Versão integral - Biblioteca de Arquivo Historico Diplomático do
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MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS ANUÁRIO PORTUGUÊS DE DIREITO INTERNACIONAL 2011 Lisboa 2012 TÍTULO ANUÁRIO PORTUGUÊS DE DIREITO INTERNACIONAL 2011 EDITOR INSTITUTO DIPLOMÁTICO – MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS CONSELHO EDITORIAL MIGUEL DE SERPA SOARES MANUELA FRANCO MATEUS KOWALSKI TERESA KOL DE ALVARENGA DORA MARTINS JORGE AZEVEDO CORREIA EXECUÇÃO GRÁFICA GRÁFICA, Lda. ISBN 978-972-9245-93-0 DEPÓSITO LEGAL 333923/11 TIRAGEM 500 EXEMPLARES PREÇO 7,95€ OUTUBRO 2012 Índice Agradecimentos ……………………………………………………………………..................5 Lista de autores ……………………………………………………………………...................7 I. 1. 2. Convenções Bilaterais………………………….…………………….……..................11 Convenções Multilaterais ………………………………………………….................33 II. 1. 2. i) JURISPRUDÊNCIA COM RELEVÂNCIA PARA O ESTADO PORTUGUÊS Tribunais Nacionais ……………………………………………………….................49 a) Supremo Tribunal de Justiça …………………………………..…….............…..51 b) Supremo Tribunal Administrativo …………………………………..............…..53 Tribunais Internacionais …………………………………………………...................55 a) Tribunal de Justiça da UE ………...………………………..............…..….…….57 b) Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ……………...…………...........…….63 III. 1- CONVENÇÕES INTERNACIONAIS FÓRUNS INTERNACIONAIS DE DIREITO INTERNACIONAL Codificação e Desenvolvimento do Direito Internacional no âmbito das Nações Unidas (Miguel de Serpa Soares e Mateus Kowalski)……..........................................71 Nota Introdutória ………………………………………………………....…..............71 1. a) Intervenções por Portugal …...………..……………………………………...........74 i ) – Report of the International Law Commission (Cluster I) Introduction and other issues; Reservations to Treaties;ResponsibilityofInternational Organizations.........74 ii) – Report of the International Law Commission (Cluster II) Effects of Armed Conflicts on Treaties; Expulsion of Aliens; Protection of Persons in the Event of Disaste…………………………………………………………………………….…....79 iii) – Report of the International Law Commission (Cluster III) Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction; The Obligation to Extradite or Prosecute; Treaties over Time; The Most Favoured Nation Clau ...............................82 iv) – Nationality of Natural Persons in Relation to the Succession of States….…..88 v) – The Law of Transboundary Aquifers……..…….………………………...….....89 2– Portugal enquanto membro do Tribunal Penal Internacional: a Eleição para Bureau da Assembleia de Estados Parte (Catarina Severino)………………………………........91 IV. 1) 2) 3) 4) 5) COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo ao Processo n.º 94/11.3YRCBR.A.S1 – caso relativo a um pedido de habeas corpus (José Fontes)...9 9 A quem pertence a jurisdição nas questões relativas à vida interna das misericórdias? (Paulo Pulido Adragão)..........................................................................…………....101 Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relativo ao Processo 137/06.2TVLSB.L1-7 – caso relativo a uma embaixada estrangeira (Margarida Salema D’Oliveira Martins) …………………………………………………..........107 Imunidade dos Estados – A propósito de uma decisão judicial (Wladimir Brito) ……...………………………………………………………...…………............…..117 Jurisprudência dos Tribunais da UE sobre casos portugueses (Maria Luísa Duarte e Francisco Pereira Coutinho)……………….....................……………………….....129 3 i) ii) iii) iv) v) vi) vii) viii) 6) A Livre circulação dos notários na UE (Francisco Pereira Coutinho…...….....…..133 Ações privilegiadas (―golden shares‖), segurança pública e razões imperiosas de interesse geral (Ana Soares Pinto)………………………..........................................146 Pela sua saúde! Da liberdade de prestação de serviços clínicos ao direito ao reembolso de despesas médicas não hospitalares (Tiago Antunes)……..……........152 Discriminação entre residentes e não residentes da UE (Sónia Rei………................162 Da inaplicabilidade da jurisprudência Candolin e Farrel ao direito nacional em matéria de responsabilidade civil (Sofia Oliveira Pais)…........................................ 168 O tratamento fiscal preferencial dos fundos de pensões portugueses face aos constituídos noutro Estado-Membro da UE (Sónia Reis)……..................................176 Liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços de mediação e angariação imobiliária em Portugal (Tânia Carvalhais Pereira)…………………………….…183 Do direito da UE aplicável aos procedimentos de adjudicação dos contratos de serviços parcialmente abrangidos pela diretiva 2004/18 (Sophie Perez Fernandes)…..............................................................................................................191 Comentário ao caso Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira C. Portugal – recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Cátia Sofia Martins Duarte)………………………………………………..………..................................198 V. BIBLIOGRAFIA PORTUGUESA RECOLHIDA SOBRE DIREITO INTERNACIONAL……………………………………........……..............…205 4 Agradecimentos Cumprido o objetivo de publicar em 2011 a primeira edição do Anuário Português de Direito Internacional (relativo a 2010), esta segunda edição relativa ao ano de 2011 procura consolidar e desenvolver as linhas orientadoras de um Anuário que se pretende seja uma publicação anual de referência conferindo-lhe também um cariz doutrinal. Agradeço ao Senhor Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a todas as pessoas das diferentes Direções-Gerais do Ministério dos Negócios Estrangeiros que participaram na recolha e tratamento de dados. Agradeço, igualmente, a todos os autores, bem como ao Instituto Ius Gentium Conimbrigae, pelos seus comentários e pela sua disponibilidade em contribuírem para o Anuário, o que muito enriqueceu esta publicação. Gostaria ainda de deixar uma nota de apreço ao Dr. Salvador Almeida Garrett Cunha e à Dra. Catarina Severino, pela colaboração na edição do Anuário. Por último, um agradecimento especial ao Instituto Diplomático pelo precioso apoio prestado nas diferentes fases de preparação desta obra, em particular à sua Presidente Doutora Manuela Franco e ao Dr. Jorge Azevedo Correia. Miguel de Serpa Soares (Diretor do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros) 5 Lista de Autores Ana Soares Pinto - Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Catarina Severino - Licenciada e mestranda em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa. Cátia Sofia Martins Duarte - advogada-estagiária, pós-graduada em Direitos Humanos. Francisco Pereira Coutinho - Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. José Fontes - Agregado e Doutor em Ciências Políticas, Mestre em Ciências JurídicoPolíticas, Professor da Universidade Aberta e da Academia Militar, investigador científico do CAPP/ISCSP, CINAMIL/AM e OP/UNL. Margarida Salema D’Oliveira Martins - Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Lusíada de Lisboa. Maria Luísa Duarte - Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mateus Kowalski - Jurista no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Docente convidado na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade Aberta. Doutorando na Universidade de Coimbra. Miguel de Serpa Soares - Diretor do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Paulo Pulido Adragão - Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Sofia Oliveira Pais - Professora Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa – Porto. Sónia Reis - Mestre em Direito. Advogada em Teixeira de Freitas, Rodrigues & Associados. Sophie Perez Fernandes - Assistente Convidada da Escola de Direito da Universidade do Minho. Tânia Carvalhais Pereira - Advogada e doutoranda da Faculdade Direito da Universidade Nova de Lisboa. Tiago Antunes - Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Wladimir Brito - Professor Catedrático da Escola de Direito da Universidade do Minho. 7 I. CONVENÇÕES INTERNACIONAIS 1. CONVENÇÕES BILATERAIS 1. CONVENÇÕES INTERNACIONAIS1 1. Convenções Bilaterais NOTA: Esta secção pretende elencar os elementos de vinculação relevantes de convenções internacionais relativamente ao ano 2011. São incluídos igualmente os elementos relevantes de anos anteriores para melhor enquadramento da vinculação do estado Português a cada uma das Convenções internacionais referidas. Em qualquer dos casos são indicados apenas as convenções internacionais relativamente às quais exirta algum elemento de vinculação respeitante ao ano de 2011. Designação Assinatura Aprovação/ Publicação/ Ratificação 30/11/2009 Aprovação: RAR n.º 27/2011, de 25 de fevereiro Ratificação: Decreto PR n.º 17/11, de 25 de fevereiro Publicação: DR n.º 40/11, Série I, de 25 de fevereiro Entrada em Vigor (para Portugal) Aviso de Entrada em Vigor 31/03/2011 Aviso n.º 237/2011, DR n.º 231/11, Série I, de 2 de dezembo Reservas / Objeções Andorra Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. 1 RAR- Resolução da Assembleia da República DR – Diário da República PR – Presidente da Republica 13 Argélia Acordo entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia sobre Transportes Internacionais Rodoviários e de Trânsito de Passageiros e Mercadorias 09/06/2008 Aprovação: RAR n.º 67/2011, de 4 de abril Ratificação: Decreto PR n.º 39/11, de 4 de abril Publicação: DR n.º 66/11, Série I, de 4 de abril Descrição: As disposições do presente Acordo aplicam-se aos transportes rodoviários de passageiros e de mercadorias com origem ou destino no território de cada uma das Partes ou em trânsito através dos seus territórios, efetuados por veículos matriculados no território da outra Parte. Este Acordo contribui para o desenvolvimento dos transportes rodoviários de passageiros e mercadorias entre os dois países, bem como para o desenvolvimento do trânsito através dos seus territórios. Argentina Acordo entre a República Portuguesa e a República Argentina sobre Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal 07/04/2003 Aprovação: RAR n.º 23/2007, de 14 de junho Ratificação: Decreto PR n.º 56/07, de 14 de junho Publicação: DR n.º 113/07, Série I, de 14 de junho 02/01/2011 Aviso n.º 21/2011, DR n.º 22/11, Série I, de 1 de fevereiro Descrição: Este Acordo tem por objetivo intensificar o auxílio prestado entre os dois Estados no que diz respeito a investigações, julgamentos ou processos em matéria penal a uma autoridade competente do Estado requerente. O auxílio compreenderá, em específico, a localização e identificação de pessoas; a notificação de atos judiciais e a notificação e entrega de documentos; o intercâmbio de documentos e outra informação de arquivo; a troca de documentos, meios, objetos e elementos de prova; a audição de pessoas no Estado requerido; a audição de pessoas detidas e de outras pessoas no Estado requerente; a busca e a apreensão de objetos, incluindo a busca domiciliária; e, finalmente, as medidas para localizar, embargar e apreender o produto da infração e para executar penas pecuniárias relacionadas com a prática de uma infração. O auxílio não incluirá a prisão e detenção de qualquer pessoa para fins de extradição assim como a transferência de condenados para cumprimento de pena. 14 Bermudas Acordo entre a República Portuguesa e o Governo das Bermudas sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal 10/05/2010 Aprovação: RAR n.º 39/2011, de 16 de março Ratificação: Decreto PR n.º 22/11, de 16 de março Publicação: DR n.º 53/11, Série I, de 16 de março 5/04/2011 Aviso n.º 238/2011, DR n.º 231/11, Série I, de 2 de dezembro Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. Bolívia Acordo entre a República Portuguesa e o Estado Plurinacional da Bolívia sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes Diplomáticos, Oficiais, de Serviço e Especiais 29/03/2010 Aprovação: Decreto n.º 12/2011, de 2 de maio Publicação: DR n.º 84/11, Série I, de 2 de maio 19/06/2011 Aviso n.º 219/2011, DR n.º 213/11, Série I, de 7 de novembro Descrição: Este Acordo visa reforçar relações bilaterais entre a República Portuguesa e o Estado Plurinacional da Bolívia em matéria política, económica, cultural e de defesa, ao permitir que titulares de passaportes diplomáticos, oficiais, de serviço e especiais de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para território do outro país. 15 Brasil Acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre Cooperação no Domínio da Defesa 13/10/2005 Aprovação: RAR n.º 68/2009, de 5 de agosto Ratificação: Decreto PR n.º 76/09, de 5 de agosto Publicação: DR n.º 150/09, Série I, de 5 de agosto 24/12/2009 Aviso n.º 206/2011, DR n.º 201/11, Série I, de 19 de outubro Descrição: O Acordo tem por objeto promover a cooperação entre as Partes no domínio da defesa, nos limites das suas competências e no respeito pela legislação interna de ambos os Estados, tendo em vista a prossecução de objetivos específicos como a promoção da cooperação nas áreas de pesquisa e desenvolvimento por aquisição de bens e serviços de defesa e apoio logístico; a partilha de conhecimentos e experiências adquiridos em campos de operações na utilização de equipamentos militares de origem nacional e estrangeira, bem como a execução de operações internacionais de manutenção de paz; a partilha de conhecimentos nas áreas da ciência e da tecnologia; a promoção de ações conjuntas de treino e instrução militar, exercícios militares conjuntos, bem como a correspondente troca de informação; e, finalmente, a cooperação em assuntos relacionados com equipamentos e sistemas militares . Congo Acordo entre a República Portuguesa e a República do Congo sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes Diplomáticos 04/06/2010 Aprovação: Decreto n.º 13/2011, de 2 de maio Publicação: DR n.º 84/11, Série I, de 2 de maio 10/12/2011 Aviso n.º 23/2012, DR n.º 84/12, Série I, de 30 de abril Descrição: O presente Acordo pretende reforçar as relações bilaterais entre as Partes em matéria política, económica, cultural e de defesa, ao permitir que titulares de passaportes diplomáticos de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para território do outro país. Acordo entre a República Portuguesa e a República do Congo sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos 16 3/03/2011 Descrição: O Acordo contém medidas vinculativas destinadas a criar condições favoráveis para a realização de investimentos por parte de investidores de um dos Estados signatários no território do outro, assegurando, em regime de reciprocidade, o tratamento mais favorável aos investidores e a garantia de proteção e segurança aos investimentos já realizados. Estão ainda incluídas cláusulas relativas à livre transferência de capitais e à resolução de diferendos entre as partes e entre os investidores e uma das Partes. Emirados Árabes Unidos Acordo entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos 19/11/2011 Aprovação: Decreto n.º 5/2012, de 13 de março Publicação: DR n.º 52/12, Série I, de 13 de março Descrição: O presente Acordo aplica -se a todos os investimentos realizados por investidores de uma das Partes no território da outra Parte, antes e após a sua entrada em vigor, em conformidade com o respetivo direito, com exceção dos diferendos que resultem de eventos relacionados com um investimento ocorridos antes da entrada em vigor do presente Acordo e de qualquer pretensão satisfeita antes da entrada em vigor do presente Acordo. O Acordo contém medidas vinculativas destinadas a criar condições favoráveis para a realização de investimentos por parte de investidores de um dos Estados signatários no território do outro, assegurando, em regime de reciprocidade, o tratamento mais favorável aos investidores e a garantia de proteção e segurança aos investimentos já realizados. Acordo entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos relativo aos Transportes Aéreos 17/01/2011 Descrição: Com o presente Acordo pretende-se fomentar o desenvolvimento de serviços aéreos regulares entre e para além dos territórios dos dois Estados; organizar, de uma forma segura e ordenada, os serviços aéreos internacionais entre Portugal e os Emirados Árabes Unidos, bem como promover, o mais amplamente possível, a cooperação internacional neste domínio. O presente Acordo encontra-se em consonância com o Direito da União Europeia, uma vez que inclui cláusulas tipo da União, em particular a cláusula de designação de empresas, que possibilitará a qualquer transportadora aérea da União Europeia estabelecida em Portugal operar serviços Aéreos Internacionais com destino para os Emirados Árabes Unidos. 17 Convenção entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento 17/01/2011 Aprovação: RAR n.º 47/2012, de 13 de abril Ratificação: Decreto PR n.º 78/12, de 13 de abril Publicação: DR n.º 74/12, Série I, de 13 de abril 22/05/2012 Aviso n.º 59/2012, DR n.º 112/12, Série I, de 11 de junho Descrição: A Convenção tem como principais objetivos a eliminação da dupla tributação jurídica internacional dos residentes de um Estado Contratante que auferem rendimentos no outro Estado e a prevenção da evasão fiscal, seguindo as suas disposições, em larga medida, o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património. Nesta Convenção estabelecem-se regras que delimitam a competência de cada Estado para tributar os rendimentos. Sempre que esta competência é atribuída aos dois Estados, a Convenção atribui ao Estado da Residência do beneficiário do rendimento o dever de eliminar a dupla tributação adotando Portugal o método da imputação ou do crédito de impostos. A Convenção inclui também cláusulas sobre a não discriminação, a resolução de litígios resultantes da aplicação da Convenção (procedimento amigável) e disposições relativas à cooperação bilateral em matéria fiscal, abrangendo nomeadamente um mecanismo que permitirá a troca de informações. Acordo entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes Diplomáticos 08/04/2008 Aprovação: Decreto n.º 4/2011, de 23 de fevereiro Publicação: DR n.º 38/11, Série I, de 23 de fevereiro 26/03/2011 Aviso n.º 38/2011, DR n.º 59/11, Série I, de 24 de março Descrição: Este Acordo pretende reforçar as relações bilaterais entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos, em matéria política, económica, cultural e de defesa, permitindo que titulares de passaportes diplomáticos de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para território do outro país. 18 Espanha Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo ao Acesso a Informações em Matéria de Registo Civil e Comercial 22/01/2009 Aprovação: Decreto n.º 14/2010, de 25 de outubro Publicação: DR n.º 207/11, Série I, de 25 de outubro 17/02/2011 Aviso n.º 37/2011, DR n.º 51/11, Série I, de 14 de março Descrição: Este Acordo pretende através da redução do conjunto de diligências tradicionalmente a cargo dos cidadãos no âmbito do registo civil, bem como, no quadro do registo comercial, promover a competitividade das empresas, a redução dos custos de contexto, a eliminação de formalidades desnecessárias e a simplificação da atividade das empresas portuguesas e espanholas no mercado ibérico. Estados Unidos da América Acordo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Reforçar a Cooperação no Domínio da Prevenção e do Combate ao Crime 30/06/2009 Aprovação: RAR n.º 128/2011, de 17 de outubro Ratificação: Decreto PR n.º 71/2011, de 17 de outubro Publicação: DR n.º 199/11, Série I, de 17 de outubro 29/11/2011 Aviso n.º 13/2012, DR n.º 74/12, Série I, de 13 de abril Descrição: O presente Acordo tem por objetivo reforçar a cooperação entre as Partes na prevenção e luta contra o crime, em particular o terrorismo, prevendo o exercício de competências em matéria de consulta para efeitos de prevenção, deteção, repressão e investigação do crime. O Acordo abrange apenas os crimes que constituem uma infração punível nos termos do direito interno das Partes, com pena privativa de liberdade de duração máxima superior a um ano ou com uma pena mais grave. 19 Acordo Que Modifica o Regulamento do Trabalho, assinado em 12 de fevereiro de 1997, assinado em Lisboa em 11 de julho de 2009, que decorre do Acordo sobre Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América 11/07/2009 Aprovação: RAR n.º 53/2010, de 9 de junho Ratificação: Decreto PR n.º 62/10, de 9 de junho Publicação: DR n.º 111/10, Série I, de 9 de junho 16/06/2010 Aviso n.º 91/11, DR n.º 121/11, Série I, de 27 de junho Descrição: Este Acordo visa em específico a alteração do artigo 13º do Acordo sobre Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, que se refere à atualização salarial anual. Acordo Que Modifica o Acordo Laboral Integrado no Acordo sobre Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, assinado em 1 de junho de 1995 11/07/2009 Aprovação: RAR n.º 54/2010, de 9 de junho Ratificação: Decreto PR n.º 63/10, de 9 de junho Publicação: DR n.º 111/10, Série I, de 9 de junho 16/06/2010 Aviso n.º 92/11, DR n.º 122/11, Série I, de 28 de junho Descrição: Este Acordo vida fazer uma alteração ao artigo 4º que diz respeito à atualização das tabelas salariais das USFORAZORES. Etiópia Acordo de Cooperação nos Aprovação: domínios da Educação, Decreto n.º Aviso n.º Ciência, Ensino Superior, 1/2009, de 27 178/2011, Cultura, Juventude, de janeiro DR n.º Desporto, Turismo e 28/01/2007 9/06/ 2011 148/11, Comunicação Social entre Publicação: Série I, de 3 a República Portuguesa e a DR n.º 18/09, de agosto República Federal Série I, de 27 Democrática da Etiópia de janeiro Descrição: Este Acordo pretende fomentar o intercâmbio de documentação, a cooperação entre instituições competentes nas matérias correspondentes ao seu objeto, a promoção do estudo das respetivas línguas e o conhecimento das diversas áreas da cultura dos dois países, a participação em eventos culturais, a salvaguarda do património nacional das Partes e a proteção dos direitos de autor. 20 Gibraltar Acordo entre a República Portuguesa e o Governo de Gibraltar sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal 14/10/2009 Aprovação: RAR n.º 42/2011, de 17 de março Ratificação: Decreto PR n.º 25/11, de 17 de março Publicação: DR n.º 54/11, Série I, de 17 de março 24/04/2011 Aviso n.º 239/2011, DR n.º 231/11, Série I, de 2 de dezembro Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. Hong-Kong, RAE Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong-Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Protocolo anexo 22/03/2011 21 Descrição: A Convenção tem como principais objetivos a eliminação da dupla tributação jurídica internacional dos residentes de um Estado Contratante que auferem rendimentos no outro Estado e a prevenção da evasão fiscal, seguindo as suas disposições, em larga medida, o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património. Nesta Convenção estabelecem-se regras que delimitam a competência de cada Estado para tributar os rendimentos. Sempre que esta competência é atribuída aos dois Estados, a Convenção atribui ao Estado da Residência do beneficiário do rendimento o dever de eliminar a dupla tributação adotando Portugal o método da imputação ou do crédito de impostos. A Convenção inclui também cláusulas sobre a não discriminação, a resolução de litígios resultantes da aplicação da Convenção (procedimento amigável) e disposições relativas à cooperação bilateral em matéria fiscal, abrangendo nomeadamente um mecanismo que permitirá a troca de informações. Ilhas Caimão Acordo entre a República Portuguesa e o Governo das Ilhas Caimão sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal 13/05/2010 Aprovação: RAR n.º 29/2011, de 28 de fevereiro Ratificação: Decreto PR n.º 18/11, de 28 de fevereiro 18/05/2011 Aviso n.º 242/2011, DR n.º 233/11, Série I, de 6 de dezembro Publicação: DR n.º 41/11, Série I, de 28 de fevereiro Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. Japão Convenção entre a República Portuguesa e o Japão para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento 22 19/12/2011 Descrição: A Convenção tem como principais objetivos a eliminação da dupla tributação jurídica internacional dos residentes de um Estado Contratante que auferem rendimentos no outro Estado e a prevenção da evasão fiscal, seguindo as suas disposições, em larga medida, o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património. Nesta Convenção estabelecem-se regras que delimitam a competência de cada Estado para tributar os rendimentos. Sempre que esta competência é atribuída aos dois Estados, a Convenção atribui ao Estado da Residência do beneficiário do rendimento o dever de eliminar a dupla tributação adotando Portugal o método da imputação ou do crédito de impostos. A Convenção inclui também cláusulas sobre a não discriminação, a resolução de litígios resultantes da aplicação da Convenção (procedimento amigável) e disposições relativas à cooperação bilateral em matéria fiscal, abrangendo nomeadamente um mecanismo que permitirá a troca de informações. Jersey Aprovação: RAR n.º 41/2011, de 17 Acordo entre a de março Aviso n.º República Portuguesa e 243/2011, Ratificação: Jersey sobre Troca de Decreto PR n.º DR n.º 09/07/2010 09/11/2011 Informações em Matéria 24/11, de 17 de 233/11, Série Fiscal março I, de 6 de dezembro Publicação: DR n.º 54/11, Série I, de 17 de março Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. Marrocos Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos no domínio da Cooperação Consular Aprovação: Decreto n.º 20/2011, de 16 de dezembro 02/06/2010 Publicação: DR n.º 240/2011, Série I, de 16 de dezembro 23 Descrição: O presente Acordo visa consolidar as relações consulares entre as Partes, a fim de contribuir para uma maior proteção dos direitos e interesses dos seus nacionais. O Acordo providencia a criação de uma Comissão Consular Mista, cujos membros são designados pelas duas Partes, para velar pelo cumprimento dos princípios e objetivos definidos no mesmo. Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos 30/5/1994 Aprovação: RAR n.º 20/97, de 2 de maio Ratificação Decreto PR n.º 19/97, de 2 de maio Publicação: DR n.º101/97, Série I-A, de 2 de maio 31/03/2011 Descrição: O presente Tratado visa manter relações de amizade, boa-vizinhança e cooperação global, criando um quadro apropriado ao desenvolvimento de novos campos de cooperação. O Tratado abrange matérias relacionadas com relações políticas bilaterais, cooperação económica e financeira, cooperação no âmbito da defesa, no âmbito jurídico e consular e no âmbito cultural. Abrange ainda matérias relacionadas com a cooperação noutros sectores como as pescas, agroalimentares e proteção do ambiente, desertificação e gestão dos recursos hidráulicos, sector sanitário, turismo, energia, formação profissional e ações conjuntas relativamente a países terceiros. Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino de Marrocos sobre Cooperação no domínio da Luta contra o Terrorismo e Criminalidade Organizada 28/4/1992 Aprovação: Decreto n.º 18/94, de 30 de junho Publicação: DR n.º149/1994, Série I-A, de 30 de junho 4/06/2011 Aviso n.º 75/2011, DR n.º 103, Série I, de 27 de maio Descrição: O presente Acordo visa aprofundar a cooperação entre as Partes em matéria de segurança interna, estabelecendo e desenvolvendo mecanismos de cooperação nos domínios da prevenção e repressão do terrorismo e, em geral, da criminalidade organizada internacional. O Acordo determina como formas de cooperação o intercâmbio de informações, a troca de experiências e de conhecimentos técnicos e a colaboração no controlo das fronteiras aéreas, marítimas e terrestres. Abrange, ainda, a criação da Comissão Mista luso-marroquina em matéria de segurança interna, especialmente destinada a implementar as medidas previstas no presente Acordo, bem como a controlar a sua execução através de avaliações periódicas. 24 Convenção em matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos 17/4/2007 Aprovação: RAR n.º 7/2009, de 26 de fevereiro Ratificação Decreto PR n.º 13/09, de 26 de fevereiro Publicação: DR n.º40/2009, Série I, de 26 de fevereiro 5/05/2011 Aviso n.º 68/2011, DR n.º 90/11, Série I, de 10 de maio Descrição: A presente Convenção destina-se a promover a cooperação no domínio penal, nomeadamente em matéria de extradição, assegurando a extradição recíproca de pessoas entre as Partes para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou medidas de segurança privativas da liberdade, em virtude de uma infração que dê lugar a extradição. Acordo de Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos no domínio da Marinha Mercante 17/4/2007 Aprovação: Decreto n.º 31/2008, de 27 de agosto 4/05/2011 Publicação: DR n.º 165, Série I, de 27 de agosto Descrição: Através deste acordo os Estados Partes comprometem-se a cooperar de forma a eliminar os obstáculos que possam entravar o desenvolvimento da navegação entre os portos dos dois países e a tomar as disposições necessárias para assegurar a coordenação do tráfego e a organização de um serviço suficiente para cobrir os interesses do comércio externo de cada um dos dois Estados. Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos sobre a Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos 17/4/2007 Aprovação: Decreto n.º 30/2008, de 27 de agosto Publicação: DR n.º165, Série I, de 27 de agosto 10/06/2011 Descrição: Este Acordo destina-se a criar e manter as condições favoráveis ao investimento de capitais nos dois Estados e de intensificar a cooperação entre nacionais e sociedades, privadas ou de direito público, dos dois Estados, e também a proteger os investimentos dos nacionais e sociedades dos dois Estados e incentivar a transferência de capitais, com vista a promover a prosperidade económica das duas Partes. 25 Moçambique Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República de Moçambique 30/03/2010 Aprovação: Decreto n.º 19/2011, de 6 de dezembro Publicação: DR n.º 233, Série I, de 6 de dezembro Descrição: Esta Convenção permite a criação e aplicação de medidas de coordenação dos sistemas de segurança social de ambos os países, sem contudo alterar estes sistemas ou qualquer instrumento internacional anteriormente celebrado. Visa, ainda, promover a integração dos trabalhadores migrantes e suas famílias nas sociedades de acolhimento. Peru Acordo entre a República Portuguesa e a República do Peru sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes Diplomáticos e Especiais 07/04/2010 Aprovação: Decreto n.º 11/2011, de 2 de maio Publicação: DR n.º 84/11, Série I, de 2 de maio 10/07/2011 Aviso n.º 218/2011, DR n.º 213/11, Série I, de 7 de novembro Descrição: O presente Acordo pretende reforçar as relações bilaterais entre as Partes em matéria política, económica, cultural e de defesa, ao permitir que titulares de passaportes diplomáticos, oficiais ou especiais de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para território do outro país. Qatar Acordo de Cooperação Económica, Comercial e Técnica entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Estado do Qatar 07/03/2011 Descrição: O Acordo estabelece o enquadramento para a cooperação nos domínios económico, comercial e técnicos afins, incluindo indústria, energia e eficiência energética, turismo, agroindústria, agricultura, comunicações, transporte e construção. Prevê a constituição de uma Comissão Mista para a Cooperação Económica, Comercial e Técnica, constituída por representantes governamentais de ambas as Partes, responsáveis pela cooperação e relações económicas bilaterais. 26 Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Estado do Qatar sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes Diplomáticos e Especiais 04/05/2010 Aprovação: Decreto n.º 6/2011, de 18 de março (Declaração de Retificação n.º 12A/2011, publicada no DR n.º 95/11, Série I, de 17 de maio) Publicação: Aviso DR n.º 55/11, Série I, de 18 de março 19/06/2011 Aviso n.º 212/2011, DR n.º 208/11, Série I, de 28 de outubro Descrição: O presente Acordo pretende reforçar as relações bilaterais entre as Partes em matéria política, económica, cultural e de defesa, ao permitir que titulares de passaportes diplomáticos e especiais de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para o território do outro Estado. Santa Lúcia Acordo entre a República Portuguesa e Santa Lúcia sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal 14/07/2010 Aprovação: RAR n.º 43/11, de 17 de março Ratificação: Decreto PR n.º 26/11, de 17 de março Publicação: DR n.º 54/11, Série I, de 17 de março 28/10/2011 Aviso n.º 244/2011, DR n.º 236/11, Série I, de 12 de dezembro Descrição: A celebração do presente Acordo visa estabelecer as condições e formas de cooperação entre as autoridades fiscais de ambas as Partes, no domínio da troca de informações sobre matérias fiscais, constituindo um instrumento importante na luta contra a fraude e evasões fiscais, em ordem a salvaguardar a obtenção das receitas adequadas e suficientes para a prossecução das políticas publicas e a melhorar a equidade do sistema fiscal. As disposições do Acordo seguem, no essencial, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações em matéria fiscal da OCDE (2002). Neste Acordo encontram-se refletidos os princípios internacionalmente aceites da transparência e da troca efetiva de informações entre as autoridades fiscais das duas Partes. O Acordo impõe a obrigação de respeito dos direitos dos contribuintes e de confidencialidade das informações trocadas. 27 Senegal Acordo entre a República Portuguesa e a República do Senegal sobre a Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos 25/01/2011 Aprovação: Decreto n.º 15/2011, de 25 de maio Publicação: DR n.º 101/11, Série I, de 25 de maio Descrição: Este Acordo destina-se a criar e manter as condições favoráveis ao investimento de capitais nos dois Estados e de intensificar a cooperação entre nacionais e sociedades, privadas ou de direito público, dos dois Estados, e também a proteger os investimentos dos nacionais e sociedades dos dois Estados e incentivar a transferência de capitais, com vista a promover a prosperidade económica das duas Partes. Timor-Leste Acordo de Cooperação entre a República Portuguesa e a República Democrática de Timor-Leste em matéria de Segurança Interna 27/09/2011 Descrição: O Acordo tem por objetivo reforçar as ações de apoio institucional e colaborar na consolidação do sistema de segurança interna – dimensão decisiva para garantir a sustentabilidade do Estado de Direito em Timor-Leste. Assim, as áreas de cooperação previstas são: a assessoria e formação do pessoal, em especial ações de formação de formadores, o fornecimento de material, a realização de estudos de organização ou de equipamento e, finalmente, a prestação de serviços. Acordo de Cooperação entre a República Portuguesa e a República Democrática de Timor-Leste no Domínio da Defesa 27/09/2011 Descrição: O Acordo representa um contributo para a sustentabilidade a longo prazo do Estado de Direito em Timor-Leste, potenciando o desenvolvimento de novos programas de cooperação no sector estratégico da defesa. Permite, designadamente, a integração de militares das FFDTL (Forças de Defesa de Timor-Leste) em contingentes portugueses empenhados, num quadro multilateral, em missões internacionais de paz. 28 Convenção entre a República Portuguesa e a República Democrática de TimorLeste para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento 27/09/2011 Descrição: A Convenção tem como principais objetivos a eliminação da dupla tributação jurídica internacional dos residentes de um Estado Contratante que auferem rendimentos no outro Estado e a prevenção da evasão fiscal, seguindo as suas disposições, em larga medida, o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património. Nesta Convenção estabelecem-se regras que delimitam a competência de cada Estado para tributar os rendimentos. Sempre que esta competência é atribuída aos dois Estados, a Convenção atribui ao Estado da Residência do beneficiário do rendimento o dever de eliminar a dupla tributação adotando Portugal o método da imputação ou do crédito de impostos. A Convenção inclui também cláusulas sobre a não discriminação, a resolução de litígios resultantes da aplicação da Convenção (procedimento amigável) e disposições relativas à cooperação bilateral em matéria fiscal, abrangendo nomeadamente um mecanismo que permitirá a troca de informações. Turquia Acordo entre a República Portuguesa e a República da Turquia sobre Supressão de Vistos para Titulares de Passaportes de Serviço e Especiais 14/07/2010 Aprovação: Decreto n.º 5/2011, de 28 de fevereiro Publicação: DR n.º 41/11, Série I, de 28 de fevereiro 30/03/2011 Aviso n.º 39/2011, DR n.º 59/11, Série I, de 24 de março Descrição: O presente Acordo pretende reforçar as relações bilaterais entre a República Portuguesa e a República da Turquia em matéria política, económica, cultural e de defesa, ao permitir que titulares de passaportes de serviço e especiais de cada um dos Estados se desloquem livremente, sem necessidade de visto, por um período de 90 dias por semestre, para o território do outro Estado. Ucrânia Acordo entre a República Portuguesa e a Ucrânia no Domínio do Combate à Criminalidade 24/06/2008 Aprovação: RAR n.º 75/2010, de 22 de julho Ratificação: Decreto PR n.º 77/2010, de 22 de julho Publicação: DR n.º 141/10, Série I, de 22 de julho 7/03/2011 Aviso n.º 19/2011, DR n.º 22/11, Série I, de 1 de fevereiro 29 Descrição: Este Acordo visa desenvolver a cooperação, em conformidade com o direito internacional aplicável, com a respetiva legislação interna e com o presente Acordo, no âmbito da prevenção, deteção e repressão da criminalidade, especialmente nas suas formas organizadas, através da colaboração entre as autoridades competentes de cada uma das Partes. Acordo entre a República Portuguesa e a Ucrânia relativo à Cooperação Militar 24/06/2008 Aprovação: RAR n.º 68/10 – DR n.º 134/10, Série I, de 13 julho – corrigida Declaração retificação n.º 27/2010 - DR n.º 174/10, Série I, de 7 setembro Ratificação: Decreto PR n.º 68/10 Publicação: DR n.º 141/10, Série I, de 22 de julho 15/10/2010 Aviso n.º 20/2011, DR n.º 22/11, Série I, de 1 de fevereiro Descrição: O Acordo tem como objetivo estabelecer os princípios gerais que guiarão a cooperação militar entre as Partes, dentro dos limites da competência definidos pelas respetivas legislações nacionais. A cooperação será desenvolvida em áreas como melhorias das estruturas organizacionais, desenvolvimento do controlo democrático civil e gestão efetiva nas Forças Armadas; política militar e diálogo sobre matérias de segurança nacional; treino das Forças Armadas e estruturas militares das Partes para participação em operações de paz das Nações Unidas; proteção ambiental contra a poluição relacionada com a atividade militar; apoio jurídico às atividades das Forças Armadas, respeito pelos direitos humanos durante o serviço militar e troca de experiências sobre o estudo e introdução à Lei Militar internacional nas Forças Armadas; treino e formação militar; atividades humanitárias e culturais nas Forças Armadas; organização das comunicações, tecnologias da informação e apoio radioeletrónico; topografia militar e geodesia. 30 Uruguai Acordo entre a República Portuguesa e a República Oriental do Uruguai sobre Cooperação no Domínio da Defesa 20/09/2007 Aprovação: RAR n.º 45/2011, de 18 de março Ratificação: Decreto PR n.º 28/2011, de 18 de março Publicação: DR n.º 55/11, Série I, de 18 de março Descrição: O presente Acordo tem por objeto promover a cooperação entre as Partes no domínio da defesa, nos limites das suas competências e no respeito pela legislação interna de ambos os países. O Acordo estabelece como objetivos a promoção da cooperação em assuntos relativos à defesa, nomeadamente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, por aquisição de bens e serviços de defesa e apoio logístico; a partilha de conhecimentos e experiências adquiridos em campos de operações, na utilização de equipamentos militares de origem nacional e estrangeira, na execução de operações internacionais de manutenção de paz; a partilha de conhecimentos nas áreas da ciência e da tecnologia; a promoção de ações conjuntas de treino e instrução militar, exercícios militares conjuntos, bem como a correspondente troca de informação; e a cooperação em assuntos relacionados com equipamentos e sistemas militares. 31 2. CONVENÇÕES MULTILATERAIS 2. Convenções Multilaterais Designação Assinatura Aprovação/ Publicação/ Ratificação Entrada em Vigor (para Portugal) Aviso de Entrada em Vigor 1/09/2011 Aviso n.º 74/2011, DR n.º 97/11, Série I, de 19 de maio Reservas / Objeções Aprovação: RAR n.º 141/2010, de 29 de dezembro Convenção sobre Munições de Dispersão, adotada em Dublin Ratificação: 30/05/2008 Decreto PR n.º 143/2010, de 29 de dezembro Publicação: Aviso DR n.º 251/10, Série I, de 29 de dezembro Descrição: Esta Convenção destina-se a regular o acesso, armazenamento, produção e uso de munições de dispersão. A Convenção aplica-se a bomblets explosivas concebidas especificamente para serem espalhadas ou libertadas por dispositivos de dispersão fixos numa aeronave, excluindo minas. A Convenção obriga o Estado parte a nunca utilizar munições de dispersão; desenvolver, produzir ou de outro modo adquirir, armazenar, reter ou transferir para qualquer pessoa, direta ou indiretamente, munições de dispersão; ajudar, instigar ou induzir, por qualquer meio, qualquer pessoa a participar numa atividade proibida a um Estado Parte ao abrigo da presente Convenção. Protocolo para Emendar a Convenção sobre Responsabilidade Civil no Domínio da Energia Nuclear de 29 de julho de 1960, 12/02/2004 com as Emendas introduzidas pelo Protocolo Adicional de 28 de janeiro de 1964 e pelo Protocolo de 16 de novembro de 1982 Aprovação: Decreto n.º 17/2011, de 21 de junho Publicação: DR n.º 118/11, Série I, de 21 de junho 35 Descrição: Este Protocolo introduz alterações à Convenção sobre a Responsabilidade Civil no Domínio da Energia Nuclear no sentido de alargar o tipo de danos decorrentes de incidentes nucleares e de aumentar os montantes de responsabilidade civil. Protocolo de Nagoia - Quala Lumpur sobre a Responsabilidade e Indemnização Adicional ao Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica, adotado em Nagoia, em 15 de outubro de 2010 20/09/2011 Descrição: Este Protocolo visa contribuir para a conservação e uso sustentável da diversidade biológica, tendo também em conta os riscos para a saúde humana, através do estabelecimento de regras e procedimentos em matéria de responsabilidade e indemnização relativos a Organismos Vivos Modificados. Protocolo de Nagoia à Convenção sobre Diversidade Biológica relativa ao Acesso aos Recursos Genéticos e Partilha dos Benefícios que Advêm da sua Utilização, adotado em Nagoia, em 15 de outubro de 2010 20/09/2011 Descrição: O Protocolo visa a implementação do terceiro objetivo da CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), o acesso aos recursos energéticos e a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da sua utilização. 36 CONSELHO DA EUROPA Convenção do Conselho da Europa sobre a Prevenção e o Combate à 11/05/2011 Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica Descrição: A presente Convenção tem como objetivos proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica; contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres; conceber um quadro global, políticas e medidas de proteção e assistência para todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica; promover a cooperação internacional, tendo em vista eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica; apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei para que cooperem de maneira eficaz, a fim de adotar uma abordagem integrada visando eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Convenção do Conselho da Europa sobre a Contrafação de Medicamentos e Crimes Semelhantes que ameaçam a Saúde Pública 28/10/2011 Descrição: A presente Convenção tem por finalidade prevenir e combater as ameaças à saúde pública através da criminalização de certos atos, a proteção dos direitos das vítimas das infrações previstas na Convenção e a promoção da cooperação nacional e internacional. UNIÃO EUROPEIA Acordo de Transporte Aéreo entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República Federativa do Brasil, por outro 17/03/ 2011 37 Descrição: O Acordo aéreo vem permitir a abertura gradual e recíproca do mercado de transporte aéreo de passageiros, bagagens, carga e correio, separadamente ou em combinação. Este Acordo permite que todas as companhias aéreas da UE, partindo de um qualquer aeroporto da UE, possam realizar voos diretos para qualquer local no Brasil (abertura gradual do mercado em termos de acesso a rotas e de capacidade), não sendo, porém, permitido que as companhias de uma das partes possam realizar voos internos no território da outra parte (cabotagem). Com a aplicação deste Acordo é esperada uma diminuição dos custos administrativos, novas oportunidades para as companhias aéreas de ambas as partes e a criação de mecanismos conjuntos para a cooperação ao nível da segurança aérea, na vertente safety/security. Este Acordo é constituído por um corpo principal de normas e por dois anexos: um relativo a planos de rotas, direitos de tráfego e flexibilidade operacional, e outro relativo aos diversos acordos bilaterais sobre serviços aéreos existentes entre os EM e o Brasil, sanando, desta forma, as incompatibilidades de certas cláusulas desses acordos com o direito da UE. Acordo de Estabilização e de Associação entre as Comunidades Europeias e os seus EstadosMembros, por um lado, e a República da Sérvia, por outro, adotado no Luxemburgo, incluindo os anexos I a VII, os Protocolos n.º 1 a 7 e a Ata Final com as Declarações 29/4/2008 Aprovação: RAR n.º 26/2011, de 24 de fevereiro Ratificação: Decreto PR n.º 16/11, de 24 de fevereiro Publicação: DR n.º 39/11, Série I, de 24 de fevereiro Declarações comuns relativas ao artigo 3.º; 32.º e 75.º. Declaração da Comunidade e dos seus Estados Membros Descrição: O Acordo institui uma associação entre as Partes e tem por objetivos apoiar os esforços envidados pela Sérvia no sentido de reforçar a democracia e o Estado de direito; contribuir para a estabilidade política, económica e institucional da Sérvia, assim como para a estabilização da região; proporcionar um enquadramento adequado para o diálogo político, que permita o estreitamento das relações políticas entre as Partes; apoiar os esforços envidados pela Sérvia no sentido de desenvolver a sua cooperação económica e internacional, nomeadamente através da aproximação da sua legislação da legislação comunitária; apoiar os esforços envidados pela Sérvia no sentido de concluir a transição para uma economia de mercado efetiva; promover relações económicas harmoniosas e desenvolver gradualmente uma zona de comércio livre entre a Comunidade e a Sérvia; e, finalmente, promover a cooperação regional em todos os sectores abrangidos pelo presente Acordo. 38 Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da África do Sul, por outro, que altera o Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação 11/09/2009 Aprovação: RAR n.º 30/2011, de 1 de março Ratificação: Decreto PR n.º 19/11, de 1 de março Publicação: DR n.º 42/11, Série I, de 1 de março Descrição: Após o reexame do Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação (ACDC) em 2004, as Partes chegaram a acordo, numa declaração conjunta do Conselho de Cooperação de 23 de novembro de 2004, quanto à necessidade de proceder com algumas alterações ao ACDC. O Acordo avança essas alterações, considerando que a revisão das disposições do ACDC sobre comércio e as questões relacionadas com o comércio está dependente do resultado das negociações sobre o futuro acordo de parceria económica entre a União Europeia e os países da África Austral e, mais ainda, que o plano de ação conjunto para a execução da Parceria Estratégica entre a República da África do Sul e a União Europeia foi concluído e prevê um alargamento da cooperação entre as Partes a um grande número de domínios. Acordo Quadro Global de Parceria e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Indonésia, por outro, incluindo a Ata Final com Declarações 9/11/2009 Aprovação: RAR n.º 52/2011, de 21 de março Ratificação: Decreto PR n.º 30/11, de 21 de março Publicação: DR n.º 56/11, Série I, de 21 de março Descrição: O presente Acordo visa reforçar as relações bilaterais, sendo que as Partes decidem manter um diálogo global e promover o aprofundamento da cooperação entre si em todos os sectores de interesse comum. O Acordo estabelece os seus principais objetivos no âmbito de matérias como a cooperação bilateral em todas as instâncias e organizações regionais e internacionais pertinentes, o comércio e o investimento, a cooperação noutros sectores de interesse mútuo, como o turismo, a agricultura, a educação e cultura, os direitos humanos, o ambiente e os recursos naturais, a cooperação em matéria de migrações, de luta contra a proliferação de armas de destruição maciça, de combate ao terrorismo e crimes transnacionais. Estabelece também como prioridades a promoção da compreensão interpessoal através da cooperação entre diversas entidades não-governamentais, tais como os grupos de reflexão, as universidades, a sociedade civil e os meios de comunicação social. 39 Acordo de Transporte Aéreo entre o Canadá e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros 17/12/2009 Aprovação: RAR n.º 2/2012, de 12 de janeiro Ratificação: Decreto PR n.º 16/12, de 12 de janeiro Publicação: DR n.º 9/12, Série I, de 12 de janeiro Descrição: Este Acordo surge do desejo de celebrar um acordo de transporte aéreo complementar à Convenção sobre a Aviação Civil Internacional, reconhecendo a importância de um transporte aéreo eficiente para a promoção do comércio, turismo e investimento. Acordo-Quadro entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro 10/5/2010 Aprovação: RAR n.º 3/2012, de 13 de janeiro Ratificação: Decreto PR n.º 17/12, de 13 de janeiro Publicação: DR n.º 10/12, Série I, de 13 de janeiro Descrição: O Acordo corresponde à materialização da vontade das Partes em intensificar as suas relações, formando uma parceria reforçada que abrange os domínios político, económico, social e cultural. O Acordo tem como principais objetivos o desenvolvimento do projetos comuns, a manutenção de um diálogo político regular, a promoção de esforços coletivos em todas as instâncias e organizações regionais e internacionais, a promoção da cooperação económica em sectores como a cooperação científica e tecnológica, o incentivar da cooperação entre empresas, o reforçar da participação nos programas de cooperação abertos à outra Parte e o melhorar a imagem e a visibilidade de cada uma das Partes nas regiões da outra Parte. Abrange também a cooperação, nomeadamente em matéria de direitos humanos, de não proliferação das armas de destruição maciça e das armas ligeiras e de pequeno calibre, dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional e da luta contra o terrorismo. 40 Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro 06/10/2010 Aprovação: RAR n.º 23A/2012, de 16 de fevereiro Ratificação: Decreto PR n.º 32-A/12, de 16 de fevereiro Publicação: DR n.º 34/12, Série I, de 16 de fevereiro Descrição: Este Acordo tem por objetivo a criação de uma zona de comércio livre de mercadorias, serviços e estabelecimento, onde são estabelecidas regras associadas, a um mercado alargado e seguro para mercadorias e serviços, assim como de um ambiente estável e previsível para o investimento, reforçando dessa forma a competitividade das respetivas empresas nos mercados. Protocolo de Alteração do Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, assinado em 25 e 30 de abril de 2007 24/06/2010 Aprovação: RAR n.º 150/2011, de 13 de dezembro Ratificação: Decreto PR n.º 91/11, de 13 de dezembro Publicação: DR n.º 237/11, Série I, de 13 de dezembro Descrição: O Protocolo surge da necessidade de proceder a alterações a determinados artigos do Acordo de Transporte Aéreo. Visa abrir o acesso aos mercados e maximizar as vantagens para os consumidores, companhias aéreas, trabalhadores e comunidades de ambos os lados do Atlântico. 41 Acordo de Cooperação sobre Navegação por Satélite entre a União Europeia e os seus EstadosMembros e o Reino da Noruega 22/09/2010 Aprovação: Decreto n.º 18/2011, de 20 de outubro Publicação: DR n.º 202/11, Série I, de 20 de outubro Descrição: O Acordo surge enquadrado na necessidade de se proceder a um reforço da cooperação entre as Partes, completando as disposições do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) aplicáveis à navegação por satélite em domínios relacionados com o espectro de radiofrequências, as estações terrestres do Global Navigation Satellite System (GNSS) europeu, segurança, a troca de informação classificada e a cooperação internacional. Acordo entre os Estados Membros da União Europeia, reunidos no Conselho, sobre a proteção das informações classificadas trocadas no interesse da União Europeia 25/05/2011 Descrição: O Acordo contribuirá para a instituição de um quadro geral coerente e abrangente de proteção de informações classificadas a nível da União Europeia e dos seus Estados Membros. Permitirá exigir, a nível dos Estados Membros, medidas de proteção de informações classificadas equivalentes às regras de segurança estabelecidas por Decisão do Conselho. Acordo de Transporte Aéreo entre os Estados Unidos da América, por um Luxemburgo, lado, a União 16/06/2011 e Europeia e os seus Oslo, Estados-Membros, 21/06/2011 por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro 42 Descrição: A Área Comum de Aviação, mercado integrado de aviação transatlântica, contribui para o objetivo de promover um mercado de transporte aéreo internacional baseado na concorrência leal entre transportadoras aéreas. O presente acordo estende a ―Área Comum de Aviação‖ à Islândia e ao Reino da Noruega, tornando-lhes aplicáveis, como se de Estados Membros da União Europeia se tratassem, as disposições do Acordo de Transporte Aéreo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros, por um lado, e os Estados Unidos da América, por outro assinado em Bruxelas em 25 de abril de 2007 e em Washington em 30 de abril de 2007. Acordo Adicional entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro, respeitante à aplicação do Acordo de Luxemburgo, Transporte Aéreo 16/06/2011 e Oslo, entre os Estados 21/06/2011 Unidos da América, por um lado, a União Europeia e os seus Estados-Membros, por outro, a Islândia, por outro, e o Reino da Noruega, por outro Descrição: O presente Acordo Adicional destina-se a estabelecer regras processuais para decidir, se for caso disso, as medidas em conformidade com o artigo 21.º, nº5, e para regular a participação da Islândia e do Reino da Noruega no Comité Misto, instituído nos termos do artigo 18.º, e nos processos de arbitragem previstos no artigo 19.º, todos no Acordo de Transporte Aéreo, na redação dada pelo Protocolo de Alteração. 43 Tratado entre o Reino da Bélgica, a República da Bulgária, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a República da Hungria, a República de Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia, a República Portuguesa, a Roménia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (Estados Membros da União Europeia) e a República da Croácia relativo à adesão da República da Croácia à União Europeia 44 9/12/2011 Descrição: Ao aderir à União Europeia, a Croácia aceita, sem reservas, o Tratado da União Europeia, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e o Tratado que instituí a Comunidade Europeia de Energia Atómica, incluindo todos os seus objetivos e o conjunto de decisões tomadas desde a sua entrada em vigor, bem como as opções tomadas tendo em vista o desenvolvimento e o reforço da União Europeia e dessa Comunidade. A adesão à União Europeia implica o reconhecimento pela Croácia da natureza vinculativa das normas contidas nestes tratados e de determinadas disposições e certos atos legislativos adotados pelas instituições, cujo cumprimento é indispensável para garantir a eficácia e a unidade do Direito da União. Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 23/11/2005 Aprovação: RAR n.º 46/2008, de 12 de setembro Ratificação: Decreto PR n.º 64/08, de 12 de setembro Publicação: DR n.º 177/08, Série I, de 12 de setembro 1/03/2010 Aviso n.º 181/2011, DR n.º 153/11, Série I, de 10 de agosto Descrição: Esta Convenção surge enquadrada no desejo de reforçar a cooperação judiciária em matéria penal, bem como de garantir que o auxílio judiciário mútuo decorre com rapidez e eficácia. O auxílio compreende a comunicação de informações, de atos processuais e de outros atos públicos, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo, bem como os atos necessários à perda, apreensão ou congelamento ou à recuperação de instrumentos, bens, objetos ou produtos do crime. Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 23/11/2005 Aprovação: RAR n.º 48/2008, de 15 de setembro Ratificação: Decreto PR n.º 66/08, de 15 de setembro Publicação: DR n.º 178/08, Série I, de 15 de setembro 1/03/2010 Aviso n.º 182/2011, DR n.º 153/11, Série I, de 10 de agosto Descrição: Esta Convenção surge da necessidade de reforçar a cooperação judiciária em matéria penal, proporcionando às pessoas que se encontrem privadas da sua liberdade, em virtude de uma decisão judicial, a possibilidade de cumprirem a condenação no seu meio social e familiar de origem. 45 Estatuto da Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA) 26/01/2009 Aprovação: RAR n.º 105/2011, de 9 de maio Ratificação: Decreto PR n.º 50/11, de 9 de maio Publicação: DR n.º 89/11, Série I, de 9 de maio 30/07/2011 Aviso n.º 165/2011, DR n.º 133/11, Série I, de 13 de julho Descrição: O presente Estatuto tem como objetivos a difusão, crescente adoção e uso sustentável de todas as formas de energia renovável. Os objetivos enunciados tomam em consideração as prioridades e os benefícios para os Estados de uma abordagem que reúna energias renováveis e medidas energéticas eficientes, a contribuição das energias renováveis para a preservação ambiental, para a proteção climática, para o crescimento económico e coesão social, para a segurança dos abastecimentos energéticos e para o desenvolvimento regional. Ao aprovar este Estatuto, Portugal fica mais próximo de se tornar membro desta Agência. Protocolo de 2002 relativo à Convenção sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores, de 1981, 03/06/2002 adotado pela Conferência Internacional do Trabalho Aprovação: RAR n.º 112/2010, de 25 de outubro Ratificação: Decreto PR nº 104/2010, de 25 de outubro Publicação: DR nº 207/10, Série I, de 25 de outubro 12/11/2011 Aviso nº 180/2011, DR nº 149/11, Série I, de 4 de agosto Descrição: Este Protocolo surge da necessidade de reforçar os procedimentos de registo e de declaração dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, com o objetivo de promover a harmonização dos sistemas de registo e de declaração, de identificar as suas causas e de adotar medidas preventivas. 46 II. JURISPRUDÊNCIA COM RELEVÂNCIA PARA O ESTADO PORTUGUÊS 1. TRIBUNAIS NACIONAIS II - JURISPRUDÊNCIA COM RELEVÂNCIA PARA O ESTADO PORTUGUÊS 1. Tribunais Nacionais a) Supremo Tribunal de Justiça Tribunal Supremo Tribunal de Justiça Decisão Acórdão 1468/10.2TBBRG.G1.S1 de 15-12-2011 / 2ª Secção Descritor Competência Internacional / Regulamento CE 44/2001 Anotação O STJ negou o pedido de revista dos réus, pois verificou-se que existia a conexão a que alude o artigo 6.º, n.º 1, interpretada conforme o Acórdão do TJ, de 11.10.2007, proferido em recurso de reenvio prejudicial, apresentado por Högsta Domstolen (Suécia). Segundo o artigo referido basta que um deles tenha domicílio em Portugal para os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes. Tribunal Supremo Tribunal de Justiça Decisão Acórdão 413/07.7TACBR.S1 de 08-09-2011 / 5ª Secção Descritor Habeas Corpus Anulação de sentença Prazo de prisão preventiva Extradição Mandato de detenção internacional Contagem do tempo de prisão Detenção Desconto Anotação O STJ indeferiu o pedido de Habeas Corpus do requerente, por considerar que o hiato de tempo em que o mesmo esteve preso num outro Estado, imediatamente anterior à sua extradição para o Estado português, não pode ser somado ao tempo em que o requerente se encontra em prisão efetiva. O STJ considerou então que o requerente não estava em prisão preventiva ilegalmente. Tribunal Supremo Tribunal de Justiça Decisão Acórdão 985/09.1TVLSB.L1.S1 de 21-06-2011 / 1ª Secção Descritor Competência internacional / Regulamento (CE) 44/2001 / Contrato de factoring 51 Anotação O STJ considerou que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de ação intentada por uma sociedade de factoring sediada em Portugal, como factor exportador, contra outra sociedade de factoring domiciliada em Espanha, como factor importador, para obter o pagamento de faturas cuja cobrança, por contrato de factoring internacional entre ambas celebrado, estava incumbida de efetuar a uma empresa espanhola, a coberto do risco assumido, em virtude se estar perante um contrato em que o cumprimento da prestação característica da demandada consiste ou se resolve em prestação de serviços pelo factor importador, em Espanha, relevando a obrigação de envio das quantias pecuniárias para o domicílio do factor exportador. Em conformidade com o exposto, foi concedida a revista, revogada a decisão impugnada e declarada e incompetência dos Tribunais de Lisboa e, consequentemente, repor o decidido na 1ª instância. Tribunal Supremo Tribunal de Justiça Decisão Acórdão 94/11.3YRCBR.A.S1 de 01-06-2011 / 3ª Sessão Descritor Habeas Corpus Extradição Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal Procedimento criminal Cumprimento de pena Detenção ilegal Prisão ilegal O STJ indeferiu o pedido de Habeas Corpus, mantendo-se privação de liberdade, por não terem ainda decorrido os 40 dias seguidos a contar da data de notificação ao Estado requerente. Foi então decidida continuação da privação de liberdade do requerente, a menos que o Estado português recuse a entrega ou o Estado requerente, perca o interesse na extradição do requerente. Anotação 52 b) Supremo Tribunal Administrativo Tribunal Supremo Tribunal Administrativo Decisão Acórdão JSTA000P12668 de 02-03-2011 / Processo 0911/10 Descritor Direito da União Europeia / Comissão da CEE / Ato de Liquidação / Ato de execução O STA decidiu conceder parcial provimento ao recurso: a) Confirmando-se a sentença recorrida com as alterações decorrentes da fundamentação acima aduzida, salvo no que respeita aos juros compensatórios, parte em que é revogada e, em consequência, b) Julgando-se parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida e anulando-se a liquidação adicional de IRC no referente aos juros compensatórios no montante de 37.602,53 euros. Anotação Tribunal Supremo Tribunal Administrativo Decisão Acórdão JSTA00066830 de 01-03-2011 / Processo 0336/10 Descritor Convenção Europeia dos Direitos do Homem/ Responsabilidade Civil Extracontratual / Indemnização / Estado / Tribunal / Nexo de causalidade / Atraso na decisão / Prazo razoável / Demora na administração da justiça O STA, ao analisar a questão da decisão recorrida, julgou verificada a invocada violação do direito a uma decisão em prazo razoável consagrado no art.