O Modelo de Hodgkin-Huxley

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O Modelo de Hodgkin-Huxley
5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 5
O Modelo de Hodgkin-Huxley
Os mecanismos iônicos responsáveis pela geração de um potencial de ação foram
elucidados pelos trabalhos de Hodgkin e Huxley com o axônio gigante de lula na primeira
metade do Século XX.
A lula é um invertebrado marinho que utiliza propulsão a jato para se movimentar. Por
contrações do seu músculo do manto, ela controla um órgão chamado de sifão (não
mostrado no desenho acima) por onde entra ou sai água do mar em jatos, fazendo com que
ela se movimente. O músculo do manto é controlado pelos neurônios do gânglio estelar,
que enviam longos axônios para inervá-lo. O axônio mais comprido é também o mais
grosso, e por isso é chamado de axônio gigante.
O axônio gigante da lula é uma fibra não-mielinizada com um diâmetro em torno de meio
milímetro e vários centímetros de comprimento. Ela é uma das maiores células de animais
conhecidas. Para comparação, as células dos vertebrados possuem diâmetros de alguns
poucos micrometros.
Por causa disso, o axônio gigante da lula constitui um sistema ideal para a realização de
experimentos eletrofisiológicos.
Para a realização de seus experimentos, Hodgkin e Huxley utilizaram duas técnicas
experimentais, conhecidas como grampeamento espacial e grampeamento de voltagem
(veja a figura a seguir).
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Dois eletrodos finos e longos são inseridos ao longo do axônio e conectados aos
instrumentos mostrados. A resistência dos eletrodos é tão baixa que pode-se considerar
que todos os pontos ao longo do axônio têm o mesmo potencial elétrico em cada instante
de tempo. Portanto, o potencial passa a depender apenas do tempo e não do espaço, como
numa célula pontual. Dizemos que a célula está sob um grampo espacial.
Um dos eletrodos está emparelhado com um eletrodo externo ao axônio, para medir a
diferença de voltagem V através da membrana. O outro eletrodo é usado para injetar ou
retirar corrente da célula, na quantidade justa para manter a diferença de potencial através
da membrana num valor constante qualquer. A medida dessa corrente permite o cálculo da
condutância (ou da resistência) da membrana. Esta técnica é chamada de grampo de
voltagem e permite controlar o potencial de membrana, fazendo com que ele tenha
qualquer valor que se queira.
Quando o potencial de membrana é elevado abruptamente do seu valor de repouso para
outro valor, e mantido neste valor, a corrente de membrana Im(t) apresenta um
comportamento como o mostrado abaixo.
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A corrente de membrana Im(t) tem três componentes:
1. Um brevíssimo pulso de corrente (de alguns poucos micro-segundos) para fora da
célula. Esta corrente corresponde ao carregamento do capacitor que constitui a
membrana, pois o aumento da voltagem implica num aumento da carga armazenada na
superfície da membrana.
2. Um fluxo de corrente para dentro da célula com duração de 1 a 2 ms. Vários
experimentos, como, por exemplo, substituindo-se os íons de sódio no meio extracelular por outros íons monovalentes, mostraram que esta corrente é devida à entrada
na célula de íons de sódio.
3. Uma corrente para fora da célula que se manifesta em aproximadamente 4 ms e
permanece estável pelo tempo que durar o grampo de voltagem. Estudos com
traçadores iônicos revelaram que esta corrente é devida a íons de potássio. (Em uma
escala de tempo de várias dezenas de mili-segundos, esta corrente de potássio também
cai para zero como a de sódio).
Além dessas três componentes, há também uma pequena corrente constante para fora
(imperceptível na escala do desenho) que corresponde a íons de cloro e outros íons que
passam pela membrana.
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Com base nos seus estudos experimentais, Hodgkin e Huxley postularam o seguinte
modelo fenomenológico para explicar os eventos observados durante a ocorrência de um
potencial de ação no axônio gigante da lula;
1. A corrente de membrana é dada pela soma da corrente capacitiva e de uma corrente
iônica:
I m (t ) = I iônica (t ) + C
dVm (t )
.
dt
2. A corrente iônica é dada pela soma de correntes iônicas para íons específicos. A
corrente de um dado íon é independente das correntes iônicas dos outros íons. Há três
correntes iônicas responsáveis pela geração do potencial de ação: de sódio, de potássio
e de vazamento:
I iônica (t ) = I Na + I K + I vaz
A razão para esta última corrente é que, em seus experimentos, Hodgkin e Huxley
observaram uma corrente adicional além das de sódio e de potássio cuja condutância
não dependia da voltagem; eles atribuíram essa corrente a um vazamento na membrana,
possivelmente devido ao eletrodo.
