a formaçao do psicólogo organizacional e as demandas das
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a formaçao do psicólogo organizacional e as demandas das
A FORMAÇAO DO PSICÓLOGO ORGANIZACIONAL E AS DEMANDAS DAS ORGANIZAÇOES”1 “antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros”. Mia Couto . Georgina Alves Vieira da Silva Mais de 30 anos após a minha graduação, nesta mesma Universidade, eis-me aqui para falar para jovens bacharelandos, cuja idade é menor que o meu tempo de experiência profissional. Creio que este fato é digno de nota: podemos pensar no presente sem descontruir o passado, podemos falar do futuro sem negar o presente. Para nós, psicólogos, é um alento saber que não só nossas estruturas psicológicas e nosso imaginário possuem simultaneamente esses elementos, como também constatar que o percurso formativo destes jovens estudantes enseja momentos de reflexão, contrariamente ao fast thinking que, como os fast foods, tendem a atribuir a essa geração. A questão é esta: fala-se muito dos jovens. Fala-se pouco com os jovens. Ou melhor, fala-se com eles quando se convertem num problema. A juventude vive essa condição ambígua, dançando entre a visão romantizada (ela é o futuro da nação) e uma condição ambígua, um mundo de riscos e preocupações (a droga, o desemprego, a solidão). Sem evidentemente considerar que está cada mais difícil obtermos a atenção dos nossos alunos, concorrendo como estamos com o mundo do clip, das mídias simultâneas e da capacidade que desenvolvemos em lidar, ao mesmo tempo, com o celular, o computador, e os diversos controles remotos da TV e do DVD, gostaria, inicialmente, de mudar o título desta palestra para que possamos desmitificar um pouco esta relação psicólogo x organização. 1 Palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica. Belo Horizonte. AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br Que demandas tem o psicólogo quando este opta por trabalhar em organizações? O que ocorre a ele quando chamado a fazer esta opção? Só a partir dessa consideração poderemos entrar um pouco no mérito desta complexa e intricada trama que nos impele a uma busca ativa de nós mesmos. Para muitos – talvez por uma imagem preconceituosa – os psicólogos optam pela área organizacional por não se encaixarem nos outros fazeres ou porque julgam que a área organizacional é menos exigente que as demais no que concerne ao aprofundamento conceitual e, além disso, provê carreira mais sólida ao profissional. É impossível negar que, infelizmente, parte de nossos colegas tem uma visão reducionista do nosso papel, limitando-o a processos de recrutamento e seleção, treinamento de integração do novo empregado, um ou outro treinamento comportamental, levantamento das necessidades de capacitação. Não são trabalhos menores, mas certamente estão longe de cumprir a vocação que a nossa profissão traz em si. Nos anos 70 os psicólogos, sustentados na Escola de Relações Humanas, alcançaram proeminentes posições em empresas de grande porte, assegurando a estas avanços consideráveis na compreensão da subjetividade como elemento estruturante ou pelo menos coadjuvante do sucesso empresarial. A falha básica – e sempre a teremos – foi negligenciar outros aspectos de natureza material e econômica que, ao lado das demandas de ordem social e psicologia, ordenam o mundo do trabalho. Até há pouco tempo se atribuía à psicanálise tantas correntes quanto o número de autores. Não chegamos ainda a essa situação, mas há muito vem se discutindo qual o verdadeiro campo da Psicologia Organizacional, se podemos assim denominá-la. A ênfase conferida a cada um dos campos da disciplina depende, por assim dizer, da base conceitual e ideológica do profissional psicólogo. Questões que emergem: Quem é o cliente do Psicólogo organizacional: a empresa ou o trabalhador? Qual o seu campo de estudo: as condições de trabalho, as estratégias gerenciais, ou os postos de trabalho? AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br De que tronco deriva sua prática: das ciências do comportamento, das teorias da administração ou da psicanálise? Não vamos nos centrar em sua evolução histórica, da psicologia industrial á psicologia organizacional ou desta para a Psicologia do Trabalho. De uma abordagem funcionalista a uma abordagem psicossociológica? Prefiro assumir a posição de Peter Spink que nos aponta para a amplitude de tópicos que compõem a prática nas organizações, abrangendo ergonomia, saúde do trabalhador, organização do trabalho, seleção, treinamento, orientação profissional, comprometimento, relações interpessoais, liderança e, mais recentemente, o sistema de assessment e coaching - dentre outros, o que nos leva a admitir – acompanhando a sua conclusão – que o termo “Psicologia do Trabalho é tão descritivo quanto psicologia fora do trabalho”. Desvencilhados dos rótulos que tentam emoldurar a nossa prática, gostaria de fazer das minhas experiências e percepções a base para nossa discussão. Os novos requerimentos do mundo do trabalho exigem o repensar de suas implicações e conseqüências para o individuo em seus papéis de cidadão, de empregado, de membro de uma família. Esta, por sua vez, mostra-se confusa diante de múltiplas e incompatíveis demandas sobre o seu papel e o que este