Intelectuais e Messias em Belo Monte
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Intelectuais e Messias em Belo Monte
Intelectuais e Messias em Belo Monte O messianismo na literatura, segundo as representações da Campanha de Canudos em Euclides da Cunha e Mario Vargas Llosa Julio Souto Salom [email protected] Dezembro de 2010 Resumo Interesa-nos neste trabalho, conhecer estas relações estabelecidas entre o ámbito inteletual académico e os movimentos religiosos populares de carácter messiánico. Para isso, compararemos as leituras da campanha de Canudos (1897) realizadas por Euclides da Cunha (Os Sertões, 1903) e Mario Vargas Llosa (La guerra del fin del mundo, 1981), entendendo o registro literário da “cultura elevada” como a visão acadêmica da religiosidade popular. Entendemos que no enfrontamento destas dos cosmovisões, o “intelectual” estabelecerá uma serie de mecanismos de desqualificação do movimento retratado (como bárbaro e fanático), ao mesmo tempo que constrói a sua posição de autonomia respeito ao resto de campos sociais (militar, político, econômico...), com o objetivo de realizar uma “crítica da civilização”. Finalmente, nos aprofundamos no conhecimento destes movimentos memessiânicos apoiándonos na ampla teoria sociológica de Maria Isaura Pereira de Queiroz e Lísias Nogueira Negrão, com a intenção de comparar as diferentes perspectiva antropológicas e sociológicas, com as visóes literarias estudadas. 1 Sumário Intelectuais e Messias em Belo Monte.................................................................................................1 1.Os Sertões de Euclides da Cunha.................................................................................................3 1.1. A cenação literária da historia: vendéia republicana contra os frigios do interior...............3 1.2. Messianismo: barbárie da terra, atavismo do homem.........................................................4 1.3. Intelectualidade: o Zola brasileiro ou “Euclides jamais foi moderno” ...............................5 2. La guerra del fin del Mundo, de Mario Vargas Llosa..................................................................7 2.1. Heróis e anti-heróis na guerra..............................................................................................7 2.2. Utopistas são fanáticos: a incompreensão e o fogo..............................................................9 2.3. Narradores, escrivães e escrevinhadores: cachorros ou vira-latas.....................................10 3. Messianismo na literatura e nas ciências sociais.......................................................................12 3.1. Reflexos de Belo Monte: da raça ao subdesenvolvimento.................................................13 3.2. O progresso como doutrina messiánica?............................................................................15 3.3. O intelectual como profeta?...............................................................................................17 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................18 2 1. Os Sertões de Euclides da Cunha. Publicada por primeira vez em 1905, Os Sertões convertiu-se em símbolo nacional e monumento literário fundamental para a consolidação do estado-nação brasileiro. Comparável á obra de Domingo Faustino Sarmiento na Argentina (Civilización y Barbarie), apressenta paradigmáticamente o paradoxal drama da construção nacional latinoamericana que opõe modernidade a atavismo, numa luta agonística: “estamos condenados à civilização”; “ou progredimos, o desapareceremos”. Mas à diferência do entusiasmo do político argentino, encontramos na obra de Euclides um tom trágico, um “mea culpa nacional generalizado” (GALVÃO, 2001), que reconhece, na mesma historia fatal do progresso, um crime que precisa ser denunciado e nunca esquecido. 1.1. A cenação literaria da historia: vendéia republicana contra os frigios do interior. Galváo (1974), analisando os artigos que Euclides foi escrevendo no calor da hora para o jornal O Estado de São Paulo, coloca que a redação d'Os Sertões incorpora um processo de reflexão e elaboração muito maior que a simples compilação e cronologia dos artigos. Na posterior elaboração dos acontecimentos, Euclides serve-se de diversos procedimentos literarios (polifonia, intertextualidade) para organizar o arco narrativo num esquema escatológico, que da génesi das dois primeras partes, chega até o apocalipsis das últimas. Neste mesmo plano literario localiza Zilly (2001) o principal aporte d'Os Sertões, na construção duma “coerência estética”. Assim, conseguem-se articular as diferentes doutrinas moráis e teorias filosóficas, antropolôgicas e sociopolíticas, que em múltiples contradições introducem a tensão na obra: o heroismo épico da população rebelde vs. a degeneração do mestiço e a ignorante mística messiánica do Conselheiro; a imperiosidade do progresso e o racismo das teorias postivista-evolucionista vs. a barbarie do crime que foi o exterminio dos jagunços. Para a apresentação de estos fatos com um tom universal, Euclides serve-se de dois modelos: Victor Hugo (Noventa e tres), e Ernest Renan (ideia da “história total”, apresentação da seita milenarista dos frigios em Historia do catolicismo). Como coloca Decca (2001) Digamos, metafóricamente, que os grandes acontecimentos merecem apenas um historiador e que Euclides preparou-se para a grande obra antes mesmo da ocorrência do grande acontecimento. Desta forma, aproveitándo-se da ideia da vendéia republicana que escrevera Victor Hugo, pretendese contribuir à consolidação da República, mediante a cenação de uma grande batalha na que ista é vitoriosa. Mas os jagunços do Conselheiro não encaixaban com a teoria da conspiração monarquista auspiciada pelo imperio británicos1, e apresentados como miseráveis camponeses sertanejos estes não ostentariam a “grandiosidade” que deveria se esperar dos “inimigos da República”. Por tanto, Euclides, que viu-se obrigado a recorrer ao imaginario construido pelo historiados Ernest Renan: a dos milenaristas frigios. 1 Teoria que Euclides suscribiu num primeiro momento, como se reflete nos seus artigos do O Estado de São Paulo, ainda que a desaparece completamente n'Os Sertões. 3 1.2. Messianismo: barbarie da terra, atavismo do homem. Relendo as páginas memoráveis em que Renan faz ressurgir, pelo galvanismo do seu belo estilo, os adoidados chefes de seita dos primeiros séculos, nota-se a revivescência integral de suas aberrações extintas. Não há desejar mais completa reprodução do mesmo sistema, das mesmas imagens, das mesmas fórmulas hiperbólicas, das mesmas palavras quase. É um exemplo belíssimo da identidade dos estados evolutivos entre os povos. O retrógrado do sertão reproduz o facies dos místicos do passado. Considerando-o, sente-se o efeito maravilhoso de uma perspectiva através dos séculos... (Os Sertões, “As prédicas” em “O Homem”) A apresentação do messianismo que fai Euclides encaixaria no marco geral de “Civilização versus Barbarie”. O messianismo sebastianista aparece como uma patologia psico-social, comparada ao antropismo selvagem, ao animismo do negro ou ao misticismo católico medieval; uma doença coletiva semelhante a descrita por Gustave LeBon para a psicologia das massas. É interessante como essa imagem repete-se não só nas menções explícitas (o sertanejo como “um forte”, Antonio