Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da
Transcrição
Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da
Barbosa, Nair Palhano. Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da “questão ambiental”. 2001. 240 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional)-Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL - IPPUR SETOR ELÉTRICO E MEIO AMBIENTE: A institucionalização da “questão ambiental” NAIR PALHANO BARBOSA Tese apresentada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Carlos B. Vainer. 13 Rio de Janeiro, Agosto/2001 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL - IPPUR NAIR PALHANO BARBOSA SETOR ELÉTRICO E MEIO AMBIENTE: A institucionalização da “questão ambiental” Banca Examinadora: ________________________________________ Prof. Dr. Carlos B. Vainer (orientador ) ________________________________________ Prof. Dr. Célio Bermann ________________________________________ Prof. Dr. Frederico B. Guilherme B. de Araújo ________________________________________ Prof. Dra. Helena Lewin ________________________________________ Prof. Dr. Henri Acselrad Grau conferido: Em: Rio de Janeiro 14 Agosto/2001 Aos meus amigos ambientalistas do Setor Elétrico 15 Agradecimentos O percurso para a elaboração desta tese foi uma mistura de momentos muito difíceis com outros extremamente prazerosos. Em ambos, a atenção, o carinho e, freqüentemente, a paciência dos amigos foi fundamental. Foram muitos os incentivos que recebi, alguns particularmente significativos, por isso, temo, ao escrever esses agradecimentos, esquecer alguém; se isto ocorrer, foi um lapso da memória, não do coração. Inicialmente, desejo expressar meu reconhecimento ao Professor Carlos Vainer, meu orientador, que sempre estimulou meu trabalho, ajudando-me a prosseguir nos momentos mais difíceis. Quero agradecer também aos Professores Henri Acselard, Frederico Araújo, Célio Bermann e Helena Lewin que, gentilmente, aceitaram participar da Banca Examinadora. E registrar um agradecimento especial a Helena Lewin, minha professora desde a graduação, fundamental no meu processo de crescimento intelectual. Da mesma forma, agradeço a todos que contribuíram de forma significativa para esta tese, seja disponibilizando documentos, seja prestando depoimentos ou respondendo aos questionários, em especial a Maria Tereza Serra e Rogério Mundim, e aos meus amigos do Setor Elétrico: Miriam Nutti, Fany, Luis Antonio, Flavia, Silvia Helena, Daniela e Célia. Não poderia deixar de registrar meu reconhecimento à colega de curso, Sonia Oliveira, que sempre me sugeriu leituras que enriqueceram muito a minha reflexão; as amigas Ana Lacorte e Márcia Ismerio, incansáveis na tarefa de me ajudar a finalizar este trabalho, e ao meu estagiário Thiago, apoio fundamental em diferentes etapas deste trabalho. E, finalmente, não podia deixar de agradecer aos de casa que, pacientemente, suportaram o “stress” dos momentos finais: a Cláudio, companheiro de muitas caminhadas e aos meus filhos, Daniel, Felipe e Bárbara, minha fonte inesgotável de inspiração. 16 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 1 – O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO 1.1 Relações Institucionais como Objeto de Reflexão 1.2 Meio Ambiente como Representação CAPÍTULO 2 – MEIO AMBIENTE, UMA “RAZÃO” INTRODUZIDA PARA ORGANIZAR E CONTROLAR O TERRITÓRIO 2.1 O Estado Brasileiro: Traços e Detalhes de uma Configuração Perversa 2.2 O Meio Ambiente nas Políticas Governamentais: Antecedentes Históricos 2.3 Movimentos Sociais: Comentários Gerais CAPÍTULO 3 – SETOR ELÉTRICO: UNIDADE X DIVERSIDADE NA COMPOSIÇÃO DE UM TEMA 3.1 O Setor Elétrico Brasileiro: Antecedentes Históricos 3.2 Meio Ambiente e Setor Elétrico Brasileiro – Mudanças na Estrutura Institucional CAPÍTULO 4 – VELEIDADES E CONTRADIÇÕES DA “QUESTÃO AMBIENTAL” 4.1 A Construção do Campo 4.2 Documentos e Falas – a História Revisitada 4.2.1 Temas e propostas no campo de negociações 4.2.2 A composição do quadro técnico e a definição de diretrizes 4.3 A Construção do Espaço Institucional 4.3.1 Silêncios, diálogos e enfrentamentos: aproximações e afastamentos 4.3.2 Unidade X Diversidade 17 4.3.3 A dinâmica do campo ambiental: o setor elétrico e seus interlocutores CAPÍTULO 5 – O ESPAÇO DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS E SUAS REPRESENTAÇÕES: AS MODALIDADES DE ATUAÇÃO DO SUJEITO INSTITUCIONAL 5.1 O Mundo da Engenharia e a Emergência da “Questão Ambiental” 5.2 O Discurso Institucional e suas Falas CAPÍTULO 6 – TENDÊNCIAS EMERGENTES A PARTIR DA REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO: COMENTÁRIOS GERAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS 18 BARBOSA, Nair Palhano. Setor Elétrico e Meio Ambiente: a institucionalização da "questão ambiental". Rio de Janeiro, 1990, 229p. Tese de Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro. RESUMO Esta pesquisa tem como objeto de estudo a análise da trajetória da questão ambiental no planejamento das políticas governamentais. Para isso, resgatou o processo histórico de emergência e institucionalização do debate sobre o meio ambiente no Setor Elétrico, observando, principalmente, as mudanças ocorridas no âmbito de sua estrutura organizacional e do planejamento de seus empreendimentos. Como Setor Elétrico, compreende-se a rede de interesses e relações sociais que sustenta o conjunto de políticas que tem como eixo a geração, transmissão e distribuição de energia, rede essa que pode extrapolar ou não os contornos de sua estrutura institucional. Ao longo dos estudos realizados para a elaboração desta tese, a questão ambiental foi entendida, ao menos liminarmente, como o conjunto de problemas, diagnósticos, situações, planos, programas e ações de um modo geral, assim como formas institucionais que, explicitamente, referem o meio ambiente como seu objeto, causa ou objetivo de constituição ou justificativa. A pesquisa que subsidiou o trabalho aqui apresentado foi orientada por procedimentos metodológicos característicos das análises institucionais e dos estudos sobre representações, e utilizou como fonte de informação a documentação disponível sobre o Setor Elétrico, e por ele produzida, e as informações obtidas através da realização de entrevistas e questionários com pessoas direta ou indiretamente envolvidas com o tema. Esse procedimento permitiu observar que o tratamento da questão ambiental no Setor Elétrico experimentou momentos que variaram segundo seu grau de internalização nas diferentes etapas dos empreendimentos do setor, bem como, na formulação de sua política institucional. 19 BARBOSA, Nair Palhano. Setor Elétrico e Meio Ambiente: a institucionalização da "questão ambiental". Rio de Janeiro, 1990, 229p. Tese de Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ABSTRACT The purpose of this research is to study the trajectory of the environmental question in the planning of government policies. For this, the historic process of the emergence and institutionalization of the debate over the environment in the electric sector was redeemed, mainly observing the changes that occurred in the organizational and planning structure of projects. The Electric Sector is understood to be comprised of the network of interests and social relationships that sustain the set of policies whose principle axis is the generation, transmission and distribution of energy; this network may or may not be extrapolated beyond the design of its institutional structure. During the course of the studies carried out to prepare this thesis, the environmental question was understood, at least in a preliminary fashion, to consist of a general set of problems, diagnoses, situations, plans, programs and actions, as are institutional forms that explicitly refer to the environment as their subject, cause or objective for being or their justification. The research that the work presented here was based upon was oriented by methodological procedures that are characteristic of institutional analyses and representation studies, and used documentation available about and produced by the Electric Sector as a source of information as well as interviews and questionnaires with people directly or indirectly involved with the topic. This procedure allowed for the observation that the treatment of the environmental question in the Electric Sector underwent moments that varied according to the level of internalization during the different stages of the sector's projects, as well as during the formulation of its institutional policy. 20 LISTAS DE ILUSTRAÇÕES QUADROS QUADRO TÍTULO PÁGINA Quadro 4.1 Classificação dos Sub-campos 119 Quadro 4.2 Investimentos para a Proteção do Meio Ambiente 138 Quadro 5.1 Efetivo Pessoal nas unidades de Meio Ambiente 1986 195 Quadro 5.2 Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas – agosto 1989 196 Pessoal de Nível Superior lotado nas unidades de meio ambiente - 1986 196 Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas, por áreas de atuação – agosto 1989 197 Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por nível técnico 197 Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por área de atuação 198 Quadro 5.3 Quadro 5.4 Quadro 5.5 Quadro 5.6 21 LISTA DE SIGLAS ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica CCMA _ Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás CESP - Companhia Energética de São Paulo CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica CEPEL - Centro de Pesquisa de Energia Elétrica CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CHESF - Centrais Hidrelétricas do São do São Francisco COMASE _ Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico CONAMA –Conselho Nacional de Meio Ambiente CONSISE _ Conselho Superior do Sistema Eletrobrás COPEL - Centrais Paranaense de Eletricidade DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica EIA – Estudo de Impacto Ambiental Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A. ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte ELETROSUL - Centrais Elétricas do Sul FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente FURNAS - Centrais Elétricas de Furnas GCPS_ Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos GCOI _ Grupo Coordenador para Operação Interligada 22 IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis LP – Licença Provisória LI – Licença de Instalação L.O . – Licença de Operação MME - Ministério de Minas e Energia PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente PROCEL _ Programa Nacional de Conservação de Energia RIMA – Relatório de Impacto Ambiental SEDUR – Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente SEMADS – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável SEMAM – Secretaria Estadual de Meio Ambiente SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente SLAP – Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras UNE - União Nacional dos Estudantes ONS – Operador Nacional do Sistema 23 APRESENTAÇÃO Este estudo tem como objetivo discutir a presença da questão ambiental nas políticas governamentais, observando-a no planejamento dos empreendimentos do Setor elétrico brasileiro. Como questão ambiental entendese, ao menos liminarmente, o conjunto de problemas, diagnósticos, situações, planos, programas e ações de um modo geral, assim como as formas institucionais que, explicitamente, referem-se ao meio ambiente como seu objeto, causa ou objetivo de constituição ou justificativa. Para a realização da pesquisa que subsidiou a elaboração desta tese, privilegiou-se a discussão da questão ambiental a partir do seu reconhecimento como representação que, simultaneamente, remete a um conjunto de lutas sociais e a esquemas classificatórios responsáveis pela organização da realidade social. Nessa perspectiva, analisou-se um conjunto de lutas no interior do Setor Elétrico, entendidas como momentos da constituição do campo ambiental, revelador da disputa por formas e condições de apropriação material e simbólica de uma determinada base de recursos territorializados. Observou-se também como essas lutas são referendadas por noções diversas de meio ambiente que remetem a modalidades especificas de apropriação do território, e como os diferentes sujeitos no espaço institucional relacional e no campo ambiental desenvolvem estratégias discursivas capazes de orientar e legitimar formas de domínio sobre os recursos do território. O Setor Elétrico brasileiro foi escolhido como universo desta investigação em decorrência não só de sua importância no âmbito do conjunto de políticas governamentais, como também a partir do reconhecimento de sua 24 intensa atuação nas discussões sobre meio ambiente, seja sistematizando suas experiências, seja participando regularmente do debate no Campo Ambiental. Para a observação da atuação do Setor Elétrico brasileiro nas discussões sobre meio ambiente, privilegiou-se a análise do período entre o inicio da década de 80 e a primeira metade dos anos 90, assim como a observação da atuação dos Departamentos de Meio Ambiente de algumas das empresas integrantes do Sistema Eletrobrás: Centrais Elétricas do Sul (ELETROSUL), Centrais Hidrelétricas do São Francisco (CHESF), Centrais Elétricas do Norte (ELETRONORTE), Centrais Elétricas de Furnas (FURNAS) e Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A. Além disso, reconstituiu-se todo o processo histórico de discussão da temática, observando momentos distintos: o dos primórdios da discussão, quando o tema meio ambiente apareceu de forma pontual e esporádica nos principais documentos do Setor Elétrico brasileiro; aquele no qual se instaurou o debate ambiental em torno da política de geração, transmissão e distribuição de energia; e o da incorporação da questão às formulações do Setor Elétrico brasileiro, quando já era possível identificar, em seus documentos oficiais, propostas de diretrizes para o tratamento da temática . Como fonte de informação, a pesquisa realizada utilizou a seguinte base de dados secundários: • a documentação oficial do Setor Elétrico brasileiro sobre meio ambiente, incluindo o material destinado a Seminários (internos e externos) e/ou à normatização do setor no que se refere ao tema; 25 • a bibliografia disponível sobre a política ambiental do Setor Elétrico brasileiro, produzida por especialistas de universidades e de empresas de assessoria/consultoria; e • a literatura produzida pelos órgãos de financiamento multilaterais, pelas ONG’s, pela CRAB (Comissão Regional de Atingidos pelas Barragens) e outras entidades civis sobre as experiências do Setor Elétrico brasileiro, no que se refere à temática ambiental. Com relação aos dados primários, estes foram obtidos com base nos 30 questionários aplicados junto aos técnicos alocados nos departamentos de meio ambiente das empresas integrantes do Setor Elétrico, incluindo a Eletrobrás, e nas 26 entrevistas semi-abertas realizadas com profissionais representantes dos diversos grupos que integram o nosso campo de investigação, no qual destacam-se: os representantes do Setor Elétrico brasileiro, direta ou indiretamente, envolvidos com o planejamento de suas políticas, incluindo aqui seus consultores, integrantes e/ou participantes dos diferentes grupos sociais envolvidos com essa temática. Para a análise desse material, utilizou-se a Técnica da Análise do Discurso, uma modalidade de investigação que considera o discurso como sistema-suporte de representações ideológicas e, enquanto tal, sua análise passa necessariamente pela observação de suas condições de produção. Optou-se ainda por identificar os entrevistados segundo o lugar institucional ocupado (técnico, gerencia de projeto, chefia de departamento, execução de projetos/obra) e, quando necessário, segundo a identificação de sua área de atuação, de acordo com a classificação usualmente utilizada pelas empresas do setor (Meio Físico, 26 Meio Biótico e Meio Social) e as condições de sua trajetória institucional (ingresso no setor elétrico através da área de meio ambiente, em função de sua criação ou para ela transferido de outros setores). Com relação aos consultores que prestam ou prestaram serviços às empresas do setor elétrico na área de meio ambiente, estes foram identificados segundo sua inserção empresarial ou institucional (consultores vinculados a empresas de consultoria ou consultores vinculados às universidades e /ou entidades de pesquisa). Os resultados decorrentes da pesquisa realizada são apresentados nos seis capítulos que constituem esta tese. Inicialmente, no Capitulo 1, apresentamse os principais referenciais teóricos e metodológicos que orientaram a realização desta tese. No Capítulo 2, tem-se uma análise do contexto político institucional de emergência da temática do meio ambiente como alvo de políticas, planos e ações governamentais, bem como objeto de mobilização de diversos segmentos sociais. Em seguida, o Capítulo 3 concentra-se na descrição da estrutura organizacional do Setor Elétrico brasileiro, destacando, em seu interior, a observação do processo histórico de emergência e a consolidação da temática do meio ambiente. No Capítulo 4, apresenta-se o detalhamento do Setor Elétrico brasileiro nos termos da análise do discurso de seus técnicos sobre os principais eventos que marcaram o debate sobre a questão ambiental e sobre os principais temas que orientaram esse debate, enquanto que o Capitulo 5 é dedicado a analisar o perfil do profissional do setor, observando os principais referenciais ideológicos constitutivos de sua prática profissional. 27 Finalmente, no Capítulo 6, são apresentados alguns comentários gerais que, à guisa de conclusões, enunciam as principais indicações sobre o tratamento dispensado pelo setor elétrico à temática do meio ambiente a partir de sua atual reestruturação. 28 CAPÍTULO 1 O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO A pesquisa realizada para a elaboração desta tese privilegiou a utilização de referências teórico-metodológicas capazes de possibilitar a compreensão da distribuição de poder em torno da questão ambiental, no âmbito das políticas governamentais e, mais especificamente, no interior do setor elétrico. Nesses termos, desenvolveu-se uma reflexão teórico–conceitual centrada: • na análise institucional voltada para a compreensão da estrutura funcional/hierárquica do Setor Elétrico brasileiro, observando seus processos hegemônicos e destacando seus rebatimentos nos termos dos conflitos e contradições que ali se expressam, e que permitiram a visualização da concorrência formuladas de interesses pelos diferentes opostos e sujeitos representações e/ou grupos não consensuais participantes - a disputa/confronto como elemento constitutivo e organizador; e • no estudo sobre as representações de meio ambiente presentes no Campo Ambiental, representações estas que, enquanto tal, estão sujeitas a várias formas de interpretação, transformando-se, desse modo, em unidades de poder. 1.1 Relações Institucionais como Objeto de Reflexão Embora o estudo realizado não possa ser considerado como uma análise institucional típica, foram utilizadas algumas referências teóricas e conceituais próprias dessa análise. A análise institucional clássica, freqüentemente, destaca abordagens que privilegiam os processos ideológicos e 29 de poder em instituições concretas. Um conjunto de autores tem trabalhado as questões institucionais, seja a partir de uma visão sistêmica (estruturalfuncionalista), seja a partir do enfoque histórico-estrutural de orientação weberiana ou marxista. Dentre os diferentes enfoques, privilegiou-se, nesta pesquisa, uma discussão centrada na observação da dinâmica institucional do Setor Elétrico brasileiro, tendo como horizonte de reflexão sua presença no campo do debate ambiental, ambos (espaço institucional e campo) compreendidos como espaços expressivos de uma rede de interesses e de relações sociais que sustentam e discutem um conjunto de políticas voltadas para a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Desse modo, a investigação da dinâmica institucional do Setor Elétrico brasileiro concentrou-se na observação dos modos de poder no interior do espaço institucional. Nessa perspectiva, considerou-se a noção de poder tal como foi tratada por Gramsci - através do conceito de Hegemonia e do privilegiamento da noção de contradição, especialmente quando observado o lugar institucional do meio ambiente no interior do Setor Elétrico e, a partir daí, no Campo Ambiental. Entendida como poder político, a Hegemonia (Macciochi:1974) é compreendida enquanto prática freqüentemente recomeçada e contraditória, pois objetiva instituir como Universal uma Ordem que é particular. Esse processo, que concretamente se realiza no interior de um conjunto de instituições civis e políticas, ao permitir a identificação do que é geral (dominante) com o que é universal (necessário), demanda uma rede de práticas sociais voltadas para a repressão e/ou para a busca de consenso. Isso permite observar a existência de 30 brechas para a emergência da ordem concorrente, freqüentemente identificada como desvio/desordem ou subversão/contra-hegemonia. Levou-se em consideração que o espaço institucional envolve saberes e práticas, remetendo ambos a aspectos fundamentalmente políticos que associam estratégias de luta entre grupos e classes sociais constitutivas do conjunto de relações institucionais que se deseja investigar. Nesse sentido, a noção de Hegemonia foi extremamente útil na reflexão sobre como ocorre, no âmbito das relações internas e externas do Setor Elétrico brasileiro, a luta política em torno das questões ambientais nos diferentes momentos de sua institucionalização. Também ajudou a esclarecer como acontece o processo no qual o bloco (grupo) no poder aciona dadas estratégias e se organiza para universalizar este poder. Esse processo é revelador de contradições expressivas, de oposições e resistências. Na realidade, a noção gramsciana permitiu observar as formas de elaboração da contra-hegemonia como um novo poder que não se afina, total ou parcialmente, com o poder dominante, revelando significativas arestas. A escolha desta abordagem possibilitou perceber a forma como, historicamente, se organizou a Ordem Ambiental no interior do Setor Elétrico, se é que se pode assim nomear o tratamento dispensado ao meio ambiente, e também como esta ordem foi construída e quais são os seus elementos principais. Além disso, permitiu a observação das contradições principais e mais explícitas desta Ordem, e como os diferentes grupos lidam com elas, simultaneamente, respondendo aos seus desafios, tendo em vista o projeto/proposta mais geral de poder (hegemonia). Na realidade, conhecer o papel político de uma dada 31 instituição ou de um conjunto de relações institucionais é saber como se dá o estabelecimento da Hegemonia e, conseqüentemente, como ocorrem as resistências a serem enfrentadas nesse processo e os meios institucionais (ou não) de que os diferentes grupos podem lançar mão para controlá-la e/ou dominála. Nesta tarefa, observou-se o lugar do técnico como porta voz (ou não) dos conteúdos hegemônicos. Utilizou-se, também, a noção de Gratificação Simbólica de Bourdieu, de modo a poder identificar como ocorre o processo de reconhecimento do trabalho técnico/intelectual pelas instâncias de legitimidade política e cultural no espaço social, objeto das reflexões aqui propostas. A apreciação do papel dos técnicos do Setor Elétrico no espaço institucional e no Campo Ambiental foi possível com a observação, segundo Bourdieu, de que os intelectuais/técnicos são profissionais especialistas na produção de um sistema ideológico necessário à luta pelo monopólio da produção ideológica legítima: As ideologias devem sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística, etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não especialistas. (Bourdieu,1989) Desse modo, pode ser observado que a diversidade do campo ambiental expressa a produção do conhecimento técnico e das idéias, identificando posições, especialmente aquelas situadas nos interstícios da estrutura de relações, que o constituem. Isto permitiu a percepção da existência 32 de espaços compartilhados1 reveladores da intelligentsia institucional e portadores, ao mesmo tempo, do olhar crítico (o sentido do olhar que está dentro e fora) como também da legitimidade formadora de opinião. No âmbito dessa discussão, foi possível compreender como circulam pelos espaços institucionais diferentes quantidades de Capital Simbólico que dão conta do discurso instituído - o Discurso Competente - que ratifica quem está autorizado a dizer o quê: “o discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem". (Chauí, 1981) A competência revelada permitiu, simultaneamente, identificar instâncias ou sujeitos reconhecidamente autorizados, e observar, no âmbito das relações institucionais do Setor Elétrico, como ocorre a definição de competências, com relação à produção de um saber específico - no caso, um saber que remete à questão ambiental, e sua passagem de instituinte à condição de saber instituído. Um saber (conhecimento) elaborado no âmbito de um conjunto de enfrentamentos e de compromissos permanentemente atualizados. Além disso, observou-se como o saber ambiental produzido pelo Setor Elétrico brasileiro foi construído e institucionalizado em meio a disputas com os demais saberes (da engenharia, da economia, das ciências sociais, do planejamento etc.), cada um considerado em sua positividade, ou buscando relações reveladoras da articulação de compatibilidades ou incompatibilidades relações responsáveis por regularidades que individualizam as formas discursivas desse saber ambiental . Observou-se também como o saber ambiental passou a 1 - Adotando as sugestão de Manheimm para pensar o lugar da “intelligentsia”. 33 dispor de um arcabouço organizacional capaz de legitimá-lo no interior do Setor Elétrico. Considerou-se que a estrutura organizacional disponível para isso é portadora da crença na existência de um sistema de autoridade fundado numa dada hierarquia e acionado segundo parâmetros racionais; ou seja, uma estrutura organizacional e funcional que, de certo modo, serviu para delimitar campos de poder e de saber, colocando cotidianamente a convivência entre os discursos de poder e o discurso do conhecimento (saber) - discurso de um burocrata e discurso de um não-burocrata. Desse modo, a hierarquia organizacional constituiu pontos específicos de maior ou menor prestígio e de maior ou menor eficiência; lugares que, neste caso, têm como mediação a convivência institucional, o saber ambiental e indicaram de que forma a competência instituída (ou institucional) tendeu a se construir em múltiplas nuanças e a forjar regras e normas nesse processo. Nesta perspectiva, privilegiou-se o discurso dos ideólogos - técnicos/intelectuais - do Setor Elétrico brasileiro, observando, simultaneamente, o lugar que ocupam no contexto das relações institucionais que sustentam a concepção e a implementação de políticas, planos e ações, assim como na esfera da circulação do produto do trabalho intelectual. Para finalizar, tem-se a contribuição da noção de campo de Bourdieu, aqui já comentada. Esta noção permitiu compreender como ocorreram as relações entre as diferentes instâncias constitutivas do Setor Elétrico, e entre estas e seus interlocutores, cada qual portador de capital simbólico e referente a espaços sociais específicos - o espaço das políticas governamentais, da ação ambiental civil pública, da produção de um saber especializado, dos movimentos 34 sociais etc. Isto porque, do mesmo modo que a percepção da estrutura do campo supõe a percepção a priori dos diferentes sub-campos que o constituem, também o esforço de entender a dinâmica do sistema de relações entre estes diferentes sub-campos - conferindo a cada um e ao campo como um todo particularidades irredutíveis -, não exclui a comparação entre sub-campos pertencentes a totalidades diferentes, como por exemplo, a instância de produção acadêmica que dá suporte técnico ao Setor Elétrico, mas também faz parte de um circuito de relações que não se esgotam somente nele. Conforme comentado, a dinâmica do campo dá-se em função da posição, na estrutura de distribuição de capital de autoridade, das diferentes instâncias que o constituem. Pois estas podem lançar mão do capital (saber) ambiental, e o fazem, na concorrência pelo monopólio do uso e gestão do território e dos recursos ambientais ali presentes. Além disso, a conservação do monopólio de um poder simbólico como autoridade depende de sua aptidão para se fazer reconhecer enquanto tal (autoridade) por aqueles excluídos desse debate. Na realidade, a partir da noção de campo, foi possível observar modalidades de comportamento e, com isso, identificar práticas e opiniões distintas e distinguíveis uma das outras, responsáveis pela demarcação de posições dentro do campo. Isto porque, na medida em que se constitui um campo, definido por agentes e disputas, estes agentes ocupam posições tradutoras de um grau de poder ou de autoridade que não necessariamente remete apenas ao debate ambiental, mas também à posição que ocupam no sistema relativamente autônomo das relações de produção intelectual. 35 Destacando a dimensão relacional e as diferenças, esta noção permitiu observar como se deram as lutas pela legitimação e pela competência, tendo em vista a distribuição de capital. Para Bourdieu (1989), tanto mais complexa a sociedade, tanto mais complexo é o campo de disputa das lutas simbólicas. Nele, os diferentes agentes e grupos são definidos, seja em virtude das posições relativas que ocupam, seja por uma classe precisa de posições correlatas e/ou adjacentes numa dada posição do espaço social. Posições que podem ser definidas em consonância com um “sistema multifuncional de coordenadas, cujos valores correspondem aos diversos valores das variáveis envolvidas num tempo determinado” (Bourdieu:1989). Essa abordagem permitiu perceber como ocorreu a distribuição dos diferentes agentes e grupos, e qual o volume de capital (econômico, social, cultural e político) de que dispõem. Foi destacado o capital simbólico que, para o autor, é tradução do poder de instauração de dadas representações que se tornam hegemônicas na totalidade do Campo. A utilização da noção de campo possibilitou, ainda, a compreensão de como, ao longo da década de 80, se constituiu um espaço cuja dinâmica e funcionalidade é orientada por situações, debates, ações, e/ou formas institucionais que, explicitamente, posicionam o meio ambiente como seu objeto, causa ou objetivo de constituição, ou justificativa. Além disso, auxiliou na observação de como diferentes atores e/ou grupos sociais se comunicam, e os principais traços dessa comunicação em torno do que se denominou questão ambiental. Os campos sociais são campos de força, mas também campos de luta para transformar ou conservar esses 36 campos de força. Os mais diversos campos, sociedade de corte, o campo dos partidos políticos, o campo das empresas ou o campo universitário, só podem funcionar na medida em que existem agentes que aí façam investimentos nos diversos sentidos do termo, que aí comprometam seus recursos e que se envolvam em seus móveis de luta, contribuindo assim, em função de seu próprio antagonismo para conservar sua estrutura e, em certas condições, a transformá-la. (Bourdieu:1982) Assim, o campo foi trabalhado como um espaço em permanente movimento, como uma dinâmica marcada pela permanente (re)configuração de novos espaços, sub-campos constituintes do Campo mais amplo, no caso o Campo Ambiental. Na realidade a operacionalização do conceito, quando da análise da emergência e trajetória da questão ambiental no planejamento do Setor Elétrico, possibilitou a apreciação de como espaços multifacetados são construídos a partir da mobilidade dos diferentes atores em torno de convergências e divergências, sugerindo, desse modo, a plasticidade das relações sociais no campo. A diversidade dos espaços institucionais que caracterizam a composição do Setor Elétrico, sobretudo no que diz respeito à especificidade dos diferentes sub-campos que o constituem e aos conflitos que os permeiam, estimulou o estudo da modelagem e rearranjos institucionais ocorridos a partir da década de 80, de modo a tentar compreender o significado dos seus conteúdos na tarefa de construção de uma política ambiental. Nessa perspectiva, foi possível iniciar a reflexão aqui apresentada, a partir da observação dos confrontos e disputas institucionais ocorridos no debate sobre a questão ambiental, considerando que essas lutas expressam, simultaneamente, as relações de poder e as representações diversas de meio 37 ambiente, traduzindo as duas modalidades distintas de apropriação, uso, gestão e controle dos recursos naturais e territoriais. Nesses termos, a noção de campo sustentou o esforço para compreender não só a dinâmica interna do Setor Elétrico, mas também a interlocução entre os seus integrantes e os diferentes participantes do Campo Ambiental, considerando a diversidade do espaço institucional formal, bem como a diversidade de suas formulações e ações, e as tensões daí geradas no processo de construção e institucionalização da questão ambiental nos termos da luta pelo mesmo território (e/ou por seus recursos ambientais). Essa luta é expressa através de representações diferentes - as representações dos diferentes sujeitos que participam do campo -, todas elas permeadas pelas razões2 do conflito. Com esta abordagem, pode-se observar que, neste contexto, as situações de conflito são parte da funcionalidade institucional em que os antagonismos, interesses e representações não consensuais, de certo modo, fornecem a matéria-prima para o processo de constituição de projetos em luta pela hegemonia. Com a realização desta pesquisa, pode-se distinguir a diversidade de representações construídas em torno do meio ambiente e em confronto no campo. Nesta tarefa, destacou-se a presença do conflito, de modo a tratar o meio ambiente como uma construção social historicamente datada e portadora de representações freqüentemente “acionadas em um campo de forças no qual interagem diferentes grupos sociais” (Bourdieu: 1989). 38 1.2 Meio Ambiente como Representação A perspectiva adotada nesta pesquisa privilegia a noção de conflito como estruturante do debate ambiental porque considera que, no campo de debate em torno desta temática, relacionam-se diversas representações de meio ambiente, todas reveladoras de formas especificas de apropriação, uso e gestão do território e dos recursos naturais. Nesses termos, tem-se, por exemplo, que a apreciação dos discursos referentes ao meio ambiente, elaborados por diferentes segmentos sociais, sugerem que a aparente convergência da reflexão entre desenvolvimento e preservação ambiental é falsa, pois, neste campo, circulam representações distintas de uma mesma temática, referentes a práticas distintas e por vezes concorrentes e/ou contrárias entre si. Na realidade, por detrás da idéia de natureza ocorrem lutas/disputas que remetem a relações de poder. Afinal, tratase de uma natureza transformada pela ação humana, o que sugere variações referentes às formas pelas quais é ou está sendo apropriada simbolicamente. Assim, tendo em vista que a natureza em si não existe - é uma abstração -, a noção de meio ambiente, ao falar de recursos que são apropriados/transformados, expressa também os processos que envolvem disputas - homens entre si - e representações - construções mentais acerca de si mesmo e de seu mundo. Dessa forma, por exemplo, a chamada dimensão biofísica do meio ambiente é resultado de uma dada forma de classificação. Considerando que devido à impossibilidade de encontrar a natureza em seu estado puro (intocada), as classificações ocorrem tendo em vista a apropriação, 2 - Estamos denominando de razões do conflito, as justificativas que os diferentes atores sociais têm para defender determinadas formas de uso, gestão e controle dos recursos ambientais e do território. 39 seja para depredar, seja para preservar - preservação para quê e para quem? - e, em ambos os casos, são expressivas de um valor de uso. Enquanto construção social, o meio ambiente fala de formas de organização social no território, formas de apropriação em função das quais ocorre um conjunto de lutas. Afinada com esta perspectiva, e observando o momento no qual o debate ambiental emerge, pode-se dizer que a construção do discurso ambiental dá-se justamente com mais força no momento em que o modelo de desenvolvimento capitalista se vê ameaçado.3 É no âmbito do questionamento deste modelo que a noção de ambiental é construída no interior de um processo de luta e de constituição dos sujeitos políticos, tendo como base de referência os contextos sócio-culturais específicos, nos quais esta luta se instaura. Isso indica que o discurso ambiental (ou os discursos ambientais) é, com certeza, um discurso mutante, pois evoca representações diferenciadas, visões de mundo diferentes. Logo, somente conhecendo a sua diversidade (que está associada a práticas e disputas), é possível apreender o seu sentido. A exemplo de Sahlins, pode-se dizer que pensar o meio ambiente é ter em vista que: A natureza está para a cultura como o constituído está para o constituinte. A cultura não é meramente a expressão da natureza, sob outra forma. Antes, pelo contrário, a ação da natureza se desdobra nos termos da cultura, isto é, sob uma forma que não é mais a sua própria, mas sim incorporada como significado. O que não consiste numa mera tradução. O fato natural assume nova forma de 3 - A crise do petróleo, por exemplo, revela a escassez deste recurso, bem como os impasses decorrentes das formas de sua apropriação. Além disso, a referida crise provoca o debate sobre a magnitude da produção, e alguns segmentos sociais elaboram um discurso no qual destaca-se a valorização da idéia de “ser pequeno”, idéia esta que, de certo modo, remete também à divisão do trabalho e à fragmentação da produção/globalização. 40 existência como fato simbólico; seu desenvolvimento e suas correspondências culturais são governadas já agora pela relação entre sua dimensão significativa e outros significados, em vez da relação entre sua dimensão natural e outros fatos. (Sahlins: 1979) Acrescente-se que pensar a questão ambiental passa, necessariamente, por compreendê-la como representação de lutas entre diferentes práticas e formas sociais de apropriação, uso e controle do território e, conseqüentemente, referente a processos de legitimação ou não das mesmas e dos atores sociais envolvidos. Não se pode desprezar o fato de que a lógica das relações simbólicas impõe-se aos sujeitos como um “sistema de regras absolutamente necessárias em sua ordem, irredutíveis tanto às regras do jogo propriamente econômico quanto às intenções particulares dos sujeitos” (Bourdieu, 1982) Tomando a economia como espaço institucional dominante que produz ao mesmo tempo objetos para sujeitos apropriados e sujeitos para objetos apropriados, pode-se perceber que, de certo modo, as determinações gerais da produção estão atreladas às formulações específicas da cultura, ou seja, existe uma dimensão simbólica que faz a mediação entre pessoas e mercadorias (pessoas/natureza) e pessoas entre si. Como sugere Gertz (1969): “Não só as idéias, mas também as emoções, são artefatos culturais do Homem” e, nesse sentido, ao investigar como a questão ambiental emerge como referência para o planejamento das políticas públicas, percebe-se como o meio ambiente é colocado a serviço de necessidades/interesses específicos, expressando conflitos e disputas. 41 Nesse sentido, a noção de conflito ambiental permitiu identificar como ocorrem, ao longo do tempo, as disputas em torno do acesso e controle dos recursos ambientais que interessam ao Setor Elétrico, e como estas disputas se expressam e se reproduzem no debate que os diferentes sujeitos travam, não só no âmbito do Setor Elétrico, mas também nas relações deste com seus interlocutores no Campo. Além disso, esta perspectiva permitiu observar de que modo se traduz o confronto entre as diferentes representações, revelando que quem conseguir construir a sua representação e passá-la como a mais legitima, dominará a disputa no Setor Elétrico. Como conflito ambiental, consideramos os conflitos que têm como centralidade os modos de apropriação e uso do território, que remetem à constituição dos sujeitos em meio ao processo de construção de identidades coletivas e envolvem uma diversidade de representações simbólicas e de interesses (de grupos ou classes). Dito de outra forma, a noção de conflito ambiental remete às formas de apropriação e uso dos recursos ambientais, à produção de representações acerca desse processo e às lutas a ele correlatas; ou seja, situa-se "no campo das relações que os diferentes grupos entretecem no espaço social, bem como das diferentes estratégias que elaboram com vistas ao embate pela apropriação, controle e uso dos recursos ambientais" (Vainer, 1993). A pesquisa realizada, ao caracterizar a atuação dos diferentes grupos que dialogam com o Setor Elétrico no Campo Ambiental, observou como a posição diferencial do setor nesta estrutura depende de seu peso funcional, que é proporcional à sua contribuição na configuração do campo onde se instaura este debate. O diálogo que ocorre neste espaço, freqüentemente, se dá, revelando atores em diferentes posições no Campo e portadores de capital simbólico, também diferenciado, que acionam o meio ambiente como discurso estratégico, 42 como expressão da luta entre grupos sociais pelo controle dos recursos ambientais: Se a resistência às obras pode ser vista pelo Setor Elétrico como obstáculo ambiental ao progresso da nação, os movimentos4 vêem na intervenção do Setor um processo de apropriação de recursos ambientais (terra, água) em benefício de um modelo de desenvolvimento que os exclui. (Vainer: 1993) Esta constatação permitiu indicar dois níveis articulados de discussão da temática: o primeiro remete ao Setor Elétrico, onde a luta pela construção e apropriação simbólica de poder se dá, levando em conta uma rede de relações, cuja territorialidade pode ou não extrapolar o debate ambiental. Aqui, o espaço social, caracterizado por unidades de capital determinado, é constituído pelas diferentes instâncias que compõem o quadro institucional do Sistema Eletrobrás e onde o ambiental pode ser compreendido como um esquema de percepção que remete a formas de disputa de poder. O segundo nível desta discussão remete ao Campo Ambiental onde se institui o debate e onde se atualiza a participação do Setor Elétrico como um de seus integrantes. Neste espaço, o meio ambiente é o único capital simbólico unidade de poder - a ser negociado. A compreensão da dinâmica e lógica desse campo passa, necessariamente, pela compreensão da (...) representação que os agentes se fazem do mundo social e, mais precisamente, a contribuição que aportam `a construção da visão deste mundo, através do trabalho de representação (em todos os sentidos do termo) que eles não cessam de realizar para impor sua visão do mundo ou a visão de sua própria posição neste mundo. de sua identidade social. (Bourdieu: 1989) 4 - O autor refere-se aos movimentos sociais, especialmente aqueles representativos das populações atingidas pelos empreendimentos do Setor Elétrico brasileiro. 43 Considerando que o universo de investigação desta tese está circunscrito ao âmbito do planejamento de uma dada política governamental - a política de geração, distribuição e transmissão de energia -, foi de fundamental importância investigar o significado da tarefa de planejar, contemplando as questões ambientais, assim como compreender como os atores institucionais lidam com a contradição entre um espaço instituído - o do planejamento - e um espaço pulverizado de lutas - o dos territórios, que tanto interessam ao Setor Elétrico, e como lidam com a aparente neutralidade (técnica) dos procedimentos adotados pelo planejamento, que findam por tentar despolitizar o debate, face ao objetivo do planejamento de se antecipar, arbitrariamente, aos antagonismos e tensões que a ele remetem. 44 CAPITULO 2 MEIO AMBIENTE, UMA “RAZÂO” INTRODUZIDA PARA ORGANIZAR E CONTROLAR O TERRITÓRIO Apresentação Este capítulo tem como objetivo apresentar uma breve retrospectiva da emergência do debate em torno do meio ambiente e seus desdobramentos nos termos da instauração e consolidação de espaços políticos, burocráticos e do aparato legal – institucional que expressam sua viabilização como instrumentos de controle e determinação das formas de gestão dos recursos naturais e do território. A partir da Conferência de Estocolmo (1972), considerada como divisor de águas para as discussões sobre o meio ambiente, este tema tornou-se, progressivamente, objeto de reflexão e razão para intervenção no campo das políticas governamentais. A constatação da finitude dos recursos naturais, ao colocar em xeque o modelo de desenvolvimento centrado no crescimento econômico acelerado, iniciou o debate sobre a possibilidade de desenvolvimento em moldes sustentáveis. Na esteira desse debate, a percepção dos problemas ambientais começou então a ser assumida, e sua conseqüência mais imediata foi a ampliação da discussão, de modo a aproximar diversos atores sociais: técnicos e pesquisadores de instituições públicas e privadas de produção de conhecimento, representantes planejadoras dos e movimentos executoras de sociais, agencias diferentes representantes políticos dos órgãos legislativos. e políticas empresas estatais governamentais e 45 Assim, a questão ambiental chega à esfera das políticas governamentais brasileiras, tornando-se um de seus temas relevantes. A compreensão desse processo demanda a observação das principais características do Estado e da sociedade brasileira. Isto porque o discurso ambiental, inicialmente emergente, pretende identificar no crescimento econômico e seu correlato processo de industrialização, ou na peculiaridade institucional e política da sociedade brasileira, os indicadores para os problemas ambientais do País. Dentre as principais características do Estado e da sociedade brasileira destacam-se: a no Brasil, a formação do Estado é anterior à existência de uma sociedade mais ou menos organizada, ou seja, sua construção dá-se de forma conflituosa e instável, no interior de um contexto onde as possibilidades de ação estatal estão condicionadas aos setores mais organizados da sociedade; a entre nós, o Estado define e impõe os limites para a formação de uma sociedade que, desarticulada e sem poder de negociação, não consegue estabelecer o diálogo com as instituições políticas e com o governo. Ou seja, expressa uma estrutura de poder concentrada e excludente, onde a organização do processo decisório é norteada por interesses particulares dos segmentos mais organizados e definida por conteúdos tecnocráticos formais e hierárquicos na solução dos conflitos (autoritarismo/corporativismo /burocratismo) a a tradição legalista do Estado e da sociedade nacional, historicamente, tem permitido que decretos, leis, portarias, resoluções e atos institucionais norteiem e dominem de tal maneira o País, que findam por comprometer a nitidez entre o público e o privado. 