ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla

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ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla
ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’
Benemérita Universidade Autônoma de Puebla
XI Congresso Internacional da ALED
03 a 06 de novembro de 2015
DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO
E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO
O DISCURSO DOS “INTÉRPRETES DO BRASIL / INTÉRPRETES DO
NORDESTE”: O NORDESTE NA CORRESPONDÊNCIA DE LUIS DA
CÂMARA CASCUDO – MÁRIO DE ANDRADE (1924-1944)
Cristiane Maria Praxedes De Souza Nóbrega1
Luis Passeggi 2
Resumo: Luís da Câmara Cascudo (LCC) e Mário de Andrade (MA) não eram
incluídos, até recentemente, no cânone dos “intérpretes do Brasil”. Contudo, trabalhos
de referência mais recentes compreendem esses autores. Seguindo essa perspectiva e
considerando Câmara Cascudo tanto na categoria dos “intérpretes do Brasil” como,
naturalmente, no grupo dos que denominaremos “intérpretes do Nordeste”, nosso
objetivo é apresentar a construção textual da representação do Nordeste na sua
correspondência com MA. Para tanto, identificamos as sequências textuais em que
ocorre o termo “Nordeste”, seus derivados e noções conexas, os quais ancoram essa
representação textual-discursiva. O embasamento teórico e metodológico utilizado
remete à Linguística do Texto, na sua vertente da Análise Textual dos Discursos –
ATD (Adam, 2011).
Palavras-chave: Representações, Nordeste, Câmara Cascudo, Mário de Andrade
Abstract: Luís da Câmara Cascudo (LCC) and Mario de Andrade (MA) are not
included, usually in the canon of "Brazil of the interpreters." However, other authors
include them. Following this perspective and considering Câmara Cascudo both in the
category of "Brazil's interpreters" as, of course, the group of "Northeast interpreters,"
our goal is to present the textual construction of the representation of the Northeast in
the match (LCC) and (MA) by identifying the textual sequences that characterize this
notion. We proceed empirically to a survey of statements from keywords directly
related to the Northeast. The details of textual construction of this representation was
obtained by the categories of Textual Analysis of Speeches - ATD (J.-M. Adam,
2011).
Keywords: Representações – Nordeste – Câmara Cascudo – Mário de Andrade
1
Professora de Língua Portuguesa do IFRN. Doutoranda em Estudos Linguísticos do Texto, mestre em
Linguística Aplicada e integrante do grupo ATD/UFRN e do GELMIT/IFRN.
2
Professor Titular de Linguística do Departamento de Letras da UFRN. Doutor em Linguística.
Coordenador do grupo de pesquisa Análise Textual dos Discursos: Representações e Emoções.
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DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO
E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO
Introdução
Durante 20 anos, Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade trocaram 159
mensagens (carta, bilhete, telegrama) que foram publicadas, em 2010, no livro
Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas, 1924-1944, organizado pelo
professor M. A. de Moraes. Nessas correspondências, em meio a confidências e
assuntos de caráter pessoal, esses dois grandes “intérpretes” do Brasil teceram
importantes comentários a respeito da cultura, do folclore, da arte e da política
brasileira nas décadas de 20, 30 e 40 do século XX, inclusive das obras que estavam
produzindo.
Tomados pelo fervor de nacionalidade que pairava durante aquele período da
história cultural brasileira, fomentado pelo movimento Modernista, que se
corporificava no cenário brasileiro, os escritores se dedicaram a construir – ambos ao
seu modo – uma vasta produção cultural e artística que desnudasse os traços
caracterizadores da brasilidade latente no território cultural do Brasil. As cartas
trocadas pelos dois ícones do folclore brasileiro também pontuam de que modo
percebiam a construção dessa brasilidade a partir de uma dada região ora designada
de Norte, ora designada de Nordeste.
