Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da

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Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da
Barbosa, Nair Palhano. Setor elétrico e meio ambiente: a institucionalização da “questão
ambiental”. 2001. 240 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional)-Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2001.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL - IPPUR
SETOR ELÉTRICO E MEIO AMBIENTE:
A institucionalização da “questão ambiental”
NAIR PALHANO BARBOSA
Tese apresentada ao Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional como
requisito parcial para a obtenção do Grau de
Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Carlos B. Vainer.
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Rio de Janeiro, Agosto/2001
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL - IPPUR
NAIR PALHANO BARBOSA
SETOR ELÉTRICO E MEIO AMBIENTE:
A institucionalização da “questão ambiental”
Banca Examinadora:
________________________________________
Prof. Dr. Carlos B. Vainer (orientador )
________________________________________
Prof. Dr. Célio Bermann
________________________________________
Prof. Dr. Frederico B. Guilherme B. de Araújo
________________________________________
Prof. Dra. Helena Lewin
________________________________________
Prof. Dr. Henri Acselrad
Grau conferido:
Em:
Rio de Janeiro
14
Agosto/2001
Aos meus amigos ambientalistas do Setor Elétrico
15
Agradecimentos
O percurso para a elaboração desta tese foi uma mistura de momentos
muito difíceis com outros extremamente prazerosos. Em ambos, a atenção, o
carinho e, freqüentemente, a paciência dos amigos foi fundamental.
Foram
muitos os incentivos que recebi, alguns particularmente significativos, por isso,
temo, ao escrever esses agradecimentos, esquecer alguém; se isto ocorrer, foi
um lapso da memória, não do coração.
Inicialmente, desejo expressar meu reconhecimento ao Professor
Carlos Vainer, meu orientador, que sempre estimulou meu trabalho, ajudando-me
a prosseguir nos momentos mais difíceis.
Quero agradecer também aos Professores Henri Acselard, Frederico
Araújo, Célio Bermann e Helena Lewin que, gentilmente, aceitaram participar da
Banca Examinadora. E registrar um agradecimento especial a Helena Lewin,
minha professora desde a graduação, fundamental no meu processo de
crescimento intelectual.
Da mesma forma, agradeço a todos que contribuíram de forma
significativa para esta tese, seja disponibilizando documentos, seja prestando
depoimentos ou respondendo aos questionários, em especial a Maria Tereza
Serra e Rogério Mundim, e aos meus amigos do Setor Elétrico: Miriam Nutti,
Fany, Luis Antonio, Flavia, Silvia Helena, Daniela e Célia.
Não poderia deixar de registrar meu reconhecimento à colega de curso,
Sonia Oliveira, que sempre me sugeriu leituras que enriqueceram muito a minha
reflexão; as amigas Ana Lacorte e Márcia Ismerio, incansáveis na tarefa de me
ajudar a finalizar este trabalho, e ao meu estagiário Thiago, apoio fundamental em
diferentes etapas deste trabalho.
E, finalmente, não podia deixar de agradecer aos de casa que,
pacientemente, suportaram o “stress” dos momentos finais: a Cláudio,
companheiro de muitas caminhadas e aos meus filhos, Daniel, Felipe e Bárbara,
minha fonte inesgotável de inspiração.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 1 – O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO
1.1
Relações Institucionais como Objeto de Reflexão
1.2
Meio Ambiente como Representação
CAPÍTULO 2 – MEIO AMBIENTE, UMA “RAZÃO” INTRODUZIDA
PARA ORGANIZAR E CONTROLAR O TERRITÓRIO
2.1
O Estado Brasileiro: Traços e Detalhes de uma Configuração Perversa
2.2
O Meio Ambiente nas Políticas Governamentais: Antecedentes
Históricos
2.3
Movimentos Sociais: Comentários Gerais
CAPÍTULO 3 – SETOR ELÉTRICO: UNIDADE X DIVERSIDADE NA
COMPOSIÇÃO DE UM TEMA
3.1
O Setor Elétrico Brasileiro: Antecedentes Históricos
3.2
Meio Ambiente e Setor Elétrico Brasileiro – Mudanças na Estrutura
Institucional
CAPÍTULO 4 – VELEIDADES E CONTRADIÇÕES DA “QUESTÃO
AMBIENTAL”
4.1
A Construção do Campo
4.2
Documentos e Falas – a História Revisitada
4.2.1 Temas e propostas no campo de negociações
4.2.2 A composição do quadro técnico e a definição de diretrizes
4.3
A Construção do Espaço Institucional
4.3.1 Silêncios, diálogos e enfrentamentos: aproximações e afastamentos
4.3.2 Unidade X Diversidade
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4.3.3 A dinâmica do campo ambiental: o setor elétrico e seus
interlocutores
CAPÍTULO 5 – O ESPAÇO DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS E
SUAS REPRESENTAÇÕES: AS MODALIDADES DE ATUAÇÃO DO
SUJEITO INSTITUCIONAL
5.1 O Mundo da Engenharia e a Emergência da “Questão Ambiental”
5.2 O Discurso Institucional e suas Falas
CAPÍTULO 6 – TENDÊNCIAS EMERGENTES A PARTIR DA
REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO: COMENTÁRIOS
GERAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
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BARBOSA, Nair Palhano. Setor Elétrico e Meio Ambiente: a institucionalização da
"questão ambiental". Rio de Janeiro, 1990, 229p. Tese de Doutorado em
Planejamento Urbano e Regional. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional - IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a análise da trajetória da questão
ambiental no planejamento das políticas governamentais. Para isso, resgatou o
processo histórico de emergência e institucionalização do debate sobre o meio
ambiente no Setor Elétrico, observando, principalmente, as mudanças ocorridas
no âmbito de sua estrutura organizacional e do planejamento de seus
empreendimentos. Como Setor Elétrico, compreende-se a rede de interesses e
relações sociais que sustenta o conjunto de políticas que tem como eixo a
geração, transmissão e distribuição de energia, rede essa que pode extrapolar ou
não os contornos de sua estrutura institucional.
Ao longo dos estudos realizados para a elaboração desta tese, a questão
ambiental foi entendida, ao menos liminarmente, como o conjunto de problemas,
diagnósticos, situações, planos, programas e ações de um modo geral, assim
como formas institucionais que, explicitamente, referem o meio ambiente como
seu objeto, causa ou objetivo de constituição ou justificativa.
A pesquisa que subsidiou o trabalho aqui apresentado foi orientada por
procedimentos metodológicos característicos das análises institucionais e dos
estudos sobre representações, e utilizou como fonte de informação a
documentação disponível sobre o Setor Elétrico, e por ele produzida, e as
informações obtidas através da realização de entrevistas e questionários com
pessoas direta ou indiretamente envolvidas com o tema. Esse procedimento
permitiu observar que o tratamento da questão ambiental no Setor Elétrico
experimentou momentos que variaram segundo seu grau de internalização nas
diferentes etapas dos empreendimentos do setor, bem como, na formulação de
sua política institucional.
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BARBOSA, Nair Palhano. Setor Elétrico e Meio Ambiente: a institucionalização da
"questão ambiental". Rio de Janeiro, 1990, 229p. Tese de Doutorado em
Planejamento Urbano e Regional. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional - IPPUR, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
The purpose of this research is to study the trajectory of the environmental
question in the planning of government policies. For this, the historic process of
the emergence and institutionalization of the debate over the environment in the
electric sector was redeemed, mainly observing the changes that occurred in the
organizational and planning structure of projects. The Electric Sector is understood
to be comprised of the network of interests and social relationships that sustain the
set of policies whose principle axis is the generation, transmission and distribution
of energy; this network may or may not be extrapolated beyond the design of its
institutional structure.
During the course of the studies carried out to prepare this thesis, the
environmental question was understood, at least in a preliminary fashion, to
consist of a general set of problems, diagnoses, situations, plans, programs and
actions, as are institutional forms that explicitly refer to the environment as their
subject, cause or objective for being or their justification.
The research that the work presented here was based upon was oriented by
methodological procedures that are characteristic of institutional analyses and
representation studies, and used documentation available about and produced
by the Electric Sector as a source of information as well as interviews and
questionnaires with people directly or indirectly involved with the topic. This
procedure allowed for the observation that the treatment of the environmental
question in the Electric Sector underwent moments that varied according to the
level of internalization during the different stages of the sector's projects, as well
as during the formulation of its institutional policy.
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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
QUADROS
QUADRO
TÍTULO
PÁGINA
Quadro 4.1
Classificação dos Sub-campos
119
Quadro 4.2
Investimentos para a Proteção do Meio Ambiente
138
Quadro 5.1
Efetivo Pessoal nas unidades de Meio Ambiente 1986
195
Quadro 5.2
Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas
empresas – agosto 1989
196
Pessoal de Nível Superior lotado nas unidades de
meio ambiente - 1986
196
Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas
empresas, por áreas de atuação – agosto 1989
197
Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de
meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto
1989 – por nível técnico
197
Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de
meio ambiente entre novembro de 1986 e agosto
1989 – por área de atuação
198
Quadro 5.3
Quadro 5.4
Quadro 5.5
Quadro 5.6
21
LISTA DE SIGLAS
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
CCMA _ Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás
CESP - Companhia Energética de São Paulo
CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais
CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica
CEPEL - Centro de Pesquisa de Energia Elétrica
CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
CHESF - Centrais Hidrelétricas do São do São Francisco
COMASE _ Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor
Elétrico
CONAMA –Conselho Nacional de Meio Ambiente
CONSISE _ Conselho Superior do Sistema Eletrobrás
COPEL - Centrais Paranaense de Eletricidade
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A.
ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte
ELETROSUL - Centrais Elétricas do Sul
FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente
FURNAS - Centrais Elétricas de Furnas
GCPS_ Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos
GCOI _ Grupo Coordenador para Operação Interligada
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IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
LP – Licença Provisória
LI – Licença de Instalação
L.O . – Licença de Operação
MME - Ministério de Minas e Energia
PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente
PROCEL _ Programa Nacional de Conservação de Energia
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental
SEDUR – Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano
SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMADS – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável
SEMAM – Secretaria Estadual de Meio Ambiente
SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SLAP – Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras
UNE - União Nacional dos Estudantes
ONS – Operador Nacional do Sistema
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APRESENTAÇÃO
Este estudo tem como objetivo discutir a presença da questão
ambiental nas políticas governamentais, observando-a no planejamento dos
empreendimentos do Setor elétrico brasileiro. Como questão ambiental entendese, ao menos liminarmente, o conjunto de problemas, diagnósticos, situações,
planos, programas e ações de um modo geral, assim como as formas
institucionais que, explicitamente, referem-se ao meio ambiente como seu objeto,
causa ou objetivo de constituição ou justificativa.
Para a realização da pesquisa que subsidiou a elaboração desta tese,
privilegiou-se a discussão da questão ambiental a partir do seu reconhecimento
como representação que, simultaneamente, remete a um conjunto de lutas sociais
e a esquemas classificatórios responsáveis pela organização da realidade social.
Nessa perspectiva, analisou-se um conjunto de lutas no interior do Setor Elétrico,
entendidas como momentos da constituição do campo ambiental, revelador da
disputa por formas e condições de apropriação material e simbólica de uma
determinada base de recursos territorializados. Observou-se também como essas
lutas são referendadas por noções diversas de meio ambiente que remetem a
modalidades especificas de apropriação do território, e como os diferentes
sujeitos no espaço institucional relacional e no campo ambiental desenvolvem
estratégias discursivas capazes de orientar e legitimar formas de domínio sobre
os recursos do território.
O Setor Elétrico brasileiro foi escolhido como universo desta
investigação em decorrência não só de sua importância no âmbito do conjunto de
políticas governamentais, como também a partir do reconhecimento de sua
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intensa atuação nas discussões sobre meio ambiente, seja sistematizando suas
experiências, seja participando regularmente do debate no Campo Ambiental.
Para a observação da atuação do Setor Elétrico brasileiro nas
discussões sobre meio ambiente, privilegiou-se a análise do período entre o inicio
da década de 80 e a primeira metade dos anos 90, assim como a observação da
atuação dos Departamentos de Meio Ambiente de algumas das empresas
integrantes do Sistema Eletrobrás: Centrais Elétricas do Sul (ELETROSUL),
Centrais Hidrelétricas do São Francisco (CHESF), Centrais Elétricas do Norte
(ELETRONORTE), Centrais Elétricas de Furnas (FURNAS) e Eletrobrás Centrais
Elétricas Brasileiras S.A.
Além disso, reconstituiu-se todo o processo histórico de discussão da
temática, observando momentos distintos: o dos primórdios da discussão, quando
o tema meio ambiente apareceu de forma pontual e esporádica nos principais
documentos do Setor Elétrico brasileiro; aquele no qual se instaurou o debate
ambiental em torno da política de geração, transmissão e distribuição de energia;
e o da incorporação da questão às formulações do Setor Elétrico brasileiro,
quando já era possível identificar, em seus documentos oficiais, propostas de
diretrizes para o tratamento da temática .
Como fonte de informação, a pesquisa realizada utilizou a seguinte
base de dados secundários:
•
a documentação oficial do Setor Elétrico brasileiro sobre meio ambiente,
incluindo o material destinado a Seminários (internos e externos) e/ou à
normatização do setor no que se refere ao tema;
25
•
a bibliografia disponível sobre a política ambiental do Setor Elétrico
brasileiro, produzida por especialistas de universidades e de empresas de
assessoria/consultoria; e
•
a literatura produzida pelos órgãos de financiamento multilaterais, pelas
ONG’s, pela CRAB (Comissão Regional de Atingidos pelas Barragens) e
outras entidades civis sobre as experiências do Setor Elétrico brasileiro, no
que se refere à temática ambiental.
Com relação aos dados primários, estes foram obtidos com base nos
30 questionários aplicados junto aos técnicos alocados nos departamentos de
meio ambiente das empresas integrantes do Setor Elétrico, incluindo a Eletrobrás,
e nas 26 entrevistas semi-abertas realizadas com profissionais representantes
dos diversos grupos que integram o nosso campo de investigação, no qual
destacam-se:
os
representantes
do
Setor
Elétrico
brasileiro,
direta
ou
indiretamente, envolvidos com o planejamento de suas políticas, incluindo aqui
seus consultores, integrantes e/ou participantes dos diferentes grupos sociais
envolvidos com essa temática.
Para a análise desse material, utilizou-se a Técnica da Análise do
Discurso, uma modalidade de investigação que considera o discurso como
sistema-suporte de representações ideológicas e, enquanto tal, sua análise passa
necessariamente pela observação de suas condições de produção. Optou-se
ainda por identificar os entrevistados segundo o lugar institucional ocupado
(técnico, gerencia de projeto, chefia de departamento, execução de projetos/obra)
e, quando necessário, segundo a identificação de sua área de atuação, de acordo
com a classificação usualmente utilizada pelas empresas do setor (Meio Físico,
26
Meio Biótico e Meio Social) e as condições de sua trajetória institucional (ingresso
no setor elétrico através da área de meio ambiente, em função de sua criação ou
para ela transferido de outros setores). Com relação aos consultores que prestam
ou prestaram serviços às empresas do setor elétrico na área de meio ambiente,
estes foram identificados segundo sua inserção empresarial ou institucional
(consultores vinculados a empresas de consultoria ou consultores vinculados às
universidades e /ou entidades de pesquisa).
Os resultados decorrentes da pesquisa realizada são apresentados nos
seis capítulos que constituem esta tese. Inicialmente, no Capitulo 1, apresentamse os principais referenciais teóricos e metodológicos que orientaram a realização
desta tese. No Capítulo 2, tem-se uma análise do contexto político institucional
de emergência da temática do meio ambiente como alvo de políticas, planos e
ações governamentais, bem como objeto de mobilização de diversos segmentos
sociais. Em seguida, o Capítulo 3 concentra-se na descrição da estrutura
organizacional do Setor Elétrico brasileiro, destacando, em seu interior, a
observação do processo histórico de emergência e a consolidação da temática do
meio ambiente.
No Capítulo 4, apresenta-se o detalhamento do Setor Elétrico brasileiro
nos termos da análise do discurso de seus técnicos sobre os principais eventos
que marcaram o debate sobre a questão ambiental e sobre os principais temas
que orientaram esse debate, enquanto que o Capitulo 5 é dedicado a analisar o
perfil do profissional do setor, observando os principais referenciais ideológicos
constitutivos de sua prática profissional.
27
Finalmente, no Capítulo 6, são apresentados alguns comentários
gerais que, à guisa de conclusões, enunciam as principais indicações sobre o
tratamento dispensado pelo setor elétrico à temática do meio ambiente a partir de
sua atual reestruturação.
28
CAPÍTULO 1
O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO
A pesquisa realizada para a elaboração desta tese privilegiou a
utilização de referências teórico-metodológicas capazes de possibilitar a
compreensão da distribuição de poder em torno da questão ambiental, no âmbito
das políticas governamentais e, mais especificamente, no interior do setor
elétrico. Nesses termos, desenvolveu-se uma reflexão teórico–conceitual
centrada:
•
na análise institucional voltada para a compreensão da estrutura
funcional/hierárquica do Setor Elétrico brasileiro, observando seus processos
hegemônicos e destacando seus rebatimentos nos termos dos conflitos e
contradições que ali se expressam, e que permitiram a visualização da
concorrência
formuladas
de
interesses
pelos
diferentes
opostos
e
sujeitos
representações
e/ou
grupos
não
consensuais
participantes
-
a
disputa/confronto como elemento constitutivo e organizador; e
•
no estudo sobre as representações de meio ambiente presentes no Campo
Ambiental, representações estas que, enquanto tal, estão sujeitas a várias formas
de interpretação, transformando-se, desse modo, em unidades de poder.
1.1 Relações Institucionais como Objeto de Reflexão
Embora o estudo realizado não possa ser considerado como uma
análise institucional típica, foram utilizadas algumas referências teóricas e
conceituais
próprias
dessa
análise.
A
análise
institucional
clássica,
freqüentemente, destaca abordagens que privilegiam os processos ideológicos e
29
de poder em instituições concretas. Um conjunto de autores tem trabalhado as
questões institucionais, seja a partir de uma visão sistêmica (estruturalfuncionalista), seja a partir do enfoque histórico-estrutural de orientação
weberiana ou marxista.
Dentre os diferentes enfoques, privilegiou-se, nesta pesquisa, uma
discussão centrada na observação da dinâmica institucional do Setor Elétrico
brasileiro, tendo como horizonte de reflexão sua presença no campo do debate
ambiental, ambos (espaço institucional e campo) compreendidos como espaços
expressivos de uma rede de interesses e de relações sociais que sustentam e
discutem um conjunto de políticas voltadas para a geração, transmissão e
distribuição de energia elétrica.
Desse modo, a investigação da dinâmica institucional do Setor Elétrico
brasileiro concentrou-se na observação dos modos de poder no interior do espaço
institucional. Nessa perspectiva, considerou-se a noção de poder tal como foi
tratada por Gramsci - através do conceito de Hegemonia e do privilegiamento da
noção de contradição, especialmente quando observado o lugar institucional do
meio ambiente no interior do Setor Elétrico e, a partir daí, no Campo Ambiental.
Entendida como poder político, a Hegemonia (Macciochi:1974) é compreendida
enquanto prática freqüentemente recomeçada e contraditória, pois objetiva
instituir como Universal uma Ordem que é particular. Esse processo, que
concretamente se realiza no interior de um conjunto de instituições civis e
políticas, ao permitir a identificação do que é geral (dominante) com o que é
universal (necessário), demanda uma rede de práticas sociais voltadas para a
repressão e/ou para a busca de consenso. Isso permite observar a existência de
30
brechas para a emergência da ordem concorrente, freqüentemente identificada
como desvio/desordem ou subversão/contra-hegemonia.
Levou-se em consideração que o espaço institucional envolve saberes
e práticas, remetendo ambos a aspectos fundamentalmente políticos que
associam estratégias de luta entre grupos e classes sociais constitutivas do
conjunto de relações institucionais que se deseja investigar. Nesse sentido, a
noção de Hegemonia foi extremamente útil na reflexão sobre como ocorre, no
âmbito das relações internas e externas do Setor Elétrico brasileiro, a luta política
em
torno
das
questões
ambientais
nos
diferentes
momentos
de
sua
institucionalização. Também ajudou a esclarecer como acontece o processo no
qual o bloco (grupo) no poder aciona dadas estratégias e se organiza para
universalizar este poder. Esse processo é revelador de contradições expressivas,
de oposições e resistências. Na realidade, a noção gramsciana permitiu observar
as formas de elaboração da contra-hegemonia como um novo poder que não se
afina, total ou parcialmente, com o poder dominante, revelando significativas
arestas.
A escolha desta abordagem possibilitou perceber a forma como,
historicamente, se organizou a Ordem Ambiental no interior do Setor Elétrico, se é
que se pode assim nomear o tratamento dispensado ao meio ambiente, e também
como esta ordem foi construída e quais são os seus elementos principais. Além
disso, permitiu a observação das contradições principais e mais explícitas desta
Ordem, e como os diferentes grupos lidam com elas, simultaneamente,
respondendo aos seus desafios, tendo em vista o projeto/proposta mais geral de
poder (hegemonia). Na realidade, conhecer o papel político de uma dada
31
instituição ou de um conjunto de relações institucionais é saber como se dá o
estabelecimento da Hegemonia e, conseqüentemente, como ocorrem as
resistências a serem enfrentadas nesse processo e os meios institucionais (ou
não) de que os diferentes grupos podem lançar mão para controlá-la e/ou dominála.
Nesta tarefa, observou-se o lugar do técnico como porta voz (ou não)
dos conteúdos hegemônicos. Utilizou-se, também, a noção de Gratificação
Simbólica de Bourdieu, de modo a poder identificar como ocorre o processo de
reconhecimento do trabalho técnico/intelectual pelas instâncias de legitimidade
política e cultural no espaço social, objeto das reflexões aqui propostas.
A apreciação do papel dos técnicos do Setor Elétrico no espaço
institucional e no Campo Ambiental foi possível com a observação, segundo
Bourdieu, de que os intelectuais/técnicos são profissionais especialistas na
produção de um sistema ideológico necessário à luta pelo monopólio da produção
ideológica legítima:
As ideologias devem sua estrutura e as funções mais
específicas às condições sociais da sua produção e da sua
circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em
primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo
monopólio da competência considerada (religiosa, artística,
etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não
especialistas. (Bourdieu,1989)
Desse modo, pode ser observado que a diversidade do campo
ambiental expressa a produção do conhecimento técnico e das idéias,
identificando posições, especialmente aquelas situadas nos interstícios da
estrutura de relações, que o constituem. Isto permitiu a percepção da existência
32
de espaços
compartilhados1
reveladores da
intelligentsia
institucional
e
portadores, ao mesmo tempo, do olhar crítico (o sentido do olhar que está dentro
e fora) como também da legitimidade formadora de opinião.
No âmbito dessa discussão, foi possível compreender como circulam
pelos espaços institucionais diferentes quantidades de Capital Simbólico que dão
conta do discurso instituído - o Discurso Competente - que ratifica quem está
autorizado a dizer o quê: “o discurso competente é aquele que pode ser proferido,
ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado porque perdeu os laços com o
lugar e o tempo de sua origem". (Chauí, 1981)
A
competência
revelada
permitiu,
simultaneamente,
identificar
instâncias ou sujeitos reconhecidamente autorizados, e observar, no âmbito das
relações
institucionais
do
Setor
Elétrico,
como
ocorre
a
definição
de
competências, com relação à produção de um saber específico - no caso, um
saber que remete à questão ambiental, e sua passagem de instituinte à condição
de saber instituído. Um saber (conhecimento) elaborado no âmbito de um
conjunto de enfrentamentos e de compromissos permanentemente atualizados.
Além disso, observou-se como o saber ambiental produzido pelo Setor
Elétrico brasileiro foi construído e institucionalizado em meio a disputas com os
demais saberes (da engenharia, da economia, das ciências sociais, do
planejamento etc.), cada um considerado em sua positividade, ou buscando
relações reveladoras da articulação de compatibilidades ou incompatibilidades relações responsáveis por regularidades que individualizam as formas discursivas
desse saber ambiental . Observou-se também como o saber ambiental passou a
1
- Adotando as sugestão de Manheimm para pensar o lugar da “intelligentsia”.
33
dispor de um arcabouço organizacional capaz de legitimá-lo no interior do Setor
Elétrico. Considerou-se que a estrutura organizacional disponível para isso é
portadora da crença na existência de um sistema de autoridade fundado numa
dada hierarquia e acionado segundo parâmetros racionais; ou seja, uma estrutura
organizacional e funcional que, de certo modo, serviu para delimitar campos de
poder e de saber, colocando cotidianamente a convivência entre os discursos de
poder e o discurso do conhecimento (saber) - discurso de um burocrata e discurso
de um não-burocrata.
Desse modo, a hierarquia organizacional constituiu pontos específicos
de maior ou menor prestígio e de maior ou menor eficiência; lugares que, neste
caso, têm como mediação a convivência institucional, o saber ambiental e
indicaram de que forma a competência instituída (ou institucional) tendeu a se
construir em múltiplas nuanças e a forjar regras e normas nesse processo.
Nesta
perspectiva,
privilegiou-se
o
discurso
dos
ideólogos
-
técnicos/intelectuais - do Setor Elétrico brasileiro, observando, simultaneamente,
o lugar que ocupam no contexto das relações institucionais que sustentam a
concepção e a implementação de políticas, planos e ações, assim como na esfera
da circulação do produto do trabalho intelectual.
Para finalizar, tem-se a contribuição da noção de campo de Bourdieu,
aqui já comentada. Esta noção permitiu compreender como ocorreram as
relações entre as diferentes instâncias constitutivas do Setor Elétrico, e entre
estas e seus interlocutores, cada qual portador de capital simbólico e referente a
espaços sociais específicos - o espaço das políticas governamentais, da ação
ambiental civil pública, da produção de um saber especializado, dos movimentos
34
sociais etc. Isto porque, do mesmo modo que a percepção da estrutura do campo
supõe a percepção a priori dos diferentes sub-campos que o constituem, também
o esforço de entender a dinâmica do sistema de relações entre estes diferentes
sub-campos - conferindo a cada um e ao campo como um todo particularidades
irredutíveis -, não exclui a comparação entre sub-campos pertencentes a
totalidades diferentes, como por exemplo, a instância de produção acadêmica que
dá suporte técnico ao Setor Elétrico, mas também faz parte de um circuito de
relações que não se esgotam somente nele. Conforme comentado, a dinâmica do
campo dá-se em função da posição, na estrutura de distribuição de capital de
autoridade, das diferentes instâncias que o constituem. Pois estas podem lançar
mão do capital (saber) ambiental, e o fazem, na concorrência pelo monopólio do
uso e gestão do território e dos recursos ambientais ali presentes. Além disso, a
conservação do monopólio de um poder simbólico como autoridade depende de
sua aptidão para se fazer reconhecer enquanto tal (autoridade) por aqueles
excluídos desse debate.
Na realidade, a partir da noção de campo, foi possível observar
modalidades de comportamento e, com isso, identificar práticas e opiniões
distintas e distinguíveis uma das outras, responsáveis pela demarcação de
posições dentro do campo. Isto porque, na medida em que se constitui um
campo, definido por agentes e disputas, estes agentes ocupam posições
tradutoras de um grau de poder ou de autoridade que não necessariamente
remete apenas ao debate ambiental, mas também à posição que ocupam no
sistema relativamente autônomo das relações de produção intelectual.
35
Destacando a dimensão relacional e as diferenças, esta noção permitiu
observar como se deram as lutas pela legitimação e pela competência, tendo em
vista a distribuição de capital. Para Bourdieu (1989), tanto mais complexa a
sociedade, tanto mais complexo é o campo de disputa das lutas simbólicas. Nele,
os diferentes agentes e grupos são definidos, seja em virtude das posições
relativas que ocupam, seja por uma classe precisa de posições correlatas e/ou
adjacentes numa dada posição do espaço social. Posições que podem ser
definidas em consonância com um “sistema multifuncional de coordenadas, cujos
valores correspondem aos diversos valores das variáveis envolvidas num tempo
determinado” (Bourdieu:1989).
Essa abordagem permitiu perceber como ocorreu a distribuição dos
diferentes agentes e grupos, e qual o volume de capital (econômico, social,
cultural e político) de que dispõem. Foi destacado o capital simbólico que, para o
autor, é tradução do poder de instauração de dadas representações que se
tornam hegemônicas na totalidade do Campo.
A utilização da noção de campo possibilitou, ainda, a compreensão de
como, ao longo da década de 80, se constituiu um espaço cuja dinâmica e
funcionalidade é orientada por situações, debates, ações, e/ou formas
institucionais que, explicitamente, posicionam o meio ambiente como seu objeto,
causa ou objetivo de constituição, ou justificativa. Além disso, auxiliou na
observação de como diferentes atores e/ou grupos sociais se comunicam, e os
principais traços dessa comunicação em torno do que se denominou questão
ambiental.
Os campos sociais são campos de força, mas também
campos de luta para transformar ou conservar esses
36
campos de força. Os mais diversos campos, sociedade de
corte, o campo dos partidos políticos, o campo das
empresas ou o campo universitário, só podem funcionar na
medida em que existem agentes que aí façam investimentos
nos diversos sentidos do termo, que aí comprometam seus
recursos e que se envolvam em seus móveis de luta,
contribuindo assim, em função de seu próprio antagonismo
para conservar sua estrutura e, em certas condições, a
transformá-la. (Bourdieu:1982)
Assim, o campo foi trabalhado como um espaço em permanente
movimento, como uma dinâmica marcada pela permanente (re)configuração de
novos espaços, sub-campos constituintes do Campo mais amplo, no caso o
Campo Ambiental. Na realidade a operacionalização do conceito, quando da
análise da emergência e trajetória da questão ambiental no planejamento do
Setor Elétrico, possibilitou a apreciação de como espaços multifacetados são
construídos a partir da mobilidade dos diferentes atores em torno de
convergências e divergências, sugerindo, desse modo, a plasticidade das
relações sociais no campo.
A
diversidade
dos
espaços
institucionais
que
caracterizam
a
composição do Setor Elétrico, sobretudo no que diz respeito à especificidade dos
diferentes sub-campos que o constituem e aos conflitos que os permeiam,
estimulou o estudo da modelagem e rearranjos institucionais ocorridos a partir da
década de 80, de modo a tentar compreender o significado dos seus conteúdos
na tarefa de construção de uma política ambiental.
Nessa perspectiva, foi possível iniciar a reflexão aqui apresentada, a
partir da observação dos confrontos e disputas institucionais ocorridos no debate
sobre a questão ambiental, considerando que essas lutas expressam,
simultaneamente, as relações de poder e as representações diversas de meio
37
ambiente, traduzindo as duas modalidades distintas de apropriação, uso, gestão e
controle dos recursos naturais e territoriais.
Nesses termos, a noção de campo sustentou o esforço para
compreender não só a dinâmica interna do Setor Elétrico, mas também a
interlocução entre os seus integrantes e os diferentes participantes do Campo
Ambiental, considerando a diversidade do espaço institucional formal, bem como
a diversidade de suas formulações e ações, e as tensões daí geradas no
processo de construção e institucionalização da questão ambiental nos termos da
luta pelo mesmo território (e/ou por seus recursos ambientais). Essa luta é
expressa através de representações diferentes - as representações dos diferentes
sujeitos que participam do campo -, todas elas permeadas pelas razões2 do
conflito.
Com esta abordagem, pode-se observar que, neste contexto, as
situações de conflito são parte da funcionalidade institucional em que os
antagonismos, interesses e representações não consensuais, de certo modo,
fornecem a matéria-prima para o processo de constituição de projetos em luta
pela hegemonia.
Com a realização desta pesquisa, pode-se distinguir a diversidade de
representações construídas em torno do meio ambiente e em confronto no
campo. Nesta tarefa, destacou-se a presença do conflito, de modo a tratar o meio
ambiente como uma construção social historicamente datada e portadora de
representações freqüentemente “acionadas em um campo de forças no qual
interagem diferentes grupos sociais” (Bourdieu: 1989).
38
1.2 Meio Ambiente como Representação
A perspectiva adotada nesta pesquisa privilegia a noção de conflito
como estruturante do debate ambiental porque considera que, no campo de
debate em torno desta temática, relacionam-se diversas representações de meio
ambiente, todas reveladoras de formas especificas de apropriação, uso e gestão
do território e dos recursos naturais.
Nesses termos, tem-se, por exemplo, que a apreciação dos discursos
referentes ao meio ambiente, elaborados por diferentes segmentos sociais,
sugerem que a aparente convergência da reflexão entre desenvolvimento e
preservação ambiental é falsa, pois, neste campo, circulam representações
distintas de uma mesma temática, referentes a práticas distintas e por vezes
concorrentes e/ou contrárias entre si.
Na realidade, por detrás da idéia de
natureza ocorrem lutas/disputas que remetem a relações de poder. Afinal, tratase de uma natureza transformada pela ação humana, o que sugere variações
referentes às formas pelas quais é ou está sendo apropriada simbolicamente.
Assim, tendo em vista que a natureza em si não existe - é uma abstração -, a
noção
de
meio
ambiente,
ao
falar
de
recursos
que
são
apropriados/transformados, expressa também os processos que envolvem
disputas - homens entre si - e representações - construções mentais
acerca de
si mesmo e de seu mundo. Dessa forma, por exemplo, a chamada dimensão
biofísica do meio ambiente é resultado de uma dada forma de classificação.
Considerando que devido à impossibilidade de encontrar a natureza em seu
estado puro (intocada), as classificações ocorrem tendo em vista a apropriação,
2
- Estamos denominando de razões do conflito, as justificativas que os diferentes atores sociais têm para
defender determinadas formas de uso, gestão e controle dos recursos ambientais e do território.
39
seja para depredar, seja para preservar - preservação para quê e para quem? - e,
em ambos os casos, são expressivas de um valor de uso.
Enquanto construção social, o meio ambiente fala de formas de
organização social no território, formas de apropriação em função das quais
ocorre um conjunto de lutas.
Afinada com esta perspectiva, e observando o momento no qual o
debate ambiental emerge, pode-se dizer que a construção do discurso ambiental
dá-se justamente com mais força no momento em que o modelo de
desenvolvimento capitalista se vê ameaçado.3 É no âmbito do questionamento
deste modelo que a noção de ambiental é construída no interior de um processo
de luta e de constituição dos sujeitos políticos, tendo como base de referência os
contextos sócio-culturais específicos, nos quais esta luta se instaura. Isso indica
que o discurso ambiental (ou os discursos ambientais) é, com certeza, um
discurso mutante, pois evoca representações diferenciadas, visões de mundo
diferentes. Logo, somente conhecendo a sua diversidade (que está associada a
práticas e disputas), é possível apreender o seu sentido.
A exemplo de Sahlins, pode-se dizer que pensar o meio ambiente é ter
em vista que:
A natureza está para a cultura como o constituído está
para o constituinte. A cultura não é meramente a expressão
da natureza, sob outra forma. Antes, pelo contrário, a ação
da natureza se desdobra nos termos da cultura, isto é, sob
uma forma que não é mais a sua própria, mas sim
incorporada como significado. O que não consiste numa
mera tradução. O fato natural assume nova forma de
3
- A crise do petróleo, por exemplo, revela a escassez deste recurso, bem como os impasses decorrentes
das formas de sua apropriação. Além disso, a referida crise provoca o debate sobre a magnitude da
produção, e alguns segmentos sociais elaboram um discurso no qual destaca-se a valorização da idéia de
“ser pequeno”, idéia esta que, de certo modo, remete também à divisão do trabalho e à fragmentação da
produção/globalização.
40
existência como fato simbólico; seu desenvolvimento e suas
correspondências culturais são governadas já agora pela
relação entre sua dimensão significativa e outros
significados, em vez da relação entre sua dimensão natural
e outros fatos. (Sahlins: 1979)
Acrescente-se
que
pensar
a
questão
ambiental
passa,
necessariamente, por compreendê-la como representação de lutas entre
diferentes práticas e formas sociais de apropriação, uso e controle do território e,
conseqüentemente, referente a processos de legitimação ou não das mesmas e
dos atores sociais envolvidos. Não se pode desprezar o fato de que a lógica das
relações simbólicas impõe-se aos sujeitos como um “sistema de regras
absolutamente necessárias em sua ordem, irredutíveis tanto às regras do jogo
propriamente econômico quanto às intenções particulares dos sujeitos” (Bourdieu,
1982)
Tomando a economia como espaço institucional dominante que produz
ao mesmo tempo objetos para sujeitos apropriados e sujeitos para objetos
apropriados, pode-se perceber que, de certo modo, as determinações gerais da
produção estão atreladas às formulações específicas da cultura, ou seja, existe
uma dimensão simbólica que faz a mediação entre pessoas e mercadorias
(pessoas/natureza) e pessoas entre si. Como sugere Gertz (1969): “Não só as
idéias, mas também as emoções, são artefatos culturais do Homem” e, nesse
sentido, ao investigar como a questão ambiental emerge como referência para o
planejamento das políticas públicas, percebe-se como o meio ambiente é
colocado a serviço de necessidades/interesses específicos, expressando conflitos
e disputas.
41
Nesse sentido, a noção de conflito ambiental permitiu identificar como
ocorrem, ao longo do tempo, as disputas em torno do acesso e controle dos
recursos ambientais que interessam ao Setor Elétrico, e como estas disputas se
expressam e se reproduzem no debate que os diferentes sujeitos travam, não só
no âmbito do Setor Elétrico, mas também nas relações deste com seus
interlocutores no Campo. Além disso, esta perspectiva permitiu observar de que
modo se traduz o confronto entre as diferentes representações, revelando que
quem conseguir construir a sua representação e passá-la como a mais legitima,
dominará a disputa no Setor Elétrico. Como conflito ambiental, consideramos os
conflitos que têm como centralidade os modos de apropriação e uso do território,
que remetem à constituição dos sujeitos em meio ao processo de construção de
identidades coletivas e envolvem uma diversidade de representações simbólicas
e de interesses (de grupos ou classes). Dito de outra forma, a noção de conflito
ambiental remete às formas de apropriação e uso dos recursos ambientais, à
produção de representações acerca desse processo e às lutas a ele correlatas;
ou seja, situa-se "no campo das relações que os diferentes grupos entretecem no
espaço social, bem como das diferentes estratégias que elaboram com vistas ao
embate pela apropriação, controle e uso dos recursos ambientais" (Vainer, 1993).
A pesquisa realizada, ao caracterizar a atuação dos diferentes grupos
que dialogam com o Setor Elétrico no Campo Ambiental, observou como a
posição diferencial do setor nesta estrutura depende de seu peso funcional, que é
proporcional à sua contribuição na configuração do campo onde se instaura este
debate. O diálogo que ocorre neste espaço, freqüentemente, se dá, revelando
atores em diferentes posições no Campo e portadores de capital simbólico,
também diferenciado, que acionam o meio ambiente como discurso estratégico,
42
como expressão da luta entre grupos sociais pelo controle dos recursos
ambientais:
Se a resistência às obras pode ser vista pelo Setor
Elétrico como obstáculo ambiental ao progresso da nação,
os movimentos4 vêem na intervenção do Setor um processo
de apropriação de recursos ambientais (terra, água) em
benefício de um modelo de desenvolvimento que os exclui.
(Vainer: 1993)
Esta constatação permitiu indicar dois níveis articulados de discussão
da temática: o primeiro remete ao Setor Elétrico, onde a luta pela construção e
apropriação simbólica de poder se dá, levando em conta uma rede de relações,
cuja territorialidade pode ou não extrapolar o debate ambiental. Aqui, o espaço
social, caracterizado por unidades de capital determinado, é constituído pelas
diferentes instâncias que compõem o quadro institucional do Sistema Eletrobrás e
onde o ambiental pode ser compreendido como um esquema de percepção que
remete a formas de disputa de poder.
O segundo nível desta discussão remete ao Campo Ambiental onde se
institui o debate e onde se atualiza a participação do Setor Elétrico como um de
seus integrantes. Neste espaço, o meio ambiente é o único capital simbólico unidade de poder - a ser negociado. A compreensão da dinâmica e lógica desse
campo passa, necessariamente, pela compreensão da
(...) representação que os agentes se fazem do mundo
social e, mais precisamente, a contribuição que aportam `a
construção da visão deste mundo, através do trabalho de
representação (em todos os sentidos do termo) que eles não
cessam de realizar para impor sua visão do mundo ou a
visão de sua própria posição neste mundo. de sua
identidade social. (Bourdieu: 1989)
4
- O autor refere-se aos movimentos sociais, especialmente aqueles representativos das populações
atingidas pelos empreendimentos do Setor Elétrico brasileiro.
43
Considerando que o universo de investigação desta tese está
circunscrito ao âmbito do planejamento de uma dada política governamental - a
política de geração, distribuição e transmissão de energia -, foi de fundamental
importância investigar o significado da tarefa de planejar, contemplando as
questões ambientais, assim como compreender como os atores institucionais
lidam com a contradição entre um espaço instituído - o do planejamento - e um
espaço pulverizado de lutas - o dos territórios, que tanto interessam ao Setor
Elétrico, e como lidam com a aparente neutralidade (técnica) dos procedimentos
adotados pelo planejamento, que findam por tentar despolitizar o debate, face ao
objetivo do planejamento de se antecipar, arbitrariamente, aos antagonismos e
tensões que a ele remetem.
44
CAPITULO 2
MEIO AMBIENTE, UMA “RAZÂO” INTRODUZIDA PARA
ORGANIZAR E CONTROLAR O TERRITÓRIO
Apresentação
Este capítulo tem como objetivo apresentar uma breve retrospectiva da
emergência do debate em torno do meio ambiente e seus desdobramentos nos
termos da instauração e consolidação de espaços políticos, burocráticos e do
aparato legal – institucional que expressam sua viabilização como instrumentos
de controle e determinação das formas de gestão dos recursos naturais e do
território.
A partir da Conferência de Estocolmo (1972), considerada como divisor
de águas para as discussões sobre o meio ambiente, este tema tornou-se,
progressivamente, objeto de reflexão e razão para intervenção no campo das
políticas governamentais.
A constatação da finitude dos recursos naturais, ao colocar em xeque o
modelo de desenvolvimento centrado no crescimento econômico acelerado,
iniciou o debate sobre a possibilidade de desenvolvimento em moldes
sustentáveis. Na esteira desse debate, a percepção dos problemas ambientais
começou então a ser assumida, e sua conseqüência mais imediata foi a
ampliação da discussão, de modo a aproximar diversos atores sociais: técnicos e
pesquisadores de instituições públicas e privadas de produção de conhecimento,
representantes
planejadoras
dos
e
movimentos
executoras
de
sociais,
agencias
diferentes
representantes políticos dos órgãos legislativos.
e
políticas
empresas
estatais
governamentais
e
45
Assim,
a
questão
ambiental
chega
à
esfera
das
políticas
governamentais brasileiras, tornando-se um de seus temas relevantes. A
compreensão
desse
processo
demanda
a
observação
das
principais
características do Estado e da sociedade brasileira. Isto porque o discurso
ambiental, inicialmente emergente, pretende identificar no crescimento econômico
e seu correlato processo de industrialização, ou na peculiaridade institucional e
política da sociedade brasileira, os indicadores para os problemas ambientais do
País. Dentre as principais características do Estado e da sociedade brasileira
destacam-se:
a no Brasil, a formação do Estado é anterior à existência de uma
sociedade mais ou menos organizada, ou seja, sua construção dá-se de forma
conflituosa e instável, no interior de um contexto onde as possibilidades de ação
estatal estão condicionadas aos setores mais organizados da sociedade;
a entre nós, o Estado define e impõe os limites para a formação de
uma sociedade que, desarticulada e sem poder de negociação, não consegue
estabelecer o diálogo com as instituições políticas e com o governo. Ou seja,
expressa uma estrutura de poder concentrada e excludente, onde a organização
do processo decisório é norteada por interesses particulares dos segmentos mais
organizados e definida por conteúdos tecnocráticos formais e hierárquicos na
solução dos conflitos (autoritarismo/corporativismo /burocratismo)
a a tradição legalista do Estado e da sociedade nacional,
historicamente, tem permitido que decretos, leis, portarias, resoluções e atos
institucionais norteiem e dominem de tal maneira o País, que findam por
comprometer a nitidez entre o público e o privado.
46
Como sugere Guimarães:
Através da compulsão a regular e santificar com leis
todo e qualquer da vida pública ou particular, por minúscula
que seja, o estado assume também a característica de fonte
inesgotável de poder e prestígio, servi-lo é antes de tudo
servir a interesses individuais, de classe ou de partido, o que
tem como conseqüência mais visível o eficaz processo de
cooptação e controle social às custas do erário público - o
resultado é bastante conhecido para dispensar maiores
comentários: uma sociedade fortemente controlada,
corrupção e distribuição de privilégios e favores
(Guimarães, 1988, p. 253)
2.1 O Estado Brasileiro: Traços e Detalhes de uma Configuração Perversa
Para a compreensão do comportamento brasileiro no debate sobre o
meio ambiente iniciado na década de 70, com a Conferência de Estocolmo
(1972), é necessário retomar as principais características do Estado Nacional e
suas modalidades de atuação, principalmente nos termos das políticas
governamentais definidas como prioritárias.
Desse modo, para pensar o Estado brasileiro dos anos 70, sugere-se
que a noção de Estado Burocrático Autoritário de O’Donnel (1996) oferece
subsídios interessantes. Em sua definição, o autor destaca que se trata de um
estado mais "abrangente", no que tange à sua responsabilidade e ao seu controle;
"burocratizado", nos termos da "formalização e diferenciação de suas próprias
estruturas”;
"dinâmico", no que se refere às suas taxas de crescimento em
relação as taxas do conjunto da sociedade; "penetrante", tendo em vista que
subordina diversas áreas privadas da sociedade civil; "repressivo", virtual, se
considerada a coerção de sua retórica e de sua ação; "tecnocrático", uma vez que
confere grande peso ao corpo de especialistas voltados para a formulação e uso
47
de técnicas eficientes e para o primado da racionalidade formal; e, principalmente,
intimamente articulado ao capital internacional.
O Estado Burocrático Autoritário surgiu como resposta a um contexto
marcado por crises e tensões socioeconômicas gestadas pela industrialização e
por alterações na estrutura social no âmbito das elites, como também no que se
refere às massas. Estas tensões decorreram do esforço de criar condições
políticas e econômicas compatíveis com o investimento estrangeiro e podem ser
observadas a partir do momento em que o estado perdeu progressivamente a
“capacidade de controlar aliados e adversários, e sua crise evidente o deixou à
mercê dos setores mais poderosos – internos e externos – operantes em sua
sociedade” (O’Donnel, 1976: 23). Do ponto de vista da economia, isso pode ser
apreciado num contexto caracterizado por taxas de crescimento declinantes ou
irreais, queda brusca da inversão reprodutiva, mudanças intersetoriais de renda,
fuga de capitais, crises constantes na balança de pagamento, inflação etc.,
caracterizando o momento que antecedeu a instalação do Estado Burocrático
Autoritário como um momento de “empate social” (O' Donnel, 1976), onde
“nenhum
setor
pode
estabelecer
uma
dominação
estável”
e
onde,
freqüentemente, surgem “coalizões que embora não consigam impor suas
preferências, podem bloquear a consecução das de outros setores” (O’Donnel,
1976: 24). Esse momento de plena turbulência é também chamado pelo autor de
“pretorianização da sociedade”.
Assim, o Estado Burocrático Autoritário advém da derrota política do
setor popular e de seus aliados, como uma construção/sistema político nãodemocrático, ancorado numa coalizão entre tecnocratas de alto nível – civis e
48
militares (de dentro e de fora do Estado), em estreita associação com o capital
estrangeiro.