46 Como sugere Guimarães: Através da compulsão a regular e santificar com leis todo e qualquer da vida pública ou particular, por minúscula que seja, o estado assume também a característica de fonte inesgotável de poder e prestígio, servi-lo é antes de tudo servir a interesses individuais, de classe ou de partido, o que tem como conseqüência mais visível o eficaz processo de cooptação e controle social às custas do erário público - o resultado é bastante conhecido para dispensar maiores comentários: uma sociedade fortemente controlada, corrupção e distribuição de privilégios e favores (Guimarães, 1988, p. 253) 2.1 O Estado Brasileiro: Traços e Detalhes de uma Configuração Perversa Para a compreensão do comportamento brasileiro no debate sobre o meio ambiente iniciado na década de 70, com a Conferência de Estocolmo (1972), é necessário retomar as principais características do Estado Nacional e suas modalidades de atuação, principalmente nos termos das políticas governamentais definidas como prioritárias. Desse modo, para pensar o Estado brasileiro dos anos 70, sugere-se que a noção de Estado Burocrático Autoritário de O’Donnel (1996) oferece subsídios interessantes. Em sua definição, o autor destaca que se trata de um estado mais "abrangente", no que tange à sua responsabilidade e ao seu controle; "burocratizado", nos termos da "formalização e diferenciação de suas próprias estruturas”; "dinâmico", no que se refere às suas taxas de crescimento em relação as taxas do conjunto da sociedade; "penetrante", tendo em vista que subordina diversas áreas privadas da sociedade civil; "repressivo", virtual, se considerada a coerção de sua retórica e de sua ação; "tecnocrático", uma vez que confere grande peso ao corpo de especialistas voltados para a formulação e uso 47 de técnicas eficientes e para o primado da racionalidade formal; e, principalmente, intimamente articulado ao capital internacional. O Estado Burocrático Autoritário surgiu como resposta a um contexto marcado por crises e tensões socioeconômicas gestadas pela industrialização e por alterações na estrutura social no âmbito das elites, como também no que se refere às massas. Estas tensões decorreram do esforço de criar condições políticas e econômicas compatíveis com o investimento estrangeiro e podem ser observadas a partir do momento em que o estado perdeu progressivamente a “capacidade de controlar aliados e adversários, e sua crise evidente o deixou à mercê dos setores mais poderosos – internos e externos – operantes em sua sociedade” (O’Donnel, 1976: 23). Do ponto de vista da economia, isso pode ser apreciado num contexto caracterizado por taxas de crescimento declinantes ou irreais, queda brusca da inversão reprodutiva, mudanças intersetoriais de renda, fuga de capitais, crises constantes na balança de pagamento, inflação etc., caracterizando o momento que antecedeu a instalação do Estado Burocrático Autoritário como um momento de “empate social” (O' Donnel, 1976), onde “nenhum setor pode estabelecer uma dominação estável” e onde, freqüentemente, surgem “coalizões que embora não consigam impor suas preferências, podem bloquear a consecução das de outros setores” (O’Donnel, 1976: 24). Esse momento de plena turbulência é também chamado pelo autor de “pretorianização da sociedade”. Assim, o Estado Burocrático Autoritário advém da derrota política do setor popular e de seus aliados, como uma construção/sistema político nãodemocrático, ancorado numa coalizão entre tecnocratas de alto nível – civis e 48 militares (de dentro e de fora do Estado), em estreita associação com o capital estrangeiro. A coerência entre a estrutura política e o projeto econômico pode ser então percebida na constituição de uma elite, cujo exercício de poder deu-se nos marcos de algumas metas que, claramente, sintetizavam os propósitos do Estado Burocrático Autoritário. Essas metas podem ser visualizadas nos termos da reorganização do mercado, de modo a afastar os produtores considerados ineficientes (ou herdeiros da primeira fase da industrialização) - coincidentemente os capitalistas locais, em sua maioria -, como também no fim das eleições, dos partidos políticos e das possibilidades de participação econômica e política do setor popular e no disciplinamento da força de trabalho em sua relação direta com os empregados, através da subordinação das organizações de classe (sindicatos). Ao olhar desprevenido, o Estado Burocrático Autoritário surpreende, pois, diferentemente da perspectiva do autoritarismo tradicional, introduziu, numa velocidade estonteante, mudanças profundas e significativas nos diferentes níveis da vida social: Na realidade, não implicava menos que uma revolução capitalista, embora inicialmente fosse difícil reconhece-la, porque não se apresentava segundo o molde clássico de uma burguesia nacional como impulsora principal do processo. Sobretudo em uma primeira etapa que partia de um Estado debilitado pelo pretorianismo e de uma burguesia nacional cuja história era a de sua progressiva vinculação subordinada ao capital internacional, este aparecia como o principal agente dinâmico que haveria de impulsionar as novas inversões e aliviar as restrições impostas pela compressão da balança de pagamentos. (O’ Donnel1976 :33) 49 Um dos efeitos desse processo e talvez também o mais visível, pode ser observado na crescente estatização da economia, com a progressiva constituição do que alguns autores nomeiam de burguesia estatal que, de certa maneira, vem ao encontro das demandas do capital estatal, materializado na empresa pública, tomada como uma das formas pelas quais o capital se manifesta e se apoia durante determinadas etapas de sua expansão (Martins, 1977). Uma questão se coloca: teria de fato o Estado se tornado empresário neste processo, ou apenas, através de acordos políticos, tomado para si a empreitada de investir em áreas chaves para o pleno desenvolvimento capitalista da economia nacional? Não se pode esquecer que em países periféricos, tradicionalmente, o estatal e o privado, apesar de se localizarem no interior de um mesmo movimento (o movimento de acumulação de capital), relacionam-se de maneira específica. Isto porque atuam em função [...] do papel central, dinamizador e pré-condicionante que o elemento estatal desempenha em face de uma burguesia que, além de não ter se apoderado integralmente de todo o processo material da produção, não se unificou em termos horizontais, verticais e nacionais, nem se consolidou enquanto classe anteriormente à constituição do aparelho produtivo estatal. (Martins; 1977 : 11) Além disso, é importante que se destaque também que o processo de estatização envolve uma dupla determinação, compreendida de um lado, na definição do investimento estatal enquanto capital que deve atuar como tal e, de outro, como investimento que, enquanto público, está necessariamente em defesa de interesses específicos de classe ou de coalizões de frações de classe. Tal constatação nos permite sugerir, por exemplo, que o caráter empreendedor do 50 Estado Burocrático Autoritário esbarra na tradição patrimonialista do Estado brasileiro. Ou seja, os limites de sua atuação como empresário, de certa maneira, são dados pela presença dos recursos da cooptação como ingrediente das relações entre Estado e Sociedade. Na realidade, está-se querendo sugerir que embora seja possível reconhecer a face empreendedora do Estado como um traço diferenciador de outros momentos históricos, é fundamental reconhecer também seu papel de intermediador de interesses. Tendo como referência essa realidade, pode-se considerar a estreita articulação entre interesses empresariais estatais e interesses empresariais privados, de modo a perceber o lugar e a finalidade dos projetos estatais no quadro de injunções políticas que envolve o setor governamental e o setor estatal. Este último dando forma ao que Cardoso (1982) nomeou de “Anéis Burocráticos”, uma construção que interliga empresas públicas e diferentes órgãos da administração, na missão de realizar as necessidades da “ordem empresarial do capital”. Tudo isso permite dizer que na prática, a atividade das facções políticas é determinante no processo de tomada de decisões, o que faz com que as relações entre os grupos de interesse da sociedade civil e o Estado passem a se dar baseadas, principalmente, nos critérios e mecanismos de cooptação do que, é óbvio, nos mecanismos de representação. Dito de outra maneira, os que detêm o controle do aparelho de Estado indicam inúmeras pessoas para atuar no sistema de tomada de decisões; uma indicação cujo efeito dominó ocorre de modo a incluir tanto “as forças sociais mais poderosas”, como também os “setores das classes inferiores” (Cardoso: 1982) 51 Essas indicações remetem a formas de clientelismo que, no contexto dos quadros da marcam também a presença de uma elite técnica. A prática dos contatos diretos é aqui reforçada, assumindo um significado decisivo no contexto autoritário. Além disso, a própria estrutura corporativa se esforça para trocar sua base de recrutamento regional por uma nacional, o que demanda arranjos mais flexíveis, especialmente, do ponto de vista dos princípios hierárquicos organizativos. Esta situação contribui para um quadro no qual o setor privado, face ao Estado, apresenta uma tendência para a formulação de alianças que expressem a tentativa de transformar demandas pontuais em políticas concretas. Como resposta, as agências públicas, que refletem essas tensões nas relações com sua clientela, atuam no sentido de preservar sua autonomia frente às demandas burocracia administrativa, e pressões da sociedade e das diferentes esferas da burocracia. Nesse jogo de forças, o Estado transita pelo terreno da ambigüidade de ser empreendedor e, enquanto tal, defensor de uma lógica empresarial de maximização dos lucros e promotor do desenvolvimento capitalista, no sentido de orientador e gerenciador de um projeto. Em ambos os casos, sua vocação capitalista se confirma no sentido do fortalecimento dos interesses capitalistas privados. No caso do Estado Burocrático Autoritário, é nítido o privilegiamento de setores, bem como a influência de determinados grupos (elite e fração da burguesia). Isto porque o que está em pauta é um pacto de domínio básico entre as classes sociais ou frações das classes dominantes. Neste pacto, as classes dominantes fazem um esforço contínuo para articular seus objetivos diversos e, 52 ocasionalmente, contraditórios, através de agências e da burocracia de Estado – agências que atuam nos marcos da representação de interesses (ou de clientela). Foi nesse contexto que, no Brasil dos anos 70, o modelo de desenvolvimento econômico nacional consolidou um padrão de política governamental centrado na combinação entre a recriação de espaços, atribuindo a eles vocações específicas, e a realização de investimentos de grande porte (econômico e tecnológico). Os Grandes Projetos de Investimentos concretizaram, nesses termos, a política de gestão do território do Estado, traduzindo uma das formas oficiais de apropriação e reorganização do território como uma fonte de recursos a serem explorados. Nessa investida sobre o território, as referidas políticas construíram espaços demarcados do ponto de vista econômico e político; enclaves, cujo dinamismo era dado por relações estranhas aos lugares onde se instalavam, uma vez que eram dinamizados pela necessidade de produção e reprodução do capital industrial e financeiro de outras regiões e de setores representativos do desenvolvimento nacional. Do ponto de vista espacial, como nos sugere Vainer e Araújo (1992), esses projetos propiciaram a criação de “novas jurisdições territoriais” e se situaram em “espaços periféricos aos eixos do desenvolvimento nacional”, sem a pretensão de “responder a uma preocupação com a desconcentração das atividades econômicas”. Ao contrário, observou-se a "tendência à apropriação e mobilização produtiva de recursos naturais em benefício de circuitos de acumulação que, mesmo quando se capilarizam até os pontos mais distantes, tem sua lógica, dinâmica e comando determinados nos contextos nacionais e internacionais." Os Grandes Projetos de Investimentos, 53 como expressão da capacidade de intervenção do Estado no território, segundo suas prioridades, eram um modo de produção do espaço. Essas políticas desenvolveram-se num contexto marcado pela tensão entre o Estado fiador e organizador da dominação social, e o Estado como agente de interesses supostamente gerais. Os Grandes Projetos de Investimentos, no contexto do Estado Burocrático Autoritário, eram, então, uma modalidade de planejamento estatal orientada por um modelo de gestão territorial que privilegiava a apropriação de recursos locais em torno dos quais deveriam ser criadas condições para sua exploração no interior de um programa estratégico de caráter nacional - o Programa de Integração Nacional (PIN). Criado através do Decreto Lei n. 1106/70, o PIN era ilustrativo desta proposição ao revelar, dentre os seus objetivos, “o de integrar a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de desenvolvimento do Nordeste, rompendo um quadro de soluções limitadas para ambas as regiões” (Presidência da República, 1970). Tratava-se de uma política que abandonou a perspectiva das diferenças regionais para privilegiar a abordagem da totalidade nacional, onde não havia lugar para particularidades; ao contrário, as regiões eram apreendidas em razão de sua funcionalidade para o projeto nacional de Brasil Potência. Novos espaços eram, assim, (re)desenhados, tendo em vista atender as demandas do Estado na figura de seus diferentes setores ou Agências. O exemplo da política dos Grandes Projetos de Investimentos, aqui comentado para ilustrar a atuação do Estado Burocrático Autoritário, materializa a ação intervencionista e empresarial do Estado brasileiro na década de 70. Um 54 Estado que tomou para si a exploração direta de inúmeras e diferentes atividades produtivas e de serviços, criando uma estrutura na qual empresa e órgãos de sua administração direta adquiriram uma força política e econômica considerável, onde se destacou o fortalecimento da burguesia estatal – funcionários – e empresários, que articulavam, através de suas atividades, o setor estatal com o setor privado, conferindo força política e suporte institucional ao modelo de desenvolvimento adotado. Neste contexto, pode-se sugerir, em linhas gerais, que o debate sobre o meio ambiente no Brasil experimentou modulações que variaram da intervenção estatal, orientada para a definição de políticas determinadas, à resistência ao padrão de políticas governamentais implementadas – os Grandes Projetos de Investimentos, por exemplo – o que findou por provocar mudanças nas formas de atuação do Estado, de modo a se adaptar aos questionamentos emergentes que, progressivamente, foram consolidando o processo de redemocratização da sociedade brasileira. A breve contextualização do Estado brasileiro nos anos 70 aqui apresentada forneceu pistas úteis para a observação de como os processos comentados situavam-se na contramão do debate sobre meio ambiente daquele momento, e também serviu de horizonte para a reflexão sobre como o Setor Elétrico participou desse debate, considerando seu papel enquanto instância estatal executora de alguns Grandes Projetos de Investimentos. Não é objetivo deste Capítulo aprofundar esta discussão, mas sim tê-la como referência para o resgate histórico das mudanças ocorridas em torno do debate sobre o meio ambiente. Assim, as questões aqui comentadas sugerem 55 que toda e qualquer análise que se pretenda sobre o meio ambiente como orientação das políticas governamentais nacionais, não pode deixar de contemplar os traços mais marcantes da atuação do Estado brasileiro, especialmente no que se refere à presença da ordem patrimonialista, que abarca as dimensões pública e privada, promovendo um reordenamento burocrático que transcende o Estado burocrático. Nas palavras de Guimarães (1988, p. 255): [...] a burocracia estamental?, aparato administrativo e estado – maior da ordem patrimonial, não deve ser confundida com a burocracia estatal. A burocracia não constitui uma classe em si mesma, ainda que atue muitas vezes como delegada da elite. Pode parecer que atue acima das classes, mas não goza de autonomia em relação à sociedade. 2.2 O Meio Ambiente nas Políticas Governamentais: Antecedentes Históricos Apesar de classificado, na década de 70, como 8o País do mundo capitalista, o Brasil foi-se caracterizando, progressivamente, por uma das mais injustas distribuições de renda – os maiores níveis de concentração de renda entre as 32 economias capitalistas mais avançadas do mundo (Guimarães, 1988, p. 263) – e por um descaso para com as questões ambientais, de forma a povoar, com freqüência, o noticiário internacional5. Tendo como horizonte estas questões, destaca-se que a breve recuperação histórica da presença do meio ambiente nas políticas governamentais será conduzida de modo a destacar os principais fatos indicativos da configuração de um campo de práticas e idéias que, explicitamente, referem5 – A devastação da Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense, os efeitos da monocultura do Nordeste, eram alguns dos temas que, na época, povoavam a mídia. 56 se ao meio ambiente como seu objeto, causa e/ou objetivo de constituição ou justificativa. Inicialmente, para compreender a forma como esta temática foi introduzida no campo das políticas governamentais, faz-se necessário considerar não apenas as características do Estado brasileiro durante os anos 70, aqui já comentadas, como também o conjunto de acontecimentos que, desde a década de 50, provocaram mudanças significativas em todo o País e na sociedade brasileira. Os anos 50 tinham sido marcados, nas grandes cidades brasileiras, pelo crescimento do movimento operário, que levou à frente um vigoroso processo de luta cujos traços mais evidentes residiam na expulsão dos velhos pelegos do Estado Novo e nos mecanismos de reivindicação econômica e pressão política. Através de pactos sindicais, os trabalhadores urbanos apresentavam uma enorme disposição para unificar suas forças. Algumas organizações6 se consolidavam e começavam a provocar a desconfiança daqueles que temiam o rompimento dos limites institucionais da negociação salarial. Nas áreas rurais, a movimentação não era diferente. Nestes espaços, predominava a atuação das Ligas Camponesas que avançando, sobretudo nos Estados de Pernambuco e Paraíba, repercutiam em todo o País e ampliavam a sindicalização rural7. 6 - Dentre as organizações destaca-se a CGT. - Em 1963, era criada a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas e o debate político nacional assistia a emergência da questão da Reforma Agrária. 7 57 Naquele momento, ainda que meio dividido e temendo a instabilidade econômica, os segmentos urbanos marcaram sua presença no movimento social. Estudantes e intelectuais, aliados, assumiam posições favoráveis às reformas estruturais e desenvolviam uma vigorosa atividade de militância política e cultural. A União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, em plena legalidade, discutia as questões nacionais e as perspectivas de transformação que mobilizavam o País. Articulado com a UNE, tinha surgido em 1961, no Rio de Janeiro, o primeiro Centro Popular de Cultura (CPC), que colocava na pauta das discussões a definição de estratégias em prol da construção de uma cultura nacional e democrática. O conflito marcou a segunda metade da década de 60 no mundo todo, inclusive no Brasil. Nesse contexto, o ano de 1968 foi particularmente especial no que se refere à eclosão de movimentos radicais de contestação da ordem capitalista e, conseqüentemente, do estilo de vida por ela produzido. Uma breve retrospectiva desse momento sugere a ocorrência de um conjunto de acontecimentos internacionais indicativos da idéia generalizada de crise – crise da política, das instituições, da cultura ambiental, de governabilidade etc. Os limites deste texto desaconselham o detalhamento do conjunto de acontecimentos que marcaram a primeira metade da década de 60 no Brasil, mas sugerem a importância de se destacar, em linhas gerais, as modificações ocorridas a partir de março de 1964, com o golpe militar, e que, posteriormente, configurariam o Estado Burocrático Autoritário, aqui já comentado. Essas modificações provocaram o reordenamento da política econômica, no sentido do crescimento econômico acompanhado do prestígio internacional, ambos 58 baseados na modernização acelerada, na racionalização institucional e na regulação autoritária das relações entre as classes e os grupos sociais, destacando-se os setores associados ao capital monopolista ou a eles vinculados. Além disso, o modelo de desenvolvimento econômico e seu correlato modelo de urbanização geravam situações que, no futuro, dariam subsídios para o debate sobre o meio ambiente e a qualidade de vida das populações. Dentre as situações gritantes naquele momento, destacavam-se a ausência de controle sanitário da produção de alimentos, o lançamento dos detritos industriais nos principais mananciais hídricos e a ausência de saneamento básico na maioria das cidades. Diante desse quadro, não causou surpresa quando, durante o Governo Médici, uma campanha publicitária anunciou: “Bem vindos à poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrição, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos são dólares para o nosso desenvolvimento” (Gabeira, 1987, p. 175). Durante o regime militar, as questões referentes ao crescimento econômico contaram com a concordância da oposição, em cujas críticas localizavam-se as referências aos custos sociais, sem quaisquer alusões aos custos ambientais. Como sugere Viola (1987, p. 84), neste momento: Os debates sobre o modelo econômico brasileiro circunscreveram-se a três posições: a defesa do modelo de capitalismo selvagem vigente, a crítica realizada desde a oposição moderada agrupada no MDB – PMDB, que apontava na direção da instauração de um modelo de capitalismo de bem-estar que atenuaria significativamente as desigualdades socioeconômicas, e a crítica socialista que apontava a substituição do capitalismo pelo socialismo estadista como modo de resolver os problemas de miséria 59 das grandes massas. Poucos políticos ou economistas significativos de oposição (Celso Furtado, Fernando Gabeira, o ex-deputado Alberto Guerreiro Ramos) têm defendido um modelo de desenvolvimento que, além de resolver os problemas da desigualdade econômico – social, apontasse também ao equilíbrio ecológico. Pelo menos até o fim do regime militar, os movimentos ecológicos não tiveram nenhuma influência no debate político global sobre o futuro da sociedade brasileira. Dos 10 governos oposicionistas eleitos em 1982, somente um deles, o do Paraná, deu uma importância efetiva ao meio ambiente no equacionamento da agenda de políticas públicas. Os nove restantes mudaram de retórica em relação aos anteriores governos arenistas – pedessistas que depreciavam a questão ambiental, mas sem que isto significasse políticas efetivas correspondentes. A compreensão do cenário político dessa época passa pela consideração de alguns aspectos importantes na composição do projeto modernizador e que constituem os fundamentos da formulação futura do Projeto Geopolítico e da Doutrina de Segurança Nacional. São eles: (i) o capital industrial sozinho não é mais garantia suficiente para a soberania nacional, faz-se necessária a busca por autonomia tecnológica; (ii) é imprescindível a instrumentalização do território nacional de modo a se constituir as bases para a acumulação e legitimação do Estado. Do ponto de vista internacional, uma das primeiras reações aos acontecimentos do final da década de 60 ocorreu no âmbito do chamado Clube de Roma que reunindo cientistas, economistas, educadores, industriais e representantes do governo, iniciou uma discussão sobre alguns dos principais dilemas da humanidade, quais sejam: a contradição entre pobreza e abundância, a perda de confiança nas instituições, a deterioração do meio ambiente, as conseqüências da inflação etc. Das reuniões do Clube de Roma, resultou o conhecido Relatório Meadows (1970), que apresentou a proposta de “não 60 crescimento” para a sociedade humana até o ano de 2010. Uma proposta fundada na idéia de controle populacional e de manutenção da produção industrial média per capita em nível constante (crescimento zero). Este relatório, atribuiu ao "avanço tecnológico" o papel “messiânico” de preservar o meio ambiente e melhorar as condições de vida das populações (Meadows et alli,1978). Na realidade, o mito do progresso infinito nomeado por Eherenfeld (1992) como expressão da “arrogância humanista” começou a ser questionado a partir desse momento. Emergiu, então, um conjunto de propostas que alertavam para a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento em curso no mundo capitalista. Não é objetivo deste texto discutir a proposta de “crescimento zero”, presente no referido documento, mas sim registrá-la como um marco do início do debate sobre o meio ambiente. Dentre os debatedores dessa temática, destacase a presença de Celso Furtado, que desmascarou a dimensão ontológica que a noção de desenvolvimento econômico assumia em todo o mundo, especialmente no pós-guerra, e apontou para o risco de se encobrir com números, propostas portadoras de significativa carga ideológica. Pretende-se que os padrões de consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, sejam acessíveis às grandes massas da população em rápida expansão que formam o terceiro mundo. Esta idéia constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a revolução industrial. (Furtado, 1996, p.08) Sustentando e intensificando os questionamentos sobre o modelo de desenvolvimento econômico vigente tem-se a ocorrência, desde a década anterior, de alguns eventos considerados como catástrofes ecológicas: a intensa 61 poluição do ar durante três dias consecutivos de smog que, em 1963, matou, em Nova Iorque, 400 pessoas e, em 1966, causou mais 170 vítimas; o desastre ambiental no rio Cuyahoga que pegou fogo em 1966, em decorrência das imensas manchas de óleo despejado por indústrias sediadas em suas margens; o acidente com o petroleiro Torrey Canyon na costa Britânica que assustou toda a Europa (1967), e a contaminação da baía japonesa de Minamata (1968) que introduziu no dicionário médico a doença de Minamata, enfermidade advinda da ingestão de peixes contaminados por mercúrio. Essas ocorrências estimularam, por volta de 1968, na Suécia, a organização de uma Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, que só veio a acontecer em 1972, e que, conforme mencionado, é considerada um marco na institucionalização da discussão sobre o meio ambiente. O Plano de Ação resultante dessa Conferência questionava os principais fundamentos da doutrina do crescimento ilimitado, face à constatação do caráter limitado dos recursos naturais e da incapacidade do mercado de regular satisfatoriamente a exploração e a preservação desses recursos. Propunha também o aproveitamento racional dos recursos naturais em prol das gerações atuais e futuras, de modo a evitar prejuízos aos ecossistemas em virtude de sua exposição abusiva, ou em decorrência do lançamento no ambiente de substâncias perigosas. O documento destacava a importância de manter a capacidade produtiva da terra, de proteger os ecossistemas naturais, de ordenar o patrimônio de flora e fauna silvestres e de impedir o esgotamento dos recursos não renováveis. Além disso, sugeria um conjunto de medidas coordenadas internacionalmente com o objetivo, principalmente, de produzir conhecimento sobre as alterações verificadas no meio ambiente e seus efeitos sobre o homem. 62 No Brasil, pode-se sugerir que, até o início da década de 80, eram esparsas as referências ao meio ambiente no cenário da vida nacional, embora o tipo de desenvolvimento adotado já apresentasse evidências sobre suas contradições e limitações ambientais. Na realidade, as primeiras iniciativas governamentais no Brasil orientadas pela preocupação com o meio ambiente são pontuais e datam de 1960, quando um conjunto de municípios do ABC paulista criou a Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição do Ar e da Água CIPAA8. Posteriormente, essa Comissão deu origem à atual CETESB. Além desse registro, tem-se também a inauguração, em 1962, do Instituto de Engenharia Sanitária do Rio de Janeiro e da Guanabara, e a definição, em 1967, da Política Nacional de Saneamento, juntamente com a criação do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional para o Controle da Poluição Ambiental. Até a década de 70, a defesa do meio ambiente no País estava circunscrita a alguns segmentos sociais e às reivindicações de grupos ambientalistas, dedicados a questões pontuais tais como: a poluição de Cubatão, os desflorestamentos da Amazônia, os protestos contra o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, dentre outros temas específicos. Essa movimentação, de certo modo, acompanhava um conjunto de ações que aconteciam pontualmente em todo o mundo.9 Esse momento, que corresponde ao período denominado de milagre brasileiro, foi caracterizado por um crescimento que variava entre 9% e 10% e pela acentuada expansão do consumo de bens duráveis. Nesse contexto, não surpreende que, durante a Conferência de Estocolmo (1972), a posição brasileira, 8 - Essa Comissão estava articulada a WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO e a PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION – PHO. 9 Nos Estados Unidos, por exemplo, em comemoração ao Dia da Terra, grupos diferenciados em todo o país (sindicatos de trabalhadores, grupos de donas– de– casa, clube de pescadores, professores universitários 63 aliada a outros países em desenvolvimento, defendesse a prioridade do crescimento acelerado em detrimento da preservação ambiental. Nesse evento, os delegados brasileiros proclamaram que era a vez de seu país “se industrializar, e asseguraram às companhias multinacionais (...) que não havia problema em relegar toda essa poluição para o Brasil, desde que enviassem junto com ela as industrias e os empregos que a acompanham” (Yasley, 1992, p. 158). Resumidamente, a posição brasileira na Conferência de Estocolmo procurou defender o desenvolvimento a despeito da preservação ambiental e declarar que os países desenvolvidos deveriam arcar com o ônus da despoluição, e que a soberania nacional não poderia ser maculada em nome de interesses ambientais. Predominava, nesse momento, a idéia de que a “pior poluição era a miséria”, o que, de certo modo, justificava a opção de desenvolvimento econômico nos termos do crescimento acelerado. Os debates iniciados com a Conferência de Estocolmo desdobraram-se em várias áreas. À guisa de ilustração, tem-se que durante este evento, foi elaborado o documento “Declaração sobre o Ambiente Humano” que estabeleceu 23 princípios para a conservação e melhoria do ambiente, enfatizando o uso adequado dos recursos da Terra para assegurar ao homem as condições necessárias à melhoria da qualidade de vida. De forma particular, foi recomendado aos países o desenvolvimento de programas de Educação Ambiental. Naquele momento, foram firmados recomendações e princípios responsáveis pelo estabelecimento de leis, programas e tratados, bem como a etc.) organizam seminários e manifestações com o objetivo de discutir problemas e formular uma agenda comum de ação. 64 criação, em todo o mundo, de ministérios, secretarias e outros órgãos com preocupações ambientais. Um dos primeiros indícios da repercussão da Conferência de Estocolmo pôde ser observado no ano seguinte, quando foi criada, em outubro de 1973, através do Decreto nº 73.030, a Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA – órgão coordenado pelo Ministério do Interior.10 Também no âmbito da sociedade civil, surgiram movimentos que, inspirados na crise do petróleo (1973), desenvolveram campanhas de combate a ações prejudiciais ao meio ambiente. O Estado do Rio Grande do Sul destacou-se como aquele onde surgiu o maior número de entidades, destacando-se, dentre elas, a Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente Natural – AGAPAN. Dois fatos foram relevantes para a criação da SEMA: o primeiro, referente à aprovação, pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN), através de um dispositivo nomeado de “Exposição de Motivos nº.100/71”, de um documento elaborado pelo Itamaraty, e assinado pelo General João Baptista de Oliveira Figueredo11, que definia todos os aspectos relevantes para a ideologia oficial acerca das questões ambientais. Além disso, o documento indicava a necessidade do estabelecimento de uma agência especializada em negócios ambientais; e o segundo, relativo ao mau funcionamento de uma indústria de celulose na capital gaúcha que causava sérios problemas à população, provocando sua crescente mobilização, o que, naquele momento, ocasionava significativo desconforto para as autoridades. 5- No ano seguinte foram criadas a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), a Secretaria Estadual de Controle Ambiental (CECA) e a Federação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAN. 65 A SEMA tinha a responsabilidade de administrar e controlar diferentes aspectos do meio ambiente já distribuídos em 23 instituições federais, incluindo agências, departamentos e ministérios. Embora esta entidade tenha sido criada com a responsabilidade de implementar o uso racional dos recursos naturais no País, o contexto autoritário impôs sua atuação em marcos discretos. Na realidade, sua criação foi contraditória, pois seu lugar na estrutura administrativa do Governo Federal era inconveniente, visto que estava subordinada ao Ministério do Interior, executor da Transamazônica, estrada que atravessava a região Amazônica, objeto de interesse dos ambientalistas. É importante destacar o caráter autoritário da Carta Constitucional vigente na época (Constituição de 1967, que incluía redação orientada pela Emenda Constitucional de 1969, decorrente da promulgação do Ato Institucional nº. 5 de 1968). Pode-se sugerir que alguns temas12 que se tornariam relevantes no debate ambiental nas décadas seguintes, eram reconhecidos nessa Constituição como objeto da “Segurança Nacional”. De acordo com Loureiro e allii (1992: 2), a criação de órgãos explicitamente envolvidos com o controle e a regulamentação do meio ambiente foi orientada por alguns temas que são recorrentes no discurso brasileiro: “a necessidade de articular a temática ambiental às metas de assuntos internos do país e a crítica aos países industrializados, maiores poluidores e, ao mesmo tempo, resistentes a mudança na ordem econômica internacional”. 11 - O General Figueredo seria o Presidente da República no momento da elaboração da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) em 1981, que define os instrumentos e procedimentos para a política de meio ambiente. 12 Art. 8o em seu item XVIII, estabelece que entre as competências da União, caberia legislar sobre h) jazidas, minas, e outros recursos minerais; metalurgia, florestas, caça e pesca;” 66 Uma rápida avaliação da criação da SEMA sugere que o órgão foi criado sem, todavia, apresentar uma política de atuação, mas sim, com a intenção de promover o esvaziamento de toda e qualquer polêmica que pudesse impulsionar uma definição política para o setor. Este fato fez com que a regulamentação de seu decreto de criação demorasse dois anos para se efetivar. O modelo de funcionamento das agencias nacionais, nesse momento, aproximase daquele utilizado pela agencia americana de controle da poluição, The Environmental Protection Agency – EPA, criada em 1970. Segundo Guimarães (1988: 263): A SEMA foi criada, antes de tudo, para não fazer nada (...) a intenção do Governo ao criar o órgão não era formular uma política de meio ambiente, mas simplesmente esvaziar qualquer bandeira oposicionista que pudesse surgir nesta área, ainda mais por inspiração internacional, a partir de Estocolmo. Na realidade, a criação da SEMA, do ponto de vista do projeto político nacional de desenvolvimento, foi contraditória. Não se pode esquecer que, naquele momento, conforme já mencionado, o projeto nacional de desenvolvimento estava centrado nos Grandes Projetos de Investimentos. A criação da SEMA, portanto, nada mais era do que uma iniciativa para definir uma política de meio ambiente com vistas ao desenvolvimento, situação que, de certo modo, ocorria na contramão das discussões internacionais voltadas para o questionamento do modelo de desenvolvimento vigente. Ao longo da década de 70, outras medidas foram tomadas no sentido de atender a necessidade de normatização da questão ambiental; foram elas: a promulgação do Decreto–Lei nº.1.413, de agosto de 1975, que estabeleceu medidas de controle da poluição industrial e definiu os direitos dos Estados da 67 Federação e dos Municípios no que se refere à competência de cada um face aos problemas decorrentes da poluição industrial; do Decreto–Lei nº. 76.389, de outubro de 1975, e do Decreto–Lei nº. 1.413, que estabeleceram definições, competências e especialidades de 13 áreas identificadas como críticas no que tange à poluição industrial e, finalmente, do Decreto nº 81.107, de dezembro de 1977, regulado pelo Decreto–Lei nº. 1.413, que definia quais indústrias eram relevantes para o desenvolvimento e a segurança nacional. Acrescente-se a este arcabouço legal o fato de ainda vigorarem, nessa época, o Código de Águas (1934), o Código Florestal (1965), o Código de Caça e Pesca (1967) e o Código de Mineração (1967). No contexto internacional, novas iniciativas deram prosseguimento às discussões sobre meio ambiente. Numa promoção da UNESCO/PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), por exemplo, realizou– se, em 1977, em Tbilisi, na Geórgia, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, mais conhecida como Conferência de Tbilisi, que determinou objetivos, funções, características, princípios e recomendações básicos para a incorporação da Educação Ambiental ao currículo. Além de oferecer uma definição de ambiente mais abrangente, destacou que a Educação Ambiental, apesar de não ser uma disciplina específica, deveria ser abordada num enfoque interdisciplinar: “(...) nessa reunião, em seu documento final, foram traçados de forma mais sistemática e com uma abrangência mundial, as diretrizes, as conceituações e os procedimentos para a Educação Ambiental “ (Guimarães, 1995, p. 19). 68 Além das Conferências Internacionais acima mencionadas, foram realizados outros eventos de menor abrangência, tais como o Seminário de Educação Ambiental para a América Latina (de 29 de outubro a 7denovembro de 1979, na Costa Rica), cujos assuntos discutidos tiveram como base os encontros internacionais já realizados, principalmente, o de Tbilisi e o de Bogotá. Uma das orientações que mais chamou a atenção nesse evento foi o conceito de meio ambiente, que assumiu uma dimensão mais abrangente, incorporando aspectos sociais, culturais e econômicos aos aspectos físicos e biológicos: O conceito de meio ambiente deve abranger os aspectos sociais, culturais, bem como os físicos e biológicos. Os aspectos físicos e biológicos constituem a base natural do ambiente humano. E as dimensões sócio – cultural e econômica definem as linhas de ênfase e os instrumentos técnicos e conceituais que habilitam o homem a compreender e usar os recursos naturais para as suas necessidades. (Dias, 1992, p.92) Nesse momento, no Brasil, a Educação Ambiental encontrava-se em um estágio embrionário. Somente a partir da década de 80, é que começaram a surgir trabalhos acadêmicos abordando a temática ambiental e, ao mesmo tempo, a sociedade começou a se preocupar com os problemas da degradação ambiental. Desse modo, a década de 80 pode ser considerada como um marco na história da organização em torno de temas e questões que reportam às formas de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais. Assim, para compreender esse processo faz-se necessário observar, de um lado, as iniciativas estatais no sentido da regulamentação desta temática e, de outro, o movimento de desmonte 69 do sistema de poder vigente, concomitante à crescente organização da sociedade brasileira. A partir da década de 80, vários movimentos sociais e sindicatos incorporaram a temática do meio ambiente às suas tradicionais demandas, enquanto que nas universidades, inúmeras disciplinas estimularam a pesquisa sobre este tema. Pode-se sugerir que começa, nesse momento, a tomar forma um campo em torno do meio ambiente, no qual transitam e debatem vários atores sociais portadores de interesses diversos, ao mesmo tempo em que na estrutura político–partidária, surgem os chamados verdes que começam a participar, a partir de 1982, das disputas eleitorais. Nessa ocasião, os movimentos sociais que emergiram, reivindicando participação e capacidade de negociação, eram, na maioria dos casos, representantes das populações excluídas do modelo de desenvolvimento adotado pelo Autoritarismo Brasileiro: Movimento Indígena, Movimento dos Sem Terra, Movimentos dos Atingidos pelas Barragens, Associações de Amigos e Moradores de Bairros, dentre outros. É interessante notar que, simultaneamente a esse processo, observa-se que, entre os anos de 1982 a 1983, o sistema de poder entra em crise. Este sistema, conforme já comentado, era marcadamente burocrático, autoritário e respaldado nos eixos tecnocráticos e militar, subsidiado pelo interesse da expansão capitalista em sua versão estatal e naquele correspondente ao conglomerado internacional ao qual se articulava uma burguesia local. A legalidade desse sistema era alcançada pela maioria parlamentar, e obtida e mantida através de medidas casuísticas, principalmente, 70 aquelas referentes ao jogo eleitoral, garantindo desse modo a direção soberana do Executivo sobre os demais poderes. Na realidade, o sistema parlamentar era condição para um grau suficiente de legitimação, assim como articulador, ainda que subordinado, no que se refere à retórica, dos outros segmentos das classes dominantes não integrados ao pacto social que constituía este sistema de poder. No primeiro semestre de 1983, eram visíveis os sinais de crise, quando, dentre várias ocorrências, o governo perdeu a maioria parlamentar, deixando cada vez mais nítida a ruptura das bases sociais do sistema. Até as eleições de 1982, a maioria parlamentar obrigatória pelo sistema sempre fora alcançada. Entretanto, a partir do ano seguinte, a cisão fez-se clara entre os segmentos legitimados pelas eleições de 1982, que se relacionaram, prioritariamente, com suas bases eleitorais (governadores e parlamentares) e o segmento legitimado pelo bloco de poder burguês democrático e militar. O principal desdobramento dessa situação pode ser apreciado na intensa crise interna no Partido do Governo (PDS). Essa crise de representação manifestou-se, especialmente, na relativa incapacidade dos partidos de assumirem a formulação de um programa político e econômico fundado em uma aliança com a sociedade. Historicamente, a fragilidade das relações entre sociedade e partidos – uma relação frouxa e instável bastante, compatível com o perfil do estado nacional aqui comentado -, tornava-se mais evidente face à emergência dos movimentos sociais. Durante o período autoritário, essa relação tinha-se fragilizado mais ainda, a despeito da seqüência de vitórias eleitorais da oposição – 1974, 1978, 1982. 71 A organização autônoma dos movimentos sociais com relação a estrutura político partidária intensificaria, nesse momento, a independência da sociedade em relação aos partidos, que estavam, até então, subordinados ao modelo institucional e que findariam por se transformar em estruturas incapazes de orientar o processo político nacional com o apoio da sociedade. Desse modo, criou-se uma situação na qual se tornou evidente a capacidade de mobilização da sociedade em torno da conquista do direito de cidadania, o que provocou, frente ao regime, o impasse de formular alguma estratégia que viabilizasse a reconstrução da autoridade do Estado. Esta situação tornou-se a questão central da relação Estado/ movimentos sociais, na medida em que estes últimos deixaram claro para o primeiro seu projeto de democratização popular fundado na autonomia da sociedade civil. Segundo Souza Lima (1983, p. 15), “rupturas na base social do poder implicam, portanto, em alterações substantivas no modo de articulação do Estado com o desenvolvimento capitalista dependente, com a rediscussão do espaço de poder e das funções de cada componente no interior da aliança dominante, dentro e fora do espaço estatal”. No âmbito desse processo, observam-se as iniciativas no sentido de regulamentar o tratamento a ser dispensado à questão ambiental que, progressivamente, emerge e vai se consolidando em meio às reivindicações da sociedade brasileira. Em 1981, a Lei 6.938 (agosto de 1981) definiu a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA. Uma comissão formada por 40 representantes dos partidos de oposição e do governo sustentava sua formulação. As reações contra o PNMA ocorreram logo após a sua aprovação no 72 Congresso Nacional. Enquanto o PNMA tramitava para a aprovação presidencial, a Confederação Nacional das Industrias encaminhava 13 vetos, dentre eles um que contestava a legalização dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA. Apesar desses vetos, o Presidente Figueiredo aprovou o PNMA, abrindo caminho para a criação, em seguida, do SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, que definiu vários níveis de responsabilidade administrativa, o que significa dizer que a proteção e a conservação do meio ambiente passaram a ser compartilhadas (da esfera federal à municipal). A partir do SISNAMA foi criado o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, uma estrutura superior do SISNAMA, com a atribuição de definir as diretrizes da Política Nacional de Meio Ambiente, assim como as normas e padrões para a regulação do uso racional dos recursos naturais. A composição do CONAMA previa a participação de representantes dos governos federal e estadual e de representantes de diferentes segmentos sociais. É importante destacar que a Política Nacional de Meio Ambiente introduziu novos dispositivos no contexto jurídico que cerca a questão ambiental no País, tais como a responsabilidade criminal das ações que provocam degradação no meio ambiente (Lei 7.347 de junho de 1985). Desse modo, ficaram estabelecidos os mecanismos da Ação Civil Pública de responsabilidade para as ações que causassem danos ao meio ambiente. Este fato inaugura a participação pública no processo de tomada de decisão no que tange às diretrizes e políticas ambientais do País. Com isso, se ampliou, a partir da década seguinte, o papel do Ministério Público como instância defensora dos interesses da sociedade que, embora definidos como difusos, remetem às chamadas violências ambientais, a 73 partir daquele momento resguardadas por legislação específica. A consolidação desse processo ocorreu em 1988, com a inclusão de um capítulo específico sobre Meio Ambiente na Constituição Federal13. Pode-se sugerir que, durante o regime autoritário, o CONAMA funcionou como um importante fórum de debate sobre os aspectos mais relevantes da questão ambiental, papel que foi, progressivamente, sendo esvaziado face ao processo de democratização da sociedade brasileira e o conseqüente surgimento de outras instâncias de discussão e participação. Posteriormente, em 1985, foi criado o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente para onde foi transferida a SEMA, situação que não alterou a atuação do Estado no âmbito do debate ambiental. O contexto da Nova República, iniciado no ano seguinte, marcou a defesa, no que se refere à retórica, da conciliação do crescimento econômico com uma melhor distribuição de renda. Apesar da criação, pelos governos anteriores, de instâncias formais de discussão da questão ambiental, estas instâncias apareciam ocupando um lugar secundário, tanto nos discursos quanto no planejamento das políticas governamentais. Desde 1986, pode-se identificar claramente um campo de forças políticas no qual o meio ambiente apareceu a reboque do desenvolvimento econômico preocupado com a justiça social – “tudo pelo social”. Desse momento em diante, os limites do debate político em torno do tema tenderam a se alargar progressivamente, elevando a problemática ambiental a preocupação de primeira ordem. Este fato sugere a consolidação da temática como mais um elemento no 13 Alguns aspectos referentes a Constituição Federal de 1988 permaneceram dependentes da regulação ou de leis específicas. E como a Assembléia Nacional Constituinte não foi apta o suficiente para resolver alguns desses impasses, a solução adotada foi a definição de leis complementares a serem negociadas com o Congresso Nacional. 74 jogo de forças políticas, especialmente nos momentos de confrontos e disputas pelo poder – nas eleições de 1986, a “questão ambiental” foi apresentada como diferencial político. É importante destacar que, naquele momento, essa temática extrapolava a fronteira dos Estados Nacionais, sendo um forte requisito, além de objeto de pressão, para financiamentos internacionais dos projetos públicos. Segundo Viola (1987, p. 84), o quadro político era constituído ainda pela posição conservadora (...) favorável a bloquear ou retardar ao máximo a instauração do capitalismo de bem-estar (...), a posição socialista favorável a uma rápida democratização socioeconômica através de um significativo avanço na estatização do sistema produtivo e uma drástica limitação do mercado como alocador de recursos (...) e na posição ecologista, favorável a um modelo de desenvolvimento que combine a democratização socioeconômica com a preservação ambiental, com ênfase na qualidade de vida e no consumo coletivo antes que no crescimento apenas quantitativo e no consumo individual. Contudo, pode-se também observar que foi a atuação de um conjunto de atores sociais, portadores de interesses variados, que conduziu o debate sobre o meio ambiente. Enquanto isso, no âmbito das formulações legais, o Conselho Nacional de Meio Ambiente regulamentava a obrigatoriedade de elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e dos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) – Resolução 001 de 23 de janeiro de 1986. Pode-se sugerir que a Resolução CONAMA resultou da luta política entre os novos líderes políticos chegados a partir da eleição de 1982, e os remanescentes do regime autoritário, presentes em algumas empresas do 75 Estado, tais como a Eletrobrás e a Petrobrás, e em algumas agencias federais e estaduais. Três anos mais tarde, a estrutura institucional do meio ambiente novamente se modificou com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) – Lei 7.735 de fevereiro de 198914 . Essa modificação repercutiu sobre toda a estrutura até então disponível para tratar do meio ambiente. O novo instituto abarcou as seguintes instituições: o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendência de Desenvolvimento da Borracha no Brasil (SUDHEVEA), a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Em julho do mesmo ano, a Lei 7.804 modificou o Plano Nacional de Meio Ambiente para ajustá-lo à criação do IBAMA e também à estrutura do SISNAMA. Com esta alteração, o CONAMA abandonou seu papel de consultor na formulação da Política Nacional de Meio Ambiente, função que passou a ser exercida pelo Conselho Superior de Meio Ambiente, instância formada por representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), representantes do Congresso Nacional e cinco representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs). Este Conselho foi extinto em março de 1990, quando a estrutura institucional foi novamente modificada com a reforma realizada pelo governo de Fernando Collor de Mello. É importante ressaltar que a criação desse Conselho significou um movimento de deslocamento da discussão sobre a Política Nacional 14 - O momento de criação do IBAMA é marcado por acentuadas pressões externas ao governo federal, face ao grande número de ocorrências de queimadas na Floresta Amazônica. A primeira resposta a essas pressões, que ameaçam comprometer os financiamentos internacionais, ocorreu quando o governo lançou o Projeto Nossa Natureza. 76 de Meio Ambiente do CONAMA, que, nesse momento, era considerado pelo Governo Federal como inoperante para o novo arranjo institucional. O principal desdobramento dessa modificação pode ser observado no maior controle da política nacional de meio ambiente pelo Governo Federal, na qual os Estados não estavam mais representados. Algumas mudanças aconteceram neste momento: o ambientalismo tinha avançado no cenário internacional e ocupava o lugar de destaque na agenda dos países que integravam o Grupo dos 7 (G-7). Na realidade, a preocupação com o meio ambiente, já era, nessa ocasião, um importante diferencial, principalmente quando se buscava financiamentos internacionais. O governo Collor, com o objetivo de ganhar a confiança da opinião pública internacional e garantir seu programa econômico liberal e internacionalizante, privilegiou a proteção ambiental em seus discursos. Além disso, a realização da UNCAD–92 no Brasil contribuiu para intensificar as políticas ambientais locais.15 Foram tomadas, nesse momento, algumas decisões importantes com relação à Amazônia, tais como a suspensão do programa de ferro gusa da Amazônia Oriental, a criação dos programas de monitoramento e fiscalização do desmatamento, a prorrogação da suspensão dos subsídios e incentivos fiscais para a agropecuária e os projetos de macro–zoneamento ecológico e econômico. No final de 1990, o governo fortaleceu sua imagem ao anunciar que, com relação ao ano anterior, as queimadas no início da estação das secas tinham diminuído em 50%. Outras medidas contribuíram para essa imagem positiva: o 15 - A Rio – 92 foi um acontecimento que repercutiu de forma positiva tanto na sociedade como no Estado brasileiro, e, de certa forma, a despeito dos inúmeros questionamentos que suscitou, contribuiu para consolidar a questão ambiental como referência para diversos segmentos sociais. 77 fim do programa nuclear dos militares na Serra do Cachimbo e a adesão do Brasil à política de não-proliferação nuclear.16 Segundo Viola (1994, p.9) , “o presidente Collor torna-se por alguns meses um homem confiável para o establishment ocidental, capital que deteriora-se rapidamente em janeiro de 1991, quando o Brasil não assume uma atitude militante na coalizão anti-iraquiana”. A outra face desse processo pode ser observada no fato de que o discurso em prol do meio ambiente não se fez acompanhar da reorientação orçamentária no sentido de favorecer políticas de preservação ambiental, embora algumas iniciativas tenham ocorrido.17 A queda do governo Collor mais uma vez modificou, no contexto das políticas governamentais, o lugar da questão ambiental. Apesar do governo seguinte (Itamar Franco) criar o Ministério do Meio Ambiente, a questão ambiental, em face da necessidade de recuperar a governabilidade do Estado e da sociedade, tornou-se demanda secundária. Na realidade, o apelo discursivo do meio ambiente foi, ao longo dos anos, traduzido em uma legislação considerada avançada e em políticas governamentais que, na maioria as vezes, se situaram entre a retórica e a regulamentação, estabelecendo, de um lado, um sistema de proteção ao meio ambiente, mas de outro, com dificuldades para fazer cumprir uma parcela significativa desta legislação. 2.3 16 Movimentos Sociais: Comentários Gerais -Esta adesão inclui um acordo de inspeção mútua com a Argentina que põe fim à corrida nuclear na América do Sul. 17 Projetos de conversão da dívida externa em conservação da natureza no limite de 100 milhões de dólares (Ministro da Economia Marques Moreira); projetos de despoluição (Rio Tietê, Baía de Guanabara, Rio Guaíba etc.) ; demarcação da Reserva Indígena dos Yanomanis, dentre outros. 