Direito 4 PDF.pmd - Ajuris - Escola Superior da Magistratura
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Aurm tá ig s rio Artigos As concepções artificiais e o silêncio do novo Código Civil Glauber Moreno Talavera .................................................................................................... 5 Se eu soubesse que ele era meu pai... Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka .......................................................................... 9 Proposta de uma nova política criminal e penitenciária para o Brasil Luíz Flávio Borges D’Urso ................................................................................................... 17 Política y civismo: dos conceptos distintos Gerardo Ancarola ............................................................................................................... 25 A dignidade da pessoa humana como valor-fonte da ordem jurídica Vander Ferreira de Andrade ............................................................................................... 29 A história da enfiteuse no distrito de São Lourenço do Turvo Luiz Olinto Tortorello .......................................................................................................... 44 Historicidad del derecho Abelardo Levaggi ................................................................................................................ 51 A importância da interpretação nas relações sócio-jurídicas Carlos João Eduardo Senger ................................................................................................ 55 Patrimônio: novo conceito da teoria irrestritiva ou imaterial José Maria Trepat Cases ..................................................................................................... 68 A aposentadoria como causa de extinção do contrato de trabalho José Ribeiro de Campos ...................................................................................................... 86 O contrato de mandato e seus aspectos à luz do Direito Civil Brasileiro Otacílio Pedro de Macedo .................................................................................................... 95 O litisconsórcio nas ações coletivas para defesa dos direitos individuais homogêneos, diante das relações de consumo Ivone Cristina de Souza João ............................................................................................. 102 A propaganda enganosa: uma abordagem sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor Silton Marcell Romboli José Carlos C. Puga ........................................................................................................... 115 A proteção da pessoa humana André Rubens Didone ........................................................................................................ 122 A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto, no Código de Defesa do Consumidor Manoel Martins Júnior ....................................................................................................... 132 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 3 D ireito Revista IMES Direito - Uma publicação do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul Expediente Ano II - no 4 Janeiro/Junho 2002 Coordenador Editorial José Maria Trepat Cases Revisão Simone Zaccarias Diretor da Mantenedora Marco Antonio Santos Silva Conselho Editorial Álvaro Villaça Azevedo Armador Paes de Almeida Cândido Rangel Dinamarco Francisco Léo Munari Giselda Maria Novaes Hironaka Nelson Mannrich Rui Geraldo Camargo Viana Teresa Ancona Lopes Vicente Grecco Filho Produção e Impressão Gráfica HM Indústria Gráfica e Editora Ltda Tiragem: 1.500 exemplares Vice-Diretor da Mantenedora Marcos Sidnei Bassi Reitor Laércio Baptista da Silva Pró-Reitor de Graduação Carlos Alberto Macedo Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa René Henrique Licht Revista IMES Direito Av. Goiás, 3.400 São Caetano do Sul - SP - Brasil Tel.: (11) 4239-3259 Fax: (11) 4239-3216 E-mail: [email protected] Conselho Técnico Professores do Curso de Direito Pró-Reitor Comunitário e de Extensão Joaquim Celso Freire Silva Coordenador do Curso de DIreito José Maria Trepat Cases Produção Pró-Reitoria Comunitária e de Extensão Coordenadoria de Comunicação Jornalista Responsável Roberto Elísio dos Santos MTb 15637 O IMES, em suas revistas, respeita a liberdade intelectual dos autores, publica integralmente os originais que lhe são entregues, sem com isso concordar necessariamente com as opiniões expressas. Artigo As concepções artificiais e o silêncio do novo Código Civil Glauber Moreno Talavera Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade de Sourbonne – Paris. Especialista em Direito das Relações de Consumo e Mestre em Direito Civil pela PUC – SP. Professor das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo. Parecerista em Direito de Família e advogado em São Paulo. O poeta e dramaturgo italia- n. 934, de 1982 – relativa à en- Lei de Proteção aos Embriões, no Pietro Metastásio, já no pri- genharia genética; a Recomen- de dezembro de 1990. A nor- meiro quarto do século XVIII, no dação n. 1046, de 1986, relati- ma alemã tipifica oito crimes e Ato II de sua obra Écio, entrevia va à utilização de embriões e uma infração administrativa, que: “Nega ajuda aos aflitos fetos humanos com os fins de que é conservar um embrião ou quem a oferece duvidosa”, afir- diagnósticos e terapias científi- um óvulo humano sem ser mé- mação que parece externar o cas, industriais e comerciais; e dico habilitado, sendo que as silêncio do novo Código Civil a Recomendação n. 1100, de penas chegam a cinco anos de que, embora tenha em seu tex- 1985, que versa acerca da utili- prisão para os crimes mais gra- to se referido às reproduções zação de embriões e fetos hu- ves, como a criação de clones assistidas para efeito de presun- manos na pesquisa científica. humanos e sua implantação no ção de paternidade, não des- O Reino Unido aprovou, em útero de uma mulher. Proíbe, mistificou, nem mesmo de for- novembro de 1990, a Lei de Fer- também, e pune criminalmente ma reflexa, questões inúmeras tilização Humana e Embriologia. a inseminação ou a implantação que advirão do fenômeno ora Esta lei regula a prática da repro- de um embrião em uma mulher massivo das concepções artifi- dução assistida, estabelecendo sem seu consentimento e veda ciais, sobretudo se considera- algumas proibições com relação a escolha do sexo do embrião dos os seus controversos des- ao armazenamento e utilização que não esteja vinculada à pre- dobramentos com relação à de gametas e embriões. A lei bri- venção de uma enfermidade paternidade. tânica criou o Conselho de Ferti- muito grave. Desde 1976, o Conselho da lização Humana e Embriologia, A China, em 1994, aprovou Europa, por meio de várias Re- que concede permissões na área. uma lei de proteção à mater- comendações, abordou proble- É o Conselho que define o real nidade e à infância, mas que mas atinentes ao Direito Médi- alcance da lei. na realidade tem um papel de co, tais quais a Recomendação j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 A Alemanha também tem a seleção da população. Lá, antes 5 D ireito Artigo do casamento, o casal faz exa- em parecer sobre reprodução zação da inseminação artificial, mes para detectar enfermida- assistida, concluiu pela neces- da geração de bebês de prove- des genéticas. Se isso for cons- sidade de aprofundar estudos ta e da esterilização que não tatado, não obtêm licença para para atualizar as normas vigen- tenha como causa a preserva- casar, a não ser que aceitem ser tes. O parecer foi dado em con- ção da vida da mulher. esterilizados. sulta formulada pelo Hospital A Igreja, perfilhando esse No Brasil, uma Resolução do Albert Einstein, que pedia ori- mesmo radicalismo, porém de Conselho Federal de Medicina, entação sobre o que fazer com forma revés, proibiu, em abril Resolução n. 1.358/92, contém embriões congelados que não de 1996, o casamento de um as únicas normas em vigor so- teriam mais uso. O descongela- homem paraplégico. Sua defici- bre reprodução assistida, vez mento de embriões e sua con- ência física foi apontada pelo que o novo Código Civil, con- seqüente inutilização foram bispo de Patos de Minas, Minas soante visão compartilhada com proibidos pela Resolução Gerais, dom João Bosco Óliver o jurista Carlos Fattori, silenciou n. 1.358/92, mas o contrato do de Faria, como motivo para a totalmente sobre o tema. Ela hospital com os casais previa a proibição do casamento. Em dispõe que doadores e recep- destruição dos embriões caso consonância com o arrazoado tores de sêmen sejam informa- os casais não quisessem mais do bispo, impotentes, pelas leis dos sobre tudo o que diz res- preservar o material sob o efei- da Igreja Católica, não podem peito às técnicas de reprodução to da crioconservação. casar no religioso. O comunica- assistida. Exige autorização do O parecer concluiu que, hoje, do oficial da Igreja dizia que: marido ou companheiro da não há possibilidade de destruir “Autorizar um casamento nes- mulher que vai receber sêmen esses embriões, devido à proi- sas circunstâncias seria brincar de outro, mas não fala do con- bição da Resolução, mas ressal- com o sagrado, pois cada defi- sentimento da mulher para que ta que o CFM precisa reestudar ciência impõe às pessoas limi- o marido doe sêmen. A lei diz, o assunto e, necessariamente, tes dolorosos na vida em socie- também, que os doadores não atualizar as regras atualmente dade. A igreja não pode buscar devem conhecer a identidade em vigor. o sucesso. Jesus morreu na dos receptores e vice-versa, e A Igreja Católica, extrema- cruz, foi o maior fracassado. No obriga as clínicas a manter em mente conservadora e radical cânone 1.084 do Código de Di- sigilo a identidade de ambos, oposicionista das reproduções reito Canônico está escrito que mas permite que informações assistidas, no Brasil, por meio a impotência coeundi antece- sobre o doador sejam dadas em da CNBB, Conferência Nacional dente e perpétua, absoluta ou casos especiais de ordem mé- dos Bispos do Brasil, apresen- relativa, por parte do homem ou dica, resguardada a identidade tou, em novembro de 1998, ao da mulher, invalida o matrimô- civil. A norma brasileira diz que Ministério da Justiça, sugestão nio por sua própria natureza. um doador não deve produzir de que o novo Código Penal Autorizar um casamento nessas mais de duas gestações, de se- mantenha o aborto, a eutaná- circunstâncias seria autorizar xos diferentes, numa área de sia e o adultério como crimes. um ato nulo e enganar os noi- um milhão de habitantes. A entidade, que representa a vos. Seria fazer teatro com aqui- Em setembro de 1996, o cúpula da Igreja Católica no Bra- lo que é santo, no campo da fé. Conselho Federal de Medicina, sil, propôs também a criminali- Em suma, é necessária a dimen- 6 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo são corpórea, não apenas a cer em face do filho, vez que o proteção dos nascituros que espiritual”. direito de parentesco é maior não são concebidos por meio da que o de sigilo. cópula tradicional, único meio Não obstante as posições extremadas da Igreja, tanto A garantia do anonimato não de reprodução humana conhe- num quanto noutro sentido, há, deve prevalecer, porém, nesses cido quando o ilustrado Clóvis entrementes, várias questões casos, embora o novo Código Bevilacqua que, em verdade, juridicamen- omita, o importante é que a lei Código vigente. te, são nebulosas ou insolúveis, exonere o doador da responsa- Entrementes, ocorre que, ao menos momentaneamente, bilidade decorrente dos laços de neste final de século, a vida do sobretudo se considerada a ne- parentesco. O pai biológico pre- ser humano não mais se inicia gligência do novo Código Civil. cisa, insofismavelmente, estar apenas pelo contato do esper- Por exemplo, o filho gerado por registrado em algum lugar para matozóide com o óvulo no úte- inseminação artificial tem o di- que haja a efetiva possibilida- ro da mulher, tal qual outrora. reito de saber quem é seu pai de de evitar-se casamentos con- De fato, o novo Código Civil biológico? Poderá ele reivindicar sangüíneos, que podem trazer – Lei 10.406/2002, reconhece nome de família, pensão ali- complicações genéticas para os a inseminação artificial em três mentícia e herança? descendentes. Tanto é que o dos cinco incisos do seu art. Hoje, a resposta é positiva. Código Civil de Beviláqua no art. 1.597, mas essa formulação, Pela legislação vigente, todo ci- 183, I e IV, estabelece proibiti- em si, conforme atentam os Pro- dadão tem o direito de saber vo explícito a esse tipo de casa- fessores Wilame Carvalho e Ro- quem é seu pai. É um direito da mento de dolfo Machado Neto, não ofe- personalidade e, portanto, um nulidade, proibitivo que fora rece resposta para indagações direito inalienável, conforme o mantido pelo art. 1.521, I e IV mais complexas, atinentes aos art. do novo Código Civil. “direitos do nascituro, desde a 27 do Estatuto da sob pena redigiu o Criança e do Adolescente e, Na adoção, por exemplo, o concepção”, quando o embrião ademais, porque amparado cartório anota a verdadeira fili- humano é gerado em proveta pelo princípio constitucional da ação do adotado e, embora essa ou por meio de outro qualquer dignidade da pessoa humana, anotação método extra-uterino. enaltecido pelo art. 1º, III, con- ela é feita para fins de impedi- tido na tábua axiológica da mento matrimonial. seja sigilosa, Como se definiria a filiação quando, mediante encomenda, A redação aprovada pelo Se- óvulos são retirados de uma Embora o Conselho Federal nado, repetindo o ultrapassado mulher anônima, fertilizados de Medicina, único órgão a re- Código de 1916, põe a salvo os em laboratório com espermato- gulamentar a reprodução assis- direitos do nascituro, “desde a zóide de um doador também tida no Brasil, obrigue a que se concepção”, conforme dispõe o anônimo e implantados em uma mantenha em sigilo a identida- art. 2º do novo Código Civil. barriga de aluguel para “venda” de dos doadores e receptores Esclarecemos que a problemá- a um casal infértil, desejoso de de sêmen, nada impede que o tica aventada não diz respeito ter filhos? Como se resguarda- filho de doador investigue e à punição do aborto, matéria ria a esse embrião o direito de descubra quem é seu genitor, tratada noutro âmbito normati- conhecer sua ascendência gené- pois o sigilo não pode prevale- vo. O problema concentra-se na tica? Quem teria a guarda do Constituição Federal. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 7 D ireito Artigo nascituro? De quem se exigiria gimento de um novo ser sem pelo até então desconhecido pensão? Teria havido adoção se, fusão de espermatozóide e não pode legitimar a contumá- antes do parto, o casal se sepa- óvulo, também se chega à con- cia legislativa e, dessa forma, rasse? Como se definiria a su- cepção de um novo embrião essas temáticas progressistas cessão hereditária? Onde esta- humano. E agora, Dr. Albieri? haverão de ser tratadas, pois ria, no caso, o impedimento de Ainda que a clonagem venha como preconiza o Professor Rui relações incestuosas, e quais as a ser criminalizada, haja vista Geraldo Camargo Viana, em sua cautelas legais para que elas os indesejáveis efeitos morais, Tese para o Concurso ao cargo não venham a ocorrer? legais, éticos e ambientais da de Professor Titular da Faculda- E o que dizer dos direitos de multiplicação de seres preexis- de de Direito da Universidade embriões congelados, sem la- tentes, a proibição em si não de São Paulo: “(...) nessa surpre- ços com os doadores de óvulos tem o condão de impedir que ela endente e infindável caminha- e espermatozóides que lhes ocorra, assim como o Código da do direito, já se aventa a deram origem? Fazem jus à in- Penal não impede o homicídio. possibilidade da gravidez mas- seminação em mulheres que E, uma vez formado um feto culina (mediante colagem de não as fornecedoras dos game- por clonagem, quais seriam óvulo fecundado no fígado), o tas femininos de que surgem? seus direitos de nascituro, se já que estará a reclamar mais um Podem ser comprados? foi concebido? Como se defini- passo do legislador na contem- riam suas relações de parentes- plação dessa nova modalidade co? de família unilateral”. É lícita a seleção eugênica do nascituro, como se o feto não passasse de uma mercadoria de Quer-nos parecer que esses Nesses termos, a celeridade catálogo, com o sexo e as co- questionamentos, sem uma res- das mutações e a aparente exi- res da pele, dos olhos e dos posta presentemente satisfató- güidade do tempo em face da cabelos podendo ser previa- ria, causam perplexidades que camaleônica realidade social mente escolhidos como já ocor- se imiscuem até o âmago da que ora se apresenta, e que fora re há algum tempo em muitas alma de nós, estudiosos do fe- teoricamente suprimida pelo clínicas? A ordem jurídica lhes nômeno jurídico que, até o pre- novo Código Civil, é coroada resguardaria o direito à evolu- sente, só podemos tratar des- pelos dizeres apocalípticos de ção em incubadeiras, sem cer- ses temas de lege ferenda, haja Boileau, em sua Epístola III: teza de maternidade e paterni- vista o descaso do novo Códi- “Apressemo-nos: o tempo foge dade adotivas? Devem ser des- go Civil. Talvez esse descaso e nos arrasta consigo; o mo- truídos se forem rejeitados para seja produto do que Jung cos- mento em que falo já vai longe uma inseminação artificial espe- tumava chamar de “misoneís- de mim”. cífica? mo”, ou seja, o medo e a inse- Os problemas não param por aí. Vale lembrar que, por clonagem, processo em que há sur- 8 gurança diante de tudo o que é novo e desconhecido. Ainda assim, o pavor trazido R j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Se eu soubesse que ele era meu pai...1 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora-doutora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade de Direito de Bauru. Diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ouvi recentemente esta frase – “Se eu soubesse que ele era e de mães famosos de crian- minado ambiente hollywoodi- ças desprotegidas. ano. Mas, de tudo, o mais meu pai, minha vida teria sido, Esta pessoa, cuja frase tan- doloroso, pareceu-me, foi o fato quiçá, diferente...” – em um des- to me marcou, era a filha, hoje de que sua mãe, por ocasião de tes especiais canais de televi- sexagenária, do belíssimo seu nascimento – e a gravidez são a cabo que mostrava uma Clark Gable, o insuperável galã já havia sido devidamente ocul- bela reportagem a respeito dos de ...E o vento levou, que não tada à imprensa – entregou-a “filhos de Hollywood”. Aliás, pen- revelou à criança a verdade aos cuidados de um orfanato. so que era mesmo assim o nome que ela procurou, provavel- Depois de seis meses, segura da seqüência, embora não tenha mente, por toda a sua vida, da preservação de seu segredo certeza: “Kids of Hollywood”. En- talvez com grande ansiedade e segura da mantença de sua fim, o escopo fundamental da e sofrimento. etérea, ingênua e doce figura reportagem, como se pode ima- O depoimento daquela se- junto ao seu público, a atriz re- ginar, era demonstrar como foi nhora – cujo olhar revelava, torna ao orfanato, agora já sem a vida, normalmente escrita como o espelho do passado, a tantos segredos e subterfúgios, pelas mais diferentes e descon- sua fragilidade infantil, a sua de- mas, ao contrário, devidamen- certantes formas de angústias cepção adolescente, a sua des- te acompanhada por fotógrafos e frustrações, de crianças – crença a respeito da hipótese de e jornalistas para – que espeta- hoje adultos – que tiveram a ser feliz – informava também cular cena, cenários e “script” – má sorte de nascer de famo- que o silêncio a que houvera “adotar” a criança que houvera sas pessoas registradas na sido submetida a respeito de sua sido concebida em seu próprio calçada da fama, mas comple- raiz genética paterna havia ventre... tamente despreparadas para a sido imposto por sua mãe, ela Mentira sem paradigma e hi- assunção da condição de pais também atriz destacada do ilu- pocrisia maior, iguais a estas, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 9 D ireito Artigo só se conheceu ao tempo dos aut iure, em condição de igual- Gable, que ele era seu pai bio- romanos, à época em que os fi- dade com os demais irmãos lógico. Conta a senhora em lhos havidos fora do casamen- (Hironaka, 1998, p. 167-185). questão que, ao completar quin- to não tinham nenhum valor, Contudo, tantos séculos de- ze anos, encontrou-se com ele, lugar ou direitos, no contexto pois e em terras tão distantes, e extasiou-se como qualquer das famílias de então. como é o caso da capital ameri- outra adolescente que se encon- Isto porque, sabe-se, “no seio cana do cinema, o fenômeno se trasse na presença de tão famo- das famílias romanas, houve repetiu, para que a criança ti- so e sedutor homem. Ela relata sempre um repúdio à idéia de vesse sido repudiada não ape- que ele a tratou muito bem, foi filhos ilegítimos, já que estes nas pelo seu famoso pai, mas atencioso e carinhoso, mas a não podiam desempenhar o também pela sua famosa mãe. verdade não lhe foi revelada... papel determinado, pela reli- Mas o absurdo maior revela-se Esta pessoa, por toda a vida, gião, ao filho” (Hironaka, 1998, pelo fato de ter sido, ainda, andou à procura de seu pai, pois p. 167-185). “usada” literalmente pela sua certamente sua fantasia avisa- Com efeito, em Roma, como adorável mãe, uma vez que, ins- va a seu inconsciente que, se o informa Fustel de Coulanges, “o talada a criança no venerando encontrasse, seus problemas laço de sangue isolado não lar da atriz pelas portas da ado- maiores advindos da horrível constituía, para o filho, a famí- ção, carreou-lhe maior fama, rejeição e da hedionda farsa lia; era-lhe necessário o laço do contribuindo para aumentar cometida em nome do “amor culto. Ora, o filho nascido de consideravelmente a legião de materno” talvez fossem mino- mulher não associada ao culto fãs, encantados com a “gran- rados, atenuados, acariciados, do esposo pela cerimônia do deza e o despojamento da chorados, paparicados e, quiçá, casamento não podia, por si alma daquela bela e talentosa expurgados. próprio, tomar parte do culto. mulher”... Mas não lhe disseram e ela Não tinha o direito de oferecer A reportagem indica, na con- viveu assim, desejando encon- o repasto fúnebre, e a família tinuação, que a dor maior que trar seu pai e desejando que ele não se perpetuaria por seu in- não foi ultrapassada, sequer fosse lindo, famoso, sedutor e termédio” (Cidade Antiga) vencida, nem mesmo minorada, encantador como o modelo mas- (Hironaka, 1998, p. 167-185). foi o fato de terem todos, sua culino de maior significação, à épo- A farsa romana a que me re- mãe e a sociedade próxima, ca, o famoso ator Clark Gable... feri descortinava-se porque, permanecido em odioso silên- Aquele seu olhar de hoje, ao lembremo-nos, Roma conheceu cio a respeito da verdadeira ori- qual já me referi antes, e que apenas um modo destinado a gem daquela criança, quer pela se marcou em minha memória contornar os obstáculos legais linhagem a matre, quer pela li- como triste e desconsolado para regularizar a situação de nhagem a patre. Parece que, olhar, penso que não a abando- inferioridade à qual eram rele- com o tempo, lhe foi revelada, nará até seu leito de morte... gados os filhos espúrios. Este não sei por que caminho ou for- Nada está a indicar que sua tris- modo era a adoção e, por meio ma, sua origem ascendente teza resida no fato de ter sido dela, o filho adentrava à pelo lado materno, mas jamais afastada da percepção de seu família, não aut natura, mas soube, até a morte de Clark quinhão hereditário, por oca- 10 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo sião da morte de seu pai famo- sim, que entendo possível esta crítica neste contraditório fim- so. Não foi o que busquei adivi- ampliação do campo de valores de-século”, por outro lado, e nhar naquele olhar, senão seu essenciais, enquanto objeto do como no exercício simples de próprio e efetivo interesse de direito em questão, e que suas se verificar a outra face da mo- ter tido um pai! Ela, que pro- conseqüências jurídicas - no eda, também me parece estar vavelmente também não teve plano da patrimonialização replena de certeza e de verda- verdadeiramente uma mãe... principalmente - têm um cará- de a idéia de que alguém possa O direito que não pôde exer- ter apenas secundário, se con- pretender tão apenas investigar cer, àquele tempo, certamente templadas em face da gigantes- sua ancestralidade, buscando foi o direito de buscar sua iden- ca extensão do que significa, na sua identidade biológica pela tidade biológica paterna, mas essência, este formidável direi- razão de simplesmente saber- foi, também, o direito de bus- to que é o direito de se buscar se a si mesmo. car, na figura do pai, o refúgio o pai. Isto tudo porque, segundo e fortaleza adequados para Ou não estará submersa em penso, e independentemente aqueles seus momentos em que razão a conclusão de Caio Má- da apuração ou verificação de as feridas precisavam ser lambi- rio da Silva Pereira (1996, p. 52- conseqüências outras, que cor- das, curadas, e ninguém como 53) quando afirma que pouco ram ao viés da pretensão-âma- ele poderia melhor fazê-lo. importa se a perquirição judici- go do investigante, existe ins- Penso ser este, em primeiras al da paternidade venha ou não crito no coração de cada ho- palavras, antes e excludente- seguida de pedido pecuniário; mem, desde sempre e desde a mente de qualquer outra con- este em nada afetará a nature- sua auto compreensão a respei- seqüência ou derivação de na- za daquela, pela razão muito to de sua origem, um anseio de tureza patrimonial, o conteúdo óbvia - diz o insuperável mes- conhecer a si mesmo melhor, e perfil deste direito da perso- tre - de que na ação investiga- por meio dos indícios certos e nalidade que se tem procurado tória o objeto colimado é a dos indicadores científicos de chamar de “direito ao pai”. declaração da existência de sua raiz genética. Um direito, Não quero dizer, com isto, uma relação de parentesco e, portanto e antes, puramente que esta busca ou certeza da se conseguido isto, estará finda. natural, cujo exercício nem paternidade encerre-se apenas Por isso tudo, afastada a ex- sempre pode sucumbir à face em situação de natureza moral clusividade patrimonial como de construções humanas, ain- e íntima, correspondente so- centro e cerne da investigação, da que precipuamente bem in- mente à questão de estado e desejo considerar que, se por tencionadas, como é o caso da derivada do direto exercício de um lado, está em perfeita reple- mais que famosa e controverti- um direito da personalidade, e, ção de razão João Baptista Vil- da presunção legal que costu- com isso, afaste a natural am- lela (1999, p. 121-142), ao re- mamos singelamente chamar pliação do campo jurídico no ferir que “pensar que a paterni- de pater is est. que respeita aos demais direi- dade possa estar no coincidir de Mas volto a falar do “direito tos subjetivos e aos deveres seqüências genéticas constitui, ao pai”, este direito que, além decorrentes do estado de filia- definitivamente, melancólica de dotado da anterioridade pró- ção. Não. Mas quero dizer, isto capitulação da racionalidade pria dos direitos encravados na j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 11 D ireito Artigo realidade e na vida dos homens com a grande maioria dos ani- viúvas, ou separadas ou, até desde sempre, na verdade deve mais que compõem a escala bi- mesmo, que se encontrem vin- ser lido e pensado de modo ológica que habita e vivifica a culadas pelos laços da consan- muito mais elástico do que ape- face da terra. güinidade. nas direito ao genitor masculi- Raros são os animais que Este é o legítimo interesse da no. O que quero dizer é que entregam suas jovens crias à criança, quer me parecer, ain- recepciono melhor a idéia de própria sorte, mas quando o da que desejando não correr o que ele devesse ser compreen- fazem, não os movem razões risco – espero – de estar ape- dido como “direito aos pais”, vazias ou cruéis, senão o cos- nas delirando sobre as supers- incluindo-se aí, também e por tume ancestral que caracteriza tições tão ao desgosto de meu certo, o direito à mãe. a espécie, hipótese que, nem de consócio neste painel, o magis- Sabemos todos que a mãe longe, assemelha-se à circuns- tralmente culto e sensível pro- tem estado ao lado de suas tância humana. Os humanos, ao fessor mineiro, João Baptista crianças em número de vezes contrário, naturalmente devem Villela2 – a quem rendo, de pú- sempre muito maior que os ge- permanecer junto à cria recém- blico, a minha homenagem, re- nitores do sexo masculino, con- nascida, e assim perdura a velando minha profunda admi- forme demonstram as estatísti- situação, por um tempo signifi- ração e respeito, pelo fato de cas; isto não se perde de vista, cativamente maior que nas ser quem é e como é, para o apesar do caso-exemplo ou hi- hipóteses de outros animais. Direito Privado brasileiro – mas, pótese-verdade com que iniciei Entre nós, e sob a égide dos ao contrário do delírio, como esta minha locução. Mas basta- comandos constitucionais con- dizia, espero estar apenas dei- va que se conhecesse um único temporâneos, destaca-se enfa- xando que as aves da fantasia caso, como o da filha de Clark ticamente esta postura nova e e da imaginação, estas sim sa- Gable, por exemplo, para que expurgatória da filiação unila- dias, estejam desenvolvendo eu já não pudesse mais estar teral, de sorte a admitir e facili- seus vôos em singulares tornei- autorizada a desdenhar o co- tar, ao filho, a busca aos seus os à volta de um tema tão doce, mentário: por direito ao pai pais, mediante o exercício de comovente e humano quanto deve-se entender o direito atri- um sadio direito de estado que este, o do direito que cada um buível a alguém de conhecer, tem, como escopo precípuo, o de nós tem de buscar, se qui- conviver, amar e ser amado, de afastamento da discriminação ser, a verdade a respeito de sua ser cuidado, alimentado e ins- odiosa, resultante da distinção vinculação genética a um ho- truído, de se colocar em situa- quanto à origem. Um direito mem ou a uma mulher, ainda ção de aprender e apreender os indisponível e tão pleno que que não seja a estes que sua valores fundamentais da perso- está incumbido, como atributo alma ordene chamar de pai e nalidade e da vida humanas, de essencial de sua individuali- de mãe. ser posto a caminhar e a falar, dade, a filhos advindos de qual- Mesmo àqueles que já têm a de ser ensinado a viver, a con- quer relacionamento natural seu favor reconhecido um esta- viver e a sobreviver, como de entre pessoas que não sejam do de filiação que o liga a um – resto é o que ocorre – em quase casadas entre si, ou que sejam digamos assim, apesar de acre toda a extensão mencionada - solteiras, ou divorciadas, ou a 12 palavra e em descon- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo formidade com meu gosto pes- os mais que incômodos, diga- ocorrer como pressuposto de soal – outro pai, quer por força se assim, filhos incestuosos. viabilização da pretensão, a de ter sido havido na constância Em cada um dos casos, cer- desconstituição do vínculo pa- do casamento de sua mãe, quer tamente, concorrerão distintos rental anteriormente gerado. por força de um espontâneo reco- pressupostos de admissibilida- Nestes casos, a exigência de nhecimento, prefiro circunscre- de e, por via de conseqüência, atendimento a tal pressuposto vê-los, ao lado de todos os de- distintos efeitos outros além do se concretizaria por força de mais aos quais falte mesmo a comum a todos os casos, que é outro fundamento, pois, nesta atribuição jurídica de um pai, no a declaração do estado filial. hipótese, o estabelecimento da rol dos que podem exercer esta Desta forma, em alguns ca- filiação não teria ocorrido como pretensão de buscar o embrio- sos, seria imprescindível que decorrência da presunção atri- nário liame genético, compreen- se promovesse, antes, a des- buível ao legislador, mas teria dendo esta busca como o objeto constituição do estado filial ocorrido como conseqüência da do “direito ao pai”. anterior, como na hipótese de escolha perpetrada pelo pai afe- Por isso, imagino que este ocorrência da filiação presumi- tivo, que num gesto de puro direito da personalidade esteja damente matrimonial. Se por amor - quem sabe? - promovera disponível a um elenco maior de nenhuma outra razão fosse, se- a falsidade jurídica para alcan- filhos, além daqueles que se ria, ao menos, pelo fato de que çar o escopo da filiação de fato, determina chamar de filhos ex- a presunção benéfica apurada mas para ele verdadeira. tramatrimoniais, alcançando pelo legislador no interesse do Muito dolorosa esta última também os que foram presumi- filho se desintegraria completa- hipótese, para ser assim tão damente qualificados como fi- mente no momento em que o serena e descuidadamente tra- lhos matrimoniais, desde que próprio interessado, até aqui tada? Penso que não, se orga- houvessem tido, primeiro, o tão cuidadosamente protegido nizo o raciocínio de acordo com cuidado de obter a desconsti- pelo comando presuntivo da lei, aquela mesma tônica ou toada tuição de seu estado, relativa- decidisse, por si mesmo, des- de antes, a saber: o direito exis- mente ao marido de sua mãe. cortinar a verdade genética a te e se disponibiliza para quem Imagino que este direito, ain- respeito de sua origem. Deve quiser exercê-lo, bastando que- da, possa se encontrar disponi- ser dado a ele o direito de fazê- rer, bastando optar, se este de- bilizado àqueles filhos que te- lo, se assim desejar, como ila- sejo ou esta opção se consagra- nham sido espontaneamente ção natural de sua condição rem, verdadeiramente, como o reconhecidos por pessoa não humana e como inferência má- interesse melhor ou mais ade- vinculada biologicamente a eles xima de sua dignidade. quado do investigante. E então, próprios, bem como pelos filhos Mesmo na hipótese de per- considerem os senhores, mes- adotivos, assim como pelos ha- quirição da origem genética em mo sem querer deixar de ter vidos por meio de procriação face de alguém que, não sendo como pai afetivo tão amantíssi- assistida, e ainda, na abrangen- o pai biológico, nem marido da ma pessoa, talvez o interesse te categoria dos extramatrimo- mãe da criança, tenha operado jurídico prevalecente quanto ao niais, também os mais que re- o reconhecimento da paternida- exercício do “direito ao pai”, jeitados, os mais que ocultados, de, quero entender devesse fosse exatamente este que se j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 13 D ireito Artigo desdobra na versão “direito à dio que a ordem jurídica perpe- que reorganizassem o matrimô- identidade genética”. trou contra tais criaturas, havi- nio e a procriação, buscando Aliás, senhores, um dos mais das de relações incestuosas, afastar o malefício ou o descon- bonitos acordãos a respeito esteve impregnado sempre des- forto da relação incestuosa, desta amplitude do direito ao te desdém social, ou desta fin- para evitar a impureza e a má- pai, considerando-se a mais vas- gida indiferença, quase um des- cula das famílias, já que inces- ta e possível extensão do que conhecimento voluntário, que to – que deriva do latim incestus este direito realmente signifi- sempre envolveu tão delicado – significa impuro, não casto.4 que, é aquele que teve como assunto. No entanto, quer a mitolo- relator S.Exa. o Ministro Sálvio Desde muito longe, no tem- gia, quer a história, quer a pró- de Figueiredo Teixeira, que re- po, a lei já se enunciava de sor- pria Bíblia, estão todas estas afirma que “saber a verdade te a repugnar e a intolerar os fontes a se referir, à exaustão, sobre sua paternidade é um le- casos de incesto, como ocorreu, a episódios de incesto, alguns gítimo interesse da criança; um por exemplo, no antiqüíssimo famosos como o caso de Zeus direito humano que nenhuma Código de Hamurabi que pres- que, disfarçado de serpente, lei e nenhuma Corte pode frus- creveu: “Se alguém, depois de manteve relação sexual com trar” (Teixeira, 1991), exata- seu pai, se deitar sobre o seio sua mãe Réia, ou de Cleópa- mente porque refere a uma das de sua mãe, serão os dois quei- tra que se casou com seu ir- mais altas e valoradas expres- mados”. mão Ptolomeus XII, ou de Mas nem sempre foram, no Abraão que se casou com sua passado mais remoto, exogâmi- meia-irmã Sara, para citar ape- Prossigamos, para enfrentar, cas as famílias; ao contrário, nas alguns. quiçá, o mais difícil de todos os percorreu a história da huma- Mas, enfim, pululem à von- endereçamentos quando a te- nidade uma trajetória bastante tade os exemplos históricos, mática circunflui o cerne do “di- longa até que se estabelecesse bíblicos ou mitológicos, a ver- reito ao pai”, para atribuí-lo, a correlação entre fertilidade e dade é que há e houve sempre também, aos filhos extramatri- sensualidade, a correlação en- uma verdadeira aversão e um moniais incestuosos. tre o ato sexual e a procriação, intranqüilizador temor em face Perguntados de chofre, res- sempre como resultado de uma do incesto, aversão e temor es- ponderemos, todos nós – ou a situação de experimentação, ou tes profundamente arraigados maioria de nós – que eles, é cla- seja, de um conhecimento que na natureza humana. Poder-se- ro, têm igualmente o direito ao se produziu empiricamente. ia dizer que “a proibição do in- conhecimento de sua ascendên- Esta descoberta, que deve ter cesto é, hoje, daqueles freios cia biológica. Respondido, o sido produzida à volta do quar- inibitórios que se encontram assunto sempre falece, pois o to ou do quinto milênio antes incrustados no nosso ego, os constrangimento que o envol- de Cristo, provocou imensa quais automaticamente passa- ve parece conter uma tal espé- mutação nas estruturas sociais, mos à nossa descendência, cie de maldição que é mais con- religiosas e comportamentais mesmo sem a averiguação dos veniente dela não falar tanto... da humanidade, de molde a seus motivos e conseqüências” Enfim, o velho e milenar repú- implicar na assunção de regras (Gavião de Almeida, 1985). sões da condição e da dignidade humanas. 14 3 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Verdadeiro tabu, na lingua- do pena por algum crime ou por tão arriscado considerar que o gem da psicanálise, funciona violação dos costumes tiveram filho incestuoso, como por hi- exatamente assim, quer dizer, algum tipo de envolvimento se- pótese se está a examinar, exer- como um tecido normativo não xual intrafamiliar...”. cesse seu “direito ao pai”, se escrito que impõe rigorosa no- Ora, que questão difícil é assim desejasse, apenas no que ção de limites e de proibido, esta de se indagar a respeito de dissesse respeito a um interes- valendo por si só, algumas ve- eventual “direito ao pai” deferi- se exclusivamente colimado. zes, como sanção à própria do a uma criança que tenha sido Por isso, tenho pensado que transgressão, pois costuma havida em decorrência de uma seja possível incluir entre as atormentar o violador, além do relação sexual incestuosa... e múltiplas faculdades que com- violado, como um eficiente ins- mesmo aquela que tenha sido põem a vasta essência deste trumento de tortura. Mas nem vítima do incesto paterno! Em direito, mais esta, que é a refe- por isso, curiosa e tristemente, alguns casos - ou até mesmo na rente ao direito de escolher ou é possível afirmar que o incesto maioria deles, quer me parecer selecionar os aspectos que in casu se dá por uma única vez, - melhor estaria sendo realiza- quer ver exercidos, limitando a quer dizer, de modo isolado e do o direito se a criança fosse extensão do campo de incidên- esporádico. Mas, ao contrário, mantida longe de seu genitor, cia do exercício, para buscar, as estatísticas mostram que violador do tabu do incesto por no “direito ao pai”, aquilo que 70% das relações incestuosas ocasião importar diretamente ao inte- têm a duração de mais de um cepção ou, afora a hipótese de ano. ser incestuosa a filiação, que Assim, se o filho pretender Aliás, é sempre o espantoso houvesse sido ele, no lar, o o conhecimento de sua ances- mundo das estatísticas aquele próprio violador sexual do tralidade genética, poderá obtê- que mais nos constrange, pois filho ou filha. lo, independentemente de se de sua con- resse jurídico em questão. desperta o sentido para a visão Relembrando que o direito disponibilizar ao exercício do do gigantismo da situação es- ao qual nos referimos hoje, direito de ser visitado, por drúxula, nem sempre rara... enquanto direito da personalida- exemplo, ou de conviver com Assim, e conforme estão alinha- de, é de lata extensão, de qualquer de seus genitores, se dos estes dados estatísticos, conteúdo plural, de proporção a convivência lhe causar mais recolhidos há cerca de seis ou vária, que ele se compõe de múl- estragos que benefícios, como sete anos (Cohen, 1990, in- tiplos sub-direitos, faculdades é o caso de tantas hipóteses da trod.), “30% das mulheres que ou faces de um espectro maior, vida real, entre elas, e por cer- procuram ajuda psiquiátrica fo- escalonados em matizes e gradu- to, aquilo que se vinha consi- ram vítimas de incesto; 5% das ações distintas, e considerando derando antes, a respeito dos crianças enviadas à terapia, es- que por força desta multifarie- filhos do incesto. tão vivenciando uma história de dade, o seu titular pode exercê- Enfim, senhores, este punha- incesto; cerca de 50% das ado- lo por partes, independente- do de idéias que hoje exponho lescentes que fugiram de casa mente de atrair, de uma só vez, neste II Congresso Brasileiro de foram vítimas de incesto; 74% todo o extenso rol de suas pe- Direito de Família, promovido dos presos que estão cumprin- culiaridades, talvez não fosse pelo Instituto Brasileiro de j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 15 D ireito Artigo Direito de Família – IBDFAM, e Encerro relembrando a situ- ou extramatrimoniais, e entre que poderiam estar melhor des- ação de todos os filhos que têm estes os incestuosos, os quais, pendidas não fossem as natu- “direito ao pai” – de uma forma por vezes, não têm a mesma rais limitações do tempo e as ou de outra e conforme a ex- coragem de expor as entranhas naturais limitações de minha ca- pressão do direito que preten- de seu sofrimento. pacidade, trago-as para que as dam exercer – para regravar em Encerro ouvindo, sempre em debatamos, pois um direito minhas preocupações estórias meu cérebro ouvindo, o clamor grande, vital e essencial como como a da sexagenária filha de destes filhos: “Ah, se eu soubes- este - o “direito ao pai” - só terá Clark Gable que teve a coragem se que ele era meu pai...” o seu perfil e meandros perfei- de descortinar ao mundo a sua tamente delimitados se houver, dor, suas frustrações e seus como agora, provocação com a anseios, bem como a de todos semeadura de idéias. os demais filhos, matrimoniais E isto me comove. R NOTAS 1 Palestra proferida no II Congresso Brasileiro de Direito de Família, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, com o apoio da Ordem dos Advogados de Minas Gerais, em 28.10.1999. 2 3 V. o mesmo e perfeito estudo concluído pelo professor ilustre, já referido, especialmente suas assertivas de conclusão, à p. 142. Se diz exogâmica a sociedade em que os matrimônios se efetuam com membros de tribos estranhas ou, se dentro da mesma tribo, com os membros de outras famílias ou de outro clã. O contrário se diz endogâmica. 4 Sobre o incesto, do ponto de vista da psicanálise, cf. COHEN, (1993); sobre as origens e história da paternidade, cf. DUPUIS, (1990). BIBLIOGRAFIA COHEN, Cláudio. O incesto – um desejo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1993. DUPUIS, Jacques. Em nome do pai: uma história da paternidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 16 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Dos filhos havidos fora do casamento. Revista Jurídica da FADAP – Faculdade de Direito da Alta Paulista, n. 1, 1998. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. 5. ed. Ed. Forense, 1996. TEIXEIRA, Min. Sálvio de Figueiredo (rel.). REsp. nº 4.987-RJ, rel. STJ, 4ª T., por maioria, DJU de 28/10/91, RSTJ 26/378. VILLELA, João Baptista. O modelo constitucional da filiação: verdade e superstições. Revista Brasileira de Direito de Família (IBDFAM), n. 2, jul-ago-set 1999. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Proposta de uma nova política criminal e penitenciária para o Brasil Luíz Flávio Borges D’Urso Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC e da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, Mestre e Doutorando em Direito Penal pela USP, Professor de Direito Penal, Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça. O Brasil necessita de uma Política Criminal e Penitenciária, de forma a definir, orientar e focar os objetivos que o governo, permanentemente, deverá procurar alcançar, pois não se trata de uma política limitada a uma gestão governamental, mas de uma diretriz, nítida a guiar os futuros dirigentes nacionais. Este trabalho, que submetemos à apreciação da comunidade jurídica nacional, teve origem na determinação do Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, quando designou-nos Relator, objetivando preparar proposta para uma nova Política Criminal brasileira; na mesma oportunidade o Prof. Nilzardo Carneiro Leão foi também designado relator de uma proposta para uma Política Penitenciária para nosso país. