Cartografias dos estudos culturais – Uma versão latino

Transcrição

Cartografias dos estudos culturais – Uma versão latino
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Ana Carolina D. Escosteguy é
doutora em Ciências da Comunicação (USP, 2000), professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de
Comunicação Social (FAMECOS)
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
além de pesquisadora do CNPq
nas áreas de Estudos Culturais &
Comunicação, Estudos de recepção
e relações de gênero e Teorias da
Comunicação.
Este livro traça cartografias intelectuais significativas no desenvolvimento dos
estudos culturais. Na Inglaterra, pólo de
origem dessa perspectiva, a trajetória de
Stuart Hall é explorada. Na América Latina, os itinerários de Jesús Martín-Barbero
e Néstor García Canclini evidenciam a
configuração dessa abordagem no espaço
latino-americano.
Esta leitura dos estudos culturais diz
respeito a nós, latino-americanos, e a
eterna discussão de nossas particularidades em relação aos Outros.
www.autenticaeditora.com.br
0800 2831322
Cartografias dos estudos culturais – uma versªo latino-americana
- Ana Carolina D. Escosteguy
e por meio da qual são revelados
traços inéditos da contribuição latino-americana aos estudos culturais e de comunicação. Esta é a
maneira encontrada pela autora
para demonstrar que a atividade
da ciência não é imune ao trabalho
da história e, de forma original,
nos traz o confronto entre o nós e
o eles, o local e o internacional,
marcas do cenário contemporâneo, para dentro dos atuais estudos da cultura e da comunicação.
Estudos
Culturais
Cartografias dos estudos culturais
uma versão latino-americana
Ana Carolina D. Escosteguy
O cenário contemporâneo,
identificado como globalização,
vem repor questões já clássicas
nos estudos sociais, como a identidade cultural, ao mesmo tempo
em que desafia os particularismos, a diversidade e a possibilidade de convivência num mundo
cada vez mais entrelaçado e, paradoxalmente, mais desigual. A ambivalência que emerge dessa realidade exige dos estudiosos e pesquisadores tanto a crítica dos tradicionais procedimentos de análise como a criação de novos instrumentos de compreensão. É dentro
desse pano de fundo que primeiramente deve ser visto este livro
de Ana Carolina D. Escosteguy.
Dizendo de outro modo, ele é naturalmente contemporâneo.
Produto de uma tese de doutorado realizada sobre fontes originais, esta obra traz uma discussão teórica densa e esclarecedora
sobre o encontro de duas tradições intelectuais – a dos estudos
culturais britânicos e a dos estudos culturais latino-americanos. A
autora não só percorre a história
dessas duas perspectivas, o que a
faz deter nas suas especificidades
e identidades, bem como se detém
em seus vasos comunicantes.
Mas, creio que a sua grande contribuição está no verdadeiro trabalho de garimpagem bibliográfica que possibilita uma síntese explicativa raramente oferecida antes ao público brasileiro e que vai
da origem do projeto dos estudos
culturais britânicos ao seu processo de internacionalização. Essa é
a cartografia que dá título ao livro
Cartografias dos estudos culturais
Uma versão latino-americana
Ana Carolina D. Escosteguy
Cartografias dos estudos culturais
Uma versão latino-americana
Edição on-line, ampliada
Copyright © 2001 Ana Carolina D. Escosteguy
COORDENADOR DA COLEÇÃO “ESTUDOS CULTURAIS”
Tomaz Tadeu da Silva
CAPA
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(Mandala – Massa corrida sobre madeira)
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
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REVISÃO
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Escosteguy, Ana Carolina D.
D256e
Cartografias dos estudos culturais – Uma versão latinoamericana/ Ana Carolina D. Escosteguy – ed. on-line – Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
240p. (Coleção Estudos Culturais, 8)
ISBN 85-86583-97-9
1. Estudos Culturais. 2. Antropologia.
3. Cultura-América Latina. I. Título. II Série.
CDU 316.75
008(8=6)
À Elisa, minha filha,
que aos três meses iniciou esta jornada comigo.
A
gradeço à Maria Immacolata Vassalo Lopes,
Francisco R. Rüdiger, Nilda Jacks, Eliana Pibernat
Antonini, Dóris Fagundes Haussen, Maria Amélia
Mascena, Cláudia Peixoto de Moura e José Eduardo Utzig,
pelas variadas formas de colaboração, estímulo e afeto.
Gostaria ainda de mencionar as observações de Silvia
Helena Simões Borelli, Mauro Wilton de Sousa, Antônio
Flávio Pierucci e Octavio Ianni que constituíram a banca
que aprovou esta pesquisa como tese de doutoramento
na Universidade de São Paulo, uma fonte valiosa de
incentivo para revisar o texto original e publicar este livro.
A pesquisa que deu origem a este livro recebeu apoio da
CAPES (Bolsa de Doutoramento e Doutorado-sanduíche)
e PUCRS (horas-pesquisa e auxílio às viagens).
Sumário
Prefácio à edição on-line................................................
11
Introdução......................................................................................... 17
Estudos culturais: uma perspectiva histórica........................ 27
Uma narrativa possível ou a versão britânica...................................... 27
A construção de uma narrativa ou uma versão latino-americana...... 45
De ideologia para hegemonia...................................................... 65
Ideologia como dominação................................................................ 65
O aporte gramsciano............................................................................ 97
O popular como opção política................................................... 113
Formas de engajamento intelectual..................................................... 130
Identidades culturais: uma discussão em andamento
145
Identidade como diáspora................................................................... 148
Identidade como descentramento....................................................... 160
Identidade como hibridismo............................................................... 177
A título de conclusão..................................................................... 193
Notas.................................................................................................... 211
Bibliografia........................................................................................ 229
Apêndice
Depoimento de David Morley.......................................................... 249
Depoimento de James Curran.......................................................... 269
Depoimento de Nick Couldry............................................. 283
10
PREFÁCIO À EDIÇÃO ON-LINE
Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-americana, em edição esgotada já há algum tempo, passa a estar disponível, em acesso aberto, no formato eletrônico. Embora não fosse o
foco central da obra, ela revela, através da explanação dos seus
eixos teóricos – a questão da ideologia, da hegemonia, da problemática do popular e das identidades, que o corpo teórico-metodológico associado aos estudos culturais1, configurado a partir
do final dos anos 50, na Inglaterra, passou por alguns desdobramentos. Portanto, das reflexões embrionárias de sua formação,
em especial sustentadas por Richard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson, à prática contemporânea dos estudos culturais da virada do século XX para XXI, época do lançamento do
livro, observam-se alterações em relação a posições teóricas, metodológicas e até mesmo políticas.
Passados 10 anos do primeiro lançamento dessa obra, pode-se
dizer que tais transformações se exacerbaram. É claro que esta não
é uma característica exclusiva dos estudos culturais, ao contrário,
estes sofrem o que Ianni2 (2003, p.331) já problematizou, identificando que “o processo de globalização envolve uma ruptura de
amplas proporções, abalando mais ou menos profundamente os
quadros sociais e mentais de referência (...) trata[ndo-se] de uma
ruptura simultaneamente histórica e epistemológica”. No que diz
respeito aos estudos culturais, apenas algumas dessas mudanças
foram mapeadas e circulam no meio acadêmico através de textos
que tomam a própria tradição como objeto de análise3.
Logo, hoje, para fazer juz ao título de Cartografias dos estudos culturais, os capítulos deveriam ser reformulados, acrescentando-se informações novas e atualizando aquelas defasadas. A
produção intelectual e as discussões sobre os estudos culturais,
no meio acadêmico nacional, latino-americano e anglo-americano, cresceram num ritmo galopante no último decênio4. Fenômeno reconhecido, por exemplo, por Roberto Follari5 (2003, p. 4):
11
“o peso dos estudos culturais é tal na América Latina que se faz
indispensável tomar seu desenvolvimento como objeto. Isto é,
chegou o momento da consciência teórica sobre o fenônemo dos
estudos culturais, fruto precisamente de seu forte desenvolvimento”. Nas nossas fronteiras, isso foi reforçado sobretudo pela circulação mais ágil de bibliografia em língua inglesa, mas também
pela tradução de obras importantes6 e, claro, pela formação de
pesquisadores que se vincularam a esse programa de pesquisa.
De imediato, essa expansão exponencial de produção intelectual demandaria o acréscimo de capítulos, a reestruturação e ampliação do livro. Por um lado, os eixos-teóricos se desdobrariam em
objetos de estudo, tais como a problemática da recepção, das culturas juvenis, da cibercultura via contribuições do ciberfeminismo,
da crítica feminista aos estudos de mídia, entre os mais prementes.
De outro, as próprias trajetórias intelectuais exploradas – Stuart
Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini – deveriam
ser continuadas, dado que esses autores permanecem atuantes na
cena intelectual. Também outros itinerários mereceriam ser incorporados para dar conta de uma prática em circunstâncias distintas,
como já mencionei, tanto no cenário latino-americano quanto anglo-americano. Como resultado final teríamos uma nova obra. O
que se pretende com esta edição não é isso.
Creio que apesar do que foi dito, o conteúdo original do
texto ainda tem uma função ao recapitular a matéria e preparar o
leitor para acompanhar com alguma propriedade essa produção
mais recente. Persistindo a finalidade didática de apresentar uma
abordagem introdutória, publica-se novamente o texto sem mexer
no seu conteúdo, alertando que este obrigatoriamente precisa ser
lido no seu respectivo contexto, a entrada no século XXI. Nesse
sentido, faz-se imprescindível um registro. Este diz respeito ao
recorte temporal da produção bibliográfica que comparece nesse
estudo. A tese que dá origem à Cartografias dos estudos culturais,
foi concluída no segundo semestre de 1999, tendo sua defesa ocorrido em março de 2000, portanto, o texto original alcança, por
exemplo, apenas a publicação das reflexões de Hall até 1998.
Contudo, com o objetivo de suprir essa lacuna em termos de
atualização, à moda das suítes na música, o texto original é suce12
dido pelos depoimentos de três intelectuais – David Morley, Nick
Couldry e James Curran – com expressiva importância no debate
internacional sobre os estudos culturais. Tratando-se de um programa de pesquisa, diverso e heterogêneo como inúmeras vezes
já foi qualificado, é indispensável analisá-lo mediante a elucidação
de trajetórias intelectuais e suas respectivas reflexões e pesquisas
como sustentado na presente obra. Destaco que as características
do atual contexto histórico, bem como da presente institucionalização dos estudos culturais – aqui refiro-me especialmente ao
contexto anglo-americano – têm diferenças do período de sua formação e mesmo do que foi apresentado em 2000, momento de
defesa da tese. Dado que essas transformações estão em andamento e, portanto, ainda não estão disponíveis em relatos mais
sistemáticos ou mesmo em reflexões que tenham tal propósito, a
exposição de testemunhos orais de atores envolvidos nesse processo contribui para dar visibilidade a distintas experiências, oferecendo uma oportunidade para refletir sobre a contribuição
contemporânea dos estudos culturais. Com esse objetivo, as entrevistas, realizadas por mim, em fevereiro de 2007, com o apoio
do CNPq, versam sobre a história dos estudos culturais e o respectivo lugar ocupado nela pelo entrevistado, bem como de que
forma sua produção intelectual contribui para a reconfiguração e
atualização dos mesmos. Assim, abre-se uma possibilidade para
que o leitor pense como um programa de pesquisa pode ser reconstruído7, a fim de melhor atingir a meta que a própria teoria se
fixou no momento de sua origem.
Ressalto que David Morley e Nick Couldry se destacam na
constituição atual desta área de estudos, atuando no Goldsmiths
College da Universidade de Londres, tanto em nível de graduação
quanto de pós-graduação. No entanto, podem ser identificados como
de gerações distintas na configuração dos estudos culturais. David
Morley faz parte do que se convencionou chamar de segunda geração de estudos culturais8. Participou do coletivo de pesquisadores
do Centro, no início dos anos 70, momento em que a Escola de
Birmingham se consolida. O encontro de Nick Couldry com os
estudos culturais somente ocorreu no limiar dos 90 quando estes já
tinham se internacionalizado e estavam institucionalizados, na
13
Grã-Bretanha. Esta diferença geracional abarca singularidades decorrentes das respectivas formações. O primeiro, no próprio CCCS
e o outro, fora daí, no Goldsmiths College. Isto é, ambos vivenciam
situações históricas bastante distintas – o momento de efervescência do CCCS e a consolidação dos estudos culturais na academia.
Decorre, também, daí a possibilidade de observar um forte reconhecimento, em nível internacional, do primeiro com os estudos
culturais e um vínculo mais fraco, no caso do segundo. Em relação
ao terceiro pesquisador que também está vinculado ao Goldsmiths
College, trata-se de um dos porta-vozes, no contexto britânico, das
críticas aos estudos culturais. Situando-se mais próximo dos estudos de economia política da comunicação, tradição extremamente
forte naquele ambiente acadêmico, o propósito é que ele reavalie os
embates gerados entre essas duas forças teórico-metodológicas,
confronto que teve escasso realce entre nós.
De resto, considero oportuno trazer à baila pelo menos duas
das críticas que, embora não tenham sido lançadas em referência
direta ao trabalho em questão, circulam no nosso contexto acadêmico. Uma delas diz respeito às resistências vigentes em aderir ao
uso do termo estudos culturais latino-americanos e a sua associação
à intelectuais como Martín-Barbero e García Canclini. De um lado,
nega-se a utilização da terminologia, dando-se preferência, por exemplo, a estudos de cultura na América Latina ou estudos sobre comunicação e cultura9 ou ainda estudos de cultura e poder10.
O que parece estar implicado é que tal enquadramento teórico não sofre influências de repertórios teóricos surgidos em outras
latitudes. E que, no caso específico, não têm afinidades com a
proposta dos estudos culturais. É claro que os estudos sobre cultura são bem anteriores a essa proposição, mas também é verdadeiro que os estudos culturais imprimiram uma determinada forma
de estudá-la e construíram uma diferenciação11. De outro lado,
evoca-se a própria resistência, por exemplo, dos autores citados,
na sua auto-identificação com esse campo, omitindo-se que em
determinados momentos tal associação é aceita, reconhecida e até
mesmo bem-acolhida12.
Tendo assumido como ponto de vista o que chamo de narrativa dominante sobre os estudos culturais, a partir desse marco,
14
considerei que era possível esboçar um mapa mínimo sobre os
estudos culturais onde se destacava, além do que já foi mencionado, uma possível vinculação entre a vertente britânica de estudos
culturais e a emergência de uma perspectiva latino-americana de
análise cultural, associada fundamentalmente aos itinerários intelectuais de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. Foi,
sumária e pretenciosamente, isso que tentei cartografar, dado que
uma cartografia dos estudos culturais era impossível, devido à
amplitude do tema, e que meu interesse também era pensar: como
algo denominado como um “marco teórico latino-americano” tinha sido configurado? Isso existia? Em que condições ele tinha
sido constituído? Quem eram seus formuladores?
O ponto de convergência entre esses autores e os estudos culturais britânicos se deu através da discussão sobre o uso do aporte
gramsciano em torno da hegemonia o que significa dizer que a cultura devia ser estudada mediante as relações de poder que constituía
e expressava. E que, na comunicação, implicava em pensar, como
diz Martín-Barbero13 (2002, p. 224), que “a inscrição da comunicação na cultura deixou de ser mero assunto cultural, pois é tanto a
economia como a política as que estão comprometidas com o que aí
se produz”. A partir dessa posição é que foram se alinhavando outros
pontos de encontro que tanto podiam ser recuperados retrospectivamente como para além dessa convergência teórica. Essa aproximação
revela a existência de uma espécie de vasos comunicantes entre uma
produção latino-americana e outra, em especial a britânica. Contudo,
a escolha da trajetória de Stuart Hall se deve não a interlocução propriamente dita entre os autores em foco na pesquisa, mas pela expressão
de Hall no direcionamento do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos para especificamente a centralidade do tema da mídia, objeto
central na proposta de Cartografias dos estudos culturais.
Uma outra crítica que circula, sobretudo, entre simpatizantes dos estudos culturais, trata do “eterno retorno” às contribuições de intelectuais que configuraram a formação dos estudos
culturais como se somente esses fossem as vozes autorizadas a
falar em nome dos estudos culturais. Em outros termos, é a acusação da volta “patriarcal” à herança da Escola de Birmingham como
se estivesse aí a essência dos estudos culturais14.
15
Como parto do pressuposto que, no nosso meio, muito se fala
em estudos culturais, mas pouco se conhece sobre eles - não só sobre
sua história, mas também sobre a reflexão que constituiu essa área de
estudos, assim como ainda se confunde os estudos culturais britânicos com os norte-americanos, desconsiderando suas diferenças, considero fundamental um retorno aos “clássicos” simplesmente para
armar um ponto de vista mais historicizado. Isto não concede autoridade apenas aos autores consagrados ou à uma determinada narrativa sobre os estudos culturais, nem muito menos desmerece o trabalho
de autores contemporâneos e de outras versões de estudos culturais.
Reivindica, apenas, a formação de um ponto de vista histórico, vinculada sim a uma determinada versão de estudos culturais.
Esta contempla o entendimento de uma prática em estudos
culturais que foca na tensão entre a capacidade criativa e produtiva
do sujeito e o peso das determinações estruturais como dimensão
substantiva na limitação de tal capacidade. Em outros termos, a questão
é como falar das estruturas constituindo os sujeitos, sem perder de
vista a experiência desses mesmos sujeitos; manter na análise tanto o
peso objetivo das instituições, revelado nos seus produtos, quanto a
capacidade subjetiva dos atores sociais. Dentro desse marco, tornam-se visíveis intersecções entre três temas-chave: o sujeito e sua
ação num determinado marco histórico; o reconhecimento de processos de exclusão, diferenciação e dominação como historicamente
construídos e não, naturais e/ou tanshistóricos; e a compreensão da
esfera cultural e dentro dessa, a comunicação, através da relação
entre produtores, produtos e receptores. modo, o objeto de análise
dos estudos culturais, como nos diz Santiago Castro-Gómez15, é composto pelos “dispositivos a partir dos quais se produz, distribui e
consome toda uma série de imaginários que motivam a ação (política, econômica, científica, social) do homem em tempos de globalização. Ao mesmo tempo, os estudos culturais privilegiam o modo
em que os próprios atores sociais se apropriam desses imaginários e
os integram a formas locais de conhecimento”.
Enfim, cabe ao leitor julgar o mérito tanto das críticas quanto da apresentação da matéria.
Ana Carolina D. Escosteguy
Verão de 2010
16
INTRODUÇÃO
Não creio que seja possível elaborar, neste momento, um
mapa exaustivo e detalhado do que poderia ser chamado aproximativamente de uma cartografia dos estudos culturais.1 Vários
motivos poderiam ser arrolados para mostrar as dificuldades de
cobrir tal objeto. Porém, o primeiro obstáculo esbarra na própria
amplitude teórica do fenômeno. Além disso, existem diversos movimentos de apropriação da perspectiva dos estudos culturais, para
não mencionar a anfibiedade das definições que circulam sobre
os mesmos e, também, a existência de uma extensa bibliografia,
sobretudo em língua inglesa, sobre o tema.
Em contraposição, não se dispõe de trabalhos preliminares
que recolham e organizem informações sobre a emergência dos
estudos culturais no território latino-americano. Uma das exceções é o artigo de Fabio López de la Roche (1998) que analisa
algumas contribuições, produzidas a partir do campo de estudo
das relações entre comunicação e cultura, de autores latino-americanos, sinalizando a existência de uma investigação cultural interdisciplinar que poderia ser identificada com uma tradição
latino-americana de estudos culturais.
Acrescenta-se, ainda, outro problema: a pouca difusão na
América Latina de bibliografia que trate dos estudos culturais,
independentemente do contexto geográfico onde sejam praticados. São escassas, para não dizer quase inexistentes, as traduções
– tanto em português quanto em espanhol – de textos importantes
sobre a configuração dos estudos culturais, seja do ponto de vista
histórico, seja de sua composição contemporânea.
Daí a opção de traçar cartografias intelectuais que possam
ser vistas como significativas no desenvolvimento dos estudos
culturais. Na Inglaterra, pólo de origem dessa perspectiva, a
trajetória de Stuart Hall é explorada. Na América Latina, os
itinerários de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini
17
servem para evidenciar a configuração dessa abordagem no espaço latino-americano.
Dessa forma, a leitura proposta sobre os estudos culturais e
sua apropriação na América Latina é uma construção nossa, sendo que o grifo no pronome implica um duplo registro. Em primeiro lugar, é uma arquitetura decorrente de um percurso e um
posicionamento particular desta autora e, por isso, incompleto e
parcial, como será adiante justificado. A outra via diz respeito a
nós, latino-americanos, e a eterna discussão de nossas particularidades em relação aos Outros.
Em relação ao último aspecto, parece oportuno formular
algumas perguntas, mesmo sabendo de antemão que não serão
totalmente respondidas: o que têm os nossos estudos culturais de
singular em relação ao mais amplo movimento desse corpo
teórico-político-acadêmico? Que desconstruções e reconstruções
efetuamos sobre o empreendimento intelectual dos estudos culturais para iluminar nossa própria realidade? No presente trabalho, essas questões sinalizam uma problemática, e não a exigência
de uma solução.
Neste momento, vale recordar, apenas, que a América Latina abarca heterogeneidades culturais, pluralidades étnicas, diversidades econômicas, experiências diferentes e desigualdades
estruturais. Logo, falar de América Latina representa uma construção incompleta que é um projeto a realizar, pois é uma tentativa de uniformizar essas diversidades (ARICÓ, 1988). Portanto, a
referência à América Latina e ao latino-americano, neste livro,
não desconhece essa dimensão do problema e que “enquanto projeto incompleto, ele está sempre na linha de nosso horizonte e nos
incita a indagar sobre o nosso destino, sobre o que somos ou que
queremos ser”(ARICÓ, 1988, p. 29).
Mesmo assim, presume-se que se existe algo denominado
estudos culturais latino-americanos, estes, ou melhor, seus praticantes, não parecem dispostos a submergir sua identidade nesse
amplo movimento, essencialmente, anglo-americano. Daí a necessidade de compreender essa relação entre uns e outros como “de
tradução”: ou seja, a análise latino-americana pode ser lida tanto
como um exemplo da perspectiva dos estudos culturais quanto como
18
uma exemplificação que retém tudo que é distintivo a seu respeito.
Adotando essa posição, ambas as perspectivas – o programa dos
estudos culturais e a investigação cultural latino-americana –, embora partilhem um mesmo objeto, isto é, a relação comunicação e
cultura, e uma certa afinidade teórica, preservam suas diferenças e
originalidades.2 Portanto, a idéia de tradução, utilizada aqui, não
endossa o princípio de existência de um original – no caso, a proposta dos estudos culturais britânicos – e sua tradução, entendida
como mera aplicação de tal proposta em outros territórios.
Os estudos culturais compõem, hoje, uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de
oposições como cultura “alta” ou “superior” e “baixa” ou “inferior”.
Adotada essa premissa, a investigação da “cultura popular” que assume uma postura crítica em relação àquela definição hierárquica
de cultura, na contemporaneidade, suscita o remapeamento global do campo cultural, das práticas da vida cotidiana aos produtos
culturais, incluindo, é claro, os processos sociais de toda produção cultural.
Na América Latina, uma reflexão crítica começou a emergir, principalmente, na década de 80, tendo como eixo central as
novas configurações da cultura popular a partir da emergência
das indústrias culturais. Dentre as contribuições mais importantes
e originais no repensar dessa problemática, revelando a existência
de empréstimos e negociações entre a cultura considerada “legítima” e aquelas formas culturais cotidianas tidas como “insignificantes”, dentro do âmbito latino-americano, estão as reflexões de Jesús
Martín-Barbero e de Néstor García Canclini. Por essa razão, este
trabalho se detém na análise da contribuição desses autores.
Porém, tais formulações latino-americanas não podem ser
encaradas como um movimento isolado do restante do pensamento social, ilhadas das idéias em circulação e dos debates atuais.
Daí uma das razões para abordá-las em relação com aquela reflexão que legitimou a “outra” cultura – a comum e ordinária, pois
ambas as vertentes coincidem nesse pressuposto. Convergem,
também, na afirmação de relações entre cultura e poder e seu
caráter essencialmente conflitivo, assim como na atenção sobre
19
a cultura mediática e seu envolvimento em processos de resistência e reprodução social. De forma mais genérica, reconhecem o papel constitutivo da cultura e das representações nas
relações sociais.
A presença dessas articulações na análise cultural proposta
pelos autores latino-americanos citados e pelos estudos culturais,
e suas implicações em ver a esfera cultural como um terreno onde
política, poder e dominação são mediados, propicia a este estudo
estabelecer e explorar intersecções, assim como diversidades entre os estudos culturais e a reflexão latino-americana em foco.
Entretanto, como os estudos culturais compõem um vasto,
fragmentado e inter/trans ou antidisciplinar – conforme o ponto
de vista que seja assumido – campo de estudo, o recorte, abordado pelo meu trabalho, trata especialmente das análises que abordam as relações entre comunicação e cultura.
Na tentativa de construir uma abordagem que extrapolasse a
reconstituição histórico-descritiva das trajetórias britânica e latinoamericana, escolhi determinadas temáticas teóricas – eixos-nodais
– que fazem a conexão entre os estudos culturais e o pensamento
latino-americano em foco e que marcam o percurso teórico de
ambas perspectivas. Ao mesmo tempo, constituem-se em questões centrais que vão sinalizando rupturas e desdobrando-se em
rotas abertas para a continuidade da reflexão.
Esses eixos teóricos são: as relações entre cultura e ideologia; a opção pela análise da cultura popular; e a construção de
identidades culturais contemporâneas mediadas, intensamente,
pelos meios de comunicação. Como eixos-nodais, permitem que
outras questões a eles relacionados sejam também abordadas. Entre
elas: o conceito de hegemonia, o papel do intelectual na esfera da
cultura e a problemática da recepção. Reconheço, contudo, que
ao destacar e recuperar apenas esses questionamentos, estou omitindo ou subvalorizando outros. Apesar de adotar esse procedimento de seleção de aspectos de uma obra, espero não trair o
pensamento dos autores aqui em destaque.
Seguindo as orientações recém delineadas, este trabalho consiste, em primeiro lugar, em propor uma articulação entre os autores
20
latino-americanos citados e os estudos culturais, sobretudo na sua
vertente britânica. Do ponto de vista dos estudos culturais britânicos, o trabalho de Stuart Hall vai servir como fonte maior desta
exploração na medida em que é, indubitavelmente, uma figura
central no desenvolvimento da versão dominante dos mesmos.
Isso não quer dizer que outros autores e trabalhos não sejam incorporados nessa articulação entre os latino-americanos e o campo dos estudos culturais. Ao contrário, a tentativa é compor uma
narrativa, na medida do possível – diante da vasta bibliografia
existente em língua inglesa – mais plural, diversa e polifônica, não
centrada exclusivamente na versão britânica.3
Ao construir o trajeto sobre o tratamento das temáticas anteriormente citadas, observa-se como alguns dos praticantes, tanto
da perspectiva latino-americana quanto da anglo-saxônica, compreendem-nas e desenvolvem-nas. Porém, nunca com o propósito de aplicar os termos próprios, sobretudo da vertente britânica
enquanto pólo gerador desse projeto, ao contexto latino-americano. Mesmo porque a prática dos estudos culturais alcança sua
propriedade dentro de condições históricas específicas – entre
elas a localização nacional e geográfica (GROSSBERG, NELSON E
TREICHLER, 1992; MORRIS, 1992). Contudo, não conta apenas a
diferença de contextos dentro dos quais os argumentos se engendram, mas existe, também, um grau de especificidade cultural na
própria teoria (TURNER, 1993b).
Outra consideração decorrente da escolha dos autores em
foco neste livro diz respeito ao reconhecimento de que são vozes
posicionadas geograficamente em lugares distintos. Ou seja, em
termos talvez não muito apropriados para a época vigente, mas
que ainda guardam uma certa potencialidade, são posições situadas no “centro” e na “periferia”. Mesmo que esteja em curso o
debilitamento de uma noção de centro que tem sua capacidade
explicativa fragilizada e a concentração de poder um pouco mais
dispersa, percebe-se ainda a exclusão de experiências e saberes
“periféricos” daquele identificado como “centro”.
De qualquer modo, o propósito não é reavivar esse confronto esquemático, mas localizar-se num outro ponto fora dessa oposição binária. Nessa direção, os três autores estudados como eixo
21
central deste livro experimentam todos um deslocamento semelhante. Partindo cada um de posições particulares, encontramse, como disse Martín-Barbero (1987a, p. 229) a respeito de sua
busca pessoal por um novo mapa para explorar o campo cultural
contemporâneo, assumindo “as margens não como tema, mas
como enzima”.
Apesar da discussão proposta concentrar-se nesta tríade de
autores – Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini –, não é de forma alguma minha intenção localizar os estudos culturais em “textos canônicos” ou elevar a obra de cada um
desses autores a um estatuto canônico. Sobretudo porque é justamente contra a oposição entre o cânone e seu outro, a cultura
popular, que os estudos culturais vicejaram.
Nesse contexto geral, embora reconheça uma singularidade
na reflexão latino-americana, representada, aqui, por Martín-Barbero e García Canclini,4 isso não pode ser motivo para assumi-la
sem questionamento, deixando de ser objeto de crítica. Logo,
pretende-se tanto recuperar e reconstituir alguns procedimentos
ao longo dessa trajetória quanto, também, discuti-los sistematicamente, mediante uma leitura crítica e reflexiva, no sentido de ver
para onde apontam, que via descortinam para prosseguir o estudo
em torno das vinculações entre cultura e comunicação. Esse é,
também, o norte da crítica ao atual desenvolvimento dos estudos
culturais como um todo.
Delimitados os contornos da temática deste trabalho, é imperativo esclarecer a partir de que lugar esta análise de um determinado aporte teórico-metodológico se realiza, ou seja, explicitar
o lugar de enunciação que o analista privilegia para operacionalizar essa leitura. Proponho, então, situar-me genericamente dentro dos estudos de comunicação e cultura, denominação corrente
na América Latina.
Porém, é mais preciso dizer que o ponto de partida se estabelece mediante a vinculação dos estudos culturais e a comunicação5. Isso significa que a investigação da cultura mediática,
incluindo tanto os meios, os produtos e as práticas culturais – ou
seja, refere-se tanto à natureza e à forma dos produtos simbólicos
quanto ao circuito de produção, distribuição e consumo – está
22
inserida numa concepção mais abrangente de sociedade vista como
o terreno contraditório de dominação e resistência onde a cultura
tanto se engaja na reprodução das relações sociais quanto na abertura de possíveis espaços para a mudança.
Sinteticamente, pode-se dizer, ainda, que essa investigação
está integrada a um contexto maior demarcado por uma teoria
social crítica que insere essas análises da cultura e comunicação
no âmbito do estudo da sociedade capitalista. Conseqüentemente,
tenta analisar tanto as formas pelas quais cultura e comunicação
são produzidas dentro desse ordenamento quanto os papéis e funções que exercem na sociedade, entendida enquanto um conjunto
de relações sociais hierarquizadas e antagônicas.
Vale a pena citar que, por exemplo, Douglas Kellner (1995a,
1995b, 1997a, 1997b) reivindica superar a bifurcação entre estudos culturais versus estudos de comunicação, propondo a denominação “estudos culturais dos meios de comunicação”. Sua proposta
implica uma prática crítica, multicultural e que abranja múltiplas
perspectivas ou dimensões: a produção e a economia-política da
cultura, análise textual e crítica e, por fim, o estudo de recepção de
audiência e usos dos produtos dos meios de comunicação.
Em contraste, o argumento de Grossberg (1994) trata esse
tipo de perspectiva ou, segundo seus termos, os “estudos culturais comunicacionais” como uma redução do projeto dos estudos
culturais. Isso porque os “estudos culturais comunicacionais” encampam uma aproximação tripartite – produção, texto e consumo
– da comunicação, transformando-a num modelo geral de análise
que reproduz o modelo linear de comunicação: emissor, mensagem, receptor. Na verdade, tais estudos não conseguem situar práticas culturais específicas dentro de seus contextos, complexamente
determinados e determinantes (GROSSBERG, 1994, p. 335).
Daí minha preferência pelo termo estudos culturais ao invés
de estudos de comunicação e cultura. Pois os últimos necessitam
da moldura teórica recém descrita de inserção numa teoria social
crítica. E os primeiros, no caso particular deste estudo, apenas
uma ênfase num determinado objeto de estudo – a comunicação.
Quando observado esse último aspecto, os estudos culturais podem
ser incluídos nos estudos críticos de comunicação, inaugurados nos
23
anos 30 pela Escola de Frankfurt, embora entre ambas as aproximações haja, também, profundas diferenças.
Finalmente, gostaria de ressaltar que este livro, pauta-se por,
mediante escrutínio de determinadas posições, apontar algumas
críticas e pistas, contribuindo para o debate sobre os estudos culturais contemporâneos e sua divulgação no nosso meio acadêmico. O texto publicado, aqui, toma como ponto de partida a tese
de doutoramento apresentada na Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, em março de 2000, mas é uma
versão modificada e resumida daquela pesquisa.
Assim, apresenta-se no primeiro capítulo um ponto de vista
histórico sobre as origens e constituição dos estudos culturais, demarcando o contexto britânico como a base dessa experiência. A
reconstituição dessas origens é tratada como pano de fundo para
situar a discussão central do livro. Diante das múltiplas versões hoje
disponíveis sobre o início do projeto dos estudos culturais, que dão
relevância ora para a constituição de um objeto de estudo próprio
(JOHNSON, 1996), ora para uma situação histórica específica
(SCHWARZ, 1994), aqui resgato aquela que trata da história das idéias, indicando o trio fundador – Hoggart, Williams e Thompson –
e suas obras. Isso não significa desconsiderar nem desconhecer o
aspecto problemático da indicação das origens dos estudos culturais, mas reconhecer que o debate em torno de suas origens é de
importância periférica no contexto maior da minha pesquisa.
A partir deste momento é obrigatório um esclarecimento em
relação ao próprio termo “estudos culturais”. Os textos anglo-americanos na sua grande maioria utilizam cultural studies, com minúsculas e sem nenhum grifo em especial, para referir-se a tal campo
de estudos. Por essa razão, também conservo as minúsculas.
No caso latino-americano, dada a ausência de relatos consolidados sobre a formação dos estudos culturais, opto por construir
uma narrativa que privilegia a constituição dessa perspectiva nas
intersecções com o campo da comunicação. Portanto, registro um
cenário panorâmico e parcial, sobretudo pela seleção de um enfoque específico e a brevidade de sua história.
Contudo, esse mapa provisório foi construído com o objetivo de localizar a contribuição teórico-metodológica e, assim, ser
24
analisada num determinado ambiente. Deste modo, a obra individual estabelece vínculos com um contexto sócio-histórico e teórico-acadêmico, mas o autor e seu texto não são explicados pelos
contextos que o envolvem.
A partir do segundo capítulo é desenvolvida a análise dos
eixos temáticos, considerados marcos centrais no debate teórico
dos estudos culturais. Assim, demarca-se a discussão sobre ideologia e hegemonia, sobre cultura popular numa época em que os
meios de comunicação impregnam o meio social e, finalmente,
sobre a problemática da construção das diversas identidades culturais que caracterizam os grupos sociais contemporâneos. Cada
uma das seções concentra-se na recuperação de tais temáticas nas
formulações dos três autores selecionados como fundamentais na
constituição da perspectiva dos estudos culturais, seja no continente europeu, seja na América Latina.
Reitero que todas essas questões são construídas de acordo
com o posicionamento deste pesquisador, que se localiza no campo de investigação da comunicação, ou melhor, no espaço de conexão que se estabelece entre os estudos culturais e a comunicação.6
A estratégia adotada é aproximar-se do objeto de estudo já delineado a partir de um ponto de vista que pretende compreender as
relações entre cultura e sociedade, reivindicando uma abordagem
crítica como indispensável para uma visão mais compreensiva da
experiência cultural contemporânea.
Na obrigatoriedade de consultar e trabalhar com bibliografia
em inglês e espanhol, gostaria de registrar que tive grande cuidado com as traduções, mantendo-me sempre alerta e receosa de
não ser suficientemente rigorosa nessas transposições. Mesmo
tendo sempre como meta ser fiel ao texto e, por sua vez, ao autor,
proponho em inúmeros casos traduções aproximadas para termos
que não têm equivalentes em português.7
25
26
ESTUDOS CULTURAIS:
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
UMA NARRATIVA POSSÍVEL OU A VERSÃO BRITÂNICA
As primeiras manifestações dos estudos culturais têm origem na Inglaterra, no final dos anos 50, especialmente em torno
do trabalho de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward
Palmer Thompson. Esta afirmação é lugar-comum em muitas das
reconstituições das origens deste campo de estudo. De outro lado,
tem-se tornado também motivo gerador de debates, discussões e
contendas, sobretudo, nos últimos tempos.
O campo dos estudos culturais surge, de forma organizada,
através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra do pós-guerra. Inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy
(1957), Richard Hoggart funda em 1964 o Centro. Este surge
ligado ao English Department da Universidade de Birmingham,
constituindo-se num centro de pesquisa de pós-graduação desta
mesma instituição. As relações entre a cultura contemporânea e a
sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças
sociais, vão compor o eixo principal de observação do CCCS.
Três textos que surgiram nos final dos anos 50 são identificados como a base dos estudos culturais:1 Richard Hoggart com
The Uses of Literacy (1957), Raymond Williams com Culture and
Society (1958) e E. P. Thompson com The Making of the English
Working-class (1963). O primeiro é em parte autobiográfico e em
parte história cultural do meio do século XX. O segundo constrói
um histórico do conceito de cultura, culminando com a idéia de
que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um
modo de vida em condições de igualdade de existência com o
mundo das Artes, Literatura e Música. E o terceiro reconstrói
27
uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista
particular – a história “dos de baixo”.
Na pesquisa realizada por Hoggart,2 o foco de atenção recai
sobre materiais culturais, antes desprezados, da cultura popular e
dos meios de comunicação de massa, através de metodologia qualitativa. Este trabalho inaugura o olhar de que no âmbito popular
não existe apenas submissão mas, também, resistência, o que,
bem mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos
meios massivos. Tratando da vida cultural da classe trabalhadora,
transparece nesse texto um tom nostálgico em relação a uma cultura orgânica dessa classe.
A contribuição teórica de Williams3 é fundamental para os
estudos culturais a partir de Culture and Society [Cultura e sociedade, 1780-1950. São Paulo: Nacional, 1969]. Através de um olhar
diferenciado sobre a história literária, ele mostra que a cultura é
uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investigação social. Seu livro The Long Revolution (1961) avança na demonstração da intensidade do debate contemporâneo sobre o impacto
cultural dos meios massivos, mostrando um certo pessimismo em
relação à cultura popular e aos próprios meios de comunicação.
É o próprio Stuart Hall que avalia a importância desse último livro: “ele [The Long Revolution] transformou toda a base do
debate, de uma definição moral-literária de cultura, para uma definição antropológica. Porém, definiu esta [a cultura] como o ‘processo integral’ pelo qual significados e definições são socialmente
construídos e historicamente transformados, sendo, neste contexto, a literatura e a arte uma única forma especialmente privilegiada de comunicação social” (Hall apud Turner, 1990, p. 55). Essa
mudança no entendimento de cultura fez possível o desenvolvimento dos estudos culturais.
Em relação à contribuição de Thompson,4 pode-se dizer que
influencia o desenvolvimento da história social britânica de dentro da tradição marxista. Para ambos, Williams e Thompson, cultura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a
vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Mas, de certa forma, Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez
28
disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre modos de vida diferentes.5
Esses quatro textos recém mencionados foram seminais para
a configuração dos estudos culturais. Entretanto, Hall (1996b,
p. 32) ressalta que
eles não foram, de forma alguma, ‘livros didáticos’ para a fundação
de uma nova subdisciplina acadêmica: nada poderia estar mais
distante de seu impulso intrínseco. Quer fossem históricos ou
contemporâneos em seu foco, tais textos eram, eles próprios, focalizados pelas pressões imediatas do tempo e da sociedade na qual
foram escritos, organizados através delas, além de serem elementos
constituintes de respostas a essas pressões.
Embora não seja citado como membro do trio fundador, a
importante participação de Stuart Hall6 na formação dos estudos
culturais britânicos é unanimemente reconhecida. Avalia-se que,
ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979,
incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de resistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identificando seu papel central na direção da sociedade; exerceu uma
função de “aglutinador” em momentos de intensas distensões teóricas e, sobretudo, destravou debates teórico-políticos, tornandose um “catalizador” de inúmeros projetos coletivos.7 Tem uma
abundante produção de artigos, sendo que sua reflexão faz parte
da maioria das coletâneas mais importantes sobre estudos culturais, sejam eles publicados pelo próprio Centro ou não.
Enfim, esses são os principais atores e uma parte da história
do início da configuração deste campo de estudos. Em outras
palavras, essa mesma narrativa poderia ser assim contada:
Desde o final da década de 1950, tem existido, dentro da vida
cultural e intelectual de língua inglesa, um projeto que causou
impacto significativo no trabalho acadêmico no campo das Artes, das Humanidades e das Ciências Sociais. Nos anos 50, tal
projeto não tinha um nome. Não tinha nem sequer uma única
fonte. Surgiu dentro de um contexto histórico e social específico, a partir do trabalho de três indivíduos. Raymond Williams, Richard Hoggart e E. P. Thompson estavam preocupados,
29
de forma diferente, com a questão da cultura na sociedade estratificada em classes da Inglaterra. Os autores estavam tentando, cada um a seu modo, entender o papel e o efeito da cultura
em um momento crítico da própria história da Inglaterra: um
momento marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, a
herança, em um ambiente já mudado e em constante mudança,
de uma política de classe de limitada resistência, e, finalmente, a
importação ou invasão, através dos meios de comunicação de
massa, da cultura americana, o que tornou público e ressaltou a
todos o dominador caráter de classe da vida cultural inglesa.
(BLUNDELL ET AL., 1993, p. 1)
O trecho em questão replicaria a versão recém apresentada,
não fosse esta escrita por autores canadenses que, embora relatem
esse ponto de vista de sua fundação, questionam, logo a seguir, a
existência de uma narrativa única sobre sua constituição como
um projeto maior que transcendeu as fronteiras da Grã-Bretanha.
O propósito dessa publicação – Relocating Cultural Studies – Developments in Theory and Research (1993) – é mostrar justamente a
versão britânica sobre as origens dessa trajetória em contraste
com a particularidade do caso canadense, revelando, simultaneamente, o descentramento contemporâneo dos estudos culturais.
Através desse tipo de posicionamento, em que a coletânea
citada é apenas um exemplo,8 problematiza-se o ‘“cânone” – a
versão dominante – sobre as origens dos estudos culturais. Em
contraposição a essa versão dominante, afirma-se que em outras
localidades e em outros momentos podem ser identificadas “outras” origens para esse campo de estudos. Enfim, a existência de
diferenças nacionais e a confluência de um conjunto particular de
propostas de cunho teórico-político geraram outros exemplos de
estudos culturais que desestabilizam a narrativa sobre uma origem centrada, sobretudo, em Birmingham, na Inglaterra.
Ainda, em outra versão que discute a emergência histórica
dos estudos culturais enquanto desenvolvimento organicamente
britânico, desenvolvimento determinado por forças nacionais internas, é obrigatório identificar as condições históricas existentes
naquele momento. Pelo menos duas características são marcantes:
o impacto da organização capitalista das formas culturais no campo
30
das relações sócio-culturais e o colapso do império britânico.
No primeiro espaço, observa-se a ruptura das culturas tradicionais de classe em conseqüência do alastramento dos meios de
comunicação de massa; no segundo, percebe-se que a suposta
integridade da nação britânica começa a implodir. Dessa forma, a
ascensão dos estudos culturais britânicos coincide com uma crise
de identidade nacional.
Porém, não existem motivos para descartar seus princípios
fundadores: “a identificação explícita das culturas vividas como
um objeto distinto de estudo, o reconhecimento da autonomia e
complexidade das formas simbólicas em si mesmas; a crença de
que as classes populares possuíam suas próprias formas culturais,
dignas do nome, recusando todas as denúncias, por parte da chamada alta cultura, do barbarismo das camadas sociais mais baixas; e a insistência em que o estudo da cultura não poderia ser
confinado a uma disciplina única, mas era necessariamente inter,
ou mesmo anti, disciplinar”, tão bem sumarizados por Schwarz
(1994, p. 380) –, pois estes princípios revelaram-se instigantes
nestes últimos trinta anos. A rápida expansão dos estudos culturais em parte é atribuída aos mesmos.
Entretanto, seria demasiado ingênuo explicar sua emergência somente em termos do trio fundador e de seus textos-chave,
tendo em vista os questionamentos existentes a esse respeito. Contudo, faz-se necessário reconhecer que existem desacordos entre
os considerados “pais fundadores” dos estudos culturais: Williams, Thompson e Hoggart. Porém, para a constituição dos estudos culturais é mais significativo destacar os pontos de vista
compartilhados entre eles.
É importante ressaltar, então, que os três autores citados
como os fundadores deste campo de estudos, embora não tenham uma intervenção coordenada entre si, revelam um leque
comum de preocupações que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.
O que os une é uma abordagem que insiste em afirmar que através
da análise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e as
31
práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o
comportamento padronizado e as constelações de idéias compartilhadas pelos homens e mulheres que produzem e consomem os textos e as práticas culturais daquela sociedade. É uma
perspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a produção ativa
da cultura, ao invés de seu consumo passivo”. (STOREY, 1997, p. 46,
grifo meu)
É possível apontar, a partir daí, duas grandes reorientações
na análise cultural proposta pelos estudos culturais: o padrão estético-literário de cultura, ou seja, aquilo que era considerado “sério” no âmbito da literatura, das artes e da música passa a ser
visto apenas como uma expressão da cultura. Esta refere-se, então, a um amplo espectro de significados e práticas que move e
constitui a vida social. O fato de se alargar o conceito de cultura,
incluindo práticas e sentidos do cotidiano, propiciou, por sua vez,
uma segunda mudança importante: todas as expressões culturais
devem ser vistas em relação ao contexto social das instituições,
das relações de poder e da história.
Tendo como ponto de partida um conjunto de proposições
que à primeira vista mostra-se tão amplo quanto aberto a entendimentos diversos, Hall (1996a, p. 263) reivindica manter sua pluralidade, mas simultaneamente estabelece um fio condutor:
Ainda que os estudos culturais, como um projeto, estejam em
aberto, não podem ser simplesmente pluralistas desta maneira.
Recusam-se, sim, a ser um discurso dominante ou um metadiscurso
(grifo meu) de qualquer espécie. Constituem, sim, um projeto
sempre aberto àquilo que ainda não conhece, àquilo que ainda
não pode identificar. Porém, tal projeto possui, também, um certo
desejo de conectar-se, um balizamento nas escolhas que faz. Portanto, realmente fará diferença interpretarem-se os estudos culturais como sendo uma coisa ou outra.
Conclui-se que, se a versão britânica sobre as origens e constituição deste projeto não apresenta implicitamente uma posição
teórica unificada, também, não está composta por um conjunto
tão díspar que não apresente uma unidade. Indagar-se sobre “a
unidade na diferença” (GROSSBERG, 1993) é reconhecer que esta
32
responde, em parte, a condições particulares – a um contexto
intelectual, político, social e histórico específico.
As peculiaridades do contexto histórico britânico, abrangendo da área política ao meio acadêmico, marcaram indelevelmente o surgimento deste movimento teórico-político. Os estudos
culturais ressaltaram os nexos existentes entre investigação e formações sociais onde se desenrola a própria pesquisa. “Os estudos culturais não dizem respeito apenas ao estudo da cultura.
Nunca pretenderam dizer que a cultura poderia ser identificada
e analisada de forma independente das realidades sociais concretas dentro das quais existem e a partir das quais se manifestam”
(BLUNDELL ET AL., 1993, p. 2).
Em primeiro lugar, deve-se acentuar o fato de que os estudos
culturais britânicos devem ser vistos tanto do ponto de vista político, na tentativa de constituição de um projeto político, quanto
do ponto de vista teórico, isto é, com a intenção de construir um
novo campo de estudos. “[...] Não se pode entender um projeto
artístico e intelectual sem entender, também, sua formação; sem
entender que a relação entre um projeto e uma formação é sempre
decisiva; e que [...] a ênfase dos estudos culturais está precisamente no fato de que eles se ocupam de ambas as concepções”
(WILLIAMS, 1996, p. 168). A partir desta dupla agenda é que os
estudos culturais britânicos devem ser pensados.
Do ponto vista político, são sinônimos de “correção política” (JAMESON, 1994), podendo ser identificados com a política
cultural dos vários movimentos sociais da época de seu surgimento. Por essa razão, sua proposta original é considerada por alguns
como mais política do que analítica.
Autores como Michael Green (1995) apontam como motivo
primordial para o surgimento dos estudos culturais britânicos uma
condensação política em torno de um conjunto de novos e compartilhados temas de interesse que convergiram com o momento
de emergência da New Left. “[...] os estudos culturais oferecem
um espaço no qual se pode explorar – e refletir sobre – uma variedade de questões políticas, e jamais negaram que sua agenda tem
dimensões políticas e não pode ser ‘objetiva’”, afirma Green. (1995,
p. 229).
33
A titulo de ilustração, os estudos culturais australianos, como
os britânicos, também, são vistos como decorrentes de uma conjuntura política.
A questão aqui, contudo, é simplesmente o fato de que os estudos
culturais australianos não apenas foram uma resposta aos movimentos políticos e sociais das últimas três décadas (o que pode ser
dito em relação aos estudos culturais como projeto geral), mas
também produziram muitos de seus temas, suas prioridades de
pesquisa, suas polêmicas e, de certa forma, sua ênfase teórica e seus
principais métodos de trabalho, a partir de um engajamento com
estes movimentos. (Frow e Morris, 1996, p. 351)
Pela perspectiva teórica, resultam da insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo, então, a inter/trans ou,
ainda para alguns, a antidisciplinaridade.9 Isto não impediu, entretanto, que em alguns lugares tenham se institucionalizado.10
Os estudos culturais não configuram uma “disciplina” mas
uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade. A área, então, segundo um
coletivo de pesquisadores do Centro de Birmingham que atuou,
principalmente, nos anos 70, não se constitui numa nova disciplina, mas resulta da insatisfação com algumas disciplinas e seus
próprios limites (HALL ET AL, 1980, p. 7). É um campo de estudos em que diversas disciplinas se interseccionam no estudo de
aspectos culturais da sociedade contemporânea, constituindo um
trabalho historicamente determinado.
Em análises que tentam mapear o centro de atenção deste
campo, enfatiza-se seu diálogo entre disciplinas: “Os estudos culturais são um campo interdisciplinar onde certas preocupações e
métodos convergem; a utilidade dessa convergência é que ela nos
propicia entender fenômenos e relações que não são acessíveis
através das disciplinas existentes. Não é, contudo, um campo unificado” (TURNER, 1990, p. 11).
Em termos de disciplinas, no seu primeiro momento de formação, o encontro entre Literatura Inglesa, Sociologia e História
propiciou pensar uma conexão entre três níveis distintos. A primeira contribuiu com a preocupação com as formas culturais
34
populares, assim como com textos e textualidades, estes últimos
podendo estar situados além da linguagem e literatura;11 à sociologia atribui-se o exame da reprodução estrutural e da subordinação e da história vem o interesse da “história de baixo” e, também,
o reconhecimento da história oral e da memória popular.
Entretanto, é preciso ressaltar que, na sua fase inicial, os fundadores desta área de pesquisa tentaram não propagar uma definição absoluta e rígida de sua proposta. Nas palavras de Stuart Hall,
o órgão de divulgação do Centro – Working Papers in Cultural Studies12 – não deveria preocupar-se em “[...] ser um veículo que defina o alcance e extensão dos estudos culturais de uma forma definitiva
ou absoluta. Nós rejeitamos, em resumo, uma definição descritiva
ou prescritiva do campo” (HALL, 1980a, p. 15).
Na realidade, os estudos culturais britânicos se constituem
na tensão entre demandas teóricas e políticas. Embora sustentem
um marco teórico específico (não obstante, heterogêneo), amparado principalmente no marxismo, a história deste campo de
estudos está entrelaçada com a trajetória da New Left, de alguns
movimentos sociais (Worker’s Educational Association, Campaign for Nuclear Disarmament, etc.) e de publicações – entre
elas, a New Left Review – que surgiram em torno de respostas
políticas à esquerda. Ressalta-se seu forte laço com o movimento de educação de adultos.
A multiplicidade de objetos de investigação também caracteriza os estudos culturais. Resulta da convicção de que é impossível
abstrair a análise da cultura das relações de poder e das estratégias
de mudança social. A ausência de uma síntese completa sobre os
períodos, enfrentamentos políticos e deslocamentos teóricos contínuos de método e objeto faz com que, de forma geral e abrangente,
o terreno de sua investigação circunscreva-se aos temas vinculados
às culturas populares e aos meios de comunicação de massa e, posteriormente, a temáticas relacionadas com as identidades, sejam
elas sexuais, de classe, étnicas, geracionais etc. Mas é necessário
esperar até os anos 70, principalmente, com a implantação da publicação periódica dos Working Papers, para que a produção científica do Centro passe a ter visibilidade e repercussão.
35
Numa tentativa de reconstituir uma narrativa histórica sobre
os interesses e temáticas que predominaram neste campo de estudos, podem-se identificar alguns momentos bem diferenciados.
No início dos anos 70, o desenvolvimento mais importante concentrou-se em torno da emergência de várias subculturas que pareciam resistir a alguns aspectos da estrutura dominante de poder.
E, a partir da segunda metade dessa mesma década, percebe-se a
importância crescente dos meios de comunicação de massa, vistos não somente como entretenimento mas como aparelhos ideológicos do Estado.
Nessa época, os estudos das culturas populares pretendiam
responder a indagações sobre a constituição de um sistema de valores e de um universo de sentido, sobre o problema de sua autonomia e, também, como esses mesmos sistemas contribuem para a
constituição de uma identidade coletiva e como se articulam as
dimensões de resistência e subordinação das classes populares.13
Já o estudo dos meios de comunicação caracterizava-se pelo
foco na análise da estrutura ideológica, principalmente, da cobertura jornalística. Esta etapa foi denominada por Hall (1982) de
“redescoberta da ideologia”, sendo que uma das premissas básicas desta fase pressupunha que os efeitos dos meios de comunicação podiam ser deduzidos da análise textual das mensagens emitidas
pelos próprios meios.
Ainda nessa década, a temática da recepção e a densidade
dos consumos mediáticos começam a chamar a atenção dos pesquisadores de Birmingham, ou melhor, do CCCS. Este tipo de
reflexão acentua-se a partir da divulgação do texto “Encoding and
decoding in the television discourse”,14 de Stuart Hall, publicado
pela primeira vez em 1973. Desencadeado um processo de deslocamento do olhar, dentro do espectro dos estudos culturais, começam a aparecer outras produções: David Morley publica “Texts,
readers, subjects” (1977-1978) e, logo em seguida, algumas pesquisas empíricas começam a tomar corpo.
Depois de um período de preocupação com análises textuais
dos meios massivos, tais estudos de audiências começam a ser
desenvolvidos como uma tentativa de verificar empiricamente tanto
as diversas leituras ideológicas construídas pelos próprios pesqui36
sadores quanto as posições assumidas pelo receptor.15 Porém, é na
segunda metade dos anos 80 e já não mais circunscrito às investigações do CCCS, que se nota uma clara mudança de interesse do
que está acontecendo na tela para o que está na frente dela, ou
seja, do texto para a audiência.
Entretanto, ainda nos anos 70, o trabalho em torno das diferenças de gênero através do feminismo que irrompe em cena, e os
desenvolvimentos em torno da idéia de “resistência”, também
marcam o período. Hall (1992, 1996a) aponta o feminismo como
uma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma prática acumulada em estudos culturais, reorganizando sua agenda em termos bem concretos. Desta forma, destaca sua influência nos
seguintes aspectos: a abertura para o entendimento do âmbito
pessoal como político e suas conseqüências na construção do objeto de estudo dos estudos culturais; a expansão da noção de poder, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido apenas
trabalhada no espaço da esfera pública; a centralidade das questões de gênero e sexualidade para a compreensão da própria categoria “poder”; a inclusão de questões em torno do subjetivo e do
sujeito e, por último, a “reabertura” da fronteira entre teoria social
e teoria do inconsciente – psicanálise.
De forma assumidamente deliberada, Hall (1996a, p. 269)
utiliza a seguinte metáfora sobre a “irrupção” do feminismo nos
estudos culturais e, em especial, na vida intelectual do CCCS:
“Não se sabe, de uma maneira geral, onde e como o feminismo
arrombou a casa. [...] Como um ladrão no meio da noite, ele
entrou, perturbou, fez um ruído inconveniente, tomou a vez, estourou na mesa dos estudos culturais”.
E, em outro lugar, conta como ele e Michael Green, percebendo a importância das questões em torno do feminismo, “convidaram” algumas feministas para destravar essa discussão dentro
do Centro e como esta tomou forma por si própria.
Em um dado momento, Michael Green e eu decidimos experimentar e convidar algumas feministas, que não estavam trabalhando conosco, para vir para o Centro, visando a projetar a questão
do feminismo no interior dele. Assim sendo, a tradicional história
37
de que o feminismo surgiu de dentro dos estudos culturais não é
bem verdadeira. Estávamos muito ansiosos para estabelecer aquele
vínculo, em parte porque nós dois, à época, vivíamos com feministas. Trabalhávamos com estudos culturais, mas mantínhamos uma
conversação com o feminismo. As pessoas pertencentes aos estudos
culturais estavam se tornando sensíveis à política feminista. Sendo
clássicos ‘novos homens’, a verdade é que, quando o feminismo
realmente emergiu de forma autônoma, fomos pegos de surpresa
pela própria coisa que havíamos tentado, de forma patriarcal, iniciar.
Aquelas coisas eram simplesmente muito imprevisíveis. O feminismo, então, realmente irrompeu no Centro, em seus próprios termos, de sua própria e explosiva maneira. Mas não era a primeira vez
que os estudos culturais pensavam sobre política feminista ou se
tornavam cientes dela. (HALL, 1996d, p. 499)16
Embora esta versão não seja bem vista pelas feministas, tanto
as do CCCS quanto as que trabalham com estudos culturais, vale
a pena resgatá-la. Representando as feministas e em oposição ao
relato de Hall, Brunsdon (1996) nomeia como importantes na
reconstituição desta trajetória trabalhos produzidos a partir de
1974, demonstrando assim a existência deste nicho de interesses
dentro do Centro.
O artigo mimeografado de 1974, ‘Images of women’, de Helen
Butcher, Rosalin Coward, Marcella Evaristi, Jenny Garber, Rachel
Harrison, Janice Winship; o artigo de Jenny Garber e Angela
McRobbie sobre ‘Girls and subcultures’, nos Working Papers in
Cultural Studies de 1975 – Resistance through Rituals e a publicação de 1978 Women Take Issue, todos marcam diferentes disputas
neste campo. [...] Assim, se há uma primeira fase no encontro
entre as feministas e o CCCS, começando, talvez, em 1973-4, eu
sugeriria que seu texto final é a coletânea de 1981, de McRobbie
e McCabe, Feminism for Girls, a qual, em seu uso de ‘feminismo’ e
‘meninas’, sugere uma distância dos anos 70. Este livro marca,
também, o fim da primeira fase com uma percepção muito forte
dos problemas com a categoria ‘mulher’, bem como com a diferença entre (grifo meu) as mulheres. (BRUNSDON, 1996, p. 278)17
É necessário notar que estas primeiras produções aparecem
de forma ainda esparsa. Em 1976, influenciadas pelo Women’s
Liberation Movement, as mulheres do CCCS questionaram sua
38
própria posição dentro do centro de pesquisa e propuseram a
criação de um grupo de estudo somente composto por mulheres. Embora fortemente contestada, essa proposição foi referendada.
Reconstituindo, então, de uma outra forma a história do feminismo no CCCS, Brunsdon (1996, p. 280) nega veementemente a versão paternalista de Hall.
Na primeira vez em que li esta avaliação, eu queria esquecê-la imediatamente. Negá-la, ignorá-la, desconhecê-la – não reconhecer a
agressão ali contida. Não tanto para negar que as feministas do
CCCS, durante os anos 70, haviam feito um poderoso desafio
aos estudos culturais, na forma como estavam constituídos naquele momento e naquele lugar, mas para negar que tivessem acontecido da forma aqui descrita [por Hall].
Nota-se, entretanto, no relato de Brunsdon, a problematização da existência de duas esferas nos estudos culturais: a comum
e ordinária e a feminina/feminista. Mas há um tom de questionamento sobre a propriedade de existir “em separado” uma versão
feminista deste campo de estudos.
Apesar das divergências na reconstituição dessa experiência,
o volume Women Take Issue (1978) é considerado o primeiro resultado prático de maior envergadura na divulgação dos trabalhos
do Women’s Studies Group do CCCS. Na realidade, este seria
originalmente o 110 Working Papers in Cultural Studies, sendo que
nas suas edições anteriores somente pouquíssimos artigos preocupavam-se com questões em torno da mulher.18 Embora somente algumas pesquisadoras estivessem em contato mais intenso com
o Women’s Liberation Movement, que tinha surgido no final dos
60, revelava-se aí uma primeira tentativa de realizar um trabalho
intelectual feminista.
A preocupação original deste coletivo era ver como a categoria “gênero” estrutura e é ela própria estruturada nas formações
sociais. “Argumentávamos que a sociedade deveria ser compreendida, em sua constituição, através da articulação sexo/gênero e
antagonismos de classe, embora algumas feministas priorizassem
a divisão sexual em suas análises” (1978, p. 10).
39
Num primeiro momento, o desafio foi examinar as imagens
das mulheres nos meios massivos (1974) e, a seguir, o debate
travou-se em torno da temática do trabalho doméstico.
Mais especificamente, tal mudança foi vista como uma tentativa de considerar a relação entre classe e subordinação da mulher
em um nível teórico. Porém, de certa forma, tal mudança foi
um passo seguinte ao artigo ‘Images’. Junto à mulher como
objeto sexual, estava a mulher como mãe e dona-de-casa, que
nós entendíamos ser a imagem básica e determinante nos meios
de comunicação. De forma mais geral, este trabalho representava
um engajamento educativo com as difíceis categorias econômicas do
marxismo. (1978, p. 13, grifo meu)
Grande parte da contribuição deste coletivo reside neste último aspecto.
Embora esse livro tenha dado visibilidade a uma produção
intelectual em torno de um projeto feminista, mostrou também as
diferenças e fragilidades existentes no grupo. Mesmo assim, demarcou uma área de atuação com especificidade dentro do campo acadêmico, servindo para delinear novos objetos de estudo.
Somos um grupo de mulheres e homens que produziram, juntos,
este livro com idéias diferentes do que é e deveria ser o trabalho
intelectual feminista. Isso depende parcialmente da maneira pela
qual entendemos ‘feminismo’ e ‘trabalho intelectual’ como práticas políticas (e de suas relações).Todos consideramos que o trabalho intelectual feminista é um engajamento, tanto intelectual
quanto político, no âmbito do próprio trabalho intelectual. Possuímos opiniões diferentes, porém, em relação a se isso é, em si, uma
prática política adequada, e se a adequação política é um critério
relevante e direto para o trabalho intelectual. Quanto ao relacionamento entre marxismo e feminismo, temos abordagens diferentes
em termos de prática política. Divergimos sobre o que o feminismo é, no que concerne aos homens poderem ou não ser feministas. Além disso, nossas opiniões também são diferentes quanto à
idéia de devermos estar nos dirigindo primordialmente a homens
ou mulheres, e se é possível nos dirigirmos a ambos simultaneamente, nos mesmos termos. (1978, p. 13)
40
É dessa forma que se estabelece o encontro com a produção
feminista. Apesar da polêmica em torno da forma como tal se
efetuou, este foco de atenção propiciou novos questionamentos
em redor de questões referentes à identidade, pois introduziu novas
variáveis na sua constituição, deixando-se de ver os processos de
construção da identidade unicamente através da cultura de classe
e sua transmissão geracional.
Na avaliação da Michael Green, “se há um tema que possa
ser identificado na primeira fase dos estudos culturais, é o da
cultura como espaço de negociação, conflito, inovação e resistência dentro das relações sociais das sociedades dominadas pelo poder
e fraturadas por divisões de gênero, classe e raça” (GREEN, 1996b,
p. 125). Em suma, no período de maior evidência do CCCS acrescenta-se ao seu interesse pelas subculturas às questões de gênero
e, logo em seguida, as que envolvem raça e etnia.19 Além, é claro,
como já foi anotado, a atenção sobre os meios de comunicação.
A partir dos anos 80, há indícios de que a importância do
CCCS como pólo de difusão da proposta dos estudos culturais
começa a arrefecer, isto é, começa a ser observada uma força de
descentralização. Durante esse processo, nota-se a expansão do
projeto dos estudos culturais para outros territórios, para além da
Grã-Bretanha, ocorrendo mutações importantes, decorrentes, principalmente, de uma observação sobre a desestabilização das identidades sociais, ocasionada, sobretudo, pela aceleração do processo
de globalização. O foco central passa a ser a reflexão sobre as
novas condições de constituição das identidades sociais e sua recomposição numa época em que as solidariedades tradicionais
estão debilitadas. Enfim, trata-se de uma ênfase à dimensão subjetiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos
– ‘New Times’ (HALL, 1996g).
Armand Mattelart e Eric Neveu (1997, p. 131) sugerem que
um dos fatores- chave nesta orientação se refere a uma redefinição das modalidades de análise dos meios de comunicação social.
“Se existiu uma ‘virada’ no início da década dos anos 80, consistiu em prestar uma atenção crescente à recepção dos meios de
comunicação social, tratando de operacionalizar modelos como o
da codificação-decodificação”.
41
Vale lembrar, no entanto, que a incorporação do modelo de
Hall, num primeiro momento, desembocou em estudos do âmbito do ideológico e do formato da mensagem, sobretudo, da televisiva. Ainda o poder do texto sobre o leitor/espectador domina
esta etapa de análise dos meios, embora desafie a noção de textos
mediáticos enquanto portadores “transparentes” de significados,
rompendo, também, com a concepção passiva de audiência. É
exemplar a esse respeito o trabalho de Morley e Brundson (1978)
sobre o programa Nationwide que a seguir é levado em frente
num estudo específico de audiência (MORLEY, 1980b).
No contexto britânico, a trajetória de pesquisa de David
Morley exemplifica o deslocamento da análise da estrutura ideológica de programas factuais de televisão em direção aos processos
multifacetados de consumo e codificação nos quais as audiências
estão envolvidas. A primeira pesquisa envolveu uma análise detalhada da estrutura interna de uma edição deste programa televisivo de sucesso na época junto à sociedade britânica. Já The Nationwide
Audience (1980b) é um estudo de audiência considerado o marco
inicial de uma área de investigação que se consolida como própria dos estudos culturais.
Assim, aos poucos, nos anos 80 vão definindo-se novas modalidades de análise dos meios de comunicação. Passou-se, então,
à realização de investigações que combinam análise de texto com
pesquisa de audiência. São implementados estudos de recepção
dos meios massivos, especialmente, no que diz respeito aos programas televisivos. Também são alvo de atenção a literatura popular, séries televisivas e filmes de grande bilheteria.20 Todos estes
tratam de dar visibilidade à audiência, isto é, aos sujeitos engajados na produção de sentidos. Também há um redirecionamento
no que diz respeito aos protocolos de investigação. Estes passam
a dar uma atenção crescente ao trabalho etnográfico.
A importância que a etnografia assumiu nas análises da recepção, funcionando como uma forma de relativizar os achados
da tendência anterior marcada pela crítica ideológica, precisa
ser sumariamente avaliada. Ao operar no ponto de encontro
onde determinadas condições sociais transformam-se em condições especificamente vividas, trabalha-se por dentro de frontei42
ras. Nesse estreito espaço, de difícil acesso, corre-se o risco permanente de celebrar as resistências ao reconhecer que as audiências respondem ativamente às formas culturais massivas,
principalmente, se for levado em consideração o trabalho anteriormente executado de “desmistificar, denunciar e condenar” o
poder dos meios sobre a audiência.
Embora seja plausível a consideração de que a audiência
estabelece uma ativa negociação com os textos mediáticos e com
as tecnologias no contexto da vida cotidiana, esse posicionamento pode tornar-se tão otimista que perde de vista a marginalidade do poder dos receptores diante dos meios. A euforia com
a vitalidade da audiência e por sua vez com a cultura popular fez
com que esta fosse entendida como um espaço autônomo e resistente ao campo hegemônico. Algo que aconteceu com várias
das pesquisas dessa época.
No contexto dos estudos de audiência, uma avaliação crítica
dos resultados obtidos nesse tipo de investigação reivindica: “O
que uma etnografia crítica das audiências dos meios de comunicação precisa esmiuçar, então, é a não reconhecida, inconsciente
e contraditória efetividade do hegemônico dentro do popular, as relações de poder que estão inscritas no interior da textura das práticas de
recepção” (ANG, 1996, p. 245). Para tanto, o entendimento da
concepção de hegemonia não pode permanecer no nível teóricoabstrato. É necessário dar conta de alcançar um sentido concreto
das forças hegemônicas que regem o mundo atual. A mesma autora conclui: “Precisamos ir além dessas conceitualizações paradigmáticas de hegemonia e desenvolver um sentido de hegemonia
mais específico, concreto, contextual, em resumo, mais etnográfico” (grifo meu). Posição semelhante é reivindicada por McRobbie (1992, 1994).
