experiências de um leigo
Transcrição
experiências de um leigo
Experiências de um Leigo CRISTANDADE BRANCA UNIVERSAL EXPERIÊNCIAS DE UM LEIGO DIÁRIO DE UM APRENDIZ 1.ª EDIÇÃO [1]COAUTOR EDIÇÃO DO BEZERRA NETO (COAUTOR) Experiências de um Leigo Experiências de um Leigo Diário de um Aprendiz [2] Experiências de um Leigo Bezerra Neto Experiências de um Leigo Diário de um Aprendiz 1ª Edição CRATO EDIÇÃO DO COAUTOR 2011 [3] Experiências de um Leigo Edição do autor Este livro, no seu todo ou em parte poderá ser reproduzido ou transmitido, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros sem autorização prévia. Texto original: Bezerra Neto Direção Editorial: Trino Tumuchy Adaptação e revisão: Trino Tumuchy, Sonia Nóbrega. Edição do autor St. Baixio dos Monteiros, 00050 Distrito Romualdo - Crato Home page: www.aescoladocaminho.com Neto, F. A. Bezerra. Experiências de um Leigo. Diário de um Aprendiz. Crato: edição do autor, 2011. 293p ISBN: CDD: 920 [4] Experiências de um Leigo SUMÁRIO PRÓLOGO ............................................................................................ 7 PREFÁCIO DO AUTOR ........................................................................ 11 ENTRE AS ILUSÕES E A REALIDADE.................................................... 14 MINHA VIDA: UM ADEUS AOS SONHOS ............................................ 23 A MENSAGEIRA DO DESTINO ............................................................ 35 VISITA AO VALE: A HORA É CHEGADA ............................................... 43 CRISES: OPORTUNIDADES DE MUDANÇA.......................................... 46 SONIA: ENTRE O DESAFIO DA VIDA E O MEDO DA MORTE ............... 52 SONIA: OS DESAFIOS DE ACREDITAR NOS MÉDICOS DO ESPAÇO ..... 63 ENFIM, DE VOLTA PARA CASA........................................................... 75 UM ILUSTRE DESCONHECIDO ........................................................... 82 JURAS E METAS TRANSCENDENTAIS ................................................. 86 BATISTA: UM IRMÃO, UM AMIGO DO PASSADO .............................. 96 TAVARES: O REENCONTRO DE UM IRMÃO ESPIRITUAL .................. 104 LUÍS ADÃO: O CIGANO DE VILA VELHA ........................................... 111 A CONVIVÊNCIA CONSTRÓI O AMOR .............................................. 116 O VELHO SÁBIO DO ORIENTE .......................................................... 127 MEMÓRIAS DE TIA NEIVA ............................................................... 132 1983: FECHAMENTO DE UM CICLO ................................................. 139 DORES E SOFRIMENTOS DE UMA HERANÇA CÁRMICA ................... 146 O FRANCISCANO DE ASSIS .............................................................. 152 AQUELE PERFIL ME DESAFIOU. ENTÃO ME ARMEI CONTRA ELE..... 161 O MEDO: SAGA DOS DESESPERADOS E AFLITOS ............................. 169 A VITÓRIA NO TRABALHO DE PRISÃO ............................................. 179 OS CARROS QUEBRADOS ................................................................ 190 [5] Experiências de um Leigo NÃO SE DUVIDA DO QUE NÃO MERECE SER DUVIDADO ................ 200 VIAGEM À CIDADE DESCONHECIDA ................................................ 213 QUANTO MAIS SE REZA, MAIS ASSOMBRAÇÃO APARECE .............. 235 O INIMIGO SEMPRE VOLTA DO PASSADO ....................................... 240 DEVES ACREDITAR EM TI................................................................. 245 PROJEÇÃO DA IMAGEM .................................................................. 256 NÚBIA, A VIDENTE .......................................................................... 265 VAIDADE: A PONTE PARA A HUMILHAÇÃO ..................................... 268 DE VOLTA AO MEU PASSADO ......................................................... 272 TIA SONIA: A NOSSA VOVÓ RITA ..................................................... 280 ÍNDICE REMISSIVO .......................................................................... 285 [6] Experiências de um Leigo PRÓLOGO O sol corria a pino e os homens chegaram à busca do almoço. Precariamente encaixotados numa Caravan branca, estacionaram perto do nosso Passat que nunca funcionou, e que somente adornou a entrada do mercantil salgueiro por um bom tempo. Digo mercantil salgueiro porque ali, um dia funcionou uma modesta mercearia, que nos tempos a que me refiro nos serviu de calorosa morada. Desgastados pelo trabalho físico, desceram e após vencerem os limites de uma considerável calçada, ganharam a porta lateral e chegaram até a cozinha entre comentários doutrinários e observações a respeito de nossa construção – o templo. As divisões de alguns cômodos de nossa casa eram arranjadas precariamente – com os poucos móveis de então, razão pela qual a conversa que se travava num canto da casa, ainda que em tom moderado, poderia ser percebida facilmente por quem estivesse do outro lado do guarda-roupa ou do beliche que marcavam os limites do quarto. [7] Experiências de um Leigo Por esse motivo, eu, que àquela hora me debruçava sobre minha coleção de mapas e bandeiras, ouvi a menção de meu nome. Era tio Chico que me chamava. Em poucas palavras, pediu que eu fizesse uma revisão ortográfica daquela que era a mensagem de final de ano do Pai Seta Branca, que ele houvera recebido há poucos dias. Eram duas folhas de papel meio amareladas, onde a escrita denunciava que o escritor se preocupara somente em não perder a ideia pelos traços rápidos e desalinhados que apresentava. Aquela incumbência era tudo que eu podia desejar. Ter aquela mensagem; participar de sua apresentação final. Estudála, e, enfim, estar envolvido num trabalho de natureza doutrinária – ainda mais quando diretamente respeitante ao Pai Seta Branca – era ocasião da maior pompa e cerimônia. Prontamente fiz meu ritual – que na ocasião foi organizar impecavelmente minha mesa de estudos com um pequeno quadrinho do Pai a embelezá-la. Interrompi temporariamente a pintura das bandeiras, e por quatro ou cinco dias, só o que fiz foi ler, [8] Experiências de um Leigo reler e copiar várias vezes a mensagem rascunhada naquelas folhas amareladas. Desde então, posso dizer que quase, senão todo o material escrito referente à Missão do Nordeste tem passado por minhas mãos, o que tem me dado a oportunidade de trabalhar como organizador deste riquíssimo acervo, ainda que com profundo demérito de minha parte. Entretanto, mais do que isso, tem me dado a chance de aprender lições que eu certamente levarei por toda a eternidade. Tenho, sobretudo, a certeza de que essa nobre incumbência tem me chegado devido às minhas necessidades, que são imensas e intraduzíveis. Trata-se do aluno mais atrasado, auxiliado pelo professor generoso, que lhe exige a repetição da tarefa várias vezes. Somente assim entendo. Venho, portanto, agradecer, do Pai Seta Branca a tio Chico, a oportunidade deste trabalho; agradecer ao ensejo de tantas e ricas lições; a oportunidade de ter minha pobre visão ampliada aos limites das visões dos que sabem e veem além de mim. Somente Jesus em sua infinita bondade me concederia um roteiro como [9] Experiências de um Leigo esse. Venho, portanto, expressar toda a gratidão da qual, em minha pequeneza, sou capaz. Salve Deus. Trino Herdeiro Regente Tumuchy [10] Experiências de um Leigo PREFÁCIO DO AUTOR A obra está disposta em duas partes, obedecendo à cronologia, que inicia em 1975 e alcança na sua primeira parte o ano de 1982. Marca, portanto, o primeiro ciclo que compreende sete anos. A primeira parte referencia o início da nossa caminhada até chegar à Doutrina do Amanhecer. Falam-nos de fatos acontecimentos reais - que vivemos no dia a dia, marcados por profundas mudanças no campo externo da vida física. O segundo ciclo nos transfere para os momentos 1982 a 1985, momentos esses, assinalados por fenômenos mediúnicos que aconteciam em nossas vidas e também, por momentos vivenciados por nós na Doutrina. Procuramos narrá-los em três aspectos ou regiões diferentes, a saber: 1. Pensamentos e ideias exteriores esboçados pelos conflitos da personalidade, do psíquico; 2. O segundo campo - o interno, região da alma, através de sensações lidas e traduzidas pelo neuropsíquico; 3. O terceiro campo: o interior, espiritual, legendado por sentimentos verdadeiros e impulsos da nossa essência espiritual. A verdade que [11] Experiências de um Leigo sentíamos e não acreditávamos ou não podíamos ainda aplicá-la e vivêla. Referencia diálogos em vários momentos e situações com os mentores e todo um senso de orientação, cuidados e preparativos para a Missão do Nordeste. “Experiências de um Leigo” é o título que damos a esses apólogos1 que aqui escrevemos. Um resumo de fatos e por nós vividos. Nesses relatos temos a pretensiosa intenção de traduzir a ideia de um caminho missionário vivido e testemunhado sob a égide do mediunismo crístico, junto a Jesus e há tantos outros mentores que fizeram e ainda fazem partem dessa convivência. São horas de aprendizado; dias e noites de questionamentos, dúvidas, conflitos e incertezas. Foram longas as semanas que formavam os meses de análises, reflexões, prática, discussões e palestras. Os meses construíram os anos que nos levaram a compreensão e entendimento sobre a vida nos seus mais variados aspectos vivenciais experimentais, relacionais comportamentais, filosóficos, sociais, intelectuais, práticos, psicológicos, psiquiológicos, culturais, 1 História mais ou menos longa, cujo enredo apresenta lição ou sabedoria. [12] Experiências de um Leigo regionais, religiosos, emocionais, doutrinários, mediúnicos e humanos. Cada olhar inserido nesse contexto, o subtraímos da prática. Não somos adeptos da tese oratoriana e teorista, embora, nada tenha contra aos que assim vivem. Contudo consideramos que a melhor experiência é a vivida e o melhor mestre é a prática. Daí retiramos o verdadeiro aprendizado. Conhecimento e prática nos parecem constituir algo ímpar, como a fechadura e a chave que abre o seu segredo. Tivemos um cuidado, a pedido meu, que não alterassem a linguagem original. Conservando-a, tencionamos traduzir o mais fielmente possível, o retrato do tempo que todos esses acontecimentos foram vividos. Agimos assim por estarmos certos de que o vai aqui registrado são mais do que palavras. São substâncias reais energias de simplicidade, autenticidade e originalidade. Caro leitor; irmãos amigos, entregamos estes pequenos relatos a você. Esperamos que, de alguma forma, lhe sejam úteis. Essa é nossa única ambição. Bezerra Neto. [13] Experiências de um Leigo ENTRE AS ILUSÕES E A REALIDADE “Meu filho, onde estará tua alma? Seguindo os teus pensamentos? Sim filho, lá encontraremos tua alma vestida e presa às tuas ilusões. Deves agora parar de sofrer e imaginar o futuro, que queres ter; idealizar, construir o seu caminho. Mas deves temer teus sonhos. Eles ainda são frutos das tuas ilusões, resultado das alucinações mentais produzidas pelas ondas deformadas do seu estado psíquicoocidental. Encontre a sua realidade. Ela lhe será amarga hoje, amanhã adoçará com a verdade os teus dias.” Pai Nagô. Sentado naquela velha e amiga cadeira, lia um livro sobre meu estimado poeta: Gibran, o homem do Líbano. Estava no ano de 1979 e me pus a pensar que todo aquele que não consegue aceitar o mundo, deve aceitá-lo como seu, ser tomado por uma revolta interior e pela não aceitação, tentar mudá-lo. Uma revolta santa, sabedor que a melhor forma de iniciar essa mudança é em si mesmo. As perguntas construíram o mundo. Essa é uma afirmativa. Então eu digo que mil perguntas sem respostas satisfatórias construíram o mundo. É ideia por mim sugerida, que também pode ser considerada falsa. A correta seria mil respostas sem perguntas nos construíram e nós construímos o mundo exterior. [14] Experiências de um Leigo Por que temos que perder para nos achar? Possuir para depois deixar de ter? Sofrer para descobrir a felicidade? Matar para valorizar a vida? Odiar para descobrir o amor? Negar Deus e aceitar ideias de homens? Optar pelo mal e depois dos exageros descobrirmos o bem? Lutar para viver? Expor-se para poder se conhecer? Ser humilhado para depois ser exaltado? Morrer para renascer? Fechei o livro de Gibran. Levantei da cadeira e comecei a caminhar. Ainda hoje não parei. Entre a ilusão e a realidade, somente a verdade poderá responder. Saí de dentro de mim mesmo e parti em busca do espírito da verdade. Percorri muitas estradas, ruas e cidades; conheci pessoas, vivi momentos, situações, aceitei ideias, falei, agi, pensei, senti, errei, acertei; fiz amigos, inimigos, sonhei, desiludi-me, voltei a sonhar novas desilusões. Venci tantas vezes, e descobri que todas as vezes que venci, impus a mim mesmo o amargo da derrota. Irmãos se foram, outros chegaram; eu permaneci e segui na minha busca, chegando até aqui. Novamente estou sentado diante de mim mesmo. Numa outra cadeira, num outro lugar, num outro tempo, numa outra cidade, com outras pessoas, numa outra atitude de pensar a vida; novas ações, novos pensamentos que me [15] Experiências de um Leigo trazem novas sensações. Meu Deus até quando terei que procurar o que ainda não encontrei e que iniciei em 1976? Estou sentado e a única coisa de ontem que restou é o livro de Kalil Gibran, que estou relendo: O “Homem do Líbano.” Um pouco mais velhos estamos. Eu e o livro. Abro-o começo tudo de novo... Hoje, entre a realidade e as ilusões; não mais entre as ilusões e a realidade fecho o livro de Gibran e começo a ler o livro da minha vida. O homem do Crato. Aqui começaram chegar as respostas que procurava; do que somos e daquilo que a vida é. Então toda a ilusão desaparece. O que parecia eterno começou a morrer; o que parecia seguro, agora se tornava inseguro; o que parecia estável se tornou instável e toda a estrutura veio abaixo como se um terremoto transformasse o que era abundante. Como mágica, se fizeram dificuldades e necessidades. Aquele senhor, vindo de longe veio nos acordar do sono das ilusões. Assim começa a nossa viagem ao passado. Sim mestres, o caminho foi longo e doloroso para chegar até aqui. Contudo, seguimos o planejamento que marca seu início em nossas vidas em 1976, mudando todo o nosso destino. O primeiro ciclo de desmonte. [16] Experiências de um Leigo Sim meus irmãos e amigos, havia chegado a nossa hora. E ali o senhor do destino, da realidade e da verdade batia em nossa porta e se apresentava vestido de soberano, impondo a todos nós, novos desafios de construção, trazendo a lei para uma nova ordem. Quem de nós ali poderia supor o que adviria? Como impedir tamanha força, além, muito além das nossas? Quantas dúvidas, medos e incertezas cobriam nossas almas... O que viria? O que iríamos encontrar e enfrentar naquela estrada nova e desconhecida? Para descobrirmos tivemos que viver e aceitar os desafios. Enfrentá-los, superá-los, perseverar até o fim, que nos traz ao hoje, 2011. Então descobrimos que nós não morremos, os medos desapareceram, os sofrimentos não nos destruíram e hoje, nessa compreensão, estamos mais fortalecidos, menos exigentes e mais agradecidos. O que deu foi errado? O que deu errado? Nada mestres, nada, a não ser a nossa pobre dificuldade de entender que a vida não erra. Vamos viajar pelas experiências de muitas vidas. Muitas vidas viveram a mesma vida e cada um a expressou da maneira que sabia. Esse é o fantástico da vida. Ser você mesmo. Assim naquela época distante saí em busca de me encontrar, atrás da minha vida, das [17] Experiências de um Leigo minhas respostas e para encontrá-las, depois de algum tempo vivido, tive que voltar. Por ser o passado, o ontem, o presente, que todos acreditam ser o hoje, não é assim. Poucos vivem no presente, pois, o passado sempre estará no presente se não o compreendermos. E depois de compreendê-lo, dizemos: somente o passado nos esclarece, nos explica, nos responde e nos afirma. Estava em 1976, com 15 anos de idade, pouca maturidade, muita impertinência e nenhum juízo, nenhuma prudência, por serem poucas as pessoas que se apresentam vestidas dessa entidade, que nos traz ideias sensatas. As minhas tendências à autodestruição há muito se faziam em mim reveladas. Um estado negativo apoderava-se de meus pensamentos como a querer destruir meu corpo e minha alma em poucos anos. Aos 16 anos, compreendido por um esboço malfazejo, eu, o artista da minha vida, já desfalecia do meu estado tenente, então enfraquecido, juntava-me ao desânimo e a incrédula prática dos desregramentos. Numa dessas noites juvenis, encontrei alguns amigos. Aqueles caras com caras de onças, que pelas conveniências do que podem nos oferecer no campo das malfeitorias, chamamos de amigos. Quando chegamos a casa, a claridade do dia já banhava minha janela e minha [18] Experiências de um Leigo mãe exultava de preocupação e desespero. Sim, eram assim aqueles dias. Eu a desgostava pelo que fazia. Ela sofria e ao vê-la sofrer, eu desgostava mais ainda de mim. Contudo, uma força abrupta rompia os meus limites e me atirava nas certezas que aquilo é que era viver, que aquilo era um bom caminho. Certamente o é, para aqueles que querem viajar para mais distante do que imaginam e visitar as paisagens da morte antecipada. Era para onde eu estava indo... Isto foi no dia 28 de outubro de 1976, uma sexta-feira, a última daquele mês que agonizava. Após duas noitadas com aquele bando de amigos destrambelhados, que ludicamente chamamos de caros, acordei com uma mão suave que acariciava o meu rosto. Estava num lugar estranho. - O que vim fazer aqui? Quem me trouxe para cá? Foram meus imediatos pensamentos. Só então me dei conta que não lembrava nada... - E minha mãe? Oh meu Deus! Deve estar louca de preocupação. Foi então que a voz doce, daquelas mãos suaves, me tranquilizou informando-me que ela já sabia onde eu estava. Eu acordei na casa de um amigo em cuja companhia havia chegado [19] Experiências de um Leigo horas antes, carregado por seus braços e possuído pela minha inconsciência. Tive vergonha ao entrar em casa e parece-me que eles sabiam da minha vergonha, pois se mantiveram todos em silêncio. Por pouco tempo; depois a discussão foi inevitável. Armeime, então, de argumentos que não existiam. Aqueles que no desespero de se ver sem nenhuma justificativa, os lançamos de qualquer maneira não importando a razão. Ali o que menos importa é a razão e a lógica, não podemos é nos deixar vencer. Esse é o estilo do João-sem-razão. Estou errado, ele sabe. Mas mesmo errado, estou certo, por estar errado... Muitos fatos desse ocorreram naquela época. Bebia, farreava, e com isso desejava morrer. Viver era tudo que eu não queria; não sabia compreender essa ideia de não querer viver, mas vivia contrariado. Nada aceitava e tudo que os meus olhos viam, que meus sentidos analisavam era sem nenhum sentido. Eu não aceitava a vida como ela era, o que me levava a um estado de revolta e por isso, ativava uma força destrutiva interna me levando à anti-vida. Abandonei a escola, tornei-me revoltado, buscava ambientes difíceis e dali buscava subtrair algum prazer. Juntei-me a um bando de considerados fora-da-lei sócio-hipo[20] Experiências de um Leigo sociais. A turma do beco. Éramos uns vinte sem juízo. Adorávamos samba, pagode e cada um tocavam um instrumento. O meu era reco-reco. Não por escolha própria, mas por exigência do grupo, que me apelidou de inglês ou Zé Lourenço. Tradução: sem ritmo ou aquele que só atrapalha. Apelido, aliás, muito utilizado por Pai João em muitas ocasiões que me dizia: seria mais fácil sem mim... Assim, estava no grupo. Concluíram que daquela maneira não atrapalhava: do jeito que fizesse dava certo. Então, ‘reco-recava’ à minha maneira. Nessa fase, doenças atingiam-me como inquilinos ardilosos2 e artificiosos; ardis, que se estabelecem sem a nossa permissão. Tive seis pneumonias, e uma vasta relação de acontecidos patologicamente vindos e causados pela morbidez dos meus tristes pensamentos. Era como um laboratório de experiências e os pequenos enfermos traziam-me a contaminação. Em mim, faziam a festa, alimentando-se de minhas energias. Eu parecia um banquete, ou um senhor muito rico que anunciava a festa e não se opunha a examinar com cuidados os convidados que ao meu lado, festejariam. Então me divertia 2 Que usa de estratégia para burlar; astucioso, manhoso, velhaco. [21] Experiências de um Leigo somente, e como resultado uma herança de energias negativas que internamente em mim, impregnavam todos os meus órgãos vitais. Era candidato a morrer em breve... [22] Experiências de um Leigo MINHA VIDA: UM ADEUS AOS SONHOS Filho, aonde pensas que vai carregando em sua mente, toda essa bagagem de pensamentos negativos, que lhe colocam nos ombros, um fardo maior que suas possibilidades? És parecido, pequeno mestre, a um camelo. Ages muitas vezes, como um camelo. Sendo seu dono, se faz de imprudente e, sobre o espinhaço, deposita mais peso do que suporta. És ainda novo; ainda podes mudar essa triste senda e sina: a de ser um camelo. Deves lutar para mudar esse destino imposto pelos teus pensamentos e ações. Os ascencionados, iniciados, meditam. Os rebaixados e acanhados ruminam. Deves então, ruminar suas ideias sobre si mesmo e transformálas em algo entendido e aceito por ti. Cuidado... Para que o tempo não passe e não lhe torne um ator medíocre, teatrando no próprio ambiente e cenário, dessa pequena mentalidade ocidental, e feito homem, viva os devaneios de um camelo. Darkus Kan3. Nós éramos comerciantes muito bem sucedidos. Tínhamos lojas de tecidos e naquela época do começo de Brasília nos anos 60, quando nos mudamos para lá, comércio era uma fábrica de dinheiro. Tudo foi indo muito bem até meados de 1976. 3 Darkus-kan é um manto amarelo, um Lama de alta hierarquia. Sua idade se aproxima dos 85 anos. Ele viveu no Tibet, no mosteiro de Lhasa até a invasão dos chineses. Deslocou-se junto com outros para as cavernas dos Himalaias – “o limite entre a terra e o céu”, devido à altura em que estão localizadas, encimadas pelas nuvens e cobertas pelo gelo. Sempre bondoso e paciente, Mestre Kan encarna a figura da paz; na harmonia, seu caminhar é lento e suave; seus gestos, tímidos; seu olhar, complacente e profundo, revela toda sua nobreza e evolução espiritual. [23] Experiências de um Leigo Novembro trazia os ares do natal e as lojas faziam de tudo para vender o mais que pudessem. Sei disso, principalmente, porque morávamos no centro comercial de Sobradinho, e constantemente, no ir e vir para casa, passávamos pelas vitrines - todas enfeitadas e coloridas, anunciando mil e uma novidades e promoções para aquele natal. Eletrodomésticos, calçados, roupas ou cortes de tecidos finos. Havia chitões também; joias, brinquedos para as crianças, lembranças pequenas para os menos afortunados, pequenos enfeites, agendas natalinas, velas perfumadas, enfim, tudo para todos; badulaques mil. Um pouco mais distante ficava a feira Modelo. Lá vendiam frutas natalinas: pêssegos, uvas e outras tantas mais, que não me lembro. Volta e meia um ou outro carro de som passava perto de casa tocando o jingle bells. Fui jogar bola. No final de semana, domingo pela manhã, tínhamos um jogo marcado no clube, contra um time de outro bairro, que agora não recordo. Como eu adorava jogar futebol, acordei cedo, pulei da [24] Experiências de um Leigo cama, passei pela cozinha e já caí com meus apetrechos, pronto para a empreitada. Era a decisão do campeonato. Ganhamos. O nosso time levava o nome de Piauí Bode Clube. Homenagem ao estado do Piauí. Terminado o jogo, fomos à Taberna, um bar, perto de casa, comemorar o feito. Ficava na quadra 104, perto, também, do clube onde acontecera o jogo. Bebíamos enquanto o tempo se estragava ao passar ali por nós. Assim a noite foi caindo e junto a ela, eu que já tonto, andava como se não tivesse joelhos, de pernas soltas... Resolvemos ficar ali, conversando enquanto o domingo avançava. Uma piada aqui, um comentário ali, e as horas iam morrendo. Pedimos algo para comer enquanto brincávamos e contávamos casos divertidos. Meu irmão Eduardo não parava quieto; era o mais novo e o mais entusiasmado; era também o encarregado dos favores e mandados, o que sempre fazia de mal grado. Quando levantava sempre dava 4 Em sobradinho não há divisão por bairros, mas por quadras. [25] Experiências de um Leigo um ou outro chute na bola que ali, quieta nos acompanhava. Passamos muitas horas assim... À medida que ia escurecendo eu ia ficando cansado. O resto da turma também. Maroca estava sentado em minha frente e contava uns casos mentirosos de uns parentes seus lá de Minas; de vez em quando ele interrompia a narração, levantava e ia lá dentro, a outra dependência do bar; na volta dizia que havia um grupo animado por lá, aproveitando o espaço em que as nossas namoradas tinham ido a casa tomar banho, trocar de roupa e voltar. Não demos atenção àquele comentário e continuamos em nossa mesa, onde uma batucada de vez em quando acontecia feia e morna, mas logo se dissolvia devido à nossa total ignorância musical. As meninas retornaram do banho e ali permanecíamos juntos sem ter o que fazer. Berão, assolado pelo álcool, subia nas mesas e recitava raivosos discursos antimilitaristas. No final, recitava Castro Alves. “Auro-e-verde pendão da minha terra, que a brisa beija e balança”... Sorríamos daquilo enquanto seus olhos e face tomavam-se de expressões [26] Experiências de um Leigo magoadas e febris, inflamadas pela cor avermelhada que lhe cobria o rosto, feito ave galinácea, da família, gallipavo meleagris, conhecido como peru. Seu sangue lhe enchia as veias à menor contrariedade. Constantemente, uns e outros sujeitos levantavam, iam lá dentro e voltavam zombando de algo que por lá acontecia. Eduardo já nem ficava mais na mesa. Eu estava muito cansado e por isso não havia levantado do meu lugar até então. Nadja, com quem eu namorava, foi ver o que acontecia e voltou muito preocupada e tensa. Perguntei o que houve, ao que ela me deu um nada como resposta. Berão me disse que o que chamara a atenção do pessoal era um homem meio esquisito, de um centro espírita famoso lá pelos lados de Planaltina5 que estava ali, em outra mesa, mais escondida, e por isso, os meninos estavam indo até lá. Ignorei. Nunca tinha ouvido falar neste tal centro e não era assunto pelo qual me envolveria por simples falta de interesse. Por isso continuei sentado. Era mais 5 O centro espírita aqui referenciado é o Vale do Amanhecer, para a época, pouco conhecido, e que ficava nos limites da cidade de Planaltina. [27] Experiências de um Leigo interessante. Berão começou então a falar sobre o tal centro espírita. Disse que era um lugar meio estranho, onde as pessoas vestiam umas roupas esquisitas, faziam vários trabalhos, mas que também era muito divertido, muito engraçado assistir uma sessão deles. Enquanto isso a romaria continuava; Maroca, Eduardo e outros se mudaram para o que acontecia lá dentro. Desde então não saíram mais. Angustiado, preocupado e talvez um pouco curioso, levantei; fui ver o tal sujeito. Era um amigo nosso, mais distante, um conhecido. Gétnei, era o seu nome. Tratava-se de um rapaz forte, musculoso e estava sentado num banco azul de ferro onde parecia receber um espírito. Em volta, todos de nossa mesa, também sentados faziam um cinturão em torno dele. Mais ao lado, duas mulheres bonitas e provocantes bebiam, riam e batucavam baixo, quase num sussurro. Ele, o tal espírito, também bebia; havia cachaça perto e ele de vez em quando tomava um gole, rouquejando: - Saravá meu santo, sarava meu ego, ego ebó suairê suaíli! [28] Experiências de um Leigo Hoje, sei que pedia que sacrificasse uma cabra e lhe desse de presente em homenagem a seus ancestrais que estavam ali. Eu era um. Aquela entidade deu o nome de Zé Pelintra. O apará suava muito e cheirava mal. Volta e meia estralava os dedos numa atitude que eu desconhecia, mas que também não me interessava. Nunca havia presenciado nada desse tipo de coisa. Era totalmente ignorante e um medo apavorado me chegava, sinal de que era hora de ir embora. As brincadeiras continuavam e os meninos zombavam dele, que, por sua vez, fingia não entender ou não escutar. Vez ou outra erguia a cabeça em minha direção, como a me notar um pouco distante daquele círculo. Então não sei o que me deu. Cansado daquelas meninices já excessivas, me ressenti. Sempre fui contra zombaria e piadas que degradassem a imagem de quem quer que fosse, e, para mim, aquele rapaz estaria se sentindo ofendido, ultrajado pela baixaria que girava naquele grupo em torno dele. Lá fui eu na minha mania de defensor dos fracos e oprimidos. [29] Experiências de um Leigo Parti em sua defesa, advogando em seu favor, atacando o pessoal. Não pedi, ordenei! Que parassem com aquela desonra! Já estava demais. Que o deixassem em paz. Terminei a defesa, dizendo que ele também merecia respeito, mesmo sem o nosso crédito. Recebi uma grande vaia: - Deixa disso Chico. Vem aqui, vamos brincar, vamos curtir aqui com o Zé. Ele é gente fina, entende de futebol, de mulher e não leva nada a sério... Ele olhou para mim e sorriu. Achei que ele havia gostado da minha interferência, o que de fato aconteceu. Então pediu que eu sentasse perto dele, porque eu era muito bacana e ele queria me dar um presente. Ego e vaidade devidamente acariciados, afastei o copo de cachaça e me sentei ao seu lado. Então ele começou a subir e descer os braços, fazendo movimentos em forma de x pelos meus ombros e minhas pernas, estralando os dedos no final de cada cruzamento. Achei, de início, engraçado... - Gosto muito de você, você é muito legal, muito bacana e eu trouxe um presente para você... [30] Experiências de um Leigo Ele disse isso e trinta segundos depois eu comecei a me sentir mal. Parecia que eu ia explodir. Senti como se tivesse um balão dentro de mim e que fosse enchendo a cada segundo. Tontura e uma sensação de ausência, desmaio e náusea me fizeram cambalear ainda sentado. Meu coração começou a bater descompassada e estranhamente. Levantei. Deixei o grupo e caminhei alguns metros no sentido de nossa mesa, mas sem conseguir chegar lá; parecia que eu estava dominado não sei por quem ou o quê; sentia-me muito estranho. Minha garganta travou; meus olhos e minha cabeça doíam. A falta de ar chegou e me apavorou. Sem que ninguém da minha turma percebesse, eu passava muito mal. Ouvi a voz de Nadja distante, muito longe a me perguntar o que estava acontecendo. Encostei-me a uma mesa mais próxima, na esperança de não cair. Tentei gritar. Esforço vão. O pessoal, nem dava conta de mim, entretidos que estavam com o rapaz do outro lado, ainda incorporado. Eu, metros à frente, me segurava para não tombar, [31] Experiências de um Leigo lutando como um guerreiro abatido para não se deixar vencer. Quando pensei não mais aguentar, comecei a bater palmas de uma forma muito estranha. Sem que pudesse controlar, batia palmas. Era algo que não era eu que comandava como se alguém tivesse chegado de longe e me tomado. Tinha pouquíssima ou quase nenhuma consciência do que fazia e a minha capacidade de reação era nula. Somente bater palmas era o que eu, distantemente, sentia fazer naquele momento. Calculo que fiquei assim por alguns minutos. Em dado momento também sem que controlasse, comecei a falar: - Salve Deus, graças a Deus, salve Deus, salve Deus... - Salve Deus, graças a Deus... Repetia isso mecânica e inconscientemente, num ato quase cego. Escutava a minha voz como se estivesse muito distante. Do outro lado o pessoal notou que eu estava diferente e todos, sem exceção, começaram a me taxar de ‘o sempersonalidade’, que eu estava imitando o sujeito que tinha começado a brincar primeiro [32] Experiências de um Leigo e coisas assim. Eu os escutava com grande dificuldade, pois algo muito forte me dominava. Algo acima das minhas forças. Meu irmão passava por mim e gritava para que eu parasse, que me colocasse direito. Eu não precisava ficar imitando ninguém para que fosse notado e coisas desse tipo, ainda mais com aquela voz... Eu continuava em minha manifestação, sem perceber o que me diziam e o que acontecia em meu redor e só escrevo isso porque me contaram. Enquanto batia palma e falava aquilo que me era tão estranho, totalmente desconhecido, o pessoal ainda brigava comigo, taxando-me de imitador e coisas similares. O mal-estar foi diminuindo, diminuindo, e de repente o efeito e o cheiro do álcool passaram. Devagar, abri os olhos e novamente me vi ali, naquele bar, com meus amigos, encostado a uma mesa; voltei a ter a noção de onde estava, da sala, das mesas, do que fazia, do meu corpo, do ambiente, enfim, estava novamente no meu estado normal. - Que houve Chico? Perguntou Nadja. [33] Experiências de um Leigo - Não sei lhe explicar. Não me pergunte eu não sei lhe dizer. O tal sujeito incorporado, as mulheres e os meus companheiros de mesa é que não gostaram muito porque quando eu voltei a mim, a festa deles já tinha acabado há muito tempo. Foram dizer que eu era, além de sem-personalidade, estraga-prazeres... Saí dali, mais assustado que envergonhado, certo de que tinha recebido uma daquelas almas de macumba, mas sem dar importância e sem saber o que de fato tinha ocorrido; aquilo ficou na minha mente por muitas semanas, mas depois tudo voltou ao normal, porque eu já estava de novo na mesma sintonia de antes: com os amigos nas brincadeiras, bebendo, sem saber, sem ter a menor ideia do que tinha acontecido naquele dia. Esse fato aconteceu em meados de dezembro de 1976. [34] Experiências de um Leigo A MENSAGEIRA DO DESTINO Meu filho. Deves despertar agora, e libertar a tua mente dessa amnésia, necessária somente para aqueles que ainda não conquistaram o amor. Deves seguir, ser obediente ao chamamento deste momento e abrir um novo ciclo em tua vida. Relembra filho, 1976, quando pela primeira vez, esteve aqui conosco. Já ali, no plano oculto de sua vida, eu atuava no meu silêncio e nas impossibilidades causadas pelo adormecer de sua memória espiritual. Por isso não me via. Agora posso estar, porque, apesar de ainda não ter despertado completamente, já podes me ver. Então me escuta, pois, não tens tempo e nem eu, a perder. Deves se preparar para a grande jornada que se inicia. Você nasceu para cumprir uma missão, entregue a ti pelos grandes iniciados. Não pode fugir de teu destino cármico, ou se “perderá na escura noite do passado Pai Benedito mensagem recebida debaixo de um pé de manga. Depois daquele acontecimento, após alguns dias fui até a casa de Nadja. Esse é um capítulo especial para mim. Como descrever alguém em estado de sublimação quando não se tem a ideia dele? Há pessoas na vida que nunca nos esquecemos. Nadja é uma dessas pessoas... Anoitecia a sexta-feira. Sei disso porque, estranhamente, não podíamos nos ver nas quartas e sábados à noite e às vezes no domingo. Nunca compreendia aquilo, mas ela me dizia que era por causa da mãe que assim havia determinado. [35] Experiências de um Leigo Divany era seu nome. Uma mulher, para época, bastante corajosa e avançada. Era separada e mantinha um namorado com o nome de Romão. Raro o dia em que não chegava lá para não ver um fusquinha estacionado rente a casa e lá estava ele sempre se sentindo apertado no ambiente. Era o tamanho do seu nariz, realmente grande. Assim que cheguei, aproximadamente sete horas da noite, Nadja me pediu que fôssemos para varanda, onde nos sentamos em um banco tipo namoradeira e ela retornou ao assunto do bar. Disse-lhe então que não queria falar. Não saberia mesmo. Ela então me disse que aquilo fora uma incorporação. - O que é isso? Perguntei. - Você recebeu alguém, foi tomado por um espírito. Minha mãe me disse depois que lhe contei a história. - Incorporação? Como você sabe? Como Divany sabe? Nós somos espiritualistas. Pertencemos ao Vale do Amanhecer, o mesmo lugar em que aquele rapaz vai e lá [36] Experiências de um Leigo desenvolveu a mediunidade que ele possui, de incorporação. Fiquei estupefato. Não sei se preocupado, contrariado, aborrecido ou aterrorizado pelo fato e ideia de ter recebido um espírito e também, dela nunca ter me falado sobre pertencer ao espiritismo. De chofre6, arrematei: - Por que me escondeu? O que você faz lá? - Sou médium de incorporação, recebo espíritos de Pretos Velhos e Caboclos. Sou médium em desenvolvimento. E não lhe contei porque minha mãe pediu que eu aguardasse um tempo certo. Falou que você poderia ter sobre esse assunto muitos preconceitos e isso iria nos atrapalhar. - Essa coisa não é boa Nadja. Eu sou católico e acredito no catolicismo. – Calma! Não julgue sem conhecer. Deixe-me terminar. Depois você conclui do jeito que quiser. Essa é a razão de não podermos estar juntos às quartas-feiras e sábados e, às vezes, aos domingos. Vamos para o Vale. Vou trabalhar a minha 6 Imediatamente, de uma vez. [37] Experiências de um Leigo mediunidade. Lá é um lugar onde se ajuda as pessoas, acredite, é um lugar que pregam Jesus e tem uma mulher que é amiga da minha mãe que se chama Tia Neiva. Ela é clarividente. Vê o passado das pessoas, o presente e o futuro. Adivinha tudo, sabe de tudo. - Não acredito nessas coisas. Não mesmo. Além de tudo, considero isso muito perigoso, tenho muito medo disso, e só em falar já me provoca arrepios, fico todo descompensado. Não gosto dessa conversa de espírito, almas, isso me dá medo. Sim, mas por que esta me falando estas coisas? - Minha mãe disse que você precisa ir lá e pode ir conosco. - EU? NUNCA! Fazer o quê? - Você está com muitas companhias ruins, espíritos ruins. Eles é que estão fazendo você beber tanto assim. E depois minha mãe disse que você tem mediunidade, por isso, recebeu aquele espírito que incorporou na taberna aquela noite. Você precisa acreditar nisso. Eu vi quando você estava incorporado, falava ‘Salve Deus’! Repetiu algumas vezes batendo palmas. - Chico! Continuou ela: [38] Experiências de um Leigo - Lá no Vale aonde eu vou as pessoas e as entidades dizem ‘Salve Deus’! Você entende... Lá nós usamos esse dizer. Isso não é estranho? Você não acha? Você falar sem nunca ter ido lá. - Você está me assustando Nadja. Vamos parar com isso. Vamos falar de outras coisas. - A minha mãe disse-me também que a sua saúde frágil já é decorrência da sua mediunidade que está aberta. Escute-me: vamos ao Vale, se você não gostar agente não fala mais nesse assunto e nem você volta lá. Deus me livre! Exclamei imediatamente. -Nadja escute... - Escute você Chico! Ela me tomou a conversa. Não me deixando falar, continuou: - Vamos lá. Eu vou com você. Confie em mim. Acha que se fosse ruim eu estaria lá. Você está precisando. - Por favor, não insista. Eu tenho pavor disso e vou lhe dizer a razão. O que vou lhe contar o que nunca falei a ninguém. Desde os meus oitos anos que tenho pesadelos horríveis nesses lugares. São terreiros de [39] Experiências de um Leigo macumba. Mas é muito real. Acho que esses terreiros ficam ali pelos lados da Fercal7. Vejome em meus sonhos caminhando para lá. Vejo homens deformados, imensos, são horríveis em suas aparências. Eles falam de modo estranho como se suas gargantas estivessem fechadas e por isso, tivesse que fazer grande esforço soltando gritos e berros enrouquecidos no ar. São violentos e agressivos. Os vejo muitas vezes batendo em outros com chicotes feitos de chibata de cavalo. Ouvi-os comentarem isso. Vejo animais mortos e muito sangue. É horrível. Vez ou outra tenho esses pesadelos terríveis. São bastante reais, a ponto de me confundirem no sonho, se estou dormindo ou não. Portanto, não quero nem pensar nisso. - Aquele espírito, o Zé Pelintra é dono de terreiro. Minha mãe me disse. Ela já teve em terreiros. Ele é uma entidade do mal. Faz o mal para as pessoas. Era ele que estava incorporado naquele médium. Ouvi quando ele disse o nome. -Será que foi ele que entrou em mim? Besteira, o que estou falando, isso não existe. 