REVISTA 119 REFERENCIA
Transcrição
REVISTA 119 REFERENCIA
ARTIGOS BACILLUS CEREUS E SUAS TOXINAS EM ALIMENTOS. Emmanuela Prado de Paiva Ana Elizabeth Cavalcante Fai Daniela Souza Soares Tânia Lúcia Montenegro Stamford Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. [email protected] R ESUMO Bacillus cereus faz parte do grupo de bactérias formadoras de esporos que tem sido associada a surtos de intoxicação alimentar. Muito já se tem estudado com a finalidade de identificar seus fatores de virulência, entre eles as toxinas emética e diarréica. Neste artigo realizamos uma revisão que tem como objetivo demonstrar a importância desta bactéria, sua patogenicidade e fatores de virulência, como ferramenta para prevenção das Enfermidades Transmitidas por Alimentos (ETA’S). Palavras-chave: Toxina emética. Toxina diarréica. Surtos. Virulência. Summary Bacillus cereus is part of the sporeforming bacteria group that has been associated to foodborne intoxication outbreaks. A lot of researches have been done in order to identifying their virulence factors, as the emetic and diarrhoeagenic toxins. In this article we accomplished a revision that has as objective to demonstrate the importanHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 ce of this bacterium, due to its pathogenesis and virulence factors, as a prevention tool for the occurrence of outbreaks of foodborne diseases. Key words: Emetic toxin. Diarrhoeagenic toxin. Outbreaks. Virulence. I NTRODUÇÃO acillus cereus é uma bactéria ubíqua que pertence à família Bacillaceae, se apresenta em forma de bastão, Grampositiva, aeróbica facultativa, móvel e formadora de esporos esféricos em presença de oxigênio. Esta bactéria tem uma temperatura mínima de crescimento de aproximadamente 4 a 5ºC, com máxima para germinação em torno de 48 a 50ºC, sendo tipicamente mesófila. O crescimento foi observado na faixa de pH entre 4,9 e 9,3 (HOLT et al, 2000). Os esporos de B. cereus lhe conferem resistência a altas temperaturas, B 87 secagem, e a alguns sanitizantes químicos e radiações ionizantes, como a UV, além de contribuir para os processos de adesão em superfícies (KOTIRANTA et al, 2000). A resistência destes está associada a sua estrutura morfológica, possuindo uma região central, onde estão os elementos genéticos, junto com as enzimas necessárias a germinação e crescimento inicial do esporo, sendo esta estrutura protegida do ambiente externo de dentro para fora por: uma membrana interna, córtex, uma cobertura interna e uma cobertura externa. A resistência fisiológica aliada à sua habilidade de produzir uma vasta gama de enzimas que degradam diversos substratos orgânicos possibilita esta bactéria estar amplamente distribuída no meio ambiente, sendo o solo seu reservatório natural (BLACKBURN & MCCLURE, 2000; FRANCO & LANGRAF, 2002). Em virtude destas características, contamina facilmente diferentes tipos de alimentos, inclusive os cozidos, com o benefício da inativação da microflora competidora. Contudo, é encontrado comumente em baixos níveis nos alimentos (<102 UFC/g), os quais, em termos de saúde pública (BRASIL, 2001) são considerados aceitáveis. Os surtos de intoxicação geralmente estão associados à falhas na conservação dos produtos mediante exposição a tempos e temperaturas inadequadas, propiciando, assim, que estes microrganismos se multipliquem até níveis significativos (>105 UFC/g), ressaltando-se que, neste caso, o microrganismo per se não é responsável pela patologia e sim as toxinas que este produz (FORSYTHE, 2002 ). A maioria das técnicas de detecção de B. cereus faz uso de meios formulados