emblemas e leitura da imagem simbólica no palácio
Transcrição
emblemas e leitura da imagem simbólica no palácio
EMBLEMAS E LEITURA DA IMAGEM SIMBÓLICA NO PALÁCIO NACIONAL DE MAFRA ESQUISSOS PARA UMA EXPOSIÇÃO VIRTUAL PREÂMBULO Se um cego guiar a outro cego, ambos cairão na cova Mateus, XV, 14 Afirmava Platão que todo o conhecimento é reconhecimento, sublinhando o papel nuclear desempenhado no processo pela reminiscência. Efectivamente, é a memória que determina a ética e a poética da acção humana, possuindo a sua própria história, cuja relevância será tanto maior quanto mais adequada e oportuna for a avaliação rectrospectiva ao seu alcance. Por outras palavras: a incapacidade rememorativa inviabiliza o acesso à história e à cultura, comprometendo a assunção da identidade individual, mas também da colectiva, e deixando o indivíduo em causa extremamente vulnerável e susceptível de ser defraudado, sem ter a mínima noção do que seja quer o gato, quer a lebre... A vacuidade mental imperante, hodiernamente, umas vezes promovida, outras subsidiada pelo Estado, apesar dos reiterados desmentidos das tutelas, aos seus diferentes níveis, alimenta a ficção de que segurança, eficiência e sucesso são potenciados por rotinas “bem oleadas”, desvalorizando, como perturbadoras e institucional e socialmente nocivas a ponderação reflexiva, bem como o confronto de ideias e convicções. Para escamoteá-las, fazendo tenção de não pertencer a este mundo, difundiu-se a hipócrita moda de repetir: “Os cães ladram e a caravana passa!” Por esse andar, de tal modo alienados da realidade, aqueles que assim pensam e agem nem darão pelo próximo cataclismo que, inexoravelmente, os há-de atingir também… Já no que respeita ao património monumental, o que se constata (por saber de experiência feito) é que são excepcionais os casos de adequada gestão histórico-cultural dos sítios simbólicos da nação, assistindo-se, as mais das vezes, à despudorada lauda da inércia e indigência mental dos respectivos responsáveis, aparentemente comissionados para exercerem discricionária e arrogantemente o cargo que lhes foi confiado transitoriamente, e em nome da coisa pública, de molde a 11 Exposição Quando o Rei faz anos (Casa de Cultura D. Pedro V, 1997) 12 impedirem, ou pelo menos dificultarem o acesso a tais bens por parte de investigadores ou artistas (sobretudo músicos) com provas dadas (e portadores de credenciais válidas), porém, não do seu agrado, dos seus amigos ou dos amigos dos seus patrocinadores... Considero, também, completamente inútil solicitar a arbitragem das tutelas, geralmente mais interessadas em fidelizar técnicos e funcionários dóceis e inseguros, logo tendencialmente subservientes, do que aqueles cuja competência e ecumenismo não são de molde a agradar aos pedantismos efémeros, mas bem pensantes, das clientelas do momento. É radicalmente distinta e anti-conformista a postura que tenho por adequada para resolver de forma duradoura a situação a que aludi, no que concerne, especificamente, ao Palácio Nacional de Mafra. Desde, pelo menos, 1997, quando da realização da exposição Quando o Rei faz anos – Ideias para a Musealização do Palácio Nacional de Mafra, que venho alertando para ela e propondo alternativas práticas. No transacto ano de 2004 decidi mesmo criar o site Monumento de Mafra Virtual, com o objectivo de assumir, virtualmente, a gestão integrada e experimental do conjunto patrimonial legado a Mafra pelo monarca Magnânimo e Fidelíssimo, a saber: Palácio Nacional, Jardim do Cerco e Tapada. Não é esta a ocasião indicada para explicitar o objecto e os meios adoptados com vista à concretização do desiderato expresso. De resto, os interessados poderão encontrar minuciosamente enunciados todos os mais relevantes aspectos no horizonte do clone do Monumento de Mafra, nos endereços www.monumentomafravirtual.net ou www.cesdies.net. O esquisso que ora se divulga, não passa disso mesmo: de um projecto para uma exposição monográfica, a primeira das iniciativas do género já programadas, as quais, além da divulgação on-line (em curso) de todo o tipo de informações indispensáveis à compreensão histórico--cultural integrada do Monumento de Mafra, contemplarão, a breve trecho, o início da musealização do Palácio Nacional de Mafra, sala a sala. Todo esse imenso manancial de informação e de sonho terá como destino, invariável, o site supramencionado, de cujas páginas é permitida a reprodução integral e gratuita, com a única condição de ser referenciada a fonte. Enfim, aquilo que se esperaria que um autêntico serviço público fosse: ecuménico (alheio a posições exclusivistas e monoreferenciais), independente (ideológica e idiossincraticamente), atento às expectativas e sugestões dos cidadãos (em geral) e dos munícipes (em particular, sejam quais forem as respectivas coordenadas), sem telhados de vidro e não subvencionado, salvo se reconhecido o seu mérito, competência, utilidade e adequação aos fins para que foi instituído. 13 14 O espaço eleito para a realização da mostra Emblemas e Leitura da Imagem Simbólica no Palácio Nacional de Mafra, é um dos vários já referenciados como adequados, após ligeiríssimas porém incontornáveis adaptações, para albergar exposições temporárias (doravante, denominado Galeria de Exposições Temporárias 4-Sul), no âmbito do projecto de musealização que o Monumento de Mafra Virtual tenciona divulgar, oportunamente, de forma gradual mas sistemática. Alguns argumentos convém, entretanto, aduzir em prol de tal opção: Primeiramente, a circunstância de não ser conhecida qualquer função específica para o referido espaço. De facto, a denominada “Sala da Música” do Palácio Nacional de Mafra foi “inventada” na década de 1950 por Ayres de Carvalho, nada constando historicamente que se lhe reporte como tal. Não se trata, por conseguinte, de subverter a história funcional da dependência em questão (como tem vindo a acontecer, a outros espaços, nos últimos anos), uma vez que se desconhece, por absoluta ausência de registos de índole histórica, ou outra, qual possa ter sido. Além disso, a área total utilizável é uma das raras a permitir a concretização das exposições temporárias de dimensão média e pequena no Piso Nobre, previstas e a agendar. Registe-se, depois, a vantagem adicional de a Galeria de Exposições Temporárias 4-Sul estar integrada no percurso seguido pelos visitantes que têm a Casa da Livraria por meta, e relativamente próximo dela, ao ponto de permitir a todos quantos desejem aceder ao acervo que complementa aquele que (sempre que se trate de exposições bibliográficas e documentais) observaram exposto (no caso vertente os indispensáveis repositórios de livros de história natural, iconografia, dicionários antigos de símbolos, religiões e mitologia, etc.), o qual não escasseia, bem pelo contrário, na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, ao invés do que sucede na generalidade das demais bibliotecas congéneres. Por fim, uma questão não menos importante: a extrema simplicidade e economia de meios que será necessário afectar à adaptação do espaço (vitrinas, painéis, luminotecnia, etc.) para o desempenho da função que se lhe destina. Conforme expresso no plano da mostra, esta disporá de dois postos multimédia, facultando o acesso ao Roteiro-catálogo dela, bem como a consulta integral, em suporte digital, da quase totalidade das obras expostas. Um CD-Rom, expressamente concebido para reunir e reproduzir essa informação, será comercializado, concomitantemente, em edição limitada e numerada. 15 PLANO DA EXPOSIÇÃO N 5D 4 (n. 41 a 51) 4 (n. 7 a 21) 4 (n. 22 a 40) 4 (n. 52 a 57 e 78 a 83) O 5A 5B 5C 4 (n. 58 a 77) 3 2 (n. 1 a 6) 1 S Legenda 1. Exergo 2. O que é um Emblema? n. 1 – Livros de Empresas n. 2 - Hieróglifos n. 3 - Mitografia n. 4 – Animalia, Floralia e Mineralia n. 5 – Emblemática do Amor Divino n. 6 – A Iconologia de Cesare Ripa 3. Alciato e as fontes da Literatura Emblemática /Alciato em Portugal 4. A Idade de Ouro da Literatura Emblemática n. 7 a 21 – Emblemática Itálica n. 22 a 40 – Emblemática Flamenga e Neerlandesa n. 41 a 51 – Emblemática Germânica e Eslava n. 52 a 57 – Emblemática Francesa n. 58 a 77 – Emblemática Espanhola n. 78 a 83 – Emblemática Portuguesa 5. Leituras da Imagem Simbólica A – Um retrato emblemático de D. Maria I B – As Virtudes da Basílica de Mafra segundo Cesare Ripa C – Tentação do Diabo D – Alegoria alusiva ao regresso de D. João VI do Brasil 16 E EXERGO Vivemos em contacto diário e íntimo com símbolos e marcas corporativas, cuja concepção e difusão visa suscitar o reconhecimento instantâneo dos produtos e bens de consumo que têm a finalidade de representar. Estes símbolos e marcas não são uma invenção nem do marketing, nem da publicidade modernos. Com efeito, eles constituem o corolário de uma vetusta tradição de intimidade do verbo com a imagem, elaborada na antiguidade por Simónides e Horácio e consagrada pela expressão ut pictura poesis. O tópico da pintura como muda poesia impregnou de tal forma a cultura e o pensamento europeus ao ponto de gerar um género literário de carácter didáctico e moral, que proliferou entre meados de quinhentos e os finais do século XVIII, período durante o qual, a crer nas cifras apontadas por Mário Praz, mais de setecentos autores terão produzido cerca de quatro milhares de tratados ou enciclopédias de Emblemas, Hieróglifos, Empresas e Divisas. O primeiro desses livros, digno do nome, é creditado a André Alciato (1492-1550), jurista itálico que instituiu a Emblemática como disciplina autónoma, ao atribuir a denominação de emblema, a cada uma das alegorias que reuniu no seu Emblematum Liber, compêndio de retratos morais da humanidade, figurados por atributos naturais e eventos históricos e mitológicos. Durante as oito décadas imediatas à edição princeps, impressa em Augsburgo, no ano de 1531, o Emblematum Liber seria objecto de múltiplas reedições em latim e em línguas vernáculas tão diversas quanto a francesa, a italiana, a espanhola ou a alemã. O mérito maior da literatura emblemática foi o de ter instaurado uma mediação eficaz entre as fábulas dos poetas (entendidas como prefigurações de mistérios filosóficos e científicos), as alegorias clássicas e a arte de programa surgida com o Renascimento: a obra de arte, fruto de uma prévia abstracção mental do artista, passaria, doravante, a inscrever-se num processo intelectual, exigindo, consequentemente, um lema fundador. 