Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos em Timor

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Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos em Timor
Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos
em Timor-Leste de 1974 a 1999
Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos em Timor-Leste de 1974 a 1999 ...................1
Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos em Timor-Leste de 1974 a 1999 ...................2
6.1 Introdução ....................................................................................................................................2
6.1.1 Síntese das principais conclusões ......................................................................................3
6.1.2 Panorâmica dos métodos de gestão da informação e recolha de dados utilizados pela
Comissão .......................................................................................................................................5
6.1.3 Estimativas históricas de violações em Timor-Leste e as suas limitações .......................6
6.2 Violações Fatais: análise da extensão, padrões, tendências e dos níveis de
responsabilidade pelas violações fatais e deslocações ocorridas em Timor-Leste de 1974 a
1999....................................................................................................................................................8
6.2.1 Enquadramento e análise estatística das violações fatais.................................................8
6.2.2 Objectivos da análise...........................................................................................................9
6.2.3. Descrição dos dados e métodos ........................................................................................9
6.2.4. Estimativas de assassinatos, mortes devidas a fome, doenças e deslocações............11
6.2.5 Análise estatística descritiva das violações fatais reportadas à Comissão ....................16
6.3 Violações não fatais...................................................................................................................24
6.3.1 Introdução...........................................................................................................................24
6.3.2 Descrição geral das conclusões estatísticas sobre violações não fatais........................24
6.3.3 Análise estatística descritiva pormenorizada das violações não fatais...........................27
6.4 Estudo de caso de Mauchiga: uma análise quantitativa das violações sofridas durante as
operações contra a Resistência ......................................................................................................43
6.4.1 Introdução...........................................................................................................................43
6.4.2 Enquadramento do esforço de documentação.................................................................43
6.4.3 Limitações dos dados ........................................................................................................44
6.4.4 Enquadramento histórico...................................................................................................44
6.4.5 Análise estatística descritiva das violações reportadas no Projecto de Documentação
de Mauchiga ................................................................................................................................45
6.5 Síntese e conclusão ..................................................................................................................50
-1-
Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos
em Timor-Leste de 1974 a 1999
6.1 Introdução
1.
A Comissão desenvolveu um conjunto de programas, incluindo investigações empíricas
qualitativas e análises estatísticas quantitativas, para alcançar os objectivos centrais do seu
mandato de apuramento da verdade. Neste Capítulo são apresentadas as conclusões do
trabalho estatístico da Comissão e discutidas as abordagens metodológicas usadas para
alcançar tais resultados.
2.
A secção introdutória: Síntese das principais conclusões, inclui uma breve síntese das
principais conclusões, uma panorâmica do contexto histórico em que a Comissão realizou o seu
trabalho demográfico e estatístico, e uma breve descrição das suas decisões relativamente à
gestão da informação.
3.
A secção: Violações Fatais: análise da extensão, padrões, tendências e dos níveis de
responsabilidade pelas violações fatais e deslocações ocorridas em Timor-Leste 1974/1999,
apresenta estimativas demográficas e estatísticas sobre o número total, padrões e tendências
das violações fatais ocorridas em Timor-Leste entre 1974 e 1999, bem como dos níveis de
responsabilidade pela sua perpetração. Essas estimativas baseiam-se em análises estatísticas e
demográficas de dados recolhidos pela Comissão e de dados externos provenientes de
organismos estatísticos oficiais e de ONG ligadas aos direitos humanos. Embora a deslocação
não seja necessariamente uma violação fatal, ela está intimamente associada aos óbitos
relacionados com o conflito e com a fome. Por essa razão, a análise das deslocações em grande
escala foi incluída nesta secção.
4.
Na secção: Violações não fatais, é feita uma análise dos padrões gerais das violações
não fatais. Para além dos depoimentos que ela própria recolheu, a Comissão não conseguiu
encontrar outras fontes contendo informação sobre violações não fatais. Por esse motivo, a
Comissão não pode apresentar estimativas quantitativas rigorosas acerca do número total das
violações não fatais durante o período 1974/1999. A análise estatística apresentada nesta
secção representa, por isso, uma visão de nível macro dos padrões e tendências das violações
não fatais tal como foram revelados nos testemunhos prestados perante a Comissão.
5.
Na secção: Estudo de caso de Mauchiga: uma análise quantitativa das violações
sofridas durante as operações contra a Resistência, é apresentado um estudo de caso
estatístico sobre as violações relatadas pelos habitantes da aldeia de Mauchiga, no contexto da
sublevação da Resistência na sua área em Agosto de 1982 e subsequente esmagamento pelas
Forças Armadas indonésias. Esse estudo de caso é usado para sublinhar os padrões e
tendências das prisões arbitrárias, deslocamentos forçados e mortes relacionadas com o conflito
durante a fase de “consolidação e normalização” da ocupação pela Indonésia de todas as
*
Regiões do território de Timor-Leste.
6.
Na secção: Síntese e conclusão, são apresentados um resumo e as conclusões desta
Parte.
*
Neste Capítulo, e para os fins da investigação quantitativa realizada, a Comissão define as regiões do seguinte modo: a
Região Oriental inclui Lautém, Viqueque, Baucau e Manatuto; a Região Central inclui Manufahi, Aileu, Díli e Ainaro; e a
Região Ocidental inclui Ermera, Liquiça, Covalima e Bobonaro.
-2-
7.
O Anexo a esta Capítulo descreve as técnicas de recolha de dados e os métodos
estatísticos utilizados pela Comissão para alcançar as conclusões estatísticas apresentadas. O
Anexo apresenta a fundamentação metodológica e uma análise detalhada dos diversos
conjuntos de dados e métodos de processamento de dados utilizados, das técnicas de ligação
de registos (record linkage techniques) desenvolvidas e das técnicas de análise e estimação
usadas.
6.1.1 Síntese das principais conclusões
Violações fatais
8.
A Comissão estima que o limite inferior do número de mortes relacionadas com o conflito
durante o seu período de referência, 1974/1999, é de 102.800 (+/- 12.000). Esta estimativa
baseia-se (i) numa estimativa dum número total de 18.600 (+/-1.000) assassinatos usando
técnicas de estimação de sistemas múltiplos (Multiple Systems Estimation, MSE) e (ii) numa
estimativa de 84.200 (+/- 11.000) óbitos devidos a fome e doenças acima do total expectável se
a taxa de mortalidade devida a fome e doenças continuasse a ser aquela que existia no período
de paz pré-invasão.
9.
O padrão estimado de violações fatais ao longo do tempo revela uma concentração
elevada de assassinatos e de óbitos devidos a fome e doenças no período inicial pós-invasão,
entre 1975 e 1980. O número de óbitos atribuído pelos inquiridos a “fome e doenças” atingiu o
seu nível mais elevado durante o período imediatamente posterior à invasão, 1975/1980.
Contudo, o ano de 1999 assinala um ponto alto no número estimado de assassinatos, 2.634 (+/626).
10.
Os padrões e tendências dos óbitos devidos a fome e doenças e de assassinatos
apresentam uma correlação positiva ao longo do tempo, o que sugere que ambos os fenómenos
tiveram a mesma causa subjacente durante a primeira fase do conflito. Relativamente aos
assassinatos e desaparecimentos reportados durante o processo de recolha de testemunhos por
parte da Comissão, 57,6% (2.947/5.120) dos casos de violações fatais foram atribuídos aos
militares e polícia indonésios, e 32,3% (1.654/5.120) a grupos coadjuvantes timorenses (tais
como as milícias, forças de defesa civil e funcionários locais que trabalhavam para a
administração indonésia).
Deslocações
11.
As deslocações eram generalizadas: 55,5% dos agregados familiares inquiridos
referiram uma ou mais deslocações, para um total de 2.011 deslocações reportadas entre 1974 e
*
1999.
12.
A maioria das deslocações ocorreu entre 1975 e 1980. Os anos a que correspondem
valores máximos foram 1975 e 1976, com 61.400 (+/- 13.300) e 59.800 (+/- 7.200) deslocações
reportadas, respectivamente. O número de deslocações reportadas em 1999 foi
substancialmente inferior, com aproximadamente 28.100 (+/- 5.600) deslocações.
13.
A maioria das deslocações foi de natureza local. De todas as deslocações, 54,3%
ocorreram dentro dum subdistrito, 15,6% dentro dum distrito, 17,4% dentro de uma região, 9,3%
†
no interior de Timor-Leste, e 2,4% foram para fora de Timor-Leste. Esta conclusão pode estar
*
Quando foi realizado o censo de 1990 existiam aproximadamente 4.5 pessoas por agregado familiar. O censo de 2004
registou um aumento para cerca de 4,75 pessoas por agregado familiar (924.642/194.943). O intervalo de confiança
nominal é de 51,8%-59,2% dos agregados familiares.
†
A margem de erro nominal é de +/- 10,4% para deslocações dentro um subdistrito, e de 4,6% ou inferior para as outras
estimativas.
-3-
limitada pelo facto das pessoas nos campos de refugiados de Timor Ocidental não terem sido
entrevistadas. Muitas deslocações ocorreram numa sucessão rápida: 22,2% das deslocações
duraram um mês ou menos, e 50,1% duraram um ano ou menos. Contudo, outras deslocações
*
foram muito prolongadas, pelo que o período médio de deslocação é de 46,7 meses.
14.
A instituição que os inquiridos indicaram com maior frequência como sendo aquela que
ordenou a sua deslocação foram os militares indonésios (46,4%), seguidos pelas Falintil (15%) e
†
os grupos de milícias (8,8%). Os inquiridos indicaram que o “conflito” esteve na origem de
52,3% de todas as suas deslocações, com as deslocações “forçadas pelos militares indonésios”
a contribuírem com mais 16,3%.
Violações não fatais
15.
O padrão temporal das violações não fatais reportadas é idêntico ao das violações fatais:
violações não fatais em grande escala durante os anos iniciais de invasão e ocupação, seguidas
por violência de intensidade relativamente baixa durante os anos de consolidação e
normalização, e um aumento das violações em 1999. As violações não fatais por ocasião da
invasão indonésia em 1975 foram mais intensas nas Regiões Ocidental e Central; depois de
1976, a intensidade das violações não fatais passou a ser maior na Região Oriental.
16.
Os padrões estatísticos observados no que se refere a prisões e torturas reportadas
sugerem que, ao longo do tempo (e, em particular, após 1984), a prática das prisões arbitrárias
passou a estar mais dirigida para alvos específicos e a ser usada mais regularmente em
combinação com actos de tortura. Nos anos iniciais da invasão, existem aproximadamente três
casos reportados de prisão para cada caso de tortura reportado. Após 1985, estas duas
violações parecem estar mais intimamente associadas, com aproximadamente igual número de
prisões e actos de tortura reportados em cada ano.
17.
As conclusões quantitativas da Comissão são globalmente consistentes com a hipótese
de que os indivíduos que foram mantidos presos durante o período de referência da Comissão
ficaram crescentemente vulneráveis a torturas ou maus-tratos. A tortura e os maus-tratos foram
referidos com muito maior frequência pelas vítimas mantidas presas durante o período de
referência da Comissão: dos actos de tortura documentados pela Comissão, 83,6%
(9.303/11.123) foram sobre vítimas que tinham sido presas durante o conflito. Os abusos
cometidos com maior frequência durante períodos conhecidos de prisão foram a tortura (46,9%,
4.267/9.094), maus-tratos (30,8%, 2.798/9.094) e ameaças (7,0%, 634/9.094).
18.
As características demográficas das vítimas variam segundo os diferentes tipos de
violações. Relativamente à totalidade da população de Timor-Leste, os homens de meia-idade
foram quem sofreu as taxas mais elevadas de violações não fatais tais como prisão, tortura e
maus-tratos. Em contrapartida, as violações de natureza sexual tiveram como alvo quase
exclusivo as mulheres, com 90,2% (769/853) das violações de natureza sexual reportadas a
terem como vítimas mulheres.
19.
Os dados quantitativos da Comissão sugerem uma diferença significativa entre o padrão
de responsabilidade das violações não fatais no período 1975/1998 e o das violações não fatais
cometidas em 1999. Em particular, entre 1975 e 1998, 51,7% (11.658/22.547) dos actos de
prisão arbitrária são atribuídos aos militares indonésios actuando isoladamente,
comparativamente a 8,4% (1.897/22.457) que são atribuídos exclusivamente a grupos
coadjuvantes timorenses ou conjuntamente às forças de ocupação indonésias e aos seus
coadjuvantes timorenses. Contudo, dos actos de prisão arbitrária cometidos em 1999 e
documentados pela Comissão, 75,7% (2.104/2.779) foram atribuídos aos grupos coadjuvantes
*
†
O intervalo de confiança nominal é de 41-52 meses.
A margem de erro nominal é de +/- 4.2%.
-4-
timorenses actuando isoladamente ou em colaboração com os militares e a polícia indonésios.
19,2% (534/2.779) dos actos documentados de prisão que ocorreram em 1999 foram atribuídos
exclusivamente aos militares indonésios.
6.1.2 Panorâmica dos métodos de gestão da informação e recolha de dados utilizados
pela Comissão
20.
A maioria das comissões de apuramento da verdade baseia as suas conclusões
empíricas sobretudo em bases de dados criadas a partir dum processo de recolha de
depoimentos em grande escala. Neste particular, a CAVR não actuou de forma diferente das
comissões estabelecidas no Haiti, África do Sul ou Peru. Noutros países, as comissões de
apuramento da verdade puderam recorrer a um manancial significativo de informação adicional
que fora recolhida por projectos de direitos humanos governamentais e não governamentais.
Estas fontes adicionais são importantes para “triangular” a informação ou para ajudar a entender
os padrões e magnitude dos acontecimentos envolvendo violações de direitos humanos de
perspectivas diferentes daquela que resulta do material qualitativo de uma Comissão. Sem
corroboração externa, o trabalho destas comissões poderia ser desvalorizado como parcial.
21.
A Comissão não dispunha de fontes externas contendo grandes quantidades de
material. Por isso, foram criadas novas fontes. Em primeiro lugar, a Comissão desenvolveu uma
Base de Dados das Violações de Direitos Humanos (Human Rights Violations Database, HRVD)
a partir dos depoimentos narrativos que recolheu através de declarações directas de vítimas e
testemunhas. Isto fez parte do processo de socialização comunitária da Comissão, que procurou
atingir objectivos de apuramento da verdade e promover a reconciliação e acolhimento. A
Comissão utilizou as narrativas da HRVD tanto para as suas investigações qualitativas como
quantitativas.
22.
Em segundo lugar, a Comissão desenvolveu um Estudo Retrospectivo da Mortalidade
(Retrospective Mortality Survey, RMS) de 1.396 agregados familiares seleccionados
aleatoriamente de entre os cerca de 180.000 agregados familiares de Timor-Leste. Cada
agregado familiar da amostra seleccionada forneceu informações sobre o seu padrão de
residência e os membros do agregado e familiares que morreram durante o período de
referência da Comissão. Os estudos de mortalidade deste tipo são comuns nos organismos
estatísticos oficiais para avaliar as condições de saúde ou ajustar os dados apurados nos
censos. As autoridades de saúde intergovernamentais e os académicos especialistas em
demografia e epidemiologia também realizam estudos deste tipo. Contudo, nenhuma comissão
de apuramento da verdade realizara alguma vez um inquérito demográfico desta natureza com
uma amostragem rigorosa.
23.
Um terceiro conjunto de dados reunido pela Comissão foi a base de dados de
recenseamento de cemitérios (Graveyard Census Database, GCD). Os cemitérios públicos em
Timor-Leste foram visitados, tendo sido registados o nome, data de nascimento e morte de todas
as sepulturas em que essa informação estava presente. Foram recolhidos cerca de 327.000
registos de sepulturas; após remoção das referências duplicadas, ficaram cerca de 319.000
registos únicos na amostra, dos quais cerca de metade apresentavam informação completa
sobre nomes e datas. Os registos de cemitérios têm sido usados pelos especialistas em
demografia histórica para reconstituir padrões históricos de mortalidade. No entanto, nenhuma
comissão de apuramento da verdade usara alguma vez este tipo de dados no âmbito dum
processo de reconstrução da memória histórica. No mundo dos direitos humanos, dados deste
tipo constituem inovações valiosas que enriquecem significativamente a nossa compreensão do
passado.
-5-
6.1.3 Estimativas históricas de violações em Timor-Leste e as suas limitações
Estimativas históricas do número de mortes relacionadas com o conflito em Timor-Leste
(1974/1999)
24.
A dimensão da mortalidade relacionada com o conflito durante a ocupação de TimorLeste pela Indonésia tem sido objecto de consideráveis debates: as estimativas variam entre
*
40.000 e mais de 200.000 vítimas mortais. Os comentadores mais bem informados concluíram
as suas análises recomendando a recolha e análise de provas directas para se chegar a uma
estimativa mais fiável. O historiador Robert Cribb, por exemplo, sugere que existem cinco
técnicas para calcular o número total de mortos:
•
relatos dos perpetradores
•
contagem física de cadáveres ou sepulturas
•
recolha da memória histórica através de entrevistas
•
estimativas indirectas através dos registos dos censos
•
estimativas “intuitivas” obtidas por projecção a partir do entendimento das condições
locais por observadores informados.
25.
Cribb lamenta que em 1999/2001, quando publicou uma série de artigos sobre o
assunto, as estimativas existentes, incluindo a sua própria, estivessem limitadas aos dois
métodos mais débeis: estimativas indirectas e intuitivas. Na sua grande revisão das estimativas
da mortalidade relacionada com o conflito em Timor-Leste, John Waddingham escreve: “Temos
de reconhecer, porém, que não é ainda possível produzir, a partir dos dados disponíveis, um
valor quantitativamente rigoroso sobre o número de mortos em Timor-Leste que seja objecto de
1
consenso generalizado.”
26.
A Comissão estava perfeitamente consciente da sensibilidade e importância de uma
estimativa do valor total e de valores desagregados da mortalidade. Outras comissões de
apuramento da verdade (em particular as de El Salvador, Guatemala e Peru) beneficiaram da
existência de numerosos registos, ainda que parciais, de mortes que tinham sido documentadas
antes de essas comissões iniciarem o seu trabalho. A CAVR não dispunha desse tipo de
informação e, por isso, foram criados três novos conjuntos de dados: um estudo qualitativo de
inquiridos automotivados para deporem perante a Comissão; uma amostra probabilística de
1.396 agregados familiares da qual foram extraídas histórias de mortalidade retrospectiva; e um
recenseamento dos cemitérios públicos em Timor-Leste. Estas fontes adequam-se às segunda e
terceira definições de Cribb de fontes de dados que podem ser usadas para analisar a
mortalidade.
27.
Embora os activistas dos direitos humanos apontem por vezes a grande variabilidade
das estimativas como evidência da elevada mortalidade que resultou da ocupação indonésia de
Timor-Leste, uma possível explicação pode ser a ausência de dados populacionais e
demográficos fiáveis para o período em questão. O último censo da população em Timor-Leste
antes da invasão indonésia foi realizado pela administração colonial portuguesa em 1970. As
*
As estimativas baseadas em dados oficiais portugueses, indonésios e da Igreja Católica sugerem um número total de
mortos de aproximadamente 200.000. Ver, por exemplo, Ben Kiernan, “The Demography of Genocide in Southeast Asia:
The Deathtolls in Cambodia, 1975-79, and East Timor, 1975-80” Critical Asian Studies 35:4 (2003), pp. 585-597, e
Geoffrey Gunn, East Timor and the United Nations: The Case for Intervention, Red Sea Press. Lawrenceville, NJ, 1997,
pp. 26-27. Para uma estimativa mais baixa, ver Robert Cribb “How Many Deaths? Problems in the statistics of massacre
in Indonesia (1965-1966) and East Timor (1975-1980)” in Ingrid Wessel e Georgia Wimhoefer (eds.), Violence in
Indonesia, Abera-Verl, Hamburg, 2001. John Waddingham publicou uma revisão das estimativas baseadas em métodos
“intuitivos” e indirectos, ver John Waddingham “Timor-Leste Death Toll Claims: a Proposal for Listing and Critical
Commentary,” contribuição escrita enviada à CAVR, 14 de Julho de 2003.
-6-
autoridades indonésias realizaram censos em 1980 e 1990, mas a sua exactidão tem sido posta
em causa. A atitude de suspeição, medo e resistência da população timorense ao governo
responsável pela realização do censo, combinada com as suas deslocações frequentes,
introduziu desafios significativos à realização daquele.
28.
Mesmo que os valores dos censos de 1980 e 1990 fossem exactos, o facto de apenas
incluírem recenseamentos da população sem desagregação dos dados de acordo com variáveis
demográficas fundamentais (tais como idade e sexo) reduz substancialmente a possibilidade dos
cientistas sociais aplicarem as técnicas de estimação demográfica habituais aos dados oficiais
sobre a população. As fontes de informação sobre a população de origem não governamental
têm também um valor limitado devido ao acesso muito restrito que os monitores independentes e
os grupos humanitários tiveram a Timor-Leste durante o conflito. No contexto de Timor-Leste, o
demógrafo Terence Hull observou que "a variedade de estimativas nas publicações da Direcção
Nacional de Estatística da Indonésia (Biro Pusat Statistik, BPS) não constitui uma indicação da
manipulação política dos dados, antes reflecte a real dificuldade de determinar níveis de
2
mortalidade em populações pequenas quando são usados métodos indirectos de estimação."
Tendo em conta estas limitações, o debate científico acerca da mortalidade em Timor-Leste
permanece em aberto.
29.
Muitos dos problemas enfrentados anteriormente pelos analistas foram resolvidos pela
publicação dos resultados preliminares do censo de Timor-Leste de 2004, em Março de 2005. A
análise que a Comissão fez da mortalidade baseou-se em grande medida nos novos dados do
censo, que foram usados para ponderar adequadamente os resultados dos estudos realizados.
Dados anteriores sobre migrações e deslocações forçadas
30.
Durante o conflito, sectores muito significativos da população foram deslocados,
especialmente durante os primeiros anos da ocupação (1975/1980) e em 1999. Por exemplo, de
acordo com dados oficiais indonésios, 268.644 ou 318.921 ”pessoas deslocadas” eram mantidas
3
em 15 centros em Dezembro de 1978. Informações qualitativas e as investigações realizadas
pela própria Comissão indicam que as pessoas foram deslocadas à força para campos de
reinstalação onde um regime de segurança extremamente restritivo limitava significativamente as
suas oportunidades para cultivarem a terra, bem como o acesso a fontes de alimentos (ver
Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Tal como sucede com as estimativas das mortes
relacionadas com o conflito, uma análise demográfica rigorosa das deslocações em Timor-Leste
é uma tarefa complicada, especialmente durante os primeiros anos da invasão, uma vez que são
poucos os dados disponíveis. Isto deve-se em grande medida à ausência de um sistema de
registo administrativo de natureza sistemática e cobrindo a totalidade do território e ao acesso
limitado que os grupos humanitários internacionais e as organizações de direitos humanos
tiveram à população civil durante o conflito.
Violações não fatais em Timor-Leste
31.