º 20, n.º 4 da CRP e no art.º 6º §1º da CEDH, seguindo de perto a jurisprudência do TEDH e do STA sobre a matéria, que cita e, em especial, o acórdão do STA de 09.10.2008, P. 319/08. Os juízes destes Tribunal acordam em negar provimento ao recurso Anotação Tribunal Supremo Tribunal Administrativo Decisão Acórdão JSTA00066807 de 08-02-2011 / Processo 0947/10 Descritor Fundo Social Europeu/ Compensação de créditos Anotação O STA decidiu ao analisar o recurso da sentença do TAC de Lisboa, de 1.2.2010, que julgou improcedente a ação para reconhecimento de um direito que interpôs contra o DEPARTAMENTO PARA OS ASSUNTOS DO FUNDO SOCIAL EUROPEU (DAFSE) - atualmente Conselho Diretivo do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P. (IGFSE) - pedindo a sua condenação no pagamento da quantia 39.355.916$00 Escudos. O TAC de Lisboa «terminou a sua alegação apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença datada de 1 de Fevereiro de 2010 que julgou a ação instaurada pelo Autor totalmente improcedente. 53 B. O processo tem por objeto a obtenção do pagamento das quantias devidas pelo DAFSE ao Recorrente em virtude das contribuições atribuídas à sociedade C… no âmbito do Fundo Social Europeu, pretendendo o Recorrente o reconhecimento desse Direito e a consequente condenação do DAFSE no pagamento das quantias devidas função do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Autor e a C… em 18 de Dezembro de 2001. C. O valor em dívida reclamado corresponde ao montante exato que foi cedido ao Autor pela C… através do contrato de cessão de créditos efetuado entre ambos». O STA nos termos e com os fundamentos expostos acordam em negar provimento ao recurso. Tribunal Supremo Tribunal Administrativo Decisão Acórdão JSTA00066795 de 02-02-2011 / Processo 0621/09 Descritor Convenção para Evitar a Dupla Tributação/ IRC / Royalties / Software No ―Modele de Convention Fiscale Concernant le Revenu et La Fortune - Version Abregée - Septembre 1992‖, elaborado no âmbito da OCDE, é referido nos comentários ao artigo 12.º, que os direitos corporizados no "computer software" constituem uma forma de propriedade intelectual. Segundo os comentários ao artigo 12.° da convenção Modelo OCDE a contraprestação relativa a alienação dos direitos reveste, via de regra, a natureza de rendimentos da atividade comercial. Portugal manifestou ―reserva‖ a este entendimento, em 1992. Visto que, por natureza, as ―reservas‖ só podem produzir efeitos jurídicos se forem efetivamente formuladas, nos termos do Direito Internacional dos Tratados, nas Convenções que vierem a ser celebradas. No caso em que não haja efetiva formulação de reserva, não se podem sobrepor às concretas condições bilaterais convencionadas entre os Estados. Neste medida a reserva não pode produzir efeitos jurídicos relativamente à Convenção sobre Dupla Tributação concluída entre Portugal e a Bélgica, assinada em 1969. Anotação 54 2. TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 2. Tribunais Internacionais a) Tribunal de Justiça da União Europeia Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa Acórdão (Tribunal de Justiça- 8ª Secção) de 08/09/2011 Pº C-220/10 Descritor Anotação Incumprimento de Estado – Diretiva 91/271/CEE – Poluição e danos – Tratamento de águas residuais urbanas – Artigos 3.°, 5.° e 6.° – Não identificação das zonas sensíveis – Não implementação de um tratamento mais rigoroso das descargas em zonas sensíveis. O Tribunal de Justiça decidiu que «A República Portuguesa, ao identificar como zonas menos sensíveis todas as águas costeiras da ilha da Madeira e da ilha de Porto Santo, ao sujeitar a um tratamento menos rigoroso que o previsto no artigo 4.° da Diretiva 91/271/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas, as águas residuais urbanas provenientes de aglomerações com um equivalente de população superior a 10 000, como as aglomerações do Funchal e de Câmara de Lobos, e descarregadas nas águas costeiras da ilha da Madeira, não tendo garantido, relativamente a uma aglomeração do estuário do Tejo, a saber, a Quinta do Conde, a existência de sistemas coletores das águas residuais urbanas em conformidade com o artigo 3.° desta diretiva, não tendo garantido, no que diz respeito às aglomerações de Albufeira/Armação de Pêra, de Beja, de Chaves e de Viseu e no que diz respeito a quatro aglomerações que procedem a descargas na margem esquerda do estuário do Tejo, a saber, Barreiro/Moita, Corroios/Quinta da Bomba, Quinta do Conde e Seixal, um tratamento mais rigoroso que o previsto no artigo 4.° da referida diretiva, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.°, 5.° e 6.° da Diretiva 91/271». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa Descritor Anotação Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 17/03/2011 / Pº C23/10 Incumprimento de Estado - Introdução em livre prática de bananas frescas - Peso declarado não correspondente ao peso real - Obrigação de as autoridades aduaneiras controlarem o peso declarado - Código Aduaneiro Comunitário - Regulamento (CEE) n.º 2913/92 - Artigos 68.º e seguintes Regulamento (CEE) n.º 2454/93 - Artigo 290.º-A - Anexo 38B - Sistema dos recursos próprios - Perda de receitas - Regulamento (CEE, Euratom) n.º 1552/89 - Regulamento (CE, Euratom) n.º 1150/2000 - Artigos 2.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º. O Tribunal de Justiça decidiu que «devido à aceitação sistemática, pelas suas autoridades aduaneiras, no decurso dos anos de 1998 a 2002, de declarações aduaneiras de introdução em livre prática de bananas frescas, sabendo ou devendo aquelas razoavelmente saber que o peso declarado das bananas não correspondia ao seu peso real, e devido à recusa das autoridades portuguesas de colocarem à disposição os recursos próprios correspondentes à perda de receitas e aos respetivos juros de mora, a 57 República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 13.°, 68.° e 71.° do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, lido em conjugação com o artigo 290.°-A do Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 89/97 da Comissão, de 20 de janeiro de 1997, e dos artigos 2.°, 6.° e 9.° a 11.° do Regulamento (CEE, Euratom) n.º 1552/89 do Conselho, de 29 de maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, conforme alterado pelo Regulamento (Euratom, CE) n.º 1355/96 do Conselho, de 8 de julho de 1996, e dos mesmos artigos do Regulamento (CE, Euratom) n.º 1150/2000 do Conselho, de 22 de maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades». Quanto ao restante a ação é julgada improcedente. Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa Descritor Anotação Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 21/07/2011 / Pº C518/09 Incumprimento de Estado - Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços - Exercício de atividades de transação imobiliária. O Tribunal de Justiça decidiu que «ao só permitir o exercício de atividades de mediação imobiliária no âmbito de uma agência imobiliária, ao impor às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores estabelecidos noutros Estados-Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa, ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados-Membros à obrigação de dispor de capitais próprios positivos nos termos da lei portuguesa e ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros ao controlo disciplinar integral do Instituto de Construção e do Imobiliário IP, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 56.° TFUE; e ao impor às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer a título exclusivo a atividade de mediação imobiliária, com exceção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros, e ao impor aos angariadores imobiliários a obrigação de exercer a título exclusivo a atividade de angariação, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 6/10/2011 / Pº C493/09 58 Descritor Anotação Incumprimento de Estado - Artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE Livre circulação de capitais - Fundos de pensões estrangeiros e nacionais Imposto sobre as sociedades - Dividendos - Isenção - Diferença de tratamento. O Tribunal de Justiça decidiu que «ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa Descritor Anotação Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 5/05/2011/ Pº C267/09 Incumprimento de Estado - Livre circulação de capitais - Artigos 56.º CE e 40.º do Acordo EEE - Restrições - Fiscalidade direta - Contribuintes não residentes - Obrigação de designar um representante fiscal. O Tribunal de Justiça decidiu que «Pelo facto de ter aprovado e de manter em vigor o artigo 130.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que impõe aos contribuintes não residentes a obrigação de designar um representante fiscal em Portugal, quando obtenham rendimentos em relação aos quais é exigida a representação de uma declaração fiscal, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56ª C.E». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa (apoiada pela República da Finlândia e pelo Reino de Espanha) Descritor Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 27/10/2011 / Pº C255/09 Incumprimento de Estado - Artigo 49.º CE - Segurança social - Restrição à livre prestação de serviços - Despesas médicas não hospitalares efetuadas noutro Estado-Membro - Não reembolso ou reembolso subordinado a autorização prévia. 59 Anotação O Tribunal de Justiça decidiu que «Ao não prever, exceto nas circunstâncias previstas pelo Regulamento (CEE) n.º 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.º 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, a possibilidade de reembolso das despesas com cuidados médicos não hospitalares, efetuadas noutro Estado-Membro, que não implicam o recurso a equipamentos materiais pesados e dispendiosos, taxativamente enumerados na legislação nacional, ou, nos casos em que o Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de agosto de 1992, que fixa os requisitos do reembolso das despesas médicas efetuadas no estrangeiro, reconhece a possibilidade de reembolso das despesas com os referidos cuidados, ao subordinar o seu reembolso à concessão de uma autorização prévia, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa. Descritor Anotação Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia c. República Portuguesa. Descritor Anotação 60 Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10/11/2011. Pº C212/09 Incumprimento de Estado - Artigos 43.º CE e 56.º CE - Livre circulação de capitais - Ações privilegiadas (‗golden shares‘) detidas pelo Estado português na GALP Energia, SGPS SA - Intervenção na gestão de uma sociedade privatizada. O Tribunal de Justiça decidiu que «Ao manter na GALP Energia, SGPS SA, direitos especiais como os previstos no caso em apreço na Lei n.º 11/90, Lei Quadro das Privatizações, de 5 de abril de 1990, no Decreto-Lei n.º 261-A/99, que aprova a 1.ª fase do processo de privatização do capital social da GALP – Petróleos e Gás de Portugal, SGPS SA, de 7 de julho de 1999, e nos estatutos desta sociedade, a favor do Estado português e de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com ações privilegiadas («golden shares») detidas por esse Estado no capital social da referida sociedade, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE». Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7/04/2011 Pº C20/09 Incumprimento de Estado - Admissibilidade da ação - Livre circulação de capitais - Artigo 56.º CE - Artigo 40.º do Acordo EEE - Títulos de dívida pública - Tratamento fiscal preferencial - Justificação - Combate à fraude fiscal - Combate à evasão fiscal. O Tribunal de Justiça decidiu que «Ao prever, no quadro do Regime Excecional de Regularização Tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem no território português em 31 de dezembro de 2004, criado pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho de 2005, um tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos unicamente pelo Estado português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Comissão Europeia (apoiada pelo Reino-Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte) c. República Portuguesa (apoiada pela República Checa, República da Irlanda, República Eslovaca e República da Eslovénia). Descritor Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 24/05/2011. Pº C52/08 Incumprimento de Estado - Notários - Diretiva 2005/36/CE. Anotação O Tribunal de Justiça decidiu que, não sendo «possível constatar que existia, no termo do prazo concedido no parecer fundamentado, uma obrigação suficientemente clara de os Estados-Membros transporem a Diretiva 2005/36 no que respeita à profissão de notário (…) a ação é julgada improcedente». Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão República Portuguesa c. Comissão Europeia Descritor Anotação Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 29/03/2011. Pº T-33/09 Inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento de Estado - Sanção pecuniária compulsória - Pedido de pagamento - Revogação da legislação controvertida. O Tribunal de Justiça decidiu que «é anulada a Decisão C (2008) 7419 final da Comissão, de 25 de novembro de 2008, pelo facto de que, «no âmbito da execução do acórdão de 2008, a Comissão não podia decidir que a Lei n.º 67/2007 não era conforme com o Direito da União Europeia e daí extrair consequências para o cálculo da sanção pecuniária compulsória decidida pelo Tribunal de Justiça. Caso considerasse que o regime jurídico instituído pela nova lei não constituía uma transposição correta da Diretiva 89/665, devia desencadear o procedimento previsto no artigo 226.° CE». A Comissão não tinha fundamento para adotar a decisão impugnada, que deve, por conseguinte, ser anulada. Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão República Portuguesa c. Comissão Europeia Descritor Anotação Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 3/03/2011. Pº T-387/07. FEDER - Redução de uma contribuição financeira - Subvenção global de apoio ao investimento autárquico em Portugal - Recurso de anulação Despesas efetuadas - Cláusula compromissória. O Tribunal de Justiça decidiu que era negado o provimento ao recurso pois, de acordo com a Convenção celebrada em 1995 entre a Comissão Europeia e a Caixa Geral de Depósitos, apenas uma destas, poderia ser 61 parte num hipotético legítimo. A República Portuguesa, «não pode, consequentemente, invocar o facto de a Comissão não ter apresentado o litígio ao juiz comunitário em conformidade com a cláusula compromissória», devido ao facto de não ser parte na Convenção. Tribunal Tribunal de Justiça da União Europeia Decisão Lidl & Companhia c. Fazenda Pública Descritor Anotação 62 Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 28/07/2011 / Pº C106/10 Pedido de decisão prejudicial: Supremo Tribunal Administrativo Portugal. Fiscalidade - Diretiva 2006/112/CE - IVA - Valor tributável - Imposto devido pelo fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos. O Tribunal de Justiça declarou que «um imposto como o imposto sobre veículos em causa no processo principal, cujo facto gerador está diretamente ligado à entrega de um veículo abrangido pelo âmbito de aplicação deste imposto e que é pago pelo fornecedor desse veículo, integra-se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na aceção do artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e deve, em aplicação desta disposição, ser incluído no valor tributável em imposto sobre o valor acrescentado da entrega do referido veículo». b) Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Antunes Rodrigues c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 26/04/2011 / Registo 18070/08 Descritor Anotação Direito à proteção da propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº 1 da CEDH). O TEDH entendeu que não houve violação do direito à proteção da propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº 1 da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 11/01/2011 / Registo 4035/08 Liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Descritor Anotação O TEDH entendeu que não houve violação da liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Beires Côrte-Real c. Portugal Descritor Anotação Acórdão (2ª Secção) de 11/10/2011 / Registo 48225/08 Direito à proteção da propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente no que respeita ao atraso no pagamento da indemnização devida. Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Companhia Agrícola do Maranhão – CAMAR SA c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 22/02/2011 / Registo 335/10 Descritor Anotação Direito à proteção da propriedade (artigo 1, do Protocolo nº1 CEDH). O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente no que respeita ao cálculo e pagamento da indemnização devida (artigo 1º do Protocolo nº 1). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 63 Decisão Caso Conceição Letria c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 12/04/2011 / Registo 4049/08 Descritor Liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Anotação O TEDH entendeu que a condenação do requerente não é razoável à luz do direito à liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Cunha Oliveira c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 20/09/2011 / Registo 15601/09 Descritor Direito a um processo justo (artigo 6º, nº 1 da CEDH) Anotação O TEDH entendeu que houve violação do direito a um julgamento justo num prazo razoável (artigo 6º, nº 1). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Domingues Loureiro and Others c. Portugal Acórdão (2ª Secção) de 12/04/2011 / Registo 57290/08 Descritor Anotação Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Dore c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 01/02/2011 / Registo 775/08 Direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8º da CEDH). Anotação O TEDH entendeu que houve uma violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Gouveia Gomes Fernandes e Freitas e Costa c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 29/03/2011 / Registo 1529/08 Liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Anotação 64 Direito a um processo justo (artigo 6º, nº 1 da CEDH); Direito a um recurso efetivo (artigo 13º da CEDH). O TEDH entendeu que houve violação do direito a um julgamento justo num prazo razoável (artigo 6º, nº 1 e artigo 13º da CEDH). O TEDH entendeu que houve um entrave injustificado à liberdade de expressão dos autores condenados por difamação (artigo 10º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Graça Pina c. Portugal Descritor Anotação Acórdão (2ª Secção) de 15/02/2011 / Registo 59423/09 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve violação do direito à proteção da propriedade, no que respeita ao cálculo e pagamento da indemnização devida (artigo 1º do Protocolo nº 1 da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Karoussiotis c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 01/02/2011 / Registo 23205/08 Direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8º da CEDH). Anotação O TEDH entendeu que houve uma violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar, nomeadamente no que respeita a atrasos na atuação das autoridades portuguesas. Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Lacerda Gouveia e outros c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 01/03/2011 / Registo 11868/07 Direito a um processo justo (artigo 6º nº 1 da CEDH). Anotação O TEDH entendeu que não houve uma violação do direito a um processo justo (artigo 6 n.º 1 da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Monteiro de Barros de Mattos e Silva Adegas Coelho e outros c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 19/04/2011 / Registo 25038/06 Direito a um processo justo (artigo 6º da CEDH). Anotação O TEDH entendeu que houve uma violação do direito a um processo justo (artigo 6º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Moreira Ferreira c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 05/07/2011 / Registo 19808/08 Direito a um processo justo (artigo 6º nº 1 da CEDH) 65 Anotação O TEDH entendeu que houve uma violação do direito a um processo justo (artigo 6º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Passanha Braamcamp Sobral c. Portugal Anotação Acórdão (2ª Secção) de 12/04/2011 / Registo 10145/07 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH) O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente ao cálculo e pagamento da indemnização devida na sequência de expropriação (artigo 1º do Protocolo nº 1). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Pinto Coelho c. Portugal Descritor Acórdão (2ª Secção) de 28/06/2011 / Registo 28439/08 Liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH) Descritor Anotação O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à liberdade de expressão (artigo 10º da CEDH). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Sancho Cruz e 14 outros, casos «Reforma Agrária» c. Portugal Descritor Anotação Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Silva Barreira Júnior c. Portugal Descritor Anotação 66 Acórdão (2ª Secção) de 18/01/2011 / Registo 8851/07, 8854/07, 8856/07, 8865/07, 10142/07, 10144/07, 24622/07, 32733/07 32744/07, 41645/07, 19150/08, 22885/08, 22887/08, 26612/08, 202/09 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente ao cálculo e pagamento da indemnização devida na sequência de expropriação (artigo 1º do Protocolo n.º 1). Acórdão (2ª Secção) de 11/01/2011 / Registo 38317/06 e 38319/06 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente ao cálculo e pagamento da indemnização devida na sequência de expropriação (artigo 1º do Protocolo nº 1). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Sociedade Agrícola do Ameixial, S.A c. Portugal Anotação Acórdão (2ª Secção) de 17/01/2011 / Registo 10143/07 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade, nomeadamente ao cálculo e pagamento da indemnização devida na sequência de expropriação (artigo 1º do Protocolo nº 1). Tribunal Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Decisão Caso Sociedade Agrícola Vale de Ouro S.A. c. Portugal Descritor Descritor Anotação Acórdão (2ª Secção) de 11/01/2011 / Registo 44051/07 Direito à proteção a propriedade (artigo 1º, do Protocolo nº1 da CEDH). O TEDH entendeu que houve uma violação do direito à proteção da propriedade no que toca ao cálculo e pagamento da indemnização devida, tendo estipulado os valores pelos quais deveria o requerente ser compensado, num outro acórdão, já em 2012. 67 III. FÓRUNS INTERNACIONAIS DE DIREITO INTERNACIONAL III - FÓRUNS INTERNACIONAIS DE DIREITO INTERNACIONAL 1. Codificação e Desenvolvimento do Direito Internacional no âmbito das Nações Unidas a) Nota Introdutória Miguel de Serpa Soares2 e Mateus Kowalski3 Enquadramento Esta breve nota introdutória pretende, por um lado, explanar, de um modo necessariamente genérico, o tema da codificação e desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e, por outro, enquadrar a participação de Portugal na Assembleia Geral das Nações Unidas (6.ª Comissão), em especial as intervenções que fez em 2011 sobre os diversos tópicos em agenda. A codificação e o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional, designadamente no âmbito das Nações Unidas, assumem uma posição nuclear na formação normativa da ordem pública universal, em particular quando resulte na conclusão de convenções internacionais. A participação do Estado Português nos trabalhos de codificação e desenvolvimento progressivo, nomeadamente os desenvolvidos pela Comissão de Direito Internacional, é assegurada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (Departamento de Assuntos Jurídicos). Codificação e Desenvolvimento Progressivo do Direito Internacional A expressão codificação e desenvolvimento progressivo encerra duas dimensões. O Estatuto da Comissão de Direito Internacional (artigo 15.º) confere algum auxílio na sua explicitação: ―codificação‖ designa assim a «formulação e sistematização mais precisa de regras de Direito Internacional em áreas onde exista extensa prática dos Estados, precedentes e doutrina»; por seu turno, ―desenvolvimento progressivo‖ significa a «preparação de convenções sobre assuntos que não tenham ainda sido regulados pelo Direito Internacional ou relativamente aos quais o Direito não foi ainda suficientemente desenvolvido na prática dos Estados». Simplificando, e na prática, a ―codificação‖ é uma operação de transformação de regras existentes num corpo de regras escritas de forma sistematizada. O ―desenvolvimento progressivo‖ é uma operação de afirmação de regras novas. A distinção não é contudo tão simples como possa aparentar. O Tribunal Internacional de Justiça, no seu Acórdão de 1969 relativo ao caso ―Plataforma Continental do Mar do Norte‖, teve aliás ocasião de discorrer de forma extensa sobre o assunto e sobre as suas implicações ao analisar a questão sobre se o princípio da equidistância conforme consagrado no artigo 6.º da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental de 1958 era resultado de um exercício de lege ferenda (desenvolvimento progressivo) ou de lege lata (codificação). Concluiu que se tratava de uma nova regra e não da codificação de Direito costumeiro existente, pelo que aquele princípio não vinculava a República Federal da Alemanha que não era Parte na Convenção de Genebra. A codificação pode ter diferentes efeitos: (i) um efeito declaratório, pela codificação simples ou reafirmação de uma regra de Direito costumeiro já existente; (ii) um efeito cristalizador, em que confere validade a uma regra de Direito costumeiro em formação. Por seu lado, o desenvolvimento progressivo, para além de implicar naturalmente a formação de 2 Miguel de Serpa Soares - Diretor do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. 3 Mateus Kowalski - Jurista no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Docente convidado na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade Aberta. Investigador no centro de Investigação OBSERVARE/UAL, onde é corresponsável pelo projeto de investigação ―a justiça penal internacional‖. Doutorando na Universidade de Coimbra. Pode ser contactado em [email protected]. 71 uma nova regra jurídica plasmada numa convenção internacional, pode ter igualmente como consequência a transformação, paulatina, dessa regra em Direito costumeiro. Existe uma tendência natural para privilegiar as convenções internacionais enquanto fonte de Direito Internacional4 na medida em que estas conferem maior segurança e certeza jurídicas – pois assumem a forma escrita – e, por outro lado, porque resultam de forma direta da vontade dos Estados que participam na negociação – contribuindo assim para a preservação da necessidade do seu consentimento. Era aliás já assim nos primórdios do ―movimento de codificação‖ do séc. XIX, em que o entusiasmo em codificar o Direito Internacional resultava do entendimento de que a vontade expressa por escrito ganharia maior rigor e mais ampla aplicação. De entre as convenções internacionais assumem naturalmente maior relevo aquelas que podem ser apelidadas por ―convenções de ordem pública‖ (em tempos também conhecidas por ―tratados-lei‖) na medida em que estabelecem regras abstratas que regulam as relações sociais internacionais, sendo de participação tendencialmente universal. Têm sido adotadas relativamente a matérias tão essenciais como direitos humanos, recursos naturais, conflitos armados ou o comércio internacional. Codificação e Desenvolvimento Progressivo no âmbito das Nações Unidas O processo de codificação e o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional encontra-se institucionalizado de forma complexa nas Nações Unidas 5. Desde logo, o artigo 1.º, n.º 4 da Carta das Nações Unidas estabelece o cumprimento com o Direito Internacional como um meio indispensável à manutenção da paz e da segurança internacionais. Neste sentido, a Carta atribui à Assembleia Geral das Nações Unidas a responsabilidade de «incentivar o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e a sua codificação» (artigo 13.º, n.º 1). Este processo pode desenvolver-se por duas vias: envolvendo a Comissão de Direito Internacional – um órgão subsidiário composto por peritos independentes6 – ou através de um comité especial constituído pelos Estados que preferem, neste caso, manter a elaboração sobre seu controlo direto e imediato. Contudo, na maioria das vezes é adotado um processo que envolve ambas as abordagens, permitindo assim um equilíbrio entre, por um lado, o pendor mais técnico e científico da Comissão de Direito Internacional e, por outro, as sensibilidades políticas dos Estados (nomeadamente quando estejam em causa questões novas ou politicamente sensíveis). Trata-se de uma relação interativa que envolve a Comissão de Direito Internacional, a 6.ª Comissão da Assembleia Geral7 (à qual reporta anualmente) e os Estados Membros e observadores individualmente considerados. Interessantemente, existe segundo o Estatuto da Comissão uma diferença quanto à iniciativa conforme se trate de codificação – em que a Comissão pode propor à Assembleia Geral tópicos específicos para codificação – ou se trate de desenvolvimento progressivo – em que cabe à Assembleia Geral encarregar a Comissão dessa tarefa, podendo também os Estados Membros individualmente propor tópicos à Comissão. Na verdade, e até de um ponto de vista metodológico, o trabalho da Comissão sobre um dado tópico pode compreender elementos quer de codificação quer de desenvolvimento progressivo. Na prática, gera-se assim um diálogo entre os Estados Membros e a Comissão de Direito Internacional sobre cada um dos tópicos no programa de trabalho deste órgão subsidiário – durante a International Law Week, uma espécie de ―festa‖ do Direito Internacional que decorre todos os anos na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, e que reúne peritos jurídicos dos 193 Estados Membros e observadores, juízes de 4 Observação que é feita do ponto de vista estritamente prático dos sujeitos de Direito Internacional e do aplicador do Direito Internacional, sem qualquer relação com a controversa questão relativa à hierarquia das fontes deste domínio do Direito. 5 Embora não esteja, naturalmente limitado a esta organização. Refira-se neste sentido a codificação ao nível regional, por exemplo no âmbito do Conselho da Europa. 6 A Comissão de Direito Internacional é um órgão subsidiário da Assembleia-Geral composto por 34 membros independentes que representem a diversidade dos sistemas jurídicos do mundo. 7 A 6.ª Comissão da Assembleia Geral tem competência nos assuntos jurídicos e onde estão representados os 193 Estados Membros. 72 tribunais internacionais, membros da Comissão de Direito Internacional ou académicos convidados, e durante a qual são debatidos em diversos eventos temáticas relevantes atuais de Direito Internacional. Os Estados Membros (e em certas ocasiões os observadores) podem também remeter individualmente comentários, observações e prática nacional à Comissão de Direito Internacional. O processo pode ser mais ou menos longo, dependendo da complexidade jurídica do tópico e da sua sensibilidade política. De recordar que a Comissão terminou o seu trabalho sobre projeto de artigos sobre a ―Responsabilidade dos Estados por Factos Internacionalmente Ilícitos‖ apenas em 2001, o que levou 46 anos. E nem é previsível que a Assembleia Geral decida sobre o destino do projeto de artigos num futuro próximo. Já o projeto de artigos sobre o ―Efeito dos Conflitos Armados em Tratados‖ demorou 7 anos a ser completado. A Comissão de Direito Internacional dá por terminado o seu trabalho apresentando à Assembleia Geral um projeto de artigos. Importa todavia recordar que a Comissão pode ser também encarregue da elaboração das chamadas ―tarefas especiais‖ que resultam em estudos (como o Estudo sobre a Fragmentação do Direito Internacional completada em 2006) ou em guias de prática (como o Guia de Reservas a Tratados completado em 2011). Em todo o caso, e no que respeita aos projetos de artigos que possam ser adotados como convenção internacional, cabe à Assembleia Geral decidir o destino dos projetos, do ponto de vista quer formal quer material. Neste sentido, pode a Assembleia Geral adotar ela própria o projeto de artigos sob forma de convenção após as alterações substantivas que entenda fazer (é o caso, por exemplo, da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, adotada em 2004); ou pode a Assembleia Geral convocar uma conferência diplomática para negociar o projeto de artigos e adotá-lo (tal aconteceu, por exemplo, com a Convenção sobre o Direito dos Tratados, adotada em Viena, em 1969; com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, adotada em Montego Bay, em 1982; ou com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, adotado em Roma, em 1998). A convenção internacional assim adotada entrará depois em vigor, naturalmente, de acordo com as suas disposições e após a expressão do consentimento em estar vinculado à convenção por um número pré-definido de Estados. Participação de Portugal A participação de Portugal implica o estudo, a formulação de posição nacional e o debate do relatório anual da Comissão de Direito Internacional, bem como dos relatórios dos diversos relatores especiais e grupos de trabalho. Por outro lado, implica também a formulação de contributos ao longo do ano conforme venham sendo solicitados pela Comissão para a elaboração de um determinado tópico. As seis intervenções de Portugal (sobre um total de 12 temas) que são publicadas em seguida respeitam a duas categorias de tópicos em agenda na Assembleia Geral das Nações Unidas: por um lado, os que se encontram ainda a ser elaborados pela Comissão de Direito Internacional e que constam do seu relatório anual (pontos 1 a 3); por outro, aqueles que, tendo já a Comissão dado por concluído o seu trabalho, continuam em apreciação na Assembleia Geral (6.ª Comissão) no que respeita em concreto ao destino a dar aos projetos de artigos (pontos 4 e 5). No que respeita ao primeiro caso – os tópicos que constam do relatório da Comissão – as intervenções no debate geral foram distribuídas por três ―clusters‖ num total de dez temas, a saber: (1) ―Introduction and other issues‖, ―Reservations to Treaties‖ e ―Responsabilities of International Organizations‖ 8; (2) ―Effects of Armed Conflicts on Treaties‖9, ―Expulsion of Aliens‖ e ―Protection of Persons in the Event of Disasters‖; (3) 8 Vide a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/RES/66/100, de 27/02/12, adotada sobre este tópico e relativamente ao qual o trabalho pela Comissão de Direito Internacional foi dado por concluído na sua 63.ª sessão. 9 Vide a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/RES/66/99, de 27/02/12, adotada sobre este tópico e relativamente ao qual o trabalho pela Comissão de Direito Internacional foi dado por concluído na sua 63.ª sessão. 73 ―Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction‖, ―The Obligation to Extradite or Prosecute‖, ―Treaties over Time‖ e ―The Most-Favoured-Nation Clause‖10. Relativamente à segunda situação – os tópicos que já não constam da agenda da Comissão e que se encontram ainda em apreciação pela Assembleia Geral – as intervenções respeitam aos tópicos (4) ―Nationality of Natural Persons in Relation to the Succession of States‖ 11 e (5) ―The Law of Transboundary Aquifers‖ 12. 1. b) Intervenções i) i. ii. iii. por Portugal Report of the International Law Commission (Cluster I): Introduction and other issues Reservations to Treaties Responsibility of International Organizations Statement at the General Assembly debate on the "Report of the International Law Commission (Cluster I)" by the Director of the Department of Legal Affairs of the Ministry of Foreign Affairs, Mr. Miguel de Serpa Soares (New York, October 26, 2011) Mr. Chairman, Since I am taking the floor for the first time, let me congratulate you on your election as Chair of the Sixth Committee. We also would like to thank the Chairman of the International Law Commission, Mr. Kamto, for presenting the Report on the work carried out by the Commission during its sixty-third session. In today‘s statement, we will begin by making some general comments on the Commission‘s work. We will then address the topics ―Reservations to Treaties‖ and ―Responsibility of International Organizations‖. The other topics of the Report will be addressed in the coming days, according to the clusters proposed. 10 Vide a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/RES/66/98, de 13/01/12, adotada sobre o relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o trabalho da sua 63.ª sessão. 11 Vide a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/RES/66/92, de 13/01/12, adotada sobre este tópico. 12 Vide a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/RES/66/104, de 13/01/12, adotada sobre este tópico. 74 Introduction and other issues (Chapters I-III of the Report) Mr. Chairman, Portugal has followed the workings and outputs of the sixty-third session of the International Law Commission with much interest. We are very pleased to note that the Commission concluded its work on three topics. We are also satisfied with the reintroduction of the topic ―Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction‖. Mr. Chairman, The Commission decided to include five new topics in its long-term programme of work. Each of the syllabuses makes a good case for the respective topic‘s suitability for codification and progressive development of International Law. The topics selected combine classical International Law issues with new ones, representing the expansion of International Law which today covers almost all areas of human activity. This trend follows from the emergence of autonomous and specialized social domains. However, on the downside, such a trend can lead to the fragmentation of both legal knowledge and subsequent action. In this context, the Commission carries the great responsibility for codifying and developing International Law in a cohesive manner in order to avoid its fragmentation. Mr. Chairman, In what concerns its work-method, we encourage the Commission to embark on an exercise of progressive development of International Law whenever necessary to address new trends of contemporary international relations. Moreover, we find that surveying the repetition of international facts should not be overrated as a working method, as it sometimes is. It is certainly a relevant legal tool. And we understand that this is also a way for the Commission to protect its work against the sometimes conservative views of States. Nevertheless, it should not hamper the Commission from putting forward, whenever it deems appropriate, new and daring proposals, of which there are some good examples. It is also up to States to release the Commission from this concern. Mr. Chairman, To conclude this part of the intervention, we would like to applaud the decision to make immediately available, on its website, the Commission‘s provisional summary records. Portugal would like to thank in particular the Secretariat for its efforts in making this possible. They are a very useful tool to get in touch with the daily discussions of the Commission and to prepare the debates in the Sixth Committee. On another note, Portugal considers that an additional effort must be made in order to issue the Commission‘s Report earlier. 75 Réserves aux Traités (Chapitre IV du Rapport) Monsieur le Président, Nous souhaiterions aborder maintenant le sujet «Réserves aux Traités». Le Portugal voudrait, tout d‘abord, applaudir la Commission pour avoir adopté le Guide de la pratique sur les réserves aux traités. Par ailleurs, le Portugal rend hommage à M. Pellet pour sa contribution à ce sujet, ainsi que pour la qualité et la valeur du travail accompli. Le Portugal soutient fortement l‘ensemble du Guide de la pratique. Il représente une contribution majeure à un sujet du droit des traités complexe et très dynamique, sur lequel les Conventions de Vienne ont laissé planer des silences et ambiguïtés problématiques. Toutefois, comme le relève le rapporteur spécial lui-même dans son premier rapport, en 1995, «les dispositions des Conventions de Vienne de 1969, de 1978 et de 1986 relatives aux réserves ne sont certainement pas sans faiblesse, mais elles ont le grand mérite de la souplesse et de l‘adaptabilité». La Commission a su mettre ces mérites à profit avec sagesse et surmonter les silences et ambiguïtés en élaborant un guide en matière de réserves très complet. Un guide qui aura un impact positif sur la codification et le développement progressif du droit international: la formulation des réserves dans le strict respect du droit international, l‘approfondissement du dialogue réservataire et même la participation plus vaste aux traités sont quelques-uns des aspects qui méritent d'être soulignés dans ce contexte. Monsieur le Président, Le Portugal souhaite présenter brièvement quelques commentaires sur les résultats du travail que la Commission a réalisé sur ce sujet. Nous aimerions tout d'abord prendre acte du travail réalisé par le Groupe de travail sur les réserves aux traités. Ce dernier a su introduire quelques changements structurels qui rendent le Guide de la pratique plus convivial pour ses utilisateurs en revisitant les projets de directives et en tenant compte des observations faites par les gouvernements. Indépendamment des commentaires et des observations spécifiques que le Portugal a eu l'occasion de présenter au début de cette année, à notre avis, globalement parlant, les solutions proposées dans le Guide de la pratique sont bien équilibrées et en conformité avec l‘évolution progressive du droit international contemporain. Monsieur le Président, Une des nouveautés apportées par la Commission, lors de la session de cette année, a été l'adoption de l‘annexe consacrée au dialogue réservataire. Le Portugal accueille favorablement cette approche. L‘approfondissement du dialogue réservataire est une question essentielle lorsqu‘il s‘agit d‘éviter la formulation de réserves incompatibles avec le droit international, y compris en rendant l'article 19 des Conventions de Vienne sur le droit des traités pleinement applicable. Le dialogue réservataire devrait être aussi inclusif que possible, conformément à l'idée d'une diffusion plus large en vue d‘une participation plus vaste. Il est également important d'assurer que, lorsqu‘un Etat ou une organisation internationale acceptent tacitement une réserve, cela se fasse sciemment, et non pas à cause d'un silence inhabité, lequel ne reflète aucune volonté. À cet égard, dans les cas où il n‘existe pas d‘organe de contrôle, il pourrait être intéressant d'étudier les possibilités dont disposent les dépositaires pour jouer un rôle plus actif dans l‘intensification du dialogue réservataire. 76 Monsieur le Président, Le Portugal accueille également avec intérêt la recommandation sur la création de mécanismes d‘assistance en matière de réserves. Sur ce point, nous devons distinguer entre la proposition d‘un «observatoire» en matière de réserves et le «mécanisme» d‘assistance en matière de réserves. En ce qui concerne les observatoires, la création de ces mécanismes au niveau régional et sous-régional est déterminante non seulement pour le contrôle des réserves aux traités clés, y compris les traités portant sur les droits de l'homme, mais aussi pour la promotion du dialogue réservataire. Notre expérience du travail avec les observatoires créés au sein du Conseil de l'Europe et de l'Union européenne est positive. La mise en place d‘un mécanisme au sein des Nations Unies, tel qu‘il a été proposé par la Commission, pourrait s‘inspirer de ces deux observatoires. Cependant, dans le cas présent, il serait bon d'y apporter des affinements. La plupart des réserves en cours de réexamen concernent les nombreux traités déposés auprès du Secrétaire général. Le Secrétariat devrait donc jouer un rôle prépondérant dans l'accomplissement de cette tâche, par exemple, en affichant dans une section autonome du site Web de la Collection des Traités des Nations Unies une liste actualisée des réserves formulées, ainsi que leur contenu, le délai de formulation des objections et encore l‘indication d‘une référence aux objections qui ont déjà été formulées. Ceci ne porterait préjudice ni au rôle de la Sixième Commission en tant que forum de réflexion privilégié pour débattre et clarifier des réserves spécifiques, ni au droit des traités en matière de réserves. Le point «réserve aux traités» pourrait même être inscrit à l‘ordre du jour de la Sixième Commission chaque année. De notre point de vue, ceci pourrait aussi contribuer au dialogue réservataire. Monsieur le Président, Pour ce qui est du mécanisme d‘assistance en matière de réserves, à notre avis, là aussi, il s'agit d'une bonne suggestion de la part de la Commission. Toutefois, elle doit faire l‘objet d‘une étude détaillée, afin d'éviter toute superposition avec les procédures actuelles de règlement des différends, notamment celles prévues à l‘article 66 des Conventions de Vienne sur le droit des traités. Par conséquent, le mandat pour le mécanisme d‘assistance en matière de réserves devra être élaboré avec attention. Entre autres, il devra clairement indiquer les spécificités du mécanisme et sa raison d‘être par rapport aux procédures actuelles de règlement des différends, refléter la nature non conventionnelle du mécanisme et établir des méthodes de travail permettant une assistance flexible et rapide. Monsieur le Président, Le Portugal encourage la diffusion la plus large possible du Guide de la pratique et son application et, en cas de besoin, l'étude approfondie des recommandations sur le dialogue réservataire et les mécanismes d‘assistance. Nous considérons que cet excellent Guide sera fort utile aux Etats et aux organisations internationales dans leurs démarches pour aborder le sujet complexe des réserves. 77 Responsibility of International Organizations (Chapter V of the Report) Mr. Chairman, Kindly allow us now to address the topic ―Responsibility of International Organizations‖. Portugal would like, first of all, to congratulate the Commission for the achievement and to praise Mr. Gaja for his commitment to the topic. This is indeed a significant moment. In 1949, during its first session, the Commission selected for codification the topic ―State Responsibility‖ embarking on what is certainly one of its most important assignments: the codification of international responsibility. Sixty two years later, and after adopting, in 2001, the draft articles on State responsibility, the Commission fulfilled this mission by adopting the draft articles on the responsibility of International Organizations. Mr. Chairman, We will not dwell on specific matters today: early this year we already conveyed our detailed comments for consideration by the Commission. A word of appreciation is due to the Special Rapporteur for revisiting the 2009 draft articles taking into account the comments and observations made by States and International Organizations. Notwithstanding, Portugal would like to underline that, over the years, it has expressed some views that diverge from the Commission‘s approach to the subject, which have also been shared by others. The codification of the responsibility of International Organizations is the logical counterpart of that of State responsibility. However, this does not necessarily mean that the former should derive from the latter. In fact, in our view, the draft articles still follow those on State responsibility too closely. As Portugal has had the opportunity to state before, we consider that the principles of State responsibility generally apply to the responsibility of International Organizations. This was demonstrated by the work of the Special Rapporteur. Therefore, it seemed preferable to focus on a specific set of draft articles that deal with specific problems the responsibility of International Organizations entails. Such an exercise means trying to find general and abstract rules that fit the ―typical‖ International Organization. Additionally, we consider that the analysis should have better reflected the differences existing between States and International Organizations, and that, unlike States, the competences and powers of International Organizations, as well as their relations with member States, can vary considerably from organization to organization. Having said this, we also have to recognize that the Commission has made an increasing effort over the years to deal with the specific problems raised by the issue of responsibility of International Organizations. Mr. Chairman, The time has come for the General Assembly to adopt a position on the draft articles. We concur that, for the time being, it should take note of the draft articles by way of a resolution. However, at a later stage, it should consider adopting a convention based on the draft articles. This could take place possibly at the 68th Session alongside the consideration of the final form of draft articles on State responsibility. 78 We have a duty to contribute towards the stability and strength of the draft articles, whether on State responsibility or on the responsibility of International Organizations. Otherwise, the work initiated by the Commission on international responsibility risks becoming a neverending story. We cannot simply let the risk of fragmentation threaten a work that has taken more than sixty years. Thank you, Mr. Chairman. ii) Report of the International Law Commission (Cluster II): i. Effects of Armed Conflicts on Treaties ii. Expulsion of Aliens iii. Protection of Persons in the Event of Disasters Statement by the Director of the Department of Legal Affairs of the Ministry of Foreign Affairs, Mr. Miguel de Serpa Soares, at the General Assembly debate on the "Report of the International Law Commission (Cluster II)" (New York, October 28, 2011) Effects of Armed Conflicts on Treaties (Chapter VI of the Report) Mr. Chairman, With your permission we will now turn to the topic ―Effects of Armed Conflicts on Treaties‖. To begin with, Portugal would like to congratulate the Commission for the work now concluded and to commend Mr. Caflisch for his guidance in the completion of the draft articles. Portugal would also like to remember the late Ian Brownlie and praise him for the valuable contribution he made to the development of this topic. Mr. Chairman, Portugal‘s approach to this topic follows closely the initial boundaries established by the Commission. Parties are supposed to conclude treaties in good faith and with the intention of complying with them (pacta sunt servanda). However, it has been proved difficult to establish what actually the Parties‘ intention was at the time of the conclusion of the treaty in what regards the outbreak of hostilities. The whole point of this topic is finding out in which measure mutual trust among the Parties regarding the fulfillment of obligations set out in a treaty can be compromised in the event of an armed conflict. Consequently, the key and only ratio of this subject is discovering how to strike a balance between the trust of the Parties, as a prerequisite for compliance with treaties, and the need for legal certainty. Portugal agrees in general with the draft articles and with their suitability for an international convention, regardless of the fact that during the debates of the Sixth Committee and in written comments we voiced our doubts concerning certain aspects. Those can be later discussed within the body preparing the convention. Mr. Chairman, Portugal, like the Special Rapporteur, believes that the final form of the draft articles concerning the effects of armed conflicts on treaties should be that of a convention. Yet, we understand the prudence advised by the Special Rapporteur in his note on the matter. Issues like the inclusion of internal armed conflicts within the scope of application of the draft articles and the position of third States would certainly be divisive at a diplomatic conference. 79 Those are some of the aspects where neither practice, jurisprudence or doctrine offer clear and unique answer. However, we do not foresee that giving time to States is the answer for convincing them, in the short term, of the suitability of all the solutions adopted by the Commission. We should strive to attain a balance between preserving the work of the Commission and insuring the stability of International Law by adopting a convention. Engaging in dialogue and collective thinking is often the best path. Therefore, Portugal welcomes the Commission‘s recommendation to the General Assembly to take note of the draft articles in a resolution and to consider the elaboration of a convention at a later stage, assuming that ―at a later stage‖ means a short period of time. Consequently, we would like to suggest the establishment of a working group to allow delegations to discuss in detail their different perspectives on key substantive issues and then to decide on the possible elaboration of a convention on the basis of the draft articles. Expulsion of Aliens (Chapter VIII of the Report) Mr. Chairman, I now turn to Chapter VIII of the Commission's Report regarding the topic, "Expulsion of Aliens", and would like to commend the Special Rapporteur for his work on this subject. Though we are aware that the draft articles have been submitted to the Drafting Committee, we would like to share a few comments about them. Mr. Chairman, Where it comes to draft article D1, we agree with some members of the Commission that this proposal could be open to possible negative interpretation. We believe this article should make clear that an expelling State should adopt the necessary measures to promote the voluntary return of an alien. We also agree that the question of providing assistance for the voluntary return of an alien subject to expulsion should be considered. However, we believe the Commission should consider it as a draft article in its own right, rather than a commentary to draft article D1. As to the issue of the State of destination of an expelled alien, addressed in draft article E1: in previous years, Portugal stated that the question of what would happen where there was a risk that the alien could be subjected to torture or other cruel, inhuman or degrading treatment in the State to which he or she is to be expelled should be raised. Therefore, we support the view that it is necessary to make it clear that the expulsion of an alien, to a State where he or she may be subject to torture or other cruel, inhuman or degrading treatment is prohibited, not only to the State of nationality, but to all States. Also, we concur that the question of what happens if this risk exists and no other State is willing to take the alien in, should equally be addressed. Furthermore, we continue to think that the Commission should examine the possibility of establishing adequate assurances in regard to torture or other cruel, inhuman or degrading treatment. Finally, Portugal hopes the Commission will proceed to clarify, in its future work, the distinction between a State that has not consented and a State that refuses as established in paragraph 3 of this draft article, should it reach the conclusion that there is, indeed, a need for such a distinction. 80 Mr. Chairman, When it comes to the issues of international responsibility and diplomatic protection, we feel that they should be approached with some caution. The Special Rapporteur and the Commission should bear in mind that States have domestic mechanisms available enabling people, aliens subject to expulsion in this case, to appeal a wrongful or unlawful decision of expulsion as well as to hold that State responsible for that decision. This seems to have been overlooked when addressing these issues and we think they should be further considered. Only if these mechanisms break down or if a State does not make them available to the alien, should we then consider the issues of international responsibility and diplomatic protection. Mr. Chairman, Allow me to make a brief comment on the revised draft article 8. I would like to reiterate our uncertainty as to whether a provision concerning expulsion relating to extradition has a place in this study, and our belief that a fine line between these two legal concepts should be drawn. Mr. Chairman, We look forward to seeing how the Commission approaches these new issues and develops answers to questions already raised as its work on this topic progresses. Protection of Persons in the Event of Disasters (Chapter IX of the Report) Mr. Chairman, Allow me to now turn to Chapter IX of the Commission‘s Report on the topic ―Protection of persons in the event of disasters‖ and thank the Special Rapporteur, Mr. Valencia-Ospina, for his fourth report, which, in our understanding, approached some important issues. Mr. Chairman, Last year, Portugal had the opportunity to express its opinion that the Commission should undertake the study of scenarios where an affected State cannot or will not protect persons in the event of a disaster, thus failing in its responsibility to protect. Thus, now that the duty of the affected State to protect the persons within its territory has been established, we agree that, moving forward, it is important to contemplate situations where a disaster exceeds the national capacity of a State and consider the duty to seek assistance. We hope the Commission will delve deeper in its study and look into situations where, when the duty to seek assistance rises, the State does not do so. We also urge the Commission to move advance in its study and now address situations where the affected State will not protect persons in the event of a disaster. Mr. Chairman, Where it comes to the issue of consent of the affected State, we still feel that the question of whether external help can only be provided if there is consent should be further addressed and provided with a clear answer. We continue to believe that an additional study on the relation between international cooperation and international principles such as the principle of sovereignty and non-intervention would be helpful to the Commission in order to establish 81 possible derogations to both these principles. Furthermore, the consequences of refusing assistance should be considered. As we have stated previously, we support the notion that a State should bear the responsibility for its refusal to accept assistance. In our opinion, such a refusal can give rise to an internationally wrongful act if it undermines the rights of affected persons under International Law. In this sense, we support the Commission‘s view, when debating draft article 12, that the circumstances where an affected State could refuse offers of assistance should be clearly defined. Finally, we believe that the question of the State making its decision regarding the offer of assistance ―whenever possible‖, as provided in paragraph 3 of draft article 11, should be further clarified by the Commission. The Commission has failed to explain what would occur in a scenario where it is not possible to make a decision, namely what the consequences to the protection of persons will be. Mr. Chairman, We look forward to seeing the work of the Commission on this topic, to which Portugal gives great importance, and we urge the Commission to continue progressing steadily as it has been these past years. Thank you, Mr. Chairman. iii) Report of the International Law Commission (Cluster III): i. Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction ii. The Obligation to Extradite or Prosecute iii. Treaties over Time iv. The Most-Favoured-Nation Clause Statement by Assistant Legal Adviser, Department of Legal Affairs of the Ministry of Foreign Affairs, Mr. Mateus Kowalski, at the General Assembly debate on the "Report of the International Law Commission (Cluster III)" (New York, 11.02.2011) Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction (Chapter VII of the Report) Mr. Chairman, Allow us to begin by addressing Chapter VII of the Commission‘s Report regarding the topic ―Immunity of State Officials from Foreign Criminal Jurisdiction‖. Portugal is pleased with the return of the topic to the debate of the Commission that we believe to be of great importance and to which we hold high expectations. It is indeed a very complex and challenging subject. A word of appreciation is due to Mr. Kolodkin for his second and third reports that represent a great contribution to the development of the topic. The Commission had this year the opportunity to have a broad discussion on some of the basic aspects, allowing for a very interesting debate where divergent views constructively interacted. We would like to contribute to the debate by offering our views on some of those aspects. In doing so, we will also comment on some specific issues as requested by the Commission (Chapter III of the Report). 82 Mr. Chairman, This topic deals with two major values protected by International Law: immunity of State officials and the obligation of fighting impunity. The approach to the topic cannot rest on an absolute concept of State sovereignty, or on the assumption that State officials may hide behind such a curtain. This concept has evolved and it has no place within contemporary international relations. Contrary to what was argued by some during the debates in the Commission, we do not find immunity to be a question only for the State (and their officials): the rights of the individuals have also to be considered in the outcome of this exercise. To serve the interests of the international community means, in this case, a balance between State sovereignty, the rights of the individuals and the need to avoid impunity for serious crimes under International Law. It is our belief that the Commission will only achieve this balance if it seeks not only to identify existing rules of International Law but also if it embarks on an exercise of progressive development. Mr. Chairman, Regarding the scope of the topic, and as a preliminary note, we would like to underline that the distinction between the scope ratione personae and ratione materiae is relevant mainly for analytical purposes. Hence, there should be some caution to not overrate it beyond the methodological angle. Having said that, and in what concerns the scope of the immunity ratione materiae, we tend to agree that the criterion for attribution of the responsibility of the State for a wrongful act may be a relevant element to determine whether a State official enjoys immunity ratione materiae. However, this conclusion will require the Commission to shed light on the question of the control test. It is worth recalling that the ICJ, in its 2007 judgment regarding the Application of the Genocide Convention case, applied the ―effective control‖ test enunciated in the Nicaragua case, thus rejecting the ―overall control‖ test put forward in the Tadić decision. In contrast, case law and practice seem to favour the reasoning followed by the Tadić decision. Regarding the scope of the immunity ratione personae, when considering the immunity from this perspective, the overall objective is, in our view, to preserve the stability of international relations in the cases when the official has a high degree of immediate identification with the State as a whole. Following this criterion, the officials to be considered for purposes of the immunity ratione personae include, in Portugal‘s opinion, heads of State and Government and ministers of foreign affairs. Furthermore, we deem that there are sufficient legal arguments to sustain that they enjoy the immunity de lege lata, including in the case of ministers of foreign affairs. The Arrest Warrant judgment makes a good argument for this line of reasoning. It is interesting to note that although this being a more or less consensual understanding, nevertheless it receives still today different justifications in International Law. A further analysis by the Commission on the justifications would be welcomed. For the time being, Portugal does not exclude the consideration of other high State officials within immunity ratione personae. It is argued, for instance, that vice-presidents or parliament speakers could be included within those officials. Nevertheless, due to the different systems of government and constitutional frameworks, those may fail to comply with the criteria of having a high degree of immediate identification with the State as a whole. In any case, we are open to consider the proposals that the Commission may wish to present in the future on this subject. 