representa diante da diversidade de estímulos a quê estão submetidos os seus filhos. Confusa e perplexa face a essas características da pós-modernidade, a sociedade se questiona sobre os caminhos a tomar, que valores adotar, reformular, manter. Os questionamentos do individuo, da família e da sociedade permeiam as relações individuo x empregado x empresa. Sob essa perspectiva, já emerge uma sensação, ainda que não nomeada, dos desencantos humanos em várias esferas da vida. Sob tais perspectivas, é preciso identificar as mudanças nos modelos organizacionais (organizações flexíveis, terceirização, teletrabalho), suas implicações sob as políticas e práticas gerenciais, assim como sobre as relações de trabalho. Novos papéis para os líderes e novos papéis para os profissionais, requerem compreensão mais elaborada sobre como conciliar demandas de natureza sócio-econômica, com as de natureza psicológica e afetivas. Valores AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br universais, como o da reciprocidade e busca de auto-realização, assumem contornos imprecisos. Empresas e empregados vêem-se presas de um discurso homogêneo, sob o qual obscurecem seus desejos mais legítimos. Estamos falando pois, da pós-modernidade que, paradoxalmente, leva para dentro das empresas demandas ainda não inteiramente nomeadas, mas que nos remetem imediatamente para a Psicologia e para as ciências humanas associadas. Nesse novo mundo do trabalho, a geografia de uma empresa não define o seu território. Em uma mesma planta convivem profissionais de diferentes empresas, regidos por uma diversidade enorme de regulamentos e objetivos, por vezes contraditórios. É o mundo da terceirização, é o mundo do teletrabalho, é o mundo das chamadas “empresas flexíveis”. No modelo tradicional, o individuo projetava sua carreira em uma dada empresa, subordinava-se a um único chefe e a área de Recursos Humanos focava suas ações na construção de uma identidade organizacional e de uma fidelidade à empresa, geralmente sob o lema de “vestir a camisa”. Assim, a necessidade humana de significados estáveis encontrava respaldo nas políticas e práticas empresariais. Ao psicólogo se pedia que buscasse o comprometimento do trabalhador e sua inserção “espontânea” aos sucessos empresariais. Mas hoje as pessoas que partilham o mesmo espaço pertencem a diferentes empresas e, não raras vezes, seu principal dirigente encontra-se a mais de 2000 quilômetros de sua base de trabalho. Recebem orientações que emergem do chamado “mundo corporativo”, recebem supervisões diretas do seu supervisor e também do supervisor a quem sua empresa presta serviços e vê-se em um contexto de tamanha complexidade que não consegue mais entender para onde foram suas escolhas e seus sonhos iniciais, para onde seu futuro está sendo desenhado, e por quem. As empresas romperam, com eles, o “contrato psicológico” transferindo ao mercado responsabilidades que eram suas: a estabilidade no emprego, a ascensão funcional, o planejamento do futuro. Várias mensagens corroboram essa nova “ética” profissional: “é o mercado que garante o seu AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br emprego”; você é responsável pela sua empregabilidade, você é que define a sua remuneração, atingindo as metas (quase inatingíveis) propostas; você é que responde pela sua autocapacitação; não queremos mais empregados, queremos empreendedores, colaboradores. Simultaneamente, esse mundo do empreendedorismo revela-se falso, posto que a maioria das decisões são tomadas no universo corporativo e os gerentes hoje mais se assemelham a assalariados de confiança do que realmente a um gestor, de quem se espera iniciativas, capacidades e recursos de manter e motivar um grupo de pessoas, cada vez mais aderentes às metas empresariais. Ao contrário, os próprios detentores de cargos de decisão, queixam-se da pouca autonomia, da escassez de recursos e, ainda, da impossibilidade de oferecer facilidades ou benefícios para o seu pessoal. Defrontamo-nos assim com o que venho chamando de esquizofrenia organizacional, evidenciado pela absoluta distância entre o discurso e a prática, entre as mensagens formais e as mensagens simbólicas. Fala-se da qualidade de vida do trabalhador, mas as práticas de downsizing, a pressão por redução dos custos e do cumprimento de metas, faz com que cada vez as pessoas trabalhem mais e ainda se sintam culpadas por não freqüentar uma academia, estar acima do peso, não saber administrar o stress. Falase de trabalho em equipe, mas estimula-se a independencia individual e a competição entre pessoas. Fala-se em responsabilidade e ética social mas o voluntariado é cada vez mais compulsoriado, na expressão de um aluno. Valoriza-se o empreendedorismo mas não se dá margem à decisões ou inovações mais ou menos arrojadas. Estamos diante, então, de tantos paradoxos que, não sem razão, uma autora inglesa, Karen Legge, nos convida a procurar a qualidade de vida fora do trabalho, fazendo deste, o lócus da sobrevivência que garanta o prazer de viver fora do ambiente empresarial. Não comungo, não pratico, não quero estender essa premissa, mas é impossível desconsiderá-la frente ao grau de angústia com que me deparo, tanto nas lides empresariais quanto nas lides acadêmicas, lides essas que