar a transferência até uma ação reparatória. E, a utilização
do psicodrama em atendimento individual bipessoal (sem ego-auxiliar) e individual
pluripessoal (com ego-auxiliar).
Conforme registrado no capítulo 1, ao propor trabalhar a transferência na psicoterapia
psicodramática, Bustos (1985) promove a integração entre o Psicodrama e a Psicanálise.
Bustos (1985) esclarece que é o termo transferência que define todo o conjunto de
fenômenos que ocorre na relação do cliente para com o terapeuta. Contratransferência, diz
respeito a esse mesmo fenômeno, mas, agora, do terapeuta para o seu cliente.
Lembra ainda, que a proposta de Moreno foi elaborar uma teoria vincular, na qual o
fator tele, é o conceito que descreve todas as operações presentes nesses vínculos, em ambas
as direções. Responsável pelas atrações, rejeições e indiferenças que ocorrem com os
indivíduos envolvidos na relação. Seja ela, simétrica ou assimétrica.
A transferência é um importante indicador na condução da terapia, pois, verbal ou
dramaticamente, ela denuncia as figuras internas aos quais papéis tenham ficado fixados,
informando sobre as estruturas geradas pelos papéis complementares internos patológicos.
Mais adiante, apresento esse conceito desenvolvido por Bustos.
Reportando-se
à relação terapêutica psicodramática, que pressupõe o encontro
existencial, Bustos (1985) ensina que, para que seja possível a distinção entre tele e
transferência, em primeiro lugar deve-se considerar o caráter fugaz tanto do fator tele como
27
também do fenômeno da transferência. A ocorrência no vínculo compreende um momento.
Ou seja, em um momento pode ocorrer tele e no momento seguinte a transferência. A
propósito, concorda com o entendimento de Moreno de que o fenômeno transferência tem a
mesma natureza, seja da parte do cliente, seja da parte do terapeuta.
Sobre a identificação de tele e transferência, Bustos (1985) orienta que, há indicação
da presença do fator tele quando há coerência no discurso verbal e seus conteúdos emocionais
e gestuais. Ambos, terapeuta e cliente, estão inteiros na relação. Quando porém, se quebra
essa forma de relacionar-se, podem ser observadas mudanças, no discurso, no gestual ou nas
manifestações afetivas. Essas alterações podem ser percebidas tanto no cliente, como no
terapeuta e, será preciso compreender como e por que ocorreram.
No contexto do encontro entre terapeuta e cliente, ao surgir, a transferência torna-se
um potente instrumento que permitirá acessar os conflitos do cliente. Assim, afirma que, todas
as operações ocorrem no presente: o encontro, percebido pela ocorrência do fator tele; já a
dramatização e a transferência, como presentificação do passado.
Ao defender o trabalho com a transferência por meio da dramatização, esclarece que a
transferência revela aspectos do intrapsíquico do sujeito, mas também oculta outros. Durante
a dramatização, esses aspectos são claramente descobertos.
Para a prática psicodramática, Bustos (1985) afirma que há técnicas que não variam
muito quando utilizadas nas dramatizações sem egos-auxiliares e, chama a atenção para
alguns pontos como:
. As características dos personagens trazidos pelo protagonista, revelam o nível de
regressão que se está trabalhando;
. O tipo de diálogo que o terapeuta estabelece com os personagens revela, por meio da
transferência, aspectos da relação terapêutica;
. O drama da relação terapêutica, no aqui e agora da dramatização, resignifica a ação
psicodramática, pois as próprias reações do terapeuta o guiam ao longo da sessão.
Julgo interessante apresentar a explicação de Bustos (1982) para o desenvolvimento da
patologia e localizar a base da transferência.
Lembra que as interações entre o ego e o mundo exterior estão estruturadas em forma
de papéis. A relação entre os papéis é o centro da teoria das relações interpessoais. É, através
dos vínculos que cada papel de uma pessoa se relaciona com os papéis complementares de
outras pessoas. E, continua:
Todo conflito é incorporado através de um papel, geralmente o papel de filho
através de seu complementar: mãe ou pai. Esta situação de conflito faz com que
este papel fique fixado em seu modus operandi ao papel complementar primário,
28
que denomino complementar interno patológico. (...) esta complementaridade
interna patológica é a base dinâmica da transferência (BUSTOS, 1982, p. 24).
Assim, o complementar interno patológico é o responsável pelas relações
transferenciais, em que o outro é uma figura de seu mundo interno, afirma Bustos (1982), que
também deixa claro que a relação tele-transferência é de limites muito amplos, não havendo
relação totalmente télica nem totalmente transferencial.
Como lidar com a transferência?
Ensina que, “Do ponto de vista da relação tele-transferencial é interessante definir-se a
partir de que posição se efetuam as intervenções terapêuticas, tanto verbais como
psicodramáticas” (BUSTOS, 1982, p. 25). Pois o papel complementar interno patológico
estimula respostas no terapeuta. Assim, podem ser:
. Patológico direto: “o terapeuta passa a exercer condutas confirmatórias do
personagem interno patológico do paciente” (BUSTOS, 1982, p. 25). Ou seja, o terapeuta
passa a apresentar comportamentos do personagem, estruturando assim um vínculo em
transferência. Seria uma conduta não terapêutica, a menos que seja uma utilização estratégica
para melhor conhecer o personagem e, ao favorecer que entre em contato, ampliar o
conhecimento do cliente.
. Patológico-reativo: “o terapeuta pode ser levado a representar o personagem reativo,
isto é, condutas opostas a do complementar interno patológico” (BUSTOS, 1982, p. 25 e 26).
Por exemplo, ser um pai bom diante de um pai “real” agressivo. Seria uma armadilha para o
terapeuta. Como no primeiro caso, pode também ser uma utilização estratégica.
. Télico corretivo: “(...) consiste na proposta de relação télico-transferencial onde
ambos possam ser e falar dos e não a partir dos personagens patológicos” (BUSTOS, 1982, p.
26).
Para Bustos (1982), um terapeuta experiente reconhece facilmente a ocorrência da
transferência, a partir de indicadores como seu próprio tom de voz, inflexões e/ou construções
não habituais, além de ansiedade e sensação de estranheza.
Mas, o que exatamente que se transfere?
Explica que, captamos o outro a partir de nossa subjetividade (Bustos prefere o termo
captação em lugar de percepção). Assim, “o outro que vemos sempre é ele mais quem o está
vendo. Por isto, até certo ponto, a captação do outro de forma absoluta é mera ilusão”
(BUSTOS, 1982, p . 26).
Com propriedade afirma ainda que, da mesma forma que sempre há uma certa
distorção na relação onde está presente o fator tele, também sempre há um certo grau de tele
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na relação de transferência. Pois, a correta captação de determinados sinais do outro é inerente
a todo vínculo transferencial.
A respeito dessa dinâmica dos fenômenos tele e transferência, Bustos (1982)
exemplifica com a situação de rejeição do terapeuta captado corretamente pelo cliente.
Fundamental, é compreender se a captação pelo cliente está correta, caracterizando-se uma
relação com tele. E, também, quando ocorrem as divergências, que representa o surgimento da
transferência. Recomenda então, investigar as distorções de captação dos sinais, pois podem
estar relacionados a conflitos internos do cliente.
Retomando o seu conceito de complementar interno patológico, esclarece que, “Se
uma dinâmica relacional permanecer fixada a um modus operandi primário, oferecerá
comportamentos e emoções ligados não ao complementar real e atual, mas a seu interno
patológico” (BUSTOS,1982, p. 27). Aqui, segundo o autor, pode estar a resposta sobre o que
é que se transfere. Afirma então, que não é um papel, “(...) mas um complexo de
características combinadas de papéis complementares e, além disso, dos vínculos entre esses
personagens, assim como pode referir-se a emoções ligadas a aspectos parciais dos mesmos”
(BUSTOS, 1982, p. 27).
Transcrevo o exemplo dado pelo autor, pois ilustra de forma clara o que foi por ele
explicado:
Julia, (...) “captou” corretamente um gesto meu de preocupação quando em uma
sessão (...) me falou de reformulações de sua vida matrimonial. Minha preocupação
estava ligada aos indicadores de iminência de acting. A interpretação dela ligava-se
ao aspecto repressor e moralista da sua mãe (BUSTOS,1982, p. 27).
Ao comentar o manejo da relação transferencial em uma sessão de psicodrama
individual, pontua ser possível ir de uma situação no aqui e agora com o terapeuta até a mais
remota infância do cliente, unindo as duas situações. E, o mais importante, destaca, por meio
do psicodrama, cliente e terapeuta revivem o drama do cliente, favorecendo a obtenção do
insight e a integração dos conteúdos internos.
Bustos (1982) lembra da importância da dramatização de várias cenas, desde a mais
atual, circunstancial até à cena primária, base do conflito do cliente. Ressalta que, são as cenas
intermediárias que permitem “descarregar” uma parte importante do material, necessária à
última cena, transferencialmente, a mais importante, possibilitando a vivência emocional do
conflito e a função integradora.
Destaca ainda, que a filosofia do momento de Moreno embasa todos os conceitos por
ele criados, assim, tudo está sendo, nada é, foi ou será. Portanto, vale o aqui e agora. Aliam-se
a isso as três coordenadas que marcam a dinâmica do médodo psicodramático: sua matriz – é
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válido buscar que fatos particulares o geraram - seus lócus ou conjunto de circunstâncias mais
amplas das quais se nutre e ainda, o status nascendi – processo de estruturação do sintoma.
Investigar essas instâncias no processo terapêutico, constitui aproximar-se de elementos
essenciais da terapia.
A catarse de integração, um dos pontos principais para Moreno, como produto da
resolução dramática – é ao mesmo tempo a descarga de tensões acumuladas e a culminância
de um processo de elaboração – tem para Bustos (1985) um lugar secundário na psicoterapia
psicodramática. Defende que se faz necessário a descarga de angústia, depressão e agressão,
já que seu excesso obstaculiza a criação de um espaço reflexivo, fundamental para qualquer
tipo de psicoterapia.
Para o autor, o insight dramático ou verbal tem tanto valor quanto a catarse, a menos
que compreendemos como catarse o “pôr para fora”, sem necessariamente significar apenas a
descarga. “Privilegia-se a elaboração sob forma horizontal e progressiva, como matriz
fundamental geradora de mudanças” (BUSTOS, 1999, p. 56).
Sérgio Perazzo
Perazzo trabalha com a transferência com o mesmo entendimento de Bustos, acrescido
de suas próprias postulações teóricas.
Apresento a seguir, o estudo do texto Transferência e Personagem¹, recente produção
teórica de Perazzo (2005), sobre o manejo da transferência na prática psicodramática.
Considero de total aplicação para os atendimentos bipessoais, embora não tenha nenhuma
indicação do autor nessa direção, mas por entender que é a relação terapeuta-cliente da
psicoterapia psicodramática bipessoal, o campo mais fértil de ocorrência do fenômeno da
transferência.
Em seu texto, Perazzo (2005) propõe uma nova visão da transferência, sob o ponto de
vista psicodramático, articulando conceitos desenvolvidos por ele mesmo e por
psicodramatistas contemporâneos. Também demonstra, que essa nova articulação contribui
para uma maior facilidade de manejo da técnica.
Para a sua criação, reúne conceitos desenvolvidos por autores como Carlos Calvente e
seu conceito de personagem conservado, além do estudo sobre a complexidade do conceito de
personagem e sua relação com a fantasia e a imaginação. Papel, rótulo e personagem de
____________________
1 Desejo aqui, registrar o meu agradecimento a Sérgio Perazzo pelo envio do seu texto Transferência e
Personagem (2005), ainda não publicado, que muito me auxiliou na compreensão do trabalho com a
transferência.
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Naffah Neto; de Moysés Aguiar, o personagem protagônico; o conceito de lógicas afetivas de
conduta de Maria da Penha Nery e, de Ângela Baiocchi, a questão do poder simbólico. E
ainda, o termo equivalentes transferenciais, de sua autoria, apresentado em seu livro Ainda e
sempre psicodrama, de 1994.
. Papel, rótulo e personagem.
De Naffah Neto, Perazzo destaca o estudo etimológico da palavra papel, “rotulus”,
“rôle”, rótulo e o seu exemplo sobre o rótulo de uma garrafa: “Na medida que o rótulo
aumenta, diminui nosso contato com a substância que ele envolve” (NAFFAH NETO, 1979,
in: PERAZZO, 2005). Naffah Neto esclarece a origem de papel ligada ao rolo, no qual eram
escritas as falas que o ator deveria decorar para desempenhar o seu papel na peça teatral.
Assim, Perazzo (2005) explica que, quanto mais escondido pelas determinações do papel,
mais visível fica o personagem que, por sua vez, esconde a pessoa do ator.
. Personagem protagônico.
Para Perazzo (2005), Aguiar levanta a questão crucial para o entendimento de
personagem no contexto psicodramático.
A explicação de Aguiar é que o personagem protagônico é a figura central da história
e, normalmente, tem um conflito, que pertence ao papel/personagem e não à pessoa do ator. Já
no teatro espontâneo psicodramático, é comum que o “personagem protagônico seja a pessoa
do ator e, nesse caso, o conflito do personagem e o do ator coincidem e se confundem. De
qualquer maneira, a definição desse conflito é importante para a construção do personagem”
(AGUIAR,1998, in: PERAZZO, 2005) .
. Personagem conservado.
Perazzo (2005) ressalta a contribuição de Calvente que, chama a atenção para
determinadas formas de comportamentos em papéis sociais diferentes, que se repetem em
situações e contextos diversos, configurando-se assim, em um personagem conservado
(CALVENTE, 2002, in: PERAZZO, 2005).
Partindo desse entendimento, conclui que a transferência pode se efetivar como um
personagem conservado, migrando através do efeito cacho de papéis, buscando
complementaridade, nos mais diversos papéis sociais. E, exemplifica: “alguém que por uma
razão transferencial qualquer, se comporta como um personagem conservado em várias
situações de sua vida como “o bonzinho”, “o carente”, “o grudento”, etc, etc, facilmente
identificável” (PERAZZO, 2005).
32
. Equivalentes transferenciais.
Conceito desenvolvido pelo próprio Perazzo (2005), diz respeito aos sinais indiretos
da transferência, que pode ser um sintoma, um trecho do discurso, uma postura corporal, um
movimento na cena, etc. Esses sinais, ou seja, os equivalentes transferenciais, guiam o diretor
na cena psicodramática com o cliente.
. Lógicas afetivas de conduta.
“Expressões ‘racionais’ de sentimentos e sensações que orientam a dinâmica
psicológica da pessoa em determinados momentos e contextos” (NERY, 2003, in: PERAZZO,
2005).
Perazzo (2005) articula esse conceito de Maria da Penha Nery com o conceito de
personagem conservado de Calvente, para explicar determinados comportamentos. Assim, o
autor exemplifica: “se eu for bonzinho quem sabe serei amado”, “se eu me mostrar carente
quem sabe receberei o colo desejado”, “se eu grudar no outro não serei abandonado”
(PERAZZO, 2005).
O conceito de lógicas afetivas de conduta será visto de forma mais detalhada, no
capítulo 4 desse estudo, quando apresento as concepções teóricas e práticas da autora.
. Poder simbólico.
De Ângela Baiocchi, “(...) o exercício do poder simbólico gravita co-consciente e coinconscientemente nas relações humanas e, particularmente, no âmago da vida familiar (...)”
(BAIOCCHI, 2003, in: PERAZZO, 2005). É o poder simbólico exercido por figuras parentais.
Um poder invisível, que parte da cumplicidade entre os que exercem o poder e os que se
sujeitam a ele.
Quanto à transferência, é preciso “detectar qual personagem interno num vínculo
primário, em seu papel complementar, que detém o poder na co-construção de uma
transferência em seu status nascendi” (PERAZZO, 2005).
