A Desigualdade Social e o Meio Escolar Social Inequality and the

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A Desigualdade Social e o Meio Escolar Social Inequality and the
A Desigualdade Social e o Meio Escolar
Vanessa Alessandra Pesck (Unicentro) [email protected]
Prof°. Dr. Mário de Souza Martins (Unicentro) [email protected]
Resumo:
Estamos envolvidos em um sistema capitalista, o qual possui extrema desigualdade de classes, a
minoria da população detém o poder e a grande maioria está alienada a ela. A parte da sociedade
que é dominada se deve ao motivo de que a classe dominante age através dos Aparelhos Ideológicos
de Estado que atuam inculcando a ideologia dominante sem que elas percebam. Precisamos combater
esta desigualdade social que deriva de outras sociedades anteriores. Por este motivo, faz-se
necessário pesquisar qual é o papel da escola dentro desta sociedade tão desigual. Este artigo possui
caráter teórico. O objetivo é proporcionar uma reflexão sobre a visão de autores como
Althusser,Bourdieu, Gentili, Alencar e Severino sobre a desigualdade social e qual é o papel da
escola dentro deste tema. Podemos compreender que a escola transmite a ideologia da classe
dominante através dos conteúdos, dos valores, etc., mas é importante lembrar que o papel do
professor é de grande importância dentro da escola, pois ele pode mudar esta realidade e não se
deixar se abater pela opressão do sistema capitalista. Como nos diz Althusser (1985) em seu livro
Aparelhos Ideológicos de Estado, existem aqueles professores que lutam contra a ideologia, que são
conhecidos como “heróis”, mas estes ainda são poucos.
Palavras chave: Desigualdade Social, Capitalismo, Ideologia, Educação.
Social Inequality and the Middle School
Abstract
We are involved in a capitalist system, which has extreme inequality of classes, the minority of the
population has the power and the vast majority is alienated her. The part of society which is
dominated due to the reason that the ruling class acts through the Ideological State Apparatus that act
inculcating the dominant ideology without them noticing. We need to fight this social inequality that
derives from other companies before. For this reason, it is necessary to investigate what is the role of
schools within this society so unequal. This article has a theoretical character. The goal is to provide
a reflection on the vision of authors such as Althusser, Bourdieu, Gentili, Alencar and Severino on
social inequality and what is the role of schools within this theme. We understand that the school
transmits the ideology of the ruling class of the content, values, etc.., But it is important to remember
that the teacher's role is of great importance within the school, as it can change this reality and not let
it down oppression of the capitalist system. As we know Althusser (1985) in his book Ideological State
Apparatus, there are those teachers who struggle against ideology, which are known as "heroes", but
these are still few.
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Key-words: Social Inequality, Capitalism, Ideology, Education.
1 Introdução
Este presente artigo faz parte de uma pesquisa de conclusão de curso, o qual pretende
investigar, na visão de alguns autores como Althusser, Gentili, Alencar, Bourdieu e Severino,
a relação da desigualdade social com o meio escolar. A finalidade para o presente artigo é
verificar como a escola age frente a grande desigualdade das classes, se esta possui ou não o
poder de reproduzir esta desigualdade de classes e se existe alguma forma de mudar este fato.
Através de experiências vividas em um CEMEI municipal na localidade de Imbituva
(local onde trabalhei no ano anterior), percebi que há uma forma específica de alunos e
educadores lidarem com estudantes de outras classes sociais, assim, como também a maneira
com que os professores trabalham os conteúdos propostos pelo município. A partir disto
surgiu o interesse em pesquisar como a escola age frente a diferença de classes existentes em
sala de aula na maneira de transmitir os conhecimentos.
O principal objetivo deste artigo é contribuir para a reflexão de como a escola está
agindo frente à desigualdade social das classes.
Esta pesquisa será fundamentada a partir de referências bibliográficas a qual, segundo
Macedo (1994,p. 13), “é a busca de informações bibliográficas, seleção de documentos que se
relacionam com o problema de pesquisa (livros, verbetes de enciclopédia, artigos de revistas,
trabalhos de congressos, teses, etc.)”.
O trabalho está articulado em três partes, sendo que, a primeira se trata de um
esclarecer de como surgiu a desigualdade entre os homens para ter um entendimento de como
se deu este processo. A segunda parte compreende uma análise do sistema capitalista,
colocando como o capitalismo usa da ideologia, por meio dos aparelhos do estado, para ter o
poder sobre as classes baixas. E por último, pretendemos estudar qual é a relação da escola
com a ideologia e se ela reproduz ou não a desigualdade social.