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 O ilustre Professor apresentou em reunião plenária seu relatório, registrando sua dificuldade em separar a Política Penitenciária da Política Criminal; nosso trabalho também encontrou o mesmo ponto de resistência, porquanto, praticamente impossível cindir esses dois ramos de uma única árvore. Ao final, ambos os relatórios foram aprovados por unanimidade. No parecer do Prof. Nilzardo, verifica-se a intimidade entre as duas políticas, quando leciona: “A elaboração de uma Política Penitenciária torna-se tarefa complexa na medida em que o êxito de seus objetivos está a depender de sua efetiva aceitação e execução, além de ser necessário postar-se em perfeita identidade com o sentido finalístico de uma Política Criminal, ora também em discussão, de modo a tornarem-se ambas um estudo global e realístico daquilo que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária considera fundamental às grandes linhas de adequação e de reformas”. E o ilustre Conselheiro Nilzardo conclui: “A Política Penitenciária está intimamente atrelada, interligada, aos objetivos de uma Política Criminal, na medida em que esta é instrumento indispensável à execução daquela, ambas indispensáveis à melhoria de vida do cidadão. Como também inaceitável que esta se pudesse operar fora do que for aplicado nos estabelecimentos penais, buscando a compreensão da efetiva e real aplicação da pena”. Daí, já neste início, nosso registro em coro aos argumentos do Cons. Nilzardo, posto que as dificuldades para traçar uma Política Criminal para o Brasil são gigantescas, senão ob17 D ireito servada em sintonia com a Política Penitenciária Nacional. Convém, desde já, advertir que inexiste projeto de política criminal brasileira dissociada de um projeto de política social, porquanto aquela é efeito desta, sendo a política criminal o resultado da política social implementada no país. As presentes diretrizes de uma Política Criminal e Penitenciária enunciam uma séria de princípios básicos e propósitos a serem perseguidos, objetivando o aprimoramento da reação ao fenômeno crime, bem como da execução penal no país, em consonância com a Constituição Federal, a legislação pertinente e o Programa Nacional de Direitos Humanos, assim também em harmonia com as Regras Mínimas estabelecidas pela ONU, para Tratamento do Preso, além das Regras de Tóquio e as do CNPCP/MJ. E afinal, o que é Política Criminal? Na busca de uma definição, encontramos o expressivo trabalho de madame Mireille Delmas-Marty, uma das maiores autoridades em direito penal e criminologia da Europa, editado em 1983, pela Econômica de Paris, intitulado Modèles et mouvements de Politique Criminelle (Modelos e Movimentos de Política Criminal), que orienta quanto à pesquisa preconizada. Assim, “a expressão Política 18 Artigo Criminal foi durante muito tempo sinônimo de teoria e prática do sistema penal designando, conforme a expressão de Feuerbach, ‘o conjunto dos procedimentos repressivos através dos quais o Estado reage contra o crime’. Entretanto, constata-se hoje que a política criminal se desligou tanto do Direito Penal quanto da Criminologia e da Sociologia Criminal e adquiriu um significado autônomo. E quando em 1975, Marc Ancel cria a revista Archives de Politique Criminelle, ele frisa de imediato a necessidade de não limitar a política criminal apenas ao direito penal e propõe que seja considerada como “a reação, organizada e deliberada, da coletividade contra as atividades delituosas, marginais e anti-sociais”, empenhando-se em destacar sua dupla característica de ciência de observação e de arte, ou de estratégia metódica da reação anticriminal”. Conclui Madame DelmasMarty que poder-se-ia dizer, retomando e ampliando a definição de Feuerbach, que a Política Criminal compreende “o conjunto dos procedimentos através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”. Em poucas palavras: a Política Criminal tem, prioritariamente, por objetivo permanente, assegurar a coesão e a sobrevivência do corpo social respon- dendo à necessidade de segurança das pessoas e dos bens. Já o desembargador paulista Marcelo Fortes Barbosa afirma que Política Criminal é o controle pragmático externo sobre a Legislação Penal, presentemente, também, sobre a jurisdição do ponto de vista concreto. Além disso, separa dois ramos para essa política, quando estabelece, teoricamente, duas classificações para a Política Criminal, sendo a primeira uma Política Criminal legislativa, e outra, uma Política Criminal jurisprudencial. Nesse diapasão, entende o Professor da USP que a Política Criminal, precipuamente, deve verificar-se no campo legislativo e atualmente, insiste, carecemos de uma reforma penal: “Assim, uma reforma penal deve enveredar sempre por uma triagem no campo da antijuridicidade material para verificar aqueles relatos que deixaram de ter razão de ser no CP, que resultaram no enfraquecimento do cometimento respectivo, a fim de que ou substitua o relato por outro ou, por anomia completa, resolva extingui-lo” (in Política Criminal, vários autores, Usina Editorial, p. 88). Portanto, para o professor de São Paulo, uma Política Criminal passa por um enfoque quanto à oportunidade dos tipos de que o Estado dispõe, a fim de j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo coibir condutas indesejáveis. Esse enfoque obriga um rastreamento por entre os tipos estabelecidos pelo legislador pátrio e seu confronto com nossa realidade, verificando assim, como salientado, sua oportunidade face à conjuntura. O exame desses tipos poderá indicar alguns que devem desaparecer e outros que devem dar lugar a novos tipos, vale dizer, enquanto algumas condutas tendem a ser expurgadas do regramento penal, outras darão lugar a novas condutas, antes inimagináveis pelo legislador, mas que hoje precisam de regramento, à luz dessa política criminal. E o Des. Barbosa conclui: “Há vários exemplos num sentido de abolição e no sentido de necessária introdução de normas novas na Legislação Penal, como reclamo da política criminal legislativa. Alguns dispositivos, por anomia total da norma penal já deveriam ter sido erradicados do CP, e outros já deveriam ter sido modificados, por anomia parcial, com outra conformação típica dos dispositivos a fim de que os relatos fiquem revigorados e, conseqüentemente, os respectivos cometimentos possam, novamente, impregnarse de carga punitiva”. Ao lado dessa Política Criminal legislativa, ainda segundo o Prof. Barbosa, existe a Política Criminal jurisprudencial: “Asj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 sim, hoje, as Súmulas dos Tribunais Superiores da República formam um autêntico Direito de concreção, que já se está denominando por nome próprio, “Direito Sumular”. Trata-se, à evidência, de manifestação de Política Criminal jurisprudencial, que muitas vezes interpreta a lei de maneira mais ampla do que o Direito estrito. Além disso, é bom que se observe que a jurisprudência da mais alta Corte de Justiça do País oscila de acordo com o acréscimo ou diminuição da criminalidade urbana. Assim, já houve época em que o STF chegou a admitir a continuidade delitiva entre o furto e roubo, que hoje é repudiada em face do crescimento do número de crimes patrimoniais, especificamente os violentos”. Outra manifestação dessa Política Criminal jurisprudencial é notada quando os Tribunais manifestam-se, por exemplo, sobre a aplicação da Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072/90, aos casos que lhe são submetidos, posto que tal diploma é fruto de um movimento denominado Lei e Ordem, que advoga o endurecimento penal, maior criminalização e aumento de tempo de encarceramento, influenciando o legislador e também o julgador, numa política à luz dessa corrente. O equívoco desse enten dimento ficou patente na própria evolução do Direito Penal no mundo, pois o aumento de pena, juntamente com um maior encarceramento, não diminuem a taxa de criminalidade. Hoje não há mais dúvida: o que realmente reflete na criminalidade é a certeza da punição. Falamos sobre conjuntura e é inegável que a Política Criminal passe, necessariamente, a sofrer os influxos sociais, a delimitar as condutas eleitas pelo legislador penal, que passará a regrá-las. Os apelos da atualidade, sabemos todos, impõem enormes frustrações aos povos, principalmente aqueles brindados pelo que se tem de mais avançado em tecnologia, aumentando o hiato entre os capacitados a consumir e os demais, condenados a somente assistir a um consumismo injustificável. Aumenta-se, obrigatoriamente, as áreas de atrito social e o Direito tem como tarefa administrar essa questão. Nosso ex-presidente do CNPCP/MJ, Prof. Edmundo Oliveira, teve sensibilidade suficiente para registrar essa realidade, em seu livro Política Criminal e Alternativas à Prisão (Editora Forense), quando escreve: “O mundo moderno coloca o Direito diante da necessidade de restabelecer a segurança e a paz, sem arranhar a justiça, sem violar os direitos fundamentais da humanidade. Pode19 D ireito ríamos viver bem melhor, se soubéssemos realizar a conciliação dos valores do indivíduo e da sociedade, no sentido de evitar que a pobreza e a miséria tornem ilusória a igualdade perante a lei. A conciliação de todos os valores do indivíduo e da sociedade, e de todos os fatores instrumentais e finalísticos, é problema de composição de forças que a mecânica não o pode resolver, mas o Direito sim, mercê da organização social e da disciplina jurídica. Fora dessa regulamentação da vida em sociedade, que é o Direito, não há segurança nem justiça”. Frente a essa realidade, exige-se o exame dos mecanismos de regramento sociais, a fim de se estabelecer o momento no qual pode se invocar o Direito Penal; assim, reserva-se a resposta penal para os casos nos quais as respostas advindas de outros mecanismos de controle sociais falharam, vale dizer, somente após falharem todas as outras formas de regramento para a sociedade, é que se autoriza o chamamento do Direito Penal, restringindo-o ao essencialmente necessário. Esse é o chamado mecanismo do Direito Penal mínimo, ou da mínima intervenção, o qual deve, a nosso ver, assoalhar uma Política Criminal para nosso país. Ainda o Prof. Nilzardo, em seu belo parecer, ensina que “sendo ‘fenômeno de massa’, a 20 Artigo criminalidade, no melhor conceito criminológico, não pode ser vista apenas sob a ótica jurídica e muito menos ser enfrentada com possíveis agravamentos das sanções penais ou simples introdução de novos tipos e conseqüentes preceitos sancionadores. A moderna concepção da ‘intervenção mínima’ do direito penal repele essas soluções, que, sabe-se, não terá força alguma no reduzir a criminalidade”. Nesse raciocínio, à luz desse Direito Penal mínimo é que se deve admitir a análise conjuntural, e verificar se pretendemos somente criar novos tipos penais, objetivando, exclusivamente, intimidar, ou buscamos, também pelo Direito Penal, uma melhor convivência de nossos compatriotas. Sediados nesse enfoque é que vamos buscar a manifestação do Professor Barbosa, quando assevera: “De outro lado, o aumento da criminalidade violenta, que é um fato constante numa sociedade que se caracteriza pela urbanização desenfreada, pelo abandono do campo em prol das cidades, pela impessoalidade das relações da cidade grande, faz com que outros tipos penais sejam necessários para uma boa política criminal legislativa. Em suma, a política criminal legislativa visa à efetividade da norma penal, que conjugada com a sua legitimidade lhe garante a eficácia”. Para subsidiar este estudo, vale registrar, nesse ponto, a existência de uma corrente político-criminal, que, segundo o Professor carioca João Marcello de Araújo Júnior, é atual. Trata-se da Política Criminal Alternativa. Embora possa assustar alguns, e ser confundida com o Direito Alternativo que apareceu no sul do país, essa corrente é extremada, porquanto, embora enfeixe tendências, advoga a abolição do sistema penal e da pena privativa de liberdade, o que sabemos, na atualidade, é pura utopia. Mas, para melhor entender essa corrente penal, observe-se o comentário do Professor João Marcello, em seu livro Sistema penal para o terceiro milênio (Editora Revan, p. 78): “Sob a denominação Nova Criminologia encontramos um outro movimento que, à semelhança da Novíssima Defesa Social, se constitui numa espécie de frente ampla, que abriga em suas fileiras tendências diversas. Nova Criminologia é expressão genérica, na qual se subsumem denominações específicas, como Criminologia Crítica, Criminologia Radical, Criminologia da Reação Social, Economia Política do Delito (denominação proposta na Inglaterra) e outras, cada uma, a seu modo, signifij a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo cando reação à chamada Criminologia Tradicional, que, fulcrada no pensamento positivista, preocupa-se apenas com a etiologia do crime e com os aspectos psicológicos da passagem ao ato, a partir de conceitos estratificados na lei. Todas essas Criminologias contribuem para a formação, no campo da política criminal, de um movimento conhecido por Política Criminal Alternativa, cujo principal veículo de divulgação foi a revista La Questione Criminale, que se editava em Bolonha, sob a orientação do denominado Grupo de Bolonha”. Num misto de alerta e protesto contra o Direito Penal nos moldes que conhecemos no Brasil, o professor carioca conclui: “A Nova Criminologia demonstra que o Direito Penal não é igualitário, nem protege o bem comum e, também, que sua aplicação não é isonômica”. Dessa forma, para se alinhavar uma Política Criminal para nossa nação, não podemos perder de vista o que diz o Professor da Faculdade de Direito do Recife, Ruy Antunes, citado pelo Cons. Nilzardo em seu parecer: “À política criminal (e penitenciária) cumpre indicar os meios adequados para consecução de determinados objetivos no seu campo específico de pesquisa. À Política cumpre recolher essas sugestões, como tantas ouj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 tras fornecidas por disciplinas consagradas ao estudo de fenômenos de diversa ordem – educação, higiene, assistência médica, etc. – e decidir da oportunidade de sua aplicação”. Nos objetivos da Política Criminal nacional devem estar a redução dos níveis de criminalidade o quanto possível, juntamente com a garantia dos cidadãos. Para tal, algumas sugestões são elencadas: a) Exata adequação da utilização da pena privativa de liberdade, nos moldes de utilização mínima, à luz de um Direito Penal mínimo também, servindo a cadeia somente para aqueles que revelem periculosidade. Isto porque a pena de prisão, como sabemos, não recupera, mas, ao contrário, aniquila o homem e jamais reintegra-o. Assim, trata-se de medida abominável, contudo indispensável para alguns. Maior abrangência das penas alternativas é absolutamente necessária. b) Um programa que possibilite a descriminalização, a despenalização e a desjudicialização. Vale dizer, um esforço para que o legislador possa afastar, do elenco de tipos, condutas que, pela conjuntura, mereçam afastar-se do campo penal; afastar de algumas condutas sobre as quais a lei penal ainda prevê a pena severa, bem como afastar da apreciação do judiciário o que pode ser distanciado desse crivo, porquanto aliviar-se-ia o sistema, desobstruindo-o para concentrar-se nos problemas realmente graves que são levadas à apreciação de nossa Justiça. c) Transportar à comunidade, o quanto possível, transferindo do Estado para a sociedade a função de controle sobre as condutas consideradas nocivas leves. Ampliar o alcance das composições civis nas lides penais, bem como a aplicação das penas alternativas, como mecanismo de resposta penal ressocializador. Face aos efeitos maléficos do cárcere, a aplicação de penas alternativas à prisão é uma exigência humana, pois no dizer do Prof. Damásio de Jesus, ilustre integrante deste Conselho, existem pessoas que delinqüiram e precisam ser presas, face ao risco que representam à sociedade, pois são pessoas perigosas, todavia, existem aquelas que,apesar dos delitos que cometeram, não podem ser presas, pois a prisão lhes fará mais mal, a elas e à sociedade ao final, do que o mal do delito cometido. Assim, o objetivo da recuperação – com a aplicação das penas alternativas – 21 D ireito pode tornar-se realidade. d) Focando o direito penal mínimo, impõe-se a criminalização dos comportamentos que importem dano ou ameaça, no dizer do Prof. Marcello, aos fundamentais interesses das maiorias, tais como: a criminalidade ecológica, a econômica, as violações à qualidade de vida, as infrações à saúde pública, à segurança e higiene no trabalho, e outras do mesmo gênero. e) Comprometer, de alguma forma a ser estudada, o aparelho da mídia nacional, a difundir os objetivos da certeza da punição, com intensa observação aos direitos humanos e às garantias individuais, sem dispensar as garantias processuais. A vasta propaganda deve desestimular a prática do delito, fazendo papel inverso daquele que hoje observa-se. Esta proposta deve compreender uma verdadeira campanha permanente de esclarecimento à população sobre a lei penal, seus reflexos e as conseqüências reais a aqueles que a transgridem. Enfim, há que se reimplantar o respeito à lei e o temor à pena, que não precisa ser privativa de liberdade, porém certa; que não precisa ser exacerbada, porém inexorável a desestimular, principalmente, os jo22 Artigo vens que pretendem delinqüir. Para tanto a mídia tem um papel fundamental. f) O profissional do direito tem hoje dificuldade em saber quais leis estão vigentes, o que não dizer do cidadão que tem enorme dificuldade em conhecer as leis. Daí porque deve passar, pelo projeto de Política Criminal, a preocupação com que os brasileiros conheçam suas leis e, para tal, uma medida sugerida poderia ser a Consolidação das Leis Penais, pois mais uma vez, a quantidade de leis criminais fora do código penal é tão grande, senão maior do que os dispositivos codificados. Já tivemos em nossa história um momento em que a consolidação mostrou-se útil, creio que estamos diante de uma nova necessidade de consolidar todos os regramentos criminais. g) Outra questão que deve estar esculpida na Política Criminal adotada é a manutenção da maioridade penal aos 18 anos, porquanto, face ao sistema prisional que temos, de nada adiantará rebaixar esse patamar etário de responsabilidade penal. Na verdade, penso que o ideal seria o critério psico-etário, a verificar quando o agente tem compreensão de sua conduta para responsabilizá-lo criminalmente. h) Nosso sistema tem, lamentavelmente, esquecido as vítimas e testemunhas, abandonando-as à própria sorte após servirem à justiça. É indispensável que tenhamos um programa de proteção à testemunha e à vítima se pretendemos aprimorar nosso sistema de justiça. i) Todas as formas de prevenção do delito devem ser consideradas e campanhas de prevenção têm que estar num projeto que trace a Política Criminal nacional, esclarecendo a opinião pública de que o delito ocorrido, mesmo que prevenido, será punido, de forma a demonstrar que a impunidade está afastada, investindo-se na certeza da punição. j) Jamais se pode traçar um plano sem as informações circunstanciais que devem subsidiar aquele que é responsável pela estratégia; da mesma forma, nosso país carece de pesquisa criminológica, aliás, carece de dados em geral, principalmente aqueles destinados à estatística criminal. Somente poderse-á traçar as estratégias após se conhecer todos os dados e circunstâncias que envolvam o problema criminal. k) Quanto à pena, embora mereça destaque no projeto de Política Penitenciária, há que j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo se ponderar, embora epidermicamente, da necessidade de sua proporcionalidade, posto que tal graduação garante o equilíbrio da individualização da pena, quer pelo agente, quer pelo delito cometido, eliminando o enfraquecimento da norma penal pelo desuso face ao seu rigorismo. l) Os problemas enfrentados pelo governo para estabelecer um plano de segurança pública servem para demonstrar a necessidade de um remodelamento, de uma reengenharia para a formulação de uma nova doutrina de segurança pública no país, o que certamente deverá estar inserido num projeto de Política Criminal brasileira. Todas estas propostas não afastam os cuidados que haverão de ser dispensados, visando às causas sociais que deflagram a criminalidade, como, por exemplo, combate à miséria, à desnutrição, melhor distribuição de renda, melhores oportunidades de trabalho, instrução, alimentação acessível, assistência à saúde, etc. Por derradeiro, invocamos a lucidez de nosso estimado Professor João Marcello quando leciona: “O desejo ardente de uma sociedade sem crimes e sem penas é nobre e deve empolgar todas as sociedades que amam j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 a liberdade e lutam pela igualdade e fraternidade entre os homens. Tal aspiração, entretanto, não nos deve impedir de reconhecer a realidade, e esta, infelizmente, ainda não se identificou com o sonho. Por isso, ao mesmo tempo que lutamos pelo progresso, devemos nos manter na defesa das conquistas já alcançadas, pois se nos dedicarmos ao devaneio, gozando a antevisão de sua concretização, poderão ocorrer retrocessos que nos façam acordar diante de uma sociedade mais cruel que a atual”. E encerrando, voltamos ao ponto inicial de contato entre a Política Criminal e a Política Penitenciária, pois de nada adianta todo esforço na política legislativa e até jurisprudencial, quando o desaguar desse esforço ocorre no vazio da iniquidade de nosso sistema penitenciário, colocando tudo a perder. Por fim, ainda o Cons. Nilzardo, com sua lucidez ímpar, é invocado mais uma vez, quando em seu parecer registra: “Fora de dúvida, inquestionável mesmo, que a Política, em sua compreensão genérica, e as Política Criminal e Política Penitenciária, completando-se, representam um tempo histórico social e refletem e manifestam a cultura de uma época. Fora de dúvida que uma Política Crimi- nal tem de voltar-se não apenas para estruturas normativas e suas modificações, para adequar-se a novas situações e valores emergentes, mas para a oferta de possíveis soluções, as mais variadas e esperadas pela sociedade, no sentido de minimizar os níveis de criminalidade e reduzi-la a limites de suportabilidade social. Porque, sem dúvida, esse é problema que está a exigir providências as mais diversas, imediatas ou mediatas, em todos os níveis, ante o risco crescente da segurança dos cidadãos e da coletividade como um todo, com graves repercussões no desenvolvimento do país”. Submetendo assim este estudo ao crivo da comunidade jurídica nacional, uma vez que aprovado por unanimidade pelo Egrégio Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acreditamos que uma Política Criminal intuída pelos dirigentes intelectuais não seja suficiente, há que se ter um programa para sua implantação, há que se ter seus princípios e diretrizes, enfim, há que se saber o rumo certo de nossa trajetória penal, atual e futura e, somente aí teremos a Política Criminal e Penitenciária Brasileira que pretendemos. R 23 Artigo Política y civismo: dos conceptos distintos Gerardo Ancarola Advogado, professor de direito e diretor da revista Foro Político da Universidad del Museu Social Argentino UMSA, Buenos Aires (Argentina) En el marco de esta Jornada conceptos que están íntima- taba el fantasma del totalitaris- vale la pena reiterar que el ob- mente entrelazados: política, mo comunista – para el lúcido jetivo de Civic Education es democracia y civismo. De los pensador francés el civismo nada menos que “realizar y ori- dos primeros, que son claves, abarcaba, como vimos, tres as- entar en la sociedad contempo- no es éste el momento de refe- pectos que, sintéticamente, glo- ránea la preparación de los jó- rirnos. En cambio, qué se enti- samos a continuación. venes para ser futuros ciudada- ende por civismo – en sus El civismo conlleva entonces nos y participar en la actividad diferentes formas de manifes- y en primer lugar, un conjunto pública”. Todo ello, en la inteli- tarse: vida cívica, educación de ideas fundamentales que gencia de que “la formación de cívica, instrucción cívica, etc. – pueden resumirse en las sigui- los ciudadanos requiere una será el tema central de estas entes: a) sentido y preocupa- cultura cívica, desarrollada en sumarias reflexiones. ción por el “bien común”, enten- tradiciones democráticas”.1 En un breve pero ya clásico diendo por tal lo caracterizado Es decir, se trata de formar ensayo, Joseph Folliet (1903- por la doctrina social católica;3 ciudadanos – mejor dicho jóve- 1976) definía el civismo como b) “lealtad” – que no implica ni nes ciudadanos – para una el “conjunto de ideas, de acti- servilismo ni sumisión – a las sociedad democrática. En otras tudes y de hábitos que corres- autoridades e instituciones del palabras, se trabaja para con- ponden al buen ciudadano, ele- país; c) la democracia, como es- solidar la base política de las mento activo y conciente del tilo de vida, que obliga al respe- sociedades del futuro; porque pueblo”.2 Escrito en los años cin- to por las ideas ajenas, porque como sabemos, si bien el futu- cuenta del siglo veinte – cuan- no hay democracia sin pluralis- ro no puede predecirse, puede do en Europa Occidental mo ideológico; y d) cultivar el en cambio prepararse. debían reconstruirse las demo- “espíritu crítico” sin excesos ni De estas telegráficas consi- cracias luego de la Segunda sectarismos. En cuanto a las ac- deraciones surge que hay tres Guerra Mundial y se enfren- titudes que para Folliet deben j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 25 D ireito Artigo observarse, está prioritariamen- integral, por lo que entre sus ofrece un capítulo precisamen- te la obediencia a las leyes – en contenidos tenía que figurar, te llamado Civismo, donde en esta Jornada se ha destacado, necesariamente, la formación siete artículos – del 155 al 162 por ejemplo, la importancia que cívica de las jóvenes genera- – de manera concreta y hasta reviste pagar los impuestos – y ciones. pormenorizadamente – avala- también brindar generosidad, En este último sentido, resul- do en algunos casos con ex- tanto de tiempo, para obras ta de gran interés la lectura del tensas notas doctrinarias – tra- comunitarias – el desarrollo de documento de trabajo de la ta el tema. las ONGs entre nosotros, en los Civic Education, donde se de- Así, por ejemplo, el artículo últimos años, es un signo aus- talla el estudio comparativo de 156 titulado “Naturaleza del picioso – como generosidad de la educación cívica que se de- civismo” lo define como a “la vir- los sectores de mayores recur- sarrolla actualmente en más de tud propia del ciudadano. Con- sos en dinero, para obras de veinte países del mundo. Sirve siste en una disposición habi- bien público. Finalmente, y en también para verificar, en la tual para cumplir con las cargas cuanto a los hábitos, consti- actualidad, la ausencia casi que a uno le corresponden tuyen para él una serie de com- total de estos temas en nues- como miembro de una sociedad portamientos, en el plano per- tras escuelas y colegios. política, a la vez que para practicar los derechos que ella con- sonal y de la vida cotidiana –que van desde el respeto al prójimo EL CIVISMO EN LA fiere. El espíritu cívico hace per- a una tendencia de austeridad DOCTRINA SOCIAL DE cibir el bien que permita el ar- en las costumbres – que confor- LA IGLESIA mónico desarrollo de la comu- man todo un “estilo de vivir” y Cabe hacer notar que lo ex- nidad política entera e inspira que en definitiva se fundamen- presado por Folliet no era más el deseo de subordinar al bien tan en la observancia riguro- que repetir una posición soste- general del país los intereses sa de principios éticos, a los nida desde hácia más de un particulares, colocando a éstos que se llega y se consolidan a siglo por la Iglesia Católica, que en un puesto preciso dentro del través de la educación. en su denominada doctrina orden ciudadano. El objeto del De ahí que la democracia – social dividía las obligaciones y civismo varía según la natura- tanto como sistema político o deberes inherentes al civismo leza y el nivel de las sociedades como estilo de vida – necesita de todo lo atinente a la política. políticas de las que uno forma de lo que el recordado Mario En ese sentido, por ejemplo, el parte. El Estado exige el civis- Justo López Llamaba “protago- Código de Moral Política mo de todos”.6 nistas idóneos” y que eran no publicado por la Unión Interna- El artículo siguiente, el 156, sólo los dirigentes políticos, cional de Estudios Sociales de es también extenso. Se titula sino también los simples ciuda- Malinas, que data de diciem- “Educación del civismo” y comi- danos que debían ser eficaces bre de 1957, es muy claro y enza afirmando que “el civismo, en el accionar y sobre todo vir- circunstanciado al abordar es- como las demás virtudes huma- tuosos, y además debían reco- tos problemas. nas, necesita educación. Esta nocer a la educación como la En efecto, en su Sección IV educación corresponde ante gran prioridad del Estado. titulada “El individuo como ciu- todo a las instituciones propia- Pero esa educación debía ser dadano y miembro del Estado”, mente educativas. Ellas inician 26 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo prácticamente en los conocimi- cunstancia.7 larmente necesaria para el pue- entos sociales elementales y En cuanto al artículo 158, ti- blo y sobre todo para la deben también preparar al niño tulado “Conservación Del espí- juventud, a fin de que todos los o al adolescente para ocupar ritu cívico”, no podemos sino ciudadanos puedan cumplir su con honor el puesto que le cor- ceder a la tentación de transcri- misión en la vida de la comuni- responde en la Nación. La es- bir sin comentarios, porque su dad política”.8 cuela, sea pública o privada, claridad los hace innecesarios, debe desarrollar poderosamen- los dos últimos y significativos VIDA POLÍTICA Y te la conciencia cívica y hacer párrafos: “Tienen también de VIDA CÍVICA arraigar el sentido de los debe- manera permanente una grave Ahora debemos distinguir res, lo mismo que los derechos responsabilidad los órganos de también de manera muy esque- de cada uno y de todos en la prensa y sobre todo los perió- mática entre la política y el ci- Nación”. dicos, los diarios, la radiodifu- vismo. Son planos de actua- No menos extensos – y al sión, la televisión y el cine. Una ción distintos. La política, como mismo tiempo no menos inte- actitud hipercrítica constante actividad, exige vocación y ap- resantes – son los dos artículos hacia el gobierno o hacia el ré- titudes muy determinadas para siguientes: el 157 y el 158. El gimen establecido, aun cuando la cotidiana, difícil – y casi si- primero, titulado “Preparación se trate de una oposición legal, empre ingrata – lucha política. cívica”, proporciona una serie tiende naturalmente a disolver No todos están capacitados de consejos básicos para la for- el sentido ciudadano en la con- para ello, ni les interesa su ejer- mación cívica de los jóvenes y ciencia popular”. Los cuatro res- cicio activo. Pero todos deben concluye con una asevera- tantes artículos están también tener las mínimas preocupacio- ción de gran actualidad para los vinculados con el tema de esta nes cívicas en la defensa de la argentinos, cuando dice: “Sin Jornada, y de ellos cabe desta- sociedad democrática, y corre- caer en interpretaciones unila- car el 159, que se titula “Papel lativamente, brindar apoyos y terales e injustas de la Historia, del Estado”, sobre todo el pár- estímulos para los que ejercen la educación cívica inculcará el rafo en donde se afirma que es la actividad política, que debe sentido del pasado y de la con- a éste a quien “le corresponde estar impregnada de conteni- tinuidad nacional”. Decimos velar por la educación cívica y dos éticos. La actividad política esto porque hace anos venimos por la conservación del espíritu es insustituible en las socieda- denunciando como uno de los cívico de la Nación”. des, y los partidos políticos son, más graves problemas de nu- Esta posición de la Iglesia igualmente, insustituibles como estra educación, con directa Católica se vio confirmada en el correas de transmisión de las repercusión en la cultura, la trascendente Concilio Vaticano inquietudes y problemas de la ausencia – en casi la totalidad II (1962-1965), en cuya Consti- ciudadanía. Aunque no todos de los niveles – de la enseñan- tución Pastoral sobre la Iglesia los dirigentes políticos y los za de la Historia y la constan- en el mundo actual igualmente partidos, son “idóneos” para la te tergiversación que muchos se sostiene que “hay que pres- vigencia y consolidación de una sectores influyentes hacen de tar gran atención a la educaci- sociedad democrática, abierta y nuestro pasado lejano o cer- ón cívica y a la educación políti- pluralista, cuya expresión jurí- cano, aprovechando esa cir- ca, que hoy en día es particu- dica es el Estado de Derecho. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 27 D ireito Artigo Pero precisamente, es el h) elevar y jerarquizar la educa- talmente, la deserción, por par- civismo el que enriquece, con- ción en todos los niveles; i) tra- te de una amplísima franja del trola y apuntala la vida política tar que los medios audiovisua- espectro ciudadano, de sus de- en democracia. Fundamental- les no sean un factor de contra- beres cívicos en los dos planos mente el civismo consiste, en cultura; j) frontal oposición a la a los que nos hemos referido. apretada síntesis, en lo siguien- demagogia, a la mentira y a la Todo indica que ahora hay, afor- te: a) despertar y formar el es- propaganda alie- tunadamente, signos que revi- píritu público; b) luchar, en to- nante; y k) inculcar el conoci- erten aquella mala tendencia, dos los ámbitos, contra la cor- miento de la Historia, porque en especial en vastos sectores rupción; c) oponerse a los abu- sin la memoria fiel del pasado juveniles. sos de la autoridad; d) evitar el no puede entenderse el pre- Porque si queremos superar sectarismo que campea en algu- sente ni proyectarse el porvenir.9 las frustraciones de los días que nos partidos políticos y otras ac- La crisis integral en que hoy corren, hay que propiciar una tividades sociales; e) impedir el se debate el país tiene varias gran renovación política, que acoso de los intereses sectoria- causas, pero hay dos que aquí sólo vendrá si logramos recre- les; f) democratizar la vida y la deben merecer nuestra atenci- ar una intensa vida cívica, como organización de las activi- ón: en primer lugar, el abando- único camino para hacer de esta dades sindicales; g) bregar por no en que desde hace medio Argentina, hoy “invertebrada”, la independencia del Poder siglo está sumida nuestra edu- una República. Judicial y por el acceso a una ad- cación, con el olvido de enseñar ministración de justicia rápida; educación cívica; y fundamen- R NOTAS 1 Civic Education Study (I:E:A:), p.I, los destacados son nuestros. 2 Folliet Joseph, Iniciación Cívica, Editorial del Atlántico, Buenos Aires, 1957, p. 16 y sgtes. 3 El concepto de “bien común”, de origen medieval, ha sido muy cultivado por los doctrinarios cristianos. Hay abundante bibliografía sobre el tema. 4 28 Civic education across countries: twenty-four national cases studies. En este trabajo se detallan los contenidos y las experiencias recogidas en la enseñanza de la educación cívica en distintos países. 5 Esta institución fue fundada en Malinas, Bélgica, en 1920. Su primer presidente fue el reputado teólogo cardenal D.J. Mercier (18511926) y estaba formada por juristas, sociólogos y teólogos católicos de diversas partes del mundo, con el objeto de sistematizar, libremente, los principios rectores de la doctrina social de la Iglesia. Tuvo una enorme influencia durante medio siglo y redactó cuatro excelentes y completos Códigos – el Familiar, el de Moral Internacional y el de Moral Política – que se conocen como los Códigos de Malinas. Nosotros utilizamos la edición de Sal Térrea, Santander, 1962, con traducción, prólogo e índices de Ireneo González Moral. 6 P. 622 y sgtes. De la obra arriba citada. 7 Cfr. Ancarola, Gerardo, Dilemas de una década, Editorial de Belgrano, Buenos Aires, 1999, pág. 65 y sgtes. 8 Concilio Vaticano II. Constituciones. Decretos. Declaraciones. Editorial Biblioteca de Autores Cristianos. Madrid, 1966, p. 328. (Las negritas son nuestras). * Comunicación presentada el 28 de noviembre de 2001 en la Jornada sobre civismo organizada por la Academia Nacional de Ciencias Morales y Políticas. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo A dignidade da pessoa humana como valor-fonte da ordem jurídica Vander Ferreira de Andrade Professor de Direito Penal e de Introdução ao Estudo do Direito do IMES. Professor de Direito Administrativo da FIG. Especialista em Direito Penal e Mestrando em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Oficial de Polícia Militar. Atualmente exerce a função de Juiz Militar na 1ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. R e s u m o A b s t r a c t O presente artigo objetiva dissertar sobre a influência do Humanismo na formatação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como analisar os corolários da incidência de tal princípio no ordenamento jurídico brasileiro. The present article has the objective to explain the influence of the Humanism in the creation of the constitutional principle of the human person dignity, and to analyse the consequences of the incidence of this principle in Brazilian juridical order. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 29 D ireito Artigo INTRODUÇÃO o poder constituinte deriva da a perscrutação da dignidade da Chama-nos a atenção a pro- lei natural, teríamos que é esta pessoa humana, antes de decli- posta de Miguel Reale, intitulan- mesma lei que exige seja o nar o alcance e o sentido da do a pessoa humana como va- homem respeitado por todos os norma, mas sobretudo, antes lor-fonte de toda a ciência e que o cercam, somente pelo da aplicação; é que não temos experiência jurídica, propug- fato de ser portador de uma a ingenuidade de desacreditar nando em sua teoria, ainda que determinada natureza humana. da existência de normas injus- implicitamente, a existência de Tal consideração leva-nos a tas ou mesmo iníquas; elas exis- uma estrutura hierárquica ver- pensar que não há que se falar, tem e persistem, e às miríades; ticalizada, na qual o ser huma- mesmo em face de um poder contudo, face ao dogmatismo no e sua imanente dignidade constituinte originário, uma do primado constitucional, es- desempenham o papel de ampla liberdade, mesmo irres- tas não poderão ser declinadas cume, de ponto mais elevado, trita, no que diz respeito ao no caso concreto se aviltarem importando na necessidade de conteúdo a ser descerrado pela ou afrontarem o mandamento se reconhecer a sua importân- tarefa legisferante, ao contrário, constitucional. cia para a compreensão de todo a esta mesma atividade impõe- Outrossim, temos para nós o sistema social e jurídico. se o reconhecimento da existên- que a ciência não cria, nem Com efeito, tal ponderação cia de uma pré-limitação, de criou, nem construiu o postula- parece ter encontrado guarida uma limitação material, não do da dignidade da pessoa hu- no pensamento do legislador importando a definição ou de- mana; este sempre existiu e constituinte de 88, o qual, ao nominação que lhe conceda- preexistiu, e se ainda no mun- descerrar o conteúdo incipien- mos, seja de direito natural, do em que vivemos outras cul- te da vontade do poder consti- compreendido este como o di- turas não o reconhecem como tuinte originário, manifestou- reito da natureza humana, e não tal (e o dado cultural ou deriva- se, insculpindo dentre os fun- como de conjunto de leis natu- do do misticismo ou fanatismo damentos da República Federa- rais ou da natureza propriamen- religioso será sempre um poten- tiva do Brasil e, conseqüente- te dita (no sentido puramente cial estímulo para a sua nega- mente, do Estado Democrático aristotélico), o de direitos huma- ção), nada disso impede que, e Direito implantado pela nova nos, ou o de respeito e acata- fora do conhecimento de dada ordem constitucional, a digni- mento à dignidade da pessoa cultura, este conceito já não dade da pessoa humana, vérti- humana estivesse presente, vivo e laten- ce da nova Carta, espinha dor- Silva, p. 98). (Gomes da te, na própria consciência hu- sal para a compreensão mais Entendemos assim que, mes- mana, no que divergimos, de profunda do estágio de civiliza- mo respeitando os elementos certa forma, do papel da histo- ção e experiência histórica que histórico, sociológico e criativo ricidade na consubstanciação que permeiam a experiência de determinados direitos; é que, Com isso, e partindo-se de jurídica, ou a denominada “dia- para nós, a barbárie em si não uma das matizes apresentadas lética da complementaridade”, retira do homem sua condição por Bobbio (1998, p. 64) como como denomina Reale, há na de ente vivo e pensante, cria- justificadoras de um poder es- tarefa do intérprete uma porta dor e modificador de situações tatal, ou aquela que afirma que de passagem obrigatória que é fáticas das mais diversas, nem logramos 30 atingir.1 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo existiu; é portanto incumbência podemos olvidar ter sido o refe- dos povos e nações que ainda rido autor um permanente pes- Nesse sentido estamos a afir- não se aproximaram deste es- quisador do postulado axioló- mar que, em verdade, o pensa- tágio do devir humano, incor- gico da dignidade da pessoa mento de Reale tem o mérito porar ao seu ordenamento su- humana como valor fundante, de, ao afirmar a existência de premo este postulado, mesmo principiológico, de uma herme- um valor-fonte, permitir-nos que isto signifique derrogar al- nêutica necessariamente con- asseverar não somente a pre- gumas de suas tradições, ain- juntural. existência deste mesmo pres- da que se possa entendê-las Não é à toa que a seu respei- suposto, mas igualmente o de como expressões ou manifesta- to encontramos pronunciamen- imantá-lo à norma fundamental, ções de suas culturas milenares. tos dos mais aguçados, como como elo inseparável de uma Amalgamada a dignidade da se verifica nesse registro do regra perene e verdadeiramen- pessoa humana à norma hipo- professor José Cretella Júnior, te imutável; esta regra, que en- tética fundamental, não basta em que é apresentado como contra seu suporte lógico na declinar seu mais sintético sendo o grande animador dos existência de Deus e do homem enunciado: cumpra-se a consti- grandes e profundos proble- como criatura feita a sua seme- tuição; é preciso, antes de tudo, mas jusfilosóficos entre nós lhança, peca talvez por dogma- que a norma constitucional brasileiros: “Miguel Reale... tizar-se, no momento em que prestigie o homem, por sua na- coloca-se nitidamente entre os recorremos ao espírito para ten- tureza humana, originariamen- adeptos do culturalismo jurídi- tar explicar coisas da razão; te divina. Temos para nós que co, mostrando como esta orien- porém, como São Tomás de a norma é produto da experi- tação, desligada do idealismo Aquino, estamos dizendo que ência humana e não fonte; o ser, que a inspirou no período inici- por certo “aquilo que não é em o ente humano, este sim é fon- al, é a única que possibilita es- si mesmo existe em Deus, en- te, não somente da regra de di- tudo integral da fenomenologia quanto nele é previamente re- reito mas principalmente da jurídica, permitindo apreciação conhecido e preordenado, con- própria experiência humana, panorâmica e completa dos ele- forme a passagem de Romanos que decorre do simples fato de mentos do Direito, evitando, de 4,17: ‘Aquele que chama entes o homem existir, não como os um lado, a unilateral preferência os não entes’. É assim que o eter- animais, os vegetais ou os mi- dos juristas-sociólogos pelo fato, no conceito da divina lei é dota- nerais, mas como a mais per- e, de outro, a unilateralidade dos do da razão de lei eterna, na me- feita de todas as criações de juristas técnicos seduzidos pela dida em que é por Deus ordena- Deus. norma” (Cretella Júnior, 1967, p. de ensejador de novos rumos para a história. 109). do para o governo das coisas por Ele previamente conhecidas” (Aquino, 1997, p. 43). 