Articulando as produções de Calvente, Nery, Baiocchi e o seu conceito, Perazzo
(2005) apresenta o entendimento de que a transferência e seu status nascendi representam um
conjunto em que, “num vínculo primário, através de uma complementaridade de papéis
sociais se estrutura um personagem conservado pelo poder simbólico atribuído ao outro,
tendo como pauta uma lógica afetiva de conduta” (PERAZZO, 2005). Esse personagem
conservado migra pelo efeito cacho de papéis para outros papéis sociais, como um
comportamento estereotipado, constituindo-se assim como transferência, que pode ser
observada por meio de sinais, ou seja, os equivalentes transferenciais.
33
Esses sinais, que podem ser um gesto, uma postura corporal, uma maneira de falar, um
certo discurso, um movimento, na cena psicodramática, poderão significar um ponto de
partida para a ação dramática, objetivando a pesquisa intrapsíquica. E, assim, “desvendar a
trama oculta do protagonista, desmontar as lógicas afetivas de conduta, desmascarar o poder
simbólico, desconstruir o personagem conservado e construir um novo status nascendi
relacional” (PERAZZO, 2005).
A propósito, Perazzo (2005) não entende a resolução do conflito do cliente como um
rematrizar e, sim, como explica acima, a construção de um novo status nascendi relacional.
Para clarificar o entendimento teórico e mostrar como a transferência pode ser
trabalhada dentro da proposta psicodramática, sistematizo o exemplo apresentado em seu
texto.
É preciso detectar o personagem conservado, por exemplo, “o bonzinho”, em qualquer
papel social trazido pelo cliente, por meio de um equivalente transferencial e/ou pelas lógicas
afetivas de conduta envolvidas na estruturação desse personagem.
Esses sinais guiarão até ao status nascendi dessa transferência em que, por exemplo,
frente a uma mãe que detém o poder simbólico, na complementaridade dos papéis sociais
filho–mãe, se explicita a lógica afetiva de conduta “se eu for bonzinho serei amado pela
minha mãe” (PERAZZO, 2005). Lembrando que esse personagem conservado “bonzinho”
migrará transferencialmente pelo efeito cacho de papéis para os demais papéis sociais.
Um dos valores dessa construção, é possibilitar uma melhor compreensão da
transferência sob a perspectiva da teoria psicodramática, “além de nos obrigar a pensar
sempre em personagem, já que dispomos de uma técnica de ação derivada do teatro”
(PERAZZO, 2005).
Outro ponto de relevância, diz respeito a maior facilidade com que se visualiza a
transferência, utilizando-a como um ponto de partida dos recursos psicodramáticos. Pode-se
partir do personagem conservado, ou das lógicas afetivas de conduta, ou do personagem que
detém o poder simbólico, ou ainda, explorar a sua impotência simbólica não visualizada. A
transferência assim utilizada como um guia, afirma, também favorece um menor risco de o
psicodramatista se perder, nas múltiplas possibilidades que a cena dramática propicia.
Rosa Cukier
No próximo capítulo, sobre a prática nas psicoterapias psicodramáticas bipessoais,
será possível constatar que Cukier (1992) não trabalha com a transferência, como foi visto em
Bustos e Perazzo. No entanto, seu posicionamento é de que, a transferência ocorre,
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independentemente da forma de terapia e da técnica aplicada e, que os psicodramatistas têm
plena condição de lidar com o fenômeno, quando ocorrem, em seus atendimentos.
Maria da Penha Nery
“(...) lógica afetiva de conduta, uma pedra de toque, uma pérola teórica que
complementa e elucida com raro brilhantismo a noção psicodramática de transferência”.
(PERAZZO, in: NERY, 2003). Essa frase é do prefácio do livro de Maria da Penha Nery,
escrito por Perazzo. Assim, valida esse constructo teórico desenvolvido pela autora e, incluído
por ele em sua concepção de trabalho com a transferência, como apresentado em páginas
anteriores.
Para Nery (2003), a existência humana, (o desempenho dos papéis, os dramas e
conflitos), está permeada pela afetividade. Seu estudo sobre vínculos está fundamentado na
afetividade. Defende que, são as marcas afetivas que dão sentido e significado às ações e aos
vínculos estabelecidos. “(...), é inegável que a afetividade é o motor da nossa conduta,
direciona-nos bem como nos motiva para o desempenho de um papel num contexto e num
momento” (NERY, 2003, p. 19). Assim, acredita que, o aprendizado emocional nos vínculos,
além do aprendizado dos papéis, pode auxiliar a compreender e a liberar o potencial criativo.
Lembra que, a evolução psíquica dos indivíduos é possibilitada pela liberação da
espontaneidade-criatividade. Destaca de Perazzo e Aguiar, a compreensão sobre co-criação
como a motivação básica dos vínculos. É a criação conjunta, possibilitada pelo encontro das
espontaneidades, por meio da complementaridade de papéis dos indivíduos envolvidos no
vínculo.
Para Nery (2003), o aprendizado emocional é contínuo e co-construído, desde o
primeiro grupo social, na matriz de identidade, na qual se forma a identidade dos vínculos.
Para explicar a influência das dores vividas na infância, na estruturação da
personalidade, a autora utiliza o processo de sobrevivência emocional de Rosa Cukier
(CUKIER, 1998, in: NERY, 2003), quando afirma que, o indivíduo guarda, emocionalmente,
outros Eus infantis, originados em situações desconfirmadoras ou de vergonha, cuja
experiência se mantém imutável, ao longo de seu desenvolvimento. “Esta é a “criança interna
ferida”, que corresponde às aprendizagens da conduta e da afetividade obtidas pela criança em
vínculos ameaçadores de sua integridade biopsíquica-social, com o papel complementar”
(NERY, 2003, p. 21).
Esse aprendizado emocional resultará em uma modalidade vincular afetiva (termo
criado por Fonseca) com o mundo, constituindo um modo peculiar de se vincular. Explicita,
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então, uma conduta conservada, em um determinado vínculo residual, composto pela “criança
interna ferida” e pelo complementar interno patológico (conceito de Bustos, já apresentado).
Ou seja, explicita um vínculo conflituoso.
Para Nery (2003), o inconsciente também é formado por esses aspectos internalizados
dos vínculos e pelas pautas de condutas acumuladas ao longo da vida do indivíduo.
Lembra que, no psicodrama, sob a perspectiva das pessoas nos vínculos, passamos a
denominar co-inconsciente e co-consciente. Logo, o estabelecimento de um vínculo pressupõe
a intersubjetividade. E, esses estados favorecem as manifestações dos fenômenos tele e
transferência. Para Nery (2003), tele é um fenômeno interpsíquico e a transferência tem sua
origem no mundo interno, relacionada às experiências aprendidas nos vínculos internos que é
transposta para os vínculos atuais. Sintetizando, a transferência implica em transposição de
conteúdos do mundo interno para o mundo externo, por meio da modalidade vincular afetiva,
constituindo-se de fatores intrapsíquicos e outros relacionados ao campo interpessoal.
Nery (2003) então, assinala que são os processos transferenciais e co-transferenciais
que inviabilizam a co-criação, fenômenos esses relacionados à modalidade vincular afetiva,
que inclui as condutas conservadas e a afetividade que bloqueiam o desenvolvimento do
indivíduo, que o processo terapêutico deve focar-se.
Desenvolvido por Nery em 1992, o conceito de lógicas afetivas de conduta, é um
eficaz recurso para o trabalho terapêutico. A autora é categórica ao afirmar que “detectar e
trabalhar as lógicas afetivas de conduta que compõem o processo co-transferencial favorece a
intervenção terapêutica” (NERY, 2003, p. 25).
Explica que, do processo de estabelecimento dos vínculos, resulta uma aprendizagem
de lógicas afetivas de conduta. São marcas afetivas que influenciam a cognição e a conduta,
vividas em vários níveis de consciência e, derivadas de várias experiências vinculares.
Mostram-se através de expressão sintética de algum aprendizado emocional, acompanhada de
uma lógica. Alguns exemplos: “Se eu for rebelde, terei atenção”, “Ficarei calmo, se lavar
cinco vezes a mão”, “Conseguirei admiração, se sempre ajudar a todos”. São, portanto, “(...)
as “células-tronco” dos processos co-transferenciais e de co-criação. São uma espécie de
molécula psíquica motivacional dos projetos dramáticos, da modalidade vincular afetiva e do
desenvolvimento de todos os tipos de papéis” (NERY, 2003, p. 25).
Sobre as lógicas afetivas de conduta, Nery (2003) constatou que:
. Na aprendizagem emocional, as lógicas afetivas participam do processo de
internalização dos vínculos, que se compõem da concepção do “eu”, ou a criança interior, do
papel complementar interno e da relação entre eles.
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. No vínculo, há momentos em que as lógicas afetivas de conduta do papel
complementar interno patológico bloqueiam a co-criação, causando angústia e sofrimentos,
resultando na complementação patológica de papéis.
. E há momentos em que a internalização do papel complementar desperta lógicas
afetivas de conduta liberadoras da espontaneidade-criatividade dos indivíduos e viabilizadoras
da inteligência relacional², que é a capacidade das pessoas de, nos vínculos, complementarem
papéis que atualizam lógicas afetivas de conduta que favorecem o desenvolvimento psíquicosocial. Logo favorecem a co-criação.
. As lógicas afetivas de conduta estruturam a conduta conservada, necessária à
continuidade da aprendizagem, como também estão relacionadas à construção da
subjetividade e à assunção de identidades, resultante de aspectos internalizados dos vínculos,
compostos de lógicas afetivas de conduta.
. Nem toda conduta conservada, que se repete, é imobilizadora. Pode, também,
favorecer a aprendizagem. Por exemplo, uma pessoa que aprendeu a conduta de ser útil, para
conseguir a atenção do outro. Em alguns momentos, numa repetição da conduta conservada,
ela será útil para alguém. No entanto, como aprendeu a ser útil, em outros momentos, ao ser
naturalmente útil, contribuirá para as relações.
O que torna as lógicas afetivas de conduta eficientes para o trabalho terapêutico, é
que elas “fornecem direcionalidade, intencionalidade e causalidade aos papéis, pois nelas
estão contidas as resoluções afetivas que visam alguma homeostase psíquica, (...)” (NERY,
2003, p. 48). Assim, tornam visíveis as defesas relacionais, exteriorizadas nos vínculos, pelas
transferências que se propagam para os papéis sociais, por meio do efeito cacho de papéis.
O
trabalho psicodramático é sobre a transferência, objetivando favorecer a construção
de um novo status nascendi, liberando a espontaneidade-criatividade no vínculo.
Para detectar os processos co-transferenciais e trabalhá-los, através do método
psicodramático, especificamente no vínculo cliente-terapeuta, Nery (2003) ensina algumas
abordagens, que apresento de maneira bastante resumida. Esclareço que, em sua obra, embora
a autora não direcione a sua prática, especificamente, para os atendimentos bipessoais, a
considero perfeitamente aplicável a esse tipo de tratamento.
O foco do trabalho da co-transferência são as lógicas afetivas de conduta e as
características de papéis que impedem a manifestação da espontaneidade-criatividade.
_________________
2 A autora destacou esse conceito de inteligência relacional da proposta de Edward Gardner das múltiplas
inteligências (GARDNER,1993, in: NERY, 2003).
37
As abordagens são:
. Modalidade vincular afetiva:
O terapeuta tem por objetivo ajudar seu cliente a conhecer sua modalidade vincular
afetiva e como desempenha seus papéis.
Usando técnicas de ação, o cliente começa a compreender o que representa, o modo de
ser e para que ser de seus diversos papéis (exemplo: filho, marido, “bonzinho”, “passivo”,
sádico”) e a reaprender novas características.
O terapeuta ainda observa a sua própria modalidade vincular afetiva e a de seu cliente,
para não reforçá-lo em seus sintomas, suas resistências, suas alienações e angústias. É sua
função desenvolver o potencial terapêutico de sua própria modalidade vincular afetiva, de
modo a favorecer a experiência libertadora do cliente. Através de suas próprias lógicas
afetivas de conduta, possibilita a liberação de lógicas do cliente mais favoráveis à
manifestação de sua espontaneidade–criatividade. É o vínculo terapêutico promovendo um
novo status nascendi relacional.
. Autodefinições:
São falas do cliente em relação a si mesmo, a seus sentimentos e às suas
autopercepções. São falas e sentimentos determinados e intensos, como por exemplo: “Tenho
vergonha de me impor!” ou “Não confio em ninguém”. São expressões que mostram alguma
identidade ou ainda, esclarece a autora, “a confusão do eu com os aspectos dos vínculos
conflitivos, internalizados em vivências nas quais o cliente obteve danos ao eu” (NERY,
2003, p. 192).
Podem ser utilizadas para acessar o processo transferencial, pois, muitas vezes,
evidenciam conteúdos de algum aspecto internalizado dos vínculos conflitivos. Para ajudar ao
cliente, o terapeuta precisará compreender essa identidade e auxiliá-lo a diferenciar esses
outros dentro dele.
No vínculo atual, esses conteúdos internalizados dos vínculos conflitivos se
manifestam, num dado momento, pelas lógicas afetivas relacionadas ao papel complementar
interno patológico, em outro momento, pelo “eu ferido”, ou ainda pela dinâmica entre eles.
Para o trabalho com as autodefinições, Nery (2003) afirma que as técnicas
psicodramáticas oferecem para o cliente, a oportunidade reviver as cenas relativas a essas
autodefinições, de modo a diferenciá-las e libertar-se das condutas conservadas a elas
associadas.
A dramatização, “por si só, é terapêutica” (NERY, 2003, p. 194), por objetivar ou
explicitar o funcionamento da psique e da interpsique, por meio da realidade suplementar.
38
. Resistência:
As resistências do cliente em relação à mudança, ao processo terapêutico, ao
enfrentamento dos conflitos e ao desempenho do papel de cliente, são sinais do processo
transferencial.
Aparecem na forma de vários mecanismos defensivos do ego, tais como: projeção,
negação, fuga e, também, em condutas conservadas, como justificativas, vitimação,
isolamento, desqualificações e, ainda, ausências ou atrasos nas sessões. Explicitam as
dificuldades do cliente, sua angústia e medos.
Por meio das resistências, “os aspectos internalizados dos vínculos conflitivos
dominam o eu do cliente, suas condutas conservadas lhe fornecem muitos benefícios e uma
identidade, mesmo autodestrutiva, (...)” (NERY, 2003, p. 196).
Cabe ao terapeuta, conhecendo a modalidade vincular de seu cliente, optar pelas
técnicas mais efetivas para trabalhar as suas resistências (dramatizações, feedbacks,
interposições de cenas, entre outras), favorecendo que ele possa dar novas respostas aos seus
conflitos e dificuldades. Ajudando-o a assegurar-se de que a mudança lhe fornecerá uma
identidade mais autêntica e espontânea.
No vínculo com seu cliente, também o terapeuta pode ver-se paralisado, impotente ou
confuso, devido às suas próprias modalidades vinculares que, podem reforçar as dificuldades
do cliente. Ou seja, a resistência do cliente ser decorrente da resistência do terapeuta.
. Vínculos patológicos:
Decorrentes da vinculação de aspectos internalizados de vínculos conflitivos do
terapeuta com os do cliente, reforçando-os. Estabelece assim, um vínculo patológico, que
perturba o tratamento do cliente.
Por outro lado, os sinais de co-transferência também podem favorecer que o terapeuta
perceba a necessidade de se desenvolver, o que, resulta na melhora do vínculo com seu
cliente.
A arte da terapia é o “trabalho” artesanal e minucioso dos aspectos internalizados
dos vínculos conflitivos, tanto do terapeuta como do cliente, metamorfoseando-os
em aspectos que lhes garantam o sentido ético, de autoproteção nos vínculos e de
desenvolvimento dos potenciais criativos (NERY, 2003, p. 200).
. Dimensões da psique:
Diante de alguma co-transferência, a autora recomenda que o terapeuta observe “quais
alianças faz em relação às dimensões da psique do cliente” (NERY, 2003, p. 200).