contendo gema de ovo, os mais comumente usados são os descritos por Holbrook & Anderson (1980) conhecido como PEMBA. Este meio contém um baixo nível de peptona para estimular a esporulação, piruvato para reduzir o tamanho das colônias, polimimarço/abril – 2009 ARTIGOS xina como agente seletivo, gema de ovo para demonstrar a produção de lecitinase, manitol como agente diferencial e um pH indicativo (a produção de colônias manitol negativa, com uma forte reação de gema de ovo, caracterizada por um grande halo de precipitação, é característica de B. cereus, ao contrario de outros Bacillus ssp.). Neste meio de cultura o crescimento das colônias é visível com 24h, e os esporos formados podem ser observados em microscópio de contraste de fases (BLACKBURN & MCCLURE, 2000). Há também o meio MYP (Agar manitol gema de ovo polimixina) ou MYA (Agar manitol gema de ovo), autorizados pelos órgãos regulatórios internacionais. Caso se pretenda contar apenas os esporos, as células vegetativas devem ser mortas por tratamento térmico (diluição de 1:10, por 15 min, a 70ºC) ou tratamentos alcoólicos (diluição de 1:1 em álcool etílico 95%, 30 minutos à temperatura ambiente) (FORSYTHE, 2002). Para a confirmação de B. cereus, deve-se determinar a mobilidade (a maioria dos B. cereus é móvel), a presença de cristais de toxina (comum em B. thuringiensis), atividade hemolítica (a maioria dos B. cereus e outros são âhemolíticos com exceção do B. anthracis) e o crescimento de rizóides típico em B. mycoides. (FORSYTHE, 2002). Em adição, temos que B. cereus é catalase positivo, oxidase variável e produtor de fosfolipases, além de diversas enzimas extracelulares degradadoras dos alimentos como: protease, amilases, lecitinases, sendo esta última utilizada na identificação do microrganismo em ensaios bioquímicos. (KONEMAN et al, 2001). A diferenciação de B. cereus e B. thuringiencis é de extrema importância quando se trata de contaminação de alimentos, visto que estes são geneticamente bastante similares, e os cristais de toxina do B. thuringiensis estão sendo utilizados como bioinseticidas (DAMGAARD, 1995). Rosenquist et al (2005) em estudo de 48.901 amostras - que variaram de frutas, vegetais, produtos tratados com calor, pratos prontos, molhos, pastas, arroz, carnes, peixes, maionese, sobremesas (sorvetes, bolos e pudins), detectou que 0,5 % das amostras estavam com mais de 104 UFC/gde Bacillus sp. O fato mais preocupante é que a maiorias das linhagens identificadas nas amostras de alimentos pertenciam na verdade B. thuringiensis, conforme verificado pela presença de cristais intracelulares, demonstrando assim, que o uso de bioinseticidas carreadores de B. thurin- giensis possa ser na realidade um veículo de contaminação alimentar. A contaminação de alimentos por B. cereus está associada à ocorrência de dois tipos de síndrome devido à ingestão de alimentos contaminados com cepas patogênicas produtoras de toxinas emética e diarréica. Na tabela 01 podem-se identificar as características dos dois tipos de síndrome causada por B. cereus. Quando a toxina é a emética, em geral, os alimentos implicados são pratos à base de arroz frio ou quente, cremes pasteurizados, espaguetes, purê de batata e brotos vegetais. Quando a toxina é a diarretogênica os alimentos veículos consistem em pratos à base de cereais, contendo milho e amido de milho, purê de batata, vegetais, carne moída, linguiça de fígado, bolinho de carne moída, leite, carne assada, pratos à base de arroz ao estilo indonésio, pudins, sopas e outros (JAY, 2005). No que concerne à detecção da toxina diarréica, produzidas por