Conselheiro como “um gnóstico bronco”, “um documento vivo de atavismo”, ou “um heresiarca do século II em plena idade moderna”), mas tamén como aparece repetidamente em todas as imagems metafóricas. Talvez uma das máis gráficas imágems do movimento messiánico como alienação coletiva, seja a utilizada para descrever do estouro da boiada: ...milhares de corpos que são um corpo único, monstruoso, informe, indestructível, de animal fantástico, precipitado na carreira doída. (Os Sertões, “Estouro da boiada”, em “O Homem”). Básicamente, esta seria a que Pereira de Queiroz (1965), e posteriormente Negrão (2001), definiria como “ótica oficial” das instáncias políticas e intelectuáis: Orientando-se sobretudo por valores e sentimentos tradicionais, em descompasso com os ideais de modernidade do momento, tais movimentos tendem a ser vistos pelas vigências política e intelectual como irracionalidades e arcaísmos, frutos da ignorância e do fanatismo. Sendo seus adeptos historicamente recrutados entre indígenas destribalizados, populações camponesas, povos colonizados e setores populacionais marginalizados ou excluídos da moderna civilização ocidental (os “primitivos da modernidade”, segundo Hobsbawm), tendem a ser interpretados, na ótica oficial, como arcaísmos deletérios e antiprogressistas, quando não como episódios de loucura coletiva, a que se chega a partir de efeitos desencadeadores da loucura do líder. (Negrão, 2001: 120) Para apressentar esta caraterização, o positivismo de Euclides articula um conjunto de relações complexas entre a trascendência/immanência da natureza/sociedade. O objetivo é desvelar as determinações, as leis causais que generam essa mentalidade patológica. Tuda a primeira parte, “A Terra”, poderia ser considerado como esta exposição causal de evidências que explicaran a religiosidade sertaneja exposta na segunda parte, “O Homem”. Mas ao mesmo tempo, abrem-se espazos para o progresso e a capacidade de ação sobre a natureza (“como se faz...” e “como se extingue o deserto”). Encontramos, então, uma dupla determinação: a terra determina a sociedade, mas ao mesmo tempo o homem, na sua negligência, não realiza o trabalho preciso para modificar a terra. Iste é o doble nó da crítica moderna que planteja Latour (1994): É nesta dupla imagem que reside a potência crítica dos modernos: podem mobilizar a natureza no seio das relações sociais, ao mesmo tempo em que a mantêm infinítamente distante dos homems; são livres para construir e deconstruir sua sociedade, ao mesmo 4 tempo que tornam suas leis inevitáveis, necessarias e absolutas. (Latour, 1994: p.43) Além do meio natural, o segundo gran fator explicativo deste “atavismo”, é a raça. Tal e como colocara Ortiz (1985: 15), “os parâmetros raça e meio fundamentan o solo epistemológico dos intelectuais brasileiros de fins do século XIX e início do século XX”. No mesmo plano que as explicações de Nina Rodrigues, Euclides ve na miscigenação um fator de corrupção e degeneração: A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. (…) A mestiçagem extremada é um retrocesso. (…) De sorte que o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado. (Os Sertões: “Um paréntesis irritante” em “O Homem”). Visto então que, frente a estos universos incommensuráveis (“ao interior e o litoral não só o separaa terra, mas tamém 300 anos...”), a comunicação será impossível, cal será o paper do inteletual? 1.3. Inteletualidade: o Zola brasileiro ou “Euclides jamais foi moderno” Diré la verdad, pues prometí decirla si la justicia, tras la apelación legal, no se aplicaba plena y enteramente. Mi deber es hablar, no quiero convertirme en cómplice. El espectro del inocente que expía, en la más atroz de las torturas, un crimen que no ha cometido, no me dejaría dormir por las noches. Y le gritaré esta verdad a usted, señor Presidente, con todas las fuerzas de mi indignación de persona honrada. (…) Lo repito con una certeza más vehemente: la verdad se ha puesto en marcha y nada la detendrá. (Émile Zola, Yo acuso, en Carta al señor Félix Faure, presidente de la República. Publicada en L'Aurore el 13-01-1898) Aproximadamente na mesma data que Euclides escrevia Os Sertões na sua cabana de zinco em São José do Río Pardo, Zóla escrevia em Paris fervorosos manifestos clamando pelo crime cometido contra Alfred Dreyfus2. Com o poderoso manchete de J'accuse, Zola adreçava-se ao presidente da República, enchendo esse “eu” com uma identidade particular, concreta, carregada de um capital específico criado no campo autónomo da literatura. Segundo o análisi de Bourdieu (1992), este episodio de Zola e o caso Dreyfus será o paradigma dum “segundo estadio” de constitução da autonomia do campo literario, no que, depois de conquistar a autonomia respecto aos campos hegemónicos (político ou económico), o capital específico do campo académico/literario pode-se inverter noutros campos, em envites de peso significativo (retornando, por exemplo, ao campo político como “proclama” ou “denúncia”). Podemos suponer que, com o mesmo sincretismo que se assumia o positivismo de Comte o as categorias climatológicas de Hegel, Euclides incorporará a ideia do escritor como “testemunha da verdade”, asumindo issa representação heróica do escritor independente 3. Nessa “experiência 2 O caso Dreyfus foi um escândalo político que dividiu a França por muitos anos, durante o final do século XIX. Centrava-se na condenação por alta traição de Alfred Dreyfus em 1894, um oficial de artilharia do exército francês, de religião judaica. O acusado sofreu um processo turbio conduzido a portas fechadas. Tudo aponta que Dreyfus era, em verdade, inocente: a condenação baseava-se em documentos falsos. Quando os oficiais de alta-patente franceses se aperceberam disto, tentaram ocultar o erro judicial. A farsa foi acobertada por uma onda de nacionalismo e xenofobia que invadiu a Europa no final do século XIX. [Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Dreyfus] 3 Tal e como se reflete, por exemplo, nas suas palavras a propósito de Gregório de Matos: “Mais do que o homem, biologicamente falando, Gregório de Matos foi um admirável órgão social quase passivo, feito uma alavanca, cuja força eram as próprias forças coletivas: uma máquina simples em que se corporizaram 5 reveladora” que seria o viagem a Canudos, Euclides acabaria estabelecendo que a barbarie não só está no lado dos primitvos sertanejos, mas tamén os modernos republicanos estam em perpetuo risco de cair no crime. Neste contexto, súa função social, como intelectual independente, seria a de denunciar. A obra funcionará como proclama política contra os atores hegemónicos depóis da masssacre de Canudos: contra o poder político republicano, os mandos militares, os dirigentes do imperio que não souberon integrar às populações bárbaras ao processo civilizatorio. Ao igual que Zola, resalta a sua independência e desinterés para o poder, resaltando sua servidumbre ética unicamente à verdade: Não tive o intuito de defender aos sertanejos porque este não é um livro de defesa; é, infelizmente, de ataque. Ataque franco e, devo dizê-lo, involuntário. Nesse investir, aparentemente desafiador, com os singularíssimos civilizados que nos sertões, diante de semibárbaros, estadearam tão lastimáveis selvatiquezas, obedeci ao rigor incoercível da verdade. (Euclides da Cunha, Os Sertões: “Nota à 2a edição”). Ao