ferramentas de gestão estratégica, stakeholders e desempenho de

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ferramentas de gestão estratégica, stakeholders e desempenho de
e-ISSN:
2176-0756
PODIUM
Sport, Leisure and Tourism Review
DOI: 10.5585/riae.v15i1.2340
Vol. 3, N. 1. Janeiro/Junho. 2014
Data de recebimento: 13/12/2015
Data de Aceite: 28/01/2016
Organização: Comitê Científico Interinstitucional
Editor Científico: Fernando Antonio Ribeiro Serra
Avaliação: Double Blind Review pelo SEER/OJS
Revisão: Gramatical, normativa e de formatação
LEADERSHIP B.S. – JEFREY PFEFFER E A INDÚSTRIA DA LIDERANÇA
RESUMO
“Desenvolver a capacidade de liderança” é uma constante na vida de profissionais interessados em atuar de forma mais
assertiva nas organizações nas quais exercem suas atividades. Leadership BS é mais uma conquista de Jeffrey Pfeffer
que nos obriga a repensar esses dogmas que a indústria da liderança, como assim a denomina o autor, nos empurram
diariamente. Em um trabalho baseado na necessidade urgente de incorporar evidências a uma prática que pode causar
prejuízos financeiros e diversos outros malefícios à sociedade, Pfeffer consegue demonstrar facilmente porque, por
exemplo, alguns comportamentos tido como exemplares não passam de fábulas, que só existem em salas de aula e
cursos de eficácia duvidosa – se, por eficácia, entender-se formar líderes melhores. O autor desafia seus leitores a
repensarem a forma como atuam, entendendo que processos psicológicos como o viés de confirmação e o autoengano
descaracterizam o formato desejado de liderança, aquele ensinado, mas não praticado.
Palavras-chave: Liderança; Gestão Baseada em Evidências, Líder.
LEADERSHIP B.S. – JEFFREY PFEFFER AND LEADERSHIP INDUSTRY
ABSTRACT
“Developing leadership” is a constant search for professionals interested on acting in a more assertively in the
organizations they perform their roles. Leadership BS is another endeavor by Jeffrey Pfeffer that makes us think over
the tenets which the leadership industry, as the author refers to it, imposes to us daily. In a work based on the urgent
need to incorporate evidence to a practice that could cause financial damage and other harmful consequences to the
society, Pfeffer easily succeed on demonstrating why, for instance, some behaviors which are assumed as role models
are nothing but fairy tales that only exist on classrooms and courses which efficacy is doubtful – if efficacy is
understood as educating better leaders. The author challenges his readers to rethink the way they act, by understanding
how psychological processes such as confirmation bias and self-deceiving reshape the wished format of leadership,
which is taught, but nor practiced.
Keywords: Leadership; Evidence Based Management; Leader.
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Leadership B.S. – Jefrey Pfeffer e a Indústria da Liderança
LEADERSHIP B.S. – JEFFREY PFEFFER Y LIDERAZGO DE LA INDUSTRIA
RESUMEN
“Desarrollando liderazgo” é una busca constante por profesionales interesados en actuar de forma más afirmativa en las
organizaciones en las cuales ellos hacen sus papeles. Leadership BS é otra conquista de Jeffrey Pfeffer que nos haz
repensar los dogmas sobre los cuales la industria del liderazgo, como el autor se lo refiere a ella, nos impone
diariamente. En un trabajo basado en la necesidad urgente de incorporar evidencias a una práctica que podría causar
prejuicio financiero y otros detrimentos a la sociedad, Pfeffer fácilmente obtiene suceso en enseñar por que, por
ejemplo, algunos comportamientos que se asume que son modelos, son en verdad nada además de cuentos de hada que
solamente existen en clases y corsos con eficacia dudosa – si, por eficacia es entendida como obtener líderes mejores. El
autor se los desafía a sus lectores a repensar la forma como ajen, por comprender cómo procesos psicológicos como el
sesgo de confirmación y el auto engaño reforman el formato idealizado del liderazgo, que es el enseñado, pero no el
practicado.
