REVISTA 119 REFERENCIA

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REVISTA 119 REFERENCIA
ARTIGOS
BACILLUS CEREUS
E SUAS
TOXINAS EM ALIMENTOS.
Emmanuela Prado de Paiva Ana Elizabeth Cavalcante Fai
Daniela Souza Soares
Tânia Lúcia Montenegro Stamford
Departamento de Nutrição, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
[email protected]
R ESUMO
Bacillus cereus faz parte do grupo
de bactérias formadoras de esporos que
tem sido associada a surtos de intoxicação alimentar. Muito já se tem estudado com a finalidade de identificar
seus fatores de virulência, entre eles as
toxinas emética e diarréica. Neste artigo realizamos uma revisão que tem
como objetivo demonstrar a importância desta bactéria, sua patogenicidade
e fatores de virulência, como ferramenta
para prevenção das Enfermidades
Transmitidas por Alimentos (ETA’S).
Palavras-chave: Toxina emética.
Toxina diarréica. Surtos. Virulência.
Summary
Bacillus cereus is part of the sporeforming bacteria group that has been
associated to foodborne intoxication
outbreaks. A lot of researches have been
done in order to identifying their virulence factors, as the emetic and diarrhoeagenic toxins. In this article we
accomplished a revision that has as
objective to demonstrate the importanHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171
ce of this bacterium, due to its pathogenesis and virulence factors, as a prevention tool for the occurrence of outbreaks of foodborne diseases.
Key words: Emetic toxin. Diarrhoeagenic toxin. Outbreaks. Virulence.
I NTRODUÇÃO
acillus cereus é uma bactéria ubíqua que pertence
à família Bacillaceae, se
apresenta em forma de bastão, Grampositiva, aeróbica facultativa, móvel e
formadora de esporos esféricos em presença de oxigênio. Esta bactéria tem
uma temperatura mínima de crescimento de aproximadamente 4 a 5ºC, com
máxima para germinação em torno de
48 a 50ºC, sendo tipicamente mesófila.
O crescimento foi observado na faixa
de pH entre 4,9 e 9,3 (HOLT et al,
2000).
Os esporos de B. cereus lhe conferem resistência a altas temperaturas,
B
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secagem, e a alguns sanitizantes químicos e radiações ionizantes, como a
UV, além de contribuir para os processos de adesão em superfícies (KOTIRANTA et al, 2000). A resistência destes está associada a sua estrutura morfológica, possuindo uma região central,
onde estão os elementos genéticos, junto com as enzimas necessárias a germinação e crescimento inicial do esporo,
sendo esta estrutura protegida do ambiente externo de dentro para fora por:
uma membrana interna, córtex, uma
cobertura interna e uma cobertura externa.
A resistência fisiológica aliada à sua
habilidade de produzir uma vasta gama
de enzimas que degradam diversos
substratos orgânicos possibilita esta
bactéria estar amplamente distribuída
no meio ambiente, sendo o solo seu reservatório natural (BLACKBURN &
MCCLURE, 2000; FRANCO & LANGRAF, 2002). Em virtude destas características, contamina facilmente diferentes tipos de alimentos, inclusive os
cozidos, com o benefício da inativação
da microflora competidora.
Contudo, é encontrado comumente
em baixos níveis nos alimentos (<102
UFC/g), os quais, em termos de saúde
pública (BRASIL, 2001) são considerados aceitáveis. Os surtos de intoxicação geralmente estão associados à falhas na conservação dos produtos mediante exposição a tempos e temperaturas inadequadas, propiciando, assim,
que estes microrganismos se multipliquem até níveis significativos (>105
UFC/g), ressaltando-se que, neste caso,
o microrganismo per se não é responsável pela patologia e sim as toxinas
que este produz (FORSYTHE, 2002 ).
A maioria das técnicas de detecção
de B. cereus faz uso de meios formulados contendo gema de ovo, os mais
comumente usados são os descritos por
Holbrook & Anderson (1980) conhecido como PEMBA. Este meio contém
um baixo nível de peptona para estimular a esporulação, piruvato para reduzir o tamanho das colônias, polimimarço/abril – 2009
ARTIGOS
xina como agente seletivo, gema de ovo
para demonstrar a produção de lecitinase, manitol como agente diferencial
e um pH indicativo (a produção de colônias manitol negativa, com uma forte reação de gema de ovo, caracterizada por um grande halo de precipitação,
é característica de B. cereus, ao contrario de outros Bacillus ssp.). Neste meio
de cultura o crescimento das colônias é
visível com 24h, e os esporos formados podem ser observados em microscópio de contraste de fases (BLACKBURN & MCCLURE, 2000).