A coerência entre a estrutura política e o projeto econômico pode ser
então percebida na constituição de uma elite, cujo exercício de poder deu-se nos
marcos de algumas metas que, claramente, sintetizavam os propósitos do Estado
Burocrático Autoritário. Essas metas podem ser visualizadas nos termos da
reorganização do mercado, de modo a afastar os produtores considerados
ineficientes (ou herdeiros da primeira fase da industrialização) - coincidentemente
os capitalistas locais, em sua maioria -, como também no fim das eleições, dos
partidos políticos e das possibilidades de participação econômica e política do
setor popular e no disciplinamento da força de trabalho em sua relação direta com
os empregados, através da subordinação das organizações de classe
(sindicatos).
Ao olhar desprevenido, o Estado Burocrático Autoritário surpreende,
pois, diferentemente da perspectiva do autoritarismo tradicional, introduziu, numa
velocidade estonteante, mudanças profundas e significativas nos diferentes níveis
da vida social:
Na realidade, não implicava menos que uma revolução
capitalista, embora inicialmente fosse difícil reconhece-la,
porque não se apresentava segundo o molde clássico de
uma burguesia nacional como impulsora principal do
processo. Sobretudo em uma primeira etapa que partia de
um Estado debilitado pelo pretorianismo e de uma burguesia
nacional cuja história era a de sua progressiva vinculação
subordinada ao capital internacional, este aparecia como o
principal agente dinâmico que haveria de impulsionar as
novas inversões e aliviar as restrições impostas pela
compressão da balança de pagamentos. (O’ Donnel1976
:33)
49
Um dos efeitos desse processo e talvez também o mais visível, pode
ser observado na crescente estatização da economia, com a progressiva
constituição do que alguns autores nomeiam de burguesia estatal que, de certa
maneira, vem ao encontro das demandas do capital estatal, materializado na
empresa pública, tomada como uma das formas pelas quais o capital se
manifesta e se apoia durante determinadas etapas de sua expansão (Martins,
1977).
Uma questão se coloca: teria de fato o Estado se tornado empresário
neste processo, ou apenas, através de acordos políticos, tomado para si a
empreitada de investir em áreas chaves para o pleno desenvolvimento capitalista
da economia nacional? Não se pode esquecer que em países periféricos,
tradicionalmente, o estatal e o privado, apesar de se localizarem no interior de um
mesmo movimento (o movimento de acumulação de capital), relacionam-se de
maneira específica. Isto porque atuam em função
[...] do papel central, dinamizador e pré-condicionante que o
elemento estatal desempenha em face de uma burguesia
que, além de não ter se apoderado integralmente de todo o
processo material da produção, não se unificou em termos
horizontais, verticais e nacionais, nem se consolidou
enquanto classe anteriormente à constituição do aparelho
produtivo estatal. (Martins; 1977 : 11)
Além disso, é importante que se destaque também que o processo de
estatização envolve uma dupla determinação, compreendida de um lado, na
definição do investimento estatal enquanto capital que deve atuar como tal e, de
outro, como investimento que, enquanto público, está necessariamente em defesa
de interesses específicos de classe ou de coalizões de frações de classe. Tal
constatação nos permite sugerir, por exemplo, que o caráter empreendedor do
50
Estado Burocrático Autoritário esbarra na tradição patrimonialista do Estado
brasileiro. Ou seja, os limites de sua atuação como empresário, de certa maneira,
são dados pela presença dos recursos da cooptação como ingrediente das
relações entre Estado e Sociedade. Na realidade, está-se querendo sugerir que
embora seja possível reconhecer a face empreendedora do Estado como um
traço diferenciador de outros momentos históricos, é fundamental reconhecer
também seu papel de intermediador de interesses.
Tendo como referência essa realidade, pode-se considerar a estreita
articulação entre interesses empresariais estatais e interesses empresariais
privados, de modo a perceber o lugar e a finalidade dos projetos estatais no
quadro de injunções políticas que envolve o setor governamental e o setor estatal.
Este último dando forma ao que Cardoso (1982) nomeou de “Anéis Burocráticos”,
uma construção que interliga empresas públicas e diferentes órgãos da
administração, na missão de realizar as necessidades da “ordem empresarial do
capital”.
Tudo isso permite dizer que na prática, a atividade das facções
políticas é determinante no processo de tomada de decisões, o que faz com que
as relações entre os grupos de interesse da sociedade civil e o Estado passem a
se dar baseadas, principalmente, nos critérios e mecanismos de cooptação do
que, é óbvio, nos mecanismos de representação. Dito de outra maneira, os que
detêm o controle do aparelho de Estado indicam inúmeras pessoas para atuar no
sistema de tomada de decisões; uma indicação cujo efeito dominó ocorre de
modo a incluir tanto “as forças sociais mais poderosas”, como também os “setores
das classes inferiores” (Cardoso: 1982)
51
Essas indicações remetem a formas de clientelismo que, no contexto
dos quadros da marcam também a presença de uma elite técnica. A prática dos
contatos diretos é aqui reforçada, assumindo um significado decisivo no contexto
autoritário. Além disso, a própria estrutura corporativa se esforça para trocar sua
base de recrutamento regional por uma nacional, o que demanda arranjos mais
flexíveis, especialmente, do ponto de vista dos princípios hierárquicos
organizativos.
Esta situação contribui para um quadro no qual o setor privado, face ao
Estado, apresenta uma tendência para a formulação de alianças que expressem a
tentativa de transformar demandas pontuais em políticas concretas. Como
resposta, as agências públicas, que refletem essas tensões nas relações com sua
clientela, atuam no sentido de preservar sua autonomia frente às demandas
burocracia administrativa, e pressões da sociedade e das diferentes esferas da
burocracia. Nesse jogo de forças, o Estado transita pelo terreno da ambigüidade
de ser empreendedor e, enquanto tal, defensor de uma lógica empresarial de
maximização dos lucros e promotor do desenvolvimento capitalista, no sentido de
orientador e gerenciador de um projeto. Em ambos os casos, sua vocação
capitalista se confirma no sentido do fortalecimento dos interesses capitalistas
privados.
No caso do Estado Burocrático Autoritário, é nítido o privilegiamento de
setores, bem como a influência de determinados grupos (elite e fração da
burguesia). Isto porque o que está em pauta é um pacto de domínio básico entre
as classes sociais ou frações das classes dominantes. Neste pacto, as classes
dominantes fazem um esforço contínuo para articular seus objetivos diversos e,
52
ocasionalmente, contraditórios, através de agências e da burocracia de Estado –
agências que atuam nos marcos da representação de interesses (ou de clientela).
Foi nesse contexto que, no Brasil dos anos 70, o modelo de
desenvolvimento
econômico
nacional
consolidou
um padrão de política
governamental centrado na combinação entre a recriação de espaços, atribuindo
a eles vocações específicas, e a realização de investimentos de grande porte
(econômico e tecnológico). Os Grandes Projetos de Investimentos concretizaram,
nesses termos, a política de gestão do território do Estado, traduzindo uma das
formas oficiais de apropriação e reorganização do território como uma fonte de
recursos a serem explorados.
Nessa investida sobre o território, as referidas políticas construíram
espaços demarcados do ponto de vista econômico e político; enclaves, cujo
dinamismo era dado por relações estranhas aos lugares onde se instalavam, uma
vez que eram dinamizados pela necessidade de produção e reprodução do capital
industrial e financeiro de outras regiões e de setores representativos do
desenvolvimento nacional. Do ponto de vista espacial, como nos sugere Vainer e
Araújo (1992), esses projetos propiciaram a criação de “novas jurisdições
territoriais” e se situaram em “espaços periféricos aos eixos do desenvolvimento
nacional”, sem a pretensão de “responder a uma preocupação com a
desconcentração das atividades econômicas”. Ao contrário, observou-se a
"tendência à apropriação e mobilização produtiva de recursos naturais em
benefício de circuitos de acumulação que, mesmo quando se capilarizam até os
pontos mais distantes, tem sua lógica, dinâmica e comando determinados nos
contextos nacionais e internacionais." Os Grandes Projetos de Investimentos,
53
como expressão da capacidade de intervenção do Estado no território, segundo
suas prioridades, eram um modo de produção do espaço. Essas políticas
desenvolveram-se num contexto marcado pela tensão entre o Estado fiador e
organizador da dominação social, e o Estado como agente de interesses
supostamente gerais.
Os Grandes Projetos de Investimentos, no contexto do Estado
Burocrático Autoritário, eram, então, uma modalidade de planejamento estatal
orientada por um modelo de gestão territorial que privilegiava a apropriação de
recursos locais em torno dos quais deveriam ser criadas condições para sua
exploração no interior de um programa estratégico de caráter nacional - o
Programa de Integração Nacional (PIN). Criado através do Decreto Lei n.
1106/70, o PIN era ilustrativo desta proposição ao revelar, dentre os seus
objetivos, “o de integrar a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a
estratégia de desenvolvimento do Nordeste, rompendo um quadro de soluções
limitadas para ambas as regiões” (Presidência da República, 1970). Tratava-se de
uma política que abandonou a perspectiva das diferenças regionais para
privilegiar a abordagem da totalidade nacional, onde não havia lugar para
particularidades; ao contrário, as regiões eram apreendidas em razão de sua
funcionalidade para o projeto nacional de Brasil Potência. Novos espaços eram,
assim, (re)desenhados, tendo em vista atender as demandas do Estado na figura
de seus diferentes setores ou Agências.
O exemplo da política dos Grandes Projetos de Investimentos, aqui
comentado para ilustrar a atuação do Estado Burocrático Autoritário, materializa a
ação intervencionista e empresarial do Estado brasileiro na década de 70. Um
54
Estado que tomou para si a exploração direta de inúmeras e diferentes atividades
produtivas e de serviços, criando uma estrutura na qual empresa e órgãos de sua
administração direta adquiriram uma força política e econômica considerável,
onde se destacou o fortalecimento da burguesia estatal – funcionários – e
empresários, que articulavam, através de suas atividades, o setor estatal com o
setor privado, conferindo força política e suporte institucional ao modelo de
desenvolvimento adotado.
Neste contexto, pode-se sugerir, em linhas gerais, que o debate sobre
o meio ambiente no Brasil experimentou modulações que variaram da intervenção
estatal, orientada para a definição de políticas determinadas, à resistência ao
padrão de políticas governamentais implementadas – os Grandes Projetos de
Investimentos, por exemplo – o que findou por provocar mudanças nas formas de
atuação do Estado, de modo a se adaptar aos questionamentos emergentes que,
progressivamente, foram consolidando o processo de redemocratização da
sociedade brasileira.
A breve contextualização do Estado brasileiro nos anos 70 aqui
apresentada
forneceu pistas úteis para a observação de como os processos
comentados situavam-se na contramão do debate sobre meio ambiente daquele
momento, e também serviu de horizonte para a reflexão sobre como o Setor
Elétrico participou desse debate, considerando seu papel enquanto instância
estatal executora de alguns Grandes Projetos de Investimentos.
Não é objetivo deste Capítulo aprofundar esta discussão, mas sim tê-la
como referência para o resgate histórico das mudanças ocorridas em torno do
debate sobre o meio ambiente. Assim, as questões aqui comentadas sugerem
55
que toda e qualquer análise que se pretenda sobre o meio ambiente como
orientação das políticas governamentais nacionais, não pode deixar de
contemplar os traços mais marcantes da atuação do Estado brasileiro,
especialmente no que se refere à presença da ordem patrimonialista, que abarca
as dimensões pública e privada, promovendo um reordenamento burocrático que
transcende o Estado burocrático. Nas palavras de Guimarães (1988, p. 255):
[...] a burocracia estamental?, aparato administrativo e
estado – maior da ordem patrimonial, não deve ser
confundida com a burocracia estatal. A burocracia não
constitui uma classe em si mesma, ainda que atue muitas
vezes como delegada da elite. Pode parecer que atue acima
das classes, mas não goza de autonomia em relação à
sociedade.
2.2
O
Meio
Ambiente
nas
Políticas
Governamentais:
Antecedentes
Históricos
Apesar de classificado, na década de 70, como 8o País do mundo
capitalista, o Brasil foi-se caracterizando, progressivamente, por uma das mais
injustas distribuições de renda – os maiores níveis de concentração de renda
entre as 32 economias capitalistas mais avançadas do mundo (Guimarães, 1988,
p. 263) – e por um descaso para com as questões ambientais, de forma a povoar,
com freqüência, o noticiário internacional5.
Tendo como horizonte estas questões, destaca-se que a breve
recuperação
histórica
da
presença
do
meio
ambiente
nas
políticas
governamentais será conduzida de modo a destacar os principais fatos indicativos
da configuração de um campo de práticas e idéias que, explicitamente, referem5
– A devastação da Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense, os efeitos da monocultura do Nordeste, eram
alguns dos temas que, na época, povoavam a mídia.
56
se ao meio ambiente como seu objeto, causa e/ou objetivo de constituição ou
justificativa.
Inicialmente, para compreender a forma como esta temática foi
introduzida no campo das políticas governamentais, faz-se necessário considerar
não apenas as características do Estado brasileiro durante os anos 70, aqui já
comentadas, como também o conjunto de acontecimentos que, desde a década
de 50, provocaram mudanças significativas em todo o País e na sociedade
brasileira.
Os anos 50 tinham sido marcados, nas grandes cidades brasileiras,
pelo crescimento do movimento operário, que levou à frente um vigoroso
processo de luta cujos traços mais evidentes residiam na expulsão dos velhos
pelegos do Estado Novo e nos mecanismos de reivindicação econômica e
pressão política. Através de pactos sindicais, os trabalhadores urbanos
apresentavam uma enorme disposição para unificar suas forças. Algumas
organizações6 se consolidavam e começavam a provocar a desconfiança
daqueles que temiam o rompimento dos limites institucionais da negociação
salarial.
Nas áreas rurais, a movimentação não era diferente. Nestes espaços,
predominava a atuação das Ligas Camponesas que avançando, sobretudo nos
Estados de Pernambuco e Paraíba, repercutiam em todo o País e ampliavam a
sindicalização rural7.
6
- Dentre as organizações destaca-se a CGT.
- Em 1963, era criada a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas e o debate político nacional
assistia a emergência da questão da Reforma Agrária.
7
57
Naquele momento, ainda que meio dividido e temendo a instabilidade
econômica, os segmentos urbanos marcaram sua presença no movimento social.
Estudantes e intelectuais, aliados, assumiam posições favoráveis às reformas
estruturais e desenvolviam uma vigorosa atividade de militância política e cultural.
A União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, em plena legalidade,
discutia as questões nacionais e as perspectivas de transformação que
mobilizavam o País. Articulado com a UNE, tinha surgido em 1961, no Rio de
Janeiro, o primeiro Centro Popular de Cultura (CPC), que colocava na pauta das
discussões a definição de estratégias em prol da construção de uma cultura
nacional e democrática.
O conflito marcou a segunda metade da década de 60 no mundo todo,
inclusive no Brasil. Nesse contexto, o ano de 1968 foi particularmente especial no
que se refere à eclosão de movimentos radicais de contestação da ordem
capitalista e, conseqüentemente, do estilo de vida por ela produzido. Uma breve
retrospectiva desse momento sugere a ocorrência de um conjunto de
acontecimentos internacionais indicativos da idéia generalizada de crise – crise da
política, das instituições, da cultura ambiental, de governabilidade etc.
Os limites deste texto desaconselham o detalhamento do conjunto de
acontecimentos que marcaram a primeira metade da década de 60 no Brasil, mas
sugerem a importância de se destacar, em linhas gerais, as modificações
ocorridas a partir de março de 1964, com o golpe militar, e que, posteriormente,
configurariam o Estado Burocrático Autoritário, aqui já comentado. Essas
modificações provocaram o reordenamento da política econômica, no sentido do
crescimento
econômico
acompanhado
do
prestígio
internacional,
ambos
58
baseados na modernização acelerada, na racionalização institucional e na
regulação autoritária das relações entre as classes e os grupos sociais,
destacando-se os setores associados ao capital monopolista ou a eles vinculados.
Além disso, o modelo de desenvolvimento econômico e seu correlato
modelo de urbanização geravam situações que, no futuro, dariam subsídios para
o debate sobre o meio ambiente e a qualidade de vida das populações. Dentre as
situações gritantes naquele momento, destacavam-se a ausência de controle
sanitário da produção de alimentos, o lançamento dos detritos industriais nos
principais mananciais hídricos e a ausência de saneamento básico na maioria das
cidades.
Diante desse quadro, não causou surpresa quando, durante o Governo
Médici, uma campanha publicitária anunciou: “Bem vindos à poluição, estamos
abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrição, temos várias cidades
que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos
são dólares para o nosso desenvolvimento” (Gabeira, 1987, p. 175).
Durante o regime militar, as questões referentes ao crescimento
econômico contaram com a concordância da oposição, em cujas críticas
localizavam-se as referências aos custos sociais, sem quaisquer alusões aos
custos ambientais. Como sugere Viola (1987, p. 84), neste momento:
Os debates sobre o modelo econômico brasileiro
circunscreveram-se a três posições: a defesa do modelo de
capitalismo selvagem vigente, a crítica realizada desde a
oposição moderada agrupada no MDB – PMDB, que
apontava na direção da instauração de um modelo de
capitalismo de bem-estar que atenuaria significativamente as
desigualdades socioeconômicas, e a crítica socialista que
apontava a substituição do capitalismo pelo socialismo
estadista como modo de resolver os problemas de miséria
59
das grandes massas. Poucos políticos ou economistas
significativos de oposição (Celso Furtado, Fernando
Gabeira, o ex-deputado Alberto Guerreiro Ramos) têm
defendido um modelo de desenvolvimento que, além de
resolver os problemas da desigualdade econômico – social,
apontasse também ao equilíbrio ecológico. Pelo menos até o
fim do regime militar, os movimentos ecológicos não tiveram
nenhuma influência no debate político global sobre o futuro
da sociedade brasileira. Dos 10 governos oposicionistas
eleitos em 1982, somente um deles, o do Paraná, deu uma
importância efetiva ao meio ambiente no equacionamento da
agenda de políticas públicas. Os nove restantes mudaram
de retórica em relação aos anteriores governos arenistas –
pedessistas que depreciavam a questão ambiental, mas sem
que isto significasse políticas efetivas correspondentes.
A compreensão do cenário político dessa época passa pela
consideração de alguns aspectos importantes na composição do projeto
modernizador e que constituem os fundamentos da formulação futura do Projeto
Geopolítico e da Doutrina de Segurança Nacional. São eles: (i) o capital industrial
sozinho não é mais garantia suficiente para a soberania nacional, faz-se
necessária a busca por autonomia tecnológica; (ii) é imprescindível a
instrumentalização do território nacional de modo a se constituir as bases para a
acumulação e legitimação do Estado.
Do ponto de vista internacional, uma das primeiras reações aos
acontecimentos do final da década de 60 ocorreu no âmbito do chamado Clube
de Roma que reunindo cientistas, economistas, educadores, industriais e
representantes do governo, iniciou uma discussão sobre alguns dos principais
dilemas da humanidade, quais sejam: a contradição entre pobreza e abundância,
a perda de confiança nas instituições, a deterioração do meio ambiente, as
conseqüências da inflação etc. Das reuniões do Clube de Roma, resultou o
conhecido Relatório Meadows (1970), que apresentou a proposta de “não
60
crescimento” para a sociedade humana até o ano de 2010. Uma proposta
fundada na idéia de controle populacional e de manutenção da produção
industrial média per capita em nível constante (crescimento zero). Este relatório,
atribuiu ao "avanço tecnológico" o papel “messiânico” de preservar o meio
ambiente e melhorar as condições de vida das populações (Meadows et
alli,1978).
Na realidade, o mito do progresso infinito nomeado por Eherenfeld
(1992) como expressão da “arrogância humanista” começou a ser questionado a
partir desse momento. Emergiu, então, um conjunto de propostas que alertavam
para a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento em curso no mundo
capitalista. Não é objetivo deste texto discutir a proposta de “crescimento zero”,
presente no referido documento, mas sim registrá-la como um marco do início do
debate sobre o meio ambiente. Dentre os debatedores dessa temática, destacase a presença de Celso Furtado, que desmascarou a dimensão ontológica que a
noção de desenvolvimento econômico assumia em todo o mundo, especialmente
no pós-guerra, e apontou para o risco de se encobrir com números, propostas
portadoras de significativa carga ideológica.
Pretende-se que os padrões de consumo da minoria da
humanidade, que atualmente vive nos países altamente
industrializados, sejam acessíveis às grandes massas da
população em rápida expansão que formam o terceiro
mundo. Esta idéia constitui, seguramente, uma prolongação
do mito do progresso, elemento essencial na ideologia
diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a
revolução industrial. (Furtado, 1996, p.08)
Sustentando e intensificando os questionamentos sobre o modelo de
desenvolvimento econômico vigente tem-se a ocorrência, desde a década
anterior, de alguns eventos considerados como catástrofes ecológicas: a intensa
61
poluição do ar durante três dias consecutivos de smog que, em 1963, matou, em
Nova Iorque, 400 pessoas e, em 1966, causou mais 170 vítimas; o desastre
ambiental no rio Cuyahoga que pegou fogo em 1966, em decorrência das
imensas manchas de óleo despejado por indústrias sediadas em suas margens; o
acidente com o petroleiro Torrey Canyon na costa Britânica que assustou toda a
Europa (1967), e a contaminação da baía japonesa de Minamata (1968) que
introduziu no dicionário médico a doença de Minamata, enfermidade advinda da
ingestão de peixes contaminados por mercúrio.
Essas ocorrências estimularam, por volta de 1968, na Suécia, a
organização de uma Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, que
só veio a acontecer em 1972, e que, conforme mencionado, é considerada um
marco na institucionalização da discussão sobre o meio ambiente. O Plano de
Ação resultante dessa Conferência questionava os principais fundamentos da
doutrina do crescimento ilimitado, face à constatação do caráter limitado dos
recursos naturais e da incapacidade do mercado de regular satisfatoriamente a
exploração
e
a
preservação
desses
recursos.
Propunha
também
o
aproveitamento racional dos recursos naturais em prol das gerações atuais e
futuras, de modo a evitar prejuízos aos ecossistemas em virtude de sua
exposição abusiva, ou em decorrência do lançamento no ambiente de
substâncias perigosas. O documento destacava a importância de manter a
capacidade produtiva da terra, de proteger os ecossistemas naturais, de ordenar
o patrimônio de flora e fauna silvestres e de impedir o esgotamento dos recursos
não renováveis. Além disso, sugeria um conjunto de medidas coordenadas
internacionalmente com o objetivo, principalmente, de produzir conhecimento
sobre as alterações verificadas no meio ambiente e seus efeitos sobre o homem.
62
No Brasil, pode-se sugerir que, até o início da década de 80, eram
esparsas as referências ao meio ambiente no cenário da vida nacional, embora o
tipo de desenvolvimento adotado já apresentasse evidências sobre suas
contradições e limitações ambientais. Na realidade, as primeiras iniciativas
governamentais no Brasil orientadas pela preocupação com o meio ambiente são
pontuais e datam de 1960, quando um conjunto de municípios do ABC paulista
criou a Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição do Ar e da Água CIPAA8. Posteriormente, essa Comissão deu origem à atual CETESB. Além
desse registro, tem-se também a inauguração, em 1962, do Instituto de
Engenharia Sanitária do Rio de Janeiro e da Guanabara, e a definição, em 1967,
da Política Nacional de Saneamento, juntamente com a criação do Ministério da
Saúde e do Conselho Nacional para o Controle da Poluição Ambiental. Até a
década de 70, a defesa do meio ambiente no País estava circunscrita a alguns
segmentos sociais e às reivindicações de grupos ambientalistas, dedicados a
questões pontuais tais como: a poluição de Cubatão, os desflorestamentos da
Amazônia, os protestos contra o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, dentre outros
temas específicos. Essa movimentação, de certo modo, acompanhava um
conjunto de ações que aconteciam pontualmente em todo o mundo.9
Esse momento, que corresponde ao período denominado de milagre
brasileiro, foi caracterizado por um crescimento que variava entre 9% e 10% e
pela acentuada expansão do consumo de bens duráveis. Nesse contexto, não
surpreende que, durante a Conferência de Estocolmo (1972), a posição brasileira,
8
- Essa Comissão estava articulada a WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO e a PAN AMERICAN
HEALTH ORGANIZATION – PHO.
9
Nos Estados Unidos, por exemplo, em comemoração ao Dia da Terra, grupos diferenciados em todo o país
(sindicatos de trabalhadores, grupos de donas– de– casa, clube de pescadores, professores universitários
63
aliada a outros países em desenvolvimento, defendesse a prioridade do
crescimento acelerado em detrimento da preservação ambiental. Nesse evento,
os delegados brasileiros proclamaram que era a vez de seu país “se industrializar,
e asseguraram às companhias multinacionais (...) que não havia problema em
relegar toda essa poluição para o Brasil, desde que enviassem junto com ela as
industrias e os empregos que a acompanham” (Yasley, 1992, p. 158).
Resumidamente, a posição brasileira na Conferência de Estocolmo procurou
defender o desenvolvimento a despeito da preservação ambiental e declarar que
os países desenvolvidos deveriam arcar com o ônus da despoluição, e que a
soberania nacional não poderia ser maculada em nome de interesses ambientais.
Predominava, nesse momento, a idéia de que a “pior poluição era a miséria”, o
que, de certo modo, justificava a opção de desenvolvimento econômico nos
termos do crescimento acelerado.
Os debates iniciados com a Conferência de Estocolmo desdobraram-se
em várias áreas. À guisa de ilustração, tem-se que durante este evento, foi
elaborado o documento “Declaração sobre o Ambiente Humano” que estabeleceu
23 princípios para a conservação e melhoria do ambiente, enfatizando o uso
adequado dos recursos da Terra para assegurar ao homem as condições
necessárias à melhoria da qualidade de vida. De forma particular, foi
recomendado aos países o desenvolvimento de programas de Educação
Ambiental. Naquele momento, foram firmados recomendações e princípios
responsáveis pelo estabelecimento de leis, programas e tratados, bem como a
etc.) organizam seminários e manifestações com o objetivo de discutir problemas e formular uma agenda
comum de ação.
64
criação, em todo o mundo, de ministérios, secretarias e outros órgãos com
preocupações ambientais.
Um dos primeiros indícios da repercussão da Conferência de
Estocolmo pôde ser observado no ano seguinte, quando foi criada, em outubro de
1973, através do Decreto nº 73.030, a Secretaria Especial de Meio Ambiente –
SEMA – órgão coordenado pelo Ministério do Interior.10 Também no âmbito da
sociedade civil, surgiram movimentos que, inspirados na crise do petróleo (1973),
desenvolveram campanhas de combate a ações prejudiciais ao meio ambiente. O
Estado do Rio Grande do Sul destacou-se como aquele onde surgiu o maior
número de entidades, destacando-se, dentre elas, a Associação Gaúcha de
Proteção ao Meio Ambiente Natural – AGAPAN.
Dois fatos foram relevantes para a criação da SEMA: o primeiro,
referente à aprovação, pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN), através de
um dispositivo nomeado de “Exposição de Motivos nº.100/71”, de um documento
elaborado pelo Itamaraty, e assinado pelo General João Baptista de Oliveira
Figueredo11, que definia todos os aspectos relevantes para a ideologia oficial
acerca das questões ambientais. Além disso, o documento indicava a
necessidade do estabelecimento de uma agência especializada em negócios
ambientais; e o segundo, relativo ao mau funcionamento de uma indústria de
celulose na capital gaúcha que causava sérios problemas à população,
provocando sua crescente mobilização, o que, naquele momento, ocasionava
significativo desconforto para as autoridades.
5- No ano seguinte foram criadas a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), a
Secretaria Estadual de Controle Ambiental (CECA) e a Federação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAN.
65
A SEMA tinha a responsabilidade de administrar e controlar diferentes
aspectos do meio ambiente já distribuídos em 23 instituições federais, incluindo
agências, departamentos e ministérios. Embora esta entidade tenha sido criada
com a responsabilidade de implementar o uso racional dos recursos naturais no
País, o contexto autoritário impôs sua atuação em marcos discretos. Na realidade,
sua criação foi contraditória, pois seu lugar na estrutura administrativa do Governo
Federal era inconveniente, visto que estava subordinada ao Ministério do Interior,
executor da Transamazônica, estrada que atravessava a região Amazônica,
objeto de interesse dos ambientalistas.
É importante destacar o caráter autoritário da Carta Constitucional
vigente na época (Constituição de 1967, que incluía redação orientada pela
Emenda Constitucional de 1969, decorrente da promulgação do Ato Institucional
nº. 5 de 1968). Pode-se sugerir que alguns temas12 que se tornariam relevantes
no debate ambiental nas décadas seguintes, eram reconhecidos nessa
Constituição como objeto da “Segurança Nacional”.
De acordo com Loureiro e allii (1992: 2), a criação de órgãos
explicitamente envolvidos com o controle e a regulamentação do meio ambiente
foi orientada por alguns temas que são recorrentes no discurso brasileiro: “a
necessidade de articular a temática ambiental às metas de assuntos internos do
país e a crítica aos países industrializados, maiores poluidores e, ao mesmo
tempo, resistentes a mudança na ordem econômica internacional”.
11
- O General Figueredo seria o Presidente da República no momento da elaboração da Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA) em 1981, que define os instrumentos e procedimentos para a política de meio
ambiente.
12
Art. 8o em seu item XVIII, estabelece que entre as competências da União, caberia legislar sobre h) jazidas,
minas, e outros recursos minerais; metalurgia, florestas, caça e pesca;”
66
Uma rápida avaliação da criação da SEMA sugere que o órgão foi
criado sem, todavia, apresentar uma política de atuação, mas sim, com a intenção
de promover o esvaziamento de toda e qualquer polêmica que pudesse
impulsionar uma definição política para o setor. Este fato fez com que a
regulamentação de seu decreto de criação demorasse dois anos para se efetivar.
O modelo de funcionamento das agencias nacionais, nesse momento, aproximase daquele utilizado pela agencia americana de controle da poluição, The
Environmental Protection Agency – EPA, criada em 1970. Segundo Guimarães
(1988: 263):
A SEMA foi criada, antes de tudo, para não fazer nada
(...) a intenção do Governo ao criar o órgão não era formular
uma política de meio ambiente, mas simplesmente esvaziar
qualquer bandeira oposicionista que pudesse surgir nesta
área, ainda mais por inspiração internacional, a partir de
Estocolmo.
Na realidade, a criação da SEMA, do ponto de vista do projeto político
nacional de desenvolvimento, foi contraditória. Não se pode esquecer que,
naquele
momento,
conforme
já
mencionado,
o
projeto
nacional
de
desenvolvimento estava centrado nos Grandes Projetos de Investimentos. A
criação da SEMA, portanto, nada mais era do que uma iniciativa para definir uma
política de meio ambiente com vistas ao desenvolvimento, situação que, de certo
modo, ocorria na contramão das discussões internacionais voltadas para o
questionamento do modelo de desenvolvimento vigente.
Ao longo da década de 70, outras medidas foram tomadas no sentido
de atender a necessidade de normatização da questão ambiental; foram elas: a
promulgação do Decreto–Lei nº.1.413, de agosto de 1975, que estabeleceu
medidas de controle da poluição industrial e definiu os direitos dos Estados da
67
Federação e dos Municípios no que se refere à competência de cada um face aos
problemas decorrentes da poluição industrial;
do Decreto–Lei nº. 76.389, de
outubro de 1975, e do Decreto–Lei nº. 1.413, que estabeleceram definições,
competências e especialidades de 13 áreas identificadas como críticas no que
tange à poluição industrial e, finalmente, do Decreto nº 81.107, de dezembro de
1977, regulado pelo Decreto–Lei nº. 1.413, que definia quais indústrias eram
relevantes para o desenvolvimento e a segurança nacional. Acrescente-se a este
arcabouço legal o fato de ainda vigorarem, nessa época, o Código de Águas
(1934), o Código Florestal (1965), o Código de Caça e Pesca (1967) e o Código
de Mineração (1967).
No contexto internacional, novas iniciativas deram prosseguimento às
discussões sobre meio ambiente. Numa promoção da UNESCO/PNUMA
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), por exemplo, realizou– se,
em 1977, em Tbilisi, na Geórgia, a Conferência Intergovernamental sobre
Educação Ambiental, mais conhecida como Conferência de Tbilisi, que
determinou objetivos, funções, características, princípios e recomendações
básicos para a incorporação da Educação Ambiental ao currículo. Além de
oferecer uma definição de ambiente mais abrangente, destacou que a Educação
Ambiental, apesar de não ser uma disciplina específica, deveria ser abordada
num enfoque interdisciplinar: “(...) nessa reunião, em seu documento final, foram
traçados de forma mais sistemática e com uma abrangência mundial, as
diretrizes, as conceituações e os procedimentos para a Educação Ambiental “
(Guimarães, 1995, p. 19).
68
Além das Conferências Internacionais acima mencionadas, foram
realizados outros eventos de menor abrangência, tais como o Seminário de
Educação Ambiental para a América Latina (de 29 de outubro a 7denovembro de
1979, na Costa Rica), cujos assuntos discutidos tiveram como base os encontros
internacionais já realizados, principalmente, o de Tbilisi e o de Bogotá.
Uma das orientações que mais chamou a atenção nesse evento foi o
conceito de meio ambiente, que assumiu uma dimensão mais abrangente,
incorporando aspectos sociais, culturais e econômicos aos aspectos físicos e
biológicos:
O conceito de meio ambiente deve abranger os
aspectos sociais, culturais, bem como os físicos e biológicos.
Os aspectos físicos e biológicos constituem a base natural
do ambiente humano. E as dimensões sócio – cultural e
econômica definem as linhas de ênfase e os instrumentos
técnicos e conceituais que habilitam o homem a
compreender e usar os recursos naturais para as suas
necessidades. (Dias, 1992, p.92)
Nesse momento, no Brasil, a Educação Ambiental encontrava-se em
um estágio embrionário. Somente a partir da década de 80, é que começaram a
surgir trabalhos acadêmicos abordando a temática ambiental e, ao mesmo tempo,
a sociedade começou a se preocupar com os problemas da degradação
ambiental.
Desse modo, a década de 80 pode ser considerada como um marco na
história da organização em torno de temas e questões que reportam às formas de
apropriação, uso e gestão dos recursos naturais. Assim, para compreender esse
processo faz-se necessário observar, de um lado, as iniciativas estatais no
sentido da regulamentação desta temática e, de outro, o movimento de desmonte
69
do sistema de poder vigente, concomitante à crescente organização da sociedade
brasileira.
A partir da década de 80, vários movimentos sociais e sindicatos
incorporaram a temática do meio ambiente às suas tradicionais demandas,
enquanto que nas universidades, inúmeras disciplinas estimularam a pesquisa
sobre este tema. Pode-se sugerir que começa, nesse momento, a tomar forma
um campo em torno do meio ambiente, no qual transitam e debatem vários atores
sociais portadores de interesses diversos, ao mesmo tempo em que na estrutura
político–partidária, surgem os chamados verdes que começam a participar, a
partir de 1982, das disputas eleitorais.
Nessa ocasião, os movimentos sociais que emergiram, reivindicando
participação e capacidade de negociação, eram, na maioria dos casos,
representantes das populações excluídas do modelo de desenvolvimento adotado
pelo Autoritarismo Brasileiro: Movimento Indígena, Movimento dos Sem Terra,
Movimentos dos Atingidos pelas Barragens, Associações de Amigos e Moradores
de Bairros, dentre outros. É interessante notar que, simultaneamente a esse
processo, observa-se que, entre os anos de 1982 a 1983, o sistema de poder
entra em crise. Este sistema, conforme já comentado, era marcadamente
burocrático, autoritário e respaldado nos eixos tecnocráticos e militar, subsidiado
pelo interesse da expansão capitalista em sua versão estatal e naquele
correspondente ao conglomerado internacional ao qual se articulava uma
burguesia local. A legalidade desse sistema era alcançada pela maioria
parlamentar, e obtida e mantida através de medidas casuísticas, principalmente,
70
aquelas referentes ao jogo eleitoral, garantindo desse modo a direção soberana
do Executivo sobre os demais poderes.
Na realidade, o sistema parlamentar era condição para um grau
suficiente de legitimação, assim como articulador, ainda que subordinado, no que
se refere à retórica, dos outros segmentos das classes dominantes não
integrados ao pacto social que constituía este sistema de poder.
No primeiro semestre de 1983, eram visíveis os sinais de crise,
quando, dentre várias ocorrências, o governo perdeu a maioria parlamentar,
deixando cada vez mais nítida a ruptura das bases sociais do sistema. Até as
eleições de 1982, a maioria parlamentar obrigatória pelo sistema sempre fora
alcançada. Entretanto, a partir do ano seguinte, a cisão fez-se clara entre os
segmentos
legitimados
pelas
eleições
de
1982,
que
se
relacionaram,
prioritariamente, com suas bases eleitorais (governadores e parlamentares) e o
segmento legitimado pelo bloco de poder burguês democrático e militar. O
principal desdobramento dessa situação pode ser apreciado na intensa crise
interna no Partido do Governo (PDS).
Essa crise de representação manifestou-se, especialmente, na relativa
incapacidade dos partidos de assumirem a formulação de um programa político e
econômico fundado em uma aliança com a sociedade. Historicamente, a
fragilidade das relações entre sociedade e partidos – uma relação frouxa e
instável bastante, compatível com o perfil do estado nacional aqui comentado -,
tornava-se mais evidente face à emergência dos movimentos sociais. Durante o
período autoritário, essa relação tinha-se fragilizado mais ainda, a despeito da
seqüência de vitórias eleitorais da oposição – 1974, 1978, 1982.
71
A organização autônoma dos movimentos sociais com relação a
estrutura político partidária intensificaria, nesse momento, a independência da
sociedade em relação aos partidos, que estavam, até então, subordinados ao
modelo institucional e que findariam por se transformar em estruturas incapazes
de orientar o processo político nacional com o apoio da sociedade. Desse modo,
criou-se uma situação na qual se tornou evidente a capacidade de mobilização da
sociedade em torno da conquista do direito de cidadania, o que provocou, frente
ao regime, o impasse de formular alguma estratégia que viabilizasse a
reconstrução da autoridade do Estado.
Esta situação tornou-se a questão central da relação Estado/
movimentos sociais, na medida em que estes últimos deixaram claro para o
primeiro seu projeto de democratização popular fundado na autonomia da
sociedade civil. Segundo Souza Lima (1983, p. 15), “rupturas na base social do
poder implicam, portanto, em alterações substantivas no modo de articulação do
Estado com o desenvolvimento capitalista dependente, com a rediscussão do
espaço de poder e das funções de cada componente no interior da aliança
dominante, dentro e fora do espaço estatal”.
No âmbito desse processo, observam-se as iniciativas no sentido de
regulamentar o tratamento a ser dispensado à questão ambiental que,
progressivamente, emerge e vai se consolidando em meio às reivindicações da
sociedade brasileira. Em 1981, a Lei 6.938 (agosto de 1981) definiu a Política
Nacional de Meio Ambiente – PNMA. Uma comissão formada por 40
representantes dos partidos de oposição e do governo sustentava sua
formulação. As reações contra o PNMA ocorreram logo após a sua aprovação no
72
Congresso Nacional. Enquanto o PNMA tramitava para a aprovação presidencial,
a Confederação Nacional das Industrias encaminhava 13 vetos, dentre eles um
que contestava a legalização dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA.
Apesar desses vetos, o Presidente Figueiredo aprovou o PNMA,
abrindo caminho para a criação, em seguida, do SISNAMA – Sistema Nacional de
Meio Ambiente, que definiu vários níveis de responsabilidade administrativa, o
que significa dizer que a proteção e a conservação do meio ambiente passaram a
ser compartilhadas (da esfera federal à municipal). A partir do SISNAMA foi
criado o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, uma estrutura
superior do SISNAMA, com a atribuição de definir as diretrizes da Política
Nacional de Meio Ambiente, assim como as normas e padrões para a regulação
do uso racional dos recursos naturais. A composição do CONAMA previa a
participação de representantes dos governos federal e estadual e de
representantes de diferentes segmentos sociais.
É importante destacar que a Política Nacional de Meio Ambiente
introduziu novos dispositivos no contexto jurídico que cerca a questão ambiental
no País, tais como a responsabilidade criminal das ações que provocam
degradação no meio ambiente (Lei 7.347 de junho de 1985). Desse modo, ficaram
estabelecidos os mecanismos da Ação Civil Pública de responsabilidade para as
ações que causassem danos ao meio ambiente. Este fato inaugura a participação
pública no processo de tomada de decisão no que tange às diretrizes e políticas
ambientais do País. Com isso, se ampliou, a partir da década seguinte, o papel do
Ministério Público como instância defensora dos interesses da sociedade que,
embora definidos como difusos, remetem às chamadas violências ambientais, a
73
partir daquele momento resguardadas por legislação específica. A consolidação
desse processo ocorreu em 1988, com a inclusão de um capítulo específico sobre
Meio Ambiente na Constituição Federal13. Pode-se sugerir que, durante o regime
autoritário, o CONAMA funcionou como um importante fórum de debate sobre os
aspectos mais relevantes da questão ambiental, papel que foi, progressivamente,
sendo esvaziado face ao processo de democratização da sociedade brasileira e o
conseqüente surgimento de outras instâncias de discussão e participação.
Posteriormente, em 1985, foi criado o Ministério de Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente para onde foi transferida a SEMA, situação que não
alterou a atuação do Estado no âmbito do debate ambiental.
O contexto da Nova República, iniciado no ano seguinte, marcou a
defesa, no que se refere à retórica, da conciliação do crescimento econômico com
uma melhor distribuição de renda. Apesar da criação, pelos governos anteriores,
de instâncias formais de discussão da questão ambiental, estas instâncias
apareciam ocupando um lugar secundário, tanto nos discursos quanto no
planejamento das políticas governamentais.
Desde 1986, pode-se identificar claramente um campo de forças
políticas no qual o meio ambiente apareceu a reboque do desenvolvimento
econômico preocupado com a justiça social – “tudo pelo social”. Desse momento
em diante, os limites do debate político em torno do tema tenderam a se alargar
progressivamente, elevando a problemática ambiental a preocupação de primeira
ordem. Este fato sugere a consolidação da temática como mais um elemento no
13
Alguns aspectos referentes a Constituição Federal de 1988 permaneceram dependentes da regulação ou
de leis específicas. E como a Assembléia Nacional Constituinte não foi apta o suficiente para resolver alguns
desses impasses, a solução adotada foi a definição de leis complementares a serem negociadas com o
Congresso Nacional.
74
jogo de forças políticas, especialmente nos momentos de confrontos e disputas
pelo poder – nas eleições de 1986, a “questão ambiental” foi apresentada como
diferencial político.
É importante destacar que, naquele momento, essa temática
extrapolava a fronteira dos Estados Nacionais, sendo um forte requisito, além de
objeto de pressão, para financiamentos internacionais dos projetos públicos.
Segundo Viola (1987, p. 84), o quadro político era constituído ainda pela posição
conservadora
(...) favorável a bloquear ou retardar ao máximo a
instauração do capitalismo de bem-estar (...), a posição
socialista favorável a uma rápida democratização
socioeconômica através de um significativo avanço na
estatização do sistema produtivo e uma drástica limitação do
mercado como alocador de recursos (...) e na posição
ecologista, favorável a um modelo de desenvolvimento que
combine a democratização socioeconômica com a
preservação ambiental, com ênfase na qualidade de vida e
no consumo coletivo antes que no crescimento apenas
quantitativo e no consumo individual.
Contudo, pode-se também observar que foi a atuação de um conjunto
de atores sociais, portadores de interesses variados, que conduziu o debate sobre
o meio ambiente. Enquanto isso, no âmbito das formulações legais, o Conselho
Nacional de Meio Ambiente regulamentava a obrigatoriedade de elaboração dos
Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e dos Relatórios de Impacto Ambiental
(RIMA) – Resolução 001 de 23 de janeiro de 1986.
Pode-se sugerir que a Resolução CONAMA resultou da luta política
entre os novos líderes políticos chegados a partir da eleição de 1982, e os
remanescentes do regime autoritário, presentes em algumas empresas do
75
Estado, tais como a Eletrobrás e a Petrobrás, e em algumas agencias federais e
estaduais.
Três anos mais tarde, a estrutura institucional do meio ambiente
novamente se modificou com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Renováveis (IBAMA) – Lei 7.735 de fevereiro de 198914 .
Essa modificação repercutiu sobre toda a estrutura até então disponível
para tratar do meio ambiente. O novo instituto abarcou as seguintes instituições: o
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendência de
Desenvolvimento da Borracha no Brasil (SUDHEVEA), a Superintendência de
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e a Secretaria Especial do Meio Ambiente
(SEMA). Em julho do mesmo ano, a Lei 7.804 modificou o Plano Nacional de
Meio Ambiente para ajustá-lo à criação do IBAMA e também à estrutura do
SISNAMA. Com esta alteração, o CONAMA abandonou seu papel de consultor na
formulação da Política Nacional de Meio Ambiente, função que passou a ser
exercida pelo Conselho Superior de Meio Ambiente, instância formada por
representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
representantes do Congresso Nacional e cinco representantes de Organizações
Não Governamentais (ONGs).
Este Conselho foi extinto em março de 1990, quando a estrutura
institucional foi novamente modificada com a reforma realizada pelo governo de
Fernando Collor de Mello. É importante ressaltar que a criação desse Conselho
significou um movimento de deslocamento da discussão sobre a Política Nacional
14
- O momento de criação do IBAMA é marcado por acentuadas pressões externas ao governo federal, face
ao grande número de ocorrências de queimadas na Floresta Amazônica. A primeira resposta a essas
pressões, que ameaçam comprometer os financiamentos internacionais, ocorreu quando o governo lançou o
Projeto Nossa Natureza.
76
de Meio Ambiente do CONAMA, que, nesse momento, era considerado pelo
Governo Federal como inoperante para o novo arranjo institucional. O principal
desdobramento dessa modificação pode ser observado no maior controle da
política nacional de meio ambiente pelo Governo Federal, na qual os Estados não
estavam mais representados.
Algumas mudanças aconteceram neste momento: o ambientalismo
tinha avançado no cenário internacional e ocupava o lugar de destaque na
agenda dos países que integravam o Grupo dos 7 (G-7). Na realidade, a
preocupação com o meio ambiente, já era, nessa ocasião, um importante
diferencial, principalmente quando se buscava financiamentos internacionais. O
governo Collor, com o objetivo de ganhar a confiança da opinião pública
internacional e garantir seu programa econômico liberal e internacionalizante,
privilegiou a proteção ambiental em seus discursos. Além disso, a realização da
UNCAD–92 no Brasil contribuiu para intensificar as políticas ambientais locais.15
Foram tomadas, nesse momento, algumas decisões importantes com relação à
Amazônia, tais como a suspensão do programa de ferro gusa da Amazônia
Oriental, a criação dos programas de monitoramento e fiscalização do
desmatamento, a prorrogação da suspensão dos subsídios e incentivos fiscais
para a agropecuária e os projetos de macro–zoneamento ecológico e econômico.
No final de 1990, o governo fortaleceu sua imagem ao anunciar que,
com relação ao ano anterior, as queimadas no início da estação das secas tinham
diminuído em 50%. Outras medidas contribuíram para essa imagem positiva: o
15
- A Rio – 92 foi um acontecimento que repercutiu de forma positiva tanto na sociedade como no Estado
brasileiro, e, de certa forma, a despeito dos inúmeros questionamentos que suscitou, contribuiu para
consolidar a questão ambiental como referência para diversos segmentos sociais.
77
fim do programa nuclear dos militares na Serra do Cachimbo e a adesão do Brasil
à política de não-proliferação nuclear.16 Segundo Viola (1994, p.9) , “o presidente
Collor torna-se por alguns meses um homem
confiável para o establishment
ocidental, capital que deteriora-se rapidamente em janeiro de 1991, quando o
Brasil não assume uma atitude militante na coalizão anti-iraquiana”.