É nesse período também que
O pensamento radical no Brasil ganha impulso e se firma no país, dentro
do processo de modernização conservadora, como tentativa de solucionar
os dilemas nacionais postos pela revolução brasileira desde o começo da
década de 20. (PERICÁS, SECCO, 2014, p. 09)
Nesse contexto, surge um conjunto de novas vozes que se organizam e se
unem com intuito de explicar o Brasil e suas nuances. Portanto, de acordo com
Pericás e Secco (2014, ib.), “antes de 1922, os críticos sociais eram, em grande
medida, vozes isoladas e dissonantes no painel político e intelectual brasileiro”, de
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modo que somente a partir de 1922 é que se percebe o surgimento de uma leva de
pensadores no cenário brasileiro discorrendo sobre temas variados que vão da cultura
a literatura, passeando pela política e pela economia.
Alguns desses autores não foram ou não são incluídos, habitualmente, no
cânone de “intérpretes do Brasil”. Câmara Cascudo e Mário de Andrade não entraram
na coletânea que nos foi apresentada, por ex., por Santiago, S., (2000) na histórica
edição da Nova Aguilar, por ocasião do V Centenário do Descobrimento do Brasil.
Contudo, outros autores, com destaque para L. Secco e L. B. Pericás (2014), incluem
Luís da Câmara Cascudo entre os “intérpretes” e o próprio Santiago, inclui,
posteriormente, Mário de Andrade. Seguindo essa perspectiva, consideramos Luís da
Câmara Cascudo tanto na categoria dos “intérpretes do Brasil” como no grupo dos
que denominaremos “intérpretes do Nordeste”.
Assim, nosso objetivo, neste artigo, é apresentar a construção textual da
representação do Nordeste na correspondência entre Luís da Câmara Cascudo (LCC)
e Mário de Andrade (MA), identificando as sequências textuais que caracterizam essa
noção.
Procedemos empiricamente a um levantamento de enunciados em que ocorre
o termo “Nordeste”, seus derivados e noções conexas, (“Nordeste”, “Norte” – que à
época ainda incluía/se confundia com o Nordeste”.). Nesse levantamento, percebeu-se
que, não raro, no caso de LCC, essas palavras-chave não apareciam, mas as cenas,
situações e locais descritos permitiam inferir que se estava falando do Nordeste.
O detalhamento da construção textual dessa representação foi obtido pelas
categorias da Análise Textual dos Discursos – ATD (J.-M. Adam, 2011),
especialmente, referenciação e predicação, localização espacial e temporal.
Entretanto, neste artigo, será apresentada apenas uma pequena amostra da análise
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dessa construção textual de Nordeste que se encontra mais detalhada na tese
Representação Discursiva de Nordeste nas cartas trocadas por Câmara Cascudo e
Mário de Andrade, em fase de conclusão.
Câmara Cascudo e Mário de Andrade: “intérpretes” do Brasil/Nordeste
Mário Raul de Moraes Andrade, paulista, nascido a 9 de outubro de 1893 e
falecido em 1945. Homem de elevada cultura, músico, poeta, crítico literário e
folclorista foi um dos importantes integrantes do Movimento Modernista. Sua
incansável busca pelas coisas do Brasil o tornou um grande pesquisador no campo da
música, das artes e do folclore brasileiros. Emoção, devoção, amor e sensibilidade são
palavras que representam o grau de sentimento com que descrevia e falava do Brasil e
do seu povo.
Luís da Câmara Cascudo, nordestino norte-rio-grandense, nasceu no ano de
1898 e faleceu em 1986. Folclorista apaixonado, foi considerado como uma das
maiores autoridades desse assunto no Brasil. Homem do povo e para o povo, era um
frequentador de ambientes em que pudesse sentir e vivenciar a cultura do homem
comum: bares, feiras, cafés, rodas de cantadores e vaqueiros. Eram esses os lugares
nos quais encontrava material para suas pesquisas. Lá provava da comida, seguia os
rituais, conversava e depois registrava nos livros ou nas cartas as experiências ali
vividas, verdadeiras fontes de conhecimento. Nas cartas ao amigo Mário, a imagem
do interior e/ou do sertão do Nordeste, marcado pela terra vermelha e seca, sempre é
descrito como um lugar convidativo, preferencial, tal qual ele declara no poema “Não
gosto de sertão verde.”