78 Conforme já mencionado, a partir de meados da década de 70, observa-se a emergência dos Movimentos Sociais, compreendidos como (...)as formas de mobilização e organização inscritas, como elos ativos, entre os processos de reprodução social e a esfera pública. Desta maneira, os movimentos sociais possuem (...) uma dupla e indispensável existência que os articula tanto aos processos de construção do tecido social quanto, simultaneamente, ao campo dos conflitos políticos. (Ribeiro, 1991) Inúmeros estudos dedicaram-se à análise desse processo. Não é nosso objetivo inventariá-los, mas sim, destacar a importância desses novos sujeitos sociais que contribuíram de forma significativa na formulação de novas bases para o exercício da política. Dentre as muitas contribuições dos movimentos sociais para o processo de redemocratização da sociedade brasileira, destaca-se a tradução de problemas da vida cotidiana em questões políticas. Esses movimentos atualizaram antigas questões, dentre elas a contradição decorrente do conflito de classes e privilegiaram o domínio das relações sociais no cotidiano, como instrumento do exercício da política. Na realidade, politizaram seu cotidiano através da luta para a satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência (habitação, saúde, acesso à terra, lazer, saneamento etc.) e do privilegiamento de relações sociais tidas como primárias (relações de vizinhança, étnicas, de valores, sexistas etc.). Com relação à importância dos movimentos sociais para as políticas governamentais, tem-se que a partir de seu surgimento, impôs-se ao planejamento dessas políticas a necessidade de contemplar a dimensão local, fazendo com que as atenções passassem também a se concentrar nos microespaços constituídos não apenas em função de limites territoriais, mas, 79 principalmente, a partir de um conjunto de relações sociais que lhes confere identidade coletiva. Na realidade, o privilegiamento da dimensão local trouxe para a cena política aspectos da vida social até então não considerados como políticos, ao mesmo tempo em que revelou que o Estado, ou melhor, cada agência concreta do aparelho de governo estava presente no cotidiano das pessoas de maneira quase física. Dessa forma, a política surgiu com toda clareza sob os diferentes tipos de tensão e de controle, e as agências governamentais, seus membros e os políticos passaram a ter de se relacionar diretamente com a população. No caso do Setor Elétrico, esse processo fica muito claro quando se observa os movimentos surgidos na resistência pontual a empreendimentos específicos. Inúmeros movimentos veicularam lutas contra a construção de barragens em diversos pontos do País, sendo a Comissão Regional dos Atingidos por Barragens no Alto Uruguai o exemplo mais expressivo dentre esses movimentos, tornando-se um importante interlocutor do Setor Elétrico no processo de discussão da questão ambiental no âmbito de suas políticas. Os limites da proposta de investigação desta tese impedem o detalhamento da intensidade e das formas pelas quais os movimentos de resistência aos empreendimentos do setor elétrico têm-se organizado; inúmeros estudos tratam desta temática. Interessa às reflexões aqui apresentadas apreciar como acontece a interlocução entre o setor elétrico e esses sujeitos sociais, observando as relações de confronto e de aliança. 80 CAPÍTULO 3 SETOR ELÉTRICO : UNIDADE X DIVERSIDADE NA COMPOSIÇÃO DE UM TEMA Apresentação Este capítulo apresenta a organização do Setor Elétrico brasileiro, com destaque para as mudanças ocorridas em sua estrutura institucional a partir da necessidade de atender as questões ambientais e se inserir no debate sobre o tema. Além disso, em sua primeira parte, apresenta um breve resgate da história do Setor, de modo a se poder compreender sua constituição como rede de interesses e relações sociais. 3.1 O Setor Elétrico Brasileiro: Antecedentes Históricos Até 1930, a ação governamental, com relação aos serviços de energia elétrica, ocorria de maneira bastante pontual e desordenada. Na realidade, esses serviços eram organizados de forma local e estavam sob a responsabilidade de concessionárias privadas, a maioria de origem multinacional. Os grupos American & Foreign Power Company – Amforp (norte-americano) e Brazilian Traction, Light and Power – Light (canadense), exemplificam essa situação. A Light iniciou suas atividades em São Paulo em outubro de 1899, estendendo-as até o Rio de Janeiro seis anos mais tarde (maio de 1905). Controlada por um grupo canadense, a Light, em apenas dois anos (1899 a 1901), construiu sua primeira usina hidrelétrica, a Usina Edgard de Souza , no rio Tietê e, em 1908, a UHE Fontes, no Rio de Janeiro. A partir de então, a empresa 81 construiu várias usinas hidrelétricas entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Com relação à Amforp, esta empresa, controlada pelo grupo norte-americano Electric Bond and Share Company (EBASCO), estabeleceu-se no interior de São Paulo em 1924. Adquiriu, mais tarde, várias concessionárias que se encontravam em situação financeira difícil, consolidando sua atuação em uma única empresa: a Companhia Paulista de Força e Luz. Segundo Mielnik (1988, p: 19), a mesma estratégia foi utilizada na implantação dos interesses da EBASCO em outros Estados do Brasil, integrando-se o conjunto em uma empresa de supervisão e de administração denominada Empresas Elétricas Brasileiras (atual CAEEB) que atingia, em 1927, concessionárias nas principais cidades do pais, à exceção de São Paulo e do Rio de Janeiro. A estruturação da produção e a distribuição de energia elétrica no País, nos termos acima comentados, ocorreram progressivamente, no âmbito da iniciativa privada, sendo alteradas para uma estrutura institucional, onde a presença do Estado seria determinante. O primeiro momento de aproximação entre a iniciativa privada e o Estado ocorreu na criação da Comissão da Indústria de Material Elétrico (CIME), entre agosto de 1944 e agosto de 1946, e seu principal desdobramento pode ser apreciado em um relatório que recomendava a formação de uma indústria local de equipamentos elétricos. Dessa indústria deveriam participar as empresas Westinghouse e S. Morgan Smith. Contudo, essas recomendações só começaram a se concretizar durante a década de 50, com a instalação das empresas estaduais financiadas por recursos federais, responsáveis pela ampliação da capacidade instalada. Em contrapartida, as empresas privadas tomaram para si a atribuição da distribuição de energia. O 82 período de transição para esse compromisso foi extenso e corresponde ao período entre a proposta de criação da Eletrobrás (enviada ao Congresso Nacional em 1954) e sua constituição como empresa (junho de 1962). Desde os primórdios, a presença da iniciativa privada provocou algumas resistências. Em dezembro de 1907, quando foi encaminhado à Câmara dos Deputados o primeiro “Projeto de Código de Águas”, já se podia percebê-las. Este projeto manteve-se enquanto tal até a criação do Código de Águas, em 1934, que foi aprovado a partir do decreto do Governo Provisório de Getúlio Vargas, instaurado após o movimento conhecido como Revolução de 30. O Código de Águas incorporou as quedas d’água ao patrimônio da União (art. 147), devendo o seu aproveitamento industrial ser submetido à concessão por parte do Governo Federal (art. 139). Além disso, o referido Código foi fonte de radical conflito com a iniciativa privada ao definir que as tarefas das empresas seriam estabelecidas na base de serviços prestados pelo preço de custo (art. 180), e que o capital das empresas seria avaliado com base no custo histórico (art.180). O Código de Águas, ao impor o custo histórico18 como referencia para a avaliação do capital das empresas, tinha como alvo a contabilidade das concessionárias. Essa foi a primeira iniciativa no sentido de ordenar e regulamentar o aproveitamento de recursos hídricos no País. O Código de Águas expressava a aproximação entre a iniciativa privada e o Estado, ao definir regras para as concessões, que só seriam possíveis às empresas brasileiras ou organizadas no Brasil, mantendo os direitos já adquiridos (art. 195). 83 Ainda em 1934, a Assembléia Constituinte aprovou um texto constitucional que definia como domínio da União as riquezas do subsolo e das quedas d’água que, até esse momento, estavam vinculadas à propriedade da terra, no caso dos recursos minerais, e ao Estado, no caso dos rios. É importante destacar que a efetivação do Código de Águas ficou dependente de regulamentações durante cerca de 11 anos, apesar da existência de um organismo especifico, o Serviço de Águas, posteriormente transformado em Divisão de Águas. Na realidade, sua efetivação ocorreu apenas em 1945, depois de um significativo período de retração dos investimentos das concessionárias estrangeiras, e em decorrência do surgimento de um conjunto de problemas de racionamento devido à elevação do consumo de energia elétrica. Segundo Lima (1995), nesse contexto, a concepção do Código de Águas pode ser compreendida mais como um paradigma a ser seguido na ausência de um modelo para o tratamento da questão, do que como um elemento estruturador do desenvolvimento setorial. Entre a criação do Código de Águas e sua efetivação, em 1939, foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica – CNAEE. Esse Conselho, vinculado à Presidência da República, era responsável pela normatização e fiscalização dos serviços públicos de energia elétrica. É interessante destacar que o controle efetuado pelo poder público inibia os investidores privados em energia elétrica, tornando o setor incapaz de atender à demanda provocada pelo crescimento industrial, principalmente durante "Era Vargas". Neste contexto, foi criada pelo CNAEE a Comissão de 18 - O custo histórico correspondia ao custo original das instalações, menos a depreciação do capital. A iniciativa privada desconhecia esse custo e considerava apenas o custo da reprodução ou de substituição, 84 Racionamento de Energia Elétrica, com o objetivo de conter o consumo, enquanto vários consumidores instalavam sistemas de autoprodução, aumentando o número de usinas geradoras privadas. Em 1946, a Constituição instituiu o Imposto Único Sobre Energia Elétrica - IUEE, o qual destinava 40% ao Banco de Desenvolvimento Econômico BNDE, para financiamento de projetos urgentes, enquanto que 60% eram destinados aos Estados e Municípios, objetivando a melhoria do setor19. Posteriormente, em 1953, o Congresso discutiria a lei que regulamentaria a distribuição do IUEE entre as unidades da federação, objetivando, desse modo, o repasse de recursos para as regiões menos desenvolvidas. O conflito de interesses emergentes terminou por provocar a reação do Governo que editou o Decreto 40.007, de 20.07.1956, estabelecendo 40% do IUEE para a União, 50% para os Estados e Distrito Federal e 10% para os Municípios. Critérios adotados: população - 50%, consumo de eletricidade - 45%, área territorial - 4% e geração de eletricidade - 1%. Na realidade, pode-se destacar que foi no contexto nacionalista, inspirador do primeiro período do governo de Getúlio Vargas, que, em oposição à acentuada expansão que vinham tendo as companhias estrangeiras, surge o argumento que associa energia elétrica aos interesses nacionais. À guisa de ilustração tem-se, por exemplo, que em 1931, o Presidente Getúlio Vargas manifestaria seu pensamento sobre a exploração dos recursos naturais nos seguintes termos: este referente ao valor das instalações a serem montadas no momento da avaliação. 19 Esse imposto só teve aprovação em 1954, juntamente com o Fundo Federal de Eletricidade - FFE. 85 (...) não sou exclusivista nem cometeria erro de aconselhar o repúdio do capital estrangeiro (...) mas quando se trata da indústria de ferro (...); do aproveitamento das quedas d’água, transformadas em energia que nos ilumina e alimenta as indústrias de guerra e de paz; (...) da exploração de serviços (...) de maneira tão íntima ligados ao amplo e complexo problema de defesa nacional, não podemos aliená-los, concedendo-os a estranhos, e cumpre-nos previdentemente manter sobre eles o direito de propriedade e domínio. (Lima, 1995, p. 21) A Constituição de 1934 atendeu aos anseios nacionalistas ao transferir para a União o poder concedente sobre esses recursos, prevendo com isso a “nacionalização progressiva dos recursos naturais essenciais à defesa econômica e militar do país” (Lima, 1995, p. 25) e restringindo também as concessões para brasileiros e para empresas organizadas no Brasil. Esta situação agravou-se posteriormente com a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a interrupção das importações, o que repercutiu de forma significativa no processo de expansão dos serviços elétricos, e impôs novos parâmetros à convivência entre Estado e setor privado. Segundo Mielnik (1988), o consumo de energia elétrica tinha crescido 179%, enquanto que a capacidade instalada era de apenas 18%. Durante a gestão do Presidente Dutra, esse cenário pouco se modificou, apesar da criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF -, que tinha como objetivo implementar o aproveitamento do rio São Francisco e, principalmente, a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso. Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência (1950), o projeto de institucionalização/estatização do setor elétrico foi revigorado. O primeiro sinal de sua concretização pode ser observado na constituição das empresas públicas estaduais, tais como a CEMIG (Minas Gerais), a USELPA (São Paulo) e a CEEE 86 (Rio Grande do Sul), e na proposta de criação da Centrais Elétricas Brasileiras – ELETROBRÁS -, uma empresa de economia mista. Essa proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional através do Projeto de Lei 4.280, juntamente com um Plano Nacional de Eletrificação (Projeto 4.277/54), que tinha como objetivos a interconexão dos sistemas elétricos existentes no País, a centralização do planejamento da estrutura do setor e a mobilização, sob a coordenação do Governo Federal, dos recursos financeiros externos para a expansão do setor elétrico. Apesar de proposta em 1954, a criação da Eletrobrás permaneceu sem definição durante todo o governo de Juscelino Kubitschek. Nesse período, todos os investimentos brasileiros na área de energia elétrica foram coordenados e gerenciados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE que tinha sido criado (1952) com o objetivo de incrementar a industrialização do País. O projeto de criação da Eletrobrás integrava um modelo centrado em uma significativa intervenção do Estado no sentido de regular, planejar e organizar para investir, construir e operar os serviços de energia elétrica. Além disso, sua criação estava intimamente associada à expansão da indústria de equipamentos elétricos. Historicamente, pode-se observar dois momentos distintos: o primeiro, correspondente ao período Vargas, quando o setor elétrico era tido como instância importante para o desenvolvimento nacional. Em sua Mensagem ao Congresso Nacional, o Presidente Getúlio Vargas (1951) afirmava que os investimentos no setor elétrico propiciariam a troca da “civilização à lenha” por um novo modelo de matriz energética, no qual “a oferta de energia deve preceder e estimular a demanda”. O segundo, referente ao Governo JK que privilegiava a entrada maciça do capital estrangeiro, afinado que estava com o processo de 87 internacionalização da economia que se acentuava em todo o mundo no pósguerra e, com isso, restringia o papel da empresa pública em prol do incremento da indústria de base no País. (Lima, 1995: 68). Nesse momento, 73% do orçamento previsto no Plano de Metas era destinado aos investimentos nas áreas de infra-estrutura, energia e transporte. Desse montante, 24% do orçamento global estava direcionado para o setor de energia elétrica e estava concentrado em um pequeno número de projetos, dentre os quais destaca-se a Usina Hidrelétrica de Furnas, voltada para o suprimento de energia dos principais centros consumidores da Região Sudeste. Alem disso, é do período JK a criação do Ministério de Minas e Energia (1960) e de algumas empresas estaduais: COPEL (Paraná), CEMAR (Maranhão), COELBA ( Bahia) e CEAL (Alagoas) e a Central Elétrica de Furnas (1957) que, embora inicialmente contasse com a participação acionária restrita da União, progressivamente foi sendo contratada pelo Estado. Como se pode notar, as políticas energéticas do período entre 1956 e 1961, desenvolvidas sob orientação do Plano de Metas do Governo JK, envolveram intensamente os governos estaduais, através da criação de inúmeras empresas públicas estaduais. Contudo, os principais marcos desse momento foram a reordenação institucional do setor e a consolidação da política de intervencionismo, com a criação, em julho de 1960, do Ministério de Minas e Energia. . Em 1962, quando a Eletrobrás foi finalmente constituída, o Setor Elétrico brasileiro já se encontrava sob a responsabilidade da empresa pública que, em decorrência da orientação tomada durante o governo JK, desfrutava 88 nesse momento de uma autonomia significativa em relação ao Congresso Nacional e à administração centralizada. Desse modo, a Eletrobrás foi definida legalmente como uma empresa de economia mista, com a responsabilidade de executar a política de energia elétrica. Dentre suas atribuições, destaca-se a formulação de diretrizes para o Setor Elétrico brasileiro, em consonância com a política governamental para o setor e a coordenação do planejamento das atividades de expansão e operação, incluindo a negociação dos financiamentos. No artigo 2 da lei de criação da Eletrobrás, está definido que a empresa terá como encargo fundamental a execução dos empreendimentos federais, no caso de a iniciativa privada não os realizar com a ajuda fixada em lei. Além disso, a atuação da Eletrobrás estendia-se ao campo da produção cientifica e tecnológica necessárias ao desenvolvimento do setor. Esta atividade desenvolvia-se através da participação das universidades, de empresas de engenharia (consultorias) e da criação do Centro de Pesquisa em Engenharia Elétrica – CEPEL, constituído como centro de referência para as pesquisas do setor elétrico. Pode-se sugerir que a criação da Eletrobrás concretizou a integração entre a iniciativa privada e o Estado no âmbito da institucionalização do Setor Elétrico brasileiro, situação que vinha-se consolidando desde a criação do Ministério de Minas e Energia, em 1960, responsável pela política energética do País. A partir de 1964, com o regime militar, o fortalecimento da empresa pública passou a ser um dos instrumentos do projeto de desenvolvimento nacional. Segundo Lima (1995), essa perspectiva consolidava a estratégia de 89 vinculação entre projeto e empresa, situação que já vinha ocorrendo - a vinculação da CHESF com a Hidrelétrica de Paulo Afonso e da Central Elétricas Furnas com a Hidrelétrica de mesmo nome, são exemplos dessa situação. Essa estratégia conferia autonomia às empresas e seus projetos, o que tendia a reduzir a priori as possíveis interferências político partidárias e a desvinculá-las de uma administração orientada pela política energética que se pretendia implementar através da Eletrobrás. No ano seguinte (1965), observa-se a transformação da Divisão de Águas do Departamento de Produção Mineral (DNPM) no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), estabelecido como poder concedente para o Setor. Em 1967, uma reforma administrativa (Decreto-Lei 200) no setor público contribuiu para consolidar as funções empresariais do Estado, ao mesmo tempo em que propôs, para as empresas públicas, uma racionalidade empresarial, vinculando suas atividades aos interesses do Estado. Simultaneamente à reforma fiscal ocorrida no ano anterior (1966), a qual deu uma maior elasticidade à política orçamentária, e juntamente com o processo de revisão das tarifas de energia elétrica, foram criadas, nesse período, as condições favoráveis à expansão do Setor Elétrico, o que repercutiu de forma intensa na engenharia nacional, face aos inúmeros projetos que foram implantados a partir daí. O último evento a encerrar a década de 60, foi a criação da Centrais Elétricas do Sul – Eletrosul, em 1968. A estrutura da Eletrobrás contaria, então, com a participação de um conjunto de empresas de geração de eletricidade, apresentadas a seguir: 90 a Empresas Concessionárias Federais 20 • Centrais Elétricas do Norte – ELETRONORTE - responsável pelos Estados da Região Norte, e pelos Estados do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso; • Centrais Hidrelétricas do São Francisco - CHESF - responsável pela Região Nordeste, com exceção do Estado do Maranhão; • Centrais Elétricas de Furnas – FURNAS – responsável pela Região Sudeste, pelo Estado de Goiás e pelo Distrito Federal (Brasília); • Centrais Elétricas do Sul – ELETROSUL- responsável pela Região Sul e pelo Estado de Mato Grosso do Sul. a Concessionárias Estaduais • Companhia Energética de São Paulo – CESP; • Centrais Elétricas de Minas Gerais – CEMIG; • Centrais Paranaense de Eletricidade – COPEL; • Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE (estado do Rio Grande do Sul). Complementando, tem-se ainda a empresa Itaipu Binacional, na qual a Eletrobrás possui uma participação de 50%, sendo que a outra metade pertence ao Paraguai. Além da geração de energia elétrica, o setor dispõe de dois importantes sistemas de transmissão: o sistema Sul, Sudeste e Centro-Oeste, responsáveis pelo suprimento dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do 20 É importante destacar que apenas as Empresas Concessionárias Federais e a Eletrobrás são objeto dos estudos realizados para a elaboração desta tese. 91 Sul e Santa Catarina, que atende cerca de 80% dos consumidores de todo o País, e o sistema Norte–Nordeste que atende aos Estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Tocantins, correspondendo a 23% dos consumidores de todo País. O início da década seguinte seria marcado pela busca de alternativas energéticas que substituíssem o petróleo importado. O conjunto de iniciativas, nesse sentido, ocorreu afinado com as premissas e diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional, especialmente na articulação de empreendimentos que dessem suporte às estratégias geopolíticas de expansão da fronteira amazônica. Em um breve parênteses, tem-se que a primeira crise do petróleo (1973) impôs algumas restrições para a economia nacional que foram imediatamente sentidas pelo setor elétrico, o qual experimentava a intensificação de sua expansão e a multiplicação do número de seus empreendimentos. A construção das Hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí são representativas dessa época, sendo esta ultima objeto da criação da Centrais Elétricas do Norte – Eletronorte (1973). No que se refere à criação da Eletronorte, destaca-se que a opção de construir a Usina Hidrelétrica de Tucuruí estava afinada com o projeto de expansão da fronteira amazônica. Na realidade, pode-se indicar que, mais uma vez, a criação de uma empresa subsidiária da Eletrobrás ocorreu nos termos da estratégia anteriormente mencionada, de vinculação entre projeto e empresa. Este fato repercutiu de forma significativa na construção do conjunto de representações dos técnicos do setor elétrico sobre a dinâmica institucional e o processo de emergência da questão 92 ambiental em seu interior – são recorrentes os depoimentos que identificam e classificam as experiências do setor segundo seus projetos/empreendimentos. A crise econômica agravou-se nos anos oitenta, quando ocorreu a súbita elevação das taxas de juros no mercado internacional, o que redirecionou o projeto geopolítico que, para manter o crescimento econômico, passou a privilegiar as exportações mediante a atração de investimentos externos e a expansão e transnacionalização de empresas estatais. A política regional executada pelas agências burocráticas convencionais foi substituída pela implantação de grandes projetos de exploração mineral, com gigantescos investimentos sob a forma de joint ventures entre empresas estatais e multinacionais, ou geridos por uma delas. O II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel estabeleceu, nesse momento, as condições de expansão do setor elétrico, definindo como estratégia a obtenção de recursos internacionais. Essa forma de financiamento, além de propiciar o acelerado endividamento externo do País, contribuiu para agravar a situação, devido à acentuada crise financeira mundial ocorrida na década seguinte, em decorrência da segunda crise do petróleo (1979). É interessante destacar que apesar do contexto adverso, o Setor Elétrico brasileiro acelerou, entre os anos 1981/82, a captação de recursos externos, tanto para rolar a dívida, como também para atender às determinações dos grandes projetos ainda em andamento. Na realidade, apenas a partir de 1982, com a Moratória decretada pelo México, é que os mecanismos de captação de recursos externos se esgotaram. Mesmo assim, o setor manteve suas taxas de 93 investimentos em níveis altos até 1984. Para isso, recorreu à estratégia de oferecimento de descontos significativos em relação à tarifa normal, e de incentivo à ampliação do consumo de energia junto aos consumidores interessados na substituição de derivados de petróleo. Esses descontos foram possíveis devido às elevadas margens de capacidade ociosa nos sistemas elétricos em decorrência da crise geral, e de uma superestimação do mercado. A profunda defasagem tarifária dos serviços de energia elétrica que, desde os anos 70, estavam atreladas às políticas governamentais de tentativas de controle da inflação, contribuiu para restringir as possibilidades de auto-financiamento. Nesse contexto, a Eletrobrás, que tinha sido criada com o objetivo de planejar e coordenar a preparação dos planos nacionais para o Setor Elétrico brasileiro, e também de gerenciar os instrumentos de financiamento para a implementação desses planos, atuou em consonância com os parâmetros definidos pelo regime autoritário, nos quais predominava a centralização da tomada de decisão. Sob a égide do autoritarismo, o Plano de 1990 foi elaborado (1974) seguindo as diretrizes definidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento. Os objetivos e metas deste Plano estavam voltados para as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e nele foram definidas a construção da Hidrelétrica de Itaipu, a política de implementação do Programa Nuclear Brasileiro, concretizado em 1975, e o inventário do potencial hidrelétrico da região amazônica. É interessante destacar que os Planos concebidos nesse momento refletiam a modalidade de tomada de decisão típica do regime autoritário, onde todas as diretrizes e metas, ignoravam os fatores sócio ambientais, por exemplo. No Plano 1990, o potencial hidrelétrico foi subestimado de modo a justificar a 94 proposta de energia nuclear. Este Plano foi revisado em 1978, dando lugar ao Plano 1995, preparado para atender ao período entre 1979 e 1995, que acrescentou poucas modificações ao anterior. A principal alteração apresentada refere-se ao potencial hidrelétrico das Regiões Norte e Nordeste e também à possibilidade de interligação aos sistemas regionais de transmissão de energia elétrica. O Plano seguinte preparado pela Eletrobrás, foi o Plano 2000, formulado em 1982, para atender ao período entre este ano e o ano 2000. A novidade mais marcante desse Plano foi a introdução de referencias nas questões econômicas, sociais e políticas e institucionais e a constituição do Grupo Coordenador de Planejamento dos Sistemas Elétricos – GCPS. Este grupo, criado em novembro de 1982, era coordenado pela Eletrobrás e integrado por representantes das 34 concessionárias (federais e estaduais) do Sistema Elétrico Brasileiro e do DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica. O GCPS tinha a função de integrar ao planejamento da Eletrobrás a visão das diferentes concessionárias, de modo a buscar uma definição política para o setor, o que, de certo modo, daria legitimidade institucional ao processo de planejamento do Setor Elétrico brasileiro, coordenado pela Eletrobrás. Pode-se sugerir que com a formulação, em 1982, do Plano 2000, encerrou-se um momento especifico da história do planejamento do Setor Elétrico Brasileiro, marcado pela ausência de referencias à questão ambiental. Em 1995, foi criado pela Portaria Interministerial no. 1877, de 30 de dezembro, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, objetivando a racionalização do uso de energia elétrica e, no mesmo ano, foi sancionada a Lei 95 no. 8.987/95, denominada de "Lei das Concessões" que além de criar condições para maior participação de capitais privados, introduziu a competição na construção de novos projetos, mediante a regulamentação do regime de licitação das concessões, outorgadas anteriormente somente às concessionárias estaduais ou federais. A Lei no. 9.074/95 estabeleceu as bases legais para que os grandes consumidores de energia pudessem comprar energia livremente. Antes, a aquisição era feita, obrigatoriamente, da empresa geradora da região. No ano seguinte, através da Lei no. 9.427/96, foi criada, como órgão regulador, a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. A ANEEL iniciou uma nova etapa do Setor Elétrico brasileiro, sendo complementada pela Lei no. 9.648/98 que definiu o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS. Além disso, tendo em vista garantir que o sistema elétrico funcionasse efetivamente em regime competitivo, foi criado o MAE - Mercado Atacadista de Energia. È importante notar que essa normatização do Setor Elétrico brasileiro também estabeleceu limites à concentração de mercado, destacando os interesses dos usuários e consumidores como uma das preocupações básicas da nova estrutura regulatória e, com isso, buscando viabilizar sua expansão por intermédio de capitais privados. Nessa mesma época, foi criado o Decreto no. 2.003/96, que regulamentou a figura do Produtor Independente de Energia - PIE, peça chave no novo sistema, além de autorizar a venda da produção excedente do autoprodutor. Segundo o Plano Decenal de Expansão 2000/2009 (Eletrobrás), o planejamento da expansão do sistema elétrico nacional, considerando as características do Sistema Elétrico brasileiro, destaca: 96 Organização institucional complexa, em função das dimensões do País, das diferenças regionais e da necessidade de participação de diversos agentes públicos e privados, de forma direta e indireta, nas atividades relacionadas com o suprimento de energia elétrica; Grande penetração dos serviços de energia elétrica, de modo a atender mais de 90% dos domicílios do País, constituindo-se assim no serviço público de mais ampla difusão. Além do nível de atendimento ser alto, a qualidade e a confiabilidade apresentam padrões elevados, apesar de tarifas menores do que as praticadas em outros países, particularmente nos mais industrializados; Alto crescimento do consumo de energia elétrica que vem apresentando taxas superiores às da economia. As relações entre o mercado de energia elétrica, o consumo global de energia, o crescimento econômico e a política industrial são complexas, em função do processo e do estágio de desenvolvimento econômico do Brasil, obrigando o Setor Elétrico a formular metodologias próprias para avaliar a evolução do seu mercado; A predominância hidrelétrica, com usinas de grandes reservatórios de regularização plurianual. Apesar da existência de um grande potencial hidrelétrico a ser aproveitado, capaz de suprir o País por mais de duas décadas, justifica-se estrategicamente planejar um programa termelétrico de transição para a época em que o potencial hidrelétrico for ficando menos competitivo, pelo custo das usinas ou por sua distância em relação aos mercados. Esse programa térmico exige um planejamento adequado, cujo objetivo é preparar o País para administrar, no futuro, a implantação de um 97 programa de novas fontes de geração, onde a contribuição termelétrica será crescente. Isso exige o desenvolvimento de metodologias e, principalmente, a capacitação da engenharia e da indústria nacional de modo a propiciar uma expansão termelétrica econômica e ambientalmente viável; Grandes distâncias das usinas dos principais centros de consumo e conexões inter-regionais motivadas pela diversidade hidrológica entre bacias hidrográficas, ensejando grande economia na expansão e na operação dos sistemas, com importantes reduções de custo para o consumidor. Os níveis de tensão das linhas têm sido crescentes, exigindo o domínio das tecnologias correspondentes e incentivando a pesquisa aplicada e o desenvolvimento de equipamentos apropriados. A predominância da geração hidráulica, com reservatórios de regularização plurianual e pertencentes a diferentes empresas, resulta da necessidade de ações integradas, visando à otimização eletroenergética do sistema, ao aumento da eficiência e à obtenção do custo mínimo no fornecimento da energia elétrica. Na busca de alternativas para o desenvolvimento, geração e atendimento energético, além da utilização do gás natural, o Programa Nacional de Pequenas Centrais Elétricas (PNCE), ação liderada e operacionalizada pela Eletrobrás com a colaboração de outros Ministérios e da ANEEL, visa incentivar e facilitar a construção de Pequenas Centrais Elétricas em todo território nacional. Neste programa, destacam-se as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH´s) que representam uma importante alternativa de produção de energia renovável de uso 98 localizado, promovendo a ampliação da oferta de energia elétrica em áreas isoladas e em pequenos centros agrícolas e industriais. A legislação atual sobre concessões, permissões e autorizações de serviços públicos, criou facilidades para a implantação de centrais hidrelétricas de até 30 MW. Os Sistemas Isolados, que correspondem hoje a mais de 330 localidades eletricamente isoladas umas das outras, dependendo de sua situação geográfica, representam uma excelente oportunidade para a implantação de PCH´s, em substituição aos sistemas térmicos obsoletos e ineficientes e de alto custo operacional. Estas unidades estão localizadas, em sua grande maioria (88%), na Região Norte do País, em uma área que representa 45% do território nacional e onde se verifica a isenção de pagamento da taxa de utilização de recursos hídricos (6% sobre o valor da energia elétrica produzida), possuindo uma baixa densidade demográfica. É importante destacar que, recentemente, foram introduzidas algumas modificações na legislação sobre as PCH´s: • Os empreendimentos de potência igual ou inferior a 1MW têm dispensa de concessão, permissão ou autorização; • A autorização da ANEEL é necessária apenas para: - aproveitamento do potencial hidráulico com valor superior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW, destinado à produção independente ou autoprodução, mantidas as características da PCH (Resolução ANEEL nº 394/98 ); 99 - comercialização eventual e temporária pelo autoprodutor de seus excedentes de energia elétrica. • A possibilidade de comercializar a energia elétrica com consumidores cuja carga seja maior ou igual a 500kW; • A possibilidade de formação de consórcio para exploração de novos aproveitamentos; • As PCH´s que entrarem em operação até o ano 2003 ficarão totalmente isentas do pagamento pelo uso de redes de transmissão e distribuição. As demais terão um desconto mínimo de 50% desses custos; • A PCH que venha a ser implantada em sistema elétrico isolado, em substituição à geração termelétrica que utilize derivado de petróleo, terá direito de usufruir da sistemática de rateio da conta de consumo de combustíveis, por 72 meses a partir da implantação, e obedecendo as diretrizes da Resolução nº 245 da ANEEL. É interessante destacar que o advento da figura do produtor independente, em detrimento da figura do serviço publico, cria uma situação na qual o território, embora possa ser desapropriado para interesse público (utilidade pública), é apropriado pela iniciativa privada. 3.2 Meio Ambiente e Setor Elétrico Brasileiro – Mudanças na Estrutura Institucional A partir da segunda metade da década de 80, quando o meio ambiente começou a ser referência para o planejamento das políticas públicas, observaram-se algumas alterações na estrutura institucional do Setor Elétrico. 100 Dentre elas, destacou-se a criação, pela Eletrobrás, em 1986, do Conselho Consultivo de Meio Ambiente21 - CCMA - e a edição de dois documentos: o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos (junho/1986) e o Plano Diretor para a Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico (1986). Posteriormente, em 1987, dando continuidade a essa tendência, foi criada, no Departamento de Estudos Elétricos, a divisão de Meio Ambiente, posteriormente transformada em Departamento de Meio Ambiente, com a responsabilidade de definir diretrizes e metodologias capazes de orientar o planejamento das políticas ambientais do Setor Elétrico. No ano seguinte, o Ministério de Minas e Energia criou o COMASE - Comitê Coordenador das Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico -, instância deliberativa da qual participavam a Eletrobrás, o DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - e representantes das empresas concessionárias federais e estaduais. Alguns outros documentos foram produzidos nos anos seguintes, são eles: o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010 (1987), o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico 1990/92 e o Plano Diretor do Meio Ambiente do Setor Elétrico 1991/1993 (1990). Começava, desse modo, a ser montado o suporte institucional da estrutura estatal, responsável pela orientação e gestão da questão ambiental no âmbito das políticas de geração, distribuição e transmissão de energia que, em setembro de 1987, passou a contar com um suporte jurídico nos termos dos 21 - Órgão que, congregando vários especialistas de notório saber, tem o objetivo de dar “consultoria” à 101 preceitos legais para o licenciamento ambiental dos empreendimentos do setor - a Resolução 006/8722. A estrutura organizacional23 do Setor Elétrico Brasileiro, nesse momento, pode ser observada nos seguintes termos: - Ministério de Minas e Energia - MME - com a responsabilidade de delinear a política de energia elétrica no País; aqui destacam-se as Secretarias Executiva e de Energia; - DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, hoje transformado na Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL - com as atribuições de concessão, supervisão, fiscalização, controle, normalização e orientação (poder concendente); - Sistema Eletrobrás: . Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - com as atribuições de coordenação, orientação, financiamento, pesquisa e participação acionária. . Empresas Concessionárias supridoras, supridoras e distribuidoras e só distribuidoras, que atuavam em consonância com as diretrizes federais da política de energia elétrica24. No âmbito do Sistema Eletrobrás destacavam-se ainda as seguintes instâncias: Diretoria Executiva da Eletrobrás com relação aos problemas ambientais. 22 - Esta resolução, além de definir exigências para a concessão de licença, compatibilizou as etapas específicas da realização de projetos Elétricos com as de licenciamento previstas na Resolução 001/86. 23 - Vide em anexo, representação gráfica desta estrutura organizacional. 24 - Aqui é importante destacar os Departamentos de Meio Ambiente de cada empresa como espaços privilegiados nesta investigação. 102 . CONSISE - Conselho Superior do Sistema Eletrobrás - constituído pelas empresas controladas pela Eletrobrás e o Centro de Pesquisa de Energia Elétrica - Cepel - e internamente dividido em 4 comitês: Cipem - Comitê de Integração de Planejamento, Engenharia e Meio Ambiente; Coese - Comitê de Operação e Comercialização de Energia das Empresas dos Sistema Eletrobrás; Ciase - Comitê de Integração da Administração do Sistema Eletrobrás; e Cicof Comitê de Integração Corporativa e Financeira do Sistema Eletrobrás. . GCPS - Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos - formado pelo Comitê Diretor; Secretaria Executiva - dividida em 3 comitês técnicos: CTEM, Comitê para Estudos de Mercado; CTEE, Comitê para Estudos Elétricos e CTST, Comitê para Estudos dos Sistemas de Transmissão; Comissões: Comissão do Programa de Investimentos na Distribuição, Comissão de Planejamento da Transmissão da Amazônia e Comissão Permanente para Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos Isolados na Região Norte - e Grupos de Trabalho constituídos segundo a demanda dos Comitês. . GCOI - Grupo Coordenador para Operação Interligada que tem em sua estrutura: Conselho Deliberativo, Comitê Executivo, 5 Subcomitês - SCEL, de Estudos Elétricos; SCEN, de Estudos Elétricos; SCO, de Operação; SMA, de Manutenção e SCC, de Comunicações - e a Secretaria de Supervisão e Coordenação. . COGE - Comitê de Gestão Empresarial - fórum constituído por Conselho Deliberativo, Secretaria Executiva, Subcomitês, Conselho Executivo e Grupos de Trabalho e que possui um órgão de assessoria (GRIDIS) para assuntos de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho. 103 . COMASE - Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico - formado por Conselho Diretor, Secretaria Executiva, Câmara Técnica e Grupos de Trabalho. . CCMA - Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás - órgão de aconselhamento da Diretoria Executiva da Eletrobrás e do COMASE. . PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica que desenvolve ações que objetivam o uso racional da energia elétrica. Além da estrutura organizacional do Setor Elétrico, os tipos de estudos que orientaram o planejamento institucional e as diferentes etapas de seus projetos, especialmente os projetos hidrelétricos eram: • Tipos de estudos: - Curto Prazo - que correspondiam aos estudos previstos para um período de 10 anos, nos quais eram detalhados os planos de obras dos primeiros cinco anos e definidos os orçamentos plurianuais de investimentos e as fontes de recursos a serem utilizadas; - Médio Prazo - que cobriam um período de cerca de 15 anos e definiam os planos de expansão das empresas regionais e estaduais; - Longo Prazo - que abrangiam um período de até 30 anos e estavam centrados nas principais questões estratégicas associadas ao suprimento de energia elétrica. • Etapas de Projeto: 104 - Estudos de Inventário - voltados para a analise das alternativas locacionais de um empreendimento em uma mesma bacia hidrográfica. No âmbito das mudanças experimentadas no planejamento, face à introdução das questões ambientais, tem-se que, nesse momento, começa a se definir o custo real do empreendimento (econômico e ambiental): Do ponto de vista sócio-ambiental, cabe destacar que a etapa de inventário é hoje claramente identificada, no âmbito do Setor Elétrico, como de grande importância, uma vez que representa a etapa em que as implicações amplas de projetos alternativos poderão melhor ser comparadas, ainda que em caráter muito preliminar, antes que estejam comprometidas recursos mais expressivos com sua analise detalhada” ( Eletrobrás, 1991) - Estudos de Viabilidade – nessa etapa, estudaram-se as alternativas identificadas na etapa anterior como as que apresentavam melhores condições técnicas e financeiras: Os aspectos sócio–ambientais da etapa de viabilidade, inicialmente examinados de forma pontual, passaram, desde o final da década de 70, a constituir um apêndice ao Relatório de Viabilidade (dedicados aos estudos de engenharia) e a incluir os aspectos de usos múltiplos de recursos hídricos, em conformidade com a Norma DNAEE DG no. 099. Com a divulgação Manual de Estudos de Efeitos Ambientais, de 1986, esses estudos passaram a ser desenvolvidas de forma mais sistematizada e estruturada, contando com quatro planos: de levantamentos, de desapropriação, de enchimento e de utilização. (Eletrobrás, 1991) - Projeto Básico – que detalhava o anteprojeto da etapa anterior, de modo a elaborar as especificações de construção e de equipamentos, bem como os planos e programas necessários para as etapas posteriores: 105 Na área sócio–ambiental, deverão ser detalhados os planos e programas desenvolvidos na etapa de viabilidade, com o objetivo de tratar os impactos da obra. O custo da obra é apurado com maior precisão, apoiando-se em estimativas apresentadas por fabricantes e empreiteiros. As negociações para obtenção de recursos para financiar a obra são levadas a termo e o empreendimento incluído no programa de obras da concessionária.” (Eletrobrás, 1991) - Projeto Executivo / Construção - nessa etapa, eram implementados os planos e programas previstos. - Operação - que correspondia à fase de monitoramento dos planos e programas executados durante a operação do empreendimento. Complementando, tem-se que, conforme já mencionado no Capítulo I, as mudanças ocorridas no Setor Elétrico brasileiro, tendo em vista contemplar a questão ambiental no âmbito do planejamento setorial, foram respaldadas por um quadro institucional e legal, no qual resumidamente, destacaram-se: - A Constituição Federal promulgada pelo Congresso Nacional em 05 de outubro de 1988, que impôs restrições e cuidados em relação à utilização dos recursos naturais e do patrimônio cultural, presentes no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Cultura), Capítulo VI (Do Meio Ambiente) e Capítulo VIII (Dos Índios); - A Política Nacional de Meio Ambiente - Lei 6.938, de 1981, que destacou o objetivo de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental e assegurar, com isso, as condições de desenvolvimento socioeconômico no Pais, com destaque para o Artigo 3o, Inciso III. Nesse contexto, destaca-se a Lei 7.804 (1989) e a Lei 8.028 (1990) que introduziram mudanças na Lei 6.938, dentre elas a 106 reestruturação do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA (vide Decreto 99.274), e a Lei 7.797 (1989) que criou o Fundo Nacional de Meio Ambiente, como instrumento para a operacionalização do SISNAMA25. - Algumas Normas complementares tais como: o Código de Águas (Decreto 24.643 de 1934); destaca a limpeza de lagos artificiais (Lei 3.824, de 1960); Criação da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE – (Lei Delegada nº.10, de 1962), extinta e absorvida pelo IBAMA em 1989; Código Florestal 9 Lei 4.771, de 1965, alterada pela Lei 7.511, de 1986, e pela Lei 7.803, de 1989); Proteção da Fauna (Lei 5.197, de 1967, alterada pela Lei 7.653, de 1988); Código de Pesca (Decreto-Lei 221, de 1967); Proteção e conservação da fauna aquática (Portaria SUDEPE 001, de 1987); Criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (Lei 6.903, de 1981); Reservas Ecológicas (Decreto–Lei 89.336, de 1984); Delimitação de áreas proteção ambiental (Resolução CONAMA 004/85); Classificação de Águas (Resolução CONAMA 020/86); Implantação de estações ecológicas (CONAMA 010/87); Organização e Proteção do Patrimônio Nacional (Decreto-Lei 25, de 1937); Código Nacional de Saúde (Decreto 49.974, de 1961); Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 1964); Estatuto do Índio (Lei 6001, de 1973); Lei Complementar no. 40, de 198126; Lei no. 7.347, de 25 Este Fundo, segundo a Lei 8.028, é administrado pela Secretaria de Meio Ambiente e tem como objetivo desenvolver projetos voltados para o uso racional e sustentável dos recursos naturais. 26 - Esta lei confere ao Ministério Publico a titularidade da ação penal publica e da ação civil publica para a preservação e proteção do meio ambiente. 107 1985 (dos interesses difusos)27; Decreto 95.733, de 1988 que determinou a inclusão, nos projetos de obras federais, de recursos, no valor mínimo 1% do custo global do empreendimento, para corrigir prejuízos de natureza ambiental, cultural e social; Resolução CONAMA 010, de 1987, que estabeleceu como pré-requisito para o licenciamento de empreendimentos de grande porte, a aplicação de, no mínimo, 0,5% dos custos totais dos mesmos na implantação e manutenção de estações ecológicas. É importante destacar que o licenciamento dos empreendimentos do Setor Elétrico foi objeto de detalhamento especifico no âmbito do CONAMA (Resolução 006/1987), o que resultou no estabelecimento de correspondência entre as diferentes etapas do desenvolvimento dos projetos elétricos e as etapas do processo de licenciamento ambiental. Esse detalhamento foi resultado do trabalho conjunto das empresas do Setor, dos órgãos licenciadores e do DNAEE. Desse modo, a partir da etapa de viabilidade, foram definidas três licenças: Licença Previa (LP), para possibilitar o inicio da etapa do projeto básico; Licença de Instalação (LI), como condição para o inicio das obras; e Licença de Operação (LO), que corresponde ao enchimento do reservatório, no caso das hidrelétricas, e à operação comercial, no caso dos sistemas de transmissão e distribuição e empreendimentos termelétricos (Vide em anexo representação gráfica deste processo). 27 - Esta lei disciplina a ação cível publica de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, conferindo ao Ministério Publico legitimidade para propor ação cível e criminal e, sobretudo, para exercer as funções de fiscal da lei, caso não intervenha no processo como parte. 108 A observação do conjunto de mudanças ocorridas no Setor Elétrico no sentido de introduzir a questão ambiental como uma das variáveis a serem contempladas no processo de tomada de decisão e planejamento de seus empreendimentos, deve, necessariamente, considerar as repercussões do processo de organização de alguns setores da sociedade civil, tais como o movimento de organização das comunidades rurais que questionavam os procedimentos adotados pelo Setor Elétrico, quando do reassentamento da população para a implantação da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1978); a consolidação da Comissão de Atingidos por Barragens – CRAB (1979), organizada para acompanhar a intenção da Eletrosul de construir cerca de 22 usinas hidrelétricas no rio Uruguai; e o acentuado processo de democratização da sociedade brasileira, marcado, principalmente, pela emergência e consolidação de inúmeros movimentos sociais. Nesse contexto, destacavam-se como marcos da reorientação do Setor Elétrico, de modo a atender as novas demandas: • A elaboração do Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos – julho 1986. Este manual tinha como objetivo oferecer diretrizes gerais para o estudo dos aspectos ambientais dos sistemas elétricos nas etapas de planejamento e operação. Segundo informações obtidas ao longo das entrevistas realizadas, na prática, este manual orientou as concessionárias do Setor Elétrico, principalmente quando da elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)28 ; 28 É importante destacar que a partir desse momento, a elaboração de EIA/RIMA como uma das etapas do licenciamento ambiental tinha se tornado obrigatória pela Resolução 001/86. 