A extensão e profundidade da informação acerca da situação dos direitos humanos em
Timor-Leste durante a ocupação variaram ao longo do tempo. Em particular, o acesso ao
território por parte de observadores de direitos humanos internacionais foi fortemente limitado
pelo Governo indonésio. Além disso, o acesso ao território de organizações internacionais de
ajuda humanitária (tais como o Comité Internacional da Cruz Vermelha) e o Serviço Católico de
Assistência (Catholic Relief Services, CRS) foi limitado a áreas específicas e períodos temporais
determinados. Estas limitações no acesso físico ao território por parte das organizações
internacionais determinaram significativamente o conhecimento que a comunidade internacional
foi tendo acerca da situação dos direitos humanos em Timor-Leste.
-7-
6.2 Violações Fatais: análise da extensão, padrões, tendências e dos
níveis de responsabilidade pelas violações fatais e deslocações
ocorridas em Timor-Leste de 1974 a 1999*
6.2.1 Enquadramento e análise estatística das violações fatais
32.
Diversos autores, na análise que fazem da mortalidade devida ao conflito em TimorLeste, usam termos diferentes para se referirem ao modo como as pessoas morreram. Por
exemplo, um estudo de 2002 regista que em Maubisse, 5.021 dos 9.607 residentes que estavam
4
vivos em 1975 tinham sido mortos até Abril de 1979. Contudo, a fonte original que serviu de
base para esta afirmação indica que a aldeia “perdera” essas pessoas, ou seja, que elas tinham
5
morrido de forma não especificada.
33.
A análise aqui apresentada estabelece uma distinção entre: mortes de civis devidas a
violência, que designa por assassinatos; mortes devidas a fome e doenças, algumas das quais
†
se deveram ao conflito; mortes de combatentes; e outras mortes. Apenas serão estimados e
analisados os padrões e a magnitude dos assassinatos de civis, mortes devidas a fome e
doenças, e desaparecimentos.
34.
A distinção entre mortes devidas a fome e doenças e devidas a assassinatos é útil por
duas razões. Em primeiro lugar, a pessoa ou instituição que provoca mortes devido a violência
deliberada tem uma responsabilidade imediata e óbvia por essas mortes, enquanto a
responsabilidade pelas mortes devidas a fome e doenças é uma questão mais complexa. Em
segundo lugar, existiram substancialmente menos assassinatos do que mortes por fome e
doenças em Timor-Leste entre 1975 e 1999. Os métodos aqui usados para estimar o número
total de assassinatos foram mais precisos e subestimam menos esse valor total do que as
estimativas do número de mortes devidas a fome e doenças.
35.
Nas secções que se seguem, as estimativas são apresentadas com os valores
arredondados para a centena mais próxima de modo a indicar que as estimativas representam
sempre valores aproximados e devem ser interpretadas com uma margem de erro. Contudo,
recenseamentos específicos de mortes documentadas são referidos de forma precisa, uma vez
que esses números são conhecidos com exactidão. Os dados estatísticos que estão na base
deste exercício foram disponibilizados para que os estudiosos possam continuar a analisar os
padrões das mortes devidas a assassinatos, fome e doenças em Timor-Leste durante a
‡
ocupação indonésia.
36.
Tanto os assassinatos como as mortes devidas a fome e doenças atingiram níveis mais
elevados no período que se seguiu imediatamente à invasão, desde o final de 1975 até 1979, do
que em anos anteriores ou em qualquer outro momento até 1999. Ambas as séries voltaram a
atingir um máximo em 1999, embora os assassinatos atingissem o seu valor máximo desde
1975/1979 nessa altura enquanto a fome e as doenças apresentaram um pico muito mais
pequeno do que no período 1975/1979. A análise da Comissão sugere que durante o período
1975/1999, cerca de 18.600 não combatentes foram mortos. Além disso, a estimamos que,
*
A Comissão e o Human Rights Data Analysis Group ( HRDAG) agradecem os comentários e sugestões de: Professor
David Banks (Duke University), Professor Claes Cassel (Estatística, Suécia), Dr. Michael Cohen (US Department of
Transportation), Dr. Peggy Jennings (Women's Rights International), Richard Öhrvall (Estatística, Suécia), Dr. Fritz
Scheuren (National Opinion Research Center e American Statistical Association), Professor Herbert F. Spirer (University
of Connecticut e Columbia University), and Dr. Shana Swiss (Women's Rights International).
†
A categoria “outras mortes” inclui acidentes e mortalidade materna, entre outras causas. Estas causas de morte não
foram identificadas especificamente no questionário.
‡
Ver http://www.hrdag.org/timor para ter acesso aos dados estatísticos. Importa referir que não existe nesses dados
informação que permita identificar testemunhas, vítimas ou perpetradores.
-8-
devido a fome e doenças, mais de 100.000 pessoas tenham morrido acima das taxas de
mortalidade de referência em tempo de paz.
37.
As duas sériesassassinatos e mortes devidas a fome e doençasseguem o mesmo
padrão: o coeficiente de correlação entre as estimativas anuais (descritas adiante) do número de
assassinatos e mortes devidas a fome e doenças é de 0,81, um valor muito elevado em qualquer
*
estudo desta natureza. A análise dos padrões de deslocações sugere que as deslocações
apresentaram os níveis mais elevados durante o período 1975/1979. A correlação elevada entre
os números estimados de assassinatos, mortes devidas a fome e doenças, e deslocações
sugere que todos estes fenómenos reflectem condições subjacentes semelhantes. Ou seja, que
é provável que os três fenómenos tivessem uma causa comum. O padrão de crescimento rápido
dos assassinatos, mortes devidas a fome e doenças, e deslocações no início da ocupação
indonésia é consistente com a afirmação de que a ocupação provocou o aumento da
mortalidade.
6.2.2 Objectivos da análise
38.
A análise começa com uma descrição dos dados e métodos relevantes para a análise
das violações fatais e deslocações. Na secção: Estimativas de assassinatos, mortes devidas a
fome, e doenças e deslocações, são apresentadas as estimativas do número de assassinatos e
mortes devidas a fome e doenças. Para cada tipo de morte, são apresentadas e comparadas as
estimativas do RMS com aquelas que foram obtidas usando técnicas MSE. A secção sobre
deslocações analisa o número estimado para o total de deslocações e o número de agregados
familiares deslocados no espaço e no tempo. Na secção: Análise estatística descritiva das
violações fatais reportadas à Comissão, apresenta-se uma análise descritiva das mortes
reportadas à Comissão na HRVD. A análise tem em conta os padrões ao longo do tempo, no
espaço, mortes colectivas, demografia e filiação política das vítimas, responsabilidade
institucional, e a relação entre prisão e mortes relacionadas com o conflito.
6.2.3. Descrição dos dados e métodos
39.
As estimativas dos padrões e magnitude da mortalidade baseiam-se em três fontes de
dados originais recolhidas pela Comissão, incluindo:
*
A correlação relaciona o número anual de assassinatos estimado através de técnicas MSE com o número de mortes
devidas a fome e doenças estimado através do RMS.
-9-
•
A Base de Dados das Violações de Direitos Humanos (Human Rights Violations
Database, HRVD) contém as narrativas de 7.669 depoentes acerca das violações por
*
eles sofridas ou testemunhadas durante o período1974/1999 . Essas narrativas incluem
informações acerca das mortes por privações e os assassinatos de civis. Os inquiridos
decidiram por sua iniciativa prestar depoimentos perante a Comissão. Por isso, o
resultado deste projecto pode não representar o universo completo de todos aqueles que
sofreram violações de direitos humanos.
•
O Estudo Retrospectivo da Mortalidade (Retrospective Mortality Survey, RMS) registou
as histórias de mortalidade de uma amostra probabilística de 1.396 agregados
familiares. Em cada agregado familiar foram escolhidos aleatoriamente dois adultos para
responderem às perguntas. No caso dos inquiridos do sexo masculino, foram
enumerados os progenitores e irmãos do inquirido, e se estavam vivos ou mortos. No
caso de terem falecido, a data, local e modo como morreram foram registados. No caso
dos inquiridos do sexo feminino, foram enumerados os filhos de maneira análoga. Em
60% dos agregados familiares, apenas estavam disponíveis pessoas de um sexo na
altura das entrevistas, e por isso um único inquirido forneceu informações sobre
progenitores, irmãos e filhos.
•
Um recenseamento de cemitérios públicos em Timor-Leste, que documenta mais de
319.000 sepulturas (designado GCD, Graveyard Census Data).
40.
Cada fonte de dados documenta apenas uma pequena fracção do número total de
mortes em Timor-Leste no período 1975/1999. Mesmo na ausência de conflito, nem todos os
mortos seriam sepultados em cemitérios públicos: algumas pessoas são sepultadas em locais
remotos ou em cemitérios familiares privados. Quando as condições de mortalidade são
particularmente severas, o número de pessoas sepultadas com formalismo e marcas
assinalando o local da sua sepultura é relativamente menor. As marcas degradam-se com o
tempo, pelo que muitas sepulturas não puderam ser documentadas quando foi realizado o
recenseamento de cemitérios em 2003/2004, visto que a informação nelas colocada estava
ilegível. Outras marcas foram totalmente destruídas no período que decorreu entre o funeral e o
momento em que foram recolhidos os dados para o GCD.
41.
O RMS reflecte as experiências em 1.396 agregados familiares mas omite as
experiências de quase 190.000 agregados familiares que não foram incluídos na amostra. A
HRVD reflecte a experiência de 7.669 inquiridos, mas cerca de 940.000 outros timorenses não
prestaram depoimentos perante a Comissão. Contudo, mesmo que a HRVD e o RMS
reflectissem a experiência de todas as pessoas actualmente vivas em Timor-Leste, muitas
mortes permaneceriam não documentadas porque todas as pessoas que as poderiam recordar
já faleceram, abandonaram o país, ou não estavam em condições psicológicas ou físicas para
contar as suas histórias durante o período de recolha de dados. Nas aldeias onde a mortalidade
foi particularmente elevada, podem não existir testemunhas que tenham sobrevivido até
2002/2003. Outras famílias podem ter abandonado Timor-Leste completamente, levando consigo
a sua memória social das mortes. Outras famílias ainda podem ter decidido manter segredo
sobre as suas experiências passadas, pelo que pode não ser possível documentar directamente
as mortes nelas ocorridas. A memória social é sempre algo de parcial.
42.
O RMS recorreu às técnicas habituais em estudos de agregados familiares e ao número
de mortes reportado para estimar o número total de assassinatos, mortes devidas a fome e
doenças, e mortes de combatentes. Contudo, estes valores totais representam estimativas do
número total de mortes que puderam ser recordadas pelos habitantes actuais de Timor-Leste, e
são um subconjunto do número total de mortes realmente ocorridas. O rácio entre as mortes
recordadas pelos actuais habitantes e o total de mortes é designado taxa de cobertura.
*
As equipas da Comissão coligiram um total de 7.824 depoimentos. Alguns (155 depoimentos) não foram introduzidos na
HRVD porque não se referiam a violações abrangidas pelo mandato da Comissão, ou não se referiam ao período de
referência da Comissão.
- 10 -
43.
Uma forma alternativa de calcular o número total de mortes utiliza o método de
estimação de sistemas múltiplos (Multiple Systems Estimation, MSE). Este método é utilizado
para corrigir os dados dos censos através de uma comparação da cobertura entre diferentes
projectos de documentação. São apresentadas estimativas obtidas através do método MSE do
número de mortes devidas a fome e doenças e de mortes devidas a assassinatos, e comparadas
com as estimativas do RMS. No caso dos assassinatos, as estimativas obtidas através do
método MSE são mais adequadas, enquanto para o número total estimado de mortes devidas a
*
fome e doenças, as estimativas do RMS são mais apropriadas.
6.2.4. Estimativas de assassinatos, mortes devidas a fome, doenças e deslocações
Assassinatos
44.
O número total anual de assassinatos pode ser calculado a partir do RMS, e os
resultados são apresentados na Figura <gkillM.pdf> . Esta figura indica níveis relativamente
elevados de assassinatos no período 1975/1979, com picos adicionais no início da década de
1980 e um pico acentuado em 1999. O RMS produziu uma estimativa de um total de 16.000
assassinatos, com uma margem de erro de +/- 4.400. A estimativa do RMS do número de
assassinatos baseia-se apenas em 235 assassinatos reportados. Consequentemente, o erro é
substancial, como se pode ver pelo grande número de anos em que a margem de erro faz com
que os valores cheguem a zero. Para esses anos, a hipótese do número estimado de mortes ter
sido zero não pode ser rejeitada. Além disso, as margens de erro são suficientemente amplas
para que seja possível conceber muitos padrões diferentes.
[Insert Figure <gkillM.pdf> about here]
45.
Tal como sucede com as mortes devidas a fome e doenças, é possível calcular o
número total anual de assassinatos usando o método MSE. No caso dos assassinatos, os
depoimentos à CAVR (designados HRVD) documentam quase um terço do total estimado de
assassinatos, enquanto, como se referiu anteriormente, existem apenas 235 assassinatos
documentados no RMS. Por conseguinte, a estimativa para os assassinatos usando o método
MSE combina os dados do GCD e da HRVD. Os resultados são apresentados na Figura
{gkill_mse2_hrvdgcd_M.pdf}. O método MSE produz uma estimativa de um total de 18.600
assassinatos (+/- 1.000). O eixo vertical indica o valor máximo do erro (3.260) e o valor máximo
estimado (2.634), que ocorrem ambos em 1999. O padrão ao longo do tempo é muito mais claro
com o método MSE do que na estimativa obtida a partir do estudo retrospectivo: o número total
estimado de assassinatos cresce de um valor próximo de zero no período pré-invasão, atingindo
picos em 1975 e 1979. Existe um decréscimo dos assassinatos depois dessa data e ao longo
das décadas de 1980 e de 1990. Um pico acentuado em 1999 assinala o ponto alto do número
estimado de assassinatos, que é significativamente maior do que em qualquer outro ano.
[Insert Figure <gkill_mse2_hrvdgcd_M.pdf> about here]
46.
As estimativas de assassinatos sofrem de uma importante lacuna nos dados: 1991
deveria representar um pequeno pico, correspondente ao Massacre de Santa Cruz, mas não foi
recolhido um número suficiente de relatos sobre o acontecimento para estimar correctamente o
número de assassinatos nesse ano. A estimativa para 1991 é, na verdade, ligeiramente inferior à
estimativa para 1990. Isto ilustra um problema que existe com todos os processos de recolha de
dados em grande escala: os assassinatos são acontecimentos relativamente raros na totalidade
da população, pelo que é improvável que as amostras probabilísticas reflictam acontecimentos
*
A técnica MSE é amplamente utilizada para estimar os níveis de sub-reporte nos censos populacionais [ver, por
exemplo, J. G, Robinson, B Ahmed, P. Das Gupta e K. Woodrow, “Estimation of Population Coverage in the 1990 United
States Census Based on Demographic Analysis”, Journal of the American Statistical Association, 88 (423), 1992, pp.
1061-1071].
- 11 -
específicos (por exemplo, não existem relatos de Santa Cruz no RMS). Em registos qualitativos
como os da HRVD, há necessidade de dedicar recursos investigativos a acontecimentos
específicos, caso contrário não existe garantia dos mesmos ficarem documentados. Embora a
HRVD incluísse mais de 20 relatos de mortes relativos a este acontecimento, eles representam
apenas uma pequena fracção do total. Acontecimentos de muito menor dimensão foram
cobertos de forma mais completa, e por isso as estimativas ao longo do tempo não reflectem
*
com exactidão a importância desse ano.
47.
Ao contrário do que sucede com a fome e as doenças, é improvável que os assassinatos
sejam subestimados de forma significativa. Em primeiro lugar, os assassinatos tendem a atingir
menos famílias inteiras do que as mortes devidas a fome e doenças, pelo que é mais provável
que existam familiares sobrevivos para reportarem tais acontecimentos. Em segundo lugar, o
rácio entre assassinatos documentados e assassinatos estimados (a taxa de cobertura) é de
0,637 um valor mais elevado do que o rácio entre mortes devidas a fome e doenças
documentadas e mortes devidas a fome e doenças estimadas (0,513). A taxa de cobertura mais
elevada para os assassinatos significa que o método MSE é melhor a corrigir os assassinatos
não reportados do que as mortes não reportadas devidas a fome e doenças. Além disso, os
assassinatos são acontecimentos relativamente raros, pelo que o tipo de análise especulativa
que recorre a taxas de mortalidade em bruto extraídas dos censos e que foi usado no caso das
mortes devidas a fome e doenças não é possível no caso dos assassinatos. Por estes motivos,
concluímos que houve aproximadamente 18.600 assassinatos, com uma margem de erro de +/1.000.
Mortes devidas a fome e doenças
48.
A análise do número total de mortes devidas a fome e doenças começa com uma
análise do número total de mortes estimadas a partir do RMS, e os resultados são apresentados
†
adiante na Figura (gdeprM.pdf) . As mortes estimadas são apresentadas tendo em conta um
valor de referência de mortes projectado a partir das taxas de mortalidade devida a fome e
doenças em 1972/1974 (descritas adiante). O número de mortes atribuído pelos inquiridos a
“fome ou doenças” cresce para os seus níveis mais elevados durante o período que se segue
imediatamente à invasão, 1975/1980. Durante o período 1983/1998, o total estimado flutua em
torno de uma mediana de 3.632 mortes anuais estimadas. O total anual cresce lentamente
‡
durante a década de 1990, atingindo um pico final em 1999.
49.
O número estimado total de mortes devidas a fome e doenças em 1975/1999 é de
§
aproximadamente 143.700, com uma margem de erro de aproximadamente +/- 11.000.
Algumas destas mortes são naturais no sentido em que teriam ocorrido na ausência de conflito
ou de uma situação de fome generalizada. Uma avaliação das mortes que podem ser atribuídas
ao conflito deve considerar primeiro quantas mortes teriam provavelmente ocorrido em resultado
de fome e doenças na ausência do conflito.
50.
Os anos imediatamente antes da invasão, 1972/1974, fornecem um valor de referência
do número de mortes naturais devidas a fome e doenças em tempo de paz. Primeiro, para criar
*
De notar que a margem de erro representa especificamente “buracos” nos dados deste tipo. Isto é, pela sua própria
natureza, a amostragem apenas captura a informação relativa a um pequeno número do total de acontecimentos. Alguns
acontecimentos de grandes dimensões (tais como o Massacre de Santa Cruz) podem escapar num processo dessa
natureza. O erro estimado do número total estimado de acontecimentos reflecte a incerteza em torno do total estimado,
incluindo o facto de alguns eventos de grandes dimensões poderem ter escapado à amostragem.
†
Os dados são insuficientes para uma estimação das mortes devidas a fome e doenças usando três sistemas.
‡
Tal como se descreve na secção sobre metodologia, o crescimento gradual das mortes estimadas devidas a fome e
doenças a partir do início da década de 1980 e até ao final da década de 1990 é uma consequência do aumento da
população e de um decréscimo no número de mortes perdidas pelo facto de nenhuns familiares terem sobrevivido até
2004 para serem incluídos no estudo.
§
A margem de erro total é calculada tomando a raiz quadrada da soma das variâncias das estimativas anuais e
multiplicando o valor obtido pelo factor convencional 1,96 a fim de criar um intervalo de confiança de 95%.
- 12 -
uma população de referência, as estimativas da população para 1971/2003 foram interpoladas
entre o total reportado no censo português de 1970 (609.477) e o total do censo de 2004
(924.642). A partir do RMS, o número estimado de mortes devidas a fome e doenças em
1972/1974 era aproximadamente de 1.686-2.252. As taxas de mortalidade para cada ano foram
calculadas dividindo a população projectada para cada ano pelo número de mortes em cada um
desses anos estimado a partir do RMS. Foi calculada a média das taxas de mortalidade anual
devida a fome e doenças em 1972/1974.
51.
A taxa de mortalidade estimada (3,1 mortes por 1.000 habitantes) foi aplicada à
*
população projectada para cada ano até 2003. Estas taxas de mortalidade estimadas
constituem os valores de referência indicados na Figura (gdeprM.pdf) . Subtraindo as projecções
dos valores de referência em tempo de paz das estimativas anuais obtidas a partir do RMS,
†
existem 84.200 mortes em excesso devidas a fome e doenças (+/- 11.000). Estas mortes
constituem a estimativa a partir do RMS das mortes que excedem o total que seria expectável se
a taxa de mortalidade devida a fome e doenças tivesse continuado a ser como era no período de
paz anterior à invasão.
[Insert Figure <gdeprM.pdf> about here]
52.
Um método alternativo para calcular o número total aproximado de mortes que excedem
do valor expectável é recorrer ao método MSE com dois sistemas, usando o RMS e a GCD. Este
método deve ser usado com cautela por duas razões. Em primeiro lugar, o número de mortes
reportadas no RMS devidas a fome e doenças em 1974/1999 (2.231) é pequeno relativamente à
estimativa total de mortes devidas a fome e doenças do RMS (143.700). Em segundo lugar, as
estimativas com dois sistemas podem apresentar-se enviesadas em resultado de uma
‡
correlação não controlada entre os sistemas. Por exemplo, se as pessoas que morreram e que
era improvável serem sepultadas num cemitério público fossem também pessoas que era
improvável serem recordadas pelos inquiridos no estudo, os dois sistemas apresentariam uma
correlação positiva. Note-se que uma correlação deste tipo é provável nos anos imediatamente
após a invasão, quando muitas pessoas viviam em condições muito difíceis, primeiro
deslocando-se constantemente e sendo mais tarde mantidas em campos de reinstalação. Ambas
as situações tenderiam a produzir, não só mortes catastróficas de grupos inteiros, como
situações em que um número relativamente pequeno de pessoas seria sepultado em cemitérios
públicos com lápides permanentes. A correlação positiva entre a GCD e o RMS em anos
extraordinários iria introduzir um desvio na estimativa com dois sistemas num sentido
decrescente que seria potencialmente significativo.
53.
As estimativas obtidas pelo método MSE são apresentadas na Figura
<gdepr_mse2_rmsgcd_M.pdf>. O total de mortes estimadas devidas a fome e doenças em
*
Esta taxa de referência (3,1 mortes por 1.000 habitantes) é baixa: a média regional para o Sudeste Asiático no início da
década de 1970 era de 12-14 por 1.000. O anexo metodológico analisa como esta subestimação poderia ser ajustada
utilizando estimativas da taxa de mortalidade bruta (Crude Death Rate, CDR) baseadas nos dados do censo. Contudo, a
utilização de medidas baseadas no censo exige diversos pressupostos acerca da qualidade das estimativas da CDR. As
principais conclusões aqui apresentadas baseiam-se apenas em estimativas dos censos de 1970 e 2004 e nos dados
recolhidos pela Comissão.
†
A margem de erro dos óbitos que excedem o valor expectável de acordo com a taxa de mortalidade de referência é
calculada do mesmo modo que a margem de erro total, incluindo o erro padrão apenas para os anos que contribuíram
para o valor total em excesso.