Palabras clave: Liderazgo; Gestión Basada en la Evidencia; Líder.
Leonardo Vils1
Gustavo Viegas Rodrigues2
1
Doutorando em Administração no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Nove de Julho PPGA/UNINOVE. Brasil. E-mail: [email protected]
2
Doutorando em Administração no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Nove de Julho PPGA/UNINOVE. Brasil. E-mail: [email protected]
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Leadership B.S. – Jefrey Pfeffer e a Indústria da Liderança
1 INTRODUÇÃO
Liderança é um tema que vende.Vende livros,
consultoria, blogs, palestras, treinamentos e
especialização. Entretanto, segundo Pfeffer, o que a
indústria da liderança vende não entrega,: não entrega
ambientes de trabalho melhores, resultados ou
conceitos passíveis de reprodução. Paradoxalmente, a
indústria da liderança entrega aquilo que é procurado
por seus clientes, consumidores ávidos do “feel good
leadership literature”(Pfeffer, 2015, p. 222) como
histórias de sucesso, casos de superação, fábulas
inspiradoras, mantras motivacionais e a visão
reconfortante de um mundo justo, um mundo que
premia o trabalho duro e as boas intenções. Não seria
exagerado dizer que a indústria da liderança tangencia
a literatura de autoajuda, já que ambas compartilham os
receituários prescritivos e a ausência de evidências que
os suporte.
A indústria da liderança parece viver em um
universo paralelo, utópico e ideal, permeado por boas
intenções sobre as qualidades desejadas em um líder
que recorrentemente são diferentes daquelas
valorizadas no mundo real corporativo. Em que pese as
boas intenções, seu receituário impreciso, pouco ou
nada científico, pode trazer mais danos do que
benefícios ao criar expectativas descasadas da realidade
para aqueles que entram no mundo corporativo ou ao
supervalorizar a contribuição de líderes para resultados
sem a devida atenção às taxas base, ou seja, aos
resultados que ocorreriam sem sua interferência.
Leadership B.S. não é libelo contra a indústria
da liderança. Pfeffer reconhece a existência e atuação
de profissionais bem preparados no meio, mas critica
seu caráter normativo sem as devidas evidências que
sustentem as prescrições, seu conteúdo que se
assemelha à pregação, o foco na inspiração e,
principalmente, sua falha em perceber que nos
caminhos que levam à liderança as características
preconizadas como ideais não necessariamente são
desejadas. Para cada uma das características mais
prescritas como modéstia, humildade, autenticidade ou
servir os outros, Peffer apresenta seus pontos positivos,
negativos e evidências sobre sua premência, ou não, no
mundo corporativo. Apresenta também situações nas
quais características preconizadas como fundamentais
são efetivamente contraproducentes.
Pfeffer, em obra anterior com Robert Sutton
(Pfeffer & Sutton, 2013), toma como base a Medicina
Baseada em Evidências para defender uma maior
incorporação dos métodos científicos à gestão
empresarial, nomeada como Gestão Baseada em
Evidências. Leadership B.S. tem o mesmo apelo, e uma
mensagem semelhante, não há remédio que tudo cure,
elixires para todos os males ou prescrições de liderança
para todos os contextos. Para cada “princípio ativo” de
liderança não há apenas a posologia ou dose
recomendada, há que se considerar os efeitos
colaterais.
Consultamos o site de uma livraria no Brasil e
encontramos cerca de 5.000 títulos de livros sobre
liderança e líderes na categoria de Administração,
Economia e Negócios. Como separar o joio do trigo?
Liderar com base na Bíblia ou no Budismo? Com base
em “21 leis irrefutáveis” ou em “52 práticas”? Tornarse um líder heroico ou sincero? Um coach grego ou um
líder autêntico? Obama, Maquiavel ou Gorbachev? Há
títulos para todos os gostos e divulgação nas mídias
mais diversas chegando aos elevadores de prédios
comercias e aos displays apresentando sob a forma de
“gotas de sabedoria” frases como “liderar é colocar as
pessoas certas no lugar certo”, “fazer as perguntas
certas”, “usar as métricas certas”, frases que poderiam
facilmente ter saído de biscoitos da sorte.