39
Utilizando Victor Dias (DIAS, 1987, 1994), ela refere-se às áreas e aos
correspondentes psicológicos que formam o núcleo do eu³. Exemplifica dizendo que, em uma
co-transferência, um cliente com a área mente mais desenvolvida, pode estimular o terapeuta
a fazer intervenções lógicas e racionais, deixando de trabalhar as emoções, área que esse
cliente tem dificuldades. O mesmo pode ocorrer com as outras dimensões. Assim o que pode
prejudicar o processo terapêutico é o terapeuta complementar a dinâmica do cliente,
reforçando aquela dimensão que já se encontra mais desenvolvida, não favorecendo o
desenvolvimento das outras dimensões.
Alerta, ainda, para que o terapeuta mantenha-se atento, além das dimensões psíquicas,
aos aspectos corporal e relacional presentes no vínculo terapêutico. “(...) o cliente, ao relatar
um fato, ou revivê-lo, está imerso em sua subjetividade. Nesse contexto, o terapeuta
naturalmente se alia ao cliente, e não ao “outro” representado no seu discurso ou
dramaticamente, (...)” (NERY, 2003, p. 202).
Recomenda, então, que treine uma visão mais globalizada dos conteúdos do cliente.
Para que, essa metavisão do terapeuta, isto é, o estratégico distanciamento em relação ao
cliente, favoreça uma percepção mais acurada, bem como algum grau de imparcialidade no
vínculo terapêutico. Indica, a técnica de inversão de papéis, pois, ao ampliar o co-consciente,
possibilita a apreensão, percepção e captação tanto do outro como de si mesmo.
. Agressividade:
Através da modalidade vincular relacionada à agressividade, também se pode detectar
a co-transferência. Assim, podem sugerir:
. A auto-agressão, uma tentativa de destruição dos vínculos internos patológicos;
. A agressão ao outro, uma tentativa de se superar em relação aos aspectos internalizados dos
vínculos conflitivos projetados no outro;
. A agressividade indiferenciada, uma alienação ou uma vivência rígida de papéis imaginários
ou sociais pode ser uma maneira de anular as interferências dos aspectos internalizados do
vínculo conflitivo.
________________
A Teoria do Núcleo do Eu foi criada por Rojas Bermudez e enriquecida por Victor Dias em seus livros
Psicodrama - Teoria e Prática (1987) e Análise Psicodramática Teoria da Programação Cenestésica (1994). A
estruturação da teoria divide o psiquismo humano em três Modelos Psicológicos – Ingeridor, Defecador e
Urinador e em três Áreas delimitadas por estes modelos: Área Mente - responsável pelos processos do PENSAR
(explicar, elaborar, deduzir, etc.); Área Corpo: responsável pelos processos do SENTIR (emoções e sensações) e
Área Ambiente: responsável pelos processos de PERCEBER: percepção tanto de si mesmo, quanto do ambiente
externo.
3
40
Nery (2003) alerta para, no processo terapêutico, a ocorrência de algumas
complementaridades patológicas de papéis entre cliente e terapeuta, relacionados à
agressividade.
A forma de expressão da agressividade, como um sinal da transferência, pode ser o
ponto de partida do trabalho psicodramático e, para cada perfil de cliente, caberá, uma
intervenção técnica apropriada.
. Dinâmicas de poder:
Nery (2003), pontua que, a natureza simétrica e assimétrica dos vínculos estabelecidos
na vida, resulta em dinâmicas de poder. “Então, poder e afetividade, conjugados,
fundamentam as complementações de papéis” (NERY, 2003, p. 27). E, ao se influenciarem e
se dinamizarem trazem contradições para a experiência vincular. Forças psíquicas e
interpsíquicas entram em vigor em busca do equilíbrio biosóciopsicológico.
Focalizando o vínculo terapêutico, a ocorrência de dinâmicas de poder, indica a
presença de co-transferência. “Muitos dispositivos de poder como o saber, a situação
financeira, o status sociométrico podem ser usados danificando psicologicamente os
envolvidos no vínculo” (NERY, 2003, p. 205), exacerbando os conflitos dos vínculos
patológicos.
Assim, o objetivo da psicoterapia, através das relações de poder presentes na relação
terapêutica, é promover uma nova modalidade vincular, com dinâmicas de poder que
possibilitem a espontaneidade e criatividade.
A co-transferência permeia o vínculo terapêutico. Identificá-la e trabalhá-la por meio
da revivência de cenas e do vínculo com o terapeuta, possibilita o surgimento de um novo
status nascendi relacional. É um reaprendizado emocional, resgatando a própria força
terapêutica do cliente.
Como foi visto, a co-transferência também ocorre quando os aspectos internalizados
de vínculos conflitivos do terapeuta favorecem um vínculo impeditivo. Assim, como o
processo de co-criação está envolvido pela co-transferência é necessário que o terapeuta
detecte que conteúdos seus podem interferir em sua prática profissional.
41
Capítulo 4: A prática psicodramática e as técnicas na Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal
O psicodrama pode ser definido como a ciência
que explora a “verdade” por métodos dramáticos.
Jacob Levy Moreno
O foco deste capítulo é apresentar a prática adotada pelos teóricos estudados,
mostrando os métodos e técnicas mais aplicadas por eles.
Abordo, também, seus cuidados e recomendações para o diretor, para nas
dramatizações, fazer uso das funções de ego-auxiliar, ou seja, tomar o papel do cliente ou de
seu complementar.
E ainda, que adaptações e ajustes fazem na prática moreniana clássica, para trabalhar
na psicoterapia bipessoal.
Dalmiro Bustos
Ao trabalhar o método psicodramático em seus atendimentos bipessoais, Bustos
(1985) explica que sempre inicia por uma cena circunstancial, normalmente trazida
verbalmente pelo cliente. Vai do superficial para o mais profundo, gradualmente, do
aquecimento até a dramatização, estimulando o surgimento da espontaneidade. Alerta que
uma abordagem prematura do conflito básico cria fortes defesas. Também trabalha, como
alternativa, desde o começo, com vendas para olhos, que estimula a conexão com o mundo
interno.
Daí, podem surgir os iniciadores corporal, emocional e ideativo.
Faço aqui uma breve explicação de cada um dos iniciadores por entender a sua
importância na prática do autor, como também o é para Perazzo que faz uso corrente dessa
construção de Bustos.
. Iniciador corporal:
Aqui se buscam as zonas de tensão corporal. Essas zonas representam o correlato
corporal dos mecanismos de defesa.
. Iniciador emocional:
São estados emocionais como tristeza, angústia ou agressividade, que o cliente não
consegue saber quais são as possíveis causas. Quando esses estados estão em um nível alto de
tensão, o terapeuta precisa saber trabalhar, principalmente nos casos de agressividade, a fim
de não estimular descargas destituídas de valor terapêutico. O manejo objetiva manter a
tensão para que se possa investigar o seu conteúdo.
42
Qualquer descarga prévia da tensão precisará estar a serviço de facilitar a elaboração
do material nela contida.
. Iniciador ideativo:
Uma fantasia, uma recordação, ou uma imagem. Pode ser o ponto de partida de uma
dramatização, a fim de investigar e elaborar o conteúdo ali presente.
Uma vez identificado o núcleo tensional (iniciador corporal), Bustos (1985) trabalha
com a técnica da maximização, com o objetivo de, ao exagerar a tensão, melhor reconhecê-la.
Na sequência, busca a relação dessa tensão com os outros níveis – emocional e ideativo. Para
tal, estimula o cliente a associar livremente a tensão à imagens (iniciador ideativo) e ao
mesmo tempo, buscar a emoção associada a essa imagem (iniciador emocional).
Com o surgimento do material relacionado às emoções, às tensões corporais e às
imagens, o método objetiva possibilitar a dramatização, mas, para isto, é preciso que surja o
protagonista e o antagonista, que levará à identificação do conflito.
Localizada a situação central, por meio do jogo dramático, busca-se uma interação
entre esses personagens, através da técnica de inversão de papéis. E, dessa forma, também,
vai-se obtendo uma melhor compreensão da dinâmica e dos conteúdos ali contidos, revelando
ainda a característica das defesas.
Bustos (1985) afirma ainda que, há técnicas que não apresentam grandes variações
quando aplicadas a dramatização sem egos-auxiliares. São elas: o solilóquio, a entrevista do
cliente em seu próprio papel ou de personagens internos, a concretização, a maximização.
Para a inversão de papéis, aconselha que o terapeuta assuma o papel de ego-auxiliar, em
algumas poucas situações e por breves momentos, a fim de não perder seu papel de diretor da
dramatização.
Outro ponto que define como fundamental, é o tipo de diálogo que o terapeuta
estabelece com os personagens, uma vez que revela aspectos da relação terapêutica, através da
transferência. O drama da interação terapêutica, no aqui e agora, resignifica a ação
psicodramática, na qual, as próprias reações do diretor o orientam ao longo da sessão.
Uma vez reveladas as condutas defensivas e a interação dramática, o próximo passo é
criar as condições para a reparação.
Bustos (1985), ensina que toda defesa fica ligada ao conjunto de condicionantes que a
estruturou. Mesmo desaparecidos esses condicionantes, a defesa continua, se estruturando
assim, na chamada defesa neurótica. No entanto, acredita que, se foi o próprio indivíduo quem
criou os mecanismos de defesa, ele também será capaz de reformulá-los.
43
Sobre a resolução dramática, esclarece que no contexto da psicoterapia
psicodramática, a catarse de integração, entendida segundo o conceito de Moreno, como
descarga de tensões acumuladas que culmina o processo de elaboração, perde importância
primordial. É importante que, nas primeiras sessões, ocorram descargas de angústia,
depressão e agressividade, cujo excesso obstaculiza a criação de uma condição mais reflexiva.
Em lugar da catarse de integração, diz ter optado pelo processo de elaboração, que
basicamente consiste em tornar consciente o inconsciente por meio da livre associação.
Pontua ainda, que Moreno, Lowen e Perls resgatam a utilidade da descarga de tensões,
abandonada por Freud, não se opondo ao processo de elaboração e sim, como parte essencial
do mesmo.
Ainda sobre a função da descarga de tensões, Bustos (1985) acredita que o objetivo da
descarga é tão somente o alívio das tensões, a não ser que faça parte do processo de
elaboração. Também afirma que, à medida que o processo terapêutico vai evoluindo, a
necessidade de descarga vai diminuindo, dando lugar a ocorrência mais frequente de insights.
Sérgio Perazzo
Antes de apresentar o método de Sérgio Perazzo, cabe esclarecer que o autor, em seu
texto, faz referência ao seu uso tanto para o trabalho com grupos, quanto para a psicoterapia
psicodramática individual, bipessoal ou pluripessoal.
Em seu livro Ainda e sempre psicodrama, Perazzo (1994) assinala que a “riqueza” do
psicodrama, quanto ao manejo da técnica, acaba por se constituir em uma grande dificuldade
para o psicodramatista, devido às múltiplas possibilidades de acréscimos à ação que podem
ser feitas, o que desafia o diretor psicodramatista a uma rapidez de resposta, no desenrolar
progressivo da cena dramática.
Para dar conta de tarefa tão complexa, pontua ser necessário ao psicodramatista, além,
da espontaneidade e criatividade:
. possuir uma ampla e bem integrada bagagem de conhecimento científico;
. ser capaz de colocar-se no papel do outro;
. saber proceder a uma investigação sociométrica, colocando-se como um ativo
observador participante;
. seguindo suas próprias sensações, intuição e sentimentos, captar o clima, menos
preocupado com o encadeamento lógico de detalhes, acreditando que ao longo do processo,
eles se encaixam naturalmente;
. misturar-se à ação;
44
. saber fazer leitura e escolha precisa do essencial naquilo que está evidente.
Assim, o ponto de partida para o trabalho psicodramático, o guia, o fio condutor,
poderá ser a transferência, ou suas consequências. Perazzo (1994) lembra que o sintoma é
uma denúncia.
O objetivo primeiro do método psicodramático é a detecção do clima protagônico e/ou
restabelecê-lo, quando o seu surgimento espontâneo é impedido por alguma intercorrência
relacional ou por uma fantasia inconsciente, quer ocorra em um trabalho com grupo, quer na
psicoterapia bipessoal. Daí a importância do terapeuta identificar a ocorrência de um desses
fenômenos ou, até mesmo, a sua ocorrência concomitante; e, promover a resolução de seus
impedimentos. Disso depende o fluir do processo dramático.
Para que a dramatização ocorra, é preciso que o protagonista possa movimentar-se,
simultaneamente, entre os planos relacional, através dos papéis sociais e, do imaginário ou da
fantasia, por meio de papéis psicodramáticos, afirma o autor.
Após a detecção do clima protagônico ou a resolução de seus impedimentos, orienta
que, a etapa seguinte será a delimitação ou a pesquisa da transferência a ser trabalhada na
ação dramática. “Aqui começa um dos requintes do trabalho psicodramático” (PERAZZO,
1994, p. 58).
Em decorrência da evolução do entendimento desse autor, sobre a transferência e suas
manifestações, apresentado no capítulo 3, ou seja, do desenvolvimento do conjunto
transferencial (PERAZZO, 2005), composto pelos conceitos de personagem conservado,
lógicas afetivas de conduta e poder simbólico do vínculo primário, o trabalho dramático com
a transferência ficou bastante facilitado.
De maneira didática, Perazzo (1994) apresenta o desenvolvimento de cada fase desse
trabalho.
. Primeira fase: Delimitação da transferência, o primeiro elo transferencial de uma
cadeia ou percurso transferencial. Aqui, então, se pode partir de algum elemento do conjunto
transferencial, de algum sinal ou equivalente transferencial.
. Segunda fase: a pesquisa dessa transferência. A situação vivida pelo protagonista, é
experienciada por sensações, não estando ainda claro, nem para o terapeuta, nem para o
protagonista, a relação, o nexo, dessa sensação com alguma dificuldade específica. No
entanto, essa sensação é a expressão da transferência.
Essa primeira dramatização, tem apenas o objetivo de diagnosticar a transferência, ou
seja, servirá para orientar ao diretor e ao protagonista, dando uma melhor visibilidade da
transferência. Embora, abra caminho para a ação reparatória, não tem um propósito
45
reparatório. Essa fase pode evoluir rápida e espontaneamente, sem, no entanto, que a
transferência seja percebida. Nesses casos, Perazzo (1994) recomenda que o psicodramatista
redobre a atenção de leitura, pois a transferência, no momento ainda oculta, aparecerá na
cena. E também, porque é nessa fase que, muitas vezes, ao perder o fio transferencial, o
psicodramatista se perde.
. Terceira fase, objetiva o encadeamento dos elos transferenciais, visando a
. Quarta fase, que é a ação reparatória.
Define ação reparatória como o momento da dramatização em que um “papel
imaginário conservado se transforma em papel psicodramático espontâneo e criativo, abrindo
caminho para a catarse de integração (...)” (PERAZZO,1994, p. 74). É a construção de um
novo status nascendi.
. Quinta fase: Aqui se faz a correlação transferencial com o aqui e agora. Possibilita
estabelecer o nexo, permitindo uma ação reparatória no plano relacional, quer em
psicoterapia de grupo ou na bipessoal, por meio de papéis sociais ali presentes (terapeuta e
cliente ou membros do grupo). É auxiliar o cliente a ir além da transformação vivida através
dos papéis psicodramáticos, da dramatização.
Papel psicodramático, é aquele que, jogado na cena dramática, tem a função de
“resgatar o papel imaginário não-atuado, servindo de ponte entre este papel imaginário e os
papéis sociais, numa explosão espontânea e criativa (...)” (PERAZZO, 1994, p. 85)
Assim, em linhas gerais, o trabalho consiste em:
. Identificar a transferência, ou seja, a falta de espontaneidade.
. Seguir a transferência para identificar os cachos de papéis implicados pelo fenômeno.
. Pesquisar o status nascendi dessa falta de espontaneidade.
. Auxiliar o cliente, a construir um status nascendi novo. Um novo movimento
existencial.
Passo então, a explorar mais detalhadamente a terceira fase, o encadeamento dos elos
transferenciais, com o objetivo de registrar algumas das orientações práticas do autor,
aplicáveis à psicoterapia psicodramática bipessoal.