83 Mr. Chairman, One other important aspect which does not have an easy answer is to determine the acts of a State exercising jurisdiction which are precluded by the immunity of an official. The Certain Questions of Mutual Assistance case provides a relevant criterion: the acts so precluded would be all those subjecting the official to a ‗constraining act of authority‘. This may be a good starting point. The abundant jurisprudence and doctrine on immunity from criminal jurisdiction of diplomatic agents as well as on special missions may be of particular interest and address some issues that are relevant for the purposes of this matter. Mr. Chairman, Portugal does not share the view that immunity ratione personae is absolute and without exceptions or that immunity ratione materiae may not be automatically removed in certain cases. Nor do we find that it is sufficient in all cases to accept an exhaust valve merely anchored in the moral obligation of States to waive the immunity of its officials, as seems to be the approach adopted by the Institut de Droit International in its Resolution on the subject. There is a trend in International Law that supports the existence of exceptions, or perhaps even more accurately, the inexistence of immunity in certain cases. Hence, from a methodological perspective, we worry that to depart this analysis from the standpoint of a ‗general rule of immunity‘ could bias the conclusions. There is a level of non-compliance with International Law that cannot ever be exceeded. On the other hand, the corresponding sanctions cannot be set aside in all situations. This is particularly true in the case of jus cogens. We will not delve into the question if exceptions to immunity are de lege lata or not. In either case, Portugal strongly believes that the most serious crimes of international concern should be an exception. Therefore, we encourage the Commission to continue its work on the exceptions without any anxieties about embarking on an exercise of progressive development of International Law. Mr. Chairman, In what concerns the procedural aspects of immunity of State officials, allow us to commend the Special Rapporteur for the thorough study presented in his third report. Portugal concurs in abstract with the analysis of the Special Rapporteur. However, it is of course an analysis that follows the same reasoning of the second report. As so, it would be advisable for the Commission first to settle the many basic issues still left open before entering into a detailed discussion on the procedural issues. Mr. Chairman, To conclude, we welcome the suggestion made during the discussions for the Commission to establish a working group on the topic, which could also benefit from the inputs of States offered at this session of the Sixth Committee. It is a cautious way to proceed by giving more precise guidance to some unresolved basic questions on which the general direction of the topic rests upon. The obligation to extradite or prosecute (aut dedere aut judicare) (Chapter X of the Report) 84 Mr. Chairman, Let me now turn to Chapter X of the Commission‘s Report on the topic ―The obligation to extradite or to prosecute (aut dedere aut judicare)‖. We are pleased that the study has been resumed this year and would like to see it continue. We also wish to commend the Working Group for its contribution. Its proposed general framework for the Commission's consideration of this topic has played an important role in bringing this about. Mr. Chairman, This year, the Special Rapporteur submitted to the Commission his fourth report which addressed the sources of the obligation to extradite or to prosecute, more specifically treaties and custom. In previous years, Portugal has had the opportunity to express its firm belief that the obligation to extradite or to prosecute finds its source in both treaties and custom. However, we share the opinion of some members of the Commission who find that this issue should be awarded more attention in order to enable the Commission to draw concrete conclusions. The debate surrounding this topic has evidenced its degree of complexity, complex it is and how its study may prove to be an arduous job. We believe that the Commission will find some difficulty in advancing in the discussion of this topic if all questions raised do not find clear answers. Mr. Chairman, Allow me to make some brief remarks on the draft articles presented by the Special Rapporteur to the Commission. Draft article 2 deals with the duty to cooperate. As it has been pointed out, the duty to cooperate is a well established principle of International Law which we consider essential when it comes to the pursuit of the objectives behind the obligation to extradite or to prosecute. Nevertheless, we agree that the wording put forward for this draft article needs to be reconsidered as it raises issues requiring further study. It seems clear to us that the international courts and tribunals should be taken into consideration when studying the obligation to extradite or to prosecute. The surrender of an alleged offender to one or the other is an important factor when it comes to fighting impunity. However, the Commission needs to reach a decision, beforehand, establishing what kind of relationship exists between the obligation to extradite or to prosecute and the surrender of an alleged offender to a competent international court or tribunal. It needs to conclude whether this surrender is or is not at the same level as the two elements of this obligation and, if so, whether or not it constitutes a "third alternative". The answer to this question will determine the nature of the cooperation with the international courts and tribunals and its relation to the obligation to extradite or to prosecute. When it comes to the issue of which crimes and offenses fall under the scope of the obligation to extradite or to prosecute, Portugal is of the opinion that all crimes fall under the scope of this obligations, with the exception of military and political crimes. Therefore, we would like to voice our concerns on the use of the expression ―crimes and offences of international 85 concern‖ at this point in time. We share the opinion that the Commission should delve further into this matter and clearly determine which crimes, specifically, are covered by this topic Portugal also has concerns that the use of the expression "wherever and whenever appropriate" may be subjected to a wide interpretation with negative consequences for the application of the obligation to extradite or to prosecute. Consequently it is our view that the expression should be further clarified. Mr. Chairman, Draft articles 3 and 4 deal with treaties and custom, respectively, as sources of the obligation to extradite or to prosecute. Portugal shares the concerns invoked by some members of the Commission when it comes to the study that served as basis for both the articles and the methodology followed by the Special Rapporteur when approaching this topic. Both articles seem to state a reality that should be considered as such by all States party to a treaty and by all States when it comes to custom by supporting the fact that States are obliged to extradite or to prosecute if such obligation derives from a treaty or from a customary norm of International Law. Therefore, neither article offers anything new. It will be interesting to see how the Commission will address the two other, already identified, sources - national legislation and practice of States - when approaching these new draft articles, specifically, whether they will merely be mentioned, or whether they will have draft articles devoted to them. Where it comes to the conditions for exercising extradition or prosecution, it seems clear that States should have rules of domestic law allowing them to implement the obligation to extradite or to prosecute that has been established by a treaty to which they are party. Nevertheless, we believe that this matter should also be taken into consideration when addressing sources of the obligation other than treaties, and we hope the Commission will bear this in mind when taking on the more procedural questions. Mr. Chairman, Allow me to conclude our comments on the topic of the obligation to extradite or to prosecute by stating that, though we acknowledge the difficulty encountered when studying this topic, we believe even further in its importance and, therefore, we hope the Commission will be able to continue developing its work on this topic. Treaties over Time (Chapter XI of the Report) Mr. Chairman, I will now address the topic ―Treaties over Time‖. Portugal would like to commend the ongoing work of the Study Group chaired by Mr. Nolte. Treaties must be regarded as dynamic instruments of International Law that are interpreted in a specific legal and social context. This idea is well summarized by the ICJ‘s legal assertion in relation to the 1977 Treaty between Hungary and Slovakia, when stating that ―the treaty is not static‖. The discussions at the Study Group continue to show that the work of the Commission on this topic must meet with some complex challenges that should be addressed without any reservations. This is an interesting subject to which Portugal pays much attention. 86 Mr. Chairman, Following the request by the Commission for States to provide examples of ‗subsequent agreements‘ or ‗subsequent practice‘, Portugal is currently undertaking a survey on the matter within various Government departments. Besides obtaining relevant information for the Commission‘s work, we are also interested in setting up an internal monitor of how subsequent agreements and subsequent practice have been influencing the interpretation of treaties binding Portugal. As preliminary findings, it is already possibly to mention that subsequent agreements and practice are generally considered by practitioners to be relevant to the interpretation and application of treaties, particularly regarding certain subject-matters. However, concrete cases are rarely identified. In some cases, and particularly regarding ‗subsequent practice‘, this may be due to the fact that, although this element may have been key to a certain interpretation, the legitimizing discourse tends to neglect it in detriment of others. In any case, we expect to deliver in due time some specific examples as requested by the Commission. Mr. Chairman, Regarding the future work, we agree that after the discussion of the second report the Commission should consider appointing a Special Rapporteur to the topic. Moreover, Portugal encourages the members of the Study Group to bring forward contributions on the many identified issues related with the topic, as was already done this year, to some extent, with the submission of two papers by Mr. Murase and by Mr. Petrič. The work-method adopted in the past for developing the topic ―The Most-Favoured-Nation Clause‖ could perhaps serve as inspiration. The Most-Favoured-Nation Clause (Chapter XII of the Report) Mr. Chairman, As far as the topic ―The Most-Favoured-Nation Clause‖ is concerned, Portugal would like to express its appreciation for the efforts made by the members of the Study Group, co-chaired by Mr. McRae and Mr. Perera. However, Portugal continues to retain some doubts as to whether the most-favoured-nation clause has been sufficiently debated to allow for the codification or progressive development of International Law. Thus, carrying out work that may lead to a forced uniformization of practice and jurisprudence may prove to be lacking in practical consequences. Having said that, we agree that the Commission‘s principal contribution to this debate should be a study on how most-favoured-nation clauses are to be interpreted and applied in practice, so as to guide States and International Organizations. This is indeed a matter with a high degree of complexity. As a result we welcome the intention expressed by the Commission to maintain the final form of the study as a report, without elaborating any draft articles. Such a report should include not only solid conclusions but also a survey on the various trends and relevant divergent approaches. We underline the importance of safeguarding against the fragmentation of International Law when developing the topic, as also referred by the Commission. 87 Mr. Chairman, At this year‘s session, the Study Group performed a good survey on some basic aspects regarding the most-favoured-nation clause which have no consistent answers in case law or doctrine, particularly in respect of its relation with settlement of dispute provisions. In this regard, we viewed with interest the mentioned approach of having a prior step aimed at determining who was entitled to benefit and whether the preconditions for access have been fulfilled, when determining if a most-favoured-nation clause could be used to incorporate dispute settlement provisions into the basic treaty. Mr. Chairman, Portugal wishes to encourage the Commission to continue its study on this subject-matter. Its work could indeed provide a very useful guide on interpretation and application of mostfavoured nation clauses. However, one should be open to accept that the outcome may not be a clear set of unique and conclusive solutions. A comprehensive survey on different approaches would be already a valuable result. It seems to us that accepting this possibility and not forcing ideal outcomes is the best way for the Commission to provide helpful assistance to States and International Organizations, thus contributing to certainty and stability in the field of Investment Law. Thank you, Mr. Chairman. iv) Nationality of Natural Persons in Relation to the Succession of States Statement by Assistant Legal Adviser, Department of Legal Affairs of the Ministry of Foreign Affairs, Mr. Mateus Kowalski, at the General Assembly debate on "Nationality of Natural Persons in Relation to the Succession of States" (New York, October 17, 2011) Mr. Chairman, The International Law Commission recommended in 1999 that the draft articles on ―Nationality of Natural Persons in Relation to the Succession of States‖ be adopted by the General Assembly in the form of a declaration. Until today a decision is yet to be taken on that recommendation. Portugal commends the International Law Commission for its work in preparing a set of draft articles regulating such a complex subject matter. The Universal Declaration of Human Rights embodies the fundamental principle that everybody has the right to a nationality. Bearing this in mind, the draft articles pursue the important objective of avoiding statelessness in case of State succession. Mr. Chairman, Nowadays, there is a greater balance between the relevance of the interests of States and those of individuals. Consequently, the practical interests of States regarding a succession process have to be soundly balanced with the rights and expectations of individuals regarding their nationality. It is widely acknowledged that the attribution of nationality belongs to the realm of sovereign prerogatives of States. However, such prerogative must be performed within the limits imposed by International Law. Therefore, without denying the primary competence of States 88 to attribute nationality, it is important to identify those limits, especially in the complex situation of succession of States. Portugal is of the opinion that the draft articles do so in an adequate manner. However, the question of ensuring the compliance with those limits also relates with the final form and legal strength to be assumed by the draft articles. There appears to be three options: to leave the draft articles as an annex of General Assembly Resolution A/RES/55/153; to adopt the draft articles as a declaration of the General Assembly, as recommended by the International Law Commission; and to elaborate an international convention on the basis of the draft articles. Mr. Chairman, As it had already the occasion to state in the past, Portugal continues to believe that, for the time being, the adoption of the draft articles as a declaration of the General Assembly would be the most reasonable option, allowing the immediate and authoritative stabilization of a diffuse set of norms and practices, combining codification with progressive development of International Law. However, the adoption of the draft articles as a declaration should only happen when a broad support by States is to be expected. Thank you, Mr. Chairman. v) The law of Transboundary Aquifers Statement by Assistant Legal Adviser, Department of Legal Affairs of the Ministry of Foreign Affairs, Mr. Mateus Kowalski, at the General Assembly debate on "The Law of Transboundary Aquifers" (New York, October 18, 2011). Mr. Chairman, The International Law Commission adopted in 2008 a preamble as well as a set of 19 draft articles on transboundary aquifers under the topic ―Shared Natural Resources‖. At its sixtythird session, the General Assembly accepted the Commission‘s recommendations: it took note of the draft articles and decided to include them in the provisional agenda for its sixtysixth session with a view to examine, inter alia, the question of the form that might be given to the draft articles. The subject of transboundary sharing of water is extremely relevant and particularly complex in the modern world. Its relevance for development but also the potential conflict inherent to shared water, its political and economical importance, as well as the environmental issues related to this natural resource, all attest to that. Portugal had already the opportunity to praise the Commission‘s output on the subject. Portugal believes that the draft articles could provide a positive contribution to the proper management of the existing transboundary aquifers around the world and hence to the promotion of peace. We would like in this context to underline the inclusion in the draft articles of the reference to the human right to water and of principles of International Environmental Law. Mr. Chairman, Notwithstanding the specific comments and observations Portugal has had the opportunity of sharing over the previous years, we find that, on the overall, the solutions presented in the draft articles are well balanced and in line with the progression of contemporary International Law. 89 Some resemblances can been found with articles of the 1997 Watercourses Convention and with the UNCLOS, serving to demonstrate that these solutions are in line with the development of contemporary International Law. Furthermore, the draft articles are also compatible with the European Union Law on the matter already binding Portugal, namely the Directive establishing a framework for Community action in the field of water policy and the Directive on the protection of groundwater against pollution and deterioration. Despite the existence of specific European Union Law applicable to this subject-matter, we believe that this fact should not prevent European Union‘s Member States, including Portugal, from contributing towards the development and universal codification of the Law of Transboundary Aquifers. Therefore, Portugal reaffirms its belief that the draft articles on the Law of Transboundary Aquifers should evolve into an international framework convention. Thank you, Mr. Chairman. 90 2 - Portugal enquanto Membro do Tribunal Penal Internacional: a Eleição para o Bureau da Assembleia de Estados Parte Catarina Severino13 1. O Tribunal Penal Internacional no contexto da Justiça Penal Internacional O Tribunal Penal Internacional (TPI) tem sido referido como o ―mais inovador e excitante desenvolvimento no Direito Internacional desde a criação das Nações Unidas‖, constituindose como uma obra da agenda de Direitos Humanos daquela Organização. 14 Exerce jurisdição aplicando o princípio da complementaridade, segundo o qual o exercício de jurisdição pelo Tribunal depende de uma jurisdição nacional sem capacidade para ou não disposta a julgar os suspeitos que se encontram no seu território. 15 Em resultado, vários dos Estados signatários do Estatuto de Roma optaram por colocar a respetiva lei penal em concordância com as provisões do referido Estatuto, passando a exercer jurisdição sobre ofensas como o genocídio, os crimes contra a humanidade e crimes de guerra, assegurando, também, o exercício de jurisdição universal sobre estas violações. 16 Aliás, como sustentou o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, as provisões do Estatuto de Roma, ratificadas por um grande de número de Estados 17, constituem expressão de uma opinio juris e, neste sentido, providenciam um auxílio determinante na identificação do Costume Internacional. 18 Neste sentido o Estatuto de Roma, no qual estão espelhadas as fundações do TPI, contribui para o combate à impunidade e para a promoção da dignidade humana. Relembrando as palavras de Kofi Annan, à altura Secretário-Geral das Nações Unidas: ―The overriding interest must be that of the victims, and of the international community as a whole. The court must be an instrument of justice, not expedience. It must be able to protect the weak against the strong. It must demonstrate that an international conscience is a reality.‖ 19 2. O Bureau do Tribunal Penal Internacional De uma forma geral o TPI pode ser definido como o primeiro tribunal internacional permanente com competência sobre os crimes mais graves de relevância internacional, independentemente do lugar em que foram cometidos.20 Na sua orgânica interna figuram a Presidência, as Divisões Judiciárias, o Escritório do Procurador, o Registo e, ainda, a Assembleia de Estados Parte (AEP). 21 A AEP corresponde a um órgão composto por representantes das Partes no Estatuto de Roma, que supervisiona as atividades do TPI e dos seus órgãos. A necessidade desta supervisão encontra sustento em, essencialmente, dois pilares: se, por um lado, a cooperação 13 Catarina Severino - Licenciada e mestranda em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa. Pode ser contatada através do endereço eletrónico [email protected]. 14 Schabas, William (2004), An Introduction to the International Criminal Court. Cambridge: Cambridge University Press, 25. 15 Idem, ibidem, 20. 16 Idem, ibidem. 17 Atualmente 121 Estados são Parte do Estatuto de Roma. 18 Prosecutor v. Furundzija (Case No. IT-95-17/1-T), Julgamento, 10 dezembro 1998, para. 227. 19 Carta do Secretário-Geral das Nações Unidas ao Presidente da Conferência Plenipotenciária das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional. A/CONF.183/INF/8 de 7 de julho de 1998. 20 Tribunal Penal Internacional, ―About the Court‖. Consultado a 11 de outubro de 2012, em http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/About+the+Court/. 21 Tribunal Penal Internacional, ― Assembly of State Parties‖. Consultado a 9 de outubro de 2012 em http://www.icc-cpi.int/Menus/ASP/Assembly/. 91 entre os Estados Parte é fundamental para atingir os objetivos previstos no Estatuto, por outro lado, as atividades do TPI dizem diretamente respeito aos Estados Parte e, portanto, a sua supervisão é do seu interesse. 22 O Bureau, como se pode verificar pelo Quadro 1 (em anexo), figura na orgânica da AEP. É constituído por 1 Presidente, 2 Vice-Presidentes e 18 membros eleitos pela AEP para mandatos de três anos. 23 Os poderes do Presidente e dos Vice-Presidentes estão delineados nas Regras de Procedimento da AEP.24 É um órgão de carácter representativo, tendo em conta os critérios da distribuição geográfica equitativa e da representação adequada dos principais sistemas legais do mundo. 25 Assiste a AEP no desempenho das suas responsabilidades, como sejam a supervisão da gestão de matérias administrativas, a consideração e decisão sobre o orçamento do Tribunal, a alteração do número de juízes do Tribunal, e, finalmente, a consideração de qualquer questão relativa à não-cooperação dos Estados.26 Reúne, pelo menos, uma vez por ano27 e detém a prorrogativa de convocar sessões extraordinárias da AEP28, sendo que até hoje nenhuma teve lugar. 29 Detém, ainda, autoridade para modificar a agenda das sessões da AEP com questões suplementares. 30 O Presidente do Tribunal, o Procurador e o Registar poderão, se necessário, assistir às reuniões do Bureau. 31 Os relatórios e atividades do Bureau devem ser considerados pela AEP, que deve agir em conformidade. 32 É importante notar que, apesar de nos organismos internacionais ser comum a existência de um secretariado com responsabilidades administrativas, ao atentar no Bureau da AEP à luz do Estatuto de Roma e da prática subsequente, é possível verificar que desempenha um papel mais substantivo33: analisa e faz recomendações sobre temas como a implementação do Estatuto de Roma, a cooperação e não-cooperação, assistência jurídica, planeamento estratégico, fortalecimento da TPI e da AEP e complementaridade. 34 O processo de formulação de decisão, tipicamente equiparado ao de um órgão colegial pleno, é idêntico tanto nas sessões da AEP, como nas sessões do Bureau: cada Estado detém um voto e a decisão é, sempre que possível, tomada por consenso. No caso de não ser possível, as matérias substantivas deverão ser aprovadas por maioria de dois terços, sendo que o quórum é obtido mediante a presença de uma maioria absoluta dos Estados Parte. No caso das questões processuais, a decisão é tomada por maioria simples. 35 22 (2002) Bos, Adriaan, ―Assembly of State Parties‖ in Cassese, Antonio et al. (2002), The Rome Statute of the International Criminal Court: A Commentary. Oxford, Nova Iorque: Oxford University Press, 308-312. 23 Artigo 112, n.º 3 (a) do Estatuto de Roma. 24 United Nations Treaty Collection (2003), ―Rules of Procedure of the Assembly of States Parties‖. Consultado a 10 de outubro de 2012 em http://untreaty.un.org/cod/icc/asp/1stsession/report/english/part_ii_c_e.pdf. 25 Artigo 112, n.º 3 (b) do Estatuto de Roma. 26 Idem, ibidem, Artigo 112, n.º 2. 27 Idem, ibidem, Artigo 112, n.º 3 (c). 28 Idem, ibidem, Artigo 112, n.º 6. 29 Schabas, William (2010), The International Criminal Court: a Commentary on the Rome Statute. Nova Iorque: Oxford University Press, 1130. 30 Idem, ibidem, 1127 31 Artigo 112, n.º 5 do Estatuto de Roma. 32 Idem, ibidem Artigo 112, nº 2 (c). 33 Schabas, William (2010), op. cit., 1125. 34 Agenda e decisões da Sexta reunião do Bureau da Assembleia de Estados Parte, 31 de janeiro de 2012. Mandatos da décima sessão da Assembleia de Estados Parte, Secretariado da Assembleia de Estados Parte, Bureau da Assembleia, 13 de janeiro de 2012. 35 Artigo 112, nº7 (a) e (b) do Estatuto de Roma. 92 A 14 de fevereiro de 2006, o Bureau reconstituiu dois Grupos de Trabalho criados em dezembro de 2004, um em funcionamento na Haia e outro em atividade em Nova Iorque. Estabeleceu que ambos estarão operacionais até sua decisão em contrário. 3. A Eleição de Portugal para o Bureau do TPI Portugal ratificou o Estatuto de Roma a 5 de fevereiro de 2002. 36 O Estatuto entrou em vigor a 1 de julho do mesmo ano, celebrando este ano o seu décimo aniversário. 37 Portugal foi eleito para o atual Bureau, em funções desde 12 de dezembro de 2011, altura da última sessão da AEP. 38 Para além de Portugal, o Bureau é ainda constituído por representantes da Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, República Checa, Gabão, Finlândia, Hungria, Japão, Nigéria, República da Coreia, Samoa, Eslováquia, África do Sul, Trinidade e Tobago e Uganda. Tem como Presidente Tiina Intelmann, da Estónia, como VicePresidentes Markus Börlin, da Suiça, e Ken Kanda, do Gana, e como Rapporteur Alejandra Quezada, do Chile. 39 Atendendo ao carácter representativo do Bureau, assim como aos critérios de distribuição geográfica equitativa e representação adequada dos principais sistemas legais do mundo, Portugal, parte do grupo Europa Ocidental e Outros, é o único Estado da Europa do Sul representado no Bureau. Está presente nos Grupos de Trabalho na Haia e em Nova Iorque. Contribui para a análise e recomendações respeitantes a temas como orçamento, cooperação, o Mecanismo Independente de Supervisão, planeamento estratégico, complementaridade, governance, representação geográfica, equilíbrio de género na contratação de funcionários e para o Plano de Ação para atingir a universalidade e implementação efetiva do Estatuto de Roma 40. 36 Tribunal Penal Internacional, ―Portugal‖. Consultado a 11 de outubro de 2012 em http://www.icccpi.int/Menus/ASP/states+parties/Western+European+and+Other+States/Portugal.htm. 37 Schabas, W. (2004), op.cit., 20. 38 Décima Sessão. 39 Tribunal Penal Internacional, ―Bureau‖. Consultado a 11 de outubro de 2012 em http://www.icccpi.int/Menus/ASP/Bureau/. 40 Agenda e decisões da Décima Reunião TPI-AEP, Reunião do Bureau, 10 de abril de 2012. 93 Anexo: Quadro 1. Fonte: Tribunal Penal Internacional. Consultado a 8 de outubro de 2012 em http://www.icc-cpi.int. 95 IV. COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA IV – COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA 1) Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo ao processo n.º 94/11.3YRCBR.A.S1. José Fontes41 O acórdão proferido pela Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça no processo em título aprecia um caso relativo a um pedido de habeas corpus relacionado com um requerimento de extradição de cidadão nacional a apresentar pelo Brasil e pronuncia-se sobre o relacionamento, em concreto, entre normas de Direito Interno e de Direito Internacional Público. O aresto comentado tem uma forte componente doutrinal e permite, de alguma forma, a validação jurisprudencial de um conjunto de princípios gerais de relacionamento internormativo que é basilar na ordem jurídica nacional e que há de considerar-se como juridicamente relevante nas interpretação e aplicação do estatuído no artigo 8.º da CRP. Ao considerar a revogação de ato legislativo interno como é a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, por via de sucessão normativa decorrente da entrada em vigor da Convenção sobre Extradição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 18 de julho, o referido acórdão veio reafirmar a validade de tal conjunto de princípios, designadamente que, atento o disposto no artigo 8.º da nossa Constituição as normas jurídicas previstas em convenções internacionais vigorarão ― (…) na ordem jurídica interna, com um valor (…)‖ hierárquico ―(…) nunca inferior à lei ordinária interna (…)‖. Se é certo afirmar que a disposição prevista no artigo 8.º da CRP não se refere expressamente à relação hierárquico-normativa ou ao posicionamento vertical na escala das fontes de Direito do ordenamento jurídico português, não pode deixar de se admitir que, até por interpretação sistémica, pelo menos as referidas normas internacionais não gozarão de valor inferior ao da legislação ordinária nacional. Deste modo, será critério de aferição sobre a vigência ou relevância jurídicas, os princípios gerais de sucessão legislativa no tempo, fixados, desde há muito, no Código Civil. Condição sine qua non e pressuposto necessariamente inultrapassável são a da conformidade das normas internacionais adotadas com o disposto na Constituição e os princípios nela consignados ainda que com as limitações decorrentes do preceituado no artigo 277.º, n.º 2, da nossa Lei Fundamental. À exceção do que se refere como princípio geral segundo o qual a Lei Fundamental (artigo 33.º, n.º 3) não veda a extradição de nacionais, não parece relevante para o estudo do presente acórdão a análise, em concreto, da decisão firmada no caso sub judice porque o que de valor substantivo há a salientar é o conjunto de fundamentais que são aqui fixados: i) Existindo previamente disciplina jurídica sobre a mesma questão fundamental de Direito, as normas consagradas em convenções internacionais, depois dos trâmites constitucional e legalmente exigidos, vigoram na nossa ordem jurídica como leis especiais; ii) Em sequência, aplicar-se-ão os princípios gerais de sucessão legislativa no tempo, designadamente o de que lei especial derroga lei geral independentemente da origem interna ou internacional do normativo; e, assim iii) As normas convencionadas pelas partes contratantes estipulam o regime jurídico que após a aprovação pelos órgãos competentes e posterior publicação em Diário da República há de vigorar como regime jurídico substantivo disciplinador, no presente caso, da cooperação judiciária internacional no que à figura da extradição diga respeito. Deste modo, as regras processuais do habeas corpus não poderão ignorar o regime que adjetiva, agora, a cooperação neste âmbito entre Portugal e o Brasil (no que diga respeito a prazos e outras formalidades essenciais). No entanto, ainda assim importa anotar que se poderão levantar questões de conformidade constitucional dado que vigorarão, em paralelo, 41 José Fontes – Agregado e Doutor em Ciências Políticas, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas, Professor da Universidade Aberta e da Academia Militar, investigador científico do CAPP/ISCSP, CINAMIL/AM e OP/UNL 99 dois regimes jurídicos sobre a mesma realidade, — não uniformes (o que não seria novidade na nossa ordem jurídica), mas que tratando-se de matéria criminal em sentido amplo pode exigir que pelo menos se repense o regime em função do princípio da igualdade e da regra genérica que manda aplicar sempre o direito sancionatório mais favorável aos arguidos até trânsito em julgado da decisão. Deste modo, o regime do habeas corpus visa substantivamente garantir os particulares face a prisão ilegal e não podemos deixar de assinalar que o regime jurídico geral (18 dias) é seguramente mais favorável a arguido detido em detrimento do convencionado e agora lei especial derrogatória (40 dias). Ora, um dos pressupostos que a lei ordinária fixa para se decretar o habeas corpus é precisamente o de a prisão se manter para além dos prazos fixados por lei… E neste caso o regime geral parece ser, como se disse, mais benéfico do que o que está inscrito agora no especial. Como vimos, o acórdão veio a final pronunciar-se sobre a relação que se estabelece entre legislação ordinária vigente aprovada pelas autoridades nacionais (neste caso sobre cooperação judiciária) e normas de Direito Internacional Público (neste caso sobre extradição) concluindo pelo poder desintegrativo destas sobre aquelas, ou seja, pela sua capacidade derrogatória. 100 2) A quem pertence a jurisdição nas questões relativas à vida interna das misericórdias? Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Maio de 2011 Paulo Pulido Adragão42 I. Os antecedentes processuais, em síntese43 Os Autores, na qualidade de irmãos de uma Santa Casa da Misericórdia, intentaram ação declarativa perante o Tribunal Judicial do Fundão, sob a forma ordinária, contra a Ré, a mesma Santa Casa da Misericórdia, pedindo que fosse declarada nula e de nenhum efeito a destituição dos corpos gerentes eleitos para o triénio de 2005/2007 e, em consequência, fosse declarada nula e de nenhum efeito a nomeação da Comissão Administrativa e todos os atos por si praticados até à Assembleia-Geral de 29 de Março de 2009; bem como fosse declarada nula e de nenhum efeito a deliberação eleitoral da Assembleia-Geral da Ré de 29 de Março de 2009 ou, subsidiariamente, se assim não se entendesse, fosse anulada a aludida deliberação. Citada para contestar, a Ré, a aludida Santa Casa da Misericórdia, veio, além de impugnar os factos alegados pelos Autores, deduzir a exceção de incompetência, em razão da matéria, do tribunal do Estado português em que a acção foi proposta, o Tribunal Judicial do Fundão, para conhecer da acção proposta. O tribunal competente para dirimir as disputas sobre a aprovação dos corpos gerentes e do relatório e contas anuais da Misericórdia seria o Ordinário Diocesano, isto é a autoridade eclesiástica. Na réplica apresentada, os Autores sustentaram a competência, em razão da matéria, do Tribunal Judicial do Fundão. Foi então proferido despacho saneador pelo mencionado Tribunal que, apreciando a exceção da incompetência absoluta, em razão da matéria, julgou a mesma procedente e, abstendo-se, em consequência, de conhecer do pedido formulado pelos Autores, absolveu a Ré da instância. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Autores recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC). Na decisão sobre o recurso, o TRC concluiu pela incompetência material dos tribunais portugueses para a resolução do litígio traduzido na acção proposta pelos apelantes no Tribunal Judicial do Fundão, confirmando assim a decisão recorrida. Ampla foi a fundamentação normativa invocada pelo Tribunal da Relação de Coimbra 44. II. A doutrina do Acórdão do TRC A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra merece ser corroborada, quanto ao seu sentido: ―os tribunais portugueses são incompetentes em razão da matéria para apreciarem a legalidade da destituição dos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia decidida pela 42 Paulo Pulido Adragão - Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Rua dos Bragas 223, 4050-123 Porto ([email protected]). 43 Segue-se, quanto à síntese dos antecedentes processuais, o texto do Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Maio de 2011, nos seus vários pontos, Tribunal da Relação de Coimbra. Consultado a 21 de Setembro de 2012 em http://www.trc.pt‖.) 44 Cfr., designadamente os arts. 211.º da Constituição e 66.º do Código de Processo Civil (sobre a competência dos tribunais portugueses); os arts. 44.º a 55.º e 68.º a 70.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/2 (sobre as instituições particulares de solidariedade social); e várias normas da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004 – cfr. a Ficha inicial do Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011. 101 autoridade eclesiástica (Bispo da Diocese competente), bem como a [legalidade da] deliberação eleitoral tomada em Assembleia Geral da mesma Misericórdia‖ 45. O sentido da decisão conforta-se, e bem, na jurisprudência anterior dos tribunais superiores portugueses: o acórdão do TRC cita sucessivamente, no corpo do seu texto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2009, o Acórdão do mesmo Tribunal de 10.07.1985 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.04.200946. A decisão comentada deve, entretanto, ser objeto de algumas críticas. Clara quanto ao seu sentido, ela revela-se confusa em alguns pontos da sua fundamentação. Em primeiro lugar, quanto aos fundamentos normativos invocados pela decisão: se a questão controvertida se refere a uma Misericórdia, pessoa jurídica de natureza canónica, como resulta dos seus estatutos (ou compromissos), citados pela sentença 47, então a Concordata entre a Santa Sé e a República portuguesa de 2004 é diretamente aplicável à questão controvertida. Ora a Concordata, enquanto integra o direito internacional convencional vinculativo para o Estado português, detém, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, primazia na escala hierárquica sobre a lei ordinária interna, anterior e posterior. Tal primazia implicaria uma prioridade de análise, o que não acontece na sentença comentada, como se depreende da passagem seguinte: ―Definido o complexo normativo do direito interno português que prevê e regulamenta a existência e actividade das irmandades da Misericórdia (...), importa apelar às demais realidades jurídicas em que as mesmas se inserem e que prevêem também a sua regulamentação jurídica 48.‖ Assim, só num segundo momento, a propósito das ―demais realidades jurídicas‖, o Acórdão em análise aborda a Concordata: deveria fazê-lo antes de mais, nos termos da norma constitucional citada, como resulta da génese canónica das Misericórdias, sem embargo da aplicabilidade a estas do direito interno português 49. Por outro lado, o TRC incorre em alguma incongruência quando, ainda que de passagem, faz uma extensa digressão sobre a distinção entre associações canónicas públicas e privadas50. Com efeito, a qualificação específica da natureza das Misericórdias, no âmbito das associações de fiéis da Igreja Católica, para apurar se são associações públicas ou privadas, é uma questão jurídico-canónica, que o Tribunal da Relação de Coimbra e os tribunais portugueses em geral carecem de competência para apreciar51. 45 Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011, Síntese conclusiva, 2º parágrafo. Cfr. o n. IV (Fundamentação de direito) do Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011. 47 Cfr. o n. III (Fundamentação de facto) do Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011. Os estatutos das Misericórdias são especificamente designados por «Compromissos». 48 Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011, n. IV (Fundamentação de direito). Cfr. também a Síntese conclusiva, 1º parágrafo, do Acórdão, em que se cita primeiro as normas ordinárias internas e, só depois, as normas concordatárias. 49 Esta conclusão aplica-se, quer às normas de competência dos tribunais portugueses, quer à legislação aplicável às instituições particulares de solidariedade social, ambas abordadas pelo TRC. 50 Cfr. também o n. IV (Fundamentação de direito) do Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2011. 51 A citada questão conheceu desenvolvimentos recentes, que não serão aqui abordados, pela razão apontada – cfr. Conferência Episcopal Portuguesa, Decreto Geral Interpretativo, 02/05/2011, publicado in Revista «Lúmen», Março/Abril de 2011, Série III, n. 2, pp. 68-70. Agradece-se ao Pe. José Alfredo Patrício o conhecimento do Decreto citado. 46 102 A inoportunidade da digressão aludida resulta assim da própria decisão afinal tomada. Na sua fundamentação, ao analisar a Concordata, recorda-se aliás o critério estabelecido pelo art. 11º, n. º1, desta última: o Direito canónico é aplicado às pessoas jurídicas canónicas pelas autoridades eclesiásticas, o Direito português, pelas autoridades portuguesas 52. III. Algumas notas doutrinais O comentário à sentença do TRC de 17.05.11 oferece-nos, entretanto, o ensejo de reordenar algumas notas acerca da questão principal em análise: a quem pertence a jurisdição nas questões relativas à vida interna das Misericórdias? É bom começar por recordar o que são as Misericórdias. As Irmandades da Misericórdia, Santas Casas da Misericórdia ou, simplesmente, Misericórdias, são associações constituídas na ordem jurídica canónica com o objectivo de satisfazer carências sociais, de harmonia com o seu espírito tradicional, informado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, dotadas de estatutos ou «Compromissos» próprios. A questão, objeto destas notas, tem a ver com os limites de jurisdição dos tribunais do Estado53: os tribunais portugueses são ou não competentes para julgar as questões relativas à constituição, auto-governo, ou extinção das Misericórdias? As questões relativas à vida interna dessas associações canónicas não estarão antes sujeitas à jurisdição exclusiva dos tribunais eclesiásticos? Questão diferente desta é a de saber a quem cabe o exercício da jurisdição relativamente às instituições anexas às Misericórdias, enquanto instituições particulares de solidariedade social; essa questão, suscetível de resposta diferente, não será aqui versada 54. A decisão aqui comentada, na linha de outras decisões dos tribunais superiores portugueses, decidiu serem os tribunais comuns (leia-se, os tribunais do Estado) incompetentes para apreciar as ilegalidades alegadamente verificadas nos atos relativos à vida interna de uma Misericórdia: carecem de jurisdição neste âmbito 55. Será de seguir a doutrina assim defendida? Esta doutrina acerca dos limites de jurisdição dos tribunais portugueses já podia apoiar-se no art. II da Concordata entre a Santa Sé a República Portuguesa de 1940, que reconhecia a jurisdição da Igreja Católica, ―na esfera da sua competência‖, norma que corresponde ao art. 2.º, nº. 1, da Concordata de 2004, entrada em vigor nesse ano 56. A Concordata vigente, aliás, aborda expressamente a questão, como se referiu: resulta do seu art. 11.º, n.º 1, que os tribunais da Igreja Católica aplicam o Direito canónico às pessoas jurídicas canónicas, enquanto os tribunais portugueses lhes aplicam o Direito português. 52 Cita-se, de novo, o n. IV (Fundamentação de direito) do Acórdão do TRC. A doutrina geral aqui defendida foi já seguida, in Pulido Adragão, Paulo (2004), ―Ordem Jurídica Portuguesa e Ordem Jurídica Canónica – um Tema Invulgar na Jurisprudência Constitucional, Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/04‖, in «Jurisprudência Constitucional» Nº 4, Out./Dez. 54 As Misericórdias dispõem frequentemente de instituições anexas, destinadas à realização dos seus objectivos, designadamente de apoio social, de saúde e de economia social. Entende-se que essas instituições anexas, quanto à observação da legislação estatal que lhes é aplicável, estão sujeitas à tutela dos serviços estatais competentes e à jurisdição dos tribunais portugueses. O conceito de instituição anexa, aqui aplicado, pode ajudar a delimitar melhor a tutela e fiscalização do Estado sobre as Misericórdias. Resulta de uma sugestão do Pe. Vítor Melícias, a quem se agradece. 55 Como também recorda o TRC, no Acórdão em análise (n. IV, Fundamentação de direito), a competência é a medida de jurisdição atribuída a cada tribunal. Os tribunais portugueses não têm jurisdição na ordem jurídico-canónica. 56 A Concordata de 2004 entrou em vigor pela troca de instrumentos de ratificação, a 18 de Dezembro de 2004. 53 103 Ocorre, no entanto, proceder ordenadamente. Para tal, é necessário, desde logo, confrontar a tese acima defendida com os princípios aplicáveis da Constituição de 1976, norma positiva fundamental do ordenamento jurídico português. Cumpre citar primeiro o princípio da separação das Igrejas e do Estado. Este princípio, garantido pelos arts. 41.º, nº. 4, e 288.º, c), da Constituição, implica que o âmbito religioso e o âmbito político não se misturem: ou seja, que cada um dos sujeitos considerados, Estado e Igreja Católica, se auto-governe, que cada um deles ―mande em sua casa‖, que cada um julgue as suas próprias causas, que cada um se reja pelo respectivo Direito (o Direito Canónico ou o Direito do Estado), que cada um respeite os limites do outro, que nem o Estado julgue causas canónicas nem a Igreja Católica causas civis. Pretende agora saber-se quem é competente para apreciar as questões relativas à vida interna das Misericórdias: se os tribunais do Estado português, se os tribunais da Igreja Católica. O art. II da Concordata de 1940, já citado, reconhecia a jurisdição da Igreja Católica, ―na esfera da sua competência‖; esta norma corresponde, como já se sabe, ao art. 2.º, nº. 1, da Concordata de 2004, que reconhece ―a jurisdição em matéria eclesiástica‖. Ora as questões relativas à constituição, auto-governo, ou extinção das Misericórdias, enquanto associações geneticamente canónicas, inserem-se na referida ―matéria eclesiástica‖, que recorta a jurisdição dos tribunais da Igreja Católica. Em consequência, a aplicação da jurisdição dos tribunais do Estado a essas questões, próprias da vida interna de instituições da Igreja Católica, é inconstitucional, por ofensa do princípio da separação: não compete certamente ao Estado e aos seus tribunais ocuparem-se da regularidade da destituição dos corpos gerentes dessas associações confessionais ou da formação das suas deliberações 57. São conhecidos exemplos históricos de ingerência do poder político e dos órgãos que encabeçam as suas funções na existência e no estatuto jurídico das associações confessionais58: crê-se estarem esses tempos, felizmente, já superados. Esta violação do princípio constitucional da separação põe, ao mesmo tempo, em questão o princípio da não confessionalidade do Estado (art. 43º., n.ºs 2 e 3, da Lei Fundamental). Deve ter-se ainda em conta a derrogação dos princípios da pluralidade dos ordenamentos jurídicos e da congruência estrutural das ordens jurídicas. Ocorre, com efeito, citar aqui os princípios da pluralidade dos ordenamentos jurídicos e da congruência estrutural das ordens jurídicas, tomado o primeiro da interpretação do art. 8.º da CRP feita por JORGE MIRANDA59. Destes princípios não resulta apenas a possibilidade de aplicação, pelos tribunais portugueses, de normas de outros sistemas jurídicos, mas também o reconhecimento de sentenças dos tribunais próprios de outros ordenamentos, como é o caso do ordenamento canónico, expressamente contemplada pelo art. 16.º da Concordata em vigor. 57 Essas são as questões em causa no pedido que deu origem ao Acórdão do TRC de 17 de Maio de 2011 (cfr. n. I, Relatório, 1). 58 Cfr. alguns casos históricos, verificados em Portugal, in Pulido Adragão, Paulo (2005), ―As Associações de Fiéis, a Concordata e o Estado: Algumas Notas‖, in AA. VV., As Associações de Fiéis na Igreja (Actas das XII Jornadas de Direito Canónico), Centro de Estudos de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa, Editora: Universidade Católica. 59 Cfr. Miranda, Jorge (2001), ―A Concordata e a Ordem Constitucional Portuguesa‖ in AA. VV., Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa (1940). Coimbra: Almedina, 81. 104 É oportuno recordar aqui a noção de ordenamento jurídico, que serve de base aos princípios acima referidos. Um ordenamento jurídico autónomo distingue-se de um mero ramo de Direito na medida em que, ao contrário deste último, ele pressupõe a existência de mecanismos institucionalizados de interpretação e aplicação do Direito, maxime de tribunais próprios60. A atribuição de jurisdição aos tribunais portugueses, nas questões aludidas, ofenderia assim os princípios aplicáveis da Constituição. A solução apontada pela análise dos princípios constitucionais é aliás confirmada pela constatação da força jurídica relativa das normas concordatárias no ordenamento do Estado português. Como se antecipou supra, nos termos do art. 8.º, n.º 2, da Lei Fundamental, as normas concordatárias têm força jurídica inferior à das normas constitucionais mas superior à das normas internas legislativas e regulamentares, sejam estas quais forem 61. A solução defendida com base numa interpretação das normas concordatárias conforme à Constituição nunca poderia aliás ser contrariada por normas legais atributivas de competência aos tribunais portugueses. Concluindo, parece que os tribunais do Estado português não são competentes para julgar das questões relativas à constituição, auto-governo, ou extinção das Misericórdias. As questões inerentes à vida interna dessas associações canónicas estão antes sujeitas à jurisdição exclusiva dos tribunais da Igreja Católica. 60 Cfr. Duarte, Maria Luísa (2003), Introdução ao Estudo do Direito. Sumários Desenvolvidos. Lisboa: AAFDL, 144 e 145. Quanto ao ordenamento canónico como ordenamento jurídico próprio da Igreja Católica, cfr. Otero, Paulo (1998), Lições de Introdução ao Estudo do Direito. I Volume, 1º Tomo, Lisboa: Edição do Autor, 254 a 265. 61 Esta conclusão quanto à interpretação da Constituição, completada pela Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, tem fundamento jurisprudencial e é dominante na doutrina - Cfr. Miranda, Jorge (1993), ―A Concordata e a Ordem Constitucional Portuguesa‖ in VV. AA, A Concordata de 1940 Portugal – Santa Sé, Lisboa: Edições Disdaskalia, 69, 72 e 74. No mesmo sentido, cfr. Pereira da Silva, V. (2006), ―O Património Cultural da Igreja na Concordata de 2004‖ in Manuel Saturino Costa Gomes (Coord.), Estudos sobre a Nova Concordata Santa Sé – República Portuguesa, 18 de Maio de 2004 (Actas das XIII Jornadas de Direito Canónico). Lisboa: Instituto Superior de Direito Canónico/Universidade Católica Editora, 195 e 196, e Sousa e Brito, J. de, La Jurisprudence Constitutionnelle en Matière de Liberté Confessionelle au Portugal (polic.). Varsovie, XI ème Conference des Cours Constitutionnelles Européennes, 17-21 Mai 1999 (exemplar oferecido pelo autor), 4. 105 3) Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relativo ao Processo 137/06.2TVLSB.L1-7 Margarida Salema D‘Oliveira Martins62 Decisão: Acórdão de 17 de maio de 2011 – Processo 137/06.2TVLSB.L1-7 Descritor: Personalidade jurídica / Citação / Imunidade Jurisdicional / Estado estrangeiro Sumário: I - De acordo com um princípio basilar do direito internacional público consuetudinário, os Estados soberanos gozam, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição. II - Tanto a doutrina e jurisprudência nacionais como estrangeira têm vindo a acolher a tese da imunidade restrita, fazendo a distinção entre atos de ius imperii e atos de ius gestionis, de forma a confinar a imunidade de jurisdição àqueles atos, para o que importa traçar a linha de diferenciação entre atos de império e atos de gestão. III - O critério a seguir deve nortear-se pelo mínimo denominador comum na prática e jurisprudência da generalidade dos Estados que integram a comunidade internacional. IV - O entendimento jurisprudencial e doutrinário mais corrente vai no sentido de que ―o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os atos por eles praticados tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania‖. V - Assim, um contrato de prestação de serviços médicos a cidadão estrangeiro que, embora visando a prossecução de um interesse público do respetivo Estado, não foi celebrado no âmbito das suas prerrogativas soberanas, mas tão só na esfera da sua capacidade civil, cai no âmbito de atividade de gestão privada, pelo que os litígios deles emergentes não se inscrevem no âmbito da imunidade de jurisdição daquele Estado. VI - As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respetivo Estado soberano para os efeitos do disposto no artigo 7.º do CPC. 62 Margarida Salema D’Oliveira Martins - Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Lusíada de Lisboa 107 COMENTÁRIO: 1. A primeira observação que este Acórdão suscita tem a ver com a questão de saber se, à luz do direito internacional público, uma embaixada estrangeira pode ser acionada judicialmente, isto é, se pode ser ré num processo contra ela instaurado por uma entidade privada num tribunal comum português e, em caso afirmativo, se pode ser diretamente citada. Desde logo, importa verificar se a matéria releva das imunidades de Estado ou das imunidades diplomáticas. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (doravante «CVRD»), de 18 de abril de 1961, que tem atualmente 186 Estados-Partes e é geralmente considerada como sendo uma convenção declarativa do direito internacional consuetudinário na matéria, não previu especificamente a imunidade de jurisdição para a missão diplomática permanente. Como refere JEAN SALMON, tal falta de previsão compreende-se bem, porque a missão diplomática permanente não tem personalidade jurídica distinta do Estado 63. Por ser esse o entendimento generalizado, o direito português administrativo vem precisamente qualificar as embaixadas, continuando aliás a utilizar a terminologia tradicional, como serviços periféricos externos que integram a administração direta do Estado mais concretamente integrados no Ministério dos Negócios Estrangeiros 64. Têm como função representar o Estado acreditante junto do Estado acreditador e defender ou proteger os seus interesses e ainda promover as relações económicas, políticas, culturais, científicas e outras entre os dois Estados 65. Assim, à luz do direito internacional público geral, não havendo acordo internacional bilateral ou contrato em contrário, e à luz do direito interno público português, a missão diplomática não tem personalidade jurídica própria distinta da do Estado, pelo que só pode haver dois titulares da imunidade de jurisdição ou da imunidade de execução: a pessoa do agente diplomático ou o Estado, devendo estas situações ser conceptualmente distinguidas 66. JEAN SALMON dá conta da frequente confusão que a este propósito é feita pelos tribunais 67. A CVRD trata da imunidade dos agentes diplomáticos e não trata da imunidade do Estado, independentemente de nela se albergarem privilégios e imunidades concedidos ao Estado 63 V. Salmon, Jean (1994), Manuel de Droit Diplomatique, Bruylant, Bruxelas, 259. V., por último, artigo 12.º, em particular o n.º 2, do Decreto-Lei n.º 86-A/2011, de 12 de julho, que aprova a Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional e a nova Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro de 2011 (no âmbito do PREMAC - Plano de Redução e Melhoria da Administração Central - visa contribuir para o objetivo da redução da despesa pública a que o Estado está vinculado), em particular o seu artigo 4.º n.º 2. 65 V. D‘Oliveira Martins, Margarida Salema (2011), Direito Diplomático e Consular in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. V, Coimbra: Almedina, 232 a 241. V. Brito, Wladimir (2007), Direito Diplomático, Coleção Biblioteca Diplomática do MNE – Série A – Ministérios dos Negócios Estrangeiros, 37 e 38. 66 V. D‘Oliveira Martins, Margarida Salema (2011), Direito Diplomático e Consular, Lisboa: Universidade Lusíada, Editora, 59. 67 V. Salmon, Jean que refere que a prática jurisprudencial é muito incoerente, encontrando-se soluções jurisprudenciais divergentes. Os tribunais, com muitas variantes, ora se têm declarado incompetentes, invocando quer a imunidade de jurisdição das pessoas quer a imunidade do Estado por ato ―jure imperii‖ ora se declaram competentes invocando que o ato foi praticado ―jure gestionis‖, op. cit., 174 e 260 a 271. 64 108 acreditante em benefício da missão diplomática (como, por exemplo, os referidos nos artigos 20.º, 22.º § 1.º e 24.º). Do exposto decorre que, em nossa opinião, no caso em apreciação, a embaixada estrangeira não poderia ser acionada judicialmente, e ainda menos citada, por ser destituída de personalidade jurídica, não podendo a questão ser resolvida em sentido contrário à luz do direito processual civil português, com fundamento numa determinada interpretação de personalidade judiciária, contrária ao direito internacional público. Acresce que tal interpretação também contraria o direito público português, pois se as embaixadas portuguesas não têm personalidade jurídica, deve entender-se que as embaixadas estrangeiras em Portugal também não têm personalidade jurídica, quer por identidade de razão quer por aplicação do princípio da reciprocidade e do princípio do consentimento mútuo que são os princípios basilares do direito diplomático (v. artigo 2.º da CVRD)68. 2. Reequacionando-se então o caso no âmbito da matéria das imunidades do Estado, seria assim o Estado estrangeiro que deveria ter sido acionado. Tal implicaria aplicar-se os canais oficiais, que, numa primeira abordagem, seriam os determinados pelo artigo 41.º n.º 2 da CVRD. Ou seja, ―prima facie‖ os tribunais do Estado acreditador (Portugal) devem sempre dirigir-se ao Estado acreditante estrangeiro, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a menos que haja acordo especial entre os dois Estados noutro sentido, o que aliás normalmente só o próprio Ministério está em condições de verificar. Ora, a questão jurídica material controvertida, tal como relatada e dada como provada no Acórdão em apreciação e tanto quanto se consegue alcançar da mera leitura do aresto, consiste basicamente em que o HM, S.A. prestou serviços de saúde a cidadãos naturais da República de S. Tomé e Príncipe, entre janeiro de 1995 e dezembro de 2004, no montante total de € 15.026,35, por indicação da embaixada daquele Estado em Lisboa. Os factos narrados são em nossa opinião manifestamente insuficientes para que se possa qualificar esta prestação de serviços de saúde como sendo uma relação jurídica entre a embaixada e a entidade particular e não uma relação jurídica entre os cidadãos estrangeiros e a referida entidade particular. Não havendo acordo ou contrato que disponha em contrário ou outra situação que indique outra solução, a qualificação da relação em causa é relevante a diversos títulos. Por exemplo, apurar se se trata de alguma proteção consular exercida por parte da embaixada estrangeira a cidadãos seus nacionais carecidos de cuidados de saúde. A situação pode até afigurar-se insólita, porquanto o próprio Estado português está vinculado, por força da Constituição da República portuguesa de 1976 («CRP») (artigo 15.º n.º 1 e n.º 3) a reconhecer aos estrangeiros que se encontrem em Portugal e reforçadamente aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, os mesmos direitos e deveres do cidadão português. Ora, o artigo 64.º da CRP prevê o direito à proteção da saúde, através do serviço nacional de saúde. É, pois, peculiar que a embaixada recorresse a uma entidade privada em vez de indicar aos seus cidadãos o acesso ao serviço nacional de saúde português. A qualificação judicial da questão controvertida é fundamental para o efeito da distinção entre ―acta jure imperii‖ e ―acta jure gestionis‖. Poderíamos estar perante o primeiro caso ou o segundo caso, consoante se tratasse de proteção diplomática conferida aos cidadãos carecidos de cuidados de saúde pelo respetivo Estado ou se tratasse de mero serviço contratado localmente para acudir a determinadas situações pontuais. A conclusão de que se trata de um mero ato de gestão privada da embaixada porque estão em causa serviços de saúde prestados por uma entidade privada a cidadãos estrangeiros por 68 V. D‘Oliveira Martins, Margarida Salema, op. cit., 41. 109 indicação da embaixada não constitui fundamentação adequada nem suficiente para admitir que foi praticado um ato ― jure gestionis ― pelo Estado estrangeiro. 