RBTI Vol 14 nº 04 Outubro/Dezembro 2002

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RBTI Vol 14 nº 04 Outubro/Dezembro 2002
Volume 14 • nº 4
Outubro/Dezembro 2002
ISSN 0103-507X
NESTA EDIÇÃO
EDITORIAL
APRESENTAÇÃO DE CASO
REVISÃO DE LITERATURA
Síndrome da Pele Escaldada
Stafilocócica em um adulto
com Endocardite Infecciosa:
Relato de Caso e Revisão
de Literatura
ARTIGO DE REVISÃO
Disfunção Cardiovascular
e Desmame de
Ventilação Mecânica
ARTIGOS ORIGINAIS
Análise Comparativa do
Consumo de Oxigênio (VO2)
Obtido pelo Método de Fick e
pela Calorimetria Indireta no
Paciente Grave
Falência de Migração de
Neutrófilos e Dosagem
Sérica de Citocinas e Óxido
Nítrico na Sepse Humana
A Avaliação do
Comportamento da
Proteína C-reativa em
Pacientes com
Sepse na UTI
Índice Geral do Volume 14
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
Fundada em 1980
SUMÁRIO
Diretoria para o Biênio 2002-2003
EDITORIAL
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Dr. Marcelo Moock
2º Tesoureiro
Dr. Odin Barbosa da Silva
Associação de Medicina
Intensiva Brasileira
Rua Domingos de Moraes, 814
Bloco 2 – Conj. 23
Vila Mariana – CEP 04010-100
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como detentora dos mesmos.
Cleovaldo T. S. Pinheiro
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
Síndrome da Pele Escaldada Estafilocócica em um
adulto com Endocardite Infecciosa: Relato de Caso e
Revisão de Literatura
123
124
Staphylococcal Scalded Skin Syndrome (SSSS) in a Adult with
Infective Endocarditis: Case Report and Review of Literature.
Fernanda de Andrade Cardoso*, Rosemary da Natividade Prates Neves**,
Cristiano de Abreu Amorim Fernandes***, Marluce de Oliveira Lopes***,
Aniela Maria Romanini***.
ARTIGO DE REVISÃO
Disfunção Cardiovascular e Desmame de Ventilação
Mecânica
129
Cardiovascular dysfunction during weaning of mechanical ventilation
Alexandre Doval da Costa, Sílvia Regina Rios Vieira, Waldomiro Manfroi
ARTIGOS ORIGINAIS
Análise Comparativa do Consumo de Oxigênio (VO2)
Obtido pelo Método de Fick e pela Calorimetria Indireta no
Paciente Grave
137
Comparative analysis of oxygen consumption (VO2) calculated by Fick´s
method and measured by indirect calorimetry in critically ill patient.
Flávio Marson, Maria Auxiliadora Martins, Francisco Antonio Coletto,
Antonio Dorival Campos, Anibal Basile-Filho
ARTIGOS ORIGINAIS
Falência de Migração de Neutrófilos e Dosagem Sérica de
Citocinas e Óxido Nítrico na Sepse Humana
146
Failure in Neutrophil Migration and Serum Citokynes and Nitric Oxide
in Human Sepsis
Anibal Basile-Filho*, Fernando de Queiróz Cunha**, Beatriz Martins
Tavares-Murta***, Maria Auxiliadora Martins****, Sandra Mara Alessi
Aristides Arraes*****.
ARTIGOS ORIGINAIS
A Avaliação do Comportamento da Proteína C-reativa em
Pacientes com Sepse na UTI
156
The evaluation of the behavior of the protein C-reactive in patients
with sepsis in intensive care unit
Afonso J. C. Soares, Cid M. N. David
Índice Geral do Volume 14
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
166
121
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RBTI
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tiver mais de três autores deverão ser citados os três primeiros seguidos de et al.
EXEMPLOS:
Referências
1. Leppänieme A,Haapiainen R,Kiviluoto T, et al. Pancreatic trauma: acute and late manifastations.
Br J Surg 1988; 75: 165-7.
2. Carter DC. Pancreatitis and the biliary tree: the continuing problem. Am J Surg 1988; 155: 10-7.
3. Buchler M, Malfertheiner P, Berger HG. Correlation of imaging procedures, biochemical parameters
and clinical stage in acute pancreatitis. ln: Malfertheiner P, Ditschuneir H. eds. Diagnostic procedures
in pancreatic disease. Berlin: Springer-Verlag 1986; 123-9.
4. Crystal RG. Interstitial lung disease. In: Wyngaarden JB, Smith LH. eds. Cecil textbook of medicine.
Philadelphia: WB Saunders & Co., 18th ed., 1988; 421-35.
Para fim desta Revista, tabelas e quadros correspondem à mesma coisa e são convencionados sob o
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122
RBTI - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
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Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
N
EDITORIAL
o presente número da RBTI estão sendo publi-
tura. A edição encerra-se com o terceiro artigo original,
cados cinco artigos. O primeiro trata de uma
de Soares e David5 , que avalia o comportamento da pro-
apresentação de caso bem documentada da Síndrome da
teína-C em pacientes sépticos. Outro estudo oportuno,
Pele Escaldada, secundária a uma endocardite por
interessante e atual.
estafilococo, acompanhada de uma breve revisão da literatura sobre o assunto1 .
Neste editorial, o propósito não é o de comentar detalhes técnicos ou a eventual repercussão científica dos tra-
O segundo artigo é uma boa revisão da literatura so-
balhos, mas chamar a atenção que, pela primeira vez,
bre a Disfunção Cardiovascular Durante o Processo de
houve uma grande massa de trabalhos de alta qualidade.
Desmame da Ventilação Mecânica2 , que lembra a revi-
Trabalhos que representam parte da produção científica
são bibliográfica para a realização de uma dissertação ou
real da Medicina Intensiva, e produto de Serviços de tra-
tese, embora a relação da bibliografia consultada seja
dição em pesquisa.
pequena para esse propósito. Ainda assim, uma matéria
de excelente qualidade, com grande critério seletivo.
Os três temas seguintes são artigos originais. O primeiro deles, de autoria de Marson e colaboradores3 , abor-
Isso significa um amadurecimento da revista e a
interatividade científica que se precisa para indexar a
RBTI. Mais um passo foi alcançado.
Estamos todos de parabéns.
da uma Análise Comparativa do Consumo de Oxigênio
(VO2) Obtido pelo Método de Fick e pela Calorimetria
Dr. Cleovaldo Pinheiro
Indireta no Paciente Grave. O assunto não é novo, mas o
Editor Chefe
estudo está bem desenhado e tem aspectos particulares
por abordar uma população especial de pacientes. A sugestão de que se deva prestar mais a atenção a métodos
não invasivos neste tipo de paciente é válida e deve ser
encarada com mais atenção.
Com maior grau de sofisticação tecnológica, BasileFilho e colaboradores4 , estudaram a migração neutrofílica
e níveis séricos de citocinas e óxido nítrico em pacientes
sépticos, acrescentando uma boa revisão sobre o assunto. A função neutrofílica na sepse e os índices de apoptose
neutrofílica na gênese das lesões orgânicas na sepse são
assuntos momentosos e tem merecido atenção da litera-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
REFERÊNCIAS
1. Cardoso FA, Neves RNP, Fernandes CAA, Lopes MO, Romanini
AM: Síndrome da pele escaldada estafilocócica em um adulto
com endocardite infecciosa: relato de caso e revisão de literatura.
RBTI 2002;14:124-8.
2. Costa AD, Vieira SRR, Manfroi W. Disfunção cardiovascular e
desmame de ventilação mecânica. RBTI 2002;14:129-36.
3. Marson F, Martins MA, Colleto FA, Campos AD, Basile-Filho A.
Análise comparativa do consumo de oxigênio (VO2) obtido pelo
método de Fick e pela calorimetria indireta no paciente grave.
RBTI 2002;14:137-45.
4. Basile-Filho A, Cunha FQ, Tavares-Murta BM, Martins MA,
Arraes SMAA. Falência de migração de neutrófilos e dosagem
sérica de citocinas e óxido nítrico na sepse humana. RBTI
2002;14:146-55.
5. Soares AJC, David CMN. A avaliação do comportamento da
proteína-C em pacientes com sepse na uti. RBTI 2002;14:
156-65.
123
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Síndr
ome da Pele Escaldada Estafilocócica
Síndrome
em um adulto com Endocar
dite Infecciosa:
Endocardite
Relato de Caso e Revisão de Literatura.
Staphylococcal Scalded Skin Syndrome (SSSS) in a Adult with
Infective Endocarditis: Case Report and Review of Literature.
Fernanda de Andrade Cardoso*, Rosemary da Natividade Prates Neves**,
Cristiano de Abreu Amorim Fernandes***, Marluce de Oliveira Lopes***, Aniela Maria Romanini***.
Abstract
In this article we present a case of a
prosthetic-valve carrier male adult,
who entered in the emergency room
with an acute infective endocarditis
and developed cutaneous symptoms of Staphylococcal Scalded
Skin Syndrome. We reviewed the
literature concerning about this case
in the focus of new scientific
acknowledgements.
Key Words: Infective Endocarditis,
Staphylococcal Scalded Skin Syndrome (SSSS).
* Médica Intensivista, Diarista do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Ipiranga UGA II - Rua
Domingos Soto nº 101 Apto 51, Vila Mariana Cep: 04116-040 - São Paulo – SP - Telefone:
(0xx11)55391060
**Médica Cardiologista e Intensivista, Coordenadora do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital
Ipiranga UGA II
*** Médicos Residentes do Hospital Ipiranga
UGA II
Serviço de Terapia Intensiva Hospital Ipiranga
UGA II - Av Nazaré nº 28, Ipiranga - 6º Andar São Paulo - SP
124
este artigo, apresentamos um paciente portador de Síndrome da Pele
Escaldada Estafilocócica (SSSS) associada à endocardite bacteriana,
um evento raro em adultos.
WNT, 31 anos, masculino, negro, residente em São Paulo, deu entrada no
serviço de emergência do Hospital Ipiranga (UGA II) em 02 de março de 2002
com história de febre não aferida, sudorese, mialgia, diarréia há 3 dias e lesão em
MSD há cerca de 2 dias antes do início dos sintomas; apresentava fácies de doença aguda. Durante a consulta desenvolveu desvio da rima labial para a esquerda,
ptose palpebral à direita e diminuição de força muscular à direita. Antecedentes
pessoais: cirurgia cardíaca para troca valvar aórtica e mitral há 8 anos (uso regular de penicilina benzatina 1.200.000UI /mês), hipertensão arterial sistêmica (uso
regular de Enalapril 5mg/dia), além do uso de Digoxina 0,25mg /dia. Sem antecedentes familiares dignos de nota. Exame físico geral: regular estado geral,
taquipneico (24 ipm), taquicárdico (146 bpm), febril (38,5º C), pressão arterial de
140 X 70 mmhg, corado, hidratado, acianótico e anictérico. Exame Físico Segmentar: petéquias em mucosas; murmúrio vesicular pulmonar fisiológico sem ruídos
adventícios; bulhas cardíacas rítmicas, taquicárdicas, com sopro sistólico +++/ 4+,
rude, em foco aórtico e aórtico acessório; abdômen plano, normotenso, ruídos
hidroaéreos normais, doloroso a palpação profunda de hipocôndrio direito;
hemiparesia direita completa e desproporcionada com predomínio céfalo-braquial.
Após 6 horas de internação, o paciente evoluiu com aparecimento de lesões
bolhosas, inicialmente em região cervical, flácidas, de duração efêmera, com
conteúdo seroso e sinal de Nikolsky positivo.
Exames laboratoriais iniciais: hemoglobina 15mg/dl, hematócrito 43%,
plaquetas 27.000/mm3, leucócitos 8.510/mm3 (96% neutrófilos, 2,5% linfócitos),
uréia sérica 93mg/ml e creatinina sérica 2,8mg/ml, Relação Normatizada Internacional (RNI) 3,74 com TTPA 47,8 segundos.
Hemocultura em 3 amostras revelou o crescimento de Staphylococcus aureus
sensível a todos os antibióticos testados.
A tomografia computadorizada de crânio inicialmente não revelou lesão
anatômica, compatível com isquemia cerebral aguda.
Ultrassonograma de abdômen total compatível com a normalidade.
Ecocardiograma transtorácico: aumento importante de átrio esquerdo e moderado de ventrículo esquerdo; prótese biológica em posição mitral com folhetos
espessados; ao Doppler, gradiente diastólico máximo de 27mmHg, médio de
N
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
10mmHg, com área valvar de 1,90cm2;
prótese biológica em posição aórtica
apresentando, apresentando ao
Doppler, gradiente sistólico máximo
31mmHg e médio 19mmHg; contratilidade ventricular preservada.
Foi feito diagnóstico clínico de
Endocardite Infecciosa, de acordo com
os critérios de Duke, sendo instituída
antibioticoterapia com Vancomicina
1,0g/dia e Ceftriaxone 2,0/dia (dose
ajustada conforme clearence de
creatinina).
Paciente evoluiu com melhora do
quadro cutâneo e da insuficiência renal, mas persistindo com febre diária,
aumento da amplitude entre pressões
sistólica e diastólica, sendo indicado
tratamento cirúrgico, não disponível no
Hospital Ipiranga. Enquanto aguardava transferência para serviço especializado, apresentou instabilidade
hemodinâmica e insuficiência respiratória aguda que culminaram em óbito.
O exame microscópico da biópsia
de pele revelou discreto infiltrado inflamatório perivascular na derme, formação de bolha subcórnea, raras células acantolíticas da camada córnea de
permeio, compatível com Síndrome da
Pele Escaldada Estafilocócica.
A necropsia foi negada pela família cujo desejo foi respeitado.
DISCUSSÃO
A Endocardite Infecciosa (EI) de válvula nativa tem uma incidência de 1,7
a 6,2 por 100.000 pessoas/ano, dados
dos Estados Unidos da América e do
oeste Europeu. A relação homem: mulher é de 1,7: 1 com uma idade média
de 47 a 69 anos. Em usuários de drogas injetáveis, a incidência chega a
150-2000 por 100.000 pessoas/ano,
atingindo também uma faixa etária menor. Condições tais como hemodiálise
por longo prazo, diabetes mellitus e
infecção por HIV são fatores predisponentes. No grupo de pacientes
portadores do HIV, o agente mais freqüente é o Staphylococcus aureus, por
provável associação ao uso de drogas
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
injetáveis, com mortalidade e morbidade maiores(1).
A endocardite em portadores de
próteses valvulares corresponde a 7 a
25% dos casos de endocardite infecciosa em países desenvolvidos. Embora as válvulas mecânicas estejam sujeitas a um maior risco de infecção nos
primeiros 3 meses de pós-operatório,
o risco de infecção converge até equivaler-se em ambas as próteses ao redor do 5º ano; esse risco é calculado
em aproximadamente 1% até 12 meses e 2 a 3% após 60 meses(1).
Casos de EI com início dentro de
2 meses de pós-operatório são chamados “Recentes” e são usualmente
adquiridos no hospital, aqueles ocorridos após 12 meses da cirurgia são
chamados de “Tardias” e são, em sua
maioria, adquiridos na comunidade,
já os que ocorrem entre 2 e 12 meses
de pós-operatório são um misto das
duas entidades(1).
A manifestação clínica mais comum é a febre, podendo ser mínima
ou até mesmo ausente em pacientes
com severa debilidade, insuficiência
cardíaca congestiva, insuficiência renal ou hepática e uso prévio de
antimicrobianos. Sinais como sopro
cardíaco novo ou prévio com mudança nas suas características; petéquias
em pele e mucosas; nódulos subcutâneos de Osler; lesões retinianas de
Roth; máculas de Janeway; baqueteamento digital, fenômenos tromboembólicos e fenômenos reumáticos
podem fazer parte do quadro clínico(2).
O diagnóstico de EI bacteriana foi
firmado com base nos critérios revisados de Duke(1), estabelecidos em 1994
por um grupo de pesquisadores da
Duke University, para a abordagem de
pacientes com suspeita de endocardite.
Estes apresentam alta especificidade
(0,99, com um intervalo de confiança
de 95%) e valor preditivo negativo
maior do que 92%(1). Os critérios modificados de Duke podem ser vistos na
tabela 1 e, de acordo com os mesmos,
o paciente apresentava um critério
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
maior (hemoculturas positivas) e três
critérios menores (febre, fenômenos
vasculares e predisposição para
endocardite bacteriana).
A ecocardiografia é o exame de escolha para o diagnóstico; o modo
transtorácico apresenta uma especificidade para lesões vegetantes de
98%, e o transesofágico, mais caro e
invasivo, apresenta um aumento na
sensibilidade para a detecção de vegetações de 75 a 95%, mantendo especificidade de 98%; com valor preditivo
negativo maior que 92%.
No caso em questão, o ecocardiograma transesofágico não foi realizado por não ser disponível no serviço. As três hemoculturas realizadas
com 30 minutos de intervalo entre as
coletas mostraram crescimento de bactérias tipo cocos gram positivos que
foram tipados como Staphylococcus
aureus, sensível a todos os antibióticos testados, compatível com infecção
causada por agente adquirido na comunidade. O paciente apresentava lesões petequiais e enantematosas em
palato e conjuntiva, além de sangramento urinário.
Cerca de 65% dos fenômenos
tromboembólicos da EI envolvem o
sistema nervoso central, sendo que
complicações neurológicas se desenvolvem em 20 a 40% de todos os
pacientes(1).
O quadro neurológico foi definido
como Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico, pela persistência da sintomatologia de hemiparesia e desvio de
rima labial, e tomografia computadorizada sem sinais de hemorragia
intracraniana na fase aguda.
As manifestações cutâneas foram
evidentes após 6 horas da admissão no
serviço de emergência. A duração
efêmera da bolha, a presença do sinal
de Nikolsky e a suspeita de endocardite
por Staphylococcus aureus suscitou o
diagnóstico de Síndrome da Pele Escaldada Estafilocócica (SSSS).
A Síndrome da Pele Escaldada
Estafilocócica (SSSS), também conhe-
125
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Tabela 1 - Critérios de Duke Modificados para Diagnóstico de Endocardite Infecciosa
Comentários
Critérios
Critérios Maiores
Microbiológico
Microorganismos típicos isolados de duas culturas de
sangue separadas: Streptococus viridans, Streptococus
bovis , grupo HACEK, Staphylococcus aureus , ou
bacteremia por enterococos adquirida na comunidade,
sem foco primário.
ou
Na suspeita de Endocardite pelo menos 2 hemoculturas devem ser colhidas dentro das primeiras 2 horas de chegada
ao hospital. Pacientes com colapso cardiovascular devem ter
5 hemoculturas colhidas com intervalos de 5-15 minutos e
devem receber antibioticoterapia terapia empírica.
Microorganismos compatíveis com endocardite bacteriana, isolados de hemoculturas persistentemente.
ou
Cultura positiva para Coxiella burnetti ou títulos de IgG
>1:800
Evidência de Envolvimento Miocárdico
Regurgitação valvular nova (aumento ou mudança de
murmúrio prévio)
ou
Ecocardiograma positivo (transesofágico recomendado
para pacientes com prótese valvar).
Massa intracardíaca oscilante, localizada em sítio de lesão cardíaca; Abscesso perianular; nova deiscência de válvula protética.
Critérios Menores
Predisposição à endocardite bacteriana
Alto Risco: Endocardite prévia, doença valvar aórtica, doença reumática cardíaca, válvula protética cardíaca, coarctação
de aorta, cardiopatia cianótica complexa.
Moderado Risco: prolápso de válvula mitral com regurgitação
valvar ou espessamento do folheto, estenose mitral isolada,
doença de válvula tricúspide, estenose pulmonar e
cardiomiopatia hipertrófica.
Baixo Risco: defeito de septo atrial secundo, doença isquêmica
cardíaca, by-pass arterial prévio, prolápso de válvula mitral
com espessamento de folhetos na ausência de regurgitação.
Febre
Temperatura >38º C
Fenômenos Vasculares
Excluídas petéquias e hemorragias puntiformes (Splinter).
Fenômenos Imunológicos
Fator Reumatóide, glomerulonefrite, nódulos de Osler, ou
Roth Spots
Achados Microbiológicos
Evidências sorológicas de infecção ativa.
Casos são clinicamente definidos se preencherem: (a) dois critérios maiores, (b) um critério maior e três critérios menores e (c) cinco critérios menores.
Casos são definidos como possíveis se preencherem: (a) um critério maior e um critério menor, (b)
cida como Síndrome de Ritter quando
acomete neonatos e Síndrome de Lyell
quando acomete crianças de mais idade, foi descrita pela primeira vez por
Leyll em 1957, num misto com a
Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) e
cuja diferença só pode ser estabelecida
por achados histopatológicos(3).
Clinicamente observou-se um rush
eritematoso que evolui para erupção
bolhosa, de paredes flácidas, duração
efêmera, conteúdo seroso, asséptico,
que deu origem a exulceração que cicatrizou com o tratamento do foco pri-
126
mário. O sinal de Nikolsky presente
(descamação causada por leve pressão
digital próxima a área afetada) demonstra a fragilidade da camada superficial da epiderme.
A diferenciação com NET é importante uma vez que esta pode representar uma variante do eritema multiforme causado por drogas (Síndrome
de Steven-Johnson), que é potencialmente fatal e que apresenta tratamento diferente.
O exame microscópico de tecidos
acometidos por SSSS mostra clivagem
intraepidérmica localizada no estrato
granuloso, sem necrose celular ou
infiltrado de células inflamatórias. A
microscopia eletrônica mostrou que a
toxina não é destrutiva à célula, e de
sua ação resulta a clivagem dos
desmossomos da camada espinhosa da
epiderme. Em contraste, a lesão da
NET mostra clivagem subepidérmica
com lesão celular, resposta inflamatória na camada basal e necrose de toda
a espessura da epiderme.(3)
A SSSS é comumente descrita em
crianças sendo raro seu acometimen-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
A
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
B
Figura 1 – (A) Vista dorsal do paciente durante fase aguda (72h) do início dos sintomas cutâneos mostrando exulceração de
grande superfície corpórea de tronco nádegas e membros. (B) Vista ventral mostrando detalhe de acometimento de face com
envolvimento perioral e periocular e restituição parcial da integridade da pele.
to em adultos. Ocorre em pacientes em
uso de medicações imunossupressoras
ou portadores de deficiências imunológicas ou mesmo portadores de insuficiência renal crônica. A principio,
pensou-se que as manifestações só
ocorressem em pacientes com defeito
imunológico, porém a clara distinção
em faixa etária pediátrica suscitou novas pesquisas.
Essa afecção é produzida por ação
de uma toxina esfoliante produzida por
cepas de Staphylococcus aureus, chamada de Toxina Esfoliante A e B (ETA
e ETB), que são enzimas da família
de proteases que reagem contra uma
proteína denominada desmogelina 1,
um membro da família das caderinas,
moléculas de adesão celular localizadas nos desmossomos das células da
camada granulosa, promovendo rup-
tura dos desmossomos, deixando
intactas as células vizinhas.
