Folha de S. Paulo - CIA revelar parte de atividades ilegais

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Folha de S. Paulo - CIA revelar parte de atividades ilegais
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SÁBADO, 23 DE JUNHO DE 2007 ★
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A25
CHINA
ESCRAVIDÃO VIRA
ESCÂNDALO
QUE PRESSIONA
DIRIGENTES
CRISE EM GAZA
ISRAEL OFERECE
PACOTE DE
INCENTIVOS A
ABBAS
Pág. A28
Pág. A33
CIArevelarápartedeatividadesilegais
Material conhecido como “jóias da família” registra envolvimento da agência em tentativas de assassinatos de líderes
CAIXA-PRETA
Conheça os principais
segredos guardados da CIA
Fidel, Lumumba, Trujillo e
general chileno estão na
lista, que inclui experiências
com civis, vigilância de
jornalistas e escutas ilegais
................................................................................................
“JÓIAS DA FAMÍLIA”
SÉRGIO DÁVILA
693 páginas
DE WASHINGTON
de material previamente
classificado, conhecido
internamente como “jóias
da família” e que envolvem
atividades ilegais realizadas
pela agência de inteligência
norte-americana, entre elas:
Planos de assassinato
>> Do ditador cubano
Fidel Castro, “supervisionados
por Robert Kennedy”
>> Do comandante do Exército
chileno René Schneider, morto
em 1970 por extremistas de
direita que pretendiam impedir
a posse de Allende (1908-1973)
>> Do líder congolês anticolonialista Patrice Lumumba
(1925-1961)
>> Do ditador Rafael Trujillo
(1891-1961), da República
Dominicana
Outros casos revelados
>>Arquivos sobre mais de 9.900
norte-americanos ligados ao
movimento antiguerra
(incluindo a abertura de cartas
à atriz e ativista Jane Fonda)
>> Transcrições que mostram a
preocupação do governo com
depoimentos no Congresso de
pessoas que investigavam as
atividades da companhia
telefônica norte-americana ITT
durante o governo de Allende
>> A prisão de um desertor
russo que pode “ser vista como
uma violação das leis sobre
seqüestro”
>>Escuta dos colunistas , Robert
Allen e Paul Scott
>> Vigilância dos jornalistas
Jack Anderson, Britt Hume e
Michael Getler
>> Invasão da casa de um exagente da CIA e da de um exdesertor
>> Buscas sem mandado
>> Abertura de cartas de e para
a ex-União Soviética entre 1953
e 1973 e de e para a China entre
1969 e 1972
>> Experimentos involuntários
de mudança de comportamento
em cidadãos norte-americanos
>> Vigilância de “grupos
dissidentes” entre 1967 e 1971
CHINA E RÚSSIA
11 mil páginas
dos registros das operações
CAESAR, POLO e ESAU,
sobre as lideranças chinesas
e soviéticas, as relações
sino-soviéticas entre 1953
e 1973, um apanhado de
inteligência sobre
programas militares do
Pacto de Varsóvia e
centenas de páginas sobre
o avião espião A-12
Fonte: The National Security Archive
A CIA tornará pública na semana que vem parte de documentos que comprovam atividades ilegais exercidas pela
agência de inteligência norteamericana nos anos 50, 60 e 70.
Entre elas, estão o planejamento ou tentativa de assassinatos
de líderes como o ditador cubano Fidel Castro, monitoramento, vigilância, abertura de correspondência e/ou escuta ilegal
de cidadãos norte-americanos,
como a atriz e ativista Jane
Fonda, e experimentos não-voluntários com drogas em civis.
O anúncio foi feito anteontem pelo atual diretor da agência, Michael Hayden, e é resultado de décadas de pressão de
entidades de direitos civis, pesquisadores, acadêmicos e jornalistas. São 693 páginas de
material previamente sigiloso,
conhecido internamente como
“jóias da família”, e 11 mil páginas de registros de operações
de inteligência ligadas à exUnião Soviética e à China e a relação entre os dois países.
Ontem, o National Security
Archive, ligado à Universidade
George Washington, na capital
norte-americana, antecipou-se
à agência e colocou parte dos
documentos no ar.
“Esqueletos”
O que mais chama a atenção
é uma lista de “esqueletos” relatada em 1975 pelo então diretor da CIA, William Colby, ao
então presidente Gerald Ford,
motivada por um texto do repórter Seymour Hersh no jornal “The New York Times”.
Ford temia que a revelação
das atividades ilegais da agência pudesse fazer com que ele
tivesse o mesmo destino de seu
antecessor, Richard Nixon, que
renunciara no ano anterior.
Entre os “esqueletos”, está a
participação em tentativas de
assassinato de Fidel, com o envolvimento “direto” de Robert
Kennedy, enquanto ele era secretário de Justiça, segundo relato também tornado público
de Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA.
Mas não só: de acordo com
relato de seu diretor à época, a
agência planejou o assassinato
de “alguns líderes estrangeiros”, entre eles o africano anticolonialista e breve premiê do
Congo Patrice Lumumba
(1925-1961) e o ditador Rafael
Trujillo (1891-1961), da República Dominicana —mas não teve “nada a ver” com o assassinato do primeiro, que acabaria
efetivamente ocorrendo, e
“apenas uma tênue conexão”
com os assassinos do segundo.
Participou também do plano
de assassinar o general e comandante chefe do Exército
chileno René Schneider, morto
em 1970 por um grupo de extremistas de direita que, com a
ação, pretendiam impedir a
posse do socialista Salvador
Allende (1908-73). O diretor da
CIA falou com o presidente no
dia 3 de janeiro de 1975.
No dia seguinte, também em
encontro com Ford, transcrições mostram a preocupação
de Kissinger com depoimentos
no Congresso sobre investigações de atividades golpistas no
Chile da companhia telefônica
norte-americana ITT durante
o governo Allende. “Isso [os depoimentos] é só a ponta do iceberg”, disse ele a Ford.
Colby também se referiu ao
problema chileno no encontro
anterior. “Há ainda um outro
problema que pode causar muita confusão: depois da investigação ITT-Chile pelo Congresso, houve acusações de que
nossos testemunhos não foram
muito ‘kosher’ [termo para comidas preparadas segundo a
religião judaica usado nos EUA
como gíria para “honesto”]”.
O diretor segue: “Não creio
que tenha havido atividade criminosa, mas houve um certo
‘andar na corda bamba’. Há
uma velha regra segundo a
qual, para proteger fontes e informações, você pode distorcer
um pouco as coisas”, conclui.
Além de monitoramento ilegal de jornalistas críticos ao governo, infiltração em grupos de
ativistas, abertura de correspondência de cidadãos norteamericanos de e para a exUnião Soviética e a China, há
testes bancados pela agência
com cidadãos norte-americanos “não-voluntários”, “incluindo reação a certas drogas”.
Ao anunciar a liberação dos
arquivos anteontem, Hayden,
da CIA resumiria seu conteúdo
com a frase: “A maioria é desabonadora, mas faz parte da história da CIA”. Para o diretor do
National Security Archive,
Thomas Blanton, é um começo.