1 ENFOCANDO A OBRA DE MIGUEL REALE Optando assim, nitidamente, pela eleição da axiologia como A ciência não teria assim criado De fato, nosso estudo a res- ponto de convergência do fato o fundamento da dignidade da peito do valor-fonte implicará a e da norma, Miguel Reale, com pessoa humana, mas desco- necessidade de fazermos ex- sua clássica e notória aborda- berto, no que queremos dizer pressa referência à obra de gem sobre o tridimensionalismo que este em verdade sempre Miguel Reale, posto que não do direito, delineia a valoração j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 31 D ireito Artigo como o amálgama, a liga da direito natural, numa releitura aponta para uma hierarquia de qual as junções entre fato e de seus pressupostos, mesmo valores, mesmo numa estru- regra não podem prescindir, se formatando-o sob uma nova tura axiológica verticalizada, da o que se intenta é descobrir jus- denominação – o realismo cul- qual o ápice se descortina como tamente a razão lógica de coe- tural – análise acurada e apro- sendo a própria pessoa humana, rência e fundamento de uma fundada do direito positivo, na exata medida que a cada ciência que se pretenda apre- aderindo a esta postura um valor corresponde um fato, um sentar-se e verificar-se como tal. comportamento denotadamen- evento, e sendo o homem uma Para Reale, haverá sempre te crítico, o qual culminará criatura de per si existente, au- um caráter integrativo dos ele- numa tentativa bem sucedida tônoma em si mesma, a ela deve mentos sociais em face de um de aprimorá-lo, sobretudo em necessariamente corresponder sistema normativo de valores, seu aspecto muitas vezes descui- um valor, o qual se justifica enfim, como aponta José Crete- dado, a face ética do direito. como o hierarquicamente supe- lla Júnior “uma subordinação da Partindo da crítica da unila- rior, posto que os demais são atividade humana aos fins éti- teralidade do sociologismo ju- todos decorrências daquele, por cos precípuos da conveniên- rídico, cujo fundamento encon- lógica dependência e subordi- cia” (Cretella Júnior, 1967, p. tra-se na realidade fática, e en- nação; todavia o valor que se 109). troncando uma acendrada ob- posiciona teleologicamente Partindo de um caráter de servação sobre a unilateralida- para o direito não será o homem bidimensionalidade e que en- de das teorias formalistas e téc- em si, mas sim uma de suas contra no tecido sociológico a nicas embasadas única e exclu- maiores virtudes e emanações, tríade necessária para a confi- sivamente nos aspectos técni- a saber, a justiça, a qual, mes- guração lógica, do engate subs- cos e puramente normativos, mo diante de sua plúrima sig- tancial para uma ciência norma- postura um enlace de meio ter- nificação, deve se tornar o ide- tiva por excelência, Reale pro- mo, de equilíbrio entre as ten- ário de todos os operadores da pugna a imperiosidade de se dências polarizantes, ensejan- ciência em voga. É por isso que perscrutar os valores culturais do a atenuação dos rigores do não se pode deixar de conside- de determinado povo, para ne- formalismo técnico e do rigor rar na obra de professor Reale les verificar a real necessidade da observação dos fatos sociais; a importância que o contexto de uma norma, não descuidan- daí porque não rejeita a reali- social desempenha na consa- do da necessidade de constan- dade histórica dos fatos, even- gração da norma, bem como os te atenção com o aspecto da to sobremaneira relevante para valores que se realizam efetiva mutação e conseqüente altera- a transmutação destes mesmos, e concretamente no processo ção axiológica, decorrente da nem da racionalidade, pano de legisferante e de declinação do dinâmica social, histórica e, fundo direito. portanto, da cultura de valores. a descortinação dos aspectos da Reale afirma em obra de sua Identifica-se em Reale, em normatização. É como diz lavra que o primado humano na especial, na manifestação de Cretella Júnior, “ a síntese do ser hierarquia axiológica se justifi- seu pensamento, uma ótica e do dever-ser ” (Cretella ca logicamente pelo fato de o toda própria, um mecanismo de Júnior, 1967, p. 110). ser humano ser a única espécie se entender e compreender o 32 essencial para Todavia, parece-nos que Reale dentre os seres viventes que j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo possui, além de uma estrutura seja, o valor a cuja atualização pessoa humana a inspirar a sua psicofísica e biológica (o que tendem os renovados esforços declinação, sendo que a hipó- não o diferencia dos demais do homem em sua faina civili- tese contrária haverá de reme- gêneros animais), uma nature- zadora” (Reale, 1998, p. 214). ter o sujeito que não atente para za capaz de proporcionar uma De fato, repousa na pessoa o seu enunciado principiológi- mutação na ordem das coisas, humana um diferencial de per co, ou para o arbítrio, para a ile- da história, mercê de sua capa- si, que não nos permite encon- galidade propriamente dita, ou cidade de superação; para ele trar outro ser que com ela ou para o abuso do direito, conje- “a natureza sempre se repete, em face dela encontre equiva- turas que não se coadunam com segundo a fórmula de todos lência. Na medida e mensura- a liceidade que se espera de conhecida, segundo a qual tudo ção dos bens jurídicos, indivi- uma ciência que tem na justiça se transforma e nada se cria. dual ou coletivamente conside- seu ideal a ser alcançado. Mas o homem representa algo rados, a pessoa humana está que é um acréscimo à nature- obrigatoriamente em primeiro 2 O DIREITO E A PERFEIÇÃO za, a sua capacidade de sínte- lugar, antecedendo a configu- DA VIDA HUMANA se, tanto no ato instaurador de ração de bem interesse a con- Se o homem é um ser gregá- novos objetos de conhecimen- vergência para o seu aspecto rio por excelência, como afirma- to, como no ato constitutivo de axiológico, o que por certo nos ria Aristóteles, e se a vida em novas formas de vida” (Reale, permitirá atribuir valoração sociedade é imprescindível para 1998, p. 211). máxima; nesse sentido, não nos o aperfeiçoamento do próprio Não refutando a tese que sensibilizam, nem nos seduzem homem, porque é mediante ela aponta a concepção humanísti- argumentações no sentido de que se permite forjar a educa- ca que se tem na hodiernidade, que nem mesmo a vida huma- ção da razão e da vontade, fo- como fruto e vetor de um lon- na é um valor absoluto, na me- mentando-se o exercício da vir- go e imenso processo históri- dida em que encontramos como tude, e só por meio de uma vida co, mesmo dialético das diver- lícitos os institutos do estado ativa é que se permite admitir a sas teorias que se digladiaram de necessidade ou o da legíti- necessidade de uma existência no percorrer da humanidade, ma defesa no campo do direito de momentos de contemplação, Reale aponta, embasando-se penal direito resulta forçoso reconhecer que em Cuvillier, que a chamada civil; o fato é que tais postu- o direito coopera de maneira “convergência de valores” é de lados do direito, ao invés de essencial para o sucesso da fi- fato uma resultante do proces- negá-lo, estão certamente por nalidade última da pessoa hu- so histórico que somente se ratificar, por meio de sua previ- mana, enquanto regra de tute- verifica numa dada sociedade. são legal, o primado da digni- la da própria existência e sobre- Não é por outra razão que Rea- dade da pessoa humana como vivência de toda uma raça, de le encerra o estudo da pessoa valor-fonte de toda a ciência toda uma espécie, isso enquan- humana como valor-fonte do jurídica; isso porque, nos exem- to determine imperativamente direito apontando: “a pessoa, plos aventados, tais institutos o concurso efetivo de todos os como autoconsciência espiri- só poderão ser implementados membros da sociedade para o tual, é o valor que dá sentido se diante do valor posto em interesse em conjunto – o bem a todo evolver histórico, ou confronto estiver a dignidade da comum, sendo necessária para j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 ou do 33 D ireito Artigo a obtenção desse desiderato a que impregnam o próprio direi- Prega que o divino direito presença na lei, e na declinação to, dificultam sobremaneira en- dos Reis é uma invenção dos e operação desta, o dos ideári- contrar um consenso conceitu- poderosos para opressão dos os da justiça, ou como nos di- al e satisfatório; contudo pode- humildes. ria Joaquin Ruiz Gimenez, “el mos constatar que, em meio ao estado de seguridad y de paz transcurso histórico da huma- que el Derecho constituye – nidade, tais ideários pareceram Daí a necessidade de repre- pax ex ter sido buscados incessante- sentação popular, através da iustitia...inquantum ille qui ab mente, como a pedra filosofal, qual esse povo fará reconhecer iniuriis aliorum abstinet, subs- ou como a panacéia para todos a sua vontade. tahit litigiorum et tumultum os males, no que identificamos Renascia assim a liberdade, occasiones –, es de tal suerte uma de suas mais expressivas tal qual a Phénix das próprias importante para el desenvol- características, a historicidade, cinzas. vimento del hombre, que debe ou como dos diria, em lingua- Embarcada em navios sem estimarse como condición in- gem poética, Anacleto de Ma- bússola e exilada nos confins da dispensable para su realizaci- galhães Fernandes: “Montes- Terra e do silêncio, retornava ón del bien.” (Gimenez, p. quieu, Voltaire, Diderot e Rous- forte como Hércules e invencí- 125). seau são os arquitetos de um vel como Esparta.” (Fernandes, Esse bem comum, buscado mundo novo, surgido a partir do 1975, p. 70-71). e alçado juridicamente, só pode século XVIII. Todos se revela- De fato não há como disso- ser atingido por meio do reco- ram contra a ordem social exis- ciar-se liberdade e livre-arbítrio nhecimento da existência de tente; cada um carrega o triunfo do evolver histórico do homem; desdobramentos naturais do do livre pensamento, do culto à aliás a própria história da hu- valor-fonte da vida humana, ló- ciência e da crença no progres- manidade nada mais é do que gicos consectários desse mes- so que a Revolução Francesa con- a história da busca da liberda- mo valor original, dos quais sagrou como colméia de valores de e da manutenção de suas enumeramos a liberdade e o eternos. conquistas, o que, mesmo na causatur “Todo o poder emana do povo” – clama. livre arbítrio, que, apesar dos Luís XVI, na cadeia, ao reen- proximidade de um novo milê- pontos em comum, divergem contrar-se com os livros de Vol- nio, ainda não se verificou obti- em suas específicas finalidades. taire e de Rousseau, gritava: da em caráter definitivo. Con- Não ousamos ao certo, nem poderíamos fazê-lo, sequer ten- “Estes dois homens destruíram a França”. tudo ao direito, numa perspectiva praeter positiva, impõe-se tar definir em contornos preci- O rei deposto, porém, con- respeitar a pessoa humana, de- sos os significados destes prin- fundia o despotismo de seu clinando as liberdades públi- cípios; em verdade sabemos, e governo com o país onde era cas necessárias à consecução isso podemos afirmar que, a par monarca. da felicidade, algo que para os do dado cultural, que multipli- Rousseau, no nomadismo norte-americanos, com funda- ca a plúrima compreensão de de sua imaginação, advoga no mento no direito natural, che- seus postulados, a ideologia, o contrato social uma nova era de gou a ser erigido em direito sentido político, a força, mercê liberdade, criando um novo con- público subjetivo.2 da coercitividade e coatividade ceito de sociedade. 34 Tal liberdade, analisável sob j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo os ângulos individual ou coleti- sentada pelas palavras direita/ aos norte-americanos do fim vo, só se torna passível de exer- esquerda, pela qual, coloquial- deste século, ou como diria citação em meio a um governo mente, uma pessoa de esquer- Kant (1970, p. 76), no sentido democrático, onde devem pre- da não poderia ser jusnaturalis- de “hospitalidade universal”, no valecer as tão difíceis (muitas ta. Supondo que isto seja fato, que recebe a complementação vezes paradoxalmente inatingí- a verdade é que, sendo esquer- de Celso Lafer, quando este afir- veis) e decantadas regras de da ou direita, não podemos es- ma que “Kant confirma o direi- consenso, no qual possam ser capar à aceitação de um conteú- to à hospitalidade universal ao fincados os pressupostos da do mínimo do direito natural” afirmar a existência de um di- legitimidade. (Gomes da Silva, p. 37-38), o reito comum à posse da super- Esta liberdade buscada em que se afirma com as observa- fície da terra, pois ela sendo um seu devir histórico representa ções de L. A. Hart: “Há, contu- globo, os homens não podem o resultado, o produto de um do considerações mais simples se dispersar infinitamente e processo histórico dialético, menos filosóficas do que estas, devem tolerar-se uns ao lado mesmo de luta de classes, no que mostram a aceitação da dos outros, ninguém tendo um que parece estar presente e sobrevivência como uma finali- direito fundamental, maior do mais do que a teoria marxista dade que é necessária, num que o do outro, a ocupar um do materialismo histórico; e sentido mais directamente re- determinado local” (Lafer, 1988, para aqueles que talvez não levante para a discussão do di- p. 182). admitam conjugar o direito na- reito humano e da moral.(...) A É portanto de se concluir tural com o materialismo histó- partir deste ponto, o argumen- que, incumbe ao direito, e es- rico, vale a pena ponderar a res- to é simples. A reflexão acerca pecialmente ao direito positivo, peito da atenta observação de de algumas generalizações bas- uma vez que de acordo com Christian Thomasius “# VIII. Y, tante óbvias - na verdade, tru- Franco Montoro: “o positivismo si la dureza en la expresión re- ísmos - respeitantes à natureza jurídico, apesar de ligar-se à sulta menos grata, será lícito humana e ao mundo em que os mesma linha de pensamento, sustituir ésta por outra menos homens vivem mostra que, en- não se confunde com o positi- dura. Pues esto quierem decir quanto estas se mantiverem vismo filosófico e o positivismo los autores de esta opinión: que válidas, há certas regras de con- científico. Ele consiste funda- el derecho natural obligará a duta que qualquer organização mentalmente na identificação todos los hombres, cualquiera social deve conter para ser viá- do “direito”, com o direito posi- que sea la idea de Dios que ten- vel” (Hart, 1986, p. 208-209). tivo” (Montoro, 1997, p. 252), gam, tanto si son verdadera- Em verdade a assertiva de Hart a tarefa de regular não somen- mente piadosos, como si son incide no aspecto da sobrevi- te as relações humanas inter e supersticiosos o ateos” (Thoma- vência humana como o mínimo transindividuais, mas sobretu- sius, 1994, p. 245). de direito natural que deve ser do o exercício do poder, em to- De fato, como nos aponta respeitado por todos e isso den- das as suas manifestações, ou Paulo Thadeu Gomes da Silva, tro de um amplo aspecto de real seja, política, econômica, ideo- “o debate pode crescer em globalização, compreendida lógica ou psicossocial, posto abrangência e ir da velha e ain- esta não no sentido neo-impe- que somente através de uma da importante dicotomia reprej a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 rialista que Galbraith3 imputa normatização eivada e corrobo35 D ireito Artigo rada de legitimidade (e não O predomínio do cristianis- quem o humanismo autêntico pode haver maior legitimidade mo na Idade Média, com sua é o humanismo proletário, so- do que a lei que ampare e pro- doutrina da alma, preparou o cialista, que preconiza a liber- mova a dignidade da pessoa terreno para o surgimento do tação dos trabalhadores da ex- humana) é que se pode pensar humanismo renascentista, que ploração capitalista, como pri- tutelar a pessoa como ser, como encontrou sua expressão máxi- meira etapa da integração do ente, como a mais perfeita ar- ma nas obras de homens como homem em sua verdadeira quitetura, dentre todas as obras Petrarca, Boccacio, Pico della posição no mundo. do Criador de todas as coisas. Mirandola, Erasmo e Thomas Contudo, teve o humanismo Morus. Como movimento cultu- o mérito de estabelecer a con- 3 A INFLUÊNCIA DO ral, resultou do estudo dos clás- vicção da necessidade imperio- HUMANISMO NA DEFINIÇÃO sicos da Antiguidade greco-ro- sa do reconhecimento da DE PESSOA HUMANA mana, os quais proporcionavam liberdade; segundo Hegel, esta A expressão “humanismo” a revelação do valor intrínseco observação é recente na histó- foi empregada pela primeira vez da vida humana em face da ria, dado que nem Platão, nem pelo pedagogo bávaro F. J. Nie- morte e da grandeza de suas Aristóteles souberam que o ho- thammer, que entendia ser o possibilidades. Em sua última mem enquanto tal era livre: “A sistema de educação tradicional etapa, o humanismo renascen- exigência infinita da subjetivi- que visa à formação da perso- tista limitou-se a grupos cada dade, da autonomia do espírito nalidade total e da humanida- vez mais restritos de sábios em si era desconhecida dos ate- de pelas “humanidades”, ao latinistas. nienses” (Hegel, 1954, p. 11). qual se opõem as escolas que Nos séc. XVIII e XIX, a pala- Johannes Messner (p. 12-20) se designaram de filantrópicas, vra humanismo ganhou novas aponta duas formas de huma- enquanto que, de fato, elas le- dimensões com as obras dos nismo: o humanismo cristão, vam à animalidade e não à hu- enciclopedistas e com o cienti- inspirado na antropologia em- manidade (Brandão, 1990, p. ficismo. O filósofo inglês Schil- pírica, na antropologia cristã; e 300). Em verdade, o humanis- ler definiu o humanismo moder- o humanismo naturalista, no mo foi um movimento cultural no como a “concepção de que qual distingue o humanismo surgido na Europa durante a os problemas se limitam ao ser racionalista, o dialético – mate- Renascença, que atribuiu impor- humano, esforçando-se para rialista –, o psicanalista, o beha- tância fundamental ao homem, compreender um mundo de viorista, o biológico-evolucionis- a seus interesses e aspirações experiência humana através ta, o neopositivista, o existen- temporais. Os gregos distingui- dos recursos da humana inteli- cialista e o idealista, os quais, am o humano do animal e do gência”. A essa conceituação se cada um a seu tempo, tiveram a divino e, ao comparar o homem opuseram tanto o humanismo capacidade de formatar a cons- com as divindades, davam ên- cristão, de Jacques Maritain, que ciência humana, transmigrando fase a certos aspectos da natu- via no desenvolvimento de to- o homem para o centro do uni- reza humana, como a mortali- das as virtualidades do homem verso, mesmo que, para as teo- dade e a falibilidade. Eis por que a fonte do humanismo, como a rias cristãs, este continuasse supervalorizavam os atributos doutrina do materialismo histó- sendo dependente de Deus. divinos. rico, de Marx e Engels, para 36 Teve o humanismo, em sua j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo vertente principal, o condão valorização da humanidade en- ma; é justamente no aspecto também, segundo Alain Re- quanto capacidade de autono- volitivo, na vontade livre e deli- naut, de dimensionar uma li- mia, ambas constitutivas do berada, fundamentada no cam- berdade diversa da anterior- humanismo moderno e condu- po racional e na livre escolha do mente suposta, uma liberda- toras, ao longo de complexo pensamento, onde identifica- de que se pressupunha de percurso, à afirmação do indi- mos a mais pura legitimidade, fato, uma verdadeira autono- víduo enquanto princípio? Na que recepciona todo o aparelho mia, pelo que leciona: “O ter- verdade o que define intrinse- normativo dando-lhe validade, mo autonomia é de cunhagem camente a modernidade é, sem no sentido amplo da expressão; grega. De fato, um certo nú- dúvida, a maneira como o ser ainda que tais normas vez ou mero de textos faz referência humano nela é concebido e afir- outra venham a ser descumpri- à autonomia quando trata da mado como fonte de suas repre- das ou violadas, tais fatos não liberdade. Por vezes, ambas as sentações e de seus atos, seu lhe tolhem a força imanente que expressões – liberdade (eleu- fundamento (subjectum, sujei- se lhe acompanha, ao contrário, theria) e autonomia – encon- to) ou, ainda, seu autor: o ho- apenas realçam o papel da for- tram-se expressamente asso- mem do humanismo é aquele ça da liberdade humana na exis- ciadas para definir a condição que não concebe mais receber tência, mercê do livre-arbítrio, de uma cidade não submissa normas e leis nem da natureza característica específica e exclu- à dominação externa. das coisas, nem de Deus, mas siva do homem, único ser de (...) Há forte tendência da que pretende fundá-las, ele pró- todas as espécies animais que interpretação sugerindo conclu- prio, a partir de sua razão e de pode exercer a tarefa de pen- sões de matizes diferentes, sua vontade. Assim o direito sar e escolher, ponderando, di- como estimar que a problemá- natural moderno será um direi- ferindo, descobrindo e eventu- tica moderna da liberdade es- to subjetivo criado e definido almente, criando valores. No en- teja completamente contida no pela razão humana (racionalis- tanto a dificuldade persiste em modelo grego, no qual a idéia mo jurídico) ou pela vontade adequar a mais perfeita autono- de autonomia estaria, desde já, humana (voluntarismo mia, ou a livre vontade huma- sendo aplicada não só à cida- jurídico), e não mais um “direito na, dirigindo-a (voluntariamen- de, mas também às pessoas. objetivo”, inscrito em qualquer te, para sermos pleonásticos) Partindo dessa orientação con- ordem imanente ou transcen- para o bem comum, para que à tinuísta, é forte a tentação de dente do mundo”. guisa da heteronomia, caracte- considerar que a lógica interna De fato, o humanismo, não rística própria da regra de di- da cultura grega já então resi- esgotado em suas primordiais reito, possa ela vir a ser alçada dia numa exigência clara e as- delineações, protraiu-se até a à categoria de norma ética por sumida de autonomia: durante modernidade, fincando-se na excelência, no sentido da felici- quatro séculos de cultura helê- idade contemporânea; visto em dade do homem. nica, o processo democrático sua incidência no direito, impor- particularmente testemunhou ta em reconhecer a necessida- 4 A PESSOA tal exigência. de de um consenso, algo que HUMANA E O DIREITO (...) O que supõem, efetiva- dê mais do que a eficácia tão NATURAL mente, essa concepção e essa decantada pelos puristas à nor- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Conquanto se possa afirmar 37 D ireito Artigo que a dicotomia entre direito parte daquilo que se entende e do Direito, juntamente com o natural e direito positivo esteja por ‘homem’, seja do ponto de mútuo condicionamento onto- hoje “operacionalmente enfra- vista de sua ‘indeterminação’ lógico de ambos. Elas visam quecida” (Ferraz Júnior, 1997, originária, seja na perspecti- suprimir pelo menos um possí- p. 171), seja pelo fato de pre- va do que se considera como vel conflito metodológico entre ceitos tidos por jurinaturalistas sendo a determinação essen- jusnaturalismo e positivismo encontrarem-se efetivamente cial deste ser em seu sentido jurídico” (Van Acker, 1983, positivados, sobretudo nas moral. O que leva a conside- p.67-78); sobre o mesmo tema constituições (como ocorre por rar a humanidade um predica- dirá Bobbio que “a distinção exemplo com o próprio princí- do histórico, dependente dos clássica na linguagem dos juris- pio da dignidade da pessoa hu- diversos modos através dos tas da Europa continental é en- mana, insculpido no art. 1º, III quais as diferentes institui- tre ‘direitos naturais’ e ‘direitos da Constituição Federal) seja ções sócio-políticas concebe- positivos’. Da Inglaterra e dos pelo fato de os direitos funda- ram o ser do homem no trans- Estados Unidos... chega-nos a mentais encontrarem-se de cer- curso da história” (Rosenfield, distinção ta forma, como afirma Tércio 1990, p. 132). rights e legal rights... o único entre moral Sampaio Ferraz Júnior (1997, Muitos advogaram a tese, modo para nos entender é p. 171), “trivializados”, por se elaborada pelo positivismo kel- reconhecer a comparabilidade tornarem tão notórios que qua- seniano, que a moral encontra- entre as duas distinções, em se deles não nos damos conta, va-se totalmente dissociada do função da qual ‘direitos morais’ o fato é que, para efeito de uma direito, não havendo que con- enquanto algo contraposto a compreensão do fenômeno fundi-los, nem centrá-los num ‘direitos legais’ ocupa o mesmo axiológico que alçou a pessoa mesmo eixo; contudo, outros espaço ocupado por ‘direitos humana ao degrau máximo da estudiosos, críticos de tal visão naturais’ enquanto algo contra- hierarquia de valores, temos compartimentada, como Van posto a ‘direitos positivos’. Tra- que passar necessariamente Acker entendem, como nós, ta-se em ambos os casos de por essa discussão, até porque que, partindo-se das premissas uma contraposição entre dois ela, como veremos, pelo menos de que a moral não pode nem diversos sistemas normativos, do ponto de vista histórico, fir- deve ser fundamento lógico do onde o que muda é o critério mou-se como a base de susten- direito, de que a moral é uma de distinção. Na distinção en- tação de todo o pináculo do condição ontológica necessária tre ‘moral right’ e ‘legal right’, humanismo, e conseqüente- à existência do direito, e, reci- o critério é o fundamento; na mente do valor atribuído pelo procamente, o Direito é uma distinção entre ‘direitos natu- direito ao homem. condição ontológica para à exis- rais’ e ‘direitos positivos’, é a Há quem participe como tência da Moral e por fim, de origem” (Bobbio, 1992, p. 7). Reale da idéia de que o direito que a obrigação moral não é Ainda que atualmente possa- natural é um produto histórico, fundamento suficiente nem ne- mos presenciar cenas freqüen- assim como ocorre como a con- cessário à obrigação jurídica e tes de barbárie, típicas da Ida- cepção de pessoa humana; vice-versa, “ilustram a mútua de Média, quando por exemplo, “predicar a humanidade do autonomia ou independência cabeças são degoladas como homem é uma operação que lógica e deontológica da Moral sinal de força e de poder, ou 38 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo povos, nações inteiras são sub- na e do humanismo moderno; todas as virtudes e defeitos ine- metidas ao flagelo do genocí- é que este em seu repertório de rentes à alma humana, conta- dio e da destruição, como ve- ideários propugna, entre outras minando o ordenamento, por mos em Timor Leste, em Ruan- faces, a de um conjunto de re- vezes, como diria Hart, com as da, ou ainda em qualquer cen- gras que centram o homem e a inerentes “patologias do sistema tro urbano cosmopolita (sendo essência humana como vetor da jurídico” (Hart, 1980, p. 146). up to date, cabe mencionar a aplicação de toda e qualquer hecatombe das FEBEM de São regra de direito legítima, ou Paulo) pessoas sendo descarta- como afirma Basave del Valle, Os direitos fundamentais da das, como produtos supérfluos, vendo na pessoa humana a pe- pessoa humana representam portanto absolutamente pres- dra de toque do direito natural: uma conquista da humanidade cindíveis dentro de uma socie- “o problema fundamental é o de em seu perpétuo devir. A hos- dade de mercado, no que nos determinar a essência e estru- pitalidade universal, da qual nos apóia Hannah Arendt, sob a lei- tura do homem em sua integri- fala Kant, não é apenas um ide- tura de Celso Lafer: “Em verda- dade e unidade. O fazer do ho- al platônico a ser alcançado, de, depreende-se da análise mem interessa-nos, sobretudo mas uma realidade possível e arendtiana a persistência de porque nos leva ao seu ser, ao atingível. A conscientização da uma situação-limite que exige sentido de sua existência – in- existência de tais direitos deve um pensar sobre o conhecer, dividual, histórica e social – a preceder quaisquer formas de que não pode ter como pressu- sua relação com a realidade úl- instrumentalização, sob pena posto a razoabilidade do mun- tima, metafísica, ao seu ponto de se criar todo um arcabouço do para qualquer um, seja ele no cosmo” (Del Valle, 1975, p. jurídico com escopo tutelar e quem for, pois seres humanos, 23). não se alcançar a declinação da CONCLUSÃO em número crescente, correm É ainda o direito natural, a justiça, mercê da inexistência o risco de se tornarem supér- base do direito positivo, como de incorporação subjetiva dos fluos e descartáveis em termos sustenta Francisco Puy: “O di- preceitos éticos que devem estritamente utilitários” (Lafer, reito natural é o fundamento do anteceder a elaboração da pró- 1988, p. 113), mesmo assim Direito em sentido objetivo - pria norma jurídica. deflui a necessidade de, dentro fundamento de toda lei jurídica Todavia, criada a regra de de uma sociedade que se pres- - e em sentido subjetivo, fun- proteção dos direitos funda- supõe civilizada ou que intenta damento de toda faculdade ou mentais, cumpre a ela exercer atingir a maioridade no estágio exigência jurídica” (Puy, 1974, um papel pedagógico, didático, próximo do evoluir humano, a p. 645-647), afinal, como diria no sentido da irradiação destes tutela da pessoa, individual ou Paulo Dourado de Gusmão, mesmos direitos como facultas coletivamente considerada, ou “seja qual for a natureza que se agendi, dada a existência de ainda sob a forma dos direitos dê ao direito, uma coisa é cer- fato e de direito da norma agen- difusos que se lhe dependam. ta: é obra humana ” (Gusmão, di. Nesse diapasão o direito na- 1966, p. 45), no que vale dizer Estado, em todas as formas de tural parece nos ser extrema- que a criação recebe ao certo a expressão do poder, cumpre mente atual e benéfico para a carga hereditária, mesmo um importante papel a ser compreensão da pessoa huma- genética de seu criador, com desempenhado, bem como à j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Nesse diapasão, ao 39 D ireito coletividade. Ao Legislativo cumpre proceder à incorporação dos textos Artigo cia como regras de conteúdo recepção de todos e quaisquer moral ou ético, desprovido de direitos fundamentais que te- obrigatoriedade. nham por precisa objetividade a de gênese internacional no or- O plano adequado para a tutela da dignidade da pessoa denamento jurídico pátrio (au- incorporação de tais direitos é humana, tal como ocorre com xiliado neste mister pelo Exe- a constituição; ela, como ápice nosso art. 5º, § 2º da constitui- cutivo), bem como legisferar, do sistema e do ordenamento ção federal; recomenda-se tam- criando regras de índole cons- jurídico, apresenta-se como es- bém, além da correspectiva pe- titucional ou infraconstitucio- pécie normativa moldada para trificação, o reconhecimento de nal, viabilizadoras do exercício o recebimento de tal comando, sua auto-aplicabilidade, tal como de tais direitos e punitivas-edu- recomendando-se ainda a petri- igualmente prevê a nossa Lei cativas da violação dos mes- ficação dos direitos fundamen- Maior em seu art. 5º, parágrafo mos; ao Executivo importa cum- tais, como medida saudável, primeiro, justamente para que o prir tais normas com exatidão apta a torná-los infensos à sa- seu exercício independa de in- e exemplaridade, fiscalizar o nha modificadora ou extintiva junções ou da edição de instru- seu cumprimento, e reportar-se destes mesmos direitos, em mentos normativos infraconsti- quanto a hipóteses de sua vio- face do poder constituinte tucionais. lação; já ao Judiciário, declina- reformador. Como alertou Hannah Arendt, se a responsabilidade de pro- Os direitos fundamentais re- a diversidade humana em si já é nunciar-se quanto à regra juri- presentam ainda parte do míni- um obstáculo para a criação de discizada, punindo e educando mo qual regras perfeitas e voltadas para os violadores de tais direitos Loewenstein se reporta, no que um interesse geral; contudo é com a imparcialidade que lhe quer dizer que toda Carta deve preciso encontrar um consenso deve ser imanente; à coletivida- prevê-los, posto matéria indis- naquilo que precisa ser objeti- de, por sua vez, destinatária pensável e de índole absoluta- vamente tutelado, e sob a ins- que é da norma de proteção, mente constitucional; a impos- piração kantiana, pensamos impõe-se o dever de conhecê- sibilidade da enunciação de um que este não pode ser outro la, incorporá-la e exigir sua fiel rol completo de direitos da pes- valor, outro bem-interesse que observância. soa humana taxativo, que esgo- não a dignidade da pessoa A própria história da huma- tasse todas as hipóteses obri- humana. nidade demonstrou que a soci- gatórias de tutela, se nos apre- A dignidade, valor-fonte de edade fica por demais fragiliza- senta impossível e inviável, interpretação e de aplicação da da quando os súditos de deter- dada a própria dinâmica da norma jurídica, na expressão minado Estado não encontram aventura humana, a qual está realiana, supera todos os de- uma regra de proteção da pes- sempre pronta a nos surpreen- mais valores, tomando-se como soa humana, no que reconhe- der com uma nova geração de possível falar-se numa hierar- cemos ser imprescindível que se direitos de determinada espé- quia axiológica; esta dignidade proceda à juridiscização dos cie ou categoria. representa o consenso e como irredutível, ao preceitos de Direitos Humanos, Recomenda-se assim a criação tal imprescinde ser tutelada, não bastando, para tanto, o sim- de um dispositivo constitucional sendo que o instrumento para ples enunciado de sua existên- que albergue a possibilidade de tanto mais eficaz e democráti- 40 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo co é a norma jurídica, como dis- co, fato este que desperta, na prática de crimes e contraven- semos, na espécie constitucio- Ciência do Direito, reclamo de ções de toda ordem. nal; para tanto impõe-se que grande atualidade. Os ideais do humanismo, esta seja elaborada no exato li- De outro lado, e a par das igualmente apregoados pelo mite da manifestação volitiva dificuldades inerentes à sínte- direito natural, e por diversas tutelar, guardados aí os interes- se de um material de tão gran- vezes juridiscizados no direito ses pessoais, econômicos, po- de vulto, ficamos por demais positivo não lograram ainda (e líticos, ou quaisquer outros, que impressionados com o fruto, pelo visto não terão o condão não os da própria pessoa. com o produto de nossas refle- de fazê-lo) salvar a humanida- Os direitos fundamentais xões, as quais nos inspiraram a de dos riscos e perigos propor- devem assim ser estabelecidos reafirmar que Miguel Reale teve cionados por ela mesma, mer- com independência, para que se um toque de genialidade, algo cê das características intrínse- garanta imunidade do porte de uma revelação, ao cas, múltiplas, plúrimas e vari- perante o Estado e até mesmo propugnar a pessoa humana áveis da própria essência e na- diante das maiorias, presentes como valor-fonte do edifício do tureza humana, como são a que se encontram e atuantes Direito, do qual se destaca mutabilidade, a dissonância numa ordem democrática; esta como o ápice da estrutura hie- cultural, filosófica, lingüística, proteção a mais permitirá reco- rárquica axiológica, seja sob o ideológica e religiosa, naquilo nhecer a necessidade de tute- aspecto objetivo, seja sob o que recebeu a feliz síntese de la, casuisticamente, não porque prisma metafísico. Hannah Arendt, a permanente sua o destinatário pertence a este Contudo, mesmo a humani- imprevisibilidade de nossa es- ou aquele grupo (disseminado dade encontrando-se às portas pécie; mesmo assim, prossegui- em meio aos fatores reais de de um consenso, e entendendo mos, vendo no Direito, e na Fi- poder dos quais nos fala Lassa- mais do que nunca a necessi- losofia que se lhe imanta, ins- le), mas somente pelo fato de dade de uma hospitalidade uni- trumentos absolutamente im- pertencer ao gênero humano, e versal como nos diria Kant, ain- prescindíveis na correção das portanto ser titular da expres- da assim nos encontramos in- distorções e desvios que nos são de maior relevo entre to- seguros, e freqüentemente ex- separam da perfeição que pre- dos os demais bens jurídicos: postos a espetáculos hediondos tendemos utopicamente al- a dignidade do ser, simples- de barbárie e de destruição, os cançar. mente, pelo fato de ser e de quais nos colocam lado a lado existir. com os piores algozes da Idade Outrossim, temos por certo Média; campeiam no mundo a que o presente trabalho, face a fome e os genocídios, os homi- sua simplicidade, não nos ofe- cídios por razões vis, e daqueles rece possibilidade de dissertar que se espera o exemplo, dos lí- sobre tema tão profundo qual deres e governantes dos mais seja o da dignidade da pessoa diversos Estados, verifica-se, humana sob o ângulo axiológi- com reiterado cometimento, a j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 R 41 D ireito Artigo NOTAS 1 2 É o que dispõe o art. 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; É o que dispõe o preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos da América, constante da Declaração da Independência: “Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário um povo dissolver laço políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-se em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade ” (grifo nosso). 3 Em recente pronunciamento à rede CNN, o economista Galbraith afirmou que o conceito de globalização é “apenas um neologismo para mais uma forma de os Estados Unidos continuarem se enriquecendo à custa da exploração dos países em desenvolvimento”. Essa afirmação vinda, nada mais nada menos, do que da boca do idealizador do new deal, o grande plano de recuperação econômica implementado no governo de Roosevelt, soa no mínimo extremamente interessante. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. 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O novo rência de aforamento instituí- as dos sacerdotes (casas paro- Código Civil proíbe a institui- do pela Igreja Católica, repre- quiais), ao redor das quais iam ção de novas enfiteuses e su- sentada pelo Bispado de São se desenvolvendo os povoados. benfiteuses, em seu artigo Carlos, Paróquia de Matão, na A Igreja autorizava as pessoas 2.038, mantendo as enfiteuses gleba de terras por ela a construírem em suas terras, dos terrenos da marinha. havida em 1900, que constitui com terrenos delimitados e O mestre Washington de o Patrimônio de São Lourenço demarcados, podendo usar, Barros Monteiro, em seu curso do Turvo. gozar e dispor da área, com de Direito Civil Brasileiro Durante o século XIX, prin- certas restrições, inclusive pa- (p. 248/253), lecionava que “a cipalmente através de doações gamento de uma retribuição constituição desse direito real de devotos, ou de apossamen- anual, chamada pensão. não contraria qualquer princí- INTRODUÇÃO to por parte dos padres católi- Caracterizava-se, então, a pio jurídico, apresentando, por cos, a Igreja Católica tornou-se enfiteuse, largamente usada, e outro lado, certo estímulo para proprietária de imensas glebas até hoje existente. O Código a colonização de áreas incultas de terras por todo o Brasil. Ne- Civil Brasileiro, em seu artigo e aproveitamento de terrenos las construíram os templos ca- 678, amparou o instituto, que não edificados. A existência de 44 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo numerosos patrimônios consti- 1 A CONSTITUIÇÃO DA no (propriedade) a concessão tuídos de bens enfitêuticos con- ENFITEUSE perpétua de posse do domínio tribuiu, sem dúvida para o de- O BISPADO DE SÃO CARLOS, útil (uso e gozo) de datas ou senvolvimento de muitos cen- PARÓQUIA DE MATÃO, PATRI- terrenos, conservando para si tros urbanos, posteriormente MÔNIO DE SÃO LOURENÇO DO a posse do domínio direto (nua transformados em vilas e cida- TURVO, Igreja Católica, equipa- propriedade), cujas concessões des”. rada a sociedade civil, represen- de terrenos (datas foreiras) fo- A Comarca de Matão fica na tada pelo Bispo, autoridade ram formalizadas mediante região central do Estado de São eclesiástica, com personalida- simples assentos lavrados nos Paulo. Em seu território existe de jurídica devidamente cons- livros do Bispado de São Car- o Distrito de São Lourenço do tituída, houve, provavelmente los, denominados “contrato de Turvo, que é um patrimônio, no exercício de 1900, através aforamento”. uma vila, de aproximadamente de título não localizado, portan- Em decorrência do “afora- 2.000 habitantes. O pequeno to, sem título, considerando o mento” instituído pela igreja povoado se desenvolveu ao re- instrumento particular (carta de católica, representada pelo Bis- dor da capela, ali existente em aforamento) passado pelo fa- pado de São Carlos, Paróquia área de propriedade da Igreja briqueiro Dr. Antônio M. Mar- de Matão Patrimônio de São Católica. Assim os possuidores tins Valverde, em data de 10 de Lourenço do Turvo na gleba por dos terrenos encontram-se sob março em ela havida, em 1900, nasceu, o regime da enfiteuse pelo que favor de João Pelegrini, referen- originariamente, o Patrimônio devem pagar para ela a pensão tes a duas datas de terras na ou Povoado de São Lourenço do anual, também designada vila de São Lourenço do Turvo, Turvo, tendo sido, em 1912, como foro. Essa cobrança e fis- conforme demonstra a inscri- elevado à condição de Vila e c o ção nº 17, no livro 4 “A” de Distrito de São Lourenço do ficam a cargo da Paróquia de Registros Diversos do 2º Regis- Turvo, integrado no Município Matão, por seu Vigário, que re- tro de Imóveis da comarca de de Matão. presenta o Bispado, ao qual Araraquara, outrora (até 09/ju- O fato de não possuir o títu- pertence. lho/1.955) Comarca de Matão. lo (escritura) não desconfigura Esse instituto é importantís- Trata-se do título foreiro regis- a enfiteuse em razão de ter sido simo à História do Direito pelo trado mais antigo. Com animus ela constituída em data ante- que, através de documentos domini do domínio pleno de rior à vigência do Código Civil, antigos, escrituras, contratos, uma gleba de terras não culti- ou seja, 1° de janeiro de 1917. documentos fiscais, correspon- vada e destinada a edificação, dências, atas, jornais e revistas, resolveu, visando rendimentos 2 A ENFITEUSE E A colhidos junto ao Bispado de destinados à conservação e re- LEGISLAÇÃO São Carlos, à Paróquia de Ma- paração do patrimônio da igre- “Não há como exigir, para tão, cartórios, testemunhos de ja construída na referida gleba, configuração da enfiteuse, a moradores, se levantou a his- bem como as despesas do cul- transcrição no Registro Imobi- tória da enfiteuse do Distrito de to, instituir de fato a enfiteuse liário como direito real (arts. São Lourenço do Turvo. ao desdobrar do domínio ple- 674-1, 676 e 859 do CC) se a a l i z a ç j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 ã de 1901, 45 D ireito Artigo carta de foro foi passada em bro de 1973, a carta ou contra- Lamentavelmente a Lei nº data anterior ao Código Civil” to de aforamento, com título 6.015 de 31 dez. 1973 não re- (Revista do Direito Imobiliário anterior constituído antes da produziu a disposição anteri- n. 19/20, p. 138/141). vigência do Código Civil, tinha or. Mas não a revogou expres- O próprio Código ministra perfeito ingresso nas serven- samente.”. (Revista do Direi- conceito preciso da enfiteuse, tias do Registro de Imóveis, to Imobiliário n. 19/20, p. quando preceitua, no art. 678, segundo os dispostos na legis- 132/134). que “Dá-se enfiteuse, afora- lação anterior dos Registros Observando-se a legislação mento, ou emprazamento, Públicos: Decreto nº 4.857 de dos Registros Públicos, até en- quando for ato entre vivos, ou 09 nov. 1939, modificado pelo tão vigente – decretos nºs 4.857 de última vontade, o proprietá- Decreto nº 5.318 de 29 fev. de 09 nov. 1939 e 5.318 de 29 rio atribui a outrem o domínio 1940. fev. 1940, respectivamente –, os útil do imóvel, pagando a pes- A legislação a respeito foi Oficiais dos Registros de Imó- soa que o adquire, e assim se emitida após o advento do Có- veis da Primeira e da Segunda constitui enfiteuta, ao senhorio digo Civil, vindo a ter uma me- Circunscrições da Comarca de direto uma pensão, ou foro lhor consolidação com o Decre- Araraquara, e o Oficial do Re- anual, certo e invariável”. “Por to nº 4.857 de 09 nov. 1939. gistro de Imóveis da Comarca outras palavras, enfiteuse é a Mas a segurança, validade e de Matão, procederam às ins- relação jurídica por via da qual autenticidade (art. 1º) eram crições (registros) das cartas ou o senhorio direto (o proprietá- constantemente desafiadas contratos de aforamento firma- rio) autoriza outra pessoa (o pelas dúvidas e hesitações, so- dos pelo Bispado de São Car- enfiteuta) a usar, gozar e dis- bretudo pela lacuna maior: a los, Paróquia de Matão, com por da coisa, com certas restri- falta de registro antes do Códi- relação ao Patrimônio de São ções, inclusive pagamento de go. Lourenço do Turvo, consig- uma retribuição anual, chama- Veio então o Decreto nº nando nas respectivas inscri- da pensão. Na enfiteuse 5.318/40 que deu uma redação ções como registro anterior: intervêm, por conseguinte, ne- bem transparente ao art. 244 “transcrição anterior ao Código cessariamente, duas pessoas, o do Dec. 4.857. Nascia ali a fa- Civil”. senhor direto e o enfiteuta. O culdade de registrar alienações primeiro é o titular do domí- sem registro anterior, desde 3 DELIMITAÇÃO E nio, numa posição equivalen- que na época da lavratura do LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA te a do nu-proprietário, en- ato o “direito então vigente” DA ENFITEUSE DE SÃO quanto o segundo tem a pos- não abrigasse o registro. Como LOURENÇO DO TURVO se, uso, gozo e disposição, dizia João Pedro Lamana Paiva O Bispado de São Carlos, de conquanto sujeito a certas (1984, p. 11): “o pensamento posse da gleba de terras que restrições em benefício do dominante dessa fórmula foi lhe foi doada, sem nenhuma senhorio direto.” (Barros Mon- afastar a série retrospectiva contestação ou oposição, ao teiro, p. 250). completa dos títulos e restrin- longo desses cem anos, reivin- gir a exigência do título imedi- dicou, judicial e extrajudicial- atamente anterior”. mente, a posse até então exer- Anteriormente à vigência da Lei nº 6.015 de 31 de dezem46 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo cida na predita gleba, de ma- 4 O FRACCIONAMENTO da ao trânsito público e neces- neira justa, e porque sobre ela DA GLEBA E A CONCESSÃO sária ao sistema viário (ruas e não pesa nenhum dos defei- DE LOTES DE TERRAS A avenidas), conforme planta de- tos típicos, uma vez que a FOREIROS vidamente aprovada pela Pre- posse exercida não é violen- O Bispado de São Carlos, Paró- feitura Municipal de Matão exis- ta, clandestina ou precária quia de Matão, Patrimônio de tente nos documentos da mu- (art. 495 do CC). São Lourenço do Turvo, a partir nicipalidade. A gleba consiste em uma de 10 de março de 1901, com Nos referidos terrenos des- área de terras de forma irregu- animus domini do domínio ple- membrados da gleba originária lar, com 281.880,00 metros no (propriedade) da gleba por de terras, encontram-se edifi- quadrados que compreende o ele havido, fracionando-a, pas- cadas casas residenciais e de originário Patrimônio ou Povoa- sou a conceder, em caráter per- comércios, construídas respec- do de São Lourenço do Turvo, pétuo, aos interessados em tivamente nas datas foreiras hoje, Vila e Distrito de São Lou- construir suas casas, o domí- (terrenos) “aforadas”’ e de- renço do Turvo, com as seguin- nio útil (posse, uso e gozo) de monstradas nas cartas ou con- tes medidas e confrontações: terrenos (datas foreiras), con- tratos de aforamento expedido “Uma área de terra de forma ir- servando para si a posse (do- pelo Senhorio direto, o Bispa- regular, situada no Distrito de mínio direto ou nua proprieda- do de São Carlos, Paróquia de São Lourenço do Turvo, Muni- de), cujas concessões das da- Matão, Patrimônio de São Lou- cípio e Comarca de Matão SP, tas aforadas foram formaliza- renço do Turvo, possibilitando com área de 281.880,00m 2, das por meio do instrumento aos “enfiteutas” o competente tem inicio no ponto n. 00, loca- particular denominado contra- cadastro da concessão de seus lizado na confluência das vias to de aforamento. respectivos terrenos “aforados” públicas Rua Primo Zanazzi e Por ocasião da lavra do con- na Prefeitura Municipal de Ma- Av. Luís Albino Bassolli e com trato de aforamento ficou en- tão e da formalização da cons- terreno onde encontra-se cons- tre as partes ajustado: “que trução de suas casas, passan- truída a Capela de São Louren- nenhuma escritura de alienação do desde então a contribuir ço, do ponto n. 00, segue com das referidas datas poderá ser com imposto territorial e pre- azimute 221º lavrada sem que o primeiro fo- dial municipal (IPTU). 18’31” e distância de 42,811m, reiro apresente quitação dos Constata-se, por meio da até o ponto nº 01. Segue-se cir- foros e laudêmio da Fabrica e documentação analisada, que o cundando a Capela até o ponto nova carta de aforamento a Bispado de São Carlos, Paró- n. 60. Do ponto n. 60, até o favor do novo foreiro”. quia, concedeu a posse do do- de ponto n. 00, confronta-se com Atualmente a gleba de ter- mínio útil (uso e gozo) das da- a Av. Luís Albino Bassolli.”, con- ras caracterizada encontra-se tas (terrenos) designadas atra- forme memorial descritivo e a fracionada em datas foreiras vés de lote e quadra da Vila e respectiva planta do levanta- (terrenos para a construção de Distrito de São Lourenço do mento constantes dos registros casas) e datas foreiras públicas Turvo, em conformidade com da Prefeitura Municipal de Ma- (terrenos destinados a praça e os assentos do Cadastro Muni- tão. prédio público e área destina- cipal, aos chamados “foreiros”. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 47 D ireito Artigo 5 O PRIMEIRO LOTE, dio residencial de tijolos e co- com os confrontantes do lote PERTENCENTE HOJE AO berto de telhas, o qual recebeu 01 da quadra 01 que concor- SENHOR ANGELIM ALVES o nº 235 da Rua Primo Zanazzi. dam plenamente com a descri- Como exemplo, analisamos Imóveis esse cadastrado na Pre- ção e caracterização relativa a o primeiro lote, de um mora- feitura Municipal de Matão sob individuação do predito lote 01 dor, chamado Angelim Alves, o nº 5.129, conforme demons- da quadra 01, demonstrada no que vem assim descrito: “Lote tra a inclusa certidão sob o nº croqui e no memorial descriti- nº 01 da quadra 01 da Vila e 647/1999 expedida em 03/ vo devidamente formalizados.” Distrito de São Lourenço do agosto/1999. Histórico do lote: Por sua vez os confrontantes Turvo, deste município e co- A posse direta (domínio útil: também assinaram uma decla- marca de Matão, com frente uso e gozo) referente a data ração concordando com os ter- para a Rua Primo Zanazzi, es- foreira (lote) acima descrito foi mos firmados pelo vizinho. quina da Avenida João Poletti, concedida originariamente a medindo 11,00 (onze metros) Pedro Aparecido Gessolo a San- 6 A SITUAÇÃO JURÍDICA de frente; 26,85 (vinte e seis to Gessolo, através do instru- ATUAL DOS LOTES metros e oitenta e cinco centí- mento particular (contrato de Pelo fato de a doação da gle- metros) do lado esquerdo de aforamento) firmado em data ba ter se efetivado no exercí- quem se situa de frente para o de 18/abril/1974; estes por sua cio de 1900 (antes, portanto, imóvel; 27,67 (vinte e sete me- vez, através de instrumento do Código Civil, a partir de tros e sessenta e sete centíme- particular firmado em data de quando foi emitida legislação a tros) e 20/setembro/1994, cederam e respeito), através de título não finalmente 11,14 (onze metros transferiram a Angelim Alves localizado, desse modo, sem e quatorze centímetros) nos e a Rosa Alves Zanazzi. Decla- título, o Bispado de São Carlos, fundos, encerrando a área de ração: Os foreiros assinaram Paróquia de Matão, Patrimônio 301,61 metros quadrados, con- um documento, onde declaram, de São Lourenço do Turvo, sem frontando pela frente com a ci- para os devidos fins de direito, que ninguém tivesse contesta- tada via pública: Rua Primo Za- na condição de detentores da do, judicialmente ou extrajudi- nazzi; do lado esquerdo de posse direta cialmente, de lá para cá, a pos- quem se situa de frente para o (domínio útil: uso e gozo) do se por ele exercido na predita imóvel, confronta com a Aveni- lote nº 01 da quadra 01 da vila gleba, obteve, em seu favor, o da João Poletti; do lado direito e distrito de São Lourenço do reconhecimento dos detento- com o prédio n° 245 da Rua Pri- Turvo, através de um termo res da posse direta (uso e gozo) mo Zanazzi, cadastrado no devidamente formalizado, que das respectivas datas (terrenos) município como lote 02 da qua- reconhecem em favor do Bispa- e a sua posse indireta (domí- dra 01 e finalmente nos fundos do de São Carlos, Paróquia de nio direto ou nua propriedade). com o lote 01 da quadra 05 Matão, Patrimônio de São Lou- Trata-se, efetivamente, o fato (área institucional) do lotea- renço, a posse indireta (domí- em questão de posse paralela. mento Jardim Primavera. No nio direto ou nua propriedade) Ensina o Professor Plácido e Sil- predito lote 01 da quadra 01 do lote nº 01 da quadra 01, e va (p. 1185-1186), “a existên- encontra-se construído um pré- “declaram, ainda, juntamente cia de uma posse ao lado de 48 do lado direito j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo outra. Exprime, pois, a evidên- ída, sobre a mencionada gleba em o direito, portanto, os de- cia de duas posses simultâne- originária, pelo período ininter- tentores da posse direta das as, que não se anulam e se ga- rupto de cem anos, de manei- respectivas datas ou terrenos rantem juridicamente. E própria ra justa, com aparência de pro- na vila e distrito de São Lou- ao caso das posses direta e in- prietário e visibilidade de do- renço da Turvo, da posse ad direta. E, a direta não extingue mínio. É certo que passou a não usucapionem com direito ao a indireta, que tão real, asse- existir o contato físico e mate- usucapião do domínio útil. gura ao proprietário a mesma rial com a gleba originária, por- qualidade de possuidor, que ao que dela foram transferidos, outro possuidor se atribui. Nes- respectivamente, para uso e O Decreto nº 3.819, de 15 ta circunstância, a posse indi- gozo (edificação de residência) de setembro de 1999, da mu- reta ou posso mediata, que é a de outras pessoas físicas ou nicipalidade, declarou de utili- posse que se conserva, simbo- jurídicas (foreiros), por tempo dade pública os direitos relati- licamente, em mãos do propri- perpétuo. Assim detém o Bis- vos ao domínio direto (nua pro- etário. é posse paralela ou que pado de São Carlos, a posse ad priedade) da área urbana que fica ao lado da posse que se usucapionem com direito ao compreende o antigo patrimô- transferiu a outrem, para uso e usucapião do domínio direto. nio ou povoado de São Louren- gozo temporário da coisa. A De outra forma a entende o ço do Turvo e que constava posse direta também se mos- mestre Antonio de Almeida Oli- pertencer ao Bispado de São tra paralela, em relação à pos- veira, em seu livro A prescrição Carlos, Paróquia de Matão, Pa- se do dono, que se mantém ao (1914, p. 18): “não há dúvida trimônio de São Lourenço do lado dela. A posse paralela, as- que se adquire o domínio dire- Turvo. A intervenção municipal sim, é exceção ao princípio de to através de usucapião, até nos direitos de propriedade exclusividade da posse, que se mesmo sem título”. (domínio direto ou nua-proprie- CONCLUSÃO funda na essência ou na pró- Dessa forma, a posse direta dade) se efetivou em razão da pria natureza da coisa, que não das datas ou terrenos concedi- desídia do pretenso senhorio pode ser possuída por inteiro, das para fins de edificação de direto e do interesse público ao mesmo tempo, por mais de residências, através de “contra- em regularizar uma situação uma pessoa. Quando alguém to particular de aforamento” (enfiteuse) de fato, através de está de posse de uma coisa, pertence de direito aos seus usucapião do domínio direto e outrem dela se privou”. respectivos possuidores que do domínio útil, possibilitando, A matéria em questão de- têm a efetiva detenção das da- assim, por meio de doação do monstra que a posse indireta tas ou terrenos na vila e distri- Poder Público Municipal, aos ti- pertenceu ao Bispado de São to de São Lourenço do Turvo, tulares do domínio útil e contri- Carlos, Paróquia de Matão, Pa- sem a intenção de tê-las como buintes do imposto territorial e trimônio de São Lourenço do suas (animus domini), reconhe- predial do município (IPTU), con- Turvo, sociedade civil, repre- cendo e as mantendo com a solidar o domínio pleno (propri- sentada pela autoridade eclesi- aparência de proprietário edade) de seus respectivos ter- ástica, com personalidade (affectio tenendi) em favor do renos que lhes foram concedi- jurídica devidamente constitu- Bispado de São Carlos. Possu- dos para a construção de suas j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 49 D ireito Artigo casas próprias, garantindo-lhes de Matão de propriedade da propriedade aos atuais deten- com justo título da proprieda- Prefeitura Municipal de Matão, tores. de (domínio pleno) o direito o que efetivamente se realizou Todavia, ainda hoje, perma- social, o da moradia, consagra- através da competente escritu- nece a enfiteuse, e os foreiros do pela Constituição Federal ra pública de permuta, lavrada aguardam sua extinção, uma vez (art. 6º), através da Emenda em julho de 2000, em notas do que, muito embora exista a lei Constitucional nº 26 de 14 fev. Tabelião de Matão. Dessa for- municipal, conforme se disse 2000. ma a Prefeitura Municipal de alhures, a documentação encon- A Lei Municipal nº 2.876, de Matão se tornou legítima titu- tra-se no Cartório do Registro de 20 out. 1999, por sua vez, con- lar da posse indireta anterior Imóveis de Matão para a regula- cedeu a devida autorização le- pertencente ao Bispado de São rização. Alguns foreiros ingres- gislativa para a permuta dos Carlos, Paróquia de Matão, Pa- saram com ações de Usucapião direitos relativos ao domínio trimônio de São Lourenço, so- visando à propriedade plena do direto (nua propriedade) da bre as datas ou terrenos con- imóvel, sem a restrição, que tra- área urbana que compreende o cedidos aos seus possuidores mitam na Justiça. antigo patrimônio ou povoado e detentores da posse direta de São Lourenço do Turvo, por (uso e gozo), para fins de edifi- três áreas (bens disponíveis) cação de casas próprias, e po- situadas na cidade e município derá ceder definitivamente a R BIBLIOGRAFIA BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4. ed. vol. 2. São Paulo: Saraiva. PAIVA, João Pedro Lamana. A sistemática no registro de imóveis. 4. ed. 1984. OLIVEIRA, Antonio de Almeida. A prescrição. 1914. PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, vol. III. Ed. Forense. 50 Revista do Direito Imobiliário n. 19/20, jan./dez. 1987. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Historicidad del derecho Abelardo Levaggi Universidad de Buenos Aires, Argentina No siempre los juristas se detienen a pensar en el origen de Sólo una relación externa, su- dogmático creerá que es sufici- perficial. ente conocer el texto de las las instituciones, o de las nor- Quien crea en este espejis- normas, la jurisprudencia y la mas que analizan. Parecería que mo, quien se deje dominar por doctrina – propias y extranjeras el trabajo mismo del jurista dog- este fantasma, no considerará – para desempeñar su misión, mático, de interpretación e in- que la historia pueda ser fuen- asistido sólo por su razonami- tegración del ordenamiento, lo te para el científico del Derecho. ento lógico y su capacidad de hiciera perder la noción, el sen- No participará del axioma roma- análisis. EI dato histórico no tido del tiempo, lo envolviera en no Caeca sine historia jurispru- será para él relevante. Su único una extraña atmósfera de eter- dentia (“la doctrina jurídica es valor será, a lo sumo erudito. nidad. Según esto, el Derecho ciega sin la historia”), expresi- Ignoro si esta clase de jurista carecería de la dimensión tem- ón ésta de una idea latina del es mayoritaria o minoritaria, pero poral, histórica, no estaría tras- Derecho como realidad esenci- son muchas las pruebas de que pasado por “la flecha del tiem- almente mutable sometida a las existe. La ausencia de cursos de po” de cual nos habla el Premio “tempestuosas variaciones de Historia del Derecho en varias Nobel en física Ilia Prigogine. las cosas y de los acontecimi- Facultades de Derecho ha debi- Entre Derecho e historia no exis- entos”, como dice Aulo Gelio en do tener esa consecuencia: pro- tiría ninguna relación intima. sus “Noches áticas”. Ese jurista ducir esa clase de juristas. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 51 D ireito La historia, sin embargo, no es indiferente al Derecho, como Artigo entonces de modo más eminen- Derecho, pues, sigue creciendo te por el Ius Commune. con el pueblo, se perfecciona no es indiferente a ningún pro- Antes y después de la irrup- con él y finalmente muere, al ducto cultural. Cualquiera sea ción de la doctrina racionalista, perder el pueblo su peculiari- éste el tiempo es uno de sus el humanismo y la escuela his- dad”.1 El prestigio de la escuela elementos constitutivos. Pres- tórica del Derecho, respectiva- histórica hizo que, superadas cindir de este dato equivale a mente, llamaron la atención de sus exageraciones historicistas renunciar al conocimiento ple- los juristas con sus apelaciones iniciales, el pensamiento jurídi- no del objeto respectivo. Es ver- a la historia. EI humanismo ju- co mayoritario reconociera el dad que en la historia de las rídico, mos gallicus, desde la papel fundamental cumplido ideas jurídicas de Occidente obra de Jacques Cujas, instaló por la historia en la formación hubo y hay escuelas negadoras a la historia en la biblioteca del del Derecho, y, también, que de la historicidad del Derecho. jurista, al emprender el estudio hay un modo histórico de cono- Sobre todo, el racionalismo y del Derecho romano como la cer el Derecho. sus variaciones, con su creen- manifestación que había sido de Las instituciones jurídicas – cia en la posibilidad de formu- una sociedad y de una época es evidente – varían con el paso lar de una vez y para siempre, determinadas, aun cuando mu- del tiempo, en el corto, media- con la sola fuerza de la razón y chas de esas reglas tuvieran un no o largo plazo. Unas consti- abstracción absoluta de todo valor universal. Así, pudieron tuciones son sustituidas por dato empírico (tanto del pasa- interpretarlas correctamente y otras, unos códigos por otros, do como del presente, o sea, no desvanecer fantasías ideadas a unas leyes ordinarias por otras. sólo proporcionado por la his- su respecto por glosadores y Además, varia la jurisprudencia, toria, sino también por la soci- comentaristas. los criterios de interpretación ología), un Derecho esencial- Pero, fue, principalmente, la de las leyes. Nuevas necesida- mente justo. Válido para todos escuela histórica del Derecho, des sociales demandan nuevas los tiempos y lugares, expulsó la escuela del gran Friedrich Karl soluciones jurídicas. El dinamis- a la historia de las fuentes de von Savigny, la que predicó la mo social impulsa el dinamis- saber jurídico, si bien lo hizo de naturaleza histórica del Dere- mo jurídico. E; Derecho, para una manera más teórica que cho, como obra de la nación – conservar su eficacia, debe práctica. En efecto, los intentos de cada nación – en su devenir acompañar a la sociedad en su del iusnaturalismo racionalista histórico, que sólo se detiene desarrollo. De lo contrario, se por construir un sistema jurídi- con la muerte misma de ella. Lo convertiría en “letra muerta”, co ideal, a partir, única y exclu- mismo que para el lenguaje – perdería vigencia. Esos cambi- sivamente, de la razón, fueron escribió v. Savigny – “para el os producidos en los ordenami- posibles en cuanto a la formu- Derecho tampoco hay ningún entos positivos son la manifes- lación de los principios, pero, momento de pausa absoluta: el tación obvia de la historicidad para establecer soluciones con- Derecho está sometido al mis- del Derecho, y – como escribe cretas ante problemas concre- mo movimiento y a la misma el notable jurista brasileiro Nel- tos, no pudo evitar el recurso a evolución que todas las demás son Saldanha – esto nos autori- la experiencia, representada tendencias del pueblo [...] EI za a llamar “histórico” incluso 52 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo cunstancias propias de cada dad actual sólo se descubre re- recientes.2 época, y no de modo uniforme. construyendo la trayectoria his- El jurista que no concibe el Lo que para una época es lo jus- tórica; por lo menos, partiendo Derecho como un ordenamien- to, no lo es, necesariamente, del sistema que regía antes de to abstracto, puramente racio- para todas. Los cambios que la codificación moderna, con- nal, sino que reconoce en él su experimentaron las institucio- trastándolo con el posterior. Lo relación íntima con las condici- nes se fundaron, por lo común, mismo debe decirse de la pro- ones de vida de la sociedad a la en el deseo de establecer un piedad, de la capacidad de las que pertenece, que lo concibe Derecho “más justo”. Cada épo- personas, de las sociedades como un fenómeno social, sien- ca nos da su propia versión de comerciales, del régimen de las te la necesidad de conocer la cuál es la “ley justa”. penas, de los derechos políti- el estudio de las novedades jurídicas más génesis de sus reglas, cuáles El jurista que no se satisface cos, en suma, de todas las ins- fueron las condiciones sociales con el conocimiento superfici- tituciones jurídicas. Sea que el que estimularon su formulaci- al, descriptivo, de las normas, Derecho se haya mantenido ón, para comprender su verda- sino que intenta captar su espí- constante en el tiempo, sea que dero significado. Además, saber ritu. penetrar en su intimidad, haya experimentado cambios cómo el cambio social influye en no puede – por lo tanto – pres- profundos, la perspectiva histó- el cambio jurídico: unas veces, cindir del estudio histórico, úni- rica existe siempre y es funda- obligando al ordenamiento a co capaz de responder a los in- mental para adquirir un conoci- modificar sus normas: otras ve- terrogantes de esa índole que miento pleno, causal, verdade- ces, manteniéndolas, pero, al se nos plantean cada vez que ro, de las instituciones. haber variado el contexto, dan- reflexionamos sobre su signifi- Como he dicho otras veces, do origen a una nueva jurispru- cado. Cualquiera sea el siglo en la ley hoy vigente es sólo un dencia. Es que las instituciones que esas normas hayan nacido, capitulo, un capítulo más, de la jurídicas nacen y se desarrollan antiguo o moderno, problemas historia o la novela de la insti- en estrecha vinculación con las de interpretación histórica, en tución respectiva. Mal podría- necesidades y aspiraciones de mayor o menor número, se pre- mos entender ese capítulo si no sociedades concretas, entendi- sentan siempre, y no deben ser hubiéramos leído los anteriores, das como una suma de relacio- evitados. si no supiéramos lo que suce- Instituciones como el testa- dió antes. Mucho de lo que leyé- Es verdad que la aspiración mento o la sucesión ab-intesta- ramos ese capítulo carecería de de justicia que anida en el cora- to, que tienen tras de sí un de- sentido para nosotros, no ten- zón del ser humano es univer- sarrollo histórico de tantos si- dría explicación, por faltamos sal y eterna, y que el Derecho glos, no pueden ser compren- los elementos de juicio, los da- tiende naturalmente a la esta- didas en su regulación actual, tos o las claves para interpre- bilidad de sus normas, pero ta- en la que emana de la ley hoy tarlo. La función de la discipli- les aspiraciones, y la forma vigente, si el intérprete no es na historia del Derecho es, pre- como se concretan, se han ex- capaz de relacionar el presente cisamente, ésa: revelarnos el presado y se expresan a través con aquel pasado. Y es así, por- pasado para permitirnos com- del tiempo de acuerdo a las cir- que el sentido de la normativi- prender el presente. nes sociales de toda índole. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 53 D ireito Artigo Además de auxiliamos en la enunciados lógicos y éticos, con de estudio universitarios ha de labor hermenéutica, la historia los fenómenos sociales: los ser considerada indispensable. jurídica, bien entendida, es ca- principios con los hechos. Tam- paz de estimular nuestro espí- bién, nos hace tomar concien- ritu crítico, de impedir que la cia de la necesidad de situar la dogmática degenere en noso- ciencia jurídica en la intersecci- tros en un rígido dogmatismo, ón de las coordenadas tiempo con su pernicioso efecto parali- y espacio, y de cultivarla en fun- zante de la inteligencia. Ella nos ción de ellas. Al ser tan impor- impulsa a relacionar las normas tantes los beneficios que brin- jurídicas, concebidas como da, su presencia en los planes R NOTAS (1) (2) Von Berufunserer Zeit, item 2. Diritto contemporâneo, storia e sociologia, Sociologia del Diritto, n. 3, 1996. p 143. Núcleo de Recursos Humanos Com o trabalho sério e reconhecido, o Núcleo de Recursos Humanos do IMES busca a integração entre o conhecimento teórico e a prática no campo da Administração de Recursos Humanos. Entre os serviços oferecidos, destacam-se: O Realização de pesquisas em Recursos Humanos (cargos, salários, benefícios, acordos/convenções coletivas, remuneração variável, indicadores da performance de área e clima organizacional); O Encontros de reciclagem para profissionais da área de RH; O Publicação do boletim Notícias de Recursos Humanos, que traz uma sinopse da imprensa paulista com informações sobre RH; O Desenvolvimento de projetos personalizados para empresas (consultoria, auditoria, e treinamento); O Publicação de artigos que abordam ocomportamento do mercado de trabalho e suas tendências. Informações e consultas podem ser feitas na Av. Goiás, 3.400, em São Caetano do Sul, pelo telefone (011) 4239-3201, ou pelo e-mail: [email protected] 54 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo A importância da interpretação nas relações sócio-jurídicas Carlos João Eduardo Senger Coordenador e Professor da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito do Curso de Direito do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul (SP). Doutorando pela Universidade do Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina. Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo. Consultor Jurídico e Advogado. R e s u m o A b s t r a c t A escolha do tema dentro do campo da Teoria Geral do Direito deveu-se à importância da interpretação na realidade atual da vida em sociedade, onde os estudos de hermenêutica (hermeneuein), com origem na cultura sócio-filosófica, tida como a maneira científica da arte de interpretar, têm-se revelado de substancial importância na solução dos impasses dentro das relações sócio-jurídicas, desde os entendimentos mais comuns, as avenças da vontade expressas na fixação de direitos e deveres, até nas regras legisladas pelos respectivos poderes constituídos do Estado, este como grande mentor dos anseios sociais, ante os avanços da modernidade e da tecnologia, trazendo-se como exemplo os sistemas i n f o r m a t i zados, cujos sensores dos computadores nos emitem diretrizes e controles a repercutir seriamente em nossos atos, e que se qualifica como uma ação de pura interpretação, com forte incidência na vida das pessoas. É justamente nesta ordem de idéias e a preocupação concorrente que nos propusemos examinar o tema escolhido, podendo-se afirmar que a interpretação, sem sombra de dúvidas, representa a alma de toda conjuntura do direito, evidenciandose como reforço a oportuna afirmação do eminente jurista e professor argentino dr. Marcelo Urbano Salerno; “como se foi espiritualizando uma matéria inorgânica a fim de dar forma a uma das mais sólidas criações do homem para assegurar a paz e a convivência normal” (Mayor, 1999). Neste rumo e nos passos do entendimento do ilustre professor, a hermenêutica representa toda criatividade do direito deduzido em regra, em sua manifestação interpretativa e construtiva, sob o impulso da genialidade da mente do ser humano, onde reside a real importância da elaboração do direito como obra final e acabada, fruto perfeito do pensamento criador, da engenhosidade, dos artifícios do idioma e de retórica postos, sutilmente engendrados, da sensatez e do equilíbrio, que culminam por transformar-se em preceitos eficientes e disciplinadores providos de força que se apresentam como incontestes à obediência social. The choice of the theme inside the field of the General Theory of Law was due to the importance of the interpretation in the current reality of life in society, where the hermeneutic studies (hermeneuein), with origin in the culture social/philosophical, had as the scientific way of the art of interpreting, it has been revealing inside of substantial importance in the solution of the impasses of the relationships social/ juridical, from the most common understandings, the agreement of the expressed will in the fixation of rights and duties, even in the rules legislated by the respective constituted powers of the State, this is as great mentor of the social longings, before the progresses of the modernity and of the technology, being brought as example the computerized systems, whose sensor of the computers they emit us guidelines and controls to echo seriously in our actions, and that it is qualified as an action of pure interpretation, with strong incidence in the people’s life. It is exactly in this order of ideas and the competitive concern that we intended to examine us the chosen theme, could be affirmed that the interpretation, without shadow of doubts, represents the soul of every conjuncture of Law, being evidenced as reinforcement the eminent jurist’s opportune statement and teacher Argentinean dr. Urban Marcelo Salerno; “as It has been spiritualizing an inorganic matter in order to give form to one of the man’s most solid creations to assure the peace and the normal coexistence” (Mayor, 1999). In this direction and in the steps of the illustrious teacher’s understanding, the hermeneutic represents all creativity of the Law deduced in rule, in its interpretative and constructive manifestation, under the pulse of the brilliant idea of the human being’s mind, where it lives to real importance of the elaboration of Law as final work and ended, perfect fruit of the creative thought, of the ingeniousness, of the artifices of the language and of put rhetoric, subtly engendered, of the good sense and of the balance, that culminate for transforming in an efficient precepts and disciplinary, provided of force that comes as uncontested to the social obedience. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 55 D ireito Artigo creto, impõe-se ao intérprete o se diversificam. Esse interés ex- A tanto, o entendimento de entendimento dos padrões vi- traordinário por la interpretaci- Mayor se desponta como muita gentes da modernidade ter o ón jurídica, claramente visible propriedade a realidade em vi- conhecimento mais profundo em las dos últimas décadas, no gência, no sentido de que “a do direito e da realidade social, es exclusiva de alguma orien- humanidade entrou num perío- com a revalorização da filoso- tación en particular, por el con- do de mudanças cuja amplitu- fia jurídica, como também ter a trario, em él coincidem, más allá de, profundidade e, sobretudo, necessária vivência com os fa- de matices, tanto jusnaturalis- rapidez, provavelmente nunca tos sociais que representam a tas como juspositivistas, y las tiveram um equivalente na his- base da vida em sociedade, ca- otras variantes doctrinárias que tória. A internacionalização da bendo principalmente ao estru- intentan escapar a essa tradici- vida sociedades turador e ao aplicador do direi- onal e inevitable divisória de nacionais, o fenômeno da mun- to perceber as causas e proble- águas.” (Vigo, 1999, p. 13). dialização, os problemas do mas que afligem a coletividade Sábia lição a respeito é apre- meio ambiente, as tensões e os quer sob o aspecto individual, sentada por Clovis Bevilacqua, conflitos de um novo tipo, bem quer sob o aspecto coletivo e, autor de nosso Código Civil an- como a generalização de certas assim, lograr interpretar corre- terior, em seus estudos a res- normas e de certos comporta- tamente as relações e implica- peito da Teoria Geral do Direito mentos culturais que entram ções, tendo como balizamento Civil: “Assim, embora a intenção em conflito com os valores tra- a ética e a real finalidade da lei, da lei seja um ponto importan- dicionais, os problemas éticos cujo texto é frio, de forma que te para o intérprete, o essenci- cada vez mais complexos, dos a regra legislada oportunize a al é escolher, dentre os pensa- quais nem os indivíduos nem geração do calor à justiça dese- mentos possíveis da lei, o sen- as sociedades podem escapar, jada. tido mais racional, mais salutar INTRODUÇÃO das são alguns dos fatos relevan- A propósito do assunto, o e de efeito mais benéfico. Por tes da nossa época.” (Salerno, eminente jurista Argentino isso mesmo, a lei admite mais 1998, p. 13). Rodolfo Luis Vigo, em sua obra de uma interpretação no decur- Dessa forma, diante da mul- Interpretación jurídica, desponta: so do tempo. Supor que há so- tiplicidade de relações formais “La teoria de la interpretación mente uma interpretação exa- e informais que se estabelecem jurídica pasa, especialmente en ta, desde que a lei é publicada em face da vida social, na fixa- el ámbito del derecho continen- até aos seus últimos instantes, ção de direitos e deveres ao con- tal, por um momento de esplen- é desconhecer o fim da lei, que trato social preexistente, o direi- dor, quizás como nunca em la não é objeto de conhecimento, to, para alcançar os anseios do historia del pensamiento jurídi- mas um instrumento para se povo, ao primado do justo e le- co. Buena parte de la bibliogra- alcançarem os fins humanos, gítimo, deve evoluir correlata- fia jusfilosófica que se edita para fomentar a cultura, conter mente, não se restringindo tão versa de manera directa o indi- os elementos anti-sociais e de- somente a via estreita das téc- recta sobre aquella temática. senvolver as energias da nação. nicas jurídicas, pois para a apli- Los problemas se acrescientam Em conclusão, na interpretação cação correta da lei ao caso con- y los intentos por solucionarlos da lei, deve atender-se, antes de 56 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo tudo, ao que é razoável, depois estabelecendo uma multiplici- fonte contínua de alimentação às conseqüências sistemáticas dade de ações, sem poder dis- e realimentação ao aperfeiçoa- e, por fim o desenvolvimento tanciar-se do respeito aos valo- mento do entendimento e com histórico da civilização” (Bevila- res humanos, conquista advin- ressonância direta no ordena- cqua, 1956, p. 41), e remata da do jusnaturalismo e do mun- mento legal, a possibilitar a in- com extraordinária clareza, isto do neo-liberal, no propósito de denidade e atualidade das re- já a sua época: “...vê-se que a poder possibilitar uma convi- gras, das convenções deduzi- ciência do direito sente hoje im- vência harmônica entre os se- das em relações por atos de periosa necessidade de largue- res humanos, ao matiz da dig- vontade, e máxime no forneci- za e flexibilidade, diante da nidade, e dentro de sua exclu- mento de elementos mais segu- marcha acelerada e da expan- siva atribuição para a prevenção ros, a influenciar na elaboração s o e solução dos conflitos de inte- e melhoramento da Lei, via de da cultura, e, como a lei é mo- resses, na tentativa da efetiva conseqüência repercutindo na rosa em suas transformações, realização da Justiça, através de própria Justiça, tarefa a que vai pedir à interpretação, ou, um sistema de normas impera- compete a todos os estudiosos melhor, à jurisprudência e à dou- tivo-atributivas. do direito, e como já dito, pre- ã trina, um instrumento de adap- A propósito do tema aborda- sos aos princípios da plena sin- tação constante do direito à do, trazemos o pensamento tonia com a situação cultural, vida real” (Bevilacqua, 1956, poético do ilustre jurista brasi- social, política e jurídica da so- p. 43). leiro Mario Moacyr Porto: “a lei ciedade, ao cobro de todas as Transportando-se para os não esgota o direito, como a par- suas nuances, voltados para a dias atuais, a talante da cons- titura não exaure a música, in- finalidade sempre perseguida, tante busca da modernidade, a terpretar é recriar, pois as notas ou seja, a disciplinação da con- mesma preocupação subsiste e musicais, como os textos da lei, vivência social e a solução dos está a assolar a sociedade rotu- são processos técnicos de ex- conflitos de interesses. lada como da era moderna, pressão e não meios inextensí- mais facilitada pelo apoio irre- veis de exprimir” (Porto, p. 11). Assim, diante da ciência, o direito sempre caminha om- sistível dos adventos técnicos, Portanto, no presente artigo e por força de seu crescimento desenvolvido e pesquisado, que vegetativo e inexorável multipli- integra os estudos de teoria De grande felicidade é a afir- cação, passando a conviver com geral do direito, o objetivo é de mação do jurista italiano Ange- uma acentuada magnitude de dar estrutura a um raciocínio no lo Falzea: “Na esfera da realida- problemas sociais, tendo-se sentido de demonstrar a impor- de, na qual se encontra o direi- como evidente que a grande tância da interpretação, que se to e a esfera da vida humana, preocupação do Estado moder- convola na atualidade como o fácil será compreender que os no atual, gestor político supre- cerne de tudo, princípio basilar valores da vida humana se en- mo, sob os efeitos da influên- ao entendimento de quaisquer contram na origem dos valores cia global, é de cumprir sua relações consubstanciadas nos do direito. Estes últimos se finalidade, ou seja, dar tratos direitos e deveres formalmente apresentam como exigências da ao campo da pacificação social, fixados, por cuidar-se de uma vida em sociedade, e assim é j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 breado ao destino do próprio homem. 57 D ireito Artigo porque os valores da vida hu- professor Salerno que tomamos como suporte a interpretação mana também se apresentam a liberdade de trasladar para o dos anseios sociais e das neces- como exigências. A vida tem nosso idioma: “O direito, como sidades, antecedente necessá- seus valores porque tem suas toda ciência, apresenta certas rio para a inserção das regras exigências, sem dúvida condi- características fundamentais, na moldura legal, e o operador cionadas às situações de fato e quanto ao seu conteúdo, sua do direito compete alinhar-se na mutáveis as linguagem, seu método, sua posição de cauteloso exegeta, variações das situações de fato” validade e sua prescrição” e con- investigador científico, aplica- (Voci di teoria generale Del tinua: No decorrer desta obra dor da regra, e naturalmente diritto, 1978, p. 216). serão examinados cada um des- como esmiuçador do verdadei- Resta certo, que as tendên- ses caracteres que permitem ro espírito e do alcance do pre- cias desta envolvente moderni- apreciar através do tempo como ceito, premido pela atenção ao dade que estão a afetar o direi- se foi espiritualizando uma inafastável binômio: finalidade to e a estrutura da aplicação da matéria inorgânica a fim de dar social e o bem comum, o que Justiça, em consonância com os forma a uma das mais sólidas na prática tem sido relegado, anseios sociais, e a vida em so- criações do homem para asse- principalmente pelos órgãos ciedade, que carecem de uma gurar a paz e a convivência nor- responsáveis e com poder de melhor qualidade do agente in- mal” (Salerno, 1998, p. 13). decisão, que na maioria das ve- segundo terativo destas ações, ou seja, Registre-se, o ponto relevan- zes optam equacionar o proble- do profissional do direito, que te da sábia afirmação do ilustre ma de forma mais rápida e me- deve estar mais apto, mais com- professor vem ao encontro do nos trabalhosa, através do mo- pleto, aplicado, seguro e mais escopo do tema enfocado, i.é, delo da escola interpretativa sensível, envolvido num autên- o significado da interpretação mais simples e já de todo supe- tico realinhamento de cultura, dentro do direito e seu enten- rada, a da “exegesis”, e assim para que esteja pronto, com um dimento, reiterando-se a perfei- remanescer presos à litera- embasamento mais profundo ção da frase produzida “...como lidade, via liturgia dramática do do direito e, de uma disposição se foi espiritualizando uma teor normativo aos quadrantes do de conhecimento mais abran- matéria inorgânica a fim de dar texto, um autêntico paradoxo à luz gente, para que possa entender forma a uma das mais sólidas da modernidade. e dar assim a efetiva contribui- criações do homem para asse- ção ao modelo moderno do gurar a paz e a convivência nor- 1 A HERMENÊUTICA direito como regra disciplina- mal”. E O SIGNIFICADO DA dora, tenha-se como exemplo Destarte, é de se atribuir à inicial que hoje, em vários seto- interpretação o papel preponde- O vocábulo hermenêutica res da atividade humana, os rante como raciocínio respon- provém do grego “herme- nossos sensores e que de certa sável pela transformação de neuein”, sendo considerado uma forma nos ditam regras impo- uma matéria inorgânica em teoria ou a filosofia da interpre- sitivas são as máquinas do sis- realidade legal, pois o legisla- tação, cujo objetivo é tornar tema da informatização. dor, quando elabora a regra, compreensível o objeto de es- como já referido, o faz tendo tudo, de forma mais profunda, Repetimos as palavras do 58 INTERPRETAÇÃO j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo portanto mais do que sua sim- mento, que anima as palavras” surgir. Uma disposição poderá ples aparência ou superficiali- (...) Para penetrar o pensamen- parecer clara a quem examinar dade. to da lei e faze-la regular de superficialmente, ao passo que Cediço dizer que, para al- acordo com os fins da civilização, se revelará tal a quem a consi- guns juristas, a hermenêutica os fenômenos sociais, a que derar nos seus fins, nos seus não representa somente a arte deve presidir, pode o intérprete procedentes históricos, nas da interpretação, é considerada recorrer aos elementos puramente suas conexões com todos os uma verdadeira ciência, como verbais (interpretatio gramati- elementos sociais que agem uma teoria científica da arte de cal) ou ao raciocínio, à análise, sobre a vida do direito na sua interpretar, no direito colabo- à comparação, a todos os meios aplicação a relações que, como rando no esclarecimento de tex- que fornecem a ciência jurídica, produto de novas exigências e tos obscuros, apontando as a exata compreensão do direito condições, não poderiam ser imperfeições das regras, adap- na mecânica social, a história da consideradas, ao tempo da for- tando-as à aplicação e dando formação da lei e a evolução do mação da lei, na sua conexão soluções às contradições detec- direito (interpretação lógica). com o sistema geral do direito tadas. Sobretudo deve atender a que positivo Carlos Maximiliano foi o ju- o direito é um organismo desti- (Bevilacqua, 1956, p. 41). rista brasileiro que se notabili- nado a manter em equilíbrio as E mais: “As leis positivas são zou acerca do tema com sua forças da sociedade e, portanto, formuladas em termos gerais; obra pioneira Hermenêutica e tem princípios gerais, a que os fixam regras, consolidam prin- aplicação do direito, considera- outros se subordinam (as perma- cípios, estabelecem normas, em da clássica e completa sobre o nências jurídicas, os preceitos linguagem clara e precisa, po- assunto, em que dizia “a herme- constitucionais), e todas as suas rém ampla, sem descer a minú- nêutica é a teoria científica da regras entre cias. É tarefa primordial do exe- arte de interpretar” (Maximilia- si harmônicas (interpretação sis- cutor a pesquisa da relação en- no, 1994, p. 14). temática)” (Bevilacqua, 1956, p. tre o texto abstrato e o caso 37 e 38). concreto, entre a norma jurídi- A palavra, mesmo usada de devem ser vigente” forma correta, muitas vezes es- Despiciendo dizer que “A ca e o fato social, isto é, aplicar timula interpretações diversifi- norma jurídica sempre necessi- o Direito. Para o conseguir, se cadas, mormente pelo fato de ta de interpretação. A clareza de faz mister um trabalho prelimi- a linguagem normativa não um texto legal é coisa relativa. nar: descobrir e fixar o sentido apresentar similaridade e, como Uma mesma disposição pode verdadeiro da regra positiva; e se não bastasse, existem situa- ser clara em sua aplicação aos logo depois, o respectivo alcan- ções em que o texto legal im- casos mais imediatos e pode ser ce, a sua extensão . Em resu- pregna-se de erros gramaticais duvidosa quando se aplica a mo: o executor extrai da nor- que acabam por confundir a in- outras relações que nela pos- ma tudo o que na mesma se terpretação correta de normas sam enquadrar e às quais não contém: é o que se chama in- jurídicas. se refere diretamente, e a ou- terpretar, isto é, determinar o Para Clovis, já citado, “Inter- tras questões que, na prática, sentido e o alcance das expres- pretar a lei é revelar o pensa- em sua atuação, podem sempre sões do Direito” (Maximiliano, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 59 D ireito Artigo pretação; c) carga emotiva, veri- fundeza. Deve-se atender a que, A interpretação corresponde ficando-se que os textos jurídi- em nosso pensar, existe uma à exegese, e a dogmática jurí- cos se expressam como lingua- parte sociológica ao lado da in- dica se fundamenta na idéia do gem natural, sofrendo as influ- dividual. O que pensamos não legislador racional que é carac- ências da língua, daí advir a é somente trabalho nosso, é al- terizado como: a) único; b) ab- razão dos problemas de inter- guma coisa de infinito, por ser solutamente consciente; c) um pretação. produto da ideação de séculos 1994, p. 1). “homo” ciente; d) operativo Entre os modos de interpre- e milênios, oferecendo uma tal (pela elaboração de leis que tação, tem-se: a) interpretação conexão de idéias que o próprio sempre serão aplicadas); e) de objetiva, que corresponde à pensador não percebe. Não se apresentar soluções que sem- fidelidade ao texto; b) interpre- tem atendido, convenientemen- pre são as melhores; f) dotado tação subjetiva, que correspon- te, à significação sociológica da de coerência; g) um legislador de à intenção do legislador, e lei, e ainda se supõe que, para a que a tudo prevê; h) dotado de que permite via: estilo livre, formação da lei, apenas atua a precisão na linguagem; i) dota- livre no texto; b) estilo restrin- vontade do legislador, quando se do de perfeição. gido, preso ao texto. sabe que não é o indivíduo, mas Parte-se do pressuposto que Apresenta conexões pelo sim o grupo social, que faz a his- em toda norma sempre existe contexto e situação fática, cuja tória” (Bevilacqua, 1956, p. 41). um marco de indeterminação, linguagem pode ser: instrumen- que pode ser: a) ante uma falha tal (signo), relação de causa e 2 HERMENÊUTICA E ou deficiência do texto; b) pre- efeito e convencional, represen- INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: vista pelo legislador, havida tada pelos símbolos que são CARACTERÍSTICAS como intencional; c) não inten- convenções, que podem ser ex- Como dissemos, a interpreta- cional, por motivos alheios (pro- pressadas por linguagem artifici- ção é feita, sempre, conforme algu- blemas de linguagem, diferen- al, e tácita, por linguagem na- mas regras e enunciados prees- ça entre o texto e a intenção do tural, citando como exemplo a tabelecidos, realizada de acordo legislador, problemas lógicos, fórmula da água H2O/água. com postulados norteadores no que se dão por meio de lacu- Dentro desse alinhamento de sentido da interpretação das re- nas, falhas, má redação e equí- idéias, Kohler, reverenciado ju- gras jurídicas; em síntese, repe- vocos). rista alemão, que mereceu men- tindo-se a lição de Carlos Maxi- A atividade do operador do ção de Clovis Bevilacqua, em miliano, “o executor extrai da direito é sempre interpretativa, seus estudos, preconizava ao norma tudo o que na mesma se e a norma sempre se expressa seu tempo: “Interpretar é pro- contém: é o que se chama inter- por intermédio de proposições, curar o sentido e a significação, pretar, enunciados e expressões de não do que alguém disse, mas minar o sentido e o alcance lingüística. do que foi dito. É um erro su- das expressões do Direito” Na linguagem natural a lei por que o pensamento é escra- (Maximiliano, 1994, p. 13). pode apresentar: a) ambiguida- vo da vontade. A expressão que A interpretação é feita, sem- de; b) vaguidade, como indeter- o traduz, nem sempre o expõe pre, de acordo com alguns pre- minação no alcance da inter- em toda a sua extensão e pro- ceitos preestabelecidos e reali- 60 isto é, deter- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo zada em sintonia com regras de abstrato, pela hermenêutica, mas sim que ele seja capaz de como interpretar as regras jurí- podendo-se dizer que a inter- oferecer o conteúdo da norma dicas, tendo-se em conta que o pretação somente se dá em con- de acordo com enunciados ou intérprete equivale ao agente fronto com o caso concreto a formas de raciocínio explícitos, responsável pela clarificação do ser analisado e decidido pelo previamente traçados e aceitos texto normativo. judiciário; a hermenêutica, ao de maneira mais ou menos A propósito infira-se da pon- contrário, é totalmente abstra- geral, advindos de determi- deração a respeito da herme- ta, isto é, não tem em mira qual- nada ciência, mas sem neces- nêutica e da interpretação tra- quer caso a resolver. sariamente com isto estar-se fazendo ciência” (Bastos, 1997, zida pelo festejado jurista Cel- Segue-se o pensar do já cita- so Ribeiro Bastos: “Faz sentido do Carlos Maximiliano: “o erro aqui a diferenciação posto que dos que pretendem substituir Novamente Carlos Maximili- hermenêutica e interpretação uma palavra pela outra; alme- ano: “não basta conhecer as re- levam a atitudes intelectuais jam, ao invés de Hermenêutica, gras aplicáveis para determinar muito distintas. Num primeiro Interpretação. Esta é aplicação o sentido e o alcance dos tex- momento, está-se tratando de daquela; a primeira descobre e tos. Parece necessário reuni-las regras sobre regras jurídicas, de fixa os princípios que regem a e, num todo harmônico, ofere- seu alcance, sua validade, inves- segunda. A Hermenêutica é a cê-las ao estudo, em um enca- tigando sua origem, seu desen- teoria científica da arte de in- deamento lógico. A memória volvimento etc. Ademais, embo- terpretar” (Diniz, 1991, p. 381). retém com dificuldade o que é ra essas regras, que mais pro- E conclui Celso Ribeiro Bas- acidental; por outro lado, o in- priamente poder-se-iam desig- tos, por singular metáfora: “As- telecto desenvolve dia a dia o nar por enunciados, para evitar sim como as tintas não dizem logicamente necessário, como a confusão com as regras jurí- onde, como ou em que exten- conseqüência, evidente por si dicas propriamente ditas, pre- são deverão ser aplicadas na mesma, de um princípio supe- ordenem-se a uma atividade ul- tela, o mesmo ocorre com os rior. A abstração sistemática é terior de aplicação, o fato é que enunciados quando enfrenta-se a lógica da ciência do Direito. eles podem existir autonoma- um caso concreto. Por isso, não Ninguém pode tornar-se efeti- mente do uso que depois se vai é possível negar, da mesma for- vo senhor de disposições parti- deles fazer. Já a interpretação ma, o caráter evidentemente culares sem primeiro haver não permite este caráter teóri- artístico da atividade desenvol- compreendido a milímoda vari- co-jurídico, mas há de ter uma vida pelo intérprete. A interpre- abilidade do assunto principal vertente pragmática, consisten- tação já tangencia com a pró- na singeleza de idéias e concei- te em trazer para o campo de pria retórica. Não é ela neutra tos da maior amplitude ou, por estudo o caso sobre o qual vai e fria como o é a hermenêutica. outras palavras, na simples uni- se aplicar a norma” (Bastos, Ela tem de persuadir, de conven- dade sistemática. Descobertos 1997, p. 21). cer. O Direito está constante- os métodos de interpretação, Assim, a interpretação tem mente em busca de reconheci- examinados em separado, um caráter concreto, seguindo uma mento. Não se quer que o in- por um nada resultaria de or- via preestabelecida, em caráter térprete coloque sua opinião, gânico, de construtor, se os j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 p. 22). 