Há também o meio MYP (Agar
manitol gema de ovo polimixina) ou
MYA (Agar manitol gema de ovo),
autorizados pelos órgãos regulatórios
internacionais. Caso se pretenda contar apenas os esporos, as células vegetativas devem ser mortas por tratamento térmico (diluição de 1:10, por 15 min,
a 70ºC) ou tratamentos alcoólicos (diluição de 1:1 em álcool etílico 95%, 30
minutos à temperatura ambiente)
(FORSYTHE, 2002).
Para a confirmação de B. cereus,
deve-se determinar a mobilidade (a
maioria dos B. cereus é móvel), a presença de cristais de toxina (comum em
B. thuringiensis), atividade hemolítica
(a maioria dos B. cereus e outros são âhemolíticos com exceção do B. anthracis) e o crescimento de rizóides típico
em B. mycoides. (FORSYTHE, 2002).
Em adição, temos que B. cereus é catalase positivo, oxidase variável e produtor de fosfolipases, além de diversas
enzimas extracelulares degradadoras
dos alimentos como: protease, amilases, lecitinases, sendo esta última utilizada na identificação do microrganismo em ensaios bioquímicos. (KONEMAN et al, 2001).
A diferenciação de B. cereus e B.
thuringiencis é de extrema importância quando se trata de contaminação
de alimentos, visto que estes são geneticamente bastante similares, e os
cristais de toxina do B. thuringiensis
estão sendo utilizados como bioinseticidas (DAMGAARD, 1995). Rosenquist et al (2005) em estudo de
48.901 amostras - que variaram de
frutas, vegetais, produtos tratados
com calor, pratos prontos, molhos,
pastas, arroz, carnes, peixes, maionese, sobremesas (sorvetes, bolos e pudins), detectou que 0,5 % das amostras estavam com mais de 104 UFC/gde Bacillus sp. O fato mais preocupante é que a maiorias das linhagens
identificadas nas amostras de alimentos pertenciam na verdade B. thuringiensis, conforme verificado pela presença de cristais intracelulares, demonstrando assim, que o uso de bioinseticidas carreadores de B. thurin-
giensis possa ser na realidade um veículo de contaminação alimentar.
A contaminação de alimentos por
B. cereus está associada à ocorrência
de dois tipos de síndrome devido à ingestão de alimentos contaminados com
cepas patogênicas produtoras de toxinas emética e diarréica. Na tabela 01
podem-se identificar as características
dos dois tipos de síndrome causada por
B. cereus.
Quando a toxina é a emética, em
geral, os alimentos implicados são pratos à base de arroz frio ou quente, cremes pasteurizados, espaguetes, purê de
batata e brotos vegetais. Quando a toxina é a diarretogênica os alimentos
veículos consistem em pratos à base de
cereais, contendo milho e amido de
milho, purê de batata, vegetais, carne
moída, linguiça de fígado, bolinho de
carne moída, leite, carne assada, pratos
à base de arroz ao estilo indonésio, pudins, sopas e outros (JAY, 2005).
No que concerne à detecção da toxina diarréica, produzidas por B. cereus, estão disponíveis kits comerciais
dos testes ELISA e RPLA que são baseados em ensaios imunoenzimáticos.
O ELISA ou Ensaio Imunossorbente
Ligado à Enzima é mais comumente
realizado usando anticorpos monoclonais sobre placas para capturar o antígeno alvo. O antígeno capturado é
Tabela 01. Características dos dois tipos de síndrome causados por B. cereus.
Adaptado: BLACKBURN & MCCLURE, 2000.
