experiências de um leigo

Transcrição

experiências de um leigo
Experiências de um Leigo
CRISTANDADE BRANCA UNIVERSAL
EXPERIÊNCIAS DE UM LEIGO
DIÁRIO DE UM APRENDIZ
1.ª EDIÇÃO
[1]COAUTOR
EDIÇÃO DO
BEZERRA NETO (COAUTOR)
Experiências de um Leigo
Experiências de um Leigo
Diário de um Aprendiz
[2]
Experiências de um Leigo
Bezerra Neto
Experiências de um Leigo
Diário de um Aprendiz
1ª Edição
CRATO
EDIÇÃO DO COAUTOR
2011
[3]
Experiências de um Leigo
Edição do autor
Este livro, no seu todo ou em parte poderá ser reproduzido ou
transmitido, sejam quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer
outros sem autorização prévia.
Texto original: Bezerra Neto
Direção Editorial: Trino Tumuchy
Adaptação e revisão: Trino Tumuchy, Sonia Nóbrega.
Edição do autor
St. Baixio dos Monteiros, 00050
Distrito Romualdo - Crato
Home page: www.aescoladocaminho.com
Neto, F. A. Bezerra.
Experiências de um Leigo. Diário de um Aprendiz. Crato:
edição do autor, 2011.
293p
ISBN:
CDD: 920
[4]
Experiências de um Leigo
SUMÁRIO
PRÓLOGO ............................................................................................ 7
PREFÁCIO DO AUTOR ........................................................................ 11
ENTRE AS ILUSÕES E A REALIDADE.................................................... 14
MINHA VIDA: UM ADEUS AOS SONHOS ............................................ 23
A MENSAGEIRA DO DESTINO ............................................................ 35
VISITA AO VALE: A HORA É CHEGADA ............................................... 43
CRISES: OPORTUNIDADES DE MUDANÇA.......................................... 46
SONIA: ENTRE O DESAFIO DA VIDA E O MEDO DA MORTE ............... 52
SONIA: OS DESAFIOS DE ACREDITAR NOS MÉDICOS DO ESPAÇO ..... 63
ENFIM, DE VOLTA PARA CASA........................................................... 75
UM ILUSTRE DESCONHECIDO ........................................................... 82
JURAS E METAS TRANSCENDENTAIS ................................................. 86
BATISTA: UM IRMÃO, UM AMIGO DO PASSADO .............................. 96
TAVARES: O REENCONTRO DE UM IRMÃO ESPIRITUAL .................. 104
LUÍS ADÃO: O CIGANO DE VILA VELHA ........................................... 111
A CONVIVÊNCIA CONSTRÓI O AMOR .............................................. 116
O VELHO SÁBIO DO ORIENTE .......................................................... 127
MEMÓRIAS DE TIA NEIVA ............................................................... 132
1983: FECHAMENTO DE UM CICLO ................................................. 139
DORES E SOFRIMENTOS DE UMA HERANÇA CÁRMICA ................... 146
O FRANCISCANO DE ASSIS .............................................................. 152
AQUELE PERFIL ME DESAFIOU. ENTÃO ME ARMEI CONTRA ELE..... 161
O MEDO: SAGA DOS DESESPERADOS E AFLITOS ............................. 169
A VITÓRIA NO TRABALHO DE PRISÃO ............................................. 179
OS CARROS QUEBRADOS ................................................................ 190
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Experiências de um Leigo
NÃO SE DUVIDA DO QUE NÃO MERECE SER DUVIDADO ................ 200
VIAGEM À CIDADE DESCONHECIDA ................................................ 213
QUANTO MAIS SE REZA, MAIS ASSOMBRAÇÃO APARECE .............. 235
O INIMIGO SEMPRE VOLTA DO PASSADO ....................................... 240
DEVES ACREDITAR EM TI................................................................. 245
PROJEÇÃO DA IMAGEM .................................................................. 256
NÚBIA, A VIDENTE .......................................................................... 265
VAIDADE: A PONTE PARA A HUMILHAÇÃO ..................................... 268
DE VOLTA AO MEU PASSADO ......................................................... 272
TIA SONIA: A NOSSA VOVÓ RITA ..................................................... 280
ÍNDICE REMISSIVO .......................................................................... 285
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Experiências de um Leigo
PRÓLOGO
O sol corria a pino e os homens
chegaram à busca do almoço. Precariamente
encaixotados
numa
Caravan
branca,
estacionaram perto do nosso Passat que
nunca funcionou, e que somente adornou a
entrada do mercantil salgueiro por um bom
tempo. Digo mercantil salgueiro porque ali,
um dia funcionou uma modesta mercearia,
que nos tempos a que me refiro nos serviu de
calorosa morada.
Desgastados pelo trabalho físico,
desceram e após vencerem os limites de uma
considerável calçada, ganharam a porta
lateral e chegaram até a cozinha entre
comentários doutrinários e observações a
respeito de nossa construção – o templo.
As divisões de alguns cômodos de
nossa casa eram arranjadas precariamente –
com os poucos móveis de então, razão pela
qual a conversa que se travava num canto da
casa, ainda que em tom moderado, poderia
ser percebida facilmente por quem estivesse
do outro lado do guarda-roupa ou do beliche
que marcavam os limites do quarto.
[7]
Experiências de um Leigo
Por esse motivo, eu, que àquela
hora me debruçava sobre minha coleção de
mapas e bandeiras, ouvi a menção de meu
nome. Era tio Chico que me chamava.
Em poucas palavras, pediu que eu
fizesse uma revisão ortográfica daquela que
era a mensagem de final de ano do Pai Seta
Branca, que ele houvera recebido há poucos
dias. Eram duas folhas de papel meio
amareladas, onde a escrita denunciava que o
escritor se preocupara somente em não
perder a ideia pelos traços rápidos e
desalinhados que apresentava.
Aquela incumbência era tudo que
eu podia desejar. Ter aquela mensagem;
participar de sua apresentação final. Estudála, e, enfim, estar envolvido num trabalho de
natureza doutrinária – ainda mais quando
diretamente respeitante ao Pai Seta Branca –
era ocasião da maior pompa e cerimônia.
Prontamente fiz meu ritual – que
na ocasião foi organizar impecavelmente
minha mesa de estudos com um pequeno
quadrinho do Pai a embelezá-la. Interrompi
temporariamente a pintura das bandeiras, e
por quatro ou cinco dias, só o que fiz foi ler,
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Experiências de um Leigo
reler e copiar várias vezes a mensagem
rascunhada naquelas folhas amareladas.
Desde então, posso dizer que
quase, senão todo o material escrito referente
à Missão do Nordeste tem passado por
minhas mãos, o que tem me dado a
oportunidade de trabalhar como organizador
deste riquíssimo acervo, ainda que com
profundo demérito de minha parte.
Entretanto, mais do que isso, tem
me dado a chance de aprender lições que eu
certamente levarei por toda a eternidade.
Tenho, sobretudo, a certeza de que essa
nobre incumbência tem me chegado devido
às minhas necessidades, que são imensas e
intraduzíveis. Trata-se do aluno mais
atrasado, auxiliado pelo professor generoso,
que lhe exige a repetição da tarefa várias
vezes. Somente assim entendo.
Venho, portanto, agradecer, do
Pai Seta Branca a tio Chico, a oportunidade
deste trabalho; agradecer ao ensejo de tantas
e ricas lições; a oportunidade de ter minha
pobre visão ampliada aos limites das visões
dos que sabem e veem além de mim.
Somente Jesus em sua infinita
bondade me concederia um roteiro como
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Experiências de um Leigo
esse. Venho, portanto, expressar toda a
gratidão da qual, em minha pequeneza, sou
capaz.
Salve Deus.
Trino Herdeiro Regente Tumuchy
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Experiências de um Leigo
PREFÁCIO DO AUTOR
A obra está disposta em duas partes,
obedecendo à cronologia, que inicia em 1975 e
alcança na sua primeira parte o ano de 1982.
Marca, portanto, o primeiro ciclo que
compreende sete anos. A primeira parte
referencia o início da nossa caminhada até chegar
à Doutrina do Amanhecer. Falam-nos de fatos acontecimentos reais - que vivemos no dia a dia,
marcados por profundas mudanças no campo
externo da vida física. O segundo ciclo nos
transfere para os momentos 1982 a 1985,
momentos esses, assinalados por fenômenos
mediúnicos que aconteciam em nossas vidas e
também, por momentos vivenciados por nós na
Doutrina. Procuramos narrá-los em três aspectos
ou regiões diferentes, a saber:
1.
Pensamentos e ideias exteriores
esboçados pelos conflitos da
personalidade, do psíquico;
2.
O segundo campo - o interno, região
da alma, através de sensações lidas e
traduzidas pelo neuropsíquico;
3.
O terceiro campo: o interior,
espiritual, legendado por sentimentos
verdadeiros e impulsos da nossa
essência espiritual. A verdade que
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Experiências de um Leigo
sentíamos e não acreditávamos ou
não podíamos ainda aplicá-la e vivêla. Referencia diálogos em vários
momentos e situações com os
mentores e todo um senso de
orientação, cuidados e preparativos
para a Missão do Nordeste.
“Experiências de um Leigo” é o título
que damos a esses apólogos1 que aqui
escrevemos. Um resumo de fatos e por nós
vividos. Nesses relatos temos a pretensiosa
intenção de traduzir a ideia de um caminho
missionário vivido e testemunhado sob a égide do
mediunismo crístico, junto a Jesus e há tantos
outros mentores que fizeram e ainda fazem
partem dessa convivência.
São horas de aprendizado; dias e
noites de questionamentos, dúvidas, conflitos e
incertezas. Foram longas as semanas que
formavam os meses de análises, reflexões, prática,
discussões e palestras.
Os meses construíram os anos que
nos levaram a compreensão e entendimento
sobre a vida nos seus mais variados aspectos
vivenciais
experimentais,
relacionais
comportamentais, filosóficos, sociais, intelectuais,
práticos, psicológicos, psiquiológicos, culturais,
1
História mais ou menos longa, cujo enredo apresenta lição ou sabedoria.
[12]
Experiências de um Leigo
regionais, religiosos, emocionais, doutrinários,
mediúnicos e humanos.
Cada olhar inserido nesse contexto, o
subtraímos da prática. Não somos adeptos da tese
oratoriana e teorista, embora, nada tenha contra
aos que assim vivem. Contudo consideramos que
a melhor experiência é a vivida e o melhor mestre
é a prática. Daí retiramos o verdadeiro
aprendizado. Conhecimento e prática nos
parecem constituir algo ímpar, como a fechadura
e a chave que abre o seu segredo.
Tivemos um cuidado, a pedido meu,
que não alterassem a linguagem original.
Conservando-a, tencionamos traduzir o mais
fielmente possível, o retrato do tempo que todos
esses acontecimentos foram vividos. Agimos assim
por estarmos certos de que o vai aqui registrado
são mais do que palavras. São substâncias reais energias de simplicidade, autenticidade e
originalidade. Caro leitor; irmãos amigos,
entregamos estes pequenos relatos a você.
Esperamos que, de alguma forma, lhe sejam úteis.
Essa é nossa única ambição.
Bezerra Neto.
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Experiências de um Leigo
ENTRE AS ILUSÕES E A REALIDADE
“Meu filho, onde estará tua alma?
Seguindo os teus pensamentos? Sim filho,
lá encontraremos tua alma vestida e presa
às tuas ilusões. Deves agora parar de sofrer
e imaginar o futuro, que queres ter;
idealizar, construir o seu caminho. Mas
deves temer teus sonhos. Eles ainda são
frutos das tuas ilusões, resultado das
alucinações mentais produzidas pelas
ondas deformadas do seu estado psíquicoocidental. Encontre a sua realidade. Ela lhe
será amarga hoje, amanhã adoçará com a
verdade os teus dias.” Pai Nagô.
Sentado naquela velha e amiga
cadeira, lia um livro sobre meu estimado poeta:
Gibran, o homem do Líbano. Estava no ano de
1979 e me pus a pensar que todo aquele que não
consegue aceitar o mundo, deve aceitá-lo como
seu, ser tomado por uma revolta interior e pela
não aceitação, tentar mudá-lo. Uma revolta santa,
sabedor que a melhor forma de iniciar essa
mudança é em si mesmo.
As perguntas construíram o mundo.
Essa é uma afirmativa. Então eu digo que mil
perguntas sem respostas satisfatórias construíram
o mundo. É ideia por mim sugerida, que também
pode ser considerada falsa. A correta seria mil
respostas sem perguntas nos construíram e nós
construímos o mundo exterior.
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Experiências de um Leigo
Por que temos que perder para nos
achar? Possuir para depois deixar de ter? Sofrer
para descobrir a felicidade? Matar para valorizar a
vida? Odiar para descobrir o amor? Negar Deus e
aceitar ideias de homens? Optar pelo mal e depois
dos exageros descobrirmos o bem? Lutar para
viver? Expor-se para poder se conhecer? Ser
humilhado para depois ser exaltado? Morrer para
renascer?
Fechei o livro de Gibran. Levantei da
cadeira e comecei a caminhar. Ainda hoje não
parei. Entre a ilusão e a realidade, somente a
verdade poderá responder.
Saí de dentro de mim mesmo e parti
em busca do espírito da verdade. Percorri muitas
estradas, ruas e cidades; conheci pessoas, vivi
momentos, situações, aceitei ideias, falei, agi,
pensei, senti, errei, acertei; fiz amigos, inimigos,
sonhei, desiludi-me, voltei a sonhar novas
desilusões. Venci tantas vezes, e descobri que
todas as vezes que venci, impus a mim mesmo o
amargo da derrota. Irmãos se foram, outros
chegaram; eu permaneci e segui na minha busca,
chegando até aqui.
Novamente estou sentado diante de
mim mesmo. Numa outra cadeira, num outro
lugar, num outro tempo, numa outra cidade, com
outras pessoas, numa outra atitude de pensar a
vida; novas ações, novos pensamentos que me
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Experiências de um Leigo
trazem novas sensações. Meu Deus até quando
terei que procurar o que ainda não encontrei e
que iniciei em 1976?
Estou sentado e a única coisa de
ontem que restou é o livro de Kalil Gibran, que
estou relendo: O “Homem do Líbano.” Um pouco
mais velhos estamos. Eu e o livro. Abro-o começo
tudo de novo...
Hoje, entre a realidade e as ilusões;
não mais entre as ilusões e a realidade fecho o
livro de Gibran e começo a ler o livro da minha
vida. O homem do Crato. Aqui começaram chegar
as respostas que procurava; do que somos e
daquilo que a vida é. Então toda a ilusão
desaparece.
O que parecia eterno começou a
morrer; o que parecia seguro, agora se tornava
inseguro; o que parecia estável se tornou instável
e toda a estrutura veio abaixo como se um
terremoto transformasse o que era abundante.
Como mágica, se fizeram dificuldades e
necessidades. Aquele senhor, vindo de longe veio
nos acordar do sono das ilusões. Assim começa a
nossa viagem ao passado. Sim mestres, o caminho
foi longo e doloroso para chegar até aqui.
Contudo, seguimos o planejamento que marca seu
início em nossas vidas em 1976, mudando todo o
nosso destino. O primeiro ciclo de desmonte.
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Experiências de um Leigo
Sim meus irmãos e amigos, havia
chegado a nossa hora. E ali o senhor do destino,
da realidade e da verdade batia em nossa porta e
se apresentava vestido de soberano, impondo a
todos nós, novos desafios de construção, trazendo
a lei para uma nova ordem.
Quem de nós ali poderia supor o que
adviria? Como impedir tamanha força, além,
muito além das nossas? Quantas dúvidas, medos e
incertezas cobriam nossas almas... O que viria? O
que iríamos encontrar e enfrentar naquela estrada
nova e desconhecida?
Para descobrirmos tivemos que viver
e aceitar os desafios. Enfrentá-los, superá-los,
perseverar até o fim, que nos traz ao hoje, 2011.
Então descobrimos que nós não morremos, os
medos desapareceram, os sofrimentos não nos
destruíram e hoje, nessa compreensão, estamos
mais fortalecidos, menos exigentes e mais
agradecidos. O que deu foi errado? O que deu
errado? Nada mestres, nada, a não ser a nossa
pobre dificuldade de entender que a vida não
erra.
Vamos viajar pelas experiências de
muitas vidas. Muitas vidas viveram a mesma vida
e cada um a expressou da maneira que sabia. Esse
é o fantástico da vida. Ser você mesmo.
Assim naquela época distante saí em
busca de me encontrar, atrás da minha vida, das
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Experiências de um Leigo
minhas respostas e para encontrá-las, depois de
algum tempo vivido, tive que voltar. Por ser o
passado, o ontem, o presente, que todos
acreditam ser o hoje, não é assim. Poucos vivem
no presente, pois, o passado sempre estará no
presente se não o compreendermos. E depois de
compreendê-lo, dizemos: somente o passado nos
esclarece, nos explica, nos responde e nos afirma.
Estava em 1976, com 15 anos de
idade, pouca maturidade, muita impertinência e
nenhum juízo, nenhuma prudência, por serem
poucas as pessoas que se apresentam vestidas
dessa entidade, que nos traz ideias sensatas. As
minhas tendências à autodestruição há muito se
faziam em mim reveladas. Um estado negativo
apoderava-se de meus pensamentos como a
querer destruir meu corpo e minha alma em
poucos anos.
Aos 16 anos, compreendido por um
esboço malfazejo, eu, o artista da minha vida, já
desfalecia do meu estado tenente, então
enfraquecido, juntava-me ao desânimo e a
incrédula prática dos desregramentos.
Numa
dessas
noites
juvenis,
encontrei alguns amigos. Aqueles caras com caras
de onças, que pelas conveniências do que podem
nos oferecer no campo das malfeitorias,
chamamos de amigos. Quando chegamos a casa, a
claridade do dia já banhava minha janela e minha
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Experiências de um Leigo
mãe exultava de preocupação e desespero. Sim,
eram assim aqueles dias.
Eu a desgostava pelo que fazia. Ela
sofria e ao vê-la sofrer, eu desgostava mais ainda
de mim. Contudo, uma força abrupta rompia os
meus limites e me atirava nas certezas que aquilo
é que era viver, que aquilo era um bom caminho.
Certamente o é, para aqueles que querem viajar
para mais distante do que imaginam e visitar as
paisagens da morte antecipada. Era para onde eu
estava indo...
Isto foi no dia 28 de outubro de 1976,
uma sexta-feira, a última daquele mês que
agonizava. Após duas noitadas com aquele bando
de amigos destrambelhados, que ludicamente
chamamos de caros, acordei com uma mão suave
que acariciava o meu rosto.
Estava num lugar estranho.
- O que vim fazer aqui? Quem me
trouxe para cá? Foram meus imediatos
pensamentos.
Só então me dei conta que não
lembrava nada...
- E minha mãe? Oh meu Deus! Deve
estar louca de preocupação.
Foi então que a voz doce, daquelas
mãos suaves, me tranquilizou informando-me que
ela já sabia onde eu estava. Eu acordei na casa de
um amigo em cuja companhia havia chegado
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Experiências de um Leigo
horas antes, carregado por seus braços e possuído
pela minha inconsciência.
Tive vergonha ao entrar em casa e
parece-me que eles sabiam da minha vergonha,
pois se mantiveram todos em silêncio. Por pouco
tempo; depois a discussão foi inevitável. Armeime, então, de argumentos que não existiam.
Aqueles que no desespero de se ver sem
nenhuma justificativa, os lançamos de qualquer
maneira não importando a razão.
Ali o que menos importa é a razão e a
lógica, não podemos é nos deixar vencer. Esse é o
estilo do João-sem-razão. Estou errado, ele sabe.
Mas mesmo errado, estou certo, por estar
errado...
Muitos fatos desse ocorreram
naquela época. Bebia, farreava, e com isso
desejava morrer. Viver era tudo que eu não
queria; não sabia compreender essa ideia de não
querer viver, mas vivia contrariado. Nada aceitava
e tudo que os meus olhos viam, que meus
sentidos analisavam era sem nenhum sentido. Eu
não aceitava a vida como ela era, o que me levava
a um estado de revolta e por isso, ativava uma
força destrutiva interna me levando à anti-vida.
Abandonei a escola, tornei-me
revoltado, buscava ambientes difíceis e dali
buscava subtrair algum prazer. Juntei-me a um
bando de considerados fora-da-lei sócio-hipo[20]
Experiências de um Leigo
sociais. A turma do beco. Éramos uns vinte sem
juízo. Adorávamos samba, pagode e cada um
tocavam um instrumento. O meu era reco-reco.
Não por escolha própria, mas por
exigência do grupo, que me apelidou de inglês ou
Zé Lourenço. Tradução: sem ritmo ou aquele que
só atrapalha. Apelido, aliás, muito utilizado por Pai
João em muitas ocasiões que me dizia: seria mais
fácil sem mim...
Assim, estava no grupo. Concluíram
que daquela maneira não atrapalhava: do jeito
que fizesse dava certo. Então, ‘reco-recava’ à
minha maneira.
Nessa fase, doenças atingiam-me
como inquilinos ardilosos2 e artificiosos; ardis, que
se estabelecem sem a nossa permissão. Tive seis
pneumonias, e uma vasta relação de acontecidos
patologicamente vindos e causados pela morbidez
dos meus tristes pensamentos. Era como um
laboratório de experiências e os pequenos
enfermos traziam-me a contaminação. Em mim,
faziam a festa, alimentando-se de minhas
energias.
Eu parecia um banquete, ou um
senhor muito rico que anunciava a festa e não se
opunha a examinar com cuidados os convidados
que ao meu lado, festejariam. Então me divertia
2
Que usa de estratégia para burlar; astucioso, manhoso, velhaco.
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Experiências de um Leigo
somente, e como resultado uma herança de
energias negativas que internamente em mim,
impregnavam todos os meus órgãos vitais. Era
candidato a morrer em breve...
[22]
Experiências de um Leigo
MINHA VIDA: UM ADEUS AOS SONHOS
Filho, aonde pensas que vai carregando em sua
mente, toda essa bagagem de pensamentos
negativos, que lhe colocam nos ombros, um
fardo maior que suas possibilidades? És parecido,
pequeno mestre, a um camelo. Ages muitas
vezes, como um camelo. Sendo seu dono, se faz
de imprudente e, sobre o espinhaço, deposita
mais peso do que suporta. És ainda novo; ainda
podes mudar essa triste senda e sina: a de ser um
camelo. Deves lutar para mudar esse destino
imposto pelos teus pensamentos e ações. Os
ascencionados,
iniciados,
meditam.
Os
rebaixados e acanhados ruminam. Deves então,
ruminar suas ideias sobre si mesmo e transformálas em algo entendido e aceito por ti. Cuidado...
Para que o tempo não passe e não lhe torne um
ator medíocre, teatrando no próprio ambiente e
cenário, dessa pequena mentalidade ocidental, e
feito homem, viva os devaneios de um camelo.
Darkus Kan3.
Nós éramos comerciantes muito
bem sucedidos. Tínhamos lojas de tecidos e
naquela época do começo de Brasília nos anos
60, quando nos mudamos para lá, comércio
era uma fábrica de dinheiro. Tudo foi indo
muito bem até meados de 1976.
3
Darkus-kan é um manto amarelo, um Lama de alta hierarquia. Sua idade se aproxima dos
85 anos. Ele viveu no Tibet, no mosteiro de Lhasa até a invasão dos chineses. Deslocou-se
junto com outros para as cavernas dos Himalaias – “o limite entre a terra e o céu”, devido à
altura em que estão localizadas, encimadas pelas nuvens e cobertas pelo gelo. Sempre
bondoso e paciente, Mestre Kan encarna a figura da paz; na harmonia, seu caminhar é lento
e suave; seus gestos, tímidos; seu olhar, complacente e profundo, revela toda sua nobreza e
evolução espiritual.
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Experiências de um Leigo
Novembro trazia os ares do natal e
as lojas faziam de tudo para vender o mais
que pudessem. Sei disso, principalmente,
porque morávamos no centro comercial de
Sobradinho, e constantemente, no ir e vir
para casa, passávamos pelas vitrines - todas
enfeitadas e coloridas, anunciando mil e uma
novidades e promoções para aquele natal.
Eletrodomésticos, calçados, roupas ou cortes
de tecidos finos. Havia chitões também; joias,
brinquedos para as crianças, lembranças
pequenas para os menos afortunados,
pequenos enfeites, agendas natalinas, velas
perfumadas, enfim, tudo para todos;
badulaques mil.
Um pouco mais distante ficava a
feira Modelo. Lá vendiam frutas natalinas:
pêssegos, uvas e outras tantas mais, que não
me lembro. Volta e meia um ou outro carro
de som passava perto de casa tocando o jingle
bells.
Fui jogar bola. No final de semana,
domingo pela manhã, tínhamos um jogo
marcado no clube, contra um time de outro
bairro, que agora não recordo. Como eu
adorava jogar futebol, acordei cedo, pulei da
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Experiências de um Leigo
cama, passei pela cozinha e já caí com meus
apetrechos, pronto para a empreitada.
Era a decisão do campeonato.
Ganhamos. O nosso time levava o nome de
Piauí Bode Clube. Homenagem ao estado do
Piauí.
Terminado o jogo, fomos à
Taberna, um bar, perto de casa, comemorar o
feito. Ficava na quadra 104, perto, também,
do clube onde acontecera o jogo. Bebíamos
enquanto o tempo se estragava ao passar ali
por nós. Assim a noite foi caindo e junto a ela,
eu que já tonto, andava como se não tivesse
joelhos, de pernas soltas...
Resolvemos ficar ali, conversando
enquanto o domingo avançava. Uma piada
aqui, um comentário ali, e as horas iam
morrendo. Pedimos algo para comer
enquanto brincávamos e contávamos casos
divertidos.
Meu irmão Eduardo não parava
quieto; era o mais novo e o mais
entusiasmado; era também o encarregado
dos favores e mandados, o que sempre fazia
de mal grado. Quando levantava sempre dava
4
Em sobradinho não há divisão por bairros, mas por quadras.
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Experiências de um Leigo
um ou outro chute na bola que ali, quieta nos
acompanhava. Passamos muitas horas assim...
À medida que ia escurecendo eu ia
ficando cansado. O resto da turma também.
Maroca estava sentado em minha frente e
contava uns casos mentirosos de uns parentes
seus lá de Minas; de vez em quando ele
interrompia a narração, levantava e ia lá
dentro, a outra dependência do bar; na volta
dizia que havia um grupo animado por lá,
aproveitando o espaço em que as nossas
namoradas tinham ido a casa tomar banho,
trocar de roupa e voltar.
Não demos atenção àquele
comentário e continuamos em nossa mesa,
onde uma batucada de vez em quando
acontecia feia e morna, mas logo se dissolvia
devido à nossa total ignorância musical.
As meninas retornaram do banho
e ali permanecíamos juntos sem ter o que
fazer. Berão, assolado pelo álcool, subia nas
mesas e recitava raivosos discursos
antimilitaristas. No final, recitava Castro Alves.
“Auro-e-verde pendão da minha terra, que a
brisa beija e balança”...
Sorríamos daquilo enquanto seus
olhos e face tomavam-se de expressões
[26]
Experiências de um Leigo
magoadas e febris, inflamadas pela cor
avermelhada que lhe cobria o rosto, feito ave
galinácea, da família, gallipavo meleagris,
conhecido como peru. Seu sangue lhe enchia
as veias à menor contrariedade.
Constantemente, uns e outros
sujeitos levantavam, iam lá dentro e voltavam
zombando de algo que por lá acontecia.
Eduardo já nem ficava mais na mesa. Eu
estava muito cansado e por isso não havia
levantado do meu lugar até então. Nadja, com
quem eu namorava, foi ver o que acontecia e
voltou muito preocupada e tensa. Perguntei o
que houve, ao que ela me deu um nada como
resposta.
Berão me disse que o que
chamara a atenção do pessoal era um homem
meio esquisito, de um centro espírita famoso
lá pelos lados de Planaltina5 que estava ali, em
outra mesa, mais escondida, e por isso, os
meninos estavam indo até lá.
Ignorei. Nunca tinha ouvido falar
neste tal centro e não era assunto pelo qual
me envolveria por simples falta de interesse.
Por isso continuei sentado. Era mais
5
O centro espírita aqui referenciado é o Vale do Amanhecer, para a época, pouco
conhecido, e que ficava nos limites da cidade de Planaltina.
[27]
Experiências de um Leigo
interessante. Berão começou então a falar
sobre o tal centro espírita.
Disse que era um lugar meio
estranho, onde as pessoas vestiam umas
roupas esquisitas, faziam vários trabalhos,
mas que também era muito divertido, muito
engraçado assistir uma sessão deles.
Enquanto
isso
a
romaria
continuava; Maroca, Eduardo e outros se
mudaram para o que acontecia lá dentro.
Desde então não saíram mais.
Angustiado, preocupado e talvez
um pouco curioso, levantei; fui ver o tal
sujeito. Era um amigo nosso, mais distante,
um conhecido. Gétnei, era o seu nome.
Tratava-se de um rapaz forte, musculoso e
estava sentado num banco azul de ferro onde
parecia receber um espírito. Em volta, todos
de nossa mesa, também sentados faziam um
cinturão em torno dele. Mais ao lado, duas
mulheres bonitas e provocantes bebiam, riam
e batucavam baixo, quase num sussurro.
Ele, o tal espírito, também bebia;
havia cachaça perto e ele de vez em quando
tomava um gole, rouquejando:
- Saravá meu santo, sarava meu
ego, ego ebó suairê suaíli!
[28]
Experiências de um Leigo
Hoje, sei que pedia que
sacrificasse uma cabra e lhe desse de
presente em homenagem a seus ancestrais
que estavam ali. Eu era um.
Aquela entidade deu o nome de
Zé Pelintra. O apará suava muito e cheirava
mal. Volta e meia estralava os dedos numa
atitude que eu desconhecia, mas que também
não me interessava. Nunca havia presenciado
nada desse tipo de coisa. Era totalmente
ignorante e um medo apavorado me chegava,
sinal de que era hora de ir embora.
As brincadeiras continuavam e os
meninos zombavam dele, que, por sua vez,
fingia não entender ou não escutar. Vez ou
outra erguia a cabeça em minha direção,
como a me notar um pouco distante daquele
círculo.
Então não sei o que me deu.
Cansado daquelas meninices já excessivas, me
ressenti. Sempre fui contra zombaria e piadas
que degradassem a imagem de quem quer
que fosse, e, para mim, aquele rapaz estaria
se sentindo ofendido, ultrajado pela baixaria
que girava naquele grupo em torno dele. Lá
fui eu na minha mania de defensor dos fracos
e oprimidos.
[29]
Experiências de um Leigo
Parti em sua defesa, advogando
em seu favor, atacando o pessoal. Não pedi,
ordenei! Que parassem com aquela desonra!
Já estava demais. Que o deixassem em paz.
Terminei a defesa, dizendo que ele também
merecia respeito, mesmo sem o nosso
crédito.
Recebi uma grande vaia:
- Deixa disso Chico. Vem aqui,
vamos brincar, vamos curtir aqui com o Zé.
Ele é gente fina, entende de futebol, de
mulher e não leva nada a sério...
Ele olhou para mim e sorriu. Achei
que ele havia gostado da minha interferência,
o que de fato aconteceu. Então pediu que eu
sentasse perto dele, porque eu era muito
bacana e ele queria me dar um presente.
Ego e vaidade devidamente
acariciados, afastei o copo de cachaça e me
sentei ao seu lado. Então ele começou a subir
e descer os braços, fazendo movimentos em
forma de x pelos meus ombros e minhas
pernas, estralando os dedos no final de cada
cruzamento. Achei, de início, engraçado...
- Gosto muito de você, você é
muito legal, muito bacana e eu trouxe um
presente para você...
[30]
Experiências de um Leigo
Ele disse isso e trinta segundos
depois eu comecei a me sentir mal. Parecia
que eu ia explodir. Senti como se tivesse um
balão dentro de mim e que fosse enchendo a
cada segundo. Tontura e uma sensação de
ausência, desmaio e náusea me fizeram
cambalear ainda sentado. Meu coração
começou a bater descompassada e
estranhamente.
Levantei. Deixei o grupo e
caminhei alguns metros no sentido de nossa
mesa, mas sem conseguir chegar lá; parecia
que eu estava dominado não sei por quem ou
o quê; sentia-me muito estranho. Minha
garganta travou; meus olhos e minha cabeça
doíam. A falta de ar chegou e me apavorou.
Sem que ninguém da minha turma
percebesse, eu passava muito mal.
Ouvi a voz de Nadja distante,
muito longe a me perguntar o que estava
acontecendo. Encostei-me a uma mesa mais
próxima, na esperança de não cair. Tentei
gritar. Esforço vão. O pessoal, nem dava conta
de mim, entretidos que estavam com o rapaz
do outro lado, ainda incorporado. Eu, metros
à frente, me segurava para não tombar,
[31]
Experiências de um Leigo
lutando como um guerreiro abatido para não
se deixar vencer.
Quando pensei não mais aguentar,
comecei a bater palmas de uma forma muito
estranha. Sem que pudesse controlar, batia
palmas. Era algo que não era eu que
comandava como se alguém tivesse chegado
de longe e me tomado. Tinha pouquíssima ou
quase nenhuma consciência do que fazia e a
minha capacidade de reação era nula.
Somente bater palmas era o que eu,
distantemente,
sentia
fazer
naquele
momento. Calculo que fiquei assim por alguns
minutos. Em dado momento também sem
que controlasse, comecei a falar:
- Salve Deus, graças a Deus,
salve Deus, salve Deus...
- Salve Deus, graças a Deus...
Repetia
isso
mecânica
e
inconscientemente, num ato quase cego.
Escutava a minha voz como se estivesse muito
distante.
Do outro lado o pessoal notou que
eu estava diferente e todos, sem exceção,
começaram a me taxar de ‘o sempersonalidade’, que eu estava imitando o
sujeito que tinha começado a brincar primeiro
[32]
Experiências de um Leigo
e coisas assim. Eu os escutava com grande
dificuldade, pois algo muito forte me
dominava. Algo acima das minhas forças. Meu
irmão passava por mim e gritava para que eu
parasse, que me colocasse direito. Eu não
precisava ficar imitando ninguém para que
fosse notado e coisas desse tipo, ainda mais
com aquela voz...
Eu
continuava
em
minha
manifestação, sem perceber o que me diziam
e o que acontecia em meu redor e só escrevo
isso porque me contaram.
Enquanto batia palma e falava
aquilo que me era tão estranho, totalmente
desconhecido, o pessoal ainda brigava
comigo, taxando-me de imitador e coisas
similares. O mal-estar foi diminuindo,
diminuindo, e de repente o efeito e o cheiro
do álcool passaram. Devagar, abri os olhos e
novamente me vi ali, naquele bar, com meus
amigos, encostado a uma mesa; voltei a ter a
noção de onde estava, da sala, das mesas, do
que fazia, do meu corpo, do ambiente, enfim,
estava novamente no meu estado normal.
- Que houve Chico? Perguntou
Nadja.
[33]
Experiências de um Leigo
- Não sei lhe explicar. Não me
pergunte eu não sei lhe dizer.
O tal sujeito incorporado, as
mulheres e os meus companheiros de mesa é
que não gostaram muito porque quando eu
voltei a mim, a festa deles já tinha acabado há
muito tempo. Foram dizer que eu era, além
de sem-personalidade, estraga-prazeres...
Saí dali, mais assustado que
envergonhado, certo de que tinha recebido
uma daquelas almas de macumba, mas sem
dar importância e sem saber o que de fato
tinha ocorrido; aquilo ficou na minha mente
por muitas semanas, mas depois tudo voltou
ao normal, porque eu já estava de novo na
mesma sintonia de antes: com os amigos nas
brincadeiras, bebendo, sem saber, sem ter a
menor ideia do que tinha acontecido naquele
dia.
Esse fato aconteceu em meados
de dezembro de 1976.
[34]
Experiências de um Leigo
A MENSAGEIRA DO DESTINO
Meu filho. Deves despertar agora, e libertar a tua mente
dessa amnésia, necessária somente para aqueles que
ainda não conquistaram o amor. Deves seguir, ser
obediente ao chamamento deste momento e abrir um
novo ciclo em tua vida. Relembra filho, 1976, quando pela
primeira vez, esteve aqui conosco. Já ali, no plano oculto
de sua vida, eu atuava no meu silêncio e nas
impossibilidades causadas pelo adormecer de sua
memória espiritual. Por isso não me via. Agora posso
estar, porque, apesar de ainda não ter despertado
completamente, já podes me ver. Então me escuta, pois,
não tens tempo e nem eu, a perder. Deves se preparar
para a grande jornada que se inicia. Você nasceu para
cumprir uma missão, entregue a ti pelos grandes
iniciados. Não pode fugir de teu destino cármico, ou se
“perderá na escura noite do passado Pai Benedito mensagem recebida debaixo de um pé de manga.
Depois daquele acontecimento, após
alguns dias fui até a casa de Nadja. Esse é um
capítulo especial para mim. Como descrever
alguém em estado de sublimação quando não
se tem a ideia dele? Há pessoas na vida que
nunca nos esquecemos. Nadja é uma dessas
pessoas...
Anoitecia a sexta-feira. Sei disso porque,
estranhamente, não podíamos nos ver nas
quartas e sábados à noite e às vezes no
domingo. Nunca compreendia aquilo, mas ela
me dizia que era por causa da mãe que assim
havia determinado.
[35]
Experiências de um Leigo
Divany era seu nome. Uma mulher, para
época, bastante corajosa e avançada. Era
separada e mantinha um namorado com o
nome de Romão. Raro o dia em que não
chegava lá para não ver um fusquinha
estacionado rente a casa e lá estava ele
sempre se sentindo apertado no ambiente.
Era o tamanho do seu nariz, realmente
grande.
Assim que cheguei, aproximadamente
sete horas da noite, Nadja me pediu que
fôssemos para varanda, onde nos sentamos
em um banco tipo namoradeira e ela retornou
ao assunto do bar.
Disse-lhe então que não queria falar.
Não saberia mesmo. Ela então me disse que
aquilo fora uma incorporação.
- O que é isso? Perguntei.
- Você recebeu alguém, foi tomado por
um espírito. Minha mãe me disse depois que
lhe contei a história.
- Incorporação? Como você sabe? Como
Divany sabe?
Nós
somos
espiritualistas.
Pertencemos ao Vale do Amanhecer, o
mesmo lugar em que aquele rapaz vai e lá
[36]
Experiências de um Leigo
desenvolveu a mediunidade que ele possui,
de incorporação.
Fiquei estupefato. Não sei se
preocupado, contrariado, aborrecido ou
aterrorizado pelo fato e ideia de ter recebido
um espírito e também, dela nunca ter me
falado sobre pertencer ao espiritismo. De
chofre6, arrematei:
- Por que me escondeu? O que você faz
lá?
- Sou médium de incorporação, recebo
espíritos de Pretos Velhos e Caboclos. Sou
médium em desenvolvimento. E não lhe
contei porque minha mãe pediu que eu
aguardasse um tempo certo. Falou que você
poderia ter sobre esse assunto muitos
preconceitos e isso iria nos atrapalhar.
- Essa coisa não é boa Nadja. Eu sou
católico e acredito no catolicismo.
– Calma! Não julgue sem conhecer.
Deixe-me terminar. Depois você conclui do
jeito que quiser. Essa é a razão de não
podermos estar juntos às quartas-feiras e
sábados e, às vezes, aos domingos. Vamos
para o Vale. Vou trabalhar a minha
6
Imediatamente, de uma vez.
[37]
Experiências de um Leigo
mediunidade. Lá é um lugar onde se ajuda as
pessoas, acredite, é um lugar que pregam
Jesus e tem uma mulher que é amiga da
minha mãe que se chama Tia Neiva. Ela é
clarividente. Vê o passado das pessoas, o
presente e o futuro. Adivinha tudo, sabe de
tudo.
- Não acredito nessas coisas. Não
mesmo. Além de tudo, considero isso muito
perigoso, tenho muito medo disso, e só em
falar já me provoca arrepios, fico todo
descompensado. Não gosto dessa conversa de
espírito, almas, isso me dá medo. Sim, mas
por que esta me falando estas coisas?
- Minha mãe disse que você precisa ir lá
e pode ir conosco.
- EU? NUNCA! Fazer o quê?
- Você está com muitas companhias
ruins, espíritos ruins. Eles é que estão fazendo
você beber tanto assim. E depois minha mãe
disse que você tem mediunidade, por isso,
recebeu aquele espírito que incorporou na
taberna aquela noite. Você precisa acreditar
nisso. Eu vi quando você estava incorporado,
falava ‘Salve Deus’! Repetiu algumas vezes
batendo palmas.
- Chico! Continuou ela:
[38]
Experiências de um Leigo
- Lá no Vale aonde eu vou as pessoas e
as entidades dizem ‘Salve Deus’! Você
entende... Lá nós usamos esse dizer. Isso não
é estranho? Você não acha? Você falar sem
nunca ter ido lá.
- Você está me assustando Nadja.
Vamos parar com isso. Vamos falar de outras
coisas.
- A minha mãe disse-me também que a
sua saúde frágil já é decorrência da sua
mediunidade que está aberta. Escute-me:
vamos ao Vale, se você não gostar agente não
fala mais nesse assunto e nem você volta lá.
Deus
me
livre!
Exclamei
imediatamente.
-Nadja escute...
- Escute você Chico!
Ela me tomou a conversa. Não me
deixando falar, continuou:
- Vamos lá. Eu vou com você. Confie em
mim. Acha que se fosse ruim eu estaria lá.
Você está precisando.