mesmo tempo, o Euclides jornalista, que haveria conseguido relativa independência económica e prestigio inteletual com seu trabalho na imprensa, convertirá Os Sertões no principal capital para seu fundamental envite personal: o assalto definitivo ao campo literario acadêmico. Como campo autónomo, iste campo está regido por umas leies próprias e umas autoridades específicas: crítica, impremsa, outros escritores, leitores/público... Euclides, como participante subsidiario experimentado neste campo, conhecia mui bem estas leies, e não hesitou em utilizar todos os mecanismos ao seu abasto para converter Os Sertões no seu salto à consagração. Isso pode apreciar-se na sua obsesão pela perfecção da sua primeira edição, chegando a corregir “todos os exemplares a ponta de canivete e bico de pena, tanto o desesperaram os erros tipográficos”4. Ou depóis, no processo de ingresso à acadêmia, contabilizando em suas correspondências os votos “certos” com que podia contar: Rio Branco, Machado de Assis, Arthur Azevedo, João Ribeiro, Verissimo, Lúcio de Mendonça, Afonso Celso, Coelho Neto, Filinto, Araripe, Raimundo Correia, Garcia Redondo e, provavelmente, Oliveira Lima, Laet e alguns outros. Dois, Arinos e Augusto de Lima, que eram certíssimos, ainda não tomaram posse. Como vês, se não triunfar tenho em compensação a elite dos nossos homens de talento ao meu lado. Nem quero outra vitória. Sei que os outros concorrentes cavam danadamente, e é possível que algum deles triunfe. Mas... o grande Paul-Louis também foi derrotado. (Euclides da cunha a seus amigos, p. 106) Issa mesma atitude de desinterés interessado (Bourdieu, 1992) que vimos acima, se repetira no momento em que mostra reticências a aceitar a cátedra de lógica no colégio Pedro II, já que foi nomeado no cargo a pesar de quedar 2º, por força da interferência do Barão do Rio Branco, Coelho Neto e outros amigos, suscitando “comentarios desfavoráveis que o encheran de amargura”5. Observamos, então, a dupla potência da crítica, que moviliza tudos os recursos das ciências naturáis ou humanas (verdade positiva), e da cenação literaria, da estética e da retórica (épica do heroi trágico), para realizar uma crítica à civilização no seu conjunto. Não insistiremos, de momento, em muitas tendências da raça nova que surgia. Foi heroe na alta significação dada à palavra pelo dramático Carlyle: prefigurou, fundindo-se na sua individualidade isolada, muitos aspectos de um povo. E passou pela vida obedecendo à fatalidade mecânica de uma resultante intorcível: incorrigível, rebelde sempre à visão estreita dos que pensavam morigerá-la, como se houvesse preconceitos ou regras para estes avant-coureurs das nacionalidades, títeres privilegiados, arrebatados pelas leis desconhecidas da história. Foi um grande sacrificado e desenvolto folgazão!” (Em Euclides da Cunha a seus amigos, p. 91). 4 Segundo se explica nas notas à segunda edição d'Os Sertões. 5 Ídem nota 4. 6 esta aparente contradição entre a ética da independência e a participação ativa nas dinâmicas do campo. Retomando a Latour, limitaremo-nos a destacar a eficiência desta crítica moderna: Tornou-se mesmo possível aos invencivíveis modernos combinar as duas [formas de ciência], tomando as ciências naturáis como forma de criticar as falsas pretensôes do poder e utilizando as certezas das ciências humanas para criticar as falsas pretensões das ciências e da dominação científica. (…) Quem nunca sentiu vibrar dentro de si esta dupla potência, ou quem nunca foi obstinado pela distinção entre o racional e o irracional, entre falsos saberes e as verdadeiras ciências, jamais foi moderno”. (Latour, 1994: 41). 2. La guerra del fin del Mundo, de Mario Vargas Llosa. Segundo ele mesmo, o escritor peruano Mario Vargas Llosa descobriu Os Sertões em 1977, e desde então començou um processo de documentação e criação que culminaria com a publicação, em 1981, de La guerra del fin del mundo, romance no que recria a campanha de Canudos. O trablaho foi polémico para a crítica mais especializada na obra euclidiana. Wellnice Nogueira Galvão, por exmplo, comentava numa entrevista6: Não penso que tenha sido uma homenagem. Ele [Vargas Llosa] pegou Os Sertões, uma obra de arte, um monumento, uma coisa complexíssima, e transformou num best-seller, tirando toda essa complexidade, tornando uma coisa banal, e vendeu montanhas. O imperdoável é que ele tenha colocado Euclides, enquanto personagem de seu livro, como um jornalista míope e que perde os óculos na guerra. Isso é demais! É fácil proceder a uma análise psicanalítica: penso que ele tinha tanta inveja de Os Sertões que diminuiu o autor, tornando-o simbolicamente um míope sem óculos. Desde o nosso punto de vista, a apresentação que faz Vargas Llosa de Euclides da Cunha é bem mais complexa que issa presunta castração simbólica. Para nossa leitura da relação entre a intelectualidade e o messianismo, consideramos máis interesantes os comentarios de Alfredo Monte, titulados “um neoliberal no sertão”7. Todavía, somos cientes que esse título não reflete a complexidade das relações simbólicas da obra, que começaremos a esboçar a continuação. 2.1. Herois e anti-herois na guerra Como o mesmo Vargas Llosa especifica (2010), sua principal aportação sobre a matriz histórica de Canudos8 é, uma vez mais, de carater literario, no montagem e apresentação dos mesmos fatos relatados por Euclides. Para esta re-articulação, não só seram relevantes os artificios narrativos na organização da temporalidade, com técnicas de montagem cinematográficas (por exemplo, tuda 6 No número 154 (março 2010) da Revista-e do Portal SESCSP, disponĩvel em [http://www.sescsp.net/sesc/revistas/revistas_link.cfm? Edicao_Id=368&Artigo_ID=5629&IDCategoria=6482&reftype=2] 7 Preparados para o I- Simpósio de Letras (22/26 nov. 2010) da UNIMES VIRTUAL, promovido pela Universidade Metropolitana de Santos, cujo tema é “O messianismo sob a ótica da literatura”. Disponível em [http://armonte.wordpress.com/2010/11/07/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologicode-mario-vargas-llosa/] 8 Ainda que Os Sertões seja a principal fonte de Vargas Llosa, não podemos considerar que seja a única. Vargas Llosa faz uma reapropiação do fato histórico, não só do romance de Euclides. 7 parte IV, articulada em torno duma conversação que acontece anos depóis da guerra, permetendo apresentar a narração da guerra como flashbacks ou lembranças, dosificando habilidosamente a informação de que dispõe o leitor), mas especialmente a caraterização individualizada dos personagems. Se no romance de Euclides, estes perdiam releváncia frente a monumentalidad dos acontecimentos, aquí a voz narrativa será importantíssima, para criar um efeito “polifónico” no que as diferentes perspetivas psicológicas e cosmovisões enfrentadas, dialogam em primeira persona, com abundáncia dos fragmentos introspetivos em estilo indireto livre. Para o nosso estudo, os principáis personagems aportados por Vargas Llosa seram: – Galileo Gall: um anarquista escocés aficionado à frenologia, que aparece em Canudos por diferentes acasos narrativos. Apresentado extensamente na primeira parte, numa constante simetria com Antonio Conselheiro, será descrito como um fanático do progresso social e a liberação da humanidade. – Coronel Antonio Moreira César (magnificado): a pesar de que o cornel já aparece na obra de Euclides, no romance de