A outra face desse processo pode ser observada no fato de que o
discurso em prol do meio ambiente não se fez acompanhar da reorientação
orçamentária no sentido de favorecer políticas de preservação ambiental, embora
algumas iniciativas tenham ocorrido.17
A queda do governo Collor mais uma vez modificou, no contexto das
políticas governamentais, o lugar da questão ambiental. Apesar do governo
seguinte (Itamar Franco) criar o Ministério do Meio Ambiente, a questão
ambiental, em face da necessidade de recuperar a governabilidade do Estado e
da sociedade, tornou-se demanda secundária. Na realidade, o apelo discursivo do
meio ambiente foi, ao longo dos anos, traduzido em uma legislação considerada
avançada e em políticas governamentais que, na maioria as vezes, se situaram
entre a retórica e a regulamentação, estabelecendo, de um lado, um sistema de
proteção ao meio ambiente, mas de outro, com dificuldades para fazer cumprir
uma parcela significativa desta legislação.
2.3
16
Movimentos Sociais: Comentários Gerais
-Esta adesão inclui um acordo de inspeção mútua com a Argentina que põe fim à corrida nuclear na
América do Sul.
17
Projetos de conversão da dívida externa em conservação da natureza no limite de 100 milhões de dólares
(Ministro da Economia Marques Moreira); projetos de despoluição (Rio Tietê, Baía de Guanabara, Rio Guaíba
etc.) ; demarcação da Reserva Indígena dos Yanomanis, dentre outros.
78
Conforme já mencionado, a partir de meados da década de 70,
observa-se a emergência dos Movimentos Sociais, compreendidos como
(...)as formas de mobilização e organização inscritas, como
elos ativos, entre os processos de reprodução social e a
esfera pública. Desta maneira, os movimentos sociais
possuem (...) uma dupla e indispensável existência que os
articula tanto aos processos de construção do tecido social
quanto, simultaneamente, ao campo dos conflitos políticos.
(Ribeiro, 1991)
Inúmeros estudos dedicaram-se à análise desse processo. Não é
nosso objetivo inventariá-los, mas sim, destacar a importância desses novos
sujeitos sociais que contribuíram de forma significativa na formulação de novas
bases para o exercício da política. Dentre as muitas contribuições dos
movimentos sociais para o processo de redemocratização da sociedade
brasileira, destaca-se a tradução de problemas da vida cotidiana em questões
políticas. Esses movimentos atualizaram antigas questões, dentre elas a
contradição decorrente do conflito de classes e privilegiaram o domínio das
relações sociais no cotidiano, como instrumento do exercício da política. Na
realidade, politizaram seu cotidiano através da luta para a satisfação de suas
necessidades básicas de sobrevivência (habitação, saúde, acesso à terra, lazer,
saneamento etc.) e do privilegiamento de relações sociais tidas como primárias
(relações de vizinhança, étnicas, de valores, sexistas etc.).
Com relação à importância dos movimentos sociais para as políticas
governamentais, tem-se que a partir de seu surgimento, impôs-se ao
planejamento dessas políticas a necessidade de contemplar a dimensão local,
fazendo com que as atenções passassem também a se concentrar nos
microespaços constituídos não apenas em função de limites territoriais,
mas,
79
principalmente, a partir de um conjunto de relações sociais que lhes confere
identidade coletiva. Na realidade, o privilegiamento da dimensão local trouxe para
a cena política aspectos da vida social até então não considerados como
políticos, ao mesmo tempo em que revelou que o Estado, ou melhor, cada
agência concreta do aparelho de governo estava presente no cotidiano das
pessoas de maneira quase física. Dessa forma, a política surgiu com toda clareza
sob os diferentes tipos de tensão e de controle, e as agências governamentais,
seus membros e os políticos passaram a ter de se relacionar diretamente com a
população.
No caso do Setor Elétrico, esse processo fica muito claro quando se
observa os movimentos surgidos na resistência pontual a empreendimentos
específicos. Inúmeros movimentos veicularam lutas contra a construção de
barragens em diversos pontos do País, sendo a Comissão Regional dos
Atingidos por Barragens no Alto Uruguai o exemplo mais expressivo dentre esses
movimentos, tornando-se um importante interlocutor do Setor Elétrico no processo
de discussão da questão ambiental no âmbito de suas políticas.
Os limites da proposta de investigação desta tese impedem o
detalhamento da intensidade e das formas pelas quais os movimentos de
resistência aos empreendimentos do setor elétrico têm-se organizado; inúmeros
estudos tratam desta temática. Interessa às reflexões aqui apresentadas apreciar
como acontece a interlocução entre o setor elétrico e esses sujeitos sociais,
observando as relações de confronto e de aliança.
80
CAPÍTULO 3
SETOR ELÉTRICO : UNIDADE X DIVERSIDADE
NA COMPOSIÇÃO DE UM TEMA
Apresentação
Este capítulo apresenta a organização do Setor Elétrico brasileiro, com
destaque para as mudanças ocorridas em sua estrutura institucional a partir da
necessidade de atender as questões ambientais e se inserir no debate sobre o
tema. Além disso, em sua primeira parte, apresenta um breve resgate da história
do Setor, de modo a se poder compreender sua constituição como rede de
interesses e relações sociais.
3.1 O Setor Elétrico Brasileiro: Antecedentes Históricos
Até 1930, a ação governamental, com relação aos serviços de energia
elétrica, ocorria de maneira bastante pontual e desordenada. Na realidade, esses
serviços eram organizados de forma local e estavam sob a responsabilidade de
concessionárias privadas, a maioria de origem multinacional. Os grupos American
& Foreign Power Company – Amforp (norte-americano) e Brazilian Traction, Light
and Power – Light (canadense), exemplificam essa situação.
A Light iniciou suas atividades em São Paulo em outubro de 1899,
estendendo-as até o Rio de Janeiro seis anos mais tarde (maio de 1905).
Controlada por um grupo canadense, a Light, em apenas dois anos (1899 a
1901), construiu sua primeira usina hidrelétrica, a Usina Edgard de Souza , no rio
Tietê e, em 1908, a UHE Fontes, no Rio de Janeiro. A partir de então, a empresa
81
construiu várias usinas hidrelétricas entre os estados de São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Com relação à Amforp, esta empresa, controlada pelo
grupo
norte-americano
Electric
Bond
and
Share
Company
(EBASCO),
estabeleceu-se no interior de São Paulo em 1924. Adquiriu, mais tarde, várias
concessionárias que se encontravam em situação financeira difícil, consolidando
sua atuação em uma única empresa: a Companhia Paulista de Força e Luz.
Segundo Mielnik (1988, p: 19),
a mesma estratégia foi utilizada na implantação dos
interesses da EBASCO em outros Estados do Brasil,
integrando-se o conjunto em uma empresa de supervisão e
de administração denominada
Empresas
Elétricas
Brasileiras (atual CAEEB) que atingia, em 1927,
concessionárias nas principais cidades do pais, à exceção
de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A estruturação da produção e a distribuição de energia elétrica no País,
nos termos acima comentados, ocorreram progressivamente, no âmbito da
iniciativa privada, sendo alteradas para uma estrutura institucional, onde a
presença do Estado seria determinante. O primeiro momento de aproximação
entre a iniciativa privada e o Estado ocorreu na criação da Comissão da Indústria
de Material Elétrico (CIME), entre agosto de 1944 e agosto de 1946, e seu
principal desdobramento pode ser apreciado em um relatório que recomendava a
formação de uma indústria local de equipamentos elétricos. Dessa indústria
deveriam participar as empresas Westinghouse e S. Morgan Smith. Contudo,
essas recomendações só começaram a se concretizar durante a década de 50,
com a instalação das empresas estaduais financiadas por recursos federais,
responsáveis pela ampliação da capacidade instalada. Em contrapartida, as
empresas privadas tomaram para si a atribuição da distribuição de energia. O
82
período de transição para esse compromisso foi extenso e corresponde ao
período entre a proposta de criação da Eletrobrás (enviada ao Congresso
Nacional em 1954) e sua constituição como empresa (junho de 1962).
Desde os primórdios, a presença da iniciativa privada provocou
algumas resistências. Em dezembro de 1907, quando foi encaminhado à Câmara
dos Deputados o primeiro “Projeto de Código de Águas”, já se podia percebê-las.
Este projeto manteve-se enquanto tal até a criação do Código de Águas, em
1934, que foi aprovado a partir do decreto do Governo Provisório de Getúlio
Vargas, instaurado após o movimento conhecido como Revolução de 30. O
Código de Águas incorporou as quedas d’água ao patrimônio da União (art. 147),
devendo o seu aproveitamento industrial ser submetido à concessão por parte do
Governo Federal (art. 139). Além disso, o referido Código foi fonte de radical
conflito com a iniciativa privada ao definir que as tarefas das empresas seriam
estabelecidas na base de serviços prestados pelo preço de custo (art. 180), e que
o capital das empresas seria avaliado com base no custo histórico (art.180).
O Código de Águas, ao impor o custo histórico18 como referencia para
a avaliação do capital das empresas, tinha como alvo a contabilidade das
concessionárias. Essa foi a primeira iniciativa no sentido de ordenar e
regulamentar o aproveitamento de recursos hídricos no País. O Código de Águas
expressava a aproximação entre a iniciativa privada e o Estado, ao definir regras
para as concessões, que só seriam possíveis às empresas brasileiras ou
organizadas no Brasil, mantendo os direitos já adquiridos (art. 195).
83
Ainda em 1934, a Assembléia Constituinte aprovou um texto
constitucional que definia como domínio da União as riquezas do subsolo e das
quedas d’água que, até esse momento, estavam vinculadas à propriedade da
terra, no caso dos recursos minerais, e ao Estado, no caso dos rios. É importante
destacar que a efetivação do Código de Águas ficou dependente de
regulamentações durante cerca de 11 anos, apesar da existência de um
organismo especifico, o Serviço de Águas, posteriormente transformado em
Divisão de Águas. Na realidade, sua efetivação ocorreu apenas em 1945, depois
de um significativo período de retração dos investimentos das concessionárias
estrangeiras, e em decorrência do surgimento de um conjunto de problemas de
racionamento devido à elevação do consumo de energia elétrica. Segundo Lima
(1995), nesse contexto, a concepção do Código de Águas pode ser compreendida
mais como um paradigma a ser seguido na ausência de um modelo para o
tratamento
da
questão,
do
que
como
um
elemento
estruturador
do
desenvolvimento setorial.
Entre a criação do Código de Águas e sua efetivação, em 1939, foi
criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica – CNAEE. Esse
Conselho, vinculado à Presidência da República, era responsável pela
normatização e fiscalização dos serviços públicos de energia elétrica.
É interessante destacar que o controle efetuado pelo poder público
inibia os investidores privados em energia elétrica, tornando o setor incapaz de
atender à demanda provocada pelo crescimento industrial, principalmente durante
"Era Vargas". Neste contexto, foi criada pelo CNAEE a Comissão de
18
- O custo histórico correspondia ao custo original das instalações, menos a depreciação do capital. A
iniciativa privada desconhecia esse custo e considerava apenas o custo da reprodução ou de substituição,
84
Racionamento de Energia Elétrica, com o objetivo de conter o consumo, enquanto
vários consumidores instalavam sistemas de autoprodução, aumentando o
número de usinas geradoras privadas.
Em 1946, a Constituição instituiu o Imposto Único Sobre Energia
Elétrica - IUEE, o qual destinava 40% ao Banco de Desenvolvimento Econômico BNDE, para financiamento de projetos urgentes, enquanto que 60% eram
destinados aos Estados e Municípios, objetivando a melhoria do setor19.
Posteriormente, em 1953, o Congresso discutiria a lei que regulamentaria a
distribuição do IUEE entre as unidades da federação, objetivando, desse modo, o
repasse de recursos para as regiões menos desenvolvidas. O conflito de
interesses emergentes terminou por provocar a reação do Governo que editou o
Decreto 40.007, de 20.07.1956, estabelecendo 40% do IUEE para a União, 50%
para os Estados e Distrito Federal e 10% para os Municípios. Critérios adotados:
população - 50%, consumo de eletricidade - 45%, área territorial - 4% e geração
de eletricidade - 1%.
Na realidade, pode-se destacar que foi no contexto nacionalista,
inspirador do primeiro período do governo de Getúlio Vargas, que, em oposição à
acentuada expansão que vinham tendo as companhias estrangeiras, surge o
argumento que associa energia elétrica aos interesses nacionais. À guisa de
ilustração tem-se, por exemplo, que em 1931, o Presidente Getúlio Vargas
manifestaria seu pensamento sobre a exploração dos recursos naturais nos
seguintes termos:
este referente ao valor das instalações a serem montadas no momento da avaliação.
19
Esse imposto só teve aprovação em 1954, juntamente com o Fundo Federal de Eletricidade - FFE.
85
(...) não sou exclusivista nem cometeria erro de aconselhar o
repúdio do capital estrangeiro (...) mas quando se trata da
indústria de ferro (...); do aproveitamento das quedas d’água,
transformadas em energia que nos ilumina e alimenta as
indústrias de guerra e de paz; (...) da exploração de serviços
(...) de maneira tão íntima ligados ao amplo e complexo
problema de defesa nacional, não podemos aliená-los,
concedendo-os a estranhos, e cumpre-nos previdentemente
manter sobre eles o direito de propriedade e domínio. (Lima,
1995, p. 21)
A Constituição de 1934 atendeu aos anseios nacionalistas ao transferir
para a União o poder concedente sobre esses recursos, prevendo com isso a
“nacionalização progressiva dos recursos naturais essenciais à defesa econômica
e militar do país” (Lima, 1995, p. 25) e restringindo também as concessões para
brasileiros e para empresas organizadas no Brasil. Esta situação agravou-se
posteriormente com a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a interrupção
das importações, o que repercutiu de forma significativa no processo de expansão
dos serviços elétricos, e impôs novos parâmetros à convivência entre Estado e
setor privado. Segundo Mielnik (1988), o consumo de energia elétrica tinha
crescido 179%, enquanto que a capacidade instalada era de apenas 18%.
Durante a gestão do Presidente Dutra, esse cenário pouco se
modificou, apesar da criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco –
CHESF -, que tinha como objetivo implementar o aproveitamento do rio São
Francisco e, principalmente, a construção e operação da Usina Hidrelétrica de
Paulo Afonso.
Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência (1950), o projeto de
institucionalização/estatização do setor elétrico foi revigorado. O primeiro sinal de
sua concretização pode ser observado na constituição das empresas públicas
estaduais, tais como a CEMIG (Minas Gerais), a USELPA (São Paulo) e a CEEE
86
(Rio Grande do Sul), e na proposta de criação da Centrais Elétricas Brasileiras –
ELETROBRÁS -, uma empresa de economia mista. Essa proposta foi
encaminhada ao Congresso Nacional através do Projeto de Lei 4.280, juntamente
com um Plano Nacional de Eletrificação (Projeto 4.277/54), que tinha como
objetivos a interconexão dos sistemas elétricos existentes no País, a
centralização do planejamento da estrutura do setor e a mobilização, sob a
coordenação do Governo Federal, dos recursos financeiros externos para a
expansão do setor elétrico.
Apesar de proposta em 1954, a criação da Eletrobrás permaneceu sem
definição durante todo o governo de Juscelino Kubitschek. Nesse período, todos
os investimentos brasileiros na área de energia elétrica foram coordenados e
gerenciados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE que
tinha sido criado (1952) com o objetivo de incrementar a industrialização do País.
O projeto de criação da Eletrobrás integrava um modelo centrado em uma
significativa intervenção do Estado no sentido de regular, planejar e organizar
para investir, construir e operar os serviços de energia elétrica. Além disso, sua
criação estava intimamente associada à expansão da indústria de equipamentos
elétricos. Historicamente, pode-se observar dois momentos distintos: o primeiro,
correspondente ao período Vargas, quando o setor elétrico era tido como
instância importante para o desenvolvimento nacional. Em sua Mensagem ao
Congresso Nacional, o Presidente Getúlio Vargas (1951) afirmava que os
investimentos no setor elétrico propiciariam a troca da “civilização à lenha” por um
novo modelo de matriz energética, no qual “a oferta de energia deve preceder e
estimular a demanda”. O segundo, referente ao Governo JK que privilegiava a
entrada maciça do capital estrangeiro, afinado que estava com o processo de
87
internacionalização da economia que se acentuava em todo o mundo no pósguerra e, com isso, restringia o papel da empresa pública em prol do incremento
da indústria de base no País. (Lima, 1995: 68).
Nesse momento, 73% do orçamento previsto no Plano de Metas era
destinado aos investimentos nas áreas de infra-estrutura, energia e transporte.
Desse montante, 24% do orçamento global estava direcionado para o setor de
energia elétrica e estava concentrado em um pequeno número de projetos, dentre
os quais destaca-se a Usina Hidrelétrica de Furnas, voltada para o suprimento de
energia dos principais centros consumidores da Região Sudeste. Alem disso, é do
período JK a criação do Ministério de Minas e Energia (1960) e de algumas
empresas estaduais: COPEL (Paraná), CEMAR (Maranhão), COELBA ( Bahia) e
CEAL (Alagoas) e a Central Elétrica de Furnas (1957) que, embora inicialmente
contasse com a participação acionária restrita da União, progressivamente foi
sendo contratada pelo Estado.
Como se pode notar, as políticas energéticas do período entre 1956 e
1961, desenvolvidas sob orientação do Plano de Metas do Governo JK,
envolveram intensamente os governos estaduais, através da criação de inúmeras
empresas públicas estaduais. Contudo, os principais marcos desse momento
foram a reordenação institucional do setor e a consolidação da política de
intervencionismo, com a criação, em julho de 1960, do Ministério de Minas e
Energia. .
Em 1962, quando a Eletrobrás foi finalmente constituída, o Setor
Elétrico brasileiro já se encontrava sob a responsabilidade da empresa pública
que, em decorrência da orientação tomada durante o governo JK, desfrutava
88
nesse momento de uma autonomia significativa em relação ao Congresso
Nacional e à administração centralizada. Desse modo, a Eletrobrás foi definida
legalmente como uma empresa de economia mista, com a responsabilidade de
executar a política de energia elétrica. Dentre suas atribuições, destaca-se a
formulação de diretrizes para o Setor Elétrico brasileiro, em consonância com a
política governamental para o setor e a coordenação do planejamento das
atividades de expansão e operação, incluindo a negociação dos financiamentos.
No artigo 2 da lei de criação da Eletrobrás, está definido que a empresa terá como
encargo fundamental a execução dos empreendimentos federais, no caso de a
iniciativa privada não os realizar com a ajuda fixada em lei.
Além disso, a atuação da Eletrobrás estendia-se ao campo da
produção cientifica e tecnológica necessárias ao desenvolvimento do setor. Esta
atividade desenvolvia-se através da participação das universidades, de empresas
de engenharia (consultorias) e da criação do Centro de Pesquisa em Engenharia
Elétrica – CEPEL, constituído como centro de referência para as pesquisas do
setor elétrico.
Pode-se sugerir que a criação da Eletrobrás concretizou a integração
entre a iniciativa privada e o Estado no âmbito da institucionalização do Setor
Elétrico brasileiro, situação que vinha-se consolidando desde a criação do
Ministério de Minas e Energia, em 1960, responsável pela política energética do
País.
A partir de 1964, com o regime militar, o fortalecimento da empresa
pública passou a ser um dos instrumentos do projeto de desenvolvimento
nacional. Segundo Lima (1995), essa perspectiva consolidava a estratégia de
89
vinculação entre projeto e empresa, situação que já vinha ocorrendo - a
vinculação da CHESF com a Hidrelétrica de Paulo Afonso e da Central Elétricas
Furnas com a Hidrelétrica de mesmo nome, são exemplos dessa situação. Essa
estratégia conferia autonomia às empresas e seus projetos, o que tendia a reduzir
a priori as possíveis interferências político partidárias e a desvinculá-las de uma
administração orientada pela política energética que se pretendia implementar
através da Eletrobrás. No ano seguinte (1965), observa-se a transformação da
Divisão de Águas do Departamento de Produção Mineral (DNPM) no
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), estabelecido como
poder concedente para o Setor.
Em 1967, uma reforma administrativa (Decreto-Lei 200) no setor
público contribuiu para consolidar as funções empresariais do Estado, ao mesmo
tempo em que propôs, para as empresas públicas, uma racionalidade
empresarial,
vinculando
suas
atividades
aos
interesses
do
Estado.
Simultaneamente à reforma fiscal ocorrida no ano anterior (1966), a qual deu uma
maior elasticidade à política orçamentária, e juntamente com o processo de
revisão das tarifas de energia elétrica, foram criadas, nesse período, as condições
favoráveis à expansão do Setor Elétrico, o que repercutiu de forma intensa na
engenharia nacional, face aos inúmeros projetos que foram implantados a partir
daí. O último evento a encerrar a década de 60, foi a criação da Centrais Elétricas
do Sul – Eletrosul, em 1968.
A estrutura da Eletrobrás contaria, então, com a participação de um
conjunto de empresas de geração de eletricidade, apresentadas a seguir:
90
a Empresas Concessionárias Federais 20
•
Centrais Elétricas do Norte – ELETRONORTE - responsável pelos Estados
da Região Norte, e pelos Estados do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso;
•
Centrais Hidrelétricas do São Francisco - CHESF - responsável pela
Região Nordeste, com exceção do Estado do Maranhão;
•
Centrais Elétricas de Furnas – FURNAS – responsável pela Região
Sudeste, pelo Estado de Goiás e pelo Distrito Federal (Brasília);
•
Centrais Elétricas do Sul – ELETROSUL- responsável pela Região Sul e
pelo Estado de Mato Grosso do Sul.
a Concessionárias Estaduais
•
Companhia Energética de São Paulo – CESP;
•
Centrais Elétricas de Minas Gerais – CEMIG;
•
Centrais Paranaense de Eletricidade – COPEL;
•
Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE (estado do Rio Grande
do Sul).
Complementando, tem-se ainda a empresa Itaipu Binacional, na qual a
Eletrobrás possui uma participação de 50%, sendo que a outra metade pertence
ao Paraguai.
Além da geração de energia elétrica, o setor dispõe de dois
importantes sistemas de transmissão: o sistema Sul, Sudeste e Centro-Oeste,
responsáveis pelo suprimento dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do
20
É importante destacar que apenas as Empresas Concessionárias Federais e a Eletrobrás são objeto dos
estudos realizados para a elaboração desta tese.
91
Sul e Santa Catarina, que atende cerca de 80% dos consumidores de todo o País,
e o sistema Norte–Nordeste que atende aos Estados da Bahia, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e
Tocantins, correspondendo a 23% dos consumidores de todo País.
O início da década seguinte seria marcado pela busca de alternativas
energéticas que substituíssem o petróleo importado. O conjunto de iniciativas,
nesse sentido, ocorreu afinado com as premissas e diretrizes da Doutrina de
Segurança Nacional, especialmente na articulação de empreendimentos que
dessem suporte às estratégias geopolíticas de expansão da fronteira amazônica.
Em um breve parênteses, tem-se que a primeira crise do petróleo
(1973) impôs algumas restrições para a economia nacional que foram
imediatamente sentidas pelo setor elétrico, o qual experimentava a intensificação
de sua expansão e a multiplicação do número de seus empreendimentos. A
construção das Hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí
são representativas dessa
época, sendo esta ultima objeto da criação da Centrais Elétricas do Norte –
Eletronorte (1973). No que se refere à criação da Eletronorte, destaca-se que a
opção de construir a Usina Hidrelétrica de Tucuruí estava afinada com o projeto
de expansão da fronteira amazônica.
Na realidade, pode-se indicar que, mais uma vez, a criação de uma
empresa subsidiária da Eletrobrás ocorreu nos termos da estratégia anteriormente
mencionada, de vinculação entre projeto e empresa. Este fato repercutiu de forma
significativa na construção do conjunto de representações dos técnicos do setor
elétrico sobre a dinâmica institucional e o processo de emergência da questão
92
ambiental em seu interior – são recorrentes os depoimentos que identificam e
classificam as experiências do setor segundo seus projetos/empreendimentos.
A crise econômica agravou-se nos anos oitenta, quando ocorreu a
súbita elevação das taxas de juros no mercado internacional, o que redirecionou o
projeto geopolítico que, para manter o crescimento econômico, passou a
privilegiar as exportações mediante a atração de investimentos externos e a
expansão e transnacionalização de empresas estatais. A política regional
executada pelas agências burocráticas convencionais foi substituída pela
implantação de grandes projetos de exploração mineral, com gigantescos
investimentos sob a forma de joint ventures entre empresas estatais e
multinacionais, ou geridos por uma delas.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel
estabeleceu, nesse momento, as condições de expansão do setor elétrico,
definindo como estratégia a obtenção de recursos internacionais. Essa forma de
financiamento, além de propiciar o acelerado endividamento externo do País,
contribuiu para agravar a situação, devido à acentuada crise financeira mundial
ocorrida na década seguinte, em decorrência da segunda crise do petróleo
(1979).
É interessante destacar que apesar do contexto adverso, o Setor
Elétrico brasileiro acelerou, entre os anos 1981/82, a captação de recursos
externos, tanto para rolar a dívida, como também para atender às determinações
dos grandes projetos ainda em andamento. Na realidade, apenas a partir de
1982, com a Moratória decretada pelo México, é que os mecanismos de captação
de recursos externos se esgotaram. Mesmo assim, o setor manteve suas taxas de
93
investimentos em níveis altos até 1984. Para isso, recorreu à estratégia de
oferecimento de descontos significativos em relação à tarifa normal, e de incentivo
à ampliação do consumo de energia junto aos consumidores interessados na
substituição de derivados de petróleo. Esses descontos foram possíveis devido às
elevadas margens de capacidade ociosa nos sistemas elétricos em decorrência
da crise geral, e de uma superestimação do mercado. A profunda defasagem
tarifária dos serviços de energia elétrica que, desde os anos 70, estavam
atreladas às políticas governamentais de tentativas de controle da inflação,
contribuiu para restringir as possibilidades de auto-financiamento.
Nesse contexto, a Eletrobrás, que tinha sido criada com o objetivo de
planejar e coordenar a preparação dos planos nacionais para o Setor Elétrico
brasileiro, e também de gerenciar os instrumentos de financiamento para a
implementação desses planos, atuou em consonância com os parâmetros
definidos pelo regime autoritário, nos quais predominava a centralização da
tomada de decisão. Sob a égide do autoritarismo, o Plano de 1990 foi elaborado
(1974) seguindo as diretrizes definidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento.
Os objetivos e metas deste Plano estavam voltados para as Regiões Sul, Sudeste
e Centro-Oeste, e nele foram definidas a construção da Hidrelétrica de Itaipu, a
política de implementação do Programa Nuclear Brasileiro, concretizado em 1975,
e o inventário do potencial hidrelétrico da região amazônica.
É interessante destacar que os Planos concebidos nesse momento
refletiam a modalidade de tomada de decisão típica do regime autoritário, onde
todas as diretrizes e metas, ignoravam os fatores sócio ambientais, por exemplo.
No Plano 1990, o potencial hidrelétrico foi subestimado de modo a justificar a
94
proposta de energia nuclear. Este Plano foi revisado em 1978, dando lugar ao
Plano 1995, preparado para atender ao período entre 1979 e 1995, que
acrescentou poucas modificações ao anterior. A principal alteração apresentada
refere-se ao potencial hidrelétrico das Regiões Norte e Nordeste e também à
possibilidade de interligação aos sistemas regionais de transmissão de energia
elétrica.
O Plano seguinte preparado pela Eletrobrás, foi o Plano 2000,
formulado em 1982, para atender ao período entre este ano e o ano 2000. A
novidade mais marcante desse Plano foi a introdução de referencias nas
questões econômicas, sociais e políticas e institucionais e a constituição do Grupo
Coordenador de Planejamento dos Sistemas Elétricos – GCPS. Este grupo,
criado em novembro de 1982, era coordenado pela Eletrobrás e integrado por
representantes das 34 concessionárias (federais e estaduais) do Sistema Elétrico
Brasileiro e do DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica.
O GCPS tinha a função de integrar ao planejamento da Eletrobrás a
visão das diferentes concessionárias, de modo a buscar uma definição política
para o setor, o que, de certo modo, daria legitimidade institucional ao processo de
planejamento do Setor Elétrico brasileiro, coordenado pela Eletrobrás. Pode-se
sugerir que com a formulação, em 1982, do Plano 2000, encerrou-se um
momento especifico da história do planejamento do Setor Elétrico Brasileiro,
marcado pela ausência de referencias à questão ambiental.
Em 1995, foi criado pela Portaria Interministerial no. 1877, de 30 de
dezembro, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, objetivando
a racionalização do uso de energia elétrica e, no mesmo ano, foi sancionada a Lei
95
no. 8.987/95, denominada de "Lei das Concessões" que além de criar condições
para maior participação de capitais privados, introduziu a competição na
construção de novos projetos, mediante a regulamentação do regime de licitação
das
concessões,
outorgadas
anteriormente
somente
às
concessionárias
estaduais ou federais. A Lei no. 9.074/95 estabeleceu as bases legais para que os
grandes consumidores de energia pudessem comprar energia livremente. Antes,
a aquisição era feita, obrigatoriamente, da empresa geradora da região.
No ano seguinte, através da Lei no. 9.427/96, foi criada, como órgão
regulador, a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. A ANEEL iniciou
uma nova etapa do Setor Elétrico brasileiro, sendo complementada pela Lei no.
9.648/98 que definiu o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS. Além
disso, tendo em vista garantir que o sistema elétrico funcionasse efetivamente em
regime competitivo, foi criado o MAE - Mercado Atacadista de Energia.
È importante notar que essa normatização do Setor Elétrico brasileiro
também estabeleceu limites à concentração de mercado, destacando os
interesses dos usuários e consumidores como uma das preocupações básicas da
nova estrutura regulatória e, com isso, buscando viabilizar sua expansão por
intermédio de capitais privados. Nessa mesma época, foi criado o Decreto no.
2.003/96, que regulamentou a figura do Produtor Independente de Energia - PIE,
peça chave no novo sistema, além de autorizar a venda da produção excedente
do autoprodutor.
Segundo o Plano Decenal de Expansão 2000/2009 (Eletrobrás),
o
planejamento da expansão do sistema elétrico nacional, considerando as
características do Sistema Elétrico brasileiro, destaca:
96
Organização institucional complexa, em função das dimensões do
País, das diferenças regionais e da necessidade de participação de diversos
agentes públicos e privados, de forma direta e indireta, nas atividades
relacionadas com o suprimento de energia elétrica;
Grande penetração dos serviços de energia elétrica, de modo a
atender mais de 90% dos domicílios do País, constituindo-se assim no serviço
público de mais ampla difusão. Além do nível de atendimento ser alto, a
qualidade e a confiabilidade apresentam padrões elevados, apesar de tarifas
menores do que as praticadas em outros países, particularmente nos mais
industrializados;
Alto crescimento do consumo de energia elétrica que vem
apresentando taxas superiores às da economia. As relações entre o mercado
de energia elétrica, o consumo global de energia, o crescimento econômico e
a política industrial são complexas, em função do processo e do estágio de
desenvolvimento econômico do Brasil, obrigando o Setor Elétrico a formular
metodologias próprias para avaliar a evolução do seu mercado;
A predominância hidrelétrica, com usinas de grandes reservatórios
de regularização plurianual. Apesar da existência de um grande potencial
hidrelétrico a ser aproveitado, capaz de suprir o País por mais de duas
décadas, justifica-se estrategicamente planejar um programa termelétrico de
transição para a época em que o potencial hidrelétrico for ficando menos
competitivo, pelo custo das usinas ou por sua distância em relação aos
mercados. Esse programa térmico exige um planejamento adequado, cujo
objetivo é preparar o País para administrar, no futuro, a implantação de um
97
programa de novas fontes de geração, onde a contribuição termelétrica será
crescente. Isso exige o desenvolvimento de metodologias e, principalmente, a
capacitação da engenharia e da indústria nacional de modo a propiciar uma
expansão termelétrica econômica e ambientalmente viável;
Grandes distâncias das usinas dos principais centros de consumo e
conexões inter-regionais motivadas pela diversidade hidrológica entre bacias
hidrográficas, ensejando grande economia na expansão e na operação dos
sistemas, com importantes reduções de custo para o consumidor. Os níveis de
tensão das linhas têm sido crescentes, exigindo o domínio das tecnologias
correspondentes e incentivando a pesquisa aplicada e o desenvolvimento de
equipamentos apropriados.
A predominância da geração hidráulica, com reservatórios de
regularização plurianual e pertencentes a diferentes empresas, resulta da
necessidade de ações integradas, visando à otimização eletroenergética do
sistema, ao aumento da eficiência e à obtenção do custo mínimo no fornecimento
da energia elétrica.
Na busca de alternativas para o desenvolvimento, geração e
atendimento energético, além da utilização do gás natural, o Programa Nacional
de Pequenas Centrais Elétricas (PNCE), ação liderada e operacionalizada pela
Eletrobrás com a colaboração de outros Ministérios e da ANEEL, visa incentivar e
facilitar a construção de Pequenas Centrais Elétricas em todo território nacional.
Neste programa, destacam-se as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH´s) que
representam uma importante alternativa de produção de energia renovável de uso
98
localizado, promovendo a ampliação da oferta de energia elétrica em áreas
isoladas e em pequenos centros agrícolas e industriais.
A legislação atual sobre concessões, permissões e autorizações de
serviços públicos, criou facilidades para a implantação de centrais hidrelétricas de
até 30 MW. Os Sistemas Isolados, que correspondem hoje a mais de 330
localidades eletricamente isoladas umas das outras, dependendo de sua situação
geográfica, representam uma excelente oportunidade para a implantação de
PCH´s, em substituição aos sistemas térmicos obsoletos e ineficientes e de alto
custo operacional. Estas unidades estão localizadas, em sua grande maioria
(88%), na Região Norte do País, em uma área que representa 45% do território
nacional e onde se verifica a isenção de pagamento da taxa de utilização de
recursos hídricos (6% sobre o valor da energia elétrica produzida), possuindo uma
baixa densidade demográfica.
É importante destacar que, recentemente, foram introduzidas algumas
modificações na legislação sobre as PCH´s:
•
Os empreendimentos de potência igual ou inferior a 1MW têm dispensa de
concessão, permissão ou autorização;
•
A autorização da ANEEL é necessária apenas para:
- aproveitamento do potencial hidráulico com valor superior a 1 MW e
igual ou inferior a 30 MW, destinado à produção independente ou
autoprodução, mantidas as características da PCH (Resolução ANEEL nº
394/98 );
99
- comercialização eventual e temporária pelo autoprodutor de seus
excedentes de energia elétrica.
•
A possibilidade de comercializar a energia elétrica com consumidores cuja
carga seja maior ou igual a 500kW;
•
A possibilidade de formação de consórcio para exploração de novos
aproveitamentos;
•
As PCH´s que entrarem em operação até o ano 2003 ficarão totalmente
isentas do pagamento pelo uso de redes de transmissão e distribuição. As
demais terão um desconto mínimo de 50% desses custos;
•
A
PCH que venha a ser implantada em sistema elétrico isolado, em
substituição à geração termelétrica que utilize derivado de petróleo, terá
direito de usufruir da sistemática de rateio da conta de consumo de
combustíveis, por 72 meses a partir da implantação, e obedecendo as
diretrizes da Resolução nº 245 da ANEEL.
É interessante destacar que o advento da figura do produtor
independente, em detrimento da figura do serviço publico, cria uma situação na
qual o território, embora possa ser desapropriado para interesse público (utilidade
pública), é apropriado pela iniciativa privada.
3.2
Meio Ambiente e Setor Elétrico Brasileiro – Mudanças na Estrutura
Institucional
A partir da segunda metade da década de 80, quando o meio ambiente
começou a ser referência para o planejamento das políticas públicas,
observaram-se algumas alterações na estrutura institucional do Setor Elétrico.
100
Dentre elas, destacou-se a criação, pela Eletrobrás, em 1986, do Conselho
Consultivo de Meio Ambiente21 - CCMA - e a edição de dois documentos: o
Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos (junho/1986) e
o Plano Diretor para a Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor
Elétrico (1986).
Posteriormente, em 1987, dando continuidade a essa tendência, foi
criada, no Departamento de Estudos Elétricos, a divisão de Meio Ambiente,
posteriormente transformada em Departamento de Meio Ambiente, com a
responsabilidade de definir diretrizes e metodologias capazes de orientar o
planejamento das políticas ambientais do Setor Elétrico. No ano seguinte, o
Ministério de Minas e Energia criou o COMASE - Comitê Coordenador das
Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico -, instância deliberativa da qual
participavam a Eletrobrás, o DNAEE - Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica - e representantes das empresas concessionárias federais e
estaduais.
Alguns outros documentos foram produzidos nos anos seguintes, são
eles: o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010 (1987), o Plano Diretor de
Meio Ambiente do Setor Elétrico 1990/92 e o Plano Diretor do Meio Ambiente do
Setor Elétrico 1991/1993 (1990).
Começava, desse modo, a ser montado o suporte institucional da
estrutura estatal, responsável pela orientação e gestão da questão ambiental no
âmbito das políticas de geração, distribuição e transmissão de energia que, em
setembro de 1987, passou a contar com um suporte jurídico nos termos dos
21
- Órgão que, congregando vários especialistas de notório saber, tem o objetivo de dar “consultoria” à
101
preceitos legais para o licenciamento ambiental dos empreendimentos do setor - a
Resolução 006/8722.
A estrutura organizacional23 do Setor Elétrico Brasileiro, nesse
momento, pode ser observada nos seguintes termos:
- Ministério de Minas e Energia - MME - com a responsabilidade de
delinear a política de energia elétrica no País; aqui destacam-se as Secretarias
Executiva e de Energia;
- DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, hoje
transformado na Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL - com as
atribuições de concessão, supervisão, fiscalização, controle, normalização e
orientação (poder concendente);
- Sistema Eletrobrás:
. Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - com as atribuições de
coordenação, orientação, financiamento, pesquisa e participação acionária.
. Empresas Concessionárias supridoras, supridoras e distribuidoras e
só distribuidoras, que atuavam em consonância com as diretrizes federais da
política de energia elétrica24.
No âmbito do Sistema Eletrobrás destacavam-se ainda as seguintes
instâncias:
Diretoria Executiva da Eletrobrás com relação aos problemas ambientais.
22
- Esta resolução, além de definir exigências para a concessão de licença, compatibilizou as etapas
específicas da realização de projetos Elétricos com as de licenciamento previstas na Resolução 001/86.
23
- Vide em anexo, representação gráfica desta estrutura organizacional.
24
- Aqui é importante destacar os Departamentos de Meio Ambiente de cada empresa como espaços
privilegiados nesta investigação.
102
. CONSISE - Conselho Superior do Sistema Eletrobrás - constituído
pelas empresas controladas pela Eletrobrás e o Centro de Pesquisa de Energia
Elétrica - Cepel - e internamente dividido em 4 comitês: Cipem - Comitê de
Integração de Planejamento, Engenharia e Meio Ambiente; Coese - Comitê de
Operação e Comercialização de Energia das Empresas dos Sistema Eletrobrás;
Ciase - Comitê de Integração da Administração do Sistema Eletrobrás; e Cicof Comitê de Integração Corporativa e Financeira do Sistema Eletrobrás.
. GCPS - Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos
- formado pelo Comitê Diretor; Secretaria Executiva - dividida em 3 comitês
técnicos: CTEM, Comitê para Estudos de Mercado; CTEE, Comitê para Estudos
Elétricos e CTST, Comitê para Estudos dos Sistemas de Transmissão;
Comissões: Comissão do Programa de Investimentos na Distribuição, Comissão
de Planejamento da Transmissão da Amazônia e Comissão Permanente para
Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos Isolados na Região Norte - e
Grupos de Trabalho constituídos segundo a demanda dos Comitês.
. GCOI - Grupo Coordenador para Operação Interligada que tem em
sua estrutura: Conselho Deliberativo, Comitê Executivo, 5 Subcomitês - SCEL, de
Estudos Elétricos; SCEN, de Estudos Elétricos; SCO, de Operação; SMA, de
Manutenção e SCC, de Comunicações - e a Secretaria de Supervisão e
Coordenação.
. COGE - Comitê de Gestão Empresarial - fórum constituído por
Conselho Deliberativo, Secretaria Executiva, Subcomitês, Conselho Executivo e
Grupos de Trabalho e que possui um órgão de assessoria (GRIDIS) para
assuntos de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho.
103
. COMASE - Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do
Setor Elétrico - formado por Conselho Diretor, Secretaria Executiva, Câmara
Técnica e Grupos de Trabalho.
. CCMA - Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás - órgão
de aconselhamento da Diretoria Executiva da Eletrobrás e do COMASE.
. PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica que desenvolve ações que objetivam o uso racional da energia elétrica.
Além da estrutura organizacional do Setor Elétrico, os tipos de estudos
que orientaram o planejamento institucional e as diferentes etapas de seus
projetos, especialmente os projetos hidrelétricos eram:
•
Tipos de estudos:
-
Curto Prazo - que correspondiam aos estudos previstos para um
período de 10 anos, nos quais eram detalhados os planos de obras
dos primeiros cinco anos e definidos os orçamentos plurianuais de
investimentos e as fontes de recursos a serem utilizadas;
-
Médio Prazo - que cobriam um período de cerca de 15 anos e
definiam os planos de expansão das empresas regionais e
estaduais;
-
Longo Prazo - que abrangiam um período de até 30 anos e estavam
centrados nas principais questões estratégicas associadas ao
suprimento de energia elétrica.
•
Etapas de Projeto:
104
-
Estudos de Inventário - voltados para a analise das alternativas
locacionais de um empreendimento em uma mesma bacia
hidrográfica.
No
âmbito
das
mudanças
experimentadas
no
planejamento, face à introdução das questões ambientais, tem-se
que, nesse momento, começa a se definir o custo real do
empreendimento (econômico e ambiental):
Do ponto de vista sócio-ambiental, cabe destacar que a
etapa de inventário é hoje claramente identificada, no âmbito
do Setor Elétrico, como de grande importância, uma vez que
representa a etapa em que as implicações amplas de
projetos alternativos poderão melhor ser comparadas, ainda
que em caráter muito preliminar, antes que estejam
comprometidas recursos mais expressivos com sua analise
detalhada” ( Eletrobrás, 1991)
-
Estudos de Viabilidade – nessa etapa, estudaram-se as alternativas
identificadas na etapa anterior como as que apresentavam melhores
condições técnicas e financeiras:
Os aspectos sócio–ambientais da etapa de viabilidade,
inicialmente examinados de forma pontual, passaram, desde
o final da década de 70, a constituir um apêndice ao
Relatório de Viabilidade (dedicados aos estudos de
engenharia) e a incluir os aspectos de usos múltiplos de
recursos hídricos, em conformidade com a Norma DNAEE
DG no. 099. Com a divulgação Manual de Estudos de
Efeitos Ambientais, de 1986, esses estudos passaram a ser
desenvolvidas de forma mais sistematizada e estruturada,
contando com quatro planos: de levantamentos, de
desapropriação, de enchimento e de utilização. (Eletrobrás,
1991)
-
Projeto Básico – que detalhava o anteprojeto da etapa anterior, de
modo
a
elaborar
as
especificações
de
construção
e
de
equipamentos, bem como os planos e programas necessários para
as etapas posteriores:
105
Na área sócio–ambiental, deverão ser detalhados os
planos e programas desenvolvidos na etapa de viabilidade,
com o objetivo de tratar os impactos da obra. O custo da
obra é apurado com maior precisão, apoiando-se em
estimativas apresentadas por fabricantes e empreiteiros. As
negociações para obtenção de recursos para financiar a
obra são levadas a termo e o empreendimento incluído no
programa de obras da concessionária.” (Eletrobrás, 1991)
-
Projeto Executivo / Construção - nessa etapa, eram implementados
os planos e programas previstos.
-
Operação - que correspondia à fase de monitoramento dos planos e
programas executados durante a operação do empreendimento.
Complementando, tem-se que, conforme já mencionado no Capítulo I,
as mudanças ocorridas no Setor Elétrico brasileiro, tendo em vista contemplar a
questão ambiental no âmbito do planejamento setorial, foram respaldadas por um
quadro institucional e legal, no qual resumidamente, destacaram-se:
-
A Constituição Federal promulgada pelo Congresso Nacional em 05
de outubro de 1988, que impôs restrições e cuidados em relação à
utilização dos recursos naturais e do patrimônio cultural, presentes
no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Cultura), Capítulo
VI (Do Meio Ambiente) e Capítulo VIII (Dos Índios);
-
A Política Nacional de Meio Ambiente - Lei 6.938, de 1981, que
destacou o objetivo de preservar, melhorar e recuperar a qualidade
ambiental e assegurar, com isso, as condições de desenvolvimento
socioeconômico no Pais, com destaque para o Artigo 3o, Inciso III.
Nesse contexto, destaca-se a Lei 7.804 (1989) e a Lei 8.028 (1990)
que
introduziram
mudanças
na
Lei
6.938,
dentre
elas
a
106
reestruturação do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA
(vide Decreto 99.274), e a Lei 7.797 (1989) que criou o Fundo
Nacional
de
Meio
Ambiente,
como
instrumento
para
a
operacionalização do SISNAMA25.
-
Algumas Normas complementares tais como: o Código de Águas
(Decreto 24.643 de 1934); destaca a limpeza de lagos artificiais (Lei
3.824, de 1960); Criação da Superintendência de Desenvolvimento
da Pesca – SUDEPE – (Lei Delegada nº.10, de 1962), extinta e
absorvida pelo IBAMA em 1989; Código Florestal 9 Lei 4.771, de
1965, alterada pela Lei 7.511, de 1986, e pela Lei 7.803, de 1989);
Proteção da Fauna (Lei 5.197, de 1967, alterada pela Lei 7.653, de
1988); Código de Pesca (Decreto-Lei 221, de 1967); Proteção e
conservação da fauna aquática (Portaria SUDEPE 001, de 1987);
Criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (Lei
6.903, de 1981); Reservas Ecológicas (Decreto–Lei 89.336, de
1984); Delimitação de áreas proteção ambiental (Resolução
CONAMA 004/85); Classificação de Águas (Resolução CONAMA
020/86); Implantação de estações ecológicas (CONAMA 010/87);
Organização e Proteção do Patrimônio Nacional (Decreto-Lei 25, de
1937); Código Nacional de Saúde (Decreto 49.974, de 1961);
Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 1964); Estatuto do Índio (Lei 6001,
de 1973); Lei Complementar no. 40, de 198126; Lei no. 7.347, de
25
Este Fundo, segundo a Lei 8.028, é administrado pela Secretaria de Meio Ambiente e tem como objetivo
desenvolver projetos voltados para o uso racional e sustentável dos recursos naturais.
26
- Esta lei confere ao Ministério Publico a titularidade da ação penal publica e da ação civil publica para a
preservação e proteção do meio ambiente.
107
1985 (dos interesses difusos)27; Decreto 95.733, de 1988 que
determinou a inclusão, nos projetos de obras federais, de recursos,
no valor mínimo 1% do custo global do empreendimento, para
corrigir prejuízos de natureza ambiental, cultural e social; Resolução
CONAMA 010, de 1987, que estabeleceu como pré-requisito para o
licenciamento de empreendimentos de grande porte, a aplicação de,
no mínimo, 0,5% dos custos totais dos mesmos na implantação e
manutenção de estações ecológicas.
É importante destacar que o licenciamento dos empreendimentos do
Setor Elétrico foi objeto de detalhamento especifico no âmbito do CONAMA
(Resolução 006/1987), o que resultou no estabelecimento de correspondência
entre as diferentes etapas do desenvolvimento dos projetos elétricos e as etapas
do processo de licenciamento ambiental. Esse detalhamento foi resultado do
trabalho conjunto das empresas do Setor, dos órgãos licenciadores e do DNAEE.