- Por favor, não insista. Eu tenho pavor
disso e vou lhe dizer a razão. O que vou lhe
contar o que nunca falei a ninguém. Desde os
meus oitos anos que tenho pesadelos
horríveis nesses lugares. São terreiros de
[39]
Experiências de um Leigo
macumba. Mas é muito real. Acho que esses
terreiros ficam ali pelos lados da Fercal7. Vejome em meus sonhos caminhando para lá.
Vejo homens deformados, imensos, são
horríveis em suas aparências. Eles falam de
modo estranho como se suas gargantas
estivessem fechadas e por isso, tivesse que
fazer grande esforço soltando gritos e berros
enrouquecidos no ar. São violentos e
agressivos. Os vejo muitas vezes batendo em
outros com chicotes feitos de chibata de
cavalo. Ouvi-os comentarem isso. Vejo
animais mortos e muito sangue. É horrível.
Vez ou outra tenho esses pesadelos terríveis.
São bastante reais, a ponto de me
confundirem no sonho, se estou dormindo ou
não. Portanto, não quero nem pensar nisso.
- Aquele espírito, o Zé Pelintra é dono
de terreiro. Minha mãe me disse. Ela já teve
em terreiros. Ele é uma entidade do mal. Faz
o mal para as pessoas. Era ele que estava
incorporado naquele médium. Ouvi quando
ele disse o nome.
-Será que foi ele que entrou em mim?
Besteira, o que estou falando, isso não existe.
7
Localidade próxima de Sobradinho, há poucos quilômetros de nossa casa.
[40]
Experiências de um Leigo
Vamos deixar isso para lá. Não acredito nisso.
Não é possível.
- Existe Chico. Acredite que existe!
Afirmou ela.
- Eu, muitas vezes, os recebo.
- Chega Nadja. Por favor, vamos mudar
de assunto!
De repente, saindo do nada um vento
estranho soprou balançando as folhas de uma
trepadeira que se enrolava pelas madeiras da
varanda. Amedrontado, senti um forte
arrepio. Nadja sentiu-se mal. Disse que estava
com falta de ar e tonta. Convidei-a para sair
dali e entrarmos.
Divany e Romão estavam assistindo uma
novela. Passamos direto para cozinha, onde
ficamos sentados à mesa de jantar. Logo
Divany veio ao meu encontro e em poucas
palavras disse-me que estava precisando
tomar uns passes:
- Não brinque rapaz. Isso é serio!
E reforçou o que Nadja já havia me dito.
Dei-me por vencido. Combinamos que
iria com eles na noite seguinte. Marcamos a
hora e eu me despedi dela, após certificar-me
que ela estava passando bem. Devia ser umas
[41]
Experiências de um Leigo
10 horas da noite e caminhei apressadamente
carregado de medo daquela conversa.
Cheguei a minha casa e fui dormir.
Naquela
noite
mil
pensamentos
assombravam-me afugentando a minha
coragem que já não era grande. Tive nessa
noite um longo e sofrido pesadelo, onde
aquele espírito da taberna pareceu-me vir em
minha visita e procurava-me por todas as
dependências da minha casa. Um homem
amigo, supunha eu, corria comigo procurando
me esconder daquele inimigo. Ele abriu uma
porta e me fez entrar. Ali fiquei escondido
num cômodo pequeno. Havia muitas imagens
retratadas em lindas molduras pregadas nas
paredes. Fiquei observando aquelas pessoas
retratadas e me esqueci do medo e que
estava num pesadelo.
[42]
Experiências de um Leigo
VISITA AO VALE: A HORA É CHEGADA
Naquela noite senti que a vida, em mim, silenciou. Um
silêncio mudo se fez, cobrindo toda a atmosfera onde eu
estava de um luto estranho e desalentado. Senti a morte.
Meu Deus! O que será de mim? Então, ouvi uma voz que
apontava a resposta: eu sou o som e o eco da tua voz, da
tua alma interior, que a ti transcendente, tempo e
espaço. Vim aqui despertá-lo. Acorde, acorde... É chegada
a tua hora. Não temas a noite, nem a escuridão que lhe
vestem temporariamente, como feras dementes a ti
aprisionarem. Logo os raios de sol vindos do eterno, serão
arremessados sobre a vida obscura. “Então, será dia
novamente e as claridades afugentarão a escura noite,
que fugidia e morta em ti voltará às sombras e beijará as
almas lutos daqueles que acreditaram no mundo dos
sofrimentos, a vida sem luz.” Escrito por mim em 1985,
dia em que soube que teria de deixar Brasília.
Na noite seguinte, hora marcada,
entrava no fusquinha que generosamente nos
levaria até aquele lugar chamado de Vale do
Amanhecer. Eu e Nadja íamos sentados atrás.
O carro ganhou um embalo não muito grande;
fusquinha não corre, anda. Então fomos
andando de fusquinha em direção aquele
lugar e não sabia eu, que estava indo me
encontrar como o meu destino. Fiz todo
aquele percurso de uns vinte e cinco
quilômetros sob forte tensão, misturada a
uma ansiedade e um medo paralisante do que
não conhecia e, por isso, temia.
[43]
Experiências de um Leigo
Em silêncio externo, me fiz de
desaparecido dali. Acho que ninguém, a não
ser Nadja sabia e sentia a minha presença.
Junto a nós uma amiga de Divani com nome
de Marluce, que também parecia pertencer
àquele lugar, ia sentada ao meu lado.
Meus
pensamentos
ferviam
dentro do meu cérebro. Eles se desordenaram
sem razão aparente, enfim, aquele era
somente um lugar para o qual eu estava indo nada mais. Sensações estranhas me tomavam
o corpo e a alma como se aquela viagem não
fosse ter volta. Sentia-me por isso, trêmulo e
desconfiado.
Enfim,
chegamos.
Fomos
descendo do carro e imediatamente rodei
minha cabeça vagarosamente buscando
observar tudo. O que vi não me agradou. E o
que vi foi quase nada. Um lugar
extremamente pobre e sem habitação, a não
ser ali e acolá, uma casa se fazia ver. Algumas
cabanas de palhas e muitos pés de eucalipto
espalhados por aquele terreno. A minha
frente um grande galpão que parecia ser o
Templo.
Paramos em frente a um casarão
feito de tábuas gastas e arrumadas uma perto
[44]
Experiências de um Leigo
da outra, a dar ideia e sentido de parede.
Portas e janelas se abriam como a nos
convidar para a vida, a nos dizer que ali era
um lugar de amigos. Abriam-se como um
cartão postal mandado por pessoas aderentes
nos convidando para entrar. Nadja me disse
que ali era a casa de Tia Neiva. A Casa Grande
como era conhecida.
Havia uma jovem a procurar uma
das crianças, que se fazia escondida perto de
mim. Querendo socorrer aquela vigilante de,
apontei-lhe o esconderijo de uma delas. Era
um pequenino e parecia se divertir de
esconde-esconde, pois, assim que chegamos e
paramos o carro, observei que ele correu e se
escondeu por traz do fusquinha. Chamei uma
mocinha e lhe disse que ali estava uma das
muitas crianças que ela procurava. Fiz isso por
entender que era a hora dela comer. Escutei
o baixinho dizer:
- homem ruim.
Sorri... Sorrimos da sua inocência.
Pessoas estavam num reboliço
imenso. Adultos se movimentavam agitados a
procura de crianças que estavam em suas
brincadeiras. Era hora do jantar.
[45]
Experiências de um Leigo
CRISES: OPORTUNIDADES DE MUDANÇA
Filho. Aprendas a escolher melhor tuas decisões.
Cuidado... Não tens mais o direito de somente pensar em
si mesmo. O que pode ser bom para sua vida poderá ser
ruim para sua missão e o que poderá ser bom para sua
missão, certamente, será ruim para a sua vida. Gostas de
pensar muito em si mesmo. Eu estou sempre alerta...
Lembre-se: não tens mais o direito de decepcionar os
outros... Nesse momento não estás aqui para pensar,
opinar e sim para aprender. Assim, siga os meus passos,
onde eu pisar deves pisar. Siga as minhas pegadas. Essa
será a segurança do teu caminho. Amanhã caminharás
com os seus próprios pés. Mas lembre-se ainda é cedo.
Pai João de Enock. Deu de costas e partiu...
Os dias iam-se passando; semanas
iam compondo os meses e os meses os anos.
Estávamos agora em 1977.
Eu crescia independente do meu
querer. Mas só por fora. Por dentro me
recusava. Falei da Taberna, o bar. Tenho que
dizer que ali era o nosso ponto de encontro
daquela época, tornando-se para mim um
lugar dos preferidos, por isso, muito
frequentado.
Tivemos momentos bons e
também os exageros que a idade adolescente
sabe compreender e explicar. Ali nos
juntávamos sempre em festa, afinal, aquela
era uma sintonia que nos atraía. Mas depois
do que me aconteceu, o contato com exu, eu
[46]
Experiências de um Leigo
ia demorar a voltar ali. O medo apoderou-se
de mim como dono e senhor da minha
vontade.
O comércio ia mal e vivíamos dele.
Então íamos mal também. Tudo na verdade ia
mal. O dinheiro faltou de vez. Se antes o
negócio era desagradável, agora estava feio,
nos colocando em dificuldades sérias. Tudo
começou a faltar.
Eu arrumei um emprego numa
firma de modulados e Sinval também
começou a trabalhar. Era pouco mais dava
para gente ir se virando enquanto pai lutava
para se aposentar.
Sinval trabalhava e comprava
roupas usadas na feira do rolo. Desnecessário
dizer que não tinha dinheiro para comprar
roupas novas. Ele trabalhava no INAN e saía
pela porta dos fundos porque tinha vergonha
de sair pela frente. Dizia inclusive que podia
cruzar com o antigo dono da roupa e não se
sentiria bem. Lembro-me dele arrumando a
camisa torta no peito, perto de um abajur
vermelho bem alto, com o suporte todo em
anéis de madeira, falando que, se num dia
água, no outro vinho. Sinval ria de tudo.
Brincava com tudo.
[47]
Experiências de um Leigo
Os místicos de toda ordem e
gêneros apareceram no fantástico, programa
da Globo. Era final de ano. Profetizavam para
o ano que viria, 1977. Diziam que sete é
número de sorte. Só para eles, por que para
nós a coisa ficou pior. O comércio naquele
janeiro de 77 estava fraco, como sempre é o
comércio depois do natal e as lojas não
vendiam coisa nenhuma.
É sempre assim no início de cada
ano. A cidade também já tinha perdido o
cheiro do natal, como um encanto que
termina; as vitrines voltavam a ter uma
normalidade. Não tinham mais o vermelho, o
frio que faz em dezembro; a promessa de vida
nova sumia e o ano cor-de-rosa ficava cinza.
As chamas do natal viravam cinzas. Parecia
que devagarzinho tudo ia sumindo dos nossos
corações e voltava ao normal, uma
normalidade sem graça, cotidiana, anormal.
Mesmo o ano novo, que antes era novidade,
devagarzinho, dia após dia, hora após hora ia
também deixando de ser novidade. Pobre:
mal nascia, começava a morrer.
Janeiro nos deixou lento. Tudo era
lento. Nossos conflitos nos cansavam; nossas
expectativas, o dia-a-dia preenchia tanto o
[48]
Experiências de um Leigo
nosso tempo que nos tornávamos maçados,
maçantes ou sei lá o quê. Assim, tudo era
lento.
Fevereiro chegou; trouxe o
carnaval; toda a nossa turma pulou os quatro
dias no SODESO8. Depois do carnaval veio o
São João repleto de nostalgia. Meu pai
novamente enchia os olhos d’água por causa
da saudade de um nordestino “cabra da
peste” que deixa seu torrão natal e vive
castigado pela lembrança nas terras distantes
do “sul”.
Ficava de olho na televisão para
não perder Luiz Gonzaga cantar Asa Branca.
Então chorava relembrando sua terra, seus
amigos e seus sonhos idealizados ali, agora,
mortos por uma triste e difícil realidade: a de
viver na cidade grande...
Todos diziam que era o hino do
sertão. Eu não gostava muito; preferia Elvis,
como era de se supor para um jovem de 18
anos. Hoje prefiro Luís...
Lá fora, Sinval pegou um resto de
charque congelado; improvisou uma fogueira
e assou o naco de carne. Dizia que tinha
8
Sociedade Desportiva Sobradinhense era o clube que assiduamente frequentávamos.
[49]
Experiências de um Leigo
comprado um boi e ia dar uma festa para toda
vizinhança. Ainda lembro o reflexo da chama
no seu rosto e do graveto que ele usava para
mexer o pouco que ardia. Nesse dia mãe riu
muito da fogueira e do seu boi de poucos
gramas. Ela não cansava de gostar de tudo
que fazíamos e ainda hoje conta isso para
todos que chegam lá em casa, mesmo tendo
passado tanto tempo da morte de Sinval...
Assim correu 1977. Junho trouxe
julho,
agosto
e
novamente
nos
aproximávamos do final do ano. Setembro
trouxe a notícia da gravidez de Sonia, que
encheu de uma dupla alegria a casa, pois
Selma daria a luz em janeiro e Sonia, teria um
filho no final de maio do ano que já se
anunciava, sobretudo em nossas expectativas
de superarmos nossas dificuldades tantas e
fartas: 1978 surgia esperançoso. A chegada do
natal trazia novamente o cheiro doce da feira
modelo; as vitrines se enfeitavam de novo, na
esperança do lucro, anunciando mil e uma
promoções, descontos especiais, pagamentos
divididos em muitas vezes e os carros de som
de novo iriam desempoeirar o 'jingle bells' tão
característico. A vida ia se repetindo, como se
fosse uma ciranda de roda, onde passamos
[50]
Experiências de um Leigo
sempre pelo mesmo ponto; no nosso caso,
com uma dor diferente a cada volta...
O natal foi sofrido. Não
conseguimos manter a sintonia dos natais
anteriores. 76 diminuiu para 77, que diminuiu
para 78, que diminuiria mais à medida que
chegávamos para a casa dos oitenta. Era a
tendência... Parece estranho, mas era a nossa
situação. Tudo desapareceu de uma hora para
outra. Agora, parecia que estávamos numa
vida diferente, que não era a nossa.
Necessidades, sofrimentos, desajustes, enfim,
parecia que o sonho havia acabado.
Assim se passou o ano de 1977.
Retornei ao Vale mais duas ou três vezes. Sei
que melhorei muito daquele comportamento
estranho, de desregramento. Estava mais
equilibrado. Até trabalhando.
[51]
Experiências de um Leigo
SONIA: ENTRE O DESAFIO DA VIDA E O
MEDO DA MORTE
”Meu filho, não fiques a acreditar na irrealidade de
muitos fatos que ocorrem no presente. Não estão no hoje
e sim, sintonizados no Perispsíquico, região do ontem.
Eles provêm de ação magnética desprendida, num
movimento pretérito e programado de tuas próprias
opções e ações do passado. Estão em frequência ao teu
padrão vibratório: vivências desiguais. Muitas doenças
que possuis são somente reflexões do seu estado
psicológico transcendental - projeções do campo
peridural, dura-máter, membrana que envolve o encéfalo
da alma, criando um amplexo envolvendo o corpo físico,
que sintomatiza obediente ao ectro-psíquico, energia de
eversão, materializada, criando uma falsa aparência e um
falso diagnóstico, as falsas doenças.” Dr. Fritz.
1978 se abriu sobre nós trazendo
bons fluídos que foram logo consumidos e
devorados por todos. A fome faz o
necessitado e ela era grande demais, pois
aquelas energias acabaram-se logo. A notícia
boa vinha de Selma, que deu a luz a um
menino: Raphael. Sonia separava-se do
marido e nós sofríamos financeiramente.
Tudo era medido e contado e para quem já
teve sobras ainda doía por termos que nos
preocupar em economizar, embora o
fizéssemos com destreza. O esforço era
grande como tática aplicada a um estado de
guerra, de sobrevivência.
[52]
Experiências de um Leigo
Naquele começo ou recomeço nós
todos sofremos muito até nos adaptarmos
àquela nova realidade. Muitas vezes lembrome de levar para o trabalho uma marmita e o
que tinha dentro era arroz com ovo, dia frito,
dia cozido, dia mexido. Eu me envergonhava e
sempre procurava um cantinho escondido,
onde não tivesse ninguém para poder abri-la.
Esse era o primeiro motivo e o segundo, pelo
cheiro de ovo abafado por algumas horas.
Vez em quando vinha um nó na
garganta e chorava. Bom, aquilo era a vida
real, nós é que somente agora estávamos a
conhecendo. Não deixou marcas. Ao
contrário, foi construindo um homem que
hoje admiro, não pelo que supõe ser ou
possuir, mas por ter passado por quase tudo e
não desistir. Lutar é tudo que nos resta. Lutar
pela melhoria pessoal sem se corromper no
meio do caminho...
Essa é uma herança que
recebemos de Zé de Dudu dona Judith, nossos
pais: Caráter. Falando em Zé de Dudu, sempre
calado, no seu cantinho, tudo observava e de
vez em quando dava sua cutucada em todos.
Sua maior satisfação era, realmente, mexer
com madeiras e pregos. Passava horas a fio
[53]
Experiências de um Leigo
medindo, calculando, testando e, dias depois,
aprontava, ou uma mesa, ou um caixote
reforçado para guardar suas coisas. Ainda
hoje, muito tempo depois de seu desencarne
os caixotes e mesas ainda vivem.
Mas uma notícia veio estragar
aquele início de ano que havia começado com
boas novas. Sonia apresentava todos os
sintomas de um câncer no útero, o que
comprometia totalmente a sua gravidez, que
até então corria normalmente no seu quinto
mês.
Exames após exames foram
realizados e confirmaram a suspeita. Essa
notícia nos desestruturou a todos. A única
coisa que não podia acontecer era a
confirmação da doença e esta havia se
confirmado. Sonia ainda procurou outros
médicos, mas que também confirmaram o
diagnóstico.
A notícia não foi comunicada a
todos. Muito cuidado tiveram com a
divulgação do caso. Somente algumas pessoas
sabiam da doença, mesmo porque, por
sugestão do doutor, não foi iniciada a
medicação com antibióticos ofensivos, de
[54]
Experiências de um Leigo
grandes efeitos colaterais durante todo o
período de sua gestação.
Estes remédios somente seriam
usados após o nascimento do bebê, pois
poderiam, em vez de ajudar, comprometer
ainda mais a gravidez, e, portanto, não havia
necessidade de se espalhar o fato. Todos
saberiam naturalmente, há seu tempo.
A notícia confirmada da doença de
Sonia trouxe um novo tormento ao pessoal lá
de casa. Hamilton e ela já não mais possuíam
uma vida conjugal. Ele só ia até nossa casa
bêbado, e queria vê-la à força, trazendo, toda
vez que chegava, uma montanha de
problemas.
Neste
clima
de
intensa
expectativa, fevereiro trouxe o carnaval e nós
novamente brincamos os quatro dias no
SODESO, muito mais numa teimosia sem
propósito por esquecer tudo o que acontecia
do que por qualquer outra coisa.
Outra notícia mudaria, agora, os
rumos de minha vida. Havia sido aprovado
nos exames e fui convocado para servir o
exército. Passei um ano e três meses. Devido
a isso, fiquei mais afastado de casa.
[55]
Experiências de um Leigo
No final de maio Sonia teve seu
filho. Seu parto foi muito complicado. A
doença impunha sobre o procedimento
cirúrgico, que não é dos mais complicados,
uma tensão fora do comum e isso seria um
grande entrave à saúde dos dois. Entretanto,
depois de muitas horas de internação
chegava-nos a notícia de que o parto tinha
sido um sucesso, o que, naturalmente, foi um
presente ao coração de todos.
A chegada dela em casa foi com
muita alegria. Mãe se desdobrava em mil e
um cuidados com o bebê. Pai, assim como
fizera com o primeiro neto, olhava, de seu
jeito calmo, expiava daqui e dali, mexia um
pouco e voltava aos seus trambolhos...
Julho se fez presente e com ele
tristes desentendimentos iniciaram uma nova
etapa de vida. Passadas as expectativas diante
do parto de Sonia e da saúde de Rodrigo, este
era o nome da criança, o outro passo era
cuidar de Sônia e de sua doença. Já que o
primeiro passo já fora dado com sucesso, era
hora de encarar a segunda etapa. Terminado
o período de gestação, Sonia iria repousar
alguns dias para, em seguida voltar a fazer os
[56]
Experiências de um Leigo
exames e começar um tratamento mais
efetivo no combate de sua inflamação.
Foi uma quinta-feira o primeiro
dia da retomada das nervosas e cruciantes
consultas; nada fácil. Ela iria recomeçar o
tratamento de fato. Receberia doses de uma
medicação que lhe proporcionasse de fato
uma recuperação significativa ou a morte,
para nós, dada como certa. A consulta estava
marcada para dez horas da manhã e ela foi
sozinha ao consultório, que ficava na W-3
Norte, uma avenida de Brasília distante de
nossa casa. Sonia sempre foi muito forte...
Somente por vota de seis horas da
tarde ela chegou. Após as perguntas ávidas,
sobretudo de minha mãe, ela contou sem
muitos detalhes como foi a consulta e disse
que, ao sair da clínica, tinha ido com Batista,
seu amigo, a um lugar chamado Vale do
Amanhecer, uma espécie de fazenda ou
cidadela perto de Planaltina cujos moradores
trabalhavam com espíritos, mexiam com
energias e faziam uns trabalhos de cura.
Nossos familiares não gostaram. Já
estavam preocupados e nervosos porque
Sonia demorara, não chegava da consulta; e
chatearam-se ainda mais quando souberam o
[57]
Experiências de um Leigo
motivo de sua demora. Para todos lá em casa,
o Vale não era um bom lugar; onde já se viu ir
ter com espíritos, coisa que nem existia,
conversa de uns e outros, afinal de contas, se
fosse bom não era escondido, no meio do
mato, onde quase ninguém sabia chegar; seria
ali no centro da cidade para que todos vissem
e pudessem frequentar, como era a igreja...
Pai sempre foi muito calado. Seu
vocabulário era pouco utilizado; não éramos,
lá em casa, dos mais achegados ao diálogo,
mas desta vez ele não pestanejou: entrou na
conversa e pediu a Sonia que calasse a boca.
Aquilo era macumba e ali não tinha nada que
prestasse, e que ela tratasse de nunca mais
por os pés naquele lugar.
Sonia, por seu lado, simpatizara
com tudo que vira. Chegara com a fisionomia,
até muito relaxada para alguém que se achava
às voltas com um câncer. Além do mais, nunca
foi de engolir desaforo a seco; sua
personalidade forte, decidida, até certo ponto
meio contundente, como são todos lá em
casa, lhe impunha sempre uma resposta ao
que recebia, não no sentido do desrespeito,
mas no sentido de defender suas ideias. Não
perdeu tempo: disse que lá era um excelente
[58]
Experiências de um Leigo
lugar, as pessoas eram de muito respeito, de
muita educação; falavam muito de Jesus e
muitas outras coisas que meus pais ignoravam
a existência. Ela iria quando quisesse.
Os nossos familiares e aderentes
metralharam do outro lado; irritadiços,
pediram, mandaram que calasse a boca,
dizendo que ela estava proibida de falar o
nome daquele lugar naquela casa e que
também parasse de responder as ordens que
lhe eram dadas. Sonia não aceitou. Ainda
tentou responder à altura, mas viu que a
conversa não adiantaria; pegou os remédios
que já tinha comprado, jogou todos na lixeira,
encarou a todos e disse que já que se estava
quase morta, não custaria nada tentar alguma
coisa naquele lugar.
Entraram em desespero. Mãe
correu até o lixo e pegou os remédios,
colocando-os em cima da geladeira de novo.
Sonia pegou e jogou fora novamente. Mãe
pegou e, desta vez, parou, pensou, foi ao
quarto chorando e os guardou entre os seus
objetos pessoais...
Mais
tarde
Sonia
e
eu
conversamos. Nós sempre tivemos as nossas
afinidades, entende. Ela me disse que tinha
[59]
Experiências de um Leigo
ido ao Vale do Amanhecer, um lugar bem
diferente e que tinha sido atendida pelo
espírito de um médico; ele lhe dissera que
não importava o que ela tinha, mas que ia se
recuperar e pediu que voltasse ali outras
vezes, o que ela estava decidida a fazer.
Disse-lhe que já havia estado lá no
final de 1976. Não notei nada que fosse ruim,
informando-a que Nadja e a mãe dela eram
médiuns de lá. Ela sorriu, pareceu-me feliz.
Conversamos alguns minutos a mais sobre a
doença e saí pedindo a ela que tivesse calma,
eu me colocaria do lado dela.
Eu, cá do meu lado, senti a
curiosidade vibrar dentro de mim, mas a
guardei em meu silêncio. Saí pensando que
iria ser muito difícil ela voltar ali, sobretudo
depois daquela briga. Se toda vez fosse
daquele jeito, seria bem difícil...
Lá fora mãe e pai sentados numa
latada conversavam irritados e aborrecidos.
Sentei ali junto deles e pedi calma, tentando
quebrar o exagero, pois, com ele ninguém
podia. Mas foi em vão.
- Você é outro! Disseram-me.
- Eu? O que fiz?
[60]
Experiências de um Leigo
Então, saí mais para longe e
debaixo de um abacateiro comecei a cantar
baixinho uma música que falava de um
indivíduo aporia. Aquele sujeito para quem
somente suas ideias estão certas e que está
sempre envolvido em confusões. Era mais ou
menos assim a música em ritmo de desafio
cantado por dois violeiros nordestinos:
Colega, escute aqui, por que agora eu vou te falar!
Eu sei tudo e de tudo posso cantar.
O outro violeiro responde:
Você diz saber de tudo mais não sabe nem o bê-á-bá!
Quem sabe tudo sou eu e se você quiser saber tem que
violar.
Eu tenho a verdade e dela agora vou lhe falar:
Você é um Zé coitado não sabe nem o bê-á-bá!
Mãe me olhou de longe
compreendendo a minha intenção e seu olhar
me intimidou. Eu sempre cantava de
improviso para ela, depois das nossas
discussões. Saí dali de mansinho feito
cachorrinho expulso e sem dono. Tá bom... Já
sobrou para mim...
Aquela era uma brincadeira entre
eu e Sinval para irritar os demais. Trocávamos
versos de improvisos no intuito de chatear e
criticar os outros. Nós tínhamos o nome
artístico de Sinval Fogoió e Chico Pereba. Dois
[61]
Experiências de um Leigo
violeiros chegados em Brasília vindos do
Nordeste. Assim brincávamos, ou melhor,
irritávamos a todos. Pobre de Eduardo! Nosso
irmão mais novo. Como chorava...
[62]
Experiências de um Leigo
SONIA: OS DESAFIOS DE ACREDITAR NOS
MÉDICOS DO ESPAÇO
“Filho, tua cura é um simbolismo e afirmação da verdade
crística. É também, um sinal luzente aos incrédulos, que
mesmo vendo, descreem. Isso foi possível por tua fé ser
maior que a tua descrença. Então filho, pela fé recebestes
a cura. Porque a fé é o poder que move a religiosidade e
se tua prática se entrelaçar à fé e ao amor, todo o
universo se movimentará em teu auxílio para compor
todas as substâncias medicinais. Isso se dá pela ordem e
lei. Cura desobsessiva, força universal. Agora deves
aprender a esperar. Dê a tua mente trabalho e ocupa as
tuas mãos em auxiliar; ofereça ao teu corpo o cansaço,
para que o teu sono seja envolvido pela serenidade e
tranquilidade de tua alma e, pelo justo esforço, a ser
recompensado pela satisfação de estar sendo útil.” Pai
Ananias da Cachoeira.
Selma continuava feliz em seu
casamento e Sônia começava a viver seu
drama. Depois de uma semana, Sonia voltou
com a ideia de ir ao Vale do Amanhecer e
novamente uma briga aconteceu, maior até
do que da primeira vez, afinal de contas, uma,
para conhecer até que ia, mas pela segunda
vez já era demais. Assim não pensavam
nossos familiares. Por eles, Sonia não teria
nunca, posto os olhos naquelas paragens,
naqueles confins. Mas, na ocasião, não
deixava de ser um bom argumento.
Sonia tinha por esta época, 25
anos completos ou coisa parecida. Nessa
[63]
Experiências de um Leigo
idade não se encaixam mais em nossa cabeça
certas proibições paternas. O tempo passa, os
filhos crescem, se tornam adultos e ganham
as asas de suas próprias vidas; decidem o que
querem, o que não querem; casam,
trabalham, viajam, enfim, se arranjam fora
dos olhos familiares e isso muitas vezes gera
conflito. Mas para os pais, os filhos serão
sempre eternas crianças.
Assim também acontecia lá em
casa. Só não havia diálogo; não havia uma
democracia familiar e a distância entre nós e
nossos pais era grande; o suficiente para que
não acontecesse qualquer forma de acordo
entre vontades tão diversas.
A tarde daquela quinta-feira era
cinza-chumbo; chovia. Finas gotas d'água
batiam nas telhas. Brasília enfrentava inverno
rigoroso. Sonia começou a se arrumar para
mais uma visita ao Vale e despertou também,
imediatamente, o falatório daqueles que não
concordavam. Esse falatório repercutia por
toda a casa, em resmungos e palavras duras.
Aquilo era sem propósito. Nossos familiares
estavam contrariados ao extremo muito mais
pela desobediência do que com a ideia do
Vale.
[64]
Experiências de um Leigo
No instante em que isso acontecia,
pai, sentado de sua cadeira de balanço
amarela, só escutava, bem de longe, de forma
pacata. Ele sempre pensava sobre o assunto,
antes de falar alguma coisa.
Eu, sentado no sofá, diante da
televisão, perdia o filme que antes assistia.
Nós não sabíamos dialogar. Então discutíamos
negativamente. Lá dentro Sonia ainda
procurou não dar atenção. Ignorava em prol
da paz. Mas não se aceitava a ideia do Vale.
Aquilo era demais para eles.
O que mais me ensimesmava9, e
acho que também era o que acontecia com
nossos entes, era que, estranhamente, Sonia
tinha tomado aquele lugar - o Vale - como
seu; parecia que ela tinha encontrado o
paraíso ou algo parecido, porque só tinha ido
lá uma vez, e estava muito convicta do que
queria e de que se curaria. Era como se todas
as respostas de suas perguntas tivessem sido
respondidas ali, naquele lugar.
Sentado, eu observava aquele
falatório. Enfim. Resolvi tomar parte na
conversa. Levantei-me do silêncio e disse que
9
Intrigava, inquietava.
[65]
Experiências de um Leigo
aquilo estava demais. Não havia razão para
aquele exagero. Afinal, Sonia só estava indo a
um lugar, somente isso.
Logo surgiram os sobrenomes,
dados a mim, e que já estavam há algum
tempo adormecidos em minha memória:
- Lá vem você, já se esqueceu?
Então recebi o que era meu, o que
merecia. O contra-ataque dos que ali estavam
foi fulminante.
- Você é outro sem juízo!
Então me relembraram dos meus
tristes atos...
Pareceu-me em instante ter
levado um direto nos queixo deixando-me
tonto a ponto de enfurecer-me. O passado
estava de volta, parti para o contra-ataque.
Bom vocês me conhecem. Então economizarei
muitas linhas aqui e com isso ganhamos
tempo e tempo é tudo que precisamos ter
agora.
Mas daquele dia em diante estava
junto com Sonia e agora na contramão. Bom
isso é uma tendência minha: sempre optar
pelos mais fracos e oprimidos. Comprara a
briga e ia, naturalmente, sobrar para mim. Em
[66]
Experiências de um Leigo
poucas semanas eu também estava indo com
eles ao Vale.
Assim tudo começou e aconteceu.
Hoje estamos aqui. 32 anos depois. Foi longa
a caminhada. Hoje já não há mais discussões,
nem câncer ameaçando a vida de Sonia. D.
Judith, nossa mãe, está longe e bem. Vem
sempre que pode nos visitar. Zé de Dudu, o
pai, já desencarnou e nos deixou muitas
saudades. Sinval também já desencarnou. E o
Vale... Continua sua marcha que completou
50 anos de vida na Terra.
Sonia tentou persuadir todos a
tratarem a situação com um pouco mais de
benevolência, sem tanto radicalismo,
procurando conhecer para depois falar. Pediu
que não se exaltassem, coisa que já tinha
acontecido há muito tempo; disse que iria
com Batista, Edson e Mirian, no carro deles e
que não demoraria; logo estaria de volta e
então elas conversariam. Apesar da aparente
calma, via-se claramente em seus gestos, uma
irritação, como se alguém estivesse
maculando algo muito precioso.
Nesse clima, abriu o guarda-roupa
e tirou um casaco de crochê preto. Foi para a
[67]
Experiências de um Leigo
sala, onde eu me encontrava. Sentou-se; de
modo agitado balançava o pé.
- Obrigado... Disse ela pela defesa.
- Nada. Nada custou Sonia. Faça o
que é de sua vontade. Direito seu.
- Isso não está certo, dizia ela; eu
não vou fazer nada de errado e todos têm que
pensar no que falam!
- Calma Sônia, estão todos
nervosos. Dá um tempo e as coisas se
arrumam.
Sonia estava certa. Todos préjulgavam sem o menor conhecimento de
causa e isso a ofendia; entretanto, adverti
Sonia de que pouco adiantaria qualquer
desentendimento maior. Era melhor que se
calasse e deixasse de lado as discussões. Ela
ainda tentou argumentar, mas teve que
concordar diante da força dos argumentos
que eu usara e ficou ali, enquanto os outros
não se davam por vencidos...
Em poucos minutos uma buzina
soou lá na rua; eram os outros: Batista, Edson
e Mirian. Sonia levantou, me deu um rápido
tchau e caminhou em direção à rua. Entrou no
fusca branco que estava pura lama. Ainda
escutei o barulho do portão batendo e o carro
[68]
Experiências de um Leigo
que em seguida arrancava, ficando o seu
ruído cada vez mais longe, até desaparecer de
nossa percepção.
Perdi totalmente o interesse pelo
filme. Desliguei a televisão e fui à escada da
cozinha. Mais adiante, meu pai sentado, ainda
olhava as nuvens pesadas daquele dia. Com
ele mãe conversava um pouco, de forma
pacata...
Ao final da tarde Sinval chegou do
trabalho e Eduardo, do futebol. Selma deveria
estar em casa, cuidando de Raphael. A noite
foi chegando rápido, pesada, fria. Ainda
chovia... Tristeza pairava no ar. Mãe foi
preparar o jantar; pai iria cochilar em frente
ao Jornal Nacional e eu tinha um encontro
marcado com o meu travesseiro. Rodrigo,
bem pequeno dormia numa rede improvisada
no quarto de mãe e esta lhe velava com todo
zelo.
Sonia somente foi chegar lá pelas
onze horas da noite; achou pai, já em sono
profundo e mãe sem conseguir dormir,
tomada de preocupação, com a expressão de
cansaço. Ela entrou calada, e foi ao banheiro,
em frente a meu quarto. Em seguida foi até a
[69]
Experiências de um Leigo
rede do Rodrigo e por lá ficou. Em breve os
movimentos foram diminuindo...
Não consegui conciliar o sono; vi
tudo aquilo e fiquei pensando na vida
enquanto olhava o teto branco do quarto.
Fazia frio. Sonia não atravessava um período
nada fácil; o seu casamento já estava
condenado; Hamilton se entregava à
bebedeira. Aquela inflamação no seu útero, as
dores que sentia, o medo por seu filho, o
medo do câncer; o medo da morte. Tudo isso
pesava nos seus ombros.
Continuo a olhar o teto. Tudo
desmoronava. Talvez toda aquela estória de
Vale do Amanhecer fosse uma válvula de
escape para suas tensões, um modo dela se
aliviar e poder continuar enfrentando os
problemas que a perturbavam. E muitos
condenavam. O teto era branco, frio e
distante...
Levantei. Ninguém, por mais
próximo que fosse, poderia saber o que,
realmente se passava em seu interior. Fui à
cozinha e bebi água e senti mais frio. Além do
mais, particularmente, eu confiava muito em
Sonia, e, se ela dizia que aquele lugar era
bom, então devia ser mesmo.
[70]
Experiências de um Leigo
Confraternizei-me com ela. Senti
sua dor. Muitas vezes julgamos as pessoas,
falamos isso ou aquilo, falamos de suas ‘boas
e más’ ações, mas não saímos de nossas
mesquinharias. Ninguém está dentro de
ninguém. Nossos familiares não sabiam
compreender, e muito menos dialogar. Voltei
ao quarto. O teto transmitia-me distância. É
muito fácil falar de situações que não são as
nossas realmente, e isso acontecia lá em casa.
Eu pensava isso e ficava escutando
ainda algum barulho que se fazia. Os passos
de Sonia ou mãe pelos quartos, algum
cochichado, ou ainda lá fora os gatos que
passeavam, e namoravam em cima das telhas.
Não quis mais olhar o teto frio, branco e
distante. Fechei os olhos. Foi assim que
dormi...
Na semana seguinte, novos
desentendimentos. Sonia também decidiu
que não iria mais ao hospital. Ela tinha uma
estranha e obstinada certeza de que iria ficar
curada ali, no Vale mesmo e, portanto, não se
dispunha mais aos médicos da terra e não
tomaria mais os remédios. Aquela fora uma
decisão pessoal difícil.
[71]
Experiências de um Leigo
Isso, naturalmente, preocupou
muito o nosso povo. Todos diziam que o tal
centro espírita tinha mexido com a mente de
Sonia se ela já não estava em seu estado
normal, sobretudo devido ao seu estado de
saúde, agora é que estava sem juízo mesmo.
Num dos momentos mais
acalorados, Sonia foi quase obrigada a tomar
um dos remédios que, a partir daquele
momento, ignorava.
Tudo em vão. A briga só
aumentou. Mãe, nesse dia ficou triste; Por fim
chorou. Foi pelo nervosismo contido. Nessa
hora fiquei com o coração apertado por
minha mãe e com raiva de mim mesmo, pelas
vezes que interferia em prol de Sonia.
Em verdade, por mais que se
dissesse que não, uma mãe sempre quer o
melhor para os seus filhos, e era isso o que
mãe queria para Sonia. Para uma mãe, ver um
filho ou uma filha guardar um câncer em seu
corpo é uma dor, nós não tínhamos recursos
para avaliar por isso, não entendíamos.
Aquilo era somente o medo dela projetado, o
medo de perder Sonia.
E foi assim que vivemos mais
umas semanas em nossa casa. Era
[72]
Experiências de um Leigo
impressionante como a nossa realidade se
modificara em pouco mais de dois anos. Tudo
começou com o fechamento da loja e nossa
dor financeira, em seguida o casamento de
Selma deixou a casa meio vazia; depois veio o
casamento de Sonia, sua gravidez de risco, a
doença, e, por fim, os desentendimentos das
últimas semanas, sobre o Vale.
Selma volta e meia aparecia,
trazendo sempre Raphael no colo. Ela chegava
pela tarde, e não se demorava muito. Ezequiel
chegaria do trabalho e os afazeres domésticos
eram imperativos. Sinval todo dia no INAN,
com suas roupas de segunda mão, que para
nosso orgulho de classe média decadente, era
uma das mais graves ofensas; Eduardo
sempre às voltas com uma bola com seus
colegas e na escola, estudando pouco, não
tomava totalmente pé da situação; por fim,
Sandrinha, muito nova, não tinha uma real
noção do que acontecia.
Quando
se
aproximava
novamente o final de semana já esperávamos
as brigas por causa do tal Vale do Amanhecer.
Sei que nesse torvelinho10 de grilhões,
10
Remoinho, redemoinho.
[73]
Experiências de um Leigo
correntes eram desamarradas ao preço de
termos poucos e raros momentos de paz e
tranquilidade.
Lá em casa os efeitos eram
dolorosos. Pai aos poucos também deixou de
aturar aquela situação e foi apertando Sonia,
que mesmo entrincheirada não dava o braço a
torcer.
Um dia ela chegou sorridente.
- Chico estou curada. Passei na
sala de cura e senti que não tenho mais a
doença.
- Então, volte ao médico e refaça
os exames. Deves isso a mãe e a todos, disse
eu.
Ela voltou e os médicos ficaram
sem respostas por não entenderem a razão
daquela doença não estar mais no corpo de
Sonia. Depois daquela cura a coisa melhorou
um pouco para ela.
[74]
Experiências de um Leigo
ENFIM, DE VOLTA PARA CASA
“Filho querido, aqui é a tua casa, a tua família. Estes são
teus irmãos e essa é a mãe provisória que te entrego para
que ames e respeite com a sublimidade de teu espírito.
Neiva, deves de ti cuidar, agora, para que com o passar
do tempo, quando crescido, tu cuides da herança que
depositarei em tuas mãos... Essa é a universidade onde
reencontrarás a universalidade de tua alma. Estuda e
trabalha e todo o teu esforço estará em recordar o que és
em transcendência e o que terás a realizar cumprindo
assim, tuas juras e metas cármicas assumidas junto a
Jesus. Eu sou o teu Pai. Lembra-te. Deus não quer que se
perca nenhuma ovelha deste rebanho.” Pai Seta Branca.
Setembro trouxe muitas brigas lá
em casa por causa do Vale; outubro e
novembro não foram diferentes. Sonia de fato
gostara muito daquele lugar e isso começou a
despertar minha curiosidade, sobretudo
porque certo dia ela chegou e falou que tinha
conversado com um espírito que se chamava
Pai Joaquim de Aruanda. Ele, segundo ela,
contava muitas coisas, sobre o que ela
quisesse falar. Dizia também que quando eles
estavam conversando, de vez em quando
outro espírito aparecia, só que com as mãos
fechadas e este não era muito bom não. Ele
nem conversava. Então tinha um homem que
ficava atrás; ele conversava com o espírito e
depois dizia umas palavras esquisitas com as
mãos espalmadas para cima. Então o tal Pai
[75]
Experiências de um Leigo
Joaquim voltava e eles retomavam a
conversa.