2 Princípio da desigualdade
Primeiramente, queremos fazer uma reflexão de qual é o princípio da desigualdade entre
os homens, como se originou esta questão bastante evidente nos dias de hoje. Julgamos ser
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importante estudar como surgiu a desigualdade dos homens para depois prosseguir com a
pesquisa para a desigualdade das classes atualmente.
Segundo Rousseau (1978), os primeiros homens que viveram de forma selvagem,
coletavam alimentos apenas para satisfazer a fome que estavam naquele momento, dormiam
em qualquer lugar que encontrassem para passar a noite e tinham uma mulher somente para
satisfazer os desejos sexuais. Depois disso ambos seguiam a sua rotina.
Posteriormente, os selvagens sentiram a necessidade de construir ferramentas para
caçar e coletar alimentos, como também objetos para se proteger dos outros animais, o que
significou grande evolução para este período.
Outro motivo para que se agravasse essa evolução foi a descoberta do fogo, bem
como a preparar seus alimentos. Começaram a se alojar em cavernas ou construíam moradias
para viver em grupos com formas de linguagens próprias que os diferenciava dos demais
grupos. Eles passaram a viver com uma só mulher e não precisavam demarcar terras, pois não
tinham a noção de posse.
De alguma forma surgiu esse pensamento de propriedade, então o selvagem passou a
demarcar o lugar onde vivia, a cultivar seu alimento nesse espaço. De acordo com Rousseau
(1978, p. 263)
Cada um começou a olhar os outros e a desejar ser ele próprio olhado, passando
assim a estima pública um preço. Aquele que cantava ou dançava melhor, o mais
belo, o mais forte, o mais astuto ou o mais eloqüente, passou a ser o mais
considerado, e foi esse o primeiro passo tanto para a desigualdade quanto para o
vicio; dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo e,
de outro, a vergonha e a inveja.
A partir deste momento, a violência e a agressão foram mais agravantes, mas em
contrapartida surgiram os primeiros deveres de civilidade o que foi um salto muito grande
para essa primeira forma de sociedade. Os homens viveram muito bem até o momento em que
um necessitou da ajuda do outro e desapareceu a igualdade entre eles. Podemos dizer que a
servidão começou a brotar com a introdução da propriedade.
Com a nova noção de propriedade, o homem passou a cultivar a terra e a produzir
alimentos, o que posteriormente resultou na divisão das propriedades. Mas era preciso antes
ter alguma coisa própria para depois pensar em repartir.
A desigualdade natural se agravou ainda mais quando o mais forte produzia mais
enquanto outros tinham dificuldade de sobreviver. A partir daí, um queria ser melhor que
outro e a concorrência entre eles, a inveja, a falsidade tomaram conta do homem porque um
fazia de tudo para dar o golpe no próximo, ou seja, ser o melhor.
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De acordo com Rousseau (1978, p. 268)
[...] um só puderam prosperar a expensas dos outros, e os supranumerários,que a
fraqueza ou a indolência tinham impedido por seu turno de as adquirir, tendo se
tornado pobres sem nada ter perdido, porque, tudo mudando à sua volta, somente
eles não mudaram, viram-se obrigados a receber ou roubar sua subsistência da mão
dos ricos. Daí começaram a nascer, segundo os vários caracteres de uns e de outros,
a dominação e a servidão, ou a violência e os roubos. Os ricos, [...] só pensavam em
subjugar e dominar seus vizinhos.
Ao contrário do que Rousseau discorre sobre a desigualdade dos homens, HOBBES
(1979, p. 74) pondera que os homens são todos iguais por natureza, apesar de haver algumas
diferenças, elas são relevantes ao se comparar com o todo, porque “quanto a força corporal o
mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer
aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo”.
Hobbes proporciona um pensamento contrário ao de Rousseau quando refere que
[...] se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela
ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. [...] quando um invasor nada mais
tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia,
constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros
venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas
do fruto do seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o
invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. (Idem, p. 75).
Para este autor, a discórdia entre os homens é a causa de serem iguais entre si.