Desse modo, a partir da etapa de viabilidade, foram definidas três licenças:
Licença Previa (LP), para possibilitar o inicio da etapa do projeto básico; Licença
de Instalação (LI), como condição para o inicio das obras; e Licença de Operação
(LO), que corresponde ao enchimento do reservatório, no caso das hidrelétricas, e
à operação comercial, no caso dos sistemas de transmissão e distribuição e
empreendimentos termelétricos (Vide em anexo representação gráfica deste
processo).
27
- Esta lei disciplina a ação cível publica de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, conferindo ao Ministério Publico
legitimidade para propor ação cível e criminal e, sobretudo, para exercer as funções de fiscal da lei, caso não
intervenha no processo como parte.
108
A observação do conjunto de mudanças ocorridas no Setor Elétrico no
sentido de introduzir a questão ambiental como uma das variáveis a serem
contempladas no processo de tomada de decisão e planejamento de seus
empreendimentos, deve, necessariamente, considerar as repercussões do
processo de organização de alguns setores da sociedade civil, tais como o
movimento de organização das comunidades rurais que questionavam os
procedimentos adotados pelo Setor Elétrico, quando do reassentamento da
população para a implantação da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1978); a
consolidação da Comissão de Atingidos por Barragens – CRAB (1979),
organizada para acompanhar a intenção da Eletrosul de construir cerca de 22
usinas hidrelétricas no rio Uruguai; e o acentuado processo de democratização da
sociedade brasileira, marcado, principalmente, pela emergência e consolidação
de inúmeros movimentos sociais. Nesse contexto, destacavam-se como marcos
da reorientação do Setor Elétrico, de modo a atender as novas demandas:
•
A elaboração do Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas
Elétricos – julho 1986. Este manual tinha como objetivo oferecer diretrizes
gerais para o estudo dos aspectos ambientais dos sistemas elétricos nas
etapas de planejamento e operação. Segundo informações obtidas ao
longo das entrevistas realizadas, na prática, este manual orientou as
concessionárias do Setor Elétrico, principalmente quando da elaboração
dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA)28 ;
28
É importante destacar que a partir desse momento, a elaboração de EIA/RIMA como uma das etapas do
licenciamento ambiental tinha se tornado obrigatória pela Resolução 001/86.
109
•
I Plano Diretor para Conservação e Recuperação do Meio Ambiente nas
Obras e Serviços do Setor Elétrico – I PDMA – novembro/1986. Este plano
pode ser considerado como a primeira tentativa do Setor Elétrico de
sistematizar as diretrizes a serem adotadas para o tratamento da questão
ambiental. Um ano após a sua elaboração, este plano foi revisado
(dezembro de 1987) e complementado com indicações para a implantação
e operação de um sistema de planejamento e gestão ambiental para a
expansão do Setor Elétrico em longo prazo. Esse documento definiu como
fundamental a introdução da questão ambiental como referencia básica
para o planejamento do Setor Elétrico e sugeriu alguns temas prioritários:
reassentamento de população; comunidades indígenas; manutenção da
informação e da participação comunitária; preservação e manejo da fauna
e flora das áreas afetadas por empreendimentos do Setor Elétrico;
metodologia
integrada
de
identificação
de
impactos
e
seus
desdobramentos; inserção regional; procedimentos e diretrizes para as
usinas termelétricas; usos múltiplos dos reservatórios; e qualidade da água
dos reservatórios das hidrelétricas. Logo após a elaboração do I PDMA, foi
constituído (dezembro de 1986) o Comitê Consultivo do Meio Ambiente –
CCMA -, um grupo de pessoas de diferentes áreas do conhecimento (vide
em anexo sua composição), indicadas pelo Presidente da Eletrobrás. O
CCMA foi a primeira iniciativa do Setor Elétrico realizada pela Eletrobrás,
de incorporar às discussões sobre o processo de tomada de decisão e
planejamento do Setor, especialistas que não faziam parte de seu quadro
técnico. A primeira tarefa deste grupo consistiu na análise do I PDMA.
Dentre os resultados daí advindos, destacam-se algumas criticas – a
110
prioridade dada às hidrelétricas e a ausência de estudos de viabilidade de
outras modalidades de geração de energia; a perspectiva de exploração da
Região Amazônica para a produção da energia elétrica a ser usada em
outras regiões do Pais – e a sugestão de adoção pelo Setor Elétrico de
mecanismos institucionais capazes de tornar público o processo de tomada
de decisão, garantindo, desse modo, sua maior transparência.
•
Criação, em 1987, na Eletrobrás, do DPA, estimulando, a partir do ano
seguinte, a criação, nas concessionárias, de áreas destinadas ao meio
ambiente 29. Em 1989, o quadro de técnicos do Setor Elétrico (Eletrobrás e
empresas concessionárias) alocados na área de meio ambiente era de
1.400 profissionais. Um dos principais desdobramentos deste fato pode ser
observado na constituição, em abril de 1988, do Comitê Coordenador das
Atividades do Meio Ambiente – COMASE -, que tinha como objetivo
constituir um Fórum de discussão para a formulação e coordenação da
política ambiental do Setor. O COMASE era composto por representantes
da Eletrobrás, das concessionárias, do DNAEE, da Nuclear Engenharia
(NUCLEN), e sua estrutura era composta de Conselho Diretor, Secretaria
Executiva e quatro Comitês técnicos (Institucional, de Hidrelétricas, de
Termelétricas e de Sistemas de Transmissão) e de diversos grupos de
trabalho – “uma das principais funções do COMASE será assessorar o
GCPS em sua atividade de priorização de obras, de modo a assegurar que
condicionantes e repercussões sócio-ambientais sejam corretamente
29
A composição das áreas de meio ambiente no Setor Elétrico, nesse momento, contou com o apoio do
Presidente da Republica (Presidente José Sarney) que autorizou contratações, apesar das restrições
impostas pela política econômica vigente no que se refere à contratação de servidores públicos e de
empregados para as empresas e/ou instituições ligadas ao governo federal.
111
avaliados e levados em conta na montagem do plano de expansão”.
(Eletrobrás, 1991);
•
Elaboração, no início da década de 90, do II Plano Diretor de Meio
Ambiente que deu continuidade às propostas presentes no I PDMA, sendo
seu principal objetivo a definição de diretrizes e princípios para a política de
tratamento das questões ambientais pelo Setor Elétrico, no âmbito do
planejamento, e das diferentes etapas de seus empreendimentos (da
implantação e operação). Além disso, esse documento compatibiliza suas
propostas para com a legislação ambiental, inclusive considerando sua
reforma e legislação complementar (Lei 6.938 de 1981). No II PDMA,
destaca-se a viabilidade sócio ambiental dos empreendimentos, sua
inserção regional, e a abertura do processo de tomada de decisão. Suas
diretrizes sugeriam a adoção de um ciclo de planejamento “contínuo,
preventivo, adaptativo, interativo e participativo” e a utilização de uma
metodologia especifica para o desenvolvimento de estudos sócio
ambientais. Nessa perspectiva, as diferentes fases do projeto previam
graus diferenciados de reconhecimento das questões sócio ambientais: na
etapa de inventário, estas seriam as principais referências para a escolha
de uma dentre várias alternativas locacionais; na de viabilidade, esta
referencia corresponderia a custos e benefícios econômicos e financeiros;
na de projeto básico, prevalecia a estratégia preventiva voltada para a
implementação de ações e programas avaliados como necessários; a do
projeto executivo destacava-se no monitoramento de sistemas de
controle; e, na etapa de operação, observava-se a articulação entre as
ações pertinentes, as concessionárias, os usuários dos recursos naturais
112
utilizados e os parceiros institucionais envolvidos na tentativa de garantir a
gestão ambiental do empreendimento.
É importante destacar que o II
PDMA mantém como temáticas prioritárias: o reassentamento dos grupos
sociais e comunidades, o relacionamento com as populações indígenas, a
conservação e a recuperação da fauna e da flora das áreas afetadas por
empreendimentos do Setor Elétrico e o tratamento a ser dispensado às
questões sócio ambientais relativas ao uso do carvão mineral em
termelétricas. Além disso, o referido documento apontava para a
necessidade
de
uma
articulação
institucional
que
viabilizasse
o
relacionamento contínuo com a sociedade e para o financiamento de
programas sócio ambientais que, simultaneamente, atendessem à
legislação ambiental e objetivassem reduzir impactos.
Uma breve observação do planejamento a longo prazo, permite
identificar que as mudanças ocorridas apontavam para momentos distintos que
revelavam a passagem de uma perspectiva centralizadora e orientada pela
predominância dos critérios econômico–financeiros e da engenharia, para uma
perspectiva que privilegiava, ou tentava privilegiar, o processo participativo nos
termos do envolvimento de diferentes atores sociais e da atenção às questões
sócio ambientais. A comparação entre a modalidade de concepção dos Planos
2010 (em 1988) e 2015 (em 1994) exemplifica esta constatação. No primeiro,
tem-se ainda a predominância dos procedimentos típicos do governo militar
autoritário, nos quais não havia espaço para o debate das principais questões
com diferentes setores e segmentos da sociedade, o que veio ocorrer quando da
elaboração do Plano 2015. Para a elaboração deste último documento, a
Eletrobrás estabeleceu, através da realização de seminários, uma estreita
113
interação com diferentes setores da sociedade, cuja atuação ou interesse
tangenciava o planejamento do Setor Elétrico. Alem disso, conforme mencionado,
o referido Plano introduziu as questões sociais e ambientais como as principais
referências orientadoras do planejamento. Nos estudos realizados para o Plano
2015, a Eletrobrás deu especial atenção aos aspectos ambientais, buscando
contemplar o conjunto de questões referentes às características dos recursos
ambientais utilizados para a produção de energia. No que tange à estrutura
organizacional que sustentou a preparação do referido Plano, a Diretoria de
Planejamento e Engenharia da Eletrobrás - DP - coordenou os trabalhos
realizados, promovendo discussões com representantes dos demais níveis
institucionais integrantes do Setor Elétrico Brasileiro. É importante destacar que
participaram desse processo todas as instâncias aqui mencionadas que
integravam a estrutura do Sistema Eletrobrás: o Grupo Coordenador do
Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS), o Grupo Coordenador para
Operação Interligada (GCOI)30 , o Comitê de Distribuição (CODI)31 e o Comitê
Coordenador das Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico (COMASE).32
Para finalizar, é interessante destacar que a partir do II PDMA, as
iniciativas do Setor
Elétrico, no sentido de definir uma política ambiental,
passaram a ocorrer de forma pontual33 e não sistemática. Desse modo, pode-se
sugerir que o II PDMA
foi o último documento formal elaborado, embora as
atividades do COMASE tenham-se mantido ainda por algum tempo. Esta
30
Este Grupo tem sob sua responsabilidade a operação interconectada do sistema Norte Nordeste, CentroOste, Sudeste e Sul.
31
- Responsável pela distribuição das empresas que integram os sistema acima mencionados.
32
Instância responsável pelas atividades referentes ao atendimento das questões ambientais e sociais, tanto
na expansão, quanto na operação.
33
Dentre os estudos realizados destacam-se aqueles desenvolvidos pela COPPE / CEPEL que objetivam
definir uma metodologia de identificação de impactos ambientais para a etapa de inventário, resultando no
Manual de Inventario.
114
aparente desmobilização, possivelmente, se deve à emergência da discussão em
torno do processo de privatização do Setor (segunda metade de 1995) e sua
reestruturação. A década de 90 seria marcada por um conjunto de discussões
em torno de propostas de revisão do modelo institucional do Setor Elétrico,
resultando em sua reestruturação. Esse processo teve como centralidade a visão
hegemônica de ampliação do espaço da iniciativa privada face à impossibilidade
do Estado de assumir os significativos investimentos necessários à expansão do
setor nas próximas décadas. A partir daí, inicia-se o processo de privatização de
algumas empresas, expressando o significativo afastamento do Estado das
atividades econômicas, processo esse ainda em curso.
115
CAPÍTULO 4
VELEIDADES E CONTRADIÇÕES DA QUESTÃO AMBIENTAL
Apresentação
Este capítulo tem como objetivo analisar a presença do Setor Elétrico
no debate sobre o meio ambiente. Para isso, pesquisou-se sobre o resgate do
processo de constituição do Campo Ambiental, através da análise da
documentação disponível nas empresas que o constituem e das informações
obtidas em entrevistas realizadas com técnicos do setor e com sujeitos sociais
participantes do Campo. Este procedimento permitiu conhecer as diferentes
representações acionadas quando do resgate do processo histórico de
configuração do campo e de institucionalização do meio ambiente no Setor
Elétrico.
Conforme já mencionado, a questão ambiental no Brasil passou, a
partir de meados dos anos 80, a fazer parte do rol de preocupações de diversos
setores da sociedade. Partidos, sindicatos e movimentos sociais incorporaram
essa temática à sua pauta de reivindicações e discussões. Um exemplo desse
fato pode ser observado já nas eleições de 1982, quando os verdes entraram nas
disputas eleitorais.
Alguns autores vêm tratando deste processo e elaborando uma leitura
que considera o meio ambiente como um ingrediente que vem se somar às
tradicionais questões sociais. Nesta perspectiva, a questão ambiental aparece
associada à idéia de crescimento das cidades e/ou de formas de desenvolvimento
econômico que acenam com a possibilidade de escassez dos recurso naturais.
116
A caracterização do movimento ambientalista daí emergente destaca a
noção de “ambientalismo multissetorial” (Viola, 1994), que privilegia a idéia de
consenso, na qual o ambientalismo é compreendido como um elemento que
transcende as diferenças de classe, sexo, etnia etc., uma vez que as unifica em
prol de uma causa comum. Nestes termos, a universalidade seria a principal
marca da constituição da questão ambiental.
Em contrapartida, na direção inversa, outras interpretações privilegiam
exatamente a noção de conflito como elemento estruturante de um conjunto de
relações que remetem a formas de uso, apropriação e gestão dos recursos
naturais (Acselrad, 1992, Carvalho, 1995 , Fuks, 1997).
A constatação dessas diferenças permite sugerir que o debate em
torno da temática do meio ambiente tende a mobilizar diferentes concepções de
natureza (e de meio ambiente também). Isto porque essas concepções estão
associadas a relações sociais específicas, referendadas simbolicamente. Este
fato faz com que se possa sugerir que esta temática é responsável pela
constituição de um campo de disputas, conflitos e alianças que, ao se realizarem
concretamente34, expressam-se simbolicamente. Inúmeros significados podem
ser atribuídos a uma dada base material (recursos naturais e territoriais) e, desse
modo, o meio ambiente finda por se constituir como um campo onde consensos e
disputas, ao se definirem no plano simbólico, representam dimensões de um
mesmo conflito social, aquele que revela modos de uso e apropriação, material e
simbólica, de territórios.
34
Como concretamente entende-se, no plano das ações, que remetem a modalidades de uso, apropriação e
gestão dos recursos naturais e do território.
117
4.1 A Construção do Campo
Ao investigar a emergência da temática do meio ambiente e sua
institucionalização no Setor Elétrico, pode-se sugerir a ocorrência de um processo
de constituição de um campo de discussões e práticas, onde prevalece a
ocorrência de disputas e conflitos envolvendo diferentes sujeitos e espaços
sociais. Um campo que começa a se constituir historicamente, como já foi
mencionado, na primeira metade da década de 80, envolvendo diferentes
segmentos da sociedade (Estado e Sociedade Civil) e, a partir de um dado
momento (final da década de 80), é compartilhado por representantes do Setor
Elétrico (de sua estrutura estatal), delineando novas espacialidades (campos e
sub-campos), onde conflitos e consensos se estabelecem e se transmutam.
A noção de “campo” cunhada por Bourdieu auxilia a compreensão da
dinâmica
desse
processo
que,
simultaneamente,
envolve
instâncias
governamentais e da sociedade civil, ou seja, movimentos sociais, universidades
e agências governamentais responsáveis pela implementação de políticas
centradas na preservação/proteção ambiental. Possibilita também a conclusão de
que se está lidando com um campo da disputa por formas de uso e apropriação
dos recursos naturais:
Os campos sociais são campos de força mas também
campos de luta para transformar ou conservar esses
campos de força. Os mais diversos campos, sociedade de
corte, o campo dos partidos políticos, o campo das
empresas ou o campo universitário, só podem funcionar na
medida em que existem agentes que aí façam investimentos
nos diversos sentidos do termo, que aí comprometam seus
recursos e que se envolvam em seus móveis de luta,
contribuindo assim, em função de seu próprio antagonismo
para conservar sua estrutura e, em certas condições, a
transformá-la. (Bourdieu, 1982: 23)
118
Assim, a compreensão do campo objeto desta investigação passa
necessariamente pela presença de espaços referentes ao Estado e à Sociedade
Civil. No interior do campo é possível identificar sub-campos que permitem
perceber a participação diferenciada dos atores estatais, bem como daqueles
representativos da sociedade civil. Sub-campos que, em linhas gerais, pode-se
sugerir como espaços multifacetados, construídos a partir da mobilidade dos
diferentes atores e que possibilitam a observação das convergências e
divergências existentes. Na realidade, a inserção da discussão ambientalista em
diferentes espaços sociais, de certo modo, redefine conflitos e competências,
demarcando um espaço onde os atores se movimentam na defesa de seus
interesses. Esta constatação sugere que a questão ambiental, simultaneamente,
requalifica esses atores, cria novos e faz com que outros desapareçam, abrindo
possibilidades inéditas de formulação de consensos e alianças entre eles.
Nesses
termos,
a
leitura
do
Campo
Ambiental
passa,
necessariamente, pela observação de seu movimento contínuo, que resulta na
configuração de novos sub–campos a partir de um dado conjunto de relações de
associação e/ou conflitos. Assim, pode-se identificar sub–campos que,
associados ou em confrontos, articulam novos sub–campos, garantindo a
permanente mobilidade do Campo Ambiental como um todo. Quando se realizou
a investigação sobre o lugar do Setor Elétrico no Campo Ambiental, observou-se
a presença de sujeitos ou grupos de sujeitos identificados segundo sua
participação direta na configuração do Setor Elétrico e/ou segundo sua
participação no debate ambiental do qual o Setor Elétrico faz parte. Pode-se
identificar então:
119
v Sub–campo estatal – no Capitulo I, observou-se que as primeiras
ações governamentais de caráter ambientalista iniciaram-se na década de 70,
como resposta às pressões e questionamentos de organizações ambientalistas
nacionais e estrangeiras, que criticavam as condições ambientais do País naquele
momento. Neste contexto, alguns órgãos foram criados: a Secretaria Especial de
Meio Ambiente (SEMA), em 1973 e as agências estaduais antipoluição (CETESB,
Estado de São Paulo e FEEMA, Estado do Rio de Janeiro). Essas iniciativas
ocorreram de forma subordinada ao modelo de desenvolvimento vigente, sem que
se pudesse identificar avanços significativos no que se refere à possibilidade de
formulação de uma verdadeira política ambiental. Apenas na década seguinte,
pôde-se observar a definição de uma Política Nacional de Meio Ambiente (1985) e
a constituição do Ministério do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente, que
iniciaram a formalização de estratégias e arranjos institucionais que podem ser
identificados como sinais da constituição de um espaço que, mais adiante, pôde
ser considerado como um sub-campo do campo ambiental mais amplo (o subcampo representativo da participação estatal). Na esteira desse processo, teve-se
a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), dos conselhos
estaduais de meio ambiente e do Sistema Nacional de Meio Ambiente
(SISNAMA), este último envolvendo um conjunto de instituições governamentais
federais, estaduais e municipais e alguns órgãos da administração pública a eles
vinculados. Segundo Loureiro (1992:5):
Esta expansão institucional ocorreu em um quadro de
crise e desmonte do Estado. Configurou-se assim, um
processo contraditório, em que de um lado, proliferam as
instituições, órgãos e conselhos ambientais, e de outro
definham as demais políticas públicas, não só em termos de
seus resultados efetivos, mas inclusive em termos de
desativação das agências. A “formatação” institucional
120
crescente na área ambiental não é acompanhada portanto
de políticas efetivas, já que em seu conjunto as políticas
publicas estão em crise no país.
Na realidade, foi a pressão dos ambientalistas sobre os governos
estaduais e municipais que garantiu, naquele momento, a ampliação da agenda
pública em torno desse tema, o que foi mais eficiente no âmbito das
administrações públicas estaduais e municipais. Foi esse movimento que
caracterizou a dinâmica desse sub-campo. Nesse contexto, algumas empresas
estatais acompanharam de perto o processo de criação de espaços institucionais
responsáveis pelo tratamento das questões ambientais; a Petrobrás, a
Companhia Vale do Rio Doce e as empresas do Setor Elétrico exemplificam essa
situação. No que se refere ao Setor Elétrico, objeto deste estudo, a sua
configuração como um sub-campo envolve sua organização institucional, tratada
no Capítulo 2, e demais espaços estatais constitutivos do Campo Ambiental.
Nesses termos, pode-se observar:
Participando diretamente na configuração das políticas do Setor Elétrico:
I - A estrutura institucional estatal - responsável pelas políticas de geração,
distribuição e transmissão de energia que apresenta a seguinte organização (subcampo estatal):
•
Ministério de Minas e Energia - MME - com a responsabilidade de delinear
a política de energia elétrica no País; aqui destacam-se as Secretarias
Executiva e de Energia.
•
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, hoje
transformado na ANEEL, conforme já mencionado, com as atribuições de
concessão, supervisão, fiscalização, controle, normalização e orientação.
121
•
Sistema Eletrobrás:
. Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - com as atribuições de
coordenação, orientação, financiamento, pesquisa e participação acionária.
. Empresas concessionárias supridoras, supridoras e distribuidoras e só
distribuidoras, que atuam em consonância com as diretrizes federais da
política de energia elétrica35.
No âmbito do Sistema Eletrobrás destacam-se ainda as seguintes
instâncias:
. CONSISE - Conselho Superior do Sistema Eletrobrás - constituído pelas
empresas controladas pela Eletrobrás e pelo Centro de Pesquisa de
Energia Elétrica - CEPEL, e internamente dividido em 4 comitês: CIPEM Comitê de Integração de Planejamento, Engenharia e Meio Ambiente;
COESE - Comitê de Operação e Comercialização de Energia das
Empresas dos Sistema Eletrobrás; CIASE- Comitê de Integração da
Administração do Sistema Eletrobrás e CICOF - Comitê de Integração
Corporativa e Financeira do Sistema Eletrobrás.
. GCPS - Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos,
formado pelo Comitê Diretor, Secretaria Executiva dividida em 3 comitês
técnicos: CTEM - Comitê para Estudos de Mercado; CTEE - Comitê para
Estudos Elétricos e CTST - Comitê para Estudos dos Sistemas de
Transmissão; Comissões: Comissão do Programa de Investimentos na
35
- Aqui é importante destacar os Departamentos de Meio Ambiente de cada empresa como espaços
privilegiados nesta investigação.
122
Distribuição, Comissão de Planejamento da Transmissão da Amazônia e
Comissão Permanente para Planejamento da Expansão dos Sistemas
Elétricos Isolados na Região Norte e Grupos de Trabalho constituídos
segundo a demanda dos Comitês.
. GCOI - Grupo Coordenador para Operação Interligada que tem em sua
estrutura
o Conselho Deliberativo, o Comitê Executivo, 5 Sub-comitês:
SCEL (Estudos Elétricos), SCEN (Estudos Elétricos), SCO (Operação),
SMA (Manutenção) e SCC (Comunicações) e a Secretaria de Supervisão e
Coordenação.
. COGE - Comitê de Gestão Empresarial - fórum constituído por: Conselho
Deliberativo, Secretaria Executiva, Sub-comitês, Conselho Executivo e
Grupos de Trabalho, possuindo um órgão de assessoria (GRIDIS) para
assuntos de Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho.
. COMASE - Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do
Setor Elétrico, formado por: Conselho Diretor, Secretaria Executiva,
Câmara Técnica e Grupos de Trabalho.
. CCMA - Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás, órgão de
aconselhamento da Diretoria Executiva da Eletrobrás e do COMASE.
. PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica que
desenvolve ações que objetivam o uso racional da energia elétrica.
A compreensão desta estrutura, no que tange ao atendimento às
questões ambientais, destacava, em 1993, duas grandes linhas de ação: uma
123
centrada na integração entre o Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema
– GCPS e o Comitê de Meio Ambiente do Setor Elétrico – COMASE, e outra que,
articulada a essa, tinha como eixo os esforços para adequar a metodologia de
planejamento setorial à necessidade de incorporação das variáveis sócioambientais. Nesta linha de ação atuavam os Departamentos de Estudos
Energéticos (DPE) e o de Meio Ambiente (DPA), ambos da Eletrobrás. Além
disso, o GCPS, nesse momento, possuía uma representação formal em todos os
níveis do COMASE, quais sejam: no Conselho Diretor, na Câmara Técnica e em
três Grupos de Trabalho: Custos Ambientais, Interação com a Sociedade e
Incorporação das Variáveis Ambientais ao Planejamento. Além disso, o COMASE
possuía uma representação no Comitê Diretor do GCPS.
II - As instâncias legais previstas para regular as questões ambientais no
âmbito das políticas públicas (sub-campo jurídico)
O primeiro fato a demarcar a constituição de um sub-campo jurídico
para a temática do meio ambiente ocorreu com a promulgação da Lei 1.638 de
06.08.1981 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente. Até este momento,
o tratamento jurídico das questões ambientais privilegiava uma perspectiva
jurídica e econômica na qual a degradação/impacto ambiental era compreendido
como um fato externo, decorrente de atividades econômicas. Como sugere
Contador (1988), a imprecisão da definição de propriedade de alguns bens
afetados impedia, do ponto de vista legal, o exercício da coerção. A partir de
1981, essa perspectiva é alterada e o impacto/dano ambiental, ao ser interpretado
a partir da identificação da relação de causalidade entre ação e resultado
produzido, passa a ter responsáveis: "essa legislação concretamente outorga ao
124
Ministério Público o poder de propor ações sobre danos relativos ao meio
ambiente e à defesa de terceiros prejudicados, elegendo-o como ator significativo
nos conflitos judiciais ligados ao tema” (Loureiro, 1992, p.8).
Não é objeto deste trabalho detalhar a atuação do Poder Judiciário nas
questões ambientais a partir da década de 80, mas sim chamar a atenção para a
constituição de um espaço (sub-campo) onde prevalece a criação de mecanismos
normatizadores do conflito:
"Inovação" jurídica do meio ambiente dá visibilidade à
definição de um espaço que remete a noção de “interesses
difusos”, e que ao se instituir como um campo jurídico, traz
consigo a possibilidade de existência de uma lei, esta, sem
dúvida, tradutora de um conflito. Não se pode esquecer que
o campo jurídico tem uma eficácia específica e um efeito
simbólico correspondente, além do que o ato jurídico é
aparentemente neutro e universalista, daí sua eficácia
simbólica, pois simultaneamente apresenta elementos do
campo político e do campo científico. (Bourdieu: 1989)
Interesses e direitos tidos como “difusos” passam a dispor de
instrumentos legais para a mediação dos conflitos decorrentes das formas de
apropriação, uso e gestão dos recursos naturais e do território. A Constituição
Federal de 1988, em capítulo específico, destacou novos atores em torno dos
conflitos ambientais e conferiu autonomia aos estados e municípios ao introduzir a
ação concorrente das três esferas: União, Estados e Municípios, ressaltando sua
co-responsabilidade pela garantia da qualidade ambiental. A relação entre o
Judiciário e o Executivo, desde o advento da legislação que instituiu a Ação Civil
Pública, tem sido marcada tanto pela articulação, como pelo conflito. Na
realidade, observa-se de imediato um conjunto de leis que vem normatizar e
regulamentar a Política Nacional de Meio Ambiente, e a configuração do Direito
125
Ambiental como área especifica de conhecimento, em torno da qual se organiza
um novo mercado de serviços. Nesse sub-campo destacam-se:
. Ministério Público, onde os cidadãos dispõem dos seguintes
instrumentos:
Ação
Penal
Pública,
Ação
Civil
Pública,
Ação
Popular
Constitucional, Mandado de Segurança Coletivo e Mandato de Injunção;
. Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, ao qual está
integrado o CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão consultivo e
deliberativo que tem como responsabilidade apoiar a formulação das políticas
governamentais para o meio ambiente, bem como deliberar, no âmbito de sua
competência, normas e padrões de desenvolvimento ecologicamente sustentável;
. Conselhos e agências Estaduais de Meio Ambiente;
. Sistemas Nacional e Estadual de Gerenciamento de Recursos
Hídricos.
v Sub-campo referente às agências multilaterais de financiamento
- que corresponde à presença de instituições como o BID e o Banco Mundial,
considerados como dos principais definidores do tratamento das questões
ambientais no âmbito das políticas públicas. Esses atores, independente do
montante dos recursos empenhados, tendem a garantir o aval dos demais
agentes financeiros, bem como a definir os procedimentos técnicos a serem
adotados, o que os torna importantes ideólogos neste processo. Além disso, é
importante destacar que, no caso do Banco Mundial, apenas na segunda metade
da década de 80, esta instituição passou a incluir em sua estrutura organizacional
um espaço dedicado à questão ambiental.
126
v Sub–campo composto pelas empresas de engenharia e de
consultoria – estas empresas são prestadoras de serviços à estrutura
institucional estatal responsável pela política de geração, distribuição e
transmissão de energia. Inicialmente, as empresas de engenharia estruturaramse, durante a segunda metade da década de 80, em setores especializados nos
estudos ambientais. Mais tarde, com a retração de estudos e projetos no âmbito
das políticas governamentais, esses setores foram extintos e seus profissionais
retornaram como autônomos ao mercado. Esse processo deu origem a um
conjunto de pequenas e médias empresas de consultorias especializadas em
estudos ambientais. O surgimento dessas empresas e o aumento da
disponibilidade de profissionais autônomos no mercado consolidaram o processo
de terceirização dos serviços na área de meio ambiente, tanto no âmbito das
empresas estatais, como também no das grandes empresas de engenharia.
v Sub–campo formado pelas empresas integrantes da indústria
de equipamentos elétricos – estas empresas tendem a se relacionar com os
setores de planejamento e engenharia, não estabelecendo relações diretas com a
área e/ou setores atuantes em torno da questão ambiental.
v Sub–campo acadêmico – referente aos órgãos e instituições de
ensino e pesquisa localizados dentro ou fora das universidades, que se dedicam a
produzir conhecimento sobre os diferentes temas ligados ao meio ambiente, bem
como a prestar assessoria aos órgãos da administração pública sobre esta
temática. É interessante destacar que, historicamente, os primeiros estudos
acadêmicos na área de meio ambiente ocorreram no campo das Ciências
Naturais – Botânica, Biologia, Saúde Publica e Geofísica, onde a Ecologia é,
127
tradicionalmente, uma área estudada. Apenas a partir do inicio da década de 90,
que os estudos ambientais assumiram uma perspectiva interdisciplinar mais
ampla, incorporando áreas de conhecimento próprias das Ciências Sociais e
Humanas: Sociologia, Filosofia, Ciências Jurídicas, Geografia, Administração etc.
À guisa de ilustração, tem-se que durante a década de 90, proliferaram as
pesquisas nas áreas de meio ambiente. Em 1991, na Universidade de São Paulo
(USP), por exemplo, haviam sido registrados cerca de 351 estudos em
andamento36, distribuídos pelos departamentos de Botânica, Geofísica, Saúde
Publica, Biologia, Engenharia Hidráulica, Economia, Geografia, Engenharia
Florestal, Administração e Sociologia. Acompanhando a tendência à expansão
dos estudos ambientais, nesse momento, as principais organizações científicas
nacionais organizaram Grupos de Trabalho temáticos: Associação Nacional de
Pós Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS); Associação Nacional de
Planejamento Urbano e Regional (ANPUR); Associação de Pesquisa e Ensino e
de Ecologia e Desenvolvimento (APED), entre outros. Essa movimentação era
indicativa da valorização e expansão do campo da produção de conhecimento
sobre o meio ambiente e do fim da hegemonia da perspectiva biológica (ou das
Ciências Naturais) para o tratamento da questão ambiental. Na realidade, o
enfoque multidisciplinar passou a dominar os estudos e projetos na área de meio
ambiente, o que pode sugerir que o novo campo de produção de conhecimento
era uma tentativa de incorporar e representar, na multidisciplinaridade ou
interdisciplinaridade, a variedade de relações que o determinam (relações de
conflito e/ou de consenso).
36
- Jornal da USP de 21/11/91 a 1/12/91, p.78.
128
No que se refere ao relacionamento deste sub-campo com o Setor
Elétrico tem-se:
- grupos que dão assessoria/consultoria às instâncias estatais
integrantes do Sistema Eletrobrás;
- grupos que dão assessoria/consultoria37 aos grupos sociais atingidos
por empreendimentos hidrelétricos, e grupos que, integrados ou não a outras
entidades civis, participam deste campo e/ou o contemplam como objeto de
pesquisas acadêmicas.
v
sub-campo
das
entidades
civis
que
são
historicamente
participantes desse campo: Igreja, associações, ONGs, partidos e sindicatos;
v sub-campo dos grupos sociais atingidos pelos empreendimentos
que integram a política de geração, distribuição e transmissão de energia,
destacando-se dentre eles o Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB).
É importante destacar que as relações engendradas no Campo
Ambiental tendem a gerar novos sub–campos cuja composição varia segundo
objetivos diversos e temporalidade variada. Em linhas gerais, a estrutura
organizacional do campo destaca uma variedade de relações estabelecidas entre
seus integrantes (sub-campos). O exercício de apreciação e detalhamento dessas
relações resultou nos sub-campos a seguir enunciados:
SUB – CAMPOS
I
CONSTITUIÇÃO
MME/ Sistema Eletrobrás/ DNAEE
129
II
MME/ Sistema Eletrobrás/ DNAEE/Segmento Estatal Regulador/
III
MME/ Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador /
Ministério Público
IV
MME/Sistema Eletrobrás/ Agências Multilaterais
V
Sistema Eletrobrás/ Empresas de Equipamentos / Empresas de
Engenharia
VI
Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador / Empresas de
Engenharia / Consultores Autônomos/ Universidades
VII
Sistema Eletrobrás/ Segmento Estatal Regulador / Ministério
Público/ Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/
Agências Ambientais
VIII
Segmento Estatal Regulador / Ministério Público/ Entidades
Civis representativas dos Grupos Sociais/Agências Ambientais
IX
Entidades
Civis
representativas
dos
Grupos
Sociais/
Universidades
X
Segmento Estatal Regulador / Ministério Público/ Entidades
Civis representativas dos Grupos Sociais/ Entidades Civis
representativas dos Grupos Sociais/ Agências Ambientais
XI
Entidades Civis representativas dos Grupos Sociais/ Ministério
Público / Segmento Estatal Regulador
Quadro 4.1 - Classificação dos Sub-campos
Obs. : Vide, em anexo, a representação gráfica do Campo Ambiental – Figuras 5,
6 e 7.
Na realidade, a composição dos sub-campos acima, serve para
confirmar a perspectiva de que a disposição dos indivíduos no Campo Ambiental
ocorre de acordo com estruturas desiguais de acesso, uso, apropriação,
distribuição e controle dos recursos materiais e simbólicos disponíveis. Pode-se
sugerir que o Campo Ambiental, objeto desta tese, começa a se constituir (vide
130
Capitulo I) durante a década de 80, na esteira do processo de democratização
ocorrido no Pais. Os progressos na atuação de organizações da sociedade civil, a
emergência dos movimentos ambientalistas, as Resoluções 01 e 06 do CONAMA,
as Constituições Federais e Estaduais, as legislações estaduais, as agências
ambientais estaduais e, em alguns casos, municipais, e a resistência dos grupos
sociais atingidos por empreendimentos do setor público, dentre eles o Setor
Elétrico, são ingredientes que contribuem para a configuração deste campo,
incluindo a presença do Setor Elétrico, levado a incorporar na sua agenda a
questão ambiental.
Nesse contexto, as relações de força entre os diferentes integrantes se
estabelecem a partir da quantidade diferencial de poder, o que lhes confere maior
ou menor possibilidade de prestigio e/ou ganho nas disputas no campo. É
interessante destacar que esse poder não se refere, necessariamente, à condição
de propriedade material; essa não é uma condição determinante no campo. Na
realidade, esse poder é revestido de um conjunto de representações e
significados que, além de organizar o próprio campo, são objeto de disputas; é um
poder decorrente de uma dinâmica relacional, na qual a diferenciação social e a
de poder são construídas no interior do campo, enquanto espaço de relações.
Pode-se sugerir que a constituição e a dinâmica desse campo, a partir
do processo de democratização política e social aqui mencionado (iniciado em
meados da década de 80), traduzem o controle social sobre as empresas estatais
(Setor Elétrico) e, também, sobre as agências governamentais responsáveis pela
regulamentação da questão ambiental, expressando uma correlação de forças
131
representativas de disputas por formas específicas de uso e controle dos recursos
naturais e do território.
4.2
Documentos e Falas - a História Revisitada
Os primeiros registros da presença da discussão ambiental no Setor
Elétrico datam de 1975, quando a empresa Itaipu Binacional divulgou o seu Plano
básico para preservar o meio ambiente (Jornal Estado de São Paulo, 16/10/1975).
Nele, destacavam-se medidas de controle que abrangiam três aspectos: (i) meio
ambiente físico; (ii) meio ambiente biológico e (iii) meio ambiente social, fundando
a longa tradição do Setor Elétrico em tratar a questão ambiental de forma
fragmentada.
Posteriormente,
segundo
relatos,
no
inicio
de
1981,
no
Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás:
Um dos hidrólogos entrou com a temática ambiental,
não sei porque nem como, esse técnico, que é dessas
pessoas ultra disciplinadas, a primeira coisa que fez foi
montar uma bibliografia sobre o meio ambiente no setor. Na
realidade, ele gerou o primeiro documento do setor sobre
meio ambiente que foi uma bibliografia. (...) Isso não teve
muita repercussão, mas digamos que foi o ponto de partida.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia).
Ainda nesse mesmo ano, o presidente do Centro de Conservação da
Natureza de Minas Gerais, ao denunciar os impactos provocados pela UHE de
Emborcação em Araguari, construída pela CEMIG, destacava que:
O agente financiador da barragem, o Banco Mundial,
exigiu que a Cemig realizasse um estudo de impacto
ambiental, para a concessão do empréstimo. Esse estudo foi
realizado em 1977, unicamente para cumprir a exigência e,
assim, obter financiamento. As orientações nele contidas
jamais foram cumpridas. (O Globo, 30/08/1981, p.8)
132
Na década de 80, os primeiro documentos que consideraram o meio
ambiente como uma variável a ser contemplada no planejamento do Setor
Elétrico foram o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos
(junho de 1986) e o Plano Diretor para a Proteção e Melhoria do Meio Ambiente
nas Obras e Serviços do Setor Elétrico - I PDMA (novembro de 1986). Uma
breve análise desses documentos indica que, enquanto o primeiro pode ser
considerado como um guia de ampla abrangência que lista todos os aspectos
sociais e ambientais merecedores de atenção especial por ocasião do
planejamento, construção e operação dos empreendimentos do setor, o segundo
apresenta uma política sócio–ambiental para o setor, na qual destacam-se como
diretrizes: “a inserção regional, a articulação institucional e com a sociedade, a
viabilidade ambiental e a eficiência gerencial”. ( Eletrobrás, 1986)
Inicialmente, tem-se que, de acordo com as entrevistas realizadas, os
temas mais polêmicos referem-se à definição dos custos ambientais, interação
com a sociedade e inserção regional. A demarcação desses temas permite
observar que algumas temáticas foram naturalmente incorporadas pelo setor em
detrimento de outras de mais difícil assimilação:
Os temas, desde o inicio, eram fortemente verdes, até
porque com algumas temáticas era mais fácil de lidar. O
setor lidava bem com a questão da engenharia florestal, até
porque é um tema mais de engenheiros e incorpora
biólogos; tinha também uns limnólogos envolvidos com esse
debate, o pessoal de peixe. Enfim, era um debate sobre
recursos naturais e eu acho que tinha mais facilidade para
discussão, pois nessa época predominava o discurso
ambiental mundial centrado na conscientização dos riscos
de perda das florestas, da biodiversidade etc. Já o tema
social era altamente controvertido, com enfoques
diferenciados e havia as experiências do setor que eram
emblemáticas dessa questão: Sobradinho, Tucuruí, Itaparica
e depois Itá. Esses empreendimentos mudaram o eixo das
133
discussões do setor, no que se refere as formas de lidar com
a questão sócio ambiental. Aqui, a conversa era mais
complexa e menos definitiva. Só um exemplo: o tratamento
da população remanejada começava a sair do patrimônio e
integrar o meio ambiente, só isso já é motivo pra muita
discussão, era uma revolução, eu diria. (depoimento de
técnico, cargo de chefia, departamento de meio ambiente)
É interessante destacar que o atendimento à questão ambiental, como
decorrência de pressões do Banco Mundial, será um argumento recorrente
quando da recuperação histórica da constituição dos Departamentos de Meio
Ambiente nas empresas do Setor Elétrico, a começar pela literatura oficial que
registra:
De conformidade com essa orientação (articulação
interinstitucional e reconhecimento da importância do meio
ambiente), realizou-se uma reunião geral no dia 22.08.1986,
presidida pelo Presidente da Eletrobrás e que contou com a
presença de presidentes e diretores das concessionárias.
Destinou-se a estabelecer um consenso sobre a decisão
política do Setor Elétrico, relativamente à prioridade do Meio
Ambiente, no Plano nacional de Energia Elétrica –
1987/2010, ora em preparação. (Eletrobrás, 1986: 2)
O referido documento destaca, ainda, alguns fatos como justificativa
para a elaboração de diretrizes para o tratamento das questões ambientais pelo
Setor Elétrico, são eles :
• Desde meados da década de 70, é exigido que a construção de
usinas hidrelétricas seja precedida de estudos de impacto ambiental.
Inicialmente, estes estudos eram incluídos no projeto da usina de modo
a atender especificação determinada pelo Banco Mundial38.
Posteriormente, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
– DNAEE incluiu aspectos ambientais entre os requisitos para
aprovação de projetos de aproveitamento de recursos hídricos em
geração de energia elétrica. (Eletrobrás, 1986: 3)
38
- A pesquisa realizada identificou que as primeiras referencias às exigências do Banco Mundial com
relação a “questão ambiental” datam de 1975.
134
• Em 1978 – a Companhia Energética de São Paulo – CESP preparou
e editou o trabalho Reservatórios – Modelo Piloto de Projeto Integral,
que reunia a experiência acumulada pelo Setor na área ambiental até
aquela época, o que foi indicativo da necessidade de adoção de
medidas específicas para o tratamento desta temática;
• Em 1985, a elaboração e aprovação do Plano de Recuperação do
Setor de Energia Elétrica
Com o objetivo de dotar as entidades envolvidas na
problemática do Setor Elétrico, inclusive os órgãos de
financiamento, de referencial que permitisse um
ordenamento de ações conseqüentes e passíveis de
acompanhamento, abrangendo o período 1986/1989, tinha
como complemento o presente Programa de Proteção do
Meio Ambiente que “contém um conjunto de medidas e
ações que deverão ser tomadas pelo Setor elétrico com
vistas a minimização dos efeitos ambientais. (Eletrobrás,
1986: 6)
Além dos argumentos acima relatados, o Plano Diretor Para Proteção e
Melhoria do Meio Ambiente nas obras e serviços do setor elétrico destaca como
princípios a serem adotados (Eletrobrás, 1986: 2):
- reconhecer o avanço já realizado pelo setor, em termos de estudos e
providências sobre o meio ambiente;
- considerar as diferenças significativas quanto à natureza e
prioridade dos problemas ambientais nas obras do setor elétrico;
- valorizar a presença das equipes técnicas das concessionárias na
elaboração do Plano, bem como das consultoras contratadas;
- definir metas, políticas e objetivos a longo prazo;
- caracterizar o Plano como uma primeira etapa do processo;
135
- explicitar condicionantes-chave: recursos financeiros, quantidade e
qualidade do pessoal disponível; capacitação e eficácia técnica e financeira;
aquiescência da sociedade civil; capacidade de adaptação das comunidades
humanas;
- destacar a adoção de medidas preventivas.
Na realidade, esse documento destaca como “fatos relevantes” para o
setor investir no meio ambiente (Eletrobrás, 1986: 8): a destruição de
ecossistemas; a necessidade de realização de uma revisão ética acerca dos
objetivos dos grandes empreendimentos, principalmente, tendo em vista a
crescente mobilização social e as exigências das entidades financeiras
internacionais que
(...) passaram a exigir o equacionamento da viabilidade
ambiental, ao lado da viabilidade técnica e da viabilidade
econômico-financeira. Portanto, acrescentou-se uma nova
condição indispensável para que possa ser aprovado o
apoio financeiro daquelas entidades a projetos de
desenvolvimento. Surgiram, assim, os estudos de avaliação
do chamado “impacto ambiental”, por tradução direta da
expressão "environmental impact". Como desdobramento,
resulta logicamente a necessidade de planejar, implementar
e operar serviços e obras capazes de assegurar, na pratica,
a viabilidade ambiental. (Eletrobrás, 1986: 11)
Embora a documentação oficial destaque, no
final de 1985, a
importância da ocorrência, da negociação de empréstimo do Setor Elétrico, no
qual havia como cláusula contratual a criação de um departamento de meio
ambiente, os técnicos do setor que acompanharam este processo possuem
interpretações diversas para o fato:
Não há transformação que um banco imponha que seja
duradoura, um empréstimo não pode fazer transformações
136
radicais, pode gerar novas condições de trabalho, novos
critérios, equipes etc. Isso eu tenho plena convicção de que
esse tipo de intervenção não se sustenta se não houver
outros ingredientes, se não houvesse algo no setor que
responda
a
isso,
tanto
tecnicamente
como
institucionalmente. Por isso, não procede dizer que o Banco
Mundial pressionou o setor para se organizar com relação
ao meio ambiente. O Banco Mundial tem uma longa historia
de trabalho com o setor elétrico durante toda a época de
expansão do planejamento e, sem duvida alguma, teve um
papel muito importante. Por outro lado, nesse período que
surge a questão ambiental, é a época dos empréstimos
setoriais um e dois. O dois nunca se fez, foi negociado, mas
nunca foi aprovado. E o 1 realmente foi uma introdução meio
pela porta de trás, quer dizer foi assim: o banco estava
despertando para a “questão ambiental” de uma maneira
nova. Tinham pessoas no banco que, desde o final dos anos
70, vinham trabalhando nesta área, embora os registros
sociais do banco sejam de 81 e 82. Essa equipe do banco
começou a colocar como necessidade uma avaliação
ambiental dos empreendimentos e, com isso, foi elaborado o
Plano Diretor 1. Nesse contexto, surge a discussão de que
existe uma diferença entre financiar um empreendimento e
financiar um setor. Por isso, surge a discussão do primeiro
empréstimo, e a necessidade de se definir diretrizes gerais,
de flora, fauna, reassentamento etc. O empréstimo era para
desembolso rápido, de ajustes estruturais no setor e tinha
um componente especifico com o negocio de Itaparica.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
Ou ainda:
Tem um fato que acho que motivou muito a criação do
Departamento de Meio Ambiente. Por volta de 87 e 88, foi
aberta a negociação com o Banco Mundial, uma modalidade
antiga de financiamento do setor, quer dizer, alem dos
recurso internos, tinham os acordos externos, o interlocutor
do setor com o Banco Mundial, foi a Eletrobrás. A Eletrobrás
pegava o financiamento e repassava para as empresas.
Nessa negociação com o Banco a “questão ambiental” era
dada como algo que deveria ser tratado. Inclusive acho que
num primeiro momento, isso levou a Eletrobrás a se
preocupar com o meio ambiente, a constituir uma equipe de
meio ambiente e começar a trabalhar com meio ambiente.