Nos anos 90, este leque de investigações sobre a audiência
procura ainda mais enfaticamente capturar a experiência, a capacidade de ação dos mais diversos grupos sociais vistos, principalmente, à luz das relações da identidade com o âmbito global,
nacional, local e individual. Questões como raça e etnia, o uso e a
integração de novas tecnologias como o vídeo e a TV, assim como
seus produtos na constituição de identidades de gênero, de classe,
43
bem como as geracionais e culturais, e as relações de poder nos
contextos domésticos de recepção, continuam na agenda, principalmente, das análises de recepção.21 Destacam-se, como ênfases
mais recentes neste tipo de estudo, os recortes étnicos e a incorporação de novas tecnologias. Em relação às estratégias metodológicas, estas redundam na etnografia e na observação participante
embora possam parecer mais diversificadas – (auto)biografias,
depoimentos, histórias de vida.
De maneiras variadas, esses estudos de audiências estão preocupados em situar as leituras e práticas dos meios de comunicação dentro de redes complexas de determinações, não apenas dos textos,
mas também daqueles determinantes estruturais mais profundos,
como classe, gênero e, ainda, em menor grau, raça e etnia. Estes
estudos também iluminam os caminhos em que se intersectam e
são vividos os discursos públicos e privados, nas práticas rotineiras e íntimas da vida cotidiana. Além disso, a maioria reflete sobre
os métodos de pesquisa e, especialmente, sobre a localização do
pesquisador ou pesquisadora em seu estudo [...]. Desta forma,
apesar de sua pequena escala, cada um deles, de maneiras diferentes, coloca questões mais amplas de estrutura e atuação dentro
do mundo socialmente estruturado das práticas e da subjetividade, e muitos refletem sobre o contexto institucional da própria
pesquisa. (GRAY, 1999)
Enfim, estes estudos dos anos 90 revelam alguns dos objetivos que, com diferentes ênfases, continuarão sendo perseguidos
pela linha de investigação de audiências. Ainda é cedo para elaborar um balanço deste último período, é possível apenas identificar
as tendências recém citadas.
Aqui se enfatizou esta orientação na análise dos meios de
comunicação de massa – a recepção – porque a finalidade é refletir sobre a comunicação mediática como clivagem dentro do amplo espectro proposto pelos estudos culturais. Tal fato, de forma
alguma, implica restringir o objeto de estudo deste campo em
torno desta temática. Ao contrário, cada vez mais o objeto de
investigação se diversifica e se fragmenta. Contudo, no ponto de
encontro destas duas frentes, comunicação e estudos culturais,
44
identifica-se uma forte inclinação em refletir sobre o papel dos
meios de comunicação na constituição de identidades, sendo esta
última a principal questão deste campo de estudos na atualidade.
Resta dizer que, se originalmente os estudos culturais podem ser considerados uma invenção britânica, hoje, na sua forma
contemporânea, tornaram-se uma problemática teórica de repercussão internacional. Não se confinam mais à Inglaterra e Europa
nem aos Estados Unidos, tendo se alastrado para a Austrália, Canadá, Nova Zelândia, América Latina e também para a Ásia e
África22. E é especialmente significativo afirmar que o eixo anglosaxão já não exerce mais uma incontestável liderança desta perspectiva. A observação contemporânea de um processo de
estilhaçamento do indivíduo em múltiplas posições e/ou identidades transforma-se tanto em tema de estudo quanto em reflexo do
próprio processo vivido atualmente por este campo: descentrado
geograficamente e múltiplo teoricamente.
A CONSTRUÇÃO DE UMA NARRATIVA
OU UMA VERSÃO LATINO-AMERICANA
No han sido sólo los paradigmas, sino los
tercos hechos, los procesos sociales de América Latina,
los que nos están cambiando el ‘objeto’ de
estudio a los investigadores de comunicación.
Jesús Martín-Barbero
A partir do panorama histórico, esboçado anteriormente,
sobre o surgimento dos estudos culturais na Inglaterra, aponta-se
como entendimento-síntese para o termo sua ênfase à ação social.
Relacionada com essa marca, identifica-se, também, como característica fundamental dessa perspectiva, a importância dada ao
contexto, o foco localizado e historicamente específico, a atenção
às especificidades e particularidades articuladas a uma conjuntura
histórica determinada, produzindo, então, uma teoria engajada
nas diferenças culturais. Tudo isso relacionado à pertinência da
investigação de práticas e formas simbólicas que tinham sido, até
aquele momento – virada dos anos 50 para os 60, excluídas da
45
esfera cultural ou que não eram vistas com suficiente legitimidade
cultural para tornarem-se objeto de estudo.
Dessa forma, os estudos culturais na América Latina, assim
como os da Austrália, Canadá e Estados Unidos, entre outros,
também têm um desenvolvimento singular. Destaco, pois, essas
peculiaridades tendo como ponto de partida a tradição britânica,
mas sem excluir outras versões de estudos culturais. Delineio,
também, o contexto em que emergem os estudos culturais latinoamericanos a fim de oferecer um mapa provisório onde se localiza, insere-se e tem suas raízes uma determinada proposta de análise
cultural da comunicação.23 Destacam-se, assim, tendências gerais
de tal proposta, sendo que algumas, embora não tenham relação
direta com os dois autores latino-americanos estudados neste livro, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero, estendem
sua abrangência à perspectiva como um todo.
Apesar de suas singularidades, existem afinidades entre um
corpo teórico-metodológico de análise cultural que emerge nos
anos 80 neste contexto particular e um movimento que germina
na Inglaterra, no final dos anos 50, e vai se espraiando. Isso
ajuda a esclarecer posicionamentos assumidos por intelectuais
latino-americanos num conjunto de trabalhos em relação a um
debate internacional efervescente que vem ocorrendo no último
período, bem como permite mostrar sua contribuição particular
aos impasses, questionamentos e críticas ao desenvolvimento dos
estudos culturais.
Diante de uma certa resistência em definirem-se como praticantes de estudos culturais, é somente nos anos 90, e de forma
ainda bastante tímida, que alguns poucos pesquisadores latinoamericanos começam a identificar-se – ou ser identificados por
investigadores estrangeiros que tomam a América Latina como
objeto de estudo – com esta perspectiva.24 Se o receio é de que
essas afinidades descaracterizem a independência e autonomia da
perspectiva latino-americana, afirma-se que, ao contrário, revelam integração e sintonia com um movimento teórico maior e um
diálogo frutífero com o que ocorre além das fronteiras do território latino-americano. Sem que isso indique vassalagem ou xenofobia da América Latina a modas teóricas das metrópoles.
46
As indicações de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini como figuras-chave na constituição da perspectiva dos estudos culturais em solo latino-americano são unânimes nos relatos
encontrados (Davies, 1995; Golding e Ferguson, 1997; Fox, 1997;
O’Connor, 1991; Yúdice, 1993b; Lull, 1998; López de la Roche,
1998). Outros nomes vão somando-se: Carlos Monsiváis, Jorge
González, Guillermo Gómez Orozco, Rossana Reguillo (México); Guillermo Sunkel, José Joaquín Bruner (Chile); Renato Ortiz (Brasil); Beatriz Sarlo, Aníbal Ford (Argentina); Rosa Maria
Alfaro (Peru), entre outros.
De forma ainda genérica, toma-se, como ponto de partida, a
análise de formas culturais contemporâneas num determinado estágio do capitalismo, formulando respostas particulares à inserção das indústrias culturais na vida cotidiana. O que a Inglaterra
experiencia, no final dos anos 50, a América Latina passa a vivenciar acentuadamente nos anos 70.25
Em meados da década de 80, a configuração da pesquisa
em comunicação revela nítidos sinais de mudança, que têm
origem não somente em deslocamentos internos ao próprio
campo, mas, também, num movimento mais abrangente das
ciências sociais como um todo. O debate sobre a modernidade, o horizonte marxista vigente na época e a questão da globalização obrigaram a repensar a trama teórica vigente. “Os
deslocamentos com os quais se buscará refazer conceitual e
metodologicamente o campo da comunicação virão do âmbito
dos movimentos sociais e das novas dinâmicas culturais, abrindo, dessa forma, a investigação para as transformações da experiência social” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 29).
Levando em consideração esse pano de fundo, os estudos
culturais questionam a produção de hierarquias sociais e políticas
a partir de oposições entre tradição e inovação, entre a grande
arte e as culturas populares, ou, então, entre níveis de cultura –
por exemplo, alta e baixa, cultura de elite e cultura de massa. A
conseqüência natural desse debate é a revisão dos cânones estéticos ou mesmo de identidades regionais e nacionais que se apresentam como universais ao negarem ou encobrirem determinações
de raça, gênero e classe.
47
Tal tipo de análise, a exemplo da tradição britânica dos estudos culturais, traz a marca da multidisciplinaridade ou o sentimento de que o suporte de uma única disciplina não dá conta da
complexidade do momento em foco. “Mais decisiva, sem dúvida,
que a tematização explícita de processos ou aspectos da comunicação nas disciplinas sociais é a superação da tendência a destinar
os estudos de comunicação a uma disciplina e a consciência crescente de seu estatuto transdisciplinar” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p.
29), o que pode ser ilustrado, ainda que distante da representatividade de uma hegemonia teórico-metodológica, com a obra de
Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini.
O primeiro inicia sua trajetória na filosofia. Passa um período trabalhando com semiótica e, posteriormente, chega às relações entre comunicação e cultura. A partir de um curso de
semiótica, ministrado na Universidad del Valle (Cali-Colômbia),
no início da década de 70, com o propósito de propiciar ferramentas que permitissem aos estudantes entender os processos de
comunicação cotidiana, foi aproximando-se e formulando uma
metodologia que permitia relacionar o estudo da significação, ou
melhor, “a produção do sentido com os próprios sentidos” (grifo
meu). Dessa forma, passou a repensar a comunicação a partir das
práticas sociais.
Dei-me conta da necessidade que existia de uma teoria que não se
restringisse ao problema da informação. Não obstante, percebia a
importância capital que havia adquirido a informação na sociedade; via, também, que para a imensa maioria das pessoas a comunicação não se esgotava nos meios. […] O problema não era de falta
de lógica ou coerência a uma teoria pensada em termos de emissor,
mensagem, receptor, código, fonte… O problema era que tipos de
processos comunicativos podiam ser pensados a partir daí. Onde
estava o emissor numa festa, num baile, num sacramento religioso?, questionava-me. Onde estavam a mensagem e o receptor? O
que existia de comunicação numa prática religiosa não tinha mais
a ver com outros modos, com outras dimensões da vida, com
outras experiências que desbordam por completo as explicações
da teoria da informação? Foi aí que percebi com clareza que falar
de comunicação era falar de práticas sociais e que, se queríamos
48
responder a todas essas perguntas, tínhamos que repensar a comunicação a partir dessas práticas. (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 14)
O percurso acadêmico de Néstor García Canclini também
tem sua base fundamental na filosofia. Entretanto, na sua trajetória, este campo de conhecimento aparece sempre tecendo relações com outros territórios disciplinares, principalmente, das
ciências sociais. “Na Argentina, trabalhei com questões relacionadas à sociologia da arte, e, mais tarde, minha atenção voltou-se
à antropologia e à literatura, até minha chegada ao México. Então, como se pode ver, minha atenção voltava-se principalmente
aos textos (grifo meu). Contudo, desde minha chegada ao México,
comecei a me envolver muito mais com o trabalho de campo (grifo
meu), primeiro em Michoacán, depois na Cidade do México,
Tijuana e em outros lugares. Para mim, deveria haver um diálogo
constante entre as duas dimensões [teoria e pesquisa empírica]”
(GARCIA CANCLINI citado por MURPHY, 1997, p. 81).
Embora possa ser dito que desde seu início os estudos dos
meios massivos tenham tido uma inflexão multi ou interdisciplinar26, a combinação construída pelos estudos culturais é particular. Os estudos culturais propõem um olhar interdisciplinar que
entende os processos culturais como interdependentes e não como
fenômeno isolado, como é a prática usual da maioria das disciplinas. Essa interdependência caracteriza uma relação dinâmica
com outras esferas, principalmente com a estrutura ou os processos produtivos.
O interesse central dos estudos culturais é perceber as intersecções entre as estruturas sociais e as formas e práticas culturais.
Assim, a análise dos meios de comunicação pelo prisma dessa
perspectiva, na América Latina, é vista como comunicação, mas
em relação à cultura e aos processos políticos, isto é, como parte
da problemática do poder e hegemonia. Daí a razão de observar
os processos de comunicação com uma forte referência nas ciências sociais, constituindo uma vertente singular de estudos culturais com forte atenção na base social dos processos culturais27 .
Foi se constituindo, então, uma preocupação fundamentalmente
sociológico-cultural.
49
Esse traço não impediu, no entanto, que o locus de surgimento dos estudos culturais latino-americanos seja o ambiente acadêmico. Mas mesmo aí seu espaço é relativamente precário em
comparação com o rápido processo de institucionalização que
ocorreu na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, para citar os casos mais conhecidos. Na América Latina,
eles sobrevivem como uma tendência dentro de um departamento
acadêmico através de posicionamentos isolados ou de um coletivo
de pesquisadores, outras vezes como linha de pesquisa de programas de pós-graduação ou mesmo como projetos de investigação
interdisciplinar.28
Embora a vertente latino-americana tenha emergido e se localizado preferencialmente no âmbito acadêmico, surge entrelaçada com um momento conjuntural de redemocratização da
sociedade e de observação intensa da ação dos movimentos sociais
da época. As profundas alterações que vêm ocorrendo na vida
social dirigem o olhar dos intelectuais que individualmente têm
elaborado análises críticas sobre a vida social e cultural contemporânea. É esse tipo de engajamento político que se dá nos estudos
culturais latino-americanos e os diferencia tanto do momento inicial da vertente britânica quanto do seu desenvolvimento em solo
norte-americano.29
Além disso, conta também para sua emergência a estruturação de um nexo entre um contexto histórico e as teorias circulantes no campo intelectual, reveladas pelo universo conceitual
utilizado nas pesquisas desse momento. De modo especial, interessa destacar a passagem de um marxismo determinista para um
marxismo de corte gramsciano.
No primeiro, era imperativo explicar e analisar os conflitos
através de uma única contradição: a diferença de classe. Isso impedia de pensar a pluralidade de matrizes culturais, a diversidade cultural. A flexibilização dessa lógica permitiu o redesenho das relações
entre cultura e classe social. O redefinido é tanto o sentido de cultura quanto o de política, permitindo (re)descobrir as culturas populares e a constituição de identidades.30 Isso em grande medida se
deve à incorporação de parte do pensamento gramsciano.
50
Enfim, para abordar a constituição do objeto de estudo desta
perspectiva, é válido resgatar as principais marcas da pesquisa em
comunicação, registradas num passado bem próximo. Inúmeros
autores trabalham na sistematização das tendências da pesquisa
neste campo. Aqui, apenas recupero marcas que trazem uma forte conexão e desembocam na constituição da perspectiva dos estudos culturais.31
Num sintético balanço da pesquisa em comunicação na América Latina, quatro grandes áreas de análise surgem como marcantes:
Influência da política econômica internacional no desenvolvimento
cultural dependente; Políticas dos meios de comunicação e, sobretudo, a democratização da comunicação; Comunicação popular/alternativa como base da democratização da comunicação; Papel dos meios
massivos na transformação das culturas nacionais. As três primeiras
são marcantes de um período mais ou menos definido entre 1970 e
início dos 80.32 A quarta problemática passa a ser mais desenvolvida
a partir de meados dos 80.
Alterações do contexto sócio-político-econômico que tomam
forma ainda na década de 70 contribuem para que surja essa última
tendência na pesquisa em comunicação. No nível regional, a repressão desencadeada pelos governos militares, que proliferaram
nessa época na América Latina, e a posterior articulação da sociedade civil em combate ao autoritarismo e, no nível internacional, o
próprio momento histórico e a movimentação do campo intelectual, no que se refere às formas de pensar a cultura, desestabilizaram
as teorias dominantes na pesquisa em comunicação.
Um fator que contribuiu de forma imperativa para a reavaliação dos modelos de análise foi a atenção que mereceu a efervescência do meio social latino-americano. Expandiram-se movimentos
sociais que levaram adiante lutas contra a repressão e a discriminação e, também, mobilizações dos setores populares da sociedade
que lutavam pela apropriação de bens e serviços e pressionavam o
sistema político a atender suas demandas sociais.
Essas mobilizações e tais movimentos sociais politizaram
questões antes consideradas privadas, introduzindo uma série
de mudanças na vida cotidiana das pessoas (cf. CARDOSO, 1985;
51
GARCÍA CANCLINI, 1985). A novidade dessas lutas populares revelou-se no âmbito do sociopolítico ao compor um quadro de lutas
pelo direito de organização e de participação, fissurando o poder autoritário.
Associações comunitárias, clubes de mães e de jovens, comunidades eclesiais de base, movimentos em defesa da moradia,
do meio ambiente, dos direitos humanos, o movimento feminista, o negro e outros de existência bem localizada fizeram com que
o campo das reivindicações se ampliasse. Passaram a entrar em
cena interesses que extrapolavam o mundo estrito do trabalho,
despertando outras dimensões da cultura.
O surgimento desses novos atores sociais colocou em xeque a
cultura política tradicional. O reconhecimento dessas experiências
coletivas, que incluíam práticas do viver cotidiano e interesses situados num campo mais vasto do que o da produção, renovaram o
âmbito do político.
Diante dessa conjuntura política e cultural, fez-se necessário
abandonar uma concepção de transnacionalização como mera estratégia de imposição cultural que desconhecia os modos de apropriação e ressignificação das mensagens hegemônicas, isto é, os
usos que os diversos grupos sociais fazem dos meios e dos produtos massivos. Assim, a investigação exemplificada pela teoria da
dependência cultural e leitura ideológica das mensagens dos meios de comunicação passou a ser questionada na passagem dos
anos 70 para os 80.
Nos anos oitenta, no plano econômico-social, nota-se uma
alteração no desenvolvimento do capitalismo em que se ressalta a
globalização econômica. O plano político sente os efeitos desse
fenômeno, mas, também, emergem aí novas experiências que surgem dos processos de redemocratização da América Latina, isto
é, há um reconhecimento de experiências coletivas não enquadradas em formas partidárias.33 No plano cultural, verifica-se a consolidação de um mercado de bens simbólicos tanto nas fronteiras
nacionais quanto nas relações que se estabelecem com as demais
indústrias culturais, da América Latina e fora dela, ou seja, manifesta-se a globalização cultural.
52
Na convergência do processo de globalização com o movimento de profunda transformação do político, uma valorização
diferente do que pode ser considerado cultural germina. Tal panorama problematiza a idéia de dominação, vigente até o momento,
e traz conseqüências para a discussão da questão da identidade da
América Latina.
E mais: “é a própria categoria de fronteira a que perdeu suas
referências e com ela a idéia de nação que inspirou toda uma
configuração do cultural” (MARTÍN-BARBERO, 1995b, p. 173). É
nesse contexto de crise do âmbito da Nação, da identidade e de
paradigmas, em especial aqueles fundamentados em “grandes narrativas”, que emerge uma nova valorização do cultural. Esse deslocamento abrange toda a América Latina, resguardadas as
particularidades de cada nação. De toda forma, é dentro desse
espectro que se inicia a configuração de um olhar que vê a comunicação na cultura e se associa aos estudos culturais.
Na avaliação de Martín-Barbero (1989a, p. 22), essa proposta, ainda que não assuma propriamente a denominação de estudos culturais, tem como eixo:
a apropriação, isto é, a ativação da competência cultural das pessoas, a socialização da experiência criativa e o reconhecimento das
diferenças, isto é, a afirmação da identidade que se fortalece na
comunicação – feita de encontro e conflito – com o outro. A
comunicação na cultura deixa, então, de ter a figura do intermediário entre criadores e consumidores, para assumir a tarefa de
dissolver essa barreira social e simbólica, descentrando e desterritorializando as próprias possibilidades da produção cultural e
seus dispositivos.
Em outras palavras, isso significa deslocar a idéia de cultura
do âmbito estrito da reprodução para o campo dos processos constitutivos e transformadores do social. O desafio para os investigadores da comunicação é, portanto, construir um discurso – a partir
da comunicação – sobre os sujeitos sociais e suas práticas. Embora isso não signifique defender uma posição disciplinar (ou seja,
da comunicação enquanto disciplina) nem desconhecer a tendência crescente de multidisciplinaridade.
53
No final da década de 80, Martín-Barbero (1989b) reavalia a
movimentação das problemáticas de pesquisa no campo da comunicação, salientando a configuração de três grandes áreas: políticas,
tecnologias e democracia; indústrias culturais, transnacionalização
e culturas populares; e meios, públicos e usos. Nesse momento, um
olhar transversal já aponta para pontos de contato entre os possíveis
limites destas linhas de investigação, desmoronando as fronteiras
antes construídas. De outro lado, estas tendências, também, mostram sinais do deslocamento da comunicação para o âmbito da
cultura, rompendo barreiras disciplinares.
Martín-Barbero percebe esse movimento de espraiamento nas
fronteiras do campo da comunicação:
Quando, em 1980, tracei um mapa da investigação latino-americana em comunicação os limites que demarcavam o campo conservavam bastante nitidez. Hoje, quase dez anos depois, as fronteiras,
as contigüidades e as topografias desse campo não são as mesmas
nem estão tão claras. A idéia de informação – associada à inovação
tecnológica – ganha legitimidade teórica e operacionalidade, enquanto a de comunicação faz-se em pedaços ou se desloca e se
aloja em campos vizinhos. (MARTÍN-BARBERO, 1989b, p. 140)
De forma ainda mais enfática, em 1992, concluía: “[…] a
problemática da comunicação desborda hoje as divisas e os esquemas de nossos planos de estudo e de nossas investigações. O campo que, até bem pouco, tinha demarcações acadêmicas nítidas já
não é mais o campo da comunicação. Gostemos ou não, outros a
partir de outras disciplinas e outras preocupações fazem já parte
dele” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 31).
Em síntese, uma nova conjuntura sócio-político-econômica e
cultural, configurada pela globalização do capital e da política, pela
consolidação de indústrias culturais latino-americanas que expandiram, inclusive, sua atuação para além das fronteiras nacionais e
pelo reconhecimento de sujeitos sociais, que compondo formas diferenciadas de mobilização, revelavam plena atividade – embora
essas manifestações não atuassem de modo constante e a diversidade de movimentos indicasse relevâncias distintas (CARDOSO, 1985,
p. 121) –, contribuiu para mostrar que o arsenal teórico dominante
54
no campo da comunicação, na América Latina, não estava afinado para compreender essa realidade.
Desse modo, a experiência do popular vinculada ao espaço
da comunicação foi a protagonista da emergência dos estudos
culturais no contexto latino-americano. Por essa razão, o objeto
preferencial de estudo desta perspectiva se concentra no espaço
do popular, das práticas da vida cotidiana, fortemente relacionado
com as relações de poder e conotação política.34 Esta é uma das
singularidades do processo latino-americano que se revela no acento do viés sócio-cultural. Disciplinarmente evidenciado no triângulo comunicação, sociologia e antropologia.
Toda análise deste gênero corre o risco de tornar-se simplória e reducionista, pois, ao tratar de generalizar, perde de vista as
particularidades. Digo isso com o intuito de, por um lado, acrescentar que esta perspectiva teórica também estabelece relações
com outras disciplinas (por exemplo, história, crítica literária e
política35) e, por outro, com o objetivo de demarcar diferenciais
em relação à formação de outras trajetórias regionais (por exemplo, a britânica, que estabelece no período inicial fortes laços com
a crítica literária).
Ao contrário das trajetórias de estudos culturais que estabeleceram uma forte relação com análises de textos (a britânica, de
certa forma, durante um período, e a norte-americana desde sua
origem) e, portanto, uma relação mais intensa com outro grupo
disciplinar, os latino-americanos tentam, num primeiro momento, gerar competências pertinentes à mudança social. Ou seja,
observa-se uma forte tendência social nos estudos culturais latino-americanos, percebida não só no momento inicial, mas ainda com repercussões na atualidade, embora os laços políticos
venham atenuando-se.
A opção pela análise das práticas sociais do âmbito popular
depois de uma fase de concentração nas leituras ideológicas das
mensagens dos meios de comunicação é um indicativo de compromisso social. Metodologicamente, as estratégias qualitativas de
pesquisa e, fundamentalmente, a etnografia transformaram-se num
instrumento apropriado para levar em frente esta prática de investigação. A partir dos anos 80, nota-se tal ênfase metodológica.
55
Justifica-se essa escolha porque a “etnografia reposiciona a teoria
de acordo com as condições concretas de existência cultural; [e]
processos e negociações modulados através da vida cultural podem ser usados para confrontar e redirecionar a teoria”, diz García Canclini (citado por MURPHY, 1997).
É, ainda, importante salientar, a mudança de enfoque que
ocorreu no início dos anos 80, dentro do campo estratégico de
investigação da comunicação participativa, alternativa ou popular. Esse eixo de pesquisa – a investigação da comunicação popular
– passou a indicar que o alternativo poderia ser alguma coisa
produzida no próprio âmbito dos meios massivos embora, de forma bem ampla, devesse propiciar que os grupos dominados tomassem a palavra.
Martín-Barbero (1984) indica que no espaço do popular poderiam ser identificados: o popular-memória, isto é, a memória de
outra matriz cultural; o popular-massivo, em que o massivo não é
exterior ao popular, remetendo-se a dispositivos de enunciação
popular; e os usos populares do massivo, quando junto com a linguagem do meio se pesquisam os códigos de percepção e reconhecimento, os dispositivos de enunciação popular em que se expressam
confundidos a memória popular e o imaginário de massa.36
É interessante destacar que, do ponto de vista de uma das
referências internacionais da economia-política da comunicação,
os estudos culturais latino-americanos representam “um acréscimo” em relação à prática britânica ou norte-americana, exatamente por perceberem alterações nas relações entre Estados
nacionais, mercados e meios de comunicação.
Na América Latina, os especialistas têm traçado, baseados na adaptação e transformação de uma mistura de produtos culturais populares locais e importados (em grande parte norte-americanos), a
imagem característica da prática cultural popular de seus países.
Muito da pesquisa e da literatura teórica desenvolveu-se como
reação à procura de respostas para questões a respeito dos meios de
comunicação e da democracia, bem como da criação de uma esfera
pública aberta a mais vozes. [...] Evitando velhos dualismos teóricos, no que tange àqueles que detêm o poder e àqueles que não
têm poder nenhum, os estudiosos latino-americanos, tais como
56
García Canclini e Martín-Barbero, propõem categorias analíticas
como o sincretismo, a hibridação e a mestiçagem [...] para clarificar
processos de apropriação, adaptação e vocalização culturais na mediação entre prática cultural, cultura popular, meios de comunicação democráticos e política. (GOLDING E FERGUSON, 1997, p. xvii)
Lembre-se que a proposta teórica latino-americana, que
entende a comunicação como uma questão de cultura, surge
como tentativa de resposta à crise dos paradigmas existentes e,
essencialmente, contra o olhar que reduz a comunicação a explicações causais e funcionais. O clima propício para esta mudança se dá na passagem dos anos 70 para os 80. Na década de
80, tais posicionamentos disputam espaços e vão se afirmando
como uma proposta viável para compreender o papel dos meios,
do Estado, e da cultura popular na sociedade; a relação de todos esses elementos e o processo de constituição da identidade, assim como sua articulação com as forças de globalização e
desterritorialização.
Durante esse período, existe, ainda, um clima bastante politizado em que intelectuais manifestam suas preocupações e tentam exercer um papel político em relação ao debate da identidade
latino-americana e das culturas nacionais. O desafio é produzir
um conhecimento sobre o social que não se traduza somente em
renovação de temas, objetos e métodos, mas, sobretudo, em projetos capazes de relacionar o desenvolvimento da comunicação
com o fortalecimento a solidariedades e ampliação de formas de
convivência cidadã.
Aos poucos, um certo desencanto com a atuação dos governos democráticos, o enfraquecimento do papel do Estado diante
do avanço acelerado do neoliberalismo, a perda de poder do Estado-nação e sua incapacidade de administrar a desigualdade social
crescente, assim como de tratar a heterogeneidade cultural e, de
outro lado, a diluição da polêmica em torno da identidade nacional, vão esmaecendo os laços políticos.
Em termos propriamente de objeto de estudo, é dentro da
temática das culturas populares que começam a ser desenvolvidas
diferentes abordagens da recepção mediática nos anos 80. Estas
configuram o principal ponto de convergência da perspectiva dos
57
estudos culturais, juntamente com o trabalho desenvolvido sobre
o consumo cultural, seja ele observado tanto através de uma visão
mais abrangente de cultura quanto aquela relacionada com os processos de constituição e hibridação das identidades.37 São estas as
tendências preferenciais de investigação dos estudos culturais latino-americanos do final dos anos 80.
Convém, aqui, ressaltar algumas semelhanças e diferenciações
teórico-metodológicas deste desenvolvimento dos de outras trajetórias regionais. Dentro do âmbito dos estudos de recepção, a passagem das análises concentradas ainda no texto para a descoberta do
sujeito-receptor desembocou numa certa obsessão com as “leituras
negociadas”, ocasionando no limite a celebração da resistência do
receptor, antes visto como mero ente passivo. Esta crítica é extensiva tanto as análises latino-americanas quanto às anglo-americanas,
tendo vigência contemporânea também para ambas.
Nos estudos de audiência anglo-americanos, observa-se uma
forte influência do instrumental semiológico que contribui para a
análise da mensagem que está sendo consumida pelos receptores
em foco. Já na América Latina, não há evidências que sinalizem
essa incorporação. Ao contrário, os estudos de recepção, de certa
forma, manifestavam, fundamentalmente, nos anos 80 e início
dos 90, uma crítica contundente a esse instrumental, criando um
ambiente propício para a concentração das análises nos relatos
dos próprios receptores.
A adoção da etnografia como principal estratégia metodológica nos estudos de recepção, tanto no contexto latino-americano
quanto no anglo-americano, transformou-se num ritual implementado na grande maioria das investigações incluídas na perspectiva
dos estudos culturais, o que provoca certas deformações nessa
proposta metodológica.38
A tradição etnográfica tem ligado os estudos culturais a uma
ênfase descritiva e a um certo empirismo. Mesmo assim, a opção etnográfica vem cada vez mais ganhando popularidade mas,
oportunamente, vem se realizando, também, algumas reflexões
metodológicas sobre suas implicações, nas análises de audiência.39 O desafio reside, a despeito desse tipo de posicionamento,
58
em extrapolar e transcender o pensamento que se esgota no dado
empírico (REGUILLO, 1997).
Para os estudos culturais como um todo, interessa, em primeiro lugar, especificar o que caracteriza seu objeto de estudo,
considerado de forma genérica dentro da idéia de “atividade da
audiência”. Esta deve ser vista em relação aos processos e estruturas sócio-políticos, isto é, em relação aos processos estrutural e
cultural através dos quais a audiência é constituída. Desta forma,
a aproximação à “atividade da audiência” está sempre relacionada
com operações do poder social, isto é, como as relações de poder
estão organizadas dentro de práticas diversas e heterogêneas de
consumo dos meios.
Uma outra consideração importante no “fazer” investigação
dentro dos estudos culturais, no âmbito da audiência, é o prevalecimento da idéia de que pesquisar significa construir “interpretações”, certos modos de compreender o mundo, sempre
historicamente localizados, subjetivos e relativos. Levando em
consideração essa premissa, o material obtido diante de práticas
metodológicas etnográficas não pode ser entendido, à moda positivista, como um dado natural. Ressalta-se que muitas vezes tal
princípio não é observado.
Por outro lado, isso tem implicações na posição que o pesquisador assume diante de seu objeto. Nessa situação, o pesquisador já não é mais um observador neutro,
mas alguém cujo trabalho é produzir conhecimentos tanto historicamente quanto culturalmente específicos, que são resultados de um igualmente específico encontro entre o pesquisador e
os informantes, encontro em que a subjetividade do pesquisador não está separada do objeto que estuda. As interpretações
produzidas nesse processo nunca podem ser consideradas definitivas: pelo contrário, são necessariamente incompletas (pois sempre envolvem simplificação, seleção, e exclusão) e temporárias.
(ANG, 1989, p. 105)40
Enfim, o pesquisador é, ele próprio, um sujeito político e
moral, responsável socialmente pelo mundo onde vive. Esta condição coloca-o em interfaces diversas, redirecionando-o a tomar a
59
cultura “como um domínio essencialmente hermenêutico – um
dos ‘discursos’, ‘sentidos’, ‘narrativas’, e assim sucessivamente –
que o crítico não somente ‘estuda’, mas interpreta e até ‘ressignifica’” (LARSEN, 1996, p. 137). É uma decorrência que as relações entre pesquisador-pesquisado tornem-se elas próprias
temáticas de atenção.
A reflexividade, entendida como “pensar o pensamento com
o qual pensamos” (IBÁÑEZ apud REGUILLO, 1997, p. 136), é condição para dotar de potência explicativa a investigação em comunicação. Que ela exista, no contexto latino-americano, por exemplo
através de reflexões de Martín-Barbero,41 García Canclini, Lopes,
Reguillo, entre outros, não quer dizer que não necessite ser implementada ainda mais.
Se, por um lado, a questão da reflexividade necessita ocupar
um espaço importante na pauta das discussões deste campo de
estudos, de outro, é tarefa urgente adensar a investigação empírica. Especificamente no que diz respeito à pesquisa da recepção, à
primeira vista podem ser identificados dois grandes eixos: um
relacionado as negociações que se estabelecem entre textos mediáticos e espectadores/audiência e outro referente às multi-variadas formas pelas quais nós, espectadores, nos constituímos através
do consumo mediático.
E é exatamente nessa constituição dos sujeitos através dos
processos de recepção e consumo que se nota uma diferenciação
importante entre as investigações latino-americanas e as angloamericanas. Nestas últimas, adquire especial importância o encontro entre estudos culturais e feminismo, o que não se observa
na América Latina, embora exista uma preocupação em focalizar
questões em torno da mulher.
É possível identificar contribuições originais a partir do desenvolvimento da perspectiva feminista, num primeiro momento,
nos estudos culturais britânicos. O olhar feminista desafiou os
estudos dos meios que até então vinham sendo feitos, nos quais
apenas valorizavam-se programas noticiosos e de caráter político e
público, incluindo, então, análises sobre telenovelas e outros gêneros considerados mais “femininos”. A família foi identificada como
um importante espaço de apropriação de produtos culturais, abrindo
60
caminho para investigações inovadoras sobre as conexões entre
vida privada e pública.
Enfim, essa perspectiva desafiou a centralidade da categoria
“classe social” na interpretação dos processos de dominação, inserindo a questão do gênero. Em termos de método, a preocupação com a perda da experiência ou agência no discurso analítico,
fez com que as feministas utilizassem cada vez mais metodologias
que resgatam esse âmbito – a (auto)biografia, o depoimento, a
história de vida, entre outras.42
De um modo geral, a atenção no momento da recepção continua sendo fundamental em relação a duas problemáticas mais
amplas. Uma delas abrange a temática do sujeito, da subjetividade e da intersubjetividade, enquanto a outra se interessa pela integração de novas modalidades de relações de poder na problemática
da dominação.
É dessa forma que se estabelece o encontro com a produção
feminista. Esta propiciou novos questionamentos em torno de
questões referentes à identidade, pois introduziu novas variáveis
na sua constituição, deixando de ver os processos de construção
da identidade unicamente através da cultura de classe e sua transmissão geracional. Mais tarde, acrescentam-se às questões de gênero, as que envolvem raça e etnia. Estas últimas vem sendo
desenvolvidas nos estudos de recepção a partir dos 90.
Com essa digressão pode-se avaliar essa mesma conexão entre feminismo e estudos culturais no território latino-americano.
Na América Latina, os estudos de recepção dão especial atenção à
espectadora feminina, principalmente, de televisão. Alguns, de forma proposital; outros, nem tanto. De todo modo, muitas investigações tomam a mulher como informante primordial: seja mulher de
classe média ou popular; seja no papel de doméstica, de operária,
de dona de casa; seja na função de mãe como agente social de peso
na interação com os filhos e, por sua vez, na recepção da televisão.
Discute-se se as mulheres controlam ou não a programação televisiva no ambiente familiar e doméstico, discutem-se suas preferências em termos de gêneros, entre outras questões.43
Existiria uma razão especial para tal concentração? A audiência não é composta apenas por mulheres, inclusive, aquela que
61
assiste programas tidos como “femininos”, sobretudo, as telenovelas. Seria a mulher uma informante mais competente diante das
narrativas masculinas de “falta de tempo” para conversar sobre a
televisão ou de “aparente descaso” quando o tema é novela? Estas
e outras questões em torno desta preferência “casual” ou “deliberada” ainda não foram fruto de atenção, bem como não foram
investigadas as razões para tal composição de amostragens.
À primeira vista, os estudos de recepção latino-americanos
tomam a mulher como variável de gênero, mas apenas como mais
um indicador entre os índices socioeconômico, geracional e etnia
(quando este último é incorporado). A condição feminina não
tem sentido estrutural na articulação da sociedade, não tem um
significado social concreto no nível da estruturação social, por
isso não merece nenhum destaque no âmbito teórico, não é problematizada e nem tem densidade teórica.44 Embora esses mesmos estudos tenham permitido conhecer o universo cultural das
mulheres, revelando o contexto no qual recebem as mensagens
mediáticas e quais os usos que fazem dessas narrativas dentro de
sua vida cotidiana.
O fato é que parece não existir uma inflexão feminista nos
estudos culturais latino-americanos que, aqui, estão em questão
(cf. YÚDICE, 1993b; García Canclini na sua entrevista a Murphy,
1997). Geralmente, no caso dos estudos de recepção, as preocupações em torno da condição da mulher se dão em referência a
um contorno mais amplo, sobretudo, o de classe social.
Assim, também, no contexto latino-americano pode-se observar uma atenção crescente à temática das identidades num pano
de fundo de intensa fragmentação do sujeito. Quase no final dos
anos 90, a tendência geral que se esboça, aborda a constituição de
identidades e representações, na qual o poder é entendido quase
que exclusivamente como uma função de manipulação simbólica.
Por sua vez, os diferentes grupos sociais e suas identidades passam a ser vistos mais como resultado do consumo simbólico, esmaecendo-se os laços com os processos produtivos.
A tradição ensaística também caracteriza os estudos culturais latino-americanos de hoje. A meu ver, o aspecto negativo
deste tipo de narrativa é o uso recorrente a metáforas que obscu62
recem as particularidades do processo. O risco é compor posicionamentos e análises eminentemente retóricos.
Por exemplo, pensar a cultura, hoje, pressupõe vê-la como
uma realidade que transcende os limites do Estado-nação e que se
insere no processo de globalização. No entanto, tal premissa tem
validade se permitir compreender o vínculo entre produção simbólica e base econômica. Caso contrário, pode transformar-se em
mera mistificação.
No plano específico da pesquisa em comunicação na América Latina, Martín-Barbero (1996a) desenha o que pode configurar o horizonte próximo desse campo. Quatro grandes questionamentos afloram: indagações em torno do desordenamento
do cultural; questionamentos sobre os processos de mediação de
massa da política; problemas em torno da cidade enquanto espaço de comunicação; e o âmbito da recepção/uso dos meios e do
consumo cultural. Aparentemente todas temáticas de forte conotação política.
Na realidade, o que esses eixos de investigação estão sinalizando é que a comunicação como objeto de estudo pode ser definida, em seus termos mais gerais, como as relações, através de
suas múltiplas mediações, entre produção de sentido e identidade
dos sujeitos nas mais diversas práticas sócio-culturais (FUENTES,
1996). No entanto, a afirmação de identidades diversas e plurais
tende a constituir o mundo em termos de identidades tão particulares que facilita desaguar num nível muito localizado e doméstico. E novamente desentrelaçado da trama social, da estruturação
geral da sociedade.
A questão da relação, em formações sociais específicas, entre práticas culturais e outras práticas, isto é, a relação entre o
cultural e o econômico, o político e as instâncias ideológicas que
caracterizou um deslocamento teórico fundamental na constituição da tradição dos estudos culturais, torna-se assim problemática
no atual desenvolvimento dos estudos culturais latino-americanos.
Aliado a isso, observa-se o avanço da idéia de descrença no
papel propositivo do intelectual. Alguns intelectuais latino-americanos revelam sinais nessa direção. Porém, algumas vozes que
63
crêem nessa missão ainda subsistem em convívio com um destravado processo de despolitização dos estudos culturais latino-americanos. O que se pode perder através desse processo é aquela marca
inicial da reflexão latino-americana de pensar a mudança social.
E mais um pressuposto essencial para os estudos culturais
parece estar em xeque na reflexão de alguns analistas culturais,
na atualidade: a crença na ação social. Se os estudos culturais
caracterizaram-se por constituir uma perspectiva que enfatiza a
atividade humana, a produção ativa da cultura, ao invés de seu
consumo passivo e, hoje, tal capacidade começa a ser posta em
dúvida, as análises contemporâneas podem estar indicando, de
fato, um processo de despolitização dos estudos culturais no
contexto latino-americano. Caso essa tendência se concretize,
mais uma vez poderá ser identificada a articulação da proposta
latino-americana com o movimento mais geral dos estudos culturais, pois esse debate já constitui a agenda de discussões internacionais desse campo de estudos.
64
DE IDEOLOGIA PARA HEGEMONIA
IDEOLOGIA COMO DOMINAÇÃO
Embora se reconheça que o debate teórico dentro da formação da trajetória britânica dos estudos culturais não se deu de
forma linear, eliminando passo a passo determinadas concepções,
podem ser identificados diferentes enfrentamentos na sua constituição. Convém, agora, recuperar especificamente a constituição
de uma abordagem dos meios de comunicação que se dá entre
duas aproximações distintas: a culturalista e a estruturalista. Essa
construção está, sobretudo, proposta na reflexão de Stuart Hall.1
Do outro lado, observa-se, na América Latina, representada
aqui através de Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero,
como a mesma discussão tomou forma. Não obstante, nesta região
o tratamento de tal problemática não assumiu tais termos – ou seja,
um confronto entre culturalismo versus estruturalismo –, logo, não
desencadeou uma proposta de articulação dessas duas perspectivas.
Mesmo assim, as questões que tentam ser resolvidas através desse
cotejo teórico, situadas, principalmente, em torno da relação entre
meios de produção e ideologia, são vivamente tratadas, também,
pelos autores latino-americanos, permitindo assim a construção de
paralelismos entre as posições de Hall, Martín-Barbero e García
Canclini. Os autores citados coincidem na escolha de uma contribuição teórica singular na tentativa de construir uma resposta mais
complexa a tais questionamentos. O ponto de convergência, ou
uma possível superação dos problemas postos pelo confronto entre
estruturalismo e culturalismo, dá-se, sobretudo, através da incorporação do conceito de hegemonia, de Antonio Gramsci.
No centro desta discussão está o que Hall (1982, p. 88) denominou de identificação da ideologia aliada ao reconhecimento
da importância da significação social e política da linguagem,
assim como do signo e do discurso. Nas palavras do autor, esta
65
mudança de posicionamento equivaleria “a re-descoberta da ideologia”, no entanto, “seria mais apropriado referir-se ao retorno
do reprimido”. Este posicionamento revela a construção de uma
abordagem alternativa à teoria dominante, na época, no que diz
respeito à comunicação de massa.2
O contorno mais geral em que se dá a construção da problemática em torno da ideologia diz respeito às relações entre estudos culturais e marxismo. Duas questões são aí primordiais:
entender a cultura em relação a estrutura social e sua contingência
histórica; assumir que a sociedade capitalista é uma sociedade
dividida desigualmente e que a cultura é um dos principais níveis
em que esta divisão é estabelecida e, também, contestada.
Avançando um pouco mais nesta relação, pode-se afirmar
que o campo dos estudos culturais sofre a influência marxista em
três vetores.
O primeiro é que os processos culturais estão intimamente conectados com as relações sociais, especialmente com formações e relações de classe, com divisões sexuais, com a estruturação racial das
relações sociais e com as opressões de geração como uma forma de
dependência. O segundo é que cultura envolve poder e ajuda a
produzir assimetrias nas habilidades dos indivíduos e grupos sociais para definir e perceber suas necessidades.O terceiro, que segue
os outros dois, é que cultura não é um campo nem autônomo
nem externamente determinado, mas um espaço de diferenças e
lutas sociais. (Johnson, 1996, p. 76)
A relação com o marxismo se inicia e se desenvolve através
da crítica de um certo reducionismo e economicismo dessa perspectiva, resultando na contestação do modelo base-superestrutura. Os estudos culturais atribuem à cultura um papel que não é
totalmente explicado pelas determinações da esfera econômica.
Entretanto, a perspectiva marxista, nesse estágio do desenvolvimento dos estudos culturais, contribuiu no sentido de compreender a cultura na sua “autonomia relativa”, isto é, ela não é
dependente das relações econômicas, nem reflexo, mas tem influência e sofre conseqüências das relações político-econômicas. Como
Althusser argumentava, existem várias forças determinantes –
66
econômica, política e cultural –, competindo e em conflito entre
si, compondo uma complexa unidade – a sociedade.
Embora se afirme a influência desse ponto de vista na constituição do corpo teórico de um determinado período da vertente britânica dos estudos culturais, deve-se ter presente que essa
articulação mutuamente determinante entre forças distintas é problemática, ambígua e contraditória. Sobretudo porque pretender
a “autonomia relativa” da esfera cultural, não elimina a possibilidade de compreendê-la determinada “em última instância” pela
esfera econômica.
A questão da relação entre práticas culturais e outras práticas
em formações sociais definidas, isto é, a relação do cultural com
o econômico, o político e as instâncias ideológicas, pode ser
considerada enquanto um questionamento-chave na construção
da tradição dos estudos culturais. Reafirma-se que a contribuição
de Althusser nesse sentido é marcante. “Grosso modo, a inovação
importante foi a tentativa de pensar a ‘unidade’ de uma formação
social em termos de uma articulação. Isto estabeleceu os temas da
‘autonomia relativa’ do nível ideológico-cultural e um novo conceito de totalidade social: totalidades como estruturas complexas”,
reconhece Hall (1980a, p. 32, grifo meu).
Hall destaca que não se pode eliminar a distinção entre instâncias e elementos diferentes nem se aderir à tese de determinação do econômico, existindo, então, uma articulação entre níveis
distintos. E que o entendimento da totalidade social, ao contrário
de ser mera expressão do vivido, funda-se em estruturas.
Inserida em tais contornos, a transição do paradigma dominante ao crítico no campo da comunicação, segundo Hall, pode
ser sintetizada na idéia de reconhecimento que os media funcionam dentro e através do domínio do discursivo. Por sua vez, os
media não podem ser vistos fora do campo das relações de poder.
Mais ainda, Hall resume esta mudança na afirmação: “os meios
de comunicação são ideológicos”. Isso implica compreender que
os media operam dentro do campo da construção social do sentido,
isto é, os significados não estão inscritos nas suas próprias origens mas nas relações e nas estruturas sociais.
67
Profundas diferenças teóricas e políticas estão em questão nesta mudança. A ruptura mais dramática ocorre precisamente em
termos do movimento de passagem de uma ótica essencialmente
comportamental, característica do paradigma dominante, para uma
perspectiva ideológica. Em termos bem gerais, o que está posto
em questão é o papel “reflexivo” dos meios de comunicação e a
concepção da linguagem como algo “transparente”. Na perspectiva
de Hall, os meios de comunicação definem, não simplesmente reproduzem, a “realidade”. Como o próprio Hall (1982, p. 64) explica,
definições de realidade são sustentadas e produzidas através de todas
aquelas práticas lingüísticas – entendidas num sentido amplo – por
meio das quais definições seletivas do ‘real’ são representadas. Mas
representação é uma noção muito diferente daquela de reflexão.
Implica o trabalho ativo de selecionar e apresentar, de estruturar e
dar forma: não simplesmente de transmitir um significado já existente, mas o trabalho mais ativo de fazer as coisas significarem.
Na realidade, a representação implica uma prática, uma produção de sentido – “o que, subseqüentemente, veio a ser definido
como uma ‘prática significante’. Os meios de comunicação são
agentes significantes” .
Duas preocupações são centrais nessa mudança de enfoque.
De um lado, como a ideologia funciona e quais são seus mecanismos e, de outro, como o ideológico é concebido em relação às
outras práticas dentro de uma formação social. Insatisfeito com
os contornos tanto do culturalismo quanto do marxismo estruturalista, proposto por Althusser, Hall confrontou-os, tensionando
seus princípios ao limite. Surge daí uma outra armação teórica.
Na perspectiva esboçada por Hall, a produção e transformação do discurso ideológico está formatada por teorias preocupadas
com o caráter simbólico e lingüístico desse discurso. Por essa razão, as ideologias funcionam mediante a linguagem. No estruturalismo, essa questão remete ao problema da significação. “Linguagem
e simbolização são o meio pelo qual o significado é produzido.
Esta aproximação destituiu a noção referencial de linguagem […]
onde o significado de um termo particular ou sentença podia ser
validado simplesmente vendo ao que ela referia-se no mundo real.
68
Ao invés, linguagem tinha de ser vista como o meio no qual significados específicos são produzidos” (HALL, 1982, p. 67).
Os significados são, então, uma produção social; resultam
de uma prática social. Considerando o pressuposto que o sentido é produzido e não dado, diferentes significados podem ser
creditados para os mesmos eventos. Diante disso, Hall (1982)
problematiza a questão de como o discurso dominante se garante ele próprio como a versão diante dos outros sentidos alternativos ou competitivos. Problematiza, também, como as
instituições que são responsáveis pela explicação desses eventos
– nas sociedades modernas, os media, por excelência – têm sucesso na manutenção dos sentidos preferenciais (ou dominantes) dentro do sistema de comunicação.
Nesse espectro teórico, os media são responsáveis por prover
a base pela qual grupos e classes sociais constroem uma imagem
das vidas, práticas e valores de outros grupos e classes. Essas imagens, representações esparsas e fragmentadas da totalidade social,
acabam construindo um todo coerente, o imaginário social “[…]
através do qual nós percebemos os ‘mundos’, as ‘realidades vividas’ dos outros e, imaginariamente, reconstruímos suas vidas e as
nossas em algum ‘mundo por todos’ inteligível, numa ‘totalidade
vivida’” (HALL, 1977, p. 341).
É, também, função dos media refletir e expressar uma pluralidade – mesmo que aparente – de representações ao invés de um universo ideológico unitário. Esse conhecimento social que os media
seletivamente fazem circular é organizado através de sentidos preferenciais. E, por último, esse conjunto de representações, imagens e
sentidos, seletivamente representado e classificado, é organizado e
articulado num todo coerente, numa ordem reconhecida, ou melhor,
na produção do consenso, na construção da legitimidade.
São determinados mecanismos que permitem aos media ter
tal papel ideológico. Os media produzem mercadorias simbólicas e
sua produção não pode ser alcançada sem passar pelo crivo da linguagem, pois é necessário traduzir o evento real numa forma simbólica. Esse é o processo de codificação em que a seleção de códigos
preferenciais parece corporificar uma explicação “natural”, mostrando-se como a única forma inteligível e disponível do evento.
69
No entanto, Hall (1977, p. 343) alerta que “nós devemos
lembrar que ele [significado dominante] não é único, unitário,
mas uma pluralidade de discursos dominantes: [e] que estes não
são deliberadamente selecionados pelos codificadores para ‘reproduzir eventos dentro do horizonte da ideologia dominante’, mas
constituem o campo dos significados dentro do qual eles [codificadores] devem escolher”. Essa dinâmica é invisível e inconsciente
mesmo para os codificadores, sendo mascarada muitas vezes pela
intervenção de ideologias profissionais.
Do ponto de vista das abordagens convencionais dos meios de
comunicação, esse problema da seleção e exclusão de sentidos se
resume a problemas técnicos. Entretanto, para uma teoria da significação, todos esses são elementos derivados de práticas sociais.
Significação [é] uma prática social porque, dentro das instituições
dos meios de comunicação, uma forma particular de organização
social desenvolveu-se que capacitou os produtores (radiodifusores) a empregar os meios de produção de significados à sua disposição (o equipamento técnico) através de um certo uso prático
deles (a combinação de elementos de significação identificados
acima) com o objetivo de produzir um produto (um significado
específico). (HALL, 1982, p. 68)
Contudo, o processo de significação dos media difere de outros processos precisamente porque o que esta prática social produz é um objeto discursivo, logo, o que o diferencia enquanto
prática é a articulação de elementos sociais e simbólicos.
Porém, o problema reside, ainda, no processo de tornar “um”
sentido predominante sobre os demais. Deduz-se daí que o poder
exercido nesse processo não é uma força neutra. O processo de
significação é o meio pelo qual os entendimentos coletivos são
criados e, então, o consenso pode ser efetivado.
Ideologia, de acordo com essa perspectiva, não somente se torna
uma ‘força material’ – para usar uma expressão antiga – real porque
é ‘real’ nos seus efeitos. Ela se torna, também, um espaço de luta
(entre definições concorrentes) e uma aposta – um prêmio a ser
ganho – na condução de enfrentamentos particulares. Isso significa que ideologia não pode mais ser vista como uma variável
70
dependente, uma mera reflexão de uma realidade preexistente na
mente. Nem são seus resultados previsíveis por derivação a partir
de alguma lógica determinista simples. Eles dependem de um balanço de forças numa conjuntura histórica particular: de uma ‘política de significação’.(HALL, 1982, p. 70)
Esse posicionamento revela uma mudança de enfoque na
noção de ideologia e como ela atua. Na perspectiva proposta pelos estudos culturais, sobretudo dos anos 70, ideologias são estruturas, logo, não são imagens, conceitos ou mero conteúdo. Em
síntese, é um sistema de codificação.
Assim, os meios de comunicação atuam incessantemente
na construção e desconstrução ideológica. Esse é um trabalho
que reproduz contradições e no qual, por definição, tendências
contrárias estão constantemente manifestas, mas a inclinação dos
media é reproduzir o campo ideológico da sociedade em tal forma que reproduz, também, sua estrutura de dominação. Hall
reconhece que essa teoria tende a apresentar o processo excessivamente acentuado numa única direção, funcionalmente adaptado à reprodução da ideologia dominante.
Até agora apenas a questão da codificação das mensagens
esteve, aqui, em evidência. O ponto de vista da decodificação vai
ser abordado, sobretudo, no ensaio “Encoding and decoding in
television discourse” onde Hall3 (1980b) abre a discussão sobre a
temática da recepção e dos consumos mediáticos.
O ponto de partida de Hall é compreender o processo de
comunicação
em termos de uma estrutura produzida e sustentada através da
articulação de momentos vinculados, porém distintos – produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução. Isso seria pensar
o processo como uma ‘estrutura complexa com dominante’, sustentada através da articulação de práticas conectadas, onde cada
qual, contudo, retém sua distinção e tem suas próprias modalidades específicas, suas próprias formas e condições de existência.
(HALL, 1980b, p. 128).
Esse ponto de vista apresenta-se como uma homologia ao
desenho do esquema de produção de mercadorias proposto por
71
Marx. A idéia é ver o processo de comunicação como um circuito
contínuo – produção-circulação-produção. Dessa forma, Hall revela uma postura crítica em relação à linearidade implícita no modelo
emissor-mensagem-receptor – concepção dominante do processo
de comunicação – assim como à sua concentração na mensagem e
à ausência de uma concepção estruturada dos diferentes momentos
deste processo enquanto uma complexa estrutura de relações.
Mais tarde, refletindo sobre o “modelo de codificação/decodificação”, o autor insiste em que o mesmo deve ser compreendido tendo em vista o contexto teórico-metodológico vigente na
época. “[…] o modelo está posicionado, portanto, contra uma
noção particular de conteúdo pré-formado e de significado fixo
ou de mensagem que pode ser analisada em termos de transmissão do emissor para o receptor. Está posicionado contra uma certa unilinearidade daquele modelo de fluxo unidirecional: o emissor
cria a mensagem, a mensagem é ela mesma unidimensional e o
receptor a recebe” (HALL, 1994, p. 253).
Em decorrência, acaba posicionando-se contra a pesquisa
que utiliza métodos empíricos tradicionais e positivistas de análise de conteúdo, assim como contra o survey de audiência que
detecta os “efeitos” dos media. Na verdade, desafiando o modelo
dominante de comunicação o objetivo é desestabilizar a noção
transparente de comunicação implícita no paradigma dominante.
Na apresentação do modelo, Hall enfatiza que a singularidade
do processo de comunicação se dá através da forma discursiva, da
veiculação de símbolos constituídos dentro das regras da linguagem.
é na sua forma discursiva que acontecem tanto a circulação do
produto quanto sua distribuição para diferentes audiências. Uma
vez levado a cabo, o discurso deve ser, então, traduzido – transformado, de novo – em práticas sociais, se o circuito tem de ser,
igualmente, completo e efetivo. Se não há ‘significado’, não pode
existir consumo. Se o significado não está articulado na prática,
não tem efeito. O valor dessa abordagem é que, enquanto cada
um dos momentos, em articulação, é necessário para o circuito
como um todo, nenhum deles pode garantir completamente o
próximo com o qual está articulado. Já que cada um tem sua
modalidade específica e condição de existência, cada um pode
72
constituir sua própria pausa ou interrupção do ‘desenvolvimento
das formas’, cuja continuidade do fluxo de uma produção efetiva
(isto é, ‘reprodução’) depende. (HALL, 1980b, p. 128)
Utilizando o discurso televisivo como exemplo, Hall exemplifica que é no espaço da produção que se constrói a mensagem.
Mas o momento da produção não se constitui num sistema isolado dos outros momentos; ele recupera agendas, tópicos, eventos,
enfim, temas da própria audiência e de outras fontes da estrutura
sócio-político-cultural.
Num sentido, o circuito inicia aqui [na produção]. É claro, que o
processo de produção não é desprovido de seu aspecto ‘discursivo’; ele, também, é estruturado por significados e idéias – conhecimento em uso a respeito das rotinas de produção, habilidades
técnicas definidas historicamente, ideologias profissionais, conhecimento institucional, definições e suposições, conjeturas sobre a
audiência, etc armam a constituição do programa através dessa
estrutura de produção. (HALL, 1980b, p. 129)
Outra das preocupações de Hall, na apresentação do modelo, é mostrar as conexões, as relações de interdependência entre
produção-circulação-recepção, pois na concepção dominante, até
então, de comunicação estas eram etapas distintas e separadas.
circulação e recepção são, realmente, ‘momentos’ do processo de
produção na televisão e são reincorporados via um número de
imprecisos e estruturados ‘feedbacks’ no mesmo processo de produção. O consumo ou recepção da mensagem de televisão é, desta
maneira, também um ‘momento’ em si mesmo, no seu mais amplo
sentido, do processo de produção, embora este último seja ‘predominante’ porque é o ‘ponto de partida para a realização’ da
mensagem. Produção e recepção da mensagem televisiva não são,
contudo, idênticos mas são relacionados: eles são momentos diferenciados dentro da totalidade formada pelas relações sociais do
processo comunicativo como um todo. (HALL, 1980b, p. 130)
Nesse modelo existe uma relação entre a codificação da mensagem, no âmbito da produção, e sua decodificação, no nível da
recepção. No entanto, esses dois momentos não constituem uma
identidade imediata, ou seja, os códigos utilizados pela codificação
73
e pela decodificação podem não ser perfeitamente simétricos. “As
assim chamadas ‘distorções’ ou ‘mal-entendidos’ [sobretudo, na
concepção dominante de comunicação] decorrem precisamente
da falta de equivalência entre os dois lados na troca comunicativa.
Isso, uma vez mais, define a ‘autonomia relativa’ – mas com ‘determinação’ – da entrada e saída da mensagem nos seus momentos discursivos” (HALL, 1980b, p. 131).
Como implicação direta disso, vê-se que o sentido da mensagem não é fixo, ao contrário, é polissêmico. Hall é enfático a esse
respeito tanto no texto em que esboça o modelo quanto em entrevista posterior em que comenta a respeito. “Se você lê o jornal,
existe uma noção presente que trabalha contra o veio de um modelo superdeterminista de comunicação. Daí a noção de que o
significado não está fixo, de que não existe uma lógica determinante global que pode permitir a você alguma grade [de leitura].
Essa é a noção de que o significado é mais multifacetado, é sempre multirreferencial” (HALL, 1994, p. 254). Esse posicionamento mostra a entrada do estruturalismo e da semiótica e seu impacto
nos estudos culturais de um determinado período.
Hall considera também fundamental, para a compreensão
de sua proposta, identificar o contexto político do debate do
próprio marxismo onde o “modelo de codificação/decodificação” foi formulado.
Existe um argumento a respeito do modelo base-superestrutura, a
respeito da noção de ideologia, linguagem e cultura como secundário, como não constitutivo, mas somente como constituído pelos
processos socioeconômicos. Existe [também] a introdução de uma
noção de política na cultura. As questões políticas, também, têm de
ocupar-se com a construção e reconstrução do significado, a forma
pela qual o significado é disputado e estabelecido. Esses processos
não são secundários […] mas uma autonomia relativa de eficiência,
que lhes é específica, tem de ser dada a eles. Essa questão não é, no
sentido estrito, política; não é um projeto político que pode ser
claramente extraído do texto. Ela dá suporte para que pensemos
sobre as questões políticas. (HALL, 1994, p. 254)
O modelo desenhado por Hall sinaliza – mesmo que frouxamente – uma futura mudança de uma posição caracterizada
74
pela sobredeterminação implícita na tese da ideologia dominante para um posicionamento mais complexo, associado à noção
de hegemonia de Gramsci, pois Hall reivindica estar tratando de
“[...] um modelo do que chamo de ‘articulação’, um entendimento dos circuitos do capital como uma articulação dos momentos
da produção com os momentos do consumo, com os momentos
da realização, com os momentos da reprodução” (Idem, p. 255).
Através de categorias da semiologia articuladas a uma noção
de ideologia, Hall insiste na pluralidade, determinada socialmente, das modalidades de recepção dos programas televisivos. Argumenta, também, que podem ser identificadas três posições
hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição
“dominante” (chamada, também, de “preferida” ou “preferencial”), quando o sentido da mensagem é decodificado segundo as
referências da sua construção;4 uma posição “negociada”, quando
o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições
particulares dos receptores;5 e uma posição de “oposição”, quando
o receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa.6
Em avaliação posterior, Hall (1994, p. 265) reconhece que
esse aspecto do modelo – a recepção – não está suficientemente
desenvolvido, pois “o problema, se se transferir essas duas posições para a política, é que se retorna a uma posição muito determinista. Tem-se a falsa consciência de uma leitura perfeitamente
transparente ou a matéria revolucionária perfeita do sujeito invariavelmente oposicionista. Por isso, eu quero alguma coisa no
meio. Portanto, eu simplesmente falo sobre o código negociado”.
Além disso, na sua opinião, esse modelo homogeneíza demais o nível de codificação, não dando abertura para o espaço
contraditório dentro dos meios de comunicação enquanto instituições. “[O modelo] Trata a institucionalização da comunicação
como excessivamente unidimensional, como demasiadamente articulada à ideologia dominante, de uma maneira direta” (HALL,
1994, p. 263).
Hall reconhece, ainda, que essas posições devem ser testadas
empiricamente e refinadas. Na mesma entrevista, já citada, problematiza a transformação de seus comentários sobre a codificação e a
75
recepção num “modelo”: “Eu não penso [que o modelo] tenha o
rigor teórico, a consistência interna lógica e conceitual para tal. Se
ele tem algum valor, agora e mais tarde, é por aquilo que sugere. Ele
sugere uma aproximação; revela novas questões. Ele mapeia o terreno. Mas é um modelo que tem de ser manipulado, desenvolvido e
alterado” (HALL apud CRUZ E LEWIS, 1994, p. 255).
Contudo, no texto em questão, surgem dubiedades, pois Hall
ora refere-se a “sentidos” ou “significados” preferidos ora a “leituras” preferidas, ou seja, tanto mensagens (codificadas no momento da produção) quanto leituras (localizadas no momento da
recepção) podem ser construídas no âmbito do “hegemônico dominante”. Por essa razão, Hall é questionado. As questões surgem em torno de onde se localiza preferencialmente esse processo:
é no texto ou, entendida em um sentido político e social amplo,
na cultura? E mais, do ponto de vista da decodificação, quais são
as conseqüências, tanto teóricas como políticas, de situar essa
modalidade num determinado momento ou noutro do circuito
(cf. CRUZ E LEWIS, 1994, p. 261)?
Hall tenta explicar essa situação quase vinte anos depois de
publicar o “modelo de codificação/decodificação”:
leituras preferidas dão a impressão de assumir o lado decodificante, ao passo que sentido preferido está no âmbito codificante, não
no decodificante. Por que ele está lá? Bem, está lá porque não
quero um modelo de um circuito que não tenha poder dentro
dele. Não quero um modelo que seja determinista, mas não quero um
modelo sem determinação (grifo meu). E, por conseguinte, não penso
que as audiências estão na mesma posição de poder daqueles que
significam o mundo para elas. E leitura preferida é simplesmente
um modo de dizer que se escreve os textos a partir do controle dos
aparatos de significação do mundo, do controle dos meios de
comunicação, e – em alguma extensão, [a leitura preferida] tem
um formato determinante. Suas decodificações vão ter lugar em
alguma parte dentro do universo da codificação. Um está tentando englobar o outro.Transparência entre o momento da codificação e decodificação é o que chamaria do momento da hegemonia.
Para ser perfeitamente hegemônico é ter cada sentido que você
quer comunicar entendido pela audiência somente daquela maneira. Um tipo de sonho do poder – nenhum chuvisco na tela,
76
apenas audiência totalmente passiva. Agora, meu problema é que
não creio que a mensagem tenha somente um significado. Então,
eu quero apostar numa noção de um poder e estruturação no
momento de codificação que, não obstante, não apague todos os
outros possíveis sentidos. (HALL, 1994, p. 261)
Numa avaliação geral sobre os paradigmas dos estudos de
audiência, Morley (1989a, p. 17) situa o modelo de Hall contra a
perspectiva dos efeitos, assim como a dos usos e gratificações,
mas ressalta que
ele [Hall] toma dos teóricos dos efeitos a noção que a comunicação de massa é uma atividade estruturada na qual as instituições que
produzem as mensagens têm poder para fixar agendas e definir temas. Isto é mover-se da idéia de poder do meio para construir o
comportamento da pessoa num certo modo (como efeito direto
que é causado pelos estímulos do meio) mas é, também, manter
uma noção do papel dos meios de comunicação em estabelecer
agendas e prover categorias e estruturas culturais dentro das quais
membros da cultura tenderão a operar. (grifo meu)
Apesar do texto em tela explicitar uma posição de abertura
em relação ao âmbito da recepção, reconhecendo a existência,
principalmente, de leituras negociadas,7 fica claro o papel central
exercido pelo “analista” ou pelo “crítico”, assim como da ferramenta da análise textual, o que, por sua vez, é uma “decodificação” do mesmo pesquisador. Embora uma certa noção de texto
seja posta em questão nesse estudo, é ainda em torno de uma
outra noção de “texto” que esse modelo está construído: seja ele
um programa de TV, a fala de um sujeito/receptor ou a “leitura”
de um “analista”.
De outro lado, o modelo de Hall, também, propõe um circuito: primeiro, a análise da mensagem para observar um sentido dominante; depois, a audiência, para ver as variações de “leituras”; e
por último, a checagem destas com o texto original. Assim, é o
texto que permanece o locus privilegiado. O debate situa-se em torno do papel do texto, seja na sua relação com o processo de produção ou com o consumo, e, por fim, na articulação entre os três.
Na avaliação de Colin Sparks (1996), esse modelo é quase
inteiramente semiótico, sobretudo porque localiza a questão das
77
diferentes decodificações decorrentes principalmente da natureza
polissêmica do âmbito conotativo. Além disso, considera que não
existe aí nenhum esforço para demonstrar como a codificação do
discurso televisivo pode estar relacionada à estrutura da sociedade.
Isso revela a influência do estruturalismo na construção desse modelo de análise, pois se o que está em foco é a produção de
sentido, por sua vez, esta se estabelece através da linguagem. Daí
o interesse numa teoria da linguagem que, de certa forma, divorcia-se da experiência social. A ênfase num todo estruturado ou
numa totalidade social às custas da experiência ou da ação humana, acaba endossando uma perspectiva de reprodução social.
De outro lado, deve-se apontar o fato que, para Hall, as diversas decodificações possíveis de um determinado texto estão
sempre relacionadas à experiência das audiências. Logo, o desejo
de reter essa noção (de experiência, ação humana) demonstra que
o modelo de codificação/decodificação proposto não se encontra
inteiramente dentro do campo estruturalista.
É de especial importância ressaltar que o elemento estruturalista aponta para a natureza relativamente determinada da vida cultural
e das formas culturais sob o capitalismo, já o elemento culturalista
valoriza a experiência e acentua a autonomia relativa da cultura. O
ponto crítico, então, situa-se na discussão do grau dessa autonomia
relativa. Ao não resolverem essa tensão entre determinação e capacidade de ação dos sujeitos, assim como entre níveis de estruturação
social e discursiva (neste aspecto, tem sido reiterada sua inter-relação), os estudos culturais se fragilizam teoricamente.
Se adotada a definição de ideologia de Althusser, que a compreende como um marco onde os homens interpretam, dão sentido, experienciam e vivem as condições materiais nas quais se
encontram, a mudança cultural é quase impossível. Vai ser justamente na passagem para a influência gramsciana que se assume
uma noção de determinação menos mecanicista e se consegue
perceber como a mudança é construída dentro do sistema.