‡
Como se referiu anteriormente, os dados não são adequados para modelos de três sistemas das mortes devidas a
fome e doenças. Na HRVD há 5.101 mortes reportadas devidas a fome e doenças, aproximadamente o dobro das que
constam do RMS, mas este valor é ainda assim uma pequena parcela do número total esperado de mortes devidas a
fome e doenças. Usa-se preferencialmente o RMS relativamente à HRVD porque o RMS foi realizado utilizando uma
amostra probabilística. A HRVD é uma amostra de conveniência, e a sua utilização exigiria pressupor que todas as
mortes em cada ano tinham igual probabilidade de serem documentadas. Ver uma explicação sobre o cálculo da MSE no
Anexo metodológico.
- 13 -
*
1975/1999 é de aproximadamente 123.500 (+/- 5.200). As mortes estimadas que excedem
aquilo que seria expectável de acordo com os valores de mortalidade de referência em tempo de
paz são 75.000 (+/-5.200). A estimativa obtida pelo método MSE é mais baixa do que a
estimativa do estudo, o que é consistente com a hipótese de existir uma correlação positiva entre
o RMS e a GCD. A mediana do número de mortes devidas a fome e doenças durante os anos
“normais” de ocupação, 1983/1998, estimada pelo método MSE (3.727) é semelhante ao valor
encontrado no estudo (3.632). Isto é, a estimativa do estudo e a estimativa calculada segundo o
método MSE para os anos “normais” de ocupação são semelhantes, mas o RMS apresenta
estimativas mais elevadas para os anos extraordinários. É provável que, durante os anos
normais, ocorresse um número relativamente menor de mortes em acontecimentos catastróficos
que eliminaram famílias inteiras (provocando uma situação de sub-reporte no estudo), e que
relativamente menos pessoas falecidas ficassem fora dos cemitérios públicos. Por conseguinte,
durante os anos normais, o método MSE e o estudo retrospectivo fornecem estimativas
análogas. Durante os anos extraordinários, ambos os métodos subestimam o número total de
mortes devidas a fome e doenças, mas a subestimação é ligeiramente maior no caso de a
estimativa ser obtida pelo método MSE porque uma pequena percentagem de todas as pessoas
falecidas foi sepultada em cemitérios públicos durante os anos extraordinários.
[Insert Figure <gdepr_mse2_rmsgcd_M.pdf> about here]
54.
O padrão apresentado na Figura {gdepr_2mse_rmsgcd.pdf} é semelhante à estimativa
obtida do RMS, mas a sua magnitude é inferior: note-se que o valor estimado máximo na Figura
{gdepr_2mse_rmsgcd.pdf} é 11.444, enquanto na estimativa do RMS é 13.496. Existe uma
diferença nos padrões ao longo do tempo: os totais estimados pelo método MSE para 1975 são
inferiores às estimativas para 1978 e 1979, enquanto no estudo, as estimativas para os três anos
estão mais próximas umas das outras. Na estimativa do RMS, as bandas de erro para os três
anos são grandes relativamente às diferenças entre os anos e, por isso, não se pode rejeitar a
hipótese dos totais reais nesses anos serem iguais.
55.
As estimativas obtidas segundo o método MSE sugerem que em 1975 houve menos
mortes do que indicam as estimativas obtidas do RMS. À excepção desta diferença, as
estimativas obtidas pelo método MSE e do RMS são semelhantes em magnitude e padrão. Deve
sublinhar-se que as duas estimativas são metodologicamente muito diferentes: a magnitude no
RMS é determinada pelas ponderações do estudo, enquanto a preponderância dos dados no
método MSE veio do número de sepulturas com datas em cada ano e da correspondência das
mortes identificadas no RMS como os nomes, datas e localizações das sepulturas.
56.
Da combinação dos resultados das duas estimativas resulta um número mínimo
estimado de mortes por fome e doenças que excedem os valores de referência para o período
de paz que é muito conservador e se situa entre 75.000 e 86.500. Estas estimativas baseiam-se
apenas nos censos de 1970 e 2004 e nos dados da própria Comissão. Estas estimativas devem
ser explicitamente entendidas como estimativas do total de mortes devidas a fome e doenças
que era possível recordar em 2004. Isto constitui uma limitação significativa dos cálculos que
podem ser efectuados. Tanto as estimativas obtidas do RMS como as que foram obtidas pelo
método MSE são substancialmente conservadoras porque muitas mortes não puderam ser
recordadas em 2004. Algumas mortes não deixaram quaisquer membros das famílias sobrevivos
para as reportarem em 2004, e algumas pessoas que morreram durante os anos extraordinários
não foram sepultadas em cemitérios públicos. Os anos em que é maior a probabilidade do
estudo ter sido afectado pela perda de famílias inteiras são também os anos em que era menor a
probabilidade das pessoas serem sepultadas em cemitérios públicos. Esta correlação positiva
entre os dados da GCD e do RMS cria uma subestimação no caso dos cálculos efectuados
segundo o método MSE.
*
Para a MSE, apenas os mortos nomeados reportados no RMS foram incluídos. As ponderações das amostras do RMS
não foram usadas. A GCD não inclui o modo como ocorreu a morte, e por isso os registos da GCD são atribuídos do
modo que se descreve no Anexo metodológico.
- 14 -
57.
No Anexo metodológico, é apresentado um modelo para ajustar as estimativas obtidas
do RMS e pelo método MSE, corrigindo-as relativamente à perda ao longo do tempo de
conhecimentos acerca das mortes. Esse modelo usa informação adicional do censo, incluindo
taxas de mortalidade aproximadas calculadas pelos Governos dos EUA e Indonésia. Se os
pressupostos nos dados subjacentes e nos modelos estiverem correctos, o número total de
mortes devidas a fome e doenças que excede os valores de referência em tempo de paz pode
ser de 103.000, com uma estimativa máxima possível (mas improvável) de 183.300. Apesar da
incerteza associada a estes modelos, a Comissão concluiu que, no mínimo, morreram 100.000
pessoas no período 1975/1999 devido a fome e doenças acima do que seria expectável em
tempo de paz.
Deslocações
58.
As conclusões mais importantes resultantes da análise das deslocações são:
•
As deslocações foram generalizadas: 55,5% dos agregados familiares estudados
reportaram uma ou mais deslocações, para um total de 2.011 deslocações reportadas
*
entre 1974 e 1999.
•
Quando projectados para a população total, os resultados do estudo representam
†
‡
108.200 agregados familiares deslocados envolvidos em 282.800 deslocações .
•
A maioria das deslocações foi de natureza local. De todas as deslocações, 54,3% foram
dentro de um subdistrito, 15,6% dentro de um distrito, 17,4% dentro de uma região, 9,3%
§
dentro de Timor-Leste, e 2,4% fora de Timor-Leste. Contudo, em 1999, as deslocações
que levaram agregados familiares para fora de Timor-Leste aumentaram para 19,3% (+/6,1%) das deslocações nesse período.
•
Muitas deslocações ocorreram numa sucessão rápida: 22,2% das deslocações duraram
um mês ou menos, e 50,1% duraram um ano ou menos. Contudo, outras deslocações
**
foram muito longas, de modo que a duração média das deslocações foi de 46,7 meses.
Dezenas de milhares de agregados familiares consideraram-se deslocados
continuamente desde o período imediatamente após a invasão no quarto trimestre de
1975, até ao quarto trimestre de1999 (ver Figura g101M.pdf para uma análise mais
detalhada).
•
A instituição que os inquiridos reportaram com maior frequência como sendo o grupo
que lhes ordenou que se deslocassem, foram os militares indonésios (46,4%), seguidos
††
pela Fretilin/Falintil (15,0%) e as milícias (8,8%). Os inquiridos referiram que o “conflito”
foi o motivo de 52,3% das suas deslocações, com as deslocações “forçadas pelos
militares indonésios” a contribuírem com mais 16,3%.
•
A maioria das deslocações ocorreu em 1975/1980. Os anos com valores máximos são
1975 e 1976, com 61.400 (+/- 13.300) e 59.800 (+/- 7.200) deslocações,
respectivamente. As deslocações em 1999 foram em número substancialmente menor,
com aproximadamente 28.100 (+/- 5.600) deslocações.
[Insert Figure <g01CM.pdf> about here]
*
Segundo o censo de 1990, havia aproximadamente 4,5 pessoas por agregado familiar nesse ano. O valor aumentou
para 4,75 pessoas por agregado familiar (924.642/194.943) no censo de 2004. O intervalo de confiança nominal é de
51,8-59,2% dos agregados familiares.
†
O intervalo de confiança nominal é de 101.013-115.412 agregados familiares.
‡
O intervalo de confiança nominal é de 251.631-313.990 deslocações.
§
A margem de erro nominal é de +/- 10,4% para deslocações dentro dos subdistritos, e 4,6% ou menos para as outras
estimativas. Esta conclusão pode estar limitada pelo facto das pessoas nos campos de refugiados em Timor Ocidental
não terem sido entrevistadas.
**
O intervalo de confiança nominal é de 41-52 meses.
††
A margem de erro nominal é de +/- 4,2%.
- 15 -
59.
A Figura <g01CM.pdf> mostra o número de deslocações por ano em três regiões de
Timor-Leste, bem como o número total de deslocações reportadas à Comissão em depoimentos
qualitativos. Os eixos verticais assinalam os valores máximos (na parte superior da faixa de erro)
para cada região. A Figura <g101M.pdf> mostra 1975 e 1976 como os anos de pico em total de
deslocações, com 1977/1979 e 1999 a níveis inferiores aproximadamente iguais. A Comissão faz
notar que 1975 e 1976 não podem ser distinguidos estatisticamente um do outro em qualquer
uma das estimativas regionais; em linguagem formal, não é possível rejeitar totalmente a
hipótese destes anos terem tido números iguais de deslocações. As regiões Ocidental e Central
apresentam um decréscimo do pico de 1975/1976 para valores mais baixos até 1979; o
decréscimo é depois em direcção ao valor zero. Em contrapartida, a região Oriental apresenta
níveis de deslocações em 1979 que são quase iguais à intensidade de deslocações no período
imediatamente após a invasão.
60.
Uma outra forma de olhar para as deslocações é considerar quantos agregados
familiares são deslocados durante cada período. A Figura <g01CM> mostra quanto agregados
familiares foram forçados a deslocar-se em cada ano. A Figura g101M mostra quantos
agregados familiares foram forçados a viver num local que não consideravam a sua casa durante
cada período. Ou seja, a Figura {g01CM.pdf} mostra quantas “deslocações” foram sofridos em
cada período, enquanto a Figura {g101M.pdf} mostra quantos agregados familiares estão no
estado de “deslocados” em cada período. O eixo vertical indica o valor máximo na parte superior
da faixa de erro e o valor mediano desde o terceiro trimestre de 1980 (1980q3) até ao segundo
trimestre de 1999 (1999q2).
[Insert <Figure g101M.pdf> about here]
61.
As pessoas foram deslocadas no final de 1975 e no início de 1976, e ficaram
impossibilitadas de regressar às suas casas durante longos períodos. Deslocações adicionais
tiveram lugar em 1977, com mais deslocações em 1978, e as pessoas deslocadas anteriormente
ainda permanecem longe das suas casas. É só em 1979 que grande número de agregados
familiares se estabelece em locais que consideram ser a sua “casa”. Em cada ano entre 1980 e
1999, cerca de 39.000 agregados familiares continuam a considerar-se deslocados. Há mais
15.000 agregados familiares que são deslocados no terceiro trimestre de 1999. Contudo, no
quarto trimestre, mais de 32.500 regressaram às suas casas, e o número estimado de
agregados familiares deslocados diminuiu para aproximadamente 20.400 antes de se reduzir
novamente para 11.700 no primeiro trimestre de 2000, e para 9.600 no segundo trimestre de
2000.
6.2.5 Análise estatística descritiva das violações fatais reportadas à Comissão
62.
Esta secção descreve o padrão de assassinatos e desaparecimentos reportados à
Comissão no processo de recolha de testemunhos narrativos (a HRVD). A magnitude e padrões
aqui descritos não representam a magnitude total e o padrão global dos assassinatos e
desaparecimentos. Em vez disso, esta análise descreve o padrão e tendência dos assassinatos
e desaparecimentos que foram conhecidos através dos testemunhos qualitativos apresentados à
*
Comissão.
O padrão reportado de assassinatos e desaparecimentos de não combatentes ao longo do
tempo
63.
O padrão de assassinatos e desaparecimentos reportados variou substancialmente ao
longo do tempo. Como se pode ver na Figura <g122Mhrvd100.pdf> , 67,4% (3.451/5.120) dos
*
Ver análise detalhada da natureza e limitações dos dados recolhidos através do processo de recolha de testemunhos
da Comissão em secção adiante.
- 16 -
assassinatos reportados concentram-se no período 1975/1981. 16,4% (838/5.120) dos
assassinatos reportados ocorreram em 1999 antes, durante e após a Consulta Popular
patrocinada pela ONU. Os números mais elevados de assassinatos reportados à Comissão
ocorreram durante o período da invasão pelos militares indonésios e os anos iniciais de
ocupação. Embora o ano com o número mais elevado de assassinatos reportados de não
combatentes seja 1975, a natureza aberta do processo de recolha de testemunhos narrativos foi
tal que se identificou um grau considerável de imprecisão nas datas citadas nos testemunhos
*
que referiam assassinatos entre meados e o final da década de 1970. É, por isso, provável que
alguns dos assassinatos de não combatentes que foram referidos como tendo ocorrido em 1975
tenham, na verdade, ocorrido em 1976 ou 1977.
[Insert Figure <g122Mhrvd100.pdf> about here]
64.
O número de desaparecimentos reportados à Comissão é substancialmente inferior ao
de assassinatos reportados de não combatentes: 5.120 assassinatos de não combatentes foram
reportados à Comissão, contra 835 desaparecimentos. Além disso, o padrão reportado de
desaparecimentos é substancialmente diferente do dos assassinatos de não combatentes, como
se pode ver na Figura <g122Mhrvd500.pdf> . Enquanto os assassinatos em grande escala de
não combatentes se concentram maioritariamente nos anos iniciais da invasão, os
desaparecimentos em grande escala concentram-se sobretudo na parte final do período inicial
da invasão em 1979 e em 1983/1984, imediatamente antes do início do período de
“normalização e consolidação” da ocupação indonésia: 40,0% (332/835) dos desaparecimentos
individuais reportados à Comissão ocorreram em 1979, 1983 ou 1984. O padrão reportado de
desaparecimentos e assassinatos de não combatentes é consistente com a hipótese de que os
dois fenómenos de violação tiveram, na sua génese, políticas ou práticas distintas da parte
daqueles que foram responsáveis. Em particular, os desaparecimentos parecem ter sido usados
de forma mais dirigida contra alvos específicos pelos militares indonésios, como instrumento de
luta contra a Resistência.
[Insert Figure <g122Mhrvd500.pdf> about here]
65.
Ocorreram em 1975, 20,9% (1.070/5.120) dos assassinatos documentados pela
Comissão no seu processo de recolha de testemunhos. Como se mostra no Quadro
<tkill1975bymonth.rtf>, dos assassinatos documentados em 1975, 26,5% (283/1.070) não
contêm informação acerca do mês em que ocorreram. Contudo, 19,5% (348/1.070) destes
assassinatos ocorreram durante o período de conflito interno entre partidos e as primeiras
grandes incursões indonésias através da fronteira, e 32,7% (350/1.070) ocorreram em
Dezembro, na altura do lançamento da invasão em grande escala de Timor-Leste pelos militares
indonésios.
[Insert Figure <tkill1975bymonth.rtf> about here]
66.
Merece referência especial o facto de apenas 3,8% (41/1.070) dos assassinatos
documentados em 1975 terem ocorrido em Outubro e Novembro. Assim sendo, os dados obtidos
pela Comissão no processo de recolha de testemunhos são consistentes com a hipótese de que
os assassinatos em grande escala ocorreram durante o conflito interno entre partidos em Agosto
e Setembro, a que se seguiu um período de relativa acalmia na violência sob a forma de
assassinatos, antes de os assassinatos em grande escala regressarem em Dezembro aquando
da invasão de Timor-Leste pelos militares indonésios.
*
Ver o Anexo Metodológico Estatístico para uma descrição mais detalhada da imprecisão das datas no processo de
recolha de testemunhos.
- 17 -
A distribuição espacial do padrão reportado de assassinatos e desaparecimentos de não
combatentes
67.
Os dados baseados em amostras de conveniência não podem ser usados para avaliar
directamente as diferenças na magnitude das violações entre regiões e distritos. Tais dados são
apenas representativos da extensão total da violência de região para região, e somente na
medida em que os depoentes cujos testemunhos foram recolhidos sejam representativos da sua
população local e tenham sido seleccionados proporcionalmente à violência sofrida por cada
distrito.
68.
A Figura <gVtypeDisthrvd100500.pdf> mostra o número de assassinatos e
desaparecimentos reportados por distrito em que ocorreu a violação, tal como referido no
processo de recolha de testemunhos da Comissão. Ermera apresenta substancialmente mais
assassinatos reportados do que qualquer outro distrito, representando 18% (920/5.120) de todos
os assassinatos reportados. Foram reportados à Comissão relativamente poucos assassinatos
de não combatentes na Indonésia, Díli e Liquiça.
[Insert Figure <gVtypeDisthrvd100500.pdf> about here]
69.
A Figura <gpTS_regional500.pdf> mostra que os desaparecimentos reportados se
concentraram sobretudo nos distritos das regiões Oriental e Central: em particular, dos
desaparecimentos reportados à Comissão, 20,2% (169/835) ocorreram em Baucau, 14,7%
(123/835) em Viqueque, 13,9% (116/835) em Díli e 11,4% (95/835) em Lautém.
[Insert Figure <gpTS_regional500.pdf> about here]
O padrão reportado de assassinatos e desaparecimentos de não combatentes ao longo do
tempo e no espaço
70.
Como se pode ver na Figura <gpTS_regional100.pdf> , os assassinatos reportados
começaram nas regiões Ocidental e Central por altura da invasão inicial pela Indonésia. Depois,
entre 1978 e 1981, a maioria dos assassinatos reportados de não combatentes ocorreu nas
regiões Oriental e Central, sendo poucos os assassinatos reportados de não combatentes na
Região Ocidental. Em 1999, 72,3% dos assassinatos reportados de não combatentes ocorreram
na Região Ocidental. Os dados dos testemunhos narrativos da Comissão são consistentes com
a hipótese de que, entre 1975 e 1984, os assassinatos individuais em grande escala de não
combatentes acompanharam grosso modo os movimentos no espaço e no tempo das tropas
invasoras indonésias.
[Insert Figure <gpTS_regional100.pdf>]
71.
O padrão de desaparecimentos reportados ao longo do tempo e no espaço é
consideravelmente diferente do dos assassinatos de não combatentes, como se pode ver na
Figura <gpTS_regional500.pdf> . Embora haja alguns desaparecimentos reportados por volta do
momento da invasão indonésia e de novo em 1999, os desaparecimentos não parecem estar
associados a operações militares em grande escala do mesmo modo que o estão os
assassinatos de não combatentes. Em vez disso, foram reportados dois períodos de
desaparecimentos em grande escala: o primeiro período ocorreu entre 1978 e 1980, na
sequência da conclusão de importantes ofensivas militares contra a Resistência, e o segundo
período ocorreu entre 1983 e 1984 após o fim do cessar-fogo entre as forças indonésias e as
Falintil. Durante o primeiro período de desaparecimentos em grande escala, 60,2% (198/329)
dos desaparecimentos reportados concentraram-se na Região Oriental, com 25,9% (95/329) a
ocorrerem na Região Central e 10,0% (33/329) na Região Ocidental e na Indonésia. Durante o
- 18 -
segundo período de desaparecimentos em grande escala, que ocorreu entre 1983 e 1984,
72,0% (126/175) tiveram lugar na Região Oriental, 13,1% (23/175) na Região Central e 13,1%
(23/175) na Indonésia e Região Ocidental. Estes dados sobre desaparecimentos são
consistentes com a hipótese de que os desaparecimentos foram usados sobretudo na Região
Oriental como instrumento anti-Resistência contra aqueles que eram suspeitos de serem
membros ou de estarem associados aos grupos da Resistência.
[Insert Figure <gpTS_regional500.pdf>]
O padrão reportado de assassinatos e desaparecimentos de não combatentes de acordo
com a responsabilidade institucional
72.
Várias instituições diferentes estiveram envolvidas em assassinatos e desaparecimentos
ao longo do conflito. Os principais grupos institucionais foram os militares indonésios, Falintil,
partidos políticos timorenses (tais como Fretilin, UDT e Apodeti), membros das forças de defesa
civil timorenses (tais como Hansip, Wanra e Ratih), milícias e outros grupos coadjuvantes
timorenses. Nesta secção são analisados os níveis de responsabilidade pelos assassinatos e
desaparecimentos reportados durante o processo de recolha de testemunhos pela Comissão.
73.
A maioria dos assassinatos e desaparecimentos reportados à Comissão foi atribuída aos
militares indonésios e aos seus grupos coadjuvantes timorenses, tal como se mostra na Figura
<VlnTypePe1M.Fatalrtf>: 57,6% (2.947/5.120) do envolvimento de perpetradores em violações
fatais foi atribuído aos militares e polícia indonésios, e 32,3% (1.654/5.120) aos seus
coadjuvantes timorenses (tais como as milícias, força de defesa civil e funcionários locais
trabalhando para a administração indonésia). Em 29,6% (1.514/5.120) dos assassinatos e
desaparecimentos reportados, a responsabilidade institucional pelo acto foi atribuída aos grupos
da Resistência e a forças pró-independência.
[Insert Figure <VlnTypePe1MFatal.rtf> about here]
74.
Os níveis de responsabilidade institucional pelos assassinatos e desaparecimentos
documentados variaram ao longo do conflito. Durante a invasão indonésia inicial, entre 1975 e
1984, 62,3% (2.831/4.543) dos assassinatos e desaparecimentos documentados foram
atribuídos aos militares e polícia indonésios. Depois, durante o período de “normalização e
consolidação” da ocupação indonésia, entre 1985 e 1998, 64,6% (317/488) dos assassinatos e
desaparecimentos documentados foram atribuídos aos militares e polícia indonésios. Depois, em
1999, no processo que levou à Consulta Popular patrocinada pela ONU e na sequência desta,
houve uma alteração estrutural significativa nas responsabilidades pelas violações
documentadas. Em particular, 9,5% (85/898) dos assassinatos e desaparecimentos foram
atribuídos aos militares e polícia indonésios actuando isoladamente, 39,5% (355/898) aos
militares e polícia indonésios actuando concertadamente com as milícias timorenses e 42,9%
(385/898) foram atribuídos às milícias timorenses actuando isoladamente.
75.
Em contrapartida, enquanto 49,0% (561/1.145) dos assassinatos e desaparecimentos
documentados em 1975 foram atribuídos à Fretilin, 16,6% (563/3.398) dos assassinatos e
*
desaparecimentos documentados entre 1976 e 1984 foram atribuídos à Fretilin. Além disso,
3,7% (18/488) dos assassinatos e desaparecimentos entre 1985 e 1998 foram atribuídos à
Fretilin e em 1999 0,6% (5/898) dos assassinatos e desaparecimentos foram atribuídos à Fretilin.