3. Por isso só é possível analisar a decisão judicial em termos puramente teóricos, isto é, quanto à opção perfilhada pela designada teoria da imunidade relativa. Repita-se que a imunidade que tratamos aqui é a imunidade do Estado e não a imunidade da embaixada que é juridicamente irrelevante para o efeito em apreço. Ora, a matéria da imunidade do Estado sempre foi considerada uma matéria polémica, porquanto na grande maioria dos Estados sempre se defendeu a imunidade absoluta, sendo poucas as vozes que defendiam a distinção entre ato de soberania e ato de gestão. E mesmo aqueles que perfilhavam a distinção não o faziam de forma pacífica, pois erigiam como critério decisivo da distinção, o critério da finalidade do ato o que acabava por proteger a atividade diplomática do Estado, sempre considerada como soberana por natureza. Contudo, as posições foram evoluindo, verificando-se que, na maioria dos grandes países ocidentais, por via legislativa, convencional ou jurisprudencial, se foi detetando uma adesão à teoria da imunidade de jurisdição restrita, como no Reino Unido, Estados Unidos da América, Canadá, França, República Federal da Alemanha, etc. 69. 4. Recorde-se que a imunidade de jurisdição do Estado e dos seus bens é geralmente aceite como um princípio de direito internacional consuetudinário, resultante do princípio da igualdade soberana dos Estados – ―par in parem non habet imperium‖ e ―par in parem non habet jurisdictionem‖. Sobre a imunidade de jurisdição do Estado pronunciou-se recentemente o Tribunal Internacional de Justiça, no caso Alemanha c. Itália; com intervenção da Grécia 70, caso resultante de decisões dos tribunais italianos que não reconheceram imunidade de jurisdição à Alemanha. No seu extenso Acórdão, de 3 de fevereiro de 2012, e no que para o presente comentário releva, o Tribunal Internacional de Justiça afirma (tradução nossa a partir da versão francesa): ―53 ………… o Tribunal constata que existe um amplo acordo entre as Partes quanto ao direito aplicável, tendo estas convindo em particular que a imunidade é regida pelo direito internacional e não releva simplesmente da cortesia‖. ―54. Nas relações entre a Alemanha e a Itália, é apenas o direito internacional costumeiro que fundamenta o direito à imunidade, e não disposições convencionais. Se a Alemanha é um dos oito Estados Partes na convenção europeia sobre a imunidade dos Estados de 16 de maio de 1972 (Conselho da Europa, Série des Traités Européens (STE) n.º 74; RTNU, vol. 1495, p. 82), (doravante designada por «convenção europeia»), tal não é o caso da Itália que não está vinculada a este instrumento. Além disso, nenhum dos dois Estados é parte na Convenção das Nações Unidas sobre a imunidade jurisdicional dos Estados e dos seus bens, adotada em 2 de dezembro de 2004 (doravante designada por «convenção das Nações Unidas»), a qual, contudo, ainda não entrou em vigor. Em 1 de fevereiro de 2012, esta convenção tinha sido assinada por 28 Estados, e tinham sido depositados 13 instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão; ora o seu artigo 30.º estipula que entrará em vigor no trigésimo dia após a data do depósito do trigésimo de qualquer destes instrumentos. Nem a Alemanha nem a Itália assinaram esta convenção.‖ ―55. Assim, o Tribunal deve, em conformidade com a alínea b) do parágrafo 1.º do artigo 38.º do seu Estatuto, determinar a existência de um «costume internacional como prova de uma prática geral aceite como sendo de direito» que confira a imunidade ao Estado e, no caso vertente, qual o seu alcance e extensão. O Tribunal para fazer isto aplicará os critérios, muitas 69 70 V. Salmon, Jean, op. cit., 260. Tribunal Internacional de Justiça, consultado em http://www.icc-cpi.int.‖). 110 vezes enunciados, que permitam identificar uma regra de direito internacional costumeiro. Assim, como claramente o Tribunal indicou nos Casos da Plataforma Continental do Mar do Norte uma «prática efetiva seguida por uma opinio juris é em particular requerida para que exista uma tal regra (Plataforma Continental do Mar do Norte, República Federal da Alemanha / Dinamarca; República Federal da Alemanha / Países Baixos, acórdão, CIJ Recueil 1969, p. 44, par 77). O Tribunal sublinhou entre outras coisas o seguinte: «é bem evidente que a substância do direito internacional consuetudinário deve ser procurada em primeiro lugar na prática efetiva e na opinio juris dos Estados, mesmo que as convenções multilaterais possam ter um papel importante a desempenhar, registando e definindo as regras derivadas do costume ou mesmo desenvolvendo-as» (Plataforma continental / Jamahiriya Árabe Líbia / Malta, acórdão, CIJ Recueil 1985, p. 29-30. Par. 27) ». No caso vertente, uma prática estadualmente importante é a que decorre da jurisprudência dos tribunais internos que foram chamados a pronunciar-se sobre a imunidade de um Estado estrangeiro, da legislação dos Estados que legislaram sobre a matéria, da invocação da imunidade por certos Estados perante tribunais estrangeiros assim como das declarações feitas pelos Estados por ocasião do exame aprofundado desta questão pela Comissão de direito internacional aquando da adoção da convenção das Nações Unidas. Neste contexto, a opinio juris está refletida nomeadamente na afirmação da parte dos Estados que invocam a imunidade de jurisdição perante os tribunais de outros Estados de que eles podem beneficiar dessa imunidade por força do direito internacional; e, inversamente, pela afirmação pelos Estados, noutros casos, do seu direito de exercer a sua jurisdição relativamente a Estados estrangeiros.‖ ―56. Embora a questão das origens da imunidade dos Estados e dos princípios que a sustentam tenha sido objeto de longos debates, a Comissão de direito internacional, em 1980, constatou que a regra da imunidade dos Estados tinha sido «adotada como regra geral do direito internacional solidamente enraizada na prática contemporânea dos Estados» (Annuaire de la Comission du droit international, 1980, vol. II, segunda parte, p. 144, par.26). O Tribunal entende que esta conclusão, que repousava sobre uma análise exaustiva da prática dos Estados, foi desde então confirmada por um conjunto de leis nacionais, de decisões judiciais, de afirmações de um direito à imunidade, assim como pelos comentários dos Estados sobre o que se iria tornar na convenção das Nações Unidas. Ressalta dessa prática que os Estados, seja quando invocam a imunidade a seu favor seja quando a concedem a outros, partem geralmente do princípio que existe em direito internacional um direito à imunidade do Estado estrangeiro, do qual decorre para os outros Estados a obrigação de o respeitar e de lhe dar efeito.‖ ―57. O Tribunal considera que a regra da imunidade do Estado desempenha um papel importante em direito internacional e nas relações internacionais. Provém do princípio da igualdade soberana dos Estados que, tal como decorre claramente do parágrafo 1.º do artigo 2.º da Carta das nações Unidas, é um dos princípios fundamentais da ordem jurídica internacional. Este princípio deve ser considerado conjuntamente com aquele em virtude do qual cada Estado detém a soberania da qual deriva para ele um poder de jurisdição sobre os factos que se produzem no seu território e sobre as pessoas que nele se encontram. As exceções à imunidade do Estado constituem uma derrogação ao princípio da igualdade soberana. A imunidade pode constituir uma derrogação ao princípio da soberania territorial e ao poder de jurisdição que daí decorre.‖ 111 ―59. As Partes estão igualmente em desacordo quanto ao alcance e à extensão da regra da imunidade do Estado. A este propósito, o Tribunal assinala que muitos Estados (nos quais se incluem a Alemanha e a Itália) operam atualmente uma distinção entre os atos jure gestionis, em relação aos quais limitaram a imunidade que reivindicam para si próprios e concedem aos outros – e os atos jure imperii. Esta abordagem é igualmente a da convenção das Nações Unidas e da convenção europeia (ver igualmente o projeto de convenção interamericana sobre a imunidade jurisdicional dos Estados estabelecidos pelo Comité jurídico interamericano da Organização dois Estados americanos em 1983 (ILM. Vol. 22, p. 292).‖ ―60. O Tribunal não foi chamado, no caso vertente, a pronunciar-se sobre a maneira como o direito internacional regula a questão da imunidade dos Estados quando os atos em causa sejam atos jure gestionis. Os atos das forças armadas e de outros órgãos do Estado alemão em causa perante a justiça italiana eram seguramente atos jure imperii … independentemente do seu caráter ilícito... O Tribunal considera que as expressões «jure imperii» e «jure gestionis» não implicam em nada que os atos visados sejam lícitos, mas indicam apenas se os atos devem ser apreciados à luz do direito que regula o exercício do poder soberano (jus imperii) ou do direito que rege as atividades não soberanas do Estado, em particular as de ordem privada e comercial (jus gestionis). Na medida em que esta distinção seja pertinente para o efeito de determinar se um Estado tem fundamento para beneficiar da imunidade de jurisdição perante os tribunais de outro Estado a propósito de um determinado ato, ela deve ser tomada em consideração antes de os tribunais em questão exercerem a sua competência.‖ 5. Na linha de raciocínio do Tribunal Internacional de Justiça caberá então indagar da prática do Estado português relativamente ao direito à imunidade de jurisdição, sem pretendermos ser exaustivos. Começamos pela posição assumida relativamente à convenção europeia, também conhecida por Convenção de Basileia. A primeira convenção internacional de caráter geral sobre a imunidade do Estado é a Convenção europeia sobre Imunidade do Estado, aberta à assinatura dos Estados-Membros do Conselho da Europa, em 16 de maio de 1972, em Basileia. Esta Convenção foi assinada por 9 Estados e ratificada por 8, sendo precisamente Portugal o Estado que embora tendo assinado a Convenção em 10/5/1979 não chegou a ratifica-la até agora. A Convenção entrou em vigor, a partir de 11 de junho de 1976, aplicando-se hoje, entenda-se que nas relações entre eles, aos seguintes Estados: Áustria, Bélgica, Chipre, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos, Suíça e Reino Unido71. Refira-se que existe ainda a Convenção de Bruxelas, de 10 de abril de 1926, que unifica certas regras relativas à imunidade de navios pertencentes ao Estado, à qual foi aditado um Protocolo em 24 de maio de 1934. É também uma Convenção antiga sobre a matéria, e aliás considerada relativamente bem sucedida, mas que não tem caráter genérico à semelhança da Convenção de Basileia. A Convenção de Basileia visa estabelecer regras comuns relativas ao âmbito da imunidade de uma Parte relativamente à jurisdição dos tribunais de outra Parte. Especifica os casos em que uma Parte não pode invocar imunidade perante tribunais estrangeiros: quando aceita a jurisdição do tribunal (v. artigos 1.º a 4.º) ou nos processos relativos a contratos de trabalho (artigo 5.º), participação numa empresa ou associação (artigo 6.º), atividades industriais, comerciais ou financeiras (artigo 7.º); direitos sobre bens imóveis no Estado onde o tribunal está situado (artigos 8.º, 9.º e 10.º); indemnização por danos a pessoas e bens (v. artigo 11.º). 71 V. Treaty office do Conselho da Europa, base de dados de tratados. Consultado em http://conventions.coe.int/treaty/‖) 112 A Convenção contém regras sobre os procedimentos contra uma Parte no tribunal de outra Parte e os efeitos das decisões judiciais. A Convenção da Basileia de 1972 é completada por um Protocolo Adicional relativo a um processo europeu de resolução de litígios. No relatório explicativo da Convenção, realça-se o fenómeno do desenvolvimento das relações internacionais e a crescente intervenção dos Estados em esferas do direito privado, o que aumenta consideravelmente o número de litígios que opõem os indivíduos a Estados estrangeiros. Adianta-se igualmente que há duas teorias em presença acerca do âmbito da imunidade dos Estados: a da imunidade absoluta, desenvolvida a partir do princípio ―par in parem non habet jurisdictionem‖, em virtude do qual um Estado não está sujeito à jurisdição de outro Estado, e a da imunidade relativa, que tende a prevalecer em virtude das necessidades da vida moderna. Para esta teoria, o Estado beneficia de imunidade para os atos jure imperii mas não para os atos jure gestionis, ou seja, sempre que o Estado participa como uma pessoa de direito privado em relações de direito privado. Segundo o mesmo relatório explicativo, os Estados cujos tribunais e autoridades administrativas aplicam a teoria da imunidade absoluta são conduzidos a reclamar o mesmo tratamento no estrangeiro. A questão que então se põe é a de saber se, apesar de esta convenção não ter sido ratificada pelo Estado português e portanto não lhe ser aplicável, a doutrina que dela emana é ou corresponde a um entendimento jurisprudencial dominante que inclusivamente chegou a propiciar a assinatura desta Convenção? A resposta a esta questão prende-se não apenas com uma análise da jurisprudência portuguesa relativamente à imunidade de Estados estrangeiros mas também com a posição do Estado português quando acionado judicialmente por tribunais estrangeiros, o que levaria a uma análise da jurisprudência estrangeira sobre Portugal. Também seria relevante observar a posição maioritária da doutrina portuguesa sobre a matéria72. 6. Esta indagação pode, contudo e atualmente, tornar-se desnecessária a partir do momento em que o Estado português ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens aberta à assinatura em Nova Iorque em 17 de janeiro de 200573. Esta Convenção, adotada em Nova Iorque durante a 65.ª reunião plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas, pela resolução A/59/38 de 2 de dezembro de 2004 74, ainda não entrou em vigor por carecer de 30 ratificações e só ter obtido ainda 28 assinaturas e 13 ratificações75. Os 13 estados Partes na Convenção são: Arábia Saudita, Áustria, Espanha, França, Irão, Japão, Cazaquistão, Líbano, Noruega, Portugal, Roménia, Suécia e Suíça. 72 V. Brito, Wladmir, op. cit. 107-109; Correia Baptista, Eduardo (2004), Direito Internacional Público, vol. II, Coimbra: Almedina, 143-151; D‘Oliveira Martins, Margarida Salema, op. cit. 67-69; Machado, Jónatas (2006), Direito Internacional. Do paradigma clássico ao pós-11 de Setembro, 3ª edição, Coimbra: Editora, 224; Vieira Cação, Tatiana (2008), Convenção das Nações Unidas sobre as imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, dissertação de mestrado em Ciências JurídicoPolíticas, Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade. 73 V. Decreto do Presidente da República n.º 57/2006 e Resolução da Assembleia da República n.º 46/2006. Diário da República n.º 117/2006 - I Série A, de 20 de junho de 2006. 74 V. Nations Unies Collection des Traités. Consultado em http://treaties.un.org/.‖) 75 Dados recolhidos em 28 de junho de 2012. 113 Não se conta entre os Estados signatários o Estado de S. Tomé e Príncipe. Na base desta Convenção, é defensável que o Estado português como Estado soberano, através dos órgãos do poder político soberano que constitucionalmente exercem a função de vinculação externa, tenha uma posição sobre a matéria que deverá ser seguida pelo Estado soberano, na sua vertente interna, isto é através dos órgãos de soberania que aplicam o direito, em particular os tribunais. E essa posição só poderá ser a que está vertida na Convenção que estabelece uma série de regras sobre um conjunto de processos judiciais nos quais os Estados não podem invocar a imunidade. Não se devem pois criar exceções, mas decidir na base das exceções à imunidade de jurisdição que abrangem maior consenso, como as vertidas na referida Convenção, embora ainda não tendo atingido um consenso à escala universal como os princípios do direito internacional consuetudinário universal do par in parem non habet jurisdictionem e ne impediatur legatio. Uma das disposições dessa Convenção respeita às transações comerciais (artigo 10.º) que julgamos não ser aplicável ao caso em apreciação. Outra tem a ver com a citação dos atos introdutórios da instância, estabelecendo-se claramente, à semelhança da CVRD, que, na ausência de convenção ou acordo especial, tal citação se efetue por comunicação por via diplomática ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado em questão (v. artigo 22.º n.º 1 alínea c), i)). Não é possível assim, em nossa opinião, e numa primeira ordem de conclusões, aplicar em matéria de imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro, quaisquer normas de direito interno, mesmo de processo civil, que contrariem normas de direito consuetudinário diretamente aplicáveis por força do próprio direito internacional, independentemente de tal estar ou não previsto na CRP como efetivamente está (artigo 8.º n.º 1), sob pena de responsabilidade internacional do Estado português. 7. Quanto à criatividade judicial relativamente às exceções a admitir ao direito à imunidade de jurisdição dos Estados, tal admissibilidade não é puramente teórica, isto é, o tribunal não pode, em nossa opinião, aplicar uma teoria vaga e imprecisa nesta matéria a um caso concreto. O que pode é convocar normas de direito internacional que traduzam essa teoria, pois se deve ater às fontes de direito nesta matéria que é regulada pelo direito internacional. Justamente o âmbito da jurisdição territorial (terrestre, marítima e aérea) e pessoal do Estado é regulada nos seus limites pelo direito internacional, seja ele consuetudinário, convencional geral ou bilateral. Nestes termos, tentámos indagar quais as posições dos tribunais superiores portugueses mais recentes em matéria de imunidade de jurisdição dos Estados. Quanto ao Supremo Tribunal de Justiça, encontrámos cinco Acórdãos 76: - Acórdão de 11 de maio de 1984 (Processo 00706) – reconhece imunidade de jurisdição a Estado estrangeiro em ação contra ele proposta por cidadão português despedido da sua embaixada onde prestava trabalho subordinado; - Acórdão de 30 de janeiro de 1991 (Processo 002927) – este caso respeita a imunidade de jurisdição civil de diplomata estrangeiro, aplicando a CVRD; - Acórdão de 4 de fevereiro de 1997 (Processo 96.A809) – aplicou a imunidade de jurisdição do Estado; - Acórdão de 13 de novembro de 2002 (Processo 01S2172) – aplica a teoria da imunidade de jurisdição relativa, chegando a afirmar que a imunidade de jurisdição relativamente aos Estados estrangeiros é sempre relativa; - Acórdão de 18 de fevereiro de 2006 (Processo 05S3279) – talvez o Acórdão mais bem elaborado e desenvolvido em matéria de imunidade de jurisdição, a qual reconhece ao Estado 76 ―Supremo Tribunal de Justiça, ―imunidade jurisdicional‖. Consultado em http://www.stj.pt/.‖) 114 estrangeiro. A doutrina aí então defendida parece-nos mais próxima daquela que atrás traçámos, e mais consentânea com as posições que o Estado Português deve assumir qualquer que seja a posição no processo judicial em que se encontra ou está envolvido. Relativamente aos Tribunais da Relação, identificámos os seguintes: - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de janeiro de 1981 (Processo 0015139 77) – favorável à imunidade jurisdicional absoluta do Estado estrangeiro; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de janeiro de 2007 – que embora referente a agente diplomático estrangeiro não reconhece exceção à imunidade de jurisdição do Estado acreditador. Quanto aos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, não encontrámos, desde 1990, arestos respeitantes à imunidade jurisdicional de Estado estrangeiro. Não podemos concluir por esta amostra que os tribunais superiores se têm maioritariamente inclinado para a teoria da imunidade relativa, e concretamente para um determinado tipo de exceções. Naturalmente que se poderá argumentar que estamos perante um universo muito limitado de decisões judiciais e de litígios submetidos aos tribunais portugueses. Tal razão de ordem numérica não impede que das decisões existentes se possa extrair uma tendência da jurisprudência portuguesa que, contrariamente ao Acórdão em apreciação, se tem inclinado para a imunidade absoluta. Lisboa, 12 de julho de 2012 Margarida Salema D´Oliveira Martins 77 V. ―Tribunal da Relação do Porto. Consultado em http://www.trp.pt/.‖) 115 4) Imunidade dos Estados A propósito de uma decisão Judicial Wladimir Brito80 1. O Tribunal Judicial da Comarca de Grândola decidiu julgar procedente a ação proposta contra um Estado estrangeiro em que o Autor, nacional português, peticionava a condenação desse Estado a pagar-lhe uma indemnização do montante €18.280,00, acrescidos dos juros legais à taxa de 4% ao ano contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de danos patrimoniais, decorrentes de acidente de viação causado no território português por um veículo militar das Forças Armadas do Estado estrangeiro. Em síntese, o Tribunal fundamentou esta sua decisão no facto de, neste caso e de acordo com a jurisprudência dominante, o Estado estrangeiro não gozar de imunidade de jurisdição, por ser iure gestionis e não iure imperii a atividade exercida por ele com recurso (ou uso) de um veículo das suas Forças Armadas. Para sustentar essa sua tese, o Tribunal também invocou a doutrina nacional e internacional dominante, que defendem a aplicação da teoria da imunidade restrita ou teoria restritiva78. 2. Analisada a jurisprudência nacional citada e outras, verifica-se que nelas são tratadas questões relativas a contratos79 – por exemplo, contratos individuais de trabalho, contrato de mútuo, com contrato de arrendamento – e, consequentemente, a responsabilidade contratual dos Estados, o que consubstancia uma situação bem diferente daquela destes autos. Na verdade, o Tribunal de Grândola reconhece expressamente que, nos autos em que proferiu a decisão aqui em análise, não há qualquer contrato e que a responsabilidade é extracontratual. Nada nos autos nos diz se esse veículo das Forças Armadas do Estado estrangeiro, no momento do acidente, estava ou não a circular no exercício de funções militares – de funções público-soberanas, portanto –, o que, tendo em atenção a natureza militar do veículo, nos obriga a ter de pressupor que, efetivamente, nesse momento, tal veículo estava a exercer uma atividade pública ao serviço do Estado estrangeiro. É óbvio que, tratando-se de veículo militar de Forças Armadas de Estado estrangeiro, também é de pressupor que a sua presença e atividade no território nacional estava autorizada por acordo entre Portugal e esse Estado. É com base nesses pressupostos que partimos para a análise da imunidade dos Estados que este caso prefigura, o que faremos à luz das Convenções Internacionais que regulam essa imunidade, para vermos se o Tribunal tomou a melhor decisão e, caso a não tenha tomado, que consequências podem provir de decisões judiciais que recusam reconhecer a imunidade jurisdicional dos Estados. 80 Wladimir Brito - Professor Catedrático da Escola de Direito da Universidade do Minho. 79 Veja-se, entre outros, o Acórdão Ac. do STJ de 04/02/1997, relatado pelo Juiz Cons. Fernando Fabião (1997), publicado no Col. Jur. dos Ac. do STJ, Ano V, Tomo I, 87 e segs., que versa sobre um contrato de mútuo e Ac. da Relação de Lisboa relatado pelo Juiz Desemb. Azevedo Brito (1985), publicado na Col. Jur., Ano X, Tomo 3, 147, que versa questão de arrendamento urbano, e, ainda, os Acórdão do STJ, de 13/11/2002, relatado pelo Juiz Cons. Mário Torres (2002), publicado na Col. Jur. dos Acórdãos do SJT, Ano X Tomo III, 276 a 279; Acórdão do STJ, de 18/2/2006, relatado pela Juíza Cons. Maria Laura Leonardo, no processo 05S3279 JST J000, publicado na Internet:http://www.dgsi.pt/jstj, e Acórdão do Trib. da Rel. Lisboa de 17/05/2011, proferido no Proc. 137/06.2.TVLSB.L1-7 relatado pelo Juiz Desemb. Manuel Tomé Soares Gomes. Todos esses Acórdãos referem-se a relações contratuais e à responsabilidade contratual do Estado estrangeiro. 117 3. Sabemos já que a partir do século XIX os Estados começaram a exercer um conjunto de atividades económico-comerciais, na maior parte das vezes, em regime de monopólio, como por exemplo, a exploração de caminhos-de-ferro e de companhias marítimas de navegação, a gestão dos serviços postais e várias outras atividades de natureza comercial, que, associadas à diplomacia económico-comercial, então emergente, os levam a reclamar, sempre que são judicialmente demandados, a imunidade diplomática lato sensu, e a consequente inviolabilidade dos seus bens, locais e arquivos comerciais (escritórios ou agências), concedidas pelo direito costumeiro, com fundamento no Direito Internacional Geral e na natureza pública dessas atividades. A multiplicação das atividades económico-comerciais realizadas diretamente pelos Estados e a cada vez maior intervenção destes na economia – em especial, após a Primeira Guerra Mundial, pela URSS e, mais tarde, depois da Segunda Guerra 80, pelos Estados socialistas e por Estados que se libertaram do jugo colonial – criou um problema jurídicointernacional novo, decorrente da reclamação pelos Estados de imunidade jurisdicional pelo exercício dessas atividades, sempre que eram judicialmente demandados. Problema novo que, no quadro dos litígios judiciais que provocaram, colocou os Tribunais perante a necessidade de distinguir os atos estatais praticados jure imperii daqueles outros que são praticados jure gestionis, para poderem determinar em que qualidade o Estado age ou pratica certos atos e, consequentemente, para se poder saber se é ou não de conceder imunidade jurisdicional. É no quadro desta distinção, ao que parece formulado pela primeira vez por Tribunais italianos e belgas 81, que surge a doutrina da imunidade restrita e a de que a imunidade absoluta deixou de ser adequada para dar resposta a essas novas questões. Vale isso dizer que, agora, à imunidade clássica de natureza absoluta, fundada no princípio par in parem non habet jurisdictionem e no da não ingerência, consagrados pelo Direito Internacional Geral, contrapõe-se uma outra de natureza relativa e fundada em atos de natureza privada dos Estados, contraposição esta que coloca a questão da justiciabilidade ou da não justiciabilidade, ou seja, a questão de saber em que situação o Tribunal nacional tem ou não competência para julgar um Estado estrangeiro82. 4. Relativamente aos acta jure imperii, pensamos que nenhuma dúvida se levanta em reconhecer a imunidade do Estado, por serem concretas manifestações do seu poder soberano, ou seja, o Estado está a agir como sujeito de Direito Internacional ao qual a Convenção de Viena de 1961 confere, com natureza absoluta, imunidades jurisdicionais. Já diferente é a situação do Estado quando ele se dedica a atividades económicas e comerciais em tudo idênticas àquelas que os particulares exercem ou, atividades de "carácter privado", na expressão utilizada por Brierly83. Tratando-se de acta jure gestionis, embora a doutrina e a jurisprudência internacionais não sejam ainda unânimes e a prática dos Estados seja divergente, é crescente a tendência para não as considerar cobertas pelas imunidades. Com efeito, os Tribunais, embora reconhecendo que tais os atos são públicos por terem sido praticados por um Estado, entendem, contudo, que não se enquadram nas atividades soberanas típicas de qualquer Estado. Daí que a jurisprudência dominante comece a ser no sentido de os considerar acta jure gestionis não cobertos pelas imunidades concedidas aos Estados. Para fundamentarem tal orientação, os Tribunais defendem a tese segundo a qual os Estados, ao celebrarem contratos com particulares – por exemplo, contratos de transporte marítimo, aéreo ou ferroviário, contrato de trabalho – ou ao exercerem atividades comerciais, 80 Muitos desses novos Estados saídos da colonização, como a Índia, por exemplo, defendiam que o seu desenvolvimento dependia da criação de um forte sector público económico-comercial gerido pelo Estado. 81 Como nos informa, entre outros, Conforti, Benedetto (1992), Diritto Internazionale. Milano: Ed. Scientifica, 220. 82 Cfr. Brownlie, Ian, Princípios de Direito Internacional, citº 344 e segs. 83 Cfr. Brierly (1979), Direito Internacional. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 246. Para maior desenvolvimento ver ainda as páginas 242 e segs. 118 não estão a praticar atos de soberania, pelo que, nesses casos, implicitamente, renunciam à imunidade. Faz-se notar que, durante muito tempo, por não existir qualquer norma internacional reguladora desta matéria 84, coube aos Tribunais a tarefa de resolver essa questão, o que fizeram, no uso da sua liberdade de decidir, restringindo, nesses casos, com as suas decisões, a concessão de imunidades. Contudo, apesar de ser tendencialmente dominante a doutrina da imunidade restrita em sede de atividade privada dos Estados e de se aceitar, como dissemos acima, que, atualmente, a imunidade absoluta já não é adequada para resolver todas as situações em que o Estado figura diretamente como ator, tanto a doutrina, como a jurisprudência e a prática dos Estados revelam não ser pacífica a solução a adotar, o que ficou patente nos comentários feitos pelos Governos ao projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional sobre a Imunidade dos Estados e relatados por Motoo Ogiso, em 20 de Maio de 1988 85, onde revela a existência, já assinalada por Sucharitkul86, de divergências entre os defensores da imunidade absoluta e os da imunidade relativa ou restrita. 84 Sob os auspícios do Conselho da Europa surgiu a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, de 16 de Maio de 1972, que entrou em vigor na ordem internacional em 11 de junho de 1976. Esta Convenção tem por objetivo estabelecer, nas relações entre os Estados, regras comuns relativas à amplitude da imunidade de jurisdição de que goza um Estado junto de um Tribunal de outro Estado e tendentes a assegurar a execução das decisões judiciais proferidas contra um Estado e consagrar os princípios acima enunciados. As suas normas foram já aplicadas por Tribunais suíços, como se pode ver no estudo de Mathias-Charles Krafft publicado no Schweizerisches Jahrbuch für Internationales Recht, vol. XLII, 1986, pág. 16 e seguintes. 85 Relato feito no Relatório apresentado na 40.ª Sessão da Comissão de Direito Internacional intitulado Preliminary Report on Jurisdictional Immunities of States and their Property, Motoo Ogiso informa que: ―9. It is apparent that there are fundamental differences of views in the theoretical approach to this subject between those countries which favour the so-called restrictive theory of State immunity and those which favour the so-called absolute theory. 10. Belgium, the Federal Republic of Germany, Switzerland and the United Kingdom note that there is a tendency in recent international law to limit the immunity of a State from the jurisdiction of the courts of another State. They feel therefore that recent international and national practice should be reflected in the draft articles and that an effort should be made to achieve the closest possible approximation to the 1972 European Convention on State Immunity. 11. On the other hand, countries such as Bulgaria, China, the German Democratic Republic, the USSR and Venezuela are basically of the view that the goal of the future convention is to reaffirm and strengthen the concept of the jurisdictional immunity of States, with clearly stated exceptions. From their viewpoint, replacing this principle by the concept of so-called functional immunity considerably weakens the effectiveness of the principle and the number of exceptions should be kept to a minimum. 12. The Byelorussian SSR and the USSR also point out that the draft articles should reflect the concept of segregated property. According to their comments, the State enterprise has State property—placed in its possession for its use and disposal—which is segregated from general State property, and the State is not liable in connection with the obligations of the enterprise, and vice versa. (b) Recommendations of the Special Rapporteur 13. Although there is a clear theoretical gap between the two groups of States, it seems that the present framework of the draft articles may offer a possible basis for a compromise between the two different positions. Several countries commented that the future convention should take into account the legitimate interests of all States and that achieving that goal required compromise and concession on the part of both groups.‖ Pode ser consultado em http://untreaty.un.org/ilc/sessions/40/40docs.htm. E em língua castelhana: Losa, Jorge Pueyo e Ponte Iglesias, Maria Teresa (Coord.), (2011) Derecho Internacional Público, Organización Internacional, Unión Europea, Santiago de Compostela: Ed. Andavira. 86 Tais divergências tinham já sido assinaladas por Sucharitkul no seu Relatório apresentado na 35.ª Sessão da daquela Comissão realizada entre 22 de Março a 11 de Abril de 1983, que as compara ao curso zigzagueante do rio Mekong, onde escreve: ―17. It is not unnatural that contradictions and divergences abound in the judicial practice of the various nations examined, and indeed in the practice of the same legal system or even of the same court of law over the same period of time. If the Special Rapporteur had been shy to expose such inconsistencies, he would have been guilty of further distorting the already much distorted practice of 119 Com vista a resolver esta questão controvertida e a assegurar a execução das decisões judiciais proferidas contra os Estados, foram adotadas soluções de natureza legislativa e convencional, que como veremos não conseguiram resolver definitivamente o problema. 5. Sob o ponto de vista da legislação interna, limitamo-nos a indicar, a título de exemplo, a Foreign Sovereign Immunities Act87, publicada, 1976, nos Estados Unidos da América, o State Immunity Act, de 22 de Novembro de 1978, do Reino Unido, e, no Reino de Espanha, o Real Decreto 1.654/980, de 11 Julho e a Ordem Circular do Ministério das Relações Exteriores n.º 3.229, de 29 de Janeiro, que consagram pela via legislativa o princípio da imunidade restrita e as exceções a esse princípio, com vista a clarificar as situações em que os Tribunais podem aplicá-lo; outros Estados, como por exemplo os USA e a ex-URSS, optaram por resolver essa questão convencionalmente, renunciando, por essa via, à imunidade em matéria de navegação marítima comercial e noutras atividades comerciais. 6. Sob o ponto de vista convencional, no continente europeu foi adotado em 1972, na Basileia, e sob os auspícios do Conselho da Europa, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, aberta à assinatura dos Estados em 16 d Maio de 1972 e em vigor desde 10 de Maio de 197988; no continente americano, surge, em 24 de Março de 1984, a Inter-American Convention on Jurisdictional Immunity of States; e, nas Nações Unidas, pela Resolução 58/38, de 2 de Dezembro de 2004, da Assembleia Geral, foi adotada a United Nations Convention on Jurisdictional Immunities of States and their Property 89, aberta a assinatura dos Estados em 17 de Janeiro de 2005. Estas Convenções foram antecedidas da Convenção de Bruxelas de 1926, ratificada somente por treze Estados, que submetia à jurisdição interna as embarcações propriedade dos Estados e por estes utilizadas no exercício das suas atividades comerciais90. Analisaremos aqui somente a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, que passaremos a denominar por Convenção de Basileia, e a United Nations States. It is distorted in that its development has followed a somewhat zigzagging and tortuous path, almost like the mighty Asian river, the Mekong, which has its source in the highest mountains in the world, the Himalayas, and whose water is derived from unrecorded rainfall and melting snow, flowing from endless tributaries through the rapids of Tibet and converging into the Mekong's main stream between Burma, Laos and Thailand, rushing through Kampuchea with added momentum from the Great Lake, forming countless islands and precipices, disfiguring landscapes and finally diverging into a gushing delta‖. Pode ser consultado em http://untreaty.un.org/ilc/sessions/40/40docs.htm. 87 Sobre esta Lei, veja-se, entre outros, McNamara, Tom (2006), A Primer on Foreign Sovereign Immunity, in www.dgslaw.com/documents/.../McNamara1.pdf . 88 Esta Convenção foi ratificada por Portugal em 11 de junho de 1979. 89 Esta Convenção ainda não entrou em vigor, por necessitar de 30 ratificações para o efeito. Até agora foi assinada por 28 Estados, mas só foi ratificada por 13, de entre eles Portugal que a assinou em 25/02/2005 e a ratificou em 14/09/2006. Foi publicada no Diário da República n.º 117/06— I SérieA— de 20 de junho de 2006 e pode ser consultado eletronicamente em http://dre.pt/pdf1s/2006/06/117A00/43444363.pdf. Pode a versão em língua inglesa ser consultado no página electrónica da ONU em: http://search.un.org/search?ie=utf8&site=un_ orguntreaties&output=xml_no_dtd&client=UN_untreaties_fr&num=10&lr=lang_fr&proxystylesheet= UN_untreaties_fr&oe=utf8&q=immunit%C3%A9%20des%20%C3%89tats&Submit=Go&filter=0. Sobre esta Convenção, veja-se Stewart, David P. (2005), The UN Convention on Jurisdictional Immunities of States and Their Property, in The American Journal of International Law, Vol. 99, No. 1 Jan., 194-211. 90 Lembramos, a propósito de convenções bi ou plurilaterais, que já a Convenção de Bruxelas de 1926 dispunha que as embarcações dos Estados utilizadas no exercício de atividade comercial ficavam sujeitas à jurisdição interna dos Estados em cujo território marítimo tivesse ocorrido o litígio nos mesmos termos das embarcações privadas. O mesmo se passou com a Convenção sobre o Mar Territorial e Zona Contínua e a Convenção sobre o Alto Mar, assinadas em Genebra em 1958. Actualmente, é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, que regula essa matéria nos seus artigos 31.º, 32.º, 95.º e 96.º. Sobre essas Convenções, veja-se, por todos, Marques Guedes, Armando (1998), Direito do Mar, (2.ª Edição), Ed. Coimbra Editora. 120 Convention on Jurisdictional Immunities of States and their Property, que denominaremos por United Nations Convention. A Inter-American Convention on Jurisdictional Immunity of States servirá apenas para ilustrar algumas situações. 7. No que se refere à United Nations Convention, esta consagra regras comuns relativas à imunidade de jurisdição de que goza um Estado junto de um Tribunal de outro Estado, indicando, nos seus artigos 5.º a 16.º, as situações em que os Estados não podem invocar a imunidade de jurisdição91, situações estas que dizem respeito a atos iure privatorum dos Estados fundados em contratos e em bens utilizados nessas atividades. Na verdade, esta Convenção no seu artigo 3.º determina que as suas normas não afetam as imunidade e privilégios reconhecidos aos Estados pelo Direito Internacional, nomeadamente às suas Missões Diplomáticas, seus Postos Consulares, Missões Especiais, suas Missões junto das Organizações Internacionais, suas delegações, bem como as suas aeronaves e os seus objetos espaciais 92 e, ainda que, sob reserva das suas disposições (artigo 5.º), os Estados, por si e relativamente aos seus bens, gozam de imunidade de jurisdição93. Para além disso, essa Convenção determina com clareza os casos e bens relativamente aos quais os Estados não podem invocar imunidade de jurisdição, que são os seguintes: transações comerciais (artigo10.º), contratos de trabalho (artigo 11.º), propriedade, posse e bens por ele geridos (artigo 13.º), propriedade intelectual e industrial (artigo 14.º), participações em sociedades e outros agrupamentos comerciais (artigo 15.º) e navios propriedade do, ou operados pelo, Estado (artigo 16.º). Por outro lado, a Convenção exclui especificamente, entre outros, as contas bancárias, utilizadas ou destinadas a serem utilizadas no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações, junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências e os bens de natureza militar ou utilizados ou destinados a serem utilizados no exercício de funções militares (artigo 21.º, alíneas a) e b)). De qualquer forma e como veremos mais à frente, no caso sub judice – a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Grândola –, essa Convenção, embora pudesse servir de referência para a análise desse caso, não podia ser aplicada por ainda não ter entrado em vigor na ordem jurídica internacional. 8. Por seu lado, a Convenção de Basileia também consagra a doutrina da imunidade restrita, recortando as situações e os bens que não estão cobertos pela clássica imunidade absoluta reconhecida aos Estados. Tal como acontece com a United Nations Convention, a Convenção de Basileia exclui dessa imunidade unicamente os bens afetos à atividade privada dos Estados e claramente indicados nos artigos 4.º a 10.º, que se referem a contratos em geral, 91 Assim, para melhor compreensão do que se acaba de dizer, aconselhamos a leitura dos artigos 5..º a 16.º da United Nations Conventions. 92 O artigo 3.º, que tem por epígrafe Privileges and immunities not affected by the present Convention, estabelece que: ―A State enjoys immunity, in respect of itself and its property, from the jurisdiction of the courts of another State subject to the provisions of the present Convention. 1. The present Convention is without prejudice to the privileges and immunities enjoyed by a State under international law in relation to the exercise of the functions of: (a) its diplomatic missions, consular posts, special missions, missions to international organizations or delegations to organs of international organizations or to international conferences; and (b) persons connected with them. 2. The present Convention is without prejudice to privileges and immunities accorded under international law to heads of State ratione personae. 3. The present Convention is without prejudice to the immunities enjoyed by a State under international law with respect to aircraft or space objects owned or operated by a State‖. 93 O artigo 5. º que tem por epígrafe State Immunity estabelece que: ―A State enjoys immunity, in respect of itself and its property, from the jurisdiction of the courts of another State subject to the provisions of the present Convention‖. 121 a contrato de trabalho, a contratos comercias, nomeadamente de constituição de sociedades ou agrupamentos comerciais, a atividades industriais, patentes e invenções, a direitos sobre imóveis. Já no que se refere a questões que não se relacionem com essas atividades, a Convenção reconhece, no seu artigo 15.º, que os Estados gozam de imunidade e por isso podem invocá-la perante os Tribunais. Nesta linha, Convenção estabelece, nos seus artigos 30.º, 31.º e 32.º, que gozam de imunidade, que pode ser judicialmente invocada, os barcos que transportam passageiros ou cargas pertencentes a, ou explorados por, um Estado contratante, os bens de natureza militar utilizados ou destinados a serem utilizados no exercício de funções militares no território de outro Estado contratante e os bens dos Estados afetos às, e utilizados por, Missões Diplomáticas. 9. Do que se acaba de expor resulta que nenhuma dessas Convenções consagra critérios claros para se distinguir os acta iure imperii dos acta iure gestionis, limitando-se ambas a enumerar situações gerais em que o Estado não pode invocar judicialmente a imunidade, continuando assim a ser difícil e delicada a classificação das atividades dos Estados como acta iure gestionis e a determinação com elevado grau de segurança dos bens, propriedade dos Estados, afetos a essas atividades 94. Contudo, ambas as Convenções são muito claras na referenciação dos bens que excluem da imunidade reconhecida aos Estados, quando se referem exclusivamente a situações em que os Estados agem como verdadeiros sujeitos de direito privado e os bens estão afetos a essa ação iure privatorum, deixando claro que os demais bens continuam protegidos pela imunidade de jurisdição concedida aos Estados pela Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961, que pode ser invocada em qualquer processo que os tenha por objeto95. Revelam assim a tendência para considerar que a imunidade absoluta é a regra e a aplicação da imunidade restrita e o consequente exercício da jurisdição deve ser a exceção96. Podemos assim dizer que apesar de todo o esforço feito pelos Estados com vista a determinar as situações em que deve ser jurisdicionalmente aplicada imunidade restrita, a aplicação desta doutrina da continua a revelar-se difícil e a gerar controvérsia 97 exatamente porque, como nos diz Ian Brownlie98, não há um critério preciso para determinar a natureza pública ou privada das atividades dos Estados, isto é, para se afirmar com alguma segurança quando é que um ato é praticado iure gestonis ou iure imperii. 10. São estas dificuldades que se manifestam na decisão proferida pelo Tribunal de Grândola, onde, relembre-se, o Estado estrangeiro alegou a imunidade de jurisdição concedida aos Estados pela Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 1961, para não ser julgado num caso relativo a um acidente de viação causado por um veículo militar das suas Forças Armadas, alegação que foi julgada improcedente. Contudo, continua a ser pertinente verificar se a solução adotada pelo Tribunal foi a correta ou se, pelo contrário, invocação pelo Estado da sua imunidade de jurisdição para não se submeter a julgamento no Tribunal da Comarca de Grândola deveria ter sido julgado procedente por esse Tribunal. Para responder a essa questão teremos de lançar mão da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, tendo, contudo, sempre em atenção as duas Convenções acima referidas. 94 No mesmo sentido, veja-se, Conforti, Benetto, Dirito Internazionale, cit.º, 221. Sobre a controvérsia sobre o fundamento e o âmbito dessa imunidade, veja-se, Brownlie, Ian, Princípios de Direito Internacional, citº, 346 e segs. 96 Opinião coincidente é a de Conforti, Benetto, Dirito Internazionale, cit.º, 221 e Stewart, Daniel P., The UN Convention on Jurisdictional Immunities os States and their Property, cit.º, passim. 97 Para maior desenvolvimento, veja-se Brownlie, Ian, Princípios de Direito Internacional Público, cit.º, 358 e segs. 98 Op.citº, 353 e segs, onde indica vários e complexos critérios para a classificação dos actos ou factos como iure gestonis. 95 122 Sabemos já que, de acordo com o princípio par in parem non habet imperium, nenhum Estado pode exercer sobre outro poderes soberanos, nem interferir nas ações praticadas no seu território por outro Estado, desde que regulamente autorizadas por acordo. De entre as ações estão as praticadas pelas Missões Diplomáticas e Consulares. Com base nesse princípio clássico e ainda na necessidade de preservar e de não ofender a dignidade dos Estados – seus representantes e órgãos – e de assegurar a liberdade de exercício de função soberana, o Direito Internacional costumeiro reconheceu desde sempre a imunidade de jurisdição aos Estados e seus representantes, bem como a inviolabilidade dos seus bens e arquivos afetos às suas Missões Diplomáticas e aos seus Postos Consulares. É com este entendimento que a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas consagra e regula o exercício de tais imunidades 99. Assim, pode um Estado estrangeiro, com fundamento nessa Convenção, invocar a sua imunidade de jurisdição civil, penal e administrativa para não se submeter a julgamento em Tribunal de outro Estado. Ainda, com base no princípio pars in parem acima citado, nenhum Estado pode interferir nas Forças Armadas de outro regularmente estacionadas no seu território, salvo convenção em contrário100. Disto resulta que os bens pertencentes a essas Forças Armadas, por serem bens públicos e por estarem ao serviço público do Estado no exercício da sua soberania (em matéria de relações internacionais), são invioláveis, não podendo, salvo convenção em contrário ou consentimento expresso e inequívoco do respetivo Estado, ser objeto de apreensão ou de qualquer ato judicial ou administrativo. Pode até acontecer que esses veículos integrem Missões Diplomáticas ad hoc (o que ocorre na maior parte dos casos) ou estão afetos a bases militares que, por acordo com o Estado hospedeiro, estão sediadas no seu território, onde podem regularmente operar no âmbito da missão militar acordada. Nessas circunstâncias, somos de opinião que o Estado proprietário desses bens militares integrados nas suas Missões Diplomáticas permanentes ou especiais não usam esses bens iure gestionis, sendo sempre de presumir – presunção iuris tantum – que, salvo convenção ou prova irrefutável em contrário, as ações das Missões Diplomáticas devem ser sempre consideradas como acta iure imperii, por tais Missões serem geneticamente instrumentos de relações soberanas entre os Estados. Deste modo, estes podem legitimamente invocar a imunidade de jurisdição para não serem julgados, mesmo que seja por danos causados a entidades privadas ou públicas, pelo uso, pacticiamente consentido, dos seus bens militares no território de outro Estado. Em abono desta tese, poderemos invocar as exceções consagradas na United Nations Convention relativamente a certos bens especiais, de entre eles os de natureza militar ou os utlizados ou destinados a serem utilizados para fins militares101. Por isso, não deve caber aos Tribunais, mas sim aos Governos, através dos competentes canais diplomáticos, a resolução de questões decorrentes do uso de meios militares ou outros no exercício da soberania 102 e dos danos por ele causados. 11. Mas, esta tese parece ser contrariada quer pelo artigo 21.º da United Nations Convention quer pelo artigo 11.º da Convenção de Basileia, que prescrevem que o Estado não goza de imunidade nem a pode invocar quando é demandado para reparar danos corporais ou materiais resultantes de factos ocorridos no território do Estado do foro. Mesmo tendo em conta que a primeira Convenção não está em vigor, o ponto é que estas disposições, aprovadas por consenso pela AG, consagram a doutrina da imunidade restrita e impedem os Estados de invocar a imunidade absoluta nesses casos. Contudo, a questão que essas 99 Ver artigos 22.º 24.º e 31.º da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 1961. Para maior desenvolvimento, veja, por todos Vilariño Pintos, Eduardo (2007), Curso de Derecho Diplomático e Consular. Madrid: Ed. Tecnos, e Brito, Wladimir (2008), Direito Diplomático. Lisboa: Ed. Ministério dos Negócios Estrangeiros. 100 No mesmo sentido, veja-se, entre outros, Cassesse, Antonio (2001), International Law. Ed. Oxford: University Press, 91. 101 Cfr. artigo 21. º, alínea b), da United Nations Convention on Jurisdictional Immunities of States and Their Property. 102 Em sentido próximo, Cassesse, Antonio, International Law, cit.º, 92. 123 disposições normativas convencionais colocam é a de saber se são aplicáveis àqueles casos em que os danos são causados por bens públicos usado no exercício dos poderes soberanos do Estado e no decurso desse exercício ou se só podem ser aplicados aos casos em que os danos são causados no decurso de atividade privada do Estado. A resposta a estas questões está facilitada pela Inter-American Convention on Jurisdictional Immunity of States, aprovada em 24 de março de 1984, que não inclui as atividades públicas soberanas dos Estados na proibição de invocação da imunidade, quando no seu artigo 6.º só proíbe essa invocação nos processo relativos a prejuízos ou responsabilidades decorrentes de atividades comerciais realizadas no Estado do foro, deixando, assim, de fora as atividades soberanas103. Mas, como se viu, a Convenção de Basileia e a United Nations Convention não recortam com essa precisão os casos em que a imunidade não pode ser invocada perante os Tribunais, parecendo querer consagrar que essa proibição é extensível às atividades públicas soberanas, desde que delas resulte danos ou prejuízos que tenham de ser reparados. Contudo, não nos parece que assim seja. De facto, entendemos que assim não é, desde logo, por as Convenções aqui referidas terem por objeto atividades privadas dos Estados, acta iure gestionis, portanto; de seguida, por as próprias Convenções reafirmarem o respeito pelas imunidades, inviolabilidades e privilégios reconhecidos aos Estados pelo Direito Internacional Convencional ou Costumeiro e excluírem, direta ou indiretamente, bens públicos e atividades realizadas pelos Estados com a utilização destes bens 104; finalmente, por a reparação de danos ou prejuízos referidos por essas Convenções terem como fundamento a responsabilidade contratual dos Estados, decorrente das suas acta iure privatorum. Todas estas razões levam-nos a concluir que, no caso de uso de bens públicos e, mais concretamente ainda, no caso de danos causados pela utilização desses bens no exercício regulamente consentido de funções públicas soberanas de um Estado no território de outro e em que a responsabilidade seja (como nesses casos, normalmente, é) extracontratual, o Estado pode alegar a imunidade jurisdicional e não deve ser submetido a julgamento em Tribunal de outro Estado. Mais. Essas mesmas razões aconselham a que a doutrina da imunidade restrita deva ser aplicada com muita cautela e com base em critérios que permitam determinar com um elevado grau de segurança a natureza iure gestionis dos atos praticados pelos Estados, critérios esses que, em nossa opinião, devem ser simples e operativos 105. Por isso, entendemos que o critério que, pela sua simplicidade e operacionalidade, deve ser o adotado é o da existência de um contrato conjugado com a natureza contratual da responsabilidade do Estado estrangeiro. Sabemos que é possível a ocorrência de situações geradoras da responsabilidade extracontratual do Estado que justifique a aplicação da doutrina da imunidade restrita, e o consequente julgamento do Estado estrangeiro, em ação para reparação dos danos, pelo Tribunal do Estado do foro. Contudo, nesses caso a doutrina da imunidade restrita só deve ser aplicada se se demonstrar com elevado grau de segurança que os atos causadores dos danos resultaram do exercício pelo Estado estrangeiro de atividades decorrentes de contratos. Assim, por exemplo, nos casos de danos causados a terceiros por explosão de contentores de gás ou por acidente de viação provocado de veículo comercial, de sociedades comerciais, propriedade do Estado estrangeiro, que se dedicam à produção e comercialização e gás ou à navegação marítima ou aérea nos mesmos termos e condições das sociedades comerciais privadas do mesmo ramo. Ora, tendo em conta o que se acaba de dizer e, ainda, que a imunidade tem uma natureza absoluta e não pode ser afastada unilateralmente, na dúvida deve sempre prevalecer 103 Cfr. artigos 5.º e 6.º da Inter-American Convention on Jurisdictional Immunity of States. Cfr. os artigos 3.º, 5.º e 21.º da United Nations Convention on Jurisdictional Immunities of States and Their Property e o artigo 15.º, 30.º, 31.º e 32.º da Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados. 105 Relembramos que Brownie, Ian, para a determinação da competência do Tribunal do Estado do foro, propõe vários critérios que denomina de ‖indicativos‖, mas que são bastantes complicados e, em nossa opinião pouco operativos. Cfr. Brownlie, Ian, Princípios de Direito Internacional, cit.º, 354 e segs. 104 124 o reconhecimento da imunidade absoluta106, o que é tanto mais aconselhável quanto, como se sabe, a recusa de reconhecimento dessa imunidade constitui um grave violação das normas e princípios do Direito Internacional, de que pode resultar a responsabilidade internacional do Estado107. 12. Podemos agora concluir dizendo que, no feito submetido a julgamento no Tribunal Judicial da Comarca de Grândola, estando em causa um bem público de um Estado estrangeiro – veículo das Forças Armadas desse Estado – e danos causados por esse veículo num acidente de viação, a doutrina da imunidade restrita não deveria ter sido aplicada. De facto, como afirmamos acima, a responsabilidade do Estado nesse caso é de natureza extracontratual e o bem causador do dano é público, afeto ao exercício de funções públicas soberanas desse Estado e estaria a ser utilizado ao serviço desse Estado e no exercício de atos de soberania, utilização que, presumimos, tinha sido consentida e autorizada por Portugal. Estamos, portanto no domínio de relações internacionais entre Estados, logo no exercício da soberania do Estado estrangeiro, Réu nessa ação, pelo que o dano causado a privado pelo uso de bens público ao serviço dessa soberania não afasta o direito deste Estado invocar, e de ver reconhecida, a sua imunidade jurisdicional. Assim, o Tribunal de Grândola deveria ter julgado procedente tal alegação e deixar que, pela via diplomática, fosse obtida a reparação do dano, tanto mais que, podendo o Estado réu opor-se, com fundamento na sua imunidade de jurisdição, à execução da decisão judicial proferida por esse Tribunal, essa será certamente a única via que restará ao lesado para obter a reparação do dano que sofreu. Sabemos que é possível a ocorrência de situações geradoras da responsabilidade extracontratual do Estado que justifique a aplicação da doutrina da imunidade restrita, e o consequente julgamento do Estado pelo Tribunal do Estado do foro em ação para reparação dos danos. Contudo, nesses caso a doutrina da imunidade restrita só deve ser aplicada se se demonstrar com elevado grau de segurança que os atos causadores dos danos resultaram da prática pelo Estado estrangeiro do exercício de atividades decorrentes de contratos. Assim, por exemplo um acidente de viação causado por um veículo comercial de uma agência de navegação marítima ou aérea ou um acidente causado por explosão de gás, de empresas, propriedades do Estado estrangeiro, que se dedica essas atividades comerciais nos mesmos termos e condições das agências privadas do mesmo ramo. 106 Nesse mesmo sentido escreve Conforti, Benedetto, ―in caso dubbio, debba concludersi a favore dell’immunitá anziché dela sottoposizione dello Statto straniero ala giuridizione (...)‖, in Diritto Internazionale, cit.º, 221. Também, Stewart, David P., defende que o United Nations Convention on Jurisdictional Immunities of States and Their Property ―embraces the so-called restrictive theory, under which governments are subject to essentially the same jurisdictional rules as private entities in respect of their commercial transactions‖ (negrito e sublinhado nosso). Ver Stewart, David P., UN Convention on Jurisdictional Immunities of States and Their Property, cit. º, 194. 107 Na verdade, de acordo com a o projecto de artigos sobre a responsabilidade dos Estados, ―every internationally wrongful act of a State entails the international responsibility of that State‖ (artigo 1.ª) entendo-se no artigo 2.º desse projecto que ―there is an internationally wrongful act of a State when conduct consisting of an action or omission: (a) ..................................................... (b) constitutes a breach of an international obligation of the State‖. Sobre a responsabilidade internacional dos Estados e o projeto de artigos da Comissão do Direito Internacional, veja-se, por todos, Crowford, James (2002), The International Law Commission’s Articles on State Responsibility. Introduction, Text and Commentaries, Cambrigdge University Press. 125 5. JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DA UNIÃO EUROPEIA SOBRE CASOS PORTUGUESES 5) Jurisprudência dos Tribunais da União Europeia sobre casos portugueses Maria Luísa Duarte Francisco Pereira Coutinho (Coordenação) A. Apresentação O ano de 2011 registou uma atividade jurisprudencial de acentuado relevo sobre casos portugueses, no sentido que lhe damos de processos de questões prejudiciais suscitadas por tribunais portugueses e processos, sob formas distintas (v.g. ação por incumprimento, recursos de anulação), relacionados com litígios que envolvem a República Portuguesa ou cidadãos e empresas portugueses. Em termos puramente estatísticos, foram proferidas trinta e duas decisões (treze despachos e dezanove acórdãos) repartidas pelo Tribunal de Justiça (vinte e três decisões) e pelo Tribunal Geral (nove decisões). A ação por incumprimento (Comissão contra República Portuguesa, com fundamento no artigo 258.º TFUE) foi a via processual que deu azo a um maior número de decisões prolatadas – nove no total, com oito condenações e um veredicto de improcedência. A seguir, o processo de questões prejudiciais (v. artigo 267.º TFUE) com oito decisões, entre despachos e acórdãos. Ao abrigo do recurso de anulação (v. artigo 263.º TFUE), foram concluídos cinco processos por decisão do Tribunal Geral, três instaurados por iniciativa de particulares e dois por iniciativa do Estado Português. O âmbito material desta litigiosidade é alargado, o que reflete a extensão e a complexidade da regulação com origem no decisor da União Europeia – questões sobre a fiscalidade direta e indireta, sobre a contratação pública, sobre o âmbito da responsabilidade civil por condução de automóveis, sobre o estatuto dos notários, sobre o direito ao reembolso das despesas médicas por cuidados médicos prestados noutro Estado-membro, sobre a livre circulação de capitais e a compatibilidade comunitária das chamadas ―golden shares‖. A importância das matérias em causa e o impacto da orientação definida pelo Juiz da União no processo de aplicação do Direito nos casos concretos e para o futuro explicam a escolha das decisões propostas para comentário. Uma palavra dedicada de agradecimento aos anotadores que aceitaram o nosso convite e oferecem aos leitores do Anuário do Ministério dos Negócios Estrangeiros a sua leitura crítica dos arestos, realizada com notável empenho e elevado nível científico. Lisboa, 13 de Setembro de 2012 Coordenadores Maria Luísa Duarte (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) Francisco Pereira Coutinho (Professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa) 129 B. Lista de anotadores Ana Soares Pinto Francisco Pereira Coutinho Sofia Oliveira Pais Sónia Reis Sophie Perez Fernandes Tânia Carvalhais Pereira Tiago Antunes 131 C. Anotações Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 24 de maio de 2011 (C-52/08) Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62008CJ0052:PT:HTML Tipo: ação por incumprimento Partes: Comissão Europeia e República Portuguesa Objeto: conformidade das normas que regulamentam o acesso e o exercício da profissão de notário previstas no Estatuto do Notariado com a Diretiva 2005/36/CE, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais Dispositivo: atendendo a todas as circunstâncias específicas que caracterizaram o processo legislativo e a situação de incerteza que dele resultou não é possível constatar que existia, no termo do prazo concedido no parecer fundamentado, uma obrigação suficientemente clara de os Estados Membros transporem a Diretiva 2005/36 no que respeita à profissão de notário. 132 i) A livre circulação dos notários na União Europeia (Anotação ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção) de 24 de maio de 2011, “Comissão contra Portugal”, C-52/08) FRANCISCO PEREIRA COUTINHO Sumário: 1. Introdução; 2. A evolução do notariado em Portugal: do funcionário público ao profissional liberal; 3. Aplicabilidade da ―diretiva reconhecimento de qualificações‖ aos notários; 4. O notariado latino e a liberdade de estabelecimento; 5. O notariado português e a liberdade de estabelecimento; 6. Conclusão. 