TODOS TÊM UM LADO DEVASSA, QUAL É O SEU?: ANÁLISE

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TODOS TÊM UM LADO DEVASSA, QUAL É O SEU?: ANÁLISE
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TODOS TÊM UM LADO DEVASSA, QUAL É O SEU?:
ANÁLISE DISCURSIVA DAS PUBLICIDADES DA CERVEJA DEVASSA
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Alex Caldas Simões
Felipe José Fernandes Macedo2
Resumo: Apoiados nos estudos da Gramática do Design Visual e nos estudos de ethos discursivo,
analisaremos duas propostas comerciais da Devassa, uma com Paris Hilton e outra com Sandy Leah.
Pretendemos em nossa exposição: (a) analisar os significados composicionais, em especial o valor
informacional dado/novo das propagandas supracitadas; (b) investigar como ocorre a construção do
ethos efetivo das celebridades da propaganda; e, por fim, (c) estabelecer relações entre as análises
realizadas. De nossa pesquisa concluímos que os significados composicionais de dado/novo podem
ser complementados pelos estudos do ethos depreendido das personalidades públicas presentes no
objeto analisado. Essa tese parece se sustentar, ao menos em nossa análise: onde o ethos efetivo
depreendido de Paris Hilton, por estar no plano do dado, é agregado à imagem da cerveja Devassa;
já o ethos efetivo depreendido de Sandy, por estar no plano do novo, ainda não é agregado à imagem
da cerveja Devassa.
Palavras-chave: Cerveja. Ethos Discursivo. Multimodalidade.
Abstract: Supported in studies of the Grammar of Visual Design and studies of discursive ethos, we
analyze two proposed commercial profligate, one with Paris Hilton and "Sandy and another with Leah.
We want exposure on our: (a) examine the compositional meanings, in particular the informational
value given/new advertisements above, (b) investigate how does the construction of ethos of celebrity
advertising effective, and, finally, (c) establish the relationship between the analysis performed. From
our research we concluded that the compositional meanings of given / new can be complemented by
studies of the ethos of public personalities inferred present in the analyzed object. This thesis seems
to hold, at least in our analysis, where the ethos of effective of the Paris Hilton, for being in the plane
of the given, is added to the image of beer Profligate; already deduced effective ethos of Sandy, for
being in the new plan is still not added to the image of beer Profligate.
Key-words: Beer. Ethos Discourse. Multimodality.
Introdução
As recentes pesquisas em torno da propaganda tem instigado diversos
pesquisadores, assim como nós, a descrever seu funcionamento discursivo. Muito
popular socialmente, a propaganda pode se caracterizar como um texto no qual as
mensagens presentes nesta mídia não são produzidas a partir de apenas um modo
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Mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV – CAPES/REUNI). Licenciado em
Língua Portuguesa e Bacharel em Estudos Linguíticos pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP). Email: [email protected]
2
Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Letras (Português)
com ênfase em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de São João Del-Rei (2012). Email:
[email protected]
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semiótico, mas sim de uma complexa interação entre diferentes modos semióticos, o
que caracteriza, portanto, um texto multimodal (Cf. HODGE, KRESS, 1988; KRESS,
VAN LEEUWEN, 2006).
A publicidade, portanto, é vista socialmente como um texto cheio de
significados que requer do leitor uma habilidade de leitura particular. Motivados por
essa demanda de pesquisa, pretendemos em nossa exposição investigar as
publicidades da cerveja Devassa, a fim de entendermos um pouco melhor como os
significados presentes nas mensagens produzidas por essa mídia são construídos,
afinal, segundo Hodge e Kress (1988, p. 5), toda mensagem construída “[...] tem
direcionalidade – ela tem uma origem e uma meta, um contexto social e um
objetivo.”
Atualmente integrante do grupo Schincariol, a cerveja Devassa passou por
reformulações de marketing que modificaram sua construção visual e conceitual.