3. Os canais iônicos de sódio e de potássio são modelados por condutâncias ativas, que
dependem da voltagem e do tempo, em série com baterias cujas voltagens são dadas
por seus respectivos potenciais de Nernst:
I íon (t ) = Gíon (Vm (t ), t )(Vm (t ) − Eíon ) ,
onde íon = Na+ ou K+.
4. O canal iônico de vazamento é modelado por uma condutância passiva Gvaz em série
com uma bateria Evaz.
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Os valores de Gvaz e Evaz são determinados empiricamente para que a solução numérica
do modelo se ajuste bem aos dados experimentais.
O circuito elétrico equivalente ao modelo de Hodgkin-Huxley para a membrana do axônio
gigante da lula é dado pela figura abaixo:
Notem as posições das baterias: a posição de EK indica que o potencial de Nernst do
potássio é negativo (negativo no interior da célula em relação ao exterior) e a posição de
ENa indica que o potencial de Nernst do sódio é positivo (positivo no interior da célula em
relação ao exterior). A posição da bateria da corrente de vazamento indica que o seu
potencial de reversão é positivo.
Em seus experimentos de grampeamento de voltagem, Hodgkin e Huxley aumentavam a
voltagem para certo valor em relação ao repouso e determinavam o comportamento
temporal das correntes dos íons de sódio e potássio enquanto a voltagem permanecesse
constante no valor grampeado. Para fazer isso, é fundamental conseguir isolar as
contribuições de cada corrente iônica particular para a corrente iônica total.
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Hodgkin e Huxley conseguiram isso colocando o axônio de lula em um banho com
concentração de sódio muito baixa. Isso fazia com que a corrente de sódio (INa) fosse
praticamente zero, de maneira que toda a corrente medida era a de potássio (IK).
Posteriormente, colocava-se o axônio em um banho com concentração normal de sódio e
media-se a corrente iônica normal (Iiônica). Subtraindo-se dessa corrente a corrente de
potássio determinada anteriormente podia-se determinar INa.
Isso está ilustrado na figura abaixo (retirada do capítulo IV do The Book of GENESIS – ver
referência no fim desta aula).
Esta figura mostra o comportamento da densidade de corrente (em mA/cm2) contra o
tempo (em ms) quando se mantém a voltagem grampeada no valor de −9 mV (56 mV
acima do valor de repouso). A corrente total medida está indicada por IK + INa. A corrente
total quando o axônio está imerso em um banho com apenas 10% da concentração normal
de sódio está indicada por IK; e a corrente obtida pela diferença entre IK + INa e IK está
indicada por INa.
Outra maneira de se repetir esse experimento é usando um bloqueador de canais iônicos.
Existem toxinas e agentes farmacológicos capazes de bloquear seletivamente apenas
alguns tipos de canais iônicos. Um exemplo é a tetrodotoxina (TTX), capaz de bloquear
apenas os canais de sódio.
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Quando se faz um experimento como o ilustrado acima e se consegue isolar a corrente
devida apenas a um íon, a condutância do íon pode ser determinada da seguinte maneira.
Supondo que apenas um tipo de íon está presente, a equação para o potencial de membrana
torna-se
C
dVm (t )
+ G (V , t )(Vm − Erev ) = I inj (t ),
dt
ou
Cm
dVm (t )
= −G(V , t )(Vm − Erev ) + I inj (t ),
dt
onde Iinj(t) é a corrente que tem que ser injetada pelo eletrodo dentro da célula para manter
o potencial constante no valor grampeado e Erev é o potencial de reversão do único íon
presente. Como a corrente injetada faz com que o potencial de membrana permaneça
constante, dVm/dt = 0 e o lado esquerdo da equação anterior deve ser nulo. Pode-se então
escrever,
I inj (t ) = G (t )(Vm − Erev ).
Esta equação indica que o comportamento temporal da corrente injetada é o mesmo da
condutância do íon que está fluindo através da membrana. Como os valores de Vm e de Erev
são conhecidos, ela permite que se determine G(t).
