corte interamericana de direitos humanos caso serafina conejo

Transcrição

corte interamericana de direitos humanos caso serafina conejo
277
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
CASO SERAFINA CONEJO GALLO E ADRIANA TIMOR
VS.
ELIZABETIA
CONTESTAÇÃO
MEMORIAL DO
ESTADO ELIZABETIA
2013
277
ÍNDICE
LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................................... II
I. DECLARAÇÃO DOS FATOS ..................................................................................................1
II. ANÁLISE JURÍDICA ..............................................................................................................3
A. QUESTÕES PRELIMINARES ...............................................................................................3
1. A CORTE É COMPETENTE PARA JULGAR VIOLAÇÕES À CADH .............................................3
2. DA APLICAÇÃO DE OUTRAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL .......................................4
3. DAS EXCEÇÕES PRELIMINARES ..............................................................................................4
3.1 DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA ..................................................................................4
3.2 DA FALTA DE ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS .....................................................5
3.2.1 DA SITUAÇÃO PROCESSUAL NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DA PETIÇÃO .....................6
3.2.2 DA EXISTÊNCIA DA AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE...................................................7
B. QUESTÕES DE MÉRITO .......................................................................................................9
1. DA OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 11 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1 .............................................9
2. DA OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 17 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1 ...........................................13
2. DA OBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 2 E 24 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1..................................17
3. DA OBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 8 E 25 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1 .................................20
3.1 DA EFETIVIDADE DOS RECURSOS INTERNOS .......................................................................21
C. DO NÃO CABIMENTO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS .................................................24
D. DA NÃO CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO
ESTADO .......................................................................................................................................28
E. DA IMPUGNAÇÃO DOS PEDIDOS DE REPARAÇÃO...................................................29
III. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ..................................................................................30
I
277
LISTA DE ABREVIATURAS
Artigo ou Artigos
art. ou arts.
Combinado com
c/c
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CIDH
Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Convenção ou CADH
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Corte , Corte IDH ou Corte Interamericana
Corte Internacional de Justiça
CIJ ou ICJ
Corte Permanente de Justiça Internacional
PCIJ
Draft Articles on State Responsibility for Internationally Wrongful Acts
Draft
Edição
Estado de La Atlantis
European Court of Human Rights
Human Rights Committee
Número
Opinião Consultiva
Organização das Nações Unidas
Página ou Páginas
Parágrafo
Ed.
Estado ou La Atlantis
Corte Europeia ou ECHR
HRC
No. ou nº
OC
ONU
p. ou pp.
§
II
277
ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS
Artigos e Livros
BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law, 6ª Ed. Oxford: Oxford University
Press, 2003 ................................................................................................................................ 28
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 2004 ........................................................................................................................ 21
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didatico. Belo Horizonte: Del Rey,
1991........................................................................................................................................... 22
DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (II). Le pluralisme ordonné.
Éditions du Seuil, 2006 ............................................................................................................. 15
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª Ed.,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003 ........................................................................... 4
DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Soberania e margem nacional de apreciação. Revista
Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica
da UNIVALI, Itajaí, v.6, n.2, 2º quadrimestre de 2011. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791 .................................................................. 15
GOMES, Luiz Flávio. As Garantias Mínimas do Devido Processo Criminal nos Sistemas
Jurídicos Brasileiro e Interamericano. In: O Sistema interamericano dle proteção dos Direitos
Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000 .................. 24
GONZALEZ. F. As medidas de urgência no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. SurRevista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, SP,v.7, n. 13, p.51, dez. 2010. ......... 25
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. 41ª ed. v.1 Rio de janeiro: Ed. Forense,
2004............................................................................................................................................. 8
LEDESMA, Héctor Faúndez. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos:
aspectos institucionales y procesales. 3 ed. San José, C.R.: Instituto Interamericano de
Derechos Humanos, 2004 ....................................................................................................... 5, 7
MEIRELLES, Hely Lopes; AZEVEDO, Eurico de Andrade.; ALEIXO, Delcio Balestero.;
BURLE FILHO, Jose Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 33. ed., atual. até a
Emenda Constitucional 53,. São Paulo: Malheiros, 2007 ......................................................... 22
MOREIRA, Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, 1960. In: JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito processual civil. Rio de janeiro: Ed. Forense, 2004 ........................................ 8
MOWBRAY, Alistair. Cases and materials on the European Convention on Human Rights.New
York, OUP, 2007 ...................................................................................................................... 28
III
277
PASQUALUCCI, Jo M. The application of International Principles of State Responsibility by
the Inter-American Court of Human Rights. In: Liber Amicorum Antônio A. Cançado
Trindade. Secretaría de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: Costa Rica, 2005 .... 28
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional de Direitos Humanos. 1ª edição.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004 .................................................................................................. 28
SHAW, Malcolm N. International Law. 3ªEdição. Cambridge Press, 1991 .................................. 6
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 51ª Ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2010 ................................................................................................. 21
Jurisprudência
Corte IDH. Assunto Adrian Melêndez Quijano e outros. Medidas Provisórias respeito de El
Salvador. Resolução da Corte de 2 de fevereiro de 2010. ........................................................ 29
Corte IDH. Assunto Alemân Lacayo. Medidas Provisórias, respeito da Nicaragua. Resolução da
Corte de 2 de fevereiro de 1996 ................................................................................................ 29
Corte IDH. Assunto Alvarado Reyes. Medidas Provisórias, respeito de México. Resolução da
Corte de 23 de novembro de 2012. ..................................................................................... 28, 30
Corte IDH. Caso "Instituto de Reeducación del Menor" Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de septiembre de 2004.Serie C No. 112 ......... 27
Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No.
109............................................................................................................................................. 24
Corte IDH. Caso 19 comerciantes. Medidas Provisórias respeito de Colômbia. Resolução da
Corte Interamericana de Direitos Humanos de 26 de junho de 2012 ................................. 29, 30
Corte IDH. Caso Alvarez e outros. Medidas Provisórias respeito de Colômbia. Resolução da
Corte Interamericana de Direitos Humanos de 08 de fevereiro de 2008 .................................. 29
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Fondo, Reparaciones e Costas, Sentencia de 24
de febrero de 2012 .............................................................................................................. 10, 11
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Fondo, Reparaciones e Costas, Voto parcialmente
dissidente del juez Alberto Pérez Pérez. Sentencia de 24 de febrero de 2012.......................... 16
Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 2 de febrero de 2001. Serie C No. 72 ................................................................................... 16
Corte IDH. Caso Baldeón García v. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 6 de abril
de 2006. Serie C No 147 ........................................................................................................... 23
Corte IDH. Caso Bámaca Velasquez. Medidas Provisórias respeito de Guatemala. Resolução da
Corte Interamericana de Direitos Humanos de 29 de agosto de 1998 ...................................... 29
IV
277
Corte IDH. Caso Castillo Petruzzi e outros v. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 04 de
setembro de 1998. Serie C No. 41 .............................................................................................. 5
Corte IDH. Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de mayo de
2001. Serie C No. 78 ................................................................................................................. 34
Corte IDH. Caso Chitay Nech y otros Vs. Guatemala. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de mayo de 2010. Serie C No. 212 .......................... 14
Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de
febrero de 2003. Serie C No. 98 ............................................................................................... 18
Corte IDH. Caso de la “Panel Blanca" (Paniagua Morales y otros) Vs. Guatemala. Reparaciones
y Costas. Sentencia de 25 de mayo de 2001. Serie C No. 76 ................................................... 34
Corte IDH. Caso de la “Panel Blanca” vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 25 de enero de 1996.
Serie C No 23 ............................................................................................................................ 24
Corte IDH. Caso de La Masacre de Pueblo Bello v. Colombia.Sentencia de 31 de enero de 2006.
Serie C No. 140. Voto do Juiz A. A. Cançado Trindade .......................................................... 22
Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 31 de enero de 2001. Serie C No. 71.................................................................................... 26
Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 6 de julio 2009. Serie C No. 200 ...................................................... 10, 11
Corte IDH. Caso Escué Zapata vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4 de
julio de 2007. Serie C No. 165 .................................................................................................. 10
Corte IDH. Caso Fairén Garbi y Solís Corrales Vs. Honduras. Excepciones Preliminares.
Sentencia de 26 de junio de 1987. Serie C No. 2 ...................................................................... 23
Corte IDH. Caso Fernándes Ortega e outros vs. Mexico. Exceção Preliminar, Fondo,
Reparaciones e Costas. Sentencia 30 de agosto de 2010 .................................................... 10, 11
Corte IDH. Caso Fontevecchia y D`Amico, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 29 de
novembro de 2011. Serie C No. 238 ......................................................................................... 10
Corte IDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Fondo. Sentencia de 20 de enero de 1989. Serie C
No. 5.......................................................................................................................................... 26
Corte IDH. Caso Goiburú y otros Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22
de septiembre de 2006. Serie C No. 153 ................................................................................... 23
Corte IDH. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones
y Costas. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107 ..................................................... 23
V
277
Corte IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Excepción Preliminar, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 7 de junio de 2003. Serie C No. 99 ............................... 24
Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Fondo. Sentencia de 6 de diciembre de 2001. Serie
C No. 90 .................................................................................................................................... 24
Corte IDH. Caso López Álvarez vs. Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia del 1 de
febrero de 2006. Serie C No. 141 ............................................................................................. 24
Corte IDH. Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala. Sentença de 27 de novembro de 2003. Serie C
No103........................................................................................................................................ 24
Corte IDH. Caso Rosenda Cantú e outra Vs. México. Exceção Preliminar, Fondo, Reparações e
Costas. Sentença 31 de agosto de 2010 .................................................................................... 11
Corte IDH. Caso Suárez Rosero Vs. Ecuador. Fondo. Sentencia de 12 de noviembre de 1997.