Criada em 2001, a cerveja Devassa se propôs a ser uma cerveja especial “com alma
brasileira e qualidade européia” (Cf. DEVASSA, 2011, on line), uma cerveja “ousada
de sabor refinado” (Cf. DEVASSA, 2011, on line). Dessa forma, a cerveja Devassa
Bem Loura teve como garota propaganda a top internacional Paris Hilton em
“Devassa: bem devassa”. Na época as propagandas da cerveja foram censuradas, o
que favoreceu a divulgação da marca Devassa, ainda iniciante no mercado de
bebidas nacional. Em 2011, a Devassa adotou como garota propaganda a cantora
Sandy Leah em “todo mundo tem um lado devassa”. Este fato causou, e, ainda vem
causando, muita discussão na mídia brasileira.
Dessa forma, apoiados nos estudos da Gramática do Design Visual, proposta
por Kress e Van Leeuwen (2006), e nos estudos de ethos discursivo de
Maingueneau (2005, 2008), analisaremos duas propostas comerciais da Devassa,
uma com Paris Hilton e outra com Sandy Leah (ver abaixo), a fim de: (a) identificar
os significados composicionais presentes, em especial o valor informacional
dado/novo das propagandas supracitadas; (b) investigar como ocorre a construção
do ethos efetivo das celebridades da propaganda; e (c) estabelecer relações entre
as análises realizadas.
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(Figura 1 – Corpus de análise – Cerveja Devassa)
Dividiremos
a
nossa
exposição
em
dois
momentos.
No
primeiro,
apresentaremos os referenciais teóricos de ethos discursivo e nossa análise do
ethos
efetivo
das
celebridades
Paris
e
Sandy.
No
segundo
momento,
apresentaremos os referenciais teóricos da gramática do design visual e a nossa
análise das propagandas selecionadas. Ao termino desses dois momentos,
realizaremos algumas considerações sobre as análises realizadas e apresentaremos
nossas considerações finais sobre o assunto.
Ethos efetivo: noções teóricas e metodológicas
A noção teórica de ethos, desde Aristóteles, passou por algumas
reformulações. Ela foi tratada pelo campo da argumentação, pelo campo da análise
do discurso, entre outros. Em sua teorização, Maingueneau (2005, 2008) postula
que todo discurso, oral ou escrito, pressupõe um ethos.
Para o autor (2005) todo discurso é formado por uma vocalidade específica.
Essa vocalidade específica do discurso evidência uma fonte enunciativa, “[...] por
meio de um tom que indica quem o disse [...]” (2005, p. 72). Existindo uma
vocalidade, portanto, segundo o autor (2005), também existe um corpo do
enunciador. Com isso, queremos dizer que um orador qualquer ao enunciar constrói
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um corpo de enunciador que por um tom específico evidência uma vocalidade
também específica.
Conforme indica Maingueneau (2005, p. 72), a noção tradicional de ethos
recobre não só a dimensão vocal, mas também “um conjunto de determinações
físicas e psíquicas atribuídas pelas representações coletivas à personagem do
orador.”
O corpo do enunciador, o fiador, é uma figura que o leitor “deve construir com
base em indícios textuais de diversas ordens” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). O
fiador, então, é composto por um: (a) caráter, que corresponde “a um feixe de traços
psicológicos” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72); e (b) corporalidade, que corresponde
ao um estado de compleição corporal, a uma maneira de vestir-se e de mover-se no
espaço social
que se constroem com base em estereótipos sociais (Cf.
MAINGUENEAU, 2005).
Todo discurso é composto por uma cena de enunciação. A cena de
enunciação é composta por 3 cenas: i) a cena englobante, que corresponde ao tipo
de discurso (ex: político, religioso) (Maingueneau, 2005); a cena genérica, que
corresponde a um contrato associado a um gênero discursivo (Maingueneau, 2005);
e iii) a cenografia, que corresponde a uma construção própria daquele texto
(Maingueneau, 2005).
Dessa forma, ao considerarmos que todo discurso provém de uma cena de
enunciação, temos, segundo Maingueneau (2005), que a figura do ethos não é
somente um meio de persuasão, mas também é parte da cena enunciativa. Em
resumo, então, podemos dizer que
como o enunciador se dá pelo tom de um fiador associado a uma dinâmica corporal, o
leitor não decodifica seu sentido, ele participa ‘fisicamente’ do mesmo mundo do fiador.