No entanto, o acento no debate teórico da época nessa noção
de ideologia que enfatiza o discurso dominante problematiza a
idéia que vinha sendo trabalhada pelos pesquisadores do CCCS,
no mesmo período, sobre a ação e papel das subculturas.
78
Num trabalho coletivo de 1975 sobre a cultura da juventude da classe trabalhadora nos anos 50, tem-se como definição
de cultura:
A ‘cultura’ de um grupo ou classe é o ‘modo de vida’ característico e distintivo do grupo ou classe, os sentidos, valores e idéias
corporificados nas instituições, nas relações sociais, em sistemas
de crenças, valores e costumes, nos usos de objetos e da vida
material. […] A cultura inclui os ‘mapas de sentido’ que fazem as
coisas intelegíveis para seus membros. Esses […] [mapas de sentido] são objetivados nos padrões da organização e das relações
sociais através dos quais o indivíduo torna-se um ‘indivíduo
social’. […] Cultura é a forma que as relações sociais de um
grupo são estruturadas e modeladas, mas é, também, o modo
que essas formas são experienciadas, entendidas e interpretadas.
(CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 10)
É clara a associação dessa definição com as formulações de
Williams, com a definição expressiva de cultura. Está aí manifesto, também, o princípio de que a classe social é um elemento
definitivo na experiência cultural. E embora não esteja denominado é, também, visível a relação com o conceito de estrutura do
sentimento.
Entretanto, na seqüência do trabalho os autores modificam
suas posições originais. Na tentativa de integrar as contribuições
de Gramsci e Althusser, eles vão sugerir que as subculturas devem
ser vistas enquanto formas “[…] dentro das quais modos ‘imaginários’ de resolver as contradições reais que os diferentes grupos
enfrentam, mas que são incapazes de solucionar praticamente,
são apresentadas, vividas e exercitadas” (BENNETT, MARTIN, MERCER e WOOLACOTT, 1989, p. 41).
Nesse momento se mostra, também, a incorporação da idéia
de hegemonia:
Gramsci usou o termo ‘hegemonia’ para referir-se ao momento em
que uma classe dominante é capaz não somente de coagir uma
classe subordinada a sujeitar-se aos seus interesses, mas de exercer
uma ‘hegemonia’ ou ‘autoridade social total’ sobre as classes subordinadas. Isso envolve o exercício de um tipo especial de poder
79
– o poder de conceber alternativas e incluir oportunidades para
ganhar e forjar o consentimento, de tal forma que a outorga de
legitimidade às classes dominantes aparece não somente como ‘espontânea’ mas, também, como natural e normal. (CLARKE, HALL
et al., 1975, p. 38)
O terreno onde a hegemonia é ganha ou perdida é o terreno
das superestruturas, ou seja, as instituições da sociedade civil e o
estado. A hegemonia trabalha através da ideologia, mas não consiste em falsas idéias, percepções e definições. Além disso, nunca
é sustentada por uma única classe. Sustentando a tese de que “seu
caráter e conteúdo [da hegemonia] podem somente ser estabelecidos observando situações concretas em momentos históricos
concretos” (CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 40), o trabalho apresenta uma análise conjuntural de um momento histórico onde se
vê funcionando ou aplicado o conceito de hegemonia numa determinada formação social.
Porém, a partir de um certo momento da pesquisa, o foco
passa a ser a relação entre estilo (uma forma particular de fazer
algo) e juventude, isto é, como classe social e geração interatuam
na produção de um grupo distinto de estilos; como os materiais
disponíveis ao grupo são construídos e apropriados numa forma
de resposta visivelmente organizada.
Dessa forma, as várias subculturas jovens passam a ser identificadas pelas diversas maneiras de incorporar objetos/símbolos
no seu cotidiano.
Os objetos estavam disponíveis lá, mas eram usados (grifo meu)
pelos grupos na construção de estilos. Mas isso significa não
simplesmente apanhá-los, mas construir ativamente (grifo meu)
uma seleção específica de coisas e bens num estilo. E isso freqüentemente envolve […] subverter e transformar essas coisas
em seu significado e uso conhecido para outros sentidos e usos.
Todas as mercadorias têm um uso social e, portanto, um significado cultural. (CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 54)
Nas leituras realizadas desse “estilo” da subcultura aparece
um tratamento particular. É a semiótica que inspira essa análise.
Assim, os objetos e práticas que marcam essa subcultura são
80
identificados como um estilo coerente e internamente articulado
(SPARKS, 1996, p. 85).
Esse trabalho de Clarke, Hall e outros evidencia uma tensão
entre o entendimento da cultura enquanto expressiva, ou seja, uma
marca da aproximação teórica oriunda nas formulações dos “fundadores” dos estudos culturais, e a abordagem estruturalista com
sua ênfase nas estruturas de significação. Em outros termos, transparece um confronto entre a ação do sujeito e a determinação do
sujeito pela linguagem.
Ainda no mesmo período, um coletivo do CCCS, composto
por Stuart Hall, Chas Critcher, Tony Jefferson, John Clarke e
Brian Roberts8 (1978), examina porque e como os temas da
raça, crime e juventude, condensados na imagem do “assalto de
rua”, serve como articulador de uma crise e seu condutor ideológico. O cenário maior é a crise de hegemonia que a sociedade
britânica vive nos anos 70.
Aí são analisados os espaços onde a hegemonia é construída.
A ênfase incide nos níveis civil, político, jurídico e ideológico de
uma formação social, ou seja, na superestrutura. Por essa razão, a
análise dá mais atenção às mudanças nas relações de força, na luta
política, na alteração das configurações ideológicas, do que aos
movimentos econômicos. No entanto, os autores reconhecem que
“hegemonia, no sentido de Gramsci, envolve a ‘passagem’ de uma
crise da base material da vida produtiva para as ‘complexas esferas
das superestruturas’. Apesar disso, o que a hegemonia assegura,
em última análise, são as contradições sociais de longo curso para a
continuidade da reprodução do capital” (HALL ET AL., 1978, p. 218).
A tese sustentada é de que o “assalto de rua” estava relacionado com uma mudança na administração da luta de classes do estado capitalista de uma forma consensual para uma mais coercitiva.
Nessa direção, a crise foi ideologicamente construída pelas ideologias dominantes para ganhar o consenso nos meios de comunicação e, então, construir a base na “realidade”, isto é, na opinião
pública. Desse modo, “concordando” com a visão de crise que
ganhou credibilidade nos escalões do poder (os meios de comunicação), a consciência popular também foi ganha para dar suporte
as medidas de controle que esta versão da realidade social exigia.
81
Com o objetivo de demonstrar essa tese, o trabalho reconstitui a
história da Grã-Bretanha a partir do pós-guerra, mostrando a construção do consenso e o seu colapso.
Outro exemplo de análise conjuntural através do uso do conceito de hegemonia se mostra na explicação, considerada polêmica pela esquerda britânica, da ascensão do thatcherismo (HALL,
1983) não como reflexo da crise vivida pela sociedade britânica
nos 70, mas como resposta à crise. Novamente, o olhar recai
particularmente nas dimensões políticas e ideológicas, negligenciadas em outras análises. A adesão popular ao repertório do thatcherismo, calcado basicamente no rejuvenescimento dos temas
do anticoletivismo e do antiestatismo, transformou essa doutrina
em senso comum. Mas foi o discurso do thatcherismo que conseguiu, com sucesso, neutralizar as contradições entre povo e Estado (bloco de poder) e ganhar a adesão popular, mostrando sua
faceta populista.
Esses três trabalhos – Clarke, Hall et al. (1975), Hall et al.
(1978) e Hall (1983) – compõem uma resposta a uma situação
particular, vivida pela sociedade britânica num período histórico
determinado. São trabalhos de intervenção, desenhados para ter
um efeito na política social do momento. Apesar de serem análises conjunturais, exemplificam uma concepção teórica que articula cultura e poder, cultura e hegemonia, mostrando uma densidade
tanto teórico-analítica quanto descritiva.9
Diante dessa produção, surge um certo mal-estar na incorporação de teses althusserianas que contradizem a história dos estudos culturais, à luz da contribuição gramsciana. É manifesta a
tensão entre essas contribuições: Gramsci abrindo o corpo teórico
para refletir sobre a “agência humana” e Althusser impondo limitações estruturais, ou seja, na ênfase no todo estruturado ou na totalidade social às custas do processo, da experiência, da “agência”.
Nada melhor do que reproduzir as palavras do autor que
pensou sobre a mediação entre esses dois corpos teóricos – culturalismo e estruturalismo – para explicar tal enfrentamento, sobretudo, no que diz respeito à compreensão da concepção de
experiência: “Enquanto que, no culturalismo, experiência era a
base – o terreno ‘do vivido’ – onde consciência e condições se
82
cruzam, o estruturalismo insistia que a ‘experiência’ não podia,
por definição, ser a base de nada, visto que alguém somente podia
‘viver’ e experienciar suas próprias condições dentro e através das
categorias, classificações e estruturas da cultura. Essas categorias,
contudo, não surgiam da ou na experiência; antes, a experiência
era seu efeito” (HALL, 1996b, p. 41).
Na tentativa de construir um posicionamento que dê conta
dessa oposição, Hall critica ambos os paradigmas e vai gradativamente incorporando cada vez mais as formulações gramscianas.
Assim, a influência de Althusser vai ficando secundarizada, embora Hall sempre reconheça sua importância, principalmente,
concentrada nos primeiros escritos daquele autor (1965/1969),
para pensar a superestrutura.
Enfim, é necessário ver, em resumo, como Hall articulou
sua noção de ideologia, afastando-se do marxismo estruturalista.
“Por ideologia, refiro-me às estruturas mentais – as linguagens,
os conceitos, as categorias, imagens do pensamento e os sistemas
de representação que diferentes classes e grupos sociais desenvolvem com o propósito de dar sentido, definir, simbolizar e imprimir inteligibilidade ao modo como a sociedade funciona” (HALL,
1996h, p. 26). Essa definição permite ver que interesses de diferentes grupos sociais são representados e articulados em diferentes ideologias.
Permanecendo, ainda, dentro da tradição marxista, essa definição, de corte gramsciano, procura dar conta de como certos
discursos políticos na luta pela hegemonia são construídos e reconstruídos, expandem-se ou se restringem, ganham ascendência
ou a perdem.
Entretanto, o desprendimento da noção althusseriana de ideologia não faz com que Hall perca a referência na linguagem. Ao
contrário, ele insiste na função “multirreferencial” da linguagem,
permitindo, assim, que a mesma relação social, ou fenômeno,
possa ser diferentemente representada e construída. “É precisamente porque a linguagem, o meio de pensamento e cálculo ideológico, é ‘multiacentuada’ como Volosinov colocou, que o campo
do ideológico é sempre um campo de ‘cruzamento de ênfases’ e
de ‘cruzamento de interesses sociais diferentemente orientados’”
83
(HALL, 1996h, p. 40). A partir daqui, a incorporação do aporte
gramsciano na vertente britânica dos estudos culturais passa a
ser fundamental, acarretando uma série de conseqüências teórico-metodológicas.
Todavia, antes de recuperar essa discussão sobre a contribuição gramsciana para os estudos culturais, é preciso reconstituir o
debate sobre ideologia, do ponto de vista latino-americano – nos
autores em foco neste trabalho.
O território latino-americano viveu um período sob o domínio de uma postura estruturalista, nos seus próprios termos. É
bastante conhecida a influência da teoria da dependência cultural
e a proposta de desmascaramento ideológico das mensagens dos
media. Esta última principalmente viabilizada através da moda
althusseriana vigente, sobretudo nos anos 70, na pesquisa em comunicação. Aí prevaleceu de forma incontestável e sem mediações a tese de determinação das estruturas macrossociais.
Martín-Barbero (1995a, p. 148) avalia que os estudos de comunicação propriamente latino-americanos fundam-se exatamente
na teoria da dependência. “A teoria da dependência vai ser a grande inspiradora, primeiro, da articulação dos estudos dos meios ao
estudo das estruturas econômicas e das condições de propriedade
dos meios. E, segundo, do estudo do processo ideológico, das
análises dos conteúdos ideológicos dos meios”.
Enquanto fundamentada nessa base teórica, a pesquisa em
comunicação difundiu uma concepção reprodutivista de cultura.
A cultura era basicamente ideologia. Nesse caso, não existia nenhuma especificidade no âmbito da comunicação. Estudar os processos de comunicação era estudar processos de reprodução. Não
existia nenhuma especificidade conceitual nem histórica nos processos de comunicação. De tal forma que as ciências sociais, nesse
momento a economia e a sociologia, dissolveram o que poderíamos chamar de novo objeto. Dissolveram-no nas suas próprias
perguntas sobre a luta de classes e os aparelhos de Estado. (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 149)
O poder comunicacional foi concebido como um atributo de
um sistema monopólico que administrado por uma minoria de
84
especialistas, podia impor valores e opiniões da burguesia às demais
classes. A eficiência desse sistema residia não somente na ampla difusão que os meios massivos proporcionavam às mensagens dominantes, mas, também, na manipulação inconsciente dos receptores.
Não interessa, aqui, recuperar as características teórico-metodológicas, limitações, nem críticas dessa fase, que já conta
com uma bibliografia específica. O objetivo é ler em chave latino-americana, isto é, nos trabalhos de Jesús Martín-Barbero e
Néstor García Canclini, a incorporação do debate sobre ideologia, cultura e poder. A exemplo da reflexão britânica, recém
apresentada, os posicionamentos desses autores latino-americanos foram sendo construídos num terreno de rejeição e confronto às teses do reducionismo e determinismo econômico implícitas
num certo marxismo, logo, também, a uma determinada concepção marxista de ideologia.
Para iluminar as relações entre cultura, ideologia e poder,
especialmente, na “escritura massiva”, o trajeto percorrido por
Jesús Martín-Barbero em Comunicación masiva: Discurso e poder
(1978) é significativo a esse respeito.Um esclarecimento antes de
iniciar propriamente a exposição do assunto em questão é obrigatório. Convém destacar esse texto, pois ele é tributário do momento no qual foi escrito, ou seja, a década de 70 na América
Latina e a equivalente caracterização da pesquisa em comunicação. Porém, ele propõe deslocamentos em relação às teorias dominantes no período e, de modo incipiente, já se delineiam nele
algumas sugestivas pistas que alcançarão densidade teórica e difusão mais plena em De los medios a las mediaciones – Comunicación,
cultura y hegemonía (1987).
Distanciando-se do modelo funcionalista, em Comunicación
masiva: Discurso e poder (1978), Martín-Barbero localiza-se na fronteira do campo do estruturalismo e da análise semiológica para
pensar a prática comunicativa, na América Latina, como marca da
malha global de dominação. Contudo, os questionamentos propostos ancoram-se em teorias da linguagem. Por essa razão, no final
desse trabalho, o autor liga a primeira reflexão teórica com a prática discursiva da informação jornalística e do espetáculo televisivo.
Aí, o objeto, ou seja, a análise do próprio texto, se impõe.
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Acredito que o gérmen dessa proposta está contido na sua tese
de doutoramento La palabra y la acción – Por una dialéctica de la liberación (1972) como a própria combinação das palavras do seu título
sugere. Estando na França no final dos anos 60 e início dos 70,
vivencia o intenso debate condensado entre posições estruturalistas e
pós-estruturalistas. E o resultado é essa investigação, que partindo da
filosofia da linguagem tem o duplo propósito de questionar a lingüística a partir das ciências sociais, mas somente depois de ter desmontado uma concepção tradicional da sociologia com instrumental
lingüístico e semiótico (HERLINGHAUS, 1998, p. 15).
Também aparece nessa tese o esforço de articular a análise
teórica ao imperativo das condições históricas, isto é, o esforço
teórico tem de ser realizado à luz de uma realidade mais próxima,
no caso, a latino-americana (quando em 1997 sua obra foi discutida na Universidade Central de Bogotá em comemoração aos dez
anos de publicação de De los medios a las mediaciones, Martín-Barbero reconhece que esse viés de sua reflexão se revela desde sua tese
de doutoramento). Esse mesmo aspecto repete-se no trabalho de
1978. Enfaticamente condena a omissão das condições de produção nas teorias dominantes, isto é, das condições históricas de dominação, na tentativa de explicar os processos de comunicação.
A teoria crítica que se foi esboçando não busca competir com o
mercado das originalidades senão com algo bem distinto: denunciar e dar armas, despertar e traçar estratégias – que o importante é
não perder de vista o caráter histórico e estrutural dos processos, que a
dimensão ideológica das mensagens é unicamente legível a partir destes
e que tanto essa dimensão como a trama mercantil dos ‘meios’ têm que
ser vistas sempre articuladas às condições de produção de uma existência
dominada. (MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 14, grifo meu)
Metido profundamente na realidade latino-americana, admite a expansão da ideologia, inclusive, no campo da teoria e da
ciência. “Os críticos latino-americanos não rejeitam a ciência, entendem de outra maneira sua objetividade. Não é que […] tenham
oposto a ciência à ideologia e fiquem com esta última. É que experimentam a cada dia como a ideologia trabalha e controla qualquer
prática, qualquer discurso, incluído o científico” (1978, p. 21).
86
O desafio temático, exposto nesse texto, diz respeito à enunciação, explicitando a importância da linguagem. Linguagem que
permeia e se prolonga através do processo comunicativo, dissimulando os rastros da dominação. No entanto, essa afirmação é,
também, ruptura com uma outra noção de linguagem que desconecta o signo dos lugares de sua produção, que dificulta restabelecer as relações do “texto” com seu contexto histórico.
Avaliando a contribuição do projeto intelectual de MartínBarbero para o pensamento latino-americano da comunicação,
Javier Protzel (1998, p. 39) detecta com precisão o deslocamento
proposto por Martín-Barbero no final dos anos 70.
Reposicionamento que implica simultaneamente aproximação e
distância: empatia para interpretar o vivido mas, também, ruptura
para decompor o signo e reconstruí-lo com atitude semiótica, relacionando lugares de produção de sentido antes inconexos. Não
mais a fria autópsia do enunciado, mas a calidez da enunciação, de
um sentido registrado na medida em que é produzido, fechando
assim a fenda sujeito-objeto num ato de recuperação mútua.
Dessa forma, a proposta básica de Martín-Barbero (1978, p. 46)
é deslocar o estudo da comunicação do espaço organizado pelo
conceito de estrutura para o espaço que abre o conceito de prática. “O que intencionamos pautar é que, enquanto a comunicação
continue sendo pensada como alguma coisa superestrutural, não
existirá forma de romper com o espaço da estrutura e o sistema e,
portanto, não será possível conceber sua inserção multidimensional e plurideterminada no modo de produção, nem muito menos
numa formação social concreta.”
Através do conceito de prática, é possível pensar a ação dos
media como discurso mas sem confundi-lo com exclusivamente
mensagem, estruturas de significação ou problemas de conteúdo.
Essa perspectiva reduz o discurso a problemas e relações de significação, descartando sua inserção no processo histórico e desarticulando-se dos sujeitos.
Discurso como prática discursiva não se trata de alguma coisa que
está aí e que depois tem que ver como se relaciona com o modo de
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produção, mas é parte integrante, constitutiva dele. […] Nomearemos, então, discurso dos meios o dispositivo da mediação de
massa enquanto ritual operativo de produção e consumo, articulação de matérias e sentidos, aparatos de base e disposição em
cena de códigos de montagem, de percepção e reconhecimento.
(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 46)
Entretanto, para alcançar essa nova formulação do problema, Martín-Barbero (1978, p. 41) realiza uma crítica densa tanto
às limitações do modelo informacional-lingüístico quanto às análises políticas, vigentes na época. Na primeira, o aspecto destacado é sua concepção mecânica do social, o ocultamento da história,
da dominação, do conflito, das contradições.
A formalização que a lingüística leva a cabo opera, de fato, como
um descarte radical de sua densidade histórico-social, colocando a
descoberto uma concepção neutralizante e redutora da complexidade e a opacidade da linguagem, expulsando tudo aquilo que
excede e subverte o tranqüilo ir e vir da informação, tudo aquilo
que é rastro do sujeito histórico e pulsional, isto é, tudo aquilo
que não é mero intercâmbio senão produção do que se intercambia, dos intercambiantes e do próprio intercâmbio.
A segunda ruptura identificada nessa trajetória diz respeito à
redução dos processos comunicativos à sua dimensão “ideológiconegativa”, ou seja, a instrumento de reprodução ideológica da
classe dominante e, portanto, reflexo do econômico. Dessa forma, a metáfora base-superestrutura é questionada: “[…] o que se
torna impensável [a partir dessa metáfora] é a produção (grifo meu)
que habita e atravessa a ‘reprodução’. O ideológico como produção (grifo meu) e não mera manifestação instrumental de interesses específicos” (MARTÍN-BARBERO,1978, p. 43).
Durante todo o itinerário teórico proposto, Martín-Barbero
persegue este questionamento: quais são as condições de produção, de existência e de operação do discursivo? Ao passar por Saussure, Barthes, Greimas, Chomsky, Austin, entre outros, é essa a
questão que norteia o trajeto. Ao mesmo tempo em que revela aspectos dessas proposições que contribuem para a elaboração de
uma teoria crítica do discurso, ilumina seus limites, criticando-os.
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Martín-Barbero assume, então, que recolocar de um modo
novo a problemática da comunicação requer um posicionamento
político que tem como eixo o questionamento do social, isto é, o
reconhecimento de uma sociabilidade constituída pelo conflito e,
por essa razão, tramada com as relações de dominação. “[...] digamos de imediato que esse discurso não revela seu sentido a não
ser lido a partir das relações de poder e dos conflitos que esse
poder gera” (1978, p. 118).
Embora Martín-Barbero afirme que o espaço dessa reflexão
que persegue compreender “como na produção dos discursos se
inscreve o conflito” seja o materialismo histórico, seu posicionamento implica rupturas com o economicismo e com o entendimento da produção de discursos enquanto um fenômeno
superestrutural.
Contudo, analisar politicamente a problemática dos discursos sociais é adentrar no problema do ideológico. “O ideológico
se constitui no processo de produção dos discursos sociais, na
materialização de um sentido que é inabordável por fora deles.
O ideológico não é um produto a consumir mas a própria forma do
consumo” (1978, p. 116, grifo meu).
Através da própria análise da “escritura massiva”, esse autor conclui: “O trabalho ideológico […] se situa na própria escritura, visto que é nela, e não em nenhum tipo de conteúdos,
que se configura e plasma a organização desse espaço cujas ‘figuras’ podem variar ao infinito, a começar pelas figuras simplórias das fotonovelas as muito mais complexas de certas novelas
policiais ou de algumas séries de televisão norte-americanas”
(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 224).
Além de rastrear essas marcas da dominação, Martín-Barbero
propõe outra articulação: a do desejo, a do sujeito pulsional. Justifica a inclusão desse aspecto na medida em que implica a possibilidade de entender a extensão do econômico, isto é, como a
economia libidinal trabalha e é trabalhada pela ordem da dominação, como o dispositivo da sexualidade se inscreve no discurso,
integrando-o. A contribuição fundamental desse aporte psicanalítico reside na eliminação da pretendida exterioridade do imaginário em relação ao real.10
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Martín-Barbero vai propor, então, uma concepção de discurso-prática. Se pensado como prática, o discurso carrega-se de um
volume histórico. Ao mesmo tempo que implica a relação do discurso com a língua, o discurso-prática transborda esse limite e se constitui na trama da intertextualidade. “[…] um discurso não é jamais
uma mônada, mas o lugar de inscrição de uma prática cuja materialidade está sempre atravessada pela de outros discursos e outras práticas. Intertextualidade diz, nesse caso, não só das diferentes dimensões
que num discurso fazem visível e analisável a presença e o trabalho de
outros textos, [...] mas diz, também, da materialização no discurso
de uma sociedade e de uma história” (1978, p. 137).
Resta, enfim, enfatizar a crítica desse autor à homologia do
conceito de cultura ao de ideologia, assim como a impossibilidade
de continuar pensando o sistema ideológico como uma unidade de
sentido. Ao contrário, propõe vê-lo como “algo fragmentário e instável”, contudo, incrustado numa estrutura, onde a especificidade
da análise ideológica reside no estudo das relações do discurso e
suas condições de produção. Entretanto, analisar o processo de
produção e consumo dos discursos implica, também, o estudo dos
sujeitos produtores. “Sujeitos que […] não se definem por algum
tipo de intencionalidade, mas pelo ‘lugar’ que ocupam no espaço
social e pela forma como inscrevem sua presença no discurso”
(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 121). Aqui se manifesta essa tensão
entre o peso da estrutura e a emergência da ação dos sujeitos.
O que vem a seguir, depois dessas proposições, encontra-se
na seqüência do trabalho desse autor, que culmina com a publicação de De los medios a las mediaciones (1987). Aí é, fundamentalmente, a contribuição gramsciana que vai permitir abordar a
comunicação como dimensão constitutiva da cultura e, portanto,
de produção da sociedade.
Trato novamente das relações entre cultura, ideologia e poder, agora em García Canclini, para depois desenhar o mapa do
ingresso de Gramsci nos estudos culturais, embora este já tenha
sido esboçado. Através de uma série de conferências realizadas no
início dos anos 80, intituladas “Pode ser hoje marxista a teoria da
cultura?”, “Reprodução social e subordinação ideológica dos sujeitos” e “Como se configuram as culturas populares: a desigualdade
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na produção e no consumo”, García Canclini11 trata diretamente
de tal assunto, condensando suas observações a esse respeito. Mas
é claro que essas posições se manifestam e têm ressonância em
sua produção intelectual compreendida como um todo. Vale acentuar que a intenção é discutir uma teoria da cultura na contemporaneidade e não, uma teoria dos meios de comunicação de massa.
Seguindo a trilha proposta por esse autor, falar de uma possível teoria marxista da cultura implica recorrer ao tratamento dado a
temática da ideologia e as questões que permaneceram em aberto a
partir desse olhar. Quatro limitações básicas, recuperadas aqui sinteticamente, no pensamento marxista sobre ideologia são apontadas por García Canclini. E são justamente nesses espaços que
contribuições de outros campos disciplinares, assim como reformulações sobre a teoria marxista da ideologia, devem ser incorporadas para refletir sobre a complexidade dos processos ideológicos.
Em primeiro lugar, García Canclini aponta que a grande maioria dos textos marxistas refere-se à ideologia das classes dominantes. Contudo, reconhece que alguns autores marxistas se detiveram
no aspecto oposto. Mas, de uma forma geral, o conhecimento da
cultura e da ideologia dos setores populares têm sido foco de atenção de antropólogos não-marxistas. Ao incorporar à problemática
das culturas populares, certos desdobramentos teórico-metodológicos (por exemplo, os de Bourdieu, Williams, Cirese e Lombardi
Satriani) passam a reposicionar a problemática ideológica no espaço da interação entre classes e grupos sociais e como parte da disputa pela hegemonia. Assim, a ideologia aparece como um efeito
da desigualdade entre classes e das suas relações conflitivas.
Além disso, os fenômenos ideológicos passam a ser entendidos não somente como derivados das classes, mas, também, como
resultantes de outras diferenciações sociais (etnias, grupos profissionais, frações de classe). E assim “[…] as ideologias ou as diferenças culturais entre esses grupos se constituiram não somente
na produção – como na teoria marxista clássica sobre as classes –
mas, também, no consumo” (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 20). Questão que será tratada mais adiante.
Em segundo lugar, a metáfora marxista de ideologia como
reflexo contribuiu para que se atribuisse à representação, e não à
91
estrutura econômica, a responsabilidade deformadora. Assim, as
teorias do conhecimento e da cultura que aderem a essa idéia
tendem a pensar a determinação da estrutura sobre a superesturutura como causal, mecânica e unidirecional. Na realidade, rebate
García Canclini (1995a, p. 18), a determinação é estrutural, reversível e multi-direcional: “a base material determina por múltiplos condutos a consciência (se podemos seguir falando essa
linguagem) e esta sobredetermina dialeticamente, também, de
forma plural, a estrutura”.
Recuperando a reflexão de outro autor marxista, associado a
posturas althusserianas – Maurice Godelier – García Canclini endossa o princípio de que qualquer prática é simultaneamente econômica e simbólica. Ela existe nas relações sociais que são, por
sua vez, relações de significação. “O pensamento não é um mero
reflexo das forças produtivas; tem nelas, desde o começo, uma
condição material de seu aparecimento. […] Essa parte ideal, presente em todo desenvolvimento material, não é, desse modo, apenas um conteúdo da consciência; existe ao mesmo tempo nas
relações sociais que são, portanto, também, relações de significação” (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 21).
Esse tipo de análise que identifica ideologia como “reflexo”,
diz García Canclini, fez com que ela tenha sido estudada fundamentalmente como sistema de representações conceituais e repertório de imagens, em detrimento de sua organização material,
sendo esta a terceira limitação desse corpo teórico. Gramsci é
quem renova a perspectiva marxista, incluindo como parte do
processo ideológico, instituições que fazem possível a produção e
circulação da ideologia, isto é, um nível de materialidade.
De outro lado, através da contribuição dos estudos semióticos, a ideologia passou a ser vista, sobretudo, como um sistema
de regras semânticas, isto é, como um nível de significação presente em qualquer discurso. As reflexões de Martín-Barbero e Hall
revelam esse tipo de abordagem.
E, por último, segundo García Canclini, a ênfase no estudo
da ideologia em contraposição à ciência funcionou como obstáculo à formação de uma teoria marxista da cultura. Através dessa
92
estratégia, a ideologia é vista como distorção e encobrimento das
relações sociais.
Alguns autores que se ocuparam das outras funções da ideologia
(por exemplo, assegurar a coesão entre os membros de cada classe
ou uma nação; garantir a reprodução de suas condições de reprodução) não desenvolveram adequadamente esses aspectos ‘positivos’ da ideologia, como ocorreu com Althusser, porque a oposição
[da ideologia] à ciência os induziu a destacar a função negativa,
seu papel osbtaculizador para o conhecimento correto da estrutura social. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 19)
Entretanto, a inserção da problemática da ideologia nas teorias da reprodução social e da hegemonia, permite que esta seja
encarada como um componente indispensável para a reprodução
material e simbólica da sociedade, para construir o consenso e a
coesão social.
Do ponto de vista de García Canclini, é necessário afirmar a
indissolubilidade do econômico e do simbólico, do material e do
cultural. Questão colocada, em outros termos, expostos anteriormente, por Stuart Hall e Martín-Barbero. Incrustam-se exatamente nesse ponto, dois questionamentos clássicos, ou seja, como se
efetua a mediação entre estrutura e superestrutura e como se dá a
relação entre indivíduo e sociedade, melhor ainda, como se interiorizam as estruturas sociais nos sujeitos individuais e coletivos.
A proposta esboçada por García Canclini ampara-se, principalmente, nas formulações de Pierre Bourdieu. Quando Bourdieu estuda os públicos dos museus, os perfis do gosto, a estrutura
da escola e da educação na sociedade francesa, está tratando de
explicar como se reproduz uma sociedade e como se organizam
as diferenças entre as classes sociais, enfim, como se estrutura a
cultura e a sociedade. Assim, ele trata de desvendar o processo
através do qual as classes hegemônicas, utilizando as estruturas
simbólicas – estruturas ideológico-culturais – constroem sua legitimidade. A teoria dos campos, do habitus e do poder simbólico
são construídas e articuladas com esse propósito.
Não cabe, aqui, recuperar essas proposições por si mesmas,
apenas os momentos onde se dá a convergência entre as idéias de
93
Bourdieu, incorporadas por García Canclini, e as dos estudos
culturais britânicos, através dos posicionamentos de Hall. E,
também, aqueles pontos onde o próprio García Canclini se afasta da teoria bourdiana, unificando sua posição com a dos estudos culturais.
O esquema estruturador da sociedade é a teoria dos campos
que vem substituir a divisão clássica entre estrutura e superestrutura. A localização de cada campo na totalidade da estrutura social remete ao princípio das diferenças entre classes sociais. Aqui,
as classes sociais não se diferenciam apenas pela sua participação
na produção, mas, também, pela diferenciação pelo consumo. “[…]
as diferenças e desigualdades se duplicam sempre por distinções
simbólicas. E essas distinções simbólicas têm por função eufemizar e ‘legitimar’ a desigualdade econômica”(BOURDIEU apud GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 37).
As formas através das quais os membros de cada classe ou
grupo reproduzem a estrutura social mediante seu comportamento cotidiano conduz ao problema da interiorização das estruturas
sociais nos sujeitos. É, aqui, que a teoria do habitus se insere.
Estruturas estruturadas: porque o habitus que cada um leva dentro, foi estruturado a partir da sociedade, não é engendrado por
nós mesmos. Quando adquirimos a linguagem, a língua a nós
preexiste, estrutura-nos de uma certa forma para pensar e perceber
a realidade nos moldes que essa linguagem permite. Mas, por sua
vez, essas estruturas estruturadas estão predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes, no sentido de que são estruturas
que vão organizar nossas práticas, a maneira pela qual vamos atuar
na sociedade. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 40)
Então, sua relação com a existência de estruturas “estruturadas” – uma determinação social – e “estruturantes” – que organizam novas práticas sociais –, aproxima essa teoria do estruturalismo
marxista. E tal laço torna-se mais estreito quando se insere a mediação da linguagem e, conseqüentemente, a reprodução social.
Embora García Canclini alerte para o fato de que nem sempre as práticas correspondem ao habitus na teoria de Bourdieu,
impõe-se nessa teoria uma visão reprodutivista da sociedade.
94
Seu trabalho [o trabalho de Bourdieu] nos ajuda a perceber o
pouco que podemos escolher, [pois] estamos condicionados por
uma estrutura social, pelo pertencimento a grupos, a campos, a
classes que nos fazem atuar de uma certa forma. No entanto, pareceme que uma certa estabilidade e falta de mobilidade social na sociedade francesa, o caráter fortemente reprodutor, por exemplo, do
sistema escolar, que é onde ele analisa mais rígida e estaticamente o
fenômeno, tem dado pouco lugar na teoria bourdiana às práticas
transformadoras. Poderíamos dizer que falta distinguir entre as práticas como execução ou reinterpretação do habitus, e a praxis como
transformação da conduta para a transformação das estruturas objetivas. Bourdieu não examina como o habitus pode variar segundo o
projeto reprodutor ou transformador de distintas classes e grupos
sociais. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 43)
Aí se inicia o distanciamento de García Canclini da teoria
bourdiana. De um lado, existe um movimento que reconhece que
as estruturas sócio-culturais condicionam as mudanças políticas,
ou dito de outra forma, a potencialidade transformadora das distintas classes sociais está limitada pela lógica do habitus de classe.
Há um reconhecimento da força da reprodução social pela inserção dessa lógica no cotidiano dos sujeitos. De outro, existe uma
problematização de como inserir a ruptura nesse espectro, isto é,
um movimento que força em direção contrária.
Para mostrar conceitualmente como esses dois movimentos
podem em determinadas situações coexistir, é preciso retomar o
conceito de cultura em García Canclini. Sua noção de cultura se
situa entre a antropologia, um certo modo de tratamento da relação entre o econômico e o simbólico trabalhado pelo marxismo, e
desenvolvimentos contemporâneos da sociologia da cultura.
Em síntese, cultura é um processo de produção de fenômenos
que contribui através da representação ou reelaboração simbólica
das estruturas materiais para compreender, reproduzir ou transformar o sistema social. De acordo com García Canclini,
estamos considerando [a cultura] como um lugar onde se representa nos sujeitos o que sucede na sociedade; e, também, como
instrumento para a reprodução do sistema social. […] se os sujeitos
não interiorizam, através de um sistema de hábitos, de disposições, de
95
S
esquemas de percepção, compreensão e ação a ordem social, esta
não pode produzir-se somente através da mera objetividade. Necessita reproduzir-se, também, na interioridade dos sujeitos. Essa
dimensão simbólica, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva, é nuclear dentro da cultura. (1995a, p. 60)
A cultura tem, portanto, uma função de conhecimento do
sistema social. No entanto, os sujeitos não somente conhecem
esse sistema social através da cultura como buscam sua transformação, procuram elaborar alternativas. E é exatamente nesse ponto
que se pode distinguir a diferença entre ideologia e cultura.
No entendimento de García Canclini, nem tudo é ideológico
nos fenômenos culturais, se ideologia for entendida como deformação do real em função dos interesses de classe, sendo esta a visão de
ideologia da maioria dos autores marxistas. Por essa razão, ele conservaria o termo cultura precisamente por ter uma abrangência maior.
Na verdade, cultura não pode ser intercambiável com ideologia porque a primeira implica que toda produção social de
sentido é suscetível de ser explicada em relação às suas determinações sociais. Esse tipo de explicação, todavia, não esgota o
fenômeno. Cultura tem uma abrangência mais vasta, pois não
só representa a sociedade, também, cumpre a função de reelaborar as estruturas sociais e imaginar novas. “Além de representar
as relações de produção, contribui para reproduzi-las, transformá-las e inventar outras”, diz o próprio García Canclini (1995a,
p. 23). E o conceito de ideologia, seja ela vista como deformação, reflexo ou representações das condições reais de existência,
não admite esse entendimento. Além disso, não dá para esquecer que ideologia, na visão marxista, é reduzida a interesses de
classe, a formas de dominação relacionadas à classe dominante.
Residiriam aí os motivos pelos quais os estudos culturais vão
dar preferência ao termo cultura.
Através da reconstituição dos três itinerários – Hall, Martín-Barbero e García Canclini – conclui-se que esses autores
percorreram percursos diferenciados, porém coincidentes, nos
pressupostos de que a cultura não é determinada pela estrutura
e que a ideologia não é mero reflexo das condições de produção e que ambas são constituídas e constituem a estruturação
96
da sociedade. É para esse ponto que converge a reflexão dos três
autores em pauta: a cultura/comunicação como constitutiva da
trama social, portanto contribuindo tanto para a reprodução quanto
para a transformação e renovação do tecido social vigente. E, em
certo sentido, Gramsci será o ponto de confluência teórica, mas
seu aporte deixará marcas de intensidade distinta nas trajetórias
individuais estudadas e nos estudos culturais como um todo.
O APORTE GRAMSCIANO
Uma análise dos meios de comunicação de massa centrada
na ideologia, nos moldes propostos por Louis Althusser, não permitia abertura suficiente para abarcar aqueles espaços que escapam das malhas da dominação. Diante de uma perspectiva que
desembocava invariavelmente em reprodução social, a incorporação, sobretudo, do conceito de hegemonia de Antonio Gramsci
permitiu vislumbrar um movimento mais dinâmico e complexo
na sociedade, admitindo tanto a reprodução do sistema de dominação quanto a resistência a esse mesmo sistema. Em termos genéricos, esse argumento é válido para a vertente britânica, assim
como para a perspectiva latino-americana.
Do ponto de vista britânico, Hall (1996a, p. 267) aponta a
reflexão de Antonio Gramsci como instigadora e fundamental na
constituição dos estudos culturais, se considerados os “silêncios”
do marxismo sobre uma questão muito cara aos estudos culturais,
isto é, o âmbito do simbólico.
pessoalmente penso que os estudos culturais no contexto britânico,
num determinado período, aprenderam a partir de Gramsci: formidáveis porções sobre a própria natureza da cultura, sobre a disciplina
do conjuntural, sobre a importância da especificidade histórica, sobre
a imensamente produtiva metáfora da hegemonia, sobre a forma pela
qual alguém pode pensar as questões de relações de classe somente
usando a noção substituta de conjuntos e blocos.
Tendo em vista não só essa avaliação, mas, também, várias
investigações realizadas dentro desta tradição, pode-se dizer que
os estudos culturais britânicos, durante o período em que Hall
97
presidiu o CCCS – 1968/1979, discutiram e trabalharam de
forma mais extensa a contribuição gramsciana. Nos próprios
trabalhos de Stuart Hall observa-se uma preocupação em recuperar noções como “formação social” que propicia uma análise
da articulação entre os níveis político, econômico e ideológico, sem determinação de um sobre o outro, assim como a perspectiva “relacional”, necessária para implementar análises nesses
moldes. Porém, várias dessas investigações caracterizaram-se
fundamentalmente como análises políticas conjunturais, utilizando os meios de comunicação de massa apenas como um
dos seus suportes.
Em relação à perspectiva latino-americana estudada, o aporte
gramsciano parece circunscrever-se a análises propriamente culturais, embora essas tenham uma forte conotação política na medida
em que vão dar vazão a demandas populares antes desconsideradas.
É, principalmente, o conceito de hegemonia e as possibilidades abertas por ele para a compreensão do âmbito do popular que repercutem nessa vertente de análise cultural da comunicação e, especialmente,
nas formulações de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini.
De forma enfática, Martín-Barbero reconhece a importância
do pensamento de Gramsci na análise cultural, desbloqueando o
debate sobre a cultura dentro do marxismo e contribuindo de
forma fundamental à construção de sua própria proposta investigativa da comunicação.
fazendo possível pensar o processo de dominação social já não
como imposição a partir de um exterior e sem sujeitos, mas como
um processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em que
representa interesses que também reconhecem de alguma maneira
como seus, as classes subalternas. E ‘na medida’ significa aqui que
não há hegemonia, mas sim que ela se faz e desfaz, refaz-se permanentemente num ‘processo vivido’, feito não só de força mas também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução
e de cumplicidade. O que implica uma desfuncionalização da ideologia – nem tudo o que pensam e fazem os sujeitos da hegemonia
serve à reprodução do sistema – e uma reavaliação da espessura do
cultural: campo estratégico na luta por ser espaço articulador dos
conflitos. (1987a, p. 84)
98
O aporte gramsciano tornou possível inverter o sentido da
idéia – a comunicação como processo de dominação – até então hegemônico na visão “crítica” dos pesquisadores da comunicação, na
América Latina dos anos 70. Assim, Martín-Barbero passa a propor, no final dessa mesma década, a investigação da dominação
como processo de comunicação, pois a dominação é, também, atividade e não pura passividade da parte do “dominado”. Essa mudança de enfoque foi possível graças à incorporação do conceito
gramsciano de hegemonia entendida como um processo vivido
pelos sujeitos sociais.
Em Comunicación masiva – Discurso y poder (1978), essa idéia
germina, ganhando densidade em De los medios a las comunicaciones (1987). E no aniversário de dez anos de publicação desse
último texto, ao realizar um balanço de seu programa de investigação, Martín-Barbero reconhece que tudo iniciou juntando Paulo Freire com Gramsci. “Compreender a comunicação implicava,
portanto, investigar não só as artimanhas do dominador, mas também aquilo que no dominado trabalha a favor do dominador, isto
é, a cumplicidade de sua parte e a sedução que se produz entre
ambos. Junto com Gramsci foi Paulo Freire quem me ensinou a
pensar a comunicação, ao mesmo tempo, como um processo social e como um campo de batalha cultural” (1998a, p. 202).
A opção de incorporar parte da reflexão de Gramsci pelos
estudos culturais, incentivada, principalmente, através da liderança de Stuart Hall, deve-se em grande medida ao seu ataque ao
economicismo e reducionismo dentro do marxismo clássico. O
economicismo e o reducionismo devem ser entendidos como uma
aproximação teórica que tenta ler/interpretar as fundações econômicas da sociedade como a única estrutura determinante. “Essa
abordagem tende a ver todas as outras dimensões da formação
como simples espelho do ‘econômico’ em outro nível de articulação e não tendo nenhuma outra força determinante ou estruturadora no seu próprio direito. A abordagem, de forma simples,
reduz tudo numa formação social ao nível econômico e conceitua
todos os outros tipos de relações sociais como direta e imediatamente correspondentes ao econômico” (HALL, 1996c, p. 417).
99
Essa, também, pode ser considerada como uma das vias de
entrada de Gramsci no arcabouço teórico de García Canclini. Em
As culturas populares no capitalismo (1983), García Canclini manifesta
a intenção de superar as premissas que o idealismo deixou sem explicação, assim como o reducionismo do materialismo mecanicista. O
termo cultura significará, então, “a produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das
estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as
práticas e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido” (GARCÍA CANCLINI, 1983, p. 29).
Entretanto, García Canclini ressalta que sua definição não propõe uma identificação do cultural com o ideal e do social com o
material, como também não supõe que esses níveis possam ser estudados de forma separada. “Ao contrário, os processos ideais (de
representação ou reelaboração simbólica) remetem a estruturas
mentais, a operações de reprodução ou transformação social, a práticas e instituições que, por mais que se ocupem da cultura, implicam uma certa materialidade. E não é só isso: não existe produção
de sentido que não esteja inserida em estruturas materiais”(Idem).
Embora se apresente de um modo peculiar, esse tipo de vinculação já estava expresso nas formulações de Williams sobre a
“estrutura de sentimento”, ou seja, a forma pela qual sentidos e
valores são vividos na vida real. A noção de “estrutura de sentimento” teve seu esboço num livro publicado em 1954, onde se lia:
Todos os produtos de uma comunidade são, num dado período,
[…] essencialmente relacionados, embora na prática e no detalhe
isso não seja simples de se observar. No estudo de um período,
podemos ser capazes de reconstruir com mais ou menos exatidão
a vida material, a organização social geral e, numa abrangência
maior, as idéias dominantes. Não é necessário discutir aqui qual
desses aspectos, se algum, no conjunto global, é determinante
[…] Mas apesar de ser possível, no estudo de um período do
passado, separar aspectos particulares da vida e tratá-los como se
fossem independentes, é óbvio que tais aspectos somente poderão
ser estudados dessa forma, jamais experienciados. (WILLIAMS apud
HALL, 1993b, p. 352)
100
Reitera-se aí que somente para efeitos de análise podemos
separar diferentes aspectos da vida, pois na realidade tais níveis
não são experienciados dessa forma. Também na proposta de
Williams que foi fundamental na constituição do projeto dos
estudos culturais, a introdução do conceito de hegemonia foi
essencial para deslocar a idéia de cultura do âmbito da ideologia,
isto é, da reprodução social.
O fato de Williams, Hall, Martín-Barbero e García Canclini
coincidirem na tematização da cultura como um espaço de produção social e não só de reprodução, assim como o fato de creditarem a Gramsci um papel importante no repensar desse papel no
espectro da perspectiva marxista, não podem ser associados diretamente à idéia de que a construção desses posicionamentos se
deu mediante essa única via. Influências diversas atuaram nas trajetórias individuais desses intelectuais na problematização das
questões mencionadas.
Por exemplo, no trabalho de García Canclini percebe-se
tanto a influência teórica de Pierre Bourdieu quanto de Antonio Gramsci.
O enfoque mais fecundo é aquele que entende a cultura como um
instrumento voltado para a compreensão, reprodução e transformação do sistema social, através do qual é elaborada e construída a
hegemonia de cada classe. De acordo com essa perspectiva, trataremos de ver as culturas das classes populares como resultado de
uma apropriação desigual do capital cultural, a elaboração específica
das suas condições de vida e a interação conflituosa com os setores
hegemônicos. (GARCÍA CANCLINI, 1983, p. 12, grifo meu).
A articulação entre esses dois autores parece possível na medida em que García Canclini historiciza o modelo de Bourdieu,
ou seja, um desenvolvimento específico das forças produtivas e
das relações sociais construiu em nosso continente um capital
cultural heterogêneo em que confluem a herança das culturas précolombinas, a cultura européia, especialmente a espanhola e portuguesa e, por fim, a presença negra.
No entanto, em Culturas Híbridas (1989), o autor reconhece
que a articulação entre hegemonia e reprodução ainda não está
101
resolvida na teoria social. Embora o conceito de hegemonia permaneça ainda manifesto nas suas formulações, García Canclini
vai assumindo um posicionamento crítico no que diz respeito à
incorporação propriamente dita de tal conceito nas análises culturais. Aliado a isso, a discussão sobre a modernidade e pós-modernidade na América Latina e suas conseqüências, que se revelarão
de forma ainda mais contundente nos próximos trabalhos (1995b),
vai contribuir para redirecionar sua armação teórica.
Como se vê, os percursos individuais dos autores estudados
são diferentes. Contudo, existe uma preocupação semelhante: mediante influências diversas, tanto teóricas quanto contextuais, discute-se o reducionismo e economicismo do marxismo ortodoxo.
Todos rejeitam a lógica de uma determinação direta do âmbito da
economia sobre a cultura e a função desta como reprodutora da
estrutura social.
Ao tematizarem essa questão, Martín-Barbero, García Canclini e Hall, mesmo que em momentos históricos específicos, reconhecem o papel fundamental exercido pela obra de Gramsci no
repensar o espaço do simbólico. No entanto, concretizam-se laços distintos: seja Gramsci com Freire, Gramsci com Bourdieu
ou ainda Gramsci com posições identificadas como estruturalistas, principalmente, com uma parte da reflexão de Althusser. Se,
por um lado, isso impede de falar em plena identidade teórica
entre essas reflexões, por outro, é possível notar afinidades teóricas entre elas. A exemplo do que ocorreu na formação do projeto
dos estudos culturais britânicos, nota-se novamente uma “unidade na diferença” entre os três autores aqui estudados.
Como foi mencionado anteriormente, a tradição britânica
sofre uma influência mais abrangente da contribuição gramsciana. Por exemplo, a utilização do conceito de formação social vai
ajudar a pensar que as sociedades são necessariamente totalidades
complexas estruturadas em diferentes níveis (econômico, político
e ideológico) e em distintas combinações; cada combinação dá
vazão a uma configuração diferente das forças sociais e, assim, a
um desenvolvimento social característico.
Nas ‘formações sociais’, está se tratando com sociedades complexamente estruturadas, compostas de relações econômicas, políticas
102
e ideológicas em que os diferentes níveis de articulação, de qualquer maneira, simplesmente não correspondem ou ‘espelham’ uns
aos outros, mas são […] ‘determinantes’ uns nos outros. É essa
complexa estruturação dos diferentes níveis de articulação, não
simplesmente a existência de mais de um modo de produção, que
constitui a diferença entre o conceito de ‘modo de produção’ e a
necessariamente mais concreta e historicamente específica noção
de ‘formação social’. (HALL, 1996c, p. 420)
O conceito de “formação social” propicia compreender as
relações entre estrutura e superestrutura através de um entendimento mais complexo e dinâmico. O pressuposto, aqui, é que se
estabelece uma articulação entre essas forças em qualquer formação social, suspendendo-se a idéia de determinação. Logo, Gramsci também vai contribuir de forma substancial para esse debate.
Outra idéia fundamental para estabelecer as bases de uma
análise histórica e dinâmica das “relações de força” que constituem o terreno da luta política e social é o parâmetro “relacional”,
também, proposto por Gramsci.
Aqui ele [Gramsci] introduz a noção crítica que nós estamos procurando, que não é a vitória absoluta de um lado sobre outro,
nem a total incorporação de um conjunto de forças em outro.
Antes, a análise é um problema relacional – isto é, uma questão a
ser resolvida relacionalmente, usando a idéia de ‘balanço instável’
ou ‘o processo contínuo de formação e substituição do equilíbrio
instável’. A questão crítica é ‘as relações de forças favoráveis ou
desfavoráveis a esta ou aquela tendência’. Esta ênfase às ‘relações’ e ao
‘balanço instável’ lembra-nos que forças sociais que deixam de
existir num período histórico particular não desaparecem do terreno do conflito, nem o conflito, em tais circunstâncias, é suspenso.
(HALL, 1996c, p. 422)
Ou seja, ao aderir a uma noção de formação social que intrinsecamente implica o estabelecimento de “relações” entre instâncias diferentes – econômica, política e cultural –, que não se
caracterizam por assumir um caráter de determinação, a análise
passa a privilegiar o aspecto “relacional”, configurando-se uma
perspectiva teórica que exige, para sua unidade conceitual, ser
complementada pela concepção de hegemonia.
103
O que se observa, também, é que certos conceitos gramscianos vão permitindo uma formação teórica mais flexível do que
aquela fundamentada no estruturalismo marxista. Embora mesmo Williams já tivesse recuperado a contribuição de Gramsci, o
arcabouço conceitual dos estudos culturais britânicos, sob influência de Hall, manifesta com muito mais força essa incorporação na
medida em que a trama teórica passa a ter como pilar a noção de
hegemonia.
Ao contrário do que possa parecer devido à abertura que
propiciou, a incorporação do trabalho de Gramsci pela trajetória britânica de estudos culturais tem motivado algumas críticas.
Ao examinar, principalmente, textos publicados pelo CCCS e
pela Open University associados à cultura popular, Harris (1992)
avalia que Gramsci pareceu oferecer um marxismo “simpático”,
pois era teoricamente respeitado, não-reducionista e ativista nas
suas implicações. De outro lado, a utilização do conceito de
hegemonia ofereceu a vantagem de dignificar uma série de atividades como “políticas”.
Todavia, Harris reconhece que a perspectiva influenciada por
Gramsci dentro dos estudos culturais abriu um número de áreas à
inspeção crítica, resultando numa nova abordagem; foi responsável, também, pela emergência de uma sociologia crítica da cultura e pela “politização” dessa temática. No entanto, o mesmo autor
conclui: “Muito sinteticamente, o gramscismo, para mim, está
demasiadamente pronto […] a fazer seus conceitos prematuramente idênticos com os elementos dessa realidade de variadas
formas. Os escritos de Gramsci, para mim, estão sujeitos a um
fechamento prematuro por serem demasiado ‘estratégicos’ também – por permitirem o privilegiamento da análise política […].
Tais fechamentos têm benefícios, mas, também, consideráveis
perdas” (HARRIS, 1992, p. 195).
Entre as desvantagens usualmente creditadas às análises dos
estudos culturais como um todo e que podem estar associadas à
influência da perspectiva gramsciana, especialmente à incorporação do conceito de hegemonia, estariam a excessiva atenção à
superestrutura, à capacidade de ação dos sujeitos e a essa “outra”
expressão cultural identificada como comum e ordinária.
104
Entretanto, no território latino-americano, Martín-Barbero
(1995a, p. 52) reafirma a importância da incorporação do conceito de hegemonia na análise da dimensão cultural, destacando-a
como um avanço teórico.
A hegemonia nos permite pensar a dominação como um processo
entre sujeitos onde o dominador intenta não esmagar, mas seduzir o
dominado, e o dominado entra no jogo porque parte dos seus
próprios interesses está dita pelo discurso do dominador. E, segundo elemento que nos traz Gramsci com o conceito de hegemonia, é
que essa dominação tem que ser refeita continuamente, tanto pelo
lado do dominador como pelo do dominado. (grifo meu)
A adoção dessa categoria na perspectiva proposta por Martín-Barbero revela-se, em primeira mão, no questionamento das
teorias dominantes na investigação da comunicação, na medida
em que primordialmente não contemplam o modo como as pessoas se comunicam e usam os meios de comunicação. Nas teorias
dominantes, a comunicação assume um sentido genérico de circulação de informações.
Antes de ir adiante no delineamento das conseqüências da
incorporação da categoria de hegemonia na análise da comunicação, vale anotar que a crítica às teorias dominantes na pesquisa
em comunicação já era o mote da obra de Martín-Barbero, Comunicación masiva – Discurso y poder (1978). O diferencial é que nesse
texto a crítica se faz a partir da perspectiva semiológica, permanecendo, então, o foco na “escritura massiva”. A necessidade de estudar os sujeitos sociais encontra-se esboçada, mas não é o eixo
central da discussão.
No contexto do livro De los medios a las mediaciones (DMM12), a
primeira implicação da adoção de hegemonia é o (re)direcionamento
da problemática da comunicação para a cultura, modificando sua
compreensão. O sentido agora é de processo produtor de significações e, portanto, o receptor não é apenas decodificador do que
existe na mensagem, imposto pelo emissor, mas também produtor de novos significados. Logo, aqui, a ênfase do autor é outra.
Sendo assim, comunicação assume o sentido de práticas sociais.13
Elas podem ser entendidas enquanto práticas coletivas quando se
105
fala do sentido que a comunicação assume para os sujeitos. Assim, trata-se da comunicação nas ruas, nas casas, nas praças, nas
festas, nos bairros, nas escolas, nas famílias; entre mulheres, jovens, indígenas, trabalhadores rurais, domésticas, etc. Mas, também, as práticas podem assumir o sentido de produção cultural.
Práticas culturais que expressam valores e significados promovidos por instituições, corporações, intelectuais, a publicidade e os
meios de comunicação em geral.
Pensar a comunicação a partir da cultura, programa de investigação elaborado por Martín-Barbero, pressupõe não centralizar a
observação nos meios em si, ou seja, concentrar-se nos artefatos,
mas abrir a análise para as mediações. De forma genérica, significa
deslocar os processos comunicativos para o denso e ambíguo espaço da experiência dos sujeitos. Isso parece coincidir com a recém
citada análise de Williams e mais ainda com seu posicionamento
de associar cultura à própria noção de experiência.
Em outras análises da rota aberta por Martín-Barbero para
pensar a modernidade latino-americana, através da categoria mediações, reafirma-se como fundamental o eixo da experiência, porém a partir das sugestões de Walter Benjamin. Eliseo Colón, um
dos pesquisadores que se aprofunda nesta relação, pondera que
embora fique sugerido um diálogo com a obra de Raymond Williams e Antonio Gramsci, o amparo fundamental está na “experiência urbana”, proposta por Benjamin. “É a possibilidade do
fragmento, a ruína, da estética que se rebela contra a Aesthetica,
da resistência diante do poder sedutor da totalidade; é a estética
que propõe Benjamin”(Colón, 1998, p. 32). O acento recai no
pensar a experiência à moda de Benjamin, isto é, na região humana da percepção: da recepção múltipla e dispersa da experiência
urbana. Para Colón,
do ponto de vista da perspectiva benjaminiana, a noção que esboça Martín-Barbero da mediação, com sua superposição de pedaços
dispersos e fragmentos, é coerente com a experiência urbana [de
Benjamin]. Em Martín-Barbero, esses fragmentos que, para os
humanos, ocupam o lugar do autêntico, são a arquitetura da cotidianidade do bairro, da rua. São os grafites, a música, a festa, o
chiste, as feiras, o mercado. (1998, p. 33)
106
Não há como negar esta imbricação entre o pensamento de
Martín-Barbero e Benjamin, especialmente se tomado como ponto de encontro a insistência do primeiro nas transformações dos
modos de percepção (novo sensorium) e da experiência social, proporcionados pelas alterações que ocorrem no espaço da cultura.
O que não invalida, de outro lado, a vinculação de Martín-Barbero a Williams, pois este, em outros termos, também, tratou dessa
temática – a experiência.
Para Williams, o objetivo da análise cultural é reconstituir a
“estrutura de sentimento” ou o que a cultura está expressando,
isto é, a experiência através da qual a cultura é vivida. Em MartínBarbero a comunicação se dá, a exemplo de Williams, na cultura,
sendo a categoria de mediação que faz essa ponte.
A apresentação da categoria mediações, em DMM, dá-se mediante dois procedimentos: um de caráter conceitual e outro, ilustrativo. Através das observações conceituais, as mediações são
concebidas como conexões, amálgamas que misturam elementos,
formando um todo novo. São pontes que permitem alcançar um
segundo estágio, sem sair totalmente do primeiro. Dessa forma, as
mediações constituem-se em articulações entre matrizes culturais
distintas, por exemplo, entre tradições e modernidade, entre rural e
urbano, entre popular e massivo, também, em articulações entre
temporalidades sociais diversas, isto é, entre o tempo do cotidiano
e o tempo do capital, entre o tempo da vida e o tempo do relato.
Através das mediações é possível entender, fundamentalmente, a interação entre produção e recepção ou entre as lógicas do
sistema produtivo e dos usos, ou seja, o que se produz nos meios
não responde unicamente ao sistema industrial e à lógica comercial mas, também, a demandas dos receptores, ressemantizadas
pelo discurso hegemônico. Enfim, são instituições, organizações
sociais, sujeitos e matrizes culturais distintas.
Nos exemplos apresentados nesse livro (DMM), as mediações
tanto podem ser meios – a literatura de cordel espanhola, a literatura de colportage francesa,14 o cinema mexicano ; sujeitos – indivíduos que trabalham com a literatura de colportage; gêneros –
radioteatro, folhetim, melodrama, as séries e os gêneros televisivos; e espaços – o cotidiano familiar, o bairro.
107
Além disso, no estudo da telenovela colombiana, coordenado
por Martín-Barbero, pode-se entender a própria como mediação
no entendimento do processo de constituição do massivo, assim
como a classe social, o gênero, a geração, a etnia, a família, o
bairro e a cidade como mediações para as diversas possibilidades
de leituras da telenovela.
E, assim, novamente, ao juntar todas essas pistas, espalhadas
tanto no seu texto seminal (DMM) quanto na sua ampla produção
de artigos, conferências e entrevistas, o sulco que vai se formando
contorna insistemente o enfoque do cultural no espaço do cotidiano. A tentativa é aproximar-se da “experiência que as pessoas têm
e ao sentido que nela adquirem os processos de comunicação”
(MARTÍN-BARBERO citado HERLINGHAUS, 1998, p. 17).
Ainda em DMM, o autor propõe “como hipótese” três lugares de mediação preferenciais: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural. A primeira trata da
família como unidade básica de audiência ou recepção, por isso,
seria um dos espaços-chave de recepção e decodificação. A segunda diz respeito à relação entre o tempo produtivo do sistema
social e o tempo repetitivo do cotidiano. A última relaciona-se à
presença de uma matriz cultural e um modo de perceber/ler/usar
os produtos culturais.
Em outro lugar, Martín-Barbero (1990b) propõe a transformação das hipóteses citadas em três dimensões: a sociabilidade, a
ritualidade e a tecnicidade. A primeira diz respeito às negociações cotidianas do sujeito com o poder e às diversas instituições,
isto é, de forma mais ampla, a interação social; a segunda trata
das rotinas e das regras construídas a partir da combinação dos
ritmos do tempo e dos eixos do espaço, isto é, da profunda imbricação entre as rotinas do trabalho e as ações de transformação; a
última identifica-se com as características do próprio meio.
Se adotada a premissa de que os conceitos podem operar em
diferentes níveis de abstração e são com freqüência conscientemente planejados para atuar dessa forma, o importante é não julgar indevidamente um nível de abstração pelo outro. Seguindo
essa lógica, o conceito de mediação, no projeto de Martín-Barbero,
poderia equivaler-se ao de cultura, operando num nível mais geral
108
de abstração. Nesse mesmo nível, os conceitos de hegemonia e
história completariam sua reflexão. E em torno da idéia de cotidianidade, desdobrada nas dimensões de sociabilidade, ritualidade
e tecnicidade, residiria um nível de mais concretude.
Movendo-se, então, para o nível mais concreto, que exige a
aplicação de novos conceitos, é que aflora a ambigüidade das proposições do autor. Num primeiro momento, é o próprio conceito
de mediação que assume essa função através de sua transformação
em meios, sujeitos, gêneros e espaços (exemplificados em DMM).
Numa segunda (cotidianidade familiar, temporalidade social e
competência cultural) e terceira etapa (sociabilidade, ritualidade
e tecnicidade) é que a concepção de mediação passa a comportar
aproximações analíticas mais concretas. O problema é que não
fica claro se a última etapa pressupõe o esgotamento ou o refinamento da anterior, acrescentando sucessivas aproximações.
É claro que, na ordem mais geral de sua proposta, pode-se
dizer que pensar os processos de comunicação a partir da cultura
pressupõe deixar de pensá-los a partir da fixidez das disciplinas e
dos meios de comunicação em si mesmos. Os espaços de interseção de conhecimentos provenientes de áreas diversas são salientados, pois não é possível compreender o que ocorre no campo da
comunicação apoiando-se somente no que produzem os especialistas da área.
Tal implicação teórico-metodológica já estava expressa em
Comunicación masiva – discurso e poder (1978). Lá o autor insistia
na impossibilidade de manter as fronteiras disciplinares diante de
um objeto que reivindica a ampliação de seus contornos. “Essas
fronteiras respondem a uma divisão do trabalho teórico, da produção social do conhecimento que, neste momento, torna-se obstáculo para o desenvolvimento da investigação. Trata-se da
rearticulação das ciências humanas e sociais em função das transformações que as novas problemáticas trazem aos ‘objetos’ tradicionais dessas ciências” (1978, p. 119).
Enfim, entre os deslocamentos expressos no programa de
investigação, elaborado por Martín-Barbero, destaco duas dimensões fundamentais: hegemonia e história. De um lado, a incorporação do conceito gramsciano de hegemonia permite pensar a
109
dominação não como imposição, desconhecendo a existência de
sujeitos, mas, sim, como construção de um consentimento/de um
pacto que está permanentemente sendo refeito num processo vivido entre sujeitos. De outro, a análise da hegemonia acaba
deslocando a idéia de cultura do âmbito puramente ideológico.
A conseqüência é o abandono de uma concepção meramente superestrutural de cultura. Nessa direção, significa dizer que a cultura não é algo exterior às relações de produção, e não pode excluir
as relações sociais e de poder.
A dimensão histórica referenda essa posição, proporcionando materialidade às práticas culturais.
No campo da comunicação, falar de história tem sido reduzido à
história ‘dos meios’ que os autonomiza ‘mcluhianamente’, dotando-os de sentidos por si próprios ou faz depender esse sentido de
sua relação, quase sempre exterior e mecânica, com as forças produtivas e os interesses de classe. Agora tratar-se-ia de outra coisa: de
uma história dos processos culturais como articuladores das práticas
comunicativas com os movimentos sociais. O que implica localizar a
comunicação no espaço das mediações onde os processos econômicos deixam de ser um exterior dos processos simbólicos e estes,
por sua vez, aparecem como constitutivos e não somente expressivos do sentido social. Porque não existe infra-estrutura ou economia que escape da dinâmica significante, não é possível continuar
pensando por separado e de maneira fetichista o plano dos processos tecnológicos, industriais, e o da produção e reprodução do
sentido. (MARTÍN-BARBERO, 1983, p. 10).
Dessa forma, a proposta de Martín-Barbero organizada em
torno da categoria central de mediações, no plano da análise, segundo Reguillo (1998, p. 86), passa a ser transposta para o espaço, o
tempo, a memória, as identidades que “deixam de ser concebidas
como ‘determinações’, constituindo-se nas próprias mediações que,
através de seu caráter histórico, permitem explicar tanto a mudança
como a continuidade cultural, isto é, a cultura como uma arena de
disputas simbólicas pela transformação e inovação”.
Assim, o conceito de cultura se funde no de hegemonia, é a
arena do consenso e da resistência, e esse é o mesmo espaço onde
se funda a hegemonia. Essa premissa tem validade, especialmente
110
para Hall e Martín-Barbero. O primeiro ao aplicar o conceito de
hegemonia ao contexto britânico em diferentes momentos históricos, iluminando diferentes temáticas, dá uma certa materialidade
ao mesmo, articulando a noção de cultura com a estrutura produtiva. O segundo formula sua proposta investigativa do espaço da
comunicação fundamentado nessa categoria. Do ponto de vista de
García Canclini, a perspectiva aberta pelo conceito de hegemonia,
embora incorporada em sua reflexão, parece reter em si mesma
limitações, sobretudo iluminadas em uma possível contraposição
entre subalterno e hegemônico que adiante será discutida.
Contudo, a conseqüência natural da incorporação do conceito de hegemonia pelos estudos culturais desemboca na abordagem de questões em torno da cultura popular e o reconhecimento
da atividade ou “agência humana”. Através dos trabalhos pioneiros de Williams, Hoggart e Thompson, a cultura e as práticas
populares tornam-se objeto de investigação. Especificamente em
relação ao popular, o resultado mais direto é que
a teoria da hegemonia nos permite pensar a cultura popular como
uma mistura ‘negociada’ de intenções e contra-intenções; tanto a
partir de ‘cima’ como a partir de ‘baixo’, tanto ‘comercial’ quanto
‘autêntica’; um balanço inconstante de forças entre resistência e
incorporação. Isso pode ser analisado em diferentes configurações: gênero, geração, raça, região, etc. A partir dessa perspectiva,
cultura popular é uma mistura contraditória de interesses e valores
concorrentes: nem classe média nem trabalhadora, racista ou nãoracista, sexista ou não-sexista, […] mas sempre um balanço inconstante [...]. A cultura comercialmente fornecida pelas indústrias
culturais é redefinida, reconfigurada e redirigida em atos estratégicos
do consumo seletivo e atos produtivos de leituras e articulação, com
freqüência, em formas não pretendidas ou mesmo não calculadas
por seus produtores. (STOREY, 1997, p. 127).
O aporte gramsciano vai permitir, então, o entendimento de
contextos históricos específicos e formações sociais em que a história é ativamente produzida pelos indivíduos e grupos sociais, mantendo-se, ainda que de forma não acentuada, uma tensão entre as
estruturas e os sujeitos. Muitas vezes, a ação dos sujeitos é valorizada. No entanto, reside naquele tensionamento entre estruturação e
111
“agência” o ponto de motivação para uma constante redefinição
de posições teóricas dentro do leque aberto de preocupações dos
estudos culturais.
A reconstrução de parte da trajetória teórico-metodológica
dos estudos culturais não pode ignorar esse contínuo debate entre
posições diversas, o trabalho de transformação dessas posições, o
rearranjo e a redefinição das diferenças teóricas do próprio campo em resposta a questões pertinentes a um contexto histórico
específico. Esses movimentos revelaram rupturas e incorporações
teóricas importantes que contribuíram para a construção da perspectiva teórica e das principais problemáticas da tradição dos estudos culturais.
112
O POPULAR COMO OPÇÃO POLÍTICA
Embora os estudos culturais não possam ser reduzidos ao
estudo da cultura popular, esta temática é central no seu projeto.
Mas para falar sobre tal tema, é conveniente recuperar uma breve
afirmação de Williams (1983, p. 237): “cultura popular não foi
identificada pelo povo, mas por outros”. Nesse sentido, é uma criação intelectual. Se essa premissa for adotada, pode-se concordar
com Bennet (1986b) quando observa que a questão relativa a quem
é o “povo” não pode ser resolvida de forma abstrata, somente pode
ser respondida politicamente. Sendo assim, a tematização da cultura popular em si mesma já é uma opção de cunho político.