1. Introdução I. O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 24 de maio de 2011 (C52/08) debruça-se sobre a compatibilidade com o direito da União das regras que estabelecem o regime de acesso à profissão de notário em Portugal e enquadra-se numa pletora de ações por incumprimento intentadas pela Comissão contra os Estados-Membros que adotam o modelo de ―notariado latino‖108,109. Entende a Comissão que a regulamentação do acesso e exercício da profissão de notário em vigor em alguns Estados-Membros configura uma restrição proibida ao direito de estabelecimento de nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro (art. 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE), porquanto as atividades do notário latino não estão ligadas, ainda que ocasionalmente, ao ―exercício da autoridade pública‖ (art. 51.º (1) TFUE). A articulação entre regra – direito de estabelecimento (art. 49.º TFUE) – e exceção – atividades ligadas ao exercício da autoridade pública (art. 51.º (1) TFUE) – já foi em diversas ocasiões objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça. Em causa estavam, contudo, profissões liberais cuja ligação ao exercício de poderes de autoridade pública era marginal face ao conjunto da atividade profissional, pelo que a decisão foi invariavelmente no sentido do reconhecimento do princípio-regra da liberdade de estabelecimento110. O mesmo não Francisco Pereira Coutinho - Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Liboa. 108 Acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Bélgica‖, C-47/08, Colect., 2011; acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra França‖, C-50/08, Colect., 2011; acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Luxemburgo‖, C-51/08, Colect., 2011; acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Áustria‖, C-53/08, Colect., 2011; acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Alemanha‖, C-54/08, Colect., 2011; acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Grécia‖, C-61/08, Colect., 2011; acórdão de 1 de dezembro de 2011, ―Comissão contra os Países Baixos‖, C-157/09, Colect., 2011. 109 O sistema latino é um modelo de organização do notariado que apresenta uma natureza híbrida resultante de os notários assumirem simultaneamente a qualidade de oficiais públicos e profissionais liberais: se, por um lado, têm o poder de exarar documentos autênticos, atribuindo-lhes, por delegação do Estado, fé pública, e, consequentemente, valor probatório qualificado; por outro, são proprietários das instalações em que exercem as suas atividades, contratam pessoal e dispõem de uma carteira de clientes que os remuneram. A par do modelo latino coexistem ainda duas outras formas de organização do notariado: (i) o sistema anglo-saxónico, onde o notário é um profissional liberal que garante a segurança do comércio jurídico, ainda que sem possuir poder de autenticação documental; (ii) o sistema funcionalista, em que o notário é um funcionário público dotado de fé pública, mas desprovido de qualquer tipo de autonomia, servindo o Estado, por quem é remunerado e de quem recebe instruções. 110 V., em relação aos advogados, o acórdão de 21 de junho de 1974, ―Reyners‖, 2/74, Colect., 1974, p. 325, n.º 47. Sobre o tema, Ferreira Alves, Jorge de Jesus (1989), Os advogados na Comunidade Europeia, Coimbra: Editora, Cabral, Pedro (1999), ―Algumas considerações sobre a livre circulação dos advogados na Comunidade Europeia à luz da nova Diretiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do 133 sucede com a figura do notário latino devido à circunstância de, na qualidade de oficial público, a sua atividade nuclear ser a atribuição de fé pública aos documentos. O tribunal do Luxemburgo foi assim confrontado nestes processos com ―aquela que é, porventura, a mais delicada questão de interpretação que afeta a combinação dos artigos (49.º TFUE e 51.º (1) TFUE)‖111,112. II. O objeto da ação por incumprimento iniciada contra Portugal distingue-se das intentadas contra os demais Estados-Membros que adotam o notariado latino pela circunstância de o acesso à profissão não estar restringido a nacionais na ordem jurídica portuguesa. Tal requisito foi afastado pelo processo de ―privatização‖ do notariado iniciado em 2004, através do qual este evoluiu do modelo ―funcionalista‖ para uma versão mais liberal do modelo ―latino‖, na medida em que os notários perderam o vínculo de emprego público. A Comissão circunscreveu, por isso, o objeto da ação ao incumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2005/36 do Parlamento e do Conselho, de 7 de setembro, relativa ao reconhecimento de qualificações profissionais. A estratégia processual adotada da Comissão determina ser da maior utilidade iniciar este comentário com uma breve alusão à evolução do notariado em Portugal (2.) e às obrigações de transposição que decorrem para os Estados-Membros da Diretiva 2005/36 (3.), para posteriormente analisar o regime da liberdade de estabelecimento do notariado latino e português à luz das decisões adotadas pelo Tribunal de Justiça no âmbito das ações por incumprimento iniciadas pela Comissão (4. e 5.). 2. A evolução do notariado em Portugal: do funcionário público ao profissional liberal I. Os notários são uma profissão jurídica cuja origem em Portugal remonta ao Século XIII113. A afirmação do poder real durante o feudalismo foi prosseguida também através do poder de nomeação exclusiva de oficiais que atribuíam fé pública aos documentos que elaboravam114. Por força da sua dispersão territorial, os ―tabeliães das notas‖ desenvolviam as suas funções com grande autonomia técnica e administrativa. O seu estatuto orgânico foi oscilando ao longo dos tempos, estabilizando definitivamente através do Decreto de 23 de dezembro de 1899, que passou a considerá-los a única classe de notários 115. A secular autonomia administrativa de que gozavam os notários cessou com a sua transformação pelo Estado Novo em funcionários públicos hierarquicamente subordinados ao Conselho‖ in Revista da Ordem dos Advogados, 59, 2 - 589 a 664, e Vasconcelos, Rita Leandro (2001), ―Livre circulação de advogados na Comunidade Europeia‖ in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 42, 2 - 1205 a 1259. 111 Advogado-geral Cruz Vilallón, Pedro (2011), conclusões de 14 de setembro de 2010 nos processos ―Comissão contra Bélgica‖ (C-47/08), ―Comissão contra Portugal‖ (C-50/08), ―Comissão contra Luxemburgo‖ (C-51/08), ―Comissão contra Áustria‖ (C-53/08), ―Comissão contra Alemanha‖ (C54/08), e ―Comissão contra Grécia‖ (C-61/08), Colect., n.º 3. 112 Por razões de simplicidade, optámos, nas transcrições de doutrina e de jurisprudência anteriores à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, por substituir as referências às Comunidades, ao direito comunitário e à ordem jurídica comunitária, pela referência à União ou à UE, ao direito da União ou da UE e à ordem jurídica da União ou da UE. As disposições dos Tratados citadas são-no, em regra, na sua nova numeração, assinalando-se eventuais diferenças relativamente à anterior redação. 113 Raposo, Mário (1986), ―Notariado‖ in Polis, IV, Lisboa: Verbo, 690. 114 Através da lei sobre jurisdições de fidalgos, publicada em Atouguia a 13 de setembro de 1375, na qual se dispunha que cumpria somente ao Rei o direito de ―acrescentar ou fazer Tabeliães‖. 115 Até à entrada em vigor deste Decreto, subsistiam na ordem jurídica portuguesa duas espécies de tablionato diferenciadas por um critério funcional: os tabeliães das notas (ou do paço) e os tabeliães do judicial (ou das audiências). Estes últimos caracterizavam-se por funcionarem como coadjuvantes dos magistrados judiciais, em cujo nome escreviam as decisões, sendo a intervenção deste que atribuía ao ato fé pública e força executória. 134 ministro da Justiça, através do diretor-geral dos Registos e Notariado116. Apesar de convertidos em agentes da administração periférica do Estado, não lhes foi atribuída jurisdição territorial exclusiva, pelo que permaneceu intocável o princípio da livre escolha dos seus serviços pelos particulares. Este peculiar estatuto gerou uma divisão entre autores que identificavam o notariado português com o modelo ―funcionalista‖, salientando o vínculo hierárquico e remuneratório a que estavam submetidos os notários 117, e os que o aproximavam do modelo ―latino‖, valorizando a função de assessoria técnica independente semelhante à prestada por outras profissões jurídicas liberais 118. II. A reforma do notariado levada a cabo pelos Decretos-Leis n.ºs 26/2004 e 27/2004, de 27 de abril, reverteu novamente a natureza da função notarial, que deixou de ser um serviço público assegurado pelo Estado para passar a ser um serviço público de exercício e gestão privada. O acesso à profissão ficou sujeito a um sistema de numerus clausus e condicionado ao cumprimento cumulativo de vários requisitos 119. A reforma do notariado de 2004 operou uma ―privatização‖ do notário mediante a sua transformação num profissional liberal com poderes para exarar documentos autênticos, mas não uma ―liberalização‖ do exercício da profissão: não só a atuação do notário ficou limitada à circunscrição do município para o qual lhe foi atribuída uma licença de instalação, como também os seus honorários foram fixados a partir de tabelas aprovadas pelo Ministro da Justiça120. Profundo impacto no domínio de intervenção tradicional dos notários tiveram ainda as medidas adotadas no âmbito do programa SIMPLEX que (i) eliminaram a necessidade de autenticação notarial em diversos atos para os quais essa intervenção era anteriormente exigida121, e (ii) atribuíram poderes de autenticação, de certificação e de reconhecimento de documentos aos conservadores e aos oficiais do registo, às câmaras de comércio e indústria, 116 Decretos-Lei n.º 35390, de 22 de dezembro de 1945, e n.º 37666, de 19 de dezembro de 1949. 117 Por exemplo, Caupers, João (1994), ―Notários‖ in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, 162, para quem a decisão de nacionalização dos notários levou a que (i) perdessem autonomia, pois passaram a estar sujeitos às ordens de um diretor-geral, (ii) perdessem especificidade, uma vez que foram integrados na mesma organização que os conservadores do registo civil, e (iii) ganhassem segurança económica, consubstanciada numa retribuição mínima garantida pelo Estado. Segundo este autor, o sistema português apresentava mais semelhanças com o adotado nos países do chamado bloco de leste antes da queda do muro de Berlim (idem, p. 163). A conclusão semelhante chegou a Conferência dos Notários da União Europeia, o que a levou a ameaçar de expulsão a sua afiliada portuguesa com fundamento na existência em Portugal de um ―verdadeiro funcionalismo‖ dos notários (cfr. Pereira Coutinho, Francisco (2003), Os Notários: espécie em extinção ou apenas em transição. Disponível em http://www.fd.unl.pt, p. 12). 118 Entre outros, Raposo, Mário (1980), ―Sobre a função notarial‖ in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 296, 26, considerando que a independência técnica dos notários traduzia-se no facto de as respostas às consultas que formulavam aos Serviços Técnicos da Direção-Geral dos Registos e do Notariado não revestirem caráter vinculativo, ou Araújo, António M. Borges (2001), Prática Notarial. Coimbra: Almedina, 10, argumentando estarmos perante uma verdadeira profissão liberal. 119 A saber: (i) não inibição do exercício de funções públicas; (ii) licenciatura em Direito reconhecida pelas leis portuguesas; (iii) frequência de um estágio notarial, para o qual seriam selecionados candidatos escolhidos por concurso; (iv) após aproveitamento no estágio, obtenção de licença para exercer a profissão em novo concurso; (v) prestação de juramento perante o Ministro da Justiça e o Bastonário da Ordem dos Notários (cfr. Capítulo III do Estatuto do Notariado, publicado em anexo ao Decreto-Lei 26/2004, de 4 de fevereiro, e Portaria 398/2004, de 21 de abril). 120 Portaria 385/2004, de 16 de abril, onde são fixados limites para alguns atos. 121 O Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, tornou facultativas as escrituras públicas relativas a atos da vida das empresas (art. 1.º, n.º 1, al. a)), ao passo que o Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, eliminou a obrigatoriedade de escritura pública para os atos relativos a imóveis. 135 aos advogados e aos solicitadores122. O fundamento para esta repartição do poder de autenticação documental foi a equiparação dos notários a outras profissões liberais com quem partilham ―especiais poderes de prossecução de fins de utilidade pública‖ e que já possuíam competência ―para fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos‖ 123. Os notários mantiveram, não obstante, a competência exclusiva, mas ainda assim residual, para lavrar ―testamento públicos, instrumentos de aprovação, depósito e abertura de testamentos cerrados e de testamentos internacionais‖ (art. 4.º, n.º 2, al. a), do Estatuto do Notariado) ou ―outros instrumentos públicos‖ (art. 4.º, n.º 2, al. b), do Estatuto do Notariado), como é o caso das procurações irrevogáveis. III. O notário é, de acordo com o Estatuto do Notariado, o ―jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública‖ (art. 1.º, n.º 1). A simbiose funcional característica do notariado latino resulta da incindibilidade do seu papel de (i) ―oficial público que confere autenticidade aos documentos e assegura o seu arquivamento‖ e, simultaneamente, de (ii) ―profissional liberal que atua de forma independente, imparcial e por livre escolha dos interessados‖ (art. 1.º, n.º 2 e 3). A dupla condição de oficial público e profissional liberal motivou a adoção de um regime disciplinar dual, pelo qual se atribui competência ao Ministério da Justiça, através do Conselho do Notariado, para apreciar infrações resultantes da atividade notarial revestida de fé pública, e à Ordem dos Notários, em todas as matérias do foro deontológico (art. 3.º). Com a ―privatização‖ do notariado, o legislador terá, porventura, temido atribuir a uma incipiente ordem profissional a responsabilidade pelo controlo da atividade notarial. A solução encontrada revela-se, todavia, algo insatisfatória, na medida em que potencia conflitos positivos e negativos de competências entre o Conselho do Notariado e os órgãos disciplinares da Ordem dos Notários. 3. Aplicabilidade da diretiva “reconhecimento de qualificações” aos notários I. A Comissão acusou Portugal de violar as obrigações que decorrem da Diretiva 2005/36, a qual visa concretizar o princípio da livre circulação de pessoas e serviços, atribuindo a quem tenha adquirido qualificações profissionais num Estado-Membro a garantia de acesso e exercício da mesma profissão noutro Estado-Membro, com os mesmos direitos que os nacionais desse Estado. Para o efeito estabelece a regra de que um Estado-Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respetivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais deve reconhecer, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados-Membros que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão (art. 1.º e 4.º)124. As disposições da diretiva ―reconhecimento de qualificações‖ apenas não são aplicáveis se num instrumento separado de direito da União fossem estabelecidas regras 122 Nos termos do art. 38.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuadas por estas entidades conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial. 123 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março. 124 No regime de acesso e exercício da profissão previsto no Estatuto do Notariado, a Comissão encontrou violações da diretiva: (i) no impedimento do exercício da profissão aos titulares de licenciaturas em Direito conferidas por Universidade de outros Estados-Membros ou de habilitações académicas que não sejam consideradas equivalentes (arts. 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 3, da Diretiva 2005/36); (ii) na circunstância de o concurso de acesso ao estágio profissional incidir sobre matérias que já podiam constar do diploma ou da formação do candidato (art. 14.º, n.º 3, da Diretiva 2005/36); (iii) na exigência de frequência obrigatória de um estágio, no termo do qual o notário patrono se deve pronunciar sobre a aptidão do candidato, o que contraria a proibição de cumulação da frequência de um estágio de adaptação e da aprovação numa prova de aptidão (art. 14.º, n.º 3, da Diretiva 2005/36). 136 específicas diretamente relacionadas com o reconhecimento de qualificações profissionais para determinada profissão regulamentada (art. 2.º, n.º 3). II. A Eslovénia alegou pela improcedência da ação com fundamento na circunstância de a Comissão ter acusado Portugal de não transpor a Diretiva 2005/36, quando durante a fase pré-contenciosa apenas o fez relativamente à Diretiva 89/48, que a antecedeu, sendo certo que a revogação desta última ocorreu já depois de expirado o prazo fixado no parecer fundamentado125. O Tribunal de Justiça lembrou, em resposta, que, nos termos da sua jurisprudência constante, os pedidos contidos na petição inicial não podem, em princípio, ser ampliados para além dos incumprimentos alegados nas conclusões do parecer fundamentado e na notificação para cumprir126, pelo que a existência de um incumprimento no âmbito de uma ação por incumprimento deve ser apreciada à luz da legislação da União em vigor no termo do prazo que a Comissão concedeu ao Estado-Membro em causa para dar cumprimento ao seu parecer fundamentado127. Considerou, não obstante, que tal não impede a Comissão de procurar obter a declaração de um incumprimento das obrigações que têm origem na versão inicial de um ato da União, posteriormente alterado ou revogado, e que foram mantidas pelas disposições de um novo ato da União, desde que o objeto do litígio não seja ampliado a obrigações resultantes de novas disposições que não tenham equivalência na versão inicial do ato em questão128. No caso em apreço, na medida em que foi imputado a Portugal a não transposição das obrigações que lhe incumbiam por força da Diretiva 2005/36, importava saber se estas se alteraram substancialmente face ao regime estabelecido na Diretiva 89/43. Ora, uma vez que os princípios e as garantias subjacentes ao mecanismo de reconhecimento das qualificações são idênticos nos dois atos de direito da União, o Tribunal de Justiça concluiu pela admissibilidade do pedido129. III. Ultrapassada a questão de admissibilidade da ação, o tribunal do Luxemburgo pronunciou-se em seguida sobre a aplicabilidade da Diretiva 2005/36 aos notários. Os governos de Portugal, Lituânia e Eslovénia alegaram que o considerando 41 da Diretiva 2005/36 exclui qualquer obrigação de transposição dos Estados-Membros, ao indicar que a diretiva não prejudica a aplicação da exceção prevista no 1º parágrafo do art. 51.º TFUE, ―designadamente no que diz respeito aos notários‖. Esta interpretação é, segundo o governo português, confirmada pela consulta da resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre a proposta de diretiva ―reconhecimento de qualificações‖130, onde se propôs que fosse expressamente previsto que a diretiva não se aplicava aos notários. 125 A Diretiva 89/48/CEE foi revogada no dia 20 de outubro de 2007 (art. 62.º da Diretiva 2005/36). 126 V. g. acórdão de 7 de maio de 1987, ―Comissão contra Bélgica‖, 186/85, Colect., 1987, p. 2029, n.° 13; acórdão de 11 de maio de 1989, ―Comissão contra Alemanha‖, 76/86, Colect., 1989, p. 1021, n.° 8; acórdão de 24 de junho de 2004, ―Comissão contra Países Baixos‖, C-350/02, Colect., 2004, p. I‑6213, n.° 20; acórdão de 26 de março de 2009, ―Comissão contra Itália‖, C-326/07, Colect., 2009, p. I‑2291, n.° 29. 127 Entre outros: acórdão de 10 de setembro de 1996, ―Comissão contra Alemanha‖, C-61/94, Colect., p. I-3989, n.º 42; acórdão de 5 de Outubro de 2006, ―Comissão contra Bélgica‖, C-377/03, Colect., p. I-9733, n.º 33; acórdão de 10 de setembro de 2009, ―Comissão contra Grécia‖, C-416/07, Colect., p. I7883, p. 27. 128 Acórdão de 24 de maio de 2011, ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, Colect, 2011, n.º 42, onde se remete para os acórdãos de 9 de novembro de 1999, ―Comissão contra Itália‖, C-365/97, Colect, p. I7773, n.º 36, de 12 de junho de 2003, C-363/00, ―Comissão contra Itália‖, Colect., p. I-5767, n.º 22, e ―Comissão contra Grécia‖, C-416/07, cit.. 129 ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, cit., n.º 43 a 47. 130 Adotada, em primeira leitura, em 11 de fevereiro de 2004 (JO 2004, C 97E, p. 230). 137 Outra foi a leitura do Tribunal de Justiça dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2005/36: ainda que a proposta do Parlamento não tenha sido adotada, tal não significa que a diretiva se deva aplicar à profissão de notário, mas apenas que devem ser excecionadas as atividades que estejam ligadas ―ao exercício da autoridade pública‖ 131. Ou seja, do considerando 41 não se pode retirar qualquer conclusão sobre uma eventual intenção do legislador da União de reconhecer expressamente uma derrogação ao princípio da liberdade de estabelecimento que abrangesse as atividades notariais. Esta situação de incerteza legislativa – para a qual contribuiu igualmente a ausência de pronúncia do Tribunal sobre o tema – determina que não seja possível constatar a existência de uma obrigação clara de os Estados-Membros transporem a Diretiva 2005/36 no que respeita à profissão de notário, pelo que a ação foi julgada improcedente132. IV. A fundamentação adotada pelo Tribunal de Justiça para concluir pela improcedência da ação por incumprimento intentada contra Portugal não merece concordância. Não obstante a ambiguidade da afirmação contida no considerando 41 da Diretiva 2005/36 não permitir afastar definitivamente, e em bloco, a profissão de notário do seu âmbito de aplicação, parece dar a entender, ainda que implicitamente, que a resposta à qualificação das funções notariais como atividades de autoridade pública (art. 51.º (1) TFUE), ―arrastaria a resposta à questão da aplicação da diretiva a esta profissão‖ 133. A apreciação do incumprimento imputado ao Estado português deveria, por isso, ter-se centrado em saber se as atividades dos notários estão ou não ligadas ao exercício da autoridade pública. É a resposta a esta questão fundamental, que o Tribunal não fornece neste acórdão, que funda as obrigações de transposição dos Estados-Membros da diretiva ―reconhecimento de qualificações‖ no que concerne à profissão de notário. 4. O notariado latino e a liberdade de estabelecimento I. O art. 49.º TFUE atribui aos cidadãos da União o direito de estabelecerem uma atividade económica não assalariada, de modo estável e contínuo, no território de um EstadoMembro diferente do seu nas mesmas condições que as definidas pela legislação do EstadoMembro de estabelecimento para os seus próprios nacionais 134. Constitui, por esta razão, uma das disposições fundamentais do direito da União135, que pode, no entanto, ser derrogada se em causa estiverem atividades que envolvam o exercício da autoridade pública (art. 51.º (1) TFUE). O efeito útil das disposições do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento não podia, contudo, ficar neutralizado por disposições unilaterais adotadas por EstadosMembros136, pelo que o Tribunal de Justiça esclareceu que as exceções àquela liberdade devem ser limitadas ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que os Estados-Membros pretendem proteger 137. De acordo com a sua jurisprudência constante, ―atividade‖ não é sinónimo de ―profissão‖, pois o facto de uma atividade configurar uma participação no exercício da autoridade pública não pressupõe que necessariamente todas as atividades que o profissional em causa desempenha sejam abrangidas pela derrogação à liberdade de estabelecimento prevista no art. 51.º (1) TFUE. Tal acontece apenas quando as 131 Art. 51.º (1) TFUE. Esta era, aliás, a redação que já constava do considerando 12 da Diretiva 89/48. 132 ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, cit., n.º 52, 54, 55, 56 e 57. 133 Conclusões do Advogado-Geral Cruz Vilallón, Pedro, ao processo ―Comissão contra Portugal‖, C52/08, cit., n.º 50. 134 Acórdão de 28 de janeiro de 1986, ―Comissão contra França‖, 270/83, Colect., p. 273, n.º 13. 135 ―Reyners‖, 2/74, cit., n. º 43. 136 Idem, n. º 50. 137 Entre outros, acórdão de 30 de março de 2006, ―Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti‖, C451/03, Colect., 2006, p. I-2941, n.º 45. 138 atividades de autoridade pública sejam inseparáveis das restantes 138, o que sucede, inequivocamente, com os notários latinos, na medida em que estes se caracterizam, justamente, pela incindibilidade da qualidade de oficial público e de profissional liberal em todos os atos que praticam. A principal dúvida sobre a integração do notariado latino no âmbito de aplicação do art. 51.º (1) TFUE decorre de o Tribunal de Justiça ter precisado que este preceito abrange apenas as atividades que apresentem uma ligação ―direta e específica ao exercício da autoridade pública‖139, mas já não inclui: (i) as que revestem cariz auxiliar ou preparatório 140; (ii) aquelas cujo exercício, embora comportem contactos, ainda que regulares ou orgânicos, com autoridades administrativas ou judiciárias, ou uma contribuição, mesmo que obrigatória, para o seu funcionamento, deixe intactos os poderes de apreciação e de decisão dessas autoridades141; (iii) as que não comportam o exercício de poderes decisórios 142, de poderes para impor obrigações 143 ou de poderes de coerção144. Saber se as atividades confiadas aos notários nos Estados-Membros que adotam o sistema de notariado latino estão ou não ―diretamente e especificamente ligadas ao exercício da autoridade pública‖ consubstancia assim a questão fundamental à qual se esperava que o Tribunal de Justiça desse resposta. II. Nas suas observações escritas, o governo português invocou o acórdão ―Colegio de Oficiales de la Marina Marcante Española‖ para defender que as atividades dos notários portugueses ―relativas à elaboração de testamentos constituem uma participação no exercício de prerrogativas de autoridade pública‖ para efeitos de aplicação do art. 51.º (1) TFUE145. Em causa neste processo estava o exercício, por parte dos capitães e imediatos de navios mercantes espanhóis, de um vasto conjunto de funções de manutenção da segurança, de poderes de polícia, ao que acresciam ainda competências em matéria registral e notarial, como a receção, o depósito e a entrega de testamentos. De acordo com o Tribunal do Luxemburgo: ― (...) o direito espanhol confere aos comandantes e aos imediatos dos navios mercantes com bandeira espanhola, por um lado, prerrogativas ligadas à manutenção da segurança e ao exercício de poderes de polícia, designadamente em caso de perigo a bordo, acompanhados, eventualmente, de poderes de inquérito, de coerção ou de sanção, que vão além da simples contribuição para a manutenção da segurança pública pela qual qualquer indivíduo é responsável, e, por outro, atribuições em matéria notarial e de registo civil, que não podem ser explicadas unicamente pelas necessidades do comando do navio. Estas funções constituem uma participação no exercício de prerrogativas de autoridade pública para fins de salvaguarda dos interesses gerais do Estado da bandeira‖ 146. 138 ―Reyners‖, 2/74, cit., n.º 47, onde se acrescenta que não é admissível uma decisão sobre a totalidade de uma profissão ―quando, no âmbito de uma profissão liberal, atividades que estejam eventualmente ligadas ao exercício da autoridade pública constituam um elemento cindível do conjunto da atividade profissional em causa‖. 139 Idem, n.º 45. 140 Acórdão de 13 de julho de 1993, ―Thijssen‖, C-42/92, Colect., 1993, p. I-4047, n.º 22. 141 Reyners‖, 2/74, ―cit., n.º 51 a 53. 142 ―Thijssen‖, C-42/92, cit., n.º 21 e 22. 143 Acórdão de 29 de outubro de 1999, ―Comissão contra Espanha‖, C-114/97, Colect., 1999, p. I-6717, n.º 37. 144 Acórdão de 30 de setembro de 2003, ―Anker‖, C-47/02, Colect., 2003, p. I-10447, n.º 61. 145 ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, cit., n.º 31. 146 Acórdão de 30 de setembro de 2003, ―Colegio de Oficiales de la Marina Marcante Española‖, C405/01, Colect., 2003, p. I-10391, n.º 42. 139 Acontece, porém, que o valor de ―precedente‖ desta decisão está prejudicado pela circunstância de a mesma dizer respeito à interpretação do art. 45.º, n.º 4, TFUE147, ao que acresce a circunstância de a referência à natureza de ―autoridade pública‖ das funções notariais ter sido realizada globalmente no contexto dos outros poderes de coerção e sanção dos capitães e imediatos dos navios148. III. Mais persuasiva foi a argumentação expendida pelo advogado-geral Pedro Cruz Vilallón nas suas conclusões, a qual se baseou na análise da natureza da atividade nuclear confiada aos notários na ordem jurídica portuguesa: ― (...) a autenticação (de documentos) confere caráter público a atos de particulares, no sentido de que lhes confere antecipadamente um valor jurídico que, na falta desta intervenção, os particulares teriam necessariamente de solicitar a (outra) autoridade pública, para os tornar juridicamente eficazes‖149. A atividade notarial de autenticação participaria, por isso, direta e especificamente no exercício da autoridade pública, ―ao conferir uma qualificação própria a atos, disposições e condutas que, de outro modo, não teriam um valor jurídico superior ao da manifestação de uma vontade privada‖150. IV. No acórdão ―Comissão contra Portugal‖, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a integração do notariado português no âmbito da derrogação prevista no art. 51.º (1) TFUE, mas fê-lo, em acórdãos tirados no mesmo dia, em relação ao notariado de outros Estados-Membros151. Dado tratar-se da função mais relevante dos notários latinos, o Tribunal centrou a sua atenção, à semelhança do advogado-geral, no poder de atribuição de fé pública documental. O seu entendimento foi, contudo, o oposto: a ausência de um ethos decisório na atividade de autenticação determina que esta não possa ser considerada, em si mesma, direta e especificamente ligada ao exercício da autoridade pública na aceção do art. 51.º (1) TFUE. Nas suas palavras, isso acontece pela circunstância de serem as partes que: 147 Este preceito permite excluir (alguns) empregos da função pública dos Estados-Membros do regime da livre circulação dos trabalhadores. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros podem reservar o acesso a empregos na função pública aos seus nacionais se estes empregos estiverem diretamente relacionados com atividades específicas da administração pública, nomeadamente as que envolvam exercício de autoridade pública e responsabilidade da salvaguarda do interesse geral do Estado. Estes critérios devem ser avaliados numa abordagem caso-acaso, dada a natureza das funções e responsabilidades conferidas ao cargo (cfr., entre outros, acórdão de 12 de fevereiro de 1974, ―Sotgiu‖, 152/73, Rec., 1974, p. 154, acórdão de 17 de dezembro de 1980, ―Comissão contra Bélgica I‖, 149/79, Rec., p. 3881, acórdão de 26 de maio de 1982, ―Comissão contra Bélgica II‖, 149/79, Rec., p. 1845, ou acórdão de 2 de julho de 1996, ―Comissão contra Grécia‖, C290/94, Colect., p. I-3285). No caso dos capitães e imediatos de navios espanhóis, o Tribunal de Justiça considerou que, não obstante desempenhassem prerrogativas de autoridade pública, apenas o faziam de forma esporádica, pelo que não seria admissível a invocação de uma exceção ao regime-regra previsto no art. 45.º (1) TFUE (―Colegio de Oficiales de la Marina Marcante Española‖, C-405/01, cit., n.º 44). 148 Foram este os argumentos utilizados pelo Tribunal de Justiça para refutar observações idênticas realizados por outros Estados-Membros no acórdão ―Comissão contra Bélgica‖, C-47/08, cit., n.º 122, no acórdão ―Comissão contra França‖, C-50/08, cit., n.º 104, no acórdão ―Comissão contra Luxemburgo‖, C-51/08, cit., n.º 122, no acórdão ―Comissão contra Áustria‖, C-53/08, cit., n.º 117, no acórdão ―Comissão contra Alemanha‖, C-54/08, cit., n.º 114, no acórdão ―Comissão contra Grécia‖, C61/08, cit., n.º 108, e no acórdão ―Comissão contra os Países Baixos‖, C-157/09, cit., n.º 88. 149 ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, cit., n.º 46. 150 Idem, n.º 48. 151 Nos acórdãos ―Comissão contra Bélgica‖, C-47/08, cit., ―Comissão contra França‖, C-50/08, cit., ―Comissão contra Luxemburgo‖, C-51/08, cit., ―Comissão contra Áustria‖, C-53/08, ―Comissão contra Alemanha‖, C-54/08, e ―Comissão contra Grécia‖, C-61/08, cit.. 140 ― (...) decidem, dentro dos limites impostos por lei, do alcance dos respetivos direitos e obrigações e escolhem livremente as estipulações a que se querem submeter quando apresentam para autenticação ao notário um ato ou uma convenção. A intervenção deste pressupõe, assim, a existência de um consentimento ou de um acordo de vontade entre as partes‖152. De acordo com o Tribunal de Justiça, não é a intervenção notarial que atribui diretamente força probatória e executória aos atos, pois a primeira decorre da lei processual, ao passo que a segunda assenta na vontade das partes 153. Ao notário resta assim a função de verificação dos requisitos legalmente exigidos para o ato de autenticação. No entanto, apesar de esta averiguação prosseguir um objetivo de interesse geral que consiste em garantir a legalidade e a segurança jurídica dos atos celebrados entre particulares, isso não basta, por si só, para que se possa afirmar existir uma ligação direta e específica da atividade notarial ao exercício da autoridade pública, na medida em que a prossecução de objetivos de interesse geral constitui uma obrigação para pessoas que exercem outras profissões jurídicas regulamentadas, sem que tal signifique que as suas atividades façam parte do exercício da autoridade pública 154. V. Uma vez que as liberdades de circulação constituem as traves-mestras do projeto económico da União, não se afigura surpreendente que o Tribunal de Justiça tenha aplicado com muita parcimónia as exceções àquelas liberdades destinadas a proteger a ação governativa dos Estados. Nas decisões sobre o notariado latino, manteve uma linha jurisprudencial que motivou que, em mais de meio Século, ainda não tenha reconhecido aos Estados-Membros o direito de invocar o art. 51.º (1) TFUE para limitar o acesso de nacionais de outros Estados-Membros a uma profissão liberal que reputem exercer poderes de autoridade pública. Depois de advogados 155, revisores oficiais de contas156, inspetores técnicos de veículos 157, seguranças privados 158 ou socorristas159, foi agora a vez de declarar que os notários latinos estão sujeitos à aplicação do regime da liberdade de estabelecimento. A manifesta necessidade de regulamentação do exercício de uma profissão que prossegue objetivos de interesse público em virtude de exercer poderes ―delegados‖ pelo Estado não foi, contudo, esquecida. O Tribunal de Justiça admite que os Estados-Membros possam invocar razões imperiosas de interesse geral para justificar restrições ao art. 49.º TFUE com fundamento nas especificidades próprias da atividade notarial, como sejam (i) o enquadramento de que os notários são objeto através de processos de recrutamento que lhes são aplicáveis, (ii) a limitação do seu número e das suas competências territoriais ou ainda (iii) o seu regime de remuneração, de incompatibilidades e de inamovibilidade, desde que essas restrições permitam alcançar os referidos objetivos e sejam necessárias para esse 152 Por todos, acórdão ―Comissão contra Bélgica‖, C-47/08, cit., n.º 90. Acrescentou ainda que os notários, não só não podem alterar unilateralmente as convenções que são chamados a autenticar (idem, n.º 91), como também a sua recusa de autenticação de um ato que reputem ilegal, não impede as partes de corrigir a ilegalidade, de alterar as estipulações do ato ou ainda de renunciar ao mesmo (idem, n.º 98). 153 Idem, n.º 99 a 103. 154 Idem, n.º 96. 155 ―Reyners‖, 2/74, cit.. 156 ―Thijssen‖, C-42/92, cit.. 157 Acórdão de 22 de outubro de 2009, ―Comissão contra Portugal‖, C-438/08, Colect., p. I-10219. 158 Acórdão de 29 de outubro de 1998, ―Comissão contra Espanha‖, C-114/97, Colect., p. I-6717. 159 Acórdão de 29 de abril de 2010, ―Comissão contra Alemanha‖, C-160/08, Colect., p. I-3713. 141 efeito160. Em suma, sinalizou que a liberdade de estabelecimento pode ser restringida com fundamento em ―exigências imperativas‖ de caráter público161, mas não com fundamento no art. 51.º (1) TFUE. Daqui resulta legítima a dúvida sobre se esta última se trata, afinal de contas, de uma disposição desprovida de conteúdo162. 5. O notariado português e a liberdade de estabelecimento I. Não obstante o Estado português ter alegado ao longo do processo que as atividades notariais participam no exercício de prerrogativas de autoridade pública na aceção do art. 51.º (1) TFUE e, subsidiariamente, que o considerando 41 exclui o notariado do âmbito de aplicação da Diretiva 2005/36, a 25 de janeiro de 2011, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2011 fundamentou uma alteração ao Estatuto do Notariado nos seguintes termos: ―Enquadrando-se a atividade dos notários no âmbito de aplicação da (Diretiva 2005/36), as alterações agora propostas (...) na parte respeitante ao acesso e ao exercício da atividade, visam harmonizar o ordenamento jurídico com tais obrigações comunitárias. (...) Com efeito, até à reforma promovida pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, o notariado regia-se pelo estatuto da função pública, razão pela qual se considerou que a Diretiva n.º 2005/36, do Parlamento e do Conselho, de 7 de setembro, bem como a que esta revogou, a Diretiva n.º 89/48/CE, do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, não eram aplicáveis aos notários em Portugal. Porém, com a privatização do notariado e a passagem da profissão do regime da função pública para o regime da profissão liberal (...) o acesso à função notarial passou a inserir-se no âmbito de aplicação da Diretiva do Reconhecimento de Qualificações, que agora se transpõe sectorialmente para a profissão de notário‖. Como explicar esta mudança de orientação que, como se veio constatar, não obteve respaldo na decisão do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2011? Uma possível resposta pode estar na influência da opinião do advogado geral, que, a 14 de setembro de 2010, tinha advertido que mesmo que se chegue à conclusão, como era o caso, de que a atividade notarial está ligada ao exercício da autoridade pública, haveria ainda que proceder a uma fiscalização da sua proporcionalidade que pondere a incisividade da medida adotada e o grau de participação dessa atividade no exercício da autoridade pública. À luz destas considerações, sugeriu que o alargamento dos poderes de autenticação a outras profissões jurídicas resultante das alterações legislativas introduzidas a partir de 2006 levaria à conclusão que o notariado português não está abrangido pela derrogação contida no art. 51.º (1) TFUE163. 160 ―Comissão contra Bélgica‖, C-47/08, cit., n.º 97; ―Comissão contra França‖, C-50/08, cit., n.º 87; ―Comissão contra Luxemburgo‖, C-51/08, cit., n.º 97; ―Comissão contra Áustria‖, C-53/08, cit., n.º 96; ―Comissão contra Alemanha‖, C-54/08, cit., n.º 98; ―Comissão contra Grécia‖, C-61/08, cit., n.º 89; ―Comissão contra os Países Baixos‖, C-157/09, cit., n.º 70. 161 Na esteira do acórdão de 12 de julho de 1984, ―Klopp‖, 107/83, Rec., 1983, p. 2971, estamos aqui perante mais um exemplo de extensão à liberdade de estabelecimento da jurisprudência ―Cassis de Dijon‖, adotada no âmbito da liberdade de circulação de mercadorias (art. 34.º TFUE), que permite que os Estados-Membros adotem medidas restritivas da liberdade de circulação destinadas a proteger interesses públicos, na condição de que essas medidas se apliquem de forma não discriminatória e sejam proporcionais e necessárias à prossecução do objetivo a que se destinam (cfr. acórdão de 20 de fevereiro de 1979, ―Rewe-Zentrale‖, 120/78, Colect., 1979, p. 327, n.º 8). 162 No mesmo sentido, Chalmers, Damien et al. (2006), European Union Law. Cambridge: Cambridge University Press, 832, que aludem a um preceito ―limitado e estático‖, ou a opinião do Advogado-geral Cruz Vilallón, citar, n.º 30, que considera que ―deve ser visto menos como um preceito com futuro e mais como um preceito com passado‖ (itálico no original). 163 ―Comissão contra Portugal‖, C-52/08, cit., n.º 30 e 53. 142 No entanto, o Decreto-Lei n.º 15/2011, de 25 de janeiro, foi aprovado ao abrigo da Lei n.º 45/2010, de 3 de setembro, que autoriza o Governo a alterar o Estatuto do Notariado, adaptando-o ao regime do reconhecimento das qualificações profissionais previsto na Diretiva n.º 2005/36 (art. 1.º). Significa isto que o Estado português reviu a sua posição quanto à aplicabilidade ao notariado da diretiva ―reconhecimento de qualificações‖ ainda antes de conhecer a opinião do advogado-geral. Fê-lo, em todo o caso, com fundamento na ―privatização‖ do notariado operada pela reforma de 2004, no que seria desmentido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que nos acórdãos sobre o notariado latino esclareceu que o vínculo público dos notários não exclui a profissão da aplicação do regime da liberdade de estabelecimento. II. De acordo com a nova redação do Estatuto do Notariado, pode estabelecer-se em Portugal para o exercício da profissão de notário: (i) o profissional que (a) possua um título de formação exigido noutro Estado-Membro da União Europeia para nele exercer essa atividade que tenha sido emitido por uma autoridade competente para o efeito ou (b) comprove o nível da qualificação profissional no mínimo equivalente a uma formação de ensino pós-secundário com duração mínima de três anos; ou (ii) o profissional que tenha exercido, a tempo inteiro, a atividade de notário durante dois anos no decurso dos 10 anos anteriores, num EstadoMembro da União Europeia que não regulamente esta atividade, desde que possua um título de formação equivalente a uma licenciatura em Direito emitido por uma autoridade competente (art. 1.º-A, nº 3, e 40.º-A, n.º 1 a 3, do Estatuto do Notariado). O estabelecimento de profissionais que cumpram um destes requisitos está, todavia, condicionado (i) à obtenção de aprovação em concurso aberto pelo Ministério da Justiça e (ii) à prévia inscrição na Ordem dos Notários (art. 25.º, al. f), e 40.º-A, nº 4, do Estatuto do Notariado). O Estatuto do Notariado apresenta-se conforme ao direito da União, ao reconhecer as qualificações profissionais obtidas noutros Estados-Membros para efeito de acesso e exercício da profissão de notário em Portugal164. As exigências de aprovação prévia em concurso público e de inscrição na Ordem constituem restrições não discriminatórias à liberdade de estabelecimento justificadas por razões imperiosas de caráter geral admitidas com fundamento nos objetivos de caráter geral prosseguidos pela atividade notarial. 6. Conclusões I. Dos acórdãos do Tribunal de Justiça que se debruçaram sobre o notariado latino parecem retirar-se conclusões aparentemente contraditórias: se, por um lado, concluíram que as atividades destes notários não são, em si mesmas, direta e especificamente ligadas ao exercício da autoridade pública e, por essa razão, devem estar sujeitas à plena aplicação do princípio da liberdade de estabelecimento; por outro, declararam não existir uma obrigação clara dos Estados-Membros de transposição das obrigações decorrentes da Diretiva 2005/36, a qual tem justamente como escopo garantir aquele princípio através do reconhecimento de qualificações profissionais obtidas em qualquer Estado-Membro. Esta jurisprudência merece aplauso na parte em que aplicou restritivamente o conceito de ―atividades de autoridade pública‖, ao não incluir no seu âmbito atos de cariz não decisório como é o caso da autenticação documental. Ainda que esta interpretação tenha o efeito colateral de contribuir para esvaziar de sentido útil a derrogação à liberdade de estabelecimento prevista no art. 51.º (1) TFUE, isso não impede a adoção de restrições à liberdade de estabelecimento justificadas em razões imperiosas de caráter geral nos termos definidos na jurisprudência ―Cassis de Dijon‖. O Tribunal de Justiça reconhece que os notários prosseguem fins de interesse público, pelo que permite que os Estados-Membros limitem o acesso à profissão no seu território, na condição de que se tratem de medidas não 164 O art. 40.º-B do Estatuto do Notariado dispõe ainda que o notário que se encontre estabelecido noutro Estado-Membro da União pode prestar serviços de forma não permanente em Portugal nos termos definidos nos arts. 3.º a 5.º e 7.º da Lei n.º 9/2009, de 4 de maio (n.º 1), estando obrigado a prestar uma declarativa escrita prévia junto do Ministério da Justiça (n.º 2) e submetido às regras profissionais e deontológicas aplicáveis aos notários portugueses (n.º 3). 143 discriminatórias que sejam proporcionais e necessárias aos objetivos que pretendem alcançar. Esta orientação jurisprudencial elástica permite harmonizar as liberdades de circulação com interesses atendíveis dos Estados-Membros, impedindo que alguns setores profissionais fiquem simplesmente afastados do âmbito de aplicação dos Tratados através de uma apreciação casuística da compatibilidade face ao direito da União de medidas que limitam o acesso a profissões que prosseguem fins de interesse geral. Não concordo, contudo, com a invocação dos trabalhos preparatórios para eximir os Estados-Membros da obrigação de transposição da diretiva ―reconhecimento de qualificações‖. Na verdade, quer dos trabalhos preparatórios, quer do considerando 41 da Diretiva 2005/36 parece resultar que a não qualificação das funções notariais como atividades de autoridade pública na aceção do art. 51.º (1) TFUE determina a aplicação automática da diretiva aos notários latinos. II. Ainda que por fundamentação diversa, o legislador português alterou o Estatuto do Notariado de forma a garantir o acesso e o exercício da função notarial a cidadãos estabelecidos noutro Estado-Membro da União que se pretendam estabelecer ou prestar serviços em Portugal. Fê-lo voluntariamente no início de 2011, quando o teria de o fazer compulsivamente até ao início de 2012, ao abrigo do ―Memorando de Entendimento sobre as condicionalidades da política económica‖, celebrado a 21 de maio de 2011 entre o Estado português e a troika (Comissão, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu). Neste memorando prevê-se a obrigação do Estado português: (i) ―melhorar o regime de reconhecimento das qualificações profissionais, adotando a restante legislação que complementa a Lei n.º 9/2009, relativa ao reconhecimento de qualificações profissionais, de acordo com a Diretiva das Qualificações‖ (p. 5.30); (ii) ―adotar medidas destinadas a liberalizar o acesso e o exercício de profissões reguladas desempenhadas por profissionais qualificados e estabelecidos na União Europeia‖ (p. 5.33); e (iii) ―melhorar o funcionamento do setor das profissões reguladas (tais como técnicos oficiais de contas, advogados, notários), levando a cabo uma análise aprofundada dos requisitos que afetam o exercício da atividade e eliminando os que não sejam justificados ou proporcionais‖ (p. 5.34). 144 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Novembro de 2011 (C-212/09) Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62009CJ0212:PT:HTML Tipo: ação por incumprimento Partes: Comissão Europeia e República Portuguesa Objeto: Conformidade com o direito de estabelecimento e a livre circulação de capitais dos poderes especiais do Estado português na GALP Energia atribuídos em conexão com ações privilegiadas («golden shares») Dispositivo: ao manter na GALP Energia direitos especiais a favor do Estado português e de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com acções privilegiadas («golden shares») detidas por esse Estado no capital social da referida sociedade, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de capitais 145 ii) Acções privilegiadas («golden shares»), segurança pública e razões imperiosas de interesse geral – as acções privilegiadas detidas pelo Estado português na GALP Energia, SGPS S.A. (GALP): anotação ao acórdão do Tribunal de Justiça, de 10 de Novembro de 2011, Comissão contra Portugal, processo C-212/09 ANA SOARES PINTO I. Considerações introdutórias O Tribunal de Justiça (TJ) reitera, com este acórdão, a sua anterior jurisprudência restritiva sobre as acções privilegiadas165 (as denominadas golden shares), que, desde o acórdão Comissão contra Alemanha 166, devem ser entendidas como toda a estrutura jurídica individualmente aplicável às empresas, que conserva ou contribui para perpetuar a influência da autoridade pública sobre essas empresas167, que não é justificada pela amplitude da participação que detém nestas sociedades. As acções privilegiadas restringem a livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento e apenas podem ser consideradas compatíveis com o direito da União desde que preencham os pressupostos sucessivamente repetidos pelo TJ: Primeiro, serem justificadas por razões expressamente previstas nos Tratados (ordem pública, segurança pública e saúde pública) ou por razões imperiosas de interesse geral; segundo, serem aplicadas de modo não discriminatório; terceiro, serem adequadas a garantir o objectivo a que se propõem e, quarto, não ultrapassarem o que é necessário para atingir esse objectivo168. O TJ admitiu a sua compatibilidade num único caso. No acórdão de 4 de Junho de 2002, Comissão contra Bélgica (processo C-503/99169), considerou que as acções privilegiadas na SNTC e na Distrigaz eram justificadas pelo objectivo de garantir a segurança dos aprovisionamentos em energia, em caso de crise. As acções privilegiadas conferiam ao Estado belga um direito de oposição a posteriori a determinadas decisões relativas aos activos * Ana Soares Pinto - Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 165 Acórdãos ditos ―golden-shares‖: de 4.06.2002, Comissão contra Portugal, processo C-367/98, Col. I p. 4756-4779; de 4.06.2002, Comissão contra França, processo C-483/99, Col. I p. 4785-4808 (Société nationale Elf-Aquitaine – aprovisionamento energético); de 4.06.2002, Comissão contra Bélgica, processo C-503/99, Col. I p. 4812-4837 (SNTC; Distrigaz); de 13.05.2003, Comissão contra Espanha, processo C-463/00, Col. I p. 4606-4640 (Telefònica de España; Telefònica Servicios Móviles; Corporación Bancaria de España - Argentaria; Tabacalera; Endesa); de 13.05.2003, Comissão contra Reino Unido, processo C-98/01, Col. I p. 4644-4666 (British airports authority); de 28.09.2006, Comissão contra Países Baixos, processos apensos C-282/04 e C-283/04, Col. I p. 9155-9170 (Koninklijke KPN e TPG – serviço postal); de 23.10.2007, Comissão contra Alemanha, processo C112/05, Col. I p. 9020-9044 (Volkswagenwerk); de 26.03.2009, Comissão contra Itália, processo C326/07, Col. I p. 2291 (estatutos das empresas privatizadas); de 08.07.2010, Comissão contra Portugal, processo C-171/08, Col. I p. 6817 (Portugal Telecom); de 11.11.2010, Comissão contra Portugal, processo C-543/08, ainda não publicado (EDP). 166 Op. cit. 167 V., as conclusões do Advogado-Geral Colomer, no processo C-326/07, Comissão contra Itália, considerando 3. 168 V. Cunha Rodrigues, Nuno (2005), «As ―golden shares‖ no direito português» in Direito dos valores mobiliários, vol. III. Coimbra: Coimbra Editora, 191-231, e ―Golden shares‖ - as empresas participadas e os privilégios do Estado enquanto accionista minoritário, 2004. Coimbra: Coimbra Editora; Albuquerque, Pedro de / Pereira, Maria de Lurdes (2006), As ―Golden shares‖ do Estado Português em empresas privatizadas: limites à sua admissibilidade e exercício. Coimbra: Coimbra Editora; Kovar, R. (2008), «Les actions spécifiques: l'état de la jurisprudence de la Cour de Justice» in Europe, Chronique n.º 7, 5-10. 169 Acórdão Comissão contra Bélgica, processo C-503/99, op. cit., considerandos 48 a 55. 146 estratégicos das sociedades, em particular às redes de energia, bem como a decisões de gestão específicas que lhes diziam respeito, quando prejudicassem os interesses nacionais no âmbito da energia. As intervenções do Estado só podiam ter lugar no caso de os objectivos da política energética serem postos em causa, dependiam do respeito de prazos estritos, eram fundamentadas e passiveis de fiscalização jurisdicional. A eliminação das ―golden shares ―e de todos os outros direitos estabelecidos por Lei ou nos estatutos de empresas cotadas em bolsa, que confiram direitos especiais ao Estado, até ao fim de Julho de 2011, era um dos compromissos previstos no Programa de Assistência Financeira a Portugal, acordado com a missão conjunta da Comissão, do FMI e do Banco Central Europeu. Consagrado no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica170 e reiterado na Decisão de execução, do Conselho, de 30 de Maio de 2011, relativa à concessão de assistência financeira a Portugal171, o seu alcance tem sido sucessivamente precisado, na sequência da verificação periódica do cumprimento das condições de política económica 172. No momento da prolação do presente acórdão, as acções privilegiadas, detidas pelo Estado Português na GALP já tinham sido eliminadas 173. Primeiro, através da aprovação do Decreto-Lei 90/2011, de 22 de Julho, que eliminara os direitos especiais que o Estado, enquanto accionista, detinha na GALP, na EDP e na Portugal Telecom, bem como as disposições dos diplomas relativos à respectiva privatização que estabeleciam não ser aplicável ao Estado e às entidades a ele equiparadas a limitação da contagem de votos permitida pela alínea b) do n.º 2 do artigo 384.º do Código das Sociedades Comerciais (artigo 1.º)174. Segundo, mediante a aprovação, por unanimidade, na assembleia-geral de accionistas da GALP, de 3 de Agosto de 2011, do fim das acções privilegiadas 175. A análise do acórdão de 10 de Novembro de 2011, Comissão contra Portugal, processo C-212/09176, em especial a argumentação do TJ quanto à justificação das restrições apresentadas por Portugal, permite, porém, entrever a possibilidade da detenção de acções privilegiadas pelo Estado português na GALP ser considerada compatível com o direito da União. 170 Página 33. 171 In JOUE L 159 de 17.6.2011, p. 88-92. 172 V. as subsequentes alterações da Decisão de Execução. Primeiro, a supressão de todos os direitos especiais do Estado. Em seguida, a adopção das medidas necessárias para assegurar que nem o Estado nem qualquer entidade pública podem, enquanto accionistas, celebrar acordos de accionistas susceptíveis de entravar a livre circulação de capitais ou de influenciar a capacidade de controlo dos órgãos de gestão das sociedades e a privatização das participações detidas pelo Estado na EDP, REN e GALP. Depois, a clarificação de que tais acordos não podem impedir a livre transacção do capital social ou limitar a capacidade de gestão dos respectivos órgãos sociais. Finalmente, a obrigação do Governo Português tomar as medidas necessárias para assegurar que não são criados pela sua acção entraves à livre circulação de capitais. 173 No entanto, os direitos especiais do Estado, através da participação da CGD no capital social da GALP, mantêm-se, mercê do adiamento da venda desta participação. Situação que constitui o incumprimento do memorando de entendimento e a não execução do acórdão, ora, em análise, p. 20 e 40 do Relatório da quarta avaliação (Primavera de 2012) do Programa de Estabilidade Económica e Financeira. A 24.05.2012, a Comissão pediu formalmente a Portugal para apresentar as suas observações sobre a não execução deste acórdão. 174 In DR 1.ª Série, n.º 141, de 25.07.2011, p. 4050. 175 As acções detidas pelo Estado passaram a acções ordinárias, com a consequente perda dos inerentes direitos especiais. V. Acta da Assembleia-Geral de accionistas de 3.08.2011 e confrontar os Estatutos em vigor à data da Assembleia-Geral com a redacção, ora, vigente, disponíveis em www.galpenergia.com. 176 V. designadamente, Michel, Valérie (2012), «Golden shares, fonds souverains et mission d‘intérêt general» in Europe, n. º 1, 26. 147 II. Anotação ao acórdão Comissão contra Portugal (GALP) A legislação submetida ao escrutínio do TJ é a Lei n.º 11/90, Lei-Quadro das Privatizações177, que já fora, anteriormente, objecto de três acórdãos «golden shares». O primeiro, de 2002178 e, os dois últimos, de 2010, relativos às acções privilegiadas na Portugal Telecom (processo C-171/08) e na EDP (processo C-543/08)179. Em execução do acórdão de 2002, Portugal aprovou a Lei 102/2003 180, que revogou as disposições que fixavam limites à participação de entidades estrangeiras no capital das sociedades reprivatizadas e introduziu uma única alteração na Lei-quadro das Privatizações, a revogação do seu artigo 13.º, n.º 3 – artigo expressamente mencionado, mas, apenas, a título exemplificativo, nas conclusões do TJ181. Nos dois acórdãos de 2010, o artigo 15.º, n.º 3 da Lei-Quadro das Privatizações, que permitia que o diploma que aprovasse os estatutos da empresa a reprivatizar previsse, a título excepcional e sempre que razões de interesse nacional o exigissem, a criação de acções privilegiadas, que conferissem direitos especiais ao Estado Português, foi objecto de análise à luz do artigo 63.º TFUE (livre circulação de capitais). O TJ concluiu que, apesar de as acções privilegiadas estarem sujeitas à condição de que razões de interesse nacional o exijam, esta condição estava formulada de forma bastante geral e imprecisa e nem esta lei nem os estatutos das empresas privatizadas estabeleciam critérios quanto às circunstâncias específicas em que Estado Português podia exercer os referidos direitos especiais 182. No que releva para efeitos do acórdão Comissão contra Portugal de 2011, nos termos do artigo 4.º, n.º 3 dos Estatutos da GALP, as acções privilegiadas detidas pelo Estado (acções de categoria A), correspondentes a 8% do capital social da GALP (7% do qual por intermédio da Parpública e 1% por intermédio da CGD), traduziam-se no direito do Estado português a: 2. Designar o presidente do conselho de administração, uma vez que a sua eleição só podia ser aprovada com a maioria dos votos inerentes às acções de categoria A183; 3. Vetar quaisquer deliberações de alteração do contrato de sociedade, quaisquer deliberações que visem autorizar a celebração de contratos de grupo paritário ou de subordinação e quaisquer deliberações que, de algum modo, possam pôr em causa a segurança do abastecimento do país de petróleo, de gás ou produtos 177 In D.R., 1.ª Série-A, n.º 80, de 05.04.1990. 178 Acórdão de 4.06.2002, processo C-367/98, op. cit. 179 Op. cit. 180 In D.R., 1.ª Série-A, n.º 265, de 15.11.2003. 181 Os objectivos de política económica, previstos no artigo 3.º da Lei-quadro das privatizações, mereceram a rejeição do TJ, por não poderem constituir uma justificação válida das restrições à livre circulação de capitais (acórdão, op. cit., considerando 52). Porém, a revogação das suas alíneas b), d), e) e f) apenas, ocorreria com a Lei n.º 50/2011. O TJ determinara, ainda, que a exigência de uma autorização prévia, para se adquirir uma participação que ultrapasse um dado nível em determinadas empresas portuguesas, violava o artigo 63.º TFUE (considerando 53) e clarificara os pressupostos que permitiriam garantir a sua compatibilidade com o Tratado (considerando 50). 182 Acórdãos Comissão contra Portugal, processo C-171/08, op. cit., considerando 76 e processo C543/08, op. cit., considerando 91. Conclusões que se repetiriam no acórdão em análise. 183 Acresce que, a partir de 2006, ao abrigo de um acordo parassocial, o presidente do conselho de administração passou a ser obrigatoriamente o administrador designado pela CGD, que é um banco do Estado. A aprovação de deliberações do conselho de administração da GALP depende, em certas matérias, para além da aprovação por maioria qualificada de mais de dois terços dos administradores, do voto favorável do presidente do conselho de administração. 148 derivados dos mesmos, uma vez que não podem ser aprovadas contra a maioria dos votos inerentes às acções de categoria A. O TJ concluiu, novamente e sem surpresa, que as acções privilegiadas, na medida em que conferem ao Estado uma influência na gestão e/ou no controlo das empresas, que não é justificada pela amplitude da participação que detém nestas sociedades, constituem uma restrição à livre circulação de capitais. Há muito que o único ponto de discussão admissível é a sua eventual justificação por razões de ordem pública, segurança pública, saúde pública ou por razões imperiosas de interesse geral. O acórdão é interessante nesta matéria. Portugal invocou, como justificação para a restrição à livre circulação de capitais a protecção da segurança pública (artigo 65.º TFUE)184 e razões imperiosas de interesse geral. Primeiro, atendendo a que a GALP é o principal grupo integrado de produtos petrolíferos e de gás natural em Portugal, as acções privilegiadas eram justificadas porque tinham por objectivo garantir a segurança do abastecimento do país em gás e em petróleo. A justificação portuguesa assentou em preocupações relativas a certos investimentos realizados, em particular por fundos soberanos ou por fundos eventualmente ligados a organizações terroristas, em empresas de sectores estratégicos, constitutivos da referida ameaça ao abastecimento energético (considerando 84). Preocupações, aliás, reconhecidas pela Comissão e pelo Parlamento Europeu. Na sua Comunicação de 2008, ―Abordagem europeia comum em matéria de fundos soberanos‖ 185, a Comissão admitiu que os Estados-Membros dispõem já de instrumentos nacionais que podem ser utilizados para controlar e sujeitar a determinadas condições os investimentos realizados pelos fundos soberanos ou quaisquer outros investidores, por razões de ordem pública e segurança pública186. Por sua vez, o Parlamento Europeu, na sua Resolução sobre os Fundos Soberanos, solicitou à Comissão uma análise dos instrumentos à disposição da União Europeia, «como os requisitos de transparência, os direitos de voto, os direitos dos accionistas e as golden shares, que permitam alguma capacidade de reacção em caso de problemas de propriedade devidos à intervenção de Fundos Soberanos»187. Provavelmente contornando a dificuldade, o TJ não emitiu qualquer juízo a respeito das ―preocupações‖ que os fundos soberanos podem suscitar. Reconheceu que o objectivo de garantir a segurança do abastecimento energético, em caso de crise, de guerra ou de terrorismo, pode constituir uma razão de segurança pública e justificar um entrave à livre circulação de capitais (considerando 82). Reiterou, ainda, o dever que incumbe a um Estado de garantir a segurança do abastecimento regular e contínuo de petróleo e de gás natural e a legitimidade dos Estados se dotarem dos meios necessários para garantir o interesse fundamental da segurança do abastecimento regular e contínuo de petróleo e de gás natural, em caso de crise (considerando 84). A justificação com base na segurança pública foi afastada, por Portugal não ter aduzido elementos que fundamentassem a sua defesa. Concretamente, por não ter precisado as razões exactas pelas quais considera que cada um dos direitos especiais controvertidos, ou o conjunto destes direitos, permitiriam evitar a afectação de um interesse fundamental como o abastecimento energético (considerando 85). Presumivelmente, uma argumentação mais sólida daria ao TJ a oportunidade de se pronunciar pela compatibilidade da adopção de medidas nacionais para garantir a segurança 184 Justificação que já invocara nos acórdãos «golden share» de 2010 e que mereceu, da parte do TJ, idêntica apreciação, quase palavra a palavra. 