Foi uma imposição do Banco Mundial, numa negociação,
num contrato de financiamento. Agora, não foi só isso. Seria
subestimar as questões internas que estavam acontecendo,
que são fundamentalmente três: a primeira, os impactos
negativos nos projetos dos anos 70 (...), a segunda, a
137
própria regulamentação do licenciamento ambiental e a
terceira, a forma de utilização dos recursos naturais prática
pelo setor e que não cabia mais no contexto. (depoimento
de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
A discussão sobre a influência do Banco Mundial no processo de
institucionalização da questão ambiental no Setor Elétrico tende a suscitar
controvérsias que variam entre a defesa de uma relação direta de causa e efeito e
a rejeição da idéia de pressão. Essa divergência revela formas diferenciadas de
percepção do grau de autonomia do Setor Elétrico face a seus interlocutores no
Campo Ambiental. Segundo a maioria dos entrevistados, a mencionada pressão
do Banco Mundial pode ser observada, neste contexto, apenas como um
ingrediente, cuja importância deve ser relativizada, face a fatores mais relevantes,
tais como a avaliação das experiências do setor que, naquele momento, eram
alvo de estudos e discussões de diferentes segmentos da sociedade civil.
Não comungo dessa leitura que coloca a criação do
Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás como uma
imposição do Banco Mundial; isso não existe. Mais
importante eram as questões internas do setor e as
demandas que tinham de ser respondidas. Não se pode
esquecer que por volta de meados da década de 80, se
fortalece a atuação de muitos movimentos ambientalistas,
inclusive candidaturas verdes. É como se o setor tivesse de
encarar o fato de que não dava mais para planejar sem
contar com o meio ambiente. E depois basta ver que esse tal
empréstimo que virou uma mítica aqui dentro, nem saiu
todo. E tem de ver também que nesta época os
investimentos do Banco não eram lá tão grandes assim.
Acho também que o próprio Banco estava, nesse momento,
meio que se organizando para o meio ambiente. Não
funciona desse jeito, essa leitura empobrece, basta ver que
hoje, os órgãos multilaterais não impõem a execução de um
sistema de gestão ambiental nos projetos, e se ele existe é
porque é pactuado com o setor. Tanto é que existem
diferenças entre o sistema que utilizamos e o modelito do
banco, por exemplo, o meio ambiente hoje é um contrato
entre as partes. (depoimento de técnico de meio ambiente,
cargo de chefia)
138
É importante destacar que em todos os relatos coletados, a aceitação e
negação da pressão exercida pelo Banco Mundial era, inicialmente, identificada a
partir de seu peso ideológico atribuído em função do contexto geral de
emergência da questão ambiental, e da constituição de seu campo de discussão.
Dentre os relatos que abordaram essa questão destaca-se:
A certa altura da conversa com o Banco Mundial, se
enviou 17 caixas contendo estudos realizados e depois
nunca mais se falou em pressão do Banco. No fundo, essa
pressão nunca existiu do jeito que foi veiculada, acho que a
pressão é mais ideológica, de um dado momento, quando
muitos segmentos da sociedade estavam discutindo a
questão ambiental, inclusive o Banco. O Banco batia pé com
o negócio do Comitê de Meio Ambiente, por exemplo, que a
Eletrobrás gerenciou durante anos, sei lá , talvez 4 ou 5
anos, que tinha um bando de gente conceituada, isso foi
absoluta insistência do Banco. O setor negociou o
empréstimo setorial 2 , que era o programa que se queria
fazer. O Banco não financiou, mas ele foi todo cumprido
através de um acerto com a própria Eletrobrás que percebeu
o quanto era importante esse programa. (depoimento de
técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
Controvérsias à parte, o fato é que, segundo alguns entrevistados, em
1986, como decorrência dessa pressão, o setor editou dois importantes
documentos: o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais (junho) e o Plano Diretor
para Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor
Elétrico (I PDMA). Estes documentos são considerados, pela maioria dos
entrevistados, como a primeira iniciativa de fato, marcada pelo debate sobre as
questões ambientais :
Antes da criação deste departamento, existia apenas
um grupo de 4 ou 5 técnicos que trabalhavam dentro do
departamento de recursos hídricos, que faziam inventários.
Nessa equipe, havia uma psicóloga, um administrador de
empresas, uma assistente social, um economista e um
geógrafo, que era a pessoa mais técnica. Essa equipe tinha
feito o manual de meio ambiente da Eletrobrás, era uma
139
equipe que vinha desenvolvendo informalmente um certo
trabalho. (depoimento de técnico setor de planejamento)
Para conferir um suporte institucional ao tratamento da questão
ambiental, foi constituído o CCMA, como órgão de aconselhamento da Diretoria
Executiva da Eletrobrás (vide Capitulo II), no qual atuaram especialistas de
notória experiência com a temática ambiental. No inicio do ano seguinte (1987),
foi criada, no Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás, a Divisão de
Meio Ambiente, com a atribuição de definir diretrizes e metodologia que
atendessem às questões sócio ambientais no planejamento das políticas do setor.
De acordo com grande parte dos relatos, a historia do Setor Elétrico, no que se
refere ao tratamento das questões ambientais, observou três momentos distintos,
a saber: o primeiro, quando o tema ocupava um plano secundário, “ignorando-se
os impactos provocados pelos empreendimentos do Setor, a há menos de
algumas ações isoladas e descoordenadas na área de reflorestamento ou de
peixamento dos reservatórios, juntamente com a indenização dos proprietários
atingidos” (Amaral e Albuquerque, 1993); o segundo, correspondente à fase
"corretiva", quando “medidas corretivas” são aplicadas a empreendimentos já em
operação” (Amaral e Albuquerque, 1993) e, finalmente, a terceira fase, que é
considerada como conseqüência da baixa eficiência e alto custo dessas medidas
e dos requisitos demandados pela Resolução CONAMA 001/86, na qual
“programas e providências para mitigar ou compensar impactos negativos são
desenvolvidos ainda na fase de projeto” (Amaral e Albuquerque, 1993). Embora
as três fases acima mencionadas sejam aparentemente sucessivas, na prática,
elas coexistem, o que sugere que uma das características da atuação do Setor
Elétrico é a adoção de procedimentos específicos, segundo demandas pontuais:
140
Dançar conforme a música, tem sido nossa
especialidade; desde que o meio ambiente passou a ser um
dos requisitos para os projetos, cada caso é um caso e a
gente tem de correr para apagar incêndios, acho que isso
está nos transformando em generalistas, porque eu sou
engenheiro agrônomo, mas já me envolvi com salvamento
de bicho, com peixamento, já corri para acalmar população
revoltada, como disse, aqui se acaba funcionando conforme
a demanda. Não acho que isso seja ruim não, acho que é
uma marca do meio ambiente. Nessa área não dá pra ter
tudo sobre controle, não dá pra prever a longo prazo, aí as
coisas vão meio que se atropelando, mas no final dá tudo
certo. (depoimento de técnico do departamento de meio
ambiente).
Logo em seguida à criação do Departamento de Meio Ambiente da
Eletrobrás, foi criado, para dar suporte, o COMASE, constituído pela Portaria
no. 511 do MME, publicado no Diário Oficial de 26/04/88 (vide Capítulo II). O
Departamento
de
Meio
Ambiente
possuía
duas
divisões:
uma
de
acompanhamento e uma de estudos e planejamento e estava subordinado à
Diretoria de Planejamento e Engenharia:
Foi criada então uma divisão que tinha a ver com
planejamento,
com
integração,
uma
divisão
de
desenvolvimento regional. Nessa época tinha uma discussão
muito importante sobre o que era inserção regional e uma
discussão sobre o que é que o setor elétrico tem que fazer
ou não fazer. O que deve ser absorvido pelo setor elétrico,
quais as suas obrigações quando implanta um
empreendimento
que
tem
repercussões regionais.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
141
4.2.1 Temas e propostas no campo de negociações
Uma das principais tarefas a que se dedicaram os técnicos do
Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás foi a realização do levantamento
detalhado dos recursos humanos e da estrutura organizacional das áreas de meio
ambiente das empresas. Além disso, foram iniciados estudos tendo em vista a
realização de modificações no Orçamento Padrão do setor, de modo a incluir as
rubricas referentes aos custos sócio ambientais:
Um fato importante é que o departamento de meio
ambiente foi criado de uma forma completamente diferente.
Freqüentemente, os chefes de departamento eram pessoas
que estavam muito ligadas ao tema de seu departamento,
que já vinham trabalhando com o tema e, no caso do meio
ambiente, o departamento foi criado e chefiado por um
técnico vindo de outra área. É certo que era criado com
apoio da presidência, da direção do planejamento, mas na
contramão dos procedimentos institucionais que sempre
eram utilizados; de um lado isso nos fortalecia,
principalmente no desafio de inserir os custos ambientais, de
outro isso nos assustava pois qualquer escorregada podia
servir para desqualificar todo o trabalho. Até por que essa
forma de começar uma experiência com apoio da
presidência, com certeza não contentou a todos.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
A maioria dos relatos coletados e parte dos documentos pesquisados
destacam que durante um bom período de tempo, o grande dilema da definição
de procedimentos técnicos para o tratamento da questão ambiental passou pela
necessidade de quantificar seus diferentes aspectos (transformados em
variáveis), de modo a poder definir seus custos para introduzi-lo no custo total do
empreendimento, contemplando-o quando de sua avaliação
econômico–
financeira. Nesses termos, a relação entre custos ambientais e planejamento teve
inicialmente como centralidade a discussão sobre o preço das ações ambientais,
quem paga, quem recebe e como internalizar esses custos na avaliação
142
econômica e energética dos empreendimentos e no processo de tomada de
decisão. Nessa discussão, segundo Assumpção (Eletrobrás,1994):
O sistema contábil adotado pelo Setor Elétrico não é
compatível com a relevância dos custos ambientais e com
as necessidades de planejamento e controle que a
magnitude dos valores envolvidos exige. (...) destacam-se,
ainda, as dificuldades (...) – a dificuldade em se distinguir, no
custo de componentes de um empreendimento, qual é a
parte especificamente sócio ambiental (...) ; - a prática de se
incorporar aos projetos desde as primeiras obras do Setor,
aspectos de cunho nitidamente sócio ambientais, mas que
nunca foram assim definidos. (...); - muitas variáveis
ambientais não são quantificáveis e, mesmo quando
passíveis de quantificação, não podem ser expressas
monetariamente de forma a serem transformadas em
variáveis integrantes dos modelos tradicionais utilizados
para a avaliação econômico – financeira de um
empreendimento.
Além disso, quando considerados os impactos ambientais associados a esses
empreendimentos, a discussão incorpora novos argumentos:
Os
impactos
sociais
e
ambientais
desses
empreendimentos causam um conflito intrínseco entre
custos a serem absorvidos a nível regional e benefícios
transferidos ao conjunto mais amplo dos consumidores de
energia elétrica no país (não se podendo esquecer , porém,
o perfil da concentração desses benefícios nos setores mais
favorecidos da população). Mesmo a tentativa de quantificar
o custo desses impactos de forma a incorporá-los na
avaliação do setor, baseada no critério de custo mínimo da
eletricidade fornecida ao mercado, parece fada ao
insucesso. É insuficiente a prática do setor elétrico de,
diante da resistência dos movimentos de atingidos por
barragens, simplesmente substituir uma solução pela
imposição de outra., já pronta, determinada no seu interior.
Na verdade, é fundamental para o adequado
equacionamento desses conflitos, uma mudança de postura
do setor, envolvendo a abertura de mecanismos efetivos de
negociação com a sociedade, a partir de sua organização,
informação e posicionamento sobre as diferentes
alternativas possíveis (e não apenas uma única solução). (la
Rovere, 1990)
143
Ou ainda :
Para o padrão hegemônico de planejamento no Setor
Elétrico, as questões sociais e ambientais são variáveis a
serem equacionadas em termos de custo financeiro,
obstáculos a serem removidos para que o território liberado
possa ser ocupado pelo empreendimento. (Vainer, 1990)
À dificuldade de se estimar os custos ambientais soma-se a
necessidade de tratar inúmeras questões, alvo das criticas dos movimentos
sociais, de modo a transformá-las em variáveis a serem contempladas pelo
planejamento dos empreendimentos do Setor Elétrico. Dentre as questões mais
importantes, destacam-se aquelas referentes à negociação e interação com a
sociedade e, posteriormente, as relativas à inserção regional. Na realidade,
segundo a pesquisa realizada, o setor elétrico instaura internamente um debate
que revela o reconhecimento de que a realidade social e seus múltiplos matizes
deixam de ser obstáculos para o planejamento, para tornarem-se uma de suas
variáveis. Reconhecimento este que, apesar de ser um avanço, não soluciona a
dificuldade de transformar esses matizes em números, ou melhor em cifrão ($):
Tentei introduzir certos conceitos da economia do setor
publico que implicavam em você distinguir muito bem que
natureza de empresa é a empresa de energia elétrica. Onde
ela é ambígua, ela tem uma certa esquizofrenia. Ela, por um
lado, é uma empresa que é criada como estatal. Estatal
porque a função dela é produzir energia e tem ai uma
definição de custos etc. E, ao mesmo, tempo ela é uma
empresa pública, que tem objetivos tais como: garantir
suprimentos de energia elétrica para setores que muitas
vezes não podem pagar através da tarifa normal.
Obviamente, quando você começa a discutir o tema
ambiental, tem de se ver que dimensão do empreendimento
precisa ser considerada. Nessa discussão procurei introduzir
a reflexão sobre a viabilidade da obra, incorporando a área
ambiental e social, só que tinha aspectos que não eram pré
definidos, não podiam ser estimados a priori porque passam
por uma negociação. Você não pode ter algo que é
essencial para a implantação de uma obra e o setor não
144
paga por ela, nem o consumidor paga por ela. E existem
vários itens desses: reposição de um cemitério, de vias de
acesso, isso sem falar de perdas que não são mensuráveis,
mas que são demandas pelas pessoas que estão mais
conscientes de seus direitos. (depoimento de técnico de
meio ambiente, cargo de chefia)
Ou ainda:
Enquanto o planejamento não tiver flexibilidade
suficiente para incorporar o terreno das incertezas, os
empreendimentos estarão fadados ao insucesso, tanto no
que se refere à minimização de impactos, como a
possibilidade de redução dos passivos ambientais, tão
típicos dos empreendimentos até aqui implantados. Não
quero dizer com isso, que os orçamentos tem de ser
imprevisíveis, não, mas sim que tem de considerar
mudanças de percurso controláveis. Até porque o que se
tem visto é que orçamentos são estourados na base da
pressão, da corrida para apagar incêndios, da corrida atrás
do prejuízo, e nisso é só o setor quem perde, pois os custos
estouram e a imagem institucional vai junto pro brejo.
(depoimento de técnico área de meio ambiente).
Essa discussão revela de um lado, a complexidade da contabilização
dos custos ambientais e, de outro, o embate entre meio ambiente e planejamento.
A contabilização dos custos ambientais remete à dificuldade de contemplar custos
tangíveis, intangíveis, mensuráveis e não mensuráveis, e estimula o impasse
entre profissionais de meio ambiente e profissionais da área de planejamento:
A possibilidade do meio ambiente conseguir introduzir
as variáveis ambientais na fase de planejamento passava
pela possibilidade de conseguirmos transformar em custos,
nossas variáveis. Os engenheiros precisavam de valores
para resolver a equação custo/benefícios e a gente sabe que
nem tudo pode se resumir em valores. As discussões nessa
área são muito grandes, pois por mais que se argumente, ao
final eles perguntam; quanto custa? (depoimento de técnico
de meio ambiente)
Outra referência no discurso institucional remete à noção de Inserção Regional
praticada pelo Setor Elétrico:
145
Acho que nos últimos 10 anos as empresas do setor
elétrico avançaram muito no sentido de se inserir de forma
positiva nas regiões. O problema é que ainda predomina o
paternalismo, a vontade de resolver todos os problemas e
não conseguirmos encontrar a medida exata entre fazer
parte de uma região e contribuir com ela, e assumir apenas
nossas responsabilidades. (depoimento de técnico de meio
ambiente)
Ou ainda:
Parece que o setor já chega numa área se sentindo
culpado e o pessoal do meio ambiente nem se fala, começa
a fazer acordos de qualquer jeito, como se tivéssemos de
resolver tudo. Somos apenas uma empresa que tem como
objetivo gerar e transmitir energia elétrica. Não temos de sair
por aí fazendo escola, dando cesta básica. Só devemos
construir escolas que foram alagadas e dar cesta básica
para os que foram atingidos. Não somos uma empresa de
desenvolvimento, embora nossas usinas acabem trazendo o
desenvolvimento para as regiões. (depoimento de técnico de
planejamento)
Os dois relatos acima são ilustrativos das contradições que permeavam
a discussão acerca da proposta institucional do setor elétrico sobre Inserção
Regional. De um lado, tinha-se o II PDMA que propunha a noção de Inserção
Regional como premissa básica para o planejamento e ação do Setor Elétrico - “a
inserção regional envolve uma concepção do empreendimento no contexto de um
programa mais amplo de desenvolvimento regional” (Eletrobrás, 1990b, v.1, Parte
IV, p.20); do outro, a constatação de que, na prática, essa formulação findava por
confirmar a região, simultaneamente, como um empecilho que tendia a ser
relativisado pela via do atendimento desordenado das demandas locais/
regionais, e como um campo de domínio e definição de responsabilidades – o
que era atribuição do setor público, e o que era do poder público.
À primeira vista, o conjunto de relatos coletados sugere que alguns
temas visam demarcar os limites da presença da questão ambiental no setor
146
elétrico. Internamente, esse limite é dado pelas discussões em torno dos custos
ambientais: “o que é próprio do meio ambiente, e como tal deve ser agregada ao
custo do empreendimento”.
É interessante observar que, no âmbito das negociações internas, a
correlação de força entre os diversos setores tende, em alguns momentos, a
incorporar aos custos ambientais fatores que, tradicionalmente, sempre
integraram outros custos (da engenharia, da administração):
Como o meio ambiente tem um tratamento garantido
pela lei, as vezes, para viabilizar algumas ações, temos de
colocar no meio ambiente outros custos, da mesma forma
que os consultores escrevem como benefícios do meio
ambiente algumas ocorrências que sempre existiram; são os
impactos positivos. (depoimento de técnico de planejamento)
É interessante notar que, complementando a observação anterior,
tem-se que o argumento de que o setor elétrico utiliza externamente, para
viabilizar política, social e institucionalmente seus empreendimentos, está
justamente centrado na proposta de Inserção regional, uma idéia estreitamente
vinculada à noção de desenvolvimento. Esta observação sugere que a
composição do discurso sobre meio ambiente, nas formulações do setor elétrico e
na fala de seus técnicos, varia segundo os diferentes arranjos necessários à
viabilização de seus empreendimentos, seja para minimizar as oposições
internas, seja para minimizar as repercussões externas.
4.2.2
A composição do quadro técnico e a definição de diretrizes
A montagem da equipe técnica do Departamento de Meio Ambiente da
Eletrobrás foi semelhante ao ocorrido nas demais empresas do setor, qual seja:
grande parte do corpo técnico migrou das empresas de engenharia e consultoria
147
e os demais, oriundos de outras áreas do setor elétrico, foram se capacitando
profissionalmente ao longo do processo:
A montagem da equipe foi muito facilitada, o presidente
da Eletrobrás era muito sensível às questões ambientais e
estava respaldado por pessoas muito boas, com muita
tradição dentro do setor publico. A equipe foi montada com
total respaldo. Pela negociação com o Banco Mundial, nós
tínhamos 5 vagas, mas como o respaldo interno era grande,
acabamos conseguindo 13 vagas. Esse era um momento de
baixa no mercado de consultoria, o que facilitou muito a
montagem de nossa equipe, pois fomos buscar o que havia
de melhor nas empresas de engenharia: o SNEC, a
Hidroservice, a Promon, a Engerio e outras. E foi constituída
uma equipe multidisciplinar, com antropólogos, biólogos,
economistas, sociólogos, planejadores, e todos tinham
experiência com hidrelétricas. (depoimento de técnico da
área de Planejamento)
Ou ainda:
Eu acompanhei muito bem esse processo de
montagem do meio ambiente no Setor Elétrico e posso dizer
que a área foi montada com a excelência técnica, com o que
havia de melhor no mercado. Acho que por isso o Setor
Elétrico é um dos setores das políticas publicas que melhor
formulou diretrizes para uma política de meio ambiente. A
gente sabe que foram muitos os conflitos internos e
externos; os empreendimentos do setor geram muita
polêmica, muita resistência, mas há que se fazer justiça.
Mesmo os antagonistas reconhecem que os erros
acontecem, mas o esforço para acertar sempre foi muito
grande. Se você for fazer uma reconstituição histórica
minuciosa, se for possível resgatar cada documento, cada
ata de reunião e entrevistar um a um dos que participaram
desse processo, você vai ver que tudo o que foi produzido,
criticado e produzido de novo, mostra o tanto de pioneirismo
dessa empreitada. (depoimento de técnico de empresa de
consultoria)
A observação dos quadros a seguir sugere que os investimentos do
Setor Elétrico na área de meio ambiente, a partir de 1986, foram mais
significativos,
especialmente
nas
empresas
cujos
projetos
demandavam
148
tratamento especial, tais como a CHESF (UHE de Itaparica) e Eletrosul (UHE de
Ita e UHE de Machadinho).
Unidade : 10³ Cz$
Preços : junho 86
Empresa
ELETRONORTE39
CHESF40
FURNAS41
CEMIG42
CESP43
ELETROSUL44
COPEL45
CEEE-RS46
BINACIONAIS47
TOTAL
1986
1987
1988
1989
225.479
1.127.421
710.560
410.792
1.098.000
2.408.109
283.901
66.636
33.700
165.000
202.500
195.000
1.540
78.500
412.100
1.217.700
240.000
120.309
309.060
359.800
47.230
495.970
859.320
1.072.800
840
19.656
22.568
20.902
-
31.370
10.820
13.945
92.000
162.200
461.080
438.780
1.738.789
4.598.535
3.271.909
3.796.355
QUADRO 4.2: Investimentos para a Proteção do Meio Ambiente
Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas
obras e serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986.
39
- Tucuruí, Balbina, Cachoeira Porteira, Samuel, Ávila, Jiparanã, Paredão/Mucajaí e Manso.
- Itaparica, Xingo, Pedra do Cavalo.
41
- Serra da Mesa, Canabrava e Corumbá.
42
- Nova Ponte, Miranda, Capim Branco e Igarapava.
43
- Rosana, Três Irmãos, Taquaraçu e Porto Primavera.
44
- Ita, Machadinho, Jorge Lacerda IV e Jacuí.
45
- Segredo.
46
- D. Francisca e Pres. Médici + Candiota III.
47
- Itaipu e Garabi
40
149
CAPACITACAO E TREINAMENTO DE PESSOAL
- Cursos: Aperfeiçoamento técnico em Meio Ambiente – 1987 - custo: Cz$
7.000.000,00
- Patrocínio de Bolsas de Mestrado e Doutorado para profissionais da área de
meio ambiente, empregados ou não das empresas concessionárias (5 bolsas de
mestrado e 3 de doutorado, a partir de 1987)
Custo estimado no primeiro ano: Cz$ 534.000,00
Tais como os investimentos na área de meio ambiente que, pouco a
pouco, vão ganhando espaço, também vão se modificando os critérios de escolha
para os cargos de chefia nesta área, sendo ocupados, na maioria das vezes, por
técnicos que chegam ao setor e que não têm, necessariamente, o domínio da
temática:
A partir de 93, 94, o meio ambiente é dirigido por
pessoas que chegam de fora do planejamento, a diretoria
passa a ser um cargo político, sem conotação técnica,
alguns não entendem nada de meio ambiente, mas ainda
assim assumem o cargo de direção do departamento. Avalio
que esse procedimento deve-se ao fato de que o
departamento passa a ser uma instancia para viabilizar
projetos de engenharia e perde seu caráter de política
setorial. (depoimento de técnico de meio ambiente)
O II Plano Diretor de Meio Ambiente é considerado como um dos
principais documentos produzidos pelo Departamento de Meio Ambiente da
Eletrobrás:
O segundo Plano Diretor foi, de certo modo, uma
estratégia que a gente utilizou para viabilizar uma política de
meio ambiente no setor. Se é a visão mais acertada, não sei;
sei que este documento foi uma visão da coleção de
técnicos do setor nesse momento, das empresas de
150
consultoria que contribuíram para isso, pois tinham muita
experiência na área e executaram os estudos de caso.
Nossa estratégia foi “comer o boi aos bifes”; vamos aprovar
isso, ela vira política do setor elétrico e ela vai ter de ser
sentida num período de 3 anos, uma coisa assim, pra dar
margem pras empresas testarem e identificarem o que
funciona e o que não funciona. Eu acho que essa estratégia
foi fundamental para se aprovar o plano, senão era essa
coisa de aprovar e colocar na gaveta. Isso permitiu que se
pudesse cobrar: "essa é a política do setor e vocês não a
estão cumprindo". Além disso, na elaboração do plano se
envolveu o pessoal do planejamento e da engenharia.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
A este documento é atribuído o mérito de dinamizar o debate sobre o
Meio ambiente entre as empresas concessionárias e a Eletrobrás; sua elaboração
foi subsidiada por um conjunto de estudos:
A estrutura técnica de elaboração do primeiro PDMA foi
completamente diferente da do segundo. No primeiro, tinha
um consultor, por exemplo, que era tido como uma espécie
de guru. Acho até que ele cumpriu bem sua tarefa. No
primeiro documento, teve um papel fundamental: levantou
questões que tinham de ser levantadas, só que quando o
meio ambiente passa a ter um espaço institucional definido,
um corpo técnico especializado, não faz mais sentido a
elaboração de um plano de um consultor, a questão tem de
ser internalizada por todos, discutida e rediscutida.
(depoimento de técnico da área do Planejamento)
Segundo la Rovere (s/data), o II PDMA concretizava a tentativa de
definir uma política de meio ambiente para o setor, tentativa esta iniciada com a
criação das áreas de meio ambiente e a constituição de um quadro técnico a
altura da nova situação: “o desafio que se colocava era de organizar as áreas de
meio ambiente e de dotar o setor de um esquema conceitual de referencia, com o
objetivo de possibilitar a homogeneização mínima para que fossem formuladas
diretrizes. Os estudos temáticos e o Plano Diretor serviram a esse propósito”.
151
Os anos de 92 e 93 foram interpretados por alguns entrevistados como
um período que pode ser considerado como o “ciclo dos instrumentos”, pois
nesse momento, foi realizada a revisão de todos os manuais:
Além da revisão de todos os manuais a gente trabalhou
também alguns instrumentos usando o conhecimento das
empresas, naquele formato de Grupo de Trabalho do
COMASE que, fundamentalmente, foi o trabalho do
mecanismo de relacionamento com a sociedade que tenta
avançar em relação àquele formato da política do PDMA,
com destaque para a revisão do orçamento padrão da
Eletrobrás. Nesse momento, se discutia também a parte
financeira do projeto, a inclusão das rubricas ambientais.
Esse era um desafio muito difícil pois havia uma resistência
muito forte em se mexer com as contas maiores.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
Outro documento considerado importante nesse momento foi o Plano
2015, lembrado nos depoimentos como um dos principais indicativos de
mudanças no Setor Elétrico no âmbito do debate ambiental:
Um marco que considero, nesse momento em que o
meio ambiente era discutido exaustivamente no setor, foi a
elaboração do Plano 2015, numa visão bem diferente de até
então dos planos de longo prazo. Ao invés de definir uma
lista de usinas, hierarquizadas, ele foi um plano muito
estratégico, conceitual, com diretrizes gerais e caminhos a
explorar. Também para ele foram feitos uns 20 estudos
paralelos; um deles era de revisão do inventario. Isso para
ver como cada empreendimento incorpora o meio ambiente
na sua resolução, como é que o meio ambiente poderia
alterar a prioridade de investimentos. Essa foi a
oportunidade de se entrar com o tema, e o 2015 foi uma das
oportunidades. Lembro que a grande discussão remetia aos
custos. Você tem uma série de custos que são perfeitamente
quantificáveis, porque são de reposição ou são fruto de uma
negociação, enfim custos mensuráveis que se traduzem em
dinheiro. É óbvio que tem outros que não são mensuráveis:
o que vale a perda de Sete Quedas? Não é mensurável. Eu
acho que tem uma boa análise de custo do que é
mensurável e essa análise é a forma como se conseguia
dialogar com o planejamento e com a engenharia, era a
linguagem deles, a elaboração do plano 2015 era o exercício
para isso. Foi feito um estudo aprofundado pelo CEPEL,
152
com participação de nossos técnicos e alguns consultores, o
que permitiu delinear uma nova metodologia. Colocamos
todos os empreendimentos debaixo de um rol de critérios
constantes, o que possibilitou a hierarquizar os
empreendimentos impactantes a partir do caso mais robusto
dos empreendimentos que não são desejáveis. É obvio que
existiriam outros se você conseguisse introduzir os custos
não mensuráveis, mas aí seria demais, só com os custos
mensuráveis uma grande parte da questão estava
equacionada, aí era só tomar a decisão. (depoimento de
técnico de meio ambiente)
A pesquisa realizada para a elaboração desta tese utilizou, como um
de seus instrumentos de investigação, a aplicação amostral de 26 questionários
junto a técnicos de nível superior que compõem as equipes de meio ambiente das
empresas integrantes do Setor Elétrico.
Os técnicos que responderam ao questionário têm entre 35 e 52 anos,
estão, em média, há 13 anos no setor Elétrico (o mais antigo está há 20 anos, e o
mais recente há 5 anos) e, na área de meio ambiente, atuam em média há 7
anos. É interessante notar que a grande maioria (95%) daqueles que ingressaram
no Setor Elétrico diretamente para a área de Meio Ambiente trabalhava em
empresas de consultorias e que os quadros atuais dos departamentos de meio
ambiente ainda são compostos por profissionais transferidos de outras áreas das
empresas, principalmente da área de engenharia.
A
maioria
participou
de
praticamente
todas
as
etapas
dos
empreendimentos do setor – do Inventário à Operação -, tendo atuado em obras
de grande porte tais como as Usinas Hidrelétricas de Tucuruí (PA) e Serra da
Mesa (GO), dentre outras. Desses profissionais, a metade declarou que,
freqüentemente, participa de cursos de atualização na área de meio ambiente, e
153
apenas uma minoria (10%) tem apresentado trabalhos em seminários e /ou
congressos do setor.
Como principal resultado desta investigação, tem-se que no universo
pesquisado predominam os engenheiros, embora sua formação inicial tenha sido
complementada por cursos de pós-graduação em outras áreas que não a da
engenharia. No Estado do Rio de Janeiro, o curso de pós-graduação mais
realizado por alguns dos técnicos que preencheram os questionários é o Curso de
Mestrado e Doutorado da Coppe/UFRJ – Planejamento Energético.
4.3
A Construção do Espaço Institucional
A despeito das experiências vividas pelas empresas do setor elétrico
na área de meio ambiente, pode-se observar que a constituição e a consolidação
do espaço referente ao meio ambiente tendem a ocorrer a partir dos eventos
anteriormente mencionados. Conforme observado, ao longo da pesquisa, a
discussão sobre as questões ambientais, na maioria das vezes, aconteceu em
função de demandas referentes a empreendimentos específicos. Desse modo, a
relação estabelecida com o tema foi construída em meio à necessidade de
responder as pressões da sociedade e/ou face à premência do licenciamento
ambiental. Nesses termos, tem-se que empresas como a Eletrosul e a Chesf,
pressionadas pelas demandas em torno de seus empreendimentos, lançaram-se
em busca de alternativas institucionais capazes de atende-las:
A Chesf, enfrentava a experiência com Itaparica, o
pessoal de Minas com Nova Ponte em curso, essas
experiências eram um pouco laboratório, no Paraná o
desafio era Segredo, Todas tinham projetos em curso e a
“questão ambiental” era vital para essas empresas. Todas
tinham de lidar com o meio ambiente. Algumas delas já tinha
uma trajetória no tema. A CESP, por exemplo, tinha, nesse
154
momento, final da década de oitenta, 200 pessoas na área
ambiental, com suas ações basicamente voltadas para o
reassentamento. A Eletrosul também tinha uma equipe
grande. Enfim, quem estava com um problema na mão,
estava atuando independente da Eletrobrás. Eles estavam
fazendo as suas coisas. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
Tomando como ilustração o processo vivido pela Eletrosul, tem-se que
a discussão sobre as questões ambientais, na década de 80, estruturava-se no
Departamento de Engenharia que integrava uma diretoria específica (Diretoria de
Engenharia); nesse momento não havia ainda uma Diretoria de Planejamento. No
interior da Diretoria de Engenharia, funcionavam os Departamentos de
Engenharia de Hidrelétricas, de Engenharia de Termelétricas e de Engenharia de
Transmissão. Cada um desses departamentos possuía um setor de estudos.
Além desses departamentos, havia ainda o Departamento de Suprimentos, onde
funcionava o Setor de Patrimônio Imobiliário, responsável pela compra de terras,
e indenizações. Em meio a essa divisão, a Diretoria de Suprimentos era
responsável pelas questões referentes às hidrelétricas, especialmente no que se
refere à relocação das cidades, enquanto que a Diretoria de Engenharia cuidava
das termelétricas, e assim por diante:
O meio ambiente era uma questão da engenharia de
hidrelétrica mesmo; no caso de Itá se tinha a parte de
relocação e o funcionamento era assim: a parte de relocação
da cidade estava dentro do departamento de projetos que
tinha arquitetos, porque, fundamentalmente, o que
comandava a discussão ali era o projeto da cidade. A
indenização estava dentro da diretoria de suprimentos e, na
engenharia, tinha lá algumas discussões sobre estudos de
viabilidade, sobre cotas, esse tipo de discussão.
(depoimento de técnico meio ambiente)
Ou ainda:
155
Desde o final da primeira metade da década de 80,
havia uma pressão de fora para que cada área de cada
empresa tivesse um setor de meio ambiente. Em 1987,
chega oficialmente na obra um cara de meio ambiente; isso
foi na Usina, que era uma obra que, na verdade, não tinha
nada, só um canteiro. Esse cara estava vinculado ao
departamento de termelétrica que já tinha um setor de meio
ambiente dentro da área de engenharia. Era um setorzinho
pequeno que vivia brigando com os engenheiros. Acho que
esse setor existia desde 83. (depoimento de técnico
patrimônio)
Ao que parece, as disputas e as divisões marcaram a configuração do
espaço dedicado ao debate ambiental, uma situação que visava caracterizar o
contexto do processo de institucionalização deste tema no Setor Elétrico:
O departamento de patrimônio brigava para ter o meio
ambiente, o departamento de engenharia de hidrelétricas
queria o meio ambiente; havia uma disputa que expressava
as demandas de projeto. A termelétrica ficou lá, ficou com o
seu setor de meio ambiente, não quis entrar na disputa.
Então, isso aqui ficou meio que o meio ambiente de
hidrelétricas, premiado por contada daquela historia da
arquitetura da cidade de Ita. Era uma briga, como se fosse
no fim uma briga de engenharia e arquitetura, com o
patrimônio que cuidava da indenização e da negociação. É
bom lembrar que estamos no inicio dos anos 90 e que a
partir daí começa uma maluquice danada, pois o meio
ambiente passou por três áreas mais ou menos.
(depoimento de técnico de meio ambiente)
Ou ainda:
A relação com as divisões era complicada, pois na
verdade, cada departamento continuava fazendo o seu
trabalho e achando que a divisão era completamente
desnecessária. Isso porque não percebia a importância
também das relações externas da empresa. O
funcionamento era meio esquizofrênico, com as divisões
ficava a responsabilidade do licenciamento, as divisões eram
executivas, tinham de cumprir metas e executar programas.
Aqui também ocorre a disputa por orçamento. Mais adiante,
vai ocorrer nova ruptura, quando se cria uma divisão de
meio ambiente no planejamento. Tem agora meio ambiente
na engenharia de hidrelétrica, por conta de Ita, na parte de
termelétrica e na transmissão tem alguma coisa. São áreas
156
dentro de uma divisão e essa divisão dentro do
planejamento. Essa divisão passa a ter a função de
representação institucional. (depoimento de técnico de meio
ambiente)
A discussão na Eletronorte também ocorreu dividida por temas
organizados em
ecossistemas (meio físico, meio biótico e meio social, ou
sócioeconomia); este ultimo tangenciando as discussões relativas ao patrimônio
imobiliário, nos termos da estrutura fundiária:
A divisão por meios pareceu a forma mais pratica de
começar a organizar na empresa a discussão sobre o meio
ambiente, além do que facilitava a identificação dos
especialistas, só que foi ficando e até hoje a integração pra
acontecer tem que ser formalizada. (depoimento de técnico
planejamento).
Em contrapartida, na CHESF, a discussão surgiu, inicialmente, no interior
da Diretoria de Operação e, formalmente, em 1986, no interior da Diretoria de
Engenharia, como Assistência Técnica de Meio Ambiente (ATMA), seguindo, em
linhas gerais, orientações semelhantes às mantidas até a atualidade: estudos de
viabilidade
ambiental
do
empreendimento
e
gestão
ambiental
do
empreendimento, ambos envolvendo Planejamento (Diretoria de Engenharia) e
Execução de Projetos (Diretoria de Operação). É importante destacar que todas
as iniciativas da empresa, até a constituição do Departamento de Meio Ambiente,
foram organizadas a partir da necessidade de atender as demandas da UHE de
Itaparica, em torno da qual foram estruturados Grupos de Trabalho (Grupo
Executivo Itaparica).
Como se pode observar, as empresas do Setor Elétrico estruturaramse em função de problemas decorrentes de seus empreendimentos. Foram
discussões e experiências autônomas que, de certo modo, começaram a se
157
consolidar em torno de uma identidade setorial a partir do processo de elaboração
do II PDMA:
A Eletrobrás nunca interferiu no processo de
constituição de departamentos ou áreas de meio ambiente
nas empresas; o que ela tentava era fortalecer através dos
estudos. A própria estrutura da Eletrobrás leva a isso; ela
não é uma estrutura ambiental, é uma estrutura que serve
aos interesses das empresas. Uma coisa eram os estudos e
projeto; outra coisa, os acompanhamentos e os especialistas
ficavam distribuídos assim. (depoimento de técnico de
planejamento)
Ou ainda:
Acho que a estrutura de meio ambiente do setor
elétrico mudou ao longo do tempo em todas as empresas.
Conforme as empresas vão mudando em termos de
estruturação mais geral, mudam as áreas de meio ambiente
também. Nesse meio tempo, a gente considera que
ocorreram alguns avanços, do tipo quando a Cemig passou
a ter uma Superintendência de meio ambiente, um avanço
em termos de institucionalização. A CESP em um dado
momento, alguns anos atrás, teve uma diretoria de meio
ambiente; esquisito, mas, melhor que nada. Esses fatos
louvam a institucionalização do meio ambiente, mas a isso
não correspondem mudanças na estrutura desses
departamentos. Não se centralizava a representação setorial
na Eletrobrás; sempre se tentava colocar a participação de
outras empresas. Mais ou menos nessa época, já tinha
departamento de meio ambiente em todas as empresas, só
que cada uma com uma estrutura diferente. Eu acho, por
exemplo, que o fato de em todas as empresas os técnicos
forem se formando no processo de formação das áreas de
meio ambiente, as tornou iguais nesse processo; havia uma
excelência a ser construída. A nível de Eletrobrás eu não
consigo ver conflitos ou grandes diferenças. E a nível de
empreendimentos, desconheço. A minha percepção é de
que estava todo mundo às voltas com a necessidade de
conceituar e sedimentar uma política e, nesse processo, a
despeito dos conflitos de interesses, predominava a tentativa
de se chegar a um consenso, mas não tenho isso muito
claro. Eu percebia que algumas alianças tendiam a se
formar em torno de afinidades técnicas e pessoais que, sem
duvida, facilitavam a conversa. E, nesse sentido, os estudos
temáticos realizados serviram para aproximar visões
semelhantes, e depois na formulação do segundo PDMA as
158
articulações se consolidaram. (depoimento de técnico de
meio ambiente, cargo de chefia)
A pesquisa realizada indica o processo de elaboração do II PDMA
como sendo considerado um marco na instauração do diálogo entre as empresas
do setor em torno da questão ambiental:
Quando começamos a montar o Plano Diretor, o
segundo, não acho que as empresas tinham uma rotina de
discussão das questões ambientais, nem internamente, nem
com a Eletrobrás. O processo de constituição do plano, que
envolveu estudos temáticos e estudos de caso, é que
mobilizou a discussão, até porque as empresas foram
chamadas a discutir cada um dos aspectos contidos no
Plano, nada passou sem a aprovação e o debate que
envolveu, pelo menos 12 empresas intensamente. Foi
altamente intenso o trabalho de articulação em torno do
plano diretor, quer dizer, não teve mão de consultor ali,
depois de entregues os estudos temáticos, tudo foi escrito
dentro do setor. Foi um grande passo a frente; nessa
discussão nós fizemos questão de trazer a engenharia. Não
interessava só uma discussão com o meio ambiente,
internamente, já tínhamos discutido tudo, tinha de ser uma
discussão do setor como um todo, sobre o meio ambiente.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
4.3.1 Silêncios, diálogos e enfrentamentos: aproximações e afastamentos
A relação entre a Eletrobrás e as empresas concessionárias em torno
do debate sobre meio ambiente, inicialmente, passou por dificuldades que iam do
desconforto à disputa por autoridade. Segundo alguns relatos, algumas empresas
concessionárias questionavam o caráter fiscal da relação:
O contato do departamento de meio ambiente da
Eletrobrás com os técnicos das outras empresas e da
engenharia, no inicio, era muito frágil, aqui se tinha de
aprovar os projetos. Se fazia a parte ambiental e, nesse
momento, se tinha contato com o pessoal da engenharia
para saber informações dos projetos. Não se faziam
reuniões depois com o tempo foi acontecendo. Isso já
159
estabelecia um tipo de relação com as empresas, eles
sabiam que a gente ia lá para falar dos estudos que iam ser
aprovados ou não. Em geral eram aprovados, se pedia para
melhorar aqui ou ali e acabavam sendo aprovados.
(depoimento de técnico de meio ambiente)
Por outro lado, eram grandes os esforços no sentido de ampliar, no
debate interno da Eletrobrás, a presença de representantes das empresas
concessionárias:
A relação com as concessionárias era sempre mais
fluida, mais) cordial, não era de mando explicita, a gente
sabe que em outras áreas da empresa isso existia, mas com
o meio ambiente, não. Como se estava elaborando o PDMA,
se estava definindo diretrizes; havia seminários, eventos
sobre os estudos temáticos, onde se procurava, a partir de
experiências das empresas, sistematizar as futuras
diretrizes. Havia uma troca de experiência. Então tinha uma
rede, sempre se procurava colocar alguém de uma empresa
para falar de um assunto. (depoimento de técnico de
Planejamento)
Até o final da década de 80, apesar dos esforços, o diálogo entre as
empresas do setor em torno do tema era bastante irregular e eram nítidas as
arestas: “a Eletrobrás não tinha um fluxo de informação formado. Nesse
momento, em 1989, o dialogo com as empresas era ralo”. (depoimento de técnico
de meio ambiente) Ou ainda:
Furnas foi a empresa que mais demorou a formar um
departamento de meio ambiente coeso. Tinha áreas de
estudos, projetos. Tinha o meio ambiente da engenharia,
tinha uma área de estudos de viabilidade, uma área de
projeto básico, de executivo. Aí, a gente podia perceber uma
ruptura, pois tinha uma equipe para tratar das questões de
estudos e outra equipe para tratar das questões do projeto.
Quem tinha distribuição tinha um meio ambiente direcionado
a arborização urbana. Entende como fragmentado e foi
desse jeito que o meio ambiente foi se constituindo na
empresa. No contexto da discussão do setor com Furnas, o
diálogo sempre foi difícil, até porque sua disputa com a
Eletrobrás era muito grande e como a Eletrobrás puxava a
discussão, a conversa acabava permeada por outros fatores
160
que não tinham, necessariamente, nada a ver com o meio
ambiente. (depoimento de técnico de patrimônio)
No contexto institucional, os acordos e desacordos em torno da
questão ambiental, muitas vezes, expressavam disputas e confrontos alheios ao
próprio tema. Em muitos casos, o debate sobre o meio ambiente acabava por se
tornar instrumento de disputas de outra ordem, compreendidas a partir da
observação
dos
confrontos
pela
demarcação
de
áreas
de
poder
e,
conseqüentemente, de prestigio no interior do Setor Elétrico como um todo.
Nessa perspectiva, entende-se, por exemplo, a dificuldade de diálogo entre a
Eletrobrás e Furnas; a primeira, representante de um Sistema (Sistema
Eletrobrás) com as atribuições de coordenação, orientação, financiamento,
pesquisa e participação acionária, e a segunda, embora concessionária, detentora
de reconhecido poder político construído ao longo de sua trajetória: “Furnas é
uma empresa respeitável e que sempre teve autonomia política e financeira;
mexer com Furnas é mexer com o Brasil, entende?”. (depoimento de engenheiro
de projeto)
Ao longo do processo, contudo, as empresas foram se acomodando e
contribuindo com o debate, de modo a delinear diretrizes e procedimentos no
tratamento da questão ambiental. Entretanto, essas diretrizes, presentes
principalmente
no
II
PDMA,
não
são
consideradas,
pela
maioria
dos
entrevistados, como a política ambiental do Setor Elétrico. Isso porque cada
empresa, de per si, tendia a declarar que atuava em consonância com princípios
e diretrizes próprios que “até estão afinadas com as sugeridas no II PDMA” .
Nossa principal referencia sem duvida é o PDMA, mas
temos procedimentos próprios, definições compatíveis com
nossas necessidades, que as vezes não são as
161
necessidades da Eletrobrás e acho até que na área de meio
ambiente ter autonomia é fundamental, pois quando formos
cobrados lá fora, vamos ter que responder de acordo com
nossas possibilidades, não será a Eletrobrás a responder
por nós. (depoimento de técnico de meio ambiente)
A própria aprovação do II PDMA dependeu de estratégias e arranjos
internos, de modo a construir o consenso institucional em torno do documento:
O PDMA, para ser aprovado, precisou do respaldo do
COMASE, e isso foi uma estratégia da Eletrobrás, não de
toda a empresa, mas sim da diretoria. Todos os documentos
deveriam sair com o aval do COMASE, como uma estratégia
da Eletrobrás de dar a esses documentos legitimidade
setorial. Isso foi possível porque nesse momento e até 1993,
os diretores eram oriundos do planejamento; a partir daí,
começaram a ser de fora, gente que nem entendia porque
existia uma equipe de meio ambiente. (depoimento de
técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
Além das disputas expressas na forma de alocação do tema, na
estrutura organizacional do setor – divisões internas das empresas -, o tratamento
da questão ambiental remeta também às diferentes etapas dos empreendimentos
do setor:
É importante ter claro que discutir meio ambiente no
setor elétrico não é igual para todos os níveis do
planejamento setorial. Uma coisa é discutir empreendimento,
outra, plano de expansão, outra, inventário, outra programa
de curto prazo; não se pode querer simplificar com criticas
indiscriminadas. Em políticas publicas, há que se
contextualizar e no setor elétrico há que observar esses
níveis de que falei e, mais do que isso, identificar empresas
e setores das empresas. Tratando-se de setor elétrico, não
existe um lugar igual ao outro, sequer semelhante; acho que
sem querer, ou querendo, sei lá, construímos um terreno de
muitas diferenças. Vai ser difícil você encontrar aqui duas
falas iguais. (depoimento de técnico de meio ambiente)
Além das diferenças apontadas, a discussão transita por tons que vão
do conservadorismo à descrença total na relevância do tema:
162
Duas coisas foram muito marcantes nas discussões
envolvendo as empresas: o conservadorismo e o medo do
reconhecimento de diretos e responsabilidades; as pessoas
entravam em pânico. Presenciei muita gente dizendo: numa
negociação não se pode dizer nada, você tem de se
esconder. As vezes, era patético. Isso sem falar naqueles
que claramente não acreditavam que o meio ambiente
pudesse ser um fator importante. Toda essa discussão
gerou as diretrizes, os documentos mais importante; agora
os bastidores, as reuniões, eram uma coisa. E havia ainda a
rejeição política ao papel da Eletrobrás; Furnas, então, vivia
uma disputa acirrada conosco, talvez por ser mais
independente financeiramente, sempre rejeitou e foi contra.