Parto, então, para rastrear como se configura conceitualmente
o popular dentro dos estudos culturais e suas implicações teóricas,
políticas e intelectuais. Novamente, a reconstituição do debate sobre o popular sustenta-se nas reflexões de Stuart Hall, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero, mas também contemplando
outras trajetórias e críticas.
Em linhas gerais, os estudos culturais estão, sobretudo, preocupados com as inter-relações entre domínios culturais supostamente separados, interrogam-se sobre as mútuas determinações
entre culturas populares e outras formações discursivas e estão
atentos para o terreno do cotidiano da vida popular e suas mais
diversas práticas culturais.
Durante um longo período a cultura popular foi desprezada e relegada como objeto de estudo. Entretanto, nos últimos
tempos, avanços foram conquistados na compreensão dessa esfera cultural. Na Grã-Bretanha, o termo foi utilizado, em um
primeiro momento, para identificar uma coleção ou miscelânea de formas e práticas culturais, tendo em comum o fato de
estarem excluídas do cânone aceito da “alta cultura”. O desejo
de conhecer empiricamente as formas culturais populares fez
113
com que fosse fundada na Inglaterra, em 1878, a primeira Sociedade do Folclore.
Ao longo do percurso que foi sendo construído em torno de
tal temática, observa-se que a descoberta da cultura popular, também, se associou às idéias de nacionalidade, modernidade, formação da identidade nacional em um contexto de industrialização
e democratização. Em contraste, no debate contemporâneo, interessa destacar que os estudos dedicados às culturas populares estão estreitamente articulados à política, à direção política e cultural
das sociedades.
Numa tentativa de reconstituição extremamente sintética dos
debates sobre o tema do “popular” em um passado recente, no
meio britânico, pode-se dizer que, no final dos anos setenta, tais
discussões concentravam-se em duas oposições, representadas pelo
estruturalismo e culturalismo.
Na perspectiva do estruturalismo, a cultura popular foi com freqüência considerada como uma ‘máquina ideológica’ a qual ditava o pensamento do povo de uma forma tão rígida e com a mesma
regularidade de lei como na síntese de Saussure – a qual forneceu
o paradigma original para o estruturalismo – o sistema da língua
dita os eventos da fala [...]. Contrariamente, o culturalismo foi
com freqüência acriticamente romântico em sua celebração da cultura popular como expressão dos autênticos valores e interesses
das classes e grupos sociais subordinados. Essa concepção, além
disso, resultou em uma visão essencialista de cultura, ou seja, em
uma personificação de essências de classe ou gênero específico.
(BENNETT, 1986a, p. XII)
O elemento novo que deslocou essas polaridades, foi a incorporação das reflexões de Antonio Gramsci sobre o tema da hegemonia. A contribuição gramsciana configurou um novo tipo de
ênfase na análise da cultura popular.
Em uma síntese da reflexão gramsciana, a cultura popular não é
vista nem como o local da deformação cultural do povo nem
como a sua auto-afirmação cultural [...]; ao contrário, ela é vista
como um campo de força de relações moldadas precisamente por
essas tendências e pressões contraditórias – uma perspectiva que
114
permite uma reformulação significativa das questões teóricas e
políticas as quais estão em jogo no estudo da cultura popular.
(BENNETT, 1986a, p. XIII)
A idéia central, exposta aqui de forma sumária, é de que as
esferas da cultura e da ideologia não podem ser concebidas como
sendo divididas em duas hermeticamente separadas e inteiramente opostas culturas e ideologias de classe.
O efeito é desqualificar as opções bipolares das perspectivas estruturalista e culturalista da cultura popular, vista tanto como a condutora de uma ideologia burguesa indissolúvel ou como o local
da autêntica cultura do povo […]. Pelo contrário, a cultura popular está em parte envolvida na luta pela hegemonia – e para Gramsci, os papéis desempenhados pela maioria dos aspectos culturais
sedimentados da vida cotidiana estão crucialmente implicados nos
processos por onde a hegemonia é disputada, vencida, perdida,
resistida – e o campo dessa cultura está estruturado tanto pela
tentativa da classe dominante em obter a hegemonia quanto pelas
formas de oposição a esse empreendimento. Como tal, ela não está
constituída simplesmente por uma cultura de massa imposta que
coincide com a ideologia dominante, nem simplesmente por culturas espontaneamente de oposição, mas, ao invés, é uma área de
negociação entre as duas dentro das quais […] ‘estão’ misturados
valores e elementos ideológicos e culturais dominantes, subordinados e de oposição, em diferentes permutações. (BENNETT, 1986a,
p. XV)
Enfim, essa reorientação dos estudos no âmbito da cultura
popular acarretou duas mudanças nos mesmos. A teoria da hegemonia permitiu a construção de um olhar, de dentro do marxismo, que evita ver o popular como um bloco homogêneo de
oposição, decorrente somente de uma posição de pertencimento
fixo a uma classe. Propiciou, também, pensar na possibilidade de
existência da separação relativa de diferentes regiões de enfrentamento cultural como classe, gênero e raça, assim como sobreposições entre essas categorias em diferentes circunstâncias históricas.
Em resumo, ao sugerir que as articulações políticas e ideológicas
das práticas culturais são dinâmicas – que uma prática que está
articulada a determinados valores hoje pode estar desvinculada
115
deles e associada a outros valores amanhã – a teoria da hegemonia
torna o campo da cultura popular uma área de enormes possibilidades políticas (BENNETT, 1986a, p. XVI).
Já na América Latina, a discussão do popular toma o seguinte rumo. De forma resumida, pode ser dito que existem três contornos onde a questão da cultura popular torna-se objeto de
discussão e reflexão: o primeiro está associado à idéia de folclore,
o segundo à cultura massiva e o terceiro associa-se ao populismo.
Cada um desses contornos identifica-se com tradições intelectuais
específicas e com diferentes propostas políticas. No entanto, nenhum deles é satisfatório na contemporaneidade.
A característica do olhar do folclore é a nostalgia. É um olhar
que vê a pureza da cultura popular ameaçada pela industrialização, fundamentalmente, pelos meios de comunicação. O popular
associado à cultura “moderna” ou à cultura mediática é produção
comercial e industrializada, associando-se muito mais à idéia de
popularidade. E o ponto de vista expresso pelo populismo político, característica da história latino-americana, tem finalidade pragmática – usa o popular para referendar e sustentar uma determinada
aliança política. Não há como não mencionar, também, que cultura popular na América Latina assume com freqüência conotações de expressa oposição, visão que foi predominante, sobretudo,
em um momento no qual experiências de “contra-hegemonia”
foram o foco de atenção.
Na perspectiva do populismo, os valores “tradicionais” do povo,
assumidos e representados pelo Estado ou por um líder carismático,
legitimam uma ordem, transmitindo aos setores populares a idéia de
que participam de um sistema que os reconhece e valoriza. Na realidade, simula-se que o “povo” é ator e protagonista.
Comentando esses posicionamentos, Martín-Barbero (1978,
p. 224) afirma:
É esse círculo vicioso, de acordo com o qual o sucesso de público
comprova a validez popular da fórmula, que é necessário fazer
rebentar, sem cair nem no pessimismo dos que pensam que o
popular ou não existe ou foi completamente digerido, apodrecido
pelo massivo, nem no otimismo populista para o qual, após a
116
conquista do poder, as massas não terão mais que resgatar sua
‘verdadeira’ cultura, até então soterrada, e torná-la ‘oficial’.
Sem negar as diferenças entre o “culto” e o “massivo”, é
necessário romper com a idéia de que o âmbito do massivo seja
somente lugar de reprodução ideológica. Nesse sentido, MartínBarbero (1978, p. 221) pondera que “a escritura massiva é tão
escritura como a culta, que na primeira também se faz e desfaz a
língua, também nela trabalham a história e a pulsão, da mesma
forma que na escritura culta, desejando-se ou não, se reproduz o
sistema e o sujo comércio incuba sua demanda”.
E assim, a partir dos anos 70, a idéia de popular como entidade subordinada e passiva passa a ser questionada teórica e empiricamente, através da incorporação de uma noção de poder que se
expande além das estruturas institucionais convencionais – Estado,
meios de comunicação, etc (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 243).
Mas é somente na década de 80 que o interesse pela cultura
popular suscita estudos que a tomam como um dos elementos de
articulação do consenso social. Duas vertentes se destacam nesse
período: uma baseada na teoria da reprodução social e a outra
que se apóia na teoria gramsciana de hegemonia. “Ao situar as
ações populares no conjunto da formação social, os reprodutivistas entendem a cultura subalterna como resultado da distribuição
desigual dos bens econômicos e culturais. Os gramscianos, menos ‘fatalistas’, relativizam esta dependência porque reconhecem
às classes populares certa iniciativa e poder de resistência, mas
sempre dentro da interação contraditória com os grupos hegemônicos” (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 233).
Martín-Barbero (1995a, p. 51) traduz essa mudança de rota
no entendimento do popular, através da difusão do pensamento
de Gramsci, na reformulação das questões pertinentes a serem
pesquisadas. “[…] eu sintetizaria o avanço numa mudança de perguntas. Creio que a pergunta de um animador cultural, de um
trabalhador social, de um educador, de um comunicador, não pode
ser o que é que na vida das pessoas fica de autêntico, o que é que
na vida das pessoas permanece de parecido a como era antes? Mas
sim, o que é que na vida das pessoas está vivo, as motiva, as
dinamiza, as apaixona?”
117
Uma das implicações desse tipo de abordagem, segundo
Martín-Barbero, desemboca na incorporação da dimensão histórica. Porém, ele ressalva qual o sentido que essa perspectiva histórica
adquire na sua reflexão:
sem confundir história com nostalgia que é a tentação historicista:
no passado está a razão do que somos e o passado sempre foi
melhor do que o presente. […] Agora, como transladar isto para
a complexidade da vida cultural de um país? Eu creio que a chave
continua sendo o não confundir memória com a fidelidade ao
passado. Trata-se de uma tentação muito forte, explicável porque
a crise que estamos vivendo é a crise de um modelo de sociedade;
é a ligeireza de pensar que o que fracassou veio de fora, pensar que
o que fracassou é o modelo que não tem relação conosco, que tem
somente relação com o que existe de imposição, e não com o que
existe de cumplicidade, não com o que existe de sedução. (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 52)
O popular como campo de abordagem é uma idéia que se
encontra tanto nas reflexões de Martín-Barbero e García Canclini
quanto nas de Stuart Hall, assim como do espectro mais geral dos
estudos culturais. Em todo esse conjunto repercute a influência
gramsciana. Essa aproximação revela a existência de uma espécie
de vasos comunicantes entre uma produção latino-americana e
outra, originalmente, britânica.
De uma forma geral, ou seja, com validade para ambos itinerários, a noção de popular a partir do olhar dos estudos culturais
não se refere diretamente às mercadorias produzidas pelas indústrias culturais, muito menos refere-se às tradições folclóricas. Ao
invés, o popular refere-se a uma visão específica da relação entre
povo e poder, a uma visão de onde e como o poder está localizado
na vida das pessoas. “O popular é de fato um ‘campo de questões’ que
exige que examinemos como o poder funciona onde o povo experiencia sua vida” (GROSSBERG apud MORRIS,1997, p. 43, grifo meu).
Esta idéia de que o popular é mais uma problemática do que
um objeto empírico delimitado que pode ser recortado da realidade
social com precisão, repete-se nas observações de García Canclini
(1987, p. 6): “O popular não corresponde com precisão a um
referente empírico, a sujeitos ou situações sociais nitidamente
118
identificáveis na realidade. Ele é uma construção ideológica cuja
consistência teórica está ainda por ser alcançada. É mais um campo de trabalho do que um objeto de estudo cientificamente delimitado”. Assim paralelismos e coincidências vão se apresentando
na discussão sobre a cultura popular.
Stuart Hall,1 em “Notes on deconstructing ‘the popular’”
(1981), afirma que o termo “cultura popular” pode ter vários e
diferentes sentidos. Entre os três descritos, o primeiro, senso comum numa sociedade capitalista, associa popular com mercado,
ou seja, algo é popular porque é muito consumido. No entanto, o
autor mostra suas reservas em relação a esta definição, pois ela,
de um lado, pode identificar-se com uma noção de passividade e
manipulação e, de outro lado, pode contrapor-se à idéia de existência de uma cultura genuinamente popular.
Na realidade, ambos sentidos implícitos nessa primeira aproximação mostram-se como um todo demasiado coerente e rígido:
um conjunto de formas/práticas populares que está “corrompido”
ou é “autêntico”.
Basicamente o que há de errado [nesta primeira definição] é que
ela negligencia as relações absolutamente essenciais do poder cultural – de dominação e de subordinação – que é uma característica
intrínseca das relações culturais. Ao contrário, eu quero afirmar
que não existe nenhuma ‘cultura popular’ completamente autêntica e autônoma, que esteja fora do campo de força das relações de
poder e dominação cultural. Em segundo lugar, essa definição
subestima em demasia o poder de inculcação cultural. [...] [Dessa
forma,] o estudo da cultura popular continua sendo visto entre
dois pólos bastante inaceitáveis: pura autonomia ou total incorporação. (HALL, 1981, p. 232)
A segunda definição é puramente descritiva: é o que o povo
faz ou tem feito, isto é, um modo distinto de vida. Esse sentido
iguala-se a um inventário com uma infinita listagem, problemática no momento de eliminar o que não é popular. Por outro lado,
sua oposição taxativa entre o popular e o não-popular não leva em
consideração, principalmente, o processo histórico, a movimentação das formas culturais.
119
De um período para outro os conteúdos de cada categoria mudam.
As formas populares enriquecem seu valor cultural, sobem na escala cultural e acabam por descobrirem-se no lado oposto. Outras
coisas deixam de ter alto valor cultural e são incorporadas pelo
âmbito do popular, transformando-se nesse processo. O princípio
estrutural não consiste, então, nos conteúdos de cada categoria –
os quais, eu insisto, se modificam de um período para o outro.
(HALL, 1981, p. 234)
E a terceira definição é aquela onde se insiste que o essencial
são as relações que definem a cultura popular numa contínua “tensão” – esta tanto pode implicar vinculação, influência e antagonismo – com a cultura dominante (HALL, 1981, p. 235). Nessa
concepção, as relações de poder se manifestam e ocupam o lugar
central a partir do qual pensar o popular.
Essa última definição trata o domínio das formas culturais
populares como um campo em permanente mudança.
Ela [essa definição de cultura popular] olha o processo pelo qual as
relações de dominação e subordinação são articuladas. Ela as trata
como processo: o processo através do qual algumas coisas são
ativamente preferidas enquanto outras podem ser menosprezadas.
Ela tem no seu centro as relações de força desiguais e variáveis que
definem o campo da cultura – isto é, a questão da luta cultural e
suas muitas formas. Seu principal foco de atenção concentra-se
nas relações entre cultura e questões de hegemonia. (Hall, 1981,
p. 235)
Nesta direção, Hall apresenta sua definição de cultura popular estreitamente ligada ao campo da política. Visões críticas dessa posição identificam que, aí, a idéia de cultura popular fica
reduzida à de política, o que passa a ser problemático para um
ponto de vista de análise cultural (MCGUIGAN,1992). A questão
fulcral, no entanto, não se situa apenas na relação que se estabelece entre esses planos ou campos, cultura e política, mas destes
dois com os processos produtivos, com a estrutura da sociedade.
A incorporação da teoria da hegemonia na construção de um
protocolo teórico-metodológico de cultura popular resulta em duas
conseqüências: as formas culturais não têm em si um valor ou
120
sentido inerente e não existe uma relação direta entre classe e uma
prática cultural. Esse fato tem repercussão na discussão sobre o
valor cultural das práticas, sobre seu julgamento e, também, sobre a
posição que o analista assume diante dessa situação.
Em outro lugar, Hall (1986) apresenta uma revisão histórica e
teórica das relações entre essa última definição de cultura popular e
o Estado através de três estudos de caso: o processo de construção
de leis no século XVIII; o papel exercido pelo Estado na formação
da imprensa no século XIX e a constituição da BBC no início do
século XX. Todos esses períodos são considerados de transição histórica na Inglaterra. Mediante a análise dessas circunstâncias, ele
demonstra que não existe uma relação estável, permanente e contínua entre o “povo” – ou o público – a cultura e o Estado. Essas
relações são propriamente um espaço de contínua intervenção política nas quais as posições são reformuladas a cada tanto.
Em 19922, Hall novamente ampara-se nessa análise teórica do
popular para refletir sobre a cultura popular negra. A cultura popular
negra é vista como um espaço contraditório, em alguns momentos é
um espaço estratégico de contestação, mas, em outros, é também
incorporação de valores dominantes (v. Hall et al. 1978). Por essa
razão, tais práticas não podem ser vistas através de um olhar de
oposições binárias tais como: resistência versus incorporação, autêntico versus inautêntico, oposição versus homogeneização.
Hall conclui que cultura popular: “é uma arena que é profundamente mítica. É um teatro de desejos populares, um teatro de
fantasias populares. É onde nós descobrimos e brincamos com nossas próprias identificações, onde somos imaginados, representados, não somente para as platéias lá fora que não captam a mensagem,
mas, pela primeira vez, para nós mesmos” (Hall, 1996i, p. 474).
Além disso, é um espaço dialógico mais do que oposicional, é fusão
conflitiva, um espaço tanto de rejeição como de inclusão.
Na mesma direção, Bennett propõe um protocolo de aproximação à cultura popular que seja
uma abordagem que mantenha esses termos [cultura popular,
popular e povo] vazios em suas definições, – ou, pelo menos, relativamente vazios – com o interesse de preenchê-los politicamente de
121
diversas maneiras conforme a dinâmica das circunstâncias demandarem. (…) O significado desses termos, por assim dizer,
nunca pode ser apreendido de forma fixa ou separadamente,
visto que seus usos estão sempre atrelados a uma luta para determinar precisamente quais os sentidos de ‘povo’ e ‘popular’ que
terão politicamente peso em relação as suas habilidades de organizar diferentes forças sociais em uma aliança política ativa. (BENNETT, 1986b, p. 8)
Desse modo, a definição de Hall para cultura popular deriva
sua força da categoria hegemonia a qual implica pensar o popular
em termos de relações entre classes. “A cultura popular é um dos
espaços onde ocorre a luta a favor e contra uma cultura dos poderosos: é também um jogo a ser ganho ou perdido nesta luta. É a
arena de consentimento e de resistência. É parcialmente onde a
hegemonia surge e onde é assegurada” (HALL, 1981, p. 239). Essa
posição corre o risco de reduzir a cultura popular ao âmbito do
político. Mas o que interessa destacar, neste momento, é a relação
de tal posicionamento com a análise cultural propriamente dita.
Ao recuperar tal definição de cultura popular, observa-se uma
estreita afinidade entre essa preocupação da vertente britânica e a
proposta pelos autores latino-americanos em foco. A discussão
sobre o que é o popular, num tempo onde tudo ou quase tudo se
massifica, ocupa um espaço fundamental na construção do referencial de García Canclini. Mais tarde, em 1995 quando publica
Consumidores e Cidadãos, motivado pelas mudanças sócio-culturais decorrentes da globalização, modifica seus posicionamentos
– mais adiante comentarei a esse respeito. Isso, no entanto, não
invalida resgatar o movimento de suas formulações e reformulações porque o objetivo, aqui, é demarcar um momento característico no estudo e reconhecimento cultural de modalidades diversas
de análise da comunicação.
Na pesquisa sobre artesanato e festas populares, realizada
entre 1977 e 1980, numa zona central do México, García Canclini
(1983) aponta como eixo fundamental para compreender as manifestações da cultura popular, no interior do sistema capitalista,
o desenvolvimento de uma estratégia de investigação que abrangesse tanto a produção quanto a circulação e o consumo.
122
De Gramsci, além da conexão cultura e hegemonia, é incorporada a própria noção de popular.
o popular não deve por nós ser apontado como um conjunto de
objetos (peças de artesanato ou danças indígenas), mas sim como
uma posição e uma prática. Ele não pode ser fixado num tipo
particular de produtos e mensagens, porque o sentido de ambos é
constantemente alterado pelos conflitos sociais. Nenhum objeto
tem o seu caráter popular garantido para sempre porque foi produzido pelo povo ou porque este o consome com avidez; o sentido e o valor populares vão sendo conquistados nas relações sociais.
É o uso e não a origem, a posição e a capacidade de suscitar práticas
ou representações populares, que confere essa identidade. (GARCÍA
CANCLINI, 1983, p. 135)
Ao assumir tal definição, Canclini questiona o modo pelo qual
as culturas populares foram abordadas tanto pelo folclore quanto
pela comunicação, sugerindo que o popular é um espaço a partir
do qual é possível repensar a complexa estrutura dos processos culturais e, simultaneamente, implodir os redutivismos disciplinares.
Dessa forma, o popular se reformula como uma posição
múltipla, representativa de correntes culturais diversas que reivindicam uma inter-comunicação massiva permanente. O popular
não aparece, diz García Canclini (1987, p. 10), como o oposto ao
massivo, mas como um modo de atuar nele. E o massivo não é,
nesse caso, somente um sistema vertical de difusão e informação;
também é, como disse uma antropóloga italiana, a expressão e
amplificação dos vários poderes locais que vão se difundindo no
corpo social.
Tal noção de popular relaciona-se diretamente com os usos,
as apropriações, a recepção, enfim, com o consumo. Aí, já está
expresso o embrião para a seqüência de suas investigações, aproximando-se cada vez mais do consumo como objeto de estudo.
Em Culturas híbridas (1989), García Canclini busca repensar a heterogeneidade da América Latina como uma articulação
complexa de tradições e modernidades (diversas e desiguais), como
um continente formado por países onde coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento. Sem nostalgia, propõe, então, a análise
123
do hibridismo intercultural, apontando processos-chave para explicá-lo: a ruptura das coleções que organizavam os sistemas culturais e a desterritorialização dos processos simbólicos.
Hoje, as coleções se desestruturam e o xerox e o videocassete, entre outros, podem ser citados como dispositivos de reprodução que contribuem para esta desestruturação. Os videoclips e os
videogames podem ser apontados como exemplos dos novos recursos tecnológicos que surgem fundindo e decompondo as rígidas
separações entre o culto, o popular e o massivo. E, como gêneros
impuros, pode-se incluir os grafites e as histórias em quadrinhos.
Essas referências têm curso num trânsito permanente do autor
pelo engajamento empírico e interpretação teórica.
Por outro lado, o processo de desterritorialização é concomitante ao de reterritorialização na medida em que os indivíduos se
desenraízam de um território nacional que definia sua identidade,
e se enraízam no espaço local onde se dão suas práticas cotidianas. Do ponto de vista teórico, a contribuição original de García
Canclini encontra-se na idéia de hibridez das culturas contemporâneas. Esta idéia é uma proposta conceitual feita para estudar
uma série de fenômenos e de processos contemporâneos que não
são identificados, exclusivamente, no espaço do culto/erudito,
popular ou massivo.
A hibridez trata de designar, precisamente, esse caráter misto, esses
cruzamentos interculturais nos quais, no meu modo de ver, deve
situar-se a investigação. […] A proposta de Culturas híbridas é a de
elaborar uma noção de hibridação que permita abarcar, de um
modo dinâmico, os diferentes processos em que o culto, o popular e o massivo se inter-relacionam, se misturam; o tradicional se
intercepta com o moderno; distintas culturas de países e regiões
diferentes também entram em relação. Interessa-me analisar como
esses intercâmbios dos processos culturais se produzem, para não
dar visiões fragmentadas, excessivamente analíticas. (GARCÍA CANCLINI apud MONTOYA, 1992, p. 11)
As duas principais conseqüências dessa postura teórico-metodológica, mencionadas em outros termos por Hall (1981), são:
não se pode vincular rigidamente as classes sociais com estratos
culturais fixos, nem esses estratos culturais comportam um elenco
124
de bens simbólicos e valores nitidamente definidos e fixos – por
exemplo, a elite não domina um repertório cultural, exclusivamente, erudito, pois existem obras, nesse espaço, que estabelecem relações com outras esferas; não se pode vincular rigidamente
repertórios culturais a territórios, isto é, delimitar a definição
de identidades culturais às fronteiras nacionais de um território
geográfico.
A perda da relação natural da cultura com um território geográfico ou o processo de desterritorialização, assim como a queda
das fronteiras entre estratos culturais (erudito, popular e massivo)
e culturas diversas (locais, regionais, nacionais e global) ou o processo de hibridação cultural é o foco central da reflexão proposta
em Culturas híbridas (1989). Mas, enfim, ainda nesse texto García Canclini (1989a, p. 260) reconhece que:
as investigações mais complexas dizem, perfeitamente, que o popular se dispõe em cena não com uma unidirecionalidade épica, mas
com o sentido contraditório e ambíguo de quem padece a história e,
ao mesmo tempo, luta com ela; referem-se, também, àqueles que
vão elaborando, como em toda tragicomédia, os passos intermediários, as astúcias dramáticas, os jogos paródicos que permitem a
quem não tem possibilidade de mudar radicalmente o curso da
obra, administrar os interstícios com parcial criatividade e benefício próprio. (grifo meu)
Em outras palavras, García Canclini critica tanto a teoria
fundamentada na reprodução social quanto aquela que se ampara
na hegemonia, embora reconheça em ambas teorias pistas sugestivas para compor uma análise do âmbito do popular. Contudo,
ambas contém limitações próprias à sua tecitura. A primeira, reservando toda iniciativa aos grupos dominantes; a segunda, destacando a autonomia dos grupos populares.
Na tentativa de compor uma definição que escape das armadilhas propostas pelas teorias citadas, García Canclini (1989a, p. 259)
atribui ao popular o valor ambíguo de uma noção teatral. Assim,
afirma: “as interações entre hegemônicos e subalternos são cenários de luta, mas também espaços onde uns e outros dramatizam
(grifo meu) as experiências da alteridade e do reconhecimento.
125
A confrontação é um modo de encenar a desigualdade (enfrentamento para defender o próprio) e a diferença (pensar-se através
do que desafia)”.Vai enfatizar, ainda, que nas manifestações populares existe “ação e atuação”, “expressão do próprio e reconstituição incessante do que se entende por próprio em relação às leis
mais amplas da dramaturgia social como, também, em relação à
reprodução da ordem dominante”(1989a, p. 260, grifo meu).
Na trama conceitual, proposta por Martín-Barbero, o popular também assume uma importância decisiva: não se pode pensar
o popular à margem do processo histórico de constituição do
massivo, da ascensão “das massas” e da sua presença no cenário
social. O popular é um lugar a partir do qual pode-se pensar o
processo comunicativo, é uma matriz cultural vista como mediação para estudar a comunicação, localizada entre os meios e as
práticas cotidianas.
Martín-Barbero efetiva esse procedimento de aproximação
teórica ao popular com elementos da filosofia, da história, da sociologia, da política e da antropologia, construindo uma proposta
para investigar o processo de constituição do massivo a partir das
mediações e dos sujeitos.
Para alcançar tal objetivo, Martín-Barbero desvela, em De los
medios a las mediaciones (1987), o movimento de gestação de alguns conceitos, refazendo sua história. Faz, então, uma revisão
crítica da idéia de povo para românticos e ilustrados; da idéia de
povo, agora, diluída na de classe social, debate que contrapõe
anarquistas e marxistas;3 e, ainda, da idéia de povo dissolvida na
de massa, proposta por teóricos liberais, principalmente, de forma mais recente através de intelectuais norte-americanos; de conceitos da Escola de Frankfurt sobre os processos de massificação;
dos desenvolvimentos que essa escola desencadeou através das
formulações de Edgar Morin, Jean Baudrillard e Jürgen Habermas;
da contribuição dos estudos históricos que redescobriram o popular, restituindo-lhe um papel de memória constitutiva do processo histórico; dos estudos culturais, via os trabalhos de Richard
Hoggart e Raymond Williams; da vertente sociológica francesa
que trabalha a temática da cultura, destacando-se Pierre Bourdieu
e, ainda, do trabalho singular de Michel de Certeau.
126
É através dessa retrospectiva que Martín-Barbero constrói
sua posição, sintetizada na idéia de que o popular somente tem
sentido, hoje, se for pensado na sua “imbricação conflitiva no
massivo” (MARTÍN-BARBERO, 1987a, p. 248). A referência ao “massivo”, segundo Martín-Barbero, diz respeito a condição estrutural
da sociedade moderna, a uma nova forma de sociabilidade, a novas condições de existência e, por sua vez, a um novo modo de
funcionamento da hegemonia. Daí sua insistência em tentar entender como a massificação funciona, hoje, seus traços históricos
e desenvolvimento na América Latina.
Nessa direção, Martín-Barbero procura restabelecer o encontro entre “modernidade” e “cultura popular”. Assim, na avaliação de Herlinghaus (1998, p. 18),
a noção do ‘popular’ é submetida a uma reformulação pouco
usual já que é ligada aos processos concretos de modernização. O
popular aparece agora localizável numa relação dinâmica com o
massivo – de acordo com a hipótese de que a modernidade latinoamericana, revisada dessa forma, se caracteriza por uma ‘não-contemporaneidade’ constitutiva, isto é, por descontinuidades culturais
cujo signo histórico é a ‘não-exterioridade’ do massivo no popular –, constitui-se em um de seus modos de existência. Aí, não se
confundem memória popular e imaginário de massa, mas se abandona a conhecida ilusão essencialista de um estrato popular incontaminado e autêntico.
Ao reformular a noção de popular, Martín-Barbero creditou
especial papel à ação dos setores populares no fortalecimento da
sociedade civil. Esse otimismo se lastra, essencialmente, na sua
incorporação da capacidade “tática” atribuída às classes populares por Michel De Certeau. Grosso modo, as táticas da vida cotidiana são o locus da resistência e subversão.
Nas palavras de Martín-Barbero (1987a, p. 94):
Popular é o nome para uma gama de práticas inseridas na modalidade industrial, ou melhor, o ‘lugar’ a partir do qual devem ser
vistas para se desentranharem suas táticas. Cultura popular fala,
então, não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Um
resto: memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e
127
se deixa dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à colonização tecnológica, que assim marginalizados, carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e
coletiva. E um estilo, esquema de operações, modo de caminhar pela
cidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo de intercâmbio
social, de inventividade técnica e resistência moral.
Esse posicionamento gerou uma certa desconfiança no projeto barberiano. Todavia, Martín-Barbero, mais tarde, vai matizar a valorização da capacidade criativa coletiva, expressa nesse
momento, ao alertar contra a tendência de pensar que existe apenas uma única forma “autêntica” de alternativo. É muito o esforço de dar voz e imagem aos excluídos e de abrir espaço à expressão
popular que tem detrás da chamada ‘comunicação alternativa’.
Mas, também, é muito o que, aí, tem sido ocultado de visão maniqueísta e marginal, carregada de resíduos puristas e populistas:
isto é, o alternativo, identificado com o popular e, por sua vez,
com o autêntico, seria o mundo da horizontalidade e da participação em si mesma” (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 200).
Esses três posicionamentos – de Hall, García Canclini e Martín-Barbero – falam por si mesmos nas suas afinidades e discordâncias. Até aqui não existem, ainda, divergências profundas, mas
há indícios que tais itinerários individuais mostrarão suas singularidades quando a temática da globalização e sua incidência no
campo cultural e, por sua vez, na arena popular, for pontuada
mais enfática e detalhadamente. Esse recorte será tratado em outro lugar deste trabalho.
Desse modo, o reconhecimento do âmbito popular como
um espaço de protagonização da hegemonia revela uma opção
política. Não há como evitar reconhecer que existe uma política
assumida na posição teórica dos estudos culturais, assim como
uma causa subjacente a essa posição.
A relação entre popular, hegemonia e política está expressamente articulada com a influência do pensamento de Antonio Gramsci nas formulações dos autores em foco. Contudo, é preciso
mencionar a interpretação deste conceito-chave de hegemonia. Seguindo uma via analítica do pensamento gramsciano, proposta por
Norberto Bobbio, hegemonia significa direção política, mas
128
também e, predominantemente, direção cultural. “Com relação à
função, a hegemonia não visa apenas à formação de uma vontade
coletiva capaz de criar um novo aparelho estatal e de transformar a
sociedade, mas também à elaboração e, portanto, à difusão e à realização de uma nova concepção de mundo” (BOBBIO, 1987, p. 48).
Através de outra análise da reflexão de Gramsci, realizada
por Carlos Nelson Coutinho, reitera-se que os “[…] conceitos
gramscianos, sublinham fortemente o momento superestrutural, sobretudo o momento político, superando assim as tendências economicistas”
(COUTINHO citado por ARICÓ, 1998, p. 19, grifo meu).
Ao recuperar esses comentários, assinalo a possibilidade de
que a própria categoria hegemonia possa ser considerada fundamentalmente como superestrutural. A armadilha que o conceito
hegemonia traz à tona para um pesquisador do campo cultural, é
de perder de vista as complexas relações entre superestrutura e
estrutura. Como o objeto de estudo primordial do analista cultural
encontra-se no primeiro nível (somente para efeitos de exposição
podemos classificá-lo dessa forma), o risco de superestimá-lo é
grande. Um especial interesse na especificidade do cultural tende
a subvalorizar as determinações econômicas e, em alguns casos,
as políticas que, na realidade, configuram as condições de produção e circulação das mercadorias culturais.
Desenvolvendo um raciocínio que guarda algumas aproximações com essas últimas considerações, mas também estendendo sua análise a outros pontos, McGuigan (1992) observa o
aparecimento de uma força “acrítica” no estudo da cultura popular no âmbito dos estudos culturais, estimulada pelo fracasso de
articular consumo e produção cultural. Essa força “acrítica” é atribuída à teoria da hegemonia. “Uma crise de paradigma nos estudos culturais contemporâneos do qual uma tendência populista é
um sintoma, é identificada e relacionada às contradições internas
da teoria da hegemonia neo-gramsciana que uma vez coesionou o
campo de estudo em oposição à perspectiva da economia-política” (MCGUIGAN, 1992, p. 5).
Ao avançar nas suas críticas, o autor insiste: “A teoria da
hegemonia colocou ‘entre parênteses’ (grifo meu) o econômico
129
da produção cultural, de tal forma, que uma perspectiva exclusivamente focada no consumo pode emergir de suas contradições internas: essa é uma das razões pelas quais deixou de ser a
moldura ordenadora que uma vez foi” (MCGUIGAN, 1992, p. 76).
Essa situação criou um fosso entre os estudos culturais e a economia-política da comunicação e da cultura.
A partir do momento que é identificada essa vertente “acrítica” nos estudos culturais contemporâneos, delineia-se um dos dilemas que a armação teórico-metodológica dos estudos culturais
coloca para o estudo da cultura popular: “a dissidência entre os
micro-processos do sentido e os macro-processos da economiapolítica é uma das principais razões da limitação do populismo
cultural no plano explicativo” (MCGUIGAN, 1992, p. 171).
Até o momento analisado neste capítulo, não se pode atribuir diretamente essas críticas às reflexões dos autores em foco –
Néstor García Canclini, Jesús Martín-Barbero e Stuart Hall. Bem
diferente é observar a incorporação dessas idéias e seu uso no desenvolvimento tanto da vertente britânica ou da latino-americana,
principalmente, no que diz respeito a pesquisa da atividade da audiência e dos diversos sentidos que os meios de comunicação, sobretudo, a TV, assumem no cotidiano. Aí, traços dessa crítica podem
ser vivamente evidenciados. Porém, a centralidade que a esfera cultural assume no programa de investigação proposto por esses autores, mesmo que resguardados matizes distintos, permite
interpretações de que é através dela que o econômico e o político
se realizam. Teríamos, assim, um determinismo às avessas.
FORMAS DE ENGAJAMENTO INTELECTUAL
El oficio del intelectual en esto consiste, en hacer aparente
todo aquello frente a lo que muchos son ciegos por ser
demasiado obvio. Sabe escuchar dentro de los silencios de una
época, pega el oído a la tierra para escuchar las corrientes
subterráneas, el rumor insignificante confundido con el
ruido para comprender su sentido: he ahí su sensibilidad para
captar lo esencial.
Javier Protzel
130
A prática dos estudos culturais envolve produção de teorias,
de conhecimento. Porém, não se trata apenas de aplicar teorias
existentes a um recorte empírico determinado. Na obra de Hall,
García Canclini e Martín-Barbero o elemento teórico é visto como
uma resposta à práticas específicas em contextos particulares.
Reafirma-se que essa é uma das características proeminentes da
proposta teórico-política dos estudos culturais.
Falando sobre a constituição e a prática dos estudos culturais
britânicos, Hall (1996a, p. 264) diz que uma atitude de pesquisa
que almeja demarcar uma “diferença no mundo” deve ter algumas
marcas de distinção. As marcas distintivas compõem o que ele
denomina de uma questão de posicionamento [positionalities].
“Porém, também é verdade que esses posicionamentos [positionalities] jamais são definitivos, nunca são absolutos; não podem ser
traduzidos de forma intacta de uma conjuntura para outra, não
podem estar subordinados a permanecer no mesmo lugar”.
Condições históricas bem gerais como industrialização, modernização, urbanização, massificação, mercantilização da vida
cultural, desenvolvimento de novas formas de capitalismo, globalização da economia, migrações, emergência de novos nacionalismos e fundamentalismos, entre outras, manifestam-se de forma
diferenciada em diversos contextos nacionais. Em cada contexto,
essas forças têm produzido com freqüência significativos deslocamentos sociais, políticos e culturais. São essas mesmas condições
gerais históricas, que se mostram específicas em contextos particulares, que deságuam diferentes tradições – que comportam na
sua unidade o seu oposto, a não-coesão; que reivindicam a provisoriedade de suas interpretações, ao contrário, da certeza absoluta do conhecimento – de estudos culturais.
Essas contingências são centrais no desenvolvimento e na
vitalidade dos estudos culturais contemporâneos. No entanto, isso
não quer dizer que toda posição teórica, dentro do campo dos
estudos culturais, tenha de ser separada de seus usos anteriores
para ser utilizada em contextos culturais distintos. Existem conceitos suficientemente abstratos e gerais que podem ser transladados a novos contextos toda vez que seja necessário. De outro lado,
existem também conceitos que, profundamente enraizados numa
131
determinada conjuntura, não podem simplesmente ser transplantados para outra situação, sem serem repensados.
A expansão do projeto dos estudos culturais para outros territórios é um processo de negociação cultural. Hall (1996f, p. 393)
insiste em que as novas inserções dos estudos culturais se dão
através de processos de “re-tradução”.
[Os estudos culturais estão] passando por um processo de retradução por onde quer que estejam sendo compreendidos, especialmente nos Estados Unidos, Austrália e Canadá. Cada um desses
lugares está envolvido com sua própria re-tradução. Além disso,
também há uma tradução entre gerações, mesmo dentro dos estudos culturais britânicos. Os estudos culturais estão agora em uma
posição diferente de quando o Centro de Birmingham estava atuando. Mesmo após a primeira década do trabalho inicial do Centro, nos anos oitenta, era bem diferente. Por isso, estou chocado
com o fato de que, de um certo modo, a internacionalização coloca
problemas em uma escala maior, mas não de diferente tipo, porque
a tradução tem que continuar, onde quer que praticantes se apropriem de um paradigma e suas próprias preocupações.
Afirma, ainda, que é um processo contínuo de re-articulação
e re-contextualização, sem nenhuma noção de origem primária.4
Dessa forma, onde os estudos culturais ganham espaço, os termos
vão mudando, existindo uma apropriação particular. Em qualquer processo de rearticulação e desarticulação, há elementos que
permanecem, conceitos comuns, mas também há novos elementos que mudam sua face.
Se não fosse assim, o processo estaria incompleto, pois não
daria conta das particularidades da sociedade em análise.
Os estudos culturais são transformados uma vez que se começa a
pensar o que é [por exemplo] a situação de Taiwan, o que ‘nação’
significa lá e como a internacionalização e a nova economia global
estão transformando aquela sociedade. Até que se penetre nos
estudos culturais a partir dessas estruturas – não a partir de dentro
mesmo dos estudos culturais, mas através dessas externalidades –,
não se traduz realmente os estudos culturais, simplesmente os
toma emprestado, renova-os, brinca de revestí-los. (HALL, 1996f,
p. 397, grifo meu).
132
Essa relação entre teoria e situações concretas particulares e
a constatação de que problemáticas teóricas para serem utilizadas
em realidades diferenciadas necessitam “traduções”, revela estreita proximidade com o pensamento gramsciano. Gramsci em inúmeras partes dos seus Cadernos refere-se ao problema da
“tradutibilidade”. No sentido gramsciano, essa problemática refere-se à possibilidade de algumas experiências históricas, políticas e sociais encontrarem uma equivalência em outras realidades
(cf. ARICÓ, 1998).
“Se a tradutibilidade supõe que uma fase determinada da
civilização tenha uma expressão cultural ‘fundamentalmente’ idêntica, ainda que a linguagem seja historicamente distinta na medida em que está determinada por tradições específicas de cada
cultura nacional e tudo o que dela se depreende” (ARICÓ, 1998,
p. 6), a prática dos estudos culturais pode ser traduzida para
outros contextos e territórios toda vez que seja possível estabelecer algum tipo de sintonia histórico-cultural entre seu mundo e
aquele para o qual está sendo apropriado.5
Também em suas notas, “Gramsci se pergunta pelas condições de ‘universalidade’ de um princípio teórico. Sua resposta
insiste na necessidade de que ele apareça como uma expressão
originária de uma realidade concreta a qual ele se
incorpora”(ARICÓ, 1998, p. 17). Sobre esse aspecto é o próprio
Hall que faz questão de salientar tal caráter peculiar da produção
intelectual gramsciana.
Ele [Gramsci] estava usando constantemente ‘teoria’ para iluminar casos históricos concretos ou questões políticas; ou para pensar em conceitos amplos em termos de suas aplicações a situações
específicas e concretas. Conseqüentemente, o trabalho de Gramsci
normalmente aparece como muito concreto: demasiado historicamente específico, muito delimitado em suas referências, muito
‘descritivamente’ analítico, muito preso ao tempo e contexto. Suas
idéias e formulações mais brilhantes são tipicamente do tipo conjuntural. Para se fazer um uso mais geral de suas idéias, elas têm que
ser delicadamente desenterradas de seus enraizamentos intrinsicamente concretos e históricos e serem transplantadas para um novo
solo com considerável cuidado e paciência. (HALL, 1996c, p. 413)
133
Duplicando essas considerações de Hall, pode-se aplicá-las
às características dos trabalhos – pelo menos àqueles que têm qualidade teórico-descritiva – do próprio projeto geral dos estudos
culturais. É claro que não esquecendo as devidas diferenças entre
a produção original de um pensador marxista e um projeto que
mais articulou diferentes tradições teóricas na composição de uma
perspectiva metodológica com tal particularidade.
O que se observa na América Latina através das formulações
de Martín-Barbero e García Canclini, é uma criatividade teóricometodológica profundamente enlaçada com a conjuntura latinoamericana mas, ao mesmo tempo, em sintonia com um movimento
intelectual maior, passível de ser associada aos estudos culturais.
Uma afinidade teórica perpassa as observações de Hall, García
Canclini e Martín-Barbero, embora cada uma delas esteja enraizada e levando em consideração condições históricas determinadas
e percursos próprios.6
O caminho de Stuart Hall, entranhado numa situação histórica particular, e a construção de um conjunto de questões em
torno de seu trajeto individual estão expressos nas suas análises do
thatcherismo, da reação da sociedade britânica à ascensão do crime, assim como nas observações sobre as subculturas juvenis e
sobre a identidade negra e sua inserção na cultura britânica.
Sua preocupação incessante com problemáticas da atualidade quer sejam de maior densidade como o debate da pós-modernidade, globalização, constituição de identidades, entre outras,
quer sejam de recorte mais empírico como a inserção de uma
tecnologia como o walkman no cotidiano social, mostram seu
permanente engajamento com a fluída movimentação da sociedade contemporânea.
Imersos no mundo híbrido da América Latina, Martín-Barbero e García Canclini compõem, também, reflexões comprometidas
e situadas historicamente. O primeiro expõe explicitamente esse
tipo de posicionamento ao propor incorporar a dimensão histórica
na pesquisa em comunicação. Segundo Martín-Barbero, isso significa assumir um determinado lugar – posição do investigador –
para recuperar a história dos processos culturais como articuladores das práticas comunicativas com os movimentos sociais.
134
Na realidade, Martín-Barbero procura construir uma história
da constituição do cultural. A história do melodrama na América
Latina, projeto levado adiante por ele, exemplifica tal procedimento. O melodrama é, ao mesmo tempo, forma de recuperação da
memória popular pelo imaginário, fabricado pela indústria cultural, e indicador da presença do popular na constituição do massivo.
Outras frentes de trabalho, – estudos dos processos de comunicação cotidiana, observação de práticas populares e seu vínculo com a mudança social (religiosidade popular), formação
profissional – todas interpretadas à luz da inter-relação entre
comunicação, cultura e sociedade na América Latina, reiteram
essa mesma posição.
Já García Canclini parte do pressuposto de que para compreender a conjuntura latino-americana deste final de século, é preciso uma perspectiva pluralista que admita a fragmentação e as
combinações múltiplas entre tradição, modernidade e pós-modernidade. Na América Latina, de acordo com García Canclini, a
modernidade não está superada, mas vive-se um estilhaçamento
do moderno, uma interação crescente entre culto, massivo e popular, diluindo fronteiras entre seus praticantes e os distintos estilos. Uma das principais conseqüências é a reformulação do capital
simbólico mediante cruzamentos e intercâmbios.
A sociabilidade híbrida que sugerem as cidades contemporâneas
nos leva a participar, em forma intermitente, de grupos cultos e
populares, tradicionais e modernos. A afirmação do regional ou
nacional não tem sentido nem eficácia como condenação geral do
exógeno. Devem ser concebidos, hoje, como a capacidade de interagir com as múltiplas ofertas simbólicas internacionais a partir de
posições próprias. (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 332)
Em termos de temáticas pesquisadas, García Canclini desenvolve estudos sobre os desafios enfrentados pelas identidades nacionais na medida em que se aceleram os acordos de livre comércio
e integração global das economias. No caso específico do México, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte.
Ele realiza, também, estudos de consumo cultural e pesquisas sobre políticas culturais e consumo popular na Cidade do
135
México. Num período anterior, investigou culturas tradicionais
como artesanato e festas populares, sob o efeito da massificação,
do turismo e da modernização. Enfim, o autor transitou no trabalho de campo tanto em zonas rurais e indígenas quanto na cidade
contemporânea.
Se o trabalho teórico-intelectual se dá numa relação com as
circunstâncias históricas vividas, a prática intelectual acaba tendo
ressonâncias políticas. Do ponto de vista dos estudos culturais britânicos, da sua origem até a contemporaneidade, a relação teórico/
político sempre foi uma premissa fundamental. Hall ressalta que
mesmo quando o debate sobre assuntos específicos estavam ocorrendo dentro do Centro de Birmingham, todo mundo sabia que
a relação entre política e cultura era central em nossas preocupações e prática. Não uma posição política particular e sectária – isso
nós sempre evitamos- mas a relação entre cultura (entendida como
práticas significantes) e poder. De um certo modo, se há alguma
coisa para ser aprendida dos estudos culturais britânicos é a insistência na articulação entre cultura e poder – em diferentes contextos, obviamente. (HALL, 1996f, p. 395)
No debate contemporâneo ainda essa questão da politização
da prática dos estudos culturais é objeto de preocupação.
Os estudos culturais são, com certeza, ou, pelo menos, aspiram ser
um modo de politizar práticas intelectuais. Porém, a prática de
estudos culturais não impõe aos seus praticantes uma agenda política específica, e não acarreta quaisquer posições fixas ou soluções
prontas para conflitos. Examinar a ‘relação entre’ povo e poder, e
perguntar ‘quando e como’ o poder está localizado em suas vidas,
é adotar uma abordagem contextual ou uma aproximação pragmática à política. (MORRIS, 1997, p. 43)
Entre outros intelectuais que se destacam nesse campo, Tony
Bennet (1992,1993) e McGuigan têm enfatizado esse aspecto, ou
melhor, têm insistido na recuperação e na necessidade de discutir
“política” ou “políticas” nos estudos culturais.
Essa idéia se cruza com as propostas de Martín-Barbero que
entende a atividade de investigação como atividade crítica, acompanhada de um compromisso com um projeto político de participação
136
popular. Tal posicionamento se manifesta, por exemplo, na sua preocupação com a educação, especialmente, com a escola e com o papel
do professor enquanto “provocador de interrogantes”.
Mas, também, Martín-Barbero enfatiza em sua extensa produção de textos que os avanços teóricos, obtidos na reflexão sobre
a cultura ou sobre a comunicação na cultura, devem tornar-se
operativos, traduzíveis. Isto é, não deve existir um confronto entre teoria-prática, mas constribuições teóricas destinadas a fecundar a ação em si mesma. Aí, tem origem sua preocupação com a
constituição de um comunicador como intelectual.
Pensar na possibilidade que o espaço da comunicação seja
um lugar estratégico para pensar a sociedade, significa refletir
sobre o peso social dos estudos da comunicação e a exigência de
repensar as relações comunicação e sociedade. Por essa razão,
Martín-Barbero reivindica a conversão do comunicador em intelectual, de intermediário entre produtores e consumidores para
mediador na cultura. E o mediador deve tornar explícita a relação
entre diferença cultural e desigualdade social.
Em contraste com o intermediário, o mediador se reconhece socialmente necessário mas, culturalmente, problemático, num ofício
ambíguo e até contraditório: trabalhar pela abolição das fronteiras
e das exclusões é despojar de chão seu próprio ofício; buscar a
participação das maiorias na cultura é elevar o número dos produtores mais do que dos consumidores[…]. (MARTÍN-BARBERO, 1990,
p. 14).
O que o autor parece querer argumentar é que a investigação em comunicação não está eximida de elaborar uma teoria
com vínculo social e, por sua vez, este investigador e/ou comunicador não está isento de exercer o papel de intelectual. No entanto, mais recentemente, reconhece que o papel do intelectual está
em xeque a partir da crise do Estado-nação, das utopias e da
esfera pública política7. Além disso, os seus últimos textos (1997/
98) exalam um certo ceticismo a projetos mais ambiciosos de
emancipação e transformação social.
A repercussão desse tipo de atitude de engajamento intelectual
tem, também, seus desdobramentos na obra de García Canclini
137
que procura com freqüência relacionar sua produção teórico-empírica com o ato de trazer para o campo cultural uma perspectiva
de ação. Não basta abordar as representações simbólicas e os aspectos reprodutivos do campo simbólico, mas propor uma estratégia de ação, uma proposição política. Daí resulta a impressão
de que o autor realiza uma análise do presente articulada à vontade de transformação. Esse é um ato político que articula a análise
científica com a ação política.
Tal tipo de engajamento pode ser observado, em primeiro
lugar, no texto As culturas populares no capitalismo (1983). Nas conclusões desse trabalho, encontram-se delineadas políticas culturais
que tratam das relações dos artesãos com o Estado e o papel deste
último em relação às culturas populares. A ênfase dessas políticas
culturais populares encontra-se no papel de protagonista que os
próprios produtores devem exercer, mas isto somente se realizará
como conseqüência de uma democratização radical da sociedade
civil.
Em Culturas híbridas (1989), García Canclini avalia os efeitos do discurso e da prática liberal ou neo-conservadora. O papel
do poder público se reduz como garantia da democratização cultural. Isso significa concentrar o poder em empresas privadas,
transformando em mercadoria os anteriormente serviços públicos
de informação, artes, comunicação e outros. Dessa forma, o acesso a esses bens torna-se possível somente a setores privilegiados.
Em tal panorama, a fragmentação dos públicos, produzida pela
diversificação das ofertas, reduz a expansão dos bens simbólicos.
E o efeito é uma segmentação desigual dos consumos.
Ainda no mesmo livro, o autor evita explicitar generalizações
“fortes”, pois reconhece a crise da noção de totalidade, num tempo
onde a história se movimenta em muitas direções e toda conclusão
é provisória e incerta. Diante da diversidade e desigualdade de
condições vividas pelos países latino-americanos o que enlaça todos
e tudo é uma reformulação do capital simbólico mediante cruzamentos do culto, popular, massivo, tradicional, moderno, ou melhor, através da reconversão ou hibridismo cultural.
Assim, este livro não termina com uma conclusão senão com uma
conjetura. Suspeito que o pensamento sobre a democratização e a
138
inovação se movimentará nos anos noventa nesses dois trilhos que
acabamos de atravessar: a reconstrução não substancialista de uma
crítica social e o questionamento às pretensões do neoliberalismo
tecnocrático de converter-se em dogma da modernidade. Trata-se
de averiguar, nessas duas vertentes, como ser radical sem ser fundamentalista. (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 348)
Em Consumidores e cidadãos (1995b), apesar de considerar a
irreversibilidade do processo de globalização, García Canclini não
acredita que o global esteja substituindo o local, assim como não
vê o atual modo neoliberal de nos globalizarmos como o único
possível. É nesse sentido que ele propõe uma luta pela reforma do
Estado, traçando políticas culturais que assegurem iguais possibilidades de acesso aos bens da globalização.
Como o título desse livro sugere, o autor procura indagar como
podemos entender as tensões identitárias entre o sujeito-consumidor e o sujeito-cidadão em um contexto de mercado econômico e
cultural glogalizado. No final, ele reivindica uma articulação entre
mercado e propostas políticas com o intuito de resguardar a produção cultural latino-americana e preservar o papel do Estado como
um agente importante da identidade cultural coletiva.
Ao recuperar as contribuições mais significativas do pensamento de García Canclini para os estudos culturais latino-americanos e, especialmente, mexicanos, Lull (1998, p. 412) conclui
que, em Culturas híbridas (1989), “García Canclini imagina um
tipo de utopia da comunicação – uma esfera pública mediada que
lembra o que John Thompson propõe por ‘reinvenção do espaço
público’. García Canclini acredita que o mercado pode reascender a ‘imaginação de uma esfera pública’ e que um vasto e variado
universo de produtos e mensagens deveria estar igual e facilmente
acessível para a maioria do povo”.
Do meu ponto de vista, no mínimo três alternativas se abrem
para definir o posicionamento de García Canclini: utópico, ingênuo ou apenas favorável a um multiculturalismo democrático.
Isso somente poderá ser avaliado com o cuidado que merece,
após resgatar as considerações de García Canclini sobre a contemporânea organização das identidades, próxima temática deste
livro. De toda forma, fica explícita a posição de intervenção social
139
assumida por ele. Essa marca de intervenção estende-se, também,
à prática de estudos culturais em outros contextos geográficos.
Novamente, o exemplo pode ser o caso australiano. Na apresentação de uma coletânea de textos sobre os estudos culturais naquele
território, Frow e Morris (1996, p. 354) salientam que, embora
não exista um consenso sobre “uma política do trabalho intelectual”, o projeto dos estudos culturais está, em certa medida, sempre
marcado pelo discurso do envolvimento social.
Na trajetória da vertente britânica de estudos culturais fica clara
a preocupação em produzir um interesse simultâneo por formas de
conhecimento e formas de política. Referindo-se ao trabalho do
CCCS, Green (1996c, p. 97) afirma: “Eles [os estudos culturais]
tornaram-se amplamente conhecidos por sua combinação de crítica
política engajada, trabalho com textos, mas também através de estudos etnográficos, inseridos num contexto de mudança política e social, e uma incansável exploração de marcos teóricos”.
Na proposta original do CCCS e do seu coletivo de pesquisadores, não havia dúvidas a respeito da intenção de constituir “intelectuais orgânicos”. A necessidade de refletir sobre a posição
institucional e sobre a prática intelectual, novamente, estabeleceu
um vínculo entre Gramsci e os estudos culturais britânicos.
Hall reconhece que:
Devo confessar que, embora tenha lido muitas abordagens mais
elaboradas e sofisticadas, a de Gramsci ainda me parece a que mais
se aproxima daquilo que eu acho que estávamos tentando fazer.
Admito que há um problema com sua expressão ‘a produção de
intelectuais orgânicos’. Porém não tenho a menor dúvida de que
estávamos tentando encontrar uma prática institucional nos estudos culturais capaz de produzir um intelectual orgânico. Antes,
no contexto britânico dos anos 70, não sabíamos o que isso significaria, e não tínhamos certeza se seríamos capazes de reconhecer
ele ou ela se conseguíssemos produzi-lo(a). O problema com o
conceito de intelectual orgânico é que ele parece alinhar os intelectuais com um movimento histórico emergente, e não podíamos
dizer naquela época, e dificilmente podemos agora, onde tal movimento histórico devia ser encontrado. Éramos intelectuais orgânicos sem qualquer ponto de referência orgânica; intelectuais
140
orgânicos com uma nostalgia ou vontade ou esperança (lançando
mão da expressão gramsciana retirada de outro contexto) de que,
em algum momento, estaríamos preparados intelectualmente para
aquele tipo de relação, caso semelhante conjuntura aparecesse. A
bem da verdade, estávamos preparados para imaginar ou modelar
ou simular essa relação em sua ausência: ‘pessimismo da razão,
otimismo da vontade’. (1996a, p. 267)
A proposta gramsciana implica em pensar o papel do intelectual orgânico em duas frentes: estar à frente teoricamente e não se
omitir da responsabilidade de transmitir conhecimentos, através
da função intelectual, para aqueles que não pertencem a categoria
dos intelectuais. Essa ambição fazia parte do projeto dos estudos
culturais, embora Hall insista: “Nós nunca produzimos intelectuais orgânicos no Centro (gostaria que tivéssemos). […] foi um
exercício metafórico. No entanto, metáforas são coisas sérias. Elas
afetam a prática das pessoas. Eu estou tentando descrever os estudos culturais como um trabalho teórico que deve continuar a existir com essa tensão [contribuição teórica e prática política]” (HALL,
1996a, p. 268).
Isso mostra a preocupação da vertente britânica com a relação cultura e política, simbólico e social. A questão política foi
central na sua constituição, vide sua ligação com a educação de
adultos, com a New Left, com o feminismo, enfim, com os movimentos sociais pelo menos da época de sua emergência. Já do
ponto de vista latino-americano, observa-se uma estreita relação
entre cultura e atitude política que se manifesta na construção da
perspectiva dos estudos culturais, na escolha de seu objeto de estudo e nas preocupações de seus praticantes.
Entretanto, desdobramentos histórico-políticos estão obrigando a repensar a própria idéia de “intelectual orgânico”, assim
como esta vinculação entre produção de conhecimento e o âmbito do social. Ilustra essa problematização o questionamento proposto por McRobbie (1992, p. 720): “Na era do pós- marxismo
quem estará liderando quem? Se a noção de uma classe unificada
cujo papel histórico de agência e emancipação desaparece, então,
que papel será atribuído ao intelectual orgânico? Em nome de
quem ele ou ela está agindo?”
141
Apesar da aparente não-efetividade da idéia de “intelectual
orgânico” na atual conjuntura, Hall considera que essa noção deve
ser retida como guia da prática dos estudos culturais. No contexto atual, não há obrigatoriedade de “copiar” esse tipo de posicionamento, mas de repensá-lo, observando como essa articulação
entre produção do conhecimento e o social pode ser assegurada,
em diferentes contextos e em um momento histórico distinto.
Contudo, sempre houve no pensamento de Hall um cuidado
especial em observar criticamente nuances entre a ação política
do intelectual e o trabalho acadêmico:
Eu volto às distinções críticas entre o trabalho intelectual e o acadêmico: eles se sobrepõem, eles se aproximam, um alimenta o
outro, um proporciona os meios para realizar o outro. Mas não
são a mesma coisa. [...] Eu volto à teoria e à política, a política da
teoria. Não a teoria como o legado da verdade, mas como uma
série de conhecimentos contestados, localizados e conjunturais,
que devem ser debatidos de forma dialógica. Mas também como
uma prática que sempre pensa sobre suas intervenções em um
mundo onde ela faria alguma diferença e possa ter algum efeito.[...] Eu realmente penso que há toda a diferença do mundo
entre entender a política do trabalho intelectual e substituir o
trabalho intelectual por política. (HALL, 1996a, p. 274)
Também, a reflexão de Martín-Barbero mostra sinais evidentes de uma preocupação semelhante. Em Comunicación masiva –
Discurso y poder (1978), declarando princípios para uma prática
investigativa, Martín-Barbero reafirma a importância da história
e assume a existência de um posicionamento político na pesquisa,
mas que não se confunda com “ativismo”. Porém, as exigências
concretas de posições relacionadas com um projeto político não
devem inibir a prática da crítica.
não é sobre os objetos e os métodos que se opta direta e imediatamente, mas sobre o projeto histórico que os mediatiza e dota de
sentido e eficácia. Sem cair na armadilha contrária, a de um politicismo redutor que intenta suplantar o trabalho teórico com agitação política. A proposta crítica consiste em assumir que ‘somente
é científico, elaborador de uma verdade, um método que surja
de uma situação histórico-política determinada e que verifique
142
suas conclusões em uma prática social de acordo com as proposições histórico-políticas nas quais se pretende inscrevê-las’. (SCHMUCLER apud MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 24)
Para finalizar, vale retornar a conexão que se estabelece entre
intelectuais e o interesse pela cultura popular. Essa ênfase no popular expressa uma determinada opção política e teórica que, na
crítica de McGuigan, foi denominada de “populismo cultural”.
Ele é entendido como “a suposição intelectual […] que as experiências e práticas simbólicas das pessoas comuns são mais importantes analítica e politicamente do que Cultura com a letra
maiúscula C” (1992, p. 4, grifo meu). Segundo o mesmo autor,
esse tipo de posicionamento implica em um julgamento de valor
decorrente de “sentimentos populistas”.
Não há como negar que o popular, entendido à luz gramsciana não mais como uma essência, mas como uma matriz cultural,
transformou-se num objeto privilegiado de análise dos estudos
culturais. Do ponto de vista dos autores em tela neste trabalho,
aproximar-se desse modo ao âmbito do popular significou exatamente desafiar certas noções associadas a sentimentalismos, restituindo a capacidade de agência aos sujeitos que, de formas diversas
e diferenciadas, compõem o espaço do popular.
143
144
IDENTIDADES CULTURAIS:
UMA DISCUSSÃO EM ANDAMENTO
O nosso tempo, então, é o tempo da diferença fazendo o seu
jogo, o tempo da diferença proliferante.
Antônio Flávio Pierucci
Pensar em como se constituem as identidades culturais no
contexto do final deste milênio é o eixo deste capítulo, pois esta é
a temática central dos estudos culturais de hoje. Essa perspectiva
passa a ser evidente, sobretudo, como resultado da influência de
reflexões em torno de temas como identidade e cultura nacional,
raça, etnia, gênero, modernidade/pós-modernidade, globalização,
pós-colonialismo, entre os mais importantes, dentro do espectro
do campo dos estudos culturais.
De forma mais geral, esse debate torna-se um problema teórico a partir da modernidade quando a identidade passa a ser
encarada como algo sujeito a mudanças e inovações. Esse tema
está relacionado com a discussão sobre o sujeito e sua inserção no
mundo; sobre os indivíduos e suas identidades pessoais – como
nos constituímos, percebemo-nos, interpretamos e nos apresentamos para nós mesmos e para os outros; sobre o deslocamento do
indivíduo do seu lugar na vida social e de si mesmo. Esses movimentos e questionamentos acabam gerando tensões, instabilidade
e ameaça aos modos de vida estabelecidos, conseqüentemente, a
identidade cultural torna-se foco de questionamento.
Essas breves referências revelam a amplitude de tal problemática. Devido à sua extensão, esta reflexão circunscreve-se à abordagem do papel dos meios de comunicação, seja na constituição
de identidades nacionais, seja na proliferação de novas identidades culturais. Porém, o ponto de partida não é apenas a comunicação e seus efeitos na cultura e identidade nacional, mas,
também, a própria problemática da identidade nacional e de outras
identidades culturais, e qual a importância que as práticas relacionadas à comunicação têm na sua constituição.
145
De uma maneira geral, o debate sobre as identidades oscila
basicamente entre duas grandes matrizes: “essencialismo” e “construção social”. A primeira posição é caracterizada por compreender a existência de grupos e/ou comunidades através de uma
categoria inerente e inata aos mesmos, e a segunda posição, por
atribuir a sua presença como um produto social.
Para Larrain (1996, p. 13), esses dois posicionamentos assumem a denominação de teorias racionalistas ou universalistas e,
em oposição às primeiras, estão as historicistas.
As primeiras sublinham a identidade de metas e semelhança de
meios no curso da história, as segundas acentuam as diferenças
culturais e descontinuidades históricas. As primeiras não entendem as diferenças e julgam o ‘outro’ a partir de uma perspectiva
totalizante e universalista; olham a história como uma série de
etapas que todos têm que percorrer. As segundas destacam as diferenças e descontinuidades e olham o ‘outro’ a partir da perspectiva
da sua especificidade cultural única; não entendem a base comum
de humanidade entre culturas.
Porém, ambas as posições correm o risco de tornarem-se
preconceituosas. A universalista ao enfatizar a verdade absoluta e
continuidade histórica, descuida da especificidade do “outro” e
tende a julgar as outras culturas sob princípios da sua própria; e a
historicista, ao reiterar a especificidade, pode desenvolver uma
construção do “outro” como inferior. “Duas formas de racismo
resultam desses extremos: enquanto as teorias universalistas podem não aceitar o ‘outro’ porque não sabem reconhecer e aceitar
sua diferença, as teorias historicistas podem recusar o ‘outro’ porque este é construído como um ser tão diferente que chega a
aparecer como inferior” (LARRAIN, 1996, p. 57).
Enfim, as teorias que enfatizam as especificidades históricas
desenvolvem uma concepção de identidade cultural associada à
noção de existência de uma essência que marca diferenças irreconciliáveis entre povos e nações. Dessa forma, concebem a identidade cultural de maneira a-histórica. Já aquelas que acentuam a
história como progresso universal tendem a reduzir as identidades culturais a manifestações de um processo histórico universal.
146
Se as teorias racionalistas contêm o perigo do etnocentrismo
(falta de respeito ao outro), totalitarismo (falta de respeito à
diferença), universalismo (falta de respeito às especificidades locais e espaciais) e a-historicidade (falta de respeito à especificidades históricas e temporais), o historicismo contém o perigo do
particularismo racista (acentuação da diferença), essencialismo
(identidade cultural como um espírito imutável), relativismo (a
verdade é impossível) e irracionalismo (ataque à razão). (LARRAIN, 1996, p. 85)
A problematização das identidades culturais estará evidenciada, aqui, através da incursão no pensamento da tríade
de autores, eixo central deste livro: Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. Embora essas trajetórias intelectuais mostrem coincidências, opto por realizar
uma ramificação da temática, construindo três narrativas individualizadas.
Antes de adentrar no debate da constituição das identidades, é preciso fazer apenas referência ao contexto mais geral
onde essa temática assume importância. Assim, a primeira condição é reconhecer a desestabilização gerada pela modernidade nessa discussão, assim como as implicações da problemática
da pós-modernidade e seu interesse na (re)construção das identidades.1 A segunda condição para compreender a preocupação contemporânea em torno das identidades é apontar, como
pano de fundo, a existência da globalização.2 Contudo, a definição e o endosso a um posicionamento a esse respeito fazem
parte dos caminhos que cada autor percorre, assim, esses temas serão abordados, pelo menos indiretamente, em cada uma
das narrativas.
Mesmo assim, vale dizer que a vinculação entre essas duas
problemáticas, recém citadas, tem ressonâncias políticas, econômicas e culturais. Dentro do âmbito cultural, a configuração das
identidades sofre profundas alterações. Em um mundo que parece dominado por um repertório cultural global, novas comunidades e identidades estão sendo constantemente construídas e
reconstruídas. É justamente uma reflexão sobre esse processo que
se apresenta a seguir.
147
IDENTIDADE COMO DIÁSPORA
A experiência da diáspora que se desconecta do sentido estrito da dispersão dos judeus ou de outros povos por motivos políticos ou religiosos, em virtude da perseguição de grupos intolerantes,
sintetiza, segundo Stuart Hall, a nova configuração que as identidades culturais assumem hoje. “Visto que a migração3 resultou
ser o evento histórico-mundial da modernidade tardia, a clássica
experiência pós-moderna revela-se ser a experiência diaspórica”
(1996d, p. 490).
Essa idéia passa a enfatizar tanto o deslocamento espacial
quanto o temporal. Este último sentido refere-se à permanência
de uma ligação com o passado – mesmo que possa estar associado
à imagem de um passado em ruínas. Por essa razão, Hall vai
discutir a formação de novas formas de identidade ligadas ao recontar o passado através da memória e à afirmação da diferença.
Outra imagem que pode simbolizar o arquétipo da condição
atual e reforça a anterior é a do “forasteiro familiar”. Ele expressa
uma tensão entre elementos pessoais e estruturais, residindo aí seu
poder enquanto imagem criativa, mas que não perde suas especificidades. A trajetória pessoal de Hall é ilustrativa nesse sentido.
Tendo sido preparado pela educação colonial, eu conhecia a Inglaterra a partir de dentro. Mas eu não sou e nunca serei ‘inglês’. Eu
conheço ambos os lugares [Jamaica e Inglaterra] intimamente, mas
eu não sou completamente de nenhum desses lugares. E isso é exatamente a experiência diaspórica, distante o suficiente para experienciar o sentimento do exílio e perda, próximo o suficiente para entender
o enigma de uma ‘chegada’ sempre adiada (Idem).
Partindo ou não de seu caso pessoal, a identidade é uma
busca permanente, está em constante construção, trava relações
com o presente e com o passado, tem história e, por isso mesmo, não pode ser fixa, determinada num ponto para sempre,
implica movimento.