Mas o que mais me impressionava
era seu relato sobre o que sentia quando
chegava perto da entidade. Eu ficava
maravilhado com o que ela dizia, e inclusive
achei que alguma entidade assim poderia nos
ajudar a mudar nossa situação financeira, que
não estava nem um pouco animadora.
Ao final da conversa ela então se
dirigia à sala de cura onde deitava e se
consultava com o já mencionado médico.
Aquilo me causou certa curiosidade e me
lembrou uma vez em que estive lá com Nadja.
Todas as vezes que Sonia ia ao Vale, eu
lembrava de minha visita àquele lugar.
Combinamos então, que da próxima vez eu
também iria.
Ao final da semana então, debaixo
de briga, eu também fui ao Vale. Para chegar
lá não foi nada fácil: Edson pegou um atalho
que, segundo ele facilitaria a nossa chegada,
mas que só tinha lama e o seu fusca não
estava em perfeitas condições, aliás, andava
muito longe disso.
O atalho acabou ficando mais
longe do que o mais longe dos caminhos.
[76]
Experiências de um Leigo
Cheguei até um pouco sujo, mas nada que
pudesse atrapalhar minha visita. O fusca
sinalizou e avançou à direita, penetrando no
portão e aguçando minha curiosidade.
O fusca ganhou o estacionamento
devagar. Uns trezentos metros à frente divisei
o mesmo barracão em madeira que ainda se
erguia de modo bem acolhedor. Era o mesmo
que havia visto há dois anos e meio, talvez um
pouco melhor em sua aparência. Reconheci os
eucaliptos que faziam uma grande e gostosa
sombra. Embaixo de um deles Edson
estacionou seu carro, que pelo barulho, há
muito já pedia descanso.
Eu desci do carro com algum
cuidado e ao mesmo tempo feliz por poder
esticar as pernas que há muito tempo já
estavam espremidas na traseira daquele
fusca; a lama era tanta, que tive medo de
escorregar naquele barro vermelho. Edson e
Miriam já pertenciam àquele lugar. Eles iriam
trocar de roupa, colocar seus uniformes.
Enquanto isso eu fiquei em pé, embaixo dos
eucaliptos a observar toda aquela paisagem.
No tronco de um deles um
amontoado de madeiras serviam de moradia
para muitas famílias e espécies de insetos;
[77]
Experiências de um Leigo
entre eles uma velha placa de madeira suja,
esquecida, abandonada, carcomida por uma
porção de cupins apresentava os seguintes
dizeres: "UESB - União Espir". Fiquei sem
saber o que significava o resto da inscrição,
graças aos cupins que tinham comido o
resto...
Passaram-se uns dez minutos e
então Edson e Mirian voltaram. Andamos um
pouco mais em direção ao templo, mas antes
paramos numa espécie de pracinha onde
havia um bonito monumento: uma estrela de
seis pontas cravada por uma seta nos
apresentava os seguintes dizeres:
"O HOMEM QUE TENTAR FUGIR DE SUAS
METAS CÁRMICAS OU JURAS TRANSCENDENTAIS SERÁ
DEVORADO OU SE PERDERÁ COMO UM PÁSSARO QUE
TENTA VOAR NA ESCURIDÃO DA NOITE."
SETA BRANCA.
Sentei ali e fiquei ainda algum
momento a observar todo aquele movimento
muito bonito. A certo momento olhei o céu e
um pombo se aproximava rapidamente em
seu voo. Ele entrou num pombal que havia ali,
e com certeza foi buscar o seu lugarzinho
[78]
Experiências de um Leigo
sossegado para o sono, afinal de contas, a
tarde dava os seus últimos suspiros e estava
na hora dele se recolher.
Voltei os olhos para a minha volta
e Edson ainda cumprimentou alguns amigos
seus que passavam por ali ou mesmo se
detinha a falar sobre algum assunto do qual
eu não entendia bem, mas nada muito
demorado, e em pouco tempo estávamos lá
dentro, na fila de um de seus trabalhos.
Batista nessa altura nos alcançou e
estava de uniforme. Edson e Miriam
desapareceram em busca da sintonia dos
trabalhos. Batista, Sonia e eu nos conduzimos
ao interior do templo.
Daquela vez tudo me parecia mais
nítido. Havia uma área onde só os médiuns,
podiam entrar, dentro da qual havia uma
grande mesa triangular. Em seguida, por fora
desta área reservada, uma estátua de Jesus
olhava piedosamente para os que passavam.
Atrás dele, havia outro trabalho, este sim, de
consulta aos pacientes. E ao fundo do templo,
a estátua do Pai Seta Branca...
Sentamos na fila do trabalho de
tronos, que é o trabalho onde nós, os
visitantes conversávamos com os espíritos.
[79]
Experiências de um Leigo
Tudo ali era muito bonito, e despertou muito
minha curiosidade. Era encantador... Sonia foi
primeiro e eu fiquei, em seguida aguardando
minha vez, que não demorou a chegar. Fui
conduzido, depois de mais de dois anos
àquela pequena mesa de consultas, onde um
homem incorporado já me esperava. Sua voz
era de um velho; seus gestos e suas feições
também.
Na saída Sonia me disse que
conversara com o mesmo Pai Joaquim de
Aruanda. Eu, por minha vez conversei com Pai
Joaquim de Angola... Fiquei tranquilo com o
resultado, contrariando a última vez que
estivera ali com Nadja.
Conversar com aquela entidade
me deixou meio encabulado, mas também
despertou o meu interesse. Tanto que desse
dia em diante, eu também passaria a ser um
frequentador assíduo do Vale, o que seria um
motivo a mais para as preocupações de
nossos familiares.
Estes
foram
momentos
importantes e definitivos para a nossa
entrada na corrente do Vale, o que não foi
nada fácil. Mas nós estávamos muito
envolvidos com aquele lugar, especialmente
[80]
Experiências de um Leigo
Sonia, que toda semana estava lá, mas agora
tinha minha companhia. Sim, aquele lugar me
encantou de um modo que somente hoje
posso compreender.
Assim chegou o natal. Novamente
os vendedores da feira modelo iriam trazer as
frutas que perfumavam toda aquela parte da
cidade, assim como as vitrines novamente
iriam se enfeitar com tudo que podiam e o
vendedores anunciar mil e uma novidades,
descontos, e ofertas para aumentar a suas
vendas naquele período do ano. O tempo
corria célere e nós não nos dávamos conta de
que aos poucos tudo ia ficando para trás. Ano
após ano, íamos avançando no tempo, que é
sempre implacável e invencível.
[81]
Experiências de um Leigo
UM ILUSTRE DESCONHECIDO
- Meu filho, há tantas coisas que tua pequenez não
consegue divisar e por essa razão compreender. És ainda,
como uma semente que cabe na palma de minha mão.
Amanhã serás grande como uma árvore altaneira e altiva.
Crescerão contigo o conhecimento, a tua compreensão e
o teu amor, que lhe vestirá como os jardins em
primavera.
- Não compreendo por que ninguém gosta daqui.
Resmunguei oprimido e desgostoso.
- Ninguém gosta daqui? Olhe para tua frente.
O banco estava cheio de visitantes.
Aqui é a Doutrina de Jesus e as pessoas ainda não gostam
de Jesus, por não conseguir enxergá-lo e compreendê-lo.
Tu estás ficando rico e as pessoas não gostam de ver a
felicidade dos outros. Tem fé e acreditas em ti. Amanhã
terás tuas respostas. Pai Joaquim de Angola.
Nós, depois de certo tempo,
estávamos cada vez mais entendidos sobre o
assunto. Chegávamos e nos dirigíamos aos
setores de trabalho com grande objetividade,
sem a apreensão natural das primeiras
consultas. Conversávamos fluentemente,
dentro de nossa completa ignorância, diga-se
de passagem, com Pai Joaquim de Aruanda e
Pai Joaquim de Angola. Na saída, após
passarmos também pelos demais trabalhos,
conversávamos a respeito das comunicações
das entidades, onde podíamos trocar
impressões e experiências.
Num desses dias, entretanto,
Sonia saiu do trabalho de tronos e não foi
[82]
Experiências de um Leigo
para a sala das macas de cura, com já era de
costume. Eu sei, porque eu estava sendo
atendido no trono atrás do dela; vi quando se
levantou e fez um sinal de que me esperaria lá
fora.
Quinze minutos depois eu saía, já
com saudades daquele velho que me trazia
tanta serenidade. Tomei então, a direção da
Casa Grande e no Xingu, o restaurante,
encontrei Sonia tomando um cafezinho, junto
com Batista.
Ela estava muito entusiasmada
com um espírito que tinha conversado com
ela. Segundo seus relatos, ele batia palmas e
tinha uma linguagem muito descontraída.
Sonia
nos
contou
coisas
maravilhosas a respeito dele e não foi difícil
me colocar curiosidade por conhecê-lo, afinal
de contas o seu sorriso ia de uma orelha à
outra e seus olhos traziam um brilho, que até
hoje, poucas vezes vi igual. Seu nome era
Sebastião, chamavam-no Tiãozinho.
Nesse dia, ao contrário de todos
os outros, saímos cedo do Vale. Logo
tomamos o café e nos colocamos no itinerário
de volta para casa, pois era domingo e no
[83]
Experiências de um Leigo
outro dia todos nós tínhamos obrigações cedo
da manhã.
O ônibus demorou ainda cerca de
uma hora, período em que ficamos em pé,
nos protegendo da lama e do frio, enquanto
dividíamos o cigarro, eu e Sonia.
Batista ainda falou alguma coisa a
respeito de Tiãozinho enquanto eu olhava a
precariedade de uma pequena casinha de
madeira em nossa frente, do outro lado da
pista. Ali, uma mulher recostada e um homem
jovem pareciam esperar também uma
condução. Deviam ser um daqueles casais que
mantinham um pequeno quartinho no Vale,
onde passavam o final de semana. A noite
estava calma. Nesse instante, cada um estava
dentro de si. Poucos monossílabos eram
trocados aqui e ali.
Mais acima, uma lua esguia,
tímida, junto com mais uma boa quantidade
de estrelinhas e estrelões pareciam assistir
comigo toda aquela cena. No chão, próximo
ao casebre do casal, um pequeno conjunto de
plantas era iluminado pela luz que vazava das
frestas de madeira rejuntada e Duratex
enquanto a mais absoluta quietude parecia
ser a música que embalava aquele momento.
[84]
Experiências de um Leigo
Batista ainda falava sobre a
Doutrina e eu não o escutava, com a visão
distante, levado pelos meus próprios
pensamentos. Quando voltei a mim, o casal
havia partido... Eu ainda olhava o quartinho
quando os faróis do ônibus quebraram a
escuridão que nos envolvia, me arrebatando
quase que assustadoramente de meus
pensamentos. Nós desembarcaríamos, em
pouco tempo, em Planaltina e lá, na
rodoviária embarcaríamos num outro ônibus
com destino a Sobradinho.
Sonia ia com Batista um banco à
minha frente e eu, sentado à janela ora
observava o cobrador do ônibus, que de
braços cruzados, cochilava, sendo sempre
perturbado a cada solavanco que o ônibus
dava, ora olhava as luzes que passavam
rapidamente
por
mim,
pensando
absortamente em tudo que vivia, pensando
em Pai Joaquim de Angola, no Vale, no
casebre, em mim, em minha vida...
Neste clima, Batista desceu na
quadra 16 e eu e Sonia continuamos a viagem
até o nosso ponto, um pouco mais abaixo.
Depois dali, em poucos minutos dormíamos a
sono solto...
[85]
Experiências de um Leigo
JURAS E METAS TRANSCENDENTAIS
- Meu filho, nesta bendita hora, em que a vida pára e os
homens adormecidos em seus leitos, repousam seus
corpos nas turbulências de um pensamento
controvertido, vamos ao trabalho, pois, quem não
trabalha dá trabalho. O seu atraso é imenso, tuas
responsabilidades maiores do que o teu juízo e tuas juras
transcendentais te impõem metas de um destino cármico
que o colocará diante da vida no único ofício: o de servir.
Deves servir. Servir será sempre melhor do que ser
servido.
E partimos dali rumo ao destino daqueles que estavam
entregues a nós. No caminho solucei minhas
reclamações:
- Isso é trabalhar demais, é trabalho escravo. Ninguém
merece. Arrematei.
- Cala-te meu filho, pois com certeza tudo seria mais fácil
agora sem você. Está a reclamar do quê? Volte... Volte e
eu então, deixarei aquele homem ali, ser o seu
companheiro de viagem, afinal, vocês são afins em seus
padrões. Está vendo?
- Sou seu escravo, o que desejas meu amo. Rimos...
Passagem com Pai João.
Tudo nesse plano físico é muito
inconstante; tudo está condenado a
desaparecer, se transformar, evolucionar.
Tudo mesmo, e é muito rápido, por isso
temos que tentar acompanhar o ritmo dos
acontecimentos, compreendê-los e retirar os
nossos ensinamentos, que são as pérolas que
levaremos para o futuro de outras vidas,
porque tudo se transforma rapidamente sob a
ação infalível do tempo.
Somos pequenos aprendizes nessa
grande universidade que é a vida que
[86]
Experiências de um Leigo
escolhemos. Ela nos fornece tudo o que
precisamos para nos prepararmos para as
grandes provas, os grandes testes. Além do
mais, nunca sabemos com exatidão o dia em
que elas chegarão. Muitas vezes supomos
estarmos seguros, firmes em nossas vidas,
quando nos deparamos com aquelas que
foram as nossas vítimas do passado e caímos
por não saber amar, compreender aquela
sublime mensagem, a rica oportunidade que
Deus nos concedeu.
Quantos passam pela vida sem
compreendê-la? Quantos acreditam estarem
absolutamente certos e quando chegam do
outro lado, desencarnam, se deparam com
um mundo dinâmico onde os valores são
pesados pelo que levamos em nossas
bagagens? E sofremos muito sem poder
acompanhar aqueles que vivem felizes e
realizados em seus reinos.
Sim mestres, a balança pesará os
nossos merecimentos; aquilo que fizemos de
bom ao próximo e a nós mesmos, porque tão
logo cheguemos do outro lado, teremos que
prestar contas do que fizemos ou deixamos de
fazer.
[87]
Experiências de um Leigo
Em
1979
chegamos
definitivamente ao Vale do Amanhecer. Tudo
era muito simples e muito original, muito
bonito mesmo. Chegamos e fomos logo
fazendo ambiente, sentindo em nossas almas
as mais lindas recordações de eras tão
remotas e felizes, até que nos apaixonamos.
Dali em diante tudo se tornou um grande caso
de amor, como dizia Tia Neiva. Daquele dia
em diante, também, acabou o nosso sossego.
Tudo era lindo e real, mas tivemos
que pagar o preço para poder receber aquela
cultura dos nossos antepassados, a magia dos
encantados. Noite após noite de trabalhos,
fomo-nos aculturando e nos colocando a
caminho, vencendo e eliminando nossas
dúvidas, inseguranças. Então caminhamos
para uma decisão: sermos visitantes ou
médiuns.
Vivíamos sempre pesando os
nossos valores, sempre entre a cruz e a
espada, entre a verdade do espírito eterno, a
individualidade e a personalidade transitória
com os valores mundanos.
Sofríamos ao ter que abandonar
os nossos sonhos, as nossas doces ilusões de
homens físicos e encarnados; sofremos com a
[88]
Experiências de um Leigo
incompreensão, com preconceitos, rejeições,
tolices ditas, expressadas em gestos, fatos que
nos fizeram sofrer...
Mas tínhamos que optar entre os
valores do mundo e os valores espirituais;
logo sentimos que os dois não se casariam.
Tínhamos que abandonar as nossas iniciações
físicas, os nossos falsos conceitos para
podermos receber ideias renovadas, porque
em nossa mente não cabia mais nada; era
preciso esvaziar para recomeçar a encher... E
isso implicaria em romper com quase tudo
que amávamos.
Vivíamos Jesus quando dizia:
“aquele que quer me seguir deve abandonar
pai, mãe e negar a si mesmo. Negando a si
mesmo, ganhará a vida eterna”.
Vivíamos entre a ânsia das
transformações superiores e os preconceitos
humanos. Inconscientes, sabíamos que
estávamos pagando um preço, entretanto,
estávamos sendo testados e não podia haver
reprovação; não podíamos sequer vacilar,
porque era uma oportunidade raríssima. E
entre todos os interesses, optamos pelo que
acreditávamos.
[89]
Experiências de um Leigo
Naquele oceano de incertezas,
começamos a navegar decididos e crentes que
teríamos sempre um guia, um amigo, um pai.
Daí em diante, tínhamos como mentor
espiritual, o Cacique Seta Branca, o nosso pai
maior, o Simiromba de Deus.
Aumentaram as tensões em
nossas vidas; éramos pressionados de todos
os lados. Cercados de incompreensões. Os
limites nessa época foram vencidos ao ponto
de nosso pai, numa atitude extrema, nos
colocar para fora de casa: ou saíamos do Vale
do Amanhecer ou da presença dele.
Não vacilamos. Foi então que
pegamos nossas coisas e fomos embora.
Estava na casa de um amigo, porque minha
decisão era clara e firme. Fiquei uns dias, até
que ele reconsiderou a sua decisão. Eu
retornei vitorioso.
Contudo aquilo não era o fim; as
discussões continuariam nos trazendo ainda
muitos aborrecimentos e desarmonias. Eles
não aceitariam de forma alguma nosso
ingresso naquela ‘macumba’, segundo dizia
nossos familiares. O preconceito estava
presente na nossa casa e nos fez sofrer...
[90]
Experiências de um Leigo
Sentíamo-nos como alunos que
foram reprovados em outras épocas e
estávamos de volta à escola. Pressentíamos
que aquela oportunidade era única e que
seria muito difícil. Parecíamos prisioneiros a
pretender
liberdade antecipada,
sem
merecimento.
Diante de tudo isso, seguíamos as
firmes determinações de nossas faixas
cármicas. Mas, sobretudo, tínhamos uma
certeza estranha que nos dava forças além
das nossas. Não sabíamos de onde vinha toda
aquela firmeza e determinação que se
projetava na aparência de motivos. A vida é
nossa, ninguém possui o direito de nos privar.
Pensávamos assim, mas essa ideia estava
longe da realidade do que estava
acontecendo.
Era um movimento além da nossa
compreensão. Não podíamos dar chances
para aqueles que, com certeza, se oporiam ao
caminho. Assim enfrentávamos tudo e todos.
Vencer era mais do que necessário; era
sobrevivencial daquele momento em diante.
Tia Neiva sempre nos falava:
“filho, tudo tem o seu preço”. Mas na verdade
estávamos longe de compreender o que ela
[91]
Experiências de um Leigo
dizia. Pensávamos como podia ser aquilo se
depois que entramos no Vale tudo ficou pior.
Então vinha a grande dúvida: será que tudo
isso está certo? Será que realmente este é o
caminho a tomar? Acreditamos que sim e em
pouco tempo éramos os fanáticos do Vale do
Amanhecer...
E tudo foi caminhando em meio a
tempestades, brigas, desarmonias sempre
crescentes. Exigiam-nos deixar a doutrina, que
aquilo não era bom e coisas desse tipo. Mas
permanecíamos firmes e pagamos nosso
preço por todo aquele acervo que estávamos
recebendo dos planos espirituais.
Nós hoje sabemos que também é
assim que acontece com vocês, e ainda hoje
fico me perguntando: por que tem que ser
assim?
Num daqueles dias que estamos
com o chapéu na mão a pedir, fui ao meu
querido Pai Joaquim de Angola e perguntei
por
que
tantas
incompreensões,
principalmente de quem está mais perto, de
quem mais amamos.
Ele olhou e me disse:
- Meu filho, salve Deus. Vosmicê
está na seara de Nosso Senhor Jesus Cristo, e
[92]
Experiências de um Leigo
essa é a Sua Doutrina de amor, de
compreensão; é o maior tesouro que o
homem pode conquistar na terra. Está ficando
um homem rico filho, e pessoas pobres de
compreensão não gostam de pessoas ricas de
entendimento.
Jesus subiu o Calvário, pagou seu
preço pela crucificação. O seu é pequeno e
leve não acha?
Eu insisti:
- Por que ninguém gosta daqui?
-Pelo
mesmo
motivo
que
crucificaram Jesus. Mas não sei se sua
afirmação é verdadeira. Olhe para a sua
frente.
Levantei a cabeça e vi uma
pequena multidão de pessoas sentadas,
esperando uma oportunidade igual a minha.
Então ele continuou.
-Meu filho, há duas pessoas em
uma só. Uma na alegria e outra na dor, pois
na alegria pensamos de um jeito e na dor
pensamos de outro modo totalmente
diferente. Mas não se incomode; isso não é
muito importante; compreenderás amanhã
que tudo é bom, e que as pessoas são assim
mesmo, depois mudam.
[93]
Experiências de um Leigo
É verdade mestres, o que Pai
Joaquim de Angola me falou em 1979
somente hoje se torna acessível à minha
compreensão. Tudo mudou, e o que era dor e
desarmonia hoje está perfeitamente coerente
e ajustado com o que precisamos aprender.
Tudo faz parte de um aprendizado e
desenvolvimento pelo qual temos que passar,
ou não temos como ir mais longe.
Muitas coisas lindas aconteceram
naquela época, e muitas coisas lindas
acontecem hoje. Agora precisamos aprender
a colher as rosas do nosso caminho, e nessa
colheita é natural que de vez em quando um
espinho nos fure as mãos. Tudo tem o seu
preço e temos que saber exatamente o que
queremos, para que, decididos possamos ir
em frente e lutar pela nossa evolução.
Tivemos que vencer a todos,
vencer pela certeza do que queríamos, do que
acreditávamos, mesmo deixando muitos
amigos, familiares e demais pessoas queridas;
partimos ao encontro das nossas realizações e
hoje, recebemos os mesmos amigos e
familiares de ontem.
Eles veem e virão sempre ao nosso
encontro; abraçam-nos; sorrimos juntos, em
[94]
Experiências de um Leigo
seguida partem. Será que compreenderam a
sublime mensagem? Penso como Pai Joaquim:
suas palavras sábias: “não é importante agora,
filho, e sim as emanações que levarão e
guardarão em suas mentes e corações.
Assim vamos caminhando, sempre
com um adeus, sempre em despedida. Muitos
ainda virão ao nosso encontro, como muitos
já foram em busca dos seus destinos. São
amigos que se reencontram, inimigos que se
reajustam e se ajustam, amores em conflitos,
desamores em incompreensão num bailar
constante: encarnados e desencarnados,
levando e deixando saudades, na sublime
mensagem de que não há sofrimento, e sim
uma canção que nos toca o coração na forma
que pudermos compreender e amar. Salve
Deus.
[95]
Experiências de um Leigo
BATISTA: UM IRMÃO, UM AMIGO DO
PASSADO
Meu filho Jaguar,
Não deves ficar a lamentar aqueles que choram a
despedida. Ainda não é o adeus. Tudo deve trazer para ti,
meu filho, um ensinamento. A vida muda e deves estar
preparado para as mudanças que não esperarão por ti.
Teu caminho, nesse momento, exige que estejas só. Cinco
anos, um ciclo fechado. Tu partirás e lá, onde tu estarás,
em teu exílio, encontrarás o tesouro que te prometi. De
lá, retornarás a uma nova vida, como ressuscitado da
morte. Então, podeis pretender voar sem os grilhões11
que prendem a tua alma, por estar livre de débitos do
passado, daqueles que de ti hoje, descreem. Não poderá
obter a tua liberdade, sem o juízo dos descrentes. Assim,
pelos julgamentos se faz justiça e se refaz a lei. No final,
todos estarão juntos. Agora, deves partir, antes que a
noite te alcance e feche a tua visão. Eu estarei contigo,
até o fim. Pai Seta Branca.
A vida é uma caixinha de boas
surpresas. Sempre está a nos intrigar pelas
construções de muitos caminhos que tantas
vezes, nos opomos ou não fazemos a menor
ideia do que seja. Muitas vezes, não pude
confiar na vida, e, precipitadamente neguei
ou repulsei o que ela me trouxe. O maldizer, o
malgrado, a incompreensão e a intolerância
foram marcas do meu não saber ou do meu
não querer.
11
Corrente que prende os condenados. Correia, algema.
[96]
Experiências de um Leigo
Assim a vida é composta. O que
não esperamos, tantas vezes o inesperado,
chega e nos pega desprevenidos ou mesmo,
surpreendidos pela grata moção12. Assim foi
muitas vezes quando via Batista e Sonia
casados, pensava então, que a vida é
engraçada e surpreendentemente ilógica.
Quem diria? Quem poderia sequer supor essa
união?
Assim conheci Batista. Cícero
Nunes dos Santos. O Cícero é em homenagem
a Padre Cícero, o Nunes, define-se como
sendo, um número impar, único e dos Santos
provavelmente, está ligado à espiritualização
e nobres compromissos.
Na
minha
pré-adolescência
conheci um amigo com o nome de Paulo.
Juntos, estudamos por vários anos no mesmo
colégio e jogamos futebol no mesmo time.
Essa convivência estreitou a nossa amizade e
frequentemente estávamos, um indo à casa
do outro.
Certa vez, estava em sua casa,
quando ele me convidou para ir ao quarto,
pois queria me mostrar algo. Adentramos
12
Emoção.
[97]
Experiências de um Leigo
aquele compartimento e Paulo puxou de um
lugar uma caixa repleta de medalhas. Eram
muitas e fiquei ali a invejar aqueles pertences.
Inevitavelmente, perguntei curioso:
- De quem é? Quem ganhou isso
tudo?
- Do meu irmão. Foi a sua
resposta. Batista é o nome dele.
Lembro-me que de vez em quando
esbarrava com um rapaz de bicote curto e
cabelo escuro. Mas nada de convivência.
- Oi!
- Oi!
Era só isso. O tempo passou e eu
cresci. Já não tinha mais vivência com Paulo.
nossos caminhos se distanciaram nos
deixando só lembranças, boas recordações.
Então, em sua luta contra o
câncer, Sonia aceitou o convite de um amigo,
que vendo-a triste procurou saber a razão de
sua tristeza. Informando-o dá doença e dos
acontecimentos, ele imediatamente a
perguntou se ela acreditava em Deus.
- Sim. Foi sua resposta.
Então ele a levou ao Vale do
Amanhecer. Eu só não imaginava que se
[98]
Experiências de um Leigo
tratava do irmão de Paulo. O dono das
medalhas.
Dias se passaram, acho que
muitos deles, até uma tarde que, chegando
do trabalho me deparei com Sonia e Batista
que conversavam no portão em frente de
casa. Sonia fez as apresentações e não tive
duvida em afirmar:
- Você é o irmão de Paulo?
- Sim respondeu ele.
Daquele momento em diante não
nos separaríamos mais; a cada dia nos
aproximávamos pelo incomum das nossas
ideias e pensamentos sobre a vida e lógico, o
bom e grande motivo: a Doutrina do
Amanhecer.
Meses depois, Sonia se casou com
ele e a cada dia fomos construindo uma
amizade honesta e verdadeira. Eles tiveram
muitos filhos e a cada minuto de suas vidas eu
estive presente e os acompanhei.
Batista foi se tornando uma
espécie de instrutor inicial de nossas vidas.
Por ele temos um enorme respeito e grande
consideração. Senhor de um bom senso e
ponderação, durante muito tempo foi o fiel da
balança entre nós, responsável pelo equilíbrio
[99]
Experiências de um Leigo
do pequeno grupo, que logo se formou: Sonia,
Batista, Tavares, eu, Luiz Adão, Joana e
Adriana. Mais tarde um pouco: Winston,
Marília, esposa de Tavares, Raimundo e sua
esposa Fátima, e Denise, que depois se tornou
esposa de Winston.
As
crianças
não
estavam
fisicamente presentes nessa época, a não ser
Rodrigo, filho do primeiro casamento de Sonia
com Hamilton. Mas quando chegamos aqui no
nordeste já haviam nascido Stela, Clytia e
Tayná, filhas de Batista e Sonia. Nayara filha
minha e de Adriana; Tiago e Davi, filhos de
Tavares e Marília e Jaqueline, filha de
Raimundo e Fátima.
Assim vivemos muitos anos. Nós
tínhamos uma convivência irmã; sentíamos
afinidades e essa mesma afinidade foi
construindo a missão que hoje nós temos. A
Missão do Nordeste!
Mas não posso falar de Batista
sem falar de Tavares, como não poderia falar
de Tavares sem mencionar Batista. Como
também não poderíamos de determinado
momento falamos de nós sem incluir o grupo.
Todavia, naquele momento, 1980,
Eu, Batista, Tavares e Sônia éramos um só.
[100]
Experiências de um Leigo
Somos um só quando falamos de
sentimentos, do coração e somos quatro
indivíduos quando pensamos com a cabeça.
Como dizia pai João a nós outros, naquele
tempo:
- Se a cabeça não ajuda, cortemos
a cabeça, antes que contamine o coração.
Estávamos unidos pelo amor e o
bem querer. Essa conquista de coração não se
apaga e não poderíamos de maneira alguma
apagar, pois, não havia distinção nesse
sentimento doado de um a outro.
Completávamo-nos e durante um largo tempo
tudo era comentado, discutido, e acordado
pelos três buscando sempre uma quarta
pessoa: Sônia.
O tempo passa e vai deixando suas
marcas. Muitas coisas aconteceram e tivemos
de nos afastar. Certamente, foi por
determinação superior, além das nossas
forças, e isso ainda estamos por
compreender. Jamais nos separaríamos por
vontade própria. Nenhum de nós pode aceitar
essa separação. Esse direito não pertence ao
presente e sim ao passado marcado por
tantas vivências, então, não possuíamos, pois,
ao construir entre nós elos de amor
[101]
Experiências de um Leigo
verdadeiro, perdemos a condição de nos
negar e de nos afastar. Por temos nos
misturado demais, não sabemos quem é
quem e sem saber, seria melhor ter
permanecidos juntos, apesar das divergências.
Teria sido menos sofrido...
Batista é um homem especial,
como Tavares e talvez por não saber disso, ele
compreenda a vida da sua maneira. Esse é
Batista. Duro, firme, tantas vezes forte em
exagero,
trabalhador,
fiel,
honesto,
destemido, predestinado, autêntico, mas
extremamente frágil e sensível. Esse é o meu
amigo e irmão de milhares de horas
compartilhadas. Ele se faz de forte para tentar
enganar a si mesmo e aos outros.
Batista: o pai de milhares de
filhos. Sim mestres, certa ocasião ele
perguntou a Pai João sobre seus cinco filhos.
Pai João, olhando para eles, lhe perguntou:
- Cinco? Você possui milhares de
cinco filhos.
Batista, o Cícero. O mestre sol
contrariado pelo cruzamento do mestre lua
que dorme dentro de si, que somente acorda
de vez em quando. Intuitivo, evangélico,
intelectual, controvertido e comprometido
[102]
Experiências de um Leigo
com os Grandes poderes iniciáticos, o
trabalhador da última hora. Onde estejas,
Jesus esteja convosco e junto àqueles que vos
acompanha a certeza de estarem muito bem
servidos.
[103]
Experiências de um Leigo
TAVARES: O REENCONTRO DE UM IRMÃO
ESPIRITUAL
Filhos! Irmão não luta contra irmão. É preciso desarmar
todos. O que querem? Deem. Porque não se pode afirmar
no contrassenso. Essa é a manifestação do orgulho e da
vaidade vestidos de marrom e preto, uma luta inglória,
sem vencedor. Esse poder, entregue a ti, só poderá ser
exercido pelo amor. Esse poder, meu filhos, que assegura
o vosso equilíbrio, que tudo constrói e nada destrói.
Então, dai a Cezar o que é de Cezar e a Deus o que é de
Deus. Segue filhos, o vosso caminho. Não olhes para traz,
pois, a medusa maculada pela imagem irreal da ilusão,
abrirá seus olhos e tudo será transformado em pau e
pedra. De que vos adiantará um templo sem a essência
de uma doutrina? Melhor será, uma doutrina sem
templo, almejada pela essência. Pai João
Aquele tinha sido um dia de
intenso
trabalho
no
Vale.
Quando
conseguimos atender o último visitante já
marcava além da meia noite, uma hora da
manhã. Naquele tempo éramos poucos
médiuns e muitos visitantes, e naquele dia
pareciam ter combinado, ali se encontrarem,
chegando todos de uma só vez.
Chegamos aquele dia cedo da
tarde. Era sábado e havíamos nos apressado
para não perder a abertura das 3 horas, do
trabalho oficial. Assim permanecemos dentro
do templo, obedientes ao comando do
primeiro orixá do trabalho oficial, Adjunto
Rama 2000. Seu nome era Guilherme, Adjunto
[104]
Experiências de um Leigo
Amayã13. Participei da primeira mesa e antes
de ir para os tronos, fui tomar um cafezinho e
fazer um lanche na pastelaria. Não havia
almoçado e estava para desfalecer em minhas
forças por falta de sustância e após aquela
mesa, não conseguia firmar-me nos joelhos de
fraqueza.
A alguns metros do templo um
aglomerado de lojinhas se dispunham
enfileiradas, uma a outra, numa ordem
crescente. A secretaria, a loja de souvenires, o
atelier de Vivela, uma loja de badulaques para
mulheres, de tia Vera, uma lanchonete e
acima, a pastelaria que ficava como última
estabelecimento desse conjunto, que devido a
minha fraqueza, achei longe demais.
Caminhei
vagarosa
e
preguiçosamente para lá, muito mais
encorajado pelo desejo de matar, quem
estava me matando, a fome, do que pelo
prazer de comer. Chegando lá, aos encontrões
e pedidos de licença, consegui aproximar-me
do balcão. pedi um café e um pastel.
Atendido, fui saindo para degustar o meu
modesto banquete, fora daquele pequeno
13
O Adjunto Amayã, mestre Guilherme é um dos chamados doze adjuntos maiores –
Adjuntos Arcanos - na hierarquia do Amanhecer.
[105]
Experiências de um Leigo
espaço, que naquele momento, tomado de
médiuns, nos causava sufoco e aperto.
Dirigi-me para frente daquele
comércio e ali estacionei não podendo
avançar, pois paus roliços à média altura
enfiados no chão impediram-me de fazê-lo.
Ali foram colocados para no servir de
empecilho, para que não se penetrasse pelos
flancos em uma área destinada a rituais e
trabalhos, fato que, na época, não entendi,
mas, de qualquer forma, não era eu o dono.
Não me dizia respeito.
Caminhei até perto daquele frágil
muro de pequenas estacas com arame e fiz
silenciosa companhia a um jovem médium,
que descansando um dos pés, na cabeça de
um toco que pertencia àquela cerca, tomava
um café enquanto seu olhar permanecia
preso a toda aquela movimentação de
pessoas estranhas. Pensei em perguntar-lhe
se contava os passantes, tamanha a sua
concentração, mas não o fiz.
Ele me notou depois de algum
tempo. Então iniciou com típica cortesia a
nossa conversação:
- Salve Deus!
[106]
Experiências de um Leigo
Se fossemos transcendentalmente
estranhos, provavelmente aquelas teriam sido
as nossas únicas palavras. Mas não éramos.
Então após aquele cumprimento, abrimos
logo fácil conversação. Ali permanecemos uns
10 minutos presos a um assunto animado que
a nós dois interessava. Ressaltávamos o
quanto aquele cafezinho era ruim. Brinquei
com ele:
- Esse café é fraco, feio, frio,
fedorento fermentado e tem formiga no
fundo.
Ele sorriu do tantos ff e
arrematou:
- Sete!
- Número iniciático. Café de
Jaguar.
Ele retornou, exclamando:
- Não! De jaguatirica!
Rimos gostosamente.
Fomos pagar o que devíamos ao
pasteleiro e saímos caminhando no continuar
da nossa conversa. Conversamos sobre a vida
e a Doutrina. Sentamos ali próximos do
Turigano14, uma estrutura de trabalho que era
14
Construção anexa ao templo, que se destina à realização de determinados trabalhos.
[107]
Experiências de um Leigo
realizado fora do templo. Passamos, sem
perceber, umas duas horas conversando.
Tavares meu irmão e amigo, José
Tavares de Morais. É o seu nome. Cearense,
cabra da peste! Um doutrinador. Daqueles
bons. Raro, e orgulhoso por saber disso.
Orgulho sadio. Tavares e Batista juntos eram
algo impossível de não perceber, notar que
ali, a força se manifestava por inteira. A força
do doutrinador. Então tudo acontecia com
segurança.
Daquele momento em diante não
nos separamos mais. Foi tão grande a nossa
afinidade e amizade que sentimos dificuldade
em nos separar. Aquele foi um reencontro
transcendental de velhos amigos e irmãos
espirituais.
Sonia e Batista chegaram.
Apresentei-lhes Tavares e a mesma afinidade
se fez. Parecia que nos conhecíamos. Não
havia estranheza, absolutamente. Dali em
diante compõe-se o quarteto. Sônia, Batista,
Tavares e eu. Não nos separamos mais.
Vivíamos o tempo todo juntos e quando não
estávamos reunidos no vale trabalhando,
[108]
Experiências de um Leigo
íamos para casa de Sonia e Batista e Lá
permaneciam em conversas doutrinárias. Não
demorava e percebíamos que estava
amanhecendo, surgindo os primeiros raios de
sol que já acordavam e aqueciam a vida dos
adormecidos da noite, que não éramos nós,
avisando que um novo dia raiava repleto de
novas oportunidades.
Assim, conheci Tavares. Um
mestre, um irmão e um amigo que somente a
vida transcendente podia explicar. Fizemos
uma boa dupla. Eu me tornei o 5º Yurê15 de
Batista e Tavares. Sinto saudades deles, da
sua companhia, das forças que emanavam e
do humano que existia em cada um deles.
Hoje os nossos caminhos se
descruzaram e nada nesse trecho de nossas
vidas pode ter ainda a graça do perfeito, mas
o que construímos, foi com amor e amizade
verdadeira, que está além e permanecerá
eternamente.
Sinto falta dos momentos em que
passamos juntos. Às vezes dou-me o direito
de recordar. Tudo passa. Não sofro, por isso,
15
Quinto Yurê quer dizer: Quinto Raio do Oriente ou Mestre do Quinto Verbo Oriental. É o
mestre que cruza cinco linhas orientais e duas africanas. Ser um Quinto Yurê é o mesmo que
ser um Sétimo Raio Rama Adjuração.
[109]
Experiências de um Leigo
mas simplesmente desejaria que soubesse
que foi muito bom conhecê-lo.
Tavares não está mais aqui perto.
Mas sua alma irradia como antes. É impossível
a ele, como a nós, nos impormos a distância.
Sua imagem está em nós, gravada; seu jeito
de menino, seu sorriso aberto, sua fala
nordestina, sua personalidade sofrida, que lhe
marca identidade de jaguar e que se mistura
ao mestre sol, ao grande comandante do
poder iniciático, firme e seguro como uma
rocha, capaz de construir o céu e com suas
asas proteger a todos que perto dele, o
merecem.
Até breve cabra véi...
Essa é a sua marca. Sinto o mais
profundo respeito e admiração, pelo que fez e
faz. Pelo que representaram para mim no
passado e pela coragem empreendedora que
fazem do hoje, Tavares e Batista. Jesus os
abençoe onde vocês estiverem.
[110]
Experiências de um Leigo
LUÍS ADÃO: O CIGANO DE VILA VELHA
- Meu filho, de onde você vem?
-Vila Velha, Espírito Santo. Sou do templo de Yucatã.
- Sim eu sei. Mas de onde você é?
- Não entendi meu Pai? Respondeu Luiz Adão 16.
Entenderás, depois que eu me for daqui. Sofrestes muito,
não é meu filho longe da tua Tribo cigana? Agora, você
chegou para juntar-se aos seus irmão e juntos, vencerem
todas as dores e serem felizes. Saibas, que foi eu quem o
trouxe aqui. Trouxe, pelas afinidades de vidas passadas e
pelas responsabilidades que desejo lhe entregar.
- Salve Deus! Estou a sua disposição meu Pai. Mas vim
para ficar aqui em Brasília, aqui pretendo morar.
- Não filho não vai ficar aqui. Irás viajar em breve para um
lugar nunca antes visitando por ti. O nordeste. Irás partir
em breve. Junto contigo, os meus filhos, que vão em
busca de seus familiares.
Trecho do primeiro diálogo de Pai João com Luiz Adão.
Assim começamos a caminhar no
Vale daqueles anos 80. Onde um estava lá
estavam os outros. Fizemos um social intenso
e nos tornamos inconfundíveis pela maneira
como vivíamos e a amizade que transparecia.
Vivíamos cercados de amigos e aderentes que
vinham e iam nos propiciando momentos
inesquecíveis. Nadir apará, Devacy, apará,
Vera
doutrinadora,
Xixico,
Badia
doutrinadora, Mizuta, Guilherme, Turquielo,
16
Quando Pai João perguntou a Luiz Adão, de onde você vem meu filho? Pai João fez, por
três vezes, essa mesma pergunta: De onde ele vinha, na última, pai João lhe respondeu.
Quando ele afirmou que vinha de Vila Velha. Não é de Vila Velha, meu filho, é dá estrada
velha que o trouxe ao Engelho velho, de lá, a Vila Velha e de vila Velha até aqui, e daqui para
eternidade. Pai João deu um roteiro a ele do seu transcendente.
[111]
Experiências de um Leigo
doutrinador, Jorge, doutrinador Guto e Joel,
ambos aparás e tantos outros.
Aquele dia cheguei ao Vale e havia
um grande movimento de templos externos
que chegaram de suas cidades para Iniciação
Dharmon-oxinto e consagração de Elevação
de espada. Não gostava muito daquele
tumulto que quebrava um pouco a harmonia
costumeira...
