Evangelho segundo S. Lucas 22,1-6

Transcrição

Evangelho segundo S. Lucas 22,1-6
Evangelho segundo S. Lucas 22,1-6: Princípio da paixão – cf.par. Mt. 26,2-5; Mc 14,12;10-11
Evangelho segundo S. Lucas 22,7-13: A última ceia – cf.par. Mt. 26,17-20; Mc 14,12-17
Evangelho segundo S. Lucas 22,14-71.23,1-56. – cf.par. Mt 26-27; Mc 14-15
Quando chegou a hora, pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes: «Tenho
ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer, pois digo-vos que já
não a voltarei a comer até ela ter pleno cumprimento no Reino de Deus.» Tomando uma taça,
deu graças e disse: «Tomai e reparti entre vós, pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto
da videira, até chegar o Reino de Deus.» Tomou, então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o
e distribuiu-o por eles, dizendo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós; fazei isto
em minha memória.» Depois da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo: «Este cálice é a
nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós.» «No entanto, vede: a mão
daquele que me vai entregar está comigo à mesa! O Filho do Homem segue o seu caminho,
como está determinado; mas ai daquele por meio de quem vai ser entregue!» Começaram a
perguntar uns aos outros qual deles iria fazer semelhante coisa. Levantou-se entre eles uma
discussão sobre qual deles devia ser considerado o maior. Jesus disse-lhes: «Os reis das
nações imperam sobre elas e os que nelas exercem a autoridade são chamados benfeitores.
Convosco, não deve ser assim; o que fôr maior entre vós seja como o menor, e aquele que
mandar, como aquele que serve. Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que
serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que
serve. Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações, e Eu
disponho do Reino a vosso favor, como meu Pai dispõe dele a meu favor, a fim de que comais
e bebais à minha mesa, no meu Reino. E haveis de sentar-vos, em tronos, para julgar as doze
tribos de Israel.» E o Senhor disse: «Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos joeirar
como trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido,
fortalece os teus irmãos.» Ele respondeu-lhe: «Senhor, estou pronto a ir contigo até para a
prisão e para a morte.» Jesus disse-lhe: «Eu te digo, Pedro: o galo não cantará hoje sem que,
por três vezes, tenhas negado conhecer-me.» Depois, acrescentou: «Quando vos enviei sem
bolsa, nem alforge, nem sandálias, faltou-vos alguma coisa?» Eles responderam: «Nada.» E
Ele acrescentou: «Mas agora, quem tem uma bolsa que a tome, assim como o alforge, e quem
não tem espada venda a capa e compre uma. Porque, digo-vo-lo Eu, deve cumprir-se em mim
esta palavra da Escritura: Foi contado entre os malfeitores. Efectivamente, o que me diz
respeito chega ao seu termo.» Disseram-lhe eles: «Senhor, aqui estão duas espadas.» Mas Ele
respondeu-lhes: «Basta!» Saiu então e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras. E os
discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes: «Orai, para que
não entreis em tentação.» Depois afastou-se deles, à distância de um tiro de pedra,
aproximadamente; e, pondo-se de joelhos, começou a orar, dizendo: «Pai, se quiseres, afasta
de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua.» Então, vindo do Céu,
apareceu-lhe um anjo que o confortava. Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente, e
o suor tornou-se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de orar,
levantou-se e foi ter com os discípulos, encontrando-os a dormir, devido à tristeza. Disse-lhes:
«Porque dormis? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação.» Ainda Ele estava a
falar quando surgiu uma multidão de gente. Um dos Doze, o chamado Judas, caminhava à
frente e aproximou-se de Jesus para o beijar. Jesus disse-lhe: «Judas, é com um beijo que
entregas o Filho do Homem?» Vendo o que ia suceder, aqueles que o cercavam perguntaramlhe: «Senhor, ferimo-los à espada?» E um deles feriu um servo do Sumo Sacerdote, cortandolhe a orelha direita. Mas Jesus interveio, dizendo: «Basta, deixai-os.» E, tocando na orelha do
servo, curou-o. Depois, disse aos que tinham vindo contra Ele, aos sumos sacerdotes, aos
oficiais do templo e aos anciãos: «Vós saístes com espadas e varapaus, como se fôsseis ao
encontro de um salteador! Estando Eu todos os dias convosco no templo, não me deitastes as
mãos; mas esta é a vossa hora e o domínio das trevas.» Apoderando-se, então, de Jesus,
levaram-no e introduziram-no em casa do Sumo Sacerdote. Pedro seguia de longe. Tendo
acendido uma fogueira no meio do pátio, sentaram-se e Pedro sentou-se no meio deles. Ora,
uma criada, ao vê-lo sentado ao lume, fitandoo, disse: «Este também estava com Ele.» Mas
Pedro negou-o, dizendo: «Não o conheço, mulher.» Pouco depois, disse outro, ao vê-lo: «Tu
também és dos tais.» Mas Pedro disse: «Homem, não sou.» Cerca de uma hora mais tarde, um
outro afirmou com insistência: «Com certeza este estava com Ele; além disso, é galileu.»
Pedro respondeu: «Homem, não sei o que dizes.» E, no mesmo instante, estando ele ainda a
falar, cantou um galo. Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da
palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-me três vezes.»
E, vindo para fora, chorou amargamente. Entretanto, os que guardavam Jesus troçavam dele e
maltratavam-no. Cobriam-lhe o rosto e perguntavam-lhe: «Adivinha! Quem te bateu?» E
proferiam muitos outros insultos contra Ele. Quando amanheceu, reuniu-se o Conselho dos
anciãos do povo, sumos sacerdotes e doutores da Lei, que o levaram
Catecismo da Igreja Católica
§ 1362-1366
"Fareis isto em memória de mim" (1 Co 11,25)
A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a actualização e a oferenda sacramental do seu
único sacrifício, na liturgia da Igreja que é o seu corpo. Em todas as orações eucarísticas
encontramos, depois das palavras da instituição, uma oração chamada anamnese ou memorial.
No sentido que lhe dá a Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos
acontecimentos do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus fez pelos homens.
Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tomam-se de certo modo presentes e
actuais. É assim que Israel entende a sua libertação do Egipto: sempre que se celebrar a
Páscoa, os acontecimentos do Êxodo tornam-se presentes à memória dos crentes, para que
conformem com eles a sua vida (Ex 13,3.8).