B. cereus, estão disponíveis kits comerciais dos testes ELISA e RPLA que são baseados em ensaios imunoenzimáticos. O ELISA ou Ensaio Imunossorbente Ligado à Enzima é mais comumente realizado usando anticorpos monoclonais sobre placas para capturar o antígeno alvo. O antígeno capturado é Tabela 01. Características dos dois tipos de síndrome causados por B. cereus. Adaptado: BLACKBURN & MCCLURE, 2000. Higiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 88 março/abril – 2009 ARTIGOS então detectado usando um segundo anticorpo que pode estar conjugado a uma enzima, ressaltando-se que a adição de substrato facilita a visualização do antígeno-alvo. Na Aglutinação em Látex Reversa Passiva (RPLA) as partículas de látex são recobertas com soro de coelho, o qual é reativo contra o antígeno-alvo, ocorrendo a ligação antígeno-anticorpo (aglutinação) na presença do antígeno. Sendo assim, o que se vê como resultado positivo é a dispersão das partículas na solução, enquanto o resultado negativo se da pela precipitação das partículas para o fundo da placa em forma de V (FORSYTHE, 2002). Por muitos anos, a toxina emética não pôde ser detectada devido a problemas de purificação, porém, atualmente, com o desenvolvimento de modernos métodos esta identificação já é possível. A cromatografia líquida, aliada à espectroscopia de massa, está sendo utilizada como ferramenta na identificação de quatro íons específicos presentes no cereulideo (H+, NH+4, K+ e Na+). Técnicas biomoleculares como PCR (Reação em Cadeia de Polimerase) são empregadas na detecção dos genes responsáveis pela produção da toxina, no caso da toxina emética o gene ces e da toxina diarréica o modelo operon hbl (CARLIN et al, 2006; GRANUM & LUND, 1997). Infelizmente devido aos custos que envolvem estas técnicas, elas ainda não estão sendo empregadas em laboratórios de rotina. Pirhonenan et al (2005), investigaram um caso de intoxicação alimentar na Finlândia, desenvolveram o que parece ser um método alternativo através de análises bioquímicas. Eles perceberam que colônias com halo maiores que 4 mm em agar sangue, consideradas como hemolíticas, foram positivas para hidrolise de goma e lecitina. Colônias que tiveram halos menores que 1-2, classificadas como de baixa ou nenhuma hemólise, foHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 ram negativas para hidrolise de gomas e positivas para a produção de lecitinase. Posteriormente quando comparados os resultados bioquímicos com os tipos de toxinas produzidas verificou-se que colônias com baixa ou nenhuma hemólise tinham toxina de comportamento cereulideo e que as colônias hemolíticas tinham toxinas de comportamento diarréico. Desprende-se, do acima exposto, a necessidade de se dar atenção às colônias de baixa ou nenhuma hemólise em combinação a outros testes bioquímicos, uma vez que estes indícios podem ser pistas para uma identificação viável de linhagens que produzam toxinas eméticas. B. cereus tem merecido destaque na atualidade devido à sua crescente presença nos alimentos sejam estes in natura, processados, como os desidratados e esterilizados, semi-prontos ou preparados e servidos em unidades de alimentação. Mendes et al (2004) estudaram B. cereus em 24 bancadas de aço inox em uma unidade de alimentação e nutrição de uma Universidade Publica de Viçosa – MG. O microrganismo, em questão, não foi detectado em 73% das amostras, observando-se, que, os 27% de casos positivos ocorreram em bancadas localizadas no setor de prépreparo de vegetais, local onde se manipulavam alimentos que na maioria das vezes não recebiam tratamento térmico de acabamento. No