Um comportamento típico das condutâncias específicas (ou condutâncias por unidade de
área) gK e de gNa para um aumento de 26 mV no potencial, a T = 6oC, está mostrado na
figura abaixo.
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Exercício: tente explicar o comportamento temporal das condutâncias específicas de sódio
e de potássio acima em termos do que já foi discutido neste curso sobre os mecanismos
iônicos responsáveis pela geração de um potencial de ação.
Após a identificação experimental das condutâncias específicas de potássio e sódio,
Hodgkin e Huxley tiveram que encontrar equações capazes de fitar o comportamento
temporal dessas condutâncias para cada valor de grampo de voltagem usado.
A figura abaixo (também retirada do The Book of GENESIS) mostra o resultado de vários
experimentos dando a variação temporal da condutância específica do potássio para
diferentes valores da voltagem grampeada. Os círculos abertos indicam os dados
experimentais e as linhas sólidas indicam as curvas obtidas por Hodgkin e Huxley para
fitar os dados.
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Observe que o valor final (chamado de valor de estado estacionário) da condutância
específica aumenta com o valor da voltagem grampeada (os valores de voltagem dados no
gráfico são medidos em relação ao potencial de repouso da célula). Observe também que a
taxa de crescimento da condutância específica em direção ao valor de estado estacionário
aumenta com a voltagem grampeada.
Observando seus dados, Hodgkin e Huxley pensaram em fitar as curvas de condutância
específica por uma função envolvendo uma exponencial, tal como
−t
⎛
g K (V , t ) = g K (V )⎜1 − e τ (V ) ⎞⎟ ,
⎝
⎠
com gK e τ dependentes do valor da voltagem. gK(V) daria o valor de estado estacionário
para o qual a condutância específica tenderia a uma dada voltagem grampeada e τ(V)
determinaria quão rapidamente a condutância específica cresceria para o valor de estado
estacionário.
Observação: note que passamos a escrever a condutância como uma condutância
específica e a representá-la por uma letra minúscula, g, para diferenciá-la da condutância
total de um pedaço de membrana, indicada por uma letra maiúscula, G. De agora em
diante, vamos passar a escrever as equações em termos de grandezas específicas.
No entanto, uma exponencial simples como a da função acima não daria um bom ajuste. A
figura abaixo mostra por quê. Uma curva de condutância específica tem inclinação
(derivada) nula em t = 0, enquanto que uma exponencial tem inclinação não nula.
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Existem muitas maneiras de se gerar uma função matemática que se pareça melhor com a
curva experimental de uma condutância específica. Uma delas é usando o fato de que para
x pequeno (1 – e-x) é aproximadamente igual a x. A função x elevada a uma potência se
aproxima da origem com inclinação nula (veja o gráfico esboçado a seguir). Por outro
lado, para x → ∞, (1 – e-x) → 1 assim como (1 – e-x) , onde α é um expoente qualquer.
α
Isto implica que uma função que envolva um termo do tipo (1 – e-t/ ) pode ser capaz de
τ
α
fitar a curva experimental da condutância específica: para t → 0 ela se aproxima da origem
com inclinação nula e para t → ∞ ela tende a 1.
Hodgkin e Huxley propuseram uma expressão do tipo a seguir para descrever o
comportamento da condutância específica do potássio para cada valor grampeado de V:
−t
g K (V , t ) = g K ⎡⎢n∞ (V )⎛⎜1 − e τ
⎝
⎣
α
⎞⎟⎤
⎠⎥⎦ .
Nesta expressão, g K é o maior valor possível que a condutância por unidade de área pode
atingir durante a aplicação do grampo de voltagem por um longo tempo. O valor n (V)
∞
varia entre 0 e 1 e determina o valor assintótico da condutância específica gK para um dado
valor de voltagem grampeada (ele determina qual a fração de
t → ∞
gK
que vai ser atingida em
para um dado valor do grampo de voltagem). Portanto, o valor de estado
estacionário da condutância específica para um dado valor de voltagem grampeada V é
descrito por g K n∞ (V ).
α
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Após muitas tentativas, Hodgkin e Huxley obtiveram um bom ajuste para os seus dados
com um expoente α = 4 na expressão proposta (este valor foi o menor expoente capaz de
fornecer uma concordância aceitável da equação com os dados experimentais). Desta
maneira, para cada valor de V, o comportamento experimental da condutância do potássio
por unidade de área pode ser bem descrito empiricamente pela expressão:
g K (V , t ) = g K n 4 (V , t ),
com
−t
⎛
⎞
n(V , t ) = n∞ (V )⎜1 − e τ n (V ) ⎟.