109 • I Plano Diretor para Conservação e Recuperação do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico – I PDMA – novembro/1986. Este plano pode ser considerado como a primeira tentativa do Setor Elétrico de sistematizar as diretrizes a serem adotadas para o tratamento da questão ambiental. Um ano após a sua elaboração, este plano foi revisado (dezembro de 1987) e complementado com indicações para a implantação e operação de um sistema de planejamento e gestão ambiental para a expansão do Setor Elétrico em longo prazo. Esse documento definiu como fundamental a introdução da questão ambiental como referencia básica para o planejamento do Setor Elétrico e sugeriu alguns temas prioritários: reassentamento de população; comunidades indígenas; manutenção da informação e da participação comunitária; preservação e manejo da fauna e flora das áreas afetadas por empreendimentos do Setor Elétrico; metodologia integrada de identificação de impactos e seus desdobramentos; inserção regional; procedimentos e diretrizes para as usinas termelétricas; usos múltiplos dos reservatórios; e qualidade da água dos reservatórios das hidrelétricas. Logo após a elaboração do I PDMA, foi constituído (dezembro de 1986) o Comitê Consultivo do Meio Ambiente – CCMA -, um grupo de pessoas de diferentes áreas do conhecimento (vide em anexo sua composição), indicadas pelo Presidente da Eletrobrás. O CCMA foi a primeira iniciativa do Setor Elétrico realizada pela Eletrobrás, de incorporar às discussões sobre o processo de tomada de decisão e planejamento do Setor, especialistas que não faziam parte de seu quadro técnico. A primeira tarefa deste grupo consistiu na análise do I PDMA. Dentre os resultados daí advindos, destacam-se algumas criticas – a 110 prioridade dada às hidrelétricas e a ausência de estudos de viabilidade de outras modalidades de geração de energia; a perspectiva de exploração da Região Amazônica para a produção da energia elétrica a ser usada em outras regiões do Pais – e a sugestão de adoção pelo Setor Elétrico de mecanismos institucionais capazes de tornar público o processo de tomada de decisão, garantindo, desse modo, sua maior transparência. • Criação, em 1987, na Eletrobrás, do DPA, estimulando, a partir do ano seguinte, a criação, nas concessionárias, de áreas destinadas ao meio ambiente 29. Em 1989, o quadro de técnicos do Setor Elétrico (Eletrobrás e empresas concessionárias) alocados na área de meio ambiente era de 1.400 profissionais. Um dos principais desdobramentos deste fato pode ser observado na constituição, em abril de 1988, do Comitê Coordenador das Atividades do Meio Ambiente – COMASE -, que tinha como objetivo constituir um Fórum de discussão para a formulação e coordenação da política ambiental do Setor. O COMASE era composto por representantes da Eletrobrás, das concessionárias, do DNAEE, da Nuclear Engenharia (NUCLEN), e sua estrutura era composta de Conselho Diretor, Secretaria Executiva e quatro Comitês técnicos (Institucional, de Hidrelétricas, de Termelétricas e de Sistemas de Transmissão) e de diversos grupos de trabalho – “uma das principais funções do COMASE será assessorar o GCPS em sua atividade de priorização de obras, de modo a assegurar que condicionantes e repercussões sócio-ambientais sejam corretamente 29 A composição das áreas de meio ambiente no Setor Elétrico, nesse momento, contou com o apoio do Presidente da Republica (Presidente José Sarney) que autorizou contratações, apesar das restrições impostas pela política econômica vigente no que se refere à contratação de servidores públicos e de empregados para as empresas e/ou instituições ligadas ao governo federal. 111 avaliados e levados em conta na montagem do plano de expansão”. (Eletrobrás, 1991); • Elaboração, no início da década de 90, do II Plano Diretor de Meio Ambiente que deu continuidade às propostas presentes no I PDMA, sendo seu principal objetivo a definição de diretrizes e princípios para a política de tratamento das questões ambientais pelo Setor Elétrico, no âmbito do planejamento, e das diferentes etapas de seus empreendimentos (da implantação e operação). Além disso, esse documento compatibiliza suas propostas para com a legislação ambiental, inclusive considerando sua reforma e legislação complementar (Lei 6.938 de 1981). No II PDMA, destaca-se a viabilidade sócio ambiental dos empreendimentos, sua inserção regional, e a abertura do processo de tomada de decisão. Suas diretrizes sugeriam a adoção de um ciclo de planejamento “contínuo, preventivo, adaptativo, interativo e participativo” e a utilização de uma metodologia especifica para o desenvolvimento de estudos sócio ambientais. Nessa perspectiva, as diferentes fases do projeto previam graus diferenciados de reconhecimento das questões sócio ambientais: na etapa de inventário, estas seriam as principais referências para a escolha de uma dentre várias alternativas locacionais; na de viabilidade, esta referencia corresponderia a custos e benefícios econômicos e financeiros; na de projeto básico, prevalecia a estratégia preventiva voltada para a implementação de ações e programas avaliados como necessários; a do projeto executivo destacava-se no monitoramento de sistemas de controle; e, na etapa de operação, observava-se a articulação entre as ações pertinentes, as concessionárias, os usuários dos recursos naturais 112 utilizados e os parceiros institucionais envolvidos na tentativa de garantir a gestão ambiental do empreendimento. É importante destacar que o II PDMA mantém como temáticas prioritárias: o reassentamento dos grupos sociais e comunidades, o relacionamento com as populações indígenas, a conservação e a recuperação da fauna e da flora das áreas afetadas por empreendimentos do Setor Elétrico e o tratamento a ser dispensado às questões sócio ambientais relativas ao uso do carvão mineral em termelétricas. Além disso, o referido documento apontava para a necessidade de uma articulação institucional que viabilizasse o relacionamento contínuo com a sociedade e para o financiamento de programas sócio ambientais que, simultaneamente, atendessem à legislação ambiental e objetivassem reduzir impactos. Uma breve observação do planejamento a longo prazo, permite identificar que as mudanças ocorridas apontavam para momentos distintos que revelavam a passagem de uma perspectiva centralizadora e orientada pela predominância dos critérios econômico–financeiros e da engenharia, para uma perspectiva que privilegiava, ou tentava privilegiar, o processo participativo nos termos do envolvimento de diferentes atores sociais e da atenção às questões sócio ambientais. A comparação entre a modalidade de concepção dos Planos 2010 (em 1988) e 2015 (em 1994) exemplifica esta constatação. No primeiro, tem-se ainda a predominância dos procedimentos típicos do governo militar autoritário, nos quais não havia espaço para o debate das principais questões com diferentes setores e segmentos da sociedade, o que veio ocorrer quando da elaboração do Plano 2015. Para a elaboração deste último documento, a Eletrobrás estabeleceu, através da realização de seminários, uma estreita 113 interação com diferentes setores da sociedade, cuja atuação ou interesse tangenciava o planejamento do Setor Elétrico. Alem disso, conforme mencionado, o referido Plano introduziu as questões sociais e ambientais como as principais referências orientadoras do planejamento. Nos estudos realizados para o Plano 2015, a Eletrobrás deu especial atenção aos aspectos ambientais, buscando contemplar o conjunto de questões referentes às características dos recursos ambientais utilizados para a produção de energia. No que tange à estrutura organizacional que sustentou a preparação do referido Plano, a Diretoria de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás - DP - coordenou os trabalhos realizados, promovendo discussões com representantes dos demais níveis institucionais integrantes do Setor Elétrico Brasileiro. É importante destacar que participaram desse processo todas as instâncias aqui mencionadas que integravam a estrutura do Sistema Eletrobrás: o Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS), o Grupo Coordenador para Operação Interligada (GCOI)30 , o Comitê de Distribuição (CODI)31 e o Comitê Coordenador das Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico (COMASE).32 Para finalizar, é interessante destacar que a partir do II PDMA, as iniciativas do Setor Elétrico, no sentido de definir uma política ambiental, passaram a ocorrer de forma pontual33 e não sistemática. Desse modo, pode-se sugerir que o II PDMA foi o último documento formal elaborado, embora as atividades do COMASE tenham-se mantido ainda por algum tempo. Esta 30 Este Grupo tem sob sua responsabilidade a operação interconectada do sistema Norte Nordeste, CentroOste, Sudeste e Sul. 31 - Responsável pela distribuição das empresas que integram os sistema acima mencionados. 32 Instância responsável pelas atividades referentes ao atendimento das questões ambientais e sociais, tanto na expansão, quanto na operação. 33 Dentre os estudos realizados destacam-se aqueles desenvolvidos pela COPPE / CEPEL que objetivam definir uma metodologia de identificação de impactos ambientais para a etapa de inventário, resultando no Manual de Inventario. 114 aparente desmobilização, possivelmente, se deve à emergência da discussão em torno do processo de privatização do Setor (segunda metade de 1995) e sua reestruturação. A década de 90 seria marcada por um conjunto de discussões em torno de propostas de revisão do modelo institucional do Setor Elétrico, resultando em sua reestruturação. Esse processo teve como centralidade a visão hegemônica de ampliação do espaço da iniciativa privada face à impossibilidade do Estado de assumir os significativos investimentos necessários à expansão do setor nas próximas décadas. A partir daí, inicia-se o processo de privatização de algumas empresas, expressando o significativo afastamento do Estado das atividades econômicas, processo esse ainda em curso. 115 CAPÍTULO 4 VELEIDADES E CONTRADIÇÕES DA QUESTÃO AMBIENTAL Apresentação Este capítulo tem como objetivo analisar a presença do Setor Elétrico no debate sobre o meio ambiente. Para isso, pesquisou-se sobre o resgate do processo de constituição do Campo Ambiental, através da análise da documentação disponível nas empresas que o constituem e das informações obtidas em entrevistas realizadas com técnicos do setor e com sujeitos sociais participantes do Campo. Este procedimento permitiu conhecer as diferentes representações acionadas quando do resgate do processo histórico de configuração do campo e de institucionalização do meio ambiente no Setor Elétrico. Conforme já mencionado, a questão ambiental no Brasil passou, a partir de meados dos anos 80, a fazer parte do rol de preocupações de diversos setores da sociedade. Partidos, sindicatos e movimentos sociais incorporaram essa temática à sua pauta de reivindicações e discussões. Um exemplo desse fato pode ser observado já nas eleições de 1982, quando os verdes entraram nas disputas eleitorais. Alguns autores vêm tratando deste processo e elaborando uma leitura que considera o meio ambiente como um ingrediente que vem se somar às tradicionais questões sociais. Nesta perspectiva, a questão ambiental aparece associada à idéia de crescimento das cidades e/ou de formas de desenvolvimento econômico que acenam com a possibilidade de escassez dos recurso naturais. 116 A caracterização do movimento ambientalista daí emergente destaca a noção de “ambientalismo multissetorial” (Viola, 1994), que privilegia a idéia de consenso, na qual o ambientalismo é compreendido como um elemento que transcende as diferenças de classe, sexo, etnia etc., uma vez que as unifica em prol de uma causa comum. Nestes termos, a universalidade seria a principal marca da constituição da questão ambiental. Em contrapartida, na direção inversa, outras interpretações privilegiam exatamente a noção de conflito como elemento estruturante de um conjunto de relações que remetem a formas de uso, apropriação e gestão dos recursos naturais (Acselrad, 1992, Carvalho, 1995 , Fuks, 1997). A constatação dessas diferenças permite sugerir que o debate em torno da temática do meio ambiente tende a mobilizar diferentes concepções de natureza (e de meio ambiente também). Isto porque essas concepções estão associadas a relações sociais específicas, referendadas simbolicamente. Este fato faz com que se possa sugerir que esta temática é responsável pela constituição de um campo de disputas, conflitos e alianças que, ao se realizarem concretamente34, expressam-se simbolicamente. Inúmeros significados podem ser atribuídos a uma dada base material (recursos naturais e territoriais) e, desse modo, o meio ambiente finda por se constituir como um campo onde consensos e disputas, ao se definirem no plano simbólico, representam dimensões de um mesmo conflito social, aquele que revela modos de uso e apropriação, material e simbólica, de territórios. 34 Como concretamente entende-se, no plano das ações, que remetem a modalidades de uso, apropriação e gestão dos recursos naturais e do território. 117 4.1 A Construção do Campo Ao investigar a emergência da temática do meio ambiente e sua institucionalização no Setor Elétrico, pode-se sugerir a ocorrência de um processo de constituição de um campo de discussões e práticas, onde prevalece a ocorrência de disputas e conflitos envolvendo diferentes sujeitos e espaços sociais. Um campo que começa a se constituir historicamente, como já foi mencionado, na primeira metade da década de 80, envolvendo diferentes segmentos da sociedade (Estado e Sociedade Civil) e, a partir de um dado momento (final da década de 80), é compartilhado por representantes do Setor Elétrico (de sua estrutura estatal), delineando novas espacialidades (campos e sub-campos), onde conflitos e consensos se estabelecem e se transmutam. A noção de “campo” cunhada por Bourdieu auxilia a compreensão da dinâmica desse processo que, simultaneamente, envolve instâncias governamentais e da sociedade civil, ou seja, movimentos sociais, universidades e agências governamentais responsáveis pela implementação de políticas centradas na preservação/proteção ambiental. Possibilita também a conclusão de que se está lidando com um campo da disputa por formas de uso e apropriação dos recursos naturais: Os campos sociais são campos de força mas também campos de luta para transformar ou conservar esses campos de força. Os mais diversos campos, sociedade de corte, o campo dos partidos políticos, o campo das empresas ou o campo universitário, só podem funcionar na medida em que existem agentes que aí façam investimentos nos diversos sentidos do termo, que aí comprometam seus recursos e que se envolvam em seus móveis de luta, contribuindo assim, em função de seu próprio antagonismo para conservar sua estrutura e, em certas condições, a transformá-la. (Bourdieu, 1982: 23) 118 Assim, a compreensão do campo objeto desta investigação passa necessariamente pela presença de espaços referentes ao Estado e à Sociedade Civil. No interior do campo é possível identificar sub-campos que permitem perceber a participação diferenciada dos atores estatais, bem como daqueles representativos da sociedade civil. Sub-campos que, em linhas gerais, pode-se sugerir como espaços multifacetados, construídos a partir da mobilidade dos diferentes atores e que possibilitam a observação das convergências e divergências existentes. Na realidade, a inserção da discussão ambientalista em diferentes espaços sociais, de certo modo, redefine conflitos e competências, demarcando um espaço onde os atores se movimentam na defesa de seus interesses. Esta constatação sugere que a questão ambiental, simultaneamente, requalifica esses atores, cria novos e faz com que outros desapareçam, abrindo possibilidades inéditas de formulação de consensos e alianças entre eles. Nesses termos, a leitura do Campo Ambiental passa, necessariamente, pela observação de seu movimento contínuo, que resulta na configuração de novos sub–campos a partir de um dado conjunto de relações de associação e/ou conflitos. Assim, pode-se identificar sub–campos que, associados ou em confrontos, articulam novos sub–campos, garantindo a permanente mobilidade do Campo Ambiental como um todo. Quando se realizou a investigação sobre o lugar do Setor Elétrico no Campo Ambiental, observou-se a presença de sujeitos ou grupos de sujeitos identificados segundo sua participação direta na configuração do Setor Elétrico e/ou segundo sua participação no debate ambiental do qual o Setor Elétrico faz parte. Pode-se identificar então: 119 v Sub–campo estatal – no Capitulo I, observou-se que as primeiras ações governamentais de caráter ambientalista iniciaram-se na década de 70, como resposta às pressões e questionamentos de organizações ambientalistas nacionais e estrangeiras, que criticavam as condições ambientais do País naquele momento. Neste contexto, alguns órgãos foram criados: a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), em 1973 e as agências estaduais antipoluição (CETESB, Estado de São Paulo e FEEMA, Estado do Rio de Janeiro). Essas iniciativas ocorreram de forma subordinada ao modelo de desenvolvimento vigente, sem que se pudesse identificar avanços significativos no que se refere à possibilidade de formulação de uma verdadeira política ambiental. Apenas na década seguinte, pôde-se observar a definição de uma Política Nacional de Meio Ambiente (1985) e a constituição do Ministério do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente, que iniciaram a formalização de estratégias e arranjos institucionais que podem ser identificados como sinais da constituição de um espaço que, mais adiante, pôde ser considerado como um sub-campo do campo ambiental mais amplo (o subcampo representativo da participação estatal). Na esteira desse processo, teve-se a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), dos conselhos estaduais de meio ambiente e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), este último envolvendo um conjunto de instituições governamentais federais, estaduais e municipais e alguns órgãos da administração pública a eles vinculados. Segundo Loureiro (1992:5): Esta expansão institucional ocorreu em um quadro de crise e desmonte do Estado. Configurou-se assim, um processo contraditório, em que de um lado, proliferam as instituições, órgãos e conselhos ambientais, e de outro definham as demais políticas públicas, não só em termos de seus resultados efetivos, mas inclusive em termos de desativação das agências. A “formatação” institucional 120 crescente na área ambiental não é acompanhada portanto de políticas efetivas, já que em seu conjunto as políticas publicas estão em crise no país. Na realidade, foi a pressão dos ambientalistas sobre os governos estaduais e municipais que garantiu, naquele momento, a ampliação da agenda pública em torno desse tema, o que foi mais eficiente no âmbito das administrações públicas estaduais e municipais. Foi esse movimento que caracterizou a dinâmica desse sub-campo. Nesse contexto, algumas empresas estatais acompanharam de perto o processo de criação de espaços institucionais responsáveis pelo tratamento das questões ambientais; a Petrobrás, a Companhia Vale do Rio Doce e as empresas do Setor Elétrico exemplificam essa situação. No que se refere ao Setor Elétrico, objeto deste estudo, a sua configuração como um sub-campo envolve sua organização institucional, tratada no Capítulo 2, e demais espaços estatais constitutivos do Campo Ambiental. Nesses termos, pode-se observar: Participando diretamente na configuração das políticas do Setor Elétrico: I - A estrutura institucional estatal - responsável pelas políticas de geração, distribuição e transmissão de energia que apresenta a seguinte organização (subcampo estatal): • Ministério de Minas e Energia - MME - com a responsabilidade de delinear a política de energia elétrica no País; aqui destacam-se as Secretarias Executiva e de Energia. • DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, hoje transformado na ANEEL, conforme já mencionado, com as atribuições de concessão, supervisão, fiscalização, controle, normalização e orientação. 121 • Sistema Eletrobrás: . Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - com as atribuições de coordenação, orientação, financiamento, pesquisa e participação acionária. . Empresas concessionárias supridoras, supridoras e distribuidoras e só distribuidoras, que atuam em consonância com as diretrizes federais da política de energia elétrica35. No âmbito do Sistema Eletrobrás destacam-se ainda as seguintes instâncias: . CONSISE - Conselho Superior do Sistema Eletrobrás - constituído pelas empresas controladas pela Eletrobrás e pelo Centro de Pesquisa de Energia Elétrica - CEPEL, e internamente dividido em 4 comitês: CIPEM Comitê de Integração de Planejamento, Engenharia e Meio Ambiente; COESE - Comitê de Operação e Comercialização de Energia das Empresas dos Sistema Eletrobrás; CIASE- Comitê de Integração da Administração do Sistema Eletrobrás e CICOF - Comitê de Integração Corporativa e Financeira do Sistema Eletrobrás. . GCPS - Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos, formado pelo Comitê Diretor, Secretaria Executiva dividida em 3 comitês técnicos: CTEM - Comitê para Estudos de Mercado; CTEE - Comitê para Estudos Elétricos e CTST - Comitê para Estudos dos Sistemas de Transmissão; Comissões: Comissão do Programa de Investimentos na 35 - Aqui é importante destacar os Departamentos de Meio Ambiente de cada empresa como espaços privilegiados nesta investigação. 122 Distribuição, Comissão de Planejamento da Transmissão da Amazônia e Comissão Permanente para Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos Isolados na Região Norte e Grupos de Trabalho constituídos segundo a demanda dos Comitês. . GCOI - Grupo Coordenador para Operação Interligada que tem em sua estrutura o Conselho Deliberativo, o Comitê Executivo, 5 Sub-comitês: SCEL (Estudos Elétricos), SCEN (Estudos Elétricos), SCO (Operação), SMA (Manutenção) e SCC (Comunicações) e a Secretaria de Supervisão e Coordenação. . COGE - Comitê de Gestão Empresarial - fórum constituído por: Conselho Deliberativo, Secretaria Executiva, Sub-comitês, Conselho Executivo e Grupos de Trabalho, possuindo um órgão de assessoria (GRIDIS) para assuntos de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho. . COMASE - Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico, formado por: Conselho Diretor, Secretaria Executiva, Câmara Técnica e Grupos de Trabalho. . CCMA - Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás, órgão de aconselhamento da Diretoria Executiva da Eletrobrás e do COMASE. . PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica que desenvolve ações que objetivam o uso racional da energia elétrica. A compreensão desta estrutura, no que tange ao atendimento às questões ambientais, destacava, em 1993, duas grandes linhas de ação: uma 123 centrada na integração entre o Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema – GCPS e o Comitê de Meio Ambiente do Setor Elétrico – COMASE, e outra que, articulada a essa, tinha como eixo os esforços para adequar a metodologia de planejamento setorial à necessidade de incorporação das variáveis sócioambientais. Nesta linha de ação atuavam os Departamentos de Estudos Energéticos (DPE) e o de Meio Ambiente (DPA), ambos da Eletrobrás. Além disso, o GCPS, nesse momento, possuía uma representação formal em todos os níveis do COMASE, quais sejam: no Conselho Diretor, na Câmara Técnica e em três Grupos de Trabalho: Custos Ambientais, Interação com a Sociedade e Incorporação das Variáveis Ambientais ao Planejamento. Além disso, o COMASE possuía uma representação no Comitê Diretor do GCPS. II - As instâncias legais previstas para regular as questões ambientais no âmbito das políticas públicas (sub-campo jurídico) O primeiro fato a demarcar a constituição de um sub-campo jurídico para a temática do meio ambiente ocorreu com a promulgação da Lei 1.638 de 06.08.1981 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente. Até este momento, o tratamento jurídico das questões ambientais privilegiava uma perspectiva jurídica e econômica na qual a degradação/impacto ambiental era compreendido como um fato externo, decorrente de atividades econômicas. Como sugere Contador (1988), a imprecisão da definição de propriedade de alguns bens afetados impedia, do ponto de vista legal, o exercício da coerção. A partir de 1981, essa perspectiva é alterada e o impacto/dano ambiental, ao ser interpretado a partir da identificação da relação de causalidade entre ação e resultado produzido, passa a ter responsáveis: "essa legislação concretamente outorga ao 124 Ministério Público o poder de propor ações sobre danos relativos ao meio ambiente e à defesa de terceiros prejudicados, elegendo-o como ator significativo nos conflitos judiciais ligados ao tema” (Loureiro, 1992, p.8). Não é objeto deste trabalho detalhar a atuação do Poder Judiciário nas questões ambientais a partir da década de 80, mas sim chamar a atenção para a constituição de um espaço (sub-campo) onde prevalece a criação de mecanismos normatizadores do conflito: "Inovação" jurídica do meio ambiente dá visibilidade à definição de um espaço que remete a noção de “interesses difusos”, e que ao se instituir como um campo jurídico, traz consigo a possibilidade de existência de uma lei, esta, sem dúvida, tradutora de um conflito. Não se pode esquecer que o campo jurídico tem uma eficácia específica e um efeito simbólico correspondente, além do que o ato jurídico é aparentemente neutro e universalista, daí sua eficácia simbólica, pois simultaneamente apresenta elementos do campo político e do campo científico. (Bourdieu: 1989) Interesses e direitos tidos como “difusos” passam a dispor de instrumentos legais para a mediação dos conflitos decorrentes das formas de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais e do território. A Constituição Federal de 1988, em capítulo específico, destacou novos atores em torno dos conflitos ambientais e conferiu autonomia aos estados e municípios ao introduzir a ação concorrente das três esferas: União, Estados e Municípios, ressaltando sua co-responsabilidade pela garantia da qualidade ambiental. A relação entre o Judiciário e o Executivo, desde o advento da legislação que instituiu a Ação Civil Pública, tem sido marcada tanto pela articulação, como pelo conflito. Na realidade, observa-se de imediato um conjunto de leis que vem normatizar e regulamentar a Política Nacional de Meio Ambiente, e a configuração do Direito 125 Ambiental como área especifica de conhecimento, em torno da qual se organiza um novo mercado de serviços. Nesse sub-campo destacam-se: . Ministério Público, onde os cidadãos dispõem dos seguintes instrumentos: Ação Penal Pública, Ação Civil Pública, Ação Popular Constitucional, Mandado de Segurança Coletivo e Mandato de Injunção; . Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, ao qual está integrado o CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão consultivo e deliberativo que tem como responsabilidade apoiar a formulação das políticas governamentais para o meio ambiente, bem como deliberar, no âmbito de sua competência, normas e padrões de desenvolvimento ecologicamente sustentável; . Conselhos e agências Estaduais de Meio Ambiente; . Sistemas Nacional e Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos. v Sub-campo referente às agências multilaterais de financiamento - que corresponde à presença de instituições como o BID e o Banco Mundial, considerados como dos principais definidores do tratamento das questões ambientais no âmbito das políticas públicas. Esses atores, independente do montante dos recursos empenhados, tendem a garantir o aval dos demais agentes financeiros, bem como a definir os procedimentos técnicos a serem adotados, o que os torna importantes ideólogos neste processo. Além disso, é importante destacar que, no caso do Banco Mundial, apenas na segunda metade da década de 80, esta instituição passou a incluir em sua estrutura organizacional um espaço dedicado à questão ambiental. 126 v Sub–campo composto pelas empresas de engenharia e de consultoria – estas empresas são prestadoras de serviços à estrutura institucional estatal responsável pela política de geração, distribuição e transmissão de energia. Inicialmente, as empresas de engenharia estruturaramse, durante a segunda metade da década de 80, em setores especializados nos estudos ambientais. Mais tarde, com a retração de estudos e projetos no âmbito das políticas governamentais, esses setores foram extintos e seus profissionais retornaram como autônomos ao mercado. Esse processo deu origem a um conjunto de pequenas e médias empresas de consultorias especializadas em estudos ambientais. O surgimento dessas empresas e o aumento da disponibilidade de profissionais autônomos no mercado consolidaram o processo de terceirização dos serviços na área de meio ambiente, tanto no âmbito das empresas estatais, como também no das grandes empresas de engenharia. v Sub–campo formado pelas empresas integrantes da indústria de equipamentos elétricos – estas empresas tendem a se relacionar com os setores de planejamento e engenharia, não estabelecendo relações diretas com a área e/ou setores atuantes em torno da questão ambiental. v Sub–campo acadêmico – referente aos órgãos e instituições de ensino e pesquisa localizados dentro ou fora das universidades, que se dedicam a produzir conhecimento sobre os diferentes temas ligados ao meio ambiente, bem como a prestar assessoria aos órgãos da administração pública sobre esta temática. É interessante destacar que, historicamente, os primeiros estudos acadêmicos na área de meio ambiente ocorreram no campo das Ciências Naturais – Botânica, Biologia, Saúde Publica e Geofísica, onde a Ecologia é, 127 tradicionalmente, uma área estudada. Apenas a partir do inicio da década de 90, que os estudos ambientais assumiram uma perspectiva interdisciplinar mais ampla, incorporando áreas de conhecimento próprias das Ciências Sociais e Humanas: Sociologia, Filosofia, Ciências Jurídicas, Geografia, Administração etc. À guisa de ilustração, tem-se que durante a década de 90, proliferaram as pesquisas nas áreas de meio ambiente. Em 1991, na Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, haviam sido registrados cerca de 351 estudos em andamento36, distribuídos pelos departamentos de Botânica, Geofísica, Saúde Publica, Biologia, Engenharia Hidráulica, Economia, Geografia, Engenharia Florestal, Administração e Sociologia. Acompanhando a tendência à expansão dos estudos ambientais, nesse momento, as principais organizações científicas nacionais organizaram Grupos de Trabalho temáticos: Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS); Associação Nacional de Planejamento Urbano e Regional (ANPUR); Associação de Pesquisa e Ensino e de Ecologia e Desenvolvimento (APED), entre outros. Essa movimentação era indicativa da valorização e expansão do campo da produção de conhecimento sobre o meio ambiente e do fim da hegemonia da perspectiva biológica (ou das Ciências Naturais) para o tratamento da questão ambiental. Na realidade, o enfoque multidisciplinar passou a dominar os estudos e projetos na área de meio ambiente, o que pode sugerir que o novo campo de produção de conhecimento era uma tentativa de incorporar e representar, na multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade, a variedade de relações que o determinam (relações de conflito e/ou de consenso). 36 - Jornal da USP de 21/11/91 a 1/12/91, p.78. 128 No que se refere ao relacionamento deste sub-campo com o Setor Elétrico tem-se: - grupos que dão assessoria/consultoria às instâncias estatais integrantes do Sistema Eletrobrás; - grupos que dão assessoria/consultoria37 aos grupos sociais atingidos por empreendimentos hidrelétricos, e grupos que, integrados ou não a outras entidades civis, participam deste campo e/ou o contemplam como objeto de pesquisas acadêmicas. v sub-campo das entidades civis que são historicamente participantes desse campo: Igreja, associações, ONGs, partidos e sindicatos; v sub-campo dos grupos sociais atingidos pelos empreendimentos que integram a política de geração, distribuição e transmissão de energia, destacando-se dentre eles o Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB). É importante destacar que as relações engendradas no Campo Ambiental tendem a gerar novos sub–campos cuja composição varia segundo objetivos diversos e temporalidade variada. Em linhas gerais, a estrutura organizacional do campo destaca uma variedade de relações estabelecidas entre seus integrantes (sub-campos). O exercício de apreciação e detalhamento dessas relações resultou nos sub-campos a seguir enunciados: SUB – CAMPOS I CONSTITUIÇÃO MME/ Sistema Eletrobrás/ DNAEE 129 II MME/ Sistema Eletrobrás/ DNAEE/Segmento Estatal Regulador/ III MME/ Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador / Ministério Público IV MME/Sistema Eletrobrás/ Agências Multilaterais V Sistema Eletrobrás/ Empresas de Equipamentos / Empresas de Engenharia VI Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador / Empresas de Engenharia / Consultores Autônomos/ Universidades VII Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador / Ministério Público/ Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Agências Ambientais VIII Segmento Estatal Regulador / Ministério Público/ Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/Agências Ambientais IX Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Universidades X Segmento Estatal Regulador / Ministério Público/ Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Agências Ambientais XI Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Ministério Público / Segmento Estatal Regulador Quadro 4.1 - Classificação dos Sub-campos Obs. : Vide, em anexo, a representação gráfica do Campo Ambiental – Figuras 5, 6 e 7. Na realidade, a composição dos sub-campos acima, serve para confirmar a perspectiva de que a disposição dos indivíduos no Campo Ambiental ocorre de acordo com estruturas desiguais de acesso, uso, apropriação, distribuição e controle dos recursos materiais e simbólicos disponíveis. Pode-se sugerir que o Campo Ambiental, objeto desta tese, começa a se constituir (vide 130 Capitulo I) durante a década de 80, na esteira do processo de democratização ocorrido no Pais. Os progressos na atuação de organizações da sociedade civil, a emergência dos movimentos ambientalistas, as Resoluções 01 e 06 do CONAMA, as Constituições Federais e Estaduais, as legislações estaduais, as agências ambientais estaduais e, em alguns casos, municipais, e a resistência dos grupos sociais atingidos por empreendimentos do setor público, dentre eles o Setor Elétrico, são ingredientes que contribuem para a configuração deste campo, incluindo a presença do Setor Elétrico, levado a incorporar na sua agenda a questão ambiental. Nesse contexto, as relações de força entre os diferentes integrantes se estabelecem a partir da quantidade diferencial de poder, o que lhes confere maior ou menor possibilidade de prestigio e/ou ganho nas disputas no campo. É interessante destacar que esse poder não se refere, necessariamente, à condição de propriedade material; essa não é uma condição determinante no campo. Na realidade, esse poder é revestido de um conjunto de representações e significados que, além de organizar o próprio campo, são objeto de disputas; é um poder decorrente de uma dinâmica relacional, na qual a diferenciação social e a de poder são construídas no interior do campo, enquanto espaço de relações. Pode-se sugerir que a constituição e a dinâmica desse campo, a partir do processo de democratização política e social aqui mencionado (iniciado em meados da década de 80), traduzem o controle social sobre as empresas estatais (Setor Elétrico) e, também, sobre as agências governamentais responsáveis pela regulamentação da questão ambiental, expressando uma correlação de forças 131 representativas de disputas por formas específicas de uso e controle dos recursos naturais e do território. 4.2 Documentos e Falas - a História Revisitada Os primeiros registros da presença da discussão ambiental no Setor Elétrico datam de 1975, quando a empresa Itaipu Binacional divulgou o seu Plano básico para preservar o meio ambiente (Jornal Estado de São Paulo, 16/10/1975). Nele, destacavam-se medidas de controle que abrangiam três aspectos: (i) meio ambiente físico; (ii) meio ambiente biológico e (iii) meio ambiente social, fundando a longa tradição do Setor Elétrico em tratar a questão ambiental de forma fragmentada. Posteriormente, segundo relatos, no inicio de 1981, no Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás: Um dos hidrólogos entrou com a temática ambiental, não sei porque nem como, esse técnico, que é dessas pessoas ultra disciplinadas, a primeira coisa que fez foi montar uma bibliografia sobre o meio ambiente no setor. Na realidade, ele gerou o primeiro documento do setor sobre meio ambiente que foi uma bibliografia. (...) Isso não teve muita repercussão, mas digamos que foi o ponto de partida. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia). Ainda nesse mesmo ano, o presidente do Centro de Conservação da Natureza de Minas Gerais, ao denunciar os impactos provocados pela UHE de Emborcação em Araguari, construída pela CEMIG, destacava que: O agente financiador da barragem, o Banco Mundial, exigiu que a Cemig realizasse um estudo de impacto ambiental, para a concessão do empréstimo. Esse estudo foi realizado em 1977, unicamente para cumprir a exigência e, assim, obter financiamento. As orientações nele contidas jamais foram cumpridas. (O Globo, 30/08/1981, p.8) 132 Na década de 80, os primeiro documentos que consideraram o meio ambiente como uma variável a ser contemplada no planejamento do Setor Elétrico foram o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos (junho de 1986) e o Plano Diretor para a Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico - I PDMA (novembro de 1986). Uma breve análise desses documentos indica que, enquanto o primeiro pode ser considerado como um guia de ampla abrangência que lista todos os aspectos sociais e ambientais merecedores de atenção especial por ocasião do planejamento, construção e operação dos empreendimentos do setor, o segundo apresenta uma política sócio–ambiental para o setor, na qual destacam-se como diretrizes: “a inserção regional, a articulação institucional e com a sociedade, a viabilidade ambiental e a eficiência gerencial”. ( Eletrobrás, 1986) Inicialmente, tem-se que, de acordo com as entrevistas realizadas, os temas mais polêmicos referem-se à definição dos custos ambientais, interação com a sociedade e inserção regional. A demarcação desses temas permite observar que algumas temáticas foram naturalmente incorporadas pelo setor em detrimento de outras de mais difícil assimilação: Os temas, desde o inicio, eram fortemente verdes, até porque com algumas temáticas era mais fácil de lidar. O setor lidava bem com a questão da engenharia florestal, até porque é um tema mais de engenheiros e incorpora biólogos; tinha também uns limnólogos envolvidos com esse debate, o pessoal de peixe. Enfim, era um debate sobre recursos naturais e eu acho que tinha mais facilidade para discussão, pois nessa época predominava o discurso ambiental mundial centrado na conscientização dos riscos de perda das florestas, da biodiversidade etc. Já o tema social era altamente controvertido, com enfoques diferenciados e havia as experiências do setor que eram emblemáticas dessa questão: Sobradinho, Tucuruí, Itaparica e depois Itá. Esses empreendimentos mudaram o eixo das 133 discussões do setor, no que se refere as formas de lidar com a questão sócio ambiental. Aqui, a conversa era mais complexa e menos definitiva. Só um exemplo: o tratamento da população remanejada começava a sair do patrimônio e integrar o meio ambiente, só isso já é motivo pra muita discussão, era uma revolução, eu diria. (depoimento de técnico, cargo de chefia, departamento de meio ambiente) É interessante destacar que o atendimento à questão ambiental, como decorrência de pressões do Banco Mundial, será um argumento recorrente quando da recuperação histórica da constituição dos Departamentos de Meio Ambiente nas empresas do Setor Elétrico, a começar pela literatura oficial que registra: De conformidade com essa orientação (articulação interinstitucional e reconhecimento da importância do meio ambiente), realizou-se uma reunião geral no dia 22.08.1986, presidida pelo Presidente da Eletrobrás e que contou com a presença de presidentes e diretores das concessionárias. Destinou-se a estabelecer um consenso sobre a decisão política do Setor Elétrico, relativamente à prioridade do Meio Ambiente, no Plano nacional de Energia Elétrica – 1987/2010, ora em preparação. (Eletrobrás, 1986: 2) O referido documento destaca, ainda, alguns fatos como justificativa para a elaboração de diretrizes para o tratamento das questões ambientais pelo Setor Elétrico, são eles : • Desde meados da década de 70, é exigido que a construção de usinas hidrelétricas seja precedida de estudos de impacto ambiental. Inicialmente, estes estudos eram incluídos no projeto da usina de modo a atender especificação determinada pelo Banco Mundial38. Posteriormente, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE incluiu aspectos ambientais entre os requisitos para aprovação de projetos de aproveitamento de recursos hídricos em geração de energia elétrica. (Eletrobrás, 1986: 3) 38 - A pesquisa realizada identificou que as primeiras referencias às exigências do Banco Mundial com relação a “questão ambiental” datam de 1975. 134 • Em 1978 – a Companhia Energética de São Paulo – CESP preparou e editou o trabalho Reservatórios – Modelo Piloto de Projeto Integral, que reunia a experiência acumulada pelo Setor na área ambiental até aquela época, o que foi indicativo da necessidade de adoção de medidas específicas para o tratamento desta temática; • Em 1985, a elaboração e aprovação do Plano de Recuperação do Setor de Energia Elétrica Com o objetivo de dotar as entidades envolvidas na problemática do Setor Elétrico, inclusive os órgãos de financiamento, de referencial que permitisse um ordenamento de ações conseqüentes e passíveis de acompanhamento, abrangendo o período 1986/1989, tinha como complemento o presente Programa de Proteção do Meio Ambiente que “contém um conjunto de medidas e ações que deverão ser tomadas pelo Setor elétrico com vistas a minimização dos efeitos ambientais. (Eletrobrás, 1986: 6) Além dos argumentos acima relatados, o Plano Diretor Para Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas obras e serviços do setor elétrico destaca como princípios a serem adotados (Eletrobrás, 1986: 2): - reconhecer o avanço já realizado pelo setor, em termos de estudos e providências sobre o meio ambiente; - considerar as diferenças significativas quanto à natureza e prioridade dos problemas ambientais nas obras do setor elétrico; - valorizar a presença das equipes técnicas das concessionárias na elaboração do Plano, bem como das consultoras contratadas; - definir metas, políticas e objetivos a longo prazo; - caracterizar o Plano como uma primeira etapa do processo; 135 - explicitar condicionantes-chave: recursos financeiros, quantidade e qualidade do pessoal disponível; capacitação e eficácia técnica e financeira; aquiescência da sociedade civil; capacidade de adaptação das comunidades humanas; - destacar a adoção de medidas preventivas. Na realidade, esse documento destaca como “fatos relevantes” para o setor investir no meio ambiente (Eletrobrás, 1986: 8): a destruição de ecossistemas; a necessidade de realização de uma revisão ética acerca dos objetivos dos grandes empreendimentos, principalmente, tendo em vista a crescente mobilização social e as exigências das entidades financeiras internacionais que (...) passaram a exigir o equacionamento da viabilidade ambiental, ao lado da viabilidade técnica e da viabilidade econômico-financeira. Portanto, acrescentou-se uma nova condição indispensável para que possa ser aprovado o apoio financeiro daquelas entidades a projetos de desenvolvimento. Surgiram, assim, os estudos de avaliação do chamado “impacto ambiental”, por tradução direta da expressão "environmental impact". Como desdobramento, resulta logicamente a necessidade de planejar, implementar e operar serviços e obras capazes de assegurar, na pratica, a viabilidade ambiental. (Eletrobrás, 1986: 11) Embora a documentação oficial destaque, no final de 1985, a importância da ocorrência, da negociação de empréstimo do Setor Elétrico, no qual havia como cláusula contratual a criação de um departamento de meio ambiente, os técnicos do setor que acompanharam este processo possuem interpretações diversas para o fato: Não há transformação que um banco imponha que seja duradoura, um empréstimo não pode fazer transformações 136 radicais, pode gerar novas condições de trabalho, novos critérios, equipes etc. Isso eu tenho plena convicção de que esse tipo de intervenção não se sustenta se não houver outros ingredientes, se não houvesse algo no setor que responda a isso, tanto tecnicamente como institucionalmente. Por isso, não procede dizer que o Banco Mundial pressionou o setor para se organizar com relação ao meio ambiente. O Banco Mundial tem uma longa historia de trabalho com o setor elétrico durante toda a época de expansão do planejamento e, sem duvida alguma, teve um papel muito importante. Por outro lado, nesse período que surge a questão ambiental, é a época dos empréstimos setoriais um e dois. O dois nunca se fez, foi negociado, mas nunca foi aprovado. E o 1 realmente foi uma introdução meio pela porta de trás, quer dizer foi assim: o banco estava despertando para a “questão ambiental” de uma maneira nova. Tinham pessoas no banco que, desde o final dos anos 70, vinham trabalhando nesta área, embora os registros sociais do banco sejam de 81 e 82. Essa equipe do banco começou a colocar como necessidade uma avaliação ambiental dos empreendimentos e, com isso, foi elaborado o Plano Diretor 1. Nesse contexto, surge a discussão de que existe uma diferença entre financiar um empreendimento e financiar um setor. Por isso, surge a discussão do primeiro empréstimo, e a necessidade de se definir diretrizes gerais, de flora, fauna, reassentamento etc. O empréstimo era para desembolso rápido, de ajustes estruturais no setor e tinha um componente especifico com o negocio de Itaparica. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Ou ainda: Tem um fato que acho que motivou muito a criação do Departamento de Meio Ambiente. Por volta de 87 e 88, foi aberta a negociação com o Banco Mundial, uma modalidade antiga de financiamento do setor, quer dizer, alem dos recurso internos, tinham os acordos externos, o interlocutor do setor com o Banco Mundial, foi a Eletrobrás. A Eletrobrás pegava o financiamento e repassava para as empresas. Nessa negociação com o Banco a “questão ambiental” era dada como algo que deveria ser tratado. Inclusive acho que num primeiro momento, isso levou a Eletrobrás a se preocupar com o meio ambiente, a constituir uma equipe de meio ambiente e começar a trabalhar com meio ambiente. Foi uma imposição do Banco Mundial, numa negociação, num contrato de financiamento. Agora, não foi só isso. Seria subestimar as questões internas que estavam acontecendo, que são fundamentalmente três: a primeira, os impactos negativos nos projetos dos anos 70 (...), a segunda, a 137 própria regulamentação do licenciamento ambiental e a terceira, a forma de utilização dos recursos naturais prática pelo setor e que não cabia mais no contexto. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) A discussão sobre a influência do Banco Mundial no processo de institucionalização da questão ambiental no Setor Elétrico tende a suscitar controvérsias que variam entre a defesa de uma relação direta de causa e efeito e a rejeição da idéia de pressão. Essa divergência revela formas diferenciadas de percepção do grau de autonomia do Setor Elétrico face a seus interlocutores no Campo Ambiental. Segundo a maioria dos entrevistados, a mencionada pressão do Banco Mundial pode ser observada, neste contexto, apenas como um ingrediente, cuja importância deve ser relativizada, face a fatores mais relevantes, tais como a avaliação das experiências do setor que, naquele momento, eram alvo de estudos e discussões de diferentes segmentos da sociedade civil. Não comungo dessa leitura que coloca a criação do Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás como uma imposição do Banco Mundial; isso não existe. Mais importante eram as questões internas do setor e as demandas que tinham de ser respondidas. Não se pode esquecer que por volta de meados da década de 80, se fortalece a atuação de muitos movimentos ambientalistas, inclusive candidaturas verdes. É como se o setor tivesse de encarar o fato de que não dava mais para planejar sem contar com o meio ambiente. E depois basta ver que esse tal empréstimo que virou uma mítica aqui dentro, nem saiu todo. E tem de ver também que nesta época os investimentos do Banco não eram lá tão grandes assim. Acho também que o próprio Banco estava, nesse momento, meio que se organizando para o meio ambiente. Não funciona desse jeito, essa leitura empobrece, basta ver que hoje, os órgãos multilaterais não impõem a execução de um sistema de gestão ambiental nos projetos, e se ele existe é porque é pactuado com o setor. Tanto é que existem diferenças entre o sistema que utilizamos e o modelito do banco, por exemplo, o meio ambiente hoje é um contrato entre as partes. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) 138 É importante destacar que em todos os relatos coletados, a aceitação e negação da pressão exercida pelo Banco Mundial era, inicialmente, identificada a partir de seu peso ideológico atribuído em função do contexto geral de emergência da questão ambiental, e da constituição de seu campo de discussão. Dentre os relatos que abordaram essa questão destaca-se: A certa altura da conversa com o Banco Mundial, se enviou 17 caixas contendo estudos realizados e depois nunca mais se falou em pressão do Banco. No fundo, essa pressão nunca existiu do jeito que foi veiculada, acho que a pressão é mais ideológica, de um dado momento, quando muitos segmentos da sociedade estavam discutindo a questão ambiental, inclusive o Banco. O Banco batia pé com o negócio do Comitê de Meio Ambiente, por exemplo, que a Eletrobrás gerenciou durante anos, sei lá , talvez 4 ou 5 anos, que tinha um bando de gente conceituada, isso foi absoluta insistência do Banco. O setor negociou o empréstimo setorial 2 , que era o programa que se queria fazer. O Banco não financiou, mas ele foi todo cumprido através de um acerto com a própria Eletrobrás que percebeu o quanto era importante esse programa. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Controvérsias à parte, o fato é que, segundo alguns entrevistados, em 1986, como decorrência dessa pressão, o setor editou dois importantes documentos: o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais (junho) e o Plano Diretor para Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico (I PDMA). Estes documentos são considerados, pela maioria dos entrevistados, como a primeira iniciativa de fato, marcada pelo debate sobre as questões ambientais : Antes da criação deste departamento, existia apenas um grupo de 4 ou 5 técnicos que trabalhavam dentro do departamento de recursos hídricos, que faziam inventários. Nessa equipe, havia uma psicóloga, um administrador de empresas, uma assistente social, um economista e um geógrafo, que era a pessoa mais técnica. Essa equipe tinha feito o manual de meio ambiente da Eletrobrás, era uma 139 equipe que vinha desenvolvendo informalmente um certo trabalho. (depoimento de técnico setor de planejamento) Para conferir um suporte institucional ao tratamento da questão ambiental, foi constituído o CCMA, como órgão de aconselhamento da Diretoria Executiva da Eletrobrás (vide Capitulo II), no qual atuaram especialistas de notória experiência com a temática ambiental. No inicio do ano seguinte (1987), foi criada, no Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás, a Divisão de Meio Ambiente, com a atribuição de definir diretrizes e metodologia que atendessem às questões sócio ambientais no planejamento das políticas do setor. De acordo com grande parte dos relatos, a historia do Setor Elétrico, no que se refere ao tratamento das questões ambientais, observou três momentos distintos, a saber: o primeiro, quando o tema ocupava um plano secundário, “ignorando-se os impactos provocados pelos empreendimentos do Setor, a há menos de algumas ações isoladas e descoordenadas na área de reflorestamento ou de peixamento dos reservatórios, juntamente com a indenização dos proprietários atingidos” (Amaral e Albuquerque, 1993); o segundo, correspondente à fase "corretiva", quando “medidas corretivas” são aplicadas a empreendimentos já em operação” (Amaral e Albuquerque, 1993) e, finalmente, a terceira fase, que é considerada como conseqüência da baixa eficiência e alto custo dessas medidas e dos requisitos demandados pela Resolução CONAMA 001/86, na qual “programas e providências para mitigar ou compensar impactos negativos são desenvolvidos ainda na fase de projeto” (Amaral e Albuquerque, 1993). Embora as três fases acima mencionadas sejam aparentemente sucessivas, na prática, elas coexistem, o que sugere que uma das características da atuação do Setor Elétrico é a adoção de procedimentos específicos, segundo demandas pontuais: 140 Dançar conforme a música, tem sido nossa especialidade; desde que o meio ambiente passou a ser um dos requisitos para os projetos, cada caso é um caso e a gente tem de correr para apagar incêndios, acho que isso está nos transformando em generalistas, porque eu sou engenheiro agrônomo, mas já me envolvi com salvamento de bicho, com peixamento, já corri para acalmar população revoltada, como disse, aqui se acaba funcionando conforme a demanda. Não acho que isso seja ruim não, acho que é uma marca do meio ambiente. Nessa área não dá pra ter tudo sobre controle, não dá pra prever a longo prazo, aí as coisas vão meio que se atropelando, mas no final dá tudo certo. (depoimento de técnico do departamento de meio ambiente). Logo em seguida à criação do Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás, foi criado, para dar suporte, o COMASE, constituído pela Portaria no. 511 do MME, publicado no Diário Oficial de 26/04/88 (vide Capítulo II). O Departamento de Meio Ambiente possuía duas divisões: uma de acompanhamento e uma de estudos e planejamento e estava subordinado à Diretoria de Planejamento e Engenharia: Foi criada então uma divisão que tinha a ver com planejamento, com integração, uma divisão de desenvolvimento regional. Nessa época tinha uma discussão muito importante sobre o que era inserção regional e uma discussão sobre o que é que o setor elétrico tem que fazer ou não fazer. O que deve ser absorvido pelo setor elétrico, quais as suas obrigações quando implanta um empreendimento que tem repercussões regionais. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) 141 4.2.1 Temas e propostas no campo de negociações Uma das principais tarefas a que se dedicaram os técnicos do Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás foi a realização do levantamento detalhado dos recursos humanos e da estrutura organizacional das áreas de meio ambiente das empresas. Além disso, foram iniciados estudos tendo em vista a realização de modificações no Orçamento Padrão do setor, de modo a incluir as rubricas referentes aos custos sócio ambientais: Um fato importante é que o departamento de meio ambiente foi criado de uma forma completamente diferente. Freqüentemente, os chefes de departamento eram pessoas que estavam muito ligadas ao tema de seu departamento, que já vinham trabalhando com o tema e, no caso do meio ambiente, o departamento foi criado e chefiado por um técnico vindo de outra área. É certo que era criado com apoio da presidência, da direção do planejamento, mas na contramão dos procedimentos institucionais que sempre eram utilizados; de um lado isso nos fortalecia, principalmente no desafio de inserir os custos ambientais, de outro isso nos assustava pois qualquer escorregada podia servir para desqualificar todo o trabalho. Até por que essa forma de começar uma experiência com apoio da presidência, com certeza não contentou a todos. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) A maioria dos relatos coletados e parte dos documentos pesquisados destacam que durante um bom período de tempo, o grande dilema da definição de procedimentos técnicos para o tratamento da questão ambiental passou pela necessidade de quantificar seus diferentes aspectos (transformados em variáveis), de modo a poder definir seus custos para introduzi-lo no custo total do empreendimento, contemplando-o quando de sua avaliação econômico– financeira. Nesses termos, a relação entre custos ambientais e planejamento teve inicialmente como centralidade a discussão sobre o preço das ações ambientais, quem paga, quem recebe e como internalizar esses custos na avaliação 142 econômica e energética dos empreendimentos e no processo de tomada de decisão. Nessa discussão, segundo Assumpção (Eletrobrás,1994): O sistema contábil adotado pelo Setor Elétrico não é compatível com a relevância dos custos ambientais e com as necessidades de planejamento e controle que a magnitude dos valores envolvidos exige. (...) destacam-se, ainda, as dificuldades (...) – a dificuldade em se distinguir, no custo de componentes de um empreendimento, qual é a parte especificamente sócio ambiental (...) ; - a prática de se incorporar aos projetos desde as primeiras obras do Setor, aspectos de cunho nitidamente sócio ambientais, mas que nunca foram assim definidos. (...); - muitas variáveis ambientais não são quantificáveis e, mesmo quando passíveis de quantificação, não podem ser expressas monetariamente de forma a serem transformadas em variáveis integrantes dos modelos tradicionais utilizados para a avaliação econômico – financeira de um empreendimento. Além disso, quando considerados os impactos ambientais associados a esses empreendimentos, a discussão incorpora novos argumentos: Os impactos sociais e ambientais desses empreendimentos causam um conflito intrínseco entre custos a serem absorvidos a nível regional e benefícios transferidos ao conjunto mais amplo dos consumidores de energia elétrica no país (não se podendo esquecer , porém, o perfil da concentração desses benefícios nos setores mais favorecidos da população). Mesmo a tentativa de quantificar o custo desses impactos de forma a incorporá-los na avaliação do setor, baseada no critério de custo mínimo da eletricidade fornecida ao mercado, parece fada ao insucesso. É insuficiente a prática do setor elétrico de, diante da resistência dos movimentos de atingidos por barragens, simplesmente substituir uma solução pela imposição de outra., já pronta, determinada no seu interior. Na verdade, é fundamental para o adequado equacionamento desses conflitos, uma mudança de postura do setor, envolvendo a abertura de mecanismos efetivos de negociação com a sociedade, a partir de sua organização, informação e posicionamento sobre as diferentes alternativas possíveis (e não apenas uma única solução). (la Rovere, 1990) 143 Ou ainda : Para o padrão hegemônico de planejamento no Setor Elétrico, as questões sociais e ambientais são variáveis a serem equacionadas em termos de custo financeiro, obstáculos a serem removidos para que o território liberado possa ser ocupado pelo empreendimento. (Vainer, 1990) À dificuldade de se estimar os custos ambientais soma-se a necessidade de tratar inúmeras questões, alvo das criticas dos movimentos sociais, de modo a transformá-las em variáveis a serem contempladas pelo planejamento dos empreendimentos do Setor Elétrico. Dentre as questões mais importantes, destacam-se aquelas referentes à negociação e interação com a sociedade e, posteriormente, as relativas à inserção regional. Na realidade, segundo a pesquisa realizada, o setor elétrico instaura internamente um debate que revela o reconhecimento de que a realidade social e seus múltiplos matizes deixam de ser obstáculos para o planejamento, para tornarem-se uma de suas variáveis. Reconhecimento este que, apesar de ser um avanço, não soluciona a dificuldade de transformar esses matizes em números, ou melhor em cifrão ($): Tentei introduzir certos conceitos da economia do setor publico que implicavam em você distinguir muito bem que natureza de empresa é a empresa de energia elétrica. Onde ela é ambígua, ela tem uma certa esquizofrenia. Ela, por um lado, é uma empresa que é criada como estatal. Estatal porque a função dela é produzir energia e tem ai uma definição de custos etc. E, ao mesmo, tempo ela é uma empresa pública, que tem objetivos tais como: garantir suprimentos de energia elétrica para setores que muitas vezes não podem pagar através da tarifa normal. Obviamente, quando você começa a discutir o tema ambiental, tem de se ver que dimensão do empreendimento precisa ser considerada. Nessa discussão procurei introduzir a reflexão sobre a viabilidade da obra, incorporando a área ambiental e social, só que tinha aspectos que não eram pré definidos, não podiam ser estimados a priori porque passam por uma negociação. Você não pode ter algo que é essencial para a implantação de uma obra e o setor não 144 paga por ela, nem o consumidor paga por ela. E existem vários itens desses: reposição de um cemitério, de vias de acesso, isso sem falar de perdas que não são mensuráveis, mas que são demandas pelas pessoas que estão mais conscientes de seus direitos. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Ou ainda: Enquanto o planejamento não tiver flexibilidade suficiente para incorporar o terreno das incertezas, os empreendimentos estarão fadados ao insucesso, tanto no que se refere à minimização de impactos, como a possibilidade de redução dos passivos ambientais, tão típicos dos empreendimentos até aqui implantados. Não quero dizer com isso, que os orçamentos tem de ser imprevisíveis, não, mas sim que tem de considerar mudanças de percurso controláveis. Até porque o que se tem visto é que orçamentos são estourados na base da pressão, da corrida para apagar incêndios, da corrida atrás do prejuízo, e nisso é só o setor quem perde, pois os custos estouram e a imagem institucional vai junto pro brejo. (depoimento de técnico área de meio ambiente). Essa discussão revela de um lado, a complexidade da contabilização dos custos ambientais e, de outro, o embate entre meio ambiente e planejamento. A contabilização dos custos ambientais remete à dificuldade de contemplar custos tangíveis, intangíveis, mensuráveis e não mensuráveis, e estimula o impasse entre profissionais de meio ambiente e profissionais da área de planejamento: A possibilidade do meio ambiente conseguir introduzir as variáveis ambientais na fase de planejamento passava pela possibilidade de conseguirmos transformar em custos, nossas variáveis. Os engenheiros precisavam de valores para resolver a equação custo/benefícios e a gente sabe que nem tudo pode se resumir em valores. As discussões nessa área são muito grandes, pois por mais que se argumente, ao final eles perguntam; quanto custa? (depoimento de técnico de meio ambiente) Outra referência no discurso institucional remete à noção de Inserção Regional praticada pelo Setor Elétrico: 145 Acho que nos últimos 10 anos as empresas do setor elétrico avançaram muito no sentido de se inserir de forma positiva nas regiões. O problema é que ainda predomina o paternalismo, a vontade de resolver todos os problemas e não conseguirmos encontrar a medida exata entre fazer parte de uma região e contribuir com ela, e assumir apenas nossas responsabilidades. (depoimento de técnico de meio ambiente) Ou ainda: Parece que o setor já chega numa área se sentindo culpado e o pessoal do meio ambiente nem se fala, começa a fazer acordos de qualquer jeito, como se tivéssemos de resolver tudo. Somos apenas uma empresa que tem como objetivo gerar e transmitir energia elétrica. Não temos de sair por aí fazendo escola, dando cesta básica. Só devemos construir escolas que foram alagadas e dar cesta básica para os que foram atingidos. Não somos uma empresa de desenvolvimento, embora nossas usinas acabem trazendo o desenvolvimento para as regiões. (depoimento de técnico de planejamento) Os dois relatos acima são ilustrativos das contradições que permeavam a discussão acerca da proposta institucional do setor elétrico sobre Inserção Regional. De um lado, tinha-se o II PDMA que propunha a noção de Inserção Regional como premissa básica para o planejamento e ação do Setor Elétrico - “a inserção regional envolve uma concepção do empreendimento no contexto de um programa mais amplo de desenvolvimento regional” (Eletrobrás, 1990b, v.1, Parte IV, p.20); do outro, a constatação de que, na prática, essa formulação findava por confirmar a região, simultaneamente, como um empecilho que tendia a ser relativisado pela via do atendimento desordenado das demandas locais/ regionais, e como um campo de domínio e definição de responsabilidades – o que era atribuição do setor público, e o que era do poder público. À primeira vista, o conjunto de relatos coletados sugere que alguns temas visam demarcar os limites da presença da questão ambiental no setor 146 elétrico. Internamente, esse limite é dado pelas discussões em torno dos custos ambientais: “o que é próprio do meio ambiente, e como tal deve ser agregada ao custo do empreendimento”. É interessante observar que, no âmbito das negociações internas, a correlação de força entre os diversos setores tende, em alguns momentos, a incorporar aos custos ambientais fatores que, tradicionalmente, sempre integraram outros custos (da engenharia, da administração): Como o meio ambiente tem um tratamento garantido pela lei, as vezes, para viabilizar algumas ações, temos de colocar no meio ambiente outros custos, da mesma forma que os consultores escrevem como benefícios do meio ambiente algumas ocorrências que sempre existiram; são os impactos positivos. (depoimento de técnico de planejamento) É interessante notar que, complementando a observação anterior, tem-se que o argumento de que o setor elétrico utiliza externamente, para viabilizar política, social e institucionalmente seus empreendimentos, está justamente centrado na proposta de Inserção regional, uma idéia estreitamente vinculada à noção de desenvolvimento. Esta observação sugere que a composição do discurso sobre meio ambiente, nas formulações do setor elétrico e na fala de seus técnicos, varia segundo os diferentes arranjos necessários à viabilização de seus empreendimentos, seja para minimizar as oposições internas, seja para minimizar as repercussões externas. 4.2.2 A composição do quadro técnico e a definição de diretrizes A montagem da equipe técnica do Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás foi semelhante ao ocorrido nas demais empresas do setor, qual seja: grande parte do corpo técnico migrou das empresas de engenharia e consultoria 147 e os demais, oriundos de outras áreas do setor elétrico, foram se capacitando profissionalmente ao longo do processo: A montagem da equipe foi muito facilitada, o presidente da Eletrobrás era muito sensível às questões ambientais e estava respaldado por pessoas muito boas, com muita tradição dentro do setor publico. A equipe foi montada com total respaldo. Pela negociação com o Banco Mundial, nós tínhamos 5 vagas, mas como o respaldo interno era grande, acabamos conseguindo 13 vagas. Esse era um momento de baixa no mercado de consultoria, o que facilitou muito a montagem de nossa equipe, pois fomos buscar o que havia de melhor nas empresas de engenharia: o SNEC, a Hidroservice, a Promon, a Engerio e outras. E foi constituída uma equipe multidisciplinar, com antropólogos, biólogos, economistas, sociólogos, planejadores, e todos tinham experiência com hidrelétricas. (depoimento de técnico da área de Planejamento) Ou ainda: Eu acompanhei muito bem esse processo de montagem do meio ambiente no Setor Elétrico e posso dizer que a área foi montada com a excelência técnica, com o que havia de melhor no mercado. Acho que por isso o Setor Elétrico é um dos setores das políticas publicas que melhor formulou diretrizes para uma política de meio ambiente. A gente sabe que foram muitos os conflitos internos e externos; os empreendimentos do setor geram muita polêmica, muita resistência, mas há que se fazer justiça. Mesmo os antagonistas reconhecem que os erros acontecem, mas o esforço para acertar sempre foi muito grande. Se você for fazer uma reconstituição histórica minuciosa, se for possível resgatar cada documento, cada ata de reunião e entrevistar um a um dos que participaram desse processo, você vai ver que tudo o que foi produzido, criticado e produzido de novo, mostra o tanto de pioneirismo dessa empreitada. (depoimento de técnico de empresa de consultoria) A observação dos quadros a seguir sugere que os investimentos do Setor Elétrico na área de meio ambiente, a partir de 1986, foram mais significativos, especialmente nas empresas cujos projetos demandavam 148 tratamento especial, tais como a CHESF (UHE de Itaparica) e Eletrosul (UHE de Ita e UHE de Machadinho). Unidade : 10³ Cz$ Preços : junho 86 Empresa ELETRONORTE39 CHESF40 FURNAS41 CEMIG42 CESP43 ELETROSUL44 COPEL45 CEEE-RS46 BINACIONAIS47 TOTAL 1986 1987 1988 1989 225.479 1.127.421 710.560 410.792 1.098.000 2.408.109 283.901 66.636 33.700 165.000 202.500 195.000 1.540 78.500 412.100 1.217.700 240.000 120.309 309.060 359.800 47.230 495.970 859.320 1.072.800 840 19.656 22.568 20.902 - 31.370 10.820 13.945 92.000 162.200 461.080 438.780 1.738.789 4.598.535 3.271.909 3.796.355 QUADRO 4.2: Investimentos para a Proteção do Meio Ambiente Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas obras e serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986. 39 - Tucuruí, Balbina, Cachoeira Porteira, Samuel, Ávila, Jiparanã, Paredão/Mucajaí e Manso. - Itaparica, Xingo, Pedra do Cavalo. 41 - Serra da Mesa, Canabrava e Corumbá. 42 - Nova Ponte, Miranda, Capim Branco e Igarapava. 43 - Rosana, Três Irmãos, Taquaraçu e Porto Primavera. 44 - Ita, Machadinho, Jorge Lacerda IV e Jacuí. 45 - Segredo. 46 - D. Francisca e Pres. Médici + Candiota III. 47 - Itaipu e Garabi 40 149 CAPACITACAO E TREINAMENTO DE PESSOAL - Cursos: Aperfeiçoamento técnico em Meio Ambiente – 1987 - custo: Cz$ 7.000.000,00 - Patrocínio de Bolsas de Mestrado e Doutorado para profissionais da área de meio ambiente, empregados ou não das empresas concessionárias (5 bolsas de mestrado e 3 de doutorado, a partir de 1987) Custo estimado no primeiro ano: Cz$ 534.000,00 Tais como os investimentos na área de meio ambiente que, pouco a pouco, vão ganhando espaço, também vão se modificando os critérios de escolha para os cargos de chefia nesta área, sendo ocupados, na maioria das vezes, por técnicos que chegam ao setor e que não têm, necessariamente, o domínio da temática: A partir de 93, 94, o meio ambiente é dirigido por pessoas que chegam de fora do planejamento, a diretoria passa a ser um cargo político, sem conotação técnica, alguns não entendem nada de meio ambiente, mas ainda assim assumem o cargo de direção do departamento. Avalio que esse procedimento deve-se ao fato de que o departamento passa a ser uma instancia para viabilizar projetos de engenharia e perde seu caráter de política setorial. (depoimento de técnico de meio ambiente) O II Plano Diretor de Meio Ambiente é considerado como um dos principais documentos produzidos pelo Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás: O segundo Plano Diretor foi, de certo modo, uma estratégia que a gente utilizou para viabilizar uma política de meio ambiente no setor. Se é a visão mais acertada, não sei; sei que este documento foi uma visão da coleção de técnicos do setor nesse momento, das empresas de 150 consultoria que contribuíram para isso, pois tinham muita experiência na área e executaram os estudos de caso. Nossa estratégia foi “comer o boi aos bifes”; vamos aprovar isso, ela vira política do setor elétrico e ela vai ter de ser sentida num período de 3 anos, uma coisa assim, pra dar margem pras empresas testarem e identificarem o que funciona e o que não funciona. Eu acho que essa estratégia foi fundamental para se aprovar o plano, senão era essa coisa de aprovar e colocar na gaveta. Isso permitiu que se pudesse cobrar: "essa é a política do setor e vocês não a estão cumprindo". Além disso, na elaboração do plano se envolveu o pessoal do planejamento e da engenharia. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) A este documento é atribuído o mérito de dinamizar o debate sobre o Meio ambiente entre as empresas concessionárias e a Eletrobrás; sua elaboração foi subsidiada por um conjunto de estudos: A estrutura técnica de elaboração do primeiro PDMA foi completamente diferente da do segundo. No primeiro, tinha um consultor, por exemplo, que era tido como uma espécie de guru. Acho até que ele cumpriu bem sua tarefa. No primeiro documento, teve um papel fundamental: levantou questões que tinham de ser levantadas, só que quando o meio ambiente passa a ter um espaço institucional definido, um corpo técnico especializado, não faz mais sentido a elaboração de um plano de um consultor, a questão tem de ser internalizada por todos, discutida e rediscutida. (depoimento de técnico da área do Planejamento) Segundo la Rovere (s/data), o II PDMA concretizava a tentativa de definir uma política de meio ambiente para o setor, tentativa esta iniciada com a criação das áreas de meio ambiente e a constituição de um quadro técnico a altura da nova situação: “o desafio que se colocava era de organizar as áreas de meio ambiente e de dotar o setor de um esquema conceitual de referencia, com o objetivo de possibilitar a homogeneização mínima para que fossem formuladas diretrizes. Os estudos temáticos e o Plano Diretor serviram a esse propósito”. 151 Os anos de 92 e 93 foram interpretados por alguns entrevistados como um período que pode ser considerado como o “ciclo dos instrumentos”, pois nesse momento, foi realizada a revisão de todos os manuais: Além da revisão de todos os manuais a gente trabalhou também alguns instrumentos usando o conhecimento das empresas, naquele formato de Grupo de Trabalho do COMASE que, fundamentalmente, foi o trabalho do mecanismo de relacionamento com a sociedade que tenta avançar em relação àquele formato da política do PDMA, com destaque para a revisão do orçamento padrão da Eletrobrás. Nesse momento, se discutia também a parte financeira do projeto, a inclusão das rubricas ambientais. Esse era um desafio muito difícil pois havia uma resistência muito forte em se mexer com as contas maiores. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Outro documento considerado importante nesse momento foi o Plano 2015, lembrado nos depoimentos como um dos principais indicativos de mudanças no Setor Elétrico no âmbito do debate ambiental: Um marco que considero, nesse momento em que o meio ambiente era discutido exaustivamente no setor, foi a elaboração do Plano 2015, numa visão bem diferente de até então dos planos de longo prazo. Ao invés de definir uma lista de usinas, hierarquizadas, ele foi um plano muito estratégico, conceitual, com diretrizes gerais e caminhos a explorar. Também para ele foram feitos uns 20 estudos paralelos; um deles era de revisão do inventario. Isso para ver como cada empreendimento incorpora o meio ambiente na sua resolução, como é que o meio ambiente poderia alterar a prioridade de investimentos. Essa foi a oportunidade de se entrar com o tema, e o 2015 foi uma das oportunidades. Lembro que a grande discussão remetia aos custos. Você tem uma série de custos que são perfeitamente quantificáveis, porque são de reposição ou são fruto de uma negociação, enfim custos mensuráveis que se traduzem em dinheiro. É óbvio que tem outros que não são mensuráveis: o que vale a perda de Sete Quedas? Não é mensurável. Eu acho que tem uma boa análise de custo do que é mensurável e essa análise é a forma como se conseguia dialogar com o planejamento e com a engenharia, era a linguagem deles, a elaboração do plano 2015 era o exercício para isso. Foi feito um estudo aprofundado pelo CEPEL, 152 com participação de nossos técnicos e alguns consultores, o que permitiu delinear uma nova metodologia. Colocamos todos os empreendimentos debaixo de um rol de critérios constantes, o que possibilitou a hierarquizar os empreendimentos impactantes a partir do caso mais robusto dos empreendimentos que não são desejáveis. É obvio que existiriam outros se você conseguisse introduzir os custos não mensuráveis, mas aí seria demais, só com os custos mensuráveis uma grande parte da questão estava equacionada, aí era só tomar a decisão. (depoimento de técnico de meio ambiente) A pesquisa realizada para a elaboração desta tese utilizou, como um de seus instrumentos de investigação, a aplicação amostral de 26 questionários junto a técnicos de nível superior que compõem as equipes de meio ambiente das empresas integrantes do Setor Elétrico. Os técnicos que responderam ao questionário têm entre 35 e 52 anos, estão, em média, há 13 anos no setor Elétrico (o mais antigo está há 20 anos, e o mais recente há 5 anos) e, na área de meio ambiente, atuam em média há 7 anos. É interessante notar que a grande maioria (95%) daqueles que ingressaram no Setor Elétrico diretamente para a área de Meio Ambiente trabalhava em empresas de consultorias e que os quadros atuais dos departamentos de meio ambiente ainda são compostos por profissionais transferidos de outras áreas das empresas, principalmente da área de engenharia. A maioria participou de praticamente todas as etapas dos empreendimentos do setor – do Inventário à Operação -, tendo atuado em obras de grande porte tais como as Usinas Hidrelétricas de Tucuruí (PA) e Serra da Mesa (GO), dentre outras. Desses profissionais, a metade declarou que, freqüentemente, participa de cursos de atualização na área de meio ambiente, e 153 apenas uma minoria (10%) tem apresentado trabalhos em seminários e /ou congressos do setor. Como principal resultado desta investigação, tem-se que no universo pesquisado predominam os engenheiros, embora sua formação inicial tenha sido complementada por cursos de pós-graduação em outras áreas que não a da engenharia. No Estado do Rio de Janeiro, o curso de pós-graduação mais realizado por alguns dos técnicos que preencheram os questionários é o Curso de Mestrado e Doutorado da Coppe/UFRJ – Planejamento Energético. 4.3 A Construção do Espaço Institucional A despeito das experiências vividas pelas empresas do setor elétrico na área de meio ambiente, pode-se observar que a constituição e a consolidação do espaço referente ao meio ambiente tendem a ocorrer a partir dos eventos anteriormente mencionados. Conforme observado, ao longo da pesquisa, a discussão sobre as questões ambientais, na maioria das vezes, aconteceu em função de demandas referentes a empreendimentos específicos. Desse modo, a relação estabelecida com o tema foi construída em meio à necessidade de responder as pressões da sociedade e/ou face à premência do licenciamento ambiental. Nesses termos, tem-se que empresas como a Eletrosul e a Chesf, pressionadas pelas demandas em torno de seus empreendimentos, lançaram-se em busca de alternativas institucionais capazes de atende-las: A Chesf, enfrentava a experiência com Itaparica, o pessoal de Minas com Nova Ponte em curso, essas experiências eram um pouco laboratório, no Paraná o desafio era Segredo, Todas tinham projetos em curso e a “questão ambiental” era vital para essas empresas. Todas tinham de lidar com o meio ambiente. Algumas delas já tinha uma trajetória no tema. A CESP, por exemplo, tinha, nesse 154 momento, final da década de oitenta, 200 pessoas na área ambiental, com suas ações basicamente voltadas para o reassentamento. A Eletrosul também tinha uma equipe grande. Enfim, quem estava com um problema na mão, estava atuando independente da Eletrobrás. Eles estavam fazendo as suas coisas. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Tomando como ilustração o processo vivido pela Eletrosul, tem-se que a discussão sobre as questões ambientais, na década de 80, estruturava-se no Departamento de Engenharia que integrava uma diretoria específica (Diretoria de Engenharia); nesse momento não havia ainda uma Diretoria de Planejamento. No interior da Diretoria de Engenharia, funcionavam os Departamentos de Engenharia de Hidrelétricas, de Engenharia de Termelétricas e de Engenharia de Transmissão. Cada um desses departamentos possuía um setor de estudos. Além desses departamentos, havia ainda o Departamento de Suprimentos, onde funcionava o Setor de Patrimônio Imobiliário, responsável pela compra de terras, e indenizações. Em meio a essa divisão, a Diretoria de Suprimentos era responsável pelas questões referentes às hidrelétricas, especialmente no que se refere à relocação das cidades, enquanto que a Diretoria de Engenharia cuidava das termelétricas, e assim por diante: O meio ambiente era uma questão da engenharia de hidrelétrica mesmo; no caso de Itá se tinha a parte de relocação e o funcionamento era assim: a parte de relocação da cidade estava dentro do departamento de projetos que tinha arquitetos, porque, fundamentalmente, o que comandava a discussão ali era o projeto da cidade. A indenização estava dentro da diretoria de suprimentos e, na engenharia, tinha lá algumas discussões sobre estudos de viabilidade, sobre cotas, esse tipo de discussão. (depoimento de técnico meio ambiente) Ou ainda: 155 Desde o final da primeira metade da década de 80, havia uma pressão de fora para que cada área de cada empresa tivesse um setor de meio ambiente. Em 1987, chega oficialmente na obra um cara de meio ambiente; isso foi na Usina, que era uma obra que, na verdade, não tinha nada, só um canteiro. Esse cara estava vinculado ao departamento de termelétrica que já tinha um setor de meio ambiente dentro da área de engenharia. Era um setorzinho pequeno que vivia brigando com os engenheiros. Acho que esse setor existia desde 83. (depoimento de técnico patrimônio) Ao que parece, as disputas e as divisões marcaram a configuração do espaço dedicado ao debate ambiental, uma situação que visava caracterizar o contexto do processo de institucionalização deste tema no Setor Elétrico: O departamento de patrimônio brigava para ter o meio ambiente, o departamento de engenharia de hidrelétricas queria o meio ambiente; havia uma disputa que expressava as demandas de projeto. A termelétrica ficou lá, ficou com o seu setor de meio ambiente, não quis entrar na disputa. Então, isso aqui ficou meio que o meio ambiente de hidrelétricas, premiado por contada daquela historia da arquitetura da cidade de Ita. Era uma briga, como se fosse no fim uma briga de engenharia e arquitetura, com o patrimônio que cuidava da indenização e da negociação. É bom lembrar que estamos no inicio dos anos 90 e que a partir daí começa uma maluquice danada, pois o meio ambiente passou por três áreas mais ou menos. (depoimento de técnico de meio ambiente) Ou ainda: A relação com as divisões era complicada, pois na verdade, cada departamento continuava fazendo o seu trabalho e achando que a divisão era completamente desnecessária. Isso porque não percebia a importância também das relações externas da empresa. O funcionamento era meio esquizofrênico, com as divisões ficava a responsabilidade do licenciamento, as divisões eram executivas, tinham de cumprir metas e executar programas. Aqui também ocorre a disputa por orçamento. Mais adiante, vai ocorrer nova ruptura, quando se cria uma divisão de meio ambiente no planejamento. Tem agora meio ambiente na engenharia de hidrelétrica, por conta de Ita, na parte de termelétrica e na transmissão tem alguma coisa. São áreas 156 dentro de uma divisão e essa divisão dentro do planejamento. Essa divisão passa a ter a função de representação institucional. (depoimento de técnico de meio ambiente) A discussão na Eletronorte também ocorreu dividida por temas organizados em ecossistemas (meio físico, meio biótico e meio social, ou sócioeconomia); este ultimo tangenciando as discussões relativas ao patrimônio imobiliário, nos termos da estrutura fundiária: A divisão por meios pareceu a forma mais pratica de começar a organizar na empresa a discussão sobre o meio ambiente, além do que facilitava a identificação dos especialistas, só que foi ficando e até hoje a integração pra acontecer tem que ser formalizada. (depoimento de técnico planejamento). Em contrapartida, na CHESF, a discussão surgiu, inicialmente, no interior da Diretoria de Operação e, formalmente, em 1986, no interior da Diretoria de Engenharia, como Assistência Técnica de Meio Ambiente (ATMA), seguindo, em linhas gerais, orientações semelhantes às mantidas até a atualidade: estudos de viabilidade ambiental do empreendimento e gestão ambiental do empreendimento, ambos envolvendo Planejamento (Diretoria de Engenharia) e Execução de Projetos (Diretoria de Operação). É importante destacar que todas as iniciativas da empresa, até a constituição do Departamento de Meio Ambiente, foram organizadas a partir da necessidade de atender as demandas da UHE de Itaparica, em torno da qual foram estruturados Grupos de Trabalho (Grupo Executivo Itaparica). Como se pode observar, as empresas do Setor Elétrico estruturaramse em função de problemas decorrentes de seus empreendimentos. Foram discussões e experiências autônomas que, de certo modo, começaram a se 157 consolidar em torno de uma identidade setorial a partir do processo de elaboração do II PDMA: A Eletrobrás nunca interferiu no processo de constituição de departamentos ou áreas de meio ambiente nas empresas; o que ela tentava era fortalecer através dos estudos. A própria estrutura da Eletrobrás leva a isso; ela não é uma estrutura ambiental, é uma estrutura que serve aos interesses das empresas. Uma coisa eram os estudos e projeto; outra coisa, os acompanhamentos e os especialistas ficavam distribuídos assim. (depoimento de técnico de planejamento) Ou ainda: Acho que a estrutura de meio ambiente do setor elétrico mudou ao longo do tempo em todas as empresas. Conforme as empresas vão mudando em termos de estruturação mais geral, mudam as áreas de meio ambiente também. Nesse meio tempo, a gente considera que ocorreram alguns avanços, do tipo quando a Cemig passou a ter uma Superintendência de meio ambiente, um avanço em termos de institucionalização. A CESP em um dado momento, alguns anos atrás, teve uma diretoria de meio ambiente; esquisito, mas, melhor que nada. Esses fatos louvam a institucionalização do meio ambiente, mas a isso não correspondem mudanças na estrutura desses departamentos. Não se centralizava a representação setorial na Eletrobrás; sempre se tentava colocar a participação de outras empresas. Mais ou menos nessa época, já tinha departamento de meio ambiente em todas as empresas, só que cada uma com uma estrutura diferente. Eu acho, por exemplo, que o fato de em todas as empresas os técnicos forem se formando no processo de formação das áreas de meio ambiente, as tornou iguais nesse processo; havia uma excelência a ser construída. A nível de Eletrobrás eu não consigo ver conflitos ou grandes diferenças. E a nível de empreendimentos, desconheço. A minha percepção é de que estava todo mundo às voltas com a necessidade de conceituar e sedimentar uma política e, nesse processo, a despeito dos conflitos de interesses, predominava a tentativa de se chegar a um consenso, mas não tenho isso muito claro. Eu percebia que algumas alianças tendiam a se formar em torno de afinidades técnicas e pessoais que, sem duvida, facilitavam a conversa. E, nesse sentido, os estudos temáticos realizados serviram para aproximar visões semelhantes, e depois na formulação do segundo PDMA as 158 articulações se consolidaram. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) A pesquisa realizada indica o processo de elaboração do II PDMA como sendo considerado um marco na instauração do diálogo entre as empresas do setor em torno da questão ambiental: Quando começamos a montar o Plano Diretor, o segundo, não acho que as empresas tinham uma rotina de discussão das questões ambientais, nem internamente, nem com a Eletrobrás. O processo de constituição do plano, que envolveu estudos temáticos e estudos de caso, é que mobilizou a discussão, até porque as empresas foram chamadas a discutir cada um dos aspectos contidos no Plano, nada passou sem a aprovação e o debate que envolveu, pelo menos 12 empresas intensamente. Foi altamente intenso o trabalho de articulação em torno do plano diretor, quer dizer, não teve mão de consultor ali, depois de entregues os estudos temáticos, tudo foi escrito dentro do setor. Foi um grande passo a frente; nessa discussão nós fizemos questão de trazer a engenharia. Não interessava só uma discussão com o meio ambiente, internamente, já tínhamos discutido tudo, tinha de ser uma discussão do setor como um todo, sobre o meio ambiente. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) 4.3.1 Silêncios, diálogos e enfrentamentos: aproximações e afastamentos A relação entre a Eletrobrás e as empresas concessionárias em torno do debate sobre meio ambiente, inicialmente, passou por dificuldades que iam do desconforto à disputa por autoridade. Segundo alguns relatos, algumas empresas concessionárias questionavam o caráter fiscal da relação: O contato do departamento de meio ambiente da Eletrobrás com os técnicos das outras empresas e da engenharia, no inicio, era muito frágil, aqui se tinha de aprovar os projetos. Se fazia a parte ambiental e, nesse momento, se tinha contato com o pessoal da engenharia para saber informações dos projetos. Não se faziam reuniões depois com o tempo foi acontecendo. Isso já 159 estabelecia um tipo de relação com as empresas, eles sabiam que a gente ia lá para falar dos estudos que iam ser aprovados ou não. Em geral eram aprovados, se pedia para melhorar aqui ou ali e acabavam sendo aprovados. (depoimento de técnico de meio ambiente) Por outro lado, eram grandes os esforços no sentido de ampliar, no debate interno da Eletrobrás, a presença de representantes das empresas concessionárias: A relação com as concessionárias era sempre mais fluida, mais) cordial, não era de mando explicita, a gente sabe que em outras áreas da empresa isso existia, mas com o meio ambiente, não. Como se estava elaborando o PDMA, se estava definindo diretrizes; havia seminários, eventos sobre os estudos temáticos, onde se procurava, a partir de experiências das empresas, sistematizar as futuras diretrizes. Havia uma troca de experiência. Então tinha uma rede, sempre se procurava colocar alguém de uma empresa para falar de um assunto. (depoimento de técnico de Planejamento) Até o final da década de 80, apesar dos esforços, o diálogo entre as empresas do setor em torno do tema era bastante irregular e eram nítidas as arestas: “a Eletrobrás não tinha um fluxo de informação formado. Nesse momento, em 1989, o dialogo com as empresas era ralo”. (depoimento de técnico de meio ambiente) Ou ainda: Furnas foi a empresa que mais demorou a formar um departamento de meio ambiente coeso. Tinha áreas de estudos, projetos. Tinha o meio ambiente da engenharia, tinha uma área de estudos de viabilidade, uma área de projeto básico, de executivo. Aí, a gente podia perceber uma ruptura, pois tinha uma equipe para tratar das questões de estudos e outra equipe para tratar das questões do projeto. Quem tinha distribuição tinha um meio ambiente direcionado a arborização urbana. Entende como fragmentado e foi desse jeito que o meio ambiente foi se constituindo na empresa. No contexto da discussão do setor com Furnas, o diálogo sempre foi difícil, até porque sua disputa com a Eletrobrás era muito grande e como a Eletrobrás puxava a discussão, a conversa acabava permeada por outros fatores 160 que não tinham, necessariamente, nada a ver com o meio ambiente. (depoimento de técnico de patrimônio) No contexto institucional, os acordos e desacordos em torno da questão ambiental, muitas vezes, expressavam disputas e confrontos alheios ao próprio tema. Em muitos casos, o debate sobre o meio ambiente acabava por se tornar instrumento de disputas de outra ordem, compreendidas a partir da observação dos confrontos pela demarcação de áreas de poder e, conseqüentemente, de prestigio no interior do Setor Elétrico como um todo. Nessa perspectiva, entende-se, por exemplo, a dificuldade de diálogo entre a Eletrobrás e Furnas; a primeira, representante de um Sistema (Sistema Eletrobrás) com as atribuições de coordenação, orientação, financiamento, pesquisa e participação acionária, e a segunda, embora concessionária, detentora de reconhecido poder político construído ao longo de sua trajetória: “Furnas é uma empresa respeitável e que sempre teve autonomia política e financeira; mexer com Furnas é mexer com o Brasil, entende?”. (depoimento de engenheiro de projeto) Ao longo do processo, contudo, as empresas foram se acomodando e contribuindo com o debate, de modo a delinear diretrizes e procedimentos no tratamento da questão ambiental. Entretanto, essas diretrizes, presentes principalmente no II PDMA, não são consideradas, pela maioria dos entrevistados, como a política ambiental do Setor Elétrico. Isso porque cada empresa, de per si, tendia a declarar que atuava em consonância com princípios e diretrizes próprios que “até estão afinadas com as sugeridas no II PDMA” . Nossa principal referencia sem duvida é o PDMA, mas temos procedimentos próprios, definições compatíveis com nossas necessidades, que as vezes não são as 161 necessidades da Eletrobrás e acho até que na área de meio ambiente ter autonomia é fundamental, pois quando formos cobrados lá fora, vamos ter que responder de acordo com nossas possibilidades, não será a Eletrobrás a responder por nós. (depoimento de técnico de meio ambiente) A própria aprovação do II PDMA dependeu de estratégias e arranjos internos, de modo a construir o consenso institucional em torno do documento: O PDMA, para ser aprovado, precisou do respaldo do COMASE, e isso foi uma estratégia da Eletrobrás, não de toda a empresa, mas sim da diretoria. Todos os documentos deveriam sair com o aval do COMASE, como uma estratégia da Eletrobrás de dar a esses documentos legitimidade setorial. Isso foi possível porque nesse momento e até 1993, os diretores eram oriundos do planejamento; a partir daí, começaram a ser de fora, gente que nem entendia porque existia uma equipe de meio ambiente. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Além das disputas expressas na forma de alocação do tema, na estrutura organizacional do setor – divisões internas das empresas -, o tratamento da questão ambiental remeta também às diferentes etapas dos empreendimentos do setor: É importante ter claro que discutir meio ambiente no setor elétrico não é igual para todos os níveis do planejamento setorial. Uma coisa é discutir empreendimento, outra, plano de expansão, outra, inventário, outra programa de curto prazo; não se pode querer simplificar com criticas indiscriminadas. Em políticas publicas, há que se contextualizar e no setor elétrico há que observar esses níveis de que falei e, mais do que isso, identificar empresas e setores das empresas. Tratando-se de setor elétrico, não existe um lugar igual ao outro, sequer semelhante; acho que sem querer, ou querendo, sei lá, construímos um terreno de muitas diferenças. Vai ser difícil você encontrar aqui duas falas iguais. (depoimento de técnico de meio ambiente) Além das diferenças apontadas, a discussão transita por tons que vão do conservadorismo à descrença total na relevância do tema: 162 Duas coisas foram muito marcantes nas discussões envolvendo as empresas: o conservadorismo e o medo do reconhecimento de diretos e responsabilidades; as pessoas entravam em pânico. Presenciei muita gente dizendo: numa negociação não se pode dizer nada, você tem de se esconder. As vezes, era patético. Isso sem falar naqueles que claramente não acreditavam que o meio ambiente pudesse ser um fator importante. Toda essa discussão gerou as diretrizes, os documentos mais importante; agora os bastidores, as reuniões, eram uma coisa. E havia ainda a rejeição política ao papel da Eletrobrás; Furnas, então, vivia uma disputa acirrada conosco, talvez por ser mais independente financeiramente, sempre rejeitou e foi contra. Até as federais inicialmente rejeitavam a liderança institucional da Eletrobrás na definição de uma política ambiental para o setor. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Na realidade, há que se saber de que meio ambiente se está falando e quem está falando; ou seja, de que tipo ou estágio das atividades do setor e de que lugar na estrutura institucional : Na obra, a gente tem quase que engolir o meio ambiente; não é nossa especialidade. mas temos de atender ao que é recomendado; é diferente do pessoal de escritório que fica planejando, sem contar que, no dia a dia da obra, muita coisa acontece de forma muito diferente de como está previsto no papel. Na minha opinião, as pessoas tinham que fazer um estágio na obra antes de se arriscar a planejar pra obra e para a operação, que é outra história. (depoimento de engenheiro de projeto) Ou ainda: As empresas foram assimilando o meio ambiente aos poucos e de forma diferenciada internamente, até porque os setores das empresas têm uma cultura própria, a cultura da obra, a cultura da produção, a cultura da distribuição, é uma coisa maluca. São muitos que não se falam, não se comunicam, é como se não existissem. E na pratica, é um monte de conflitos, conflito entre a obra e a operação, quer dizer a operação não aceita os critérios da obra. Como é que uma empresa constrói algo que o braço operativo rejeita? E ai, de repente, o meio ambiente chega para costurar isso tudo. Acho que o diálogo mais fácil sempre foi com o planejamento de modelagem, pois com os da prancheta, 163 sempre foi um horror. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) A passagem da ausência de diálogo entre as empresas para o diálogo em bases difíceis, ao que parece, marcou a historia da institucionalização da questão ambiental no Setor Elétrico e deu indicações de que a temática se construiu ou foi construída num terreno minado por diferenças e/ou dificuldades próprias da história institucional, que extrapolavam os limites da discussão em torno do tema: O departamento tinha duas divisões e assim continuou até 1999. Uma era de acompanhamento e a outra era de planejamento e estudos. A empresa funcionava de um jeito matricial: quem tinha especialidade trabalhava na sua especialidade. E a gente ficava trabalhando nos seus temas, e foi isso que resultou no primeiro volume do PDMA. Na realidade, cada um na sua especialidade fazia um pouco o diagnóstico de como o setor vinha tratando a questão ambiental. Até 89, a gente não tinha contato com ninguém da engenharia, não tinha contato com outro departamento, não sabia quem era. O contato era com as pessoas do próprio departamento e com as pessoas de meio ambiente de outras empresas. (depoimento de técnico de meio ambiente) Ou ainda: O meio ambiente na Eletrobrás sempre esteve ligado ao planejamento e muito distanciado das questões da operação. Eu acho que essa, talvez, tenha sido uma das dificuldades da gente ter que se estruturar, mesmo quando a Eletrobrás ainda era forte na função de Coordenação do Planejamento. A gente articulava a questão do acompanhamento, mas aí a decisão já estava tomada e tem aquela etapa intermediária, tem o momento da obra que nós nunca conseguimos acompanhar bem e tem ainda o segundo momento, o da operação propriamente dita, que a gente praticamente tangenciava. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) 164 Observa-se, na maioria dos relatos colhidos, que a referencia à questão ambiental evoca diferenças e disputas que findam por expressar a relação entre nós e os outros, os do meio ambiente e os que, por acordos, negociações ou imposição, assumiam o meio ambiente. Trata-se de um processo simultâneo de luta e constituição dos sujeitos que, na instituição, transitavam de forma a movimentar interesses, conflitos e até rupturas. Nesse sentido, o discurso ambiental (ou os discursos ambientais) tendia a ser um discurso mutante, pois evocava representações diferenciadas, segundo os interesses que mobilizava: Acho que a natureza é uma só, não é? Mas quando você tem de discuti-la aqui no executivo é diferente do técnico que, lá na sede, planeja os programas, define como vamos ter, na prática, de preservar a natureza. (...) Acho engraçado que às vezes, nem o pessoal da região está interessado nessas medidas, e é difícil pra equipe da obra entender e lidar com isso tudo de repente, pois temos muitas atividades e prazos para serem cumpridos. (depoimento de engenheiro de projeto) Ou ainda: Grande parte de todos os impactos ambientais são equacionáveis, seja pela via técnica, seja pela via negocial. Se eu tenho um empreendimento para o qual eu necessito de um orçamento, se tenho um custo de geração superior ao custo marginal, pra poder tratar da questão ambiental, eu não devo fazer esse empreendimento. Serra Quebrada e tantos outros foram avaliados assim. Agora tem uma coisa: tem alguns casos em que, apesar das restrições legais, é possível se buscar alternativas; são casos que necessitam de um reexame, porque são empreendimentos, em alguns aspectos, muito bons, Cararaô, por exemplo é um empreendimento factível, só que tem de ser bem feito. Acho que se as variáveis todas forem consideradas e estimados seus custos, se consegue um bom resultado e com isso se está dialogando com a engenharia e com a área financeira. Hoje, avalio que os orçamentos dos empreendimentos têm de ter umas 35 variáveis ambientais. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) 165 Nesse contexto, a observação do lugar da questão ambiental no Setor Elétrico passa, necessariamente, por compreendê-la como representação de lutas entre diferentes práticas institucionais e diferentes maneiras de lidar com a apropriação, uso e controle do território, nos termos de seus empreendimentos, ambas, mediadas pela necessidade de atender às exigências legais que a temática impõe: Os órgãos licenciadores têm um papel muito mal resolvido, porque é um papel formalista, de imensa fragilidade, que dá margem a um contencioso brutal que não tem capacidade de resposta. Veja bem: estão lidando com um setor onde predominam interesses econômicos, aí inclusive no sentido legitimo, quer dizer o investimento não pode ficar parado esperando o órgão ambiental decidir. Então fatalmente corre-se o risco de ter um empreendimento pronto sem licença. Aí o que se faz: infringir a lei, tentar uma licença parcial? Na realidade, parece que o órgão ambiental não tem coragem, em alguns casos, de emitir a licença porque não tem capacidade nem velocidade para atender ao processo. Para você ter uma idéia, houve época em que os órgãos de licenciamento nos diziam que usavam as nossas diretrizes, do manual de estudos ambientais, como parâmetros para sua atuação. Pode isso? (depoimento de........ cargo de chefia meio ambiente) 4.3.2 Unidade X diversidade A evidência dos contrastes no interior do espaço institucional tende a se manifestar quando da operacionalização das recomendações presentes nos documentos oficiais produzidos com a intenção de representar a política ambiental do Setor Elétrico. A sugestão de que cada uma das empresas tem autonomia para desenvolver procedimentos próprios, finda por esclarecer as diferenças, indicando dois níveis de diálogo: um no sentido da construção de uma identidade para fora, a identidade ambiental, ou o sotaque ambiental do Setor Elétrico em sua comunicação com os demais segmentos da sociedade, e a outra, 166 a prática ambiental de cada empresa, quando tende a predominar o estilo institucional de cada uma – maior ou menor, mais autoritária, mais liberal, mais ou menos conservadora, mais moderna, e assim por diante: “Furnas é conhecida como uma empresa onde as decisões são extremamente autoritárias ainda; a empresa tem uma tradição de concentração de poder, que torna o diálogo pra fora muito difícil. (depoimento de engenheiro de projeto). Durante a discussão de temas polêmicos, tais como a questão do tratamento a ser dispensado às populações e os processos de negociação necessários, essas diferenças tornavam-se mais visíveis, demarcando claramente o espaço de predomínio da unidade, alcançado nos documentos e proposições oficiais, e o espaço da diversidade, realizado na prática, no dia a dia dos empreendimentos. As diretrizes para o tratamento desta questão, presentes, por exemplo, no II PDMA (1991/1993), na prática, esbarravam em dificuldades especificas, que iam de entraves institucionais à reavaliação de todo o processo de implantação de um empreendimento – do planejamento à operação: Acho que avançamos bastante nas questões referentes ao remanejamento de população, mas ainda é muito pouco diante da complexidade que o setor tem de enfrentar. Este é um tema muito sensível, envolve uma gama de interesses institucionais e das populações. E acho que a maior dificuldade está em lidar com essa diversidade, como um processo, como uma realidade em permanente movimento. A partir da observação das experiências bem ou mal sucedidas do Setor, se pode perceber que, mesmo cheio de boas intenções, os erros são ainda maiores do que os acertos e isso tem de ser indicativo de algo a se modificar. Penso que a solução, ou digamos, o melhor caminho é aquele no qual se crie uma dinâmica capaz de se modificar tal como se modificam as relações em torno da questão. Não sei se estou me fazendo entender, o que quero dizer é que as empresas têm de incorporar ao seu planejamento a 167 variável flexibilidade, pois quando se lida com pessoas, o imponderável pode ser determinante. Acho que esta capacidade ainda não foi alcançada, é difícil, mesmo no planejamento uma variável móvel, pode movimentar as demais, na realidade torna tudo processual e aí reside o perigo, na cabeça de nossos planejadores e executores. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) É interessante destacar que, em setembro de 1993, o editorial de um informativo do COMASE, ao fazer um balanço deste tema e avaliar as dificuldades de tratá-lo, registrava: Ainda é longo o caminho a ser percorrido pelo Setor Elétrico para o aprimoramento das suas ações em projetos que impliquem no remanejamento de populações, de forma que se possa reverter a noção sobre os processos “a que são submetidas as populações que, por azar do destino, encontram-se nas áreas a serem apropriadas pelo grande projeto hidrelétrico” (Vainer, 1992: 56). Por este caminho passa a necessidade de consideração de todos os custos sociais, institucionais, políticos, técnicos e financeiros envolvidos na formulação dos projetos, decorrentes do comprometimento com uma política explicita de relocação que objetive a recomposição da vida das populações num patamar socialmente justo e propulsor do seu desenvolvimento autônomo. (ELETROBRÁS, 1993) Se, de um lado, o discurso mais recente avaliava que o tratamento da temática do remanejamento demandava uma maior flexibilidade, traduzida na capacidade do planejamento para lidar com a mudança enquanto possibilidade de mudança de percurso, durante as diferentes etapas de um empreendimento; de outro, o discurso institucional identificava, na “consideração de custos diversos”, o cerne da questão. Esta constatação, de certo modo, colocava em xeque a relação procedimentos metodológicos X custos ambientais, como se ambos não fossem faces de uma mesma moeda: Enquanto a questão do remanejamento for uma questão técnica a mais, como outras tantas que podem ser 168 equacionadas na prancheta, vamos estar sempre sujeitos a desastres. Não sei como se faz, essa não é minha área , na verdade aqui só fico recebendo as criticas, mas depois de tanto sarrafo, fico pensando que devemos estar abertos para incorporar ao que está traçado demandas inesperadas, situações excepcionais, sem que para isso tenhamos que enfrentar não só uma burocracia enorme, as vezes para levar um sonoro não lá na frente. É muito complexo, mas nós aqui ficamos engessados muitas vezes, reconhecemos o que tem de ser feito mas não temos autonomia para isso. Você sabe que lidar com gente é muito complicado, gente reclama, gente protesta, gente acampa e para a obra, e agora, gente aciona o Ministério Público, e estão corretos, eu não posso chegar na sua casa, dizer que você tem de sair e achar que você não vai gritar. É isso que o pessoal lá da tomada de decisão tem de considerar para aceitar que de repente tudo que estava acertado tenha de se modificar. Acho que salvamento de bicho é menos complicado, pelo menos eles não vão pra porta da empresa reclamar. (depoimento de engenheiro de projeto) Além disso, as questões referentes ao tratamento das populações nos empreendimentos do Setor Elétrico eram questões que envolviam negociações e, portanto, o diálogo no Campo Ambiental com diversos interlocutores, o que tendia a acontecer segundo o estilo institucional de cada empresa: O remanejamento para algumas empresas é uma questão patrimonial, sim; em último caso, o que decide é a situação cartorial, quando muito se reassenta dentro daquele padrão uniforme e com justiça, afinal, essa é a obrigação legal. Em outras empresas, como a nossa, esse patrimonial é obedecido, mas temos ainda programas ambientais que são desenvolvidos dando um suporte e, é claro, que temos de atender que ninguém fique desalojado; problemas sempre existem. O que o pessoal aqui está reclamando, e aí os problemas vão se avolumando, é que não somos paternalistas como a Eletronorte, e não adianta ser paternalista, não resolve nada. Já viu o tanto de processo ainda pendente desde Tucuruí?. Acho que a Eletrosul tem uma experiência, digamos mais técnica no assunto, mas também porque no Sul o movimento desde o início veio obrigando a empresa a investir em soluções. Isso facilita muito, chateia, mas ao final avança, faz com que se consiga fazer o dever de casa sem tanto atropelo. O inesperado é sempre um risco e aqui nós estamos tendo de lidar o tempo 169 todo com ele; dorme-se de um jeito e no dia seguinte somos atropelados seja pelos jornais, seja pelo Ministério Público, e assim por diante. (depoimento de técnico de projeto) Como se pode observar no relato acima, na prática, as questões tidas como ambientais tendem a destacar a problemática social que as define e a impor a negociação como o único recurso: a negociação espontânea e/ou planejada ou a negociação imposta, resultante da pressão. Como sugere Della Costa: A imposição de imigração compulsória, em razão de um projeto do governo não foi aceita (...) a coisa mais importante que a Eletrosul aprendeu neste processo é respeitar a população atingida, principalmente a população do Uruguai, que é organizada, inteligente e tem capacidade de participação. (Eletrosul, 1990) 4.3.3 A dinâmica do campo ambiental: o setor elétrico e seus interlocutores A disputa por formas de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais e do território movimenta o diálogo entre os diversos integrantes do Campo Ambiental. Nesse espaço, observa-se uma correlação de forças cuja compreensão passa, necessariamente, por representações e interesses específicos. Na realidade, o diálogo estabelecido entre os diferentes integrantes desse campo é um diálogo mutante; suas modificações tentem a ocorrer a partir do lugar de onde é proferido – quem diz o quê e de onde -, e segundo o grau de legitimidade de que é portador. A partir da pesquisa realizada, pode-se sugerir que durante o período de constituição do Campo (década de 80), o Setor Elétrico tendia a se movimentar nesse espaço a partir de atitudes defensivas: Na implantação de reservatórios de usinas hidrelétricas, de linhas de transmissão e de subestações são introduzidas modificações no meio ambiente com a alteração 170 do meio físico, biótico, social, econômico e cultural das áreas afetadas. (...) O Setor de Energia Elétrica, consciente dos benefícios – inclusive os de usos múltiplos – e das modificações introduzidas no meio ambiente pela implantação dos sistemas elétricos, desde o planejamento até sua operação , de modo a estabelecer diretrizes que possam conciliar o desenvolvimento econômico e social com conservação dos recursos naturais. (Eletrobrás, 1986: 1) Na medida em que o Setor começou a discutir internamente a necessidade de formulação de diretrizes que pudessem minimamente definir sua política ambiental, começou a estabelecer uma interlocução que resultou na incorporação ao debate de novos sujeitos sociais: Num primeiro momento, reconheço que agíamos basicamente para responder as pressões, correr um pouco atrás do prejuízo, sem grandes reflexões, mas, digamos, com muita disposição prática. Dois fatos foram determinantes para a estruturação da área de meio ambiente: a pressão social e a legislação ambiental. A resolução 006 do setor elétrico foi a primeira resolução setorial especifica e a resolução 001 que é uma excelente resolução de um modo geral. Alem disso, havia o movimento dos atingidos. Eu acho por exemplo, que o fato do pessoal da Crab, no Sul ser super competente foi uma sorte pro setor elétrico, porque você ter um interlocutor capaz é tudo que se quer . Quando o interlocutor é radical, passional e mal informado, não ajuda muito. Mas um interlocutor bem informado, que procura discutir, que vem à mesa com deliberação firme, ajuda a crescer. Eu acho que a Eletrosul, respondeu muito bem e estabeleceu um padrão que faz com que hoje seja impossível construir uma hidrelétrica sem conversar com o movimento. (depoimento de técnico /.cargo de chefia, área de meio ambiente) Ou ainda: Uma coisa é certa: as pressões podem ocorrer, e elas ocorrem, o interlocutor pode ser fantástico, mas se não houver capacidade interna, nada acontece e o setor foi se capacitando ao longo do tempo, de modo que tudo o que foi produzido contou com uma equipe de primeira linha, e isso acho que só a Eletrobrás e algumas empresas, dentre elas a Eletrosul conseguiram, formaram uma massa critica incrível; infelizmente isso não foi geral, alguns segmentos de 171 algumas empresas continuaram reacionários. Se eu tivesse de construir uma imagem para retratar esse quadro eu diria que é impossível dizer que as empresas se modificam na integra, não, setores investem na questão ambiental, estimulados pelas áreas de meio ambiente, mas isso não acontece de forma homogênea, ao contrário, a marca desse processo é justamente o embate entre o que se modifica e o que resiste a se modificar. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) O relato acima transcrito é indicativo do quanto os interlocutores do Setor Elétrico no Campo foram importantes como forma de pressão, levando-o a organizar-se institucionalmente, não só para responder a demandas, como também para preparar-se para atender aos novos condicionantes ambientais. Nesse contexto, a relação do setor com as universidades e empresas de consultoria foi extremamente importante. As primeiras, orientando o debate nos termos da formulação de bases conceituais para o tratamento da questão, ao mesmo tempo que conferindo legitimidade à produção de conhecimento daí decorrente – o aval da universidade conferiu um certo brilho intelectual a estudos até então marcados unicamente por seu aspecto técnico. Além disso, o espaço das universidades é um espaço que tende a estar afinado com o espaço dos movimentos sociais, ocorrendo trocas e parcerias entre ambos: Foram muito importante os estudos nos quais contamos com a universidade e as entidades de pesquisa. Além de conseguir conceituar melhor nossa proposta, avançamos em termos de abrir canais de negociação mais eficazes com a sociedade. A relação para fora do setor era bastante especifica. Por volta de 1990, quem fez o estudo temático de fauna e flora foi uma ONG. O relacionamento do setor era apenas com biólogos e pesquisadores. O departamento de meio ambiente da Eletrobrás se colocava da seguinte maneira: você tem até uma situação no seu projeto que precisava de solução, tinha-se então de investir nisso e a solução era abrir um canal para os especialistas e aí entravam as ONGs e outras instituições, universidades. Era a comunicação pra fora, a interlocução com outros 172 atores sociais. Foi nessa perspectiva de ampliar as relações do setor em torno do meio ambiente que foi constituído o Conselho Consultivo de Meio Ambiente que era formado por pessoas de notório saber. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Ou ainda: Procurou-se uma aproximação com algumas universidades e centros de pesquisa; foram feitas algumas discussões e seminários com a participação de alguns estudiosos do setor e pode-se dizer que ocorreram grandes rupturas entre o setor elétrico e a área acadêmica e isso ficou bem explicito, por exemplo, em vários seminários que integravam um Programa de Energia da Coppe com a Fundação Ford. Acho a critica da academia extremamente construtiva do ponto de vista conceitual, mas em alguns aspectos, eles extrapolam, pois não basta chegar e criticar um empreendimento, é preciso entender um pouco a lógica do planejamento setorial, acompanhar isso ao longo do tempo, sair do escritório, da sala de aula e ir para o fazer da coisa, o executivo. Tenho um amigo que diz que é diferente escrever no escritório juntando variáveis e escrever depois de olhar a cara das pessoas, comer poeira, até sentir os cheiros. É por isso que eu tenho lá minhas restrições aos acadêmicos, embora ache que dialogar com eles sempre foi muito produtivo para o setor. Na realidade, quando se comentava com um engenheiro de projeto as criticas recebidas da universidade, a reação era um pouco essa de questionar a validade das teorias distantes do dia a dia do projeto. Alem disso, não basta só criticar, contestar, tem que se apresentar sugestões, não acha? (depoimento de técnico de meio ambiente cargo de chefia) É importante destacar que a parceria com segmentos da Universidade tende a dar legitimidade às proposta do setor elétrico, especialmente em seu diálogo com a sociedade. Um aspecto interessante na observação de como o Setor Elétrico compunha no Campo espaços de interseção entre sub–campos, reside no argumento de que para relativizar os estudos acadêmicos e garantir a realidade (operacionalização) das recomendações propostas, fazia-se necessária a 173 presença das empresas de consultoria freqüentemente contratadas para a execução de estudos e projetos. Estas empresas, de certo modo, atuavam como mediadoras da produção de conhecimento que se pretendia alcançar, isto porque detinham o conhecimento sobre o projeto de engenharia, objeto central das negociações do Setor e de seu diálogo com os diferentes participantes no Campo: Eu aprendi muito com a turma da universidade, as reuniões são muito ricas, a gente que fica o tempo todo às voltas com o empreendimento, fica sem tempo pra perceber que tem muitas outras formas de olhar o problema, algumas que podem até simplificar nosso trabalho. Acho que no dia a dia, a gente se afasta muito de uma base conceitual; por isso acho que as reuniões do meio ambiente sempre foram muito proveitosas quando o pessoal da universidade participava (depoimento de engenheiro de projeto) Ou ainda: O Setor Elétrico produziu muita coisa sobre meio ambiente, acho que foi um dos setores públicos a melhor escrever sobre si mesmo e investir na busca de alternativas para seus empreendimentos que atendesse tanto a sociedade como a legislaçãotivemos bons parceiros nessa tarefa: as ONGs, as Universidades, os Centros de Pesquisa, mas tenho que o nosso parceiro mais adequado sempre foram as empresas de consultoria, elas entendem dos projetos de engenharia, delas vieram muitos dos nossos técnicos. Minha opinião é que estas empresas são as que melhor atendem a nossa necessidade de adequar o projeto de engenharia às exigências do meio ambiente. E depois hoje, já não tem essa separação tão nítida, pois tem muito professor da universidade, por exemplo, que é consultor nessas empresas. O que quero destacar é que elas têm uma tradição de conhecimento na nossa área que a universidade ainda demora a ter. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) Nesse contexto, a mobilidade das relações no Campo permitiu que a concorrência ocorresse segundo o projeto em negociação. Desse modo, pode-se, em um nível, constatar a concorrência entre empresas de consultorias e setores 174 da universidade que prestavam serviço ao Setor Elétrico e, em outro, observar-se um espaço de interseção construído pela presença de profissionais desses setores da universidade nas empresas de consultorias. De todo modo, é interessante notar ainda que os setores autônomos48 da Universidade tendiam a estabelecer, com o Setor Elétrico no Campo, uma relação de confronto, muito semelhante àquela estabelecida entre estes e os segmentos dos Movimentos Sociais impactados por seus empreendimentos: Eu lembro que quando saiu a primeira versão do Plano Diretor, um antropólogo, numa página no Jornal do Brasil, fez vários comentários, muitas criticas (era um Antropólogo do Museu Nacional) de que o setor era muito fechado. Achei injusto, ele podia ter sido mais generoso com o Plano Diretor. Os engenheiros ficaram muito chateados e comentavam: "pôxa, a gente está aqui fazendo um esforço, tentando acertar a mão e tome de critica". Tudo era visto como muito pouco. Na área social e ambiental, a coisa não funciona como uma receita fácil, né?. É algo que passa por negociação, passa por muita incerteza, muita indefinição; a gente está lidando com investimentos de bilhões, e um alto risco e isso tem de ser entendido; não se está fazendo uma fabriqueta na esquina, se está construindo uma usina que leva 5, 6, 10 anos pra implantar, um investimento brutal. Acho que, na época, o investimento no setor elétrico era da ordem de 2% do PIB do Brasil; aí não dá pra se fazer uma critica teórica, cheia de artifícios acadêmicos para derrubar um esforço de pessoas sérias e empenhadas em buscar a forma mais correta e justa possível de lidar com a questão social e ambiental. Tudo estava por ser construído e definido naquele momento e os senhores da academia, ao invés de contribuir com o processo, tentavam, em cima das indefinições que eram muitas, exercitar suas vaidades. (depoimento de .............., cargo de chefia, meio ambiente) Na realidade, a compreensão da relação de confronto entre Setor Elétrico e segmentos independentes da universidade passa principalmente pela observação das alianças que se dão entre estes e segmentos dos movimentos 48 que não prestam com freqüência serviços de consultoria para o Setor Elétrico, ou que não o fazem nos termos do projeto de engenharia. 175 sociais atingidos pelos empreendimentos do Setor Elétrico. Tem-se então um novo espaço de interseção centrado no questionamento da modalidade de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais e do território pelo Setor Elétrico (o que inclui o questionamento da matriz energética): O movimento nunca foi um movimento ambientalista, e sim de organização dos pequenos agricultores protestando contra a construção das usinas. A gente tem analisado a história do movimento em que a “questão ambiental” só era central porque nós vivemos num meio ambiente e esse meio ambiente era objeto de disputa entre agricultores e empresas do Setor Elétrico e da burguesia, porque o governo sempre representou a elite do País. Na época, não estava sendo colocada a “questão ambiental” claramente, quando muito o meio ambiente aparecia quando se falava dos medos que ocorressem interferências climáticas. (liderança dos movimentos sociais) Nesses termos, tem-se efetivamente atores sociais disputando os mesmos recursos naturais e território - Setor Elétrico e populações -, ambos dispondo de aliados no diálogo que estabeleciam entre si, aliados que se aproximavam e/ou se afastavam segundo um jogo de interesses: Não é assim tão simples entender como se dão os relacionamentos entre o Setor Elétrico e a sociedade, e aí me refiro a todas as empresas. Em alguns momentos, conseguimos aliados nos partidos políticos, mesmo os de esquerda, e em alguns setores da universidade; em outros momentos, os mesmos aliados tornam-se opositores, depende do que está em jogo. Por isso, acho que o maior avanço que o meio ambiente trouxe foi justamente a capacidade de negociação que tivemos de aprender a ter para sobreviver e equacionar nossas atividades. Você não concorda que hoje qualquer empreendimento do setor antes de estudos de eias? e rimas, tem de negociar com os interessados? E digo mais, nessa negociação podemos ver que inclusive os movimentos dos atingidos não é um só, pode-se fechar acordos em diferentes níveis. (depoimento de técnico meio ambiente) Ou ainda: 176 É aquela velha historia: no andar da carroça é que as abóboras se ajeitam, De repente, fizemos uma proposta para eles, e eles foram atendendo alguma coisa, foram cedendo, cedendo, mas sob pressão. Ali começou a negociação palmo a palmo, muitas idas e vindas; tivemos de parar um monte de coisa. Com 26 pessoas, paralisamos um dia, a construção da cidade nova; nós queríamos ser recebidos. Eles não davam bola; na verdade, fomos arrochando, até conseguir sentar na mesa e negociar. (liderança de movimento social) As dificuldades tendiam a se referendar nas diferentes conjunturas sócio políticas vividas no País. Em muitos dos relatos coletados, são recorrentes as alusões ao autoritarismo vigente nos anos 70 como justificativa, e/ou tentativa de explicação para o distanciamento entre o Setor Elétrico e suas políticas identificadas nos projetos: No início, nós não sabíamos o que fazer para lidar com os vários problemas ao mesmo tempo, pois tenho a sensação de que o meio ambiente veio destacar problemas que sempre tivemos de enfrentar. Na década de 70, não se falava em meio ambiente, mas já se tinha que buscar solução para população, para formas menos negativas de fazer parte de uma região; sim, porque quando se implanta um empreendimento, se passa a fazer parte daquele lugar, são funcionários que se passa a ter no lugar e são responsabilidades que se passa a ter. O que quero dizer é que tudo que está aí hoje como meio ambiente sempre existiu; se foi tratado de forma errada é outra discussão. Prefiro não avaliar; acho que o momento era outro, só acho injusto dizer que o Setor agia de má fé, acho que agíamos de acordo com a época; quando fomos solicitados a definir outras formas de atuar, investimos em conhecimento, em contratação de novos técnicos, em atualização. Eu que sempre trabalhei com patrimônio, hoje entendo que não basta só indenizar um proprietário atingido; numa propriedade tem moradores, meeiros e eles têm de ser tratados, mas eles sempre foram tratados, só que hoje eles pressionam e temos de buscar soluções. É muito simples, de fora, criticar; me aposentei depois de quase 30 anos de atividade na empresa, e meu sentimento é que o meio ambiente veio organizar o caos, tudo que se discute como meio ambiente existe desde sempre, e foram tratados para atender as imposições de cada época. Na década de 70, foi 177 de um jeito, em 80, de outro e assim por diante. (depoimento de técnico de patrimônio, advogado) No âmbito do embate entre o Setor Elétrico e os segmentos dos movimentos sociais, estudos elaborados na Universidade criticavam as formas de atuação do Setor: A desinformação constitui uma das principais armas das empresas do Setor Elétrico. (...) Nos momentos iniciais, a desinformação assume a forma pura e simples de sonegação da informação, de maneira a facilitar o ingresso da empresa na região, a conquista de algumas posições no terreno antes que a população se dê conta do que vai ocorrer (...) Numa etapa seguinte, a desinformação assume outra conotação. De um lado, ela aparece através de uma intensa atividade de comunicação social, que propagandeia a obra e seus benefícios, ao mesmo tempo em que tergiversa quanto aos impactos negativos para a população e região atingida. De outro lado, ela se funda sobre uma política mais sutil de lançamento de informações desencontradas, contraditórias. (Vainer, 1990) O Setor Elétrico defendia-se, argumentando em seu favor sobre a dificuldade de tornar práticas as recomendações teoricamente formuladas: O setor é acusado de muita inverdade. Só quem vai viver na área de projeto é que sabe como às vezes as noticias são distorcidas. Como as áreas de nossos empreendimentos, na maioria das vezes, são cidades pequenas, pequenos municípios, povoados, uma palavra mal esclarecida pode virar algo completamente diferente. As pessoas são muito ansiosas e os empreendimentos demoram muito a se implantar, são anos, 5, 10 e até 20 anos e a imaginação das pessoas vai longe. Não quero dizer com isso que nos fazemos tudo certinho, claro que não, mas é difícil ter controle de tudo. E muito do que ocorre foge ao nosso controle. Nessa área de meio ambiente acho que os monstros e os anjos existem em todos os lados, aqui dentro, na população, nos órgãos públicos, nas secretarias, nas entidades, e por aí a fora; administrar isso tudo é o grande desafio. (depoimento de técnico de meio ambiente) 178 Em artigo publicado em 1990, Dalla Costa (1990), liderança do Movimento de Atingidos por Barragens, comentava sobre a forma de atuação da Eletrosul nos seguintes termos: A Eletrosul já havia construído no Paraná e também no Rio Grande do Sul; seu passado não era o mais aconselhável, pois onde passou causou muitos problemas; aliás este sempre foi o resultado das obras do setor elétrico: muitos problemas. As atitudes da empresa foram extremamente autoritárias, ela não levava em conta a opinião dos atingidos, não cumpria aquilo que prometia e, por tabela, cada vez mais perdia o crédito. Por trás destes executores do projeto, é certo que existem os grandes interessados nas obras: as grandes construtoras, os grandes industriais, as empresas multinacionais, enfim os capitalistas que têm para a região Sul do Brasil o projeto chamado “Cone Sul", e as barragens na Bacia do Rio Uruguai são objetivo a ser concretizado para o “progresso” e o “bem – estar" (deles, é claro). Segundo algumas das entrevistas realizadas, o reconhecimento da relação de confronto construída ao longo do tempo entre o Setor Elétrico e os segmentos da sociedade (basicamente os grupos sociais atingidos por seus empreendimentos) orientou, a partir da segunda metade da década de 80, a manifestação da necessidade de busca de instrumentos de “interação com a sociedade” . Esta questão foi, desde cedo, compreendida como um dos principais requisitos para a viabilização de uma política ambiental do Setor Elétrico: Alguns temas foram muito importantes para orientar a reflexão que o meio ambiente impôs às diversas áreas do setor elétrico; todos foram levados a pensar sobre como resolver os problemas dos empreendimentos. Basta ver o II PDMA para se ter uma idéia de como melhorar o planejamento e o executivo. Na realidade, me parece que cumpridas todas as recomendações, se poderia conseguir interagir com a sociedade. Interação com a sociedade, foi durante muito tempo a palavra de ordem, e trazer isso para o dia a dia da obra não era possível, pois uma idéia gerada no escritório dificilmente é bem sucedida na prática da obra. Dessa experiência, só posso dizer que o meio ambiente 179 trouxe muitas idéias, mas não conseguiu diminuir a distância entre setores da empresa, entre planejamento e obra; são realidades diferentes e demandas diferentes. (depoimento de engenheiro de projeto) Na realidade, de acordo com o relato acima, apesar da relevância do tema, na prática, sua operacionalização se revelava difícil, destacando de forma acentuada a distancia entre o planejamento e a obra (o executivo). Contudo, a despeito desta situação, o investimento em formas de interação com a sociedade contribuiu para facilitar a formalização de alianças e dar legitimidade às ações do setor, visto que seus estudos e projetos passaram a se constituir como resultado do embate entre o setor e os segmentos importantes da sociedade civil. A atuação do COMASE na tarefa de interação com a sociedade foi um passo adiante no sentido de mobilizar o dialogo no campo ambiental: Desde o inicio, o COMASE já estava começando a se estruturar. A gente tinha muito contato com o pessoal de fora da empresa, mas internamente só quem tinha com outros departamentos eram os chefes; os técnicos não tinham contato algum. O COMASE foi uma das instâncias mais importantes na discussão do meio ambiente no setor, isso porque sua estrutura, além de aglutinar representantes das empresas e de diferentes instancias do setor, tinha um trabalho todo voltado para a interação com a sociedade, e graças a isso, avançamos muito. (depoimento de técnico de meio ambiente). Em 1993, a Eletrobrás registrava em documento especifico que “formular instrumentos para que os segmentos ou representantes da sociedade possam participar do planejamento e processo decisório do Setor requer uma capacitação técnica especifica dificilmente encontrada nas empresas” (II PDMA). A necessidade de instaurar um fluxo continuo e transparente de informação entre o Setor Elétrico e a sociedade era colocada como condição para a viabilização do 180 processo de interação entre ambos, bem como estratégia facilitadora para a inserção regional dos empreendimentos do Setor: Desde algum tempo, já são necessárias ações de natureza institucional que dêem estruturação concreta às intenções do setor elétrico com relação ao acesso às informações e ao envolvimento do público; nas condições atuais, será cada vez mais difícil dar continuidade a operação e expansão do setor, sem tratar esses assuntos de forma institucionalizada. (la Rovere, s/data) Outro aspecto do diálogo entre o Setor Elétrico e os Movimentos Sociais, especialmente o movimento representativo dos grupos sociais atingidos pelos empreendimentos do Setor (Movimento de Atingidos por Barragens), remete à diferença entre o que é social e o que é ambiental. Longe de pretender criticar práticas e procedimentos, esse diálogo aponta para a sutileza do fato de que o advento ou construção do ambiental tornou o Setor Elétrico refém de suas formulações, não podendo mais negar nem omitir sua participação na disputa por dados recursos naturais e territoriais, nem tampouco ignorar as pressões daí decorrentes. Desse modo, de acordo com alguns dos entrevistados, a questão ambiental, como uma nova forma de nomear as antigas questões sociais sempre pendentes nos empreendimentos do Setor, é compreendida nos seguintes termos: A leitura dos atingidos era a de que nossas questões eram questões ambientais sim, e por isso nós devíamos buscar fazer alianças com setores específicos. Emerge então o debate já nomeado de ambiental, até porque o Setor Elétrico começou a tratar as questões ditas por nós como sociais como questão ambiental. É o momento da discussão sobre "Inserção regional” e os Programas Ambientais, e os atingidos entram nesses programas como meio ambiente. A mudança do social para o ambiental, do ponto de vista do movimento, sugere novas articulações, mas no plano da luta concreta, não acho que se avançou. A gente apenas incorporou e começou a lidar com isso. Me parece que as 181 alterações ocorrem mais do outro lado; o Setor Elétrico passa a não poder mais ignorar essa questão. As vezes, essa questão é tratada como ambiente, como social, como assistencial e até como política. Na realidade, depende da correlação de forças que a nomeia. (liderança movimento social) Ou ainda: Estou na empresa desde antes de Tucuruí, sempre fazendo cadastro fundiário, regularização de terras, e penso que toda essa discussão de meio ambiente quando fala de população sempre existiu; é claro que as pessoas sempre ficaram descontentes com os reservatórios; na verdade o problema existe desde a primeira usina, só que agora com todo esse movimento em torno do meio ambiente, as respostas têm de vir de outra forma, com mais democracia, mais cuidadosas. Mas o setor sempre atendeu da melhor forma possível seus reassentados; em todos os projetos que trabalhei, os atingidos sempre ficaram numa situação melhor; se é assim, acho que sempre tratamos bem do meio ambiente. (depoimento de técnico de patrimônio) Em 1994, os documentos oficiais do Setor Elétrico registravam: O reconhecimento do conflito - a implantação de políticas publicas - envolve conflitos entre interesses locais, regionais, setoriais e nacionais, onde a questão central é a partilha desigual de custos e benefícios. Cumpre observar que o ônus dos empreendimentos, especialmente os que afetam o meio sócio–ambiental, recai sobre as populações locais, enquanto que a maior parte dos benefícios se reflete sobre a comunidade nacional como um todo. (Eletrobrás, 1994:8)) A pesquisa realizada revelou ainda que a maioria dos entrevistados identifica o processo de discussão sobre o meio ambiente promovido pela Eletrobrás, como a principal iniciativa no sentido de formulação de uma política ambiental para o Setor Elétrico. Contudo, a maioria dos técnicos destaca a autonomia de sua empresa, quando do tratamento da questão ambiental referente aos seus empreendimentos. Ao que parece, o conjunto de documentos 182 produzidos pela Eletrobrás funcionou como instrumento de estruturação interna do setor, com relação à temática do meio ambiente, não sendo assumidos como diretrizes, por ocasião da execução de seus projetos: O PDMA, o 2015 são referências básicas e podem até ser indicativos da política ambiental do setor, mas aqui nós temos diretrizes próprias, muitas até estão nesses documentos, mas são definições nossas, da equipe de meio ambiente da empresa. Alguns compromissos avaliam que não podemos assumir. (depoimento de técnico de meio ambiente) Ou ainda: Cada empresa sabe dos riscos que pode correr; cada uma tem condição de saber as necessidades de cada projeto, por isso, acho que fica muito difícil uma política de meio ambiente única para o setor; as empresas são muito diferentes, as regiões que atuam são diversas e a política tem de acompanhar a realidade social. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia ) Como se pode observar, a definição de uma política de meio ambiente para o Setor Elétrico esbarra na diversidade que o caracteriza e lhe dá sentido: Entre 1989 1992, na verdade, a gente pode falar de dois departamentos de meio ambiente na Eletrobrás. Um, voltado para processos internos. Esses processos internos são fundamentalmente as atividades que a Eletrobrás exercia em nome do DNAEE, e hoje em nome da ANEEL, que é a questão da habilitação técnica dos projetos para fins de concessão, analise de projetos. E outro, que tenta atuar para fora, processos externos de participação no debate sobre o tema que acontecem na sociedade; eu diria a versão intelectual do departamento. Detalhando o dia a dia temos que a divisão de acompanhamento sempre fez habilitação técnica de projetos; a gente articulava com uma única área aqui dentro que era o departamento de engenharia, que era quem coordenava os estudos de habilitação técnica, no caso os inventários, que foram muito poucos ao longo desses anos. A gente se articulava com uma divisão do departamento de planejamento, que é a divisão de recursos hídricos, que fazia as habilitações técnicas para a ANEEL. Quer ver uma coisa? Não tínhamos relacionamento com a 183 transmissão, mas tinha uma área de mercado e uma de planejamento energético que era o braço técnico. (depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia) No âmbito da diversidade acima mencionada, apenas um argumento é unânime entre os diferentes participantes do Campo: o reconhecimento de que, em um curto espaço de tempo, o Setor Elétrico investiu e conseguiu produzir conhecimento sobre si mesmo, tendo como referência a temática do meio ambiente. Este fato o tornou, no campo das políticas governamentais, um importante espaço de debate e estudos: A proposta de revisão do Sistema de Inventário, o SINV, pelo Cepel, ao meu ver, é um indicativo de que o Setor investiu muito e com qualidade em estudos que serviram para ajudar no processo de tomada de decisão. Até porque chegou uma hora em que todos perceberam que as mudanças tinham de ocorrer nesse nível. A idéia era que com uma metodologia capaz de, na fase de inventário, sinalizar problemas, se pudesse realizar um processo no qual desde cedo se contaria com a participação de grupos sociais e instâncias da sociedade que não fossem do setor. Seria uma forma de tornar o planejamento mais participativo de fato e não de papel. As intenções foram as melhores possíveis, só que como tudo nas políticas publicas sofre a influência de outras variáveis, os avanços ocorreram entre tombos, tropeços e paradas. Quando se achava que se estava perto de se conseguir executar procedimentos definidos como os mais adequados, vinha uma mudança de cima e tudo parava, se desarticulava. (depoimento de técnico de planejamento) Ou ainda: O Setor Elétrico abriu um espaço para a discussão meio inédito nas políticas publicas: transformou-se num campo de excelência. A qualidade dos trabalhos, os investimentos no seu corpo técnico, enfim sua produção contribuiu muito para que o meio ambiente ganhasse status. Isso possibilitou mudanças consideráveis. Hoje os empreendimentos são implantados com muita negociação, muita discussão, com respeito aos direitos sociais. E todo esse movimento repercutiu de forma muito positiva em 184 outros setores das políticas públicas. (depoimento de técnico de empresa de consultoria) A apreciação do conjunto de relatos coletados permitiu perceber que a questão ambiental se manifesta de forma diferenciada, segundo os atores participantes do Campo Ambiental. Na realidade, a diversidade de representações correspondentes revela oposições de interesses e planos diferenciados de distribuição de poder no campo. Em linhas gerais, tem-se a compreensão do meio ambiente como: a) obstáculo a ser transposto, segundo os engenheiros de projeto (obra); b) condicionante, para os técnicos do planejamento, agências ambientais e órgãos de licenciadores; c) oportunidade de negócio para o mercado das empresas de consultorias; d) objeto de produção de conhecimento para alguns segmentos da Universidade; e) segundo os movimentos sociais, como instrumento de luta por formas justas de apropriação, uso e gestão do território e dos recursos naturais. 185 CAPÍTULO 5: O ESPAÇO DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS E SUAS REPRESENTAÇÕES: AS MODALIDADES DE ATUAÇÃO DO SUJEITO INSTITUCIONAL Apresentação De acordo com Bourdieu (1994:12): As funções sociais são ficções sociais. E os ritos das instituições fazem aqueles que instituem como rei, cavaleiro, padre ou professor, forjando sua imagem social (...) mas também o fazem num outro sentido. Impondo-lhe um nome, um título que o define, o institui, o constitui, o intima a tornarse o que é, ou seja, o que ele tem de ser, obrigam-no a cumprir sua função, a entrar no jogo, na ficção. Esta citação pode ser considerada como ponto de partida para a reflexão sobre as formas de construção dos sujeitos institucionais, construção esta que remete a imagens, discursos, gestos e, principalmente, às normas/regras e suas representações. O sujeito institucional objeto deste capítulo é o técnico de meio ambiente do Setor Elétrico. A análise de sua atuação, tipo de formação e discursos foi feita de modo a informar sobre o processo de construção de sua identidade social, enquanto tal (profissional de meio ambiente do Setor Elétrico), e observar sua inserção e diferenciação no interior do campo mais amplo de debate sobre esta temática. Nesse sentido, os vínculos desse sujeito institucional passam, necessariamente, por identificações que extrapolam as definições contratuais. Na realidade, trata-se de um sujeito instituído e constituído em um campo específico 186 de habitus, valores e capitais simbólicos, inserido num contexto onde emergem diferentes estratégias que os orientam na luta pela distinção e pelos critérios de legitimidade no domínio das relações simbólicas. (Para as análises que constituem esta reflexão, buscou-se identificar os elementos constituintes dos habitus que norteiam os olhares e a percepção do Setor Elétrico e de seus sujeitos/agentes institucionais sobre a questão ambiental. Alem disso, foi importante observar como ocorreu o processo de institucionalização do sujeito que corresponde à transformação da dominação em sujeição. Segundo Foucauld (1982), esse processo, denominado de “produção social do indivíduo pelo poder”, é responsável pela geração de comportamentos, que incluem gestos e pensamentos do discurso do verdadeiro, via instauração de verdades e, conseqüentemente, por procedimentos de controle que regulam a sociedade moderna. É importante destacar que, segundo esse autor, a sujeição não está investida apenas de negatividade, mas também da positividade dos diversos dispositivos que garantem sua permanência e fortalecimento. É nesse sentido que interessa compreender a positividade da concepção ambiental dominante no setor elétrico e de seus elementos “legitimados e legitimadores no campo simbólico dos valores institucionais e da atuação profissional” (Bourdieu, 1989) A análise das entrevistas realizadas, bem como a observação das informações presentes nos questionários aplicados permitiram identificar as condições de possibilidade, a episteme e o a priori histórico que orientam e filtram as percepções, o saber e os critérios de verdade dos profissionais do campo (Setor Elétrico). Além disso, a abordagem adotada permitiu compreender a 187 positividade das representações sociais presentes nas ações dos sujeitos em seu cotidiano institucional, enquanto elementos constituintes de sua identidade pessoal e profissional. É importante considerar que o sujeito, objeto desta reflexão, recebe múltiplas influências e pressões, e que enquanto tal, sua fala e trajetória profissional estão impregnadas de interesses e motivações que, embora pessoais, são atualizados institucionalmente. Tendo em vista atender aos diferentes propósitos deste capítulo, dividimo-lo em três momentos, a saber: o primeiro, dedicado a pensar sobre o papel da engenharia e o lugar dos engenheiros na composição do quadro técnico do Setor Elétrico, visto que seus empreendimentos são marcadamente obras da engenharia; o segundo, voltado para a observação das modulações do discurso institucional (se é que se pode assim chamá-lo) expressas nas diferentes falas que o constituem e, o terceiro, referente a uma breve caracterização do profissional deste sujeito institucional. 5.1 O Mundo da Engenharia e a Emergência da “Questão Ambiental” No final da década de 70 e início dos anos 80, segundo as entrevistas realizadas, o quadro técnico das empresas do Setor Elétrico era praticamente dominado por engenheiros, seguidos pelos analistas de sistema, administradores de empresa e advogados. Esse espaço expressivo da engenharia podia também ser constatado na participação dos engenheiros nos cargos de gerência e direção. Um dos aspectos relevantes para se pensar sobre as possíveis variações que a temática do meio ambiente introduziu na composição técnica e institucional do Setor Elétrico passa, necessariamente, pela análise de seu quadro 188 profissional, onde o campo da Engenharia se destaca como orientador absoluto do planejamento e execução de projetos do setor. É interessante notar que nesse contexto, a discussão amplia-se de modo a incluir a própria ciência que, através de seus paradigmas consagrados, condiciona também a prática da Engenharia. Uma breve análise histórica da presença dos engenheiros no campo das políticas governamentais aponta para alguns marcos que ajudam a conhecer a identidade histórica e socialmente construída desses profissionais. Os primeiros engenheiros formados no País cursaram a Academia Real Militar, fundada por D. João VI, em 1810, eram engenheiros militares. Essa instituição, mais tarde, deu lugar à Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874), que, juntamente com a Escola de Minas de Ouro Preto (1875/76), a Escola Politécnica de São Paulo (1893) e a Escola de Engenharia do Mackenzie (1896), são consideradas como os principais marcos institucionais da história da engenharia no Brasil. Segundo Hershmann & Pereira (1995), a origem do “Brasil Moderno” remonta às últimas três décadas do século XIX, no período que vai do fim do Império à proclamação da República, quando ocorreram significativas mudanças no âmbito das idéias e mentalidades e, principalmente, no perfil dos intelectuais; “espaços como o da Escola Politécnica passam a ser considerados prioritários, ou seja, a 'arte do operatório', dos engenheiros, médicos e educadores vem sobrepujar a 'arte da retórica dos bacharéis' ”. (Hershmann & Pereira, 1995:23). Para perceber as nuanças dessas transformações, deve-se observar a forma como vai sendo construída uma dada concepção de mundo, e como essa 189 categoria profissional, historicamente, constrói sua trajetória e define sua posição relativa no campo face às demais profissões. Segundo Piotte (1979), A concepção de mundo de uma classe está determinada pelo lugar (...) que ocupa no seio de uma estrutura social. Por uma parte está “determinada” por este lugar e depende das características próprias da função que exerce no modo de produção (...) Por outra parte, a concepção de mundo de uma classe é a expressão que se encarna historicamente no seio de uma situação. (Piotte,1979: 17) Os principais marcos dessa história podem ser observados a partir de momentos específicos e definidos, segundo Kawamura, em um período de transição que abrange do fim do Império ao ano de 1930 (do período agroexportador à sociedade urbano-industrial); da fase de “industrialização” (de 1930 até 1945) e do período de “industrialização intensiva" que se desenvolve até o final dos anos 70. A partir daí, registram-se mudanças significativas na situação da engenharia brasileira, especialmente no que se refere à consolidação do mercado de serviços e consultorias que atende às políticas públicas nacionais. Segundo Hershmann & Pereira, o cientificismo e os ideais reformadores dos intelectuais da chamada “geração 70” são influenciados pelo positivismo e desenvolvimento das ciências naturais na Europa. Citando Carvalho49, os autores destacam que “esse comtismo significava abraçar o futuro, o progresso como doutrina (...) recolher os sinais do futuro e a consagração do binômio razão-história consistia em uma operação estranha à presentificadora do romantismo imperial”. Os intelectuais desse momento diferenciavam-se dos tradicionais bacharéis que dominavam o cenário intelectual da época do Império. Estes 190 últimos cuidavam da legalização, normatização e manutenção de uma ordem econômica agrícola, na qual a sociedade estava organizada em dois pólos radicais: os proprietários de terras e a aristocracia, de um lado, e o contingente de escravos, de outro. Kowarick (1994), ao analisar a passagem do século XIX para o século XX, destaca o desprestígio que a noção de trabalho teve na origem do trabalho livre, isto por que sua associação ao trabalho escravo era muito forte. Nesse período, os trabalhadores livres dedicavam-se ao pequeno comércio e à pequena manufatura. Nesse contexto, onde a ordem, de certo modo, tinha que ser mantida, fazia sentido o predomínio dos bacharéis, situação que se modificou com a emergência de uma cultura urbano-industrial de padrão europeu centrada nos ideais de ordem e progresso. O positivismo desse momento foi fundamentado na idealização e ideologização do método científico e, desse modo, serviu para afirmar a identidade do engenheiro frente ao bacharelismo até então dominante. Na realidade, essa foi a estratégia de luta e conquista de espaço no campo intelectual e no campo da política, consolidando seu papel como portador do progresso. A atuação do engenheiro, nesse momento, deu-se como um profissional liberal, que desenvolvia várias atividades ao mesmo tempo e começava a ocupar cargos na administração pública. Como profissional liberal, sua representação construiu-se em oposição ao trabalhador assalariado, desprovido de prestígio no contexto da virada do século XIX para o século XX. Segundo Kawamura (1979), essa representação, ainda hoje, prevalece no imaginário social da profissão “mesmo sem um dado de realidade que atualmente sustente concretamente e consistentemente, e que, marca, muitas vezes, uma 49 - Maria Alice R. de Carvalho. 