O co-enunciador captado pelo ethos, envolvente e invisível, de um discurso, faz mais do
que decifrar conteúdos. Ele é implicado em sua cenografia, participa de uma esfera na
qual pode reencontrar um enunciado que, pela vocalidade de sua fala, é construído
como fiador do mundo representado (MAINGUENEAU, 2005, p. 90).
Com isso, o leitor é incorporado definitivamente na cena enunciativa (Cf.
Imagem 1).
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(Imagem 1 – Diagrama do ethos discursivo efetivo. In: MAINGUENEAU, 2008, p. 19 – adaptado)
É através de uma percepção complexa advindas do material lingüístico e do
ambiente que se formula o ethos discursivo efetivo. Esse ethos, portanto, é o
resultado de uma interação complexa entre vários elementos: o ethos pré-discursivo,
o ethos discursivo mostrado e ethos discursivo dito. Vale salientar aqui que as
diferenças entre “ethos dito” e o “ethos mostrado”, segundo Maingueneau (2008),
são muito tênues e muitas vezes é impossível distingui-los.
Análise do ethos das propagandas da Devassa: Paris Hilton
A partir da análise da propaganda da devassa com Paris Hilton, podemos
observar que a celebridade apresenta longos cabelos louros, salto alto, maquiagem,
um vestido decotado e curto de cor preta e muitas jóias, anéis, brincos e cordão.
Dessa imagem, depreendemos dois estereótipos: o de sociality e o de loura. O
primeiro evidencia a construção de um ethos pré-discursivo de extravagância e
riqueza; já o segundo evidencia a construção de um ethos pré-discusivo de beleza e
baixo intelecto – haja vista as piadas sobre louras existentes no Brasil: “Loura Burra,
eu? Burra não, gos-to-sa...”.
Pela construção da imagem da propaganda, ainda podemos perceber a
construção de um ethos mostrado de sedução, onde a celebridade apresenta uma
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pose e olhar de conquista – aqui não nos referimos a categoria olhar presente na
Gramática do Design Visual. O cabelo solto e longo também enfatiza a feminilidade
da mulher, logo seu potencial de sedução. Da mesma forma, o vestido curto e
decotado deixa a mostra o corpo da modelo, o que, assim como o cabelo longo,
colabora para a construção de um ethos mostrado de mulher sedutora. O uso de
jóias, além de evidenciar um ethos mostrado de riqueza, enfatiza o ethos mostrado
de sedução.
Ainda podemos observar um ethos dito de mulher formosa (bem gostosa) e
devassa (bem devassa). Tal construção discursiva é depreendida da placa luminosa
ao lado de Paris Hilton na parte superior da propaganda, haja vista a proximidade da
modelo dos termos em destaque. Podemos dizer também que essa imagem se
reforça com o texto “Devassa. Bem devassa”,
localizado na parte inferior da
publicidade, ou seja, Paris assume o ethos dito de devassa, mas não apenas de
devassa, mas de bem devassa, o que a distingue de outras mulheres devassas.
Pela disposição e construção lingüística, os termos “bem gostosa/bem
devassa” e “bem gelada/bem loura” nos permite associar: (a) a construção de “bem
gostosa”, o primeiro termo da associação superior, com “bem gelada”, o primeiro
termo da associação inferior, mostrando as características de uma boa cerveja; e
(b) “bem devassa”, o segundo termo da associação superior, com “bem loura”, o
segundo termo da associação inferior, mostrando as características de uma boa
mulher. Assim podemos construir discursivamente o seguinte silogismo: Paris é
loura. A devassa é loura. Toda loura é gostosa, logo a devassa é gostosa.
Dessa forma, podemos constatar que a escolha da personalidade pública
Paris Hilton na propaganda da cerveja Devassa não foi aleatória e colabora para
manutenção das imagens discursivas aqui apresentadas.
Podemos dizer ainda que o texto “Ela chegou”, localizado na parte inferior da
propaganda, indica que Paris ou a Devassa, tomadas aqui como sinônimos, não
existiam ou não estavam no Brasil – o que evidencia a construção de um ethos dito
de forasteira(o). A cenografia escolhida para o ensaio fotográfico (cortinas
vermelhas) indica que haverá uma estréia. Essa escolha reforça o ethos dito de
forasteira(o), ou seja, Paris/Devassa não é daqui, mas está aqui, essa vai ser a sua
estréia.