Acreditamos que um primeiro passo peneirar o
que realmente pode conduzir ao entendimento do
fenômeno da liderança seja Leadership B.S., que
apresentamos a seguir. Em nossa análise e incluímos
referências da Psicologia Social em nossos
comentários.
2 O DIAGNÓTISCO DE PFEFFER
Em uma crítica ao uso de vieses cognitivos
como fonte de manipulação para o lançamento de
produtos ou serviços potencialmente desnecessários ao
bem-estar, Akerlof e Shiller (2015) argumentam que,
enquanto houver oportunidades para manipulação,
novos produtos serão lançados no mercado.
Independentemente de boas intenções de executivos ou
empreendedores, segundo os autores, oportunidades de
mercado não ocupadas por uma empresa acabam sendo
ocupadas por outras em uma espécie de círculo vicioso
de manipulação e decepção no qual as vítimas são
aqueles cujo livre arbítrio e capacidade de escolha
racional formam o alicerce da teoria econômica
clássica, os consumidores. A discussão sobre
regulamentação, ou não, de atividades econômicas a
partir de tais argumentos foge ao escopo de nossa
análise, entretanto, a profusão de artigos, blogs,
consultorias e treinamentos de liderança baseados
preponderantemente no que Pfeffer chama de “fell
good leadership literature”, termo cunhado por Rajiv
Pant (Pfeffer, 2015, p. 222), parece ir ao encontro da
crítica de Akerlof e Shiller (2015). Enquanto houver
clientes para prescrições reconfortantes, fábulas e
líderes heroicos o mercado se encarregará de atrair
novos fornecedores.
Um mercado caracterizado pela ausência de
pesquisas rigorosas, de conhecimento científico e da
necessidade de credenciais como o da indústria de
liderança é um mercado com poucas barreiras à entrada
(Porter, 2004), um mercado onde histórias de sucesso
ecoam como se pudessem ser repetidas na prática.
Além das poucas barreiras, a indústria da liderança
carece de avaliações apropriadas. Seminários e
treinamentos são avaliados com base em escalas de
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satisfação muito embora as evidências em ambientes de
ensino apontem que a satisfação com o professor não
tenha correlação significante com o aprendizado. Nesse
ponto Pfeffer é taxativo ao lembrar que o problema
com as mensurações incorretas é que você tem o
resultado daquilo que se mensura. Mensura-se
entretenimento, tem-se entretenimento. Ou seja, o
melhor professor não é necessariamente o que foi
melhor avaliado, mas é certamente o que mais
entreteve seus alunos, em alguns casos.
Em Leadership B.S. Pfeffer argumenta que a
análise de como os líderes falham, e, segundo o autor,
falham recorrentemente, pode ser feita sob duas óticas:
pela teoria das maçãs podres ou por uma investigação
sistemática do processo de formação de líderes. A
teoria das maçãs podres é baseada em falhas das
empresas em recrutar ou das universidades em formar
agentes que não sabem, ou não souberam, se comportar
eticamente e que acabaram por contaminar o ambiente.
Identificando e expurgando o agente com o desvio de
conduta cessa-se o problema. A investigação
sistemática do processo de formação de lideranças, por
outro lado, tem seu foco nos traços que fazem líderes
de sucesso, muitas vezes diferentes dos traços
desejados, que acabam sendo valorizados nas
organizações, a despeito de seu potencial efeito
negativo, e não mensurado, nos ambientes de trabalho.
Pfeffer adota a segunda abordagem ao longo do livro.
Um dos pontos falhos da indústria da
liderança, segundo Pfeffer, é que os traços desejados
nas pessoas em cargos de liderança dificilmente são
aqueles que ajudaram a mesma pessoa a galgar os
degraus da hierarquia organizacional. O líder autêntico
de hoje pode ter sido o inautêntico ontem, o servidor o
carrasco, o modesto o arrogante, o verdadeiro o falso.
O que é desejado em uma posição de liderança não
necessariamente está em linha com aquilo que foi
desejável e valorizado no caminho em direção ao topo.