Vargas Llosa adquere uma dimensão narrativa muito superior9. Apelidado de “Cortapescuezos”, e apresentado como o antagonista natural de Antonio Conselheiro e figura paralela à de Galileo Gall, representará de novo o fanatismo do Progresso Republicano na sua parte máis estritamente bélica. – Barão de Cañabraba (Jeremoabo)10: fazendeiro latifundista, dono de Canudos e grande dominador tradicional da região de Bahia, as menções a Cañabrava aparecem desde os primeiros capítulos, porém o personagem não aparece direitamente até a parte III, paralelamente à irrupção de Moréira César. Frente ao republicanismo, o Barão representa o poder tradicional, ligado as instituções monarquistas e a economia agraria. Como contraponto do Barão, ademas do coronel, aparecerá o líder do Partido Republicano da Bahia Epaminondas Gonçalves, ademáis diretor do Jornal de Noticias. – “Jornalista miope” (Euclides da Cunha)11: como corresponsal do Jornal, o jornalista chega a Canudos seguindo a expedição de Moreira César. Ao final da parte III, o jornalista cruza ao bando dos jagunços, convertendose no único personagem que se move livremente nos dois frentes em luta. Tuda a parte IV está estruturada em torno a sua conversação com Cañabrava, na que relata “desde dentro” a última invasão e a caída de Belo Monte. Ademáis destes dos personagems, o jornalista estabelecerá interações interesantes com Jurema, “o Anão”, e “o Leão de Natuba”, que serám abordadas depois. 9 Mentras que em Os Sertões, a terceira expedição se resolve apenas em 50 pp. (das quasi 500 do romance), e a apocalíptica última expedição cobra muita máis releváncia, em La guerra del fin del mundo ista é apresentada no inicio da Parte II, a campanha e figura de Moreira César articulará tuda a Parte III, ocupando em total máis dum terço do livro (a trama central). 10 Por alguma razão, Vargas Llosa decide ocultar no pseudónimo de “Cañabrava” a figura de Cícero Dantas Martins, primeiro e único Barão de Jeremoabo. A participação deste personagem real nos eventos de Canudos pode seguir-se na leitura das suas correspondências publicadas em Canudos: Cartas para o Barão (2001). Além das relações evidentes, a tesis da relação Cañabrava/Jeremoabo é suportada por Thiago Pinto Dantas, descendente direto de Cícero Dantas, quem tamén realiza um depoimento da visita de Vargas Llosa ao casarão de Camuciatá, (“Columbí”, no romance). [http://www.museudapessoa.net/blogs/historiadodia/index.php?i=211]. Si a ocultação do nome responde a motivações éticas ou de respeito ao individuo, poderíamos preguntar-nos porque não se faz o mesmo com outros personagems, como o mesmo Moreira César. 11 Pese a diversas divergências ou inconcreções (baiano em vez de paulista, miopia...), neste caso, a relação emtre o personagem do romance (que permanece sem nome) e o personagem histórico (o Euclides jornalista e aspirante a literato), é tão evidente que não precisa máis aclarações. Só lembrar que o romance de Vargas Llosa está dedicado “a Euclides da Cunha, no outro mundo, e neste mundo, a Nélida Piñon”. 8 2.2. Utopistas são fanáticos: a incomprensão e o fogo. Em 1997 Mario Vargas Llosa deu um disscurso na academia brasileira de letras 12, na que falando de La guerra del fin del mundo, dava a súa explicação da liderança carismáticatica de Antonio Conselheiro: O que Antonio Conselheiro proporcionou àqueles milhares de homens e mulheres, talvez os mais desamparados do país, para que chegassem ao ponto de se imolar por ele? Fiquei com essa pergunta em minha mente obsessivamente durante todos aqueles anos, enquanto estudava as interpretações contraditórias sobre Canudos, sem encontrar uma resposta satisfatória, seja naqueles que o explicam como um caso simples de fanatismo religioso e de barbárie social, seja nos que quiseram ver em Antonio Conselheiro uma espécie de Lenin do sertão. (…) Aquelas vidas precárias, eternamente ameaçadas pela seca e pelos bandidos, dizimadas pela fome, pelas doenças, pela violência, que conviviam com a catástrofe, estavam predispostas a admitir a proximidade do Apocalipse e a acreditar que a vida—a história —era uma simples antessala de outra vida melhor e mais verdadeira: a morte. Pese a sua declarada distáncia (“não e só fanatismo religioso nem barbarie social”), a representação que construi Vargas Llosa dos movimentos messiánicos não é demasiado diferente da representação euclidiana. Um contexto social miserável e umas condições naturáis inhóspitas criam um contexto ótimo para a fantasia escatológica do messianismo fanático, que não deixa de ser apresentado como “patologia” ou “enajenação”. Ista representação constrúe-se principalmene em toda a primeira parte, na que se narran múltiplos relatos de sertanejos que, vítimas de misérrimas circunstáncias, acavam uníndo-se ao Conselheiro. É notável como a introspeção psicológica evita a figura do Conselheiro, penetrando porém nos diferentes indivíduos que compõem seu séquito: crianças orfas como Antonio “Beatinho”, criminosos capangas como Paejú ou João Abade, escravos fugidos como João Grande, ou comerciantes arruinados como os irmãos Vilanova. Em todos os casos, miseráveis e margináis ávidos de perdão e compasão. Mas paralelamente a ista composição poliédrica do séquito do Conselheiro, o outro personagem que articula a Parte I é Galileo Gall, o revolucionario frenólogo. A apresentação do personagem e da sua dotrina faz-se num tom paródico e caricaturesco, tam ridiculizante como o dos apośtoles do Conselheiro: [Galileo Gall] había nacido a mediados de siglo, en un poblado del sur de Escocia donde su padre ejercía la medicina y había tratado infructuosamente de fundar un cenáculo libertario para propagar las ideas de Proudhon y Bakunin. Como otros niños entre cuentos de hadas, él había crecido oyendo que la propiedad es el origen de todos los males sociales y que el pobre sólo romperá las cadenas de la explotación y el oscurantismo mediante la violencia. (p. 12) Na sua perspetiva “revolcionaria” de Canudos, presentada em um tom histriónico e cegado pelo seu entusiasmo, podemos encontrar o que Negrão chamará de “vertente ficcionista”. Entre os inúmeros autores que estudaram os maiores movimentos messiânicos ocorridos no país distingue-se uma espécie de “vertente ficcionista”(...). Segundo essa vertente, os líderes messiânicos teriam sido líderes revolucionários das massas camponesas e suas “cidades santas”, comunidades socialistas precursoras do futuro das sociedades modernas. (Negrão, 2001: 120) 12 “Luces e Sombras de Canudos”, em Sabres e Utopias (Mario Vargas Llosa, 2010) 9 O tercer vértice do fanatismo, desta vez no progressismo republicano, o completa o coronel Moréira César. Isto é especialmente claro na interação Moréira César / Cañabrava (pp. 117-121). Frente aos intentos de cordialidade e diálogo do Barão nordestino, o coronel repúblicano só contesta com frialdade e dureza: “Usted y yo somos enemigos, nuestra guerra es sin cuartel y no tenemos nada que hablar”. A condena de Vargas Llosa destos personagems utopistas/fanáticos, concluirá na súa violenta morte. Frente a estos tres “fanáticos”, o único que parece aportar sentido é o Barão de Cañabrava, que é capaz de dialogar inclusive com seus piores inimigos, como Moreira César, o jagunço Paejú, Galileo Gall ou, finalmente, com seu rival político republicano, Epaminondas Gonçalves. Será entre estes dois políticos que se