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então detectado usando um segundo
anticorpo que pode estar conjugado a
uma enzima, ressaltando-se que a adição de substrato facilita a visualização do antígeno-alvo. Na Aglutinação em Látex Reversa Passiva
(RPLA) as partículas de látex são recobertas com soro de coelho, o qual
é reativo contra o antígeno-alvo, ocorrendo a ligação antígeno-anticorpo
(aglutinação) na presença do antígeno. Sendo assim, o que se vê como
resultado positivo é a dispersão das
partículas na solução, enquanto o resultado negativo se da pela precipitação das partículas para o fundo da placa em forma de V (FORSYTHE,
2002).
Por muitos anos, a toxina emética
não pôde ser detectada devido a problemas de purificação, porém, atualmente, com o desenvolvimento de
modernos métodos esta identificação
já é possível. A cromatografia líquida, aliada à espectroscopia de massa,
está sendo utilizada como ferramenta
na identificação de quatro íons específicos presentes no cereulideo (H+,
NH+4, K+ e Na+). Técnicas biomoleculares como PCR (Reação em Cadeia de Polimerase) são empregadas
na detecção dos genes responsáveis
pela produção da toxina, no caso da
toxina emética o gene ces e da toxina
diarréica o modelo operon hbl (CARLIN et al, 2006; GRANUM &
LUND, 1997). Infelizmente devido
aos custos que envolvem estas técnicas, elas ainda não estão sendo empregadas em laboratórios de rotina.
Pirhonenan et al (2005), investigaram um caso de intoxicação alimentar na Finlândia, desenvolveram o que
parece ser um método alternativo através de análises bioquímicas. Eles perceberam que colônias com halo maiores que 4 mm em agar sangue, consideradas como hemolíticas, foram positivas para hidrolise de goma e lecitina. Colônias que tiveram halos
menores que 1-2, classificadas como
de baixa ou nenhuma hemólise, foHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171
ram negativas para hidrolise de gomas e positivas para a produção de
lecitinase. Posteriormente quando
comparados os resultados bioquímicos com os tipos de toxinas produzidas verificou-se que colônias com
baixa ou nenhuma hemólise tinham
toxina de comportamento cereulideo
e que as colônias hemolíticas tinham
toxinas de comportamento diarréico.
Desprende-se, do acima exposto, a necessidade de se dar atenção às colônias de baixa ou nenhuma hemólise
em combinação a outros testes bioquímicos, uma vez que estes indícios
podem ser pistas para uma identificação viável de linhagens que produzam
toxinas eméticas.
B. cereus tem merecido destaque
na atualidade devido à sua crescente
presença nos alimentos sejam estes in
natura, processados, como os desidratados e esterilizados, semi-prontos ou
preparados e servidos em unidades de
alimentação.
Mendes et al (2004) estudaram B.
cereus em 24 bancadas de aço inox
em uma unidade de alimentação e nutrição de uma Universidade Publica
de Viçosa – MG. O microrganismo,
em questão, não foi detectado em 73%
das amostras, observando-se, que, os
27% de casos positivos ocorreram em
bancadas localizadas no setor de prépreparo de vegetais, local onde se manipulavam alimentos que na maioria
das vezes não recebiam tratamento
térmico de acabamento.
No entanto, mesmo com tratamento térmico UAT (ultra-alta temperatura), leites pesquisados por VidalMartins et al (2005) também foram
alvos de contaminação por B. cereus,
sendo detectado em 11,8% das 13
amostras de diferentes marcas comercializadas em São José do Rio Preto
–SP. Atribuiu-se, assim, a presença
deste patógeno como possível resultado de condições higiênico-sanitárias precárias na ordenha, beneficiamento ou transporte do leite, enfatizando-se que apesar do tratamento
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UAT ser capaz de eliminar totalmente a forma vegetativa do microorganismo, formas esporuladas, altamente resistentes ao calor poderão persistir e germinar no produto final se presentes no leite antes do tratamento
térmico.
Mesmo produtos desidratados e
farináceos têm demonstrado grande
potencialidade para a contaminação
e desenvolvimento de B. cereus.
Shaheen et al (2006) estudaram a presença de B. cereus nestas formulações. Após a reconstituição destes alimentos e seguidos dos procedimentos microbiológicos, obteve-se 11
colônias de B. cereus com atividade
tóxica após 24h de crescimento. Com
o isolamento das culturas puras foi
possível identificar a presença de 2200 μg de cereulideo por 100 ml de
alimento acumuladas por 24h sem
refrigeração. Os tipos de formulação
tiveram influencia sobre a estabilidade da produção de cereulideo, alimentos ricos em cereais e vegetais desidratados deram maior suporte ao desenvolvimento da toxina.