Dois pontos abordados em “Hard Facts, Dangerous
Half Truths..(Pfeffer & Sutton, 2013) contribuem para
esse descasamento: o benchmarking casual, ou seja, a
identificação de características aparentes sem a atenção
devida ao contexto e ao processo que as fizeram
valorizadas; e o pensamento de que o que deu certo no
passado ou em outra empresa é transferível para que se
alcance o sucesso em outra. Esses dois pontos acabam
por reforçar o caráter normativo da indústria da
liderança, líderes devem agir assim, fazer isso, se
comportar dessa maneira e dessa forma terão sucesso.
Fazendo um paralelo com a medicina, Pfeffer afirma
que é difícil concebermos que alguém sem as
qualificações e credenciais necessárias venha a
desenvolver uma intervenção ou tratamento médico e
que saia mundo afora ensinando como praticar a
medicina (Pfeffer, 2015, p. 33). O que é impensável na
medicina é o comum em liderança.
O diagnóstico de Pfeffer é que, a despeito de
mais de 40 anos de existência, de milhares de
profissionais treinando, orientando, inspirando e
motivando líderes atuais e futuros, a indústria de
liderança falhou retumbantemente, líderes falham,
ficam pouco tempo em seus cargos, empresas quebram,
ambientes de trabalho ainda são mais tóxicos do que
agradáveis, funcionários desengajados e desmotivados
são a regra e não a exceção, novos escândalos
aparecem a todo momento, e todo esse processo não
poderia ser explicado apenas por maçãs podres, ou
pomares podres.
3 SOBRE FÁBULAS E INSPIRAÇÃO
Sob a ótica da psicologia evolucionista, teoria
com a qual Pfeffer flerta em algumas partes do livro,
liderança tem um apelo evolutivo. Módulos mentais
selecionados ao longo de nosso passado ancestral para
a solução de problemas recorrentes deram origem a
comportamentos inconscientes distintos que são
gerados a partir da ativação de um módulo ou de outro.
Dentre os módulos mentais que dispomos, o de
ascendência em um grupo social é relacionado com a
liderança. Em grupos de animais o macho, ou fêmea,
alfa é o primeiro a comer e tem a prerrogativa de
escolher a (o) parceira (o) em troca da condução do
grupo (Forgas, Fiedler, & Sedikides, 2012, p. 23).
Ascender em um grupo de homo sapiens, seja na
savana, seja nas corporações, traz benefícios
semelhantes em termos de status. Nem todos vão
ascender, nem todos buscam ascensão, há aqueles que
irão se beneficiar da proteção do grupo e que seguirão a
liderança sem contestá-la. Entretanto, a vida em grupo
e o status de cada um em relação ao grupo em que está
inserido, disparam em nós, seres humanos do século
XXI, os mesmos módulos mentais que disparavam em
nossos ancestrais caçadores e coletores. Participar de
um grupo é bom, liderá-lo é ainda melhor.
Possivelmente, o simples fato de sermos animais
sociais seja uma das causas do apelo que a liderança
exerce em cada um de nós. Onde existe apelo existe
mercado, onde existe mercado existe oportunidade,
onde existe oportunidade existem fornecedores.
Fábulas inspiram. Em fábulas o bem triunfa, o
mundo é justo e moral e o trabalho é recompensado. O
problema com as fábulas é que não passam de fábulas,
e mesmo os auto relatos, muitas vezes heroicos, de
líderes sobre sua trajetória, não passam de
racionalizações, de confabulações em busca da
coerência, ainda que inconscientemente.
Tendemos a pensar que a memória reproduz
fielmente uma realidade passada como gravada em um
DVD (Squire & Kandel, 2009). Acontece que uma
melhor analogia para a memória é a de um computador.