7 Localidade próxima de Sobradinho, há poucos quilômetros de nossa casa. [40] Experiências de um Leigo Vamos deixar isso para lá. Não acredito nisso. Não é possível. - Existe Chico. Acredite que existe! Afirmou ela. - Eu, muitas vezes, os recebo. - Chega Nadja. Por favor, vamos mudar de assunto! De repente, saindo do nada um vento estranho soprou balançando as folhas de uma trepadeira que se enrolava pelas madeiras da varanda. Amedrontado, senti um forte arrepio. Nadja sentiu-se mal. Disse que estava com falta de ar e tonta. Convidei-a para sair dali e entrarmos. Divany e Romão estavam assistindo uma novela. Passamos direto para cozinha, onde ficamos sentados à mesa de jantar. Logo Divany veio ao meu encontro e em poucas palavras disse-me que estava precisando tomar uns passes: - Não brinque rapaz. Isso é serio! E reforçou o que Nadja já havia me dito. Dei-me por vencido. Combinamos que iria com eles na noite seguinte. Marcamos a hora e eu me despedi dela, após certificar-me que ela estava passando bem. Devia ser umas [41] Experiências de um Leigo 10 horas da noite e caminhei apressadamente carregado de medo daquela conversa. Cheguei a minha casa e fui dormir. Naquela noite mil pensamentos assombravam-me afugentando a minha coragem que já não era grande. Tive nessa noite um longo e sofrido pesadelo, onde aquele espírito da taberna pareceu-me vir em minha visita e procurava-me por todas as dependências da minha casa. Um homem amigo, supunha eu, corria comigo procurando me esconder daquele inimigo. Ele abriu uma porta e me fez entrar. Ali fiquei escondido num cômodo pequeno. Havia muitas imagens retratadas em lindas molduras pregadas nas paredes. Fiquei observando aquelas pessoas retratadas e me esqueci do medo e que estava num pesadelo. [42] Experiências de um Leigo VISITA AO VALE: A HORA É CHEGADA Naquela noite senti que a vida, em mim, silenciou. Um silêncio mudo se fez, cobrindo toda a atmosfera onde eu estava de um luto estranho e desalentado. Senti a morte. Meu Deus! O que será de mim? Então, ouvi uma voz que apontava a resposta: eu sou o som e o eco da tua voz, da tua alma interior, que a ti transcendente, tempo e espaço. Vim aqui despertá-lo. Acorde, acorde... É chegada a tua hora. Não temas a noite, nem a escuridão que lhe vestem temporariamente, como feras dementes a ti aprisionarem. Logo os raios de sol vindos do eterno, serão arremessados sobre a vida obscura. “Então, será dia novamente e as claridades afugentarão a escura noite, que fugidia e morta em ti voltará às sombras e beijará as almas lutos daqueles que acreditaram no mundo dos sofrimentos, a vida sem luz.” Escrito por mim em 1985, dia em que soube que teria de deixar Brasília. Na noite seguinte, hora marcada, entrava no fusquinha que generosamente nos levaria até aquele lugar chamado de Vale do Amanhecer. Eu e Nadja íamos sentados atrás. O carro ganhou um embalo não muito grande; fusquinha não corre, anda. Então fomos andando de fusquinha em direção aquele lugar e não sabia eu, que estava indo me encontrar como o meu destino. Fiz todo aquele percurso de uns vinte e cinco quilômetros sob forte tensão, misturada a uma ansiedade e um medo paralisante do que não conhecia e, por isso, temia. [43] Experiências de um Leigo Em silêncio externo, me fiz de desaparecido dali. Acho que ninguém, a não ser Nadja sabia e sentia a minha presença. Junto a nós uma amiga de Divani com nome de Marluce, que também parecia pertencer àquele lugar, ia sentada ao meu lado. Meus pensamentos ferviam dentro do meu cérebro. Eles se desordenaram sem razão aparente, enfim, aquele era somente um lugar para o qual eu estava indo nada mais. Sensações estranhas me tomavam o corpo e a alma como se aquela viagem não fosse ter volta. Sentia-me por isso, trêmulo e desconfiado. Enfim, chegamos. Fomos descendo do carro e imediatamente rodei minha cabeça vagarosamente buscando observar tudo. O que vi não me agradou. E o que vi foi quase nada. Um lugar extremamente pobre e sem habitação, a não ser ali e acolá, uma casa se fazia ver. Algumas cabanas de palhas e muitos pés de eucalipto espalhados por aquele terreno. A minha frente um grande galpão que parecia ser o Templo. Paramos em frente a um casarão feito de tábuas gastas e arrumadas uma perto [44] Experiências de um Leigo da outra, a dar ideia e sentido de parede. Portas e janelas se abriam como a nos convidar para a vida, a nos dizer que ali era um lugar de amigos. Abriam-se como um cartão postal mandado por pessoas aderentes nos convidando para entrar. Nadja me disse que ali era a casa de Tia Neiva. A Casa Grande como era conhecida. Havia uma jovem a procurar uma das crianças, que se fazia escondida perto de mim. Querendo socorrer aquela vigilante de, apontei-lhe o esconderijo de uma delas. Era um pequenino e parecia se divertir de esconde-esconde, pois, assim que chegamos e paramos o carro, observei que ele correu e se escondeu por traz do fusquinha. Chamei uma mocinha e lhe disse que ali estava uma das muitas crianças que ela procurava. Fiz isso por entender que era a hora dela comer. Escutei o baixinho dizer: - homem ruim. Sorri... Sorrimos da sua inocência. Pessoas estavam num reboliço imenso. Adultos se movimentavam agitados a procura de crianças que estavam em suas brincadeiras. Era hora do jantar. [45] Experiências de um Leigo CRISES: OPORTUNIDADES DE MUDANÇA Filho. Aprendas a escolher melhor tuas decisões. Cuidado... Não tens mais o direito de somente pensar em si mesmo. O que pode ser bom para sua vida poderá ser ruim para sua missão e o que poderá ser bom para sua missão, certamente, será ruim para a sua vida. Gostas de pensar muito em si mesmo. Eu estou sempre alerta... Lembre-se: não tens mais o direito de decepcionar os outros... Nesse momento não estás aqui para pensar, opinar e sim para aprender. Assim, siga os meus passos, onde eu pisar deves pisar. Siga as minhas pegadas. Essa será a segurança do teu caminho. Amanhã caminharás com os seus próprios pés. Mas lembre-se ainda é cedo. Pai João de Enock. Deu de costas e partiu... Os dias iam-se passando; semanas iam compondo os meses e os meses os anos. Estávamos agora em 1977. Eu crescia independente do meu querer. Mas só por fora. Por dentro me recusava. Falei da Taberna, o bar. Tenho que dizer que ali era o nosso ponto de encontro daquela época, tornando-se para mim um lugar dos preferidos, por isso, muito frequentado. Tivemos momentos bons e também os exageros que a idade adolescente sabe compreender e explicar. Ali nos juntávamos sempre em festa, afinal, aquela era uma sintonia que nos atraía. Mas depois do que me aconteceu, o contato com exu, eu [46] Experiências de um Leigo ia demorar a voltar ali. O medo apoderou-se de mim como dono e senhor da minha vontade. O comércio ia mal e vivíamos dele. Então íamos mal também. Tudo na verdade ia mal. O dinheiro faltou de vez. Se antes o negócio era desagradável, agora estava feio, nos colocando em dificuldades sérias. Tudo começou a faltar. Eu arrumei um emprego numa firma de modulados e Sinval também começou a trabalhar. Era pouco mais dava para gente ir se virando enquanto pai lutava para se aposentar. Sinval trabalhava e comprava roupas usadas na feira do rolo. Desnecessário dizer que não tinha dinheiro para comprar roupas novas. Ele trabalhava no INAN e saía pela porta dos fundos porque tinha vergonha de sair pela frente. Dizia inclusive que podia cruzar com o antigo dono da roupa e não se sentiria bem. Lembro-me dele arrumando a camisa torta no peito, perto de um abajur vermelho bem alto, com o suporte todo em anéis de madeira, falando que, se num dia água, no outro vinho. Sinval ria de tudo. Brincava com tudo. [47] Experiências de um Leigo Os místicos de toda ordem e gêneros apareceram no fantástico, programa da Globo. Era final de ano. Profetizavam para o ano que viria, 1977. Diziam que sete é número de sorte. Só para eles, por que para nós a coisa ficou pior. O comércio naquele janeiro de 77 estava fraco, como sempre é o comércio depois do natal e as lojas não vendiam coisa nenhuma. É sempre assim no início de cada ano. A cidade também já tinha perdido o cheiro do natal, como um encanto que termina; as vitrines voltavam a ter uma normalidade. Não tinham mais o vermelho, o frio que faz em dezembro; a promessa de vida nova sumia e o ano cor-de-rosa ficava cinza. As chamas do natal viravam cinzas. Parecia que devagarzinho tudo ia sumindo dos nossos corações e voltava ao normal, uma normalidade sem graça, cotidiana, anormal. Mesmo o ano novo, que antes era novidade, devagarzinho, dia após dia, hora após hora ia também deixando de ser novidade. Pobre: mal nascia, começava a morrer. Janeiro nos deixou lento. Tudo era lento. Nossos conflitos nos cansavam; nossas expectativas, o dia-a-dia preenchia tanto o [48] Experiências de um Leigo nosso tempo que nos tornávamos maçados, maçantes ou sei lá o quê. Assim, tudo era lento. Fevereiro chegou; trouxe o carnaval; toda a nossa turma pulou os quatro dias no SODESO8. Depois do carnaval veio o São João repleto de nostalgia. Meu pai novamente enchia os olhos d’água por causa da saudade de um nordestino “cabra da peste” que deixa seu torrão natal e vive castigado pela lembrança nas terras distantes do “sul”. Ficava de olho na televisão para não perder Luiz Gonzaga cantar Asa Branca. Então chorava relembrando sua terra, seus amigos e seus sonhos idealizados ali, agora, mortos por uma triste e difícil realidade: a de viver na cidade grande... Todos diziam que era o hino do sertão. Eu não gostava muito; preferia Elvis, como era de se supor para um jovem de 18 anos. Hoje prefiro Luís... Lá fora, Sinval pegou um resto de charque congelado; improvisou uma fogueira e assou o naco de carne. Dizia que tinha 8 Sociedade Desportiva Sobradinhense era o clube que assiduamente frequentávamos. [49] Experiências de um Leigo comprado um boi e ia dar uma festa para toda vizinhança. Ainda lembro o reflexo da chama no seu rosto e do graveto que ele usava para mexer o pouco que ardia. Nesse dia mãe riu muito da fogueira e do seu boi de poucos gramas. Ela não cansava de gostar de tudo que fazíamos e ainda hoje conta isso para todos que chegam lá em casa, mesmo tendo passado tanto tempo da morte de Sinval... Assim correu 1977. Junho trouxe julho, agosto e novamente nos aproximávamos do final do ano. Setembro trouxe a notícia da gravidez de Sonia, que encheu de uma dupla alegria a casa, pois Selma daria a luz em janeiro e Sonia, teria um filho no final de maio do ano que já se anunciava, sobretudo em nossas expectativas de superarmos nossas dificuldades tantas e fartas: 1978 surgia esperançoso. A chegada do natal trazia novamente o cheiro doce da feira modelo; as vitrines se enfeitavam de novo, na esperança do lucro, anunciando mil e uma promoções, descontos especiais, pagamentos divididos em muitas vezes e os carros de som de novo iriam desempoeirar o 'jingle bells' tão característico. A vida ia se repetindo, como se fosse uma ciranda de roda, onde passamos [50] Experiências de um Leigo sempre pelo mesmo ponto; no nosso caso, com uma dor diferente a cada volta... O natal foi sofrido. Não conseguimos manter a sintonia dos natais anteriores. 76 diminuiu para 77, que diminuiu para 78, que diminuiria mais à medida que chegávamos para a casa dos oitenta. Era a tendência... Parece estranho, mas era a nossa situação. Tudo desapareceu de uma hora para outra. Agora, parecia que estávamos numa vida diferente, que não era a nossa. Necessidades, sofrimentos, desajustes, enfim, parecia que o sonho havia acabado. Assim se passou o ano de 1977. Retornei ao Vale mais duas ou três vezes. Sei que melhorei muito daquele comportamento estranho, de desregramento. Estava mais equilibrado. Até trabalhando. [51] Experiências de um Leigo SONIA: ENTRE O DESAFIO DA VIDA E O MEDO DA MORTE ”Meu filho, não fiques a acreditar na irrealidade de muitos fatos que ocorrem no presente. Não estão no hoje e sim, sintonizados no Perispsíquico, região do ontem. Eles provêm de ação magnética desprendida, num movimento pretérito e programado de tuas próprias opções e ações do passado. Estão em frequência ao teu padrão vibratório: vivências desiguais. Muitas doenças que possuis são somente reflexões do seu estado psicológico transcendental - projeções do campo peridural, dura-máter, membrana que envolve o encéfalo da alma, criando um amplexo envolvendo o corpo físico, que sintomatiza obediente ao ectro-psíquico, energia de eversão, materializada, criando uma falsa aparência e um falso diagnóstico, as falsas doenças.” Dr. Fritz. 1978 se abriu sobre nós trazendo bons fluídos que foram logo consumidos e devorados por todos. A fome faz o necessitado e ela era grande demais, pois aquelas energias acabaram-se logo. A notícia boa vinha de Selma, que deu a luz a um menino: Raphael. Sonia separava-se do marido e nós sofríamos financeiramente. Tudo era medido e contado e para quem já teve sobras ainda doía por termos que nos preocupar em economizar, embora o fizéssemos com destreza. O esforço era grande como tática aplicada a um estado de guerra, de sobrevivência. [52] Experiências de um Leigo Naquele começo ou recomeço nós todos sofremos muito até nos adaptarmos àquela nova realidade. Muitas vezes lembrome de levar para o trabalho uma marmita e o que tinha dentro era arroz com ovo, dia frito, dia cozido, dia mexido. Eu me envergonhava e sempre procurava um cantinho escondido, onde não tivesse ninguém para poder abri-la. Esse era o primeiro motivo e o segundo, pelo cheiro de ovo abafado por algumas horas. Vez em quando vinha um nó na garganta e chorava. Bom, aquilo era a vida real, nós é que somente agora estávamos a conhecendo. Não deixou marcas. Ao contrário, foi construindo um homem que hoje admiro, não pelo que supõe ser ou possuir, mas por ter passado por quase tudo e não desistir. Lutar é tudo que nos resta. Lutar pela melhoria pessoal sem se corromper no meio do caminho... Essa é uma herança que recebemos de Zé de Dudu dona Judith, nossos pais: Caráter. Falando em Zé de Dudu, sempre calado, no seu cantinho, tudo observava e de vez em quando dava sua cutucada em todos. Sua maior satisfação era, realmente, mexer com madeiras e pregos. Passava horas a fio [53] Experiências de um Leigo medindo, calculando, testando e, dias depois, aprontava, ou uma mesa, ou um caixote reforçado para guardar suas coisas. Ainda hoje, muito tempo depois de seu desencarne os caixotes e mesas ainda vivem. Mas uma notícia veio estragar aquele início de ano que havia começado com boas novas. Sonia apresentava todos os sintomas de um câncer no útero, o que comprometia totalmente a sua gravidez, que até então corria normalmente no seu quinto mês. Exames após exames foram realizados e confirmaram a suspeita. Essa notícia nos desestruturou a todos. A única coisa que não podia acontecer era a confirmação da doença e esta havia se confirmado. Sonia ainda procurou outros médicos, mas que também confirmaram o diagnóstico. A notícia não foi comunicada a todos. Muito cuidado tiveram com a divulgação do caso. Somente algumas pessoas sabiam da doença, mesmo porque, por sugestão do doutor, não foi iniciada a medicação com antibióticos ofensivos, de [54] Experiências de um Leigo grandes efeitos colaterais durante todo o período de sua gestação. Estes remédios somente seriam usados após o nascimento do bebê, pois poderiam, em vez de ajudar, comprometer ainda mais a gravidez, e, portanto, não havia necessidade de se espalhar o fato. Todos saberiam naturalmente, há seu tempo. A notícia confirmada da doença de Sonia trouxe um novo tormento ao pessoal lá de casa. Hamilton e ela já não mais possuíam uma vida conjugal. Ele só ia até nossa casa bêbado, e queria vê-la à força, trazendo, toda vez que chegava, uma montanha de problemas. Neste clima de intensa expectativa, fevereiro trouxe o carnaval e nós novamente brincamos os quatro dias no SODESO, muito mais numa teimosia sem propósito por esquecer tudo o que acontecia do que por qualquer outra coisa. Outra notícia mudaria, agora, os rumos de minha vida. Havia sido aprovado nos exames e fui convocado para servir o exército. Passei um ano e três meses. Devido a isso, fiquei mais afastado de casa. [55] Experiências de um Leigo No final de maio Sonia teve seu filho. Seu parto foi muito complicado. A doença impunha sobre o procedimento cirúrgico, que não é dos mais complicados, uma tensão fora do comum e isso seria um grande entrave à saúde dos dois. Entretanto, depois de muitas horas de internação chegava-nos a notícia de que o parto tinha sido um sucesso, o que, naturalmente, foi um presente ao coração de todos. A chegada dela em casa foi com muita alegria. Mãe se desdobrava em mil e um cuidados com o bebê. Pai, assim como fizera com o primeiro neto, olhava, de seu jeito calmo, expiava daqui e dali, mexia um pouco e voltava aos seus trambolhos... Julho se fez presente e com ele tristes desentendimentos iniciaram uma nova etapa de vida. Passadas as expectativas diante do parto de Sonia e da saúde de Rodrigo, este era o nome da criança, o outro passo era cuidar de Sônia e de sua doença. Já que o primeiro passo já fora dado com sucesso, era hora de encarar a segunda etapa. Terminado o período de gestação, Sonia iria repousar alguns dias para, em seguida voltar a fazer os [56] Experiências de um Leigo exames e começar um tratamento mais efetivo no combate de sua inflamação. Foi uma quinta-feira o primeiro dia da retomada das nervosas e cruciantes consultas; nada fácil. Ela iria recomeçar o tratamento de fato. Receberia doses de uma medicação que lhe proporcionasse de fato uma recuperação significativa ou a morte, para nós, dada como certa. A consulta estava marcada para dez horas da manhã e ela foi sozinha ao consultório, que ficava na W-3 Norte, uma avenida de Brasília distante de nossa casa. Sonia sempre foi muito forte... Somente por vota de seis horas da tarde ela chegou. Após as perguntas ávidas, sobretudo de minha mãe, ela contou sem muitos detalhes como foi a consulta e disse que, ao sair da clínica, tinha ido com Batista, seu amigo, a um lugar chamado Vale do Amanhecer, uma espécie de fazenda ou cidadela perto de Planaltina cujos moradores trabalhavam com espíritos, mexiam com energias e faziam uns trabalhos de cura. Nossos familiares não gostaram. Já estavam preocupados e nervosos porque Sonia demorara, não chegava da consulta; e chatearam-se ainda mais quando souberam o [57] Experiências de um Leigo motivo de sua demora. Para todos lá em casa, o Vale não era um bom lugar; onde já se viu ir ter com espíritos, coisa que nem existia, conversa de uns e outros, afinal de contas, se fosse bom não era escondido, no meio do mato, onde quase ninguém sabia chegar; seria ali no centro da cidade para que todos vissem e pudessem frequentar, como era a igreja... Pai sempre foi muito calado. Seu vocabulário era pouco utilizado; não éramos, lá em casa, dos mais achegados ao diálogo, mas desta vez ele não pestanejou: entrou na conversa e pediu a Sonia que calasse a boca. Aquilo era macumba e ali não tinha nada que prestasse, e que ela tratasse de nunca mais por os pés naquele lugar. Sonia, por seu lado, simpatizara com tudo que vira. Chegara com a fisionomia, até muito relaxada para alguém que se achava às voltas com um câncer. Além do mais, nunca foi de engolir desaforo a seco; sua personalidade forte, decidida, até certo ponto meio contundente, como são todos lá em casa, lhe impunha sempre uma resposta ao que recebia, não no sentido do desrespeito, mas no sentido de defender suas ideias. Não perdeu tempo: disse que lá era um excelente [58] Experiências de um Leigo lugar, as pessoas eram de muito respeito, de muita educação; falavam muito de Jesus e muitas outras coisas que meus pais ignoravam a existência. Ela iria quando quisesse. Os nossos familiares e aderentes metralharam do outro lado; irritadiços, pediram, mandaram que calasse a boca, dizendo que ela estava proibida de falar o nome daquele lugar naquela casa e que também parasse de responder as ordens que lhe eram dadas. Sonia não aceitou. Ainda tentou responder à altura, mas viu que a conversa não adiantaria; pegou os remédios que já tinha comprado, jogou todos na lixeira, encarou a todos e disse que já que se estava quase morta, não custaria nada tentar alguma coisa naquele lugar. Entraram em desespero. Mãe correu até o lixo e pegou os remédios, colocando-os em cima da geladeira de novo. Sonia pegou e jogou fora novamente. Mãe pegou e, desta vez, parou, pensou, foi ao quarto chorando e os guardou entre os seus objetos pessoais... Mais tarde Sonia e eu conversamos. Nós sempre tivemos as nossas afinidades, entende. Ela me disse que tinha [59] Experiências de um Leigo ido ao Vale do Amanhecer, um lugar bem diferente e que tinha sido atendida pelo espírito de um médico; ele lhe dissera que não importava o que ela tinha, mas que ia se recuperar e pediu que voltasse ali outras vezes, o que ela estava decidida a fazer. Disse-lhe que já havia estado lá no final de 1976. Não notei nada que fosse ruim, informando-a que Nadja e a mãe dela eram médiuns de lá. Ela sorriu, pareceu-me feliz. Conversamos alguns minutos a mais sobre a doença e saí pedindo a ela que tivesse calma, eu me colocaria do lado dela. Eu, cá do meu lado, senti a curiosidade vibrar dentro de mim, mas a guardei em meu silêncio. Saí pensando que iria ser muito difícil ela voltar ali, sobretudo depois daquela briga. Se toda vez fosse daquele jeito, seria bem difícil... Lá fora mãe e pai sentados numa latada conversavam irritados e aborrecidos. Sentei ali junto deles e pedi calma, tentando quebrar o exagero, pois, com ele ninguém podia. Mas foi em vão. - Você é outro! Disseram-me. - Eu? O que fiz? [60] Experiências de um Leigo Então, saí mais para longe e debaixo de um abacateiro comecei a cantar baixinho uma música que falava de um indivíduo aporia. Aquele sujeito para quem somente suas ideias estão certas e que está sempre envolvido em confusões. Era mais ou menos assim a música em ritmo de desafio cantado por dois violeiros nordestinos: Colega, escute aqui, por que agora eu vou te falar! Eu sei tudo e de tudo posso cantar. O outro violeiro responde: Você diz saber de tudo mais não sabe nem o bê-á-bá! Quem sabe tudo sou eu e se você quiser saber tem que violar. Eu tenho a verdade e dela agora vou lhe falar: Você é um Zé coitado não sabe nem o bê-á-bá! Mãe me olhou de longe compreendendo a minha intenção e seu olhar me intimidou. Eu sempre cantava de improviso para ela, depois das nossas discussões. Saí dali de mansinho feito cachorrinho expulso e sem dono. Tá bom... Já sobrou para mim... Aquela era uma brincadeira entre eu e Sinval para irritar os demais. Trocávamos versos de improvisos no intuito de chatear e criticar os outros. Nós tínhamos o nome artístico de Sinval Fogoió e Chico Pereba. Dois [61] Experiências de um Leigo violeiros chegados em Brasília vindos do Nordeste. Assim brincávamos, ou melhor, irritávamos a todos. Pobre de Eduardo! Nosso irmão mais novo. Como chorava... [62] Experiências de um Leigo SONIA: OS DESAFIOS DE ACREDITAR NOS MÉDICOS DO ESPAÇO “Filho, tua cura é um simbolismo e afirmação da verdade crística. É também, um sinal luzente aos incrédulos, que mesmo vendo, descreem. Isso foi possível por tua fé ser maior que a tua descrença. Então filho, pela fé recebestes a cura. Porque a fé é o poder que move a religiosidade e se tua prática se entrelaçar à fé e ao amor, todo o universo se movimentará em teu auxílio para compor todas as substâncias medicinais. Isso se dá pela ordem e lei. Cura desobsessiva, força universal. Agora deves aprender a esperar. Dê a tua mente trabalho e ocupa as tuas mãos em auxiliar; ofereça ao teu corpo o cansaço, para que o teu sono seja envolvido pela serenidade e tranquilidade de tua alma e, pelo justo esforço, a ser recompensado pela satisfação de estar sendo útil.” Pai Ananias da Cachoeira. Selma continuava feliz em seu casamento e Sônia começava a viver seu drama. Depois de uma semana, Sonia voltou com a ideia de ir ao Vale do Amanhecer e novamente uma briga aconteceu, maior até do que da primeira vez, afinal de contas, uma, para conhecer até que ia, mas pela segunda vez já era demais. Assim não pensavam nossos familiares. Por eles, Sonia não teria nunca, posto os olhos naquelas paragens, naqueles confins. Mas, na ocasião, não deixava de ser um bom argumento. Sonia tinha por esta época, 25 anos completos ou coisa parecida. Nessa [63] Experiências de um Leigo idade não se encaixam mais em nossa cabeça certas proibições paternas. O tempo passa, os filhos crescem, se tornam adultos e ganham as asas de suas próprias vidas; decidem o que querem, o que não querem; casam, trabalham, viajam, enfim, se arranjam fora dos olhos familiares e isso muitas vezes gera conflito. Mas para os pais, os filhos serão sempre eternas crianças. Assim também acontecia lá em casa. Só não havia diálogo; não havia uma democracia familiar e a distância entre nós e nossos pais era grande; o suficiente para que não acontecesse qualquer forma de acordo entre vontades tão diversas. A tarde daquela quinta-feira era cinza-chumbo; chovia. Finas gotas d'água batiam nas telhas. Brasília enfrentava inverno rigoroso. Sonia começou a se arrumar para mais uma visita ao Vale e despertou também, imediatamente, o falatório daqueles que não concordavam. Esse falatório repercutia por toda a casa, em resmungos e palavras duras. Aquilo era sem propósito. Nossos familiares estavam contrariados ao extremo muito mais pela desobediência do que com a ideia do Vale. [64] Experiências de um Leigo No instante em que isso acontecia, pai, sentado de sua cadeira de balanço amarela, só escutava, bem de longe, de forma pacata. Ele sempre pensava sobre o assunto, antes de falar alguma coisa. Eu, sentado no sofá, diante da televisão, perdia o filme que antes assistia. Nós não sabíamos dialogar. Então discutíamos negativamente. Lá dentro Sonia ainda procurou não dar atenção. Ignorava em prol da paz. Mas não se aceitava a ideia do Vale. Aquilo era demais para eles. O que mais me ensimesmava9, e acho que também era o que acontecia com nossos entes, era que, estranhamente, Sonia tinha tomado aquele lugar - o Vale - como seu; parecia que ela tinha encontrado o paraíso ou algo parecido, porque só tinha ido lá uma vez, e estava muito convicta do que queria e de que se curaria. Era como se todas as respostas de suas perguntas tivessem sido respondidas ali, naquele lugar. Sentado, eu observava aquele falatório. Enfim. Resolvi tomar parte na conversa. Levantei-me do silêncio e disse que 9 Intrigava, inquietava. [65] Experiências de um Leigo aquilo estava demais. Não havia razão para aquele exagero. Afinal, Sonia só estava indo a um lugar, somente isso. Logo surgiram os sobrenomes, dados a mim, e que já estavam há algum tempo adormecidos em minha memória: - Lá vem você, já se esqueceu? Então recebi o que era meu, o que merecia. O contra-ataque dos que ali estavam foi fulminante. - Você é outro sem juízo! Então me relembraram dos meus tristes atos... Pareceu-me em instante ter levado um direto nos queixo deixando-me tonto a ponto de enfurecer-me. O passado estava de volta, parti para o contra-ataque. Bom vocês me conhecem. Então economizarei muitas linhas aqui e com isso ganhamos tempo e tempo é tudo que precisamos ter agora. Mas daquele dia em diante estava junto com Sonia e agora na contramão. Bom isso é uma tendência minha: sempre optar pelos mais fracos e oprimidos. Comprara a briga e ia, naturalmente, sobrar para mim. Em [66] Experiências de um Leigo poucas semanas eu também estava indo com eles ao Vale. Assim tudo começou e aconteceu. Hoje estamos aqui. 32 anos depois. Foi longa a caminhada. Hoje já não há mais discussões, nem câncer ameaçando a vida de Sonia. D. Judith, nossa mãe, está longe e bem. Vem sempre que pode nos visitar. Zé de Dudu, o pai, já desencarnou e nos deixou muitas saudades. Sinval também já desencarnou. E o Vale... Continua sua marcha que completou 50 anos de vida na Terra. Sonia tentou persuadir todos a tratarem a situação com um pouco mais de benevolência, sem tanto radicalismo, procurando conhecer para depois falar. Pediu que não se exaltassem, coisa que já tinha acontecido há muito tempo; disse que iria com Batista, Edson e Mirian, no carro deles e que não demoraria; logo estaria de volta e então elas conversariam. Apesar da aparente calma, via-se claramente em seus gestos, uma irritação, como se alguém estivesse maculando algo muito precioso. Nesse clima, abriu o guarda-roupa e tirou um casaco de crochê preto. Foi para a [67] Experiências de um Leigo sala, onde eu me encontrava. Sentou-se; de modo agitado balançava o pé. - Obrigado... Disse ela pela defesa. - Nada. Nada custou Sonia. Faça o que é de sua vontade. Direito seu. - Isso não está certo, dizia ela; eu não vou fazer nada de errado e todos têm que pensar no que falam! - Calma Sônia, estão todos nervosos. Dá um tempo e as coisas se arrumam. Sonia estava certa. Todos préjulgavam sem o menor conhecimento de causa e isso a ofendia; entretanto, adverti Sonia de que pouco adiantaria qualquer desentendimento maior. Era melhor que se calasse e deixasse de lado as discussões. Ela ainda tentou argumentar, mas teve que concordar diante da força dos argumentos que eu usara e ficou ali, enquanto os outros não se davam por vencidos... Em poucos minutos uma buzina soou lá na rua; eram os outros: Batista, Edson e Mirian. Sonia levantou, me deu um rápido tchau e caminhou em direção à rua. Entrou no fusca branco que estava pura lama. Ainda escutei o barulho do portão batendo e o carro [68] Experiências de um Leigo que em seguida arrancava, ficando o seu ruído cada vez mais longe, até desaparecer de nossa percepção. Perdi totalmente o interesse pelo filme. Desliguei a televisão e fui à escada da cozinha. Mais adiante, meu pai sentado, ainda olhava as nuvens pesadas daquele dia. Com ele mãe conversava um pouco, de forma pacata... Ao final da tarde Sinval chegou do trabalho e Eduardo, do futebol. Selma deveria estar em casa, cuidando de Raphael. A noite foi chegando rápido, pesada, fria. Ainda chovia... Tristeza pairava no ar. Mãe foi preparar o jantar; pai iria cochilar em frente ao Jornal Nacional e eu tinha um encontro marcado com o meu travesseiro. Rodrigo, bem pequeno dormia numa rede improvisada no quarto de mãe e esta lhe velava com todo zelo. Sonia somente foi chegar lá pelas onze horas da noite; achou pai, já em sono profundo e mãe sem conseguir dormir, tomada de preocupação, com a expressão de cansaço. Ela entrou calada, e foi ao banheiro, em frente a meu quarto. Em seguida foi até a [69] Experiências de um Leigo rede do Rodrigo e por lá ficou. Em breve os movimentos foram diminuindo... Não consegui conciliar o sono; vi tudo aquilo e fiquei pensando na vida enquanto olhava o teto branco do quarto. Fazia frio. Sonia não atravessava um período nada fácil; o seu casamento já estava condenado; Hamilton se entregava à bebedeira. Aquela inflamação no seu útero, as dores que sentia, o medo por seu filho, o medo do câncer; o medo da morte. Tudo isso pesava nos seus ombros. Continuo a olhar o teto. Tudo desmoronava. Talvez toda aquela estória de Vale do Amanhecer fosse uma válvula de escape para suas tensões, um modo dela se aliviar e poder continuar enfrentando os problemas que a perturbavam. E muitos condenavam. O teto era branco, frio e distante... Levantei. Ninguém, por mais próximo que fosse, poderia saber o que, realmente se passava em seu interior. Fui à cozinha e bebi água e senti mais frio. Além do mais, particularmente, eu confiava muito em Sonia, e, se ela dizia que aquele lugar era bom, então devia ser mesmo. [70] Experiências de um Leigo Confraternizei-me com ela. Senti sua dor. Muitas vezes julgamos as pessoas, falamos isso ou aquilo, falamos de suas ‘boas e más’ ações, mas não saímos de nossas mesquinharias. Ninguém está dentro de ninguém. Nossos familiares não sabiam compreender, e muito menos dialogar. Voltei ao quarto. O teto transmitia-me distância. É muito fácil falar de situações que não são as nossas realmente, e isso acontecia lá em casa. Eu pensava isso e ficava escutando ainda algum barulho que se fazia. Os passos de Sonia ou mãe pelos quartos, algum cochichado, ou ainda lá fora os gatos que passeavam, e namoravam em cima das telhas. Não quis mais olhar o teto frio, branco e distante. Fechei os olhos. Foi assim que dormi... Na semana seguinte, novos desentendimentos. Sonia também decidiu que não iria mais ao hospital. Ela tinha uma estranha e obstinada certeza de que iria ficar curada ali, no Vale mesmo e, portanto, não se dispunha mais aos médicos da terra e não tomaria mais os remédios. Aquela fora uma decisão pessoal difícil. [71] Experiências de um Leigo Isso, naturalmente, preocupou muito o nosso povo. Todos diziam que o tal centro espírita tinha mexido com a mente de Sonia se ela já não estava em seu estado normal, sobretudo devido ao seu estado de saúde, agora é que estava sem juízo mesmo. Num dos momentos mais acalorados, Sonia foi quase obrigada a tomar um dos remédios que, a partir daquele momento, ignorava. Tudo em vão. A briga só aumentou. Mãe, nesse dia ficou triste; Por fim chorou. Foi pelo nervosismo contido. Nessa hora fiquei com o coração apertado por minha mãe e com raiva de mim mesmo, pelas vezes que interferia em prol de Sonia. Em verdade, por mais que se dissesse que não, uma mãe sempre quer o melhor para os seus filhos, e era isso o que mãe queria para Sonia. Para uma mãe, ver um filho ou uma filha guardar um câncer em seu corpo é uma dor, nós não tínhamos recursos para avaliar por isso, não entendíamos. Aquilo era somente o medo dela projetado, o medo de perder Sonia. E foi assim que vivemos mais umas semanas em nossa casa. Era [72] Experiências de um Leigo impressionante como a nossa realidade se modificara em pouco mais de dois anos. Tudo começou com o fechamento da loja e nossa dor financeira, em seguida o casamento de Selma deixou a casa meio vazia; depois veio o casamento de Sonia, sua gravidez de risco, a doença, e, por fim, os desentendimentos das últimas semanas, sobre o Vale. Selma volta e meia aparecia, trazendo sempre Raphael no colo. Ela chegava pela tarde, e não se demorava muito. Ezequiel chegaria do trabalho e os afazeres domésticos eram imperativos. Sinval todo dia no INAN, com suas roupas de segunda mão, que para nosso orgulho de classe média decadente, era uma das mais graves ofensas; Eduardo sempre às voltas com uma bola com seus colegas e na escola, estudando pouco, não tomava totalmente pé da situação; por fim, Sandrinha, muito nova, não tinha uma real noção do que acontecia. Quando se aproximava novamente o final de semana já esperávamos as brigas por causa do tal Vale do Amanhecer. Sei que nesse torvelinho10 de grilhões, 10 Remoinho, redemoinho. [73] Experiências de um Leigo correntes eram desamarradas ao preço de termos poucos e raros momentos de paz e tranquilidade. Lá em casa os efeitos eram dolorosos. Pai aos poucos também deixou de aturar aquela situação e foi apertando Sonia, que mesmo entrincheirada não dava o braço a torcer. Um dia ela chegou sorridente. - Chico estou curada. Passei na sala de cura e senti que não tenho mais a doença. - Então, volte ao médico e refaça os exames. Deves isso a mãe e a todos, disse eu. Ela voltou e os médicos ficaram sem respostas por não entenderem a razão daquela doença não estar mais no corpo de Sonia. Depois daquela cura a coisa melhorou um pouco para ela. [74] Experiências de um Leigo ENFIM, DE VOLTA PARA CASA “Filho querido, aqui é a tua casa, a tua família. Estes são teus irmãos e essa é a mãe provisória que te entrego para que ames e respeite com a sublimidade de teu espírito. Neiva, deves de ti cuidar, agora, para que com o passar do tempo, quando crescido, tu cuides da herança que depositarei em tuas mãos... Essa é a universidade onde reencontrarás a universalidade de tua alma. Estuda e trabalha e todo o teu esforço estará em recordar o que és em transcendência e o que terás a realizar cumprindo assim, tuas juras e metas cármicas assumidas junto a Jesus. Eu sou o teu Pai. Lembra-te. Deus não quer que se perca nenhuma ovelha deste rebanho.” Pai Seta Branca. Setembro trouxe muitas brigas lá em casa por causa do Vale; outubro e novembro não foram diferentes. Sonia de fato gostara muito daquele lugar e isso começou a despertar minha curiosidade, sobretudo porque certo dia ela chegou e falou que tinha conversado com um espírito