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A partir das considerações realizadas até o momento, podemos construir o
seguinte ethos efetivo de Paris Hilton (Figura2):
(Figura 2 – Ethos efetivo de Paris Hilton)
Análise do ethos das propagandas da Devassa: Sandy Leah
A partir da propaganda da cerveja Devassa que tem como garota propaganda
a celebridade Sandy Leah, podemos observar que a cantora se apresenta
maquiada, com unhas e batom vermelho. Observamos ainda que a cantora usa uma
blusa decotada com brilho e anéis, localizados na mão esquerda. Da celebridade
Sandy emerge um estereótipo de cantora pop/infanto-juvenil. Esse estereótipo,
aliado a cenografia, colabora para construção de um ethos pré-discursivo de
celebridade teen (moral e ético).
Da propaganda, ainda podemos evidenciar a construção de um ethos dito de
compromisso, ao observamos que no dedo anelar da mão esquerda da cantora há
um anel, que nos parece ser de casamento.
Outro ethos que se constrói,
principalmente em relação a outras propagandas de cerveja, é um ethos mostrado
de respeito e educação, onde a celebridade não aparece bebendo a cerveja, mesmo
esta estando próxima de derramar.
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A partir da frase – intitulada “todo mundo tem um lado devassa” – localizada
no lado superior da propaganda da Devassa, entendemos que a cantora possui um
lado devassa¸ pois todos possuem um lado devassa – o que constrói um ethos
mostrado/dito de consumidora da cerveja Devassa (Loura). Dessa forma,
construímos a seguinte mensagem publicitária: se Sandy tem um lado devassa (a de
beber a cerveja Devassa Loura) você que também que é como a Sandy (moral e
respeitosa) também pode ter um lado Devassa, então, escolha entre a loura, a ruiva,
a negra, a índia ou a sarara3. A construção dessa mensagem, portanto, abre espaço
para futura divulgação de outros sabores da cerveja Devassa no mercado.
Observamos que a escolha da personalidade pública Sandy para a
propaganda da Devassa evidencia, aparentemente, uma contradição. De um lado
temos a construção de um ethos pré-discursivo de moralidade e do outro a
construção de um ethos dito/mostrado de imoralidade, ao considerarmos que a
devassa se refere aos atos e não à cerveja. Entretanto, a construção do ethos de
imoralidade não se sustenta, uma vez que a base da construção do ethos efetivo, os
estereótipos, não permite. Ao ter como base um estereótipo de cantora por infantojuvenil e as imagens pré-discursivas de moralidade e ética, observamos que o lado
Devassa de Sandy corresponde somente a sua escolha pela cerveja Devassa Loura.
Outra construção ou interpretação, pelo menos do ponto de vista da cenografia, não
se torna possível uma vez que os estereótipos criados não permitem que tal leitura
se processe – daí o estranhamento das pessoas na rua ao verem Sandy como
devassa.
A partir das considerações realizadas até o momento, podemos construir o
seguinte ethos efetivo de Sandy Leah (Figura3):
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A cerveja Devassa até o momento possui 5 tipos/sabores: a ruiva, a negra, a índia e a sarara.
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(Figura 3 – Ethos efetivo de Sandy Leah)
Gramática do Design Visual
A Gramática do Design Visual, apresentada por Kress e van Leeuwen (2006),
propõe que as imagens também possuem sua própria sintaxe. Seus autores afirmam
que, assim como as gramáticas da língua procuram descrever como palavras
combinam em frases, sentenças e textos, a Gramática do Design Visual se propõe a
descrever como, através da combinação da representação de elementos imagéticos,
também é possível que se produzam sentenças, nesse caso as visuais. Assim, sua
proposta surge da necessidade de ferramentas que sejam capazes de lerem
criticamente textos nos quais o sentido não é produzido apenas a partir do verbal,
mas principalmente das imagens.