Sendo assim, este trabalho teve por
objetivo abordar os principais aspectos quanto às características de B. cereus e suas toxinas em alimentos pois
é imprescindível o conhecimento dos
fatores que interferem na germinação
deste microrganismo para, então, evitá-lo, garantindo, deste modo, a sanidade dos alimentos.
Aspectos epidemiológicos
B. cereus tem sido associado com
intoxicações alimentares na Europa
desde 1906. O primeiro pesquisador
a descrever essa síndrome com precisão foi Plazikowski, e só apenas em
1950 este bacilo foi reconhecido
como causador de enfermidades
transmitidas por alimentos (ETA’s).
O primeiro surto documentado nos
EUA ocorreu em 1969, e na Grã-Bretanha em 1971. (JAY, 2005).
Devido à subnotificação das
ETA’s causadas por B. cereus, existe
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pouca precisão dos registros entre os
surtos dos vários países. As intoxicações do tipo diarréicas têm sido registradas na Hungria, Finlândia, Bulgária e Noruega, com mais frequência que a síndrome emética. No Japão e Reino Unido esta última foi
prevalente entre os anos de 1950 –
1985 (KRAMER & GILBERT,
1989). Entre 1973 -1985 de todos os
registros de intoxicação causados por
bactérias, B. cereus foi responsável
por: 17.8% dos casos na Finlândia,
11,5% nos Países Baixos, 0,8% na
Escócia, 0,7% na Inglaterra e Pais de
Gales, 2,2 % no Canadá, 0,7% no Japão e 15% (entre1960-1968) na Hungria (KOTIRANTA et al, 2000). Entre 1988 -1993 B. cereus foi responsável por 33% de todos os casos de
ETA’s na Noruega e de 47% dos casos na Islândia entre 1985-1992. Em
1994 o Departamento de saúde de
Taiwan registrou 74 casos de intoxicação, destas 14,9% foram causadas
por B. cereus (GRANUM & LUND,
1997). Nesta mesma década foi registrado um caso de óbito causado B.
cereus e o alimento envolvido foi espaguete contaminado com a toxina
emética, o paciente manifestou sintomas da síndrome emética que resultou na falência do fígado causada por
inibição da oxidação lipídica (MAHLER et al, 1997).
Em 2005 foi registrado um caso
de intoxicação de duas pessoas na
Finlândia que se alimentaram de uma
mistura de picadinhos de carne e massa, estas tiveram tanto os sintomas
eméticos como os diarréicos, possivelmente porque estavam presentes
duas linhagens genéticas diferentes
(PIRHONENAN et al, 2005).
A diversidade de países envolvidos em surtos por B. cereus reflete
os diferentes hábitos alimentares e a
diversidade de alimentos em que este
pode se proliferar. Refeições a base
de arroz frio ou cozido, cremes pasteurizados, espaguetes, purê de batata e brotos vegetais, são comuns no
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Japão, Grã-bretanha, Finlândia, e
EUA onde prevalecem os sintomas
da intoxicação emética. Já alimentos
como sopas, leite e derivados, pratos
que contenham carne e temperos são
comumente consumidos nos Países
da Europa e América do Norte, onde
predomina a intoxicação diarréica
(BLACKBURN & MCCLURE,
2000).
Fatores de virulência
A patogenicidade do B. cereus tem
sido associada à sua capacidade de
produzir toxinas. Estas são: três tipos
de toxina diarréica, toxina emética,
quatro hemolisinas e três diferentes
fosfolipases C. Além da presença de
uma proteína na parede celular, denominada S-layer, responsável pela
adesão do microrganismo a tecidos
humanos. Contudo a habilidade de
produção destes fatores de virulência
varia de acordo com as linhagens
(KOTIRANTA et al, 2000).