Eu penso [diz Hall] que a identidade cultural não está fixa, é sempre
híbrida. Mas é precisamente porque surge de formações históricas
muito específicas, de histórias específicas, de repertórios culturais de
148
enunciação, que pode constituir-se em um ‘posicionamento’ [‘posicionality’] que nós chamamos, provisoriamente, identidade. […]
Então, cada um desses relatos de identidade está inscrito nas posições que assumimos e com que nos identificamos, e temos de viver
esse conjunto de posições de identidade em toda sua especificidade” (1996d, p. 502).
Na tentativa de apresentar o desenrolar do debate que trata
de como estão sendo transformadas e produzidas diferentes e
novas posições de sujeitos no curso e desdobramento de uma
cultura global, de uma maneira mais ou menos cronológica, acredito que é importante recuperar, ainda que de forma breve, a
reflexão de Stuart Hall sobre a natureza da identidade cultural
que pertence àquele momento histórico particular, marcado por
uma posição de liderança das nações no mercado mundial. Vale
lembrar que Hall vai pensar essa problemática a partir de um
lugar determinado, a partir do Reino Unido e, particularmente,
da Inglaterra, ou seja, um lugar que exerceu forte liderança mundial mas, hoje, de certa forma tem menos realce devido ao seu
declínio econômico e político.
Circunscrita a um momento determinado, a identidade cultural era, então, definida como fortemente centrada, um ponto
estável de referência, um tipo particular de “etnicidade”, localizada num lugar, numa história específica. No entanto, Hall reconhece que não era polido referir-se dessa forma à identidade
britânica até recentemente. “Uma das coisas que está acontecendo na Inglaterra é a longa discussão, recém iniciada, que tenta
convencer os ingleses que eles são, afinal de contas, somente outro grupo étnico” (HALL, 1991b, p. 21).
Com o processo de globalização, essa relação estável entre
identidade cultural nacional e Estado-nação começa a mudar, isto
é, a idéia de que uma formação nacional possa ser representada
por uma identidade nacional passa a estar tensionada. No caso
britânico, Hall identifica esse processo de mudança através de um
conjunto de fatores: declínio econômico da nação britânica; acelerado processo de abertura de mercados globais a partir dos anos
70; movimentos de migração, sobretudo no período pós-Segunda
Guerra; aumento da interdependência internacional; surgimento
149
de acordos monetários e regionais através de organizações supranacionais e suas implicações na concepção de soberania e do Estado-nação; e, também, o impacto do “progresso” no meio
ambiente mundial.
Mesmo que a análise de Hall sublinhe aspectos que dizem
respeito ao caso específico britânico, pode-se, de outro lado, estender suas observações em um contexto bem mais vasto. Assim,
com essa movimentação geral, sumariamente descrita, vem a erosão do Estado-nação e das identidades nacionais associadas a ele.
Dessa forma, o autor pondera que “quando a era dos estados
nacionais, na globalização, começa a declinar, pode-se ver uma
regressão a uma forma de identidade nacional muito defensiva e
altamente perigosa, que está dirigida por uma forma muito agressiva de racismo” (HALL, 1991b, p. 26).
Em outro lugar, Stuart Hall (1994) avalia que as “grandes
narrativas” da modernidade criaram uma expectativa de gradual
desaparecimento de posições nacionalistas ao invés do imprevisível retorno aos nacionalismos que estamos presenciando. Diante
da globalização, aspectos locais e nacionais são cada vez mais merecedores de atenção. E, embora os estados nacionais sejam possivelmente menos importantes hoje do que em épocas anteriores,
vínculos com a nação, assim como com a região, isto é, com
lugares propriamente ditos, que foram uma vez pensados como
particularismos arcaicos que a modernidade capitalista dissolveria ou ultrapassaria, estão renascendo.
A última fase da globalização capitalista com suas impetuosas
compressões e reordenamentos sobre o tempo e o espaço não
resultou necessariamente na destruição daquelas estruturas específicas, conexões e identificações particularistas que estão ligadas
às comunidades mais localizadas cuja modernidade homogeneizante supôs substituir. […] Mas, a assim chamada ‘lógica do
capital’ tem operado muito mais através da diferença – preservando e transformando a diferença […] – do que a minando.
(HALL, 1993b, p. 353)
A partir do momento em que foram criados estados nacionais com suas fronteiras geográficas bem definidas, sua economia
150
e cultura nacionais, se estabelece uma tensão entre esse primeiro desenvolvimento e os imperativos transnacionais da lógica
capitalista.
A atual e intensa fase de globalização tem favorecido tendências
que pressionam os estados nacionais em direção à integração
supranacional – econômica e, mais hesitantemente, política e cultural – enfraquecendo sem destruir o Estado-nação e, desse modo,
abrindo ambas as economias, locais e regionais, para novos deslocamentos e novas relações. Paradoxalmente, a globalização parece, também, ter conduzido a um fortalecimento de fidelidades
e identidades ‘locais’ dentro dos estados nacionais. Embora isso
possa ser enganador, o fortalecimento do ‘local’ é provavelmente
menos o revival de identidades estáveis de ‘comunidades estabelecidas localmente’ do passado e mais aquela ardilosa versão ‘do
local’ que opera dentro e tem sido completamente remodelada
pelo ‘global’, funcionando amplamente dentro de sua lógica.
(HALL, 1993b, p. 354)
O que na verdade pode ser observado, segundo Hall, é uma
gradual, embora irregular, erosão dos nacionalismos dos principais estados da Europa Ocidental e o fortalecimento tanto de relações transnacionais quanto de identidades locais. Dois traços
marcam o desenrolar desse processo: por um lado, a revalorização de movimentos por autonomia regional e nacional, precisamente encampados por grupos que tiveram suas identidades
amordaçadas por estados nacionais fortes e, de outro lado, o crescimento concomitante de uma reação defensiva daquelas culturas
nacionais que se viram ameaçadas por movimentações de suas
próprias periferias.
Entre os exemplos citados pelo autor, vale recuperar sua referência a Raymond Williams, pois este reflete a ambivalente identificação produzida por essas duas tendências quando se
autodenomina um “galês-europeu”, isto é, oriundo do País de
Gales mas sob a égide da Grã-Bretanha que, por sua vez, integra
enquanto uma unidade a Europa Ocidental.
Também, não pode ser negligenciado o que ocorreu e está em
curso na Europa Oriental: o esfacelamento da União Soviética e o
renascimento de nacionalismos étnicos submersos por décadas sob
151
o poder da influência soviética e outros acontecimentos atuais
como a guerra entre sérvios e bósnios. De forma muito cuidadosa, Hall avalia que, do ponto de vista político, o nacionalismo não
é necessariamente nem uma força reacionária nem progressiva.
“Ele é suscetível de ser modulado a posições políticas muito diferentes, em momentos históricos diferentes e seu caráter depende
muito de outras tradições, discursos e forças com as quais está
articulado” (1993b, p. 355). Por exemplo, movimentos de países
do Terceiro Mundo que foram produzidos como contra-discursos
à exploração e colonização cultural têm trajetórias bem distintas
daqueles que foram gerados em reação ao sistema socialista.
Sendo assim, Hall endossa a posição de que o Estado-nação
não é apenas uma entidade política, mas, também, uma formação
simbólica que produz uma “idéia” de nação enquanto uma “comunidade imaginada”. Porém, o percurso desses movimentos prónacionalismo têm revelado com freqüência a tentativa de construção
de formações etnicamente “fechadas”, isto é, “puras”, alinhando-se
a uma concepção essencialista de identidade nacional.
Mas a história dos estados nacionais do Ocidente nunca foi desse
tipo etnicamente puro. […] eles são, sem exceção, etnicamente
híbridos – o produto de conquistas, absorções de um povo por
outro. A principal função das culturas nacionais, que […] são
sistemas de representação, tem sido representar o que é, de fato,
uma amálgama étnica da nacionalidade moderna como a unidade
primordial de ‘um povo’ […] Além do mais, esse hibridismo do
Estado-nação moderno está hoje, na presente fase de globalização,
sendo composto por uma das maiores, compulsórias e voluntárias, migrações de massa dos últimos tempos. Portanto, um após o
outro, os estados nacionais ocidentais, já incontestavelmente diasporizados [diaspora-ized], estão tornando-se inextricavelmente
‘multiculturais’ – étnica, religiosa, cultural, lingüisticamente, etc
misturados. (HALL, 1993b, p. 356)
Por esse trajeto, Hall recupera a reflexão de Williams sobre o
“modo de vida global”, problematizando-a.4 Em outras palavras,
refere-se a quem esse modo de vida; a qual vida; existiria um
único modo de vida ou vários; não seria o caso de que, no mundo
moderno, quanto mais se examina esse “modo de vida global”
152
mais internamente diversificado, mais atravessado por complexos
padrões de similaridades e diferenças, ele parece ser. “As pessoas
modernas, de todos os tipos e condições, cada vez mais como
uma condição de sobrevivência, parecem ser membros, simultaneamente, de muitas e sobrepostas ‘comunidades imaginadas’; e
as negociações entre e através dessas complexas ‘fronteiras’ são
características da própria modernidade” (HALL,1993b, p. 359).
Embora já se tenha mencionado que o global e o local são
duas rotas simultâneas, características de uma época de globalização – da passagem daquela onde o Estado-nação, as economias
nacionais e as identidades culturais nacionais eram dominantes
para a presente, em que esses mesmos laços se afrouxam –, é
importante recuperar esse aspecto de forma mais sistemática.
Hall questiona-se, então,
O que é esse novo tipo de globalização? O novo tipo de globalização não é inglês, mas americano [norte-americano]. Em termos
culturais, o novo tipo de globalização tem a ver com uma nova
forma de cultura de massa global, muito diferente daquela associada com a identidade inglesa e as identidades culturais associadas
ao Estado-nação numa fase anterior. A cultura de massa global é
dominada pelos meios modernos de produção cultural, dominada pela imagem que atravessa e reatravessa fronteiras lingüísticas
muito mais rápida e facilmente, e fala através de linguagens de um
modo muito mais imediato. (1991b, p. 27)
Sintetiza-se que essa “cultura de massa global” permanece
centrada no Ocidente ou melhor nas narrativas ocidentais; “fala
inglês” enquanto língua internacional; é dominada por imagens
da publicidade, da televisão e do cinema; é uma forma peculiar de
homogeneização, ou seja, é uma forma de representação cultural
(fundamentalmente, visual) homogeneizadora mas nunca absolutamente completa.
Essa forma de homogeneização é muito particular, explica
Hall (1991b, p. 28):
[Ela] está querendo reconhecer e absorver as diferenças dentro de
uma extensa estrutura do que é essencialmente uma concepção
153
americana do mundo. Isso é dizer que ela está muito fortemente
localizada na concentração crescente e em andamento da cultura e de
outras formas de capital. Mas é hoje uma forma de capital que reconhece que – usando uma metáfora – somente pode governar através
de outros capitais locais, ao lado de e em parceria com outras elites
políticas e econômicas. Essa forma de homogeneização não tenta
apagar as diferenças, ela funciona através delas (grifo meu).
E mais adiante, Hall cita um exemplo que nos interessa
reter aqui:
Você tem que pensar sobre a relação entre Estados Unidos e América Latina para descobrir sobre o que estou falando, como aquelas formas que são diferentes, que tem sua própria especificidade
podem ser, contudo, repenetradas, absorvidas, remodeladas, negociadas, sem absolutamente destruir o que é específico e particular a elas. (Idem)
Essa menção ao processo cultural vigente na América Latina
relaciona-se precisamente ao que Martín-Barbero e García Canclini estão tentando chamar a atenção, isto é, para os movimentos
particulares de negociação de sentidos que incorporam “imagens”
dessa “cultura de massa global” mas com rastros de uma outra
identidade, lastrada numa outra história. Esse novo regime cultural vive através da diferença.
Assumindo que o reconhecimento da diversidade cultural é
imperativo na contemporaneidade, Hall sinaliza que o grande risco surge de formas de identidade cultural e nacional que tentam
firmar-se adotando versões “fechadas” de cultura e pela recusa a
engajar-se na problemática de viver com a diferença. Por essa
razão, enfaticamente propõe posicionar-se “nas margens” para a
partir desse lugar reconhecer um modo de existência que não se
deixa classificar como simplesmente de assimilação cultural.
É a partir desse espaço, que pode também ser identificado
como o âmbito do local, que passam a aparecer novas representações, novos sujeitos que mediante diferentes embates, alcançam
meios de falarem por si mesmos. Assim, ao mesmo tempo que se
sente a força da homogeneização e absorção, sente-se a pluralidade e a diversidade, formas locais de oposição e resistência.
154
Nesse sentido, Hall identifica em curso uma “política de representação” – um envolvimento dos sujeitos que até então poderiam estar localizados “nas margens”, em reclamar alguma forma
de representação por si mesmos. Duas questões passam a ser cruciais nesse contexto: a disposição de viver com a diferença e, de
outro lado, a etnicidade.
Ambos os termos são passíveis de mal-entendidos, por isso o
autor indica o sentido que lhes dá. O primeiro evoca a multiplicidade de diferenças que operam na constituição e representação da
identidade. O termo etnicidade admite o entendimento do espaço
da história, da linguagem e da cultura na construção da subjetividade e da identidade, isto é, um reconhecimento em que todos nós
falamos a partir de um lugar, de uma história, de uma experiência,
de uma cultura particular. “Nesse sentido, nós somos todos etnicamente situados e nossas identidades étnicas são cruciais para nosso
senso subjetivo de quem somos” (HALL, 1996j, p. 447).
Contudo, esses movimentos que vêm do local, podem desembocar em duas vertentes bem distintas. Uma implica o retorno aos fundamentalismos: “Quando os movimentos das margens
estão tão profundamente ameaçados pelas forças globais da pósmodernidade, eles mesmos podem retroceder aos seus próprios
enclaves exclusivistas e defensivos. E, nesse ponto, as etnicidades
locais tornam-se tão perigosas quanto as nacionais. Nós vimos
isso acontecer: a recusa da modernidade toma a forma de um
retorno, redescoberta da identidade que constitui uma forma de
fundamentalismo” (HALL, 1991b, p. 36).
E a outra vertente diz respeito ao reconhecimento de que
se fala a partir de um determinado lugar, que seria a descoberta
de um “passado”, de um “chão”. Essas origens, no entanto, não
estão imersas num lugar mítico e idealizado que não estabelece
relações com o presente, mas, ao contrário, é aquele espaço de
fronteira, de cruzamento, apontado como híbrido.
Do lugar de milhões de pessoas deslocadas, de culturas deslocadas,
de comunidades fragmentadas do ‘Sul’, que foram retiradas de
suas ‘comunidades já estabelecidas’, de seus ‘sentimentos já alocados’, de suas ‘verdadeiras relações vividas’, de seu ‘modo de vida’.
Essas pessoas tiveram de aprender a desenvolver outras habilida155
des, aprender outras lições. São produtos de novas diásporas que
estão se delineando no mundo. São obrigadas a viver pelo menos
duas identidades, a falar pelo menos duas linguagens culturais,
negociando-as e traduzindo-as mutuamente. [...] Essas pessoas
são o produto das culturas da hibridação. [...] Os híbridos guardam fortes ligações e se identificam com as tradições e com os
locais de sua ‘origem’. Mas não têm nenhuma ilusão em relação a
um verdadeiro ‘retorno’ ao passado. Ou nunca retornarão (seja
qual for o sentido literal) ou os lugares a que retornarem terão se
transformado em algo irreconhecível devido aos processos desprovidos de qualquer remorso que caracterizam a transformação
moderna. Nesse sentido, não há hipótese de se voltar para ‘casa’
novamente. [...] Estão também obrigados a chegar a um acordo
com as novas culturas em que vivem, bem como fazer algo novo
delas, sem simplesmente deixarem-se assimilar por tais culturas.
Não são e nunca serão, em um sentido antigo, unificados culturalmente, porque são inevitavelmente os produtos do encadeamento de várias histórias e culturas, pertencendo, ao mesmo tempo, a
várias ‘casas’ – e assim a nenhuma casa em particular. (HALL, 1993b,
p. 361)
Nessa longa citação, encontram-se, de forma explícita ou
implícita, diversas idéias-chave que marcam a contribuição de
Stuart Hall sobre a identidade no mundo contemporâneo. Em
primeiro lugar, identidade é um espaço onde um conjunto de novos discursos teóricos se interseccionam e onde um novo grupo
de práticas culturais emerge. Trata-se de uma categoria política e
culturalmente construída em que a diferença e a etnicidade são
seus elementos constituintes; a experiência da diáspora se transforma em emblema do presente; a hibridação deixa sua marca e a
fluidez da identidade torna-se ainda mais complexa pelo entrelaçamento de outras categorias socialmente construídas, além das
de classe, raça, nação e gênero.
Essas últimas categorias somadas à narrativa do Ocidente, segundo Hall, são “as grandes identidades coletivas sociais” que não
desapareceram, mas não têm mais a força de antes. Como pensar,
então, a problemática da identidade na esteira do esmaecimento
dessas “grandes identidades”, sendo que estas já não têm mais o
poder explicativo e compreensivo que tiveram? Esse questionamento
156
é ainda mais crucial em relação à classe, pois esta era o principal
referente de posição social.
Se um sentido de identidade se perdeu, precisamos de outro.
Isso faz com que tornemo-nos cientes de que identidades não são
nunca completas, finalizadas. Ao contrário, estão em permanente
processo de constituição. São narrativas, discursos contados a partir
do ponto de vista do Outro. “[…] identidade é sempre em parte
uma narrativa, sempre em parte um tipo de representação. Está
sempre dentro da representação.5 Identidade não é algo que é
formado fora e, no final, nós narramos histórias sobre ela. É o que
está narrado na nossa própria pessoa (Hall, 1991a, p. 49, grifo meu).
Por essa razão, Hall concebe a identidade articulada ao passado e presente, em permanente construção, atravessada tanto
pelos discursos públicos quanto pelas práticas e experiências dos
sujeitos, entranhados numa determinada conjuntura histórica. A
identidade, então,
é um assunto de ‘chegar a ser’ como também de ‘ser’. Pertence ao
futuro tanto quanto ao passado. Não é algo que já existe, transcendendo lugar, tempo, história e cultura. As identidades culturais
vêm de algum lugar, têm histórias. Mas, como tudo o que é histórico, elas sofrem uma transformação constante. Longe de estarem
eternamente fixas num passado essencializado, estão sujeitas ao
contínuo ‘jogo’ da história, da cultura e do poder. Longe de estarem fundadas numa mera ‘reprodução’ do passado que está esperando ser encontrado e que, quando encontrado, assegurará nosso
sentido de nós mesmos até a eternidade, as identidades são os
nomes que damos às diferentes maneiras como estamos situados
pelas narrativas do passado e como nós mesmos nos situamos
dentro delas. (HALL, 1990, p. 225)
Dentro desse contexto, Hall presta acurada atenção às identidades diaspóricas, isto é, o que a experiência da “migração”
afeta a identidade, pois ninguém se translada de um lugar a outro
ou herda e se apropria de culturas diversas sem ser afetado por
essa experiência. E, aqui, as características da hibridez – expressa
na idéia de cut and mix – e do movimento integram-se às características, anteriormente descritas, na constituição da identidade.
157
Ao pensar o sentido de identidade no seu caso em particular,
isto é, sua autonarrativa, Hall reconhece sua posição de migrante
e negro como marcantes, posição que vai ter implicações no seu
viver com e através da diferença, compondo, também, a experiência diaspórica.
Lembro a ocasião em que retornei, a título de visita, à Jamaica, no
início do anos 60, depois da primeira onda de migração para a
Inglaterra. Minha mãe falou: “Espero que lá não pensem que você
é um desses imigrantes!”. Assim, naquele momento, soube claramente e pela primeira vez que eu era um imigrante. Repentinamente, relacionada a essa narrativa da migração, uma versão do
meu “eu real” desvelou-se. Eu disse: ‘É claro que sou um imigrante. O que você acha que eu sou?’ [...] o problema é que no momento em que se compreende que se é um imigrante, reconhece-se
que não se pode mais sê-lo: não é uma posição que se ocupe por
muito tempo. Passei, então, pela longa e importante educação
política de descobrir que sou ‘negro’. Constituir-se como ‘negro’
é um outro reconhecimento de ser através da diferença. (HALL,
1993a, p. 135)
Ainda sobre a questão da diferença, Hall se apropria do termo derridiano différance para evocar o jogo de significantes e a
multiplicação de diferenças que operam no caleidoscópio da identidade e sua representação. Segundo Hall, essa noção instaura
uma certa perturbação no estabelecido entendimento de diferença, mas alerta para o risco de escorregar para o desconstrucionismo e seu infinito jogo de significantes.
Pensar a identidade através da diferença é voltar-se, também,
para a politização do local e dessa nova noção de identidade. No
caso britânico, vai ser a formação da diáspora negra que vai transformar a vida inglesa. A própria narrativa de Hall sobre sua trajetória pessoal revela a passagem do âmbito do nacional, enquanto
eixo central da constituição da identidade, para a etnicidade, ao
“descobrir-se” migrante e negro.
E esse mesmo movimento está expresso na sua reflexão em
“Minimal selves” (1987) e “New ethnicities” (1989) quando, no
primeiro artigo, concluía que “o vagaroso e contraditório movimento do ‘nacionalismo’ para a ‘etnicidade’ como uma fonte de
158
identidades é uma parte de uma nova política” (1993a, p. 138) e,
no segundo, detendo-se na descrição propriamente dita desse outro momento: “o que está em questão aqui é o reconhecimento da
extraordinária diversidade de posições subjetivas, experiências
sociais e identidades culturais que compõem a categoria ‘negra’,
isto é, o reconhecimento que ‘negro’ é, essencialmente, uma categoria construída política e culturalmente, que não pode ser fundada em um conjunto de categorias raciais transculturais fixas ou
transcendentais e que, por essa razão, não tem garantias na natureza” (HALL, 1996j, p. 443)
Nessa perspectiva, resta anotar que a forma de Hall pensar a
identidade é diferente da perspectiva pós-moderna. Embora admita um certo descentramento do sujeito na atual conjuntura, nega
a existência de algo tão novo e completamente diferente e de certa
maneira unificado como a condição pós-moderna. Reconhece a
vigência de experiências que podem ser vistas como uma tendência emergente ou uma entre outras tantas, mas essa não tem uma
forma cristalizada.
Admite que se vive num turbilhão de sentidos onde vige uma
multiplicidade infinita de códigos, discursos e leituras que produz
novas formas de autoconsciência e reflexividade. Isso, de forma
alguma, significa que a representação se exauriu, mas que se tornou um processo bem mais problemático.
Uma variedade de termos existe e está sendo utilizada na
tentativa de descrever essas diversas e diferentes dimensões da
experiência contemporânea: pós-fordismo, pós-industrial, pós-modernidade, entre outros. “Nenhum desses é completamente satisfatório. Cada um expressa um sentido mais perspicaz do que nós
estamos deixando para trás […] do que para onde nós estamos nos
dirigindo. Cada um, contudo, representa alguma coisa importante
sobre o debate dos ‘Novos Tempos’” (HALL, 1996g, p. 224).
Em suma, Hall não aceita a idéia de que se vive uma nova
era, uma outra época. Porém, utiliza inúmeras vezes o termo pósmoderno para referir-se à condição atual. Suas observações mostram-se abertas a algumas manifestações desta lógica e são
relativamente otimistas em relação ao seu desenlace.
159
IDENTIDADE COMO DESCENTRAMENTO
Uma atmosfera específica permeia o debate contemporâneo
sobre a particularidade do latino-americano. A descrição do cenário onde se gesta esse pensamento é fundamental, sobretudo se a
reconstituição das cenas se faz a partir da própria caracterização
do autor em foco neste momento: Jesús Martín-Barbero.
Ao percorrer a obra desse pesquisador, percebe-se que o seu
primeiro livro Comunicación masiva: Discurso y poder (1978) deixa
as pistas para a continuidade de uma trajetória que tem em De los
medios as las mediaciones – DMM – (1987) sua seqüência. Porém,
se existem linhas que indicarão continuidade entre um trabalho e
outro, também existem nítidos sinais de ruptura, pois é neste último lugar – em DMM – onde se expõe a originalidade de suas
formulações, propondo o estudo da comunicação a partir da cultura ou, mais exatamente, a partir das experiências dos sujeitos
sociais. Em DMM também aparecem marcas que serão exploradas a partir dos anos 90, sinalizando flertes teóricos e possivelmente um outro rumo para uma reflexão que promete imprimir
sua marca neste novo milênio.
Em outras palavras, ao ler e reler a produção de MartínBarbero identificam-se momentos de ruptura e momentos de continuidade. Assim, em 1978, o eixo da reflexão centrava-se nos
discursos, mas a importância do sujeito-receptor estava mencionada, embora permanecesse como pano de fundo. Em 1987, a
experiência desse sujeito assume o papel de protagonista, preenchendo todo o espaço. Contudo, a questão transnacional, abordada na última parte do seu livro, serve como elo para repensar as
mediações em tempos de globalização e descentramento cultural,
tema central em 1997.
Na sua produção, especialmente a da segunda metade dos
anos 90, dois lugares são decisivos para a análise cultural da comunicação: a televisão (sobretudo a publicidade, os videoclipes e
a dramaturgia) e a cidade e suas implicações na construção das
identidades, deslocando interesses anteriores, centrados, por
exemplo, na telenovela. E, nos últimos textos de 97/98, talvez já
esteja em estado embrionário uma rota diferente. No entanto
160
nesse último estágio somente podem ser vislumbradas as continuidades e rupturas, tendo como contraponto DMM (1987).
O propósito, aqui, é reconstituir alguns momentos dessa trilha, sem perder de vista o eixo do tema da identidade. Como
muitas das sugestões teóricas de DMM já foram devidamente recuperadas em outras partes deste trabalho, parte-se de breves observações encontradas ainda naquele livro para tentar elucidar
possíveis rupturas que despontam nos textos seguintes.
Os processos políticos e sociais vividos na América Latina
nos anos 70 e 80 mexeram profundamente com algumas certezas
teóricas, com a “razão dualista” e com esquematismos correntes
na época que confrontavam rural/urbano, popular/erudito, Europa-Estados Unidos/América Latina, universal/local, etc. Ao colocar as fronteiras desses termos em xeque, foi possível confrontar-se
com outra “verdade cultural desses países: a mestiçagem, que não
é somente fenômeno racial do qual viemos, mas trama contemporânea de modernidade e descontinuidades culturais, de formações
sociais e estruturas de sentimento, de memórias e imaginários
que remexem o indígena com o rural, o rural com o urbano, o
folclore com o popular e o popular com o massivo” (MARTÍN-BARBERO, 1987a, p. 10).
É nesse contexto e a partir desse ponto de vista que é possível
identificar um sentido contraditório, heterogêneo e descontínuo
para a modernidade latino-americana. Martín-Barbero indica três
planos primordiais para a visualização desse modo dependente de
acesso à modernidade: da assincronia entre formação do Estado e
da nação; do modo “desviado” como as classes populares se incorporam ao sistema político e à formação dos estados nacionais;
e, por último, do papel político que os meios de comunicação
desempenham na nacionalização das massas populares.
Assim, o primeiro esforço de construir a modernidade na
América Latina esteve ligado com a idéia de Nação, e os meios de
comunicação foram decisivos na formação e difusão da identidade
nacional. Nesse momento, articulava-se um movimento econômico de entrada das economias nacionais no mercado internacional e
um projeto político de constituição da nação mediante a criação de
161
uma cultura, de uma identidade nacional ou, nos termos da época,
de um “sentimento nacional”. Dessa forma, os meios vão proporcionar às populações afastadas do “centro” uma experiência de integração, de tradução da idéia de nação em vivência cotidiana.
Na perspectiva de Martín-Barbero, a modernidade latinoamericana enquanto experiência coletiva, está estreitamente vinculada a expansão das indústrias culturais. Ao contrário da
modernidade ilustrada, em que a cultura do livro era o eixo, aqui,
é, principalmente o rádio, o cinema, a televisão, seu suporte. “A
modernidade fala na América Latina, de uma maneira peculiar,
da compenetração e da cumplicidade entre a oralidade – como
experiência cultural primária da maioria das pessoas – e a visualidade eletrônica. […] As maiorias em nossos países aceitam e se apropriam da modernidade sem deixar sua cultura oral, sem passar pelo
livro, com tudo o que isso implica de escândalo e desafio para
nossos modelos de cultura” (MARTÍN-BARBERO,1995b, p. 169).
De outro lado, vale recuperar a insistência de Martín-Barbero
na “não-exterioridade do massivo no popular” na constituição da
modernidade latino-americana. A noção de popular é revista, passando a estabelecer-se uma relação dinâmica entre o popular e o
massivo. Porém, na modernidade latino-americana, “não se confundem memória popular e imaginário de massa, mas se abandona a conhecida ilusão essencialista de um estrato popular
incontaminado e autêntico” (HERLINGHAUS, 1998, p. 18).
Todavia, Martín-Barbero insiste no registro em que a “modernidade não-contemporânea” da América Latina deve ser lida
para evitar mal-entendidos. Essa não-contemporaneidade é distinta da idéia de “atraso constitutivo”, isto é, o atraso não é o
traço explicativo da diferença cultural.
[A modernidade não-contemporânea] é uma idéia que se manifesta em duas versões. Uma, pensando que a originalidade dos
países latino-americanos, e da América Latina como um todo, foi
constituída por fatores que escapam à lógica do desenvolvimento
capitalista. Outra, pensando a modernização como recuperação
do tempo perdido, e portanto identificando o desenvolvimento
com o definitivo deixar de ser o que fomos para afinal sermos
modernos. A descontinuidade que tentamos pensar aqui está
162
situada em outra chave […]. Para poder compreender tanto o que
o atraso representou em termos de diferença histórica, mas não num
tempo detido, e sim relativamente a um atraso que foi historicamente
produzido […], quanto o que apesar do atraso existe em termos de
diferença, de heterogeneidade cultural, na multiplicidade de temporalidades do índio, do negro, do branco e do tempo decorrente de
sua mestiçagem. Só a partir dessa tensão é pensável uma modernidade que não se reduza a imitação e uma diferença que não se esgote
no atraso. (MARTÍN-BARBERO, 1987a, p. 165)
Não há imitação de outras trajetórias de modernidade – européia e/ou norte-americana, mas a tessitura da nossa própria
modernidade. A diferença, então, não é apenas aquela associada
com nosso subdesenvolvimento, mas que retém nesse processo de
“constituir-se e desconstituir-se essa contraditória mas ainda poderosa identidade” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 32, grifo meu).
Assim como, num primeiro momento, as indústrias culturais
desempenharam um papel integrador e organizador, hoje, embora
elas continuem interpelando os sujeitos, atuam mais como desorganizadoras e reorganizadoras da experiência social. “O processo que
vivemos hoje é não só distinto como, em boa medida, inverso: os
meios de comunicação são uns dos mais poderosos agentes da desvalorização do nacional” (MARTÍN-BARBERO,1995b, p. 172).
Hoje, os meios de comunicação agem como o dispositivo
mais poderoso na dissolução de um horizonte cultural comum
no âmbito da nação. Encarnam, assim, uma posição mediadora
na construção de outras identidades: das cidades, das regiões,
do espaço local, etc. “Atravessando o movimento de homogeneização que implica a globalização econômica e tecnológica, os
meios massivos e as redes eletrônicas veiculam um multiculturalismo que faz rebentar os referentes tradicionais de identidade”
(MARTÍN-BARBERO, 1997c, p. 20).
Diante dessa situação, o modelo de sociedade implícito à
idéia de modernidade anteriormente descrita entra em crise e,
com ele, duas das suas categorias-chave: Estado nacional e espaço público. A esfera pública vai corresponder fundamentalmente
ao espaço controlado pelos meios de comunicação de massa.
Essa concepção, por sua vez, traz profundas conseqüências para a
163
compreensão do que é política. “Esta veria esvaziar seus conteúdos substantivos para tornar-se refém da forma de comunicação
dos meios nos quais não cabem formas de verdade matizadas: os
próprios personagens políticos não buscam distinguir-se por sua
experiência ou capacidade de liderança, mas pela simpatia que seus
publicistas são capazes de suscitar entre os grandes auditórios”
(COSTA, 1999, p. 97). Nas palavras de Martín-Barbero, esse processo revela a crise do político como dimensão fundamental da
vida social. A espetacularização da política retira-lhe substância,
transformando-a em “gesto dramático”.6
Nesse novo contexto, duas características primordiais configuram a contemporaneidade latino-americana: as contradições provenientes dos acordos de integração regional nesse continente e a
paulatina desestruturação do espaço nacional. Diante da globalização em curso, “a integração dos países latino-americanos implica
a sua inevitável integração a pura e dura lógica de uma economiamundo na qual toda aliança é para competir e fragmentar” (MARTÍNBARBERO, 1996a, p. 58). Exigências de competitividade prevalecem
sobre laços de cooperação e complementaridade regional. Sendo
assim, a solidariedade regional se fragiliza.
De outro lado, a desintegração social e política do espaço
nacional é cada vez mais evidente. Indicativos como a crescente
desigualdade social, a inserção de instituições financeiras transnacionais que vão substituindo o Estado no planejamento do desenvolvimento, a deterioração da esfera pública e de mecanismos de
coesão política cultural, entre outros aspectos, levam o autor a
duvidar da pertinência de categorias como nação e Estado para
compreender as experiências culturais contemporâneas.
Entrelaçado com esse cenário, Martín-Barbero reitera o “malestar latino-americano na modernidade”:
Aí se enraízam algumas das nossas mais secretas e entranhadas violências. Pois as pessoas podem com certa facilidade assimilar os instrumentos tecnológicos e as imagens de modernização, mas só muito lenta e
dolorosamente podem recompor seu sistema de valores, de normas éticas e
virtudes cívicas. […] Não dispomos de categorias de interpretação
capazes de captar o rumo das vertiginosas transformações que vivemos. Somente alcançamos vislumbrar que na crise dos modelos de
164
desenvolvimento e dos estilos de modernização existe um forte
questionamento das hierarquias centradas na razão universal, que
ao perturbar a ordem seqüencial libera nossa relação com o passado,
com nossos diferentes passados, permitindo-nos recombinar as memórias
e reapropriar-nos criativamente de uma descentrada modernidade.
(MARTÍN-BARBERO, 1996a, p. 59, grifo meu)
A partir de De los medios a las mediaciones (1987) está sugerida
a importância das práticas populares e sua natureza “sincrética”
(nos termos de Martín-Barbero, a mestiçagem). São essas “esquecidas” formas de participação na vida cotidiana que contribuem
tanto para preservar as identidades culturais como para adaptá-las
às demandas modernas. Daí a ênfase do autor em insistir que, em
última instância, o próprio objeto dos estudos de comunicação “são
as mudanças nos modos das pessoas juntarem-se, as mudanças nos
modos de estarem juntas”, admitindo, então, que isso têm uma
estreita vinculação com o encarar os meios de comunicação como
espaços de constituição de identidades e como espaços de conformação de comunidades. Em suma, os processos de comunicação
são “fenômenos de produção de identidade, de reconstituição de
sujeitos, de atores sociais” e os meios de comunicação “não são um
puro fenômeno comercial, não são um puro fenômeno de manipulação ideológica, são um fenônemo cultural através do qual a pessoa, ou muitas pessoas, cada vez mais pessoas vivem a constituição
do sentido de sua vida” (MARTÍN-BARBERO, 1995d, p. 71, grifo meu).
Embora já estivesse explícita em 1987, essa proposta tem ainda
repercussões na reflexão mais recente de Martín-Barbero.
A posição desse autor, em DMM, é especialmente crítica
em relação àquelas teorias que procuram associar o sentido das
identidades culturais a uma essência ou em termos de uma “pureza” do ser latino-americano. A idéia de identidade cultural
deve servir para discutir a progressiva transformação dos valores
sociais e para explorar os diversos tecidos culturais que a compõem. Desprende-se, de tal reflexão, uma proposta que destaca a
natureza negociadora da formação histórica da identidade cultural latino-americana.7
Para ele, a identidade cultural latino-americana é uma mistura, uma “mestiçagem”. Esta, no entanto, não se refere estritamente
165
ao caldeirão racial que caracteriza nosso território, mas a trama
entre modernidades e descontinuidades, de memórias e imaginários que misturam o rural com o urbano, o popular com o massivo. Na mestiçagem, as culturas rurais, urbanas, raciais, locais,
regionais, nacionais e transnacional interagem. E o fato de que a
cultura massiva, seja aquela originária da América Latina como a
de outros continentes, faça parte desse conjunto não contribui
para que essa mestiçagem se descaracterize ou seja “menos latinoamericana”, pois é o próprio mix que é único.
Em DMM (1987) e em Televisión y melodrama (1992), entre
outros momentos, o interesse de Martín-Barbero pela telenovela
como o gênero massivo latino-americano mais importante, devese ao fato de que, embora revele traços do folhetim francês e
convenções do massivo, evoca profundamente o imaginário melodramático dos latino-americanos. Segundo White (1995), Martín-Barbero sugere que em muitos aspectos a telenovela, com toda
a sua impureza, pode estar mais próxima de articular identidades
políticas do que a tradição maniqueísta das elites políticas que
têm reivindicado representar as classes populares.
Ainda na avaliação de White (1995, p. 484), “para entender
o papel dos meios no processo de articulação de identidades, Martín-Barbero introduz o conceito de mediações. […] Para MartínBarbero, o sentido dos meios não está no texto ou mesmo na
‘leitura’ do texto, mas aloja a fonte de criação do sentido nas interações sociais e movimentos de grupos que buscam por identidades. O sentido do texto dos meios depende muito das identidades
que os diferentes grupos estão tentando definir”.
Martín-Barbero tem argumentado sobre a relação entre identidade cultural latino-americana e cultura popular, acreditando que
esta última tem modificado as formas de expressão da cultura de
massa. Sugere que “a compreensão do processo de comunicação
de massa implica reconhecer a rearticulação das fronteiras simbólicas e como estas novas fronteiras simbólicas confirmam o valor
e poder das identidades coletivas” (MARTÍN-BARBERO citado por
SCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63). Nesse sentido, tem insistido
em que os processos de comunicação devem ser abordados a partir
da base dos movimentos sociais, em vez de partir de pressupostos
166
sobre o próprio poder dos meios, isto é, sua proposta largamente
conhecida de deslocamento dos meios em direção às mediações.
Antes de continuar na análise dos processos de constituição
contemporânea da identidade cultural em que a indústria cultural
exerce um papel destacado – reorganizando as identidades coletivas e as formas de diferenciação simbólica –, aproveito esta menção à DMM para ressaltar que, nesse texto, Martín-Barbero
alinhava uma posição crítica ao discurso pós-moderno, não aceitando os termos nos quais é posto o debate a partir do ponto de
vista pós-moderno.
Na sua recuperação de posições em torno da indústria cultural, passando por Horkheimer, Adorno, Benjamin, Morin, Foucault, chega a Baudrillard. Nesse ponto, avalia que a reflexão deste
último é uma “boa expressão da armadilha política” que está implícita na “dialética negativa” destravada pela Escola de Frankfurt. Diante do pessimismo e irreversibilidade de posturas desse
mesmo corte, Martín-Barbero ilumina o que elas deixam de pensar: as contradições inerentes às tendências da crise cultural contemporânea. “A nova valorização da cotidianidade, o moderno
hedonismo ou o novo sentido da intimidade não são unicamente
operações do sistema, mas novos espaços de conflito e expressões
de nova subjetividade em gestação”. E, de forma ainda mais contundente, conclui a seção, afirmando: “Quando a crítica da crise
‘convoca’ à crise da crítica é o momento de redefinir o campo
mesmo de debate” (1987a, p. 70).
No entanto, percebe-se em alguns textos posteriores à DMM
a matização dessa crítica8. Javier Protzel, no aniversário de dez
anos de De los medios a las mediaciones, lançava essa pista: “Precisamente o descompasso do processo da modernidade latino-americana e a desierarquização dos relatos e das artes [...] dão continuidade
a uma reflexão que passa a ocupar-se da condição pós-moderna.
Mais ainda, a dupla evidência da formação de uma cultura latinoamericana moderna articulada pela mediação de massa, por um
lado, e a da cidade como teatro de operações de hibridação, por
outro, passam a ser os referentes para abordar a desterritorialização das culturas e uma nova relação entre o público e o privado” (PROTZEL, 1998, p. 43).
167
Ao recuperar novamente alguns teóricos alinhados com o
que se denomina pós-modernidade, Martín-Barbero vai começar
a observar que se delineia a emergência de um novo paradigma,
caracterizado pelo fluído e circular em oposição ao mecânico e
linear. A superação desse pensamento linear está fazendo possível
reconhecer novos espaços e modos de relação, assim como uma
nova sensibilidade. “Essa nova sensibilidade se traduz numa nova
percepção do poder que não aparece localizado num único ponto desde o qual irradia, mas disperso e transversal; nova valorização do local enquanto espaço da proximidade, isto é, onde se
faz efetiva a diferença; e, no cotidiano como ‘lugar’ onde se luta e
se negocia permanentemente a relação com o poder” (MARTÍNBARBERO, 1988, p. 13).
Embora mostre ainda reticências e críticas em relação a esse
paradigma, vai propor como programa, citando García Canclini,
que se assuma “sem nostalgias nem estremecimentos” que é na
“América Latina onde se realiza com ênfase um dos traços destacados pelo pós-modernismo na cultura atual: ser a pátria do pastiche e da bricolagem, onde se citam ironicamente todas as épocas
e estéticas” (MARTÍN-BARBERO, 1988, p. 15).
É importante situar esse movimento no pensamento de Martín-Barbero em sintonia com a descrição das novas dinâmicas
culturais, identificadas por ele próprio e que estariam caracterizando as sociedades latino-americanas atuais. Aqui, podem ser
apontadas as situações correntes mais determinantes. A primeira
delas diz respeito ao modo como as indústrias culturais estão reorganizando as identidades coletivas e as formas de diferenciação
simbólica, esmaecendo cada vez mais as demarcações entre culto
e popular, tradicional e moderno, o próprio e o alheio. Na verdade, essa situação somente veio a se intensificar na última década.
Uma segunda dinâmica trata da ação simultânea dos meios
massivos que hibridizam mas, também, separam, “aprofundam e
reforçam as divisões sociais, refazem as exclusões que vêm da
estrutura social e política, legitimando-as culturalmente” (MARTÍN-BARBERO, 1990a, p. 9). Martín-Barbero, ainda, reitera esse
aspecto: “[…] falar em identidade regional ou local implica falar
não só de costumes e tradições orais, de cerâmicas e ritmos musi168
cais, mas, também, de marginalização social, de expoliação econômica e de exclusão nas decisões políticas, isto é, do ‘desenvolvimento desigual’ de que estão feitos esses países” (1990a, p. 13). É
importante ressaltar esse lado da questão para que, mais tarde, tal
posicionamento não se confunda com uma postura multiculturalista que reconhece como politicamente correto as diferenças culturais, sem destacar as desigualdades sociais implicadas.
E, por último, é identificado o surgimento de culturas ou
subculturas não-ligadas à memória territorial. Mais recentemente, esse autor tem se preocupado cada vez mais com as “memórias desterritorializadas”, isto é, com aquelas relacionadas com
uma cultura de massa global (da TV, do vídeo, da música e do
cinema) que dificilmente podem ser vistas em relação a um território definido, pois estão ligadas ao mercado transnacional.
Nessa direção, têm-se tornado tema constante de suas reflexões
certas culturas juvenis “tachadas com freqüência de antinacionais porque não têm raízes num território determinado. No
entanto, elas não são tanto antinacionais, mas uma nova forma
de perceber a identidade. São identidades com temporalidades
mais curtas e precárias, que tem uma flexibilidade que lhes
permite aglutinar ingredientes de diferentes mundos culturais”
(SCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63).
Na emergência das culturas “sem memória territorial” é que
se evidencia uma outra ordem ou forma de organização promovida pelos meios de comunicação, isto é, o movimento contraditório de globalização e fragmentação da cultura. “Os meios de
comunicação, tanto o rádio como a imprensa e, aceleradamente,
a televisão, são hoje os mais interessados em diferenciar as culturas, seja por regiões, por profissões, por sexos ou pela idade. […]
De forma que a desvalorização do nacional não provém unicamente da desterritorialização que os circuitos de interconexão global
da economia e da cultura-mundo efetuam, mas da erosão interna
produzida pela liberação das diferenças, especialmente das regionais e geracionais” (MARTÍN-BARBERO, 1995b, p. 172).
Relacionada com essa dinâmica cultural, há uma revitalização
do local, uma emergência de relatos e imagens que revelam a diversidade das culturas locais. E mesmo diante de uma impossibilidade
169
de definir fronteiras precisas de uma cultura nacional, mantida
pela soberania do Estado, a noção de nacional ainda tem vigência, convertendo-se num “espaço estratégico de resistência à dominação e uma mediação histórica da memória longínqua dos
povos, essa que faz possível o diálogo entre gerações” (MARTÍNBARBERO, 1995b, p. 173).
É evidente [reflexão de Martín-Barbero] a ruptura com a problemática de uma hegemonia cultural imposta de fora. A transnacionalização é considerada como um fator de deslocamento, não de
homogeneização de culturas e, nesse contexto, é difícil ver como
se pode impor uma identidade coletiva dominante, no âmbito
nacional, por meio de medidas políticas públicas, adotadas pelo
Estado. (SCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63)
Enfim, Martín-Barbero acaba pondo em questão a capacidade
de ação do Estado no que diz respeito ao campo da comunicação.
Embora, ao mesmo tempo, sustente que o espaço da nação e da
cidade constituem um espaço estratégico de resistência à dominação global e, assim, lugares para se pensar sobre a identidade.
Ao revisar a abundante produção de textos de Martín-Barbero,
ficam evidentes repetições e reiterações de posicionamentos. De
outro lado, é impossível evitá-las, pois são elas que vão sinalizando
as continuidades na reflexão desse autor. Contudo, vão sendo reveladas, também, observações pertinentes a mudanças ou intensificações de certas experiências sociais, priorizando-se, então, outros
espaços ou outros ângulos para sua abordagem analítica.
Nesse sentido, destaco agora o movimento que pode ser observado nos textos posteriores à DMM, de aproximação com o pensamento
pós-moderno ou pelo menos com alguns de seus princípios. A partir
da dúvida sobre se pensamos a crise da modernidade e o que ela possa
ter de superável, isto é, sua reformulação, ou o que esse debate pressupõe de anúncio da pós-modernidade, Martín-Barbero (1992) recupera
ambas as direções dessa discussão. Em ambos os contextos, enfatiza
que o lugar estratétigo para pensá-los é a comunicação.
Na seqüência desse raciocínio vai observar que a crítica
das dinâmicas culturais vigentes não cabe mais nos termos da
modernidade.
170
Um dos efeitos mais evidentes da crise que mina aquela [moderna] organização do mundo é a nova percepção do ‘campo das
tensões’ entre tradição e inovação, entre a grande arte e as culturas
do povo e das massas. Campo que já não pode ser captado nem
analisado nas ‘categorias centrais’ da modernidade: progresso/reação, presente/passado, vanguarda/kitsch. Porque se tratam de categorias despotencializadas em e por uma sensibilidade que no lugar
de completar a modernidade a problematiza, ao abrir a questão do
outro, a questão das tradições culturais como questão estética e
política. (1992, p. 31)
A exaustão dos termos da crítica moderna estaria relacionada, então, à idéia de que o próprio princípio de separação entre
culto, popular e massivo não tem mais validade? Ou os princípios
da crítica moderna se exaurem porque o discurso moderno pressupõe saber, decidir e legitimar uma determinada cultura?
Em outros termos, pensar essa nova experiência – caracterizada por Vattimo (citado por Martín-Barbero, 1992, p. 31), pelo
debilitamento do real na experiência cotidiana de desenraizamento do homem urbano, pela constante mediação e simulação que
exercem as tecnologias, pela dispersão estética e pelo simulacro
político – a partir do horizonte da crítica moderna, torna impossível escapar de julgamentos que implicam degradação cultural.
Somente outra estética, ética, e outros princípios que caracterizem uma outra sensibilidade, “poderão ter algum papel num projeto de emancipação para a gente de hoje. Uma emancipação que
começa por sentir o mundo menos seguro, mas, também, menos
totalitário” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 31).
É nítida, nesse posicionamento de Martín-Barbero, a aceitação de certos traços que marcam nossa inserção no mundo de
hoje à luz de teorias pós-modernas, mas, também, sua vinculação
com ideais essencialmente modernos: pensar na tradução da análise cultural num projeto político, acreditando ainda na capacidade de ação dos sujeitos.
A partir daqui passa a ser essencial verificar como esse tensionamento que confronta o permanecer no campo da modernidade com o aliar-se a posições pós-modernas se manifesta nos
seus textos de 1997/98.9
171
Num texto em que refaz o percurso da sua formação teórica,
revelando, no passado, seu encontro com o campo da comunicação e, no presente, seu reencontro com a filosofia, seu ponto de
partida, assume especial importância o questionamento sobre o
papel do “pensamento crítico” num momento marcado pela “deslocalização do intelectual, o apagamento das utopias e a crise da
representação política”. Reivindica, então, passar de uma forma
explicativa de pensar para outro regime, o da racionalidade compreensiva. Assim, ao mesmo tempo que reconhece a existência de
um novo terreno, elucida sua proposta:
Não é verdade que com o apagamento das ideologias e utopias da
esquerda, o pensamento crítico perdeu seu território próprio e se
encontra hoje lutando a partir do campo que o adversário construiu e domina? Um adversário que, ao diluir-se o território da
esquerda, também se apaga, tornando-se embaciados os traços
que o identificavam, tornando-o vulnerável. Exilado de seu espaço e, em certa medida, do seu tempo, de seu passado, o pensamento
crítico somente pode vislumbrar o futuro, tornando-se nômade,
aceitando o caminho da diáspora. (1998a, p. 205)
Esse pensamento nômade para Martín-Barbero está caracterizado pelo “descentramento”, desordem que afeta tanto a noção de
espaço como de tempo, “exigindo-nos pensar os descompassos que
subvertem uma contemporaneidade esmagada sobre a simultaneidade do atual, sobre um presente autista” (1998a, p. 206). O que
era antes apenas um delineamento de um “novo paradigma” que
aparecia mais como resultado da recuperação de outras posições,
aqui, plasma seu próprio (re)conhecimento da situação.
a partir da perspectiva do des-centramento e da diáspora, a comunicação deixa de ser confundida com o movimento de uma mensagem que circula entre um emissor e um receptor. E encontra a idéia
e a imagem de rede – ou melhor, em seu plural: redes – a possibilidade
de pensar a multiplicidade de sentidos que sustenta a comunicação
humana e a diversidade de sentidos em que se move a informação ao
dispersar-se no entrelaçamento dos circuitos. (Idem)
Embora reiterada a idéia de que a modernidade latino-americana está fundada na conexão entre cultura oral e visualidade
172
eletrônica, agora, Martín-Barbero nomeia o hipertexto, ou seja,
aqueles “textos sem centro e direção fixa”, como sua narrativa
central. Isso se coaduna com alterações na sua análise da experiência contemporânea e, nesse sentido, da constituição das identidades, assim como com essa nova forma de pensar.
No esboço de mais um dos seus “mapas noturnos” – que iluminam certas rotas, mas onde muitas outras ficam encobertas –,
Martín-Barbero vai identificar o mundo e a técnica como categorias imprescindíveis de serem (re)pensadas, pois os saberes que as
rodeiam são precários e as resistências em admitir que estamos
diante de um “novo objeto” são ainda muito fortes. É essencial,
principalmente para quem se insere no campo da comunicação
observar o que esses dois âmbitos estão sinalizando.
A primeira categoria deverá indicar a passagem de um processo de internacionalização para o de mundialização, reclama
assim um novo paradigma, pois o mundo de hoje não pode estar
ancorado no tempo das relações internacionais.
Interligada com a idéia de mundo está a recorrente temática
que se encontra na ordem do dia: a globalização. Esta, por sua
vez, está sempre a exigir explicação, pois transforma-se tanto em
metáfora vazia quanto pode ficar reduzida à concentração e ao
poder alcançado pelo mercado. Por essa razão, Martín-Barbero explicita que o global não se deixa captar pela categoria do Estado
nacional e que é justamente o espaço nacional que sofre, hoje, o
processo mais profundo de reconfiguração. “[…] preso entre as
lógicas desnacionalizadoras do global e as dinâmicas de restauração do local, vê-se superado economicamente (demasiado grande e pesado para gestionar o local e demasiado pequeno para
competir com as forças do global) e deslocado culturalmente. O
que não significa seu desaparecimento […] (MARTÍN-BARBERO,
1998a, p. 212).
Duas imagens sintetizariam nosso ingresso e imersão nesse
mundo. A primeira delas é que nos ofereceu o primeiro satélite,
proporcionando “ver o mundo a partir do espaço”. Isso colocou
em andamento a globalização do imaginário humano. A segunda
imagem é a da queda do Muro de Berlim, que serviria como
metáfora do fim das barreiras entre Leste e Oeste. Nesse cenário,
173
Martín-Barbero retorna a constituição do imaginário coletivo e
volta seu olhar para a vida cotidiana e ordinária, com seu ritmo
muito mais lento e as suas amarras numa outra história que não é
a da fluidez, circularidade, velocidade. “Mais lentos, no entanto,
que a economia e a tecnologia, os imaginários coletivos do global
conservam e arrastam vestígios do lugar, vestígios do local, que
intensificam as contradições entre velhos hábitos perspectivos e
novas habilidades técnicas, entre ritmos locais e velocidades globais” (1998a, p. 213).
O outro eixo proposto para se (re)pensar é a técnica. Nesse
âmbito, o autor sinaliza três possibilidades de abordagem. A primeira propõe refletir em conjunto o “hipertexto e o palimpsesto”,
isto é, “essa nova enciclopédia na qual as palavras já não remetem
mais a outras palavras, mas a imagens e sons mobilizadores de
novos modos de escritura e leitura, que são os hipertextos. E essa
escritura difusa que confusamente emerge nas entrelinhas com as
quais escrevemos o presente é o palimpsesto” (1998a, p. 213).
A segunda direciona-se às novas narrativas que a tecnologia
faz possível, principalmente aquelas tramadas pela sensibilidade
dos jovens. E, por último, a terceira implica deixar de ver a técnica como mera transmissora e abordá-la como parte constitutiva
dos novos modos de produzir conhecimento.
Articuladas essas três aproximações, um novo sensorium emerge. Este não é mais caracterizado pela “dispersão” e pela “imagem múltipla” que representava a experiência moderna, mas pela
“fragmentação” e pelo “fluxo”. Estes últimos dois – fragmentação
e fluxo – são os novos dispositivos que conectam a estrutura comunicativa da televisão com os ordenamentos da nova cidade.
A primeira característica – fragmentação – associa-se com
desagregação social, isto é, relaciona-se com a atomização que a
privatização da experiência televisiva proporciona. E a televisão,
hoje, associa-se a uma experiência doméstica e privada, circunscrita a casa. É a partir desse ambiente que cada dia um maior
número de pessoas realiza sua inserção na cidade.
“Do povo que tomava a rua ao público que ia ao teatro ou ao
cinema, a transição era transitiva e conservava o caráter coletivo da
174
experiência. Dos públicos do cinema às audiências de televisão, o
deslocamento sinaliza uma profunda transformação: a pluralidade social, submetida a lógica da desagregação, faz da diferença uma
mera estratégia de rating. E não representada na política, a fragmentação da cidadania é tomada a cargo do mercado: é dessa
mudança que a televisão é a principal mediação! (MARTÍNBARBERO,1997a, p. 36)
O outro dispositivo que complementa a fragmentação é o
fluxo. Ele diz respeito a profusão de imagens que retêm a atenção
do espectador, sinalizando que este ininterrupto fluxo de imagens
é mais importante que o próprio conteúdo da programação televisiva. “É com pedaços, restos e resíduos de objetos e saberes que
boa parte da população arma os abrigos onde habita, tece o rebusque10 com que sobrevive e enfrenta a opacidade da cidade. E
existe, também, uma eficiente travessia que liga os modos de ver
a partir dos quais o televidente explora e atravessa o palimpsesto
dos gêneros e os relatos com os modos nômades de habitar a
cidade” (1997a, p. 37) Em última instância, o autor nos adverte
que o fluxo televisivo remete às formas da vida na cidade, especialmente dos jovens, impondo a dissolução dos gêneros e a exaltação do efêmero.
Como vivemos, então, a contemporaneidade? Habitamos um
mundo onde se cultua o presente, fomentado pelo conjunto de
meios de comunicação, com especial destaque para a televisão, e
onde a percepção do tempo e do espaço se transforma.
A mutação que experimentamos produz “um novo tipo de
espaço reticulado que debilita as fronteiras do nacional e do local,
ao mesmo tempo que converte esses territórios em pontos de acesso e transmissão, de ativação e transformação do sentido de comunicar”. Mas como se conectam o atual desenvolvimento
tecnológico com as transformações na nossa experiência sensível,
e como interatuam? Citando Manzini, Martín-Barbero nos diz:
“o espaço que nossos itinerários perceptivos atravessam se encontra estratificado segundo a velocidade do meio tecnológico que
usamos […], mas a multiplicidade de temporalidades que vivemos, não se encontra regulada pela lógica interna do sistema técnico” (1998a, p. 30). O que significa, então, que a inserção dos
175
sujeitos nesse contexto não é automática, mas atravessada de contradições e ambigüidades, de ritmos diferenciados.
Porém, em outro lugar (1998b, p. 55), Martín-Barbero comenta que, ao comparar-se práticas de comunicação nos supermercados com as práticas que ocorriam nos mercados e feiras
populares, constata-se uma substituição da interação comunicativa pela textualidade informativa: “É o que vive o comprador no
supermercado ou o passageiro no aeroporto, onde o texto informativo ou publicitário guia-o de uma ponta a outra sem necessidade de intercambiar uma palavra durante horas”.
Em relação ao tempo, sua marca hoje é o instântaneo, a “simultaneidade do atual”, remetendo, por um lado, ao “debilitamento do
passado”, que fica reduzido à citação em expressões de qualquer
natureza (tais como na arquitetura, literatura, etc) e, de outro, à
“ausência de futuro”, instalando-se um “presente contínuo”.
Associada às reestruturações do espaço e do tempo, a constituição das diversas identidades locais converte-se em “representação da diferença”, mas uma diferença comercializável, isto é,
“submetida ao turbilhão de colagens e hibridações que o mercado
impõe” (1997a, p. 32). Embora se reconheça que o processo de
globalização valorize, de forma paradoxal, o âmbito do local,
mostrando-o como a ancoragem primordial do sujeito, seu sentido não é unívoco.
É nesse cenário que a reflexão de Martín-Barbero se insere.
Diante de um mundo paradoxal é uma reflexão prenhe de dúvidas
e incertezas, que dilacera-se entre o “lúcido pessimismo” dos relatos desencantados, a idéia de que “uma crítica pessimista da cultura
é uma tarefa positiva” (MARTÍN-BARBERO citando STEINER, 1997a, p.
40) e a tentativa de compreender o desencantado mundo social
com o intuito de transformá-lo. Lidando com uma situação na qual
vivemos “o desencantamento do mundo sem que isto nos converta
automaticamente em seres desencantados”, Martín-Barbero debate-se para inverter a avaliação de Benjamin – “todo documento de
cultura é também um documento de barbárie”, desejando que “nestes escuros tempos existissem documentos de barbárie que fossem
documentos de cultura” (1997a, p. 40).
176
IDENTIDADE COMO HIBRIDISMO
Ao revisar as teorias sobre a modernidade tendo como foco as
transformações ocorridas a partir dos oitenta na parte latina do continente americano, García Canclini (1989a) vai conceber a América
Latina como uma articulação complexa entre tradições e modernidades, diversas e desiguais, coexistindo em múltiplas formas de desenvolvimento. A partir dessa constatação, o autor converte o termo
“hibridismo cultural” em modelo explicativo de identidade.
Como o sentido que esse termo adquire na reflexão de García Canclini já foi explicado, o ponto de partida será recuperar
algumas das suas idéias, resultantes de uma série de investigações
e análises da cultura visual (por exemplo, monumentos, grafites,
artes plásticas, entre outros), e sua relação com os processos de
constituição da identidade cultural. Seguindo esse roteiro, serão
ampliadas e aprofundadas algumas das suas considerações a esse
respeito. O contexto geral dessas observações pressupõe que, a
partir da consolidação da urbanização na América Latina, são os
meios de comunicação de massa que vão estabelecer uma nova
diagramação dos espaços e intercâmbios urbanos.
Nessa perspectiva, García Canclini (1988b, p. 49) observa
que a constituição da figura do latino-americano, isto é, sua identidade, pode apresentar sua cara na cultura visual. O termo cultura visual, segundo o mesmo autor, abrange os diversos sistemas
de imagens e desenhos presentes na organização simbólica de
cada sociedade (arte, artesanato, meios massivos, arquitetura,
desenho gráfico e industrial) e, também, os processos mistos onde
esses sistemas se cruzam e interpenetram.
Uma das principais marcas desse conjunto de formas simbólicas, hoje, é a impossibilidade de distinguir nele a existência de
diferentes universos, tais como culto, popular e massivo. Na verdade, diz García Canclini, a América Latina não teve uma história cultural semelhante à da Europa, onde existiu uma distinção
culto/popular durante séculos. Tal oposição na Europa
contribui para organizar simbolicamente as diferenças entre as classes durante todo o processo de modernização. Antes que o reordenamento massivo das sociedades contemporâneas perfurasse o muro
177
que dividia o culto do popular, dois tipos bem diferenciados de
cultura visual tinham delineado identidades separadas, formas
diversas de reconhecimento e valorização. Enquanto o campo
artístico conquistava sua autonomia e se dedicava a produzir obras
cotadas pela sua originalidade, a arte popular ia sendo valorizada
pela sua autenticidade e tradicionalidade. (GARCÍA CANCLINI,
1988b, p. 49)
Associado a esse posicionamento sustenta-se que não existe
somente um tipo de identidade, ao contrário, existiriam dois universos de imagens: o culto e o popular.
A América Latina não compartilha dessa narrativa cultural
européia. No nosso caso, durante a época das colônias, as artes
estavam sob a tutela religiosa ou sob um poder político que não
concedia espaços autônomos. A partir de meados do século XIX,
as artes começam a desprender-se desse jugo, no entanto, esse processo não foi acompanhado pela estruturação de um forte mercado
cultural. “Longe de poder constituírem projetos criativos individuais, os artistas foram empregados para construir a iconografia
das gestões de liberação e organização nacional” (1988b, p. 50).
Dessa forma, é somente a partir da primeira metade do século XX,
com o desenvolvimento industrial, urbanização e crescente poder
econômico das classes médias e altas, que se constitui um público
comprador de arte, sendo somente nos anos 50/60 que o processo
de autonomização da arte culta começa a deslanchar.
A particularidade do caso latino-americano sobressai quando
se observa que as condições socioeconômicas e culturais que permitiriam a autonomização dos campos culturais coincide com o
desenvolvimento do processo de massificação que remodela os
países dessa parte do continente. “Em parte pelos movimentos
políticos [sobretudo os populismos], em parte pela modernização
comunicacional [instalação da lógica das indústrias culturais], a
autonomia de uma estética culta e o desenvolvimento autônomo
de tradições populares tornam-se empresas falidas” (Idem).
Na América Latina, os sistemas simbólicos e cenários culturais sofrem mudanças constantes e radicais e, por essa razão, as
regularidades e distinções que poderiam facilitar sua análise são
insustentáveis. Dessa maneira, uma das primeiras conclusões é de
178
que o universo culto e popular se desenvolvem, transformando-se
mutuamente; não se configuram em blocos homogêneos e compactos com contornos definitivos.
Outro ponto relacionado à precária construção da modernidade na América Latina e, por sua vez, à identidade latino-americana, concentra-se nos esforços políticos em construir patrimônios
culturais comuns como base simbólica das nações modernas. Nas
suas versões mais modernas, a ideia de patrimônio se constitui em
expressão da aliança entre classes e abrange a herança cultural comum de cada povo. Em tais modalidades são incluídas práticas dos
membros dessas sociedades que vão permitir uma identificação
conjunta. Em outras palavras, tentam abarcar tanto os bens produzidos pelas classes hegemônicas quanto os das classes populares.
Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam
como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que
recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabe
discuti-lo. […] A perenidade desses bens faz imaginar que seu
valor é inquestionável e os torna fonte do consenso coletivo, desconsiderando divisões entre classes, etnias e grupos que fraturam a
sociedade e diferenciam os modos de apropriar-se do patrimônio.
(GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 150)
Tal tipo de posicionamento desemboca numa noção essencialista de identidade,11 desse modo, “o que se define como patrimônio e identidade pretende ser o reflexo fiel de uma essência” (1989a,
p. 152, grifo meu).
Segundo García Canclini, essa postura expressa pelo patrimonialismo essencialista não proporciona condições para compreender a crise generalizada da cultura visual ou, em outros termos,
o significado do pós-moderno na história da cultura visual. Nesse
sentido, o pós-moderno é uma situação complexa de desenvolvimento cultural em que o ponto central se situa no reordenamento
dos princípios que regiam o culto, o popular e a oposição entre
eles, quando funcionavam como estruturas separadas.
Embora essa cultura visual tenha truncado as explicações de
encontrar uma identidade constituída na raça, num território ou
num patrimônio, não eliminou o questionamento em torno da
179
identidade. Ao contrário, em tempos de contradições e instabilidades essa questão se torna ainda mais premente.
É exatamente neste ponto que o termo “hibridação” se transforma no eixo do conceito de modernidade latino-americana, para García Canclini. Cruza-se, aqui, reflexão teórica com trajetória pessoal.
Indagado, em certa ocasião, sobre se tal conceito tem seu lastro na
sua origem argentina ou na sua vivência no México, respondeu:
Eu diria que das duas origens. A Argentina é um país constitutivamente multiétnico, embora às vezes esqueça esse fato; foi formado
modernamente por muitas migrações européias e, também, mediante um processo de arrasamento e encurralamento da sua população indígena originária. Grande parte das manifestações culturais
que habitualmente se consideram distintivas da Argentina, como o
tango ou o sainete, são interculturais, são muito híbridas. Não é
possível falar da Argentina como uma sociedade homogênea, senão
como uma sociedade de alta heterogeneidade regional, de classe, de
grupos étnicos, etc [...] O México, que também é um país constitutivamente multiétnico, tem um perfil distinto. Em primeiro lugar,
pela importante presença indígena e por todos os processos de hibridação que ocorreram durante a colônia, que teve uma presença
muito mais vigorosa no que se chamou a Nova Espanha do que
nesse distante Vice-Reinado do Sul ao qual pertenceu a Argentina.
Minhas experiências no México, através do trabalho de campo em
zonas rurais e indígenas e nos fenômenos urbanos, mostraram-me
uma constante confrontação com processos de hibridação de um
tipo diferente do argentino.Além disso, sem dúvida, está o fato de
eu mesmo ser um imigrante e, portanto, um participante fraturado
por estas duas experiências. A expressão argenmex, com a qual
designam os argentinos que vivem há muito tempo no México,
é claramente representativa desta mescla. (CANCLINI entrevistado
por MONTOYA, 1992, p. 12)
Exatamente por vivenciar na própria pele a separação da terra natal e inserção num outro contexto, apropriando-se de outro
mix de culturas, García Canclini constitui-se num híbrido. “Argentino de nascimento, García Canclini está bem qualificado para
escrever sobre híbridos culturais, dado que seu próprio corpo é um
híbrido cultural. […] García Canclini escreve como um argentino
180
sobre o México e como um mexicano sobre o México. Ele retrata
a Argentina como um exílio e como um mexicano. Sua reflexividade é multiplicada pela mesma trajetória da sua própria história
de vida” (LULL, 1998, p. 408). Nos termos de Stuart Hall, isso
significa construir uma espécie de ponte entre posições diferentes, ter um investimento em mundos distintos, o que compõe a
experiência da diáspora através da qual a identidade cultural contemporânea está articulada.
Na avaliação de Herlinghaus (1997, p. 47), a concepção de
hibridização cultural12 de García Canclini é pós-moderna “na
medida em que relativiza aquelas metas que impediram de pensar
o descontínuo e o multitemporal”. Nos cruzamentos e nas negociações entre o culto, o popular e o massivo suspendem-se as lógicas modernas de divisão, separação e pureza destes níveis.
García Canclini reconhece a utilidade da reflexão sobre a pósmodernidade para compreender essa heterogeneidade cultural latino-americana. Contudo, ele tem o cuidado de sublinhar que não
concebe a pós-modernidade como uma etapa que substituiria o
mundo moderno, mas como “uma forma de problematizar os vínculos equivocados que este [o mundo moderno] armou com as
tradições que quis excluir ou superar para constituir-se” (1989a,
p. 23). A relativização proposta pelas teorias pós-modernas facilita
revisar a separação entre culto, popular e massivo, proporcionando
meios para elaborar um pensamento mais aberto em relação a intercâmbios, integrações e interações entre esses níveis.
Em outras palavras, ele percebe, na corrente de pensamento
da pós-modernidade sugestões para repensar algumas questões
colocadas pela modernidade.13
O aporte pós-moderno é útil para escapar desse impasse, pois revela
o caráter construído e teatralizado de toda tradição, incluída a da
modernidade: refuta a origem das tradições e a originalidade das
inovações. Ao mesmo tempo, oferece a ocasião de repensar o moderno como um projeto relativo, vacilante, não antagônico às tradições, nem destinado a superá-las por alguma lei evolucionista
inverificável. Serve, em suma, para fazer-nos cargo, ao mesmo tempo, do itinerário impuro das tradições e da realização desencaixada,
heterodoxa, de nossa modernidade. (1989a, p. 190)
181
García Canclini procura construir uma posição intermediária que nega tanto a postura que absolutiza uma pureza ilusória
quanto o relativismo acachapante pós-moderno, em que qualquer
sentido se desfaz. Há uma explícita tentativa de considerar tanto
as questões modernas quanto as pós-modernas, negociando um
espaço interpretativo entre esses dois discursos.