O
Templo
estava
em
funcionamento, mas logo iria dar uma parada
para a abertura do ritual de Elevação de
Espada. Saí do templo e fui me conduzindo
para a lanchonete. Ia atrás de um cafezinho e
depois ascender um cigarro.
Cheguei a lanchonete e naquele
dia estava muito cheia pelos médiuns dos
templos externos. A custo encostei-me ao
balcão. Era tudo que queria... Perto de mim
dois
mestres
conversavam
asneiras,
bobagens, a respeito de um médium que
descontente e constrangido escutava também
aquelas opiniões preconceituosas que se
referiam, na linguagem dos dois palestrantes,
‘a homens que não são homens, aqueles que
usam brinco e cabelos longos de mulher’. Esse
era justamente o caso daquele médium que
[112]
Experiências de um Leigo
ali perto estava a escutar aqueles dois
adúlteros a extrapolar o direito do saber a
hora certa de calar.
Doeram-me aqueles comentários
e me coloquei de atrevido e arrogante
naquela conversa. A coisa não ficou boa e na
minha justa causa, ataquei:
- Vocês são dois hipócritas.
Eles não se deram por achados e a
discussão esquentou. Saí dali desarmonizado,
furioso com aqueles dois mestres.
Sem jeito, fui fumar o meu cigarro
noutro lugar e quando menos espero chegou
aquele
ouvinte
desconhecido
me
agradecendo pela defesa. Disse a ele que não
fora nada. Não havia me custado. Eu, há
muito não gostava deles e aproveitei a
oportunidade.
- Você é de templo externo
porque nunca o vi por aqui?
- Sim sou, respondeu ele. Chamome Luiz Adão e sou de Vila Velha, Espírito
Santo. Vim fazer a minha Elevação de Espada.
- Que bom! Afirmei.
E travamos conversa que foi
interrompida pela sua ida para a consagração.
Tão logo ele deixou o templo, me encontrou
[113]
Experiências de um Leigo
conversando com Tavares. Feitas as
apresentações, ficamos ali a espera de Sonia e
Batista que não demoraram a chegar. Luiz foi
apresentado e a conversa acontecia em ritmo
e de uma maneira muito familiar.
Sonia logo o reconheceu. Ela disse
que tinha a impressão de tê-lo em memória.
Ela falava de vidas passada, só não sabia disso
ainda. Luiz contou muitas coisas da sua vida,
de onde vinha, o que fazia e enfim, grande foi
a identificação. Os dias seguintes, em que
passou no Vale, sempre nos víamos. Ele
chegou a ir até a casa de Sonia e Batista para
uma prece que fazíamos todas as quintas–
feiras. Conversamos essa noite até o dia
clarear. Tavares, eu, Batista, Luiz Adão e
Sônia.
Luiz partiu logo, prometendo em
breve retornar e nos visitar. Assim aconteceu
meses depois. Ele retornou e não se afastou
mais de nós. Tornara-se um irmão e amigo de
verdade...
Luiz
Adão,
hoje
já
está
desencarnado. Lembro-me do dia de sua
passagem. Morreu nos meus braços, quando
dentro em um carro corríamos feito dois
desesperados. Eu e Rodrigo procurávamos um
[114]
Experiências de um Leigo
hospital porque ele precisava de oxigênio.
Morreu no caminho. Quantas saudades
deixou...
Luiz, um irmão. O nosso psicólogo.
Era o mais velho de nós e lamentamos hoje
não tê-lo escutado mais, em momentos
difíceis que passamos. Luiz era sensível
demais para o duro da vida no Nordeste. No
início sofreu muito, com sua alma de artista,
companheiro, amável, sincero, por vezes
transparecendo mal educado, o que não era.
Solitário, maduro e verdadeiro, protetor e
extremamente exigente. O nômade que nos
achou no meio de sua viagem e nunca mais
teve solidão e nem necessidade de se afastar.
Ver-nos-emos em breve. Nós
Sentimos você, por conhecermos a sua
energia amiga. Sua alma, hoje, corre livre no
espaço e aqui na terra, ela ainda caminha,
impregnada nas pessoas que receberam de ti,
a sua emanação. Sentimos sua falta, meu
irmão e amigo, Luiz Adão, o cigano de Vila
Velha.
[115]
Experiências de um Leigo
A CONVIVÊNCIA CONSTRÓI O AMOR
A hora da prece:
Ali, íamos chegando um a um. Era fim da tarde e começo
da noite naquela quinta feira. Chegávamos ao barracão
da quadra seis. Tavares dizia:
- Nega véia hoje o café é meu, saí Baixinha...
Era assim que chamava Sonia. Então, Preparava o café,
sob uma nuvem de fumaça que lhe cobria o dorso. Batista
em pé na soleira da porta, calmamente, esperava o
carvão em brasa, para percorrer todos os cantos da casa.
Aquele defumador nos embriagava a alma e ungia nossos
espíritos. Joana, sentada num sofá coberto de tecido
roxo, se divertia com Rodrigo e Stela. Adriana na mesa da
cozinha conversava com Sônia a respeito da indumentária
de Yuricy Lua. Então, eu chegava e dizia que iria me deitar
10 minutos, pois, sentia uma enorme pressão nas
têmporas e fortes tonturas. Era desdobramento. Na sala,
cadeiras espalhadas encostavam-se à paredes, deixando
uma delas livre para o aledá. Duas velas acessas
centinelavam uma rosa vermelha trazida por Batista, e
por trás dela um retrato de Jesus se colocava a altura dos
outros: Pai Seta Branca, Pai João e Tia Neiva. Em cima da
mesa, um Evangelho se abria e ao lado, duas fitas
mântricas: uma de Apará e outra de Doutrinador. A
música clássica, baixinha convidava-nos a meditar. Batista
fazia, nessa noite, a harmonização. Ele era o nosso o
orador. Éramos crianças, brincando na seriedade
daqueles momentos, vestidos de brandura e leveza. Os
pesadelos não haviam ainda chegado para apagar os
nossos sonhos de encantamento e sublimidade daqueles
momentos. Assim vivíamos a doutrina de Jesus. Viemos
para o Nordeste, talvez, nem tanto, pela missão, mas para
permanecemos juntos, vivendo daquela magia, que hoje,
os adultos fizeram desaparecer, matando as crianças que
brincavam naquela seriedade. Registros de 1980 à l983.
O Trabalho Oficial acabou aquela
noite depois de uma hora da manhã, como
sempre. Saímos ao encerramento e ficamos
em frente o templo a esperar pelos outros.
Encontramo-nos frente à Estrela Candente.
Batista, Tavares, Sonia, Nadir, Badia e eu.
Aquela noite, trabalhei nos tronos com Badia
[116]
Experiências de um Leigo
a minha doutrinadora preferida. Depois falo
um pouco dela. Uma Preta Velha encarnada.
Decidimos esperar para ver se
haveria trabalho especial. Caso houvesse, a
sirene nos avisaria anunciando a chegada de
algum assediado. Enquanto esperávamos,
fomos para a Casa Grande. Tavares disse que
estaria lá em Nadir, a nos esperar, tomando o
seu leitinho em pó.
Encaminhamo-nos para a Casa
Grande e Tia Neiva parecia nos esperar. Era
assim todo final de trabalho. Tomamos café
com pão dormido e pedacinhos de queixo
enquanto ela contava histórias espirituais, o
famoso corujão das madrugadas.
Às três horas da manhã deixamos
a casa grande e fomos em direção ao carro
que nos levaria para casa. O Vale ficava a uns
vinte e cinco quilômetros de distância de
Sobradinho, que seria o nosso destino final,
uma das cidades nas proximidades de Brasília.
Passamos em Nadir, e em pouco tempo,
estávamos caminhando todos em direção ao
carro.
Entramos e dei partida no que não
pegou. Insisti algumas vezes. Nada. Alguém
resmungou contrariado.
[117]
Experiências de um Leigo
- Salve Deus!!!
Aquela entonação já característica
denunciava o seu autor. Ela já era conhecida
por nós. Era Batista aborrecido, deduzindo o
óbvio: falta de gasolina. Batista previa
antecipadamente os seus minutos seguintes,
que lhe exigiriam o uso de técnica, habilidade
e humilhação. Ele era o extrator de
combustíveis.
Sua fama já corria por todos os
cantos do Vale. Ele era temido por todos os
amigos e companheiros nossos. O medo que
sentiam, era em decorrência da capacidade
pulmonar que possuía Batista, que lhe deu o
apelido de ‘pulmão de aço’. Todos que
permaneciam até o final do trabalho oficial,
possuíam esse medo, de no meio da
madrugada, encontrar-se o um grupinho,
tendo a frente, Sonia, e ao final Batista que
escondíamos, para deixá-lo como elemento
surpresa.
Batista carregando consigo, seu
equipamento de extração, que era uma
mangueirinha
branca
de
chuveiro,
estrategicamente escolhida, por ser mais fina,
descendo escorregadia e facilmente por
qualquer garganta em busca do precioso
[118]
Experiências de um Leigo
líquido, até atingir o tangue de combustível.
Um galão plástico de cinco litros, a boca e
poderosos pulmões que faziam inveja a
qualquer animal mamífero marítimo.
Então, após descermos do carro,
saímos caminhando, Sonia, Tavares eu e
Batista à procura do nosso benfeitor. Sonia
iniciava a conversa. Ela possuía suas técnicas
também. Dizia inicialmente um ‘Salve Deus
mestre’ com a boca em sorriso, e dependendo
do salve Deus que vinha de lá ela atacava ou
não. Assim Tavares ia em seu apoio, quando
fazia a leitura da entonação, e deduzia ser
positiva: completava: Salve Deus cabra
véééiiiiii....
Caminhamos pelos arredores e
nada. Fomo-nos afastando um pouco e num
instante, ao dobrarmos a esquina da livraria,
visualizamos de longe três mestres que
vinham em nossa direção. Uma alegria de
esperança nos motivou de coragem. Pensei:
Achamos as nossas vítimas.
Sonia partiu para o ataque inicial e
um deles se precipitando alegou não ter como
tirar a gasolina do tanque do seu carro. Para
nós, formados em psicologia pedintional,
aquele era o momento decisivo. Não deixá-lo
[119]
Experiências de um Leigo
falar novamente, repetir pela segunda vez
aquela heresia. Tomar-lhe a palavra. Contra
atacar imediatamente. Não lhe deixando
pensar outra vez e apresentando Batista
como sendo o nosso técnico para resolver
aquela dificuldade imposta por ele.
Batista apareceu e pela sua
serenidade e segurança, transmitiu-lhes toda
a segurança do seu olhar:
- Comigo não existe esse
problema. Ela vem amigo. Ah! Vem de todo
jeito. Quando faço a sucção tiro até a sujeira
que está no tanque, ainda lhe prestando esse
favor.
O pobre rapaz impressionado e
estarrecido com o que ali, diante dele surgia,
quedava-se sem poder argumentar. O que
podia fazer era somente, nos levar até onde
estava o seu carro, entregue e vencido.
Caminhamos até o veículo e
Batista, agora ao lado de Sonia, a nossa
diplomata carregava a garrafinha e a
mangueira. Eu, mais afirmado, puxava
conversa com um dos mestres tentando ser
bacana. Tavares e eu éramos somente
ajudantes a dar apoio moral a Batista. Luiz?
Esse ficava dentro do carro, dizendo estar
[120]
Experiências de um Leigo
cansado. e ali ficava crivado por nossas
vibrações.
Era assim ritual de extração de
combustível. Batista quando colocava a boca
na mangueira de extrair gasolina não falhava.
E para se certificar disso, antes do ato
definitivo, fazia uma pequena demonstração,
um exercício respiratório de aspirar e expirar.
Isso deixava os nossos amigos preocupados,
quase arrependidos.
Ríamos muito...
Batista situava o tamborzinho de
combustível no chão, próximo a ele, ou eu e
Tavares, servíamos de ajudante a segurá-lo.
Colocava-se na posição estratégica. Dobrava a
cintura e cuidadosamente ia colocando a
mangueira no tanque, quando essa atingia o
fundo, ele sabia por já possuir tanta
experiência em extração e também pela
medida da mangueira que já guardada, estava
toda dentro do tanque. Então, ele rodava a
mão, passando-a na ponta da mangueira a
querer limpá-la. Abaixava o corpo e a cabeça
que buscava a ponta da mangueira do lado de
fora e dava uma copadinha. Então, para
nossa alegria, ouvíamos o barulho do subir
das bolhas vindo de dentro do tanque. Com a
[121]
Experiências de um Leigo
boca na mangueira, Batista expirava uma vez
e soltava; outra vez e na terceira, com o dedo
tapando a saída, respirava cachorrinho, para
depois, puxar definitivamente, o ar de fora
para dentro dos pulmões. Então soltava.
Nessa altura os nossos amigos já
estavam tomados pelo arrependimento e
desespero, só que era tarde demais. Um deles
vendo aquele ritual ensaiado por Batista se
preocupou em discretamente fazer um
comentário:
- É... Parece que tem pouca
gasolina.
Então veio a última respiração já
com a mangueira na boca. Batista aspirou,
somente parando pelo torcer do engasgo da
gasolina em sua garganta que lhe queimava a
boca. Rapidamente colocava a ponta da
mangueira no balde e lá vinha ele: o líquido
que nos levaria para casa. Certificando-se da
extração, saia desarmonizado, a cuspir a
gasolina aqui e ali.
Contudo nessa noite, para não
correr risco com a baratinha amarela, o nosso
carma maior daquela época, a minha Brasília,
que é um capítulo a parte, abrimos o porta
malas do carro e Tavares foi meio que
[122]
Experiências de um Leigo
sentado no bagageiro, segurando o garrafão
de Gasolina e a mangueirinha, que saindo do
garrafão, jogava o combustível direto num
filtro e esse no carburador do carro. Todos
sabem que o motor da Brasília é atrás e
dentro do carro - um tormento. Mas era o
carro que possuíamos...
Essa adaptação foi feita pelo bom
amigo que além de nos emprestar a gasolina
ainda deu uns bons empurrões na Baratinha
pálida. Ela não pegou, então ele fez a
adaptação: de Tavares direto para o
carburador. Assim fomos pelo caminho até
chegar a nossa casa.
No caminho íamos cantando os
mantras interrompidos somente por um
sorriso ou uma brincadeira. Riamos de nossas
próprias necessidades. Minha barriga parecia
estar sendo bombardeada. Vazia, encolhia-se
ao limite demarcado por minhas costelas.
Assim fizemos o percurso de volta
para casa. Batista reclamava de gases, era o
efeito da gasolina que havia bebido. Luiz
reclamava do cheiro forte da gasolina; Tavares
reclama de frio, que quase congelava por
segurar o combustível. Eu no volante, e Sonia,
ao lado, ríamos pra nos acabar.
[123]
Experiências de um Leigo
Salve Deus! Era assim mesmo.
Voltávamos para casa cantando os mantras
felizes, muitos felizes por tudo aquilo que
vivíamos.
Enfim conseguimos chegar. Era
quase cinco horas da manhã. Fomos fazer um
café e tomar um banho para sair para o
trabalho. Combinamos naquela quinta-feira a
nossa prece e nos reencontraríamos à noite.
O dia passou rápido. Quando chegamos Sonia
e Batista já nos esperavam com o café pronto.
Começavam os preparativos para
a prece. Tudo era devidamente feito com
carinho, cuidado e amor. Sim mestre, eras
assim mesmo que acontecia. Pai Benedito
colocava Sonia para dormir e ela muitas vezes
trazia registro de sonhos ou transportes.
Foram muitos momentos vividos naquele
lugar, o Barraco da quadra 06. Muitas vezes
estava dormindo e Pai João, Pai Benedito ou
Pai Ananias incorporava e conversava com os
meninos dando mensagens.
Assim vivemos por algum tempo.
Em 1981 numa conversa que tivemos,
decidimos abrir uma poupança para guarda
algum dinheiro para o dia em que deixaríamos
Brasília, pois tínhamos uma missão a cumprir.
[124]
Experiências de um Leigo
Ora mestres! Naquela época não tínhamos
dinheiro nem para a gasolina. Comer!? Isso
fazíamos
com
dificuldades.
Como
guardaríamos dinheiro? Pensamento de
doido. Éramos crianças a começar a viver uma
vida de adultos...
Assim, mudei-me para a casa de
Batista e Sonia; vivia mais lá que em casa de
meus Pais. Tavares, assim também fez e Luiz
Adão era morador definitivo. Nessa época, a
situação financeira era muito difícil. Eu
ajudava como podia, mas tudo com muita
dificuldade. Também contribuía lá em casa
que a coisa ainda estava difícil. Nessa época,
Tavares arrumou um emprego à noite e esse
salário era para as despesas. Luiz Adão
pintava panos com técnica de tingir. Batista se
virava com podia e vivíamos assim como uma
família.
1980 a 1986, vivíamos assim como
ciganos, horas no Vale, horas em casa. Nessa
época muitos acontecimentos e fatos que
construíram histórias que não faltarão
oportunidades de revelá-las. Em 1986
deixamos a Capital Federal e viemos para o
Nordeste em busca da missão que nos
aguardavam. Um grupo de pessoas, médiuns,
[125]
Experiências de um Leigo
deixou Brasília chegando a Mauriti numa
noite, que aduzia17 para um futuro incerto...
Um a um fomos descendo do
carro que cansado como nós, havia vencido a
distância. Abraçamo-nos em frente à casa de
Bedite, mãe de Tavares e agradecendo a
Jesus, ao Pai Seta Branca e a Pai João de
Enock por estarmos ali...
17
Trazer, apresentar.
[126]
Experiências de um Leigo
O VELHO SÁBIO DO ORIENTE
Pequeno Mestre. Estás aqui para aprender e não para
ajuizar com o seu pensamento. Tu ainda não sabes
pensar. Esse ofício deveria trazer para ti, clareza. Ao
contrário, te trás mais dúvidas do que as que já possuis.
Então, estando aqui, não crie ideias. Analisa o que ouves
e examina com cuidado o que aprendes. Depois medite.
Meditar, para ti nesse momento, é a capacidade de
compreender, e essa atitude será um santo remédio para
as suas alucinações ocidentais, deformações causadas
pelas ilusões que lhe alimentam o corpo-ego, e a almaenter. Veja o que és? Terás essa respostas daqui há
alguns anos quando o sol iluminar tua mente afastando
de ti as sombras dos teus pré-conceitos e ideias tolas.
Darkus Kan.
Sentei-me em posição de lótus18,
no centro de um círculo vermelho, ao lado de
dois chumaços de incenso que queimavam
lentamente, liberando fragrâncias que me
embriagavam a alma dando-me uma
suavidade estranha e estonteante.
À minha frente, desenhada no
chão, o que chamei precariamente de
cabala19, compunha-se de um círculo, de
tonalidade azul, com vários símbolos que o
rodeavam,
parecendo
um
calendário
astrológico; caindo para o centro pequenas
estrelas agrupadas formavam pontos
18
Posição de pernas cruzadas e mãos entrelaçadas, característica de meditação, necessária
para a recepção de certas energias.
19
Cabala é uma palavra hebraica que significa “lugar elevado” e designa, também, aspectos
secretos de uma doutrina.
[127]
Experiências de um Leigo
luminosos e pequenas linhas quase invisíveis,
que subiam e desciam de um lado para o
outro.
Eu gostava de ficar ali observando
aquele desenho do universo, muito embora
nada soubesse de sua representação. No
íntimo, aquele macroplexo fazia parte de
mim, mesmo sem eu nada conhecer. Não
arriscava perguntar nada, pois alguma coisa
me dizia que o que me seria ensinado, era de
acordo com o meu grau de conhecimento e
evolução e antecipar-me seria estupidez,
palavra essa que já estava acostumado de
tanto escutá-la.
Mais adiante, em posição de lótus,
estava ele. Parecia dormir confortavelmente,
coisa que me admirava profundamente, pois,
aquela posição para mim era muito
desconfortável. Ele, na verdade, meditava
como um edifício, imóvel, erguido de forma
piramidal, vestido em um manto de um
amarelo muito gasto, envelhecido e
desbotado pelo uso. Pensei que quando
voltasse para o Ocidente, lhe compraria um
manto igual àquele, só que novinho, para
presenteá-lo, como demonstração do meu
carinho por ele. Ao pensar isso,
[128]
Experiências de um Leigo
imediatamente seus olhos me sorriram dentro
do meu cérebro.
Ali fiquei olhando o velho sábio, a
meditar sobre aquele chão duro. Então quis
imitá-lo: fechei os olhos, pus-me a meditar; ia
até bem, se não fosse o meu cérebro, que de
dez em dez segundos, fazia com que eu
abrisse os meus olhos irritantemente. Depois
de muitas tentativas, percebi que não
conseguiria, e era mesmo melhor, ficar de
olhos abertos.
Observei atentamente o seu
semblante. Uma fina barba branca lhe
escorria pela face. Tímida e bem comportada,
ela se findava um palmo abaixo do queixo.
Seus olhos se fechavam suavemente, como
janela esculpida na medida certa. Sua cabeça
calva declinava-se suavemente para baixo,
apresentando uma calvície natural, que
refletia as luzes do ambiente. Suas orelhas
abriam-se como grandes abanadores, e seu
nariz pequeno harmonizava-se com a
pequena boca, que provavelmente diminuíra
pela falta de uso, pois ele pouco a usava para
comer, e muito menos para falar.
Eu me sentia diante da paz e da
serenidade. Se elas quisessem um corpo ou
[129]
Experiências de um Leigo
expressão para se manifestar, certamente que
o escolheriam. Do que pude ver do seu corpo,
as mãos suavemente se encaixavam, uma na
outra como se fossem feitas em cuidadosa
forma. Seus finos dedos pareciam sumir ao
segurar algo muito delicado, porém invisível.
Ali permaneci por longo tempo a
observar todos os detalhes, que meus
pequenos olhos pudessem ver, que, aliás,
crescidos pela minha curiosidade, se
tornavam bem maiores do que são.
Ele continuava a dormir, como se
ninguém estivesse ali presente. Ele me
ignorava... Isso no Ocidente seria considerado
uma grande falta de educação. Tomado por
aquela onda de orgulho, comecei a me sentir
mal, inquieto e indesejado. Quis sair dali
correndo, afinal eu não precisava passar por
aquilo; desarmonizado quis me levantar, mas
não conseguia; algo me chumbava naquele
lugar muito além de minhas forças.
Senti-me indesejado e intruso. Em
seguida, e com muito esforço, calei os meus
pensamentos, pois não tinha sentido tudo
aquilo. Aos poucos fui me cansando, meus
olhos devagar, foram pesando, se fechando
para a janela daquela visão. Quando voltei a
[130]
Experiências de um Leigo
abrir, estava deitado, me perguntando o que
havia acontecido.
Durante algum tempo fiquei
pensando quem seria aquele sábio e mal
educado que me atraía sem nenhum relute de
minha parte. Seria um cobrador disfarçado?...
Brasília, 1983.
[131]
Experiências de um Leigo
MEMÓRIAS DE TIA NEIVA
“Filho, todo o encanto de nossa magia existe somente
enquanto pensamos no bem, concentrados nas três
palavras: amor, tolerância e humildade. Se sairmos
destas palavras nada temos. Filho, observa bem o que
fazer do teu tempo, do teu sacerdócio, de tua missão, e
nela procura impregnar todo o teu amor, o que puderes
da perfeição de tua conduta, emitindo e comunicando a
Doutrina que te foi confiada, para não perderes
qualquer afeto na fronteira da morte. O sol que brilha, a
nuvem que passa, o vento da despedida, o luar que
alimenta com o perfume da flor. Aproveite filho, esses
momentos de tranquilidade que a terra com toda a sua
riqueza, ainda vai cobrar aos que não aproveitaram seus
frutos.”
TIA NEIVA, A MÃE EM CRISTO JESUS!
Sentados um a um como um
exército à espera do seu general. Ali
aguardávamos ansiosos a chegada do nosso
avatar20.
Aqueles bancos de cimento eram
bastante duros a ponto de causar pequenas
bolhas em nossos fundilhos, coisa que era
aceita de bom grado sem reclamarmos
direitos de melhor trato.
Sempre se espera de um templo
espírita a discrição, conjugada com a
harmonia e nestas, busca-se o silêncio
meditativo e a indução pelas cores leves,
discretas e suaves onde o visitante tivesse na
20
Espírito ascencionado.
[132]
Experiências de um Leigo
primeira impressão o impacto do conforto e a
síntese da brandura; espera-se que seu
ambiente seja um tanto confortável, que a
atmosfera seja resfriada e respirável pelos
perfumes individuais combinando com os
aromas discretos e nobres, formando uma
unidade inclusive no nosso olfato.
Ali, pessoas educadas iam e
vinham sem alarde, pois não se escutava nem
mesmo o arrastar das sandálias, e, que os
moldes de comportamento não se
envergonhassem em existir horrorizando as
etiquetas escritas. Supunha-se uma música
suave a entoar embalada nas vozes de anjos
que sinfonicamente através dos seus acordes
se fundissem com as almas na doce inspiração
da tranquilidade e sossego, para a elevação
das almas às sensações sublimes do paraíso.
Pois bem, o nosso era o contrário:
O único silêncio sentido era a
quilômetros de distância; perfumes baratos se
misturavam proporcionando um odor difícil
de definir e explicar. Muitas vezes pensei que
até os nossos mentores se viam em apuros
devido à mistura de Mistral e Avanço, águas
de
cheiro
quimicamente
elaboradas,
misturando-se aos florais e às fragrâncias de
[133]
Experiências de um Leigo
perfumes paraguaios, ungindo-se aos suores
que escorriam pelo corpo ensopando nossas
roupas, coletes, exalando um cheiro de mofo,
espalhando-se pela atmosfera do templo.
O calor muitas vezes era
insuportável, devido à cobertura ser baixa e
de telhas de amianto, maquiavelicamente
desenvolvidas para esquentar no calor e gelar
no frio. Paredes de pedras, arranjadas umas
em cima das outras, tentavam explicar por
suas deformações, a imperfeição da
arquitetura, estendendo-se por metros e
metros a fio nesse curioso bailar, formando
figuras elípticas, tendo o interior em duas
partes, rodeadas pelo que se chamavam
castelos.
Cores fortes tentavam esconder as
deformações naturais do que Oscar Niemeyer
não gostaria de ver, mas que lhe roubaria o
título de melhor engenheiro cível do país.
Hora o vermelho Ferrari fazia par com o
amarelo ouro, que por sua vez buscava
combinação com o azul escuro, que,
revoltado, tentava harmonizar-se com o verde
pérola. Entre uma cor e outra, o preto se
distinguia entre listras finas a arrematar os
encontros tão forçosamente formados,
[134]
Experiências de um Leigo
notando-se seu esforço por minimizar aquela
briga de amigas que por seus tons jamais se
uniriam...
Apertados
naquele
recinto,
disputávamos lugares naquele domingo de
tarde; quase uns em cima dos outros, nessa
situação, tínhamos a dura missão de
buscarmos sintonia com os planos superiores,
tarefa essa que até para um monge tibetano
seria difícil...
De olhos abertos eu tentava
registrar, com a maior riqueza de detalhes
possível, aquele momento. Naquele templo
do jaguar, indumentárias sobressaíam-se dos
uniformes pretos e brancos, marrom e preto
dos mestres.
Uns cantavam de olhos fechados
recostados nas paredes; outros dormiam
tranquilamente atitude essa que me deixava
admirado: como eles conseguiam? Outros
com as mãos nas têmporas concentravam-se
provavelmente pedindo ajuda aos seus
mentores e guias; do outro lado, médiuns se
erguiam diante dos retratos dos mentores em
prece. Senhores uniformizados elevavam-se
com seus mantras; ninfas com seus pentes
coloridos ou cabelos longos irradiavam em
[135]
Experiências de um Leigo
seus cânticos a ternura de seus corações e os
jovens retorciam-se de um lado para o outro
em seus assentos, inquietos pelo desconforto;
nessa turma estava eu.
Eu observava tudo, registrando o
que me era possível, consultando minhas
dúvidas se realmente aquele era o local
apropriado para falar com Jesus. Por muitas
vezes me perguntava o que fazia naquele
meio, onde contrariava tudo que tinham me
ensinado.
De repente meu coração bateu
descompassadamente, como se ligado à
bateria de um carro em partida; minha
atenção agora se voltava à porta de entrada,
pois senti a movimentação vinda de lá.
Pessoas
caminhavam rapidamente,
e
provavelmente eram seus assessores. Sim, Tia
Neiva estava chegando...
Agora se ouvia o hino Mayante
baixinho, cantado por ocasiões destas aulas.
Eu cantava desafinado, mas irradiado por
toda aquela energia. Só prestava atenção
naquele pequeno ser que agora conseguia
vencer a multidão que a esperava na porta do
templo, simplesmente para cumprimentá-la,
[136]
Experiências de um Leigo
atitude essa que ainda não tinha tido coragem
de fazer.
Todos se levantaram à sua
passagem e uma salva de palmas cobriu todo
o ambiente, como se fosse uma chuva de
pétalas jogadas aos seus pés por gratidão ao
amor que nos dedicava.
Suas mãos a voarem como dois
pássaros, subiam e desciam, pedindo que nos
sentássemos, como a dizer que aquilo não era
necessário
e
que
lhe
causava
constrangimento. Nós, cegos aos seus apelos,
continuávamos a emitir-lhe os nossos
carinhos...
Ela caminhava com dificuldade;
uma das mãos era presa à cintura e a outra
como a querer desmanchar os nós dos
dedos...
Assentou-se ao radar e de posse
de um microfone derramou sua emanação
dando início a sua aula. Meus filhos salve
Deus... Sua voz ecoou e se fez ouvir por todos
os ouvidos que existem no coração. Ali,
sentada estava Tia Neiva, A mãe em Cristo
Jesus.
[137]
Experiências de um Leigo
[138]
Experiências de um Leigo
1983: FECHAMENTO DE UM CICLO
Filhos, o assim chamado avanço do conhecimento não
oferece imunidade contra a morte, a velhice ou a doença.
O Homem cientista descobriu uma bomba nuclear que vai
acelerar o processo de sua própria morte. No entanto,
filhos, a natureza maravilhosa não precisaria do cientista
defensor, porque nela existem o nascimento, o
crescimento, a manutenção e a transformação. Porque só
sabe amar quem encontra a paz em Deus Pai Todo
Poderoso! 1984! Ciclo iniciático!... Data natalícia do triste
naufrágio de poderosas civilizações. Santuário perfeito
onde galáxias de todo o universo se comunicavam, e o
homem, dando vazão ao centro nervoso do seu terceiro
plexo, recebeu o que era seu e foi levado pelo seu próprio
crepúsculo... Novamente as grandes metrópoles e o
homem desenvolvendo os átomos, a sua própria
destruição... Sei, filho, da tua sede, acorrentado cinco
ciclos sem subir a Capela. Sim, por Deus, toda a tua
família sanguínea receberá a proteção da tua conduta
doutrinária. Pai Seta Branca.
Todos
os
momentos
que
constroem uma vida são importantes. Alguns,
porém, marcam fim e início de ciclo que
mudam o rumo da vida, muitas vezes por
completo. Assim foi em 1983.
1983 chegava ao seu final,
marcando também o final de um ciclo para
nós, que havia tido início em 1976,
compreendendo, assim, sete anos. Sete
longos anos, um ciclo de ajustes e desajustes,
que chamei de ciclo inicial de desmonte, para
não chamá-lo de infernal. Rompeu-se toda
aquela estrutura material que nos mantinha
presos ou muito mais do que presos,
[139]
Experiências de um Leigo
atrelados uns aos outro num ostracismo e
indiferentes a tudo e a todos, nos envolvendo
em muitos preconceitos, nos deixando à
margem da vida, distantes da realidade. O
ponto de início foi no final de 1975, na
primeira visita ao Vale e culminou com a
doença de Sonia, que fez com que nós
voltássemos lá.
Muitas vezes, pensávamos, já a
salvos em 1983, como chegamos até ali, mas,
havíamos descoberto que dor e sofrimento,
necessidades e medos, não matam ninguém e
sim, impulsiona para os desafios, mesmo que
seja a contra gosto, aos empurrões, aos
trancos e barrancos. É ir ou ficar, se ficar,
morremos, ser aceitamos ir, temos alguma
chance, embora pequena de não morrer.
Mas éramos valentes e se
tínhamos que morrer, morreríamos lutando.
Brincávamos com o sério, não perdendo a
seriedade do que estávamos vivendo.
Tínhamos, entretanto, poucas opções:
brincávamos para relaxar ou nos jogávamos
em cima de uma cama e ali permaneceríamos
tomados por depressão. Achávamos aquela
doença ser de rico. Sei que as coisas eram tão
intensas e dinâmicas que não tínhamos tempo
[140]
Experiências de um Leigo
de chorar, de pensar em doenças. Sou um
filho de Ogum21. Criado por Pai Zé Pedro, filho
de Seta Branca, desenvolvido por Koatay 108.
O que poderia me derrubar? Nada.
Brincávamos e ríamos.
Certa vez, escutamos no corujão,
para o nosso desespero e desesperança, Tia
Neiva a dizer:
- Filhos, com quem o Pai Seta
Branca se importa a vida é difícil mesmo,
estreita e o caminho é longo. Entreolhamonos e deixamos os comentários para mais
tarde. Estamos fritos, pensei...
Salve Deus! Meus irmãos, era
assim que vivíamos. Mas era assim, que as
coisas aconteciam fora e dentro de nós. Assim
chegou mais uma vez o 31 de dezembro.
Preparamo-nos para o final de ano. Em casa,
os convidados chegaram cedo e cedo
estávamos com um problemão. Como sair dali
para irmos para a benção de Pai Seta Branca?
Como deixar todos ali? Então, discretamente
fomos saindo dali, distraidamente. Não deu
certo e fomos descobertos. Foi um auê...
21
Entidade guerreira, lutadora, persistente.
[141]
Experiências de um Leigo
Saímos no meio de uma festa de
Réveillon. Deixamos todos contrariados e
aborrecidos. Amanhã, dia 1 de janeiro, já
começaríamos 1984 sob a aura de fortes
justificativas e discussões. Não havia tréguas.
Em fim, fomos. Tínhamos que ir. E estávamos
lá. 31 de dezembro de 1983, à meia-noite,
estávamos no Vale do Amanhecer. Era a
benção do Pai Seta Branca e todos nos
reuníamos no templo à espera da sua
incorporação em Tia Neiva.
1983 fora um ano difícil para nós
jaguares e principalmente para mim. Fatos e
acontecimentos estranhos vinham me
atormentando relacionados à mediunidade.
Tinha
alguns
transportes
proféticos,
incorporações incomuns. Aquilo era novo e
estava me perturbando o juízo.
Agora estávamos ali, 31 de
dezembro de 1983 apagando suas luzes com
as sábias palavras proferidas por aquele
espírito superior e sábio que, incorporado em
Tia Neiva, do radar, manifestou sua vontade
soberana àquela tribo de jaguares
missionários na terra. “Filhos queridos do
meu coração...” E anunciou o ano de 1984
como sendo o ano do fechamento de um ciclo
[142]
Experiências de um Leigo
evolutivo da humanidade. A serpente mordeu
rabo. Inicia-se o ciclo de fogo...
- “Agora, filhos, necessitamos da
consciência universal. Jaguares - espíritos
espartanos, vindos das Planícies Macedônicas
até o Planalto Central. São os últimos
momentos para os últimos retoques: a grande
preparação daqueles que compreenderam a
sua missão. Faremos uma nova distribuição.
Quero-os distribuídos por sintonia e ajustados
à tônica de suas missões”...
Os primeiros dias prenunciaram os
acontecimentos que se sucederiam ao longo
dos meses. Aulas, revistas e convocações
diárias;
desenvolvimento,
comandos,
consagrações de adjuntos, unificações de
povos,
aprimoramentos
ritualísticos,
organização
dos
povos
e
falanges
missionárias...
Tia Neiva se desdobrava no papel
de mãe espiritual, na terra, daqueles espíritos,
encarnados e executava, dia e noite, o plano
traçado por aquele grande pai de amor: o
cacique Seta Branca. Apesar do seu estado
crítico de saúde, seus afazeres lhe exigiam
agora, as últimas gotas de energia vital que
[143]
Experiências de um Leigo
lhe restava. Era necessário o último impulso
no sentido de preparar todo aquele povo.
Vivíamos naqueles dias integrados
às
responsabilidades
daquela
última
preparação para a conquista final, a nova era.
A Doutrina do Amanhecer exigia-nos todo o
tempo disponível que tivéssemos, o que
doávamos de bom grado, visto ser, ali, o
nosso verdadeiro lar espiritual, onde
encontrávamos familiares e amigos de outras
encarnações, o que tanto nos fazia feliz.
Em março de 1983, Pai Benedito
das Cachoeiras nos deu instruções para
prepararmos os nossos espíritos para as
grandes mudanças que ocorreriam em nossas
vidas, nos dias que seguiriam sua marcha
inevitável. Deveríamos nos preparar para as
grandes surpresas, pois o Pai Seta Branca nos
tinha reservado muitos planos. Salve Deus.
Ali reunidos estávamos eu, Batista,
Sonia e Tavares. E às vezes Adriana. Em 1983,
nas nossas reuniões da quinta-feira,
aconteciam coisas lindas. Então fomos,
devagar sendo preparados para uma
realidade que se aproximava e vinha
rapidamente.
[144]
Experiências de um Leigo
[145]
Experiências de um Leigo
DORES E SOFRIMENTOS DE UMA HERANÇA
CÁRMICA
Meu sinhozinho. Não importa se a tua caminhada não
será da maneira como você pensou. O que importa é que
a sua caminhada não fique ausente de sua alma. Dor,
sofrimentos e contrariedades são bons motivos para lutar
e ir adiante. Só os fracos não aceitam os desafios. O meu
sinhozinho tem muita força, é só lembrar-se da energia
de dispunha no manejo do chicote. Talvez meu senhor
não saiba avaliar a grande força que tem. Mas eu sei.
Pude senti-la em minhas costas. Volte a acreditar na vida
e terás força e coragem de seguir adiante e construí-la.
Quando tudo estiver ruim, ruim mesmo, meu senhor
pensa em Jesus.
Pai Lourenço do Gongo no Angical, chamava-se Negro
Loré.
Diante dos fenômenos espirituais,
a vida mediúnica se torna mais intensa, e,
nesse ambiente de expectativas vivíamos
adormecidos e encantados com as visões e os
transportes, que sempre aconteciam.
Particularmente, estava passando
por experiências amargas. A dor agia como
uma sombra em minha consciência,
ofuscando os meus bons pensamentos.
Sentia-me ocioso e irresponsável com meus
compromissos espirituais.
Naquela noite cheguei muito
cansado de uma visita que fizera a uns amigos
que conhecera. Era uma bela noite de sábado;
estava muito envolvido com uma namorada e
[146]
Experiências de um Leigo
a
convite
dela
aceitei
visitá-los.
Conscientemente
abandonei
minhas
obrigações espirituais sem dar muito valor;
não vacilei em ir, desprezando o compromisso
assumido anteriormente.
Retornei amargurado, pois não
tinha me satisfeito naquele programa e
inclusive sem êxito nos meus propósitos de
conquistá-la definitivamente. A angústia
invadiu minha alma sem que pudesse
imunizar-me contra ela. Nessa noite, ainda
após a visita discutimos e nos ferimos com
palavras que não gostamos de ouvir um do
outro.
Revoltado com as decepções
daquela noite busquei o sono como forma de
alívio. Deitei e comecei analisar aquele
momento tão difícil que estava atravessando.
Passava por minha mente pensamentos em
desarmonia. Questionava o porquê de minha
irrealização sentimental e considerava que
aquilo não era justo. Eu era realmente um
fracasso tanto em minha vida amorosa como
na minha vida espiritual; não correspondia às
expectativas dos mentores e disso eu tinha
certeza.
[147]
Experiências de um Leigo
Foi nesse estado confuso e
desequilibrado que comecei a sentir uma
sonolência. Adormeci, mas, na verdade,
estava em transe. Transportei-me a um
grande salão e percebi que era esperado.
Fiquei parado diante daquele quadro que se
mostrava aos meus olhos. Observei de longe
um homem que me chamava mentalmente e
comecei a caminhar em sua direção. Na
proporção que me aproximava, mais nítido
aquele quadro se tornava e senti que a luz
que havia naquele quadro me cegava os
olhos.
Era o Pai Seta Branca, em Cristo
Jesus, que esperava por mim. Sim o
Simiromba de Deus estava ali!
Não resisti e caí de joelhos com as
mãos nos olhos, chorando copiosamente.
Pensava na veracidade daquele quadro e não
me sentia digno de estar ali diante de tanta
luz, principalmente por estar vivendo um
momento de desequilíbrio e muita confusão.
Entretanto aquele quadro era real
e eu sabia disso. Sentado à minha frente, num
trono, estava o governante espiritual do nosso
país: o Pai Seta Branca.
[148]
Experiências de um Leigo
Estava numa espécie de altar, que
ficava alguns degraus acima de onde me
encontrava e empunhava na mão direita sua
famosa lança branca. Chamava-me atenção
suas vestes, devido à luz que emanavam. Seu
espírito reluzia como o sol; seu penacho
emitia raios de luz que saíam de suas penas;
dos lados direito e esquerdo haviam
cavaleiros vestidos com grandes capas verdes,
segurando uma lança em uma das mãos.
Tinham capacetes dourados e estavam ali
como guardiões de um rei. Então, o Pai,
dirigindo-se a mim começou:
- Levanta-te meu filho e abre teus
olhos.
Eu assim o fiz. Ele continuou:
- Filho querido, não deveis vos
preocupar com suas realizações espirituais.