Os dados dos testemunhos narrativos da Comissão são consistentes com a hipótese de que a
*
Note-se que 42,2% (237/561) dos assassinatos e desaparecimentos documentados atribuídos à Fretilin em 1975
ocorreram durante o conflito interno entre partidos em Agosto e Setembro desse ano e que 4,8% (27/561) dos
assassinatos e desaparecimentos documentados atribuídos à Fretilin em 1975 ocorreram em Dezembro, mas 43,3%
(243/561) dos assassinatos e desaparecimentos em 1975 atribuídos à Fretilin não continham informação específica
acerca do mês em que a violação ocorrera.
- 19 -
maioria dos assassinatos e desaparecimentos atribuídos à Fretilin foram cometidos durante o
conflito interno entre partidos em 1975.
76.
Os depoentes no processo de recolha de testemunhos pela Comissão atribuíram
responsabilidade substancial a unidades específicas das forças de ocupação indonésias e dos
seus grupos coadjuvantes timorenses em momentos específicos do conflito.
77.
Como as Figuras <gpter100.pdf> e <gpnon100.pdf> mostram, os padrões de violações
reportadas atribuídas às unidades territoriais (ligadas à estrutura militar permanente) e às
unidades não territoriais (temporariamente enviadas para combate ou outras funções em TimorLeste) das forças militares indonésias são semelhantes. Tanto os assassinatos como os
desaparecimentos reportados que foram atribuídos às unidades territoriais e não territoriais estão
fortemente concentrados no período 1975/1980, e depois no período 1982/1984 e finalmente em
1999. Os dados dos testemunhos narrativos recolhidos pela Comissão são consistentes com a
hipótese de que as unidades territoriais e não territoriais das forças militares indonésias
utilizaram os assassinatos e desaparecimentos em grande escala nos anos iniciais da ocupação,
no início da fase de consolidação e depois por volta da época em que se realizou a Consulta
Popular patrocinada pelas Nações Unidas, em 1999.
[Insert Figures <gpter100.pdf> and <gpnon100.pdf> about here]
78.
Os assassinatos e desaparecimentos reportados atribuídos às forças de defesa civil,
essencialmente à Hansip, concentram-se nos anos iniciais da ocupação 1975 e 1979 e depois
de novo em 1983.
[Insert Figure <gpcid100.pdf> about here]
79.
Em contrapartida, os assassinatos e desaparecimentos reportados atribuídos às Forças
Especiais (Kopassandha/Kopassus) concentram-se em 1978 e 1980, 1982 e 1984, 1991 e
depois de novo em 1999. Por isso, os dados dos testemunhos narrativos apresentados à
Comissão são consistentes com a hipótese de que as Kopassandha/Kopassus foram usadas
para operações militares específicas nos anos finais do período inicial da invasão, depois em
campanhas militares dirigidas a alvos específicos durante os anos de consolidação, e finalmente
em 1999.
80.
Por vezes, as violações fatais foram atribuídas unicamente às acções das forças
militares e policiais indonésias, outras vezes a grupos coadjuvantes timorenses actuando
isoladamente e outras vezes ainda a militares e polícias indonésios actuando concertadamente
com os seus coadjuvantes timorenses. Este padrão de responsabilidade institucional partilhada
entre as forças indonésias e os grupos coadjuvantes timorenses e de responsabilidade exclusiva
variou ao longo do tempo, como se pode ver na Figura <t_100_perp_resp_share_phase.rtf> .
Durante os anos iniciais da invasão, e subsequente durante os anos de consolidação da
ocupação, cerca de 45% dos assassinatos reportados foram atribuídos unicamente aos militares
e polícia indonésios. Por volta da época da Consulta Popular patrocinada pela ONU, 8,5%
(71/838) dos assassinatos reportados foram atribuídos exclusivamente aos militares e polícias
indonésios. À medida que a ocupação indonésia avançava, uma percentagem crescente dos
assassinatos reportados foi atribuída aos militares e polícias indonésios actuando
concertadamente com os seus coadjuvantes timorenses. Por isso, os dados dos testemunhos
narrativos recolhidos pela Comissão são consistentes com a hipótese de que durante a invasão
inicial e os anos de “normalização e consolidação”, os militares indonésios actuaram em grande
medida isoladamente quando assassinaram civis, enquanto em 1999, os militares indonésios
ajudaram e deram cobertura aos seus coadjuvantes timorenses (principalmente milícias próautonomia) no assassinato de civis.
[Insert Figure <t_100_perp_resp_share_phase.rtf> about here]
- 20 -
O padrão de assassinatos e desaparecimentos reportados de não combatentes em termos
de vítimas individuais e grupos de vítimas
81.
Alguns assassinatos e desaparecimentos foram reportados à Comissão como tendo sido
perpetrados contra indivíduos isolados, enquanto outros foram reportados como tendo sido
perpetrados contra vários indivíduos ao mesmo tempo. As Figuras <ggpsize100M.pdf> , e
<ggpsize500M.pdf> mostram a distribuição das violações por dimensão do grupo de vítimas para
*
os assassinatos e desaparecimentos.
[Insert Figures <ggpsize100M.pdf>, and <ggpsize500M.pdf>about here]
82.
Tanto os assassinatos como os desaparecimentos revelam um padrão semelhante no
que se refere à proporção de violações cometidas contra indivíduos e grupos de vítimas. Como
se pode ver nas Figuras <ggpsize100M.pdf> e <ggpsize500M.pdf>, 95,9% (5.120/5.339) dos
assassinatos reportados e 96,9% (835/862) dos desaparecimentos reportados foram perpetrados
contra pessoas numa base individual. Estas conclusões empíricas parecem ser consistentes
com a hipótese de que assassinatos e desaparecimentos foram, ambos, usados como uma
forma de opressão dirigida contra alvos específicos.
83.
Como se pode ver nas Figuras <gpTS_groupindiv100.pdf> e <gpTS_groupindiv500.pdf>,
nos testemunhos apresentados perante a Comissão, tanto os assassinatos como os
desaparecimentos contra vítimas individuais e vítimas de grupos apresentam uma correlação
positiva ao longo do tempo. Quando os assassinatos reportados contra vítimas individuais
aumentam, o mesmo sucede com os assassinatos reportados contra vítimas de grupos. O
†
mesmo se passa no caso dos desaparecimentos reportados. Assim sendo, os assassinatos
reportados de grupos em grande escala concentram-se nos anos iniciais da invasão entre 1975
e 1979, o mesmo acontecendo com os assassinatos reportados de vítimas individuais em grande
escala. Os desaparecimentos reportados de grupos em grande escala concentram-se no período
de campanhas contra a Resistência em 1979 e 1984, tal como acontece com os
desaparecimentos reportados de indivíduos em grande escala.
[Insert Figure <gpTS_groupindiv100.pdf> and <gpTS_groupindiv500.pdf> about here]
84.
Existem pelo menos duas explicações possíveis para a correlação positiva entre (i) os
assassinatos reportados individuais e de grupos e (ii) os desaparecimentos reportados
individuais e de grupos:
*
Como sucede com as violações reportadas contra vítimas individuais, as violações contra vítimas em grupos podem ser
reportadas por mais de um depoente. Foi estabelecida a correspondência entre registos relativos a vítimas de grupos
para identificar relatos duplicados da mesma violação e vítima em testemunhos múltiplos. Os métodos usados para
estabelecer essa correspondência são descritos no Anexo Estatístico.
†
O coeficiente de correlação entre assassinatos reportados de indivíduos e de grupos ao longo do tempo é de 0,95,
enquanto o coeficiente de correlação entre os desaparecimentos reportados de indivíduos e de grupos ao longo do
tempo é de 0,84.
- 21 -
•
Tanto os assassinatos individuais como de grupos foram motivados pelas mesmas
práticas ou políticas dos responsáveis por esses crimes, o mesmo sucedendo com os
desaparecimentos, ou
•
Alguns depoentes no processo de recolha de testemunhos da Comissão tiveram mais
dificuldade do que outros em identificar especificamente vítimas individuais dos
assassinatos e desaparecimentos ocorridos durante as ofensivas militares em grande
escala do final da década de 1970 e entre 1983 e 1984. Por conseguinte, alguns
depoentes poderão ter descrito esses assassinatos e desaparecimentos como tendo
sido sofridos por grupos anónimos de vítimas.
85.
Seja qual for a explicação correcta, os dados dos testemunhos narrativos recolhidos pela
Comissão são consistentes com a hipótese de que os desaparecimentos em grande escala e os
assassinatos em grande escala se concentraram no tempo: os assassinatos em grande escala
concentraram-se particularmente nos anos iniciais da invasão e ocupação (1975/1979),
enquanto os desaparecimentos em grande escala se concentraram em 1978/1979, no final dos
anos de invasão e durante as acções de aniquilação lançadas contra a Resistência nos distritos
da Região Oriental e, em menor escala, noutras regiões do país em 1983/1984.
O padrão de assassinatos e desaparecimentos reportados de não combatentes em função
das características demográficas e filiação política
86.
As investigações da Comissão analisaram se os assassinatos e desaparecimentos
tinham sido conduzidos de forma sistemática e foram dirigidos especificamente contra vítimas
com características demográficas específicas (tais como idade e sexo) ou filiações políticas. Esta
secção descreve a extensão e padrões reportados dos assassinatos e desaparecimentos de
acordo com o sexo e idade das vítimas e de acordo com o facto de serem civis, combatentes da
Resistência armada ou activistas políticos.
87.
Os assassinatos e desaparecimentos reportados durante o processo de recolha de
testemunhos da Comissão foram maioritariamente contra vítimas do sexo masculino. 86,9%
(4.451/5.120) dos assassinatos reportados foram de vítimas do sexo masculino e 90,5%
(756/836) dos desaparecimentos reportados foram também de homens. Além disso, os homens
adultos jovens entre as idades de 20 e 34 anos foram o grupo etário mais frequentemente
reportado no que se refere a assassinatos e desaparecimentos: 37,4% (663/2.090) das vítimas
*
de assassinatos cujas idades eram conhecidas situavam-se neste grupo etário. 40,0% (138/345)
das vítimas de desaparecimentos cujas idades foram reportadas tinham idades entre os 20 e 34
†
anos.
88.
Como se pode ver nas Figuras <g21910000100.pdf> e <g21910000500.pdf>, os homens
jovens de idades compreendidas entre os 20 e 34 anos foram as vítimas de assassinatos e
desaparecimentos mais frequentemente reportadas no processo de recolha de testemunhos da
Comissão.
[Insert Figures <g21910000100.pdf> and <g21910000500.pdf> about here]
89.
Passando de uma simples contagem de violações envolvendo assassinatos e
desaparecimentos para as taxas de violação na população, observam-se algumas diferenças
significativas. Relativamente à totalidade da população timorense, os homens de meia-idade e
idosos apresentam as taxas mais elevadas (relativamente à sua proporção na população) de
*
As idades específicas de 59,6% (3.030/5.120) das vítimas de assassinatos reportados à Comissão no processo de
recolha de testemunhos não eram conhecidas ou não foram referidas.
†
As idades específicas de 59,2% (490/835) das vítimas de desaparecimentos reportados à Comissão no processo de
recolha de testemunhos não eram conhecidas ou não foram referidas.
- 22 -
assassinatos reportados e os homens no grupo etário dos 50-54 anos apresentam a taxa mais
elevada (relativamente à sua proporção na população) de desaparecimentos reportados. Estes
padrões são apresentados nas Figuras <g4910000100.pdf> e <g4910000500.pdf>.
[Insert Figures <g4910000100.pdf>, <g4910000500.pdf> about here]
90.
48,7% (2.487/5.120) dos assassinatos e 45,3% (377/835) dos desaparecimentos
reportados à Comissão foram cometidos contra a população civil, incluindo tanto civis que não
eram conhecidos por terem uma filiação política como aqueles que eram formalmente membros
dum grupo pró-independência ou partido político, como se pode ver nas Figuras
<gVinstM100.pdf> e <gVinstM500.pdf>.
[Insert Figure <gVinstM100.pdf> and <gVinstM500.pdf> about here]
91.
40,9% (2.092/5.120) dos assassinatos reportados à Comissão no seu processo de
recolha de testemunhos foram contra vítimas que, estavam formalmente filiadas na Fretilin ou
num grupo pró-independência que não estava directamente envolvido na luta armada. 6,4%
(329/5.120) dos assassinatos reportados foram contra vítimas que foram referidas como estando
filiadas nas Falintil.
92.
33,5% (280/835) dos desaparecimentos reportados à Comissão no processo de recolha
de testemunhos foram contra vítimas que estavam formalmente filiadas na Fretilin ou num grupo
pró-independência não directamente envolvido na luta armada. 7,6% (64/835) dos
desaparecimentos reportados foram contra vítimas que foram referidas como estando filiadas
nas Falintil.
93.
Os dados dos testemunhos narrativos da Comissão são consistentes com a hipótese de
que a maioria esmagadora dos assassinatos e desaparecimentos foi cometida contra membros e
suspeitos de estarem associadas ao movimento de Resistência (embora essas pessoas
suspeitas de estarem associadas ao movimento da Resistência possam não ter estado
formalmente associadas a um partido político ou grupo armado).
A associação entre mortes relacionadas com o conflito e períodos de prisão
94.
Os padrões de prisões arbitrárias e de assassinatos de civis reportados à Comissão
*
apresentam uma correlação positiva ao longo do tempo. Em particular, tantos os assassinatos
de não combatentes como as prisões arbitrárias reportados concentraram-se maioritariamente
durante os anos iniciais da invasão e ocupação indonésias, como se mostra nas Figuras
<g122Mhrvd100.pdf> e <g122Mhrvd400.pdf>.
[Insert Figures <g122Mhrvd100.pdf> and <g122Mhrvd400.pdf> about here]
95.
Além disso, dos civis que foram reportados como tendo morrido por motivos
relacionados com o conflito (isto é, devido a assassinato, morte por fome ou doença, ou
desaparecimento), 98,6% (10.659/10.809) foram referidos como tendo sido arbitrariamente
presos pelo menos uma vez durante o período de referência da Comissão. Como se pode ver no
Quadro <tStdInDetnVlnfatalsx_lo_dist.rtf> , 3,5% (378/10.809) dessas vítimas morreram enquanto
estavam presas. Para 12,2% (1.314/10.809) das mortes relacionadas com o conflito sofridas por
indivíduos que também estiveram presos durante o período de referência da Comissão, as datas
precisas da sua prisão não são conhecidas. Por isso, a Comissão não pôde determinar se estas
mortes relacionadas com o conflito ocorreram enquanto os indivíduos estavam presos. Contudo,
das vítimas referidas como tendo sido arbitrariamente presas durante o conflito, 15,7%
(1.692/10.809) morreram em consequência do conflito.
*
O coeficiente de correlação para as duas séries é de 0,83.
- 23 -
[Insert Table <tStdInDetnVlnfatalsx_lo_dist.rtf> about here]
96.
Das violações fatais reportadas à Comissão que ocorreram enquanto a vítima estava
presa, 96,6% (365/378) foram assassinatos ou desaparecimentos de civis e 3,4% (13/378) foram
mortes devidas a fome e doenças. Pelo contrário, a distribuição por causa de morte para aqueles
indivíduos que morreram de causas relacionadas com o conflito fora da prisão é
substancialmente diferente: 49,0% (4.390/8.967) das vítimas documentadas pela Comissão
morreram em resultado de assassinatos e desaparecimentos, enquanto as restantes 51,0%
(4.577/8.967) morreram devido a fome e doenças. Por conseguinte, os dados quantitativos da
Comissão são consistentes com a hipótese de que as pessoas apresentavam um risco
relativamente mais elevado de serem mortas ou de desaparecerem quando estavam presas do
que quando não estavam.
[Insert Table <tStdInDetnVlnfatalsx_vln_1.rtf> about here]
97.
O padrão das mortes relacionadas com o conflito e a sua relação com os períodos de
prisão variou ao longo das diversas fases do conflito. Como se pode ver no Quadro
<tStdInDetnVlnfatalphase.rtf>, as mortes reportadas na prisão concentraram-se maioritariamente
na primeira e última fases do conflito. As mortes relacionadas com o conflito que ocorreram fora
da prisão (para aquelas vítimas que tinham sido arbitrariamente presas durante o período de
referência da Comissão) concentram-se maioritariamente na primeira fase do conflito: 85,3%
(7.651/8.967) destas mortes relacionadas com o conflito ocorreram na primeira fase do conflito,
enquanto 8,5% (762/8.967) ocorreram em 1999.
[Insert Table <tStdInDetnVlnfatalphase.rtf> about here]
6.3 Violações não fatais
6.3.1 Introdução
98.
Nesta secção é apresentada uma análise das violações não fatais que foram reportadas
à Comissão. Essa análise não inclui estimativas globais da extensão total, padrões e tendências
das violações não fatais, uma vez que se baseia numa amostra de conveniência de testemunhos
narrativos recolhidos pela Comissão. Contudo, a análise apresenta os padrões estatísticos das
violações não fatais reportadas à Comissão e refere um conjunto de hipóteses que são
suportadas pelos dados. Além disso, é feita uma comparação entre os padrões e tendências
estatísticos observados nos dados da Comissão sobre violações não fatais e os dados
recolhidos à época pela Amnistia Internacional, bem como dados recolhidos pela ONG timorense
Fokupers imediatamente após a Consulta Popular patrocinada pela ONU.
6.3.2 Descrição geral das conclusões estatísticas sobre violações não fatais
99.
Nesta secção são sintetizadas as principais conclusões da análise estatística descritiva
feita pela Comissão de quase 8.000 testemunhos narrativos recolhidos nos 13 distritos de TimorLeste.
- 24 -
•
As violações não fatais reportadas à Comissão concentraram-se maioritariamente no
período inicial de invasão e da ocupação pelas forças militares indonésias e por volta da
época em que se realizou a Consulta Popular patrocinada pela ONU: 56,3%
(33.224/60.047) das violações não fatais documentadas ocorreram entre 1975 e 1984, e
21,0% (12.634/60.047) ocorreram em 1999.
•
Em praticamente todos os distritos, à excepção de Oecusse, as prisões, tortura e maustratos foram as violações mais frequentemente reportadas, representando entre 69,4% e
82,7% do total de violações reportadas nos distritos. Em Oecusse, as violações da
integridade física (tais como prisão, tortura e maus-tratos) corresponderam a 43,0% do
total de violações reportadas nesse distrito. Relativamente a outros distritos, foram
reportadas em Oecusse violações da propriedade e violações económicas numa
proporção mais elevada, correspondendo a 30,8% (1.271/4.133) do total de violações no
distrito.
•
Os padrões de violações não fatais durante a primeira e última fases do conflito variaram
de região para região. Se a violência inicial por volta da época da invasão indonésia de
1975 foi mais intensa nas regiões Ocidental e Central, após 1976 o grosso das violações
não fatais deslocou-se para a Região Oriental.
•
As distribuições documentadas por idade-sexo das prisões arbitrárias, tortura e maustratos são muitos semelhantes, cada qual revelando que o grupo de vítimas mais
frequentemente documentado para estes tipos de violações é o grupo dos homens
jovens em idade militar (entre 20 e 39 anos). São muito poucos os actos documentados
de prisão, tortura e maus-tratos contra vítimas do sexo feminino. Em contrapartida, as
mulheres sofreram a grande maioria das violações de natureza sexual: 90,1% (769/853)
das violações de natureza sexual documentadas pela Comissão envolveram vítimas do
sexo feminino.
•
Os dados da Comissão sobre violações não fatais revelam uma tendência geral
crescente ao longo do tempo no rácio entre adultos e crianças. Ou seja, o número de
vítimas adultas relativamente às vítimas crianças é maior na parte final do conflito.
•
Os relatos coetâneos da Amnistia Internacional revelam três vagas distintas de prisões
de indivíduos identificados, em 1985, 1989/1993 e 1994/1999, de 402, 891 e 811 prisões
respectivamente, enquanto os testemunhos narrativos retrospectivos apresentados
perante a Comissão sugerem que o grosso das prisões arbitrárias ocorreu em 1999 e
por volta de 1975/1984.
•
A análise comparativa que a Comissão realizou entre os seus próprios dados estatísticos
e os relatórios coetâneos da Amnistia Internacional mostram que, embora os grupos
internacionais de direitos humanos como a Amnistia Internacional tenham documentado
meticulosamente a situação dos direitos humanos em Timor-Leste ao longo das décadas
de 1980 e de 1990, houve uma situação de sub-reporte significativa da magnitude total
da violência não fatal ocorrida nessa época, em especial durante os anos iniciais de
invasão e ocupação.
•
Os dados estatísticos da Comissão são consistentes com a hipótese de que as práticas
de detenção dos militares indonésios passaram de um enfoque tanto em vítimas
individuais como em vítimas de grupos nos anos iniciais da ocupação de 1977/1984,
para uma estratégia mais orientada para prisioneiros específicos, de 1985 a 1999. Os
dados estatísticos da Comissão também sugerem uma correlação positiva entre os actos
de tortura cometidos contra vítimas de grupos e vítimas individuais ao longo do tempo.
- 25 -
•
Os padrões ao longo do tempo das prisões e torturas reportadas apresentavam uma
forte correlação positiva. Ao longo do tempo, a violência tornou-se crescentemente
coordenada e a magnitude dos actos reportados de tortura aumentou (entre o final da
década de 1970 e meados da década de 1980) relativamente ao número de prisões
reportadas. Os dados estatísticos da Comissão também sugerem que ao longo do tempo
(e, em particular, após 1984), a prática de prisões arbitrárias se tornou mais orientada
para alvos específicos e foi usada mais regularmente em combinação com actos de
tortura.
•
Os abusos que foram mais frequentemente cometidos durante períodos conhecidos de
prisão foram a tortura (38,4%, 4.267/9.094), maus-tratos (33,2%, 27.998/9.094) e
ameaças (21,3%, 634/9.094). Note-se também que a tortura e os maus-tratos são muito
menos reportados pelas vítimas que nunca foram presas: dos actos de tortura
documentados pela Comissão, 16,4% (1.820/11.123) foram sofridos por vítimas que
nunca experimentaram a prisão. Os dados estatísticos da Comissão são consistentes
com a hipótese de que as vítimas que foram presas estavam mais em risco de serem
submetidas a torturas ou maus-tratos do que indivíduos que nunca foram presos durante
o período de referência da Comissão.
•
Os distritos que reportaram proporções relativamente mais elevadas de torturas e maustratos foram também, de um modo geral, os que mais reportaram abusos durante os
períodos de prisão.
•
As crianças e pessoas idosas foram presas com uma frequência substancialmente
menor, e quando foram presas estiveram sujeitas a níveis proporcionalmente mais
baixos de abuso.
•
Os dados recolhidos independentemente pela Comissão e pela Amnistia Internacional
confirmam que grupos significativos de pessoas foram mantidos presos na Ilha de
Ataúro no período entre 1980 e 1984, para além de terem continuado a ocorrer prisões
em grande escala noutras partes de Timor-Leste.