Perazzo (1994) apresenta três elementos técnicos que possibilitam chegar à ação
reparatória e, consequentemente, à catarse de integração. Assim, afirma que o encadeamento
eficaz dos elos transferenciais depende, da capacidade do diretor de acompanhar o caminho
das associações feitas pelo protagonista, ao mesmo tempo em que, precisa estar atento aos
movimentos existenciais que aparecem no discurso, no gestual e na dramatização. E ainda, e
46
em primeiro lugar, do bom aquecimento e, de igual importância, da manutenção desse
aquecimento.
Vale a pena lembrar, que Moreno nos ensinou que, é o aquecimento que favorece as
respostas espontâneas, na cena dramática.
O trabalho do psicodramatista com a dramatização, que abre uma infinidade de
possibilidades associativas, torna-se bastante complexo. “(...) além da associação de palavras,
do exame de seu significado simbólico, da decifração das metáforas e metonímias, da leitura
da expressão facial e da tonalidade de voz (...) e da observação do resto do corpo e de sua
postura, precisamos trabalhar também a ação dramática (...)” (PERAZZO, 1994, p. 62).
E, trabalhar a ação dramática significa, por meio do desempenho de papéis
psicodramáticos ou de papéis sociais, no aqui e agora da sessão de psicodrama, trabalhar as
técnicas; as imagens corporais; as tensões; os movimentos ou ausência deles; as relações (com
o terapeuta e com o outro); sem perder o foco da transferência que está sendo trabalhada.
Afirma que, todo esse trabalho se resume a reconhecer o mesmo movimento
existencial que está presente nas formas acima citadas, e que se repete. O que muito facilita o
trabalho do diretor, como partida para uma dramatização.
Assim, define movimento existencial, explicando que é um termo de Dalmiro Bustos:
“é uma dada ação ou não ação, que se manifesta ou que não se manifesta, através de um papel
ou papéis por efeito cacho, com tendência a se repetir conservada ou espontânea e criativa ou
originalmente reescrita na história do indivíduo” (PERAZZO, 1994, p. 63).
Dada a sua característica de elemento intermediário entre papel e transferência, o
movimento existencial favorece que sejam visualizados (papel desenvolvido e transferência),
no trabalho dramático até à ação reparatória.
Em síntese, através da visibilidade dos movimentos existenciais, quer no contexto
social, quer no contexto dramático é possível estabelecer e compreender a relação ou “os
nexos” entre os elos transferenciais, o que levará à ação reparatória. É saber reconhecer os
equivalentes transferenciais, em meio às associações que o cliente vai fazendo ao longo da
ação dramática.
Equivalentes transferenciais são “as diversas formas que toma um mesmo movimento
existencial, permeadas pela transferência” (PERAZZO, 1994, p. 64).
Relaciono esses escritos de Perazzo, em 1994, com os seus entendimentos mais atuais
constantes do texto Transferência e Personagem (2005), apresentado no capítulo 3 de meu
estudo, para melhor situar o termo movimento existencial de Bustos e o conceito de
personagem conservado de Calvente, por serem conceitos complementares e ambos utilizados
47
por Perazzo4. Movimentos existenciais são as diversas formas que o indivíduo se posiciona no
mundo, isso inclui a ação e a não ação. Como está sempre em relação com o outro, os
movimentos existenciais são sempre relacionais. Podem ser espontâneos e criativos ou
desprovidos de espontaneidade/criatividade. Essa forma permeará a sua maneira de
relacionar-se. Movimentos existenciais com pouca ou sem espontaneidade/criatividade,
podem se repetir desse modo em diversas relações, ao buscar complementaridades de papéis
sociais, se propagando pelo efeito cacho de papéis. É como se o indivíduo encarnasse um
personagem conservado, que repete em vários papéis da sua vida.
São, portanto, conceitos que, na prática psicodramática, podem auxiliar a visualização
da transferência, funcionando na ação dramática, como o ponto de partida para a pesquisa
intrapsíquica.
Trato agora, da questão do aquecimento e de sua manutenção, indicado por Perazzo
(1994), como um dos três elementos técnicos essenciais para se chegar à ação reparatória,
uma vez que favorece a fluidez das cenas e o eficaz encadeamento dos elos transferenciais.
Assim, o diretor psicodramático precisa ter alguns cuidados, como manter uma
constante observação e percepção do aquecimento do protagonista em cada momento, desde a
proposta de ação até o final da dramatização. E, acrescento que, essa mesma constância de
observação e percepção, deve também ser direcionada ao seu próprio aquecimento.
Selecionei alguns pontos da obra do autor, que podem ter aplicação direta ao contexto
dos atendimentos bipessoais. São eles:
. Proximidade do psicodramatista em relação ao protagonista:
A fluidez da dramatização tem relação direta com a proximidade interior, genuína, do
diretor e do ego-auxiliar com o protagonista, da qual dependerá a percepção das variações do
aquecimento para cada um deles.
Situações de contato corporal irrefletido ou impulsivo do diretor, podem prejudicar o
desenrolar natural da cena e a explicitação da transferência e, até mesmo, complementar
transferencialmente o movimento existencial do cliente.
Assim, recomenda que a “espontaneidade supõe a melhor maneira e, tratando-se de
uma relação, a melhor maneira engloba o eu e o outro nas variáveis de cada momento e,
portanto, também o perceptual” (PERAZZO, 1994, p. 65). Por outro lado, em determinados
momentos, a aproximação corporal torna-se necessária ao desenvolvimento da ação.
_________________
O esclarecimento sobre os dois conceitos foi feito por Sergio Perazzo, por correspondência pessoal, escrita, via
e.mail, em dezembro de 2008.
4
48
. Função ego-auxiliar do diretor :
Elemento fundamental para manter o aquecimento do protagonista, que é mantê-lo no
papel; e também, para o desdobramento da cena, a função ego-auxiliar do diretor se constitui
de alguns procedimentos do diretor. A partir das atribuições de seu papel, ou seja, sem sair do
papel de diretor, inscreve-se na cena dramática do protagonista e, se for preciso, até mesmo
com contato corporal. Não desempenha o papel de ego-auxiliar e sim, toma algumas das suas
funções.
A função ego-auxiliar do diretor é possibilitada pela movimentação flexível do
diretor, ora aproximando-se e ora distanciando-se do protagonista. O aproximar-se favorece a
percepção das necessidades dele e das suas próprias, enquanto diretor para, por exemplo,
melhor perceber o clima.
Também possibilita o estabelecimento de uma relação de intimidade com os
personagens desempenhados pelo protagonista nas cenas, dialogando com eles, recurso do
método psicodramático de direção teatral, que auxilia a manter o protagonista nos papéis.
Enquanto que, o distanciamento objetivo possibilita fazer leituras e, escolher e aplicar
as técnicas.
E, ensina: “(...) se o diretor, no momento do aquecimento específico, esbarra em
alguma resistência do protagonista, o vaivém proximidade–distância é que vai permitir a
utilização de um duplo, por exemplo, que o devolva à ação” (PERAZZO, 1994, p. 66).
. Utilização do duplo:
Uma boa razão para a aplicação do duplo é que essa técnica evidencia aquilo que está
sendo defendido, um conteúdo latente, fazendo emergir a transferência e os conteúdos a ela
vinculados.
Outra razão diz respeito a rapidez dessa aplicação e com que eficácia faz também
emergir as emoções do protagonista, o que facilita a manutenção do aquecimento.
Aplicada pelo próprio diretor, em sua função ego-auxiliar, sem sair de seu papel.
Perazzo (1994) recomenda que o diretor ou ego-auxiliar, ao tomar o papel do outro, expresse
tão somente o conteúdo latente que foi percebido e, o faça com uma certa expressão ou
postura corporal.
. O enfrentamento de resistências:
A tensão indica a presença de equivalentes transferenciais que, num processo natural,
traz como consequência a ocorrência de resistências. Cabe enfrentar a resistência fazendo uso
das técnicas psicodramáticas, quer incentivando a dramatização, quer fazendo um duplo, ou
mesmo com assinalamentos concisos.
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. Convite à ação:
Perazzo (1994), incentiva que o psicodramatista proponha a ação e, fazendo uso de
verbo e tom de voz imperativos, sem ser autoritário, acompanhado de uma “maleabilidade”
para, ao receber a resposta do cliente, decidir se deverá enfrentar a resistência e insistir ou
recuar, se isso for o melhor.
. A percepção do aquecimento do protagonista e a extensão da montagem das cenas:
A observação e a percepção constante do aquecimento do protagonista é que dará o
sinal de qual será a duração da montagem da cena. O detalhamento de cenário e/ou da
situação somente se faz necessário para favorecer o aquecimento de um protagonista que
ainda esteja “frio”. Se o protagonista já está em cena, com sua emoção, qualquer iniciativa de
trabalhar com ele, por exemplo, detalhes do local onde aquela situação estava acontecendo,
geralmente, tem resultado inverso e acaba por desaquecê-lo.
. Utilização e extensão de entrevistas:
Alerta para o que chamou de “abortamento da ação dramática”, resultante de uso
inadequado de entrevistas ou ainda, de alongá-las, na busca de informações, desaquecendo o
protagonista. O “segredo” é colocá-lo em ação. Para iniciar, usar um verbo de ação no
imperativo e, também dessa mesma forma, sempre que ele desviar da ação. Um exemplo:
“Fale com fulano”. “Eu não estou na conversa. Fale com Beltrana”, caso ele se dirija ao
diretor. “(...) o segredo técnico é saber dosá-la em proveito da ação dramática” (PERAZZO,
1994, p. 70).
Vale também a aplicação de solilóquio; inversão de papéis ou concretização de
sentimentos, sensações ou discurso em imagens corporais ou movimentos, evitando que a
dramatização pare ou perca potência.
. Concisão de linguagem do psicodramatista:
A prolixidade do terapeuta também pode promover o desaquecimento. Assim, a
concisão, a economia de falas por parte do terapeuta, indo no ponto, favorecem a aplicação de
duplos à ação dramática e, à emergência da espontaneidade e criatividade do protagonista.
Uma prática de Perazzo (1994) é, após a ocorrência de cenas múltiplas, acompanhadas
da consequente ação reparatória, propor ao protagonista que volte à primeira cena (quinta
fase do trabalho com a transferência). Acredita que, se através do efeito cacho de papéis
chegou-se à ação reparatória, por meio do desempenho de papel psicodramático, também
retornará à primeira cena, uma forma renovada e ampliada de desempenho de outros papéis
(sociais), que antes estavam permeados pela mesma transferência.
50
Ao propor ao protagonista voltar a essa primeira cena, Perazzo (1994) destaca a
importância da concisão do diretor que, com uma instrução curta, sintética, traz de volta
apenas o personagem central daquela cena, usando um ego-auxiliar (grupo) ou uma almofada
(bipessoal) para, mais uma vez e, agora de maneira renovada, contracenar com o protagonista,
mesmo que, na composição dessa cena inicial, este tenha dado muitos detalhes.
. Concretização do discurso em ação:
Constitui-se em uma possibilidade técnica que favorece não só a manutenção do
aquecimento como também a emergência de sentimentos ali incluídos. Pede-se ao
protagonista, caso tenha montado uma cena de um diálogo, que acrescente à palavra um
movimento, em relação ou direção à outra pessoa envolvida no diálogo, que simbolize essa
palavra, concretizando assim, o discurso.
. Leitura estrutural das cenas e a articulação dos equivalentes transferenciais na ação
reparatória:
A característica dos equivalentes transferenciais de apresentarem uma semelhança de
estrutura, explica Perazzo (1994), favorece a leitura e sua articulação final na ação
reparatória. Ensina ainda que, “o melhor método de leitura da articulação dos equivalentes
transferenciais é o método vovô-viu-a-uva5. (...), ou seja, ler o óbvio, aquilo que se está
vendo, sem mergulhos interpretativos” (PERAZZO, 1994, p. 72). Isso inclui ver ou ler o
discurso, as emoções, o corpo e o movimento que o cliente apresenta. Reforça ainda, sobre a
importância do diretor estar atento, tendo clareza do percurso transferencial, pois, nem sempre
a dramatização vivenciada pelo protagonista leva à ação reparatória. Ou seja, a resolução
tem, por vezes, um caráter defensivo.
O que compreendi do esclarecimento de Perazzo é que, mais uma vez o conteúdo
transferencial entra em cena, literalmente, impedindo que ocorra a ação reparatória,
constituindo-se assim em uma resistência que precisará ser enfrentada pelo protagonista,
ajudado pelo diretor, ele mesmo também enfrentando a resistência de seu cliente,
“denunciando e apontando o movimento existencial que não foi realizado e que é de fato,
_________________
Método que tive a instrutiva oportunidade de vê-lo aplicar em curso por ele ministrado, no Delphos, no Rio de
Janeiro, em novembro de 2008.
A seguir, registro as técnicas e recursos que presenciei e vivenciei Perazzo utilizando, no curso citado. E,
segundo sua explicação, aplicáveis para o trabalho com grupos e nas psicoterapias psicodramáticas bipessoais.
São eles: Os iniciadores de Bustos – Iniciadores corporais, emocionais e ideativos - como recursos para o
aquecimento; música para o aquecimento inespecífico e específico; as técnicas: maximização, concretização,
inversão de papéis, duplo, solilóquio, interpolação de resistência; emprestar a sua própria mão e força para a
cena com o protagonista, na função ego-auxiliar do diretor; uso da voz – expressões vocais; trabalho com
múltiplas cenas e cenas curtas e, o compartilhar dramático do grupo (ao invés de falar, dramatiza-se, em cenas
rápidas, por meio de personagens as questões daquelas pessoas que não foram o protagonista).
5
51
o novo tão temido e não atuado” (PERAZZO, 1994, p. 73).
José Fonseca Filho
Na prática da Psicoterapia da Relação, as cenas são desenvolvidas, no que Fonseca
(2000) denominou de “ações dramáticas”, para diferenciá-la da dramatização do psicodrama
clássico. Elas representam os mecanismos de ação terapêutica, nas quais o terapeuta se dispõe
a desempenhar e a inverter os papéis do cliente. Busca-se o insight dramático e a catarse de
integração. Não há montagem de cenas. O jogo de cenas acontece com o terapeuta e o cliente
sentados frente a frente, não havendo, portanto, ação corporal, nem espaço demarcado como
palco.
Os mecanismos de ação da Psicoterapia da Relação, que ocorrem em dois momentos
bem definidos na sessão, são o contexto verbal e o contexto das ações dramáticas. A parte
verbal, ações comuns às psicoterapias psicanalíticas, acontece no próprio contexto verbal ou
após uma ação dramática. Objetiva a elaboração, fornecendo insights ou ampliá-los, visando a
“reconstrução da auto-imagem ou da percepção télica do mundo circundante” (FONSECA,
2000, p. 25).
No contexto da ação dramática, os mecanismos de ação terapêutica são o insight
dramático, “iluminação de determinada problemática com o aumento da sua consciência” e, a
catarse de integração, “tal como no psicodrama, consiste na desorganização da estrutura de
um conflito com uma reorganização mais télica do que a primeira” (FONSECA, 2000, p. 25).
Ainda como mecanismo de ação terapêutica, Fonseca (2000) fala da internalização do
modelo relacional terapêutico. Explica que essa internalização ocorre nos moldes de outras
matrizes da vida internalizada do indivíduo.
Quanto aos procedimentos técnicos referentes à ação dramática, as técnicas
psicodramáticas foram simplificadas, “despidas de seu aparato teatral”, explica. Tornam-se
mais ágeis e rápidas. Não existe delimitação de tempo cronológico, tudo é presente; nem
movimentação espacial, nem mesmo nas inversões de papéis. “A Psicoterapia da Relação é
um psicodrama minimalista” (FONSECA, 2000, p. 28). Mais apropriada à psicoterapia
individual. O que difere do que comumente acontece na prática dos atendimentos bipessoais,
em que o desenvolvimento das cenas ocorre em um espaço demarcado como cenário ou palco.