O diagnóstico de SSSS é baseado
em três critérios: (i) Característica clínica do eritema, formação da bolha e
descamação, (ii) isolamento de
Staphylococcus aureus produtor de toxina esfoliante a partir do paciente e
(iii) demonstração microscópica do
plano de clivagem intraepidérmico
através do estrato granuloso(4).
Esses achados foram confirmados
pelo exame microscópico da biópsia
de pele realizada no paciente (Figuras
2A e 2B).
Uma explicação para a maior incidência desta patologia em neonatos
veio de trabalhos realizados em modelos animais. Para que ocorra a
esfoliação é necessária uma concentração de toxina; os rins e possivel-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
mente o fígado de neonatos não são
hábeis para clarear e inativar rápido o
bastante a toxina prevenindo seu
acúmulo na pele, o que não ocorre
com adultos saudáveis que fazem
uma depuração mais rápida, não se
detectando níveis plasmáticos altos o
bastante para produzir lesão. Anticorpos anti-ETA podem ter algum papel em humanos, mas no modelo animal claramente não são necessários
para prevenir a esfoliação(5).
No caso em questão, uma possível
explicação para o desenvolvimento de
SSSS neste paciente é a presença de
uma função renal alterada (creatinina
sérica 2,8 com clearance de creatinina
calculado de 40,55) uma vez que estudos mostraram que, a imunodeficiência seja um fator predisponente isolado ao aparecimento desta condição.
127
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
APRESENTAÇÃO DE CASO REVISÃO DE LITERATURA
A
B
Figura 2 – Fotomicrografia de bolha. (A) Grande aumento, 800x, mostrando localização subepidérmica da bolha (setas largas) e
a espessura da camada epidérmica, íntegra (seta dupla) com mínima reação inflamatória na derme. (B) Menor aumento, 200x,
mostrando localização da bolha (seta fina) e parde da derme com ausência de resposta inflamatória.
A evolução desfavorável deste caso
relaciona-se ao aparecimento ou piora
da lesão cardíaca que não foi reparada
em tempo hábil, não se relacionando
à lesão cutânea.
Consideramos o caso como sendo Síndrome da Pele Escaldada
Estafilocócica produzida por infecção primária de prótese valvar cardíaca por cepa produtora de toxina
esfoliante de Staphylococcus aureus,
sendo encontrado na literatura
somente um caso semelhante, relatado por Ansai, Shimanuki, Uchino,
Nakamura and ARAI(5). Outros dois
casos, em pacientes que não apresentavam insuficiência renal ou deficiência imunológica foram relatados(6); em um deles, a lesão primária
foi endocardite bacteriana de válvula cardíaca.
128
RESUMO
Apresentamos neste artigo o caso de um
adulto, masculino, portador de prótese
valvar cardíaca que deu entrada no serviço de emergência apresentando quadro clínico compatível com endocardite
infecciosa e que desenvolveu sintomas
cutâneos da síndrome da pele escaldada Estafilocócica. Nós revisamos a literatura sobre o caso sob o foco dos novos conhecimentos científicos.
Unitermos: Endocardite Infecciosa, Síndrome da Pele Escaldada
Estafilocócica.
AGRADECIMENTOS:
A Dra Lílian Emiko Kato, dermatologista, que gentilmente leu o artigo e
revisou as lâminas da microscopia,
com confirmação do diagnóstico.
REFERÊNCIAS
1. Mylonakis E and Calderwood SB. Infective
Endocarditis in Adults. N Engl J Med 200;
18: 1318-30.
2. Durak DT. Infective Endocarditits. In:
Wyngaarden JB, Smith LH, Bennett JC.
Cecil textbook of medicine. Philadelphia WB
Saunders Co., 19th ed., 1992; 1638-47.
3. Neefe L, Tuazon CU, Cardella TA and
Sheagren JN. Staphylococcal Scalded Skin
Syndrome in adults: case report and review
of the Literature. Am J Med Sci 1979; 277:
99-110.
4. Ansai S, Shimanuki T, Uchino H, Nakamura
C and Arai S. Staphylococcal Scalded skin
Syndrome with prosthetic valve endocarditis. Eur J Dermatol 2000; 10(8): 630-2.
5. Plano LRW, Adkins B; Woischinik M,
Ewing R and Collins CM. Toxin Levels in
serum correlate with the Development of
Staphylococcal Skin Syndrome in a Murine
Model. Infect. Immun 2001; 69(8): 5193-7.
6. Opal SM, Johnson-winegar AD and Cross AS.
Staphylococcal Scalded Skin Syndrome in two
immunocompetent Adults caused by exfoliatin
B-producing Staphylococcus aureus. J Clin
Microbiol 1988; 26 (7): 1283-6.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
Disfunção Car
diovascular e Desmame de
Cardiovascular
Ventilação Mecânica
Cardiovascular dysfunction during weaning of mechanical ventilation
Alexandre Doval da Costa1, Sílvia Regina Rios Vieira2, Waldomiro Manfroi3
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
ABSTRACT
The weaning from mechanical ventilation is a intensive care
issue that causes high metabolical demand and many others cardiovascular and hemodynamic changing. The frequency of heart failure and cardiac arrhythmia are not very
often detected during this process and they could contribute to the weaning failure.
Thus, we should consider that the cardiovascular dysfunction must be an important predictor of weaning from artificial respiration outcome, and the cardiovascular monitorization could be useful on the diagnostic and treatment of
patients who needs the mechanical ventilation, particulary
in those who begun the weaning. In this way we could had
betters outcomes, decreasing costs and mortality of this
specifical population.
Considering that we could find a few works about this subject, we present a updated review about this topic, providing knowledge about the impact of the frequency of cardiac ischemia and cardiac arrhythmia in the weaning from
the mechanical ventilation.
KEY WORDS: mechanical ventilation; intensive care unit;
weaning; myocardial ischemia; ST segment; eletrocardiogram; coronary artery disease.
Alterações Fisiopatológicas na
Transição da Ventilação Mecânica
para a Ventilação Espontânea
Durante a passagem da ventilação mecânica para a respiração espontânea, muitos fatores podem contribuir para
criar um desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio no miocárdio:
1. Pré e Pós Carga
A mudança da ventilação mecânica para a ventilação espontânea pode diminuir rapidamente a pressão intrapleural.
A pressão positiva intratorácica promovida pela ventilação
mecânica, além de diminuir a pré-carga cardíaca, eleva a
pressão diastólica final do ventrículo esquerdo em relação à
pressão aórtica e reduz a pressão transmural ventricular. Este
fato produz uma importante redução à pós-carga e no trabalho do ventrículo esquerdo, freqüentemente produzindo
isquemia ou disfunção miocárdica, particularmente em pacientes que apresentam doença coronária concomitante4.
2. Efeitos Sobre a Mecânica Pulmonar
1. Fisioterapeuta, Mestrando do Programa de Pós Graduação em Cardiologia
e Ciências Cardiovasculares da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
2. Professora adjunta do Departamento de Medicina Interna da UFRGS. Doutora em Medicina: Cardiologia pela UFRGS.
3. Doutor em Medicina Cardiologia pela UFRGS. Diretor da Faculdade de
Medicina, UFRGS.
Alexandre Doval da Costa - Hospital Porto Alegre - Av. João Pessoa 437 /806
- CEP 90040-00 - f/fax (51) 32265716 - Porto Alegre - RS - e-mail: alexandre
[email protected]
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
Os efeitos da hemodinâmica sobre a mecânica pulmonar se
fazem sentir principalmente por aumentos da resistência e
diminuição da complacência pulmonar5. Seja por edema
intersticial, ou por engurgitamento das veias da mucosa
brônquica, aumentos da pressão da capilar pulmonar podem cursar com grande piora da mecânica pulmonar, com
conseqüente aumento do trabalho respiratório. Se não for
corretamente tratado, esse aumento de impedância respiratória pode exigir maior esforço e aporte de sangue aos músculos respiratórios, o que por sua vez, pode ser motivo de
piora do quadro hemodinâmico6 (Tabela 1).
REVISÃO DA LITERATURA
Os efeitos cardiopulmonares de três modos de suporte
129
ARTIGO DE REVISÃO
ventilatório foram demonstrados em 12 pacientes com
infarto agudo do miocárdio complicados por falência respiratória7. Foram avaliados os seguintes modos ventilatórios:
ventilação mecânica controlada (VMC), ventilação
mandatória intermitente (IMV) e respiração espontânea com
pressão positiva contínua na via aérea (CPAP). Todos os
pacientes foram submetidos à eletrocardiografia, onde a mudança de pelo menos 3 mm no total de desvio do segmento
ST foi arbitrariamente considerada significante8. As alterações eletrocardiográficas, que evidenciaram isquemia, cardíaca foram observadas em um paciente durante a ventilação mecânica controlada, em um paciente durante a IMV
em cinco pacientes durante respiração espontânea. Desta
forma, a isquemia miocárdica deve ser considerada um dos
fatores determinantes para pacientes com doença isquêmica
do coração, quando submetidos à VM. A monitorização
eletrocardiográfica contínua deve ser considerada neste grupo de pacientes visto que, a retirada da ventilação mecânica, pode levar a risco de isquemia miocárdica, não se recomendando a extubação do paciente.
Os efeitos hemodinâmicos da mudança da pressão positiva para a respiração espontânea, foram estudados em 15
pacientes com doença arterial coronariana (DAC) e doença
pulmonar obstrutiva crônica combinadas (DPOC)9. Pacientes com função ventricular deficiente podem desenvolver
aumento na pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP)
e, às vezes, levar a diminuição do débito cardíaco, quando
são removidos da ventilação mecânica com pressão positiva (Tabela 2). Os principais mecanismos que devem ser
considerados quando da falência do desmame nestes pacientes são os seguintes: durante a ventilação espontânea
ou diminuição do suporte ventilatório, o aumento da carga
de trabalho dos músculos respiratórios, bem com a ansiedade e a liberação simpática, resultam em um aumento importante do consumo de oxigênio e demanda cardíaca. O
ventrículo esquerdo deficiente é incapaz de responder normalmente e, a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo se eleva, causando edema alveolar, intersticial e
peribronquiolar. Esta redução da complacência aumenta a
resistência, causando alterações na relação ventilação/
perfusão levando a hipoxemia. O trabalho dos músculos
respiratórios encontra-se aumentado e a demanda energética
não supre a necessidade para os músculos equilibrarem esta
demanda (inadequado débito cardíaco e hipoxemia). Esta
eventualidade leva a inabilidade em sustentar a ventilação
espontânea, ao nível adequado para alcançar a normocapnia
mantendo a PaCO2 elevada. A anormalidade dos gases
sangüíneos causam depressão da contratilidade cardíaca e,
ao mesmo tempo, a função muscular respiratória. Esta inferioridade nos gases sangüíneos leva a um ciclo vicioso que
podem ocasionar a falência no desmame. Embora nenhum
paciente apresentasse evidência clínica de sobrecarga de
130
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
volume, todos foram submetidos ao tratamento com
diurético durante uma semana, perdendo em média 5 kg.
Após esta terapêutica, 8 de 15 pacientes foram desmamados com sucesso da VM. Embora o trabalho respiratório e a
pós-carga ventricular esquerda estivessem inicialmente aumentadas, a deterioração da função foi evitada e estes pacientes foram desmamados com sucesso.
Pacientes que não podem ser retirados da ventilação
mecânica após um episódio de falência respiratória aguda,
freqüentemente podem apresentar a coexistência de DAC10.
Um grupo de 15 pacientes dependentes da VN, foram submetidos a cintilografia miocárdica usando Thallium-201,
para avaliar a extensão e severidade da doença arterial
coronariana e isquemia miocárdica, em pacientes dependentes da VM, durante os seguintes modos de ventilação
espontânea: IMV e T-ayre. Após 10 minutos de respiração
espontânea ocorreram significativas alterações na distribuição do Thallium-201 ou dilatação transitória do ventrículo
esquerdo (sensibilidade 60% e especificidade de 95%), ou
ambas, em 7 de 15 pacientes (47%) (tabela 1). A mudança
da VM para a respiração espontânea, foi acompanhada pelo
aumento do volume minuto (3.5 +2.6 para 8.4+3.7 L/min) e
da pressão arterial média (90+2 para 98+3 mmHg) e diminuição do PH (7.41+0.02 para 7.37+0.03 - p < 0.05); a PaO2,
PaCO2, freqüência cardíaca (fc), ECG, volume corrente (VT),
capacidade vital (CV) e pressão inspiratória máxima (Pimax)
não se modificaram. Os achados eletrocardiográficos, num
equipamento de 12 derivações, obtidos após 10 minutos,
não demonstrou novos alterações no segmento ST ou diagnóstico de isquemia miocárdica. Os desfechos secundários
deste trabalho foram: taxa de sobrevivência deste grupo de
pacientes foi muito baixa; pobre prognóstico para pacientes
idosos dependentes da VM; a taxa de permanência e os custos de internação hospitalares foram mais elevados neste
grupo de pacientes que apresentaram impregnação positiva
para o Thallium-201 (Tabela 2). Este trabalho concluiu que,
o aumento do stress ventilatório a alterações hemodinâmicas
Tabela 1 – Mecanismo de Patogênese do
aparecimento de isquemia cardíaca durante o
desmame (Chatila W – Chest, 1996;109:1577)
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Tabela 2 – Desmame da ventilação mecânica de
paciente com severa doença arterial coronariana
para a ventilação espontânea. (Lemaire F –
Anesthesiology 1988;69:171
PAOP= pressão de oclusão da artéria pulmonar
Peso= pressão esofágica
SV= ventilação espontânea
da respiração espontânea, após a retirada da VM, foi o suficiente para induzir a mudanças miocárdicas na distribuição
do Thallium-201 ou dilatação transitória do ventrículo esquerdo, sugerindo isquemia miocárdica em 7 de 15 pacientes dependentes da VM.
No estudo anterior, não foram demonstradas quaisquer
alterações no traçado do ECG ou sugestivos de isquemia
miocárdica. Neste trabalho, 7 de 15 pacientes recebiam
digoxina, que pode tornar obscuro o diagnóstico de isquemia
pela detecção de desnivelamento de segmento ST pois, o
ECG somente não foi utilizado continuamente durante os
modos de respiração espontânea.
Um estudo prospectivo randomizado para designar um
de três modos de desmame, foi realizado para estimar a
incidência de isquemia miocárdica em pacientes cardíacos
de alto risco, após a realização de cirurgia não cardíaca11.
Um grupo de 62 pacientes, preenchendo critérios básicos
para extubação, foram randomizados para receber um de
três modos ventilatórios de desmame: ventilação mandatória
sincronizada intermitente (SIMV) (n=19), T-Ayre (n=21) e
pressão positiva contínua na via aérea (CPAP) (n=22). Os
pacientes foram monitorados eletrocardiograficamente em
2 canais para identificação de desnivelamento de segmento
ST, identificando isquemia miocárdica. Os pacientes foram
monitorados antes, durante e após o desmame. Dos 62
pacientes 12 (19.3%) evidenciaram isquemia durante o período de monitorização, sendo mais freqüente o aparecimento durante o período de desmame, ocorrendo em 3 de
21 pacientes (14.3%) em T-Ayre, 2 de 22 pacientes (9,1%)
de CPAP e nenhum paciente em SIMV. Este estudo demonstrou que, a isquemia miocárdica silenciosa ocorre
freqüentemente em pacientes de alto risco pós operatório e
que, a incidência é maior durante o desmame.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
ARTIGO DE REVISÃO
Em um estudo observacional prospectivo, a monitorização
contínua de ECG durante 24 horas, foi usada para monitorar
pacientes dependentes da VM e sua correlação com a dificuldade no desmame da prótese ventilatória11. Um grupo de 17
pacientes foram monitorados durante 24 horas, por um
eletrocardiógrafo de 2 canais. Nenhuma rotina da Unidade
de Terapia Intensiva foi interrompida ou alterada. O segmento ST foi avaliado de acordo com critérios estabelecidos para
evidenciar isquemia miocárdica. Alterações eletrocardiográficas evidenciando isquemia miocárdica, foram
identificadas em 6 (35%) de 17 pacientes. Em 2 pacientes foi
evidenciada a elevação de segmento ST e 4 apresentaram
depressão durante a monitorização com Holter. Cinco de 6
pacientes com evidencias eletrocardiográficas de isquemia,
apresentaram de 1 a 10 episódios de taquicardia ventricular
sustentada por mais de 4 batimentos em adição a alteração do
segmento ST. Em 2 pacientes a ocorrência de isquemia foi
relatada com o início da utilização do T-ayre. A presença de
isquemia foi associada com a falência do desmame da VM
(p < 0.05; risco relativo 3.05). Os desfechos secundários neste estudo foram: dias de VM, dias de hospitalização, sucesso
no desmame. O número de dias que os pacientes receberam
VM, o número de dias que os pacientes permaneceram hospitalizados e a taxa global de mortalidade não foi estatisticamente diferente para pacientes com ou sem evidência de
isquemia (tabela 3). Neste estudo ficou demonstrado que a
presença de isquemia miocárdica está associada à dependência da VM nesta população em estudo (sensibilidade de 62%
e especificidade de 89% - valor preditivo positivo 83%).
Em um estudo prospectivo, foram estudadas a freqüência com que as alterações eletrocardiográficas, sugestivas
de isquemia cardíaca, ocorrem durante o desmame da VM13.
Em adição foram estudados ainda, mudanças no trabalho
miocárdico, padrão respiratório e na oxigenação arterial
como possíveis preditores na falência do desmame e na
isquemia miocárdica. Um total de 93 pacientes entraram
neste estudo. Sessenta e oito (73%) pacientes foram desmamados com ventilação por pressão do suporte (PSV) e 25
(27%) foram desmamados com repetidas tentativas de
T-ayre. Sessenta e seis (60%) pacientes foram liberados com
sucesso da VM na primeira tentativa de desmame. 18 de 37
pacientes (49%) que falharam em sua primeira tentativa de
desmame apresentavam DAC. Seis de 93 pacientes (6%)
apresentaram isquemia miocárdica durante o desmame da
VM (tabela 4). A dessaturação de oxigênio (0.98 + 0.02
para 0.96 + 0.03) foi associada com 2.9 vezes de risco aumentado na falência do desmame (RR=3.9; CI=1.7 to 9.0).
Isquemia foi detectada mais freqüentemente em (10%) dos
pacientes com história pregressa de DAC (49 pacientes 53%) e foi associada com falência no desmame em 22%
destes pacientes. Especulasse que, a isquemia miocárdica
possa ter contribuído para a falência do desmame da VM
131
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
TABELA 3 – Distribuição do Thallium-201 no Miocárdico; Defeitos e Ventrículo Esquerdo durante a
Ventilação Mecânica e durante a ventilação espontânea.
(Hurford,WE et alli – Anesthesiology,1991:74;1007-16)
Paciente Idade
Sexo
Diagnóstico
História
Dias de VM
de DAC (antes do estudo)
Defeitos do Thallium-201
VM
Desfecho
VE
1
85
F
Pneumonia
Não
57
Nenhum
Nenhum
Morte
2
60
F
DPOC
Pneumonia
Não
13
Nenhum
Nenhum
Morte
3
71
F
DPOC
Pneumonia
Sim
19
Nenhum
Apical, septal
posterolateral
VE dilatado
Morte
4
69
F
Pneumonia
Não
68
Nenhum
Septal e anterior
Morte
5
73
M
s/p AAA
Não
23
Nenhum
Infer. e Inferoapical
Morte
6
72
F
Hernia Encar.
Não
20
Nenhum
Nenhum
Liberado
7
72
F
s/p AAA
Sim
9
Nenhum
Nenhum
Liberado
8
69
F
DVP
Sim
14
Nenhum
Septal e Inferior
VE dilatado
Morte
9
71
M
ASMI
Sim
24
Nenhum
Nenhum
Liberado
10
75
F
ICC – Pneum.
Sim
26
Nenhum
Nenhum
Morte
11
69
F
s/p Gastrectomia
Não
33
Nenhum
Nenhum
Liberado
12
83
M
s/p Gastrectomia
Sim
10
Anterior
Anterior
VE Dilatado
Morte
13
62
M
s/p esofagogast
Não
23
Nenhum
Nenhum
VE Dilatado
Morte
14
60
M
Perfur. do ïleo
Não
48
Nenhum
Nenhum
Morte
15
69
M
Enterocolite
Sim
28
Nenhum
Nenhum
VE Dilatado
Liberado
VM= ventilação mecânica; VE= ventilação espontânea; DAC= doença arterial coronariana; DPOC= doença pulmonar obstrutiva crônica; AAA= aneurisma de
aorta abdominal; DVP= doença vascular periféricaIMASIMAS= infarto miocárdico anteroseptal; ICC= insuficiência cardíaca congestiva; s/p= estado pós.
TABELA 4 – Desfechos das Variáveis (Hurford WE, -Anesthesiology, 1991;74:1016)
Variável
Todos os Pacientes
Thallium Negativo
Número
15
Idade (anos)
71 + 7 (60- 84)
70 + 8 (60-84)
71 + 6 (62-83)
Dias de VM
61 + 41 (24-144)
81 + 50 (25-85)
81 + 50 (24-144)
Dias de Hospitalização
70 + 39 (24-144)
53 + 22 (25-89)
90 + 47 (24-144)
117 + 72 (12-253)
75 + 44 (12-156)
165 + 69 (67-253)*
Custos Hospitalares
($X1000)
Mortalidade
67
8
Thallium Positivo
7
50
86
$= valores em dólares; * p=0.01 comparado para aqueles com Thallium negativo;
valores são média + DP com a variação entre parênteses
em 4 de 6 pacientes que entraram neste estudo. Assim conclui-se que,
isquemia miocárdica durante o desmame foi relativamente rara (6%) nesta
população estudada. A freqüência foi
132
maior (10%) em pacientes com história prévia de DAC e maior ainda (22%)
naqueles pacientes com DAC que falharam no desmame. Isquemia cardíaca deve ser considerada quando pacien-
tes, especialmente aqueles com DAC,
repetidamente falham no desmame da
VM. Monitorização contínua do segmento ST pode ser utilizada para detectar a ocorrência de isquemia oculta
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
TABELA 5 - Isquemia e Desfechos
(Hurford, WE et alli –Crit Care Med, 1995;23:1475-1480)
Variável
Todos os Pacientes
Número
Presença de Isquemia
17
Ausência de Isquemia
6
a
b
11
Idade
70 + 9 (54 – 84)
72 + 7 (65 – 84)
68 + 11 (54 – 84)
Dias de VM
74 + 61 (20 – 229)
78 + 47 (29 – 159)
71 + 69 (20 – 229)
108 + 69 (29 – 260)
127 + 77 (45 – 260)
98 + 66 (29 – 229)
Sucesso no
Desmame (%)
9 (53)
1 (17)
8 (73)
Liberação de
Dependente da VM
2 (12)
1 (17)
2 (18)
Morte (%)
6 (35)
4 (66)
2 (18)
Dias de Hospital.