entanto, mesmo com tratamento térmico UAT (ultra-alta temperatura), leites pesquisados por VidalMartins et al (2005) também foram alvos de contaminação por B. cereus, sendo detectado em 11,8% das 13 amostras de diferentes marcas comercializadas em São José do Rio Preto –SP. Atribuiu-se, assim, a presença deste patógeno como possível resultado de condições higiênico-sanitárias precárias na ordenha, beneficiamento ou transporte do leite, enfatizando-se que apesar do tratamento 89 UAT ser capaz de eliminar totalmente a forma vegetativa do microorganismo, formas esporuladas, altamente resistentes ao calor poderão persistir e germinar no produto final se presentes no leite antes do tratamento térmico. Mesmo produtos desidratados e farináceos têm demonstrado grande potencialidade para a contaminação e desenvolvimento de B. cereus. Shaheen et al (2006) estudaram a presença de B. cereus nestas formulações. Após a reconstituição destes alimentos e seguidos dos procedimentos microbiológicos, obteve-se 11 colônias de B. cereus com atividade tóxica após 24h de crescimento. Com o isolamento das culturas puras foi possível identificar a presença de 2200 μg de cereulideo por 100 ml de alimento acumuladas por 24h sem refrigeração. Os tipos de formulação tiveram influencia sobre a estabilidade da produção de cereulideo, alimentos ricos em cereais e vegetais desidratados deram maior suporte ao desenvolvimento da toxina. Sendo assim, este trabalho teve por objetivo abordar os principais aspectos quanto às características de B. cereus e suas toxinas em alimentos pois é imprescindível o conhecimento dos fatores que interferem na germinação deste microrganismo para, então, evitá-lo, garantindo, deste modo, a sanidade dos alimentos. Aspectos epidemiológicos B. cereus tem sido associado com intoxicações alimentares na Europa desde 1906. O primeiro pesquisador a descrever essa síndrome com precisão foi Plazikowski, e só apenas em 1950 este bacilo foi reconhecido como causador de enfermidades transmitidas por alimentos (ETA’s). O primeiro surto documentado nos EUA ocorreu em 1969, e na Grã-Bretanha em 1971. (JAY, 2005). Devido à subnotificação das ETA’s causadas por B. cereus, existe março/abril – 2009 ARTIGOS pouca precisão dos registros entre os surtos dos vários países. As intoxicações do tipo diarréicas têm sido registradas na Hungria, Finlândia, Bulgária e Noruega, com mais frequência que a síndrome emética. No Japão e Reino Unido esta última foi prevalente entre os anos de 1950 – 1985 (KRAMER & GILBERT, 1989). Entre 1973 -1985 de todos os registros de intoxicação causados por bactérias, B. cereus foi responsável por: 17.8% dos casos na Finlândia, 11,5% nos Países Baixos, 0,8% na Escócia, 0,7% na Inglaterra e Pais de Gales, 2,2 % no Canadá, 0,7% no Japão e 15% (entre1960-1968) na Hungria (KOTIRANTA et al, 2000). Entre 1988 -1993 B. cereus foi responsável por 33% de todos os casos de ETA’s na Noruega e de 47% dos casos na Islândia entre 1985-1992. Em 1994 o Departamento de saúde de Taiwan registrou 74 casos de intoxicação, destas 14,9% foram causadas por B. cereus (GRANUM & LUND, 1997). Nesta mesma década foi registrado um caso de óbito causado B. cereus e o alimento envolvido foi espaguete contaminado com a toxina emética, o paciente manifestou sintomas da síndrome emética que resultou na falência do fígado causada por inibição da oxidação lipídica (MAHLER et al, 1997). Em 2005 foi registrado um caso de intoxicação de duas pessoas na Finlândia que se alimentaram de uma mistura de picadinhos de carne e massa, estas tiveram tanto os sintomas eméticos como os