Até as federais inicialmente rejeitavam a liderança
institucional da Eletrobrás na definição de uma política
ambiental para o setor. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
Na realidade, há que se saber de que meio ambiente se está falando e
quem está falando; ou seja, de que tipo ou estágio das atividades do setor e de
que lugar na estrutura institucional :
Na obra, a gente tem quase que engolir o meio
ambiente; não é nossa especialidade. mas temos de atender
ao que é recomendado; é diferente do pessoal de escritório
que fica planejando, sem contar que, no dia a dia da obra,
muita coisa acontece de forma muito diferente de como está
previsto no papel. Na minha opinião, as pessoas tinham que
fazer um estágio na obra antes de se arriscar a planejar pra
obra e para a operação, que é outra história. (depoimento de
engenheiro de projeto)
Ou ainda:
As empresas foram assimilando o meio ambiente aos
poucos e de forma diferenciada internamente, até porque os
setores das empresas têm uma cultura própria, a cultura da
obra, a cultura da produção, a cultura da distribuição, é uma
coisa maluca. São muitos que não se falam, não se
comunicam, é como se não existissem. E na pratica, é um
monte de conflitos, conflito entre a obra e a operação, quer
dizer a operação não aceita os critérios da obra. Como é que
uma empresa constrói algo que o braço operativo rejeita? E
ai, de repente, o meio ambiente chega para costurar isso
tudo. Acho que o diálogo mais fácil sempre foi com o
planejamento de modelagem, pois com os da prancheta,
163
sempre foi um horror. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
A passagem da ausência de diálogo entre as empresas para o diálogo
em bases difíceis, ao que parece, marcou a historia da institucionalização da
questão ambiental no Setor Elétrico e deu indicações de que a temática se
construiu ou foi construída num terreno minado por diferenças e/ou dificuldades
próprias da história institucional, que extrapolavam os limites da discussão em
torno do tema:
O departamento tinha duas divisões e assim continuou
até 1999. Uma era de acompanhamento e a outra era de
planejamento e estudos. A empresa funcionava de um jeito
matricial: quem tinha especialidade trabalhava na sua
especialidade. E a gente ficava trabalhando nos seus temas,
e foi isso que resultou no primeiro volume do PDMA. Na
realidade, cada um na sua especialidade fazia um pouco o
diagnóstico de como o setor vinha tratando a questão
ambiental. Até 89, a gente não tinha contato com ninguém
da engenharia, não tinha contato com outro departamento,
não sabia quem era. O contato era com as pessoas do
próprio departamento e com as pessoas de meio ambiente
de outras empresas. (depoimento de técnico de meio
ambiente)
Ou ainda:
O meio ambiente na Eletrobrás sempre esteve ligado
ao planejamento e muito distanciado das questões da
operação. Eu acho que essa, talvez, tenha sido uma das
dificuldades da gente ter que se estruturar, mesmo quando a
Eletrobrás ainda era forte na função de Coordenação do
Planejamento. A gente articulava a questão do
acompanhamento, mas aí a decisão já estava tomada e tem
aquela etapa intermediária, tem o momento da obra que nós
nunca conseguimos acompanhar bem e tem ainda o
segundo momento, o da operação propriamente dita, que a
gente praticamente tangenciava. (depoimento de técnico de
meio ambiente, cargo de chefia)
164
Observa-se, na maioria dos relatos colhidos, que a referencia à
questão ambiental evoca diferenças e disputas que findam por expressar a
relação entre nós e os outros, os do meio ambiente e os que, por acordos,
negociações ou imposição, assumiam o meio ambiente. Trata-se de um processo
simultâneo de luta e constituição dos sujeitos que, na instituição, transitavam de
forma a movimentar interesses, conflitos e até rupturas. Nesse sentido, o discurso
ambiental (ou os discursos ambientais) tendia a ser um discurso mutante, pois
evocava representações diferenciadas, segundo os interesses que mobilizava:
Acho que a natureza é uma só, não é? Mas quando
você tem de discuti-la aqui no executivo é diferente do
técnico que, lá na sede, planeja os programas, define como
vamos ter, na prática, de preservar a natureza. (...) Acho
engraçado que às vezes, nem o pessoal da região está
interessado nessas medidas, e é difícil pra equipe da obra
entender e lidar com isso tudo de repente, pois temos muitas
atividades e prazos para serem cumpridos. (depoimento de
engenheiro de projeto)
Ou ainda:
Grande parte de todos os impactos ambientais são
equacionáveis, seja pela via técnica, seja pela via negocial.
Se eu tenho um empreendimento para o qual eu necessito
de um orçamento, se tenho um custo de geração superior ao
custo marginal, pra poder tratar da questão ambiental, eu
não devo fazer esse empreendimento. Serra Quebrada e
tantos outros foram avaliados assim. Agora tem uma coisa:
tem alguns casos em que, apesar das restrições legais, é
possível se buscar alternativas; são casos que necessitam
de um reexame, porque são empreendimentos, em alguns
aspectos, muito bons, Cararaô, por exemplo é um
empreendimento factível, só que tem de ser bem feito. Acho
que se as variáveis todas forem consideradas e estimados
seus custos, se consegue um bom resultado e com isso se
está dialogando com a engenharia e com a área financeira.
Hoje, avalio que os orçamentos dos empreendimentos têm
de ter umas 35 variáveis ambientais. (depoimento de
técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
165
Nesse contexto, a observação do lugar da questão ambiental no Setor
Elétrico passa, necessariamente, por compreendê-la como representação de lutas
entre diferentes práticas institucionais e diferentes maneiras de lidar com a
apropriação, uso e controle do território, nos termos de seus empreendimentos,
ambas, mediadas pela necessidade de atender às exigências legais que a
temática impõe:
Os órgãos licenciadores têm um papel muito mal
resolvido, porque é um papel formalista, de imensa
fragilidade, que dá margem a um contencioso brutal que não
tem capacidade de resposta. Veja bem: estão lidando com
um setor onde predominam interesses econômicos, aí
inclusive no sentido legitimo, quer dizer o investimento não
pode ficar parado esperando o órgão ambiental decidir.
Então fatalmente corre-se o risco de ter um empreendimento
pronto sem licença. Aí o que se faz: infringir a lei, tentar uma
licença parcial? Na realidade, parece que o órgão ambiental
não tem coragem, em alguns casos, de emitir a licença
porque não tem capacidade nem velocidade para atender ao
processo. Para você ter uma idéia, houve época em que os
órgãos de licenciamento nos diziam que usavam as nossas
diretrizes, do manual de estudos ambientais, como
parâmetros para sua atuação. Pode isso? (depoimento
de........ cargo de chefia meio ambiente)
4.3.2
Unidade X diversidade
A evidência dos contrastes no interior do espaço institucional tende a
se manifestar quando da operacionalização das recomendações presentes nos
documentos oficiais produzidos com a intenção de representar a política
ambiental do Setor Elétrico. A sugestão de que cada uma das empresas tem
autonomia para desenvolver procedimentos próprios, finda por esclarecer as
diferenças, indicando dois níveis de diálogo: um no sentido da construção de uma
identidade para fora, a identidade ambiental, ou o sotaque ambiental do Setor
Elétrico em sua comunicação com os demais segmentos da sociedade, e a outra,
166
a prática ambiental de cada empresa, quando tende a predominar o estilo
institucional de cada uma – maior ou menor, mais autoritária, mais liberal, mais ou
menos conservadora, mais moderna, e assim por diante: “Furnas é conhecida
como uma empresa onde as decisões são extremamente autoritárias ainda; a
empresa tem uma tradição de concentração de poder, que torna o diálogo pra
fora muito difícil. (depoimento de engenheiro de projeto).
Durante a discussão de temas polêmicos, tais como a questão do
tratamento a ser dispensado às populações e os processos de negociação
necessários, essas diferenças tornavam-se mais visíveis, demarcando claramente
o espaço de predomínio da unidade, alcançado nos documentos e proposições
oficiais, e o espaço da diversidade, realizado na prática, no dia a dia dos
empreendimentos.
As diretrizes para o tratamento desta questão, presentes, por exemplo,
no II PDMA (1991/1993), na prática, esbarravam em dificuldades especificas, que
iam de entraves institucionais à reavaliação de todo o processo de implantação de
um empreendimento – do planejamento à operação:
Acho que avançamos bastante nas questões referentes
ao remanejamento de população, mas ainda é muito pouco
diante da complexidade que o setor tem de enfrentar. Este é
um tema muito sensível, envolve uma gama de interesses
institucionais e das populações. E acho que a maior
dificuldade está em lidar com essa diversidade, como um
processo, como uma realidade em permanente movimento.
A partir da observação das experiências bem ou mal
sucedidas do Setor, se pode perceber que, mesmo cheio de
boas intenções, os erros são ainda maiores do que os
acertos e isso tem de ser indicativo de algo a se modificar.
Penso que a solução, ou digamos, o melhor caminho é
aquele no qual se crie uma dinâmica capaz de se modificar
tal como se modificam as relações em torno da questão.
Não sei se estou me fazendo entender, o que quero dizer é
que as empresas têm de incorporar ao seu planejamento a
167
variável flexibilidade, pois quando se lida com pessoas, o
imponderável pode ser determinante. Acho que esta
capacidade ainda não foi alcançada, é difícil, mesmo no
planejamento uma variável móvel, pode movimentar as
demais, na realidade torna tudo processual e aí reside o
perigo, na cabeça de nossos planejadores e executores.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
É interessante destacar que, em setembro de 1993, o editorial de um
informativo do COMASE, ao fazer um balanço deste tema e avaliar as
dificuldades de tratá-lo, registrava:
Ainda é longo o caminho a ser percorrido pelo Setor
Elétrico para o aprimoramento das suas ações em projetos
que impliquem no remanejamento de populações, de forma
que se possa reverter a noção sobre os processos “a que
são submetidas as populações que, por azar do destino,
encontram-se nas áreas a serem apropriadas pelo grande
projeto hidrelétrico” (Vainer, 1992: 56). Por este caminho
passa a necessidade de consideração de todos os custos
sociais, institucionais, políticos, técnicos e financeiros
envolvidos na formulação dos projetos, decorrentes do
comprometimento com uma política explicita de relocação
que objetive a recomposição da vida das populações num
patamar socialmente justo e propulsor do seu
desenvolvimento autônomo. (ELETROBRÁS, 1993)
Se, de um lado, o discurso mais recente avaliava que o tratamento da
temática do remanejamento demandava uma maior flexibilidade, traduzida na
capacidade do planejamento para lidar com a mudança enquanto possibilidade de
mudança de percurso, durante as diferentes etapas de um empreendimento; de
outro, o discurso institucional identificava, na “consideração de custos diversos”, o
cerne da questão. Esta constatação, de certo modo, colocava em xeque a relação
procedimentos metodológicos X custos ambientais, como se ambos não fossem
faces de uma mesma moeda:
Enquanto a questão do remanejamento for uma
questão técnica a mais, como outras tantas que podem ser
168
equacionadas na prancheta, vamos estar sempre sujeitos a
desastres. Não sei como se faz, essa não é minha área , na
verdade aqui só fico recebendo as criticas, mas depois de
tanto sarrafo, fico pensando que devemos estar abertos para
incorporar ao que está traçado demandas inesperadas,
situações excepcionais, sem que para isso tenhamos que
enfrentar não só uma burocracia enorme, as vezes para
levar um sonoro não lá na frente. É muito complexo, mas
nós aqui ficamos engessados muitas vezes, reconhecemos
o que tem de ser feito mas não temos autonomia para isso.
Você sabe que lidar com gente é muito complicado, gente
reclama, gente protesta, gente acampa e para a obra, e
agora, gente aciona o Ministério Público, e estão corretos,
eu não posso chegar na sua casa, dizer que você tem de
sair e achar que você não vai gritar. É isso que o pessoal lá
da tomada de decisão tem de considerar para aceitar que de
repente tudo que estava acertado tenha de se modificar.
Acho que salvamento de bicho é menos complicado, pelo
menos eles não vão pra porta da empresa reclamar.
(depoimento de engenheiro de projeto)
Além disso, as questões referentes ao tratamento das populações nos
empreendimentos do Setor Elétrico eram questões que envolviam negociações e,
portanto, o diálogo no Campo
Ambiental com diversos interlocutores, o que
tendia a acontecer segundo o estilo institucional de cada empresa:
O remanejamento para algumas empresas é uma
questão patrimonial, sim; em último caso, o que decide é a
situação cartorial, quando muito se reassenta dentro daquele
padrão uniforme e com justiça, afinal, essa é a obrigação
legal. Em outras empresas, como a nossa, esse patrimonial
é obedecido, mas temos ainda programas ambientais que
são desenvolvidos dando um suporte e, é claro, que temos
de atender que ninguém fique desalojado; problemas
sempre existem. O que o pessoal aqui está reclamando, e aí
os problemas vão se avolumando, é que não somos
paternalistas como a Eletronorte, e não adianta ser
paternalista, não resolve nada. Já viu o tanto de processo
ainda pendente desde Tucuruí?. Acho que a Eletrosul tem
uma experiência, digamos mais técnica no assunto, mas
também porque no Sul o movimento desde o início veio
obrigando a empresa a investir em soluções. Isso facilita
muito, chateia, mas ao final avança, faz com que se consiga
fazer o dever de casa sem tanto atropelo. O inesperado é
sempre um risco e aqui nós estamos tendo de lidar o tempo
169
todo com ele; dorme-se de um jeito e no dia seguinte somos
atropelados seja pelos jornais, seja pelo Ministério Público, e
assim por diante. (depoimento de técnico de projeto)
Como se pode observar no relato acima, na prática, as questões tidas
como ambientais tendem a destacar a problemática social que as define e a impor
a negociação como o único recurso: a negociação espontânea e/ou planejada ou
a negociação imposta, resultante da pressão. Como sugere Della Costa:
A imposição de imigração compulsória, em razão de
um projeto do governo não foi aceita (...) a coisa mais
importante que a Eletrosul aprendeu neste processo é
respeitar a população atingida, principalmente a população
do Uruguai, que é organizada, inteligente e tem capacidade
de participação. (Eletrosul, 1990)
4.3.3 A dinâmica do campo ambiental: o setor elétrico e seus interlocutores
A disputa por formas de apropriação, uso e gestão dos recursos
naturais e do território movimenta o diálogo entre os diversos integrantes do
Campo Ambiental. Nesse espaço, observa-se uma correlação de forças cuja
compreensão
passa,
necessariamente,
por
representações
e
interesses
específicos. Na realidade, o diálogo estabelecido entre os diferentes integrantes
desse campo é um diálogo mutante; suas modificações tentem a ocorrer a partir
do lugar de onde é proferido – quem diz o quê e de onde -, e segundo o grau de
legitimidade de que é portador.
A partir da pesquisa realizada, pode-se sugerir que durante o período
de constituição do Campo (década de 80), o Setor Elétrico tendia a se
movimentar nesse espaço a partir de atitudes defensivas:
Na implantação de reservatórios de usinas
hidrelétricas, de linhas de transmissão e de subestações são
introduzidas modificações no meio ambiente com a alteração
170
do meio físico, biótico, social, econômico e cultural das áreas
afetadas. (...) O Setor de Energia Elétrica, consciente dos
benefícios – inclusive os de usos múltiplos – e das
modificações introduzidas no meio ambiente pela
implantação dos sistemas elétricos, desde o planejamento
até sua operação , de modo a estabelecer diretrizes que
possam conciliar o desenvolvimento econômico e social com
conservação dos recursos naturais. (Eletrobrás, 1986: 1)
Na medida em que o Setor começou a discutir internamente a
necessidade de formulação de diretrizes que pudessem minimamente definir sua
política ambiental, começou a estabelecer uma interlocução que resultou na
incorporação ao debate de novos sujeitos sociais:
Num primeiro momento, reconheço que agíamos
basicamente para responder as pressões, correr um pouco
atrás do prejuízo, sem grandes reflexões, mas, digamos,
com muita disposição prática. Dois fatos foram
determinantes para a estruturação da área de meio
ambiente: a pressão social e a legislação ambiental. A
resolução 006 do setor elétrico foi a primeira resolução
setorial especifica e a resolução 001 que é uma excelente
resolução de um modo geral. Alem disso, havia o movimento
dos atingidos. Eu acho por exemplo, que o fato do pessoal
da Crab, no Sul ser super competente foi uma sorte pro
setor elétrico, porque você ter um interlocutor capaz é tudo
que se quer . Quando o interlocutor é radical, passional e
mal informado, não ajuda muito. Mas um interlocutor bem
informado, que procura discutir, que vem à mesa com
deliberação firme, ajuda a crescer. Eu acho que a Eletrosul,
respondeu muito bem e estabeleceu um padrão que faz com
que hoje seja impossível construir uma hidrelétrica sem
conversar com o movimento. (depoimento de técnico /.cargo
de chefia, área de meio ambiente)
Ou ainda:
Uma coisa é certa: as pressões podem ocorrer, e elas
ocorrem, o interlocutor pode ser fantástico, mas se não
houver capacidade interna, nada acontece e o setor foi se
capacitando ao longo do tempo, de modo que tudo o que foi
produzido contou com uma equipe de primeira linha, e isso
acho que só a Eletrobrás e algumas empresas, dentre elas a
Eletrosul conseguiram, formaram uma massa critica incrível;
infelizmente isso não foi geral, alguns segmentos de
171
algumas empresas continuaram reacionários. Se eu tivesse
de construir uma imagem para retratar esse quadro eu diria
que é impossível dizer que as empresas se modificam na
integra, não, setores investem na questão ambiental,
estimulados pelas áreas de meio ambiente, mas isso não
acontece de forma homogênea, ao contrário, a marca desse
processo é justamente o embate entre o que se modifica e o
que resiste a se modificar. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
O relato acima transcrito é indicativo do quanto os interlocutores do
Setor Elétrico no Campo foram importantes como forma de pressão, levando-o a
organizar-se institucionalmente, não só para responder a demandas, como
também para preparar-se para atender aos novos condicionantes ambientais.
Nesse contexto, a relação do setor com as universidades e empresas de
consultoria foi extremamente importante. As primeiras, orientando o debate nos
termos da formulação de bases conceituais para o tratamento da questão, ao
mesmo tempo que conferindo legitimidade à produção de conhecimento daí
decorrente – o aval da universidade conferiu um certo brilho intelectual a estudos
até então marcados unicamente por seu aspecto técnico. Além disso, o espaço
das universidades é um espaço que tende a estar afinado com o espaço dos
movimentos sociais, ocorrendo trocas e parcerias entre ambos:
Foram muito importante os estudos nos quais
contamos com a universidade e as entidades de pesquisa.
Além de conseguir conceituar melhor nossa proposta,
avançamos em termos de abrir canais de negociação mais
eficazes com a sociedade. A relação para fora do setor era
bastante especifica. Por volta de 1990, quem fez o estudo
temático de fauna e flora foi uma ONG. O relacionamento do
setor era apenas com biólogos e pesquisadores. O
departamento de meio ambiente da Eletrobrás se colocava
da seguinte maneira: você tem até uma situação no seu
projeto que precisava de solução, tinha-se então de investir
nisso e a solução era abrir um canal para os especialistas e
aí entravam as ONGs e outras instituições, universidades.
Era a comunicação pra fora, a interlocução com outros
172
atores sociais. Foi nessa perspectiva de ampliar as relações
do setor em torno do meio ambiente que foi constituído o
Conselho Consultivo de Meio Ambiente que era formado por
pessoas de notório saber. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
Ou ainda:
Procurou-se
uma
aproximação
com
algumas
universidades e centros de pesquisa; foram feitas algumas
discussões e seminários com a participação de alguns
estudiosos do setor e pode-se dizer que ocorreram grandes
rupturas entre o setor elétrico e a área acadêmica e isso
ficou bem explicito, por exemplo, em vários seminários que
integravam um Programa de Energia da Coppe com a
Fundação Ford. Acho a critica da academia extremamente
construtiva do ponto de vista conceitual, mas em alguns
aspectos, eles extrapolam, pois não basta chegar e criticar
um empreendimento, é preciso entender um pouco a lógica
do planejamento setorial, acompanhar isso ao longo do
tempo, sair do escritório, da sala de aula e ir para o fazer da
coisa, o executivo. Tenho um amigo que diz que é diferente
escrever no escritório juntando variáveis e escrever depois
de olhar a cara das pessoas, comer poeira, até sentir os
cheiros. É por isso que eu tenho lá minhas restrições aos
acadêmicos, embora ache que dialogar com eles sempre foi
muito produtivo para o setor. Na realidade, quando se
comentava com um engenheiro de projeto as criticas
recebidas da universidade, a reação era um pouco essa de
questionar a validade das teorias distantes do dia a dia do
projeto. Alem disso, não basta só criticar, contestar, tem que
se apresentar sugestões, não acha? (depoimento de técnico
de meio ambiente cargo de chefia)
É importante destacar que a parceria com segmentos da Universidade
tende a dar legitimidade às proposta do setor elétrico, especialmente em seu
diálogo com a sociedade.
Um aspecto interessante na observação de como o Setor Elétrico
compunha no Campo espaços de interseção entre sub–campos, reside no
argumento de que para relativizar os estudos acadêmicos e garantir a realidade
(operacionalização) das recomendações propostas, fazia-se necessária a
173
presença das empresas de consultoria freqüentemente contratadas para a
execução de estudos e projetos. Estas empresas, de certo modo, atuavam como
mediadoras da produção de conhecimento que se pretendia alcançar, isto porque
detinham o conhecimento sobre o projeto de engenharia, objeto central das
negociações do Setor e de seu diálogo com os diferentes participantes no Campo:
Eu aprendi muito com a turma da universidade, as
reuniões são muito ricas, a gente que fica o tempo todo às
voltas com o empreendimento, fica sem tempo pra perceber
que tem muitas outras formas de olhar o problema, algumas
que podem até simplificar nosso trabalho. Acho que no dia a
dia, a gente se afasta muito de uma base conceitual; por
isso acho que as reuniões do meio ambiente sempre foram
muito proveitosas quando o pessoal da universidade
participava (depoimento de engenheiro de projeto)
Ou ainda:
O Setor Elétrico produziu muita coisa sobre meio
ambiente, acho que foi um dos setores públicos a melhor
escrever sobre si mesmo e investir na busca de alternativas
para seus empreendimentos que atendesse tanto a
sociedade como a legislaçãotivemos bons parceiros nessa
tarefa: as ONGs,
as Universidades, os Centros de
Pesquisa, mas tenho que o nosso parceiro mais adequado
sempre foram as empresas de consultoria, elas entendem
dos projetos de engenharia, delas vieram muitos dos nossos
técnicos. Minha opinião é que estas empresas são as que
melhor atendem a nossa necessidade de adequar o projeto
de engenharia às exigências do meio ambiente. E depois
hoje, já não tem essa separação tão nítida, pois tem muito
professor da universidade, por exemplo, que é consultor
nessas empresas. O que quero destacar é que elas têm uma
tradição de conhecimento na nossa área que a universidade
ainda demora a ter. (depoimento de técnico de meio
ambiente, cargo de chefia)
Nesse contexto, a mobilidade das relações no Campo permitiu que a
concorrência ocorresse segundo o projeto em negociação. Desse modo, pode-se,
em um nível, constatar a concorrência entre empresas de consultorias e setores
174
da universidade que prestavam serviço ao Setor Elétrico e, em outro, observar-se
um espaço de interseção construído pela presença de profissionais desses
setores da universidade nas empresas de consultorias. De todo modo, é
interessante notar ainda que os setores autônomos48 da Universidade tendiam a
estabelecer, com o Setor Elétrico no Campo, uma relação de confronto, muito
semelhante àquela estabelecida entre estes e os segmentos dos Movimentos
Sociais impactados por seus empreendimentos:
Eu lembro que quando saiu a primeira versão do Plano
Diretor, um antropólogo, numa página no Jornal do Brasil,
fez vários comentários, muitas criticas (era um Antropólogo
do Museu Nacional) de que o setor era muito fechado. Achei
injusto, ele podia ter sido mais generoso com o Plano
Diretor. Os engenheiros ficaram muito chateados e
comentavam: "pôxa, a gente está aqui fazendo um esforço,
tentando acertar a mão e tome de critica". Tudo era visto
como muito pouco. Na área social e ambiental, a coisa não
funciona como uma receita fácil, né?. É algo que passa por
negociação, passa por muita incerteza, muita indefinição; a
gente está lidando com investimentos de bilhões, e um alto
risco e isso tem de ser entendido; não se está fazendo uma
fabriqueta na esquina, se está construindo uma usina que
leva 5, 6, 10 anos pra implantar, um investimento brutal.
Acho que, na época, o investimento no setor elétrico era da
ordem de 2% do PIB do Brasil; aí não dá pra se fazer uma
critica teórica, cheia de artifícios acadêmicos para derrubar
um esforço de pessoas sérias e empenhadas em buscar a
forma mais correta e justa possível de lidar com a questão
social e ambiental. Tudo estava por ser construído e definido
naquele momento e os senhores da academia, ao invés de
contribuir com o processo, tentavam, em cima das
indefinições que eram muitas, exercitar suas vaidades.
(depoimento de .............., cargo de chefia, meio ambiente)
Na realidade, a compreensão da relação de confronto entre Setor
Elétrico e segmentos independentes da universidade passa principalmente pela
observação das alianças que se dão entre estes e segmentos dos movimentos
48
que não prestam com freqüência serviços de consultoria para o Setor Elétrico, ou que não o fazem nos
termos do projeto de engenharia.
175
sociais atingidos pelos empreendimentos do Setor Elétrico. Tem-se então um
novo espaço de interseção centrado no questionamento da modalidade de
apropriação, uso e gestão dos recursos naturais e do território pelo Setor Elétrico
(o que inclui o questionamento da matriz energética):
O movimento nunca foi um movimento ambientalista, e
sim de organização dos pequenos agricultores protestando
contra a construção das usinas. A gente tem analisado a
história do movimento em que a “questão ambiental” só era
central porque nós vivemos num meio ambiente e esse meio
ambiente era objeto de disputa entre agricultores e
empresas do Setor Elétrico e da burguesia, porque o
governo sempre representou a elite do País. Na época, não
estava sendo colocada a “questão ambiental” claramente,
quando muito o meio ambiente aparecia quando se falava
dos medos que ocorressem interferências climáticas.
(liderança dos movimentos sociais)
Nesses termos, tem-se efetivamente atores sociais disputando os
mesmos recursos naturais e território - Setor Elétrico e populações -, ambos
dispondo de aliados no diálogo que estabeleciam entre si, aliados que se
aproximavam e/ou se afastavam segundo um jogo de interesses:
Não é assim tão simples entender como se dão os
relacionamentos entre o Setor Elétrico e a sociedade, e aí
me refiro a todas as empresas. Em alguns momentos,
conseguimos aliados nos partidos políticos, mesmo os de
esquerda, e em alguns setores da universidade; em outros
momentos, os mesmos aliados tornam-se opositores,
depende do que está em jogo. Por isso, acho que o maior
avanço que o meio ambiente trouxe foi justamente a
capacidade de negociação que tivemos de aprender a ter
para sobreviver e equacionar nossas atividades. Você não
concorda que hoje qualquer empreendimento do setor antes
de estudos de eias? e rimas, tem de negociar com os
interessados? E digo mais, nessa negociação podemos ver
que inclusive os movimentos dos atingidos não é um só,
pode-se fechar acordos em diferentes níveis. (depoimento
de técnico meio ambiente)
Ou ainda:
176
É aquela velha historia: no andar da carroça é que as
abóboras se ajeitam, De repente, fizemos uma proposta
para eles, e eles foram atendendo alguma coisa, foram
cedendo, cedendo, mas sob pressão. Ali começou a
negociação palmo a palmo, muitas idas e vindas; tivemos de
parar um monte de coisa. Com 26 pessoas, paralisamos um
dia, a construção da cidade nova; nós queríamos ser
recebidos. Eles não davam bola; na verdade, fomos
arrochando, até conseguir sentar na mesa e negociar.
(liderança de movimento social)
As dificuldades tendiam a se referendar nas diferentes conjunturas
sócio políticas vividas no País. Em muitos dos relatos coletados, são recorrentes
as alusões ao autoritarismo vigente nos anos 70 como justificativa, e/ou tentativa
de explicação para o distanciamento entre o Setor Elétrico e suas políticas
identificadas nos projetos:
No início, nós não sabíamos o que fazer para lidar com
os vários problemas ao mesmo tempo, pois tenho a
sensação de que o meio ambiente veio destacar problemas
que sempre tivemos de enfrentar. Na década de 70, não se
falava em meio ambiente, mas já se tinha que buscar
solução para população, para formas menos negativas de
fazer parte de uma região; sim, porque quando se implanta
um empreendimento, se passa a fazer parte daquele lugar,
são funcionários que se passa a ter no lugar e são
responsabilidades que se passa a ter. O que quero dizer é
que tudo que está aí hoje como meio ambiente sempre
existiu; se foi tratado de forma errada é outra discussão.
Prefiro não avaliar; acho que o momento era outro, só acho
injusto dizer que o Setor agia de má fé, acho que agíamos
de acordo com a época; quando fomos solicitados a definir
outras formas de atuar, investimos em conhecimento, em
contratação de novos técnicos, em atualização. Eu que
sempre trabalhei com patrimônio, hoje entendo que não
basta só indenizar um proprietário atingido; numa
propriedade tem moradores, meeiros e eles têm de ser
tratados, mas eles sempre foram tratados, só que hoje eles
pressionam e temos de buscar soluções. É muito simples,
de fora, criticar; me aposentei depois de quase 30 anos de
atividade na empresa, e meu sentimento é que o meio
ambiente veio organizar o caos, tudo que se discute como
meio ambiente existe desde sempre, e foram tratados para
atender as imposições de cada época. Na década de 70, foi
177
de um jeito, em 80, de outro e assim por diante. (depoimento
de técnico de patrimônio, advogado)
No âmbito do embate entre o Setor Elétrico e os segmentos dos
movimentos sociais, estudos elaborados na Universidade criticavam as formas de
atuação do Setor:
A desinformação constitui uma das principais armas
das empresas do Setor Elétrico. (...) Nos momentos iniciais,
a desinformação assume a forma pura e simples de
sonegação da informação, de maneira a facilitar o ingresso
da empresa na região, a conquista de algumas posições no
terreno antes que a população se dê conta do que vai
ocorrer (...) Numa etapa seguinte, a desinformação assume
outra conotação. De um lado, ela aparece através de uma
intensa atividade de comunicação social, que propagandeia
a obra e seus benefícios, ao mesmo tempo em que
tergiversa quanto aos impactos negativos para a população
e região atingida. De outro lado, ela se funda sobre uma
política mais sutil de lançamento de informações
desencontradas, contraditórias. (Vainer, 1990)
O Setor Elétrico defendia-se, argumentando em seu favor sobre a
dificuldade de tornar práticas as recomendações teoricamente formuladas:
O setor é acusado de muita inverdade. Só quem vai
viver na área de projeto é que sabe como às vezes as
noticias são distorcidas. Como as áreas de nossos
empreendimentos, na maioria das vezes, são cidades
pequenas, pequenos municípios, povoados, uma palavra
mal esclarecida pode virar algo completamente diferente. As
pessoas são muito ansiosas e os empreendimentos
demoram muito a se implantar, são anos, 5, 10 e até 20
anos e a imaginação das pessoas vai longe. Não quero dizer
com isso que nos fazemos tudo certinho, claro que não, mas
é difícil ter controle de tudo. E muito do que ocorre foge ao
nosso controle. Nessa área de meio ambiente acho que os
monstros e os anjos existem em todos os lados, aqui dentro,
na população, nos órgãos públicos, nas secretarias, nas
entidades, e por aí a fora; administrar isso tudo é o grande
desafio. (depoimento de técnico de meio ambiente)
178
Em artigo publicado em 1990, Dalla Costa (1990), liderança do
Movimento de Atingidos por Barragens, comentava sobre a forma de atuação da
Eletrosul nos seguintes termos:
A Eletrosul já havia construído no Paraná e também no
Rio Grande do Sul; seu passado não era o mais
aconselhável, pois onde passou causou muitos problemas;
aliás este sempre foi o resultado das obras do setor elétrico:
muitos problemas. As atitudes da empresa foram
extremamente autoritárias, ela não levava em conta a
opinião dos atingidos, não cumpria aquilo que prometia e,
por tabela, cada vez mais perdia o crédito. Por trás destes
executores do projeto, é certo que existem os grandes
interessados nas obras: as grandes construtoras, os grandes
industriais, as empresas multinacionais, enfim os capitalistas
que têm para a região Sul do Brasil o projeto chamado
“Cone Sul", e as barragens na Bacia do Rio Uruguai são
objetivo a ser concretizado para o “progresso” e o “bem –
estar" (deles, é claro).
Segundo algumas das entrevistas realizadas, o reconhecimento da
relação de confronto construída ao longo do tempo entre o Setor Elétrico e os
segmentos da sociedade (basicamente os grupos sociais atingidos por seus
empreendimentos) orientou, a partir da segunda metade da década de 80, a
manifestação da necessidade de busca de instrumentos de “interação com a
sociedade” . Esta questão foi, desde cedo, compreendida como um dos principais
requisitos para a viabilização de uma política ambiental do Setor Elétrico:
Alguns temas foram muito importantes para orientar a
reflexão que o meio ambiente impôs às diversas áreas do
setor elétrico; todos foram levados a pensar sobre como
resolver os problemas dos empreendimentos. Basta ver o II
PDMA para se ter uma idéia de como melhorar o
planejamento e o executivo. Na realidade, me parece que
cumpridas todas as recomendações, se poderia conseguir
interagir com a sociedade. Interação com a sociedade, foi
durante muito tempo a palavra de ordem, e trazer isso para
o dia a dia da obra não era possível, pois uma idéia gerada
no escritório dificilmente é bem sucedida na prática da obra.
Dessa experiência, só posso dizer que o meio ambiente
179
trouxe muitas idéias, mas não conseguiu diminuir a distância
entre setores da empresa, entre planejamento e obra; são
realidades diferentes e demandas diferentes. (depoimento
de engenheiro de projeto)
Na realidade, de acordo com o relato acima, apesar da relevância do
tema, na prática, sua operacionalização se revelava difícil, destacando de forma
acentuada a distancia entre o planejamento e a obra (o executivo). Contudo, a
despeito desta situação, o investimento em formas de interação com a sociedade
contribuiu para facilitar a formalização de alianças e dar legitimidade às ações do
setor, visto que seus estudos e projetos passaram a se constituir como resultado
do embate
entre o setor e os segmentos importantes da sociedade civil. A
atuação do COMASE na tarefa de interação com a sociedade foi um passo
adiante no sentido de mobilizar o dialogo no campo ambiental:
Desde o inicio, o COMASE já estava começando a se
estruturar. A gente tinha muito contato com o pessoal de fora
da empresa, mas internamente só quem tinha com outros
departamentos eram os chefes; os técnicos não tinham
contato algum. O COMASE foi uma das instâncias mais
importantes na discussão do meio ambiente no setor, isso
porque sua estrutura, além de aglutinar representantes das
empresas e de diferentes instancias do setor, tinha um
trabalho todo voltado para a interação com a sociedade, e
graças a isso, avançamos muito. (depoimento de técnico de
meio ambiente).
Em 1993, a Eletrobrás registrava em documento especifico que
“formular instrumentos para que os segmentos ou representantes da sociedade
possam participar do planejamento e processo decisório do Setor requer uma
capacitação técnica especifica dificilmente encontrada nas empresas” (II PDMA).
A necessidade de instaurar um fluxo continuo e transparente de informação entre
o Setor Elétrico e a sociedade era colocada como condição para a viabilização do
180
processo de interação entre ambos, bem como estratégia facilitadora para a
inserção regional dos empreendimentos do Setor:
Desde algum tempo, já são necessárias ações de
natureza institucional que dêem estruturação concreta às
intenções do setor elétrico com relação ao acesso às
informações e ao envolvimento do público; nas condições
atuais, será cada vez mais difícil dar continuidade a
operação e expansão do setor, sem tratar esses assuntos de
forma institucionalizada. (la Rovere, s/data)
Outro aspecto do diálogo entre o Setor Elétrico e os Movimentos
Sociais, especialmente o movimento representativo dos grupos sociais atingidos
pelos empreendimentos do Setor (Movimento de Atingidos por Barragens),
remete à diferença entre o que é social e o que é ambiental. Longe de pretender
criticar práticas e procedimentos, esse diálogo aponta para a sutileza do fato de
que o advento ou construção do ambiental tornou o Setor Elétrico refém de suas
formulações, não podendo mais negar nem omitir sua participação na disputa por
dados recursos naturais e territoriais, nem tampouco ignorar as pressões daí
decorrentes. Desse modo, de acordo com alguns dos entrevistados, a questão
ambiental, como uma nova forma de nomear as antigas questões sociais sempre
pendentes nos empreendimentos do Setor, é compreendida nos seguintes
termos:
A leitura dos atingidos era a de que nossas questões
eram questões ambientais sim, e por isso nós devíamos
buscar fazer alianças com setores específicos. Emerge
então o debate já nomeado de ambiental, até porque o Setor
Elétrico começou a tratar as questões ditas por nós como
sociais como questão ambiental. É o momento da discussão
sobre "Inserção regional” e os Programas Ambientais, e os
atingidos entram nesses programas como meio ambiente. A
mudança do social para o ambiental, do ponto de vista do
movimento, sugere novas articulações, mas no plano da luta
concreta, não acho que se avançou. A gente apenas
incorporou e começou a lidar com isso. Me parece que as
181
alterações ocorrem mais do outro lado; o Setor Elétrico
passa a não poder mais ignorar essa questão. As vezes,
essa questão é tratada como ambiente, como social, como
assistencial e até como política. Na realidade, depende da
correlação de forças que a nomeia. (liderança movimento
social)
Ou ainda:
Estou na empresa desde antes de Tucuruí, sempre
fazendo cadastro fundiário, regularização de terras, e penso
que toda essa discussão de meio ambiente quando fala de
população sempre existiu; é claro que as pessoas sempre
ficaram descontentes com os reservatórios; na verdade o
problema existe desde a primeira usina, só que agora com
todo esse movimento em torno do meio ambiente, as
respostas têm de vir de outra forma, com mais democracia,
mais cuidadosas. Mas o setor sempre atendeu da melhor
forma possível seus reassentados; em todos os projetos que
trabalhei, os atingidos sempre ficaram numa situação
melhor; se é assim, acho que sempre tratamos bem do meio
ambiente. (depoimento de técnico de patrimônio)
Em 1994, os documentos oficiais do Setor Elétrico registravam:
O reconhecimento do conflito - a implantação de
políticas publicas - envolve conflitos entre interesses locais,
regionais, setoriais e nacionais, onde a questão central é a
partilha desigual de custos e benefícios. Cumpre observar
que o ônus dos empreendimentos, especialmente os que
afetam o meio sócio–ambiental, recai sobre as populações
locais, enquanto que a maior parte dos benefícios se reflete
sobre a comunidade nacional como um todo. (Eletrobrás,
1994:8))
A pesquisa realizada revelou ainda que a maioria dos entrevistados
identifica o processo de discussão sobre o meio ambiente promovido pela
Eletrobrás, como a principal iniciativa no sentido de formulação de uma política
ambiental para o Setor Elétrico. Contudo, a maioria dos técnicos destaca a
autonomia de sua empresa, quando do tratamento da questão ambiental
referente aos seus empreendimentos. Ao que parece, o conjunto de documentos
182
produzidos pela Eletrobrás funcionou como instrumento de estruturação interna
do setor, com relação à temática do meio ambiente, não sendo assumidos como
diretrizes, por ocasião da execução de seus projetos:
O PDMA, o 2015 são referências básicas e podem até
ser indicativos da política ambiental do setor, mas aqui nós
temos diretrizes próprias, muitas até estão nesses
documentos, mas são definições nossas, da equipe de meio
ambiente da empresa. Alguns compromissos avaliam que
não podemos assumir. (depoimento de técnico de meio
ambiente)
Ou ainda:
Cada empresa sabe dos riscos que pode correr; cada
uma tem condição de saber as necessidades de cada
projeto, por isso, acho que fica muito difícil uma política de
meio ambiente única para o setor; as empresas são muito
diferentes, as regiões que atuam são diversas e a política
tem de acompanhar a realidade social. (depoimento de
técnico de meio ambiente, cargo de chefia )
Como se pode observar, a definição de uma política de meio ambiente
para o Setor Elétrico esbarra na diversidade que o caracteriza e lhe dá sentido:
Entre 1989 1992, na verdade, a gente pode falar de
dois departamentos de meio ambiente na Eletrobrás. Um,
voltado para processos internos. Esses processos internos
são fundamentalmente as atividades que a Eletrobrás
exercia em nome do DNAEE, e hoje em nome da ANEEL,
que é a questão da habilitação técnica dos projetos para fins
de concessão, analise de projetos. E outro, que tenta atuar
para fora, processos externos de participação no debate
sobre o tema que acontecem na sociedade; eu diria a versão
intelectual do departamento. Detalhando o dia a dia temos
que a divisão de acompanhamento sempre fez habilitação
técnica de projetos; a gente articulava com uma única área
aqui dentro que era o departamento de engenharia, que era
quem coordenava os estudos de habilitação técnica, no caso
os inventários, que foram muito poucos ao longo desses
anos. A gente se articulava com uma divisão do
departamento de planejamento, que é a divisão de recursos
hídricos, que fazia as habilitações técnicas para a ANEEL.
Quer ver uma coisa? Não tínhamos relacionamento com a
183
transmissão, mas tinha uma área de mercado e uma de
planejamento energético que era o braço técnico.
(depoimento de técnico de meio ambiente, cargo de chefia)
No âmbito da diversidade acima mencionada, apenas um argumento é
unânime entre os diferentes participantes do Campo: o reconhecimento de que,
em um curto espaço de tempo, o Setor Elétrico investiu e conseguiu produzir
conhecimento sobre si mesmo, tendo como referência a temática do meio
ambiente. Este fato o tornou, no campo das políticas governamentais, um
importante espaço de debate e estudos:
A proposta de revisão do Sistema de Inventário, o
SINV, pelo Cepel, ao meu ver, é um indicativo de que o
Setor investiu muito e com qualidade em estudos que
serviram para ajudar no processo de tomada de decisão. Até
porque chegou uma hora em que todos perceberam que as
mudanças tinham de ocorrer nesse nível. A idéia era que
com uma metodologia capaz de, na fase de inventário,
sinalizar problemas, se pudesse realizar um processo no
qual desde cedo se contaria com a participação de grupos
sociais e instâncias da sociedade que não fossem do setor.
Seria uma forma de tornar o planejamento mais participativo
de fato e não de papel. As intenções foram as melhores
possíveis, só que como tudo nas políticas publicas sofre a
influência de outras variáveis, os avanços ocorreram entre
tombos, tropeços e paradas. Quando se achava que se
estava perto de se conseguir executar procedimentos
definidos como os mais adequados, vinha uma mudança de
cima e tudo parava, se desarticulava. (depoimento de
técnico de planejamento)
Ou ainda:
O Setor Elétrico abriu um espaço para a discussão
meio inédito nas políticas publicas: transformou-se num
campo de excelência. A qualidade dos trabalhos, os
investimentos no seu corpo técnico, enfim sua produção
contribuiu muito para que o meio ambiente ganhasse status.
Isso possibilitou mudanças consideráveis. Hoje os
empreendimentos são implantados com muita negociação,
muita discussão, com respeito aos direitos sociais. E todo
esse movimento repercutiu de forma muito positiva em
184
outros setores das políticas públicas. (depoimento de técnico
de empresa de consultoria)
A apreciação do conjunto de relatos coletados permitiu perceber que a
questão ambiental se manifesta de forma diferenciada, segundo os atores
participantes do Campo Ambiental. Na realidade, a diversidade de representações
correspondentes revela oposições de interesses e planos diferenciados de
distribuição de poder no campo. Em linhas gerais, tem-se a compreensão do meio
ambiente como: a) obstáculo a ser transposto, segundo os engenheiros de projeto
(obra); b) condicionante, para os técnicos do planejamento, agências ambientais
e órgãos de licenciadores; c) oportunidade de negócio para o mercado das
empresas de consultorias; d) objeto de produção de conhecimento para alguns
segmentos da Universidade; e) segundo os movimentos sociais, como
instrumento de luta por formas justas de apropriação, uso e gestão do território e
dos recursos naturais.
185
CAPÍTULO 5:
O ESPAÇO DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS E SUAS
REPRESENTAÇÕES: AS MODALIDADES DE ATUAÇÃO DO
SUJEITO INSTITUCIONAL
Apresentação
De acordo com Bourdieu (1994:12):
As funções sociais são ficções sociais. E os ritos das
instituições fazem aqueles que instituem como rei, cavaleiro,
padre ou professor, forjando sua imagem social (...) mas
também o fazem num outro sentido. Impondo-lhe um nome,
um título que o define, o institui, o constitui, o intima a tornarse o que é, ou seja, o que ele tem de ser, obrigam-no a
cumprir sua função, a entrar no jogo, na ficção.
Esta citação pode ser considerada como ponto de partida para a reflexão sobre
as formas de construção dos sujeitos institucionais, construção esta que remete a
imagens, discursos, gestos e, principalmente, às normas/regras e suas
representações.
O sujeito institucional objeto deste capítulo é o técnico de meio
ambiente do Setor Elétrico. A análise de sua atuação, tipo de formação e
discursos foi feita de modo a informar sobre o processo de construção de sua
identidade social, enquanto tal (profissional de meio ambiente do Setor Elétrico),
e observar sua inserção e diferenciação no interior do campo mais amplo de
debate sobre esta temática.
Nesse sentido, os vínculos desse sujeito institucional passam,
necessariamente, por identificações que extrapolam as definições contratuais. Na
realidade, trata-se de um sujeito instituído e constituído em um campo específico
186
de habitus, valores e capitais simbólicos, inserido num contexto onde emergem
diferentes estratégias que os orientam na luta pela distinção e pelos critérios de
legitimidade no domínio das relações simbólicas. (Para as análises que
constituem esta reflexão, buscou-se identificar os elementos constituintes dos
habitus que norteiam os olhares e a percepção do Setor Elétrico e de seus
sujeitos/agentes institucionais sobre a questão ambiental.
Alem disso, foi importante observar como ocorreu o processo de
institucionalização do sujeito que corresponde à transformação da dominação em
sujeição. Segundo Foucauld (1982), esse processo, denominado de “produção
social do indivíduo pelo poder”, é responsável pela geração de comportamentos,
que incluem gestos e pensamentos do discurso do verdadeiro, via instauração de
verdades e, conseqüentemente, por procedimentos de controle que regulam a
sociedade moderna. É importante destacar que, segundo esse autor, a sujeição
não está investida apenas de negatividade, mas também da positividade dos
diversos dispositivos que garantem sua permanência e fortalecimento. É nesse
sentido que interessa compreender a positividade da concepção ambiental
dominante no setor elétrico e de seus elementos “legitimados e legitimadores no
campo simbólico dos valores institucionais e da atuação profissional” (Bourdieu,
1989)
A análise das entrevistas realizadas, bem como a observação das
informações presentes nos questionários aplicados permitiram identificar as
condições de possibilidade, a episteme e o a priori histórico que orientam e filtram
as percepções, o saber e os critérios de verdade dos profissionais do campo
(Setor Elétrico).
Além disso, a abordagem adotada permitiu compreender a
187
positividade das representações sociais presentes nas ações dos sujeitos em seu
cotidiano institucional, enquanto elementos constituintes de sua identidade
pessoal e profissional. É importante considerar que o sujeito, objeto desta
reflexão, recebe múltiplas influências e pressões, e que enquanto tal, sua fala e
trajetória profissional estão impregnadas de interesses e motivações que, embora
pessoais, são atualizados institucionalmente.