Tempo de Monitorização
FC Média
FC Máxima
1465 + 93
1502 + 56
1445 + 105
85 + 13
79 + 12
89 + 12
114 + 18
111 + 26
115 + 14
VM= ventilação mecânica; a= média+ SD ; b= range; FC= freqüência cardíaca
em pacientes selecionados.
No estudo anteriormente citado foi
demonstrado que, a presença de
isquemia miocárdica detectada pelo
traçado eletrocardiográfico, ocorreu
em 6% de UTI geral e nesta, 10% dos
pacientes apresentavam DAC durante
o desmame da VM. Neste trabalho a
isquemia miocárdica tendeu a aumentar o risco de falência de desmame no
primeiro dia de desmame da VM, mas
este efeito falhou em demonstrar o
alcance da análise estatística por causa do pequeno tamanho da amostra.
Um estudo de coorte prospectivo
foi realizado em pacientes com DAC,
para examinar a freqüência e os efeitos da isquemia miocárdica durante o
primeiro dia de desmame da VM14.
Um total de 83 pacientes com DAC
foram incluídos no trabalho (tabela 5).
Neste estudo 49 pacientes foram liberados com sucesso da VM. As modalidades de desmame utilizadas, determinadas pelo médico assistente, foram: T-Ayre, PSV e CPAP. Em todos
os pacientes foram monitorizados continuamente, o traçado eletrocardio-
gráfico para análise de desníveis de
segmento ST, em 3 canais. Oito pacientes apresentaram isquemia durante o desmame da VM, sendo que 7 falharam no desmame. Seis de 8 pacientes apresentaram isquemia miocárdica
durante a utilização de T-Ayre como
modalidade de desmame e todos falharam nesta primeira tentativa (tabela 6). O Produto Pressão/Razão (PPR
= freqüência cardíaca X pressão
sangüínea sistólica) aumentou significativamente em ambos os grupos
isquêmicos (12.8 + 0.9 para 17.3 + 2.0
TABELA 6 – Características dos Seis Pacientes que Apresentaram Isquemia Durante o Desmame
(Chatila, W et alli – Chest, 1996;109:1577-1583)
Paciente
História
Duração da
VM (dias)
Modo de
Desmame
Começo para a
Isquemia(min.)
Desfecho do
Desmame
Sintomas
10
F
Dor Torácica
1
DAC-ICC-IM
2
CPAP/PSV5
2
DAC-ICC-HAS
3
T-Ayre
3
F
Nenhum
3
DAC-HAS
DM-AVC
3
T-Ayre
15
F
“distress “t
4
DAC-DM-HAS
DVP-ICC
7
CPAP/PSV12
—-
F
“distress “t
5
DAC-AVC
DVP-ICC
½
CPAP/PSV5
—-
S
Nenhum
6
HAS-AVC
2
CPAP/PSV5
40
S
Nenhum
ICC= insuficiência cardíaca congestiva; DAC= doença arterial coronariana; HAS= hipertensão arterial sistêmica; AVC= acidente vascular cerebra; DM=
diabete ; DVP= doença vascular periférica; S= sucesso na extubação ; F= falha no desmame
t = sintomas ocorreram coincidentemente com mudanças no segmento ST.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
133
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
mmHg X bpm X 103 – p < 0.01) e não
isquêmicos (11.8 + 0.4 para 13.0 + 0,5
mmHg X bpm X 103 – p < 0.01). Entretanto o aumento do PPR tende a ser
maior no grupo de pacientes isquêmicos do que nos não isquêmicos (4.5
+ 1.4 vs. 1.3 + 0,2 mmHg X bpm X
103 – p = 0.05). Neste estudo em questão conclui-se que, o desenvolvimento de isquemia miocárdica durante o
desmame, aumentou significativamente o risco para falência no desmame;
sete de oito pacientes isquêmicos falharam, enquanto 31 de 75 pacientes
sem isquemia falharam (RR=2.1; IC=
1.4 – 3.1, para 95%). Isquemia miocárdica foi acompanhada por um aumento maior que o normal no PPR aumentando o risco de falência do desmame
nas primeiras 24 horas em 110%.
Estudo recente no Brasil, em seus
achados preliminares, procurou demonstrar o uso do sistema de monitorização eletrocardiográfica contí-
nua (Holter) nos procedimentos de
retirada da VM15. Foram monitorizados 20 pacientes em processo de
retirada da VM, utilizando um Holter
de 3 canais, desde o início do processo até 24 horas, independente do
sucesso ou falência do mesmo (tabela 7). Seis pacientes apresentavam
antecedentes de miocardiopatias,
porém sem relatos de DAC prévia
diagnosticada. Arritmias estiveram
presentes em todos os pacientes, sendo extrassístoles supraventriculares
(ESVS) em 10 (50%) pacientes,
taquicardia paroxística supraventricular (TS) em 12 (60%) casos,
extrassístoles ventriculares (ESV)
em 16 (80%) com ocorrência de
taquicardia ventricular (TV) não sustentada e sustentada em 4 (20%) dos
pacientes. Cinco (25%) dos pacientes apresentaram isquemia miocárdica silenciosa, com infradesnivelamento do segmento ST, varian-
do de 1,7 a 4,3 mm em pelo menos 2
canais; todos os pacientes que manifestaram isquemia miocárdica silenciosa, não obtiveram sucesso na
retirada da VM. Neste trabalho conclui-se que, a retirada da VM, propicia a manifestação de alterações
hemodinâmicas sub-diagnosticadas
pela inadequada monitorização; a
freqüência de isquemia silenciosa e
arritmias com elevado potencial de
degeneração são comuns e devem ser
tratadas e monitoradas com atenção
especial por seu efeito sobre a mortalidade dos pacientes.
COMENTÁRIOS
Os estudos anteriormente citados sugerem que, as alterações hemodinâmicas e da mecânica ventilatória,
quando da passagem da VM com
pressão positiva para a ventilação espontânea, promovem o desequilíbrio
entre a oferta e a demanda de oxigê-
TABELA 7 – Características dos 83 pacientes desmamados da ventilação mecânica (percentagens das
subcoortes estão apresentadas entre parênteses) – (Srivastava S – Crit Care Med 1999;27:2109)
Características
Isquêmicos
(n = 8)
Não Isquêmicos
(n = 75)
Total
(n = 83)
Idade (anos)
< 40
40-60
60-70
70-80
>80
Sexo
Masculino
Feminino
APACHE II
Duração da VM (dias)
Número de Pacientes
1 dia
2-3 dias
4-5 dias
6-7 dias
> 7 dias
DPOC
ICC
AVC
HAS
Diabetes
Insuficiência Renal
Pneumonia ou Sepse
73.3 + 1.5
0
0
2
6
0
72.4 + 1.2
0
8
24
28
15
72.4 + 1.3
0
8
26
34
15
2
6
18.1 + 1.4
2.9 + 0.9
22
53
16.2 + 0.8
4.8 + 1.0
24
59
16.4 + 0.5
4.6 + 0.9
2
5
0
0
1
1 (13)
5 (63)
2 (25)
3 (38)
3 (38)
1 (13)
0
27
16
11
10
11
16 (21)
37 (49)
9 (12)
20 (27)
25 (33)
9 (12)
12 (16)
29
21
11
10
12
17
42
11
23
28
10
12
VM = ventilação mecânica; DPOC= doença pulmonar obstrutiva crônica; AVC= acidente vascular cerebral; HAS= hipertensão arterial sistêmica; ICC=
insuficiência cardíaca congestiva
134
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
TABELA 8 - Características dos 8 Pacientes que Apresentaram Isquemia durante o Desmame
(Srivastava S– Crit Care Med, 1999;27:2109-2112)
Paciente
Duração da
VM (dias)
Modalidade
de Desmame
Desfecho do
Desmame
Sintomas e Sinais
1
0,5
CPAP/PSV5
S
Nenhum
2
2
CPAP/PSV5
F
Dor Torácica
3
3
T-Ayre
F
Taquipnéia
Taquicardia
4
3
T-Ayre
F
“Distress”
Taquicardia
5
18
T-Ayre
F
Taquipnéia
6
3
T-Ayre
F
Taquipnéia-HAS
7
2
T-Ayre
F
Dor torácica - EAP
8
3
T-Ayre
F
TaquipnéiaTaquicardia
VM= ventilação mecânica ; CPAP= pressão positiva contínua na via aérea; PSV= ventilação por pressão de suporte; S= sucesso na extubação; HAS=
hipertensão arterial sistêmica; EAP= edema agudo de pulmão; F= falha no desmame
nio ao miocárdio, podendo levar a isquemia.
A incidência de disfunção cardiovascular, como causa
da falência do desmame da VM, é usualmente considerada baixa. De qualquer modo, enquanto cerca de um terço
TABELA 9 - Características dos 20 Pacientes
Estudados com Holter para Detecção de Isquemia
Miocárdica (Barcelos GK – Anais do X
Congresso Brasileiro de Terapia Intensiva –
AMIB - Rio de Janeiro.2002 – Revista Brasileira
de Terapia Intensiva)
Características
Número
Idade (anos)
19 a 83
(%)
Média
(56,35)
Sexo
Masculino
13
(65)
Feminino
7
(35)
APACHE II
Risco de Óbito
Miocardiopatias
(s/antecedentes DAC)
1 a 23
(13,15)
0.9 a 55.82 (20,58)
6
(30)
Não Miocardiopatias
14
(70)
Arritmias
20
(100)
ESVS
20
(100)
TS
10
(50)
ESV
16
(80)
4
(20)
TV
DAC= doença arterial coronariana; ESVS= extrassístoles supraventriculares; TS= taquicardia supraventricular; ESV= extrassístoles
ventriculares; TV= taquicardia ventricular.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
das falências ocorridas no estudo de Epstein16 resultaram
unicamente, em parte, devido à insuficiência cardíaca
congestiva (ICC), 21% dos pacientes de Stroetz e
Hubmayr 16 falharam devido ao desenvolvimento de
disfunção cardiovascular.
As alterações hemodinâmicas e ventilatórias associadas com a descontinuidade da VM são suficientes para
aumentar o consumo de oxigênio pelo miocárdio (evidenciados pelo aumento da freqüência cardíaca, pressão
arterial e tamanho da cavidade do ventrículo esquerdo
durante a ventilação espontânea). Áreas miocárdicas supridas por artérias coronárias estenosadas (resultantes de
ateroesclerose coronariana ou espasmos), podem ser
incapazes de aumentar o fluxo sangüíneo suficientemente, provocando alterações na perfusão miocárdica. O uso
de drogas e outras intervenções apontam para uma melhora do fluxo coronariano e na redução do stress das
paredes do ventrículo esquerdo, durante a ventilação
espontânea, podendo ser benéficos no cuidado de pacientes dependentes da VM9.
Achados sugerem que, a ocorrência de isquemia
miocárdica está associada à continuidade da dependência de pacientes da VM. Aqueles pacientes que evidenciam isquemia apresentam um risco relativo 3 vezes maior
de permaneceram dependentes da VM. Sabe-se que a taxa
de sobrevivência de pacientes dependentes da VM é muito
baixa onde, os pacientes idosos, são o grupo maior de
risco nesta situação. De qualquer forma, a identificação
da presença de isquemia miocárdica neste grupo, tem um
importante papel no desfecho favorável sugerindo que, o
diagnóstico e tratamento agressivos para a isquemia
miocárdica, podem ser um componente importante no
135
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGO DE REVISÃO
manejo destes pacientes dependentes da VM11.
A evidência de isquemia miocárdica, demonstrada por alterações do
traçado eletrocardiográfico, ocorrem
comumentemente em pacientes com
DAC, quando em início de desmame da VM e está associada com o
risco aumentado, no primeiro dia de
desmame da ventilação. Existem limitações quanto à identificação pela
monitorização eletrocardiográfica do
segmento ST, em pacientes em UTI.
Estudos referem que um eletrocardiógrafo de 12 canais por vezes, pode
ser insensível na detecção de isquemia. No equipamento de 3 canais a
sensibilidade na detecção de alterações do segmento ST é menor ainda12. Na verdade, a monitorização do
segmento ST é desnecessária na
maioria dos pacientes clínicos que
iniciam o desmame da VM. Entretanto, deve ser considerado a utilidade da monitorização do segmento ST, em pacientes de grupos de
risco de dificuldade de desmame da
VM, bem como, aqueles pacientes
que ao inicio do desmame apresentem alterações do segmento ST deverão passar a ser monitorados com
eletrocardiógrafos de 12 canais,
para melhorar e especificidade da
detecção de isquemia durante o processo de desmame.
Desta forma, devemos levar em
conta que a disfunção cardiovascular
pode ser uma peça importante na predição do sucesso de desmame de pacientes da VM e que, a monitorização
cardiovascular pode ser de grande utilidade no diagnóstico e tratamento de
pacientes dependentes da VM, especialmente naqueles em que o desmame deva ser iniciado, promovendo a
melhora dos desfechos diminuindo os
altos custo e a alta mortalidade desta
população específica.
RESUMO
A retirada da ventilação mecânica
(VM) é uma das manobras que gera
136
alta demanda metabólica e complexas alterações cardiovasculares e
hemodinâmicas em terapia intensiva1.
A freqüência da ocorrência de isquemia miocárdica e arritmias cardíacas
podem não estar sendo adequadamente diagnosticadas contribuindo para o
insucesso da retirada da ventilação
mecânica2.
Desta forma, devemos levar em
conta que a disfunção cardiovascular
pode ser uma peça importante na predição do sucesso de desmame de pacientes da VM e que, a monitorização
cardiovascular pode ser de grande utilidade no diagnóstico e tratamento de
pacientes dependentes da VM, especialmente naqueles em que o desmame deva ser iniciado, promovendo a
melhora dos desfechos diminuindo os
altos custo e a alta mortalidade desta
população específica3.
A existência de poucos trabalhos
relativos a este tema nos leva a fazer
uma revisão atualizada sobre o assunto, proporcionando o conhecimento
a respeito do impacto da ocorrência
de cardiopatias isquêmicas e arritmias
cardíacas no desmame da ventilação
mecânica.
UNITERMOS: ventilação mecânica; unidade de terapia intensiva;
desmame da ventilação; isquemia
miocárdica; segmento ST; alterações
hemodinâmicas; ECG; doença arterial coronariana.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
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Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Análise Comparativa do Consumo de
Oxigênio (VO2) Obtido pelo Método de Fick e
pela Calorimetria Indir
eta no Paciente Grave
Indireta
Comparative analysis of oxygen consumption (VO2) calculated by Fick´s
method and measured by indirect calorimetry in critically ill patient
Flávio Marson1, Maria Auxiliadora Martins2, Francisco Antonio Coletto3,
Antonio Dorival Campos4, Anibal Basile-Filho5.
ABSTRACT
The purpose of this study was to compare the oxygen consumption index, measured by indirect calorymetry (VO2IDELTA)
through a portable metabolic cart and the measurements calculated by Fick’s principle (VO2IFICK) in critically ill patients.
Fourteen patients (10 men and 4 women) were analized: 5 trauma
and 9 sepsis victims. The mean age was 39.4 ± 5.4 years with
the following scores: APACHE II = 21.3±1.8; ISS = 24.8±6; and
Sepsis Score = 19.6±2.3. The mortality risk (odds ratio), calculated from APACHE II, was 41.9±7.1%. All patients were submitted to mechanical ventilation and invasive hemodynamic monitoring by a Swan-Ganz catheter. VO2 was obtained by the two
methods (VO2IDELTA and VO2IFICK) at four different times (T1-T4).
No statistical significantly difference were observed between
indirect calorimetry and Fick’s equation at T1 (VO2IDELTA =
138±28 and VO2IFICK = 159±38 mL.min-2.m-2, p=0.10) and T3
(VO2I DELTA = 144±26 and VO2IFICK = 158±35 mL.min-2.m -2,
p=0.14). Otherwise, the data shown a statistical difference
between the two methods at T2 (VO2IDELTA = 141±27 and VO2IFICK
= 155±26 mL.min-2.m-2, p=0.03) and T4 (VO2IDELTA = 145±24
and VO2IFICK = 162±26 mL.min-2.m-2, p=0.01).
In conclusion, we can state that indirect calorimetry can be
used in oxygen consumption analysis in critically ill patients is
as efficient as the Fick’s reverse equation with the benefit of
being a non-invasive procedure, and free of risks.
KEYWORDS: Thermodilution, indirect calorimetry, oxygen consumption, trauma, sepsis.
1,2,3
Médicos Assistentes e Pós-Graduandos da Disciplina de Terapia Intensiva
do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
4
Professor Associado do Departamento de Medicina Social da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
5
Professor Associado e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo
Dissertação de Mestrado realizada na Disciplina de Terapia Intensiva (Centro
de Terapia Intensiva da Unidade de Emergência e Campus – Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto) do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Projeto de pesquisa financiado pela FAPESP (99/07266-7).
Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto – SP – CEP 14049-900 - E-mail:
[email protected] Tel: (16) 602-2439
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
objetivo principal da monitorização das funções
cardiocirculatórias no paciente gravemente enfermo é o de se obter medidas freqüentes, intermitentes ou contínuas, que permitam o reconhecimento
precoce das disfunções cardiocirculatórias e a adoção de
medidas terapêuticas nos momentos mais apropriados(1).
Nenhuma variável fisiológica consegue fornecer informações completas de toda a condição do doente grave.
Apesar de visar a melhora do estado do paciente, muitas
das intervenções direcionadas ao suporte aeróbio são feitas sem necessidade real ou sem benefícios bem documentados. Isto é um reflexo da incapacidade de se obter
medidas diretas das tensões teciduais de oxigênio(2).
Por não existir um armazenamento tissular de O2, seu
fornecimento deve suprir as necessidades metabólicas
celulares através de um consumo adequado de O2 (VO2).
Isto ocorre para que haja produção eficaz de energia a
partir da glicose (metabolismo aeróbio, no qual 1 mol de
glicose produz 38 moles de trifosfato de adenosina - ATP,
o que equivale, em termos energéticos, a 673 kcal).
Quando o VO2 não consegue suprir a demanda dos tecidos para a produção de energia, ocorre uma disfunção
circulatória que pode progredir para a forma mais grave,
denominada choque circulatório(3). A monitorização do
metabolismo do O2, o mais precocemente possível, através do VO2, é útil para se observar as disfunções ou falências do sistema circulatório, uma vez que, somente a manutenção de um débito cardíaco em níveis normais, não
garante um suprimento adequado de O2 aos tecidos(4).
O trauma e a sepse conduzem a liberação de mediadores pró e anti-inflamatórios que induzem, por sua vez,
uma distribuição microcirculatória insuficiente, prejudicando o consumo periférico de O2. Este déficit no VO2 é
a principal causa da Síndrome da Disfunção de Múltiplos Órgãos (SDMO), com elevadas taxas de mortalida-
O
137
ARTIGOS ORIGINAIS
de(5). Dessa forma, o VO2 é considerado um importante parâmetro fisiológico, uma vez que está fortemente relacionado à evolução em pacientes graves(6).
Até a década de 1980, o único
modo de se aferir o VO2 em pacientes graves era pelo método de Fick,
obtido a partir da introdução de um
cateter de Swan-Ganz na artéria pulmonar, devido à falta de outros equipamentos portáteis que pudessem ser
usados à beira do leito(7). A disponibilidade destes aparelhos (calorímetro) permitiu a medição do VO2
pelo método de trocas gasosas
(calorimetria indireta).
CASUÍSTICA E MÉTODOS
O presente estudo foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, (HCRP
no 4989/99).
Foi realizado um estudo prospectivo em pacientes graves, vítimas
de trauma ou sepse, de ambos os sexos, com necessidade de ventilação
mecânica prolongada (mais de 3
dias) e de monitorização hemodinâmica invasiva (MHI). As indicações de MHI foram: avaliação da
instabilidade hemodinâmica, monitorização da reposição volêmica em
pacientes com doença cardiopulmonar ou renal e monitorização durante a ventilação mecânica com valores de pressão positiva ao final da
expiração (PEEP) maiores que 10 cm
de H2O. A MHI foi feita através da
inserção de um cateter de SwanGanz na artéria pulmonar, através de
punção da veia jugular interna ou
subclávia, de preferência pelo lado
direito. Ocorrendo a estabilização
respiratória e hemodinâmica do
paciente em até 3 dias da internação
no CTI, os pacientes foram incluídos no estudo, desde que obedecessem aos critérios de exclusão descritos abaixo.
138
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Os critérios de exclusão foram: a
contra-indicação clínica para MHI,
idade >80 anos e <15 anos, a necessidade de FiO2 (fração de oxigênio
no ar inspirado) > 0,6, PAM (Pressão arterial média) < 50 mmHg, FC
(Freqüência cardíaca) < 50 ou > 140
bpm, presença de fístula aérea bronco-pleural, choque circulatório
irreversível, morte encefálica e,
finalmente, recusa do paciente ou de
seu responsável legal em participar
do estudo.
Todos os pacientes foram estratificados de acordo com o sistema
APACHE II - Acute Physiologic and
Chronic Health Evaluation II(8), em
caso de trauma foram também classificados pelo ISS(9) (Injury Severity
Score) e, em caso de sepse, pelo sistema de graduação de sepse (SS - Sepsis
Score)(10), no primeiro dia da internação
no CTI. Os critérios de sepse/choque
séptico seguiram o modelo definido
pela Conferência de Consenso promovida pelos membros do American
College of Chest Physicians (ACCP)
em associação com a Society of
Critical Care Medicine (SCCM)(11),
em 1991, a saber: (1) uma resposta
sistêmica à infecção evidenciada por
2 ou mais dos seguintes dados: temperatura >38 0C ou <36 0C, freqüência cardíaca >90 batimentos por minuto, freqüência respiratória >20 respirações por minuto ou PaCO2 <32
mmHg, leucócitos >12.000 células/
mm3 ou <4.000 células/mm3 ou presença de mais de 10% de formas jovens (bastões); (2) hipotensão com
pressão arterial sistólica <90 mmHg
ou uma redução >40 mmHg do basal
apesar de reposição volêmica adequada juntamente com anormalidades da
perfusão periférica que podem incluir
acidose láctica, oligúria ou alteração
aguda da consciência. Para os casos
de trauma também foi calculado o
TRISS - Trauma and Injury Severity
Score(12), que estima a probabilidade
de sobrevida baseado nas características anatômicas e fisiológicas do
paciente.O peso dos pacientes foi
obtido através de estimativa baseada no índice de massa corporal de
acordo com a idade.
Foram estudados 14 pacientes,
sendo 10 homens e 4 mulheres, com
idade média de 39,4 ± 5,4 anos. Os
dados referentes aos pacientes encontram-se nas Tabelas 1 e 2. Nos pacientes com sepse (n = 9 ou 64,3%
do total), 5 (55,6%) eram do sexo
masculino e o SS foi de 19,6 ± 2,3.
Nos pacientes vítimas de trauma, todos eram do sexo masculino e representou 35,7% do total de pacientes.