17 O QUE É UM EMBLEMA? O emblema canónico é uma composição concomitantemente pictórica e poética, constituída por: tripartida, 1. Uma imagem, cifra ou figura (Pictura, Imago, Icon ou Symbolon), geralmente xilogravada, denominada Corpo do emblema. Ilustra um conceito, no qual é personificado um vício, uma virtude, ou um preceito moral. Apesar da Pictura constituir o aspecto mais característico da literatura emblemática, muitos autores optaram por prescindir dela (emblemata nuda). 2. Um mote, sentença ou título (Inscriptio, Titulus, Motto ou Lemma), também denominado Alma do emblema, cujo propósito é traduzir sinopticamente o sentido da imagem. A generalidade dos emblematistas compunha os motes destinados às suas próprias obras, apesar de a maioria dos autores preferir tomá-los dos clássicos, dos Padres da Igreja, ou até da Bíblia. 3. Um texto explicativo ou epigrama (Subscriptio, Epigramma ou Declaratio), que entrelaça os sentidos da imagem e do mote. Consta de duas partes: uma em que se descreve a Pictura, e outra em que se declara uma mensagem moral ou um intuito didáctico de aplicação universal (sermão moralizante, por intermédio do qual o emblematista evidencia a sua erudição). Convém, porém, distinguir o emblema da empresa, género afim do emblema (patente em registos heráldicos, vinhetas, marcas de impressores, ex-libris, etc.), com o qual, de resto, foi, frequentemente, confundido aquém-Pirinéus. Com efeito, a empresa é uma figura ou composição engenhosa de uso estrictamente pessoal, regra geral, enigmática e indissociável de mote curto (redigido em latim ou grego) que expõe veladamente uma intenção, desejo ou conduta particular, ao invés do emblema que expressa uma intenção geral. Rafael Bluteau esclarece na perfeição as acepções adequadas a cada um dos conceitos: 18 O QUE É UM EMBLEMA? Entre Humanistas, Emblema é termo metafórico, porque da significação de ornamentos materiais, passou a significar algum documento moral, que aberto em estampas, ou pintado em quadros, se põe para ornamento das salas, galerias, academias, arcos triunfais, etc. O Emblema tem, como a Divisa, ou Empresa, corpo e alma, a saber figura visível e letra inteligível, porém em muitas coisas difere Emblema de Empresa. 1. Tanto mais perfeita é a Empresa ou Divisa quanto mais simples e composta de menos figuras. Mas o Emblema admite várias figuras históricas ou fabulosas, materiais ou artificiosas, verdadeiras ou quiméricas; nem exclui, como a Empresa, corpos humanos; mas antes com erudita moralidade às vezes representa um Ganimedes, que sobe, um Dédalo que voa, um Faetonte que cai, etc. 2. O objecto da Empresa (segundo o seu uso primitivo) é Heróico e Particular. O objectivo do Emblema é um documento geral, concernente ao instituto da vida humana. 3. A Empresa como subtil, engenhosa e rebuçada, usa de letra ambígua e lacónica, que declarando encubra, e encobrindo declare, o que significa. Pelo contrário, o Emblema, como familiar, popular, liso e sincero, clara e difusamente expõe o que ensina. Finalmente, podem a Empresa e o Emblema ter o mesmo corpo ou figura, mas não a mesma alma ou letra, porque a letra da Empresa há-de ser própria e particular, e a letra do Emblema há-de ser geral e dogmática; e com esta advertência, arrolando a alma, e não o corpo, quero dizer mudando a letra sem mudar a figura poderás fazer da Empresa Emblema e do Emblema Empresa. Em suma: o emblema é um instrumento multimédia, cujos contornos simbólicos gozaram de enorme voga em toda a Europa, constituindo-se como fonte privilegiada e instrumento hermenêutico impar no que concerne à evocação e enquadramento filosófico-alegórico de cosmovisões, procedimentos teológicos, retóricos, pedagógicos e estéticos, bem como ao esclarecimento da semântica de sistemas de representação e de programas iconográficos. Face à praticamente inesgotável gama de aplicações do alegorismo emblemático, não admira que muitos emblematistas tenham preferido enveredar pela especialização, concebendo obras versando temas específicos, como o Amor divino e a mística (emblemata sacra), a teologia dogmática (emblemática eucarística e mariana), as divisas e empresas políticas (emblemata regia e politica), a arte da memória, a mitologia, as fábulas, os bestiários, a iconologia, etc. 19 LIVROS DE EMPRESAS Os livros de empresas são, em regra, e à semelhança dos bestiários e lapidários medievais, autênticos repositórios de portentos e curiosidades pitorescas, bebidas tanto nos clássicos, quanto em eventos coetâneos dos respectivos autores. A vasta literatura sobre empresas, difundida pelas cortes dos monarcas franceses Carlos VIII e Luís XII, designadamente a partir da invasão francesa da Itália, tornando-a uma verdadeira filosofia do cortesão, representa o triunfo do conceito e do engenho na escrita. Diversas foram as explicações avançadas quanto à origem da empresa: Menestrier considerou-a italiana, Juan de Horozco (1589) di-la originada nos signa dos estandartes romanos, distinguindo-a da divisa e alegando que esta foi originalmente distintivo pessoal, posteriormente convertido nos brasões hereditários, enquanto a empresa, sendo igualmente pessoal, manifesta algum propósito que, por constituir o objecto de um empreendimento, adquiriu a designação que usa. Paolo Giovio e Pierre Le Moyne são apontados como os responsáveis pela definição e consagração das regras compositivas da empresa. O gosto renascentista pela elaboração de empresas, como exercício de agudeza, seria reiteradamente preconizado pela teoria barroca da metáfora, tornando-se parte indissociável das opções estéticas do conceptismo. 1 20 LIVROS DE EMPRESAS 1 GIULIO CESARE CAPACCIO (1552-1634) Também autor de *Principe, tratto dagli Emblemi dell’Alciato (Veneza, 1620). 1 *Dell’ Imprese Trattato, Nápoles, 1592 [BPNMafra: 2-41-10-18] A origem comum de emblemas e empresas torna difícil a distinção entre ambos os géneros; alguns tratadistas esforçam-se por esclarecer aquilo que na sua opinião os distingue; com essa intenção escreve Capaccio: “o emblema só tem que alimentar a vista, a empresa a mente”. Admite, todavia, que a empresa possa ser utilizada como emblema, se despojada do lema e enriquecida com uma inscrição. O emblema, por seu turno, pode ser convertido em empresa se se lhe juntar um lema. Ilustrado com gravuras em madeira. 21 HIERÓGLIFOS O fascínio pelo saber cifrado nos hieróglifos remonta à antiguidade, tendo sido reavivado pela Hieroglyphica (1505) de Horapolo nos humanistas, especialmente em Marsilio Ficino e nos neoplatónicos florentinos. Outro impulsionador da difusão da hieroglífica havia de ser Frei Urbano Valeriano Bolzanio (c. 1443-1524), que manteve contactos com Colonna e Giovanni de Medici, posteriormente papa sob o título de Leão X. Seu sobrinho, Pierio Valeriano editaria um dos mais importantes tratados sobre o tema. A cultura simbólica do barroco acolheria com entusiasmo esta curiosidade renascentista. Entre os pintores que adoptaram motivos inspirados nos hieróglifos contam-se: Pinturicchio, Leonardo, Mantegna, Giovanni Bellini, Durer, Vasari. Em Portugal, destaque para Francisco de Holanda, bem como para todos os cultores do brutesco. 22 HIERÓGLIFOS 2 GIOVANNI PIERIO VALERIANO (1477-1558) Sobrinho e discípulo de Frei Urbano Valeriano Bolzano, amigo de Francesco Colonna e figura central do movimento veneziano dedicado à investigação dos hieróglifos. Amigo de Bocchio e Giraldo, foi secretário do cardeal Júlio de Médicis e tutor de Hipólito e de Alejandro de Médicis. Consultado pelo emblematista português Vasco Mousinho Quevedo e Castelo Branco. 