O memorial recebe um sentido novo no Novo Testamento. Quando a Igreja celebra a
Eucaristia, faz memória da Páscoa de Cristo, e esta torna-se presente: o sacrifício que Cristo
ofereceu na cruz uma vez por todas, continua sempre actual: «Todas as vezes que no altar se
celebra o sacrifício da cruz, no qual "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado", realiza-se a obra da
nossa redenção» (Vatican II, LG 63).
Porque é o memorial da Páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O carácter
sacrificial da Eucaristia manifesta-se nas próprias palavras da instituição: «Isto é o meu corpo,
que vai ser entregue por vós» e «este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser
derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Na Eucaristia, Cristo dá aquele mesmo corpo que
entregou por nós na cruz, aquele mesmo sangue que «derramou por muitos em remissão dos
pecados» (Mt 26, 28). A Eucaristia é, pois, um sacrifício, porque representa (torna presente) o
sacrifício da cruz, porque é dele o memorial e porque aplica o seu fruto.
Pregador do Papa: Eucaristia, memória e presença de Cristo ao mesmo tempo
Comentário do Pe. Cantalamessa na solenidade de Corpus Christi
ROMA, sexta-feira, 8 de junho de 2007 (ZENIT.org) .- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia da solenidade
do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi).
***
Fazei isto em memória de mim
Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Gênesis 14, 18-20; Coríntios 11, 23-26; Lucas 9, 11b-17
Na segunda leitura desta solenidade, São Paulo nos apresenta o relato mais antigo da
instituição da Eucaristia, escrito não mais de vinte anos depois do acontecimento. Procuremos
descobrir algo novo do mistério eucarístico, servindo-nos do conceito de memória: «Fazei isto
em memória de mim».
A memória é uma das faculdades mais misteriosas e grandiosas do espírito humano. Todas as
coisas vistas, ouvidas, pensadas e realizadas desde a primeira infância se conservam neste seio
imenso, dispostas a despertar-se e saltar à luz a uma reclamação exterior ou de nossa própria
vontade. Sem memória deixaríamos de ser nós mesmos, perderíamos nossa identidade. Quem
se vê atingido pela amnésia total, vaga perdido pelas ruas, sem saber como se chama nem
onde vive.
A recordação, ao unir-se à mente, tem o poder de catalizar todo nosso mundo interior e
encaminha-lo para seu objeto, especialmente se não se trata de uma coisa ou um fato, mas de
uma pessoa viva. Quando uma mãe se lembra do filho que deu a luz poucos dias atrás e
deixou em casa, tudo em seu interior voa para sua criatura, um ímpeto de ternura sai das
entranhas maternas e vela talvez os olhos de pranto.
Não só o indivíduo, mas também o grupo humano -- família, clã, tribo, nação -- tem sua
memória. A riqueza de um povo não se mede tanto pelas reservas de outro que conserva em
seu recinto, mas pela memória que conserva em sua consciência coletiva. Precisamente
compartilhar as mesmas lembranças é o que fundamenta a unidade do grupo. Para conservar
vivas tais recordações, se vinculam a um lugar ou a uma festa. Os americanos têm o Memorial
Day (o Dia da Memória), jornada em que recordam os soldados mortos de todas as guerras; os
indianos, o Ghandi memorial, um parque verde em Nova Deli que deve recordar à nação o
que ele foi e fez por ela. Também nós, os italianos, temos nossos memoriais: as festas civis
recordam os eventos mais importantes de nossa história recente e a nossos homens mais
ilustres se dedicaram ruas, praças, aeroportos...
Este riquíssimo fundo humano acerca da memória nos deveria ajudar a entender melhor o que
é a Eucaristia para o povo cristão. É um memorial porque recorda o acontecimento ao qual
toda a humanidade deve sua existência, como humanidade redimida: a morte do Senhor. Mas
a Eucaristia tem algo que a distingue de diferencia outro memorial. É memória e presença por
sua vez, e presença real, não só intencional; torna a pessoa realmente presente, ainda que
esteja ocultada sob os sinais do pão e do vinho. O Memorial Day não pode fazer que os
mortos voltem à vida, o Ghandi Memorial não pode conseguir que Ghandi viva. Isso, no
entanto, é realizado, segundo a fé dos cristãos, no memorial eucarístico com relação a Cristo.
Contudo, além de todas as coisas belas que mencionamos da memória, devemos aludir
também a um perigo inato nela. A memória pode-se transformar facilmente em estéril e
paralisadora nostalgia. Isso acontece quando a pessoa se torna prisioneira das próprias
lembranças. Ao contrário: nos projeta para diante; depois da consagração, o povo aclama:
«Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor
Jesus!». Uma antífona atribuída a Santo Tomás de Aquino (O sacrum convivium) define a
Eucaristia como o sagrado convite no qual «se recebe Cristo, celebra-se a memória de sua
paixão, a alma se enche de graça e se nos dá a prenda da glória futura».
[Tradução realizada por Zenit]
ZP07060822
São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja
Primeiro Sermão para a festa dos Santos Pedro e Paulo
«Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece
os teus irmãos» (Lc 22, 32)
Cristo Mediador «não cometeu pecado, nem na sua boca se encontrou engano» (1 Pe, 2, 22).
Como me atreveria eu a aproximar-me d’Ele, eu pecador, grandíssimo pecador, cujos pecados
são mais numerosos que a areia do mar? Ele é tudo o que há de mais puro, e eu, de mais
impuro… É por isso que Deus me deu estes apóstolos que são homens e pecadores, e muito
grandes pecadores, que aprenderam por eles mesmos e por experiência própria até que ponto
deveriam ser misericordiosos para com os outros. Culpados de grandes faltas, concedem às
grandes faltas um perdão fácil e usarão connosco a mesma medida que serviu para eles.
O apóstolo Pedro cometeu um grande pecado, talvez até nem haja outro maior. Recebeu um
perdão tão pronto como fácil, ao ponto de nada perder do seu primado. E Paulo, que tinha
desencadeado um ódio sem limites contra a Igreja nascente, é conduzido à fé pelo
chamamento do próprio Filho de Deus. Em troca de tantos males, foi cumulado de tão grandes
bens que se converteu no inst rumento escolhido para levar o nome do Senhor diante das
nações, dos reis e dos filhos de Israel…
Pedro e Paulo são nossos mestres: aprenderam plenamente do único Mestre de todos os
homens os caminhos da vida e neles nos introduzem ainda hoje.