O ISS foi de 24,8 ± 6,0. O peso corporal médio de toda a casuística foi
de 65,6 ± 1,7 kg e a altura foi de 167,1
± 2,2 cm. O índice APACHE II de
todos os pacientes, no dia da admissão na UTI foi de 21,3 ± 1,8. O risco
de óbito geral calculado a partir do
APACHE II foi de 41,9 ± 7,1%.
Todos os pacientes foram ventilados mecanicamente com ventilador
mecânico microprocessado (BIRD
8400STi - Bird Prod. Corp., EUA
ou SERVO 900C, Siemens Elema,
Suécia). Os pacientes foram ventilados no modo volume-controlado,
com volume corrente de 8 a 10
mL.kg-1, numa freqüência de 12 a 16
respirações por minuto, com FiO2
(fração de oxigênio no ar inspirado)
menor que 0,6. A detecção de vazamento de ar no circuito do respirador ou pelo tubo endotraqueal foi
feita por observação rigorosa tanto
visual quanto auditiva dos mesmos
e pela observação dos valores do
quociente respiratório fornecidos
pelo calorímetro que, estando fora da
faixa de 0,5 a 1 representava uma
possibilidade de vazamento de ar no
circuito interno ou externo.
As medidas de consumo de oxigênio foram obtidas em todos os pacientes com o calorímetro portátil
(Deltatrac II Metabolic Monitor Datex-Ohmeda, Finlândia). Foi realizada uma calibração inicial, antes
do protocolo de estudo, com o teste
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Tabela 1 - Dados dos pacientes com sepse (idade em anos, AP II = APACHE II, risco AP II = risco de óbito
baseado no APACHE II, SS = Sepsis Score, DP = desvio padrão da amostra).
Paciente
Idade
Sexo
Altura
(cm)
Peso
(kg)
Diagnóstico
APII
Risco APII
(%)
SS
Óbito
1
39
F
150
53
pneumonia
31
73
21
sim
02
38
F
162
62
pneumonia
11
14
12
não
3
32
M
167
63
pneumonia
28
72
11
não
4
78
F
163
70
pneumonia
28
66
10
não
5
51
M
160
57
pneumonia
24
43
23
sim
6
72
M
160
62
pneumonia
28
78
28
sim
7
67
M
170
77
pneumonia
16
24
19
sim
8
22
M
170
70
celulite
26
73
25
não
09
23
F
160
62
peritonite
16
23
27
sim
Média
64,0
162,4
64
23,1
51,8
19,6
DP
± 2,4
± 2,1
± 2,4
± 2,3
± 8,6
± 2,3
Tabela 2 - Dados dos pacientes vítimas de trauma (idade em anos, TCE = trauma craniencefálico,
TR = trauma, TX = tórax, MMSS = membros superiores, AP II = APACHE II, risco APII = risco de óbito
baseado no APACHE II, ISS = Injury Severity Score, TRISS = Trauma Revised Injury Severity Score,
DP = desvio padrão da amostra).
Paciente
Idade
Sexo
Altura
(cm)
Peso
(kg)
Diagnóstico
AP II
Risco
APII (%)
ISS
TRISS
(%)
Óbito
1
28
M
173
67
TCE
TR TX
TR Face
20
28
27
89,3
não
2
31
M
176
70
TCE
Externo
15
16
17
95
não
3
19
M
177
67
TCE
TR TX
Externo
17
11
45
24,4
não
4
35
M
177
74
TCE
Externo
12
11
26
82,6
não
5
16
M
174
65
amputação
MMSS
26
55
9
51,6
não
Média
25,8
175,4
68,6
18
24,2
24,8
68,3
DP
± 3,6
± 0,8
± 1,6
± 2,4
± 8,3
± 6,0
± 13,3
de queima do álcool de acordo com
especificações do fabricante. Antes
de cada estudo, o calorímetro foi
aquecido por 30 minutos e a seguir
calibrado com uma mistura conhecida de gases contendo 5% de
dióxido de carbono (CO2) e 95% de
O 2 . A linha de coleta de gases
inspiratórios foi posicionada após o
sistema de umidificação e aquecimento do respirador. Todo o ar expi-
rado foi coletado da via expiratória
(expurgo) do respirador. Todos estes
procedimentos foram realizados de
acordo com as especificações fornecidas pelo fabricante.
Com o paciente estável, em ambiente calmo, sem manipulação das
vias aéreas nem dos parâmetros do
respirador, durante pelo menos 30
minutos, foram feitas 30 medições
minuto a minuto do VO2 (mL.min-1).
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
Ao final de cada período de 30 minutos era calculada a média e o desvio padrão do VO2.
As quatro séries de medidas
hemodinâmicas foram iniciadas em
seguida a cada período de estudo de
calorimetria indireta, já com o paciente sendo ventilado em hiperóxia
com FiO2 de 100%, com o intuito de
estreitar o intervalo entre as medidas de débito cardíaco e a análise dos
139
ARTIGOS ORIGINAIS
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Figura 1 - Delineamento do estudo comparativo entre o consumo de
oxigênio pela calorimetria indireta e método de Fick.
gases das amostras de sangue arterial e venoso misto. O delineamento
do estudo encontra-se esquematizado na Figura 1.
As pressões arterial periférica,
arterial pulmonar e venosa central
foram monitorizadas com módulos
de pressão invasiva (DIXTAL 2010Biomédica Ind. e Com. LTDA,
Brasil). Os transdutores de pressão
invasiva foram posicionados ao
nível da linha axilar média, no 4o
espaço intercostal.
A monitorização hemodinâmica
invasiva foi feita inserindo-se um cateter de Swan-Ganz (Baxter Healthcare
Corp., EUA) calibre 7 French na artéria pulmonar, através de punção da veia
subclávia ou jugular interna direita
através de um introdutor 8,5 French
(Baxter Healthcare Corp., EUA). O
posicionamento adequado do cateter
de Swan-Ganz ocorre, classicamente,
na zona III de West, onde o fluxo
sangüíneo é ininterrupto, permitindo
a livre comunicação da ponta do cateter com as pressões vasculares distais.
A radiografia de tórax na incidência ântero-posterior foi realizada para
se excluir complicações relacionadas
ao acesso venoso, como pneumo ou
hemotórax.
O débito cardíaco foi medido
através da técnica de termodiluição,
utilizando-se um computador
(DIXTAL 2010- Biomédica Ind. e
140
Com. LTDA, Brasil).
A técnica de medição do débito
cardíaco foi a seguinte:
1. Posicionamento do paciente
em decúbito dorsal horizontal.
2. Os transdutores de pressão
invasiva da artéria pulmonar e venosa central foram posicionados ao
nível da linha axilar média, no 4o
espaço intercostal e zerados.
3. Foram realizadas 4 injeções
consecutivas de solução salina a
0,9% gelada, com temperatura variando entre 0 e 5 graus Celsius (oC),
num tempo menor do que 4 segundos, na fase expiratória do ciclo respiratório.
4. A primeira medida do DC foi
sempre desprezada, calculando-se o
débito cardíaco médio entre as outras
3 medidas. O valor obtido foi dado
em litros por minuto e indexado à
superfície corporal total (Índice
Cardíaco em L.min-1.m-2)
As medidas de oxigenação foram
realizadas após a coleta de sangue
arterial e venoso misto para análise
dos gases, tendo o paciente sido ventilado com uma FiO2 de 100% por
15 minutos (prova de hiperóxia).
Antes da coleta destas amostras foram desprezados 4 mL de sangue de
ambos os cateteres para a remoção
de sangue misturado com as soluções
heparinizadas de infusão contínua.
Duas amostras de sangue de 2 mL
cada foram colhidas da artéria pulmonar e da artéria periférica lentamente, com 30 a 40 segundos de
demora, com o maior cuidado em
relação à amostra venosa mista, a fim
de não ser aspirado sangue arterializado. As medidas hemodinâmicas
e de oxigenação foram realizadas
dentro de um intervalo máximo de
cinco minutos entre elas para garantir a eficácia do método.
Conhecendo-se o índice cardíaco, a concentração de hemoglobina
(Hb) em g.dL-1 e outras variáveis da
equação de Fick, obtidas através das
gasometrias arterial e venosa mista,
como a pressão parcial de oxigênio
arterial, a saturação de oxigênio
arterial, a pressão parcial de oxigênio venoso misto e a saturação de
oxigênio venoso misto (PaO2, SaO2,
PvO2 e SvO2, respectivamente) calculou-se o VO2I (mL.min-1.m-2). A
pressão parcial dos gases foi dada em
mmHg e a saturação de oxigênio em
porcentagem (%).
Após cada medida de VO2 pelo
método de Fick retornou-se a FiO2
do respirador para os parâmetros iniciais, aguardando tempo de 30 minutos para a estabilização dos gases
no circuito respiratório e no calorímetro para se dar início às novas
medidas de calorimetria indireta.
Foram realizadas quatro medidas
comparativas do índice de consumo
de oxigênio entre calorimetria indireta (VO2IDELTA) e pelo método de
Fick (VO2IFICK).
A análise estatística levou em consideração as médias dos valores obtidos de índice de consumo de oxigênio entre todos os pacientes pelos dois
métodos (calorimetria indireta e equação de Fick) nos tempos T1 a T4. A
comparação foi realizada através do
teste não-paramétrico de Wilcoxon,
baseadas na hipótese nula (VO2IDELTA
igual ao VO2IFICK) e com intervalo de
confiança de 95% (α = 0,05). Foram
consideradas significativas as diferenças com p < 0,05.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RESULTADOS
Não houve qualquer complicação
ou prejuízo hemodinâmico nem
respiratório aos pacientes, relativos
à monitorização hemodinâmica
invasiva.
Nos pacientes com sepse a mortalidade foi de 55,6% contra um risco de óbito calculado a partir do
APACHE II de 51,8 ± 8,6%. Nos
pacientes traumatizados a mortalidade foi nula (risco APACHE II de 24,8
± 6 % e TRISS de 68,3 ± 13,3%). A
mortalidade geral foi de 35,7% (risco APACHE II de 41,9 ± 7,1%).
Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois métodos nas medidas de VO2I nos tempos T1 e T3 (p = 0,10 e p = 0,14, respectivamente). No entanto, nos tempos T2 e T4 houve diferença estatística entre os dois métodos (p = 0,03
em T2 e p = 0,01 em T4). A diferença
média entre as medidas nos tempos
T1 a T4 (T1 FICK – T1 DELTA , T2 FICK – T2
, T3 FICK – T3 DELTA e T4 FICK – T4
DELTA
) foi de 17 ± 4 mL.min-1.m-2 (10
DELTA
± 2 %). Os valores de VO2I obtidos
pela calorimetria indireta e pelo método de Fick, nos tempos T1 a T4, são
mostrados na Tabela 3. A Figura 2
mostra os valores comparativos entre
as duas formas de medição do VO2I.
DISCUSSÃO
A finalidade deste estudo foi comparar o VO2 obtido pelo método de Fick
e pela calorimetria indireta em pacientes graves, vítimas de trauma
múltiplo ou sepse. O método de Fick
para a monitorização do VO2 ainda é
o mais utilizado em terapia intensiva.
No entanto, é invasivo, pois é necessária a inserção de um cateter de
Swan-Ganz na artéria pulmonar por
acesso venoso central e está associado a várias complicações. Algumas
complicações relacionadas à passagem do cateter têm sido documentadas(20), como: arritmias e bloqueios
cardíacos, ruptura da artéria pulmonar, aneurisma da artéria pulmonar,
ARTIGOS ORIGINAIS
Tabela 3 - Índices de Consumo de Oxigênio (VO2I) obtidos pelos
diferentes métodos nos tempos T1 a T4 (DP = desvio padrão) e a
diferença média entre as medidas.
VO2I (mL.min-1.m-2)
Tempo 1
Tempo 2
Tempo 3
Tempo 4
média ± DP
138 ± 28
141 ± 27
144 ± 26
145 ± 24
variação
91 - 176
94 - 174
102 - 183
112 – 170
média ± DP
159 ± 38
155 ± 26
158 ± 35
162 ± 26
variação
102 - 211
108 - 185
94 - 240
117 - 207
21
14
14
17
Calorimetria indireta
Método de Fick
VO2IFICK – VO2IDELTA
Figura 2 - Comparação entre as médias dos índices de consumo de
oxigênio medido pela calorimetria indireta (VO2 IDELTA) e pelo método
de Fick (VO2IFICK) nos tempos T1 a T4.
infarto pulmonar, formação de nó no
cateter, lesão endocárdica, ruptura do
balão do cateter, erros de interpretação e infecção local ou sistêmica.
A calorimetria indireta é um
outro método disponível, não invasivo, isento de complicações, sendo
obtido através de um calorímetro portátil conectado a um respirador. No
entanto, este método exige uma avaliação cuidadosa do equipamento a
fim de se obter medidas calorimétricas adequadas. Estes cuidados
são: calibrar o equipamento de maneira apropriada antes de cada uso,
analisar cuidadosamente os resultados
e realizar testes in vitro, com queima
de álcool, periodicamente(21).
Na análise por períodos, em T1 e
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
T3 não foram encontradas diferenças
significativas entre os dois métodos.
A diferença absoluta entre o VO2I
pelo método de Fick e a calorimetria
indireta, nestes períodos, variou de
14 a 21 mL.min-1.m-2. Nos tempos T2
e T4, houve diferença significativa
entre os dois métodos e esta diferença variou de 14 a 17 mL.min-1.m-2, o
que pode representar muito pouco na
prática clínica. Esta afirmação pode
ser corroborada pelo fato de que nos
tempos T1 e T3 as diferenças absolutas entre os dois métodos terem sido
muito próximas às encontradas em
T2 e T4. Talvez diferenças maiores
realmente impliquem em tomadas de
decisões diferentes, a fim de melhorar os parâmetros de oxigenação,
141
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
uma vez que ainda é difícil estabelecer a superioridade de um método
sobre o outro na mensuração do VO2
em pacientes graves.
Neste estudo, alguns fatores podem
ter interferido na acurácia das medidas de calorimetria indireta, como a
utilização de dois modelos diferentes
de ventiladores mecânicos, apesar de
serem modelos similares quanto aos
seus recursos disponíveis e terem demonstrado estabilidade nos parâmetros
de FiO2 e volume minuto em todo o
estudo. Devido a escassez de equipamentos modernos nas UTIs, tornouse inviável a reserva de um ventilador
específico e de alto custo exclusivamente para este estudo. Também a
movimentação excessiva de pessoas
próximas aos pacientes pode ter interferido nas medições de calorimetria
indireta, embora este risco tenha sido
minimizado, já que a maioria das medições foi feita nos períodos vespertino e noturno, quando há menos procedimentos de cuidados ao paciente,
como banhos e limpeza do ambiente e
as equipes médica e paramédica estão
reduzidas. O ambiente da UTI onde
este projeto de pesquisa foi realizado
não era climatizado, havendo necessidade de ventilação com aparelhos de
refrigeração de ar, fixos às paredes la-
terais, que causam leves correntes de
ar. Por outro lado, drogas utilizadas na
sedação e analgesia, bloqueadores
neuromusculares e drogas vasoativas,
como a dopamina e dobutamina, podem interferir nas medidas de consumo de oxigênio. No entanto, a presente casuística é limitada para verificar
tais interferências.
Outra explicação adicional para
que os valores de VO2IFICK terem sido
maiores que os valores de VO2IDELTA é
que este cálculo, na equação de Fick,
é baseado em resultados da análise das
amostras de gases sangüíneos com
FiO2 de 100% e as medidas de calorimetria indireta com FiO2 sempre
menor que 60%. Não podemos assegurar que os trabalhos publicados tenham seguido este mesmo método, por
falta desta informação e já que muitos
deles informam que as comparações
entre os dois métodos foram simultâneas(7,13,14,18,19,21,22,23). Se foram simultâneas, obrigatoriamente a FiO2 estava
abaixo de 80%, já que as medidas por
calorimetria indireta só são fidedignas
abaixo deste valor.
É possível que as diferenças encontradas em dois períodos de medição (T2
e T4) reflitam apenas uma variação perfeitamente normal e temporal, encontrada em estudos de curta duração. Esta
é a razão pela qual a maioria dos estudos ainda realiza estes testes comparativos de duração não inferior a 2 horas
ou 2 medições, a fim de reduzir as discrepâncias em certas medições, que pelas considerações tecidas acima podem
muito bem ocorrer, porém não invalidam nenhum dos dois métodos.
O risco médio de óbito, calculado
a partir do APACHE II, obtido no presente estudo foi semelhante ao número de óbitos encontrados, sendo, aparentemente, apesar da casuística limitada, um índice confiável para predizer a mortalidade em doentes graves
(não testado nível de significância).
Não foi possível associar uma maior mortalidade à baixa capacidade de
extrair oxigênio (baixo VO2I) por nenhum dos dois métodos.
Apesar de vários trabalhos terem
sido realizados em pacientes graves,
ainda não há definições claras do uso
da calorimetria nestes casos, embora
este método seja defendido como forma de monitorização mais adequada
do consumo de oxigênio e da adequação das suas necessidades calóricas.
Nesse particular, vários estudos comparativos entre os dois métodos, em
diversas situações clínicas, mostraram
que a calorimetria indireta é fidedigna
para a obtenção do VO2 (Tabela 4).
Tabela 4 - Resumo de alguns estudos comparando o consumo de oxigênio pela calorimetria indireta e
método de Fick (* VO2 em mL.min-1), incluindo-se o presente estudo.
Estudo
Número de
pacientes
Tipo de
pacientes
VO2I calorimetria
(mL.min-1.m-2)
VO2I FICK
(mL.min-1.m-2)
Diferença entre os
2 métodos (%)
Takala, 1989 (13)
20
Cir. Cardíaca
294 ± 59*
247 ± 58*
16
Bizouarn,1992 (14)
10
Pós-Cirurgia
Cardíaca
153 ± 17
120 ± 27
22
Brandi, 1992 (15)
26
Graves
151 ± 26
145 ± 29
4
Myburgh, 1992 (16)
20
Graves
308 ± 64*
284 ± 72*
8
Ianique, 1994 (17)
73
98
Graves
Graves
153,9 ± 1,7
149,0 ± 1,4
154,2 ± 2,3
146,8 ± 1,5
0
1
Cheong, 1997 (18)
30
20
Cir. cardíaca
Graves
129 ± 26
163 ± 33
126 ± 16
145 ± 47
2
11
Epstein, 2000 (19)
38
Politrauma
170 ± 30
129 ± 46
24
Presente Estudo
14
Politrauma
ou e Sepse
142 ± 26
158 ± 24
- 11
142
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
É lícito supor que este novo método de medição do VO2 possa e deva
ser utilizado em pacientes graves, em
substituição ao método invasivo.
Além de não haver contra-indicações
ao seu uso, este tipo de procedimento oferece uma maneira não invasiva
e precisa, tanto para a determinação
do VO2, quanto para a avaliação do
gasto energético diário, permitindo
inclusive o uso mais racional de vários tipos de suporte nutricional e
estudos metabólicos específicos,
como o estudo da taxa diária de renovação de proteínas, através do
emprego de isótopos estáveis (ex.
13
C-leucina), baseando-se na produção de dióxido de carbono (CO2).
Além disso, é possível racionalizar
o uso do equipamento em vários pacientes, com patologias e gravidades
diversas, com e sem ventilação mecânica, em vários períodos do dia,
minimizando, assim, seu custo, ao
contrário da monitorização hemodinâmica invasiva.
Não se deseja, contudo, com estes resultados, sugerir a moratória ao
uso do cateter de Swan-Ganz. Alguns
parâmetros hemodinâmicos são muito úteis na avaliação das condições
cardiocirculatórias do doente grave
e somente possíveis de serem obtidos com a introdução de um cateter
na artéria pulmonar como, por exemplo, a pressão de oclusão da artéria
pulmonar. A necessidade de uma familiaridade e treinamento maiores
com este novo equipamento é fundamental para que se aprofundem as
pesquisas com calorimetria indireta
no nosso meio, já que é um equipamento de uso relativamente recente,
enquanto que a monitorização hemodinâmica invasiva já é um procedimento bem padronizado nas UTIs,
desde a década de 70.
Medidas de oxigenação fidedignas pelo método de Fick dependem
de medidas hemodinâmicas adequadas, de um correto posicionamento
do cateter na artéria pulmonar e da
coleta e análise das amostras sangüíneas, sendo que qualquer variação num destes componentes provoca erro no cálculo do VO2.
No tocante aos possíveis erros
derivados das medidas hemodinâmicas, não se detectou falha em
qualquer uma das suas etapas, justamente pelo que foi acima mencionado quanto à experiência no seu uso
nas UTIs.
No cálculo do VO2 obtido pelo
método de Fick, além da sua natureza invasiva, há uma limitação inerente à sua utilização, que é o fato deste
procedimento não levar em conta o
consumo pulmonar de O2. O consumo total de O2 pode ser subestimado
em até 25% na vigência de infecções
pulmonares(23, 24, 25).
Outro ponto a ser considerado é
que o método de Fick parte de uma
equação utilizando vários parâmetros que são medidos, como o DC
por termodiluição e os conteúdos
arterial e venoso misto de O2, determinando erros matemáticos cumulativos. Alguns destes parâmetros
também são utilizados para o cálculo da oferta de oxigênio. Desse
modo, o VO2 calculado pelo método
de Fick pode ter um coeficiente de
variação de até 15%(7,26). Esta variação forma a base da recomendação
geral de que o VO2 calculado deve
se alterar pelo menos 15% para ser
considerado uma mudança fisiológica significativa.
As relações de dependência entre a oferta e o consumo de oxigênio, descritas anteriormente e que
compartilham de variáveis em comum, podem então ser artificiais
devido ao erro experimental, denominado acoplamento matemático. A
precisão do método de determinação
do VO2 pela calorimetria indireta é
alta, de aproximadamente 95%(7).
Valores maiores de VO2 pelo método de Fick em comparação à
calorimetria indireta foram encontrados em pacientes com Síndrome do
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
ARTIGOS ORIGINAIS
Desconforto Respiratório Agudo(27).
Outro estudo em pacientes com
Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo não encontrou diferença entre os dois métodos(28).
Diferenças importantes de 32 ±
2% (p < 0,001) foram encontradas
entre os valores de VO 2DELTA e
VO2FICK(21). No entanto, após rigorosa reinspeção dos métodos e dos
equipamentos os autores verificaram
vazamento interno do calorímetro.
No presente estudo, um caso foi
excluído após a constatação de
vazamento, porém no circuito externo do respirador (a falha foi constatada somente ao final do estudo).
Em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, houve uma maior precisão no VO2 obtido por calorimetria
indireta do que nos valores obtidos
pelo método de Fick, embora as variações observadas tenham sido relacionadas principalmente ao método de medição do débito cardíaco,
ou seja, as maiores variações ocorreram devidas à temperatura do líquido injetado e à fase do ciclo respiratório na qual foram feitas as medições. Os autores concluíram que
as soluções geladas não devem ser
usadas para o cálculo do VO2FICK em
pacientes graves. As diferenças não
foram significativas quando o líquido
injetado foi à temperatura ambiente,
não importando a fase do ciclo respiratório(7). No presente estudo, as
soluções injetadas para as medições
de débito cardíaco tiveram que ser
feitas a temperaturas geladas (entre
0 e 5oC) porque, em dias de muito
calor, a alta temperatura ambiente
dentro das UTIs freqüentemente
impedia que o computador aceitasse tais medidas.