Nas correspondências trocadas entre eles, Cascudo despertou em Mário o que
já latejava nas veias pulsantes do paulista: o desejo e ânsia das coisas do Brasil:
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“Queria ver tudo, coisas e homens bons e ruins, excepcionais e vulgares. Queria ver,
sentir, cheirar. Amar já amo.” (Carta 7MA, 26 jun., 1926).
Esse interesse pelas coisas do Brasil os tornará legítimos “interpretes” dessa
nação, levando-os a encontrar no Nordeste um campo a ser explorado e reconhecido
como um lugar no qual o nosso instinto de brasilidade se fará latente na cultura, nas
artes, no folclore e no povo. São essas marcas que ficarão registradas no discurso das
mensagens trocadas por ambos durante os 20 anos de correspondência, como
verificaremos nos parágrafos seguintes.
A dimensão semântica na Análise Textual dos Discursos
A Análise Textual dos Discursos, elaborada pelo linguista francês J.-Michel
Adam, é uma abordagem teórica e metodológica que se insere no campo da
Linguística Textual e tem como objetivo pensar o texto e o discurso em novas
categorias. Dessa forma, “situa decididamente a linguística textual no quadro mais
amplo da análise do discurso” (ADM, 2011, p.24). .
Em síntese, Adam (2008, p. 23) designou e desenvolveu a ATD como “uma
teoria da produção co(n)textual de sentido, que deve fundar-se na análise de textos
concretos”. Em linhas gerais, desenvolveu sua proposta baseada em quatro níveis
principais, a saber: nível sequencial-composicional, nível enunciativo, nível
semântico e nível argumentativo.
Situada no nível semântico, a representação discursiva se concretiza na
proposição-enunciada sendo construída por meio de uma atividade discursiva de
referência e estruturada linguisticamente por meio de um sintagma nominal associado
a um sintagma verbal ou, simplesmente, por um nome ligado a um adjetivo. (Adam,
2011, p. 113-114).
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Adam (2011), embora não apresente de forma explícita quais são as categorias
de análise das representações discursivas, propõe para a sequência descritiva
operações de textualização que serão reaproveitadas por Rodrigues; Passeggi; Silva
Neto (2010, p. 172-184) como operações que servem para se investigar a construção
da representação discursiva em qualquer tipologia textual.
Sem se estender muito na conceituação dessas operações, faremos em seguida
uma sucinta caracterização de cada uma delas.
Quadro 01: conceituação das categorias da Rd
Tematização
Modificação 3
Relação
Predicação
Localização
reinterpretada
como
um
caso
específico
de
referência/referenciação, constitui-se como um procedimento
de designação (tematização) e redesignação (retematização) dos
referentes. Ela é responsável pela instituição dos objetosdiscursivos.
reporta-se às características ou atributos dos referentes ou das
predicações.
processos de assimilação ou dissimilação analógica,
constituindo-se como base da comparação, da metáfora e de
outras figuras de linguagem, podendo também se estabelecer nas
ligações entre enunciados (conexões), ressaltando-se o valor
semântico dessas ligações, e não o estritamente textual.
procedimento de seleção dos predicados (designação dos
processos: ações, estados, mudança de estado etc.) e ao
estabelecimento da relação predicativa do enunciado.
o espaço e o tempo no qual se desenvolvem os participantes e os
processos.
Análise
À época da troca de correspondência entre Mário de Andrade e Câmara
Cascudo era corrente no Brasil a utilização dos termos Norte e Nordeste como
3
O grupo ATD/UFRN prefere utilizar a terminologia modificação ao invés de aspectualização, como
consta em Adam (2011), para que não se confunda com a aspectualização que se reporta a noção de
aspecto verbal, que é uma nomenclatura correntemente utilizada na gramática da Língua Portuguesa.
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referência a um mesmo espaço. Isso fica muito claro nas cartas de ambos, quando
juntos fazem uso desses vocábulos num total de 46 ocorrências de Nordeste (06 em
LCC e 40 em MA) e 80 ocorrências de Norte (41 em LCC e 39 em MA).