61 D ireito Artigo não enfeixássemos em todo instrumento de adaptação cons- grande importância da interpre- lógico, em um complexo har- tante do direito à vida real”, e tação jurídica pelo magistrado mônico. À análise sucede a sín- finaliza com grande tirocínio, antes da aplicação da regra tese. Intervenha a Hermenêuti- projetando seu entendimento a jurídica ao caso levado a seu cri- ca, a fim de proceder à sistema- atualidade: “Assim, o intérpre- vo (in concreto). tização dos processos aplicáveis te, esclarecendo, iluminando, Houve tempo em que se para determinar o sentido e o alargando o pensamento da lei, acreditava ser a lei uma fórmu- alcance das expressões do torna-se um fator da evolução la “mágica”, expressão definiti- Direito” (Heinrich Gerland, Prof. jurídica. É certo que a sua ação va do direito, através do qual o da Universidade de Jena. Maxi- é limitada pelo próprio edito da Estado poderia resolver todos os miliano, 1994, p. 5). lei, e se este se recusa a aceitar problemas jurídicos da socieda- Dessa forma, interpretar é as modificações sociais, o intér- de, acreditando-se que por meio descobrir o sentido de determi- prete nada mais tem que fazer, do regramento positivo poder- nada norma jurídica ao aplicá- senão esperar o legislador re- se-ia solucionar todas as hipó- la ao caso concreto, e a vagui- tome a sua empresa atrasada, teses de conflitos de interesses dade, ambigüidade do texto, a e, enquanto esse momento não surgidos na sociedade. imperfeição, a falta da termino- chega, pedir a razão jurídica lhe O homem, diversamente da logia técnica, a má redação obri- revele a norma a seguir. Para espécie animal, apresenta sua gam o operador do direito, a que a sua decisão traduza, de vida social não organizada de todo momento, interpretar a fato, o direito imanente às rela- modo inexorável e rígido; ao norma jurídica visando a encon- ções sociais, é necessário que contrário, desenvolve-se dentro trar o seu real significado, an- o intérprete seja dotado de um de margens mais ampliadas, tes de aplicá-la a caso “sub exa- critério, de um senso jurídico e numa grande variedade de for- mem”, com a observação de que de um largo preparo intelec- mas passíveis de desenvolvi- a letra da lei permanece, mas tual, não somente nas discipli- mento, que exigem pelo menos seu sentido deve, sempre, adap- nas propriamente jurídicas, um ordenamento jurídico com- tar-se às mudanças que o pro- mas ainda em todas as ciênci- patível para com tudo isso. gresso e a evolução cultural as que se ocupam com o ho- Carlos Maximiliano é incisi- impõem à sociedade. mem e com a sociedade, des- vo ao ensinar: “Não há como Reitera-se a lição sempre de a psicologia até a história, almejar que uma série de nor- irrepreensível de Clovis Bevila- a economia, a sociologia” (Be- mas, por mais bem feitas que cqua: “vê-se que a ciência do di- vilacqua, 1956, p. 43). sejam, vislumbrem todos os reito sente hoje imperiosa necessidade de largueza e flexi- acontecimentos de uma socie3 O DIREITO E A SOCIEDADE dade. Neque leges, neque se- bilidade, diante da marcha ace- É certo que a diferenciação natusconsulta ita scribi pos- lerada e da expansão da cultu- entre hermenêutica e interpre- sunt, ut omnes casus qui quan- ra, e, como a lei é morosa em tação jurídica passa a ter neste doque inciderint comprehen- suas transformações, vai pedir exame um significado todo es- dantur (nem as leis nem os se- a interpretação ou, melhor, à pecial, visto que foi executada natus – consultos podem ser jurisprudência e à doutrina, um com o intento de enfatizar a escritos de tal maneira que em 62 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo seu contexto fiquem compreen- escrita. Esta é a estática, e a tureza e a realidade humana didos todos os casos em qual- função interpretativa, a dinâmi- não podem ser tratadas como quer tempo corrente). Por mais ca do Direito” (Maximiliano, números ou fórmulas”. Conclu- hábeis que sejam os elaborado- 1994, p.12). indo o ilustre jurista: “Como nos res de um Código, logo depois Assim, o homem necessita ensinaram Hans-George Gada- de promulgado surgem dificul- de um ordenamento jurídico mer e São Tomás de Aquino, ao dades e dúvidas sobre a aplica- que o discipline, verificando-se jurista é imprescindível, muito ção de dispositivos. Uma cen- que tais normas são somente mais que aplicar a lei ao caso tena de homens cultos e expe- letras frias e não possuem for- concreto, saber interpretá-la de rimentados seria incapaz de ça alguma sem a vivacidade e modo a alcançar o justo. Essa abranger em sua visão lúcida a criatividade do intérprete. interpretação deve considerar, essencialmente, a causa do ho- infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens, 4 A INTERPRETAÇÃO mem – visto como ser humano não perdurando o acordo esta- JURÍDICA QUANDO que vive em sociedade, que as- belecido, entre o texto expres- REALIZADA EM DESACORDO pira ao bem comum. A lei deve so e as realidades objetivas. Fi- COM REALIDADE SOCIAL existir para servir ao homem e xou-se o Direito Positivo; porém A interpretação da norma não o homem a lei. A lei pode a vida continua com multiplici- jurídica em descompasso com não ser condizente com sua fi- dade de problemas: morais, so- o bem comum, com a evolução nalidade original, por ter sido ciais, econômicos. Transformam- cultural, ou ainda, contraria- elaborada de forma a não ga- se as situações, interesses e ne- mente à própria estrutura de rantir o bem comum ou por sua gócios que teve o Código em um ordenamento jurídico, faz desvirtuada aplicação e inter- mira regular. Surgem fenôme- gerar injustiças, desigualdade pretação. À medida que a lei se nos imprevistos, espalham-se social ou, no mínimo, situações afasta de sua finalidade origi- novas idéias, a técnica revela de desrespeito em relação aos nal, que pode, muitas vezes, coisas cuja existência ninguém órgãos de judicação. não ser a finalidade desejada poderia presumir quando o tex- Em excelente artigo intitula- pelo legislador, ela perde seu to foi elaborado. Nem por isso do “A Hermenêutica Jurídica de compromisso como o bem co- se deve censurar o legislador, Hans-George Gadamer e o pen- mum e, naturalmente, deixa de nem reformar sua obra. A per- samento de São Tomás de Aqui- beneficiar a todos para benefi- manecer: apenas o sentido se no”, publicado no site do Con- ciar alguns. Tal lei, em perden- adapta às mudanças que a evo- selho da Justiça Federal, Rodri- do sua identidade/sentido, não lução opera na vida social. O go Andreotti Musetti aduz que: pode continuar a ser lei, deven- intérprete é o renovador inteli- “A existência do ordenamento do ser revogada. Tanto a cria- gente e cauto, o sociólogo do jurídico, por si só, não garante ção da lei como a sua apli- Direito. O seu trabalho rejuve- o fim do Direito, qual seja, a cação devem visar ao bem nesce e fecunda a fórmula pre- justiça. Se assim fosse, já tería- comum. Se assim não for, a lei maturamente decrépita, e atua mos computadores recolhendo não estará cumprindo a sua fina- como elemento integrador e os casos concretos e aplicando lidade. Elaborar a lei para bene- complementar da própria lei neles as leis pertinentes. A na- fício da minoria é uma aberra- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 63 D ireito Artigo ção. Aplicar e interpretar a lei raciocínio longe da paixão, pois adaptável à espécie. Examina o sem visar ao bem comum é ou- ela o cega, devendo sempre Código, perquirindo das cir- tra aberração”. interpretar e aplicar a lei ao caso cunstâncias culturais e psicoló- A lei foi elaborada com o concreto de forma a alcançar o gicas em que ele surgiu e se objetivo de estabelecer o inten- bem comum, mas nunca, para desenvolveu o seu espírito; faz to comum, não se podendo ad- isso, extrapolar o limite da pró- a crítica dos dispositivos em mitir, em hipótese alguma, in- pria norma jurídica. face da ética e das ciências so- terpretação que venha a satis- Carlos Maximiliano consigna ciais, interpreta a regra com a fazer objetivos contrários à re- a advertência: “Cumpre evitar, preocupação de fazer prevale- alização da justiça, sob pena de não só o demasiado apego à cer a justiça ideal (richtiges Re- ferir a democracia vivificada em letra dos dispositivos, como cht), porém tudo procura achar nosso país, visto que a própria também o excesso contrário, o e resolver com a lei, jamais com finalidade do direito ao propó- de forçar a exegese e deste a intenção descoberta de agir sito do justo é a realização da modo encaixar na regra escri- por conta própria, proeter ei justiça. ta, graças à fantasia do her- contra legem” (Maximiliano, Lembra sobre o assunto meneuta, as teses pelas quais 1994, p. 80), acrescentando li- Chaim Perelman que “se o juiz este se apaixonou, de sorte ção que deve ficar integrada no viola regras de justiça concre- que vislumbra no texto de consciente do intérprete ao ci- ta aceitas por ele, é injusto. Ele idéias apenas existentes no tar C. A. Reuterskioeld, em sua o é involuntariamente se seu próprio cérebro, ou no sentir obra “Ueber Rechtsaualegund”: julgamento resulta de uma re- individual, desvairado por oje- “Esteja vigilante o magistrado, presentação inadequada dos rizas e pendores, entusiasmos a fim de não sobrepor, sem o fatos. Ele só é voluntariamen- e preconceitos” (Maximiliano, perceber, de boa fé, o seu pa- te quando viola as prescrições 1994, p. 103). recer pessoal à consciência E mais: “Em geral, a função jurídica da coletividade; inspi- do juiz, quanto aos textos, é re-se no amor e zelo pela jus- dilatar, completar e compreen- tiça, e “soerga o espírito até 5 A INTERPRETAÇÃO der, porém não alterar, corrigir, uma atmosfera serena onde o JURÍDICA E O RESPEITO À substituir. Pode melhorar o dis- não ofusquem as nuvens das NORMA LEGAL positivo, graças à interpretação paixões” (Maximiliano, 1994, O juiz, ao interpretar a lei, larga e hábil; porém não negar p. 105). não pode ater-se quanto a sim- a lei, decidir o contrário do que Pode-se concluir que a regra patia ou alergia às partes, deve, a mesma estabelece. A juris- escrita nem sempre é justa, a acima de tudo, procurar inter- prudência desenvolve e aperfei- não ser nos casos onde a dife- pretar o direito sempre de for- çoa o Direito, porém como que rença entre a lei e o fato é pra- ma objetiva, equilibrada, desapai- inconscientemente, com o intui- ticamente insignificante. No xonante, respeitando a razão to de o compreender e bem apli- entanto, abandonar o ordena- e, às vezes, ousando na utili- car. Não cria, reconhece o que mento jurídico, sob o pretexto zação da audácia e estratégia. existe, não formula, descobre e de alcançar o ideal de justiça, O intérprete deve manter o revela o preceito em vigor e somente levaria a um mal mai- da justiça formal” (Perelman, 1966, p. 23). 64 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo or, pois a vantagem precípua (Maximiliano, 1994, p. 9). evitando, sempre que possível, das codificações, consiste na Em evidência, hoje, o fenô- sua rigidez natural e positivis- certeza e na estabilidade do meno da globalização, caracte- mo, sem no entanto ir contra o Direito, pois afinal “la vida de la rizado pela intensa circulação que nela ficou estabelecido, ten- comunidad humana exige uma de pessoas, bens, capitais e tec- do em vista a assegurar o bem regularidad o, más bien dicho, nologia através das fronteiras, comum e abrandar as injustiças uma regulación que la haga influenciando padrões culturais sociais, evitando, assim, deci- posible, ordenada, perfectible, e trazendo, como conseqüênci- sões solertes, arbitrárias e sem justa. Esto constituye el motor as, problemas diversos que atin- sentido, que além de desacre- e el fin Del derecho y es uma gem todo o planeta, como a ditar o Judiciário, vão contra a significación viva y permanen- proteção dos direitos humanos, natureza do objetivo da lei, qual te. (El hombre es un animal ju- o desarmamento nuclear, o seja, o prestígio pela finalidade rídico.)” (Garay, 1976). crescimento populacional e a social e a proteção do bem co- poluição ambiental, o que leva mum. a concluir, que todas inovações A esta conclusão não se pode Levando-se em conta que o e problemas sociais estão, sem olvidar do pensamento de Gior- ordenamento jurídico é uma dúvida alguma, ligados ao Di- gio Del Vecchio já revelado a constante em toda sociedade, reito, e o intérprete não pode sua época: “(...) O caráter gené- deverá, sempre e necessaria- ficar a mercê da letra fria da lei, rico do direito positivo dá azo, mente sujeitar-se a regras de pois deve buscar conhecimen- porém, a que surja, a propósito interpretação jurídica visando a tos diversos não somente vin- da aplicação dele, uma dificul- conferir a aplicabilidade da nor- culados a ciência jurídica, como dade grave e contínua. Na ver- ma legal às relações sociais que os relacionados com as mudan- dade, dada a norma jurídica, lhe deram origem, estender o ças sociais, tecnológicas e polí- não foi dada com ela a solução sentido da norma às relações ticas, enfim, todo o conheci- dos casos que a vida pode apre- novas, inéditas ao tempo de sua mento voltado para a realização sentar. A fim de levar a norma criação, e temperar o alcance do da difícil tarefa de entender a jurídica abstrata a aderir à rea- preceito normativo, para fazê- norma e buscar a justiça. lidade concreta, torna-se neces- CONCLUSÃO lo corresponder às necessida- “Assim, interpretar uma ex- sário todo um trabalho especi- des reais e atuais de caráter pressão de Direito não é sim- al de aplicação. A justa aplica- social (Diniz, 1991, p. 381). plesmente tornar claro o respec- ção da norma requer do intér- Interpretar é explicar, escla- tivo dizer, abstratamente falan- prete a descoberta do significa- recer; dar o significado do vo- do; é sobretudo, revelar o sen- do intrínseco, de que ela é o cábulo, atitude ou gesto; repro- tido apropriado para a vida real, portador. Por outras palavras: duzir por outras palavras um e conducente a uma decisão requer dele que não se fique pensamento exteriorizado; reta” (Maximiliano, 1994, citan- pela letra da lei, mas decifre o mostrar o sentido verdadeiro de do Ludwig Enneccerus. Lehrbu- sentido apropriado, o espírito uma expressão, extrair, de fra- ch des que nela se guarda... Desta sor- Rechts, 8a. se, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Burgerlichen ed., 1921, vol. 1). É necessário interpretar a lei te, verificamos como os princípios jurídicos possuem logica65 D ireito Artigo mente um valor e uma eficiên- abilizaria sua correta aplicação clusos na observância da litera- cia que, a miúdo, nem sequer ao caso concreto.” (Diniz, lidade da regra, presos a uma fi- era possível no momento de sua 2002, p. 98). delidade à liturgia dramática do formulação. O jurista, assim A estas conclusões derradei- teor normativo do texto, e que como deve aprofundar a norma, ras, repete-se o mencionado li- culmina por instaurar um verda- a fim de retirar dela tudo o que nhas acima de que, é de se atri- deiro paradoxo, na contramão nela virtualmente se contém, buir a interpretação o papel pre- das exigências da modernida- assim também deve ir até ao ponderante como raciocínio res- de impregnada de virtuoso hu- fundo do caso concreto, ao qual ponsável pela transformação de manismo. a norma se aplicará.Em cada uma matéria inorgânica em re- Neste alinhamento de idéias caso concreto, o jurista deverá alidade legal corporificada num face à oportunidade, impõe-se separar aquilo que é essencial, texto, pois o legislador quando necessariamente referenciar o – ou seja, juridicamente relevan- elabora a regra, o faz tendo novo Código Civil brasileiro já te, – daquilo que o não o é; nes- como suporte a interpretação sob vigência, que ao exame de te campo devem o seu senso dos anseios sociais e das neces- seu texto e das regras contidas jurídico e a sua argúcia ser sidades, antecedentes necessá- ante suas inovações, nos dá exercitados...” (Del Vecchio, rios para a inserção das regras uma visão da sua atualidade aos 1948, p. 56-57). na moldura legal, e o operador assuntos normados, contestada Oportuno ainda é trazer as do direito se coloca na posição por alguns, e por sua caracte- conclusões da festejada mestra de cauteloso intérprete, inves- rística mais chegada às regras Maria Helena Diniz, em artigo tigador científico, aplicador da de natureza nitidamente proce- escrito na Revista do Advogado regra, e naturalmente como es- dimental, onde a interpretação sobre o tema, convalidando o miuçador do verdadeiro espíri- terá um papel relevante na com- entendimento de vários auto- to e alcance do preceito, premi- posição de suas recomendações res: “...Se a mera leitura da nor- do ainda pela atenção ao ina- legais, e no aperfeiçoamento do ma não é uma interpretação, fastável binômio: finalidade so- próprio texto, tarefa que caberá por ser tão-somente um ponto cial e o bem comum, o que na aos órgãos de judicação no es- de partida e não um ponto de realidade prática hodierna tem correito entendimento do regra- chegada, todas as técnicas in- sido relegado, principalmente do e da realidade factível posta terpretativas deverão atuar em pelos órgãos responsáveis pela a crivo. conjunto, impondo limites à ati- decisão, que por vezes optam Ao encerramento, colaciona- vidade hermenêutica, que não por equacionar o problema de se a recomendação textual des- poderá colidir com a essência forma objetiva, mais rápida e te notável jurista argentino, institucional dos princípios menos trabalhosa, através da Rodolfo Luis Vigo, ao conclamar constitucionais, que constituem adoção do modelo mais prático séria reflexão a respeito: “... Un “alavanca” na aplicabilidade da da escola Francesa que surgira mundo urgido de claridad, de norma...”, concluindo com a à ocasião para defender o Có- valentia, de verdades y de justi- maestria que lhe é peculiar... digo de Napoleão, de interpre- cia, exige de los juristas “Portanto, a simples exegese tação mais simples, a da “exe- retomar energicamente sua literal, própria dos leigos, invi- gesis”, e assim remanescer re- misión de jurisprudens, diciendo 66 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo el derecho que le corresponde a entador y crítico del derecho, se cada uno y procurando, con los requiere que su saber sea medios a su alcance, que nadie integral, y de ese modo, com- se vea privado de lo suyo. Para prendiendo las razones últimas cumplir con sus funciones de que explican su oficio, cumpla creador, intérprete, difusor, ori- su llamado a decir el derecho (jurisdictio)...” (Vigo, 1999). R BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 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Pode-se afirmar, por isso, que nos direitos disponíveis do conteúdo patrimonial estão plantadas as estacas que alicerçam os bens do devedor de prestação obrigacional. 68 O homem é um ser social por excelência.2 envolvem as pessoas naturais e No seu dia-a-dia re- jurídicas podem resultar em laciona-se com outros homens, repercussões patrimoniais di- realizando atos que preencham versas, produzindo efeitos dis- seus interesses e satis-façam tintos tanto para umas quanto suas necessidades, na busca do para as outras. provimento de recursos que for- Além disso, se é vital para a marão seu patrimônio, para lhe sobrevivência da pessoa a ob- assegurar um bem estar futuro. servância aos direitos refletidos E onde serão amealhados pelo conjunto de caraterísticas esses recursos no sentido am- individualizadas, denominadas plo de palavra? No seu patrimô- de personalidade, assegura-se nio.3 Nesta busca é que o ho- que é impossível a uma pessoa mem passa a ter direitos e a conviver, em sociedade, despro- contrair obrigações, figurando, vida de patrimônio, pois a idéia ora como sujeito ativo (credor), não implica tão somente “massa ora como sujeito passivo (deve- de coisas”. dor), nas relações jurídicas das quais participa. As relações jurídicas que Patrimônio, segundo a concepção econômica, é o complexo de bens atribuído a uma pessoa, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo com o escopo de produzir e res, pode-se afirmar que é nos sas são as opiniões: a) só os fazer circular riquezas. objetos dessas relações que direitos (créditos) fazem parte De forma diferente, o interes- eles poderão buscar a satisfa- do patrimônio; b) as obrigações se do direito em relação ao ção obrigacional, cujo cumpri- (débitos) não fazem parte do patrimônio recai diretamente mento recaia sobre seu titular. patrimônio, são seus encargos; sobre a relação jurídica que vin- O exame acurado das teses c) fazem parte do conteúdo cula o titular deste patrimônio esposadas sobre patrimônio patrimonial os direitos e obri- aos direitos e obrigações que o demonstra que determinadas gações; d) só o resultado líqui- compõem. exposições levam a resultados do dos elementos faz parte do Patrimônio, no sentido jurí- controversos e até mesmo con- patrimônio, resultado da sub- dico, é bem imaterial. É o recep- flitantes, dando margem a tração dos elementos ativos e táculo (no sentido abstrato) que interpretações equivocadas. passivos; e) o patrimônio é com- se resolve denominar de bolsa A escassez de referências e posto de bens, direitos e patrimonial, em cujo interior a ausência de um lineamento obrigações; f) seu conteúdo é abriga-se de preciso da composição do con- composto de bens; 2) como relações jurídicas ensejadoras teúdo patrimonial, no direito complexo de relações jurídi- de direitos e obrigações presen- romano, acarretam uma série cas, o patrimônio é uma: a) tes e futuras. Todas as pesso- de conflitos conceituais que se universitas júris; e b) universi- as, naturais ou jurídicas, inde- refletem nos vários textos dou- tas facti; 3) quanto à sujeição pendentemente de sua poten- trinários. ao titular: a) é uma emanação o conjunto cialidade econômica (pobre/ Algumas teorias prospera- da personalidade, b) não está rico, solvente/insolvente) e ca- ram, levando outros doutrina- vinculado à personalidade; c) é pacidade (de direito/de gozo), dores a seguir os passos de uma unidade patrimonial sem são providas de bolsa patrimo- seus idealizadores; outras, en- sujeito; d) são bens afetados nial. tretanto, por seu conteúdo eclé- pela vontade do titular ou por tico, tiveram poucos defensores força de lei, destinados a um além dos seus autores. determinado fim, e e) o patri- Fazendo-se uma amálgama das relações ativas e passivas, mônio tem personalidade jurí- ter-se-á um final superavitário Encontram-se, neste traba- ou deficitário. Se os créditos lho, as diversas posições ado- (direitos) forem maiores que os tadas pelos juristas pátrios e Duas são as correntes teóri- débitos tem-se um superávit, estrangeiros, visando a coletar cas predominantes sobre patri- representado por um patrimô- elementos constitutivos do ins- mônio, denominadas: clássica nio positivo, se os débitos tituto para, ao final, conceituar ou subjetiva4 e moderna ou (obrigações) forem maiores e definir qual a natureza jurídi- realista5. que os créditos tem-se um ca de patrimônio. dica. déficit, representado por um Pesquisando a questão, ve- patrimônio negativo, indica- rifica-se haver maior divergên- dor de insolvência. cia dos doutrinadores nos se- A teoria clássica de patrimô- Considerando o patrimônio guintes aspectos: 1) quanto nio é do século XIX, erigida em de uma pessoa, de forma es- aos elementos constitutivos torno da obra de Aubry e Rau, trita, com relação aos credo- do conteúdo patrimonial, diver- desacreditada por alguns dou- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 2 TEORIA CLÁSSICA OU SUBJETIVA 69 D ireito Artigo trinadores, em função de seu ções). complexo unido,9 signifi- rigorismo lógico e artificial. O desalojamento de um ele- cando unidade em vez de O ponto assinalado por seus mento do ativo e sua substi- unicidade. criadores, que culmina na sín- tuição por outro elemento 4) Toda pessoa é provida de tese da teoria, é o que leva em ativo acarretará a sub-roga- patrimônio. Nenhuma pes- conta o patrimônio como ema- ção real, isto é, o bem ingres- soa é desprovida de patrimô- nação da personalidade e ex- sado no patrimônio respon- nio. O patrimônio não se tra- pressão de potestade jurídica derá pelo passivo no lugar do duz em riqueza; a inexistên- excluído.7 de que está investida uma pes- bem soa como tal. Para os autores da teoria de direitos não significa au- clássica, os direitos do cre- sência patrimonial. Mesmo com excessiva rigidez, a dor não recaem sobre um na insolvência do titular, es- ponto de considerarem uma bem do devedor de forma tado decorrente da existên- aberratio, confunde patrimô- individualizada, admitindo, cia de patrimônio negativo, nio, que é um conjunto de bens, por isso, a sub-rogação real, onde as obrigações (dívi- com personalidade, que é a na qual o bem novo substi- das) são maiores que os aptidão de possuir. tui o bem excluído. A teoria direitos (créditos), persisti- Para Aubry e Rau o patrimô- clássica admite que o credor rá o patrimônio. nio e a personalidade estão tem como garantia de seus 5) O patrimônio é inalienável. unidos por vínculo, sendo o créditos o patrimônio geral Enquanto existir a pessoa, primeiro um atributo da perso- do devedor. não poderá haver transmis- Estigmatizada pelos contrários6 cia ou a escassez de bens ou 2) A titularidade patrimonial são da universalidade patri- é exclusiva das pessoas. monial. Estando o patrimô- Somente as pessoas natu- nio vinculado à personalida- 2.1 Elementos caracterizadores rais e jurídicas podem ter de, somente se admite sua 1) O patrimônio do devedor é patrimônio, logo, somente transferência no fim da exis- a garantia dos credores. Por elas podem figurar como tência de seu titular. ser o patrimônio uma univer- sujeitos de direito e obriga- Com a morte do titular, salidade de direito, no seu ções. 8 transfere-se o patrimônio nalidade, cingido pelas características a seguir expostas. conteúdo estão amalgamados 3) Unidade patrimonial. Toda para o herdeiro do de cujus todos os direitos da pessoa pessoa possui um único pa- que, em ato de transfigura- que tenham expressão pecu- trimônio, no qual os bens e ção, absorverá também a niária. São os chamados direi- as dívidas formam um só personalidade do falecido, tos patrimoniais. acervo. passando a responder pelas Para os autores, os direitos A teoria clássica é categó- obrigações contraídas pelo extrapatrimoniais estavam rica em afirmar que cada defunto, no limite dos bens fora do receptáculo patri- pessoa só pode ter um pa- herdados. Os elementos in- monial. trimônio, ou seja, a esta ex- dividualizados dessa univer- Os elementos ativos (direi- pressão de patrimônio úni- salidade poderão ser objeto tos) respondem pelos ele- co – solus unus – os clássi- de alienação. mentos passivos (obriga- cos deram um sentido de 70 6) Exclusão dos direitos da j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo personalidade do patrimô- uma abstração (Baudry-Lacan- Enquanto o patrimônio é imu- nio. Para Aubry e Rau, só tinerie e Wahl, p. 2), como a tável, o seu conteúdo (direitos compõem o patrimônio os capacidade de possuir da per- e obrigações) é variável, tanto direitos patrimoniais passí- sonalidade humana. Em vista em quantidade quanto em qua- veis de valoração pecuniária. disso, pode ser denominada lidade. No entanto, como teoria de teoria abstracionista, mes- Valoração pecuniária. Só os pura, admitem os autores que mo que seguindo os passos da elementos ativos e passivos teoria clássica. sujeitos à valoração econômica todos os bens10 podem compor podem fazer parte do conteú- o patrimônio, especialmente os bens inatos e os bens futuros. Em síntese, a teoria clássi- 3 TEORIA ABSTRACIONISTA E SUAS CARACTERÍSTICAS do patrimonial. Em sua obra os autores ad- ca considera que: a) só as pes- Baudry-Lacantinerie e Wahl mitem no conteúdo patrimo- soas físicas ou jurídicas po- (p. 2) assim se expressam: “Il nial somente os direitos e obri- dem ter um patrimônio; b) patrimonio è un insieme di di- gações valoráveis em dinhei- toda pessoa tem, necessaria- ritti e di oneri valutabili in de- ro.11 mente, um patrimônio, ainda naro. Solo una persona, fisica O patrimônio é uma abstra- que atualmente nenhum bem o morale, puó avere un patri- ção. Isto deve-se ao entendi- possua; c) a mesma pessoa só monio.” mento de que a capacidade de pode ter um patrimônio. Os autores referem-se a um patrimônio como unidade, ou As principais características possuir, conforme Lacantinerie desta teoria serão comentadas e Wahl, é uma aptidão da per- individualmente. sonalidade humana.12 Esta é a Toda pessoa possui patri- mais marcante e diferenciada mônio. Para os seguidores des- característica dessa teoria e, Em que pesem as encrudes- ta teoria, a toda pessoa natural talvez, a que enseja o maior cidas críticas aos autores, a teo- ou jurídica é atribuído um pa- número de críticas. ria clássica não está totalmente trimônio, em consonância com desprovida de fundamentação a teoria clássica. seja, a pessoa não pode ter mais de um patrimônio. 4 TEORIA MODERNA OU nas suas características concei- Unicidade patrimonial. Se tuais, porque, sem afastar a hi- toda a pessoa tem patrimônio, A teoria moderna ou realis- pótese de críticas e eventuais individualmente cada uma des- ta, desenvolvida em seu início discordâncias, parece que ela tas pessoas só tem um patrimô- por doutrinadores alemães, contém pontos comuns com as nio. afasta-se da visão subjetiva de REALISTA Podem, entretanto, ocorrer patrimônio compreendida na te- casos excepcionais em que o oria clássica e assenta-se na Dentre os autores da escola sujeito terá direitos sobre ou- concepção realista13 de patri- francesa de direito encontram- tro patrimônio, diverso do seu mônio. se Baudry-Lacantinerie e Wahl, patrimônio geral; é o que ocor- Na concepção dos autores vistos como tão ou mais radi- re com a herança, mas isto é que se filiam a essa teoria, pode cais que Aubry e Rau, pois os pura ficção legal, de caráter a pessoa afetar elementos do primeiros, de forma expressa, temporário e limitado. seu patrimônio para obter di- outras teorias formuladas para conceituar o patrimônio. referem-se a patrimônio como j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Universalidade de direito. ferentes fins, compondo patri71 D ireito Artigo mônios diferentes do patrimô- pertinente ao conteúdo patri- riamente um patrimônio. O nio geral. monial, que parece ser válido conteúdo patrimonial pode não adotar esta denominação. apresentar elemento ativo ou Na teoria ampliativa, segura- passivo, porém a inexistência Substitui-se o binômio patri- mente poderão se alojar os vá- de conteúdo não significa mônio/ personalidade, da teo- rios pensamentos doutrinários, ausência de patrimônio. ria clássica, pelo binômio patri- com as nuanças que diferen- Patrimônio não é sinônimo de mônio/fim, da teoria moderna, ciam cada qual das posições riqueza, mas o estado econômi- que repudia a vinculação do adotadas pelos autores. co da pessoa. Não é estanque, 4.1 Principais contornos Cada uma das características no decorrer da vida de seu titu- A teoria moderna acaba com será tratada de forma individua- lar está sujeito a alterações con- as características de unidade e lizada e ao final chegar-se-á ao tínuas, o que acarreta aumentos, intransmissibilidade14 do con- cerne da teoria em construção. decréscimos ou substituições de teúdo patrimonial, defendidas Algumas peculiaridades são seus elementos ativos e passi- compartilhadas também com vos. Embora nada possuindo ou O direito alemão influenciou outras teorias, mas, as que so- nada devendo, toda pessoa tem em muito a concepção realis- bressaem serão comentadas a bolsa patrimonial. ta do patrimônio adotada pela uma a uma. patrimônio à personalidade. pela teoria subjetiva. A toda pessoa corresponde uma unidade patrimonial. teoria moderna, principalmente no que se refere à transmis- 5.1 Princípios distintivos Os modernistas, seguidores da sibilidade do patrimônio. Somente as pessoas po- teoria ampliativa, buscam elimi- Poucas foram as codificações dem ter um patrimônio. Não que adotaram a transferência do importa que sejam naturais ou patrimônio por ato inter vivos, jurídicas. nar a concepção personalista. O patrimônio, visto como a emanação da personalidade, conforme prevê o Código Civil A aptidão de amealhar direi- defendida pela teoria clássica, é alemão, que admite a transferên- tos e contrair obrigações é atri- substituído pela concepção ob- cia por sub-rogação. buto de quem possa figurar jetiva do patrimônio (Planiol, Nesse sentido, feita a exege- como sujeito passivo ou ativo 1906, p. 672). se dos princípios esposados por nas relações jurídicas, daí dizer- Para os ampliativistas o patri- cada um desses doutrinadores se da existência de um liame mônio é uma realidade, sendo ao discorrer sobre patrimônio, entre a pessoa e o patrimônio. que os elementos que o com- tem-se que a teoria moderna, Existem posições discordan- põem estão unidos como uma atualmente, comporta ser tes, dentre elas citamos Brink- universalidade de direito16 que dividida em outra teoria, que se mann-Bondi que defendem a objetiva atender a um determina- patrimônio;15 do fim pretendido por seu titular. denominará de teoria ampliativa. 5 TEORIA AMPLIATIVA Alguns seguidores da teoria moderna dão tamanha amplitude ao tema, principalmente no 72 personificação do Seckel, que admite o patrimônio sem sujeito; e Schwarz, que 6 COMPOSIÇÃO DO afirma ser o patrimônio o que CONTEÚDO PATRIMONIAL elimina as diferenças entre pessoa natural e jurídica. Toda pessoa tem necessa- Os elementos que compõem o conjunto de relações jurídicas formadoras da massa patrimoj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo nial têm por fim buscar resulta- dúvida quando, no capítulo que dos que satisfaçam às necessi- trata da bonorum possessioni- A corrente de doutrinadores dades econômicas da pessoa. bus, esclarece, de forma clara e germânicos, entre eles VON Estes elementos, ativos e precisa, que “bens” não são con- TUHR (1946, v. 1, p. 398),18 passivos, devem ser passíveis siderados como “coisas”. entende que tanto é correto se co de patrimônio. Bem não é a posse de coisa empregar a expressão patrimô- Tanto os seguidores da te- corpórea, é o elemento imate- nio bruto, ou seja, a soma dos oria clássica, quanto os segui- rial que produz vantagens (di- ativos, sem diminuir-lhe a soma dores da teoria moderna, ex- reitos) e inconvenientes (obri- dos passivos, quanto patrimô- cluem do conteúdo patrimoni- gações),17 a ele se referindo, nio líquido, resultado da soma al elementos que não possam o direito romano, como com- dos ativos, diminuindo-lhe a ser avaliados em dinheiro. modum et incommodum. soma dos passivos. de valoração pecuniária. O conceito seguido pela O patrimônio é um conjun- Apoiados no direito roma- maioria dos doutrinadores vê o to de bens, direitos e obriga- no, 19 os defensores desse patrimônio como o conjunto de ções (Planiol, 1901, v.1, p. 672; pensamento concluem que o direitos e obrigações. É o Comporti, Cose, beni...op.cit. p. patrimônio deve ser conside- complexo de relações jurídicas, 304). Estes doutrinadores fazem rado como o resultado apura- independente do resultado uma fusão de elementos materi- do pela compensação do ati- compensatório dos elementos ais, objetos das relações jurí- vo e passivo. ativos com os passivos. dicas; e dos elementos imate- O autor discorda desses po- riais, os direitos e as obriga- sicionamentos no que concer- ções. ne à fórmula e ao resultado. A doutrina moderna tende a preponderar no sentido de desalojar os elementos passivos O patrimônio só é compos- Pensando-se dessa forma, o do conteúdo patrimonial, con- to de direitos (Ennecerus, Kipp patrimônio que aloje, unica- siderando as obrigações (dívi- e Wolf, 1947, v.1, p. 609; Pon- mente, no seu conteúdo, ele- das) como encargos ou ônus da tes de Miranda, 1954, v. 5, p. mentos passivos (débitos), dei- massa ativa. 393). Para os seguidores desse xa de ser patrimônio, o que é Diversas são as posições ado- pensamento, somente os ele- um absurdo. tadas pelos ampliativistas, perfi- mentos ativos fazem parte do Igualmente, o sentido econô- ladas no sentido de imprimir ao conteúdo patrimonial, dele fi- mico imprime ao patrimônio um patrimônio a idéia de um com- cando excluídas as obrigações, estado de existência e inexis- plexo de direitos e bens. os elementos passivos. tência. Vê-se o patrimônio como Para alguns autores, patri- O patrimônio é o resultado mônio é conjunto de bens líquido (Windscheid, 1930, v. 1, (Bittar, 1994, p. 102-104). Usam p. 118). Os adeptos dessa O patrimônio desaparece a expressão patrimônio em sen- corrente doutrinária defendem quando houver ausência de di- tido impróprio, como se fosse a tese de que o patrimônio deve reitos e obrigações. E onde fi- uma massa de “coisas” (elemen- ser considerado pelo seu resul- cam as expectativas de direito? tos materiais) e não de direitos tado líquido, resultado da soma Não são consideradas como ele- (elementos imateriais). dos ativos, deduzidos os passi- mentos do patrimônio. E a bolsa vos. Este é o sentido econômi- patrimonial, também deixará de O direito romano desfaz a j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 depositário só de elementos já adquiridos. 73 D ireito existir? Sob esse entendimento, Artigo tiva ou imaterial. inicial de patrimônio, segura- Adiante far-se-á um breve mente não o foi no que diz res- O texto do direito romano comentário das principais carac- peito à vinculação do patrimô- em que se inspiraram esses terísticas da teoria proposta, nio com a personalidade. autores diz: “Bona” intelliguntur adequando-as às realidades Em que pese o notável saber cuiusque, quae deducto aere jurídicas atuais, de forma a jurídico dos autores dessa alieno supersunt. abranger o conteúdo das nor- teoria, respeita-se a defesa de [Entende-se que são “bens” mas legais vigentes e as even- sua posição doutrinária, feita de de qualquer (qualquer pessoa) tuais alterações decorrentes do forma magistral, o que não sig- os que restam depois de dedu- direito projetado. nifica que deva ela ser aceita sim. zidas as dívidas]20. sem críticas. Compreende-se que o tex- 7.1 Principais características Defender o binômio persona- to faz referência à transmissi- Defende-se, na propositura lidade/patrimônio, na condição bilidade de elementos ativos, desta teoria irrestritiva ou ima- de ser a última irradiação da enquanto houver pendência terial, a possibilidade de faze- personalidade, é algo insusten- de elementos passivos (dívi- rem parte do conteúdo patrimo- tável nos dias atuais, como das). nial direitos disponíveis (de va- insustentável seria, para os au- São considerados disponí- loração econômica) e direitos tores longevos, defender o pa- veis os “bens” (no sentido de indisponíveis (também chama- trimônio sem sujeito ou patri- direitos) que excederem as obri- dos de extrapatrimoniais). mônio personificado, da doutri- gações. O texto, sob essa A bolsa patrimonial será o na germânica, tendo como prin- interpretação, reforça a coesão habitáculo de toda a espécie de cipais defensores Seckel e dos elementos ativos e passivos elementos imateriais (direitos), Brinkman-Bondi. do patrimônio. sejam ou não economicamente valoráveis. 7 TEORIA IRRESTRITIVA OU IMATERIAL Buscando-se formar um todo, compatível com a tendên- Dizer que todas as pessoas possuem patrimônio, indepen- Os direitos da personalidade, dente da existência ou não de ainda que indisponíveis, tam- elementos em seu conteúdo, bém alojar-se-ão na bolsa não significa que o patrimônio patrimonial. esteja vinculado à sua personalidade. cia atual sobre direitos patrimo- Estende-se ainda o patrimô- niais, procede-se a adequação nio não somente às pessoas, e ordenamento das interpreta- mas também aos entes não ções fragmentadas, compilan- personalizados, que hoje são É na bolsa patrimonial, esta do-se as peculiaridades coleta- uma realidade jurídica, confor- sim abstrata, que estarão aloja- das nas diversas obras, tanto me considerações que serão dos os elementos ativos e passi- dos seguidores da teoria clás- feitas no desenvolver da teoria. vos que seu titular adquire no Patrimônio é invólucro, é receptáculo. transcorrer de sua existência. sica, quanto dos seguidores da 7.2 Personalidade e patrimônio A capacidade de possuir é Se foi de grande valia o con- que está vinculada à personali- Erigindo esta teoria, decide- teúdo da teoria clássica ou sub- dade da pessoa. Esta capacida- se nomeá-la de teoria irrestri- jetiva, para uma conceituação de não tem qualquer vínculo teoria moderna, acrescentandose-lhes outras novas. 74 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo com a bolsa patrimonial. Há pessoas que têm capacidade de possuir elementos ati- dos não deve causar espanto, se entende. Tome-se como principalmente aos estudiosos exemplo o direito germânico. da ciência do direito. Os pandectistas absorveram os vos (direitos) em quantidade As pessoas jurídicas, as fun- conceitos do direito romano e preponderante aos elementos dações e os entes que, ditos os adequaram ao seu direito passivos: são os solventes. Sua despersonalizados, podem figu- positivo. situação resulta no patrimônio rar como sujeitos de direitos e Se a personalização das pes- positivo. obrigações, ora no pólo ativo, soas jurídicas e das fundações ora no pólo passivo das relações é uma realidade que teve êxito, dade de possuir elementos pas- jurídicas 23 por que não estendê-la para sivos – contrair obrigações – em falida, condomínios). Outras pessoas têm capaci- (herança, massa outras situações jurídicas? De- quantidade maior que os ele- Como forma ilustrativa para terminados tipos de sociedades mentos passivos: são os insol- nosso direito positivo, realidade e associações no direito alemão ventes. Sua situação resulta no para o direito anglo-americano, são consideradas entes não per- patrimônio negativo. tome-se como exemplo os casos sonalizados, ou seja, desprovi- A atribuição patrimonial não de pessoas que deixam bens dos de personalidade jurídica, está restrita somente à pessoa. para animais de estimação, atra- no entanto, possuidores de pa- Hoje, é dominante a doutrina vés de ato inter vivos ou causa trimônio, igual ocorre no direito que reconhece a existência de mortis. Como será denominada pátrio. Negar sua aplicação é patrimônio personificado, v.g, essa massa de bens? Deverá ser mera fixação ortodoxa. as fundações.21 considerada uma abstração? A desvinculação do binômio Pouco importa se as funda- Quem será o sujeito ativo e pas- personalidade/ patrimônio, tão sivo desse acervo? defendido pela teoria clássica, ções são ou não exceções de parece ter sido justificada. patrimônio personalizado; o Talvez digam: estará o autor que vale é que isto é uma reali- querendo personalizar gatos, Patrimônio é o possuir direi- dade jurídica, estabelecida por cães e cavalos? Antes de consi- tos e obrigações. Personalida- norma legal. derar como “deductio ad absur- de, por sua vez, é a capacida- dum”, vários juristas defende- de de possuir direitos e obri- Já é hora de se fazer uma teoria,24 reflexão realista e abandonar a ram esta arraigada posição de considerar de forma minoritária. obviamente, gações. O conteúdo patrimonial é objeto de direito e a bolsa patrimonial é apêndice a personalidade como um O direito é uma ciência vol- atributo só do homem, na con- tada a criar normas comporta- dição estrita da expressão. mentais para as pessoas em so- Obviamente refere-se à perso- ciedade e, como tal, não pode 7.3 Quem pode ter patrimônio nalidade jurídica. ficar atrelado a conceitos arcai- É cediço que só as pessoas Personificar, no sentido eti- cos, que tiveram valor à sua naturais ou jurídicas podem ser mológico da expressão, é dar época. Defender e propagar titulares de patrimônio. As pes- vida e característica de seres novas concepções é ampliar a soas naturais, nascidas com racionais aos que não o são, e abrangência do direito, dentro vida, passam a ser possuidoras A per- de uma realidade social. Com o de patrimônio e as pessoas ju- sonificação de seres não anima- perdão dos contrários, é o que rídicas, ao adquirir personalida- também aos animados.22 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 do sujeito. 75 D ireito Artigo de jurídica, também serão pro- O art. 91, do Projeto, pode- Quando se diz caráter vidas de patrimônio. O Código ria ter sido redigido desta for- quantitativo e qualitativo, está Civil25 pátrio considera univer- ma: constitui universalidade se fazendo referência à quan- salidades o patrimônio e a he- de direito o complexo de rela- tidade (valor) e espécie das rança, não fazendo qualquer ções jurídicas de uma pessoa relações jurídicas. menção sobre a quem podem ou ente, destinadas a um fim O patrimônio de uma pessoa ser atribuídas estas universali- determinado e dotadas ou pode conter elementos ativos dades. não de valoração econômica. (direitos – créditos) cuja valora- Por interpretação lógica, en- O patrimônio deve ser visto ção pecuniária seja superior à tende-se que o titular da heran- como fim e não como um meio. dos elementos passivos (obriga- ça é uma pessoa natural. A Entende-se que o patrimô- ções –débitos), resultando no questão relativa ao patrimônio, nio pode ter como titular as patrimônio positivo ou, in- na atual redação, admite uma pessoas naturais, jurídicas e versamente, os elementos interpretação ampla e genérica. outros entes despersonaliza- passivos terem valoração pe- Os entes despersonalizados, dos: massa falida, massa da cuniária superior à dos ele- tais como o espólio, a massa insolvência civil, herança, con- mentos ativos, resultando no domínio, sociedade de fato e patrimônio negativo. Isto é o irregular, sociedades em conta que resulta da quantidade de participação e os consórcios e qualidade dos elementos previstos na Lei das S/A. patrimoniais. falida e o condomínio26, podem ser titulares de patrimônio. O Projeto do Código Civil refere-se à universalidade como Diante disso, pode-se afirmar No decorrer da existência da que todas as pessoas são pessoa e de acordo com sua Se por um lado andou bem o providas de patrimônio, mas a capacidade de possuir, estes legislador, por outro, andou máxima não se aplica aos en- elementos podem sofrer modi- mal. Bem andou quando, de tes28, porque não são todas as ficações de qualidade e quanti- forma clara, denomina o com- coisas que possuem patrimônio. dade, isto é, poderão sofrer sendo o complexo de relações jurídicas de uma pessoa27. diminuição, acréscimos e subs- plexo de relações jurídicas como sendo uma universalida- 7.4 Elementos imateriais tituições, conforme a vontade de de direito. Sim, porque na disponíveis e indisponíveis do titular. Portanto, a inexistência redação do código em vigor, Como já foi dito anterior- de qualquer elemento no con- afirma-se que são universalida- mente, a bolsa patrimonial é o teúdo patrimonial, o que para des (gênero), mas não se diz se receptáculo das relações jurídi- as pessoas é impossível, não são universalidades de fato ou cas que compõem o conteúdo significa ausência de patrimô- de direito (espécie). Logo, o tex- do patrimônio. nio. Toda pessoa tem sua bolsa patrimonial, provida ou despro- to do direito projetado é preci- De acordo com sua capaci- so e esclarecedor. Andou mal ao dade de possuir, pode o titular atribuir este complexo de do patrimônio imprimir o cará- Estas relações jurídicas, os relações jurídicas a uma pessoa. ter quantitativo e qualitativo do direitos e obrigações que com- Como o conteúdo patrimonial. Esta ca- põem o patrimônio são os ele- patrimônio de um ente desper- pacidade de possuir varia de mentos imateriais. sonalizado? pessoa a pessoa. 