Erros muito parecidos entre o
VO2FICK e VO2DELTA (5% e 4%, respectivamente), foram encontrados(29),
com a diferença de que foi utilizado
monitor contínuo de débito cardíaco, que ainda não está muito bem
difundido em nosso meio. No entan-
143
ARTIGOS ORIGINAIS
to, outro estudo (19) comparou os
dois métodos em pacientes vítimas
de trauma múltiplo encontrando,
em todas as medidas comparativas,
valores significativamente maiores
no VO 2DELTA , concluindo que a
calorimetria indireta deve ser o método preferencial na medida do
VO 2 em pacientes gravemente
traumatizados.
As complicações sépticas após
cirurgias ou traumas estão associadas a maiores taxas metabólicas. Em
pacientes com sepse ou choque séptico os valores do VO2, ao contrário
do que se poderia esperar, estão relativamente diminuídos frente às
maiores necessidades metabólicas,
pela ativação de mecanismos de defesa do organismo e, também, pela
febre(30,31). Esta aparente contradição
existente entre um baixo consumo de
O 2 e altas taxas metabólicas foi
investigada em outro estudo(5) onde
foram feitas medidas seriadas do VO2
e da taxa metabólica de repouso em
30 pacientes com infecções bacterianas, sem cirurgia prévia, ou com
duas semanas de pós-operatório,
pelo menos. O estudo evidenciou
uma mortalidade menor em pacientes com maiores taxas de VO2 e de
metabolismo de repouso (RMR =
Resting Metabolic Rate), dando suporte à teoria de que a resistência à
infecção bacteriana é um processo
que consome grande quantidade de
energia e o hipermetabolismo deve
ser considerado uma importante caracterização do sucesso de defesa do
hospedeiro. Além disso, este estudo
aponta a possibilidade de se medir o
VO2 de maneira não invasiva, inclusive naqueles em ventilação espontânea, de maneira precoce e eficaz.
As medidas de trocas gasosas
devem ser suficientemente longas
para assegurar uma interpretação
correta dos resultados obtidos, evitando os períodos de condições instáveis, como por exemplo, alterações
de parâmetros do ventilador mecâ-
144
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
nico e aspirações traqueais. Neste
sentido, é muito importante o número e a duração das medidas necessárias para se atingir estimativas do
gasto energético diário. Embora ainda não haja uma padronização da
duração e nem do número de medidas diárias por calorimetria indireta,
alguns estudos apontam para a conveniência das medidas de curta duração, variando de cinco a 30 minutos(32,33,34). Duas medidas diárias de
15 minutos são suficientes para se
estimar o gasto energético de 24 horas com erro de 4%(35). Para fins clínicos é aceitável a extrapolação do
gasto energético de 24 horas a partir
de medidas realizadas durante 30
minutos(34). Outro estudo(36) sugeriu
que medidas mais curtas, de cinco
minutos, são suficientes para medir
o gasto energético, se a variação daquelas medidas for menor do que
5%. A principal vantagem de medidas de curta duração seria a possibilidade de monitorização diária em
vários pacientes graves, reduzindo os
custos do equipamento.
No nosso estudo, decidiu-se pela
adoção de quatro intervalos de medidas de calorimetria indireta a fim de
minimizar possíveis erros causados
pela inexperiência no uso do calorímetro e interferências do meio (temperatura, pressão e umidade). No entanto, infelizmente, nenhum método
de avaliação tanto da oferta quanto do
consumo de oxigênio no paciente grave é isento de limitações e críticas.
Em conclusão, os resultados do
presente estudo apontam para o fato
de que a calorimetria indireta pode
ser usada como método de avaliação
do consumo de oxigênio no paciente grave, de forma tão eficaz quanto
a equação reversa de Fick, com a
vantagem de ser um método não
invasivo, isento de complicações.
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi
comparar o índice de consumo de
oxigênio medido através da calorimetria indireta (VO2IDELTA) com as
medidas calculadas pela equação
reversa de Fick (VO2IFICK) em pacientes graves, vítimas de trauma ou
sepse.
Foram analisados 14 pacientes
vítimas de trauma (n=5) ou sepse
(n=9), com média de idade de 39,4
± 5,4 anos, sendo 10 homens e 4
mulheres, APACHE II de 21,3±1,8,
ISS de 24,8±6, Sepsis Score de
19,6±2,3, com risco de óbito calculado pelo APACHE II de
41,9±7,1%, submetidos à ventilação mecânica e monitorização
hemodinâmica invasiva com cateter de Swan-Ganz. Foram realizadas 4 séries de medidas do VO2I (T1
a T4) pelos dois métodos.
Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois
métodos nos tempos T 1 (VO 2IDELTA
= 138±28 e VO 2 I FICK = 159±38
mL.min -1 .m -2 , p = 0,10) e T 3
(VO2IDELTA = 144±26 e VO2IFICK =
158±35 mL.min -1.m -2, p = 0,14).
Houve diferença significativa nos
tempos T 2 (VO 2I DELTA = 141±27 e
VO 2I FICK = 155±26 mL.min -1.m -2,
p = 0,03) e T4 (VO2IDELTA = 145±24
e VO2IFICK = 162±26 mL.min-1.m -2,
p = 0,01).
Em conclusão, a calorimetria
indireta é um método não invasivo,
isento de complicações, que pode ser
usado para avaliação do consumo de
oxigênio no paciente grave de forma tão eficaz quanto a equação
reversa de Fick.
UNITERMOS: Termodiluição,
calorimetria indireta, consumo de
oxigênio, trauma, sepse.
AGRADECIMENTOS:
Ao apoio financeiro complementar
para a execução deste projeto de pesquisa fornecido pela Fundação de
Apoio ao Ensino e Pesquisa
(FAEPA) do Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto e Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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145
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Falência de Migração de Neutrófilos e
Dosagem Sérica de Citocinas e Óxido
Nítrico na Sepse Humana
Failure in Neutrophil Migration and Serum Citokynes and Nitric Oxide
in Human Sepsis
Anibal Basile-Filho*, Fernando de Queiróz Cunha**, Beatriz Martins Tavares-Murta***,
Maria Auxiliadora Martins****, Sandra Mara Alessi Aristides Arraes*****.
ABSTRACT
The main objective of this study was to verify the systemic levels of mediators (TNF-α , IL-1β, IL-8. IL-10 and
NO) and neutrophil migration in patients with sepsis or
septic shock.
We compared the serum NO and of the cytokines IL1β, IL-8, IL-10 and TNF-α between a control group of
healthy individuals (n=8) and a group of 21 patients with
sepsis/septic shock (14 men and 7 women aged on
average 45.69±17.79 years; APACHE II = 26.3±6.1; %
Death Risk = 59±21.7, and Sepsis Score = 22.4±4.6).
Simultaneously, we evaluated the migrating ability of
neutrophils in vitro by the microchamber chemotaxis
assay in 9 patients with septic shock (5 men and 4
women, mean age 57.4 ± 10.2 years, APACHE II =
26.9 ±6.8; % Death risk = 58.6±24.2, and Sepsis Score
= 23.4 ±7.7) and 8 healthy controls.
The results showed no significant difference between
groups. Controls: IL-1 β = 2994.06 ± 543.44; IL-8 =
480.16 ± 175.65; IL-10 = 816.29 ± 73.3; TNF- α =
2159.74±154.11 // Patients: IL-1β = 3277.22±1331.36;
IL-8 = 602.5 ±215.48; IL-10 = 799.78±274.55; TNF-α =
2032.11±597.96 (pg.mL-1). Serum NO 2 and NO3 concentrations did not differ between controls (20.37±4.62)
and septic patients (22.77± 8.09)(µM). Chemotaxis was
studied by using the following chemotactic stimuli: 10 -6
M FMLP, 10-9 M LTB4, and 10 ng.mL-1 IL-8. Neutrophil
migration differed significantly (p<0.05) between healthy
controls and patients.
The present results showed a failure in neutrophil migration and no differences in cytokine or NO serum levels between controls and patients. The most plausible
explanation for this phenomenon is that the serum determinations were made only once. It appears that a
single serum determination may not be sufficient to establish a cause-effect relationship because of the various mediators do not have a similar turnover, with curves
of serum concentrations occurring at different times.
KEYWORDS: Cytokines. Neutrophil Migration. Nitric
Oxide. Sepsis. Septic Shock.
146
resposta orgânica ao estresse grave é complexa e integrada, cuja finalidade básica é a restauração da homeostase. Na maioria dos casos,
esta resposta é harmônica e ordenada, conduzindo o
paciente à cura, pois uma resposta generalizada do hospedeiro frente a um processo inflamatório, por exemplo, é necessária para a recuperação rápida das estruturas lesadas. No entanto, quando esta resposta é excessiva pode ocorrer um desequilíbrio profundo da
homeostase, com bloqueio metabólico de vários órgãos,
onde a resultante final é a morte(1,2).
Desde 1942, o bioquímico escocês David
Cuthbertson(3) já havia definido duas fases distintas de
resposta metabólica ao trauma: uma fase inicial ou
“Ebb” e uma fase tardia ou “Flow”. A fase “Ebb”, com
duração de 2 a 3 dias, ocorre imediatamente após a
agressão, caracterizando-se por uma franca instabilidade hemodinâmica, representada por hipovolemia,
hipotensão, diminuição do fluxo sangüíneo, aumento
A
*Professor Associado e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva - Departamento de Cirurgia e Anatomia - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo
**Professor Associado do Departamento de Farmacologia - Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
***Professora Doutora do Departamento de Ciências Biológicas - Faculdade
de Medicina do Triângulo Mineiro – Uberaba – MG
****Supervisora de Equipe Médica do Centro de Terapia Intensiva da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
*****Pós-Graduanda do Departamento de Farmacologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
Trabalho realizado em conjunto pela Disciplina de Terapia Intensiva (Centro
de Terapia Intensiva – Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto) do Departamento de Cirurgia e Anatomia e pelo Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Projeto
de pesquisa financiado pela FAPESP (99/07266-7).
Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto – SP – CEP 14049-900 Tel: (16)6022439/602-2413.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
da resistência vascular sistêmica,
além de aumento na insulina, catecolaminas, gluco- e mineralocorticóides, esgotamento do glicogênio
hepático e distúrbios no transporte
de oxigênio para as células, apesar
de um incremento intracelular no
consumo de oxigênio.
Após este período, inicia-se a fase
hiperdinâmica da resposta à agressão ou fase “Flow”, sendo simbolizada por uma retenção fluídica, aumento da permeabilidade vascular,
diminuição da resistência vascular
sistêmica, com aumento contínuo
das catecolaminas, glicocorticóides,
produzindo hiperglicemia e proteólise, cujo denominador comum é
o hipermetabolismo.
Normalmente, passado o estresse,
a maioria dos pacientes recuperam
as principais funções vitais, em 4 a
5 dias. Contudo, em alguns pacientes, o processo de estresse nunca se
resolve e uma disfunção de órgãos,
do tipo seqüencial, se instala. O quadro inicial é conhecido por provocar
alterações do estado da consciência,
taquipnéia, febre, leucocitose, hiperbilirrubinemia, hipoxemia, hipocapnia, acidose metabólica, intolerância periférica à glicose e aumento da uréia e da creatinina plasmáticas. As razões desta transição não
estão definitivamente esclarecidas,
porém acredita-se que o processo de
base apresente-se como “problema
não resolvido”.
Deve-se enfatizar que a resposta
mais tardia, ao trauma que não se
resolve, pode estar ou não associada
à infecção. A grande quantidade de
termos, para designar condições clínicas similares ou suas diversas variantes de gravidade, provocou uma
grande confusão e muitos inconvenientes para a uniformização de condutas terapêuticas e para a estratificação dos pacientes em diversos
graus de gravidade. A comparação,
às vezes, entre os mesmos aspectos
dos pacientes críticos, tornou-se bas-
tante problemática, pois dentro do
mesmo grupo de estudo existiam
doentes com quadros clínicos idênticos, porém com gravidades variáveis.
Um dos avanços importantes na
comparação entre pacientes críticos
com gravidade variável foi o desenvolvimento de inúmeros índices
prognósticos, como o APACHE II(4),
que baseia-se nas constantes fisiológicas apresentadas pelo paciente por
ocasião de sua admissão na unidade
de terapia intensiva ou, no caso de
sepse, em variáveis fisiológicas alteradas pela presença da infecção(5).
Além disso, a individualização
dos diferentes quadros clínicos foi
efetuada através de uma conferência
de consenso, realizada em agosto de
1991 e promovida pelo American
College of Chest Physicians em
associação com a Society of Critical
Care Medicine(6), onde dentre as
principais definições destacam-se:
• Infecção: resposta inflamatória ligada à presença de microorganismos em tecidos normalmente estéreis;
• Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS): é uma
resposta inflamatória sistêmica, na
ausência de infecção, caracterizada
pela presença de duas ou mais das
seguintes condições: - temperatura
> 38oC ou < 36oC; - freqüência cardíaca > 90 bpm; - freqüência respiratória > 20 ipm ou PaCO2 < 32
mmHg; - contagem de glóbulos
brancos > 12.000/mm3 ou < 4.000
mm3 ou bastonetes > 10%.
• Sepse: é uma resposta inflamatória sistêmica, na presença de infecção, associada a duas ou mais das
condições citadas acima;
• Choque Séptico: sepse relacionada com hipotensão, apesar de
adequada reposição volêmica e anormalidades da perfusão tecidual, a
despeito da administração de drogas
vasoativas.
• Síndrome da Disfunção de
Múltiplos Órgãos: é a presença de
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
ARTIGOS ORIGINAIS
várias alterações nas funções orgânicas, de um determinado paciente
crítico, cuja homeostase não pode ser
mantida sem o adequado suporte
avançado de vida.
Vários fatores podem ser responsáveis pela perpetuação da agressão
inicial, através do desencadeamento
de uma avalanche de substâncias que
agirão como mediadores (“metabolic
substance acting as mediators”), tendo como conseqüência deletéria à
disfunção do sistema metabólico de
vários órgãos.
Um grande número de mediadores das respostas inflamatórias que
levam ao estado de hipermetabolismo é derivado do metabolismo
dos lipídios. Na sepse, por exemplo,
a depuração dos lipídios está diminuída em virtude da depressão da
atividade da enzima lipase lipoprotéica, com conseqüente acúmulo de
lipídios no fígado, por diminuição da
hidrólise dos triglicerídios e elevação plasmática dos ácidos graxos livres. Por outro lado, o excesso de
ácido araquidônico e de outros ácidos graxos polinsaturados (ω6PUFA) resultam, após a ação das
lipoxigenases e cicloxigenases, nas
prostaglandinas, tromboxanas e
leucotrienos. Esses metabólitos são
coletivamente chamados de eicosanóides, por possuírem 20 átomos de
carbono. Os leucotrienos causam
aumento da permeabilidade microvascular, constrição arteriolar e
modificação na função plaquetária.
Ainda, a ativação endotelial e macrofágica provoca a liberação de citocinas, ou seja, das interleucinas
(IL-1, IL-6, IL-8) e do fator de
necrose tumoral (“tumor necrosis
factor – TNF”).
Em 1893, Coley (7) notou, em
seres humanos, a regressão de tumores variados, após a injeção de
endotoxinas bacterianas. A causa e
o significado desse fenômeno permaneceram obscuros, até 1985, quando Beutler e col.(8) isolaram e purifi-
147
ARTIGOS ORIGINAIS
caram uma citocina, dotada de efeito semelhante, denominada caquexina ou fator de necrose tumoral
(TNF), onde foi logo demonstrado
que os seus níveis plasmáticos estão,
também, elevados no trauma e nas
infecções graves(9). A partir desses
estudos, outras citocinas pró-inflamatórias foram purificadas e dentre
elas destaca-se a IL-1β(10). As citocinas podem ter um papel duplo na
fisiopatologia da resposta a uma determinada agressão orgânica, dependendo do compartimento na qual elas
são liberadas. Nesse particular, é
conhecido que uma vez presente nos
tecidos TNF-α, IL-8 e IL-1β medeiam defesa local do hospedeiro, pela
migração e ativação de neutrófilos.
Por outro lado, níveis altos destas
citocinas resultam em efeitos deletérios para o organismo(11,12,13). A elevação persistente ou temporal de
algumas citocinas como, TNF-α,
IL-1β e IL-6, na evolução do trauma
grave ou da sepse foi relacionada à
taxa de sobrevida de pacientes críticos(14,15,16). Os níveis de IL-6 podem
persistir muito elevados durante a
evolução clínica, talvez refletindo a
persistência de lesão celular(16). Na
sepse experimental induzida por
administração sistêmica de lipopolissacáride (LPS), observou-se que
camundongos deficientes no gene
para IL-6 apresentam um maior índice de mortalidade e produção de
TNF-α, sugerindo um papel antiinflamatório para a IL-6(17). Neste contexto, a IL-10, cujos níveis plasmáticos
também estão elevados na sepse(18),
atua como citocina antiinflamatória
por ser capaz de suprimir a produção
de citocinas pró-inflamatórias pelos
macrófagos(19). Cabe ressaltar que a
produção de TNF-α e IL-1β estimulam a liberação sistêmica de IL-6 e
IL-8, amplificando, dessa forma, a
resposta inflamatória.
Na sepse experimental e em humanos também ocorre um aumento
da produção sistêmica de óxido
148
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
nítrico (NO). Acredita-se que a infiltração e a ativação dos neutrófilos
contribuem para a excessiva produção de NO(20). A ausência de dados
conclusivos sobre o uso de inibidores
da síntese de NO na evolução clínica
e na mortalidade em humanos e modelos experimentais de sepse indica
que o papel desse mediador na
fisiopatologia da doença não está claro(21). Acredita-se, no entanto, que o
balanço entre os mediadores pró e
antiinflamatórios é determinante para
a gravidade da resposta inflamatória.
Atualmente, acredita-se que os
efeitos benéficos ou deletérios das
citocinas na sepse têm sido atribuídos, pelo menos em parte, à liberação de óxido nítrico (NO), cuja
produção é catalisada pela enzima
óxido nítrico sintetase induzida
(iNOS)(11,12,13). Embora a produção
local de NO pelos neutrófilos estimulados pelas citocinas seja importante
para a atividade microbicida destas
células, a produção elevada de NO na
circulação pode ser prejudicial para a
evolução da sepse(22). Isto pode ser
parcialmente explicado pelo relaxamento muscular mediado pelo NO
associado com hipotensão, geralmente refratária ao tratamento com
catecolaminas vasopressoras(23,24).
A migração de neutrófilos para
o foco infeccioso é extremamente
importante para o controle local do
crescimento bacteriano e, conseqüentemente, para a prevenção
da disseminação das bactérias
agressoras. A importância deste
fenômeno para a evolução da sepse
tem sido claramente demonstrada
em modelo “cecal ligation and
puncture” (CLP), em animais de
experimentação(25). Na CLP letal,
a falência de migração neutrofílica
para o foco infeccioso foi acompanhada por um número aumentado
de bactérias no fluidoperitoneal e
sangue, seguido de altas taxas de
mortalidade. De maneira inversa,
na CLP sub-letal, na qual a piora
da migração neutrofílica não foi
observada, a infecção bacteriana
foi restrita à cavidade peritoneal e
os animais apresentaram uma sobrevivência aumentada. Nesse sentido, uma falha similar de migração de neutrófilos foi observada em
modelos experimentais de endotoxemia em camundongos(26).
Embora a migração de neutrófilos
seja um evento central da resposta
inflamatória na sepse, pode ocorrer
alteração dessa função em outras
patologias. Assim, a falência de migração neutrofílica foi descrita no
câncer(27), no diabetes(28) e na síndrome de imunodeficiência adquirida(29),
doenças, evidentemente, associadas
a uma alta suscetibilidade a infecções. Em pacientes portadores do
vírus HIV-1, a melhora na quimiotaxia dos neutrófilos diminui a gravidade das infecções oportunistas a que
eles geralmente estão submetidos.
Tem sido demonstrado que o NO
medeia a inibição da migração
neutrofílica em sepse induzida pela
CLP(25) e também em endotoxemia.
Nestes modelos, o tratamento prévio
dos animais com aminoguanidina, um
inibidor seletivo da iNOS, preveniu a
falência de migração neutrofílica para
a cavidade peritoneal de camundongos submetidos a CLP letal e, também, em animais que receberam LPS.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Os objetivos específicos do presente estudo foram verificar os níveis sistêmicos de mediadores
(TNF-α, IL-1β, IL-8, IL-10 e NO)
e avaliar a capacidade de migração
dos neutrófilos “in vitro”, através de
ensaio em microcâmara de quimiotaxia e compará-los ao prognóstico de pacientes com sepse ou choque séptico.
CASUÍSTICA E MÉTODOS.
O presente estudo foi aprovado pela
Comissão de Ética em Pesquisa do
Hospital das Clínicas da Faculdade
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, (HCRP
n o 4989/99). Foram investigados
prospectivamente 30 pacientes com
sepse/choque séptico (17 homens e
13 mulheres), com idade média de
48,67±17,18, admitidos no Centro de
Terapia Intensiva. O dia de estudo
(colheita do sangue) ocorreu entre o
ARTIGOS ORIGINAIS
primeiro e o quarto dia (média =
2,5±0,9 dia), a contar do dia considerado como o diagnóstico clínico
inicial de sepse/choque, após ressuscitação fluídica adequada e estabilização hemodinâmica dos pacientes.
O SS (Sepsis Score) médio de toda a
população estudada foi de 23,2±5,5,
o APACHE II foi de 26,2±6,4, com
porcentagem de risco de morte de
59,2±22,4. A mortalidade geral dessa população situou-se em 83,3 %
(O APACHE II e a porcentagem de
risco de morte dos pacientes não
sobreviventes foram de 27±6 e
64±20%, respectivamente). A população de pacientes estudada pode ser
visualizada na Tabela 1.
Tabela 1 - Características da população de pacientes com sepse/choque séptico estudada.