•
88,7% (68.943/77.748) das violações não fatais reportadas à Comissão foram violações
contra a população civil. Contudo, à medida que o movimento pró-independência se
tornou mais organizado e aberto no processo que conduziu à Consulta Popular de 1999
patrocinada pela ONU, um número crescente de civis com ligações ao movimento próindependência parece ter sido vítima de violações não fatais.
•
A grande maioria das violações não fatais reportadas à Comissão foi atribuída aos
militares e polícia indonésios: 62,2% (37.343/60.047) das violações não fatais
documentadas foram atribuídas aos militares e polícia indonésios, 38,7%
(23.253/60.047) aos grupos coadjuvantes timorenses das forças de ocupação indonésias
e 11,9% (7.157/60.047) à Resistência.*
•
A análise quantitativa feita pela Comissão das prisões arbitrárias é consistente com a
hipótese de que a coordenação e cooperação entre as forças de ocupação indonésias e
os grupos coadjuvantes timorenses foi particularmente intensa depois dos militares
indonésios terem garantido o controlo sobre partes consideráveis do território de TimorLeste e terem começado a consolidar a sua ocupação desse território, e depois
novamente em 1999, no processo que conduziu à Consulta Popular patrocinada pela
ONU e após este.
*
Note-se que, para algumas das violações reportadas, a responsabilidade dos perpetradores foi atribuída a múltiplas
instituições. Esse facto explica a razão por que a soma das percentagens de responsabilidade institucional atribuída não
é igual a 100%.
- 26 -
•
Os dados estatísticos da Comissão são consistentes com a hipótese de que, em 1999,
os militares e polícia indonésios ajudaram e incitaram os seus coadjuvantes timorenses
(principalmente as milícias pró-autonomia) na utilização generalizada de prisões
arbitrárias no processo que conduziu à Consulta Popular patrocinada pela ONU e no
período que se lhe seguiu.
6.3.3 Análise estatística descritiva pormenorizada das violações não fatais
Distribuição global das violações não fatais reportadas
100.
O processo de recolha de testemunhos conduzido pela Comissão foi uma iniciativa a
uma escala sem precedentes quando comparada com todos os outros projectos de
documentação de violações de direitos humanos levados a cabo em Timor-Leste.
101.
Como se pode ver na Figura <tVlnTypDatasourceM>, os tipos de violações não fatais
documentados pela Comissão, Amnistia Internacional e Fokupers diferem significativamente.
Este facto reflecte não apenas a natureza diferente dos três projectos de documentação como as
diferentes redes sociais a que as estratégias de recolha de dados das três instituições lhes
permitiram aceder. De todas as violações não fatais reportadas pela Comissão, 42,3%
(25.347/59.972) foram prisões, 18,5% (11.123/59.972) foram actos de tortura e 14,1%
(8.436/59.972) foram actos de maus-tratos. Comparativamente, a Fokupers reportou uma
percentagem substancialmente menor de prisões (23,4% (184/788)) e torturas (7,5% (59/788)),
embora tanto a Comissão como a Fokupers referissem percentagens aproximadamente
semelhantes de deslocações e maus-tratos.
102.
Como ONG preocupada com os direitos das mulheres, a Fokupers documentou uma
percentagem significativamente mais elevada de violações sexuais do que a Comissão ou a
Amnistia Internacional: 7,7% (86/1.115) de todas as violações não fatais reportadas foram
violações sexuais. Comparativamente, das violações documentadas nos relatórios disponíveis
da Amnistia Internacional, 59,7% (3.272/5.479) foram prisões, 18% (986/5.479) foram
julgamentos não equitativos e 11,5% (631/5.479) foram actos de tortura.
[Insert Figure <tVlnTypDatasourceM> about here]
103.
A distribuição relativa das vítimas por violação para os diferentes tipos de violações é
razoavelmente idêntica nos projectos de documentação da Comissão, Fokupers e Amnistia
Internacional, como se mostra nas Figuras <stdVPV1M.rtf> , <stdVPV2M.rtf> e <stdVPV3M.rtf>.
A Comissão documentou ligeiramente mais violações por vítima do que a Fokupers e a Amnistia
Internacional. Em média, foram reportadas à Comissão 2,36 violações por vítima,
comparativamente a 2,01 e 1,53 respectivamente para a Fokupers e Amnistia Internacional. Esta
diferença reflecte a natureza diferente dos projectos de documentação. A Comissão documentou
violações ocorridas durante a totalidade do seu período de referência, incluindo os anos iniciais
da invasão, enquanto que o trabalho da Amnistia se concentrou sobretudo nos anos de
consolidação da ocupação e foi compilado durante o conflito, quando as comunicações entre
Timor-Leste e o resto do mundo eram limitadas. O projecto da Fokupers concentrou-se quase
exclusivamente na terceira fase do conflito, por volta da época da Consulta Popular patrocinada
pela ONU. A Fokupers baseou-se exclusivamente em depoentes do sexo feminino e concentrouse na documentação de violações sexuais.
[Insert Figures <stdVPV1M.rtf>, <stdVPV2M.rtf> and <stdVPV3M.rtf> about here]
As três fases da violência em grande escala em Timor-Leste
104.
A Comissão definiu três fases no conflito, entre Abril de 1974 e Setembro de 1999. A
primeira fase inclui a invasão indonésia e ocupação inicial de Timor-Leste, estendendo-se de
- 27 -
1975 a 1984. A segunda fase corresponde à consolidação e normalização da ocupação, e
prolonga-se de 1985 a 1998. A terceira fase do conflito inclui os três primeiros trimestres de
1999, o período em redor do processo de Consulta Popular patrocinado pela ONU.
105.
Como se pode ver na Figura <g122Mhrvd8888.pdf> , existiram níveis elevados de
violações não fatais durante os anos iniciais de invasão e ocupação. Durante a segunda fase
verificaram-se, de um modo geral, níveis relativamente mais baixos de violações não fatais e
uma concentração dos actos de prisão, tortura e assassinatos em torno do Massacre de Santa
Cruz de 1991. A segunda fase de “normalização” incluiu uma nova vaga de prisões e abusos
físicos orientados para alvos específicos, nomeadamente contra colaboradores da Resistência e
membros suspeitos de pertencerem àquela. Finalmente, a última fase do conflito, que incluiu o
processo que conduziu à Consulta Popular e também o período entre a Consulta Popular e a
entrada no território da força multinacional Interfet (International Force in East Timor), produziu
duas vagas distintas de assassinatos, deslocações, pilhagens e destruição de propriedade. Esta
última fase foi caracterizada por violações em grande escala final concentradas num curto
período de tempo, executadas na sua esmagadora maioria por “milícias pró-autonomia”
apoiadas, treinadas, armadas e dirigidas pelos militares indonésios.
[INSERT Figure <g122Mhrvd8888.pdf> about here]
106.
O padrão de violações não fatais massivas durante os anos iniciais de invasão e
ocupação, seguido por uma violência de intensidade relativamente baixa durante os anos de
“consolidação e normalização”, e depois um aumento da violência em 1999 é idêntico ao padrão
de violações fatais ao longo do tempo, como atrás se descreveu
107.
Em 1999, as violações reportadas concentraram-se maioritariamente em Abril e
Setembro. Como se pode ver na Figura <g4TS4006001000.pdf> , os padrões reportados de
prisões, maus-tratos e torturas apresentam uma correlação positiva ao longo do tempo. Isto é,
quando qualquer um dos tipos de violações aumenta, os outros também tendem a aumentar, e
vice-versa. Os três tipos de violações reportados apresentam picos em Abril, com um pico
ligeiramente inferior a ser referido em Setembro, embora ambos os picos apresentem
magnitudes semelhantes. Em 1999, a violência reportada concentrou-se em duas irrupções
principais de violência antes e depois do processo que conduziu à Consulta Popular patrocinada
pela ONU. Este padrão é consistente com a hipótese de que a intimidação física foi usada de
uma forma coordenada para atemorizar a população timorense no processo que antecedeu e
conduziu à chegada da missão UNAMET da ONU, que estava autorizada a organizar a Consulta
Popular, e como forma de intimidação e retribuição no período que se seguiu imediatamente à
votação.
[Insert <g4TS4006001000.pdf> about here]
108.
Houve uma alteração significativa na actuação das milícias apoiadas pela Indonésia e
das forças militares indonésias no período que antecedeu e naquele que se sucedeu à Consulta
Popular (ver também Subcapítulo 7.9: Direitos Económicos e Sociais). Como se pode ver na
Figura <g1st1480004000400.pdf> , a forma de repressão mais frequentemente usada antes da
votação foram violações da integridade física. Imediatamente após a votação, as pilhagens e
formas de violação da propriedade e económicas foram usadas com mais frequência. Após a
votação, as violações da integridade física ocorreram a um nível ligeiramente inferior em
comparação com o período que a antecedeu. No entanto, essas violações são ofuscadas pelas
violações de propriedade. Este padrão parece ser consistente com a hipótese de que os militares
indonésios e milícias passaram da utilização de violações da integridade física antes da votação
com o objectivo de pressionar a população a votar a favor da autonomia, para actos de
retribuição após o anúncio do resultado da votação, que consistiram em pilhagens e destruição
de propriedade em grande escala, associados a actos de retribuição envolvendo violência física,
que podem também ter estado associados a uma campanha para intimidar as pessoas a
transferirem-se para Timor Ocidental, na Indonésia.
- 28 -
[Insert Figure <g1st1480004000400.pdf> about here]
109.
Os dados empíricos da Comissão sobre os padrões das violações não fatais ao longo de
1999 são consistentes com a hipótese de que a violência em 1999 foi coordenada.
Níveis reportados de responsabilidade institucional pelas violações não fatais
Distribuição geral da responsabilidade institucional pelas violações não fatais reportadas
110.
Várias instituições diferentes estiveram envolvidas em actos de violência ao longo do
conflito. Os principais grupos institucionais foram as forças militares indonésias, Falintil, os
partidos políticos timorenses (tais como a Fretilin, UDT e Apodeti), os membros timorenses das
forças de defesa civil (tais como a Hansip, Wanra e Ratih), milícias e outros grupos coadjuvantes
timorenses. Nesta secção são analisados os níveis de responsabilidade reportados para as
principais violações não fatais entre os principais grupos institucionais de perpetradores.
111.
A maioria das violações não fatais reportadas à Comissão foi atribuída aos militares
indonésios e aos seus colaboradores timorenses, como se mostra na Figura <VlnTypePe1M.rtf>:
41,2% (37.298/90.635) das violações não fatais foram atribuídas aos militares indonésios, e
25,6% (23.230/90.635) a grupos coadjuvantes timorenses (tais como as milícias, força de defesa
civil e funcionários locais trabalhando para a administração indonésia). Em 7,9% (7.146/90.635)
das violações reportadas, a responsabilidade institucional pelos actos foi atribuída a grupos da
Resistência e a forças pró-independência.
[Insert Figure <VlnTypePe1M.rtf> about here]
Padrões no tempo de responsabilidade institucional pelas violações não fatais
112.
Os níveis de responsabilidade institucional pelas violações não fatais documentadas
variaram ao longo do conflito. Durante o ano de 1975, 51,0% (6.229/12.206) das violações não
fatais documentadas pela Comissão foram atribuídas aos militares indonésios, enquanto 29,9%
(3.653/12.206) foram atribuídas aos partidos políticos timorenses.
113.
Das violações não fatais documentadas que ocorreram em 1975, 31,2% (3.169/10.162)
foram atribuídas à Fretilin, 19.4% (1.972/10.162) à UDT e 2.6% (261/10.162) à Apodeti. Como se
pode ver na Figura <gTSpolparty.pdf> , a grande maioria das violações não fatais documentadas
em 1975 (violações das quais se conhece o mês exacto em que ocorreram) que são atribuídas
aos partidos políticos timorenses ocorreram em Agosto e Setembro.
[Insert Figure <gTSpolparty.pdf> about here]
114.
Como se pode ver na Figura <g1stlM5000indtim.pdf> , durante o período de
desenvolvimento da ocupação militar indonésia, entre 1977 e 1984, o padrão de violações não
fatais atribuídas aos militares indonésios e aos grupos coadjuvantes timorenses apresenta uma
*
correlação positiva. Além disso, existe uma percentagem substancialmente mais elevada de
responsabilidade por esses actos que é atribuída às unidades de defesa civil e a outros grupos
coadjuvantes timorenses das ABRI entre 1977 e 1984 do que durante os anos iniciais da invasão
(1975/1976) ou durante os anos de consolidação, entre 1985 e 1998. Os dados estatísticos da
Comissão são consistentes com a hipótese de que os militares indonésios recorreram
frequentemente aos grupos coadjuvantes timorenses entre 1977 e 1984 para conter as
actividades da Resistência e normalizar a ocupação através de violações da integridade física.
Das violações não fatais atribuídas aos grupos coadjuvantes timorenses entre 1977 e 1984,
*
O coeficiente de correlação entre as violações não fatais reportadas atribuídas aos militares e polícia indonésios e
aquelas que são atribuídas aos grupos coadjuvantes timorenses, é de 0,88.
- 29 -
54,0% (4.660/8.633) foram actos de prisão, 16,6% (1.435/8.663) foram actos de tortura e 10,9%
(938/8.633) foram actos de maus-tratos.
[Insert Figure <g1stlM5000indtim.pdf> about here]
115.
Os depoentes no processo de recolha de testemunhos da Comissão atribuíram
responsabilidade substancial a unidades específicas das forças indonésias de ocupação e dos
grupos coadjuvantes timorenses em ocasiões determinadas durante o conflito. Como se pode
ver nas Figuras <gcid400x600.pdf> e <gkop400x600.pdf>, após o conflito entre partidos e a
invasão inicial de 1975, houve um pico relativo na responsabilidade pelas prisões e torturas
perpetradas pelas unidades de defesa civil entre 1978 e 1983, após o que a
Kopassandha/Kopassus (Unidade de Forças de Comando Especiais) executou diversas
centenas de prisões e actos de tortura em 1984 e 1986. No final de década de 1990, como se
pode ver em <gpol400x600.pdf>, a responsabilidade pelas prisões e torturas é atribuída à
polícia. A magnitude reportada das prisões e torturas atribuídas às forças de defesa civil em
1983 foi 1,6 vezes superior às prisões e actos de tortura atribuídos à Kopassandha no mesmo
ano e 2,0 vezes superior à que foi atribuída à polícia em 1999.
[Insert figures <gpcid400x600.pdf>, <gpkop400x600.pdf>, and <gpol400x600.pdf> about here]
116.
Em 1999, pelo contrário, a esmagadora responsabilidade pelas violações não fatais foi
atribuída às milícias e aos militares indonésiosestando as milícias associadas a um número de
violações não fatais que é mais do dobro daquele que foi atribuído aos militares indonésios,
como se pode ver nas Figuras <g1stlM5000miltni.pdf> e <g1st145000miltni.pdf>.
[Insert Figures <g1stlM5000miltni.pdf> and <g1st145000miltni.pdf> about here]
117.
Por vezes, as violações não fatais foram atribuídas aos militares e polícias indonésios
actuando isoladamente, outras vezes aos grupos coadjuvantes timorenses actuando
isoladamente, e outras vezes ainda aos militares e polícia indonésios actuando concertadamente
com os seus coadjuvantes timorenses. O padrão de responsabilidade partilhada e individual
entre as forças indonésias e os seus coadjuvantes timorenses variou segundo o tipo de violação
e também ao longo do tempo.
118.
Dos actos de prisão arbitrária documentados pela Comissão, 82,3% (20.867/25.347)
foram atribuídos às forças de segurança indonésia, aos seus coadjuvantes timorenses, ou a
ambos. Como se pode ver na Figura <gTS_pg400M.pdf>, os actos de prisão arbitrária atribuídos
apenas aos militares e polícia indonésios, aos grupos coadjuvantes timorenses, ou a ambas as
forças actuando em conjunto apresentam uma correlação positiva ao longo do tempo. Em
particular, os períodos em que um número substancial de actos de prisão documentados são
atribuídos a ambas as forças actuando em conjunto (bem como a cada uma delas actuando
individualmente) incluem o período inicial de invasão e ocupação (em particular entre 1978 e
1983) e o período ao redor da Consulta Popular patrocinada pela ONU. Assim, a análise
quantitativa feita pela Comissão às prisões arbitrárias é consistente com a hipótese de que a
coordenação e cooperação entre as forças de ocupação indonésias e os seus coadjuvantes
timorenses foi particularmente intensa depois dos militares indonésios terem garantido o controlo
de regiões significativas de Timor-Leste e terem começado a consolidar a sua ocupação do
território, e depois de novo em 1999 no processo que antecedeu e se seguiu à Consulta Popular
patrocinada pela ONU.
[Insert Figure <gTS_pg400M.pdf> about here]
119.
Entre 1975 e 1998, há um número substancialmente mais elevado de actos de prisão
arbitrária atribuídos aos militares indonésios actuando isoladamente do que de actos de prisão
arbitrária atribuídos exclusivamente aos grupos coadjuvantes timorenses ou conjuntamente às
- 30 -
forças de ocupação indonésias e aos seus coadjuvantes timorenses. Em 1999, todavia, a
maioria dos actos de prisão arbitrária foram atribuídos aos grupos coadjuvantes timorenses. Dos
actos de prisão arbitrária perpetrados em 1999 e documentados pela Comissão, 75,7%
(2.104/2.779) foram atribuídos aos grupos coadjuvantes timorenses actuando isoladamente ou
em conjunto com os militares e polícias indonésios, enquanto 19,2% (534/2.779) dos actos de
prisão arbitrária documentados ocorridos em 1999 foram atribuídos exclusivamente aos militares
indonésios. Quase todos estes actos foram referidos como tendo ocorrido nos meses de Abril,
Maio e Setembro de 1999, como se pode ver na Figura <gTS_pg4004.pdf>. O padrão estatístico
resultante sugere planeamento e coordenação operacional prévios entre ambas as forças na sua
utilização da prisão arbitrária. Durante estes meses, o Governo indonésio garantiu repetidamente
às Nações Unidas que as suas forças militares estavam a tentar controlar a violência em TimorLeste. Os dados estatísticos da Comissão, porém, são compatíveis com a hipótese de que em
1999, os militares e polícia indonésios, em vez de procurarem controlar os seus coadjuvantes
timorenses (principalmente as milícias pró-autonomia), ajudaram-nas e deram-lhes cobertura na
utilização generalizada das prisões arbitrárias no processo que conduziu e se seguiu à Consulta
Popular patrocinada pela ONU.
120.
O padrão de responsabilidade atribuída exclusivamente e conjuntamente às forças de
segurança indonésias e aos seus coadjuvantes timorenses apresenta algumas semelhanças
notórias com as prisões arbitrárias, embora os actos de maus-tratos e de tortura tenham sido
*
usados de uma forma mais dirigida para alvos específicos. Existe uma percentagem semelhante
(nomeadamente 82,5% (16.135/19.559) dos maus-tratos e torturas documentados) que é
atribuída às forças de ocupação indonésias e aos seus coadjuvantes timorenses. Em 1999, e tal
como sucede com os actos de prisão arbitrária, 75,8% (3.278/4.324) dos actos reportados de
maus-tratos e torturas foram atribuídos aos grupos coadjuvantes timorenses (actuando
isoladamente ou em colaboração com os seus parceiros das forças militares e polícia
indonésias). Contudo, e como se pode ver comparando as Figuras <gTS_pg600M.pdf> e
<gTS_pg1000M.pdf> com a Figura <gTS_pg400M.pdf>, existe uma maior percentagem de actos
de maus-tratos e tortura referidos como tendo ocorrido em 1999 do que entre 1974 e 1988,
comparativamente aos casos documentados de prisões arbitrárias.
[Insert Figures <gTS_pg600M.pdf> and <gTS_pg1000M.pdf> about here]
121.
Em 1999, o padrão e magnitude dos actos de tortura e maus-tratos documentados,
atribuídos às forças de ocupação indonésias e aos seus coadjuvantes timorenses, actuando
isoladamente e conjuntamente, é semelhante ao dos actos de prisão arbitrária documentados
referentes a 1999, como se pode ver nas Figuras <gTS_pg6004.pdf> e <gTS_pg10004.pdf>.
[Insert Figures <gTS_pg6004.pdf> and <gTS_pg10004.pdf> about here]
122.
Assim, e tal como sucede no caso das prisões arbitrárias, os dados da Comissão sobre
os maus-tratos e torturas são consistentes com a hipótese de que a coordenação e cooperação
entre as forças indonésias e os seus coadjuvantes timorenses foi particularmente intensa depois
dos militares indonésios terem garantido o controlo de partes significativas de Timor-Leste e de
terem começado a consolidar a sua ocupação do território, e depois de novo em 1999, no
processo que conduziu e se seguiu à Consulta Popular patrocinada pela ONU.
123.
A natureza e o padrão de atribuição de responsabilidade pelas violações de natureza
sexual e de propriedade/económicas documentadas são notoriamente diferentes da natureza e
padrão dos actos de prisão arbitrária, torturas e maus-tratos documentados.
*
Para uma explicação mais pormenorizada da natureza mais orientada para alvos específicos das torturas e maus-tratos
comparativamente aos actos de prisão, consultar atrás a secção referente às três fases da violência em larga escala em
Timor-Leste.
- 31 -
124.
Existe uma maior percentagem de violações de natureza sexual que foram atribuídas
aos militares indonésios actuando isoladamente, e uma percentagem muito menor de idênticas
violações atribuídas às forças de ocupação indonésias actuando em conjunto com os seus
coadjuvantes timorenses. Em particular, 61,0% (520/853) das violações de natureza sexual
documentadas foram atribuídas aos militares e polícia indonésios actuando isoladamente, 22,0%
(188/853) aos grupos coadjuvantes timorenses actuando isoladamente e 10,3% (88/853) a
ambas as forças actuando em conjunto. Tal como em todas as outras violações não fatais, existe
um número mais elevado de violações de natureza sexual que foram atribuídas aos militares
indonésios actuando isoladamente entre 1975 e 1998, do que de violações da mesma natureza
atribuídas unicamente aos grupos coadjuvantes timorenses ou conjuntamente a ambas as
forças. Enquanto em 1999, a maioria das violações de natureza sexual (66,2% (94/142))
reportadas à Comissão foram atribuídas unicamente aos grupos coadjuvantes timorenses. Estes
padrões temporais são apresentados nas Figuras <gTS_7000M.pdf> e <gTS_70004.pdf>.
[Insert Figure gTS_7000M.pdf> <gTS_70004.pdf> about here]
125.
Das violações de propriedade/económicas documentadas atribuídas às forças de
ocupação indonésias e/ou aos grupos coadjuvantes timorenses actuando isoladamente ou em
conjunto, 65,1% (2.673/4.105) ocorreram em 1999. Como se pode ver na Figura
<gTS_8000M.pdf>, 70,2% (1.942/2.766) das violações de propriedade/económicas
documentadas em 1999 foram atribuídas unicamente aos grupos coadjuvantes timorenses,
20,0% (553/2.766) foram atribuídas a ambas as forças actuando em conjunto e 6,4% (178/2.766)
aos militares e polícia indonésios actuando isoladamente. A análise quantitativa da Comissão é
consistente com a hipótese de que a maior parte da destruição de propriedades e económica foi
levada a cabo em 1999 e for geralmente perpetrada pelas milícias actuando isoladamente ou em
colaboração com os militares e polícias indonésios.