Enquanto estamos trabalhando em uma tarefa como ao
escrever esse texto, por exemplo, usamos a memória
RAM, equivalente à memória de curto prazo e, se
sairmos do processador de texto sem gravar o
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conteúdo, o que foi escrito é perdido. A gravação do
conteúdo no disco rígido do computador, ou na nuvem,
equivale ao armazenamento na memória de longo
prazo. A cada mudança que fazemos no texto e
gravamos estamos alterando o conteúdo armazenado e
após sucessivas modificações o conteúdo final pode ser
bastante diferente do inicial. Assim também é a
memória, a cada vez que evocamos uma memória
armazenada, ao trazê-la para nossa “área de trabalho”,
estamos fazendo com que ela interaja com outros
pensamentos e com estímulos do ambiente, ou seja, o
simples fato de evocar uma memória potencialmente a
modifica.
A falibilidade da memória e a busca por
coerência, embora não tratados por Pfeffer,
complementam seu argumento sobre autoengano com
base nos estudos do psicólogo evolucionista Robert
Trivers (Trivers, 2000, 2010; von Hippel & Trivers,
2011). O autoengano, segundo a teoria, tem como uma
das funções o fato de que ao mentir para nós mesmos e
nos convencermos temos mais chance de mentir para
os outros e sermos convincentes. Uma outra função é
que diante de um mundo imprevisível, injusto e
incoerente o autoengano não só nos ajuda a viver, ao
não atentarmos para todas as dificuldades, como é
fundamental para a ultrapassarmos obstáculos.
Autoengano é assim uma lente que nos permite ver o
mundo de uma maneira mais favorável à nossa
sobrevivência.
Ao juntarmos os elementos da falibilidade da
memória, da busca por coerência e do autoengano e o
viés da confirmação, nossa tendência a encontrar
evidências que sustentem nossas crenças (Kahneman,
2012), temos o fio condutor das histórias heroicas de
liderança. Supondo uma primeira pessoa: sou um líder,
cheguei aqui; minha trajetória precisa ser coerente com
o que é esperado de um líder, logo me lembro das
características valorizadas (viés da confirmação) e
modifico minhas memórias; me fazendo acreditar que
mereço estar onde estou e me facilitando mostrar aos
outros porque mereço (autoengano), o que torna
minha história coerente; e assim sucessivamente. Para
quem é exposto às trajetórias, esse meio termo entre
história e fábula, a busca por coerência (ele (a) está lá
então deve ter algo de bom), o autoengano (eu também
posso) e o viés da confirmação (vejo essas
características em mim) completam o ciclo entre o
emissor e o receptor.
Liderança nos atrai, e ao sermos atraídos
buscamos coerência com nossas crenças e usando
filtros cognitivos. Uma vez coerentes nos inspiramos
auto enganados e nos vemos capazes de liderar. O
problema é que a inspiração é efêmera e sujeita aos
choques de realidade do dia-a-dia. Inspiração não é
mensurável, o que provavelmente explica, segundo
Pfeffer, porque escolas de medicina, arquitetura e
engenharia não costumam se basear em fábulas
inspiradoras, mas em dados e em métodos científicos.
A influência doa líder na motivação,
engajamento e comprometimento de funcionários e em
sua mudança de comportamento é, na indústria da
liderança, supervalorizada. Líderes inspiradores,
modestos, autênticos, servidores e que falam a verdade,
quase super-heróis autodeclarados ou declarados por
terceiros, são tidos como a principal fonte de mudança
nas organizações, a despeito de evidências de pessoas
desmotivadas e desengajadas e da existência de
ambientes de trabalho tóxicos sob essa mesma
liderança. A indústria da liderança ignora a vasta
literatura
da
Psicologia
Social,
Psicologia
Evolucionista e da Economia Comportamental a
respeito da influência do priming, exposição a
estímulos antes de uma decisão ou avaliação, framing,
maneira como um contexto é enquadrado,
tradicionalmente como ganho ou perda, e
conformidade com grupos na mudança de
comportamento.
Funcionários de uma empresa aumentam as
contribuições para a caixinha do café nos dias em que
um quadro com olhos está na parede em comparação
com os dias em que um quadro de uma paisagem está
pendurado, efeito do priming na mudança de
comportamento (Bateson, Nettle, & Roberts, 2006).
