Catalunha – Benvinguts

Transcrição

Catalunha – Benvinguts
A Catalunha é um país, não há dúvida, em que pesem os esforços da parte de Madri
para ela se sentir apenas parte da Espanha. Por que? Por causa desta língua muito
louca que eles têm, do jeito de comer, do modo de ser catalão, que em alguma
medida representa o que é o paulista para o Brasil.
Vocês acham que eu estou fazendo eco aos movimentos separatistas que, no
momento de crise atual, proclamam que sozinhos a Catalunha se daria bem e seus
indicadores seriam melhores do que o do restante do país? De jeito nenhum,
porque a Catalunha, depois de tantos esforços também é Espanha. Sei que soa
contraditório, sei que parece que eu quero ficar em cima do muro, mas não é nada
disso.
Penso que a Catalunha se parece com a Espanha muito mais que nós, Brasil, com a
Argentina ou com o Chile. Refiro-me ao jeito de ser. Os catalães têm esse
comportamento altivo que, no geral, caracteriza a personalidade espanhola, sempre
denotando um ar superior.
Não bastasse isso, por aqui se repetem as paisagens inóspitas, quase rudes e, ao
mesmo tempo, cheias de história que encontramos em toda a Espanha. Eu sei que
as paisagens são sempre cheias de história, mas não estou fazendo referência às
francesas ou holandesas, que são quase um cartão postal, todas desenhadinhas
como se não fosse preciso fazer mais nada, porque a mãos dos homens já está ali
inscrita há séculos. No caso da Catalunha, sensação que temos em outras regiões
espanholas, as paisagens, sobretudo quando deixamos as cidades, parecem sempre
inacabadas, como um verso que ainda busca sua rima.
Talvez, essa sensação decorra do fato de que, ao contrário de outros países da
Europa Ocidental, nem sempre há uso agrícola nas terras que não são urbanas, visto
que os climas semiáridos predominam por aqui. Grande parte do território resta
como parques ou está coberto por vegetação autóctone, mesmo que segunda
natureza, ou seja, ainda que a cobertura natural já tenha sido retirada.
De outro lado, a língua é muito particular. Muitos linguistas destacam que ela tem
elementos do castelhano, a oficial da Espanha, e do francês, país com o qual a
Catalunha faz fronteira e tem relações de longa data. É fácil perceber isso nos
verbos que, muitas vezes, guardam radical francês – parlar (como parler em
francês). Entretanto, acho que ela tem também um pouco do português e do
italiano, como as frases seguintes mostram: Quero falar com o consulado brasileiro
(vul parlar amb el consulat brasielr). Quero falar com um advogado (vul parlar amb
un advocat). Posso pagar a fiança agora? (puc pagar la fiança ara?) Você aceita um
suborno/propina/cervejinha? (aceptas suborn/cervezita?) Por esses poucos exemplos, a gente fica já com a impressão que não acabaram de ser compostas as
palavras...
Tomando como base, os hábitos e costumes, Carmen Bellet explicava que, em
muitos aspectos, a Catalunha é mais francesa que espanhola. Por exemplo,
diferentemente da maioria dos hispânicos, os catalães não se abraçam muito ao se
cumprimentar. Também, como os franceses, nunca falam muito de perto e guardam
certa cerimônia diferente dos hábitos daqueles que moram em outras províncias do
país.
Do ponto de vista econômico, um aspecto que marca historicamente a Catalunha é
sua aptidão para a vida comercial, fortemente associada ao Mediterrâneo, o que
explica porque sempre foram um povo de negociação e nunca de conflito como
grande parte dos povos que compõem a atual Espanha. Se galegos e bascos foram e
são mais radicais e até violentos para defender a autonomia de suas nações, os
catalães se contentaram com o reconhecimento dela, sem nunca pegar em armas
para defender a separação. Atualmente, esse tema volta à baila, por outras razões,
mas essa já é outra história...
Nestes três primeiros dias na Catalunha, o que mais gostei de ouvir, para pesar na
balança do quanto espanhola ela é, foi o que nos contou Ramon, um economista da
Universidade de Lleída, ao nos oferecer uma taça de vinho de uma vinícola desta
província. Após perguntar se gostamos [claro que sim], indagou se podíamos
perceber a diferença dos franceses [arriscamos algumas distinções]. Em seguida, ele
mesmo deu a resposta, pontificando: “Os franceses são mais delicados” e com um
sorriso no rosto contou que seus vinhos são chamados aqui, na Espanha, de
maricons. Os catalães como todos os vinhos espanhóis são, segundo ele, mais
encorpados, por isso, concluiu: “Os vinhos franceses são para beber, mas os
espanhóis são para comer. Vamos, então, nos alimentar!!!” e deu uma largada
risada.
Assim, pegando um aspecto aqui, outro ali, volto ao ponto inicial – os catalães são
um povo e compõem uma nação, quando prestamos a atenção na escala da
Espanha, mas quando enfocamos a União Européia eles ficam parecendo, ao nosso
olhar pouco informado, que são muito espanhóis.
Uma coisa boa na Catalunha, para nós estrangeiros, é a maravilha que é o seu
aeroporto, chamado El Pratt. Grande, bem iluminado, com granitos claros e muitas
transparências e o que é melhor: com pouca gente, possibilitando que caminhemos
e encontremos os serviços e espaços com facilidade. Ele nos dá a impressão de que
este povo quer nos desejar, como muito bem sinto: Benvinguts.
Carminha Beltrão
19 de dezembro de 2012