S. João Crisóstomo (cerca de 345 - 407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla
Homilias sobre a 1ª carta aos Coríntios
Adorar o Corpo de Cristo
Cristo, para nos levar a amá-lo mais, deu-nos a sua carne como alimento. Vamos, pois, até ele
com muito amor e devoção... Este corpo é o que os magos adoraram quando estava deitado
numa mangedoura. Esses pagãos, esses estrangeiros deixaram a sua pátria e a sua casa,
empreenderam uma longa viagem para o adorarem com temor e tremor. Imitemos ao menos
esses estrangeiros, nós que somos cidadãos dos céus...
Vós mesmos já não o vedes numa mangedoura mas sobre o altar. Já não vedes uma mulher
que o segura nos braços, mas o sacerdote que o oferece e o Espírito Santo que, com toda a sua
generosidade, paira por cima das oferendas. Não só vedes o mesmo corpo que viram os magos
mas, além disso, conheceis o seu poder e a sua sabedoria, e não ingorais nada do que ele
realizou, após toda a iniciação aos mistérios que vos foi minuciosamente facultada.
Acordemos, pois, e despertemos em nós o temor de Deus. Mostremos muito mais piedade
para com o Corpo de Cristo do que aqueles estrangeiros manifestaram...
Esta mesa fortalece a nossa alma, congrega o nosso pensamento, suporta a nossa confiança;
ela é a nossa esperança, a nossa salvação, a nossa luz, a nossa vida. Se deixarmos a terra
munidos com este sacramento, entraremos mais confiantes nos átrios sagrados... Mas para quê
falar do futuro? Já neste mundo, o sacramento transforma a terra em céu. Abri, pois, as portas
do céu..., vereis então o que vos acabo de dizer. O que há de mais precioso no céu, vo-lo
mostrarei sobre a terra. O que vos mostro não são anjos, nem arcanjos, nem os céus dos céus,
mais aquele que é o Senhor deles todos.
„Ora, enquanto comiam, Jesus tomou do pão … e depois um cálice“ – Luc 22,2-26
[:Um cálice foi levantado / um pão entre nós partilhado / o povo comeu e bebeu / e
anunciou: o Amor venceu:!]
1. Ó Pai, tua Palavra enviaste / ó Verbo, tua tenda entre nós levantaste / Senhor, ao
mundo vieste qual luz / e a todos tu nos iluminas, Jesus!
2. Ó povo, escuta a Palavra do Mestre / pra nós Jesus olha e se compadece / ovelhas
disperas, lutamos em vão / sem rumo … Jesus, tem de nós compaixão!
3. Ó gente, que estás no deserto com fome / a noite já vem e do dia a luz some / reparte a
terra, o trabalho e o pão / dos céus nos vem a multiplicação
4. Ó ceia: Jesus pão e vinho tomou / e o cálice o o pão igualmente abençoou. /Ó mesa: o
Cristo se dá em comida / comunga e entrega também sua vida.
5. Ó Igreja, da mesa de Deus te alimentas; / do pão, da ceia do amor te sustentas; / do
cálice, o vinho da festa maior bebendo, / revive e anuncia o amor!
6. Cristãos de todo recanto, ajuntai-vos / em torno da única mesa encontrai-vos / unidos,
fazei o anúncio mais forte / da vida que vence pra sempre a morte.
Cantemos ….. n° 688
Homilia de Bento XVI na festa de Corpus Christi
ROMA, sexta-feira, 16 de junho de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento XVI
pronunciou nessa quinta-feira pela tarde, ao celebrar a missa da solenidade do Santíssimo
Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi), na Basílica de São João de Latrão.
***
Queridos irmãos e irmãs:
Na véspera de sua Paixão, durante a Ceia pascal, o Senhor tomou o pão em suas mãos – como
escutamos há pouco no Evangelho – e, após pronunciar a bênção, o partiu e o deu aos seus
discípulos, dizendo: «Tomai, este é meu corpo». Depois tomou o cálice, deu graças,
distribuiu-o e todos beberam dele. E disse: «Este é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é
derramado em favor de muitos» (Marcos 14, 22-24). Toda a história de Deus com os homens
se resume nestas palavras. Não só lembram e interpretam o passado, mas antecipam também o
futuro, a vinda do Reino de Deus ao mundo. Jesus não só pronuncia palavras. O que Ele diz é
um acontecimento, o acontecimento central da história do mundo e de nossa vida pessoal.
Estas palavras são inesgotáveis. Quero meditar convosco neste momento em um só aspecto.
Jesus, como sinal da presença, escolheu o pão e o vinho. Com cada um dos dois sinais se
entrega totalmente, não só uma parte de si. O Ressuscitado não está dividido. Ele é uma
pessoa que, através dos sinais, se aproxima a nós e se une a nós. Os sinais, contudo,
representam de maneira clara cada um dos aspectos particulares de seu mistério e, com sua
maneira típica de manifestar-se, querem nos falar para que aprendamos a compreender algo
mais do mistério de Jesus Cristo. Durante a procissão e na adoração, nós olhamos a Hóstia
consagrada, a forma mais simples de pão e de alimento, feito simplesmente com um pouco de
farinha e de água. A oração com a qual a Igreja, durante a liturgia da missa, entrega este pão
ao Senhor o apresenta como fruto da terra e do trabalho do homem. Nele fica recolhido o
cansaço humano, o trabalho cotidiano de quem cultiva a terra, de quem semeia, colhe e
finalmente prepara o pão. Contudo, o pão não é só um produto nosso, algo que nós fazemos: é
fruto da terra e, portanto, é também um dom. O fato de que a terra dê fruto não é mérito
nosso; só o Criador podia dar-lhe a fertilidade. E agora podemos também ampliar um pouco
esta oração da Igreja, dizendo: o pão é fruto da terra e ao mesmo tempo do céu. Pressupõe a
sinergia das forças da terra e dos dons do alto, ou seja, do sol e da chuva. E a água, da qual
temos necessidade para preparar o pão, não podemos produzi-la nós mesmos. Em um período
no qual se fala da desertificação e no qual escutamos denunciar o perigo de que os homens e
os animais morram de sede nas regiões sem água, voltamos a perceber a grandeza do dom da
água e de que não podemos proporcioná-la por nós mesmos. Então, ao contemplar mais de
perto este pequeno pedaço de Hóstia branca, este pão dos pobres, é-nos apresentada uma
espécie de síntese da criação. Unem-se o céu e a terra, assim como a atividade e o espírito do
homem. A sinergia das forças que torna possível em nosso pobre planeta o mistério da vida e
da existência do homem vem ao nosso encontro em toda sua maravilhosa grandeza. Desse
modo, começamos a compreender por que o Senhor escolhe este pedaço de pão como seu
sinal. A criação, com todos os seus dons, aspira, além de si mesma, a algo que é ainda maior.