Tendo em vista atender aos diferentes propósitos deste capítulo,
dividimo-lo em três momentos, a saber: o primeiro, dedicado a pensar sobre o
papel da engenharia e o lugar dos engenheiros na composição do quadro técnico
do Setor Elétrico, visto que seus empreendimentos são marcadamente obras da
engenharia; o segundo, voltado para a observação das modulações do discurso
institucional (se é que se pode assim chamá-lo) expressas nas diferentes falas
que o constituem e, o terceiro, referente a uma breve caracterização do
profissional deste sujeito institucional.
5.1 O Mundo da Engenharia e a Emergência da “Questão Ambiental”
No final da década de 70 e início dos anos 80, segundo as entrevistas
realizadas, o quadro técnico das empresas do Setor Elétrico era praticamente
dominado por engenheiros, seguidos pelos analistas de sistema, administradores
de empresa e advogados. Esse espaço expressivo da engenharia podia também
ser constatado na participação dos engenheiros nos cargos de gerência e
direção. Um dos aspectos relevantes para se pensar sobre as possíveis variações
que a temática do meio ambiente introduziu na composição técnica e institucional
do Setor Elétrico passa, necessariamente, pela análise de seu quadro
188
profissional, onde o campo da Engenharia se destaca como orientador absoluto
do planejamento e execução de projetos do setor.
É interessante notar que nesse contexto, a discussão amplia-se de
modo a incluir a própria ciência que, através de seus paradigmas consagrados,
condiciona também a prática da Engenharia.
Uma breve análise histórica da presença dos engenheiros no campo
das políticas governamentais aponta para alguns marcos que ajudam a conhecer
a identidade histórica e socialmente construída desses profissionais.
Os primeiros engenheiros formados no País cursaram a Academia
Real Militar, fundada por D. João VI, em 1810, eram engenheiros militares. Essa
instituição, mais tarde, deu lugar à Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874),
que, juntamente com a Escola de Minas de Ouro Preto (1875/76), a Escola
Politécnica de São Paulo (1893) e a Escola de Engenharia do Mackenzie (1896),
são consideradas como os principais marcos institucionais da história da
engenharia no Brasil.
Segundo Hershmann & Pereira (1995), a origem do “Brasil Moderno”
remonta às últimas três décadas do século XIX, no período que vai do fim do
Império à proclamação da República, quando ocorreram significativas mudanças
no âmbito das idéias e mentalidades e, principalmente, no perfil dos intelectuais;
“espaços como o da Escola Politécnica passam a ser considerados prioritários, ou
seja, a 'arte do operatório', dos engenheiros, médicos e educadores vem
sobrepujar a 'arte da retórica dos bacharéis' ”. (Hershmann & Pereira, 1995:23).
Para perceber as nuanças dessas transformações, deve-se observar a
forma como vai sendo construída uma dada concepção de mundo, e como essa
189
categoria profissional, historicamente, constrói sua trajetória e define sua posição
relativa no campo face às demais profissões. Segundo Piotte (1979),
A concepção de mundo de uma classe está
determinada pelo lugar (...) que ocupa no seio de uma
estrutura social. Por uma parte está “determinada” por este
lugar e depende das características próprias da função que
exerce no modo de produção (...) Por outra parte, a
concepção de mundo de uma classe é a expressão que se
encarna historicamente no seio de uma situação.
(Piotte,1979: 17)
Os principais marcos dessa história podem ser observados a partir de
momentos específicos e definidos, segundo Kawamura, em um período de
transição que abrange do fim do Império ao ano de 1930 (do período
agroexportador à sociedade urbano-industrial); da fase de “industrialização” (de
1930 até 1945) e do período de “industrialização intensiva" que se desenvolve até
o final dos anos 70. A partir daí, registram-se mudanças significativas na situação
da engenharia brasileira, especialmente no que se refere à consolidação do
mercado de serviços e consultorias que atende às políticas públicas nacionais.
Segundo
Hershmann
&
Pereira,
o
cientificismo
e
os
ideais
reformadores dos intelectuais da chamada “geração 70” são influenciados pelo
positivismo e desenvolvimento das ciências naturais na Europa. Citando
Carvalho49, os autores destacam que “esse comtismo significava abraçar o futuro,
o progresso como doutrina (...) recolher os sinais do futuro e a consagração do
binômio razão-história consistia em uma operação estranha à presentificadora do
romantismo imperial”.
Os intelectuais desse momento diferenciavam-se dos tradicionais
bacharéis que dominavam o cenário intelectual da época do Império. Estes
190
últimos cuidavam da legalização, normatização e manutenção de uma ordem
econômica agrícola, na qual a sociedade estava organizada em dois pólos
radicais: os proprietários de terras e a aristocracia, de um lado, e o contingente de
escravos, de outro. Kowarick (1994), ao analisar a passagem do século XIX para
o século XX, destaca o desprestígio que a noção de trabalho teve na origem do
trabalho livre, isto por que sua associação ao trabalho escravo era muito forte.
Nesse período, os trabalhadores livres dedicavam-se ao pequeno comércio e à
pequena manufatura. Nesse contexto, onde a ordem, de certo modo, tinha que
ser mantida, fazia sentido o predomínio dos bacharéis, situação que se modificou
com a emergência de uma cultura urbano-industrial de padrão europeu centrada
nos ideais de ordem e progresso.
O positivismo desse momento foi fundamentado na idealização e
ideologização do método científico e, desse modo, serviu para afirmar a
identidade do engenheiro frente ao bacharelismo até então dominante. Na
realidade, essa foi a estratégia de luta e conquista de espaço no campo
intelectual e no campo da política, consolidando seu papel como portador do
progresso. A atuação do engenheiro, nesse momento, deu-se como um
profissional liberal, que desenvolvia várias atividades ao mesmo tempo e
começava a ocupar cargos na administração pública. Como profissional liberal,
sua representação construiu-se em oposição ao trabalhador assalariado,
desprovido de prestígio no contexto da virada do século XIX para o século XX.
Segundo Kawamura (1979), essa representação, ainda hoje, prevalece no
imaginário social da profissão “mesmo sem um dado de realidade que atualmente
sustente concretamente e consistentemente, e que, marca, muitas vezes, uma
49
- Maria Alice R. de Carvalho.
191
certa 'arrogância' nesses profissionais, na argumentação de sua 'independência
intelectual'”.
O outro traço da constituição da identidade desse profissional refere-se
à noção de pioneirismo, expressa de forma associada à noção de desafio, ambas
decorrentes, principalmente, das experiências de implantação de ferrovias, do
domínio do maquinário importado e da capacidade de remodelar as paisagens,
carimbando nelas as marcas do progresso. De certo modo, essas representações
acompanharam a trajetória histórica destes profissionais e repercutiram, de forma
significativa, décadas mais tarde, durante a introdução da questão ambiental. À
guisa de ilustração, tem-se um registro do engenheiro Euclides da Cunha durante
uma expedição de reconhecimento nas cabeceiras do Rio Purus, na Amazônia,
em 1905: “A terra é naturalmente, desgraciosa e triste, porque é nova. Está em
ser. Faltam-lhe à vestimenta de matas, os recortes artísticos do trabalho “.Com o
início do século XX e as reformas urbanas, especialmente na cidade do Rio de
Janeiro, a figura do engenheiro ganhou prestígio (vide, por exemplo, Pereira
Passos, Prefeito do Rio de Janeiro). Citando Kropf em seu trabalho sobre o Brasil
Moderno, Hershmann & Pereira (1995, p. 211) comentam que:
Ao atuar no projeto de construção da nova ordem
social, estes intelectuais cientistas se faziam organizadores
da cultura (...) abrindo avenidas e ferrovias, reformando a
fisionomia dos principais centros urbanos, modernizando
portos, introduzindo nas fábricas novas técnicas e máquinas,
os engenheiros pleiteavam a posição de agentes legítimos e
legitimadores de um programa que se concebia como a
remodelação nacional.
A presença dos engenheiros foi crescente e se fez articulada, de um
lado, aos empresários e industriais e, de outro, aos projetos governamentais. A
primeira pode ser constatada no discurso de inauguração do Clube de Engenharia
192
do Rio de Janeiro, quando o engenheiro Silva Coutinho, ao esclarecer os
objetivos da instituição, declarou a prioridade de “tornar mais íntimas as relações
dos engenheiros com os industriais e organizadores de empresas, tendo sempre
em mira o desenvolvimento dos trabalhos de engenharia e o progresso material
do país” (in: Turazzi, 1989:16). A segunda pode ser percebida na participação
intensa
desses
profissionais
nos
“projetos
de
remodelação
nacional”,
principalmente na abertura de estradas de ferro, dentre outros projetos
governamentais.
À guisa de ilustração, tem-se que desde o final do século XIX, no
discurso comemorativo em solenidade do Instituto Politécnico Brasileiro, o
engenheiro Paula Freitas dizia:
Lançai vossas vistas sobre a extensa região do Brasil:
comparai o que foi, o que é atualmente, ou tende a sê-lo;
encontrareis por toda a parte o dedo do engenheiro, e
reconhecereis que temos ganho não somente na civilização
como no progresso nacional, e que toda essa evolução,
única crescente e realmente eficaz, é fruto da engenharia.
(Hershmann & Pereira, 1995: 210).
Com esta fala, o engenheiro fornecia pistas sobre o mito da recriação do mundo
pela engenharia; na realidade, resultado de uma visão positivista de dominação
da natureza e controle de seus recursos.
É importante destacar que, apesar da aparente condição de
hegemonia, presente nos discursos acima mencionados, a posição dos
engenheiros era, até a década de 30, portadora de inúmeras controvérsias que os
colocava em uma posição ambígua frente aos interesses da elite dominante.
Segundo Kawamura (1979), até o declínio da economia agroexportadora, com a
193
crise do café (1929), os engenheiros não podiam ser caracterizados como
"intelectuais orgânicos”, no sentido gramisciniano, pois
Para tanto havia os clérigos, os advogados, os
militares, os médicos e os professores, que cuidavam das
condições institucionais e ideológicas necessárias para
reproduzir as condições das relações de produção, das
relações comerciais com o exterior e de exclusão da maioria
da população, predominantemente rural, do âmbito das
decisões referentes à economia e a política. Por outro lado,
não podemos dizer que os engenheiros constituíssem os
“intelectuais orgânicos" da incipiente burguesia urbanoindustrial, uma vez que nem esta mantinha uma função
essencial na formação social.
Esta situação, segundo a autora, pode ser constatada no fato de que
as áreas de domínio dos engenheiros (ferrovias, infraestruturas e obras públicas)
eram setores subordinados e secundários da economia agroexportadora, o que
produzia uma acentuada contradição: “a ação no sentido de contribuir para
manter o 'status quo' agroexportador – o qual trazia inerente a limitação
tecnológica – estava em desacordo com os interesses da categoria profissional,
cuja função originária pressupõe a expansão tecnológica” (Kawamura, 1979: 104).
Esta contradição era mais acentuada pelo fato de que os engenheiros eram, em
sua grande maioria, filhos da oligarquia agrária e, considerando que a expansão
dos setores industriais se deu, principalmente, em São Paulo, por exemplo, com
recursos oriundos da expansão da economia cafeeira.
No
âmbito
da
disputa
de
interesses
entre
os
agentes
da
industrialização, ainda incipiente naquele momento, e os representantes da
oligarquia agroexportadora, as políticas alfandegárias de protecionismo à indústria
nacional concentraram as atenções – os industriais querendo impedir a entrada
de importados, e a elite agrária criticando a superficialidade da indústria nacional.
194
Na realidade, os engenheiros eram coadjuvantes, se considerado o prestígio de
advogados e médicos:
No contexto global, tanto do Império como na
República Velha, o engenheiro não se igualava ao advogado
e ao médico (...) No entanto, o engenheiro representava,
naquele período, a autoridade profissional nas áreas em que
se processava a modernização técnica do país; e esta
constituía um novo fundamento de acesso ao poder.
(Kawamura, 1979: 68)
É importante ressaltar que, a despeito do grau de prestígio, os
engenheiros eram intelectuais que faziam parte da chamada
“aristocracia do
pergaminho”, pois desde o Segundo Império, o diploma superior conferia ao
portador autoridade profissional e o integrava ao grupo social dominante.
No período entre 1880 e 1930, o Clube de Engenharia do Rio de
Janeiro mantinha em seus quadros engenheiros renomados, que ocuparam
cargos públicos (senadores, ministros, deputados, prefeitos etc.): Lauro Müller,
André Rebouças, Benjamin Constant, Euclides da Cunha, Barão de Tefé, Vieira
Souto, Paulo de Frontin, dentre outros. Na realidade, o campo da engenharia
começou a ser demarcado e entrar em processo de consolidação na esteira da
idéia
de
que
civilizar
significava
reformar,
remodelar
o
espaço
e,
conseqüentemente, dominá-lo.
Essa perspectiva sofreria, ao longo da década de 20, algumas
mudanças que resultariam no ajuste entre as idéias modernas, orientadas pela
crítica à importação de idéias, a busca cultural de uma identidade nacional
(pensamento modernista), e a realidade institucional do País. Após a crise de 29,
o espaço da engenharia se modifica em função do processo de modernização
econômica pela via da industrialização, amplia-se de vez os espaços de atuação
195
dos engenheiros. Esses profissionais, atuando no âmbito do segmento industrial,
dedicaram-se ao processo de racionalização do trabalho, que o modelo taylorista
tinha tornado paradigmático em todo o mundo. Conforme sugere Kawamura
(1979), emerge, nesse momento, a “função de mando” que povoaria o imaginário
desses profissionais, desde a inauguração de suas primeiras escolas face às
influências positivistas que valorizavam a formação científica e tecnológica.
Segundo a autora, delineou-se, a partir desse momento, uma situação
característica da presença do “intelectual orgânico”, na perspectiva gramisciniana
- os engenheiros constituíram-se como defensores do interesse do capital na
gerência do trabalho, mediando a relação entre as classes em oposição.
Em 1933, a regulamentação da profissão de engenheiro (Decreto Nº.
23.569, de 11/11/1933) deu-se a partir de uma intensa campanha na qual os
profissionais reivindicaram a ampliação de seu espaço de atuação profissional e o
“acesso a cargos diretivos da vida pública, os verdadeiros engenheiros
denunciavam a concorrência dos chamados práticos ou charlatões, ou seja, dos
mestres-de-obras que desenvolviam atividades que segundo eles deveriam caber
exclusivamente aos profissionais ‘cientificamente preparados’" (Hershmann &
Pereira, 1995:219). Na realidade, essa concorrência entre teoria e prática, de
certo modo, marcou, na trajetória desses profissionais, a diferença entre
engenheiros
de
projeto
(planejamento)
e
engenheiros
de
obra
e,
conseqüentemente, expressou representações também diferenciadas acerca do
campo da engenharia.
Além disso, a concorrência, nessa ocasião, deu-se
também face à presença de profissionais estrangeiros, de titulação nem sempre
reconhecida, e à necessidade de legitimar as escolas nacionais. Não é à toa que
a regulamentação exigia a comprovação de titulação obtida no exterior.
196
É importante destacar que a sociedade brasileira, nesse momento,
experimentou um acentuado processo de normatização e institucionalização de
diferentes setores e instâncias da vida nacional e deu seus primeiros passos na
direção do modelo econômico estatizante, que só foi se acelerar no final dos anos
80 e se consolidar na década de 90. No período Vargas, a diretriz estatizante
realizou-se através da implantação da infraestrutura básica, tendo em vista
subsidiar o desenvolvimento industrial. Nesse cenário, foram elaborados o Plano
Geral de Viação Nacional (1934), o Código de Águas (1934), o Conselho Técnico
de Economia e Finanças (1937), o Conselho Nacional de Petróleo (1938), a
Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Usina Siderúrgica de Volta Redonda
(1943) etc. Os engenheiros, nesse contexto, tiveram uma participação intensa
nas inúmeras comissões que se formaram e, com isso, consolidaram os laços
com os industriais - um exemplo dessa situação pode ser observado quando a
presidência do Centro das Indústrias de São Paulo, em 1942, foi ocupada pelo
engenheiro Roberto Simonsen.
Nessa época, emerge o profissional–empresário que, beneficiado pelos
investimentos do Estado em consonância com o modelo urbano industrial, passou
a ser o principal contratador das obras públicas. Nesse contexto, os
empreendimentos governamentais foram confiados às empresas de engenharia e
não mais aos profissionais autônomos. Surgiu, então, a figura do profissional
assalariado, contratado por colegas de profissão, empresários favorecidos pelas
inúmeras frentes de trabalho instauradas para a remodelação do cenário urbano.
Segundo Kawamura, o nacionalismo e os movimentos de defesa das riquezas
brasileiras fortaleceram o papel dos engenheiros naquele momento, pois
enquanto especialistas na delimitação e regulamentação da exploração desses
197
recursos (petróleo, minerais, hídricos), confirmaram seu papel como “defensores
do interesse nacional” e, enquanto tais, participaram de várias comissões de
estudo e Conselhos Estatais e foram consolidando suas articulações políticas e
institucionais.
O Estado, ao iniciar um conjunto de obras públicas, ampliou o mercado
de trabalho dos engenheiros, especialmente os engenheiros civis, e, com isso,
ampliou-se também o mercado das empresas de engenharia. Ao longo da década
de 40, esse mercado cresceu significativamente, tanto através da importação de
projetos
de
ferrovias,
viadutos,
pontes,
maquinário
e
equipamentos
eletromecânicos, como também na atuação industrial direta.
É interessante notar que, nesse contexto, o perfil profissional do
engenheiro assemelhava-se ao polivalente, atuando em diferentes especialidades
e áreas profissionais. Foi somente a partir do pós-guerra que os engenheiros
notáveis, especializados no exterior, começaram a exercer influência nas
universidades e no mercado de trabalho – a fazer escola. Já a partir da década
de 50, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, um conjunto de
engenheiros começou a abrir pequenas empresas com especialidades diversas,
que, posteriormente, dariam feição às grandes empresas de consultoria dos anos
60 e 70.
Com a intensificação do processo de industrialização nacionalista no
período Vargas, e centrado nos bens de consumo no período de Juscelino
Kubitschek, ampliou-se ainda mais o espaço dos engenheiros. Sobretudo se
considerando a gama de grandes projetos governamentais, tais como: a
engenharia rodoviária, como desdobramento da indústria automobilística, dos
198
anos 50 e início dos 60; a engenharia de barragens e as especialidades daí
decorrentes, nas décadas de 60 e 70.
O período de Juscelino Kubitschek e os anos após o Golpe Militar
(1964)
foram
marcados
pela
realização
de
grandes
obras.
Foram
empreendimentos vultosos que favoreceram a constituição de grandes empresas,
a partir da associação com empresas menores, financiados, principalmente, pelo
capital internacional. São desse momento o Plano Nacional de Habitação
(governo JK) e a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), no governo
militar. Ambos com repercussões significativas na construção civil.
O contraponto desse processo pode ser observado no legado da
ideologia desenvolvimentista, nos termos da valorização do conhecimento
técnico, simultaneamente à emergência para a classe média de um modelo de
mobilidade social fundado na formação universitária. Com isso, a partir da
pressão em prol do aumento do número de vagas nas Universidades, surgiu, no
final da década de 60, a Reforma Universitária. Concomitantemente, o mercado
de trabalho experimentou o acentuado processo de expansão das empresas de
engenharia, com mudanças radicais na organização do trabalho, segmentando-se
e especializando-se cada vez mais, de modo a compor uma estrutura industrial de
produção. Segundo Kawamura (1979), a principal expressão desse processo
pode ser observada na “bifurcação funcional” da atuação do engenheiro e num
campo profissional marcado por uma diferenciação hierárquica interna.
Tomando como fonte de inspiração a reflexão de Wright Mills (1973)
sobre o processo nas organizações burocráticas, na qual “a capacidade de
reflexão individual é centralizada na cúpula, com mais freqüência, no nível
199
imediatamente inferior, à medida em que os empregos a exigem e monopolizam
mais e, nos escalões inferiores, a exigem e permitem menos”, pode-se observar
que, naquele momento (anos 60), o campo da engenharia experimentou uma
situação semelhante. Uma parcela reduzida de engenheiros passou a assumir
funções cada vez mais restritas às atividades gerenciais, como uma espécie de
cúpula da categoria nas empresas, ao mesmo tempo em que, dada a
complexidade dos empreendimentos, impunha-se a sua burocratização e super
compartimentação, fazendo com que as atividades repetitivas fossem executadas
por um grande contingente desses profissionais, o que sugere a proletarização da
atuação dos engenheiros tal como dos operários no processo industrial.
O contrapondo dessas mudanças pode ser identificado na reforma
universitária anteriormente mencionada. Esta reforma confere um perfil mais
produtivista à formação no campo da engenharia, incentivando a expansão dos
cursos técnicos direcionados para o treinamento intensivo. Esse processo,
segundo Kawamura (1979), é a objetivação da denominada “bifurcação
funcional”, que se institucionalizou tanto na proliferação de cursos técnicos, como
nos de pós graduação. Acompanhando esse movimento, tinha-se, nos escalões
superiores, os engenheiros - gerentes que tendiam a se especializar em áreas
como a administração, o marketing, a economia -, o que possivelmente sinalizava
para a emergência, especialmente a partir da década de 70, da concorrência
entre engenharia e outros campos de conhecimento, sobretudo se considerada a
importância
das
atividades
econômicas
e
financeiras
nos
grandes
empreendimentos e nas políticas governamentais em geral. Nunca é demais
lembrar que, o argumento da neutralidade técnica justificou, principalmente ao
longo do Regime Militar, os empreendimentos centrados nas intervenções no
200
território e reforçou ganhos financeiros e simbólicos no campo da engenharia.
Afinal, os mega empreendimentos eram lidos e avaliados como desafios: rodovia
Transamazônica, Hidrelétrica de Itaipu e Tucuruí, rodovia dos Imigrantes, dentre
outros. Nesse momento, os empreendimentos no campo da engenharia civil
foram responsáveis pelo desenvolvimento de uma tecnologia nacional autosuficiente, enquanto que nos empreendimentos do Setor Elétrico, a dependência
tecnológica se impôs como regra. Aos engenheiros brasileiros coube, nesse
contexto, a tarefa de adaptar, implantar e manter os equipamentos importados,
sob a orientação de engenheiros estrangeiros ou engenheiros brasileiros com
especialização no exterior.
Essas diferenças no campo da engenharia sugerem que:
A categoria do engenheiro não só passa a contar com
a ação complementar de outras, mas também passa a
exercer funções que as complementam. A presença
crescente de profissionais como economistas, arquitetos,
administradores, dentre outros, tendeu, no decorrer do
período, a concentrar a atuação do engenheiro em suas
atividades tecnológicas. Por outro lado, na medida em que
as atividades de marketing, finanças, compras e vendas
passam
requerer
conhecimentos
tecnológicos
especializados, a ação do engenheiro tende a estender-se
para setores exteriores à produção propriamente dita.
(Kawamura, 1979:44).
Além disso, os períodos do desenvolvimentismo e do milagre brasileiro,
marcaram o crescimento significativo do número de engenheiros no mercado de
trabalho. Por um lado, devido ao horizonte de grandes obras que se descortinava;
do outro, dada à proliferação do número de escolas de engenharia. À guisa de
ilustração, tem-se que só no Estado de São Paulo foram criadas seis escolas, e
201
as estatísticas50 do Ministério de Educação e Cultura para o ano de 1972
registraram que o número de matrículas passara de 10.821 em 1960, para 33.783
em 1970.
Na realidade, em decorrência da forte associação entre o campo da
engenharia e as idéias desenvolvimentistas do Brasil Potência, o engenheiro,
além de se tornar um profissional muito requisitado, tornou-se, no imaginário
social, um profissional de futuro (futuro econômico, financeiro e de status social),
concretizando, desse modo, na profissão, um projeto de mobilidade social. O
significativo crescimento do número de empresas de engenharia nesse momento
era indicativo de como o mercado profissional dos engenheiros fora dinamizado.
É interessante destacar que, ao longo das entrevistas realizadas, uma das
informações recorrentes, quando do resgate histórico da emergência da questão
ambiental, foi a de que a grande maioria dos engenheiros das empresas do setor
formou-se na década de 70, e que é comum identificá-los como “os engenheiros
do milagre brasileiro”. Esse profissional, tido como bem assalariado, foi, ao longo
do tempo, construindo sua identidade profissional associada ao tipo de vinculação
institucional, considerando a importância de sua empresa, ou o empreendimento
que ajudou a construir: engenheiro da Cemig, engenheiro de Furnas, engenheiro
da Camargo Correia ou ainda: engenheiro de Tucuruí, engenheiro de Ilha Solteira,
engenheiro de Sobradinho etc.
A denominação de engenheiro–barrageiro surge, nesse contexto, como
uma classificação genérica que reconhece a condição de pertencimento de um
dado profissional a um segmento institucional específico. Nunca é demais lembrar
50
- Estatísticas da Educação Nacional – MEC, 1972.
202
que o status profissional, nesse momento, estava intimamente associado às
grandes empresas e empreendimentos. Um dos relatos coletados caracteriza
bem o sentimento do momento com relação à profissão:
Veja bem, empresas como a Themag, a Vale do Rio
Doce eram de uma respeitabilidade incontestável. A Themag
era a Themag e isso intimidava inclusive alguns quadros das
empresas do Setor Elétrico. O engenheiro da Vale
(Companhia Vale do Rio Doce) era o engenheiro, era um
senhor doutor, e todos reconheciam isso. Havia um padrão
que não se discutia, algumas empresas eram a garantia de
execução de projeto a nível de excelência. Isso era muito
importante, a qualidade era o cartão de visita das grandes
empresas e fazer parte de seus quadros era o
reconhecimento, a consagração, era quase que um outro
diploma. (depoimento de engenheiro de empresa de
consultoria)
A introdução da questão ambiental no mercado de projetos
historicamente reconhecidos como “patrimônio da engenharia” ocorreu num
momento em que já se observava uma certa retração dos investimentos. No final
da década de 70, até a segunda metade dos anos 80, como desdobramento da
crise do petróleo, observava-se a redução das empresas de engenharia e,
conseqüentemente, o estreitamento do mercado de trabalho dos engenheiros.
Essa situação marcou o fim do ciclo dos grandes projetos e o desmantelamento
das grandes consultoras, que desmontam suas equipes técnicas, passando a
trabalhar com consultores independentes ou cooperativados, nos termos da
prestação pontual de serviços.
A maioria dessas empresas possuía
departamentos ou quadros recentes de profissionais dedicados às questões
ambientais, que já movimentavam uma fatia considerável do mercado de
profissionais autônomos na área dos grandes empreendimentos.
203
Com relação ao Setor Elétrico, a necessidade de definir procedimentos
para o tratamento dos problemas ambientais, no âmbito do planejamento e
execução dos projetos, provocou mudanças no perfil do seu quadro técnico, com
a chegada de profissionais de outras áreas: biólogos, sociólogos, antropólogos,
médicos sanitaristas etc. Segundo as entrevistas realizadas, esses novos
profissionais, a maioria oriunda das empresas de consultorias prestadoras de
serviços51 para o Setor Elétrico, contribuíram de forma significativa para redefinir
os rumos do planejamento das políticas e projetos do setor.
Nesse momento, observavam-se três frentes no processo de
composição institucional de espaços para a discussão e negociação da questão
ambiental: uma, no âmbito da incorporação de profissionais de outras áreas que
não da engenharia e campos afins; outra, na perspectiva da reciclagem de
antigos profissionais, agora vinculados às divisões e/ou departamentos de meio
ambiente, através de cursos e seminários, e a terceira, referente à formulação de
parcerias com instituições de pesquisa e universidades, de modo a iniciar uma
produção conjunta capaz de dar legitimidade e reconhecimento social aos
espaços em construção. De certo modo, pode-se sugerir que nesse processo foise construindo a “inteligenstia52” ambiental no interior do setor, e se demarcando
um campo de discussão. Em termos quantitativos, tem-se que no final da década
de 80, a composição do quadro técnico das empresas do Setor Elétrico, objeto
51
- Conforme mencionado anteriormente, as empresas de consultorias, face a redução dos investimentos,
começaram a desmontar seus quadros técnicos, disponibilizando, principalmente, os profissionais de seus
antigos departamentos de meio ambiente.
52
“Inteligenstia”, na perspectiva de Manheim (1974), que a define como grupo especializado que pode manter
sua posição dominante a despeito do ingresso de novos membros. O membro individual da inteligenstia
“pode ter, como freqüentemente ocorre, uma orientação particular de classes, e em conflitos reais pode
alinhar-se com um ou outro partido político. Mais ainda, suas posições podem revelar uma clara posição de
classe. Mas além e acima dessas afiliações, ele é motivado pelo fato de que seu treinamento, o equipou para
encarar os problemas do momento a parir de várias perspectivas e não apenas de uma, como faz a maioria
dos participantes de controvérsias.”
204
deste estudo, apresentava um efetivo no qual se destacavam os profissionais de
nível superior (Quadro 5.1). Embora a maioria estivesse alocada na área social
(Meio Social) (Quadro 5.2), as entrevistas e questionários realizados indicaram
que esses profissionais não necessariamente tinham formação em Ciências
Humanas e Sociais, incluindo-se nesse grupo arquitetos e engenheiros. Segundo
os relatos coletados, o espaço referente ao Meio Social, diferentemente dos
demais, agregou uma gama variada de profissionais:
Aqui pelo meio ambiente passaram arquitetos,
estatísticos, agrônomos e até engenheiros que, durante um
período, responderam pelas questões sociais no meio
ambiente. No início, isso dependia muito da experiência de
cada um, havia engenheiros que conheciam tão bem
determinada área e sua população e que tinham, inclusive,
ajudado a coordenar projetos de remanejamento, que
quando se começou a definir mais claramente a área de
meio ambiente e atribuir responsabilidades, foram mantidos.
Na realidade o que contou sempre foi a experiência de cada
um. (depoimento de Técnico do Setor Elétrico – área de
Meio Ambiente)
Como se pode observar no Quadro 5.2, a segunda maior concentração
de pessoal desenvolvia atividades gerenciais, e o menor número de técnicos
correspondia aos profissionais do Meio Biótico. Nos Quadros 5.3 e 5.4, pode-se
constatar que, no período entre 1986/89, o quadro técnico de profissionais na
área de meio ambiente mais que triplicou, sendo a área social aquela que,
conforme mencionado, agregou o maior número de profissionais (Quadro 5.5 e
5.6). Segundo o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993,
O desempenho das equipes de meio ambiente do Setor
Elétrico evidencia a necessidade de maior entrosamento e
nivelamento de informações entre profissionais de formação
necessariamente diversificada e, freqüentemente, com
pouco tempo de experiência na abordagem integrada dos
aspectos
sociais
e
ambientais
vinculados
aos
empreendimentos elétricos. (Eletrobrás, 1993: 252)
205
Para suprir essa deficiência, a prioridade do setor voltou-se para o
treinamento e aperfeiçoamento dessas equipes, definindo um conjunto de
programas de desenvolvimento gerencial, de aperfeiçoamento técnico e de
nivelamento. Com essa finalidade, foram organizados três tipos de cursos: Curso
de Gerencia de Meio Ambiente, Cursos Técnicos de Meio Ambiente e Curso
Básico de Meio Ambiente. Os conteúdos desses cursos foram definidos pelas
demandas setoriais através do COMASE, do Departamento de Meio Ambiente
(Diretoria de Planejamento e Engenharia) e do Desenvolvimento Empresarial da
ELETROBRÁS.
Quadro 5.1 - Efetivo Pessoal nas unidades de Meio Ambiente 1986
Nível
Superior
Nível Médio
Total
Eletrobrás
08
01
09
Eletronorte
28
19
47
Eletrosul
08
04
12
CHESF
10
02
12
Furnas
04
02
06
Total
58
28
86
Empresas
Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas obras e
serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986
Quadro 5.2 - Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas
– agosto 1989
Empresas
Total
Nível
Nível Médio
Superior
Nível
Outros
Administrativo
Eletrobrás
34
25
03
05
01
Eletronorte
62
49
-
13
-
Eletrosul
154
80
-
10
20
206
CHESF
107
49
44
18
05
Furnas
28
23
35
03
02
Total
385
226
82
49
28
Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas
Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991
Quadro 5.3 - Pessoal de Nível Superior lotado nas unidades de meio
ambiente - 1986
Empresas
Meio
Meio
Meio
Gerencial
Total
Físico
Biótico
Social
Eletrobrás
01
01
03
03
08
Eletronorte
14
06
-
08
28
Eletrosul
01
04
02
01
08
CHESF
01
03
02
04
10
Furnas
02
01
-
01
04
Total
19
15
07
17
58
Fonte: Eletrobrás, Plano Diretor para proteção e melhoria do meio ambiente nas obras e
serviços do Setor Elétrico, novembro de 1986
Quadro 5.4- Efetivo Pessoal trabalhando com meio ambiente nas empresas,
por áreas de atuação – agosto 1989
Empresas
Total
Meio
Meio
Meio
Físico
Biótico
Social
Gerencial
Eletrobrás
25
03
05
11
06
Eletronorte
49
11
11
14
13
Eletrosul
80
25
10
36
09
CHESF
49
04
02
30
13
Furnas
23
-
03
07
13
207
Total
226
43
31
98
54
Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas
Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991
Quadro 5.5 - Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio
ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por nível técnico
Empresas
Nível Superior
Nível Médio
Nov
Ago
Nov
Ago
86
89
86
89
Eletrobrás
08
25
01
08
Eletronorte
28
49
19
13
Eletrosul
08
80
04
42
CHESF
10
49
02
53
Furnas
04
23
02
-
Total
58
226
28
116
Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Central Elétricas
Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991
Quadro 5.6 - Evolução do Efetivo Pessoal lotado nas unidades de meio
ambiente entre novembro de 1986 e agosto 1989 – por área de atuação
Empresas
Meio Físico
Meio Biótico
Meio Social
Nov
Ago
Nov
Ago
Nov
Ago
86
89
86
89
86
89
Eletrobrás
01
03
01
05
03
11
Eletronorte
14
11
06
11
-
14
Eletrosul
01
25
04
10
02
36
208
CHESF
01
04
03
02
02
30
Furnas
02
-
01
03
-
07
Total
19
43
15
31
07
98
Fonte: Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico – 1991/1993 – Centrais Elétricas
Brasileiras – Eletrobrás, RJ. 1991
Esse período pode ser considerado como o momento no qual a
questão ambiental experimentou uma certa plenitude institucional, no que se
refere aos investimentos para a composição de um quadro técnico especializado.
Não se pode, entretanto, afirmar que a este fato corresponde a definição de uma
política única de meio ambiente para o setor, mas sim, que no campo institucional
se delineava um espaço que, explicitamente, se dinamizou, tendo o meio
ambiente como seu objeto, causa ou objetivo de constituição, ou justificativa:
Acho que por volta de 88/89, a equipe de meio
ambiente começava a se montada, com uma autorização da
Presidência da República para contratação. As contratações
nas estatais já estavam proibidas, mas depois é que se ficou
sabendo que essa autorização era parte da negociação de
empréstimo setorial com o Banco Mundial. Esse empréstimo
não saiu, mas como já tinha a autorização, se continuou
montando a equipe de meio ambiente. Desde 87, já existia
um departamento de meio ambiente, mas tinha muito pouca
gente. De certo modo, a chegada de novos profissionais deu
uma boa mexida nos da casa, principalmente os
engenheiros – barrageiros, o que resultou em muita pressão,
algumas dificuldades, mas tudo muito compreensível. A
sensação que se tinha era de que se estava criando algo
novo para a instituição e o que é novo sempre dá mais
trabalho.(depoimento de técnico do meio ambiente)
A partir desse momento, o meio ambiente estava institucionalizado, e
as questões a ele referentes começaram a mediar os confrontos e as disputas
técnicas, assim como as políticas no interior da instituição. As empresas do setor
atualizavam suas formas de produção e reprodução de habitus, valores e capitais
209
simbólicos, incorporando as questões ambientais e o espaço profissional a elas
referentes. O meio ambiente, nesse contexto, era mais um recurso para a
composição de estratégias na luta pela distinção, pelos critérios de legitimidade e
pelo domínio das relações simbólicas. (Bourdieu, 1989). Seu espaço era
demarcado não só pela presença de seus especialistas, mas também pela sua
relação com o quadro técnico tradicional, garantindo aproximações e provocando
afastamentos. A diversidade era a principal marca do novo espaço e sua condição
de sobrevivência:
A vantagem da composição dos departamentos de
meio ambiente é a sua multidisciplinaridade. Nesse sentido
essa conformação veio quebrar, ou pelo menos pressionar,
o domínio dos engenheiros, por exemplo. Não que o domínio
da engenharia fosse bom ou ruim, não se trata disso. Os
projetos dos setores elétricos são empreendimentos de
engenharia, mas com a necessidade de se discutir os
empreendimentos do ponto de vista ambiental, se fez
necessária a participação de outros profissionais, se criou
um novo mercado, ou melhor se introduziu ao antigo
mercado da engenharia novas demandas, atendidas por
outros profissionais que não os engenheiros. Penso que o
principal avanço desse momento foi a necessidade de
instauração de um diálogo diverso, múltiplo. (depoimento de
técnico de meio ambiente -Meio Biótico)
A partir da década de 90, observaram-se mudanças significativas no
contexto da composição das empresas de engenharia prestadoras ao setor
Elétrico. Teve-se, então, a constituição de pequenas empresas de consultoria, a
maioria delas composta por ex-funcionários das grandes consultoras, que
chegaram ao mercado, inicialmente, prestando serviços a seus antigos patrões e,
posteriormente, disputando com eles uma fatia do mercado. Essa situação
ocorreu, principalmente, na área de meio ambiente, a primeira ser desmontada no
processo de desmantelamento das grandes consultoras. E tendeu a se
210
intensificar face ao refluxo dos investimentos externos e ao crescimento da dívida
pública interna e externa que, em decorrência dos juros altos dos empréstimos
realizados nas décadas anteriores, alterou o modelo de intervenção direta do
Estado nos setores econômicos que haviam beneficiado a engenharia. Na
realidade, a super especialização e a fragmentação do momento anterior (década
de 80) foram substituídas pela atuação polivalente, nos moldes das múltiplas
especializações,
atualmente,
favorecida
pela
expansão
dos
meios
de
comunicação e da informática.
5.2 O Discurso Institucional e suas Falas
A pretensão de observar como, no interior do Setor Elétrico, o meio
ambiente demarca um campo de distribuição de poder tornou-se uma tarefa difícil,
pois os discursos sobre este tema, na maioria das vezes, apresentaram-se de
forma imprecisa e, por que não dizer, confusa. A grosso modo, durante a
pesquisa, o meio ambiente mobilizou dois tipos de discursos: um centrado no
questionamento do modelo de intervenção das políticas estatais, desdobrando-se
na menção à busca de alternativas, e outro que, centrado na referência aos
aspectos técnicos da temática, tendeu a justificar o modelo de intervenção estatal
vigente a partir da discussão setorializada (o meio ambiente da fauna, o meio
ambiente da flora, o meio ambiente das comunidades indígenas, e assim por
diante). É claro que ambos, internamente, expressam variações que os
aproximam ou os revelam em confronto, e que deixam transparecer, nem sempre
de forma nítida, os conflitos e as disputas que caracterizam a concorrência
institucional. Além disso, remetem à dificuldade mais geral de precisar o que
realmente significa meio ambiente ou questão ambiental, freqüentemente
211
remetendo a um conjunto de temas polêmicos e/ou, como num jogo de palavras,
associando expressões que o senso comum tem adotado ao tratar desse tema:
preservação X destruição, escassez de recurso X abundância, natureza etc.
Na realidade, o exercício de análise dos discursos coletados teve como
principal preocupação tentar identificar as principais referências que os
constituem e, de certo modo, perceber como e quando as mudanças ou
alterações nas formas de produção e reprodução do meio ambiente tornam-no ou
são tornadas “problemas ambientais pelos sujeitos coletivos que as verbalizam
enquanto tal”. Desse modo, considerando que as palavras são representações e
que, ao integrarem um discurso, findam por evidenciar tensões, considerou-se as
tentativas de definir e caracterizar meio ambiente, bem como identificar problemas
ambientais como expressões construídas simultaneamente no processo de luta e
constituição dos sujeitos políticos. Expressões que, por estarem referidas a um
dado contexto cultural e institucional, não são neutras e, enquanto tal, ordenam o
seu espaço de origem e lhe conferem inteligibilidade.
O exercício de análise dos discursos aqui apresentado tentou revelar
seu lugar de origem (quem fala o quê, e de onde fala). Afinal, como sugere
Fabiani (1983), os discursos são proferidos a partir de posições diferenciadas no
espaço social, e os sujeitos politicamente constituídos tentam legitimar
socialmente suas próprias representações. Desse modo, a despeito das
dificuldades acima mencionadas, pode-se observar que as representações
expressas nos diferentes discursos remetem a definições diferenciadas das
práticas institucionais com relação aos projetos e empreendimentos do setor
elétrico; ou seja, o meio ambiente discutido é quase sempre aquele dos
212
empreendimentos e dos projetos e, enquanto tal, revela formas especificas de
disputas pela apropriação e uso dos recursos territoriais.
Para a realização das análises pretendidas neste capitulo, optou-se por
identificar os entrevistados, segundo o lugar institucional ocupado (técnico,
gerência de projeto, chefia de departamento, execução de projetos/obra), sua
área de atuação, segundo a classificação usualmente utilizada pelas empresas do
setor (Meio Físico, Meio Biótico e Meio Social) e as condições de sua trajetória
institucional (ingresso no Setor Elétrico através da área de meio ambiente, em
função de sua criação ou para ela transferido de outros setores). Com relação aos
consultores que prestam ou prestaram serviços às empresas do Setor Elétrico na
área de meio ambiente, estes foram identificados segundo sua inserção
empresarial ou institucional (consultores vinculados a empresas de consultoria ou
consultores vinculados às universidades e/ou entidades de pesquisa).
Observando a constituição do campo temático, tem-se que foram
recorrentes os relatos que apontam para o fato de que, historicamente, a
institucionalização da questão ambiental no Setor Elétrico deu-se de forma
diversa, segundo as diferentes empresas do setor.
Não se pode dizer que houve um planejamento; acho
que as empresas foram constituindo os departamentos ou as
divisões ao sabor das demandas, como se a necessidade
orientasse o movimento de cada empresa e, ao longo desse
processo, os técnicos fossem refletindo ao mesmo tempo
que tomando as providências necessárias. (depoimento de
técnico, engenheiro, transferido de outro setor da empresa
para a área de meio ambiente)
A contrapartida desse relato pode ser observada, por exemplo, no processo de
constituição do quadro técnico para dar suporte às ações orientadas pela
temática:
213
Não se pode falar que o quadro técnico tinha um perfil
específico. Uns vieram da consultoria, de certa forma
estavam no mercado dos estudos ambientais; outros se
formaram ao longo do processo, trabalhando na área
ambiental e, teve aqueles que, como não tinham para onde
ir, foram para os departamentos de meio ambiente. Não se
tinha muito claro nesse momento qual o perfil ideal do
profissional e qual a capacitação mais adequada, só ao
longo do tempo e na prática dos projetos é que tudo foi
ficando mais claro. (depoimento de técnico contratado para
Departamento de Meio Ambiente, Meio Biótico)
Na realidade, o processo de instauração da questão ambiental no setor
elétrico, observado a partir da criação de departamentos e/ou divisões temáticas
nas empresas e da conseqüente formação de um corpo técnico, sugere um
contexto marcado por dois movimentos: de um lado, o esforço de incluir o setor
no campo de debate sobre meio ambiente e, com isso, estabelecer a interlocução
com diferentes segmentos da sociedade nacional; de outro, incluir-se e
diferenciar-se no espaço institucional, buscando construir uma identidade social
fundada no reconhecimento profissional (os de dentro e os de fora do espaço do
meio ambiente):
Foi grande o investimento do setor na formação de seu
quadro de profissionais, seja através de cursos externos,
seja através da realização de muitos seminários, estudos e
principalmente, da contratação de consultorias específicas.
Pode-se dizer que, nesse momento, aconteceu uma
valorização muito grande da formação dos profissionais de
meio ambiente. (depoimento de técnico transferido de outro
setor da empresa para a área de meio ambiente, ocupando
cargo de chefia)
A ampliação das relações entre administradores e pesquisadores tem
conduzido à constituição de uma linguagem comum e ao desenvolvimento de
uma sociabilidade específica através de comissões e comitês e da realização de
seminários, cursos etc. Esse procedimento tem mostrado, como sugere Bourdieu
214
(1989), a importância de novos modos institucionais de produção de saber
induzidos pela intensificação entre as burocracias e as instâncias legitimadas
como produtoras do saber - a circulação, por exemplo, dos mesmos homens entre
as funções de administradores e aquelas de pesquisador reforça ainda mais as
relações entre ciência e burocracia. Desse modo, é importante chamar a atenção
para o fato de que a necessidade de tornar científico o debate sobre a natureza,
freqüentemente, estimula os investimentos no sentido da formação profissional
dos envolvidos com esta questão, constituindo, desse modo, como uma
necessidade política, a gestão científica dos recursos naturais:
Não se pode pensar os departamentos de meio
ambiente das empresas como áreas isoladas; vários comitês
e grupos de trabalho davam suporte às discussões e
contribuíam para trazer outras áreas das empresas para o
debate ambiental que se pretendia. Inicialmente, esta
parecia ser a forma mais eficiente para que os profissionais
do setor, cada um na sua atribuição, pelo menos se
sensibilizassem com o meio ambiente. Mas não foi tão
simples assim; hoje, lembrando, pode parecer apenas uma
questão organizacional, mas para quem viveu aquele
processo, ficou claro que vivemos um processo político
bastante complexo. Acho que fomos os últimos em todo o
setor elétrico a constituir formalmente o departamento,
embora alguns já participassem de cursos, seminários e
reuniões em geral. Agora, apesar do empenho, os
resultados têm vindo aos poucos, e de forma localizada;
cada problema que surge é resolvido de forma pontual, não
se pode dizer que já temos uma orientação geral da
empresa para o meio ambiente. Acho que o que temos são
arranjos para os problemas ambientais que vão surgindo.
(depoimento de técnico transferido para o Meio AmbienteMeio Físico).
Tem-se que a criação de uma nova instância institucional experimenta,
inicialmente, um movimento de valorização/inclusão que, por si só, pode ser
indicativo de um processo no qual o que está em jogo é a própria inserção do
indivíduo (técnico) no campo, um jogo que atualiza a correlação de forças
215
institucionais e do qual os técnicos não escapam. Como sugere Bourdieu (1989:
15), “a única liberdade absoluta que o jogo concede é a liberdade de sair do jogo”.
Nesse contexto, a análise do conjunto de relatos coletados destaca que as
representações da questão ambiental remetem freqüentemente aos seguintes
temas:
aA pressão sobre as fontes de recursos e a tomada de decisão.
A percepção do meio ambiente, a partir de uma leitura que valoriza a perspectiva
do impacto ou pressão sobre os recursos naturais, está bastante presente no
discurso de alguns técnicos do setor:
É curioso, mas a destruição do patrimônio ambiental,
sempre existiu, desde a primeira hidrelétrica. No entanto, foi
preciso todo esse movimento que, na realidade, veio de fora
e culminou com a Rio 92, para que essa questão se
tornasse quase que determinante para o planejamento,
como também para definir o destino de alguns
empreendimentos. Sempre se inundou grandes extensões
de terra, sempre se realocou população, sempre se perdeu
vegetação, fauna etc. E sempre as empresas tiveram
atenção para com isso. Só que eram questões técnicas que
envolviam, como tantas outras, os procedimentos clássicos
de um projeto de engenharia de grande porte. Na realidade,
minha avaliação pessoal, e quero destacar que estou
falando da minha experiência e não em nome da empresa, é
que a nova realidade está nos pressionando para buscar
soluções cabíveis para a preservação dessa natureza,
digamos assim, que fica inundada. (...) Entendo como
soluções cabíveis, encontrar alternativas que possam
adequar um projeto clássico de engenharia com uma visão
moderna de preservação, sem perda, ou com perdas
mínimas para os dois lados (...) Os dois lados são a geração
de energia, o setor elétrico e os recursos da natureza.