Serie C No. 35 ........................................................................................................................... 24
Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 7 de septiembre de 2004. Serie C No. 114 .......................................................... 24
Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Excepciones Preliminares. Sentencia de
26 de junio de 1987. Serie C No. 1 ........................................................................................... 23
Corte IDH. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4 de
julio de 2006. Serie C No. 149 .................................................................................................. 32
Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127 ..................................................... 23
Corte IDH. Caso Zambrano Vélez y otros v. Ecuador. Sentença de 4 de julho de 2007, série C
No. 166........................................................................................................................................ 6
Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 de
28 de agosto de 2002. Serie A No. 17........................................................................... 14, 19, 20
Corte IDH. Informes de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Art. 51 Convención
Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-15/97 del 14 de noviembre de
1997. Serie A No. 15, §113......................................................................................................... 4
Corte IDH. La Expresión "leyes" en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos
Humanos, Opinião Consultiva OC-6/86de 9 de maio de 1986, série A No. 6 ..................... 6, 12
Corte IDH. Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica Relacionada con
la Naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Serie A No. 4 ....... 19
VI
277
Corte IDH. Restricciones a la Pena de Muerte (Arts. 4.2 y 4.4 Convención Americana sobre
Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-3/83 del 8 de septiembre de 1983. Serie A No. 3
................................................................................................................................................... 19
Corte IDH.Caso de las Masacres de Ituango Vs. Colombia. Excepción Preliminar, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentença de 1 de julho de 2006 Serie C No. 148 ................................. 9
Corte IDH.Caso Tristán DonosoVs. Panamá. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia de 27 de enero de 2009. Serie C No.193 ..................................................... 10
ECHR Case of Kruslin v. France, judgment of 24 April 1990, Serie A, No. 176-A .................... 12
ECHR. Case of Boner v. United Kingdom. Judgment of 28 October 1994, series A No. 300-B 33
ECHR. Case of Campbell and Fell vs. United Kingdom. Judgment of 28 June 1984, Series A no.
80............................................................................................................................................... 26
ECHR. Case of Darby v. Sweden. Judgment of 23 October 1990, series A No. 187 .................. 34
ECHR. Case of Huvig v. France, judgment of 24 April 1990, Serie A No. 176-B ...................... 13
ECHR. Case of Langborger vs. Sweden, Judgment of 27 January 1989, Series A no. 155 ......... 26
ECHR. Case of Ruiz Torija v. Spain. Judgment of 9 December 1994. Series A No. 303-A ....... 34
ICJ. Barcelona Traction Light and Power Company, Limited (Belgium v. Spain) (Exceções
Preliminares), Order of 10 April 1961: ICJ Reports 1961 .......................................................... 6
ICJ. Case Concerning the Application of the Convention on the Prevention and Punishment of
the Crime of Genocide ( Bosnia and Herzegovina v. Serbia and Montenegro). Merits, ICJ Rep
2007........................................................................................................................................... 32
ICJ. Corfu Channel (United Kingdom v. Albania). Merits, ICJ Rep. 1949.................................. 32
ICJ. Elettronica Sicula S.p.A. (ELSI) (United States v. Italy), Judgment, ICJ Reports 1989 ......... 6
ICJ. Interhandel Case (Switzerland v. United States), Judgment of March 21st, 1959, ICJ Reports
1959............................................................................................................................................. 6
Tribunal Constitucional de Portugal, Acórdão n.º 359/2009. Processo n.º 779/07. Diário da
República, 2.ª série - N.º 214 - 04 de Novembro de 2009 ........................................................ 22
Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 6284/2006-8. Julgado em 15/02/2007 ........................ 21
Miscelânea
CIDH. Caso José Pereira vs. Brasil. Informe n. 95/03. Caso n. 11.289. Solução amistosa. 24 de
outubro de 2003 .......................................................................................................................... 9
VII
277
CIDH. El acceso a la justicia como garantía de los derechos económicos, sociales y culturales.
Estudio de los estandares fijados por el Sistema Interamericano de Derechos Humanos,
OEA/Ser.L/V/II.129. Doc. 4, 7 septiembre 2007 ..................................................................... 22
CIDH. Relatório Nº 61/03, Petição 4446/02 (Admissibilidade), Roberto Moreno Ramos, Estados
Unidos da América, 10 de outubro de 2003 ............................................................................... 6
HRC. Observación General No. 16 (32º período de sesiones, 1988). Derecho a la intimidad
(artículo 17), HRI/GEN/1/Rev.9 (Vol.I) ................................................................................... 14
HRC. Observación General No. 19 (39º período de sesiones, 1990). La familia (artículo 23),
HRI/GEN/1/Rev.9 (Vol.I)................................................................................................... 13, 14
ONU. Comité de los Derechos del Niño, Observación General No. 7. Realización de los
derechos del niño en la primera infancia, CRC/C/GC/7, 30 de septiembre de 2005 ................ 13
ONU. Comité para la Eliminación de la Discriminación contra la Mujer, Recomendación
General No. 21 (13º período de sesiones, 1994). La igualdad en el matrimonio y en las
relaciones familiares ................................................................................................................. 13
ONU. Doc. E/1991/23, Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones
Unidas, Observación General No. 3: La índole de las obligaciones de los Estados Partes
(párrafo 1 del artículo 2 del Pacto), adoptada en el Quinto Período de Sesiones, 1990. ......... 16
ONU. Draft Articles on State Responsibility for Internationally Wrongful Acts with
commentaries, extract from the Report of the International Law Commission on the work of
its Fifty-third session, Official Records of the General Assembly, Fifty-sixth session(2001),
Supplement No. 10 (A/56/10), chp.IV.E.1 ............................................................................... 28
ONU. Resúmenes de los Fallos,Opiniones Consultivas y Providencias de la Corte Internacional
de Justicia. New York, 1992 ....................................................................................................... 6
UNHCR, Ireland v. The United Kingdom, 5310/71, Council of Europe: European Court of
Human Rights, 13 December 1977 ........................................................................................... 15
VIII
277
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR
PRESIDENTE
DA
HONORÁVEL
CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
A República de Elizabetia vem, respeitosamente, apresentar a sua defesa à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em face do memorial de pedidos, argumentos e provas
apresentado pelos Representantes das supostas vítimas, solicitando a improcedência do pedido
pela não configuração da responsabilidade internacional do Estado por supostas violações aos
arts. 2, 8, 11, 17, 24 e 25, à luz do art. 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
bem como solicitar a não concessão de medidas provisórias em relação à Serafina Conejo Gallo
eà Adriana Timor.
I. DECLARAÇÃO DOS FATOS
A República de Elizabetia estende-se por uma área aproximada de 100.000 quilômetros
ao longo do continente americano, é formada por três grandes regiões divididas em sete
províncias e tem por capital a cidade de São Benito. Cerca de dois milhões de pessoas habitam a
capital e gozam de excelentes índices de saúde, alfabetização e bem estar social.
Em termos históricos, o Estado elizabetano foi berço do povo indígena granti e colônia
européia até o início do século XIX, quando conquistou a independência e voltou-se rumo ao
processo de democratização das estruturas políticas vigentes. Em 1960, foi convocada uma
Assembléia Constituinte para a proclamação da Constituição Democrática de Elizabetia. A
Constituição promulgada, ainda vigente, estabelece termos referentes à igualdade e a não
discriminação (Art. 9) e marcou o início da VI República. Hoje, Elizabetia porta-se conforme a
tradição democrática presente nas estruturas políticas de sua forma de Estado de Direito.
No dia 10 de fevereiro de 2000, uma petição individual foi apresentada ante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (petição P-300-00) por Serafina Conejo Gallo indicando
1
277
que o Estado de Elizabetia teria cometido discriminação ao não reconhecer, inicialmente, a
identidade de gênero de Serafina. Diante do caso, a CIDH apontou existência de violação por
parte do Estado de Elizabetia, que por sua vez, não apenas declarou que aceitaria todas as
recomendações realizadas pela CIDH como também, em ato profundamente emotivo realizado
pela Presidenta da República eleita em 2005, pediu perdão à Serafina pelos infortúnios que
pudessem ter sido gerados por ação ou omissão do Estado. Em 2007, a República de Elizabetia
aprovou a lei de identidade de gênero, que assegura a mudança do nome e a retificação do sexo
no registro civil. Serefina Conejo Gallo foi a primeira mulher transexual em Elizabetia a obter o
reconhecimento de sua identidade de gênero.
Em 2010, em pleno ato de usufruto de sua tradição democrática, Elizabetia elegeu
Antonio da Goblana do Atelo como Presidente. No mesmo ano, Serafina Conejo Gallo envolveuse em uma relação sentimental com uma mulher homossexual chamada Adriana Timor; um ano
após o envolvimento, ambas as partes decidiram se casar.
Em maio de 2011, o casal requereu o reconhecimento do casamento perante a Secretaria
Nacional da família. O pedido foi negado através de um ato administrativo fundamentado pelo
artigo 396 do Código Civil. Serafina e Adriana apresentaram um recurso com base no artigo 9 da
Constituição e requereram a nulidade do ato administrativo, o que foi resolvido negativamente
em 5 de agosto de 2011.
No dia 1° de fevereiro de 2012, uma nova petição (P-600-12) foi apresentada a CIDH por
Mariposa, um movimento informal fundado por Serafina com o objetivo de praticar o ativismo
da comunidade transexual. O Estado alegou a inadmissibilidade do caso, tendo em vista o não
esgotamento dos recursos internos pela existência da ação de constitucionalidade, passível de ser
ativada sob o artigo 396 do Código Civil. A CIDH entendeu que no exato momento do
2
277
pronunciamento de admissibilidade, já havia esgotado os recursos internos e que, nas
circunstâncias do caso, não havia necessidade de esgotamento da ação de inconstitucionalidade.