Paciente
Sexo
Idade
Diagnóstico Principal
Dia de
Evolução*
BONE**
SS***
APACHE II
% Risco
de Óbito
Óbito
1
F
57
Pneumonia
2
Sepse
25
31
67,92
Sim
2
F
21
Politrauma, pneumonia
2
Choque Séptico
28
13
6,3
Não
3
M
83
Politrauma, pneumonia
3
Choque Séptico
22
27
60,47
Sim
4
F
35
AVCH, Pneumonia
3
Choque Séptico
29
29
52,9
Sim
5
M
22
Hemofilia A grave
2
Choque Séptico
25
26
73,01
Não
6
F
29
Meningite
2
Choque Séptico
25
21
41,63
Sim
7
F
23
Apendicite + Peritonite
4
Choque Séptico
27
16
23,31
Sim
8
F
41
Pancreatite aguda
2
Choque Séptico
21
19
44,23
Sim
9
M
69
Megacólon
3
Choque Séptico
26
33
87,77
Sim
10
M
57
Pneumonia
2
Choque Séptico
24
33
85,84
Sim
11
M
42
Pneumonia
2
Choque Séptico
15
24
52,5
Não
12
F
52
Pneumonia
2
Choque Séptico
19
25
53,07
Sim
13
M
67
Pneumonia
2
Choque Séptico
16
27
63,13
Sim
14
M
33
Pneumonia
3
Choque Séptico
17
32
78,04
Sim
15
M
50
Pneumonia
3
Choque Séptico
30
28
78,36
Sim
16
M
55
PO Craniofaringeoma
2
Choque Séptico
18
27
57,74
Sim
17
M
63
PO Gastrectomia
2
Choque Séptico
17
20
30,05
Não
18
M
63
Enterectomia Segmentar
5
Choque Séptico
24
34
77,78
Sim
19
M
47
Insufic. Renal Cronica
3
Choque Séptico
17
23
48,85
Sim
20
M
61
Empiema Pulmonar
4
Choque Séptico
26
29
69,64
Sim
21
M
36
Pneumonia
1
Choque Séptico
20
36
86,44
Sim
22
F
64
Pneumonia
3
Choque Séptico
26
20
35,5
Sim
23
F
60
Osteomielite hernia discal
2
Choque Séptico
24
36
86,44
Sim
24
F
51
Pneumonia
4
Choque Séptico
14
25
53,32
Não
25
F
24
Miocardite
3
Choque Séptico
20
33
88,26
Sim
26
F
37
Tumor renal
2
Choque Séptico
24
36
85
Sim
27
M
22
Infecção relacionada CVC
3
Choque Séptico
26
16
42,8
Sim
28
M
65
Adenocarcinoma gástrico
2
Choque Séptico
22
22
51,25
Sim
29
M
66
Peritonite pós-operatória
2
Choque Séptico
29
19
19,12
Sim
30
F
65
Neo de pâncreas/pnemonia
1
Choque Séptico
40
27
75,79
Sim
Média
48,67
2,5
23,2
26,2
59,2
DP
17,18
0,9
5,5
6,4
22,4
* O dia de evolução é o dia em relação ao diagnóstico de sepse/choque séptico
** BONE (6); *** SS = Sepsis Score (15)
OBS.: Os testes de migração neutrofílica foram efetuados nos pacientes de no 17, 18,
19, 23, 24, 26, 28, 29 e 30 (n=9) e as dosagens séricas de citocinas e de óxido
nítrico foram efetuadas nos demais pacientes.
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
149
ARTIGOS ORIGINAIS
Os critérios de exclusão no protocolo, em todas as fases, foram: Idade > 75 anos e < 15 anos, PAM (Pressão arterial média) < 50 mmHg, FC
(freqüência cardíaca) < 50 ou > 125
bpm, necessidades de altas doses de
drogas vasoativas (dopamina > 7,5
µg/kg/min, dobutamina > 10 µg/kg/
min) ou noradrelalina, em qualquer
dose, uso de corticosteróides e/ou
outros agentes imunossupressores,
diurese horária < 50 mL/h, choque
circulatório irreversível, morte
encefálica, e, finalmente, recusa do
paciente ou de seu responsável legal
em participar do estudo.
Todos os pacientes receberam o
suporte avançado de vida necesserário, incluindo monitorização dos
parâmetros vitais (cardíaca, pressão
arterial não invasiva, pressão venosa central, oxicapnografia e etc…),
ventilação artificial, antibióticoterapia, drogas vasoativas, sedação
e analgesia, ventilação mecânica e
terapia nutricional parenteral e
enteral.
Todos os procedimentos de dosagem das citocinas (TNF-α, IL-1β,
IL-6, IL-10 e NO) foram efetuados
nos Laboratórios do Departamento
de Farmacologia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto. Uma
quantidade de 5 mL de sangue
venoso foi coletado com o propósito de se verificar os níveis séricos
de citocinas e NO, assim como a
capacidade de migração neutrofílica, tendo sido quantificados,
respectivamente, no plasma ou soro
obtidos, de acordo com as técnicas
descritas abaixo.
As citocinas foram quantificadas
no plasma de pacientes e voluntários
sadios, através do método imunoenzimático (ELISA). Em resumo,
placas de 96 poços foram cobertas
com 100 µL/poço do anticorpo específico para cada citocina, diluído em
tampão bicarbonato e incubadas por
16-24 horas, a 4oC. As placas foram
lavadas e a ligação não específica foi
150
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
bloqueada por 120 min a 37oC, com
soro bovino 1%. As amostras e os
padrões contendo concentrações
conhecidas das citocinas foram colocadas nas placas e incubadas por
16-24 horas a 4oC. Após, as placas
foram lavadas e o anticorpo bionitilado anti-citocina adicionado. Após
1 hora, as placas foram lavadas e a
avidina-peroxidase adicionada a
cada poço, durante 15 min. As placas foram lavadas e o OPD adicionado por 15-20 min. A reação foi
interrompida com H2SO4 (1 M) e a
D.O. tendo sido medida a 490 nm
(ELISA Plate Scanner). Os resultados são expressos em pg (de cada
citocina)/mL.
O óxido nítrico (NO) foi quantificado no soro dos pacientes voluntários e sadios, através da técnica de
redução enzimática do nitrito com a
nitrato redutase (Schmidt e col.,
1989). As amostras (50 µL) foram
incubadas com o mesmo volume de
tampão redutase durante 20 horas a
37oC. A curva padrão de nitrato foi
determinada por incubação do nitrato sódico (10 a 200 µM) com o tampão. A quantidade de nitrito foi determinada pelo ensaio colorimétrico
baseado na Reação de Griess (Green
e col., 1981). A D.O. foi medida a
546 nm e os resultados expressos
como µM de NO3 + NO2.
Os neutrófilos foram obtidos do
sangue venoso coletado e heparinizado (5 mL) de voluntários sadios
e pacientes, purificados em meio
próprio (Mono-poly-resolving
medium), de acordo com as instruções do fabricante. Os neutrófilos
foram lavados (1200 rpm, 10 min)
com RPMI 1640 contendo BSA
0,001% e ressuspensos no mesmo
meio. A quimiotaxia foi estudada
em microcâmaras de 48 poços, separadas por membrana de policarbonato com poros de 5 µ. Os estímulos quimiotáticos (N-formyl-Lmethionyl-L-leucyl-L-phenylalanine
ou FMLP – 10-6 M, LTB4 – 10-9 M e
IL-8 – 10 ng.mL-1) foram diluídos
em RPMI-BSA (28 µL) e colocados na câmara inferior. Os neutrófilos (106 células), incubados com
RPMI 1640 ou soro foram colocados na câmara superior. As câmaras
foram incubadas por 1 hora a 37oC.
Após, a membrana foi removida, fixada e corada. O número de neutrófilos emigrados para a parte inferior
do filtro foi contado (objetiva 100x)
em 5 campos randomizados. Os resultados são expressos como número de neutrófilos/campo(30).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foi utilizado o teste estatístico de
análise de variância multi-fatorial
(ANOVA)(31) de medidas repetidas da
média para cada condição, utilizando-se o teste de Student-NewmanKeuls(32). Ainda, os diferentes parâmetros foram comparados individualmente e/ou grupo estudado. Na tocante à interpretação estatística dos
resultados, um nível de alfa de 0,05
foi considerado significante. Em
comparações seriadas, o alfa foi corrigido pelo fator de Bonferroni.
RESULTADOS
a. Função quimiotática
Foram avaliados 9 pacientes com
choque séptico (5 homens e 4
mulheres, com idade média de
57,44±10,15 anos), escolhidos ao
acaso dentro da população estudada e 8 controles saudáveis. Conforme pode ser verificado na figura
1, houve uma diferença estatística
significante (p<0,05) para a migração dos neutrófilos dos controles
saudáveis em relação ao pacientes
com choque séptico. Em outras
palavras, observou-se que os neutrófilos obtidos dos controles sadios apresentaram uma migração
expressiva frente aos quimioatraentes FMLP, IL-8 e LTB4, quando comparados aos pacientes com
choque séptico, utilizando os mes-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Figura 1 - As barras indicam as médias ± SEM do número absoluto de neutrófilos emigrados obtidos de
controles saudáveis (n=8) e de pacientes sépticos (n=9), que migraram ao RPMI (migração ao acaso) ou
por estímulo quimiotático FMLP, IL-8 e LTB4. * e # p < 0,05 comparado aos respectivos RPMI (controles e
pacientes sépticos).
mos estímulos quimiotáticos e o
teste de migração ao acaso. Os valores são expressos em número de
neutrófilos emigrados por campo.
Deve ser ressaltado que os neutrófilos obtidos dos controles saudáveis e dos pacientes com choque séptico mostraram viabilidades semelhantes de 95%, determinada pela
técnica de inclusão de azul de trypan
(resultados não apresentados).
Os resultados evidenciam, claramente, a falência de migração da
população de pacientes com choque séptico frente aos estímulos
quimioatraentes, quando comparados ao grupo controle da população saudável.
b. Concentração sérica
de citocinas
Foi analisada a concentração sérica
das citocinas IL-1β, IL-8, IL-10 e
TNF-α no grupo de controle saudável e no grupo de pacientes com
sepse/choque séptico. Oito amostras
de controle e uma população de 21
pacientes (14 homens e 7 mulheres,
com idade média de 45,69±17,79
anos) foram comparadas. Os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os
dois grupos (figura 2-A,B,C,D)
Controles: IL-1β = 2994,06±543,44;
IL-8 = 480,16±175,65; IL-10 =
816,29±73.3;
TNF-α
=
2159,74±154,11 // Pacientes: IL-1β
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
= 3277,22±1331,36; IL-8 =
602,5±215,48;
IL-10
=
799,78±274,55;
TNF-α
=
2032,11±597,96. Os valores são
expressos em pg/mL.
c. Concentração sérica
de nitrato
Para investigar a produção sistêmica
de NO, foram avaliados 21 pacientes com choque séptico (os mesmos
pacientes utilizados para a dosagem
de citocinas), dentro da população de
pacientes e 8 controles saudáveis.
Obteve-se amostras de soro simultaneamente à coleta de sangue para
experimentos de quimiotaxia de
neutrófilos. Foram testados os níveis
151
ARTIGOS ORIGINAIS
Figura 2 - As barras indicam as médias ± SEM
β (A), IL-8 (B), IL-10 (C)
das concentrações de IL-1β
α (D) no soro dos controles saudáveis (n=8)
e TNF-α
e pacientes sépticos (n=21).
séricos de metabólitos do nitrito e nitrato. Pode ser
visualizado na figura 3 que as concentrações séricas de
NO2 e NO3 não variaram entre os controles (20,37±4,62)
quando comparadas aos pacientes sépticos (22,77±8,09).
Os valores são expressos em µM.
DISCUSSÃO
O maior objetivo deste estudo foi investigar a função
quimiotática de neutrófilos circulantes em pacientes com
sepse/choque séptico, testando essa migração em gradientes de concentração de agentes ativantes ou quimioatraentes de neutrófilos. Foi demonstrado que as resFigura 3 - As barras indicam as médias ± SEM das
concentrações de NO2 + NO3 no soro dos controles
saudáveis (n=8) e pacientes sépticos (n=21).
152
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
postas quimiotáticas para estímulos como o FMLP, IL-8
e LTB4 foram suprimidas na presente população estudada, comparadas com os controles saudáveis. Não foram
detectadas diferenças na distribuição dos pacientes com
respeito à documentação da infecção sangüínea. Considerando que apenas 6 pacientes (20%) apresentaram
hemoculturas positivas, pois todos os pacientes estavam
sob forte esquema antimicrobiano, não foram analisadas
o grau de falência de migração de neutrófilos com respeito à identificação do microorganismo agressor. Por
tratar-se de um hospital terciário, centro de referência
regional, é evidente que a mortalidade geral e o índice de
APACHE II desses pacientes sejam extremamente elevados, agravando, talvez, a falência na migração de
neutrófilos.
A falência na migração neutrofílica, observada nos
pacientes, pode ser um fator muito importante na determinação do resultado final da doença. Em animais
sépticos, essa falência está diretamente relacionada ao
mau prognóstico, reforçado pelo fato de que a restauração da migração e da disfunção neutrofílica aumenta a taxa de sobrevida dos animais infectados(25). Por
outro lado, em humanos, a falência da quimiotaxia de
neutrófilos foi descrita em pacientes queimados(33) e
no pós-operatório de pacientes no início da sepse(34).
Em recém-nascidos em sepse, a deficiência da função
quimiotática de neutrófilos foi causada, provavelmente, por fatores séricos, uma vez que transfusões de sangue foram capazes de restaurar esta função neutrofílica(35). No entanto, esses estudos descritos acima não
pesquisaram o impacto da alteração quimiotática
sobre a mortalidade do grupo estudado. Na presente
investigação 8 dos 9 pacientes estudados evoluíram
para óbito. Mais recentemente foi evidenciado que mudanças na expressão de receptores de quimiocinas em
neutrófilos circulantes podem ocorrer, mesmo depois
da migração dos mesmos para os tecidos, sobretudo
em pacientes com sepse grave(36). Em contraste aos
resultados apresentados na presente investigação, os
autores desse estudo encontraram que os neutrófilos
possuem uma resposta quimitática normal para a
FMLP e, além disso, a quimiotaxia neutrofílica foi discretamente reduzida para a IL-8 e marcadamente
suprimida somente em resposta a receptores das
quimiocinas CXCR2, como fator neutrofílico derivado das células epiteliais. Uma possível explicação sobre as diferentes respostas obvervadas para a FMLP
pode estar relacionada ao prognóstico da doença, desde que os diversos autores não avaliaram prospectivamente as respostas quimiotáticas sobre o prognóstico dos pacientes estudados. Outras alterações na
funções neutrofílicas foram descritas nos pacientes
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
com sepse grave. Dentre essas
alterações ressaltam-se o aumento
em sua função oxidativa e a
apoptose (disfunção e não morte
celular) espontânea de neutrófilos,
quando comparadas a controles
saudáveis.
Tem sido relatado que as drogas vasoconstritoras, que aumentam o AMP cíclico intracelular,
podem inibir as respostas quimiotáticas neutrofílicas. Embora
não se possa, no presente estudo,
demonstrar definitivamente um
efeito inibitório do uso de substâncias vasoconstritoras sobre a falência quimiotática no grupo de pacientes estudado, os presentes
resultados apontam para o fato de
que essa possibilidade é pouco provável, em virtude dos pacientes
estarem estabilizados, sob o prisma hemodinâmico, e recebendo um
mínimo de agentes vasoativos.
Os nossos resultados não mostraram uma correlação entre a falência de migração neutrofílica
frente aos agentes quimioatraentes
e a dosagem de citocinas e de NO.
A explicação mais plausível para
este fenômeno é de que as dosagens séricas foram momentâneas
(“pontuais”) e únicas. Pode ser que
apenas uma dosagem sérica não
seja suficiente para estabelecer
uma relação causa efeito, em virtude dos diversos mediadores não
apresentarem um “turn-over” semelhante, com curvas de concentração sérica ocorrendo em momentos diferentes.
Um papel inibitório do NO sobre a adesão neutrofílica e a migração foi objeto de estudos anteriores(37,38), assim como demonstrouse que o NO está envolvido, como
mediador final, na falência de migração neutrofílica na sepse induzida por CLP (25) e em modelos
experimentais com injeção de
endotoxinas em camundongos (26).
Contudo, os presentes dados não
indicam que este mediador seja o
único responsável pela falência da
função quimiotática, desde que
nenhuma diferença significativa foi
observada entre o grupo de controles saudáveis e o de pacientes com
sepse/choque séptico.
Em modelos experimentais de
sepse, foi demonstrado que a produção de NO, envolvida na inibição da imigração neutrofílica, é
induzida por citocinas sistêmicas(25,39). Na falta de informações a
esse respeito, em humanos e com
a finalidade de se investigar a possível diferença de mediadores inibitórios no soro dos pacientes do
presente estudo, foi observado que
a incubação de neutrófilos de doadores saudáveis com o soro de pacientes com sepse/choque séptico
promoveu uma redução na quimiotaxia dos neutrófilos dos doadores saudáveis, aumentando as
evidências para a presença de fatores séricos presente no soro dos
pacientes sépticos que afetam a
função quimiotática de neutrófilos
(dados não mostrados). É importante salientar que dados da literatura têm demonstrado a influência
do tempo de infecção sobre a liberação de citocinas(40). Nesse sentido, as análises do efeito inibitório
do soro obtido em diferentes tempos depois do início da sepse podem produzir resultados mais razoáveis. É importante notar que a
ausência de uma citocina na circulação em um tempo específico não
exclui a possibilidade de que os
neutrófilos teriam sua mobilidade
afetada pelas citocinas liberadas
em estágios anteriores da doença.
Tem sido sugerido que a definição do estado de imunidade do paciente, previamente à manipulações terapêuticas, pode ser de importância crucial(41,42). Os presentes
resultados somados àqueles publicados recentemente pelo grupo de
pesquisadores associados ao Labo-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
ARTIGOS ORIGINAIS
ratório de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto(43), pelo menos sob a luz dos conhecimentos da literatura atual, são
pioneiros no tocante à demonstração de que o prognóstico da sepse
pode estar intimamente relacionada ao grau de capacidade quimiotática dos neutrófilos, apontando para um mecanismo em potencial para explicar essa resposta reduzida em pacientes com sepse
grave. Dessa maneira, ensaios sobre a função quimiotática neutrofílica podem provar ser úteis na
identificação do estado imunológico do paciente séptico.
Finalmente, a relação encontrada, neste estudo, entre a redução
marcante da função quimiotática
do neutrófilo e o prognóstico sombrio dos pacientes com sepse/choque séptico sugere que o restabelecimento desta função poderá
ser uma estratégia terapêutica muito promissora, através do desenvolvimento de novas drogas imunomoduladoras, que atuem no momento certo sobre determinadas
citocinas e/ou NO ou outras que
atuem diretamente sobre a quimiotaxia neutrofílica, pois apesar
de todas as intervenções atualmente disponíveis, a mortalidade dos
pacientes sépticos ainda é muito
alta, no âmbito das unidades de terapia intensiva(44).
RESUMO
Os objetivos específicos do presente estudo foram verificar os níveis
sistêmicos de mediadores (TNF-α,
IL-1β, IL-8, IL-10 e NO) e avaliar
a capacidade de migração dos
neutrófilos “in vitro”, em pacientes com sepse ou choque séptico.
Foi comparada a concentração
sérica de NO e das citocinas IL-1β,
IL-8, IL-10 e TNF-α num grupo
controle de indivíduos saudáveis
(n=8) e num grupo de 21 pacientes
com sepse/choque séptico (14 ho-
153
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
mens e 7 mulheres, com idade média de 45,69±17,79 anos; APACHE
II = 26,3±6,1; % Risco de Óbito =
59±21,7 e Sepsis Score =
22,4±4,6). Separadamente, foram
avaliados 9 pacientes com choque
séptico (5 homens e 4 mulheres,
com idade média de 57,4±10,2
anos APACHE II = 26,9±6,8; %
Risco de Óbito = 58,6±24,2 e
Sepsis Score = 23,4±7,7) e 8 controles saudáveis.
Os resultados não mostraram diferenças estatísticas entre os dois
grupos. Controles: IL-1β =
2994,06±543,44;
IL-8
=
480,16±175,65;
IL-10
=
816,29±73,3;
TNF-α
=
2159,74±154,11 // Pacientes: IL-1β
= 3277,22±1331,36; IL-8 =
602,5±215,48;
IL-10
=
799,78±274,55;
TNF-α
=
2032,11±597,96 (pg/mL). As concentrações séricas de NO2 e NO3
não variaram entre os controles
(20,37±4,62) quando comparadas
aos pacientes sépticos (22,77±
8,09) (µM). A quimiotaxia foi estudada com os seguintes estímulos
quimiotáticos: FMLP – 10 -6 M,
LTB4 – 10-9 M e IL-8 – 10 ng.mL-1.
Foi observada uma diferença estatística (p<0,05) para a migração
dos neutrófilos dos controles saudáveis em relação ao pacientes com
choque séptico.
Os nossos resultados mostraram
uma falência de migração
leucocitária, porém sem diferenças
na dosagem de citocinas e de NO
entre controles e pacientes. A
explicação mais plausível para este
fenômeno é de que as dosagens
séricas foram “pontuais” e únicas.
Pode ser que apenas uma dosagem
sérica não seja suficiente para estabelecer uma relação causa efeito, em virtude dos diversos mediadores não apresentarem um “turnover” semelhante, com curvas de
concentração sérica ocorrendo em
momentos diferentes.
154
UNITERMOS: Citocinas. Migração Neutrofílica. Óxido Nítico.
Sepse. Choque Séptico.
AGRADECIMENTOS:
Ao apoio financeiro complementar
para a execução deste projeto de
pesquisa fornecido pela Fundação
de Apoio ao Ensino e Pesquisa
(FAEPA) do Hospital das Clínicas
de Ribeirão Preto e Pró-Reitoria de
Pesquisa da Universidade de São
Paulo.
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155
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
A avaliação do comportamento da Pr
oteína
Proteína
C-r
eativa em pacientes com sepse na UTI
C-reativa
The evaluation of the behavior of the protein C-reactive in patients
with sepsis in intensive care unit
Afonso J. C. Soares1, Cid M. N. David2
ABSTRACT
Sepsis and their more serious consequences, as septic shock
and dysfunction of multiple organs and systems, constitute, in
the current days, the main mortality cause in Intensive Care
Unit ( ICU) . Early diagnosis of sepsis, before aggravation of the
clinical picture and immediate institution of appropriate clinical
support and therapy with antibiotics, are the pillars of treatment.
The objective of this study is to evaluate the effectiveness of
serum dosage of Protein C-reative (PC-r) in patients admitted
in ICU for sepsis diagnostic. 110 patients admitted for treatment were selected, with several pathologies, in a general ICU.
In 30 patients (group 1) sepsis were diagnosed and in 80 (group
2) no sepsis develop. A ROC curve was performed (Receiver
Operator Characteristic), and the best point of cut of the dosage of the PC-r was determined and compared with sepsis
diagnosis. Sensitivity, specificity, positive and negative predictive values of these markers were also determined.
Concentration of PC-r 1 (PC-r in the first day of evaluation),
was significantly higher in group 1, when compared to group 2
(10,77 mg/dl vs 7,45 respectively p <0,05). The best cut point
for the dosage of the PC-r was of 5,08 mg/dl (sensitivity of
73,3%, negative predictive value of 82,6% and especificity of
47,5%). Analysis ROC curve suggests that the Protein C-reactivates express a good accuracy.
Concentration of PC-r1 was significantly higher in patients who
evolved to death, who made use of mechanic ventilation, in
whom Swan-Ganz catheter were used and in patients with
positive cultures. Such data suggest that the Pc-r values a serious patients’ preditor, with a high mortality.