Também vai mostrar que aquele homem que se acha superior ao próximo é porque ele pensa
que o outro deve se submeter a ele. Já Rousseau menciona que desde o momento em que o
mais fraco teve que pedir socorro para o mais forte, a igualdade desapareceu e surgiu a
desigualdade entre os homens, a qual persiste até os dias de hoje.
Podemos perceber que este fato acontece principalmente no sistema em que estamos
inseridos atualmente, pois como analisaremos adiante, o sistema capitalista é repleto de
ideologias que tornam o homem submisso ao grupo dominante aumentando ainda mais a
divisão das classes. O capitalismo pretende formar indivíduos aptos para o trabalho e que não
se revoltem contra o poder da classe dominante.
3 O capitalismo e a desigualdade do sistema
Para se discutir a desigualdade na atualidade, é premente colocar as relações sociais
no sistema capitalista, origem da desigualdade existente na sociedade. O capitalismo é uma
forma de poder e de dominação da classe trabalhadora, por manter os meios de produção. O
capitalismo é, por assim dizer, um regime do capital que usufrui do poder para controlar o
trabalho.
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O elemento mais importante para entendermos o capitalismo é o impulso para
acumular capital e, segundo Heilbroner (1985), é uma “extração de riqueza, como fluxo de
produção “excedente” canalizada sistematicamente da ampla massa trabalhadora da sociedade
para as mãos de um grupo ou classe restrita”.
De acordo com essa citação, podemos perceber que existe uma classe superior que
investe o capital e outra classe que necessita deste capital para a sua sobrevivência e que,
através do trabalho, produz ainda mais capital para os capitalistas, isso possibilita a
dominação dessa massa de trabalhadores.
A dominação acontece através da igreja, do exército e também do Estado que
exercem a dominação por meio de punições do tipo espiritual àqueles que não seguem as
regras, ou seja, estas autoridades moldam o comportamento do ser humano de acordo com as
suas preferências.
A escola é outro Aparelho Ideológico do Estado que veio para substituir o poder da
Igreja, pois podemos partilhar do pensamento de Althusser quando reflete que a educação tem
o papel de inculcar a ideologia dominante, mas se inicia no professor a possibilidade de
ensinar seus alunos a criticar este sistema. Mas em contrapartida, vale ressaltar que os
educadores também estão subjulgados ao sistema capitalista.
O contrário acontece com a dominação do capital, pois o dominado aceita as
condições à que o capitalista propõe por depender destas para sobrevive. Para Heilbroner
(1985, p. 34),
A dominação entre animais é [...] completamente divorciada de qualquer divisão de
tarefas ou sujeição à “vontade” de um indivíduo hegemônico. A dominação na
sociedade humana, por outro lado, tem menor significação evolucionária, e é
amplamente dedicada à divisão do produto social, ou à efetivação das realizações
carregadas de prestígio de certos governantes, para as quais é necessário o trabalho
organizado de muita gente. Em suma, a dominação na sociedade humana traz
consigo uma desigualdade estruturada das condições de vida que não encontra
paralelo no mundo animal.
O trabalho é o principal meio para se extrair o capital e para exercer a dominação
que, de acordo com Marx, esta é a essência do capital. Como ele mesmo diz, o trabalho serve
para o chamado D-M-D (Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro) o que significa transformar o
dinheiro em mercadoria e a mercadoria retornar em forma de dinheiro trazendo ainda mais
capital para os possuidores de poder.
O capital como relação de dominação acontece pelo motivo que os trabalhadores, a
mão de obra assalariada é dependente deste capital, por isso se submete a ele, pois é
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necessário para sua própria sobrevivência. Isso não quer dizer que o homem é obrigado a
trabalhar. Ele é totalmente livre para escolher, mas se não trabalhar não ganha e este é a
chamada dominação invisível. Para Althusser (1985, p. 52),
Enunciando este fato numa linguagem mais científica, diremos que a reprodução da
força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua qualificação mas ao
mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às normas da ordem vigente, isto é,
uma reprodução da submissão dos operários à ideologia dominante por parte dos
agentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem também “pela
palavra” o predomínio da classe dominante.
A ideologia é um modo de dominação invisível dentro do capitalismo. É também o
meio em que a classe dominante age sobre o pensamento de toda a sociedade conduzindo
verdades morais. Para Marx e Engels (1977), “As idéias (Gedanken) da classe dominante são,
em cada época, as idéias dominantes; isto é, ao mesmo tempo, sua força espiritual
dominante.”