Dentre as enterotoxinas diarréicas
duas têm sua estrutura molecular e virulências bem conhecidas. Thompson
et al. (1983) na tentativa de aperfeiçoar
os métodos de separação por cromatografia da proteína B-4ac associada aos
sintomas da intoxicação diarréica caracterizou um complexo protéico extracelular tripartido (38, 39.5, e 43 kDa),
o qual foi posteriormente referido como
complexo HBL, tendo suas proteínas
denominadas de: L2 (46 kDa), L1 (38
kDa) e B (37 kDa). HBL é hemolítico
e são necessários os três componentes
para uma ação máxima que inclui citotoxicidade, ação dermonecrotica, permeabilidade vascular e acúmulo de líquidos em coelhos com alça de íleo ligada. Já se sabe que os componentes
L2 e L1 têm ação lítica e que o componente B funciona nos processos de ligação ao hospedeiro. Acredita-se que
HBL é o fator de virulência primário
em B. cereus (GRANUM & LUND,
1997).
A segunda enterotoxina NHE também é um complexo tripartido de pro-
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teínas denominadas L1 (39 kDa), L2
(45 kDa) e B (105 kDa). Não é hemolítica e foi recentemente caracterizada por Granum & Lund (1996),
sendo bastante similar a HBL e manifestando os mesmos sintomas em
pessoas infectadas. Entretanto, as linhagens de B. cereus que produzem
NHE podem manifestar seus sintomas de forma branda apenas com os
componentes L1 e B, porém, sua ação
máxima, também se dá pela ação conjunta dos três componentes. Estudos
realizados com NHE indicaram que
a fração de 105 kDa é o componente
de ligação a células alvo e que L2 e
L1 são geneticamente bastante similares. A toxicidade da terceira enterotoxina, denominada T, todavia não foi
completamente elucidada, embora se
saiba que esta é constituída de uma
única proteína de 41 kDa e que não
apresenta propriedade hemolítica.
A toxina emética, por sua vez, é
um dodecapsipeptideo ou uma estrutura em anel denominado cereulideo.
Este é constituído de uma sequência
de três a quatro aminoácidos em sequência repetida, com peso molecular de 1,2 kDa., bastante similar ao
antibiótico valiomicina, insolúvel em
água, resistente ao calor (126 ºC por
90 min), ácidos e enzimas proteolíticas (BLACKBURN & MCCLURE,
2000).
Carlin et al (2006), concluíram
que as linhagens que possuem genes
para codificar a toxina emética fazem
parte de um grupo que evoluiu separadamente das outras espécies de B.
cereus, ou seja, o microrganismo só
pode produzir um tipo de toxina:
emética ou diarréica. Entretanto ainda não está totalmente esclarecido se
o cereulideo é um produto genético
ou enzimático no meio de cultura.
Agata et al (1995), devido às dificuldades de purificação do cereulideo, utilizou roedores domésticos
oriundos do Japão, Suncus murinus,
como modelo animal para estudos da
ação emética da toxina do B. cereus.
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Eles constataram que a toxina é capaz de induzir a formação de vacúolos em células Hep-2, ação emética
através dos receptores 5-HT3 e estímulos no nervo vago aferente além
de inibir as mitocôndrias do fígado
no processo de oxidação dos lipídeos. Em estudos posteriores, Mikkola
et al, 1999, utilizaram mitocôndrias
de espermatozóide de javali para estudar a formação de vacúolos por
ação da toxina emética e verificou que
estes vacúolos causam o desacoplamento da fosforilação oxidativa por
atingir os canais dos íon K+.
No que refere às hemolisinas, estas, são responsáveis pela atividade
hemolítica do B. cereus e tem assumido papel nos processos de infecção. A cereolisina é possivelmente
um receptor de membrana, termo-lábil, tiol-ativada e pode ser inibida por
colesterol. A Hemolisina II, não é
inibida por colesterol, e pode estar
associada a uma toxina isolada de um
caso de intoxicação alimentar que foi
letal quando testada em ratos. Recentemente, uma nova hemolisina codificada pelo gene Hly-III, a hemolisina III foi sequenciada, a qual foi capaz de causar lise em eritrócitos, por
causar a formação de poros transmembrana. A esfingomielinase é também uma proteína de atividade hemolítica e participa do processo de ligação do B. cereus aos eritrócitos
(GRANUM & LUND, 1997).