diarréicos, possivelmente porque estavam presentes duas linhagens genéticas diferentes (PIRHONENAN et al, 2005). A diversidade de países envolvidos em surtos por B. cereus reflete os diferentes hábitos alimentares e a diversidade de alimentos em que este pode se proliferar. Refeições a base de arroz frio ou cozido, cremes pasteurizados, espaguetes, purê de batata e brotos vegetais, são comuns no Higiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 Japão, Grã-bretanha, Finlândia, e EUA onde prevalecem os sintomas da intoxicação emética. Já alimentos como sopas, leite e derivados, pratos que contenham carne e temperos são comumente consumidos nos Países da Europa e América do Norte, onde predomina a intoxicação diarréica (BLACKBURN & MCCLURE, 2000). Fatores de virulência A patogenicidade do B. cereus tem sido associada à sua capacidade de produzir toxinas. Estas são: três tipos de toxina diarréica, toxina emética, quatro hemolisinas e três diferentes fosfolipases C. Além da presença de uma proteína na parede celular, denominada S-layer, responsável pela adesão do microrganismo a tecidos humanos. Contudo a habilidade de produção destes fatores de virulência varia de acordo com as linhagens (KOTIRANTA et al, 2000). Dentre as enterotoxinas diarréicas duas têm sua estrutura molecular e virulências bem conhecidas. Thompson et al. (1983) na tentativa de aperfeiçoar os métodos de separação por cromatografia da proteína B-4ac associada aos sintomas da intoxicação diarréica caracterizou um complexo protéico extracelular tripartido (38, 39.5, e 43 kDa), o qual foi posteriormente referido como complexo HBL, tendo suas proteínas denominadas de: L2 (46 kDa), L1 (38 kDa) e B (37 kDa). HBL é hemolítico e são necessários os três componentes para uma ação máxima que inclui citotoxicidade, ação dermonecrotica, permeabilidade vascular e acúmulo de líquidos em coelhos com alça de íleo ligada. Já se sabe que os componentes L2 e L1 têm ação lítica e que o componente B funciona nos processos de ligação ao hospedeiro. Acredita-se que HBL é o fator de virulência primário em B. cereus (GRANUM & LUND, 1997). A segunda enterotoxina NHE também é um complexo tripartido de pro- 90 teínas denominadas L1 (39 kDa), L2 (45 kDa) e B (105 kDa). Não é hemolítica e foi recentemente caracterizada por Granum & Lund (1996), sendo bastante similar a HBL e manifestando os mesmos sintomas em pessoas infectadas. Entretanto, as linhagens de B. cereus que produzem NHE podem manifestar seus sintomas de forma branda apenas com os componentes L1 e B, porém, sua ação máxima, também se dá pela ação conjunta dos três componentes. Estudos realizados com NHE indicaram que a fração de 105 kDa é o componente de ligação a células alvo e que L2 e L1 são geneticamente bastante similares. A toxicidade da terceira enterotoxina, denominada T, todavia não foi completamente elucidada, embora se saiba que esta é constituída de uma única proteína de 41 kDa e que não apresenta propriedade hemolítica. A toxina emética, por sua vez, é um dodecapsipeptideo ou uma estrutura em anel denominado cereulideo. Este é constituído de uma sequência de três a quatro aminoácidos em sequência repetida, com peso molecular de 1,2 kDa., bastante similar ao antibiótico valiomicina, insolúvel em água, resistente ao calor (126 ºC por 90 min), ácidos e enzimas proteolíticas (BLACKBURN & MCCLURE, 2000). Carlin et al (2006), concluíram que as linhagens que possuem genes para codificar a toxina emética fazem parte de um grupo que evoluiu separadamente das outras espécies de B. cereus, ou seja, o microrganismo só pode produzir um tipo de toxina: emética ou diarréica. Entretanto ainda não está totalmente esclarecido se o cereulideo é um produto genético ou enzimático no meio de cultura. Agata et al (1995), devido às dificuldades de purificação do cereulideo, utilizou roedores domésticos oriundos do Japão, Suncus murinus, como modelo animal para estudos da ação emética da toxina do B. cereus. março/abril – 2009 ARTIGOS Eles constataram que a toxina é capaz de induzir a formação de vacúolos em células Hep-2, ação emética através dos receptores 5-HT3 e estímulos no nervo vago aferente além de inibir as mitocôndrias do fígado no processo de oxidação dos lipídeos. Em estudos posteriores, Mikkola et al, 1999, utilizaram mitocôndrias de espermatozóide de javali para estudar a formação de vacúolos por ação da toxina emética e verificou que estes vacúolos causam o desacoplamento da fosforilação oxidativa por atingir os canais dos íon K+. No que refere às hemolisinas, estas, são responsáveis pela atividade hemolítica do B. cereus e tem assumido papel nos processos de infecção. A cereolisina é possivelmente um receptor de membrana, termo-lábil, tiol-ativada e pode ser inibida por colesterol. A Hemolisina II, não é inibida por colesterol, e pode estar associada a uma toxina isolada de um caso de intoxicação alimentar que foi letal quando testada em ratos. Recentemente, uma nova hemolisina codificada pelo gene Hly-III, a hemolisina III foi sequenciada, a qual foi capaz de causar lise em eritrócitos, por causar a formação de poros transmembrana. A esfingomielinase é também uma proteína de atividade hemolítica e participa do processo de ligação do B. cereus aos eritrócitos (GRANUM & LUND, 1997). B. cereus produz três tipos de fosfolipases C, cada uma com diferentes mecanismos. A fosfatidilinositol hidrolase, a fosfatidilcolina hidrolase e a esfingomielinase hemolítica. O primeiro hidrolisa fosfatidilinosito e derivados glicosilados de fosfatidilinositol, os quais participam do ancoramento de proteínas na superfície de membranas plasmáticas. O segundo hidrolisa fosfatidilcolina, fosfatidiletanolamida e fosfatidilserina, ressaltando-se que, todas estas moléculas fazem parte da maioria das membranas plasmáticas de eucariotos e proHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 cariotos, sugerindo-se, assim, que estas fosfolipases participam da destruição do epitélio de tecidos infectados e degradação da matriz subepitelial (KOTIRANTA et al, 2000). A aderência é essencial para muitas bactérias expressarem seus fatores de virulência. Neste sentido, Slayer é uma proteína que recobre a parede celular do B. cereus, e permite maior estabilidade em outras matrizes celulares. Estudos indicam que a presença de S-layer garante uma efetiva ligação à matriz de células humanas, enquanto a perda desta proteína resulta na diminuição da hidrofobicidade e capacidade de adesão às células. (KOTIRANTA et al, 2000). Acredita-se que todos estes aparatos façam parte de um complexo de virulência, que dependem da informação genética do microrganismo, presente no DNA e em plasmídeos, que são primordiais para o sucesso de invasão ao hospedeiro. Medidas preventivas Bacillus cereus é frequentemente encontrado em alimentos secos: temperos, ingredientes farináceos, leite em pó, na forma de esporos resistentes ao calor, uma vez que a reidratação destes alimentos dará condições viáveis a sua germinação, se esta ocorrer. Das várias formas de tratamento térmico, o cozimento em vapor sob pressão, a fritura e o assar em forno a temperaturas superiores a 100 ºC permitirá a eliminação das células vegetativas, contudo parte dos esporos