⎝
⎠
Note que a constante τ está agora indicada com um sub-índice n, τ = τn. Isto foi feito para
indicar que ela é relativa à variável n sendo usada para o potássio, pois aparecerão outras
variáveis do tipo de n e outras constantes de tempo quando a condutância específica do
sódio for modelada.
Note que, para um dado valor de V, a função n(V, t) acima é solução da equação
diferencial
τ n (V )
dn
= n∞ (V ) − n,
dt
para constantes τn(V) e n (V).
∞
A variável n(V, t) é chamada de variável de ativação do potássio. A equação diferencial
acima descreve como a ativação do potássio aumenta até atingir o valor de estado
estacionário para um dado valor de voltagem.
Para completar a modelagem fenomenológica da condutância específica do potássio,
Hodgkin e Huxley tiveram que determinar como os parâmetros τn(V) e n (V) dependem de
∞
V. Isto foi feito a partir de fittings de dados experimentais como os mostrados
anteriormente. As equações obtidas por eles para τn(V) e n (V) serão mostradas mais
∞
adiante.
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A modelagem da variação temporal da condutância específica do sódio para cada valor de
grampo de voltagem foi feita de maneira similar por Hodgkin e Huxley. Porém, olhando
para as curvas experimentais a seguir, dando o comportamento de gNa contra t, vemos que
o comportamento de gNa é mais complicado que o de gK. A condutância específica do
sódio inicialmente sobe em resposta ao aumento do potencial, mas depois decai enquanto
o potencial fica mantido num valor alto.
O gráfico acima mostra as respostas da condutância por unidade de área do sódio, gNa, a
aumentos em V do tipo de grau de diferentes valores, obtidos pelo grampo de voltagem e
indicados pelos números à esquerda (em mV). As curvas suaves são os ajustes fornecidos
pelas equações do modelo de Hodgkin-Huxley. As escalas verticais à direita estão em
unidades de mS/cm2.
Para explicar o comportamento transiente de gNa observado na figura acima, Hodgkin e
Huxley propuseram que a condutância específica do sódio deve obedecer a uma equação
do tipo:
g Na (V , t ) = g Na m 3 (V , t )h(V , t ),
onde g Na é o máximo valor que a condutância específica do sódio pode atingir e m e h são
funções de V e t com valores entre 0 e 1 que determinam qual a fração de g Na que vai ser
atingida em t → ∞ para um dado valor do grampo de voltagem.
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Observe que a maneira de modelar a condutância específica do sódio é análoga à usada
para modelar a condutância específica do potássio, só que agora são usadas duas variáveis
(m e h) para descrever o comportamento temporal de g Na ao invés de apenas uma (n)
como no caso de
gK .
As variáveis m e h obedecem equações diferenciais similares àquela para a variável n do
potássio:
τ m (V )
dm
= m∞ (V ) − m
dt
e
τ h (V )
dh
= h∞ (V ) − h,
dt
onde τm(V), m (V), τh(V) e h (V) têm a mesma interpretação que as variáveis τn(V) e n (V)
∞
∞
∞
para o potássio.
Os comportamentos de m(t) e h(t) para um dado valor de grampo de voltagem são os
seguintes (veja a figura abaixo):
- m é inicialmente pequena e aumenta com o tempo de maneira similar à da variável de
ativação n do potássio; por causa disso, ela é chamada de variável de ativação do
sódio.
-
Já h tem um valor inicial mais alto e depois decai para zero; por causa disso, ela é
chamada de variável de inativação do sódio. Quando h = 0, a corrente de sódio está
completamente inativa. Os expoentes, 3 para m e 1 para h, foram determinados por
Hodgkin e Huxley como sendo os que proporcionavam o melhor ajuste às curvas
experimentais de condutividade obtidas.
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O mecanismo de geração de um potencial de ação pode ser entendido a partir de uma
análise da figura acima. Inicialmente, existe um balanço entre a corrente de Na para dentro
e a corrente de K para fora. No repouso, m é pequena e h é grande, de maneira que o termo
m³h é pequeno, mas não nulo. A variável de ativação do K, n, tem um valor intermediário
entre m e h, mas n4 é também pequeno.
Após o início do pulso de voltagem, a despolarização aumenta m rapidamente e os canais
de Na se abrem. Após alguns milissegundos, h vai a zero e a condutância do Na se inativa.