que se chamava Pai Joaquim de Aruanda. Ele, segundo ela, contava muitas coisas, sobre o que ela quisesse falar. Dizia também que quando eles estavam conversando, de vez em quando outro espírito aparecia, só que com as mãos fechadas e este não era muito bom não. Ele nem conversava. Então tinha um homem que ficava atrás; ele conversava com o espírito e depois dizia umas palavras esquisitas com as mãos espalmadas para cima. Então o tal Pai [75] Experiências de um Leigo Joaquim voltava e eles retomavam a conversa. Mas o que mais me impressionava era seu relato sobre o que sentia quando chegava perto da entidade. Eu ficava maravilhado com o que ela dizia, e inclusive achei que alguma entidade assim poderia nos ajudar a mudar nossa situação financeira, que não estava nem um pouco animadora. Ao final da conversa ela então se dirigia à sala de cura onde deitava e se consultava com o já mencionado médico. Aquilo me causou certa curiosidade e me lembrou uma vez em que estive lá com Nadja. Todas as vezes que Sonia ia ao Vale, eu lembrava de minha visita àquele lugar. Combinamos então, que da próxima vez eu também iria. Ao final da semana então, debaixo de briga, eu também fui ao Vale. Para chegar lá não foi nada fácil: Edson pegou um atalho que, segundo ele facilitaria a nossa chegada, mas que só tinha lama e o seu fusca não estava em perfeitas condições, aliás, andava muito longe disso. O atalho acabou ficando mais longe do que o mais longe dos caminhos. [76] Experiências de um Leigo Cheguei até um pouco sujo, mas nada que pudesse atrapalhar minha visita. O fusca sinalizou e avançou à direita, penetrando no portão e aguçando minha curiosidade. O fusca ganhou o estacionamento devagar. Uns trezentos metros à frente divisei o mesmo barracão em madeira que ainda se erguia de modo bem acolhedor. Era o mesmo que havia visto há dois anos e meio, talvez um pouco melhor em sua aparência. Reconheci os eucaliptos que faziam uma grande e gostosa sombra. Embaixo de um deles Edson estacionou seu carro, que pelo barulho, há muito já pedia descanso. Eu desci do carro com algum cuidado e ao mesmo tempo feliz por poder esticar as pernas que há muito tempo já estavam espremidas na traseira daquele fusca; a lama era tanta, que tive medo de escorregar naquele barro vermelho. Edson e Miriam já pertenciam àquele lugar. Eles iriam trocar de roupa, colocar seus uniformes. Enquanto isso eu fiquei em pé, embaixo dos eucaliptos a observar toda aquela paisagem. No tronco de um deles um amontoado de madeiras serviam de moradia para muitas famílias e espécies de insetos; [77] Experiências de um Leigo entre eles uma velha placa de madeira suja, esquecida, abandonada, carcomida por uma porção de cupins apresentava os seguintes dizeres: "UESB - União Espir". Fiquei sem saber o que significava o resto da inscrição, graças aos cupins que tinham comido o resto... Passaram-se uns dez minutos e então Edson e Mirian voltaram. Andamos um pouco mais em direção ao templo, mas antes paramos numa espécie de pracinha onde havia um bonito monumento: uma estrela de seis pontas cravada por uma seta nos apresentava os seguintes dizeres: "O HOMEM QUE TENTAR FUGIR DE SUAS METAS CÁRMICAS OU JURAS TRANSCENDENTAIS SERÁ DEVORADO OU SE PERDERÁ COMO UM PÁSSARO QUE TENTA VOAR NA ESCURIDÃO DA NOITE." SETA BRANCA. Sentei ali e fiquei ainda algum momento a observar todo aquele movimento muito bonito. A certo momento olhei o céu e um pombo se aproximava rapidamente em seu voo. Ele entrou num pombal que havia ali, e com certeza foi buscar o seu lugarzinho [78] Experiências de um Leigo sossegado para o sono, afinal de contas, a tarde dava os seus últimos suspiros e estava na hora dele se recolher. Voltei os olhos para a minha volta e Edson ainda cumprimentou alguns amigos seus que passavam por ali ou mesmo se detinha a falar sobre algum assunto do qual eu não entendia bem, mas nada muito demorado, e em pouco tempo estávamos lá dentro, na fila de um de seus trabalhos. Batista nessa altura nos alcançou e estava de uniforme. Edson e Miriam desapareceram em busca da sintonia dos trabalhos. Batista, Sonia e eu nos conduzimos ao interior do templo. Daquela vez tudo me parecia mais nítido. Havia uma área onde só os médiuns, podiam entrar, dentro da qual havia uma grande mesa triangular. Em seguida, por fora desta área reservada, uma estátua de Jesus olhava piedosamente para os que passavam. Atrás dele, havia outro trabalho, este sim, de consulta aos pacientes. E ao fundo do templo, a estátua do Pai Seta Branca... Sentamos na fila do trabalho de tronos, que é o trabalho onde nós, os visitantes conversávamos com os espíritos. [79] Experiências de um Leigo Tudo ali era muito bonito, e despertou muito minha curiosidade. Era encantador... Sonia foi primeiro e eu fiquei, em seguida aguardando minha vez, que não demorou a chegar. Fui conduzido, depois de mais de dois anos àquela pequena mesa de consultas, onde um homem incorporado já me esperava. Sua voz era de um velho; seus gestos e suas feições também. Na saída Sonia me disse que conversara com o mesmo Pai Joaquim de Aruanda. Eu, por minha vez conversei com Pai Joaquim de Angola... Fiquei tranquilo com o resultado, contrariando a última vez que estivera ali com Nadja. Conversar com aquela entidade me deixou meio encabulado, mas também despertou o meu interesse. Tanto que desse dia em diante, eu também passaria a ser um frequentador assíduo do Vale, o que seria um motivo a mais para as preocupações de nossos familiares. Estes foram momentos importantes e definitivos para a nossa entrada na corrente do Vale, o que não foi nada fácil. Mas nós estávamos muito envolvidos com aquele lugar, especialmente [80] Experiências de um Leigo Sonia, que toda semana estava lá, mas agora tinha minha companhia. Sim, aquele lugar me encantou de um modo que somente hoje posso compreender. Assim chegou o natal. Novamente os vendedores da feira modelo iriam trazer as frutas que perfumavam toda aquela parte da cidade, assim como as vitrines novamente iriam se enfeitar com tudo que podiam e o vendedores anunciar mil e uma novidades, descontos, e ofertas para aumentar a suas vendas naquele período do ano. O tempo corria célere e nós não nos dávamos conta de que aos poucos tudo ia ficando para trás. Ano após ano, íamos avançando no tempo, que é sempre implacável e invencível. [81] Experiências de um Leigo UM ILUSTRE DESCONHECIDO - Meu filho, há tantas coisas que tua pequenez não consegue divisar e por essa razão compreender. És ainda, como uma semente que cabe na palma de minha mão. Amanhã serás grande como uma árvore altaneira e altiva. Crescerão contigo o conhecimento, a tua compreensão e o teu amor, que lhe vestirá como os jardins em primavera. - Não compreendo por que ninguém gosta daqui. Resmunguei oprimido e desgostoso. - Ninguém gosta daqui? Olhe para tua frente. O banco estava cheio de visitantes. Aqui é a Doutrina de Jesus e as pessoas ainda não gostam de Jesus, por não conseguir enxergá-lo e compreendê-lo. Tu estás ficando rico e as pessoas não gostam de ver a felicidade dos outros. Tem fé e acreditas em ti. Amanhã terás tuas respostas. Pai Joaquim de Angola. Nós, depois de certo tempo, estávamos cada vez mais entendidos sobre o assunto. Chegávamos e nos dirigíamos aos setores de trabalho com grande objetividade, sem a apreensão natural das primeiras consultas. Conversávamos fluentemente, dentro de nossa completa ignorância, diga-se de passagem, com Pai Joaquim de Aruanda e Pai Joaquim de Angola. Na saída, após passarmos também pelos demais trabalhos, conversávamos a respeito das comunicações das entidades, onde podíamos trocar impressões e experiências. Num desses dias, entretanto, Sonia saiu do trabalho de tronos e não foi [82] Experiências de um Leigo para a sala das macas de cura, com já era de costume. Eu sei, porque eu estava sendo atendido no trono atrás do dela; vi quando se levantou e fez um sinal de que me esperaria lá fora. Quinze minutos depois eu saía, já com saudades daquele velho que me trazia tanta serenidade. Tomei então, a direção da Casa Grande e no Xingu, o restaurante, encontrei Sonia tomando um cafezinho, junto com Batista. Ela estava muito entusiasmada com um espírito que tinha conversado com ela. Segundo seus relatos, ele batia palmas e tinha uma linguagem muito descontraída. Sonia nos contou coisas maravilhosas a respeito dele e não foi difícil me colocar curiosidade por conhecê-lo, afinal de contas o seu sorriso ia de uma orelha à outra e seus olhos traziam um brilho, que até hoje, poucas vezes vi igual. Seu nome era Sebastião, chamavam-no Tiãozinho. Nesse dia, ao contrário de todos os outros, saímos cedo do Vale. Logo tomamos o café e nos colocamos no itinerário de volta para casa, pois era domingo e no [83] Experiências de um Leigo outro dia todos nós tínhamos obrigações cedo da manhã. O ônibus demorou ainda cerca de uma hora, período em que ficamos em pé, nos protegendo da lama e do frio, enquanto dividíamos o cigarro, eu e Sonia. Batista ainda falou alguma coisa a respeito de Tiãozinho enquanto eu olhava a precariedade de uma pequena casinha de madeira em nossa frente, do outro lado da pista. Ali, uma mulher recostada e um homem jovem pareciam esperar também uma condução. Deviam ser um daqueles casais que mantinham um pequeno quartinho no Vale, onde passavam o final de semana. A noite estava calma. Nesse instante, cada um estava dentro de si. Poucos monossílabos eram trocados aqui e ali. Mais acima, uma lua esguia, tímida, junto com mais uma boa quantidade de estrelinhas e estrelões pareciam assistir comigo toda aquela cena. No chão, próximo ao casebre do casal, um pequeno conjunto de plantas era iluminado pela luz que vazava das frestas de madeira rejuntada e Duratex enquanto a mais absoluta quietude parecia ser a música que embalava aquele momento. [84] Experiências de um Leigo Batista ainda falava sobre a Doutrina e eu não o escutava, com a visão distante, levado pelos meus próprios pensamentos. Quando voltei a mim, o casal havia partido... Eu ainda olhava o quartinho quando os faróis do ônibus quebraram a escuridão que nos envolvia, me arrebatando quase que assustadoramente de meus pensamentos. Nós desembarcaríamos, em pouco tempo, em Planaltina e lá, na rodoviária embarcaríamos num outro ônibus com destino a Sobradinho. Sonia ia com Batista um banco à minha frente e eu, sentado à janela ora observava o cobrador do ônibus, que de braços cruzados, cochilava, sendo sempre perturbado a cada solavanco que o ônibus dava, ora olhava as luzes que passavam rapidamente por mim, pensando absortamente em tudo que vivia, pensando em Pai Joaquim de Angola, no Vale, no casebre, em mim, em minha vida... Neste clima, Batista desceu na quadra 16 e eu e Sonia continuamos a viagem até o nosso ponto, um pouco mais abaixo. Depois dali, em poucos minutos dormíamos a sono solto... [85] Experiências de um Leigo JURAS E METAS TRANSCENDENTAIS - Meu filho, nesta bendita hora, em que a vida pára e os homens adormecidos em seus leitos, repousam seus corpos nas turbulências de um pensamento controvertido, vamos ao trabalho, pois, quem não trabalha dá trabalho. O seu atraso é imenso, tuas responsabilidades maiores do que o teu juízo e tuas juras transcendentais te impõem metas de um destino cármico que o colocará diante da vida no único ofício: o de servir. Deves servir. Servir será sempre melhor do que ser servido. E partimos dali rumo ao destino daqueles que estavam entregues a nós. No caminho solucei minhas reclamações: - Isso é trabalhar demais, é trabalho escravo. Ninguém merece. Arrematei. - Cala-te meu filho, pois com certeza tudo seria mais fácil agora sem você. Está a reclamar do quê? Volte... Volte e eu então, deixarei aquele homem ali, ser o seu companheiro de viagem, afinal, vocês são afins em seus padrões. Está vendo? - Sou seu escravo, o que desejas meu amo. Rimos... Passagem com Pai João. Tudo nesse plano físico é muito inconstante; tudo está condenado a desaparecer, se transformar, evolucionar. Tudo mesmo, e é muito rápido, por isso temos que tentar acompanhar o ritmo dos acontecimentos, compreendê-los e retirar os nossos ensinamentos, que são as pérolas que levaremos para o futuro de outras vidas, porque tudo se transforma rapidamente sob a ação infalível do tempo. Somos pequenos aprendizes nessa grande universidade que é a vida que [86] Experiências de um Leigo escolhemos. Ela nos fornece tudo o que precisamos para nos prepararmos para as grandes provas, os grandes testes. Além do mais, nunca sabemos com exatidão o dia em que elas chegarão. Muitas vezes supomos estarmos seguros, firmes em nossas vidas, quando nos deparamos com aquelas que foram as nossas vítimas do passado e caímos por não saber amar, compreender aquela sublime mensagem, a rica oportunidade que Deus nos concedeu. Quantos passam pela vida sem compreendê-la? Quantos acreditam estarem absolutamente certos e quando chegam do outro lado, desencarnam, se deparam com um mundo dinâmico onde os valores são pesados pelo que levamos em nossas bagagens? E sofremos muito sem poder acompanhar aqueles que vivem felizes e realizados em seus reinos. Sim mestres, a balança pesará os nossos merecimentos; aquilo que fizemos de bom ao próximo e a nós mesmos, porque tão logo cheguemos do outro lado, teremos que prestar contas do que fizemos ou deixamos de fazer. [87] Experiências de um Leigo Em 1979 chegamos definitivamente ao Vale do Amanhecer. Tudo era muito simples e muito original, muito bonito mesmo. Chegamos e fomos logo fazendo ambiente, sentindo em nossas almas as mais lindas recordações de eras tão remotas e felizes, até que nos apaixonamos. Dali em diante tudo se tornou um grande caso de amor, como dizia Tia Neiva. Daquele dia em diante, também, acabou o nosso sossego. Tudo era lindo e real, mas tivemos que pagar o preço para poder receber aquela cultura dos nossos antepassados, a magia dos encantados. Noite após noite de trabalhos, fomo-nos aculturando e nos colocando a caminho, vencendo e eliminando nossas dúvidas, inseguranças. Então caminhamos para uma decisão: sermos visitantes ou médiuns. Vivíamos sempre pesando os nossos valores, sempre entre a cruz e a espada, entre a verdade do espírito eterno, a individualidade e a personalidade transitória com os valores mundanos. Sofríamos ao ter que abandonar os nossos sonhos, as nossas doces ilusões de homens físicos e encarnados; sofremos com a [88] Experiências de um Leigo incompreensão, com preconceitos, rejeições, tolices ditas, expressadas em gestos, fatos que nos fizeram sofrer... Mas tínhamos que optar entre os valores do mundo e os valores espirituais; logo sentimos que os dois não se casariam. Tínhamos que abandonar as nossas iniciações físicas, os nossos falsos conceitos para podermos receber ideias renovadas, porque em nossa mente não cabia mais nada; era preciso esvaziar para recomeçar a encher... E isso implicaria em romper com quase tudo que amávamos. Vivíamos Jesus quando dizia: “aquele que quer me seguir deve abandonar pai, mãe e negar a si mesmo. Negando a si mesmo, ganhará a vida eterna”. Vivíamos entre a ânsia das transformações superiores e os preconceitos humanos. Inconscientes, sabíamos que estávamos pagando um preço, entretanto, estávamos sendo testados e não podia haver reprovação; não podíamos sequer vacilar, porque era uma oportunidade raríssima. E entre todos os interesses, optamos pelo que acreditávamos. [89] Experiências de um Leigo Naquele oceano de incertezas, começamos a navegar decididos e crentes que teríamos sempre um guia, um amigo, um pai. Daí em diante, tínhamos como mentor espiritual, o Cacique Seta Branca, o nosso pai maior, o Simiromba de Deus. Aumentaram as tensões em nossas vidas; éramos pressionados de todos os lados. Cercados de incompreensões. Os limites nessa época foram vencidos ao ponto de nosso pai, numa atitude extrema, nos colocar para fora de casa: ou saíamos do Vale do Amanhecer ou da presença dele. Não vacilamos. Foi então que pegamos nossas coisas e fomos embora. Estava na casa de um amigo, porque minha decisão era clara e firme. Fiquei uns dias, até que ele reconsiderou a sua decisão. Eu retornei vitorioso. Contudo aquilo não era o fim; as discussões continuariam nos trazendo ainda muitos aborrecimentos e desarmonias. Eles não aceitariam de forma alguma nosso ingresso naquela ‘macumba’, segundo dizia nossos familiares. O preconceito estava presente na nossa casa e nos fez sofrer... [90] Experiências de um Leigo Sentíamo-nos como alunos que foram reprovados em outras épocas e estávamos de volta à escola. Pressentíamos que aquela oportunidade era única e que seria muito difícil. Parecíamos prisioneiros a pretender liberdade antecipada, sem merecimento. Diante de tudo isso, seguíamos as firmes determinações de nossas faixas cármicas. Mas, sobretudo, tínhamos uma certeza estranha que nos dava forças além das nossas. Não sabíamos de onde vinha toda aquela firmeza e determinação que se projetava na aparência de motivos. A vida é nossa, ninguém possui o direito de nos privar. Pensávamos assim, mas essa ideia estava longe da realidade do que estava acontecendo. Era um movimento além da nossa compreensão. Não podíamos dar chances para aqueles que, com certeza, se oporiam ao caminho. Assim enfrentávamos tudo e todos. Vencer era mais do que necessário; era sobrevivencial daquele momento em diante. Tia Neiva sempre nos falava: “filho, tudo tem o seu preço”. Mas na verdade estávamos longe de compreender o que ela [91] Experiências de um Leigo dizia. Pensávamos como podia ser aquilo se depois que entramos no Vale tudo ficou pior. Então vinha a grande dúvida: será que tudo isso está certo? Será que realmente este é o caminho a tomar? Acreditamos que sim e em pouco tempo éramos os fanáticos do Vale do Amanhecer... E tudo foi caminhando em meio a tempestades, brigas, desarmonias sempre crescentes. Exigiam-nos deixar a doutrina, que aquilo não era bom e coisas desse tipo. Mas permanecíamos firmes e pagamos nosso preço por todo aquele acervo que estávamos recebendo dos planos espirituais. Nós hoje sabemos que também é assim que acontece com vocês, e ainda hoje fico me perguntando: por que tem que ser assim? Num daqueles dias que estamos com o chapéu na mão a pedir, fui ao meu querido Pai Joaquim de Angola e perguntei por que tantas incompreensões, principalmente de quem está mais perto, de quem mais amamos. Ele olhou e me disse: - Meu filho, salve Deus. Vosmicê está na seara de Nosso Senhor Jesus Cristo, e [92] Experiências de um Leigo essa é a Sua Doutrina de amor, de compreensão; é o maior tesouro que o homem pode conquistar na terra. Está ficando um homem rico filho, e pessoas pobres de compreensão não gostam de pessoas ricas de entendimento. Jesus subiu o Calvário, pagou seu preço pela crucificação. O seu é pequeno e leve não acha? Eu insisti: - Por que ninguém gosta daqui? -Pelo mesmo motivo que crucificaram Jesus. Mas não sei se sua afirmação é verdadeira. Olhe para a sua frente. Levantei a cabeça e vi uma pequena multidão de pessoas sentadas, esperando uma oportunidade igual a minha. Então ele continuou. -Meu filho, há duas pessoas em uma só. Uma na alegria e outra na dor, pois na alegria pensamos de um jeito e na dor pensamos de outro modo totalmente diferente. Mas não se incomode; isso não é muito importante; compreenderás amanhã que tudo é bom, e que as pessoas são assim mesmo, depois mudam. [93] Experiências de um Leigo É verdade mestres, o que Pai Joaquim de Angola me falou em 1979 somente hoje se torna acessível à minha compreensão. Tudo mudou, e o que era dor e desarmonia hoje está perfeitamente coerente e ajustado com o que precisamos aprender. Tudo faz parte de um aprendizado e desenvolvimento pelo qual temos que passar, ou não temos como ir mais longe. Muitas coisas lindas aconteceram naquela época, e muitas coisas lindas acontecem hoje. Agora precisamos aprender a colher as rosas do nosso caminho, e nessa colheita é natural que de vez em quando um espinho nos fure as mãos. Tudo tem o seu preço e temos que saber exatamente o que queremos, para que, decididos possamos ir em frente e lutar pela nossa evolução. Tivemos que vencer a todos, vencer pela certeza do que queríamos, do que acreditávamos, mesmo deixando muitos amigos, familiares e demais pessoas queridas; partimos ao encontro das nossas realizações e hoje, recebemos os mesmos amigos e familiares de ontem. Eles veem e virão sempre ao nosso encontro; abraçam-nos; sorrimos juntos, em [94] Experiências de um Leigo seguida partem. Será que compreenderam a sublime mensagem? Penso como Pai Joaquim: suas palavras sábias: “não é importante agora, filho, e sim as emanações que levarão e guardarão em suas mentes e corações. Assim vamos caminhando, sempre com um adeus, sempre em despedida. Muitos ainda virão ao nosso encontro, como muitos já foram em busca dos seus destinos. São amigos que se reencontram, inimigos que se reajustam e se ajustam, amores em conflitos, desamores em incompreensão num bailar constante: encarnados e desencarnados, levando e deixando saudades, na sublime mensagem de que não há sofrimento, e sim uma canção que nos toca o coração na forma que pudermos compreender e amar. Salve Deus. [95] Experiências de um Leigo BATISTA: UM IRMÃO, UM AMIGO DO PASSADO Meu filho Jaguar, Não deves ficar a lamentar aqueles que choram a despedida. Ainda não é o adeus. Tudo deve trazer para ti, meu filho, um ensinamento. A vida muda e deves estar preparado para as mudanças que não esperarão por ti. Teu caminho, nesse momento, exige que estejas só. Cinco anos, um ciclo fechado. Tu partirás e lá, onde tu estarás, em teu exílio, encontrarás o tesouro que te prometi. De lá, retornarás a uma nova vida, como ressuscitado da morte. Então, podeis pretender voar sem os grilhões11 que prendem a tua alma, por estar livre de débitos do passado, daqueles que de ti hoje, descreem. Não poderá obter a tua liberdade, sem o juízo dos descrentes. Assim, pelos julgamentos se faz justiça e se refaz a lei. No final, todos estarão juntos. Agora, deves partir, antes que a noite te alcance e feche a tua visão. Eu estarei contigo, até o fim. Pai Seta Branca. A vida é uma caixinha de boas surpresas. Sempre está a nos intrigar pelas construções de muitos caminhos que tantas vezes, nos opomos ou não fazemos a menor ideia do que seja. Muitas vezes, não pude confiar na vida, e, precipitadamente neguei ou repulsei o que ela me trouxe. O maldizer, o malgrado, a incompreensão e a intolerância foram marcas do meu não saber ou do meu não querer. 11 Corrente que prende os condenados. Correia, algema. [96] Experiências de um Leigo Assim a vida é composta. O que não esperamos, tantas vezes o inesperado, chega e nos pega desprevenidos ou mesmo, surpreendidos pela grata moção12. Assim foi muitas vezes quando via Batista e Sonia casados, pensava então, que a vida é engraçada e surpreendentemente ilógica. Quem diria? Quem poderia sequer supor essa união? Assim conheci Batista. Cícero Nunes dos Santos. O Cícero é em homenagem a Padre Cícero, o Nunes, define-se como sendo, um número impar, único e dos Santos provavelmente, está ligado à espiritualização e nobres compromissos. Na minha pré-adolescência conheci um amigo com o nome de Paulo. Juntos, estudamos por vários anos no mesmo colégio e jogamos futebol no mesmo time. Essa convivência estreitou a nossa amizade e frequentemente estávamos, um indo à casa do outro. Certa vez, estava em sua casa, quando ele me convidou para ir ao quarto, pois queria me mostrar algo. Adentramos 12 Emoção. [97] Experiências de um Leigo aquele compartimento e Paulo puxou de um lugar uma caixa repleta de medalhas. Eram muitas e fiquei ali a invejar aqueles pertences. Inevitavelmente, perguntei curioso: - De quem é? Quem ganhou isso tudo? - Do meu irmão. Foi a sua resposta. Batista é o nome dele. Lembro-me que de vez em quando esbarrava com um rapaz de bicote curto e cabelo escuro. Mas nada de convivência. - Oi! - Oi! Era só isso. O tempo passou e eu cresci. Já não tinha mais vivência com Paulo. nossos caminhos se distanciaram nos deixando só lembranças, boas recordações. Então, em sua luta contra o câncer, Sonia aceitou o convite de um amigo, que vendo-a triste procurou saber a razão de sua tristeza. Informando-o dá doença e dos acontecimentos, ele imediatamente a perguntou se ela acreditava em Deus. - Sim. Foi sua resposta. Então ele a levou ao Vale do Amanhecer. Eu só não imaginava que se [98] Experiências de um Leigo tratava do irmão de Paulo. O dono das medalhas. Dias se passaram, acho que muitos deles, até uma tarde que, chegando do trabalho me deparei com Sonia e Batista que conversavam no portão em frente de casa. Sonia fez as apresentações e não tive duvida em afirmar: - Você é o irmão de Paulo? - Sim respondeu ele. Daquele momento em diante não nos separaríamos mais; a cada dia nos aproximávamos pelo incomum das nossas ideias e pensamentos sobre a vida e lógico, o bom e grande motivo: a Doutrina do Amanhecer. Meses depois, Sonia se casou com ele e a cada dia fomos construindo uma amizade honesta e verdadeira. Eles tiveram muitos filhos e a cada minuto de suas vidas eu estive presente e os acompanhei. Batista foi se tornando uma espécie de instrutor inicial de nossas vidas. Por ele temos um enorme respeito e grande consideração. Senhor de um bom senso e ponderação, durante muito tempo foi o fiel da balança entre nós, responsável pelo equilíbrio [99] Experiências de um Leigo do pequeno grupo, que logo se formou: Sonia, Batista, Tavares, eu, Luiz Adão, Joana e Adriana. Mais tarde um pouco: Winston, Marília, esposa de Tavares, Raimundo e sua esposa Fátima, e Denise, que depois se tornou esposa de Winston. As crianças não estavam fisicamente presentes nessa época, a não ser Rodrigo, filho do primeiro casamento de Sonia com Hamilton. Mas quando chegamos aqui no nordeste já haviam nascido Stela, Clytia e Tayná, filhas de Batista e Sonia. Nayara filha minha e de Adriana; Tiago e Davi, filhos de Tavares e Marília e Jaqueline, filha de Raimundo e Fátima. Assim vivemos muitos anos. Nós tínhamos uma convivência irmã; sentíamos afinidades e essa mesma afinidade foi construindo a missão que hoje nós temos. A Missão do Nordeste! Mas não posso falar de Batista sem falar de Tavares, como não poderia falar de Tavares sem mencionar Batista. Como também não poderíamos de determinado momento falamos de nós sem incluir o grupo. Todavia, naquele momento, 1980, Eu, Batista, Tavares e Sônia éramos um só. [100] Experiências de um Leigo Somos um só quando falamos de sentimentos, do coração e somos quatro indivíduos quando pensamos com a cabeça. Como dizia pai João a nós outros, naquele tempo: - Se a cabeça não ajuda, cortemos a cabeça, antes que contamine o coração. Estávamos unidos pelo amor e o bem querer. Essa conquista de coração não se apaga e não poderíamos de maneira alguma apagar, pois, não havia distinção nesse sentimento doado de um a outro. Completávamo-nos e durante um largo tempo tudo era comentado, discutido, e acordado pelos três buscando sempre uma quarta pessoa: Sônia. O tempo passa e vai deixando suas marcas. Muitas coisas aconteceram e tivemos de nos afastar. Certamente, foi por determinação superior, além das nossas forças, e isso ainda estamos por compreender. Jamais nos separaríamos por vontade própria. Nenhum de nós pode aceitar essa separação. Esse direito não pertence ao presente e sim ao passado marcado por tantas vivências, então, não possuíamos, pois, ao construir entre nós elos de amor [101] Experiências de um Leigo verdadeiro, perdemos a condição de nos negar e de nos afastar. Por temos nos misturado demais, não sabemos quem é quem e sem saber, seria melhor ter permanecidos juntos, apesar das divergências. Teria sido menos sofrido... Batista é um homem especial, como Tavares e talvez por não saber disso, ele compreenda a vida da sua maneira. Esse é Batista. Duro, firme, tantas vezes forte em exagero, trabalhador, fiel, honesto, destemido, predestinado, autêntico, mas extremamente frágil e sensível. Esse é o meu amigo e irmão de milhares de horas compartilhadas. Ele se faz de forte para tentar enganar a si mesmo e aos outros. Batista: o pai de milhares de filhos. Sim mestres, certa ocasião ele perguntou a Pai João sobre seus cinco filhos. Pai João, olhando para eles, lhe perguntou: - Cinco? Você possui milhares de cinco filhos. Batista, o Cícero. O mestre sol contrariado pelo cruzamento do mestre lua que dorme dentro de si, que somente acorda de vez em quando. Intuitivo, evangélico, intelectual, controvertido e comprometido [102] Experiências de um Leigo com os Grandes poderes iniciáticos, o trabalhador da última hora. Onde estejas, Jesus esteja convosco e junto àqueles que vos acompanha a certeza de estarem muito bem servidos. [103] Experiências de um Leigo TAVARES: O REENCONTRO DE UM IRMÃO ESPIRITUAL Filhos! Irmão não luta contra irmão. É preciso desarmar todos. O que querem? Deem. Porque não se pode afirmar no contrassenso. Essa é a manifestação do orgulho e da vaidade vestidos de marrom e preto, uma luta inglória, sem vencedor. Esse poder, entregue a ti, só poderá ser exercido pelo amor. Esse poder, meu filhos, que assegura o vosso equilíbrio, que tudo constrói e nada destrói. Então, dai a Cezar o que é de Cezar e a Deus o que é de Deus. Segue filhos, o vosso caminho. Não olhes para traz, pois, a medusa maculada pela imagem irreal da ilusão, abrirá seus olhos e tudo será transformado em pau e pedra. De que vos adiantará um templo sem a essência de uma doutrina? Melhor será, uma doutrina sem templo, almejada pela essência. Pai João Aquele tinha sido um dia de intenso trabalho no Vale. Quando conseguimos atender o último visitante já marcava além da meia noite, uma hora da manhã. Naquele tempo éramos poucos médiuns e muitos visitantes, e naquele dia pareciam ter combinado, ali se encontrarem, chegando todos de uma só vez. Chegamos aquele dia cedo da tarde. Era sábado e havíamos nos apressado para não perder a abertura das 3 horas, do trabalho oficial. Assim permanecemos dentro do templo, obedientes ao comando do primeiro orixá do trabalho oficial, Adjunto Rama 2000. Seu nome era Guilherme, Adjunto [104] Experiências de um Leigo Amayã13. Participei da primeira mesa e antes de ir para os tronos, fui tomar um cafezinho e fazer um lanche na pastelaria. Não havia almoçado e estava para desfalecer em minhas forças por falta de sustância e após aquela mesa, não conseguia firmar-me nos joelhos de fraqueza. A alguns metros do templo um aglomerado de lojinhas se dispunham enfileiradas, uma a outra, numa ordem crescente. A secretaria, a loja de souvenires, o atelier de Vivela, uma loja de badulaques para mulheres, de tia Vera, uma lanchonete e acima, a pastelaria que ficava como última estabelecimento desse conjunto, que devido a minha fraqueza, achei longe demais. Caminhei vagarosa e preguiçosamente para lá, muito mais encorajado pelo desejo de matar, quem estava me matando, a fome, do que pelo prazer de comer. Chegando lá, aos encontrões e pedidos de licença, consegui aproximar-me do balcão. pedi um café e um pastel. Atendido, fui saindo para degustar o meu modesto banquete, fora daquele pequeno 13 O Adjunto Amayã, mestre Guilherme é um dos chamados doze adjuntos maiores – Adjuntos Arcanos - na hierarquia do Amanhecer. [105] Experiências de um Leigo espaço, que naquele momento, tomado de médiuns, nos causava sufoco e aperto. Dirigi-me para frente daquele comércio e ali estacionei não podendo avançar, pois paus roliços à média altura enfiados no chão impediram-me de fazê-lo. Ali foram colocados para no servir de empecilho, para que não se penetrasse pelos flancos em uma área destinada a rituais e trabalhos, fato que, na época, não entendi, mas, de qualquer forma, não era eu o dono. Não me dizia respeito. Caminhei até perto daquele frágil muro de pequenas estacas com arame e fiz silenciosa companhia a um jovem médium, que descansando um dos pés, na cabeça de um toco que pertencia àquela cerca, tomava um café enquanto seu olhar permanecia preso a toda aquela movimentação de pessoas estranhas. Pensei em perguntar-lhe se contava os passantes, tamanha a sua concentração, mas não o fiz. Ele me notou depois de algum tempo. Então iniciou com típica cortesia a nossa conversação: - Salve Deus! [106] Experiências de um Leigo Se fossemos transcendentalmente estranhos, provavelmente aquelas teriam sido as nossas únicas palavras. Mas não éramos. Então após aquele cumprimento, abrimos logo fácil conversação. Ali permanecemos uns 10 minutos presos a um assunto animado que a nós dois interessava. Ressaltávamos o quanto aquele cafezinho era ruim. Brinquei com ele: - Esse café é fraco, feio, frio, fedorento fermentado e tem formiga no fundo. Ele sorriu do tantos ff e arrematou: - Sete! - Número iniciático. Café de Jaguar. Ele retornou, exclamando: - Não! De jaguatirica! Rimos gostosamente. Fomos pagar o que devíamos ao pasteleiro e saímos caminhando no continuar da nossa conversa. Conversamos sobre a vida e a Doutrina. Sentamos ali próximos do Turigano14, uma estrutura de trabalho que era 14 Construção anexa ao templo, que se destina à realização de determinados trabalhos. [107] Experiências de um Leigo realizado fora do templo. Passamos, sem perceber, umas duas horas conversando. Tavares meu irmão e amigo, José Tavares de Morais. É o seu nome. Cearense, cabra da peste! Um doutrinador. Daqueles bons. Raro, e orgulhoso por saber disso. Orgulho sadio. Tavares e Batista juntos eram algo impossível de não perceber, notar que ali, a força se manifestava por inteira. A força do doutrinador. Então tudo acontecia com segurança. Daquele momento em diante não nos separamos mais. Foi tão grande a nossa afinidade e amizade que sentimos dificuldade em nos separar. Aquele foi um reencontro transcendental de velhos amigos e irmãos espirituais. Sonia e Batista chegaram. Apresentei-lhes Tavares e a mesma afinidade se fez. Parecia que nos conhecíamos. Não havia estranheza, absolutamente. Dali em diante compõe-se o quarteto. Sônia, Batista, Tavares e eu. Não nos separamos mais. Vivíamos o tempo todo juntos e quando não estávamos reunidos no vale trabalhando, [108] Experiências de um Leigo íamos para casa de Sonia e Batista e Lá permaneciam em conversas doutrinárias. Não demorava e percebíamos que estava amanhecendo, surgindo os primeiros raios de sol que já acordavam e aqueciam a vida dos adormecidos da noite, que não éramos nós, avisando que um novo dia raiava repleto de novas oportunidades. Assim, conheci Tavares. Um mestre, um irmão e um amigo que somente a vida transcendente podia explicar. Fizemos uma boa dupla. Eu me tornei o 5º Yurê15 de Batista e Tavares. Sinto saudades deles, da sua companhia, das forças que emanavam e do humano que existia em cada um deles. Hoje os nossos caminhos se descruzaram e nada nesse trecho de nossas vidas pode ter ainda a graça do perfeito, mas o que construímos, foi com amor e amizade verdadeira, que está além e permanecerá eternamente. Sinto falta dos momentos em que passamos juntos. Às vezes dou-me o direito de recordar. Tudo passa. Não sofro, por isso, 15 Quinto Yurê quer dizer: Quinto Raio do Oriente ou Mestre do Quinto Verbo Oriental. É o mestre que cruza cinco linhas orientais e duas africanas. Ser um Quinto Yurê é o mesmo que ser um Sétimo Raio Rama Adjuração. [109] Experiências de um Leigo mas simplesmente desejaria que soubesse que foi muito bom conhecê-lo. Tavares não está mais aqui perto. Mas sua alma irradia como antes. É impossível a ele, como a nós, nos impormos a distância. Sua imagem está em nós, gravada; seu jeito de menino, seu sorriso aberto, sua fala nordestina, sua personalidade sofrida, que lhe marca identidade de jaguar e que se mistura ao mestre sol, ao grande comandante do poder iniciático, firme e seguro como uma rocha, capaz de construir o céu e com suas asas proteger a todos que perto dele, o merecem. Até breve cabra véi... Essa é a sua marca. Sinto o mais profundo respeito e admiração, pelo que fez e faz. Pelo que representaram para mim no passado e pela coragem empreendedora que fazem do hoje, Tavares e Batista. Jesus os abençoe onde vocês estiverem. [110] Experiências de um Leigo LUÍS ADÃO: O CIGANO DE VILA VELHA - Meu filho, de onde você vem? -Vila Velha, Espírito Santo. Sou do templo de Yucatã. - Sim eu sei. Mas de onde você é? - Não entendi meu Pai? Respondeu Luiz Adão 16. Entenderás, depois que eu me for daqui. Sofrestes muito, não é meu filho longe da tua Tribo cigana? Agora, você chegou para juntar-se aos seus irmão e juntos, vencerem todas as dores e serem felizes. Saibas, que foi eu quem o trouxe aqui. Trouxe, pelas afinidades de vidas passadas e pelas responsabilidades que desejo lhe entregar. - Salve Deus! Estou a sua disposição meu Pai. Mas vim para ficar aqui em Brasília, aqui pretendo morar. - Não filho não vai ficar aqui. Irás viajar em breve para um lugar nunca antes visitando por ti. O nordeste. Irás partir em breve. Junto contigo, os meus filhos, que vão em busca de seus familiares. Trecho do primeiro diálogo de Pai João com Luiz Adão. Assim começamos a caminhar no Vale daqueles anos 80. Onde um estava lá estavam os outros. Fizemos um social intenso e nos tornamos inconfundíveis pela maneira como vivíamos e a amizade que transparecia. Vivíamos cercados de amigos e aderentes que vinham e iam nos propiciando momentos inesquecíveis. Nadir apará, Devacy, apará, Vera doutrinadora, Xixico, Badia doutrinadora, Mizuta, Guilherme, Turquielo, 16 Quando Pai João perguntou a Luiz Adão, de onde você vem meu filho? Pai João fez, por três vezes, essa mesma pergunta: De onde ele vinha, na última, pai João lhe respondeu. Quando ele afirmou que vinha de Vila Velha. Não é de Vila Velha, meu filho, é dá estrada velha que o trouxe ao Engelho velho, de lá, a Vila Velha e de vila Velha até aqui, e daqui para eternidade. Pai João deu um roteiro a ele do seu transcendente. [111] Experiências de um Leigo doutrinador, Jorge, doutrinador Guto e Joel, ambos aparás e tantos outros. Aquele dia cheguei ao Vale e havia um grande movimento de templos externos que chegaram de suas cidades para