Além da síntese das próprias forças, além da síntese de natureza e espírito que em certo
sentido experimentamos no pedaço de pão, a criação está orientada à divinização, para a santa
aliança, para a unificação com o próprio Criador.
Mas ainda não explicamos plenamente a mensagem deste sinal de pão. O Senhor fez
referência ao seu mistério mais profundo no Domingo de Ramos, quando lhe apresentaram o
pedido de uns gregos que queriam encontrar-se com Ele. Em sua resposta a esta pergunta,
encontra-se a frase: «Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo não cai na terra e
morre, fica só; mas se morre, dá muito fruto» (João 12, 24). No pão, feito de grãos moídos,
esconde-se o mistério da Paixão. A farinha, o grão moído, pressupõe o morrer e o ressuscitar
do grão. O ser moído e cozido manifesta uma vez mais o mesmo mistério da Paixão. Só
através do morrer chega o ressurgir, chega o fruto e a nova vida. As culturas do Mediterrâneo,
nos séculos anteriores a Cristo, haviam intuído profundamente este mistério. Baseando-se na
experiência deste morrer e ressurgir, conceberam mitos de divindades, que morrendo e
ressuscitando davam nova vida. O ciclo da natureza lhes parecia como uma promessa divina
no meio das trevas do sofrimento e da morte que se nos impõem. Nesses mitos, a alma dos
homens, em certo sentido, se orientava a esse Deus que se fez homem, que se humilhou até a
morte na cruz e que deste modo abriu para todos nós a porta da vida. No pão e em seu devir,
os homens descobriram uma espécie de expectativa da natureza, uma espécie de promessa da
natureza de que isso teria tido que existir: o Deus que morre desse modo nos leva à vida.
Sucedeu realmente com Cristo o que nos mitos era uma expectativa e o que o próprio grão
esconde como sinal da esperança da criação. Através de seu sofrimento e de sua morte livre,
Ele se converteu em pão para todos nós e, deste modo, em esperança viva e crível: Ele nos
acompanha em todos os nossos sofrimentos, até a morte. Os caminhos que Ele percorre
conosco e através dos quais nos conduz à vida são caminhos de esperança.
Ao contemplar em adoração a Hóstia consagrada, o sinal da criação nos fala. Então nos
encontramos com a grandeza de seu dom; mas nos encontramos também com a Paixão, com a
Cruz de Jesus e com sua ressurreição. Através desta contemplação em adoração, Ele nos atrai
para si, penetrando em seu mistério, por meio do qual quer transformar-nos, como
transformou a Hóstia.
A Igreja primitiva encontrou no pão outro sinal. A «Doutrina dos doze apóstolos», um livro
redigido por volta do ano 100, refere em suas orações a afirmação: «Que assim como este pão
partido estava espalhado sobre as colinas e é reunido em uma só coisa, do mesmo modo tua
Igreja seja reunida desde os confins da terra em teu Reino» (IX, 4). O pão, feito de muitos
grãos de trigo, encerra também um acontecimento de união: o converter-se em pão de grãos
moídos é um processo de unificação. Nós mesmos, dos muitos que somos, temos que
converter-nos em um só pão, em seu corpo, nos diz São Paulo (I Coríntios 10, 17). Deste
modo, o pão converte-se ao mesmo tempo em esperança e tarefa.
De maneira semelhante nos fala o sinal do vinho. Pois bem, enquanto o pão faz referência ao
cotidiano, à simplicidade e à peregrinação, o vinho expressa a beleza da criação: através deste
sinal, menciona a festa de alegria que Deus quer oferecer-nos ao final dos tempos e que
antecipa agora, sempre de novo. Mas o vinho também fala da Paixão: a videira tem que ser
podada repetidamente para poder purificar-se; a uva tem que amadurecer sob o sol e a chuva,
e tem que ser pisada: só através dessa paixão amadurece um vinho apreciado.
Na festa do Corpus Christi contemplamos, sobretudo, o sinal do pão. Ele nos recorda também
a peregrinação de Israel durante os quarenta anos no deserto. A Hóstia é o maná com o qual o
Senhor nos alimenta, é verdadeiramente o pão do céu, com o qual Ele verdadeiramente faz a
entrega de si mesmo. Na procissão, seguimos este sinal e deste modo seguimos a Ele mesmo.
E lhe pedimos: guiai-nos pelos caminhos de nossa história! Voltai a mostrar à Igreja e aos
seus pastores sempre de novo o caminho justo! Olhai a humanidade que sofre, que caminha
insegura entre tantos interrogantes; olhai a fome física e psíquica que a atormenta! Dai aos
homens o pão para o corpo e para a alma! Dai-lhes trabalho! Dai-lhes luz! Dai-lhes a ti
mesmo! Purificai e santificai a todos nós! Fazei-nos compreender que só através da
participação em vossa Paixão, através do «sim» à cruz, à renúncia, às purificações que Vós
nos impondes, nossa vida pode amadurecer e alcançar seu autêntico cumprimento. Reuni-nos
desde todos os confins da terra. Uni a vossa Igreja, uni a humanidade dilacerada! Dai-nos a
vossa salvação! Amém!
[Traduzido por Zenit]
ZP06061623
Oração diante de Jesus Eucarístico feita na véspera do 15º Congresso Eucarístico
brasileiro
Por Dom Murilo S. R. Krieger, arcebispo de Florianópolis
FLORIANÓPOLIS, terça-feira, 6 de junho de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a oração de
Dom Murilo S. R. Krieger, arcebispo de Florianópolis, diante de Jesus Eucarístico, no
Lucernário de instalação do Altar Permanente de Adoração, na véspera da abertura do 15º
Congresso Eucarístico Nacional, dia 17 de maio de 2006. O texto foi enviado a Zenit pelo
arcebispo.
