ciclotour - Special Trip
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ciclotour - Special Trip
ciclotour Inesquecível 54 VO2-95-CICLOTOUR.indd 54 7/18/13 5:10 PM A Catalunha espera por você com uma mistura de praia, campo e montanha — e os mesmos desafios da Vuelta a España Por Hebert Wagner Polizio éPOUCO fotos: divulgação A o lado de França e Itália, a Espanha forma a tríade de países que concentram as mais importantes provas de ciclismo de estrada do mundo. Por isso, está também entre os destinos mais desejados pelos amantes do esporte e do cicloturismo — principalmente por aqueles que sonham em completar um tour pelas sedes das três Grandes Voltas. O ciclismo se faz presente no país de maneira intensa e espetacular, sendo a Catalunha uma das regiões que melhor representa essa paixão. De geografia diversificada e beleza indiscutível, a região é uma opção interessante tanto para quem busca um percurso desafiador — que exija preparo e condicionamento — como para quem prefere um roteiro com um apelo mais cultural e enogastronômico, que permita ao ciclista relaxar saboreando os vinhos e as iguarias locais, além de apreciar a paisagem de suas belas praias, campos e pequenos vilarejos. É neste cenário — que inspirou a obra de artistas espanhóis mundialmente consagrados, como Antoni Gaudí, Salvador Dalí e Joan Miró, entre outros — que se desenrola a centenária Volta da Catalunha (a primeira edição aconteceu no ano de 1911), além de etapas da Vuelta a España. 55 VO2-95-CICLOTOUR.indd 55 7/18/13 5:10 PM fotos: divulgação ciclotour Girona recebeu muitos profissionais e ficou famosa por ter sido durante muitos anos base de treino de Lance Armstrong e sua comitiva A região é um belo resumo da geografia espanhola, composta por campos planos ou levemente ondulados na Catalunha Central, no entorno de Girona, e por montanhas de grandes magnitudes formadas nas cadeias dos Pirineus, assim como praias de encostas escarpadas em grandes rochedos na região da Costa Brava que chamam a atenção por suas cores fortes, alegres e vivas, com diversas nuances de rosa, vermelho e azul-turquesa. Isso faz dela um local fascinante para o cicloturismo. Sem contar que a Catalunha reúne um grande acervo de construções medievais, que remetem ao ano 200 a.C., época marcada pelo domínio do antigo Império romano. De tão bem conservadas, algumas construções encontradas em pequenas cidades fazem você pensar que embarcou num túnel do tempo e que está em plena Idade Média — e teria certeza disso se não estivesse sentado sobre uma moderna bike de carbono. Além do forte apelo turístico, a região tem a economia baseada em atividades agrícolas — que complementam os atrativos para o viajante —, como produção de azeites, vinhos e frutas, além da pesca na bela costa mediterrânea e da caça nas montanhas. A melhor forma de usufruir tudo isso? Com certeza, viajando sobre duas rodas. 56 VO2-95-CICLOTOUR.indd 56 7/18/13 5:10 PM fotos: divulgação De tão bem conservadas, algumas construções encontradas em pequenas cidades fazem você pensar que está em plena Idade Média O trajeto montanha–campo–praia pode ser percorrido inteiramente ou, caso o ciclista prefira, dosando a intensidade. O sentido praia–campo–montanha, por exemplo, é mais difícil devido à natural ascendência de altitude do relevo que nos leva da Costa Brava até os Pirineus. Há ainda uma opção mais conservadora que fica apenas na região da Catalunha Central, com ótimos trechos planos e de leves ondulações, seguindo para a encantadora Costa Brava com seu visual arrebatador. Para iniciar essa viagem, que incluiu todas as três opções geográficas da região, escolhi Girona, a cidade catalã mais popular entre os ciclistas. Localizada ao norte de Barcelona, Girona recebeu muitos profissionais e ficou famosa por ter sido durante muitos anos base de treino de Lance Armstrong e sua comitiva — formada por Floyd Landis, George Hincapie e Tyler Hamilton, que anos depois iriam denunciá-lo por uso de doping, citando em vários depoimentos seus encontros e procedimentos nada éticos realizados pelo médico italiano Michele Ferrari na mansão de Armstrong em Girona. Em levantamento recente, foram contabilizados 37 atletas de equipes do World Tour e do Professional Tour que vivem e treinam na cidade. Girona também é famosa por suas igrejas e construções medievais, além das ótimas opções de passeios e de restaurantes, como o festejado El Celler de Can Roca, considerado atualmente o melhor do mundo. No quesito gastronomia, aliás, a região da Catalunha e seus restaurantes detém a maior concentração de estrelas concedidas pelo Michelin, o mais importante guia europeu de hotéis e restaurantes. O recém-fechado El Bulli, do revolucionário chef Ferran Adrià, também ficava nessa região. O pedal começa nas periferias de Girona, com suas vilas suntuosas e belas casas em pedra, e segue para a colina de Santa Pellaia, de onde podemos avistar o mar e as cidades de Palafrugell e Llafranc, com suas belas praias e casas brancas — arquitetura influenciada pelos gregos. São 55 km e um desnível acumulado de apenas 580 metros. Na descida em direção ao mar, o visual a cada curva é de tirar o fôlego. No fim do dia, nos hospedamos em um hotel espetacular. Os quartos com vista para o mar proporcionaram um visual incrível ao entardecer, um céu de azul profundo, como nunca tinha visto. 