É importante ressaltarmos que a Gramática do Design Visual (doravante
GDV), foi desenvolvida dentro da perspectiva da Semiótica Social, principalmente a
partir dos estudos de M. A. K. Halliday (1978, dentre outros), e mais posteriormente,
com o trabalho de Hodge e Kress (1988).
No que concerne à GDV, seus autores afirmam que o uso de imagens nos
textos não é inocente, assim como ocorre em um texto verbal, mas diretamente
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ligado aos interesses de seus produtores. Nesse sentido, Kress e van Leeuwen
(2006) afirmam que:
Estruturas visuais não simplesmente reproduzem as estruturas da
“realidade”. Pelo contrário, elas produzem imagens da realidade que estão
conectadas aos interesses das instituições sociais dentro das quais as
imagens são produzidas, circuladas e lidas. Elas são ideológicas. Estruturas
visuais nunca são meramente formais: elas possuem uma dimensão
semântica extremamente importante. (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006: 47)
A GDV foi desenvolvida com base nas metafunções da linguagem,
apresentadas na Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday (1985). As metafunções
são divididas em três principais categorias: a primeira é chamada de metafunção
Ideacional, em que temos as representações das experiências do mundo interior e
exterior através da linguagem; a segunda é chamada de metafunção Interpessoal,
que se preocupa com as relações entre os participantes; e, por último, a metafunção
textual, na qual o interesse passa a ser o modo como o texto é organizado.
Devido aos limites desse trabalho, e os objetivos do mesmo, nossa análise
será pautada dentro de um princípio da categoria que advém da terceira
metafunção, a textual. Em Kress e van Leeuwen (2006), esta metafunção passa a
ser chamada de estrutura dos Significados Composicionais. Nesse caso a
disposição, a organização, ou o destaque configurado a cada elemento, pode
motivar diferentes significados.
Investigaremos também, ainda dentro da GDV, algumas escolhas na
produção da imagem em relação aos Significados Interativos. Segundo Kress e van
Leeuwen (2006), esses significados são expressos pela forma como se estabelece a
relação entre os participantes representados (PRs) da imagem, ou entre os
produtores da imagem com seus participantes interativos (PIs). Essa interação pode
ocorrer, segundo os autores da GDV. Para essa oportunidade, verificamos os
conceitos de Contato e de Distância Social.
O contato ocorre quando os participantes presentes nas imagens olham ou
não para o observador, formando um vetor que direciona o olhar daqueles para este.
Esse recurso pode ocorrer em dois níveis, chamado de Demanda ou Oferta. Em um
contato de Demanda, o participante representado na imagem, ao direcionar o olhar
para o observador, ou participante interativo, convida-o a uma interação, buscando
agir sobre ele através de sua imagem. Já no caso de uma relação de Oferta, o
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participante passa a ser representado apenas como “itens de informação, objetos de
contemplação”, o que pode despertar no observador uma vontade e interesse em
“fazer parte do mundo” desse PR, seduzindo-o.
Ainda dentro dos Significados Interativos, o que determina a distância social
entre PR e PI é o tipo de enquadramento utilizado na imagem, podendo este ocorrer
de três modos distintos, chamados Plano Fechado (close shot), Médio (medium
shot), ou Aberto (long shot).
No primeiro caso, temos um enquadramento onde o PR é visto da imagem da
cabeça até a altura dos ombros, sendo este representado como amigo e íntimo do
observador, visto a proximidade com que o PR está na imagem. Já no segundo
caso, o PR é representado da cintura para cima, e em relação ao observador eles
não possuem uma relação muito próxima, não são desconhecidos, mas também não
são amigos íntimos, como no caso do plano fechado. Por último, no plano aberto,
temos o PR representado de corpo inteiro, sendo geralmente possível ver também o
espaço onde ele está. Ainda nesse plano aberto, a distância que se estabelece entre
os participantes é máxima, conferindo um caráter de impessoalidade, ou seja, os
participantes além de não se conhecerem, também não estabelecem nenhum tipo
de intimidade.