***
Senhor, tu sabes quem nós somos. Aqui está um pouco de todo o Brasil. Aqui está o povo
desta Arquidiocese que, na sua simplicidade, ao longo dos quatro anos de preparação deste
15º Congresso Eucarístico Nacional mostrou o quanto te ama. Somos muitos. Somos
incontáveis. É toda uma multidão que trabalhou, muitas vezes de forma escondida,
preparando este Congresso. De muitas pessoas ninguém sabe o nome, nem nós da
organização, mas tu as conheces. Tu sabes o nome de cada uma, a sinceridade de seu amor, o
carinho com que fez aquilo que foi chamado a fazer ou o que seu coração desejou fazer. Aqui
estão alguns de teus irmãos e irmãs, filhos e filhas deste País que vive momentos difíceis –
país tão rico, de tantas tradições, dotado de uma natureza extraordinária, mas que nem sempre
tem sabido corresponder devidamente à sua vocação de liderança cristã no mundo – mundo
que te esquece, mundo que muitas vezes quer apagar teu nome, mundo que te quer destruir,
por meio de filmes que te injuriam e são divulgados com muita propaganda e com meios tais
que nós nem teríamos condições de combater. Aqui está um pouco deste Brasil que sofre em
silêncio, que reza e que te ama. Tu viste esta noite: que manifestação extraordinária de amor
esse povo te deu e está te dando, porque te ama, porque te valoriza, porque sabe quanto é
importante este dom que tu deixaste à Igreja! Aqui está esse povo, aqui estamos nós, teus
irmãos e irmãs, que tu conheces de uma forma total. Deste o sangue por nós, derramaste por
nós cada gota de teu sangue, num sacrifício muito doloroso para ti. Sabemos que, no meio de
toda aquela tua dor, a dor maior era por aqueles que não se deixariam tocar pelo teu sangue,
não aceitariam tua salvação, não aceitariam tua palavra. Para eles, especialmente, deves ter
dirigido orações ao Pai, pedindo que seus corações se abrissem, que não se fechassem em seu
egoísmo. Senhor, nesta noite nós rezamos particularmente por esses irmãos; rezamos por
aqueles que não te amam porque não te conhecem. Rezamos por aqueles que trabalham para
te destruir quando, na verdade, vieste trazer a paz, o amor, a fraternidade e um novo estilo de
vida. Na Eucaristia, deste o exemplo desse estilo de vida: te repartiste conosco. Quiseste ficar
no meio de nós justamente para nos mostrar que amar é isto: é repartir, é doar-se sem medida,
até o fim. Sim, “até o fim”, como escreveu teu evangelista João. “Até o fim” nos amaste. Aqui
estamos nós, Senhor. Olha para o desejo do coração de cada um de nós, desejo que temos de
te amar, de te servir, de te adorar neste sacramento que nos deixaste, presente extraordinário
de teu amor. “Tendo amado os seus, amou-os até o fim”: tu nos amaste até o fim. Quando te
reuniste naquela ceia memorável, ceia que é para nós fonte da Eucaristia, disseste: “Desejei
ardentemente comer esta Páscoa convosco”. É isso que tu nos dizes em cada celebração
eucarística, convidando-nos a nos unirmos a ti na oferta que fazes de ti mesmo ao Pai. Nessa
oferta queres incluir toda a humanidade: cada pessoa, cada situação, cada trabalho, mesmo o
mais humilde, o mais escondido; queres incluir cada pensamento, cada sofrimento e queres
que nós sejamos, na Eucaristia, aqueles que levam para o altar toda a dor da humanidade,
especialmente a dor não oferecida. Aqui estamos nós, Senhor, com muita simplicidade; aqui
estamos, porque te amamos.
O que trazemos para ti? Gostaríamos de te trazer grandes presentes. Gostaríamos de trazer
multidões conquistadas, convertidas para ti. Mas talvez estejamos trazendo tão somente a
experiência de nossa própria limitação. A esse respeito, cada um pode falar por si mesmo.
Gostaríamos, Senhor, de ser melhores, mais santos, mais dedicados, mais generosos, mais
simples, mais serviçais, como tu. Gostaríamos de ser um pouco mais semelhantes a ti ; mas
como estamos longe disso, Senhor Jesus! Trazemos, pois, nosso coração que é muito pobre,
mas que tu amas e aceitas como ele é. Diria que tu nunca te decepcionaste conosco, porque
sabes como nós somos, o que podemos te dar e o que podemos te oferecer. Oferecemos-te,
então, nossa pobreza, nosso corpo, nossa inteligência e o desejo de te servir melhor.
Oferecemos-te nossa vida: só temos uma e muitas vezes mal vivida, mas a oferecemos a ti,
conhecendo tua capacidade imensa de transformar tudo e de santificar, de transformar nossa
vida, fazendo com que dessa miséria, que somos nós, surja uma hóstia viva, para ofereceres
ao Pai.
Nesta noite, Senhor, trazemos também nossos pedidos, que são muitos e que tu conheces. Tu
já ouviste os pedidos de muitos corações que aqui estão, ou que nos estão acompanhando por
uma das emissoras de rádio ou televisão, ao longo deste Brasil. São pedidos sinceros. Nós
sabemos que não temos o direito de te pedir nada, mas foste tu que nos ensinaste a pedir:
“Pedi e recebereis”, disseste, e deixaste claro, pelo exemplo de muitos doentes que tu curaste,
que eles não seriam curados, não teriam sido curados não fosse o pedido que fizeram:
“Senhor, que eu veja”, “Senhor, que eu ande”, “Senhor, minha filha está enferma, olha por
ela!” Hoje somos nós aqui que repetimos esses pedidos. Olha as pessoas que trazemos no
coração, os filhos de mães muito sofridas, de pais que muitas vezes quase perdem a
esperança. Ouve, Senhor, a oração dos jovens, destes jovens que tu amas muito e que queres
ver-te seguindo como sacerdotes, na vida religiosa, ou como cristãos decididos e capazes de
transformar o mundo no campo da política, do comércio e da indústria. Que os jovens
realmente assumam os teus valores, que te aceitem como “caminho, verdade e vida”. Jesus,
são tantos os pedidos! Seria maravilhoso se cada um pudesse agora apresentá-los em voz alta.
Não que tu precises disso: para nós é que seria interessante ver como o povo confia em ti e
tem uma capacidade extraordinária de jogar em teu coração suas necessidades. Foste tu que
nos incentivaste a isso quando disseste, quase num convite, quase numa insistência: “Vinde a
mim, vós que estais aflitos e sobrecarregados e eu vos aliviarei”. Estamos sobrecarregados,
Senhor! Estamos pessoalmente sobrecarregados. Nossas famílias têm um peso imenso e tu
sabes muito bem que, quando elas são destruídas, destrói-se a esperança, destrói-se a
sociedade. Foi por isso que teu Pai te pediu muitas coisas, te pediu muito, até que desses a
vida até o fim. A única coisa que Ele não te pediu foi nascer em uma família desorganizada,
desestruturada e sem unidade. Ao contrário, preparou a mais santa das mães para ser tua mãe.