A técnica mais aplicada à ação dramática, o “duplo espelho”, sintetiza as técnicas do
duplo e do espelho do psicodrama clássico. “(...) estou frente a frente com o paciente,
dublando-o” (FONSECA, 2000, p.28), assim, explica o que caracteriza como duplo espelho.
52
Como procedimento mais utilizado aponta o desempenho de papéis, através do qual
assume os papéis internalizados do cliente, funcionando como um ego-auxiliar, associando à
técnica da inversão de papéis.
Utiliza ainda, a entrevista no papel, entrevistando o personagem desempenhado pelo
cliente. E, também: concretização, maximização, técnica da repetição (repetição de
determinadas expressões verbais ou de movimentos espontâneos). Técnica da presentificação
(o cliente relata a cena não no passado, mas no presente). Há ainda o diálogo, o solilóquio, a
técnica do videoteipe e o psicodrama interno.
Rosa Cukier
No terceiro capítulo de seu livro Psicodrama Bipessoal - sua técnica, seu terapeuta e
seu paciente, sob o título Enquadre básico, Cukier (1992) apresenta a sua metodologia para
trabalhar com as dramatizações.
Apresento, resumidamente, alguns aspectos de sua prática, principalmente as
adaptações, que considero importantes para ampliar o conhecimento sobre os atendimentos
bipessoais. Recomendo a leitura do referido capítulo, na íntegra, pois a autora desenvolveu
um trabalho bastante didático, com fichamento técnico e exemplos da aplicação de cada
técnica.
Entendo que Cukier (1992) valoriza a fala na psicoterapia psicodramática, ao afirmar
que, quando se faz necessário, opta pela elaboração verbal de algum conteúdo, o que resulta
em sessões sem dramatizações.
Na aplicação da metodologia psicodramática, afirma que:
. estimula algum tipo de aquecimento inespecífico, em movimento e/ou verbal (é a fala
do cliente que comumente ocorre no início da sessão, promovendo o aquecimento tanto do
cliente quanto do terapeuta). E, o aquecimento específico sempre em movimento. Pontua
acerca da importância do aquecimento do diretor e do cliente para superar possíveis
dificuldades de dramatização com os recursos intermediários, como também para o alcance
níveis ótimos de abstração.
. utiliza almofadas ou objetos para marcar os papéis complementares;
. propõe a técnica da tomada de papéis para que o cliente possa ir definindo e
experimentando o papel complementar;
. raramente contracena ou assume o papel do cliente e, quando o faz, é de forma breve;
. utiliza, preferencialmente, a técnica da entrevista, que favorece o ir e vir entre a
fantasia do cliente e a realidade da sessão;
53
. utiliza ainda vários outros recursos e quase todas as técnicas de dramatização.
Também trabalha com sonhos, com imagens e esculturas.
Sobre a importância do aquecimento, tanto para o cliente quanto para o terapeuta,
esclarece que, para o cliente tem a função de ajudá-lo a desligar-se de aspectos de menor
importância do seu cotidiano e, a prepará-lo para focar-se nos seus conteúdos a serem
trabalhados, bem como diminuir as resistências. “O paciente tem que ser capaz de executar
saltos extraordinários – do ponto de ônibus até os espaços estranhos que sua fantasia definirá
– do real ao “como se”. Prepará-lo para esse malabarismo é função do aquecimento”
(CUKIER, 1992, p. 29).
Processo análogo se dá com o terapeuta, que precisa desligar-se dos demais papéis de
sua vida, para concentrar-se e desempenhar o seu papel de terapeuta, no entra e sai sucessivo
de clientes, com histórias e questões diferentes e por vezes, bastante diversas.
Focalizando o atendimento bipessoal, Cukier (1992) alerta que, na prática, a etapa do
aquecimento fica prejudicada pela questão do tempo. Apresenta então, como distribui o tempo
da sessão, para que possa dedicar tempo produtivo para o aquecimento e para as demais
etapas. Assim, em uma sessão individual, de 50 minutos, o aquecimento inespecífico leva de
5 a 10 minutos. A dramatização, incluindo o aquecimento específico de 25 a 30 minutos e o
“sharing ou uma elaboração”, nos 10 a 15 minutos restantes.
Sobre a dificuldade dos psicodramatistas iniciantes que, com medo de dramatizar,
acabam vencidos pelo nível verbal e racional, explica que esse medo advém de “mergulhar
dentro do desconhecido, que é a dinâmica interna do paciente”, mas também se deve à
dificuldade de manejo das técnicas. Enfim, é a dificuldade de lidar com a surpresa. Assim
agindo, o terapeuta atua em “complementaridade dos sistemas de defesa paciente–terapeuta”
(CUKIER, 1992, p. 30). Recomenda, então, trabalhar o aquecimento inespecífico em
movimento, que é a melhor técnica para os psicodramatistas com dificuldades de levar os seus
clientes a dramatizarem, pois favorece ao cliente, reconectar-se com o próprio corpo, sentir e
perceber o corpo, a respiração e a localizar tensões e dores. Para o terapeuta, sentir o próprio
corpo, aquecendo-se e, assim, entrar em sintonia com o cliente, a fim de saber quais as suas
dificuldades e que instruções dar-lhe para favorecer o seu reconectar-se.
Quanto à dramatização, considerando as dificuldades do terapeuta iniciante em seus
atendimentos bipessoais, Cukier (1992) apresenta o que chamou de seu “repertório de
manejos terapêuticos”, dividido em:
A. Técnicas clássicas (como Moreno as descreveu):
. Duplo; solilóquio; maximização.
54
E ainda, com adaptações para aplicação em atendimentos bipessoais:
. Espelho (o terapeuta se coloca no lugar do cliente, repetindo uma determinada
postura física que este havia assumido).
No psicodrama bipessoal, Cukier (1992) adverte que, o terapeuta pode se colocar no
lugar do cliente tomando o cuidado de avisar ao cliente o que fará. Pode também, utilizar uma
almofada, descrevendo para o cliente, de forma clara e enfática, o que viu.
. Inversão de papéis no psicodrama bipessoal:
Para a autora, é através do aquecimento, que a tomada de papel se faz possível. E que
“quanto maior for a aderência e empatia que o paciente obtiver na tomada de papel do outro,
mais poderemos falar em inversão de papéis” (CUKIER, 1992, p. 45). A técnica da entrevista
para a tomada de papel, bem como o terapeuta emprestar a sua voz à almofada que representa
o cliente, podem ajudar a esse aquecimento, uma vez que favorece o “como se”.
Em sua clínica, Cukier (1992) observa que, para muitos clientes, a inversão de papéis
na terapia bipessoal, tem favorecido a um incremento do fator tele, como também da autotele.
Ou seja, ocorre uma transformação na maneira como o cliente percebe e se relaciona consigo
mesmo e com o outro.
. Concretização – é a materialização ou concretização, por meio de imagens,
movimentos, ou falas dramáticas, de emoções, conflitos e sensações corporais, buscando dar
visibilidade ao cliente daquilo que essas emoções e sensações fazem com ele. Alerta que, essa
técnica oferece uma dificuldade quando utilizada nos atendimentos bipessoais, uma vez que
cabe ao ego-auxiliar tomar o papel das sensações concretizadas. Não recomenda a tomada
desse papel pelo terapeuta, a fim de “não estimular transferências”. E, sim, que o terapeuta
faça uso de algum objeto, que intermediaria o contato físico direto com o cliente. E ainda que,
se refira ao que está concretizado, na terceira pessoa.
B. Dramatização em cena aberta:
A autora assim denomina a dramatização de qualquer situação que o cliente queira
trabalhar, ou conflitos, ou cena de um sonho.
C. Psicodrama interno:
Assim entende a técnica: “(...) um trabalho de dramatização onde a ação dramática é
simbólica. O paciente pensa, visualiza e vivencia a ação, mas não a executa” (CUKIER, 1992,
p. 54).
E trabalha com as seguintes fases:
. relaxamento;
55
. uso de algum dos indicadores de Bustos (físico, emocional ou imaginário – ideativo),
para levar ao mundo interno do paciente e seus personagens;
. interação desses personagens, por meio de ação mental, fazendo uso de recursos do
psicodrama clássico.
Aconselha o uso dessa técnica quando o cliente traz uma queixa clínica que sugere
conflito interno pouco definido, caracterizado por queixas vagas, sensações de angústia
generalizada e/ou aparentemente sem motivo.
Pontua ainda que, “Talvez a única contra-indicação seja quando a situação
transferencial se apresenta muito forte, sendo apenas possível trabalhar o aqui e agora do
vínculo” (CUKIER, 1992, p. 56).
D. Trabalho com sonhos:
Como outras técnicas em psicodrama bipessoal, a dramatização de partes de sonhos,
dada à ausência de egos-auxiliares, é feita com o uso de almofadas ou outros objetos, com o
terapeuta emprestando a sua voz e referindo-se sempre na terceira pessoa do singular.
Apresenta as contribuições de J. Wolf (WOLF,1985, in: CUKIER, 1992), para o
trabalho com onirodramas. A técnica desenvolvida por Moreno e ampliada por Wolf, precisa
ser utilizada de maneira abreviada, para que possa melhor se acomodar ao tempo de uma
sessão individual.
E. Trabalho com imagens ou esculturas:
Para Cukier (1992) essa técnica é um potente recurso para dar concretude a conteúdos
simbólicos trazidos pelo cliente e, para se trabalhar vínculos, sejam eles familiares, grupais ou
intrapsíquicos. Podendo, também, ser aplicada, em sessões com múltiplas cenas encadeadas,
nas quais o diretor possa sentir-se desorientado. Através da imagem, é possível se obter uma
síntese, um resumo, dos conteúdos abordados.
Quanto à prática da técnica, considerando o contexto do atendimento bipessoal,
orienta que:
. As instruções podem se referir à execução de: Escultura real (de uma situação
vincular ou emocional real, como é percebida e sentida pelo protagonista). Escultura desejada
(de uma situação vincular ou emocional fantasiada pelo cliente). Escultura temida (mostra as
angústias e temores que algumas situações produzem no cliente).
. Pode-se, por exemplo, pedir ao cliente que modele uma imagem que mostre a opinião
e sentimentos seus e de outras pessoas. Ou, ainda, o que ele faz às pessoas, ou o que sente que
as pessoas fazem com ele.
56
O importante, é a clareza das explicações, para que promovam o entendimento do
protagonista e o desenvolvimento da técnica.
Orienta o cliente, para que utilize objetos da sala e seu próprio corpo e, que construa a
imagem aos poucos, explorando as diferentes possibilidades. Cukier (1992) assinala que, por
raras vezes, para facilitar o entendimento do cliente sobre as instruções, oferece o seu próprio
corpo para que ele modele a imagem.
Uma vez construída a imagem, orienta para que o cliente tome o lugar da escultura,
para sentir-se como ela. Utiliza, então, técnicas como solilóquio e duplo, a fim de melhor
explorar os sentimentos ali contidos.
Aplica a inversão de papéis, se a escultura tiver várias partes ou se referir a
relacionamentos com outras pessoas, para que o cliente possa experimentar os diversos
papéis. Também usa a técnica do espelho, solicitando ao protagonista que deixe de ser a
escultura e veja-a de fora. E, assim, diga o que sente e que modificações gostaria de fazer.
Sugere ainda, que o protagonista circule entre as esculturas, real e a desejada, para se dar
conta das modificações que precisa fazer.
Sobre a utilização de Jogos dramáticos, Cukier (1992) apresenta em seu livro um
capítulo dedicado a esse recurso. Além de conceituá-los, estabelece que o jogo dramático
permite uma aproximação terapêutica do conflito. E, ainda, que o jogo faz com que o clima de
tensão, normalmente presente nos conflitos, seja substituído por uma sensação de relaxamento
e humor, o que arrefece as defesas intrapsíquicas.
Quanto ao trabalho com o conteúdo do conflito, classifica os jogos em Explorativos e
Elaborativos.
. Jogos Explorativos: Mostram as partes do drama do cliente. Tem ainda o objetivo de
fazer com que ele aprenda algo sobre si mesmo. “O consultório se transforma num laboratório
vivente, onde a pessoa explora a si mesma num plano realista, sem medo de crítica ou
rejeição” (CUKIER, 1992, p. 75).
Relaciona, então, inúmeros jogos dramáticos explorativos, que utiliza em seus
atendimentos bipessoais. São eles: Átomo social, Historiodrama, Imagem da família ou átomo
sóciofamiliar, História do nome, O outro me apresenta, Projeção do futuro, Tirar roupas ou
esquema de papéis, Fotografia, Encontro do Eu grande com o Eu pequeno, Técnica da cadeira
vazia.
Dentro dessa classificação, a autora relaciona outros jogos, sob o título de
“Experimentos”, explicando que são técnicas da Gestalt-terapia.
57
. Jogos Elaborativos: Seu objetivo é favorecer “um mergulho vivencial no núcleo do
drama intrapsíquico, facilitando sua elaboração” (CUKIER, 1992, p.75). São técnicas criadas
por Dalmiro Bustos e José Fonseca Filho. São elas: Duplo-espelho, Jogos de papéis, Jogos
que buscam a matriz das condutas defensivas, Jogo do personagem, Vestir fantasias, Baú de
fantasias e Jogo de fantoches.
Sobre o compartilhar no psicodrama bipessoal, Cukier (1992) aponta ser necessário
certa cautela ao efetuar o compartilhamento de experiências e emoções do terapeuta,
considerando a assimetria da relação terapeuta–cliente. Lembra e concorda com Bustos
quando sinaliza que a conduta mais adequada do sharing advém do tele e da autenticidade do
diretor. Relata, também, que por vezes observa, que compartilhar alguma experiência
semelhante, traz “um certo alento ao paciente, como que desfazendo o caráter de experiência
única, excepcional, com a qual ele recobre a situação traumática que acabou de revivenciar”
(CUKIER, 1992, p. 113).
Teodoro Herranz
Passo a apresentar as idéias desse autor espanhol que, tem uma prática algo distinta
dos autores anteriormente apresentados, no que diz respeito à sua firme convicção da
ineficácia da prática do diretor desempenhar papéis do cliente.
Lembro, para melhor compreensão de sua prática e concepções, que o autor utiliza
como apoio teórico o Psicodrama, a Psicanálise e a Teoria Sistêmica.
No capítulo 3 de seu livro, sob o título Condições para começar o tratamento (setting)
em psicoterapia psicodramática bipessoal, Herranz (2000) discorre sobre várias questões,
algumas das quais julguei interessante registrar aqui.
Com relação ao local para esse tipo de atendimento, define a marcação de dois espaços
distintos, cada espaço para relações diferentes. Assim, um espaço do intrapsíquico e o outro
do inter-relacional. Afirma que é preciso criar com a máxima clareza a relação a ser
construída com o cliente. E para tal, conta com as linhas que separam a realidade da
irrealidade. É preciso evitar os espaços de indefinição que podem se converter em espaços de
confusão relacional. Assim:
. Espaço para estar com o outro e com o dramatizado (espaço psicodramático):
Esse é o espaço para conversar. Sugere duas poltronas, posicionadas de maneira a
formar um ângulo reto, entre elas, o que favorece a interação, indo da proximidade à
distância. Permite que o cliente olhe o terapeuta ou ao girar a cabeça, desvie seu olhar. Essa
58
posição facilita “o encontro e o desencontro”, sendo “funcional para permitir entrar no espaço
dramático de forma natural e espontânea” (HERRANZ, 2000, p. 43).
Sobre a questão da distância em relação ao cliente, Herranz faz três pontuações:
- Psicodramaticamente falando, ou seja, em termos da relação, a distância definida
entre duas pessoas.
- Quanto ao cliente, seus medos e desejos indicarão a distância com que se
posicionará.
- Em relação ao terapeuta, recomenda que, considerando o contexto do tratamento, no
qual ocorre a resolução dos conflitos, o espaço deve vir de seu desejo de dar continência,
afeto e orientação. E não, da sua necessidade de dar, o que implicaria em suas próprias
carências.