Atravessais uma faixa cármica difícil e deveis
ter paciência para vencê-la. Será difícil, mas
tem perseverança e alivia tua dor.
Aquelas palavras soavam em
minha alma como hinos de harmonia. Eu
estava sofrendo as heranças do meu passado
nos reajustes da lei de causa e efeito. E seguiu
dizendo:
[149]
Experiências de um Leigo
- Sabemos e somos conscientes da
faixa em que vives, portanto não vos
preocupe. Cada um realiza de acordo com
suas possibilidades nas condições em que
vive. Sabemos, filho querido, o que podes dar.
Eu permaneci estático; fixo. Não
tinha palavras para definir aquele momento e
nenhuma reação tinha, eu, a capacidade de
esboçar. Era maravilhoso o que estava
acontecendo e ele sabia o que eu sentia
naquele momento.
- Tens, filho querido, uma missão
junto a Jesus; assumistes um compromisso e
deveis cumprir com amor o sacerdócio que te
foi confiado. Jesus vos abençoe.
Aquela visão se desfez. Quando
dei por mim, estava com dificuldades
respiratórias, mas, aos poucos, fui tomando
consciência de onde estava e tudo foi se
normalizando. Fiquei imaginando aquele
quadro que a dor fizera se materializar em
minha mente e chorei agradecendo aquela
oportunidade que Deus me concedera.
Aquele transporte havia aliviado por completo
minhas dores e me sentia totalmente
renovado, como se na verdade não estivesse
sofrendo, passando por tudo aquilo.
[150]
Experiências de um Leigo
Sim, ninguém que sofre e chora
está sozinho. Há sempre uma luz a velar por
seu coração sofrido, a enxugar suas lágrimas e
balsamizar o seu corpo, suas dores...
Eu amargava os excessos do velho
senhor de engenho do Angical. A era da
escravidão. Naquele momento estava
adentrando naquela faixa cármica que
prenunciava momentos dolorosos de
expiação e provas. Aquela manifestação do
Pai Seta Branca era uma benção àquele novo
caminho, cujo desfecho seria incerto. Mas
depois conto essa história. Agradeci Deus pai
todo poderoso e adormeci renovado em
energias, com grandes esperanças no amanhã
que se aproximava.
[151]
Experiências de um Leigo
O FRANCISCANO DE ASSIS
Meu filho. Teus olhos hão de chorar sem que ninguém
perceba. Teu grito há de sair sem que ninguém te escute.
Tua dor há de oprimir o teu coração e tua boca sorrir sem
que dês ciência. E chorarás como criança contrariada; e
pedirás que alguém te ouça, que te estenda a
compreensão, mas todos de ti se afastarão. Não
desanimes. Persevera na luta. Caminha... A tua frente
estarei eu. E hei de ungir os teus pés cansados e feridos
da caminhada. Hei de enxugar-te o pranto, escutar o teu
grito e aplacar a tua dor. Hei de corresponder teu riso e
ouvir-te em meu silêncio eterno de Pai. Seta Branca.
Mais um
ano
despedia-se
deixando para trás acontecimentos marcantes
em nossas vidas. Tia Neiva esforçava-se por
trazer tudo que podia na preparação que o Pai
Seta Branca anunciara. Naqueles anos se daria
a grande preparação do jaguar: consagrações,
umas atrás das outras, emissões que se
modificavam, rituais, chamados constantes,
reciclagens, enfim, mensagens por todos os
meios.
Algo já prenunciava que em breve
tia Neiva estaria se despedindo, pois não
tardaria o seu desencarne. Seu estado de
saúde, por várias vezes a fazia baixar na cama
de um hospital. Seus pulmões não
funcionavam e seu sangue, carbonizado
devido a não oxigenação, não chegava às
[152]
Experiências de um Leigo
extremidades do seu corpo, fazendo com que
ela sentisse profundas dores. O balão de
oxigênio com o qual ela respirava estava
enchendo o pouco que restava de seus
pulmões de água. Ela falava com dificuldade e
mal entendíamos o que ela dizia.
Entretanto, mesmo com todas as
dores, as atividades no Vale nunca foram tão
intensas... Eu, Sonia e Batista praticamente
não saíamos do Vale, junto com Tavares, Luiz
Adão, Sinval, Joana d’Arc, Nadir e muitos
outros mestres, mais tarde chegando Adriana.
Formávamos um grupo unido pelas afinidades
espirituais e Sonia nos trazia e nos mantinha
informados sobre o estado da Tia, pois ela
sempre fora mais achegada a ela...
Naqueles primeiros dias, o sol nos
aquecia a alma de alegrias e esperanças,
muito embora algo no ar prenunciava que
aquele ano não seria fácil. A mensagem do Pai
Seta Branca tinha sido curta e isso nos era
motivo de abrir os olhos. Assim transcorreram
os primeiros meses do ano, sem mudanças ou
acontecimentos mais importantes. Nossas
vidas percorriam o curso normal a não ser a
tristeza por ver a tia, dia a dia mais distante
fisicamente de nós. Seu estado de saúde
[153]
Experiências de um Leigo
inspirava tantos cuidados que foi instalado um
microfone ligado diretamente de seus
aposentos ao templo, para que ela falasse
sem sair do seu quarto.
Eu via em tudo, prenúncios de
mudanças bruscas. Em março, apesar de
recém-casado, eu começava a sentir, de vez
em quando, um frio na coluna que me fazia
sentir uma angústia muito grande, me
colocando num estado de tensão e alerta.
Certa noite estávamos eu e
Tavares na casa de Sonia e Batista.
Conversávamos sobre a Doutrina, quando
senti uma projeção22 muito forte. Em pouco
tempo estaria incorporado. Era Pai Benedito,
que nos saldou com o tradicional salve Deus.
Em
poucas
palavras
nos
prenunciou fortes acontecimentos. Tínhamos
que nos preparar para as mudanças que em
breve ocorreriam em nossas vidas
missionárias.
Ficamos
todos
muito
preocupados com o conteúdo daquela
mensagem. O impacto foi geral e não tanto
pela mensagem em si, mas porque vinha de
encontro ao que cada um há algum tempo
22
Projeção é o fluxo de força emitido por uma entidade ou um espírito em direção a um
médium receptor.
[154]
Experiências de um Leigo
sentia. Trocamos algumas palavras, alguns
comentários e em breve nos despedíamos na
intenção de buscarmos o sono reparador.
Fiz meu pequeno ritual e me
preparei para dormir. Tive nessa noite um
desdobramento23, onde tudo começava a ficar
mais claro. Eu estava numa grande sala, na
qual parecia estar acontecendo uma
comemoração, pois pessoas bem vestidas
estavam ali, muitas das quais eu conhecia,
como
se
comemorassem
algum
acontecimento.
Em um canto daquela sala,
conversávamos assuntos doutrinários e em
determinado momento eu me afastei em
busca de ficar sozinho. Eu me sentia inquieto
e por isso, agitado. Enquanto todos ali
pareciam descontrair-se, eu me via em apuros
incomodado por algo que não conseguia
saber de mim mesmo. Vez ou outra, fixava
meu olhar na direção da porta de entrada,
pois estava em mim a sugestão de que a
qualquer hora, alguém chegaria e entraria por
aquela passagem.
23
Tipo de transe mediúnico onde o médium não perde a noção do físico, o que a princípio
causa sensações de efeito físico desagradáveis.
[155]
Experiências de um Leigo
Minha suspeita não era infundada.
De repente notei que a porta se abria e um
homem, vestido de franciscano com a cabeça
coberta por um capuz, segurando um cajado
caminhava em minha direção. Ele caminhou
parecendo não querer ser notado. Dava
mostras querer se esconder de todas aquelas
pessoas naquele salão. Era estranho por que
somente eu o notara. As pessoas ali não se
davam conta daquela imagem caminhando
lentamente próximo das paredes, evitando
passar no meio delas.
Ele caminhou discretamente e à
medida que circundava aquele enorme salão,
obediente ao arquiteto, que desenhara as
dependências daquela casa, veio ao meu
encontro. Meu coração acelerou. Batia fora
do ritmo e meus pensamentos eram tomados
de ansiedade e angustia antecipada. Eram
estranhas aquelas sensações, para mim,
vindas do nada, pois, nada sabia ou podia
prever do que aconteceria. Enfim, após algum
tempo ele se aproximou de mim. Ao chegar
foi logo dizendo:
- Meu filho, preciso vos falar. Peço
que me acompanhes.
[156]
Experiências de um Leigo
Eu tentava ver aquele rosto meio
escondido e ofuscado pela sombra daquele
capuz que o escondia. Observei-o procurando
descompô-lo, mas suas palavras eram para
mim, como uma ordem e eu somente me pus
a obedecê-lo.
Sua voz era doce e grave. Diria que
a sonoridade acalmaria os mais acometidos
de loucura. Nela havia algo sublime e familiar,
como se a conhecesse ou se sua entonação
me fizesse despertar, distante, lembranças
guardadas por mim.
As pessoas continuavam ali,
esquecidas de nós, arrumadas socialmente
em pequenos grupos a palestrar assuntos que
não eram do meu interesse. Parecia que
estávamos invisíveis a elas.
Saímos caminhando, fazendo
curvas para nos desviar daquelas criaturas até
que saímos dali por um corredor estreito.
Após um longo percurso, paramos diante de
uma porta larga, que se abriu com um simples
toque de um de seus dedos.
A minha frente uma linda
paisagem se apresentou. Uma grande planície
se perdia no horizonte. Sobre aquela terra,
uma
grama
muito
verde
parecia
[157]
Experiências de um Leigo
caprichosamente colocada por grande
maestro de jardinagem do espaço,
assemelhando-se a um tapete esverdeado;
Em toda parte, ovelhas pastavam
tranquilamente, com seus pelos de uma
alvura intensa parecendo flocos de algodão.
Tudo era muito bonito e o perfeito havia
passado por ali. Encantado pela visão,
esqueci-me dele. O céu azul cobalto se
estendia como um espelho a refletir
claridades incomuns; nuvens poucas se
espalhavam distantes uma das outras numa
atitude discreta. Ali e acolá uma árvore bonsai
fazia-se notar pela diagramação perfeita,
como se mãos hábeis tivessem feito poda
cuidadosa e consciente.
Fiquei ali estático e perplexo a
observar, sem compreender o que meus olhos
registravam, ao lado daquele homem que
também contemplava o esplendor daquele
quadro. Passamos alguns minutos em silêncio
e chamando-me atenção, despertou-me com
as seguintes palavras:
- Meu filho, essas são as ovelhas
que Jesus te confiou e ele não quer que se
perca nenhuma. O bom pastor não se afasta
de suas ovelhas.
[158]
Experiências de um Leigo
E num movimento em câmara
lenta, entregou-me o cajado que carregava
consigo, colocando-o em minha mão direita.
Despediu-se com um salve Deus.
Fiquei ali parado por mais algum
tempo, perplexo pela beleza daquele quadro
e daquelas palavras que provocaram em mim
um estado de emoção geral. Segurava o
cajado que alcançava acima da minha cabeça
uns dois palmos e notei que seu aspecto era
bastante antigo, como se tivesse sido feito de
uma madeira velha, já bastante usada.
Decorava-o linhas finas e alongadas e entre
elas um claro escuro deixado pelas marcas do
tempo.
Aquela visão, aos poucos foi se
desfazendo e quando dei por mim, estava
sentado em minha cama, ofegante, como se
estivesse com falta de ar. Assustado procurei
o interruptor para trazer luz aquele ambiente.
Não o encontrei. Estava desnorteado. Então
procurei por socorro chamando por Sinval que
dormia ali perto e que me atendeu.
Sim, aquele homem em espírito
tinha sido Francisco de Assis. Aquela visão
tinha sido impressionantemente real. Não se
parecia com um sonho. Ficou gravado em
[159]
Experiências de um Leigo
minha mente o tom de suas palavras e a
expressão profética, como a querer falar-me
de um futuro próximo que me aguardava.
Ovelhas; rebanhos, Jesus... Tentei adivinhar.
Só podiam ser os pacientes que as entidades
atendiam comigo, como apará, Associei tudo
aquilo de um modo que queria, bem
satisfatório às minhas conveniências.
No outro dia contei para Batista e
Sonia...
[160]
Experiências de um Leigo
AQUELE PERFIL ME DESAFIOU. ENTÃO ME
ARMEI CONTRA ELE
Meus filhos, vocês não sabem o que eu passei. Só eu e o
Pai Seta Branca, e, se não fosse minha confiança ser
tamanha em Jesus, não teria resistido a tudo que vivi. Por
isso que digo hoje a vocês que, embora o caminho de
vocês seja o mesmo caminho que trilhei, vocês não
sofreram como eu sofri. Eu tive que me arrebentar
sozinha para descobrir o meu caminho, apesar de toda a
minha clarividência, que não me ajudava em nada
naquela ocasião, só me trazia dúvidas”. Tia Neiva.
Salve Deus mestres. Vamos elevar
nossos pensamentos aos mundos encantados
dos Himalaias, aos nossos ancestrais, buscar a
sintonia dos grandes iniciados em Cristo Jesus.
Vamos mentalizar nossos mentores, Pai Seta
Branca, Pai João de Enock, Pai Zé Pedro,
Tiãozinho, sempre pedindo que nos cheguem
as luzes do céu para as nossas evoluções, o
nosso bendito aprendizado de cada dia.
Vamos buscar as bênçãos do sol,
rei da vida, da lua, das matas, das grandes
florestas, de cachoeira, dos grandes rios, das
campinas verdejantes, onde correm soltos os
ventos, do lavrador em sua choupana, do
veleiro no mar distante, para que possamos
trazer as bênçãos dos anjos e santos espíritos
e distribuí-las onde houver necessidade: à
mãe longe dos filhos, aos órfãos de pais vivos,
[161]
Experiências de um Leigo
nos hospitais onde gemem e choram os que
ainda não sentiram em seus corações o olhar
redivivo de nosso senhor Jesus Cristo.
Meus irmãos, tudo que nos
acontece tem uma razão de ser. A vida
sempre se revela cheia de acontecimentos e
situações que têm a função de nos trazer o
aprendizado, o conhecimento e a evolução de
nossos espíritos, pois esse é o primeiro
mandamento do universo: expansão.
Temos que dar o nosso
testemunho porque é assim no céu como na
terra, como nos dizia Jesus, e temos
comprovado isso em nossa própria carne.
Sempre temos que pagar o nosso preço por
aquilo que adquirimos, seja aqui na terra ou
no plano dos espíritos iluminados. E os nossos
mentores agem sempre na sagacidade de
seus poderes, na amplidão dessa imensa
sabedoria, em suas missões junto a nós, se
apressando para que tudo saia perfeito e para
que o preço que tenhamos que pagar seja o
mais suave possível.
Tudo que nos chega vem de um
plano superior; tudo é um grande
investimento onde os nossos mentores
apostam alto em nosso sucesso, na realização
[162]
Experiências de um Leigo
do homem na lei de auxílio, onde está a
felicidade, dando sem nada receber, porque
nesse campo, não há negociação, como
também não pode haver este tipo de
interesse.
Caso isso aconteça, tudo se afasta
de nós, nos deixando à mercê dos nossos
próprios desatinos, deixando que nossas
feridas sangrem sem o bálsamo dos grandes
iniciados...
***
Lá fora a noite avançava como se
fosse uma imensa orquestra regida por um
grande e perfeito maestro. Estava fria, bonita
e ao mesmo tempo, triste e melancólica,
como há muito tempo não se via. A lua,
grande homenageada daquela sinfonia,
reinava absoluta no céu e parecia velar
cuidadosamente por tudo que naquela terra
existia como se fosse uma mãe zelosa no
cuidado de sua cria.
As estrelas faziam uma corte
entoando em silêncio, cânticos de harmonia
acompanhando como um cortejo os caminhos
por onde certamente ela teria que passar. A
[163]
Experiências de um Leigo
noite avança rumo ao infinito. Sentado em
uma pedra, próximo à Casa Grande eu
acompanhava como se estivesse em intensa
vigília, aquele cortejo de amor, que irradiando
suas luzes, beijava a nossas faces, nos
acariciando os corações e acalentando nossas
esperanças nos dias vindouros.
Vez ou outra, uma suave brisa nos
tocava a face, aumentando a sensação de frio
naquela noite. Ali perto muitas árvores se
erguiam organizadamente e agradeciam
contentemente àquele sopro com o balançar
de suas verdes folhas, tão alegres por todo
aquele esplendor da criação, presente aos
olhos e aos corações de quem pudesse ver e
sentir.
Longe, no horizonte, um grupo de
grandes nuvens parecia dormir, atreladas
umas nas outras, cansadas que estavam pelo
seu eterno vai e vem, sempre levando vida em
forma de água, de gotas a todos os pontos
dessa terra, formando um quadro que só o
amor de Jesus poderia nos proporcionar.
Debaixo desse magnífico cenário,
e também fazendo parte dele, o movimento
nesse dia era intenso no Vale do Amanhecer:
médiuns iam e vinham a todo o momento.
[164]
Experiências de um Leigo
Uns apressados, atrasados que estavam para
o seu trabalho no templo; outros caminhavam
preguiçosamente somente a olhar e fazer
parte daquele movimento aparentemente
desordenado. Velhos e jovens misturavam a
força da juventude com a experiência dos
anos vividos, sempre cheios de lutas e
sacrifícios; assim era o templo: alguns se
colocavam em prece aos mentores, outros
caminhavam desarmonizados e atuados pelos
nossos irmãos que ali chegavam nessa triste
intenção.
Outros mestres carregavam suas
capas, já de volta para casa, depois do
trabalho realizado. Víamos em suas faces o
retrato fiel da realização; as ninfas, passavam
com suas indumentárias e seus pentes
coloridos nas enormes filas magnéticas que
vagarosamente caminhavam por todo o
templo, emanando tudo com mantras
lindíssimos, cantadas por suas vozes nem
sempre arranjadas, mas sobre os auspícios
dos bons pensamentos, pela aura que tudo
harmonizava.
Dessa forma toda essa massa de
médiuns se misturava com os visitantes que
quase em desespero, ou já tomados por ele,
[165]
Experiências de um Leigo
procuravam ali um alívio para suas dores e
seus conflitos estampados nas marcas de suas
faces, como retrato de tudo aquilo que viviam
e viveram.
Sim, seus rostos nos diziam tudo.
Muitos já haviam passado por vários lugares e
aquela era a sua última esperança de alguma
melhora. Assim vivia o Vale naqueles
distantes dias, onde era grande nossa
atividade: aulas, trabalhos, consagrações,
tudo concorrendo para a nossa preparação,
para o nosso aperfeiçoamento, para os dias
que se anunciavam decisivos, e ainda na
manutenção da lei de auxílio.
Nesse dia eu estava no Vale do
amanhecer, sentado no banco em frente ao
quadro de Tiãozinho, e pensava no
desdobramento que tivera com o franciscano.
De olhos fechados meu pensamento revivia
cada momento daquele que parecia não
querer mais sair de dentro do meu cérebro.
Imagens reais. Sim, eu recordava detalhe por
detalhe daquele acontecimento.
De repente uma fotografia de um
velho me apareceu de perfil. Não fora comum
aquela visão. Abri os olhos e olhei para o
quadro de Tiãozinho. Esfreguei os olhos e abri
[166]
Experiências de um Leigo
novamente tentando enxergar o quadro de
Tiãozinho a minha frente. Nada. Somente o
retrato daquele preto velho fixado em minha
mente como uma fotografia pregada diante
de mim.
- Meu Deus o que é isso!?
Exclamei. O que está acontecendo? Contudo,
nada que pensasse ou fizesse apagava aquela
imagem que parecia não querer mais se
despregar do meu cérebro. Pedi ajuda.
Rezei... Até que ela desapareceu.
Saí dali correndo. Cheguei à
lanchonete, peguei um café e me sentei num
banco de cimento que emoldurava a parte de
fora daquele lugar. Pus as pernas para o lado
de fora e fiquei a pensar. Conversando comigo
mesmo, na tentativa de me entender,
interroguei-me: Tive medo. Será medo? Que
sensação é essa de apavoramento. Então
pensei:
- Não sou médium? Estarei
desequilibrado? Pelas sensações em mim só
pode ser interferência. Sim é, confirmei a mim
mesmo. Só isso explica essa alteração de
preocupação e mal estar. Sim mestres, concluí
precipitadamente e aceitei a minha
conclusão. É muito perigoso quando, ao
[167]
Experiências de um Leigo
analisarmos uma questão, fechamos um
raciocínio e concluímos. E aquela conclusão
me custaria muito caro, muitos sofrimentos e
vexames.
A verdade é que depois daquele
transporte com Pai Seta Branca na roupagem
de Francisco de Assis, não tive mais sossego,
nem de dia nem de noite, nem em casa nem
em lugar algum. Aqueles fenômenos me
seguiam e pareciam estar dentro de mim.
Então onde eu fosse lá estariam eles a me
infernizar o juízo e a me tirar o equilíbrio.
Assim iniciou-se aquele segundo
ciclo, prenunciando a minha loucura. Pensei
em mim. Eu que tinha chamado de ciclo
infernal os primeiros sete anos, 1975 a 1982.
Agora que o inferno começaria. Então meus
pensamentos se precipitavam:
- Meu Deus eu não tenho direito a
um minuto de paz. Não tenho descanso.
Minha vida. Que será de minha vida? Que fiz
eu? Pensava: devo ter sido um daqueles
sacerdotes judeus que tramou contra Jesus...
Logo contra ele. Agora estou frito...
Contudo, nessa noite tive uma boa
notícia. Adriana aceitou me namorar. Fiz festa
e me senti bastante feliz.
[168]
Experiências de um Leigo
O MEDO: SAGA DOS DESESPERADOS E
AFLITOS
Meu filho, Jesus me colocou ao seu lado. Venho preparálo para um futuro que se aproxima, abrindo em tua vida
muitas possibilidades de realização. Não temas. Analisa
tudo com prudência e serenidade. Os teus medos são
somente alusões inconscientes da tua própria
consciência, que ainda distante, trás em mim a esperança
de te acordar. Procures não julgar, não fazer juízo
precipitado sem possuir as razões reais dos fatos e
acontecimentos que sucederão em sua vida. Confias em ti
mesmo. Em Jesus e em teu Pai Seta Branca. É por eles
que estou aqui em função de ti. Não vim para perturbar a
tua tranquilidade nem roubar-lhe o pouco equilíbrio que
ainda tens. O juízo que faz de mim é o que pensas a
respeito de si mesmo. Espelho e imagem de tua alma. Pai
Ananias das cachoeiras.
Cheguei ao Vale naquele domingo,
contrariado e aborrecido. Aqueles mestres
tinham-me derrubado, apesar da doutrinação
de Batista em meu favor, o que não me
convenceu. Nós aparás somos assim: frágeis e
inseguros e qualquer um que duvide de nós,
acaba com a nossa incorporação.
Então, ali, em pé, perto do carro,
da baratinha amarela, colocava o meu colete
ainda muito aborrecido e desarmonizado com
a noite anterior. Aquele mestre colocou-me
em apuros comigo mesmo ao questionar a
minha incorporação. Teria ele razão?
Fomos para aula de Tia Neiva e
não foi fácil estar ali e encontrar uma sintonia.
[169]
Experiências de um Leigo
Fiquei preso naquele momento anterior e não
estava no domingo, a não ser o meu corpo.
Meus pensamentos estavam no sábado à
procura de encontrar o errado: eu ou ele. Só
um possuía a verdade. Se fosse ele o errado
estava pronto para fuzilá-lo de vibrações. Na
verdade já estava fazendo isso...
Acabou a aula de Tia Neiva. Veio a
abertura do trabalho. Fiquei ali dentro
mesmo, na parte evangélica onde, com
dificuldade, tinha encontrado um lugarzinho
no degrau do aledá para assistir e escutar Tia
Neiva.
Logo que terminou, saí dali e
fiquei sentado no banco de espera dos aparás
para a mesa evangélica. Terminada a abertura
o comandante da mesa tocou a sineta e nos
movemos para dar início ao trabalho.
Sentei-me para o início das
incorporações e, por coincidência, fiquei em
frente ao quadro de Tiãozinho. Olhava-o com
muito carinho e também estimulado para
pedir-lhe ajuda. Estava desarmonizado e por
isso, desajustado de tudo. Sem sintonia,
recorria a ele e àquela mesa na esperança de
um auxílio. Não podia permanecer daquele
jeito. Mas a questão era também devido a
[170]
Experiências de um Leigo
aquele fato sempre acontecer comigo: sim,
desde a primeira incorporação já duvidaram
de mim. Dali em diante parecia prática normal
e eu estava já buzinando com aquela história
tão repetitiva.
Sei que fechei os olhos buscando
sintonia com o comando e com os mentores
quando de repente o pior aconteceu. Dei um
grito para dentro de mim.
- Ai! Meu Deus!
Aquele velho de novo apareceu.
Não, não é possível, pensei em quase
desespero. Perdi de vez a condição de ali
estar. Quis sair correndo e não podia. Fiquei
em maus lençóis e as incorporações fluíam
mais desequilibradas e agressivas. De um
minuto para outro pensei:
- Deve ser a falange dele que está
passando. Sua foto a mim mostrada nesse
momento é para que eu passe todos eles aqui
na mesa...
Esse pensamento me equilibrou,
fazendo-me esquecer até do meu velho
assunto, aquele bendito doutrinador,
comandante dos tronos.
- Isso é Tiãozinho me auxiliando,
pensei comigo novamente.
[171]
Experiências de um Leigo
- Esse perfil que estou vendo é de
sofredor e ele quer se passar por preto velho.
Rum... Eu vou lhe mostrar quem é mais
forte...
Sei que o tempo que fiquei na
mesma seu perfil se grudou nas paredes do
meu cérebro. Parecia rir de mim e do meu
sofrimento. Contudo, era estranha e bastante
confusa aquela situação por mim vivida.
Parecia que via ele fora de mim, mas ao
mesmo tempo como se ele estivesse dentro
da minha cabeça. Aquela sensação era
incômoda e me causava irritação e certo
desfalecimento, como se a minha pressão
fosse chegar a zero.
Encerrou a mesa e o comandante
pediu para os doutrinadores nos dar passes
magnéticos. Assim que recebi o passe a
imagem daquele Velho desapareceu como
que por encanto e eu abri os meus olhos já de
volta ao corpo, numa mudança brusca e
violenta, voltando a ver precariamente os
movimentos dos médiuns que por ali
passavam.
Apesar
do
desaparecimento
daquela imagem, os meus pensamentos
estavam dessa vez muito mais desmantelados
[172]
Experiências de um Leigo
que antes. Calculei comigo que entre esse
novo problema e aquele velho, preferiria o
velho. Pensava no já superado doutrinador...
Saí dali e não vi ninguém. Não sei
como, nem por onde saí. Meus pensamentos
naqueles minutos precipitavam-se, aturdidos,
multiplicando-se em mil desarmonias e
perguntas sem respostas, que atormentavam
a minha alma. Fui para Casa Grande e lá me
refugiei, pensando estar protegido e seguro.
Passei alguns bons e longos minutos.
Retornei ao templo e ruminava
em meu pequeno cérebro, imaginando o que
fazer caso aquela imagem voltasse. Estava
com medo. Isso era ruim. Fui para os tronos e
trabalhei por algumas horas. Saindo, fui ao Pai
Seta Branca; fiz minha prece e me dirigi para o
meu lugarzinho preferido, em frente a
Tiãozinho.
Quando me sentei que fechei os
olhos lá vem o velho de novo.
- Ele gostou de mim mesmo...
Falei tentando desvalorizar o que
estava me matando. Eu via aquele velho
somente de perfil e ele começou a me falar
coisas que eu não compreendia bem; dizia se
chamar Pai Ananias da Cachoeira, era um
[173]
Experiências de um Leigo
preto velho e vinha me desenvolver, me
preparar para algo que no futuro eu saberia.
Chegou dizendo que eu devia confiar mais em
mim mesmo, que era meu amigo e coisas
dessa linha que eu não engoli de primeira. De
onde vinha ele? Quem é esse nagô que não
me dá chance de escolher se quero ou não
esses contatos e simplesmente me arrebata
do corpo como se eu não tivesse vontade,
escolha? E que conversa é essa que ele tem
comigo? Porque tudo isso está acontecendo
justamente comigo? Será que estou
desequilibrado, obsidiado? Será que ele é
meu cobrador?
Desconfiado comecei a conversar
com Sonia, Batista e Tavares sobre o assunto.
Eles acharam normal. Tavares agora estava
um pouco mais distante, mas nos víamos
sempre.
Ele
tinha assumido
novas
responsabilidades no Vale e isso estava lhe
tomando quase todo o tempo.
Certa noite eles levantaram a
questão daquele perfil que sempre me
aparecia. Aconselharam-me que intensificasse
minhas atividades no templo e fizesse todos
os trabalhos. Eu estava meio ausente, meio
dividido entre os trabalhos e namorar.
[174]
Experiências de um Leigo
- Sim farei, disse a eles. Retornarei
a minha frequência e vou acabar com essas
loucuras que estão quase a me desequilibrar
por completo... Eu quero ser somente um
apará. Incorporar meus nagôs e nada mais.
Essa é toda a minha ambição. Não desejo
nada além. O Pai sabe disso. Pois, que ele me
ajude a acabar com essas alucinações e
maluquices.
Quanto aquele espírito que se faz
passar por preto velho e se chama Pai
Ananias, eu vou resolver isso. Vou falar com
Tia Neiva ela é a única pessoa nesse mundo
que pode me ajudar.
Procurei, de fato, falar com tia
Neiva por mais de dois ou três meses e não
conseguia. Ela estava impossibilitada pelos
médicos. Sua pouca saúde estava ameaçada e
todas as atividades dela foram suspensas. Ela
já não ia tanto ao templo. Fizeram, inclusive,
uma ligação do microfone da Casa Grande
para o templo, assim ela dava suas palestras,
agora, da Casa Grande.
- Que coisa! Pensava comigo
mesmo. Só pode ser coisa feita por espíritos
sofredores. Até Tia Neiva eles conseguiram
[175]
Experiências de um Leigo
isolar de mim. Meu Deus me ajude. Estou
realmente preocupado e agora só.
Certa noite deite-me e logo me
pus em prece. Rezei para todos santos e
pretos velhos que conhecia. Procurei não
pensar em nada e fiz uma técnica de
relaxamento. Aquela que começa assim: eu
não estou sentindo o meu pezinho, nem o meu
calcanharzinho, nem o meu joelhinho... Enfim,
até chegar para a cabeça, pensei, já estou no
sono amarrado.
Muitos minutos se passaram e não
conseguia dormir. A técnica falhou e falhei eu.
De um momento para outro, vi no canto de
cima da sala, perto do telhado, uma fumaça
meio fluorescente em movimento giratório.
De repente aquela fumaça foi se
transformando numa imagem esculpida por
mágica que eu não podia saber. Era um trono
em forma de cadeira comprida, toda dourada.
Imaginei ser de ouro. Nela tinha desenhos
estranhos entre a cor vermelho e azul Veneza.
Um homem de busto nu, com uma das mãos
na cintura e outra presa ao corrimão da
cadeira
mostrando-se
arrogante
e
prepotente. Para completar, enfeitava-lhe a
cabeça uma coroa crescida em forma cônica
[176]
Experiências de um Leigo
tendo ao centro daquele ornamento a figura
de duas serpentes entrelaçadas. Por fim, ele
olhava como a me desafiar.
Naquela correspondência de
olhares, pensei, subitamente:
- Não, eu não posso estar ali; não
sou eu! Eu estou aqui.
Somente nesse momento percebi
que estava com os olhos fechados.
- Meu Deus!
Dei um pulo e fiquei de pé. Agora
mais calmo pude respirar. Quando olhei para
baixo, vi que estava deitado com os olhos
fechados que parecia dormir. Minha
respiração era novamente ofegante, como a
me faltar ar nos pulmões e minhas mãos,
presas ao corpo, pareciam paralisadas. Tentei
gritar e consegui. Acordei com Sônia Batista e
Joana em cima de mim.
- O que houve Chico!?
Sim mestre era a imagem de um
Faraó Egípcio, que surgiu ali do nada. Naquela
noite só consegui dormir depois de algumas
xícaras de chá de camomila. Sonia achou
aquilo o máximo. Impulsivamente perguntei:
- Você é doida?
[177]
Experiências de um Leigo
- Chico você está vendo. Você está
abrindo a vidência!
Tomei a palavra da boca dela e
disse que não repetisse isso novamente:
- Eu não quero. Eu quero a minha
vida e não vou abrir mão disso, entendeu!
Sim
mestre
eu
negava
terminantemente e relutava até o fim de
minhas forças para não aceitar aquela ideia.
Dentro de mim, sabia que no dia que
aceitasse eu estaria frito. Algo me dizia dessa
maneira
minha
vida
iria
embora,
escorregando pelas as minhas mãos.
[178]
Experiências de um Leigo
A VITÓRIA NO TRABALHO DE PRISÃO
Filho, acorde do teu pesadelo. Tudo que estás vivendo é
real. Nem tudo que se nega, se tem o direito de negar.
Sem evidências para negar, não se pode desejar o
equilíbrio. Tens visão espiritual. Não deves negá-la. O
próprio produto da tua negação será a tua sentença,
levando-o aos desequilíbrios e aos vexames da tua
descrença. Cuida do teu padrão mental. Ele visita, nesse
momento, regiões perigosas. Cuida de teus pensamentos
antes que enlouqueças a ti e aos outros. O nosso tempo
está acabando. É melhor que compreendas e aceite por
mim, do que pelos sofrimentos causados pela sua falta de
consideração consigo mesmo.
- O senhor está me deixando louco. Disse a ele.
- Sim filho e se não cuidares disso, estará em breve num
sanatório.
.- Se eu for, retruquei, o senhor estará numa cama ao
meu lado.
- O teu desamor por ti mesmo enlouquece a tua mente e
faz da sua inteligência, um estado de negligência. A tua
falta de fé e amor está o levando à demência a tua alma.
Confia meu filho. Confia em ti mesmo.
Estamos ainda em janeiro de mil
novecentos e oitenta e quatro; eu estava
noivo e de casamento marcado. Adriana
estava grávida de Nayara e estamos, apesar
de tudo, felizes.
Naquele mês aquelas visões
continuaram acontecendo e aquele último
fenômeno me trouxera uma imensa angústia;
depois do que vira, além das dúvidas, que
fervilhavam em minha cabeça, uma tristeza e
uma vontade de chorar infinitas se colocaram
em meu coração e isso me preocupara
seriamente.
[179]
Experiências de um Leigo
Nas
primeiras
visões
que
aconteceram, pensei que aquilo não se
repetiria, que era devido ao meu estado de
mediunização, necessidade de mais trabalho
ou algo relacionado a isso. Mas depois desse
dia eu pensei em procurar Tia Neiva
novamente, pois estava se tornando
repetitivo, preocupante. Eu não queria aquilo
e só ela me ajudaria...
Já estava muito incomodado e seu
esclarecimento com certeza me tiraria
daquele estado, já muito inseguro e
apreensivo. Nessa mesma noite tentei ainda
falar-lhe, o que foi em vão. Recebi a mesma
resposta de sempre: ela estava muito doente
e o acesso fora vetado por seus assessores, na
intenção de poupá-la, de protegê-la, pois, seu
quadro de saúde não era bom e inspirava
muitos cuidados e prevenções. Saí
desarmonizado. Já sei disso...
Aliás, fora recomendação dos
médicos que ela não recebesse visitas a não
ser dos familiares próximos. Eu, por meu lado,
já começava a ficar cismado com aqueles
fenômenos e lembrava que ela sempre nos
advertiu que tivéssemos cuidado com as
visões;
médiuns
em
desequilíbrio
[180]
Experiências de um Leigo
constantemente fabricam suas próprias
imagens, pois elas são fruto das falsas
projeções de sua mente em desarmonia.
Mas o fato é que eu estava só,
pois naquele momento a única pessoa que
podia me ajudar, me oferecer uma palavra de
esclarecimento, de auxílio, me tirar daquela
cisma ou confirmar aqueles acontecimentos
estava inacessível...
Em poucos dias eu caminhava
meio confuso e desequilibrado pelas visões
que começavam a se repetir inesperada e
descontroladamente; andava triste de um
lado para o outro, buscando insistentemente
conversar com Tia Neiva, pois não custaria
tentar um ‘pé-de-orelha’ como chamávamos.
Em vão fiz muitas tentativas de
encontrá-la, contudo, cada pessoa que
procurava, me negava essa oportunidade. Eu
saía sempre frustrado e aborrecido, embora,
eu soubesse que aquela atitude era para o seu
bem. Na verdade, eu, na ânsia de um
esclarecimento, em meu desequilíbrio, em
minha solidão é que estava sendo
inconveniente e inoportuno.
Sabia, no fundo da alma, que
chegara a hora de sua partida, de seu
[181]
Experiências de um Leigo
desencarne. Estava chegada a hora do grande
teste para cada um de nós, e geralmente esse
teste vem pela dor, que naquele momento
era a partida de Tia Neiva, pois não tínhamos
mais o direito de impedir que ela migrasse
para a sua pátria espiritual, seu verdadeiro lar,
junto daqueles que constituíam sua
verdadeira família, pois sofríamos vendo seu
penar...
Agora eu estava só. Agora todos
estavam sós. O que seria dali em diante?
Como seria sem ela, nossa mãe em Cristo
Jesus? Essa era pergunta que todos faziam, e
ao mesmo tempo, cada um, silenciosamente,
pedia em seu mundo interior que ela fosse
embora, pois já havia sofrido demais com a
complicação do seu sistema respiratório. Suas
dores eram imensas e a coordenação de suas
ideias já não era a mesma de outros tempos.
Faltava-lhe oxigênio no cérebro e ela vivia
praticamente o tempo todo fora do corpo,
num estado de inconsciência, e poucas eram
as vezes que retornando ao físico, se
mostrava com alguma lucidez.
Mas, voltando ao meu mundo,
meu drama particular, implorava a todo
minuto que corria, aos anjos que afastassem
[182]
Experiências de um Leigo
de mim aquelas visões que começavam a me
chegar e me desajustar sem que eu pudesse,
de algum modo, me defender.
Não conseguia entender o porquê
de elas me fazerem tão mal, já que outras
visões haviam acontecido sem que me
causassem o que aquelas últimas haviam
causado. Porque elas tinham o poder de me
desajustar tanto, de me tirar da sintonia dos
trabalhos, de me fazer chorar? A minha
conclusão parecia lógica, e acho que todos
teriam a mesma resposta: força negativa dos
meus obsessores ou falanges que queriam me
desequilibrar por completo, me fazer passar
por ridículo, por louco ou qualquer outra
coisa, menos, me trazer algo de positivo como
ele, o velho, dizia. Foi isso que pensei.
Entretanto esse pai Ananias, que
se faz passar por bonzinho, que se diz meu
amigo e se faz passar por preto velho
iluminado, cheio das boas intenções, é um
obsessor e, portanto, quer me arruinar.
Não devo cair na sua conversa
mole e entrar na sua sintonia, pois é isso que
ele deseja e para isso trabalha. Mas de hoje
em diante, como já sei, já descobri sua
origem, vou trabalhar para afastá-lo
[183]
Experiências de um Leigo
definitivamente já neste início, antes que ele
tente se aproximar cada vez mais de mim.
Esse pensamento sempre me
chegava como um sopro divino e me abria nos
lábios um largo sorriso de confiança.
Não será difícil vencê-lo, afinal sou
um 5º Yurê de Pai Seta Branca. Tenho à minha
disposição todas as armas de Koatay 108 e o
poder dessa doutrina é imensurável. Coitado
dele! Pensa que vai me pegar, no entanto sou
eu que vou pegá-lo primeiro.
Ele com toda sua esperteza não
sabe que está mexendo em casa de
marimbondo, e quando descobrir vai sumir
para bem longe de mim. Nesse pensamento
respirei aliviado, prometendo para mim
mesmo, trabalhar sem descanso para afastálo.
Armei-me então de grande
segurança e das armas que pude. Comecei a
usar o anel do Pai Seta Branca, a pulseira
consagrada por Tia Neiva, o meu talismã de
Koatay 108 preso no pescoço; preso a outra
correntezinha, outra imagem do Pai Seta
Branca. Na minha carteira de bolso, daquele
dia em diante, não faltava um retrato de Pai
João, de Tiãozinho, de Tia Neiva; do outro
[184]
Experiências de um Leigo
lado, minha fita mediúnica, escondia-se entre
muitos documentos, ao lado da palhinha da
bênção do Pai.
Como se não bastasse, comprei
duas estrelas e colei no para-brisa do carro
como proteção também para o meu meio de
transporte. Pronto: estava protegido! Sentiame pesado como uma árvore de natal,
contudo, confiante, decidido e seguro nos
meus objetivos. Pensava que nada me
atingiria agora.
Em seguida a toda essa
preparação, passei nos tronos, tomei minha
bênção com um preto velho de verdade;
contei minha história a Pai Tomás, que me
aconselhou a realizar um trabalho de
prisioneiro para aquele espírito que estava em
minha aura. Aquela comunicação coroou-me
de alegria. Agora é que ele está frito mesmo.
Porque não pensei nisso antes? Despedi-me
dizendo:
- Obrigado meu pai, Jesus lhe
pague.
Ele retrucou baixinho, como
sabendo de tudo que acontecia:
- Vai fio, eu te ajudarei...
[185]
Experiências de um Leigo
E assim foi feito. Assumi a prisão e
dia após dia, bônus após bônus, caderno por
caderno, trabalhei com afinco, dedicação e
confiança no afastamento daquele obsessor
que vinha dos mundos negros na intenção de
me fazer o mal a todo custo.