Enquanto isso, n aumenta e a condutância do K cresce, atingindo um valor estacionário
alto. Após o fim do pulso, n, m e h retornam aos seus valores de repouso.
A chave para se entender o comportamento do potencial de membrana gerado pelas
variáveis m, h e n está nas suas respectivas constantes de tempo, τm, τh e τn. Observando a
figura, vemos que as variáveis de ativação do potássio (n) e de inativação do sódio (h)
levam muito mais tempo para atingir seus valores de estado estacionário do que a variável
de ativação do sódio (m). Como o comportamento temporal das três variáveis é
exponencial, do tipo e t/ , as constantes de tempo associadas às variáveis n e h devem ser
−
τ
maiores do que a constante de tempo associada à variável m.
Isso pode ser mais bem entendido observando-se as figuras abaixo, que mostram como as
constantes de tempo e as variáveis de ativação e inativação dependem da voltagem no
modelo de Hodgkin-Huxley.
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Observe que a constante de tempo de ativação do sódio, τm, é aproximadamente dez vezes
menor que as constantes de tempo de ativação do potássio, τn, e de inativação do sódio, τh.
Isso significa que, quando ocorre uma despolarização, m varia bem mais rapidamente que
n e h em direção ao seu valor de estado estacionário. Portanto, há um breve período
durante o qual m é grande e h diminui muito pouco, de maneira que o termo m3h nas
equações é suficientemente grande para fazer com que a condutância de sódio seja
dominante. Isso força o potencial de membrana em direção ao potencial de Nernst do
sódio e provoca uma despolarização ainda maior, resultando em um feedback positivo que
acaba provocando um potencial de ação.
Enquanto isso, como τn e τh têm valores relativamente grandes as variáveis n e h levam um
tempo maior para atingir seus estados estacionários: n indo em direção a 1 e h indo para
zero. Quando h = 0 a condutância de sódio fica inativada e a corrente de sódio cessa. Já o
lento crescimento de n causa um aumento gradual na condutância de potássio, produzindo
uma corrente para fora da célula. Essa corrente, juntamente com a corrente de vazamento,
produz o retorno do potencial de membrana ao seu valor de repouso (repolarização).
Quando o potencial retorna até aproximadamente o valor de repouso (indicado por setas
nas figuras), as constantes de tempo τn e τh são relativamente grandes. Isso faz com que as
variáveis n e h retornem lentamente aos seus respectivos valores de repouso. Uma
conseqüência disso é que, como n continua com um valor relativamente grande, ainda há
corrente de potássio para fora de célula mesmo quando o potencial de membrana retorna
ao valor de repouso. Isso faz com que o potencial de membrana ultrapasse o valor de
repouso e fique ainda mais negativo, tendendo ao potencial de Nernst do potássio. Este
fenômeno é conhecido como pós-hiperpolarização (afterhyperpolarization em inglês). A
outra conseqüência é que h permanece com um valor muito pequeno por um longo tempo,
mantendo a condutância de sódio inativada. É isso que causa o período refratário absoluto,
pois enquanto h estiver inativada não é possível haver um potencial de ação. Lentamente,
porém, h vai retornando ao seu valor de repouso (ela vai se desinativando, no jargão dos
fisiologistas) e passa a ser possível a geração de um novo potencial de ação desde que o
estímulo seja suficientemente forte (período refratário relativo).
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Observe novamente os valores dos parâmetros do modelo no repouso, com o potencial de
membrana em torno de −70 mV. Note que o valor de h aumenta com a hiperpolarização da
célula e que existe uma faixa de valores de hiperpolarização tal que m se mantém diferente
de zero. Isto implica que uma possível estratégia para se despolarizar a célula é, primeiro,
hiperpolarizá-la um pouco e depois despolariza-la. Quando a célula é hiperpolarizada o
valor da variável de inativação do sódio cresce (h se desinativa). Posteriormente, quando
ocorre a despolarização, a variável m de ativação do sódio cresce rapidamente e h se
mantém em um valor relativamente alto por certo tempo (por causa da sua constante
temporal grande). Isto implica que o produto m3h pode chegar a atingir valores maiores
neste caso do que quando ocorre apenas uma despolarização a partir do repouso.