2 *Hieroglyphicorum, ex sacris AEgyptiorum literis, Lião, 1602 [BPNMafra: 136-8-1] A edição princeps é de Florença, 1556; enciclopédia de hieróglifos, dedicada ao duque Cosme de Médicis, cujo objectivo é a análise moral e teológica do mundo natural; até finais de seiscentos teve mais de 15 edições; a partir da reimpressão de 1567 foram-lhe acrescentados dois livros compostos por Celio Augusto Curión, ficando, doravante, constituída por 60 livros ou capítulos; relaciona hieróglifos com o simbolismo dos lapidários e bestiários medievais e com o do Physiologus (atrib. Epifânio): animais terrestres (16 livros); animais voadores (17 a 26); peixes (27 a 31); corpo humano (32 a 37); ao resto dos seres e objectos (38 a 49); vegetais e livros (50 e 58); deuses antigos (59 e 60). Constantemente citada e utilizada pela literatura emblemática posterior. No livro II (p. 20v), consagrado aos hieróglifos do elefante, refere-se a uma composição (perdida) de D. Miguel da Silva (embaixador português em Roma, no período entre 1515 e 1525) sobre o elefante Hanon. 23 MITOGRAFIA A mitologia clássica não esteve completamente ausente da cultura medieval, tendo, no entanto, sido relegada para o plano da fábula. Ficaria a dever-se a Boccacio a sistematização, na sua Genealogia deorum, da maior parte da informação até então dispersa acerca dos deuses pagãos da antiguidade. O seu livro, a par das Metamorfoses de Ovídio, constituíu, até à publicação das Imagini de i Dei (1566) de Vincenzo Cartari, a principal fonte, não só para explicar em termos simbólicos as acções dos deuses, mas também a respectiva aparência e atributos, de molde a esclarecer a metáfora hagiográfica que haviam passado a personificar. 3 24 MITOGRAFIA 3 LILIO GREGORIO GIRALDI (1479-1552) Humanista, natural de Ferrara em cuja catedral foi cónego. Contactou com Pontano e Sannazzaro durante uma curta estada em Nápoles, tendo feito amizade com Bocchio, Pierio Valeriano e Paolo Giovio, entre outros emblematistas ilustres. Também autor de Libelli duo, onde versa os enigmas da antiguidade e os símbolos do pitagorismo. 3 *Opera Omnia, Lião, 1696 (2 vols.) [BPNMafra: 1-38-2-2] Inclui o De deis gentium varia, et multiplex historia [...], cuja edição princeps é de Basileia, 1548 25 ANIMALIA, FLORALIA e MINERALIA Uma das ideias-chave herdadas da Idade Média é a de que o Mundo e a Natureza se assemelham a um livro aberto por Deus para que os homens conheçam e interpretem a sua mensagem. O emblematismo não desdenhou de tal lição, acolhendo as fábulas sobre o comportamento e os atributos dos animais, expostos por clássicos, como Aristóteles, Plínio, Solino ou Eliano, e adoptados pelas Etimologias de Santo Isidoro, pelo Physiologus, atribuído a Santo Epifânio, ou ainda por Santo Ambrósio, Hugo São Victor ou Rábano Mauro, entre inúmeros outros. 26 ANIMALIA, FLORALIA e MINERALIA 4 JOACHIM CAMERARIUS (1534-1598) Filho do humanista protestante do mesmo nome. Médico e botânico, formado em Pádua e Bolonha. Além da obra exposta, autor de diversas outras, tal como a apresentada, com gravuras de Hans Sibmacher (f. 1611): Symbolorum et Emblematum Morales (Nuremberga, 1559-1604), com cem emblemas; Symbolorum et emblematum ex animalibus quadrupedibus (Nuremberga, 1595); Symbolorum et Emblematum ex volatilibus et insectis de suntorum centuria tertia [...] (Nuremberga, 1596); Symbolorum ac Emblematum ethico politicorum [...] (Mogúncia, 1697); e Symbolorum et Emblematum ex aquatilibus et reptilibus [...] (?, 1604) 4 *Symbolorum et Emblematum ex re herbaria desumptorum centuria una collecta, s. l. [Nuremberga], 1690 [BPNMafra: 2-51-6-6] Edição princeps de 1590. 27 EMBLEMÁTICA DO AMOR DIVINO Os conceitos eróticos da poesia lírica helenística e petrarquista, disfarçados sob roupagens espirituais, converteram-se em instrumentos da propaganda contra-reformista. O espírito cristão aliado ao senequismo, cuja profunda implantação na Península Ibérica foi indubitável, condicionaram e propiciaram a sua difusão em Portugal. 5 28 EMBLEMÁTICA DO AMOR DIVINO 5 HERMANN HUGO (1588-1629) S. J. Autor do mais famoso livro de emblemas produzido por um padre da Companhia de Jesus, traduzido e adaptado em praticamente todas as línguas europeias, incluindo o português. Adoptou o casal Amor e Amina de Veen. 5 *Pia Desideria Emblematis Elegiis et affectibus SS. Patrum illustrata, Antuérpia, Henricus Aertssens, 1624 [BPNMafra: 2-13-1-15] e Antuérpia, 1740 [BPNMafra: 2-13-1-4] Emblemas de Boëtius a Bolswert, inspirados em Veen e no Thronus Cupidinis. A popularidade desta obra cresceu paralelamente à devoção do Menino Jesus renovada por Bérulle e o seu sucesso deve ter derivado da tradição de representar o amor humano sob o disfarce do Eros alexandrino. Apresenta Cristo como Fonte de Vida. Inspirou: azulejos da Casa da Irmandade da igreja de Santa Cruz de Santarém e da Casa do Capítulo do convento de Santa Marta de Lisboa; as pinturas do arcaz da sacristia da igreja de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, etc. 29 A ICONOLOGIA DE CESAR RIPA O termo Iconologia deriva do grego, eikôn, imagem, retrato, e logos, palavra, discurso. Foi usado por Platão com o significado de linguagem figurada. Voltaria a ocorrer somente em 1593, já como cultismo grego italianizado, para titular o tratado de alegorias, ou Verdadeira descrição das imagens universais, de Cesare Ripa. O conceito seria retomado pelos sucessivos editores da obra, nomeadamente por Jean Baudoin (1636), Jean Baptiste Boudard (Parma, 1759), Cesar Orlandi (Perúgia, 1764), etc., para quem passou a designar a representação das faculdades da alma, das virtudes, das disposições psíquicas, das artes e das ciências. 6 30 A ICONOLOGIA DE CESAR RIPA CESARE RIPA (1560-1625) Pseudónimo de Giovanni Campani. Foi seu propósito estabelecer um percurso emblemático partindo das alegorias de Pierio Valeriano, Giraldi, Conti e Cartari. Herdeiro da tradição aristotélica e didáctica medieval, criou aquilo que Seznec definiu como uma autêntica “Bíblia do Símbolo”, o dicionário simbólico mais utilizado pelos artistas dos séculos XVII e XVIII e a fonte prioritária na concepção de imagens alegóricas na pintura e na escultura desde a centúria de seiscentos até o limiar do século XX. 6 *Iconologia overo descrittione dell’ Imagini universali cavate dall’antichita, Roma, Lepido Facci, 1603 (primeira edição ilustrada com 150 xilografias de Cavalier d’ Arpino) [BPNMafra, 2-60-3-26] A edição princeps (Roma, Herdeiros de Giovanni Gigliotti, 1593) carecia de ilustrações; a compilação de alegorias das paixões, vícios, virtudes, artes, sentidos, etc., acha-se ordenada alfabeticamente e acompanhada pela respectiva justificação iconográfica, fontes e modelos estéticos; extremamente divulgado em Portugal: alegado inspirador dos seis medalhões alegóricos, pintados em grisalhas, que rodeiam o S. Miguel na abóbada da Igreja de S. Francisco de Paulo (à Lapa) e dos painéis alegóricos concebidos pelo italiano Giovanni Pachini, em 1719-1720, para o tecto da sala capitular da Casa do Cabido da Sé do Porto; nas cerimónias de canonização de Santa Isabel as virtudes da soberana foram personificadas por imagens extraídas da Iconologia; Machado de Castro expressamente a nomeia como inspiradora do baixo-relevo do plinto da estátua equestre de D. José, na Praça do Comércio (Lisboa); ainda outras obras inspiradas na Iconologia: Estátuas Monumentais do Palácio da Ajuda; Quatro estátuas das Virtudes, na fachada da Basílica da Estrela; A Caridade, tela pintada por Bento Coelho, existente no Seminário das Missões (Cernache do Bomjardim), proveniente do convento de S. Felix de Chelas (Lisboa); Efígie da República, além de inúmeras portadas alegóricas de livros, etc. 31 ALCIATO E AS FONTES DA LITERATURA EMBLEMÁTICA André Alciato (1492-1550) estudou em Milão (1504), sua cidade natal, Pavia (1507) e Bolonha (1511), onde obteve o grau de doutor em Cânones, no ano de 1514. Aí conheceu Filippo Fasanini, tradutor de Horapolo, tendo mantido contacto com os círculos humanistas venezianos e florentinos preocupados com a cultura hieroglífica. Em 1516, publica, em Estrasburgo, os seus primeiros trabalhos sobre Jurisprudência. A instabilidade política na Lombardia obrigá-lo-ia, entretanto, a dirigir-se para Avignon (França), em 1518, onde permaneceu até 1522, tendo feito amizade com Albutio, Peutinger, Erasmo, etc. Tendo regressado a Milão, onde vive entre 1522 e 1527, dedica-se aos seus estudos, realizando traduções e iniciando a composição dos Emblemata. A convite de Francisco I de França leccionaria em Bourges (1529-1533), grangeando prestígio e fama. Volta a Pavia de onde partirá, em 1537, para Bolonha, e daí, em 1542, para Ferrara. Em 1546, declina o cardinalato, que lhe é oferecido por Paulo III, porém aceita tornar-se protonotário apostólico. No mesmo ano regressa a Pavia onde se fixará até ao fim da vida. O núcleo da obra mais divulgada e influente de Alciato começou como uma singela colectânea de 30 epigramas gregos traduzidos e incluídos nos Selecta epigrammata graeca (Basileia, 1529). O material publicado por Heinrich Steiner, em 1531, ainda sem qualquer ilustração, constaria desses e de outros textos similares, encabeçados por frases sentenciosas, que Alciato oferecera ao seu amigo Conrad Peutinger. Para a composição do Emblematum Liber Alciato teve à vista a Ilíada e a Odisseia, os fabulários latinos (de Fedro e Esopo), a cerâmica e numismáticas clássicas, os epigramas gregos (nomeadamente os da Antologia Planudea, do período alexandrino), as obras de Ovídio, Aulo Gélio, Plínio, Ateneu, Eliano, Pausanias, etc., as colecções de provérbios e máximas que sistematizavam a ética greco-latina (Dísticos Morais de Catão e a Antologia de Estobeu), a Bíblia, os bestiários, a heráldica e a literatura alegórica medievais, etc., e, designadamente, as invenções hieroglíficas de Horapollo e Colonna, bem assim como os elencos de apólogos e provérbios em circulação nos meios humanistas, compendiados em diversas obras, com destaque para os Adagia do mestre de Roterdão. 