We can conclude that the PC-r is a good sepsis marker and
also of seriousness patients condition in ICU. The evaluation
should be analyzed with other available data for the diagnosis
of the sepsis in ICU.
Key Words: Sepsis, protein C-reactive, inflamatory.
1. Médico do Serviço de Terapia Intensiva do HFAG, Rio de Janeiro. Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB/AMB.
2. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina da UFRJ, Rio de Janeiro. Coordenador do Setor de Terapia Intensiva da Pós-Graduação do Departamento de Clínica Médica da UFRJ. Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB/AMB.
Estudo realizado na UTI do Hospital de Força Aérea do Galeão, Comando da
Aeronáutica, Rio de Janeiro, Brasil.
Endereço para correspondência: Afonso José Celente Soares, Serviço de Terapia Intensiva do HFAG, Rio de Janeiro, Brasil. - Estrada do Galeão 4101,
Ilha do Governador, Rio de Janeiro, Brasil. - CEP: 21.941.000 - e-mail:
[email protected]
156
O
diagnóstico e o tratamento da sepse significam
grandes desafios para o intensivista. A sepse e suas
conseqüências graves, como a sepse severa, o choque séptico e a disfunção de múltiplos órgãos e sistemas,
representam, nos dias atuais, a principal causa de
morbimortalidade na terapia intensiva.
Na prática clínica, para o diagnóstico da infecção,
consideramos a história, o exame físico, a presença da
febre e as alterações no número dos leucócitos, que são
os parâmetros clássicos utilizados para este fim.
A Proteína C-reativa (PC-r) é uma proteína de fase
aguda, descrita como marcador de processos inflamatórios e infecciosos, com títulos elevados nessas situações,
e que pode ser utilizada para fazer o diagnóstico precoce
dos processos infecciosos.
O objetivo principal deste trabalho foi à avaliação do
comportamento da Proteína C-reativa em pacientes com
sepse na UTI e foi feito da seguinte forma:
• Comparando os valores da PC-r nos pacientes com
e sem sepse.
• Comparando os valores da PC-r com os exames
complementares (número de leucócitos e bastões) para o
diagnóstico de sepse.
• Comparando os valores da PC-r com outras variáveis e alguns parâmetros que caracterizam pacientes graves na UTI como:
1. alta ou óbito;
2. uso de ventilação mecânica;
3. uso de monitorização hemodinâmica invasiva com
o cateter de Swan-Ganz
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo prospectivo de avaliação de método diagnóstico,
realizado na unidade de terapia intensiva do Hospital de
Força Aérea do Galeão.
Critérios de Inclusão
Foram incluídos no trabalho todos os pacientes admitidos na UTI no período compreendido entre 1° de junho e
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
9 de agosto de 2000. Foi arbitrado como tempo máximo
de estudo para um paciente individual o período de 30
dias. Os dados necessários para caracterizar o diagnóstico foram extraídos dos prontuários dos pacientes.
Critérios de Exclusão
• não ter sido coletado o material para análise
• não estar internado no período determinado para o
estudo
• pacientes grávidas
ARTIGOS ORIGINAIS
diana, 75%) o que corresponde a 50% dos casos.
Solicitação de Consentimento Livre e Esclarecido
Todos os pacientes do estudo ou os seus responsáveis
legais foram consultados e esclarecidos quanto ao teor e
ao objetivo do estudo. Após o esclarecimento, foram solicitadas permissão para a inclusão do paciente no estudo e a assinatura do termo de adesão. Esta pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas do HFAG.
RESULTADOS
Coleta e Processamento do Material
Assim que preenchiam os critérios de inclusão no estudo e após obtenção do consentimento livre e esclarecido, os
pacientes eram submetidos à coleta de 1 ml de sangue total,
no horário escolhido pela equipe de saúde, todos os dias, até
a alta ou o óbito do paciente na UTI. Essa amostra era coletada durante os procedimentos de avaliação laboratorial rotineiramente realizados na UTI. A avaliação hematológica
foi feita por método automatizado. A avaliação da
leucometria específica, por leitura em microscópio de bancada. A avaliação das culturas e das hemoculturas se dava
por método semi-automatizado. O método empregado para
avaliação da PC-r utilizou técnica de nefelometria cinética,
com metodologia aceita e validada internacionalmente. O
método empregado utiliza anticorpos anti-PC-r humano, que
são colocados em contato com o soro do paciente, e mede a
velocidade do aumento da dispersão de luz de partículas
suspensas em soluções, as quais são originadas da formação de complexos durante a reação antígeno-anticorpo. O
método empregado apresenta equivalência com a técnica
de imunodifusão radial.Análise de Dados
A análise realizada foi o cálculo de sensibilidade e
especificidade da dosagem sérica da PC-r em vários pontos de corte, possibilitando a construção da curva ROC e
determinação dos melhores pontos de corte para o uso desse
marcador na prática clínica. Foram feitas a comparação
da dosagem sérica da PC-r e a contagem de leucócitos e
número de bastões entre o grupo de pacientes com sepse
(grupo 1) e o grupo de pacientes sem sepse (grupo 2). Foi
comparada também a dosagem da PC-r com outros
parâmetros de gravidade na UTI. Os resultados foram apresentados como média, desvio padrão, mediana. Para tal,
utilizou-se o software de domínio público EPI INFO versão 6.04. Os grupos foram estudados quanto à diferença
entre suas médias a partir de testes paramétricos – ANOVA,
quando apresentavam distribuição normal; e pelo teste não
paramétrico de KRUSKAL WALLIS, quando não apresentavam distribuição normal, considerando significantes
os valores de p ≤ 0,05. Os gráficos foram feitos com o
programa SPSS. O tipo Box-plot, foi o mais utilizado, com
valores máximo, mínimo e incluído no “box” (25%, me-
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
Descrição da População Estudada
Os pacientes do estudo, com os dados para análise e os
exames para interpretação, foram assim distribuídos quanto à freqüência de sepse e foram constituídos três grupos
para análise. (Tabela 1). Foram utilizados os critérios de
consenso, da ACPP e SCCM.
Grupo 1: 30 pacientes com o diagnóstico de sepse
Grupo 2: 80 pacientes sem o diagnóstico de sepse
Grupos 1+2: 110 pacientes = população total
Em relação ao sexo e à idade, não houve diferença
estatisticamente significante entre os grupos com sepse
e sem sepse. (Tabelas 2 e 3). Em relação à variável
Tabela 1: Freqüência de sepse na população
total (grupos 1+2).
Sepse
Freq.
%
Sem sepse
80
72,7
Com sepse
30
27,3
Total
110
100
Tabela 2: Distribuição de acordo com sexo.
Em relação à variável sexo, os grupos 1 e 2 não
são diferentes (p ≥ 0,05).
Grupo 1
Grupo 2
Grupos 1+ 2
Sexo
n
%
n
%
n
%
feminino
15
50
35
43,8
50
45,5
masculino
15
50
45
56,3
60
54,5
Total
30
100
80
100
110
100
Tabela 3: Distribuição de acordo com idade.
Em relação à variável idade, os grupos 1 e 2 não
são diferentes (p ≥ 0,05).
Idade
Grupo 1
Grupo 2
Grupos 1+2
65,7 anos
17,4
61 anos
16,6
62,3 anos
16,9
25%
53
57
56
75%
76
73
74
26-99 anos
7-85 anos
7-99 anos
Média de idade
DP
Intervalo
157
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
APACHE II, os grupos 1 e 2 são diferentes quanto ao
valor de índice prognóstico (p ≤ 0,05) (Tabela 4). Em
relação à taxa de óbitos, a diferença entre os grupos 1 e 2
é significante do ponto de vista estatístico (p = 0,001).
Os pacientes que evoluíram com sepse tiveram taxa de
óbito maior que a dos pacientes sem sepse (Tabela 5).
Quanto ao tempo de internação, a diferença entre os grupos 1 e 2 é significante do ponto de vista estatístico (p =
0,001). A presença de sepse prolonga o tempo de internação
(Tabela 6). Quanto ao diagnóstico de SRIS nos grupos,
observa-se que a SRIS é presente em todos os pacientes
com sepse (faz parte de sua definição) e também é encontrada com percentual alto nos pacientes sem sepse. Não
existe diferença estatisticamente significante entre os grupos quanto ao diagnóstico de SRIS (Tabela 7).
Os diagnósticos de internação na população total referem-se a patologias que habitualmente são tratadas em
terapia intensiva (Tabela 8). Os diagnósticos de internação
Tabela 4: Distribuição de acordo com APACHE II.
Em relação a variável APACHE II, os grupos 1 e 2
são diferentes quanto a esse valor de índice
prognóstico (p ≤ 0,05).
apache 2
Grupo 1
Grupo 2
Grupos 1+2
Médio
25,4
21,1
22
DP
5,1
3,86
4,6
25%
22
18
20
75%
30
23
26
14 a 30
14 a 30
14 a 30
Intervalo
Tabela 5: Distribuição de acordo com taxa de
óbitos. Em relação à taxa de óbitos, a diferença
entre os grupos 1 e 2 é significante do ponto de
vista estatístico (p = 0,001). Os pacientes que
evoluíram com sepse tiveram taxa de óbito
maior que a dos pacientes sem sepse.
Taxa de
óbitos
Grupo 1
Grupo 2
Grupos 1+2
n
%
n
%
n
%
10
33,3
6
7,5
16
14,5
Tabela 6: Distribuição de acordo com o tempo de
internação. Em relação ao tempo de internação,
a diferença entre os grupos 1 e 2 é significante
do ponto de vista estatístico (p = 0,001). A
presença de sepse prolonga o tempo de internação.
Tempo de
internação
Grupo 1
Média
5,4 dias
2,68 dias
3,42 dias
Intervalo
1 a 27 dias
1 a 8 dias
1 a 27 dias
158
Grupo 2
Grupos 1+2
nos pacientes com sepse estão na Tabela 9. Os diagnósticos de internação nos pacientes sem sepse estão na Tabela 10. Os sítios ou focos de infecção nos pacientes com
sepse estão na Tabela 11 e na Figura 1. O número de
culturas positivas e as bactérias isoladas nos pacientes
com sepse estão na Tabela 12.
Para fins de descrição no estudo, a Proteína C-reativa
no primeiro dia de avaliação nos casos de sepse
diagnosticada (grupo 1) e no primeiro dia de avaliação
Tabela 7: Distribuição de acordo com o
diagnóstico de SRIS. Não foi observada
diferença entre os grupos 1 e 2 em relação ao
diagnóstico de SRIS (p < 0,09).
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 1 + 2
SRIS
nº
%
nº
%
nº
%
Presente
30
100
68
85
98
89,1
Ausente
0
0
12
15
12
10,9
Tabela 8: Distribuição de acordo com os
diagnósticos de internação nos grupos 1+2. A UTI
geral de um hospital terciário, como o HFAG,
recebe pós-operatório de grandes cirurgias, como
neurocirurgia, cirurgia cardíaca, vascular, geral,
ortopédicas e torácicas. Os pacientes com
insuficiência coronariana também são admitidos
na UTI. Isso corresponde a 76,4% das admissões.
Diagnóstico
Número
Percentual %
Pós-operatório
51
46,4
Insuficiência coronariana
33
30
Edema agudo de pulmão
3
2,7
Insuficiência respiratória
11
10
Trauma
1
0,9
Choque
2
1,8
Sepse
3
2,7
Acidentevascularencefálico
4
3,6
Insuficiência renal
1
0,9
Intoxicação exógena
Total
1
0,9
110
100
Tabela 9: Distribuição de acordo com os
diagnósticos de internação no grupo 1.
Diagnóstico
Número
Percentual %
Pós-operatório
11
36,7
Insuficiência coronariana
2
6,7
Insuficiência respiratória
9
30
Choque
2
6,7
Sepse
3
10
Acidentevascularencefálico
3
10
Total
30
100
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Tabela 10: Distribuição de acordo com os
diagnósticos de internação no grupo 2.
Tabela 12: Distribuição de acordo com as
culturas e bactérias isoladas no grupo 1.
Diagnóstico
Sítio
Número
Percentual %
Pós-operatório
40
50
Insuficiência respiratória
31
38
Edema agudo de pulmão
3
3,8
Pulmonar
(23 pacientes)
Culturas positivas
Culturas negativas
S. aureus (4)
8 culturas negativas
P. aeruginosa (3)
Acinetobacter spp (3)
Enterobacter spp (2)
K. pneumoniae (1)
SCN (1)
Enterococus faecalis (1)
Insuficiência respiratória
2
2,5
Trauma
1
1,3
Acidentevascularencefálico
1
1,3
Insuficiência renal aguda
1
1,3
Vias biliares (1)
Intoxicação exógena
1
1,3
Urinário (1)
Escherichia coli (1)
Total
80
100
Peritoneal (3)
Escherichia coli (2)
Meninges (1)
S. pneumoniae (1)
Tabela 11: Distribuição de acordo com os sítios
ou focos de infecção no grupo 1.
Sítio
Número
1 cultura negativa
Endocardite (1)
Enterococus faecalis (1)
Total= 30
20 casos ( 66,66% dos
casos de sepse)
1 cultura negativa
10 casos (33,33%
dos casos de sepse)
Percentual %
Pulmonar
23
76,7
Vias biliares
1
3,3
Urinário
1
3,3
Peritoneal
3
10
Meninges
1
3,3
Endocardite
1
3,3
Total
30
100
Figura 1: Gráfico da distribuição de acordo
com os sítios ou focos de infecção no grupo 1.
O principal sítio ou foco de infecção nos
casos de sepse foi o pulmonar.
Tabela 13: Média, desvio padrão (DP), mediana e
variação dos valores da PC-r no primeiro dia
(PC-r 1) nos grupos estudados. Foi observado
que os valores da PC-r 1 são diferentes nos
grupos 1 e 2. Os valores são maiores no grupo 1.
Média ± DP
Grupo1
n=30
mg/dl
Grupo 2
n= 80
mg/dl
Grupos 1+2
n=110
mg/dl
10,77 ± 8,68
7,45 ± 7,52
8,35 ± 7,95
Mediana
8,22
5,26
7,18
25%
4,38
2,14
2,4
75%
Variação
16,2
11,15
12,4
0,01 - 35,30
0,01 - 38,40
0,01 - 38,40
p =0,033909 entre os grupos 1 e 2
Figura 2: Gráfico da distribuição de acordo com
os valores da PC-r 1 nos grupos 1 e 2.
dos outros pacientes (grupo 2) foi denominada de PC-r
1; no segundo dia, de PC-r 2; no terceiro dia, de PC-r 3;
no quarto dia, de PC-r 4. A média, desvio padrão (DP),
mediana e variação dos valores da PC-r no primeiro dia
(PC-r1) nos grupos estudados estão na Tabela 13 e na
Figura 2. Também foi construída a curva ROC deste
teste com o fim de encontrar o melhor ponto de corte
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
159
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Figura 3: Traçado da curva
ROC dos níveis séricos
da PC-r 1 no grupo 1.
Figura 5: Gráfico da distribuição de acordo com os valores
da PC-r 3 nos grupos 1 e 2.
Figura 7: Gráfico da distribuição de acordo com o número
de leucócitos no primeiro dia
nos grupos 1 e 2.
Figura 4: Gráfico da distribuição de acordo com os valores
da PC-r 2 nos grupos 1 e 2.
Figura 6: Gráfico da distribuição de acordo com os valores
da PC-r 4 nos grupos 1 e 2.
Figura 8: Gráfico da distribuição de acordo com o número
de bastões no primeiro dia nos
grupos 1 e 2.
Tabela 14: Sensibilidade, Especificidade, Valor Preditivo Positivo
(VPP) e Valor Preditivo Negativo (VPN) da Proteína C-reativa no
primeiro dia (PC-r 1) do diagnóstico de sepse no grupo 1.
Ponto de corte
Sensibilidade
(IC 95%)
Especificidade
(IC 95%)
VPP (IC 95%)
VPN (IC 95%)
≥ 1,03mg/dl
90,0 (72,3-97,4)
17,5 (10,2-28,0)
29,0 (20,3-39,5)
82,4 (55,8-95,3)
≥ 2,13mg/dl
86,7 (68,4-95,6)
23,8 (15,2-34,8)
29,9 (20,8-40,8)
82,6 (60,5-94,3)
≥ 3,07mg/dl
80,0 (60,9-91,6)
31,3 (21,6-42,7)
30,4 (20,8-41,9)
80,6 (61,9-91,9)
≥ 4,0mg/dl
76,7 (57,3-89,4)
36,3 (26,0-47,8)
31,1 (21,1-43,0)
80,6 (63,4-91,2)
≥ 5,08mg/dl
73,3 (53,8-87,0)
47,5 (36,3-58,9)
34,4 (23,2-47,4)
82,6 (68,0-91,7)
≥ 6,02mg/dl
70,0 (50,4-84,6)
52,5 (41,1-63,7)
35,6 (23,9-49,2)
82,4 (68,6-91,1)
≥ 7,0mg/dl
66,7 (47,1-82,1)
55,0 (43,5-66,0)
35,7 (23,7-49,7)
81,5 (68,1-90,3)
≥ 8,0mg/dl
53,3 (34,6-71,2)
63,8 (52,2-74,0)
35,6 (22,3-51,3)
78,5 (66,2-87,3)
≥ 9,0mg/dl
43,3 (26,0-62,3)
71,3 (59,9-80,5)
36,1 (21,3-53,8)
77,0 (65,5-85,7)
≥ 9,92mg/dl
36,7 (20,5-56,1)
72,5 (61,2-81,6)
33,3 (18,6-51,9)
75,3 (64,0-84,1)
≥ 11,10mg/dl
36,7 (20,5-56,1)
73,8 (62,5-82,7)
34,4 (19,2-53,2)
75,6 (64,4-84,3)
160
para o diagnóstico de sepse. A sensibilidade, a especificidade, o valor
preditivo positivo (VPP) e o valor
preditivo negativo (VPN) da proteína C-reativa no primeiro dia (PC-r
1) do diagnóstico de sepse são
observados na Tabela 14. Os valores da PC-r 2, PC-r 3 e PC-r 4, nos
grupos com sepse e sem sepse, estão
nas Figuras 4, 5 e 6.
A comparação da PC-r com o
número de leucócitos e de bastões
estão nas Figuras 7 e 8. A comparação da PC-r 1 de acordo com o sexo
dos pacientes é observada na Figura 9. A comparação da PC-r 1 com
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Figura 9: Gráfico da distribuição de acordo com o valor da
PC-r 1 de acordo com o sexo
dos pacientes.
ARTIGOS ORIGINAIS
Tabela 15: Média, desvio padrão (DP), mediana e variação dos
valores da PC-r 1 nos pacientes com x sem ventilação mecânica.
Grupo com
ventilação mecânica
n=64
mg/dl
Grupo sem
ventilação mecânica
n=46
mg/dl
Média ± DP
10,47 ± 8,68
5,42 ± 5,70
Mediana
7,95
3,45
25%
4,34
0,82
75%
Variação
14,35
8,17
0,01 - 38,40
0,01 - 23,70
p = 0,000234
Tabela 16: Média, desvio padrão (DP), mediana e variação dos
valores da PC-r 1 nos pacientes com e sem cateter de Swan-Ganz.
o uso da ventilação mecânica é
observada na Tabela 15. A comparação da PC-r 1 com o uso do cateter de Swan-Ganz é observada na
Tabela 16. A comparação da PC-r 1
nos pacientes com cultura positiva,
culturas negativas e o restante dos
pacientes (pacientes que não fizeram culturas) é observada na Tabela 17.A comparação da PC-r 1 de
acordo com as bactérias isoladas
nos pacientes é observada na Tabela 18. A comparação da PC-r1 nos
pacientes que evoluíram com óbito
ou alta é observada na Tabela 19.
A comparação da PC-r 1 nos casos de pós-operatório e no restante
dos casos é observada na Tabela 20.
A comparação da PC-r 1 nos casos
de pós-operatório com sepse e sem
sepse é observada na tabela 21. A
comparação da PC-r 1 nos casos de
insuficiência coronariana (ICO) e
no restante dos casos é observada
na Tabela 22. A comparação da
PC-r 1 nos casos de ICO com sepse
e sem sepse é observada na Tabela
23. A tendência dos valores da
PC-r 1 nos pacientes com sepse é
observada na Figura 10.
DISCUSSÃO
A sepse e suas conseqüências mais
graves, como o choque séptico e a
Grupo com Swan-Ganz
n=8
mg/dl
Grupo sem Swan-Ganz
n=102
mg/dl
15,39 ± 10,65
7,80 ± 7,49
11,81
6,1
25%
7,48
2,29
75%
22,45
11,7
4,38 - 35,30
0,01 - 38,40
Média ± DP
Mediana
Variação
p = 0,02339
Tabela 17: Média, desvio padrão (DP), mediana e variação dos valores
da PC-r 1 nos pacientes com culturas positivas, culturas negativas e
no restante dos pacientes (pacientes que não fizeram culturas).
Grupo com cultura+
n= 20
mg/dl
Grupo com cultura –
n= 10
mg/dl
Grupo restante
n= 80
mg/dl
11,66 ± 7,94
7,12 ± 10,28
7,45 ± 7,52
9
4,13
5,26
7,56
2,13
2,14
Média ± DP
Mediana
25%
75%
Variação
16,3
7,7
11,15
0,01 - 26,50
0,20 - 35,30
0,01 - 38,40
Tabela 18: Média, desvio padrão (DP), mediana e variação dos
valores da PC-r 1 de acordo com as bactérias isoladas.
Bactéria isolada
n°
Média ± DP
mg/dl
Mediana
mg/dl
Variação
mg/dl
S. aureus
P. aeruginosa
Acinetobacter spp
Enterobacter spp
Enterococus faecalis
SCN
Escherichia coli
S. pneumoniae
K. pneumoniae
4
11,29 ± 9,28
11,68
0,01 - 21,70
3
11,63 ± 10,73
7,56
3,53 - 23,80
3
13,70 ± 4,07
15,9
9,0 - 16,20
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
2
12,40 ± 5,65
12,4
8,41 - 16,40
2
11,38 ± 5,39
11,38
7,57 - 15,20
1
0,01 ± 0,00
0,01
0,01 - 0,01
3
10,03 ± 10,58
9
0,01 - 21,10
1
26,50 ± 0,00
26,5
26,50 - 26,50
1
7,90 ± 0,00
7,9
7,90 - 7,90
161
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ARTIGOS ORIGINAIS
Tabela 19: Média, desvio padrão (DP), mediana e
variação dos valores da PC-r 1 nos pacientes com
alta ou óbito.
Média ± DP
Mediana
25%
75%
Variação
Pacientes com óbito
n= 16
mg/dl
13,30 ± 11,43
11,2
3,84
18,65
0,82 - 37,80
Pacientes de alta
n= 94
mg/dl
7,31 ± 6,93
5,86
2,29
9,92
0,01 - 38,40
p = 0,035105
Tabela 20: Média, desvio padrão (DP), mediana e
variação dos valores da PC-r 1 nos pacientes
com diagnóstico de pós-operatório e no restante
dos casos.