Iniciação Dharmon-oxinto e consagração de Elevação de espada. Não gostava muito daquele tumulto que quebrava um pouco a harmonia costumeira... O Templo estava em funcionamento, mas logo iria dar uma parada para a abertura do ritual de Elevação de Espada. Saí do templo e fui me conduzindo para a lanchonete. Ia atrás de um cafezinho e depois ascender um cigarro. Cheguei a lanchonete e naquele dia estava muito cheia pelos médiuns dos templos externos. A custo encostei-me ao balcão. Era tudo que queria... Perto de mim dois mestres conversavam asneiras, bobagens, a respeito de um médium que descontente e constrangido escutava também aquelas opiniões preconceituosas que se referiam, na linguagem dos dois palestrantes, ‘a homens que não são homens, aqueles que usam brinco e cabelos longos de mulher’. Esse era justamente o caso daquele médium que [112] Experiências de um Leigo ali perto estava a escutar aqueles dois adúlteros a extrapolar o direito do saber a hora certa de calar. Doeram-me aqueles comentários e me coloquei de atrevido e arrogante naquela conversa. A coisa não ficou boa e na minha justa causa, ataquei: - Vocês são dois hipócritas. Eles não se deram por achados e a discussão esquentou. Saí dali desarmonizado, furioso com aqueles dois mestres. Sem jeito, fui fumar o meu cigarro noutro lugar e quando menos espero chegou aquele ouvinte desconhecido me agradecendo pela defesa. Disse a ele que não fora nada. Não havia me custado. Eu, há muito não gostava deles e aproveitei a oportunidade. - Você é de templo externo porque nunca o vi por aqui? - Sim sou, respondeu ele. Chamome Luiz Adão e sou de Vila Velha, Espírito Santo. Vim fazer a minha Elevação de Espada. - Que bom! Afirmei. E travamos conversa que foi interrompida pela sua ida para a consagração. Tão logo ele deixou o templo, me encontrou [113] Experiências de um Leigo conversando com Tavares. Feitas as apresentações, ficamos ali a espera de Sonia e Batista que não demoraram a chegar. Luiz foi apresentado e a conversa acontecia em ritmo e de uma maneira muito familiar. Sonia logo o reconheceu. Ela disse que tinha a impressão de tê-lo em memória. Ela falava de vidas passada, só não sabia disso ainda. Luiz contou muitas coisas da sua vida, de onde vinha, o que fazia e enfim, grande foi a identificação. Os dias seguintes, em que passou no Vale, sempre nos víamos. Ele chegou a ir até a casa de Sonia e Batista para uma prece que fazíamos todas as quintas– feiras. Conversamos essa noite até o dia clarear. Tavares, eu, Batista, Luiz Adão e Sônia. Luiz partiu logo, prometendo em breve retornar e nos visitar. Assim aconteceu meses depois. Ele retornou e não se afastou mais de nós. Tornara-se um irmão e amigo de verdade... Luiz Adão, hoje já está desencarnado. Lembro-me do dia de sua passagem. Morreu nos meus braços, quando dentro em um carro corríamos feito dois desesperados. Eu e Rodrigo procurávamos um [114] Experiências de um Leigo hospital porque ele precisava de oxigênio. Morreu no caminho. Quantas saudades deixou... Luiz, um irmão. O nosso psicólogo. Era o mais velho de nós e lamentamos hoje não tê-lo escutado mais, em momentos difíceis que passamos. Luiz era sensível demais para o duro da vida no Nordeste. No início sofreu muito, com sua alma de artista, companheiro, amável, sincero, por vezes transparecendo mal educado, o que não era. Solitário, maduro e verdadeiro, protetor e extremamente exigente. O nômade que nos achou no meio de sua viagem e nunca mais teve solidão e nem necessidade de se afastar. Ver-nos-emos em breve. Nós Sentimos você, por conhecermos a sua energia amiga. Sua alma, hoje, corre livre no espaço e aqui na terra, ela ainda caminha, impregnada nas pessoas que receberam de ti, a sua emanação. Sentimos sua falta, meu irmão e amigo, Luiz Adão, o cigano de Vila Velha. [115] Experiências de um Leigo A CONVIVÊNCIA CONSTRÓI O AMOR A hora da prece: Ali, íamos chegando um a um. Era fim da tarde e começo da noite naquela quinta feira. Chegávamos ao barracão da quadra seis. Tavares dizia: - Nega véia hoje o café é meu, saí Baixinha... Era assim que chamava Sonia. Então, Preparava o café, sob uma nuvem de fumaça que lhe cobria o dorso. Batista em pé na soleira da porta, calmamente, esperava o carvão em brasa, para percorrer todos os cantos da casa. Aquele defumador nos embriagava a alma e ungia nossos espíritos. Joana, sentada num sofá coberto de tecido roxo, se divertia com Rodrigo e Stela. Adriana na mesa da cozinha conversava com Sônia a respeito da indumentária de Yuricy Lua. Então, eu chegava e dizia que iria me deitar 10 minutos, pois, sentia uma enorme pressão nas têmporas e fortes tonturas. Era desdobramento. Na sala, cadeiras espalhadas encostavam-se à paredes, deixando uma delas livre para o aledá. Duas velas acessas centinelavam uma rosa vermelha trazida por Batista, e por trás dela um retrato de Jesus se colocava a altura dos outros: Pai Seta Branca, Pai João e Tia Neiva. Em cima da mesa, um Evangelho se abria e ao lado, duas fitas mântricas: uma de Apará e outra de Doutrinador. A música clássica, baixinha convidava-nos a meditar. Batista fazia, nessa noite, a harmonização. Ele era o nosso o orador. Éramos crianças, brincando na seriedade daqueles momentos, vestidos de brandura e leveza. Os pesadelos não haviam ainda chegado para apagar os nossos sonhos de encantamento e sublimidade daqueles momentos. Assim vivíamos a doutrina de Jesus. Viemos para o Nordeste, talvez, nem tanto, pela missão, mas para permanecemos juntos, vivendo daquela magia, que hoje, os adultos fizeram desaparecer, matando as crianças que brincavam naquela seriedade. Registros de 1980 à l983. O Trabalho Oficial acabou aquela noite depois de uma hora da manhã, como sempre. Saímos ao encerramento e ficamos em frente o templo a esperar pelos outros. Encontramo-nos frente à Estrela Candente. Batista, Tavares, Sonia, Nadir, Badia e eu. Aquela noite, trabalhei nos tronos com Badia [116] Experiências de um Leigo a minha doutrinadora preferida. Depois falo um pouco dela. Uma Preta Velha encarnada. Decidimos esperar para ver se haveria trabalho especial. Caso houvesse, a sirene nos avisaria anunciando a chegada de algum assediado. Enquanto esperávamos, fomos para a Casa Grande. Tavares disse que estaria lá em Nadir, a nos esperar, tomando o seu leitinho em pó. Encaminhamo-nos para a Casa Grande e Tia Neiva parecia nos esperar. Era assim todo final de trabalho. Tomamos café com pão dormido e pedacinhos de queixo enquanto ela contava histórias espirituais, o famoso corujão das madrugadas. Às três horas da manhã deixamos a casa grande e fomos em direção ao carro que nos levaria para casa. O Vale ficava a uns vinte e cinco quilômetros de distância de Sobradinho, que seria o nosso destino final, uma das cidades nas proximidades de Brasília. Passamos em Nadir, e em pouco tempo, estávamos caminhando todos em direção ao carro. Entramos e dei partida no que não pegou. Insisti algumas vezes. Nada. Alguém resmungou contrariado. [117] Experiências de um Leigo - Salve Deus!!! Aquela entonação já característica denunciava o seu autor. Ela já era conhecida por nós. Era Batista aborrecido, deduzindo o óbvio: falta de gasolina. Batista previa antecipadamente os seus minutos seguintes, que lhe exigiriam o uso de técnica, habilidade e humilhação. Ele era o extrator de combustíveis. Sua fama já corria por todos os cantos do Vale. Ele era temido por todos os amigos e companheiros nossos. O medo que sentiam, era em decorrência da capacidade pulmonar que possuía Batista, que lhe deu o apelido de ‘pulmão de aço’. Todos que permaneciam até o final do trabalho oficial, possuíam esse medo, de no meio da madrugada, encontrar-se o um grupinho, tendo a frente, Sonia, e ao final Batista que escondíamos, para deixá-lo como elemento surpresa. Batista carregando consigo, seu equipamento de extração, que era uma mangueirinha branca de chuveiro, estrategicamente escolhida, por ser mais fina, descendo escorregadia e facilmente por qualquer garganta em busca do precioso [118] Experiências de um Leigo líquido, até atingir o tangue de combustível. Um galão plástico de cinco litros, a boca e poderosos pulmões que faziam inveja a qualquer animal mamífero marítimo. Então, após descermos do carro, saímos caminhando, Sonia, Tavares eu e Batista à procura do nosso benfeitor. Sonia iniciava a conversa. Ela possuía suas técnicas também. Dizia inicialmente um ‘Salve Deus mestre’ com a boca em sorriso, e dependendo do salve Deus que vinha de lá ela atacava ou não. Assim Tavares ia em seu apoio, quando fazia a leitura da entonação, e deduzia ser positiva: completava: Salve Deus cabra véééiiiiii.... Caminhamos pelos arredores e nada. Fomo-nos afastando um pouco e num instante, ao dobrarmos a esquina da livraria, visualizamos de longe três mestres que vinham em nossa direção. Uma alegria de esperança nos motivou de coragem. Pensei: Achamos as nossas vítimas. Sonia partiu para o ataque inicial e um deles se precipitando alegou não ter como tirar a gasolina do tanque do seu carro. Para nós, formados em psicologia pedintional, aquele era o momento decisivo. Não deixá-lo [119] Experiências de um Leigo falar novamente, repetir pela segunda vez aquela heresia. Tomar-lhe a palavra. Contra atacar imediatamente. Não lhe deixando pensar outra vez e apresentando Batista como sendo o nosso técnico para resolver aquela dificuldade imposta por ele. Batista apareceu e pela sua serenidade e segurança, transmitiu-lhes toda a segurança do seu olhar: - Comigo não existe esse problema. Ela vem amigo. Ah! Vem de todo jeito. Quando faço a sucção tiro até a sujeira que está no tanque, ainda lhe prestando esse favor. O pobre rapaz impressionado e estarrecido com o que ali, diante dele surgia, quedava-se sem poder argumentar. O que podia fazer era somente, nos levar até onde estava o seu carro, entregue e vencido. Caminhamos até o veículo e Batista, agora ao lado de Sonia, a nossa diplomata carregava a garrafinha e a mangueira. Eu, mais afirmado, puxava conversa com um dos mestres tentando ser bacana. Tavares e eu éramos somente ajudantes a dar apoio moral a Batista. Luiz? Esse ficava dentro do carro, dizendo estar [120] Experiências de um Leigo cansado. e ali ficava crivado por nossas vibrações. Era assim ritual de extração de combustível. Batista quando colocava a boca na mangueira de extrair gasolina não falhava. E para se certificar disso, antes do ato definitivo, fazia uma pequena demonstração, um exercício respiratório de aspirar e expirar. Isso deixava os nossos amigos preocupados, quase arrependidos. Ríamos muito... Batista situava o tamborzinho de combustível no chão, próximo a ele, ou eu e Tavares, servíamos de ajudante a segurá-lo. Colocava-se na posição estratégica. Dobrava a cintura e cuidadosamente ia colocando a mangueira no tanque, quando essa atingia o fundo, ele sabia por já possuir tanta experiência em extração e também pela medida da mangueira que já guardada, estava toda dentro do tanque. Então, ele rodava a mão, passando-a na ponta da mangueira a querer limpá-la. Abaixava o corpo e a cabeça que buscava a ponta da mangueira do lado de fora e dava uma copadinha. Então, para nossa alegria, ouvíamos o barulho do subir das bolhas vindo de dentro do tanque. Com a [121] Experiências de um Leigo boca na mangueira, Batista expirava uma vez e soltava; outra vez e na terceira, com o dedo tapando a saída, respirava cachorrinho, para depois, puxar definitivamente, o ar de fora para dentro dos pulmões. Então soltava. Nessa altura os nossos amigos já estavam tomados pelo arrependimento e desespero, só que era tarde demais. Um deles vendo aquele ritual ensaiado por Batista se preocupou em discretamente fazer um comentário: - É... Parece que tem pouca gasolina. Então veio a última respiração já com a mangueira na boca. Batista aspirou, somente parando pelo torcer do engasgo da gasolina em sua garganta que lhe queimava a boca. Rapidamente colocava a ponta da mangueira no balde e lá vinha ele: o líquido que nos levaria para casa. Certificando-se da extração, saia desarmonizado, a cuspir a gasolina aqui e ali. Contudo nessa noite, para não correr risco com a baratinha amarela, o nosso carma maior daquela época, a minha Brasília, que é um capítulo a parte, abrimos o porta malas do carro e Tavares foi meio que [122] Experiências de um Leigo sentado no bagageiro, segurando o garrafão de Gasolina e a mangueirinha, que saindo do garrafão, jogava o combustível direto num filtro e esse no carburador do carro. Todos sabem que o motor da Brasília é atrás e dentro do carro - um tormento. Mas era o carro que possuíamos... Essa adaptação foi feita pelo bom amigo que além de nos emprestar a gasolina ainda deu uns bons empurrões na Baratinha pálida. Ela não pegou, então ele fez a adaptação: de Tavares direto para o carburador. Assim fomos pelo caminho até chegar a nossa casa. No caminho íamos cantando os mantras interrompidos somente por um sorriso ou uma brincadeira. Riamos de nossas próprias necessidades. Minha barriga parecia estar sendo bombardeada. Vazia, encolhia-se ao limite demarcado por minhas costelas. Assim fizemos o percurso de volta para casa. Batista reclamava de gases, era o efeito da gasolina que havia bebido. Luiz reclamava do cheiro forte da gasolina; Tavares reclama de frio, que quase congelava por segurar o combustível. Eu no volante, e Sonia, ao lado, ríamos pra nos acabar. [123] Experiências de um Leigo Salve Deus! Era assim mesmo. Voltávamos para casa cantando os mantras felizes, muitos felizes por tudo aquilo que vivíamos. Enfim conseguimos chegar. Era quase cinco horas da manhã. Fomos fazer um café e tomar um banho para sair para o trabalho. Combinamos naquela quinta-feira a nossa prece e nos reencontraríamos à noite. O dia passou rápido. Quando chegamos Sonia e Batista já nos esperavam com o café pronto. Começavam os preparativos para a prece. Tudo era devidamente feito com carinho, cuidado e amor. Sim mestre, eras assim mesmo que acontecia. Pai Benedito colocava Sonia para dormir e ela muitas vezes trazia registro de sonhos ou transportes. Foram muitos momentos vividos naquele lugar, o Barraco da quadra 06. Muitas vezes estava dormindo e Pai João, Pai Benedito ou Pai Ananias incorporava e conversava com os meninos dando mensagens. Assim vivemos por algum tempo. Em 1981 numa conversa que tivemos, decidimos abrir uma poupança para guarda algum dinheiro para o dia em que deixaríamos Brasília, pois tínhamos uma missão a cumprir. [124] Experiências de um Leigo Ora mestres! Naquela época não tínhamos dinheiro nem para a gasolina. Comer!? Isso fazíamos com dificuldades. Como guardaríamos dinheiro? Pensamento de doido. Éramos crianças a começar a viver uma vida de adultos... Assim, mudei-me para a casa de Batista e Sonia; vivia mais lá que em casa de meus Pais. Tavares, assim também fez e Luiz Adão era morador definitivo. Nessa época, a situação financeira era muito difícil. Eu ajudava como podia, mas tudo com muita dificuldade. Também contribuía lá em casa que a coisa ainda estava difícil. Nessa época, Tavares arrumou um emprego à noite e esse salário era para as despesas. Luiz Adão pintava panos com técnica de tingir. Batista se virava com podia e vivíamos assim como uma família. 1980 a 1986, vivíamos assim como ciganos, horas no Vale, horas em casa. Nessa época muitos acontecimentos e fatos que construíram histórias que não faltarão oportunidades de revelá-las. Em 1986 deixamos a Capital Federal e viemos para o Nordeste em busca da missão que nos aguardavam. Um grupo de pessoas, médiuns, [125] Experiências de um Leigo deixou Brasília chegando a Mauriti numa noite, que aduzia17 para um futuro incerto... Um a um fomos descendo do carro que cansado como nós, havia vencido a distância. Abraçamo-nos em frente à casa de Bedite, mãe de Tavares e agradecendo a Jesus, ao Pai Seta Branca e a Pai João de Enock por estarmos ali... 17 Trazer, apresentar. [126] Experiências de um Leigo O VELHO SÁBIO DO ORIENTE Pequeno Mestre. Estás aqui para aprender e não para ajuizar com o seu pensamento. Tu ainda não sabes pensar. Esse ofício deveria trazer para ti, clareza. Ao contrário, te trás mais dúvidas do que as que já possuis. Então, estando aqui, não crie ideias. Analisa o que ouves e examina com cuidado o que aprendes. Depois medite. Meditar, para ti nesse momento, é a capacidade de compreender, e essa atitude será um santo remédio para as suas alucinações ocidentais, deformações causadas pelas ilusões que lhe alimentam o corpo-ego, e a almaenter. Veja o que és? Terás essa respostas daqui há alguns anos quando o sol iluminar tua mente afastando de ti as sombras dos teus pré-conceitos e ideias tolas. Darkus Kan. Sentei-me em posição de lótus18, no centro de um círculo vermelho, ao lado de dois chumaços de incenso que queimavam lentamente, liberando fragrâncias que me embriagavam a alma dando-me uma suavidade estranha e estonteante. À minha frente, desenhada no chão, o que chamei precariamente de cabala19, compunha-se de um círculo, de tonalidade azul, com vários símbolos que o rodeavam, parecendo um calendário astrológico; caindo para o centro pequenas estrelas agrupadas formavam pontos 18 Posição de pernas cruzadas e mãos entrelaçadas, característica de meditação, necessária para a recepção de certas energias. 19 Cabala é uma palavra hebraica que significa “lugar elevado” e designa, também, aspectos secretos de uma doutrina. [127] Experiências de um Leigo luminosos e pequenas linhas quase invisíveis, que subiam e desciam de um lado para o outro. Eu gostava de ficar ali observando aquele desenho do universo, muito embora nada soubesse de sua representação. No íntimo, aquele macroplexo fazia parte de mim, mesmo sem eu nada conhecer. Não arriscava perguntar nada, pois alguma coisa me dizia que o que me seria ensinado, era de acordo com o meu grau de conhecimento e evolução e antecipar-me seria estupidez, palavra essa que já estava acostumado de tanto escutá-la. Mais adiante, em posição de lótus, estava ele. Parecia dormir confortavelmente, coisa que me admirava profundamente, pois, aquela posição para mim era muito desconfortável. Ele, na verdade, meditava como um edifício, imóvel, erguido de forma piramidal, vestido em um manto de um amarelo muito gasto, envelhecido e desbotado pelo uso. Pensei que quando voltasse para o Ocidente, lhe compraria um manto igual àquele, só que novinho, para presenteá-lo, como demonstração do meu carinho por ele. Ao pensar isso, [128] Experiências de um Leigo imediatamente seus olhos me sorriram dentro do meu cérebro. Ali fiquei olhando o velho sábio, a meditar sobre aquele chão duro. Então quis imitá-lo: fechei os olhos, pus-me a meditar; ia até bem, se não fosse o meu cérebro, que de dez em dez segundos, fazia com que eu abrisse os meus olhos irritantemente. Depois de muitas tentativas, percebi que não conseguiria, e era mesmo melhor, ficar de olhos abertos. Observei atentamente o seu semblante. Uma fina barba branca lhe escorria pela face. Tímida e bem comportada, ela se findava um palmo abaixo do queixo. Seus olhos se fechavam suavemente, como janela esculpida na medida certa. Sua cabeça calva declinava-se suavemente para baixo, apresentando uma calvície natural, que refletia as luzes do ambiente. Suas orelhas abriam-se como grandes abanadores, e seu nariz pequeno harmonizava-se com a pequena boca, que provavelmente diminuíra pela falta de uso, pois ele pouco a usava para comer, e muito menos para falar. Eu me sentia diante da paz e da serenidade. Se elas quisessem um corpo ou [129] Experiências de um Leigo expressão para se manifestar, certamente que o escolheriam. Do que pude ver do seu corpo, as mãos suavemente se encaixavam, uma na outra como se fossem feitas em cuidadosa forma. Seus finos dedos pareciam sumir ao segurar algo muito delicado, porém invisível. Ali permaneci por longo tempo a observar todos os detalhes, que meus pequenos olhos pudessem ver, que, aliás, crescidos pela minha curiosidade, se tornavam bem maiores do que são. Ele continuava a dormir, como se ninguém estivesse ali presente. Ele me ignorava... Isso no Ocidente seria considerado uma grande falta de educação. Tomado por aquela onda de orgulho, comecei a me sentir mal, inquieto e indesejado. Quis sair dali correndo, afinal eu não precisava passar por aquilo; desarmonizado quis me levantar, mas não conseguia; algo me chumbava naquele lugar muito além de minhas forças. Senti-me indesejado e intruso. Em seguida, e com muito esforço, calei os meus pensamentos, pois não tinha sentido tudo aquilo. Aos poucos fui me cansando, meus olhos devagar, foram pesando, se fechando para a janela daquela visão. Quando voltei a [130] Experiências de um Leigo abrir, estava deitado, me perguntando o que havia acontecido. Durante algum tempo fiquei pensando quem seria aquele sábio e mal educado que me atraía sem nenhum relute de minha parte. Seria um cobrador disfarçado?... Brasília, 1983. [131] Experiências de um Leigo MEMÓRIAS DE TIA NEIVA “Filho, todo o encanto de nossa magia existe somente enquanto pensamos no bem, concentrados nas três palavras: amor, tolerância e humildade. Se sairmos destas palavras nada temos. Filho, observa bem o que fazer do teu tempo, do teu sacerdócio, de tua missão, e nela procura impregnar todo o teu amor, o que puderes da perfeição de tua conduta, emitindo e comunicando a Doutrina que te foi confiada, para não perderes qualquer afeto na fronteira da morte. O sol que brilha, a nuvem que passa, o vento da despedida, o luar que alimenta com o perfume da flor. Aproveite filho, esses momentos de tranquilidade que a terra com toda a sua riqueza, ainda vai cobrar aos que não aproveitaram seus frutos.” TIA NEIVA, A MÃE EM CRISTO JESUS! Sentados um a um como um exército à espera do seu general. Ali aguardávamos ansiosos a chegada do nosso avatar20. Aqueles bancos de cimento eram bastante duros a ponto de causar pequenas bolhas em nossos fundilhos, coisa que era aceita de bom grado sem reclamarmos direitos de melhor trato. Sempre se espera de um templo espírita a discrição, conjugada com a harmonia e nestas, busca-se o silêncio meditativo e a indução pelas cores leves, discretas e suaves onde o visitante tivesse na 20 Espírito ascencionado. [132] Experiências de um Leigo primeira impressão o impacto do conforto e a síntese da brandura; espera-se que seu ambiente seja um tanto confortável, que a atmosfera seja resfriada e respirável pelos perfumes individuais combinando com os aromas discretos e nobres, formando uma unidade inclusive no nosso olfato. Ali, pessoas educadas iam e vinham sem alarde, pois não se escutava nem mesmo o arrastar das sandálias, e, que os moldes de comportamento não se envergonhassem em existir horrorizando as etiquetas escritas. Supunha-se uma música suave a entoar embalada nas vozes de anjos que sinfonicamente através dos seus acordes se fundissem com as almas na doce inspiração da tranquilidade e sossego, para a elevação das almas às sensações sublimes do paraíso. Pois bem, o nosso era o contrário: O único silêncio sentido era a quilômetros de distância; perfumes baratos se misturavam proporcionando um odor difícil de definir e explicar. Muitas vezes pensei que até os nossos mentores se viam em apuros devido à mistura de Mistral e Avanço, águas de cheiro quimicamente elaboradas, misturando-se aos florais e às fragrâncias de [133] Experiências de um Leigo perfumes paraguaios, ungindo-se aos suores que escorriam pelo corpo ensopando nossas roupas, coletes, exalando um cheiro de mofo, espalhando-se pela atmosfera do templo. O calor muitas vezes era insuportável, devido à cobertura ser baixa e de telhas de amianto, maquiavelicamente desenvolvidas para esquentar no calor e gelar no frio. Paredes de pedras, arranjadas umas em cima das outras, tentavam explicar por suas deformações, a imperfeição da arquitetura, estendendo-se por metros e metros a fio nesse curioso bailar, formando figuras elípticas, tendo o interior em duas partes, rodeadas pelo que se chamavam castelos. Cores fortes tentavam esconder as deformações naturais do que Oscar Niemeyer não gostaria de ver, mas que lhe roubaria o título de melhor engenheiro cível do país. Hora o vermelho Ferrari fazia par com o amarelo ouro, que por sua vez buscava combinação com o azul escuro, que, revoltado, tentava harmonizar-se com o verde pérola. Entre uma cor e outra, o preto se distinguia entre listras finas a arrematar os encontros tão forçosamente formados, [134] Experiências de um Leigo notando-se seu esforço por minimizar aquela briga de amigas que por seus tons jamais se uniriam... Apertados naquele recinto, disputávamos lugares naquele domingo de tarde; quase uns em cima dos outros, nessa situação, tínhamos a dura missão de buscarmos sintonia com os planos superiores, tarefa essa que até para um monge tibetano seria difícil... De olhos abertos eu tentava registrar, com a maior riqueza de detalhes possível, aquele momento. Naquele templo do jaguar, indumentárias sobressaíam-se dos uniformes pretos e brancos, marrom e preto dos mestres. Uns cantavam de olhos fechados recostados nas paredes; outros dormiam tranquilamente atitude essa que me deixava admirado: como eles conseguiam? Outros com as mãos nas têmporas concentravam-se provavelmente pedindo ajuda aos seus mentores e guias; do outro lado, médiuns se erguiam diante dos retratos dos mentores em prece. Senhores uniformizados elevavam-se com seus mantras; ninfas com seus pentes coloridos ou cabelos longos irradiavam em [135] Experiências de um Leigo seus cânticos a ternura de seus corações e os jovens retorciam-se de um lado para o outro em seus assentos, inquietos pelo desconforto; nessa turma estava eu. Eu observava tudo, registrando o que me era possível, consultando minhas dúvidas se realmente aquele era o local apropriado para falar com Jesus. Por muitas vezes me perguntava o que fazia naquele meio, onde contrariava tudo que tinham me ensinado. De repente meu coração bateu descompassadamente, como se ligado à bateria de um carro em partida; minha atenção agora se voltava à porta de entrada, pois senti a movimentação vinda de lá. Pessoas caminhavam rapidamente, e provavelmente eram seus assessores. Sim, Tia Neiva estava chegando... Agora se ouvia o hino Mayante baixinho, cantado por ocasiões destas aulas. Eu cantava desafinado, mas irradiado por toda aquela energia. Só prestava atenção naquele pequeno ser que agora conseguia vencer a multidão que a esperava na porta do templo, simplesmente para cumprimentá-la, [136] Experiências de um Leigo atitude essa que ainda não tinha tido coragem de fazer. Todos se levantaram à sua passagem e uma salva de palmas cobriu todo o ambiente, como se fosse uma chuva de pétalas jogadas aos seus pés por gratidão ao amor que nos dedicava. Suas mãos a voarem como dois pássaros, subiam e desciam, pedindo que nos sentássemos, como a dizer que aquilo não era necessário e que lhe causava constrangimento. Nós, cegos aos seus apelos, continuávamos a emitir-lhe os nossos carinhos... Ela caminhava com dificuldade; uma das mãos era presa à cintura e a outra como a querer desmanchar os nós dos dedos... Assentou-se ao radar e de posse de um microfone derramou sua emanação dando início a sua aula. Meus filhos salve Deus... Sua voz ecoou e se fez ouvir por todos os ouvidos que existem no coração. Ali, sentada estava Tia Neiva, A mãe em Cristo Jesus. [137] Experiências de um Leigo [138] Experiências de um Leigo 1983: FECHAMENTO DE UM CICLO Filhos, o assim chamado avanço do conhecimento não oferece imunidade contra a morte, a velhice ou a doença. O Homem cientista descobriu uma bomba nuclear que vai acelerar o processo de sua própria morte. No entanto, filhos, a natureza maravilhosa não precisaria do cientista defensor, porque nela existem o nascimento, o crescimento, a manutenção e a transformação. Porque só sabe amar quem encontra a paz em Deus Pai Todo Poderoso! 1984! Ciclo iniciático!... Data natalícia do triste naufrágio de poderosas civilizações. Santuário perfeito onde galáxias de todo o universo se comunicavam, e o homem, dando vazão ao centro nervoso do seu terceiro plexo, recebeu o que era seu e foi levado pelo seu próprio crepúsculo... Novamente as grandes metrópoles e o homem desenvolvendo os átomos, a sua própria destruição... Sei, filho, da tua sede, acorrentado cinco ciclos sem subir a Capela. Sim, por Deus, toda a tua família sanguínea receberá a proteção da tua conduta doutrinária. Pai Seta Branca. Todos os momentos que constroem uma vida são importantes. Alguns, porém, marcam fim e início de ciclo que mudam o rumo da vida, muitas vezes por completo. Assim foi em 1983. 1983 chegava ao seu final, marcando também o final de um ciclo para nós, que havia tido início em 1976, compreendendo, assim, sete anos. Sete longos anos, um ciclo de ajustes e desajustes, que chamei de ciclo inicial de desmonte, para não chamá-lo de infernal. Rompeu-se toda aquela estrutura material que nos mantinha presos ou muito mais do que presos, [139] Experiências de um Leigo atrelados uns aos outro num ostracismo e indiferentes a tudo e a todos, nos envolvendo em muitos preconceitos, nos deixando à margem da vida, distantes da realidade. O ponto de início foi no final de 1975, na primeira visita ao Vale e culminou com a doença de Sonia, que fez com que nós voltássemos lá. Muitas vezes, pensávamos, já a salvos em 1983, como chegamos até ali, mas, havíamos descoberto que dor e sofrimento, necessidades e medos, não matam ninguém e sim, impulsiona para os desafios, mesmo que seja a contra gosto, aos empurrões, aos trancos e barrancos. É ir ou ficar, se ficar, morremos, ser aceitamos ir, temos alguma chance, embora pequena de não morrer. Mas éramos valentes e se tínhamos que morrer, morreríamos lutando. Brincávamos com o sério, não perdendo a seriedade do que estávamos vivendo. Tínhamos, entretanto, poucas opções: brincávamos para relaxar ou nos jogávamos em cima de uma cama e ali permaneceríamos tomados por depressão. Achávamos aquela doença ser de rico. Sei que as coisas eram tão intensas e dinâmicas que não tínhamos tempo [140] Experiências de um Leigo de chorar, de pensar em doenças. Sou um filho de Ogum21. Criado por Pai Zé Pedro, filho de Seta Branca, desenvolvido por Koatay 108. O que poderia me derrubar? Nada. Brincávamos e ríamos. Certa vez, escutamos no corujão, para o nosso desespero e desesperança, Tia Neiva a dizer: - Filhos, com quem o Pai Seta Branca se importa a vida é difícil mesmo, estreita e o caminho é longo. Entreolhamonos e deixamos os comentários para mais tarde. Estamos fritos, pensei... Salve Deus! Meus irmãos, era assim que vivíamos. Mas era assim, que as coisas aconteciam fora e dentro de nós. Assim chegou mais uma vez o 31 de dezembro. Preparamo-nos para o final de ano. Em casa, os convidados chegaram cedo e cedo estávamos com um problemão. Como sair dali para irmos para a benção de Pai Seta Branca? Como deixar todos ali? Então, discretamente fomos saindo dali, distraidamente. Não deu certo e fomos descobertos. Foi um auê... 21 Entidade guerreira, lutadora, persistente. [141] Experiências de um Leigo Saímos no meio de uma festa de Réveillon. Deixamos todos contrariados e aborrecidos. Amanhã, dia 1 de janeiro, já começaríamos 1984 sob a aura de fortes justificativas e discussões. Não havia tréguas. Em fim, fomos. Tínhamos que ir. E estávamos lá. 31 de dezembro de 1983, à meia-noite, estávamos no Vale do Amanhecer. Era a benção do Pai Seta Branca e todos nos reuníamos no templo à espera da sua incorporação em Tia Neiva. 1983 fora um ano difícil para nós jaguares e principalmente para mim. Fatos e acontecimentos estranhos vinham me atormentando relacionados à mediunidade. Tinha alguns transportes proféticos, incorporações incomuns. Aquilo era novo e estava me perturbando o juízo. Agora estávamos ali, 31 de dezembro de 1983 apagando suas luzes com as sábias palavras proferidas por aquele espírito superior e sábio que, incorporado em Tia Neiva, do radar, manifestou sua vontade soberana àquela tribo de jaguares missionários na terra. “Filhos queridos do meu coração...” E anunciou o ano de 1984 como sendo o ano do fechamento de um ciclo [142] Experiências de um Leigo evolutivo da humanidade. A serpente mordeu rabo. Inicia-se o ciclo de fogo... - “Agora, filhos, necessitamos da consciência universal. Jaguares - espíritos espartanos, vindos das Planícies Macedônicas até o Planalto Central. São os últimos momentos para os últimos retoques: a grande preparação daqueles que compreenderam a sua missão. Faremos uma nova distribuição. Quero-os distribuídos por sintonia e ajustados à tônica de suas missões”... Os primeiros dias prenunciaram os acontecimentos que se sucederiam ao longo dos meses. Aulas, revistas e convocações diárias; desenvolvimento, comandos, consagrações de adjuntos, unificações de povos, aprimoramentos ritualísticos, organização dos povos e falanges missionárias... Tia Neiva se desdobrava no papel de mãe espiritual, na terra, daqueles espíritos, encarnados e executava, dia e noite, o plano traçado por aquele grande pai de amor: o cacique Seta Branca. Apesar do seu estado crítico de saúde, seus afazeres lhe exigiam agora, as últimas gotas de energia vital que [143] Experiências de um Leigo lhe restava. Era necessário o último impulso no sentido de preparar todo aquele povo. Vivíamos naqueles dias integrados às responsabilidades daquela última preparação para a conquista final, a nova era. A Doutrina do Amanhecer exigia-nos todo o tempo disponível que tivéssemos, o que doávamos de bom grado, visto ser, ali, o nosso verdadeiro lar espiritual, onde encontrávamos familiares e amigos de outras encarnações, o que tanto nos fazia feliz. Em março de 1983, Pai Benedito das Cachoeiras nos deu instruções para prepararmos os nossos espíritos para as grandes mudanças que ocorreriam em nossas vidas, nos dias que seguiriam sua marcha inevitável. Deveríamos nos preparar para as grandes surpresas, pois o Pai Seta Branca nos tinha reservado muitos planos. Salve Deus. Ali reunidos estávamos eu, Batista, Sonia e Tavares. E às vezes Adriana. Em 1983, nas nossas reuniões da quinta-feira, aconteciam coisas lindas. Então fomos, devagar sendo preparados para uma realidade que se aproximava e vinha rapidamente. [144] Experiências de um Leigo [145] Experiências de um Leigo DORES E SOFRIMENTOS DE UMA HERANÇA CÁRMICA Meu sinhozinho. Não importa se a tua caminhada não será da maneira como você pensou. O que importa é que a sua caminhada não fique ausente de sua alma. Dor, sofrimentos e contrariedades são bons motivos para lutar e ir adiante. Só os fracos não aceitam os desafios. O meu sinhozinho tem muita força, é só lembrar-se da energia de dispunha no manejo do chicote. Talvez meu senhor não saiba avaliar a grande força que tem. Mas eu sei. Pude senti-la em minhas costas. Volte a acreditar na vida e terás força e coragem de seguir adiante e construí-la. Quando tudo estiver ruim, ruim mesmo, meu senhor pensa em Jesus. Pai Lourenço do Gongo no Angical, chamava-se Negro Loré. Diante dos fenômenos espirituais, a vida mediúnica se torna mais intensa, e, nesse ambiente de expectativas vivíamos adormecidos e encantados com as visões e os transportes, que sempre aconteciam. Particularmente, estava passando por experiências amargas. A dor agia como uma sombra em minha consciência, ofuscando os meus bons pensamentos. Sentia-me ocioso e irresponsável com meus compromissos espirituais. Naquela noite cheguei muito cansado de uma visita que fizera a uns amigos que conhecera. Era uma bela noite de sábado; estava muito envolvido com uma namorada e [146] Experiências de um Leigo a convite dela aceitei visitá-los. Conscientemente abandonei minhas obrigações espirituais sem dar muito valor; não vacilei em ir, desprezando o compromisso assumido anteriormente. Retornei amargurado, pois não tinha me satisfeito naquele programa e inclusive sem êxito nos meus propósitos de conquistá-la definitivamente. A angústia invadiu minha alma sem que pudesse imunizar-me contra ela. Nessa noite, ainda após a visita discutimos e nos ferimos com palavras que não gostamos de ouvir um do outro. Revoltado com as decepções daquela noite busquei o sono como forma de alívio. Deitei e comecei analisar aquele momento tão difícil que estava atravessando. Passava por minha mente pensamentos em desarmonia. Questionava o porquê de minha irrealização sentimental e considerava que aquilo não era justo. Eu era realmente um fracasso tanto em minha vida amorosa como na minha vida espiritual; não correspondia às expectativas dos mentores e disso eu tinha certeza. [147] Experiências de um Leigo Foi nesse estado confuso e desequilibrado que comecei a sentir uma sonolência. Adormeci, mas, na verdade, estava em transe. Transportei-me a um grande salão e percebi que era esperado. Fiquei parado diante daquele quadro que se mostrava aos meus olhos. Observei de longe um homem que me chamava mentalmente e comecei a caminhar em sua direção. Na proporção que me aproximava, mais nítido aquele quadro se tornava e senti que a luz que havia naquele quadro me cegava os olhos. Era o Pai Seta Branca, em Cristo Jesus, que esperava por mim. Sim o Simiromba de Deus estava ali! Não resisti e caí de joelhos com as mãos nos olhos, chorando copiosamente. Pensava na veracidade daquele quadro e não me sentia digno de estar ali diante de tanta luz, principalmente por estar vivendo um momento de desequilíbrio e muita confusão. Entretanto aquele quadro era real e eu sabia disso. Sentado à minha frente, num trono, estava o governante espiritual do nosso país: o Pai Seta Branca. [148] Experiências de um Leigo Estava numa espécie de altar, que ficava alguns degraus acima de onde me encontrava e empunhava na mão direita sua famosa lança branca. Chamava-me atenção suas vestes, devido à luz que emanavam. Seu espírito reluzia como o sol; seu penacho emitia raios de luz que saíam de suas penas; dos lados direito e esquerdo haviam cavaleiros vestidos com grandes capas verdes, segurando uma lança em uma das mãos. Tinham capacetes dourados e estavam ali como guardiões de