32 Emblema 80, Adversus naturam peccantes, introduzido na edição de Veneza, 1546, seria omitido das posteriores a 1549 e só recuperado na de Pádua, 1621. Subsídios para a cronologia editorial do Emblematum Liber nos séculos XVI e XVII *Augsburgo, Heinrich Steyner, 1531 Durante algum tempo suspeitou-se da existência de uma impressão milanesa anterior, remontando a 1522, no entanto, hoje, considera-se esta a primeira edição (2 impressões, em Fevereiro e em Abril), a qual inclui 104 emblemas xilogravados por Jorg Breu. *Paris, Christian Wechel, 1534 Dedicada a Konrad Peutinger, com 113 xilogravuras de Mercure Jollat. *Paris, Christian Wechel, 1536 Primeira tradução francesa por Jean de Fevre. *Paris, Christian Wechel, 1542 Primeira tradução alemã por Wolfgang Hunger. *Veneza, Filhos de Aldus Manutius, 1546 Inclui 86 emblemas inéditos. O emblema 80 (Adversus naturam peccantes) faz a sua aparição nesta edição, ocorrendo nas de 1547, 1548 e na francesa de 1549 (p. 102, sem imagem); excluído das seguintes, será recuperado pela edição paduana de 1621. 33 *Lião, Jean de Tournes, 1547 Reúne 198 emblemas. *Lião, Sebastian Gryphius, 1548 A Reliqua opera, com 201 emblemas, foi a derradeira edição revista pelo próprio Alciato, não ilustrada. *Lião, Guillaume Rouillé, 1548 Inclui 201 emblemas, organizados segundo critérios morais. *Basileia, Michael Isingrin, 1549 O Libellus emblematum consta do v. 4 desta edição da Opera Omnia de Alciato. *Lião, Guillaume Rouillé, 1549 Los emblemas de Alciato traducidos in rimas españolas: primeira tradução castelhana; o tradutor, Bernardino Daza Pinciano esteve em Portugal, integrado no séquito de D. Joana, filha de Carlos V que se consorciou com o Príncipe D. João, progenitor de D. Sebastião; a sequência dos emblemas é diferente da das versões francesas, latinas e italianas *Lião, Masseo Buonhomo, 1549 Tradução francesa de Bartelemy Aneau. *Lião, Guillaume Rouillé (impresso por Masseo Buonhomo), 1549 Bartelemy Aneau acrescenta breves comentários à sua tradução do Emblematum Liber *Lião, Guillaume Rouillé, 1549 Tradução italiana por Giovanni Marquale. *Lião, Guillaume Rouillé (impresso por Masseo Buonhomo), 1550 Acrescenta 11 emblemas inéditos, perfazendo o total de 211, doravante definitivos, à excepção do emblema 80 aqui omitido e só reincorporado na edição paduana de 1621. *Lião, Jean de Tournes e Guillaume Gazeau, 1556 Edição com comentários breves de Sebastião Stockhamer, eventualmente patrocinada por Dom João de Meneses Sottomayor, Senhor de Cantanhede. *Basileia, M. Isingrin, 1558 Reedição da Opera Omnia. *Lião, Masseo Buonhomo, 1559 *Paris, Jean Ruelle, 1562 Tradução de Jean le Feure. *Antuérpia, Christophe Plantin, 1565 Com comentários de Sebastião Stockhamer. *Antuérpia, 1566 e 1567 *Lião, Guillaume Rouillé, 1566 São adicionados breves epimythia. *Francoforte, Feyerabend, 1567 Inclui texto latino e tradução alemã. *Lião, Guillaume Rouillé, 1573 Com comentários de Franciscus Sanctius, professor em Salamanca. *Paris, Jerome de Marnef e Guillaume Cavallet, 1573 Inclui notas breves em francês. 34 *Antuérpia, Christophe Plantin, 1573 Ocorrem pela primeira vez os comentários do jurisconsulto francês Claude Mignault, os mais extensos de todos os publicados. *Antuérpia, Christophe Plantin, 1577 Duas reimpressões no mesmo ano com comentários de Claude Mignault. Faz alusão ao emblema 80 no final do Epigrammatum graecorum […] explicatio (p. 683). *Antuérpia, Christophe Plantin, 1581 Os extensos comentários de Mignault tornaram esta edição uma das mais volumosas (760 páginas), só ultrapassada pela de Pádua, de 1621. *Basileia, Thomas Guarinus, 1582 Terceira edição da Opera Omnia *Antuérpia, Christophe Plantin, 1584 Inclui notas abreviadas baseadas nas de Mignault. *Leiden, Christopher Plantin, 1586 Primeira edição inglesa por Geoffrey Whitney: A Choice of Emblemes and other Devises *Lião, Oficina Plantiana, 1591 Duas reimpressões do mesmo ano com comentários de Claude Mignault. *Leiden, 1591 *Antuérpia, Oficina Plantiana, 1593 *Pádua, Pedro Paulo Tozzi, 1598 *Lião, Herdeiros de Guillaume Rouillé, 1600 *Rahhelengii, Oficina Plantiana, 1608 *s. l. [Genebra], Guillaume Rouille, 1614 Com comentários de Sebastião Stockhamer *Lião, Herdeiros de Guillaume Rouillé, 1614 *Nájera, Juan de Mongastón, 1615 Edição de Diego López (Declaracion magistral sobre los emblemas de Andrés Alciato), com reedições em Valência, 1655, 1670 e 1684; as estampas são cópias ampliadas e invertidas dos emblemas saídos dos prelos de G. Rouillé, enquanto os comentários se inspiram no Brocense) [BPNMafra, 2-35-6-8]; 1616 *Pádua, Pedro Paulo Tozzi, 1618 Uma notula extemporaria de Laurentius Pignorius acompanha os comentários de Mignault. *Pádua, Pedro Paulo Tozzi, 1621 A edição mais volumosa de sempre, com cerca de um milhar de páginas, organizada por Johannes Thuilius; inclui comentários de Francisco Sanchez, o Brocense, Claude Mignault e Laurentius Pignorius; recupera o emblema 80, omitido desde a edição de Guillaume Rouillé, de 1550. *Pádua, Pedro Paulo Tozzi, 1626 Com comentários de Johannes Thuilius. *Pádua, Paulo Frombotti, 1661 *Antuérpia, Henrique e Cornélio Verdussen, 1692 [BPNMafra, 2-35-3-25] 35 ALCIATO EM PORTUGAL Foi amplíssima em Portugal a aceitação da obra deste jurisconsulto milanês e muito popular até aos finais da centúria de setecentos. É conhecido o quanto o Senhor de Cantanhede, D. João de Meneses Sotomaior, encarecia os Emblemata, a ponto de, correspondendo a uma sua solicitação, Sebastião Stockhamer ter composto, em 1552, os sucintos comentários, posteriormente impressos em Lião (1556), Antuérpia (1565, 1566 e 1567) e Genebra (1614). Nas letras profanas os Emblemata inspiraram notoriamente Luís de Camões, André Rodrigues Eborense, António Ferreira, Francisco Leitão Ferreira, António Delicado, António de Sousa de Macedo, bem como inúmeros outros de entre os quais se destacam Manuel Faria e Sousa, Manuel Severim de Faria e Bocage. Nas artes são-lhes tributários João de Ruão, Francisco de Holanda, bem assim como os autores dos programas iconográficos destinados às entradas régias e aos jardins de muitas quintas de recreio e palácios, de que são paradigmáticas a Quinta da Bacalhoa (Azeitão) e o Palácio Fronteira (Lisboa). Já no século XIX, também o pintor António Manuel da Fonseca utilizou os Emblemata para compôr diversas das suas obras, designadamente um painel de pintura destinado ao barão de Quintela. A influência de Alciato e de seus mais notórios discípulos não foi menor entre teólogos e moralistas, que empregaram emblemas para interpretações ao divino, como sucedeu com Frei Heitor Pinto e Manuel Bernardes, em particular, e com os jesuítas, em geral. Outro exemplo é o oratório da duquesa de Bragança D. Catarina (Paço de Vila Viçosa), concebido pelo pintor Tomás Luís. A única tradução portuguesa conhecida (Declaração Magistral sobre os Emblemas de Alciato com todas as Historias, Antiguidades, Moralidades, e Doctrina tocante aos bons costumes) foi realizada, em 1695, por Teotónio Cerqueira de Barros, cavaleiro da Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício natural da Vila de Barca Província do Minho, a partir da edição de Diego Lopez (1615). 36 ALCIATO EM PORTUGAL Da Fábrica que falece ha Cidade de Lysboa (1571 [BA: 51-III-9]) de Francisco de Holanda: Inigma inspirado num dos emblemas de Alciato 37 A IDADE DE OURO DA LITERATURA EMBLEMÁTICA O êxito retumbante e a popularidade alcançados pela obra de Alciato, autêntica vulgarização da doutrina antes apenas acessível nos Espelhos e Regimentos de Príncipes (os denominados livros ad usum delphini), testemunham o interesse generalizado que suscitou não só no velho Continente como também nas colónias (nomeadamente as americanas), o qual se havia de consubstanciar na adesão ao género de um número crescente de autores. Paradoxalmente, o alinhamento de muitos deles, por campos ideológica e idiossincraticamente distintos, como eram o dos reformados e o dos contra-reformistas, não os impediria de, reiteradamente, partilharem as mesmas fontes. Num ápice, o emblematismo havia de transformar-se numa espécie de linguagem universal e influenciar outros géneros e disciplinas, tornando-se a literatura (Camões), o teatro (Shakespeare e Cervantes) e as artes plásticas campos preferenciais para a sua expressão. Os jesuítas foram os primeiros e principais difusores da linguagem simbólica veiculada, desde os seus primórdios, pelo emblematismo. A imaginação figurada, que desempenhou um papel crucial no influente sistema pedagógico da Companhia de Jesus, na maioria dos casos com uma finalidade persuasiva no âmbito da ContraReforma, moldou os hábitos mentais de inúmeros artistas e literatos. Concomitantemente, a vertente especulativa que animava os discípulos de Loiola propiciou a redacção de algumas das mais notórias enciclopédias e obras teóricas sobre emblemas e empresas, susceptíveis de evidenciar e promover os métodos subjacentes à elaboração e exegese de tais saberes. 