Nessa direção, sua análise de algumas práticas culturais aponta
para o surgimento de novas formas de subjetividade que, embora
desprovidas de qualquer noção totalizante, mantêm uma tensa
relação interrogativa com as sociedades, ou fragmentos delas, e
onde os novos atores sociais acreditam ver movimentos sócioculturais vivos e utopias praticáveis.
Isso sinaliza a crença do autor na temática das utopias e dos
projetos históricos e que estes ainda têm validade. “Alguns de nós
entendem que a queda dos grandes relatos totalizadores não elimina a busca crítica do sentido – ou melhor, dos sentidos – na
articulação das tradições e da modernidade. E que a renovação do
tratamento desta questão deve partir do reconhecimento da pluralidade semântica que se dá não somente na arte culta e no popular,
mas nos seus entrecruzamentos inevitáveis e na sua interação com
a simbólica massiva” (1988b, p. 56).
Paulatinamente, a reflexão de García Canclini passou a interessar-se cada vez mais pelos processos de consumo cultural que já
eram assinalados na década de 80 como relevantes para reavaliar as
políticas culturais e desenhar novas políticas verdadeiramente democráticas, isto é, que construíssem espaços para o reconhecimento e o desenvolvimento coletivo, mas, também, proporcionassem
condições reflexivas para que fosse avaliado o que obstrui esse reconhecimento (1989b, p. 148). O que se observa nesse movimento é
um deslocamento em direção à importância do mercado e seu
poder na estruturação e constituição das identidades, desbancando a influência do Estado, destacada em outros períodos, no processo do consumo.
É difícil rastrear os conceitos e idéias fundamentais dos secundários no livro de García Canclini – Consumidores e cidadãos
(1995b). Ele expõe uma diversidade de questões para pensar e,
além disso, a sua forma de apresentação não é linear, articulando
182
numa série de ensaios um leque de problemáticas em torno do
consumo, identidade cultural e cidadania.
Vemos aí a retomada e atualização de uma série de questões
que foram sendo expostas em textos anteriores. Metodologicamente, García Canclini continua insistindo no trabalho de complementação entre antropologia, sociologia, comunicação e outras
áreas do campo das ciências humanas.
Uma das idéias-chave é de que os problemas do consumo não
podem ser vistos apenas como relacionados à eficiência comercial,
aos negócios, à publicidade, ou ainda, como uma questão de gostos pessoais. Entender como as mudanças na maneira de consumir
foram alterando as formas de exercer a cidadania e a construção da
identidade é a provocação que García Canclini propõe.
Para alcançar tal objetivo, traça o novo cenário sócio-cultural
contemporâneo e repassa algumas questões como: o esfacelamento da oposição entre o próprio e o alheio; a assunção do global,
mediado pela cultura local; a necessidade de definir novas políticas culturais em tempos de integração cultural e globalização; a
crença numa sociedade civil rearticulada de forma diferente daquela dos anos 70/80, entre outras.
Dois âmbitos são, então, cruciais na análise de García Canclini: na cultura destaca-se o consumo e na política é a própria
noção de cidadania que necessita ser revista. No início do livro a
posição do autor fica claramente expressa: “Homens e mulheres
percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que
lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar,
quem representa meus interesses – recebem sua resposta mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do
que das regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva
em espaços públicos” (1995b, p. 13, grifo meu).
A própria política tornou-se errática e submetida às regras
do espetáculo onde as decisões são tomadas em função das seduções do consumo. Por essa razão, García Canclini dirige-se à cidadania, entendida como “o núcleo daquilo que na política é relação
social”, sem desvinculá-la do consumo. Ao repensar a cidadania em
conexão com o consumo e como estratégia política, procura-se uma
183
forma de articular o poder de organização do Estado com o do
mercado. “Precisamos de uma concepção estratégica de Estado e
do mercado que articule as diferentes modalidades de cidadania
nos velhos e nos novos cenários, mas estruturados de maneira
complementar” (1995b, p. 24).
Segundo a ótica de García Canclini, os próprios meios de
comunicação de massa que foram responsáveis pelo aparecimento
das massas na esfera pública foram mudando e deslocando o exercício da cidadania e o desenvolvimento do espaço público em direção às práticas de consumo. “Devemos nos perguntar se ao consumir
não estamos fazendo algo que sustenta, nutre e, até certo ponto,
constitui uma nova maneira de ser cidadãos. Se a resposta for positiva, será preciso aceitar que o espaço público transborda a esfera das interações políticas clássicas” (1995b, p. 31).
E o autor não se furta de elaborar uma proposta onde o consumo não seja comandado pelas forças do mercado, mas faça parte de interações sócio-culturais complexas. “Vincular o consumo
com a cidadania requer ensaiar um reposicionamento do mercado na sociedade, tentar a reconquista imaginativa dos espaços
públicos, do interesse do público. Assim o consumo se mostrará
como um lugar de valor cognitivo, útil para pensar e atuar significativa e renovadoramente, na vida social” (1995b, p. 68).
Do ponto de vista da análise, as alterações que vão ocorrendo no plano histórico têm suas equivalências em termos de conceitos. Numa determinada situação, conceitos específicos são
produtivos e em outra, são descartáveis. Esse processo está expresso no abandono da noção de popular que se tornou inadequada para
abarcar os múltiplos cruzamentos culturais contemporâneos. Assim, o popular foi substituído pela idéia de sociedade civil. Porém,
esta também foi tornando-se inapreensível, pois passou a indicar as
mais díspares manifestações de grupos, organizações não-governamentais, empresas privadas e mesmo indivíduos. Na opinião de
García Canclini, o termo sociedade civil passou a ser “outro conceito totalizador a negar o heterogêneo e desintegrado conjunto de
vozes que circulam pelas nações” (1995b, p. 34). Por essa razão,
agora o ponto de vista centra-se na idéia de consumidor-cidadão.
184
A definição sobre quem somos nós, os latino-americanos,
continua demarcando um espaço importante na reflexão de García
Canclini. Se antes as identidades se definiam pelas relações com o
território, tentando expressar a construção de um projeto nacional, atualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo
que se possui ou daquilo que se pode chegar a possuir.
O rádio e o cinema e, particularmente no caso brasileiro, a
televisão, contribuíram, na primeira metade deste século, para a
organização da identidade e do sentido de cidadania nas sociedades nacionais, na América Latina. Os meios massivos acabaram unificando os padrões de consumo e proporcionando uma
visão nacional.
Essa identidade foi construída através de relatos fundadores,
apropriação de um território e defesa desse mesmo território das
invasões estrangeiras. Tudo isso com o fim de nos diferenciarmos
dos outros. No final do século XX, isto se transformou. Esse tipo
de construção identitária começou a se esboroar nos anos 80. “Os
referentes de identidade se formam, agora, mais do que nas artes,
na literatura e no folclore – que durante séculos produziram os
signos de distinção das nações –, em relação com os repertórios
textuais e iconográficos gerados pelos meios eletrônicos de comunicação e com a globalização da vida urbana” (GARCÍA CANCLINI,
1995b, p. 124). De forma sintética, pode-se dizer que a globalização da economia e a integração regional foram reduzindo o papel
das culturas nacionais e dos referentes tradicionais de identidade.
Apesar da mescla de elementos de várias culturas, das diversas
situações de interculturalidade, das formas desiguais de apropriação, combinação e transformação de elementos simbólicos, ainda
subsistem as culturas nacionais, as culturas regionais e os movimentos de afirmação do local. Hoje não existem somente culturas
diferentes, mas, também, maneiras desiguais com que os grupos se
apropriam de elementos de várias sociedades, combinando-os e
transformando-os. Logo, a questão colocada hoje é como se reconstroem as identidades em processos de hibridismo cultural.
A identidade, para García Canclini, é entendida enquanto
uma narrativa que se constrói; um relato reconstruído incessantemente e não uma essência dada por uma vez e em forma definitiva.
185
Uma narrativa construída pelos e entre diversos atores sociais, mas
que se realiza em condições desiguais devido às relações de poder
que intervêm. Dessa maneira, a identidade torna-se uma co-produção que inclui a presença de conflitos pela coexistência de nacionalidades, etnias, gêneros, gerações etc, constituindo-se
simultaneamente em representação e ação.
Embora García Canclini afirme que as categorias de hegemonia e resistência continuem válidas para compreender os processos de configuração das identidades, a complexidade das
interações que se estabelecem, demanda, sobretudo a necessidade
de analisá-las como processos de negociação, na medida em que
são “híbridas, dúcteis e multiculturais” (1995b, p. 151). Isso tem,
pelo menos, duas implicações: o objeto empírico deve abarcar os
espaços de negociação de sentidos14 e, conceitualmente, a negociação é importante.
Mais uma vez García Canclini reafirma a validade conceitual
de hegemonia, contudo, critica o estilo de investigação que a concepção gramsciana propiciou, pois, na realidade, as complexas
relações entre hegemonia e subalternidade foram reduzidas a um
confronto rígido e bipolar. Nessas condições se confere pouco ou
nenhum peso aos espaços de negociação.
A negociação é um componente-chave no funcionamento das
instituições e dos campos socioculturais. A negociação, hoje, é
uma modalidade de existência, “está instalada na subjetividade
coletiva, na cultura cotidiana e política mais inconsciente. Seu
caráter híbrido, que na América Latina vem da história de mestiçagens e sincretismos, acentua-se nas sociedades contemporâneas
pelas complexas interações entre o tradicional e o moderno, o
popular e o culto, o subalterno e o hegemônico” (1995b, p. 238).
É importante retornar, neste momento, à visão de cidadania
que Canclini expressa, rearticulando os planos da cultura e da
política. O exercício da cidadania expressa aquilo que na política
é relação social, mas não mostra somente a racionalidade dos princípios ideológicos. Isso seria uma redução: identificar pura e simplesmente cidadania e política. “Ser cidadão não tem a ver apenas
com os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que
186
nasceram em um território, mas também com as práticas sociais
e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que se
sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades” (CANCLINI,
1995b, p. 22, grifo meu).
Um significado mais amplo de cidadania, segundo García
Canclini, implica abranger as práticas emergentes não consagradas pela ordem jurídica, em rever o papel das subjetividades na
renovação da sociedade e entender seu lugar na ordem democrática. Se ampliarmos seu sentido, poderemos conectar cidadania e
consumo, considerando as atividades do consumo cultural como
uma dimensão da cidadania.
Para tal, García Canclini elabora uma proposição de políticas
culturais concretas, assinalando requisitos indispensáveis: a) uma
oferta vasta e diversificada de bens, representativos da variedade
existente nos mercados, de fácil acesso para as maiorias, isto é,
uma oferta multicultural equilibrada; b) informação multidirecional e confiável sobre os produtos, cujo controle seja exercido pelos
próprios consumidores, possibilitando refutar as seduções da propaganda; c) participação democrática dos principais setores da
sociedade civil nas decisões de ordem material, simbólica, jurídica e política em que se organizam os consumos.
Entretanto, García Canclini reconhece que nos anos noventa
vivencia-se a dissolução dos espaços públicos de negociação ou da
esfera pública como âmbito de participação popular. Esse processo vai cada vez mais se intensificando e agravando na medida em
que as indústrias culturais substituem as interações diretas pelas
mediatizações eletrônicas.
Uma série de exemplos de situações nacionais latino-americanas (campanhas eleitorais de Fujimori, Carlos Menem, Fernando Collor) e de contexto internacional (a Guerra do Golfo)
demonstram para García Canclini a substituição dos conflitos em
espetáculos. Agora, tudo se fotografa, filma, televisiona e consome em imagens. Mesmo assim o autor reluta em aderir às teses de
“tudo é simulacro”, advertindo que essa não se converteu na única saída. Ainda há um espaço aberto para negociar.
187
Os conflitos, hoje, não se dão apenas entre classes ou grupos, mas
também entre duas tendências culturais: a negociação racional e
crítica, de um lado, e o simulacro de um consenso induzido pela
mera devoção aos simulacros, do outro. Não é uma opção absoluta,
já que sabemos que os simulacros fazem parte das relações de significação em toda cultura. Porém, estabelecer de que maneira iremos
negociar o compromisso entre ambas as tendências é decisivo para
que na sociedade futura predomine ou a participação democrática
ou a mediatização autoritária. (1995b, p. 243)
A alternativa esboçada por García Canclini trata de repensar
conjuntamente o papel do Estado, da sociedade civil e do mercado. Implícito nessa revisão, encontra-se a tentativa de reconceber
o espaço público: “Nem subordinada ao Estado, nem dissolvida
na sociedade civil, a esfera pública reconstitui-se simultaneamente na tensão entre ambos” (1995b, p. 253).
A proposta resultante para delinear uma nova concepção estratégica do Estado deve implicar que o Estado reassuma o interesse
público. “O desafio é, principalmente, revitalizar o Estado como
representante do interesse público, como árbitro ou assegurador
das necessidades coletivas de informação, recreação e inovação,
garantindo que estas não sejam sempre subordinadas à rentabilidade comercial” (1995b, p. 254). Essa combinação entre Estado e
mercado necessita do reconhecimento do mercado enquanto espaço onde ocorrem interações socioculturais complexas.
Tudo isto tem conseqüências para o entendimento da sociedade civil. Para García Canclini (1995b, p. 261), redefini-la implica
ver que, na atualidade,“as sociedades civis aparecem cada vez menos como comunidades nacionais, entendidas como unidades territoriais, lingüísticas e políticas; manifestam-se principalmente como
comunidades hermenêuticas de consumidores, ou melhor, como
conjuntos de pessoas que compartilham gostos e pactos de leitura
em relação a certos bens (gastronômicos, desportivos, musicais),
os quais lhes fornecem identidades comuns”. A nova característica dessas comunidades é sua organização em torno de consumos
simbólicos e não mais em relação a processos produtivos.
Enfim, a proposta de García Canclini culminaria na construção de um multiculturalismo democrático, a partir do Estado, da
188
sociedade civil e de uma nova forma de pensar o mercado. Dessa
forma, constituir-se-ia um espaço cultural cuja base seria o reconhecimento multicultural da América Latina e onde as forças
monopolistas do mercado estariam sob controle mediante ação
pública do Estado. Este seria, então, o projeto político implícito
em tais formulações.
É de se pensar com atenção as implicações e dúvidas que
este tipo de posicionamento delineado por García Canclini gera.
De certa forma essas implicacões foram detectadas, também, por
Lull.15 A primeira delas pode parecer um contra-senso a posturas
bem demarcadas pelo próprio autor na seqüência desta reconstituição, mesmo assim, vale registrar a seguinte questão: a ênfase
dada ao consumo e às identidades que se constituem nesse mesmo âmbito que, por sua vez, estão, sobretudo situadas num mercado global, não endossa teses pós-modernas? E, ainda, o acento
na perspectiva do consumo não pode dissolver as especificidades
dos processos textuais e dos processos de produção cultural?
Sem a intenção de reanimar o debate bem conhecido na
América Latina em torno do controle dos meios de comunicação,
ao delinear, sobretudo, políticas culturais que tratam do fluxo e
distribuição de formas culturais, não se está sobrevalorizando uma
determinada área e deixando a descoberto outras. Não é de se
pensar conjuntamente numa pluralidade de formas de gestão dos
meios de comunicação?
De outro lado, é de se observar se esta reflexão não ocorre
num vácuo econômico e político. Em outras palavras, esse posicionamento veria o cultural, o social e o econômico de tal forma
intrincados que acabariam fundindo-se e não haveria como desarticulá-los, mesmo que para efeitos de análise.
Nesse sentido, sob aparente convocação da cidadania como
contrapeso ao impacto das relações neoliberais de mercado, a ressonância da proposta de García Canclini parece convocar muito
mais o consumidor do que o cidadão. Conseqüentemente, parece
compreender a era corrente como um novo modo de organização
social em que o essencial é prover ao consumidor-cidadão apenas
um leque mais amplo de escolhas.
189
O discurso da globalização enquanto construção teórica admite uma diversidade de entendimentos e sentidos que variam de
acordo com as suposições e compromissos da teoria em questão.
Por essa razão, o termo é utilizado, nesta seção, com o sentido
geral de descrever as formas pelas quais as forças econômicas,
políticas e culturais globais estão rapidamente alastrando-se pelo
globo e criando um novo mercado mundial, novas organizações
políticas transnacionais e uma nova cultura global (CVETKOVICH E
KELLNER, 1997).
Parece ser no âmbito da cultura que a globalização se torna
mais aparente e visível porque os meios de comunicação e os
sistemas de informação, através da cultura mundial do consumo,
fazem circular produtos, imagens e idéias pelo globo todo, alterando de forma notável a experiência cultural de viver sob o capitalismo. A esfera cultural constitui-se, então, num terreno complexo
onde essa cultura global que transita desenfreadamente, desconsiderando fronteiras geográficas, permeia as culturas locais. Decorrente dessa conjuntura, emergem novas configurações que
sintetizam ambos os pólos – global e local. Simultaneamente, a
esfera cultural apresenta-se como um espaço contraditório onde
forças opostas atuam: homogeneização e surgimento de formas
locais híbridas, neocolonização e resistência.
Quando os aspectos culturais assumem a primazia nas análises desse contexto – isto é, quando se trata de analisar “o lugar da
cultura na estrutura empírica real” (HALL, 1997, p. 208) – o problema em torno da identidade aparece em primeiro plano. De um
lado, essa ênfase surge tanto em resposta às forças de homogeneização quanto pode ser atribuída à produção de novas configurações de identidades, em acelerada proliferação nesse contexto de
globalização onde conflitos e escolhas forçam ainda mais a procura de identidades e valores.
Porém, de outro lado, esse enfoque está relacionado a uma
aproximação da análise social contemporânea em que a cultura se
torna uma condição de existência constitutiva da vida social. Em
outros termos, a cultura assume uma centralidade em todos os
aspectos da vida social, mediando tudo (HALL, 1997, grifo meu).
190
É nesse ambiente que se insere a reflexão dos três autores
recém recuperados, revelando uma amostra do caminho adotado
pelos estudos culturais contemporâneos. No entanto, não se pode
apagar o fato de que a adoção da rota das identidades responde de
certa forma ao atual estágio do capitalismo enquanto modo de
organização social vigente. A maneira como as identidades se
constituem e se multiplicam, hoje, corresponde a “estrutura de
sentimento” corrente relacionada a um determinado desenvolvimento capitalista. Tal vinculação não pode ser perdida de vista.
191
192
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Cada nueva perspectiva introducida
en un campo de saber no deja inmune ni al campo ni a sí
misma. Ambos entran en interacciones recíprocas, pactos
y luchas si no reapropriaciones que concurren
a un nuevo universo simbólico.
Alicia Entel
Dois registros fazem-se essenciais para finalizar o traçado
das cartografias de Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor
García Canclini e o desenho do contexto particular de sua emergência. O primeiro descreve alguns princípios que nortearam a
reconstituição dos itinerários estudados e o segundo recupera
marcas particulares das trajetórias estudadas, sinalizando uma rota
possível para os estudos culturais contemporâneos.
Quando comecei esta pesquisa, em meados dos 90, seu propósito fundamental consistia em analisar a constituição de um
marco teórico, no contexto latino-americano, que reivindicava o
enlace da investigação sobre comunicação e cultura. Além disso,
a inserção da comunicação no âmbito da cultura estava cruzada
com o problema social.
Porém, naquele momento inicial, meu posicionamento privilegiava apenas a distinção latino-americana, isto é, um desejo
de demarcar nossas diferenças e originalidades em uma imaginária discussão internacional. No entanto, no decorrer de meus
estudos, passei a perceber que se a diferença na abordagem latino-americana não podia ser omitida, também, as diversas contribuições teóricas não deveriam ser desconhecidas e, por sua
vez, suas relações com perspectivas teóricas contemporâneas mais
amplas. Esse movimento de inclusão de outras idéias que vinham de lugares distintos e sua adaptação a uma realidade particular tinha que ser capturado.
193
Assim, por diversas vias, fui percebendo a forte articulação
que se estabelecia entre a perspectiva latino-americana de análise
cultural da comunicação, neste caso específico visualizada fundamentalmente através dos itinerários intelectuais de Martín-Barbero e García Canclini – esses dois autores latino-americanos já faziam
parte de meu recorte original e tinham sido, inclusive, estudados
na minha dissertação de mestrado, em 1993 – e o corpo teórico
da tradição dos estudos culturais.
Ambas vertentes configuram-se em uma aproximação crítica
à cultura contemporânea, sendo que esta última é entendida como
espaço de contestação e conflito mas, também, de consenso e
reprodução social. Caracterizam-se, ainda, pelo reconhecimento
da existência de ação social, de uma sociedade ativa e pela importância dada ao contexto, isto é, atenta-se para as especificidades e
particularidades culturais articuladas a uma conjuntura histórica
determinada. Acabei, então, optando por revelar e, de certa forma, flagrar a relação existente entre um determinado pensamento
latino-americano e os estudos culturais.
Ao traçar esse mapa, tive como preocupação constante as
seguintes questões: Como falar de uma produção teórica latinoamericana de tal forma que não comprometesse sua especificidade histórica e política, mas que, também, pudesse ser compreendida
num movimento mais global do campo intelectual contemporâneo? Como abordar essas reflexões que respondem a determinadas demandas de um contexto particular, de forma articulada a
interesses que extrapolassem os contornos da própria América
Latina?
Por essa razão, propôs-se interpelar as idéias de García Canclini e Martín-Barbero como momentos de emergência e constituição dos estudos culturais latino-americanos, sendo que a reflexão
de Hall é tomada como paradigmática, ilustrando a configuração
da tradição britânica – ou inglesa, para alguns críticos – desse
campo de estudos.
Meu objetivo central foi o de identificar o movimento de
migração de um corpo de reflexões que, em princípio, tem sua
origem na Grã-Bretanha e alcança a América Latina. A intenção
194
não se pauta por discutir origens, mas rotas, trajetos que implicam em reconversões.
O que procurei mostrar durante todo o trajeto deste trabalho
é que “a originalidade da cópia é demonstrada especificando em
que consiste, como foi produzida e quais os seus resultados, o
modo pelo qual uma determinada teoria, sendo ela mesma, não
obstante é outra. A hipótese básica é que estamos diante de um
caso bem-sucedido de assimilação e recriação de um conjunto de
idéias, de uma orientação teórica e metodológica que prova sua
fecundidade heurística dando conta de situação distinta da qual
nasceu para dar expressão e, ao conseguir isso, revela-se como
universal” (BRANDÃO em Ricupero, 2000, p.17).
Contudo, os estudos culturais não podem ser vistos como fórmula teórica com validade universal, abstraindo a teoria da realidade,
nem como formatados pela realidade concreta onde se inserem, pois
seriam apenas expressão dessa realidade. Logo, o que estamos sugerindo é que os autores estudados nem se lançaram a uma transposição mecânica de uma teoria à uma realidade particular, subordinando
a realidade à fórmulas teóricas, nem subordinaram uma teoria à
realidade latino-americana – mesmo que a unidade da América
Latina não possa ser tomada como evidente.1
Portanto, o pensamento latino-americano estudado pode ser
identificado como estudos culturais, dado uma série de proximidades demonstrada ao longo desta narrativa. Porém, é ainda mais
apropriado dizer que os intelectuais analisados ao fundirem teoria
com realidade produziram estudos culturais latino-americanos e não
apenas estudos culturais localizados na América Latina. Estes últimos estariam sim associados com aquela concepção de que as
idéias mudam de lugar, sem se transformar.
De forma geral, pode-se dizer que, embora não exista uma
ligação direta entre o desenvolvimento dos estudos culturais britânicos e a constituição dos estudos culturais latino-americanos, sobretudo aqueles que mantêm um forte enlace entre comunicação e
cultura, é possível uma aproximação entre as análises da vida cultural contemporânea produzidas a partir de ambos os contextos. A
exemplo do que ocorreu na Inglaterra no período de formação dos
estudos culturais – mesmo que se atente para a existência de parti195
cularidades históricas e teóricas em cada desenvolvimento –, observa-se que, no espaço latino-americano, os estudos culturais constituem-se enquanto aproximação dos processos culturais com forte
vinculação a uma base social. Sob influência do pensamento gramsciano e através do engajamento2 de intelectuais nos movimentos políticos alternativos que estavam em andamento na época (na
Inglaterra dos anos 70 até meados dos 80 e na América Latina,
principalmente, na segunda metade dos 80), ambas as vertentes
revelaram aspirações políticas, concentradas em torno da investigação das práticas populares, muitas vezes vistas sob o prisma de
sua capacidade de resistência.3 Na verdade, o que os estudos culturais estavam revelando eram as intensas relações entre cultura e
poder, mas sempre com um objetivo de mudança social.
Porém, devido a uma série de fatores, já mencionados no decorrer deste livro, esse tipo de inserção política e enquadramento
teórico está na atualidade muito mais matizado e permeado por
influências teóricas bem mais diversas. Como vimos no último capítulo, a atenção à problemática das identidades e sua multiplicação, embora se debruce sobre fenômenos, temas e objetos políticos,
pode simultânea e contraditoriamente estar sinalizando um esmaecimento desses mesmos laços políticos. Daí a reivindicação de estabelecer um diálogo mais profícuo entre os estudos culturais e os
estudos políticos, fundamentalmente aqueles que atentam para a
sociedade civil e questões em torno da cidadania.
O fato de reivindicar tal interlocução entre os estudos culturais e estudos políticos revela mais um aspecto importante e que
deve ser retido como distintivo da abordagem dos estudos culturais. Este trata justamente da confluência de distintas disciplinas
para dar conta da investigação cultural.
Enfim, as vias em debate, hoje, nos estudos culturais são múltiplas. O que parece ser essencial é compatibilizar uma análise das
representações simbólicas com a ação social, sem nunca esquecer
que esta revela marcas de reprodução e transformação. Embora
este trabalho tenha iniciado com questionamentos em torno do
traço exclusivamente latino-americano dentro do amplo contexto
dos estudos culturais, no fundo os dilemas abordados são centrais
e comuns à investigação da cultura na contemporaneidade.
196
Por essa razão, concluo com uma visão geral sobre o desdobramento dos estudos culturais, tendo em vista a atenção crescente
na proliferação das identidades culturais. Para compreender a
importância que a problemática da construção das identidades
contemporâneas assume, na atualidade, é necessário olhar em retrospectiva para alguns vínculos teóricos que os estudos culturais
foram estabelecendo ao longo de sua trajetória.
Na Europa, a partir da segunda metade dos anos 80 a análise
cultural implementada pelos estudos culturais passa a sofrer – novamente – transformações, principalmente desencadeadas pelo
debate em torno da modernidade/pós-modernidade. Isso foi gerando, sobretudo, um deslocamento de conceitos ancorados no
campo marxista.
Na América Latina, esse mesmo processo parece entrar em
andamento na virada da década de 80 para os 90, com conseqüências mais nítidas a partir da segunda metade dos anos 904.
Como evidencia a estruturação deste trabalho, num primeiro
momento, a discussão travada concentrava-se no âmbito da ideologia e dominação social, gradualmente desembocando na incorporação da concepção de hegemonia e na percepção de um jogo
entre reprodução e resistência, detectado, sobretudo, no âmbito
“do popular” e, finalmente, no interesse atual em torno das novas
identidades.
As mudanças ocorridas em torno do processo de globalização vão ter impacto na constituição das identidades e, de certa
forma, contribuíram para erodir uma noção centrada de identidade. Os meios de comunicação passam a ter um papel central na
mediação e construção dessas “novas” identidades, reconstruídas
em outros termos. As identidades passam a ser vistas como culturalmente formadas, construídas através da cultura.
É dentro desse contexto que o descentramento do sujeito,
um traço filosófico postulado como pós-moderno, é percebido e
encarado como fundamental característica da condição contemporânea e constitutiva das identidades, sobretudo, por Jesús Martín-Barbero e Stuart Hall. Porém, em ambos esse traço é assumido
com ênfases distintas.
197
Para Stuart Hall, o entendimento sobre a constituição das
identidades situa-se numa compreensão maior onde “cada prática
social depende e se refere a sentidos; conseqüentemente, a cultura
é uma das condições constitutivas de existência daquela prática,
[isto é,] cada prática social tem uma dimensão cultural. […] cada
prática social tem um caráter discursivo”(HALL, 1997, p. 225).
O descentramento do sujeito, segundo Hall, pode revelar,
paradoxalmente, o encontro ou o centramento do sujeito. No seu
caso pessoal há, inclusive, um tom bem positivo em relação a esse
aspecto. “Uma das coisas fascinantes sobre essa discussão é encontrar-me, finalmente, centrado. Agora que, na era pós-moderna, vocês
todos sentem-se tão dispersos, eu torno-me centrado. O que eu
penso como o disperso, o fragmentado vem, paradoxalmente, ser a
experiência moderna representativa!” (HALL, 1993a, p. 134).
Entretanto, suas observações evidenciam um otimismo moderado diante do momento vivido. Como já foi anotado, existe no
contexto atual uma abertura para que vozes excluídas se assumam
nas suas diferenças, isto é, está em andamento uma política de
representação. Em oposição a essa face “positiva”, incluem-se
aqueles movimentos essencialistas e particularistas que representam riscos à convivência democrática.
Uma análise mais acurada da atualidade problematiza a visão celebratória da globalização cultural. Porém, não nega a transformação vivida nas relações que se estabelecem no âmbito cultural.
De acordo com Hall (1997), a cultura é hoje um dos elementos
mais dinâmicos neste início de milênio.
Martín-Barbero ao refletir sobre esse descentramento do sujeito, característico do momento presente, mostra uma simpatia
reticente. O aspecto do envolvimento e endosso a esse postulado é
visto na caracterização conceitual adotada nas suas formulações
atuais. Contudo, sua relutância se manifesta na afirmação que o
reconhecimento dessa condição não pode levar a posições apocalípticas e de descrédito no ser humano e nas suas qualidades. Nesse
sentido, parece indagar: como construir projetos numa situação
tão precária? Porém, esse questionamento parece deixá-lo dividido entre deixar-se seduzir pelo ceticismo e o reconhecimento de
198
que essa postura não admite a vontade de mudança, desincentivando a participação política.
Embora os três autores trabalhem com uma noção histórica
de identidade, compreendida como algo em permanente construção, revelam matizações e enfoques diversos. Nesse contexto, o
eixo central na construção das identidades contemporâneas em
García Canclini indica outro rumo: o âmbito do consumo como
plano fundamental.
Entretanto, antes de adentrar nas conseqüências dessa vinculação, não se pode menosprezar que a própria idéia de hibridismo
cultural – uma idéia presente nas formulações dos três autores
estudados, mas, especialmente identificada, neste trabalho, com
García Canclini – pode, também, apresentar-se como armadilha.
Cvetkovich e Kellner (1997, p. 21) sugerem que a celebração de
identidades híbridas, que estilhaçam categorias estáveis de identidade, é um gesto que necessita ser cuidadosamente apurado. “Se
aplicado indiscriminadamente para descrever o destino das identidades sob a globalização, a hibridação perde sua força analítica
e política como um conceito que descreve circunstâncias particulares e locais”. Além disso, se a utilização dessa noção prescinde
de articulação empírica e contextualidade histórica, pode transformar-se numa metáfora cultural esvaziada de conteúdo.
Sobre a concepção de consumo discutida por García Canclini, a primeira observação que pode ser feita, diz respeito a guinada teórica proposta por esse olhar. Se até os anos 70 predominava
apenas uma visão de consumo como espaço de reprodução, hoje a
ênfase está na multiplicidade de sentidos que podem ser desenhados a partir da escolha dos objetos de consumo, o que, por sua
vez, pode proporcionar ao consumidor uma identidade nova e
potencialmente diferente. McRobbie (1994) ressalta que um dos
riscos desse tipo de análise é o excesso de sentidos encontrado no
consumo. Algumas vezes, esse tipo de compreensão pode levar à
celebração por si mesma de tal espaço, às custas de uma análise
das relações sociais do ato de comprar.
Nessa mesma direção passa a ser inevitável que a importância assumida pelo consumo no contexto das novas identidades
revele uma convergência teórica com as teses da “soberania do
199
consumidor” e do “livre-mercado” – fundantes da economia neoclássica e, do ponto de vista da teoria política contemporânea, da
democracia liberal. Embora, no caso específico de García Canclini,
haja uma explicitação formal contra a lógica neoliberal.
Ao articular o debate da identidade ao consumo e à cidadania, García Canclini traz à tona duas questões radicalmente problemáticas para os estudos culturais em geral5 desde sua origem:
a relação entre cultura e economia e a relação entre cultura e
política. Em determinados momentos de forma explícita e em
outros, implicitamente, esses pontos críticos foram revisados nos
capítulos anteriores e, também, estão presentes nas reflexões de
Jesús Martín-Barbero e Stuart Hall.
Está assentado tanto no projeto dos estudos culturais britânicos quanto nas formulações latino-americanas aqui recuperadas
que a cultura deve ser estudada dentro das relações sociais e do
sistema que a produz e consome, daí o entrelaçamento entre o
estudo da sociedade, da política e da economia. E é exatamente
nessa articulação que reside a potencialidade da problemática teórica dos estudos culturais. Nos termos de Garnham (1997, p. 56)
podem ser apontadas como contribuições desse tipo de análise:
O sucesso do desafio proposto pelos estudos culturais, indubitavelmente, trouxe com ele muitos ganhos para a nossa compreensão da complexidade do processo pelo qual as determinações da
estrutura social e os efeitos do poder social são mediados através de
sistemas de representações simbólicas; pela forma através da qual
os indivíduos e grupos sociais vêm a entender o seu mundo, dotálo de sentidos e, finalmente, agir à luz desse entendimento.
Entretanto, da perspectiva das relações entre cultura e economia, bem conhecida é a crítica travada pela economia-política
da comunicação e cultura sobre os estudos culturais. Do ponto de
vista da primeira, são exemplares as trajetórias de Nicholas Garnham, Graham Murdock, Peter Golding e, mais recentemente, de
Neil Larsen, Douglas Kellner, entre outros. É, também, recorrente a citação dos comentários críticos de McGuigan (1992, p. 40),
em que afirma:
200
a separação dos estudos culturais contemporâneos da economia-política da cultura tem sido um dos traços mais deficientes desse campo
de estudo. A problemática central foi virtualmente estabelecida
através de um terror ao reducionismo econômico. Como conseqüência, os aspectos econômicos das instituições dos meios de
comunicação e da mais ampla dinâmica econômica da cultura do
consumo foi raramente investigada. Isso foi posto, simplesmente,
em parênteses; desse modo, minou, de forma severa, a capacidade
explicativa e crítica dos estudos culturais.
No final dos anos 90 essa crítica é reeditada por vários
autores – Kellner, Murdock, Garnham, McGuigan, Bennett e
outros –, assumindo matizes diversos. Entre essas apreciações
críticas, identifica-se uma tendência nos estudos culturais em
geral de descentrar ou mesmo negligenciar o âmbito da economia em favor de uma ênfase concentrada na construção de identidades híbridas e na atenção exclusiva à cultura mediática,
esmaecendo seus laços com a economia, política e história.
No estágio corrente dos estudos culturais existe uma tendência
muito difundida em descentrar, ou até mesmo ignorar completamente a economia, a história e a política em favor de uma ênfase
nos prazeres locais, no consumo e na construção de identidades
híbridas a partir de experiências do popular. Esse populismo
cultural evidencia a mudança de direção para uma teoria pósmoderna, distanciando-se do marxismo e seu alegado reducionismo, das grandes narrativas de liberação e dominação e da
teleologia histórica. (KELLNER, 1997a, p. 20)
Porém, de uma forma geral, o antídoto que continua a ser
receitado para contrabalançar essa propensão de descolamento é a
economia-política da cultura.
Parece ser insuficiente e parcial apenas reivindicar a articulação dos estudos culturais à economia-política da cultura e da
comunicação, pois através da inclusão dessa última perspectiva
pode-se combater apenas uma das faces do deslocamento atual
dos estudos culturais: aquela que diz respeito à inserção da esfera cultural numa armação analítica que explica como as determinações econômicas configuram as condições de produção e
circulação das formas culturais.
201
O comentário de Garnham (1997, p. 72) serve para reforçar
a observação acima:
Em resumo, os economistas-políticos acham difícil entender como,
dentro de uma formação social, podem-se estudar práticas culturais e sua efetividade política – as formas pelas quais o povo dá
sentido a suas vidas e, então, atua à luz desse entendimento – sem
prestar atenção em como os recursos, materiais e simbólicos, para a
prática cultural estão disponíveis de modo determinado estruturalmente através de instituições e de circuitos de produção, distribuição e consumo cultural mercantilizado.
Assim, tal perspectiva fundamentaria, basicamente, o princípio de que as práticas culturais estão enraizadas num determinado modo de produção capitalista. Contudo, de outro lado,
propiciaria integrar aos estudos culturais à dinâmica institucional
do poder, muitas vezes negligenciada pelos praticantes de estudos
culturais. No entanto, esse último aspecto extrapola os contornos
da economia-política, ligando o campo de investigação dos estudos culturais à política.
Nesse caso, a outra face que despotencializa a análise proposta pelos estudos culturais e que se revela tanto em posturas
niilistas quanto em excessivamente otimistas em relação à condição contemporânea talvez possa ser mediada através de uma religação mais densa exatamente com o terreno da política, recém
mencionado. A política, no entanto, não pode ser entendida apenas como ativismo – o que de alguma forma marcou e, ainda,
deixa sua marca, embora muito tênue, em algumas aproximações
dos estudos culturais contemporâneos. Nem somente mediante
intervenção pública de intelectuais/pesquisadores, praticantes dos
estudos culturais, no âmbito da formulação de políticas culturais.
Ambas as ações, no entanto, têm validade em uma composição
global de atuação no âmbito dos estudos culturais.
Na primeira situação, é necessário reafirmar que o projeto
dos estudos culturais originalmente aspirava a produzir conhecimento acadêmico articulado a movimentos sociais e ao debate
público. Suas aproximações, conceitos e perspectivas eram deliberadamente propostos com metas políticas. “Uma força domi-
202
nante de estudos culturais define o conhecimento social como
político, como tendo valor por meio de suas intervenções intelectuais nas lutas do cotidiano por justiça social. […] Nós podemos
dizer […] que os estudos culturais imaginam o acadêmico como
um intelectual público” (Seidman, 1997, p. 51).
Tanto Richard Hoggart quanto Raymond Williams e, logo
em seguida, Stuart Hall e grande parte do trabalho realizado pelo
CCCS, levavam adiante uma prática acadêmica politicamente engajada. Aos poucos, esse tipo de atuação foi arrefecendo, embora
não só no terreno britânico, permanecendo restrita apenas a alguns círculos. Isso, hoje, gera polêmica e é motivo de inúmeras
críticas no debate dentro e sobre os estudos culturais.
É dentro desse escopo que uma tendência nos estudos culturais, principalmente, australianos, onde destacam-se Tony Bennett,
Stuart Cunningham, Colin Mercer, Ian Hunter, entre outros, posiciona-se criticamente contra a atual aproximação circunscrita à
crítica cultural desse campo de estudos. De uma maneira geral,
esta outra perspectiva reivindica repensar a vocação dos estudos
culturais, redirecionando-os para o âmbito das políticas culturais
que abarca o amplo campo dos processos envolvidos em formular,
implementar, debater – incluindo, contestar e apoiar – a intervenção governamental na atividade cultural. Dessa forma, essa aproximação reivindica mostrar-se como um meio de conexão entre
análise teórica e intervenção prática.6
A reivindicação por um engajamento mais prático dos estudos culturais via o debate de questões concretas como políticas
culturais é legítima e necessária. Por essa razão, essa tendência
apresenta aspectos positivos mediante a intenção de conectar análise teórica e intervenção política. De certa forma, resgata inclusive uma ênfase proposta desde o início do projeto dos estudos
culturais.7 Porém, de outro lado, é alvo também de crítica.
Um ponto atacado trata da excessiva articulação dos estudos
de política cultural à praticalidade, à utilidade e efetividade, respondendo, sobretudo, a uma demanda por planejamento cultural no
âmbito governamental, mas, também, a reivindicações de grupos de
interesses. Nesse último caso, as políticas culturais responderiam à
política da identidade ou à política de representação ou ainda a dife203
renças culturais. Simultaneamente, essas ênfases coincidiriam com
uma diminuição do papel e importância da crítica e do crítico.
A outra fragilidade da aproximação dos estudos de política
cultural diz respeito à sua configuração enquanto uma alternativa
excludente da crítica cultural predominante, hoje, no campo dos
estudos culturais. Isso implica que o intelectual/pesquisador deve
fazer uma escolha entre duas orientações distintas: ou ser crítico
ou ser formulador de políticas.
Rejeitando esse tipo de exclusão de papéis, Gripsrud (1998,
p. 93) rebate:
Nossa primeira obrigação como intelectuais críticos é fazer pesquisa e ensinar criticamente, além de participar como ‘intelectuais
públicos’ onde quer que exista espaço para intervenções desse
gênero. Nessas posições, nossa tarefa será com freqüência opor-se
ao ‘senso comum’ ou a opiniões e políticas dominantes, ou, ainda,
indicar que as questões em discussão são muito mais complexas do
que pensam, por exemplo, burocratas ou homens de negócios.
Essas são posições, num certo sentido, de ‘atividade negativa’,
posições para a produção e comunicação de consciência e conhecimento crítico, baseadas em um ethos que combine valores sábios
e algum tipo de compromisso social.
Semelhante a Gripsrud, O’Regan (1993, p. 20) defende que
não deveria existir uma oposição entre a nova abordagem de intervenção no âmbito das políticas culturais e a crítica cultural,
pois uma necessita da outra. Embora ambas as aproximações possam apresentar-se como caminhos diferenciados, precisam intercambiar seus discursos e suas análises.
Não existem princípios estabelecidos previamente para escolher
um programa de ação política acima da crítica cultural. Nenhuma
conjetura pode ser feita sobre a utilidade e eficiência social como
necessariamente pertencendo a uma ou outra, esfera. A política
cultural ou a crítica cultural não são hermeticamente vedadas uma
a outra mas são sistemas porosos, abertos o suficiente para permitir
transformação, incorporação e tradução e, suficientemente fluidos para permitir uma grande variação de práticas e prioridades.
204
Porém, mesmo atuando dentro dessa nova abordagem para
os estudos culturais – estudos de política cultural – que prioriza
uma certa instrumentalidade, Stuart Cunnigham (1993) parece
apontar para uma questão central: a necessidade de articular o
discurso teórico com o “mundo real” da política. Adotado esse
ponto de vista, criticam-se algumas observações, descritas no último capítulo, referentes à esfera pública contemporânea e ação
dos meios de comunicação, assim como a uma determinada concepção de cidadania e, conseqüentemente, de sociedade civil. Na
verdade, observa-se na temática das identidades uma discrepância, em alguns momentos, entre a crítica e a atividade dos homens e mulheres reais. A articulação reivindicada, então, aponta
para o entrelaçamento da crítica cultural com alguns conceitos da
política que religariam a análise cultural ao plano do existente e
concreto, proporcionando uma visão mais compreensiva das inter-relações das condições sociais e econômicas.
Segundo Cunningham (1993, p. 134), o “elo perdido” no
estágio atual dos estudos culturais é uma visão de cidadania, denominada pelo autor “social-democrática”, e o treinamento necessário para ativá-la. Prefiro, no entanto, conservar, neste primeiro
momento, apenas esta reivindicação de forma genérica: “Um conceito renovado de cidadania seria cada vez mais central para os
estudos culturais quando se adentra os anos 90”.
A concepção de cidadania é fundamental, pois esta articula o
terreno da micropolítica referente ao sujeito e suas interações sociais com o da macropolítica visto como o espaço oficial onde os
direitos são ou não são reconhecidos. Na realidade, essa noção
opera como uma dobradiça que articula as relações entre sociedade civil e Estado.
Contudo, a visão de cidadania que interessa, aqui, destacar
não é aquela vinculada apenas a um “direito de escolha pessoal”,
mesmo que este abarque a dimensão cultural como propõe García
Canclini, e muito menos se associa a idéia de “soberania do consumidor”. Em ambas as situações, é intrínseco um determinado
modelo de democracia – liberal.
Os eleitores são consumidores, os partidos são empreendedores
oferecendo pacotes alternativos ou indivíduos; são eles que criam
205
demandas reverenciando a soberania do consumidor somente no
que se refere à decisão do sim/não do eleitor sobre quem entre os
pré-selecionados candidatos serão seus ‘representantes’. […] Em
resumo, as teorias empíricas da democracia (elitista, pluralista, corporativa e modelos de escolha racional) tendem de forma relativamente aberta a reduzir o significado normativo do termo
[democracia] a um conjunto limitado de idéias ligadas à concepção de barganha, competição, acesso e responsabilidade derivadas mais do mercado do que de modelos anteriores de cidadania.
(COHEN E ARATO, 1997, p. 5, grifo meu)
Segundo Cohen e Arato (1997), a cidadania nesse contexto
fica reduzida a princípios formais como eleição de líderes e a
procedimentos que regulam a competição. Não há uma pretensão
de que os cidadãos estabeleçam a agenda política ou assumam
decisões políticas. Ao contrário, o sentido de cidadania que se
quer acentuar, aqui, é aquele orientado por direitos básicos: liberdade, igualdade, democracia, solidariedade e justiça social. Além
disso, abre-se para o cidadão não apenas um “direito de escolha”,
mas de participação ativa em espaços públicos.
Parece compreensível, então, a razão pela qual uns falam em
identidade, preferencialmente relacionada ao âmbito do pessoal e
cultural, enquanto outros referem-se à cidadania, vinculada ao público e político. Porém, de um lado, essa referência à cidadania
pode apresentar-se como uma armadilha se implicar somente
pretensas condições iguais de escolha no âmbito do consumo.
Associar a cidadania primordialmente à arena do consumo, é restringir em demasia sua extensão.
De outro lado, não existe uma oposição entre identidade e cidadania. “A relação entre identidade e cidadania […] está no coração
do problema, tanto se nós estamos falando sobre construções culturais da natureza do indivíduo como dos direitos a recursos culturais
que contribuem para a política de transformação das condições materiais.” (McGuigan, 1996, p. 147) Além disso, o “modelo” da identidade, embora recente, parece ser a forma dominante de organização
política, pautando o exercício da cidadania.
Nesse sentido, é importante observar, mesmo que de passagem, a existência de uma nova situação colocada pela emergência e
206
proliferação de uma série de comunidades de interesses para o processo político-econômico contemporâneo. A política desses novos
grupos – na verdade, eles demonstram o aparecimento num cenário
político-nacional da “política da identidade” ou da “política de representação” – está perturbando precisamente porque escapa das estruturas familiares de conflito de classe que foi colocado como central
no pensamento marxista. Logo, é reducionista identificar relações e
interesses de classe como a chave das formas contemporâneas de
ação coletiva. É nesse contexto que a constituição de comunidades
identitárias assume uma certa centralidade no debate político.
O ambiente contemporâneo mostra alguns sinais de mutação nas práticas políticas, o que, por sua vez, tem repercussões no
pensamento político. No campo da análise cultural, encontramse, também, algumas referências nesse sentido, embora estas não
sejam propriamente problematizadas.
Por exemplo, Steven Best e Douglas Kellner (1997) ao avaliarem as teses da pós-modernidade nos campos das artes, da teoria
e das ciências, incluem uma caracterização e possível distinção
entre a política moderna e a política pós-moderna. Conservo, aqui,
os termos utilizados pelos autores desses comentários, sem discutir a propriedade dos mesmos. O que interessa destacar são as
possíveis características de duas práticas políticas diferentes.
Assim, a política moderna, geralmente, é caracterizada por
perseguir objetivos universais tais como liberdade, igualdade e
justiça, tentando transformar estruturas institucionais de dominação. Sua finalidade é resolver determinados conflitos, criando uma
atmosfera de harmonia e ordem.
A política moderna com freqüência envolve uma política de
aliança e solidariedade por meio da qual grupos oprimidos unemse na luta por interesses comuns. […] Apesar da guerra, pobreza,
fome, depressão econômica e formas selvagens de opressão e
sofrimento, a política moderna era otimista na sua perspectiva,
embora fosse freqüentemente religiosa na sua fé teleológica de
que a lógica progressiva da história seria pronto realizada. Desse
modo, a política moderna era constituída por fortes valores normativos e visões utópicas de um mundo de liberdade universal,
igualdade e harmonia. (KELLNER E BEST, 1997, p. 271)
207
Contudo, a ênfase ainda é na luta coletiva, na solidariedade e
nas alianças políticas. No entanto, estas já admitem a existência
de grupos competindo entre si por direitos e liberdades.
Embora ambas as práticas – moderna e pós-moderna –
concordem que a sociedade contemporânea – e sua cultura –
está envolta em fragmentação, conflitos, contradições e desordem, a política pós-moderna vive e convive com esta desordem
e fragmentação, admitindo possibilidades positivas, dentro desse
conjunto, que vislumbram estratégias “mais modestas” de sobrevivência “nos fragmentos”, isto é, tentando resolver os problemas seccionadamente, em pequenas partes. “A ênfase anterior
de transformar a esfera pública e instituições de dominação cedeu lugar [na prática pós-moderna] a novas ênfases à cultura,
identidade pessoal e vida cotidiana; enquanto a macropolítica
foi substituída pela micropolítica da transformação local e da
subjetividade” (KELLNER E BEST, 1997, p. 271).
Segundo Kellner e Best (1997), a origem dessa forma de
política está nos movimentos dos anos 70 e 80 – e mesmo dos
60 –, que foram se fragmentando cada vez mais na luta de cada
um por seus próprios interesses. “Nos anos 80 e 90 como o
processo de balcanização continuou, os ‘novos movimentos sociais’ transformaram-se em ‘política de identidade’, o próprio
nome sugerindo um desvio das questões sociais, políticas e econômicas em direção a preocupações com cultura e identidade individual” (KELLNER E BEST, 1997, p. 274, grifo meu).
No entanto, mais do que pensar esse movimentos como
“meramente culturais”, algo usual nos estudos culturais, outra via
é compreendê-los num movimento de generalização da política
em direção a espaços antes considerados não-políticos. Nessas
condições, a constituição desses “novos movimentos sociais” leva
a uma expansão da sociedade civil.
Num contexto de consolidação da economia neoliberal, de
retraimento do Estado e do setor público, de emergência de novos grupos baseados na “política da identidade” e da penetração
do espaço público pelos meios de comunicação, é fundamental,
208
como colocou García Canclini no início dos anos 90, destacar o
papel da sociedade civil.
Se existe alguma esperança que a modernização prevaleça sobre a
decadência e que os Estados sejam reformados para promover o
interesse público, nós encontraremos tal esperança na sociedade
civil. O pouco que tem sido efetuado recentemente na incumbência prioritária de mitigar os efeitos fatais do programa neoliberal e
de questionar o absolutismo do mercado, tem vindo da sociedade
civil. (GARCÍA CANCLINI citado por YÚDICE, 1996)
Segundo Cohen e Arato (1997), sociedade civil não é equivalente a mercado ou economia nem a Estado. Também, não se
identifica com toda a vida social fora do Estado administrativo e
dos processos econômicos, isto é, com a vida sócio-cultural como
um todo. Os atores da sociedade política e econômica estão diretamente envolvidos com o poder do Estado e da produção econômica que eles precisam controlar e administrar.
Por sua vez, o papel político da sociedade civil não está diretamente relacionado com o controle ou conquista do poder mas com
gerar influência no debate que se dá na esfera pública cultural. “Nós
entendemos ‘sociedade civil’ como uma esfera de interação social
entre a economia e o Estado, composta sobretudo pela esfera íntima (especialmente da família), pela esfera das associações (especialmente associações voluntárias), movimentos sociais e formas de
comunicação pública” (COHEN E ARATO, 1997, p. IX).8
É nessa direção que se aponta um elo entre os meios de
comunicação e a política, isto é, entre as instituições e práticas
ligadas à comunicação de massa e instituições e práticas da política democrática. Hoje, no debate das identidades, do ponto de
vista dos estudos culturais, cultura, sociedade e economia não são
facilmente distinguíveis um do outro, e, no geral, o âmbito do
cultural é continuamente visto como parte de uma totalidade. Uma
das alternativas de restabelecer o diálogo com as relações materiais de poder poderia ser viabilizada através da inserção dos estudos culturais na teoria da sociedade civil, o que, por sua vez,
permitiria resgatar seu papel na construção de uma sociedade e
cultura democrática, preocupação presente e fundante do projeto
original de Raymond Williams.
209
Se as identidades que configuram os movimentos que atuam na
esfera pública e que, por sua vez, constituem a sociedade civil, são
hoje, sobretudo, mediadas pelos meios de comunicação, esses mesmos meios e a cultura mediática em geral fazem parte e assumem
um papel central no processo e na estrutura política. Entretanto,
esse pressuposto implica que a comunicação não pode ser vista
apenas como uma questão de mercado e consumo, embora se
admita que os meios de comunicação estejam impregnados pela
lógica do mercado e por interesses políticos particulares, mas como
um espaço possível de pensar o público e a implementação da
democracia.
Com isso o que se quer sugerir é a necessidade de pensar, a
partir dos estudos culturais, uma via entre as formas mais redutivas e economicistas de análise, a postura culturalista e propostas que deflagram a bandeira da “política do sentido”, enfatizando
a linguagem ou o discurso. Se as primeiras, ainda, trabalham
com uma noção de determinação demasiadamente rígida, a segunda expande a idéia de produção e materialidade, aplicando-a
a todos os aspectos da ordem social e política, sendo que a última posição percorre o caminho inverso, esquecendo as condições materiais nas quais a criatividade cultural está fundada. Talvez
seja mais produtivo (re)construir uma análise em que os sentidos e as identidades sejam negociados socialmente e em que esses
processos estejam enraizados em formações econômicas e ideológicas mais amplas.
De maneira geral, visto que estamos diante de uma discussão de algo que está em andamento, considera-se que é preciso
repensar os rumos dos estudos culturais. O que se tem em vista
não são somente repercussões no campo acadêmico, onde se discute a potencialidade dos mesmos, mas possíveis implicações de
utilidade política no debate público, resgatando uma faceta um
tanto esmaecida nos estudos culturais dos últimos tempos. A articulação entre crítica cultural e política pode ser uma alternativa
para trazer à tona a melhor versão de estudos culturais.
210
NOTAS
PREFÁCIO À EDIÇÃO ON-LINE
1
Tomo como referência a tradição britânica dos mesmos, conforme está apresentado no livro. Não problematizo se essa é ou não a sua origem, tema que
não esteve em debate na pesquisa que fundamenta esse texto. Simplesmente
assumo essa contribuição singular devido à minha formação (Bolsa CAPES
Doutorado-Sanduíche, de março a setembro de 1998, na Inglaterra, Universidade de Birmingham, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos CCCS) e, portanto, ao conhecimento adquirido sobre a constituição e desenvolvimento da mesma, apesar de sua heterogeneidade e múltiplas origens. Dado à extensão e variedade de estudos culturais, destaco sempre suas
contribuições para o campo da comunicação.
2
Ver Ianni, O. A sociedade mundial e o retorno da grande teoria. In Lopes,
Maria Immacolata V. de Lopes (org.) Epistemologia da comunicação
, São Paulo, Loyola, 2003.
Entre os textos disponíveis, no contexto nacional, identifico Maria Elisa
Cevasco, Dez lições sobre estudos culturais
3
, São Paulo, Boitempo, 2003; no anglo-americano, ver David Morley e James
Curran (orgs.) Media and cultural theory
, Londres/Nova York, Routledge, 2006.
4
Embora a escolha de Martín-Barbero e García Canclini continue válida para
abordar uma prática em estudos culturais, 10 anos depois de ter sido efetivada, esta deveria ser mesclada, contrastada e ampliada, estimulando conexões
transversais entre os primeiros e as produções do útlimo decênio de Daniel
Matto, Rossana Reguillo, Beatriz Sarlo, George Yúdice, João Freire Filho,
Itania Maria Mota Gomes, Jeder Janotti Junior, Veneza Ronsini, Nilda Jacks, Ângela Prysthon, Denilson Lopes, Nelly Richard, entre outros.
5
Follari, R. Los estudios culturals como teorias débiles. Texto apresentado no
Congresso da LASA (Latin American Studies Association), realizado em
Dallas (Texas/USA), março de 2003.
6
O exemplo mais evidente é Stuart Hall, Da diáspora: Identidades e mediações
culturais (Belo Horizonte, UFMG, 2003).
Aqui me fundamento em Rüdiger, que por sua vez retoma Habermas, indicando
que “um programa de pesquisa pode ser restaurado, retornando-se às proposições fundamentais que o emprego sistemático por parte de seus seguidores
correu; revivido, fazendo-o sair da poeira do tempo, que o votou ao esquecimento, ou reconstruído, remontando a teoria de modo novo, a fim de melhor atingir a
7
211
meta que ela própria se fixou [grifo meu]” (Rüdiger, F. Comunicação e Teoria
Crítica da Sociedade, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999, p. 11).
8
Adoto aqui a proposição de Mattelart e Neveu, em Introdução aos estudos
culturais (São Paulo, Parábola, 2004).
9
Exemplifica esta posição as declarações de Maria Immacolata V. de Lopes, em
entrevista publicada na e-compós (Brasília, v. 11, n 2, maio/ago. 2008, p. 9):
“Sobre Barbero e Canclini, eu não acho que eles são representantes dos estudos
culturais na América Latina. Eles não são. São chamados assim de maneiraincorreta. Fazer estudos de cultura é uma coisa, fazer estudos culturais é outra
coisa. Na América Latina, nós temos uma tradição fortíssima de estudos de
cultura.”
Daniel Mato é o expoente desta posição. Ver Practicas intelectuales latinoamericanas en cultura y poder y la entrada en America Latina de la idea de “Estudios Culturales”. In Silveira, Rosa (org.) Cultura, poder e educação – Um
debate sobre estudos culturais em educação. Canoas, Editora da Ulbra, 2005.
10
11
Ver, por exemplo, Nelly Richards, Intervenções críticas – Arte, cultura, gênero
e política. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.
12
Pode-se encontrar um posicionamento desse tipo na entrevista de García
Canclini à Patrick Murphy, Contrasting perspectives: cultural studies in
Latin America and the United States – A conversation with Néstor García
Canclini. Cultural Studies 11 (1), 1997; no texto do mesmo autor, El malestar en los estudios culturales, Fractal 6 (2), 1997. Já Martín-Barbero, falando
de suas influências e admirações de praticantes de análise cultural, destaca,
“em segundo lugar”, a tríade – E.P. Thompson, Raymond Williams e Richard Hoggart, assumindo que “a perspectiva de Birmingham” vai marcá-lo
no “mais profundo, intelectualmente”. Ver entrevista do autor em Journal of
Latin American Cultural Studies, vol, 10, n 2, 2001.
Ver Martín-Barbero, J. Oficio de cartógrafo – Travesías latinoamericanas de la
comunicación en la cultura. México/Chile, Fondo de Cultura Económica, 2002.
13
14
Ver, por exemplo, Denilson Lopes, A delicadeza – estética, experiência e paisagens. Brasília, Editora UnB/FINATEC, 2007.
15
Ver do autor Apogeo y decadencia de la teoría tradicional. Una visión de los
intesticios. In Walsh, Catherine (org.) Estudios culturales latinoamericanos.
Univ. Andina Simón Bolívar/Ediciones Abya-Yala, Quito, 2003.
INTRODUÇÃO
1
212
Projeto acadêmico-intelectual, particularmente associado com o estabelecimento, em 1964, do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) na
Universidade de Birmingham – Inglaterra, sob a direção de Richard Hoggart, professor de Literatura Inglesa. A partir dos anos 80, essa perspectiva
de análise se expande para outros territórios geográficos, adquirindo matizações teórico-metodológicas variadas. Desse modo, essas apropriações retém
especificidades e diferenças históricas e culturais em relação aos estudos
culturais britânicos.
2
Essa idéia tem como ponto de partida a leitura de Aricó (1988, 1998),
Ricupero (2000), Jameson (1994) e Hall (1996f).
3
Nesse sentido, tentei recuperar textos fundamentais das trajetórias dos
estudos culturais, principalmente australianos, norte-americanos e britânicos. A abrangência desses textos diz respeito não só à constituição da
perspectiva nesses territórios, mas à singularidade das respectivas tradições
teóricas.
4
Embora esses dois autores, neste trabalho, sejam relacionados à perspectiva
latino-americana dos estudos culturais, não se perde de vista as diferenças
entre eles. Essas últimas ficam evidenciadas no tratamento dado por cada um
aos eixos-nodais do presente trabalho, sobretudo, em torno da problemática
da ideologia, hegemonia e identidade.
5
No sentido de delimitar os contornos desta área, utilizo a definição de Fuentes (1992), em que se entende por “campo acadêmico da comunicação” o
conjunto de instituições de onde surgem os estudos de nível superior, a teoria,
a pesquisa, a formação universitária e a profissão, centralizando seu conceito
nas práticas dos seus atores ou agentes sociais concretos – sejam sujeitos
individuais ou coletivos – na consecução de projetos específicos.
6
Embora identifique em algumas ocasiões o “campo da comunicação” e os
“estudos de comunicação”, isso não implica reconhecer um estatuto disciplinar aos mesmos. Há diferenças que não podem, aqui, ser detalhadas, entre
uma estrutura acadêmica que institucionaliza departamentos e a configuração de disciplinas, na plenitude do termo. De outro lado, a referência à
comunicação enquanto uma determinada área de investigação e ponto de
localização deste pesquisador não perde de vista o tão propalado processo em
andamento de esmaecimento de fronteiras disciplinares. Contudo, é importante lembrar que “as limitações da competência individual são com frequência o elo fraco na cadeia do pensamento interdisciplinar” (GOODWIN E
WOLFF, 1997, p. 138).
7
Quando transcrevo citações diretas, originalmente em inglês, contei com a
colaboração especializada de Vinicius Figueira. No caso específico da tradução de media, com o objetivo de fugir de uma possível redução mercadológica
que o termo mídia implica no Brasil devido, sobretudo, ao seu intenso uso
pela publicidade, utilizo no geral meios de comunicação ou, em algumas
ocasiões, apenas meios. Adoto, então, o adjetivo mediático.
As traduções do espanhol são de minha autoria. No caso específico do termo
hibridación de García Canclini, procurei consultar trabalhos, de distintos
autores, que fazem referência a esse mesmo conceito para verificar como o
estavam traduzindo para o português. O corrente tem sido traduzi-lo por
“hibridização”, por isso, em alguns casos adoto esse termo, embora considere
que hibridação (produção de híbridos), hibridez (qualidade de híbrido) e
hibridismo (hibridez) sejam mais apropriados.
213
CAPÍTULO I – Estudos Cuturais: uma perspectiva histórica
1
Aponta-se como precursora dos estudos culturais britânicos uma problemática
de estudos conhecida como “Cultura e Sociedade”, que surge em torno de
1870, na Inglaterra. Reúne autores tão distintos como Matthew Arnold, John
Ruskin e Williams Morris. Entretanto, os três compartilham uma atitude crítica em relação à sociedade moderna. Estigmatizam o século XIX como aquele
onde triunfou o “mau gosto” da “sociedade de massa” e a “pobreza de sua
cultura”. Estes intelectuais, entre outros, adiantam-se nas críticas contra as
conseqüências culturais do advento da civilização moderna.
A sociedade vitoriana está, naquele momento, na vanguarda no que diz respeito ao nascimento das formas culturais vinculadas ao sistema industrial. Já na
segunda metade do século XIX, travam-se as primeiras discussões em torno da
regulação de um tipo de atividade, como a da publicidade, sendo na Inglaterra onde surgiram as primeiras críticas em relação à cultura industrializada
(MATTTELART E NEVEU, 1997).
Mais tarde, especificamente no período entre as duas guerras, Frank Raymond
Leavis (1895-1978) passa a ser uma figura central na promoção de estudos de
literatura inglesa. Funda, em 1932, a revista Scrutiny, que se converte no centro
de uma cruzada moral e cultural contra o embrutecimento praticado pelos meios
de comunicação e pela publicidade. O movimento, liderado por Leavis, propunha a leitura da “grande tradição” da ficção inglesa como antídoto para atacar a
degeneração da cultura. No ensino, adverte-se contra a força manipuladora da
publicidade e a pobreza lingüística da imprensa popular.
Esses movimentos, no âmbito da literatura inglesa, são vistos como um ambiente
propício e embrionário para o surgimento dos estudos culturais britânicos.
2
Nasceu em 1918, passando sua infância no meio operário, sua origem. No final
da II Guerra, ingressa na docência, trabalhando com formação de adultos do
meio operário (Worker’s Education Association – WEA). Influenciado por
Leavis e a revista Scrutiny, acaba afastando-se destes por dedicar-se às culturas
populares de um modo mais condescendente. Fundador do Centro (CCCS),
hoje, encontra-se, de certa forma, distante das evoluções político-intelectuais
dos estudos culturais contemporâneos.
3
Nasceu no País de Gales (1921-1988), filho de um ferroviário. No final da II
Guerra passa a ser tutor na Oxford University Delegacy for Extra-Mural
Studies devido à sua formação em literatura. A partir de 1958, quando publica Culture and Society, dá vazão à sua produção intelectual. Sua posição
teórica será sintetizada em Marxism and Literature (1977), quando reivindica a construção de um “materialismo cultural”.
4
Thompson (1924-1993) inicia sua vida como docente de um centro de educação permanente para adultos (WEA). Foi militante do Partido Comunista,
mas, em 1956, rompe com o partido, convertendo-se em um dos fundadores
da New Left Review.
5
Particularmente, sobre esse aspecto, Thompson critica Williams em um ensaio,
publicado na New Left Review (1961). A ausência de uma ênfase na questão do
214
enfrentamento entre classes sociais distintas, a negligência em relação a leituras
alternativas e formas culturais de oposição, a primazia dada ao processo de comunicação sobre uma análise do poder e a atitude de esquivar-se de dar conta do
problema da ideologia são as questões apontadas como limitadoras na argumentação de Williams. Em Politics and Letters (1979, p. 134), Williams responde a essa
crítica.
É interessante destacar que Thompson não aceita a classificação de “culturalismo” como uma descrição de seu próprio trabalho: “Rejeito, sem
reservas, a identificação da tradição marxista da história que tenho desenvolvido, como uma representante do ‘culturalismo’. Esse termo é invenção
de Richard Johnson” – citado por Davies (1993/94). Ainda sobre essa
questão, ver Raphael (1981).
6
De origem jamaicana, Hall (1932-) deixa sua terra natal, em 1951, para
prosseguir seus estudos na Inglaterra. Inicia a docência, em 1957, numa
escola secundária onde os alunos vêm das classes populares. Tem uma forte
atuação junto ao meio editorial político-intelectual britânico, como por exemplo na Universities and Left Review (década 50/60), Marxism Today (anos 80),
Sounding (a partir de 1995), entre outras. A partir de 1979, atua na Open
University, em Londres.
7
O reconhecimento do impacto do seu trabalho no desenvolvimento dos
estudos culturais está em parte documentado em Morley e Chen (1996) e na
recente publicação organizada por Gilroy, Grossberg e McRobbie (2000)
Without Guarantees – In Honour of Stuart Hall, Londres, Verso. A reflexão de
Hall está disponível em inúmeras coletâneas, trabalhos coletivos e artigos
individuais publicados nos mais variados periódicos, o que muitas vezes dificulta a elaboração de uma noção de conjunto de sua obra. É interessante
notar que até o momento Hall não desenvolveu um único projeto editorial
exclusivamente de sua autoria.
8
Numa linha semelhante de argumentação, ver Wright (1998), Frow e Morris
(1993), Ang e Stratton (1996), entre outros.
9
A configuração disciplinar ou antidisciplinar dos estudos culturais compõe a
agenda contemporânea de debates de seus praticantes. Ver, por exemplo,
Wright (1998) e McNeil (1998).
10
O exemplo mais antigo é o do próprio CCCS da Universidade de Birmingham, que se transformou, em 1988, em Departamento de Estudos Culturais
da Faculdade de Comércio e Ciências Sociais e, em 1997, foi renomeado
Estudos Culturais e Sociologia. Contudo, isto não quer dizer que tenham
perdido seu caráter “inter ou transdisciplinar”. Ver Cultural Studies from
Birmingham, 1, 1991.
11
Quer dizer, amplia-se a noção de texto para abarcar a “experiência vivida”,
dando atenção aos sentidos instituídos na vida cotidiana de culturas particulares ou subculturas. Ver, também, Green (1996a).
12
Seu primeiro número apareceu em 1972.
215
13
Ver, por exemplo, Clarke, Hall et al. (1975); Hall et al. (1978); McRobbie
(1989), Hebdige (1988) e Willis (1977).
14
Esse texto tem diversas versões. A primeira delas aparece no CCCS Stencilled
Paper, 7, 1973.
15
Produzido, ainda, dentro do CCCS, o trabalho de Dorothy Hobson (1978)
A Study of Working Class Women at Home: Femininity, Domesticity and Maternity, MA Thesis, University of Birmingham, publicado apenas parcialmente
em Hall et al. (1980), é um exemplo desse deslocamento.
16
Em entrevista à autora, Michael Green (setembro/1998) manifestou uma
certa discordância desta versão de Stuart Hall, enfatizando a dificuldade de
determinar as relações iniciais entre feminismo e estudos culturais.