A educação também é uma forma de transmissão dos valores da classe dominante,
pois é através dela que muitos dos conteúdos que fazem parte do currículo da escola, seja ela
pública ou privada, faz referência ao trabalho como fonte de acumulação de capital. É
possível observar que existe uma ideologia por trás da educação.
Quem explica melhor essa ideia de ideologia é Althusser (1985), onde diz que “A
ideologia é, aí, um sistema de idéias, de representações que domina o espírito de um homem
ou de um grupo social.” Podemos perceber que a ideologia funciona como uma máscara da
classe dominante, a qual tem a função de moldar o pensamento do homem fazendo com que
ele não veja a realidade das coisas, ou seja, impedindo que ele se revolte contra a classe
dominante. Marx, citado por Severino (1986) complementa esta ideia descrevendo que “a
ideologia é a forma de representação, no plano da consciência, que serve para mascarar a
realidade fundamental, que é de natureza econômica. A classe social dominante oculta seus
verdadeiros propósitos, servindo-se para isto da ideologia.” (SEVERINO, 1986, p. 8).
Os responsáveis por conscientizar o nosso papel dentro da sociedade, por construir o
pensamento de que somos trabalhadores é o Estado. Ele nada mais é do que um meio para o
qual a classe dominante possa dominar a classe trabalhadora. Essa repressão acontece por
meio da Igreja, da escola e até mesmo da família entre muitos outros. Todos eles são
chamados de Aparelhos Ideológicos do Estado.
De acordo com este mesmo autor,
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O aparelho (repressivo) do Estado funciona predominantemente através da repressão
(inclusive a física) e secundariamente através da ideologia. (Não existe aparelho
unicamente repressivo). Exemplos: o Exército e a Polícia funcionam também através
da ideologia, tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para
divulgar os ‘valores’ por eles propostos.
Da mesma forma, mais intensamente, devemos dizer que os Aparelhos Ideológicos
do Estado funcionam principalmente através da ideologia, e secundariamente através
da repressão seja ela bastante atenuada, dissimulada, ou mesmo simbólica. [...]
Dessa forma, a Escola, as Igrejas ‘moldam’ por métodos próprios de sanções,
exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários mas também suas ovelhas. E
assim a Família... (IDEM, p. 64).
Como pudemos perceber, existem diversos aparelhos ideológicos do estado, dentre
eles estão as Igrejas, a imprensa, a televisão, o rádio, a família, como também as escolas, seja
pública ou privada. Por este motivo é que queremos especificar a ação da ideologia na
instituição de ensino e se a escola é capaz de promover a desigualdade de classes.
Althusser proporciona uma reflexão no que diz respeito à ideologia transmitida pela
educação. Este autor coloca que a escola é um dos Aparelhos Ideológicos do Estado que, de
acordo com Nogueira e Silveira (2009, p.1), “[...]atuaria como instrumento de reprodução da
sociedade capitalista mediante a inculcação massiva da ideologia dominante e o ensino de
saberes práticos e teóricos necessários ao bom funcionamento do sistema produtivo [...]”.
4 Escola e desigualdade social na visão de autores como Bourdieu, Althusser, Gentili,
Alencar , Severino e Pomini
De acordo com o nosso estudo anterior, a ideologia age nos indivíduos sem que
percebam e faz com que atuem conforme o que a classe dominante determina.
Gentili (2003) relata um episódio em que saiu para passear com Mateo e percebeu
que seu filho iria perder um dos sapatos então o retira e guarda. Na medida em que continua
seu passeio, diversas pessoas o alertam que seu filho tinha perdido um dos sapatos. Outras
ficavam bravas com o pai que perdeu o sapato do seu filho e nem se importou com o fato.
A partir deste acontecimento, o autor destaca a maneira de pensar da sociedade. Um
menino da classe alta perde o sapato e é motivo de preocupações, de espanto. Enquanto isso,
vários meninos de rua andam descalço, ninguém se espanta e/ou se manifesta para mudar esta
situação. Pode-se chegar à conclusão de que um menino rico sem calçado é dado como uma
anormalidade enquanto um menino pobre sem calçado é normal.
Em nossa sociedade, a exclusão parece ser normal, “os excluídos devem se
acostumar à exclusão. Os não excluídos também. Assim, a exclusão desaparece no silêncio
dos que a sofrem e nos do que a ignoram... ou a temem.” (GENTILI, 2003, p. 30).