Neste artigo, serão analisadas apenas algumas mensagens nas quais esses
vocábulos e outros a eles conectados aparecem.
(01). Tem momentos em que eu tenho fome, mas positivamente fome
física, estomacal de Brasil agora. Até que enfim sinto que é dele que me
alimento! Ah! se eu pudesse nem carecia você me convidar, já faz muito
que tinha ido por essas bandas do norte visitar vocês e o norte.
Queria ver tudo, coisas e homens bons e ruins, excepcionais e vulgares.
Queria ver, sentir, cheirar. Amar já amo. Porém você compreende, Luís,
este Brasil monstruoso, tão esfacelado, tão diferente, sem nada nem sequer
uma língua que ligue tudo, como é que a gente o pode sentir integrado
caracterizado, realisticamente? Fisicamente? Eu quando me penso
brasileiro, e você pode ter certeza que nunca me penso paulista, graças a
Deus tenho bastante largueza dentro de mim pra toda esta costa e sertão da
gente, quando me penso brasileiro e trabalho e amo que nem brasileiro. ( 7
MA)
Em (01), o objeto de discurso “Brasil” é introduzido através de uma metáfora
para designar a ânsia, o desejo de Mário de Andrade por conhecer o Brasil. É
interessante observar que o autor, logo em seguida à primeira proposição do período,
introduz com o conectivo “mas” uma operação de modificação para o referente
“fome”: “fome física, estomacal”. Esse processo marca uma atitude em que se revela
a intenção do locutor de deixar claro para seu alocutário que não se trata de uma
metáfora, de fome como desejo apenas: estava falando de fome no sentido de
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necessidade de comer, “fome estomacal”. E essa fome é “fome de Brasil” – como
espaço físico que deve ser degustado, experimentado. Essa intenção é confirmada em
seguida com a proposição: “sinto que é dele que me alimento”. O Brasil retomado por
“dele” é tema da predicação “me alimento”.
Sem desfocalizar o objeto de discurso “Brasil”, é introduzido o referente
“norte” que, por meio do processo metonímico, pode ser interpretado como uma
extensão significativa do espaço brasileiro. Não se trata de novo referente, mas de
uma retematização do referente introduzido. O norte representa uma extensão
significativa do Brasil que Mário de Andrade tem fome de conhecer, explorar,
“devorar”. Esse espaço é representado discursivamente como uma porção
significativa de Brasil, como parte do território brasileiro, que como tal deve ser
valorizado e reconhecido.
Mário de Andrade expressa o desejo de conhecer as coisas, os homens, as
sutilezas, as diferenças do Nordeste (referido como Norte) por meio de uma
predicação que explora os sentidos “queria ver, sentir, cheirar”, revelando desse modo
sua ânsia de demonstrar que compreende o “Nordeste” (referido como Norte) como
espaço brasileiro palpável e real que deve ser sentido e vivenciado por brasileiros,
como ele, que ainda desconhecem essa porção de Brasil. Nessa ânsia de
reconhecimento de brasilidade, acaba denunciando, com o auxílio da operação de
modificação, que o Brasil “tão esfacelado, tão diferente” apresenta espaços alheios,
esquecidos, como o é o Nordeste.
Nas noventa e quatro cartas escritas por Câmara Cascudo a Mário de Andrade,
apenas em seis delas o termo Nordeste aparece, conforme se verifica abaixo:
(02). Remeto um convite para o Primeiro Congresso Regionalista do
Nordeste. (10 LCC)
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(03). Não me esquecerei do seu pedido. Mandarei copias do Lendas e
tradições . E sabe que V. está citado? Pois é. Nas “Lendas de origem
portuguesa” (quer dizer europeia) cap. C., do estudo “Lendas do
Nordeste” transcrevo o final de sua conferencia no Automóvel Clube.
Recorda-se? (10 LCC)
(08). Se você vier....Com os diabos ! Não há literato que lhe ponha um
dedo ou lhe cite um livro. V. vem comer, beber, respirar e ver Nordeste.