B. cereus produz três tipos de fosfolipases C, cada uma com diferentes mecanismos. A fosfatidilinositol
hidrolase, a fosfatidilcolina hidrolase e a esfingomielinase hemolítica. O
primeiro hidrolisa fosfatidilinosito e
derivados glicosilados de fosfatidilinositol, os quais participam do ancoramento de proteínas na superfície de
membranas plasmáticas. O segundo
hidrolisa fosfatidilcolina, fosfatidiletanolamida e fosfatidilserina, ressaltando-se que, todas estas moléculas
fazem parte da maioria das membranas plasmáticas de eucariotos e proHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171
cariotos, sugerindo-se, assim, que
estas fosfolipases participam da destruição do epitélio de tecidos infectados e degradação da matriz subepitelial (KOTIRANTA et al, 2000).
A aderência é essencial para muitas bactérias expressarem seus fatores de virulência. Neste sentido, Slayer é uma proteína que recobre a
parede celular do B. cereus, e permite maior estabilidade em outras matrizes celulares. Estudos indicam que
a presença de S-layer garante uma
efetiva ligação à matriz de células
humanas, enquanto a perda desta proteína resulta na diminuição da hidrofobicidade e capacidade de adesão às
células. (KOTIRANTA et al, 2000).
Acredita-se que todos estes aparatos façam parte de um complexo de
virulência, que dependem da informação genética do microrganismo,
presente no DNA e em plasmídeos,
que são primordiais para o sucesso de
invasão ao hospedeiro.
Medidas preventivas
Bacillus cereus é frequentemente
encontrado em alimentos secos: temperos, ingredientes farináceos, leite
em pó, na forma de esporos resistentes ao calor, uma vez que a reidratação destes alimentos dará condições
viáveis a sua germinação, se esta
ocorrer. Das várias formas de tratamento térmico, o cozimento em vapor sob
pressão, a fritura e o assar em forno a
temperaturas superiores a 100 ºC permitirá a eliminação das células vegetativas, contudo parte dos esporos
pode não ser eliminado, pois já se
sabe que nem todos os esporos poderiam germinar ao mesmo tempo e que
resistem a temperaturas superiores a
100ºC (BLACKBURN & MCCLURE, 2000).
O controle consiste inicialmente
em limitar a germinação dos esporos,
manutenção de um nível baixo de
células viáveis (< que 104 células), ou
seja, controlar o crescimento das células ali presentes, através do contro-
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le da temperatura, atividade de água,
pH e combinação destes. Para carnes
de porco Byrne et al (2006) verificaram que um tratamento térmico, o
qual pudesse destruir células vegetativas e esporos do Bacillus cereus e
Clostridium perfringens, precisaria
de 33.2 min a temperatura de 50 ºC e
1.0 min para temperatura de 60 ºC.
Logo, recomendações para o cozimento de carnes a 70ºC por 2 min parecem ser suficiente para alcançar a
redução de 6 logaritmos da população de Bacillus cereus, entretanto, os
esporos poderiam ainda sobreviver,
por isso é significante lembrar a importância dos processo de higienização e do cozimento seguido de rápido resfriamento.
Além das medidas já citadas, a utilização de substâncias protetoras pode
ser uma via para garantir maior conservação do produto. Com este pensamento, Abriouel et al (2002) verificaram a potencialidade dada pela
Bacteriocina AS-48. Esta é um peptídeo cíclico produzido por Enterococcus faecalis que mostrou ter alta
atividade bactericida para B. cereus
mesófilos e psicotróficos sob variadas condições de temperatura e pH.
Eles também verificaram que o uso
combinado de AS-48 e nitrito de sódio, lactato de sódio e cloreto de sódio garantiu melhores resultados contra as células vegetativas e os esporos de B. cereus.
C ONSIDERAÇÕES
FINAIS
Há um interesse crescente da comunidade científica em investigar B.
cereus, sendo, atualmente, este microrganismo alvo de investigações
permanentes no campo da microbiologia e que avançam com a bioquímica e genética molecular. Sabemos,
entretanto que ainda não estão esclarecidos muitos dos aspectos que envolvem os surtos de intoxicação já
que fatores de virulência são continuamente descobertos e alvos de pumarço/abril – 2009
ARTIGOS
blicação. Contudo, os estudos nas áreas da saúde e dos alimentos têm trazido discussões que convergem para
um aumento das ações que tem como
alvo evitar surtos e contaminações
por B. cereus.
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março/abril – 2009

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