Preparou um homem extraordinário, um homem justo, como diz a Bíblia, para ser aquele que
assumiria externamente tua paternidade. Olha as famílias, Senhor Jesus, olha nossas famílias,
porque tu sabes que em grande parte a situação de nosso País se deve ao trabalho, que eu diria
ser quase sistemático, de grupos e de organizações que procuram destruí-la. Olha as crianças,
tuas queridas crianças! Tu sabes como elas são violentadas de muitas maneiras. Muitas vezes
isso acontece antes de nascerem e por quem mais deveria protegê-las. Elas não têm defesa.
Imagino teu grito de dor nessas situações, teu grito que nasceu na Cruz. Senhor Jesus, estamos
em um país que se diz cristão, mas que aprova muitas vez leis que favorecem a morte. Senhor,
repete hoje a oração que fizeste na Cruz: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem!”
Senhor Jesus, olha, enfim, cada pessoa em sua individualidade. Atende a seus pedidos. Foste
tu que nos disseste que deveríamos pedir, e pedir com confiança, prometendo-nos que, em
nosso nome, apresentarias nossos pedidos ao Pai, e que estarias junto ao Pai intercedendo por
nós. Nestes dias do Congresso Eucarístico serão multidões, aqui neste altar do Brasil que é
Florianópolis, e ao longo do Brasil, multidões que apresentarão pedidos. Jesus, pelo amor que
tens ao Pai, pelo amor que tens por nós, sê nosso intercessor junto do Pai, incessantemente,
para que sejamos cada dia mais um povo, aquele povo que tu vieste conquistar; que formemos
um corpo e que, na alegria, possas apresentá-lo ao Pai, dizendo: Aqui está o povo que eu
conquistei para ti com minha doação; povo que te ofereço como fruto do sangue que derramei
por ele! Jesus, obrigado por tua presença no meio de nós. Já estamos cantando: Ele está no
meio de nós! Tu estás no meio de nós! De minha parte, também tenho um pedido para te
fazer: Toca o coração dos bispos, dos padres, dos diáconos, dos religiosos e religiosas, dos
leigos e leigas para que todos nós valorizemos mais tua presença no Santíssimo Sacramento
do Altar. Além de participarmos da tua eucaristia, do teu sacrifício, do teu banquete, que
valorizemos cada vez mais essa tua presença. Que se multipliquem adorações eucarísticas
neste nosso Brasil. Que se multipliquem horas organizadas, em que a comunidade cante, reze
ou fique em silêncio - um silêncio que fala. Melhor: um silêncio que nos permita te escutar.
Obrigado, Jesus! Como os discípulos de Emaús, que hoje não são dois, mas uma multidão,
nós te dizemos: “Fica conosco, Senhor!” Fica conosco, pois já é tarde! Nós temos certeza:
tens muito a nos dar e nós queremos essa tua presença.
Vinde e vede! Ele está no meio de nós!
ZP06060615
«Eucaristia: Sacramento do amor» - Dom Eduardo Koaik
Bispo emérito de Piracicaba (Brasil)
SÃO PAULO, domingo, 16 de abril de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos artigo de Dom
Eduardo Koalik, bispo emérito de Piracicaba (São Paulo), sobre a Eucaristia. O texto foi
difundido essa semana pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
***
Eucaristia: Sacramento do amor
A celebração da Semana Santa encontra seu ápice no Tríduo Pascal, que compreende a
Quinta-feira Santa, a sexta-feira da paixão e morte do Senhor e a solene Vigília Pascal, no
sábado à noite. Esses três dias formam uma grande celebração da páscoa - memorial da
paixão, morte e ressurreição de Jesus.
A Liturgia da Quinta-feira Santa nos fala do amor, com a cerimônia do lava-pés, a
proclamação do novo mandamento, a instituição do sacerdócio ministerial e a instituição da
Eucaristia, em que Jesus se faz nosso alimento, dando-nos seu corpo e sangue. É a
manifestação profunda do seu amor por nós, amor que foi até onde podia ir: "Como Ele
amasse os seus amou-os até o fim". A Eucaristia é o amor maior, que se exprime mediante
tríplice exigência: do sacrifício, da presença e da comunhão.
O amor exige sacrifício e a Eucaristia significa e realiza o sacrifício da Cruz na forma de ceia
pascal. Nos sinais do pão e do vinho, Jesus se oferece como Cordeiro imolado que tira o
pecado do mundo: "Ele tomou o pão, deu graças, partiu-o e distribuiu a eles dizendo: isto é o
meu Corpo que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim. E depois de comer, fez o
mesmo com o cálice dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado
por vós" (Lc 22,19-20). Pão dado, sangue derramado pela redenção do mundo. Eis aí o
sacrifício como exigência do amor.
O amor, além do sacrifício, exige presença. A Eucaristia é a presença real do Senhor que faz
dos sacrários de nossas igrejas centro da vida e da oração dos fieis. A fé cristã vê no sacrário
de nossas igrejas a morada do Senhor plantada ao lado da morada dos homens, não os
deixando órfãos, fazendo-lhes companhia, partilhando com eles as alegrias e as tristezas da
vida, ensinando-lhes o significado da verdadeira solidariedade: "Estarei ao lado de vocês
como amigo todos os momentos da vida". Eis a presença, outra exigência do amor.
A Eucaristia, presença real do Amigo no tabernáculo de nossos templos, tem sido fonte da
piedade popular como demonstra o hábito da visita ao Santíssimo e da adoração na Hora
Santa. Impossível crer nessa presença e não acolhê-la nas situações concretas do dia-a-dia.
Vida eucarística é vida solidária com os pobres e necessitados. Não posso esquecer a corajosa
expressão de Madre Teresa de Calcutá que, com a autoridade do seu impressionante
testemunho de dedicação aos mais abandonados da sociedade, dizia: "A hora santa diante da
Eucaristia deve nos conduzir até a hora santa diante dos pobres. Nossa Eucaristia é incompleta
se não levar-nos ao serviço dos pobres por amor."