38 EMBLEMÁTICA ITÁLICA 7 RAFFAELLO DA URBINO (1483-1520) Pintor renacentista, formado na Escola de Umbría com Perugino. 7 *Diverses figures Hierogliphiques peinte par [...] dans une des Salles du Vatican à Rome, Paris, [?] [BPNMafra: 1-38-1-2] ACHILLES BOCCHIO (1488-1562) Bolonhês, amigo de Pierio Valeriano e de Lilio Gregorio Gyraldi. 8 *Symbolicarum quaestionum, de universo genere, quas serio ludebat, libri quinque, Bolonha, 1574 [BPNMafra, 2-25-11-14] Segunda edição (a princeps é de 1555); trata-se de um dos mais belos livros do género, misturando empresas com emblemas; as 151 estampas que o compõem foram 39 EMBLEMÁTICA ITÁLICA 8 gravadas em cobre por Giulio Bonasone e retocadas por Agostino Carraci para esta reimpressão; alguns dos emblemas retomam temas eróticos alexandrinos e petrarquistas (cf. números 6, 7, 13, 20, 75, etc.); Francisco de Holanda inspirou-se no emblema 62 para o seu Hermes Mercúrio do De AEtatibus Mundi Imagines (fl. 26v / LII / 45). ANTONIUS RICCIARDUS BRIXIANUS Emblematista natural de Brescia. 9 *Commentaria Symbolica in duos tomos distributa, Veneza, Francesco Senense, 1591 (2 vols.) [BPNMafra: 1-54-3-12 / 13] 40 EMBLEMÁTICA ITÁLICA GIROLAMO RUSCELLI (ca. 1504-1566) Polígrafo e aventureiro, natural de Viterbo. Tradutor para italiano e editor da Geografia de Ptolomeu. Autor do Discorso intorno all’inventioni dell’Imprese (1556). 10 *Le Imprese Illustri, Veneza, Francesco de Franceschi Senesi, 1584 [BPNMafra: 2-64-5-4] Edição princeps de 1566; explana as diferenças entre emblema e empresa. 10 11 ABADE GIOVANNI FERRO 11 *Teatro d’Imprese, Veneza, Giacomo Sarzina, 1623 [BPNMafra: 2-25-14-3] 12 *Ombre apparenti nel Teatro d’Imprese, Veneza, 1629 [BPNMafra: 2-25-14-2] Réplica dirigida contra Aresi com quem manteve polémica. 41 EMBLEMÁTICA ITÁLICA FRANCESCO 1655) PONA (1595- Médico e literato veneziano, autor de vasta obra que abarca a tratadística científica, a historiografia, a poesia, o teatro, etc. 13 *Cardiomorphoseos sive ex corde desumpta Emblemata sacra, Verona, 1645 [BPNMafra: 2-13-621 e 22 = 2 exemplares] Inclui uma centena de emblemas cordiformes muito rústicos. 13 FILIPPO PICINELLI (1604-ca. 1667) Religioso cuja obra emblemátiva teve assinalável repercussão na América do Sul. 14 *Symbola virginea ad honorem Mariae Matris Dei [...], s. l., 1694 [BPNMafra: 2-6-2-10 / 11; 2-6-2-12 / 17 = 3 colecções] Tradução latina dos Simboli verginali a gli honori di Maria madre di Dio Spiegati in cinquanta discorsi (Milão, 1679). 15 *Mundus Symbolicus in Emblematum, Colónia, 1715 [BPNMafra: 1-17-21 / 6 = 3 colecções] Tradução latina do Mondo simbolico o sia Universita d´imprese scelte, spiegate ed illustrate con sentenze ed erudizione sacre e profane (Milão, 1653) DANIELLO BARTOLI (1608-1685) S. J. Considerado o Dante da prosa italiana. Também autor de Della Geografia trasportata al morale (Milão, 1664) 16 *Simboli trasportati al morale, Varese, 1684 [BPNMafra: 2-35-15-1] 42 EMBLEMÁTICA ITÁLICA OTTAVIO SCARLATINI Académico. 17 *Homo et ejus partes figuratus et symbolicus, anatomicus, rationalis, moralis, mysticus, politicus, legalis, collectus et explicatus cum figuris, symbolis, anatomiis, [...], Augustae Vindelicorum, 1695 [BPNMafra: 1-17-2-7 e 8 = 2 exemplares] Tradução latina de L’Uomo e sue parti figurato e simbolico [...] opera utile á predicatori (Bolonha, 1684), ilustrada com 41 gravuras no meio do texto. 19 20 CARLO LABIA (1677-1701) Cortesão veneziano, arcebispo de Corfú e bispo de Adria. 18 *Dell’ Imprese Pastorali, Veneza, 1685 [BPNMafra: 1-5-5-14 e 15 = 2 exemplares] Empresas destinadas a eclesiásticos. 19 *Simboli festivi per le solennitá principali di Christo N. S. della B. Vergine Maria, degl’ Apostoli, e d’ altri Santi [...], Veneza, Nicoló Pezzana, 1698 [BPNMafra: 1-5-5-17 e 1-5-6-3 = 2 exemplares] 20 *Simboli predicabili estratti da Sacri Evangeli che corrono nelle Domeniche di tutto l’Anno, delineati con morali ed eruditi discorsi, Ferrara-Veneza, 16921696 (2 vols.) [BPNMafra: 1-5-6-1 / 2 e 1-5-6-4 / 5 = 2 colecções] 21 *Horto symbolico che con Gieroglifici di varii altori e diverse Piante rappresenta le virtu singulari d’ alcuni santi e molte sante, Veneza, 1700 [BPNMafra: 1-5-5-16 e 1-5-6-6 = 2 exemplares] 43 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 22 HADRIANUS JUNIUS (1511-1575) Aadrian DeJonghe. Médico holandês formado em Bolonha e proibido por Trento. Foi o primeiro a descrever uma espécie de cogumelos endémicos nas dunas do litoral dos Países Baixos, cuja nomenclatura científica o homenageia (Phallus hadriani Vent. Pers.) 22 *AEnigmatum Libellus, Antuérpia, Cristóvão Plantino, 1565 [BPNMafra: 2-35-6-24] Atribui ao símbolo o mesmo valor que Polifilo; tal como Coustau, adiciona aos emblemas e epigramas interpretações em prosa, carregadas de citações, prática muito seguida posteriormente por outros emblematistas. OTTO VAN VEEN(1555-1629) Octavius van Veen de Leyden, um dos mais notáveis emblematistas flamengos. Estudou em Roma com Frederico Zuccaro de quem deve ter herdado o gosto pela alegoria que, por sua vez, transmitiu a Rubens no período em que o pintor foi seu discípulo (1596-1600). Também autor de Amorum Emblemata (Antuérpia, Henrik Swingen, 1608) e Amoris Divini Emblemata (Antuérpia, Martini Nutii e Ioannis Meursii, 1615), obras nas quais introduziu o casal de personagens Amor e Amina. 44 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 23 23 *Theatro moral de la Vida Humana en cien emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosopho platónico, Antuérpia, 1733 [BPNMafra: 1-17-2-9 = em falta] Edição princeps de Bruxelas, 1672; tradução castelhana do Q. Horati Flaci emblemata (Antuérpia, 1607), incluindo 104 gravuras; os desenhos dos 37 painéis de azulejos (oficina de Bartolomeu Antunes?, cerca de 1750) do pavimento inferior do claustro do convento de S. Francisco da Baía (Brasil) reproduzem os do Teatro Moral, tal como alguns do Palácio dos Coruchéus e do convento de São João de Deus, em Lisboa, ou os dos 2 painéis da Casa Góes Calmon (actual sede da Academia das Letras da Baía). MICHAEL HOYER O. S. A. 24 *Flammulae amoris S. P. Augustini, Antuérpia, 1708 [BPNMafra: 2-22-1021] Edição princeps de 1629, ilustrada por Henricus Aertssens e gravada por G. Collaert; livro de emblemas protagonizado pela Alma (Arima) e o Amor Divino (Amor); algumas das ilustrações que companham esta 3ª edição, presente na mostra, foram mal gravadas. 45 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 25 26 JAN DAVID S. J. Também autor de Duodecim Specula Deum aliquando videre desideranti concinnata (Antuérpia, 1610) 25 *Veridicus Christianus, Antuérpia, Jan Moretus, 1606 [BPNMafra: 2-765-12] A edição princeps saíra em 1601. 26 *Paradisus sponsi et sponsae [...], Antuérpia, 1618 [PNMafra: 2-77-3-10] Edição princeps de 1607. BENEDICTUS VAN HAEFTEN (1588-1648) Discípulo de Daniel Cramer. 27 *Le Chemin royal de la croix, Lião, s. d. (2 vols.) [BPNMafra: 2-15-6-19 / 20] Tradução francesa de Schola cordis sive aversi a Deo cordis ad eumdem reductio et instructio (Antuérpia, 1629); a Alma e o Amor são representados em cerca de 50 acções no decurso das quais são ambos submetidos a diversos tormentos. O tema do Amor torturado (já presente no Cupido cruci affixus de Ausónio) ocorre nos azulejos da sacristia do Convento de Santo António de Varatojo (Torres Vedras), tendo, provavelmente, inspirado: alguns painéis cerâmicos dos jardins de Santa Cruz de Coimbra e do convento da Serra de Ossa; seis painéis 46 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 28 do acervo do Museu do Azulejo de Lisboa e do próprio claustro do convento da Madre de Deus. 28 *Regia Via Crucis, Antuérpia, 1738 [BPNMafra: 2-15-6-28] Edição princeps de Antuérpia, por Balthasaris Moreti, em 1635; o Amor Divino (personificado pelo Menino Jesus) ensina o caminho da cruz à Alma Staurofila, em cerca de quatro dezenas de estampas. No final crucificam-se um sobre o outro, de acordo com Gálatas (II, 19): “Com Cristo estou crucificado”. Na sacristia do convento das Flamengas, ao Calvário (Lisboa), transformada em capela funerária por João Vanvessen, alto dirigente da administração régia, contemporâneo do início do reinado de D. João V, subsiste um conjunto de 10 telas (originalmente doze) da autoria de Bento Coelho da Silveira, inspirado em estampas incluídas nesta obra. O primeiro quadro localizava-se ao lado da antiga porta de acesso à sacristia, e representava a Alma numa bifurcação de estradas (legenda latina cuja tradução: Este é o caminho, segui por ele = Isaías, XXX, 21). Sob esta tela, achava-se uma mais pequena onde a Alma surge abraçada