um rei. Então, o Pai, dirigindo-se a mim começou: - Levanta-te meu filho e abre teus olhos. Eu assim o fiz. Ele continuou: - Filho querido, não deveis vos preocupar com suas realizações espirituais. Atravessais uma faixa cármica difícil e deveis ter paciência para vencê-la. Será difícil, mas tem perseverança e alivia tua dor. Aquelas palavras soavam em minha alma como hinos de harmonia. Eu estava sofrendo as heranças do meu passado nos reajustes da lei de causa e efeito. E seguiu dizendo: [149] Experiências de um Leigo - Sabemos e somos conscientes da faixa em que vives, portanto não vos preocupe. Cada um realiza de acordo com suas possibilidades nas condições em que vive. Sabemos, filho querido, o que podes dar. Eu permaneci estático; fixo. Não tinha palavras para definir aquele momento e nenhuma reação tinha, eu, a capacidade de esboçar. Era maravilhoso o que estava acontecendo e ele sabia o que eu sentia naquele momento. - Tens, filho querido, uma missão junto a Jesus; assumistes um compromisso e deveis cumprir com amor o sacerdócio que te foi confiado. Jesus vos abençoe. Aquela visão se desfez. Quando dei por mim, estava com dificuldades respiratórias, mas, aos poucos, fui tomando consciência de onde estava e tudo foi se normalizando. Fiquei imaginando aquele quadro que a dor fizera se materializar em minha mente e chorei agradecendo aquela oportunidade que Deus me concedera. Aquele transporte havia aliviado por completo minhas dores e me sentia totalmente renovado, como se na verdade não estivesse sofrendo, passando por tudo aquilo. [150] Experiências de um Leigo Sim, ninguém que sofre e chora está sozinho. Há sempre uma luz a velar por seu coração sofrido, a enxugar suas lágrimas e balsamizar o seu corpo, suas dores... Eu amargava os excessos do velho senhor de engenho do Angical. A era da escravidão. Naquele momento estava adentrando naquela faixa cármica que prenunciava momentos dolorosos de expiação e provas. Aquela manifestação do Pai Seta Branca era uma benção àquele novo caminho, cujo desfecho seria incerto. Mas depois conto essa história. Agradeci Deus pai todo poderoso e adormeci renovado em energias, com grandes esperanças no amanhã que se aproximava. [151] Experiências de um Leigo O FRANCISCANO DE ASSIS Meu filho. Teus olhos hão de chorar sem que ninguém perceba. Teu grito há de sair sem que ninguém te escute. Tua dor há de oprimir o teu coração e tua boca sorrir sem que dês ciência. E chorarás como criança contrariada; e pedirás que alguém te ouça, que te estenda a compreensão, mas todos de ti se afastarão. Não desanimes. Persevera na luta. Caminha... A tua frente estarei eu. E hei de ungir os teus pés cansados e feridos da caminhada. Hei de enxugar-te o pranto, escutar o teu grito e aplacar a tua dor. Hei de corresponder teu riso e ouvir-te em meu silêncio eterno de Pai. Seta Branca. Mais um ano despedia-se deixando para trás acontecimentos marcantes em nossas vidas. Tia Neiva esforçava-se por trazer tudo que podia na preparação que o Pai Seta Branca anunciara. Naqueles anos se daria a grande preparação do jaguar: consagrações, umas atrás das outras, emissões que se modificavam, rituais, chamados constantes, reciclagens, enfim, mensagens por todos os meios. Algo já prenunciava que em breve tia Neiva estaria se despedindo, pois não tardaria o seu desencarne. Seu estado de saúde, por várias vezes a fazia baixar na cama de um hospital. Seus pulmões não funcionavam e seu sangue, carbonizado devido a não oxigenação, não chegava às [152] Experiências de um Leigo extremidades do seu corpo, fazendo com que ela sentisse profundas dores. O balão de oxigênio com o qual ela respirava estava enchendo o pouco que restava de seus pulmões de água. Ela falava com dificuldade e mal entendíamos o que ela dizia. Entretanto, mesmo com todas as dores, as atividades no Vale nunca foram tão intensas... Eu, Sonia e Batista praticamente não saíamos do Vale, junto com Tavares, Luiz Adão, Sinval, Joana d’Arc, Nadir e muitos outros mestres, mais tarde chegando Adriana. Formávamos um grupo unido pelas afinidades espirituais e Sonia nos trazia e nos mantinha informados sobre o estado da Tia, pois ela sempre fora mais achegada a ela... Naqueles primeiros dias, o sol nos aquecia a alma de alegrias e esperanças, muito embora algo no ar prenunciava que aquele ano não seria fácil. A mensagem do Pai Seta Branca tinha sido curta e isso nos era motivo de abrir os olhos. Assim transcorreram os primeiros meses do ano, sem mudanças ou acontecimentos mais importantes. Nossas vidas percorriam o curso normal a não ser a tristeza por ver a tia, dia a dia mais distante fisicamente de nós. Seu estado de saúde [153] Experiências de um Leigo inspirava tantos cuidados que foi instalado um microfone ligado diretamente de seus aposentos ao templo, para que ela falasse sem sair do seu quarto. Eu via em tudo, prenúncios de mudanças bruscas. Em março, apesar de recém-casado, eu começava a sentir, de vez em quando, um frio na coluna que me fazia sentir uma angústia muito grande, me colocando num estado de tensão e alerta. Certa noite estávamos eu e Tavares na casa de Sonia e Batista. Conversávamos sobre a Doutrina, quando senti uma projeção22 muito forte. Em pouco tempo estaria incorporado. Era Pai Benedito, que nos saldou com o tradicional salve Deus. Em poucas palavras nos prenunciou fortes acontecimentos. Tínhamos que nos preparar para as mudanças que em breve ocorreriam em nossas vidas missionárias. Ficamos todos muito preocupados com o conteúdo daquela mensagem. O impacto foi geral e não tanto pela mensagem em si, mas porque vinha de encontro ao que cada um há algum tempo 22 Projeção é o fluxo de força emitido por uma entidade ou um espírito em direção a um médium receptor. [154] Experiências de um Leigo sentia. Trocamos algumas palavras, alguns comentários e em breve nos despedíamos na intenção de buscarmos o sono reparador. Fiz meu pequeno ritual e me preparei para dormir. Tive nessa noite um desdobramento23, onde tudo começava a ficar mais claro. Eu estava numa grande sala, na qual parecia estar acontecendo uma comemoração, pois pessoas bem vestidas estavam ali, muitas das quais eu conhecia, como se comemorassem algum acontecimento. Em um canto daquela sala, conversávamos assuntos doutrinários e em determinado momento eu me afastei em busca de ficar sozinho. Eu me sentia inquieto e por isso, agitado. Enquanto todos ali pareciam descontrair-se, eu me via em apuros incomodado por algo que não conseguia saber de mim mesmo. Vez ou outra, fixava meu olhar na direção da porta de entrada, pois estava em mim a sugestão de que a qualquer hora, alguém chegaria e entraria por aquela passagem. 23 Tipo de transe mediúnico onde o médium não perde a noção do físico, o que a princípio causa sensações de efeito físico desagradáveis. [155] Experiências de um Leigo Minha suspeita não era infundada. De repente notei que a porta se abria e um homem, vestido de franciscano com a cabeça coberta por um capuz, segurando um cajado caminhava em minha direção. Ele caminhou parecendo não querer ser notado. Dava mostras querer se esconder de todas aquelas pessoas naquele salão. Era estranho por que somente eu o notara. As pessoas ali não se davam conta daquela imagem caminhando lentamente próximo das paredes, evitando passar no meio delas. Ele caminhou discretamente e à medida que circundava aquele enorme salão, obediente ao arquiteto, que desenhara as dependências daquela casa, veio ao meu encontro. Meu coração acelerou. Batia fora do ritmo e meus pensamentos eram tomados de ansiedade e angustia antecipada. Eram estranhas aquelas sensações, para mim, vindas do nada, pois, nada sabia ou podia prever do que aconteceria. Enfim, após algum tempo ele se aproximou de mim. Ao chegar foi logo dizendo: - Meu filho, preciso vos falar. Peço que me acompanhes. [156] Experiências de um Leigo Eu tentava ver aquele rosto meio escondido e ofuscado pela sombra daquele capuz que o escondia. Observei-o procurando descompô-lo, mas suas palavras eram para mim, como uma ordem e eu somente me pus a obedecê-lo. Sua voz era doce e grave. Diria que a sonoridade acalmaria os mais acometidos de loucura. Nela havia algo sublime e familiar, como se a conhecesse ou se sua entonação me fizesse despertar, distante, lembranças guardadas por mim. As pessoas continuavam ali, esquecidas de nós, arrumadas socialmente em pequenos grupos a palestrar assuntos que não eram do meu interesse. Parecia que estávamos invisíveis a elas. Saímos caminhando, fazendo curvas para nos desviar daquelas criaturas até que saímos dali por um corredor estreito. Após um longo percurso, paramos diante de uma porta larga, que se abriu com um simples toque de um de seus dedos. A minha frente uma linda paisagem se apresentou. Uma grande planície se perdia no horizonte. Sobre aquela terra, uma grama muito verde parecia [157] Experiências de um Leigo caprichosamente colocada por grande maestro de jardinagem do espaço, assemelhando-se a um tapete esverdeado; Em toda parte, ovelhas pastavam tranquilamente, com seus pelos de uma alvura intensa parecendo flocos de algodão. Tudo era muito bonito e o perfeito havia passado por ali. Encantado pela visão, esqueci-me dele. O céu azul cobalto se estendia como um espelho a refletir claridades incomuns; nuvens poucas se espalhavam distantes uma das outras numa atitude discreta. Ali e acolá uma árvore bonsai fazia-se notar pela diagramação perfeita, como se mãos hábeis tivessem feito poda cuidadosa e consciente. Fiquei ali estático e perplexo a observar, sem compreender o que meus olhos registravam, ao lado daquele homem que também contemplava o esplendor daquele quadro. Passamos alguns minutos em silêncio e chamando-me atenção, despertou-me com as seguintes palavras: - Meu filho, essas são as ovelhas que Jesus te confiou e ele não quer que se perca nenhuma. O bom pastor não se afasta de suas ovelhas. [158] Experiências de um Leigo E num movimento em câmara lenta, entregou-me o cajado que carregava consigo, colocando-o em minha mão direita. Despediu-se com um salve Deus. Fiquei ali parado por mais algum tempo, perplexo pela beleza daquele quadro e daquelas palavras que provocaram em mim um estado de emoção geral. Segurava o cajado que alcançava acima da minha cabeça uns dois palmos e notei que seu aspecto era bastante antigo, como se tivesse sido feito de uma madeira velha, já bastante usada. Decorava-o linhas finas e alongadas e entre elas um claro escuro deixado pelas marcas do tempo. Aquela visão, aos poucos foi se desfazendo e quando dei por mim, estava sentado em minha cama, ofegante, como se estivesse com falta de ar. Assustado procurei o interruptor para trazer luz aquele ambiente. Não o encontrei. Estava desnorteado. Então procurei por socorro chamando por Sinval que dormia ali perto e que me atendeu. Sim, aquele homem em espírito tinha sido Francisco de Assis. Aquela visão tinha sido impressionantemente real. Não se parecia com um sonho. Ficou gravado em [159] Experiências de um Leigo minha mente o tom de suas palavras e a expressão profética, como a querer falar-me de um futuro próximo que me aguardava. Ovelhas; rebanhos, Jesus... Tentei adivinhar. Só podiam ser os pacientes que as entidades atendiam comigo, como apará, Associei tudo aquilo de um modo que queria, bem satisfatório às minhas conveniências. No outro dia contei para Batista e Sonia... [160] Experiências de um Leigo AQUELE PERFIL ME DESAFIOU. ENTÃO ME ARMEI CONTRA ELE Meus filhos, vocês não sabem o que eu passei. Só eu e o Pai Seta Branca, e, se não fosse minha confiança ser tamanha em Jesus, não teria resistido a tudo que vivi. Por isso que digo hoje a vocês que, embora o caminho de vocês seja o mesmo caminho que trilhei, vocês não sofreram como eu sofri. Eu tive que me arrebentar sozinha para descobrir o meu caminho, apesar de toda a minha clarividência, que não me ajudava em nada naquela ocasião, só me trazia dúvidas”. Tia Neiva. Salve Deus mestres. Vamos elevar nossos pensamentos aos mundos encantados dos Himalaias, aos nossos ancestrais, buscar a sintonia dos grandes iniciados em Cristo Jesus. Vamos mentalizar nossos mentores, Pai Seta Branca, Pai João de Enock, Pai Zé Pedro, Tiãozinho, sempre pedindo que nos cheguem as luzes do céu para as nossas evoluções, o nosso bendito aprendizado de cada dia. Vamos buscar as bênçãos do sol, rei da vida, da lua, das matas, das grandes florestas, de cachoeira, dos grandes rios, das campinas verdejantes, onde correm soltos os ventos, do lavrador em sua choupana, do veleiro no mar distante, para que possamos trazer as bênçãos dos anjos e santos espíritos e distribuí-las onde houver necessidade: à mãe longe dos filhos, aos órfãos de pais vivos, [161] Experiências de um Leigo nos hospitais onde gemem e choram os que ainda não sentiram em seus corações o olhar redivivo de nosso senhor Jesus Cristo. Meus irmãos, tudo que nos acontece tem uma razão de ser. A vida sempre se revela cheia de acontecimentos e situações que têm a função de nos trazer o aprendizado, o conhecimento e a evolução de nossos espíritos, pois esse é o primeiro mandamento do universo: expansão. Temos que dar o nosso testemunho porque é assim no céu como na terra, como nos dizia Jesus, e temos comprovado isso em nossa própria carne. Sempre temos que pagar o nosso preço por aquilo que adquirimos, seja aqui na terra ou no plano dos espíritos iluminados. E os nossos mentores agem sempre na sagacidade de seus poderes, na amplidão dessa imensa sabedoria, em suas missões junto a nós, se apressando para que tudo saia perfeito e para que o preço que tenhamos que pagar seja o mais suave possível. Tudo que nos chega vem de um plano superior; tudo é um grande investimento onde os nossos mentores apostam alto em nosso sucesso, na realização [162] Experiências de um Leigo do homem na lei de auxílio, onde está a felicidade, dando sem nada receber, porque nesse campo, não há negociação, como também não pode haver este tipo de interesse. Caso isso aconteça, tudo se afasta de nós, nos deixando à mercê dos nossos próprios desatinos, deixando que nossas feridas sangrem sem o bálsamo dos grandes iniciados... *** Lá fora a noite avançava como se fosse uma imensa orquestra regida por um grande e perfeito maestro. Estava fria, bonita e ao mesmo tempo, triste e melancólica, como há muito tempo não se via. A lua, grande homenageada daquela sinfonia, reinava absoluta no céu e parecia velar cuidadosamente por tudo que naquela terra existia como se fosse uma mãe zelosa no cuidado de sua cria. As estrelas faziam uma corte entoando em silêncio, cânticos de harmonia acompanhando como um cortejo os caminhos por onde certamente ela teria que passar. A [163] Experiências de um Leigo noite avança rumo ao infinito. Sentado em uma pedra, próximo à Casa Grande eu acompanhava como se estivesse em intensa vigília, aquele cortejo de amor, que irradiando suas luzes, beijava a nossas faces, nos acariciando os corações e acalentando nossas esperanças nos dias vindouros. Vez ou outra, uma suave brisa nos tocava a face, aumentando a sensação de frio naquela noite. Ali perto muitas árvores se erguiam organizadamente e agradeciam contentemente àquele sopro com o balançar de suas verdes folhas, tão alegres por todo aquele esplendor da criação, presente aos olhos e aos corações de quem pudesse ver e sentir. Longe, no horizonte, um grupo de grandes nuvens parecia dormir, atreladas umas nas outras, cansadas que estavam pelo seu eterno vai e vem, sempre levando vida em forma de água, de gotas a todos os pontos dessa terra, formando um quadro que só o amor de Jesus poderia nos proporcionar. Debaixo desse magnífico cenário, e também fazendo parte dele, o movimento nesse dia era intenso no Vale do Amanhecer: médiuns iam e vinham a todo o momento. [164] Experiências de um Leigo Uns apressados, atrasados que estavam para o seu trabalho no templo; outros caminhavam preguiçosamente somente a olhar e fazer parte daquele movimento aparentemente desordenado. Velhos e jovens misturavam a força da juventude com a experiência dos anos vividos, sempre cheios de lutas e sacrifícios; assim era o templo: alguns se colocavam em prece aos mentores, outros caminhavam desarmonizados e atuados pelos nossos irmãos que ali chegavam nessa triste intenção. Outros mestres carregavam suas capas, já de volta para casa, depois do trabalho realizado. Víamos em suas faces o retrato fiel da realização; as ninfas, passavam com suas indumentárias e seus pentes coloridos nas enormes filas magnéticas que vagarosamente caminhavam por todo o templo, emanando tudo com mantras lindíssimos, cantadas por suas vozes nem sempre arranjadas, mas sobre os auspícios dos bons pensamentos, pela aura que tudo harmonizava. Dessa forma toda essa massa de médiuns se misturava com os visitantes que quase em desespero, ou já tomados por ele, [165] Experiências de um Leigo procuravam ali um alívio para suas dores e seus conflitos estampados nas marcas de suas faces, como retrato de tudo aquilo que viviam e viveram. Sim, seus rostos nos diziam tudo. Muitos já haviam passado por vários lugares e aquela era a sua última esperança de alguma melhora. Assim vivia o Vale naqueles distantes dias, onde era grande nossa atividade: aulas, trabalhos, consagrações, tudo concorrendo para a nossa preparação, para o nosso aperfeiçoamento, para os dias que se anunciavam decisivos, e ainda na manutenção da lei de auxílio. Nesse dia eu estava no Vale do amanhecer, sentado no banco em frente ao quadro de Tiãozinho, e pensava no desdobramento que tivera com o franciscano. De olhos fechados meu pensamento revivia cada momento daquele que parecia não querer mais sair de dentro do meu cérebro. Imagens reais. Sim, eu recordava detalhe por detalhe daquele acontecimento. De repente uma fotografia de um velho me apareceu de perfil. Não fora comum aquela visão. Abri os olhos e olhei para o quadro de Tiãozinho. Esfreguei os olhos e abri [166] Experiências de um Leigo novamente tentando enxergar o quadro de Tiãozinho a minha frente. Nada. Somente o retrato daquele preto velho fixado em minha mente como uma fotografia pregada diante de mim. - Meu Deus o que é isso!? Exclamei. O que está acontecendo? Contudo, nada que pensasse ou fizesse apagava aquela imagem que parecia não querer mais se despregar do meu cérebro. Pedi ajuda. Rezei... Até que ela desapareceu. Saí dali correndo. Cheguei à lanchonete, peguei um café e me sentei num banco de cimento que emoldurava a parte de fora daquele lugar. Pus as pernas para o lado de fora e fiquei a pensar. Conversando comigo mesmo, na tentativa de me entender, interroguei-me: Tive medo. Será medo? Que sensação é essa de apavoramento. Então pensei: - Não sou médium? Estarei desequilibrado? Pelas sensações em mim só pode ser interferência. Sim é, confirmei a mim mesmo. Só isso explica essa alteração de preocupação e mal estar. Sim mestres, concluí precipitadamente e aceitei a minha conclusão. É muito perigoso quando, ao [167] Experiências de um Leigo analisarmos uma questão, fechamos um raciocínio e concluímos. E aquela conclusão me custaria muito caro, muitos sofrimentos e vexames. A verdade é que depois daquele transporte com Pai Seta Branca na roupagem de Francisco de Assis, não tive mais sossego, nem de dia nem de noite, nem em casa nem em lugar algum. Aqueles fenômenos me seguiam e pareciam estar dentro de mim. Então onde eu fosse lá estariam eles a me infernizar o juízo e a me tirar o equilíbrio. Assim iniciou-se aquele segundo ciclo, prenunciando a minha loucura. Pensei em mim. Eu que tinha chamado de ciclo infernal os primeiros sete anos, 1975 a 1982. Agora que o inferno começaria. Então meus pensamentos se precipitavam: - Meu Deus eu não tenho direito a um minuto de paz. Não tenho descanso. Minha vida. Que será de minha vida? Que fiz eu? Pensava: devo ter sido um daqueles sacerdotes judeus que tramou contra Jesus... Logo contra ele. Agora estou frito... Contudo, nessa noite tive uma boa notícia. Adriana aceitou me namorar. Fiz festa e me senti bastante feliz. [168] Experiências de um Leigo O MEDO: SAGA DOS DESESPERADOS E AFLITOS Meu filho, Jesus me colocou ao seu lado. Venho preparálo para um futuro que se aproxima, abrindo em tua vida muitas possibilidades de realização. Não temas. Analisa tudo com prudência e serenidade. Os teus medos são somente alusões inconscientes da tua própria consciência, que ainda distante, trás em mim a esperança de te acordar. Procures não julgar, não fazer juízo precipitado sem possuir as razões reais dos fatos e acontecimentos que sucederão em sua vida. Confias em ti mesmo. Em Jesus e em teu Pai Seta Branca. É por eles que estou aqui em função de ti. Não vim para perturbar a tua tranquilidade nem roubar-lhe o pouco equilíbrio que ainda tens. O juízo que faz de mim é o que pensas a respeito de si mesmo. Espelho e imagem de tua alma. Pai Ananias das cachoeiras. Cheguei ao Vale naquele domingo, contrariado e aborrecido. Aqueles mestres tinham-me derrubado, apesar da doutrinação de Batista em meu favor, o que não me convenceu. Nós aparás somos assim: frágeis e inseguros e qualquer um que duvide de nós, acaba com a nossa incorporação. Então, ali, em pé, perto do carro, da baratinha amarela, colocava o meu colete ainda muito aborrecido e desarmonizado com a noite anterior. Aquele mestre colocou-me em apuros comigo mesmo ao questionar a minha incorporação. Teria ele razão? Fomos para aula de Tia Neiva e não foi fácil estar ali e encontrar uma sintonia. [169] Experiências de um Leigo Fiquei preso naquele momento anterior e não estava no domingo, a não ser o meu corpo. Meus pensamentos estavam no sábado à procura de encontrar o errado: eu ou ele. Só um possuía a verdade. Se fosse ele o errado estava pronto para fuzilá-lo de vibrações. Na verdade já estava fazendo isso... Acabou a aula de Tia Neiva. Veio a abertura do trabalho. Fiquei ali dentro mesmo, na parte evangélica onde, com dificuldade, tinha encontrado um lugarzinho no degrau do aledá para assistir e escutar Tia Neiva. Logo que terminou, saí dali e fiquei sentado no banco de espera dos aparás para a mesa evangélica. Terminada a abertura o comandante da mesa tocou a sineta e nos movemos para dar início ao trabalho. Sentei-me para o início das incorporações e, por coincidência, fiquei em frente ao quadro de Tiãozinho. Olhava-o com muito carinho e também estimulado para pedir-lhe ajuda. Estava desarmonizado e por isso, desajustado de tudo. Sem sintonia, recorria a ele e àquela mesa na esperança de um auxílio. Não podia permanecer daquele jeito. Mas a questão era também devido a [170] Experiências de um Leigo aquele fato sempre acontecer comigo: sim, desde a primeira incorporação já duvidaram de mim. Dali em diante parecia prática normal e eu estava já buzinando com aquela história tão repetitiva. Sei que fechei os olhos buscando sintonia com o comando e com os mentores quando de repente o pior aconteceu. Dei um grito para dentro de mim. - Ai! Meu Deus! Aquele velho de novo apareceu. Não, não é possível, pensei em quase desespero. Perdi de vez a condição de ali estar. Quis sair correndo e não podia. Fiquei em maus lençóis e as incorporações fluíam mais desequilibradas e agressivas. De um minuto para outro pensei: - Deve ser a falange dele que está passando. Sua foto a mim mostrada nesse momento é para que eu passe todos eles aqui na mesa... Esse pensamento me equilibrou, fazendo-me esquecer até do meu velho assunto, aquele bendito doutrinador, comandante dos tronos. - Isso é Tiãozinho me auxiliando, pensei comigo novamente. [171] Experiências de um Leigo - Esse perfil que estou vendo é de sofredor e ele quer se passar por preto velho. Rum... Eu vou lhe mostrar quem é mais forte... Sei que o tempo que fiquei na mesma seu perfil se grudou nas paredes do meu cérebro. Parecia rir de mim e do meu sofrimento. Contudo, era estranha e bastante confusa aquela situação por mim vivida. Parecia que via ele fora de mim, mas ao mesmo tempo como se ele estivesse dentro da minha cabeça. Aquela sensação era incômoda e me causava irritação e certo desfalecimento, como se a minha pressão fosse chegar a zero. Encerrou a mesa e o comandante pediu para os doutrinadores nos dar passes magnéticos. Assim que recebi o passe a imagem daquele Velho desapareceu como que por encanto e eu abri os meus olhos já de volta ao corpo, numa mudança brusca e violenta, voltando a ver precariamente os movimentos dos médiuns que por ali passavam. Apesar do desaparecimento daquela imagem, os meus pensamentos estavam dessa vez muito mais desmantelados [172] Experiências de um Leigo que antes. Calculei comigo que entre esse novo problema e aquele velho, preferiria o velho. Pensava no já superado doutrinador... Saí dali e não vi ninguém. Não sei como, nem por onde saí. Meus pensamentos naqueles minutos precipitavam-se, aturdidos, multiplicando-se em mil desarmonias e perguntas sem respostas, que atormentavam a minha alma. Fui para Casa Grande e lá me refugiei, pensando estar protegido e seguro. Passei alguns bons e longos minutos. Retornei ao templo e ruminava em meu pequeno cérebro, imaginando o que fazer caso aquela imagem voltasse. Estava com medo. Isso era ruim. Fui para os tronos e trabalhei por algumas horas. Saindo, fui ao Pai Seta Branca; fiz minha prece e me dirigi para o meu lugarzinho preferido, em frente a Tiãozinho. Quando me sentei que fechei os olhos lá vem o velho de novo. - Ele gostou de mim mesmo... Falei tentando desvalorizar o que estava me matando. Eu via aquele velho somente de perfil e ele começou a me falar coisas que eu não compreendia bem; dizia se chamar Pai Ananias da Cachoeira, era um [173] Experiências de um Leigo preto velho e vinha me desenvolver, me preparar para algo que no futuro eu saberia. Chegou dizendo que eu devia confiar mais em mim mesmo, que era meu amigo e coisas dessa linha que eu não engoli de primeira. De onde vinha ele? Quem é esse nagô que não me dá chance de escolher se quero ou não esses contatos e simplesmente me arrebata do corpo como se eu não tivesse vontade, escolha? E que conversa é essa que ele tem comigo? Porque tudo isso está acontecendo justamente comigo? Será que estou desequilibrado, obsidiado? Será que ele é meu cobrador? Desconfiado comecei a conversar com Sonia, Batista e Tavares sobre o assunto. Eles acharam normal. Tavares agora estava um pouco mais distante, mas nos víamos sempre. Ele tinha assumido novas responsabilidades no Vale e isso estava lhe tomando quase todo o tempo. Certa noite eles levantaram a questão daquele perfil que sempre me aparecia. Aconselharam-me que intensificasse minhas atividades no templo e fizesse todos os trabalhos. Eu estava meio ausente, meio dividido entre os trabalhos e namorar. [174] Experiências de um Leigo - Sim farei, disse a eles. Retornarei a minha frequência e vou acabar com essas loucuras que estão quase a me desequilibrar por completo... Eu quero ser somente um apará. Incorporar meus nagôs e nada mais. Essa é toda a minha ambição. Não desejo nada além. O Pai sabe disso. Pois, que ele me ajude a acabar com essas alucinações e maluquices. Quanto aquele espírito que se faz passar por preto velho e se chama Pai Ananias, eu vou resolver isso. Vou falar com Tia Neiva ela é a única pessoa nesse mundo que pode me ajudar. Procurei, de fato, falar com tia Neiva por mais de dois ou três meses e não conseguia. Ela estava impossibilitada pelos médicos. Sua pouca saúde estava ameaçada e todas as atividades dela foram suspensas. Ela já não ia tanto ao templo. Fizeram, inclusive, uma ligação do microfone da Casa Grande para o templo, assim ela dava suas palestras, agora, da Casa Grande. - Que coisa! Pensava comigo mesmo. Só pode ser coisa feita por espíritos sofredores. Até Tia Neiva eles conseguiram [175] Experiências de um Leigo isolar de mim. Meu Deus me ajude. Estou realmente preocupado e agora só. Certa noite deite-me e logo me pus em prece. Rezei para todos santos e pretos velhos que conhecia. Procurei não pensar em nada e fiz uma técnica de relaxamento. Aquela que começa assim: eu não estou sentindo o meu pezinho, nem o meu calcanharzinho, nem o meu joelhinho... Enfim, até chegar para a cabeça, pensei, já estou no sono amarrado. Muitos minutos se passaram e não conseguia dormir. A técnica falhou e falhei eu. De um momento para outro, vi no canto de cima da sala, perto do telhado, uma fumaça meio fluorescente em movimento giratório. De repente aquela fumaça foi se transformando numa imagem esculpida por mágica que eu não podia saber. Era um trono em forma de cadeira comprida, toda dourada. Imaginei ser de ouro. Nela tinha desenhos estranhos entre a cor vermelho e azul Veneza. Um homem de busto nu, com uma das mãos na cintura e outra presa ao corrimão da cadeira mostrando-se arrogante e prepotente. Para completar, enfeitava-lhe a cabeça uma coroa crescida em forma cônica [176] Experiências de um Leigo tendo ao centro daquele ornamento a figura de duas serpentes entrelaçadas. Por fim, ele olhava como a me desafiar. Naquela correspondência de olhares, pensei, subitamente: - Não, eu não posso estar ali; não sou eu! Eu estou aqui. Somente nesse momento percebi que estava com os olhos fechados. - Meu Deus! Dei um pulo e fiquei de pé. Agora mais calmo pude respirar. Quando olhei para baixo, vi que estava deitado com os olhos fechados que parecia dormir. Minha respiração era novamente ofegante, como a me faltar ar nos pulmões e minhas mãos, presas ao corpo, pareciam paralisadas. Tentei gritar e consegui. Acordei com Sônia Batista e Joana em cima de mim. - O que houve Chico!? Sim mestre era a imagem de um Faraó Egípcio, que surgiu ali do nada. Naquela noite só consegui dormir depois de algumas xícaras de chá de camomila. Sonia achou aquilo o máximo. Impulsivamente perguntei: - Você é doida? [177] Experiências de um Leigo - Chico você está vendo. Você está abrindo a vidência! Tomei a palavra da boca dela e disse que não repetisse isso novamente: - Eu não quero. Eu quero a minha vida e não vou abrir mão disso, entendeu! Sim mestre eu negava terminantemente e relutava até o fim de minhas forças para não aceitar aquela ideia. Dentro de mim, sabia que no dia que aceitasse eu estaria frito. Algo me dizia dessa maneira minha vida iria embora, escorregando pelas as minhas mãos. [178] Experiências de um Leigo A VITÓRIA NO TRABALHO DE PRISÃO Filho, acorde do teu pesadelo. Tudo que estás vivendo é real. Nem tudo que se nega, se tem o direito de negar. Sem evidências para negar, não se pode desejar o equilíbrio. Tens visão espiritual. Não deves negá-la. O próprio produto da tua negação será a tua sentença, levando-o aos desequilíbrios e aos vexames da tua descrença. Cuida do teu padrão mental. Ele visita, nesse momento, regiões perigosas. Cuida de teus pensamentos antes que enlouqueças a ti e aos outros. O nosso tempo está acabando. É melhor que compreendas e aceite por mim, do que pelos sofrimentos causados pela sua falta de consideração consigo mesmo. - O senhor está me deixando louco. Disse a ele. - Sim filho e se não cuidares disso, estará em breve num sanatório. .- Se eu for, retruquei, o senhor estará numa cama ao meu lado. - O teu desamor por ti mesmo enlouquece a tua mente e faz da sua inteligência, um estado de negligência. A tua falta de fé e amor está o levando à demência a tua alma. Confia meu filho. Confia em ti mesmo. Estamos ainda em janeiro de mil novecentos e oitenta e quatro; eu estava noivo e de casamento marcado. Adriana estava grávida de Nayara e estamos, apesar de tudo, felizes. Naquele mês aquelas visões continuaram acontecendo e aquele último fenômeno me trouxera uma imensa angústia; depois do que vira, além das dúvidas, que fervilhavam em minha cabeça, uma tristeza e uma vontade de chorar infinitas se colocaram em meu coração e isso me preocupara seriamente. [179] Experiências de um Leigo Nas primeiras visões que aconteceram, pensei que aquilo não se repetiria, que era devido ao meu estado de mediunização, necessidade de mais trabalho ou algo relacionado a isso. Mas depois desse dia eu pensei em procurar Tia Neiva novamente, pois estava se tornando repetitivo, preocupante. Eu não queria aquilo e só ela me ajudaria... Já estava muito incomodado e seu esclarecimento com certeza me tiraria daquele estado, já muito inseguro e apreensivo. Nessa mesma noite tentei ainda falar-lhe, o que foi em vão. Recebi a mesma resposta de sempre: ela estava muito doente e o acesso fora vetado por seus assessores, na intenção de poupá-la, de protegê-la, pois, seu quadro de saúde não era bom e inspirava muitos cuidados e prevenções. Saí desarmonizado. Já sei disso... Aliás, fora recomendação dos médicos que ela não recebesse visitas a não ser dos familiares próximos. Eu, por meu lado, já começava a ficar cismado com aqueles fenômenos e lembrava que ela sempre nos advertiu que tivéssemos cuidado com as visões; médiuns em desequilíbrio [180] Experiências de um Leigo constantemente fabricam suas próprias imagens, pois elas são fruto das falsas projeções de sua mente em desarmonia. Mas o fato é que eu estava só, pois naquele momento a única pessoa que podia me ajudar, me oferecer uma palavra de esclarecimento, de auxílio, me tirar daquela cisma ou confirmar aqueles acontecimentos estava inacessível... Em poucos dias eu caminhava meio confuso e desequilibrado pelas visões que começavam a se repetir inesperada e descontroladamente; andava triste de um lado para o outro, buscando insistentemente conversar com Tia Neiva, pois não custaria tentar um ‘pé-de-orelha’ como chamávamos. Em vão fiz muitas tentativas de encontrá-la, contudo, cada pessoa que procurava, me negava essa oportunidade. Eu saía sempre frustrado e aborrecido, embora, eu soubesse que aquela atitude era para o seu bem. Na verdade, eu, na ânsia de um esclarecimento, em meu desequilíbrio, em minha solidão é que estava sendo inconveniente e inoportuno. Sabia, no fundo da alma, que chegara a hora de sua partida, de seu [181] Experiências de um Leigo desencarne. Estava chegada a hora do grande teste para cada um de nós, e geralmente esse teste vem pela dor, que naquele momento era a partida de Tia Neiva, pois não tínhamos mais o direito de impedir que ela migrasse para a sua pátria espiritual, seu verdadeiro lar, junto daqueles que constituíam sua verdadeira família, pois sofríamos vendo seu penar... Agora eu estava só. Agora todos estavam sós. O que seria dali em diante? Como seria sem ela, nossa mãe em Cristo Jesus? Essa era pergunta que todos faziam, e ao mesmo tempo, cada um, silenciosamente, pedia em seu mundo interior que ela fosse embora, pois já havia sofrido demais com a complicação do seu sistema respiratório. Suas dores eram imensas e a coordenação de suas ideias já não era a mesma de outros tempos. Faltava-lhe oxigênio no cérebro e ela vivia praticamente o tempo todo fora do corpo, num estado de inconsciência, e poucas eram as vezes que retornando ao físico, se mostrava com alguma lucidez. Mas, voltando ao meu mundo, meu drama particular, implorava a todo minuto que corria, aos anjos que afastassem [182] Experiências de um Leigo de mim aquelas visões que começavam a me chegar e me desajustar sem que eu pudesse, de algum modo, me defender. Não conseguia entender o porquê de elas me fazerem tão mal, já que outras visões haviam acontecido sem que me causassem o que aquelas últimas haviam causado. Porque elas tinham o poder de me desajustar tanto, de me tirar da sintonia dos trabalhos, de me fazer chorar? A minha conclusão parecia lógica, e acho que todos teriam a mesma resposta: força negativa dos meus obsessores ou falanges que queriam me desequilibrar por completo, me fazer passar por ridículo, por louco ou qualquer outra coisa, menos, me trazer algo de positivo como ele, o velho, dizia. Foi isso que pensei. Entretanto esse pai Ananias, que se faz passar por bonzinho, que se diz meu amigo e se faz passar por preto velho iluminado, cheio das boas intenções, é um obsessor e, portanto, quer me arruinar. Não devo cair na sua conversa mole e entrar na sua sintonia, pois é isso que ele deseja e para isso trabalha. Mas de hoje em diante, como já sei, já descobri sua origem, vou trabalhar para afastá-lo [183] Experiências de um Leigo definitivamente já neste início, antes que ele tente se aproximar cada vez mais de mim. Esse pensamento sempre me chegava como um sopro divino e me abria nos lábios um largo sorriso de confiança. Não será difícil vencê-lo, afinal sou um 5º Yurê de Pai Seta Branca. Tenho à minha disposição todas as armas de Koatay 108 e o poder dessa doutrina é imensurável. Coitado dele! Pensa que vai me pegar, no entanto sou eu que vou pegá-lo primeiro. Ele com toda sua esperteza não sabe que está mexendo em casa de marimbondo, e quando descobrir vai sumir para bem longe de mim. Nesse pensamento respirei aliviado, prometendo para mim mesmo, trabalhar sem descanso para afastálo. Armei-me então de grande segurança e das armas que pude. Comecei a usar o anel do Pai Seta Branca, a pulseira consagrada por Tia Neiva, o meu talismã de Koatay 108 preso no pescoço; preso a outra correntezinha, outra imagem do Pai Seta Branca. Na minha carteira de bolso, daquele dia em diante, não faltava um retrato de Pai João, de Tiãozinho, de Tia Neiva; do outro [184] Experiências de um Leigo lado, minha fita mediúnica, escondia-se entre muitos documentos, ao lado da palhinha da bênção do Pai. Como se não bastasse, comprei duas estrelas e colei no para-brisa do carro como proteção também para o meu meio de transporte. Pronto: estava protegido! Sentiame pesado como uma árvore de natal, contudo, confiante, decidido e seguro nos meus objetivos. Pensava que nada me atingiria agora. Em seguida a toda essa preparação, passei nos tronos, tomei minha bênção com um preto velho de verdade; contei minha história a Pai Tomás, que me aconselhou a realizar um trabalho de prisioneiro para aquele espírito que estava em minha aura. Aquela comunicação coroou-me de alegria. Agora é que ele está frito mesmo. Porque não pensei nisso antes? Despedi-me dizendo: - Obrigado meu pai, Jesus lhe pague. Ele retrucou baixinho, como sabendo de tudo