17
Seguindo a reflexão de Brunsdon, uma outra fase estaria caracterizada nos
trabalhos individuais de Hobson, Coward, Carby, McRobbie, Mort, Winship,
Weedon e dela própria, produzidos a partir de 1981.
18
Checando a coleção dos Working Papers até 1978, data de publicação de
Women Take Issue, encontram-se apenas quatro artigos publicados na temática “Estudos da mulher”: “Performance and meaning: women in sport”, Paul
Willis, 1974; “The family in a ‘permissive society’”, Andrew Tolson, 1975;
“Images of women in the media”, Helen Butcher, Rosalind Coward, J. Garber, R. Harrison, M. Evaristi e Janice Winship, 1974; “Jackie: An ideology of
adolescent femininity”, Angela McRobbie, 1978. Encontra-se, ainda, na
temática “Trabalho”: “Women and work bibliography”, Janice Winship,
1978; e na temática “História”: “Women domestic servants 1919-1939”,
Pam Taylor, 1976. Todos esses foram publicados nos Stencilled Papers do
CCCS. Além desses, uma sessão do Working Papers in Cultural Studies 7-8,
Resistance Through Rituals, 1975, é dedicada ao mesmo tema – “Girls and
subcultures: an exploration” de Angela McRobbie e J. Garber. Estas são
todas as referências encontradas neste periódico sobre temas relacionados de
forma genérica à mulher.
19
Entre os primeios trabalhos, publicados pelo CCCS que problematizam essas
questões: Hebdige, D. (1974) Reggae, Rastas and Ruddies: Style and the
subversion of form (Stencilled Papers, 24); CCCS (1982) The Empire Strikes
Back: Race and Racism in 70s Britain. London: Hutchinson. Entretanto, é
considerado texto de referência maior o de Paul Gilroy (1987) Their Ain’t No
Black in the Union Jack: The Cultural Politics of Race and Nation. London:
Hutchinson.
20
Entre os usualmente mais citados no contexto anglo-americano estão: Morley, David (1980) The Nationwide Audience, London: British Film Institute;
do mesmo autor, (1986) Family Television: Cultural Power and Domestic Leisure, London: Comedia; Hobson, Dorothy (1982) Crossroads: The Drama of
a Soap Opera, London: Methuen; Ang, Ien (1985) Watching Dallas: Soap
Opera and the Melodramatic Imagination, London: Methuen (originalmente, publicado em Amsterdã,1982); Hodge, Bob e Tripp, David (1986) Children and Television: A Semiotic Approach, Cambridge: Polity Press; Tulloch,
John e Moran, Albert (1986) A Country Practice: ‘Quality Soap’, Sydney:
216
Currency Press; Buckingham, David (1987) Public Secrets: EastEnders and
its Audience, London: British Film Institute; Radway, Janice (1984) Reading
the Romance: Women, Patriarchy and Popular Literature, Chapel Hill/London:
University of North Carolina Press; Bobo, Jacqueline (1988) “The Color
Purple: Black women as cultural readers” in Pibram, Deidre(ed), Female Spectators – Looking at Film and Television, London: Verso, 90-109; e Seiter et al.
(1989) “Don’t treat us like we’re so stupid and naive: towards an ethnography
of soap opera” in Remote Control, London/New York: Routledge.
21
Ver, por exemplo, Bobo, Jacqueline (1994) Black Women as Cultural Readers,
New York: Columbia University Press; Gillespie, Marie (1995) Television,
Ethnicity and Cultural Change, London: Routledge; Gray, Ann (1992)
Video Playtime: The Gendering of a Leisure Technology, London: Routledge;
Spigel, Lynn (1997) “The suburban home companion: Television and the
neighbourhood ideal in Post-War America” in Brunsdon, Charlotte, D’Acci,
Julie e Spigel, Lynn (eds), Feminist Television Criticism – A Reader, Oxford:
Oxford University Press; Lee, Minu e Cho, Chong Heup (1990) “Women
watching together: an ethonographic study of Korean soap opera fans in the
US”, Cultural Studies 4 (1), 30-44; Lull, James (1990) Inside Family Viewing,
London: Routledge; Lull, James (1991) China Turned On: Television, Reform, and Resistance, London: Routledge; Hermes, Joke (1996) Reading
Women’s Magazines, London: Polity Press; Thomas, Lyn (1997) “In love
with Inspector Morse – Feminist subculture and quality television” in Brunsdon, Charlotte, D’Acci, Julie e Spigel, Lynn (eds), Feminist Television Criticism – A Reader, Oxford: Oxford University Press; Mankekar, Purnima (1993)
“National texts and gendered lives: an ethnography of television viewers in
a North Indian city”, American Ethonologist, 20 (3), 543-63.
22
São indicativos desta expansão as coletâneas organizadas nesses continentes.
Exemplos da Europa e da América são desnecessários na medida em que esta é
a bibliografia que sustenta a presente pesquisa. Entre exemplos da Ásia: Frow e
Morris (1996), Frow e Morris (1993), Chen (1998). Indicações sobre os estudos
culturais na África podem ser encontradas em Davies (1995) e Wright (1998).
23
Através da observação do desenvolvimento da pesquisa em comunicação no
território latino-americano, elaborei uma narrativa possível sobre a emergência e formação de uma perspectiva teórico-metodológica que tem a comunicação massiva como eixo central dentro do amplo espectro proposto
pelos estudos culturais. Outras narrativas poderiam ser construídas se fosse
outro o posicionamento deste autor. Por exemplo, ao seguir a trilha dos
estudos da sociologia da cultura ou da antropologia cultural ou mesmo da
literatura, certamente, o resultado seria diferente.
De outro lado, para mostrar as afinidades entre uma produção teórica latinoamericana e o campo dos estudos culturais, podia ter adotado a estratégia de
seguir a influência e a difusão de idéias, por exemplo, da Inglaterra para a
América Latina. Assim, poder-se-ia mostrar como as idéias de Raymond
Williams e Richard Hoggart são incorporadas por Jesús Martín-Barbero em
De los medios a las mediaciones (1987). No entanto, prefiri identificar características da perspectiva latino-americana dos estudos culturais relativas à sua
217
formação disciplinar, ao contexto social onde surgem e à constituição de seu
objeto de estudo.
24
Ver, por exemplo, Murphy (1997); O’Connor (1991); García Canclini (1991a);
Fox (1997); Larsen (1995a, 1995b, 1996); Lull (1998).
25
No caso especificamente brasileiro, as décadas de 60 e 70 indicam a consolidação de um mercado de bens simbólicos. No entanto, segundo Ortiz (1988),
nos anos 70 ainda é fraca a tematização da indústria cultural pelos pesquisadores brasileiros.
26
Ver, por exemplo, Streeter (1995) e Sholle (1995).
27
A inspiração inicial da vertente britânica, visível, sobretudo, nas pesquisas do
CCCS, revelava também esta íntima vinculação com condições sociais existentes, estruturação da sociedade e a problemática das classes sociais. Porém,
mostrava ainda uma forte vinculação com a área da crítica literária, background
de vários de seus principais praticantes – entre eles, Raymond Williams e
Stuart Hall.
28
Todavia, é importante mencionar a tentativa de Ted Striphas (1998) de
identificar programas, departamentos, instituições etc., que se associam de
alguma forma aos estudos culturais. Nessa listagem, encontra-se apenas a
menção do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (UFRJ), em
todo o território latino-americano, embora o autor admita que seu levantamento não é exaustivo.
29
Em relação à tradição britânica, ver seção anterior. Sobre o desenvolvimento
dos estudos culturais norte-americanos, é consenso que sua trajetória não
tem vinculação política direta e está localizada exclusivamente no meio
acadêmico. Ver Long (1997).
30
Ao rastrear o itinerário de Gramsci na América Latina, José Aricó (1998)
identifica que o pensamento deste autor progrediu de forma constante e significativa a partir da década de 70 e, fundamentalmente, nos anos 80, entre
intelectuais e cientistas sociais de língua espanhola e portuguesa. As razões de
tal expansão, embora esta retenha diferenças temáticas e formas distintas de
assimilação em contextos nacionais, estão ligadas a um contexto político e
intelectual amplo. “A difusão de suas idéias ocorre na América Latina no bojo
de dois momentos históricos diferentes, divididos, como estiveram, pela derrota de ilusões revolucionárias que o ‘outubro cubano’ despertou no continente. No início da década de setenta, a onda expansiva da Revolução Cubana já
se havia consumado e uma torrente de golpes militares modificou a face de um
continente erodido pela violência armada e pela contra-revolução. Nesta situação – e de modo que não podia ser senão contraditório –, as idéias de Gramsci
contribuíram, primeiro para alimentar projetos radicais de transformação,
para depois possibilitar, e rapidamente, reflexões mais críticas e realistas sobre
as razões de uma trágica desventura”(Aricó, 1998, p. 4). Inflexões distintas
ocorreram em um e outro momento. Para o interesse específico deste trabalho,
é importante destacar que o Gramsci que se incorpora a partir da decomposição dos regimes autoritários é aquele que “girou fundamentalmente em torno
da validade teórica e política do conceito gramsciano de hegemonia para analisar
218
os problemas decorrentes das transformações na América Latina”(Aricó,1998,
p. 5, grifo meu).
Através de uma estratégia semelhante a de Aricó, Carlos Nelson Coutinho
(1990a,1990b) apresenta o percurso da recepção de Gramsci no Brasil. Em
síntese, pode-se dizer que no nosso contexto, a presença desse pensador se dá
em dois momentos distintos. No primeiro ciclo, início dos 60 até metade dos
70, a dimensão estritamente política não é divulgada, sobressaindo-se suas
contribuições no terreno da filosofia, sociologia da cultura e da estética.
Entre os primeiros textos publicados estão: Os intelectuais e a organização da
cultura (1968) e Literatura e vida nacional (1968). Entretanto, esta primeira
tentativa de divulgação do pensamento gramsciano não tem repercussão
entre os intelectuais brasileiros. Somente a partir de 1975 é que os escritos
de cunho político desse autor começam a ser mais estudados, sendo que nos
anos 80 começam a surgir importantes pesquisas universitárias, com temáticas das mais variadas, sob influência gramsciana. Entre os estudos pioneiros
de “corte cultural” que remetem-se a Gramsci estão: Miriam Goldfeder
(1981) Por trás das ondas da Rádio Nacional, Rio de Janeiro, Paz e Terra; e
Renato Ortiz (1980) A consciência fragmentada, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
31
Hoje, abundam levantamentos e sistematizações sobre a pesquisa em comunicação na América Latina, por isso, as referências citadas estão restritas a
um leque de autores e textos selecionados segundo meu foco de atenção. Ver,
por exemplo, Beltrán (1981), Lopes (1990), Martín-Barbero (1984, 1989b,
1996a), White (1989), Schlesinger (1989), Fox (1997), Orozco (1997).
Em especial sobre a formação da temática do popular na pesquisa em
comunicação, ver seção da minha dissertação de mestrado – Escosteguy
(1993). Aí, também, recupero em mais detalhe a história e constituição da
pesquisa em comunicação na América Latina.
32
De uma forma geral, nas duas primeiras tendências, a pauta é dada pela teoria
da dependência que influenciou fortemente a pesquisa em comunicação na
América Latina.
33
Refiro-me aos movimentos, recém citados, que reivindicavam a democratização integral da sociedade e as mobilizações dos setores populares que
lutavam pela apropriação de bens e serviços e pressionavam o sistema político a atender suas demandas.
34
Numa análise comparativa entre as perspectivas latino-americana e norteamericana de estudos culturais, Yúdice (1993b) avalia que esse tipo de análise cultural na América Latina tem mais relação com o estudo da sociedade
civil e política do que nos Estados Unidos. Em outro lugar, referindo-se aos
estudos culturais em geral, esse autor afirma: “Os estudos culturais devem
lidar com esse desafio para (re)construir a sociedade civil, em particular as
competitivas esferas públicas em que as práticas culturais são canalizadas e
avaliadas” (YÚDICE, 1996, p. 50). Nesse sentido, sua preocupação se dá no
plano das proposições, ou seja, como, de fato, os estudos culturais podem
contribuir na (re)constituição de espaços públicos que levem em conta o
processo de transnacionalização vigente. Contudo, este é um posicionamen219
to particular do autor, pois não tem se notado como “marca” da perspectiva
dos estudos culturais, aqui, em destaque.
35
Embora os estudos culturais latino-americanos assumam, em um primeiro
momento, um forte tom político devido à sua atenção sobre as relações de
poder, é problemático afirmar que os mesmos tenham uma privilegiada sustentação na ciência política. O conceito de hegemonia que tem suas origens
ligadas a esse campo de conhecimentos, aparece “culturalizado” na perspectiva em questão. Este seria outro ponto específico a ser explorado na constituição dos estudos culturais na América Latina.
36
Alguns analistas consideram que o enfoque que questionou a teoria da dependência e da dominação, assim como o olhar mecanicista da cultura são
menos políticos e críticos que as tendências desenvolvidas, principalmente,
na década de 70. Estas últimas questionavam, sobretudo, quem detém o
controle dos meios e a relação entre o Estado e os meios de comunicação.
Por exemplo, O’Connor (1991, p. 68) afirma: “A natureza monolítica da
dominação ideológica é claramente questionada no trabalho de González,
Martín-Barbero, e García Canclini. Mas o paradoxo é que alguns de seus
trabalhos são notavelmente menos ‘políticos’ que os trabalhos de Mattelart e
da escola ILET. [...] Essa diferença entre a escola ILET e a formação emergente dos estudos culturais na América Latina pode representar outra versão
do debate global que existe entre as abordagens da economia política e dos
estudos culturais.”
Num veio de reflexão semelhante ao anterior, Fox (1997) identifica que a
redemocratização da sociedade latino-americana coincide com o desenvolvimento de uma pesquisa mais pragmática em comunicação. A crescente autonomia dos meios de comunicação em relação ao Estado (o que não significa
que tenham assumido uma posição antagônica aos interesses estatais), conjugada com a marginalização do papel do intelectual crítico, com o retorno
a uma pesquisa em comunicação mais aplicada a áreas específicas (comunicação e educação, comunicação e saúde etc) e a emergência dos estudos culturais, propiciou um clima de menos confronto com o Estado e mais
familiarização com o renascimento da democracia e construção de instituições democráticas.
Entre a diversidade de projetos que caracterizam, hoje, a pesquisa em comunicação na América Latina, o estudo das telenovelas e sua audiência é citado,
por Fox, como exemplo de investigação que, embora não ignore o contexto
social e político dentro do qual estão inseridas, indaga menos sobre o impacto
e influências dos meios de comunicação e mais sobre a comunicação propriamente dita. Assim, Fox (1997, p. 197) avalia que “em vez de projetos e
teorias grandiosas a respeito do Estado e dos meios de comunicação, a
pesquisa e a linha de ação acerca dos meios e da cultura na América Latina
vêm focalizando aqueles espaços em que os meios e a cultura têm um impacto social, econômico e político distintos, seja em educação, campanhas eleitorais, no mercado, ou em novos esforços desenvolvimentistas. Esses espaços
estão predominantemente na esfera das democracias eleitas e das utopias de
livre-mercado; a pesquisa é mais administrativa e menos crítica”(grifo meu).
220
37
Nesta generalização, considero contemplados os estudos de recepção realizados, fundamentalmente, à luz das propostas de Martín-Barbero e, também,
de Orozco; das investigações do grupo Programa Cultura da Universidade
de Colima e seu desdobramento em outras pesquisas; e daquelas que se
pautam, principalmente, nas formulações de García Canclini. Reitero que a
tentativa de sumarizar qual é o espaço preferencial dos estudos culturais na
América Latina não implica desconhecer as heterogeneidades teóricas existentes em cada um destes enfoques empírico-teóricos. Neste sentido, ver as
análises de Lopes (1993), Sousa (1997), Orozco (1997) e Jacks (1993,1996).
Numa sintética aproximação a esses espaços de pesquisa, poderia dizer que a
proposta de Martín-Barbero, chamada perspectiva das “mediações” ou “usos
sociais dos meios massivos”, redireciona a problemática da comunicação
para a cultura, modificando a compreensão da primeira. A comunicação
assume o sentido de práticas sociais, nas quais o receptor é considerado um
produtor de sentidos e o cotidiano o espaço primordial de investigação.
Guillermo Orozco parte de uma crítica ao “modelo dos efeitos”, considerando que a recepção não se reduz ao momento da exposição aos meios, mas
transcorre ao longo de um processo em que interferem inúmeras mediações.
Daí seu interesse em propor uma estratégia metodológica para investigar
tais mediações. É necessário, contudo, salientar que sua proposta centra
atenção no papel da escola, da família e da televisão, apontando para o
comprometimento do autor com a investigação da recepção dos meios e a
educação dos receptores, por isso, essa abordagem pode ser identificada
como “educação para a televisão”. Já o modelo de análise concebido, principalmente, por Jorge González, do Programa Cultura – Colima, “considera a
cultura como arena para confrontação das mais diversas ‘frentes culturais’
cada qual disputando o consentimento/aprovação e reconhecimento de sua
identidade cultural por outras frentes” (Jacks, 1996, p. 46). E, por fim, para
García Canclini, o consumo cultural é visto enquanto espaço fundamental
onde se dá a constituição das identidades. A particularidade do consumo
cultural, diz García Canclini, se identifica nos processos de apropriação e
usos de produtos em que o valor simbólico se sobrepõe ao valor de uso e
troca ou, pelo menos, em que estes últimos estão subordinados à dimensão
simbólica. Essas duas últimas abordagens poderiam ser incluídas mais apropriadamente numa perspectiva da sociologia da cultura.
38
Refiro-me, principalmente, ao uso indiscriminado desta denominação –
etnografia – para estudos que apenas têm um corte qualitativo, realizando
muitas vezes entrevistas em profundidade ou outra técnica qualitativa de
coleta de dados. Este procedimento é explícito tanto na pesquisa angloamericana quanto na latino-americana.
39
Do ponto de vista latino-americano, Lopes (1993, 1995), Orozco (1997),
Guedes (1998); De Paula (1998). Ver, também, Ang (1996); Morley (1992);
e edições do Journal of Communication Inquiry 13 (2), 1989; e Cultural
Studies 4 (1), 1990.
40
Stuart Hall endossa essa perspectiva em diferentes momentos (1994,1996c,
1996d).
221
41
Em recente pesquisa sobre a citação bibliográfica de De los medios a las mediaciones (1987), de Martín-Barbero, em artigos publicados em revistas latinoamericanas de comunicação do período de 1988-1997, Fuentes (1998) identifica
que o “tema-objeto” que concentra o maior número de citações desta obra é
o denominado “reflexões meta-comunicacionais”. Estão enquadrados aí os
artigos que tratam de refletir sobre propostas teórico-metodológicas e sobre a
constituição do próprio campo de estudos.
42
Um relato que enfatiza as relações entre feminismo e estudos culturais, do
ponto de vista metodológico, é o proposto por Gray (1997).
43
Entre outras pesquisas, ver Segura, Nora (1992) Usos sociales de la televisión
y de la telenovela. La familia frente a la televisión: Hábitos y rutinas de
consumo en Cali, in Martín-Barbero e Muñoz (eds) Televisión y melodrama;
Uribe, Ana (1993) La telenovela en la vida familiar cotidiana, Estudios sobre las
culturas contemporaneas, 15; Renero, Martha (1995) Audiencias selectivas en
el entorno de la oferta multiplicada: el discurso materno acerca de los usos
de la televisión y otros medios, Comunicación y Sociedad, 24; Bem, Arim
Soares (1988) Televisão e doméstica: da catarse ao distanciamento, Dissertação
de Mestrado, ECA/USP; Jacks, Nilda e Mayora, Veneza (1995) Mediações
na recepção: estudo comparativo entre receptor urbano e rural, in Braga,
Porto e Fausto Neto (orgs), A encenação dos sentidos: mídia, cultura e
política, Rio de Janeiro, Compós/Diadorim; Ronsini, Veneza (1993) Cotidiano rural e recepção da televisão: O caso de Três Barras, Dissertação de Mestrado, ECA/USP. Esta listagem foi composta com o intuito apenas de mostrar
estudos onde a mulher é a informante principal.
44
Considero que esta questão – a ausência de uma discussão sobre a mulher no
contexto dos estudos de recepção na América Latina – merece investigação
cuidadosa e acurada. Isso exigiria extrapolar o campo da comunicação e
entrosar-se nos estudos da mulher, de gênero e do desenvolvimento da discussão feminista na América Latina. Não é o caso destas observações, mas
prefiro comentá-la mesmo que de forma esquemática, para colocar em pauta
o problema. Meus comentários são fruto apenas da leitura de pesquisas que
tem na mulher a informante primordial, mas se eximem de tratá-la no contexto citado, isto é, analisando o gênero como um mecanismo que estrutura
o mundo material e simbólico e as nossas experiências deles. Isso não significa dizer que esse enfoque resultará no pensar o gênero como o fator determinante nas relações humanas na sociedade.
CAPÍTULO 2 – De ideologia para hegemonia
1
Esse debate se inicia nos anos 70, no território britânico, embora ainda tenha
repercussões na atualidade. Entre os principais textos em que tal problemática é tratada, ver Hall (1980b [1973]; 1977; 1980a; 1982; 1996b [1983];
1985; 1996h [1986]; 1989).
2
A discussão sobre a configuração do paradigma dominante e de um paradigma
crítico é de suma importância na formação dos estudos de comunicação e no
222
debate sobre a autonomia ou não desta disciplina ou “teoria regional” em
relação a outros campos de estudos. No entanto, essa face do problema não será
abordada, tendo em vista que o objetivo é analisar a constituição de um olhar
particular sobre os meios massivos. Ver HALL (1980; 1982; 1989; 1977).
3
Apesar desse artigo ter sido publicado em 1973, utilizo, aqui, uma versão de
1980.
4
“[…] a posição hegemônica dominante. Quando o observador apropria-se do
sentido conotado, digo, de um programa noticioso ou de acontecimentos da
atualidade, de forma direta e integral, e decodifica a mensagem nos termos do
código de referência na qual foi codificada, nós podemos dizer que o observador está operando dentro do código dominante. Este é o caso típico-ideal da
‘comunicação perfeitamente transparente’” (HALL, 1980b, p. 136).
5
“Decodificar dentro da versão negociada contém uma mistura de elementos
adaptativos e oposicionais: reconhece-se a legitimidade das definições hegemônicas para construir as principais significações (abstratas) enquanto, num
nível mais restrito, situacional (situado), formula-se suas próprias regras do
terreno – opera-se com as exceções à regra” (HALL, 1980b, p. 137).
6
“[…] é possível para um observador entender perfeitamente ambas inflexões,
a literal e a conotativa, dadas por um discurso, entretanto, [o observador/
receptor] decodifica a mensagem numa forma globalmente contrária” (HALL,
1980b, p. 138).
7
“Então, a verdade é que leituras negociadas são provavelmente o que a maioria de nós na sua maior parte faz. Somente quando você se torna um sujeito
revolucionário completamente autoconsciente e esquematicamente organizado, você alcançará uma leitura integralmente de oposição. A maioria de nós
nunca está completamente dentro de uma leitura preferencial ou integralmente à contrapelo do texto” (HALL, 1994, p. 265).
8
Essa investigação foi realizada durante o período de 1973-1977 e publicada
em 1978.
9
Os trabalhos do final dos anos 80 já não apresentam mais esse caráter de
intervenção, devido a uma nova conjuntura, e partem para uma perspectiva
mais teórica em alguns casos ou, então, para microlocalizações, tendendo
para a descrição de um objeto empírico.
10
Embora inovadora a inclusão desse aspecto, essa faceta não será explorada
mais aprofundadamente na seqüência da reflexão de Martín-Barbero.
11
Estas conferências foram proferidas em 1984. Entretanto, as versões utilizadas aqui foram reunidas e publicadas em 1995.
12
Daqui em diante, esta obra será citada no corpo do trabalho como DMM.
13
Lembro novamente que, em Comunicación masiva – Discurso y poder (1978),
o autor lança essa idéia e durante toda sua exposição reitera que sua proposta
é repensar a relação comunicação-prática. Esta última, naquele texto, é
entendida como prática discursiva.
223
14
O autor refere-se àquela literatura que, na Espanha, tem sido chamada de
literatura de cordel e, na França, de colportage.
CAPÍTULO 3 – O popular como opção política
1
Em trabalho anterior, Hall e Paddy Whanel (1964) – The Popular Arts, London: Hutchinson – já mostravam sua preocupação com a cultura popular.
Entretanto, nesse momento, eles tratam das qualidades textuais da mesma e
de problemas em torno da valoração das formas culturais populares. A argumentação central é de que as formas culturais que podem ser nomeadas de
“arte popular” tem valor e qualidade. Assim, eles rejeitam tanto as generalizações depreciativas sobre a cultura massiva quanto as que se referem à
cultura popular.
2
O texto citado é publicado em 1996i, mas sua primeira versão é de 1992.
3
Ao recuperar esse posicionamento particular do marxismo, Martín-Barbero
(1987a, p. 29) afirma que a explicação da opressão e a estratégia de luta nessa
perspectiva se situa num único plano: o econômico, o plano da produção.
Todos os demais níveis e dimensões do social se organizam e adquirem sentido a partir das relações de produção. Dessa forma, a intenção de explicar a
diferença cultural pela diferença de classe impedirá de pensar a especificidade
dos conflitos, que a cultura articula, e dos modos de luta que se originam na
arena cultural. Martín-Barbero critica essa perspectiva, o que não significa,
no seu entendimento, que a luta de classes não atravesse e, em determinados
casos, articule os outros conflitos.
4
Existem autores que criticam a postura de Hall por entenderem que ele,
realmente aponta para uma origem primária dos estudos culturais que estaria
no Centre for Contemporary Cultural Studies. Ver, por exemplo, Ang e
Straton (1996).
5
Essa idéia pauta-se na considerações que José Aricó faz sobre a “tradução” e
incorporação de categorias gramscianas para análise da América Latina. Assim, Aricó diz que Gramsci “podia ser traduzido em chave latino-americana
se fosse possível estabelecer algum tipo de similitude ou sintonia históricocultural entre seu mundo e o nosso”(ARICÓ, 1998, p. 6). Embora no texto
em questão estejam em foco, principalmente, categorias de caráter político,
o autor evidencia o reconhecimento de Gramsci sobre a importância decisiva
da cultura na dinâmica da sociedade.
6
Outra faceta do aspecto da produção de teorias dentro do espectro dos
estudos culturais diz respeito à conexão, explícita já nas formulações de
Williams, entre produção intelectual e experiência pessoal/biografia ou entre
vida e obra. E mais, entre as trajetórias individuais e os espaços vividos,
contribuindo para talhar uma reflexão singular. Embora a primeira idéia de
aproximar biografias pessoais a itinerários intelectuais seja muito sugestiva,
somente a segunda relação será tratada neste capítulo.
7
Anotações da autora durante seminário de Martín-Barbero na Escola de
Comunicações e Artes (Universidade de São Paulo), em agosto de 1997.
224
CAPÍTULO 4 – Identidades culturais: uma discussão em andamento
1
Não cabe aqui discutir, mesmo que de forma genérica, as definições propriamente ditas de modernidade/pós-modernidade, pois muitos teóricos trataram do assunto do ponto de vista da filosofia, sociologia, artes plásticas, literatura,
arquitetura, etc. Diante da extensa bibliografia existente a respeito que revela
a polêmica instalada em torno aos rumos da modernidade e caracterização da
pós-modernidade, qualquer definição que for apresentada neste momento,
poderá parecer contraditória com as narrativas apresentadas a seguir.
2
Como, também, não há uma unanimidade teórica a respeito do uso do termo
globalização, prefiro apenas indicar que a reflexão de Anthony Guiddens
(1994) talvez seja uma das que mais se adeque às propostas dos autores
estudados neste trabalho. Em linhas gerais, o autor atribui especial importância ao surgimento de meios de comunicação global e instantânea no
processo de globalização, e identifica o curso de uma vida social ativa na
contemporaneidade.
3
Hall quase sempre utiliza “migration” e “migrant”, por essa razão, a tradução
equivale a migração e migrante. Entretanto, em alguns momentos usa “immigrant”, logo a tradução será imigrante.
4
Na realidade, este artigo de Hall (1993b) é originalmente uma conferência,
realizada no País de Gales, que trata do nacionalismo desta comunidade,
abordado extensivamente por Raymond Williams, dado que esta é sua origem. Após sua publicação, acaba sendo o princípio gerador de uma polêmica com Saba Mahmood – Cultural Studies 10 (1) 1996, p. 1-11; réplica de
Hall, publicada na mesma edição e, finalmente, tréplica de Mahmood em
Cultural Studies 10 (3) 1996, p. 506-507. Essa autora tenta mostrar como
argumentos construídos a partir de uma agenda política progressista, por
exemplo, os de Stuart Hall, convergem com aqueles da direita conservadora. Mahmood acusa Hall de permanecer no âmbito de posições essencialistas no que diz respeito a movimentos religiosos, étnicos e de afiliação
nacional, fracassando na tentativa de ‘descentrar’ posições enraizadas na
experiência ocidental. Outro ponto de polêmica relaciona-se com a noção
de hibridação. Para ela, Hall ignora como os deslocamentos e mobilidade
são características do poder político moderno que têm resultado com mais
freqüência em assimilação forçada, cooptação política e destruição da herança cultural e lingüística de diversas comunidades.
5
Para Hall, eventos, relações e estruturas têm condições de existência e
efeitos reais fora da esfera do discursivo, mas é somente dentro do discursivo
ternas, salientando a ambigüidade de ambas. Porém, isso não impediu que a
adesão a esse tipo de proposta desembocasse num certo reducionismo: a descoberta da resistência popular.
6
Anotações desta autora de seminário apresentado por Martín-Barbero na
Escola de Comunicações e Artes (Universidade de São Paulo), em agosto de
1997.
7
Embora não considere relevante no conjunto da obra de Martín-Barbero,
existem algumas tênues sinalizações em alguns de seus textos de um senti225
mento de valorização do ser latino-americano. Um exemplo dessas marcas é o
citado, nesta seção, sobre a “poderosa” identidade latino-americana. Ao utilizar as definições apresentadas por Larrain, poderiam existir sinais de uma “concepção oposicional”, mas pautada pela existência de uma essência nos comentários
de Martín-Barbero. Aquela concepção define-se “contra alguns valores, modos
de vida e idéias que se apresentam como alheios à comunidade nacional. Daí a
idéia do ‘nós’ em oposição a ‘eles’, aos ‘outros’ que possuem identidades essencialmente diferentes. Assim, as diferenças culturais não somente se exageram
senão também se fixam para sempre.” (Larrain, 1996, p. 217)Por essa razão,
acredito que a observação de Protzel (1998, p. 44) de que um certo essencialismo identitário “perfumou” a produção de Martín-Barbero pode não merecer
destaque, mas uma menção é obrigatória.
8
Ver, por exemplo, Martín-Barbero (1988; 1992; 1998b).
9
São dois textos que fundamentam minhas observações a partir deste momento: “Globalización comunicacional y descentramiento cultural” (1997)
e “De la comunicación a la filosofía y viceversa: Nuevos mapas, nuevos
retos” (1998a). Ambos os textos revelam uma trama densa de conceitos
provenientes de diversos autores e, especialmente no trabalho apresentado na
FELAFACS (1997), a tessitura teórica e sua estruturação mostram, sob uma
aparente organização, inúmeras possibilidades de combinação entre os temas
tratados. Dessa forma, a armação que se apresenta a seguir é apenas uma das
possíveis, e, com certeza, outras pistas sugestivas foram eliminadas. Ver tb.
Martín-Barbero (1998b).
10
No Rio Grande do Sul essa palavra designa o ato de rebuscar-se, de arranjar-se.
11
Segundo Larrain (1996, p. 216), a concepção essencialista “pensa a identidade cultural como um fato acabado, como um conjunto já estabelecido de
experiências comuns e de valores fundamentais compartilhados que se constitui no passado, como uma essência, de uma vez para sempre”.
12
Herlinghaus utiliza o termo “hibridización”.
13
Em entrevista, realizada em 1994, mas somente publicada em 1997, García
Canclini reitera seus posicionamentos expressos em Culturas Híbridas (1989).
Ver Murphy (1997). E, mais uma vez, em Consumidores e Cidadãos (1995)
confirma seu entendimento: “Concebo a pós-modernidade não como uma
etapa totalmente distinta, não como substitutiva da modernidade, mas como
um desenvolvimento de tendências modernas que se reelaboram nos conflitos
multiculturais da globalização” (1995b, p. 46).
14
Ver, por exemplo, o caso citado dos moradores de Tijuana, fronteira do México
com os Estados Unidos. Os moradores dessa cidade negociam diariamente,
econômica e culturalmente, com a cultura norte-americana. Ao mesmo tempo, que afirmam em espaços particulares sua identidade originária, assimilam
saberes e costumes que lhes permitem assumir outras relacões socioculturais,
políticas e de trabalho. “Sem dúvida, continuam sendo mexicanos (e o racismo
americano faz com que se lembrem disso a cada momento), mas sua identidade
é poliglota, cosmopolita, com uma flexível capacidade para processar as novas
226
informações e entender hábitos distintos das suas matrizes simbólicas de origem” (GARCÍA CANCLINI, 1995b, p. 234).
15
Reforço que na avaliação de Lull (1998, p. 412), García Canclini estaria
imaginando um tipo de “utopia comunicativa” em que o mercado poderia
contribuir para “reinventar” o espaço público. Neste último, um vasto e diverso universo de mercadorias e mensagens estariam acessíveis à grande maioria.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
1
Estas idéias tomam como ponto de partida o estudo de Ricupero (2000)
sobre Caio Prado Júnior e a nacionalização do marxismo no Brasil e, especificamente, seu questionamento sobre a existência ou não de um pensamento
marxista latino-americano.
2
Inserção que tanto pode assumir uma forma direta de engajamento explícito
em determinados movimentos ou organizações políticas ou, também, indireta, isto é, de convicção no poder de réplica desses mesmos movimentos.
3
É claro que certas proposições – por exemplo, o próprio trabalho de García
Canclini e Martín-Barbero – tentaram escapar de novos maniqueísmos, isto é,
a polarização entre práticas hegemônicas e subalternas, salientando a ambigüidade de ambas. Porém, isso não impediu que a adesão a esse tipo de proposta
desembocasse num certo reducionismo: a descoberta da resistência popular.
4
Análises das mudanças que vêm ocorrendo no campo dos estudos culturais,
principalmente, na Europa e Estados Unidos são correntes. Por exemplo, ver
McRobbie (1992, 1994); McGuigan (1992, 1996); Golding e Ferguson
(1997); Kellner (1995b, 1997a), entre tantos outros. Dessa forma, as observações esboçadas neste trabalho seguem indicações de bibliografia consultada a respeito. No que diz respeito à América Latina, os comentários delineados
estão pautados na análise aqui proposta de Jesús Martín-Barbero e Néstor
García Canclini, considerados como dois expoentes e formuladores teóricos
dos estudos culturais latino-americanos.
5
Essa observação não quer dizer que se atribua a García Canclini a introdução
desses problemas no campo dos estudos culturais como um todo. Porém, no
contexto deste trabalho foram fundamentalmente suas formulações que suscitaram tal abordagem.
6
Na avaliação de Tony Bennett (1992, 1993), um dos intelectuais que lidera essa
tendência denominada por alguns de estudos de política cultural, os estudos
culturais necessitam uma revisão geral, principalmente, devido à sobreposição
da análise dos processos de significação sobre a dinâmica institucional do poder.
Na sua proposta, os estudos culturais devem encarar seu papel no treinamento
de técnicos culturais que menos comprometidos com a crítica cultural, modifiquem, de fato, o funcionamento da cultura por meio de intervenções técnicas
no plano do desenho de políticas culturais (cf. BENNET, 1993, p. 83).
No entanto, Tony Bennett (1993: 67) repudia o entendimento de que sua
proposta simplesmente opõe o debate sobre políticas culturais e um direcionamento a uma pesquisa mais pragmática à “tríade sagrada e incontaminada
de teoria, conhecimento especializado e análise textual”. Contudo, no final
227
desse mesmo texto, o autor acaba trabalhando exatamente com esse confronto binário entre o trabalho da crítica e o de intervenção. E conclui que a
atuação de crítico cultural não pode ser vista como o único estilo possível,
embora este tenha sido de suma importância na história dos estudos culturais,
sobretudo, profundamente inscrito na tradição britânica.
7
Raymond Williams preocupava-se com a problemática de formular políticas para
a atividade cultural, sendo que algumas propostas estão registradas em, por
exemplo, Communications (1962) e Television: Technology and Cultural Form (1975);
Richard Hoggart deixou a direção do CCCS justamente para atuar na UNESCO
nessa mesma área e, finalmente, Stuart Hall elaborou um conjunto de textos
sobre a televisão, no início dos anos 70, a partir desse tipo de preocupação.
8
Interessante notar que embora García Canclini (1995b) cite exatamente a
proposta destes autores como produtiva para o entendimento de sociedade
civil, acaba concluindo numa outra direção.
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248
APÊNDICE
DEPOIMENTO DE DAVID MORLEY
David Morley é professor do Departamento de Comunicação
e Mídia do Goldsmiths College da Universidade de Londres. É
graduado em Sociologia pela London School of Economics (LSE)
e pós-graduado no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
(CCCS), vinculado à Universidade de Birmingham, no período de
sua efervescência, sob coordenação de Stuart Hall. Iniciou sua
participação no Media Group daquele centro no final de 1972,
tendo lançado seu primeiro livro, em co-autoria com Charlotte
Brunsdon, Everyday Television: Nationwide, publicado pelo British
Film Institute, em 1978. Atualmente, suas áreas de interesse abrangem desde as micro-práticas de consumo midiático em torno tanto da TV quanto, por exemplo, do telefone celular, até questões de
âmbito mais macro como os entrecruzamentos entre o acelerado
desenvolvimento tecnológico e as dinâmicas do contexto econômico, político e social onde essas tecnologias operam.
Tanto sua formação em Sociologia quando sua trajetória no
CCCS marcam seu itinerário intelectual. Reside aí o ponto de
partida de seu embate com James Curran sobre as vantagens da
perspectiva dos estudos culturais em relação à economia política
da comunicação, bem como em relação à tradição norte-americana de pesquisa sobre a mídia. Embora ambos compartilhem o
mesmo espaço institucional – o Departamento de Comunicação
e Mídia do Goldsmiths College - e tenham também trabalhado
em estreita colaboração na organização de coletâneas - entre
elas, duas se destacam: Cultural Studies and Communications
(1996) e Media and Cultural Theory (2006), a polêmica travada
no início da década de 90 permanece como um divisor de fronteiras entre suas respectivas áreas de atuação. A entrevista a seguir retoma esse debate e serve como mais um indicador nessa
contenda. Além disso, pretende abarcar uma visão particular do
249
estado atual dos estudos culturais, bem como seu futuro, através de uma reflexão sobre a própria trajetória percorrida e sobre os objetos de estudo privilegiados ao longo de sua carreira
profissional.
A VINCULAÇÃO AOS ESTUDOS CULTURAIS
AC: Nesta primeira parte, estou interessada no seu background
acadêmico e no seu engajamento com os estudos culturais. Como
parte disso você já contou no seu último livro, Media, Modernity
and Technology (2007), gostaria de ir numa direção um pouco
diferente e perguntar: quais os teóricos que desempenharam um
papel importante nos diferentes momentos de sua trajetória?
DM: Na primeira parte dos anos 70, um dos meios pelos
quais me envolvi com a área foi através dos debates da educação
e da sócio-lingüística. A pesquisa sobre o programa televisivo
Nationwide e as diferentes decodificações de classe foi, na verdade, baseada na sociologia da educação. No trabalho de pessoas
como Basil Bernstein, que se interessava na disparidade do sucesso na escola entre crianças da classe trabalhadora e classe média, baseado nas suas distintas habilidades lingüísticas, originadas
na socialização. Isto era o equivalente britânico à Bourdieu, embora somente tenha lido Bourdieu mais tarde. Então, em primeiro lugar, foram teóricos como Bernstein e Howard Rosen e, na
França, Baudelot e Establet, da sociologia da educação e, mais
tarde, cheguei até Bourdieu através dessa trajetória.
Ao mesmo tempo, havia também pessoas na Inglaterra que
estavam interessadas em questões de linguagem e classe e, também, cultura e classe que faziam a conexão com a tentativa de
Hall no que diz respeito ao desenvolvimento do modelo de codificação/decodificação que ele estava construindo em paralelo a
esses estudos. Aí estavam principalmente Volosinov, em Marxism
and the Philosophy of Language, e outros que se dirigiam às formas
nas quais um signo - não um tipo de entidade estática, associado
a um modelo lingüístico sausseriano - é multiacentual e pode ser
compreendido em diversas direções por diferentes cursos sociais.
Esses eram os teóricos da linguagem que exerceram um papel
250
fundamental na minha trajetória e, através deles, penso que também estava a antropologia cultural.
Quando escrevi os primeiros artigos sobre audiências1, redirecionando os estudos de audiência para uma etnografia de
audiência que penso tenha sido a primeira vez que alguém usou
esse conceito de etnografia em relação à mídia, minha fonte foi
Dell Hymes, portanto, era a antropologia cultural outro tipo de
aporte. Eu estava lendo Hymes, Clifford Geertz e uma variedade
de antropólogos culturais, então, eles foram os que forneceram o
suporte teórico para esta parte do meu trabalho.
No que diz respeito à mídia, comecei originalmente querendo fazer um projeto sobre noticiários, tomado por aquela idéia
nada crítica de que um programa sério como o noticioso era o
que havia de mais importante. Queria fazer um estudo para observar se os programas noticiosos britânicos eram ou não tendenciosos, de modo simplista. Na época, o meu orientador era
Frank Parkin, um marxista, que me supervisionou por apenas
duas semanas mas, naqueles poucos dias, teve um efeito importante na minha trajetória. Ele foi o primeiro a dizer que estudar
o noticiário simplesmente como um tipo de artefato ideológico
não seria suficiente a menos que eu pudesse também demonstrar
alguma coisa sobre seus efeitos nas audiências. No primeiro
momento, pensei que não era o tipo de PhD que deseja fazer. De
qualquer modo, ele disse também que não poderia orientar-me
porque desconhecia o tema da mídia e sua única sugestão era
que eu procurasse um pesquisador em Birmingham, chamado
Stuart Hall, que estava envolvido com isso. Embora eu fosse oficialmente um estudante da University of Kent, telefonei para Stuart Hall e contei meu problema. Ele falou da existência de um
grupo de estudos sobre mídia na Birmingham University e convidou para juntar-me aos demais integrantes, dizendo “vamos
ver se podemos trabalhar juntos”. Aquele era outro momento; a
vida acadêmica hoje não é mais como aquela; eram, em certo
sentido, mesmo que soe romântico, “os velhos bons tempos”,
onde era possível ser flexível.
De todo modo, ao integrar-me ao Centro (CCCS), aí me
deparei com todo um conjunto de teoria marxista que estava sendo
251
lida. Primeiro, Althusser, depois, Poulantzas. E, mais tarde, Gramsci. Eles foram, para mim, as principais figuras para articular
uma perspectiva teórica sobre a mídia e as questões de poder.
Naquela época, a aproximação dos estudos culturais à mídia estava fundada numa absoluta oposição à economia política da comunicação, representada por Peter Golding, James Curran, Philip
Schlesinger e outros. Como marxistas fundamentalistas, naquele
momento, defendiam que tudo o que se precisava saber era quem
eram os proprietários dos meios. Uma vez conhecido isso, você
podia predizer a natureza da mensagem e, obviamente, da mensagem podia ser prognosticado o efeito porque basicamente não se
tinha uma teoria sobre a autonomia da mídia, seja do poder estatal
ou econômico. Também, não se tinha uma teoria das audiências
porque todos aderiam ao modelo hipodérmico. Portanto, o trabalho dos estudos culturais a respeito da mídia foi inteiramente estabelecido como uma crítica a esse fundamentalismo marxista, posição
muitíssimo pré-gramsciana. E, hoje, se você lê esses autores, associados historicamente à tradição da economia política, todos escrevem como se eles sempre tivessem trabalhado com Gramsci.
Isso é uma piada! Porque eles nem sequer tinham ouvido falar de
Gramsci; eles não entenderam nada de Gramsci quando se depararam com ele; eles trabalhavam com um tipo de modelo de propaganda à la Chomsky onde a classe dirigente que controla a mídia,
bombardeia ideologia para uma classe trabalhadora passiva e era
disso precisamente que estávamos tentando [nos estudos culturais]
sair fora. Estávamos interessados em desenvolver um modelo mais
dinâmico de hegemonia no qual estivesse articulado e fosse possível analisar tanto as formas do poder da mídia quanto seus limites.
Essa era a questão do modelo da codificação/decodificação. Em
resumo, assim estávamos nos anos 70, construindo uma mistura
de socio-lingüística, filosofia da linguagem, antropologia cultural
e teorias marxistas do Estado.
AC: E, hoje, quais seriam os téoricos que exercem influência no seu trabalho?
DM: Bem, eu só posso falar disso, contando uma história.
Uma vez, numa grande sessão plenária, alguém da platéia me
colocou em apuros, perguntando sobre qual a diferença entre
252
estudos culturais britânicos e norte-americanos. Era um seminário importante, muita gente estava presente, mas a resposta que
saiu da minha boca, foi que a diferença estava entre Foucault lido
através de Gramsci e Gramsci lido através de Foucault. Isto faz
uma profunda diferença! Foucault chegou bem mais tarde na trajetória britânica. Nós tínhamos estado trabalhando com Gramsci
e aí Foucault aparece com uma outra dimensão para a análise do
poder, através da qual muitas pessoas começaram a aderir. No
entanto, para mim, a dimensão antropológica tornou-se cada vez
mais importante ao longo dos anos 80. Em primeiro lugar, porque passei a estar mais e mais envolvido com o trabalho etnográfico; o problema com o projeto de Nationwide foi que eu mostrava
gravações do programa em locais artificiais, como em salas-deaula ou algo parecido. Aliás, eu mostrava gravações a pessoas
que não teriam necessariamente visto o programa e fiquei cada
vez mais convencido de que era mais importante estudar o consumo televisivo no seu contexto natural, de uma maneira antropológica. Foi por essa razão que me desloquei para o tipo de
investigação realizada em Family Television (1986), levando a sério a aproximação etnográfica. Mas esse foi também o momento
em que Clifford e Marcus fizeram sua intervenção por um tipo
de antropologia pós-moderna. Essa foi outra fase importante não
apenas porque através deles eu comecei a tomar contato com o
trabalho de antropólogos como Arjun Appadurai e Daniel Miller
que trouxeram muita delicadeza para a análise do consumo, especialmente para formas mediadas de consumo, e meu trabalho
começou a estender-se do estudo da televisão para a pesquisa que
fiz com Roger Silverstone e Eric Hirsch que foi sobre os usos no
ambiente doméstico de tecnologias de informação e comunicação; e, através disso, se estabeleceu um certo tipo de interesse e
inclinação antropológica que mantenho até hoje. Então, eu imagino que não me inseri muito na trajetória foucaultiana que muitos dos meus colegas com inclinação sociológica se dirigiram,
mas num certo tipo de antropologia.
Depois disso, penso que outra mudança foi quando comecei a sair dos estudos micro do consumo midiático para um
tipo de macro-questões que tinham relação, por exemplo, com
253
a reconstituição da Europa e o papel da mídia nesse tipo de tema.
Nesse momento, através do meu trabalho com Kevin Robins,
com quem sou co-autor de Spaces of Identity (1995), fiquei cada
vez mais ciente do meu interesse com o trabalho que estava sendo desenvolvido na geografia cultural. Em nível teórico, pessoas
como Ed Soja e David Harvey, mas mais importante do que eles,
Dorey Massey, do Departamento de Geografia da Open University. Para mim, esses têm sido importantes pontos de referência
no período recente: a antropologia e a geografia cultural.
E, também, de certo modo, os estudos das tecnologias. Os
estudos das tecnologias, através de autores como Andrew Barry e
Bruno Latour, fazem parte, também, da minha trajetória. Mas,
para mim, eles também estão articulados, de um outro modo,
com o interesse antropológico. Se há algo que me fascina aí, não
é tanto esse modelo que, neste momento, todos na minha volta
parecem estar atormentados, isto é, com esse modelo da nova
tecnologia e o aparecimento de novos tempos, de novos meios,
mas a forma pela qual você tem que começar a perceber que
aquelas periodizações históricas que indicam o moderno e a razão Ocidental em contraposição ao tradicional, ao irracional do
Oriente e ao passado, não são críveis. O assim chamado mundo
moderno está muito involucrado com o mágico e o ritual, de
variadas formas, bem como o mundo tradicional. Por essa razão,
meu livro mais recente Media, Modernity and Technology (2007)
está focado precisamente numa tentativa de romper essas periodizações históricas binárias e artificiais entre passado e presente,
tradicional e moderno, tecnológico e pré-tecnológico.
DA ECONOMIA PARA A CULTURA E VICE-VERSA
AC: Você disse numa entrevista2, publicada nesse último livro, que ainda existe na Grã-Bretanha uma economia política da
comunicação e que essa área tem uma significativa presença no
campo “e , de modo interessante, esses pesquisadores não se situam mais tão longe dos estudos culturais quanto costumavam”(2007,
p. 59). Isso significa que, na Grã-Bretanha, não existe mais um
debate polarizado entre a economia política e os estudos culturais?
254
DM: Não. Isso significa que o lugar onde esse debate ocorria, mudou bastante. Nos anos setenta, quando esse debate iniciou, ele era, com certeza, irritante. Basicamente, o que mudou
é que a posição linha dura da área tornou-se insustentável e a
maioria que a defendia, foi mudando cada vez mais em direção
aos estudos culturais. Eles agora precisam operar num terreno
que teve sua validade negada por muito tempo. Então, se existe
uma reaproximação, os termos estão colocados pelos estudos
culturais, por isso, esses pesquisadores precisam mover-se num
terreno definido pelos estudos culturais. Ao mesmo tempo, existe algo como um movimento, também, na direção inversa, o que
tem sido muito interessante. É um tipo relativamente menor de
desenvolvimento, de toda forma, produtivo, onde os pesquisadores dos estudos culturais tem repensado a economia. Existe uma
frase que Roger Silverstone utilizou como título de uma conferência alguns anos atrás - “abaixo da linha de fundo” - e sua
questão era que nos debates sobre economia, falando de forma
simplista, existe a pressuposição que existe algo como “a linha de
fundo” que é a margem de lucro e que tudo é ditado, em última
instância, por ela. Então, se você olha para qualquer estudo antropológico sério da economia, por exemplo, considere o trabalho de Marshall Sahlins, o que se vê é que a própria economia é
uma forma cultural e o que se precisa fazer é repensar a economia em termos culturais. Fundamentalmente, as figuras nessa
área tem sido Paul Du Gay que trabalhou com Stuart Hall na
Open University por muito tempo, fazendo estudos extremamente
importantes sobre as novas formas da economia nos períodos de
Thatcher, Reagan, de economia-liberal e de espírito empreendedor, um tipo de uso de Foucault para analisar as novas formas de
subjetividade relacionadas à economia das quais o neoliberalismo depende. Se pode pensar essa fase como um período econômico, mas no conjunto a questão é que Thatcher evocou uma
revolução cultural, o que ela mudou é a cultura, ela inventou uma
nova cultura do individualismo que fez as políticas econômicas,
advogadas por ela, possíveis. Sem a transformação cultural , as
transformações econômicas que ela alcançou, não teriam chegado a lugar algum e, tardiamente, se passou a vislumbrar isso.
Portanto, trabalhos de Paul du Gay, Keith Negus e, em certa
255
medida, Larry Grossberg, embora não pense que ele nos Estados
Unidos tenha seguido esse caminho de modo mais substantivo, mas
ele teve a perspicácia, há 5 ou 6 anos atrás, de iniciar essa discussão
- reivindicavam que os estudos culturais precisavam tomar a economia mais seriamente. Então, existiu um movimento de ambos os
lados, aqueles associados à economia política começaram a ter que
tomar por certo algumas coisas sobre a autonomia relativa da mídia
em relação aos seus proprietários e das audiências em relação às
mensagens que tinham sido negadas por muito tempo e vice-versa.
E, certamente, nos estudos culturais a economia passou a ser levada
a sério, entretanto, numa direção diferente, em termos de uma análise cultural da economia. Então, hoje, existe uma reproximação,
um movimento nessa direção. E, se existe menos debate daquele
tipo de ânimos exaltados entre estudos culturais e economia política, isto se deve, em grande parte, porque os estudos culturais ganharam e mudaram o terreno onde os economistas-políticos da
comunicação agora tem de vir e falar como se eles sempre tivessem
conhecido Gramsci ou como se eles sempre tivessem percebido que
as audiências não são diretamente afetadas pelas mensagens. Nicholas Garnham fez isso num livro publicado cinco anos atrás3. E eu
lembro que Nicholas [Garnham] e Philip Schlesinger eram como
James [Curran], há 20 anos, terminantemente, negavam isso em
seminários e, hoje, eles mudaram muito.
AC: No que diz respeito aos estudos culturais na América
Latina, por exemplo, Néstor García Canclini, em trabalhos mais
recentes, também, tem reivindicado uma maior atenção para a
economia da cultura. Também, estaria incluído nesse movimento
sua revisão do imperialismo cultural em “Globalisation and cultural imperialism reconsidered: old questions in new guises” (2006)?
DM: Não, trata-se de uma outra coisa. A questão sobre esse
artigo que revisa o imperialismo cultural e a postura de Herbert
Schiller é mais simples e direta. Schiller estava completamente equivocado sobre as audiências. Ele adere a uma teoria dos efeitos da
mídia sobre as audiências absolutamente abominável e simplista e
eu estive muito tempo ocupado em criticá-lo nesse aspecto e critico-o implacavelmente e continuarei a fazê-lo. Contudo, isso não
significa dizer que está errado a respeito de todo o resto.
256
Minha posição sempre foi a de que devemos problematizar
seriamente questões como a da limitadora cadeia de propriedade
da mídia, assim como devemos encarar muito seriamente o fato
de que grande parte das notícias está ainda sob controle de um
pequeno número de organizações anglo-americanas, não obstante,
exista a Al Jazeera. Essas questões são muito importantes, mas não
devemos presumir que, por causa disso, tudo tenha efeitos diretos
sobre a audiência. O que aconteceu no conjunto do desenvolvimento das teorias sobre a atividade da audiência é o seguinte:
tentando sair do modelo hipodérmico dos efeitos, o conjunto todo
da teoria sobre o imperialismo cultural, a posição de conjunto de
Schiller virou lixo – isto passou a ser visto nos estudos culturais
como diz o ditado inglês “o bebê foi jogado fora junto com a água
do banho”. Meu questionamento é, sim, Schiller estava completamente equivocado a respeito dos efeitos hipodérmicos, mas estava
acertado sobre um monte de outras questões. O que nós precisamos fazer é produzir uma perspectiva que seja capaz de reter na
reflexão, difícil como é, dois conjuntos diferentes de verdades sobre a estrutura de propriedade e a estrutura do poder como também a indeterminação dos efeitos de tal poder. Só porque as pessoas
são ativas, porque elas reinterpretam, isto não significa que a estrutura do poder não é importante de ser analisada. Vem daí minha insistência que, embora Schiller esteja errado a respeito de
algumas coisas, não deveríamos imaginar que esteja equivocado
sobre tudo. Essa é a razão, para mim, como alguém que teve seu
trabalho chamado por outros que queriam criticar Schiller até o
ponto de eliminá-lo da discussão, para recuperar essa parte de sua
teoria que acredito ser, ainda, importante.
AC: Sobre o legado marxista nos estudos culturais, quanto
da teoria marxista é necessário que esteja disponível hoje aos
estudantes de estudos culturais? Pergunto isso porque, na opinião de James Curran (Media and Cultural Theory,2006), Gramsci não aparece mais nos estudos culturais e isto poderia
representar o desaparecimento dessa herança. Mas o sr. diz que
permanece engajado com um certo marxismo.
DM: Eu não vejo como dar sentido ao mundo sem o uso de
certas categorias que são derivadas de Marx. Isto é, retornando
257
às influências teóricas, claramente Marx e, especialmente, Gundrisse foi um texto crucial para nós na década de setenta, e penso
que ainda permanece. Por exemplo, quando mencionei anteriormente a diferença entre estudos culturais britânicos e norte-americanos, para mim, Foucault é um ótimo acréscimo a Gramsci,
pode-se alcançar certos insights articulando Foucault a Gramsci e
ir longe. Se você inicia na direção inversa como grande parte da
tradição norte-americana fez, inicia em Foucault e então pega
um pouco de Gramsci, o marxismo se dilui até o ponto onde não
existe teoria séria. Permaneço comprometido com a noção que
o marxismo, e aí Althusser e Poulantzas permanecem influentes
para mim, são elementos-chave junto com Gramsci para desenvolver uma forma de análise conjuntural. Que tipo de marxista
sou? Bem, não sei, o próprio Marx negou sempre ser um marxista, então, não vou subscrever um tipo dado de marx-ismo, mas
penso que qualquer forma de análise que tente operar sem certas
categorias derivadas de Marx, tais como classe, estruturas de propriedade de um certo tipo e a forma de circulação do capital
pode não ser produtiva. Veja, por exemplo, não muito tempo
atrás, quando Stuart Hall estava na Open University, ele e seus
colegas, Paul Du Gay e outros, produziram uma série de livros
sobre mídia e identidade cultural nos quais eles têm um modelo
integral que chamam o circuito da cultura4 através do qual eles
analisam a publicidade, o marketing, o consumo, a produção, a
regulação. O modelo é inteiramente derivado do Gundrisse. E ele
foi extraordinariamente influente. Não influenciou somente o
ensino na Open University, mas também foi integrado aos estudos de mídia e cultura em departamentos de toda a Grã-Bretanha. Portanto, não vejo razão para mover-se para fora disso. O
trabalho de alguém como Armand e Michele Mattelart tem sido
sempre bastante influente porque eles tomam conceitos marxistas e usam-nos para fazer algo, revelar certas coisas sobre as estruturas do mundo contemporâneo. A idéia que as categorias
marxistas, per se, simplesmente proporcionarão a verdade, que se
pode sobrepor tais categorias e a resposta vem como um programa de computador, isto é estúpido e inacreditável. E a idéia que
se vai obter algum entendimento do que está acontecendo na
258
análise contemporânea do poder sem, por exemplo, referir-se a
Gramsci, novamente, eu não sei como se faria isso. Se estaria
jogando fora uma das ferramentas mais úteis que já se teve. Então, para James Curran dizer que Gramsci não tem mais um
lugar a ocupar aí, simplesmente não entendo.
AC: Como você falou em Foucault, a posição pós-estruturalista está em evidência em alguns desenvolvimentos dos estudos
culturais. Algumas vezes os métodos estruturalistas e pós-estruturalistas de análise podem facilmente sobrevalorizar o âmbito textual, desvinculado-o de um contexto. Você mesmo falou em alguns
desses desenvolvimentos nos estudos culturais norte-americanos.
O que fazer para evitar esse risco quando se incorpora tal aporte?
DM: Bem, o pós-estruturalismo é uma boa coisa, mas temos que saber o que o estruturalismo é para usá-lo porque isto
configura um todo. Eu ensino a uma geração de estudantes que,
de fato, inicia do pós-estruturalismo e estão prontos a acreditar
que o pós-estruturalismo representa um tipo de conjunto absoluto de verdades sobre o mundo, sem saber o que é, o que está
criticando, qual estruturalismo, o que significa esse pós. Em muitos casos, como tenho discutido em outros lugares, penso que o
pós-estruturalismo simplesmente nos direciona ao que, quando
eu era estudante de sociologia, nos sessenta, acostumava-se chamar de individualismo metodológico onde se pega um conjunto
sem-fim de relatos sobre situações particulares sem nenhuma
habilidade de ver mais amplamente padrões. Penso que essa é
uma forma de análise profundamente debilitante, essa é certamente uma das limitações. E a outra, é claro, o que você compra
nessa noção de verdade teoricamente garantida ou superioridade
teórica que é frequentemente atribuída e acrescida ao pós-estruturalismo, per se. Aí se começa a alcançar o tipo de análise programática, um tipo de “tamanho único” serve a toda verdade
sobre tudo, em todas as situações, em todo lugar que, simplesmente, penso que não serve. É esse tipo de verdade teórica pósestruturalista e abstrata que os editores adoram porque vende em
todo lugar, mas diz muito pouca coisa. Você mencionou anteriormente Canclini, penso que ele faz algo muito diferente, está
alerta a todas as vantagens do pós-estruturalismo que dá mais
259
flexibilidade e insights dinâmicos para abordar a complexidade
das estruturas de poder e como elas se alteram, sem nunca perder
de vista o cenário específico dessas análises, por isso, considero
que ele é um bom complemento latino-americano ao trabalho de
alguém como Stuart Hall aqui, precisamente porque mantém uma
consciência da especifidade da análise contextual. Ao contrário,
se você olha para um grande conjunto de trabalhos em estudos
culturais norte-americanos, eles são ótimos, certamente, interessantes num certo sentido, mas se você imagina eles produzindo
verdades universais e confundindo o mundo como um tipo de
afluente da sociedade norte-americana para o mundo, é horrivelmente uma pressuposição egocêntrica e imperialista.
AS TECNOLOGIAS COMO PRÁTICAS CULTURAIS
AC: Você guinou para a assistência da televisão como uma
prática em Family Television (1986), tentando tratá-la como inscrita
no cotidiano. A seguir, você se interessou pelo uso das tecnologias
de comunicação no contexto doméstico. Esse foi o momento de
sua conexão com a antropologia e sua preocupação com rituais.
Também se diz que seu interesse na sala-de-estar é um ponto de
virada, por um longo período, na sua trajetória. Estaria delineada
neste último livro (2007) outra alteração no seu percurso?
DM: O artigo ao qual você se refere , “Where the global
meets the local: notes from the sitting room”, publicado em 1991,
foi, com certeza, uma virada na minha trajetória. Naquele momento, por um lado, eu terminava um trabalho centrado em aspectos micro-contextuais que estava fazendo com Roger
Silverstone, e iniciava outro, em nível macro, sobre os espaços
da identidade, com Kevin Robins. Assim, estava tentando ver
como articular questões micro e macro, o que permanece absolutamente central no meu trabalho. Não estou interessado em teorias sobre o que é uma nação a menos que possamos aterrizá-la,
por exemplo, em práticas como a assistência noturna das notícias
nacionais na sala-de-estar da nação. Também, não estou interessado no que acontece nas salas-de-estar das pessoas se não pudermos articulá-lo a temas culturais mais amplos. Eu sou muito
260
influenciado por Hermann Bausinger e seu trabalho sobre consumo doméstico da mídia, mas mesmo Bausinger, em alguns
momentos, diz que a etnografia e a etnologia são ferramentas
fantásticas se você as usa apropriadamente, mas se você segue
cegamente a trilha etnográfica, você pode terminar com um amontoado de lixo sobre detalhes inconsequentes que não lhe acrescentam nada. Então, para mim, trata-se de manter a tensão, difícil
como é, entre análise concreta de micro-práticas e como elas se
articulam com um tipo de macro-estruturas. Mais recentemente,
eu comecei a ver como Bruno Latour poderia ser útil nesse trabalho. Faço mais referências a ele no meu último livro do que já
fiz antes. Penso que cheguei a ele um pouco tardiamente. Colegas como Andrew Barry realizaram esse uso antes de mim, mas
o importante é que ele tem esse interesse em fundar no detalhe as
macro-análises. Por exemplo, vamos falar de globalização: o que
é a globalização? Então, ele toma um elemento-chave do processo inteiro da globalização - deslocar-se de avião, de um ponto ao
outro do globo, num período muito curto de tempo -, mas corretamente insiste que devemos analisar isso muito concretamente,
ver quais micro-práticas andam juntas e constituem a viagem de
avião. E são estas que se tornam o fundamento do que entendemos como o processo de globalização. É essa conexão que, ainda, me fascina.
AC: Apesar de ter apenas uma rápida visão do seu novo
livro (2007), parece que existe uma atenção maior no que diz
respeito a materialidade das tecnologias, isto é, com os próprios
meios, embora também exista um esforço, explicitamente expresso, em construir uma armação analítica não-midiacêntrica.
DM: Sim e não. É uma armação não-midiacêntrica, mas
também e, de modo crucial, um enquadramento não-tecnológicamente determinista. Não estou interessado nas máquinas, estou interessado nos seus usos, no modo pelo qual são
interpretadas, no modo pelo qual se tornam significativas e seus
diferenciados usos podem ser compreendidos. Minha questão é
que, em anos recentes, tem havido um profundo e regressivo
retorno a formas de determinismo tecnológico e, por isso, talvez Raymond Williams tenha ficado no esquecimento. Aqui, no
261
Goldsmiths College, há muita gente em diferentes departamentos que parecem ter renascido “McLuhanianos”, reivindicando
que ele tinha razão em tudo. Dizem que ele estava tão avançado
à sua época que somente agora podemos ver os benefícios reais
da sua contribuição. A razão pela qual falo tanto em tecnologia
nesse novo livro é porque estou tentando produzir um modo diferente de falar sobre isso, que dê seu devido peso a presença das
tecnologias nas nossas vidas. Penso que é crucial entender o papel que as tecnologias, de vários tipos, desempenham nas nossas
vidas, tanto na vida íntima como na pública. O que eu não quero
é consentir com uma perspectiva simplista, tecnologicamente
determinista sobre a nova mídia, e que me vejo cercado. Atualmente, falo muito sobre tecnologia porque tento construir, assim
espero estar fazendo, um modo mais útil de falar sobre ela, num
contexto de teorias midiacêntricas correntes defendidas pelos
“McLuhanianos” recém-nascidos.
SOBRE O FUTURO DOS ESTUDOS CULTURAIS
AC: Na sua opinião, é possível imaginar o futuro dos estudos culturais? Em qual direção os estudos culturais deveriam seguir? E quais seriam os grandes temas que os pesquisadores
deveriam tomar em tempos de globalização?
DM: A questão mais importante é algo que já esteve na pauta por algum tempo. Trata-se da problemática do modo pelo qual
os estudos culturais têm sido historicamente vistos como um
produto do mundo anglo-americano. Isso tem sido facilmente
dito e as pessoas se referiram a isso por um bom tempo, mas é
ainda um problema-chave que temos de livrar-nos. Como alguém treinado na Grã-Bretanha, é muito fácil ver que existiu
um momento extraordinário nos oitenta, quando Tatcher assumiu o poder e as universidades britânicas passaram a viver um
momento crítico, e uma geração inteira de pessoas, John Fiske,
John Hartley, Tonny Bennet e muitos outros associados aos estudos culturais britânicos, deixou o país. Para onde eles foram?
Foram para onde era o antigo Império Britânico - Austrália,
Canadá e outros territórios de fala inglesa espalhados pelo mundo.
262
Aí tivemos aquela fantástica exportação de estudos culturais britânicos que se tornou “uma coisa”, uma “coisa” intelectual de
moda, tomada também nos Estados Unidos, transformando-se
em uma forma teórica terrivelmente abstrata. Apesar disso, obteve-se esse impacto extraordinário de algo que era, de fato, em
primeira instância, muito britânico. Acho que é apropriado discutir e insistir que tal trabalho, desenvolvido dessa forma, deve
ser mais modesto sobre suas próprias origens. A contribuição de
Hoggart, Williams e os primeiros trabalhos de Stuart Hall devem ser entendidos em circunstâncias muito particulares, de declínio do poder imperial no hemisfério Norte, no período
pós-guerra quando o Estado de bem-estar social estava prestes a
ruir e muitas coisas estavam se alterando. Agora, não é essa a
situação que é mundialmente importante. Então, ainda se deve
pensar sobre como os estudos culturais britânicos podem evitar
de ser eles mesmos uma outra forma de imperialismo acadêmico. Penso que esse é um trabalho que permanece importante.
Um trabalho exemplar nesse sentido está sendo feito na Ásia do
Leste onde o Inter-Asia Cultural Studies Journal, dirigido por
Kuan-Hsing Chen e seus colegas inventaram formas de estudos
culturais que não necessariamente iniciaram no Atlântico. Eles
começaram a reconhecer que existem outras posições a partir
das quais se deve olhar o mundo e que não são as do Atlântico,
historicamente assumidas pela maior parte dos estudos culturais.
Existe, também, um outro argumento delicado e complicado. Este diz “não queremos nada de teoria ocidental aqui”, mas
isto não levará a lugar algum. Eu gosto muito do argumento de
Chakrabarty que sustenta que as coisas que tiveram origem no
iluminismo europeu não são nem boas nem más, em virtude de
sua origem. Na verdade, alguns dos desenvolvimentos atuais mais
produtivos estão acontecendo na Índia e em outros lugares, eles
não estão acontecendo necessariamente no contexto britânico ou
europeu, mas também eles não estão obrigatoriamente rejeitando
um conjunto de posições simplesmente porque são ocidentais, como
se a análise indiana ou latino-americana, per se, fosse necessariamente melhor. Isto leva a seguinte posição: são somente os latinoamericanos que podem falar da América Latina? Esse, para mim,
263
é o tipo de questão crucial para redirecionar os estudos culturais
porque é capaz de expressar uma variedade de circunstâncias. Esse
é um aspecto que concordo com meu colega James Curran. Em
outros tantos, nós discordamos. Ele organizou há alguns anos atrás
um livro que tinha um título ambicioso, De-westernizing Media
Studies (2000). Não acho que o livro seja particularmente satisfatório no seu conteúdo, mas a proposta é admirável e permanece
importante na agenda: “deseuropeizar” os estudos culturais, permitir e ajudar que germine uma grande variedade de formas regionais de estudos culturais que são mais apropriadas à larga variedade
de situações que estamos enfrentando.