a uma cruz, dando em troca o seu coração, o que é recusado 47 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA por Cristo. A terceira tela desapareceu em 1929; figurava Cristo demonstrando à Alma as vantagens do Caminho da Perfeição, sublinhando que Deus tem sempre em conta os sacrifícios dos fiéis. Sob esta, situar-se-ia outra tela mais pequena figurando Cristo transportando a Alma ao Inferno para que ela saiba o que está destinado a todos aqueles que continuam presos aos prazeres mundanos. Aquilo que é dado à Alma observar no Inferno é mostrado na quinta tela que estaria colocada do lado esquerdo do altar da capela: o castigo dos pecadores, figurados por indivíduos com ricas vestes, subjugados por demónios que lhes impõem pesadas cruzes as quais os esmagam (legenda latina, cuja tradução: Muitos são os sofrimentos do ímpio = Lucas, XXXII, 10). À esquerda do altar ficava o segundo conjunto de telas que principiava com a sétima tela, desaparecida antes de 1887, a qual retratava Cristo exortando a Alma a abandonar os prazeres mundanos. A tela pequena, associada à anterior, figura a Alma transtornada desejando enveredar pelo Caminho da Perfeição: A paixão sem reflexão já não é coisa boa, mas aquele que é apressado nos seus movimentos erra (Provérbios, XIX, 2). Sobre os arcazes situavam-se as telas alusivas à aprendizagem da disciplina rigorosa pela Alma. A primeira dessas grandes telas figurava a Alma amedrontada, temendo a violência do seu mestre espiritual (legenda latina, cuja tradução: Toma a cruz e segue-me = Mateus, XVI, 24). A pintura mais pequena associada a esta, em muito mau estado de conservação, figurava a Alma de joelhos, segurando a cruz com grande dificuldade; Cristo encarna o papel do mestre que não hesita em castigar (legenda latina, cuja tradução: Meu filho, não rejeites as lições do teu Deus nem te apoquentes quando ele te corrigir = Provérbios, III, 11). O último par de telas situava-se ao lado da porta de acesso à igreja: A Alma segura firmemente a cruz, enquanto um anjo a sobrevoa segurando a coroa que lhe é destinada em virtude das suas conquistas espirituais. O quadro mais pequeno figura a Alma recebendo algumas recomendações, consoante o teor da legenda latina, cuja tradução: Não te jactes de sábio ao executar os teus trabalhos (Eclesiástico, X, 26). Em tudo semelhante a este conjunto, existe na sacristia do convento de S. Pedro de Alcântara (Bairro Alto, Lisboa) outro grupo de telas do mesmo pintor. 48 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 29 JACOBUS TYPOTIUS Humanista holandês, residente em Praga, no ano de 1600. 29 *Symbola divina et humana [...], Praga, 1601-1603 [BPNMafra: 1-17-2-12 e 13 = 2 exemplares] MARCUS ZUERIUS BOXHORNIUS (1602-1653) S. J. Também autor de Emblemata politica (Amesterdão, 1635) 30 *Monumenta illustrium virorum et elogia cum figuris, Amesterdão, 1638 [BPNMafra: 1-38-8-17, aliás 1-38-10-10] 49 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 31 HENRICUS ENGELGRAVE (1610-1670) S. J. Reitor dos Colégios de Judenaarde, Kassel e Bruges. 31 *Lux Evangelica sub velum Sacrorum Emblematum recondita, Colónia, 1726 (2 vols.) [BPNMafra: 2-4-7-11 / 12; além desta, existem mais 3 colecções] Edição princeps de 1655-1659 32 *Coeleste Pantheon [...], Colónia, 1727 (2 vols.) [BPNMafra: 2-14-7-6 / 7; existem três outras colecções] Edição princeps de 1658; a 1ª parte foi proibida por Decreto de 2 Junho 1636. 33 *Caelum Empyreum in festa et gesta sanctorum, Colónia, 1727 (2 vols.) [BPNMafra: 2-4-7-2 / 3; além desta existem mais 4 colecções] Edição princeps de 1668-1670 JOHANN MICHAEL VON DER KETTEN Membro da Ordem do Santíssimo Salvador. 34 *Apelles symbolicus exhibens seriem amplissimam symbolorum, poetisque, oratoribus ac Verbi Dei praedicatoribus conceptus […], Amesterdão, 1699 (2 vols.) [BPNMafra: 2-25-11-15 / 16] Imitação latina da Philosophia imaginum (Amesterdão, 1695) do jesuíta Claude-François Menestrier, com novas ilustrações; inclui elenco de livros, imagens e conceitos úteis para os pregadores. 50 EMBLEMÁTICA FLAMENGA E NEERLANDESA 35 JAN LUYKEN (1649-1712) Ilustrador e gravador, natural de Amesterdão. Inspirou-se nos emblemas de Boetius a Bolswert. 35 *Jesus en de Ziel [...], Amesterdão, 1732 [BPNMafra: 1-54-1-1] Edição princeps de 1678; protagonizado pelo Menino Jesus e pela Alma Staurofila; a sua atmosfera é muito mais espiritual que a dos Pia Desideria. 51 EMBLEMÁTICA GERMÂNICA E ESLAVA 36 JOANNES SAMBUCUS (1531-1584) Médico e historiador húngaro, também autor de Icones Veterum aliquot ac recentium Medicorum Philosophorumque cum elegiolis suis editae opera [...] (Antuérpia, Plantino, 1574), com ilustrações de Pierre van der Borcht. 36 *Emblemata, et aliquot nummi antiqui operis [...], Antuérpia, 1569 [BPNMafra: 2-35-3-26] Edição princeps por Plantino, em 1564; discorda da opinião generalizada, segundo a qual emblema e conceito têm origem epigramática. JACOBUS PONTANUS (1542-1626) 37 *Symbolorum libri 17 quibus P. Virgilii Maronis Bucolica, Georgica, AEneis exprobationimis [...], Lião, 1604 [BPNMafra: 1-14-7-7] JEREMIAS DREXELIUS (1581-1638) S. J. Também autor de, entre outras obras: De Aeternitate considerationes (Munique, 1620), Zodiacus christianus (Munique, 1622) e *Heliotropium (Munique, 1627) 38 *Recta intentio omnium humanarum actionum, Munique, 1636 [BPNMafra: 2-15-1-9] 39 *Nicetas, seu triumphata incontinentia, Colónia, 1628 [BPNMafra: 2-15-1-1] 40 *Orbis Phaeton, Colónia, 1629 (3 vols.) [BPNMafra: 2-15-1-4 / 6] Ilustrada por Sadeler. 52 EMBLEMÁTICA GERMÂNICA E ESLAVA 41 42 JAKOB MASEN (1606-1681) S. J. Académico e historiador. 41 *Ars nova argutiarum, Colónia, 1711 [BPNMafra: 2-25-8-4] Ocupa-se do epigrama; edição princeps de 1649. 42 *Speculum imaginum veritatis occultae, exhibens symbola, emblemata, hieroglyphica, aenigmata [...], Colónia, 1681 [BPNMafra: 2-25-11-12] e Colónia, 1714 (2 vols.) [BPNMafra: 2-25-11-20 / 21] Edição princeps de 1650; chama Iconomystica à emblemática. JOHANNES SENFTLEBEN S. J. 43 *Philosophia moralis ad politico-christiane conversandum, Coimbra, Tipografia da Universidade, 1729 [BPNMafra: 2-36-2-31] A edição princeps saiu em Praga, no ano de 1683. 53 EMBLEMÁTICA GERMÂNICA E ESLAVA 44 JOACHIM SANDRART (1606-1688) Pintor, gravador, antiquário e literato. 44 *Iconologia Deorum, Nuremberga, 1680 [BPNMafra: 1-38-4-5] Tradução alemã das Metamorfoses de Ovídio, obra de referência no que concerne à mitologia. 45 *Sculpturae veteris admiranda, sive deliniatio vera [...], Nuremberga, 1680 [BPNMafra: 1-38-11-5, aliás 1-38-4-1] AMBROSIUS MARLIANUS 46 *Theatrum politicum in quo quid agendum sit a principe, et quid cavendum accurate praescribitur elogiis adagiis, emblematibus, notis academicis, hieroglyphicis insignitum, Augustae Vindelicorum, Christoph Bartl, 1741 [BPNMafra: 2-36-4-19] Edição princeps de Roma, 1631 54 EMBLEMÁTICA GERMÂNICA E ESLAVA JULII WILHELMI ZINCGREFII 47 *Emblematum Ethico-Politicorum Centuria, Heidelberg, 1666 [BPNMafra: 2-36-5-6] Edição princeps de 1664 48 *Emblemata varia cum figuris [Sem rosto: Oppenheim?] [BPNMafra: 2-13-6-23] Ilustrada por Theodor de Bry JUSTUS REIFENBERG 49 *Emblemata politica, Amesterdão, 1632 [BPNMafra: 2-36-4-10] PETRUS APIANUS (1495-1552) Matemático e cosmógrafo. 50 *Inscriptiones Sacrosanctae vetustatis, Ingolstadt, 1534 [BPNMafra: 1-38-12-6] CHRYSOSTOMUS HANTHALER (1690-1754) Historiador e literato cisterciense. 51 *Quinquagena Symbolorum Heroica, Crembsij, 1741 [BPNMafra: 1-17-1-3] 55 EMBLEMÁTICA FRANCESA 52 ANTOINE LE SUQUET S. J. 52 *Via vitae Aeternae iconibus, Antuérpia, Martinus Nutius, 1625 [BPNMafra: 2-13-6-15] Ilustrada por Boëtius a Bolswert. BLAISE DE VIGÈNERE (1523-1596) Diplomata, criador de um sistema de decifração conhecido por Método Vigènere. 53 *Les Images ou Tableaux de platte peinture des deux Philostrates Sophistes Grecs et les Statues de Callistrate [...], Paris, 1629 [BPNMafra: 1-38-2-4, aliás 1-38-3-4] JEAN JACQUES BOISSARD (1528-1602) Também autor de Emblemata cum tetrastichis latinis ([Metz], [1584]) e Vitae et icones sultanorum turcicorum, principum persarum [...] (Francoforte, 1596), ilustrada por Theodorus de Bry. 54 *Theatrum vitae humanae ab ipso conscriptum, s.l., s.d. [BPNMafra: 2-18-20] 56 EMBLEMÁTICA FRANCESA GEORGETTE DE MONTENAY (1540-1607) Também autora de Emblemes, ou Devises Chrestiennes (Lião, Marcorelle, 1571), obra dedicada à Rainha de Navarra, na qual se incluem uma centena de emblemas. Foi a introdutora da aplicação religiosa dos emblemas. A figura do Amor Divino faz a sua primeira aparição no emblema 45. 56 *Monumenta emblematum Christianorum [...] centuria una [...], Francoforte, 1619 [BPNMafra: 2-35-6-23] 56 57 AUGUSTIN CHESNEAU O. S. A. 57 *Orpheus Eucharisticus: Sive Deus Absconditus humanitatis illecebis illustriores Mundi partes ad se pertrahens […], Paris, 1657 [BPNMafra: 2-22-12-11] 57 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA PEDRO DE BIVERO (1575-1656) S. J. Também autor de Sacrum Sanctuarium crucis et patientiae (Antuérpia, 1634) 58 *Sacrum Oratorium piarum imaginum immaculatae Mariae, Antuérpia, Plantino, 1634 [BPNMafra: 2-72-5-7] ANDRÉS MENDO (1608-1684) S. J. 59 *Principe Perfecto y Ministros ajustados. Documentos Políticos y Morales en Emblemas, Lião, 1661 [BPNMafra: 2-36-6-5] Trata-se da editio optima, a qual inclui 80 estampas em cobre; edição princeps de Lião, 1642 60 JUAN DE HOROZCO Y COVARRUBIAS (1550-1608?) Irmão do emblematista Sebastian de Covarrubias y Horozco. Arcedíago de Cuéllar na catedral de Segóvia, posteriormente bispo de Guadix e Agrigento. 