191 certa 'arrogância' nesses profissionais, na argumentação de sua 'independência intelectual'”. O outro traço da constituição da identidade desse profissional refere-se à noção de pioneirismo, expressa de forma associada à noção de desafio, ambas decorrentes, principalmente, das experiências de implantação de ferrovias, do domínio do maquinário importado e da capacidade de remodelar as paisagens, carimbando nelas as marcas do progresso. De certo modo, essas representações acompanharam a trajetória histórica destes profissionais e repercutiram, de forma significativa, décadas mais tarde, durante a introdução da questão ambiental. À guisa de ilustração, tem-se um registro do engenheiro Euclides da Cunha durante uma expedição de reconhecimento nas cabeceiras do Rio Purus, na Amazônia, em 1905: “A terra é naturalmente, desgraciosa e triste, porque é nova. Está em ser. Faltam-lhe à vestimenta de matas, os recortes artísticos do trabalho “.Com o início do século XX e as reformas urbanas, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, a figura do engenheiro ganhou prestígio (vide, por exemplo, Pereira Passos, Prefeito do Rio de Janeiro). Citando Kropf em seu trabalho sobre o Brasil Moderno, Hershmann & Pereira (1995, p. 211) comentam que: Ao atuar no projeto de construção da nova ordem social, estes intelectuais cientistas se faziam organizadores da cultura (...) abrindo avenidas e ferrovias, reformando a fisionomia dos principais centros urbanos, modernizando portos, introduzindo nas fábricas novas técnicas e máquinas, os engenheiros pleiteavam a posição de agentes legítimos e legitimadores de um programa que se concebia como a remodelação nacional. A presença dos engenheiros foi crescente e se fez articulada, de um lado, aos empresários e industriais e, de outro, aos projetos governamentais. A primeira pode ser constatada no discurso de inauguração do Clube de Engenharia 192 do Rio de Janeiro, quando o engenheiro Silva Coutinho, ao esclarecer os objetivos da instituição, declarou a prioridade de “tornar mais íntimas as relações dos engenheiros com os industriais e organizadores de empresas, tendo sempre em mira o desenvolvimento dos trabalhos de engenharia e o progresso material do país” (in: Turazzi, 1989:16). A segunda pode ser percebida na participação intensa desses profissionais nos “projetos de remodelação nacional”, principalmente na abertura de estradas de ferro, dentre outros projetos governamentais. À guisa de ilustração, tem-se que desde o final do século XIX, no discurso comemorativo em solenidade do Instituto Politécnico Brasileiro, o engenheiro Paula Freitas dizia: Lançai vossas vistas sobre a extensa região do Brasil: comparai o que foi, o que é atualmente, ou tende a sê-lo; encontrareis por toda a parte o dedo do engenheiro, e reconhecereis que temos ganho não somente na civilização como no progresso nacional, e que toda essa evolução, única crescente e realmente eficaz, é fruto da engenharia. (Hershmann & Pereira, 1995: 210). Com esta fala, o engenheiro fornecia pistas sobre o mito da recriação do mundo pela engenharia; na realidade, resultado de uma visão positivista de dominação da natureza e controle de seus recursos. É importante destacar que, apesar da aparente condição de hegemonia, presente nos discursos acima mencionados, a posição dos engenheiros era, até a década de 30, portadora de inúmeras controvérsias que os colocava em uma posição ambígua frente aos interesses da elite dominante. Segundo Kawamura (1979), até o declínio da economia agroexportadora, com a 193 crise do café (1929), os engenheiros não podiam ser caracterizados como "intelectuais orgânicos”, no sentido gramisciniano, pois Para tanto havia os clérigos, os advogados, os militares, os médicos e os professores, que cuidavam das condições institucionais e ideológicas necessárias para reproduzir as condições das relações de produção, das relações comerciais com o exterior e de exclusão da maioria da população, predominantemente rural, do âmbito das decisões referentes à economia e a política. Por outro lado, não podemos dizer que os engenheiros constituíssem os “intelectuais orgânicos" da incipiente burguesia urbanoindustrial, uma vez que nem esta mantinha uma função essencial na formação social. Esta situação, segundo a autora, pode ser constatada no fato de que as áreas de domínio dos engenheiros (ferrovias, infraestruturas e obras públicas) eram setores subordinados e secundários da economia agroexportadora, o que produzia uma acentuada contradição: “a ação no sentido de contribuir para manter o 'status quo' agroexportador – o qual trazia inerente a limitação tecnológica – estava em desacordo com os interesses da categoria profissional, cuja função originária pressupõe a expansão tecnológica” (Kawamura, 1979: 104). Esta contradição era mais acentuada pelo fato de que os engenheiros eram, em sua grande maioria, filhos da oligarquia agrária e, considerando que a expansão dos setores industriais se deu, principalmente, em São Paulo, por exemplo, com recursos oriundos da expansão da economia cafeeira. No âmbito da disputa de interesses entre os agentes da industrialização, ainda incipiente naquele momento, e os representantes da oligarquia agroexportadora, as políticas alfandegárias de protecionismo à indústria nacional concentraram as atenções – os industriais querendo impedir a entrada de importados, e a elite agrária criticando a superficialidade da indústria nacional. 194 Na realidade, os engenheiros eram coadjuvantes, se considerado o prestígio de advogados e médicos: No contexto global, tanto do Império como na República Velha, o engenheiro não se igualava ao advogado e ao médico (...) No entanto, o engenheiro representava, naquele período, a autoridade profissional nas áreas em que se processava a modernização técnica do país; e esta constituía um novo fundamento de acesso ao poder. (Kawamura, 1979: 68) É importante ressaltar que, a despeito do grau de prestígio, os engenheiros eram intelectuais que faziam parte da chamada “aristocracia do pergaminho”, pois desde o Segundo Império, o diploma superior conferia ao portador autoridade profissional e o integrava ao grupo social dominante. No período entre 1880 e 1930, o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro mantinha em seus quadros engenheiros renomados, que ocuparam cargos públicos (senadores, ministros, deputados, prefeitos etc.): Lauro Müller, André Rebouças, Benjamin Constant, Euclides da Cunha, Barão de Tefé, Vieira Souto, Paulo de Frontin, dentre outros. Na realidade, o campo da engenharia começou a ser demarcado e entrar em processo de consolidação na esteira da idéia de que civilizar significava reformar, remodelar o espaço e, conseqüentemente, dominá-lo. Essa perspectiva sofreria, ao longo da década de 20, algumas mudanças que resultariam no ajuste entre as idéias modernas, orientadas pela crítica à importação de idéias, a busca cultural de uma identidade nacional (pensamento modernista), e a realidade institucional do País. Após a crise de 29, o espaço da engenharia se modifica em função do processo de modernização econômica pela via da industrialização, amplia-se de vez os espaços de atuação 195 dos engenheiros. Esses profissionais, atuando no âmbito do segmento industrial, dedicaram-se ao processo de racionalização do trabalho, que o modelo taylorista tinha tornado paradigmático em todo o mundo. Conforme sugere Kawamura (1979), emerge, nesse momento, a “função de mando” que povoaria o imaginário desses profissionais, desde a inauguração de suas primeiras escolas face às influências positivistas que valorizavam a formação científica e tecnológica. Segundo a autora, delineou-se, a partir desse momento, uma situação característica da presença do “intelectual orgânico”, na perspectiva gramisciniana - os engenheiros constituíram-se como defensores do interesse do capital na gerência do trabalho, mediando a relação entre as classes em oposição. Em 1933, a regulamentação da profissão de engenheiro (Decreto Nº. 23.569, de 11/11/1933) deu-se a partir de uma intensa campanha na qual os profissionais reivindicaram a ampliação de seu espaço de atuação profissional e o “acesso a cargos diretivos da vida pública, os verdadeiros engenheiros denunciavam a concorrência dos chamados práticos ou charlatões, ou seja, dos mestres-de-obras que desenvolviam atividades que segundo eles deveriam caber exclusivamente aos profissionais ‘cientificamente preparados’" (Hershmann & Pereira, 1995:219). Na realidade, essa concorrência entre teoria e prática, de certo modo, marcou, na trajetória desses profissionais, a diferença entre engenheiros de projeto (planejamento) e engenheiros de obra e, conseqüentemente, expressou representações também diferenciadas acerca do campo da engenharia. Além disso, a concorrência, nessa ocasião, deu-se também face à presença de profissionais estrangeiros, de titulação nem sempre reconhecida, e à necessidade de legitimar as escolas nacionais. Não é à toa que a regulamentação exigia a comprovação de titulação obtida no exterior. 196 É importante destacar que a sociedade brasileira, nesse momento, experimentou um acentuado processo de normatização e institucionalização de diferentes setores e instâncias da vida nacional e deu seus primeiros passos na direção do modelo econômico estatizante, que só foi se acelerar no final dos anos 80 e se consolidar na década de 90. No período Vargas, a diretriz estatizante realizou-se através da implantação da infraestrutura básica, tendo em vista subsidiar o desenvolvimento industrial. Nesse cenário, foram elaborados o Plano Geral de Viação Nacional (1934), o Código de Águas (1934), o Conselho Técnico de Economia e Finanças (1937), o Conselho Nacional de Petróleo (1938), a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Usina Siderúrgica de Volta Redonda (1943) etc. Os engenheiros, nesse contexto, tiveram uma participação intensa nas inúmeras comissões que se formaram e, com isso, consolidaram os laços com os industriais - um exemplo dessa situação pode ser observado quando a presidência do Centro das Indústrias de São Paulo, em 1942, foi ocupada pelo engenheiro Roberto Simonsen. Nessa época, emerge o profissional–empresário que, beneficiado pelos investimentos do Estado em consonância com o modelo urbano industrial, passou a ser o principal contratador das obras públicas. Nesse contexto, os empreendimentos governamentais foram confiados às empresas de engenharia e não mais aos profissionais autônomos. Surgiu, então, a figura do profissional assalariado, contratado por colegas de profissão, empresários favorecidos pelas inúmeras frentes de trabalho instauradas para a remodelação do cenário urbano. Segundo Kawamura, o nacionalismo e os movimentos de defesa das riquezas brasileiras fortaleceram o papel dos engenheiros naquele momento, pois enquanto especialistas na delimitação e regulamentação da exploração desses 197 recursos (petróleo, minerais, hídricos), confirmaram seu papel como “defensores do interesse nacional” e, enquanto tais, participaram de várias comissões de estudo e Conselhos Estatais e foram consolidando suas articulações políticas e institucionais. O Estado, ao iniciar um conjunto de obras públicas, ampliou o mercado de trabalho dos engenheiros, especialmente os engenheiros civis, e, com isso, ampliou-se também o mercado das empresas de engenharia. Ao longo da década de 40, esse mercado cresceu significativamente, tanto através da importação de projetos de ferrovias, viadutos, pontes, maquinário e equipamentos eletromecânicos, como também na atuação industrial direta. É interessante notar que, nesse contexto, o perfil profissional do engenheiro assemelhava-se ao polivalente, atuando em diferentes especialidades e áreas profissionais. Foi somente a partir do pós-guerra que os engenheiros notáveis, especializados no exterior, começaram a exercer influência nas universidades e no mercado de trabalho – a fazer escola. Já a partir da década de 50, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, um conjunto de engenheiros começou a abrir pequenas empresas com especialidades diversas, que, posteriormente, dariam feição às grandes empresas de consultoria dos anos 60 e 70. Com a intensificação do processo de industrialização nacionalista no período Vargas, e centrado nos bens de consumo no período de Juscelino Kubitschek, ampliou-se ainda mais o espaço dos engenheiros. Sobretudo se considerando a gama de grandes projetos governamentais, tais como: a engenharia rodoviária, como desdobramento da indústria automobilística, dos 198 anos 50 e início dos 60; a engenharia de barragens e as especialidades daí decorrentes, nas décadas de 60 e 70. O período de Juscelino Kubitschek e os anos após o Golpe Militar (1964) foram marcados pela realização de grandes obras. Foram empreendimentos vultosos que favoreceram a constituição de grandes empresas, a partir da associação com empresas menores, financiados, principalmente, pelo capital internacional. São desse momento o Plano Nacional de Habitação (governo JK) e a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), no governo militar. Ambos com repercussões significativas na construção civil. O contraponto desse processo pode ser observado no legado da ideologia desenvolvimentista, nos termos da valorização do conhecimento técnico, simultaneamente à emergência para a classe média de um modelo de mobilidade social fundado na formação universitária. Com isso, a partir da pressão em prol do aumento do número de vagas nas Universidades, surgiu, no final da década de 60, a Reforma Universitária. Concomitantemente, o mercado de trabalho experimentou o acentuado processo de expansão das empresas de engenharia, com mudanças radicais na organização do trabalho, segmentando-se e especializando-se cada vez mais, de modo a compor uma estrutura industrial de produção. Segundo Kawamura (1979), a principal expressão desse processo pode ser observada na “bifurcação funcional” da atuação do engenheiro e num campo profissional marcado por uma diferenciação hierárquica interna. Tomando como fonte de inspiração a reflexão de Wright Mills (1973) sobre o processo nas organizações burocráticas, na qual “a capacidade de reflexão individual é centralizada na cúpula, com mais freqüência, no nível 199 imediatamente inferior, à medida em que os empregos a exigem e monopolizam mais e, nos escalões inferiores, a exigem e permitem menos”, pode-se observar que, naquele momento (anos 60), o campo da engenharia experimentou uma situação semelhante. Uma parcela reduzida de engenheiros passou a assumir funções cada vez mais restritas às atividades gerenciais, como uma espécie de cúpula da categoria nas empresas, ao mesmo tempo em que, dada a complexidade dos empreendimentos, impunha-se a sua burocratização e super compartimentação, fazendo com que as atividades repetitivas fossem executadas por um grande contingente desses profissionais, o que sugere a proletarização da atuação dos engenheiros tal como dos operários no processo industrial. O contrapondo dessas mudanças pode ser identificado na reforma universitária anteriormente mencionada. Esta reforma confere um perfil mais produtivista à formação no campo da engenharia, incentivando a expansão dos cursos técnicos direcionados para o treinamento intensivo. Esse processo, segundo Kawamura (1979), é a objetivação da denominada “bifurcação funcional”, que se institucionalizou tanto na proliferação de cursos técnicos, como nos de pós graduação. Acompanhando esse movimento, tinha-se, nos escalões superiores, os engenheiros - gerentes que tendiam a se especializar em áreas como a administração, o marketing, a economia -, o que possivelmente sinalizava para a emergência, especialmente a partir da década de 70, da concorrência entre engenharia e outros campos de conhecimento, sobretudo se considerada a importância das atividades econômicas e financeiras nos grandes empreendimentos e nas políticas governamentais em geral. Nunca é demais lembrar que, o argumento da neutralidade técnica justificou, principalmente ao longo do Regime Militar, os empreendimentos centrados nas intervenções no 200 território e reforçou ganhos financeiros e simbólicos no campo da engenharia. Afinal, os mega empreendimentos eram lidos e avaliados como desafios: rodovia Transamazônica, Hidrelétrica de Itaipu e Tucuruí, rodovia dos Imigrantes, dentre outros. Nesse momento, os empreendimentos no campo da engenharia civil foram responsáveis pelo desenvolvimento de uma tecnologia nacional autosuficiente, enquanto que nos empreendimentos do Setor Elétrico, a dependência tecnológica se impôs como regra. Aos engenheiros brasileiros coube, nesse contexto, a tarefa de adaptar, implantar e manter os equipamentos importados, sob a orientação de engenheiros estrangeiros ou engenheiros brasileiros com especialização no exterior. Essas diferenças no campo da engenharia sugerem que: A categoria do engenheiro não só passa a contar com a ação complementar de outras, mas também passa a exercer funções que as complementam. A presença crescente de profissionais como economistas, arquitetos, administradores, dentre outros, tendeu, no decorrer do período, a concentrar a atuação do engenheiro em suas atividades tecnológicas. Por outro lado, na medida em que as atividades de marketing, finanças, compras e vendas passam requerer conhecimentos tecnológicos especializados, a ação do engenheiro tende a estender-se para setores exteriores à produção propriamente dita. (Kawamura, 1979:44). Além disso, os períodos do desenvolvimentismo e do milagre brasileiro, marcaram o crescimento significativo do número de engenheiros no mercado de trabalho. Por um lado, devido ao horizonte de grandes obras que se descortinava; do outro, dada à proliferação do número de escolas de engenharia. À guisa de ilustração, tem-se que só no Estado de São Paulo foram criadas seis escolas, e 201 as estatísticas50 do Ministério de Educação e Cultura para o ano de 1972 registraram que o número de matrículas passara de 10.821 em 1960, para 33.783 em 1970. Na realidade, em decorrência da forte associação entre o campo da engenharia e as idéias desenvolvimentistas do Brasil Potência, o engenheiro, além de se tornar um profissional muito requisitado, tornou-se, no imaginário social, um profissional de futuro (futuro econômico, financeiro e de status social), concretizando, desse modo, na profissão, um projeto de mobilidade social. O significativo crescimento do número de empresas de engenharia nesse momento era indicativo de como o mercado profissional dos engenheiros fora dinamizado. É interessante destacar que, ao longo das entrevistas realizadas, uma das informações recorrentes, quando do resgate histórico da emergência da questão ambiental, foi a de que a grande maioria dos engenheiros das empresas do setor formou-se na década de 70, e que é comum identificá-los como “os engenheiros do milagre brasileiro”. Esse profissional, tido como bem assalariado, foi, ao longo do tempo, construindo sua identidade profissional associada ao tipo de vinculação institucional, considerando a importância de sua empresa, ou o empreendimento que ajudou a construir: engenheiro da Cemig, engenheiro de Furnas, engenheiro da Camargo Correia ou ainda: engenheiro de Tucuruí, engenheiro de Ilha Solteira, engenheiro de Sobradinho etc. A denominação de engenheiro–barrageiro surge, nesse contexto, como uma classificação genérica que reconhece a condição de pertencimento de um dado profissional a um segmento institucional específico. Nunca é demais lembrar 50 - Estatísticas da Educação Nacional – MEC, 1972. 202 que o status profissional, nesse momento, estava intimamente associado às grandes empresas e empreendimentos. Um dos relatos coletados caracteriza bem o sentimento do momento com relação à profissão: Veja bem, empresas como a Themag, a Vale do Rio Doce eram de uma respeitabilidade incontestável. A Themag era a Themag e isso intimidava inclusive alguns quadros das empresas do Setor Elétrico. O engenheiro da Vale (Companhia Vale do Rio Doce) era o engenheiro, era um senhor doutor, e todos reconheciam isso. Havia um padrão que não se discutia, algumas empresas eram a garantia de execução de projeto a nível de excelência. Isso era muito importante, a qualidade era o cartão de visita das grandes empresas e fazer parte de seus quadros era o reconhecimento, a consagração, era quase que um outro diploma. (depoimento de engenheiro de empresa de consultoria) A introdução da questão ambiental no mercado de projetos historicamente reconhecidos como “patrimônio da engenharia” ocorreu num momento em que já se observava uma certa retração dos investimentos. No final da década de 70, até a segunda metade dos anos 80, como desdobramento da crise do petróleo, observava-se a redução das empresas de engenharia e, conseqüentemente, o estreitamento do mercado de trabalho dos engenheiros. Essa situação marcou o fim do ciclo dos grandes projetos e o desmantelamento das grandes consultoras, que desmontam suas equipes técnicas, passando a trabalhar com consultores independentes ou cooperativados, nos termos da prestação pontual de serviços. A maioria dessas empresas possuía departamentos ou quadros recentes de profissionais dedicados às questões ambientais, que já movimentavam uma fatia considerável do mercado de profissionais autônomos na área dos grandes empreendimentos. 203 Com relação ao Setor Elétrico, a necessidade de definir procedimentos para o tratamento dos problemas ambientais, no âmbito do planejamento e execução dos projetos, provocou mudanças no perfil do seu quadro técnico, com a chegada de profissionais de outras áreas: biólogos, sociólogos, antropólogos, médicos sanitaristas etc. Segundo as entrevistas realizadas, esses novos profissionais, a maioria oriunda das empresas de consultorias prestadoras de serviços51 para o Setor Elétrico, contribuíram de forma significativa para redefinir os rumos do planejamento das políticas e projetos do setor. Nesse momento, observavam-se três frentes no processo de composição institucional de espaços para a discussão e negociação da questão ambiental: uma, no âmbito da incorporação de profissionais de outras áreas que não da engenharia e campos afins; outra, na perspectiva da reciclagem de antigos profissionais, agora vinculados às divisões e/ou departamentos de meio ambiente, através de cursos e seminários, e a terceira, referente à formulação de parcerias com instituições de pesquisa e universidades, de modo a iniciar uma produção conjunta capaz de dar legitimidade e reconhecimento social aos espaços em construção. De certo modo, pode-se sugerir que nesse processo foise construindo a “inteligenstia52” ambiental no interior do setor, e se demarcando um campo de discussão. Em termos quantitativos, tem-se que no final da década de 80, a composição do quadro técnico das empresas do Setor Elétrico, objeto 51 - Conforme mencionado anteriormente, as empresas de consultorias, face a redução dos investimentos, começaram a desmontar seus quadros técnicos, disponibilizando, principalmente, os profissionais de seus antigos departamentos de meio ambiente. 52 “Inteligenstia”, na perspectiva de Manheim (1974), que a define como grupo especializado que pode manter sua posição dominante a despeito do ingresso de novos membros. O membro individual da inteligenstia “pode ter, como freqüentemente ocorre, uma orientação particular de classes, e em conflitos reais pode alinhar-se com um ou outro partido político. Mais ainda, suas posições podem revelar uma clara posição de classe. Mas além e acima dessas afiliações, ele é motivado pelo fato de que seu treinamento, o equipou para encarar os problemas do momento a parir de várias perspectivas e não apenas de uma, como faz a maioria dos participantes de controvérsias.” 204 deste estudo, apresentava um efetivo no qual se destacavam os profissionais de nível superior (Quadro 5.1). Embora a maioria estivesse alocada na área social (Meio Social) (Quadro 5.2), as entrevistas e questionários realizados indicaram que esses profissionais não necessariamente tinham formação em Ciências Humanas e Sociais, incluindo-se nesse grupo arquitetos e engenheiros. Segundo os relatos coletados, o espaço referente ao Meio Social, diferentemente dos demais, agregou uma gama variada de profissionais: Aqui pelo meio ambiente passaram arquitetos, estatísticos, agrônomos e até engenheiros que, durante um período, responderam pelas questões sociais no meio ambiente. No início, isso dependia muito da experiência de cada um, havia engenheiros que conheciam tão bem determinada área e sua população e que tinham, inclusive, ajudado a coordenar projetos de remanejamento, que quando se começou a definir mais claramente a área de meio ambiente e atribuir responsabilidades, foram mantidos. Na realidade o que contou sempre foi a experiência de cada um. (depoimento de Técnico do Setor Elétrico – área de Meio Ambiente) Como se pode observar no Quadro 5.2, a segunda maior concentração de pessoal desenvolvia atividades gerenciais, e o menor número de técnicos correspondia aos profissionais do Meio Biótico. Nos Quadros 5.3 e 5.4, pode-se constatar que, no período entre 1986/89, o quadro técnico de profissionais na área de meio ambiente mais que triplicou, sendo a área social aquela que, conforme mencionado, agregou o maior número de profissionais (Quadro 5.5 e 5.6). Segundo o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993, O desempenho das equipes de meio ambiente do Setor Elétrico evidencia a necessidade de maior entrosamento e nivelamento de informações entre profissionais de formação necessariamente diversificada e, freqüentemente, com pouco tempo de experiência na abordagem integrada dos aspectos sociais e ambientais vinculados aos empreendimentos elétricos. (Eletrobrás, 1993: 252) 205 Para suprir essa deficiência, a prioridade do setor voltou-se para o treinamento e aperfeiçoamento dessas equipes, definindo um conjunto de programas de desenvolvimento gerencial, de aperfeiçoamento técnico e de nivelamento. Com essa finalidade, foram organizados três tipos de cursos: Curso de Gerencia de Meio Ambiente, Cursos Técnicos de Meio Ambiente e Curso Básico de Meio Ambiente. Os conteúdos desses cursos foram definidos pelas demandas setoriais através do COMASE, do Departamento de Meio Ambiente (Diretoria de Planejamento e Engenharia) e do Desenvolvimento Empresarial da ELETROBRÁS. Quadro 5.1 - Efetivo Pessoal nas unidades de Meio Ambiente 1986 Nível Superior Nível Médio Total Eletrobrás 08 01 09 Eletronorte 28 19 47 Eletrosul 08 04 12 CHESF 10 02 12 Furnas 04 02 06 Total 58 28 86 Empresas Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas obras e serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986 Quadro 5.2 - Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas – agosto 1989 Empresas Total Nível Nível Médio Superior Nível Outros Administrativo Eletrobrás 34 25 03 05 01 Eletronorte 62 49 - 13 - Eletrosul 154 80 - 10 20 206 CHESF 107 49 44 18 05 Furnas 28 23 35 03 02 Total 385 226 82 49 28 Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991 Quadro 5.3 - Pessoal de Nível Superior lotado nas unidades de meio ambiente - 1986 Empresas Meio Meio Meio Gerencial Total Físico Biótico Social Eletrobrás 01 01 03 03 08 Eletronorte 14 06 - 08 28 Eletrosul 01 04 02 01 08 CHESF 01 03 02 04 10 Furnas 02 01 - 01 04 Total 19 15 07 17 58 Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas obras e serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986 Quadro 5.4- Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas, por áreas de atuação – agosto 1989 Empresas Total Meio Meio Meio Físico Biótico Social Gerencial Eletrobrás 25 03 05 11 06 Eletronorte 49 11 11 14 13 Eletrosul 80 25 10 36 09 CHESF 49 04 02 30 13 Furnas 23 - 03 07 13 207 Total 226 43 31 98 54 Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991 Quadro 5.5 - Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por nível técnico Empresas Nível Superior Nível Médio Nov Ago Nov Ago 86 89 86 89 Eletrobrás 08 25 01 08 Eletronorte 28 49 19 13 Eletrosul 08 80 04 42 CHESF 10 49 02 53 Furnas 04 23 02 - Total 58 226 28 116 Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991 Quadro 5.6 - Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por área de atuação Empresas Meio Físico Meio Biótico Meio Social Nov Ago Nov Ago Nov Ago 86 89 86 89 86 89 Eletrobrás 01 03 01 05 03 11 Eletronorte 14 11 06 11 - 14 Eletrosul 01 25 04 10 02 36 208 CHESF 01 04 03 02 02 30 Furnas 02 - 01 03 - 07 Total 19 43 15 31 07 98 Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991 Esse período pode ser considerado como o momento no qual a questão ambiental experimentou uma certa plenitude institucional, no que se refere aos investimentos para a composição de um quadro técnico especializado. Não se pode, entretanto, afirmar que a este fato corresponde a definição de uma política única de meio ambiente para o setor, mas sim, que no campo institucional se delineava um espaço que, explicitamente, se dinamizou, tendo o meio ambiente como seu objeto, causa ou objetivo de constituição, ou justificativa: Acho que por volta de 88/89, a equipe de meio ambiente começava a se montada, com uma autorização da Presidência da República para contratação. As contratações nas estatais já estavam proibidas, mas depois é que se ficou sabendo que essa autorização era parte da negociação de empréstimo setorial com o Banco Mundial. Esse empréstimo não saiu, mas como já tinha a autorização, se continuou montando a equipe de meio ambiente. Desde 87, já existia um departamento de meio ambiente, mas tinha muito pouca gente. De certo modo, a chegada de novos profissionais deu uma boa mexida nos da casa, principalmente os engenheiros – barrageiros, o que resultou em muita pressão, algumas dificuldades, mas tudo muito compreensível. A sensação que se tinha era de que se estava criando algo novo para a instituição e o que é novo sempre dá mais trabalho.(depoimento de técnico do meio ambiente) A partir desse momento, o meio ambiente estava institucionalizado, e as questões a ele referentes começaram a mediar os confrontos e as disputas técnicas, assim como as políticas no interior da instituição. As empresas do setor atualizavam suas formas de produção e reprodução de habitus, valores e capitais 209 simbólicos, incorporando as questões ambientais e o espaço profissional a elas referentes. O meio ambiente, nesse contexto, era mais um recurso para a composição de estratégias na luta pela distinção, pelos critérios de legitimidade e pelo domínio das relações simbólicas. (Bourdieu, 1989). Seu espaço era demarcado não só pela presença de seus especialistas, mas também pela sua relação com o quadro técnico tradicional, garantindo aproximações e provocando afastamentos. A diversidade era a principal marca do novo espaço e sua condição de sobrevivência: A vantagem da composição dos departamentos de meio ambiente é a sua multidisciplinaridade. Nesse sentido essa conformação veio quebrar, ou pelo menos pressionar, o domínio dos engenheiros, por exemplo. Não que o domínio da engenharia fosse bom ou ruim, não se trata disso. Os projetos dos setores elétricos são empreendimentos de engenharia, mas com a necessidade de se discutir os empreendimentos do ponto de vista ambiental, se fez necessária a participação de outros profissionais, se criou um novo mercado, ou melhor se introduziu ao antigo mercado da engenharia novas demandas, atendidas por outros profissionais que não os engenheiros. Penso que o principal avanço desse momento foi a necessidade de instauração de um diálogo diverso, múltiplo. (depoimento de técnico de meio ambiente -Meio Biótico) A partir da década de 90, observaram-se mudanças significativas no contexto da composição das empresas de engenharia prestadoras ao setor Elétrico. Teve-se, então, a constituição de pequenas empresas de consultoria, a maioria delas composta por ex-funcionários das grandes consultoras, que chegaram ao mercado, inicialmente, prestando serviços a seus antigos patrões e, posteriormente, disputando com eles uma fatia do mercado. Essa situação ocorreu, principalmente, na área de meio ambiente, a primeira ser desmontada no processo de desmantelamento das grandes consultoras. E tendeu a se 210 intensificar face ao refluxo dos investimentos externos e ao crescimento da dívida pública interna e externa que, em decorrência dos juros altos dos empréstimos realizados nas décadas anteriores, alterou o modelo de intervenção direta do Estado nos setores econômicos que haviam beneficiado a engenharia. Na realidade, a super especialização e a fragmentação do momento anterior (década de 80) foram substituídas pela atuação polivalente, nos moldes das múltiplas especializações, atualmente, favorecida pela expansão dos meios de comunicação e da informática. 5.2 O Discurso Institucional e suas Falas A pretensão de observar como, no interior do Setor Elétrico, o meio ambiente demarca um campo de distribuição de poder tornou-se uma tarefa difícil, pois os discursos sobre este tema, na maioria das vezes, apresentaram-se de forma imprecisa e, por que não dizer, confusa. A grosso modo, durante a pesquisa, o meio ambiente mobilizou dois tipos de discursos: um centrado no questionamento do modelo de intervenção das políticas estatais, desdobrando-se na menção à busca de alternativas, e outro que, centrado na referência aos aspectos técnicos da temática, tendeu a justificar o modelo de intervenção estatal vigente a partir da discussão setorializada (o meio ambiente da fauna, o meio ambiente da flora, o meio ambiente das comunidades indígenas, e assim por diante). É claro que ambos, internamente, expressam variações que os aproximam ou os revelam em confronto, e que deixam transparecer, nem sempre de forma nítida, os conflitos e as disputas que caracterizam a concorrência institucional. Além disso, remetem à dificuldade mais geral de precisar o que realmente significa meio ambiente ou questão ambiental, freqüentemente 211 remetendo a um conjunto de temas polêmicos e/ou, como num jogo de palavras, associando expressões que o senso comum tem adotado ao tratar desse tema: preservação X destruição, escassez de recurso X abundância, natureza etc. Na realidade, o exercício de análise dos discursos coletados teve como principal preocupação tentar identificar as principais referências que os constituem e, de certo modo, perceber como e quando as mudanças ou alterações nas formas de produção e reprodução do meio ambiente tornam-no ou são tornadas “problemas ambientais pelos sujeitos coletivos que as verbalizam enquanto tal”. Desse modo, considerando que as palavras são representações e que, ao integrarem um discurso, findam por evidenciar tensões, considerou-se as tentativas de definir e caracterizar meio ambiente, bem como identificar problemas ambientais como expressões construídas simultaneamente no processo de luta e constituição dos sujeitos políticos. Expressões que, por estarem referidas a um dado contexto cultural e institucional, não são neutras e, enquanto tal, ordenam o seu espaço de origem e lhe conferem inteligibilidade. O exercício de análise dos discursos aqui apresentado tentou revelar seu lugar de origem (quem fala o quê, e de onde fala). Afinal, como sugere Fabiani (1983), os discursos são proferidos a partir de posições diferenciadas no espaço social, e os sujeitos politicamente constituídos tentam legitimar socialmente suas próprias representações. Desse modo, a despeito das dificuldades acima mencionadas, pode-se observar que as representações expressas nos diferentes discursos remetem a definições diferenciadas das práticas institucionais com relação aos projetos e empreendimentos do setor elétrico; ou seja, o meio ambiente discutido é quase sempre aquele dos 212 empreendimentos e dos projetos e, enquanto tal, revela formas especificas de disputas pela apropriação e uso dos recursos territoriais. Para a realização das análises pretendidas neste capitulo, optou-se por identificar os entrevistados, segundo o lugar institucional ocupado (técnico, gerência de projeto, chefia de departamento, execução de projetos/obra), sua área de atuação, segundo a classificação usualmente utilizada pelas empresas do setor (Meio Físico, Meio Biótico e Meio Social) e as condições de sua trajetória institucional (ingresso no Setor Elétrico através da área de meio ambiente, em função de sua criação ou para ela transferido de outros setores). Com relação aos consultores que prestam ou prestaram serviços às empresas do Setor Elétrico na área de meio ambiente, estes foram identificados segundo sua inserção empresarial ou institucional (consultores vinculados a empresas de consultoria ou consultores vinculados às universidades e/ou entidades de pesquisa). Observando a constituição do campo temático, tem-se que foram recorrentes os relatos que apontam para o fato de que, historicamente, a institucionalização da questão ambiental no Setor Elétrico deu-se de forma diversa, segundo as diferentes empresas do setor. Não se pode dizer que houve um planejamento; acho que as empresas foram constituindo os departamentos ou as divisões ao sabor das demandas, como se a necessidade orientasse o movimento de cada empresa e, ao longo desse processo, os técnicos fossem refletindo ao mesmo tempo que tomando as providências necessárias. (depoimento de técnico, engenheiro, transferido de outro setor da empresa para a área de meio ambiente) A contrapartida desse relato pode ser observada, por exemplo, no processo de constituição do quadro técnico para dar suporte às ações orientadas pela temática: 213 Não se pode falar que o quadro técnico tinha um perfil específico. Uns vieram da consultoria, de certa forma estavam no mercado dos estudos ambientais; outros se formaram ao longo do processo, trabalhando na área ambiental e, teve aqueles que, como não tinham para onde ir, foram para os departamentos de meio ambiente. Não se tinha muito claro nesse momento qual o perfil ideal do profissional e qual a capacitação mais adequada, só ao longo do tempo e na prática dos projetos é que tudo foi ficando mais claro. (depoimento de técnico contratado para Departamento de Meio Ambiente, Meio Biótico) Na realidade, o processo de instauração da questão ambiental no setor elétrico, observado a partir da criação de departamentos e/ou divisões temáticas nas empresas e da conseqüente formação de um corpo técnico, sugere um contexto marcado por dois movimentos: de um lado, o esforço de incluir o setor no campo de debate sobre meio ambiente e, com isso, estabelecer a interlocução com diferentes segmentos da sociedade nacional; de outro, incluir-se e diferenciar-se no espaço institucional, buscando construir uma identidade social fundada no reconhecimento profissional (os de dentro e os de fora do espaço do meio ambiente): Foi grande o investimento do setor na formação de seu quadro de profissionais, seja através de cursos externos, seja através da realização de muitos seminários, estudos e principalmente, da contratação de consultorias específicas. Pode-se dizer que, nesse momento, aconteceu uma valorização muito grande da formação dos profissionais de meio ambiente. (depoimento de técnico transferido de outro setor da empresa para a área de meio ambiente, ocupando cargo de chefia) A ampliação das relações entre administradores e pesquisadores tem conduzido à constituição de uma linguagem comum e ao desenvolvimento de uma sociabilidade específica através de comissões e comitês e da realização de seminários, cursos etc. Esse procedimento tem mostrado, como sugere Bourdieu 214 (1989), a importância de novos modos institucionais de produção de saber induzidos pela intensificação entre as burocracias e as instâncias legitimadas como produtoras do saber - a circulação, por exemplo, dos mesmos homens entre as funções de administradores e aquelas de pesquisador reforça ainda mais as relações entre ciência e burocracia. Desse modo, é importante chamar a atenção para o fato de que a necessidade de tornar científico o debate sobre a natureza, freqüentemente, estimula os investimentos no sentido da formação profissional dos envolvidos com esta questão, constituindo, desse modo, como uma necessidade política, a gestão científica dos recursos naturais: Não se pode pensar os departamentos de meio ambiente das empresas como áreas isoladas; vários comitês e grupos de trabalho davam suporte às discussões e contribuíam para trazer outras áreas das empresas para o debate ambiental que se pretendia. Inicialmente, esta parecia ser a forma mais eficiente para que os profissionais do setor, cada um na sua atribuição, pelo menos se sensibilizassem com o meio ambiente. Mas não foi tão simples assim; hoje, lembrando, pode parecer apenas uma questão organizacional, mas para quem viveu aquele processo, ficou claro que vivemos um processo político bastante complexo. Acho que fomos os últimos em todo o setor elétrico a constituir formalmente o departamento, embora alguns já participassem de cursos, seminários e reuniões em geral. Agora, apesar do empenho, os resultados têm vindo aos poucos, e de forma localizada; cada problema que surge é resolvido de forma pontual, não se pode dizer que já temos uma orientação geral da empresa para o meio ambiente. Acho que o que temos são arranjos para os problemas ambientais que vão surgindo. (depoimento de técnico transferido para o Meio AmbienteMeio Físico). Tem-se que a criação de uma nova instância institucional experimenta, inicialmente, um movimento de valorização/inclusão que, por si só, pode ser indicativo de um processo no qual o que está em jogo é a própria inserção do indivíduo (técnico) no campo, um jogo que atualiza a correlação de forças 215 institucionais e do qual os técnicos não escapam. Como sugere Bourdieu (1989: 15), “a única liberdade absoluta que o jogo concede é a liberdade de sair do jogo”. Nesse contexto, a análise do conjunto de relatos coletados destaca que as representações da questão ambiental remetem freqüentemente aos seguintes temas: aA pressão sobre as fontes de recursos e a tomada de decisão. A percepção do meio ambiente, a partir de uma leitura que valoriza a perspectiva do impacto ou pressão sobre os recursos naturais, está bastante presente no discurso de alguns técnicos do setor: É curioso, mas a destruição do patrimônio ambiental, sempre existiu, desde a primeira hidrelétrica. No entanto, foi preciso todo esse movimento que, na realidade, veio de fora e culminou com a Rio 92, para que essa questão se tornasse quase que determinante para o planejamento, como também para definir o destino de alguns empreendimentos. Sempre se inundou grandes extensões de terra, sempre se realocou população, sempre se perdeu vegetação, fauna etc. E sempre as empresas tiveram atenção para com isso. Só que eram questões técnicas que envolviam, como tantas outras, os procedimentos clássicos de um projeto de engenharia de grande porte. Na realidade, minha avaliação pessoal, e quero destacar que estou falando da minha experiência e não em nome da empresa, é que a nova realidade está nos pressionando para buscar soluções cabíveis para a preservação dessa natureza, digamos assim, que fica inundada. (...) Entendo como soluções cabíveis, encontrar alternativas que possam adequar um projeto clássico de engenharia com uma visão moderna de preservação, sem perda, ou com perdas mínimas para os dois lados (...) Os dois lados são a geração de energia, o setor elétrico e os recursos da natureza. Vejamos bem, nós já estamos com uma deficiência imensa de energia, a nossa tradição é de hidrelétricas, hidrelétricas inundam, muito ou pouco, inundam e então... Agora eu é que pergunto: qual a saída? (...) Acho que o setor tem investido muito em pesquisas, seminários, tem investido muito em tornar seus profissionais aptos para a nova realidade. E a nova realidade impõe que se busquem formas de continuar aumentando a nossa capacidade de gerar e 216 transportar energia com o menor custo ambiental. Agora, as pressões são muitas, vêm de todos os lados, de dentro e de fora, dos especialistas que nós temos e da sociedade. (depoimento de técnico transferido para o Meio Ambiente – Meio Social). O reconhecimento de que a questão ambiental deve ser considerada como um fator determinante para o planejamento e a execução de projetos não corresponde, para uma parcela significativa de técnicos do setor, especialmente aqueles mais antigos transferidos para a área de meio ambiente, ao reconhecimento da necessidade de revisão da matriz energética, nem tampouco de que o que está em questão são formas específicas de apropriação do território que envolvem disputas (entre o setor elétrico e a população). Além disso, o distanciamento entre tomada de decisão e planejamento/projeto concorre para que as questões ambientais tendam a ser tratadas ou como restrição legal ou como problema a ser resolvido: Temos evoluído muito em relação ao meio ambiente; temos agora uma legislação que tem de ser cumprida, e alguns empreendimentos tem um passivo ambiental que não foi ainda resolvido. As populações já não aceitam que se planeje um reservatório sem consultá-las. Muitos projetos estão sendo revistos e redimensionados por causa disso. Já tivemos muitas discussões, audiências públicas que se transformaram em verdadeiras batalhas, e acho que ainda vamos ter muito confronto pela frente porque ainda estamos engatinhando em termos de meio ambiente. E sabe por que? Por mais que nossos técnicos estejam preparados, isso não é o suficiente quando recebemos uma orientação que vem de cima (...) Estou falando que a tomada de decisão não acontece aqui no meio ambiente; quando chega aqui, só nos resta buscar a melhor forma de executar o nosso trabalho, apagamos incêndio. Foi assim com esse empreendimento, uma decisão política que pouco considerou as questões de engenharia e muito menos as questões ambientais. Estamos tentando fazer o melhor possível, mas com certeza não conseguiremos muito. Esse empreendimento, se consideradas as variáveis da engenharia mais os problemas ambientais, não sairia da 217 prancheta. (depoimento de técnico transferido para o Meio Ambiente – Meio Físico) Nesse contexto, as discussões em torno da questão ambiental remetem a prioridades secundárias, se considerado que o processo decisório tende a ignorá-la e que sua importância é, na maioria das vezes, resultado de pressões externas da sociedade e internas dos sujeitos institucionais, cuja identidade e espaço de atuação estão a ela diretamente associados. Um outro aspecto a ser considerado remete à dimensão legal que a envolve e que, de certo modo, garante sua importância. Considerando que a lei é a tradução de um conflito, e que, conforme mencionado anteriormente, a disputa por formas de apropriação do território e de seus recursos naturais ancora todo o debate em torno da questão ambiental, tanto no interior do setor elétrico (entre suas diferentes instâncias), como na relação deste com a sociedade, tem-se que a aplicação da legislação é um artifício para garantir legitimidade a esse conflito. Em linhas gerais, pode-se sugerir que a neutralidade do campo jurídico lhe confere legitimidade. Segundo Bourdieu (1974), o campo jurídico tem um efeito simbólico, pois apesar de parecer neutro e universalista, constitui-se também como um espaço social de diferenciação, onde são travadas lutas de poder e lutas simbólicas. Na realidade, a referência à legislação ambiental pode ser compreendida como a referência a uma instância de mediação do conflito existente. Uma mediação que, ao mesmo tempo, se apresenta como elemento do campo do político, onde existe o conflito, mas que exclui a arbitragem de um terceiro, e do campo da ciência, onde a arbitragem entre falso e verdadeiro remete a uma legitimidade externa (da ciência e da tradição). 218 a Um novo olhar que resgata antigas discussões? A discussão em torno das questões ambientais soa, para alguns dos entrevistados, como uma discussão requentada que não traz novidades, apenas reveste antigos questionamentos, principalmente no campo social: Eu fiquei no setor elétrico uns bons 18 anos. Quando cheguei, não se falava em meio ambiente. Eu já tinha uns 3 anos de empresa quando se começou com o meio ambiente e aí população, índio, passarinho, árvore, tudo passou a ser importante. Lembro que no início de Tucuruí, a grandiosidade do projeto, o desafio de construi-lo era tão importante, tão patriótico que não se pensava nas populações, elas eram pouco expressivas diante do que se estava por fazer. Não veja nisso nenhuma desconsideração ou desprezo, mas não fazia sentido, por exemplo, pensar em não construir Tucuruí por causa de meia dúzia de população. A gente sabe que a pobreza sempre existiu, as carências; que sempre teve gente preocupada com isso, sempre teve pessoas com consciência e agora tudo isso virou meio ambiente. (depoimento de técnico meio ambiente Meio Social – projeto/obra) O sentimento de que o meio ambiente vem resgatar antigas questões é bastante recorrente e, na realidade, coloca em evidência o fato de que a discussão constrói novos atores institucionais e, conseqüentemente, demarca novos espaços e instaura novas tensões. De imediato, observa-se que a atuação institucional de profissionais de meio ambiente deu visibilidade, principalmente, às dificuldades de comunicação entre os espaços constituintes da área de planejamento - áreas de estudos e projetos - e entre essas e as instâncias gerenciais e de execução (obra): Logo que eu cheguei na empresa, estranhei porque nós não tínhamos acesso direto a diretoria, ficávamos aqui analisando projetos, fazendo estudos temáticos, sem garantia de discussão dos resultados com os diretores. Isso me parecia contraditório, pois se o objetivo era criar condições estruturais para que o meio ambiente pudesse ser contemplado em todas as etapas dos empreendimentos, era 219 fundamental que acontecesse o envolvimento daqueles que estavam mais próximos do centro de tomada de decisão. (depoimento de técnico meio ambiente cargo gerencial) Ou ainda: Eu, na realidade, sou um engenheiro que se ambientalizou; por isso, fico muito à vontade para dizer que tudo o que se discute e define aqui no meio ambiente acaba esbarrando na direção, e quando não esbarra nela, esbarra na obra. E veja bem, esbarra na obra não só nos técnicos da empresa envolvidos com a obra, mas também nos da empreiteira e às vezes nos da consultora contratados, por incrível que pareça, para realizar os estudos ambientais e os programas. É uma maluquice? É, mas acontece a toda hora. A minha sensação é que nesse mercado parece que todo mundo pode falar de meio ambiente, e a gente sabe que não é assim, que é mais complexo. Outra hipótese é que quando passa para a obra, como uma obra de engenharia do porte de uma hidrelétrica, envolve uma divisão de trabalho muito grande; cada técnico ou conjunto de técnicos passa a olhar pro próprio umbigo, passa a executar a sua tarefa e aí tudo que ficou pra trás, já era; o que importa é unicamente atender ao projeto de engenharia. Esse sim, reina, é soberano. (...) As empresas do setor têm um time de especialistas em meio ambiente muito bom, mas tudo se desenvolve no planejamento, nos estudos, eu diria que no meio do caminho, pra cima (alusão aos níveis de diretoria). Chegam alguns ecos, pra baixo (alusão a obra) não chega ruído algum. (...) Na realidade, na obra, os ruídos só chegam se acontecer alguma confusão, Ministério Público, protesto em jornais, impactos realmente visíveis. Aí, pega fogo... (depoimento de técnico transferido de outro setor da empresa para a área de meio ambiente, ocupando cargo de chefia) Nesse sentido, a emergência da questão ambiental, para alguns entrevistados, foi a oportunidade do quadro técnico do setor de perceber que o fluxo de comunicação entre algumas das diferentes instâncias institucionais, na maioria das vezes, não se viabilizava. Na realidade, os envolvimentos profissionais tendiam a ocorrer de forma pontual e direta, segundo as diferentes etapas dos empreendimentos e de acordo com os tipos de empreendimentos 220 (hidrelétricas, termelétricas, linhas de transmissão etc.). Ao pretender simultaneamente permear todos os espaços institucionais e constituir um espaço próprio, a questão ambiental recriou antigas tensões e instaurou novas, demarcando um campo de forças que se movimenta basicamente entre os de dentro e os de fora; de dentro do Setor Elétrico e de fora do meio ambiente; de dentro do meio ambiente e de fora do Setor Elétrico; de dentro do meio ambiente e de dentro do Setor Elétrico. De acordo com alguns relatos, no processo de legitimação do espaço referente ao meio ambiente, antigas questões foram revisitadas e alçadas a condição de estratégicas para a viabilização dos empreendimentos: A dificuldade básica do meio ambiente é tornar os empreendimentos viáveis e, para isso, não tem como fugir da clássica equação custo / benefícios. São muitos fatores a serem analisados, são muitas variáveis. Isso pra não dizer que se tratando de meio ambiente tem ainda a legislação. Eu chego a tremer quando chega aqui alguém do meio ambiente. Já sei que teremos problema. Todo ambientalista é problemático.