76 explicar então vida de conteúdo. Não há de se confundir os j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo elementos imateriais com os ção econômica e as obrigações objetos sobre os quais incidem, naturais ou prescritas. Diante do exposto, chega-se à conclusão de que o patrimô- que podem ser corpóreos ou Discorda-se desta posição nio é revestido das seguintes incorpóreos. O imóvel não faz doutrinária que só admite in- características: é inato (toda parte do patrimônio, ele é um cluir no patrimônio os elemen- pessoa tem patrimônio); é in- bem corpóreo, sobre o qual in- tos de valoração econômica (pa- transferível (como um todo); é cide um direito de propriedade. trimônio – pecuniae). Admita-se impenhorável (o que é penho- A invenção é um bem incorpó- que não seria tão absurdo in- rável são os bens sobre os quais reo e não faz parte do patrimô- cluir na composição do patrimô- seus elementos incidem); é nio, o que dele faz parte é o nio elementos que não fossem vitalício (só por ato causa direito de propriedade industri- economicamente apreciáveis. É mortis desvincula-se de seu ti- al e, assim por diante. Dizer uma tular) e é necessário (para po- “penhora de patrimônio”, “alie- habitáculo. mera questão de der abrigar as relações jurídicas nação de patrimônio”, “garantia Personalidade é abstração, é das pessoas). Assim, é possível do patrimônio” é juridicamente imaterialidade, tal qual o é a afirmar que a personalidade é incorreto. O patrimônio é impe- bolsa patrimonial. A personali- inata, impenhorável, vitalícia, nhorável, inalienável e im- dade não é visível. Visíveis são necessária e intransferível, re- prestável como garantia. suas expressões, seus reflexos flexivamente o são os direitos Podem ser penhorados, aliena- (comportamento, caráter, cria- da personalidade. O que leva à dos, dados em garantia, os ob- tividade e capacidade de adqui- conclusão de que é um mero jetos nos quais incidem os rir e colecionar valores). Da problema de habitáculo. direitos patrimoniais, que são mesma forma, a bolsa patrimo- As expressões da personali- os elementos ativos do conteú- nial não é visível. Visíveis são dade são protegidas por nor- do patrimonial. os objetos sobre os quais inci- mas de direito, denominadas Para a corrente doutrinária dem seus elementos ativos e direitos da personalidade. Estes dominante não são todos os passivos, formando a massa da direitos incluem: vida, integri- direitos que podem fazer parte esfera patrimonial. dade física, honra, integridade do conteúdo patrimonial. Os O patrimônio, entendido moral, liberdade de locomoção, elementos ativos e passivos da como conjunto do receptáculo de pensamento e de manifesta- massa patrimonial são aqueles (a bolsa patrimonial) e de seu ção, v.g, corpo, privacidade, que têm valoração pecuniária e conteúdo (elementos ativos e nome, imagem. conteúdo econômico. passivos), pelo menos em rela- Na esfera das pessoas natu- Prevalece o entendimento de ção à pessoa natural, é intrans- rais, quando ocorre violação dos que não fazem parte do conteú- ferível e inalienável como um direitos da personalidade, do patrimonial os elementos todo, por ato inter vivos. podem ocorrer lesões, que reper- ativos e passivos que não pos- A impossibilidade de transfe- cutirão em danos – pessoais, sam ser mensurados em dinhei- rir ou alienar o patrimônio in to- materiais e morais. No momen- ro. São os direitos extrapatrimo- tum retira-lhe a capacidade pe- to em que ocorrem essas lesões niais, aí compreendidos os cuniária, impede sua negociabi- há a repercussão no conteúdo direitos da personalidade, os lidade e, por conseqüência, des- patrimonial do lesado, implican- direitos de família sem valora- pe-o de conteúdo econômico. do o direito de indenização ou j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 77 D ireito Artigo reparação dos danos causa- sado em valor pecuniário que ciador entre a pessoa natural e dos. Alvim (1980, p. 170) pre- passa a integrar o conteúdo a jurídica consiste na transmis- fere seguir o conceito clássi- patrimonial da pessoa lesada. sibilidade desses direitos. En- co de dano que o faz consistir Considera-se plenamente quanto na pessoa natural os em uma “diminuição do patri- admissível a inclusão dos direi- direitos da personalidade são mônio”.29 tos da personalidade como indisponíveis, na pessoa jurídi- elementos do patrimônio. ca tal não ocorre. O lesado deve ser indenizado pelos danos físicos e mate- Admitida esta posição, o pa- Admite-se que a pessoa jurí- riais e reparado pelos danos trimônio seria composto de ele- dica possa dispor dos direitos morais. Esse direito indenizató- mentos ativos e elementos pas- da personalidade, bem como do rio ou reparatório passa a ser sivos, sendo estes primeiros patrimônio, por meio de atos um elemento ativo do patrimô- divididos em: direitos disponí- negociais, v.g, os processos de nio do lesado, com valoração veis e direitos indisponíveis. fusão, incorporação e cisão das pecuniária, devendo ser aferido Os direitos da personalidade por ocasião do cálculo da estariam dentro da bolsa Enquanto na pessoa natural indenização, o que leva à con- patrimonial na condição de ele- alguns dos direitos da persona- clusão de que a lesão aos direi- mentos imateriais indisponí- lidade são vinculados com vita- tos da personalidade – direitos veis, com a possibilidade de liciedade, na pessoa jurídica o extrapatrimoniais – exige inde- poderem, se violados, atrair ele- mesmo não ocorre. Os valores nização e/ou reparação. mentos disponíveis, de conteú- da personalidade das pessoas O conteúdo do patrimônio é do econômico, em razão do jurídicas podem ser auferidos composto de direitos subjetivos direito à indenização ou a mediante reparação. pecuniária, diferentemente do – bens jurídicos patrimoniais30 sociedades comerciais. uma medição – e, como tanto, elementos Quando o patrimônio tiver que ocorre com a pessoa natu- imateriais. Os direitos da como titular pessoa jurídica, ral. O nome, a imagem, a inte- personalidade são bens jurídi- ocorrerá praticamente o mesmo lectualidade (direitos da propri- cos extrapatrimoniais (direitos), que ocorre com a pessoa edade industrial e autorais) e a também elementos imateri- natural. De pronto e sem con- identidade das pessoas jurídi- ais.31 Logo, não deve causar es- trovérsias, o conteúdo patrimo- cas são atributos que têm con- tranheza o fato de estes últimos nial de uma pessoa jurídica será teúdo econômico e os direitos também comporem o conteúdo composto de elementos ativos que neles incidem são direitos patrimonial. A honra, o nome, e passivos – direitos e obriga- patrimoniais. a liberdade, o corpo são ções – os denominados direitos O mesmo se dá na transmis- atributos da personalidade e, patrimoniais. Mas a pessoa ju- sibilidade in totum do patrimô- mesmo que sejam indisponíveis rídica também tem atributos da nio, que é inadmissível nas pes- e não tenham valoração econô- personalidade, citando alguns: soas naturais, e admissível nas mica, são patrimônio da pessoa. nome, reputação, imagem, pessoas jurídicas. Quando a violação desses identidade e intelectualidade. Concluindo: se toda a lesão direitos extrapatrimoniais cau- Estes valores são tutelados pe- contra os direitos da personali- sar dano, haverá direito à inde- los direitos da personalidade. dade acarreta responsabilidade nização ou à reparação, expres78 O principal elemento diferen- ao lesante, o dano provocado j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo também repercute no patrimô- dizer que o patrimônio só é rem pessoas jurídicas de direi- nio do lesado. atribuído a quem tem persona- to privado, apresentam compo- lidade jurídica, quem for sujei- sição estrutural diferente de to de direitos e obrigações. todas as outras pessoas jurídi- A indenização ou a reparação tem conteúdo econômico que cas de direito privado. passa a incorporar a massa pa- Disso se deduz que podem trimonial de forma indireta, ter patrimônio as pessoas na- As sociedades civis, socieda- através do elemento ativo que turais, as pessoas jurídicas de des mercantis e associações, sobre ele incide, qual seja, o di- direito público interno (União, como entes coletivos, são cons- reito Estados, Distrito Federal, Muni- tituídos, geralmente, por duas cípios, Autarquias); as pessoas ou mais pessoas naturais ou Consoante a doutrina, em jurídicas de direito público ex- jurídicas, com exceção das so- entendimento incontroverso, terno (países, órgãos interna- ciedades unipessoais.32 fazem parte do conteúdo patri- cionais – ONU, OEA, OIT, A fundação, ao contrário das monial a posse, o direito real, o OMC); e as pessoas jurídicas outras pessoas jurídicas, é cons- direito obrigacional, os direitos de direito privado (as socieda- tituída a partir da afetação de de família economicamente des civis, associações, funda- bens de uma pessoa (institui- avaliáveis, direitos de suces- ções, sociedades mercantis e dor) natural ou jurídica, são, direitos pessoais ou de os partidos políticos). Essas por ato inter vivos ou causa crédito, direitos indenizatóri- pessoas são personificadas, mortis, destinados a cumprir os ou reparatórios e os logo, têm patrimônio. um determinado fim, estabele- à indenização e à reparação. direitos às ações que tutelem No entanto, entes há que cido pelo instituidor. podem ter patrimônio, mesmo Enquanto as outras pessoas Ainda, em posições divididas, sendo despersonalizados. jurídicas necessitam de um nú- alguns autores incluem na massa Alguns podem figurar como su- mero mínimo de participantes patrimonial as expectativas de jeito ativo e passivo nas rela- em seu ato constitutivo, as fun- direito e os direitos de valoração ções negociais. Podem partici- dações são constituídas tão econômica sujeitos à condição ou par de uma relação processual, somente por bens livres dota- termo (Pontes de Miranda, 1954, tanto no pólo ativo, como no dos pelo instituidor, sem que de v. 5, p. 369; Ennecerus, Kipp e pólo passivo, v.g, o condomí- seu ato constitutivo participem Wolf, 1947, v. 1, p. 607-608; nio, a herança, a massa da sócios ou associados. Moncada, 1995, p. 80). falência e da insolvência, as É doutrina predominante a sociedades em conta de que sustenta a personalização participação. do patrimônio das fundações. esses direitos. Melhor seria que os direitos da personalidade fossem alojados na bolsa patrimonial, do Outros podem contrair obri- Conferir personalidade jurídica que ficarem, de forma etérea, gações e não ter direitos e, ain- ao patrimônio é a tese esposa- no limiar da personalidade e do da, ter ou não ter patrimônio. da por Brinkmann-Bondi e patrimônio. Incluem-se entre eles: as socie- Seckel entre outros. 7.5 Toda pessoa tem dades irregulares, as socieda- Alguns entes podem não ter necessariamente patrimônio des de fato e as sociedades em patrimônio, mas toda pessoa conta de participação. natural ou jurídica tem patrimô- Toda pessoa natural ou jurídica tem patrimônio. Equivale a j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 As fundações, apesar de se- nio. A capacidade de possuir, 79 D ireito Artigo Toda vez que as obrigações como conteúdo dessa bolsa, a (dívidas) excederem à importân- primeira por ser o habitáculo Que não se pense estar o cia dos bens (créditos), presu- dos direitos disponíveis – enten- patrimônio vinculado à abun- mir-se-á a insolvência do deve- dendo também os indisponíveis dância de riqueza, porque tam- dor, 36 como elemento inato da pessoa, é valor da personalidade. se pessoa natural ou – e obrigações, o segundo – no franciscana33 sociedade civil; a falência, se que pertine aos elementos eco- há patrimônio. Toda e qualquer sociedade comercial; e a liqui- nomicamente valoráveis – por pessoa possui patrimônio. Não dação extrajudicial, se socieda- ser a exteriorização econômica, há pessoa sem patrimônio, des regidas por regime espe- o reflexo da solvibilidade ou in- como não há pessoa sem per- cial de liquidação. solvibilidade do seu titular. bém na pobreza Em havendo pluralidade de É o resultado da compensa- O conteúdo patrimonial dis- credores e insuficiência de con- ção dos elementos disponíveis ponível é o espelho que reflete teúdo patrimonial ativo, o esta- do conteúdo patrimonial que o estado econômico da pes- do de insolvência do devedor permitirá aos credores mensu- soa, independentemente do poderá ensejar o concurso de rar quais são as garantias em resultado. credores.37 face das dívidas de seu titular. sonalidade. O fato de toda pessoa ter Ao ingressar com o pedido A bolsa patrimonial pode, em personalidade e patrimônio é de insolvência civil ou falência, dado momento, alojar conteú- que levou Aubry e Rau (1936, o credor ou o próprio devedor do patrimonial disponível (ele- v. 9, p. 335), na teoria clássica, estará exercendo sua pretensão mentos ativos e passivos) e a sustentarem que o patrimô- processual. Tem-se a insolvên- pode este habitáculo, em outro nio é uma emanação da perso- cia ou a falência de fato. Tanto momento, nada conter. Quan- nalidade, afirmação que lhes a insolvência quanto a falência do dizemos “nada conter” não pareceu verossímil. dependem sempre de reconhe- significa o perecimento do pa- cimento judicial. trimônio. A bolsa patrimonial, Se houver elementos ativos superioridade34 O juiz, ao sentenciar, decla- ainda que esvaziada de elemen- aos elementos passivos, o con- rará a insolvência ou a falên- tos disponíveis, permanece. teúdo patrimonial é positivo e cia do devedor, tendo-se, as- Dela fazem parte os direitos in- seu titular é solvente, então os sim, a insolvência ou a falên- disponíveis38 e as expectativas credores terão como garantia os cia de direito. de direito, de materialização disponíveis em bens nos quais incidem os Por isso, causa consternação elementos ativos do patrimônio, o instituto do patrimônio, por quando ocorrer inadimplemen- vezes, ser tratado como se fos- Por ser o conteúdo patrimo- to da prestação obrigacional se de pouca importância, como nial mutável, seus elementos pelo devedor. Contrariamente, mero relicário ou simples invó- podem formar complexos mul- se houver elementos passivos lucro, recaindo a atenção so- tiformes: ativos e passivos, só aos elemen- mente no conteúdo material em ativos ou só passivos, elemen- tos ativos, dir-se-á que o con- que seus elementos incidem. tos com valoração econômica e teúdo patrimonial é negativo e Contrariamente, o patrimônio, sem valoração econômica, o seu quer considerado como bolsa que leva a conclusão de que à patrimonial, quer considerado toda pessoa é atribuído patri- em superioridade35 insolvente. 80 titular será futura. O mesmo é aplicável a obrigações futuras. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo “único” o sentido de um com- mando, esse conjunto de rela- plexo unido. Por ser um con- ções jurídicas, uma universali- 7.6 Unidade patrimonial junto de elementos unidos, o dade de direito. O germe da unidade patrimo- patrimônio é indivisível. Assim Para os seguidores da teoria nial deve-se à teoria clássica de fica afastada, por completo, a moderna, o patrimônio deixa de Aubry e Rau e aos demais existência de patrimônios autô- ser uma abstração – da teoria autores que os acompanharam. nomos, separados do patrimô- clássica – passando a ser uma A consideração dessa teoria nio geral do titular. Admitem realidade. está alicerçada na concepção esses autores, não como reali- Oportuna e correta a posição subjetiva que vincula persona- dade, mas como aparência, que da teoria realista, que pôs co- lidade e patrimônio, sendo este determinadas situações possam bro aos entendimentos perso- último visto como uma irradia- insinuar a existência de mais de nalistas de patrimônio erigidos ção da personalidade. um patrimônio, citando, como pela outra teoria. mônio. O pensamento da teoria clás- exemplo, a herança. Para eles, O patrimônio deixa de ser sica é fácil de ser entendido, os herdeiros assumem o lugar meio – capacidade de possuir – mas é difícil aceitar seus moti- do falecido, dele herdando o para tornar-se fim – é o possuir. vos e suas conseqüências. patrimônio, com todos os direi- A capacidade de possuir é va- Os autores da teoria clássica tos e obrigações. Cada herdei- lor da personalidade, o possuir imprimiram-lhe a concepção ro teria seu patrimônio geral e, é estado econômico. personalista, pela qual o patri- ainda, o patrimônio indiviso do Da concepção objetiva ado- mônio é uma emanação da per- de cujus. Isso é uma situação tada pela teoria moderna, nela sonalidade. Concluíram que a temporária, não compreendida a teoria da afe- personalidade é inata, logo, que descaracteriza a unidade patri- tação e a teoria ampliativa, a cada pessoa corresponde uma monial, eis que ambos os retira-se do patrimônio a carac- única personalidade; por ilação, conjuntos de relações jurídicas terística de indivisibilidade. uma pessoa só pode ter um formam um objeto unitário de único patrimônio. Esse raciocí- direito. que O patrimônio, como universalidade, é um todo; esta unici- Para os seguidores da teoria dade é atribuída a uma pessoa, clássica o patrimônio é uma mas não significa que cada pes- A carga de subjetivismo, im- universalidade de direito. Esse soa só possa ter um único primida pela teoria clássica ou enfeixe de relações jurídicas é patrimônio. subjetiva, implica a considera- considerado como um conjun- nio levou-os a defender a unidade patrimonial. ção do patrimônio como um to unitário, por força de lei. Esta compreensão atomística39 estabelece que elementos meio, isto é, o patrimônio como Se da teoria clássica origi- ativos (direitos) e elementos capacidade de possuir. Desta nou-se a concepção subjetiva passivos (obrigações) possam conclusão decorre o categórico de patrimônio, deve-se à teoria ser destinados à criação de no- entendimento que reconhece moderna a concepção objeti- vos acervos patrimoniais, distin- um patrimônio único – solus va, na qual os elementos que tos do patrimônio geral do unus – para cada pessoa. compõem o patrimônio estão sujeito. Os seguidores da teoria sub- unidos para atender a um fim Patrimônios de destina- jetivista deram à expressão pretendido por seu titular, for- ção são estes novos conjun- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 81 D ireito Artigo tos de relações jurídicas dis- ciais, patrimônios de desti- Para uma minoria divergen- tintos do patrimônio geral, nação ou patrimônios autô- te, o patrimônio só é compos- que o direito alemão deno- nomos. to de direitos (Enneccerus, São exemplos de patrimô- Kipp e Wolf, 1947, v. 1, p. 609). nios distintos do patrimônio Os elementos passivos não Entretanto poderão ocorrer geral, dentre outros: a heran- fazem parte do conteúdo patri- situações em que seu titular, ça indivisa, massas concursais monial, sendo tão somente para atender a um fim determi- – da falência, da insolvência encargos ou ônus do mesmo. nado, poderá destinar elemen- civil e da liquidação extrajudi- Pensar dessa forma equivale tos ativos do patrimônio geral cial – o dote, o fideicomisso, a dizer que o desprovido de di- para formar patrimônios sepa- o bem de família. reitos não tem patrimônio e que mina de ZWECKVERMÖGEN (Galgano, 1969, p. 18). rados. Estes patrimônios distin- Quanto à responsabilidade o insolvente perde o patrimônio. tos do patrimônio geral pode- patrimonial, o patrimônio geral O descompasso desse enten- rão ter como fim, ou garantir, não responde pelas dívidas do dimento doutrinário contraria o ou conservar interesses do ti- patrimônio separado ou autôno- pensamento da maioria dos tular (garantir um determinado mo e, o patrimônio separado ou autores. Aceita-se a propositu- grupo de credores, excluir bens autônomo, não o faz pelas dívi- ra, mas considera-se írrito seu que possam ser excutidos por das do patrimônio geral.42 resultado. Por ulterior, em expressão credores). Estes patrimônios distintos classificam-se em pa- 7.7 Crítica à composição do minoritária estão os autores que trimônio separado (massa conteúdo patrimonial sob a defendem ser patrimônio o falida, bens gravados com ótica da teoria ampliativa resultado líquido (Enneccerus, hipoteca) e patrimônio autôno- Quanto à composição do Kipp e Wolf, 1947, v. 1, p. 609- (patrimônio da pessoa ju- patrimônio, conforme já menci- 610; Windscheid, 1930, p. 118) rídica). O patrimônio separado onado anteriormente, quando trilhando na concepção das possui uma autonomia patri- se explicou a teoria ampliativa, ciências econômicas, o que monial imperfeita e o patrimô- diversos são os entendimentos resulta em diminuir da soma nio autônomo uma autonomia dos doutrinadores. dos ativos todos os passivos. mo40 perfeita.41 Uma corrente afirma que o No entender desses doutri- Toda pessoa tem um único patrimônio é um conjunto de nadores, não pode haver patri- patrimônio geral, mas, em de- bens, quando já dissemos que mônio negativo, aquele em que corrência de determinadas situ- não são os bens que formam a a soma dos passivos ultrapas- ações, seja por vontade de seu massa patrimonial, são os direi- sa a soma dos ativos, acarretan- titular, seja por força de lei, tos que sobre eles incidem. do, de forma indireta, os mes- patrimonial poderão ser separados elemen- Defendido por outros, repou- mos resultados dos que defen- tos ativos do patrimônio geral sa o entendimento no qual o dem ser o conteúdo patrimo- para formar um patrimônio dis- patrimônio é um conjunto de nial composto só de elemen- tinto, com o objetivo de aten- bens, direitos e obrigações, tos ativos. der a um fim determinado. São amalgamando elementos imate- Para se apurar o patrimônio os chamados patrimônios se- riais (direitos e obrigações) e por esse método doutrinário, os parados, patrimônios espe- elementos materiais (bens). elementos ativos e passivos de- 82 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo vem ser auferidos em um valor pensamento da maioria dos de unicidade patrimonial, em dinheiro e, ao final, deduzir- doutrinadores). admitindo-se a existência de patrimônios distintos do patri- se da importância do ativo, a Dentro do enfoque da teoria soma em dinheiro do passivo, irrestritiva ou imaterial, ora para se obter o resultado líqui- proposta, tem-se que: 1) Ao finalizar a propositura do. Há exigência de periódicas patrimônio é o habitáculo ou da teoria irrestritiva ou ima- avaliações e liquidações, o que receptáculo de um complexo terial, verifica-se que seus ele- na prática é insustentável. de relações jurídicas (direitos mentos constitutivos alteram e obrigações); 2) todas as pes- o atual conceito de patrimô- soas têm titularidade patrimo- nio. Propõe-se, então, uma Verificadas quais as caracte- nial e alguns entes desperso- nova conceituação que assimi- rísticas comuns do patrimônio, nalizados podem também ter le as alterações introduzidas existentes nas diversas corren- patrimônio; 3) compõem o pa- pelo novo pensamento, onde: tes doutrinárias, encontram-se trimônio as relações jurídicas as seguintes conclusões: 1) o economicamente apreciáveis CONCLUSÃO não,44 mônio geral. Patrimônio é o conjunto patrimônio é o complexo de ou direitos disponíveis de relações jurídicas de uma relações jurídicas; 2) com- e indisponíveis (direitos da per- pessoa ou ente, destinadas põem o patrimônio as relações sonalidade, direitos políticos, a um fim determinado, dota- jurídicas economicamente direitos pessoais decorrentes das ou não de valoração apreciáveis; 3) o conjunto de do casamento e os direitos econômica. elementos do patrimônio forma referentes ao pátrio poder); e, uma universalidade de direi- 4) o conjunto de elementos do to (corrente predominante);43 e, patrimônio forma uma univer- 4) somente as pessoas têm ti- salidade de direito, no senti- tularidade patrimonial (este é o do de unidade de direito e não R NOTAS 1 2 3 No transcorrer do tema, o conteúdo patrimonial, de acordo com o seu resultado, será denominado de: conteúdo ativo ou passivo; credor ou devedor; e, superavitário ou deficitário. Veja-se a máxima romana UNUS HOMO, NULLUS HOMO que pontifica: a existência de um único homem é como se não existisse homem. Sobre patrimônio, Ihering assim se manifesta: “...l’origine pratique du patrimoine, c’est-à-dire de la tendance, non seulement à suffire aux j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 nécessités du moment, mais à assures encore des ressources pour les besoins de l’avenir.” (Ihering, 1901, p. 43). 4 Na proa dessa teoria, tem-se, Aubry e Rau (1936). Também nesse sentido, ver G. Baudry-Lacantinerie e Alberto Wahl [s.d.]. 5 Citam-se alguns autores estrangeiros seguidores desta teoria: Marcel Planiol (1906); Marcelo Planiol e Jorge Ripert (1946); Bernard Windscheid (1930); Lodovico Barassi (1914); Domenico Barbero (1936); Francesco Messineo (1957); Luis Diez-Picazo (1993). Dos autores nacionais que filiam-se a esta teoria: Clovis Bevilaqua (1977); Orlando Gomes (1996); Pontes de Miranda (1954); Francisco dos Santos Amaral Neto (1998); Caio Mario da Silva Pereira (1991) . 6 Cf. nesse sentido, Marcel Planiol (1906, p. 672); Ripert, Picard e Gény, que são os que se insurgem com maior intransigência. São ainda contrários a essa teoria todos os seguidores da teoria moderna ou realista. 83 D ireito Artigo NOTAS 7 Subrogatum capit naturam subrogati. 8 Exclusão dos entes não personalizados. 9 Domenico Barbero (1936, p. 390), combatendo a teoria clássica, salienta que patrimônio uno é entendido como complexo unido, a unidade do patrimônio emanando da unidade da pessoa, resultando na vinculação do patrimônio com a personalidade, como uma só unidade. 10 11 12 É de se pensar se esta afirmação feita por Aubry e Rau pode induzir à conclusão, que de forma velada, estariam admitindo, no conteúdo patrimonial, a inclusão dos direitos da personalidade. 15 Brinkmann-Bondi, Seckel, Schwarz e Brins são assinalados por Pontes de Miranda no Tratado de direito...op.cit. v.5 p.369 e v.1 p.281. 16 Aqui os autores se dividem em três correntes: uns não aceitam o patrimônio como uma universalidade, outros afirmam ser uma universitasfacti e, por último, a reconhecem como uma universitas iuris , sendo esta última é a posição dominante. 17 “Il patrimonio si compone di un attivo e di un passivo: esso non comprende nè tutti i diritti, nè tutte le obbligazioni di una persona, ma solamente i diritti e le obbligazioni valutabili in denaro.” ( Baudry-Lacantinerie e Wahl, p. 2). A posição dos autores é difícil de ser defendida, vez que significaria destituir dessa capacidade as pessoas jurídicas, eis que não são humanas. Por outro lado, entendem que a pessoa jurídica é desprovida de vontade própria. A capacidade de possuir advém das pessoas que as administram (humanas), não se pode, igualmente, abarcar esta colocação, que conflita com a doutrina da teoria organicista de Windscheid e Gierke, onde as pessoas jurídicas são administradas por órgãos, excluídas as vontades individuais das pessoas que deles participam. Otto von Gierke é responsável pela Genossenschaftstheorie ou teoria realista. Cf Teorias politicas de la edad media . p. 37 (Windscheid, 1930, p. 70-183). 13 O patrimônio deixa de ser uma absrealidade. tração e passa a ser uma realidade 14 O direito germânico moderno afasta-se dos preceitos do direito romano e passa a admitir, em sua codificação civil, a sub-rogação do conteúdo patrimonial em bloco, ou seja, transferência da totalidade dos elementos ativos disponíveis e dos elementos passivos. Código Civil Ale- 84 mão, art.419. Nesse mesmo sentido o Código Civil Suíço. Cf. afirma Ulp. 39 ed. , D. 37, 1: Bonorum possessio admissa commoda et incommoda hereditaria, itemque dominium rerum, quae in his bonis sunt, tribuit, nam haec omnia bonis sunt coniucta. Ao comentar Labeão, D. 37, 3, 1, Ulpiano escreve: Hereditatis autem bonorumne possessio, ut Labeo re escribit, nom uti rerum possessio, accipienda est; est enim iuris magis, quam corporis possessio. Denique etsi nihil corporale est in hereditate, attamen recte eius bonorum possessionem aganitam Labeo ait. 18 Seguem este mesmo pensamento Hellwig, Dernburg, Enneccerus e Binder. 19 Cf. texto de Paulo 53 ed. , D. 50, 16, 39, 1 pr.. . 20 Cf. nossa tradução. 21 As fundações serão tratadas no capítulo da Responsabilidade do conteúdo patrimonial. 22 Humana specie induere. 23 As fundações têm direitos e contraem obrigações. Os condomínios são reconhecidos para efeitos de normas tributárias. Praticam atos negociais em seu próprio nome, têm capacidade processual, figurando no pólo ativo nas demandas contra os condôminos inadimplentes, celebram contratos de trabalho e por inadimplência podem ser acionados, figurando no pólo passivo da relação processual. 24 Cf. nesse sentido Bekker, Demogue, Stein, De La Grasserie, Affolter, Schweppe, entre outros, inspirados na teoria de Brinz. Basile Eliachevitch (1942, p. 364), citando Petrajizky, defensor da teoria psicológica do direito, manifesta-se: “(...)le fait que les hommes atriubuent toujours les droits et les obligations à euxmême et aux autres est un des phènomènes fondamentaux du droit. Ces autres ne sont pas seulement des individus humains”. 25 O art. 57, do Código Civil, diz: “O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”. 26 Em França a Lei n.º 65-557, de 10 de julho de 1965 que trata da copropriedade em edificação imobiliária, no seu art. 14, atribui personalidade jurídica a coletividade de co-proprietários. 27 Projeto de Lei da Câmara, n.º 118, de 1984 (Projeto de Lei n.º 634/B), art. 91: “constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.” 28 A expressão ente é empregada no sentido de tudo o que tem existência real ou de coisa existente. 29 Ora, se o dano é diminuição do patrimônio por via oblíqua, o ressarcimento é acréscimo de patrimônio. Entende-se que o que diminui ou acresce é o conteúdo patrimonial do lesado ou indenizado e não o patrimônio que é mero receptáculo. 30 Temos evitado adotar esta expressão de direito romano para não acarretar confusões entre bem jurídico – direito – e bens, no sentido de coisas. 31 Prefere-se diretamente admitir a inclusão desses direitos no conteúdo patrimonial em vez de subdividi-lo em patrimônio em sentido lato. e patrimônio em sentido restrito, como o fez Augusto Teixeira de Freitas (1876, p. 154). j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo NOTAS 32 33 34 35 No Brasil, a sociedade unipessoal originária é admitida na Lei 6.404/ 76, Lei de Sociedades Anônimas, onde prevê a subsidiária integral, companhia que tem como único acionista sociedade brasileira, cujo ato constitutivo dar-se-á por meio de escritura pública. 36 Cf. art. 748 do Código de Processo Civil. 37 Cf. art. 1554 e ss. do Código Civil. 38 Denominados de direitos extrapatrimoniais, que entende-se não ser exmoniais tra, pois também estão alojados na bolsa patrimonial. 39 Faz-se alusão à história de São Francisco de Assis que, nascido de berço abastado, abandonou toda a riqueza, saindo nu de sua cidade, para pregar a pobreza clérica. Foi o fundador da Ordem dos Franciscanos em Assis-Úmbria. Esta superioridade não é numérica, é superioridade de resultado. É a soma dos ativos, dela diminuída a soma dos passivos. É a superioridade de resultado, inversamente do que foi dito na nota anterior. Faz-se esta menção ilustrativa por ser esta idéia semelhante ao atomismo, sistema filosófico que explica ser o universo (patrimônio geral) formado de átomos (patrimônios separados) combinados em associações fortuitas ( causa mortis ) ou mecânicas (por vontade da pessoa ou por força de lei). 40 Jorge Manuel Coutinho de Abreu (1996, p. 199) faz referência ao patrimônio autônomo da pessoa jurídica. 41 Cf. Francesco Messineo (1957, v.1. 1, p. 384- 387), que afirma ser o patrimônio, em princípio, um só. 42 Não estão compreendidas as exceções de sociedades de responsabilidade ilimitada e desconsideração da personalidade jurídica. 43 Cf. nesse sentido Espínola e Espínola Filho (1939, v.1 p.517); Caio Mário da Silva Pereira (1991, v.1 p. 295); Maria Helena Diniz (1991, v.1, p.167). Contra esse entendimento, Orlando Gomes (1996, p. 228). Para Domenico Barbero (1936, p. 393), o patrimônio não pode ser considerado como uma universalidade. 44 A própria Constituição Federal faz referência ao patrimônio cultural brasileiro; patrimônio histórico, arqueológico, científico, cultural e artístico. Em direito ambiental tem-se o patrimônio florestal. BIBLIOGRAFIA ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Da empresarialidade: as empresas no direito. Coimbra: Almedina, 1996. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 7 v., 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. ALVIM, Agostinho. 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Torino: Torinese, 1930. 85 D ireito Artigo A aposentadoria como causa de extinção do contrato de trabalho José Ribeiro de Campos Advogado, Mestre e doutor em direito do trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP INTRODUÇÃO e outras formas como a aposen- tar-se dos compromissos dos O vínculo de emprego exis- tadoria, a extinção da empresa negócios ou da profissão” (Sus- tente entre a empresa e o tra- ou morte do empregado, e ain- sekind, 1995, p. 585). balhador está sujeito a extin- da por último pelo advento do Assim sendo, a aposentado- guir-se. A cessação do contra- termo do contrato de trabalho. ria nada mais é do que “o exer- to de trabalho põe fim às obri- Interessa-nos, por ora, a aná- cício de um direito público gações tanto para o emprega- lise da aposentadoria como cau- subjetivo de que é titular o em- do quanto para o empregador. sa de cessão do contrato de tra- pregado, cuja conseqüência balho. inarredável é o exaurimento Há variadas formas pelas quais o pacto laboral chega a seu término. A ruptura pode se das obrigações contratuais até 1 CONCEITO então vigentes” (Sussekind, dar por iniciativa do emprega- Aposentar-se vem do verbo dor, compreendendo-se neste latino pausare, que quer dizer caso a dispensa com justa cau- parar, cessar, descansar. O 2 DA NATUREZA JURÍDICA sa e sem justa causa, ou ain- vocábulo aposentadoria, como DA APOSENTADORIA da pode ser gerada por inicia- demonstra Délio Maranhão, Muito se discutiu acerca da tiva do próprio empregado, “tem sempre o sentido de ir natureza jurídica da aposenta- caso em que se daria o pedido para os aposentos, isto é, ces- doria, e ainda hoje existem de demissão, rescisão indireta sar atividades quotidianas, afas- divergências doutrinárias e 86 1995, p. 585). j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo concessão do benefício previ- 8.213/91 prevê a possibilidade Apesar das inúmeras discus- denciário, não significa que não de o empregado continuar tra- sões, para a corrente majoritá- haverá cessação do contrato de balhando, sem se desligar da ria, a aposentadoria é uma trabalho. empresa, para requerer sua jurisprudenciais. Esta é a opinião do MM. Juiz aposentadoria. Contudo, rece- do Trabalho de Santa Catari- bendo o trabalhador o benefí- O art. 453 da CLT declara na, Francisco Luís Alves (1998, cio previdenciário, cessa a rela- expressamente que a aposen- p. 82), em seu artigo publica- ção jurídica existente entre as tadoria é causa extintiva do do pela Revista Trabalho e partes, e caso haja interesse de contrato de trabalho, sendo Doutrina: ambas as partes, poderá ser forma de extinção do contrato de trabalho. certo que após o requerimen- O fato de a legislação previ- estabelecido um novo contrato to e deferimento da aposen- denciária ter deixado de exi- de trabalho. tadoria, cessa a relação jurídi- gir o prévio desligamento do Assim sendo, o melhor en- ca existente entre o emprega- emprego, como condição tendimento quanto a natureza dor e o empregado. para a concessão da aposen- da aposentadoria é o de causa Assim, se o empregado per- tadoria voluntária, não con- de extinção do contrato de tra- manecer trabalhando para o duz ao entendimento de que balho, com a cessação de todas empregador, após a concessão o contrato de trabalho não se as obrigações tanto para o em- da aposentadoria pela Previdên- extingue. pregador, quanto para o empre- cia Social, haverá a formação de Na verdade, o disposto no gado. uma nova relação jurídica, ou art. 49, inciso I, letra b, da Nesse sentido é a opinião de seja, a continuidade do empre- Lei n. 8.213/91, encerra ape- Sergio Pinto Martins, ao afirmar gado na empresa não gera o nas o comando de que o em- que “a aposentadoria do empre- direito ao prosseguimento do pregado, voluntariamente gado é uma das formas de ces- antigo contrato de trabalho, es- aposentado, pode continuar sação do contrato de trabalho. tabelecendo-se entre as partes na empresa, o que não sig- Se o empregado continuar tra- um novo contrato individual de nifica dizer que o contrato de balhando, há a formação de um trabalho. trabalho não será extinto ao novo contrato de trabalho” (Mar- Ressalte-se que a continuida- tempo da concessão da apo- tins, 2002, p. 348). de da relação empregatícia en- sentadoria. O que ali vem es- Amauri Mascaro Nascimento tre o trabalhador e a empresa tabelecido é apenas a possi- também partilha da mesma opi- após a concessão da aposenta- bilidade de o trabalhador con- nião, entendendo que “a apo- doria depende da concordância tinuar vinculado à empresa sentadoria também rescinde o entre as partes, até mesmo por- após a concessão da aposen- contrato” (Nascimento, 2001, p. que o contrato de trabalho aten- tadoria, contudo por força da 552). E mais, afirma que “a apo- de ao requisito da bilateralida- readmissão operada automa- sentadoria é causa suficiente de de. ticamente após a extinção do cessação do vínculo. A continui- Aliás, apesar de existir a pos- vínculo antes existente, con- dade na mesma empresa não é sibilidade de prosseguimento soante a inteligência extraída o mesmo que prosseguimento da relação de emprego, sem do art. 453 da CLT. do contrato. O contrato fica ter- que haja desligamento para a O art. 49, I, letra b da Lei n. minado por aposentadoria. Ini- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 87 D ireito Artigo cia-se, após a aposentadoria, Direito do Trabalho, SP, Saraiva, das as leis e regulamentos da novo contrato individual de tra- 7ª Ed. 1989, p. 384) e Octá- Previdência Social, decorre balho entre as mesmas partes”. vio Bueno Magno (Manual de da circunstância de que o Arnaldo Sussekind e Délio Direito do Trabalho, SP, LTr, contrato de trabalho gerador vol. II, 1981, p. 280). do tempo de serviço e das Maranhão (1992, p. 262-263; 268) citando outros juristas, 13. A unanimidade da doutrina contribuições que implemen- demonstram que comungam ocorre porque a própria lei tam o direito do empregado desse mesmo entendimento, previdenciária condiciona o à prestação previdenciária senão vejamos: pagamento do aludido bene- não pode determinar o paga- “10. José Martins Catharino con- fício ao fato de não mais es- mento concomitante de sa- sidera as aposentadorias por tar o respectivo segurado lários e proventos de aposen- velhice e por tempo de ser- vinculado ao emprego que tadoria. Estes começam viço, quando requeridas pelo exercia. Por isto, acentuou o quando cessam aqueles. Tra- empregado, como espécies. 1º signatário, em parecer ela- ta-se de mera imposição de – Da Demissão Indireta ou borado com o douto Délio lógica jurídica. Mediata” (Compêndio Univer- Maranhão: (...) sitário de Direito do Traba- Que a aposentadoria por lho, SP, Ed. Jur. Univ., 1972, tempo de serviço extingue o vol. II, p. 764). contrato de trabalho, acaso 16. A recente Lei 8.213 de julho 11. Evaristo de Moraes Filho é existente, do respectivo se- de 1991, embora inaplicável enfático: os outros tipos de gurado é ponto pacífico no ao caso em tela, não alterou aposentadoria previstas em direito brasileiro, sendo, por este aspecto, mantendo mes- lei levam à cessação automá- isso, uniforme tanto a dou- mo critério adotado pela le- tica do contrato de trabalho, trina como a jurisprudência. gislação anterior (art. 49, I, a). ipso jure, quer na aposenta- Aliás, a própria Lei Orgânica 17. Precisamente porque a doria por velhice, tempo de da Previdência Social, mesmo aposentadoria definitiva, tal serviço (ordinária) ou espe- depois das alterações intro- como a morte do emprega- cial quer também nas chama- duzidas pela Lei 5890, de 8 do, extingue o contrato de das profissionais. Ao contrá- de junho de 1973, tornou ir- trabalho é que a Lei n. 6204 rio da aposentadoria por in- refutável essa conclusão, ao de 29 de abril de 1975 com- validez, todas estas são de- exigir, para o início do paga- plementou o art. 453 da CLT, finitivas, e nenhuma dúvi- mento dessa aposentadoria, para afirmar que o emprega- da acarretam quanto aos após sua concessão, a prova do espontaneamente apo- seus efeitos sobre o contra- de que o segurado-emprega- sentado, se vier a ser read- to de trabalho. (Rio, Foren- do foi desligado do seu em- mitido na empresa, não com- se, 1968, 2ª edição, p. 31). prego (art. 32, 7º). (Pareceres putará o tempo de serviço 12. No mesmo sentido são as sobre Direito do Trabalho e anterior à aposentadoria; manifestações dos renoma- previdência Social, SP, LTr vol. isto é, não restabelece o con- dos titulares da Faculdade de II 1976, p. 34). trato pretérito. Direito da USP, Amauri Mas- O fundamento dessa norma, 18. Desde então a jurisprudên- caro Nascimento (Curso de que vem se repetindo em to- cia se tornou interativa no 88 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo sentido de que as aposenta- n. 8.213/91 introduziu, em do TST – que aliás não pode dorias por tempo de serviços relação à sistemática ante- prevalecer sobre a lei – ficou e por velhice, quando espontaneamente requeridas pelos riormente adotada, foi a adstrita aos casos de aposen- possibilidade do trabalha- tadoria não espontânea empregados, extinguem os dor, uma vez aposentado, (como, v.g., por invalidez). correspondentes contratos de trabalho (...).” continuar vinculado à empre- Acrescente-se que, desde o sa. Isto porém, a nosso ver, advento da Lei 8.213/91, a sob um novo enlace contra- concessão de aposentadoria tual. Dessa forma, sobrevin- não mais se vincula ao desli- do o afastamento definitivo gamento do emprego. Tal da empresa, a quitação pelo diploma autoriza a perma- desfazimento do vínculo con- nência do trabalhador no em- siderará apenas o período em prego mesmo após a aposen- que o aposentado prosseguiu tadoria. (Recurso Ordinário na empresa. O período ante- provido, TRT 3ª Reg. RO rior à jubilação já está com- 4279/94 – Ac. 4ª T. 25.05.94 preendido no contrato de tra- – Red. Juiz Carlos Alberto balho extinto concomitante- Reis de Paula).” Otávio Bueno Magano também partilha da opinião de que a aposentadoria é forma de extinção do vínculo empregatício, ao afirmar que “A nossa lei agasalha forma anômala de aposentadoria, alcançada, conforme o caso, depois de trinta ou trinta e cinco anos de serviço. Qualquer que seja a forma da aposentadoria, tem ela, normalmente, o condão de extinguir o mente com o deferimento da vínculo empregatício” (Magano, 1993, p. 311-312). aposentadoria.” Também foi o mesmo enten- da jurisprudência: Outro não é o entendimento dimento adotado pelo ilustre Jurista Amauri Mascaro Nasci- “O art. 453, da CLT, é claro mento, em sua obra Iniciação ao ria espontânea impede a direito do trabalho, em que defende que “há divergências doutrinárias sobre a natureza da aposentadoria, porém, predomina a orientação de que é uma forma de extinção do contrato de trabalho” (Nascimento, 2002, p. 483). ao dizer que a aposentadosoma dos períodos descontínuos de trabalho. É de se entender, portanto, que trata-se de causa de extinção do contrato de trabalho. Por conseguinte, a continuidade da prestação laboral configura celebração de novo con- “APOSENTADORIA – E XTINÇÃO NATURAL DO CONTRATO DE T RABA- – O artigo 453 da CLT LHO exclui a possibilidade de soma dos períodos trabalhados quando o empregado se aposenta espontaneamente, posto que a jubilação extingue o contrato de trabalho. (TRT 2ª Região. Acórdão n.: 02980479408. Processo n.: 02970282580. Ano: 1997. Turma: 07. Recorrente: Inst. Pesq. Téc. Do Est. S Paulo S/A IPT. Recorrido: Francisco Barone. Juiz A controvérsia acerca da matéria é explicitada por meio dos trato de trabalho entre as ensinamentos de João de Lima te que a forma seja expressa “APOSENTADORIA - CAUSA DE EXTIN- Teixeira Filho (Sussekind, 1995, ou tácita. Ambas estão auto- ÇÃO DO p. 586): rizadas pelo diploma conso- DA lidado – art. 442. Assim, a 453 aplicação do Enunciado n. 21 mitir a Lei 8213/91 que o em- “O traço distintivo que a Lei j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 mesmas partes. É irrelevan- Relator: Gualdo Formica).” CONTRATO – CONFRONTO LEI 8213/91 DA COM O ARTIGO CLT – O fato de per- 89 D ireito Artigo pregado permaneça no empre- Processo n.: 02960016976. contrato de emprego, onde go após o requerimento da Ano: 1996. Turma: 06. Recor- não é computável o período aposentadoria não autoriza o rente: Dorival Tabanela. Re- anterior (RR 290.447/96.8, entendimento de que tenha corrido: Rede Ferroviária Fe- Ac. 3ª T – Carlos Alberto Reis aquele diploma legal derroga- deral S/A. Juiz Relator: Carlos de Paula – TST).” do o artigo 453 da CLT eis que Francisco Berardo.” não veda o entendimento de que a aposentadoria é causa de extinção do contrato de trabalho. TRT 2ª Região. Acórdão n.: 02970120105. Processo n.: 02950315008. Ano: 1995. Turma: 07. Recorrente: Benedito Roberto Garcia. Recorrido: Rede Ferroviária Federal S/A. Juiz Relator: Gualdo Formica.” “APOSENTADORIA DEFINITIVA, COMPULSÓRIA OU VOLUNTÁRIA (POR PO DE SERVIÇO OU POR IDADE) TINÇÃO DO TEM- – EX- CONTRATO DE TRABALHO – ART. 453, CLT (REDAÇÃO DA LEI 6.204/75 – LEI 8.213/91, ART. 49, I, “B”) – A aposenta- doria definitiva continua como uma das causas jurídicas da extinção do contrato de trabalho (Amauri M. Nascimento). Ao não mais condicionar a concessão da aposentadoria ao desligamento, o legislador assegurou ape- “RECURSO DO “READMISSÃO RECLAMANTE. RESCI- PROSSEGUIMENTO EMPREGO. A aposentadoria E espontânea implica extinção FGTS. A do contrato de trabalho. Se aposentadoria voluntária ex- o empregado continua traba- tingue o contrato de traba- lhando, nasce um novo con- lho, a teor do disposto no trato, onde não é computá- artigo 453 da CLT, em pleno vel o período anterior, con- vigor, uma vez que tal dis- soante dispõe o art. 453 da positivo não foi alterado pela Consolidação das Leis do Lei n. 8.213/91, porquanto Trabalho (RR 372.206/97.5, esta disciplina as aposenta- Ac. 1ª T – João Oreste Dala- dorias junto à Previdência So- zen – TST).” SÃO CONTRATUAL. AVISO PRÉVIO NO OU MULTA DE 40% SOBRE O cial, nada dispondo sobre contratos de trabalho. O reclamante, contudo, permaneceu trabalhando após a concessão da aposentadoria, sendo esse contato distinto do primeiro. Recurso parcialmente provido. TRT 4ª Região. Número do processo: 01062.751/97-3 (RO). Juiz: Maria Helena Mallmann Sulzbach. Data de Publicação: 03/06/2002.” “APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EXTINÇÃO DO CIA NO SOMA CONTRATO. PERMANÊN- EMPREGO – POSSIBILIDADE. DE PERÍODOS BILAMENTO ANTES E PÓS JU- – INVIABILIDADE. O de- ferimento da aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho e não pode ser interpretado como dispensa sem justa causa, o ato patronal de desligamento do empregado. A finalidade do benefício é amparar o traba- nas efeitos circunscritos ao “APOSENTADORIA. EFEITOS. Enten- lhador ou trabalhadora na procedimento previdenciá- de essa Corte Superior que, velhice, ou em caso de inca- rio (Arnaldo Sussekind, Re- consoante dispõe o art. 453 pacidade física ou mental. vista Synthesis 20/95-137; da Consolidação das Leis do Daí, a conseqüência lógica: Suplemento LTr 137/94). Trabalho, a aposentadoria a extinção do contrato de tra- (Ementa na íntegra à dispo- espontânea implica a extin- balho. Se assim não fosse, o sição no serviço de jurispru- ção do contrato de trabalho. dência). TRT 2ª Região. Continuando o empregado a Acórdão n.: 02970167594. trabalhar, nasce um novo benefício perderia a sua natural finalidade, para se transformar em complemen- 90 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo to salarial. Esta concepção, que é válida para um regime de aposentadoria contratada com entidade privada, não se compatibiliza com o nosso regime que é público. Ainda que não haja desligamento de fato, pois nada impede que o trabalhador volte a desenvolver qualquer atividade, inclusive como empregado na empresa, a aposentadoria tem o efeito jurídico de pôr fim à relação de emprego mantida até então.” “A ratio legis do art. 49, I, “b” da Lei 8.213/91 é mera autorização da previdência social àquele que se aposentar espontaneamente, em permanecer trabalhando na mesma empresa, sem necessidade de se desligar de fato. Entretanto, nasce novo contrato de trabalho, cujo período não se soma nem se confunde com o anterior e posterior à aposentadoria. Recurso Ordinário a que se nega provimento. TRT 15ª Região. Acórdão 010599/200-SPAJ do processo 01283-1998-09315-00-2 RO (33062/1998-RO8). Recte. Sergio Luiz Copia. Recdo. Colégio Visconde de Porto Seguro).” Esta é a mesma posição do TST, senão vejamos a Orientação Jurisprudencial n. 177: “Aposentadoria espontânea. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 A aposentadoria espontânea recebimento de férias propor- extingue o contrato de tra- cionais e vencidas e 13º salário balho, mesmo quando o em- proporcional, bem como ao le- pregado continua a trabalhar vantamento do FGTS. na empresa após a conces- Nos casos em que houver são do benefício previdenci- pedido de aposentadoria reque- ário. Assim sendo, indevida rido pela própria empresa, o tra- a multa de 40% do FGTS em balhador terá direito ao levan- relação ao período anterior tamento do FGTS, que deverá à aposentadoria.” ser acrescido da multa de 40%. Também deverá receber férias 3 EFEITOS DA proporcionais, 13º salário pro- APOSENTADORIA Conforme anteriormente explanado, a aposentadoria é uma forma de extinção do contrato de trabalho, e como tal, traz conseqüências para a relação existente entre empregador e empregado. Levando-se em consideração que a aposentadoria faz cessar todo e qualquer vínculo empregatício, ao receber o benefício previdenciário, o trabalhador não fará jus ao recebimento de aviso prévio, muito menos de multa de 40% sobre o FGTS , tendo em vista que não houve ruptura contratual por parte do empregador. Com relação às anotações na CTPS, deverá ser procedida a baixa no dia anterior ao início da concessão da aposentadoria, e caso haja continuidade da relação entre o trabalhador e a empresa, a sua readmissão se operará no dia seguinte à concessão do benefício previdenciário. porcional e aviso prévio, visto Terá, no entanto, direito ao risprudência acerca dos efeitos que neste caso o desligamento empregatício assemelha-se a dispensa sem justa causa. A partir da concessão da aposentadoria, caso se estabeleça nova relação empregatícia, o trabalhador não mais terá direito a contagem do tempo de serviço do primeiro contrato de trabalho, excluindo-se o período anterior à concessão da aposentadoria. Assim, no caso do rompimento do segundo contrato, que iniciou-se após a concessão da aposentadoria, a multa de 40% sobre os depósitos do FGTS será paga tão somente sobre os depósitos do segundo contrato. Para os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, uma condição se impõe, no caso de sua readmissão, que nada mais é do que a submissão a um novo concurso público. Vejamos o que nos diz a ju- 91 D ireito Artigo da concessão da aposentadoria: SERVIDOR PÚBLICO – APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA – EFEITOS. Pela aplicação conjunta do enunciado 177 das Orientações Jurisprudenciais da SDI-1 com o enunciado de súmula 363, ambos do C. TST, é nulo o contrato do servidor público que permanece prestando serviços à Administração após a aposentadoria voluntária, mesmo porque esta torna vago o cargo (e/ou emprego) público somente passível de ser preenchido por novo concurso. TRT 15ª Região. Acórdão 031261/2001SPAJ do processo 00173- bilamento, a multa dos 40% do prestado antes da jubila- do FGTS não incide sobre os ção, a teor do art. 453 da depósitos anteriores ao jubilamento. A movimentação da CLT. Assim, a multa de 40% conta vinculada do FGTS tem bre os depósitos posteriores razões diversas, dentre as quais, a dispensa sem justa à sua aposentadoria (RR causa /art. 20, inciso I, da Lei mando de Brito – TST). n. 8036/90), quando tem lugar a multa de 40% sobre os Tempo de Serviço. Cômputo depósitos (art. 10, inciso I, do ADCT). A lei n. 8.036/90 autoriza o saque em caso de do FGTS é devida apenas so- 296.572/96.9, Ac. 5ª T. – Ar- do período anterior à aposentadoria espontânea – 1) A aposentadoria espontânea aposentadoria, (inciso III; art. extingue o contrato de tra- 20), sem impor ao empregador a multa de 40%. Por isso, sentado espontaneamente, balho. 2) O empregado apo- ainda que o trabalhador con- que celebrou novos contra- tinue no emprego após a aposentadoria, quando não com o mesmo empregador, tos de trabalho sucessivos ocorra o rompimento do vín- se dispensado, não faz jus ao cômputo do período anteri- (00582/2001-RO-3). Recte. culo por ocasião do jubilamento, em caso ulterior dis- Deise Olinda Costa Cardoso. pensa sem justa causa, a tos indenizatórios (TST, PLE- Recdo. Município de Orlândia. multa de 40% incidirá tão somente sobre os valores NO, proc. E-RR-1191/81; Rel. dos depósitos efetuados De Jurisp. De Trab., Ed. Frei- após o jubilamento. TRT 15ª Região. Acórdão 001216/ tas Bastos, 1989, vol. VI, pág. 2000-075-15-00-7 RO A POSENTADORIA. POR T EMPO DE SERVIÇO. NÃO EXIGÊNCIA DE RESCICONTRATUAL. PERMANÊNCIA DO TRABALHADOR NA EMPRESA. RESILISÃO ÇÃO CONTRATUAL, POSTERIOR. MUL- DE 40% DO FGTS SOBRE DEPÓSITOS ANTERIOR AO JUBILAMENTO. TA INVIABILIDADE. O art. 49, inciso I, alínea “b” da Lei n. 8.213/ 91 não condiciona a rescisão 2002-SPAJ do processo 00692-2000-086-15-00-9 RO (30871/2000-RO-2). Recte. Indústrias Romi S/A Recdo. José Paulino Sass. or à aposentadoria para efei- Min. Mendes Cavaleiro; Rep. 1195/6, n. 4957). READMISSÃO OU PROSSEGUIMENTO NO EMPREGO. A aposentadoria permanece na Justiça do Trabalho como uma modalidade de extinção do contrato la- APOSENTADORIA. EFEITOS. A apo- boral, a teor do preceituado sentadoria espontânea é forma de resilição voluntária do no artigo 453 da CLT. A mul- contrato de trabalho, sem in- renta por cento) sobre os podendo o empregado per- terferência do empregador, depósitos do FGTS só é devi- manecer na empresa. Na ocorrência de dispensa sem de modo que não faz jus o da nos casos de demissão empregado ao cômputo, no sem justa causa, como uma justa causa, posterior ao ju- tempo de serviço, do perío- imposição punitiva ao em- do contrato de trabalho para a concessão da aposentadoria pela Previdência Social, 92 ta indenizatória de 40% (qua- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo pregador pela prática do ato (RO). Juiz: Fernando Luiz de denizações legais. No caso demissionário injusto. Uma Moura Cassal. Data de Pu- em tela, a causa de afasta- vez aposentado o trabalhador, mesmo que permaneça blicação: 03/06/2002. mento do reclamante consis- de forma contínua a laborar na mesma empresa, nasce a partir daí uma nova relação jurídica, ou seja, firma-se um novo contrato de trabalho completamente desvinculado daquele extinto com a aposentadoria. Assim, havendo uma nova rescisão APOSENTADORIA . READMISSÃO OU PROSSEGUIMENTO NO EMPREGO. Não incidência da multa de 40% do FGTS sobre depósito do contrato extinto por aposentadoria espontânea – A aposentadoria espontânea é uma das formas de extinção do contrato de trabalho. A contratual pela demissão permanência do aposentado sem justa causa, a multa de 40% do FGTS deverá incidir mo empregador configura em atividade junto ao mes- apenas sobre os depósitos um novo contrato, cuja du- recolhidos no período posterior à aposentadoria (RR or, por força do disposto no ração não se soma ao anteri- 309.533/96.7, Ac. 3ª T – artigo 453 da CLT. A resci- Francisco Fausto Paula de Medeiros – TST). são imotivada do novo con- RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. A POSENTADORIA. A aposentadoria espontânea do empregado constitui modalidade de extinção do contrato de trabalho, conforme entendimento consubstanciado no Enunciado n. 17 da Súmula de Jurisprudência deste Tribunal Regional do Trabalho. No presente caso, nada é de- trato, portanto, não implica a incidência da multa de 40% do FGTS sobre os antigos tiu na aposentadoria por tempo de serviço, não se tratando de despedimento sem justa causa e, por conseguinte, indevidos os consectários pretendidos, pois estes são aplicáveis à hipótese de ruptura imotivada do pacto laboral. Recurso ordinário a que se nega provimento, mantendo-se incólume a r. decisão de primeiro grau. TRT 2ª Região. Acórdão: 20000066235. Processo: 02980593278. Ano: 1998. Turma: 09. Recorrente: José Arcanjo Mendes. Recorrido: CIA Paulista Trens Metropolitanos CPTM. Relator: Narciso Figueiroa Junior. depósitos do contrato extinto. TRT 2ª Região. Acórdão n.: 02980414683. Processo n.: 02970282890. Ano: 1997. Turma: 08. Recorrente: José Idemar Batista Lopes. Recorrido: CIA Santo Amaro de Automóveis. Relator: Raimundo Cerqueira Ally. vido a título de parcelas res- APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - EX- cisórias, uma vez que a reclamante espontaneamente ade- TINÇÃO DO CONCLUSÃO A aposentadoria nada mais é do que uma das formas de cessação do vínculo de emprego existente entre empregador e empregado, inclusive com o exaurimento de todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. CONTRATO DE TRABALHO A continuidade da relação – A concessão de aposenta- empregatícia após a conces- riu ao Programa de Incentivo doria espontânea implica a são da aposentadoria pela à Aposentadoria, implanta- extinção do contrato de tra- Previdência Social, apesar de do pela empresa reclamada. balho, não podendo o em- ser perfeitamente possível, de- TRT 4ª Região. Número do pregador ser responsabiliza- pende da concordância, tanto processo: 01283.020/96-3 do pelo pagamento das in- do empregador, quanto do j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 93 D ireito empregado, e essa continuida- Artigo tre ele e o seu empregador. gador, o empregado terá direi- de do empregado na empresa Sendo a aposentadoria uma to ao levantamento do FGTS dará ensejo à formação de um forma de extinção do contrato acrescido da multa de 40%, bem novo contrato individual de de trabalho, as conseqüências como às férias proporcionais, trabalho, com o encerramen- da extinção da relação empre- 13º salário proporcional e avi- to do contrato anterior para gatícia são as seguintes: o em- so prévio. todos os efeitos. pregado não terá direito ao avi- Assim, ainda que existam en- Cabe ressaltar que a Lei so prévio, muito menos a mul- tendimentos divergentes, para 8213/91, letra b, inciso I, de seu ta de 40% sobre o FGTS, porém a corrente majoritária, a melhor art. 49, possibilita que o empre- poderá proceder ao levanta- interpretação acerca da nature- gado continue trabalhando, mento dos depósitos fundiári- za jurídica da aposentadoria é sem que haja seu desligamen- os, além de ter direito ao rece- a de extinção do contrato de to da empresa, até que seja con- bimento de férias proporcionais trabalho, com a produção de cedida a sua aposentadoria, o e vencidas e 13º salário pro- vários efeitos para o trabalha- que não quer dizer que essa porcional, e caso se estabeleça dor e para a empresa. relação jurídica não será extin- nova relação empregatícia, o tra- ta, pois conforme anteriormen- balhador não terá direito a con- te mencionado, no momento tagem do tempo de serviço do em que o empregado recebe o primeiro contrato de trabalho. benefício previdenciário, cessa Quando o pedido de aposen- a relação jurídica existente en- tadoria partir do próprio empre- R BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Luís. Aposentadoria espontânea. Extinção do contrato de trabalho. Permanência do trabalhador no emprego. Trabalho & Doutrina. Revista Jurídica Trimestral n. 17. São Paulo: Saraiva, jun. 1998. MAGANO, Otávio Bueno. Direito individual do trabalho. Vol. II. 4. ed. São Paulo: LTr, 1993. 94 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 15. ed., atual. até dez./ 2001. São Paulo: Atlas, 2002. NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. _______. Iniciação ao direito do trabalho. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2002. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio. Pareceres - Direito do trabalho e previdência social. Volume II. 4. ed. São Paulo: LTr, 1992. _______. Instituições de direito do trabalho. Vol. I. 15. ed. atual. São Paulo: LTr, 1995. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo O contrato de mandato e seus aspectos à luz do Direito Civil Brasileiro Otacílio Pedro de Macedo Bacharel em Direito. Pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior – Lato Sensu. Mestre em Direito das Relações Sociais – Sub-Área Direito Civil – PUC – SP. Professor das disciplinas Instituições de Direito Público e Privado, Teoria Geral do Direito Privado, Teoria Geral e Fontes das Obrigações. R e s u m o A b s t r a c t Objetivou este artigo traçar algumas considerações sobre determinados aspectos do contrato de mandato, diante do que prescreve o Código Civil Brasileiro, especificamente no artigo 1.288. Foram levantadas algumas questões sobre as quais nem a doutrina nem a jurisprudência são concordes com as disposições contidas no Código Civil. Com maior ênfase, procurouse deixar registrada a distinção do que venha a ser “mandato” e “representação”, mesmo assim entende-se que os comentários aqui registrados ainda merecem uma análise mais cuidadosa, com vistas a que o tema seja melhor compreendido. Todavia, as poucas linhas aqui traçadas foram suficientes para esclarecer os aspectos marcantes da representação e do mandato. This article objectified to trace some considerations on certain aspects of the mandate contract, before what it prescribes the Brazilian Civil Code, specifically in the article 1.288. Some subjects were lifted up: nor the doctrine nor the jurisprudence is uniform in relation to the dispositions contained in the Civil Code. With larger emphasis, it tried to leave registered the distinction between “mandate” and “representation”, even so it understands each other that the comments here registered they still deserve a more careful analysis, with views the one that the theme is understood better, though, the few lines here traced were enough to illuminate the aspects of the representation and of the mandate. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 95 D ireito INTRODUÇÃO Artigo tibilidade de equívocos a tratual do instituto: é o poder Uma palavra de esclarecimen- que está sujeito o ser humano, de representação aceito ou as- to é necessária, antes do desen- não deve ocorrer, pois implica sumido por uma pessoa, ou volvimento deste trabalho. desaviso ou despreparo. seja, mandatário, assim qualifi- Mandato não é Mandado. É Mandato, diante do Código cado em oposição ao que dá ou comum ouvir-se, principalmen- Civil Brasileiro, é um contrato de manda o poder, ou que o ou- te na mídia falada e televisada: representação. Daí prescrever o torga, denominado mandante. “o Juiz de Direito da 1ª Vara Cí- artigo 1.288: “opera-se o man- A representação que em re- vel da Comarca de São Paulo dato, quando alguém recebe de alidade se calca na substituição expediu mandato de prisão con- outrem poderes, para, em seu de uma pessoa por outra, na tra fulano de tal”; “o Tribunal de nome, praticar atos, ou admi- verificação da essência funda- Justiça expediu mandato de pri- nistrar interesses”. Assim, te- mental do mandato, indica, por são contra o ex-banqueiro si- mos que o mandato é o contra- essa forma, sua mais profunda crano”. Até mesmo no meio fo- to pelo qual alguém recebe de estrutura e sua mais caracterís- rense ouve-se, por vezes, algu- outrem poderes para, em seu tica expressão: o mandante se mas escorregadelas de colegas nome, faz representar pelo mandatário menos cuidadosos ou familiari- administrar interesses. zados com os termos em apreço. praticar atos ou Mandado é uma ordem escrita do Juiz, subscrita pelo nos atos que este pratica em seu nome e em virtude dos poderes que lhe foram confiados. Certo dia, estávamos aden- Escrivão, para cumprimento de Dessas observações, vê-se trando no recinto do Fórum de uma diligência. Daí dizer-se: que a representação é elemen- uma das Comarcas de nossa “Mandado de Prisão”; “Mandado to intrínseco do mandato. Região do Grande ABC, quando de Citação”; “Mandado de Rein- O mandato verdadeiro e pró- veio a nosso encontro um aca- tegração de Posse”; “Mandado prio, na concepção da doutrina, dêmico do Curso de Direito e, de Penhora de Bens”, além de nunca está desacompanhado do na oportunidade, nos exibiu tantos outros. conceito de representação, sen- cópia de petição inicial, que do até a fonte e causa mais im- abrigava uma pretensão jurídi- 1 MANDATO E portante da representação dire- ca, consubstanciada num “Man- REPRESENTAÇÃO ta. E a representação implica dado de Segurança”. Ao tomar O Código Civil Brasileiro con- conhecimento do material, ve- sagra o mandato como um con- te) rificamos que o acadêmico, bem trato de representação. Desta ção de vontade com referência como seu digno patrono, não forma, não se reduz à ordem a uma outra pessoa (represen- haviam atentado para o termo dada para que se faça alguma tado), de modo que a primeira próprio, e constou da peça coisa, mas importa na aceitação só no interesse deste age, mas “Mandato de Segurança”. Nada em cumprir esta mesma ordem. em seu próprio nome. mais vexatório, principalmente Assim, quando, segundo o Explica-se esse aspecto mar- porque, tendo partido de al- conceito aceito, se afirmam que cante da representação no con- guém que tem o dever de não o mandato encerra um poder de trato de mandato porque este errar, errou. Tal erro, ainda que representação, não se pode dei- tem a finalidade de criar obri- compreensível, diante da susce- xar de lado a significação con- gação e regular os interesses 96 que uma pessoa (representanemita uma declara- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo dos contratantes, formando teor do já referenciado artigo por exemplo, nos casos de uma relação interna; todavia, 1.288 do Código Civil Brasilei- comissão. Nesse sentido, diz Be- para que o mandatário possa ro. Disso podemos concluir, viláqua (1957, p. 24), se o comi- cumpri-la, é preciso que o man- com acerto, que o mandato é tente não aparece, autorizando dante lhe outorgue o poder de uma representação convencio- o ato, é que não há mandato, e, representação; se tem ademais nal, em que o representante sim, locação de serviço. interesse em que haja em seu pratica atos que dão origem a Pontes de Miranda contesta nome, o poder de representa- direitos e obrigações que reper- a imprescindibilidade da repre- ção tem projeção exterior, dan- cutem na esfera jurídica do re- sentação no mandato. Para ele, do ao agente, em suas relações presentado. Realmente, o man- o mandato, no direito brasilei- com terceiras pessoas, legitimi- datário, como representante do ro, não só se refere a poder de dade para contratar em nome mandante, fala e age em seu representação; não é limitado a do interessado, com o inerente nome e por conta deste. Logo, negócios jurídicos: há manda- desvio dos efeitos jurídicos para é o mandante que contrai as to para atos jurídicos stricto o patrimônio deste último (Go- obrigações e adquire os direi- sensu e para atos-fatos, e no mes, 1983, p. 378-88). tos como se tivesse tomando tocante a esses não há repre- A representação, também parte pessoalmente no negócio sentação (Miranda, 1963, p. 5). para a jurisprudência, é elemen- jurídico. Possibilita, assim, que Na verdade, o que ocorre é que, to intrínseco do mandato. A 5ª pessoa interessada na realiza- enquanto para uns a represen- Câmara Civil do Tribunal de Jus- ção de certo ato negocial, que tação é um elemento essencial tiça de São Paulo, a 12 de no- não possa ou não saiba praticá- do mandato, para outros, dei- vembro de 1948 (RT. 178/717), lo, o efetue por meio de outra xa de sê-lo. O que se tem por decidiu que não há mandato pessoa. O mandatário, celebra- certo é que, na verdade, pode onde não há representação; se do o contrato de mandato, au- faltar o direito de representação falta esse poder, há locação de torizado estará a representar o no mandato, sem que por isso serviços. Não haveria mandato, mandante na execução do en- o contrato degenere em outro por exemplo, na outorga de po- cargo que lhe foi atribuído (Di- diferente ou não produza ne- der para que o amigo retirasse, niz, 1999, p. 279). nhum efeito. Ordinariamente com as chaves, a correspondên- Mas o conceito de mandato ocorre que o mandatário é o cia; nem para que entregasse o com representação, fundado procurador do mandante, po- dinheiro dos salários aos empre- na disposição legal do Código rém, pode não sê-lo, quando, gados (Miranda, 1963, p. 9). Civil, precisamente no artigo por estipulação ou por sua úni- Ante a explicitação dos pon- 1.288, não é no todo aceito por ca vontade, o mandatário atua tos retro, podemos renovar a todos os doutrinadores. Auto- em nome próprio. definição do contrato de man- res contestam que a represen- Verdadeiramente, no estado dato, como sendo o contrato tação seja característica do atual do direito, a lei presume pelo qual alguém (mandatário mandato, argumentando com que, pelo fato de se celebrar o ou procurador) recebe de ou- algumas hipóteses em que o contrato de mandato, o manda- trem (mandante) poderes para, mandatário age em seu próprio tário fica autorizado a cumprir em seu nome, praticar atos ou nome, num verdadeiro manda- o que lhe foi determinado em administrar interesses. É este o to sem representação, como, representação do mandante, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 97 D ireito Artigo isto com o objetivo de simplifi- Civil Brasileiro, é o instrumento de que o mandato seria um ato car o trabalho do mandatário. do mandato e, também, a pala- unilateral do mandante tomou Nada impede que o manda- vra designativa do mandato melhor acerto quando se fixou tário não se utilize desta facul- (Monteiro, 1985, p. 245), ou que o contrato de mandato se dade e contrate em seu próprio ainda uma declaração de von- ajustaria com validade jurídica, nome, nem que assim o estipu- tade do representado dirigida a ou se aperfeiçoaria como con- lem expressamente o mandan- terceiros. Essa declaração não trato, pela aceitação do manda- te e o mandatário, no próprio se confunde com o mandato, tário (De Plácido e Silva, 1989, contrato ou posteriormente, pois pode existir independen- p. 16-17). quando mandatário executará o temente deste, mas, geralmen- Procurador e mandatário – negócio por conta do mandan- te, o acompanha, como condi- embora, assim, sejam as expres- te, porém, em seu próprio nome ção indispensável a que o man- sões procurador e mandatário e então, terminada a gestão, datário possa agir em nome do empregadas indistintamente, deverá transferir ao mandante mandante. há, em verdade, visível distinção os créditos e as obrigações ad- A confusão entre os concei- técnica entre os seus sentidos: o quiridas e contraídas, dos quais tos decorre do direito positivo mandatário traz significação o mandante será o responsável. francês. Nesse sentido, eis a mais ampla. É indicativo de toda Em conseqüência, a repre- lição do insigne De Plácido e pessoa que está autorizada a sentação é simplesmente um Silva: “O Código Civil Francês, no fazer ou a praticar um ato jurí- elemento da natureza do man- entanto, confunde mandato e dico ou um negócio em nome e dato, quer dizer, algo que, não procuração”. Por esta razão Tro- por conta de outrem, seja de- lhe sendo essencial, se compre- plong anota que é no sentido corrente de uma autorização ende pertencer-lhe, sem neces- restrito que emprega a expres- tácita. sidade de uma declaração espe- são: – como procuração – ato O procurador, a rigor, é de- cial, que, porém, pela mesma unilateral que não terá exis- terminativo da pessoa que se razão, pode-se suprimir medi- tência sem a aceitação do man- constituiu em mandatário por ante uma estipulação em contrá- datário, quando o mandato im- ordem escrita ou foi autorizada rio. por porta na existência do contrato a agir por conta e em nome de regra geral, se entenda que o que deste ato se formou. Foi o outrem por meio de uma escri- mandatário tem naturalmente a mestre, no entanto, de excessivo tura ou documento. faculdade de representar o man- rigor na assertiva. Embora o Desta forma, todo procura- dante, mesmo assim pode não Código Francês se utilize das dor é um mandatário. Mas, nem ser o mandato representativo. expressões mandato e procu- todo o mandatário apresenta ração como sinônimos ou vocá- qualidade ou condição de pro- 2 MANDATO E bulos de sentido equivalentes, curador. Na figura do procura- PROCURAÇÃO: DISTINÇÃO não nos proporcionando no tex- dor, há o pressuposto de uma to uma definição perfeita, corri- procuração dada e passada ge a deficiência, quando institui pelo mandante, o que pode A procuração, na forma que “o contrato somente se for- não existir acerca de certos como consta na segunda parte ma pela aceitação do mandato”. mandatários, conforme já ficou do artigo 1288, do Código Assim, a primeira impressão, explicitado anteriormente, onde Ainda quando, O mandato não se confunde com a procuração. 98 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo se procurou fazer a distinção em esta qualificação, é concorde a sa, nem requer seja simultânea função da essencialidade entre doutrina brasileira, sem se aper- da outorga da procuração. mandato e representação. ceber voz discordante. Porém, Com efeito, em regra a acei- não se faz alusão ao fato de tação é tácita e se mostra atra- 3 CARACTERES DO MANDATO que tal característica decorre vés de início de execução por O mandato é contrato em basicamente do mandato repre- parte do mandatário. Por con- que predomina soberanamente sentativo, portanto da represen- seguinte, é necessariamente a mútua confiança dos contra- tação. posterior ao momento da assi- tantes. É intuitu personae, ce- É exatamente o poder de natura da procuração, onde ha- lebrando-se especialmente em representação que enseja a exe- bitualmente a anuência do pro- consideração ao mandatário, e cução por conta e em nome do curador não figura. traduzindo, mais que qualquer mandante dos atos jurídicos ti- A Lei presume a aceitação do outra figura jurídica, uma ex- pificadores de outros contratos, mandatário ausente quando o pressão fiduciária, já que o seu ou negócios jurídicos, ou atos negócio, para que foi dada a pressuposto fundamental é a jurídicos strictu sensu. procuração, é da profissão do confiança que o gera. O elemen- O mandato, ainda, geralmen- mesmo, e também quando o to subjetivo da confiança gover- te, é contrato consensual, pois serviço para que se conferiram na o comportamento do manda- que se perfaz pelo só acordo de poderes foi anunciado pelo ou- tário desde a formação do con- vontades. Por conseguinte, des- torgado. Em qualquer dessas trato até a sua extinção. É por necessária a prática de qualquer hipóteses, para ilidir a presun- essa razão que é somente a ato do mandante para o contra- ção legal, o nomeado deverá alguém em que se confia que to se tornar perfeito e acabado. cientificar imediatamente o se concedem poderes para a Basta o simples consentimento mandante de sua recusa (Rodri- prática de negócios jurídicos das partes, sendo, por isso, sim- gues, p. 306). ou administração de negócios plesmente consensual. O man- (Gomes, 1983, p. 389-90). dato Diante dos aspectos até aqui comporta traçados, podemos concluir que O caráter da pessoalidade todas as formas de emissão da a função que o contrato desem- predomina em todos os siste- vontade, seja verbal, escrita, penha é, portanto, a de um ser- mas jurídicos. por instrumento público ou par- viço que o mandatário presta ao ticular. mandante, fazendo por ele o O mandato é um contrato preparatório; habilita o manda- Aliás, a natureza do manda- tário a praticar certos atos jurí- to, porém, é sempre reconheci- dicos que não estão contidos da como consensual – desde o nele. No mandato para vender, direito romano, pois quem re- para pleitear, para representar cebe o encargo gratuito de Geralmente o mandato é con- o herdeiro, os atos da venda, da exercê-lo em favor de terceiro fundido com outras relações demanda, do inventário não aceita tal encargo. convencionais, principalmente negócio, de que lhe foi dado o encargo. 4 DISTINÇÃO estão contidos no mandato, Saliente-se que, para que o são-lhe externos. O mandato negócio se aperfeiçoe, indispen- confere poderes para executá- sável se faz a aceitação. Mas tal As confusões com a locação los (Beviláqua, 1957, p. 25), com aceitação não precisa ser expres- de serviços devem-se à exis- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 com a locação de serviços, a comissão e o depósito. 99 D ireito Artigo tência de vários elementos pro- unilateralidade, ou a gratuida- míscuos ou comuns. Longo de- de. Quem exige limpar-se a bate se estabeleceu, de fato, na vala, ou desviar-se o rio, não Já vimos os traços caracterís- doutrina francesa e italiana so- manda: é locatário de serviços, ticos do mandato, e tivemos a bre a natureza jurídica do con- ou de obra: quem exige que al- oportunidade de observar que trato. A controvérsia nasceu, guém assine, pelo outorgante, entre este e outros contratos, como adverte Cunha Gonçalves, o documento ou interpele, ou há dessemelhança. É que o tra- do errôneo conceito, oriundo do intime a outrem, manda: quem ço marcante do mandato é o direito romano de que o man- exige que outrem adquira a próprio substrato do contrato, dato deve ser sempre gratuito posse para quem exige, ou que não se confunde com a pro- (Monteiro, 1985, p. 247-248). abandone a posse que é de curação em si, isto porque o No direito romano, aqueles quem exige, manda. É contra- mandato compreende modali- que exerciam profissões liberais ente de serviços quem exige dades classificáveis onde de- eram considerados mandatári- que outrem especifique ou pro- vem ser atendidos ou observa- os. Modernamente, prossegue cure tesouro, ou escreva cartas; dos alguns critérios. o debate. Para uns, eles continu- porém o mandatário pode ir até Na preleção de Orlando Go- am sendo mandatários; para ou- aí. Não a representação (Miran- mes (1999), a classificação das tros, as profissões liberais, dada da, 1963, p. 5). espécies de mandato deve ter 5 ESPÉCIES a nobreza de que se acham im- Dessa forma, para se distin- em mira o contrato e não a pro- pregnadas, como res inestima- guir, convenientemente, os dois curação. Nesse sentido, classi- bilis, estão fora do comércio e contratos (mandato e locação fica o autor as espécies de man- não são suscetíveis de contra- de serviços), necessário é aten- dato, obedecida uma ordem de tos; para outros mais, haveria tar para os seguintes aspectos: critérios, a saber: a) quanto às contrato, que seria inominado; na idéia de representação, é relações entre as partes; b) finalmente, para outros, ain- fundamental que exista no pri- quanto ao modo de celebração da, na atividade desenvolvida meiro, para ficar bem claro que da vontade; c) quanto à forma; por profis- o mandatário representa o man- d) quanto ao conteúdo; e) quan- sionais haveria simples loca- dante. Por outro lado, tal não to ao fim. ção de serviços. ocorre na locação de serviços, Na verdade, é de subenten- Mas, de modo nenhum, se- pois não há falar aqui a idéia da der-se que a peculiaridade que gundo a doutrina de Pontes de representação, o que vale dizer existe no contrato de mandato Miranda, no direito brasileiro, a que neste caso o locador se li- reside no objeto, ou seja, na gratuidade serve a distinguir mita a executar o ato advindo extensão dos atos que devem mandato e locação de serviços de suas aptidões ou habilida- ser praticados pelo mandatário ou locação de obra. Se bem que des. De tudo, observa-se que, em nome do mandante. A clas- não aprofundado pelos juristas, entre um e outro, o aspecto sificação supra aludida é abran- é esse o ponto principal da clas- marcante reside na idéia da re- gente nos diversos aspectos do sificação dos contratos. A natu- presentação, sendo este o fator contrato de mandato. Há auto- reza do ato que se exige de al- que predomina entre as duas res que são mais sucintos, e dão guém é que distingue mandato modalidades de contratos aqui uma classificação de espécie de e locação de serviços, não a aludidas. mandato, menos abrangente. É 100 esses j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo o que ocorre, por exemplo, com tensão, e não pode ser estendi- mente, a realidade social, econô- Fran Martins (1993), quando diz do a outros, ainda que da mes- mica e jurídica era outra, e não que o mandato pode ser “geral” ma natureza. permite, no todo, uma compara- ou “especial”. O mandato geral seria aquele conferido ao man- ção com os dias de hoje. CONCLUSÃO De uma forma ou de outra, datário, para que este realizas- Constaram do presente traba- procurou-se destacar alguns se todos os negócios do man- lho alguns aspectos pertinentes aspectos mais marcantes acer- dante, o que vale dizer que nes- ao contrato de mandato, todavia, ca do contrato de mandato que, se diapasão o mandatário teria outros ainda restaram sem ser carecendo de alguns reparos, a outorga indiscriminada e ili- comentados com maior profun- persiste em pleno vigor e, diga- mitada, sendo seu campo de didade, como é o caso de temas se, atendendo às necessidades ação amplo e irrestrito, de onde tais como “das obrigações do de mandatário e mandante. se depreende que estaria capa- mandatário”; “das obrigações do Repita-se, outros aspectos citado a representar o mandan- mandante”; “da extinção do restaram por não ser comenta- te em qualquer lugar ou circuns- mandato”, além de outros. dos, como por exemplo a natu- tância onde haja interesse de O tema é extenso e merece reza do contrato, elementos um estudo mais acurado, a fim essenciais, obrigações dos con- No mandato especial, o mes- de que seja melhor compreendi- tratantes, modos de revogação, mo não ocorreria, eis que o do, mesmo porque nem sempre representação aparente e, prin- mandatário estaria submetido a as posições doutrinárias e juris- cipalmente, alguns aspectos al- limites no campo de ação e, ul- prudenciais, hoje, são conver- terando as disposições do tema, trapassado este, estaria exorbi- gentes, e isto é devido ao fato conforme constam do Novo tando suas funções, nascendo de que as disposições legais, Código Civil. deveres para o mandante e, contidas no direito material, eventualmente, terceiros envol- datam de 1916, época do apare- vidos, acarretando, inclusive, cimento do atual Código Civil possíveis indenizações. É que Brasileiro, tempo em que o legis- no mandato especial o mandan- lador pátrio de então tinha ou- te discrimina os atos de sua pre- tra concepção, até porque, real- direitos deste. R BIBLIOGRAFIA BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil comentado. 5º V., 10. ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1957. MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 3. ed. Rio de Janeiro: Universitária/ Forense, 1993. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, dos contratos. 3. ed. V. III. São Paulo: Max Limonad. DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Direito das Obrigações. Tomo XLIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. SILVA, De Plácido e. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro: Forense, 1989. GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações. 20. ed. 2ª Parte, 5º V. São Paulo: Saraiva, 1985. __________. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 101 D ireito Artigo O litisconsórcio nas ações coletivas para defesa dos direitos individuais homogêneos, diante das relações de consumo Ivone Cristina de Souza João Professora Titular de Direito Processual Civil do IMES e da Faculdade de Direito de SBC. Mestre em Direito Processual Civil e Direitos Difusos e Coletivos. Doutoranda em Direitos Difusos e Coletivos. R e s u m o A b s t r a c t O trabalho tem a finalidade de analisar a aplicação da figura processual do litisconsórcio, considerando a própria legislação, e de fazer ponderações a respeito de sua acomodação e adequação ao subsistema processual civil coletivo, especialmente para utilização dos direitos individuais homogêneos, bem como para uma possível utilização subsidiária do Código de Processo Civil. The work has the purpose of analysing the application of the lawsuit figure of the litisconsorte, pondering the own legislation, and make considerations regarding its adjustment and adequacy to the collective subsystem of civil lawsuit, especially for the utilisation of the homogeneous individual rights, as well as for a possible subsidiary use of the Code of Civil Lawsuit. Será, pois, mais uma forma de demonstrar a necessidade de escrever sobre o tema que surge diante desta nova bipartição do processo civil em individual e coletivo. 102 This is, therefore, a form of demonstrating the need to write on the theme that appears due to this new bipartition of the civil lawsuit in individual and in collective. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo O presente trabalho tem a básicas serão feitas (conceitos, cessual: ativo, passivo ou mis- finalidade de analisar a aplica- espécies) justamente para to; quanto ao regime de trata- ção do litisconsórcio, conside- podermos constatar o modo de mento dos litisconsortes: unitá- rando a própria legislação, quer utilização no sistema proces- rio ou simples. dizer, avaliaremos todos os arti- sual coletivo. O litisconsórcio inicial (ou gos (CDC e LACP) que tiverem Será, pois, mais uma forma de originário), como o nome diz, é alguma relação com esta figura demonstrar a necessidade de es- aquele que se forma no início processual, e passaremos a fazer crever sobre o tema que surge da constituição da relação pro- ponderações a respeito de sua diante desta bipartição do cessual, quer dizer, coincide acomodação e adequação ao processo e com o momento da propositu- subsistema processual civil coletivo. Se não fosse assim, como ra da ação; já o ulterior (ou su- coletivo, especialmente para dito, o tema estaria exaurido. cessivo) se forma com a ação já em individual proposta, em andamento. utilização dos direitos indivi- Nelson Nery define litiscon- duais homogêneos, bem como sórcio como “a possibilidade que O litisconsórcio será neces- para uma possível utilização existe de mais de um litigante sário quando for indispensável subsidiária do Código de figurar em um ou em ambos os a presença de partes plúrimas, Processo Civil. pólos da relação processual. Ca- por exigência legal; será facul- Antes porém de explorar o racteriza a pluralidade subjetiva tativo quando esta necessidade assunto faz-se necessário escla- da lide. Quando ocorre o não existir. recer que embora a Lei da Ação litisconsórcio, há cumulação sub- O litisconsórcio será ativo, Civil Pública não se refira aos jetiva de ações” (Nery Jr. e An- conforme haja pluralidade de direitos individuais homogê- drade Nery, 1997, p. 324). autores; passivo, conforme haja neos, mas tão somente aos Cândido Rangel Dinamarco pluralidade de réus; será mis- difusos e coletivos, as regras diz ser “a pluralização das par- to, conforme a pluralidade ocor- sugeridas neste trabalho devem tes no processo mediante a reu- ra tanto no pólo ativo, como também a ela ser aplicadas, nião de dois ou mais sujeitos passivo, concomitantemente. naquilo que se puder aprovei- em um ou em ambos os pólos E, finalmente, o litisconsór- tar, já que a Lei da Ação Civil da relação jurídica processual, cio será unitário, conforme haja Pública dispõe de normas que ou mediante a pluralização des- dependência tal quanto aos completam as normas proces- ses mesmos pólos.” E, ainda, litigantes que a decisão obrigue suais do Código de Defesa do simplificando, “a situação que a todos, de forma que os atos e Consumidor, sendo sugerida existe entre duas ou mais omissões de um beneficiam e pelas próprias leis (7347/85 e pessoas quando são autores prejudicam os demais litiscon- 8078/90) a total integração ou réus no mesmo processo” sortes; será simples quando não entre elas. (Dinamarco, 1997, p.19 e 32). exista esta relação de depen- Não temos a pretensão de Quanto ao momento de sua dência entre os co-litigantes, esmiuçar esta figura processu- formação, o litisconsórcio pode sendo que a decisão não os al, já que inúmeras obras prati- ser: inicial ou ulterior; quanto à afetará de forma equânime, de camente esgotaram o assunto, obrigatoriedade de sua forma- forma que os atos e omissões embora polêmico e intrincado. ção: necessário ou facultativo; de cada um são em princípio Porém, algumas considerações quanto ao pólo da relação pro- indiferentes para os demais. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 103 D ireito Artigo Feitas as primeiras emana- dade simultânea de outro le- litisconsórcio entre os co-legi- ções, vamos visitar em toda a gitimado, ou seja, inexiste timados. As regras do CPC (arts. extensão o CDC e verificar em necessidade de atividade 46 e segts.) poderão ser apro- que momento o legislador utili- paralela de qualquer um dos veitadas, conforme autorização zou a expressão ou onde pode- outros legitimados. Concor- do próprio CDC, porém é preci- mos enquadrá-la. A primeira rente significa que a ativida- so avaliar se se coadunam com observação que se faz necessá- de de qualquer um desses o sistema; naquilo que o contra- ria é em relação ao artigo 82 legitimados se dirige ou ten- riarem há de se estabelecer do Estatuto. Este artigo estabe- de para uma mesma e co- novas regras, que se conformem lece legitimação concorrente ao mum finalidade, e que, por com a principiologia do Código Ministério Público (I), à União, isso mesmo, pode autono- de Defesa do Consumidor. aos Estados, aos Municípios e mamente ser desempenhada Nelson Nery diz que “o even- ao Distrito Federal (II), às enti- por qualquer um dos legiti- tual litisconsórcio que se formar dades e órgãos da administra- mados” (Arruda Alvim et al., entre eles será facultativo e obe- ção pública direta ou indireta, 1991, p.382). decerá ao regime desse tipo de ainda que sem personalidade “A legitimidade se diz con- cumulação subjetiva de ações, jurídica (III), e às associações corrente porquanto todas as de acordo com as regras do legalmente constituídas (IV) entidades são simultânea e CPC” (Nery Jr., Revista de Pro- para propositura de ações cole- independentemente legiti- cesso, v. 61, p.29). tivas (em defesa de direitos di- madas para agir, isto é, a le- Genacéia da S. Alberton es- fusos, coletivos e individuais gitimidade de uma delas não clarece que “falta, na legislação homogêneos) em prol dos con- exclui a de outra. Concorren- nacional, previsão sobre o mo- sumidores. Isso nos leva a con- te, aqui, significa não-exclu- mento consumativo da interven- cluir que caso dois ou mais co- siva de uma só entidade. ção do legitimado para a cau- legitimados litiguem em conjun- Também é chamada disjun- sa, devendo permanecer no to, formar-se-á um litisconsór- tiva no sentido de não ser âmbito da doutrina e jurispru- cio ativo. Este litisconsórcio ati- complexa, visto que qual- dência a solução. Quanto à vo, por óbvio, será facultativo, quer uma das entidades co- assistência litisconsorcial não já que a lei não determina que legitimadas poderá propor, há qualquer alteração prevista. os co-legitimados ingressem sozinha, a ação coletiva sem Ou ampliam-se as hipóteses de necessariamente juntos com a necessidade de formação de litisconsórcio, simplesmente se ação coletiva; ao contrário, essa litisconsórcio ou de autoriza- veda a assistência ou silencia-se legitimação é concorrente e ção por parte dos demais co- acerca da assistência litiscon- disjuntiva, o que significa dizer legitimados. É facultada, en- sorcial. Impõe-se, assim, indicar que cada um pode sozinho in- tretanto, a formação volun- uma proposta de alteração” (Al- gressar com a ação. tária de litisconsórcio”. (Gidi, berton, 1994, p. 124). Quanto ao momento de for- “A legitimação concorrente 1985, p.37-38). significa que qualquer um Resta saber qual o regime a mação deste litisconsórcio, o dos legitimados “ex lege” ser observado, já que num pri- assunto na doutrina não é pací- pode agir processualmente, meiro momento a Lei 8.078/90 fico. O Prof. Nelson Nery enten- independentemente da ativi- é omissa quanto à formação do de que a eventual formação de 104 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo litisconsórcio entre os co-legi- litisconsórcio facultativo entre MP, daí entenderem não se tra- timados deve ocorrer no mo- os Ministérios Públicos da tar de um problema de litiscon- mento do ajuizamento da ação, União, do Distrito Federal e dos sórcio e sim de representação, sob pena de se ferir o princípio Estados, na defesa dos interes- concluindo não haver nenhum do ses e direitos de que cuida este impedimento para que os código”. Ministérios Públicos Federal e juiz natural. O autor afirma que o ajuizamento de ações secundárias ou a de- Aqui, podemos notar que o Estadual se litisconsorciem terminação pelo juiz de reuniões legislador efetivamente utilizou para a propositura de ações de ações são formas “atípicas e a palavra litisconsórcio. coletivas. litiscon- Embora tenha sido vetado, Já os autores José Antonio sórcio ulterior”. Significa dizer esse parágrafo na verdade per- Lisboa Neiva e Vladimir Passos que, para este autor, o litiscon- manece em sua íntegra, já que de Freitas entendem não exis- sórcio, tanto ativo como passivo, o art. 113 do CDC acrescentou tir esta possibilidade, devendo sendo facultativo não deve ser ao art. 5º da LACP o § 5º, que os Ministérios Públicos Federal formado após o ajuizamento da repete seu exato teor: “Admitir- e Estadual atuarem cada um ação, respeitadas somente as se-á o litisconsórcio facultativo em sua esfera. (Nery Jr., 1992, formas previstas na lei (denun- entre os Ministérios Públicos da p.209; Watanabe, 1997, p. ciação da lide, chamamento ao União, do Distrito Federal e dos 644). processo, conexão) (Nery Jr. e Estados na defesa dos interes- A jurisprudência também Andrade Nery, 1997, p.324). ses e direitos de que cuida esta não é pacífica. Hoje, porém, já lei”. podemos perceber um equilí- impróprias de Já o professor Cândido brio nas decisões. Rangel Dinamarco manifesta-se Considerando a interação de maneira distinta. Entende entre o Código de Defesa do De nossa parte, entendemos que, no caso de co-legitimados, Consumidor e a Lei da Ação Ci- ser perfeitamente possível o que possam agir isoladamente vil Pública, o § 5º acrescido ao litisconsórcio, já que, como dis- ou em conjunto, ocorrendo o artigo 5º da Lei é perfeitamen- semos, há perfeita interação ingresso posterior à instauração te aplicável à tutela dos consu- (conforme regras dos arts. 90, do processo de algum ou alguns midores. 110 e 117 do Código de Defe- deles “configurará autêntico A razão do veto presidencial sa do Consumidor) com a Lei de litisconsórcio e não assistência foi a de que somente poderia Ação Civil Pública e o § 5º, litisconsorcial”; é o que o autor haver litisconsórcio entre os acrescentado ao art. 5º pelo art. chama de “intervenção litiscon- Ministérios Públicos se a todos e 113 do CDC, que prevê esta sorcial voluntária” (Dinamarco, a cada um deles tocasse a quali- possibilidade. 