No que concerne a categoria dos Significados Composicionais, os autores da
GDV apresentam o princípio da estrutura Dado-Novo. Na estrutura Dado-Novo, a
interpretação dada a essas posições é a de que o Dado vem primeiro, significando
que o que é apresentado já é conhecido pelo observador, o senso comum, sendo
esse o elemento posicionado à esquerda na imagem; o Novo, por sua vez, significa
algo que ainda não é conhecido, e que o recebedor deve prestar atenção especial,
sua posição já fica à direita da imagem. Segundo os autores da GDV, esse princípio
está relacionado com a nossa convenção ocidental na qual a leitura parte da
esquerda para a direita.
Após essa breve explanação da Gramática do Design Visual e do princípio
Dado-Novo, teremos na seção a seguir as análises pertinentes as perguntas de
pesquisa.
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Análises
Nos Anexo 1 e 2 podemos observar, dentro dos Significados Interativos, a
escolha por uma relação de Demanda. Essa escolha reforça o caráter persuasivo
das publicidades, pois convida o observador a adquirir o produto, nesse caso a
cerveja Devassa Loura. Temos assim, como efeitos de sentido, um convite para que
se beba a cerveja, tanto pelas participantes Paris Hilton, quanto por Sandy.
Ainda dentro dos Significados Interativos, no que se refere ao conceito de
Distância Social, temos no Anexo 1 a escolha por um enquadramento do tipo aberto,
o que caracteriza, segundo a GDV, uma relação de impessoalidade entre o
participante representado, nesse caso Paris Hilton, para com o participante
interativo, ou seja, o possível consumidor da cerveja.
A escolha no Anexo 2 por um enquadramento do tipo médio pode ser
entendida como um relação na qual os participantes se conhecem, mas não são
íntimos. Ao configurar a personagem Sandy como já conhecida do público brasileiro,
mas não íntima deste, temos uma publicidade que assume também um caráter
persuasivo. Isso pode ser percebido no Anexo 1 e também no Anexo 2, dado que
em nenhum dos casos se estabeleça uma relação de intimidade, que poderia ser
percebida pela escolha de um enquadramento fechado, o que não ocorre.
No que se refere aos Significados Composicionais, mais especificamente ao
conceito de Dado-Novo, podemos observar no Anexo 1 a publicidade da cerveja
Devassa Loura, com a representação a esquerda da personagem Paris Hilton, e
mais a direita da imagem a própria cerveja, nesse caso em lata. Ao refletirmos sobre
a escolha por essa disposição, entendemos que a personagem que representa Paris
Hilton é o que se quer apresentar como a informação já conhecida pelo leitor,
ficando então no domínio do Dado. Já a cerveja está posicionada mais a direita da
imagem, domínio do Novo.
Ao analisarmos a escolha pela disposição desses elementos dessa forma
podemos questionar o porquê da disposição dos elementos não ser inversa, com
Paris Hilton a direita e a cerveja a esquerda. Esse questionamento demonstra que
existe sim uma escolha, não sendo essa uma escolha inocente, mas diretamente
relacionada aos objetivos comunicativos dos idealizadores da publicidade.
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A GDV com os princípios do Dado-Novo é perfeitamente aplicável em nossa
análise nessa publicidade, dado Paris Hilton já ser conhecida pelos leitores por sua
fama e relativo sucesso, e a cerveja a informação nova.
No caso do anexo 2 podemos perceber que ocorre um processo inverso,
agora a cerveja já é conhecida pelos leitores, o que se quer apresentar como
informação nova é a personagem Sandy com seu lado “devassa”. A proposta é que
a partir da cerveja, o possível consumidor também pode ter seu lado “devassa”
revelado.
Ainda em relação à publicidade com a personagem Sandy, não podemos
negar que essa, ao ser apresentada como “devassa”, passa a ser uma informação
nova, dado sua já conhecida fama de mulher “correta”, imagem essa construída ao
longo de sua carreira como cantora infanto-juvenil.