[Insert Figure <gTS_8000M.pdf> about here]
Variações nos abusos não fatais reportados no espaço
126.
Os dados narrativos da Comissão não podem ser usados para avaliar directamente as
diferenças de magnitude das violações entre regiões e distritos. Os dados baseados em
amostras de conveniência são apenas representativos da extensão total da violência de região
para região na medida em que os depoentes cujos testemunhos foram recolhidos forem
representativos da sua população local e tiverem sido seleccionados proporcionalmente à
violência sofrida em cada distrito. Como se descreveu anteriormente, a informação narrativa
recolhida pela Comissão, Fokupers e Amnistia Internacional está sujeita a diversos tipos de
desvios. Por conseguinte, os padrões de violações não fatais no espaço são apresentados nesta
secção para um melhor entendimento sobre os processos sociais de recolha de dados pela
Comissão, Fokupers e Amnistia Internacional, e para se avaliar se os padrões reportados no
espaço são consistentes com as análises qualitativas e argumentos relevantes.
[Insert Table VlnTypDIST1M> about here]
127.
A Figura VlnTypDIST1M apresenta os valores de cada violação por distrito, tal como
foram reportados à Comissão durante o processo de recolha de testemunhos. O distrito de Díli
apresenta um valor significativamente mais elevado de violações reportadas do que qualquer
outro distrito, correspondendo-lhe 14,0% (8.389/59.972) de todas as violações no país. Os outros
distritos com valores de violações relativamente elevados são Ermera, Manufahi, Viqueque e
Lautém. Em praticamente todos os distritos, à excepção de Oecusse, as detenções, torturas e
maus-tratos foram as violações mais frequentemente reportadas, correspondendo a um valor
entre 69,4% e 82,7% das violações reportadas nos distritos. Em Oecusse, as violações da
integridade física corresponderam a 43,0% do total de violações no distrito. Relativamente aos
outros distritos, as violações da propriedade e económicas em Oecusse representaram uma
- 32 -
percentagem mais elevada, correspondendo a 30,8% (1.271/4.133) do total de violações no
*
distrito. As violações de propriedade e económicas nos outros distritos foram referidas com uma
frequência significativamente inferior, correspondendo em média a 7,4% (3.464/56.574) das
violações reportadas.
128.
Embora as violações da integridade física reportadas à Comissão constituam 61,5%
(36.911/60.047) de todas as violações não fatais documentadas, as prisões, torturas e maustratos não foram documentados nas mesmas proporções em cada distrito, como se pode ver na
Figura <gVtypeDisthrvd4006001000.pdf> . Em particular, Díli apresenta uma percentagem mais
elevada de prisões documentadas relativamente ao número de actos documentados de maustratos e tortura, enquanto Bobonaro, Ainaro, Aileu, Manatuto, Liquiça e Covalima apresentam
valores proporcionalmente mais baixos de prisões documentadas em comparação com os
respectivos valores de maus-tratos e torturas. Os dados da Comissão são consistentes com a
hipótese de que as políticas e práticas de prisão e abuso físico variaram de região para região.
Em particular, a análise empírica realizada pela Comissão determinou que embora as prisões
fossem mais frequentes em Díli, os maus-tratos e a tortura eram usados com menos frequência
do que no resto do país.
[Insert Figure <gVtypeDisthrvd4006001000.pdf> about here]
129.
As violações de natureza sexual documentadas pela Comissão correspondem a 1,4%
(853/59.972) de todas as violações reportadas. Contudo, em Ermera, Ainaro e Lautém a
Comissão encontrou uma percentagem relativamente mais elevada de violações de natureza
sexual, correspondendo a 3,3% (199/5.981), 2,7% (102/3.727) e 2,1% (105/5.004) do total de
violações, respectivamente. As violações de natureza sexual foram reportadas com menor
frequência em Díli e Oecusse, onde representam 0,3% (27/8.389) e 0,1% (4/3.398) do total,
respectivamente.
130.
Os tipos de abusos de natureza sexual documentados variaram de distrito para distrito,
como se pode ver na Figura <gVtypeDisthrvd800900700.pdf> . Na totalidade do território de
Timor-Leste, de todas as violações de natureza sexual documentadas pela Comissão, a violação
sexual correspondeu a 46,1% (393/853), outras formas de violência sexual a 27,1% (231/853) e
a escravatura sexual a 26,8% (229/853). As violações sexuais corresponderam a uma
percentagem mais elevada das violações de natureza sexual em Aileu e Bobonaro do que a
média nacional: 71,9% (23/32) e 66.2% (45/68), respectivamente. Enquanto a escravatura sexual
correspondeu a uma percentagem mais elevada do que a média nacional das violações de
natureza sexual praticadas em Manufahi e Ainaro: 39,1% (34/87) e 39,2% (40/102),
respectivamente. De modo análogo, as outras formas de violência sexual corresponderam a
57,9% (11/19) e 51,4% (54/105) de todas as violações de natureza sexual documentadas em
Liquiça e Lautém, respectivamente.
[Insert Figure <gVtypeDisthrvd800900700.pdf> about here]
Violações não fatais ao longo do tempo e no espaço
131.
Em termos genéricos, a violência em Timor-Leste ocorreu em fases distintas, tal como
referido anteriormente. Contudo, os padrões de violações não fatais durante a primeira e última
fases do conflito variaram de região para região, como se pode ver na Figura
<gpTS_regional5555.pdf>. Em particular, a violência associada à invasão inicial indonésia e ao
conflito entre os partidos de Timor-Leste em 1975 foi mais intensa nas Regiões Ocidental e
*
96,8% (1.230/1.271) destas violações de propriedade em Oecusse foram referidas como tendo ocorrido em 1999. Além
disso, 94,0% (3.194/3.398) das violações reportadas em Oecusse ocorreram em 1999. Por conseguinte, os dados
sugerem que, ao contrário do que sucedeu noutros distritos, a violência em Oecusse ocorreu quase exclusivamente em
1999.
- 33 -
Central do que na Região Oriental. No entanto, à medida que a ocupação prosseguiu, os abusos
não fatais reportados na Região Ocidental diminuíram dos seus níveis elevados iniciais de 1975
para um nível relativamente baixo na década de 1980. Na Região Central, a violência também
diminuiu após o período inicial da invasão para um nível de intensidade que era cerca de metade
daquele que fora sentido em 1975. Na Região Oriental, o nível de violência documentada em
1975, em termos absolutos, era apenas cerca de metade dos níveis reportados nas Regiões
Ocidental e Central. Contudo, no território de Timor-Leste, ao longo do final da década de 1970 e
início da década de 1980, a violência manteve-se aos níveis registados em 1976 sem qualquer
decréscimo significativo até1984. Se a violência inicial em torno do período da invasão indonésia
de 1975 foi mais intensa nas Regiões Ocidental e Central, depois de 1976 o grosso das
violações não fatais deslocou-se para a Região Oriental.
132.
Para além do Massacre de Santa Cruz e das suas sequências em 1991 em Díli, a
violência reportada durante os “anos de consolidação” de 1984 até 1998 assumiu a forma de
violência de baixa intensidade esporádica nas três regiões. Durante a fase final do conflito em
1999, 75,1% (9.494/12.634) das violações não fatais reportadas ocorreram na Região Ocidental.
Os dados da Comissão são consistentes com a afirmação de que as populações mais próximas
da fronteira com Timor Ocidental e em Oecusse em 1999, estiveram sujeitas a níveis mais
elevados de violência à medida que as milícias pró-autonomia e os militares indonésios se
retiravam para Timor Ocidental.
[Insert Figure <gpTS_regional5555.pdf> about here]
Distribuição por idade-sexo das vítimas das violações não fatais reportadas
Níveis de reporte da informação relativa à idade e sexo das vítimas
133.
A Comissão examinou diversas hipóteses que pudessem determinar se as vítimas eram
ou não alvo das violações em função da sua idade e sexo. Esta secção descreve os padrões
idade-sexo notoriamente diferentes das vítimas que foram referidas como tendo sofrido as
principais violações não fatais. A análise inclui apenas vítimas cuja idade e sexo eram
conhecidos na altura em que ocorreu a violação.
134.
Das 60.047 violações não fatais reportadas à Comissão, 34.047 (63,4%) continham
informação precisa sobre a idade das vítimas identificadas. Infelizmente, não existe modo de
saber qual a distribuição das idades desconhecidas neste conjunto de dados. Por conseguinte,
não é possível avaliar em que medida a distribuição etária das vítimas cuja idade é conhecida é
representativa da distribuição etária de todas as vítimas reportadas.
135.
A Comissão considera uma criança qualquer pessoa de idade inferior a 18 anos. Esta
definição está em conformidade com a definição incluída na Convenção das Nações Unidas
6
sobre os Direitos da Criança. A maioria (89,8% (30.574/34.047), das violações não fatais
documentadas pela Comissão em que a idade da vítima é conhecida foram perpetradas contra
adultos. 10,2% (3.473/34.047) das violações em que a idade da vítima é conhecida foram
sofridas por vítimas crianças.
136.
Das 60.047 violações não fatais documentadas pela Comissão, 99,4% (59.715/60.047)
foram cometidas contra vítimas cujo sexo é conhecido. Destas violações, 14,0% (8.355/59.715)
foram cometidas contra mulheres e 86,0% (51.360/59.715) foram cometidas contra homens.
25.476 das vítimas (incluindo aquelas cujo sexo não é conhecido) sentiram os efeitos destas
violações documentadas: destas, 15,7% (4.002/25.476) eram mulheres e 83,6% (21.308/25.476)
eram homens.
137.
A Comissão documentou 3.473 violações contra crianças, das quais 3.451 violações
incluem informação acerca do sexo da criança. Destas violações, 27,5% (950/3.451) foram
- 34 -
contra raparigas e 72,5% (2.501/3.451) foram contra rapazes. Há 22 crianças cujo sexo não é
conhecido ou não foi referido pela testemunha. Das 30.446 violações documentadas contra
adultos em que o sexo das vítimas é conhecido, 12,7% (3.870/30.446) foram contra mulheres e
87,3% contra homens. Assim, a percentagem de violações documentadas contra raparigas é
maior do que a percentagem de violações documentadas contra mulheres adultas. Tanto as
vítimas adultas como crianças tendiam a ser do sexo masculino. Relativamente às vítimas do
sexo masculino, as vítimas do sexo feminino tendiam a ser mais jovens.
Análise das vítimas por sexo
138.
O tipo de violações perpetradas contra homens e mulheres são substancialmente
diferentes. Na Figura <VictSex1M.rtf>, é patente que são as mulheres quem sofre a esmagadora
maioria das violações de natureza sexual: por cada violação de natureza sexual contra um
homem, a Comissão documentou dez violações contra mulheres. Enquanto que, por cada acto
de tortura e recrutamento forçado contra uma vítima do sexo feminino, a Comissão documentou
cerca de 12 ou 13 actos de tortura e recrutamento forçado contra homens. Outros tipos de
violações, tais como ameaças, violações de propriedade e económicas, mais tratos e prisões,
foram documentados numa proporção média de cerca de 5,8 vítimas do sexo masculino para
cada vítima do sexo feminino.
[Insert Figure <VictSex1M.rtf> about here]
139.
Na Figura <VictYrSex1M.rtf> apresenta-se uma análise do padrão das vítimas por sexo
ao longo do tempo. Existe uma variação significativa no rácio entre vítimas do sexo masculino e
vítimas do sexo feminino ao longo dos anos que durou o conflito: o rácio homens/mulheres varia
de um mínimo de 2,7 em 1981 até um máximo de 43,1 em 1991. Foram registados rácios
homens/mulheres acima da média nos anos de 1975, 1987 e 1999. Estes dados são
consistentes com a hipótese de que um número substancial de mulheres foi transportado para
Ataúro em 1981 e que as acções de esmagamento da Resistência após o Massacre de Santa
Cruz, perpetradas pelas forças militares indonésias, foram dirigidas em grande medida contra
vítimas do sexo masculino.
[Insert Figure <VictYrSex1M.rtf> about here]
140.
Embora a desagregação dos dados por distrito apresente menores variações no espaço
dos rácios homens/mulheres do que a desagregação dos dados ao longo do tempo, foram
documentados rácios acima da média em Liquiça (11,4), Oecusse (9,4), Aileu (8,3) e Díli (8.2),
enquanto em Lautém (3,7), Ainaro (4,5) e Ermera (4,5) se registaram rácios homens/mulheres
abaixo da média. Estes dados são apresentados na Figura <VictDistSex1M.rtf>.
[Insert Figure <VictDistSex1M.rtf> about here]
Análise das vítimas por idade
141.
Nesta secção analisa-se a idade das vítimas por tipo de violação, ao longo do tempo e
no espaço.
142.
Os valores de violações específicas são apresentados na Figura <VictAge1M.rtf> para
adultos e crianças. Para quase todos os tipos de violações documentados pela Comissão, por
cada violação sofrida por uma criança estão documentadas aproximadamente 7-10 violações
contra adultos. Contudo, no caso das violações de natureza sexual, a proporção entre vítimas
adultas e crianças é substancialmente mais baixa do que noutros tipos de violações: por cada
violação de natureza sexual documentada pela Comissão contra uma criança, estão
documentadas 3,4 violações contra adultos. Assim, o rácio adultos/crianças é cerca de 2,5 vezes
- 35 -
mais baixo no caso das violações de natureza sexual do que nos outros tipos de violações não
fatais.
[Insert Figure <VictAge1M.rtf> about here]
143.
A Figura <VictYrAge1M.rtf> apresenta os valores das violações contra adultos e crianças
por ano. Os dados da Comissão sobre violações não fatais revelam uma tendência geral de
crescimento no rácio adultos/crianças ao longo do tempo. Ou seja, o número de vítimas adultas
tende a ser maior relativamente ao número de vítimas crianças na fase final do conflito. Contudo,
uma vez que existe uma ausência substancialmente maior de informações sobre idade nas fases
iniciais do conflito, torna-se difícil fazer comparações entre os rácios adultos/crianças nas fases
iniciais e finais do conflito.
[Insert Figure <VictYrAge1M.rtf> about here]
144.
Em média, a Comissão documentou 8,8 vítimas adultas por cada vítima criança.
Contudo, existe uma variação nos rácios adultos/crianças entre os distritos, como se pode ver na
Figura <VictDistAge1M.rtf> . Em Bobonaro, foi documentado um número relativamente elevado
de vítimas crianças, como se pode ver no rácio adultos/crianças reportado de 4,8, enquanto em
Covalima, em Oecusse e na Indonésia foram documentados rácios adultos/crianças
*
notoriamente mais elevados do que a média.
[Insert Figure <VictDistAge1M.rtf> about here]
Análise das vítimas por idade e sexo
145.
Esta secção descreve a distribuição das vítimas tanto por idade como por sexo. A
análise é apresentada tanto em termos de números reportados como em termos de taxas na
população para cada tipo de violação. As taxas na população foram calculadas usando os dados
7
do Censo Populacional Indonésio de 1990.
146.
As Figuras <g4910000400.pdf> , <g4910000600.pdf>, <g49100001000.pdf> apresentam
os valores das violações documentadas por idade-sexo para os actos de prisão, tortura e maustratos. A distribuição por idade-sexo dos valores documentados é assinalavelmente idêntica para
estes três tipos de violações, verificando-se em cada caso que o grupo de vítimas mais
frequentemente documentado para estes tipos de violações eram os homens jovens em idade
militar. São muito poucos os actos de prisão, tortura e maus-tratos documentados de que foram
vítimas mulheres.
[Insert Figures <g21210000400.pdf>, <g21210000600.pdf>, <g212100001000.pdf>about here]
147.
Quando se passa de uma simples análise do número de violações para taxas de
violações na população, verifica-se que os homens de meia-idade apresentam as taxas mais
elevadas destas formas de violência relativamente à totalidade da população timorense. Além
disso, os homens idosos com idades acima dos 70 anos foram vítimas destas formas de
violência a uma taxa análoga à dos homens de meia-idade. Estes padrões são apresentados nas
Figuras <g4910000400.pdf>, <g4910000600.pdf> e <g49100001000.pdf>.
[Insert Figures <g4910000400.pdf>, <g4910000600.pdf>, <g49100001000.pdf> about here]
148.
As distribuições por idade-sexo das vítimas de violações de natureza sexual
documentadas pela Comissão são substancialmente diferentes das que se verificam para as
*
Em média, o rácio adultos/crianças para as vítimas documentadas pela Comissão foi de 17,3 em Covalima, 14,1 em
Oecusse e 15,3 na Indonésia.
- 36 -
violações da integridade física, tal como se pode ver nas Figuras <g21210000700.pdf> e
<g4910000700.pdf>. Além disso, existem diferenças notórias na distribuição por idade-sexo das
vítimas de diferentes formas de violação de natureza sexual. A Comissão documentou violações
sexuais de mulheres em todos os grupos etários abaixo dos 65 anos. Contudo, a frequência
mais elevada de violações sexuais documentadas e as taxas mais elevadas de violações
sexuais na população dizem respeito às mulheres jovens em idade reprodutiva. As mulheres
com idades entre 15-24 anos parecem ter sido o subgrupo da população em maior risco de
sofrer violações sexuais.
[Insert Figures <g21210000700.pdf> and <g4910000700.pdf> about here]
149.
Em contrapartida, apenas mulheres com idades entre os 10 e 44 estão entre as vítimas
documentadas de escravatura sexual. Entre estas mulheres, as mulheres com idades entre 20 e
24 anos apresentam os valores mais elevados e as taxas mais elevadas na população de
escravatura sexual. Tal como sucedeu no caso das violações sexuais, a Comissão não
documentou quaisquer casos de escravatura sexual de que tenham sido vítimas homens.
[Insert Figures <g21210000800.pdf> and <g4910000800.pdf> about here]
150.
Contudo, a Comissão documentou casos de outras formas de violência sexual tanto
contra homens como mulheres. Estas outras formas de violência dirigiram-se
predominantemente contra os homens nos grupos etários dos 20-24 e 35-39 anos e contra as
mulheres de idades compreendidas entre os 15 e 29 anos.
[Insert Figures <g21210000900.pdf> and <g4910000900.pdf> about here]
151.
Assim, a análise quantitativa da Comissão sugere que as mulheres jovens foram vítimas
da esmagadora maioria das violações de natureza sexual. Além disso, as violações sexuais e a
escravatura sexual foram exclusivamente reportadas em relação a vítimas do sexo feminino.
Comparação entre a monitorização dos direitos humanos retrospectiva e coetânea
152.
Nesta secção faz-se uma comparação entre a extensão e padrão das violações não
fatais reportadas pela Comissão e a extensão e padrão reportados pela Amnistia Internacional. A
secção revela quão isolado Timor-Leste estava da comunidade internacional, bem como a
escassez de informação existente sobre as violações em Timor-Leste e o pouco conhecimento
que sobre elas existiu durante os períodos iniciais e mais duros do conflito.
153.
Como foi anteriormente referido, o acesso ao território durante a ocupação indonésia era
extremamente limitado, especialmente para grupos internacionais de direitos humanos como a
Amnistia Internacional. Por esse motivo, a cobertura geográfica dos relatórios coetâneos da
Amnistia Internacional é significativamente diferente daquela que foi reportada à Comissão e à
Fokupers nos respectivos processos de recolha de testemunhos.
154.
35,6% (1.953/5.479) das violações não fatais documentadas pela Amnistia Internacional
não continham informação acerca do local onde ela ocorrera, como se pode ver na Figura
<DistDatasourceM.rtf>. Este facto parece ser consistente com o fluxo limitado de informação
com origem em Timor-Leste durante a ocupação (em particular de aldeias e subdistritos remotos,
em zonas montanhosas). Além disso, os relatórios contemporâneos destinados à comunidade
internacional davam maior ênfase ao reporte da situação dos direitos humanos em Timor-Leste
do que a descrever as diferentes condições em diferentes partes do território. Contudo, 32,3%
(1.770/5.479) das violações não fatais reportadas pela Amnistia Internacional ocorreram em Díli,
uma percentagem mais elevada do que aquela que foi reportada nos projectos retrospectivos
conduzidos pela Comissão e Fokupers, em que as violações ocorridas em Díli correspondem a
14,0% (8.389/59.972) e 4,6% (36/788) do total, respectivamente.
- 37 -
[Insert figure <DistDatasourceM.rtf> about here]
155.
Como se pode ver na Figura <gcavrai400.pdf> , os relatórios coetâneos da
Amnistia
Internacional revelam três picos distintos de prisões de indivíduos identificados, em 1985,
1989/1993 e 1994/1999, de 402, 891e 811 indivíduos, respectivamente, enquanto que os
relatórios retrospectivos fornecidos à Comissão sugerem que o grosso das prisões arbitrárias
ocorreu em 1999 e entre 1975 e 1984. Além disso, estes relatórios sugerem a ocorrência de pelo
menos 2.779 actos distintos de prisão arbitrária em 1999 e de pelo menos 16.509 actos deste
tipo entre 1975 e 1984. Estas comparações revelam a dificuldade de documentar os abusos de
direitos humanos em Timor-Leste durante a ocupação indonésia. A Figura <gcavrai400.pdf>
mostra que embora os grupos internacionais de direitos humanos como a Amnistia Internacional
documentassem meticulosamente a situação dos direitos humanos em Timor-Leste nas décadas
de 1980 e de 1990, houve um sub-reporte substancial da magnitude total da violência não fatal
durante esse período. A Figura <gcavrai400.pdf> também revela a diferença substancial em
entendimento social que se obtém dos relatórios retrospectivos, comparativamente aos relatórios
coetâneos acerca dos primeiros anos da invasão: das violações documentadas pela Amnistia
Internacional, 10,9% (734/6.717) ocorreram nos primeiros anos da invasão entre 1975 e 1984.
Comparativamente, das violações reportadas à Comissão, 64,0% (47.390/74.024) ocorreram
entre 1975 e 1984. Tendo em conta que o reporte retrospectivo à Comissão está sujeito a
“perdas de memória” notórias (visto que algumas pessoas que poderiam ter reportado violações
ocorridas nos primeiros anos da invasão morreram no final da década de 1980 e na de 1990), os
dados constantes dos testemunhos narrativos da Comissão estão eles próprios sujeitos a um
enviesamento temporal que joga contra as violações ocorridas nos primeiros anos do período de
referência da Comissão. A Comissão conclui por isso que, devido ao acesso limitado a TimorLeste durante os anos iniciais da ocupação, os relatórios coetâneos sobre violações ocorridas
entre 1975 e 1984 estão sujeitos a um sub-reporte notório do padrão e magnitude totais das
violações.
[INSERT Figure <gcavrai400.pdf> about here]
A natureza dos abusos contra indivíduos e grupos
156.