58 VO2-95-CICLOTOUR.indd 58 7/18/13 5:11 PM Depois de uma noite de sono revigorante, encontramos no hotel um café da manhã regado a especialidades típicas da região, como queijos e presuntos crus, de aromas e sabores únicos. Terminado o desjejum, demos continuidade à nossa rota, seguindo pelas belas encostas da região da Costa Brava. Passamos pelas cidades praianas de Begur, L’Escala e Sant Pere Pescador, até chegar a Peralada. Basta pedalar alguns minutos para encontrar um cenário de cartão-postal, como construções e fortificações das épocas de dominação grega e romana, onde tivemos o prazer de degustar as tradicionais “cavas”, um dos grandes orgulhos da região da Catalunha. Cavas são espumantes produzidos pelo tradicional método champenoise originário da França, que podem ser brancos ou rosés. As uvas macabeu e parellada são as mais cultivadas em suas terras, basicamente rochosas e com ótima capacidade de passar um apurado e delicado paladar mineralizado a este vinho. Em relação ao consumo, acho que vale uma observação pessoal. Não sou grande admirador de vinhos muito elaborados e até mesmo encorpados para esses momentos, pelo óbvio efeito que a bebida provoca e pela quilometragem que teríamos de percorrer. Por isso, sempre peço algo mais leve e suave. Porém, essas cavas espanholas (ou melhor, catalãs, devido ao sentimento de independência da região) caíram no gosto dos ciclistas que me acompanhavam, de tão suaves, leves e refrescantes. Apenas uma taça nos bastou. Foram 61 km da melhor paisagem, brindados ao final com o prato típico da região: a fideua, muito parecida como uma paella de frutos do mar, mas preparada com macarrão, em vez do tradicional arroz. No terceiro dia, o pedal adquiriu ares de ciclismo com um sotaque um pouco mais duro e agressivo. Parecia que um touro da mais pura arena espanhola começava a entrar no recinto. Viramos as bikes e tomamos a direção do continente, deixando as belas paisagens do mar Mediterrâneo para trás. Partimos para o ataque aos Pirineus, mas na verdade foram eles que nos afrontaram. Sentimos na pele o duro desafio enfrentado pelos ciclistas quando a Vuelta a España brinda a região com algumas etapas. Já seguindo para o nosso próximo hotel, na cidade de Camprodon, percorremos 77 km, acumulando 1.100 metros de desnível. O visual aqui não tinha nem vestígio das praias por onde havíamos passado pouco tempo atrás. Apesar de distinto, era tão espetacular quanto. Uma paisagem digna das melhores etapas de montanha de qualquer Grande Volta. Escolhemos uma estrada pela qual chegaríamos ao destino final sem trechos muito íngremes e extensos. Nossa escalada principal teve exatos 18 km e inclinação média de apenas 5,2% — suave, gostosa e ritmada, abrandada ainda mais pelo frescor dos Pirineus. Como almoço, uma boa dose de carboidrato fornecida pelo tradicional “arroz de montanha”, com carnes de caça para completar nossas necessidades proteicas. fotos: divulgação ciclotour 60 VO2-95-CICLOTOUR.indd 60 7/18/13 5:11 PM A região tem a economia baseada em atividades agrícolas, como produção de azeites, vinhos e frutas No último dia, atacamos mais uma vez os Pirineus — apesar de eu ainda achar que não seria exatamente esse o verbo correto — para chegar à cidade de La Molina, uma das mais charmosas estações de esqui da Europa, localizada na cordilheira que leva o mesmo nome. O visual, logo após 70 km e 1.200 metros de desnível acumulado, é novamente indescritível. Ao final, você chega à conclusão de que a Catalunha é um dos únicos lugares do mundo onde se encontra uma mistura de Vale do Loire, Toscana, Riviera Francesa, Dolomitas e Alpes, tudo em um mesmo pedal, de apenas quatro dias. Mas que pode ser temperado com mais campo, mais costa ou mais montanha... Lembrando que todo esse trajeto, feito no sentido inverso, se tornará um prazeroso e suave percurso descendente, de visual arrebatador — nesse caso, sem as subidas, mas mantendo ainda o leve e ondulado traçado da Costa Brava e da Catalunha Central. É sem dúvida um pedal memorável, ainda mais se você tiver a sorte de cruzar com um legítimo espanhol da Catalunha, como Joaquim “Purito” Rodríguez. Ele provavelmente não se lembrará disso quando voltar para casa. Mas você nunca mais vai esquecer. VO2-95-CICLOTOUR.indd 61 7/18/13 5:11 PM