devolva o equilibrio e a paz à região de Bahia, mediante um pacto oligarquico no que os monarquistas de Cañabrava “cedem o passo” aos republicanos de Epaminondas. Os monárquicos só pedem, porém, umas condições: “que no se toquen las propiedades agrarias ni los comercios urbanos. Ustedes y nosotros lucharemos contra cualquier intento de confiscar, expropiar, intervenir o gravar inmoderadamente las tierras o los comercios”. Desta forma, num pacto de cordialidade, o Barão se retira elegantemente da vida política deixando passo aos líderes republicanos. Na mudança, não se conseguirá a redestribução da propriedade agraria dos latifundiarios, nem nenhum outro processo significativo para a justiça social ou os ideais proclamados por Galileo Gall ou Moréira César, mas Vargas Llosa não parece muito preocupado com isso, já que: Después de haber soñado también, de joven, con la sociedad perfecta, hace treinta años me convencí de que es preferible, para la supervivencia de la civilización humana, conformarse con los lentos y aburridos progresos de la democracia, en vez de buscar la inalcanzable utopía, que genera hecatombes. (Mario Vargas Llosa, Carta a Kezaburo Oé) 2.3. Narradores, escrivãos e escrivinhadores: cachorros ou vira-latas. ...Por su cartografía de las estructuras del poder y las afiladas imágenes de la resistencia, rebelión y derrota del indivíduo. (Peter Englund, anuncio del premio Nobel de Literatura para Mario Vargas Llosa13) Assumindo esta renúnicia as grandes utopias da modernidade, devemos repetir a pregunta que fizemos a propósito de Euclides (1.2): qual é a posição e função do escritor (do “intelectual”) neste contexto de “progresso em democracia”? Para dar resposta, sem sair do romance estudado, compararemos a actuação de tres personagems que representariam en diferentes versões iste mesmo rol: o anão, o jornalista miope, e o Leão de Natuba. O anão é membro de um circo ambulante, no que participa como trovador contando ao público historias medievais. Com o avance da guerra, o circo vai descomponhendo-se lametávelmente, quedando finalmente formado por o anão, um idiota contorsionista, e uma mulher barbuda; aos que se unem Jurema e Galileo Gall no seu errático caminhar. Chegados a um povo devastado pela guerra, as doenças e as secas, o anão começa seu espetáculo esperando obter algo de jantar, até que é interrumpido por Galileo Gall e suas proclamas revolucionarias: “Vuestro mal se llama injusticia, abuso, explotación. No os resignéis, hermanos. Rebelaos como vuestros hermanos de Canudos!...”. Mas, frente a essas proclamas, a barbuda reage: 13 Disponível em [http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2010/announcement.html], a dezembro de 2010. 10 “Estupido! Estupido! Nadie te entiende! Los estás poniendo tristes, los estás aburriendo, no nos darán de comer! Tócales la cabeza, diles el futuro, algo que les alegre!” (p. 128). Ista seria, aproximadamente, a apresentação que faz Vargas Llosa da literatura popular da tradição oral: um espetáculo máis vinculado ao entretenimento, ao corporal e as necessidades coiunturales do narrador, que a aspirações de ordem espiritual. Igualmente, nos capítulos em que o anão comta histórias para João Abade, o narrador aparece como um simples repetidor invariável, que busca entretener a seu público, sem capacidade de interpretar o obter alguma sabiduria da súa narração. Curiosamente, esta perspetiva contrastará radicalmente à de Walter Benjamin (1936), que vincula a narração à experiência e à memória, sendo o narrador uma especie de “artesão” das experiências humanas, gerador de sabiduria e capaz de colocar “conselhos” como proposições e incitações à reflexão. Em contraposição à narração como sabiduria, Benjamin coloca a informação como conhecimento registrado, impessoal, inteligível pela audiência, que não gera provocações e pode ser fácilmente verificado. No plano da informação poderiamos contemplar ao jornalista miope, especialmente nos momentos que acompanha ao Coronel Moréira César. E em paralelo a este, aparece, no lado dos jagunços o Leão de Natuba, um humano deformado que caminha a quatro patas, que aprendeu a ler e escrever sem que ningém lhe ensinara, e que dedica-se a registrar, “para a posteridade”, cada uma das palabras do Conselheiro14. Significativamente, estes dos personagems são paralelamente caraterizados com rasgos de cães15: o conselheiro acariciando entre seus geolhos a cabeça do Leão de Natuba, ou o jornalista sentado no chão à porta da cabana do coronel Moreira César: El periodista miope se deja caer en el suelo, a la entrada, como outras veces, pensando que su postura, presencia, allí, son las de un perro, y que es a un perro sin duda a lo que más debe asociarlo Moreira César. (p. 159) No universo simbólico de Vargas Llosa, o cachorro é um elemento muito importante, que adquere diferentes significações nos múltiples contextos. Assim, vemos como o cão passa de “cachorro de companhia”, quando associado a um escrivão ligado a uma figura poderosa, até “virgalatas devoradores de cadáveres”16, “encarnação do Mal” e representação do diabo e o anticristo, quando o cachorro é livre e anda em bandas sem dono. O cão aparece como um animal flexível que podese mover do lado da disciplina e a obediência ao lado da insumisão e a herejia. Assim, para explicitar o peligro que o “intelectual” representa para o poderoso, Vargas Llosa faz dizer ao coronel Moréira César: Todos los intelectuales son peligrosos. Débiles, sentimentales y capaces de usar las mejores ideas para justificar las peores bribonadas. El país los necesita, pero debe manejarlos como a animales que hacen extraños. (p. 118) 14 Na 2ª Carta a Kezaburo Oé, Vargas Llosa refire-se ao Leão de Natuba como “un colega nuestro”. Em concreto: “A mí me emocionó saber que, en esa sociedad de miserables, los más pobres entre los pobres del Brasil, alzados en los sertones bahianos en una lucha imposible contra una República en la que ellos veían al Diablo, había un colega nuestro, alguien que, armado con un lápiz y un pedazo de papel, libraba también una batalla, solitaria y difícil, para merecer vivir.” 15 Nestos apartados, os cães são associados aos outros animáis de companhia que rodeian aos personagems poderosos: o cabritinho do Conselheiro, o cavalo branco de Moreira César. 