185 Comunicação de 27.02.2008, COM(2008)115. 186 Comunicação, op. cit., p. 13. 187 Ponto 5 da Resolução do PE, de 9.07.2008, sobre os fundos soberanos (2009/C 294 E/09), in JOUE C 294 E, de 3.12.2009, p. 41. 149 do abastecimento regular e contínuo de petróleo e de gás, em risco devido à intervenção de fundos soberanos. Segundo, Portugal invocou a justificação baseada no artigo 106.°, n.° 2, TFUE. Alegou que as disposições controvertidas eram necessárias para que a GALP cumprisse de forma adequada as missões relativas à gestão de serviços de interesse económico geral de que foi incumbida pelo Estado (considerando 80). O TJ afastou sumariamente a justificação, com o fundamento de que um EstadoMembro deve expor pormenorizadamente as razões pelas quais, em caso de supressão das medidas contestadas, o cumprimento, em condições economicamente aceitáveis, das missões de interesse económico geral de que encarregou uma empresa seria, do seu ponto de vista, posto em causa (considerando 94). Parece-nos evidente que existem razões imperiosas de interesse geral que justificariam que o Estado Português pudesse utilizar a GALP como instrumento de política económica energética, sujeitando-a a específicas obrigações de serviço público, em virtude de um critério de interesse geral188, que incluissem objectivos próprios da política nacional de energia. Com efeito, o TJ já admitiu, anteriormente, que o artigo 106. º, n. º 2 TFUE legitima a utilização de empresas como instrumentos de política económica ou fiscal, ainda que, naquele acórdão concreto, a justificação tenha sido rejeitada por insuficiente fundamentação189. III. Considerações conclusivas O TJ reconheceu que os Estados têm o dever de garantir a segurança do abastecimento regular e contínuo do abastecimento de petróleo e de gás natural e que se devem dotar dos meios necessários para garantir o interesse fundamental da segurança do abastecimento em caso de crise, sendo da sua competência assegurar que sejam postos em prática instrumentos adequados que permitam reagir, rápida e eficazmente, para garantir a segurança contínua deste abastecimento. O Estado português, enquanto accionista público de uma empresa privada, não está desprovido de meios jurídicos que lhe permitam fazer prevalecer certos interesses gerais legítimos para controlar ou sujeitar a determinadas condições, investimentos ou determinadas operações de gestão. Os meios jurídicos escolhidos têm, porém, de ser compatíveis com os Tratados, proporcionados e não discriminatórios e não podem infringir quaisquer obrigações europeias e internacionais. As acções privilegiadas do Estado, destinadas a garantir a segurança do abastecimento regular e contínuo do petróleo, do gás natural e de produtos derivados dos mesmos, podem ser um instrumento adequado, desde que se cumpram os critérios já definidos pelo TJ, designadamente, em matéria de avaliação da sua proporcionalidade. A consagração de um direito de oposição a posteriori em decisões em matéria de activos ou em decisões de gestão especificamente indicadas e necessárias à prossecução daquele objectivo, e cujo exercício, a realizar em prazos estritos, dependa do respeito de critérios objectivos, não discriminatórios, precisos, estáveis, antecipadamente conhecidos e susceptíveis de controlo jurisdicional, já foi considerada compatível com os Tratados (acórdão Comissão contra Bélgica). A existência de acções privilegiadas e mesmo de direitos especiais parece, porém, vedada a Portugal pelo Memorando de Entendimento celebrado com a troika e pela Decisão de execução relativa à concessão de assistência financeira a Portugal. 188 De acordo com a definição de serviço de interesse económico geral, proposta pela Comissão, no seu Livro Branco sobre Serviços de Interesse Económico Geral, de 12.05.2004, COM (2004)374 final. 189 V. considerando 82 do acórdão Comissão contra Espanha, op. cit., no qual se admite que o artigo 106.º, n.º 2 TFUE visa conciliar os interesses dos Estados-membros em utilizar certas empresas como instrumentos de política económica ou fiscal com o interesse da União em que sejam respeitadas as regras da concorrência e preservada a unidade do mercado comum. 150 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 27 de Outubro de 2011 (C-255/09) TIAGO ANTUNES* Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62009CJ0255:PT:HTML Tipo: ação por incumprimento Partes: Comissão Europeia e República Portuguesa Objeto: reconhecimento de a legislação portuguesa viola a liberdade de prestação de serviços por não contemplar o reembolso de despesas médicas não hospitalares efetuadas noutro Estado-Membro ou, no caso de prever esse reembolso, por o sujeitar a um regime de autorização prévia Dispositivo: Ao não prever a possibilidade de reembolso das despesas com cuidados médicos não hospitalares, efectuadas noutro Estado Membro, que não implicam o recurso a equipamentos materiais pesados e dispendiosos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre prestação de serviços 151 iii) Pela sua saúde! Da liberdade de prestação de serviços clínicos ao direito ao reembolso de despesas médicas não hospitalares 1. Introdução Por acórdão de 27 de Outubro de 2011, exarado no processo C-255/09, o Tribunal de Justiça (TJ) pôs termo a um longo desentendimento190 entre a Comissão e o Estado português acerca do pagamento, por este último, de cuidados de saúde prestados noutros EstadosMembros. A decisão foi desfavorável a Portugal, que, no juízo daquele douto Tribunal, incumpriu as obrigações a que está vinculado por força do ex-artigo 49.º CE (atual artigo 56.º TFUE), relativo à liberdade de prestação de serviços 191. Não é possível, porém, compreender inteiramente o sentido e a razão de ser deste aresto sem o enquadrar no contexto mais vasto da jurisprudência comunitária em matéria de prestação de cuidados de saúde transfronteiriços e, designadamente, quanto ao reembolso de despesas médicas não hospitalares realizadas noutros Estados-Membros. De facto, há todo um lastro jurisprudencial sobre o tema, sucessivamente construído e densificado ao longo do tempo, quer ao abrigo do mecanismo das questões prejudiciais (267.º TFUE), quer em sede de processos por incumprimento (260.º TFUE). No primeiro grupo encontramos o acórdão Kohll (C-158/96), proferido em 1998, em que o TJ – apoiando-se no princípio da livre prestação de serviços – afirmou a obrigatoriedade de os sistemas nacionais de segurança social reembolsarem os cuidados de saúde prestados aos respetivos beneficiários por um médico estabelecido noutro EstadoMembro192; depois, em 2001, os casos Vanbraekel (C-368/98) e Smits e Peerbooms (C157/99) permitiram concretizar o âmbito, as condições e os limites do referido reembolso, bem como clarificar em que situações e com que fundamentos pode esse reembolso ficar dependente de uma autorização prévia; esta linha jurisprudencial foi ainda reafirmada, em 2003, no caso Müller-Fauré e van Riet (C-385/99), que pôs em evidência algumas distinções relevantes (a que voltaremos infra), e no caso Inizan (C-56/01), ainda que com importantes salvaguardas; extraordinária importância teve o caso Watts (C-372/04), decidido em 2004, na medida em que aí se estendeu a referida obrigatoriedade de reembolso também aos EstadosMembros que prestam cuidados de saúde diretamente e em espécie aos seus cidadãos 193; no caso Stamatelaki (C-444/05), decidido em 2007, confirmou-se o dever de reembolso quanto aos custos de hospitalização em estabelecimentos de saúde privados situados noutro EstadoMembro; e por fim, mais recentemente, no caso Elchinov (C-173/09), julgado em 2010, discutiu-se o leque de tratamentos abrangidos pela obrigação de reembolso. No segundo grupo são relevantes os acórdãos Comissão/Espanha (C-211/08), Comissão/França (C-512/08) e Comissão/Luxemburgo (C-490/09), que se debruçaram sobre 190 Cujas origens remontam já ao ano de 2002, quando a Comissão dirigiu aos Estados-Membros um pedido de informações sobre a conformidade da respetiva legislação e práticas nacionais com a jurisprudência do TJ relativa à aplicação das regras do mercado interno no domínio dos cuidados de saúde, pedido esse que deu origem a um relatório-síntese [SEC(2003) 900, de 28.07.2003] e, no que diz respeito a Portugal, veio a desembocar num demorado processo de pré-contencioso e, depois, de contencioso por incumprimento. 191 Também relevante para o caso em apreço é o artigo 53.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFU), relativo à proteção da saúde. 192 Na mesma data (28 de Abril de 1998), o TJ proferiu também o acórdão Decker (C-120/95), relativo ao reembolso de óculos adquiridos noutro Estado-Membro. No entanto, como estava em causa a aquisição de um bem, o Tribunal resolveu o litígio ao abrigo do princípio da livre circulação de mercadorias, pelo que o referido aresto não é tão relevante para o caso em apreço, que diz respeito a serviços (médicos). 193 Como é o caso do Reino Unido, com o National Health Service (NHS), e de Portugal, com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), entre outros. 152 o reembolso de cuidados de saúde transfronteiriços não programados ou imprevistos, sobre a necessidade de autorização quanto a tratamentos não hospitalares com recurso a equipamentos materiais pesados e sobre o pagamento de análises feitas noutro EstadoMembro, respetivamente. Ora, a decisão aqui em apreço não só surge na sequência dos casos anteriormente referidos, como, em grande medida, se limita a reiterar as soluções aí encontradas, sem particulares laivos de originalidade ou especificidades dignas de registo. Comentar este acórdão é, portanto, comentar o entendimento que o TJ tem vindo a adotar a propósito do reembolso de despesas médicas transfronteiriças. O qual é, salvo melhor opinião, merecedor de reparo, sobretudo quando aplicável a países dotados de um Serviço Nacional de Saúde, organizado e gerido diretamente pelo Estado. 2. Thema decidendum Em todo o caso, convém começar por perceber quais os contornos do caso sub judice, isto é, qual ou quais as questões que, em concreto, o TJ foi chamado a resolver no processo em análise. E esta é, por si só, uma tarefa árdua. Por estranho que possa parecer, um dos aspetos mais complexos ou mesmo sibilinos do acórdão em exame prende-se com a delimitação do próprio objeto do litígio. Por várias razões. Antes de mais, o pedido da Comissão é tudo menos claro. Na realidade, são dois pedidos alternativos: solicita-se o reconhecimento de que Portugal viola a liberdade de prestação de serviços por – salvo nas circunstâncias previstas no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971 – não contemplar o reembolso de despesas médicas não hospitalares efetuadas noutro Estado-Membro ou, no caso de prever esse reembolso, por o sujeitar a um regime de autorização prévia. Ora, a formulação de pedidos alternativos é relativamente comum no contencioso comunitário. Mas um pedido redigido nestes termos o que revela é que a Comissão não conseguiu chegar a perceber qual o direito aplicável em Portugal na matéria. A própria Comissão o admitiu, de resto. E não a censuramos. Desde logo, as respostas dadas pelas autoridades portuguesas ao longo da fase précontenciosa (e ainda antes disso, em resposta a um questionário elaborado pela Comissão em 2002) foram bastante esquivas, ambíguas ou erráticas, em nada contribuindo para um cabal esclarecimento, antes até adensando a nebulosidade em torno do regime jurídico nacional sobre o reembolso de cuidados de saúde transfronteiriços. Sendo que este regime, de per se, já não é absolutamente cristalino quanto ao seu âmbito de aplicação. Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de Agosto, que regula a assistência médica no estrangeiro e prevê o pagamento das inerentes despesas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), mediante uma tripla autorização: do médico que assistiu o paciente (com confirmação do respetivo diretor de serviço), do diretor clínico da unidade hospitalar em causa e do diretor-geral dos Hospitais (vd. artigo 2.º). Só que este diploma não esclarece exatamente que tipo de tratamentos estão abrangidos. Designadamente, não resulta claro se o regime aí estabelecido diz respeito apenas a cuidados hospitalares ou se abarca ainda cuidados não hospitalares. Há diversos elementos indiretos que apontam no primeiro sentido. Mas, em termos literais, o Decreto-Lei n.º 177/92 versa sobre a «assistência médica de grande especialização», sem distinguir se ela é prestada em meio hospitalar ou fora dele. O que é certo é que as classificações empregues na legislação portuguesa, que data de 1992, não estão alinhadas com a jurisprudência do TJ, que foi sendo desenvolvida a partir de 1998194. 194 Como iremos constatar infra, o TJ atribui grande relevância – erradamente, a nosso ver – à distinção entre despesas médicas hospitalares e não hospitalares, daí retirando importantes consequências de regime quanto à admissibilidade ou não de se condicionar o respetivo reembolso à obtenção de uma autorização prévia. Mas, como acabámos de verificar, o Decreto-Lei n.º 177/92 assenta em critérios distintos, assegurando o pagamento da assistência médica de grande especialização – isto é, intervenções, tratamentos e/ou consultas de especialidades – no estrangeiro aos beneficiários do SNS, 153 E esta falta de sintonia ou não coincidência de critérios perturba a comparação entre o ordenamento jurídico nacional e a doutrina do Tribunal do Luxemburgo quanto ao reembolso de despesas médicas. Daí, em parte, as – compreensíveis – dificuldades da Comissão em determinar até que ponto ou exatamente em que termos considerava haver um incumprimento do Estado português. O que levou à consideração de várias sub-hipóteses e, portanto, à construção de um processo com diferentes cenários de incumprimento alternativos, em função do que viesse a apurar-se ser o direito nacional aplicável e a sua maior ou menor adesão aos precedentes judiciais. Acresce ainda que, na sequência do acórdão do TJ de 5 de Outubro de 2010, no caso Comissão/França (C-512/08) – que admitiu um regime de autorização prévia quanto ao reembolso de tratamentos médicos não hospitalares que envolvam o recurso a equipamentos materiais pesados e dispendiosos – a Comissão desistiu parcialmente da sua ação contra Portugal, excluindo da alegação de incumprimento, em ambos os pedidos alternativos, o reembolso dos referidos tratamentos envolvendo maquinaria pesada. Enfim, todas estas vicissitudes moldaram ou condicionaram o objeto do litígio, tornando-o algo confuso e ininteligível. Importa, pois, antes de prosseguirmos, clarificar o thema decidendum, tentando perceber exatamente em que consistia o alegado incumprimento invocado contra o Estado português neste processo. Recorrendo a uma metáfora clínica, há que isolar as células problemáticas, para depois então averiguar do seu carácter patológico. Assim, pela negativa, podemos afirmar que o caso em apreço: não incide sobre o reembolso de despesas médicas nas situações cobertas pelo artigo 22.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, uma vez que nessas situações o regime aí plasmado se impõe, de forma direta e automática, em todo o espaço comunitário; também não diz respeito, por opção da Comissão (motivada pela jurisprudência anterior do TJ), ao reembolso de cuidados de saúde transfronteiriços prestados em meio hospitalar; e, por fim, deixa de fora o reembolso de tratamentos médicos realizados fora do país em meio não hospitalar mas com recurso a equipamentos materiais pesados e dispendiosos. Resta então, pela positiva, o problema de saber se, para lá dos casos abrangidos pelo Regulamento (CEE) n.º 1408/71, o sistema de saúde português procede ao reembolso, e em que condições, das despesas médicas não hospitalares e sem uso de maquinaria pesada efetuadas noutros Estados-Membros. E aqui, de acordo com o Decreto-Lei n.º 177/92 – o único diploma vigente sobre a matéria no ordenamento jurídico nacional –, das duas uma: (i) se se tratar de um tratamento de grande especialização que não possa ser realizado em Portugal, o paciente poderá ser autorizado (através de uma tripla autorização) a obtê-lo no estrangeiro, a expensas do SNS; (ii) fora destas circunstâncias, não está previsto o reembolso de cuidados de saúde prestados noutros Estados-Membros. Ora, são justamente estas duas situações que o TJ vai confrontar com os Tratados, maxime com o princípio da livre prestação de serviços (artigo 56.º TFUE, ex-artigo 49.º CE). 3. Duas visões antagónicas Devidamente esclarecido e delimitado o objeto do processo, importa agora verificar em que medida as regras nacionais quanto à assistência médica no estrangeiro se coadunam com as exigências do Direito da União Europeia, tal como interpretado pelo TJ. E a verdade é que dificilmente a clivagem poderia ser maior. A legislação portuguesa parte de um princípio de auto-suficiência do SNS, apenas admitindo a necessidade de recorrer a (e, portanto, custear) tratamentos médicos no estrangeiro em situações de manifesta excecionalidade, quando os cuidados de saúde em causa não possam ser de todo prestados no país ou não possam sê-lo com garantias mínimas de qualidade e segurança. É o que se prevê expressamente na Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), de acordo com a qual «só em circunstâncias excecionais em que seja impossível garantir em Portugal o tratamento nas condições exigíveis de segurança e em que sempre mediante autorização prévia e independentemente do contexto (hospitalar ou não) em que essa assistência é prestada. 154 seja possível fazê-lo no estrangeiro, o Serviço Nacional de Saúde suporta as respetivas despesas» (Base XXXV, n.º 2). Pelo contrário, o TJ entende que decorre da liberdade de prestação de serviços não só a possibilidade de os cidadãos europeus recorrerem a cuidados de saúde prestados por médicos estabelecidos em qualquer Estado-Membro, como – e aqui reside o busílis da questão – o direito a serem ressarcidos das despesas assim efetuadas nas mesmas condições em que o seriam caso os tratamentos médicos em causa tivessem tido lugar no seu próprio país 195. Estamos, pois, em presença de duas conceções radicalmente distintas e, mais do que isso, conflituantes. Como tal, não seria de esperar outro veredito do TJ que não a afirmação de um incumprimento por parte do Estado português. Concretamente, o Tribunal do Luxemburgo considerou que o princípio da livre prestação de serviços médicos, decorrente dos Tratados, é posto em causa pelo sistema de (tripla) autorização prévia do pagamento de cuidados de saúde transfronteiriços plasmado no Decreto-Lei n.º 177/92 e, a fortiori, pela falta de reembolso dessas despesas nos casos não contemplados por aquele diploma. Mas vejamos um pouco melhor o percurso lógico que o Tribunal seguiu para chegar a tal desfecho – até para podermos ajuizar qual das duas visões em confronto se afigura mais procedente e bem-fundada. 195 Apesar deste entendimento genérico, o TJ admite – em condições bastantes estritas, como veremos infra – que o reembolso de certo tipo de tratamentos médicos efetuados noutro Estado-Membro possa ficar condicionado à obtenção de uma autorização prévia. E concretamente, no caso Smits e Peerbooms (C-157/99, acórdão de 12 de Julho de 2001, vd. n.ºs 99 ss., maxime n.º 103), o TJ aceitou que tal autorização apenas seja concedida no caso de o tratamento em causa ser considerado necessário, avaliando-se para esse efeito se «um tratamento idêntico ou com o mesmo grau de eficácia para o paciente po[de] ser oportunamente dispensado num estabelecimento com o qual a caixa de seguro de doença do segurado celebrou um convénio». Ou seja, por esta via indireta, o TJ acabou por admitir que o reembolso de cuidados de saúde prestados no estrangeiro fique condicionado à impossibilidade de prestação desses mesmos cuidados, oportunamente e com idêntico grau de eficácia, em estabelecimentos hospitalares do Estado-Membro em que o paciente reside ou em cujo sistema de saúde está inscrito (numa lógica muito semelhante, portanto, à constante da Lei de Bases da Saúde portuguesa). É certo – e o Tribunal frisa bastante este ponto – que no caso Smits e Peerbooms a condição para o tratamento transfronteiriço ser considerado necessário não era a impossibilidade da sua realização nos Países Baixos, mas sim a impossibilidade da sua realização num estabelecimento convencionado, isto é, com o qual a previdência neerlandesa tivesse celebrado um convénio. Assim, o critério utilizado não era o do território ou do Estado em causa, mas sim o da im/possibilidade de realização do tratamento médico num estabelecimento hospitalar convencionado. Só que, como facilmente se compreenderá, os estabelecimentos hospitalares com os quais a previdência neerlandesa celebra convénios localizam-se no território dos próprios Países Baixos. Donde, ao aceitar este critério, o TJ acabou por permitir que o reembolso de cuidados de saúde transfronteiriços seja recusado por esses mesmos cuidados estarem disponíveis no Estado-Membro em que o paciente está inscrito. Dois anos mais tarde, no caso Inizan (C-56/01, acórdão de 23 de Outubro de 2003), este entendimento acabou por ser assumido de forma explícita. O TJ abandonou os seus pruridos anteriores e aceitou expressamente que o pagamento de certos tratamentos médicos efetuados noutro Estado-Membro seja recusado «quando um tratamento idêntico ou que tenha o mesmo grau de eficácia para o paciente possa ser atempadamente ministrado no território do Estado-Membro em que reside» (n.º 60). Já no acórdão sub judice, o TJ inexplicavelmente não aplicou semelhante raciocínio, antes manteve a sua ortodoxia, considerando que limitar o pagamento de despesas médicas no estrangeiro aos casos em que o tratamento não pudesse ser ministrado em Portugal constitui uma restrição injustificada à liberdade de prestação de serviços. Cremos estar aqui perante uma dualidade de critérios por parte do Tribunal do Luxemburgo, naturalmente merecedora de censura. 155 4. Iter argumentativo A primeira questão a resolver prendia-se com a aplicabilidade do ex-artigo 49.º CE (atual artigo 56.º TFUE) ao caso sub judice. E aí o TJ limitou-se a remeter para a sua jurisprudência anterior, em que, desde o acórdão Kohll, tem vindo a afirmar que as prestações médicas fornecidas mediante remuneração estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à liberdade de prestação de serviços. Sendo que, ainda de acordo com a mesma jurisprudência, estas disposições «opõem[-se] a uma legislação nacional que faz depender de autorização do organismo de segurança social do beneficiário o reembolso […] de despesas com tratamentos […] efetuados por um [médico] estabelecido noutro EstadoMembro» (acórdão Kholl, n.º 54). Ora, embora reconheçamos que este é um entendimento jurisprudencial absolutamente assente e consolidado, empregue na resolução de sucessivos litígios, não podemos estar de acordo com o mesmo. É logo neste ponto, portanto, que começamos a divergir do raciocínio expendido pelo TJ. Antes de mais, porque ao apreciar o carácter remunerado da prestação médica – essencial à sua qualificação como ―serviço‖ para efeitos do artigo 56.º TFUE (ex-artigo 49.º CE) – o Tribunal atende apenas à realidade existente no Estado-Membro em que os tratamentos são efetuados e não ao prisma do Estado-Membro que, afinal de contas, acabará por arcar com o respetivo custo. Sendo que neste último a assistência médica em causa poderá perfeitamente ser prestada a título gratuito – é o que passa, em regra, no sistema de saúde português –, o que a excluiria do âmbito de aplicação da liberdade de prestação de serviços. Isto é, para os beneficiários do SNS a maior parte dos cuidados de saúde estão disponíveis gratuitamente, logo, não se regem pelo princípio da livre prestação de serviços. Que sentido faz, então, que o SNS seja forçado, ao abrigo desse mesmo princípio, a reembolsar atos médicos (realizados, por opção dos respetivos beneficiários, no estrangeiro) que no seu modelo de funcionamento não são serviços e, portanto, não se submetem ao regime do artigo 56.º TFUE? Em todo o caso, o aspeto mais grave é outro. Mesmo descontando esta apreciação algo unidirecional dos cuidados de saúde transfronteiriços e aceitando a sua qualificação como uma prestação de serviços, a verdade é que o TJ retira do artigo 56.º TFUE mais do que ele pode dar. Senão vejamos. Uma coisa é a liberdade de os clínicos europeus exercerem a sua atividade em qualquer Estado-Membro e, correspondentemente, de os cidadãos europeus poderem, sem necessidade de qualquer autorização prévia, recorrer a tratamentos médicos em qualquer parte da União – tudo isto está indiscutivelmente assegurado pelo princípio da livre prestação de serviços. Só que nenhum destes comportamentos foi, de modo algum, posto em causa pelo Estado português, nem isso era questionado no caso em apreço. Outra coisa, completamente distinta, é o direito de os cidadãos europeus, sem necessidade de qualquer autorização prévia, recorrerem a tratamentos médicos no estrangeiro a expensas do respetivo sistema nacional de saúde ou de previdência social – este já é um direito que, a nosso ver, não resulta do artigo 56.º TFUE, nem está coberto pelo princípio comunitário da livre prestação de serviços. Há uma diferença muito grande entre poder recorrer a tratamentos médicos no estrangeiro e ter direito a que o Estado (ou caixa de previdência) os pague. Na prática, porém, o que o TJ fez foi convolar a liberdade de prestação de serviços clínicos num direito ao reembolso de despesas médicas transfronteiriças. E aqui é que nos parece que os juízes foram longe demais. Do princípio da livre prestação de serviços não decorre um dever de pagamento desses serviços por parte das autoridades nacionais de saúde ou segurança social. Dir-se-á que estamos perante mais um exemplo do ativismo judicial que tanto caracteriza a atuação do Tribunal do Luxemburgo. Mas neste caso parece-nos tratar-se verdadeiramente de uma jurisprudência criativa, que não encontra qualquer arrimo na letra ou no espírito dos Tratados. O Estado português bem tentou, aliás, contestar a aplicação deste entendimento jurisprudencial ao caso vertente. Fê-lo por diversas vias. Invocou, antes de mais, que estava em curso a negociação de uma diretiva sobre o exercício dos direitos dos doentes no que diz respeito aos cuidados de saúde 156 transfronteiriços 196 e que, portanto, esse diploma passaria em breve a reger a matéria objeto do litígio. A verdade, no entanto, é que – embora a Comissão pudesse ter ponderado este argumento de oportunidade quando decidiu avançar para a fase contenciosa – o TJ deve julgar o alegado incumprimento de um Estado-Membro ao abrigo do direito vigente no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e não à luz de eventuais normas futuras ou diplomas prospetivos197. De resto, mesmo que a referida diretiva já se encontrasse em vigor, isso nunca excluiria a aplicação (prevalecente) das normas dos Tratados. Alegou ainda que, nos termos do ex-artigo 152.º, n.º 5 CE (atual artigo 168.º, n.º 7 TFUE), compete aos Estados-Membros definir as respetivas políticas de saúde, bem como regular a organização e prestação dos cuidados médicos. Mas o TJ respondeu, como já havia feito noutros acórdãos anteriores, que os Estados-Membros, mesmo no exercício das suas competências próprias, estão obrigados a respeitar o Direito da União, designadamente as disposições relativas à livre prestação de serviços. Por fim, argumentou – e este parece-nos um aspeto decisivo – com a natureza do sistema de saúde vigente em Portugal. Ao contrário do que sucede noutros Estados-Membros, em que vigora um sistema obrigatório de seguro de saúde (financiado pelos segurados e/ou respetivos empregadores) ou um sistema de convénios entre a segurança social e certos estabelecimentos hospitalares198, em Portugal foi criado um Serviço Nacional de Saúde (SNS), que se caracteriza por três notas distintivas: (i) é financiado pelos impostos; (ii) é organizado e gerido diretamente pelo Estado; e (iii) fornece aos seus utentes prestações médicas em espécie. Acresce que, por expressa imposição constitucional, o SNS é «universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito» (artigo 64.º, n.º 2, alínea a) CRP). Significa isto que, no caso português, o Estado tem a obrigação de disponibilizar gratuitamente a prestação de cuidados de saúde. Mais do que isso, porque o SNS é geral e universal, o Estado tem a obrigação de assegurar todo o tipo de tratamentos a todas as pessoas que deles careçam. E tem a obrigação de o assegurar em espécie, isto é, o SNS deve ser estruturado de modo a prestar diretamente aos cidadãos a assistência médica de que estes necessitem. No modelo em causa não há lugar, portanto, ao reembolso das despesas médicas que os pacientes tenham efetuado; nem ao pagamento, a certos estabelecimentos convencionados, dos atos clínicos que tenham praticado. O SNS assenta, sim, no fornecimento direto e gratuito de cuidados de saúde à população. Em face desta descrição, parece-nos evidente, por um lado, que não faz sentido invocar neste âmbito a liberdade de prestação de serviços; e, por outro lado, que se o Estado cria uma estrutura para fornecer diretamente cuidados de saúde, não deve depois ainda ter que pagar os tratamentos que os seus utentes optem por realizar no estrangeiro 199. De facto, no SNS não há 196 Negociação que veio a culminar na aprovação da Diretiva n.º 2011/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2011. No seu Capítulo III (artigos 7.º a 9.º), esta Diretiva trata do reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços, designadamente especificando, com base na jurisprudência do TJ, as condições em que tais cuidados de saúde podem ser sujeitos a uma autorização prévia (artigo 8.º). O carácter altamente ramificado e minucioso dos requisitos aí plasmados é bem elucidativo do nível de exigência e preciosismo a que chegou a jurisprudência do TJ sobre a matéria. 197 Neste sentido, cfr. os n.ºs 56 a 58 das Conclusões da Advogada-Geral Verica Trstenjak. 198 É o caso dos Países Baixos, cujo contexto naturalmente influenciou o pronunciamento do TJ nos processos Smits e Peerbooms (C-157/99) e Müller-Fauré e van Riet (C-385/99). 199 Coisa diferente são os cuidados de saúde imprevistos, de que os particulares possam vir a necessitar quando, por qualquer razão, se deslocam no território de outro Estado-Membro. Aí, a nosso ver, faz sentido que o SNS reembolse as despesas médicas transfronteiriças em que os seus utentes, inesperadamente, tiveram que incorrer (é o que está previsto, de resto, no artigo 22.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento (CEE) n.º 1408/71). E, claro está, esse reembolso não pode, por razões óbvias, depender de uma autorização prévia, visto estar em causa um tratamento imprevisto. Curiosamente, a lógica do TJ é a inversa, sendo mais exigente no que diz respeito ao reembolso dos cuidados programados do que dos cuidados imprevistos. No caso Comissão/Espanha (C-211/08), por 157 liberdade de escolha (os cuidados médicos são prestados onde e como o Estado os disponibiliza). Ou melhor, não há liberdade de escolha à custa do erário público: quem não quiser sujeitar-se aos constrangimentos da assistência médica no SNS é absolutamente livre de recorrer aos clínicos e aos estabelecimentos de saúde (no país ou no estrangeiro) que bem entender, mas nesse caso fá-lo por sua conta, não pedindo qualquer reembolso ao SNS. Num sistema de seguro de saúde, que esse sim funciona na base do reembolso de despesas médicas, poderá talvez compreender-se, em face das liberdades comunitárias, que tenham de ser pagas não só as despesas efetuadas no respetivo Estado-Membro, como em toda a União. Mas estender tal obrigação a um Estado que fornece os cuidados de saúde gratuitamente e em espécie equivale a enxertar uma obrigação de reembolso onde ela não existe200-201. E cremos que o TJ não dispõe de autoridade para o efeito, já que a estruturação dos sistemas de saúde compete única e exclusivamente aos Estados-Membros. Apesar destas objeções, não era expectável que o TJ isentasse o SNS da obrigação de reembolso de despesas médicas transfronteiriças. Isto porque já num acórdão anterior (proferido no caso Watts, C-372/04), relativo ao Reino Unido – cujo National Health Service (NHS) constitui o exemplo por excelência de um serviço público de assistência médica em espécie e, de resto, o modelo em que se inspirou o SNS português –, o Tribunal havia considerado que os sistemas de fornecimento direto de cuidados de saúde estão também obrigados, por força do princípio da livre de prestação de serviços, a reembolsar os tratamentos realizados pelos respetivos beneficiários no estrangeiro 202. Assim, no entender do TJ, o artigo 56.º TFUE (ex-artigo 49.º CE) vincula, sem distinções, todos os sistemas nacionais de saúde ou previdência social, independentemente das respetivas características. Esclarecido este ponto, e não obstante as reservas por nós acima formuladas, importa em seguida perceber em condições estão os Estados-Membros obrigados exemplo, o Tribunal entendeu que, relativamente a despesas médicas transfronteiriças de cariz imprevisto, o Estado-Membro de origem não está obrigado a proceder ao complemento de reembolso que havia sido estabelecido (quanto a tratamentos programados) no acórdão Vanbraekel. A ratio empregue pelos juízes foi a seguinte: como os cuidados de saúde imprevistos têm carácter aleatório, o facto de o Estado-Membro de origem não proceder ao dito complemento de reembolso não funciona como um desincentivo ao recurso a médicos estrangeiros, nem um obstáculo à livre prestação de serviços. 200 Mesmo o Decreto-Lei n.º 177/92 não contempla, em bom rigor, um regime de reembolso de despesas, mas sim de pagamento às instituições estrangeiras para as quais os utentes do SNS são reencaminhados quando o seu tratamento, por alguma razão, não é possível em Portugal (vd. artigo 6.º, n.ºs 1 e 2). 201 De resto, precisamente porque o SNS não funciona numa lógica de reembolso de despesas, mas sim de prestação de assistência médica gratuita, em Portugal não estão sequer definidas tarifas ou montantes de cobertura que permitam determinar qual a parcela das despesas transfronteiriças que deve ser reembolsada. A isto o TJ responde que «nada se opõe a que o Estado-Membro de inscrição onde exista um regime de prestação em espécie fixe os montantes de reembolso das despesas a que têm direito os pacientes que tenham recebido cuidados noutro Estado-Membro, desde que esses montantes assentem em critérios objetivos, não discriminatórios e transparentes» (n.º 87 do acórdão em apreço). Ora, salvo melhor opinião, quer-nos parecer que tais montantes ou limites quantitativos seriam necessariamente discriminatórios, uma vez que, por definição, eles não se aplicam aos tratamentos realizados diretamente pelo SNS – resultando, assim, numa diferenciação óbvia entre os cuidados de saúde prestados em Portugal e noutros Estados-Membros. 202 Na verdade, até mesmo antes, no n.º 55 do acórdão Smits e Peerbooms e nos n.ºs 39 e 103 do acórdão Müller-Fauré e van Riet, o TJ já tinha dado a entender que não estaria disposto a abrir qualquer exceção à sua doutrina para os sistemas que fornecem prestações médicas em espécie. 158 a proceder ao reembolso de despesas médicas efetuadas noutros Estados-Membros. Concretamente, importa aferir se é ou não possível condicionar esse reembolso à obtenção de uma autorização prévia. Ora, a este respeito, a posição do TJ – reafirmada em múltiplos acórdãos203 – é a de que a mera exigência de autorização para o reembolso de despesas médicas constitui um entrave à livre prestação de serviços. Este entendimento não deixa de ser um pouco desconcertante, uma vez que o próprio Regulamento (CEE) n.º 1408/71 – que estipula, em certas circunstâncias, o pagamento de tratamentos médicos efetuados noutros Estados-Membros – consagra no seu artigo 22.º, n.º 1, alínea c) a necessidade de uma autorização prévia. No entanto, a Advogada-Geral Verica Trstenjak defendeu, nas suas Conclusões referentes ao caso em apreço, que não é possível fazer qualquer paralelismo com a norma citada, visto que ela «tem um objeto normativo distinto» (n.º 127), dizendo respeito ao custeio de tratamentos médicos realizados ao abrigo das coberturas aplicáveis no Estado-Membro de estada e não ao respetivo reembolso segundo as tarifas em vigor no Estado-Membro de inscrição. O TJ alinhou pelo mesmo diapasão, sustentando que a autorização prevista no Regulamento (CEE) n.º 1408/71 se destina a permitir o tratamento em espécie noutro Estado-Membro, segundo as regras e os valores aí praticados; já o reembolso nos termos e com o limite dos montantes vigentes no EstadoMembro de origem não deve estar dependente de autorização (n.º 70 do acórdão sub judice). Seja como for, embora o TJ mantenha que condicionar o reembolso de despesas médicas transfronteiriças à obtenção de uma autorização prévia constitui uma restrição à livre prestação de serviços, a verdade é que admite que tal restrição possa ser justificada por razões imperiosas de interesse geral. E efetivamente, nalguns casos anteriores, o Tribunal reconheceu a procedência dos fundamentos invocados para legitimar a necessidade de uma autorização. No caso vertente, foram três os argumentos utilizados pelo Estado português para tentar ―salvar‖ o regime de autorização prévia plasmado no Decreto-Lei n.º 177/92. Vejamos como é que o TJ reagiu a esses argumentos. Primo, alegou-se que uma obrigação indiscriminada de reembolso de quaisquer despesas médicas realizadas no estrangeiro, sem um crivo prévio, poderia colocar em causa o equilíbrio financeiro do SNS – que teria que pagar os tratamentos efetuados pelos seus utentes noutros Estados-Membros, ao mesmo tempo que deve assegurar o funcionamento de uma rede geral e universal de prestação de cuidados de saúde em Portugal. O TJ já antes se tinha mostrado sensível a este tipo de argumentação, designadamente reconhecendo a necessidade de planificação das infra-estruturas de saúde, bem como o interesse em evitar redundâncias ou o subaproveitamento e, portanto, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos. Contudo, o Tribunal apenas admite este raciocínio quanto a cuidados hospitalares204 e a tratamentos não hospitalares que façam uso de equipamentos pesados e dispendiosos 205. Sendo que, como sabemos, nenhuma destas situações estava em causa no processo em exame. Ou seja, o Tribunal do Luxemburgo traça uma distinção rigorosa entre a assistência médica hospitalar (ou com recurso a maquinaria pesada) e não hospitalar, retirando daí importantes consequências de regime. Embora conceda que «a distinção entre prestações hospitalares e prestações não hospitalares pode, às vezes, ser difícil de estabelecer» (n.º 75 do acórdão Müller-Fauré e van Riet), o que é certo é que num caso aceita que o reembolso de despesas médicas transfronteiriças fique dependente de autorização prévia e no outro não 206. 203 Cfr. acórdãos Kohll, n.ºs 34 e 35; Smits e Peerbooms, n.º 69; Müller-Fauré e van Riet, n.ºs 41 e 44; Watts, n.ºs 95 e 98; e Comissão/França (C-512/08), n.º 32. 204 Cfr. acórdãos Smits e Peerbooms, n.ºs 76 a 80; Müller-Fauré e van Riet, n.ºs 76 a 81; e Watts, n.ºs 108 a 110. 205 Cfr. acórdão Comissão/França (C-512/08), n.ºs 34 a 42. 206 No mesmo sentido, cfr. n.º 99 das Conclusões da Advogada-Geral no processo em apreço. 159 Pela nossa parte, julgamos que esta distinção é artificial, está longe de ser uniforme em todo o espaço comunitário e pode facilmente ser manipulada. Para além de que não se percebe bem a relação entre o tipo de estabelecimento em que os cuidados médicos são prestados e a necessidade de autorização prévia para recorrer a tratamentos no estrangeiro. Até porque as necessidades de planificação não dizem respeito apenas aos estabelecimentos hospitalares. Numa estrutura como o SNS, toda a rede – inclusivamente, ou mesmo sobretudo, ao nível dos cuidados de saúde primários – tem de ser planeada e executada de modo a servir toda a população. A distribuição geográfica dos centros de saúde e serviços de atendimento permanente, a capilaridade das unidades de hemodiálise, radioterapia, etc., a afetação de ambulâncias e outros meios de socorro urgente, a colocação dos profissionais de saúde ou a existência de médicos de família em número suficiente são temas objeto de aturado estudo, meticuloso planeamento e amplo debate na sociedade portuguesa. O que mostra bem como as exigências de planificação não se circunscrevem à realidade hospitalar. Secundo, evocou-se a necessidade de controlo da qualidade das prestações de saúde fornecidas no estrangeiro. Quanto a este aspeto, porém, o Tribunal respondeu – a nosso ver, com razão – que as condições de acesso e de exercício da atividade médica foram já objeto de várias diretivas de coordenação ou harmonização, pelo que não haverá motivo para grandes receios quanto à qualidade da medicina praticada no espaço da União; e que, de resto, a autorização prevista no Decreto-Lei n.º 177/92 depende da im/possibilidade de tratamento em Portugal e não da qualidade dos cuidados de saúde prestados noutro Estado-Membro. Tertio, recordou-se a especificidade do sistema português, que se baseia no funcionamento de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito, gerido diretamente pelo Estado, que fornece aos utentes prestações médicas em espécie. Mas o Tribunal, mais uma vez, não se deixou impressionar por este argumento. Cremos, porém, que os juízes não ponderaram devidamente as consequências da sua decisão sobre o funcionamento do SNS. Obrigar ao reembolso de despesas médicas transfronteiriças sem qualquer autorização prévia equivale a permitir, por exemplo, que os pacientes recorram livremente ao estrangeiro, por conta do erário público, para antecipar a sua vez numa lista de espera ou contornar o grau de prioridade do respetivo tratamento, assim subvertendo as regras de funcionamento do SNS. Observe-se ainda um outro corolário da jurisprudência do TJ: o SNS não está, naturalmente, obrigado a financiar os tratamentos que os cidadãos, podendo recorrer ao setor público, decidam efetuar em estabelecimentos de saúde privados (localizados no território nacional); mas basta que esses estabelecimentos de saúde se localizem no território doutro Estado-Membro para que o SNS passe a ter a obrigação de reembolsar os tratamentos aí efetuados. É algo que nos parece não fazer qualquer sentido207. 207 No n.º 68 do acórdão em apreço, o Tribunal – na sequência do que já havia feito nos n.ºs 99 e 100 do acórdão Watts – procura escapar a este problema afirmando que as condições de reembolso das despesas médicas transfronteiriças não devem ser comparadas com a realização de tratamentos médicos no setor privado, mas sim com os termos em que o próprio SNS assegura esses tratamentos. É um argumento que não convence, todavia. O que é facto é que, por força da jurisprudência do TJ, as despesas médicas realizadas em estabelecimentos de saúde privados, que não são comparticipadas pelo SNS, passam a sê-lo desde que o estabelecimento de saúde privado em causa se localize no estrangeiro. Por mais que se escolham ou restrinjam os ângulos de comparação a utilizar, este é um resultado insofismável – e, na nossa modesta opinião, inaceitável. 160 5. Conclusão Em jeito de balanço, não podemos deixar de expressar uma opinião globalmente crítica sobre o acórdão em causa. A nosso ver, e fazendo novamente uso de uma metáfora clínica, estamos perante uma jurisprudência que falhou no diagnóstico e exagerou na terapêutica. Falhou no diagnóstico, ao não perceber que o SNS é uma realidade a se 208, com características muito próprias e distintas dos sistemas de saúde vigentes nalguns outros Estados-Membros. Donde, não faz sentido extrapolar para o caso português as conclusões que foram inicialmente formuladas a propósito de sistemas de seguro de saúde mandatório ou de convénios com estabelecimentos hospitalares. E, sobretudo, o Tribunal não devia ignorar as consequências nefastas que a sua decisão terá sobre um sistema que não se baseia na livre prestação de serviços e respetivo reembolso, mas antes na prestação direta, universal e gratuita de cuidados de saúde. Exagerou na terapêutica, ao convolar a liberdade de prestação de serviços médicos num direito a beneficiar de tratamentos pagos em todo o espaço comunitário – direito que não está previsto em parte alguma dos Tratados e cuja afirmação por parte de uma jurisprudência progressista e voluntariosa do TJ, não só pode ter graves (e imprevistas…) consequências financeiras para os Estados-Membros, como bole com a própria organização e o modo de funcionamento dos seus sistemas de saúde, que é matéria da estrita competência das autoridades nacionais. Assim, cremos que o Tribunal não andou bem ao ignorar as especificidades do SNS português, impondo-lhe uma obrigação de reembolso de despesas médicas não hospitalares transfronteiriças que, em nosso entender, não tem esteio normativo no Direito da União209, nem joga bem com modelo de saúde vigente no nosso país. 208 Exemplo disso é o facto de, em vários passos do acórdão em apreço (vd. n.ºs 75 e 79), o TJ se referir, a propósito do sistema de saúde português, à «caixa de seguro de doença». 209 Rectius, não tinha, até à entrada em vigor da Diretiva n.º 2011/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2011. 161 iv) Discriminação entre residentes e não residentes da União Europeia: A violação da liberdade de circulação de capitais em virtude da obrigação imposta aos não residentes de nomear um representante fiscal ao abrigo do artigo 130.º do Código do IRS Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça, de 5 de Maio de 2011 (Quarta Secção) – Processo C-267/09 SÓNIA REIS 1. Introdução Na sequência da acção intentada pela Comissão Europeia contra Portugal, o Tribunal de Justiça da União Europeia (de ora em diante, ―TJ‖) veio através do Acórdão Comissão Europeia/República de Portugal, de 5 de Maio de 2011, Processo C-267/09, firmar jurisprudência no sentido de que a manutenção em vigor do artigo 130.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante, ―Código do IRS‖) que impunha aos contribuintes não residentes a obrigação de nomear um representante fiscal em Portugal, quando obtivessem rendimentos em relação aos quais era exigida a apresentação de uma declaração fiscal, era contrária à livre circulação de capitais. A questão colocada neste Acórdão respeitante à obrigatoriedade de nomear um representante fiscal aplicável a não residentes e a diferença de tratamento entre residentes e não residentes da União Europeia não é uma questão nova, tendo já sido objecto de análise por jurisprudência anterior do TJ. Note-se, porém, que a decisão deste Tribunal no Acórdão Comissão Europeia/República de Portugal veio, desde logo, possibilitar a respectiva invocação junto dos Tribunais Portugueses por contribuintes não residentes, desde que residentes num Estado-Membro da União Europeia, que até então estavam adstritos à obrigação de nomear um representante fiscal. Outra das consequências fundamentais deste Acórdão consistiu na alteração da legislação fiscal portuguesa, possibilitando um acréscimo do investimento por parte de não residentes que deixaram de ter de suportar os custos com representantes fiscais cuja existência se tinha revelado essencial em certo tipo de investimentos. 2. Dos factos, dos argumentos das partes e da apreciação do Tribunal O artigo 130.º do Código do IRS determinava que os não residentes que obtivessem rendimentos sujeitos a IRS, bem como os que, embora residentes em território nacional, se ausentassem deste por um período superior a seis meses deveriam, para efeitos tributários, designar uma pessoa singular ou colectiva com residência ou sede em Portugal para os representar perante a Direcção-Geral dos Impostos e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais210. A falta de nomeação de um representante fiscal tinha como consequência a impossibilidade do exercício dos direitos do sujeito passivo perante a Autoridade Tributária, nomeadamente a apresentação de declarações fiscais e de reclamações graciosas ou impugnações judiciais 211. A Comissão Europeia considerou que a legislação portuguesa era incompatível com o Direito Comunitário e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu 212 (de ora em diante, Sónia Reis - Mestre em Direito. Advogada em Teixeira de Freitas, Rodrigues & Associados. 210 A este respeito, veja-se Nabais, José Casalta (2010), Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 267 e 268. Veja-se ainda Machado, Jónatas E.M., Nogueira da Costa, Paulo (2009), Curso de Direito Tributário. Coimbra: Coimbra Editora,191. 211 Cf. Artigo 19.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária. 212 Os Estados membros do espaço económico europeu são todos os Estados membros da União Europeia e os Estados membros da Associação Europeia de Comércio Livre, ou seja, a Islândia, Noruega e Liechtenstein. Note-se que com este último país não existe qualquer intercâmbio de informações em matéria fiscal. 162 ―Acordo EEE‖), estando em causa uma possível discriminação e infracção à livre circulação de pessoas e capitais213. A República Portuguesa alegou que as disposições do artigo 130.º do Código do IRS não eram incompatíveis com as liberdades previstas no Tratado da Comunidade Europeia (de ora em diante, ―Tratado CE‖) e no Acordo EEE, ou que eram justificadas por razões imperativas de interesse público, entre as quais se incluía o objectivo de assegurar a eficácia dos controlos fiscais e o combate à evasão fiscal. Posteriormente, perante a recusa da República Portuguesa em modificar a sua legislação fiscal, a Comissão Europeia intentou uma acção junto do TJ que consistia especificamente em saber se a obrigação de nomear um representante fiscal se encontrava em violação da livre circulação de pessoas e de capitais na União Europeia e no EEE. A Comissão Europeia invocou que para os não residentes que auferiam rendimentos em Portugal que implicassem a entrega de uma declaração fiscal, a obrigação de designar um representante fiscal era contrária à livre circulação de pessoas e capitais, na medida em que era simultaneamente discriminatória e desproporcionada relativamente ao objectivo de assegurar um controlo eficaz e combater a evasão fiscal, até mesmo porque este objectivo poderia ser atingido com recurso à Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas, quer com recurso à Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos 214. Nesse sentido, a Comissão considerou que a obrigação de nomear um representante fiscal era excessiva em função do objectivo prosseguido que também poderia ser alcançado pelos referidos procedimentos de mútua assistência entre os Estados-Membros da União Europeia, correspondendo a um esforço financeiro que tinha de ser suportado pelos não residentes. Por sua vez, o Estado Português defendeu que a obrigação de apresentar uma declaração fiscal aplicava-se quer a residentes, quer a não residentes. Como tal, não existia qualquer discriminação. O Estado Português também mencionou que a obrigação de nomear um representante fiscal para não residentes não é aplicável se os rendimentos obtidos por não residentes estiverem sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, mas que no que respeita aos não residentes que obtêm em Portugal rendimentos que obriguem à apresentação de uma declaração fiscal, o artigo 130.º do Código do IRS tem por objectivo garantir o cumprimento efectivo das formalidades impostas aos contribuintes que se ausentem do território português, pelo que concluiu que esta medida não é discriminatória, na medida em que se aplica nas mesmas condições a residentes e a não residentes. Relativamente ao esforço financeiro, a República Portuguesa argumentou que tal esforço financeiro não era originado pela obrigatoriedade de nomear um representante fiscal e que o artigo 130.º do Código do IRS visava garantir a eficácia dos controlos fiscais e o combate à evasão fiscal, razões imperiosas de interesse geral que justificavam uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Como tal, a obrigação de representação não ultrapassava o necessário a este respeito e a Directiva 77/799 invocada pela Comissão, não desempenhava nenhum papel quanto ao cumprimento desta obrigação pelo contribuinte. Acresce que para a República Portuguesa, atendendo ao papel do representante fiscal, que é apenas obrigado a desempenhar obrigações acessórias de carácter formal, como a apresentação de declarações e a recepção de notificações, a Comissão não podia invocar utilmente a Directiva 2008/55 relativa à cobrança de impostos, que não está sequer em causa nas funções desempenhadas por este representante. Finalmente, a República Portuguesa considerou que a obrigação dos residentes de um Estado Membro do EEE de nomear um representante fiscal em Portugal tem motivos especiais, na medida em que não há procedimentos de cooperação entre os Estados-Membros 213 A este respeito, veja-se Comunicação da Comissão IP08/1024, de 26 de Junho de 2008 e Comunicação da Comissão IP/09/288, de 19 de Fevereiro de 2009. 214 Esta Directiva foi revogada pela Directiva 2011/16/UE, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade 163 do EEE e os Estados-Membros da União Europeia. Com base nestes argumentos, o TJ analisou a compatibilidade da legislação fiscal Portuguesa com a livre circulação de capitais na União Europeia e no EEE, vindo a decidir que a República Portuguesa ao manter em vigor o artigo 130.º do Código do IRS e a concomitante obrigação imposta aos contribuintes não residentes de designar um representante fiscal em Portugal, quando aufiram rendimentos relativamente aos quais é exigida a apresentação de uma declaração fiscal, está em clara violação da liberdade de circulação de capitais. O Tribunal alicerçou a sua decisão no sentido de que o medo da evasão fiscal em si mesmo não é suficiente para justificar a obrigação imposta aos não residentes de nomearem um representante fiscal, sendo que tal só seria admissível se tivesse como finalidade evitar esquemas puramente artificiais. Nesse sentido, a obrigação de nomear um representante fiscal que é imposta apenas a não residentes faz recair sobre estes uma presunção geral de fraude ou de evasão fiscal, a qual não é susceptível de justificar a frustração dos objectivos da legislação comunitária, sendo que a eficácia do controlo fiscal e o combate à evasão fiscal podem ser garantidos por mecanismos como os da assistência mútua. Assim, concluiu o Tribunal que a obrigação de nomear um representante fiscal ultrapassa o necessário para atingir a finalidade de combate à evasão fiscal e viola a livre circulação de capitais. Por último, o Tribunal considerou também que a obrigação de nomeação de um representante fiscal não viola a liberdade de circulação prevista no Acordo EEE, na medida em que não há procedimentos de assistência mútua entre os EstadosMembros e Estados terceiros. 3. Restrições na liberdade de circulação de capitais O TJ ao considerar que a obrigação prevista no artigo 130.º do Código do IRS constitui uma restrição à livre circulação de capitais, confirmou a sua anterior jurisprudência já firmada no caso Comissão/Bélgica215, nos termos da qual se determinou que era contrária à liberdade de prestação de serviços e de pessoas a obrigação imposta aos seguradores estrangeiros que não dispunham de sede operacional na Bélgica, de designarem, antes de prestarem serviços na Bélgica, um representante fiscal aí residente que se responsabilizasse pessoalmente, pelo pagamento do imposto anual sobre os contratos de seguros, dos juros e das coimas que pudessem ser devidos relativamente aos contratos referentes a riscos situados na Bélgica. Ora, tal obrigação constituía um claro obstáculo à liberdade de prestação de serviços por empresas sedeadas noutros Estados-Membros. Aliás, esta obrigação de nomear um representante fiscal não residente já tinha sido aflorada no Caso Lasteyrie du Saillant 216, ainda que a questão central em discussão neste Acórdão se tenha reportado à temática dos impostos à saída. Já no Acórdão que anotamos, o TJ também considerou que a obrigação de nomear um representante fiscal deveria ser encarada como uma restrição à livre circulação de capitais, na medida em que os não residentes teriam de suportar o custo de remunerar o representante fiscal, o que iria desencorajar os mesmos de investirem em Portugal. Neste âmbito, o TJ seguiu os seus casos anteriores Josef Corsten217 e Bruno Schnitzer218. Efectivamente, a obrigação de nomear um representante fiscal aplicável apenas a não residentes, ou a residentes que se ausentem do país por mais de seis meses, origina custos adicionais e desnecessários com a remuneração do representante e pode dissuadir investidores não residentes de investirem no país, como tal constituindo uma restrição à livre circulação de capitais, o que é proibido pelo Tratado da CE. 215 Caso Comissão Bélgica, de 5 de Julho de 2007, Processo C-522/04. 216 Caso Lasteyrie du Saillant, de 11 de Março de 2004, Processo C-9/02. 217 Caso Josef Corsten, de 3 de Outubro de 2008, Processo C-68/98. 218 Caso Bruno Schnitzer, de 11 de Dezembro de 2003, Processo C-215/01. 164 4. O requisito do interesse público como justificação para a restrição à livre circulação de capitais No acórdão que anotamos, o TJ considerou que a prevenção da evasão fiscal apenas poderia ser aceite como uma justificação para restringir a livre circulação de capitais se a legislação em causa fosse dirigida a evitar esquemas puramente artificiais. Como tal, através da imposição de nomear um representante fiscal aos não residentes, o Tribunal entendeu que a finalidade subjacente não era a de evitar esquemas puramente artificiais. Pelo que, a prevenção da evasão fiscal não poderia ser aceite como justificação para uma restrição à livre circulação de capitais. Note-se que já, anteriormente, no caso A219, o TJ havia determinado que a necessidade de garantir a efectividade da supervisão fiscal e a prevenção da evasão fiscal constituía um requisito de interesse geral capaz de justificar uma restrição ao exercício da liberdade de circulação de capitais garantida pelo Tratado. O Tribunal também determinou que a justificação baseada na luta contra a evasão fiscal e a necessidade de salvaguardar a efectividade da supervisão fiscal só é aceitável se a medida for apropriada para assegurar o objectivo perseguido e não vai além do que é necessário para alcançar tal objectivo220. O TJ considerou, ainda, que os mecanismos de assistência mútua estabelecidos entre as Autoridades competentes dos diferentes Estados-Membros são meios adequados e suficientes para assegurar a luta contra a evasão fiscal. A este respeito, cumpre ainda referir que a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no âmbito dos impostos directos e dos impostos sobre os prémios de seguros consagrava a exigência de um intercâmbio de informações entre Estados membros da União Europeia ou do EEE. Tal como já mencionado, esta Directiva foi revogada pela Directiva 2011/16/EU, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade221. De facto, a garantia de cobrança de impostos pode ser assegurada através do recurso a estas Directivas e a verdade é que a nomeação de um representante fiscal por si só não garante, de modo algum, que as autoridades tributárias portuguesas vão conseguir obter a informação necessária para cobrar qualquer imposto em falta. Como tal, esta medida não se afigura como apropriada para alcançar o objectivo da efectiva supervisão fiscal ou para evitar a evasão fiscal. Atendendo ao acima exposto, o TJ chegou à conclusão de que a obrigação prevista no artigo 130.º do Código do IRS não está apenas em clara violação da livre circulação de capitais, mas também vai para além do que se afigura necessário para assegurar a luta contra a evasão fiscal. O TJ também concluiu que relativamente à tributação que não é imposta aos contribuintes que obtenham rendimentos sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, que não têm de submeter uma declaração de imposto, não existe a obrigação de nomear um representante fiscal e, consequentemente, não há qualquer violação da legislação europeia. Considerando o acima referido, não se pode senão concluir que a obrigação de nomear um representante fiscal está em clara violação da legislação da União Europeia sendo uma restrição à livre circulação de capitais. Na maior parte dos casos, o requisito para nomear um representante fiscal em Portugal é um modo claramente desproporcional de lidar com o problema de um ponto de vista da União Europeia, na medida em que instrumentos como os da Directiva já referida podem ser utilizados pelos Estados Membros para conseguir a recolha de impostos noutro Estado-membro222. 219 Caso A, de 18 de Dezembro de 2007, Processo C-101/05. 220 Caso Établissments Rimbaud, de 28 de Outubro de 2010, Processo C-72/09. 221 A revogação da Directiva 77/799/CE produzirá efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2013. 222 O‘Shea, Tom, (2011) ―ECJ Pokes Holes in Portugal‘s Tax Representative Rule‖ in Tax Notes International, 27 de Junho, volume 62, n.º 13, 1006. 165 5. A violação da livre circulação de capitais no âmbito do Acordo EEE O TJ seguindo a sua anterior jurisprudência no caso Comissão / Itália223 determinou que as restrições ao exercício da liberdade de circulação na União Europeia não podem ser transpostas na sua totalidade para movimentos de capital efectuados entre Estados-membros e Estados que não sejam Estados-membros, na medida em que estes movimentos de capitais ocorrem num contexto legal diferente. Acresce que apesar da livre circulação de capitais ter um alcance similar nos artigos 40.º do Tratado EEE e 56.º do Tratado CE, a posição de um sujeito passivo de um Estado-Membro não é, de facto, a mesma que a de um sujeito passivo de um Estado-Membro do EEE. Como tal, a nomeação de um representante fiscal não se encontra em violação da livre circulação de capitais prevista no Acordo EEE, na medida em que não existem procedimentos de mútua assistência entre Estados-membros e países terceiros, ainda que existam acordos bilaterais entre os Estados-Membros da União Europeia e os Estados-Membros do EEE que contêm referências à assistência mútua. Pelo que, a obrigação de nomear um representante fiscal não ultrapassa o que possa ser tido por necessário para assegurar a efectividade do controlo fiscal e como tal, não se encontra em violação do Acordo EEE. 6. As alterações introduzidas no Código do IRS na sequência do Acórdão C267/09 do TJ Após a decisão do TJ no sentido de considerar ilegal, por violação da liberdade de circulação de capitais, a manutenção do artigo 130.