Ethos discursivo e Gramática do Design Visual: diálogos possíveis
Acreditamos que as teorias discursivas de ethos, propostas por Maingueneau
(2005; 2008), dialogam com a Gramática do Design Visual, proposta por Kress e
Van Leeuwen (2006), na medida em que podemos perceber que os significados
composicionais de dado/novo podem ser complementados pelos estudos do ethos
depreendido das personalidades públicas presentes no objeto analisado, seja
publicidade, capa de revista, postal, entre outros. Sendo assim, a nossa tese é que o
dado corresponde à confirmação do ethos discursivo depreendido da personalidade
pública no objeto analisado; já o novo corresponde à negação do ethos discursivo
depreendido da personalidade pública no objeto analisado.
Isso implica em dizer, por exemplo, que a escolha por uma determinada
personalidade pública em uma propaganda, cartão postal ou capa de revista não é
aleatória e está imbricada a construção de muitas imagens discursivas. Dessa
forma, a construção do ethos discursivo de uma personalidade pública retratada em
uma imagem pode agregar (ou não) valor ao produto anunciado. Se estiver no plano
do dado as imagens discursivas (ethos efetivo) apresentadas pela personalidade
pública são também parte do objeto analisado. Já se estiver no plano do novo, as
imagens discursivas (ethos efetivo) apresentadas pela personalidade pública ainda
não são parte do objeto analisado.
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Essa tese parece se sustentar, ao menos em nossa análise: onde o ethos
efetivo depreedido de Paris Hilton, por estar no plano do dado, é agregado à
imagem da cerveja Devassa; já o ethos efetivo depreendido de Sandy, por estar no
plano do novo, ainda não é agregado à imagem da cerveja Devassa.
Conclusões
Em nossa pesquisa analisamos duas propagandas da cerveja Devassa, uma
que teve como garota propaganda a celebridade Paris Hilton e outra que teve como
garota propaganda a cantora Sandy Leah. Evidenciamos, por meio da análise de
textos, conforme do postula Maingueneau (2005; 2008) em sua teoria de ethos
discursivo, e imagens, conforme postula
Kress e Van Leeuwen (2006), que a
escolha e disposição da celebridade na propaganda não é aleatória e está imbricada
a construção de muitos significados. Nossa tese, como já dito, indica que os
significados composicionais de dado/novo podem ser complementados pelos
estudos do ethos depreendido das personalidades públicas presentes no objeto
analisado. Aqui o dado corresponde à confirmação do ethos efetivo depreendido da
personalidade pública no objeto analisado; já o novo corresponde à negação do
ethos efetivo depreendido da personalidade pública no objeto analisado.
Na propaganda com Paris Hilton, a cerveja estava no plano do novo e se
apoiava no ethos discursivo mostrado de Paris, a saber: bela, rica, sedutora. Já nas
publicidades com a cantora Sandy Leah, a cerveja está no plano do dado, ou seja,
nesse caso a informação deixa de ser apresentada como algo novo, mas sim como
uma informação já conhecida pelo leitor, e não se apóia, necessariamente, no ethos
discursivo da celebridade – a saber: compromissada e respeitosa/moral.
Foi possível observar também, através de uma análise dos Significados
Interativos, que os participantes Paris Hilton e Sandy Leah foram respectivamente
representados em um enquadramento do tipo plano aberto e plano médio, além de
ambos apresentarem um contato do tipo demanda. A escolha por essas
configurações nos textos analisados reforça ainda mais o caráter persuasivo das
propagandas. A partir dessa constatação, podemos dizer que o tipo de
enquadramento
(plano
aberto/
plano
médio)
estabelece
uma
relação
de
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impessoalidade e de distanciamento social entre os participantes representados e os
leitores. Já o contato entre os participantes representados e os leitores, sendo do
tipo demanda, implica a necessidade de uma ação e/ou resposta efetiva por parte
desses leitores, no caso específico da cerveja Devassa o seu consumo.
Referências Bibliográficas
DEVASSA. Devassa bem loura. : Disponível em: http://eduardogirao.blogspot.com/2010/07/devassabem-loura.html . Acesso em: 13 Abr. 2011.
HODGE, R.; KRESS, G. Social semiotics. Ithaca, NY: Cornell University Press. 1988.
KRESS, G; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of the design visual. London:
Routledge, 2006.
MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia e incorporação. In: AMOSSY, R. (Org.). Imagens de si no
discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 69-91.
MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. (Org.). Ethos discursivo.
São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.