Média ±DP
Mediana
25%
75%
Variação
Pacientes de PO
n= 51
mg/dl
9,77 ± 7,92
7,9
4,3
13
0,27 - 38,40
Pacientes sem PO
n= 59
mg/dl
7,13 ± 7,84
4,38
1,03
8,82
0,01 - 37,80
Tabela 23: Média, desvio padrão (DP), mediana e
variação dos valores da PC-r 1 nos pacientes com
diagnóstico de insuficiência coronariana com
sepse e de insuficiência coronariana sem sepse.
Média ± DP
Mediana
25%
75%
Variação
ICO com sepse
n= 2
mg/dl
3,79 ± 5,34
3,79
0,01
0,71
0,01 - 7,57
ICO sem sepse
n= 31
mg/dl
4,67 ± 5,44
3,07
7,52
7,57
0,01 - 23,70
p = 0,733466
Figura 10: Gráfico de tendência dos valores da
PC-r 1 no grupo 1. Evolução dos valores da PC-r
1 nos pacientes com sepse, desde o momento
do diagnóstico até a alta ou o óbito. Existe uma
variabilidade grande entre os casos e também na
evolução dos valores, o que dificulta a análise
estatística. A observação sugere que os valores
da PC-r devem ser analisados junto com os
outros parâmetros de diagnóstico de sepse na
UTI e seqüencialmente.
p = 0,011123
Tabela 21: Média, desvio padrão (DP), mediana e
variação dos valores da PC-r 1 nos pacientes
com diagnóstico de pós-operatório com sepse e
sem sepse.
Média ± DP
Mediana
25%
75%
Variação
Pacientes de PO
com sepse
n= 11
mg/dl
13,21 ± 9,76
9
5,55
16,5
2,71 - 35,30
Pacientes de PO
sem sepse
n= 40
mg/dl
8,83 ± 7,19
7,5
4,29
12,05
0,27 - 38,40
p = 0,119383
Tabela 22: Média, desvio padrão (DP), mediana
e variação dos valores da PC-r 1 nos pacientes
com diagnóstico de insuficiência coronariana e
no restante dos casos.
Média ± DP
Mediana
25%
75%
Variação
p = 0,012344
162
Pacientes com ICO
n= 33
mg/dl
4,61 ± 5,35
3,07
0,71
7,52
0,01 - 23,70
Pacientes sem ICO
n= 77
mg/dl
9,96 ± 8,36
7,9
4,28
13,8
0,01 - 38,40
disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, constituem,
nos dias atuais, a principal causa de morbimortalidade
no ambiente das unidades de tratamento intensivo.1 O
número de casos de sepse tem aumentado, sendo esta
atualmente a terceira causa de óbitos em virtude de
doenças infecciosas de acordo com o CDC,2 órgão responsável pelo controle de doenças infecciosas nos
Estados Unidos da América. Conseqüentemente, o
impacto nos custos é muito grande, fruto da utilização
de todos os recursos disponíveis para o suporte desses
pacientes graves.3
Por outro lado, o uso indiscriminado de antimicrobianos tem contribuído para o aparecimento de bactérias multirresistentes, responsáveis pelas infecções
hospitalares e que são de difícil tratamento. Utilizar
medidas de prevenção e controle de infecção e fazer o
diagnóstico precoce da sepse, com início imediato do
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
tratamento adequado, são intervenções com impacto positivo nos
resultados.3
Reuniões de consenso do
American Collegge of Chest
Phisicians (ACCP) e da Society of
Critical Care Medicine (SCCM),
para melhor definição dos termos
relacionados à infecção e sepse,
têm facilitado o estudo dessas patologias com a adoção de uma linguagem única, aplicada na visita
diária das UTIs e também na definição dos casos de sepse para trabalhos científicos,4,5,6,7 embora sujeita a críticas na literatura.8
A grande questão que continua
é detectar a presença da síndrome
de resposta inflamatória sistêmica
(SRIS) e o foco identificado da infecção, ou seja, sepse. A anamnese
e o exame físico do paciente são
itens importantes e imprescindíveis,
apesar de toda a tecnologia disponível. A presença de febre e leucocitose não necessariamente significa infecção no paciente grave.7, 9
Publicações científicas revelam
que a sepse representa uma resposta inflamatória sistêmica e
complexa à infecção e com relação íntima com a coagulação. 9,10
Tal fato tem implicações no prognóstico11,12 e motivou uma série de
trabalhos que procuraram interferir em vários pontos da reação
inflamatória e da coagulação, a
quase totalidade com resultados
desfavoráveis na mortalidade da
sepse, 13,14 exceto quanto ao uso da
Proteína C recombinante humana,
publicado recentemente com impacto positivo no resultado, diminuindo a mortalidade da sepse. 15
A utilização de um marcador
com alta sensibilidade, especificidade e valor preditivo negativo
para infecção, certamente, ajudaria no diagnóstico de sepse em pacientes graves. Na realidade, este
marcador ideal ainda não está disponível e temos de lançar mão dos
atualmente em uso.16,17
A avaliação da PC-r, desde a publicação em 1930, por Tilet e
Francis,18 tem sido utilizada como
marcador de doença inflamatória e
processos infecciosos.19-22
No estudo, inicialmente foi feita a divisão dos pacientes com
sepse e sem sepse. O diagnóstico
de sepse foi feito utilizando-se os
critérios de consenso da ACPP e
SCCM, anteriormente descritos.
Quanto à distribuição de acordo
com o sexo e a idade, não há diferença entre os grupos estudados.
Quanto a variável APACHE II,
observou-se que existe diferença
(p≤ 0,005) entre os grupos com
sepse e sem sepse. O valor do
APACHE II foi maior no grupo
com sepse.
O APACHE II avalia a gravidade da doença com base em 12 variáveis fisiológicas, idade, o tipo de
admissão (urgente ou não) e três
variáveis relacionadas à doença de
base. Os maiores escores são
correlacionados a maior risco de
óbito durante a hospitalização.23
A taxa de óbitos é maior no
grupo com sepse (33,3%) que no
grupo sem sepse (7,5%) e na população total (14,5%). O tempo de
internação é maior no grupo com
sepse (5,40 dias) que no grupo
sem sepse (2,68 dias) e na população total (3,42 dias). Quanto à
taxa de óbitos e ao tempo de
internação, a diferença é estatisticamente significante, o que está de
acordo com a literatura.2,3 A conclusão é que os pacientes sépticos
têm tempo de internação e mortalidade maiores.
O percentual de SRIS é alto nos
grupos com sepse (100%), sem
sepse (85%) e no total dos pacientes (89,1%). A presença de SRIS,
embora esteja incluída na definição
de sepse, também tem prevalência
alta nos outros pacientes graves da
UTI. A sua presença não permite
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
ARTIGOS ORIGINAIS
diferenciação entre o paciente com
e sem sepse, o que está de acordo
com a literatura.7
Os diagnósticos de internação
dos grupos estudados refletem a
multiplicidade de patologias tratadas em UTI. Na população total,
nos pacientes com sepse e sem
sepse a principal causa de internação foram os casos de pós-operatório. Nos pacientes com sepse,
esse diagnóstico foi feito, em muitas ocasiões, logo após a internação
de um caso cirúrgico, como por
exemplo, no pós-operatório de
peritonite fecal.
Quanto aos sítios de infecção no
grupo com sepse, a grande maioria é de infecções pulmonares, em
consonância com a literatura.2 Em
relação à distribuição das culturas,
observa-se que, em 1/3 dos casos
de sepse, as culturas foram negativas, fato que está descrito na literatura.3
Com o objetivo de analisar o
comportamento da Proteína Creativa nos casos de sepse, foram
definidos os valores da Proteína C
reativa nos dias 1, 2, 3 e 4 (PC-r 1,
PC-r 2, PC-r 3 e PC-r 4). Existe diferença estatisticamente significante entre os valores da PC-r 1
entre os grupos com e sem sepse,
com valores maiores nos pacientes
com sepse.
Foi construída a curva ROC
para determinar o melhor ponto de
corte, (melhores sensibilidade e
especificidade e conseqüentemente valor preditivo negativo alto). O
melhor valor foi 5,08 mg/dl, embora com valores não ideais de sensibilidade e de especificidade.
Em relação aos valores da PC-r
2, PC-r 3, PC-r 4, não foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos com e sem
sepse. A explicação para essas
observações pode estar relacionada ao início dos antimicrobianos
nos casos de sepse e conseqüente
163
ARTIGOS ORIGINAIS
diminuição dos valores da PC-r ou
ao número menor de casos a cada
dia para análise, pois os pacientes
tinham alta da UTI.
Não foi observada diferença
entre os pacientes dos grupos com
e sem sepse, em relação aos números de leucócitos ou bastões. A
leucometria global e o número de
bastões são critérios para o diagnóstico de SRIS, junto com as freqüências cardíaca e respiratória.
Todos os casos de sepse têm SRIS
presente. Isoladamente, tanto a
leucometria global quanto o número de bastões não discriminam os
pacientes com e sem sepse, e a utilização desses dados deve ser
seqüencial e junto com outros
parâmetros.
O valor da PC-r 1 não é diferente nos grupos estudados quanto
ao sexo, mas é maior e apresenta
diferença estatisticamente significante nos pacientes que utilizaram ventilação mecânica, o cateter de Swan-Ganz, nos que tiveram
culturas positivas e nos que evoluíram para o óbito. A presença da
insuficiência respiratória com necessidade da ventilação mecânica;
a instabilidade hemodinâmica e sua
monitorização invasiva com cateter de Swan-Ganz; e a sepse com
culturas positivas representam no
nosso estudo subgrupos de pacientes graves com mortalidade alta. O
valor de PC-r alto em pacientes na
UTI pode representar a presença de
patologias graves e com mortalidade alta.
Não foi observada diferença
estatisticamente significante de
acordo com o tipo de bactéria isolada, talvez pelo pequeno número
analisado (20 identificações). O
diagnóstico da sepse é feito pela
presença da SRIS e pelo foco identificado de infecção. O foco identificado de infecção é um diagnóstico feito através da história, do
exame clínico e de exames comple-
164
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
mentares. As culturas são feitas
para identificar o agente responsável pela infecção. Quando as
culturas são negativas, devemos
descartar o diagnóstico de sepse?
Em adultos, a literatura mostra
que, em boa parte dos casos de
sepse, as culturas são negativas
por uma série de razões, e não que
a cultura deva ser incluída como
critério crítico para definição de
sepse, embora sempre deva ser
feita2. Os critérios para o diagnóstico de sepse da ACPP e SCCM
não exigem cultura positiva.
Na observação do comportamento da PC-r em pacientes graves, é preciso levar em conta patologias que elevam o valor da PC-r
e que não são processos infecciosos. Na amostra, está presente um
grande número de casos de PO e
de ICO. Essas duas condições elevam a PC-r.24-26 Ainda assim, sua
elevação seqüencial sugere a possibilidade de processo infeccioso.
Foi observada diferença estatisticamente significante entre os
valores da PC-r 1 nos casos de pósoperatório e nos pacientes restantes. Quando foram analisados os
casos de pós-operatório com sepse
e sem sepse, em relação aos valores da PC-r 1, não existe essa diferença. Leitura igual é feita em relação à presença de insuficiência
coronariana e no restante dos casos
e insuficiência coronariana com
sepse e sem sepse.
A curva de tendência dos valores da PC-r 1 no grupo com sepse
mostra uma variabilidade grande
entre os valores e reforça que a utilização e a interpretação conjunta
de exames laboratoriais em paralelo e seqüencialmente (leucometria global e diferencial, PC-r),
associados à avaliação clínica do
paciente, procurando adotar e usar
as novas definições da sepse, são a
melhor conduta para fazer o diagnóstico da sepse na UTI.
RESUMO
A sepse e suas conseqüências mais
graves, como o choque séptico e a
disfunção de múltiplos órgãos e
sistemas, constituem, nos dias
atuais, a principal causa de morbimortalidade em unidade de terapia
intensiva. Fazer o diagnóstico precoce da sepse, antes do agravamento do quadro clínico e dar início
imediato ao suporte clínico apropriado e à terapia antimicrobiana,
são os pilares do tratamento.
O objetivo deste estudo é avaliar a eficácia da dosagem sérica
da Proteína C-reativa (PC-r) em
pacientes internados na UTI para
o diagnóstico da sepse. Para tal
foram selecionados, 110 pacientes
admitidos para tratamento, com as
mais variadas patologias, em uma
UTI geral. Em 30 pacientes (grupo 1) foi feito o diagnóstico de
sepse e em 80 (grupo 2) não evoluíram com sepse. Foi construída
a curva ROC (Receiver Operator
Characteristic) e determinado o
melhor ponto de corte da dosagem
da PC-r comparando-se com o
diagnóstico da sepse. Foram
determinadas ainda à sensibilidade, a especificidade e o valor
preditivo positivo e negativo desses marcadores.
A concentração da PC-r 1
(PC-r no primeiro dia de avaliação), foi significativamente maior
no grupo 1, quando comparada à
do grupo 2 (10,77 mg/dl vs. 7,45
mg/dl respectivamente, p<0,05). O
melhor ponto de corte para a dosagem da PC-r foi de 5,08 mg/dl (sensibilidade de 73,3%, valor preditivo
negativo de 82,6% e especificidade
de 47,5%). A análise da curva ROC
sugere que a Proteína C-reativa
apresenta boa acurácia.
A concentração da PC-r 1 foi
significativamente maior nos
pacientes que evoluíram com óbito, que fizeram uso da ventilação
mecânica, que utilizaram cateter de
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
Swan-Ganz e nos pacientes com
culturas positivas. Tais dados apontam para o valor da PC-r como
preditor de pacientes graves, com
mortalidade elevada.
Pode-se concluir que a PC-r é
um bom marcador de sepse e de pacientes graves em UTI. Sua avaliação deve ser feita seqüencialmente junto com os outros dados
disponíveis para o diagnóstico da
sepse na UTI.
Palavras-chave: Sepse, Proteína
C-reativa, inflamação.
AGRADECIMENTOS
A todos os profissionais do Hospital de Força Aérea do Galeão, principalmente os da UTI. Ao meu
orientador, Prof. Dr. Cid Marcos
Nascimento David, pela paciência
eterna.
REFERÊNCIAS
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Pergamon Press.
165
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ÍNDICE GERAL
ÍNDICE DO VOLUME 14
I - Índice das Matérias
-A-
-H-
“Avaliação das Dosagens de Pró-calcitonina, por Método
Qualitativo, e de Proteína C-reativa, como Marcadores
de Infecção em Pacientes com Suspeita de Pneumonia
Associada à Ventilação Mecânica” ................................ 14(1): 34
Hipertensão Intracraniana em Pediatria: Revisão Sobre
Fisiopatologia, Monitorização e Tratamento .................. 14(2): 65
A Avaliação do Comportamento da Proteína C-reativa em
Pacientes com Sepse na UTI ....................................... 14(4): 156
A Gasometria Arterial na Relação Tempo entre Coleta e
Realização do Exame ..................................................... 14(3): 95
-IIncidência de Lesão Pulmonar Aguda e
Síndrome da Angústia Respiratória Aguda
na Unidade de Terapia Intensiva do
Hospital Sírio Libanês ................................................... 14(1): 44
Análise Comparativa do Consumo de Oxigênio (VO2)
Obtido pelo Método de Fick e pela Calorimetria
Indireta no Paciente Grave. ......................................... 14(4): 137
Índices Prognósticos em Medicina Intensiva ........................ 14(1): 6
Análise de uma População de Doentes Atendidos em
Unidade de Terapia Intensiva - Estudo Observacional
de Sete Anos (1992 - 1999) .......................................... 14(2): 73
Meningite Meningocócica em Idoso –
Relato de um caso ......................................................... 14(2): 59
Avaliação da Eficácia de um Método Educativo na Rotina
de Lavar as Mãos em UTI .............................................. 14(2): 52
Avaliação do Risco de Mortalidade Através do APACHE II
para o CTI de um Hospital Escola Público ..................... 14(3): 85
-CChoque Cardiogênico, Evolução Clínica Imediata e
Seguimento ................................................................... 14(1): 40
-DDisfunção Cardiovascular e Desmame de Ventilação
Mecânica ..................................................................... 14(4): 129
-M-OO Médico Diante da Morte: Aspectos da Relação
Médico-paciente Terminal ............................................. 14(3): 99
-PProtocolo de Desmame da Ventilação Mecânica:
Efeitos da sua Utilização em uma Unidade de
Terapia Intensiva. Um Estudo Controlado,
Prospectivo e Randomizado. ......................................... 14(1): 22
-S-
-E-
Síndrome da Pele Escaldada Estafilocócica em
um Adulto com Endocardite Infecciosa:
Relato de Caso e Revisão de Literatura. ...................... 14(4): 124
Embolia Arterial por Mercúrio .............................................. 14(2): 63
Síndrome de Lise Tumoral ................................................. 14(3): 103
-F-
Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo de
Etiologia Pulmonar e Extrapulmonar ........................... 14(3): 114
Falência de Migração de Neutrófilos e Dosagem Sérica
de Citocinas e Óxido Nítrico na Sepse Humana ........... 14(4): 146
-V-
Fatores de Risco para Infecção Relacionada a Cateter
Venoso Central ............................................................ 14(3): 107
Ventilação Mecânica em Pacientes com Fístula
Broncopleural - Relato de 2 Casos ................................ 14(2): 55
166
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ÍNDICE GERAL
ÍNDICE DO VOLUME 14
II - Índice dos Autor
es
Autores
-A-
-F-
Adilson Casemiro Pires ....................................................... 14(2): 63
Afonso J. C. Soares ........................................................... 14(4): 156
Alberto Gomes Taques Fonseca ........................................... 14(2): 59
Alexandre Doval da Costa .................................................. 14(4): 129
Alvaro O Campana ............................................................... 14(2): 73
Ana Camila Flores .............................................................. 14(3): 103
Ana Maria Bonametti ........................................................... 14(3): 85
Anderson José ..................................................................... 14(1): 22
Anderson R.R. Gonçalves .................................................... 14(2): 52
André Luiz Peixinho ............................................................. 14(3): 99
Andréa Cristina O. Freitas .................................................... 14(2): 63
Anibal Basile-Filho ..................................................... 14(4): 137, 146
Aniela Maria Romanini ...................................................... 14(4): 124
Antenor Portela ................................................................... 14(1): 40
Antônio de P. P. Miramontes ................................................ 14(2): 63
Antonio Dorival Campos .................................................... 14(4): 137
Antonio Luis E. Falcão ........................................................... 14(1): 6
Azevedo Mirela .................................................................. 14(3): 107
Fabiano Pinheiro .................................................................. 14(1): 34
Fátima Barbosa Cordeiro ..................................................... 14(2): 59
Fernanda de Andrade Cardoso ........................................... 14(4): 124
Fernando de Queiróz Cunha ............................................... 14(4): 146
Flávio Marson .................................................................... 14(4): 137
Francisca Lígia Cirilo Carvalho ........................................... 14(3): 103
Francisco Antonio Coletto .................................................. 14(4): 137
-GGlauco A. Westphal ............................................................. 14(2): 52
-HHelymar da Costa Machado ................................................... 14(1): 6
-J-
Beatriz M. Tavares-Murta ................................................... 14(4): 146
Beghetto Mariur ................................................................. 14(3): 107
Jayro Paiva .......................................................................... 14(1): 40
Jorge Bizzi ........................................................................... 14(2): 65
José Eduardo C. Góes ....................................................... 14(3): 103
José Henrique P. Leite Júnior ............................................ 14(3): 114
José Lira .............................................................................. 14(1): 40
-C-
-K-
Cid M. N. David ................................................................. 14(4): 156
Cíntia M. Carvalho Grion ...................................................... 14(3): 85
Claudia Laura B. Kunrath ..................................................... 14(2): 65
Cláudio Piras ....................................................................... 14(3): 95
Cristiano de A. A. Fernandes .............................................. 14(4): 124
Kátia Giugno ........................................................................ 14(2): 65
-B-
-DDaniel Deheizelin ................................................................. 14(1): 44
Desanka Dragosavac ............................................ 14(1): 6, 14(2): 55
-EElaine Cristina Dias .............................................................. 14(1): 22
Elcio Tarkieltaub .................................................................. 14(2): 59
Emília Martins ..................................................................... 14(1): 40
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002
-LLêda Maria Aleluia ............................................................... 14(3): 99
Lina Wang ........................................................................... 14(2): 59
Lucienne Tibery Q. Cardoso ................................................ 14(3): 85
Luis Rogério de C. Oliveira .................................................. 14(1): 22
Luiz Monteiro da Cruz Neto ................................................. 14(1): 34
-MMarcelo Park ....................................................................... 14(1): 34
Maria Auxiliadora Martins .......................................... 14(4): 137, 146
Maria Gabriela Cavicchia ..................................................... 14(2): 55
Marluce de Oliveira Lopes ................................................. 14(4): 124
167
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
ÍNDICE GERAL
Marta I. Gómez ...................................................................... 14(1): 6
Mauro Gonçalves ................................................................. 14(1): 40
Milton Caldeira Filho ............................................................ 14(2): 52
-S-
Nicola O Resende ................................................................ 14(2): 73
Nilzete Liberato Bresolin .................................................... 14(3): 103
Sandra Mara A. A. Arraes .................................................. 14(4): 146
Sebastião Araújo .................................................. 14(1): 6, 14(2): 55
Sebastião Martins ................................................................ 14(1): 40
Sergio AR Paiva ................................................................... 14(2): 73
Silvia M. T. P. Soares ........................................................... 14(2): 55
Sílvia Regina Rios Vieira .................................................... 14(4): 129
-O-
-T-
Olivia Matai .......................................................................... 14(2): 73
Tânia Rohde Maia ................................................................ 14(2): 65
Teixeira Luciana ................................................................. 14(3): 107
Tiemi Matsuo ....................................................................... 14(3): 85
-N-
-PPatricia Rieken M. Rocco .................................................. 14(3): 114
Patrícia Verônica Santos .................................................... 14(3): 103
Paulo Antonio Chiavone ...................................................... 14(1): 22
Paulo Medeiros ................................................................... 14(1): 40
Paulo Rego .......................................................................... 14(1): 40
-RRaldir Bastos ....................................................................... 14(1): 40
Raquel Hermes R. Oliveira ................................................... 14(1): 44
Renato G. Terzi ...................................................................... 14(1): 6
Ronaldo Adib Kairalla .......................................................... 14(1): 44
Rosemary da N. P. Neves .................................................. 14(4): 124
168
-VVanessa de S. Cobra Figueira .............................................. 14(2): 59
Vera Lúcia Alves dos Santos ............................................... 14(1): 22
Vera Regina Fernandes ...................................................... 14(3): 103
Victorino Josué ................................................................. 14(3): 107
Vilto Michels Jr .................................................................... 14(2): 52
-WWaldomiro Manfroi ............................................................ 14(4): 129
Walter Araújo Zin ............................................................... 14(3): 114
Wladmir Faustino Saporito .................................................. 14(2): 63
Volume 14 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2002