Logo, a alegação do Estado acerca da admissibilidade não lhe parecia procedente. Em total
discordância com o parecer da CIDH, o Estado de Elizabetia acionou a Corte Interamericana de
Direitos Humanos no dia 1° de fevereiro de 2013 para solicitar o controle de legalidade da ação
ante a CIDH. Diante do caso, a Corte convocou uma audiência para maio de 2013.
Após a convocação da audiência, Adriana Timor foi internada por ter sofrido ruptura de
um aneurisma cerebral congênito. O médico responsável alertou à Serafina sobre as
possibilidades de tratamento: uma cirurgia de alto risco ou o monitoramento da situação. A
decisão sobre o tratamento médico cabe, primeiramente, à Adriana. Como ela se encontra em
coma e impossibilitada de declarar sua vontade, a decisão passa a ser dos familiares, ou, na falta
destes, do Conselho Médico Regional. Diante disto, o Movimento Mariposa requereu a aplicação
de medida provisória que permitisse à Serafina outorgar o consentimento informado para a
realização da cirurgia.
A Corte IDH manteve a audiência pública por meio de uma Resolução para que as partes
apresentem seus respectivos argumentos.
II. ANÁLISE JURÍDICA
A. QUESTÕES PRELIMINARES
Em 1º de fevereiro de 2012, a petição que originou este caso foi apresentada à CIDH.
Todos procedimentos e prazos estabelecidos pela CADH e pelo Regulamento da CIDH foram
cumpridos.
1. A CORTE É COMPETENTE PARA JULGAR VIOLAÇÕES À CADH
Considera-se que este Tribunal é competente para o julgamento da causa, em
3
277
conformidade com o art. 62(3) da CADH, tendo em vista que o Estado de Elizabetia ratificou os
principais instrumentos regionais e universais sobre Direitos Humanos e reconheceu a
competência contenciosa da Corte Interamericana em 1º de janeiro de 1990.
2. DA APLICAÇÃO DE OUTRAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL
Outrossim, em conformidade com os arts. 29.b e 29.d da CADH 1 e, em clara
demonstração de boa-fé, o Estado entende que esta Corte tem competência para utilizar-se de
outras fontes de Direito Internacional com o fim de interpretar o sentido e alcance dos
dispositivos da CADH. Não obstante, importa ressaltar que, em razão do princípio da
competência atribuída 2, tais fontes carecem de força vinculante, razão pela qual devem ser
utilizadas apenas como instrumentos de interpretação. De toda sorte, a utilização de outros
instrumentos na análise deste caso será de fundamental importância para que reste demonstrado
o comprometimento do Estado de Elizabetia em cumprir as obrigações assumidas
internacionalmente e efetivar o respeito ao pluralismo e à diferença.
3. DAS EXCEÇÕES PRELIMINARES
Inicialmente, o Estado ressalta sua discordância no que se refere ao exame de
admissibilidade feito pela Comissão Interamericana. Apesar de reconhecer a competência da
Corte para o julgamento do caso, é necessário levar em conta determinados aspectos processuais
que podem prejudicar a análise de fundo.
3.1 DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA
Houve violação da garantia do direito de defesa do Estado, em razão da incorporação do
artigo 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual não havia sido expressamente
1
Corte IDH. Informes de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Art. 51 Convención Americana sobre
Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-15/97 del 14 de noviembre de 1997. Serie A No. 15, §113.
2
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª Ed., Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 912.
4
277
admitido e não formava parte do objeto processual do caso do qual se defendeu na fase do
mérito.
A inserção posterior de afirmações de violação não antes alegadas impede o direito de
defesa do Estado de forma a macular as garantias do devido processo, fato que provoca um vício
na admissibilidade da demanda e impede sua apreciação pela Corte.
Em oportunidade anterior esta Corte já reconheceu que: “se bem é certo que a demanda
não há de ser, necessariamente, uma simples reiteração do informe rendido pela Comissão,
também o é que não deveria conter conceitos de violação que o Estado não conheceu durante a
etapa do procedimento se segue ante a própria Comissão, e que por isso mesmo não pode
desvirtuar oportunamente. Vale lembrar que nessa etapa o Estado dispõe da possibilidade de
admitir os feitos aduzidos pelos denunciantes, rechaçá-los motivadamente ou procurar uma
solução amistosa que evite a remissão do assunto à Corte. Se o Estado não conhece certos feitos
ou determinadas afirmações que logo serão apresentados na demanda, não pode fazer uso dos
direitos que lhe assistem naquela etapa processual”. 3
Assim, violado do direito de defesa do Estado ante a Comissão, fica prejudicada a análise
do caso perante a Corte.
3.2DA FALTA DE ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS
“Para que uma petição ou comunicação seja admissível é indispensável que previamente
se hajam interposto e esgotados os recursos da jurisdição interna, conforme os princípios do
Direito Internacional geralmente reconhecidos sobre esta matéria”. 4 A regra de exaustão dos
3
Corte IDH. Caso Castillo Petruzzi e outros v. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 04 de setembro de 1998.
Serie C No. 41
4
LEDESMA, Héctor Faúndez. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectos
institucionales y procesales. 3 ed. San José, C.R.: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2004. p.293
5
277
recursos internos, 5 amplamente reconhecida no Direito Internacional, 6 possibilita que o Estado
dirima seus litígios de acordo com seus próprios procedimentos antes que os mecanismos
internacionais sejam invocados. 7 Dessa forma, não é função dos tribunais internacionais
suplantar os órgãos nacionais, 8 sendo que a omissão do indivíduo na utilização do sistema
nacional para pleitear suas reclamações é um obstáculo fatal para a admissibilidade de sua
petição em âmbito internacional. 9
Nesse sentido, o Estado de Elizabetia vem demonstrar que havia na legislação interna
recursos processuais legais para a proteção do direito supostamente ameaçado, bem como o livre
acesso por Serafina Conejo Gallo, ou qualquer cidadão, a tais recursos 10.
3.2.1 DA SITUAÇÃO PROCESSUAL NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DA PETIÇÃO
Inicialmente, é evidente o fato de que a petição da representante não atende ao requisito
do esgotamento dos recursos internos haja vista que foi levada ante a Comissão ainda no decurso
do prazo legal que o Estado tinha para dar resposta ao recurso de amparo.
Interposto o recurso de amparo em 18 de novembro de 2011, respeitada a legislação
interna que estabelece o prazo de três meses para a resolução do recurso, o Estado tinha a
prerrogativa legal de dar resposta até o dia 18 de fevereiro de 2012. Apesar disso, a parte
representante, ignorando os preceitos da legislação interna, apresentou a petição P-600-12 na
data de 01 de fevereiro de 2012, não aguardando o devido pronunciamento do Estado.
5
ICJ. Barcelona Traction Light and Power Company, Limited (Belgium v. Spain) (Exceções Preliminares), Order of
10 April 1961: ICJ Reports 1961, p.9, 19; ICJ. Elettronica Sicula S.p.A. (ELSI) (United States v. Italy), Judgment,
ICJ Reports 1989, p. 15, §46; ICJ. Interhandel Case (Switzerland v. United States), Judgment of March 21st, 1959,
ICJ Reports 1959, pp. 6, 27.
6
ONU. Resúmenes de los Fallos,Opiniones Consultivas y Providencias de la Corte Internacional de Justicia. New
York, 1992. p. 253.
7
SHAW, Malcolm N. International Law. 3ªEdição. Cambridge Press, 1991, p. 239.
8
Corte IDH. Caso Zambrano Vélez y otros v. Ecuador. Sentença de 4 de julho de 2007, série C No. 166, §47; Corte
IDH. La Expresión "leyes" en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, Opinião
Consultiva OC-6/86de 9 de maio de 1986, série A No. 6, §26.
9
CIDH. Relatório Nº 61/03, Petição 4446/02 (Admissibilidade), Roberto Moreno Ramos, Estados Unidos da
América, 10 de outubro de 2003 §33.
10
Artigo 31.2 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
6
277
É consenso que, enquanto exista a possibilidade de que as reclamações possam ser
resolvidas no âmbito interno “não podem ser consideradas como violações do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, cujos mecanismos de proteção devem ser considerados
como meramente subsidiários do Direito interno, para o caso em que este não tenha recursos
disponíveis, ou que os existentes resultem inadequados ou ineficazes”. 11
Assim sendo, esta questão independe de mérito e é eminentemente processual, já que não
foram respeitados os prazos processuais internos antes de ser levada a petição à Comissão.
3.2.2DA EXISTÊNCIA DA AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Sabe-se que “os recursos da jurisdição interna devem esgotar-se em sua integridade, não
bastando a decisão de um mero incidente dentro do procedimento, ou com uma sentença
interlocutória que não ponha fim ao mesmo”. 12 Assim sendo, havendo recurso judicial
disponível, adequado e efetivo, é indispensável que seja utilizado.
O
artigo
110
da
Constituição
de
Elizabetia
estabelece
que
a
Ação
de
Inconstitucionalidade pode ser interposta a título pessoal por qualquer cidadão ou cidadã 13,
sendo um remédio judicial disponível e acessível a todos, ofertando a possibilidade de levar a
conhecimento da Promotoria de Direitos Humanos da República e à Câmara Constitucional da
Corte Suprema da Justiça qualquer fato que possa ser violatório de Direitos Humanos. Esse é o
único meio adequado para declarar a inconstitucionalidade de uma norma, tendo em vista que
esta é uma prerrogativa exclusiva da Câmara Constitucional do Supremo Tribunal. 14
No presente caso, é alegada uma suposta discriminação legal nas normas dispostas no
11
LEDESMA, Héctor Faúndez. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectos
institucionales y procesales. Op.cit., p.296.
12
LEDESMA, Héctor Faúndez. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectos
institucionales y procesales.Op cit., p.295
13
Caso Hipotético, §14.