º do Código do IRS por impor aos contribuintes não residentes a obrigação de designar um representante fiscal em Portugal, quando obtenham rendimentos em relação aos quais é exigida a apresentação de uma declaração fiscal, a Autoridade Tributária emitiu desde logo uma informação interna para dar cumprimento à jurisprudência firmada. Nesse sentido, a Autoridade Tributária passou a exigir para efeitos de atestar do domicílio fiscal de um sujeito passivo num Estado-membro da União Europeia que o mesmo deve apresentar o respectivo Passaporte, certificado de residência ou documento idóneo de onde consta a respectiva morada. Assim, determinou-se que até que as alterações informáticas necessárias para tornar facultativo o campo do número de identificação fiscal do representante fiscal fossem efectuadas pela Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, o procedimento de execução do Acórdão implicaria a indicação no campo do número de identificação fiscal do representante fiscal da referência 600000079 da Direcção-Geral dos Impostos e a indicação da morada do sujeito passivo no respectivo Estado-Membro. Determinou-se, ainda, que sempre que os não-residentes que tenham domicílio fiscal na União Europeia apresentem declarações de início ou alteração de actividade, bem como pretendam eliminar o representante fiscal existente à data, os serviços de finanças deveriam aceitar estas declarações em suporte papel e remetê-las à Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes para tratamento oficioso. Posteriormente, o Orçamento do Estado para 2012 veio introduzir uma alteração legislativa ao artigo 130.º do Código do IRS, dando cumprimento à jurisprudência firmada no Acórdão em análise. Nesse sentido, o artigo 130.º do Código do IRS passou a prever que a designação do representante fiscal passou a ser facultativa em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para Estados-Membros da EU ou do EEE, neste último caso, desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida na União Europeia. A designação do representante fiscal, a existir, deve ser efectuada na declaração de início de actividade, de alterações ou de registo de número de contribuinte, devendo nela constar expressamente a sua aceitação pelo representante. Como se pode constatar, a alteração introduzida no artigo 130.º do Código do IRS torna facultativa a nomeação de um representante fiscal para os residentes de, ou a residentes que se 223 Caso Comissão / Itália, de 19 de Novembro de 2009, Processo C-540/07. 166 ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia e vai para além do Acórdão pois é extensível a residentes em Estados-membros do EEE. Note-se, ainda, que a eliminação da obrigação de nomeação de um representante fiscal vai permitir ainda que os sujeitos passivos já referidos possam exercer os seus direitos, nomeadamente de reclamação e impugnação, junto das Autoridades Tributárias Portuguesas sem terem de nomear um representante fiscal. Por último, a obrigação de nomeação de um representante fiscal por residentes em Estados terceiros mantém-se. 7. Conclusões A decisão do TJ e as consequentes alterações introduzidas na legislação fiscal portuguesa que deram cumprimento à jurisprudência firmada no Acórdão que anotamos permitiram erradicar da legislação fiscal portuguesa a obrigação de nomeação de um representante fiscal, prevista no artigo 130.º do Código do IRS, que se encontrava em clara violação da livre circulação de capitais, bem como implicava que um não residente tivesse de suportar custos adicionais com a remuneração do representante fiscal. Não existe qualquer requisito de interesse público que justificasse a obrigação de um não residente de nomear um representante fiscal no território Português. Esta decisão do TJ espelha bem o primado do Direito Europeu sobre o Direito Nacional, expressamente reconhecido no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que apesar do Direito Europeu aceitar o princípio geral de Direito Fiscal Internacional de que residentes e não residentes se encontram em situações objectivamente distintas, e como tal devem estar sujeitos a um tratamento fiscal distinto, este princípio cede quando esteja em causa a violação de uma das quatro liberdades fundamentais, como se verificou no presente Acórdão, em que a legislação portuguesa impunha a não residentes uma obrigação que era contrária à livre circulação de capitais. 167 v) Da inaplicabilidade da jurisprudência Candolin e Farrel ao direito nacional em matéria de responsabilidade civil Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 17 de Março de 2011, Manuel Carvalho Ferreira Santos contra Companhia Europeia de Seguros SA, proc. C484/09, e ao Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de Junho de 2011, José Maria Ambrósio Lavrador e Maria Cândida Olival Ferreira Bonifácio contra Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial SA, proc, C-409/09 SOFIA OLIVEIRA PAIS I. Os factos e as questões prejudiciais Os acórdãos proferidos nos casos Manuel Carvalho Ferreira Santos e José Maria Ambrósio Lavrador têm por objecto a interpretação das Primeira, Segunda e Terceira Directivas Automóveis224 e analisam, no essencial, a questão de saber se tais Directivas se opõem a uma legislação nacional que limita, ou exclui, o direito de indemnização da vítima de um acidente de viação que contribuiu, total ou parcialmente, para a produção do dano. No primeiro caso, o ciclomotor conduzido por Manuel Carvalho Ferreira Santos colidiu com um veículo ligeiro conduzido por Américo Paulo Nogueira Teixeira, tendo o primeiro sido hospitalizado com um traumatismo craniano, ficando, desde então, incapacitado para o trabalho. O tribunal concluiu que nenhum dos condutores teve culpa no acidente e aplicou o artigo 506º, n.º 2, do Código Civil, que, em caso de dúvida, fixa em 50% a medida de responsabilidade civil de cada um dos condutores, com reflexos no montante indemnizatório a atribuir ao lesado pelos danos sofridos em virtude do acidente. Tendo dúvidas sobre a compatibilidade do regime de responsabilidade civil aplicável ao litígio no processo principal com as Directivas Automóveis, o Tribunal da Relação do Porto decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Em caso de colisão de veículos, não sendo o evento imputável a qualquer dos condutores a título de culpa, e da qual resultaram danos corporais e materiais para um dos condutores (o lesado que exige indemnização), a possibilidade de estabelecer uma repartição da responsabilidade pelo risco (art. 506.°, n.os 1 e 2 do Código Civil), com reflexo directo no montante indemnizatório a atribuir ao lesado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das lesões corporais sofridas (pois aquela repartição de responsabilidade pelo risco implicará redução do montante indemnizatório em igual proporção), é contrária ao direito comunitário, designadamente aos artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva […], 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva […] e 1.° da Terceira Directiva […], de acordo com a interpretação que a tais normativos vem sendo dada pelo Tribunal de Justiça […]?» No segundo caso, José Maria Ambrósio Lavrador e Maria Cândida Olival Ferreira Bonifácio intentaram uma acção contra a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, seguradora do veículo envolvido no acidente de que o filho menor de ambos foi vítima, tendo-se provado ser o menor o único e exclusivo culpado. Neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça sentiu Sofia Oliveira Pais - Professora Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa – Porto. 224 Cf. a Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, JO L 103/1, a Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, JO L 8/17, e a Directiva 90/323/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, JO L 129/30. 168 igualmente dúvidas quanto à compatibilidade do regime de responsabilidade aplicável ao litígio em apreço com certas disposições de direito da União Europeia, bem como com a respectiva jurisprudência adoptada nesse contexto, e colocou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O disposto no [a]rtigo 1.° da [Terceira Directiva] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o direito civil português, designadamente através dos artigos 503.°, n.° 1, 504.°, 505.° e 570.° do Código Civil, em caso de acidente de viação, como o verificado nas circunstâncias de tempo[,] modo e lugar do presente caso concreto[,] recuse ou limite o direito à indemnização ao menor, também ele vítima do acidente, pela simples razão de ao mesmo[…] ser atribuída parte ou mesmo a exclusividade na produção dos danos?» II. Conclusões da advogada-geral no caso Manuel Carvalho Ferreira Santos A advogada-geral Verica Trstenjak no caso Manuel Carvalho Ferreira Santos 225 começou por considerar o pedido de decisão prejudicial inadmissível quanto à interpretação do artigo 1º da Terceira Directiva, uma vez que, nos termos da disposição referida, o seguro cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção do condutor. Como já foi sublinhado ―a protecção conferida pelo direito europeu é função da qualidade da vítima transportada em veículo conduzido por outrem, não podendo ser afastada em nome de qualquer outra qualidade jurídica que lhe seja imputável‖ 226: proprietário, tomador de seguro, ou segurado. Ora, no caso Manuel Carvalho Ferreira Santos os direitos discutidos no processo principal eram os do próprio condutor. Em seguida, a advogada-geral fez uma interpretação literal e teleológica das disposições de harmonização da matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, sublinhando que, nesse domínio, existiam cinco directivas consolidadas pela Directiva 2009/13, as quais visavam essencialmente os seguintes objectivos: facilitar a livre circulação de pessoas com veículos automóveis, assegurar condições uniformes para o mercado interno em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel e, ainda, melhorar a protecção por seguro das vítimas de acidentes de viação na União Europeia, através da criação de um nível mínimo de protecção efectivo. A este respeito, a advogada-geral verificou que, embora as directivas regulassem várias áreas do direito do seguro de responsabilidade civil automóvel, não procuravam harmonizar as regras da responsabilidade civil dos Estados Membros. Logo, os critérios materiais de imputação da responsabilidade pelos danos decorrentes de um acidente de viação estariam fora do campo de aplicação dessas directivas. Uma vez que o artigo 506.º do Código Civil devia ser classificado, do ponto de vista sistemático, como uma disposição de direito nacional da responsabilidade civil, não seria abrangido pela directiva. Além disso, chamou à colação a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a interpretação da Primeira, Segunda e Terceira Directivas, destacando, desde logo, os acórdãos Candolin e Farrel, segundo os quais ―resulta do objecto da Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados Membros e que, no estado actual do direito comunitário, os Estados Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil 225 Cf conclusões apresentadas em 7 de Dezembro de 2010, proc. C-484/09, nºs 46 e ss. Note-se ainda que, no processo José Maria Ambrósio Lavrador e Maria Cândida Olival Ferreira Bonifácio, cit., o Tribunal de Justiça decidiu nos termos do artigo 20.º, n.º 5, do seu Estatuto, ouvido o advogado-geral, julgar a causa sem apresentação de conclusões, uma vez que já tinham sido apresentadas as conclusões no processo Carvalho Ferreira Santos e o caso José Maria Ambrósio Lavrador e Maria Cândida Olival Ferreira Bonifácio não levantavam questões novas. 226 Rangel Mesquita, Maria José (2010), O princípio da interpretação conforme e a sua não aplicação pelo Estado-juiz: um (duplo) exemplo de incumprimento estadual, intervenção proferida em 29 de Janeiro, no III encontro de Professores de Direito Público, realizado na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 13. 169 aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos‖ 227. É, deste modo, possível distinguir, neste domínio, como sugere a advogada-geral, entre relação de seguro ou cobertura, estabelecida entre a seguradora e o tomador de seguro, e relação de responsabilidade, estabelecida entre o responsável pelo dano (tomador de seguro) e o terceiro lesado, sendo certo que o objecto das directivas referidas apenas abrange a relação de seguro, ficando fora do seu campo de aplicação a relação de responsabilidade 228. Logo, ao contrário das disposições finlandesa e irlandesa dos acórdãos Candolin e Farrel, que regulavam o seguro de responsabilidade civil automóvel, a disposição portuguesa deveria ser ―classificada no direito nacional da responsabilidade civil‖, não sendo abrangida pela regulamentação da União. Concluiu propondo ao Tribunal de Justiça responder à questão prejudicial que as Directivas 72/166, 84/5 e 90/232 ―não obstam a um regime nacional de direito civil que, numa situação como a do processo principal – em que está em causa uma colisão de veículos, na qual não se provou a culpa de nenhum dos condutores, tendo um deles sofrido danos corporais e materiais provocados em consequência do acidente – leva a que o direito de indemnização do lesado com base na responsabilidade pelo risco seja reduzido, por efeitos de presunção legal, a metade dos prejuízos sofridos‖ 229. Observe-se, por fim, que os argumentos e as conclusões apresentados vão ser reiterados em 5 de Julho de 2012, no caso Vitor Hugo Marques Almeida. Também neste processo se discutiu a compatibilidade com o direito da União da legislação portuguesa que permite a um órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se sobre direitos de indemnização, que resultam de um acidente de viação, limitar ou até recusar tais direitos, quando uma conduta danosa do lesado tenha contribuído para a produção ou o agravamento dos danos, como seria o caso do lesado que não respeitou a obrigação legal de usar o cinto de segurança. Mais uma vez a advogadageral Verica Trstenjak afastou a existência de uma incompatibilidade entre o direito nacional e o direito da União, sublinhando que a falta de harmonização neste domínio é, neste momento, a opção do legislador da União230. 227 Cf., acórdão do Tribunal de Justiça (primeira Secção) de 30 de Junho de 2005, processo C-537/03, Katja Candolin e o., n.º 24 e acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2007, Elaine Farrel, proc. C-356/05, n.ºs 32 e 33. Ou seja, enquanto a ―a obrigação de cobertura dos passageiros pelo seguro‖ é garantida pela regulamentação da União Europeia, a ―extensão da indemnização‖ é definida e regulada, essencialmente, pelo direito nacional. 228 Conclusões cit., nºs 58 e 59. 229 Conclusões cit., n.º 76. 230 Cf. conclusões apresentadas em 5 de Julho de 2012, proc. C-300/10. 170 III - Os acórdãos do Tribunal de Justiça No acórdão Manuel Carvalho Ferreira Santos o Tribunal de Justiça seguiu, no essencial, a proposta da advogada-geral. Começou por chamar à colação a jurisprudência anterior, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, nos termos da qual o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, tal como precisado e completado pela Segunda e pela Terceira Directiva, impõe ―que os Estados Membros assegurem que a responsabilidade civil relativa à circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando os tipos de danos e os terceiros que esse seguro deverá cobrir‖ 231, sublinhando, em seguida, que a obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil dos danos causados a terceiros por veículos automóveis, garantida pela legislação da União, é distinta da questão do âmbito da indemnização a pagar a título da responsabilidade civil do segurado, regulada, essencialmente, pelo direito nacional, uma vez que tal matéria não se encontra harmonizada 232. De facto, o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes que a Primeira, Segunda e Terceira Directivas, como resulta do seu objecto e da letra das suas disposições, não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados-Membros e que, no estado actual do direito da União, os Estados-Membros são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos 233, sem prejuízo de os EstadosMembros estarem obrigados a garantir que a responsabilidade civil aplicável segundo o seu direito nacional esteja coberta por um seguro conforme com as disposições das três Directivas Automóveis. Entendeu o Tribunal de justiça que não punha em causa a garantia consagrada no direito da União Europeia (isto é, nas várias directivas relativas ao seguro de responsabilidade civil automóvel no caso de acidentes de viação rodoviária, incluindo as Directivas 2005/14 e 2009/103), uma disposição nacional de responsabilidade civil, como o artigo 506.º do Código Civil, que prevê uma repartição da responsabilidade civil pelos danos que surgem numa colisão entre dois veículos, quando a nenhum dos condutores é imputável qualquer culpa. Por outras palavras, ao contrário do que se passou nos processos Candolin e Farrell, no caso em apreço o direito à indemnização da vítima do acidente de viação não é afectado devido a uma limitação da cobertura da responsabilidade civil pelo seguro, operada por disposições em matéria de seguro, mas, pelo contrário, devido a uma limitação da responsabilidade do condutor segurado, por força do regime de responsabilidade civil aplicável. No acórdão José Maria Ambrósio Lavrador e Maria Cândida Olival Ferreira Bonifácio, o Tribunal de Justiça reiterou os argumentos utilizados no acórdão Manuel Carvalho Ferreira 231 Como refere Rangel Mesquita, Maria José (cf. ―Anotação – Incumprimento do Direito da União Europeia, responsabilidade do Estado legislador e protecção das vítimas de acidentes de viação. Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, proc. C- 348/98 e ao Despacho do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Messejana Viegas, proc. C-166/02‖, in 20 Anos de Jurisprudência da União sobre casos portugueses – O que fica do diálogo entre os juízes portugueses e o Tribunal de Justiça da União Europeia, coordenação Maria Luisa Duarte, Luís Fernandes e Francisco Pereira Coutinho, Colecção Biblioteca Diplomática MNE, 2011) esta acórdão teve um impacto decisivo no ordenamento jurídico português, uma vez que revelou uma situação de incumprimento por parte do legislador português relacionada com a transposição da directiva (à época dos factos, a redacção do art. 508º do Código Civil estabelecia limites máximos de indemnização inferiores aos impostos pelo direito da União Europeia,) ainda que, como sublinhe a mesma autora, a harmonização levada a cabo pelas Directivas Automóveis, conjugada com esta jurisprudência do TJ , limite o legislador nacional quanto à fixação dos limites máximos de responsabilidade sem culpa no domínio dos acidentes de viação, comprometendo, em certa medida, o princípio da subsidiariedade. 232 Acórdão de 19 de Abril de 2007, Farrell, proc. C‑356/05, n.° 32. 233 Acórdãos Candolin e o., cit., n.° 24, Farrell, cit., n.° 33, Ferreira Santos, Manuel Carvalho, cit., n.º 32 e Ambrósio Lavrador, José Maria, cit., n.º 26. 171 Santos e decidiu que as directivas relativas ao seguro de responsabilidade civil, que resulta da circulação de veículos automóveis, não se opõem a disposições nacionais do domínio do direito da responsabilidade civil que permitem excluir ou limitar o direito da vítima de um acidente de exigir uma indemnização a título do seguro de responsabilidade civil do veículo envolvido no acidente, com base numa apreciação individual da contribuição, exclusiva ou parcial, dessa vítima para a produção do seu próprio dano. Dito ainda de outro modo: o Tribunal de Justiça considerou que a circunstância de uma disposição nacional de responsabilidade civil recusar ao lesado uma indemnização por ter contribuído para a produção do dano, não privaria as directivas do seu efeito útil, uma vez que a protecção mínima e efectiva, pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, das vítimas de acidentes de viação na União Europeia, seria garantida. IV - Conclusão Os acórdãos do Tribunal de Justiça em apreço afiguram-se particularmente relevantes pelos esclarecimentos prestados quanto à inaplicabilidade da jurisprudência Candolin e Farrel ao direito nacional em matéria de responsabilidade civil. Recorde-se que no processo Candolin a questão dizia respeito a vítimas de um acidente de viação, entre as quais o proprietário do veículo, que tinham entrado no veículo mesmo sabendo que a pessoa que o conduzia estava em estado de embriaguez, permitindo a legislação finlandesa negar ou limitar a indemnização das seguradoras às vítimas de um acidente quando estas últimas contribuíssem para a produção do dano. Entendeu o Tribunal de Justiça que tal legislação não era compatível com o direito da União, que impõe, em geral, com algumas excepções, a indemnização das vítimas por parte dos seguros; ou seja, as vítimas de um acidente de viação (incluindo os passageiros) têm sempre direito a ser indemnizadas pelo seguro, excepto o condutor. Trata-se, pois, de mais uma decisão a inserir na vasta lista de acórdãos proferidos desde a década de 90, nos quais o Tribunal de Justiça reconheceu o alargamento da cobertura do seguro obrigatório, realizado pela Terceira Directiva, aos danos corporais sofridos por todos os passageiros, com excepção do condutor234. De forma semelhante, no caso Farrel, entendeu o Tribunal de Justiça que não era compatível com o direito da União Europeia a legislação irlandesa nos termos da qual o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não cobre a responsabilidade por danos corporais causados a pessoas que viajam numa parte de um veículo automóvel que não foi concebida nem construída com assentos para passageiros. As Directivas Automóveis seriam privadas do seu efeito útil ―se a responsabilidade do próprio lesado pelos danos sofridos, responsabilidade essa decorrente da forma como o direito nacional da responsabilidade civil valora a sua contribuição para a produção dos danos, tivesse por consequência excluir automaticamente ou limitar de modo desproporcionado o seu direito a ser indemnizado, pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, pelos danos pelos quais o segurado é responsável‖235. Logo, segundo o TJ, ―uma legislação nacional, definida em função de critérios gerais e abstractos, não pode negar ou limitar de modo desproporcionado o direito de um passageiro a ser indemnizado pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, apenas com o fundamento de que este contribuiu para a produção dos danos. Com efeito, só em circunstâncias excepcionais, com base numa apreciação individual e no respeito do direito da União, é possível limitar proporcionalmente a extensão do direito à indemnização‖236. 234 Acórdãos Mendes Ferreira, Candolin e Farrel, já citados. 235 Acórdãos Candolin e o., cit., n.° 28, e Farrell, cit., n.ºs 34 a 36. 236 Acórdãos Candolin e o., cit., n.ºs 30 e ss, e Farrell, cit., n.ºs 35 e ss. 172 Diferentemente das circunstâncias que deram origem aos acórdãos Candolin e Farrell, nos acórdãos em apreço, a redução, ou exclusão, da indemnização dos danos sofridos pelo condutor decorre não de uma limitação da cobertura da responsabilidade civil pelo seguro mas de uma limitação da responsabilidade civil do segurado, por força do regime de responsabilidade civil aplicável. E, segundo o Tribunal de Justiça, a legislação portuguesa aplicável – num caso o artigo 506º do Código Civil, noutro o artigo 570º do mesmo Código 237 - não tinha por efeito, na hipótese de a vítima ter contribuído para o seu próprio dano, excluir automaticamente, ou limitar de modo desproporcionado, o seu direito de ser indemnizada pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil do condutor do veículo envolvido no acidente, não comprometendo, desse modo, a protecção visada pelas referidas directivas e o seu efeito útil. É certo que o art. 506º do Código Civil ao prever que a responsabilidade civil é repartida na proporção da contribuição de cada um dos veículos para a produção dos danos, ou que o art. 570º do mesmo Código, ao limitar ou excluir a indemnização do lesado com fundamento no facto de este ter concorrido com culpa para a produção ou o agravamento dos próprios danos, acabam por afectar o montante indemnizatório fixado. Em todo o caso, tratase de um domínio ainda sob a alçada dos Estados e as soluções fixadas pelo legislador português não frustram os objectivos das Directivas, já referidos, além de que sujeitar imediatamente a legislação nacional em matéria de responsabilidade civil aos critérios da jurisprudência Candolin e Farrel poderia comprometer o próprio princípio da segurança jurídica238. Dito ainda de outro modo: neste momento, os acórdãos Candolin e Farrel referem-se, apenas, às disposições legais nacionais que regulam a relação de cobertura entre a seguradora e o tomador do seguro, isto é ao direito aplicável ao seguro de responsabilidade civil automóvel, que é objecto das directivas, e não ao direito nacional em matéria de responsabilidade civil, ainda que a fronteira entre esses domínios nem sempre seja fácil de estabelecer. E é precisamente porque estas disposições podem ter um impacto naquelas que, apesar de não estarem harmonizadas as legislações nacionais em matéria de responsabilidade civil, é necessário verificar se estas últimas compromete, ou não, o efeito útil das directivas. Ora, nos casos em apreço, entendeu claramente o Tribunal de Justiça que o direito da União não se opunha às disposições do tipo das portuguesas. Refira-se, por fim, que a proposta da advogada-geral de considerar o pedido de decisão prejudicial inadmissível quanto à interpretação do artigo 1º da Terceira Directiva, uma vez que nos termos da disposição referida o seguro cobre apenas a responsabilidade por danos pessoais dos passageiros, com excepção do condutor, quando no caso Manuel Carvalho 237 Note-se que a responsabilidade pelo risco prevista no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil é excluída quando o acidente for imputável à vítima. Além disso, quando um facto culposo da vítima tiver concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, o artigo 570.° do Código Civil português prevê que, com base na gravidade desse facto, a referida pessoa pode ser total ou parcialmente privada de indemnização. 238 Neste sentido cf. as conclusões da advogada-geral cit., n.º 71: ―Se se entendesse a citada declaração do Tribunal de Justiça nos acórdãos Candolin e o. e Farrell num sentido amplo, no sentido de serem nela igualmente incluídas as regras nacionais de responsabilidade civil, daí decorreria uma importante intromissão nas ordens jurídicas dos Estados-Membros, pois, nesse caso, todas as normas nacionais sobre responsabilidade civil que definissem o âmbito do direito de indemnização do lesado ficariam automaticamente sujeitas à conformidade com os critérios da jurisprudência Candolin, o que afectaria o princípio da segurança jurídica, uma vez que os seguradores ficariam sem a possibilidade de conhecerem previamente quais os danos por que devem responder e em que medida. Tal resultado não seria aceitável do ponto de vista da prática jurídica‖; acresce que a ―interpretação extensiva do âmbito de aplicação das diretivas sobre a responsabilidade civil automóvel apenas pode ser tomada em consideração quando for visível que os objetivos que o legislador pretendia alcançar com a adoção destas diretivas são ameaçados por disposições ou práticas contrárias‖ (cf. conclusões no proc. C300/10, cit., n.º 34). 173 Ferreira Santos os direitos discutidos no processo principal eram os do próprio condutor, vem confirmar jurisprudência bem estabelecida neste domínio. Na verdade, desde o acórdão Foglia, parece ser evidente que a decisão final sobre a admissibilidade do reenvio prejucial é da competência do Tribunal de Justiça e que tal mecanismo será afastado se o litígio for inexistente ou hipotético, se o Tribunal de Justiça se limitar a ser consultado sobre questões gerais ou hipotéticas sem relação com o litígio, sendo tais questões irrelevantes para a sua resolução, e ainda se não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder à questão colocada239. No contexto de cooperação judicial, que define o reenvio prejucial, o Tribunal de Justiça deixa de ser um agente ―passivo‖ 240, obrigada a responder às questões que lhe são colocadas pelo órgão jurisdicional nacional, para activamente exercer o poder de controlar o próprio mecanismo de reenvio, ao decidir sobre a admissibilidade de tais questões241. 239 Acórdão de 11 de Março de 1980, proc. 104/79, Foglia c. Novello, proc. 104/79. Sobre a evolução desta jurisprudência, cf. Quadros, Fausto e Guerra Martins, Ana, Contencioso da União Europeia, 2ª edição, Almedina, 108 e ss. Estaria, deste modo, aparentemente, ultrapassada a abordagem seguida no acórdão Costa (de 15 de Julho de 1964, proc. 6/64) de correcção das questões prejudiciais colocadas de forma inadequada. 240 Craig, Paul e de Burca, Gráinne (2011) EU Law, Text, Cases and materials. Oxford: Oxford University Press, 466 241 Para uma visão geral do mecanismo do reenvio prejudicial, cf. Oliveira Pais, Sofia (2012), ―A cooperação judiciária com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Um passo para a frente, dois passos para trás?‖ in Estudos de Direito da União Europeia. Almedina. Coimbra: Almedina 63 e ss. 174 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção), de 6 de Novembro de 2011 (C-493/09) SÓNIA REIS Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62009CJ0493:PT:HTML Tipo: ação por incumprimento Partes: Comissão Europeia e República Portuguesa Objeto: Reconhecimento que, ao tributar os dividendos auferidos por fundos de pensões não residentes a uma taxa superior à que incide sobre os dividendos auferidos por fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de capitais Dispositivo: Ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de capitais Sónia Reis - Mestre em Direito. Advogada em Teixeira de Freitas, Rodrigues & Associados. 175 vi) O tratamento fiscal preferencial dos fundos de pensões portugueses face aos constituídos noutro Estado-Membro da União Europeia: a never ending story do diferente tratamento fiscal entre residentes e não residentes Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2011 (Primeira Secção) – Processo C-493/09 1. Introdução Em 6 de Outubro de 2011, o Tribunal de Justiça da União Europeia (de ora em diante, ―TJ‖) decidiu que a legislação fiscal portuguesa que isentava de tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (de ora em diante, ―IRC‖), os rendimentos de fundos de pensões que se constituíam e operavam de acordo com a legislação nacional era contrária à livre circulação de capitais prevista no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (de ora em diante, ―TFUE‖) e no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (de ora em diante, ―Acordo EEE‖). Esta violação de uma das quatro das liberdades fundamentais era justificada pelo facto da isenção de tributação não ser extensível aos rendimentos de fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia (de ora em diante, ―UE‖) ou do EEE, que estavam sujeitos a uma taxa de IRC de 20%, sem prejuízo da aplicação de Acordos para Evitar a Dupla Tributação (de ora em diante, ―ADT‘s‖) que permitiriam reduzir a aplicação da taxa de 20%. A decisão do TJ já era esperada na sequência da sua anterior jurisprudência e seguiu as conclusões do Advogado-Geral Mengozzi. Esta decisão permitiu ainda que fosse possível passar a efectuar pedidos de reembolso relativamente ao imposto que tinha sido retido na fonte aquando do pagamento dos dividendos a fundos de pensões não residentes e conduziu à introdução dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (―EBF‖) que veio permitir que os rendimentos de fundos de pensões de outro Estado-Membro da UE ou do EEE estejam isentos de tributação, desde que cumpram os requisitos previstos na lei a que nos reportaremos aquando da análise do impacto deste Acórdão na legislação nacional. 2. Dos factos e dos argumentos das partes Em Março de 2007, a Comissão Europeia (de ora em diante, ―Comissão‖) notificou a República Portuguesa para alterar a sua legislação concernente ao tratamento fiscal dos dividendos e dos juros auferidos por fundos de pensões não residentes em território português, por considerar que a legislação portuguesa se encontrava em violação do artigo 63.º do TFUE e do artigo 40.º do Tratado EEE. A legislação fiscal portuguesa à época determinava uma isenção de IRC para os rendimentos de fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional. Por sua vez, os dividendos pagos a um fundo de pensões não residente, que se encontrasse numa situação comparável à de fundo de pensões residente, estava sujeito a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 20%, podendo esta taxa ser reduzida mediante a aplicação de um ADT celebrado entre Portugal e o Estado de residência do beneficiário dos rendimentos. A República Portuguesa reconheceu que, de facto, a legislação que restringia a isenção de tributação a fundos de pensões residentes consubstanciava uma restrição à livre circulação de capitais, mas que tal restrição era justificada à luz do direito da União, nomeadamente que o regime fiscal mais favorável reservado aos fundos de pensões residentes em Portugal compensava as exigências específicas que lhes eram impostas. A Comissão não concordando com os argumentos apresentados pela República Portuguesa resolveu intentar uma acção por incumprimento junto do TJ. A Comissão argumentou que a legislação fiscal portuguesa estabelecia uma diferença de tratamento aplicável aos fundos de pensões em função do local de residência dos fundos, o que constituía no seu entender uma restrição à livre circulação de capitais, pois conduzia a que o investimento dos fundos de pensões não residentes em sociedades portuguesas se tornasse menos atractivo em função do respectivo tratamento fiscal. 176 A República Portuguesa reconheceu esta restrição à livre circulação de capitais, justificando a mesma com base no facto do regime fiscal aplicável aos fundos de pensões ser justificado por objectivos de preservação da coerência fiscal. Como tal, a isenção dos rendimentos dos fundos de pensões residentes seria compensada pela tributação das pensões de reforma pagas aos beneficiários residentes em Portugal, a título de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Por outro lado, a República Portuguesa invocou como justificação para restringir a isenção de tributação a residentes a necessidade de garantir os controlos fiscais, na medida em que os fundos de pensões portugueses se encontravam sujeitos não apenas à legislação nacional, bem como a todo um conjunto de normas europeias. 3. As conclusões do Advogado-Geral Nas suas conclusões, o Advogado-Geral Mengozzi posicionou-se contra o argumento da República Portuguesa de que a restrição à livre de circulação de capitais era justificada pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal. Para o Advogado-Geral, a coerência do sistema fiscal seria, sim, assegurada se a isenção de IRC fosse alargada aos fundos de pensões não residentes. O Advogado-Geral defendeu também que a Directiva 77/799/CEE é um instrumento que permite aos Estados-Membros obter a informação considerada necessária pela legislação fiscal portuguesa, mas não é suficiente para justificar uma restrição à livre circulação de capitais. O Advogado-Geral entendeu, ainda, que a recolha de impostos não está relacionada com a efectividade do controlo fiscal. As Autoridades Portuguesas podem beneficiar da aplicação da Directiva 2008/55/CE e dos respectivos mecanismos de controlo para garantir a cobrança de créditos junto de outros EstadosMembros. Como tal, a proibição absoluta de beneficiar de uma isenção fiscal revela-se desproporcional. Por último, o Advogado-Geral Mengozzi seguiu ainda a posição da Comissão no sentido de considerar que o regime português não permitia que os fundos de pensões não residentes tivessem a oportunidade de demonstrar que ofereciam as mesmas garantias que os fundos de pensões residentes, bem como o regime legal a que se encontravam sujeitos. Para alcançar tal objectivo seria suficiente solicitar aos fundos de pensões não residentes que apresentassem prova do regime legal em que se encontravam a operar, além do que o Estado Português poderia recorrer às Directivas já mencionadas para garantir a cobrança de impostos e obter a informação que entendesse por necessária. 4. A apreciação do Tribunal O TJ seguiu as conclusões do Advogado-Geral Mengozzi e concluiu que a legislação portuguesa restringia a liberdade de circulação de capitais, violando os artigos 63.º do TFUE e 40.º do Acordo EEE. Este Tribunal invocou que as medidas proibidas pelo artigo 63.º do TFUE contemplam as que são susceptíveis de dissuadirem os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados. Pelo que, a legislação fiscal portuguesa ao exigir que os dividendos para estarem isentos sejam pagos a fundos de pensões que se constituam e operem em conformidade com o Direito Português, está a consagrar uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes, colocando estes últimos numa situação mais desfavorável, o que tem como consequência dissuadir os fundos de pensões não residentes de investirem em sociedades portuguesas e, em contrapartida, os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões. Ora, estamos em crer que, na óptica do Tribunal os fundos de pensões residentes e não residentes encontram-se numa situação objectivamente comparável quanto à distribuição de dividendos, pelo que não deviam estar sujeitos a um tratamento fiscal diferente. Note-se que a temática do diferente tratamento fiscal entre residentes e não residentes tem vindo a ser abordada pelo TJ em virtude de um tratamento tido por discriminatório aplicável a não residentes. Aliás, a jurisprudência europeia tem vindo a assumir uma importância fundamental na introdução e/ou alteração de normas na legislação fiscal de vários Estados- Membros, nomeadamente de Portugal, respeitantes ao tratamento fiscal de sujeitos passivos não residentes, na sequência de litígios em sede dos quais o TJ considerou que o tratamento fiscal atribuído pela legislação fiscal de Estados-Membros a sujeitos passivos não residentes, que se encontravam numa situação objectivamente 177 comparável à de residentes fiscais de um outro Estado-Membro, estava em clara violação do Direito Europeu. Em termos legais e de soberania fiscal, os Estados-Membros são livres de definir as suas regras de tributação directa dentro dos limites do Direito Internacional e dos acordos bilaterais fiscais que celebram entre si. Como tal, os Estados-Membros devem estabelecer as regras de tributação aplicáveis nos seus territórios. Tal é justificado pelo facto da tributação directa ser uma matéria da competência dos Estados-Membros, constituindo um dos últimos redutos de soberania dos mesmos e tal como atesta Dennis Weber, os Estados-Membros são livres de definir os factores de conexão para a alocação dos direitos de tributação, sendo que o TJ tem de respeitar a soberania tributária dos Estados-Membros. Acresce que a definição destas regras deve ser realizada, igualmente, em conformidade e em respeito pelo Direito Europeu e pelos princípios subjacentes ao mesmo, nomeadamente pelo princípio do primado do Direito Europeu sobre o direito interno dos Estados-Membros. Com excepção das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE (ex artigo 58.º do Tratado da Comunidade Europeia), sobre o alcance da livre circulação de capitais, o Tratado não faz uma referência expressa à tributação directa, nem nas disposições sobre liberdades fundamentais nem nas disposições sobre tributação ou harmonização. Este artigo determina que os Estados-Membros são livres de aplicarem as disposições pertinentes do seu Direito Fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não estejam em situação idêntica no que concerne ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o capital é investido. Prevê, ainda, que os Estados-Membros podem tomar todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. Neste contexto, a jurisprudência do TJ em matéria de tributação directa tem vindo a ser a mais importante fonte de Direito nesta matéria e o Tribunal como a instituição que melhor tem assegurado as liberdades fundamentais dos contribuintes. O primeiro acórdão do TJ que clarificou que as liberdades fundamentais também se aplicam à tributação directa foi o Acórdão Avoir Fiscal, em que foi determinado que qualquer discriminação alicerçada na nacionalidade, seja directa ou indirecta, actual ou potencial que obstaculize o exercício do direito de estabelecimento por parte de sociedades viola o Direito Europeu. Neste sentido, o TJ tem, também, procurado conformar o conceito de residência fiscal adoptado pelos Estados-Membros com o princípio da não-discriminação. Este princípio previsto no TFUE, como já anteriormente referimos, estabelece a não discriminação com base na nacionalidade, sendo a sua aplicação extensível a medidas que não fixando distinções com base na nacionalidade, usem critérios que conduzem ao mesmo resultado pois aplicam-se principalmente a nacionais de outros Estados membros, como é o caso da discriminação com base na residência. Mas, o princípio da não discriminação só actua quando se verifique a existência de um tratamento diferente de situações que na sua essência são semelhantes, ou o mesmo tratamento para situações intrinsecamente diferentes, sem que para tal exista uma justificação válida. A diferença de tratamento entre residentes e não residentes que se encontra prevista, basilarmente, em sede do Direito Fiscal Internacional tem vindo a ser acolhida e reflectida na jurisprudência europeia, no que tange em concreto à tributação directa, que reforçou o princípio, de acordo com o qual, residentes e não residentes não se encontram, regra geral, em situações comparáveis, pois são sujeitos passivos objectivamente diferentes, nomeadamente no que diz respeito à sua capacidade para pagar impostos e ainda quanto à sua fonte de rendimentos. Como tal, estas diferentes categorias de sujeitos passivos apenas devem beneficiar de um tratamento fiscal idêntico quando as situações em que se encontrem sejam, em termos objectivos, comparáveis, o que nos parece ter ocorrido no Acórdão que anotamos. Assim sendo, e estando os fundos de pensões estrangeiros a serem discriminados em função do lugar da sua residência, encontramo-nos perante a violação de uma das quatro liberdades 178 fundamentais que prevalece sobre a regra geral de que residentes e não residentes devem estar sujeitos a um tratamento fiscal distinto. O Tribunal considerou ainda que o argumento da coerência fiscal invocado pela República Portuguesa para justificar a restrição à liberdade de circulação de capitais não colhia neste caso em concreto. Note-se que noutros casos, o Tribunal já admitiu que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE, mas para tal tem de existir um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto, devendo o carácter directo deste nexo ser apreciado à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação em causa, o que manifestamente não se verificou, em concreto, neste Acórdão. Quanto ao argumento elencado pela República Portuguesa da necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, o Tribunal considerou que o mesmo não poderia ser considerado como uma justificação válida para a restrição à livre circulação de capitais que a República Portuguesa estava a praticar. O Estado Português defendeu que quanto à eficácia da fiscalização fiscal, que a legislação doméstica dos fundos de pensões apenas poderia beneficiar da isenção desde que os requisitos previstos na lei portuguesa fossem cumpridos. Ora, como os fundos de pensões não residentes não estavam sujeitos a tais requisitos, as autoridades fiscais não estariam em condições de garantir um controlo efectivo da isenção aplicável. O Tribunal considerou que negar tout court a isenção aos fundos de pensões a residentes em Estados-Membros da UE ou do EEE, sem ser dada a possibilidade de fornecerem todos os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais portuguesas verificar que tais fundos preenchem no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação portuguesa, consubstancia uma restrição sem qualquer justificação. Aliás, há que ter em consideração que actualmente com os instrumentos de Direito Europeu, nomeadamente as Directivas relativas à troca de informações e cobrança de impostos e de assistência mútua na recolha de impostos, não haveria motivo algum para não estender a isenção de tributação aos fundos de pensões residentes noutros Estados-Membros da UE ou do EEE. Note-se que o argumento dos controlos fiscais efectivos aparece associado ao do risco da evasão e fraudes fiscais e ao argumento da perda de receitas fiscais. Contudo, o Tribunal quando estão envolvidos EstadosMembros, não só não aceita em regra o argumento do risco de evasão e fraude por falta de possibilidade de fiscalização do comportamento do contribuinte, como proíbe as presunções inilidíveis ou as técnicas tipificantes, e exige que seja demonstrada a existência de um ―esquema puramente artificial‖. Ora, no Acórdão que anotamos o comportamento dos fundos de pensões não residentes poderia ser obviamente objecto de fiscalização, através da aplicação das Directivas, já mencionadas, relativas à assistência mútua no domínio dos impostos directos e à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos relativos a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas que lhes permitiria obter toda a informação considerada necessária, designadamente a exigida com base na legislação nacional, e os meios para cobrar eventuais dívidas fiscais junto dos fundos de pensões não residentes. Cumpre ainda referir que a jurisprudência do TJ tem sido no sentido de que apesar de um não residente que aufere dividendos poder ser tributado de modo diferente, não pode estar sujeito a uma tributação menos favorável que a aplicável aos residentes. Por outro lado, o Tribunal também determinou que um não residente não pode estar sujeito a um imposto que não existe para residentes e não deve ser imposta retenção na fonte ao pagamento de dividendos a não residentes se os mesmos não forem tributados internamente. Consequentemente, a decisão do Tribunal está em conformidade com a sua anterior jurisprudência. 179 5. As alterações introduzidas na legislação fiscal Portuguesa Na sequência do Acórdão objecto do nosso comentário, e de modo a dar cumprimento ao mesmo, o Orçamento do Estado para 2012 veio introduzir os n.ºs 7 e 8 ao artigo 16.º do EBF, determinando que estão isentos de IRC os rendimentos de fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro EstadoMembro da UE ou do EEE, neste último caso desde que esses Estado-Membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da UE, não imputáveis a um estabelecimento estável situado em território português. De modo a que esta isenção seja aplicável é necessário que os fundos de pensões reúnam os seguintes requisitos: a) Garantam exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pósemprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte; b) Sejam geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho; c) O fundo de pensões seja o beneficiário efectivo dos rendimentos; d) Tratando-se de lucros distribuídos, as correspondentes partes sociais sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano. Acresce que para que seja imediatamente aplicável a isenção de tributação, deve ser feita prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data de colocação à disposição dos rendimentos, da verificação dos requisitos referidos em a), b) e c) mediante declaração confirmada e autenticada pelas autoridades do Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu a quem compete a respectiva supervisão. Com esta alteração à legislação nacional, possibilitou-se que os rendimentos dos fundos de pensões não residentes passassem a beneficiar de isenção na respectiva distribuição, bem como deixou de existir um entrave ao investimento em sociedades portuguesas por fundos de pensões estrangeiros. 180 6. Considerações finais As decisões do TJ, como a ora analisada, têm vindo a acarretar profundas alterações na legislação fiscal portuguesa, nomeadamente esbatendo as diferenças de tratamento fiscal entre residentes e não residentes. Tal como já mencionado, a regra geral de que residentes e não residentes devem ser sujeitos a um tratamento fiscal distinto deixa de ser aplicável quando esteja em causa uma liberdade fundamental como é o caso da liberdade de circulação de capitais. Contudo, estas decisões não são isentas de crítica, até mesmo porque é necessário acautelar a soberania fiscal dos Estados-Membros e evitar que os não residentes, a final, passem a beneficiar de um tratamento fiscal mais favorável do que os residentes. Nesta decisão há ainda que reter que o argumento da coerência do sistema fiscal e a necessidade dos controlos fiscais não são aceites como justificação para a restrição à liberdade de circulação de capitais e que através do recurso a instrumentos de Direito Europeu, a República Portuguesa estaria em condições de obter toda a informação necessária e de garantir, caso se justificasse, a cobrança de impostos. Por fim, permanece a questão de saber se esta alteração à legislação fiscal portuguesa, bem como outras as que a antecederam e as que se lhe seguiram, equiparando residentes e não residentes para efeitos do respectivo tratamento fiscal, não conduzirá a uma perda crescente de soberania do sistema fiscal português e se não estaremos, de facto, a caminhar para uma descaracterização do elemento de conexão residência. 181 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21 de Julho de 2011 (C-518/09) TÂNIA CARVALHAIS PEREIRA Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62009CJ0518:PT:HTML Tipo: ação por incumprimento Partes: Comissão Europeia e República Portuguesa Objeto: Reconhecimento que a regulamentação das atividades de mediação e angariação imobiliária exercidas em território português restringe, de forma desproporcionada e injustificada, as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços Dispositivo: A República Portuguesa (i) ao só permitir o exercício de actividades de mediação imobiliária no âmbito de uma agência imobiliária, (ii) ao impor às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores estabelecidos noutros Estados Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa, (iii) ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados Membros à obrigação de dispor de capitais próprios positivos nos termos da lei portuguesa e (iv) ao sujeitar as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados Membros ao controlo disciplinar integral do Instituto de Construção e do Imobiliário IP, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de capitais; e (i) ao impor às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de mediação imobiliária, com excepção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros, e ao impor aos angariadores imobiliários a obrigação de exercer a título exclusivo a actividade de angariação, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da livre circulação de serviços e de capitais Tânia Carvalhais Pereira - Advogada e doutoranda da Faculdade Direito da Universidade Nova de Lisboa. 182 vii) Liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços de mediação e angariação imobiliária em Portugal I. Introdução O artigo ora introduzido tem por objeto a análise do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 21 de julho de 2011, proferido no âmbito do processo C-518/09, bem como a apreciação da estrutura argumentativa do Estado Português no âmbito do processo em apreço. Em 10 de dezembro de 2009 a Comissão Europeia intentou, ao abrigo do artigo 258.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), uma ação por incumprimento contra a Portugal, com fundamento no alegado incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE, relativos às liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços no seio da UE. A Comissão veio pedir ao TJUE que declarasse que a regulamentação das atividades de mediação e angariação imobiliária exercidas em território português aprovada pelo Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto, restringia, de forma desproporcionada e injustificada, as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços garantidas nos termos dos Tratados. Na pendência da decisão do TJUE, o regime das atividades de mediação e angariação imobiliária em Portugal foi alterado através do Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de junho, que entrou em vigor a 1 de julho, com o objetivo de adaptar os regimes de acesso e exercício das atividades de construção, mediação e angariação imobiliárias à Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro (Diretiva Serviços) 242. Em termos prático, e como procurarei demostrar no presente artigo, o legislador nacional acabou por aceitar, pelo menos parcialmente, os argumentos da Comissão e alterar o regime cuja conformidade com o direito europeu foi questionada nos autos em apreço. De salientar, igualmente, que após a prolação do acórdão do TJUE o legislador nacional não procedeu a qualquer alteração ao regime acima referido. Em 21 de julho de 2011, o TJUE, pronunciando-se sobre uma versão do Decreto-Lei n.º 211/2004 que, na prática, já não se encontrava em vigor, declarou que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE quando, no mesmo diploma legal: (i). restringiu o exercício da atividade de mediação imobiliária às agências imobiliárias (artigos 1.º, 2.º e 3.º); (ii). impôs às empresas de mediação e aos angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro em conformidade com a legislação portuguesa (artigo 6.º n.º 1 alínea e)); (iii). sujeitou as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados-Membros à obrigação de dispor de capitais próprios positivos nos termos da lei portuguesa (artigo 6.º n.º 1 alínea f) e n.º 2); (iv). sujeitou as empresas de mediação imobiliária e os angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros ao controlo disciplinar integral do Instituto de Construção e do Imobiliário I.P. (InCI) (artigos 21.º e 35.º); (v). impôs às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer, a título exclusivo, a atividade de mediação imobiliária, com exceção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros (artigo 3.º); e (vi). impôs aos angariadores imobiliários a obrigação de exercer a título exclusivo a atividade de angariação (artigo 4.º). Em face do exposto, cumpre questionar se, à data do acórdão, e tendo em conta as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 69/2011, o Estado Português permanecia, ou não, em 242 JOUE L 376/36, de 27.12.2006. Transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho. 183 situação de incumprimento das obrigações que lhe impendiam nos termos dos artigos 49.º e 56.º do TFUE, tema sobre o qual me deterei no presente artigo. II. Análise do acórdão 1. Objeto Na sua petição, a Comissão delimitou o objeto de apreciação do TJUE às questões de saber se Portugal cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.º e 56.° TFUE quando: (i). não previu a distinção entre estabelecimento e prestação temporária de serviços no que respeita às atividades de transação imobiliária de empresas de mediação e angariadores imobiliários; (ii). impôs a obrigação das empresas de mediação e dos angariadores imobiliários de outros Estados-Membros procederem a um registo para efeitos de prestação temporária de serviços no InCI, ficando ainda sob o seu controlo disciplinar integral; (iii). sujeitou os mesmos ao dever de garantir a responsabilidade emergente da atividade, através de seguro celebrado nos termos da lei portuguesa; (iv). sujeitou as empresas de mediação imobiliária estabelecidas noutros Estados-Membros ao dever de dispor de capital próprio positivo, nos termos da legislação portuguesa; e (v). impôs às empresas de mediação imobiliária e aos angariadores imobiliários a obrigação de exercício exclusivo da atividade de imediação e angariação imobiliária, respetivamente. A Comissão defendeu, igualmente, que as restrições acima referidas ultrapassavam o necessário para assegurar o exercício correto das atividades de imediação e de angariação imobiliárias. Em sua defesa, Portugal alegou, em resumo, que a aprovação do Decreto-Lei n.º 211/2004 teve por objetivo encorajar a profissionalização dos angariadores imobiliários e assegurar a transparência e qualidade dos serviços prestados por estes últimos, eliminando práticas instaladas que prejudicavam os direitos e interesses dos consumidores. Na ausência de harmonização a nível europeu, Portugal defendeu que os Estados-Membros gozariam de total liberdade na conformação do exercício dessas atividades no interior do seu território, sustentando ainda que a disciplina das mesmas, tal como se encontrava prevista no DL n.º 211/2004, era plenamente justificada por razões de ordem pública, em especial a prevenção de atividades criminosas e a repressão de comportamentos ilícitos. Por último, Portugal admitiu que não previu a distinção entre estabelecimento e prestação temporária de serviços no que respeita à atividade de empresas de mediação e de angariadores imobiliários, justificando-a todavia com a tutela de um certo nível de proteção dos consumidores que cabia a cada Estado-Membro garantir. Este argumento foi sustentado na natureza duradoura e contínua das atividades em causa, o que tornaria imprescindível a existência de um local de representação da empresa para o exercício da atividade de mediação imobiliária. Esta natureza justificaria, igualmente, a obrigatoriedade de um licenciamento prévio, como requisito de acesso e manutenção do exercício da atividade, justificado por razões imperativas de interesse geral do Estado Português. 2. Hermenêutica e metodologia próprias do TJUE Para além da aplicação de recursos hermenêuticos típicos das ciências jurídicas, o TJUE apela a critérios, parâmetros e a uma metodologia interpretativa própria quando chamado a verificar o cumprimento das obrigações que incumbem aos Estados-Membros ao nível da tutela das liberdades fundamentais garantidas nos termos dos Tratados. Como tal, conhecer e compreender as ―particularidades‖ da metodologia e hermenêutica do TJUE contribui para uma maior inteligibilidade das suas decisões. Chamado a pronunciar-se sobre o alegado incumprimento do Estado Português, o TJUE começou por reafirmar jurisprudência relativamente assente no que concerne à excecionalidade da admissão da positivação de medidas nacionais que, de alguma forma, restrinjam liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados, como sejam as liberdades de 184 estabelecimento e de prestação de serviços243. Nesses casos, o TJUE apenas vem admitindo como conformes ao direito europeu as medidas nacionais: (i). não discriminatórias; (ii). justificadas por razões imperativas de interesse geral; (iii). adequadas à realização do objetivo que prosseguem; e (iv). que não ultrapassem o necessário para alcançar esse objetivo. Atentos no exposto, e perante uma determinada medida nacional cuja conformidade com o direito europeu seja questionada, o intérprete deve começar por analisar se está perante uma medida discriminatória ou restritiva de uma liberdade fundamental garantida nos termos dos Tratados. Admitindo tal discriminação ou restrição, cumpre então testar se a mesma é justificável por razões imperativas de interesse público e, num segundo momento, se essa justificação é aceitável. Por último é necessário aferir se a justificação em causa é proporcional, latu sensu244, ou seja, se não existe qualquer outra forma menos discriminatória ou restritiva de tutelar o interesse público que justificou a discriminação ou restrição nos autos em apreço. Conhecida a metodologia de análise do TJUE sempre que esteja em causa uma alegada restrição de liberdades fundamentais garantidas nos termos dos Tratados, cumpre analisar se a argumentação do Estado Português percorreu cada uma das etapas do percurso metodológico de análise do TJUE, concluindo, em última instância, pelo cumprimento das obrigações que lhe incumbiam nos termos dos Tratados. 243 Cf., os acórdãos de 26 de abril de 1988, Bond van Adverteerders e o., 352/85, Colect., p. 2085, n.os 32 e 33, de 25 de julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda, C-288/89, Colect., p. 1-4007, n.° 11 e de 11 de junho de 2009, Comissão/Áustria, C-564/07, Colect. 2009 I-00100, n.° 31. 244 Ou seja, necessária, adequada e proporcional stricto sensu. 185 3.Estrutura argumentativa da República Portuguesa Tendo em atenção o que deixou assente no ponto anterior, entendo que a argumentação da República Portuguesa, em resposta às alegações da Comissão no caso em apreço, deveria ter-se centrado na demostração da inexistência, à partida, de qualquer restrição a uma liberdade fundamental garantida nos termos dos Tratados, ou admitindo a existência dessa restrição, na comprovação do carácter não discriminatório da legislação nacional aplicável, nos mesmos termos e com as mesmas exigências, a empresas e cidadãos nacionais e a empresas e cidadãos nacionais de outros Estados-Membros. Num segundo momento, e sem conceder, a argumentação deveria, em qualquer caso, pugnar por demostrar a justificação, adequação e proporcionalidade da regulamentação da atividade de mediação e angariação imobiliária no território nacional, o que a meu ver não foi convenientemente demostrado. No caso em apreço foi, de alguma forma e logo à partida, assumido pela República Portuguesa que o regime do DL n.º 211/2004 previa de uma restrição às liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços traduzida, essencialmente, na obrigatoriedade de licenciamento da atividade, em conformidade com o entendimento do TJUE, largamente reiterado, de que ―(…)uma legislação nacional que sujeite a realização de determinadas prestações de serviços no território nacional, por uma empresa estabelecida noutro Estado-Membro, à concessão de uma autorização administrativa constitui uma restrição à livre prestação de serviços‖245. Na ausência de harmonização destas matérias a nível europeu, toda a estrutura argumentativa da República Portuguesa assentou na defesa da total liberdade os Estados-Membros na conformação do exercício das atividades em causa e apenas, num segundo momento, na demostração da justificação do regime em apreço, invocando para o efeito razões imperativas de interesse geral, como seja a tutela dos direitos e interesses dos consumidos, que o TJUE já havia aceite, com algumas nuances, noutros processos 246. Não cuidou, todavia, a República Portuguesa de comprovar a existência de uma ameaça real e suficientemente grave capaz de legitimar a restrição a uma liberdade fundamental garantida nos termos dos Tratados, para o que não basta alegar a tutela dos direitos e interesses dos consumidores. Aos Estados-Membros é exigido que comprovem a existência de uma ameaça real e grave do interesse público para cuja salvaguarda não descortinam uma outra forma, menos gravosa, de tutela. Em apreciação da argumentação aduzida pela República Portuguesa, o TJUE começou por reiterar que ―(…) mesmo não havendo harmonização na matéria, considerações de ordem administrativa não podem justificar uma derrogação, por parte de um Estado-Membro, às regras do direito da União, isto tanto mais quanto a derrogação em causa equivale a restringir, e mesmo a excluir o exercício de uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (…)‖247. Superado o ―argumento de força‖ do Estado Português, o TJUE passou à análise do preenchimento das quatro condições cuja observância justifica a admissibilidade de medidas nacionais que possam obstar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados. Ora, no que respeita ao requisito do caráter não discriminatório da legislação nacional, o TJUE começou por referir que ―O artigo 56.