Típico, autêntico, completo. (31 LCC)
(05). Gustavo barroso esteve aqui em casa. Passou um dia com a mulher e
os garotos. Ficou contente como o diabo porque eu lhe disse que V.
considerava os trabalhos dele insubstituiveis para o conhecimento do
folclore do Nordeste brasileiro. (57 LCC)
(06). Todos os cantos de improvisação são acompanhados durante o verso.
Há voz e há musica instrumental. No Nordeste não há. (133 LCC )
(07). Agora, se me permite, aqui está um “caso”. Estou, como você sabe,
traduzindo para a “Brasiliana” daí, o Travels in Brasil de Henry Koster
que é ainda o melhor livro que se escreveu sobre o Nordeste, como
documentação, amplitude e honestidade. (140 LCC)
Observa-se que em todas as ocorrências o termo Nordeste apresenta um valor
locativo, projetado, principalmente, pelos aspectos culturais que o caracterizam: em
(02) como lugar de um evento; em (03), (05), (06) e (07) pelas produção bibliográfica
atinentes às lendas, ao folclore, à música e aos instrumentos musicais pertinentes
àquele espaço. Em todas essas ocorrências a cultura ganha relevante destaque na
projeção da Rd de Nordeste no discurso de Câmara Cascudo.
Nessa direção, poder-se-ia dizer que a operação de modificação em (8), ao
alterar o sentido do referente Nordeste com os qualificativos “típico”, “autêntico” e
“completo” constroem uma representação discursiva em torno da ideia de legitimitade
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e autenticidade, projetando, em síntese, a melhor e mais precisa definição do que
representava discursivamente os elementos da cultura do Nordeste no cenário
brasileiro para Câmara Cascudo.
Essa ideia de legitimidade e autenticidade aparece explicitamente nas cartas
(05) e (51), nas quais os modificadores (em negrito) caracterizam elementos
simbólicos (vaqueiro, vaquejada e cardeiros) e bastante conhecidos da cultura
nordestina, tais como se verifica abaixo:
(11) Aí vão os juros do silêncio. Receba e mire o Rio G. do Norte. O
vaqueiro legítimo, um cardeiros autêntico e virgem de filmes. (5 LCC)
(12) Arranjei uma vaquejada típica. (51 LCC)
Ainda em (08), a predicação paralelística “V. vem comer, beber, respirar e ver
Nordeste” conota os efeitos de sentido que tais verbos expressam no sentido de que a
cultura nordestina se caracteriza pelo conjunto de sensações que podem ser
experimentadas pela gustação, pelo olfato e pela visão.
Foram representações como essas que fizeram do paulista Mário de Andrade e
do potiguar Câmara Cascudo intérpretes do Nordeste e por que não dizer do Brasil,
uma vez que o Nordeste é parte constituinte da nação brasileira.
Nesse sentido, a correspondência pessoal entre esses dois intérpretes do
Nordeste, ao figurar uma representação desse espaço, desnuda o projeto literário e
cultural de reconhecimento e valorização dessa região, entendendo que nela se
encontram elementos importantes para a consolidação do nacionalismo na literatura e
nas artes, em geral. E ambos, ao seu modo, não pouparam esforços para que isso
viesse a acontecer.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAM, Jean-Michele. A linguística textual: introdução à análise dos discursos.
Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues et al. 2. ed. rev. e aum. São Paulo:
Cortez, 2011.
RODRIGUES, M. G. S., SILVA NETO, J. G., PASSEGGI, L. “Voltarei o povo me
absolverá...”: a construção de um discurso político de renúncia. In: ADAM, JeanMichel; HEIDEMANN, Ute; MAIGUENEAU, Dominique. Análises textuais e
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A. S. Passeggi. São Paulo: Cortez, 2010.
MORAES, Marcos Antônio de. (Org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade:
cartas, 1924 -1944. São Paulo: Global, 2010.
SANTIAGO, S. Intérpretes do Brasil. Prefácio. In: Intérpretes do Brasil, vol. 1. Rio
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