14
Perguntas de Esclarecimento, n. 47.
7
277
artigo 396 do Código Civil e artigo 85 da Constituição Política de Elizabetia ante o artigo 9 da
mesma. Diante dessa suposição, a questão necessariamente deveria ter sido levada à Câmara
Constitucional, para que pudesse ser apreciada e julgada por quem tem competência para fazê-lo.
Questionada a constitucionalidade de uma norma ou um ato do Estado, é imprescindível
que seja usado o meio judicial adequado, caso contrário, se torna impossível a correta solução da
demanda. É sabido que quem tem interesse em recorrer “há de usar a figura recursal apontada
pela lei para o caso; não pode substituí-la por figura diversa”, 15 pois, “em face do princípio da
adequação, não basta que a parte diga que quer recorrer, mas deve interpor em termos o recurso
que pretende”. 16 Isso porque, os órgãos jurisdicionais não foram instituídos para agir ex officio
nos conflitos privados de interesse entre os cidadãos, uma vez que “a função jurisdicional só atua
diante de casos concretos de conflitos de interesses (lide ou litígio) e sempre na dependência da
invocação dos interessados, porque são deveres primários destes a obediência à ordem jurídica e
a aplicação voluntária de suas normas nos negócios jurídicos praticados”. 17
Ora, não havendo sido levantada a questão perante a Câmara Constitucional, o Estado de
Elizabetia não possuía qualquer outra forma de se manifestar em relação à demanda, uma vez
que é limitado pelo princípio ne procedat iudex ex officio.
Não se pode ignorar a existência da Ação de Inconstitucionalidade, único meio adequado
e efetivo para tratar de casos como o de Serafina Conejo Gallo declarando a suposta
inconstitucionalidade na norma, o qual, apesar disso, não foi utilizado pela parte. Desta forma,
ante a existência de recurso adequado e efetivo no âmbito interno, o qual não foi empregado no
caso, conclui-se que o Estado não teve a devida oportunidade de se manifestar, se tornando
15
MOREIRA, Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, 1960. In: JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
processual civil. Rio de janeiro: Ed. Forense, 2004.
16
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. 41ª ed. v.1 Rio de janeiro: Ed. Forense, 2004. p.521
17
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. Op.cit., p.32.
8
277
evidente que a demanda não atende ao requisito de esgotamento dos recursos internos.
B. QUESTÕES DE MÉRITO
1. DA OBSERVÂNCIA AOARTIGO 11 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1
O artigo 11.2 da CADH proíbe toda ingerência arbitrária ou abusiva na vida privada e
familiar das pessoas. Em decorrência, o Estado tem o dever de garantir a intimidade de invasões
agressivas, abusivas ou arbitrárias realizadas por terceiros ou pela autoridade pública 18. Segundo
a Corte, a abrangência da vida privada é ampla e não permite conceitos exaustivos 19. Entretanto,
em diversas oportunidades afirmou que a vida privada, familiar e o domicílio se encontram
intrinsecamente ligados 20. A CIDH, por sua vez, determinou que a vida privada abrange a
intimidade e a autonomia de um indivíduo, incluindo sua personalidade, identidade, decisões
sobre sua vida sexual e suas relações pessoais e familiares 21.
É necessário ressaltar que o direito a intimidade não é absoluto 22. Apenas ingerências
abusivas ou arbitrárias caracterizam a violação do artigo 11.2 da CADH. Segundo a Corte, é
lícita a interferência à vida privada e familiar se for prevista legalmente, for idônea, necessária e
proporcional a cumprir um fim legítimo em uma sociedade democrática 23.
A jurisprudência da Corte recorrentemente reconhece a violação do art. 11.2 quando a
própria autoridade pública interfere na vida privada sem respeitar a legalidade, a idoneidade,
18
Corte IDH.Caso de las Masacres de Ituango Vs. Colombia. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentença de 1 de julho de 2006 Serie C No. 148, §194; Corte IDH. Caso Fontevecchia y D`Amico, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentença de 29 de novembro de 2011. Serie C No. 238, §48.
19
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Fondo, Reparaciones e Costas, Sentencia de 24 de febrero de
2012, §162.
20
Corte IDH. Caso Escué Zapata vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4 de julio de 2007.
Serie C No. 165, §95; Corte IDH. Caso Fernándes Ortega e outros vs. Mexico. Exceção Preliminar, Fondo,
Reparaciones e Costas. Sentencia 30 de agosto de 2010, §157.
21
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile, §156.
22
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile, §164; CIDH. Caso José Pereira vs. Brasil. Informe n. 95/03. Caso
n. 11.289. Solução amistosa. 24 de outubro de 2003, §24.4.
23
Corte IDH.Caso Tristán DonosoVs. Panamá. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de
27 de enero de 2009. Serie C No.193, §56; Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6 de julio 2009. Serie C No. 200, §116.
9
277
necessidade e a proporcionalidade do fim almejado 24. No Caso Fernández Ortega e outros vs.
México, por exemplo, houve a violação do mencionado artigo pois militares entraram no
domicílio da vítima sem o seu consentimento 25. No caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, a
violação sexual da vítima por militar caracterizou desrespeito à vida privada, posto que seu
direito de tomar decisões sobre sua sexualidade fora violado 26. Em Escher e outros Vs. Brasil,
foram interceptadas ligações telefônicas e divulgadas de maneira midiática e indevida 27.
No presente caso, não há qualquer ocorrência relatada nos fatos semelhante àquelas que
reconhecidamente violaram o artigo 11.2 da CADH. Desde 1990, quando Elizabetia aceitou a
competência contenciosa da Corte, as relações do Estado com as supostas vítimas se resumiram à
(i) atividade administrativa e jurisdicional do Estado, (ii) prestação do serviço educacional e (iii)
prestação do serviço médico.
Quanto à atividade administrativa jurisdicional, não há o que se falar em interferência na
vida privada. Essa atividade é, por essência, inerte. Sendo assim, foram os interessados que
provocaram a jurisdição. Vale ressaltar que os procedimentos realizados foram em observância
do devido processo legal e todas as decisões foram legalmente fundamentadas. Não houve,
durante o processo, invasão à intimidade, busca de fatos íntimos para fundamentar decisões,
depreciação da orientação sexual das peticionárias, ou qualquer interferência na personalidade,
na vida sexual, amorosa e familiar das supostas vítimas. Faz-se necessário evidenciar que o
processo administrativo e judicial é devidamente regulamentado pelas leis internas 28 e tem por
objetivo a proteção dos direitos e da ordem estabelecida democraticamente pela Constituição.
24
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Op. cit., §225.
Corte IDH. Caso Fernándes Ortega e outros vs. Mexico. Exceção Preliminar, Fondo, Reparações e Costas.
Sentença 30 de agosto de 2010, §158.
26
Corte IDH. Caso Rosenda Cantú e outra Vs. México. Exceção Preliminar, Fondo, Reparações e Costas. Sentença
31 de agosto de 2010, §119.
27
Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil, §164.
28
Corte IDH. La Expresión "leyes" en el Artículo 30 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos,
Opinião Consultiva OC-6/86, §§ 27 e 32.
25
10
277
O serviço educacional, prestado com qualidade, de fato falhou ao nomear Serafina
Conejo Gallo por Serafim, desconsiderando assim a sua identidade de gênero. O Estado,
contudo, reconheceu sua responsabilidade internacional e já tomou as medidas necessárias.
Quanto à prestação do serviço médico, ainda em andamento, o Estado reconhece a
delicadeza do caso. Adriana sofreu um aneurisma cerebral congênito e corre risco de vida. No
momento, está internada e incapaz de se comunicar. O médico responsável pelo caso,
devidamente capacitado e habilitado, informou a Serafina que sem o consentimento de algum
familiar, o Conselho Médico Regional iria tomar as providências necessárias para a melhor
proteção da vida da Adriana. A exigência legal de obter o consentimento de um familiar
demonstra prudência, posto que é incabível confiar o futuro dos pacientes a qualquer pessoa. In
casu, Serafina, além de não ser legalmente considerada um membro da família, passou a se
relacionar com Adriana há apenas um ano. Elizabetia não reconhece a suficiência desse breve
relacionamento para a responsabilidade dessa decisão. Destarte, faz se necessário que o Conselho
Médico intervenha e tome a medida que considerar mais prudente.
O Estado reconhece que a decisão médica irá, de fato, interferir na vida de Adriana. Fazse necessário, portanto, analisar os requisitos legais da intervenção. Quanto ao critério de
legalidade, no caso Kruslin v. França, a Corte Européia determinou que deve ser indicado regras
claras e detalhadas sobre as circunstâncias da medida, o procedimento a ser seguido, as pessoas
autorizadas a solicitá-la, a ordená-la e executá-la. 29 No caso presente, foi informado à
acompanhante da paciente o procedimento legalmente previsto: em caso de extrema emergência
em que o assistido não seja capaz de declarar sua vontade, faz-se necessário o consentimento de
parente próximo ou cônjuge para tomar as decisões necessárias. Caso não haja esse
29
ECHR Case of Kruslin v. France, judgment of 24 April 1990, Serie A, No. 176-A, §33; ECHR. Case of Huvig v.
France, judgment of 24 April 1990, Serie A No. 176-B, §32.
11
277
consentimento, o Conselho Médico Regional passa a ter a responsabilidade da escolha. Esta
decisão está sujeita a recurso e à proteção constitucional, da CADH e de outros tratados
internacionais.
Quanto ao critério de idoneidade, proporcionalidade e necessidade deste procedimento,
tem-se que o seu objetivo principal é salvaguardar a autonomia do paciente em escolher o
tratamento ao qual será submetido. Caso não seja possível garanti-la por meio dos seus
familiares, o Estado assegura que seja tomada a melhor decisão técnica, a fim de garantir o
direito a vida da paciente.