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O capitalismo cria uma lógica que é definida como natural. Molda-nos na maneira de
pensar e agir conforme o seu sistema, coloca a visão de que o lucro é o único que movimenta
a sociedade. E a educação anda por este caminho. Como explana ALENCAR (2003, p. 103), a
escola “passa a ser um negócio e o ensino público, agonizante, vai fazendo ‘parcerias’
crescentes que o subordinam às necessidades dos donos das indústrias e do capital”.
Severino (2003, p. 48), destacando a ideia de Althusser, comenta que
A educação enquanto ação pedagógica é a imposição do arbitrário cultural de um
grupo ou classe a outros grupos ou classes. Considerando-se legitimada, esta ação
pedagógica torna-se processo de inculcação e de reprodução dos conteúdos culturais.
Estes conteúdos, arbitrariamente escolhidos, simbolicamente impostos,
correspondem, de fato, aos interesses das classes dominantes, enraizados portanto
nas relações de força material. Mas esta correspondência e sua inculcação e
reprodução não podem ser assumidas manifestamente, elas precisam ser camufladas.
Este ocultamento é feito pela própria educação, que funciona então como uma
ideologia pedagógica.
Althusser, em seu trabalho Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, cita que o
capitalismo necessita da força de trabalho, da sua reprodução e quem garante isso é o sistema
escolar e também outras instituições. A escola fica como a responsável por inculcar a
ideologia da classe dominante, a qual acontece através dos conhecimentos e dos valores
transmitidos por ela.
A educação é um instrumento do grupo dominante para o exercício do seu poder. Ela
atua juntamente com outros aparelhos como a Igreja, a família, etc. Isso acontece porque a
escola é quem forma estes indivíduos. “assim, a educação tem papel importante na
configuração, na disseminação e na reprodução da ideologia e, consequentemente, [...] na
preservação do bloco histórico dominante...”. (SEVERINO, 1986, p. 44).
Bourdieu e Passeron, no livro A Reprodução, trabalham a questão da violência
simbólica que é uma forma de poder da classe dominante, ou seja, é uma imposição dos
valores considerados verdadeiros e que são transmitidos pela política, pela Igreja, pela
educação, pela família, entre outros.
Para Nogueira (2009, p. 54), aquele aluno que é dono do capital cultural, possui uma
facilidade maior na aprendizagem que a escola transmite, pois estes já trazem de casa “[...] a
‘cultura culta’ ou a ‘alta cultura’ [..].
A educação escolar, no caso das crianças oriundas de meios culturalmente
favorecidos, seria uma espécie de continuação da educação familiar, enquanto para
as outras crianças significaria algo estranho, distante, ou mesmo, ameaçador. [...]
Cobra-se que os alunos tenham um estilo elegante de falar, de escrever e até mesmo
de se portar; que se mostrem sensíveis às obras da cultura legítima, que sejam
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intelectualmente curiosos, interessados e disciplinados; que saibam cumprir
adequadamente as regras da ‘boa educação’. Essas exigências só podem ser
plenamente atendidas por quem foi previamente (na família) socializado nesses
mesmos valores. (NOGUEIRA 2009, p. 52 e 53).
Estes autores trazem a questão de que a escola se passa por uma instituição passiva,
“[...] tida como neutra e desprovida de ideologia, perpetua e transmite a ideologia burguesa
dominante, estabelecendo com elas, uma relação de cumplicidade.” (POMINI, 2005, p. 11).
Mas também nos leva a pensar numa questão trazida por BOURDIEU e PASSERON
(1992, p. 204), a qual traz a reflexão de “[...] como levar em conta a autonomia relativa que a
Escola deve à sua função própria sem deixar escapar as funções de classe que ela preenche
necessariamente numa sociedade dividida em classes?”
A ideologia age conforme predomina a classe dominante. Esta ideologia percorre
pelo meio escolar formando indivíduos prontos para a produção do trabalho. Como nos afirma
Chauí apud Pomini (2005, p. 9-10), a ideologia possui a função
[...] de dissimular a presença da luta de classes (domínio e exploração dos nãoproprietários pelos proprietários privados dos meios de produção), negar as
desigualdades sociais (são imaginados como se fossem conseqüência de talentos
diferentes, da preguiça ou da disciplina laboriosa) e oferecer a imagem ilusória do
contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a lógica da dominação
social e política.