que acontecia: - Vai fio, eu te ajudarei... [185] Experiências de um Leigo E assim foi feito. Assumi a prisão e dia após dia, bônus após bônus, caderno por caderno, trabalhei com afinco, dedicação e confiança no afastamento daquele obsessor que vinha dos mundos negros na intenção de me fazer o mal a todo custo. Foram quinze dias de uma maratona sem descanso, cinco mil assinaturas somadas à esperança e confiança de me desfazer daquele implacável cobrador a me perseguir. Os resultados, graças a Deus, não demoraram e começaram a aparecer... Já se fazia uma semana que havia me libertado no trabalho de Aramê24 e desde 24 No período de sua Prisão, mestres e ninfas ficam sob a ação dos cobradores, o que os leva a um estado mais sensível e irritadiço, além de achaques e perturbações físicas que aparecem nessa fase. Os espíritos, perdidos no ódio, na vingança, nos rancores, chegam ao recinto do trabalho já emanados pela Espiritualidade Maior, que os mantém contidos durante todo o período da Prisão. Apenas têm o desejo de cobrar por todo o mal que lhes foi feito, mas seu ódio já está enfraquecido pela emanação de amor que lhes chega, contentandose, então, em verificar se houve realmente transformação, uma verdadeira mudança de sentimentos, em seus algozes do passado, e se satisfazem com uma cobrança muito reduzida. Este mínimo cobrado é que tem que ser satisfeito pelo médium durante seu trabalho de Prisão. Com amor e humildade, o médium prisioneiro deve colher seus bônus e trabalhar o máximo que puder na Lei do Auxílio, aceitando, com tolerância, as dificuldades que lhe forem criadas pelo cobrador nesse período. Ao se iniciar o Aramê, todos os nossos cobradores se fazem presentes, ficando contidos pelas redes magnéticas lançadas pelos Cavaleiros Verdes. Ali está, também, toda a energia recolhida pelos bônus, separados médium por médium. Essa energia tem que ser classificada, separada, manipulada e depositada de acordo com cada prisioneiro e seu respectivo cobrador, porque cada um receberá de acordo com seu merecimento. Os Pretos Velhos fazem a primeira manipulação da energia concentrada pelos cantos e emissões da abertura do trabalho, unificando e filtrando as forças. O canto do representante do 1º Cavaleiro da Lança Vermelha projeta uma intensa força desobsessiva que ilumina as mentes dos cobradores, eliminando a ação negativa de outros espíritos desencarnados. Em seguida, os Caboclos e os Cavaleiros de Oxóssi projetam poderosa força que vai permitir aos cobradores abrirem seus olhos e enxergar, pela primeira vez, após tantos séculos de escuridão. Com a Contagem, os cobradores recebem as forças recuperadoras de seus sentimentos, de sua razão, fazendo com que perdoem aqueles que julgavam ser seus inimigos, e, pelas Elevações dos Doutrinadores, são conduzidos para planos espirituais superiores, onde são recolhidos em albergues e hospitais para sua recuperação e posterior continuação de suas jornadas. O Aramê é um trabalho onde a libertação de prisioneiros é feita em grupos, uma vez que se caracteriza por faltas cometidas em coletividades, isto é, combates e campanhas que envolveram o desencarne de muitos inocentes e indefesos, em demandas territoriais, pelas ocupações violentas, questões de terras e posse de bens materiais, sem a característica de confrontos pessoais, transcendentais, que devem ser resolvidos no Julgamento. No Aramê, de modo geral, o espírito só conhece aquele que foi sua vítima do passado no momento do reencontro, porque não havia individualização nos confrontos. Reis, nobres, governantes, generais, senhores de engenho e outras figuras de destaque e de poder, empenhados em suas ações guiadas pela ambição, pela vaidade e pelo orgulho, devastaram plantações e povoados, mataram ou mandaram matar milhares de pessoas inocentes, cuja única falta foi estarem atravessados em seus caminhos, ocupando habitações e terras objeto da cobiça desses poderosos, o que lhes custou perseguições, violências e [186] Experiências de um Leigo então nunca mais tinha tido aquelas visões nem avistado aquele perfil que parecia rir de mim, dos meus conflitos e de minha desarmonia e do meu estado de desespero. Sim, tudo havia terminado pelas bênçãos de Deus e de Pai Tomás. Novamente sentia-me bem e vitorioso, como se houvesse dado uma demonstração do meu conhecimento, da minha força e do poder absoluto da doutrina, orgulhoso daquela conquista, daquela vitória. O mais importante é que dedicara ela aos amuletos e souvenires que carregava comigo, elogiando os seus poderes mágicos, dando a eles a função de proteção e de amparo, lhes atribuindo também o mérito pela resolução daquele caso, sentindo-me impenetrável e sábio por tudo que acontecera. No meu silêncio, superior e vitorioso, pensava onde estaria aquele coitadinho: desejo que Pai João, Pai Zé Pedro e Pai Zambú olhem por ele, coloquem o amor morte. No Aramê se juntam grupos de combatentes e perseguidores de uma mesma época, de uma mesma campanha, com o objetivo de obterem o perdão e a consequente libertação de suas vítimas. Isso deve estar bem claro para o comandante do trabalho, especialmente no que diz respeito à fase final, na hora da Contagem, que deve ser voltada para o esclarecimento e iluminação das mentes dos que ali estão, encarnados e desencarnados, visando obter o perdão daqueles que ficaram perdidos, por tanto tempo, no ódio, no rancor e na vingança. [187] Experiências de um Leigo em seu coração para nunca mais fazer coisas desse tipo a ninguém... Nessa noite dormi na casa dos meus Pais. Deitei-me na cama e senti meu corpo, e minha mente, realmente meus, como há muito tempo não sentia. Fiz minha preparação para dormir e fui embora. Não demorou muito, acordei esbaforido dando um pulo da cama e caindo de pé armado para brigar, matar o que necessário fosse. Aquela reação natural foi calçada por um grito de Sinval. - Tá louco cara!? Chico! Que barato velho... Enquanto isso eu puxava o ar pelas narinas tentando reter a minha raiva e me acalmar. Sinval teve uma visão com o meu espírito. Disse ele empolgado com a sua visão e não com o que vira. Depois ele explicaria: - Chico ele era lindo, translúcido parecendo ser de água cristalina, bem clara, flamulava sem que eu sentisse nenhum vento, e voava pelo quarto. - Salve Deus! Pensei. Esse camarada é doido. Vai dormi sujeito! [188] Experiências de um Leigo Perdi o sono e ele em minutos ressonava ao meu ouvido parecendo um anjinho. - Eu mereço, pensei... [189] Experiências de um Leigo OS CARROS QUEBRADOS Meu filho, os caminhos da vida parecem estranhos para ti nesse momento de sua existência. Mas deves analisar tudo não com o seu cérebro, mas com a razão da tua inteligência transcendental. Com o teu cérebro, tudo que podes é comandar este veículo. Mas precisas mais do que isso. Precisas assumir o comando da tua vida universal e para isso, deves se abrir para tua individualidade. Somente ela poderá te explicar e trazer-lhe as respostas que necessitas. És um veterano espírito. Tua estrada não iniciou aqui, agora, mas esperamos que tenha um novo reinício e possas alcançar a luz do teu imortal espírito que transcende, mesmo, a capacidade da tua imaginação. Agora acalma teus pensamentos e equilibre o teu sentir. Lembre-se: a quem muito é dado, muito serás exigido. Pai Ananias das Cachoeiras. Enfim eu estava livre, graças ao meu Pai Seta Branca. Havia quinze dias que me livrara daquele suposto obsessor. Sim, depois da prisão que eu assumira, tudo havia mudado e eu, graças a Deus tinha vencido. No trabalho de prisão temos que colher assinaturas, que constituem os nossos bônus25 que, levados ao Aramê, ou julgamento, irão promover a nossa libertação. 25 Segundo Mateus (VI, 19-21), Jesus disse: “Não queirais entesourar para vós tesouros na Terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no Céu, onde nem a ferrugem nem as traças os consomem, e onde os ladrões não os desenterram nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, aí está o teu coração!”. Bônus são o nosso tesouro, nossa riqueza que depositamos no Céu. São o resultado dos trabalhos espirituais e, com eles, o médium dá condições a seus Mentores para que estes possam lhe ajudar. Não é um pagamento, na concepção que temos, mas sim algo que nos é dado pelo amor com que nos entregamos às nossas atividades na Lei do Auxílio. A Espiritualidade executa o trabalho por nosso intermédio e nos vai creditando bônus-horas, créditos espirituais que resgatam, em parte ou no todo, as dívidas que temos desta ou de outras encarnações. Os bônus são pequenas células de energia vital que vão se desagregando de um para o outro, fortalecendo nosso Sol Interior, rejuvenescendo nossas células. Quando um espírito encarnado começa a cometer desatinos e enveredar por tristes caminhos, prejudicando a si mesmo e àqueles que estão ao seu redor, a Espiritualidade faz o leilão daquele espírito, isto é, ele é acolhido pelo irmão Inluz que der o maior lance, em bônus, e passa a escravo de grandes lideres das Trevas, sendo seu desencarne provocado antes do tempo previsto. Os bônus entregues em pagamento enfraquecem aquele que o adquiriu e são usados para resgatar outros espíritos que tenham cumprido suas penas no Vale das Sombras. Quando, no trabalho de prisioneiros da Espiritualidade Maior, recolhemos bônus no Livro do Prisioneiro, devemos fazê-lo com muito amor, tolerância e humildade, para que estes bônus possam ajudar na libertação. [190] Experiências de um Leigo Nesse período o seu obsessor está sempre a lhe observar, sendo sempre acompanhado pelo seu mentor. Assim eu fiz. Foi uma grande maratona da qual eu saíra vitorioso. Graças a Deus eu voltara a ser o médium normal que sempre fora: equilibrado e confiante nas minhas coisas, nos meus fenômenos mediúnicos, que se resumia à minha incorporação que já era problemática demais. Pai Tomás estava certo e eu estava novamente livre... Agora eu iria voltar à minha rotina, pois eu, Sonia e Batista sempre fomos muito trabalhadores, muito assíduos aos rituais do templo. Pelo menos três dias da semana estávamos no Vale, em todos os trabalhos que podíamos. Mas, ultimamente, aquelas aparições tinham-me tirado a vontade de trabalhar e nos últimos dias quase nada tinha feito além daquele Aramê, que fora minha âncora de salvação. Então resolvi agradecer por tudo que recebera. Era justo, afinal de contas eu tinha me curado e isso era para mim, o maior regozijo que podia alcançar, como também para qualquer médium que vivesse a minha situação. [191] Experiências de um Leigo Aquela era a maior bênção que alguém podia receber. Fui então trabalhar, ajudar, aliviar a dor dos aflitos que nos buscavam no templo em todos os trabalhos, dia após dia, pois eu havia sido curado e só curando eu poderia agradecer... Quarta-feira quando saí do trabalho, à tarde, já busquei minha sintonia para o trabalho oficial, que já se desenrolava. Nesse dia havia muitos visitantes e poucos médiuns e o trabalho caminhou a passos lentos e morosos, terminando somente muito tarde, só ficando no templo, poucos médiuns espalhados naqueles setores vazios. Muitos, já vencidos pelo cansaço, só observavam o trabalho dos pretos velhos que terminavam o demorado atendimento. De vez em quando se achava um resto de vela, que tentava sobreviver à fúria do fogo, que lentamente ia consumindo-a. Mais adiante, o sal tinha um gosto forte do perfume e neste último, via-se as pedras de sal que iam se misturando com o odor que ali estivera... De vez em quando o estralar dos dedos quebrava o silêncio que já ali reinava, ocupando o lugar daquela aparente algazarra de horas antes. Após o encerramento, eu saí [192] Experiências de um Leigo do templo devagar e preguiçosamente. Contudo me sentia leve e feliz, coisa que há algum tempo eu não sabia o que era. No templo fazia calor, mas a noite fria estava também escura pela falta da lua que não nos balsamizava com sua presença direta, deixando esta tarefa difícil para as estrelas que apesar do esforço não conseguiam o mesmo desempenho de sua soberana. Em pouco tempo me desenlacei das minhas armas: tirei minha fita, meu colete e as morsas26. Ainda olhei o Vale vazio, onde os últimos se preparavam para o sono merecido, caminhando a passos decididos para suas casas. Agarrado no volante, não prestava muita atenção no caminho e voava com meus pensamentos relaxadamente, olhando a densa escuridão que corria ao meu lado na janela do carro, que deslizava na estrada rumo a Planaltina. 26 Cruzes que, no uniforme de Jaguar, estão colocadas lateralmente, nas mangas das camisas e das blusas, formando um ponto de captação de energias. Recebe as forças diretamente de Tapir, e não há como realizar um trabalho equilibrado se o médium estiver sem elas. Pelas morsas chega uma força individualizada, dosada de acordo com as necessidades do trabalho e as condições apresentadas pelo médium, independente de sua vontade e não sofrendo qualquer influência, impregnação ou interferência dos espíritos encarnados ou desencarnados. [193] Experiências de um Leigo De repente, senti uma presença muito forte perto de mim. Era uma espécie de calor estranho e quando olhei para o lado vi nitidamente que não estava mais só. alguém estava comigo naquele carro, sentado no banco da frente, de passageiros. Senti um forte arrepio e minhas têmporas pularam incomodadas, como a querer sair da minha cabeça. Era ele novamente: Escutei sua voz que dizia: - Filho, precisas aprender a confiar em você. O que será de você se não confiares em ti mesmo, na sua própria força? Confiança é a base de tudo o que fazemos. Eu rapidamente desconfiei que aquilo só pudesse ser o meu implacável obsessor que se passava por preto velho: o Pai Ananias. E de fato o era. Novamente o perfil se mostrou nu, sem que a boca se mexesse, mas da qual eu escutava muitas e nítidas palavras. Pela primeira vez senti a presença do seu corpo e depois de algum tempo, o perfil desapareceu e pude vê-lo de corpo inteiro. Não me lembro de outro momento para trás, que isso acontecera. Analisei-o dentro do meu senso inteligente, ou que eu considerava inteligente. [194] Experiências de um Leigo Sim, eu era tudo menos inteligente naquela época. Pai Ananias era de média a alta estatura. Seu corpo não era muito musculoso, mas lhe dava um aspecto de forte e me apresentava um homem de uns 55 anos. Seu rosto era expressivo e grave, ao mesmo tempo em que transparecia uma meiguice e suavidade celestial. Aquela expressividade se projetava em maneira singular marcada por fortes fendas que realçava o seu nariz pelicano e muito bem modelado; seus lábios espessos sem muita distinção entre o superior e inferior, eram emoldurados por uma barba tosquiada, acinzentada compondo mais para o preto. Seus olhos negros, suavemente erguidos, despejavam ternura em profusão como a denunciar sua natureza espiritual e moral. Sobrancelhas médias e escuras, um pouco arqueadas, ornavam valorizando o seu olhar e finalmente, encobrindo parte da cabeça, um volume pequeno de cabelos encarrapichados se arrumavam com a não querer se mostrar. Era também de cor acinzentado. Pensei pela primeira vez: ele não tem jeito de mauzão. Será que todo obsessor é [195] Experiências de um Leigo bonito assim. Notei discretamente que as extremidades dos seus lábios arquearam-se para cima. Anunciando leve e discreto sorriso. Aquele repetido acontecimento me veio como uma bomba em minha mente, um abalo sísmico na minha cabeça. Olhei triste e desarmonizado, e percebi que estava novamente na estaca zero. - O senhor é insistente mesmo. Não tem nada melhor para fazer do que tirar o sossego dos outros e tentar enlouquecê-los. Despejei minha contrariedade. Lembrei-me da prisão que eu assumira e percebi que o trabalho não tinha me livrado dele, não tinha servido de nada. Então me desarmonizei por completo. Amargurado, disse-lhe que estavam me deixando louco, e que não ganharia nada com aquilo! Apelando, pedi que dissesse logo o que eu o teria feito para justificar toda aquela injusta perseguição. Que se fosse meu cobrador me dissesse e não ficasse me enrolando com todas aquelas palavras bonitas... Ele somente sorriu, o que me deixou em estado de raiva e desespero. Contudo, expressava grande ternura em seu olhar e no [196] Experiências de um Leigo seu sorrir, coisa que me jogava automaticamente no inferno das dúvidas. Lembrei-me de suas palavras: “Não se pode negar se não se tem evidências para negar”. Na verdade, sua atitude dava a legítima impressão de um adulto sorrindo de uma criança e aquilo me irritava profundamente. Por tudo que revelava, ele demonstrava que se importava comigo, e que não estava alheio ao meu sofrimento e à minha dor, embora eu nunca admitisse isso. Nessa noite, em poucas palavras me tranquilizou e conversamos mais tranquilamente pela primeira vez, ou melhor, ele conversou comigo porque o contrário não acontecia, eu somente o rejeitava. Ele procurava, por tudo que transmitia, se achegar a mim, e, eu, por minha vez, queria cada vez mais que ele fosse embora e não me procurasse nunca mais. Entretanto me disse que queria me dar uma pequena prova. Falou que eu ia passar por três carros parados, que estavam quebrados no meio do caminho a esperar socorro, e, que no terceiro carro eu parasse e ajudasse a pessoa que estava esperando ajuda. [197] Experiências de um Leigo Imediatamente achei aquilo uma bobagem e tolice difícil de acontecer, mas a partir desse momento, prestei mais atenção na estrada. Ajeitei-me no banco e não muito adiante, passei pelo primeiro carro; não me deixei convencer, afinal eram comuns carros quebrados naquele caminho; sempre, quando vínhamos do Vale, víamos alguém parado na estrada; logo adiante avistei o segundo carro. Torci-me no banco e um calor chegou-me como a querer me derreter. Afinal aquilo era uma batalha e se tivesse três carros ali, ele me venceria e isso não podia admitir. Quase chegando a uma ponte, avistei o terceiro. - Meu Deus! Pensei alto. Meu cérebro começou a rodar como se posto em uma tigela e mãos sacolejassem de um lado para outro. Assustado pela coincidência acelerei e passei como se não estivesse vendo; tive medo de parar, pois já era noite e aquele mistério todo me dava também medo e receio. Inflexível, procurei pelo resto do percurso o quarto carro, que seria a minha salvação. O quarto carro me daria a vitória sobre ele e colocaria a história dele desacreditada, mas não encontrei. [198] Experiências de um Leigo Cheguei em casa e mal percebi quando estacionei o carro, tomei o elevador e entrei no apartamento, tão envolvido que estava por aquele acontecimento. Todos já dormiam e eu tentei fazer o mesmo, coisa que não consegui. Estava novamente desarmonizado e triste, pois após quinze dias, tudo voltava a acontecer, tudo o que eu menos queria, estava de novo se realizando. Novamente a voz se fez ouvir: - Confiança filho, confiança em si mesmo. Cobri a cabeça como a querer abafar aquele som e quando dei por mim, acordei no outro dia de manhã. [199] Experiências de um Leigo NÃO SE DUVIDA DO QUE NÃO MERECE SER DUVIDADO Filho, Salve Deus. Hoje reapareço desejando-lhe harmonia e paz. Que Jesus vos abençoe. Devo dizer-lhe o que me proponho nesse momento e anunciar-vos a sua jornada nesse atual momento. Passará por três estágios, imposto pelos teus padrões mentais. Eles serão a tua sentença e definiram os seus amigos, lugares e situações. A tua primeira iniciação será a de doido. Nesse estágio, curto, você faz mal somente a si mesmo. A tua segunda iniciação será a de maluco. Nesse estágio, além de fazer mal a si mesmo, fará também aos outros e a tua terceira iniciação será na faixa involutiva dos malucos. Aí você é uma séria ameaça aos outros. Deve ser internado junto aos seus semelhantes, porque semelhante atrai semelhante. Cuida, meu filho, do teu padrão vibratório. Um sanatório é um bom lugar, mas não é para ti. Assumir aquela derrota foi duro. Mas na minha intransigência e arrogância, preso à minha insegurança e meus medos, continuei negando, agora, com muito mais gravidade. Estava negando os fatos e esse estado nos leva mais cedo aos estágios da loucura. Os carros quebrados da última vez que eu viera do templo, naquela fatídica noite, além de me desarmonizar e entristecer profundamente, de certa maneira me assustaram e contribuíram para que eu passasse cerca de uma semana longe do Vale do Amanhecer. Aos poucos começava a me afastar da Doutrina. Supunha ser ali, a razão de tudo. Como também, perturbado como [200] Experiências de um Leigo estava não tinha mais o que fazer: nem incorporar conseguia mais. Perdi completamente a sintonia. Contudo, a minha derrota tinha me custado muito caro. Ela ficará impregnada em mim a gerar daquele momento em diante sérias dúvidas. Aqueles malditos carros abalaram seriamente as minhas convicções sobre a origem de Pai Ananias. Agora começava a fraquejar em meus pensamentos. Como poderia acontecer tamanha coincidência? Sobretudo, como poderia aquele velho ainda me perseguir daquela forma tão implacável? Eu, no fundo da minha alma, não estava acreditando que novamente eu ia passar por tudo aquilo, por todo aquele inferno, depois de tudo que eu havia feito, depois de todo esforço empreendido. Era impressionante e assustador como, de um momento para o outro, minha vida foi mudada completamente, sem que me fosse dada uma mínima chance de escolher nem de reagir, e o culpado era aquele espírito, que não me dava tréguas. Em determinados momentos, me sentia tão mal que comecei a ter crises de [201] Experiências de um Leigo choro convulso; o pranto rolava de em minha face aliado a angústia que também corria em gotas do meu coração sem que eu desse conta do porquê de tudo aquilo. - Oh! Minha mãe, onde está você que não me ajuda e me protege? Era de Tia Neiva que estava falando. Para piorar a situação, sentia que com os dias, Pai Ananias, se é que era ele mesmo, se aproximava de mim cada vez mais e isso contribuía muito para o meu estado triste e depressivo. Toda vez que ele chegava me colocava em desarmonia, em desequilíbrio e isso me fazia concluir que era uma interferência, afinal, se fosse de outro modo, pensei loucamente, eu ficaria bem quando ele partisse. Mas não era só isso o que me fazia sofrer. Os dias se passavam, cada um mais estranho do que o anterior. Além das visões que tive nessa época, coisas estranhas aconteciam comigo: coincidências, premonições, cenas, fatos no trabalho, em casa; tudo era muito diferente, esquisito mesmo e me deixavam muito intrigado e preocupado. [202] Experiências de um Leigo Eu enlouquecera e me dava conta disso. Pessoas chegavam perto e uma pequena tela – muitas vezes amaldiçoada por mim - revelava espíritos que andavam ali por perto. Via sombras e vultos para todos os lados, animais estranhos e insetos. Depois ia ver, tinham desaparecido. Cheguei a procurar um oftalmologista. Atribuí à minha visão cansada, a culpa do que estava acontecendo. Eu tentava me virar de todo jeito, só não pensava em aceitar aquela condição. Feitos os exames, aquele velhinho simpático e com cara de maluco, como a minha, murmurou baixinho para ninguém ouvir: Você não tem nada na sua visão. Ela é perfeita. Quero lhe dizer uma coisa. Eu também vejo sombras, vultos e insetos como você. Vou lhe dá um conselho meu menino: procure um centro espírita. Você tem vidência. Não entendia e não aceitava tudo o que se passava. As coisas aconteciam como para me provar algo no qual eu, insistentemente, não queria acreditar e, pelo contrário, esforçava-me por afastar tudo e todos que viessem com essas conversas. [203] Experiências de um Leigo Certo dia à tarde me arrumei, me preparei para ir trabalhar no Vale, afinal de contas, eu tinha esperança de me curar. Separei minhas armas numa sacola, inclusive minha capa e rapidamente me punha em direção à parada de ônibus no percurso que me levaria a Planaltina e, de lá, finalmente, para o Vale do Amanhecer. Quando passava perto de um portão de ferro, branco e todo fechado, meio comido pela ferrugem, escutei duas pessoas que conversavam e uma dizia para outra que fulano de tal, tinha pegado uma arma e apontado para a mulher. Quando olhei de lado, inclusive assustado pelo conteúdo, não tinha ninguém. Balancei a cabeça, e a mim mesmo disse que parasse com essas loucuras. Não dei nenhuma importância; julguei ser um pensamento bobo, daqueles que nos chegam sem esperar aos quais não damos nenhum valor, nenhuma importância. Desfiz-me daquele pensamento e daquela imagem e continuei minha caminhada. Ao dobrar a esquina, porém, de longe, avistei dois homens que conversavam e um gesticulava bastante, como se estivesse [204] Experiências de um Leigo muito nervoso, contando uma história ao seu acompanhante. Ao passar por eles, escutei nitidamente quando um falou para o outro. Aí, ele pegou uma arma e apontou para a própria mulher. Naquele momento, fiquei perplexo e não escutei mais nada. O mundo rodou e lembrei-me do que minutos atrás havia pensado. O que queriam esses espíritos? Queriam me provar algo, fazer-me acreditar em algo que eu fazia questão de rejeitar. E tudo piorava para o meu lado: primeiro a visões imóveis, os quadros; agora, elas tinham vida, movimento... Isso já foi suficiente para que eu me desarmonizasse por completo. Quebrarase aí a minha sintonia e o pouco de harmonia que eu, com toda minha força, com todo meu querer, conseguira, naquele dia construir. Como podia, pensava eu, coisas tão pequenas me desarmonizar a esse ponto? Como pode uma coincidência me fazer perder a vontade de incorporar? De qualquer forma, nesse dia eu estava decidido a trabalhar. Nada me tiraria do meu objetivo e foi isso o que aconteceu. [205] Experiências de um Leigo Cheguei ao Vale ainda no período da tarde e vinha pensando como resolver o meu problema e sair daquela paranoia que vivia. Em dado momento lembrei que somente uma força iniciática seria capaz de afastar de mim aquele terrível obsessor. Sim, era isso. Se ele era forte, se resistira a uma prisão, ao trabalho de Aramê, eu queria ver se ele conseguiria me atormentar também depois de uma Estrela Candente27. Era ali que ele teria que ser elevado. Esse pensamento me chegou como pequena esperança de alívio. Sim, temendo nova decepção, não joguei todas as minhas expectativas. Coloquei-me então com duvidoso entusiasmo para próxima escalada28 que aconteceria ainda naquela tarde. Sim, ele não perderia por esperar e veria que não se pode fazer isso, que ele vem fazendo comigo, afinal eu tenho a meu favor, toda essa ciência, que me ajuda e me esclarece e ele, em seu rancor, em seu ódio, em sua falta de compreensão desconhece completamente todo esse universo... E fiz uma prece a Jesus: 27 Local no Vale do Amanhecer onde se realizam trabalhos de cunho iniciático onde passa determinada faixa de espíritos que não podem incorporar. 28 Um dos trabalhos que se realizam na Estrela Candente. [206] Experiências de um Leigo Jesus afaste-o de mim. Mas não o castigue. Não tenho raiva dele. Somente desejo dar-lhe uma lição... E por ai foi meu pensamento mestres... Vejam só que loucura. Eu perdera o menor senso do que era justo ou injusto. O egoísmo é uma energia muito perigosa. Faznos cegar e é por isso que se diz que cego é aquele que não quer ver. Assim foi feito... Dentro de pouco tempo eu estava sentado no banco, à espera da consagração da Estrela Candente. Mentalizava o comandante que dirigia o trabalho e esperava o momento de incorporar, quando novamente levei um susto: um espírito muito alto passou por perto mim, quase me atropelando, como se fosse um gigante. Nunca vira ninguém tão grande antes. Eram homens e mulheres enormes, maiores que os postes de iluminação. Eram cavaleiros. Caminhavam para um trono que tinha há pouca distância de onde estava e lá outros lhe esperavam. Havia também várias Guias Missionárias, todas vestidas como princesas. [207] Experiências de um Leigo Num dado momento aquele homenzarrão olhando para mim, a certa distância, disse-me que se chamava Fanário Verde, e que era o comandante da Estrela Candente naquele dia, pois era ele o cavaleiro daquele comandante. Assisti admirado aquele quadro, sem possibilidade de raciocinar, de pensar em tudo aquilo. Preso àquela linda visão, nenhum pensamento ruim de dúvidas e incertezas me chegou. Minha mente parecia uma televisão, que somente nos mostra quadros sem neles interferir. Era assim que eu estava. Não analisei, não pensei que podia ser obsessores e simplesmente mergulhei naquela sintonia. Eles eram lindos, com suas ricas e trabalhadas indumentárias... Na hora da prece de Simiromba, todos se levantam, numa profunda demonstração de respeito, assim como nós o fazíamos também no plano físico. Fiquei observando por algum tempo este quadro, até que eles desapareceram do meu campo mental. Em dado momento do comando na terra incorporei-o. Sim, ele estava ao meu lado irradiando-me uma energia luminosa que [208] Experiências de um Leigo me envolvia todo o corpo deixando-me todo iluminado. Do lado de cá estava eu vendo tudo. Um vento muito forte começou a soprar como se estivesse tentando nos levar para longe dali. A capa do cavaleiro esvoaçava como a não ter peso algum. Todos incorporaram. Então outra entidade se manifestou. Sua energia era diferente e percebi que nunca havia incorporado ela antes. Mentalmente aquele ser iluminado pela luz do sol saudava e gesticulava como se estivesse diante de algo muito forte. Eu sentia o peso de meus braços quando eles levemente se quedavam para trás ou para frente devido ao sutil movimento que ela fazia. Com duas palavras saudava: Salve Tanoaê29. Salve 30 Achuamã ! - Salve Tanoaê. Salve Achuamã! Repetidamente ele pronunciou estas palavras. Tive a sensação de que um vento muito mais forte abalava o recinto. Sim, agora ele era físico. A força do que sentia era tamanha que ele me pediu mentalmente que 29 30 . Vento Chuva. [209] Experiências de um Leigo não tivesse medo, que confiasse, pois era ele que estava manipulando aquelas forças para o bem de povo e povos. Desequilibrei-me naquele momento. Era demais para mim: - Meu Deus me ajude para que eu possa acreditar nisso tudo... Salve Deus mestres, aquele foi um momento diferente de todos. Eu não pedira mais para afastar, mas para que eu tivesse recursos em mim de acreditar. Mudei meu padrão. Estava melhor, mas ainda distante do que precisaria. Não resisti à minha incredulidade e lhe pedi que se realmente fosse ele que estivesse produzindo aquele fenômeno, que me desse uma prova física. Depois de alguns segundos, veio à minha mente a imagem de uma árvore caída, derrubada pelo vento. Gravei bem aquela imagem e ansioso agora esperava o fim do trabalho para ver se ela, a árvore estava ali mesmo caída. Agora já não desejava que ela não estivesse. Queria aquela confirmação e então poderia enfim, acreditar em Pai Ananias como um mentor de luz e não mais um espírito malfazejo. [210] Experiências de um Leigo Ficamos ali mais alguns minutos, incorporados, dando sequência ao trabalho que já caminhava para seu término. Em poucos minutos o comandante pediu que aquelas entidades deixassem os seus aparelhos. Após o encerramento saí dali preocupado, em busca das minhas comprovações. Precisava delas. Caminhávamos agora, eu e mais alguns médiuns buscando os corredores de saída dali. Eles comentavam a maravilha daquele trabalho, qual não foi minha surpresa quando me deparei com a árvore caída como eu havia visto incorporado. Meu Deus, é verdade! Exclamei alto. Aqueles médiuns me entreolharam sem nada entender. Dentro de mim, escutei somente uma voz me mandando tirar os galhos quebrados e replantar, afinal, o culpado era eu. Quando vi a árvore lembrei também da visão que eu tivera antes do trabalho. Corri ao encontro do comandante. Então perguntei: - Salve Deus mestre, que lindo foi nosso trabalho. Qual é o nome do seu cavaleiro? [211] Experiências de um Leigo - Fanário Verde mestre. Mas por que a pergunta? - Nada não, somente curiosidade... Desconversei e saí para tomar um café, num estado de quem sai saltitando: um pé ali e acolá. Mas logo veio a ressaca. As cruéis dúvidas que carregava em minha insegurança. Realmente eu não conseguia passar duas horas equilibrado... [212] Experiências de um Leigo VIAGEM À CIDADE DESCONHECIDA - Então, estou desequilibrado com isso tudo. Doente, muito doente... Disse cansado, reclamando. - Não é o corpo a casa da alma? E a alma a morada do espírito. E se a alma é doente o corpo não será doente? Se a alma mostra-se imperfeita, não serão imperfeições do vosso espírito? Que desejas nessa prisão que suas ações construíram? Liberdade? Deves conquistá-la. Ela é um direito de todos. Contudo, deves compreender as tuas deficiências e necessidades e mudar a sua maneira de agir, pensar e sentir. Se insistires em alimentar-se de padrões negativos, pensamentos e sentimentos, teu corpo, casa de tua alma e teu espírito morador e proprietário de tua alma, perecerão e permanecerá preso às tuas anormalidades. Trabalha e serve na lei de auxílio. Daí nascerá a tua cura: do trabalho, pois quem não trabalha dá trabalho. A sua doença é preguiça mental. Pai João de Enock. Salve Deus mestres, onde poderemos encontrar as nossas respostas? Quem realmente poderá nos ajudar? Onde estará o nosso verdadeiro caminho? O que viemos fazer nesse planeta em desenvolvimento? Quem sou eu e o que querem de mim? Para que isso tudo? Essas eram as minhas mais comuns perguntas. Eu começava a enlouquecer de vez e isso também me dava muito medo. Visões iam e vinham sem que eu tivesse o menor controle sobre elas e o meu padrão começava a declinar violentamente [213] Experiências de um Leigo diante de tantas dúvidas e interrogações sem nenhuma resposta aparente. Para mim, tudo não passava de criações de minha mente, alucinações, que por qualquer razão, fabricava aqueles quadros imaginativos. Julgava-me desequilibrado e, por esta razão, tudo aquilo estava acontecendo. Graças ao trabalho do qual eu havia participado na Estrela Candente, graças à Escalada, já com todos os acontecimentos ali vividos deturpados por minha falta de crença, julguei o afastamento de Pai Ananias e de minhas visões como sendo resultado do trabalho e isso me havia feito grande bem. Horas e dias haviam se passados sem nenhum sinal dele. Sim, fora difícil, mas eu havia vencido. Por mais forte que seja o inimigo, essa Doutrina nos fornece as armas para nos proteger e também lhes dar aquilo que necessitam. Ele, com toda certeza, não viria mais, pois fora elevado no trabalho de Estrela Candente e deveria estar no seu lugar, sendo tratado bem longe de mim. Eu, por minha vez, estava muito melhor sem ele. Certa noite debrucei-me sobre um calhamaço de cartas escritas por Tia Neiva; li [214] Experiências de um Leigo muitas delas, porém uma frase me despertou interesse instantâneo: “filho, as visões são comuns em mentes desequilibradas, médiuns desajustados...” Instantaneamente pensei que esse era o meu estado e aquela leitura foi suficiente para que eu duvidasse completamente dos fenômenos que estavam acontecendo comigo. Daquele momento em diante passei a acreditar definitivamente que estava novamente desequilibrado, supondo: é a minha falta de sintonia nos trabalhos... Entretanto algo dentro de mim começava a dizer que não. Sempre tivera uma assimilação razoável; tudo que ouvia passava primeiro pelo meu raciocínio; minha mente questionava, analisava dentro da lógica que aprendera, tinha uma conduta doutrinária, buscava me esforçar num comportamento moral, mantinha-me constantemente nos trabalhos mediúnicos e colhia de todos, impressões que me mostravam em equilíbrio emocional, psíquico e espiritual. Não fazia sentido, eu não estava desequilibrado. Estava muito sofrido, mas isso não justificava aquilo que comigo acontecia. Nem ao ponto de fabricar aquelas loucuras, [215] Experiências de um Leigo pois, quando aconteciam não estava pensando nelas, elaborando-as. Tanto que se quisesse produzi-las nesse momento não tinha como fazê-las, nada acontecia. Dúvidas e dúvidas, mil análises e acho que naquele momento somente quem acreditava em mim era Sonia. Até Batista estava descrente e Tavares escutava sem muito comentar. Sonia era a única que enxergava a verdade ali e nela via um grande propósito ligando em sua análise o transporte com o franciscano, depois, Pai Benedito e agora Pai Ananias. - É obvio Chico. É um desenvolvimento espiritual. Lembra-se daquela entidade que incorporou em 1981. Sua mensagem profética e, além disso, deu o nome de Paulo de Tarso. Lembre-se que depois nós comentamos que tínhamos uma missão e não era aqui em Brasília e que iríamos fazer uma poupança para quando chegasse a hora, nós pudéssemos partir. Você ficou muito desconfiado da sua incorporação e me pediu que fosse até Tia Neiva e perguntasse se estava tudo bem com você, na sua incorporação. Lembra o que ela disse: [216] Experiências de um Leigo - Ele não é apará minha filha? Então deve incorporar. E depois na aula de domingo ela confirmou que estava na Casa Grande, quintafeira à noite, quando viu numa cidade ali próxima, uma luz que iluminou toda aquela redondeza além mesmo da cidade. Quintafeira foi o dia da nossa prece e você incorporou o espírito de Paulo de Tarso. Tia Neiva viu. Ela comentou na aula de domingo. Foi para nós que ela falou... Sonia era a única crente entre nós. Graças a Deus ela estava sempre perto de mim. Empolgada com tudo que estava acontecendo, ela tentava me convencer de que não estava louco e desequilibrado. Salve Deus mestres, aqueles momentos eram duros demais. Conviver com aqueles acontecimentos não foi fácil. Tive que acreditar em mim mesmo e quebrar as correntes de ideias extremas que afirmavam que ali na Doutrina do Amanhecer, só quem podia ver espíritos era Tia Neiva. Era como se estivesse lutando contra ela. Absurdo, um verdadeiro absurdo o que se constrói com o entendimento das palavras. [217] Experiências de um Leigo Eu analisava tudo nos mínimos detalhes. Minhas desarmonias e desequilíbrios por conta dessas visões estavam me levando a uma angústia sem medida. Certa tristeza estava sempre estampada nos meus olhos e preferia lugares onde eu estivesse