Esta intervenção na vida privada é necessária pois garante que toda pessoa sujeita à
jurisdição de Elizabetia seja submetida a um tratamento médico após uma decisão consciente e
deliberada, seja pelos familiares ou, subsidiariamente, pelo Conselho Médico. A medida é
também proporcional ao fim almejado pois apenas quando o paciente estiver impossibilitado de
declarar a sua vontade, se os familiares não puderem faze-lo em substituição, é que o Conselho
irá atuar. Ou seja, a intervenção é proporcional na medida em que é adotada de maneira
subsidiaria: O Conselho Médico só decide pela paciente se não for possível colher a sua
declaração de vontade ou de familiares.
Por fim, a intervenção é idônea pois visa garantir que a escolha do tratamento médico de
todos os pacientes seja previamente deliberada. Dessa forma, caso a pessoa não tenha familiares
ou alguém apto a decidir por ela, o Estado garante a atuação do Conselho Médico. A autonomia
da vontade do paciente é respeitada, mas, se não estiver em condições de exercê-la, o Estado irá
intervir para garantir o melhor tratamento. Resta claro, portanto, que a intervenção é idônea pois
se dá apenas em casos específicos, quando não for possível colher a vontade autônoma da
paciente.
12
277
2. DA OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 17 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1
O artigo 17 da CADH consagra a proteção da família, considerada como o núcleo
fundamental da sociedade. O dispositivo garante o direito do homem e da mulher a contraírem
matrimônio e constituírem uma família e estabelece o dever do Estado de zelar por sua
unidade 30.
Sobre a inexistência de um conceito único de família, vários órgãos internacionais de
direitos humanos já se pronunciaram a respeito: O Comitê para a eliminação de discriminação
contra a mulher declarou que a forma e o conceito de família são variáveis de um Estado para o
outro 31. O Comitê dos Direitos da Criança, por sua vez, reconheceu que família se refere a uma
variedade de estruturas, incluindo as famílias nucleares, ampliada e outras modalidades
tradicionais ou modernas 32. Finalmente, o Comitê de Direitos Humanos confirmou a
impossibilidade de estabelecer uma definição uniforme de família, tendo em vista as suas
diversas modalidades 33.
A estrutura familiar é variável de acordo com diferenças históricas, geográficas, de
costumes, tradições religiosas e outros fatores. Ou seja é uma instituição cultural, particular de
cada povo, variável em tempo e espaço 34. É exatamente por isso que não é cabível um conceito
único e fechado. Inclusive, o Comitê de Direitos Humanos, na observação geral n.16 sobre o
direito à intimidade, fez referência ao direito estatal de estabelecer o próprio entendimento de
30
Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de
2002. Serie A No. 17, §66; Corte IDH. Caso Chitay Nech y otros Vs. Guatemala. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de mayo de 2010. Serie C No. 212, §157.
31
ONU.Comité para la Eliminación de la Discriminación contra la Mujer, Recomendación General No. 21 (13º
período de sesiones, 1994). La igualdad en el matrimonio y en las relaciones familiares, §13.
32
ONU.Comité de los Derechos del Niño, Observación General No. 7. Realización de los derechos del niño en la
primera infancia, CRC/C/GC/7, 30 de septiembre de 2005, §12.
33
HRC. Observación General No. 19 (39º período de sesiones, 1990). La familia (artículo 23), HRI/GEN/1/Rev.9
(Vol.I), §2.
34
HRC. Observación General No. 19, §2.
13
277
família 35.
A presente demanda, iniciada pela petição P-600-12, acusa o Estado de ter violado o
artigo 17 da CADH, o qual, literalmente, “reconhece o direito do homem e da mulher de
contraírem casamento e de constituírem uma família”.
É necessário ressaltar que, enquanto todos os outros dispositivos da Convenção garantem
os direitos a “toda pessoa”, o artigo 17 garante o direito de constituir família ao homem e a
mulher. Redação muito similar ao artigo 85 da Constituição da República de Elizabetia, que
também garante o direito de constituir família ao casal heteroafetivo.
É claro, porém, que a convenção é um instrumento vivo e deve ser interpretado conforme
o entendimento evolutivo atual dos direitos humanos, de maneira a adotar a norma mais
favorável ao indivíduo 36.
O Estado está atento às rápidas mudanças socioculturais e ao reconhecimento dos direitos
da comunidade LGBTI, especialmente quanto à não discriminação pela orientação sexual e
identidade de gênero. A família, instituição não só jurídica, mas também social e cultural 37,
também vem sofrendo alterações significativas. Porém, não existe ainda um consenso
internacional sobre o dever ser da estrutura familiar. Prova disso é o reconhecimento, por vários
documentos internacionais, da impossibilidade de desenvolver um conceito universal de
família 38.
Segundo o juiz desta Corte Alberto Perez Perez, para a evolução de um dispositivo
internacional, é necessário existir um consenso, um espaço de coincidência ou uma convergência
35
HRC. Observación General No. 16 (32º período de sesiones, 1988). Derecho a la intimidad (artículo 17),
HRI/GEN/1/Rev.9 (Vol.I), §5.
36
Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de febrero de
2001. Serie C No. 72, §101.
37
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Fondo, Reparaciones e Costas, Voto parcialmente dissidente del
juez Alberto Pérez Pérez. Sentencia de 24 de febrero de 2012.§10.
38
HRC. Observación General No. 19, §2.
14
277
de standards entre os Estados partes 39. Neste momento, não é possível afirmar que existe um
standard em questões de família. Em determinados casos concretos, não há como pensar em
valores universais, pois aspectos relacionados a fortes sentimentos humanos, religião, moral,
ética, impedem que se chegue a um denominador comum. 40
No caso Ireland v. Reino Unido 41, a Corte Europeia desenvolveu a doutrina de margem
nacional de apreciação: quando não houver um consenso sobre a abrangência de um direito, os
Estados têm discricionariedade para decidir sobre o seu alcance. Este poder discricionário do
Estado está fundado em três razões: a natureza subsidiária da proteção internacional, a ausência
de standards comuns e o fato dos Estados estarem, a priori, mais bem preparados para a decisão
do que o juiz da Corte Internacional, posto que estão em contato direto com as preces e
necessidades locais 42.
O Estado Elizabetia entende que a preservação da instituição familiar tem um impacto
não apenas individual, mas, sobretudo, coletivo. A instituição da família é essencial para a
organização social da comunidade nacional, posto que integra o padrão moral que orienta o país .
76% da população não aprova a equiparação da união de fato entre pessoas do mesmo sexo à
família. Este dado, ainda que por sí só, não sirva de escusa para o Estado regular apenas
matrimônios entre homem e mulher, reflete bem como a maior parte da população entende que
essa matéria deve ser regulada.
Destarte, Elizabetia entende que não há um entendimento concreto do artigo 17 da CADH
39
Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas vs. Chile. Fondo, Reparaciones e Costas, Voto parcialmente dissidente del
juez Alberto Pérez Pérez, §20.
40
DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (II). Le pluralisme ordonné. Éditions du Seuil,
2006.
41
UNHCR,Ireland v. The United Kingdom, 5310/71, Council of Europe: European Court of Human Rights, 13
December 1977.
42
DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Soberania e margem nacional de apreciação. Revista Eletrônica Direito e
Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.6, n.2, 2º
quadrimestre de 2011. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791.
15
277
e, portanto, não é possível estabelecer o seu significado de maneira unilateral, sem haver um
consenso entre os Estados-partes. Não existindo um entendimento comum, não é possível
avançar na interpretação do dispositivo, e, dessa forma, não é cabível a responsabilização
internacional de Elizabetia pelo artigo mencionado.
Caso, porém, esta Corte entenda que a família deve ser estruturada por valores
estabelecidos internacionalmente, deve reconhecer que esta instituição tem como pilar a
moralidade coletiva, tendo em vista que é essencialmente cultural. Dessa forma, é necessário
considerar que esses valores coletivos, tão fortes na nação de Elizabetia, não são cambiáveis
instantaneamente, mas sim progressivamente no tempo.
A Corte IDH já se pronunciou sobre a progressividade da garantia dos direitos
econômicos, sociais e culturais 43. Segundo o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais,
o Estado tem o dever de adotar medidas positivas a fim de garantir o gozo pleno de todos esses
direitos. Não é cabível, contudo, a sua eficácia imediata 44.
Quanto às medidas positivas adotadas recentemente para a garantia dos direitos à
comunidade LGBTI, o Estado ressalta que a proibição da discriminação pela orientação sexual
foi expressamente prevista pela Constituição da República. Em 2007, foi aprovada a lei de
Identidade de Gênero, que garante a possibilidade de alteração do nome e do sexo do registro
civil. Em 2010, houve uma mudança legislativa reconhecendo a união de fato a casais
homoafetivos. O Estado tem apresentado mudanças progressivas no sentido de garantir a
efetivação dos direitos à comunidade LGBTI. Porém, como a cultura não pode ser alterada
radicalmente de maneira instantânea, a legislação também não poder ser, ou perderia a sua
43
Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de febrero de 2003.
Serie C No. 98, § 147.
44
ONU. Doc. E/1991/23, Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones Unidas,
Observación General No. 3: La índole de las obligaciones de los Estados Partes (párrafo 1 del artículo 2 del Pacto),
adoptada en el Quinto Período de Sesiones, 1990.
16
277
legitimidade e teria pouca ou nenhuma eficácia.