Por último, assinala que nesse espaço do conversar, a distância entre o cliente e o
terapeuta deve favorecer para que não haja contato físico entre eles. E, se houver, será
reconhecido como um aspecto a ser trabalhado. A única ressalva, diz respeito a contatos
físicos, com o propósito de oferecer apoio corporal ao cliente, como segurar pelo braço ou
pelos ombros. Mesmo assim, que ocorra no espaço dramático.
Embora o autor diga ser raro a ocorrência de contato do cliente em relação ao
terapeuta, ele é enfático ao recomendar que o terapeuta deva “deter essa ação”. “Não é
permitido qualquer tipo de contato agressivo, nem erótico, o ego vem definido por seus
limites corporais” (HERRANZ, 2000, p. 66).
Afirma não impedir quando, na dramatização ou em um momento de grande carga
emocional, houver o contato afetivo por parte do cliente, pois entende que seja um
comportamento natural, motivado pela necessidade do cliente em aproximar-se de uma figura
protetora.
. Espaço para dramatização (dramático):
Espaço, “um cenário”, para se por em ação.
A respeito das técnicas psicodramáticas na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal,
Herranz (2000) as organiza segundo as três etapas da sessão psicodramática.
. O aquecimento:
- Aquecimento inespecífico:
Seu objetivo é criar disposição emocional entre cliente e terapeuta, o que favorece a
aproximação dos conflitos do cliente. Para isto, é primordial o controle da conversação e do
silêncio, que se alternam, orientados pela tensão emocional presente no “campo terapêutico”.
O autor interpreta essa alternância, “do ponto de vista emocional, como o jogo de privação–
59
nutrição transferido para a relação em que se colocam paciente e terapeuta” (HERRANZ,
2000, p. 51). No entanto, alerta que, principalmente no início do tratamento, o terapeuta deve
saber que o cuidado e o apoio emocional são prioritários.
Por outro lado, deve também considerar que a privação é necessária para que o cliente
possa fazer alguma regressão e, nesse nível, relaxar as suas defesas e permitir-se estar, na
relação com o terapeuta, com os seus personagens internos.
Assim, esse aquecimento caminhará em duas dimensões que, inclusive, nortearão o
terapeuta nos seus movimentos de dar e privar.
. Do adulto ao infantil (do atual ao regressivo).
Caracterizado pelo tipo de relação que o cliente estabelece com o terapeuta, o que
mostrará o quanto está regredido.
. A intensidade emocional que, em nível tolerável para o cliente, permita a reflexão, a
análise, a elaboração.
Embora prefira trabalhar o aquecimento inespecífico conforme descrito acima,
quando identifica no cliente, a ocorrência de grande tensão emocional, utiliza algum exercício
de relaxamento. Ou ainda, caminha pela sala, segurando o cliente pelo braço, enquanto este,
segue pensando alto ou conversando com o terapeuta.
- Aquecimento específico:
Para o aquecimento do cliente para a cena dramática, Herranz (2000) toma cuidado
para evitar o que denominou de “minar as cenas” que, segundo observou, ao se aproximar a
dramatização, o cliente vai se desinteressando, retirando a emoção.
Assim, descreve em detalhes os conteúdos trazidos pelo cliente, de forma a se
aproximar de seus sentimentos. Examina os diferentes objetos do lugar, de modo aproximar as
lembranças do cliente ao espaço imaginário. À medida que os personagens internos do cliente
vão surgindo e se localizando no espaço, é importante que se nomeiem os personagens
simbolizados pelos objetos e pode-se fazer uma pequena entrevista para ativar a imagem da
pessoa representada. Por último, a descrição que o cliente, já no papel de protagonista, faz de
si mesmo.
. A dramatização:
Herranz (2000) lembra o ensinamento de Moreno que a ação não se narra, se faz.
Assim, é preciso interromper o protagonista toda vez que ele inicie uma explicação da
situação. E, esse comportamento pode ser considerado como uma conduta defensiva sua,
diante do medo da dramatização.
60
Outro ponto abordado, é a dificuldade de dramatizar sem egos-auxiliares. Sugere,
então, a prática do monodrama ou autodrama6. O objetivo é fazer com que “o sujeito
interprete, viva cada um dos personagens, alternadamente. Réplicas e trocas de posição
acontecem em cena” (HERRANZ, 2000, p. 57).
Para que não ocorra a desvitalização dos personagens, alerta para uma das funções do
terapeuta, que é acompanhar o protagonista, sentindo seu sentimento e mantendo-se
sincronizado com ele.
A passagem de um personagem para outro, é orientada pela referência que um
personagem faz a outro e/ou se dirige a esse outro. Esse é quem irá responder-lhe. Assim o
protagonista vai revivendo seus personagens e a ação torna-se o fio condutor para o contato
com os “atores internos”.
Apresenta ainda, algumas técnicas que utiliza no atendimento bipessoal, podendo ser
as técnicas clássicas morenianas; outras que precisam ser adaptadas ao trabalho sem egosauxiliares e, ainda algumas que considera inadequadas. Usa como base de decisão para
adaptar ou desprezar certas técnicas, o seu entendimento de que o ato psicodramático está a
serviço do processo terapêutico. Assim, descarta qualquer técnica que exija que o terapeuta
assuma um papel na cena do cliente. E, justifica:
(...) para mim é prioritário manter claramente diferenciada e discriminada a relação
paciente/terapeuta dos elementos transferenciais, que contaminariam a relação no
momento em que o terapeuta se prestasse ao desempenho de papéis. Jamais a
dramatização pode converter-se em um elemento de confusão para a relação
paciente/terapeuta (HERRANZ, 2000, p. 58).
Como técnicas auxiliares que podem se utilizadas, sem a necessidade de adaptação,
indica o solilóquio, a concretização, a maximização, a amplificação da voz, a cadeira vazia,
exercícios psicodramáticos.
Como técnicas que requerem adaptações, Herranz (2000) cita a inversão de papéis e a
escultura. Refere-se à inversão de papéis como “a rainha das técnicas”, pois traz em si a
“filosofia do encontro”. E, assinala que a técnica oferece três possibilidades ao protagonista:
. conhecer os pensamentos e os sentimentos do outro;
. ser capaz de ver-se a si mesmo com os olhos do outro e,
. estabelecer relação por um lado, entre seu modo de ser e de comportar-se com o
outro e o modo de estar e comportar-se do outro em relação a ele.
__________________________
6 Prática denominada por
Ramirez (RAMIREZ, 1997, in: HERRANZ, 2000) de monodrama ou, por
Schützenberger (SHÜTZENBERGER, 1970, in: HERRANZ, 2000) de autodrama.
61
Uma vez que, defende o não desempenho de papéis pelo terapeuta, a princípio não
poderia haver inversão de papéis. A adaptação, então, que se faz necessária é pedir para que
“o próprio paciente desempenhe ambos os papéis para, num momento posterior, observar de
fora a dinâmica entre os personagens que participaram da ação” (HERRANZ, 2000, p. 60). A
visão externa permite ao cliente entender o jogo de complementaridades, favorecendo a
mudança do seu modo de se relacionar e o entendimento das suas dinâmicas relacionais.
Quanto à escultura, destaca os seguintes pontos de eficácia dessa técnica: possibilita a
tomada de consciência da posição do sujeito frente ao outro; a integração dos aspectos
emocionais, cognitivos e comportamentais; e, o acesso a cenas alheias à consciência do
indivíduo e difíceis de simbolizar por intermédio da linguagem.
Quanto à aplicação dessa técnica em seus atendimentos bipessoais, Herranz (2000):
. Orienta para que o cliente se deixe conduzir por suas sensações e sentimentos e vá se
posicionando, corporalmente, de modo a representá-las.
. Em seguida, para que “veja quem está diante dele, com quem está se sentindo assim”
e, que faça solilóquios.
. Pede então, que inverta papéis, colocando-se no lugar do outro. Nessa nova posição,
pede para que faça outra escultura (Inversão de papéis com escultura).
A instrução de prosseguir ou interromper a escultura é orientada pela informação dada
pelo cliente e por sua emotividade. A evolução poderá ser a evocação de imagens associadas,
à livre associação.
Esclarece que, ao longo do trabalho com a escultura, o terapeuta está muito próximo,
porém não toma parte dela.
. O eco emocional (sharing):
Considera, nesta etapa, a importância de compartilhar o afeto e a intimidade com o
protagonista, mas não o compartilhar de dados da vida do terapeuta. Afirma que, assim como
o eco emocional no psicodrama grupal, é uma exigência do tratamento, também continua
sendo o mesmo para o psicodrama bipessoal. Ou seja, “um instante para compartilhar e
elaborar levados pela emoção e para reintegrar o paciente ao seu terapeuta num plano de
realidade” (HERRANZ, 2000, p 63). No entanto, a condução do compartilhar, deve respeitar
a duas condições:
. O terapeuta deve ser profundamente honesto, assinalando para o cliente o que viu ou
percebeu.
. Centrar-se no paciente e na dramatização, usando os próprios sentimentos como um
espelho dos sentimentos do paciente.
62
Para ele, o compartilhamento está ligado exclusivamente ao cliente. Não sendo
necessário que se faça comentários sobre os sentimentos do próprio terapeuta.
Capítulo 5: Um caso clínico e a minha prática atual na Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal.
Mas essa louca paixão, essa revelação da vida no domínio da ilusão,
não funciona como renovação do sofrimento; pelo contrário, (...):
toda e qualquer segunda vez verdadeira é a libertação da primeira.
Jacob Levy Moreno
Neste capítulo, apresento uma sessão de um atendimento clínico com o objetivo de
demonstrar o caráter terapêutico da relação que se estabelece entre o terapeuta e seu cliente.
Apresento, também, a minha prática nos atendimentos bipessoais, o meu entendimento
teórico-conceitual e os recursos que utilizo.
5.1 - O caso clínico:
Cristina, 29 anos, iniciou a psicoterapia, bipessoal, trazendo como queixa a
insatisfação quanto ao relacionamento de três anos com o namorado, e à sua atuação
profissional. Dizia não gostar do que fazia, que se formou naquela profissão porque era o mais
fácil na época.
Ela trabalhava na área de informática de uma grande empresa e lá havia conhecido seu
namorado que, inclusive, continuava a ser seu colega de departamento. De maneira que as
duas queixas estavam intrincadas.
No começo do tratamento a cliente apresentava uma certa dificuldade em dramatizar.
Iniciávamos a cena e na sequência desaquecia. Mais tarde entendi, nós – terapeuta e cliente desaquecíamos.
Para o entendimento do caso, é fundamental que eu faça aqui alguns esclarecimentos.
A Cristina foi uma das minhas primeiras clientes como psicoterapeuta psicodramática
em atendimentos bipessoais. Como relatei na introdução desse estudo, sentia dificuldade de
trabalhar sem egos-auxiliares, pois, minha experiência com psicodrama era com grupos, tanto
na clínica, como terapeuta e como cliente de grupo terapêutico; como, e principalmente, na
área sócio-educacional, minha atividade principal, até então. Logo, me sentia insegura e
despreparada.
Depois de um certo tempo de tratamento da cliente, após uma série de sessões,
comecei a ficar com uma sensação de que o trabalho não caminhava, que estava travado. Por
63
outro lado, estava certa de que ela já havia caminhado o suficiente, emocional e
intelectualmente, para efetuar algumas mudanças. O namoro estava, como ela mesma dizia,
“por um triz”. Quanto à saída do emprego, já havia feito algumas consultas à sua chefia, sobre
a possibilidade de ser demitida e assim, com a indenização, poderia manter-se
financeiramente por um tempo. Tempo este necessário para buscar outra colocação mais
satisfatória ou fazer um estágio na nova carreira, pois também já havia escolhido fazer uma
outra faculdade, de curta duração. Ou seja, já estava com as escolhas feitas e, sem dúvida, já
havia feito alguns movimentos, mas não agia de maneira mais efetiva em busca daquilo que
desejava.
Por outro lado, as queixas se repetiam em relação ao namoro e ao trabalho, como se
ela ainda não tivesse avançado. Dizia que tinha certeza de que não mais queria o namorado,
tampouco o trabalho, com aquelas pessoas, naquela empresa. Por outro lado, não poderia
simplesmente pedir demissão, pois precisava de seu salário, inclusive, para manter a sua
“independência” em relação aos pais, que usavam a dependência financeira para controlá-la.
Ela também mantinha um controle das suas finanças, inclusive escritos em um caderninho.
Era também a sua fala que, quando resolvesse a questão do trabalho, também
resolveria o namoro. Mas, reclamava que nada mudava, que “se sentia presa”.
Em minhas leituras, esses eram os pontos que me chamavam a atenção: uma situação
intrincada com outras; quando se resolvesse uma, se resolveria outra, e assim não resolvia
nada; necessidade de fazer controle ou ainda, de se controlar para não ser controlada;
dependência x independência; relações afetivas importantes, papel de filha, mulher e
namorada, profissional; as escolhas e as consequências dessas escolhas, perder para ganhar. E,
claro, angústia e sofrimento.
Com a sensação de que a terapia de Cristina “patinava”, fui à supervisão, onde pude
experimentar o papel de minha cliente e, esclarecer muitas das suas questões e, entender como
eu também estava “patinando” na minha prática profissional e como também me sentia presa.
Com o acompanhamento e suporte da supervisora fui desenvolvendo o meu papel de terapeuta
psicodramatista e fui ganhando mais confiança para propor e sustentar as dramatizações da
minha cliente, ajudando-a em seu processo.
Passo então, a relatar a sessão que considero como o divisor de águas no tratamento da
cliente e, ao final, faço o processamento teórico da prática aplicada.
Após um aquecimento inespecífico de movimento corporal, pedi que quando tivesse
claro o que gostaria de trabalhar que se sentasse nas almofadas.
64
Ao sentar-se, ela disse que estava deprimida com toda aquela situação “parada”, disse
que seu chefe a chamou e informou que, para demiti-la, ela precisaria aguardar até o final do
projeto que estava em andamento e no qual trabalhava. Isso duraria uns três meses, ao final
desse período, ele teria mesmo que desligar algumas pessoas. Essa notícia a havia
desanimado, pois teria de esperar mais três meses.
Decidi então, falar para ela como isso tudo estava aparecendo na sua terapia.
Terapeuta: - Sabe, Cristina, eu também estou sentindo assim, que a “situação está parada”.
E, eu estou falando do nosso trabalho aqui, da sua terapia. Estou sentindo que estamos
patinando, sabe como um carro atolado, que sabe que direção tomar, mas que “patina” e
não sai do lugar.
Cristina: - Poxa, se patinasse estava bom, pois quando patino lá na Lagoa, eu deslizo, solta,
com o ventinho na cara. Faço manobras, mudo de direção só numa viradinha do pé. Lá eu
me solto.
Terapeuta: - Ok, você não está patinando? Então, como você sente que está?
Cristina: - Estou atolada mesmo. Sabe, é como você disse, já sei a direção, mas não saio do
lugar, isso me angustia.
Terapeuta: - E, no seu corpo, onde você sente essa angústia?
Cristina: - Aqui no peito.
Terapeuta: - Feche os olhos e concentre-se nessa angústia. Focalize-a. Veja se ela tem
alguma forma.
Após algum tempo, em silêncio, Cristina leva a mão ao peito e fala: - É uma portinha. Parece
a portinha da adega da casa do meu avô. Lembra que eu falei para você dessa adega?
Terapeuta: - Ah, sim. Você pode falar um pouco mais sobre essa portinha? E, à medida que
for falando, posicione com as almofadas, aqui nesse espaço, a portinha da adega.
Cristina: - Ah, ela é de madeira, envernizada. É pequena, pois a adega do meu avô fica
embaixo da escada que sobe para a cozinha da casa dele. É preciso abaixar a cabeça para
passar por ela.
Com algumas almofadas, Cristina marcou, num canto do consultório, a porta da adega de seu
avô.
Terapeuta: - E é possível abrir essa portinha e entrar?
Cristina, respirando mais acelerado e apertando a mão no peito: - Não. Meu avô não permite.
Sabe, uma vez ele me pegou entrando lá e brigou muito comigo. Disse que ali não era lugar
de criança. Que somente adulto poderia entrar ali. Mas que também não era qualquer adulto,
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não. Somente aquele que sabe o que é uma bebida. “A bebida pode fazer a pessoa perder o
controle da sua vida”, ele disse. Depois disso, ele meteu um cadeado bem forte lá.