AC: Eu particularmente concordo com seu argumento. Isso
significa entender as diferentes experiências de países que estão
fora do eixo anglo-americano, mas o problema é a língua. Para
fazer isso, nós, latino-americanos, por exemplo, que estamos
fora desse eixo, precisamos falar inglês, se quisermos ser ouvidos. O que podemos fazer para trocar idéias numa situação
mais equilibrada?
DM: Bem, uma possibilidade é simplesmente fazer com que
as pessoas que moram no Ocidente e sempre tiveram vantagens
sejam forçadas a aprender a língua de vocês. Lembro de uma
dramatização, realizada por Daniel Matto, num encontro Crossroads in Cultural Studies, em Birmingham, onde ele, no seu turno, simplesmente iniciou sua apresentação com algumas palavras
em espanhol e todo mundo riu e pensou: “Espera aí, não estou
entendendo qual é o ponto!” Embora ele falasse um excelente
inglês, ele iniciou assim e todos riram porque presumiram que
era retórico, mas ele continou falando em espanhol. Esse foi um
dos raros momentos em que todos gostariam de entender um
pouco daquilo porque possivelmente estivesse sendo dito algo
importante e não era em nossa língua.
AC: Seria possível imaginar uma bibliografia em estudos culturais hoje? Por exemplo, se você fosse ao Brasil dar um curso sobre
estudos culturais, quais seriam os textos indicados para leitura?
DM: Não sei, dependeria do tipo de curso. Se estivesse fazendo algo que historicamente representasse o desenvolvimento
dos estudos culturais, faria referência a muitos livros que falei
264
nesta entrevista. Se estivesse fazendo algo mais contemporâneo,
suponho que a ênfase bibliográfica seria um pouco diferenciada.
Na verdade, é preciso folhear meus últimos dois livros, Home
Territories (2000) e Media, Modernity and Technology (2007) e aí
se têm muitas referências, sobretudo, aqueles que são centrais na
minha reflexão, hoje.
AC: Quase todos esses livros estão em inglês.
DM: É claro, como um bom produto do sistema educacional inglês, eu nunca aprendi a falar outras línguas. Além do inglês, falo apenas um francês bastante pobre. Isso claramente é
um problema. Esse era o sistema educacional quando estive na
escola. Se eu pertencesse a uma classe mais alta da sociedade
inglesa, eu teria aprendido mais línguas estrangeiras. No geral,
não são muitos os ingleses que aprendem outras línguas, sobretudo, porque as pessoas não precisavam disso. Nós éramos um
grande império e todos tínhamos que falar em inglês. Essa é,
infelizmente, uma consequência do império. Existe um momento emblemático num dos livros de Salman Rushdie onde um dos
seus personagens diz algo como: o problema dos ingleses é que
eles sabem muito pouco sobre sua história porque grande parte
dela aconteceu além-mar.
AC: Em 2006 quando li seu texto sobre “Globalization and
cultural imperialism reconsidered: old questions in new guises”
(2006) foi inevitável associá-lo com um outro artigo de Renato
Ortiz5, “Revisitando a noção de imperialismo cultural” também
publicado no mesmo ano, onde ambos, de alguma forma, defendem posições muito próximas. Entre elas, sobre a necessidade de
pensar historicamente e cuidadosamente, sobretudo, quando se
descarta facilmente certas noções que podem ainda ser úteis porque as circunstâncias não se alteram tão rapidamente. Portanto,
seria possível estabelecer conexões entre essas perspectivas, mas
no momento em que o texto de Ortiz não está disponível em
inglês, a possibilidade de estabelecer essa troca deixa de existir.
DM: Exatamente, eu não tinha conhecimento dele até você
falar agora. O que é frustrante é que, por um período bastante
longo, não foi aparente que existissem conexões possíveis entre
as perspectivas britânicas e as latino-americanas. Algumas delas
265
tornaram-se mais aparentes. Por exemplo, quando Laclau estava
produzindo um tipo de análise que ficou muito próxima do trabalho realizado por Stuart Hall. Mais recentemente, Laclau e
Chantal Mouffe dirigiram-se a uma teoria política mais abstrata
mas existiu um momento onde pessoas como Laclau e, a partir
de uma perspectiva bem diferente, Mattelart, estavam produzindo análises que tinham ressonância com o que nós estávamos
fazendo na Inglaterra. Penso que isso teve relação especificamente com a força da tradição marxista na América Latina e isto fez
uma conexão com um certo tipo de estudos culturais britânicos,
também, muito influenciados pelo marxismo.
AC: O tom dos estudos culturais dos anos 70 é radicalmente
diferente do que ecoa nos 80 e 90. Isto mostra que os estudos
culturais mudaram muito. Na sua avaliação, quais foram essas
mudanças? E, resumidamente, como as vê?
DM: Uma das maiores transformações envolve uma história bastante banal e que tem relação com seu sucesso. Tudo isso
iniciou sem nenhum suporte institucional. Quando olhamos para
trás e vemos uns poucos professores reunidos com cerca de trinta
alunos de pós-graduação, em duas salas, sem nenhuma ajuda econômica, fazendo tudo aquilo: decidimos disputar espaços nas
instituições, empregos na rede já constituída e lentamente criar
departamentos de estudos de mídia e espaços para que os estudos
culturais fossem implementados. E, aqui, estou, por exemplo, no
Departamento de Comunicação e Mídia [do Goldsmiths College]. Ao mesmo tempo, temos o problema da configuração da
própria ortodoxia dos estudos culturais, dado que eles se transformaram numa disciplina. Na verdade, sou contra o ensino dos
estudos culturais como um curso de graduação. É muito difícil
fazer estudos culturais de um modo interdisciplinar, se não se
sabe completamente o que é uma disciplina. Os melhores pesquisadores em estudos culturais são aqueles que realizaram sua trajetória através de uma disciplina e sairam num outro lado. Veja, eu
resisto a sua pergunta sobre uma bibliografia em estudos culturais, no seu cerne, porque ela implica um tipo de cânone, uma
ortodoxia do que é estudos culturais e, para mim, isso é um
anátema. Estudos culturais é um modo de analisar contextual e
266
conjunturalmente a partir de uma perspectiva interdisciplinar e o
que você precisa ler é tudo o que vai ajudar a fazer tal análise, não
um conjunto preciso de determinados textos, tipo bíblias da área.
É claro que existem textos mais clássicos que deixam a porta
aberta para esse tipo de abordagem e, portanto, são úteis mas, ao
mesmo tempo, isso institucionaliza, delimita a pesquisa em armações rígidas e existe uma pressão para trabalhar desse modo.
Para mim, isso não leva a lugar algum. Eu não estou interessado
em contribuir para um cânone dos estudos culturais.
AC: De toda forma, não deveria existir um fundamento comum entre os praticantes de estudos culturais, como de certa
forma Stuart Hall6 reivindicou em “Estudos culturais e seu legado teórico” (1992)?
DM: De nenhum modo esse “commom ground” deve ser substantivo. Isso não significa que todos devemos ler os mesmos doze
livros. A base comum é um comprometimento com uma certa forma de abordagem interdisciplinar, contextual e conjuntural.
REFERÊNCIAS
MORLEY, D. “ Where the global meets the local: notes from the sitting
room”. Screen, 32 (1), 1991, p. 1-15.
MORLEY, D. e ROBINS, Kevin. Spaces of Identity: global media, electronic
landscapes and cultural boudaries. Londres, Routledge, 1995.
M ORLEY, David. Populismo, revisionismo y los ‘nuevos’ estudios de audiencia in CURRAN, J., MORLEY, D. e WALKERDINE, V. (orgs.) Estudios
culturales y comunicación – Análises, producción y consumo cultural de las
políticas de identidad y el posmodernismo. Barcelona, Paidós, 1998, p. 417437. (Originalmente publicado em Poetics, 21 (4), 1992, p. 329-344.)
MORLEY, D. Globalisation and cultural imperialism reconsidered: old questions in new guises in in CURRAN, J. e MORLEY, D. (orgs) Media and
cultural theory. Londres, Routledge, 2006, p. 30-43.
MORLEY, D. Media, Modernity and Technology – The geography of the new.
Londres, Routledge, 2007.
267
NOTAS
1
Na tentativa de situar o leitor, indico a publicação dos primeiros textos do
autor sobre o tema: Reconceptualizing the Audience, (CCCS Stencilled
Paper, n 9, s/d), e Texts, readers, subjects in HALL, S., HOBSON, D.,
LOWE, A. e WILLIS, P. (orgs) Culture, Media, Language – Working Papers in Cultural Studies, 1972-1979 (Londres, Routledge, 1980).
2
Ver Cultural studies and media studies – contexts, boundaries and politics,
interview by Johannes von Moltke, p. 39-65
3
Emancipation, the Media and Modernity – Arguments about the Media and
Social Theory. Oxford, Oxford Press, 2000.
4
Para uma aproximação sobre essa proposição ver Escosteguy, Ana Carolina
Quando a recepção já não alcança: os sentidos circulam entre a produção e
a recepção, e-compós, Brasília, v 12, n 1, jan/abr, 2009.
5
Ver Ortiz, Renato. Mundialização: saberes e crenças. São Paulo, Braziliense,
2006.
6
A versão que circula no contexto nacional está publicada em Hall, S. Da
diáspora – Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte, UFMG,
2003.
268
DEPOIMENTO DE JAMES CURRAN
Os embates entre a economia política da comunicação e os
estudos culturais no contexto anglo-saxão têm história1. A repercussão, entre nós, desses confrontos ecoou apenas em linhas gerais2. Entende-se que são duas sub-áreas que dão atenção a
diferentes problemáticas teóricas, revelando divisões acadêmicas
e/ou disciplinares. De modo simplista, indica-se que a primeira
se estrutura em torno do estudo da organização e institucionalização das mídias, inseridas em macroestruturas político-econômicas. Pretende dar conta dos regimes de propriedade e controle
que, por sua vez, repercutem nas formas culturais, produzidas e
distribuídas por tais estruturas institucionais. E a segunda, para
muitos, refere-se apenas ao estudo da recepção, concentrando-se
em âmbito micro-social. Desse modo, a dicotomia se estabelece
entre aqueles que analisam as estruturas sociais e os que privilegiam os agentes e suas práticas ou táticas de sobrevivência. Consequentemente, as acusações são mútuas. Se a economia política
destaca o desaparecimento do socioeconômico nas análises culturais onde tudo se transforma em textual e são abolidas as relações de propriedade e interesses econômicos sobre os quais se
sustenta a circulação dos textos midiáticos, os estudos culturais
reclamam que, na primeira, a dimensão propriamente cultural,
resumidamente identificada com o simbólico, nunca é alcançada
em tal tipo de investigação. Contudo, não é minha intenção reconstituir tal debate e seus desdobramentos. Meu foco é outro.
Hoje, no contexto internacional, os estudos de recepção alcançaram visibilidade, constituindo uma trajetória em separado
da tradição dos efeitos e dos usos e gratificações, sendo que grande
parte da pesquisa de recepção está associada às contribuições dos
estudos culturais. Já, no contexto nacional, toda e qualquer pesquisa que trate das relações entre meios e públicos, com exceção
269
dos índices de audiência, é denominada de estudos de recepção.
Isto pode ser atribuído a ausência, entre nós, de uma tradição de
pesquisa alinhada à perspectiva norte-americana3. Entretanto, o
fato mais relevante, pelo menos no recorte proposto aqui, é que,
no nosso meio, os estudos culturais são equiparados aos estudos
de recepção o que, com certeza, é um equívoco, revelando uma
visão reducionista dos mesmos. Na tentativa de dirimir esse engano e, ao mesmo tempo, dar circulação mais ampla a uma parte da
crítica anglo-saxônica aos estudos culturais que, de alguma forma,
contribuiu também para essa associação, apresento uma visão bastante sintética de tal posicionamento, através daquele que foi internacionalmente reconhecido como seu porta-voz, James Curran.
O marco inicial desse posicionamento é a publicação de “The
New Revisionism in Mass Communication Research: A Reappraisal”(1990)4. Segundo o autor, a partir dos 70 foi se constituindo nos estudos de mídia uma polarização entre uma tradição radical,
identificada originalmente com uma tradição marxista de estudos
de comunicação e, mais tarde, com os estudos culturais que daí
surgiram, e outra liberal, associada à vertente sociológica norteamericana, alcançando na década de 90 um “autêntico momento
de efervescência disciplinar” (1998, p. 384). É nesse contexto que
surge a primeira linhagem dos estudos de recepção, exemplificada
pelas pesquisas de David Morley, que se apresenta como inovadora
e original, mas que, para Curran, não é nada mais do que um
“processo de redescoberta” ou “revival”, dado que os ganhos apresentados por essa pesquisa e outras inseridas no mesmo quadrante
teórico, de algum modo, já estavam delineados pela linhagem dos
estudos dos efeitos, associada ao campo pluralista ou liberal.
Mesmo assim, o autor reconhece que ocorreram duas mudanças no âmbito do debate sobre a produção de sentido e a recepção das mensagens pelas audiências, atribuídas à produção
revisionista, isto é, à contribuição dos estudos culturais. A primeira mudança-chave diz respeito às “incoerências, contradições, lacunas e inclusive oposições internas existentes dentro dos textos”
(1998, p. 394) e a segunda trata de uma outra conceituação da
audiência que passa a ser vista como “produtora ativa de significados” (1998, p. 395).
270
Conforme Curran, a tradição dos efeitos prenuncia os argumentos revisionistas, embora reconheça que há avanços na proposição dos estudos de recepção no que diz respeito a uma maior
centralidade no texto e a uma localização da audiência num contexto sociológico mais adequado já que, sobretudo, nos usos e
gratificações, uma sub-vertente da tradição dos efeitos, as diferentes respostas dos membros das audiências são atribuídas a
diferenças individuais de personalidade ou psicológicas. Entre os
aspectos negativos, identificados pelo autor, destacam-se a reticência em adotar metodologias quantitativas, a ausência de explicação das diferenças individuais no interior de grupos sociais e a
imprecisão do conceito de decodificação.
Apesar disso tudo, destaca que existem semelhanças entre as
duas tradições, embora reconheça que existe um impedimento
para a “plena convergência” (1998, p. 394) devido à concepção
diferenciada de poder político e econômico vigente entre tais
vertentes. O grande lamento desse pesquisador britânico está
concentrado no que ele considera como desconhecimento da história da pesquisa sobre audiências. “Em poucas palavras, as investigações dos novos revisionistas somente resultam
surpreendentes e inovadoras a partir de uma perspectiva reducionista dos estudos de comunicação onde a nossa era iniciaria
com as análises textuais de filmes e programas de televisão, atribuídos à revista Screen, e tudo o que é anterior se perde na
escuridão da noite” (1998, p. 400).
Enfim, a posição de Curran endossa a ideia de que a tradição radical se enfraqueceu diante dos argumentos sustentados
pelos “revisionistas”, ao mesmo tempo, que a tradição liberal ou
pluralista se expandiu sem questionamentos e crítica. “Em suma,
uma perspectiva radical reconstituída necessita ser defendida contra o avanço da maré revisionista que superestima a influência
popular sobre a mídia e subestima a influência da mídia sobre o
público” (2002, p. 165)
Apresenta-se a seguir a entrevista de James Curran, atualmente, professor no Departamento de Comunicação e Mídia do
Goldsmiths College da Universidade de Londres. Autor e organizador de uma larga série de livros, concentra sua produção
271
intelectual sobre a mídia nas áreas da economia política, da história e da sua influência nas audiências. Embora seus textos
estejam publicados em diversas línguas, em português, circula no
ambiente acadêmico nacional, apenas “Teoria midiática e cultural na era do liberalismo de mercado”(2007)5. Nesta entrevista,
realizada em fevereiro de 2007, o foco central concentra-se no
debate gerado, especialmente no contexto britânico, a partir da
circulação de seu artigo, originalmente publicado em 1990, e
como a questão da globalização repõe em novos termos algumas
das balizas anteriormente discutidas.
O DESENCANTAMENTO COM OS ESTUDOS CULTURAIS
AC: Em primeiro lugar, gostaria de uma avaliação pessoal
sobre seu engajamento não com os estudos culturais, mas talvez
contra eles.
JC: Eu começei como fã dos estudos culturais. Quando era
chefe deste departamento6, dei o livro de Dick Hebdige, Subculture (1979), para meu chefe que era Richard Hoggart e disse:
este é um excelente livro e essa é a primeira pessoa que gostaria
de indicar para o departamento. Ele leu o livro e concordou comigo, dizendo: contrate-o. E foi assim que fiz. Portanto, os estudos culturais dos anos 70 e 80 me pareciam o que havia de mais
excitante e dinâmico no que diz respeito aos estudos britânicos
sobre a mídia. Uma vez quando fui questionado pelo New Statesman para nominar a maior influência na minha vida intelectual, disse: Stuart Hall. E, numa outra ocasião, o The Times Higher
Education Supplement pediu que indicasse aquilo que mais me
entusiasmava em termos de produção intelectual e apontei: os
Working Papers in Cultural Studies. Assim, caracterizar-me como
um inimigo dos estudos culturais é simplificar o problema.
AC: Descupe-me, se a avaliação que faço de sua posição soa
demasiado forte!
JC: Em absoluto. O que os estudos culturais pareciam representar naqueles dias era um comprometimento radical com repensar posições de esquerda, de modo a ser libertário. Pareciam
272
querer conectar-se ao meio popular, tornar-se relevantes. Em
outras palavras, eles pareciam ser incisivamente produtivos e uma
parte dessa rica natureza residia no modo pelo qual conduziam
pontos de encontro entre distintas áreas do conhecimento – teoria literária, teoria psicanalítica, história -, olhando para todos os
lados, para qualquer disciplina ou temática, mas atentos aos porquês. Eles tinham segurança intelectual para dirigir-se a essas
diferentes áreas, fazendo algo novo, focando-se num estudo sério
da cultura popular, mas estavam conectados a um projeto para
mudar a sociedade. Recuando aos anos 70 e 80, os estudos culturais britânicos eram um movimento radical que pretendia encontrar uma forma de olhar a cultura popular como o modo pelo
qual as pessoas expressam sua identidade e suas relações com os
outros, conectada a diferentes grupos. Pretendiam um entendimento da natureza essencial do cotidiano, para construir uma
frente popular que transformaria a sociedade.Tal projeto, como
eu o entendi, estava articulado à política. O propósito de estudar
a cultura popular envolvia mudar muitas das instituições da sociedade, portanto, o objetivo era mudar a sociedade. Isso envolve
ganhar eleições, estar envolvido na política convencional. Se você
olha os escritos de Gramsci, ele sempre viu a cultura mobilizando apoio ao estado capitalista, isso foi visto em termos revolucionários, eu não vejo assim porque sou um social democrata. A
atração pelos estudos culturais gira em torno de uma mobilização liberadora da classe trabalhadora, das feministas, dos gays,
dos ambientalistas e outros grupos numa campanha conjunta para
mudar a sociedade. Esse é meu entendimento dos estudos culturais. Sou um entusiasta dos estudos culturais e permaneço como
tal, mas devido a esse mesmo entusiasmo, decidi parar porque
algumas pessoas dos estudos culturais resolveram ser apenas liberais e não, radicais. Muitas delas são anti-estatistas e isto pode
parecer radical, mas o anti-estatismo não é necessariamente radical. No contexto britânico, o anti-estatismo se inclina à direita.
AC: Já que estamos falando em política, você diz no artigo
“Media and cultural theory in the age of market liberalism”(2006)
que, na virada do século XX para o XXI, Gramsci não aparece
mais em citações na produção intelectual dos estudos culturais o
273
que pode indicar o desaparecimento da influência marxista no
campo. Isso significa dizer que os estudos culturais deixaram de
ser críticos ou de pertencer a uma tradição crítica?
JC: Não, porque os estudos culturais são uma “casa espaçosa” que dá guarida a diferentes grupos. Atualmente, a parte mais
reveladora dos estudos culturais britânicos é o feminismo. Os
estudos culturais feministas representam uma continuidade com o
comprometimento de mudar a sociedade. Eles são nitidamente
radicais. A vertente marxista dentro dos estudos culturais britânicos são uma força em extinção. Os estudos culturais britânicos
perderam o rumo. Isto não significa dizer que os estudos culturais
perderam o rumo, isto é, não se trata de que os estudos culturais
no Brasil ou na Koréia perderam o rumo, mas apenas a versão
britânica dos mesmos. É uma tradição que está em paz com o
mundo porque celebra a globalização, muitas vezes em termos
nada críticos. O trabalho de John Tomlinson [Globalization and
culture, 1999] ilustra isso num livro muito estimulante. Com uma
visão sofisticada do mundo, defende que a globalização não promove uma cultura capitalista una porque o sentido simbólico das
mercadorias culturais, distribuídas globalmente, é produzido pelas
apropriações culturais locais. Talvez no Brasil vocês pensem que a
globalização têm mais características negativas do que positivas,
em termos de suas limitações. Portanto, estar em paz com o mundo é ter um entendimento seletivo da globalização e uma visão
afirmativa e não-crítica da mídia. Pelo menos na Grã-Bretanha,
existe também nos estudos culturais uma espécie de retrocesso em
relação à classe social como categoria e, ainda, um retrocesso na
política, entendida em termos convencionais. Eles perderam o interesse pela política mainstream, entendendo a política em termos
de uma distribuição simbólica e não em termos materiais. Apesar
de ser um entusiasta dos estudos culturais, sinto-me um pouco
desencantado. Espero que a promessa dos estudos culturais possa
ser realizada em outros países que não na Grã-Bretanha.
AC: Em “Globalization Theory: The Absent Debate” (2002),
você diz que exitem duas visões fortemente contrastantes sobre a
globalização: os téoricos da cultura têm uma avaliação afirmativa
das transformações globais e os economistas-políticos radicais
274
que vêem as mesmas transformações como uma vitória capitalista. Dentro do atual contexto, valeria a pena repetir o debate entre
posições polarizadas como as da economia política e aproximações mais culturais? O que seria ir além dessas posições?
JC: Não existe mais debate entre essas posições. Penso que,
na realidade, as bases do programa dos estudos culturais e o da
economia política deveriam estar juntas, ter um marco integrativo e a pergunta motivadora seria qual a relativa importância do
cultural e do material e como eles se inter-relacionam entre si. A
resposta não vai ser resolvida em teoria abstrata, é para ser resolvida em termos de estudos culturais específicamente fundados,
em contextos e tempos particulares. A questão é afastar-se da
abstração da “alta teoria” e fundar as discussões teóricas em termos de pesquisa empírica. Assim que a crítica fizer isso, é possível entender quando na posição dos estudos culturais se está
sempre olhando para a economia, como Angela McRobbie já
disse. Os praticantes de estudos culturais não fizeram economia
e seu entendimento da economia é diferente daquele que fundamenta a economia política. Eles se engajam com seu entendimento de economia. No caso de Angela McRobbie, parece-me que
ela, algumas vezes, tem uma visão positiva do mercado. Estudando revistas femininas, especialmente a More!, discutindo a concorrência entre diferentes títulos no mercado, ela analisa como
determinados rótulos que circulam nas revistas respondem emancipando as sensibilidades da jovem mulher, destacando em seus
argumentos que são estimulantes, o fundamento essencial do
mercado que é o mecanismo que conecta oferta e procura. Isso é
claramente olhar para a economia, mas de uma forma diferente
da economia política.
RETOMANDO A AVALIAÇÃO DO “NOVO REVISIONISMO”
AC: Concentrando-nos no seu artigo “The New Revisionism in Mass Communication Research: A Reappraisal”(1990),
você sustenta a idéia de que existem similaridades entre a tradição dos usos e gratificações e a tradição revisionista – entendida
no seu artigo como aquela representada pelos estudos culturais.
275
Ao mesmo tempo, do meu ponto de vista, parece que você subestima que elas são tradições com fundações muito distintas, por
exemplo, em termos de princípios epistemológicos e metodológicos. Uma outra fundação que você mesmo menciona que é
diferente entre as abordagens citadas, reside na concepção de
poder, político e econômico. Esse conceito já não seria um obstáculo para pensar a tradição revisionista como um revival?
JC: Sim, eu acho que você está correta, a convergência é
apenas parcial. Penso que os usos e gratificações e os estudos de
recepção têm origens disciplinares distintas, a primeira numa
psicologia social e a outra, nos estudos literários, então, elas utilizam diferentes métodos e têm distintos marcos de entendimento. Mas, também, ambas dizem algo similar, elas dizem que a
audiência tem poder criador. A questão que aparece na sequência é como as audiências são internamente poderosas e como
deve ser entendido esse vigor. No geral, a audiência é vista como
uma fonte de revigoramento social; a atividade da audiência
garante o contrato oficial de que a cultura e as ideias dominantes
vão ser sempre resistidas. Esse é o “momento Fiske” quando o
vigor da audiência significa dizer que as pessoas têm o controle
da situação. E isto não é muito diferente da tradição liberal dos
efeitos. Elas têm origem intelectual e disciplinar diferente, mas
ambas se encontram nesse pensamento reconfortante e, fundamentalmente, na ideia de que a audiência é poderosa, só que isto
não quer dizer que as pessoas são politicamente poderosas, realmente no controle dos seus destinos. E mais, essas tradições não
podem ´pular’ de uma noção a outra - quando as audiências
podem ativa e criticamente engajar-se com os sentidos derivados
da mídia, elas, então, estão no controle político e econômico de
seus destinos na sociedade. Isto tem que ser visto em relação à
mobilidade social e que as chances da vida são estruturadas pela
classe e continuam estuturadas pela classe social.
AC: Na minha leitura dos seus trabalhos de 1990, 2002 e
mesmo este último de 2006, você indica tanto avanços como
retrocessos na tradição revisionista, isto é, nos estudos culturais.
No entanto, a repercussão acadêmica, em especial do seu artigo
“The New Revisionism in Mass Communication Research: A
276
Reappraisal”(1990), destaca apenas os aspectos mais negativos a
essa vertente. O que estava em andamento naquele debate? Como
isso pode ser explicado?
JC: Eu suponho que duas coisas devem ser levadas em conta. Uma delas é o registro da decepção. Os estudos culturais
radicais não preencheram sua promessa no modo como eu tinha
esperado. De um lado, eles não foram tão radicais e ousados
como eu tinha imaginado. De outro, talvez eu não tenha propriamente entendido os estudos culturais. Como já disse, eu os via
como realmente críticos, radicais, conectados com o desejo de
estarem engajados em participar em práticas políticas. Ao mesmo tempo, os estudos culturais parecem ser extraordinariamente
vigorosos, do ponto de vista intelectual. Na introdução que escrevi em Media and Cultural Theory (2006), na primeira parte,
falei do quanto os estudos culturais são produtivos, eles mudaram
os estudos em jornalismo, em história, na antropologia social, entre outros, portanto, são uma cultura corrente enormemente dinâmica. No momento de escritura daquele texto, eu tentava
engajar-me, conectar-me com um entendimento do modo pelo
qual a mídia e a sociedade examinam, revisam e reafirmam as
normas públicas que fazem parte do processso informal da democracia, do modo como elas regulam nossas vidas com regras
tácitas, expectativas convencionais que é parte do modo pelo qual
gerenciamos a nós mesmos. Agora7, estou escrevendo um texto
sobre Sex and the City como um meio de ilustrar que é no espaço
do entretenimento que se dá o debate. Argumento que Sex and
the City é o credo de que é, realmente, democrático como entretenimento. Trata de mudanças nas relações de gênero e isto têm
características positivas porque fala a diversas gerações do mundo. Paradoxalmente, com isso, estou tentando entender o meio
pelo qual um determinado entendimento do “mundo democrático do entretenimento” pode estar conectado com um entendimento democrático e político do entretenimento. No limite, eu
estou tentando reengajar-me com os estudos culturais.
AC: No capítulo, escrito em 2002, “New Reviosionism in
Media and Cultural Studies”, você diz que “Morley está correto
em insistir que os estudos de recepção mudaram profundamente
277
os estudos de mídia e os estudos culturais radicais na Grã-Bretanha”. Qual o motivo para destacar na Grã-Bretanha? Digo isso
porque, na América Latina, a vertente dos estudos de recepção e,
sobretudo, o trabalho de Martín-Barbero, também, alteraram os
rumos dos estudos de mídia a partir dos 90. E isso é reconhecido
tanto pelos seus partidários quanto por seus críticos. Penso que aí
não há mera coincidência e que essas alterações podem ser atribuídas a alguns aspectos teóricos da tradição dos estudos culturais.
JC: Penso que é por isso que os estudos culturais estão equivocados. Penso que se tivéssemos mais entendimentos internacionais sobre o nosso campo, nós veríamos as limitações de nossos
argumentos. De fato, a teoria da recepção foi desenvolvida em
resposta a uma tese sobre ideologia que se origina na esquerda.
Ela estava lá para opor-se à uma noção de concentração de poder
que não funciona. O mesmo tipo de análise e certos insights surgiam da pesquisa norte-americana mainstream em oposição à teoria
da sociedade de massa. Então, eles também estavam reagindo a
uma outra forma de dominação da sociedade e controle. Existem
esses dois discernimentos realizando-se cronologicamente em tempos diferentes, em resposta a diferentes paradigmas, levados adiante por diferentes disciplinas, sustentados por diferentes concepções
de sociedade, formados por diferentes metodologias, mas que não
são fundamentalmente diferentes. E isso é uma consequência de
nosso paroquialismo. As pessoas na esquerda definem-se a si próprias dentro de um paradigma de esquerda, dentro de uma bibliografia de esquerda, por isso, não se observou que uma descoberta
semelhante estava tendo lugar trinta ou quarenta anos antes num
paradigma diferente. Sim, foi uma descoberta maravilhosa, mas
não, não foi uma descoberta fundamentalmente nova.
AC: Como você falou em metodologia, é possível combinar
duas estratégias radicalmente diferentes como o instrumental
quantitativo, por exemplo, das pesquisas de Elihu Katz, com a
contribuição das etnografias de audiência?
JM: Sim. Pela primeira vez na minha vida, estou dedicandome justamente neste momento a uma pesquisa de efeitos, estou
fazendo pesquisa de efeito. É surpreendente, iniciei em 1961 e
somente agora estou estudando efeitos. Estamos realizando um
278
survey, com base quantitativa, em quatro países, coletando dados
quantitativos junto a pessoas, usando análise quantitativa de conteúdo e penso que essas estratégias são produtivas, sim. Penso
que foi completamente equivocado não combiná-las com as estratégias qualitativas, com a análise textual e tudo o que está em
torno das etnografias de audiência porque isso parece apropriado. Pragmaticamente, essas são ferramentas úteis que podem ser
combinadas. Mas esse não é um pensamento novo.
AC: Qual é a sua formação acadêmica?
JC: História.
AC: Ao que atribuir sua ligação com as metodologias quantitativas? A um pensamento dominante, na academia britânica,
no momento de sua formação? A sua relação com a história ou
com a economia política?
JC: Em absoluto, eu nunca estive conectado com as metodologias quantitativas. Eu nunca tentei usar tais estratégias antes. Mas penso que são úteis, não são inimigas e que deveríamos
combiná-las, pois tanto as estratégias quantitativas quanto as qualitativas têm vantagens e desvantagens.
O COMPROMISSO DOS ESTUDOS CULTURAIS HOJE
AC: Quanto da teoria marxista deveria estar à disposição
dos estudantes de hoje para permitir um entendimento do contexto histórico e intelectual da teoria cultural mais recente?
JC: O marxismo tem dois elementos decisivos a contribuir
hoje. Ele não é simplesmente parte da história dos estudos culturais, isto é, não pode ser visto somente como o avô/avó na evolução da genialidade dos estudos culturais Não se trata de ver a
teoria marxista simplesmente como parte da história dos estudos
culturais. Ele tem duas importantes contribuições. Uma delas é
que ele ensina que, em toda cultura, as pessoas podem agir contra
seus interesses como consequência da forma como são encorajadas a ver o mundo através dos olhos dos repressores. O marxismo
ensina que o ideológico é importante. Um insight central que continua sendo enormemente relevante hoje. Em segundo lugar, sua
279
contribuição sobre classe social é também importante, em termos de estruturação do mundo e das chances da vida na sociedade. Embora a concepção marxista de classe esteja em revisão, a
noção de classe importa, é alguma coisa que deve ser retida. O
marxismo não é simplesmente parte dos aspectos históricos, ele,
de fato, influencia o caráter dos estudos culturais.
AC: Em “Media and cultural theory in the age of market
liberalism” (2006) está dito que quatro aspectos influenciaram o
desenvolvimento dos estudos culturais nos últimos 25 anos, na
Grã-Bretanha: a ascensão política do liberalismo de mercado; a
dinâmica social caracterizada pelo incremento do individualismo, a ascensão das mulheres e a intensificação da globalização.
Eu gostaria que você explicasse, sobretudo, como o individualismo e o papel das mulheres afetaram o desenvolvimento dos estudos culturais.
JC: O feminismo é a força mais dinâmica nos estudos culturais contemporâneos e até mesmo nos estudos de mídia. Uma
razão para tal é que temos uma maioria feminina entre seus estudantes. Outra é que temos uma enorme proliferação de publicações olhando, por exemplo, para as mudanças nas representações
das mulheres no drama televisivo norte-americano. Recentemente dei uma olhada nisso e fiquei impactado com o número delas.
Parece-me que o individualimo é uma força silenciada dentro dos
estudos culturais. O individualismo se conecta com a perda de
interesse pelo coletivo, com o social. Uma das mais importantes
linhas da análise feminista olha para o modo pelo qual se encoraja
a introjeção da idéia de negar a responsabilização da sociedade,
internalizando a noção de que as responsabilidades recaem em
cada um, nas situações próprias e pessoais. Nessa perspectiva,
fica com você como indivíduo ter controle, em vez de mudar a
sociedade através de forças coletivas. A pessoa é que é responsabilizada, é sempre você em vez da sociedade. Esta é uma forma
intelectualmente produtiva de ver o feminismo e o individualismo, juntos e em oposição.
AC: Nesse contexto, o que daria para falar sobre o papel
político e público daquele que se associa aos estudos culturais?
280
JC: Os estudos culturais configuraram uma força muito
importante nos comentários jornalísticos. Muitas análises circularam na mídia britânica fundadas nos estudos culturais. Os insights dos estudos culturais tiveram acolhida no jornalismo popular.E
os dois aspectos destacados nesse tipo de análise são o prazer e as
representações. No entanto, parece existir espaço para aquele
tipo de análise dos estudos culturais dos anos 80 associada a um
comprometimento para mudar a sociedade. Talvez seja a vez de
outros países segurarem essa bandeira, talvez o potencial registrado no período formativo dos estudos culturais britânicos possa ser melhor realizado em outros países como a Koréia ou o
Brasil. A Grã-Bretanha foi uma liderança no desenvolvimento
dos estudos culturais radicais, mas perdeu o rumo, com exceção
do feminismo. Talvez outra parte do mundo deveria revigorar os
estudos culturais e fazê-los diferentes dessa preocupação com o
prazer e as representações da maior parte dos estudos culturais
britânicos e norte-americanos. Agora a vez está com vocês!
REFERÊNCIAS
CURRAN, James. “El nuevo revisionismo en los estudios de comunicación:
una revaluación”. In: CURRAN, J., MORLEY, D. e WALKERDINE, V. (orgs.)
Estudios culturales y comunicación – Análises, producción y consumo cultural de las
políticas de identidad y el posmodernismo. Barcelona: Paidós, 1998, p. 383-415.
CURRAN, James. “New revisionism in media and cultural studies”. In: Media and Power. Londres: Routledge, 2002, p. 107-126.
CURRAN, James. “Cultural theory and market liberalism”. In: CURRAN,
J. e MORLEY, D. (orgs) Media and cultural theory. Londres: Routledge,
2006, p. 129-148.
NOTAS
1
Os artigos de Nicholas Garnham, Graham Murdock e Lawrence Grossberg,
publicados em Critical Studies in Mass Communication, n. 12, 1995, são
exemplares a respeito do embate entre economia política e estudos culturais.
2
O artigo “A ponte necessária: produção e audiência”, de Sergio Capparelli
(in Fausto Neto, A. e Pinto, Milton J. (orgs) Mídia e Cultura. Rio de
Janeiro, Diadorim, 1997, p. 131-138), é uma das exceções no contexto
acadêmico nacional.
281
3
Ver Jacks e Escosteguy, Comunicação e Recepção. São Paulo, Hacker, 2005;
Jacks (coord.) Meios e Audiências. Porto Alegre, Sulina, 2008.
4
Originalmente o artigo foi publicado no European Journal of Communication
(5, junho/1990, p.130-164). A versão em espanhol utilizada aqui está em
Curran, J., Morley, D. e Walkerdine, V. (orgs) Estudios Culturales y Comunicación. Barcelona, Paidós, 1998. Circula atualmente nova publicação desse
mesmo artigo em Anders Hansen (org.) Mass Communication Research
Methods, Sage, 2009.
5
Ver Freire Fo., João e Herschmann, Micael (orgs.). Novos rumos da cultura
da mídia. Rio de Janeiro, Mauad, 2007.
6
Ele se refere ao Department of Media and Communications do Goldsmiths
College, University of London.
7
Fevereiro de 2007, época de realização desta entrevista.
282
DEPOIMENTO DE NICK COULDRY1
Nick Couldry, atualmente professor no Departamento de
Comunicação e Mídia do Goldsmiths College da Universidade
de Londres, é uma trajetória desviante dentro do campo dos estudos culturais. Utilizo o termo apenas no que sugere como força de expressão, dado que seu ingresso nos estudos culturais se
deu após o período de acelerada expansão e internacionalização e
vinculado a um momento de impasse teórico-metodológico, gerado tanto pelos rumos desenvolvidos quanto pela forte crítica
aos mesmos. Portanto, a partir dos 90, o clima no campo é propício a mudanças, mesmo que estas ainda não estivéssem claramente delineadas e convivessem com práticas anteriores e
relativamente consolidadas na área. É neste cenário que este pesquisador inaugura sua entrada nos estudos culturais.
Seu interesse em ver a mídia no interior da tradição de
pesquisa baseada na teoria dos campos de Pierre Bourdieu, avaliando que é necessário investigar a posição das instituições midiáticas na sociedade em geral, o que por si só não se considera
novidade, é um indicador da marca que sua trajetória vai imprimir na formação de uma outra versão de estudos culturais. Couldry sustenta que é possível estabelecer pontos de contato entre a
sociologia bourdiana e a proposta dos estudos culturais, sobretudo, fundados na ênfase que aquele sociólogo dá a dimensão simbólica do poder. Por essa razão, empenha-se em explorar essas
convergências. Além disso, observa que a reflexão de Bourdieu,
embora hostil às contribuições dos estudos culturais, pode também colaborar no enfrentamento de uma questão crucial e que
ainda está em aberto no campo, isto é, a articulação entre uma
concepção de estrutura social e agência individual.
Na entrevista, concedida em fevereiro de 2007, Nick Couldry fala sobre seu envolvimento com os estudos culturais e como
283
sua trajetória intelectual está marcada por determinados desafios
teóricos e metodológicos que se impõem a partir de seu principal
objetivo: compreender determinados rituais da mídia como resultado de tendências mais gerais de uma sociedade midiatizada.
DO ENVOLVIMENTO COM OS ESTUDOS CULTURAIS
AC – Em Inside Culture (2000), você diz que, no início dos
80, não conhecia nada de estudos culturais e mídia e que seu
encontro com esse campo somente se deu no início dos 90. Então,
gostaria de uma nota pessoal sobre seu envolvimento com os
estudos culturais.
NC - Meu encontro com os Estudos Cultuais foi acidental.
Entrei no campo quando ainda tinha uma outra carreira em andamento, com a qual não estava feliz. Minha formação foi em
Línguas Clássicas e Filosofia, há algum tempo atrás. Não tinha
absolutamente nenhum conhecimento sobre mídia, estudos culturais e história. Descobri por acaso, no Goldsmiths College, um
novo mestrado em mídia que estava começando e decidi me
matricular. No início, para mim, não foi uma escolha, aceitar ou
não entrar neste caminho de pensar a mídia integrada aos estudos culturais, que é o ponto de vista que o Goldsmiths trabalha,
através de um amplo entendimento cultural que toma como ponto de partida o trabalho de Raymond Williams que não via separação entre o estudo da mídia e da comunicação.
Então, somente bem mais tarde me dei conta que aquela
fusão entre mídia e estudos culturais não era natural, e podia
parecer até estranha para muitas pessoas. Diante disso, tem algo
que acredito ser fundamentalmente importante, que não foi acidental, e representa o porquê de eu ter voltado minha carreira
para o Goldsmiths, depois de seis anos na London School of
Economics (LSE) - um período muito feliz e produtivo, mas lá o
departamento de mídia opera mais com a noção de que a mídia
é um campo separado do estudo da cultura. Esse tipo de divisão
eu, pessoalmente, não reconheço. Portanto, voltar para o Goldsmiths foi importante.
284
Para mim, faz sentido pensar a mídia e os estudos culturais
no mesmo campo porque o que me interessa no estudo da mídia
é que existe um sentido institucional para a concentração de recursos simbólicos: a concentração de recursos simbólicos é utilizada para contar a história do que está acontecendo com todos
nós. Mesmo considerando a mídia uma seção separada, já que a
concentração de recursos simbólicos se dá em muitos campos
diferentes, por exemplo, instituições de educação e instituições
religiosas e a mídia - a mais poderosa instituição nas sociedades
contemporâneas, não faz sentido ver a mídia separada de um
amplo contexto de concentração de recursos simbólicos, separada de questões de poder, atuando por meio de símbolos, atuando
por meio daquilo que a gente define por cultura. Reconheço que
muitas pessoas não vêem deste modo que o centro da questão
dos estudos culturais está emaranhado com a problemática do
poder e da cultura que é exatamente o mesmo núcleo que motiva
o meu interesse em mídia e que, logicamente, não separo isso.
AC – Quais os teóricos, além de Raymond Williams, que
influenciaram seu trabalho?
NC - Para mim, algumas teorias pós-estruturalistas foram
fundamentais. Michel Foucault foi importante pelo modo em que
ele vê a linguagem, um tipo fundamental de análise materialista.
Seria impossível fazer certas análises sobre o terreno do simbólico, sem o pós-estruturalismo. As teorias de Pierre Bourdieu, não
aquelas sobre o gosto nem sobre a mídia - esta última não tem
novidade alguma -, sobre uma preocupação com os prejuízos
simbólicos do poder, isto é, sobre os processos de exclusão. Bourdieu fundamentalmente reflete como o poder trabalha naqueles
níveis mais profundos das pessoas. Outro autor que me interessa
muito é Richard Sennet, sua reflexão sobre os prejuízos simbólicos de classe. O que, de alguma forma, tem relação com alguns
desenvolvimentos do feminismo. Ou seja, são todos trabalhos
preocupados com o funcionamento do poder e, de algum modo,
tratam de aspectos que não são alcançados por surveys e por estudos “puros” sobre recursos econômicos e dizem respeito a essas
dimensões simbólicas do poder que são fundamentais no meu
entendimento. De um lado, textos dos estudos culturais levaram
285
isso a sério, mas, por outro, essas coisas parecem não ter nada a
ver com os estudos culturais. Por exemplo, o trabalho de Bourdieu pode questionar os estudos culturais. Para mim, isso não
tem problema porque os princípios que orientam o seu trabalho
não estão tão longe dos estudos culturais. Ele estava muito interessado em certas disposições de trabalho que têm afinidades
com os estudos culturais. Neste sentido, tive uma lealdade inicial, em parte acidental pela minha ligação com o Goldsmiths College, com os estudos culturais. Mas, por outro, muito do meu
trabalho parece não ser estudos culturais, no sentido convencional, pela minha afinidade com Bourdieu e porque grande parte
da minha produção e, também, meu trabalho atual, tem sido em
sociologia da mídia. Estou convencido de que o que venho escrevendo sobre estudos culturais e mídia está relacionado com as
dimensões simbólicas de poder. Nessa direção, não reconheço
nos estudos culturais uma posição separada disso, mas também
não vejo alguns dos desenvolvimentos dos estudos culturais como
suficientemente interessados em trazer à tona o que realmente
está acontecendo no mundo, particularmente com relação às dimensões de poder. Voltarei a falar sobre isso depois porque penso que os estudos culturais precisam mudar bastante.
AC – Vamos, ainda, retroceder um pouco. Estou interessada no que estava acontecendo com os estudos culturais, na Inglaterra, quando você se engaja neles, isto é, na década de 90.
NC – O que ocorria era uma sucessão de coisas. Uma delas é
que estávamos começando a emergir de um longo período de pósestruturalismo ortodoxo. Quando iniciei como estudante em estudos culturais, ainda, era visto como obrigatório fazer uma referência
quase religiosa a certos autores como Althusser, Lacan, Foucault,
Derrida e assim por diante. Ainda que estivesse começando a ficar
claro uma necessidade de se encontrar outra estrutura de pensamento, havia esta lealdade por boa parte das pessoas reconhecidas no
campo. Eu pessoalmente não compartilhava dessa posição e relacionava as teorias do modo em que elas próprias se aplicavam no meu
pensamento. Havia, também, o surgimento de um ceticismo e impaciência em relação à bagagem teórica dos estudos culturais até
meados dos anos 90. Assim, aquele procedimento do início dos 90
286
não era mais visto como necessário na segunda parte da década.
Isso ficou bem claro no final dos anos 90 e início de 2000, quando
as pessoas não sentiam mais necessidade de fazer referência àquela
ordem e estavam já olhando para outras tendências e enquadramentos. Ainda nos noventa não se sabia qual direção as coisas deveriam
seguir, qual seria a direção correta, e isso infelizmente contribuiu
para um retorno a já saturada disputa entre economia política e
cultura. Eu não consegui entender aquele retrocesso. Acredito que a
economia política seja algo correto, nós vivemos concentrados na
economia, mas vejo também como algo equivocado porque, frequentemente, tende a ignorar as conseqüências simbólicas da economia. Posso interpretar perfeitamente o meu trabalho como
interessado nas consequências simbólicas da economia política,
que imediatamente se movimenta para longe daquelas ideias entre
economia política versus estudos culturais, mas que pareciam ainda pertinentes no início dos anos 90, por causa do patriotismo e
da impaciência de muitos que faziam economia política. Portanto,
houve um lado correto e outro incorreto, e não estava claro, naquele momento, qual direção seguir. Politicamente, aquele foi um
período de patriotismo tardio, ainda no governo Margaret Thatcher, mas que teve suas políticas profundamente continuadas por
John Major. Os anos 90 não foram um período de esperança. Ao
contrário, foi um tempo de desesperança. As coisas agora estão
um pouco mais claras.
SOBRE MÉTODO E TEORIA
AC – Em Inside Culture (2000), você diz que a procura de
um consenso sobre o que realmente tratam os estudos culturais
se depara com um alto grau de incerteza. Mesmo assim, você
tenta uma definição, entendendo por estudos culturais a disciplina que estuda as relações entre cultura e poder, usando um método de orientação amplamente sociológica mais do que literária.
Então, seria possível definir o que são os estudos culturais? Sua
insistência em autodefinir seu trabalho como sociologia da mídia tem alguma relação com sua proximidade com uma economia política?
287
NC - A razão de eu afirmar que o meu trabalho está mais
para uma sociologia da mídia é porque é assim que vejo. Meus
estudos são sobre rituais da mídia, mídia alternativa, reality TV, e
tudo isso é sociologia da mídia. Em termos de valores, aquilo
que me orienta é uma preocupação com a inexplicável concentração de recursos simbólicos nas instituições da mídia. Esse é um
valor que penso que seja comum na orientação de boa parte dos
estudos culturais, desde o começo. Para mim, chamaria de sociologia da mídia aquilo que é formado e inspirado por esse valor
e que diria que é um valor dos estudos culturais. Aqui temos que
fazer uma distinção porque, voltando a 2000 quando trabalhava
em Inside Culture, de modo um pouco impaciente, tentava redefinir, na forma de um manifesto, o que pensava serem ou o que já
fossem os estudos culturais. Naquele momento, o que pensei é
que os estudos culturais eram uma possibilidade de espaço melhor para situar análises materialistas da cultura. Isso foi o que
sugeri: os estudos culturais poderiam ser uma disciplina associada as ciências sociais. Foi uma tentativa de fazer as pessoas enfrentarem com mais seriedade os problemas metodológicos que
nos propomos, de focar melhor aquilo que já fazemos nos estudos culturais e isso diz respeito a uma relação com a sociologia
da mídia. Desde então, fiquei mais despreocupado com o centro
da disciplina Estudos Culturais, mesmo que isso implicasse que
essa combinação de valores podem ser compartilhados com sociólogos da mídia, com antropólogos e mesmo com teorias literárias e filosóficas.Assim, não sinto mais os estudos culturais como
uma disciplina separada. Penso que continua a significar uma
lealdade a determinados valores, que leva a sério as complexidades da cultura, vista sempre interrelacionada com o poder. Isso,
para mim, significa enfrentar seriamente um desafio metodológico, significa fazer análises concretas, isto é, pesquisa empírica.
Não se pode nunca pensar em ir em frente sem pesquisa empírica, baseada em teoria. É por isso que coloquei as coisas daquele
modo em 2000. Agora [fevereiro de 2007], colocaria um pouquinho diferente, mas a preocupação com a metodologia, a centralidade da pesquisa empírica e aquela impaciência com certas
versões de estudos culturais que operam sem o fortalecimento da
288
pesquisa empírica, continua. Para que os estudos culturais possam seguir em frente é, efetivamente, necessário valorizar a metodologia e a pesquisa empírica, dando forte atenção ao que está
acontecendo no mundo e também no cenário acadêmico.
AC – Na sua visão, os estudos culturais devem ter uma
orientação sociológica, compondo uma análise materialista da
cultura. Para isso, você muitas vezes fala no trabalho de Raymond Williams, mas também de Pierre Bourdieu. Como você
integra as influências de Bourdieu aos princípios de Williams?
NC - Me inspiro em Bourdieu porque proporciona uma linguagem de médio-alcance para pensar um padrão de discurso e
de ações através do qual sustentamos nossas instituições, um
padrão que não é diretamente acessível à nossa linguagem. Bourdieu pode criar seus conceitos porque olhou para a realidade
social de modo sistemático, mas há diferentes modos de aplicálo. Seu interesse é olhar para o nível social do poder, essa é a
coisa fundamental que ele tenta fazer, e inspira a mim e ao meu
trabalho. Em outras palavras, Bourdieu proporciona uma linguagem teórica empiricamente orientada, que é forte o bastante e
que dá sentido ao fenômeno do poder.
Sobre o materialismo ou a aproximação sociológica da cultura, não se trata apenas do mais óbvio, isto é, a atenção aos recursos com os quais a cultura opera, os próprios produtos, a produção,
a distribuição, enfim, a economia da cultura. A aproximação materialista pode ir além disso. Para desconstruir esse processo nós
precisamos entender como a linguagem das instituições culturais
sutilmente funciona. Estas, geralmente, são planejadas para falar
por todos nós, para a sociedade, e a instituição midiática, em particular, fala de modo imperativo a todos nós, dentro de dimensões
econômicas. Isso requer uma aproximação materialista. Entender
como o discurso é gerado significa olhar não somente para o próprio discurso o que é insuficiente, mas olhar para a distribuição
espacial desse discurso, qual sua origem, quem tem mais poder
que os outros, olhar para a produção de alguns desses discursos.
Tanto Bourdieu como Williams estavam fundamentalmente
preocupados com isso. Eu acho que existe uma preocupação
289
em comum entre Williams e Bourdieu mesmo a partir de todas
as suas diferenças. Bourdieu estava muito interessado em Williams quando encontrou seus escritos nos anos 70, e o comum entre eles é que tentam desenvolver uma linguagem para uma análise
materialista das dimensões simbólicas do poder.
AC –Na leitura que faço do seu trabalho, penso que sugere
que deveria ser desenvolvido um modo de análise que fosse além
do texto porque, nesse tipo de análise, se evita a experiência
vivida. As etnografias representam uma alternativa para abandonar a ênfase no texto, nos produtos ou nas mensagens, vistos
como unidades discretas. Contudo, esse tipo de etnografia que
foi implementada especialmente nos estudos de recepção foi
bastante questionada. Você tem alguma crítica a fazer aos estudos de recepção?
NC - Há vários fatores em questão. Um deles é o “totem da
etnografia” nos estudos de mídia. E ainda hoje se continua utilizando o termo frouxamente. Seria mais sábio utilizar um rigoroso discurso metodológico porque nós temos que usar as palavras
de forma precisa, o que a maioria dos estudos de mídia não faz.
É claro que há um novo trabalho em antropologia, nos últimos
dez anos, que está olhando para a aceleração das mudanças provocadas pelos fluxos culturais, um novo e complexo processo cultural que os estudos devem investigar. Este tipo de pesquisa
argumenta que nós temos que seguir as pessoas nos cruzamentos
de distintos contextos. É possível, então, repensar o que a etnografia deveria ser.
Outro fator é que existem muitos problemas a serem enfrentados pelos estudos de audiência. E não são problemas que podemos facilmente resolver, seja utilizando a etnografia ou qualquer
outra metodologia. Por exemplo, se você quer estudar o que é o
You Tube, não há nada sobre esse fenômeno porque não existia
há pouco tempo atrás. Portanto, não é obvio “onde” estudaríamos tal fenômeno! Trata-se de algo nada fácil de fazer, porque
envolveria a casa das pessoas, o cotidiano, distintos lugares. Assim, não é nada óbvio o “como” estudar este fenômeno e este é
um dos vários exemplos no campo das mídias atuais. A mídia
atual está operando através e entre lugares, de modos específicos.
290
Para levar estes contextos a sério, há de se considerar todas as
partes envolvidas e isso significa que nós temos que estar atentos
para estes problemas. Penso que este seja um tempo incerto, não
apenas pelas interconexões que estamos o tempo todo realizando, também, pelos formatos da mídia, pelo sistema de entrega
desses produtos que está ficando mais complexo, pelas suas dimensões de mercado, entre outras. Acho, então, que temos que
ser muito céticos diante das soluções fáceis para os problemas de
onde e como estudar esses fluxos, assim como temos que evitar
soluções míticas, tais como a da etnografia.
Nesse capítulo que você faz referência2, estava tentanto argumentar polemicamente contra o que era comum naquele tempo e continua sendo, isto é, que parece ser suficiente analisar
certos padrões de texto para dizer algo sobre sua ressonância
social. É um absurdo argumentar isso! Essa é uma posição que
devemos permanecer resistindo a ela. No entanto, ela é convincente porque opera no campo intelectual das teorias da literatura
ou de alguns tipos de estudos fílmicos. Lá naquele capítulo, estava tentando delinear novas maneiras de pensar os textos, as relações entre textos e audiência e ainda a ideia de que estudar como
alguém interpreta esses textos, em determinada situação, não é
suficiente para entender como nós operamos neste ambiente saturado de mídias. Por exemplo, impressiona-me bastante que sabemos muito pouco sobre como as pessoas selecionam o texto
neste tipo de ambiente, como escolhem um determinado texto e
quanta energia e investimento colocam para interpretá-lo. Na
verdade, sabemos muito pouco sobre esse processo. Temos ainda muito poucos trabalhos à disposição que pesquisem isso, seja
em relação ao cinema ou à TV. Contudo, a pesquisa de audiência ainda está se expandindo, sendo repensada e tentando defender essa curiosidade. De toda forma, a complexidade desse
processo nos faz retornar às questões metodológicas. Se não há
preocupação forte com isso, jamais enfrentaremos os problemas metodológicos desse tema.
AC – Na minha leitura dos estudos culturais, o contexto é
relevante e essencial para qualquer análise cultural. O que fazer
para evitar análises que tomam como objeto o texto independente
291
do seu contexto, posição algumas vezes identificada com viéses
pós-estruturalistas?
NC – Deixe-me iniciar mencionando Martín-Barbero. Eu
esqueci de mencioná-lo anteriormente porque você me fez perguntas amplas sobre quem me inspirou no início da minha trajetória. Um deles foi Martín-Barbero. “Dos meios às mediações”
foi um livro muito inspirador. Quando realizava meu doutorado,
percebi que havia uma certa insatisfação com as linguages que
tratavam da mídia. Isso, em parte, se deve à compreensão de que
algumas linguagens pós-estruturalistas eram dominantes demais,
mas foi, também, porque a minha preocupação com estudos de
mídia conectava-se mais com a antropologia, com teorias do espaço e outras áreas afins. Na verdade, estava interessado em observar o processo da mídia, o que podemos chamar de mediações.
Para entender isso, é como estudar religião, de um modo amplo.
Nesse caso, não estudamos apenas os textos religiosos, olhamos
para as práticas religiosas, para as comunidades e os grupos religiosos, para a autoridade religiosa, para as instituições e suas
relações com outras instituições. Em outras palavras, quando se
discute religião se fala de um processo no qual a religião acontece. É similar o que acontece com a mídia. Martín-Barbero parece ter aberto a legitimação de espaços nos quais a mídia acontece
e isso é muito mais amplo do que as noções mais convencionais
defendem. Portanto, para mim, Martín-Barbero estava completamente correto ao tratar amplamente da mídia por meio das mediações porque incluía pequeníssimos momentos como parte do
processo de se estudar a mídia. Ele me parece absolutamente
correto e isso me inspirou. Portanto, Martín-Barbero foi uma
grande inspiração, sobretudo, naquilo que entendo por mídia.
Tendo colocado o problema num contexto bem amplo, isso
já é o bastante para estudar a mídia. Penso, também, que isso
significa que não devemos nos sentir tão dependentes de uma
linguagem mais filosófica, vinda particularmente do pós-estruturalismo, mas não apenas deste, para fornecer uma base conceitual
à investigação. As pesquisas de mídia e estudos culturais não têm
trabalhado suficientemente para distinguir estas especificidades,
ou seja, coisas que os filósofos podem fazer e que é bastante
292
diferente daquilo que os sociólogos ou os antropólogos podem
fazer, mas que não são a mesma coisa. É muito comum pegar
emprestado conceitos filosóficos e, de algum modo, magicamente transformá-los em explicação social. Esse é um movimento
muito perigoso que mina a identidade da pesquisa social e cultural. De algum modo, precisamos mover-nos para além do pósestruturalismo, não porque não seja importante, mas por causa
do modo em que é usado, como uma língua franca. Faz-se necessário inovações conceituais, nossa linguagem teórica precisa de
mudanças, precisamos nos abrir para novos modos de pensar a
atual complexidade da mídia. A única maneira de olhar para frente é enfrentar os desafios empíricos; pensar mais cuidadosa e urgentemente quais são os conceitos que precisamos, quais as
prioridades para compreender as transformações que estão acontecendo no mundo nesta época. Então, devemos reconhecer que
a filosofia está tentando responder problemas radicalmente diferentes da pesquisa social e cultural; que há uma falácia em várias
adaptações pós-estruturalistas, não apenas nos estudos culturais,
mas na sociologia e na antropologia, expressa no conflito entre
soluções filosóficas que são tomadas como ferramentas que não
podem ser utilizadas em questões especificamente sociais porque
não funcionam. É por isso que precisamos dar um passo para
atrás para poder ir em frente numa direção diferente. Para resolver isso, precisamos reivindicar mudanças.
AC – Gostaria de retornar à Martín-Barbero: na América
Latina, o livro recém mencionado, num primeiro momento, foi
lido como uma guinada para o espaço da recepção. Como você
vê essa questão?
NC - É difícil comentar sobre os detalhes do debate latinoamericano. Posso apenas identificar um momento no qual não
havia ainda uma teoria da recepção suficiente, ou seja, as pessoas
queriam ver Martín-Barbero como alguém que estava oferecendo uma teoria da recepção. Não era esse o caso, ele estava oferecendo algo bem mais amplo. Paradoxalmente, essa era a razão
pela qual eu estava interessado em Martín-Barbero, pois ele era
alguém que estava oferecendo algo novo sobre à teoria da recepção. Eu conhecia bem o trabalho de David Morley. Para mim, ele
293
já havia feito um movimento fundamental nesse sentido, mas
Martín-Barbero ofereceu algo além - uma ampla concepção do processo e não há outra palavra para isso, com exceção de “mediação”.
Não podemos dizer “produzindo mídia”, porque não tem exclusivamente a ver com produção, mas talvez “viver com a mídia”. Ele
ofereceu uma ampla visão para a pesquisa em mídia, é claro que isso
inclui estudos de audiência, mas também inclui a produção da mídia, a distribuição da mídia através de diferentes espaços e outros
aspectos. Isso, para mim, não significa negar os estudos de recepção, mas operar numa ampla definição de todo o campo, a qual a
recepção pode encontrar seu espaço, mas isso é apenas uma possibilidade. Acho que a recepção continua a ser parte do processo.
AC – Quem você poderia mencionar que trabalhe nessa
ampla concepção de comunicação e mídia no Reino Unido?
NC – A pessoa mais importante foi um colega meu da LSE,
Roger Silverstone, que faleceu recentemente. Paradoxalmente,
ele não foi influenciado por Martín-Barbero. Sei disso pelas conversas que tive com ele. Desenvolveu isso independentemente de
Martín-Barbero, mas quase paralelamente. Sonia Livingstone,
também da LSE, está constantemente trabalhando para ampliar
os estudos de audiência; David Gauntlett, da Westminster, também, está estudando novos modos de experiências da audiência.
De toda forma, embora existam trabalhos nessa linha, essa é uma
posição de minoria.
O FUTURO DOS ESTUDOS CULTURAIS
AC – Ao ler Inside Culture (2000), você deixa claro que o
futuro dos estudos culturais é a pesquisa empírica. Ao mesmo
tempo, não podemos ignorar que os estudos culturais se tornaram um campo disperso, que inclui uma vasta produção intelectual sobre teoria. Por exemplo, na América Latina, temos
diferentes tendências nos estudos culturais. O trabalho de Martín-Barbero e outra perspectiva mais ligada à teoria pós-colonial
e o aporte literário e psicanalítico. Temos ainda uma outra tendência que pode ser identificada no trabalho de Renato Ortiz e
recentemente no último livro de Canclini, Diferentes, desiguais e
294
desconectados (2005). Portanto, é possível pensar numa base metodológica comum que possa ser compartilhada por praticantes
de estudos culturais de diversas partes do mundo?
NC - Acho que seria equivocado para qualquer um reivindicar uma habilidade de legislar sobre este espaço que muitas pessoas chamam de estudos culturais. Se é verdade que, em algum nível,
o que distingue o campo dos estudos culturais, no nível intelectual,
é a ênfase no poder, visto em relação à cultura, o que é urgente de
ser estudado, ou seja, as prioridades em relação às ligações entre
poder e cultura variam de lugar para lugar. Assim, ao mesmo tempo que os estudos culturais podem parecer perdidos em alguns
lugares, isto não quer dizer que suas questões não sejam urgentes
e importantes, em outros espaços. Portanto, acho que é errado
tentar identificar que os estudos culturais tratam disso ou daquilo
para todos e ao mesmo tempo. Por outro lado, se nós estamos
utilizando o termo estudos culturais, se há algo em comum a ser
tratado, isto deve ser porque há uma lista possível de ser identificada com valores comuns que animam nossos questionamentos. E
estes valores operam em dois níveis: no mais geral, estão os valores éticos; depois, os valores metodológicos. Há uma lista de possibilidades para se encontrar uma base comum. Como disse antes,
é prioritariamente importante uma compreensão materialista das
intersecções entre cultura e poder, o envolvimento com o poder.
Para mim, isso tem automoticamente implicações metodológicas,
embora outras pessoas possam não ver dessa maneira.
AC - No cenário contemporâneo, diante de um crescente
ceticismo com a esfera da política e o incremento do individualismo, qual sua opinião sobre o papel público e político dos pesquisadores do campo dos estudos culturais? Você acha que é ainda
possível sustentar a ideia “de que o fator distintivo dos estudos
culturais é o modo de se envolver com o mundo político”, como
você falou em Inside Culture (2000, p. 9)?
NC - Uma das minhas críticas sobre o estado atual e particular dos estudos culturais, no contexto britânico, mas que talvez não
seja somente deste, é estar desconectado demais das circunstâncias
políticas. Este é particularmente um problema danoso porque as
circunstâncias políticas estão afetando não só os britânicos, de
295
algum modo, também outros países. Destaco duas questões aí.
Uma delas diz respeito as consequências de viver sob um discurso neoliberal, com impacto na política, nas condições de trabalho, na organização da economia, na própria transformação da
política e em outros quadrantes. Embora existam problemas em
muitos países, o Reino Unido possui uma versão particular dessa
“doença neoliberal” mas, de todo modo, isto é uma questão comum e global. A segunda questão, também, global, trata das conseqüências para todos nós de um conflito aparentemente vivido
entre o Ocidente e algo mais, o que, às vezes, é chamado de Islã
ou de outra coisa, uma civilização em oposição à nossa. Isso diz
respeito ao modo como as pessoas vivem com essa construção,
como elas entendem isso, como tentam resistir a essa construção
e isso, também, parece ser um grande desafio global, em qualquer lugar que estejamos. Esse é um importante e inevitável desafio para os cidadãos no mundo atual que necessitam de uma
compreensão mais global do momento que vivemos. Isso me
parece um tópico crucial para os estudos culturais hoje, aonde
quer que estejamos a prioridade para estes problemas depende
do lugar a partir do qual essas questões são postas. Mas a ideia
dos estudos culturais hoje significarem qualquer coisa a partir de
vários pontos e valores de referência, excluindo as conseqüências
de se viver sob o neoliberalismo e esse conflito global recém
mencionado, parece absurda. E vou além: não percebo os estudos culturais dedicando esforços suficientes, indagando-se em
que grau precisam ajustar suas prioridades e assumir essas grandes questões. Acho que a situação do mundo atual é muito mais
perigosa do que era nos anos 90, e as oportunidades estão aí para
os estudos culturais operarem num foco comum de trabalho crítico, mas não acho que as pessoas estejam dando bastante atenção a isso, ou seja, transformando essas questões no centro das
preocupações dos estudos culturais.
REFERÊNCIAS
COULDRY, Nick. Inside culture – Re-imagining the method of cultural studies.
Londres, Sage, 2000.
296
COULDRY, Nick. The place of media power – Pilgrims and witnesses of the
media age. Londres, Routledge, 2000.
COULDRY, Nick. The individual point of view: Learning from Bourdieu´s
The Weight of the World. Cultural Studies – Critical Methodologies, vol. 5, n 3,
2005, p. 354-372.
COULDRY, Nick. Media meta-capital: extending the range of Bourdieu´s
field theory. Theory and Society, vol. 32, n 5/6, 2003, p. 653-677.
NOTAS
1
A primeira versão em português desta entrevista foi realizada por Jamile
Dalpiaz, doutorando do PPGCOM da PUCRS, bolsista CAPES.
2
Ver “Questioning the text” in Couldry (2000, p. 67-90).
297
298
299
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Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Ana Carolina D. Escosteguy é
doutora em Ciências da Comunicação (USP, 2000), professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de
Comunicação Social (FAMECOS)
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
além de pesquisadora do CNPq
nas áreas de Estudos Culturais &
Comunicação, Estudos de recepção
e relações de gênero e Teorias da
Comunicação.
Este livro traça cartografias intelectuais significativas no desenvolvimento dos
estudos culturais. Na Inglaterra, pólo de
origem dessa perspectiva, a trajetória de
Stuart Hall é explorada. Na América Latina, os itinerários de Jesús Martín-Barbero
e Néstor García Canclini evidenciam a
configuração dessa abordagem no espaço
latino-americano.
Esta leitura dos estudos culturais diz
respeito a nós, latino-americanos, e a
eterna discussão de nossas particularidades em relação aos Outros.
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Cartografias dos estudos culturais – uma versªo latino-americana
- Ana Carolina D. Escosteguy
e por meio da qual são revelados
traços inéditos da contribuição latino-americana aos estudos culturais e de comunicação. Esta é a
maneira encontrada pela autora
para demonstrar que a atividade
da ciência não é imune ao trabalho
da história e, de forma original,
nos traz o confronto entre o nós e
o eles, o local e o internacional,
marcas do cenário contemporâneo, para dentro dos atuais estudos da cultura e da comunicação.
Estudos
Culturais
Cartografias dos estudos culturais
uma versão latino-americana
Ana Carolina D. Escosteguy
O cenário contemporâneo,
identificado como globalização,
vem repor questões já clássicas
nos estudos sociais, como a identidade cultural, ao mesmo tempo
em que desafia os particularismos, a diversidade e a possibilidade de convivência num mundo
cada vez mais entrelaçado e, paradoxalmente, mais desigual. A ambivalência que emerge dessa realidade exige dos estudiosos e pesquisadores tanto a crítica dos tradicionais procedimentos de análise como a criação de novos instrumentos de compreensão. É dentro
desse pano de fundo que primeiramente deve ser visto este livro
de Ana Carolina D. Escosteguy.
Dizendo de outro modo, ele é naturalmente contemporâneo.
Produto de uma tese de doutorado realizada sobre fontes originais, esta obra traz uma discussão teórica densa e esclarecedora
sobre o encontro de duas tradições intelectuais – a dos estudos
culturais britânicos e a dos estudos culturais latino-americanos. A
autora não só percorre a história
dessas duas perspectivas, o que a
faz deter nas suas especificidades
e identidades, bem como se detém
em seus vasos comunicantes.
Mas, creio que a sua grande contribuição está no verdadeiro trabalho de garimpagem bibliográfica que possibilita uma síntese explicativa raramente oferecida antes ao público brasileiro e que vai
da origem do projeto dos estudos
culturais britânicos ao seu processo de internacionalização. Essa é
a cartografia que dá título ao livro

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