Dessa forma, o artigo 17 da CADH, que prevê o direito do homem e da mulher
constituírem uma família, mesmo que interpretado de maneira progressiva, não pode gerar a
responsabilização internacional do Estado. Primeiro, porque não existe um consenso entre os
países partes sobre a abrangência deste direito. Segundo, porque se trata de uma instituição
cultural e, caso esta Corte estipule valores a serem seguidos internacionalmente, a sua
implementação não poderia se dar de maneira imediata, já que a cultura não pode ser alterada
instantaneamente. Destarte, no momento histórico atual, não é cabível a responsabilização
internacional de Elizabetia quanto ao artigo 17.
2. DA OBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 2 E 24 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1
O artigo 24 da CADH, c/c com o artigo 1.1 estabelece, em vista do princípio da
igualdade, a obrigação dos Estados de se absterem de oferecer aos indivíduos tratamento legal
discriminatório. Já o artigo 2 da Convenção estabelece que os Estados-partes tem o dever de
adotar as medidas legislativas a fim de efetivar os direitos e liberdades ali tutelados. Nesse
sentido, a Corte IDH já teve oportunidade de declarar que “nem toda distinção de tratamento
pode ser considerada ofensiva, por si só, da dignidade humana”. 45
Inicialmente, cumpre demonstrar que, à luz do artigo 2 da CADH, o Estado de Elizabetia
tem feito o que lhe compete para progressivamente adequar sua legislação de forma a oferecer
efetiva tutela jurídica e legal às pessoas quanto à sua orientação sexual, seja se abstendo de
incorporar ao ordenamento legislação discriminatória, quanto agregando a ele normas protetivas
desses direitos. Exemplo disso é o próprio texto constitucional, que proíbe qualquer tipo de
45
Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28 de agosto de
2002. Serie A No. 17, §46; Corte IDH. Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica
Relacionada con la Naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Serie A No. 4, §56; Corte
IDH. Restricciones a la Pena de Muerte (Arts. 4.2 y 4.4 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión
Consultiva OC-3/83 del 8 de septiembre de 1983. Serie A No. 3, §89.
17
277
discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, a criação da Lei de Identidade de
Gênero em 2007 e a alteração legislativa feita no ano de 2010, regulamentando a figura da União
de Fato entre pessoas do mesmo sexo.
Além disso, o Estado tem cumprido seu dever de abstenção ao não introduzir em seu
ordenamento jurídico quaisquer normas de cunho discriminatório, pelo contrário, como já
ressaltado, tem tomado providências a fim de incluir nele legislação referente à identidade de
gênero e tutelando os relacionamentos homoafetivos.
Em oportunidade anterior a Corte IDH já esclareceu que “o art. 24 da Convenção
consagra o principio de igualdade perante a lei. Assim a proibição geral de discriminação
estabelecida no art. 1.1 ‘se estende ao direito interno do Estados-partes, de tal maneira que é
possível concluir que, com base nestes dispositivos, estes se comprometeram (…) a não
introduzir em seu ordenamento jurídico regulamentações discriminatórias referentes a proteção
da lei” 46 (grifo nosso).
É necessário atentar para o fato de que as alterações sofridas na sociedade elizabetana,
também visíveis no cenário mundial, no que tange à orientação sexual e identidade de gênero,
podem ser consideradas ainda incipientes, na medida em que são modificações sucedidas a
pouco tempo e, por isso, ainda não encontram posicionamento pacificado na doutrina ou na
jurisprudência, seja no âmbito interno ou internacional.
Desta forma, o mero fato de a Constituição Política de Elizabetia bem como de sua
legislação ordinária serem anteriores às mencionadas mudanças sociais e, portanto, não
contemplá-las, não pode ser por si só considerado como ato violatório de direitos humanos.
Tampouco parece justa a exigência de que a legislação de um Estado seja automática e
imediatamente alterada e conformada, sem que haja respeito às normas internas do processo
46
Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 . Op. cit.,§44.
18
277
legislativo. A ausência de norma prévia aos fatos apenas aponta a necessidade de criá-las, porém
não pode ser interpretada como omissão dolosa. Em caso semelhante, o Tribunal da Relação de
Lisboa já ressaltou que “uma coisa é a violação do princípio – o que não se verificou –, coisa
diversa é o legislador ordinário não lançar mão do caminho que lhe foi deixado aberto” 47.
Além disso, torna-se clara a falta de regulação e consenso, o fato de que o próprio direito
internacional também oferece proteção e reconhecimento legislativo apenas aos casamentos entre
pessoas de sexos distintos, como por exemplo, o faz a Declaração Universal dos Direitos
Humanos ao dispor que “os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de
iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução” (art. 16.1), e a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem que estabelece quanto ao direito ao casamento que “a partir da
idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de se casar e de constituir família, segundo as leis
nacionais que regem o exercício deste direito” (art.12).
É importante ter em mente que a legislação de Elizabetia acerca do casamento somente
pode ser considerada discriminatória caso retirada de seu contexto histórico-social e da
concepção de sua população de tal instituto. O Estado de Elizabetia concebe o casamento como
instituição baseada em valores sociais, fundada no relacionamento entre homem e mulher, com o
fim social de incentivo à perpetuação das gerações e por essa razão é um instituto que oferece
específica tutela jurídica a casais de relacionamentos heterossexuais. Destaque-se que apesar
disso, o Estado não se exime de oferecer proteção jurídica aos relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo, regulando para elas, o instituto da União de Fato.
A pesquisa de opinião realizada pelo governo em 2010 revela que esta concepção adotada
47
Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 6284/2006-8. Julgado em 15/02/2007. (Consultado no sítio virtual de
Bases Jurídico Documentais do Ministério da Justiça: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc73231
6039802565fa00497eec/f2c9a606d4e2613180257296004e5975?OpenDocument&Highlight=0,6284%2F2006-8)
19
277
pelo Estado reflete o pensamento dos cidadãos e cidadãs elisabetanos, sendo que a maioria da
população reconhece que o relacionamento homoafetivo merece tutela jurídica, porém, 76% dela
entende que o casamento é instituto familiar reservado à relação entre homem e mulher.
Esta também é o entendimento já adotado pelo Tribunal Constitucional de Portugal que
assim se posicionou: “Como se afirmou anteriormente, saber se as normas impugnadas violam o
princípio da igualdade é uma questão cuja resposta se encontra na concepção do casamento
adoptada. Se se entender o casamento como uma instituição social que é apresentada aos
cônjuges com um significado relativamente estável, enquanto união entre homem e mulher,
designadamente assente na função que lhe cabe na reprodução da sociedade, pode fazer sentido
reservar o casamento aos casais heterossexuais. Pelo contrário, apenas se se adoptasse uma
concepção do casamento como relação puramente privada entre duas pessoas adultas, sem
qualquer projeção na reprodução da sociedade, a exclusão dos casais homossexuais surgiria
necessariamente como discriminatória. Ora, como se disse, não foi essa a opção legislativa.” 48
Pelo exposto, o Estado de Elizabetia reafirma sua posição de que tem zelado por observar
atentamente ao princípio da igualdade perante a lei, da não discriminação, e demais dispositivos
da Convenção Americana de Direitos Humanos.
3. DA OBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 8 E 25 EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1
O acesso à justiça constitui norma imperativa de direito internacional (jus cogens) 49 com
efeitos erga omnes e um dos institutos do Estado Democrático de Direito 50 pois se aplica a todos
os âmbitos do procedimento interno. Conjuntamente, os arts. 8 e 25 c/c ao art. 1.1 da CADH
48
Tribunal Constitucional de Portugal, Acórdão n.º 359/2009. Processo n.º 779/07. Diário da República, 2.ª série N.º 214 - 04 de Novembro de 2009.
49
Corte IDH. Caso de La Masacre de Pueblo Bello v. Colombia.Sentencia de 31 de enero de 2006. Serie C No. 140.
Voto do Juiz A. A. Cançado Trindade, §64.
50
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p.
97.
20
277
guardam em seu bojo a obrigação dos Estados-partes em garantir que qualquer pessoa tenha
condições concretizar seu direito de acessar a justiça. Formam, assim, um núcleo indissociável51
cuja análise só é possível conjuntamente.
3.1 DA EFETIVIDADE DOS RECURSOS INTERNOS
Os recursos judiciais (art.25) devem ser efetivos e receber tratamento processual em
conformidade com as regras do devido processo legal (art.8.1) 52. Isso exige, então, que a lide
seja submetida a exames sucessivos, por juízes diferentes 53, “como garantia de boa solução” 54.
Além disso, o recurso deve ser idôneo, i. e., deve ser um instrumento processual “capaz de
produzir resultados ou respostas às violações dos direitos contemplados na CADH” 55. Em face
disso, o Estado tem obrigação de fornecer meios adequados para que os indivíduos possam
aceder aos recursos internos 56.
No presente caso, as Sras. Gallo e Timor apresentaram solicitação de autorização para
contrair casamento à Secretaria Nacional de Família sob alegação de que o art. 9 da Constituição
51
Corte IDH. Caso Goiburú y otros Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiembre de
2006. Serie C No. 153, §110.
52
Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Excepciones Preliminares. Sentencia de 26 de junio de
1987. Serie C No. 1, §§90, 91 e 92. Corte IDH. Caso Fairén Garbi y Solís Corrales Vs. Honduras. Excepciones
Preliminares. Sentencia de 26 de junio de 1987. Serie C No. 2, §90, 90 e 92.
53
Corte IDH. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107, §158.158.
54
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 51ª Ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2010, p. 572.
55
Corte IDH. Caso Baldeón García v. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 6 de abril de 2006. Serie C
No 147, §144; Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127, §169; Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Excepciones
Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 7 de septiembre de 2004. Serie C No. 114, §135; Corte
IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 7 de junio de 2003. Serie C No. 99, §121; Corte IDH. Caso López Álvarez vs. Honduras. Fondo, Reparaciones y
Costas. Sentencia del 1 de febrero de 2006. Serie C No. 141, §137; Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs.
Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109, §192; Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia.