Terapeuta, fazendo num duplo: - Hum! Aprendi a lição, se eu não sei lidar com isso, é melhor
ficar longe, para não perder o controle.
Cristina: - É, é isso mesmo. Eu sei que ele falava assim por causa do meu tio Ricardo, filho
dele, que bebia e que já tinha dado muito trabalho para ele.
Terapeuta: - Mas, mesmo assim, você ficou com muita vontade de entrar lá, não é?
Cristina: - É, mas não podia.
Terapeuta: - Volta a se fixar na portinha. Agora você já não é mais criança. Sabe o que é uma
bebida. Não é?
Cristina: - Sim, e nem gosto muito.
Terapeuta: - Então, você pode entrar agora.
Cristina: - É. (Ela respondeu sem muita convicção).
Terapeuta: - Então? Entra.
Cristina: - Não sei se consigo.
Terapeuta: - É? Mas você pode sim. O que você precisaria para entrar?
Cristina: - Ah, da autorização do meu avô. (Disse isso com um jeito meio infantil).
Terapeuta: - Então, eu agora, vou deixar de ser sua terapeuta por um tempinho e vou ser o
seu avô, está bem? Quando eu voltar a ser Mary eu vou te avisar. Agora, converse com ele,
peça autorização para entar.
Terapeuta no papel do avô: - Cristina, você está querendo falar comigo? O que você quer?
Cristina: - Sabe vovô, eu quero entrar lá na sua adega. Sempre tive curiosidade de ver como é
lá dentro. Sentir aquele cheiro.
Terapeuta orienta para que Cristina inverta e tome o papel do avô.
Terapeuta no papel de Cristina: - É vovô, quero conhecer muito a sua adega, sentir aquele
cheiro.
Cristina no papel do avô: - Ah, é isso. Você sabe que eu não gosto que entrem lá. Fico
preocupado. Lá é para tomar um aperitivo apenas, ou para guardar o vinho do Natal.
Terapeuta orienta para que Cristina inverta novamente e responda ao avô: - Pode ficar
tranquilo, vovô, que eu nem ligo para bebida. Eu não vou me embebedar e perder o controle
como aconteceu com o tio Ricardo.
Cristina inverte novamente, tomando o papel do avô e responde: - Sei disso. Você se tornou
uma moça muito responsável. Você já poderia ter entrado lá. (Cristina estava emocionada).
Terapeuta no lugar de Cristina: - É, vovô? Então você está me autorizando a entrar na adega.
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Cristina no lugar do avô: - Isso. E, sabe, vou fazer melhor. Vou deixar a chave do cadeado
com você, está bem? Assim, você entra quando quiser.
Terapeuta orienta para que Cristina volte ao seu próprio papel.
Terapeuta no lugar do Avô: - É isso, vou deixar a chave com você. Você é agora a guardiã da
adega.
Cristina (muito emocionada): - Está bem, vovô. Vou cuidar da chave e quando me der
vontade, vou visitar a adega e cuido dela para você.
Terapeuta: - Bem, Cristina, agora eu sou novamente a sua terapeuta. Você está diante da
portinha, tem a chave e a autorização do seu avô. Você pode entrar na adega quando quiser.
Cristina: - É, isso é muito bom. Nunca imaginei que ele me daria a chave daquele cadeado.
Ele não deixava nem com meu pai e meus tios.
Terapeuta: - É, ele a confiou a você. Sabe que não vai perder o controle da sua vida, se entrar
lá. Então, que tal entrar na adega?
Ainda havia uma certa resistência em Cristina e a terapeuta decidiu estimulá-la.
Terapeuta: - Se concentre na portinha, sinta e chave na sua mão. Você está com ela, não
está? Entre, eu estou aqui com você, te acompanhando.
Cristina, faz um aceno com a cabeça, concordando. Abriu o cadeado e, se abaixou, entrando
na adega. Sentou-se. – Nossa, meu coração está disparado.
Terapeuta: - Feche os olhos e vá dizendo o que está acontecendo.
Cristina: - Ah, estou sentindo aquele cheirinho da adega, é um cheiro adocicado das bebidas.
Tem a mesa pequena e os dois banquinhos que eu via lá de fora. Várias vezes vi meu avô
sentado ali. Ele gostava de tomar uma bebidinha antes do jantar. Tem garrafas de vinho,
português, ele gostava muito e meu bisavô também. Tem umas garrafas antigas de pinga. O
lugar não é grande, mas tem uma mágica, é como eu imaginava. Gostei de entrar aqui.
Terapeuta: - Fique aí mais um pouco, dê uma boa olhada em tudo, explore o lugar. Como
você está se sentindo?
Cristina: - É muito legal aqui. É meio escurinho, tem uma lâmpada que não clareia muito. Tá
meio empoeirado, mas eu acho que adega é assim mesmo. Tem uns cavaletes de madeira
onde as garrafas ficam deitadas.
Terapeuta: - Sim, e o que você sente ao ver tudo isso.
Cristina: - Lembro da minha infância. Brincando aqui na casa do meu avô, com meus primos.
Meu avô era muito bravo, sabe? Mas, ele adorava a gente. Fazia lanche para a gente, trazia
chocolate. Ele era muito bom. Eu me sentia segura com ele, ela me passava força e
segurança. Eu sabia que ele cuidava de mim.
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Terapeuta: - Sei. É bom para uma criança se sentir assim tão cuidada. Mas ele deu a chave
para a Cristina adulta.
Cristina: - É verdade. Entrar aqui me fez lembrar de tudo isso. Sabe, estou me sentindo
bastante segura agora. Engraçado, sei que posso entrar aqui e também posso patinar na
Lagoa. Posso estar solta, deslizando, que não vou perder o controle da minha vida. E, como
na patinação, se eu desequilibrar um pouquinho, também não tem problema, porque sei como
me equilibrar de novo.
Terapeuta: - E o que te faz saber de tudo isso?
Cristina: - Não sei. Acho que é esse lugar.
Terapeuta: - Então, olhe bem esse lugar e veja se tem aí alguma coisa, que você possa manter
sempre com você, para te dar essa certeza, para você se sentir segura.
Cristina, depois de um certo tempo: - Tem sim, é um licor alaranjado, muito cheiroso, que
parece um óleo essencial. Vou beber um pouquinho dele, no copinho do meu avô.
Terapeuta: - Muito bem, faça isso. Beba devagar, curtindo essa bebidinha. Sinta seu gosto,
seu cheiro, sua cor, enquanto a bebe. Veja-a entrando em seu corpo, te preenchendo com
essa certeza e segurança.
Cristina, depois de um tempo, emocionada: - Pronto, já bebi.
Terapeuta: - Tem mais alguma coisa que você queira fazer?
Cristina: - Não. Está bom.
Terapeuta: - Então, quando você quiser, pode abrir os olhos e saia da adega.
No compartilhar, Cristina disse que foi impressionante sentir os cheiros da sua
infância, na casa do avô. Que também se sentia um pouco atordoada, meio vazia, com uma
sensação esquisita.
Compartilhei com ela que havia sido muito bom acompanhá-la e também o quanto
fiquei emocionada com aquela sua (re)vivência.
Na sessão seguinte, ela falou sobre a dramatização ocorrida, que tinha sido muito bom.
Que durante a semana havia pensado muito e que se sentia mais confiante e disposta a fazer as
mudanças. Sabia que com a sua organização, pois já havia feito as contas, com certeza daria
para ela sair do emprego e buscar um estágio, sem grandes dificuldades. Estava mais tranquila
agora e muito animada.
Também tinha certeza de que havia feito a escolha certa sobre a nova carreira, iria
matricular-se no curso e esperaria o tempo para ser demitida da empresa atual. Disse ainda,
que teve que aguentar os seus pais a chamarem de louca, que ela jogaria fora um trabalho
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certo, de tantos anos, que ia começar do zero. Ela relatou que argumentou com eles, dizendo
que tinha certeza que se sairia muito bem na nova profissão.
Algumas sessões depois chegou chorosa, dizendo que havia terminado o namoro. Que
estava se sentindo meio estranha, pois já tinha uma rotina com ele, principalmente no
trabalho. Almoçavam juntos todos os dias, saíam juntos no final do experiente. Mas que, por
outro lado, sabia que era o melhor para ela. O que mais a incomodava, era o fato das pessoas
perguntarem, a todo instante, porque haviam terminado o namoro. Mas, sabia que isso ia
passar. Elas se acostumariam.
Passados poucos meses da importante sessão para a cliente, ela estava cursando a nova
faculdade. O seu desligamento da empresa aconteceu bem mais tarde que o previsto, pois o
projeto que participava, atrasou e ela teve que esperar, não pelos três meses, e sim, por sete
meses, o que foi bastante difícil para ela. Mas no final aconteceu como ela queria, pois
recebeu a indenização a que tinha direito.
Atualmente, está fazendo estágio na nova área profissional. Mostra-se animada e
declara estar feliz com a escolha.
Não tem novo namorado, e sim uns “ficantes”, como diz. Está aproveitando essa fase,
saindo com as amigas, com as quais não saia há tempos. Mas quer arranjar um novo
namorado, uma pessoa mais parecida com ela, “não um cara que goste de ensaio de escola de
samba”, diz. Mas, sim, “alguém que curta ler na praia, um cara mais tranquilo”.
Acredito que ela sabe bem o que quer. E que, agora, também sabe como conseguir o
que quer.
O processamento da sessão:
As sessões, se desenvolviam com maior frequência no verbal e, com a aplicação de
algumas técnicas psicodramáticas para ampliar o autoconhecimento como concretização,
desdobramento do ego, maximização, e outras, com as quais eu, como terapeuta, me sentia
mais segura. Evitava inverter papéis com a cliente, desempenhando o papel de ego-auxiliar.
Com a ajuda da supervisão, à medida que me senti mais segura, consegui me soltar. Já
detinha um bom conhecimento da teoria e da prática, só faltava mesmo “passar pela portinha
e entrar no papel de diretora da cena nos atendimentos bipessoais”.
Relato tudo isso, para mostrar o “poder terapêutico” da relação terapeuta-cliente, na
psicoterapia psicodramática, principalmente, na bipessoal, em que a relação ganha força, em
comparação à psicoterapia de grupo, constituindo-se, sem dúvida, em um dos principais
instrumentos do processo de cura e melhora do cliente.
69
Sem dúvida, no momento em que pude “patinar”, no sentido dado pela cliente, solta,
pude ajudá-la a “desatolar” as suas questões.
Outro aspecto de fundamental relevância para o psicodrama é a imaginação.
Atualmente, encontramos estudos sobre a fantasia e a imaginação e sua função na
dramatização. Para a minha cliente, durante a sua vivência com o avô e depois na adega, a
imaginação permitiu-lhe acessar conteúdos internos importantes, inclusive uma “autorização”
que permitisse adentrar em situações desejadas, sem ser tomada pela fantasia de que perderia
o controle sobre a sua vida atual, organizada, “no seu controle”, porém insatisfatória.
Acredito que, ao ter utilizado a função ego-auxiliar do diretor, conceito de Perazzo,
invertendo com a cliente, tomando seu papel e contrapapel (avô), além de ter sido um
instrumento que favoreceu o desenrolar da cena dramática, também foi um incentivo para que
a cliente experimentasse, no “como se”, novas vivências mais afinadas com seus desejos e
assim se apossar da “chave” da sua espontaneidade, a chave da sua ação, sentindo-se mais
solta. O mesmo aconteceu com a terapeuta.
Foi sem dúvida, um projeto dramático que favoreceu a co-criação.
5.2 - Minha prática atual, na psicoterapia psicodramática bipessoal:
A partir dos estudos de Bustos e Perazzo, que venho fazendo há alguns meses, passei a
incluir no trabalho terapêutico o fenômeno da transferência como um “guia” para acessar o
mundo interno do cliente e, nessa pesquisa intrapsíquica, buscar a matriz, o lócus e o status
nascendi dos conflitos. E assim, possibilitar o autoconhecimento, a resolução desses conflitos
e a liberação do seu potencial espontâneo-criativo, favorecendo a construção de um novo
status nascendi relacional, um novo posicionamento existencial. Esses são, para mim, os
objetivos da psicoterapia.
O trabalho de pesquisa é viabilizado pela relação terapêutica, através da qual vão
sendo identificados os elementos transferenciais - os representantes da falta de espontaneidade
– que, se bem trabalhados na cena dramática, guiarão até o status nascendi dessa falta de
espontaneidade.
Essa re-vivência é o que Moreno nos ensinou como sendo a segunda vez capaz de
atualizar a primeira vivência, acontecida quer na realidade ou na fantasia do cliente. Assim, a
re-vivência favorece construir um novo status nascendi promotor de um viver mais
espontâneo e criativo.
70
E, como o trabalho se dá por meio da relação terapêutica, ambos os envolvidos no
projeto dramático - terapeuta e cliente - saem beneficiados desse processo de co-criação.
Descrevo, a seguir, as etapas que sigo e de que forma as realizo:
. O aquecimento:
Moreno qualifica o aquecimento como viabilizador da liberação da espontaneidade.
Essa etapa, do aquecimento do cliente, é realmente muito importante para o
aquecimento do terapeuta. Assim, aproveito para também me aquecer. Para estar espontânea
nesse atendimento, é fundamental que eu esteja totalmente sintonizada com o meu cliente. O
aquecimento me ajuda a me concentrar nele e no meu papel.
A. Para o aquecimento inespecífico utilizo:
. Para arranque físico: alongamento, passar bolinha (de fisioterapia) no pé, caminhada
em silêncio ou com reflexão em voz alta.
. Para ir se desligando do “lá de fora” e já se aquecendo para os conteúdos a serem
trabalhados, utilizo principalmente:
-
Exercício das almofadas da Rosa Cukier (1992), em que o cliente vai
caminhando e atribuindo a cada almofada um tema.
-
Respiração e consciência corporal, para fazer contato consigo mesmo e
identificar pontos de tensão.
. Verbal e Iniciadores de Bustos (1985):
Por vezes, o cliente já chega bastante “aquecido”. Procuro estar atenta para a
ocorrência dessa situação, pois propor alguma atividade poderia desaquecê-lo.
Na sequência, tenho utilizado com frequência, os iniciadores de Bustos (corporal,
emocional e ideativo) apresentados no Capítulo 4 desse estudo, pois favorecem a conexão
com o mundo interno, mostrando zonas de tensão e a sua correlação com emoções e fantasias,
constituindo-se num primeiro passo para a pesquisa.
B. O aquecimento específico:
Realizo o aquecimento específico da mesma forma que os colegas psicodramatistas,
por meio de entrevista, ajudando o cliente a visualizar o seu cenário e ir tomando o papel.
Fico muito atenta para, nessa etapa, trabalhar adequadamente com a entrevista. Ou seja, ser
rápida demais e não aquecer suficientemente o cliente ou, me alongar demasiadamente e
desaquecê-lo.
C. A dramatização:
Durante a dramatização, dou preferência a que o cliente desempenhe todos os papéis
por ele trazidos para a cena, fazendo inversões de papéis com o auxílio de almofadas.
71
Em nome da eficácia do trabalho terapêutico, por curtos períodos de tempo, eu mesma,
fazendo uso da função ego-auxiliar, assumo os contrapapéis do cliente, ou empresto minha
voz, ou parte de meu corpo (mão ou braço), ou ainda, minha força, quer na cena dramática
aberta, quer trabalhando com o formato da psicoterapia da relação de Fonseca (2000).
Ainda sobre desempenhar os papéis de meu cliente, procuro seguir a orientação de
Perazzo e Fonseca que aconselham evitar o contato físico, pessoal, mais intenso, a fim de
evitar efeitos transferenciais indesejáveis.
Outro cuidado, diz respeito a marcar claramente para o cliente, as minhas entradas e
saídas de seus papéis.
Não desempenho os papéis do cliente, no início de tratamento, quando ainda não está
claro para mim, a sua capacidade de lidar com o binômio fantasia e realidade, o seu grau de
diferenciação e, portanto, de discriminação.