abrangem praticamente o mesmo público: profissionais de empresas e organizações de diferentes matrizes. AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br É exatamente neste momento que podemos, devemos e temos a obrigação de entrar em cena. Ao psicólogo é reservado um espaço que reluta em ocupar, é solicitada uma explicação que exige dele novos domínios de conhecimento. Mas freqüentemente nos negamos a obter este conhecimento – considerado estranho ao nosso campo – mas sem este conhecimento não podemos exercer verdadeiramente um papel tão relevante quanto o da psicologia. Sabemos que a linguagem estrutura nossos pensamentos e permite que dialoguemos com um outro, permitindo um mínimo necessário de consenso. Qualquer que seja o nosso entendimento sobre quem é nosso cliente, nossa missão só se concretiza quando conseguimos nivelar alguns discursos. Vou tomar primordialmente como tema o discurso das empresas privadas. Guerreiro Ramos, nosso grande sociólogo, um grande critico da psicologia e do que ela chamava de “síndrome comportamentalista” sempre nos alertou que a ética que move as organizações é a ética funcional, a que visa aos fins. Mas como sujeitos, somos movidos pela ética da convicção, que nos remete aos princípios substantivos de legitimidade dos meios para se obter os fins. Tendemos a achar que há clara oposição entre um e outro. Será? E sobre esse gap de conhecimento que estou aqui para colocar em debate. Sinto-me cada vez mais psicóloga quanto mais eu entendo a linguagem empresarial e quanto mais decodifico essa linguagem em ações que façam emergir o valor econômico da gestão que dignifique o ser humano. Discuto com desenvoltura as estratégias empresariais e mensuro, com a mesma tranqüilidade, os resultados tangíveis de ações aparentemente intangíveis. E, de repente, o empresário e os dirigentes começam a identificar como fenômenos tão presentes em seu cotidiano – de modo particular, as relações de poder; o autoritarismo de decisões, as políticas que visam à redução de pessoas e de salários – agem contra si próprios. E somos nós os profissionais mais habilitados para discutir e introduzir nas políticas organizacionais um conceito mais inteiro de homem, trazido ao trabalho com sua mão-de-obra e com sua expertise técnica, e indissociado de seu saber e AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br de seu fazer, o sujeito, que deseja, que sofre, que busca uma identidade, que quer ser reconhecido em sua individualidade. Assim, voltamos ao tema que nos traz hoje a esta cena. Examinando a grade curricular de vocês, sem ter tido acesso às ementas de cada disciplina, vi como evoluiu a base que fundamentaria o trabalho do psicólogo organizacional. Além de conhecimentos sobre gestão de recursos humanos, vocês têm acesso a disciplinas como Mudança organizacional, técnicas de intervenção em grupo, relações no trabalho, teoria das organizações, Psicologia e Trabalho. Mas o que vocês fazem com este conhecimento? O percebem como “marginal” ou periférico ou se apropriam como ponte entre as disciplinas gerenciais e humanas? O quão dispostos estão no investimento de sua carreira? Que elementos a sustentarão? Como encararemos o aporte teórico da Psicologia: harmonização? Treinamento interpessoal? Ou braço auxiliar dos administradores? Recorro a dois africanos, para sairmos das citações hegemônicas do mundo ocidental. Um nigeriano, Chika A. Onyeani que nos induz a refletir se " nos fabricamos mentalmente como vítimas. Choramos e lamentamos, lamentamos e choramos. Queixamo-nos até à náusea sobre o que os outros nos fizeram e continuam a fazer. E pensamos que o mundo nos deve qualquer coisa. E continua: “Ninguém nos deve nada. Ninguém está disposto a abdicar daquilo que tem, com a justificação que nós também queremos o mesmo. Se quisermos algo temos que o saber conquistar. Falamos muito da nossa identidade, assim como buscamos a identidade profissional do psicólogo organizacional, mas os debates sobre as “autenticas” identidades, como alerta outro africano – moçambicano – (Mia Couto) são sempre escorregadios. Vale a pena debatermos, sim, se não poderemos reforçar uma visão mais produtiva e que aponte para uma atitude mais ativa e interventiva sobre o curso da História Concluo – ou corto esta discussão – recorrendo a três autores: Foucault, Chanlat e Calligaris. Foucault nos ensina que toda vez que negamos a nossa liberdade essencial, estamos agindo de má fé. Para além dos determinismos de quaisquer natureza, é preciso AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br acreditar que há um arbítrio possível e que, respeitadas as dramaturgias organizacionais, somos capazes de sobrepor ao discurso do mercado a realidade psíquica do individuo.. Chanlat nos fala do retorno de algumas dimensões fundamentais. E finalmente Calligaris, em artigo na Folha de São Paulo, em setembro, a partir da análise dos acontecimentos de Nova Orleans, nos diz que “a confiança básica no mundo é também um alicerce da ordem social, pois ela vale como um lembrete permanente que diz: há alguém que cuida, alguém que se importa. A nós, psicólogos, cabe a tarefa de nos “importar”, nos implicar e exercer a ética da responsabilidade.” Há alguém que cuide. AB Consultores Associados www.abconsultores.com.br