16 Nestos momentos, os cães são associados às ratas e aos urubús, como nos apocalípticos passagems fináis da toma de Belo Monte: “...Se comían a los muertos. Los oía escarbar, morder, picotear. Los animales no se engañan. Saben quien está muerto y quién no está. Los urubús, las ratas, no se comen a los vivos. Mi miedo eran los perros.” (p.302) 11 I a ação imprevisível e perigosa do “jornalista miope”, será escrever Os Sertões. Assim, na parte IV, o jornalista reúne-se com o Barão de Cañabrava, para pedir-lhe trabalho 17, ao mesmo tempo que lhe confessa sua grande preocupação: “Se están olvidando de Canudos”. Com a mesma retórica do honor à verdade que vimos nas notas de Euclides e Zola, Vargas Llosa, por boca do jornalista, coloca esse imperativo ético do escritor no plano da memória: – No permitiré que se olviden. Es una promesa que he hecho. – Como? - (…). – De la única manera que se conservan las cosas: escribiéndolas. (p.194) Curiosamente, nesta última cena de diálogo emtre Cañabraba e o jornalista (ou, metafóricamente, Jeremoabo e Euclides), iste último vai progressivamente escurrindo do sofá no que começou sentado, pulando até o chão, lembrándo-nos à imagem do Leão junto ao Conselheiro e de ele mesmo junto a Moreira César: El periodista miope se deslizó sorpresivamente al suelo. Lo había hecho varias veces en el curso de la conversación y el Barón se preguntó si esos cambios de postura se debían a su desasosiego interno o a que se le dormían los músculos. Neste último diálogo, o jornalista carga seu relato de emotividad e sentimentalismo, logrando a empatia com o Barão quando refere seu romance com Jurema (que faz ao Barão lembrar Estela, a sua propria esposa, que perdeu a cordura por causa da guerra). Acabada a entrevista, o Barão parece disposto a esquecer todo o assunto, mas uma visão casual na janela volta a lembrar-lhe tudo. O relato -a novela- do jornalista converteu-se em memoria imborrável. Devemos suponher, então, que esses “lentos e aburridos progressos da democracia” dos que falava Vargas Llosa com seu colega Kezaburo Oé, seram conseguidos a partir do diálogo, da retórica, da memoria, convencendo aos poderosos por meio do poder da palavra. Em calquera caso, são métodos bem diferentes das revoluções violêntas plantejados por Galileo Gall. 3. Messianismo na literatura e nas ciências sociais Um importante trabalho de estudo sociológico do messianismo vem-se realizando em Brasil desde a publicação d'O Messianismo no Brasil e no Mundo (1965) de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Neste livro, baseandose num amplo levantamento bibliográfico, realiza-se uma proposta comparativa, com fim de estabelecer uma categorização aproximativa dos diferentes tipos de movimentos messiânicos. Este trabalho encontrou continuidade no ámbito académico, por exemplo nas continuas re-visitas de Lísias Nogueira de Negrão (2001) e seu grupo de estudo na USP. Neste último punto de conclusões trataremos de ler a apresentação do messianismo que se realiza nos dos romances comparados, baseándonos nos trabalhos acima mentados. Ao mesmo tempo, aproximaremos a caracterização dos movimentos messiânicos ao modelo de intelectualidade proposto por Euclides e Vargas Llosa. 17 Além, um trabalho que lhe permeta pagar o tratamento do anão, que virou seu amigo e agora está doente de tuberculosi. Paralelismo literatura escrita / literatura oral? 12 3.1. Reflexos de Belo Monte: da degeneração ao subdesenvolvimento. Como vimos acima, a apresentação do messianismo que coloca Vargas Llosa não é muito diferente da que fizera Euclides, que ao mesmo tempo é a hegemônica no Brasil de finais do XIX18. Como a mesma Pereira de Queiroz senahala: Anteriormente a Euclides da Cunha, já Nina Rodrigues interpretara o movimento de Canudos como uma reação contra os progressos dos grupos brasileiros litorâneos, que, ao se imporem ao sertão, promoviam abalos numa sociedade extremamente conservadora e considerada atrasada desde o punto de vista socio-cultural; Euclides da Cunha não fez máis do que repetir e refinar muito do que dissera o grande médico baiano, cujo trabalho foi escrito ainda quando se processava a reação de Antônio Conselheiro, e publicado em 1897. (Pereira de Queiroz, 1965: 343) Todavía, o análisi de Pereira de Queiroz parece contravenir issa perspetiva do movimento messiánico como retrógrado e antiprogressista. De fato, as conclusões de Pereira de Queiroz e Negrão sobre Canudos, que normalmente é considerado junto aos movimentos de Juazeiro e de Contestado, é que “os messias sertanejos brasileiros teriam sido todos líderes reformistas, sem qualquer veleidade de derrubada da ordem vigente”. Em Juazeiro, por exemplo, o Padre Cícero fora o motor que transformara um lugarejo perdido, de poucas casas, em cidade grande e movimentada, o maior centro econômico de sua região. (Pereira de Queiroz, 1965: 344) Posteriormente, Negrão (2001) sintetiza as conclusões de Pereira de Queiroz, resaltando alguns puntos importantes: – O conflito eventualmente deflagrado entre os movimentos e a sociedade global não se deveu à ignorância ou ao caráter retrógrado das massas ou de seus líderes, mas a interesses políticos e econômicos locais e regionais e à intolerância das autoridades civis e religiosas – Muitos movimentos, quando não hostilizados e tolerados em suas especificidades, consistiram em interessantes experiências de desenvolvimento regional, como alternativas aos impactos desestruturantes da modernidade política e econômica sobre populações rústicas. Tais seriam os casos de Santa Brígida e de Juazeiro; (Negrão, 2001: 122) Porém, no esquema narrativo-ideológico de Vargas Llosa (3.2), a visão euclidiana era máis interesante. Mas para poder reutilizar legítimamente ista apresentação, e contribuir à consolidação do canon literario latinoamericano (3.3), Vargas Llosa deverá limpar a imágem “racista” das teorias de Euclides, muito deteriorada no clima intelectual do seu tempo. Assim, defendendo-lhe, declarará que: O fato de que, nesse empenho totalizante, Euclides tenha cometido certas ingenuidades ou erros -por causa da aplicação no Brasil das teorias etnocéntricas em voga na Europa – não empobrece o seu efeito extraordinario. (op. cit. in Sabres e Utopias) Para isso, substitui o fator racial pelo cultural, segundo o paradigma hegemónico do 18 O sucesso destas teorias poderia dever-se à convergência com as necessidades ideológicas do projeto político do momento. A inferioridade racial permeteria explicar o atraso do Brasil, ao tempo que a noção de mestiçagem apontaria para a formação de uma possível unidade nacional (Ortiz, 1985). 13 desenvolvimento. Mas, para evitar uma imagem excesivamente determinista ou etnocéntrica, o escritor desinvolve uma retórica do ceticismo, não exenta de ambiguedades e referências vagas. Pretende-se que, nesta apoologia da dúbida, se evita a toma de posição clara, que porém aparece representada na caracterização dos seitarios. No seu romance, as alusões à diversidade racial práticamente desaparecem, excetuando algumas menções issoladas, nas que a ignorância e a aculturação som máis importantes do que a raça como fator explicativo do messianismo. Assim, por exemplo, o debate na barraca do estado maior do General Osear, no que este apressenta a imagem da razão e a serenidade frente as explicações totalizantes dos coroneis fanáticos: Uno de los capitanes, que es de Rio, dice que la explicación de Canudos es el mestizaje, esa mezcla de negros, indios y portugueses que há ido paulatinamente degenerando la raza hasta producir una mentalidad inferior, propensa a la superstición y el fanatismo. Esta opinión es rebatida con ímpetu por el coronel Neri. (...) Él, como creía el coronel Moreira César, a quién admira y casi deifica, piensa que Canudos es obra de los enemigos de la República, los restauradores monárquicos, los antiguos esclavócratas y privilegiados que han aazuzado y confundido a estos pobres hombres sin cultura inculcándoles el odio al progreso. El General Osear (…) queda cavilando en su hamaca. (…) Nada lo deja satisfecho. (p. 270) Desta forma, nesse limbo da indefinição e da dúbida próprio do seu modelo de intelectual, Vargas Llosa pretende quedar inmune a toda associação com as teorias etnocéntricas ou as paranoias de conspiração imperialista. Nesse mesmo sentido, o uso da frenologia joga um paper fundamental nessa construção simbólica. Ciência legítima no momento de redação d'Os Sertões, mas