Preferimos, em função de nossa aversão à perda, uma
proteína 90% livre de gordura à mesma proteína com
10% de gordura embora sejam a mesma coisa, efeito
do framing na mudança de comportamento
(Kahneman, 2012). Pesquisadores testando em uma
cadeia de hotéis mensagens a respeito da preservação
do meio ambiente e a quantidade de toalhas usadas
pelos hóspedes, descobriam que a mensagem com
maior efeito, fazendo com que os hóspedes usassem a
mesma toalha por mais dias, dizia que aquele que se
hospedaram naquele mesmo apartamento reutilizaram
as toalhas de banho (Goldstein, Cialdini, &
Griskevicius, 2008). Fazemos parte de grupos dos
quais nem imaginamos. Efeito da conformidade com o
grupo na mudança de comportamento.
Ao ignorar as evidências de áreas do
conhecimento ligadas ao estudo do comportamento
humano a indústria da liderança continua a bater na
mesma tecla, o líder, como em um samba de uma nota
só.
4
MEUS TRAÇOS E MEU SUCESSO, O
CONTEXTO DE MEU FRACASSO, E O
INVERSO PARA VOCÊ
Modéstia, humildade, autenticidade, falar a
verdade e servir os outros são, sem dúvida,
características desejáveis e normalmente valorizadas
nas interações sociais. Empresas são ambientes sociais
nos quais pessoas convivem, interagem, cooperam,
disputam, lideram e são lideradas. Os problemas
principais com as prescrições da indústria da liderança
sobre tais características, segundo Pfeffer, são que o
desejável em certos contextos pode ser indesejável em
outros e que as características de quem está na
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liderança nem sempre são as mesmas que os levaram à
liderança.
Citando os “líderes de nível 5” definidos por
Collins (Collins, 2011) como aqueles que preferem
falar sobre as empresas e as contribuições dos outros ao
invés de falar sobre si mesmo, Pfeffer reconhece a
importância da modéstia e humildade ressaltando,
contudo que dificilmente os modestos e humildes se
tornam líderes. Líderes modestos e humildes ao
reconhecerem as contribuições dos outros e dividirem
os méritos ajudam a criar ambientes mais participativos
e engajados em que as pessoas se sentem importantes,
reconhecidas e recompensadas.
Pfeffer faz um paralelo com o Marketing e a
venda de produtos para explicar como ser narcisista,
oposto da modéstia, pode ajudar a ascender na carreira.
Narcisistas demonstram autoconfiança e são mais
persuasivos, tem comportamento empreendedor,
tomam decisões mais agressivas e tendem a ser
admirados no curto prazo. Narcisistas, são como
produtos em destaque nas prateleiras ou vitrines. O que
não é visto, pode não ser lembrado e o que não é
lembrado não é comprado, ou promovido.
Tendemos a não admirar aqueles que se auto
enaltecem e que gostam de se sobressair, o holofote no
líder ofusca os subordinados, assim, se por um lado os
narcisistas se vendem bem, e ganham em média mais
que os modestos, por outro tendem a causar
desconforto e desmotivação nas equipes. Como
explicar, então, o paradoxo de líderes narcisistas como
Bill Gates, Jack Welch e Steve Jobs serem aceitos e
aclamados? O viés da confirmação, comentado
anteriormente, pode explicar a tendência a
identificarmos a modéstia nos líderes narcisistas.
Acreditamos que a modéstia é uma característica
desejável nos líderes, Bill Gates, Jack Welch e Steve
Jobs, são, ou foram, exemplos de líderes de sucesso,
logo identificamos neles as características que
desejamos. Uma outra possibilidade é o efeito halo, a
transferência de julgamentos de uma esfera para outra
(Rosenzweig, 2014). Julgamos a Microsoft, a GE e a
Apple como empresas de sucesso e transferimos para
seus líderes aquilo que acreditamos ser características
de empresas de sucesso como bons lugares para se
trabalhar, preocupação com clientes e ações
genuinamente responsáveis, características mais
alinhadas com a modéstia e humildade de seus líderes
do que com o narcisismo.