Fondo. Sentencia de 6 de diciembre de 2001. Serie C No. 90, §58; Corte IDH. Caso de la “Panel Blanca” vs.
Guatemala. Fondo. Sentencia de 25 de enero de 1996. Serie C No 23, §164; Corte IDH. Caso Suárez Rosero Vs.
Ecuador. Fondo. Sentencia de 12 de noviembre de 1997. Serie C No. 35, §61; Corte IDH. Caso Maritza Urrutia vs.
Guatemala. Sentença de 27 de novembro de 2003. Serie C No103, §117.
56
CIDH. El acceso a la justicia como garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. Estudio de los
estandares fijados por el Sistema Interamericano de Derechos Humanos, OEA/Ser.L/V/II.129. Doc. 4, 7 septiembre
2007.
21
277
proíbe discriminação por razões de orientação sexual. Não obstante, o artigo que confere
competência a esta Secretaria para autorizar este ato jurídico é o art. 396 do Código Civil, o qual
também estipula quem é capaz para contrair casamento. É preciso frisar que a Secretaria em
questão é órgão da Administração Pública, e como tal, deve agir conforme o princípio da
legalidade. Esse princípio preceitua que a Administração Pública deve agir secundum legem, i.e.,
estritamente nos limites da lei 57. Nesse sentido, ao contrário do indivíduo que tem liberdade para
fazer tudo que a lei não proíbe, a Administração Pública deve ater-se a fazer aquilo que a lei
manda ou permite. 58 Assim, a autorização para contrair matrimônio é um ato vinculado ao
disposto no art. 396 do Código Civil. A Secretaria está obrigada a denegar a autorização para
contrair casamento a casos que não se enquadram nos critérios do art. 396 do CC. Por isso, esta
decisão não tem caráter de ato arbitrário.
Contra esta decisão, foi interposto recurso de nulidade – remédio idôneo contra ato
administrativo ilegal. O 7º Tribunal Contencioso Administrativo, fundamentando-se em
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, entendeu que não houve ilegalidade no ato
contestado e, em conseqüência, denegou o pedido. Inconformadas, as supostas vítimas
interpuseram recurso de amparo, o qual se presta a reformar decisões judiciais manifestamente
arbitrárias. A 3ª Vara de Família, que recebeu o recurso, entendeu pela não arbitrariedade da
decisão do 7º Tribunal Contencioso Administrativo tendo em vista que foi fundamentada e,
assim, denegou o recurso de amparo. Essa decisão foi confirmada posteriormente pelo Tribunal
Colegiado de Causas Diversas.
Todas as decisões, portanto, estiveram em conformidade com o devido processo legal,
57
MEIRELLES, Hely Lopes; AZEVEDO, Eurico de Andrade.; ALEIXO, Delcio Balestero.; BURLE FILHO, Jose
Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 33. ed., atual. até a Emenda Constitucional 53,. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 67.
58
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didatico. Belo Horizonte: Del Rey, 1991, p.301.
22
277
por terem sido fundamentadas, prolatadas em conformidade com a competência de cada tribunal
e dentro de prazos razoáveis. Cabe lembrar que a mera resposta jurisdicional negativa à
pretensão das supostas vítimas não constitui por si só violação ao direito ao acesso à justiça 59, há
que se verificar inobservância das regras do devido processo, o que não ocorre in casu.
A partir do exposto, observa-se que as supostas vítimas buscavam, na realidade, a
declaração de inconstitucionalidade do art. 396 do Código Civil. Não obstante, em Elizabetia, os
tribunais em geral não têm competência para declarar leis inconstitucionais. Ou seja, não há
controle difuso de constitucionalidade razão pela qual a única via judicial eficaz para resolver a
pretensão das Sras. Gallo e Timor era a ação de inconstitucionalidade. Frise-se, essa ação pode
ser proposta por qualquer cidadão à Câmara Constitucional da Corte Suprema de Justiça
conforme art. 101 da Constituição. Além de ser este o meio formal idôneo para a consecução
desse objetivo, materialmente, a jurisprudência recente da Câmara Constitucional é favorável a
essa causa já que, em 2009, determinou a inconstitucionalidade da frase “entre um homem e uma
mulher” do art. 406 do Código Civil que rege a união de fato.
Sendo assim, os tribunais Contencioso Administrativo, de Família e o Colegiado de
Causas Diversas prolataram decisões limitadas à matéria de sua competência, obedecendo às
regras do devido processo legal, em conformidade com a jurisprudência desta e outras Cortes em
relação à necessidade de que as causas sejam analisadas por tribunais competentes e
independentes 60 e em respeito ao duplo grau de jurisdição 61. Resta comprovado, assim, que em
momento algum, o Estado deixou de garantir às supostas vítimas o direito ao acesso à justiça em
59
Corte IDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Fondo. Sentencia de 20 de enero de 1989. Serie C No. 5, §70.
Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de enero
de 2001. Serie C No. 71, §75; ECHR. Case of Langborger vs. Sweden, Judgment of 27 January 1989, Series A no.
155, §32. ECHR. Case of Campbell and Fell vs. United Kingdom. Judgment of 28 June 1984, Series A no. 80, §78.
61
GOMES, Luiz Flávio. As Garantias Mínimas do Devido Processo Criminal nos Sistemas Jurídicos Brasileiro e
Interamericano. In: O Sistema interamericano dle proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 203.
60
23
277
sua completude. Portanto, não houve violação aos artigos 8 e 25 c/c ao art. 1.1 da CADH.
C. DO NÃO CABIMENTO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS
A CADH, pelo artigo 63.2, garante a competência da Corte em adotar medidas
provisórias em casos específicos, desde que estejam presentes os requisitos de (i) extrema
gravidade e urgência e (ii) necessidade de evitar danos irreparáveis às pessoas ante à violação ou
ameaça à direito protegido pela Convenção. 62
Antes de analisar o requerimento da parte, faz-se necessário esclarecer os fatos que se
relacionam à saúde da peticionária Adriana.
Após sofrer a ruptura de um aneurisma cerebral, Adriana Timor encontra-se hospitalizada
em estado estável. Segundo o neurologista responsável, existem dois tratamentos possíveis que
atendem ao caso da paciente. O primeiro, trata-se de uma cirurgia intracraniana que, se bem
sucedida, pode manter a integridade das faculdades mentais da paciente. Porém, é uma cirurgia
de alto risco: estatisticamente apenas 15% daqueles que se submetem a ela sobrevivem. A
segunda possibilidade é o monitoramento da situação. Neste caso, a taxa de sobrevivência é de
85%. Contudo, se houver apenas o monitoramento, as faculdades mentais da paciente estariam
comprometidas. Como previsto em lei, casos em que o paciente não estiver em condições de
declarar sua vontade, a decisão é tomada pelo cônjuge, parceiro da união de fato ou por membro
da família. Se não for possível, o Conselho Médico Regional passa a ser o responsável pela
decisão.
Quanto à saúde da Adriana, todas as medidas necessárias já foram tomadas: o Estado
garantiu o atendimento médico imediato à paciente quando a mesma chegou ao hospital, garantiu
também o acompanhamento contínuo do caso pelo médico especialista e, neste momento,
62
Corte IDH. Caso "Instituto de Reeducación del Menor" Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de septiembre de 2004.Serie C No. 112, §108.
24
277
garante que a decisão a ser tomada será consciente dos riscos e efeitos dos tratamentos. Destarte,
o direito à vida e à integridade pessoal da paciente encontram-se devidamente protegidos pelo
Estado.
Apesar desta proteção, Serafina requereu à Corte a aplicação de medida provisória a fim
de tutelar o direito previsto pelo art. 17 da CADH, qual seja, o de contrair matrimônio com o fim
de outorgar o consentimento informado no caso de Adriana. Ora, a tutela do art. 17 já está sendo
analisado pelo procedimento ordinário e, considerando não haver gravidade, possibilidade de
causar danos ou urgência para se casar, não é plausível o requerimento de medida provisória para
tal fim. Vale ressaltar que, caso esta Corte assim decidir e tão logo seja proferida a decisão,
Adriana e Serafina poderão se casar, independentemente do tratamento a que a paciente será
submetida.
De fato, a exigência estipulada pelo art. 63.2 de haver dano ante violação ou ameaça à
direito, faz como o que, na prática, a maioria das medidas provisórias concedidas pela Corte
objetivem a tutela do direito à vida e à integridade pessoal, 63como é possível perceber naquelas
concedidas em favor de Alvarado Reyes no México 64,Alemân Lacayo na Nicarágua 65, Adrian
Meléndez Quijano e outros em El Salvador 66 e nos casos 19 comerciantes vs. Colômbia67,
Alvarez e outros vs. Colômbia 68, Bámaca Velásquez vs. Guatemala 69 e diversos outros.
63
GONZALEZ. F. As medidas de urgência no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Sur- Revista
Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, SP,v.7, n. 13, p.51, dez. 2010.
64
Corte IDH. Assunto Alvarado Reyes. Medidas Provisórias, respeito de México. Resolução da Corte de 23 de
novembro de 2012.
65
Corte IDH. Assunto Alemân Lacayo. Medidas Provisórias, respeito da Nicaragua. Resolução da Corte de 2 de
fevereiro de 1996.
66
Corte IDH. Assunto Adrian Melêndez Quijano e outros. Medidas Provisórias respeito de El Salvador. Resolução
da Corte de 2 de fevereiro de 2010.
67
Corte IDH. Caso 19 comerciantes. Medidas Provisórias respeito de Colômbia. Resolução da Corte Interamericana
de Direitos Humanos de 26 de junho de 2012.
68
Corte IDH. Caso Alvarez e outros. Medidas Provisórias respeito de Colômbia. Resolução da Corte Interamericana
de Direitos Humanos de 08 de fevereiro de 2008.