O amor não só exige sacrifício e presença, mas exige também comunhão. Na intimidade do
diálogo da última Ceia, Jesus orou com este sentimento de comunhão com o Pai e com os
seus discípulos: "Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti... que eles
estejam em nós" (Jo 17, 20-21). Jesus Eucarístico é o caminho que leva a esta comunhão
ideal. Comer sua carne e beber seu sangue é identificar-se com Ele no modo de pensar, nos
sentimentos e na conduta da vida. Todos que se identificam com Ele passam a ter a mesma
identidade entre si: são chamados de irmãos seus e o são de verdade, não pelo sangue, mas
pela fé. Eucaristia é vida partilhada com os irmãos. Eis a comunhão como exigência do amor.
Vida eucarística é amar como Jesus amou. Não é simplesmente amar na medida dos homens o que chamamos de filantropia. É amar na medida de Deus - o que chamamos de caridade. A
caridade nunca enxerga o outro na posição de inferioridade. É a capacidade de sair de si e
colocar-se no lugar do outro com sentimento de compaixão, ou seja, de solidariedade com o
sofrimento do outro. Caridade é ter com o outro uma relação de semelhança e reconhecer-se
no lugar em que o outro se encontra..
Na morte redentora na Cruz, Cristo realiza a suprema medida da caridade "dando sua vida" e
amando seus inimigos no gesto do perdão: "Pai, perdoai-lhes pois eles não sabem o que
fazem." A Eucaristia não deixa ficar esquecido no passado esse gesto, que é a prova maior do
amor de Deus por nós. Para isso, deixa-nos o mandamento: "Façam isso em minha memória".
Caridade solidária é o gesto de descer até o necessitado para tirá-lo da sua miséria e trazê-lo
de volta à sua dignidade. A Eucaristia é o gesto da caridade solidária de Deus pela
humanidade. "Eu sou o Pão da vida que desceu do céu. Quem come deste Pão vencerá a
morte e terá vida para sempre".
Dom Eduardo Koaik
Bispo Emérito de Piracicaba (SP)
ZP06041616
«Eucaristia»; segundo cardeal Eusébio Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil)
RIO DE JANEIRO, quarta-feira, 5 de abril de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo
do cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro, intitulado «Eucaristia». O texto
compõe a seção Voz do Pastor do site da arquidiocese do Rio e foi enviado a Zenit esta
quarta-feira.
***
Eucaristia
Passo a passo, preparamo-nos para a Semana Santa e, mais remotamente, para o Congresso
Eucarístico Nacional, que será realizado em maio, na cidade de Florianópolis. A proximidade
destas duas comemorações é momento privilegiado para refletirmos sobre a Eucaristia. Desta
feita, acentuo, principalmente, sua característica de Sacramento de doação infinita de Cristo.
Por que Cristo instituiu a Eucaristia? Sabemos que este Sacramento representa algo de inédito
na relação entre Deus e o ser humano, um gesto de amor jamais imaginado, antes que Cristo o
realizasse. Na Eucaristia, o Filho presta sua máxima adoração ao Pai, como vítima perfeita de
um sacrifício definitivo, e estende sua entrega à humanidade inteira, na mais plena união de
amor que Deus poderia ter com suas criaturas. Cristo demonstrou, assim, até onde era possível
chegar o seu amor, como um ponto final que Ele queria atingir – chamado em grego télos.
A Eucaristia repete o oferecimento de Cristo na cruz, agora sob forma incruenta e mística,
mas com o mesmo significado sacrifical. Aqui se consumam todos os sacrifícios do passado,
que a Sagrada Escritura descreve naquelas liturgias intermináveis da Antiga Aliança. A
matança de animais representava o desapego das coisas materiais e a entrega que o homem
fazia de si mesmo a Deus.
A Eucaristia também acentua o aniquilamento de Jesus, a chamada kénosis – a verdadeira
humilhação – iniciada na Encarnação e consumada na Eucaristia, pelo oferecimento de seu
Corpo e Sangue em alimento, para saciar a fome e a sede do ser humano. Isto tudo ultrapassa
qualquer lógica. Mesmo buscando penetrar na personalidade de Jesus, não há como explicar
este Mistério, pois nunca conseguiremos desvendar todo o tesouro que se esconde no seu
Coração admirável.
Por outro lado, a Eucaristia é, também, exaltação. Cristo, que na sua natureza humana era
mortal, através da Morte e Ressurreição entra na imortalidade, e nos conquista a eternidade
feliz. Este é o Mistério que se repete misticamente na Eucaristia: Cristo está presente glorioso,
e não mais passível, isto é, sujeito ao sofrimento e à morte, uma vez que ressuscitou para a
vida nova.
Quais as conseqüências dessa Presença Eucarística para o ser humano? Encontramo-nos
frente a um homem combalido, duplamente enfraquecido: pelo pecado das origens, que afetou
toda a descendência humana, e pelas culpas atuais de cada indivíduo, manchando de sangue
as páginas de nossa história. Esse homem padece fome e sede, sob todas as formas, a começar
pela carência material, até à inquietude por valores transcendentes, que o mundo não pode
propiciar.
Recordando as figuras do passado, já na Antiga Aliança encontramos a humanidade faminta e
sedenta. Após a tristeza da escravidão no Egito, durante a longa caminhada pelo deserto, o
próprio Deus age na história de Israel, para restaurar, proteger e sustentar o seu povo. Assim,
temos os episódios do cordeiro pascal (cf. Ex 12), do maná (cf. Ex 16), das águas que
brotaram da rocha em abundância (cf. Ex 17), todos antecipações do que significa a
Eucaristia, instituída por Jesus, naquela Ceia derradeira, celebrada com os Apóstolos.
Em cada Missa, faz-se memória desse sacrifício pascal, no qual buscamos a força do homem
novo, alimentando-nos do Corpo e do Sangue de Cristo. Esse alimento espiritual nos torna,
cada vez mais, assemelhados ao Senhor, até chegarmos, praticamente, a nos identificar com
Ele. Mais do que isso, somos assimilados por Ele, como se dá a assimilação da comida
material, que normalmente ingerimos. São Paulo ensina: “Refletimos, como num espelho, a
glória do Senhor e nos vemos transformados nesta mesma imagem, sempre mais
resplandecentes, pela ação do Espírito do Senhor” (2Cor 3,18).