O que se aplica à modéstia não é diferente
quando pensamos na autenticidade e em falar a
verdade. Ser autêntico é bom, inspira confiança e não
traz surpresas. Acontece que líderes nem sempre são
chamados a demonstrar sua autenticidade, o show tem
que continuar e para que continue, por vezes, a
encenação é a regra. Demonstrar as emoções é
inadequado a situações em que as mesmas devem ser
controladas. Funcionários da Disney sorriem,
vendedores são simpáticos, líderes não podem se dar ao
luxo de evitar de stakeholders de quem não gostam e
clientes chatos também tem razão. Nosso humor ou
emoções não são convidados de honra no palco
organizacional. Há nas empresas uma espécie de
acordo tácito, praticamente um mantra, de que
problemas pessoais ficam no estacionamento levando,
nas palavras de Pfeffer ao conceito de inautenticidade
útil:
“Ser verdadeiro a seu respeito só é útil
enquanto as suas características forem
aquelas que levam as pessoas ao sucesso.
Caso contrário, as pessoas devem encarnar as
características e qualidades requeridas de
forma a se apresentarem da melhor forma
possível”(Pfeffer, 2015, p. 96) – tradução dos
autores
Em suma, não basta ser líder, é preciso parecer
líder a despeito das circunstâncias;
Seres humanos mentem embora valorizem a
verdade. Seres humanos mentem na medida em que as
mentiras não comprometam a visão que têm a respeito
de si mesmos (Ariely, Bracha, & Meier, 2009),
mentem por “causas nobres” e por interesse próprio.
Contextos e estímulos do ambiente aumentam a
tendência a mentirmos. Estudantes usando óculos
originais de marcas de luxo pensando que eram
falsificados aumentaram suas notas ao conferir as
respostas de um teste (Ariely,dan, [s.d.]). Mentimos
para preservar relacionamentos, para evitar tensões e
conflitos, para exagerar nossas qualidades, os
currículos que o digam, para agradar, para não
desagradar, mentimos para nós mesmos para
mentirmos melhor para os outros (Trivers, 2000). Se
todos mentem no dia-a-dia é razoável inferirmos que
nas empresas não é diferente.
Práticas de mercado nem sempre são baseadas
em falar a verdade. Empresas mentem para os
funcionários, sob a desculpa de não causar
desmotivação,
sobre
suas
oportunidades
de
crescimento profissional, anunciam produtos ainda não
disponíveis para evitar a perda de mercado para
inovações em produtos concorrentes, e omitem defeitos
de fabricação rotulando o recall como um exemplo de
honestidade e preocupação com os clientes. Se não são
práticas de mercado comuns não há como dizer que
não ocorrem. É provável que maçãs podres sejam
responsabilizadas pelos dispositivos que fraudavam
testes de poluentes em carros de uma montadora
(“Auto Esporte - Volkswagen admite que 11 milhões
de carros têm software que frauda testes”, [s.d.]),
entretanto, é difícil saber a contribuição da omissão da
verdade no episódio.
Pfeffer ressalta que a mentira traz poucos
efeitos adversos citando exemplos de executivos que
depois de cumprir penas por práticas ilegais ainda
conseguiam empregos bem remunerados, de uma
celebridade, que já cumpriu pena por usar informações
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Leadership B.S. – Jefrey Pfeffer e a Indústria da Liderança
privilegiadas, que continua com um programa na TV, e
ainda trocou de patrocinador no meio de um contrato
vigente sem afetar seu status de celebridade.
Adicionamos aos exemplos de Pfeffer o caso do Dr.
Oz, médico celebridade com programa na TV
americana, e com lançamento previsto no Brasil, que
foi levado à corte e proibido de anunciar seus produtos
como “milagrosos”, uma mentira reforçada pelo
argumento da autoridade, e que em razão da alta
audiência continua com o programa. Recorrendo
Akerlof e Shiller (2015), enquanto houver espaço para
a mentira, a mentira será vendida.