só. Comecei a me isolar de todos, e ficava entregue aos meus pensamentos e dilemas. No meio de todas aquelas agonias, de vez em quando me passava uma pergunta: e se ele, Pai Ananias, fosse realmente um iluminado? Então eu estaria em maus lençóis. Como poderia conversar com ele? Minha vergonha seria tanta que eu não conseguiria olhar em seus olhos por um bom tempo... Assim, ao mesmo tempo em que me desequilibrava considerando-o um enviado dos mundos negros, dentro de mim, comecei contraditoriamente sentir uma paz e uma serenidade muito grandes quando ele chegava e me falava. Isso me gerou culpa. Comecei a me cobrar que devia confiar e desprezar todas as opiniões sobre mim e sobre aquele assunto. Falar é fácil. Todos falam e emitem [218] Experiências de um Leigo seus pareceres, mas quem estava na berlinda daquele momento era eu, na beira do abismo. Muitas vezes fui taxado de vaidoso, que aquilo era desequilíbrio, e eram os meus obsessores que não me davam descanso, tentando me passar à ideia de que eu queria ser Tia Neiva e outras coisas mais... Todos esses comentários me deixavam mais confuso ainda... Após essa fase de intensa desarmonia, fiquei uns quinze dias sem nenhuma manifestação. Sim, era assim que tudo acontecia. De repente ele sumia e eu me via novamente só, o que me deixava mais confuso ainda. Entretanto de certa forma estava mais calmo, mais sereno, contudo uma pequena saudade inexplicável, começava a nascer dentro de mim. Eu me debatia nessa dúvida, porque não admitia de forma alguma sentir saudades de um espírito que não era o meu mentor, e, que, para mim, não era um iniciado, um iluminado. Nesse ínterim, os dias foram se passando, e nada acontecia com referência a novas visões, o que de novo me fortalecia na ideia de que ele era realmente um espírito [219] Experiências de um Leigo sofredor, habitante dos mundos negros, dos umbrais como mencionava Kardec em seus livros. Certa noite chegamos no Vale do Amanhecer, eu, Batista e Sonia, pois éramos inseparáveis. Nossa sintonia era perfeita e um compreendia o outro como só nós três sabíamos. Havia chovido e a lama era quase tanta quanto os médiuns que ali estavam. Os carros sujos se acomodavam no meio de toda aquela água e pacientemente esperavam pelos seus donos. Trocamos de roupa e fomos para o nosso cafezinho, que havia se tornado obrigatório antes de entrarmos no templo para começarmos a trabalhar. Sonia sempre curiosa sobre os acontecimentos espirituais, perguntou-me sobre as novidades. - E aí Chico, nada mais aconteceu? Respondi com um sorriso nos lábios: - Graças a Deus não. Batista, sorrindo para mim, diziame com o olhar que havíamos vencido... Batista tinha um cuidado extremo com aqueles assuntos. Incorporara a figura do doutrinador racional e passivo. Vez ou outra [220] Experiências de um Leigo emitia a sua opinião. Na verdade ele escutava mais e falava pouco sobre esse assunto. Talvez soubesse a força que suas opiniões tinham sobre mim. Eram eles os dois únicos a quem podia falar abertamente das minhas visões, de minhas loucuras e alucinações. Quase todas as noites nos reuníamos e conversávamos sobre assuntos espirituais e missionários, por horas a fio. Tínhamos uma sintonia perfeita; nós nos entendíamos e trocávamos impressões e experiências a respeito dos acontecimentos dentro e fora da matéria. Em nossas conversas fazíamos um verdadeiro levantamento. Questionávamos, criticávamos, opinávamos, analisávamos, duvidávamos, enfim... Naquela noite descemos para o templo e cada um buscou a sintonia desejada. Eu me encaminhei para a Mesa Evangélica depois da preparação na Pira, pois sempre gostei muito daquele trabalho. Sentei no banco, junto com outros aparás e mergulhei meus pensamentos na frequência desejada para aquele trabalho de incorporação dos nossos irmãos sofredores. [221] Experiências de um Leigo O movimento no Vale era normal naquele dia de quarta-feira: isso quer dizer, acima do esperado. Uns doutrinavam, outros caminhavam em busca de um apará; de outro lado filas magnéticas, formadas pelas falanges missionárias imantravam o templo, como a combater com seus fluidos falanges desordeiras que por ali haviam estacionado, sempre buscando equilibrar aquela balança, onde um prato era o negativo e o outro, o positivo. Sentia-se no ar que ali estava sendo travada uma guerra etérica entre o bem e o mal. Nós éramos o bem e o mal talvez fosse nossas próprias tendências. Então lutávamos contra nós mesmos sem saber disso. Naquele ambiente aparentemente desarmonizado, deixei-me calar, já um pouco incomodado e irritadiço, perguntando-me o que acontecera, já que eu estava tão bem há poucos instantes. Deve ser a aura da mesa, já estou na sintonia dos sofredores, pensei assim. Começava a sentir uma falta de ar, me deixando meio ofegante, numa certa angústia por sorver o ar que me rodeava, sem, no entanto conseguir sucesso. O mestre que estava à minha frente percebeu; dirigiu[222] Experiências de um Leigo se a mim perguntando se eu estava bem. Disse que sim, ao que ele resmungou de lado: - É isso que dá. Fica muito tempo sem trabalhar, e quando volta, vem com a cabeça cheia de exus! Fingi não escutar. Assim era o Vale do Amanhecer. Se fôssemos dar importância a tudo que ouvíamos, acabaríamos contrariados ou numa desarmonia sem o menor propósito. Dentro de poucos minutos o comandante daquela mesa começou a dispor dos mestres e ninfas para aquela formação. À sua ordem, sentei-me à mesa, já no meu lugar de incorporação. Minha cabeça de repente rodopiou, como se estivesse levado uma grande paulada. Comecei, de uma hora para outra, a escutar vozes muito distantes, que eu, a princípio, julgava ser do comandante. Uma sensação esquisita se apoderou de mim e me dava impressão de que eu me deslocava, no entanto sabia que estava ali, sentado e que não havia perdido a noção de tempo e espaço. Então, disse para mim mesmo que eu estava trabalhando na mesa evangélica e [223] Experiências de um Leigo não sentiria mais aquelas sensações esquisitas. A mim mesmo impus: - Pode parar de nhêm-nhêmnhêm. Você veio aqui para trabalhar, pois trabalhe. No entanto nos três segundos seguintes percebi que não teria controle. Pensei em Deus, interrogando-me o que estava acontecendo. As vozes ao meu redor se distanciavam cada vez mais e mal escutei quando os aparás incorporaram. Fechei minhas mãos numa atitude puramente técnica, tentando responder ao doutrinador que já havia feito a puxada atrás de mim. Também incorporei, pois senti os músculos enrijecerem, principalmente os da minha boca, que se distorciam formando uma rede que chegava até as minhas mãos que então dobradas para trás pareciam a um movimento de se quebrar... O doutrinador dava-me a impressão de estar há muitos metros de distância tamanha a dificuldade em escutá-lo. Comecei a me desesperar, pois não sabia o que estava acontecendo: - Meu Deus o que isso. Estarei indo para a morte? E num esforço sobre mim [224] Experiências de um Leigo mesmo tentava sair daquele estado. Era confuso e eu tinha pequenos reflexos de momento; minha mente parecia estar presa por estranho magnetismo a algo imensamente maior e mais poderoso do que eu. Não havia palavras para explicar. Era como se eu obedecesse a dois comandos ao mesmo tempo, ou meu corpo estivesse dividido em dois sem eu dominar o que estava acontecendo, mesmo que tentasse. Em determinado momento, senti o ar batendo em meu rosto; parecia que estava voando, flutuando; sim estava realmente voando. Vi ao longe, luzes pequeninas, que flamejavam numa tonalidade amarelada. Parecia uma cidade vista do alto e na proporção que me aproximava daquele lugar, elas cresciam e se confundiam ao mesmo tempo. De repente escutei alguém dizer juntinho do meu ouvido; viagem... Viagem em desdobramento e desci numa cidadela. Tudo estava a princípio, muito escuro e somente se iluminava por onde eu estendia o olhar. - Meu Deus, onde estou? O que está acontecendo? [225] Experiências de um Leigo Desorientado, desci naquela cidade estranha e lentamente caminhei por ruas estreitas, onde casas se espremiam, uma colada na outra e em desordem, dos dois lados; eram, em geral, de aspecto simplório e atrasado urbanisticamente. Não havia divisões entre elas; quero dizer quintais que as dividisse. As ruas eram calçadas com pedras e bem estreitas em relação ao modelo que eu conhecia de rua. Durante algum tempo, caminhei como se procurasse algo ou alguém que desconhecia. Cheguei a uma casa que muito me chamou atenção. De fora escutava vozes, risos, como se estivesse ali, ocorrendo uma festa, uma celebração. Fui-me aproximando; caminhei entre eles sem que ninguém me notasse, embora eu percebesse tudo que ali acontecia. Alguns bebiam, outros palestravam animadamente; mais adiante, um grupo dançava envolvido pela música, que soava a toda altura... Eu não os conhecia, nem sabia o que estavam fazendo ali, muito menos onde eu estava! Nunca havia visto aquele lugar, nem aquelas pessoas e tudo ali me era totalmente estranho. [226] Experiências de um Leigo O trabalho na mesa evangélica se desenrolava e eu não havia perdido a noção do que ali, fisicamente acontecia como se estivesse em dois lugares ao mesmo tempo. Obedecia aos comandos de incorporação e elevação; quem ali me visse não poderia imaginar o que naqueles minutos tão dramaticamente longos, eu vivia. Mentalmente, desejava que alguém interrompesse aquele processo, que alguém me despertasse daquele pesadelo, pois para mim era o que eu vivia. Entre aqueles que se divertiam naquela festa, muitas pessoas chamaram a minha atenção. Eu não sabia o porquê disso, mas parecia conhecê-los de há muito tempo. Certo ar de familiaridade e alegria invadiu-me por alguns instantes, fazendo-me esquecer de que estava tendo um pesadelo... Senti prazer de estar entre eles, muito embora alguns estivessem altamente embriagados. Naquele momento, não sentia medo, mas um grande sentimento que não saberia definir por todos que ali se achavam. Em dado momento, fui deixando aquele lugar, caminhando novamente para a rua, voltando a visualizar aquelas casinhas [227] Experiências de um Leigo espremidas, mal encaixadas umas nas outras e em várias direções, sem nenhum critério definido. Nesta saída ainda notei que um verde escuro circulava toda aquela região. Serras enormes se erguiam como a vigiar, como um guardião noturno, a zelar por seus habitantes. No céu, a lua desfilava cercada por um coroa de estrelas a protegê-la. Nuvens esparsas se deslocavam vagarosamente, também acompanhando aquele cortejo real. Tudo parecia ter mais vida, mais cor, como se meu pequeno cérebro, estivesse aumentado, passado do pesadelo para o sonho, e minha compreensão, meus sentimentos e minha razão também aumentassem em milhões de vezes. Naquele momento aquela sensação era muito boa e agradável. Contudo retornei ao físico bruscamente, como se estivesse dormido e perdido a sensação do tempo. Acordei assustado sem saber exatamente onde estava, escutando a sineta do comandante, que indicava o término das incorporações. De olhos abertos, plenamente consciente, tentava colocar alguma coordenação no que se passara, o que era [228] Experiências de um Leigo impossível para mim naquele momento. Medo e dúvidas se misturavam num gosto amargo, gerando perguntas que me agoniavam intensamente. Em contrapartida uma sensação muito boa que não sabia avaliar. Passei a mão na testa, respirei fundo e esperei o passe magnético, que me tirou as impregnações dos espíritos que eu havia incorporado, mas não me aliviou o coração, pesaroso diante daquela situação. Com muito custo esperei o término do trabalho, e, cambaleante, senteime em frente ao quadro de Tiãozinho. Eu fechei os olhos e em um segundo, uma torrente de lágrimas rolava em minha face. Eu escondia, logicamente, para não causar preocupação e passar vexame. Parecia que algo dentro de mim sabia o que estava por vir, uma espécie de premonição agia em meu inconsciente, sem que me desse a menor noção dos acontecimentos, varrendo minha alma, provocando estranhas reações, sensações que não compreendia e me faziam realmente acreditar estar completa e definitivamente desequilibrado... [229] Experiências de um Leigo Num misto de prece e desespero, tentei elevar meus pensamentos a Jesus, ao Pai Seta Branca, implorando que me ajudassem a entender o que estava acontecendo comigo. De olhos fechados, certamente avermelhados pelas lágrimas, uma enorme distância se preenchia de um silêncio e escuridão sem respostas. Esperei mais alguns minutos e nada. Foram em vão meus pedidos. Então fui vagarosamente me levantando, deixando o templo, procurando, a todo custo, ocultar o que estava sentindo, escondendo o rosto, para que ninguém percebesse que estava acontecendo alguma coisa, inclusive poupando-me de explicações que eu não gostaria de dar... Fui pensando em Pai Ananias, o inimigo que conversava comigo, Quem sabe ele não era a resposta, a explicação para o que comigo ocorrera? Entretanto, também ele desaparecera, pois fazia muito tempo que não o via. Realmente, ninguém poderia me ajudar, me entender, porque não se tratava somente das visões, mas do que elas causavam em mim: angústias, preocupações, [230] Experiências de um Leigo medo, e, certamente, se fossem coisa boa, as sensações seriam outras. Então só podia ser algo muito ruim, pois era assim que me deixavam. Eu simplesmente não sabia analisar o que estava vivendo. Era como se corresse num labirinto de dúvidas, e, que agora, ameaçavam até as certezas que eu possuía. A essa altura pensei em abandonar o Vale do Amanhecer, porque do contrário, iria ficar louco. Esse negócio de mediunidade é coisa muito séria, muito perigosa, e não tenho conhecimento e nem preparo para viver isso. Porém, ao mesmo tempo uma brisa suave tocava o meu coração, dizendo que a coisa não funcionava como eu pensava e não era tão feia como eu pintava. Então uma certeza absoluta me impulsionava a um raciocínio coerente e lógico, me pondo de novo em pé. Afinal de contas eu era médium e isso eram os fenômenos da mediunidade. O que está errado? Mas e o que sinto? Como administrar e conviver com isso? Mil perguntas sem respostas me davam a certeza da loucura próxima. [231] Experiências de um Leigo Do lugar em que estava sentado no templo, até o restaurante do Vale eram alguns metros. No entanto para mim se fazia uma distância indescritível. Um cansaço muito grande se abatera sobre mim, fazendo com que eu sentisse dificuldade em caminhar, mal conseguindo chegar ao lugar do nosso sagrado cafezinho. Tamanha era minha abstração que não reconheci ninguém quando lá cheguei, apesar do grande movimento da quarta-feira. Sentado, me pus a pensar em tudo que vivia. Não sei por quanto tempo fiquei ali, sentado como a olhar o nada e o pensamento e chamas, até que Sonia e Batista me encontraram. Notando o meu abatimento, foram logo me perguntando o que tinha acontecido. Contei-lhes tudo o que se desenrolara, detalhe por detalhe. Eles se agitaram mais que de costume. Acho que era a minha careta. Sonia chamou-me atenção dizendo que aquilo era fantástico, era maravilhoso, e não entendia o porquê de me comportar daquele jeito, interrogando-me se [232] Experiências de um Leigo não era assim que também acontecia com Tia Neiva. - Sim. – sei lá... Respondi a ela com desânimo e desprezo. E confidenciei: - Mas não entendo por que essas visões me causam tantas preocupações e angústias? Eu não tenho resposta para nada, nem a razão disso tudo estar acontecendo comigo. Só sei que vivo algo obrigado e nunca desejei nada disso. Lágrimas escorreram pela minha face e diria que elas vinham de uma caldeira. Batista olhava-me desconfiado e preocupado. Seu ar era daquela desconfiança prudente e sadia. Era o nosso doutrinador e muito bem preparado; sua razão e ponderação davam-lhe um bom senso que poucos possuíam. Era novo nessa época, mas parecia ser mais maduro. Balancei a cabeça afirmativamente e disse: - Acho que vou deixar a Doutrina por um tempo antes que fique louco. Sonia e Batista balançaram a cabeça negativamente imediatamente. Minutos depois chegaram Adriana e Tavares, [233] Experiências de um Leigo ambos muito sorridentes, e aquela sintonia foi quebrada. Nessa época Tavares se afastou um pouco da nossa convivência, pois suas responsabilidades doutrinárias absorviam-lhes todo o tempo. Eu e Adriana estávamos namorando, e em breve estaríamos noivos. Ficamos ali por mais alguns minutos. Batista e Sonia foram trabalhar; Tavares se despediu, dizendo aparecer em breve. Contei para Adriana o que me ocorrera. Em poucos minutos andávamos pelas ruas do Vale, rumo a Estrela Candente. Mais calmo, desvencilhei-me daquela sintonia, chegando mesmo a esquecer o que vira naquela noite. Horas mais tarde, voltávamos para casa... [234] Experiências de um Leigo QUANTO MAIS SE REZA, MAIS ASSOMBRAÇÃO APARECE Meus filho, tens paciência. A calma é a mãe da serenidade e do equilíbrio. Tempo virá que a ti serão esclarecidas todas as suas dúvidas. Caminha e busca ter confiança em ti mesmo. Verás que a dor não é tua inimiga e sim, tua companheira a te conduzir pelos caminhos do burilamento e da perfeição. Agora descansas o teu espírito e traga a tua alma a tranquilidade que ela precisa, para ir compondo ao longo da tua estrada, essa doce poesia universal. Saiba compreender a tua missão, pois, desta compreensão, nascerá o teu sacerdócio humano e vívido, edificado pelas tuas dores e experiências colhidas no caminho da tua evolução. Pai Ananias da Cachoeira O dia tinha sido muito corrido. Na escola o clima estava um pouco tenso e isso nos colocava em situação incômoda e insegura quanto ao trabalho diário. Além disso, eu já chegava ao meu limite com relação às visões. Elas chegaram ao meu trabalho físico e começava a me trazer complicações. Nessa época eu era diretor administrativo de uma escola de primeiro grau que funcionava os três turnos. O que eu fazia? Tudo: desde abrir as salas, até a folha de pagamento de mais de quatrocentos funcionários. Mas me virava. O salário valia a troca naquele momento: o juízo pelo dinheiro... [235] Experiências de um Leigo Após problemas de toda ordem, naquele dia, despedi-me da minha turma de amigos funcionários e me dirigi para casa. Saindo ali, fui tomado pelos pensamentos de sempre. A minha mediunidade. Então ia pensando: Assim como os suvenires não me protegeram, a prisão que eu assumira não resolvera, o trabalho na Estrela Candente também não, o que mais poderia fazer? Os carros quebrados, os cavaleiros, aquela cidade que eu vira, dias atrás na mesa evangélica era a prova real das minhas contradições e dos meus desequilíbrios, que agora, não vinham mais das dúvidas e das visões, mas da minha teimosia e do meu despreparo. Eu estava num desajuste completo e já me entregando ao desespero. Sim, tudo que eu sabia que podia me ajudar não dava certo. Eu estava, definitivamente, sem escolha... Ao final da jornada daquele dia, resolvi passar na casa de Sonia e Batista, para tomar um café e conversarmos um pouco, afinal somente eles dois sabiam de tudo isso, de toda essa loucura que eu vivia. [236] Experiências de um Leigo Seria bom para me desfazer também das tensões daquele dia tão exaustivo. Entretanto, quando lá cheguei, o quadro era bem diferente do que eu esperava encontrar. Parecia que quanto mais eu rezava mais assombração me aparecia. Ela e Batista estavam desesperados. O irmão dele havia passado lá e saiu para à casa da ex-mulher, em estado de ira, de possessão, prometendo matá-la a qualquer custo. Separados, ela vivia com outro homem e ele não aceitara ainda aquela situação. Senti um frio na coluna quando Batista me disse que ele havia bebido e estava armado. Então pela primeira vez pedi a Pai Ananias que me ajudasse a evitar aquele provável assassinato. Imediatamente fechei os olhos e tentei imaginar onde ele podia estar, que caminho ele havia percorrido. Não tivemos dúvidas: chamei Batista e disse que tinha visto ele. Pegamos o carro, em direção à quadra dois, pois era ali que ela morava. Entretanto, aquela parte da cidade é muito grande e cheia de ruas, sendo a maior quadra de casas de Sobradinho. Como encontrá-lo? Era, de fato, uma missão difícil. Então me guiei mais pela [237] Experiências de um Leigo minha intuição e o desejo de encontrá-lo do que por qualquer outra coisa. De fato eu o tinha visto. Ele andava rapidamente por uma rua um pouco larga, mas eu não acreditava em mim... Eu dirigia o carro sem prestar muita atenção no percurso, e sim olhando, tentando identificar a rua que tinha visto. Meu pensamento estava em Pai Ananias. Entrávamos e saíamos ‘costurando’ becos e ruas. Quando olhei adiante, estava na rua que há poucos minutos eu tinha visto por outra visão: a espiritual. Caminhamos lentamente por ela. A cada minuto que andávamos, mais ficávamos nervosos e agitados, especialmente Batista. Em dado momento, já sem esperanças e movido pelo desespero, pedi a Pai Ananias que se ele fosse mesmo um iluminado, que se quisesse mesmo me ajudar, que me desse uma prova naquele momento; que me intuísse, que me ajudasse a encontrálo e impedir aquela tragédia que se fazia eminente. Batista se mostrava muito nervoso e inquieto. Eu dirigia e ele procurava também por onde passávamos. Continuamos andando [238] Experiências de um Leigo e fiz uma manobra voltando e entrando numa outra ruazinha menor, quando olhamos para frente lá estava ele, realmente possesso de raiva. Parei o carro do lado dele e o fizemos entrar no veículo. Então partimos dali de volta para casa... Essa foi uma das primeiras provas reais que eu tive. Depois daquela experiência eu percebi que ele não era quem eu pensava: um obsessor. Ele era do bem, pois, havia me ajudado naquela hora tão difícil. Em vez de enxotá-lo, agradeci a ele por me auxiliar. Sim, ali haveria uma provável tragédia e ele nos ajudara a impedir tudo aquilo. Se não fosse ele, não saberíamos o que ocorreria no fim daquela calma tarde de janeiro. Assim ele me preparava para alguma coisa que eu não sabia. Tudo passou, e depois, quando todos já estavam mais calmos vi novamente um perfil negro, desta vez a sorrir. Ele disse que finalmente eu acreditara em algo que ele dizia e rapidamente desapareceu. Foi embora, se despedindo com um ‘salve Deus’. [239] Experiências de um Leigo O INIMIGO SEMPRE VOLTA DO PASSADO Filho, tudo nesse momento busca a reconstrução. Trouxestes no teu planejamento um árduo caminho de renúncias, expiação e provas. Tua missão não se dará primeiramente no plano da construção de um caminho, mas na reconstrução de seu carma. Viverás muitas faixas vibratórias que compreenderam vivências passadas. Prepara-te filho, pois os que se dizem nossos inimigos sempre voltam do passado. Tua consciência será seu guia e lhe mostrará os limites e fronteiras daquilo que podes e daquilo que não deves fazer. Aceita a tua vida, pois essa é a tua condição e trabalha na lei de auxílio. Somente ela poderá mudar o teu destino e levá-lo à alta magia para ali receber os bônus do recartilhamento31. Pai Ananias das Cachoeiras. Depois do episódio da cidade e do acontecido com o irmão de Batista, a experiência fora do corpo, eu comecei a crer que aquilo poderia ser verdade. Quase não tinha dúvidas sobre ele ser um obsessor. Entretanto, não me sentia cem por cento seguro dessa ideia. Sentia-me caminhando num fio de arame e a qualquer hora podia cair nos velhos padrões. Comecei a pensar que se ele quisesse somente o meu mal, não teria me ajudado daquela forma, salvando duas vidas, por que se o que se desenhava naquela tarde 31 Ter sua faixa cármica atenuada ou mesmo modificada devido ao bônus obtidos na lei de auxílio. [240] Experiências de um Leigo fosse realmente levado a cabo, também o irmão de Batista perderia sua encarnação. Sim, ele não era do mal e disso eu tinha agora quase certeza. Principalmente, porque agora eu sentia até certa saudade de Pai Ananias. É bem verdade que todo aquele processo estava me deixando louco, mas eu começava a perceber que quando ele aparecia, o meu estado interior se acalmava. Ele não demonstrava nenhuma atitude de zombaria ou outro sentimento semelhante com relação a mim. Contudo, as visões não paravam. Coisas estranhas aconteciam constantemente comigo, fenômenos que eu não sabia explicar me colocavam intrigado comigo mesmo. Certo dia, numa segunda-feira, eu estava na escola trabalhando. A diretora mandou me chamar porque precisava de todas as chaves do armário e mandou que as pegasse, afinal de contas eu era o responsável por elas. Saí confiante de encontrá-las em minha gaveta. Entretanto quando procurei, não estavam. Fiquei apavorado, pois minha amizade com ela não era das melhores e nos últimos dias estava de mal a pior. Aquilo seria [241] Experiências de um Leigo mais um motivo para que ela justificasse as suas opiniões a meu respeito. Eu não era querido por ela e pela sua irmã, que juntas administravam, mandavam na escola e não era nada interessante para mim, ser advertido por elas. Fiquei nervoso e abaixei a cabeça, pensando onde poderiam estar aquelas chaves, onde poderia eu tê-las guardado. Lembrei então do último dia, quando o porteiro me pediu por um motivo qualquer. Saí apressadamente em busca dele, na ânsia da chave, mas para meu desencanto, ele disse que me entregara, informando que eu estava sentado no meu birô e ele colocou o chaveiro com todas as chaves em cima da minha mesa. Não discuti com ele por não lembrar. Aqueles dias estavam muito confusos para mim, devido a tantos fenômenos em minha mediunidade. Pensei que poderia ter esquecido em algum lugar. Voltei à minha mesa, sentando no meu lugar, tentando com alvoroço descobrir, a qualquer custo, onde estavam as chaves. Minha correria, no entanto, foi em vão. No afã do momento, fechei os olhos e [242] Experiências de um Leigo instantaneamente, como que num lampejo, me veio uma blusa esverdeada na mente, pendurada num prego na parede ao lado de uns armários velhos. Dentro do bolso dessa blusa, avistei as chaves. Foi então que impensadamente, saí correndo em busca do agasalho. Cheguei até a sala de apoio, onde ficava a diretora e sua irmã. De longe avistei o casaco e disse à diretora que estavam no bolso daquela roupa. Ela me olhou surpresa, dizendo que o casaco era seu, e certamente lá não estariam as chaves. Pedi licença para olhar ela concordou. Quando enfiei a mão dentro do bolso, lá estavam as chaves. Sorri aliviado e sem entender como as chaves forma parar naquele lugar. Ela sem graça se justificava dizendo que alguém colocara as chaves lá sem que ela soubesse. Eu não disse nada e saí. Só vi o perfil de Pai Ananias, sorrindo e dizendo: - Vosmicê está aprendendo rápido, filho! Só depois, de volta a minha mesa é que fui conseguir analisar o que tinha feito. Se as chaves não estivessem lá, eu estaria frito e minha cabeça iria a prêmio. Voltei dias [243] Experiências de um Leigo depois a conversar com Álvaro, o porteiro, que me confirmou que as chaves não me foram entregues, que a diretora havia lhe pedido as chaves minutos depois que eu lhe entregara. E na confusão em que caminhava minha vida eu colhia mais essa lição... Soube depois que ela era uma cobradora minha dos tempos do Engenho Velho. Era uma velha escrava por nome de Madalena e a fiz sofrer pelo meu temperamento e ignorância. Ela mais tarde tramou a minha demissão e conseguiu, colocando outra irmã no meu lugar. [244] Experiências de um Leigo DEVES ACREDITAR EM TI Meu filho, até onde poderá ir a tua intransigência? Temes a ti mesmo, como uma criança indócil teme a própria ingenuidade e as incertezas do amanhã que lhe traduz medos e inseguranças. Aonde poderá ir sem confiança e segurança em ti mesmo? Não entregues aos outros a força de sentenciá-lo aos desequilíbrios. Acredite em si mesmo. A verdade somente poderá ser vivida por ti e não será compartilhada por que simplesmente fala das tuas experiências. Ninguém compreenderá da maneira que desejas. Então filho, quem poderá te ajudar? Ninguém, a não ser o teu acreditar. As tuas dúvidas são somente reflexos dos teus medos e da sua negação. Assim que deixares de negar a verdade, encontrarás nela o teu equilíbrio. Pai Ananias das Cachoeiras. Alguns meses se passaram e agora eu me sentia muito mais seguro. Depois do ocorrido com o irmão de Batista e de fatos como aquele que se sucederam ao longo dos dias, minha relação com Pai Ananias mudou de forma extraordinária. Salve Deus mestres, tudo nos acontece quando estamos acessíveis e, entre nós, agora já existia um diálogo, por mais precário que fosse, porque eu ainda não aceitava nada com facilidade. As tentativas continuavam e as visões permaneciam. Eu estava mais confiante em minhas intuições e os acontecimentos [245] Experiências de um Leigo diários me ensinavam a não duvidar mais do que via ou percebia. Pai Ananias, a cada dia que passava, buscava se aproximar cada vez mais de mim. Era raro o dia em que não conversávamos, pois após aquele acontecimento, ele tomou um novo significado em minha vida. Aos poucos eu começava a gostar dele. É bem verdade que foi difícil, mas ele estava conseguindo me convencer. Quando não nos víamos uma leve saudade batia no meu coração. Eu procurava a todo custo, saber dele o motivo de toda aquela assistência e isso ainda me desarmonizava em grande escala. Porém, quando penetrávamos nesse assunto, ele desconversava e me pedia paciência. Eu, entretanto não via o motivo de toda aquela movimentação, principalmente dele. Aflito e cansado de tudo aquilo, afinal eu não via o porquê daqueles fenômenos, me dei por desequilibrado. Disse[246] Experiências de um Leigo lhe que não acreditaria mais em ninguém, nem nele, nem mesmo em mim. Aquilo não era justo comigo, afinal de contas eu é que ficava desarmonizado e cheio de dúvidas. Portanto o prejuízo era meu e não dele. Era preciso que eu soubesse o motivo de todas aquelas aparições, ou não queria mais saber daquilo. De fato depois dessa discussão, ou melhor, depois que eu briguei com ele, passei uma semana sem vê-lo. Foi mais ou menos nesse clima que eu, na Quarta-feira cheguei ao Vale cedo, decidido a por fim em tudo aquilo que eu vivera. Ao entrar no templo, senti a mesma sensação estranha, igual às outras vezes. Faltava-me sintonia, e eu não conseguia me concentrar num trabalho sequer. Parecia que eu não pertencia mais aquele lugar. Tudo me era estranho e era como se eu tivesse sido desligado de tudo ali. Não dei importância. Comecei a trabalhar independentemente do meu estado. Trabalhei sem cessar até o final daquela noite. Saía de um setor e corria para o outro. Assim foi a mesa evangélica, a indução, a linha de passe, a cura, a junção, tronos, enfim. [247] Experiências de um Leigo Cheguei ao término do trabalho oficial e já me sentia mais aliviado. Fui até o Pai Seta Branca e, em prece, lhe pedi que me ajudasse, que me auxiliasse em buscar uma resposta para tudo aquilo que eu vivia. Nessa noite voltei para casa mais aliviado e pensei que Pai Ananias tinha desistido de mim. provavelmente se cansara e enfim, tudo aquilo tinha passado... Só voltei ao Vale uma semana depois. Entrei no templo e me sentia normal, como sempre fora antes. Sim, graças a Deus tudo passara. Pai Ananias me causava saudades, mas eu estava melhor sem ele. Mal percebia eu que de minuto em minuto seu nome me passava pela mente. Era impressionante a nossa ligação. Eu sentia saudades daquele agora, amigo, que eu tinha, mas com certeza era assim que eu queria ficar... Dirigi-me ao trabalho de mesa evangélica. No começo do trabalho, já sentado para incorporar, senti a mesma pressão nos meus chacras. As visões então, para minha tristeza-alegre, começaram de novo. Desta vez era um templo. Via a cidade das casas velhas, ruas estreitas, pessoas... [248] Experiências de um Leigo Tudo como antes. Mas agora também havia um templo. Desarmonizei-me. Fiquei com raiva e desejava que aquilo fosse embora, pois não me fazia bem. Já que eu não podia saber a razão, pois que não vivesse nada daquilo. Ao final do trabalho, novamente me surge o perfil de Pai Ananias, mudo silencioso. Suas feições tinham um ar de tristeza. Ele estava em silêncio, mas me transmitia todas as mensagens através de pensamentos e sentimentos. Era sempre assim que conversávamos: pelo silêncio. Seu semblante desta vez demorou mais do que de costume. Saí da mesa meio tonto. Fui para o Castelo do Silêncio32. Era estranho o que sentia. Sentei-me numa atitude que não era normal. Minhas mãos gelavam e meu coração batia numa velocidade anormal. Uma ânsia e 32 O Castelo do Silêncio é onde se concentra grande energia cósmica - prana (*) -, que vai reforçar o plexo do médium, dando-lhe condições plenas para o trabalho. Ali agem, também, poderosas forças desobsessivas que limpam a aura do médium para que ele se harmonize e se equilibre. É um verdadeiro banho de energia que o médium recebe e, por isso, deve estar em perfeita sintonia com seus Mentores, buscando sua paz interior. Ao entrar no Castelo do Silêncio, o médium se anodiza servindo-se do sal e do perfume. Vai sentar e faz sua mentalização, dizendo mentalmente: “SENHOR: FAZE DE MIM SEGUNDO A TUA SANTA VONTADE!”. Busca sua intuição para os trabalhos que pretenda realizar, permanecendo ali por, no mínimo, três minutos. Pela Lei, naquele recinto não é permitido a ninguém fazer preleções, chamadas ou mesmo dizer o que o médium deve fazer, exceto na concentração das ninfas que vão incorporar o Pai Seta Branca no dia da Bênção no Templo-Mãe, ocasião em que uma rápida explicação e preparação para o cortejo ali é feita. Ali se faz, também, a concentração para a formação da Cruz do Caminho, dentro do maior silêncio e harmonia, e dali partem o ritual do Oráculo e as missionárias que irão receber os mestres e ninfas que chegam da Estrela Candente para entregar a energia. Neste Castelo pode entrar alguém que esteja sem uniforme ou indumentária, mas que deseje o seu silêncio. [249] Experiências de um Leigo enjoo se apoderaram de mim. A noção de onde estava fisicamente foi ficando cada vez mais vaga... Não sentia meu corpo nem meus pés no chão. Se estivesse em pé, certamente cairia. Alguma força estranha me fazia dormir. Relutei como pude, mas era inútil. Aquilo era mais forte do que eu. Saía e voltava do corpo num movimento estranho. Hora dava uns passos ao redor de mim e via um fino cordão de cor prateada. Ele me parecia esticar e encolher dependendo da minha distância, ou melhor, da distância referencial do meu corpo. Estranhei por ele sair por cima da minha cabeça. Afastei-me um pouco do corpo físico e caminhei até do outro lado. Aquele cordão me acompanhou e estava preso a mim. Lembrei de criança quando soltava pipas e que a mantinha por fina linha que me dava sobre ela, todo o controle. Era muito ruim aquela sensação, mas absorvido aquela nova experiência me esqueci por completo do que ocorrera anteriormente e pus-me a me divertir como uma criança que recebe um brinquedo novo. Sentia muito medo, mas arriscava-me, pois [250] Experiências de um Leigo guardava comigo um dizer meu pai: Medo é manha e corremos o risco de morrer e não saber de que morremos. Assim, enfrentava-o como um guerreiro luta para vencer um inimigo. Meus pensamentos se apegaram a Jesus e lhe pedi que me ajudasse, que me protegesse e que tudo ocorresse segundo sua santa vontade. Não sei quanto tempo passei naquele estado e só voltei a mim quando me vi com a cabeça recostada na parede em que apoiava o meu corpo. Lembro-me que em dados momentos via a imagem de Pai Ananias. Ele me dava segurança e tranquilidade. Mais ou menos refeito, caminhei para fora do templo. Queria respirar o ar puro; recostei-me ao muro do Turigano procurando esquecer o que tinha se passado. Ainda estava me sentindo fraco. Acho que gastei minhas energias naquela brincadeira. Mestres iam e vinham sem cessar, quando de longe avistei meu adjunto: Guilherme. Conversamos alguns minutos e eu por alto lhe contei o que estava acontecendo. Ele sorriu: [251] Experiências de um Leigo - Isso são obsessores mestre. Faça uma Estrela Candente... Sempre a mesma conversa, pensei. Esse povo aqui só acredita em coisa ruim... Obsidiados são eles. Na minha insegurança me corrigi imediatamente: Mas ele pode estar certo. Ele é um Adjunto Arcano33, deve saber o que diz... Mas eu estava mais seguro. No final das contas, aceitei a sua opinião mais por respeito do que por convicção. Um obsessor não me transmitiria o que aquele espírito me passava... Voltei ao templo sem saber aonde ir. Tentei buscar a cura, mas minha sintonia sempre me puxava para a mesa evangélica. Fiquei ali sem participar do trabalho. Sentado na parte evangélica, somente buscava entrar num estado de prece. Novamente o perfil de Pai Ananias se fez presente: - Filho salve Deus. Por que não acreditas? Começas a acreditar em ti filho. 