O modelo de Hodgkin-Huxley é caracterizado pela seguinte equação,
Cm
I inj (t )
dVm
= − J m (V , t ) +
,
dt
A
onde Cm é a capacitância específica da membrana, Iinj(t) é a corrente injetada na célula e A
é a área da superfície da membrana da célula. A divisão por A foi feita porque a equação
acima está escrita em termos de grandezas específicas (por unidade de área).
A densidade de corrente de membrana Jm é composta por três componentes (corrente de
sódio, de potássio e de vazamento):
3
J m (V , t ) = ∑ J k (V , t ) = g Na m 3 h(Vm − E Na ) + g k n 4 (Vm − E K ) + gV (Vm − EV ).
k =1
As variáveis de ativação m e n e de inativação h, por sua vez, obedecem às seguintes
equações diferenciais:
τ n (V )
τ m (V )
dn
= n∞ (V ) − n,
dt
dm
= m∞ (V ) − m e
dt
τ h (V )
dh
= h∞ (V ) − h.
dt
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Por razões que serão vistas na próxima aula, é costume reescrever cada uma destas três
equações em termos de duas novas variáveis, αi e βi, onde i = n, m, h.
Exercício: Mostre que as equações acima para n, m e h podem ser reescritas como
dn
= α n (V )(1 − n ) − β n (V )n,
dt
dm
= α m (V )(1 − m ) − β m (V )m e
dt
dh
= α h (V )(1 − h ) − β h (V )h,
dt
com as variáveis αi e βi, i = n, m, h, definidas por
h∞ (V )
m∞ (V )
;
α m (V ) =
; α h (V ) =
τ h (V )
τ m (V )
n (V )
α n (V ) = ∞
;
τ n (V )
β n (V ) =
1 − n∞ (V )
;
τ n (V )
β m (V ) =
1 − h∞ (V )
1 − m∞ (V )
.
; β h (V ) =
τ h (V )
τ m (V )
As dependências das variáveis, αi e βi com o potencial de membrana V foram
determinadas empiricamente por Hodgkin e Huxley, resultando nas expressões:
α n (V ) = 0,01
α m (V ) = 0,1
10 − V
⎛ 10 − V ⎞
exp⎜
⎟ − 1
⎝ 10 ⎠
25 − V
⎛ 25 − V ⎞
exp⎜
⎟ − 1
⎝ 10 ⎠
⎛ − V ⎞
⎟
⎝ 20 ⎠
α h (V ) = 0,07 exp⎜
⎛ − V ⎞
⎟ (potássio)
⎝ 80 ⎠
e β n (V ) = 0,125 exp⎜
⎛ − V ⎞
⎟ (sódio)
e β m (V ) = 4 exp⎜
⎝ 18 ⎠
e β h (V ) =
1
(sódio).
⎛ 30 − V ⎞
exp⎜
⎟ + 1
⎝ 10 ⎠
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A voltagem V que aparece nestas equações é o potencial de membrana medido em relação
ao potencial de repouso do axônio gigante da lula (isto é, no repouso V = 0), em milivolts.
As condutâncias específicas máximas para cada um dos três canais e os respectivos
potenciais de reversão também foram determinados experimentalmente por Hodgkin e
Huxley e seus valores são:
g Na = 120 mS/cm2; g K = 36 mS/cm2; gV = 0,3 mS/cm2;
ENa = 115 mV; EK = −12 mV; Ev = 10,163 mV; Cm = 1 µF/cm2.
A solução numérica das equações do modelo de Hodgkin e Huxley mostra o aparecimento
de potenciais de ação para correntes acima de um valor limiar, conforme observado
experimentalmente.
O exemplo a seguir é de uma simulação das equações de Hodgkin e Huxley implementada
no MATLAB, com potencial de repouso Vrep = −65mV e densidade de corrente injetada
Jinj = 10 µA/cm2 com duração de 1 ms aplicada em t = 0.
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Referências:
- Bower, J.M. and Beeman, D. (1998) The book of GENESIS (2nd ed.), Springer-Verlag,
New York.
- Hille, B. (2001) Ion Channels of Excitable Membranes (3rd ed.), Sinauer, Sunderland,
MA.
- Hodgkin, A. L. and Huxley, A. F., A quantitative description of membrane current and
its application to conduction and excitation in nerve. Journal of Physiology, London,
117: 500-544, 1952.
- Nicholls, J.G., Martin, A.R., Wallace, B.G. and Fuchs, P.A. (2001) From Neuron to
Brain (4th ed.), Sinauer, Sunderland, MA.
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