(...) Brincadeira, aqui todos temos um bom relacionamento com o meio ambiente, mas às vezes falta bom senso. Vivemos de apagar incêndio e digo, todos os problemas que hoje chegam como uma bomba, sempre existiram. Nós sempre tivemos população reclamando de indenização, basta ver por exemplo Tucuruí que, na época, o meio ambiente não era esse “carro – chefe" e, no entanto, ainda rolam um monte de processos referentes a indenizações. Problemas com peixe, com qualidade de água sempre ocorreram; são situações, conseqüências, normais neste tipo de projeto de engenharia. É claro que como evoluímos tecnicamente, alguns problemas já têm solução. Agora, o que é próprio da insatisfação humana, não tem como resolver, só podemos discutir, negociar e responder juridicamente. O que quero dizer é que tudo que está aí sempre existiu, agora é ambiental, não tenho nada contra isso, acho até que se para melhorar é esse o caminho, então vamos em frente. (depoimento de técnico de projeto) 221 aMeio ambiente como instrumento de restrição às atividades do Setor Elétrico. A questão ambiental torna claros os limites e contradições dos empreendimentos do setor elétrico e o campo de lutas entre diferentes práticas e formas sociais de apropriação, uso e controle do território. Na realidade, tem-se modalidades específicas de geração, transmissão e distribuição de energia que se viabilizam a partir dessas práticas, e formas determinadas de apropriação, concorrendo com outras e definindo, desse modo, um espaço de disputas. "Se a resistência às obras pode ser vista pelo Setor Elétrico como obstáculo ambiental ao progresso da nação, os movimentos53 vêem na intervenção do setor um processo de apropriação de recursos ambientais (terra, água) em benefício de um modelo de desenvolvimento que o exclui” (Vainer, 1993) Nessa perspectiva, é compreensível que o embate entre os diferentes atores institucionais aponte para controvérsias que, embora à primeira vista compreendam as questões ambientais unicamente a partir de uma vocação restritiva, progressivamente vão garantindo seu lugar como parâmetro de avaliação e mesmo de revisão de antigos procedimentos: Quando começamos a discutir meio ambiente na empresa, a primeira reação era de que estávamos diante de um condicionante legal muito forte e com o qual só nos restava lançar mão da via jurídica para nos defender. Com o passar do tempo e a percepção de que tudo não passa de um diálogo de interesses, o meio ambiente, embora possa envolver tudo, seja ainda difícil de precisar, foi se tornando mais claro como algo que tem de ser negociado. Esses interesses são negociados tanto para fora do setor, com a sociedade, como também para dentro das empresas, com os que não são do meio ambiente. Na realidade, o que está colocado é que a sociedade vem permanentemente reclamando é que se pense formas e conseqüências quando se planeja barrar um rio, por exemplo. Desse rio dependem 53 O autor refere-se aos movimentos sociais, especialmente aqueles representativos das populações atingidas pelos empreendimentos do Setor Elétrico brasileiro. 222 pessoas, fauna, vegetação e por aí afora e essa dependência tem modos diferentes. No campo social não tem esses modos de vida, então. Na engenharia tem o modo de construir, e isso que está em discussão, o modo de construir que não prejudique esse seu “modo de vida"54. Eu vejo por aí e acho que se o meio ambiente coloca impeditivos, esses impeditivos são para serem negociados, porque eu preciso gerar energia e o País precisa de energia. (depoimento de técnico transferido de outro setor da empresa para a área de meio ambiente, ocupando cargo de chefia) Ou ainda: Eu penso que a via legal é a melhor forma de se resolver os impasses que agora são do meio ambiente. É pela via legal que as comunidades têm demonstrado seu poder de fogo; não é o Ministério Público o bicho papão, pois então vamos aprender a lidar com ele. Se não dá para precisar o que é meio ambiente, se é tudo, vamos argumentar sobre o que nos interessa: construir uma barragem, passar uma linha, sei lá. Eu acho que nesse aspecto, temos é que estar do lado da lei; isso evitaria muito desgaste de todos os lados. (depoimento de técnico de Meio Ambiente oriundo do Departamento de Patrimônio). Em ambos os relatos, as noções de restrição e imprecisão estão presentes, guardadas as devidas diferenças, e destacam, de um lado, a condição legal e o caráter difuso dos interesses em confronto e, de outro, que os campos onde ocorrem as disputas em torno da questão ambiental, tais como os campos do jurídico e do político, são espaços de diferenciações, onde são travadas lutas de poder e lutas simbólicas. Conforme mencionado anteriormente, ao acionar a dimensão jurídica do meio ambiente e a ocorrência de interesses difusos, os relatos têm em comum o reconhecimento da existência de um conflito que necessita de uma lei para garantir a ordem. Em contrapartida, apenas no primeiro relato, tem-se o reconhecimento de que a questão ambiental demarca um espaço 54 “Ao falar de “modos de vida” o entrevistado está se referindo a uma categoria de análise utilizada nos estudos socioeconômicos. 223 onde acontecem lutas de poder (negociação entre “os do meio ambiente” e os da empresa que não são do meio ambiente; negociação entre empresa e sociedade) e lutas simbólicas (negociação entre os “modos de construir” e os “modos de vida”), onde os sujeitos institucionais que a representam se esforçam para garantir a estrutura das relações responsáveis pela existência desse espaço, legitimando ou deslegitimando dadas práticas sociais. É importante destacar que num contexto onde os profissionais de meio ambiente têm como tarefa garantir que o planejamento do setor (e a execução de suas obras) considere esta temática, dois aspectos são importantes: o primeiro, referente ao fato de que reconhecer a importância da questão ambiental é reconhecer a necessidade de lidar com uma situação de conflitos (internos e externos ao setor) e, o segundo, que apesar do objetivo do planejamento ser a antecipação arbitrária dos antagonismos e tensões que a ele remetem, isto permite também que outros confrontos aconteçam; afinal, o Setor Elétrico não se organiza para um único tipo de antagonismo. Aqueles centrados na questão ambiental, em sua dinâmica institucional, tensões e confrontos são cotidianamente criados. a Meio Ambiente, um estranho no domínio da técnica. A valorização do conhecimento científico, da técnica e da especialização sintetiza uma perspectiva cultural centrada na idéia de progresso. Nesse contexto, a racionalidade, cuja expressão teórica mais relevante é a própria ciência moderna, troca as aspirações ao conhecimento teórico por sua utilização técnica. A prática do Planejamento materializa esse processo, pois suas decisões, apesar de afetarem diretamente a realidade social, são tomadas como problemas técnicos e, como tais, tratadas por especialistas cujo conhecimento é a garantia necessária 224 para sua despolitização em nome de uma dada objetividade (neutralidade/ racionalidade técnica): A nossa atuação é uma atuação técnica, não estamos aqui para ficar discutindo política; é isso que o pessoal do meio ambiente gosta de fazer. É certo que são eles que, na hora de audiências, assumem a conversa, mas considero isso tudo um desvio de percurso. (...) Na realidade as empresas do setor elétrico são um braço da engenharia do governo federal nas diferentes regiões do País, fazemos parte do projeto de desenvolvimento do Estado, e por mais que ocorram mudanças, continuará a ser assim ainda por muito tempo. A energia é um recurso estratégico para o desenvolvimento de qualquer país, aqui não seria diferente. Às vezes, vejo críticas ao setor que chocam, e não vejo como essa discussão do meio ambiente pode mudar alguma coisa. O pessoal da engenharia é levado a participar, mas ainda se sente uma distância clara entre os da engenharia e os do meio ambiente. Quando cheguei na empresa, os engenheiros eram o que de mais avançado tinha a empresa, seu principal patrimônio em termos de quadro técnico. E isso é fácil de entender; as obras do setor são obras da engenharia, são projetos técnicos, a missão do engenheiro é construir.(...) Pois quando cheguei aqui, essa visão era muito mais forte do que é hoje; éramos a excelência, o resto existia para manter a engenharia. Ter de discutir outras coisas que não o projeto, não foi muito fácil, pra mim; pessoalmente, acho que tem sido muito difícil. O pessoal da engenharia tinha criado aqui um paradigma em relação à tecnologia. (depoimento de engenheiro setor elétrico – projeto) Ou ainda: A discussão aqui na empresa sobre o meio ambiente trouxe, pelo menos para mim, uma mudança bastante interessante, pois passei a ver o projeto por outros ângulos, e com vários colegas aconteceu o mesmo. Hoje, eu acho que quando me dedico ao projeto, já faço de forma diferente. Como diz o pessoal do meio ambiente, já não fico só na prancheta, converso com o pessoal do biótico, os peixólogos, com a socioeconomia. Não tenho constrangimento de tirar dúvidas, acho que isso acrescenta; acho que sou agora um engenheiro mais completo e com isso, o projeto fica mais rico.(...) Não vejo o meio ambiente como um empecilho ou uma ameaça, vejo como uma realidade. Cheguei aqui para construir hidrelétricas, e ajudei 225 a construir algumas, acho que hoje construiria melhor. Os empreendimentos do setor elétrico são projetos de engenharia; acho que o meio ambiente não vai mudar este fato, mas sim, vai contribuir para aprimorar a técnica da engenharia; vem somar e eu diria somar de forma subordinada. O problema que vejo com o meio ambiente é mais de como entrosar numa coisa só meio ambiente, engenharia, projeto, obra; acho que funcionaria melhor. (depoimento de engenheiro setor elétrico – projeto) É interessante notar como os dois relatos, a despeito de suas diferenças, destacam a excelência da técnica como monopólio a ser preservado. Nesse contexto, o meio ambiente, em ambos os discursos, concorre com o domínio da técnica enquanto domínio da engenharia e, embora no segundo discurso essa concorrência seja avaliada como positiva, essa positividade, possivelmente, resulta do reconhecimento da subordinação, o que, uma vez mais, reafirma o lugar da técnica. Essa constatação dá pistas sobre o jogo de partilha de poderes entre os sujeitos institucionais. Um jogo que é tradução das trocas simbólicas realizadas no espaço institucional, e deste para fora de seus limites. Nesse processo, os sujeitos institucionais constróem e reafirmam sua identidade como tais. A condição profissional funciona como o diferenciador entre os partícipes, o “pessoal da engenharia”, o “pessoal do projeto”, o “pessoal da obra”, o “pessoal do meio ambiente” etc. Nesse sentido, as falas sempre marcam a diferença entre nós e os outros - os da engenharia e os do meio ambiente, por exemplo. Não esquecendo de que, em alguns casos, os do meio ambiente podem ser engenheiros e/ou egressos do campo da engenharia. Na realidade, ao que parece, o conjunto de falas aqui tratadas como fragmentos do discurso institucional em torno da questão ambiental, sugere a definição de limites entre o "que se é” e o “que não se é” e, com isso, revela as condições de pertencimento aos diferentes grupos – o habitus, condição primordial para a inserção em 226 determinado campo. Desse modo, as oposições acima comentadas são expressivas das formas pelas quais os sujeitos institucionais, ao se afinarem com determinado grupo profissional (do meio ambiente, de fora do meio ambiente, do meio ambiente da engenharia, da engenharia sem meio ambiente, do meio ambiente da obra, da obra sem meio ambiente, e assim por diante), independente de sua credencial acadêmica, fazem uso de comportamento e linguagem específica que funciona como critério de distinção. Assim, o discurso que privilegia a técnica como centralidade para o planejamento e execução dos empreendimentos do setor contrapõe-se àquele que privilegia a noção de conflito, de interesses diversos a serem negociados: Acho que hoje os principais problemas estão associados a instrumentos de planejamento, principalmente no que se refere à possibilidade de identificação de políticas e estratégias de ação. Pelo menos no setor elétrico, o principal investimento deve ser neste aspecto, inclusive porque hoje a ação diversificou-se entre varias empresas, e há uma tendência para a perda de qualidade e padrão dos estudos e critérios, já que cada empresa é responsável por sua atuação. E em alguns casos as empresas ainda não perceberam o custo da não-ação de caráter ambiental, ou da necessidade do valor de um planejamento amplo. Penso que deve-se ter claro que há diferenciação entre a ação institucional das empresas, a ação interna, a produção técnica e a tensão interna produzida pelas posturas do corpo técnico e a alta administração. Ou seja, as áreas técnicas mais tradicionais (engenharia e planejamento) são tencionadas pelas áreas técnicas de meio ambiente. Desenvolve-se uma defesa em prol de visões mais amplas no tratamento e na tomada de decisão sobre empreendimentos, que sinceramente tenho dificuldade para não considerar positiva, principalmente nos últimos dois ou três anos, quando tem havido uma valorização por parte dos meios de comunicação sobre as questões socioambientais. Acho que tem bastante a ser feito, principalmente quanto ao Planejamento Indicativo, nos critérios e metodologias para a expansão dos sistemas elétricos e quanto às novas funções do agente regulador que está muito atrasado nesta discussão e com postura bastante 227 autosuficiente e autoritária. (depoimento de técnico de meio ambiente – Meio Social) 228 CAPÍTULO 6 TENDÊNCIAS EMERGENTES A PARTIR DA REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO: COMENTÁRIOS GERAIS Os estudos realizados para a elaboração desta tese apontam para algumas conclusões que permitem sugerir que a despeito dos avanços da discussão sobre a questão ambiental no Setor Elétrico, o tratamento dessa temática tem-se limitado à busca de condições necessárias para a viabilização de seus empreendimentos. Pode-se também sugerir que as mudanças ocorridas no âmbito desse debate foram motivadas pelo avanço da legislação ambiental (federal, estadual e municipal), pela consolidação das agências ambientais em vários Estados brasileiros e pelo processo de democratização experimentado pela sociedade a partir da década de 80, quando se observa a expressiva participação das organizações populares e ONGs no debate político nacional. Inicialmente, tem-se a constatação de que o debate acerca do meio ambiente configurou um campo no qual os diferentes atores se movimentam a partir de interesses, disputas, confrontos e alianças, e onde as posições são intercambiáveis, segundo o volume de capital material e simbólico disponível. Nesse campo, a presença das empresas do Setor Elétrico ocorreu durante a segunda metade da década de 80 e início dos anos 90 de forma variada, segundo o grau de articulação alcançado com os demais sujeitos sociais debatedores da temática, e de acordo com a necessidade de atender a definição de diretrizes e estratégias capazes de adequar seus empreendimentos a essa discussão. A grosso modo, sugere-se o período inicial (meados da década de 80) como o momento da descoberta, quando, devido a inúmeras pressões, as empresas do 229 Setor Elétrico começaram a rever os tradicionais impasses decorrentes de seus empreendimentos hidrelétricos e a interpretá-los à luz das discussões sobre meio ambiente. Posteriormente, pode-se identificar um segundo momento (final da década de 80), quando o debate sobre a questão ambiental avançou e resultou na indicação de diretrizes e recomendações, revelando o reconhecimento da questão ambiental como condicionante para o planejamento e execução dos empreendimentos do setor, sem, contudo, significar a revisão da atual matriz energética brasileira e, principalmente, o questionamento da opção pelos grandes projetos. Finalmente, tem-se o inicio da década de 90, quando se observou o esvaziamento deste debate e o confinamento da questão ambiental ao aparato jurídico institucional correspondente à primazia do licenciamento ambiental. As análises apresentadas ao longo desta tese permitiram identificar que, em sua trajetória no Campo Ambiental, os técnicos dos departamentos de meio ambiente das empresas do Setor Elétrico afirmaram, simultaneamente, sua presença através de relações expressivas de conflitos e alianças. Nos termos do conflito, tem-se que os embates tendem a ocorrer tanto no interior de seu espaço institucional - mediante o antagonismo presente na relação com parte de seu quadro técnico -, como no âmbito de suas relações externas – com diferentes segmentos da sociedade, especialmente aqueles representativos das populações atingidas por seus empreendimentos, dentre eles, o Movimento Nacional de Atingidos por Barragens. Destaca-se nesse embate a eficácia simbólica dos discursos construídos no âmbito do debate sobre meio ambiente, possibilitando a 230 construção de estratégias responsáveis por alianças que se manifestam em diferentes níveis. É ilustrativo dessa constatação o fato de que os técnicos dos departamentos de meio ambiente do Setor Elétrico, de um lado, evocam a pressão dos movimentos sociais para aprovar e/ou legitimar internamente suas propostas e, de outro, argumentam, para justificar seu insucesso em atender as pressões externas, que se fazia necessária a definição de custos ambientais capazes de nortear o planejamento dos empreendimentos, de modo a poder atender às demandas da sociedade. Observa-se, então, que esses técnicos tendem a atuar, externamente, como atores da legitimação, ou busca de legitimação, dos empreendimentos do Setor Elétrico e, internamente, como sujeitos constitutivos e transformadores de uma dada distribuição de poder, que a emergência da noção de meio ambiente vem questionar. Além disso, pode-se sugerir que os discursos e documentos analisados ao longo desta tese são indicativos de que, no Campo Ambiental, os conflitos são um elemento permanente e orientador de diversas práticas e que aos diferentes sujeitos institucionais identificados corresponde um conjunto de habitus, representações e estilos de comportamento expressos em seus discursos. Esta constatação indica que as retóricas aqui apresentadas sobre o meio ambiente, sustentabilidade, natureza e impacto são noções construídas, apropriadas e simbolizadas segundo o lugar que esses sujeitos ocupam no campo, e em consonância com a cultura à qual essas noções estão referidas, e cujo reconhecimento e aceitação dos grupos depende da crença na legitimidade de seu uso. Esta constatação auxilia na compreensão de como o meio ambiente é portador de significados que variam segundo o lugar ocupado pelos diferentes sujeitos sociais no Campo e no espaço institucional: Meio ambiente como 231 obstáculo a ser transposto, de acordo com os engenheiros de projeto (obra); como condicionante, segundo os técnicos do planejamento, agencias ambientais e órgãos de licenciadores; como oportunidade de negócio, para o mercado das empresas de consultorias; como objeto de produção de conhecimento, para alguns segmentos da Universidade e como instrumento de luta por formas justas de apropriação uso e gestão do território e dos recursos naturais, para os movimentos sociais. Assim, o Campo Ambiental, analisado a partir da presença e atuação do Setor Elétrico, constitui-se como um espaço social de diferenciações, onde destacam-se as lutas de poder e as lutas simbólicas. No âmbito dessas lutas, os sujeitos se empenham para manter ou transformar a estrutura das relações existentes no campo. A atuação dos técnicos de meio ambiente das empresas do Setor Elétrico é ilustrativa desse movimento, especialmente, se observadas as posições que ocupam no campo face a seus interlocutores que, dependendo dos termos do diálogo, definem-se a partir de relações de oposição, concorrência ou alianças. No interior deste espaço de posições, os sujeitos, ligados por relações de força, estão distribuídos segundo estruturas desiguais de acesso, uso, apropriação e controle sobre os territórios – técnicos de meio ambiente, engenheiros, consultores, movimentos sociais etc. Nesse embate, essas relações de força desenvolvem-se a partir de volumes diferenciados de poder (ou de “capital material e simbólico”) que lhes dão condições e possibilidades de ganho nas lutas que ocorrem no campo. Os resultados daí advindos são ainda modestos: a atuação dos departamentos de meio ambiente das empresas do 232 Setor Elétrico não foi suficiente para resolver e/ou minimizar os impasses decorrentes dos seus empreendimentos já implantados, nem tampouco para reformular, de forma efetiva, o modelo de planejamento vigente, centrado nos grandes projetos. Em contrapartida, é importante reconhecer que o período analisado (de meados da década de 80 ao início dos anos 90) foi fértil no que se refere à intensidade do debate e ao confronto de idéias e projetos que o sustentaram e que, além da intensificação do diálogo entre diferentes partícipes do Campo Ambiental, contribuiu para sua percepção acerca da necessidade de criação de espaços institucionais e legais capazes do desafio de definir atribuições e responsabilidades com relação ao tratamento da questão ambiental. É importante destacar que nesse contexto, as mudanças ocorridas a partir do inicio da década de 90 podem indicar um movimento de retrocesso, no qual destaca-se o privilegiamento do tratamento do meio ambiente unicamente como questão legal. A partir desse momento, a negociação entre Setor Elétrico e sociedade tende a ocorrer mediada por dispositivos legais tais como os embargos a partir das Ações Civis Públicas e outras medidas semelhantes. Na esteira desse processo, observa-se, internamente, a redução do movimento de participação social que, ao longo das duas últimas décadas, foi responsável pela ampliação do controle social nos processos de tomada de decisão no âmbito das políticas governamentais. A compreensão dessa mudança requer a apreciação de alguns fatos. Inicialmente, é importante destacar que essa situação encontra um terreno fértil para sua consolidação no processo de reestruturação do Setor, estimulado a partir da Lei 8.301, de 12 de abril de 1990 que instituiu o Programa de 233 Desestatização, e consolidado ao longo da década. Além disso, alguns aspectos são considerados fundamentais, dentre eles a crise econômico–financeira experimentada pelo Setor Elétrico, o risco de déficit de energia, os resultados da Convenção do Clima (ONU) nos termos da taxação sobre o uso de petróleo, carvão e gás natural, face à emissão de gases do efeito estufa e o aquecimento da terra que poderá provocar e o conseqüente privilegiamento da hidroeletricidade. Uma breve retrospectiva indica que o contexto de reestruturação do Setor Elétrico é marcado por uma intensa crise que se manifestou a partir dos anos 80, nos termos da desestruturação dos fluxos financeiros setoriais e da desorganização de sua estrutura institucional. Segundo Rosa e alii (1998: 155) A razão desta crise foi o desmonte do padrão de financiamento, já que os recursos externos tinham um papel complementar de garantir o fluxo de moedas fortes para a importação de equipamentos não produzidos no país. (...) Em primeiro lugar, a crise do petróleo desestruturou a balança de pagamentos e fez com que o governo subsidiasse com tarifas reduzidas a implantação de indústrias eletrointensivas e substituísse o consumo de combustível por eletricidade nos processos industriais em geral, o que obrigou o setor a investir em novas plantas, maiores e mais distantes dos centros de carga, elevando os custos de operação e investimentos setoriais. Ao mesmo tempo, visando reduzir os impactos inflacionários, controlava também as tarifas em níveis inferiores aos demais aumentos de preços . Entretanto, apesar da mencionada crise econômico–financeira, o Setor Elétrico manteve seu desempenho técnico em patamares razoáveis; basta observar que o acesso aos serviços de eletricidade cresceu significativamente nas duas últimas décadas, registrando a média anual de 5,7% (período 80/95). Este fato, entretanto, não evitou que o processo de privatização do Setor fosse 234 iniciado durante o governo Collor. Nesse momento, as empresas do Sistema Eletrobrás foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND)55, que provocou a última grande greve geral do Setor Elétrico, em maio de 1991. A rápida privatização de algumas empresas do Setor Elétrico e as reformas que orientam sua reestruturação têm como principal objetivo concretizar um mercado mais competitivo de energia. Segundo Vainer (1999), ao tratar a energia como uma commodity como outra qualquer, ao conceber a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica como uma indústria – melhor seria dizer um negócio – como outra qualquer, a reestruturação faz tábula rasa de todo o debate ambiental dos últimos 20 anos e de toda a experiência recolhida na implantação de grandes projetos hidrelétricos. A pretensão de externalizar a questão social e ambiental representa um preocupante recuo em relação à consciência, que parecia consolidada, inclusive nas agências multllateriais, de que a questão social e ambiental é intrínseca aos grandes projetos, deles é inseparável. O contexto da reestruturação do Setor Elétrico e da privatização de suas empresas se faz acompanhar de um quadro legal onde predomina a indefinição de responsabilidades e atribuições do poder concedente e da agência que o representa (ANEEL), da empresa concessionária e das agências ambientais. Este fato possibilita a adoção de procedimentos ambíguos e, na maioria das vezes, inadequados ao atendimento legal pretendido. Novos agentes setoriais surgem, o que provoca uma certa instabilidade, especialmente no que se refere às incertezas quanto ao rumo de estudos e projetos: 55 O PND privatizou as distribuidoras federais Escelsa ( 1995) e Light (1996). 235 O processo de privatização, em função de sua indefinição, está, de certo modo, esvaziando o ritmo de discussão que tínhamos anteriormente sobre o meio ambiente. Antes, havia perspectiva e muita reflexão; agora, nos últimos anos, a cada momento circulam noticias desencontradas, vai privatizar, seremos os próximos, a equipe vai perdendo o ritmo, além de perder técnicos com os incentivos, é um desmonte, eu diria. (depoimento de técnico de meio ambiente) A expectativa em torno da privatização da geração e comercialização de energia elétrica no País foi determinante nesse processo e tida como fundamental para a competitividade e a retomada do investimento, através da articulação da participação do setor privado. Primeiro, pelo aporte de recursos que exige a entrada de empresas neste setor de infra-estrutura econômica. Segundo, pela gradativa sustentação dos investimentos privados, principalmente no caso das empresas nacionais, por meio do fundo público. Além disso, fatores relacionados aos recursos externos também podem ser apontados como decisivos à ausência de fluxos financeiros para os empreendimentos de energia. É interessante destacar que a privatização, tal como vem ocorrendo, tem transferido recursos do Estado para o setor privado: Talvez apenas no Brasil a privatização tenha se beneficiado de recursos de bancos oficiais, estatais – isto é, o Estado empresta dinheiro para empresários privados comprarem empresas do próprio Estado. Talvez apenas no Brasil a privatização tenha colocado uma empresa elétrica nas mãos de uma empresa estatal estrangeira – o que significa, claramente, que a privatização não foi privatização, mas apenas a transferência de um patrimônio do Estado brasileiro ao Estado francês. (Vainer, 1999) Nesse processo, a estrutura organizacional apresentada nesta tese (Capítulo 3) se modifica. As atribuições dos principais agentes setoriais sofrem 236 alterações que podem ser identificadas na criação de um novo órgão regulador – a ANEEL - e no crescente papel desempenhado pelo Ministério da Fazenda, no que se refere ao acompanhamento tanto da política tarifária, quanto dos planos de investimentos das empresas estatais do setor. Segundo Rosa (1998: 146): No caso da política tarifária, a orientação quase sempre foi a de conter os aumentos abaixo dos níveis de inflação e proteger as indústrias eletro-intensivas, particularmente aquelas orientadas para o mercado externo. Já no caso dos investimentos, a preocupação central continua sendo, no caso das empresas estatais, evitar o incremento do nível de endividamento das empresas e possíveis impactos negativos sobre o déficit publico. A atualização dessa estrutura organizacional pode ser, resumidamente, apreciada nos seguintes termos: Ministério de Minas e Energia – como o setor, era predominantemente estatal, com a função de definir toda a política de energia do País. Através da Eletrobrás, o Governo planejava e determinava as obras necessárias para atender ao consumo de energia do País. Nesse sentido, o Governo Federal, via estatais subsidiárias da Eletrobrás, era o responsável pelos investimentos do setor. Com o processo de privatização do setor (em andamento), e a nova regulamentação, a principal tendência reside na diminuição das funções do ministério. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) - criada em 1997, com o programa de reestruturação e privatização do setor, tem a função de regular e fiscalizar. A ANEEL determina tarifas, normas e realiza as licitações para novos projetos de expansão. Fiscaliza as empresas, impondo critérios e níveis de 237 atendimento. É interessante destacar que até o momento56 de realização desta pesquisa, não havia, na estrutura organizacional da instituição, espaço dedicado às questões ambientais. Operador Nacional do Sistema (ONS) – criado em 1998, é um órgão privado, formado por 53 empresas de energia do País (geradoras e distribuidoras). Grande parte dessas empresas ainda é estatal, como as geradoras. O ONS assumiu as funções do antigo GCOI – Grupo Coordenador de Operações Interligadas, da Eletrobrás. Entre as suas atribuições estão as de cobrar pelo uso das linhas de transmissão e informar à ANEEL as necessidades de expansão do sistema de transmissão. Orientada por esses indicativos, a ANEEL licitará obras, principalmente para o setor privado. Eletrobrás – responsável pelo planejamento do setor, analisa o crescimento da demanda. Antes do inicio do processo de privatização do setor (Capitulo II), a Eletrobrás funcionava como agente financiador, levantando empréstimos para investimentos de suas subsidiárias. Com as reformas setoriais, a Eletrobrás deverá ter o seu papel reduzido, continuando a ser, possivelmente, o agente financeiro. Com relação ao tratamento da questão ambiental neste novo cenário, o documento Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (MME/ Secretaria de Energia/Eletrobrás, 1998: 30) oferece indicativos no item Mudanças Institucionais (b) sobre o licenciamento ambiental: A recente Lei de Recursos Hídricos e o fato de que no futuro, as concessões serão detidas principalmente por empresas do setor privado, exigirão cooperação mais íntima entre o Ministério do Meio Ambiente e o MME/SEM em 56 Dezembro de 1999. 238 questões tais como padrões ambientais, desenvolvimento ideal de potenciais hidrelétricos e interação com outros usuários em potencial. O procedimento de licenciamento ambiental também deverá sofrer ajustes para atender às necessidades do setor privado, principalmente fazendo com que o enchimento de reservatórios ou a ativação de usinas deixe de depender da emissão de uma Licença Operacional após realizado o investimento. Como se pode constatar, tem-se o privilegiamento da questão ambiental como uma questão legal, revelando a predominância da dimensão jurídica do meio ambiente e desse modo definindo um espaço onde se destaca a hegemonia da representação de meio ambiente consagrada pela legislação. É importante destacar que interesses difusos, ao se instituírem como um campo jurídico, tornam a existência de uma lei, tradução de conflitos que precisam ser controlados. Além disso, o reconhecimento da perspectiva legal como a hegemônica, a partir desse momento, pode ser observado, por exemplo, nas Leis de Concessões que não fazem referências às questões ambientais. Segundo Vainer (1999), a única referência ao tema remete às responsabilidades do poder concendente de (Artigo 29) “X – estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente e conservação”. Destaca o autor que a mesma legislação confere às empresas concessionárias o poder de "Promover as desapropriações (...) conforme previsto no edital e no contrato” (Artigo 31, alínea VI), dando indícios de que “se prepara o cenário para o retorno à cena da estratégia territorial-patrimonialista, predominante até a segunda metade dos anos 80, e sob a égide da qual “la instalación de la represa puede ser vista como parte de una verdadeira operación de ocupación” (Vainer, 1990:113). 239 Como o campo jurídico tem uma eficácia específica e um efeito simbólico correspondente, pode-se estimar que, no Campo Ambiental, o debate tende a estar circunscrito ao sub-campo jurídico, o que não exclui a movimentação do Campo como um todo, embora aparentemente, este experimente, conforme já mencionado, o esvaziamento de idéias e discussões. Nesse contexto, pode-se sugerir que a questão ambiental tende a ser tratada e nomeada como um fato jurídico, o que a torna aparentemente neutra e universalista, daí sua eficácia simbólica, pois simultaneamente apresenta elementos do campo político e do campo científico (Bourdieu: 1989). Assim, o esvaziamento progressivo do debate ambiental tem sido percebido por grande parte dos entrevistados, não como uma particularidade do Setor Elétrico, mas como uma tendência do campo das políticas governamentais, demonstrando que seu espaço tem sido progressivamente reduzido e/ou mantido restrito à égide do licenciamento ambiental : O meio ambiente está em baixa mundialmente. A gente percebe isso em todos os setores, inclusive no Banco Mundial. Está havendo um reposicionamento. O meio ambiente, ao que parece, entrou no corredor do licenciamento e isto é péssimo. O que está se vendo é a legislação: o que é permitido e o que está vetado. (depoimento de...... cargo de chefia, meio ambiente) Ou ainda : Acho que chegamos a um ponto que o Setor Elétrico não precisa de departamentos de meio ambiente. Tudo que foi feito até agora é suficiente para delinear as diretrizes, o caminho a ser seguido, o resto é deixar com os especialistas que podem ser contratados, a tarefa de licenciar os empreendimentos. A conversa daqui pra frente é com os órgãos ambientais, mediada, é claro por quem entende do assunto. (depoimento de técnico, Órgão regulador) 240 Esse esvaziamento tende a reduzir a questão ambiental à sua versão normativa legal. Licenciar e fiscalizar são requisitos que tornam as Agências Ambientais e os Órgãos Licenciadores os atores centrais desse contexto: Não conseguimos, com a atual estrutura, dar conta de acompanhar todos os empreendimentos que têm de ser licenciados. Não dispomos de quadro técnico suficiente, nem de recursos. Não há como atender ao contento, e os empreendimentos no Setor Elétrico são muito complexos; para avaliar temos de ter equipe. (depoimento de técnico, Órgão Ambiental) Ou ainda: Estou cansado de ouvir dizer que não temos como fiscalizar; parece vicio; ficamos reféns de nossos pareceres. Qualquer problema somos responsabilizados e não temos como mudar essa realidade. Somos poucos. Me dá vontade de rir quando vejo o monte de termos de referencias que estão sendo aprovados e me pergunto como vamos atender a isso tudo com qualidade. Não precisamos nem chegar a fiscalização, hoje, não temos como responder ao licenciamento, não chegamos nem na LP. Aqui, quando se fala em Audiência Pública, todos se apavoram, não porque não queira, mas porque não temos como dar conta, se todos os empreendimentos que dão entrada a sociedade pedisse audiência Pública, não faríamos mais nada. (depoimento de técnico, Agencia Ambiental) Conforme mencionado, o contraponto do tratamento da questão ambiental como questão legal pode ser apreciado na crescente expansão da movimentação da sociedade civil no sentido da utilização, cada vez mais freqüente, da Ação Civil Pública como instrumento de pressão e negociação no campo das políticas públicas. Este fato sugere que, na atualidade, o diálogo entre os diferentes sujeitos sociais no Campo tende a ocorrer de um lado, visando atender aos condicionantes legais traduzidos em extensos relatórios e, de outro, na atuação dos movimentos sociais, freqüentemente, através do Ministério Público, trazendo para o campo das negociações legais os conflitos decorrentes 241 de formas diferenciadas de apropriação, uso e gestão do território e dos recursos naturais: Temos que cumprir as determinações legais. No Brasil a legislação é muito rigorosa e a recomendação da Aneel é bastante séria nesse sentido. Tudo a ser feito é o que a lei exige, nem mais nem menos, nisso somos exigentes. Desde o inicio do nosso interesse sabíamos que o meio ambiente aqui é legislação e isso é muito bom, fica mais fácil porque sabemos a quem nos dirigir, ao órgão ambiental. (depoimento de empreendedor estrangeiro) Ou ainda: Não acho que o fato do meio ambiente hoje dar menos audiência seja um retrocesso; a atuação do Ministério Público está aí mesmo para confirmar o que digo. Na realidade, a sociedade hoje está mais madura, portanto sabe quando deve atuar. Até por conta disso, a Aneel não tem em sua estrutura um departamento, ou setor de meio ambiente; é desnecessário. Temos uma legislação ótima, nós temos os estudos realizados pelas empresas que têm norteado um pouco as nossas licitações, afinal o interessado quando chega precisa logo ser informado que tem de passar pelo licenciamento ambiental, então precisa ter noção dos custos ambientais de seu investimento. Nossa recomendação é “siga a lei”, cumpra o que pede e interaja com o órgão ambiental. De nossa parte acompanhamos e atualmente temos firmado, por exemplo, a posição de que o Decreto de Desapropriação para fins de Utilidade Pública só é emitido depois que 90 a 95% dos proprietários da região de um dado empreendimento manifestam concordância com ele. Não queremos exercer poder de polícia, queremos agir dentro da lei. (depoimento de técnico, Aneel) Para concluir, tem-se que esta tese, ao discutir os principais aspectos que caracterizaram a atuação do Setor Elétrico a partir de meados da década de 80, analisou desde os investimentos na qualificação dos quadros técnicos do setor, até a criação de espaços legais e institucionais, destacando a presença de conflitos, disputas, consensos e confrontos que findaram por introduzir, em alguma medida, a “responsabilidade social e ambiental” na pauta de discussão 242 das empresas do Setor Elétrico, quando do planejamento e implantação de seus empreendimentos. Nesse processo, observaram-se mudanças que na atualidade acenam com incertezas merecedoras de reflexão. São mudanças recém ocorridas e ainda em curso que tendem a desprezar todo o aprendizado das empresas do Setor Elétrico na busca de alternativas para o tratamento das questões ambientais. Revelam processos que não se fazem acompanhar de um debate público capaz de avaliar as conseqüências do novo modelo institucional para com as principais questões ambientais e sociais que acompanham os empreendimentos do setor. 243 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, Henri. Sustentabilidades e Racionalidades. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1997. (mimeografado). ACSELRAD, H. (org) Meio Ambiente e Democracia, IBASE, RJ, 1992; IBASE. Conflitos Sociais e Meio Ambiente - desafios políticos e conceituais. Seminário de trabalho, Projeto Meio Ambiente e Democracia, RJ, 1995. ALBUQUERQUE, J.A. Guilhon. Instituição e Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1980. ANDRADE, R.de C. Política Social e Institucionalização no Brasil. In: América Latina: Novas Estratégias de Dominação. Petrópolis: Vozes e São Paulo: CEDEC, 1980. ASSUMPÇÃO, Marina G. Custos Sócio Ambientais. Informativo COMASE, Ano III No. 1, Rio de Janeiro: ELETROBRÁS, 1994. AUGUSTO, Maria Helena Oliva. Políticas Públicas, Políticas Sociais e Políticas de Saúde: algumas questões para reflexão e debate. Tempo Social; Rev. Social. São Paulo: USP, 1989, 1(2): 105-119, 2 sem. BECKER, B.K. Amazônia. 2.ed. São Paulo: Ática, 1992. ______. et al. Fronteira Amazônica. Brasília: UNB/UFRJ, 1990. ______. A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: A Guerra na Floresta. São Paulo: Civilização Brasileira, 1992. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1982. ______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1989. 244 BOURDIEU, Pierre. Espace Social et Espace Symbolique. Conferência na Universidade de Todäi, outubro de 1989. (xerox). ______. Lições da Aula: aula inaugural proferida no Collège de France. São Paulo: Ática, 2a ed., 1994; BRANDAO, Helena N. Introdução à Análise do Discurso. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1994. BUARQUE, S.C. et al apud AFFONSO, R. B. A. A. et al. Integração fragmentada e crescimento da fronteira Norte. Federalismo no Brasil: Desigualdades Regionais e Desenvolvimento. Organização Rui de Britto Alvarez Affonso e Pedro Luiz Barros Silva. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1995. CABRAL, L. M.M., et al. Panorama do Setor de Energia Elétrica no Brasil. Memória da Eletricidade. Rio de Janeiro: [s. ed.], 1988. CARDOSO, Fernando Henrique – “ Os Regimes Autoritários na América Latina” . In: Collier, D (org) O Novo Autoritarismo na América latina, Paz e terra, Rio de Janeiro, 1982. CARVALHO, Isabel e SCOTTO, Gabriela (coord.). Conflitos Socio-Ambientais no Brasil. Vol. I, Rio de Janeiro: Nov./1995. CHAUÍ, Maria Helena."O Discurso Competente". In: Cultura e Democracia. São Paulo: Ed. Moderna, 1981. [s. ed.]. CORRÊA, Gilberto Kobler. Energia e Fome. Rio de Janeiro: Ática, 1987. CORRÊA, R.L. Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. DALLA COSTA, L. A. "Lutas, vitórias e desafios: a resistência no Alto Uruguai". In: Revista Travessia. Rio de Janeiro: jan/abr 1990. [s. ed.]. DAOU, Ana Maria L. A criação do social pelas águas: notas sobre o Manual da Eletrobrás. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 1989. (mimeografado). 245 DEMO, Pedro. Desenvolvimento e Política Social no Brasil. Brasília: Ed. UNB, 1978. DIAS, Genebaldo Freire. "Os Quinze anos de Educação Ambiental no Brasil". In: Em Aberto, Brasília, v. No. 49, jan/mar, 1991. DINIZ, Elí. Crise, Reforma do Estado e Governabilidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997. DONNANGELO, M.C.F.& PEREIRA, L. Saúde e Sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976. DURKHEIM, E. e MAUSS, M. "Algumas formas primitivas de classificação". In: MAUSS, M. Ensaio de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 1981. EHRENFELD, D. A Arrogância do Humanismo , Rio de Janeiro, Campus, 1992. ELETROBRÁS. Plano 2015 - Plano Nacional de Energia Elétrica 1993-2015. Rio de Janeiro: [s. ed.], 1994. ______. Plano 2010 - Plano Nacional de Energia 1987-2010. Rio de Janeiro: [s. ed.], 1987. ______. Plano Decenal de Expansão 2000/2009. Rio de Janeiro: [s. ed.], 2000. ______. Plano Diretor para Proteção e melhoria do Meio Ambiente nas obras e serviços do Setor Elétrico, 1986. ______. COMASE – Relatório de Atividades, 1988/1989. ______. COMASE – Relatório de Atividades, 1989/1990. ______. COMASE – Relatório de Atividade , 1991-1992. ______. Informativo COMASE – Ano I No. 1 - dez/ 92. ______. Informativo COMASE – Ano III No. 1 – jan/ 94. 246 ELETROBRÁS. Desafios para a reflexão do Setor Elétrico: Políticas Públicas e Sociedade. Abril /1992. ______. Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos. Junho/1986. ______. Processo de Interação do Setor Elétrico Brasileiro com a Sociedade. Novembro/1994. ______. Comitê Consultivo de Meio Ambiente – CCMA - Relatório de Atividades. 1989 a 1993. ______. Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos. R.J, 1981. ______. Plano Diretor para a Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico. RJ, 1986. ______. Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico 1990/1992. RJ, 1990. ______. Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico 1991/1993. RJ, 1990. ELETROBRÁS /FIPE/SRL Projetos. Inserção Regional de Empreendimentos do Setor Elétrico. Relatório Final. (s.d.) ELETRONORTE. Cenários Sócio-energéticos para a Amazônia - 1998-2020. Brasília: [s. ed.], 1998. FABIANI, J.L. "Science des Écosystèmes et Protection de la Nature". In: Cadoret, A. Protection de la Nature, Histoire et Idelogie. Paris: Ed. l’Harmattan, (s.d.). ______. "L’Action Publique et la Regulation Sociales". In: MAHIEU-M, Jollivet. Du Rural à Lénvironment. Paris: Ed. l’Hartmattan, 1989. p. 195-208. ______. "Lópposition à la Chasse et Láffrontement des Representation de la Nature". In: Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Paris: (s.ed.), 1983. p. 47-48, e p. 81-84. 247 FERRAZ, I. Resposta de Tucuruí: o caso dos Pakatêjê. Energia na Amazônia. Organização Sônia Barbosa Magalhães, Royan de Caldas Britto e Edna Ramo de Castro. Museu Emílio Goeldi, UFPA, Associação Universidades Amazônicas. Belém: UFPA, 1996. (Vol II). FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985. FUKS, Mário. Arenas de ação e debate públicos: os conflitos ambientais e a emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro (1985-1992). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1997. FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico, Paz e Terra, São Paulo, 1974. GABEIRA, F. Diário da Crise , Rio de Janeiro, ed. Rocco, 1984. GRAMSCI, A. Maquiavel a Política e o Estado Moderno. São Paulo: Ed. Civilização Brasileira, 1978. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1979. GUIMARÃES, R.P. "Ecologia e Política na Formação Social Brasileira". In: Dados, Revista de Ciências Sociais – IUPERJ, vol. 31, no. 2, 1988. HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70, (1989). HERSHMANN,M. C. & PEREIRA, C.A. (orgs). A Invenção do Brasil Moderno: Medicina, Educação e Engenharia nos anos 20-30 . Rio de Janeiro: Rocco, 1994. IANNI, Octávio. Ditadura e Agricultura. São Paulo: Civilização Brasileira, 1986. ______. A Luta pela Terra. São Paulo: Vozes, 1981. IBASE. Conflitos Sociais e Meio Ambiente: desafios políticos e conceituais. Rio de Janeiro: 1995. Cap: “O Caso dos Atingidos por Barragens”, e Cap: “Introdução… Questão Metodológica”. 248 JORNAL DO BRASIL. 16/09/89. Caderno 1o. p. 17 - “Novas hidrelétricas, velhos erros”. JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO. 16/10/1975. JORNAL O GLOBO. 30/08/1981. JORNAL DA TARDE 23 /12/ 1985. KAWAMURA, L. Engenheiro: trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1979. KOWARICK, L. Processo de Desenvolvimento do Estado na América Latina e Políticas Sociais. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1985. ______. Trabalho e Vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2a ed., 1994. LA ROVERE, Emilio L. "O Planejamento do Setor Elétrico Brasileiro: principais problemas". In: Revista Travessia. Rio de Janeiro: jan/abr 1990. ______. A Dimensão Ambiental no Planejamento do Setor Elétrico considerando o Acesso as Informações e a Participação do Público ao Processo de Decisão. Rio de Janeiro: COPPE /UFRJ. (mimeo), (s.d.). LIMA, J.L. Políticas de governo e desenvolvimento do setor de energia elétrica do código de águas à crise dos anos 80 (1934-1984). Memória da Eletricidade. Rio de Janeiro: [s. ed.], 1995. LOPEZ, J.A.M. "Palavras do Presidente". In: Relatório Anual da Eletronorte. Brasília: [s. ed.], 1997. LOUREIRO et allii. Atores e Conflitos: a formação do campo ambiental no Brasil (1972-1992). Trabalho apresentado ao GT Ecologia, Política e Sociedade, XVI Encontro Anual da ANPOCS, 20 a 23 de outubro de 1992. (mimeo). MACCIOCHI, M. A. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1974. 249 MACHADO, Roberto. Ciência e Saber: A trajetória da Arqueologia de Foucault. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1982. MAIA, M.L.S.; MOURA, E.A.F. et al. Industrialização e Grandes Projetos: desorganização e reorganização do espaço. Belém: UFPA, (s.d). MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1993. MANHEIM, K. Sociologia da Cultura. São Paulo:Ed. Perspectiva, 1974. MARTINS, C. E. Industrialização, Burguesia Transnacional e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, ed. Saga, 1968. MEADOWS, D.H. et al. Limites do Crescimento. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1973. MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. 500 anos, Energia no Brasil, 2000. MIKI, A.J. Políticas Energéticas no Estado do Amazonas: Implicações e Questões face ao Meio Ambiente. Dissertação de Mestrado. Manaus: UA- CCA, 2000. O’DONNELL, G. “Sobre o Corporativismo e a Questão do Estado”. In: Cadernos do Departamento de Ciência Política, UFMG, no. 3, março, 1976. PEREIRA, J.C. Planejamento Mudança e Democracia. São Paulo: Ciência e Cultura, 1986. PEREIRA, L. História e Planificação: Ensaios de Sociologia e Desenvolvimento. São Paulo: Pioneira, 1970. PINTO, L.F. Amazônia de hoje: o caos “organizado”. Energia na Amazônia. Organização Sônia Barbosa Magalhães, Rosyan de Caldas Britto e Edna de Castro. Museu Emílio Goeldi, UFPA, Associação Universidades Amazônicas. Belém: UFPA, 1996. PIOTTE, Jean-Marc. La pensée politique de Gramsci. Paris: Édition Antropos, 1977. 250 RIBEIRO, ANA CLARA TORRES. Movimentos Sociais: caminhos para a defesa de uma temática ou desafios de uma temática dos anos 90. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Vértice, 1991. ROSA, L.P. A reforma do Setor Elétrico no Brasil e no mundo: uma visão crítica Rio de Janeiro: Relume Dumará, Coppe, UFRJ, 1998. SAHLINS, Marshal. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. ______. El Uso y Abuso de la Biologia: Una crítica antropológica de la sociobiologia. Madrid: Siglo XXI, 1990. ______. “La Première Societé d’Abondance”. In: Age de Pierre, Age d’abondance: L’économie des société primitives. Paris: Gallimard, 1976. RIBEIRO, M.A. A Complexidade da Rede Urbana na Amazônica: três dimensões de análise. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. SALLUM, Brasílio Jr. História Administrativa: Políticas Públicas e Regimes Políticos. São Paulo: FUNDAP, 1985. p. 5-9: 5-10. SANTOS, M. A Natureza do Espaço. 2a. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. SANTOS, R. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. SANTOS, W.G. dos. Cidadania e Justiça: A Política Social na Ordem Brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979. SERRA, Maria Tereza Fernandes. Jornal da Tarde, 11/5/88, 1o. caderno, p.17. Ciclo de palestras e debates promovido pela CESP em 1988 em comemoração ao 10o. aniversário do Departamento de Meio Ambiente e Recursos Ambientais. SILVA, Marilene Corrêa da. Metamorfoses da Amazônia. Manaus: EDUA, 2000. 251 SILVA, P.L. de B. Políticas e Perfis de Intervenção em Atenção à Saúde no Brasil: elementos para análise da ação estatal. Cadernos FUNDAP. São Paulo, 1983. SILVEIRA, Isolda Maciel da; LOPES, Daniel Fróes et al. O Homem na Amazônia: Aspectos Sócio-Político-Econômico-Culturais. SOUZA, M. Breve História da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994. SOUZA, R.C.R. Planejamento de Suprimento de Eletricidade dos Sistemas Isolados na Região Amazônica: uma abordagem multi-objetiva. Tese de Doutorado. São Paulo: UNICAMP, 2000. SPOSATI, A. de O. et alii. A Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras: uma questão em análise. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1986. VAINER, C.B. e ARAÚJO, F.G. Grandes Projetos Hidrelétricos e Desenvolvimento Regional. Rio de Janeiro: UFRJ/Cedi/IPPUR, 1992. VAINER, C.B. "População, Meio Ambiente e Conflito Social na construção de Hidrelétricas". In: MARTINE, G. (org) População, Meio Ambiente e Desenvolvimento: verdades e contradições. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1993. VAINER, C.B. "Implantação de grandes hidrelétricas". In: Revista Travessia. Rio de Janeiro: (s.ed.), jan/abr 1990. VIOLA, Eduardo. "Ecologia e Política". In: PÁDUA, José Augusto (org.) Elogia e Política no Brasil. Rio de Janeiro, IUPERJ/ ed. Tempo & Espaço, 1987. VIOLA, Eduardo J. e LEIS, Héctor R. “O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-92: o desafio de uma estratégia globalista viável”. Seminário Diretrizes de Ação para o Meio Ambiente no Brasil. Câmara dos Deputados, Brasília, 1994.