Algumas violações não fatais foram referidas à Comissão como tendo sido perpetradas
contra um único indivíduo, enquanto outras violações foram referidas como tendo sido
perpetradas contra vários indivíduos ao mesmo tempo. As Figuras <ggpsize400.pdf> ,
<ggpsize600.pdf> e <ggpsize1000.pdf> mostram a distribuição das violações pela dimensão do
*
grupo das vítimas para os actos de torturas, prisão e maus-tratos.
157.
A natureza dos abusos cometidos contra um único indivíduo tende a ser diferente da
natureza daqueles que foram cometidos contra grupos. Como se pode ver na Figura
<ggpsize400.pdf> e na Figura <ggpsize1000.pdf> , as prisões arbitrárias e os maus-tratos foram
referidas mais comummente como tendo sido perpetrados contra um único indivíduo ou grupos
de 50 ou mais indivíduos – havendo um menor número de pessoas pertencentes a grupos de 249 indivíduos que sofreram prisões arbitrárias ou maus-tratos. Quase todos os actos reportados
de tortura foram cometidos contra vítimas individuais. Estes dados empíricos parecem ser
consistentes com a hipótese de que a utilização da tortura como forma de opressão foi usada de
uma forma mais orientadas para alvos específicos (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e MausTratos).
[Insert graphs <ggpsize400.pdf>, <ggpsize600.pdf> and <ggpsize1000.pdf> about here]
*
Tal como sucede com as violações reportadas contra vítimas individuais, as violações contra vítimas em grupos podem
ser reportadas por mais de um depoente. A Comissão estabeleceu uma correspondência entre registos sobre vítimas de
grupos a fim de identificar registos duplicados da mesma violação e vítima em testemunhos múltiplos. Os métodos
usados para estabelecer tal correspondência são descritos no Anexo Estatístico.
- 38 -
158.
A Figura <gpTS_groupindiv400.pdf> mostra que nos testemunhos prestados perante a
Comissão, a prisão de vítimas individuais e a de grupos de vítimas apresentavam uma
correlação positiva. Quando o número de prisões reportadas de indivíduos aumenta, também
*
aumenta o número de prisões de grupos de indivíduos. Existe, além disso, uma diferença
substancial entre a extensão das prisões reportadas de indivíduos e de grupos de indivíduos.
Entre 1974 e 1984, as prisões reportadas de grupos de indivíduos são em número quase sempre
†
substancialmente superior ao das prisões de vítimas individuais. Existem duas explicações
possíveis para o padrão observado:
i) O padrão pode reflectir a natureza crescentemente
orientada para alvos específicos das práticas de prisão
arbitrária das forças militares indonésias ao longo dos
anos de ocupação, e a sua capacidade crescente nas
décadas de 1980 e de 1990 para orientar as suas acções
especificamente contra indivíduos que contribuíam para as
actividades da Resistência
ii) Alternativamente, os depoentes no processo de recolha
de testemunhos da Comissão podem ter tido maior
dificuldade em identificar especificamente indivíduos
presos nos primeiros anos da ocupação do que em
períodos mais tardios. Por isso, pode ter havido uma
tendência entre os depoentes que se referem ao período
mais longínquo para descreverem com maior frequência
as prisões arbitrárias mais antigas como sendo de grupos
anónimos.
159.
Todavia, parece improvável que o padrão das prisões seja um artefacto relacionado com
a capacidade de rememoração dos depoentes, uma vez que nenhum outro tipo de violação
(nomeadamente tortura, maus-tratos, ameaças e violações da propriedade) apresenta indícios
desse tipo de enviezamento no que se refere à capacidade de rememoração – como se pode ver
nas
Figuras <gpTS_groupindiv600.pdf>
,
<gpTS_groupindv1000.pdf>,
‡
<gpTS_groupindiv1900.pdf> e <gpTS_groupindiv7000.pdf>. Assim, os dados estatísticos sobre
prisões documentados pela Comissão são consistentes com a hipótese de que a prática de
prisões arbitrárias pelos militares indonésios passou de um enfoque sobre vítimas individuais e
vítimas de grupos nos anos iniciais da ocupação de 1977 a 1984 para uma estratégia mais
orientada para alvos específicos e que se concentrou em presos individuais entre 1985 e 1999.
160.
Os dados estatísticos da Comissão também sugerem uma correlação positiva entre os
§
actos de tortura cometidos contra vítimas de grupos e vítimas individuais ao longo do tempo.
Além disso, como se pode ver na Figura <gp_TSgroupindiv600.pdf> , existiram picos nos actos
reportados de tortura contra vítimas de grupos em 1975, 1982 e 1999. Assim, os dados da
Comissão sugerem que o grosso da violência massiva contra grupos esteve fortemente
concentrado no tempo.
[Insert Figure <gp_TSgroupindiv600.pdf> about here]
*
O coeficiente de correlação para as duas séries é de 0,74.
1983 foi o único ano neste período em que as prisões reportadas contra grupos de vítimas foram em número inferior ao
de prisões reportadas contra vítimas individuais.
‡
Ver também as Figuras <gpTS_groupindiv600.pdf>, <gpTS_groupindv1000.pdf>, <gpTS_groupindiv1900.pdf> e
<gpTS_groupindiv7000.pdf> no Anexo Estatístico.
§
O coeficiente de correlação para a série é de 0,69.
†
- 39 -
A utilização da prisão e a natureza das violações cometidas durante os períodos de prisão
161.
Durante a ocupação indonésia de Timor-Leste, as prisões arbitrárias e as deslocações
foram usadas por todo o território. Uma vez que o fenómeno das deslocações foi analisado
acima, esta secção descreve a natureza e utilização das prisões durante o período de referência
da Comissão.
A relação entre prisão e formas de abuso físico
162.
De um modo geral, os actos de prisão, tortura e maus-tratos reportados parecem
apresentar correlações positivas. As prisões ocorreram frequentemente em simultâneo com
abusos físicos em todo o território. Esse facto está reflectido na Figura
<gVTypeDisthrvd4006001000.pdf>. O número total de actos reportados de prisão, tortura e
maus-tratos em Díli é mais elevado do que em qualquer outro distrito pelo facto dos principais
centros de detenção na ilha de Ataúro e na Prisão da Comarca, Balide, se situarem ambos no
distrito de Díli.
[Insert <gVTypeDisthrvd4006001000.pdf> about here]
163.
Além disso, existe uma forte correlação positiva entre as prisões e torturas reportadas ao
*
longo do tempo. A Figura <g1stlM400600.pdf> mostra também que, ao longo do tempo, a
violência se tornou crescentemente coordenada e a magnitude dos actos de tortura reportados
aumentou (entre o final da década de 1970 e meados da década de 1980) relativamente ao
número de prisões reportadas. Este padrão pode reflectir a capacidade crescente dos
perpetradores para orientarem a sua acção para alvos específicos, à medida que a ocupação
indonésia passou da sua fase preliminar no final da década de 1970 e início da década de 1980
para a fase de consolidação, a partir de 1985. Nos anos iniciais da invasão existem
aproximadamente três casos reportados de prisão para cada caso reportado de tortura. Depois
de 1985, as duas violações parecem estar mais estreitamente associadas, com
aproximadamente o mesmo número de prisões e de actos de tortura reportados em cada ano. O
padrão estatístico resultante sugere que, ao longo do tempo (e particularmente após 1984), a
prática de prisão arbitrária se tornou mais orientada para alvos específicos e foi usada mais
regularmente em combinação com actos de tortura.
[INSERT <g1stlM400600.pdf> about here].
Padrões de violações cometidas durante períodos de prisão
164.
De todas as violações documentadas reportadas à Comissão durante o seu processo de
recolha de testemunhos narrativos, as prisões foram a violação mais frequentemente reportada
representando 42,3% (25.383/60.047) das violações não fatais documentadas. Contudo, a
utilização da prisão esteve frequentemente associada a outras formas de abuso: das principais
formas de abuso reportadas à Comissão, pelo menos 28,3% (7.174/25.383) foram cometidas
quando a vítima estava presa. Esta conclusão empírica indica que durante os períodos de
prisão, as vítimas estavam frequentemente vulneráveis a outras formas de abuso físico. Esta
secção analisa os padrões das formas não fatais de abuso físico cometidas durante os períodos
de prisão e daquelas que foram cometidas quando a vítima não estava presa.
165.
A informação da Comissão sobre as prisões e as violações não fatais contém com
frequência informação imprecisa sobre os locais e/ou as datas. Em particular, em 33,9%
(20.334/60.047) das violações não fatais faltava informação acerca do mês e dia em que a
violação ocorrera, enquanto que em 52,9% (31.739/60.047) estava ausente a informação sobre o
*
O coeficiente de correlação entre torturas e prisões reportadas por anos entre 1974 e 1999 é de 0,81.
- 40 -
dia em que ocorrera a violação. Em 2,3% (1.379/60.047) das violações não fatais faltava a
informação acerca do subdistrito em que a violação ocorrera, enquanto, em 31,2%
(18.722/6.047) das violações não fatais faltava informação acerca da aldeia em que a violação
ocorrera. Por conseguinte, a análise que se segue das formas de abuso físico e da sua relação
com o estatuto da vítima enquanto prisioneira está limitada pela ausência de indicações precisas
de datas e locais nos dados reportados.
166.
Foi reportado que algumas formas de abuso físico ocorreram mais frequentemente nas
prisões do que outras. Em particular, a Figura <tStdInDetnVlnsx_vln_1.rtf> mostra que os abusos
que foram mais frequentemente cometidos durante períodos de prisão conhecidos foram a
tortura (38,4%, 4.267/9.094), maus-tratos (33,2%, 27.998/9.094) e ameaças (21,3%, 634/9.094).
Além disso, a tortura e os maus-tratos foram reportados com uma frequência muito menor entre
as vítimas que nunca estiveram presas: das violações de tortura documentadas pela Comissão,
16,4% (1.820/11.123) foram sofridas por vítimas que nunca experimentaram a prisão. Dos actos
de maus-tratos documentados pela Comissão, 26,4% (2.227/8.436) foram sofridos por vítimas
que nunca estiveram presas. Estes dados são sugestivos da maior vulnerabilidade à tortura ou
maus-tratos das vítimas que estavam presas.
167.
Os dados estatísticos por si só não esclarecem se a associação entre prisão e abuso
físico fazia parte de uma política formal dos perpetradores para combinar abuso físico com
prisão arbitrária, ou se a correlação reflecte o comportamento oportunista dos militares, polícias
e outros funcionários. Contudo, a investigação qualitativa e histórica da Comissão identificou
dados que provam políticas e práticas que encorajavam o uso de prisão e de métodos especiais
de interrogatório durante a prisão (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos).
[Insert Figure <tStdInDetnVlnsx_vln_1.rtf> about here]
168.
Os casos documentados pela Comissão indicam uma alteração na relação entre as
violações não fatais e a prisão, à medida que o conflito avançou para a sua última fase. Como
mostra a Figura <tStdInDetnVlnphase> , 56,7% (5.592/9.855) das violações não fatais em 1999
foram cometidas contra vítimas que não estavam presas e nunca tinham estado presas antes.
Em 1999, a percentagem de violações não fatais reportadas que foram cometidas fora de locais
de detenção é mais do dobro da que se regista nas duas fases anteriores. Assim sendo, parece
que nas primeiras duas fases do conflito, a utilização da prisão teve uma associação mais forte
*
com a prática doutras violações não fatais.
[Insert Figure <tStdInDetnVlnphase> about here]
169.
Das violações reportadas cometidas durante um período de prisão conhecido, 16,5%
(505/9.094) ocorreram em Díli. Assim, e relativamente a outros distritos, uma percentagem
notoriamente mais elevada das violações reportadas ocorreu durante períodos de prisão em Díli.
Enquanto que 42,8% (695/1.623) das violações em Liquiça foram referidas como tendo sido
cometidas durante períodos de prisão, e 41,5% (886/2.135) em Covalima, o valor para Díli é de
40,3% (1.504/3.731). Por outro lado, das violações não fatais sofridas por pessoas em Oecusse
e na Indonésia, 76,0% (2.209/2.897) e 73,2% (390/533) respectivamente foram sofridas por
vítimas que nunca tinham estado presas. Assim, os distritos que reportaram percentagens
relativamente mais elevadas de torturas e maus-tratos, também tenderam a reportar
percentagens relativamente mais elevadas de abusos durante os períodos de prisão.
[Insert Figure < tStdInDetnVlnsx_lo_dist> about here]
*
É difícil chegar a conclusões acerca da magnitude relativa das violações não fatais cometidas na prisão durante as
Fases 1 e 2 do conflito, tendo em conta que 50,8% (8.006/15.772) das prisões durante a Fase 1 e 33,5% (3.011/8.998)
das prisões durante a Fase 2 não apresentam informações suficientemente precisas sobre datas que permitam
determinar se estão associadas a outras violações sofridas pela vítima.
- 41 -
170.
As vítimas do sexo masculino representaram o grosso das prisões, constituindo 85,6%
(21.273/25.383) do total. A probabilidade dos homens serem sujeitos a outro tipo de violação
durante o seu período de prisão era dupla da das vítimas do sexo feminino. Como se pode ver
na Figura <tStdInDetnVlnsx_sex> , das vítimas de prisão do sexo masculino, pelo menos 28,1%
(8.323/29.599) sofreram outra violação não fatal, em comparação com 14,8% (716/4.833) das
mulheres que sofreram outra violação enquanto estavam na prisão.
[Insert Figure <tStdInDetnVlnsx_sex> about here]
171.
Segundo os dados sobre violações não fatais documentados pela Comissão, pessoas de
diferentes idades sofreram diferentes níveis de abuso enquanto estavam na prisão. Em
particular, das vítimas que sofreram uma violação não fatal conhecida durante um período de
detenção, 55,5% (5.044/9.094) eram adultos jovens ou de meia-idade (ou seja, pessoas entre 15
e 49 anos de idade). As crianças e pessoas mais idosas foram presas com uma frequência
substancialmente menor, e quando foram presas foram sujeitas a níveis proporcionalmente mais
baixos de abusos.
[Insert Figure <tStdInDetnVlnsx_victage_grp> about here]
Padrões estatísticos reportados das prisões em Ataúro
172.
Embora as prisões arbitrárias fossem utilizadas ao longo de todo o conflito em TimorLeste, as prisões na ilha de Ataúro foram referidas como tendo ocorrido sobretudo entre 1980 e
1984. Estes dados são consistentes com a informação recolhida directamente pela Comissão
através do seu processo de recolha de testemunhos, e com os relatórios de fontes secundárias
recolhidos de diversas fontes pela Amnistia Internacional. Contudo, existe uma diferença
considerável no nível de prisões documentadas entre estas duas fontes de dados. As fontes
reunidas pela Amnistia Internacional sugerem que a população de prisioneiros em Ataúro
cresceu de cerca de 500 em meados da década de 1980 para cerca de 4.000 em Setembro de
1982, antes de diminuir para cerca de 1.500 em Outubro de 1984, como se pode ver na Figura
<gai400Ataúro.pdf>.
[Insert Figure gai400Ataúro.pdf> about here]
173.
De acordo com os dados da Comissão, as prisões reportadas em Ataúro atingiram um
máximo de 446 prisioneiros em 1982, como se mostra na Figura <gTSVlnsInAtaúroM400.pdf> .
Tendo em conta que os dados da Amnistia Internacional foram recolhidos de várias fontes,
incluindo o Comité Internacional da Cruz Vermelha, funcionários do Governo australiano e
registos administrativos indonésios, é provável que os dados da Comissão apresentem uma
situação de sub-reporte significativo das prisões em Ataúro. No entanto, tanto os dados da
Amnistia Internacional como os da Comissão confirmam que grupos significativos de pessoas
foram presas na ilha de Ataúro no início da década de 1980, para além das prisões em grande
escala que continuaram a ocorrer noutras partes do território de Timor-Leste.
[Insert Figure <gTSVlnsInAtaúroM400.pdf> about here]
Padrões de violações por filiação política das vítimas reportadas
174.
Um conjunto de hipóteses examinadas pela Comissão consideraram que as campanhas
sistemáticas e orientadas para alvos específicos se baseavam na filiação política das vítimas.
Esta secção descreve a extensão e padrões reportados das violações contra civis, combatentes
da Resistência armada e activistas políticos.
175.
88,7% (68.943/77.748) das violações não fatais reportadas à Comissão foram violações
contra a população civil, incluindo tanto civis que não eram conhecidos por terem qualquer
- 42 -
filiação política como aqueles que faziam formalmente parte dum grupo pró-independência ou
partido político, como se pode ver na Figura <gVinstM5000.pdf>.
[Insert Figure <gVinstM5000.pdf> about here]
176.
À medida que a base de apoio do movimento pró-independência cresceu durante a
década de 1990, um número crescente de civis filiados em grupos pró-independência parece ter
sido vítima de violações não fatais, como se pode ver nas Figuras <gVinst15000.pdf> ,
*
<gVinst25000.pdf>, <gVinst35000.pdf>, e <gVinst45000.pdf>.
[Insert Figures <gVinst15000.pdf>, <gVinst25000.pdf>., <gVinst35000.pdf>, and
<gVinst45000.pdf> about here]
177.
Para os tipos mais importantes de violações não fatais (prisão, tortura, maus-tratos,
trabalhos forçados, ameaças e violações da propriedades/económicas), não existem diferenças
substanciais nas percentagens de vítimas documentadas como filiações políticas/sociais, como
se mostra nas Figuras <gVinstM400> , <gVinstM600>, <gVinst1000> e <gVinst80000>: os civis
sem qualquer filiação política conhecida correspondem a 40% a 48% das vítimas documentadas,
enquanto que as pessoas com uma filiação pró-independência correspondem a 43% a 55% das
violações documentadas. No que se refere às violações de natureza sexual, os civis sem uma
filiação política conhecida corresponderam a uma percentagem ligeiramente superior (56%,
441/770) das violações de natureza sexual do que os civis conhecidos por estarem alinhados
com grupos e partidos pró-independência (43,1%, 427/770).
[Insert Figures <gVinstM400>, <gVinstM600>, <gVinst1000> and <gVinst80000> about here]
6.4 Estudo de caso de Mauchiga: uma análise quantitativa das
violações sofridas durante as operações contra a Resistência
6.4.1 Introdução
178.
Esta secção apresenta um estudo de caso detalhado acerca da natureza e padrões das
violações sofridas pela população de Mauchiga (Hatu Builico, Ainaro) no início da década de
1980. O estudo de caso assumiu a forma de uma análise estatística descritiva baseada nos
dados recolhidos por dois chefes de aldeia de Mauchiga.
6.4.2 Enquadramento do esforço de documentação
179.
Ao longo de um período de 18 anos, os chefes da aldeia de Mauchiga documentaram as
deslocações, prisões e assassinatos que resultaram de uma ofensiva dos militares indonésios
relacionada com os ataques organizados pela Resistência na área em Agosto de 1982. O
Projecto de Documentação de Mauchiga foi concluído em Agosto de 2004, quando os chefes da
aldeia entregaram à Comissão, durante uma Audiência Pública organizada em Mauchiga, listas
tabuladas compiladas a partir das suas entrevistas narrativas.
180.
O objectivo do projecto foi desenvolver um registo histórico exacto da extensão, padrões,
tendências e natureza das violações sofridas pelos membros da comunidade de Mauchiga
durante o início da década de 1980. Os depoentes foram convidados e encorajados a falar
*
Deve-se notar, no entanto, que apenas 87 testemunhos foram recolhidos em campos de refugiados de Timor Ocidental,
e que o processo de socialização baseado nos distritos e promovido pela Comissão foi frequentemente organizado em
colaboração com funcionários locais. Consequentemente, as pessoas com simpatias pró-autonomia podem estar subrepresentadas no processo de recolha de testemunhos pela Comissão.
- 43 -
acerca de quaisquer deslocações, detenções ou violações fatais sofridas por alguém que
conheciam e relacionadas com o levantamento de Agosto de 1982.
6.4.3 Limitações dos dados
181.
Os dados em que este estudo de caso se baseia foram recolhidos através de uma
amostra de conveniência de pessoas dispostas a reportar e partilhar as suas experiências de
violações de direitos humanos (nomeadamente deslocações, detenções e prisões e mortes
relacionadas com o conflito), na sequência do levantamento de Agosto de 1982 e da ofensiva
subsequente contra a Resistência. Abílio dos Santos e Olga da Silva recolheram estes dados em
*
duas fases distintas. A primeira fase de recolha de dados decorreu de Fevereiro de 1986 até
Abril de 2003, e envolveu a realização periódica de entrevistas narrativas por parte de Abílio dos
Santos e Olga da Silva nas diferentes aldeias do suco de Mauchiga. Estes dois elementos
visitaram as seguintes aldeias durante o seu trabalho de recolha de dados e documentação:
Mauchiga, Hataquero, Goulora, Leotelo-1 e Leotelo-2. Os depoentes foram seleccionados na
base das redes sociais dos próprios entrevistadores e referidos por outras pessoas
entrevistadas. A segunda fase de recolha de dados decorreu de Maio de 2003 até Julho de 2004
e consistiu na compilação de listas das vítimas de prisão, deslocação e morte relacionada com o
conflito. Durante esta segunda fase, diversos inquiridos que tinham fornecido informações na
primeira fase de recolha de dados foram entrevistados de novo para preencher hiatos na
informação narrativa que já fora recolhida.
182.
O projecto restringiu a informação recolhida a violações específicas: prisões arbitrárias,
deslocações e mortes relacionadas com o conflito que estavam directamente associadas aos
acontecimentos de 20 de Agosto e à ofensiva contra a Resistência que se seguiu. Por
conseguinte, não foram documentadas outras formas de abuso, tais como destruição de
propriedade e violência sexual, nem foram documentados os abusos que estavam relacionados
com acontecimentos que não o levantamento de 20 de Agosto.
183.
Foram tomadas medidas para ter em conta os relatos duplicados sobre uma mesma
vítima por depoentes múltiplos nas duas fases do processo de documentação. Primeiro, a equipa
de recolha de dados analisou periodicamente as suas listas à procura de relatos duplicados
sobre vítimas. Em segundo lugar, uma vez os dados introduzidos numa base de dados
electrónica, foram realizados pesquisas computorizadas e testes analíticos para identificar
†
nomes que pudessem corresponder a relatos duplicados sobre a mesma vítima.
6.4.4 Enquadramento histórico
184.
A 6 de Julho de 1982, membros das Falintil e do movimento clandestino local
começaram a planear uma série de ataques a postos militares indonésios na área em redor de
Mauchiga. Um informador revelou estes planos aos militares indonésios. A 10 de Julho,
membros do exército indonésio e da Hansip de Hatu Builico iniciaram buscas casa-a-casa em
Goulora, Mauchiga e Hatuquero. Detiveram mais de 30 pessoas, incluindo 13 que tinham
participado na reunião do dia 6 de Julho. Os detidos foram levados directamente para o
Comando Militar Distrital (Kodim) na vila de Ainaro. Ao longo dos dias que se seguiram, os
militares indonésios detiveram mais pessoas, que transportaram para o comando militar
indonésio do subdistrito (Koramil) de Hatu Builico.