69
Corte IDH. Caso Bámaca Velasquez. Medidas Provisórias respeito de Guatemala. Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 29 de agosto de 1998.
25
277
Há casos, porém, em que a medida provisória fora concedida a outros direitos, como em
AwasTingni em que se protegeu o território comunal indígena, ou em Herrera Ulloa vs. Costa
Rica em que a liberdade de expressão fora tutelada. Naquele havia o risco dos indígenas se
verem impossibilitados de usufruir da sua propriedade, posto que as atividades predatórias de
terceiros poderiam degradar os recursos naturais inerentes ao território. Em Herrera Ulloa, por
sua vez, se fez necessário suspender as publicações posto que as mesmas causariam um dano
irreparável ao demandante.
Percebe-se, nos casos em que a Medida Provisória foi outorgada a direitos outros, que
não a vida e a integridade, a necessidade imediata de proteger o direito tutelado. Caso contrário,
o território indígena perderia suas características essenciais ao modelo de vida Awas Tingi. Ou,
no caso Herrera Ulloa, a imagem do demandante seria atingida de maneira irreparável.
Este não é o caso desta demanda. O matrimônio entre Serafina e Adriana é objeto de
mérito do determinado processo e não há urgência em antecipar tal decisão, posto que a
constituição do matrimônio poderá se dar após a decisão final do caso, sem haver qualquer dano
à alguém. Ademais, esta Corte já determinou que a Medida provisória, além do seu caráter
tutelar, é também uma medida essencialmente cautelar 70. Ou seja, visa preservar uma situação
jurídica. O casamento entre casais homoafetivos não é legalmente permitido em Elizabetia e,
portanto, os peticionários não demandam a garantia imediata do exercício de um direito já
estabelecido e garantido pelo Estado e pelo Sistema Interamericano de Direitos humanos, mas
demandam a garantia de um direito controvertido, que necessita da sentença de mérito para ser
exigível no país. Aí está a necessidade de analisar a possibilidade de casamento das peticionárias
no mérito e não via medida provisória. Caso esta Corte reconheça a validade dos argumentos
70
Corte IDH. Caso 19 comerciantes. Medidas Provisórias respeito de Colômbia. Op cit.; Corte IDH. Assunto
Alvarado Reyes. Medidas Provisórias, respeito de México. Op cit.,§3.
26
277
estatais, tal medida perderia o próprio sentido de existência.
Considerando porém que Serafina tenha pedido a tutela do artigo 17 como o objetivo de
se tornar apta a decidir por Adriana e, assim, proteger indiretamente a vida e integridade da
paciente, o Estado reitera que tais direitos já estão sendo devidamente protegidos. Ademais,
deve-se ter em vista que a requerente se relaciona com a paciente há apenas um ano.Dessa forma,
o Estado considera prudente garantir que a decisão médica seja tomada por um corpo técnico,
capaz de analisar o caso com mais profundidade e optar pelo tratamento mais adequado à saúde
da paciente. Em detrimento disso, não é plausível conceder, por essa medida essencialmente
provisória, o poder de uma decisão definitiva, irreversível, à Serafina, que pouco conhece da
paciente e da ciência médica.
Logo, na hipótese da Serafina ter requerido a tutela do art. 17 com o fim de garantir os
direitos previstos pelos artigos 4 e 5 da CADH, é reconhecida a gravidade do caso de Adriana.
Contudo, não há o que se falar em urgência e prevenção de danos ante a violação ou ameaça a
direito, posto que as medidas cabíveis e necessárias aplicáveis ao caso já foram tomadas e,
destarte, não há violação ou ameaça aos direitosà vida e à integridade.
Por fim, faz-se necessário destacar que Serafina deseja casar-se imediatamente com
Adriana, que se encontra hospitalizada, incapaz de declarar sua vontade de maneira autônoma.
Considerando a necessidade do consentimento do casal para o casamento, este pedido é
improcedente. O Estado não pode anuir com o matrimônio de ambas sendo que Adriana não
poderá manifestar sua vontade.
A partir do exposto, resta claro que a medida requerida é improcedente. Primeiro, pois a
vida e a integridade da Adriana, considerando a gravidade da situação, estão garantidos.
Segundo, tendo em vista a prudência do Estado em garantir a melhor decisão do tratamento
27
277
médico e, conseqüentemente, a desnecessidade de tutelar os artigos 4 e 5, não há que se falar em
urgência em exercer o direito controvertido de constituir matrimônio. Ademais, o Estado, em
respeito à autonomia privada da Adriana, não poderia suplantar a sua manifestação de vontade
em relação ao casamento, sob pena de violar o art. 11.2 da CADH.
D. DA NÃO CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO
ESTADO
Além de fonte do princípio da não-discriminação, o art. 1.1 da CADH traz em seu bojo o
dever dos Estados em garantir a toda pessoa o livre e pleno exercício os direitos e liberdades
reconhecidos Convenção 71. Trata-se, em conseqüência, de amparo legal para a responsabilização
dos Estados no âmbito do sistema interamericano 72.
O Anteprojeto de Artigos em Responsabilidade Internacional 73 é amplamente aceito 74
como regra costumeira de Direito Internacional 75 e como tal deve guiar esta Corte na
interpretação do art. 1.1. Este documento, em seu art. 2.b, estabelece quando resta configurada a
responsabilidade internacional do Estado. Segundo o referido artigo, o descumprimento de uma
obrigação internacional por meio de ação ou omissão que seja atribuível ao Estado, inclusive nos
casos em que falte com a devida diligência 76, gera responsabilidade internacional.
No caso sub judice, restou demonstrado que o Estado de Elizabetia, não obstante as
71
PASQUALUCCI, Jo M. The application of International Principles of State Responsibility by the Inter-American
Court of Human Rights. In: Liber Amicorum Antônio A. Cançado Trindade. Secretaría de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos: Costa Rica, 2005, p.1213
72
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional de Direitos Humanos. 1ª edição. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004. p. 107
73
ONU. Draft Articles on State Responsibility for Internationally Wrongful Acts with commentaries, extract from
the Report of the International Law Commission on the work of its Fifty-third session, Official Records of the
General Assembly, Fifty-sixth session(2001), Supplement No. 10 (A/56/10), chp.IV.E.1, art. 1. p. 32-34.
74
ICJ. Case Concerning the Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of
Genocide ( Bosnia and Herzegovina v. Serbia and Montenegro). Merits, ICJ Rep 2007, §385. Corte IDH. Caso
Ximenes Lopes vs. Brasil. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4 de julio de 2006. Serie C No. 149, §86.
MOWBRAY, Alistair. Cases and materials on the European Convention on Human Rights.New York, OUP, 2007.
75
BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law, 6ª Ed. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 5;
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Op. cit.. p. 912;
76
ICJ. Corfu Channel (United Kingdom v. Albania). Merits, ICJ Rep. 1949, §54.
28
277
adversidades da compatibilização de interesses em um ambiente democrático, vem, de maneira
progressiva, implementando medidas cujo objetivo que visam a efetivar os direitos das pessoas
homossexuais e transgêneras na sua plenitude. Medidas essas consonantes com os preceitos da
CADH e com toda normativa internacional na matéria.
Nesse sentido, todas as ações estatais relatadas nos fatos que resultaram em restrição de
direitos das supostas vítimas ocorreram em estrita obediência aos limites impostos pela CADH.
Quanto às supostas omissões, as autoridades estatais agiram no limite da competência conferida
pela legislação interna, a qual, cabe ressaltar, vem sofrendo modificações constantes. Assim, no
mesmo sentido não há que se falar em omissão na adequação da legislação interna à CADH
tendo em vista que há um movimento estatal no sentido de alteração das leis. Desconsiderar este
fato é desconsiderar todo o avanço alcançado nos últimos tempos em relação a essa matéria pelo
Estado de Elizabetia.
É mister, portanto, que esta Corte reconheça que o Estado, em tempo algum, violou os
direitos da Sra. Serafina Conejo Gallo e da Sra. Adriana Timor, nem por ação, nem por omissão
e julgue improcedente a presente demanda.
E. DA IMPUGNAÇÃO DOS PEDIDOS DE REPARAÇÃO
Caso se declare a responsabilidade internacional do Estado, pelo princípio da
eventualidade, cabe impugnar os pedidos reparatórios da parte demandante. O Estado deve, no
máximo, ser instado a cumprir reparações simbólicas, tendo em vista que algumas questões
suscitadas pelos peticionários já se encontram em curso, considerando que o processo legislativo
é uma atividade constante e amplamente influenciada pelas mudanças sociais. O Estado ressalta,
ainda, que a sentença condenatória, per se, já constitui um meio eficaz de reparação. 77
77
ECHR. Case of Boner v. United Kingdom. Judgment of 28 October 1994, series A No. 300-B, §46; ECHR. Case
of Darby v. Sweden. Judgment of 23 October 1990, series A No. 187, §40. ECHR. Case of Ruiz Torija v. Spain.
29
277
III. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA
A República de Elizabetia vem, respeitosamente, solicitar a esta Corte que julgue
improcedente o pedido inicial dos representantes das supostas vítimas em razão da não violação
dos artigos 2, 8, 11, 17, 24 e 25 todos em correlação ao art. 1.1 da CADH e insta pelo
indeferimento dos pedidos de adoção de medidas provisórias e de reparação apresentados pela
parte contrária.
Judgment of 9 December 1994. Series A No. 303-A, §33; Corte IDH. Caso Cantoral Benavides Vs. Perú. Op. cit.,
§24; Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Op. cit., §166; Corte IDH.
Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de mayo de 2001. Serie C No. 78, §51; Corte
IDH. Caso de la “Panel Blanca" (Paniagua Morales y otros) Vs. Guatemala. Reparaciones y Costas. Sentencia de 25
de mayo de 2001. Serie C No. 76, §105.
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