60 *Emblemas Morales, Segóvia, Juan de la Cuesta, 1589 [BPNMafra: 2-35-6-6] Organizado em três livros e 101 emblemas, acompanhados por um 58 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA epigrama de sentido moral e texto explicativo: o primeiro ocupa-se da terminologia, conceitos e regras das empresas, emblemas, insígnias, divisas, pegmas e hieróglifos, concluindo com um resumo de simbolismos inspirado em Pierio Valeriano; os livros segundo e terceiro contêm 50 emblemas cada um, acompanhados pelas respectivas explicações, impregnadas de cultura clássica e com intuito moralizante. A editio optima, saiu em Saragoça, no ano de 1604; na BPNMafra existe ainda outro exemplar desta obra, de Saragoça, 1610 [BPNMafra: 2-35-6-7]. 61 *Paradoxas Christianas contra las falsas opiniones del mundo, Segóvia, 1592 [BPNMafra: 2-14-5-4] JUAN DE PINEDA S. J. Discípulo de Georgette de Montenay. 62 *Commentariorum in Iob libri tredecim Adiuncta singulis capitibus sua paraphrasi [...], Veneza, 1602 (2 vols.) [BPNMafra: 2-2-10-3 / 4]; Antuérpia, 1612 [BPNMafra: 2-2-10-5 = apenas o 2º tomo]; Colónia, 1701 [BPNMafra: 2-2-10-1 / 2]. A edição princeps é de Sevilha, 1598 ALONSO DE LEDESMA (1562-1623) Natural de Segóvia. Um dos mais destacados introdutores do conceptismo em Espanha. Também autor de Enigmas hechas para honesta recreación, in Iuegos de Noche Buena moralizados a la vida de Christo, martyrio de Santos, y reformación de costumbres [...] (Madrid, 1611) e Epigramas y hieroglíficos a la vida de Christo, Festividades de nuestra Señora, Excelencias de Santos, y Grandezas de Segovia (Madrid, 1625) 63 *Conceptos espirituales, Madrid, 1632 [BPNMafra: 2-24-9-17] Edição princeps de 1600 ALONSO DE BONILLA (?-1635) Outro destacado introdutor do conceptismo em Espanha. 64 *Nombres y attributos de la impeccable siempre Virgen Maria [...], Baeza, 1624 [BPNMafra: 2-24-11-4] 59 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA 65 DIEGO DE SAAVEDRA FAJARDO (1584-1648) Murciano, Cavaleiro da Ordem de Santiago e um dos mais importantes diplomatas do seu tempo. 65 *Idea de un Principe Político Christiano representada en cien Empresas [...],Amesterdão, 1659 [PNMafra: 2-36-4-25 / 26] Edição princeps de Munique, 1640; editio optima, a de Milão, 1642; notável tratado de empresas políticas, na realidade um Espelho de Príncipes; a obra destinava-se à educação do príncipe Baltasar Carlos, encontrando-se organizada consoante as idades do destinatário: a educação do príncipe (1 a 6 anos); suas acções (7 a 37); o príncipe e os súbditos estrangeiros (38 a 48); o príncipe com os ministros (49 a 58); o príncipe nos seus Estados (59 a 72); o príncipe ante os males dos seus Estados (73 a 95); o príncipe na velhice (100 e 101). Teve uma difusão surpreendente, sendo conhecidas mais de trinta edições. O valor mnemónico das empresas é sublinhado pelas prosas que as acompanham por intermédio das quais o autor expõe a sua doutrina pedagógica. ANDRES SANCHEZ DE VILLA MAYOR 66 *Simulacros morales, sombras illustradas con la razon, y con el exemplo en 12 discursos, Madrid, 1728 [BPNMafra: 2-14-3-8; 2-13-15-1] 60 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA Imagem 67 e 67 JUAN DE SOLÓRZANO Y PEREIRA (1575-1655) Jurista. A Dedicatória do Panegírico Funebre nas exequias do muito Alto, Poderoso, Fidelissimo Rey, o Senhor D. João V (Lisboa, 1750), do Padre Manuel Rodrigues, abre com um cabeção gravado por Debrie, alusivo ao monarca e inspirado num emblema de Solorzano: o Rei sentado, à esquerda, em um grande cadeirão com um braço apoiado numa mesa sobre a qual está a coroa real; de joelhos, diante de si, um jovem oferece-lhe um manto onde se vêem impressos olhos, ouvidos, e mãos, os quais significam: os olhos para ver as necessidades do povo, os ouvidos para ouvir as suas queixas e as mãos para com liberalidade o socorrerem. Inferiormente, numa cartela, lê-se: “En tibi gerit, quam lumina praebuit Argos, / Rex aures totidem, quin totidemque manus”. 67 *Emblemata centum, Regio Politica [...], Madrid, 1653 [BPNMafra: 2-36-717] Edição princeps de 1651. ALEXANDRO LUZON DE MILLARES 68 *Idea política veri christiani, sive Ars Oblivionis, isagogica ad artem memoriae [...], Bruxelas, 1665 [BPNMafra: 2-36-7-18] Edição princeps do ano anterior; tratado emblemático de mnemotecnia. 61 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA 69 FRANCISCO NUÑEZ DE CEPEDA (1616-1690) Capelão do arcebispo de Toledo, Don Luís de Portocarrero. 69 *Idea del Buen Pastor, copiada por los SS. Doctores, representada en empresas sacras, con avisos espirituales, morales, políticos y económicos para el buen gobierno de un príncipe eclesiástico [...], Lião, 1682 [BPNMafra: 2-14-8-3] Talvez o livro mais representativo do género emblemático expressamente dirigido à doutrinação dos prelados, o qual remontando à patrística, teve ilustres representantes na península Ibérica, tais como Don Juan Bernal Diaz de Luco (f. 1556), bispo de Calahorra, e Frei Bartolomeu dos Mártires, bispo de Braga, aliás a quem o autor adopta como exemplo. Na sua forma primitiva a obra é constituída por oito partes, num total de 40 empresas e mais de 700 páginas. FREI FRANCISCO AGUILAR 70 *Hieroglyphica, sive Symbola Marianna [...], Salamanca, Eugenio Garcia de Honorato, 1724 [BPNMafra: 2-6-11-10 e 11 = 2 exemplares] 71 *Psalterium decem chordarum superadditum hieroglyphicis Mariannis [...], Salamanca, 1729 [BPNMafra: 2-6-11-23] 62 EMBLEMÁTICA ESPANHOLA FREI JUAN DE ROJAS Y AUSA (?-1685) Bispo de Matagalpa (Nicarágua). Também autor de, entre inúmeras outras obras: Representaciones de la verdad vestida, místicas, morales y alegóricas sobre las Siete Moradas de Santa Teresa, careadas con la Noche Oscura del B. Fr. Juan de la Cruz (Madrid, Antonio Gonzalez de Reyes, 1679) 72 *Catecismo Real, y Alfabeto coroado, historial, politico y moral [...], Madrid, 1672 (2 vols.) [BPNMafra: 2-56-5-29 / 30] FREI ANDRÉS FERRER DE VALDECEBRO (1620-1680) O. P. Qualificador do Santo Ofício. 73 *Govierno General, Moral y Politico hallado en las fieras, y animales sylvestres, sacado de sus naturales virtudes, y propriedades, Barcelona, 1696 [BPNMafra: 2-36-5-17] Edição princeps de Madrid, 1658 74 *Governo General, Moral y Politico hallado en las Aves mas generosas, y nobles, sacado de sus naturales propriedades, y virtudes, añadido con las aves mostruosas, Barcelona, 1696 [BPNMafra: 2-36-5-16] A edição princeps saíu em Madrid, dos prelos de Bernardo de Villa Diego, em 1683; obra em 2 partes, constituída por 19 livros de hieróglifos, alguns inspirados em Pierio Valeriano. JUAN PEREZ DE MOYA (ca. 1512-1596) Conhecido pelo epíteto de “Príncipe das Matemáticas”. Também autor de uma Arithmetica practica y speculativa. 75 *Filosofia secreta donde debaxo de Historias fabulozas se contiene mucha doctrina provechosa [...], Madrid, 1628 [BPNMafra: 2-25-1-31]; 1673 [BPNMafra: 2-35-8-16] Edição princeps de Madrid, 1585; dicionário mitológico directamente inspirado em Alonso Tostado. FREI JUAN BAUTISTA AGUILAR 76 *Fabio instruido de Lelio a Lauro. Govierno Moral, in Varios eloquentes libros recogidos en uno, fl. 261 [PNMafra: 2-29-8-1] 77 *Tercera parte de lo Theatro de los Dioses, Barcelona, 1702 [BPNMafra: 2-21-6-12] Edição princeps de Valência, 1688; as primeira e segunda partes haviam sido publicadas por Baltasar de Victoria. 63 EMBLEMÁTICA PORTUGUESA 78 JUAN BAPTISTA LAVANHA 78 *Viage de la Catholica Real Magestad del Rei D. Filipe III N. S. al reino de Portugal, Madrid, 1622 [BPNMafra: 1-35-8-1] FREI ISIDORO BARREIRA (f. 1634) O. Cristo 79 *Tratado das Significaçoens das Plantas, Flores e Fructos que se referem na Sagrada Escriptura, Lisboa, 1622 [BPNMafra: 2-14-7-3] O franciscano Frei António do Sacramento fez plágio integral da obra no Bosque mistico e jardim divino, dispostos em considerações sobre os significados das principais plantas da terra, e flores de que se tracta na Sagrada Escriptura (Lisboa, 1749). A segunda parte do Tratado esteve pronta para a impressão, desconhecendo-se o seu actual paradeiro. Barbosa Machado afirma que Frei Filipe da Silva, três vezes D. Prior do Convento de Tomar, deixou incompleto o manuscrito dos Commentarios aos dous tomos que compoz Fr. Izidoro Barreira das significaçõens das plantas e flores. 64 EMBLEMÁTICA PORTUGUESA BERNARDO FERNANDES GAIO 80 *Relação do magnifico e celebre Mausoleo que erigio a Santa Igreja Cathedral do Porto nas funebres exequias da Serenissima Senhora D. Francisca, de Saudosa Memoria: com a noticia dos Emblemas, Epitafios e Inscripçoens, adorno e fabrica do seu funebre apparato [...], Lisboa, 1736 [BPNMafraBVolante: 2-24-8-9 (23º)] 81 SOROR MARIA DO CÉU (1658-1753) O. F. 81 *Aves Ilustradas, e avisos para as Religiosas servirem os officios dos seus Mosteiros, Lisboa Ocidental, 1734 [BPNMafra: 2-14-4-27] 82 *Apólogos de algumas Pedras Preciosas Moralizadas com Doutrinas proveitosas, in Obras Várias e admiraveis, Lisboa, Manuel Fernandes, 1735 [PNMafra: 2-24-9-19 / 20] 83 *Metáforas das Flores, Lisboa, Manuel Fernandes, 1735 [BPNMafra: 2-24-9-19 / 20] cap. XXIV: Metaforas das flores moralizadas em documentos muy proveitosos). 