completamente desprestigiada no tempo de La guerra del fin del mundo, a frenologia é caraterizada como um projeto de ingénuos, fanáticos e utopistas. E para isso, nada melhor que converter a Galileo Gall – o fanático do progresso social – num revolucionario frenólogo, com constantes alusões à teoria i prática desta disciplina ao largo do romance. Ao mesmo tempo, se apaga todo possível contato emtre o jornalista miope (Euclides) e a frenologia, criando uma importante barreira simbólica entre “racistas irracionáis” como Nina Rodrigues, e “respetáveis literatos” como Euclides da Cunha. A única referência explícita na que o jornalista miope fala da frenologia, é cuando relata ao Barão de Canabrava como o crânio do Conselheiro é levado ao profesor Nina Rodrigues para seu análisi. O tom é, pelo menos, bastante cético: Luego de un breve conciliábulo, se decidió decapitarlo, a fin de que la ciencia estudiara su cráneo. Lo trajeron a la Facultad de Medicina de Bahía, para que lo examinara el Doctor Nina Rodrigues. (…) - Todo eso me recuerda a Galileo Gall -dijo el Barón, echando una ojeada esperanzada a la huerta-. También él tenía una fé loca en los cráneos, como indicadores del carácter. (p.248). Uma vez limpado desse possível racismo determinista, Vargas Llosa não tem problema em plantejar um paradigma evolucionista para a comparação das culturas, com uma perspetica unívoca do desenvolvimento. Assim, no discurso na Academia de Rio, Vargas Llosa explica: Simplesmente, quer dizer que em conflito emtre tempos históricos distintos, a integração cultural dase, infelizmente, mediante a destruição da sociedade arcaica pela moderna. (op. cit. Sabres e Utopias) Isse “infelizmente” remete direitamente ao “fatalmente”, que Sergio Buarque de Holanda colocava como o adbervio máis usado pelo possitivismo do tempo de Euclides. 14 3.2. O progresso como doutrina messiánica? Lembremos, então, as razões desse importante succeso do possitivismo no Brasil (e latinoamérica) que coloca Sergio Buarque de Holanda em Raizes do Brasil (1936): É possível compreender o bom sucesso do positivismo entre nós e entre outros povos parentes do nosso, como Chile e o México, justamente por esse repouso que permiten ao espírito as definições irresistíveis e imperativas do sistema de Comte. Para seus adeptos, a grandeza, a importância desse sistema prende-se exatamente à sua capacidade de resistir à fluidez e a movilidade da vida. Frente à desarticulação de sistemas de crenças contradictorios, o positivismo máis ortodoxo (autodenominada “religião positivista” o “religião da humanidade” 19) árma-se de segurança, no convencimento de que o emprego da ração terminará, de forma inevitável, sendo a única verdade. Nessa crença inquebrantável na chegada da revelação, poderiamos encontrar um reflexo da etapa de “espera messiánica”, senhalada por Pereira de Queiroz (1965) como elemento comum em todos os movimentos messiánicos. Da mesma forma, a constante recurrência à figura de Comte e as suas circunstáncias vitáis (em biográficas hagiográficas cargadas de daguerrotipos, dele e a súa viuva, Clotilde de Vaux), poderiamos encontrar essa “primera chegada” que profetizaria o futuro melhor. E o circuito de apóstoles no Brasil é certamente identificable, com Teixeira Mendes, Benjamin Constant Botelho de Magalhães e Miguel Lemos, entre outros. E é que uma das principáis questoes contemporáneas da sociologia do messianismo, coloca a questão da possibilidade de emergência deste tipo de movimentos em sociedades modernas, não vinculadas por relações de parentesco mas por outro tipo de vínculo social. No seu trabalho, Pereira de Queiroz asociou o messianismo a sociedades tradicináis em etapa de crisi o mudança. Porém, Negrão encontro em certas seitas ufológicas (ou ufólatras) caraterísticas semelhantes às identificadas por Pereira de Queiroz, mas em sociedades contemporáneas nas que o principal vínculo social não é o parentesco. A incidência, mesmo que diminuta, de movimentos messiânicos em modernas sociedades industriais parece contrapor-se à concepção de Pereira de Queiroz de que tais movimentos seriam expressões exclusivas da dinâmica social de sociedades tradicionais em momento de diluição de valores, que colocaria sua sobrevivência, sob aquela forma, em perigo. Parece haver compatibilidade entre tais movimentos e a sociedade moderna, haja vista os exemplos de casos norte-americanos mais antigos e mais recentes . (Negrão, 2001: 126) Além do movimento para a ufologia, poder-se-ia colocar nestes novos movimentos messiânicos uma forte carga positivista20, estabelecendo-se um vínculo entre estes sistemas conceptuais que tendem a hipertrofiar o futuro. Nunca essa cosmovisão do progresso certo e infinito foi melhor retratada que na poderosa imagem do Angelus Novus colocada por Walter Benjamin, (1940): 19 A Igreja Positivista do Brasil teve gran importáncia na etapa de fundação da I República. Além, o fato de terem um extenso site atualizado [http://www.igrejapositivistabrasil.org.br/], com referências a ceremonias dominicáis, faz pensar que, pelo menos, o positivismo eclesiástico não está extinto. 20 Recentemente, Javier Izquierdo Martín (2010) senhalava a forte vinculação da seita ufológico-messiánica dos raelianos (originada em França, mais expandida em diferentes países, principalmente Canadá) com a doutrina positivista. O líder messiánico era caraterizado assim: “Original continuador de la tradición nacional francesa de teología positiva inaugurada por Descartes y culminada por Comte, Raël es, sin duda, la estrella filosófica más brillante que ha salido de Francia en los últimos doscientos años.” (p. 118). Ademáis, destaca a vinculação emtre Raël e reconhecidos filósofos franceses contemporáneos, como Michel Serres (calificado de “o João baptista dos raelianos”). 15 Hay un cuadro de Klee que se llama Angelus Novus. En él se representa a un ángel que parece como si estuviese a punto de alejarse de algo que le tiene pasmado. Sus ojos están desmesuradamente abiertos, la boca abierta y extendidas las alas. Y este deberá ser el aspecto del ángel de la historia. Ha vuelto el rostro hacia el pasado. Donde a nosotros se nos manifiesta una cadena de datos, él ve una catástrofe única que amontona incansablemente ruina sobre ruina, arrojándolas a sus pies. Bien quisiera él detenerse, despertar a los muertos y recomponer lo despedazado. Pero desde el paraíso sopla un huracán que se ha enredado en sus alas y que es tan fuerte que el ángel ya no puede cerrarlas. Este huracán le empuja irreteniblemente hacia el futuro, al cual da la espalda, mientras que los montones de ruinas crecen ante él hasta el cielo. Ese huracán es lo que nosotros llamamos progreso. (Benjamin, 1940, Tesis VI) Estas mesmas ideias, uma forma talvez menos exagerada -ou máis adequada ao contexto académico-, poderiamos encontrar-las no marco teórico que foi conhecido como “o fim da história”. Segundo o marco conceitual proposto, por exemplo, por Berger e Huntington (2003), as grandes narrativa que marcaran o século XX foram superados depóis da guerra fria, com o triumfo de um sistema democrático-capitalista com capacidade para gestionar calqueira conflito. Iste sistema político-económico (o desenvolvido) se extenderá inevitávelmente pelo mundo, ajudado pela ação de grupúsculos de elites influentes portadores desta cultura, o “faculty club”. Adaptado