Foram quinze dias de uma
maratona sem descanso, cinco mil assinaturas
somadas à esperança e confiança de me
desfazer daquele implacável cobrador a me
perseguir. Os resultados, graças a Deus, não
demoraram e começaram a aparecer...
Já se fazia uma semana que havia
me libertado no trabalho de Aramê24 e desde
24
No período de sua Prisão, mestres e ninfas ficam sob a ação dos cobradores, o que os leva a um estado
mais sensível e irritadiço, além de achaques e perturbações físicas que aparecem nessa fase. Os espíritos,
perdidos no ódio, na vingança, nos rancores, chegam ao recinto do trabalho já emanados pela Espiritualidade
Maior, que os mantém contidos durante todo o período da Prisão. Apenas têm o desejo de cobrar por todo o
mal que lhes foi feito, mas seu ódio já está enfraquecido pela emanação de amor que lhes chega, contentandose, então, em verificar se houve realmente transformação, uma verdadeira mudança de sentimentos, em seus
algozes do passado, e se satisfazem com uma cobrança muito reduzida. Este mínimo cobrado é que tem que
ser satisfeito pelo médium durante seu trabalho de Prisão. Com amor e humildade, o médium prisioneiro deve
colher seus bônus e trabalhar o máximo que puder na Lei do Auxílio, aceitando, com tolerância, as dificuldades
que lhe forem criadas pelo cobrador nesse período. Ao se iniciar o Aramê, todos os nossos cobradores se fazem
presentes, ficando contidos pelas redes magnéticas lançadas pelos Cavaleiros Verdes. Ali está, também, toda a
energia recolhida pelos bônus, separados médium por médium. Essa energia tem que ser classificada,
separada, manipulada e depositada de acordo com cada prisioneiro e seu respectivo cobrador, porque cada um
receberá de acordo com seu merecimento. Os Pretos Velhos fazem a primeira manipulação da energia
concentrada pelos cantos e emissões da abertura do trabalho, unificando e filtrando as forças. O canto do
representante do 1º Cavaleiro da Lança Vermelha projeta uma intensa força desobsessiva que ilumina as
mentes dos cobradores, eliminando a ação negativa de outros espíritos desencarnados. Em seguida, os
Caboclos e os Cavaleiros de Oxóssi projetam poderosa força que vai permitir aos cobradores abrirem seus
olhos e enxergar, pela primeira vez, após tantos séculos de escuridão. Com a Contagem, os cobradores
recebem as forças recuperadoras de seus sentimentos, de sua razão, fazendo com que perdoem aqueles que
julgavam ser seus inimigos, e, pelas Elevações dos Doutrinadores, são conduzidos para planos espirituais
superiores, onde são recolhidos em albergues e hospitais para sua recuperação e posterior continuação de suas
jornadas. O Aramê é um trabalho onde a libertação de prisioneiros é feita em grupos, uma vez que se
caracteriza por faltas cometidas em coletividades, isto é, combates e campanhas que envolveram o desencarne
de muitos inocentes e indefesos, em demandas territoriais, pelas ocupações violentas, questões de terras e
posse de bens materiais, sem a característica de confrontos pessoais, transcendentais, que devem ser
resolvidos no Julgamento. No Aramê, de modo geral, o espírito só conhece aquele que foi sua vítima do
passado no momento do reencontro, porque não havia individualização nos confrontos. Reis, nobres,
governantes, generais, senhores de engenho e outras figuras de destaque e de poder, empenhados em suas
ações guiadas pela ambição, pela vaidade e pelo orgulho, devastaram plantações e povoados, mataram ou
mandaram matar milhares de pessoas inocentes, cuja única falta foi estarem atravessados em seus caminhos,
ocupando habitações e terras objeto da cobiça desses poderosos, o que lhes custou perseguições, violências e
[186]
Experiências de um Leigo
então nunca mais tinha tido aquelas visões
nem avistado aquele perfil que parecia rir de
mim, dos meus conflitos e de minha
desarmonia e do meu estado de desespero.
Sim, tudo havia terminado pelas
bênçãos de Deus e de Pai Tomás. Novamente
sentia-me bem e vitorioso, como se houvesse
dado
uma
demonstração
do
meu
conhecimento, da minha força e do poder
absoluto da doutrina, orgulhoso daquela
conquista, daquela vitória.
O mais importante é que dedicara
ela aos amuletos e souvenires que carregava
comigo, elogiando os seus poderes mágicos,
dando a eles a função de proteção e de
amparo, lhes atribuindo também o mérito
pela resolução daquele caso, sentindo-me
impenetrável e sábio por tudo que
acontecera.
No meu silêncio, superior e
vitorioso, pensava onde estaria aquele
coitadinho: desejo que Pai João, Pai Zé Pedro
e Pai Zambú olhem por ele, coloquem o amor
morte. No Aramê se juntam grupos de combatentes e perseguidores de uma mesma época, de uma mesma
campanha, com o objetivo de obterem o perdão e a consequente libertação de suas vítimas. Isso deve estar
bem claro para o comandante do trabalho, especialmente no que diz respeito à fase final, na hora da
Contagem, que deve ser voltada para o esclarecimento e iluminação das mentes dos que ali estão, encarnados
e desencarnados, visando obter o perdão daqueles que ficaram perdidos, por tanto tempo, no ódio, no rancor
e na vingança.
[187]
Experiências de um Leigo
em seu coração para nunca mais fazer coisas
desse tipo a ninguém...
Nessa noite dormi na casa dos
meus Pais. Deitei-me na cama e senti meu
corpo, e minha mente, realmente meus, como
há muito tempo não sentia. Fiz minha
preparação para dormir e fui embora.
Não demorou muito, acordei
esbaforido dando um pulo da cama e caindo
de pé armado para brigar, matar o que
necessário fosse. Aquela reação natural foi
calçada por um grito de Sinval.
- Tá louco cara!?
Chico! Que barato velho...
Enquanto isso eu puxava o ar
pelas narinas tentando reter a minha raiva e
me acalmar.
Sinval teve uma visão com o meu
espírito. Disse ele empolgado com a sua visão
e não com o que vira.
Depois ele explicaria:
- Chico ele era lindo, translúcido
parecendo ser de água cristalina, bem clara,
flamulava sem que eu sentisse nenhum vento,
e voava pelo quarto.
- Salve Deus! Pensei. Esse
camarada é doido. Vai dormi sujeito!
[188]
Experiências de um Leigo
Perdi o sono e ele em minutos
ressonava ao meu ouvido parecendo um
anjinho.
- Eu mereço, pensei...
[189]
Experiências de um Leigo
OS CARROS QUEBRADOS
Meu filho, os caminhos da vida parecem estranhos para ti
nesse momento de sua existência. Mas deves analisar
tudo não com o seu cérebro, mas com a razão da tua
inteligência transcendental. Com o teu cérebro, tudo que
podes é comandar este veículo. Mas precisas mais do que
isso. Precisas assumir o comando da tua vida universal e
para isso, deves se abrir para tua individualidade.
Somente ela poderá te explicar e trazer-lhe as respostas
que necessitas. És um veterano espírito. Tua estrada não
iniciou aqui, agora, mas esperamos que tenha um novo
reinício e possas alcançar a luz do teu imortal espírito que
transcende, mesmo, a capacidade da tua imaginação.
Agora acalma teus pensamentos e equilibre o teu sentir.
Lembre-se: a quem muito é dado, muito serás exigido.
Pai Ananias das Cachoeiras.
Enfim eu estava livre, graças ao meu Pai
Seta Branca. Havia quinze dias que me livrara
daquele suposto obsessor. Sim, depois da
prisão que eu assumira, tudo havia mudado e
eu, graças a Deus tinha vencido.
No trabalho de prisão temos que colher
assinaturas, que constituem os nossos
bônus25 que, levados ao Aramê, ou
julgamento, irão promover a nossa libertação.
25
Segundo Mateus (VI, 19-21), Jesus disse: “Não queirais entesourar para vós tesouros na Terra, onde a
ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós
tesouros no Céu, onde nem a ferrugem nem as traças os consomem, e onde os ladrões não os desenterram nem
roubam. Porque onde está o teu tesouro, aí está o teu coração!”. Bônus são o nosso tesouro, nossa riqueza que
depositamos no Céu. São o resultado dos trabalhos espirituais e, com eles, o médium dá condições a seus
Mentores para que estes possam lhe ajudar. Não é um pagamento, na concepção que temos, mas sim algo que
nos é dado pelo amor com que nos entregamos às nossas atividades na Lei do Auxílio. A Espiritualidade executa
o trabalho por nosso intermédio e nos vai creditando bônus-horas, créditos espirituais que resgatam, em parte
ou no todo, as dívidas que temos desta ou de outras encarnações. Os bônus são pequenas células de energia
vital que vão se desagregando de um para o outro, fortalecendo nosso Sol Interior, rejuvenescendo nossas
células. Quando um espírito encarnado começa a cometer desatinos e enveredar por tristes caminhos,
prejudicando a si mesmo e àqueles que estão ao seu redor, a Espiritualidade faz o leilão daquele espírito, isto
é, ele é acolhido pelo irmão Inluz que der o maior lance, em bônus, e passa a escravo de grandes lideres das
Trevas, sendo seu desencarne provocado antes do tempo previsto. Os bônus entregues em pagamento
enfraquecem aquele que o adquiriu e são usados para resgatar outros espíritos que tenham cumprido suas
penas no Vale das Sombras. Quando, no trabalho de prisioneiros da Espiritualidade Maior, recolhemos bônus
no Livro do Prisioneiro, devemos fazê-lo com muito amor, tolerância e humildade, para que estes bônus
possam ajudar na libertação.
[190]
Experiências de um Leigo
Nesse período o seu obsessor está sempre a
lhe observar, sendo sempre acompanhado
pelo seu mentor. Assim eu fiz.
Foi uma grande maratona da qual eu
saíra vitorioso. Graças a Deus eu voltara a ser
o médium normal que sempre fora:
equilibrado e confiante nas minhas coisas, nos
meus fenômenos mediúnicos, que se resumia
à minha incorporação que já era problemática
demais. Pai Tomás estava certo e eu estava
novamente livre...
Agora eu iria voltar à minha rotina, pois
eu, Sonia e Batista sempre fomos muito
trabalhadores, muito assíduos aos rituais do
templo. Pelo menos três dias da semana
estávamos no Vale, em todos os trabalhos
que podíamos. Mas, ultimamente, aquelas
aparições tinham-me tirado a vontade de
trabalhar e nos últimos dias quase nada tinha
feito além daquele Aramê, que fora minha
âncora de salvação.
Então resolvi agradecer por tudo que
recebera. Era justo, afinal de contas eu tinha
me curado e isso era para mim, o maior
regozijo que podia alcançar, como também
para qualquer médium que vivesse a minha
situação.
[191]
Experiências de um Leigo
Aquela era a maior bênção que alguém
podia receber. Fui então trabalhar, ajudar,
aliviar a dor dos aflitos que nos buscavam no
templo em todos os trabalhos, dia após dia,
pois eu havia sido curado e só curando eu
poderia agradecer...
Quarta-feira quando saí do trabalho, à
tarde, já busquei minha sintonia para o
trabalho oficial, que já se desenrolava. Nesse
dia havia muitos visitantes e poucos médiuns
e o trabalho caminhou a passos lentos e
morosos, terminando somente muito tarde,
só ficando no templo, poucos médiuns
espalhados naqueles setores vazios.
Muitos, já vencidos pelo cansaço, só
observavam o trabalho dos pretos velhos que
terminavam o demorado atendimento. De vez
em quando se achava um resto de vela, que
tentava sobreviver à fúria do fogo, que
lentamente ia consumindo-a. Mais adiante, o
sal tinha um gosto forte do perfume e neste
último, via-se as pedras de sal que iam se
misturando com o odor que ali estivera...
De vez em quando o estralar dos dedos
quebrava o silêncio que já ali reinava,
ocupando o lugar daquela aparente algazarra
de horas antes. Após o encerramento, eu saí
[192]
Experiências de um Leigo
do templo devagar e preguiçosamente.
Contudo me sentia leve e feliz, coisa que há
algum tempo eu não sabia o que era.
No templo fazia calor, mas a noite fria
estava também escura pela falta da lua que
não nos balsamizava com sua presença direta,
deixando esta tarefa difícil para as estrelas
que apesar do esforço não conseguiam o
mesmo desempenho de sua soberana. Em
pouco tempo me desenlacei das minhas
armas: tirei minha fita, meu colete e as
morsas26. Ainda olhei o Vale vazio, onde os
últimos se preparavam para o sono merecido,
caminhando a passos decididos para suas
casas.
Agarrado no volante, não prestava
muita atenção no caminho e voava com meus
pensamentos relaxadamente, olhando a
densa escuridão que corria ao meu lado na
janela do carro, que deslizava na estrada
rumo a Planaltina.
26
Cruzes que, no uniforme de Jaguar, estão colocadas lateralmente, nas mangas das
camisas e das blusas, formando um ponto de captação de energias. Recebe as forças
diretamente de Tapir, e não há como realizar um trabalho equilibrado se o médium estiver
sem elas. Pelas morsas chega uma força individualizada, dosada de acordo com as
necessidades do trabalho e as condições apresentadas pelo médium, independente de sua
vontade e não sofrendo qualquer influência, impregnação ou interferência dos espíritos
encarnados ou desencarnados.
[193]
Experiências de um Leigo
De repente, senti uma presença muito
forte perto de mim. Era uma espécie de calor
estranho e quando olhei para o lado vi
nitidamente que não estava mais só. alguém
estava comigo naquele carro, sentado no
banco da frente, de passageiros. Senti um
forte arrepio e minhas têmporas pularam
incomodadas, como a querer sair da minha
cabeça. Era ele novamente:
Escutei sua voz que dizia:
- Filho, precisas aprender a confiar em
você. O que será de você se não confiares em
ti mesmo, na sua própria força? Confiança é a
base de tudo o que fazemos.
Eu rapidamente desconfiei que aquilo só
pudesse ser o meu implacável obsessor que se
passava por preto velho: o Pai Ananias. E de
fato o era. Novamente o perfil se mostrou nu,
sem que a boca se mexesse, mas da qual eu
escutava muitas e nítidas palavras. Pela
primeira vez senti a presença do seu corpo e
depois de algum tempo, o perfil desapareceu
e pude vê-lo de corpo inteiro. Não me lembro
de outro momento para trás, que isso
acontecera.
Analisei-o dentro do meu senso
inteligente, ou que eu considerava inteligente.
[194]
Experiências de um Leigo
Sim, eu era tudo menos inteligente naquela
época.
Pai Ananias era de média a alta estatura.
Seu corpo não era muito musculoso, mas lhe
dava um aspecto de forte e me apresentava
um homem de uns 55 anos. Seu rosto era
expressivo e grave, ao mesmo tempo em que
transparecia uma meiguice e suavidade
celestial. Aquela expressividade se projetava
em maneira singular marcada por fortes
fendas que realçava o seu nariz pelicano e
muito bem modelado; seus lábios espessos
sem muita distinção entre o superior e
inferior, eram emoldurados por uma barba
tosquiada, acinzentada compondo mais para
o preto. Seus olhos negros, suavemente
erguidos, despejavam ternura em profusão
como a denunciar sua natureza espiritual e
moral. Sobrancelhas médias e escuras, um
pouco arqueadas, ornavam valorizando o seu
olhar e finalmente, encobrindo parte da
cabeça, um volume pequeno de cabelos
encarrapichados se arrumavam com a não
querer se mostrar. Era também de cor
acinzentado.
Pensei pela primeira vez: ele não tem
jeito de mauzão. Será que todo obsessor é
[195]
Experiências de um Leigo
bonito assim. Notei discretamente que as
extremidades dos seus lábios arquearam-se
para cima. Anunciando leve e discreto sorriso.
Aquele repetido acontecimento me veio
como uma bomba em minha mente, um abalo
sísmico na minha cabeça. Olhei triste e
desarmonizado, e percebi que estava
novamente na estaca zero.
- O senhor é insistente mesmo. Não tem
nada melhor para fazer do que tirar o sossego
dos outros e tentar enlouquecê-los. Despejei
minha contrariedade.
Lembrei-me da prisão que eu assumira e
percebi que o trabalho não tinha me livrado
dele, não tinha servido de nada. Então me
desarmonizei por completo. Amargurado,
disse-lhe que estavam me deixando louco, e
que não ganharia nada com aquilo!
Apelando, pedi que dissesse logo o que
eu o teria feito para justificar toda aquela
injusta perseguição. Que se fosse meu
cobrador me dissesse e não ficasse me
enrolando com todas aquelas palavras
bonitas...
Ele somente sorriu, o que me deixou em
estado de raiva e desespero. Contudo,
expressava grande ternura em seu olhar e no
[196]
Experiências de um Leigo
seu
sorrir,
coisa que
me
jogava
automaticamente no inferno das dúvidas.
Lembrei-me de suas palavras: “Não se pode
negar se não se tem evidências para negar”.
Na verdade, sua atitude dava a legítima
impressão de um adulto sorrindo de uma
criança e aquilo me irritava profundamente.
Por tudo que revelava, ele demonstrava que
se importava comigo, e que não estava alheio
ao meu sofrimento e à minha dor, embora eu
nunca admitisse isso.
Nessa noite, em poucas palavras me
tranquilizou
e
conversamos
mais
tranquilamente pela primeira vez, ou melhor,
ele conversou comigo porque o contrário não
acontecia, eu somente o rejeitava. Ele
procurava, por tudo que transmitia, se
achegar a mim, e, eu, por minha vez, queria
cada vez mais que ele fosse embora e não me
procurasse nunca mais.
Entretanto me disse que queria me dar
uma pequena prova. Falou que eu ia passar
por três carros parados, que estavam
quebrados no meio do caminho a esperar
socorro, e, que no terceiro carro eu parasse e
ajudasse a pessoa que estava esperando
ajuda.
[197]
Experiências de um Leigo
Imediatamente achei aquilo uma
bobagem e tolice difícil de acontecer, mas a
partir desse momento, prestei mais atenção
na estrada. Ajeitei-me no banco e não muito
adiante, passei pelo primeiro carro; não me
deixei convencer, afinal eram comuns carros
quebrados naquele caminho; sempre, quando
vínhamos do Vale, víamos alguém parado na
estrada; logo adiante avistei o segundo carro.
Torci-me no banco e um calor chegou-me
como a querer me derreter. Afinal aquilo era
uma batalha e se tivesse três carros ali, ele me
venceria e isso não podia admitir. Quase
chegando a uma ponte, avistei o terceiro.
- Meu Deus! Pensei alto.
Meu cérebro começou a rodar como se
posto em uma tigela e mãos sacolejassem de
um lado para outro.
Assustado pela coincidência acelerei e
passei como se não estivesse vendo; tive
medo de parar, pois já era noite e aquele
mistério todo me dava também medo e
receio. Inflexível, procurei pelo resto do
percurso o quarto carro, que seria a minha
salvação. O quarto carro me daria a vitória
sobre ele e colocaria a história dele
desacreditada, mas não encontrei.
[198]
Experiências de um Leigo
Cheguei em casa e mal percebi quando
estacionei o carro, tomei o elevador e entrei
no apartamento, tão envolvido que estava por
aquele acontecimento. Todos já dormiam e eu
tentei fazer o mesmo, coisa que não consegui.
Estava novamente desarmonizado e triste,
pois após quinze dias, tudo voltava a
acontecer, tudo o que eu menos queria,
estava de novo se realizando.
Novamente a voz se fez ouvir:
- Confiança filho, confiança em si
mesmo.
Cobri a cabeça como a querer abafar
aquele som e quando dei por mim, acordei no
outro dia de manhã.
[199]
Experiências de um Leigo
NÃO SE DUVIDA DO QUE NÃO MERECE SER
DUVIDADO
Filho, Salve Deus. Hoje reapareço desejando-lhe
harmonia e paz. Que Jesus vos abençoe. Devo dizer-lhe o
que me proponho nesse momento e anunciar-vos a sua
jornada nesse atual momento. Passará por três estágios,
imposto pelos teus padrões mentais. Eles serão a tua
sentença e definiram os seus amigos, lugares e situações.
A tua primeira iniciação será a de doido. Nesse estágio,
curto, você faz mal somente a si mesmo. A tua segunda
iniciação será a de maluco. Nesse estágio, além de fazer
mal a si mesmo, fará também aos outros e a tua terceira
iniciação será na faixa involutiva dos malucos. Aí você é
uma séria ameaça aos outros. Deve ser internado junto
aos seus semelhantes, porque semelhante atrai
semelhante. Cuida, meu filho, do teu padrão vibratório.
Um sanatório é um bom lugar, mas não é para ti.
Assumir aquela derrota foi duro.
Mas na minha intransigência e arrogância,
preso à minha insegurança e meus medos,
continuei negando, agora, com muito mais
gravidade. Estava negando os fatos e esse
estado nos leva mais cedo aos estágios da
loucura.
Os carros quebrados da última vez
que eu viera do templo, naquela fatídica
noite, além de me desarmonizar e entristecer
profundamente, de certa maneira me
assustaram e contribuíram para que eu
passasse cerca de uma semana longe do Vale
do Amanhecer. Aos poucos começava a me
afastar da Doutrina. Supunha ser ali, a razão
de tudo. Como também, perturbado como
[200]
Experiências de um Leigo
estava não tinha mais o que fazer: nem
incorporar
conseguia
mais.
Perdi
completamente a sintonia.
Contudo, a minha derrota tinha
me custado muito caro. Ela ficará impregnada
em mim a gerar daquele momento em diante
sérias dúvidas. Aqueles malditos carros
abalaram seriamente as minhas convicções
sobre a origem de Pai Ananias.
Agora começava a fraquejar em
meus pensamentos. Como poderia acontecer
tamanha coincidência? Sobretudo, como
poderia aquele velho ainda me perseguir
daquela forma tão implacável?
Eu, no fundo da minha alma, não
estava acreditando que novamente eu ia
passar por tudo aquilo, por todo aquele
inferno, depois de tudo que eu havia feito,
depois de todo esforço empreendido.
Era impressionante e assustador
como, de um momento para o outro, minha
vida foi mudada completamente, sem que me
fosse dada uma mínima chance de escolher
nem de reagir, e o culpado era aquele
espírito, que não me dava tréguas.
Em determinados momentos, me
sentia tão mal que comecei a ter crises de
[201]
Experiências de um Leigo
choro convulso; o pranto rolava de em minha
face aliado a angústia que também corria em
gotas do meu coração sem que eu desse
conta do porquê de tudo aquilo.
- Oh! Minha mãe, onde está você
que não me ajuda e me protege?
Era de Tia Neiva que estava
falando.
Para piorar a situação, sentia que
com os dias, Pai Ananias, se é que era ele
mesmo, se aproximava de mim cada vez mais
e isso contribuía muito para o meu estado
triste e depressivo. Toda vez que ele chegava
me colocava em desarmonia, em desequilíbrio
e isso me fazia concluir que era uma
interferência, afinal, se fosse de outro modo,
pensei loucamente, eu ficaria bem quando ele
partisse.
Mas não era só isso o que me fazia
sofrer. Os dias se passavam, cada um mais
estranho do que o anterior. Além das visões
que tive nessa época, coisas estranhas
aconteciam
comigo:
coincidências,
premonições, cenas, fatos no trabalho, em
casa; tudo era muito diferente, esquisito
mesmo e me deixavam muito intrigado e
preocupado.
[202]
Experiências de um Leigo
Eu enlouquecera e me dava conta
disso. Pessoas chegavam perto e uma
pequena tela – muitas vezes amaldiçoada por
mim - revelava espíritos que andavam ali por
perto. Via sombras e vultos para todos os
lados, animais estranhos e insetos. Depois ia
ver, tinham desaparecido.
Cheguei
a
procurar
um
oftalmologista. Atribuí à minha visão cansada,
a culpa do que estava acontecendo. Eu
tentava me virar de todo jeito, só não pensava
em aceitar aquela condição. Feitos os exames,
aquele velhinho simpático e com cara de
maluco, como a minha, murmurou baixinho
para ninguém ouvir:
Você não tem nada na sua visão.
Ela é perfeita. Quero lhe dizer uma coisa. Eu
também vejo sombras, vultos e insetos como
você. Vou lhe dá um conselho meu menino:
procure um centro espírita. Você tem
vidência.
Não entendia e não aceitava tudo
o que se passava. As coisas aconteciam como
para me provar algo no qual eu,
insistentemente, não queria acreditar e, pelo
contrário, esforçava-me por afastar tudo e
todos que viessem com essas conversas.
[203]
Experiências de um Leigo
Certo dia à tarde me arrumei, me
preparei para ir trabalhar no Vale, afinal de
contas, eu tinha esperança de me curar.
Separei minhas armas numa
sacola, inclusive minha capa e rapidamente
me punha em direção à parada de ônibus no
percurso que me levaria a Planaltina e, de lá,
finalmente, para o Vale do Amanhecer.
Quando passava perto de um
portão de ferro, branco e todo fechado, meio
comido pela ferrugem, escutei duas pessoas
que conversavam e uma dizia para outra que
fulano de tal, tinha pegado uma arma e
apontado para a mulher. Quando olhei de
lado, inclusive assustado pelo conteúdo, não
tinha ninguém. Balancei a cabeça, e a mim
mesmo disse que parasse com essas loucuras.
Não dei nenhuma importância;
julguei ser um pensamento bobo, daqueles
que nos chegam sem esperar aos quais não
damos nenhum valor, nenhuma importância.
Desfiz-me daquele pensamento e
daquela imagem e continuei minha
caminhada. Ao dobrar a esquina, porém, de
longe, avistei dois homens que conversavam e
um gesticulava bastante, como se estivesse
[204]
Experiências de um Leigo
muito nervoso, contando uma história ao seu
acompanhante.
Ao passar por eles, escutei
nitidamente quando um falou para o outro.
Aí, ele pegou uma arma e apontou para a
própria mulher. Naquele momento, fiquei
perplexo e não escutei mais nada. O mundo
rodou e lembrei-me do que minutos atrás
havia pensado.
O que queriam esses espíritos?
Queriam me provar algo, fazer-me acreditar
em algo que eu fazia questão de rejeitar. E
tudo piorava para o meu lado: primeiro a
visões imóveis, os quadros; agora, elas tinham
vida, movimento...
Isso já foi suficiente para que eu
me desarmonizasse por completo. Quebrarase aí a minha sintonia e o pouco de harmonia
que eu, com toda minha força, com todo meu
querer, conseguira, naquele dia construir.
Como podia, pensava eu, coisas
tão pequenas me desarmonizar a esse ponto?
Como pode uma coincidência me fazer perder
a vontade de incorporar?
De qualquer forma, nesse dia eu
estava decidido a trabalhar. Nada me tiraria
do meu objetivo e foi isso o que aconteceu.
[205]
Experiências de um Leigo
Cheguei ao Vale ainda no período
da tarde e vinha pensando como resolver o
meu problema e sair daquela paranoia que
vivia. Em dado momento lembrei que
somente uma força iniciática seria capaz de
afastar de mim aquele terrível obsessor. Sim,
era isso. Se ele era forte, se resistira a uma
prisão, ao trabalho de Aramê, eu queria ver se
ele conseguiria me atormentar também
depois de uma Estrela Candente27. Era ali que
ele teria que ser elevado.
Esse pensamento me chegou
como pequena esperança de alívio. Sim,
temendo nova decepção, não joguei todas as
minhas expectativas. Coloquei-me então com
duvidoso entusiasmo para próxima escalada28
que aconteceria ainda naquela tarde. Sim, ele
não perderia por esperar e veria que não se
pode fazer isso, que ele vem fazendo comigo,
afinal eu tenho a meu favor, toda essa ciência,
que me ajuda e me esclarece e ele, em seu
rancor, em seu ódio, em sua falta de
compreensão desconhece completamente
todo esse universo... E fiz uma prece a Jesus:
27
Local no Vale do Amanhecer onde se realizam trabalhos de cunho iniciático onde passa
determinada faixa de espíritos que não podem incorporar.
28
Um dos trabalhos que se realizam na Estrela Candente.
[206]
Experiências de um Leigo
Jesus afaste-o de mim. Mas não o
castigue. Não tenho raiva dele. Somente
desejo dar-lhe uma lição...
E por ai foi meu pensamento
mestres...
Vejam só que loucura. Eu perdera
o menor senso do que era justo ou injusto. O
egoísmo é uma energia muito perigosa. Faznos cegar e é por isso que se diz que cego é
aquele que não quer ver.
Assim foi feito...
Dentro de pouco tempo eu estava
sentado no banco, à espera da consagração
da Estrela Candente. Mentalizava o
comandante que dirigia o trabalho e esperava
o momento de incorporar, quando
novamente levei um susto: um espírito muito
alto passou por perto mim, quase me
atropelando, como se fosse um gigante.
Nunca vira ninguém tão grande antes. Eram
homens e mulheres enormes, maiores que os
postes de iluminação.
Eram cavaleiros. Caminhavam
para um trono que tinha há pouca distância
de onde estava e lá outros lhe esperavam.
Havia também várias Guias Missionárias,
todas vestidas como princesas.
[207]
Experiências de um Leigo
Num dado momento aquele
homenzarrão olhando para mim, a certa
distância, disse-me que se chamava Fanário
Verde, e que era o comandante da Estrela
Candente naquele dia, pois era ele o cavaleiro
daquele comandante.
Assisti admirado aquele quadro,
sem possibilidade de raciocinar, de pensar em
tudo aquilo. Preso àquela linda visão, nenhum
pensamento ruim de dúvidas e incertezas me
chegou. Minha mente parecia uma televisão,
que somente nos mostra quadros sem neles
interferir.
Era assim que eu estava. Não
analisei, não pensei que podia ser obsessores
e simplesmente mergulhei naquela sintonia.
Eles eram lindos, com suas ricas e trabalhadas
indumentárias... Na hora da prece de
Simiromba, todos se levantam, numa
profunda demonstração de respeito, assim
como nós o fazíamos também no plano físico.
Fiquei observando por algum tempo este
quadro, até que eles desapareceram do meu
campo mental.
Em dado momento do comando
na terra incorporei-o. Sim, ele estava ao meu
lado irradiando-me uma energia luminosa que
[208]
Experiências de um Leigo
me envolvia todo o corpo deixando-me todo
iluminado. Do lado de cá estava eu vendo
tudo. Um vento muito forte começou a soprar
como se estivesse tentando nos levar para
longe dali. A capa do cavaleiro esvoaçava
como a não ter peso algum.
Todos incorporaram. Então outra
entidade se manifestou. Sua energia era
diferente e percebi que nunca havia
incorporado ela antes. Mentalmente aquele
ser iluminado pela luz do sol saudava e
gesticulava como se estivesse diante de algo
muito forte. Eu sentia o peso de meus braços
quando eles levemente se quedavam para
trás ou para frente devido ao sutil movimento
que ela fazia. Com duas palavras saudava:
Salve
Tanoaê29.
Salve
30
Achuamã !
- Salve Tanoaê. Salve Achuamã!
Repetidamente ele pronunciou
estas palavras. Tive a sensação de que um
vento muito mais forte abalava o recinto. Sim,
agora ele era físico. A força do que sentia era
tamanha que ele me pediu mentalmente que
29
30
.
Vento
Chuva.
[209]
Experiências de um Leigo
não tivesse medo, que confiasse, pois era ele
que estava manipulando aquelas forças para o
bem de povo e povos. Desequilibrei-me
naquele momento. Era demais para mim:
- Meu Deus me ajude para que eu
possa acreditar nisso tudo...
Salve Deus mestres, aquele foi um
momento diferente de todos. Eu não pedira
mais para afastar, mas para que eu tivesse
recursos em mim de acreditar. Mudei meu
padrão. Estava melhor, mas ainda distante do
que precisaria.
Não resisti à minha incredulidade
e lhe pedi que se realmente fosse ele que
estivesse produzindo aquele fenômeno, que
me desse uma prova física. Depois de alguns
segundos, veio à minha mente a imagem de
uma árvore caída, derrubada pelo vento.
Gravei bem aquela imagem e ansioso agora
esperava o fim do trabalho para ver se ela, a
árvore estava ali mesmo caída.
Agora já não desejava que ela não
estivesse. Queria aquela confirmação e então
poderia enfim, acreditar em Pai Ananias como
um mentor de luz e não mais um espírito
malfazejo.
[210]
Experiências de um Leigo
Ficamos ali mais alguns minutos,
incorporados, dando sequência ao trabalho
que já caminhava para seu término. Em
poucos minutos o comandante pediu que
aquelas entidades deixassem os seus
aparelhos.
Após o encerramento saí dali
preocupado, em busca das minhas
comprovações. Precisava delas.
Caminhávamos agora, eu e mais
alguns médiuns buscando os corredores de
saída dali. Eles comentavam a maravilha
daquele trabalho, qual não foi minha surpresa
quando me deparei com a árvore caída como
eu havia visto incorporado. Meu Deus, é
verdade! Exclamei alto. Aqueles médiuns me
entreolharam sem nada entender. Dentro de
mim, escutei somente uma voz me mandando
tirar os galhos quebrados e replantar, afinal, o
culpado era eu.
Quando vi a árvore lembrei
também da visão que eu tivera antes do
trabalho. Corri ao encontro do comandante.
Então perguntei:
- Salve Deus mestre, que lindo foi
nosso trabalho. Qual é o nome do seu
cavaleiro?
[211]
Experiências de um Leigo
- Fanário Verde mestre. Mas por
que a pergunta?
- Nada não, somente curiosidade...
Desconversei e saí para tomar um
café, num estado de quem sai saltitando: um
pé ali e acolá. Mas logo veio a ressaca. As
cruéis dúvidas que carregava em minha
insegurança.
Realmente eu não conseguia
passar duas horas equilibrado...
[212]
Experiências de um Leigo
VIAGEM À CIDADE DESCONHECIDA
- Então, estou desequilibrado com isso tudo. Doente,
muito doente... Disse cansado, reclamando.
- Não é o corpo a casa da alma? E a alma a morada do
espírito. E se a alma é doente o corpo não será doente?
Se a alma mostra-se imperfeita, não serão imperfeições
do vosso espírito? Que desejas nessa prisão que suas
ações construíram? Liberdade? Deves conquistá-la. Ela é
um direito de todos. Contudo, deves compreender as
tuas deficiências e necessidades e mudar a sua maneira
de agir, pensar e sentir. Se insistires em alimentar-se de
padrões negativos, pensamentos e sentimentos, teu
corpo, casa de tua alma e teu espírito morador e
proprietário de tua alma, perecerão e permanecerá preso
às tuas anormalidades. Trabalha e serve na lei de auxílio.
Daí nascerá a tua cura: do trabalho, pois quem não
trabalha dá trabalho. A sua doença é preguiça mental. Pai
João de Enock.
Salve Deus mestres, onde
poderemos encontrar as nossas respostas?
Quem realmente poderá nos ajudar? Onde
estará o nosso verdadeiro caminho? O que
viemos
fazer
nesse
planeta
em
desenvolvimento? Quem sou eu e o que
querem de mim? Para que isso tudo?
Essas eram as minhas mais
comuns perguntas. Eu começava a
enlouquecer de vez e isso também me dava
muito medo.
Visões iam e vinham sem que eu
tivesse o menor controle sobre elas e o meu
padrão começava a declinar violentamente
[213]
Experiências de um Leigo
diante de tantas dúvidas e interrogações sem
nenhuma resposta aparente.
Para mim, tudo não passava de
criações de minha mente, alucinações, que
por qualquer razão, fabricava aqueles quadros
imaginativos. Julgava-me desequilibrado e,
por esta razão, tudo aquilo estava
acontecendo.
Graças ao trabalho do qual eu
havia participado na Estrela Candente, graças
à Escalada, já com todos os acontecimentos
ali vividos deturpados por minha falta de
crença, julguei o afastamento de Pai Ananias e
de minhas visões como sendo resultado do
trabalho e isso me havia feito grande bem.
Horas e dias haviam se passados
sem nenhum sinal dele. Sim, fora difícil, mas
eu havia vencido. Por mais forte que seja o
inimigo, essa Doutrina nos fornece as armas
para nos proteger e também lhes dar aquilo
que necessitam. Ele, com toda certeza, não
viria mais, pois fora elevado no trabalho de
Estrela Candente e deveria estar no seu lugar,
sendo tratado bem longe de mim. Eu, por
minha vez, estava muito melhor sem ele.
Certa noite debrucei-me sobre um
calhamaço de cartas escritas por Tia Neiva; li
[214]
Experiências de um Leigo
muitas delas, porém uma frase me despertou
interesse instantâneo: “filho, as visões são
comuns em mentes desequilibradas, médiuns
desajustados...”
Instantaneamente pensei que esse
era o meu estado e aquela leitura foi
suficiente
para
que
eu
duvidasse
completamente dos fenômenos que estavam
acontecendo comigo. Daquele momento em
diante passei a acreditar definitivamente que
estava novamente desequilibrado, supondo: é
a minha falta de sintonia nos trabalhos...
Entretanto algo dentro de mim
começava a dizer que não. Sempre tivera uma
assimilação razoável; tudo que ouvia passava
primeiro pelo meu raciocínio; minha mente
questionava, analisava dentro da lógica que
aprendera, tinha uma conduta doutrinária,
buscava me esforçar num comportamento
moral, mantinha-me constantemente nos
trabalhos mediúnicos e colhia de todos,
impressões que me mostravam em equilíbrio
emocional, psíquico e espiritual.
Não fazia sentido, eu não estava
desequilibrado. Estava muito sofrido, mas isso
não justificava aquilo que comigo acontecia.
Nem ao ponto de fabricar aquelas loucuras,
[215]
Experiências de um Leigo
pois, quando aconteciam não estava
pensando nelas, elaborando-as. Tanto que se
quisesse produzi-las nesse momento não
tinha como fazê-las, nada acontecia.
Dúvidas e dúvidas, mil análises e
acho que naquele momento somente quem
acreditava em mim era Sonia. Até Batista
estava descrente e Tavares escutava sem
muito comentar. Sonia era a única que
enxergava a verdade ali e nela via um grande
propósito ligando em sua análise o transporte
com o franciscano, depois, Pai Benedito e
agora Pai Ananias.
- É obvio Chico. É um
desenvolvimento
espiritual.
Lembra-se
daquela entidade que incorporou em 1981.
Sua mensagem profética e, além disso, deu o
nome de Paulo de Tarso.
Lembre-se que depois nós
comentamos que tínhamos uma missão e não
era aqui em Brasília e que iríamos fazer uma
poupança para quando chegasse a hora, nós
pudéssemos partir. Você ficou muito
desconfiado da sua incorporação e me pediu
que fosse até Tia Neiva e perguntasse se
estava tudo bem com você, na sua
incorporação. Lembra o que ela disse:
[216]
Experiências de um Leigo
- Ele não é apará minha filha?
Então deve incorporar.
E depois na aula de domingo ela
confirmou que estava na Casa Grande, quintafeira à noite, quando viu numa cidade ali
próxima, uma luz que iluminou toda aquela
redondeza além mesmo da cidade. Quintafeira foi o dia da nossa prece e você
incorporou o espírito de Paulo de Tarso. Tia
Neiva viu. Ela comentou na aula de domingo.
Foi para nós que ela falou...
Sonia era a única crente entre nós.
Graças a Deus ela estava sempre perto de
mim. Empolgada com tudo que estava
acontecendo, ela tentava me convencer de
que não estava louco e desequilibrado.
Salve Deus mestres, aqueles
momentos eram duros demais. Conviver com
aqueles acontecimentos não foi fácil. Tive que
acreditar em mim mesmo e quebrar as
correntes de ideias extremas que afirmavam
que ali na Doutrina do Amanhecer, só quem
podia ver espíritos era Tia Neiva.
Era como se estivesse lutando
contra ela. Absurdo, um verdadeiro absurdo o
que se constrói com o entendimento das
palavras.
[217]
Experiências de um Leigo
Eu analisava tudo nos mínimos
detalhes.
Minhas
desarmonias
e
desequilíbrios por conta dessas visões
estavam me levando a uma angústia sem
medida.
Certa tristeza estava sempre
estampada nos meus olhos e preferia lugares
onde eu estivesse só. Comecei a me isolar de
todos, e ficava entregue aos meus
pensamentos e dilemas.
No meio de todas aquelas agonias,
de vez em quando me passava uma pergunta:
e se ele, Pai Ananias, fosse realmente um
iluminado? Então eu estaria em maus lençóis.
Como poderia conversar com ele? Minha
vergonha seria tanta que eu não conseguiria
olhar em seus olhos por um bom tempo...
Assim, ao mesmo tempo em que
me desequilibrava considerando-o um
enviado dos mundos negros, dentro de mim,
comecei contraditoriamente sentir uma paz e
uma serenidade muito grandes quando ele
chegava e me falava.
Isso me gerou culpa. Comecei a
me cobrar que devia confiar e desprezar todas
as opiniões sobre mim e sobre aquele
assunto. Falar é fácil. Todos falam e emitem
[218]
Experiências de um Leigo
seus pareceres, mas quem estava na berlinda
daquele momento era eu, na beira do abismo.
Muitas vezes fui taxado de
vaidoso, que aquilo era desequilíbrio, e eram
os meus obsessores que não me davam
descanso, tentando me passar à ideia de que
eu queria ser Tia Neiva e outras coisas mais...
Todos esses comentários me deixavam mais
confuso ainda...
Após essa fase de intensa
desarmonia, fiquei uns quinze dias sem
nenhuma manifestação. Sim, era assim que
tudo acontecia. De repente ele sumia e eu me
via novamente só, o que me deixava mais
confuso ainda.
Entretanto de certa forma estava
mais calmo, mais sereno, contudo uma
pequena saudade inexplicável, começava a
nascer dentro de mim. Eu me debatia nessa
dúvida, porque não admitia de forma alguma
sentir saudades de um espírito que não era o
meu mentor, e, que, para mim, não era um
iniciado, um iluminado.