Servir aos outros faz sentido no ambiente de
negócios. Líderes que focam no bem estar de seus
funcionários, em suas necessidades, e que colocam
seus os interesses de sua equipe acima dos interesses da
organização promovem motivação, engajamento e
comprometimento. Pfeffer cita os exemplos de Richard
Branson, Virgin Atlantic Airlines, e de Herb Kelleher,
Southwest Airlines, como líderes que construíram
organizações com foco no bem-estar de seus
funcionários. Entretanto, Herb e Branson são exceções,
líderes chegam a ganhar 330 vezes mais que um
funcionário médio e essa diferença não para de crescer
(Frank, 2012). Pessoas com cargos de liderança têm,
em muitas empresas, restaurantes diferentes, vagas
melhores para seus carros, entre outros instrumentos de
diferenciação. Líderes tem parte expressiva de seus
rendimentos atrelados à performance, ou seja, a
preocupação com os interesses dos funcionários, em
geral, não é levada em consideração. Pfeffer,
ressaltando a importância dos interesses dos
funcionários, recorre à Teoria da Agência, que diz
respeito ao conflito de interesses entre o proprietário e
o agente contratado para representa-lo, para
recomendar que a remuneração dos líderes deveria
estar atrelada à mensuração do bem-estar dos
funcionários. Ao normatizar a preocupação com o
interesse dos outros as empresas estariam neutralizando
o auto interesse, princípio do conflito da Teria da
Agência, em seus gestores.
O que é dito pelos líderes, ou por seus
promotores, a respeito de sua trajetória é diferente do
caminho percorrido. Como já abordado, a memória é
reconstruída e a cada reconstrução se afasta mais da
memória original. Ao contarem suas histórias, o viés da
confirmação ajuda a encontrar aquilo que é desejável
ser encontrado. Aos dois fenômenos cognitivos
adicionamos a Teoria da Atribuição, segundo a qual as
análises que fazemos a nosso respeito são distintas das
que fazemos a respeito dos outros (Moskowitz, 2013).
O meu sucesso é função dos meus traços, de minhas
características como perseverança, visão e integridade,
enquanto os meus eventuais fracassos são fruto do
contexto, da falta de sorte, de coisas que me fugiam ao
controle. Em contrapartida, o sucesso dos outros é
função do contexto, dos ventos favoráveis e da sorte,
enquanto seu fracasso decorre dos traços como
fraqueza ou negligência. Histórias de líderes são,
assim, histórias de superação, envolvimento,
comprometimento, histórias em que o acaso e a sorte
não fazem parte.
5 CONCLUSÃO
Pfeffer sugere que cada um pense em si e que
seja o agente principal de seu desenvolvimento, não
apostando fichas que alguém ou alguma organização vá
cuidar de seu futuro. Recomenda também mais atenção
às ações do que às palavras, uma vez que o
comportamento passado é o melhor previsor do
comportamento futuro, a compreensão de que as vezes
é necessário fazer o mal para se conseguir o bem, o
entendimento que ambientes e contextos influenciam o
comportamento, que se abandone o pensamento “ou
isso ou aquilo”, já que nem tudo é trade-off, e que
perdoem mas não esqueçam, basicamente uma
estratégia de Teoria dos Jogos (Axelrod, 2009).
Conclui que a indústria da liderança é caracterizada por
desconexões: desconexão entre o que o líder diz e o
que faz; entre as prescrições e os traços e
comportamentos reais; entre o caráter multidimensional
da liderança e as receitas simples, ou simplórias; entre
a avaliação da indústria de liderança e a realidade dos
ambientes de trabalho; do que as pessoas parecem
gostar como histórias reconfortantes e o que deveriam
receber, a verdade; da performance e comportamento
dos líderes e as consequências por seus atos; e entre o
que faz ambientes de trabalho serem melhores e o
quanto é implementado.
Pfeffer ao demonstrar as evidências contrárias
às prescrições da indústria da liderança está, mais uma
vez, buscando uma maior aproximação entre ciência e
gestão, entre a academia e o ambiente organizacional.
Entretanto, enxergamos um paradoxo final: a indústria
da liderança e a gestão empresarial podem ser
beneficiadas pelo conhecimento científico, mas
enquanto houver demanda para “feel goog leadership
literature” haverá fornecedores. As vezes temos que
fazer o mal para promover o bem!
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