pode não ser eliminado, pois já se sabe que nem todos os esporos poderiam germinar ao mesmo tempo e que resistem a temperaturas superiores a 100ºC (BLACKBURN & MCCLURE, 2000). O controle consiste inicialmente em limitar a germinação dos esporos, manutenção de um nível baixo de células viáveis (< que 104 células), ou seja, controlar o crescimento das células ali presentes, através do contro- 91 le da temperatura, atividade de água, pH e combinação destes. Para carnes de porco Byrne et al (2006) verificaram que um tratamento térmico, o qual pudesse destruir células vegetativas e esporos do Bacillus cereus e Clostridium perfringens, precisaria de 33.2 min a temperatura de 50 ºC e 1.0 min para temperatura de 60 ºC. Logo, recomendações para o cozimento de carnes a 70ºC por 2 min parecem ser suficiente para alcançar a redução de 6 logaritmos da população de Bacillus cereus, entretanto, os esporos poderiam ainda sobreviver, por isso é significante lembrar a importância dos processo de higienização e do cozimento seguido de rápido resfriamento. Além das medidas já citadas, a utilização de substâncias protetoras pode ser uma via para garantir maior conservação do produto. Com este pensamento, Abriouel et al (2002) verificaram a potencialidade dada pela Bacteriocina AS-48. Esta é um peptídeo cíclico produzido por Enterococcus faecalis que mostrou ter alta atividade bactericida para B. cereus mesófilos e psicotróficos sob variadas condições de temperatura e pH. Eles também verificaram que o uso combinado de AS-48 e nitrito de sódio, lactato de sódio e cloreto de sódio garantiu melhores resultados contra as células vegetativas e os esporos de B. cereus. C ONSIDERAÇÕES FINAIS Há um interesse crescente da comunidade científica em investigar B. cereus, sendo, atualmente, este microrganismo alvo de investigações permanentes no campo da microbiologia e que avançam com a bioquímica e genética molecular. Sabemos, entretanto que ainda não estão esclarecidos muitos dos aspectos que envolvem os surtos de intoxicação já que fatores de virulência são continuamente descobertos e alvos de pumarço/abril – 2009 ARTIGOS blicação. Contudo, os estudos nas áreas da saúde e dos alimentos têm trazido discussões que convergem para um aumento das ações que tem como alvo evitar surtos e contaminações por B. cereus. R EFERÊNCIAS ABRIOUEL, H.; MAQUEDA, M.;GÁLVEZ, A.; MARTÍNEZ-BUENO, M.; VALDIVIA, E. Inhibition of Bacterial Growth, Enterotoxin Production, and Spore Outgrowth in Strains of Bacillus cereus by Bacteriocin AS-48 Applied and Environmental Microbiology 2002; 68 (3):1473–1477. AGATA, N.; OHTA, M.; MORI, M.; ISOBE, M. A novel dodecadepsipeptide, cereulide, is an emetic toxin of Bacillus cereus. FEMS Microbiology Letters 1995; 129: 17-20. BLACKBURN, C.; Mc CLURE, P. Foodborne pathogens: Hazards, risk analysis and control. England: Cambridge; 2000. 513 p. BRASIL, Ministério da Saúde. RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001. Regulamento Técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial da União, Brasília, 2001. BYRNE, B.; DUNNE, G.; BOLTON, D. Thermal inactivation of Bacillus cereus and Clostridium perfringens vegetative cells and spores in pork luncheon roll. Food Microbiology 2000; 23: 803– 808. CARLIN, F.; FRICKER, M.; PIELAAT, A.; HEISTERKAMP, S.; SHAHEEN, R.; SALONEN, M.; SVENSSON, B.; NGUYEN, C.; EHLING-SCHULZ, M.. Emetic toxin-producing strains of Bacillus cereus show distinct characteristics within the Bacillus cereus group. International Journal of Food Microbiology 2006; 109: 132–138. DAMGAARD, H. Diarrhoeal enterotoxin production by strains of Bacillus thuringiensis isolated from commercial Bacillus thuringiensis-based insecticides. FEMS Immunol. Med. Microbiol 1995; 12: 245–250. Higiene Alimentar — Vol. 23 — nº 170/171 FORSYTHE, S.J. Microbiologia da Segurança Alimentar. Porto Alegre: Artmed; 2002. 