Nesse ínterim, os dias foram se
passando, e nada acontecia com referência a
novas visões, o que de novo me fortalecia na
ideia de que ele era realmente um espírito
[219]
Experiências de um Leigo
sofredor, habitante dos mundos negros, dos
umbrais como mencionava Kardec em seus
livros.
Certa noite chegamos no Vale do
Amanhecer, eu, Batista e Sonia, pois éramos
inseparáveis. Nossa sintonia era perfeita e um
compreendia o outro como só nós três
sabíamos.
Havia chovido e a lama era quase
tanta quanto os médiuns que ali estavam. Os
carros sujos se acomodavam no meio de toda
aquela água e pacientemente esperavam
pelos seus donos. Trocamos de roupa e fomos
para o nosso cafezinho, que havia se tornado
obrigatório antes de entrarmos no templo
para começarmos a trabalhar. Sonia sempre
curiosa sobre os acontecimentos espirituais,
perguntou-me sobre as novidades.
- E aí Chico, nada mais aconteceu?
Respondi com um sorriso nos
lábios:
- Graças a Deus não.
Batista, sorrindo para mim, diziame com o olhar que havíamos vencido...
Batista tinha um cuidado extremo com
aqueles assuntos. Incorporara a figura do
doutrinador racional e passivo. Vez ou outra
[220]
Experiências de um Leigo
emitia a sua opinião. Na verdade ele escutava
mais e falava pouco sobre esse assunto.
Talvez soubesse a força que suas opiniões
tinham sobre mim.
Eram eles os dois únicos a quem
podia falar abertamente das minhas visões,
de minhas loucuras e alucinações. Quase
todas as noites nos reuníamos e
conversávamos sobre assuntos espirituais e
missionários, por horas a fio. Tínhamos uma
sintonia perfeita; nós nos entendíamos e
trocávamos impressões e experiências a
respeito dos acontecimentos dentro e fora da
matéria. Em nossas conversas fazíamos um
verdadeiro levantamento. Questionávamos,
criticávamos, opinávamos, analisávamos,
duvidávamos, enfim...
Naquela noite descemos para o
templo e cada um buscou a sintonia desejada.
Eu me encaminhei para a Mesa Evangélica
depois da preparação na Pira, pois sempre
gostei muito daquele trabalho. Sentei no
banco, junto com outros aparás e mergulhei
meus pensamentos na frequência desejada
para aquele trabalho de incorporação dos
nossos irmãos sofredores.
[221]
Experiências de um Leigo
O movimento no Vale era normal
naquele dia de quarta-feira: isso quer dizer,
acima do esperado. Uns doutrinavam, outros
caminhavam em busca de um apará; de outro
lado filas magnéticas, formadas pelas falanges
missionárias imantravam o templo, como a
combater com seus fluidos falanges
desordeiras que por ali haviam estacionado,
sempre buscando equilibrar aquela balança,
onde um prato era o negativo e o outro, o
positivo. Sentia-se no ar que ali estava sendo
travada uma guerra etérica entre o bem e o
mal. Nós éramos o bem e o mal talvez fosse
nossas próprias tendências. Então lutávamos
contra nós mesmos sem saber disso.
Naquele ambiente aparentemente
desarmonizado, deixei-me calar, já um pouco
incomodado e irritadiço, perguntando-me o
que acontecera, já que eu estava tão bem há
poucos instantes. Deve ser a aura da mesa, já
estou na sintonia dos sofredores, pensei
assim.
Começava a sentir uma falta de ar,
me deixando meio ofegante, numa certa
angústia por sorver o ar que me rodeava,
sem, no entanto conseguir sucesso. O mestre
que estava à minha frente percebeu; dirigiu[222]
Experiências de um Leigo
se a mim perguntando se eu estava bem.
Disse que sim, ao que ele resmungou de lado:
- É isso que dá. Fica muito tempo
sem trabalhar, e quando volta, vem com a
cabeça cheia de exus!
Fingi não escutar. Assim era o Vale
do Amanhecer. Se fôssemos dar importância a
tudo que ouvíamos, acabaríamos contrariados
ou numa desarmonia sem o menor propósito.
Dentro de poucos minutos o
comandante daquela mesa começou a dispor
dos mestres e ninfas para aquela formação. À
sua ordem, sentei-me à mesa, já no meu lugar
de incorporação.
Minha
cabeça de repente
rodopiou, como se estivesse levado uma
grande paulada. Comecei, de uma hora para
outra, a escutar vozes muito distantes, que
eu, a princípio, julgava ser do comandante.
Uma sensação esquisita se
apoderou de mim e me dava impressão de
que eu me deslocava, no entanto sabia que
estava ali, sentado e que não havia perdido a
noção de tempo e espaço.
Então, disse para mim mesmo que
eu estava trabalhando na mesa evangélica e
[223]
Experiências de um Leigo
não sentiria mais aquelas sensações
esquisitas. A mim mesmo impus:
- Pode parar de nhêm-nhêmnhêm. Você veio aqui para trabalhar, pois
trabalhe.
No entanto nos três segundos
seguintes percebi que não teria controle.
Pensei em Deus, interrogando-me o que
estava acontecendo. As vozes ao meu redor
se distanciavam cada vez mais e mal escutei
quando os aparás incorporaram.
Fechei minhas mãos numa atitude
puramente técnica, tentando responder ao
doutrinador que já havia feito a puxada atrás
de mim. Também incorporei, pois senti os
músculos enrijecerem, principalmente os da
minha boca, que se distorciam formando uma
rede que chegava até as minhas mãos que
então dobradas para trás pareciam a um
movimento de se quebrar...
O
doutrinador
dava-me
a
impressão de estar há muitos metros de
distância tamanha a dificuldade em escutá-lo.
Comecei a me desesperar, pois não sabia o
que estava acontecendo:
- Meu Deus o que isso. Estarei
indo para a morte? E num esforço sobre mim
[224]
Experiências de um Leigo
mesmo tentava sair daquele estado. Era
confuso e eu tinha pequenos reflexos de
momento; minha mente parecia estar presa
por
estranho
magnetismo
a
algo
imensamente maior e mais poderoso do que
eu. Não havia palavras para explicar. Era como
se eu obedecesse a dois comandos ao mesmo
tempo, ou meu corpo estivesse dividido em
dois sem eu dominar o que estava
acontecendo, mesmo que tentasse.
Em determinado momento, senti
o ar batendo em meu rosto; parecia que
estava voando, flutuando; sim estava
realmente voando. Vi ao longe, luzes
pequeninas, que flamejavam numa tonalidade
amarelada. Parecia uma cidade vista do alto e
na proporção que me aproximava daquele
lugar, elas cresciam e se confundiam ao
mesmo tempo.
De repente escutei alguém dizer
juntinho do meu ouvido; viagem... Viagem em
desdobramento e desci numa cidadela. Tudo
estava a princípio, muito escuro e somente se
iluminava por onde eu estendia o olhar.
- Meu Deus, onde estou? O que
está acontecendo?
[225]
Experiências de um Leigo
Desorientado,
desci
naquela
cidade estranha e lentamente caminhei por
ruas estreitas, onde casas se espremiam, uma
colada na outra e em desordem, dos dois
lados; eram, em geral, de aspecto simplório e
atrasado urbanisticamente.
Não havia divisões entre elas;
quero dizer quintais que as dividisse. As ruas
eram calçadas com pedras e bem estreitas em
relação ao modelo que eu conhecia de rua.
Durante algum tempo, caminhei como se
procurasse algo ou alguém que desconhecia.
Cheguei a uma casa que muito me
chamou atenção. De fora escutava vozes,
risos, como se estivesse ali, ocorrendo uma
festa, uma celebração.
Fui-me aproximando; caminhei
entre eles sem que ninguém me notasse,
embora eu percebesse tudo que ali acontecia.
Alguns
bebiam,
outros
palestravam
animadamente; mais adiante, um grupo
dançava envolvido pela música, que soava a
toda altura... Eu não os conhecia, nem sabia o
que estavam fazendo ali, muito menos onde
eu estava! Nunca havia visto aquele lugar,
nem aquelas pessoas e tudo ali me era
totalmente estranho.
[226]
Experiências de um Leigo
O trabalho na mesa evangélica se
desenrolava e eu não havia perdido a noção
do que ali, fisicamente acontecia como se
estivesse em dois lugares ao mesmo tempo.
Obedecia aos comandos de
incorporação e elevação; quem ali me visse
não poderia imaginar o que naqueles minutos
tão dramaticamente longos, eu vivia.
Mentalmente,
desejava
que
alguém
interrompesse aquele processo, que alguém
me despertasse daquele pesadelo, pois para
mim era o que eu vivia.
Entre aqueles que se divertiam
naquela festa, muitas pessoas chamaram a
minha atenção. Eu não sabia o porquê disso,
mas parecia conhecê-los de há muito tempo.
Certo ar de familiaridade e alegria invadiu-me
por alguns instantes, fazendo-me esquecer de
que estava tendo um pesadelo...
Senti prazer de estar entre eles,
muito embora alguns estivessem altamente
embriagados. Naquele momento, não sentia
medo, mas um grande sentimento que não
saberia definir por todos que ali se achavam.
Em dado momento, fui deixando
aquele lugar, caminhando novamente para a
rua, voltando a visualizar aquelas casinhas
[227]
Experiências de um Leigo
espremidas, mal encaixadas umas nas outras
e em várias direções, sem nenhum critério
definido.
Nesta saída ainda notei que um
verde escuro circulava toda aquela região.
Serras enormes se erguiam como a vigiar,
como um guardião noturno, a zelar por seus
habitantes. No céu, a lua desfilava cercada por
um coroa de estrelas a protegê-la. Nuvens
esparsas se deslocavam vagarosamente,
também acompanhando aquele cortejo real.
Tudo parecia ter mais vida, mais cor, como se
meu pequeno cérebro, estivesse aumentado,
passado do pesadelo para o sonho, e minha
compreensão, meus sentimentos e minha
razão também aumentassem em milhões de
vezes. Naquele momento aquela sensação era
muito boa e agradável.
Contudo retornei ao físico
bruscamente, como se estivesse dormido e
perdido a sensação do tempo. Acordei
assustado sem saber exatamente onde
estava, escutando a sineta do comandante,
que indicava o término das incorporações.
De olhos abertos, plenamente
consciente,
tentava
colocar
alguma
coordenação no que se passara, o que era
[228]
Experiências de um Leigo
impossível para mim naquele momento.
Medo e dúvidas se misturavam num gosto
amargo, gerando perguntas que me
agoniavam intensamente. Em contrapartida
uma sensação muito boa que não sabia
avaliar.
Passei a mão na testa, respirei
fundo e esperei o passe magnético, que me
tirou as impregnações dos espíritos que eu
havia incorporado, mas não me aliviou o
coração, pesaroso diante daquela situação.
Com muito custo esperei o
término do trabalho, e, cambaleante, senteime em frente ao quadro de Tiãozinho. Eu
fechei os olhos e em um segundo, uma
torrente de lágrimas rolava em minha face. Eu
escondia, logicamente, para não causar
preocupação e passar vexame.
Parecia que algo dentro de mim
sabia o que estava por vir, uma espécie de
premonição agia em meu inconsciente, sem
que me desse a menor noção dos
acontecimentos, varrendo minha alma,
provocando estranhas reações, sensações que
não compreendia e me faziam realmente
acreditar estar completa e definitivamente
desequilibrado...
[229]
Experiências de um Leigo
Num misto de prece e desespero,
tentei elevar meus pensamentos a Jesus, ao
Pai Seta Branca, implorando que me
ajudassem a entender o que estava
acontecendo comigo. De olhos fechados,
certamente avermelhados pelas lágrimas,
uma enorme distância se preenchia de um
silêncio e escuridão sem respostas.
Esperei mais alguns minutos e
nada. Foram em vão meus pedidos. Então fui
vagarosamente me levantando, deixando o
templo, procurando, a todo custo, ocultar o
que estava sentindo, escondendo o rosto,
para que ninguém percebesse que estava
acontecendo
alguma
coisa,
inclusive
poupando-me de explicações que eu não
gostaria de dar...
Fui pensando em Pai Ananias, o
inimigo que conversava comigo, Quem sabe
ele não era a resposta, a explicação para o
que comigo ocorrera? Entretanto, também
ele desaparecera, pois fazia muito tempo que
não o via.
Realmente, ninguém poderia me
ajudar, me entender, porque não se tratava
somente das visões, mas do que elas
causavam em mim: angústias, preocupações,
[230]
Experiências de um Leigo
medo, e, certamente, se fossem coisa boa, as
sensações seriam outras. Então só podia ser
algo muito ruim, pois era assim que me
deixavam.
Eu simplesmente não sabia
analisar o que estava vivendo. Era como se
corresse num labirinto de dúvidas, e, que
agora, ameaçavam até as certezas que eu
possuía. A essa altura pensei em abandonar o
Vale do Amanhecer, porque do contrário, iria
ficar louco.
Esse negócio de mediunidade é
coisa muito séria, muito perigosa, e não tenho
conhecimento e nem preparo para viver isso.
Porém, ao mesmo tempo uma brisa suave
tocava o meu coração, dizendo que a coisa
não funcionava como eu pensava e não era
tão feia como eu pintava.
Então uma certeza absoluta me
impulsionava a um raciocínio coerente e
lógico, me pondo de novo em pé. Afinal de
contas eu era médium e isso eram os
fenômenos da mediunidade. O que está
errado? Mas e o que sinto? Como administrar
e conviver com isso? Mil perguntas sem
respostas me davam a certeza da loucura
próxima.
[231]
Experiências de um Leigo
Do lugar em que estava sentado
no templo, até o restaurante do Vale eram
alguns metros. No entanto para mim se fazia
uma distância indescritível. Um cansaço muito
grande se abatera sobre mim, fazendo com
que eu sentisse dificuldade em caminhar, mal
conseguindo chegar ao lugar do nosso
sagrado cafezinho.
Tamanha era minha abstração que
não reconheci ninguém quando lá cheguei,
apesar do grande movimento da quarta-feira.
Sentado, me pus a pensar em tudo que vivia.
Não sei por quanto tempo fiquei ali, sentado
como a olhar o nada e o pensamento e
chamas, até que Sonia e Batista me
encontraram.
Notando o meu abatimento,
foram logo me perguntando o que tinha
acontecido. Contei-lhes tudo o que se
desenrolara, detalhe por detalhe. Eles se
agitaram mais que de costume. Acho que era
a minha careta.
Sonia
chamou-me
atenção
dizendo que aquilo era fantástico, era
maravilhoso, e não entendia o porquê de me
comportar daquele jeito, interrogando-me se
[232]
Experiências de um Leigo
não era assim que também acontecia com Tia
Neiva.
- Sim. – sei lá...
Respondi a ela com desânimo e
desprezo. E confidenciei:
- Mas não entendo por que essas
visões me causam tantas preocupações e
angústias? Eu não tenho resposta para nada,
nem a razão disso tudo estar acontecendo
comigo. Só sei que vivo algo obrigado e nunca
desejei nada disso. Lágrimas escorreram pela
minha face e diria que elas vinham de uma
caldeira.
Batista olhava-me desconfiado e
preocupado. Seu ar era daquela desconfiança
prudente e sadia. Era o nosso doutrinador e
muito bem preparado; sua razão e
ponderação davam-lhe um bom senso que
poucos possuíam. Era novo nessa época, mas
parecia ser mais maduro.
Balancei
a
cabeça
afirmativamente e disse:
- Acho que vou deixar a Doutrina
por um tempo antes que fique louco.
Sonia e Batista balançaram a
cabeça
negativamente
imediatamente.
Minutos depois chegaram Adriana e Tavares,
[233]
Experiências de um Leigo
ambos muito sorridentes, e aquela sintonia foi
quebrada.
Nessa época Tavares se afastou
um pouco da nossa convivência, pois suas
responsabilidades doutrinárias absorviam-lhes
todo o tempo. Eu e Adriana estávamos
namorando, e em breve estaríamos noivos.
Ficamos ali por mais alguns
minutos. Batista e Sonia foram trabalhar;
Tavares se despediu, dizendo aparecer em
breve. Contei para Adriana o que me
ocorrera. Em poucos minutos andávamos
pelas ruas do Vale, rumo a Estrela Candente.
Mais calmo, desvencilhei-me daquela
sintonia, chegando mesmo a esquecer o que
vira naquela noite. Horas mais tarde,
voltávamos para casa...
[234]
Experiências de um Leigo
QUANTO MAIS SE REZA, MAIS
ASSOMBRAÇÃO APARECE
Meus filho, tens paciência. A calma é a mãe da
serenidade e do equilíbrio. Tempo virá que a ti serão
esclarecidas todas as suas dúvidas. Caminha e busca ter
confiança em ti mesmo. Verás que a dor não é tua inimiga
e sim, tua companheira a te conduzir pelos caminhos do
burilamento e da perfeição. Agora descansas o teu
espírito e traga a tua alma a tranquilidade que ela precisa,
para ir compondo ao longo da tua estrada, essa doce
poesia universal. Saiba compreender a tua missão, pois,
desta compreensão, nascerá o teu sacerdócio humano e
vívido, edificado pelas tuas dores e experiências colhidas
no caminho da tua evolução. Pai Ananias da Cachoeira
O dia tinha sido muito corrido. Na
escola o clima estava um pouco tenso e isso
nos colocava em situação incômoda e
insegura quanto ao trabalho diário. Além
disso, eu já chegava ao meu limite com
relação às visões. Elas chegaram ao meu
trabalho físico e começava a me trazer
complicações.
Nessa época eu era diretor
administrativo de uma escola de primeiro
grau que funcionava os três turnos. O que eu
fazia? Tudo: desde abrir as salas, até a folha
de pagamento de mais de quatrocentos
funcionários. Mas me virava. O salário valia a
troca naquele momento: o juízo pelo
dinheiro...
[235]
Experiências de um Leigo
Após problemas de toda ordem,
naquele dia, despedi-me da minha turma de
amigos funcionários e me dirigi para casa.
Saindo ali, fui tomado pelos pensamentos de
sempre. A minha mediunidade. Então ia
pensando:
Assim como os suvenires não me
protegeram, a prisão que eu assumira não
resolvera, o trabalho na Estrela Candente
também não, o que mais poderia fazer? Os
carros quebrados, os cavaleiros, aquela cidade
que eu vira, dias atrás na mesa evangélica era
a prova real das minhas contradições e dos
meus desequilíbrios, que agora, não vinham
mais das dúvidas e das visões, mas da minha
teimosia e do meu despreparo.
Eu estava num desajuste completo
e já me entregando ao desespero. Sim, tudo
que eu sabia que podia me ajudar não dava
certo. Eu estava, definitivamente, sem
escolha...
Ao final da jornada daquele dia,
resolvi passar na casa de Sonia e Batista, para
tomar um café e conversarmos um pouco,
afinal somente eles dois sabiam de tudo isso,
de toda essa loucura que eu vivia.
[236]
Experiências de um Leigo
Seria bom para me desfazer
também das tensões daquele dia tão
exaustivo. Entretanto, quando lá cheguei, o
quadro era bem diferente do que eu esperava
encontrar. Parecia que quanto mais eu rezava
mais assombração me aparecia. Ela e Batista
estavam desesperados. O irmão dele havia
passado lá e saiu para à casa da ex-mulher,
em estado de ira, de possessão, prometendo
matá-la a qualquer custo. Separados, ela vivia
com outro homem e ele não aceitara ainda
aquela situação.
Senti um frio na coluna quando
Batista me disse que ele havia bebido e estava
armado. Então pela primeira vez pedi a Pai
Ananias que me ajudasse a evitar aquele
provável assassinato. Imediatamente fechei
os olhos e tentei imaginar onde ele podia
estar, que caminho ele havia percorrido.
Não tivemos dúvidas: chamei
Batista e disse que tinha visto ele. Pegamos o
carro, em direção à quadra dois, pois era ali
que ela morava. Entretanto, aquela parte da
cidade é muito grande e cheia de ruas, sendo
a maior quadra de casas de Sobradinho.
Como encontrá-lo? Era, de fato,
uma missão difícil. Então me guiei mais pela
[237]
Experiências de um Leigo
minha intuição e o desejo de encontrá-lo do
que por qualquer outra coisa. De fato eu o
tinha visto. Ele andava rapidamente por uma
rua um pouco larga, mas eu não acreditava
em mim...
Eu dirigia o carro sem prestar
muita atenção no percurso, e sim olhando,
tentando identificar a rua que tinha visto.
Meu pensamento estava em Pai Ananias.
Entrávamos e saíamos ‘costurando’ becos e
ruas. Quando olhei adiante, estava na rua que
há poucos minutos eu tinha visto por outra
visão: a espiritual. Caminhamos lentamente
por ela.
A cada minuto que andávamos,
mais ficávamos nervosos e agitados,
especialmente Batista. Em dado momento, já
sem esperanças e movido pelo desespero,
pedi a Pai Ananias que se ele fosse mesmo um
iluminado, que se quisesse mesmo me ajudar,
que me desse uma prova naquele momento;
que me intuísse, que me ajudasse a encontrálo e impedir aquela tragédia que se fazia
eminente.
Batista se mostrava muito nervoso
e inquieto. Eu dirigia e ele procurava também
por onde passávamos. Continuamos andando
[238]
Experiências de um Leigo
e fiz uma manobra voltando e entrando numa
outra ruazinha menor, quando olhamos para
frente lá estava ele, realmente possesso de
raiva. Parei o carro do lado dele e o fizemos
entrar no veículo. Então partimos dali de volta
para casa...
Essa foi uma das primeiras provas
reais que eu tive. Depois daquela experiência
eu percebi que ele não era quem eu pensava:
um obsessor. Ele era do bem, pois, havia me
ajudado naquela hora tão difícil. Em vez de
enxotá-lo, agradeci a ele por me auxiliar. Sim,
ali haveria uma provável tragédia e ele nos
ajudara a impedir tudo aquilo. Se não fosse
ele, não saberíamos o que ocorreria no fim
daquela calma tarde de janeiro.
Assim ele me preparava para
alguma coisa que eu não sabia. Tudo passou,
e depois, quando todos já estavam mais
calmos vi novamente um perfil negro, desta
vez a sorrir. Ele disse que finalmente eu
acreditara em algo que ele dizia e
rapidamente desapareceu. Foi embora, se
despedindo com um ‘salve Deus’.
[239]
Experiências de um Leigo
O INIMIGO SEMPRE VOLTA DO PASSADO
Filho, tudo nesse momento busca a reconstrução.
Trouxestes no teu planejamento um árduo caminho de
renúncias, expiação e provas. Tua missão não se dará
primeiramente no plano da construção de um caminho,
mas na reconstrução de seu carma. Viverás muitas faixas
vibratórias que compreenderam vivências passadas.
Prepara-te filho, pois os que se dizem nossos inimigos
sempre voltam do passado. Tua consciência será seu guia
e lhe mostrará os limites e fronteiras daquilo que podes e
daquilo que não deves fazer. Aceita a tua vida, pois essa é
a tua condição e trabalha na lei de auxílio. Somente ela
poderá mudar o teu destino e levá-lo à alta magia para ali
receber os bônus do recartilhamento31.
Pai Ananias das Cachoeiras.
Depois do episódio da cidade e do
acontecido com o irmão de Batista, a
experiência fora do corpo, eu comecei a crer
que aquilo poderia ser verdade. Quase não
tinha dúvidas sobre ele ser um obsessor.
Entretanto, não me sentia cem por cento
seguro dessa ideia. Sentia-me caminhando
num fio de arame e a qualquer hora podia cair
nos velhos padrões.
Comecei a pensar que se ele
quisesse somente o meu mal, não teria me
ajudado daquela forma, salvando duas vidas,
por que se o que se desenhava naquela tarde
31
Ter sua faixa cármica atenuada ou mesmo modificada devido ao bônus obtidos na lei de
auxílio.
[240]
Experiências de um Leigo
fosse realmente levado a cabo, também o
irmão de Batista perderia sua encarnação.
Sim, ele não era do mal e disso eu
tinha agora quase certeza. Principalmente,
porque agora eu sentia até certa saudade de
Pai Ananias. É bem verdade que todo aquele
processo estava me deixando louco, mas eu
começava a perceber que quando ele
aparecia, o meu estado interior se acalmava.
Ele não demonstrava nenhuma
atitude de zombaria ou outro sentimento
semelhante com relação a mim. Contudo, as
visões não paravam. Coisas estranhas
aconteciam
constantemente
comigo,
fenômenos que eu não sabia explicar me
colocavam intrigado comigo mesmo.
Certo dia, numa segunda-feira, eu
estava na escola trabalhando. A diretora
mandou me chamar porque precisava de
todas as chaves do armário e mandou que as
pegasse, afinal de contas eu era o responsável
por elas. Saí confiante de encontrá-las em
minha gaveta. Entretanto quando procurei,
não estavam.
Fiquei apavorado, pois minha
amizade com ela não era das melhores e nos
últimos dias estava de mal a pior. Aquilo seria
[241]
Experiências de um Leigo
mais um motivo para que ela justificasse as
suas opiniões a meu respeito.
Eu não era querido por ela e pela
sua irmã, que juntas administravam,
mandavam na escola e não era nada
interessante para mim, ser advertido por elas.
Fiquei nervoso e abaixei a cabeça,
pensando onde poderiam estar aquelas
chaves, onde poderia eu tê-las guardado.
Lembrei então do último dia, quando o
porteiro me pediu por um motivo qualquer.
Saí apressadamente em busca
dele, na ânsia da chave, mas para meu
desencanto, ele disse que me entregara,
informando que eu estava sentado no meu
birô e ele colocou o chaveiro com todas as
chaves em cima da minha mesa. Não discuti
com ele por não lembrar. Aqueles dias
estavam muito confusos para mim, devido a
tantos fenômenos em minha mediunidade.
Pensei que poderia ter esquecido em algum
lugar.
Voltei à minha mesa, sentando no
meu lugar, tentando com alvoroço descobrir,
a qualquer custo, onde estavam as chaves.
Minha correria, no entanto, foi em vão. No
afã do momento, fechei os olhos e
[242]
Experiências de um Leigo
instantaneamente, como que num lampejo,
me veio uma blusa esverdeada na mente,
pendurada num prego na parede ao lado de
uns armários velhos.
Dentro do bolso dessa blusa,
avistei as chaves. Foi então que
impensadamente, saí correndo em busca do
agasalho. Cheguei até a sala de apoio, onde
ficava a diretora e sua irmã. De longe avistei o
casaco e disse à diretora que estavam no
bolso daquela roupa. Ela me olhou surpresa,
dizendo que o casaco era seu, e certamente lá
não estariam as chaves.
Pedi licença para olhar ela
concordou. Quando enfiei a mão dentro do
bolso, lá estavam as chaves. Sorri aliviado e
sem entender como as chaves forma parar
naquele lugar. Ela sem graça se justificava
dizendo que alguém colocara as chaves lá sem
que ela soubesse. Eu não disse nada e saí. Só
vi o perfil de Pai Ananias, sorrindo e dizendo:
- Vosmicê está aprendendo
rápido, filho!
Só depois, de volta a minha mesa
é que fui conseguir analisar o que tinha feito.
Se as chaves não estivessem lá, eu estaria frito
e minha cabeça iria a prêmio. Voltei dias
[243]
Experiências de um Leigo
depois a conversar com Álvaro, o porteiro,
que me confirmou que as chaves não me
foram entregues, que a diretora havia lhe
pedido as chaves minutos depois que eu lhe
entregara. E na confusão em que caminhava
minha vida eu colhia mais essa lição...
Soube depois que ela era uma
cobradora minha dos tempos do Engenho
Velho. Era uma velha escrava por nome de
Madalena e a fiz sofrer pelo meu
temperamento e ignorância. Ela mais tarde
tramou a minha demissão e conseguiu,
colocando outra irmã no meu lugar.
[244]
Experiências de um Leigo
DEVES ACREDITAR EM TI
Meu filho, até onde poderá ir a tua intransigência? Temes
a ti mesmo, como uma criança indócil teme a própria
ingenuidade e as incertezas do amanhã que lhe traduz
medos e inseguranças. Aonde poderá ir sem confiança e
segurança em ti mesmo? Não entregues aos outros a
força de sentenciá-lo aos desequilíbrios. Acredite em si
mesmo. A verdade somente poderá ser vivida por ti e não
será compartilhada por que simplesmente fala das tuas
experiências. Ninguém compreenderá da maneira que
desejas. Então filho, quem poderá te ajudar? Ninguém, a
não ser o teu acreditar. As tuas dúvidas são somente
reflexos dos teus medos e da sua negação. Assim que
deixares de negar a verdade, encontrarás nela o teu
equilíbrio. Pai Ananias das Cachoeiras.
Alguns meses se passaram e agora
eu me sentia muito mais seguro. Depois do
ocorrido com o irmão de Batista e de fatos
como aquele que se sucederam ao longo dos
dias, minha relação com Pai Ananias mudou
de forma extraordinária.
Salve Deus mestres, tudo nos
acontece quando estamos acessíveis e, entre
nós, agora já existia um diálogo, por mais
precário que fosse, porque eu ainda não
aceitava nada com facilidade.
As tentativas continuavam e as
visões permaneciam. Eu estava mais confiante
em minhas intuições e os acontecimentos
[245]
Experiências de um Leigo
diários me ensinavam a não duvidar mais do
que via ou percebia.
Pai Ananias, a cada dia que
passava, buscava se aproximar cada vez mais
de mim. Era raro o dia em que não
conversávamos,
pois
após
aquele
acontecimento, ele tomou um novo
significado em minha vida.
Aos poucos eu começava a gostar
dele. É bem verdade que foi difícil, mas ele
estava conseguindo me convencer. Quando
não nos víamos uma leve saudade batia no
meu coração.
Eu procurava a todo custo, saber
dele o motivo de toda aquela assistência e
isso ainda me desarmonizava em grande
escala. Porém, quando penetrávamos nesse
assunto, ele desconversava e me pedia
paciência. Eu, entretanto não via o motivo de
toda aquela movimentação, principalmente
dele.
Aflito e cansado de tudo aquilo,
afinal eu não via o porquê daqueles
fenômenos, me dei por desequilibrado. Disse[246]
Experiências de um Leigo
lhe que não acreditaria mais em ninguém,
nem nele, nem mesmo em mim. Aquilo não
era justo comigo, afinal de contas eu é que
ficava desarmonizado e cheio de dúvidas.
Portanto o prejuízo era meu e não dele. Era
preciso que eu soubesse o motivo de todas
aquelas aparições, ou não queria mais saber
daquilo.
De fato depois dessa discussão, ou
melhor, depois que eu briguei com ele, passei
uma semana sem vê-lo.
Foi mais ou menos nesse clima
que eu, na Quarta-feira cheguei ao Vale cedo,
decidido a por fim em tudo aquilo que eu
vivera. Ao entrar no templo, senti a mesma
sensação estranha, igual às outras vezes.
Faltava-me sintonia, e eu não conseguia me
concentrar num trabalho sequer. Parecia que
eu não pertencia mais aquele lugar. Tudo me
era estranho e era como se eu tivesse sido
desligado de tudo ali.
Não dei importância. Comecei a
trabalhar independentemente do meu estado.
Trabalhei sem cessar até o final daquela noite.
Saía de um setor e corria para o outro. Assim
foi a mesa evangélica, a indução, a linha de
passe, a cura, a junção, tronos, enfim.
[247]
Experiências de um Leigo
Cheguei ao término do trabalho
oficial e já me sentia mais aliviado. Fui até o
Pai Seta Branca e, em prece, lhe pedi que me
ajudasse, que me auxiliasse em buscar uma
resposta para tudo aquilo que eu vivia. Nessa
noite voltei para casa mais aliviado e pensei
que Pai Ananias tinha desistido de mim.
provavelmente se cansara e enfim, tudo
aquilo tinha passado...
Só voltei ao Vale uma semana
depois. Entrei no templo e me sentia normal,
como sempre fora antes. Sim, graças a Deus
tudo passara. Pai Ananias me causava
saudades, mas eu estava melhor sem ele. Mal
percebia eu que de minuto em minuto seu
nome me passava pela mente.
Era impressionante a nossa
ligação. Eu sentia saudades daquele agora,
amigo, que eu tinha, mas com certeza era
assim que eu queria ficar...
Dirigi-me ao trabalho de mesa
evangélica. No começo do trabalho, já
sentado para incorporar, senti a mesma
pressão nos meus chacras. As visões então,
para minha tristeza-alegre, começaram de
novo. Desta vez era um templo. Via a cidade
das casas velhas, ruas estreitas, pessoas...
[248]
Experiências de um Leigo
Tudo como antes. Mas agora também havia
um templo.
Desarmonizei-me. Fiquei com
raiva e desejava que aquilo fosse embora,
pois não me fazia bem. Já que eu não podia
saber a razão, pois que não vivesse nada
daquilo. Ao final do trabalho, novamente me
surge o perfil de Pai Ananias, mudo silencioso.
Suas feições tinham um ar de tristeza. Ele
estava em silêncio, mas me transmitia todas
as mensagens através de pensamentos e
sentimentos. Era sempre assim que
conversávamos: pelo silêncio. Seu semblante
desta vez demorou mais do que de costume.
Saí da mesa meio tonto. Fui para o
Castelo do Silêncio32. Era estranho o que
sentia. Sentei-me numa atitude que não era
normal. Minhas mãos gelavam e meu coração
batia numa velocidade anormal. Uma ânsia e
32
O Castelo do Silêncio é onde se concentra grande energia cósmica - prana (*) -, que vai
reforçar o plexo do médium, dando-lhe condições plenas para o trabalho. Ali agem, também,
poderosas forças desobsessivas que limpam a aura do médium para que ele se harmonize e
se equilibre. É um verdadeiro banho de energia que o médium recebe e, por isso, deve estar
em perfeita sintonia com seus Mentores, buscando sua paz interior. Ao entrar no Castelo do
Silêncio, o médium se anodiza servindo-se do sal e do perfume. Vai sentar e faz sua
mentalização, dizendo mentalmente: “SENHOR: FAZE DE MIM SEGUNDO A TUA SANTA
VONTADE!”. Busca sua intuição para os trabalhos que pretenda realizar, permanecendo ali
por, no mínimo, três minutos. Pela Lei, naquele recinto não é permitido a ninguém fazer
preleções, chamadas ou mesmo dizer o que o médium deve fazer, exceto na concentração
das ninfas que vão incorporar o Pai Seta Branca no dia da Bênção no Templo-Mãe, ocasião
em que uma rápida explicação e preparação para o cortejo ali é feita. Ali se faz, também, a
concentração para a formação da Cruz do Caminho, dentro do maior silêncio e harmonia, e
dali partem o ritual do Oráculo e as missionárias que irão receber os mestres e ninfas que
chegam da Estrela Candente para entregar a energia. Neste Castelo pode entrar alguém que
esteja sem uniforme ou indumentária, mas que deseje o seu silêncio.
[249]
Experiências de um Leigo
enjoo se apoderaram de mim. A noção de
onde estava fisicamente foi ficando cada vez
mais vaga...
Não sentia meu corpo nem meus
pés no chão. Se estivesse em pé, certamente
cairia. Alguma força estranha me fazia dormir.
Relutei como pude, mas era inútil. Aquilo era
mais forte do que eu.
Saía e voltava do corpo num
movimento estranho. Hora dava uns passos
ao redor de mim e via um fino cordão de cor
prateada. Ele me parecia esticar e encolher
dependendo da minha distância, ou melhor,
da distância referencial do meu corpo.
Estranhei por ele sair por cima da minha
cabeça. Afastei-me um pouco do corpo físico
e caminhei até do outro lado. Aquele cordão
me acompanhou e estava preso a mim.
Lembrei de criança quando soltava pipas e
que a mantinha por fina linha que me dava
sobre ela, todo o controle.
Era muito ruim aquela sensação,
mas absorvido aquela nova experiência me
esqueci por completo do que ocorrera
anteriormente e pus-me a me divertir como
uma criança que recebe um brinquedo novo.
Sentia muito medo, mas arriscava-me, pois
[250]
Experiências de um Leigo
guardava comigo um dizer meu pai: Medo é
manha e corremos o risco de morrer e não
saber de que morremos. Assim, enfrentava-o
como um guerreiro luta para vencer um
inimigo.
Meus pensamentos se apegaram a
Jesus e lhe pedi que me ajudasse, que me
protegesse e que tudo ocorresse segundo sua
santa vontade. Não sei quanto tempo passei
naquele estado e só voltei a mim quando me
vi com a cabeça recostada na parede em que
apoiava o meu corpo. Lembro-me que em
dados momentos via a imagem de Pai
Ananias. Ele me dava segurança e
tranquilidade.
Mais ou menos refeito, caminhei
para fora do templo. Queria respirar o ar
puro; recostei-me ao muro do Turigano
procurando esquecer o que tinha se passado.
Ainda estava me sentindo fraco. Acho que
gastei minhas energias naquela brincadeira.
Mestres iam e vinham sem cessar,
quando de longe avistei meu adjunto:
Guilherme. Conversamos alguns minutos e eu
por alto lhe contei o que estava acontecendo.
Ele sorriu:
[251]
Experiências de um Leigo
- Isso são obsessores mestre. Faça
uma Estrela Candente...
Sempre a mesma conversa,
pensei. Esse povo aqui só acredita em coisa
ruim... Obsidiados são eles.
Na minha insegurança me corrigi
imediatamente: Mas ele pode estar certo. Ele
é um Adjunto Arcano33, deve saber o que diz...
Mas eu estava mais seguro. No
final das contas, aceitei a sua opinião mais por
respeito do que por convicção. Um obsessor
não me transmitiria o que aquele espírito me
passava...
Voltei ao templo sem saber aonde
ir. Tentei buscar a cura, mas minha sintonia
sempre me puxava para a mesa evangélica.
Fiquei ali sem participar do trabalho. Sentado
na parte evangélica, somente buscava entrar
num estado de prece. Novamente o perfil de
Pai Ananias se fez presente:
- Filho salve Deus. Por que não
acreditas? Começas a acreditar em ti filho.
33
Quando Tia Neiva foi preparada na Alta Magia, foi levada por Humarran ao Oráculo de
Simiromba e ali recebeu o direito de trazer a Estrela Candente e de formar os Trinos, que
seriam os representantes das nossas Raízes, o que se seguiu da ordem superior para fazer os
Adjuntos. A formação de Adjuntos Koatay 108 (atualmente Arcanos) foi feita para
estabelecer uma hierarquia dentro da Corrente, um elo de sustentação das forças, cada um
recebendo sua consagração que o ligou a um Ministro. Passou, assim, a se constituir no
poder básico da Corrente do Amanhecer, sendo seus componentes integrados pelos
médiuns - Doutrinadores e Aparás - que a ele devem filiar-se após o Curso de Pré-Centúria.
[252]
Experiências de um Leigo
Isso lhe fará muito bem. Saiba que somente
desejo o seu bem e junto de ti desenvolvo um
trabalho que te preparará para dias futuros.
Veja, ainda hoje escutarás o nome de uma
cidade que não te será estranha num breve
futuro.
Jesus te abençoe e te ilumine.
Salve Deus. Antes de ir confessei-lhe que
havia duvidado deles novamente. Pedi perdão
e ele se foi.
Aquela visão se desfez. Fiquei
cismado e decepcionado comigo mesmo.
Desse dia em diante jurei que nunca mais
duvidaria dele e ficaria acessível às vontades
dos espíritos. Pedi a Jesus proteção, encerrei
meu trabalho e fui esperar minha carona, pois
estava sem carro nessa época.
Saímos tarde da noite. Era sempre
assim. Muitas foram as vezes em que
cruzávamos as estradas que ligam o Vale a
Sobradinho às três horas da madrugada.
Nessa noite estava só, ausente de Batista e
Sonia. Fato raro.
Vínhamos
quatro
pessoas.
Encostado no vidro lateral do carro, estava
com o rosto virado para a noite que se fazia
densa. Aquela escuridão corria ao meu lado e
[253]
Experiências de um Leigo
eu não a percebia mergulhado em meus
pensamentos que iam longe. Estava junto a
mim Raimundo um amigo e mestre que
depois de algum tempo veio para o nordeste.
Imaginava quem seria Pai Ananias.
De onde ele vinha e a pergunta que há muito
tempo me desarmonizava: a razão de tudo
aquilo. Vinha tão envolvido em meus
pensamentos que não percebia a conversa
animada de meus companheiros, a respeito
do trabalho e das coisas espirituais.
Cheguei ao meu destino e até
esquecera do que me dissera Pai Ananias, na
cidade da qual eu ouviria falar. Quando parou
o carro, um dos rapazes que vinha conosco
virou para o motorista e sem pestanejar,
respondeu a pergunta que lhe tinha sido feita.
Ele era natural de Jaguaribe, no Ceará.
No mesmo segundo lembrei-me
do que me dissera Pai Ananias. Aquilo me
entrou como flecha na mente e eu fiquei feliz.
Sim, eu não tinha como duvidar de tudo que
acontecia; era mesmo físico e palpável. Eu
não tinha mais como duvidar, entretanto,
depois desse dia ainda procurei vários
mestres da alta hierarquia do Vale, e todos
me diziam a mesma coisa: ele era um
[254]
Experiências de um Leigo
obsessor, um cobrador que eu havia adquirido
em outras vidas e que vinha fazer sua
cobrança. No entanto, só eu sabia o que
acontecia quando ele chegava.
[255]
Experiências de um Leigo
PROJEÇÃO DA IMAGEM
Depois de todo o processo pelo
qual eu passara, enfim, estava mais seguro.
Sim, eu não duvidava mais de Pai Ananias e
quase todos os dias conversávamos.