65 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA A. Um Retrato Emblemático de Dona Maria I s.a. (José Inácio de Sam Paio ?) s. d. (séc. XVIII) Óleo sobre tela / moldura em casquinha, encerada (1947); 2350 x 2350 mm PNMafra: inv. 1613; Sala dos Destinos Restaurado em 1947 pelo pintor Lauro Corado Dona Maria I, em corpo inteiro, quase de frente, muito jovem, trajando vestido azul, enfeitado com flores, e um grande manto roxo arminhado. Agarra com a mão direita uma moldura oval coroada, com o retrato de seu marido, D. Pedro III, a qual se acha pousada sobre uma mesa onde também está um relógio. 66 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA Efectivamente, a função do retrato áulico em apreço não se resume a substituir uma pessoa ausente. Dele, como de inúmeros outros congéneres, é possível extrair uma lição concomitantemente moral, política e religiosa, em virtude da ostensiva presença de imagens simbólicas carreadas da literatura emblemática. A necessidade de pôr em relevo as qualidades do efigiado foi, sem dúvida, o que motivou a inclusão do aludido repertório de imagens, susceptíveis de exprimir um significado específico e singular. Conhecê-lo e saber como utilizar adequadamente, em cada circunstância, a linguagem plástica, característica deste tipo de retratos cortesãos, era missão que competia ao pintor, de cujo cabal desempenho dependia a respectiva aceitação e a consequente carteira de encomendas. A presença de um retrato (do consorte, Dom Pedro III) dentro do retrato parece ser motivo suficiente para uma primeira indagação. De resto, a mesma solução iconográfica foi adoptada numa medalha expressamente cunhada para assinalar o himeneu entre sobrinha e tio, mas, igualmente e acima de tudo, para esclarecer os súbditos acerca das razões de Estado subjacentes à entronização de uma mulher, quando era o consorte que reunia todas as condições exigidas à face da lei e do costume nacionais para assumir a sucessão dinástica. António Pereira de Figueiredo ficou com a incumbência de explanar os argumentos em prol da solução adoptada e a sua proficiente prestação assumiu a forma de um folheto intitulado O Reinado do Amor: dissertação filológica e encomiástica, a que deo occasião o Novo Cunho de Ouro em que vemos esculpidos os rostos, e nomes dos dous Augustos Consortes D. Maria I e D. Pedro III, nossos Reis e Senhores, composta no anno de 1778 (Lisboa, 1789). A mesa, sobre a qual a Rainha pousa o retrato coroado do consorte, é empregue com certa frequência no retrato áulico, como atributo próprio do Príncipe e do estado nobiliárquico, na sua dupla vertente de mesa de trabalho e de mesa de justiça, sendo coberta por um tecido carmesim ou, então, permanecendo nua, para não esconder a riqueza dos bens materiais. Contudo, um objecto, invulgar na presente circunstância, toma o lugar que, em regra, é ocupado pela coroa real, ausente neste caso. Trata-se de um relógio, o qual, numa primeira leitura, poderia ser apontado como alusão explícita à Vaidade da vida e ao momento 67 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA desconhecido da morte, tal como no-lo recorda o Evangelho segundo S. Mateus (XXV, 13): “Vigiai, pois não sabeis nem o dia, nem a hora!”. Porém, a presença do relógio, que também ocorre em retratos de, por exemplo, Carlos V e Isabel de Portugal, pintados por Ticiano, não se limita a remeter para o memento mori, ou para o quotidie morimur. Covarrubias, incluiu um relógio de pesos no Emblema CXLII dos seus Emblemas Morales, apresentando-o como alegoria da integridade da vida e afirmando que o homem recto, firme e constante “é um relógio tão regulado que tarde ou nunca se desconcerta”. É um facto que desde o século XVI o relógio se converteu numa imagem aplicável à monarquia e ao governo. Em 1529, frei António de Guevara publicou o seu Relox de Príncipes, no qual descreve o Estado como uma máquina concertada para cujo governo é necessário obter qualificações. Doravante, o relógio tornar-se-ia exemplo permanente do soberano e imagem da consonância que ele deve lograr no Reino, “porque a verdade da vida do Imperador virtuoso não é senão um relógio que concerta ou desconcerta o povo”. No contexto português, o dramaturgo e poeta João de Matos Fragoso (1610-1689) aponta o relógio como o “Rei de todos os instrumentos”, cuja soberana autoridade deveria servir de exemplo a monarcas e soberanos (cf. Revista de Literatura, v. 28, 1965, p. 156). Por seu turno, Juan de Borja, compara-o, nas Empresas Morales, com o bom governo da República, pois assim como o relógio é constituído por rodas grandes e pequenas, também o governo é formado por ministros grandes e pequenos que auxiliam o Príncipe a governar. Para que o relógio marque correctamente as horas torna-se imperativo que o seu mecanismo se ache ajustado, tal como o concerto entre o Príncipe e s seus ministros deve ser total na hora de governar. Lições idênticas expõem Andres Saavedra Fajardo, nas Empresas Politicas, e Filippo Picinelli, no Mundus Symbolicus (Veneza, 1670, p. 588-593). Completando a alegoria, torna-se evidente que o Rei é o ponteiro do relógio, enquanto o maquinismo é o ministro. As entranhas da governação e a maquinaria estatal permanecem ocultas, apenas a mão Real permanece visível, como sucede no relógio, que mostra os ponteiros, mas oculta o maquinismo. 68 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA B. As Virtudes da Basílica de Mafra, segundo Cesare Ripa Sobre o pórtico principal (central) da Basílica, observa-se uma tabela em baixo relevo com a representação de diversas alfaias litúrgicas e paramentos indispensáveis à celebração de uma Missa de Pontifical (imagem de Cristo crucificado, castiçais, naveta, turíbulo com suas cadeias, caldeirinha de água benta, hissope, campainha e uma toalha). Frei João de Santa Ana regista uma tradição conventual, segundo a qual a dita tabela “fora feita por um aprendiz e que em prémio pedira ao Monarca Fundador que lhe desse por acabado o tempo de aprendiz” (fl. 248). Ladeando a tabela descrita vêem-se duas imagens de vulto, as quais encarnam duas Virtudes Teologais: a Fé, do lado da Epístola, e a Religião, do lado do Evangelho. Das notícias de Cirilo se depreende que terão sido modeladas por Caetano Paggi e esculpidas em mármore por Giusti, tendo por arquétipo as alegorias da Iconologia de Cesare Ripa. 69 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA C. Tentação do Diabo Óleo sobre tela, cópia de um original flamengo (?) de autor desconhecido (séc. XVIII?). Ilustra, à maneira de Bosch, Bruegel e da tradição emblemática, um adágio cuja lição portuguesa é registada por António Delicado sob a forma Às vezes, corre mais o Demo que a lebre. A Vaidade (a Vanitas, no centro da composição), lebre do Diabo (que a mantém presa pelo tornozelo com um brabante), atrai aves de distintas envergaduras e “poleiros”, as quais “caem como tordos” na armadilha. Só o simplório, no canto inferior direito (quiçá, o pintor ou autor da composição) tem o discernimento suficiente (por isso aponta para a sua vista) para lograr escapar ao ardil. É incongruente a identificação da Vanitas com D. Maria I e do gaio pousado num dos galhos superiores com o Marquês de Pombal, proposta por Armando Ribeiro (Terras Fradescas, Lisboa, 1933, p. 145) ou o título Caça à Coruja, aposto a outra cópia (ou ao próprio original?), existente num museu francês (cf. Jours de France, 28 Jun. a 4 Jul. 1986). 70 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA 71 LEITURAS DA IMAGEM SIMBÓLICA D. Alegoria alusiva ao regresso de Dom João VI do Brasil Óleo sobre tela (moldura em casquinha dourada), subscrito por Máximo Paulino dos Reis: Máximo Paulino dos Reys, Alumno da Real Casa Pia, no Castello de Lisboa Pencionado na Academia de Portugal em Roma, inventou e Pintou no Anno de 1816 PNMafra: inv. 1540; A tela pertenceu ao PNAjuda, tendo sido restaurada em 1956 Formando fundo, à esquerda, uma vista de mar com a Torre de Belém e, ao longe, o Forte do Bugio. Em primeiro plano, ao centro, D. João VI, em pé, a três quartos à direita, olhando para a esquerda. Veste armadura completa e um grande manto real de largo panejamento, ostenta Grã-Cruz, Colar do Tosão de Ouro e Comenda. O soberano apresenta o braço esquerdo estendido sobre Wellington, que traja calção golpeado e uma túnica verde, e conduz uma mulher (a Pátria), trajando peplo e apresentando um grande diadema na cabeça. Mais à direita, sobre um alto plinto cilíndrico, o seu busto escultural. Na rectaguarda outro busto mais pequeno. À esquerda, a figura feminina seminua representa o Brasil. Do solo sai o velho Tejo com a sua coroa de algas. No alto, a bandeira constitucional com escudo e coroa. 72