Quanto às técnicas, utilizo com mais frequência o duplo; solilóquio; espelho; inversão
de papéis; entrevista no papel ou do personagem; concretização; maximização; interpolação
de resistência; imagem ou escultura, em que posso emprestar o meu corpo para o cliente
“modelar” a sua imagem e visualizá-la. Desdobramento do ego, no início de tratamento para,
em uma pesquisa inicial, o cliente desdobrar os seus papéis mais significativos. E, ainda,
imagem corporal; cadeira vazia; personificação; butique mágica. Também utilizo, ainda,
outros recursos como objetos intermediários, argila e desenho.
D. O compartilhar:
No compartilhar, estimulo o cliente falar sobre a vivência, suas emoções e
principalmente, suas elaborações e insights. Considero o compartilhar como uma
oportunidade para acessar o valor da dramatização para o cliente, naquele seu momento. A
partir do que ele me fala, qualifico a produtividade da vivência e daquela sessão.
Procuro compartilhar com ele o que vi acontecer e as emoções que suas vivências
suscitaram em mim, pois acredito que essas emoções, de alguma forma, pertencem a ele, pois
estão relacionadas a ele. Fazem parte do vínculo que ele estabeleceu comigo.
Somente compartilho situações de minha vida privada quando tenho certeza de que
esse conhecimento trará algum benefício para o processo de meu cliente. Caso contrário,
evito.
72
Conclusão
Conforme iniciei esse estudo, entendo que a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal é
sim, uma espécie de licença poética da grande obra de Moreno. Entendendo por licença
poética, uma nova produção, porém, como defende Bustos (1985), derivada do Psicodrama,
mas, nem por isso, deixa de ser psicodrama.
É bem verdade que, o grupo real não está presente, mas, o foco grupo e tudo o que aí
está contido, ou seja, a vida em relação, está sim, e bem representado pelo mundo interno do
indivíduo e pelos diversos vínculos que ele estabelece e que traz para a sua terapia.
Assim, não concordo que o psicodrama bipessoal seja um método “menor”, como
disse Moreno, pois, entendo que a prática está orientada pela filosofia moreniana e apoiada
por todos os conceitos por ele desenvolvidos.
Em linhas gerais, como prática sociátrica, essa modalidade de atendimento se
estabelece a partir de uma relação, a relação terapeuta-cliente, e na qual toda a proposta
prática do psicodrama pode ser aplicada.
. A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, a relação terapêutica e o trabalho com a
transferência:
Seguindo os entendimentos de Bustos (1985), também compartilhados por Cukier
(1992) e Herranz (2000), compreendo e valido a eficácia do atendimento bipessoal, cuja
relação terapêutica reporta à relação mãe–filho, entendendo as analogias existentes entre esses
papéis: filho/cliente/protagonista e mãe/terapeuta/ego-auxiliar.
Em seu processo de desenvolvimento, o indivíduo para evoluir da fase indiferenciada,
(em que não há a percepção do outro); até a fase mais diferenciada, (onde há um Eu e um Tu,
em relação); necessita da mãe ou substituta, seu ego-auxiliar, seu papel complementar, que
ofereça proteção e cuidados, ou seja, a continência necessária ao ser em desenvolvimento
sóciobiopsíquico. Esse vínculo, o mais protetor e ao mesmo tempo o mais temido, que, como
nos ensina Bustos (1985), viabiliza esse desenvolvimento.
Na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, o vínculo terapêutico, tem características e
funções similares. O que coloca a relação terapêutica no centro do tratamento do cliente,
tendo um papel primordial em seu processo de cura e transformação do potencial espontâneocriativo.
É, também, o âmbito da co-criação, pois o terapeuta também se desenvolve, a partir da
experiência vivenciada com o processo terapêutico de seu cliente.
73
Para construir essa qualidade de relação, o terapeuta precisa, antes de tudo, estar
alinhado com os preceitos filosóficos da teoria de Moreno, possuir uma ampla e consistente
bagagem teórica e técnica e, como o próprio mestre ensinou, usar a sua personalidade como
habilidade. Entendo que, para isso, seja necessário que ele próprio tenha passado, como
cliente, por um processo de psicoterapia psicodramática.
Também, é preciso uma disposição para se deixar levar pelos conteúdos do cliente,
caminhar com ele, estar disponível, saber que nada sabe. Ou melhor, que é ele, o cliente,
quem sabe de si mesmo. E, ainda, manter-se alerta, usando de sua intuição, seus
conhecimentos, fazendo uso de sua espontaneidade e criatividade, para ser o Tu que o cliente
necessita para empreender o seu progresso terapêutico.
Enfim, é essencial que o psicodramatista esteja em total sintonia, inteiro, focado no
cliente. É uma posição de abertura total para o cliente. E, é essa maneira de estar com o
cliente, que será o seu próprio aquecimento e que favorecerá o desempenho de seu papel de
diretor, a eficácia de suas práticas e a co-criação.
Entendo que o modelo de relação terapêutica descrito é o mesmo para qualquer prática
psicodramática. Logo, o mesmo ocorre nos atendimentos da psicoterapia psicodramática
bipessoal, embora, devido à ausência de egos-auxiliares, o diretor fique mais “exposto” à
ocorrência das transferências e das contratransferências. O que, no meu entender,
concordando com Bustos e Perazzo, pode se constituir numa grande vantagem para o
atendimento bipessoal.
O que Bustos (1985) propõe é um método de trabalhar a transferência diferente do
proposto pela psicanálise. Nessa abordagem psicodramática, a transferência não é estimulada
através da postura de neutralidade do terapeuta. O fenômeno ocorre, naturalmente, na relação
terapêutica, como entendo que possa ocorrer, naturalmente, nas relações que o indivíduo
estabelece em sua vida.
Uma vez identificada a ocorrência da transferência, a metodologia psicodramática,
como em toda terapia, tem o objetivo de ampliar e aprofundar a compreensão do conflito
existente, elaborar os conteúdos emergentes e favorecer a criação de um novo significado que
possibilite a construção de novas respostas, espontâneas.
A transferência constitui-se, então, não como o principal instrumento, como o é na
prática psicanalítica, mas sim, como um dos caminhos, um indicador, um “guia”, como
prefere Perazzo (2005), para se acessar os conteúdos intrapsíquicos do cliente e, também
viabilizar a dramatização.
74
. A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal como processo:
Há, sem dúvida, uma diferença importante e, já bastante apreciada por vários autores,
que diz respeito à Psicoterapia Psicodramática Bipessoal se desenvolver através de um
processo e não pelos, muito bem conhecidos e estudados, atos terapêuticos, com os quais
Moreno iniciou e substanciou a sua teoria. Mas, se pensarmos assim, o trabalho que
realizamos, já há algum tempo, nas psicoterapias de grupo, que também se caracterizam por
processos, ficam também diferente do que era praticado por Moreno, constituindo-se assim,
também, em uma licença poética do psicodrama clássico.
O fato é que já se vão alguns (muitos) anos, desde que Moreno praticava o
psicodrama. Felizmente, é grande a produção teórica dos psicodramatistas. E, como constatei,
em várias páginas das obras que tive o prazer de ler, se, nos mantivéssemos praticando e
pensando o psicodrama como Moreno o fazia, não seríamos psicodramatistas, morenianos,
pois estaríamos presos a uma conserva cultural e, isso era contra o que Moreno acreditava e
pregava.
É sempre bom lembrar que Moreno sempre nos incentivou a criar, considerando a sua
produção teórica e prática, como uma obra aberta. Assim, penso ser possível apaziguar nossas
angústias geradas pela incerteza sobre se o que praticamos hoje, com frequência diária em
nossas clínicas, é psicodrama.
. O objetivo, os instrumentos e as etapas da Psicoterapia Psicodramática Bipessoal:
Todos sabemos que, Moreno concebeu a Sociatria, na qual nos ofereceu métodos
como o Psicodrama, o Sociodrama e a Psicoterapia de Grupo, com o objetivo de treinar a
espontaneidade (nego-me a usar o termo “adestrar” de Moreno, ou de seus tradutores), de
maneira que o indivíduo possa dar novas respostas, espontâneas e criativas. Esse também é o
objetivo da Psicoterapia Psicodramática Bipessoal e, aqui também se busca a integração dos
conteúdos intrapsíquicos, por meio da catarse de integração.
Falando dos instrumentos do psicodrama, na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal,
estão presentes o protagonista, o diretor e o palco ou cenário. A ausência da platéia e,
principalmente, do ego-auxiliar, merecem uma análise sobre como essa modalidade dá conta
de lidar com esses instrumentos que, a princípio, não estariam presentes.
O grupo como platéia, beneficiando-se do drama do protagonista, é bem verdade, não
se faz presente nessa modalidade. No entanto, o grupo está presente no psicodrama bipessoal,
na pessoa do cliente, na sua história, ele faz parte do grupo, vive em grupo, desenvolve seu eu
75
em grupo e, por meio das dramatizações, ele constrói novas e renovadas formas de se vincular
e de estar em grupo.
O ego-auxiliar, particularmente, a questão do diretor tomar o papel de ego-auxiliar no
tratamento de seu cliente, um dos focos desse meu trabalho, é, sem dúvida, um dos pontos
centrais da metodologia psicodramática clássica. Como instrumento do psicodrama, é um
“achado” de Moreno para, entre outras funções, salvaguardar a posição do diretor das
interferências transferenciais.
Também na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, esse instrumento
pode ser
aplicado, naturalmente, caso tenha seu uso validado pelo psicodramatista, através da função
ego-auxiliar do diretor, de Perazzo (1994). Por breves períodos de tempo, em momentos
oportunos e necessários ao processo do cliente, o diretor, sem deixar o seu papel e,
consequentemente, as suas funções, toma o papel e os contrapapéis do cliente na cena
dramática. Ora desempenhando esses papéis, ora invertendo com ele, ora espelhando para ele,
com
o
propósito
de auxiliá-lo
em
sua pesquisa
intrapsíquica,
ampliando
seu
autoconhecimento e sua compreensão sobre as relações que tem estabelecido na vida, gerando
condições favorecedoras para a liberação da sua espontaneidade.
Quanto às etapas do método psicodramático – aquecimento, dramatização e o
compartilhar - podem ser trabalhadas integralmente nos atendimentos bipessoais. Entretanto,
algumas das técnicas precisarão de adaptações, embora a grande maioria possa ser aplicada
como na psicoterapia de grupo.
Há, sem dúvida, um incremento no uso de objetos intermediários7, principalmente as
almofadas, tão comuns nos consultórios dos psicodramatistas.
Observei que há, em todos os autores estudados, uma preocupação em se manterem
alinhados com os conceitos filosóficos e teóricos de Moreno e, mesmo quando fazem críticas
ao próprio Moreno ou à sua obra, o fazem procurando entender o lugar histórico de onde
Moreno falava e as consequentes influências e interferências em quem produzia ciência
naquela época. Daí, entenderem o posicionamento de Moreno quanto à defesa ao seu conceito
de Tele e a rejeição a tudo que poderia lembrar a psicanálise de Freud, aí incluída a terapia em
díade, ou seja, a nossa psicoterapia bipessoal.
Um outro ponto que desejo destacar, e que esse estudo bibliográfico ampliou e
confirmou, que é inegável que a inclusão do trabalho com a transferência venha agregar e
enriquecer a prática psicodramática nos processos terapêuticos.
__________________________
7 Recurso desenvolvido pelo
psicodramatista argentino Rojas Bermudez.
76
Por fim, ou para re-começar, interagi com o meu
“objeto de estudo” e, saí
transformada, revigorada e enriquecida no meu papel de psicodramatista, mais precisamente
de psicoterapeuta, nos meus atendimentos bipessoais.
Cada autor estudado, seus conceitos e entendimentos, ampliaram meus horizontes
conceituais e instrumentalizaram a minha prática. Quero deixar aqui o meu muito obrigado.
Como trabalho de conclusão de curso cumpriu a sua missão, expandiu e consolidou
meus conhecimentos sobre a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal.
E quanto à última questão, apresentada na introdução desse trabalho, sobre a validação
da Psicoterapia Psicodramática Bipessoal como um dos métodos sociátricos, apresento a
conclusão que se segue, para sustentar a minha resposta.
Fazendo uma analogia com o psicodrama clássico, a Psicoterapia Psicodramática
Bipessoal também possibilita:
. a pesquisa intrapsíquica e das inter-relações do indivíduo;
. o trabalho com a realidade suplementar;
. a ampliação da capacidade imaginativa e, ao mesmo tempo, da capacidade de lidar
com os dados de realidade;
. o desenvolvimento de papéis por meio de role-taking, role-playing e role-creating;
. a promoção da saúde psíquica e relacional, favorecendo uma maior ocorrência do
fator tele e,
. o treinamento da espontaneidade e criatividade, como Moreno nos ensinou.
Logo, a resposta é sim. A Psicoterapia Psicodramática Bipessoal pode ser incluída
como um dos métodos sociátricos.
Apresento, também, a posição de Bustos e Perazzo sobre essa mesma questão.
Bustos, sem dúvida, ao criar o termo Psicoterapia Psicodramática Bipessoal, ao
mesmo tempo em que se mantém atuante no movimento psicodramático, dando-lhe força,
inclusive aqui no Brasil, na década de 70, ocasião em que contribuiu para prática
psicodramática; também mantinha contato próximo e pessoal com o próprio Moreno,
tornando-se assim o maior defensor, na minha opinião, do entendimento dos atendimentos
individuais e bipessoais, como mais um método da Sociatria de Moreno.
Além disso, como apresentei no capítulo 1, Bustos (1985) ensina que, para certas
circunstâncias do cliente, a psicoterapia bipessoal torna-se a melhor indicação de tratamento.
E, elenca alguns pontos que dão sustentação a essa compreensão, como, por exemplo, ele
acredita que somente no contexto bipessoal podem emergir conteúdos que no contexto grupal
ou, na modalidade de atos terapêuticos, não seriam acessados. Analisa que, a “presença de um
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terceiro”, se referindo aos membros do grupo e a outros terapeutas que atuam como egosauxiliares, pode criar campos de tensão desfavoráveis ao tratamento de
determinados
clientes. Ou seja, fala o que já sabemos, que nem todos os clientes se beneficiam da
psicoterapia de grupo. Também recomenda utilizar o atendimento bipessoal ou individual,
com alguns clientes, como uma espécie de trabalho preparatório para a inclusão no grupo.
Perazzo (1990), analisando um dos atendimentos de Moreno, caracterizados como
individual, acredita que ele “não desconhecia a possibilidade de ocorrência de uma catarse de
integração num psicodrama individual” e nisso baseia-se para validar o psicodrama individual
“como um método sociátrico além da psicoterapia de grupo, do psicodrama e do sociodrama”
(PERAZZO, 1990, p. 578 e 579).
Assim, para fechar esse trabalho, mais uma vez, defendo que a Psicoterapia
Psicodramática Bipessoal, assim como a psicoterapia de grupo, enquanto processos, sejam
incluídas como modalidades sociátricas da ciência socionômica.
Para finalizar, numa tradução livre, deixo o pensamento de Bustos que, como bom
moreniano que é, tem contribuído para a renovação do Psicodrama e, eu diria, bem ao gosto
de Moreno: Ser moreniano para mim é poder acessar às fontes do conhecimento, que
confluam em mim, em contato com o meu paciente, todos os elementos que me permitam
compreendê-lo, aproximar-me, ajudá-lo. Recrio em cada momento, reformulo cada vez. Isso
é ser moreniano e não converter o Psicodrama em um elemento rígido, imutável (BUSTOS,
1985, p.20).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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___________, O método psicodramático no atendimento bipessoal. Anais – 7º Congresso
Brasileiro de Psicodrama. Febrap, São Paulo, 1990.
___________,Transferência
e
Personagem.
Trabalho
apresentado
em
Escritos
psicodramáticos no V Congresso Ibero-americano de Psicodrama, Cidade do México,
maio/2005. Trabalho não publicado, cedido pelo autor.