Althusser reflete que a educação é o aparelho que passa mais tempo com a grande
maioria da população e em todos esses anos ela vai moldando os alunos, desde o maternal até
o ensino superior, inculcando a ideologia da classe dominante. Como o autor mesmo coloca, o
indivíduo que pode mudar esta função da escola é o professor, mas muitos deles acabam
desistindo e concordando com a função ideológica da escola. (BARROS, 2009).
Pomini (2005, p. 15) faz uma reflexão a respeito dos professores no que diz respeito
à sua formação. O professor não é somente aquilo que estudou e aprendeu na graduação, mas
sim é a soma de todas as suas experiências vividas tanto na escola como na vida social, ou
seja, “a formação do profissional da educação não se inicia, ao contrário do que se imagina,
quando esse ingressa em curso de formação de professores, mas sim desde o primeiro dia em
que ingressa na escola como aluno”.
Em nossa sociedade, se deposita um grande encargo para a educação de solucionar a
desigualdade das classes sociais. Em grande parte dos casos, o sucesso ou o fracasso escolar é
dito como responsabilidade dos profissionais da educação. E pensando nisso pudemos
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perceber que é papel do professor tentar mudar a questão da escola como um mero objeto da
classe dominante.
Muitos destes profissionais da educação são dotados de uma consciência ingênua em
relação ao que irão ensinar aos seus alunos, pois acabam sendo meros reprodutores das
relações na sociedade capitalista. Mas, nos lembra Althusser que nem todos seguem a esta
regra. Existem aqueles que adotam métodos diferenciados pelo motivo de terem um
conhecimento mais elevado e de serem capazes de criticar as relações da ideologia.
Althusser, apud Pomini (2005, p. 11) cita sobre o papel do professor e expõe que
(...) muitos (a maioria) não tem nem um princípio de suspeita do ‘trabalho’ que o
sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, o que é pior, põe todo seu
empenho e engenhosidade em fazê-lo de acordo com a última orientação (os
famosos métodos novos!). Eles questionam tão pouco, que contribuem, pelo seu
devotamento mesmo, para manter e a alimentar esta representação ideológica da
escola, que faz da Escola hoje algo tão ‘natural’ e indispensável [...].
Isso acontece devido ao fato de que o professor está envolvido com a massa de
indivíduos dominados pela classe que está no poder e participa inteiramente na disseminação
da desigualdade de classes por meio da escola ou, em alguns casos, do combate á ela.
Também é o caso de que alguns destes profissionais atuantes na área da educação foram
formados ainda num período de muita repressão e, consequentemente, agem com a mesma
prática de ensino-aprendizagem.
Mas não se pode dizer que todos os professores possuem uma consciência ingênua
do seu papel. Alguns tentam combater e contradizer as ideologias da classe dominante. Como
coloca Althusser, são os “heróis” da educação. São poucos, mas eles ainda existem. O que
pode ser feito é formar indivíduos capazes de criticar a realidade em que vivem na sociedade
para que não haja mais a falsa visão das relações sociais.
5 Conclusão
Através desta pesquisa podemos concluir que a escola é um Aparelho Ideológico do
Estado, a qual possui o papel de transmitir a ideologia da classe dominante, seus valores e
conceitos. Também se pode dizer que a escola está inserida em um sistema capitalista repleto
de desigualdades de classe e isto acaba influenciando nas relações que se estabelecem no
ambiente escolar.
Por ser a escola um Aparelho Ideológico do Estado, ela acaba por reproduzir a
desigualdade social. Para os alunos das classes mais altas, a escola é como uma continuação
do aprendizado, pois já possuem um primeiro conhecimento proporcionado pela família. No
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entanto, os alunos das classes desfavorecidas, sentem mais dificuldade devido ao fato de que
não têm oportunidade de receber um aprendizado mais formal fora da escola.
Apesar da escola ser uma instituição reprodutora da desigualdade social, entretanto
ela representa uma possibilidade de transformação por intermédio do educador, que através de
um método de ensino-aprendizado diferenciado pode influenciar esta situação. Althusser traz
esta questão dizendo que estes professores existem, mas são poucos, são os chamados
“heróis” da educação. Mas, a maioria deles nem sabem que estão envolvidos em uma
ideologia da classe dominante, outros sabem, porém não se importam com o fato.
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