Essa sede de infinito que o ser humano tem aquieta-se na recepção da Eucaristia. É uma ação
transformante do ser humano no seu todo: na sua sede espiritual, na sua sede de busca do
Transcendente e, até, de valores que só a Eucaristia nos pode introjectar, dentro de nossas
expectativas e de nossa interioridade.
O falecido Papa João Paulo II falava, muitas vezes, que é preciso mostrar em nossa fisionomia
o rosto de Cristo, e reconhecer nos outros esse mesmo rosto. Isso é possível pela força atuante
da Eucaristia, transformadora de pessoas e de vidas, que nos concede a condição de podermos
viver a caridade.
O Papa Bento XVI, na sua encíclica “Deus é Caridade”, nos ensina que é essencial para a
Igreja viver da caridade. Partindo da escuta da Palavra e da celebração dos Sacramentos,
chegar à vivência concreta dessa virtude. São Tiago adverte que não nos tornemos uma
espécie de “fantoches” da verdadeira fé: “De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem
fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo? A fé, se não tiver obras, é morta em si
mesma” (Tg 2, 14.17).
Além disso, a Eucaristia é penhor de paz e de unidade. “Porque aprouve a Deus fazer habitar
nEle toda a plenitude e, por seu intermédio, reconciliar consigo todas as criaturas, por
intermédio dAquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo o
quanto existe na terra e nos céus” (Cl 1,19-20). A morte de Jesus, representada no
derramamento do seu sangue, deu a paz ao mundo todo, porque reconciliou o ser humano com
Deus, uniu nações e pessoas, antes divididas.
Se somos pacificados, temos que nos tornar, também, pacificadores. Retornando à amizade
com Deus, através do Sacramento da Reconciliação, temos a paz interior e, somente assim,
podemos espalhar esse “perfume”, onde quer que estejamos. Como a Eucaristia é Sacramento
de doação infinita, instila em nós a força da doação: doação para a família, para divulgar o
bem, para divulgar, enfim, a caridade por toda parte onde nos for possível.
A Eucaristia também é causa de purificação: “Se, porém, andamos na luz, como Ele mesmo
está na luz, temos comunhão recíproca uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7). Compete a nós afastarmo-nos das ocasiões que
podem favorecer a tentação, mesmo que elas se mostrem tão comuns nos dias de hoje,
principalmente, através da mídia.
Portanto, a Eucaristia é a maior escola de amor, de doação, de caridade e, portanto também,
de iluminação para a nossa vida cristã. Como ensina João Paulo II:
“O mistério eucarístico – sacrifício, presença, banquete – não permite reduções nem
instrumentalizações; há-de ser vivido na sua integridade, quer na celebração, quer no colóquio
íntimo com Jesus, acabado de receber na comunhão, quer no período da adoração eucarística,
fora da Missa. Então a Igreja fica solidamente edificada, e exprime-se o que ela é
verdadeiramente: una, santa, católica e apostólica; povo, templo e família de Deus; corpo e
esposa de Cristo, animada pelo Espírito Santo; sacramento universal de salvação e comunhão
hierarquicamente organizada” (Ecclesia de Eucharistia, nº61).
Cardeal D. Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro
ZP06040516
Bento XVI resume a fé cristã em duas palavras: «Jesus, amor»
Ao meditar durante o Ângelus no mistério da Eucaristia
CASTEL GANDOLFO, domingo, 25 de setembro de 2005 (ZENIT.org).- Bento XVI resumiu
a fé cristã em duas palavras, «Jesus, caridade», ao meditar este domingo no mistério da
Eucaristia.
O Papa destacou o laço entre este sacramento e o amor a Deus e ao próximo ao dirigir-se aos
milhares de peregrinos congregados no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo para
rezar ao meio-dia a oração mariana do Ângelus.
«Caridade --em grego “ágape”, em latim “caritas”-- não significa antes de tudo o ato ou o
sentimento benéfico, mas o dom espiritual, o amor de Deus que o Espírito Santo infunde no
coração humano e que leva a entregar-se por sua vez ao próprio Deus e ao próximo», afirmou
o Santo Padre.
Sua meditação buscava aprofundar no Ano da Eucaristia, que concluirá no mês de outubro
próximo ao finalizar o sínodo de bispos do mundo dedicado precisamente a este sacramento.
«Toda a existência terrena de Jesus, desde sua concepção até a morte na Cruz, foi um ato de
amor, até o ponto de que podemos resumir nossa fé nestas palavras: “Jesus, caritas” --Jesus,
caridade--», assegurou o Papa teólogo.
Recordando a última ceia, explicou que «na Eucaristia, o Senhor se dá a nós com seu corpo,
com sua alma e sua divindade, e nós nos convertemos em uma só coisa com ele e entre nós».
Ante este mistério central da fé católica, o bispo de Roma exortou a responder com uma
«resposta a seu amor concreta», expressada «em uma autêntica conversão ao amor, no perdão,
na recíproca acolhida e na atenção pelas necessidades de todos».
«São muitas e múltiplas as formas de serviço que podemos oferecer ao próximo na vida de
todos os dias se prestarmos um pouco de atenção», assegurou.
«A Eucaristia converte-se deste modo no manancial da energia espiritual que renova nossa
vida cada dia e, deste modo, renova o mundo no amor de Cristo», considerou o sucessor do
apóstolo Pedro.
Para que suas palavras se fizessem mais concretas, pôs o exemplo de santos, «que tiraram da
Eucaristia a força de uma caridade operante e com freqüência heróica».
Antes de tudo mencionou São Vicente de Paula, falecido em 1660, fundador da Congregação
da Missão e das Filhas da Caridade, cuja memória litúrgica se celebrará na terça-feira.
Em particular, a famosa frase do santo francês: «Que alegria servir à pessoa de Jesus em seus
membros pobres!», «e o fez com sua vida», acrescentou o Papa.
Logo mencionou o exemplo da beata Madre Teresa de Calcutá, fundadora das Missionárias da
Caridade, «que nos mais pobres entre os pobres amava Jesus, recebido e contemplado cada
dia na Hóstia consagrada».
Por último, constatou que «a caridade divina transformou o coração da Virgem Maria antes e
mais que o de todos os santos», como se manifestou, por exemplo, em sua visita a sua prima
Santa Isabel.
«Rezemos para que todo cristão, alimentando-se do corpo e do sangue do Senhor, cresça cada
vez mais no amor por Deus e no serviço generoso dos irmãos», concluiu o Papa.
ZP05092506

Documentos relacionados