ao campo das religiões, este marco teórico é caraterizado por Negrão (2005) como “o clube dos intelectuáis desencantados”, encontrando, além de Berger, Pierucci dentro da academia brasileira. Aquí, o invencível vetor é caraterizado por Berger como um processo de secularização, que, baseándo-se no conceito weberiano de desencantamento, apontaria à perda de importáncia das religiões no cenario contemporáneo. Mas, quando nas últimas décadas do século XX registra-se uma “explosão evangélica” em America Latina, paralela a uma “explosão islámica”, Berger se ve forzado a falar de uma contra-secularização. Contra o totalitarismo destas posições, Negrão realiza um fino análisi conceitual, tratando de limpar a confusão entre desencantamento e secularização. Finalmente, apoiándose nos diferentes trabalhos empíricos, Negrão conclui que: A sociedade brasileira, com sua religiosidade que permanece em parte encantada pois que renitentemente mágica, é um caso particular da realidade em que a generalidade típico-ideal do método weberiano não é capaz de abarcar plenamente. E isso nenhuma surpresa deveria causar, pois, é sabido, ou deveria sê-lo, que os tipos ideais não são fins em si mesmos, são instrumentais. Devem ser construídos com base na realidade, mas não a esgotam nem a substituem. E a realidade concreta, à qual o tipo é usado como instrumento heurístico, não necessita reproduzi-lo, pode dele distanciar-se, diferir, pois não são tipos empíricos, nem muito menos de abrangência universal. Cada sociedade, cada momento histórico, tem a sua fisionomia própria, que cabe ao pesquisador captar. Os referenciais weberianos, seus conceitos típico-ideais, sua interpretação quanto ao processo de racionalização crescente da civilização ocidental não podem ser usados de maneira fundamentalista. (Negrão, 2005: 35) Chegado este punto, poderiamos ubicar a ideologia política de Vargas Llosa neste mesmo plano de evolução e desinvolvimento unidirecional para o progresso (tal e como analisado no 3.1). E iste romance, escrito a finales dos setenta e publicado em 1981, senhalaria um punto de inflexão nas suas perspetivas políticas, que seriam finalmente consolidadas na sua candidatura à presidência do Perú em 1990. Se durante todo o romance a “vertiente ficcionista” é ridiculizada em Galileo Gall, por estabelecer 16 uma analogia absurda emtre o movimento messianico de Canudos e o comunismo primitivo; o mesmo poderia se dizer do modelo Berger / Vargas Llosa, no que toda cosmovisão divergente do modelo hegemónico é condenada como “fanática”, “arcaica”, ou “subdesenvolvida”. 3.3. O intelectal como profeta? Q: And so, do you have to be politically active to be Nobel awarded? Peter Englud: No!! not at all!!... Not at all... (Emtrevista com Peter Englud, representante da académia suéca21, depóis de anunciar o Premio Nobel de Mario Vargas Llosa) Esse potente e perplexo “Not at all!”, vem a afirmar a indiferença que deberia caraterizar ao modelo de “artista puro” consagrado nas vanguardas europeas: o artista não é um político, ele trabalha para a beleza e só para a beleza (Bourdieu, 1992). Mas ao mesmo tempo, isso pareceria entrar em contradição com tudo o presentado no punto 2.3., inclusive com a declaração grandilocuente do mesmo comité do Nobel, que ubicaba a Vargas Llosa “na tradição de Vicotr Hugo e Émile Zola”, caraterizando ao escritor como justiciero, heroi dos oprimidos e dos esquecidos do mundo. É nessa contraditoria ambiguedade que move-se a académia contemporánea, tal e como viu-se nos infinitos comentarios e artigos de opinião na imprensa mundial que seguiron ao Nobel de Vargas Llosa. Na reivindicação de Euclides da Cunha como figura central do canon literário latinoamericano (no que poderia ser uma reprodução regional da proposta de Canon Occidental de Harold Bloom), Vargas Llosa está apostando por essa figura de “intelectual comprometido”, sempre entendendo esse compromisso como uma reconstrução da memoria nos termos colocados no apartado 2.3. Em este punto, seria interessante lembrar algumas das considerações de Walter Benjamin (1940) sobre o conceito de Historia: Articular históricamente lo pasado no significa conocerlo «tal y como verdaderamente ha sido». Significa adueñarse de un recuerdo tal y como relumbra en el instante de un peligro. (…) El peligro amenaza tanto al patrimonio de la tradición como a los que lo reciben. En ambos casos es uno y el mismo: prestarse a ser instrumento de la clase dominante. (Benjamin, 1940: Tesis 6) A proposta benjaminiana de um “tempo cheio”, não homogêneo na carrera vacia do progresso, parece completamente necessária frente a estas representações estériles. Mas além disso, o que quiseramos recalcar neste último punto seria a aparente contradição entre esse conceito de “artista genial” (uma vez mais, remetémo-nos a Harold Bloom) com a ideologia da democrácia universal não-messiánica que parecia defender-se na súa obra. Tal vez esta concepção do artista genial esteja nescesariamente vinculada aos projetos monumentáis de “Obras Totáis” (sejan Romances ou Histórias), construidas por heróis solitarios. Frente a essa concepção do autor, gostariamos de senhalar, como contrapunto, o comentario que coloca Antonio Cándido sobre Sergio Buarque de Holanda, no prefacio de Raizes do Brasil: ...Sérgio adquire timbre diferenciador, ao voltar-se decididamente para o povo. Talvez tenha sido ele o primeiro pensador brasileiro que abandonou a possição “ilustrada”, segundo a qual cabe a esclarecidos intelectuais, políticos, governantes administrar os interesses e orientar a ação do povo. (...) Sérgio deixou claro que só o proprio povo, tomando a iniciativa, poderia cuidar do seu destino. (Cándido, 1986). 21 Disponível em [http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2010/announcement.html], a dez. de 2010. 17 No que faz respeito aos movimentos messiânicos, consideramos que a geração duma abismal distância cultural a través dos artifícios da “cultura elevada”, não seria a melhor forma de criar um espaço de reconhecimento mútuo e possibilidade de diálogo emtre racionalidades divergentes. O minucioso trabalho das ciências sociais, quando transformadas em ferramentas de autoconhecimento social, poderiam ajudar para a mentada “toma de iniciativa” do povo. E com isto não quiseramos ignorar que ista mesma função poderia ser exercida pela literatura, mas talvez para isso seja preciso, frente a memoria eternizante dos romances monumentais, recuperar a figura deforme do anão, com a memoria particular da narração ligada às experiências. /// REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter, (1940), "Sobre el concepto de Historia " In: Obras, libro I, vol. 2, Abada: Madrid, 2008, pp. 305-318. -----,(1936) "El narrador. Consideraciones sobre la obra de Nikolái Léskov" In: Obras, libro II, vol. 2, Abada: Madrid, 2009, pp. 41-68. BERGER, Peter, and HUNTINGTON, Samuel, (2003) Globalizaciones múltiples. Barcelona: Paidós. BOURDIEU, Pierre (1992) Las Reglas del Arte. Barcelona: Anagrama. BUARQUE DE HOLANDA, Sergio (1936) Raizes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympo (20 ed., 1988) CÂNDIDO, Antônio (1986) “Prologo” en Raizes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympo (20 ed., 1988) Da CUNHA, Euclides. (1905) Os Sertões. São Paulo, Ed. Martín Claret, 2007. 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