° TFUE exige, por outro lado, não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços, em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado-Membro diferente daquele onde a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer 245 Cf. acórdão de 18 de novembro de 2010, Comissão/Portugal, C-458/08, JO C 13, de 15-01-2011, p. 2, n.º 86. No mesmo sentido cf. os acórdãos de 9 de agosto de 1994, Vander Elst, C-43/93, Colect., p. I-3803, n.° 15, de 9 de março de 2000, Comissão/Bélgica, C-355/98, Colect., p. I-1221, n.° 35, e de 29 de abril de 2004, Comissão/Portugal, C-171/02, Colect., p. I-5645, n.° 60. 246 Cf., entre outros, os acórdãos de 4 de dezembro de 1986, Comissão/França, n.° 20, 220/83, Colect., p. 3663, de 4 de dezembro de 1986, Comissão/Dinamarca, 252/83, Colect., p. 3713, n.° 20, e de 4 de dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, 205/84, Colect., p. 3755, n.° 30. 247 Cf. n.º 66. 186 restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos‖248e249, sem aferir, concretamente, do caráter discriminatório em apreço nos autos. Ora, tal como o TJUE a vem entendendo, a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes. Com efeito, segundo jurisprudência constante, a discriminação só pode consistir na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes 250. No entender da Comissão o caráter discriminatório da legislação nacional assentava no facto da República Portuguesa não ter em consideração, para efeitos de licenciamento das atividades em causa, os controlos e garantias a que as sociedades prestadoras de serviços de imediação e angariação imobiliária já estão sujeitas no EstadoMembro em que se encontram estabelecidas, caso em que haveria lugar a uma duplicação de exigências legais e mecanismos de controlo dos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros que, por isso, seriam objeto de tratamento discriminatório em face dos prestadores de serviços estabelecidos em território nacional. Ainda que não expresso com toda a clareza, o TJUE parece acompanhar o entendimento da Comissão que Portugal não rebateu. No que concerne à justificação de medidas nacionais invocadas por Portugal, o TJUE sublinhou que ―(…) a protecção dos consumidores figura entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão Collectieve Antennevoorziening Gouda, já referido, n.° 14). Todavia, segundo jurisprudência constante, a aplicação da regulamentação de um Estado-Membro destinada a garantir a realização desse objectivo legítimo deve ser indispensável para garantir a sua realização. Noutros termos, é necessário que o mesmo resultado não possa ser obtido através de normas menos restritivas (v., designadamente, acórdão Collectieve Antennevoorziening Gouda (…). Além disso, há que verificar que esse interesse não está já salvaguardado pelas regras do Estado-Membro onde o prestador de serviços está estabelecido (…)‖251. Em poucas palavras, o TJUE reiterou que não basta a invocação de uma razão imperiosa de interesse público, esta deve ainda ser necessária, adequada e proporcional, prova que, no entender do TJUE, e que acompanho, Portugal não apresentou. 248 Cf. n.º 63. 249 Cf. designadamente, os acórdãos de 25 de julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda, C-288/89, n.os 10 e 12, e de 25 de julho de, Säger, C-76/90, Colect., p. I-4221, n.° 12. 250 Cf. a título de exemplo, os acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect. 1995I00225, n.° 30, de 11 de agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect. 1995I02493, e de 29 de abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect. 1999I02651. 251 Cf., designadamente, acórdão de 23 de novembro de 1999, Arblade e o., C-369/96 e C-376/96, Colect., p. I-8453, n.° 34. 187 III. Considerações finais sobre a Conformidade do Regime em vigor com o Direito Europeu Como já referido no capítulo introdutório, mesmo antes da prolação da decisão do TJUE, o legislador nacional introduziu alterações no regime das atividades de angariação e mediação imobiliária. O Decreto-Lei n.º 69/2011 veio alterar 27 artigos e aditar 2 novos preceitos ao Decreto-Lei n.º 211/2004, de que se destacam as seguintes alterações com relevância no quadro em apreço: (i). as empresas de mediação e angariação imobiliária deixaram de estar sujeitas a um regime de exclusividade, podendo exercer outras atividades comerciais e profissionais, como a gestão de contratos de arrendamento e a administração de condomínios (artigo 3.º); (ii). deixou de ser exigido estabelecimento estável em Portugal para que os mediadores e angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros da UE prestem serviços em território nacional, desde que cumpram os requisitos aqui exigidos devidamente verificados pelo InCI (artigo 4.º-A); (iii). os prestadores de serviços de mediação estabelecidos noutro Estado-Membro deixaram de ser sujeitos a licenciamento prévio, passando a dever apresentar junto do InCI, antes da realização de cada serviço de mediação em território nacional, uma declaração em formulário próprio, acompanhada de documentação comprovativa dos requisitos de capacidade profissional constantes do artigo 7.º e da Lei n.º 9/2009, de 4 de março 252, para além de cópia do documento de autorização, ou equivalente, emitido pela autoridade competente do Estado-Membro de estabelecimento ou, no caso de tal não ser exigível, declaração, sob compromisso de honra, de que reúnem os requisitos para exercer a mesma atividade no Estado-Membro de estabelecimento; (iv). os prestadores de serviços de mediação estabelecidos noutro Estado-Membro devem ainda apresentar comprovativo da subscrição de seguro de responsabilidade civil, adequado à natureza e à dimensão do risco dos serviços a prestar, emitido por entidade seguradora legalmente estabelecida em qualquer Estado-Membro do Espaço Económico europeu (EEE) (artigos 4.º-A e 23.º); e (v). os angariadores imobiliários passaram a dever declarar, junto do InCI, a sua atividade temporária em território nacional, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 9/2009. De notar que antes ainda da prolação do acórdão do TJUE, o Tribunal Constitucional nacional (TC) declarou, com força obrigatória geral, no acórdão n.º 362/2011, de 12 de julho253, a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 211/2004, que vedada aos angariadores imobiliários o exercício de outras atividades comerciais ou profissionais. Proferido o acórdão pelo TJUE e declarado o incumprimento de Portugal tendo por base a versão originária do Decreto-Lei n.º 211/2004, cumpre agora aferir da conformidade do regime em apreço, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2011, com o direito europeu. No acórdão objeto da presente anotação, o TJUE concluiu que Portugal não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE quando, restringiu o exercício de atividades de mediação imobiliária às agências imobiliárias e de angariação imobiliária aos angariadores imobiliários, impôs às empresas de mediação e aos angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros a obrigação de cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro e da detenção de capitais próprios positivos em conformidade com a legislação portuguesa, e os sujeitou ao controlo disciplinar integral do InCI, para além de impor às empresas de mediação imobiliária a obrigação de exercer a título exclusivo a atividade de mediação imobiliária 254 e aos angariadores imobiliários, a atividade de angariação. Assim, e tendo em conta as alterações 252 Que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/36/CE, do Parlamento e do Conselho, de 7 de setembro, e a Diretiva n.º 2006/100/CE, do Conselho, de 20 de novembro. 253 Acórdão n.º 362/2011, processo 746/10, DR, 1.ª série, n.º 177, 14 de setembro de 2011, pp. 44644468. 254 Com exceção da gestão de bens imóveis por conta de terceiros. 188 introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 69/2011 e os efeitos do acórdão do TC acima referido, desde pelo menos 12 de julho de 2011, Portugal deixou de limitar o objeto de atividade das empresas de mediação e dos angariadores imobiliários e de exigir o estabelecimento estável em Portugal para a prestação desses serviços em território nacional. Em conformidade com o disposto no novo artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 211/2004, introduzido pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 69/2011, as empresas de mediação e aos angariadores imobiliários estabelecidos noutros Estados-Membros continuam a dever cobrir a sua responsabilidade profissional através da subscrição de um seguro que passou, todavia, a poder ser emitido por uma entidade seguradora legalmente estabelecida em qualquer Estado-Membro do EEE. Tudo assente, e acompanhando, sem reservas, a argumentação do TJUE no acórdão objeto de análise no presente artigo, que Portugal acabou por, antecipada e parcialmente, acolher aquando da alteração do regime de mediação e angariação imobiliária levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 69/2011, entendo que ficou apenas por resolver a questão da conformidade com o direito europeu da reserva do exercício da atividade de mediação imobiliária às empresas de mediação imobiliária, em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º 8/2004, de 10 de março, que autorizou o Governo a regular o exercício das atividades de mediação e angariação imobiliária, e nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 211/2004. Assim sendo, e na ausência de uma alteração legislativa neste domínio, permanece a dúvida quanto ao cumprimento, por parte da República Portuguesa, das obrigações que lhe incumbem ao abrigo dos artigos 49.º e 56.º do TFUE, ao continuar a ―(…) só permitir o exercício de atividades de mediação imobiliária no âmbito de uma agência imobiliária‖, não podendo, por este facto, ser excluída a possibilidade da sua eventual responsabilização junto das instâncias europeias. 30 de julho de 2012 189 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção), de 17 de Março de 2011 (C-95/10) SOPHIE PEREZ FERNANDES Publicação: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62010CJ0095:PT:HTML Tipo: Reenvio Prejudicial Partes: Strong Segurança SA contra Município de Sintra e Securitas-Serviços e Tecnologia de Segurança Objecto: interpretação das disposições pertinentes da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços Dispositivo: a Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não obriga os Estados Membros a aplicar o seu artigo 47.°, n.° 2, também aos contratos relativos a serviços constantes do anexo II B desta última. Contudo, a mesma directiva não impede os Estados Membros e, eventualmente, as entidades adjudicantes de preverem, respectivamente, na sua legislação e na documentação relativa ao contrato, a sua aplicação. Sophie Perez Fernandes - Assistente Convidada da Escola de Direito da Universidade do Minho. 190 viii) Do direito da União Europeia aplicável aos procedimentos de adjudicação dos contratos de serviços parcialmente abrangidos pela Diretiva 2004/18 – Comentário ao Acórdão Strong Segurança SA contra Município de Sintra e Securitas-Serviços e Tecnologia de Segurança (Processo C-95/10) Introdução O Acórdão Strong Segurança255, objeto do presente comentário, insere-se no âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJ) pela qual as regras e os princípios fundamentais relativos ao mercado interno são aplicáveis aos contratos não abrangidos ou parcialmente abrangidos pelas diretivas relativas aos contratos públicos. Em causa estava a interpretação da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (doravante «Diretiva 2004/18»)256, no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato de serviços abrangidos pelo anexo II B da referida diretiva. Da situação de facto e das questões prejudiciais O acórdão em apreço, datado de 17 de março de 2011, foi proferido pelo TJ na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito de um litígio que opunha a sociedade Strong Segurança SA (doravante «Strong Segurança») ao Município de Sintra a propósito da adjudicação de um contrato de serviços de vigilância e segurança para instalações municipais. O Município de Sintra abriu concurso público internacional para aquisição de serviços de vigilância e segurança para instalações municipais para os anos de 2009 e 2010. Publicado no Jornal Oficial da União Europeia (a 15 de julho de 2008), o referido concurso regia-se pelos respetivos programa do concurso e caderno de encargos, devendo a adjudicação ser feita segundo o critério da proposta global economicamente mais vantajosa. A Strong Segurança concorreu, apresentando para o efeito os documentos necessários. No que se refere, em especial, aos documentos a apresentar para avaliar a capacidade económico-financeira dos concorrentes exigidos no programa do concurso, a Strong Segurança apresentou documentos seus (nomeadamente a declaração de IRC e respetivos anexos A de 2007, 2006 e 2005), bem como da sociedade Trivalor (SGPS) SA (doravante «Trivalor») (nomeadamente o Relatório e Contas Consolidadas dos anos de 2007, 2006 e 2005)257, instruindo adicionalmente a sua proposta com uma carta de conforto da sociedade Trivalor, na qual esta se comprometia a garantir que a Strong Segurança detinha os meios técnicos e financeiros indispensáveis à boa execução do contrato e a indemnizar o Município de todos os prejuízos sofridos por qualquer impedimento de boa execução contratual258. No seu relatório preliminar, de 17 de outubro de 2008, o júri do concurso propôs a adjudicação do contrato à Strong Segurança. A 21 de outubro de 2008, os concorrentes foram notificados para se pronunciarem por escrito sobre a referida proposta. Na sequência das alegações apresentadas em sede de audiência de interessados, e em especial das alegações apresentadas por uma sociedade concorrente, o júri do concurso propôs, no seu primeiro 255 Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de Março de 2011, Strong Segurança SA contra Município de Sintra e Securitas-Serviços e Tecnologia de Segurança, Processo C-95/10, Colet. 2011, não publicado, disponível em www.curia.europa.eu (doravante «Acórdão Strong Segurança»). 256 JO L 134, de 30/04/2004, pp. 114-240. 257 Cfr. Acórdão do STA (2ª Subsecção do Contencioso Administrativo) de 20 de janeiro de 2010, Processo n.º 01108/09, Políbio Henriques (Relator), disponível em www.dgsi.pt (doravante «Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010»), em especial as alíneas C), F), G), H) e I) da parte 2.1. 258 Cfr. Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 17. 191 relatório final (14 de janeiro de 2009), a exclusão da Strong Segurança e a adjudicação do contrato àquela mesma sociedade concorrente. Notificada para se pronunciar sobre o referido relatório, a Strong Segurança alegou que a deliberação do júri violava o disposto no art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18, por não ter em consideração as contas consolidadas da sociedade Trivalor. O júri do concurso não acolheu o argumento, alegando, entre outros, que a Strong Segurança não havia feito prova, através de certidão da conservatória do registo predial, de que a sociedade Trivalor detinha 100% do seu capital social, nem junto os documentos exigidos para a avaliação da capacidade económicofinanceira da Trivalor, sem ter solicitado esclarecimentos sobre a documentação necessária para o efeito259. No seu segundo relatório final, de 28 de janeiro de 2009, o júri do concurso manteve, pois, a sua decisão de excluir a Strong Segurança e de propor a adjudicação do contrato à referida sociedade concorrente. Por deliberação de 11 de fevereiro de 2009, a Câmara Municipal de Sintra aprovou a proposta e decidiu adjudicar àquela sociedade concorrente os serviços de vigilância e segurança para instalações municipais para os anos de 2009 e 2010. O contrato foi celebrado a 20 de fevereiro de 2009, com início a 1 de março de 2009 e terminus a 31 de dezembro de 2010. Inconformada, a Strong Segurança intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, uma acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Município de Sintra. Tendo a acção sido julgada improcedente, por sentença mantida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, a sociedade interpôs recurso de revista para o STA que suscitou o reenvio prejudicial para o TJ. A questão colocada ao STA em sede de revista e, depois, ao TJ em sede de reenvio prejudicial, prendia-se no essencial com o âmbito de aplicação do art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18: importava saber se o mesmo se aplicava ou não ao concurso público internacional concretamente em causa. Inserido no Título II, Capítulo VII, Secção II, da Diretiva 2004/18, o referido art. 47.º, sob a epígrafe «Capacidade económica e financeira», dispõe, no seu n.º 2, o seguinte: «Um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que disporá efectivamente dos recursos necessários, por exemplo, através da apresentação do compromisso de tais entidades nesse sentido.» No quadro da Diretiva 2004/18, o setor dos serviços encontra-se dividido em duas «categorias que correspondem a posições específicas de uma nomenclatura comum [reunidos] em dois anexos, II A e II B, consoante o regime a que estão sujeitos.» 260 Os contratos relativos aos serviços que figuram no anexo II A estão sujeitos à «aplicação integral» da Diretiva 2004/18; os contratos relativos aos serviços que figuram no anexo II B estão sujeitos a um «regime de vigilância» durante um período transitório e até ser tomada uma decisão sobre a aplicação integral da Diretiva 2004/18 a esses contratos261. Os arts. 20.º e 21.º da Diretiva refletem tal divisão: o primeiro determina a aplicação aos contratos de serviços enumerados no anexo II A dos arts. 23.º a 55.º da Diretiva, ao passo que o segundo sujeita os contratos de serviços abrangidos pelo anexo II B aos arts. 23.º e ao n.º 4 do art. 35.º da Diretiva. Ora, no caso, o contrato em causa tinha por objeto serviços de vigilância e segurança, sendo que apenas no anexo II B, categoria 23, se encontra uma referência a «serviços de segurança». Por isso, pretendia o STA saber se o art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18, para o 259 Cfr. Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010, cit., alínea U) da parte 2.1. 260 Considerando 18 da Diretiva 2004/18. A distinção não foi introduzida de novo pela Diretiva 2004/18, já existindo no quadro da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, de 24/07/1992, pp. 1-24), revogada pela Diretiva 2004/18 (art. 82.º) (doravante «Diretiva 92/50»). 261 Cfr. Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 28, bem como considerando 19 da Diretiva 2004/18. 192 qual o art. 21.º da mesma não remete, «é, ou não, aplicável ao concurso em causa que tem por objecto um dos serviços referidos no anexo II B.»262 Da resposta do Tribunal de Justiça A questão levantada263 pelo STA prendia-se, pois, com o âmbito de aplicação do art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18: importava determinar se o mesmo era «aplicável também aos contratos que tenham por objecto serviços abrangidos pelo anexo II B desta directiva, apesar de isso não resultar da letra das outras disposições pertinentes da directiva, designadamente do seu artigo 21.º»264 O TJ baseou a sua resposta numa interpretação literal, sistemática e teleológica da Diretiva 2004/18, para concluir que esta «não obriga os Estados-Membros a aplicar o seu artigo 47.°, n.º 2, também aos contratos relativos a serviços constantes do anexo II B desta última.»265 A preocupação do TJ foi, no essencial, preservar o efeito útil266 da distinção operada pela Diretiva 2004/18 entre os contratos de serviços consoante figurem no respetivo anexo II 262 Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010, cit., parágrafo 17 da parte 2.2. 263 O STA também questionou o TJ sobre o eventual efeito direto da norma do art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18. A questão colocava-se na medida em que, no momento em que se iniciou o procedimento concursal, a Diretiva 2004/18 ainda não havia sido transposta para o ordenamento jurídico português, vindo a ser transposta já depois de esgotado o respetivo prazo de transposição (31 de Janeiro de 2006). Ora, o Decreto-lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que procedeu à transposição da Diretiva e aprovou o Código dos Contratos Públicos, entrou em vigor seis meses após a sua publicação, sendo apenas aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após essa data (cfr. arts. 16.º e 18.º). Deste modo, no caso, o procedimento concursal iniciado pelo Município de Sintra iniciou-se 1) antes da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, não lhe sendo aplicável, mas 2) depois de esgotado o prazo de transposição da Diretiva 2004/18. O STA pretendia, pois, saber se «a despeito da falta de transposição, [o art. 47.º, n.º 2] da Directiva produzia já, na ordem interna, o denominado efeito directo vertical, quer obviando a insuficiência do direito interno, quer paralisando a sua aplicação quando contrário à norma comunitária.» – Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010, cit., parágrafo 22 da parte 2.2. Nestes termos, o STA decidiu submeter ao TJ as seguintes questões prejudiciais: «1) O art. 47º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, depois de 31/1/2006, é directamente aplicável na ordem interna no sentido de que confere aos particulares um direito que estes podem fazer valer contra os órgãos da administração portuguesa? 2) Em caso afirmativo, a despeito do disposto no art. 21º da mesma Directiva, o preceito é aplicável aos contratos que tenham por objecto os serviços referidos no anexo II B?» – Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010, cit., parágrafo 32 da parte 2.2; cfr, também, Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 23. Tendo a resposta do TJ sido negativa para a segunda questão prejudicial, no sentido de o art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18 não ser concretamente aplicável, não se tornava necessário apurar se o referido artigo preenchia ou não as condições definidas na jurisprudência do TJ para produzir efeito direto, pelo que o TJ não respondeu à segunda questão prejudicial – Cfr. Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 47. Sobre a questão do eventual efeito direto do art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18 apenas se pronunciou o STA que considerou a primeira parte da norma «clara, precisa, incondicional e suficiente, não deixando para os estados-membros qualquer poder de conformação». As dúvidas prendiam-se, pois, com a segunda parte da norma, que parecia deixar «para os estados-membros alguma margem de apreciação quanto ao que deve ser provado e aos meios de prova exigíveis para que o operador económico demonstre à entidade adjudicante a sua capacidade económica e financeira quando recorre às capacidades de outras entidades.» – cfr. Acórdão STA 20 de janeiro de 2010, cit., parágrafo 23 da parte 2.2; cfr., também, Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 21. 264 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 24. 265 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 46. 266 Cfr. Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 42. 193 A ou anexo II B, distinção «indicada sem ambiguidades nos seus considerandos.»267 A Diretiva 2004/18, à semelhança da Diretiva 92/50, prevê, assim, uma «aplicação em dois níveis das suas disposições»268: então que o art. 20.º prevê, no que toca aos contratos de serviços abrangidos pelo anexo II A, «a aplicação praticamente integral das disposições desta directiva», o art. 21.º «remete unicamente para os artigos 23.° e 35.°, n.º 4, impondo assim, relativamente aos contratos de serviços que figuram no anexo II B, às autoridades adjudicantes ―apenas‖ as obrigações relativas às especificações técnicas desses contratos e a obrigação de informar a Comissão dos resultados dos processos de adjudicação.»269 A título preliminar, o TJ concluiu, pois, que «o sistema instituído pela Directiva 2004/18 não cria directamente para os Estados-Membros a obrigação de aplicar o artigo 47.°, n.º 2, desta directiva também aos contratos públicos de serviços abrangidos pelo seu anexo II B.»270 Contudo, o TJ não deixou de atender à sua jurisprudência, de que é célebre exemplo o Acórdão Telaustria271, pela qual, apesar de certos «contratos [estarem] excluídos do âmbito de aplicação das directivas comunitárias relativas aos contratos públicos272, as entidades adjudicantes que os celebram estão, no entanto, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado.»273 No Acórdão Strong Segurança, o TJ refere-se ao Acórdão Comissão c. Irlanda de 2007274, no qual estava em causa o regime de publicidade previsto pela Diretiva 92/50 para os contratos de serviços abrangidos pelo respetivo anexo I B, correspondente ao anexo II B da Diretiva 2004/18. Explica o TJ que o legislador da União partiu da presunção de que tais contratos «não têm, a priori, tendo em conta a sua natureza específica, um interesse transfronteiriço susceptível de justificar que a sua adjudicação se faça na sequência de um processo de concurso que vise permitir a empresas de outros Estados-Membros tomarem conhecimento do anúncio de concurso e apresentarem propostas.» Contudo, quando revistam um «interesse transfronteiriço certo», tais contratos estão «sujeitos aos princípios gerais da transparência e da igualdade de tratamento» 267 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 26. 268 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 33. Aí o TJ retoma o seu Acórdão Felix Swoboda (Quinta Secção), de 14 de novembro de 2002, Processo C-411/00, Colet. 2002, p. I-10567, considerando 55. 269 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 30. 270 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 35. 271 Acórdão Telaustria, de 7 de dezembro de 2000, Processo C-324/98, Colet. 2000, p. I-10745. Neste acórdão, o TJ refere expressamente que apesar de certos «contratos estarem, na fase actual do direito comunitário, excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 93/38, as entidades adjudicantes que os celebram estão, no entanto, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado em geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular», princípio do qual extraiu uma obrigação de transparência que «consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à concorrência dos contratos de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação.» – cfr. considerandos 60 a 62. 272 Não só os contratos de serviços abrangidos pelo anexo II B da Diretiva 2004/18, mas também pelo anexo XVII B da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, de 30/04/2004, pp. 1-113), bem como os contratos de valor inferior aos limiares previstos no art. 7.º da Diretiva 2004/18 e no art. 16.º da Diretiva 2004/17. 273 Acórdão Bent Mousten Vestergaard, de 3 de dezembro de 2001, Processo C-59/00, Colet. 2001, p. I-9505, considerando 20 (onde o TJ se refere ao Acórdão Telaustria, cit., considerando 60). 274 Acórdão do TJ Comissão c. Irlanda (Grande Secção), de 13 de novembro de 2007, Processo C507/03, Colet. 2007, p. I-9777 (doravante «Acórdão Comissão c. Irlanda de 2007»). 194 decorrentes dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, consagrados nos arts. 49.º e 56.º do TFUE275. Por isso, para o caso de o contrato revestir um «interesse transfronteiriço certo» – «o que cabe ao tribunal de reenvio verificar, designadamente tendo em conta o facto de, no processo principal, o aviso de concurso ter sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia»276 –, o TJ passou a apreciar se da aplicação daqueles princípios poderia decorrer uma obrigação como a prevista no art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18. Assim, apesar de a letra do art. 21.º da Diretiva excluir a aplicação do preceito aos contratos de serviços abrangidos pelo anexo II B, a consideração dos princípios gerais da transparência e da igualdade de tratamento poderia determinar resultado diferente – ao que o TJ também respondeu pela negativa. No que se refere ao princípio da transparência, o TJ avançou dois argumentos. Por um lado, a não imposição de uma obrigação como a prevista no art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18 no quadro de um contrato de serviços abrangido pelo anexo II B não viola o princípio da transparência simplesmente porque «a impossibilidade de um operador económico invocar a capacidade económica e financeira de outras entidades não tem nenhuma relação com a transparência do processo de adjudicação de um contrato.» Por outro lado, as disposições aplicáveis nos termos do art. 21.º da Diretiva salvaguardam a transparência do procedimento de adjudicação. As especificações técnicas que devem constar dos documentos do concurso nos termos do art. 23.º e os deveres de informação das entidades adjudicantes relativamente aos resultados do procedimento de adjudicação resultantes do art. 35.º, n.º 4, visam «igualmente assegurar o grau de transparência correspondente à natureza específica desses contratos.»277 No que diz respeito ao princípio da igualdade de tratamento, o TJ começou por afirmar que a inexistência de uma obrigação como a prevista no artigo 47.°, n.º 2, da Diretiva 2004/18 no quadro da adjudicação de contratos de serviços constantes do anexo II B «não acarreta nenhuma discriminação, directa ou indirecta, com base na nacionalidade ou no lugar de estabelecimento.»278 Acrescentou que tal abordagem extensiva do princípio conduziria, certo, à aplicação de disposições essenciais da Diretiva 2004/18279, mas poria em risco o «efeito útil da distinção entre os serviços do anexo II A e do anexo II B feita pela Directiva 2004/18, bem como a respectiva aplicação em dois níveis.»280 Para além destes, outros argumentos foram esgrimidos. 275 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 35; cfr., também, Acórdão Comissão c. Irlanda de 2007, cit., considerandos 25, 26 e 29 a 31, e Acórdão Comissão c. Irlanda, de 18 de novembro de 2010, Processo C-226/09, Colet. 2010, p. I-11807, considerando 31. Na sua Comunicação interpretativa sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos (JO C 179, de 01/08/2006, pp. 3-7), na qual a Comissão explicita a sua interpretação da jurisprudência do TJ, a Comissão refere-se a este propósito ao princípio da livre circulação de mercadorias, ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços, bem como aos princípios da não-discriminação e da igualdade de tratamento, da transparência, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo. 276 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 38. 277 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 39. 278 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 41. 279 O argumento foi avançado pelo STA no seu acórdão de 20 de janeiro de 2010. Com efeito, o STA justificou as suas dúvidas quanto à norma do art. 21.º da Diretiva 2004/18 pelo facto de uma interpretação «estritamente literal» do preceito conduzir à não aplicação, «para a espécie de contratos de serviços do anexo II B, normas tão essenciais como as que, por exemplo, regulam a evolução do processo (art. 44.º) e fixam os critérios de selecção qualitativa (arts. 45.º a 52.º) e os critérios de adjudicação (arts. 53.º a 55.º).» – Acórdão STA de 20 de janeiro de 2010, cit., parágrafo 29 da parte 2.2. 280 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 42. 195 Nas suas observações, a Comissão alegou que o princípio da concorrência efetiva previsto na Diretiva 2004/18 permitiria fundamentar uma obrigação semelhante à decorrente do seu art. 47.º, n.º 2, no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos de serviços abrangidos pelo anexo II B. O TJ não acolheu o argumento. Muito embora a abertura dos contratos públicos à concorrência constitua o «objectivo essencial» da Diretiva, o TJ não considerou que fosse suficiente para fundamentar uma interpretação contra legem da mesma: o princípio da concorrência efetiva «não pode conduzir a uma interpretação contrária aos […] termos claros [da Directiva 2004/18], que não incluem o seu artigo 47.°, n.º 2, nas disposições que as entidades adjudicantes são obrigadas a aplicar na adjudicação de contratos cujo objecto sejam serviços abrangidos pelo anexo II B desta directiva.»281 O TJ finalizou a sua argumentação aludindo à «natureza específica» dos contratos de serviços abrangidos pelo anexo II B da Diretiva 2004/18. Assim, alguns desses serviços, entre os quais os serviços de segurança, revestem «características particulares» que justificam que a entidade adjudicante considere «de modo personalizado e específico» as propostas dos candidatos282 – consideração personalizada e específica que pode não ser compatível com a obrigação prevista no art. 47.º, n.º 2, da Diretiva. Deste modo, concluiu o TJ que «os princípios gerais da transparência e da igualdade de tratamento não impõem às entidades adjudicantes uma obrigação como a consagrada no artigo 47.°, n.° 2, da Directiva 2004/18 no que toca aos contratos relativos aos serviços constantes no anexo II B desta última.»283 Contudo, o TJ não se ficou por aí. Se a Diretiva 2004/18 não impõe a aplicação do art. 47.º, n.º 2, ou o cumprimento de uma obrigação como a obrigação aí prevista, aos contratos de serviços abrangidos pelo respetivo anexo II B, também não impede que os Estados-membros ou as entidades adjudicantes o façam. Faz notar o TJ que o legislador da União, muito embora (ainda) não imponha a aplicação do art. 47.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18 a tais contratos de serviços, «também não proíbe aos Estados-Membros e, eventualmente, a uma entidade adjudicante que prevejam, respectivamente, na sua legislação e na documentação relativa ao contrato, a aplicação da referida disposição a esses contratos.»284 Conclusão O TJ respondeu, pois, à questão colocada pelo STA no sentido de que «[…] a Directiva 2004/18 não obriga os Estados-Membros a aplicar o seu artigo 47.°, n.º 2, também aos contratos relativos a serviços constantes do anexo II B desta última. Contudo, a mesma directiva não impede os Estados-Membros e, eventualmente, as entidades adjudicantes de preverem, respectivamente, na sua legislação e na documentação relativa ao contrato, a sua aplicação.»285 Considerando que o Acórdão Strong Segurança «não deixa margem para dúvidas», o STA, por acórdão de 7 de junho de 2011, decidiu em conformidade: porque «a directiva não obriga a aplicar o seu artigo 47.º, n.º 2, também aos contratos relativos a serviços constantes do anexo II B», no caso concreto «a entidade adjudicante não estava obrigada a considerar as contas consolidadas da [sociedade Trivalor] para preenchimento do requisito da capacidade financeira da recorrente [sociedade Strong Segurança].» 286 O Acórdão Strong Segurança insere-se na jurisprudência assente do TJ que tem insistido na necessidade de não perder de vista a importância dos princípios gerais de direito da União Europeia no âmbito particular dos contratos públicos, especialmente no âmbito dos 281 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 37. 282 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 43. 283 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 44. 284 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 45. 285 Acórdão Strong Segurança, cit., considerando 46. 286 Acórdão do STA (2ª Subsecção do Contencioso Administrativo) de 7 de junho de 2011, Processo n.º 01108/09, Políbio Henriques (Relator), disponível em www.dgsi.pt, parágrafo 22 da parte 2.2. 196 contratos não abrangidos ou parcialmente abrangidos pelas diretivas vigentes na matéria. Trata-se, contudo, de uma zona cinzenta de aplicação e interpretação do direito da União na medida em que tais princípios, embora aplicáveis, não o são com o mesmo alcance que no âmbito de procedimentos de adjudicação de contratos abrangidos por aquelas diretivas. A decisão proferida pelo TJ no Acórdão Strong Segurança vai, assim, ao encontro da preocupação manifestada por Paolo Mengozzi nas suas Conclusões de 29 de junho de 2010 de «evitar considerar automaticamente idêntico» o alcance que os princípios da transparência e da igualdade de tratamento têm nos contratos sujeitos à Diretiva 2004/18 e nos contratos a ela não sujeitos ou parcialmente sujeitos. O risco é, nas palavras do Advogado-Geral, de se abrirem as «portas para aplicar, de modo sub-reptício, a directiva a toda uma série de casos aos quais o legislador explicitamente considerou não dever aplicá-la.»287 No seu «Livro Verde sobre a modernização da política de contratos públicos da UE – Para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa» de 2011, a Comissão admite que a distinção entre os denominados serviços «A» e serviços «B» seja uma «fonte de problemas e de possíveis erros na aplicação da regulamentação». A Comissão repara que, atendendo ao caráter aberto da lista de serviços «B», «a aplicação integral das directivas ao sector dos serviços é, de facto, a excepção», sendo a regra o tratamento como serviço «B». Para além dos problemas em torno da classificação dos contratos, tal sistema dualista exige, na prática – como resulta da decisão do TJ no Acórdão Strong Segurança –, que as entidades adjudicantes apreciem o interesse transfronteiriço que o contrato de serviços «B» a celebrar possa ter para, existindo, apreciar o alcance com que os princípios da transparência e da igualdade de tratamento, decorrentes do direito de estabelecimento e do princípio da livre prestação de serviços, serão in casu aplicáveis. Os problemas de aplicação são, pois, evidentes, não sendo por acaso que a Comissão tenha a eliminação da distinção, e a aplicação de um regime uniformizado a todos os contratos de serviços, como a «solução mais consequente» com a «vantagem de simplificar as regras em vigor»288. 287 Conclusões do Advogado-Geral Paolo Mengozzi, de 29 de junho de 2010, Processo C-226/09, Colet. 2010, p. I-11807, considerando 44. 288 Cfr. «Livro Verde sobre a modernização da política de contratos públicos da UE – Para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa», Bruxelas, 27/01/2011, COM(2011) 15 final, disponível em www.eur-lex.europa.eu, 8-9. 197 6) Comentário ao Caso Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira c. Portugal Acórdão da 2ª Secção de 11 de Janeiro de 2011 / Registo nº 4035/08 Cátia Sofia Martins Duarte* Comentário: As razões que ditaram o recurso de Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) remontam ao ano de 2003, em meados de Janeiro, quando, na qualidade de líderes do partido político do Bloco de Esquerda de Castelo Branco decidiram convocar uma conferência de imprensa para denunciar e expor um alegado caso de corrupção realizado pelo médico F.J., à altura, também, presidente do partido político PSD de Castelo Branco. No decorrer da conferência de imprensa os recorrentes, ambos naturais de Castelo Branco, formularam várias acusações contra o então presidente do PSD, da mesma localidade, entre as quais as de corrupção e participação económica em negócio. Os militantes do Bloco de Esquerda quiseram alertar para o facto de o serviço de oftalmologia do Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco se encontrar em visível estado de deterioração devido à negligência consciente do médico F.J.. Aparentemente, este último estaria a permitir a degradação de tal serviço através do ―desvio‖ de material clínico para uma clínica privada da qual seria associado de outros médicos do Hospital de Castelo Branco. Para além disso, estes médicos, sócios do médico F.J., durante um longo período de tempo teriam interrompido as cirurgias oftalmológicas no Hospital Público de Castelo Branco, sem razão aparente. Depois de feitas as declarações, os militantes do Bloco de Esquerda informaram, ainda, que teriam denunciado o crime de corrupção contra o médico F.J. junto do Ministério Público de Castelo Branco. Esta denúncia, contudo, acabou por ser arquivada pelo Ministério Público. No dia 17 de Junho de 2004 o médico e presidente do PSD de Castelo Branco como forma de resposta às declarações feitas na conferência de imprensa apresenta queixa-crime, por difamação, contra os dois líderes do Bloco de Esquerda, constituindo-se para o efeito assistente. O Ministério Público deduziu acusação por difamação contra os militantes do Bloco de Esquerda e estes últimos fundamentaram a sua defesa invocando a figura da exceptio veritatis, isto é, em como as suas declarações não deveriam ser tipificadas como ofensivas da honra do assistente por corresponderem a factos verdadeiros. Por sentença, datada do dia 22 de Fevereiro de 2006, o Tribunal Judicial de Castelo Branco, absolveu os réus, decidindo que todos os factos invocados no processo indiciavam que o assistente seria efectivamente culpado dos crimes denunciados pelos réus e remeteu os factos para o Ministério Público para possível acusação do médico. A motivação da sentença da 1ª instância baseou-se no depoimento dos réus, desvalorizando o depoimento das testemunhas do assistente por os entender tendenciosos e desconexos com a matéria a tratar naquele processo. Este tribunal adoptou, portanto, a teoria dos réus da exceptio veritatis. O médico F.J. recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, vindo esta instância a julgar o recurso de modo completamente antagónico à decisão de primeira instância. Por acórdão do dia 18 de Julho de 2007 decide o Tribunal de recurso anular a sentença de primeira instância proferida pelo Tribunal Judicial de Castelo Branco determinando que os réus seriam efectivamente culpados de um crime de difamação, nos termos do disposto nos artigos 180º e 183º, nº2 do Código Penal, condenando-os a 180 dias de multa, isto é, 1800€. *Cátia Sofia Martins Duarte - advogada-estagiária, pós-graduada em Direitos Humanos. 198 O Tribunal da Relação não considerou que os factos que fundamentaram a sentença de primeira instância fossem suficientes para absolver os réus. O Tribunal da Relação de Coimbra acabou por modificar os factos juridicamente relevantes apurados pelo Tribunal de primeira instância e decidiu que esses mesmos factos, por si só, não poderiam indiciar a prática de qualquer crime por parte do assistente, logo a teoria da exceptio veritatis não se aplicaria naquele caso concreto, existindo efectivamente uma ofensa à honra do médico F.J. A 14 de Janeiro de 2008 os recorrentes Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira decidem formular uma petição individual, junto do TEDH, contra o Estado português, de acordo com o artigo 34º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) com base na violação do direito a um processo equitativo, artigo 6º da CEDH, e ainda pela violação do direito à liberdade de expressão, consignado no artigo 10º da CEDH. O TEDH só considerou estarem preenchidas as condições de admissibilidade da petição quanto à violação do artigo 10º da CEDH e não quanto ao artigo 6º da mesma base legal. Por quatro votos contra três, a 11 de Janeiro de 2011, o TEDH decidiu que neste caso o Estado português não violou o artigo 10º da CEDH. Este acórdão poderá suscitar alguma controvérsia porque vem, de certa forma, contrariar a forte tendência jurisprudencial do TEDH em conceder uma determinada primazia à liberdade de expressão quando em confronto com outros direitos, como é exemplo o direito à honra. A liberdade de expressão, de acordo com a interpretação actualista feita pela jurisprudência criada pelo TEDH, do artigo 10º da CEDH, consubstancia um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma condição básica para o seu progresso e para a autorealização individual. Considerada ainda determinante na protecção de outros direitos consagrados na CEDH, como, por exemplo, o direito de liberdade de reunião. Esta liberdade serve primordialmente289 o propósito de controlo dos poderes públicos, pois só através da possibilidade de existência de um espaço público de transparência, de livre expressão e recepção de todo o tipo de informação é que se consegue uma sociedade informada e detentora de uma opinião pública independente. Será a informação transparente sobre os assuntos de interesse geral que servirá de fiscalização do sistema político e como tal, de garante da própria democracia. A liberdade de expressão funciona, portanto, como garantia substantiva de uma sociedade democrática, mas depende, para tal, da existência de uma opinião pública autónoma que só se alcança dentro de uma esfera de discurso público desinibida, robusta e amplamente aberta.290 Contempladas no primeiro parágrafo do artigo 10º da CEDH encontram-se as três liberdades protegidas por esta disposição, decorrentes do exercício deste direito, a liberdade de opinião, a liberdade de transmitir informações ou ideias e ainda a liberdade de receber essas mesmas informações ou ideias, sem que isso implique a ingerência por parte das autoridades públicas. A liberdade de opinião é considerada a liberdade mais relevante por ser condição prévia do livre exercício das restantes liberdades, razão pela qual goza de uma protecção quase absoluta no que respeita à aplicação das restrições à liberdade de expressão estatuídas no segundo parágrafo do artigo 10º da CEDH. Esta limitação da aplicação das restrições à liberdade de opinião é justificável por se compreender que um Estado que restrinja, de qualquer forma, este direito, quer através da discriminação dos seus cidadãos, com base na opinião que estes possuam, quer através da difusão de informações unilaterais ou ainda exigindo a expressão 289 A liberdade de expressão como direito fundamental tem, no entanto, várias finalidades, entre elas as da ―procura da verdade, a garantia de um mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), a participação no processo de autodeterminação democrática, a protecção da diversidade de opiniões, a estabilidade social, a transformação pacífica da sociedade e a expressão da personalidade individual‖, cfr Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010), Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas. Coimbra: Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer, 26. 290 Machado, Jónatas E. M. (2009), Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras públicas e equiparadas. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra VOL. LXXXV, Coimbra, 72 e 73. 199 dessa opinião (liberdade de opinião na sua vertente negativa, isto é, de não expressar as convicções pessoais) constitui um grave entrave a uma sociedade democrática.291 A liberdade de transmitir informações ou ideias está directamente relacionada com a liberdade de receber informações. A primeira, fundamental para a vida política, garantindo eleições livres e permitindo a livre crítica dos governos, indiciando, desse modo, a existência de uma sociedade livre e democrática, e a segunda, permitindo que se investigue e reúna informação utilizando todas as fontes legalmente admitidas. A liberdade de receber informações está ainda relacionada com a imprensa 292 e com o direito do público em ser devidamente informado, principalmente quanto a assuntos que digam respeito ao interesse colectivo293. Ainda no âmbito do primeiro parágrafo do artigo 10º da CEDH é feita referência ao objecto da liberdade de expressão, isto é, às informações e às ideias. O TEDH tem dado bastante importância à distinção entre estes dois conceitos, determinando que as informações (factos) são susceptíveis de ser provadas, ao contrário das ideias (juízos de valor). Entende este Tribunal que os juízos de valor estão no plano da avaliação que cada pessoa faz de certa situação ou circunstância, logo provar se esse ponto de vista estritamente pessoal é verdadeiro ou falso será impossível. Neste contexto, quanto muito, só seria possível averiguar da veracidade dos factos que fundamentaram o juízo de valor.294 Para além da necessidade de se averiguar, caso a caso, se se trata da divulgação de uma informação ou de uma ideia, é ainda fundamental perceber que essa exteriorização se estende, quer às questões de interesse geral que sejam consideradas inofensivas ou aceites pela maioria, quer àquelas que, porventura, ofendam e sejam insólitas. O modo como essas informações ou opiniões são expressas abrange, igualmente, os discursos cordiais e civilizados, como os mais incómodos e insultuosos295-296. Não faria sentido, sequer, um entendimento divergente já que as ideias ou informações que mais carecem de protecção são, efectivamente, as que são defendidas por uma minoria e não as que são aceites e incontestadas pela larga maioria dos cidadãos. Tratam-se de exigências de uma sociedade democrática e pluralista, aquela que tolera os pontos de vista individuais de todos os seus cidadãos, mas que limita essa tolerância às ideologias de cariz intolerante, que a ponham a ela e à própria democracia em causa297. Daqui decorre que a CEDH, apesar de lhe dar prevalência, não consagra o direito à liberdade de expressão como um direito absoluto, antes impõe deveres e responsabilidades a quem o exerce. Do incumprimento desses deveres associados à liberdade de expressão resulta a legitimidade da ingerência das autoridades públicas na esfera daquele que livremente se expressou, excepcionando-se, desta forma, o primeiro parágrafo do artigo 10º da CEDH. 291 Assim Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010) op. cit. 65 e 66 e Macovei, Monica, Freedom of expression – A guide to the implementation of Article 10 of the European Convention on Human Rights. Council of Europe, 2nd Edition, Human Rights Handbooks, No 2, 8. 292 Muito embora a liberdade de imprensa não seja expressamente reconhecida pelo artigo 10º da CEDH, a jurisprudência do TEDH tem interpretado e aplicado este preceito no sentido de conferir à imprensa um estatuto especial de gozo das liberdades aí consagradas. 293 Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010) op. cit. pág. 65 e 66 e Macovei, Monica (2004) op. cit., 8, 9 e 11. 294 Macovei, Monica, op. cit. 10. 295 Sempre se terá de atender, contudo, ao contexto, ao tipo de expressão e ao meio através do qual tais considerações são expressas, tolerando-se atitudes mais exaltadas em situações de debate de questões de interesse geral, como, por exemplo, num debate político ou em campanhas eleitorais, mas não numa situação de normalidade. 296 Machado, Jónatas E. M. (2009) op. cit., 81. 297 A única restrição, feita pelo TEDH, ao conteúdo de ideias e informações reporta-se à divulgação de ideias de cariz nazista, racista e de incitação ao ódio e à discriminação racial. Atendeu-se aqui ao artigo 17º da CEDH (proibição do abuso de direito) e à chamada teoria do paradoxo da tolerância: a tolerância absoluta pode levar à tolerância de ideias que promovam a intolerância e isso pode, em última instância, contribuir para a destruição da própria tolerância. Cfr. Macovei, Monica, op. cit. 10 200 O segundo parágrafo do artigo 10º da CEDH enumera taxativamente os três pressupostos necessários e cumulativos para que a intervenção ou restrição feita por uma autoridade pública seja considerada válida: a) Legalidade – a ingerência das autoridades (impondo certas formalidades, condições, restrições ou sanções) tem de estar prevista na lei, ser precisa, clara, previsível e acessível; b) Legitimidade – a ingerência tem de prosseguir algum dos seguintes valores ou interesses: segurança nacional; integridade territorial; segurança pública; defesa da ordem; prevenção do crime; a protecção da saúde ou da moral; a protecção da honra ou dos direitos de outrem; impedir a divulgação de informações confidenciais; garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial; c) Necessidade – restrição necessária numa sociedade democrática para proteger alguma das finalidades do artigo 10º, nº2, da CEDH. Este requisito exige que qualquer decisão de restrição seja tomada de acordo com o princípio da proporcionalidade tentando perceber-se se o interesse ou valor protegido pela restrição é proporcional ao meio utilizado para alcançar esse fim. O TEDH impõe, nesta senda, às autoridades que justifiquem a ingerência com base numa necessidade social imperiosa298. De todas as razões que legitimam a ingerência de uma autoridade pública na esfera de liberdade de expressão de cada cidadão, a mais invocada pelos Estados perante o Tribunal de Estrasburgo e que nos interessa para este caso concreto é a que visa proteger a honra de outrem. Contrariamente ao que acontece no ordenamento jurídico português 299, o direito à honra não merece consagração expressa na CEDH300, a única referência que esta lhe concede ocorre precisamente como forma de restrição da liberdade de expressão. O direito à honra funciona, assim, como baliza do exercício da liberdade de expressão, só se podendo exercer este direito até ao limite definido pelo primeiro. No entanto, essa margem de exercício será mais ampla quando se está perante uma figura pública. As personalidades públicas estão sujeitas a um maior escrutínio por parte dos cidadãos em geral e da imprensa em especial. Distintamente de um particular (cidadão anónimo), aquele que desempenha uma função determinante na arena política ou social será mais susceptível a críticas, quer pelo interesse público que o seu cargo acarreta, quer pela maior exposição a que este se submete. Deverá, portanto, existir uma maior tolerância quanto a críticas mais mordazes que sejam dirigidas a uma figura pública. Não querendo isto indicar que a figura pública deixe de ter direito à tutela da sua honra, mas que ―fora do âmbito da sua vida privada (…) os imperativos de tal protecção devem ser ponderados com os interesses da livre discussão das questões públicas (v.g. políticas), pelo que as restrições à liberdade de expressão devem ser interpretadas restritivamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de maneira convincente‖301. Neste conflito que se estabelece entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, ou entre o interesse colectivo em ser devidamente informado e o interesse privado em proteger a sua esfera privada, o TEDH tem vindo, reiteradamente, a dar uma maior importância ao exercício do primeiro direito302. As fortes limitações à aplicação das restrições à liberdade de 298 Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010), op. cit., 72 e 73. A honra enquanto bem jurídico beneficia de tutela constitucional (artigo 26º, nº 1 da CRP), civil (artigo 70º do CC) e penal (artigo 180º e seguintes do CP), no ordenamento jurídico português. 300 Não gozando, igualmente, dessa tutela na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. 301 Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010), op. cit., 76. 299 302 O mesmo já não acontece em sede da CRP e da DUDH em que os dois direitos se encontram em plano de igualdade, não sendo legítimo estabelecer-se, em abstracto, uma hierarquização entre os dois direitos fundamentais. Para maiores desenvolvimentos sobre a matéria ver a apresentação da Juíza de 201 expressão e a reduzida margem de livre apreciação atribuída aos Estados-parte, na apreciação destes casos303, são fortes indicadores do estabelecimento de uma hierarquização de direitos, em que o direito à liberdade de expressão se posiciona no plano mais elevado. A grande dissemelhança que existe na avaliação deste conflito de direitos, entre os Tribunais nacionais e o Tribunal de Estrasburgo (valendo ao Estado português uma grande quantidade de condenações, ao longo dos anos, por violação do direito à liberdade de expressão) prendese, no essencial, com a incapacidade deste fazer prova da existência da necessidade social imperiosa de restrição da liberdade de expressão numa sociedade democrática 304. Não obstante as decisões de condenação do Estado português, neste particular âmbito, o acórdão em apreço teve um desfecho distinto do que seria espectável, tendo em conta a importância que o Tribunal de Estrasburgo dá à liberdade de expressão, como a liberdade fundamental. Entendeu o TEDH que, apesar de os recorrentes terem, efectivamente, sofrido uma ingerência no seu direito à liberdade de expressão, a mesma foi legal (por ter como base uma disposição clara e pertinente do Código Penal), legítima (porque visou um dos fins enunciados no artigo 10º, nº 2, da CEDH) e necessária visto ter sido feita prova da pertinência dos motivos invocados pelas autoridades portuguesas para procederem a tal ingerência. A motivação do TEDH alicerça-se nos factos previamente assentes pelo Tribunal nacional que profere a decisão objecto de recurso, neste caso nos factos fixados por sentença do Tribunal da Relação de Coimbra a 18 de Julho de 2007 e ainda nos factos apresentados pelos recorrentes para contestar essa decisão. Contestação que o TEDH entendeu ter sido fraca. As declarações feitas na conferência de imprensa que deram origem à acusação dos líderes do Bloco de Esquerda, não obstante terem sido consideradas pelo TEDH como parte de um debate de interesse geral305, foram qualificadas como factos e não como meros juízos de valor ou opiniões. No âmbito da divulgação de factos ou informações o artigo 10º da CEDH exige que os mesmos tenham uma fonte precisa e confiável e que, para além disso, quem os divulgue esteja a agir de boa-fé. Nestes termos, o Tribunal de Estrasburgo considerou que não existiu boa-fé por parte dos recorrentes porque as declarações não foram espontâneas, mas feitas durante uma conferência de imprensa convocada, exclusivamente, para esse efeito. Logo os mesmos estariam plenamente conscientes do alcance que as suas declarações iriam ter. O TEDH relembra, também, que os recorrentes eram adversários políticos do visado e não jornalistas, logo não beneficiam da especial protecção que a imprensa tem beneficiado306. Por outro lado, considerou-se existir uma verdadeira imputação de factos ―extremamente graves‖ e não uma simples transmissão de informações, sendo que, quanto mais grave for a acusação, mais forte deverá ser a sua sustentação. Algo que o TEDH entendeu não ter sido logrado pelos recorrentes, enfatizando ainda que a queixa-crime apresentada pelos recorrentes contra o médico F.J. teria sido arquivada pela autoridade competente, fortalecendo a posição de que haveria falta de indícios do cometimento do crime. Para o TEDH ocorreu uma verdadeira acusação pública, ainda antes de a queixa dar entrada e ser apreciada em sede própria e não em ―praça pública‖. Daí que o TEDH mencione que quando estão em causa Direito e Docente do CEJ, Maria João Marques Pinto de Matos, sobre a “Liberdade de expressão / imprensa (Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem): divergência face ao paradigma de julgamento nacional?” no âmbito da acção de formação “Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: casos nacionais” disponível em: http://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=5&username=guest 303 Macovei, Monica (2004), op. cit., 6; Machado, Jónatas E. M. (2009), op.cit., 80. 304 Entre os casos mais célebres encontramos: Lopes Gomes da Silva c. Portugal (2000); Colaço Mestre e SIC c. Portugal (2007); Azevedo c. Portugal (2008). 305 Por dizerem respeito a actos criminosos, alegadamente, cometidos por um político local. 306 A este propósito mencione-se o facto de a jurisprudência do TEDH ter vindo a conferir o papel de ―cão de guarda‖ à imprensa, fundamental numa sociedade democrática. Cfr. Rodrigues de Brito, Iolanda A. S. (2010), op.cit.,75; Flauss, Jean-François (2009) The European Court of Human Rights and the Freedom of Expression. Indiana Law Journal, Volume 84, Issue 3, Article 3, 827 e seguintes. 202 interesses conflituantes se deve ter em conta o que estipula o artigo 6º da CEDH, estabelecendo que todas as pessoas devem ser presumidas inocentes ―enquanto a sua culpabilidade não tenha sido legalmente provada‖. Ponderados todos os interesses conflituantes e a pertinência da defesa de cada uma das partes, o Tribunal de Estrasburgo decidiu que não houve violação do artigo 10º da CEDH, que a ingerência das autoridades públicas no direito à liberdade de expressão dos recorrentes não foi excessiva, mas sim proporcional por necessária numa sociedade democrática, considerando ainda que a medida da pena aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra não foi excessiva ou susceptível de desincentivar ao exercício da liberdade de expressão. Como se afirmou, a decisão proferida pelo TEDH não foi unânime, o que revela uma certa fragilidade da própria deliberação e cisão dentro do próprio Tribunal. Dos sete juízes, três votaram contra a decisão da não violação do direito à liberdade de expressão da parte do Estado português. Na opinião dos juízes Tulkens, Popovic e Sajo esta decisão focou-se excessivamente no direito à honra e acabou por minar as próprias bases da construção jurisprudencial e filosófica do artigo 10º da CEDH. No centro deste caso encontra-se um debate político, o que pressupõe que os seus agentes assumam uma posição de maior exposição e tolerem mais abertamente as críticas que lhe possam dirigir o que, por sua vez contribui para a redução da protecção da sua reputação em termos legais. O tema no centro da controvérsia em questão era, efectivamente, do interesse colectivo por pressupor, supostamente, uma conduta ilícita de um político local. No que respeita aos factos assentes, também aqui não se augura grande clareza no plano nacional, se em primeira instância o Tribunal Judicial de Castelo Branco considerou que tudo levava a crer que o queixoso seria responsável pela maioria dos factos que os recorrentes o acusaram. Em segunda instância o Tribunal da Relação de Coimbra modifica os factos dados como provados e conclui que não havia nenhuma evidência em como o médico tivesse cometido os crimes em questão. No que respeita aos recorrentes, eles declararam na conferência de imprensa que iriam apresentar queixa para que as autoridades competentes investigassem e apurassem eventuais responsabilidades, o facto de a queixa-crime ter sido arquivada não é motivo suficiente para argumentar que eles estariam de má-fé ou que as suas informações não fossem precisas e confiáveis. Por outro lado, o médico F.J. como figura política, e pressupondo que as acusações proferidas por Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira seriam falsas, sempre se poderia ter defendido de outro modo sem ter de recorrer a meios contenciosos. Verifica-se uma certa dificuldade por parte, quer dos juízes nacionais, quer dos europeus, em uniformizarem a sua avaliação dos factos neste caso concreto. Não se espera uma protecção absoluta do direito à liberdade de expressão e tão pouco uma desprotecção injustificada do direito à honra. No entanto, o TEDH parece, aqui, dar indícios de querer reduzir os limites da jurisprudência que tem vindo a construir no sentido da protecção de uma sociedade democrática em que prevaleça o interesse colectivo em desprimor do interesse privado. 203 V BIBLIOGRAFIA PORTUGUESA RECOLHIDA SOBRE DIREITO INTERNACIONAL V. BIBLIOGRAFIA PORTUGUESA RECOLHIDA SOBRE DIREITO INTERNACIONAL Monografias: Almeida Ribeiro, Manuel et al. 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