424p. FRANCO, B. D. G. M.; LANDGRAF, M. Microbiologia dos Alimentos. São Paulo: Atheneu, 2002. 182p GRANUM, P.E.; LUND, T. MiniReview: Bacillus cereus and its food poisoning toxins. FEMS Microbiology Letters 1997; 157: 223–228. GRANUM, P.E.; LUND,T. Characterization of a non-haemolytic enterotoxin complex from Bacillus cereus isolated after a foodborne outbreak. FEMS Microbiol. Lett 1996; 141: 151-156. HOLBROOK, R; ANDERSON, J M. An improved selective diagnostic medium for the isolation and enumeration of Bacillus cereus in foods, Canadian Journal of Microbiology 1980; 26: 753–759. HOLT, J. G.; KRIEG, N.K.; SNEATH, P.H.A.; STARLEY, J.T.; WILLIAMS, S.T. Bergey’s Manual of Determinative Bacteriology, 9th edition. Philadelphia, USA: Lippindoff Willians e Wiekins; 2000. 789p. JAY, J.M. Microbiologia de Alimentos. Porto Alegre: Artmed; 2005. 771p. KONEMAN, W.; ALLEN, D.; JANDA, M.; SCHRECKENBERGER, P.; WINN, JR. W. Diagnostico Microbiológico. Texto e Altas colorido. MEDSI; 2001. 1660 p. KOTIRANTA, A.; KARI, L. A.; HAAPASALO, M.. Epidemiology and pathogenesis of Bacillus cereus infections. Microbes and Infection 2000; 2: 189"198. KRAMER J. M.; GILBERT R. J.; IN DOYLE M. P. (Ed.). Foodborne Bacterial Pathogens, Marcel Dekker, New York 1989, 21-70. MAHLER, H.; PASI, A.; KRAMER, J.; SCHULTE, P.; SCOGING, A.; BAER, W.; KRAEHENBUEHL, S. Fulminant liver failure in association with theemetic toxin of Bacillus cereus New England. Journal of Medicine 1997; 336: 1143– 1148. 92 MENDES, R.; AZEREDO, R.; COELHO, A.; OLIVEIRA, S. COELHO, M. Contaminação ambiental por Bacillus cereus em unidade de alimentação e nutrição. Rev. Nutr. Campinas 2004; 17(2):255-261. MIKKOLA, R.; SARIS, N.E.L.; GRIGORIEV, P.A.; ANDERSSON, M.A.; SALKINOJA-SALONEN, M.S. Ionophoretic properties and mitochondrial effects of cereulide, the emetic toxin of B. cereus, Eur. J. Biochem 1999; 23:112–117. PIRHONENAN, T.; ANDERSSONB, M.; JAASKELAINENB, E.; SALKINOJA-SALONENB, E.; HONKANENBUZALSKIA, T.; JOHANSSONA, T. Biochemical and toxic diversity of Bacillus cereus in a pasta and meat dish associated with a food-poisoning case. Food Microbiology 2005; 22: 87–91. ROSENQUIST, H.; SMIDT, L.; ANDERSEN, S.; JENSEN, G.; WILCKS, A. Occurrence and significance of Bacillus cereus and Bacillus thuringiensis in ready-to-eat food. FEMS Microbiology Letters 2005; 250: 129–136. SHAHEEN, R.; ANDERSSON, M.; APETROAIE, C.; SCHULZ, A.; EHLING-SCHULZ, M.; O. OLLILAINEN, V.; SALKINOJA-SALONEN, M. Potential of selected infant food formulas for production of Bacillus cereus emetic toxin, cereulide. International Journal of Food Microbiology 2006; 107:287–294. THOMPSON, N.; KETTERHAGEN, M.; BERGDOLL, M.; SCHANTZ, J. Isolation and Some Properties of an Enterotoxin Produced by Bacillus cereus Infection and Immunity 1984; 43: 887-894. VIDAL-MARTINS, A.; ROSSI JR, O.; REZENDE-LAGO, N. Microrganismos heterotróficos mesófilos e bactérias do grupo do Bacillus cereus em leite integral submetido a ultra alta temperatura Arq. Bras. Med. Vet. Zootec 2005; 57(3): 396-400. ❖ março/abril – 2009
Documentos relacionados
PREVALÊNCIA DE ENTEROTOXINAS EM LINHAGENS DE Bacillus
de doenças tropicais e pragas da agricultura. Apesar de seu uso tanto na agricultura quanto em saúde humana, esta bactéria pode ser produtora de enterotoxinas que estão presentes também em algumas ...
Leia mais