33 Quando Tia Neiva foi preparada na Alta Magia, foi levada por Humarran ao Oráculo de Simiromba e ali recebeu o direito de trazer a Estrela Candente e de formar os Trinos, que seriam os representantes das nossas Raízes, o que se seguiu da ordem superior para fazer os Adjuntos. A formação de Adjuntos Koatay 108 (atualmente Arcanos) foi feita para estabelecer uma hierarquia dentro da Corrente, um elo de sustentação das forças, cada um recebendo sua consagração que o ligou a um Ministro. Passou, assim, a se constituir no poder básico da Corrente do Amanhecer, sendo seus componentes integrados pelos médiuns - Doutrinadores e Aparás - que a ele devem filiar-se após o Curso de Pré-Centúria. [252] Experiências de um Leigo Isso lhe fará muito bem. Saiba que somente desejo o seu bem e junto de ti desenvolvo um trabalho que te preparará para dias futuros. Veja, ainda hoje escutarás o nome de uma cidade que não te será estranha num breve futuro. Jesus te abençoe e te ilumine. Salve Deus. Antes de ir confessei-lhe que havia duvidado deles novamente. Pedi perdão e ele se foi. Aquela visão se desfez. Fiquei cismado e decepcionado comigo mesmo. Desse dia em diante jurei que nunca mais duvidaria dele e ficaria acessível às vontades dos espíritos. Pedi a Jesus proteção, encerrei meu trabalho e fui esperar minha carona, pois estava sem carro nessa época. Saímos tarde da noite. Era sempre assim. Muitas foram as vezes em que cruzávamos as estradas que ligam o Vale a Sobradinho às três horas da madrugada. Nessa noite estava só, ausente de Batista e Sonia. Fato raro. Vínhamos quatro pessoas. Encostado no vidro lateral do carro, estava com o rosto virado para a noite que se fazia densa. Aquela escuridão corria ao meu lado e [253] Experiências de um Leigo eu não a percebia mergulhado em meus pensamentos que iam longe. Estava junto a mim Raimundo um amigo e mestre que depois de algum tempo veio para o nordeste. Imaginava quem seria Pai Ananias. De onde ele vinha e a pergunta que há muito tempo me desarmonizava: a razão de tudo aquilo. Vinha tão envolvido em meus pensamentos que não percebia a conversa animada de meus companheiros, a respeito do trabalho e das coisas espirituais. Cheguei ao meu destino e até esquecera do que me dissera Pai Ananias, na cidade da qual eu ouviria falar. Quando parou o carro, um dos rapazes que vinha conosco virou para o motorista e sem pestanejar, respondeu a pergunta que lhe tinha sido feita. Ele era natural de Jaguaribe, no Ceará. No mesmo segundo lembrei-me do que me dissera Pai Ananias. Aquilo me entrou como flecha na mente e eu fiquei feliz. Sim, eu não tinha como duvidar de tudo que acontecia; era mesmo físico e palpável. Eu não tinha mais como duvidar, entretanto, depois desse dia ainda procurei vários mestres da alta hierarquia do Vale, e todos me diziam a mesma coisa: ele era um [254] Experiências de um Leigo obsessor, um cobrador que eu havia adquirido em outras vidas e que vinha fazer sua cobrança. No entanto, só eu sabia o que acontecia quando ele chegava. [255] Experiências de um Leigo PROJEÇÃO DA IMAGEM Depois de todo o processo pelo qual eu passara, enfim, estava mais seguro. Sim, eu não duvidava mais de Pai Ananias e quase todos os dias conversávamos. Já conseguia deixar o corpo, me transportar a um lugar e ali conversávamos. Um ambiente por ele preparado e ionizado na ideia de me proporcionar segurança e conforto. Daquela paisagem recebi as ricas lições e grande aprendizado de Pai Ananias. Ali escutei a doce melodia universal recitada por ele. É lógico que eu ainda estava resistente, entretanto era bem menor minha relutância. Comecei então a me acalmar e pude melhor perceber todas as coisas que estavam circulando em volta de mim. Mais sensato e equilibrado podia agora avaliar melhor todas as questões. Percebi que estava num desenvolvimento sem que ele me informasse disso. Eu já me transportava e às vezes me desdobrava teleguiado, pois precisava dominar as técnicas e não conseguia ainda. [256] Experiências de um Leigo Precisava de auxílio; seria como se eu viajasse num carro alugado, esse veículo, era o amparo de Pai Ananias ou de um Cavaleiro Verde Especial, espíritos que vivem nas legiões celestes que sempre estavam a me acompanhar para todos os lugares que ia. Ele permanecia sempre à distância, como um guardião atento a tudo. Já conseguia fazer algumas viagens em desdobramento, mas me faltavam os recursos do períspirito que me colocariam na outra dimensão em estado completo, corpo, mente, alma e espírito. Essa técnica era mais difícil e dolorosa pelas sensações desagradáveis que me provocava. Saía muitas vezes do corpo físico e andava por perto de mim mesmo. Via com muita dificuldade sem poder distinguir um plano do outro. As coisas e pessoas eram obscuras e deformadas. O meu psíquico ainda estava no comando das atividades do meu sistema nervoso central. Precisaria resolver questões internas e para isso deveria visitar a minha região subconsciente. Toda a atividade de Pai Ananias se resumia em duas intenções claras: a primeira em me fazer acreditar em mim mesmo e a [257] Experiências de um Leigo segunda em fazer com que eu me interessasse por sair do corpo, fosse em transporte ou em desdobramento. Tive dificuldade em aceitar isso pelas sensações que eram muito desagradáveis. Eu tinha indisposição àquilo tudo, por me obrigar sem que eu quisesse ou permitisse. Esse era um sério empecilho a tudo: a minha forma de ser. Naquela tarde senti fortes sensações que me atacavam as têmporas. Aquele era o sinal que algo iria ou podia vir a acontecer espiritualmente. Novamente aquelas mesmas sensações ruins e incômodas, que iam aumentando até eu conseguir deixar o corpo ou me livrar daquele enroscado e emaranhado de providências. Senti-me fora do corpo e estava numa sala, numa dependência que era vazia, ausente de mobília. Uma porta estava às minhas costas, por onde havia entrado e outra, alguns metros à frente excitava-me a abri-la. Caminhei até lá e o fiz. Um corredor imenso e bastante escuro, mais negro que as noites sem luar aqui na terra. Um breu. Pensei que ali deveriam ser as trevas... [258] Experiências de um Leigo Não tive coragem de atravessá-lo. Mas usei intuitivamente a minha visão. Ela penetrou por aquele corredor, caminhou passo a passo por aqueles espaços sem que eu movesse o corpo. Aquela dependência parecia bastante extensa e ao final dela três degraus se arrumavam. Acima deles uma porta de ferro, fechada com dois grandes cadeados. Recolhi a minha visão e voltei. Sim, aos poucos eu estava descobrindo os meus recursos. Eles vinham intuitivamente e eu parecia ser velho naquela arte, pois, dominava sem muita dificuldade. Retornei ao corpo físico e continuei a minha leitura: A Vingança do Judeu. Chegamos naquela noite ao Vale do Amanhecer, em dia normal, quando seguia o Trabalho Oficial. As obrigações mediúnicas naquele dia eram intensas e as curas desobsessivas se processavam dentro de um quadro de amor e caridade, como desejavam os nossos mentores. Sim, Tia Neiva sustentava todo aquele poder e as curas se faziam sempre aos nossos olhos. Os pacientes chegavam em busca de ajuda espiritual, em busca de alívio para suas dores. Eles eram muitos, em dúzias [259] Experiências de um Leigo que não podíamos contá-los. Esse era o quadro daquele dia... Tocou o sino chamando os mestres, para a realização de uma mesa evangélica. Dirigi-me então para o local daquele trabalho. Fizemos a fila. Um a um, o comandante foi indicando o lugar de se sentar. Eu me sentei, preparado para incorporar os nossos irmãos desencarnados, que necessitavam de ectoplasma humano. Foi nesse momento que comecei um transporte consciente, como se estivesse dividido em duas pessoas; simultaneamente. Eu incorporava e me transportava. A essa altura isso já não me impressionava e não me desarmonizava como antes. Eu já tinha adquirido certa experiência com Pai Ananias e tinha minha segurança nessas ocasiões. Naquele momento, algo me magnetizava, arrancava-me do corpo como um ímã. Fora do corpo, percebi a negritude etérica. Era noite e a escuridão tentava esconder um barracão à distância de mais ou menos 100 metros até onde eu me achava. Observei-o atentamente. Por uma janela [260] Experiências de um Leigo aberta saía uma luz discreta, chamando minha atenção. O local era deserto e a casa, me passava a impressão de propositadamente escondida não sei por que motivo, por árvores que lhe rodeavam em toda sua extensão. De repente, a sineta da mesa tocou marcando o encerramento da mesa... Nesse momento perdi a sintonia daquele transporte. Eu não tinha a concentração exigida e qualquer coisa me tirava do quadro que estava vendo e vivendo. Saí dali e me dirigi para a indução, na intenção de afastar aquilo que eu julgava ser corrente negativa. Estava sendo atraído por forte magnético e ele não era vindo de espíritos bons. Imaginei ali ser um local inadequado para mim. Então procurei me desfazer-me daqueles pensamentos, sair daquela sintonia. Entretanto, quando começou o trabalho de indução, novamente o transporte continuou. Eu estava incorporado com um preto velho, mas o transporte acontecia normalmente. Interessante é que eles aconteciam imediatamente após eu ter incorporado. [261] Experiências de um Leigo Comecei então a mentalizar aquele cavaleiro. Não sabia por que, mais ele veio muito forte em minha mente, pela primeira vez. Percebi imediatamente aquele homem imenso, mas alto do que o barracão chegando a certa distância. Com ele um vento forte se fez. Fiquei admirado com a rapidez, mas é mais ou menos assim que funciona no mundo espiritual. Quando você pensa, então acontece. Passei então a me sentir mais seguro. Da janela observei que lá dentro tinha um guarda, e ele, pelo seu jeito não percebera a nossa presença. Sim, nesse momento percebi que estava somente projetado e não em espírito e verdade. Por isso ele não me via. Aquele estado era diferente do que ocorria comumente. Estudava que em situações perigosas era a minha imagem que estava ali e não eu. Pai Ananias me explicara o processo, muito semelhante a um filme que assistimos em casa. Os atores estão ali, e não estão. Há somente a imagem deles. No entanto não prejudica em nada o nosso entendimento e era assim que eu estava. De repente assustei-me com um barulho. Era o [262] Experiências de um Leigo cavaleiro que, agitando seu chicote, produzia silvos, e aquelas ondas de energia e som se desprendiam da batida do chicote produzindo efeitos que não saberia dizer. Ele estava numa manipulação de energias... Depois de algum tempo pude ver que aquele casarão se encontrava na Asa Norte, um setor de Brasília. De repente, um grito de um sofredor que incorporara na mesa me assustou, fazendo com que eu retornasse ao corpo. Há uma considerável distância da mesa para a indução mas mesmo assim eu escutei por que neste estado ficamos muito mais sensíveis. Entretanto, instantes depois, aquela corrente magnética me arrastava de novo, de volta àquele lugar. Aproximei-me do barraco novamente, e vi que se tratava de um terreiro de macumba. O médium estava incorporado com um espírito de quimbanda conhecido pela hierarquia de exu, que dava consultas a um cliente. Havia várias estatuas, como de Zé Pelintra, Exu Ventania e santos, como a imagem de São Jorge, e muitos outros, que compunham aquele ambiente macabro e assustador... [263] Experiências de um Leigo Ali estava sendo realizado um trabalho específico, para prejudicar alguém, que de alguma forma estava ligada àquela pessoa objetivada pela entidade. Aos pés de Zé Pelintra, observei uma fotografia de mulher, junto da qual um prato cheio de muitas coisas esquisitas acompanhado de dois punhais cruzados. Percebi que ninguém me notava e somente eu tinha a noção de todos que ali se achavam. Aproximei-me para ver a fotografia, ver quem era, mas não consegui identificar. Nesse clima de apreensão retornei ao corpo, despertado pelo comandante. O trabalho de indução havia acabado. [264] Experiências de um Leigo NÚBIA, A VIDENTE Estávamos no Vale, num dia de muito trabalho. Sentia-me cansado, no entanto, as obrigações com os visitantes que ali se encontravam, davam-me forças para cumpri-las até o último minuto do trabalho. Nesse dia era uma maratona: muita gente e poucos médiuns, mas trabalhávamos com boa vontade, esperando que os mentores nos auxiliassem na realização dos trabalhos. Nesse clima de obediência e respeito, experimentávamos e ganhávamos experiências mediúnicas que nos ajudavam, que nos ensinavam e nos realizavam, fazendonos sentir instrumentos de paz e amor... Eu estava nos tronos incorporado com um preto velho. Era a lei de auxílio, e ali iria receber pessoas com diversos problemas, de várias origens, e a responsabilidade era a grande preocupação que sentia. Inexperiente e aspirante à convivência daqueles que chegavam àquele pronto socorro, sentia-me muito inseguro, me apoiando muito no mestre doutrinador que me acompanhava no trabalho: Batista. [265] Experiências de um Leigo A incorporação no Vale do amanhecer é semiconsciente. Isso quer dizer que temos consciência dos dois planos que trabalhamos simultaneamente. Assim trabalhávamos na lei da caridade. Batista estava sempre atento e perfeito como vigilante, em sua tarefa de proteção e isso me facilitava na tarefa de estar ali, e em outro local simultaneamente. Naquele dia, transportei-me para um centro espírita. Era um grande salão e eu me encontrava dentro dele. Observei atentamente aquele lugar desconhecido, fixando aqueles detalhes que podiam ser vistos. Ali parecia ser o centro de toda aquela construção, pois avistei um altar erguido e bem decorado com muitas fotografias de vários santos. Observei uma senhora que ali estava ajoelhada, reverenciando aquele altar, composta por um vestido rodado todo branco. Entretanto, chamou-me a atenção, uma fotografia que era de uma mulher encarnada, e aquela reverência era endereçada àquela fotografia. Fiquei com medo de ser reconhecido por aquela mulher, mas notei [266] Experiências de um Leigo que ela não me via, que eu estava invisível aos seus olhos. A fotografia era de alguém que eu conhecia, e que por algum motivo eu estava sendo atraído para aquele lugar. De volta ao corpo, percebi que havia se passado apenas alguns segundos. Tentei retornar, mas aquele quadro desaparecera de minha mente, de minha visão. Eu nunca soube ao certo porque estava sendo atraído para aquele lugar. Tenho certeza que ali era um lugar abençoado, e nada mais podia dizer. Assim fomos vivendo nossas experiências espirituais, e tirando delas o que necessitávamos para o aprendizado. Salve Deus mestres, nem sempre temos os porquês, mas sabemos que tudo é necessário e nos enriquece no caminho de nossa evolução; nada é em vão. Salve Deus. [267] Experiências de um Leigo VAIDADE: A PONTE PARA A HUMILHAÇÃO Salve Deus mestres. A visão espiritual requer do médium um real conhecimento doutrinário e uma conduta moral exemplar dentro daquilo que lhe é possível, dando ao médium uma perfeita sintonia com os mentores que lhe assistem. O perigo da interferência é constante, tanto na vidência como nos transportes e desdobramentos que fazemos. Quem nos guia nessa estrada é o nosso padrão mental, pois o intercâmbio é desfeito num simples momento de desarmonia. Veja o perigo que corri quando não estamos bem harmonizados e em sintonia com os planos iluminados. Eu saí do corpo aquela noite em busca do meu mentor, Pai Ananias da Cachoeira, que todas as noites me esperava para ministrar os preciosos ensinamentos na minha vida. Alguns meses já haviam se passado e eu agora estava confiante a ponto de não mais por em prova todas aquelas manifestações, que antes constituíam o meu inferno em vida. Sim, muita coisa havia [268] Experiências de um Leigo acontecido e muito havia aprendido durante todo aquele tempo. O nosso ponto de encontro, nosso segredo ou nossa senha estava clara e exclusivamente no cruzamento de nossas forças. Ele me aguardava silenciosamente sentado num tronco embaixo de uma árvore e ali me colocava no seu canal. Era muito bonito: parecia um pôr-do-sol; a paisagem me era como um bálsamo dos céus, como somente um anjo poderia me pintar com todo seu amor. Era um quadro muito bonito ver aquele velho tão sábio, aquele mentor sideral, numa atitude tão humilde. Então ali nos entrelaçávamos numa perfeita sintonia, que se constituía e se constitui a única porta possível, por onde muitas e ricas lições eu recebia e recebo até hoje. Nesse dia saí do corpo em sua busca. Entretanto não o avistei no lugar de costume e nem avistei a nossa velha árvore, que era a primeira coisa a se fazer visível quando para lá me dirigia. Dessa vez, a minha tão amiga paisagem não se fez presente aos meus olhos. Nesse momento, alguém me abraçou e eu o reconheci. Era ele, meu [269] Experiências de um Leigo querido Pai Ananias. Andamos juntos uns vinte metros, quando percebi que se tratava de uma mistificação. Automaticamente o espírito se apresentou. Pulou metros à frente e começou a zombar da minha situação. Perplexo, fiquei sem saber como agir. Procurei imediatamente o amparo de Pai Ananias, mas não o encontrei em parte alguma. Ele então, o mistificador, começou a zombar da minha situação: - Pensou que eu fosse Pai Ananias não é seu palhaço? Cuspia no chão e fazia gestos obscenos, rindo da minha cara e xingando-me de tudo que lhe vinha à mente. Meu primeiro impulso foi o medo; entretanto estava muito mais avinhado em transportes e vidências do que antes, quando nada conhecia; procurei por Pai Ananias e nada avistei a não ser o escuro etérico e aquele espírito numa dança zombeteira a meu respeito. Tentei ainda elevar meus pensamentos mas quando entramos no circuito ou canal de um espírito não é fácil sair, sobretudo quando não se trata de um iluminado. Ele, percebendo, riu e ganhou [270] Experiências de um Leigo ainda mais confiança na situação que lhe parecia ganha. Entretanto nem ele nem eu esperávamos o que em seguida aconteceu. Pai Ananias estava do meu lado, mas não se fez visível também para me dar àquela lição, e somente com a ajuda dele consegui sair do canal daquele espírito. Aprendi a rica lição daquela noite. Sem saber, aquele espírito me ensinou o risco que corremos quando não estamos harmonizados com os planos de Deus, e como somos vulneráveis quando estamos vaidosos e orgulhosos do que somos. Na verdade, tudo deve ser conduzido pela lei do amor. Salve Deus mestres, cuidado na hora de dormir. Vamos ter cuidado ao sairmos do nosso corpo. Essa é uma das horas mais perigosas no nosso dia. Que Jesus nos abençoe. [271] Experiências de um Leigo DE VOLTA AO MEU PASSADO Oh! Jesus, eu sou o teu filho Jaguar, um Koatay 108 Regente Orixá lua, 5º Yurê, luz sublimação, 5ºRaio lunar do Oriente, que me fez um herdeiro das grandes conquistas humanas, junto ao Grande Simiromba de Deus, meu Pai Seta Branca, teu irmão em cristo Jesus. Venho, Jesus, na ordem dos veteranos espíritos, Ramas que governam esse plano físico. Venho nas linhas das raízes que compõem esse compêndio doutrinário, essa ciência mãe, chamada Escola do Caminho, vestida na luz deste sublime amanhecer. Venho de eras remotas acompanhando a marcha dos milênios, o processo evolutivo desta humanidade, incorporando em mim as heranças de povo e povos que Deus me confiou. Hoje, Jesus, estamos diante da nova era, a era Jaguar. Voltamos, tivemos que voltar ungidos pelas juras e compromissos transcendentais, vindos das mais longínquas eras trazendo a alma oculta dos Deuses da antiguidade dos velhos Equitumãns, Tumuchys, Jaguares. Voltamos Jesus para recolher todas as energias civilizatórias que construíram os caminhos que trouxeram o homem até aqui, e para transportar todo esse magnético animal que ainda impede o despertar do homem-Terra, para a grandeza absoluta, do ser oculto que ainda dorme na inconsciência de uma humanidade, ainda sem Deus. Voltei Jesus para redimir-me... Trecho do canto de Tio Chico De repente comecei a sentir uma projeção muito forte, parecida com a que tinha ocorrido dias atrás no Vale. Busquei formar uma sintonia com a força que me chegava e identifiquei a presença de Pai Ananias. Cumprimentou-me com um salve Deus e desta vez, seu semblante demonstrava alegria - Filho prepare-se. Vamos passear. - Aonde vamos meu pai? [272] Experiências de um Leigo Filho, hoje é o primeiro dia em que começarás um novo treinamento. Confie em mim e busque um lugar onde possa se concentrar. Aguardei o momento em que toda casa se aquietou. Saí do quarto e me sentei à mesa que estava na área de serviço. Fechei a porta, acendi as velas e o defumador. Coloquei sobre a mesa folhas de papel e lápis. Fechei meus olhos e fui buscando Pai Ananias naquela frequência que eu conhecia tão bem. Entretanto antes que ele me falasse novamente, quadros começaram a aparecer como num cinema. Cenas ligeiras passavam por uma tela e tudo era muito real. Nesse estágio eu já estava mais avinhado nessa sintonia. Os lugares se mostravam com mais nitidez e eu já conseguia definir rostos, casas, lugares tudo com mais segurança. Minha respiração se tornou mais forte e meu coração pulsava fortemente. Graças a Deus, desta vez assisti tudo mais calmo e obediente. - Filho, preste atenção. Não irás pensar em mais nada. Deixe que eu coordene os seus pensamentos. Irás sair do corpo comigo e iremos a uma iniciação. [273] Experiências de um Leigo Obedeci às instruções e não tive medo. Mergulhei meus pensamentos em Pai Ananias e senti alguém perto de mim. Sim, ele estava de pé, junto comigo. Eu não o via nitidamente e num segundo de excitação, fiz a chave iniciática, pronunciando três vezes ‘louvado seja nosso senhor Jesus Cristo’. Ele repetia ao final de cada frase. Mais tranquilo, começamos a caminhar. Tinha a impressão de voltarmos no tempo. Chegamos num lugar muito bonito. Era noite e a lua resplandecia no céu como um grande refletor iluminando tudo. O lugar parecia uma floresta. Em forma de círculos, eu via casas, cabanas de palha. Pai Ananias vendo minha curiosidade, me informou que estávamos na Cachoeira do Jaguar. Ali viveram Pai João e Pai Zé Pedro. Eu observava atentamente tudo que acontecia. Num certo momento, Pai Ananias me chamou atenção para uma cabana sem laterais, que se achava à nossa frente. Apesar da nossa distância, notávamos que estavam num ritual. Vi muitos pretos velhos e uma mulher sentada num tronco entre dois homens. Por trás a lua desfilava parecendo que também fazia parte daquela [274] Experiências de um Leigo consagração. Fiquei de olhos fixos no que acontecia enquanto Pai Ananias me explicava: - Veja filho, aquela mulher sentada entre aqueles dois homens é Natacha. Tia Neiva? – Perguntei assustado. Sim filho. Ela está sendo consagrada e aqueles dois pretos velhos: Pai João e Pai Zé Pedro. Eles estão consagrando Neiva. Lembrei que ela de fato havia nos contado sobre sua consagração na Cachoeira do Jaguar e atento a todos os detalhes, abria também meus ouvidos para o que Pai Ananias me dizia. Como algo fenomenal, eu assistia a tudo; observava pessoas, gestos, roupas e o nome das pessoas e as explicações me vinham na mente. Eu sabia que aquilo era Pai Ananias. Tudo era muito bonito e nítido. Não tinha como duvidar. Passou pela minha mente o quadro pintado por Vilela, pintor do Vale do Amanhecer. Ele realmente se aproximara muito da realidade quando pintara aquela cena. Absorvido pelo que via não dava importância ao que me acontecia no físico. [275] Experiências de um Leigo Em dado momento vi meu corpo sentado, mas não me assustei. As cenas eram tão reais que não tinham diferença dos contatos aqui da terra. Pai Ananias despertou-me, dizendo que iríamos a outro lugar. Saímos devagarzinho. Por minha mente passavam mil perguntas e ele, lendo meus pensamentos, disse que depois me esclareceria naquilo que lhe fosse possível contar. Este outro lugar era muito diferente. Penetramos por uma sala que nos conduziu a um salão enorme, parecido com as velhas sinagogas. Encaminhamo-nos para o centro. Eu fiquei de pé; procurei Pai Ananias, mas não o vi. A certo momento, notei uma arquibancada lotada de índios com seus penachos coloridos e indumentárias de várias cores e tipos. Suas túnicas eram de uma beleza jamais vista aqui na terra. Eles me olhavam e isso foi me deixando acanhado. Em minha frente, sem que eu a visse se aproximar, surgiu Tia Neiva. Ela, percebendo meu assombro me sinalizou que estava tudo bem. Seu aspecto era rejuvenescido. Os cabelos muito pretos e um vestido azul davam-lhe um ar totalmente cigano. Avistei quando ela recebeu um objeto [276] Experiências de um Leigo de um índio bem alto, vestido de azul com um grande penacho branco. Era Pai Seta Branca e o objeto era um talismã. Nesse momento sabia disso porque a voz de Pai Ananias novamente se fez ouvir em minha mente. De longe notei que no centro do talismã, uma pedra roxa emitia uma luz da mesma cor. Tia Neiva então se aproximou. Não reconheci nela a figura física aqui da terra, mas me impregnei com seu ar de bondade, de mãe. Ela me sorriu e começou a falar: - Filho, esse é o talismã de Koatay 108. Elevou as mãos por cima de mim e me colocou aquela joia no pescoço. Meio tímido, segurei suas mãos e fiz menção de beijá-las, demonstrando respeito. Então ela continuou me dizendo: - Filho, quis a vontade de Deus e do grande Simiromba, lhe conceder a feliz oportunidade desta consagração. Jesus te ilumine. Boa sorte. Olhei para os lados tentando ver Pai Ananias e lhe pedir socorro, porém nada escutei nem vi. Acima de mim, estavam os trinos do amanhecer, seu Mário Sássi, Nestor [277] Experiências de um Leigo e Michel, respectivamente, Tumuchy, Arakém e Sumanã. Quando dei por mim, estava no corpo. Olhei para as velas que eu havia acendido. Ainda estavam grandes, no entanto, para mim, horas haviam se passado naquele transporte. Olhei para o lado e me deparei com a parede fria e branca. Respirei fundo tentando me sentir no corpo novamente. Em minha mente Pai Ananias novamente se fez visível. Sorria feliz. Eu o via de olhos abertos e não compreendia como poderia ser aquilo. Mais nitidamente, debaixo da árvore, lá estava ele. Fui para lá e conversamos sobre as minhas dúvidas. Disse-me que tinha passado por uma consagração e que a partir daquele dia minha vida tomaria outro rumo. Eu havia sido consagrado como um Koatay 108 e a mim, seriam dadas responsabilidades maiores. - Mas meu pai? Como? Que consagração é essa? - Filho, tua cabeça ainda é pequena e não sei como cabe dentro dela tanta curiosidade. Depois eu te esclarecerei melhor. Agora voltas para o teu corpo e descansas. [278] Experiências de um Leigo Meus pensamentos ardiam em chamas, mas obediente, retornei ao físico. Pai Ananias ainda me pediu para que me desconcentrasse e não contasse a ninguém o que tinha ocorrido. Definitivamente então, voltei e comecei a escrever o acontecido. Cansado e faminto, depois de registrar os fatos corri para a cozinha... [279] Experiências de um Leigo TIA SONIA: A NOSSA VOVÓ RITA Minha filha salve Deus! Eu sou a tua mãe em Cristo Jesus, que das alturas vim ao teu encontro. Sou a irmã mais próxima de tua alma, como és o espelho refletido na terra de minha imagem. Se quiserem ver a mim, é só olhar para ti. Imagem e semelhança. Mãe e filha, numa comunhão cúmplice para edificar o bem e servir a Jesus. Tua missão hoje, minha filha, transcenderá todos os capítulos vividos e escritos em tuas vidas passadas, fugindo a tua própria compreensão. Pois, Senhora Aparecida em vida, mesmo, hoje, és sem saber e, em tua alma oculta, a rainha, é também, mãe e filha, senhora e escrava desse seu sacerdócio, na forma mais sublime e representativa deste poder que traduz. És o amor. Eu te abençoo... Para que tuas mãos, ao simples toque, abençoem as almas daqueles que por mim e por ti, serão consolados. Salve Deus, minha filha. Somos aves de nome Maria, também Rita e Sônia, cheias de graças, pelas bênçãos do amor, senhoras benditas, por servirmos a Jesus, que nos enviou entre as mulheres... Bendito sejam os frutos dessa comunhão, em Deus, em Jesus e no Cristo. Vovó Rita. Mensagem foi retirada de um texto biográfico que guardo desde 1987. Enfim, chegamos ao término desses primeiros relatos. Sinto-me, entretanto, ainda em falta, numa sensação que não me satisfiz e tenho em mim a razão. Está no que segue adiante abaixo. Ser justo é procurar simplesmente ser integro consigo mesmo e para com a verdade dos fatos. Assim encontro o que me faltava e sinto-me realizado por isso e satisfeito por ter participado desse trabalho. De mim, está distante a ideia de afirmá-lo, como meu. Ao contrário, pertence a muitos aqui mencionados e outros tantos anônimos [280] Experiências de um Leigo aqui não mencionados, que eles recebam, se houver, os méritos dessa síntese, dessa pequena biografia missionária. Falar de alguém como Tia Sônia, para mim é fácil por ter um grande senso de observação exterior. Então falo somente do que vivi com ela em milhares de horas. Quanto ao seu interno e interior, a sua vida é o melhor testemunho de exemplo missionário, que traz um depoimento legítimo de uma serva de Jesus. Esses 35 anos dedicados a essa Doutrina falam por si mesmos. Tinha Sonia é o que fala, vive e faz. Verdadeiramente, esse título lhe faz jus e lhe coloca diante de todos como sendo a primeira a acreditar na Missão do Nordeste, quando até eu mesmo duvidava entre 1982 e 1986. Tia Sonia, o que posso dizer a todos? Sim meus irmãos e amigos. Se atribuíssem a construção do hoje, de tudo que vivemos e ainda iremos viver, diria sem exagero e pieguice: Tia Sônia é a responsável direta por tudo e todos nós que estamos aqui. A começar por mim, Batista e Tavares. Creio que eles pensam comigo dessa maneira. Estou somente sendo justo diante da verdade e coerente diante dos fatos. Os méritos iriam [281] Experiências de um Leigo para suas mãos, e delas, para o seu coração imaculado e se ali existisse alguma dor não superada, no que não acredito, que esses méritos possam curá-la. A nossa guerreira destemida. Como ela pode nos aguentar? Somente estudando a sua alma oculta encontraríamos ali a resposta: nobreza e sublimidade. Mãe de nós todos nós, incorporada na Hiper-mentora, a senhora Vovó Rita, a mãezinha do espaço. Lembro-me da menina, tão rápido se tornou mulher, e predestinada a não possuir tempo, ainda cedo, se fez mãe, e mais ligeiramente incorporou a sacerdotisa dos tempos de Delfos, a Missionária Branca de Assis, a carregar tão pesada seta. Do anjo que sua face beijou à herança de uma mãe em Cristo-Jesus, mal sabia ela do lastro e do peso que essa herança de Koatay 108 lhe traria e lhe exigiria. Seria na mesma expressão e grandeza da sua mãe Tia Neiva. Assim é a vida desse ser oculto, no caminho pelas estradas da vida, sempre levando luz. Assim era Sonia. Prematura, predestina, precedente, preconizada, préconsciente, antes de nós, preferida, [282] Experiências de um Leigo antecipada à condição de nos guiar e sustentar nessa missão. Ela era a força, a pedra angular, a rocha onde os mentores edificaram, por isso em terra firme, sem perigo de vir a ruir. Todos nós aprendemos a respeitá-la como autoridade espiritual e moral. Pilar maior dessa manifestação que desde 1976 vem nos conduzindo até 2011. Ao falar de tia Sonia primeiramente temos que associá-la a Tia Neiva. Quem naquele tempo viveu, sabe da grande afinidade que possuíam. Velhas e irmãs amigas de tantas vidas passadas. Ali o destino quis traçar aquele reencontro. Brasília-DF, capital do Brasil. Sim, os Jaguares de Esparta ao Brasil. Então naquela época o rei de Esparta, Leônidas, Exigiu uma prova dos poderes de Pytia. Então soaram os tambores sem que ninguém os tocasse e toda a esperta se quedou diante de Pytia, a pitonisa. Ali ao lado dela, Vêreda – Tia Sonia. Vêreda era uma sacerdotisa junto a Pytia e elas preparavam a força das profetizas. Viviam os poderes da grande Cabala de Amonseus onde os destinos [283] Experiências de um Leigo iniciáticos dos Jaguares estavam guardados por elas. A missão de ambas era preparar todo esse aledá e promover o cruzamentos das forças na raiz deste Oráculo do Amanhecer. Para marcar nesse momento a expressão melhor de sua missão nessa era atual, daquela encarnação que se liga ao hoje no mais emblemático sincronismo entre passado e futuro. Salve Deus. [284] Experiências de um Leigo ÍNDICE REMISSIVO 5 5º yurê · 179, 267 5ºRaio lunar do Oriente · 267 A Achuamã · 204 Adjunto Arcano · 247 Adriana · 96, 112, 139, 148, 163, 174, 228, 229 aledá · 112, 165, 279 ALMA · 7, 10, 14, 39, 40, 48, 59, 71, 92, 106, 111, 112, 123, 141, 142, 144, 148, 164, 168, 174, 176, 196, 208, 224, 230, 252, 267, 275, 277 apará · 25, 107, 155, 170, 212, 217 Arakém · 273 Aramê · 185, 186, 201 B Batista · 53, 63, 64, 75, 79, 80, 81, 93, 94, 95, 96, 98, 104, 105, 106, 110, 112, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 139, 148, 149, 155, 164, 169, 172, 186, 211, 215, 227, 228, 229, 231, 232, 233, 235, 236, 240, 248, 260, 261, 276 bônus · 181, 185, 235 C Cabala de Amonseus · 278 [285] Experiências de um Leigo Cachoeira do Jaguar · 269, 270 Canto da Individualidade · 267 Casa Grande · 41, 79, 113, 159, 168, 170, 212 Castelo do Silêncio · 244 cavaleiro · 204 Cavaleiro Verde Especial · 252 Ceará · 249 Ch Chico · 26, 29, 34, 35, 37, 57, 70, 172, 173, 183, 211, 215, 267 C Clytia · 96 compreensão · 8, 13, 78, 87, 89, 90, 147, 201, 223, 230, 275 cordão de prata · 245 corrente negativa · 256 D Darkus Kan · 19, 123 Davi · 96 Delfos · 277 Denise · 96 desdobramento · 112, 150, 161, 220, 252, 253 Divany · 32, 37 Doutrina do Amanhecer · 7, 95, 139, 212 doutrinador · 104, 108, 166, 168, 215, 219, 228, 260 [286] Experiências de um Leigo E Equitumãns · 267 Escalada · 209 Escola do Caminho · 267 Esparta · 278 Estrela Candente · 112, 202, 203, 209, 229, 231, 247 Exu Ventania · 258 F Fanário Verde · 203, 207 Fátima · 96 filas magnéticas · 160, 217 força iniciática · 201 G Guias Missionárias · 202 Guilherme · 100, 101, 107, 246 I ilusão · 11, 12, 100 incorporação · 32, 33, 137, 164, 166, 186, 211, 216, 218, 222, 261 indução · 128, 242, 256, 258, 259 J Jaguares · 138, 267 [287] Experiências de um Leigo Jaguaribe · 249 Jaqueline · 96 Jesus · 8, 34, 55, 71, 75, 78, 85, 88, 89, 99, 106, 112, 122, 132, 133, 141, 143, 145, 153, 155, 156, 157, 159, 163, 164, 177, 180, 195, 201, 202, 225, 246, 248, 266, 267, 269, 272, 275, 276 Joana · 96, 112, 148, 172 K Koatay 108 · 136, 179, 272, 273, 277 L lei de auxílio · 158, 161, 208, 235, 260 Leônidas · 278 Luiz Adão · 96, 107, 109, 110, 111, 121, 148 M Marília · 96 Mário Sássi · 272 mediunidade · 33, 34, 35, 137, 226, 231, 237 mentores · 8, 129, 131, 142, 156, 157, 160, 166, 254, 260, 263, 278 mesa evangélica · 165, 218, 222, 231, 242, 243, 247, 255 mestres · 12, 13, 83, 90, 98, 108, 109, 115, 116, 121, 131, 148, 156, 160, 162, 164, 202, 205, 208, 212, 218, 240, 249, 255, 262, 263, 266 Michel · 273 missão · 31, 42, 96, 112, 120, 121, 128, 131, 138, 145, 211, 230, 232, 235, 275, 276, 278, 279 Missão do Nordeste · 8, 96 [288] Experiências de um Leigo Missionária Branca de Assis · 277 mistificação · 265 mistificador · 265 N Nadja · 23, 27, 29, 31, 32, 33, 35, 37, 39, 40, 41, 56, 72, 76 Natacha · 270 Nayara · 96, 174 negativo · 14, 217 Nestor · 272 neuro-psíquico · 7 ninfas · 131, 160, 218 O obsessor · 178, 181, 185, 186, 189, 190, 201, 234, 235, 247, 250 obsessores · 178, 203, 214, 247 Oráculo do Amanhecer · 279 P Pai Ananias · 59, 120, 164, 168, 170, 185, 189, 190, 196, 197, 205, 209, 211, 213, 225, 230, 232, 233, 235, 236, 238, 240, 241, 243, 244, 246, 247, 249, 251, 252, 255, 257, 263, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274 Pai Benedito · 120, 139, 149, 211 pai João · 17, 42, 82, 98, 100, 107, 112, 120, 122, 156, 179, 182, 208, 269, 270 Pai Nagô · 10 [289] Experiências de um Leigo Pai Seta Branca · 71, 75, 92, 112, 122, 134, 136, 137, 139, 143, 146, 147, 148, 156, 163, 164, 168, 179, 185, 225, 243, 267, 272 Pai Tomás · 180, 182, 186 Pai Zé Pedro · 136, 156, 182, 269, 270 passado · 12, 14, 34, 46, 48, 49, 62, 83, 92, 97, 106, 144, 153, 161, 235, 243, 246, 262, 263, 273, 279 Paulo de Tarso · 211, 212 pensamentos · 10, 11, 14, 15, 17, 19, 38, 40, 81, 95, 126, 141, 142, 151, 156, 160, 163, 165, 167, 168, 174, 185, 188, 196, 208, 213, 216, 225, 231, 244, 246, 249, 256, 265, 268, 269, 271, 274 Pira · 216 Planaltina · 23, 53, 81, 188, 199 psíquico · 7, 10, 48, 210, 252 Pytia · 278 R Raimundo · 96, 249 realidade · 10, 11, 12, 13, 45, 49, 69, 87, 135, 139, 270 recartilhamento · 235 Rodrigo · 52, 65, 66, 96, 110, 112 Romão · 32, 37 S Selma · 46, 48, 59, 65, 69 silvos do cavaleiro · 258 Simiromba · 86, 143, 203, 267, 272 sistema nervoso central · 252 Sobradinho · 20, 36, 81, 113, 232, 248 sofredor · 167, 215, 258 sofredores · 170, 216, 217 [290] Experiências de um Leigo sofrer · 10, 15, 85, 86, 197, 239 Sonia · 46, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 93, 94, 95, 96, 104, 110, 112, 114, 115, 116, 119, 120, 121, 135, 139, 148, 149, 155, 169, 172, 186, 211, 212, 215, 227, 228, 229, 231, 248, 276, 277, 278 Stela · 96, 112 subconsciente · 252 Sumanã · 273 T Tanoaê · 204 Tavares · 96, 98, 104, 105, 106, 110, 112, 113, 115, 116, 117, 118, 119, 121, 122, 139, 148, 149, 169, 211, 228, 229, 276 Tayná · 96 templo · 74, 75, 100, 101, 104, 107, 108, 109, 112, 128, 130, 131, 132, 137, 149, 160, 168, 169, 170, 186, 187, 188, 195, 215, 216, 217, 225, 227, 242, 243, 246, 247 terreiro de macumba · 258 Tia Neiva · 34, 41, 84, 87, 112, 113, 132, 133, 136, 137, 138, 147, 156, 164, 165, 170, 175, 176, 177, 179, 197, 209, 211, 212, 214, 228, 254, 270, 271, 272, 277, 278 Tiago · 96 Tiãozinho · 79, 80, 156, 161, 165, 166, 168, 179, 224 Trabalho Oficial · 112, 254 transporte · 145, 163, 180, 211, 253, 255, 256, 273 Tumuchy · 273 Tumuchys · 267 Turigano · 103, 246 V VAIDADE · 263 [291] Experiências de um Leigo Vale · 23, 32, 33, 39, 47, 53, 54, 56, 59, 60, 61, 63, 66, 67, 69, 71, 72, 76, 79, 80, 81, 84, 86, 88, 94, 100, 107, 108, 110, 113, 114, 121, 135, 137, 148, 159, 161, 164, 169, 186, 188, 193, 195, 199, 201, 215, 217, 218, 226, 227, 229, 242, 243, 248, 249, 254, 260, 261, 270 verdade · 7, 10, 11, 13, 43, 57, 59, 68, 84, 87, 90, 110, 124, 143, 145, 163, 165, 176, 180, 192, 206, 211, 216, 235, 236, 240, 241, 257, 266, 275, 276 Vêreda · 278 vida · 7, 8, 11, 12, 13, 14, 16, 31, 39, 41, 42, 44, 46, 47, 49, 51, 52, 63, 66, 81, 82, 83, 85, 87, 92, 93, 95, 98, 103, 105, 110, 111, 121, 134, 135, 136, 141, 142, 156, 157, 159, 163, 164, 173, 185, 196, 200, 223, 235, 239, 241, 263, 273, 275, 276, 277 Vilela · 270 Vovó Rita · 275, 277 W Winston · 96 Z Zé Pelintra · 258, 259 [292] Experiências de um Leigo Filho, confia na tua própria força. Que pode um homem realizar sem a confiança em si mesmo? Tuas dúvidas são naturais, porém, deves procurar as respostas em ti mesmo, e nunca fora. Não percas a razão do que é verdadeiro. No mundo que envolve a mediunidade, temos que transpor os limites do plano físico. Não temas nada; Jesus há de nos guiar sempre pelos caminhos que desconhecemos. Não estás só. Agora as respostas que buscavas no plano físico deixaram de existir e só as encontrará no plano dos espíritos. Deus é perfeito e tudo ministra a seu tempo. Para abrir a sua visão interior é preciso que feche tua visão egocêntrica da vida. Cuida meu filho, da tua mente, dos teus sentimentos, para que não se surpreenda no desenrolar de tua jornada. Jesus vos proteja e vos inspire nos caminhos que irás percorrer. Salve Deus. Pai Ananias das Cachoeiras. [293]