Vejamos bem, nós já estamos com uma deficiência imensa
de energia, a nossa tradição é de hidrelétricas, hidrelétricas
inundam, muito ou pouco, inundam e então... Agora eu é
que pergunto: qual a saída? (...) Acho que o setor tem
investido muito em pesquisas, seminários, tem investido
muito em tornar seus profissionais aptos para a nova
realidade. E a nova realidade impõe que se busquem formas
de continuar aumentando a nossa capacidade de gerar e
216
transportar energia com o menor custo ambiental. Agora, as
pressões são muitas, vêm de todos os lados, de dentro e de
fora, dos especialistas que nós temos e da sociedade.
(depoimento de técnico transferido para o Meio Ambiente –
Meio Social).
O reconhecimento de que a questão ambiental deve ser considerada
como um fator determinante para o planejamento e a execução de projetos não
corresponde, para uma parcela significativa de técnicos do setor, especialmente
aqueles mais antigos transferidos para a área de meio ambiente, ao
reconhecimento da necessidade de revisão da matriz energética, nem tampouco
de que o que está em questão são formas específicas de apropriação do território
que envolvem disputas (entre o setor elétrico e a população). Além disso, o
distanciamento entre tomada de decisão e planejamento/projeto concorre para
que as questões ambientais tendam a ser tratadas ou como restrição legal ou
como problema a ser resolvido:
Temos evoluído muito em relação ao meio ambiente;
temos agora uma legislação que tem de ser cumprida, e
alguns empreendimentos tem um passivo ambiental que não
foi ainda resolvido. As populações já não aceitam que se
planeje um reservatório sem consultá-las. Muitos projetos
estão sendo revistos e redimensionados por causa disso. Já
tivemos muitas discussões, audiências públicas que se
transformaram em verdadeiras batalhas, e acho que ainda
vamos ter muito confronto pela frente porque ainda estamos
engatinhando em termos de meio ambiente. E sabe por
que? Por mais que nossos técnicos estejam preparados,
isso não é o suficiente quando recebemos uma orientação
que vem de cima (...) Estou falando que a tomada de
decisão não acontece aqui no meio ambiente; quando chega
aqui, só nos resta buscar a melhor forma de executar o
nosso trabalho, apagamos incêndio. Foi assim com esse
empreendimento, uma decisão política que pouco
considerou as questões de engenharia e muito menos as
questões ambientais. Estamos tentando fazer o melhor
possível, mas com certeza não conseguiremos muito. Esse
empreendimento, se consideradas as variáveis da
engenharia mais os problemas ambientais, não sairia da
217
prancheta. (depoimento de técnico transferido para o Meio
Ambiente – Meio Físico)
Nesse contexto, as discussões em torno da questão ambiental
remetem a prioridades secundárias, se considerado que o processo decisório
tende a ignorá-la e que sua importância é, na maioria das vezes, resultado de
pressões externas da sociedade e internas dos sujeitos institucionais, cuja
identidade e espaço de atuação estão a ela diretamente associados. Um outro
aspecto a ser considerado remete à dimensão legal que a envolve e que, de certo
modo, garante sua importância. Considerando que a lei é a tradução de um
conflito, e que, conforme mencionado anteriormente, a disputa por formas de
apropriação do território e de seus recursos naturais ancora todo o debate em
torno da questão ambiental, tanto no interior do setor elétrico (entre suas
diferentes instâncias), como na relação deste com a sociedade, tem-se que a
aplicação da legislação é um artifício para garantir legitimidade a esse conflito.
Em linhas gerais, pode-se sugerir que a neutralidade do campo jurídico
lhe confere legitimidade. Segundo Bourdieu (1974), o campo jurídico tem um
efeito simbólico, pois apesar de parecer neutro e universalista, constitui-se
também como um espaço social de diferenciação, onde são travadas lutas de
poder e lutas simbólicas. Na realidade, a referência à legislação ambiental pode
ser compreendida como a referência a uma instância de mediação do conflito
existente. Uma mediação que, ao mesmo tempo, se apresenta como elemento do
campo do político, onde existe o conflito, mas que exclui a arbitragem de um
terceiro, e do campo da ciência, onde a arbitragem entre falso e verdadeiro
remete a uma legitimidade externa (da ciência e da tradição).
218
a Um novo olhar que resgata antigas discussões?
A discussão
em torno das questões ambientais soa, para alguns dos entrevistados, como uma
discussão requentada que não traz novidades, apenas reveste antigos
questionamentos, principalmente no campo social:
Eu fiquei no setor elétrico uns bons 18 anos. Quando
cheguei, não se falava em meio ambiente. Eu já tinha uns 3
anos de empresa quando se começou com o meio ambiente
e aí população, índio, passarinho, árvore, tudo passou a ser
importante. Lembro que no início de Tucuruí, a
grandiosidade do projeto, o desafio de construi-lo era tão
importante, tão patriótico que não se pensava nas
populações, elas eram pouco expressivas diante do que se
estava por fazer. Não veja nisso nenhuma desconsideração
ou desprezo, mas não fazia sentido, por exemplo, pensar em
não construir Tucuruí por causa de meia dúzia de
população. A gente sabe que a pobreza sempre existiu, as
carências; que sempre teve gente preocupada com isso,
sempre teve pessoas com consciência e agora tudo isso
virou meio ambiente. (depoimento de técnico meio ambiente
Meio Social – projeto/obra)
O sentimento de que o meio ambiente vem resgatar antigas questões é
bastante recorrente e, na realidade, coloca em evidência o fato de que a
discussão constrói novos atores institucionais e, conseqüentemente, demarca
novos espaços e instaura novas tensões. De imediato, observa-se que a atuação
institucional de profissionais de meio ambiente deu visibilidade, principalmente, às
dificuldades de comunicação entre os espaços constituintes da área de
planejamento - áreas de estudos e projetos - e entre essas e as instâncias
gerenciais e de execução (obra):
Logo que eu cheguei na empresa, estranhei porque
nós não tínhamos acesso direto a diretoria, ficávamos aqui
analisando projetos, fazendo estudos temáticos, sem
garantia de discussão dos resultados com os diretores. Isso
me parecia contraditório, pois se o objetivo era criar
condições estruturais para que o meio ambiente pudesse ser
contemplado em todas as etapas dos empreendimentos, era
219
fundamental que acontecesse o envolvimento daqueles que
estavam mais próximos do centro de tomada de decisão.
(depoimento de técnico meio ambiente cargo gerencial)
Ou ainda:
Eu, na realidade, sou um engenheiro que se
ambientalizou; por isso, fico muito à vontade para dizer que
tudo o que se discute e define aqui no meio ambiente acaba
esbarrando na direção, e quando não esbarra nela, esbarra
na obra. E veja bem, esbarra na obra não só nos técnicos da
empresa envolvidos com a obra, mas também nos da
empreiteira e às vezes nos da consultora contratados, por
incrível que pareça, para realizar os estudos ambientais e os
programas. É uma maluquice? É, mas acontece a toda hora.
A minha sensação é que nesse mercado parece que todo
mundo pode falar de meio ambiente, e a gente sabe que não
é assim, que é mais complexo. Outra hipótese é que quando
passa para a obra, como uma obra de engenharia do porte
de uma hidrelétrica, envolve uma divisão de trabalho muito
grande; cada técnico ou conjunto de técnicos passa a olhar
pro próprio umbigo, passa a executar a sua tarefa e aí tudo
que ficou pra trás, já era; o que importa é unicamente
atender ao projeto de engenharia. Esse sim, reina, é
soberano. (...) As empresas do setor têm um time de
especialistas em meio ambiente muito bom, mas tudo se
desenvolve no planejamento, nos estudos, eu diria que no
meio do caminho, pra cima (alusão aos níveis de diretoria).
Chegam alguns ecos, pra baixo (alusão a obra) não chega
ruído algum. (...) Na realidade, na obra, os ruídos só chegam
se acontecer alguma confusão, Ministério Público, protesto
em jornais, impactos realmente visíveis. Aí, pega fogo...
(depoimento de técnico transferido de outro setor da
empresa para a área de meio ambiente, ocupando cargo de
chefia)
Nesse sentido, a emergência da questão ambiental, para alguns
entrevistados, foi a oportunidade do quadro técnico do setor de perceber que o
fluxo de comunicação entre algumas das diferentes instâncias institucionais, na
maioria das vezes, não se viabilizava. Na realidade, os envolvimentos
profissionais tendiam a ocorrer de forma pontual e direta, segundo as diferentes
etapas dos empreendimentos e de acordo com os tipos de empreendimentos
220
(hidrelétricas,
termelétricas,
linhas
de
transmissão
etc.).
Ao
pretender
simultaneamente permear todos os espaços institucionais e constituir um espaço
próprio, a questão ambiental recriou antigas tensões e instaurou novas,
demarcando um campo de forças que se movimenta basicamente entre os de
dentro e os de fora; de dentro do Setor Elétrico e de fora do meio ambiente; de
dentro do meio ambiente e de fora do Setor Elétrico; de dentro do meio ambiente
e de dentro do Setor Elétrico.
De acordo com alguns relatos, no processo de legitimação do espaço
referente ao meio ambiente, antigas questões foram revisitadas e alçadas a
condição de estratégicas para a viabilização dos empreendimentos:
A dificuldade básica do meio ambiente é tornar os
empreendimentos viáveis e, para isso, não tem como fugir
da clássica equação custo / benefícios. São muitos fatores a
serem analisados, são muitas variáveis. Isso pra não dizer
que se tratando de meio ambiente tem ainda a legislação.
Eu chego a tremer quando chega aqui alguém do meio
ambiente. Já sei que teremos problema. Todo ambientalista
é problemático.(...) Brincadeira, aqui todos temos um bom
relacionamento com o meio ambiente, mas às vezes falta
bom senso. Vivemos de apagar incêndio e digo, todos os
problemas que hoje chegam como uma bomba, sempre
existiram. Nós sempre tivemos população reclamando de
indenização, basta ver por exemplo Tucuruí que, na época,
o meio ambiente não era esse “carro – chefe" e, no entanto,
ainda rolam um monte de processos referentes a
indenizações. Problemas com peixe, com qualidade de água
sempre ocorreram; são situações, conseqüências, normais
neste tipo de projeto de engenharia. É claro que como
evoluímos tecnicamente, alguns problemas já têm solução.
Agora, o que é próprio da insatisfação humana, não tem
como resolver, só podemos discutir, negociar e responder
juridicamente. O que quero dizer é que tudo que está aí
sempre existiu, agora é ambiental, não tenho nada contra
isso, acho até que se para melhorar é esse o caminho, então
vamos em frente. (depoimento de técnico de projeto)
221
aMeio ambiente como instrumento de restrição às atividades do
Setor Elétrico. A questão ambiental torna claros os limites e contradições dos
empreendimentos do setor elétrico e o campo de lutas entre diferentes práticas e
formas sociais de apropriação, uso e controle do território. Na realidade, tem-se
modalidades específicas de geração, transmissão e distribuição de energia que
se viabilizam a partir dessas práticas, e formas determinadas de apropriação,
concorrendo com outras e definindo, desse modo, um espaço de disputas. "Se a
resistência às obras pode ser vista pelo Setor Elétrico como obstáculo ambiental
ao progresso da nação, os movimentos53 vêem na intervenção do setor um
processo de apropriação de recursos ambientais (terra, água) em benefício de um
modelo de desenvolvimento que o exclui” (Vainer, 1993)
Nessa perspectiva, é compreensível que o embate entre os diferentes
atores institucionais aponte para controvérsias que, embora à primeira vista
compreendam as questões ambientais unicamente a partir de uma vocação
restritiva, progressivamente vão garantindo seu lugar como parâmetro de
avaliação e mesmo de revisão de antigos procedimentos:
Quando começamos a discutir meio ambiente na
empresa, a primeira reação era de que estávamos diante de
um condicionante legal muito forte e com o qual só nos
restava lançar mão da via jurídica para nos defender. Com o
passar do tempo e a percepção de que tudo não passa de
um diálogo de interesses, o meio ambiente, embora possa
envolver tudo, seja ainda difícil de precisar, foi se tornando
mais claro como algo que tem de ser negociado. Esses
interesses são negociados tanto para fora do setor, com a
sociedade, como também para dentro das empresas, com
os que não são do meio ambiente. Na realidade, o que está
colocado é que a sociedade vem permanentemente
reclamando é que se pense formas e conseqüências quando
se planeja barrar um rio, por exemplo. Desse rio dependem
53
O autor refere-se aos movimentos sociais, especialmente aqueles representativos das populações
atingidas pelos empreendimentos do Setor Elétrico brasileiro.
222
pessoas, fauna, vegetação e por aí afora e essa
dependência tem modos diferentes. No campo social não
tem esses modos de vida, então. Na engenharia tem o modo
de construir, e isso que está em discussão, o modo de
construir que não prejudique esse seu “modo de vida"54. Eu
vejo por aí e acho que se o meio ambiente coloca
impeditivos, esses impeditivos são para serem negociados,
porque eu preciso gerar energia e o País precisa de energia.
(depoimento de técnico transferido de outro setor da
empresa para a área de meio ambiente, ocupando cargo de
chefia)
Ou ainda:
Eu penso que a via legal é a melhor forma de se
resolver os impasses que agora são do meio ambiente. É
pela via legal que as comunidades têm demonstrado seu
poder de fogo; não é o Ministério Público o bicho papão, pois
então vamos aprender a lidar com ele. Se não dá para
precisar o que é meio ambiente, se é tudo, vamos
argumentar sobre o que nos interessa: construir uma
barragem, passar uma linha, sei lá. Eu acho que nesse
aspecto, temos é que estar do lado da lei; isso evitaria
muito desgaste de todos os lados. (depoimento de técnico
de Meio Ambiente oriundo do Departamento de Patrimônio).
Em ambos os relatos, as noções de restrição e imprecisão estão
presentes, guardadas as devidas diferenças, e destacam, de um lado, a condição
legal e o caráter difuso dos interesses em confronto e, de outro, que os campos
onde ocorrem as disputas em torno da questão ambiental, tais como os campos
do jurídico e do político, são espaços de diferenciações, onde são travadas lutas
de poder e lutas simbólicas. Conforme mencionado anteriormente, ao acionar a
dimensão jurídica do meio ambiente e a ocorrência de interesses difusos, os
relatos têm em comum o reconhecimento da existência de um conflito que
necessita de uma lei para garantir a ordem. Em contrapartida, apenas no primeiro
relato, tem-se o reconhecimento de que a questão ambiental demarca um espaço
54
“Ao falar de “modos de vida” o entrevistado está se referindo a uma categoria de análise utilizada nos
estudos socioeconômicos.
223
onde acontecem lutas de poder (negociação entre “os do meio ambiente” e os da
empresa que não são do meio ambiente; negociação entre empresa e sociedade)
e lutas simbólicas (negociação entre os “modos de construir” e os “modos de
vida”), onde os sujeitos institucionais que a representam se esforçam para
garantir a estrutura das relações responsáveis pela existência desse espaço,
legitimando ou deslegitimando dadas práticas sociais. É importante destacar que
num contexto onde os profissionais de meio ambiente têm como tarefa garantir
que o planejamento do setor (e a execução de suas obras) considere esta
temática, dois aspectos são importantes: o primeiro, referente ao fato de que
reconhecer a importância da questão ambiental é reconhecer a necessidade de
lidar com uma situação de conflitos (internos e externos ao setor) e, o segundo,
que apesar do objetivo do planejamento ser a antecipação arbitrária dos
antagonismos e tensões que a ele remetem, isto permite também que outros
confrontos aconteçam; afinal, o Setor Elétrico não se organiza para um único tipo
de antagonismo. Aqueles centrados na questão ambiental, em sua dinâmica
institucional, tensões e confrontos são cotidianamente criados.
a Meio Ambiente, um estranho no domínio da técnica. A
valorização do conhecimento científico, da técnica e da especialização sintetiza
uma perspectiva cultural centrada na idéia de progresso. Nesse contexto, a
racionalidade, cuja expressão teórica mais relevante é a própria ciência moderna,
troca as aspirações ao conhecimento teórico por sua utilização técnica. A prática
do Planejamento materializa esse processo, pois suas decisões, apesar de
afetarem diretamente a realidade social, são tomadas como problemas técnicos e,
como tais, tratadas por especialistas cujo conhecimento é a garantia necessária
224
para sua despolitização em nome de uma dada objetividade (neutralidade/
racionalidade técnica):
A nossa atuação é uma atuação técnica, não estamos
aqui para ficar discutindo política; é isso que o pessoal do
meio ambiente gosta de fazer. É certo que são eles que, na
hora de audiências, assumem a conversa, mas considero
isso tudo um desvio de percurso. (...) Na realidade as
empresas do setor elétrico são um braço da engenharia do
governo federal nas diferentes regiões do País, fazemos
parte do projeto de desenvolvimento do Estado, e por mais
que ocorram mudanças, continuará a ser assim ainda por
muito tempo. A energia é um recurso estratégico para o
desenvolvimento de qualquer país, aqui não seria diferente.
Às vezes, vejo críticas ao setor que chocam, e não vejo
como essa discussão do meio ambiente pode mudar alguma
coisa. O pessoal da engenharia é levado a participar, mas
ainda se sente uma distância clara entre os da engenharia e
os do meio ambiente. Quando cheguei na empresa, os
engenheiros eram o que de mais avançado tinha a empresa,
seu principal patrimônio em termos de quadro técnico. E isso
é fácil de entender; as obras do setor são obras da
engenharia, são projetos técnicos, a missão do engenheiro é
construir.(...) Pois quando cheguei aqui, essa visão era muito
mais forte do que é hoje; éramos a excelência, o resto
existia para manter a engenharia. Ter de discutir outras
coisas que não o projeto, não foi muito fácil, pra mim;
pessoalmente, acho que tem sido muito difícil. O pessoal da
engenharia tinha criado aqui um paradigma em relação à
tecnologia. (depoimento de engenheiro setor elétrico –
projeto)
Ou ainda:
A discussão aqui na empresa sobre o meio ambiente
trouxe, pelo menos para mim, uma mudança bastante
interessante, pois passei a ver o projeto por outros ângulos,
e com vários colegas aconteceu o mesmo. Hoje, eu acho
que quando me dedico ao projeto, já faço de forma diferente.
Como diz o pessoal do meio ambiente, já não fico só na
prancheta, converso com o pessoal do biótico, os
peixólogos,
com
a
socioeconomia.
Não
tenho
constrangimento de tirar dúvidas, acho que isso acrescenta;
acho que sou agora um engenheiro mais completo e com
isso, o projeto fica mais rico.(...) Não vejo o meio ambiente
como um empecilho ou uma ameaça, vejo como uma
realidade. Cheguei aqui para construir hidrelétricas, e ajudei
225
a construir algumas, acho que hoje construiria melhor. Os
empreendimentos do setor elétrico são projetos de
engenharia; acho que o meio ambiente não vai mudar este
fato, mas sim, vai contribuir para aprimorar a técnica da
engenharia; vem somar e eu diria somar de forma
subordinada. O problema que vejo com o meio ambiente é
mais de como entrosar numa coisa só meio ambiente,
engenharia, projeto, obra; acho que funcionaria melhor.
(depoimento de engenheiro setor elétrico – projeto)
É interessante notar como os dois relatos, a despeito de suas
diferenças, destacam a excelência da técnica como monopólio a ser preservado.
Nesse contexto, o meio ambiente, em ambos os discursos, concorre com o
domínio da técnica enquanto domínio da engenharia e, embora no segundo
discurso essa concorrência seja avaliada como positiva, essa positividade,
possivelmente, resulta do reconhecimento da subordinação, o que, uma vez mais,
reafirma o lugar da técnica. Essa constatação dá pistas sobre o jogo de partilha
de poderes entre os sujeitos institucionais. Um jogo que é tradução das trocas
simbólicas realizadas no espaço institucional, e deste para fora de seus limites.
Nesse processo, os sujeitos institucionais constróem e reafirmam sua identidade
como tais. A condição profissional funciona como o diferenciador entre os
partícipes, o “pessoal da engenharia”, o “pessoal do projeto”, o “pessoal da obra”,
o “pessoal do meio ambiente” etc. Nesse sentido, as falas sempre marcam a
diferença entre nós e os outros - os da engenharia e os do meio ambiente, por
exemplo. Não esquecendo de que, em alguns casos, os do meio ambiente podem
ser engenheiros e/ou egressos do campo da engenharia. Na realidade, ao que
parece, o conjunto de falas aqui tratadas como fragmentos do discurso
institucional em torno da questão ambiental, sugere a definição de limites entre o
"que se é” e o “que não se é” e, com isso, revela as condições de pertencimento
aos diferentes grupos – o habitus, condição primordial para a inserção em
226
determinado campo. Desse modo, as oposições acima comentadas são
expressivas das formas pelas quais os sujeitos institucionais, ao se afinarem com
determinado grupo profissional (do meio ambiente, de fora do meio ambiente, do
meio ambiente da engenharia, da engenharia sem meio ambiente, do meio
ambiente da obra, da obra sem meio ambiente, e assim por diante), independente
de sua credencial acadêmica, fazem uso de comportamento e linguagem
específica que funciona como critério de distinção. Assim, o discurso que
privilegia a técnica como centralidade para o planejamento e execução dos
empreendimentos do
setor contrapõe-se àquele que privilegia a noção de
conflito, de interesses diversos a serem negociados:
Acho que hoje os principais problemas estão
associados a instrumentos de planejamento, principalmente
no que se refere à possibilidade de identificação de políticas
e estratégias de ação. Pelo menos no setor elétrico, o
principal investimento deve ser neste aspecto, inclusive
porque hoje a ação diversificou-se entre varias empresas, e
há uma tendência para a perda de qualidade e padrão dos
estudos e critérios, já que cada empresa é responsável por
sua atuação. E em alguns casos as empresas ainda não
perceberam o custo da não-ação de caráter ambiental, ou da
necessidade do valor de um planejamento amplo. Penso que
deve-se ter claro que há diferenciação entre a ação
institucional das empresas, a ação interna, a produção
técnica e a tensão interna produzida pelas posturas do corpo
técnico e a alta administração. Ou seja, as áreas técnicas
mais tradicionais (engenharia e planejamento) são
tencionadas pelas áreas técnicas de meio ambiente.
Desenvolve-se uma defesa em prol de visões mais amplas
no tratamento e na tomada de decisão sobre
empreendimentos, que sinceramente tenho dificuldade para
não considerar positiva, principalmente nos últimos dois ou
três anos, quando tem havido uma valorização por parte
dos meios de comunicação sobre as questões
socioambientais. Acho que tem bastante a ser feito,
principalmente quanto ao Planejamento Indicativo, nos
critérios e metodologias para a expansão dos sistemas
elétricos e quanto às novas funções do agente regulador que
está muito atrasado nesta discussão e com postura bastante
227
autosuficiente e autoritária. (depoimento de técnico de meio
ambiente – Meio Social)
228
CAPÍTULO 6
TENDÊNCIAS EMERGENTES A PARTIR DA REESTRUTURAÇÃO
DO SETOR ELÉTRICO: COMENTÁRIOS GERAIS
Os estudos realizados para a elaboração desta tese apontam para
algumas conclusões que permitem sugerir que a despeito dos avanços da
discussão sobre a questão ambiental no Setor Elétrico, o tratamento dessa
temática tem-se limitado à busca de condições necessárias para a viabilização de
seus empreendimentos. Pode-se também sugerir que as mudanças ocorridas no
âmbito desse debate foram motivadas pelo avanço da legislação ambiental
(federal, estadual e municipal), pela consolidação das agências ambientais em
vários Estados brasileiros e pelo processo de democratização experimentado pela
sociedade a partir da década de 80, quando se observa a expressiva participação
das organizações populares e ONGs no debate político nacional.
Inicialmente, tem-se a constatação de que o debate acerca do meio
ambiente configurou um campo no qual os diferentes atores se movimentam a
partir de interesses, disputas, confrontos e alianças, e onde as posições são
intercambiáveis, segundo o volume de capital material e simbólico disponível.
Nesse campo, a presença das empresas do Setor Elétrico ocorreu durante a
segunda metade da década de 80 e início dos anos 90 de forma variada, segundo
o grau de articulação alcançado com os demais sujeitos sociais debatedores da
temática, e de acordo com a necessidade de atender a definição de diretrizes e
estratégias capazes de adequar seus empreendimentos a essa discussão. A
grosso modo, sugere-se o período inicial (meados da década de 80) como o
momento da descoberta, quando, devido a inúmeras pressões, as empresas do
229
Setor Elétrico começaram a rever os tradicionais impasses decorrentes de seus
empreendimentos hidrelétricos e a interpretá-los à luz das discussões sobre meio
ambiente. Posteriormente, pode-se identificar um segundo momento (final da
década de 80), quando o debate sobre a questão ambiental avançou e resultou
na indicação de diretrizes e recomendações, revelando o reconhecimento da
questão ambiental como condicionante para o planejamento e execução dos
empreendimentos do setor, sem, contudo, significar a revisão da atual matriz
energética brasileira e, principalmente, o questionamento da opção pelos grandes
projetos.
Finalmente, tem-se o inicio da década de 90, quando se observou o
esvaziamento deste debate e o confinamento da questão ambiental ao aparato
jurídico institucional correspondente à primazia do licenciamento ambiental.
As análises apresentadas ao longo desta tese permitiram identificar
que, em sua trajetória no Campo Ambiental, os técnicos dos departamentos de
meio ambiente das empresas do Setor Elétrico afirmaram, simultaneamente, sua
presença através de relações expressivas de conflitos e alianças. Nos termos do
conflito, tem-se que os embates tendem a ocorrer tanto no interior de seu espaço
institucional - mediante o antagonismo presente na relação com parte de seu
quadro técnico -, como no âmbito de suas relações externas – com diferentes
segmentos da sociedade, especialmente aqueles representativos das populações
atingidas por seus empreendimentos, dentre eles, o Movimento Nacional de
Atingidos por Barragens.
Destaca-se nesse embate a eficácia simbólica dos discursos
construídos no âmbito do debate sobre meio ambiente, possibilitando a
230
construção de estratégias responsáveis por alianças que se manifestam em
diferentes níveis. É ilustrativo dessa constatação o fato de que os técnicos dos
departamentos de meio ambiente do Setor Elétrico, de um lado, evocam a
pressão dos movimentos sociais para aprovar e/ou legitimar internamente suas
propostas e, de outro, argumentam, para justificar seu insucesso em atender as
pressões externas, que se fazia necessária a definição de custos ambientais
capazes de nortear o planejamento dos empreendimentos, de modo a poder
atender às demandas da sociedade. Observa-se, então, que esses técnicos
tendem a atuar, externamente, como atores da legitimação, ou busca de
legitimação, dos empreendimentos do Setor Elétrico e, internamente, como
sujeitos constitutivos e transformadores de uma dada distribuição de poder, que a
emergência da noção de meio ambiente vem questionar.
Além disso, pode-se sugerir que os discursos e documentos analisados
ao longo desta tese são indicativos de que, no Campo Ambiental, os conflitos são
um elemento permanente e orientador de diversas práticas e que aos diferentes
sujeitos institucionais identificados corresponde um conjunto de habitus,
representações e estilos de comportamento expressos em seus discursos. Esta
constatação indica que as retóricas aqui apresentadas sobre o meio ambiente,
sustentabilidade, natureza e impacto são noções construídas, apropriadas e
simbolizadas segundo o lugar que esses sujeitos ocupam no campo, e em
consonância com a cultura à qual essas noções estão referidas, e cujo
reconhecimento e aceitação dos grupos depende da crença na legitimidade de
seu uso. Esta constatação auxilia na compreensão de como o meio ambiente é
portador de significados que variam segundo o lugar ocupado pelos diferentes
sujeitos sociais no Campo e no espaço institucional:
Meio ambiente como
231
obstáculo a ser transposto, de acordo com os engenheiros de projeto (obra);
como condicionante, segundo os técnicos do planejamento, agencias ambientais
e órgãos de licenciadores; como oportunidade de negócio, para o mercado das
empresas de consultorias; como objeto de produção de conhecimento, para
alguns segmentos da Universidade e como instrumento de luta por formas justas
de apropriação uso e gestão do território e dos recursos naturais, para os
movimentos sociais.
Assim, o Campo Ambiental, analisado a partir da presença e atuação
do Setor Elétrico, constitui-se como um espaço social de diferenciações, onde
destacam-se as lutas de poder e as lutas simbólicas. No âmbito dessas lutas, os
sujeitos se empenham para manter ou transformar a estrutura das relações
existentes no campo. A atuação dos técnicos de meio ambiente das empresas do
Setor Elétrico é ilustrativa desse movimento, especialmente, se observadas as
posições que ocupam no campo face a seus interlocutores que, dependendo dos
termos do diálogo, definem-se a partir de relações de oposição, concorrência ou
alianças.
No interior deste espaço de posições, os sujeitos, ligados por relações
de força, estão distribuídos segundo estruturas desiguais de acesso, uso,
apropriação e controle sobre os territórios – técnicos de meio ambiente,
engenheiros, consultores, movimentos sociais etc. Nesse embate, essas relações
de força desenvolvem-se a partir de volumes diferenciados de poder (ou de
“capital material e simbólico”) que lhes dão condições e possibilidades de ganho
nas lutas que ocorrem no campo. Os resultados daí advindos são ainda
modestos: a atuação dos departamentos de meio ambiente das empresas do
232
Setor Elétrico não foi suficiente para resolver e/ou minimizar os impasses
decorrentes dos seus empreendimentos já implantados, nem tampouco para
reformular, de forma efetiva, o modelo de planejamento vigente, centrado nos
grandes projetos. Em contrapartida, é importante reconhecer que o período
analisado (de meados da década de 80 ao início dos anos 90) foi fértil no que se
refere à intensidade do debate e ao confronto de idéias e projetos que o
sustentaram e que, além da intensificação do diálogo entre diferentes partícipes
do Campo Ambiental, contribuiu para sua percepção acerca da necessidade de
criação de espaços institucionais e legais capazes do desafio de definir
atribuições e responsabilidades com relação ao tratamento da questão ambiental.
É importante destacar que nesse contexto, as mudanças ocorridas a
partir do inicio da década de 90 podem indicar um movimento de retrocesso, no
qual destaca-se o privilegiamento do tratamento do meio ambiente unicamente
como questão legal.
A partir desse momento, a negociação entre Setor Elétrico
e sociedade tende a ocorrer mediada por dispositivos legais tais como os
embargos a partir das Ações Civis Públicas e outras medidas semelhantes. Na
esteira desse processo, observa-se, internamente, a redução do movimento de
participação social que, ao longo das duas últimas décadas, foi responsável pela
ampliação do controle social nos processos de tomada de decisão no âmbito das
políticas governamentais.
A compreensão dessa mudança requer a apreciação de alguns fatos.
Inicialmente, é importante destacar que essa situação encontra um terreno fértil
para sua consolidação no processo de reestruturação do Setor, estimulado a
partir da Lei 8.301, de 12 de abril de 1990 que instituiu o Programa de
233
Desestatização, e consolidado ao longo da década. Além disso, alguns aspectos
são considerados fundamentais, dentre eles a crise econômico–financeira
experimentada pelo Setor Elétrico, o risco de déficit de energia, os resultados da
Convenção do Clima (ONU) nos termos da taxação sobre o uso de petróleo,
carvão e gás natural, face à emissão de gases do efeito estufa e o aquecimento
da
terra
que
poderá
provocar
e
o
conseqüente
privilegiamento
da
hidroeletricidade.
Uma breve retrospectiva indica que o contexto de reestruturação do
Setor Elétrico é marcado por uma intensa crise que se manifestou a partir dos
anos 80, nos termos da desestruturação dos fluxos financeiros setoriais e da
desorganização de sua estrutura institucional. Segundo Rosa e alii (1998: 155)
A razão desta crise foi o desmonte do padrão de
financiamento, já que os recursos externos tinham um papel
complementar de garantir o fluxo de moedas fortes para a
importação de equipamentos não produzidos no país. (...)
Em primeiro lugar, a crise do petróleo desestruturou a
balança de pagamentos e fez com que o governo
subsidiasse com tarifas reduzidas a implantação de
indústrias eletrointensivas e substituísse o consumo de
combustível por eletricidade nos processos industriais em
geral, o que obrigou o setor a investir em novas plantas,
maiores e mais distantes dos centros de carga, elevando os
custos de operação e investimentos setoriais. Ao mesmo
tempo, visando reduzir os impactos inflacionários, controlava
também as tarifas em níveis inferiores aos demais aumentos
de preços .
Entretanto, apesar da mencionada crise econômico–financeira, o Setor
Elétrico manteve seu desempenho técnico em patamares razoáveis; basta
observar que o acesso aos serviços de eletricidade cresceu significativamente
nas duas últimas décadas, registrando a média anual de 5,7% (período 80/95).
Este fato, entretanto, não evitou que o processo de privatização do Setor fosse
234
iniciado durante o governo Collor. Nesse momento, as empresas do Sistema
Eletrobrás foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND)55, que
provocou a última grande greve geral do Setor Elétrico, em maio de 1991.
A rápida privatização de algumas empresas do Setor Elétrico e as
reformas que orientam sua reestruturação têm como principal objetivo concretizar
um mercado mais competitivo de energia. Segundo Vainer (1999), ao tratar a
energia como uma commodity como outra qualquer, ao conceber a produção,
transmissão e distribuição de energia elétrica como uma indústria – melhor seria
dizer um negócio – como outra qualquer, a reestruturação faz tábula rasa de todo
o debate ambiental dos últimos 20 anos e de toda a experiência recolhida na
implantação de grandes projetos hidrelétricos. A pretensão de externalizar a
questão social e ambiental representa um preocupante recuo em relação à
consciência, que parecia consolidada, inclusive nas agências multllateriais, de
que a questão social e ambiental é intrínseca aos grandes projetos, deles é
inseparável.
O contexto da reestruturação do Setor Elétrico e da privatização de
suas empresas se faz acompanhar de um quadro legal onde predomina a
indefinição de responsabilidades e atribuições do poder concedente e da agência
que o representa (ANEEL), da empresa concessionária e das agências
ambientais. Este fato possibilita a adoção de procedimentos ambíguos e, na
maioria das vezes, inadequados ao atendimento legal pretendido. Novos agentes
setoriais surgem, o que provoca uma certa instabilidade, especialmente no que se
refere às incertezas quanto ao rumo de estudos e projetos:
55
O PND privatizou as distribuidoras federais Escelsa ( 1995) e Light (1996).
235
O processo de privatização, em função de sua
indefinição, está, de certo modo, esvaziando o ritmo de
discussão que tínhamos anteriormente sobre o meio
ambiente. Antes, havia perspectiva e muita reflexão; agora,
nos últimos anos, a cada momento circulam noticias
desencontradas, vai privatizar, seremos os próximos, a
equipe vai perdendo o ritmo, além de perder técnicos com os
incentivos, é um desmonte, eu diria. (depoimento de técnico
de meio ambiente)
A expectativa em torno da privatização da geração e comercialização
de energia elétrica no País foi determinante nesse processo e tida como
fundamental para a competitividade e a retomada do investimento, através da
articulação da participação do setor privado. Primeiro, pelo aporte de recursos
que exige a entrada de empresas neste setor de infra-estrutura econômica.
Segundo, pela gradativa sustentação dos investimentos privados, principalmente
no caso das empresas nacionais, por meio do fundo público. Além disso, fatores
relacionados aos recursos externos também podem ser apontados como
decisivos à ausência de fluxos financeiros para os empreendimentos de energia.
É interessante destacar que a privatização, tal como vem ocorrendo,
tem transferido recursos do Estado para o setor privado:
Talvez apenas no Brasil a privatização tenha se
beneficiado de recursos de bancos oficiais, estatais – isto é,
o Estado empresta dinheiro para empresários privados
comprarem empresas do próprio Estado. Talvez apenas no
Brasil a privatização tenha colocado uma empresa elétrica
nas mãos de uma empresa estatal estrangeira – o que
significa, claramente, que a privatização não foi privatização,
mas apenas a transferência de um patrimônio do Estado
brasileiro ao Estado francês. (Vainer, 1999)
Nesse processo, a estrutura organizacional apresentada nesta tese
(Capítulo 3) se modifica. As atribuições dos principais agentes setoriais sofrem
236
alterações que podem ser identificadas na criação de um novo órgão regulador –
a ANEEL - e no crescente papel desempenhado pelo Ministério da Fazenda, no
que se refere ao acompanhamento tanto da política tarifária, quanto dos planos
de investimentos das empresas estatais do setor. Segundo Rosa (1998: 146):
No caso da política tarifária, a orientação quase sempre
foi a de conter os aumentos abaixo dos níveis de inflação e
proteger as indústrias eletro-intensivas, particularmente
aquelas orientadas para o mercado externo. Já no caso dos
investimentos, a preocupação central continua sendo, no
caso das empresas estatais, evitar o incremento do nível de
endividamento das empresas e possíveis impactos
negativos sobre o déficit publico.
A atualização dessa estrutura organizacional pode ser, resumidamente,
apreciada nos seguintes termos:
Ministério
de
Minas
e
Energia
–
como
o
setor,
era
predominantemente estatal, com a função de definir toda a política de energia do
País. Através da Eletrobrás, o Governo planejava e determinava as obras
necessárias para atender ao consumo de energia do País. Nesse sentido, o
Governo Federal, via estatais subsidiárias da Eletrobrás, era o responsável pelos
investimentos do setor. Com o processo de privatização do setor (em
andamento), e a nova regulamentação, a principal tendência reside na diminuição
das funções do ministério.
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) - criada em 1997,
com o programa de reestruturação e privatização do setor, tem a função de
regular e fiscalizar. A ANEEL determina tarifas, normas e realiza as licitações para
novos projetos de expansão. Fiscaliza as empresas, impondo critérios e níveis de
237
atendimento. É interessante destacar que até o momento56 de realização desta
pesquisa, não havia, na estrutura organizacional da instituição, espaço dedicado
às questões ambientais.
Operador Nacional do Sistema (ONS) – criado em 1998, é um órgão
privado, formado por 53 empresas de energia do País (geradoras e
distribuidoras). Grande parte dessas empresas ainda é estatal, como as
geradoras. O ONS assumiu as funções do antigo GCOI – Grupo Coordenador de
Operações Interligadas, da Eletrobrás. Entre as suas atribuições estão as de
cobrar pelo uso das linhas de transmissão e informar à ANEEL as necessidades
de expansão do sistema de transmissão. Orientada por esses indicativos, a
ANEEL licitará obras, principalmente para o setor privado.
Eletrobrás – responsável pelo planejamento do setor, analisa o
crescimento da demanda. Antes do inicio do processo de privatização do setor
(Capitulo II), a Eletrobrás funcionava como agente financiador, levantando
empréstimos para investimentos de suas subsidiárias. Com as reformas setoriais,
a Eletrobrás deverá ter o seu papel reduzido, continuando a ser, possivelmente, o
agente financeiro.
Com relação ao tratamento da questão ambiental neste novo cenário, o
documento Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (MME/
Secretaria de Energia/Eletrobrás, 1998: 30) oferece indicativos no item Mudanças
Institucionais (b) sobre o licenciamento ambiental:
A recente Lei de Recursos Hídricos e o fato de que no
futuro, as concessões serão detidas principalmente por
empresas do setor privado, exigirão cooperação mais íntima
entre o Ministério do Meio Ambiente e o MME/SEM em
56
Dezembro de 1999.
238
questões tais como padrões ambientais, desenvolvimento
ideal de potenciais hidrelétricos e interação com outros
usuários em potencial. O procedimento de licenciamento
ambiental também deverá sofrer ajustes para atender às
necessidades do setor privado, principalmente fazendo com
que o enchimento de reservatórios ou a ativação de usinas
deixe de depender da emissão de uma Licença Operacional
após realizado o investimento.
Como se pode constatar, tem-se o privilegiamento da questão
ambiental como uma questão legal, revelando a predominância da dimensão
jurídica do meio ambiente e desse modo definindo um espaço onde se destaca a
hegemonia da representação de meio ambiente consagrada pela legislação. É
importante destacar que interesses difusos, ao se instituírem como um campo
jurídico, tornam a existência de uma lei, tradução de conflitos que precisam ser
controlados.
Além disso, o reconhecimento da perspectiva legal como a
hegemônica, a partir desse momento, pode ser observado, por exemplo, nas Leis
de Concessões que não fazem referências às questões ambientais. Segundo
Vainer (1999), a única referência ao tema remete às responsabilidades do poder
concendente de (Artigo 29) “X – estimular o aumento da qualidade, produtividade,
preservação do meio ambiente e conservação”. Destaca o autor que a mesma
legislação confere às empresas concessionárias o poder de "Promover as
desapropriações (...) conforme previsto no edital e no contrato” (Artigo 31, alínea
VI), dando indícios de que “se prepara o cenário para o retorno à cena da
estratégia territorial-patrimonialista, predominante até a segunda metade dos anos
80, e sob a égide da qual “la instalación de la represa puede ser vista como parte
de una verdadeira operación de ocupación” (Vainer, 1990:113).
239
Como o campo jurídico tem uma eficácia específica e um efeito
simbólico correspondente, pode-se estimar que, no Campo Ambiental, o debate
tende a estar circunscrito ao sub-campo jurídico, o que não exclui a
movimentação do Campo como um todo, embora aparentemente, este
experimente, conforme já mencionado, o esvaziamento de idéias e discussões.
Nesse contexto, pode-se sugerir que a questão ambiental tende a ser tratada e
nomeada como um fato jurídico, o que a torna aparentemente neutra e
universalista, daí sua eficácia simbólica, pois simultaneamente apresenta
elementos do campo político e do campo científico (Bourdieu: 1989).
Assim, o esvaziamento progressivo do debate ambiental tem sido
percebido por grande parte dos entrevistados, não como uma particularidade do
Setor Elétrico, mas como uma tendência do campo das políticas governamentais,
demonstrando que seu espaço tem sido progressivamente reduzido e/ou mantido
restrito à égide do licenciamento ambiental :
O meio ambiente está em baixa mundialmente. A gente
percebe isso em todos os setores, inclusive no Banco
Mundial. Está havendo um reposicionamento. O meio
ambiente, ao que parece, entrou no corredor do
licenciamento e isto é péssimo. O que está se vendo é a
legislação: o que é permitido e o que está vetado.
(depoimento de...... cargo de chefia, meio ambiente)
Ou ainda :
Acho que chegamos a um ponto que o Setor Elétrico
não precisa de departamentos de meio ambiente. Tudo que
foi feito até agora é suficiente para delinear as diretrizes, o
caminho a ser seguido, o resto é deixar com os especialistas
que podem ser contratados, a tarefa de licenciar os
empreendimentos. A conversa daqui pra frente é com os
órgãos ambientais, mediada, é claro por quem entende do
assunto. (depoimento de técnico, Órgão regulador)
240
Esse esvaziamento tende a reduzir a questão ambiental à sua versão
normativa legal.
Licenciar e fiscalizar são requisitos que tornam as Agências
Ambientais e os Órgãos Licenciadores os atores centrais desse contexto:
Não conseguimos, com a atual estrutura, dar conta de
acompanhar todos os empreendimentos que têm de ser
licenciados. Não dispomos de quadro técnico suficiente,
nem de recursos. Não há como atender ao contento, e os
empreendimentos no Setor Elétrico são muito complexos;
para avaliar temos de ter equipe. (depoimento de técnico,
Órgão Ambiental)
Ou ainda:
Estou cansado de ouvir dizer que não temos como
fiscalizar; parece vicio; ficamos reféns de nossos pareceres.
Qualquer problema somos responsabilizados e não temos
como mudar essa realidade. Somos poucos. Me dá vontade
de rir quando vejo o monte de termos de referencias que
estão sendo aprovados e me pergunto como vamos atender
a isso tudo com qualidade. Não precisamos nem chegar a
fiscalização, hoje, não temos como responder ao
licenciamento, não chegamos nem na LP. Aqui, quando se
fala em Audiência Pública, todos se apavoram, não porque
não queira, mas porque não temos como dar conta, se todos
os empreendimentos que dão entrada a sociedade pedisse
audiência Pública, não faríamos mais nada. (depoimento de
técnico, Agencia Ambiental)
Conforme mencionado, o contraponto do tratamento da questão
ambiental como questão legal pode ser apreciado na crescente expansão da
movimentação da sociedade civil no sentido da utilização, cada vez mais
freqüente, da Ação Civil Pública como instrumento de pressão e negociação no
campo das políticas públicas. Este fato sugere que, na atualidade, o diálogo entre
os diferentes sujeitos sociais no Campo tende a ocorrer de um lado, visando
atender aos condicionantes legais traduzidos em extensos relatórios e, de outro,
na atuação dos movimentos sociais, freqüentemente, através do Ministério
Público, trazendo para o campo das negociações legais os conflitos decorrentes
241
de formas diferenciadas de apropriação, uso e gestão do território e dos recursos
naturais:
Temos que cumprir as determinações legais. No Brasil
a legislação é muito rigorosa e a recomendação da Aneel é
bastante séria nesse sentido. Tudo a ser feito é o que a lei
exige, nem mais nem menos, nisso somos exigentes. Desde
o inicio do nosso interesse sabíamos que o meio ambiente
aqui é legislação e isso é muito bom, fica mais fácil porque
sabemos a quem nos dirigir, ao órgão ambiental.
(depoimento de empreendedor estrangeiro)
Ou ainda:
Não acho que o fato do meio ambiente hoje dar menos
audiência seja um retrocesso; a atuação do Ministério
Público está aí mesmo para confirmar o que digo. Na
realidade, a sociedade hoje está mais madura, portanto sabe
quando deve atuar. Até por conta disso, a Aneel não tem em
sua estrutura um departamento, ou setor de meio ambiente;
é desnecessário. Temos uma legislação ótima, nós temos os
estudos realizados pelas empresas que têm norteado um
pouco as nossas licitações, afinal o interessado quando
chega precisa logo ser informado que tem de passar pelo
licenciamento ambiental, então precisa ter noção dos custos
ambientais de seu investimento. Nossa recomendação é
“siga a lei”, cumpra o que pede e interaja com o órgão
ambiental. De nossa parte acompanhamos e atualmente
temos firmado, por exemplo, a posição de que o Decreto de
Desapropriação para fins de Utilidade Pública só é emitido
depois que 90 a 95% dos proprietários da região de um dado
empreendimento manifestam concordância com ele. Não
queremos exercer poder de polícia, queremos agir dentro da
lei. (depoimento de técnico, Aneel)
Para concluir, tem-se que esta tese, ao discutir os principais aspectos
que caracterizaram a atuação do Setor Elétrico a partir de meados da década de
80, analisou desde os investimentos na qualificação dos quadros técnicos do
setor, até a criação de espaços legais e institucionais, destacando a presença de
conflitos, disputas, consensos e confrontos que findaram por introduzir, em
alguma medida, a “responsabilidade social e ambiental” na pauta de discussão
242
das empresas do Setor Elétrico, quando do planejamento e implantação de seus
empreendimentos.
Nesse processo, observaram-se mudanças que na atualidade acenam
com incertezas merecedoras de reflexão. São mudanças recém ocorridas e ainda
em curso que tendem a desprezar todo o aprendizado das empresas do Setor
Elétrico na busca de alternativas para o tratamento das questões ambientais.
Revelam processos que não se fazem acompanhar de um debate público capaz
de avaliar as conseqüências do novo modelo institucional para com as principais
questões ambientais e sociais que acompanham os empreendimentos do setor.
243
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