185.
Apesar das detenções, as Falintil, juntamente com diversos homens de Dare e
Mauchiga, atacaram em 20 de Agosto de 1982, cerca das 16:30, diversos postos das ABRI em
*
Abílio dos Santos é o secretário da aldeia de Mauchiga. Olga da Silva é uma professora na escola primária de
Mauchiga. A Comissão optou por seguir a ortografia oficial de “Mauchiga”, embora a localidade também seja conhecida
por muitos como “Mauxiga”.
†
Este processo permitiu identificar sete relatos duplicados de violações fatais.
- 44 -
redor de Mauchiga, incluindo o Koramil de Dare. No mesmo dia, soldados das ABRI e Hansip
dos postos que tinham sido atacados, bem como de outros postos na região, retaliaram. Nos
dias que se seguiram, tropas adicionais das ABRI vindas de fora da região, incluindo unidades
dos Batalhões 745 e 746, foram também enviadas para a zona em redor de Mauchiga. Entre os
dias 20 e 24 de Agosto, as tropas indonésias e das Hansip destruíram e pilharam bens e
propriedades. Uma parte considerável da população da aldeia de Mauchiga foi forçada a
deslocar-se ou fugiu da aldeia por recear pela sua segurança. Os militares indonésios
transferiram à força aldeões para diferentes locais, incluindo a ilha de Ataúro (Díli), Dotik (Alas,
Manufahi) e Dare (Hatu Builico, Ainaro).
6.4.5 Análise estatística descritiva das violações reportadas no Projecto de
Documentação de Mauchiga
Deslocações reportadas e prisões sofridas pelos residentes de Mauchiga
Perfil demográfico das vítimas de deslocações e prisões reportadas
186.
O projecto documentou 1.803 deslocações envolvendo residentes de Mauchiga entre
Julho de 1982 e Janeiro de 1986. Estas 1.803 deslocações foram sofridas por 464 habitantes de
*
Mauchiga: 48,7% (226/464) dos quais eram mulheres e 38,8% (180/464) eram crianças.
187.
Estas 464 vítimas de deslocações e prisão correspondiam a cerca de 20,4% (464/2.269)
†
da população total da aldeia de Mauchiga. Por conseguinte, as conclusões do projecto são
consistentes com a hipótese de que as deslocações foram generalizadas em Mauchiga durante
a década de 1980.
188.
Das vítimas de deslocações reportadas, 80,0% (371/464) foram inicialmente detidas e
deslocadas com as suas famílias. Os restantes 20% (93/464) das vítimas de deslocações
‡
documentadas foram inicialmente detidos sozinhos (e não com as suas famílias). Como se pode
ver na Figura <gMauchigaASD1100.pdf> , 41,2% (191/464) das pessoas deslocadas tinham
idades entre 10 e 24 anos. Como sucedia e ainda sucede na maior parte de Timor-Leste, as
pessoas com idades inferiores a 25 anos estavam sobre-representadas na população de
Mauchiga. Por isso, as conclusões do Projecto de Documentação de Mauchiga são consistentes
com a hipótese de que os militares indonésios procuraram activamente eliminar a base social e
operacional da Resistência em Mauchiga, deportando à força a generalidade da população
(incluindo mulheres, crianças e idosos).
[Insert Figure <gMauchigaASD1100.pdf> about here]
Responsabilidade pelas deslocações e prisões em grande escala de habitantes de Mauchiga
189.
Todas as deslocações reportadas destas 1.803 pessoas, documentadas pelo Projecto
de Documentação de Mauchiga, foram atribuídas aos militares indonésios. Nalguns casos
específicos, os depoentes reportaram o envolvimento de unidades militares indonésias ou de
forças de defesa civil específicas. Foi referido que as Hansip de Hatu Builico tinham participado
em 31,7% (571/1.803) das deslocações registadas envolvendo habitantes de Mauchiga. Em
relação a estas deslocações, foi referido ao Projecto de Documentação de Mauchiga que as
Hansip de Hatu Builico trabalhavam em colaboração e sob a direcção do Comando Militar Sub*
A Comissão utilizou o padrão internacionalmente reconhecido que define crianças como pessoas de idade inferior a 18
anos (ver o artº 1º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UN Doc A/44/49 (1989)), adoptada
pela Resolução da Assembleia Geral 44/25 de 20 de Novembro de 1989 (que entrou em vigor a 2 de Setembro de 1990).
†
Foi usado o Levantamento de Sucos de Timor-Leste de 2001 para calcular a população de Mauchiga.
‡
Aqueles que foram deportados individualmente foram-no dessa forma por terem sido capturados pelos militares
indonésios quando estavam sós, geralmente nas suas hortas ou noutros locais afastados das respectivas residências.
- 45 -
Regional (Korem) de Díli, do Comando Militar Distrital (Kodim) de Ainaro e do Comando Militar
do Subdistrito (Koramil) de Hatu Builico. Todos estes actos ocorreram a 7 de Julho de 1982, 29
de Agosto de 1982 ou 30 de Agosto de 1982.
Padrão ao longo do tempo das deslocações e prisões reportadas
190.
As deslocações reportadas concentraram-se em dois períodos principais: o terceiro
trimestre de 1982, correspondendo a 51,0% (919/1.803) das deslocações reportadas, e o quarto
trimestre de 1985, a que correspondem 40,6% (732/1.803) das deslocações reportadas. Este
padrão é apresentado na Figura <gTSMauchiga400.pdf> . Foi durante estes dois períodos que a
maioria dos habitantes de Mauchiga que foram internados em Ataúro foi transferida de Mauchiga
para Ataúro e enviada de volta para Mauchiga. Durante ambos os períodos, as pessoas foram
primeiro transferidas temporariamente para locais de trânsito durante curtos períodos de tempo
que variaram entre um dia e algumas semanas.
[Insert Figure <gTSMauchiga400.pdf> about here]
Padrão geográfico e de duração da prisão das deslocações e prisões reportadas
191.
Como se pode ver na Figura <t400duration.rtf> , a duração dos períodos de prisão
reportados ao projecto de documentação variou significativamente, prolongando-se entre um e
1.005 dias. Cerca de 41,0% (739/1.803) de todas as deslocações reportadas duraram dez dias
ou menos, 22,1% (399/1.803) das deslocações duraram entre 101 e 300 dias, e 20.4%
(368/1.803) entre 701 e 900 dias. Os dados recolhidos pelo Projecto de Documentação de
Mauchiga são consistentes com a hipótese de que, embora os habitantes de Mauchiga tivesse
sido deslocados diversas vezes (em média, cada pessoa foi deslocada 3,9 vezes), cerca de
metade dessas deslocações foram de curta duração (duração inferior a uma semana), enquanto
a outra metade das deslocações foi substancialmente mais longa (entre três e 33 meses).
Table 1 -
Tabela 1 - Figura <t400duration.rtf>: Distribuição dos períodos de duração
reportados das deslocações de habitantes de Mauchiga, 1982/1985
Duração
Número
%
1 dia
192
10,7
2-10 dias
547
30,3
11-100 dias
113
6,3
101-300 dias
399
22,1
301-500 dias
87
4,8
501-700 dias
8
0,4
701-900 dias
368
20,4
901-1005 dias
87
4,8
Desconhecida
2
0,1
Total
1.803
100,0
Fonte: Dados recolhidos pelo secretário da aldeia de Mauchiga.
192.
Os militares indonésios mantiveram os habitantes de Mauchiga presos durante longos
períodos em vários locais, incluindo a ilha de Ataúro, Dotik, a vila de Ainaro e Dare. 79,3%
(368/464) dos habitantes de Mauchiga documentados pelo Projecto de Documentação de
- 46 -
*
Mauchiga foram mantidos presos durante longos períodos em Ataúro. Segundo os relatos,
grupos mais pequenos de habitantes de Mauchiga foram mantidos presos durante períodos
longos em Dotik e na vila de Ainaro: 80 pessoas foram mantidas presas em Dotik durante 2 anos
e meio a partir de Novembro de 1982, e sete pessoas foram mantidas durante dois anos e nove
meses na vila de Ainaro a partir de Abril de 1983. As entrevistas de seguimento realizadas pela
Comissão com habitantes de Mauchiga em 2005 indicam que as pessoas que foram mantidas
†
presas por longos períodos em Dotik e Ainaro o foram por causa da sobrelotação de Ataúro.
193.
O padrão genérico reportado de deslocações de e para locais de prisão por períodos
longos para os habitantes de Mauchiga foi o seguinte: as vítimas eram geralmente detidas e
presas em Mauchiga e depois deportadas para locais próximos onde eram mantidas durante
períodos que podiam ir de um a 10 dias. Uma vez que esses locais eram geralmente locais de
passagem em que as pessoas estavam em trânsito para centros de detenção onde ficavam
presas por períodos longos ou até regressarem a Mauchiga, os períodos de prisão nesses locais
tendiam a suceder-se rapidamente. Os locais onde as pessoas ficaram presas durante curtos
períodos incluíram a vila de Ainaro, Bonuk (Hatu Udo, Ainaro), Dare (Hatu Builico, Ainaro),
Lesuhati (Hatu Builico, Ainaro), Same (Manufahi) e a prisão da Comarca em Díli. Outras pessoas
foram mantidas noutros locais, tais como Dotik, a vila de Ainaro e Dare, antes ou após a sua
prisão por períodos longos. Os habitantes de Mauchiga também foram presos durante vários
meses em Dare, Dotik, Same, a vila de Ainaro and Bonuk, a caminho ou no regresso dos locais
onde iam estar ou tinham estado presos por períodos longos.
Table 2 Tabela 2 - Figura <t400duration.rtf>: Tabela de dupla entrada relativa à
duração reportada dos períodos de deslocação dos habitantes de Mauchiga por
local, 1982/1985
1 dia
2 – 10
dias
11-100
dias
101300
dias
301- 501500 700
dias dias
701900
dias
9011005
dias
Descon Total
hecida
Ainaro
2
0
16
22
0
0
0
7
0
47
Ataúro
0
0
0
0
0
8
368
0
1
377
Bonuk
0
355
22
0
0
0
0
0
0
377
Comarca
13
0
0
0
0
0
0
0
0
13
Dare
172
0
0
377
80
0
0
0
1
630
Dotik
0
0
6
0
7
0
0
80
0
93
Lesuhati
1
182
0
0
0
0
0
0
0
183
Same
4
10
69
0
0
0
0
0
0
83
Total
192
547
113
399
87
8
368
87
2
1.803
194.
Os dados recolhidos pelo Projecto de Documentação de Mauchiga são consistentes com
a hipótese de que os militares indonésios usaram a prisão por longos períodos dos apoiantes e
daqueles que eram suspeitos de apoiarem a Resistência como estratégia para eliminarem a
base de apoio social e operacional da Resistência em Mauchiga. Estes dados também revelam
que os habitantes de Mauchiga sofreram uma série de deslocações e prisões antes e depois da
sua prisão por um período longo em Ataúro, Dotik ou na vila de Ainaro.
*
Os militares indonésios enviaram 360 destes 368 habitantes de Mauchiga para Ataúro em 30 de Agosto de 1982. Os
restantes oito habitantes de Mauchiga foram enviados para Ataúro a 5 de Setembro de 1982 depois de terem sido
interrogados durante uma semana em Lesuhati.
†
Entrevistas da CAVR a Olga da Silva, Abílio dos Santos, Xavier do Amaral e António Pires, Mauchiga, 16 de Abril de
2005.
- 47 -
Violações fatais reportadas sofridas pelos habitantes de Mauchiga
Distribuição das violações fatais reportadas sofridas pelos habitantes de Mauchiga ao longo do tempo e por
causa de morte
195.
O Projecto de Documentação de Mauchiga documentou 262 mortes relacionadas com o
conflito entre os habitantes de Mauchiga durante o período de referência da Comissão: 44,7%
(117/262) dessas mortes foram assassinatos, e as restantes 55,3% (145/262) foram mortes
devidas a doenças ou fome. A Figura <gMauchiga1st1M100200.pdf> mostra que 68,3%
(179/262) destas violações fatais ocorreram durante o período inicial da invasão e ocupação
militar indonésias, entre 1978 e 1984. Além disso, existe uma correlação positiva entre os
*
padrões de mortes devidas a assassinatos e a doenças/fome nos habitantes de Mauchiga. Por
isso, os dados documentados pelo Projecto de Documentação de Mauchiga são consistentes
com a hipótese de que os assassinatos e as mortes por doenças/fome relacionados com o
conflito se concentraram predominantemente no período em que os militares indonésios
realizaram operações contra a Resistência.
[Insert Figure <gMauchiga1st1M100200.pdf> about here]
196.
Embora exista uma correlação ao longo do tempo entre os padrões de mortes devidas a
assassinatos e a doenças/fome, há algumas diferenças significativas entre os dois fenómenos.
Os assassinatos documentados concentram-se sobretudo em 1978 e 1982/1983 (com 19,7%
(23/117) em 1978 e 47,9% (56/117) em 1982/1983), enquanto 44,8% (65/145) das mortes
relacionadas com doenças/fome se concentram em 1983/1984, quando os habitantes de
Mauchiga sofreram deportações massivas das suas casas.
Padrão de responsabilidade pelas violações fatais reportadas entre os habitantes de Mauchiga
197.
Dos assassinatos documentados pelo Projecto de Documentação de Mauchiga, 83,8%
(98/117) foram referidos como sendo da responsabilidade exclusiva dos militares indonésios e
6,0% (7/117) da responsabilidade exclusiva dos grupos coadjuvantes timorenses. Em relação a
10,3% (12/117) dos assassinatos, não foi reportada a responsabilidade do perpetrador
institucional. Não existiram assassinatos atribuídos conjuntamente aos militares indonésios e a
grupos coadjuvantes timorenses, nem a pessoas associadas à Resistência. Este padrão de
responsabilidade parece distinguir Mauchiga de outras partes de Timor-Leste, onde uma parte
substancial dos assassinatos foi atribuída às forças indonésias e aos grupos coadjuvantes
timorenses, actuando em conjunto (ver acima).
198.
Dos assassinatos documentados de habitantes de Mauchiga atribuídos aos militares
indonésios, 66,3% (65/98) tiveram como alvo pessoas ligadas à Resistência e os restantes
33,7% (33/98) tiveram como alvo membros da população civil.
O padrão das violações fatais contra habitantes de Mauchiga por filiação política das vítimas
199.
A distribuição dos assassinatos e mortes devidas a doenças/fome documentados variou
consideravelmente de acordo com a filiação política das vítimas. Como se pode ver na Figura
<tMauchigaVictAffil100200.rtf>, 64,1% (75/117) dos assassinatos foram referidos como tendo
sido cometidos contra indivíduos formalmente ligados à Resistência. Em contrapartida, todas as
mortes devidas a doenças ou fome, à excepção de uma, foram referidas como tendo ocorrido
entre civis desarmados. Isto é consistente com a hipótese de que, embora os assassinatos
fossem sobretudo dirigidos contra membros da Resistência e rede clandestina, os militares
*
O coeficiente de correlação para estas duas séries é de 0,57.
- 48 -
indonésios e os seus coadjuvantes mataram um número considerável de civis durante as suas
operações contra a Resistência. Figura <tMauchigaVictAffil100200.rtf>:
Table 3 -
Tabela 3 - Distribuição das violações fatais reportadas por filiação política
das vítimas, 1974/1999
Assassinatos
Mortes relacionadas
com Doenças/Fome
Nº
%
Nº
%
Civil desarmado
42
35,9
144
99,3
Resistência/membro da
rede clandestina
75
64,1
1
0,7
Total
117
100,0
145
100,0
Filiação política da vítima
Fonte: Dados recolhidos pelo secretário da aldeia de Mauchiga.
200.
A distribuição geográfica dos assassinatos reportados de habitantes de Mauchiga é
diferente da distribuição das mortes por fome e doenças. Como se pode ver na Figura
<tMauchigaVictAffilLoca100200.rtf>, as mortes por doenças/fome documentadas distribuíram-se
de modo quase uniforme entre os subdistritos da vila de Ainaro (Ainaro), Alas (Manufahi) e
Ataúro (Díli), enquanto os assassinatos reportados se concentraram sobretudo na vila de Ainaro
(Ainaro), Alas (Manufahi), e Same (Manufahi).
Table 4 Tabela 4 - Figura <tMauchigaVictAffilLoca100200.rtf>: Distribuição das
violações fatais reportadas por filiação política e origem geográfica, 1974/1999
Assassinatos
Mortes relacionadas
com Doenças/Fome
Total
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Ainaro, Ainaro
45
38,5
43
29,7
88
33,6
Maubisse, Ainaro
4
3,4
0
0
4
1,5
Bobonaro, Bobonaro
1
0,9
0
0
1
0,4
Alas, Manufahi
31
26,5
47
32,4
78
29,8
Fatuberliu, Manufahi
4
3,4
0
0
4
1,5
Same, Manufahi
31
26,5
0
0
31
11,8
Laleia, Manatuto
1
0,9
0
0
1
0,4
Ataúro, Díli
0
0
55
37,9
55
21,0
Total
117
100
145
100
262
100
Subdistrito em que ocorreu a
violação
Fonte: Dados recolhidos pelo secretário da aldeia de Mauchiga.
O padrão das violações fatais reportadas contra habitantes de Mauchiga por idade e sexo das vítimas
201.
Como sucedeu com a maioria dos assassinatos ocorridos em Timor-Leste, os homens
de Mauchiga foram as vítimas da esmagadora maioria dos assassinatos reportados ao Projecto
de Documentação de Mauchiga [92,3% (108/117) dos assassinatos reportados foram contra
homens e os restantes 7,7% (9/117) contra mulheres]. Quando se passa de uma simples
contagem de violações para taxas de violação na população, verifica-se que, em média, e
relativamente à sua proporção na população da aldeia de Mauchiga, a taxa a que os homens
foram mortos foi mais de 10 vezes superior à taxa verificada entre as mulheres. Durante o
- 49 -
período de referência da Comissão, noventa e cinco homens em cada 1.000 foram registados
*
como tendo sido assassinados, em comparação com oito mulheres em cada 1.000.
202.
Como se pode ver na Figura <ggMauchigaASD100.pdf> , 41,0% (48/117) dos
assassinatos documentados foram contra homens jovens entre os 15 e 29 anos. Isto é
consistente com a hipótese de que, no contexto da sua estratégia contra a Resistência, os
militares indonésios tiveram como alvo preferencial os homens jovens em idade militar.
[Insert Figure <ggMauchigaASD100.pdf> about here]
203.
Em contrapartida, as mortes devidas a doenças e a fome estão mais uniformemente
distribuídas entre os sexos: 50,3% (73/117) correspondem a mortes de homens e 49,7%
(72/117) a mortes de mulheres. Em termos de distribuição na população, observaram-se taxas
na população de mortes devidas a doenças/fome iguais para homens e mulheres: foi referida a
morte por fome/doenças de 64 por 1.000 homens em Mauchiga durante o período de referência
†
da Comissão, verificando-se o mesmo em relação às mulheres.
204.
Como se pode ver na Figura <gMauchigaASD200.pdf> , os residentes de Mauchiga que
foram mais frequentemente referidos como tendo morrido de fome e doenças foram as crianças
de tenra idade e os idosos. Este padrão de vulnerabilidade à morte relacionada com a fome
entre os muito jovens e os mais idosos é semelhante ao que foi documentado pela Comissão por
todo o território de Timor-Leste.
[Insert Figure <gMauchigaASD200.pdf> about here]
6.5 Síntese e conclusão
205.
A Comissão recolheu e utilizou um vasto conjunto de fontes de dados empíricos. A
Comissão recolheu quase 8.000 testemunhos-narrativas de timorenses sobre as suas
experiências ao longo de 25 anos de conflito, realizou um estudo de agregados familiares sobre
a mortalidade e deslocações envolvendo quase 1.400 agregados familiares, recenseou os
cemitérios nos 13 distritos de Timor-Leste, e desenvolveu conjuntos de dados a partir de
‡
informações recolhidas de outras organizações e grupos. Eram três os objectivos deste capítulo
sobre estatísticas:
•
Apresentar estimativas científicas, independentes e múltiplas dos números totais,
padrões e tendências da mortalidade e deslocações durante o período de referência da
Comissão
•
Esboçar e interpretar as estatísticas descritivas sobre a natureza e extensão das
violações, comportamento dos perpetradores e características das vítimas. Esses dados
foram recolhidos de múltiplas fontes de dados independentes, e
•
Documentar os métodos estatísticos utilizados pela Comissão para chegar às suas
conclusões estatísticas.
206.
Para conseguir fazer uma análise com esta profundidade e alcance, a Comissão e o
Benetech Human Rights Data Analysis Group desenvolveram conjuntamente projectos de dados
*
Estas taxas na população foram calculadas usando os dados populacionais do Levantamento de Sucos de Timor-Leste
de 2001.
†
Estas taxas na população também foram calculadas usando os dados populacionais do Levantamento de Sucos de
Timor-Leste de 2001.
‡
A informação externa que foi coligida em conjuntos de dados incluiu relatórios e outros materiais da Amnistia
Internacional, entrevistas narrativas recolhidas pela organização para os direitos das mulheres em Timor-Leste Fokupers
e listas preparadas pelos chefes de aldeia em Mauchiga.
- 50 -
múltiplos que implicaram a recolha de dados em grande escala, a sua codificação,
representação em bases de dados, ligação de registos (record linkage) e análise estatística. A
análise estatística que resultou deste exercício ajuda a revelar e esclarecer o conhecimento
social e histórico sobre a violência política em Timor-Leste entre 1974 e 1999. Contudo, sendo
apenas uma parte das conclusões da Comissão, estas conclusões estatísticas devem ser
combinadas e integradas com as conclusões de natureza qualitativa, histórica e jurídica.
1
John Waddingham, “ Timor-Leste Death Toll, 1975-1999,” contribuição escrita para a CAVR, 22 de Julho
de 2003.
2
Terence Hull "From Province to Nation: The Demographic Revolution of a People"
in James J. Fox e
Dionísio Babo Soares (eds), Out of the Ashes: The Destruction and Reconstruction of East Timor,
Crawford House Publishing. Bathurst, Australia, 2000, p. 38.
3
Arnold Kohen e John Taylor,
1979, p.58.
An Act of Genocide: Indonesia’s Invasion of East Timor
, Tapol, Londres,
4
John G Taylor, “'Encirclement and Annihilation': The Indonesian Occupation of East Timor,”
in Robert
Gelletely e Ben Kiernan (eds) The Specter of Genocide: Mass Murder in Historical Perspective,
Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
5
“Report on Timor-Leste,” East Timorese Church document, 12 July 1979,
citado in C. Gilbert and J.
Waddingham, “Timor-Leste – How many people are missing?” A report by the Timor Information Service
to the Australian Senate Standing Committee on Foreign Affairs and Defence, 28 March 1982.
6
Artº 1º, Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UN Doc A/44/49 (1989).
7
Biro Pusat Statistik, Sensus Penduduk Indonesia, 1990, Jacarta, 1994.
- 51 -