Já conseguia deixar o corpo, me
transportar a um lugar e ali conversávamos.
Um ambiente por ele preparado e ionizado na
ideia de me proporcionar segurança e
conforto. Daquela paisagem recebi as ricas
lições e grande aprendizado de Pai Ananias.
Ali escutei a doce melodia universal recitada
por ele.
É lógico que eu ainda estava
resistente, entretanto era bem menor minha
relutância. Comecei então a me acalmar e
pude melhor perceber todas as coisas que
estavam circulando em volta de mim. Mais
sensato e equilibrado podia agora avaliar
melhor todas as questões.
Percebi
que
estava
num
desenvolvimento sem que ele me informasse
disso. Eu já me transportava e às vezes me
desdobrava teleguiado, pois precisava
dominar as técnicas e não conseguia ainda.
[256]
Experiências de um Leigo
Precisava de auxílio; seria como se eu viajasse
num carro alugado, esse veículo, era o
amparo de Pai Ananias ou de um Cavaleiro
Verde Especial, espíritos que vivem nas
legiões celestes que sempre estavam a me
acompanhar para todos os lugares que ia. Ele
permanecia sempre à distância, como um
guardião atento a tudo.
Já conseguia fazer algumas
viagens em desdobramento, mas me faltavam
os recursos do períspirito que me colocariam
na outra dimensão em estado completo,
corpo, mente, alma e espírito. Essa técnica era
mais difícil e dolorosa pelas sensações
desagradáveis que me provocava. Saía muitas
vezes do corpo físico e andava por perto de
mim mesmo. Via com muita dificuldade sem
poder distinguir um plano do outro. As coisas
e pessoas eram obscuras e deformadas. O
meu psíquico ainda estava no comando das
atividades do meu sistema nervoso central.
Precisaria resolver questões internas e para
isso deveria visitar a minha região
subconsciente.
Toda a atividade de Pai Ananias se
resumia em duas intenções claras: a primeira
em me fazer acreditar em mim mesmo e a
[257]
Experiências de um Leigo
segunda em fazer com que eu me
interessasse por sair do corpo, fosse em
transporte ou em desdobramento.
Tive dificuldade em aceitar isso
pelas
sensações
que
eram
muito
desagradáveis. Eu tinha indisposição àquilo
tudo, por me obrigar sem que eu quisesse ou
permitisse. Esse era um sério empecilho a
tudo: a minha forma de ser.
Naquela tarde senti fortes
sensações que me atacavam as têmporas.
Aquele era o sinal que algo iria ou podia vir a
acontecer
espiritualmente.
Novamente
aquelas mesmas sensações ruins e
incômodas, que iam aumentando até eu
conseguir deixar o corpo ou me livrar daquele
enroscado e emaranhado de providências.
Senti-me fora do corpo e estava
numa sala, numa dependência que era vazia,
ausente de mobília. Uma porta estava às
minhas costas, por onde havia entrado e
outra, alguns metros à frente excitava-me a
abri-la. Caminhei até lá e o fiz. Um corredor
imenso e bastante escuro, mais negro que as
noites sem luar aqui na terra. Um breu. Pensei
que ali deveriam ser as trevas...
[258]
Experiências de um Leigo
Não tive coragem de atravessá-lo.
Mas usei intuitivamente a minha visão. Ela
penetrou por aquele corredor, caminhou
passo a passo por aqueles espaços sem que
eu movesse o corpo. Aquela dependência
parecia bastante extensa e ao final dela três
degraus se arrumavam. Acima deles uma
porta de ferro, fechada com dois grandes
cadeados. Recolhi a minha visão e voltei.
Sim, aos poucos eu estava
descobrindo os meus recursos. Eles vinham
intuitivamente e eu parecia ser velho naquela
arte, pois, dominava sem muita dificuldade.
Retornei ao corpo físico e continuei a minha
leitura: A Vingança do Judeu.
Chegamos naquela noite ao Vale
do Amanhecer, em dia normal, quando seguia
o Trabalho Oficial. As obrigações mediúnicas
naquele dia eram intensas e as curas
desobsessivas se processavam dentro de um
quadro de amor e caridade, como desejavam
os nossos mentores.
Sim, Tia Neiva sustentava todo
aquele poder e as curas se faziam sempre aos
nossos olhos. Os pacientes chegavam em
busca de ajuda espiritual, em busca de alívio
para suas dores. Eles eram muitos, em dúzias
[259]
Experiências de um Leigo
que não podíamos contá-los. Esse era o
quadro daquele dia...
Tocou o sino chamando os
mestres, para a realização de uma mesa
evangélica. Dirigi-me então para o local
daquele trabalho. Fizemos a fila. Um a um, o
comandante foi indicando o lugar de se
sentar.
Eu me sentei, preparado para
incorporar os nossos irmãos desencarnados,
que necessitavam de ectoplasma humano. Foi
nesse momento que comecei um transporte
consciente, como se estivesse dividido em
duas
pessoas;
simultaneamente.
Eu
incorporava e me transportava. A essa altura
isso já não me impressionava e não me
desarmonizava como antes. Eu já tinha
adquirido certa experiência com Pai Ananias e
tinha minha segurança nessas ocasiões.
Naquele momento, algo me magnetizava,
arrancava-me do corpo como um ímã.
Fora do corpo, percebi a negritude
etérica. Era noite e a escuridão tentava
esconder um barracão à distância de mais ou
menos 100 metros até onde eu me achava.
Observei-o atentamente. Por uma janela
[260]
Experiências de um Leigo
aberta saía uma luz discreta, chamando minha
atenção.
O local era deserto e a casa, me
passava a impressão de propositadamente
escondida não sei por que motivo, por árvores
que lhe rodeavam em toda sua extensão. De
repente, a sineta da mesa tocou marcando o
encerramento da mesa...
Nesse momento perdi a sintonia
daquele transporte. Eu não tinha a
concentração exigida e qualquer coisa me
tirava do quadro que estava vendo e vivendo.
Saí dali e me dirigi para a indução, na intenção
de afastar aquilo que eu julgava ser corrente
negativa. Estava sendo atraído por forte
magnético e ele não era vindo de espíritos
bons. Imaginei ali ser um local inadequado
para mim. Então procurei me desfazer-me
daqueles pensamentos, sair daquela sintonia.
Entretanto, quando começou o
trabalho de indução, novamente o transporte
continuou. Eu estava incorporado com um
preto velho, mas o transporte acontecia
normalmente. Interessante é que eles
aconteciam imediatamente após eu ter
incorporado.
[261]
Experiências de um Leigo
Comecei então a mentalizar
aquele cavaleiro. Não sabia por que, mais ele
veio muito forte em minha mente, pela
primeira vez. Percebi imediatamente aquele
homem imenso, mas alto do que o barracão
chegando a certa distância. Com ele um vento
forte se fez.
Fiquei admirado com a rapidez,
mas é mais ou menos assim que funciona no
mundo espiritual. Quando você pensa, então
acontece. Passei então a me sentir mais
seguro. Da janela observei que lá dentro tinha
um guarda, e ele, pelo seu jeito não percebera
a nossa presença. Sim, nesse momento
percebi que estava somente projetado e não
em espírito e verdade. Por isso ele não me via.
Aquele estado era diferente do que ocorria
comumente. Estudava que em situações
perigosas era a minha imagem que estava ali
e não eu.
Pai Ananias me explicara o
processo, muito semelhante a um filme que
assistimos em casa. Os atores estão ali, e não
estão. Há somente a imagem deles. No
entanto não prejudica em nada o nosso
entendimento e era assim que eu estava. De
repente assustei-me com um barulho. Era o
[262]
Experiências de um Leigo
cavaleiro que, agitando seu chicote, produzia
silvos, e aquelas ondas de energia e som se
desprendiam da batida do chicote produzindo
efeitos que não saberia dizer. Ele estava numa
manipulação de energias...
Depois de algum tempo pude ver
que aquele casarão se encontrava na Asa
Norte, um setor de Brasília.
De repente, um grito de um
sofredor que incorporara na mesa me
assustou, fazendo com que eu retornasse ao
corpo. Há uma considerável distância da mesa
para a indução mas mesmo assim eu escutei
por que neste estado ficamos muito mais
sensíveis. Entretanto, instantes depois, aquela
corrente magnética me arrastava de novo, de
volta àquele lugar.
Aproximei-me
do
barraco
novamente, e vi que se tratava de um terreiro
de macumba. O médium estava incorporado
com um espírito de quimbanda conhecido
pela hierarquia de exu, que dava consultas a
um cliente. Havia várias estatuas, como de Zé
Pelintra, Exu Ventania e santos, como a
imagem de São Jorge, e muitos outros, que
compunham aquele ambiente macabro e
assustador...
[263]
Experiências de um Leigo
Ali estava sendo realizado um
trabalho específico, para prejudicar alguém,
que de alguma forma estava ligada àquela
pessoa objetivada pela entidade.
Aos pés de Zé Pelintra, observei
uma fotografia de mulher, junto da qual um
prato cheio de muitas coisas esquisitas
acompanhado de dois punhais cruzados.
Percebi que ninguém me notava e
somente eu tinha a noção de todos que ali se
achavam. Aproximei-me para ver a fotografia,
ver quem era, mas não consegui identificar.
Nesse clima de apreensão retornei ao corpo,
despertado pelo comandante. O trabalho de
indução havia acabado.
[264]
Experiências de um Leigo
NÚBIA, A VIDENTE
Estávamos no Vale, num dia de
muito trabalho. Sentia-me cansado, no
entanto, as obrigações com os visitantes que
ali se encontravam, davam-me forças para
cumpri-las até o último minuto do trabalho.
Nesse dia era uma maratona: muita gente e
poucos médiuns, mas trabalhávamos com boa
vontade, esperando que os mentores nos
auxiliassem na realização dos trabalhos.
Nesse clima de obediência e
respeito, experimentávamos e ganhávamos
experiências mediúnicas que nos ajudavam,
que nos ensinavam e nos realizavam, fazendonos sentir instrumentos de paz e amor...
Eu estava nos tronos incorporado
com um preto velho. Era a lei de auxílio, e ali
iria receber pessoas com diversos problemas,
de várias origens, e a responsabilidade era a
grande preocupação que sentia. Inexperiente
e aspirante à convivência daqueles que
chegavam àquele pronto socorro, sentia-me
muito inseguro, me apoiando muito no
mestre doutrinador que me acompanhava no
trabalho: Batista.
[265]
Experiências de um Leigo
A incorporação no Vale do
amanhecer é semiconsciente. Isso quer dizer
que temos consciência dos dois planos que
trabalhamos simultaneamente.
Assim trabalhávamos na lei da
caridade. Batista estava sempre atento e
perfeito como vigilante, em sua tarefa de
proteção e isso me facilitava na tarefa de
estar ali, e em outro local simultaneamente.
Naquele dia, transportei-me para
um centro espírita. Era um grande salão e eu
me encontrava dentro dele. Observei
atentamente aquele lugar desconhecido,
fixando aqueles detalhes que podiam ser
vistos.
Ali parecia ser o centro de toda
aquela construção, pois avistei um altar
erguido e bem decorado com muitas
fotografias de vários santos. Observei uma
senhora
que
ali
estava
ajoelhada,
reverenciando aquele altar, composta por um
vestido rodado todo branco. Entretanto,
chamou-me a atenção, uma fotografia que
era de uma mulher encarnada, e aquela
reverência era endereçada àquela fotografia.
Fiquei com medo de ser
reconhecido por aquela mulher, mas notei
[266]
Experiências de um Leigo
que ela não me via, que eu estava invisível aos
seus olhos. A fotografia era de alguém que eu
conhecia, e que por algum motivo eu estava
sendo atraído para aquele lugar. De volta ao
corpo, percebi que havia se passado apenas
alguns segundos. Tentei retornar, mas aquele
quadro desaparecera de minha mente, de
minha visão.
Eu nunca soube ao certo porque
estava sendo atraído para aquele lugar. Tenho
certeza que ali era um lugar abençoado, e
nada mais podia dizer. Assim fomos vivendo
nossas experiências espirituais, e tirando
delas o que necessitávamos para o
aprendizado. Salve Deus mestres, nem
sempre temos os porquês, mas sabemos que
tudo é necessário e nos enriquece no caminho
de nossa evolução; nada é em vão. Salve
Deus.
[267]
Experiências de um Leigo
VAIDADE: A PONTE PARA A HUMILHAÇÃO
Salve Deus mestres. A visão
espiritual requer do médium um real
conhecimento doutrinário e uma conduta
moral exemplar dentro daquilo que lhe é
possível, dando ao médium uma perfeita
sintonia com os mentores que lhe assistem. O
perigo da interferência é constante, tanto na
vidência
como
nos
transportes
e
desdobramentos que fazemos. Quem nos guia
nessa estrada é o nosso padrão mental, pois o
intercâmbio é desfeito num simples momento
de desarmonia.
Veja o perigo que corri quando
não estamos bem harmonizados e em
sintonia com os planos iluminados.
Eu saí do corpo aquela noite em
busca do meu mentor, Pai Ananias da
Cachoeira, que todas as noites me esperava
para ministrar os preciosos ensinamentos na
minha vida. Alguns meses já haviam se
passado e eu agora estava confiante a ponto
de não mais por em prova todas aquelas
manifestações, que antes constituíam o meu
inferno em vida. Sim, muita coisa havia
[268]
Experiências de um Leigo
acontecido e muito havia aprendido durante
todo aquele tempo.
O nosso ponto de encontro, nosso
segredo ou nossa senha estava clara e
exclusivamente no cruzamento de nossas
forças. Ele me aguardava silenciosamente
sentado num tronco embaixo de uma árvore e
ali me colocava no seu canal. Era muito
bonito: parecia um pôr-do-sol; a paisagem me
era como um bálsamo dos céus, como
somente um anjo poderia me pintar com todo
seu amor. Era um quadro muito bonito ver
aquele velho tão sábio, aquele mentor sideral,
numa atitude tão humilde. Então ali nos
entrelaçávamos numa perfeita sintonia, que
se constituía e se constitui a única porta
possível, por onde muitas e ricas lições eu
recebia e recebo até hoje.
Nesse dia saí do corpo em sua
busca. Entretanto não o avistei no lugar de
costume e nem avistei a nossa velha árvore,
que era a primeira coisa a se fazer visível
quando para lá me dirigia. Dessa vez, a minha
tão amiga paisagem não se fez presente aos
meus olhos.
Nesse momento, alguém me
abraçou e eu o reconheci. Era ele, meu
[269]
Experiências de um Leigo
querido Pai Ananias. Andamos juntos uns
vinte metros, quando percebi que se tratava
de uma mistificação. Automaticamente o
espírito se apresentou. Pulou metros à frente
e começou a zombar da minha situação.
Perplexo, fiquei sem saber como agir. Procurei
imediatamente o amparo de Pai Ananias, mas
não o encontrei em parte alguma. Ele então, o
mistificador, começou a zombar da minha
situação:
- Pensou que eu fosse Pai Ananias
não é seu palhaço?
Cuspia no chão e fazia gestos
obscenos, rindo da minha cara e xingando-me
de tudo que lhe vinha à mente.
Meu primeiro impulso foi o medo;
entretanto estava muito mais avinhado em
transportes e vidências do que antes, quando
nada conhecia; procurei por Pai Ananias e
nada avistei a não ser o escuro etérico e
aquele espírito numa dança zombeteira a meu
respeito. Tentei ainda elevar meus
pensamentos mas quando entramos no
circuito ou canal de um espírito não é fácil
sair, sobretudo quando não se trata de um
iluminado. Ele, percebendo, riu e ganhou
[270]
Experiências de um Leigo
ainda mais confiança na situação que lhe
parecia ganha.
Entretanto nem ele nem eu
esperávamos o que em seguida aconteceu.
Pai Ananias estava do meu lado, mas não se
fez visível também para me dar àquela lição, e
somente com a ajuda dele consegui sair do
canal daquele espírito.
Aprendi a rica lição daquela noite.
Sem saber, aquele espírito me ensinou o risco
que corremos quando não estamos
harmonizados com os planos de Deus, e como
somos vulneráveis quando estamos vaidosos
e orgulhosos do que somos. Na verdade, tudo
deve ser conduzido pela lei do amor.
Salve Deus mestres, cuidado na
hora de dormir. Vamos ter cuidado ao sairmos
do nosso corpo. Essa é uma das horas mais
perigosas no nosso dia. Que Jesus nos
abençoe.
[271]
Experiências de um Leigo
DE VOLTA AO MEU PASSADO
Oh! Jesus, eu sou o teu filho Jaguar, um Koatay 108 Regente Orixá lua, 5º Yurê, luz sublimação, 5ºRaio lunar
do Oriente, que me fez um herdeiro das grandes
conquistas humanas, junto ao Grande Simiromba de
Deus, meu Pai Seta Branca, teu irmão em cristo Jesus.
Venho, Jesus, na ordem dos veteranos espíritos, Ramas
que governam esse plano físico. Venho nas linhas das
raízes que compõem esse compêndio doutrinário, essa
ciência mãe, chamada Escola do Caminho, vestida na luz
deste sublime amanhecer. Venho de eras remotas
acompanhando a marcha dos milênios, o processo
evolutivo desta humanidade, incorporando em mim as
heranças de povo e povos que Deus me confiou. Hoje,
Jesus, estamos diante da nova era, a era Jaguar.
Voltamos, tivemos que voltar ungidos pelas juras e
compromissos transcendentais, vindos das mais
longínquas eras trazendo a alma oculta dos Deuses da
antiguidade dos velhos Equitumãns, Tumuchys, Jaguares.
Voltamos Jesus para recolher todas as energias
civilizatórias que construíram os caminhos que trouxeram
o homem até aqui, e para transportar todo esse
magnético animal que ainda impede o despertar do
homem-Terra, para a grandeza absoluta, do ser oculto
que ainda dorme na inconsciência de uma humanidade,
ainda sem Deus. Voltei Jesus para redimir-me... Trecho do
canto de Tio Chico
De repente comecei a sentir uma
projeção muito forte, parecida com a que
tinha ocorrido dias atrás no Vale. Busquei
formar uma sintonia com a força que me
chegava e identifiquei a presença de Pai
Ananias. Cumprimentou-me com um salve
Deus e desta vez, seu semblante demonstrava
alegria
- Filho prepare-se. Vamos passear.
- Aonde vamos meu pai?
[272]
Experiências de um Leigo
Filho, hoje é o primeiro dia em
que começarás um novo treinamento. Confie
em mim e busque um lugar onde possa se
concentrar.
Aguardei o momento em que toda
casa se aquietou. Saí do quarto e me sentei à
mesa que estava na área de serviço. Fechei a
porta, acendi as velas e o defumador.
Coloquei sobre a mesa folhas de papel e lápis.
Fechei meus olhos e fui buscando Pai Ananias
naquela frequência que eu conhecia tão bem.
Entretanto antes que ele me
falasse novamente, quadros começaram a
aparecer como num cinema. Cenas ligeiras
passavam por uma tela e tudo era muito real.
Nesse estágio eu já estava mais avinhado
nessa sintonia. Os lugares se mostravam com
mais nitidez e eu já conseguia definir rostos,
casas, lugares tudo com mais segurança.
Minha respiração se tornou mais forte e meu
coração pulsava fortemente. Graças a Deus,
desta vez assisti tudo mais calmo e obediente.
- Filho, preste atenção. Não irás
pensar em mais nada. Deixe que eu coordene
os seus pensamentos. Irás sair do corpo
comigo e iremos a uma iniciação.
[273]
Experiências de um Leigo
Obedeci às instruções e não tive
medo. Mergulhei meus pensamentos em Pai
Ananias e senti alguém perto de mim. Sim, ele
estava de pé, junto comigo. Eu não o via
nitidamente e num segundo de excitação, fiz a
chave iniciática, pronunciando três vezes
‘louvado seja nosso senhor Jesus Cristo’. Ele
repetia ao final de cada frase. Mais tranquilo,
começamos a caminhar. Tinha a impressão de
voltarmos no tempo.
Chegamos num lugar muito
bonito. Era noite e a lua resplandecia no céu
como um grande refletor iluminando tudo. O
lugar parecia uma floresta. Em forma de
círculos, eu via casas, cabanas de palha.
Pai
Ananias
vendo
minha
curiosidade, me informou que estávamos na
Cachoeira do Jaguar. Ali viveram Pai João e Pai
Zé Pedro. Eu observava atentamente tudo
que acontecia. Num certo momento, Pai
Ananias me chamou atenção para uma
cabana sem laterais, que se achava à nossa
frente. Apesar da nossa distância, notávamos
que estavam num ritual. Vi muitos pretos
velhos e uma mulher sentada num tronco
entre dois homens. Por trás a lua desfilava
parecendo que também fazia parte daquela
[274]
Experiências de um Leigo
consagração. Fiquei de olhos fixos no que
acontecia enquanto Pai Ananias me explicava:
- Veja filho, aquela mulher
sentada entre aqueles dois homens é
Natacha.
Tia Neiva? – Perguntei assustado.
Sim filho. Ela está sendo
consagrada e aqueles dois pretos velhos: Pai
João e Pai Zé Pedro. Eles estão consagrando
Neiva.
Lembrei que ela de fato havia nos
contado sobre sua consagração na Cachoeira
do Jaguar e atento a todos os detalhes, abria
também meus ouvidos para o que Pai Ananias
me dizia. Como algo fenomenal, eu assistia a
tudo; observava pessoas, gestos, roupas e o
nome das pessoas e as explicações me vinham
na mente. Eu sabia que aquilo era Pai
Ananias.
Tudo era muito bonito e nítido.
Não tinha como duvidar. Passou pela minha
mente o quadro pintado por Vilela, pintor do
Vale do Amanhecer. Ele realmente se
aproximara muito da realidade quando
pintara aquela cena.
Absorvido pelo que via não dava
importância ao que me acontecia no físico.
[275]
Experiências de um Leigo
Em dado momento vi meu corpo sentado,
mas não me assustei. As cenas eram tão reais
que não tinham diferença dos contatos aqui
da terra.
Pai
Ananias
despertou-me,
dizendo que iríamos a outro lugar. Saímos
devagarzinho. Por minha mente passavam mil
perguntas e ele, lendo meus pensamentos,
disse que depois me esclareceria naquilo que
lhe fosse possível contar. Este outro lugar era
muito diferente. Penetramos por uma sala
que nos conduziu a um salão enorme,
parecido com as velhas sinagogas.
Encaminhamo-nos para o centro. Eu fiquei de
pé; procurei Pai Ananias, mas não o vi. A certo
momento, notei uma arquibancada lotada de
índios com seus penachos coloridos e
indumentárias de várias cores e tipos. Suas
túnicas eram de uma beleza jamais vista aqui
na terra. Eles me olhavam e isso foi me
deixando acanhado. Em minha frente, sem
que eu a visse se aproximar, surgiu Tia Neiva.
Ela, percebendo meu assombro me sinalizou
que estava tudo bem. Seu aspecto era
rejuvenescido. Os cabelos muito pretos e um
vestido azul davam-lhe um ar totalmente
cigano. Avistei quando ela recebeu um objeto
[276]
Experiências de um Leigo
de um índio bem alto, vestido de azul com um
grande penacho branco. Era Pai Seta Branca e
o objeto era um talismã. Nesse momento
sabia disso porque a voz de Pai Ananias
novamente se fez ouvir em minha mente. De
longe notei que no centro do talismã, uma
pedra roxa emitia uma luz da mesma cor. Tia
Neiva então se aproximou. Não reconheci
nela a figura física aqui da terra, mas me
impregnei com seu ar de bondade, de mãe.
Ela me sorriu e começou a falar:
- Filho, esse é o talismã de Koatay
108.
Elevou as mãos por cima de mim e
me colocou aquela joia no pescoço. Meio
tímido, segurei suas mãos e fiz menção de
beijá-las, demonstrando respeito. Então ela
continuou me dizendo:
- Filho, quis a vontade de Deus e
do grande Simiromba, lhe conceder a feliz
oportunidade desta consagração. Jesus te
ilumine. Boa sorte.
Olhei para os lados tentando ver
Pai Ananias e lhe pedir socorro, porém nada
escutei nem vi. Acima de mim, estavam os
trinos do amanhecer, seu Mário Sássi, Nestor
[277]
Experiências de um Leigo
e Michel, respectivamente, Tumuchy, Arakém
e Sumanã.
Quando dei por mim, estava no
corpo. Olhei para as velas que eu havia
acendido. Ainda estavam grandes, no entanto,
para mim, horas haviam se passado naquele
transporte. Olhei para o lado e me deparei
com a parede fria e branca. Respirei fundo
tentando me sentir no corpo novamente.
Em minha mente Pai Ananias
novamente se fez visível. Sorria feliz. Eu o via
de olhos abertos e não compreendia como
poderia ser aquilo. Mais nitidamente, debaixo
da árvore, lá estava ele. Fui para lá e
conversamos sobre as minhas dúvidas.
Disse-me que tinha passado por
uma consagração e que a partir daquele dia
minha vida tomaria outro rumo. Eu havia sido
consagrado como um Koatay 108 e a mim,
seriam dadas responsabilidades maiores.
- Mas meu pai? Como? Que
consagração é essa?
- Filho, tua cabeça ainda é
pequena e não sei como cabe dentro dela
tanta curiosidade. Depois eu te esclarecerei
melhor. Agora voltas para o teu corpo e
descansas.
[278]
Experiências de um Leigo
Meus pensamentos ardiam em
chamas, mas obediente, retornei ao físico. Pai
Ananias ainda me pediu para que me
desconcentrasse e não contasse a ninguém o
que tinha ocorrido.
Definitivamente então, voltei e
comecei a escrever o acontecido. Cansado e
faminto, depois de registrar os fatos corri para
a cozinha...
[279]
Experiências de um Leigo
TIA SONIA: A NOSSA VOVÓ RITA
Minha filha salve Deus! Eu sou a tua mãe em Cristo Jesus,
que das alturas vim ao teu encontro. Sou a irmã mais
próxima de tua alma, como és o espelho refletido na terra
de minha imagem. Se quiserem ver a mim, é só olhar para
ti. Imagem e semelhança. Mãe e filha, numa comunhão
cúmplice para edificar o bem e servir a Jesus. Tua missão
hoje, minha filha, transcenderá todos os capítulos vividos
e escritos em tuas vidas passadas, fugindo a tua própria
compreensão. Pois, Senhora Aparecida em vida, mesmo,
hoje, és sem saber e, em tua alma oculta, a rainha, é
também, mãe e filha, senhora e escrava desse seu
sacerdócio, na forma mais sublime e representativa deste
poder que traduz. És o amor. Eu te abençoo... Para que
tuas mãos, ao simples toque, abençoem as almas
daqueles que por mim e por ti, serão consolados. Salve
Deus, minha filha. Somos aves de nome Maria, também
Rita e Sônia, cheias de graças, pelas bênçãos do amor,
senhoras benditas, por servirmos a Jesus, que nos enviou
entre as mulheres... Bendito sejam os frutos dessa
comunhão, em Deus, em Jesus e no Cristo. Vovó Rita.
Mensagem foi retirada de um texto biográfico que guardo
desde 1987.
Enfim, chegamos ao término
desses
primeiros
relatos.
Sinto-me,
entretanto, ainda em falta, numa sensação
que não me satisfiz e tenho em mim a razão.
Está no que segue adiante abaixo.
Ser justo é procurar simplesmente
ser integro consigo mesmo e para com a
verdade dos fatos. Assim encontro o que me
faltava e sinto-me realizado por isso e
satisfeito por ter participado desse trabalho.
De mim, está distante a ideia de afirmá-lo,
como meu. Ao contrário, pertence a muitos
aqui mencionados e outros tantos anônimos
[280]
Experiências de um Leigo
aqui não mencionados, que eles recebam, se
houver, os méritos dessa síntese, dessa
pequena biografia missionária.
Falar de alguém como Tia Sônia,
para mim é fácil por ter um grande senso de
observação exterior. Então falo somente do
que vivi com ela em milhares de horas.
Quanto ao seu interno e interior, a sua vida é
o melhor testemunho de exemplo
missionário, que traz um depoimento legítimo
de uma serva de Jesus. Esses 35 anos
dedicados a essa Doutrina falam por si
mesmos. Tinha Sonia é o que fala, vive e faz.
Verdadeiramente, esse título lhe faz jus e lhe
coloca diante de todos como sendo a primeira
a acreditar na Missão do Nordeste, quando
até eu mesmo duvidava entre 1982 e 1986.
Tia Sonia, o que posso dizer a
todos? Sim meus irmãos e amigos. Se
atribuíssem a construção do hoje, de tudo que
vivemos e ainda iremos viver, diria sem
exagero e pieguice: Tia Sônia é a responsável
direta por tudo e todos nós que estamos aqui.
A começar por mim, Batista e Tavares. Creio
que eles pensam comigo dessa maneira. Estou
somente sendo justo diante da verdade e
coerente diante dos fatos. Os méritos iriam
[281]
Experiências de um Leigo
para suas mãos, e delas, para o seu coração
imaculado e se ali existisse alguma dor não
superada, no que não acredito, que esses
méritos possam curá-la.
A nossa guerreira destemida.
Como ela pode nos aguentar? Somente
estudando a sua alma oculta encontraríamos
ali a resposta: nobreza e sublimidade. Mãe de
nós todos nós, incorporada na Hiper-mentora,
a senhora Vovó Rita, a mãezinha do espaço.
Lembro-me da menina, tão rápido
se tornou mulher, e predestinada a não
possuir tempo, ainda cedo, se fez mãe, e mais
ligeiramente incorporou a sacerdotisa dos
tempos de Delfos, a Missionária Branca de
Assis, a carregar tão pesada seta. Do anjo que
sua face beijou à herança de uma mãe em
Cristo-Jesus, mal sabia ela do lastro e do peso
que essa herança de Koatay 108 lhe traria e
lhe exigiria. Seria na mesma expressão e
grandeza da sua mãe Tia Neiva. Assim é a vida
desse ser oculto, no caminho pelas estradas
da vida, sempre levando luz.
Assim era Sonia. Prematura,
predestina, precedente, preconizada, préconsciente, antes de nós, preferida,
[282]
Experiências de um Leigo
antecipada à condição de nos guiar e
sustentar nessa missão.
Ela era a força, a pedra angular, a
rocha onde os mentores edificaram, por isso
em terra firme, sem perigo de vir a ruir. Todos
nós aprendemos a respeitá-la como
autoridade espiritual e moral. Pilar maior
dessa manifestação que desde 1976 vem nos
conduzindo até 2011.
Ao
falar
de
tia
Sonia
primeiramente temos que associá-la a Tia
Neiva. Quem naquele tempo viveu, sabe da
grande afinidade que possuíam. Velhas e
irmãs amigas de tantas vidas passadas. Ali o
destino quis traçar aquele reencontro.
Brasília-DF, capital do Brasil. Sim, os Jaguares
de Esparta ao Brasil.
Então naquela época o rei de
Esparta, Leônidas, Exigiu uma prova dos
poderes de Pytia. Então soaram os tambores
sem que ninguém os tocasse e toda a esperta
se quedou diante de Pytia, a pitonisa. Ali ao
lado dela, Vêreda – Tia Sonia.
Vêreda era uma sacerdotisa junto
a Pytia e elas preparavam a força das
profetizas. Viviam os poderes da grande
Cabala de Amonseus onde os destinos
[283]
Experiências de um Leigo
iniciáticos dos Jaguares estavam guardados
por elas. A missão de ambas era preparar
todo esse aledá e promover o cruzamentos
das forças na raiz deste Oráculo do
Amanhecer.
Para marcar nesse momento a
expressão melhor de sua missão nessa era
atual, daquela encarnação que se liga ao hoje
no mais emblemático sincronismo entre
passado e futuro.
Salve Deus.
[284]
Experiências de um Leigo
ÍNDICE REMISSIVO
5
5º yurê · 179, 267
5ºRaio lunar do Oriente · 267
A
Achuamã · 204
Adjunto Arcano · 247
Adriana · 96, 112, 139, 148, 163, 174, 228, 229
aledá · 112, 165, 279
ALMA · 7, 10, 14, 39, 40, 48, 59, 71, 92, 106, 111, 112, 123,
141, 142, 144, 148, 164, 168, 174, 176, 196, 208, 224, 230,
252, 267, 275, 277
apará · 25, 107, 155, 170, 212, 217
Arakém · 273
Aramê · 185, 186, 201
B
Batista · 53, 63, 64, 75, 79, 80, 81, 93, 94, 95, 96, 98, 104, 105,
106, 110, 112, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 139,
148, 149, 155, 164, 169, 172, 186, 211, 215, 227, 228, 229,
231, 232, 233, 235, 236, 240, 248, 260, 261, 276
bônus · 181, 185, 235
C
Cabala de Amonseus · 278
[285]
Experiências de um Leigo
Cachoeira do Jaguar · 269, 270
Canto da Individualidade · 267
Casa Grande · 41, 79, 113, 159, 168, 170, 212
Castelo do Silêncio · 244
cavaleiro · 204
Cavaleiro Verde Especial · 252
Ceará · 249
Ch
Chico · 26, 29, 34, 35, 37, 57, 70, 172, 173, 183, 211, 215, 267
C
Clytia · 96
compreensão · 8, 13, 78, 87, 89, 90, 147, 201, 223, 230, 275
cordão de prata · 245
corrente negativa · 256
D
Darkus Kan · 19, 123
Davi · 96
Delfos · 277
Denise · 96
desdobramento · 112, 150, 161, 220, 252, 253
Divany · 32, 37
Doutrina do Amanhecer · 7, 95, 139, 212
doutrinador · 104, 108, 166, 168, 215, 219, 228, 260
[286]
Experiências de um Leigo
E
Equitumãns · 267
Escalada · 209
Escola do Caminho · 267
Esparta · 278
Estrela Candente · 112, 202, 203, 209, 229, 231, 247
Exu Ventania · 258
F
Fanário Verde · 203, 207
Fátima · 96
filas magnéticas · 160, 217
força iniciática · 201
G
Guias Missionárias · 202
Guilherme · 100, 101, 107, 246
I
ilusão · 11, 12, 100
incorporação · 32, 33, 137, 164, 166, 186, 211, 216, 218, 222,
261
indução · 128, 242, 256, 258, 259
J
Jaguares · 138, 267
[287]
Experiências de um Leigo
Jaguaribe · 249
Jaqueline · 96
Jesus · 8, 34, 55, 71, 75, 78, 85, 88, 89, 99, 106, 112, 122, 132,
133, 141, 143, 145, 153, 155, 156, 157, 159, 163, 164, 177,
180, 195, 201, 202, 225, 246, 248, 266, 267, 269, 272, 275,
276
Joana · 96, 112, 148, 172
K
Koatay 108 · 136, 179, 272, 273, 277
L
lei de auxílio · 158, 161, 208, 235, 260
Leônidas · 278
Luiz Adão · 96, 107, 109, 110, 111, 121, 148
M
Marília · 96
Mário Sássi · 272
mediunidade · 33, 34, 35, 137, 226, 231, 237
mentores · 8, 129, 131, 142, 156, 157, 160, 166, 254, 260,
263, 278
mesa evangélica · 165, 218, 222, 231, 242, 243, 247, 255
mestres · 12, 13, 83, 90, 98, 108, 109, 115, 116, 121, 131, 148,
156, 160, 162, 164, 202, 205, 208, 212, 218, 240, 249, 255,
262, 263, 266
Michel · 273
missão · 31, 42, 96, 112, 120, 121, 128, 131, 138, 145, 211,
230, 232, 235, 275, 276, 278, 279
Missão do Nordeste · 8, 96
[288]
Experiências de um Leigo
Missionária Branca de Assis · 277
mistificação · 265
mistificador · 265
N
Nadja · 23, 27, 29, 31, 32, 33, 35, 37, 39, 40, 41, 56, 72, 76
Natacha · 270
Nayara · 96, 174
negativo · 14, 217
Nestor · 272
neuro-psíquico · 7
ninfas · 131, 160, 218
O
obsessor · 178, 181, 185, 186, 189, 190, 201, 234, 235, 247,
250
obsessores · 178, 203, 214, 247
Oráculo do Amanhecer · 279
P
Pai Ananias · 59, 120, 164, 168, 170, 185, 189, 190, 196, 197,
205, 209, 211, 213, 225, 230, 232, 233, 235, 236, 238, 240,
241, 243, 244, 246, 247, 249, 251, 252, 255, 257, 263, 265,
266, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274
Pai Benedito · 120, 139, 149, 211
pai João · 17, 42, 82, 98, 100, 107, 112, 120, 122, 156, 179,
182, 208, 269, 270
Pai Nagô · 10
[289]
Experiências de um Leigo
Pai Seta Branca · 71, 75, 92, 112, 122, 134, 136, 137, 139, 143,
146, 147, 148, 156, 163, 164, 168, 179, 185, 225, 243, 267,
272
Pai Tomás · 180, 182, 186
Pai Zé Pedro · 136, 156, 182, 269, 270
passado · 12, 14, 34, 46, 48, 49, 62, 83, 92, 97, 106, 144, 153,
161, 235, 243, 246, 262, 263, 273, 279
Paulo de Tarso · 211, 212
pensamentos · 10, 11, 14, 15, 17, 19, 38, 40, 81, 95, 126, 141,
142, 151, 156, 160, 163, 165, 167, 168, 174, 185, 188, 196,
208, 213, 216, 225, 231, 244, 246, 249, 256, 265, 268, 269,
271, 274
Pira · 216
Planaltina · 23, 53, 81, 188, 199
psíquico · 7, 10, 48, 210, 252
Pytia · 278
R
Raimundo · 96, 249
realidade · 10, 11, 12, 13, 45, 49, 69, 87, 135, 139, 270
recartilhamento · 235
Rodrigo · 52, 65, 66, 96, 110, 112
Romão · 32, 37
S
Selma · 46, 48, 59, 65, 69
silvos do cavaleiro · 258
Simiromba · 86, 143, 203, 267, 272
sistema nervoso central · 252
Sobradinho · 20, 36, 81, 113, 232, 248
sofredor · 167, 215, 258
sofredores · 170, 216, 217
[290]
Experiências de um Leigo
sofrer · 10, 15, 85, 86, 197, 239
Sonia · 46, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65,
66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 93, 94,
95, 96, 104, 110, 112, 114, 115, 116, 119, 120, 121, 135,
139, 148, 149, 155, 169, 172, 186, 211, 212, 215, 227, 228,
229, 231, 248, 276, 277, 278
Stela · 96, 112
subconsciente · 252
Sumanã · 273
T
Tanoaê · 204
Tavares · 96, 98, 104, 105, 106, 110, 112, 113, 115, 116, 117,
118, 119, 121, 122, 139, 148, 149, 169, 211, 228, 229, 276
Tayná · 96
templo · 74, 75, 100, 101, 104, 107, 108, 109, 112, 128, 130,
131, 132, 137, 149, 160, 168, 169, 170, 186, 187, 188, 195,
215, 216, 217, 225, 227, 242, 243, 246, 247
terreiro de macumba · 258
Tia Neiva · 34, 41, 84, 87, 112, 113, 132, 133, 136, 137, 138,
147, 156, 164, 165, 170, 175, 176, 177, 179, 197, 209, 211,
212, 214, 228, 254, 270, 271, 272, 277, 278
Tiago · 96
Tiãozinho · 79, 80, 156, 161, 165, 166, 168, 179, 224
Trabalho Oficial · 112, 254
transporte · 145, 163, 180, 211, 253, 255, 256, 273
Tumuchy · 273
Tumuchys · 267
Turigano · 103, 246
V
VAIDADE · 263
[291]
Experiências de um Leigo
Vale · 23, 32, 33, 39, 47, 53, 54, 56, 59, 60, 61, 63, 66, 67, 69,
71, 72, 76, 79, 80, 81, 84, 86, 88, 94, 100, 107, 108, 110,
113, 114, 121, 135, 137, 148, 159, 161, 164, 169, 186, 188,
193, 195, 199, 201, 215, 217, 218, 226, 227, 229, 242, 243,
248, 249, 254, 260, 261, 270
verdade · 7, 10, 11, 13, 43, 57, 59, 68, 84, 87, 90, 110, 124,
143, 145, 163, 165, 176, 180, 192, 206, 211, 216, 235, 236,
240, 241, 257, 266, 275, 276
Vêreda · 278
vida · 7, 8, 11, 12, 13, 14, 16, 31, 39, 41, 42, 44, 46, 47, 49, 51,
52, 63, 66, 81, 82, 83, 85, 87, 92, 93, 95, 98, 103, 105, 110,
111, 121, 134, 135, 136, 141, 142, 156, 157, 159, 163, 164,
173, 185, 196, 200, 223, 235, 239, 241, 263, 273, 275, 276,
277
Vilela · 270
Vovó Rita · 275, 277
W
Winston · 96
Z
Zé Pelintra · 258, 259
[292]
Experiências de um Leigo
Filho, confia na tua própria força. Que pode
um homem realizar sem a confiança em si mesmo? Tuas
dúvidas são naturais, porém, deves procurar as respostas
em ti mesmo, e nunca fora. Não percas a razão do que é
verdadeiro. No mundo que envolve a mediunidade,
temos que transpor os limites do plano físico.
Não temas nada; Jesus há de nos guiar
sempre pelos caminhos que desconhecemos. Não estás
só. Agora as respostas que buscavas no plano físico
deixaram de existir e só as encontrará no plano dos
espíritos. Deus é perfeito e tudo ministra a seu tempo.
Para abrir a sua visão interior é preciso que feche tua
visão egocêntrica da vida.
Cuida meu filho, da tua mente, dos teus
sentimentos, para que não se surpreenda no desenrolar
de tua jornada. Jesus vos proteja e vos inspire nos
caminhos que irás percorrer. Salve Deus.
Pai Ananias das Cachoeiras.
[293]