1997, p. 32 e 54). dade que autorizasse a condu- Além disso, a instituição do Por agora, daremos prosse- ção autônoma do processo. E o Ministério Público é una, com guimento a nossas observações artigo 128 da CF não admitiria o funções bem definidas pela e, por oportuno, retomaremos referido litisconsórcio. Constituição Federal. A divisão Kazuo Watanabe e Nelson que se faz é tão somente para O parágrafo 2º, do artigo Nery consideram que o artigo facilitar o trabalho do órgão. No 82, que foi vetado, tinha a se- não foi vetado visando ao litis- entanto, a atividade de um sem- guinte redação: “Admitir-se-á o consórcio e sim à instituição do pre corresponderá à atividade o assunto. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 105 D ireito Artigo de todos, sendo que o Ministé- O artigo 91 atribui legitimi- Lei 7347, consideramos que, rio Público estadual pode plei- dade aos co-legitimados do art. dada a integração que há entre tear na esfera federal e vice-versa, 82 para propor ação no interes- o CDC e a Lei da Ação Civil Pú- inexistindo inaplicabilidade se das vítimas; da mesma for- blica, da decisão obtida por um em ma, o litisconsórcio que even- aplicação dos parágrafos. relação a toda a instituição. tualmente se formar entre eles Daí a possibilidade do litis- será facultativo. permanece a Assim, vejamos o que de interesse para o nosso assunto podemos encontrar nestes consórcio ativo facultativo para Aqui vemos o típico caso de a defesa dos direitos indivi- substituição processual, onde duais homogêneos, entre os os co-legitimados têm autori- O § 2º do Art. 5º da LACP diferentes Ministérios Públicos, zação legal para, em nome estabelece a faculdade do Po- sejam eles da esfera estadual próprio, pleitear em nome e no der Público e de outras associa- ou federal. interesse das vítimas. ções legitimadas habilitarem-se parágrafos. Pelo teor do artigo, a forma- Vemos, portanto, que o litis- como litisconsortes de qualquer ção deste litisconsórcio deverá consórcio ativo entre os co-le- das partes (“Fica facultado ao ser inicial; no entanto, não ve- gitimados para a defesa dos di- Poder Público e a outras associ- mos impedimento para que, reitos individuais homogêneos ações legitimadas nos termos após o ajuizamento da ação, é possível, num primeiro mo- deste artigo habilitar-se como haja este ingresso. Sobre o as- mento, já que não há proibição litisconsortes de qualquer das sunto falaremos logo à frente. expressa; ao contrário, como já partes”). Continuando a falar do litis- vimos, a legitimidade é concor- Ora, considerando-se a inte- consórcio, ingressando no Títu- rente e disjuntiva e, podendo a ração que existe entre os lo III que trata Da Defesa do ação ser proposta por qualquer diplomas, acabamos de encon- Consumidor em Juízo, vamos um, nada impede que mais de trar uma regra que estabelece encontrar um capítulo (II) que um ocupe o pólo ativo da re- o litisconsórcio entre os aborda as ações coletivas para lação. Quanto ao momento da co-legitimados do art. 82 do a defesa dos interesses indivi- formação deste litisconsórcio CDC. Além disso, entendemos duais homogêneos. falaremos a seguir. que esta intervenção dos co-legi- É nesse capítulo que vamos O § único do artigo 92, que timados, em um dos pólos da encontrar as class action for foi vetado, rezava: “aplica-se à relação, poderá ocorrer com damages (ações civis de ação prevista no artigo anterior referência a todos os co-legiti- responsabilidade por danos o art. 5º, §§ 2º a 6º, da Lei nº mados e não somente pelo sofridos por uma coletividade 7.347, de 24 de julho de 1985”. Poder Público e pelas associações. de indivíduos). Aqui vai ocorrer A razão do veto foi justamen- Pensamos também que a regra, necessariamente a intervenção te a remissão que fazia aos pa- embora se situe no capítulo das do Ministério Público como fis- rágrafos do art. 5º da Lei da ações coletivas para defesa dos cal, caso não seja autor da ação Ação Civil Pública. No entanto, direitos individuais homogêneos, (art. 92); e, ainda, a ampla di- considerando o artigo 90 do deva ser aplicada a todas as vulgação da demanda para in- CDC, que determina que se apli- ações coletivas estabelecidas no tervenção quem às ações previstas neste Código. dos sados (art. 94). 106 interes- título as normas do CPC e da A problemática, no entanto, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo não se estabelece neste ponto rá no ingresso em juízo da ação regras constantes no Código de e sim no próprio termo utiliza- coletiva e será facultativo unitá- Processo Civil. Isto porque, se do pelo legislador. Observe-se rio ou então refletir-se-á na fi- formos efetivamente considerar que o parágrafo estabelece que gura assistência as regras estabelecidas pelo aqueles co-legitimados poderão litisconsorcial, por entender que Código de Processo Civil e res- (faculdade) habilitar-se como nosso sistema processual não pectivas interpretações doutri- litisconsortes de qualquer das admite o litisconsórcio facul- nárias, jamais obteremos um partes. tativo superveniente (Fiorillo, enquadramento, um ajuste per- Abelha Rodrigues e Andrade feito. Temos aqui duas questões que parecem gerar um conflito da Nery, 1996, p.120). De nossa parte, pensamos maior. A primeira delas fixa- Com o professor Cândido que o legislador pretendeu fa- se na possibilidade de forma- Rangel Dinamarco podemos cilitar ao máximo a propositura ção de litisconsórcio faculta- citar os autores Rodolfo de da ação coletiva e, com isto, tivo ulterior, já que a redação Camargo Mancuso – que enten- permitiu que os co-legitimados do artigo não é clara sobre o de poder este litisconsórcio ser pleiteassem sozinhos ou em momento desta formação litis- inicial ou ulterior; caso seja ini- conjunto, podendo ocorrer a consorcial; a segunda estabele- cial será sempre facultativo e formação com a propositura da ce-se na terminologia utilizada comum; sendo ulterior, “decor- ação ou posteriormente. Por pelo legislador ao concluir o rente do ingresso de um co-legi- óbvio que se o litisconsórcio se parágrafo com a expressão: timado que ingressa na ação formar no início da relação te- ‘qualquer das partes’. Vejamos já proposta e formula pedido remos um litisconsórcio ativo a opinião de alguns autores. próprio, mas que guarda afini- facultativo e unitário entre os Inicialmente em relação ao ‘litis- dade com a pretensão original”, co-legitimados, já que não po- consórcio facultativo ulterior’: então, de acordo com o autor, demos imaginar uma decisão Em relação ao professor ocorrerá uma verdadeira “inter- diferente para cada um dos co- Nelson Nery, já vimos que não venção litisconsorcial voluntá- legitimados, que, esperamos, aceita a formação do litisconsór- ria” (Mancuso, 1992, p.136) – e estejam agindo todos em uma cio facultativo após o início da Hugo Nigro Mazzilli, para o qual mesma direção, qual seja, o in- ação, ao menos de forma irre- “cabe verificar se se deve aditar teresse das vítimas. Caso o li- gular quando autorizado pela a inicial ou não; no primeiro tisconsórcio se forme posterior- lei (Nery Jr. e Andrade Nery, caso tratar-se-á de litisconsór- mente, concordamos em parte 1997, p. 324). cio ulterior e, no segundo, quer com o professor Mazzilli, quan- Já o professor Cândido R. dizer, se o pedido continua o do diz que se ocorrer o adita- Dinamarco pensa ser perfeita- mesmo, cuidar-se-á de assis- mento da inicial caracteriza-se mente possível este litisconsór- tência litisconsorcial” (Mazzi- um litisconsórcio ulterior e, em cio facultativo posterior (Dina- lli, 1991, p. 81). não havendo este aditamento, Diante dessas opiniões, po- entendemos que o co-legitima- O professor Celso A. P. Fiori- demos constatar o quanto é di- do ou os co-legitimados devam llo, acompanhando o professor fícil emoldurar as questões habilitar-se também como litis- Nelson Nery, entende que a for- suscitadas pelas normas do pro- consortes ulteriores, desde que mação do litisconsórcio ocorre- cesso civil coletivo diante das o façam dentro do prazo esta- marco, 1997, p. 54). j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 107 D ireito Artigo Observe-se ainda que este uma ação coletiva em defesa Veremos a seguir que tratan- litisconsórcio ulterior seria uma das vítimas e uma associação do-se de direitos individuais modalidade própria deste sub- formada especificamente para homogêneos haverá publicação sistema coletivo. Não discorda- defesa das vítimas de medica- na imprensa oficial de edital mos dos professores Nelson mentos falsos, ao tomar conhe- para conhecimento e ingresso, Nery e Celso Fiorillo quando di- cimento desta causa, através do como litisconsortes, dos inte- zem que nosso sistema proces- edital, se habilitasse como litis- ressados; a lei, no entanto, não sual não aceita o litisconsórcio consorte. Cremos ser direito estabelece prazo para o ingres- facultativo ulterior; no entanto, desta instituição ingressar so. Cremos que este prazo será estamos cuidando de um novo como litisconsorte, ao lado do estabelecido pelo juiz, no pró- processo que, como ficou mui- Ministério Público, para se em- prio edital, nos moldes do to bem frisado por nós, deve penhar ao máximo para a pro- Código de Processo Civil. merecer contornos diferencia- cedência desta ação. Mesmo Nossa posição é, portanto, a dos. Pensamos, assim, que o porque, caso a Associação in- de que os co-legitimados apro- legislador atribuiu legitimidade gressasse posteriormente com veitem o prazo estabelecido no a determinadas pessoas jurídi- uma ação coletiva, baseando-se edital pelo juiz para o ingresso cas e entidades por considerar na mesma causa de pedir, já dos interessados (vítimas e suces- que estas pessoas possuem um teríamos configurada a conexão sores – art. 94, CDC) e se habili- “plus” de confiança que os pró- que levaria à reunião das duas tem neste prazo; além disto, em prios consumidores interessa- ações. nosso entendimento, a habilita- dos, num primeiro momento, Essa deve ter sido a intenção ção dos interessados deve ocor- não possuem, já que a lei não do legislador quando se referiu rer antes da citação do réu, o permite que os mesmos propo- à habilitação dos co- legitimados que não causaria nenhum pre- nham ação coletiva. Significa, como “litisconsortes”. juízo a sua defesa. em nosso entendimento, que já É certo que caso esta habili- Isto porque, o Código de que existe esta confiança, tam- tação não ocorra dentro do pra- Defesa do Consumidor não bém em relação à habilitação zo estabelecido pelo juiz no define se o juiz determinará a posterior ela deve existir. E esta edital o co-legitimado, que in- citação do réu desde logo ou credibilidade fica mais clara ain- gressará como litisconsorte, se aguardará a habilitação dos da com o parágrafo seguinte, não mais deverá ter a oportuni- interessados. Não define tam- que determina a assunção, pelo dade de aditamento da inicial. bém o prazo para esta habili- Ministério Público ou outro le- Na prática, porém, ingres- tação. Pensamos que o juiz, an- gitimado da titularidade da sando como litisconsorte ou tes de determinar a citação, ação, na hipótese de desistên- como assistente litisconsorcial, deve aguardar a habilitação dos cia (§ 3º, art. 5º, da Lei 7.347/ não haverá diferença, já que o interessados, que deve ocorrer 85). regime do assistente litiscon- belecido pelo juiz no edital. dentro de um prazo razoável, Podemos imaginar, por sorcial é praticamente o mesmo por ele estabelecido, a fim de exemplo, neste caso recente do litisconsórcio unitário, quer que o das vítimas da pílula anticon- dizer, o assistente litisconsor- prejuízo para nenhuma das cepcional Microvlar, que o Mi- cial será necessariamente atin- partes. nistério Público propusesse gido pela coisa julgada e isto é 108 não ocorra j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo o que basta para colocá-lo na re-se ao pólo passivo da ação; to, aliás, não passou desperce- posição de parte; no entanto, o legislador disse que esta ha- bido à doutrina. Ada P. Grino- como não existe na doutrina bilitação pode ocorrer em rela- ver anotou: ‘Talvez não sejam posição unânime a respeito das ção a qualquer das partes. freqüentes as oportunidades duas figuras, quer dizer, nem Poucos são os autores que se em que os interesses instituci- todos aceitam que o assistente manifestam sobre esta legitimi- onais dos corpos intermediári- litisconsorcial possa ter direito dade passiva. os coincidam com os do réu. aos mesmos atos dos litiscon- O professor Celso A. Pache- Mas não se podem excluir, a sortes, então pensamos ser co Fiorillo afirma que a regra priori, ações intentadas não a melhor que os co-legitimados geral estabelecida na jurisdição favor, mas sim contra o interes- ingressem como litisconsortes, civil coletiva é a de que, desde se coletivo” (Mancuso, 1992, para se evitar entendimentos que não exista nenhum impe- p.137). dúbios. Mas, para evitar o pre- dimento constitucional em re- O professor Arruda Alvim juízo da parte contrária, tam- lação a cada uma das ações co- apresenta outra posição; pensa bém há que se estabelecer um letivas, poderá figurar no pólo ser inviável, pelo sistema do prazo para este ingresso e, su- passivo dessas ações qualquer Código de Defesa do Consumi- gerimos, assim, que seja feito um (Fiorillo, Abelha Rodrigues dor, que os legitimados do art. até o vencimento do prazo esti- e Andrade Nery, 1996, p. 122). 82 figurem no pólo passivo: “To- pulado no edital, para a habili- A Constituição Federal não dos estes textos autorizam, ex- tação dos interessados (art. 94, proíbe qualquer pessoa de figu- clusivamente, o entendimento CDC), sob pena de, ingressan- rar no pólo passivo das ações de que a do posteriormente, não mais coletivas para defesa dos direi- que se refere o art. 82 é, unica- poderem aditar a inicial. tos individuais homogêneos. mente, uma legitimidade ativa. Diante do conflito, Genacéia Ademais, a regra do parágrafo Ou seja, é legitimidade existen- da Silva Alberton, ao escrever segundo do artigo que estamos te para que sejam propostas sobre a assistência litisconsor- comentando é clara ao estabe- ações coletivas, em prol de con- cial, deixa a seguinte proposta lecer que os co-legitimados po- sumidores, ou dos que a estes de alteração: “Proponho, pois, dem habilitar-se como litiscon- estejam, pelo próprio sistema, que se acrescente ao art. 46 do sortes de qualquer das partes, equiparados, para incidência de Código de Processo Civil um quer dizer, podem figurar tan- determinada parte do regime parágrafo único nos seguintes to no pólo ativo como no passi- jurídico deste estatuto (...). A termos: vo. interpretação dos arts. 81 e 82 legitimidade, a Art. 46, parágrafo único – É O professor Rodolfo de Ca- combinadamente com o art. admitida a intervenção litis- margo Mancuso entende ser 103, em que se disciplinam os consorcial adesiva antes do possível o litisconsórcio com possíveis resultados das ações início da instrução, demons- um dos legitimados no pólo coletivas, conduz a que o Códi- trando o interveniente legiti- passivo da ação: “Não se pode go de Proteção e Defesa do Con- midade para a causa” (Alber- negar a possibilidade de litis- sumidor somente regula a ação, ton, 1994, p. 125). consórcio no pólo passivo (...)”, entendida esta expressão no A segunda problemática em e continua, citando a professo- seu sentido próprio, ou seja, torno deste parágrafo 2º refe- ra Ada Pellegrini: “Esse aspec- agir ativamente contra alguém, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 109 D ireito Artigo que é o sujeito passivo. A ação, fornecedor contra um consumi- a uma coletividade de pessoas v.g., do fornecedor, porque neste dor, esta ação não teria condão indetermináveis e o bem tute- sistema dele não cogita, enquan- de ação coletiva e, neste momen- lado é indivisível em relação aos to autor, rege-se pelo direito pro- to, concordamos com o Prof. Ar- primeiros e, quanto aos direi- cessual comum” (Arruda Alvim ruda Alvim, reger-se-á pelo Có- tos coletivos, da mesma for- et al., 1991, p. 347). digo de Processo Civil. ma, o bem, que é indivisível, Achamos que embora não Concluindo, queremos dizer pertence a um grupo, catego- exista impedimento legal para que, embora o Código não te- ria ou classe de pessoas liga- um legitimado figurar no pólo nha proibido os co-legitimados das entre si por uma relação passivo da ação, esta participa- a figurarem no pólo passivo da jurídica-base. ção no pólo passivo não terá ação, esta proibição nem se fa- Nelson Nery diz que somen- como ocorrer no caso da ação ria necessária, já que pela fina- te nas ações coletivas para a coletiva para defesa dos direi- lidade do Código não haveria defesa de direitos individuais tos individuais homogêneos, cabimento para esta hipótese. homogêneos é que pode haver por uma questão de lógica. Se O artigo 94 do Código de o ingresso do particular, na qua- a ação coletiva para a defesa Defesa do Consumidor estabe- lidade de litisconsorte, porque destes direitos só pode ser pro- lece o ingresso de interessados, o direito discutido é dele tam- posta por um dos co-legitima- como litisconsortes, com a bém. Porém, conforme manifes- dos, como imaginar um outro propositura da ação. Dispõe o tado anteriormente, essa inter- co-legitimado, figurando no artigo: “Proposta a ação, será venção será sempre posterior, pólo passivo da demanda, ao publicado edital no órgão ofici- já que o particular não é parte lado de um fornecedor, por al, a fim de que os interessados legítima para propor a ação exemplo? A lei atribui legitimi- possam intervir no processo (Nery Jr. e Andrade Nery, 1997, dade a eles para defesa dos con- como litisconsortes, sem preju- p. 325). sumidores. Por outro lado, caso ízo de ampla divulgação pelos Por este sistema, portanto, uma ação seja proposta contra meios de comunicação social permite-se a intervenção do um consumidor, esta não será por parte dos órgãos de defesa particular; é o que no ordena- uma ação coletiva, já que, em- do consumidor”. mento norte-americano se cha- bora a relação dos que partici- O primeiro comentário que ma de “the best notice e practi- param de alguma forma para a se nos afigura necessário é que cable under the circunstances”. transmissão daquele produto pensamos ser esta intervenção Mais uma vez, estamos dian- ou daquele serviço seja bem exclusiva das ações coletivas te de uma hipótese de litiscon- extensa para atribuir, num pri- para defesa de direitos indivi- sórcio facultativo ulterior. E, meiro momento, responsabili- duais homogêneos, já que, por como já dito, no ordenamento dade a todos, o consumidor tratar-se de direitos divisíveis e processual clássico, não se está excluído desta lista, en- disponíveis, são perfeitamente admite esta figura. quanto consumidor, nos mol- identificáveis aqueles que pos- des em que foi definido pelo suem estes direitos. Hugo Nigro Mazzilli diz que nas ações coletivas para defesa Código de Defesa do Consumi- No caso de direitos difusos de interesses individuais homo- dor. Ademais, ainda que se pu- e coletivos, o direito não é de gêneos a pessoa, individual- desse imaginar uma ação de um um ou de outro, mas pertence mente considerada, poderá in- 110 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Eduardo Gabriel Saad, acom- al só pode ser usada por quem panhando, ao comentar o arti- realmente tem legitimidade Arruda Alvim, nesta linha, go, diz que “neste código, o para a propositura da ação, observa que a intervenção do edital é usado para o chama- independente dos demais particular mais se aproximaria mento ao processo de eventu- co-legitimados; outros pensam da assistência litisconsorcial, já ais interessados, mas como au- que a intervenção posterior que, segundo o autor, para ser tores litisconsortes” (Saad et al., facultativa caracteriza-se como litisconsórcio deveria haver a 1991, p. 397). um litisconsórcio, propria- tervir como assistente litisconsorcial (Mazzilli, 1991, p.83). possibilidade dos particulares Ada Pellegrini Grinover, da mente dito; e há, ainda, aqueles serem autores da ação coleti- mesma forma, entende que os que criticam o sistema adotado va (Arruda Alvim et al, 1991, particulares ingressam como li- pelo CPC, que deveria ter cuidado p. 427). tisconsortes dos autores e este da hipótese de um legitimado Rodolfo de Camargo Mancu- litisconsórcio é regido pelas dis- ingressar posteriormente como so, de outro lado, diz que o in- posições do CPC, em seus arts. litisconsorte. gresso dos demais consumido- 46 a 49, que tratam do litiscon- Como dissemos, não vamos res na ação formará um litiscon- sórcio. Pensa ainda a autora que voltar a discutir estas questões sórcio facultativo ulterior. Em será um litisconsórcio unitário, tão bem cuidadas por inúme- seqüência expressa: “mais pre- já que a lide será necessaria- ros autores de renome que até cisamente, cremos cuidar-se de mente decidida de modo unifor- hoje não chegaram a um con- intervenção litisconsorcial de me com relação a todos, no que senso. tipo voluntário (hipótese do diz respeito ao dever de inde- Continuando, o segundo art. 54 do CPC, antes lembra- nizar, fixado na sentença con- lado já recai exatamente na do): a sentença irá influir na denatória. Após, conclui, nos temática das relações de con- relação jurídica entre ele e o(s) processos individualizados de sumo; como temos repetido adversário(s) do assistido, e por liquidação o litisconsórcio que exaustivamente, trata-se de um isso sua intervenção é qualifica- eventualmente se formar será o novo processo, com novas ver- da e não simples ou adesiva” comum (Grinover, p. 397). tentes, novos reflexos e, natu- (Mancuso et al., p. 328). Como se vê, estamos diante ralmente, novas soluções que devem ser buscadas. Vladimir Passos de Freitas de uma questão bem intrin- não pensa diferente ao enten- cada. O problema surge de Todos os autores comenta- der que a intervenção possa dois lados; o primeiro já existia dos têm sua opinião, alguns ocorrer por parte de todos que, antes da entrada em vigor do baseando-se já nesta nova rea- de alguma forma, possam ter Código de Defesa do Consumi- lidade, outros considerando as interesse no desfecho da ação dor e se refere à discordância dos regras processuais clássicas, coletiva proposta. Esta interven- autores em relação às figuras do todos, porém, com um posicio- ção, segundo ele, ocorre atra- litisconsórcio e da assistência namento e respectiva funda- vés do litisconsórcio, que nada litisconsorcial. Veremos que há mentação. mais é do que a pluralidade de opiniões divergentes em torno De nossa parte, temos que é partes na relação jurídica pro- destas categorias de interven- praticamente impossível enqua- cessual, sendo sempre facultati- ção. Alguns autores pensam drar esta regra do artigo 94 do vo (Freitas et al., 1991, p. 355). que a assistência litisconsorci- CDC às regras estabelecidas j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 111 D ireito Artigo pelo CPC, ao menos em sua to- possam agir sozinhos, por exis- tabelecido legitimidade ativa ao talidade. Parece que para algu- tir uma origem comum, ocasio- mesmo. Não que ele não a te- mas figuras nele elencadas há nadora desta ameaça ou deste nha, mas a tem como litigante óbices de enquadramento nas dano, a lei faculta uma ação individual ou até em litisconsór- ações coletivas. Os autores coletiva, proposta por um dos cio, com outras vítimas, porém, apontados nos levam a estes legitimados elencados no art. neste caso sim, como litisconsor- óbices. “Não dá para ser litiscon- 82, lei que permite também tes do regime comum, do CPC. sórcio, porque não se pode fa- que estes consumidores e ví- Assim, o ingresso dos con- lar em litisconsórcio facultativo timas ingressem no pólo ati- sumidores e das vítimas interes- ulterior”; “não pode ser assis- vo da demanda ao lado do(s) sadas no pólo ativo da ação co- tência litisconsorcial porque o autor(es) por pertencer a cada letiva para defesa dos direitos particular não tem legitimação um deles o objeto litigioso, de individuais homogêneos, ao autônoma para a ação”; “a es- forma divisível e disponível. lado dos autores legitimados pécie de intervenção litisconsor- Não há nada parecido na lei para a propositura, que pelo cial voluntária não está previs- material e instrumental do sé- teor da lei só pode ser posteri- ta em nosso ordenamento”. culo passado. Como adequar or a ela, levaria à perda de sen- Com isto, acreditamos estar aquelas regras a esta realidade? tido das ações coletivas, se diante de um novo tipo de litis- Há que se estabelecer inter- ocorrido no início da formação consórcio, que até poderia ser pretações sistemáticas para o chamado de intervenção litis- assunto. Se pararmos para re- Há uma série de outras novi- consorcial voluntária ou qual- fletir, veremos que o ingresso dades do sistema que nos con- quer outro nome que se queira do particular como litisconsor- duzem a esta reflexão. Obser- dar, desde que não se preten- te comum, nos moldes do CPC, ve-se, por exemplo, a questão da enquadrá-lo pelas regras do desembocará num verdadeiro da coisa julgada, já menciona- CPC. A lei do consumidor esta- litisconsórcio multitudinário, da. O Código de Processo Civil belece que será publicado edi- que, como dissemos, é justa- estabelece, num primeiro mo- tal para que os interessados mente o que as ações coletivas mento, que somente as partes possam intervir como litiscon- pretendem evitar. Daí a razão serão atingidas pelos efeitos da sortes; muito bem, serão eles de ser de cada uma delas, des- coisa julgada. Daí uma das ra- litisconsortes, mas não os litis- complicar e não complicar mais. zões de ser do litisconsórcio. consortes dos arts. 46 e segts. Se o particular ingressa Mas no sistema processual do CPC; também não serão os como um litisconsorte, quer coletivo é diferente; mesmo assistentes litisconsorciais do dizer, no momento da propo- aqueles que não intervieram no art. 54 daquele Estatuto; serão situra da ação, haverá um feito como ‘litisconsortes’ serão sim os litisconsortes do Código grande tumulto na ação e a beneficiados pelos efeitos da de Defesa do Consumidor com ação coletiva perderá a sua fi- sentença favorável, assim, não as peculiaridades que lhes são nalidade. há necessidade desta interven- da relação processual. ção, por isso ela é facultativa. atinentes, ou seja, serão consu- Se o legislador pretendesse midores ou vítimas que estão que o consumidor lesado pu- Acreditamos que não haja sendo ameaçados ou sofreram desse ingressar na ação como interesse por parte de todos os danos e a quem, muito embora parte autora legítima, teria es- interessados em ingressar no 112 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo feito, já que, como acabamos de mento do feito ocorrer até o fi- ingresso, mesmo como assis- dizer, a coisa julgada benefici- nal do processo. Ademais, em- tentes litisconsorciais, pois isso ará mesmo àqueles que não te- bora a lei do consumidor tenha tumultuaria o andamento do nham intervindo. Mas pode reconhecido este como a parte processo, atingindo a finalida- ocorrer que um número grande mais de da jurisdição coletiva. de consumidores/vítimas pre- relação de consumo, as regras Outro limite que deve ser tenda habilitar-se como litiscon- diferenciadoras já estão estabe- estabelecido se refere ao adita- sorte, levando a um indesejável lecidas, e o princípio do contra- mento da inicial; sugerimos que tumulto. Para que isto não ocor- ditório permanece íntegro, o esta seja uma condição sine qua ra pensamos que alguns limites que significa que o réu deve ter non para o ingresso do particu- devam ser colocados. iguais oportunidades de mani- lar como litisconsorte. Isto por- Por tudo isto, temos que re- festações. Sendo assim, caso que não faz sentido a habilita- gras diferenciadas devem ser fosse viável a habilitação dos ção se não houver este adita- estabelecidas para o ingresso interessados a qualquer mo- mento, já que os benefícios da deste particular na demanda, mento, haveria que se permitir coisa julgada serão estendidos de forma que não tumultue o ao réu a manifestação em a ele sem ter ingressado e so- regular andamento da ação co- todos estes momentos. mente se houver improcedência fraca da Ademais, também não suge- da ação e o particular tiver in- Um limite que consideramos riu a lei se a citação do réu deva gressado é que esta decisão o viável diz respeito ao momento ocorrer antes ou após a publi- atingirá. Desta feita, perde a do ingresso destes interessa- cação deste edital; pensamos razão de ser o ingresso do par- dos. Embora a lei não o estabe- que deva ocorrer posteriormen- ticular sem modificação do pe- leça, achamos por bem que os te a esta publicação, para uma dido inicial. interessados habilitem-se como vez publicado e habilitados os Assim, para concluir, há que litisconsortes no prazo que de- interessados, aí sim realizar-se se estabelecer novos contornos verá ser estabelecido no edital a citação. No entanto, este pra- para esta intervenção do art. 94, pelo juiz, antes da citação do zo não deve ser muito longo para que as ações coletivas não réu. Não é demais lembrar que para não prejudicar todos os percam sua razão suprema de a lei do consumidor não diz envolvidos. Posicionamo-nos existir. expressamente que o juiz deva por 30 (trinta) dias, o que estabelecer um prazo para o inclusive se coaduna com o pra- cumprimento deste edital, mas, zo estabelecido para os interes- obviamente, este prazo deverá sados suspenderem suas ações ser estabelecido, sob pena de individuais (art. 104). letiva. o procrastinamento do anda- R Após, cremos ser inviável o BIBLIOGRAFIA ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Análise de alguns princípios do processo civil à luz do título III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 15, jul/ set. 1995. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 ALBERTON, Genacéia da Silva. Assistência litisconsorcial. Coleção de Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman. Vol. 30. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Anotações sobre as perplexidades e os cominhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao lado da do direito material. Direito do Consumidor. 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R e s u m o A b s t r a c t O escoamento dos produtos fabricados pelas empresas a níveis desejados tem sido uma das maiores dificuldades do sistema capitalista, da sua gênese até os dias atuais. The flow of goods made by businesses to desirable levels has been one of the biggest difficulties of capitalist system since its gênesis up to present days. A propaganda dessa forma encontra grande relevância como sendo um agente facilitador da atividade empresarial, pois divulga o produto, estimula o consumo e aumenta como conseqüência à produção. Para tal, cabe ser lembrada a necessidade de a propaganda estar intrinsecamente vinculada ao produto em uma concepção essencial, porque o “Código de Defesa do Consumidor”, por meio de seu capítulo intitulado “Publicidade Enganosa”, trata com extremo rigor toda e qualquer comunicação feita ao consumidor, seja ela total ou parcialmente falsa. Advertising, this way, finds great relevance as being a facilitator agent of business activities, as it publishes the product, stimulates the consumption and increases the production as well. É, sem dúvida alguma, uma grande evolução da relação de consumo em nosso país, e faz com que as empresas fiquem mais atentas com a veracidade das informações divulgadas por meio de seus mecanismos de propaganda. No doubt that it is a great evolution of the comsuption relation in our country, and makes businesses more aware of the veracity of published information through their adverting mechanisms. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 This way, it is necessary to remind the necessity of advertising, for it is closely related to the product in an essential conception, and because the “Code of Comsumer’s Defense”, through its chapter named “Cheating Publicity”, deals with extreme rigor all and any communication done to the consumer, may it be totally or partially false. 115 D ireito INTRODUÇÃO Artigo da de valor e reserva de valor 1 A PROPAGANDA p.182). O estímulo ao consumo tem ções de consumo nos dias de Assim, as trocas foram ganhan- sido cada vez mais presente e hoje, temos antes que conhe- do espaço e popularidade, sen- utilizável como uma ferramen- cer alguns aspectos de seu pro- do realizadas sob o ângulo ta que auxilia no escoamento cesso histórico, para que des- específico da cultura de cada dos produtos em níveis deseja- sa forma possamos compreen- povo. dos. Hoje, por meio de diagnós- Para entendermos as rela- (Rossetti, 1999, Na Grécia Antiga as trocas ticos precisos, formula-se um eram realizadas em Àgoras, ou composto promocional, para A história das relações de seja, as principais praças públicas que sejam efetuadas as vendas consumo está inter-relacionada das cidades gregas, sendo geral- em um determinado segmento diretamente com o desenvolvi- mente no centro e a céu aberto, de mercado. mento econômico da socieda- e tendo também uma utilização Uma definição de propagan- de. Partindo-se dessa premissa, para celebrações religiosas. da de grande quilate é advoga- encontramos sua propedêutica (Ferreira, 1997, p. 63). da pela Associação Americana der um pouco o paradigma dos dias de hoje. de Marketing, que define pro- nos primórdios da humanidade, Em Roma, os cidadãos nati- onde pela inexistência de vos, bem como os estrangeiros, moeda, os povos efetuavam efetuavam suas relações de “Qualquer forma paga de suas trocas por meio de um consumo junto ao fórum. Além apresentação pessoal e pro- recurso denominado escambo disso, este espaço também era moção de idéias, bens ou (Rossetti, 1999, p. 171). Com destinado a decisões de ordem serviços, por um patrocina- o passar do tempo e a dificul- política. dor identificado” (Enis, 1983, paganda como sendo: p. 264). dade de se conseguir uma pa- Já nas cidades Medievais, o ridade nas trocas, existiu a ne- comércio era realizado em es- A mesma Associação America- cessidade de se criar um meca- paços público e especializado, na de Marketing traz também em nismo que tornasse estas mais recebendo o nome do bem seu rol de definições o conceito de lógicas e coerentes. p r in cip a l c o m e rc i a l i z a d o , publicidade como sendo: A priori eram nomeados como por exemplo: praça do “Um estímulo impessoal de alguns produtos de considerável peixe, praça das ervas, praça demanda por um produto ou relevância, tal como o açúcar, das frutas etc. serviço ou unidade de comér- mas este por sua vez veio a É importante notar que não cio pela inserção de notícias fracassar, cedendo lugar para a existiam critérios únicos e nem comercialmente significante moeda propriamente dita, anos padronizados para que fossem a seu respeito, em um mais tarde (Rossetti, 1999, p. realizadas essas transações, veículo, ou obtenção de uma 175). uma vez que elas assumem for- apresentação favorável, em A partir de então, a moeda mas mais complexas a cada rádio, televisão ou palco, abriu espaço para uma utiliza- momento, pois a troca é uma sem que haja pagamento por ção em sentido amplo, não ape- atividade humana fundamental parte do patrocinador” (Enis, nas simplesmente como uma impulsionadora do desenvolvi- 1983, p. 264). unidade de troca, mas incorpo- mento econômico das socieda- Todas essas definições só rava também o papel de medi- des. (Enis, 1983, p. 24-26). 116 amparam a conclusão de Mincij a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo otti, sobre a dificuldade se É evidente que o livro nunca diferenciar Publicidade e Pro- será lido, o sermão não chama- As mensagens distorcidas paganda por meio do paga- rá a atenção de ninguém e a apresentadas por meio de Pro- mento ou não por parte do pa- ratoeira ficará na prateleira da pagandas Enganosas têm gera- trocinador nos dias de hoje. loja, a não ser que o mundo do cada vez mais um clima de Dessa forma, ele acredita que a saiba a respeito desses produ- desconfiança nos consumidores, diferença básica está na osten- tos e acredite em suas qualida- prova deste fato foi a pesquisa sividade do patrocínio, que é des, e é a propaganda que tem realizada pelo P.O.P. (Pesquisa de flagrante na propaganda e na a incumbência de proporcionar Opinião Pública), que totalizou publicidade, não (Minciotti, essa divulgação. 400 pessoas entrevistadas. 2 A PROPAGANDA ENGANOSA Esse processo possuiu vári- Essa pesquisa teve como os agentes que são classifica- finalidade analisar a veracidade, tudo isso é uma retificação a ser dos como: segundo a ótica do público, das feita em nosso “Código de Q 1986, p. 40). O que pode ser extraído de Comunicador: o que envia ou propagandas de veículos. Os é a fonte da mensagem; resultados obtidos foram in- Mensagem: o conjunto de questionavelmente esmagado- Enganosa, ao passo que o mais significados que está sendo res em favor da desconfiança correto, em conformidade com enviado; geral, pelo fato de 50,5% acre- Canais: os meios pelos quais ditarem que a propaganda “não cionadas, seria Propaganda as mensagens podem ser apresenta a descrição verdadei- Enganosa. levadas ou transmitidas aos ra dos automóveis”, enquanto receptores; apenas 20,8% acreditam que Receptor: o recebedor ou a sejam verdadeiras. Mas a aten- sumo, atuando junto a necessi- quem se destina todo o pro- ção deve voltar-se para os ou- dades e desejos ilimitados, pois cesso. (Kotler, 1980, p. tros 17,5% que têm o perfil de propicia uma comunicação 383). “acreditarem desacreditando”, fundamental entre as empresas É claro que a mensagem sim- ou seja, acham que apenas par- e o mercado, movimentando plesmente não pode efetivar a te da propaganda é verdadeira. todo o composto produtivo. troca, mas é uma forte ferra- Esses dados simplesmente Com base nisso podemos menta para que ocorra a esti- demonstram a opinião dos con- dizer que Ermerson estava mulação. Assim, a caracteriza- sumidores para com um merca- errado quando afirmou: ção de uma Propaganda Enga- do específico; entretanto, existe “Se um homem pode escre- nosa está diretamente relacio- hoje uma falta de credibilidade ver o melhor livro, fazer o nada a uma distorção da men- geral melhor sermão ou construir sagem, o que leva o receptor a propaganda, pois o consumidor uma ratoeira melhor que uma falsa verdade em relação vê a todo instante serem ofere- seus vizinhos, embora ele ao produto que está sendo vei- cidos produtos como: emagre- construa sua casa na flores- culado, tornando o consumo do cedores que prometem resulta- ta, o mundo abrirá um cami- produto atrelado a virtudes que dos espantosos, sem sacrifícios; nho até sua porta” (Enis, este pode não possuir como automóveis que demonstram 1983, p. 260). característica. um desempenho ótimo, muito Defesa do Consumidor” que utiliza o termo Publicidade as definições supramen- Q Q A propaganda tem um papel fundamental na relação de con- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Q no que tange à 117 D ireito Artigo além da realidade; ou ainda muito embora já existissem sumidor sobre o dado essen- um apartamento de dois algumas leis esparsas. cial do produto ou serviço”. dormitórios na zona leste da No que tange à proteção dos “É abusiva, dentre outras, a cidade de São Paulo que prome- consumidores contra a propa- publicidade discriminatória, te a vizinhança da atriz ganda enganosa, o Código de a que incite à violência, ex- Carolina Ferraz. Defesa do Consumidor tem o plore o medo ou a supersti- A maciça utilização de Pro- seu início no artigo 6º, inciso ção, a que aproveite da defi- paganda Enganosa traz, além IV, que é expresso da seguinte ciência de julgamento e ex- da perda de credibilidade por forma: periência da criança, desres- parte da empresa, dois outros “Artigo 6º – São direitos bá- peite valores ambientais, ou comportamentos a serem toma- sicos do consumidor”; seja, capaz de induzir o con- das pelo consumidor. IV - a proteção contra a pu- sumidor a se comportar de O primeiro é a efetiva desis- blicidade enganosa ou abu- forma prejudicial ou perigo- tência de vir a consumir o pro- siva, métodos comerciais co- sa à sua saúde e segurança. duto novamente, sendo consi- ercitivos ou desleais, bem Em suma, abusiva é a propa- derada até uma conseqüência como contra práticas e cláu- ganda antiética, que se im- positiva para a empresa, uma sulas abusivas impostas no ponha sem que se possa dis- vez que a desobriga a efetuar o fornecimento de produtos e pensá-la, que incite precon- ressarcimento previsto na serviços.” ceitos, que seja vexatória ou legislação. Cabe aí uma diferenciação explore a vulnerabilidade do O segundo comportamento, entre a Propaganda Enganosa, consumidor, que viole usa in- este considerado muito mais que é objetivo de nosso estu- trincidade, paz ou tranqüili- grave, é o ingresso de ação con- do, e a Propaganda Abusiva, dade” (1997, p. 107). tra a empresa ou seu represen- abordada por Mazzilli, quando Porém, ainda com relação ao tante, a fim de buscar a repara- afirma: artigo 6º, cabe relevar a mani- ção do dano, oriundo da utili- “É enganosa qualquer moda- festação dos doutrinadores que zação de um produto ou servi- lidade de informação em co- participaram da elaboração do ço “errôneo ou lesivo ao patri- municação de caráter publi- Código de Defesa do Consumi- mônio em decorrência de indi- citário, inteira ou parcialmen- dor, os quais advogam que a cação ou afirmação falsa ou te falsa, ou, por qualquer proteção contra a Propaganda enganosa sobre a natureza, a outro modo, mesmo por Enganosa ou Abusiva se dá a qualidade do bem ou serviço”. omissão, capaz de induzir partir do Artigo 30, descrito no (Filomeno, 1991, p. 247). em erro o consumidor a res- Código da seguinte forma: O amparo preponderante a peito da natureza, caracterís- “Toda informação ou publi- esse rol de direitos atuais é o ticas, qualidade, quantidade, cidade, suficientemente pre- “Código de Defesa do Consumi- propriedades, origem, preço cisa, veiculada por qualquer dor” acrescido a nossa legisla- e quaisquer outros dados forma ou meio de comunica- ção em 12 de setembro de 1990 sobre produtos e serviços. ção, com relação a produtos no governo do então Presiden- Por sua vez, é enganosa por ou serviços.” te Fernando Collor de Melo, que omissão a Propaganda que “Oferecidos ou apresenta- criou uma legislação específica, deixe de informar ao con- dos, obriga o fornecedor que 118 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo a fizer veicular, ou dela se III - rescindir o contrato, sumidor, fácil e imediatamen- utilizar e integrar o contrato com direito a restituição de te, a identifique como tal”. que vier a ser celebrado.” quantia eventualmente an- Parágrafo Único: O fornece- Assim, a lei deixa claro que, tecipada, monetariamente dor, na publicidade de seus seja simples informação, seja atualizada e a perdas e danos. produtos ou serviços mante- propaganda veiculada, não O termo “a sua livre escolha” rá, em seu poder, para infor- devemos nos esquecer de que deixa bem claro que o consumi- mação dos legítimos interes- estamos diante de uma oferta, dor encontra-se em total privilé- sados, os dados fáticos, téc- que passa a integrar o contrato gio para escolher como sanar nicos e científicos que dão no momento em que este é possíveis prejuízos proporciona- sustentação à mensagem. realizado. dos pela oferta, nas condições A propaganda deve estar Com base no supramencio- pré-estabelecidas no Código. atenta à qualidade que visa nado, a empresa deve, antes do Outro aspecto relevante é o transparecer, de forma que o estabelecimento de uma oferta, fato de que a propaganda deve consumidor a identifique fácil e ter a noção exata dos limites exprimir com exatidão somen- imediatamente, para se desvin- que possui para o cumprimen- te o que tem a efetiva condição cular da prerrogativa de gerar to desta, e atrelar a sua oferta de cumprir, respeitando todas um engano. Contudo, há de se todos os dados importantes no as características do que é notar que é difícil expor um que se refere à qualidade, vendido, para que não fiquem produto chamando a atenção quantidade, preço ou quaisquer possíveis brechas que gerem do público nos diversos graus outros atributos que possam vir cobranças futuras. de cultura contidos na socieda- Assim, se o fornecedor dei- de, sem agredir a nenhum de- xar de cumprir a oferta, ou ain- les, como é o caso das propa- Com relação ao Artigo 35, o da, se não tiver condições de gandas de massa. Para tal, o Código do Consumidor mani- cumprir o que prometeu, o con- mais correto é que a propagan- festa direitos que são assim sumidor poderá escolher entre da veicule informações pensan- expressos: o cumprimento forçado da obri- do em atingir o homem médio, “Se o fornecedor de produ- gação e a aceitação de outro não se concentrando em nenhum tos ou serviços recusar o bem de consumo, ficando ain- dos extremos da exata cultura. cumprimento da oferta, apre- da a possibilidade de serem sentação ou publicidade, o pleiteadas perdas e danos em consumidor poderá, virtude da expectativa criada e, “O anúncio publicitário é alternativamente e à sua como conseqüência, a frustra- dirigido aos consumidores livre escolha”: ção que veio a gerar. indiscriminadamente. Por a gerar reclamações por parte do cliente. Segundo Nunes (1997, p. 249): I - exigir o cumprimento for- Seguindo o enorme rol de isso, durante a averiguação çado da obrigação, nos ter- direitos proporcionados pelo não se pode levar em conta mos da oferta, apresentação Código, o artigo 36 mostra certo consumidor real, com ou publicidade; outro aspecto importante qualidades específicas pró- II - aceitar outro produto ou sempre ligado a vícios. prias, por isso poderia, em prestação de serviço equiva- “A publicidade deve ser veicu- tese, afastar o teor engano- lente; lada de tal forma que o con- so do anúncio”. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 119 D ireito Artigo Fechando o comentário com de-se que assim seja. Esse “O ônus da prova da veraci- relação a este artigo, fica um traço patológico afeta não dade e correção da informa- fato interessante, nítido aos apenas os consumidores, ção ou comunicação publici- nossos olhos diariamente. Ele mas também a sanidade do tária cabe a quem patrocina”. diz respeito aos dados técnicos próprio mercado. Provoca, Diante de dúvidas sobre a e científicos que os produtos está provada, uma distorção veracidade e correção da infor- possuem e são usados pelos no processo decisório do mação ou da comunicação, não que anunciam, com o intuito de consumidor, levando-o a ad- cabe a quem as acusa de inexa- demonstrar maior qualidade do quirir produtos e serviços tas comprovar sua alegação, produto, mas que acabam por que, estivesse melhor infor- pois o ônus da prova é de simplesmente confundir o con- mado, possivelmente não o atribuição do fornecedor. sumidor e caracterizam a enga- faria”. nosidade da propaganda. “O Legislador, reconhecendo sumidor mediante a crença Outro artigo que merece ser a complexidade e dinamismo comum de que o fornecedor citado por manifestar a prote- da matéria, preferiu concei- possui uma força maior, e tal ção contra a Propaganda Enga- tuar de maneira larga o que privilégio coloca ambas as par- nosa é o 37 em seu parágrafo seja publicidade enganosa. tes em pé de igualdade propor- primeiro: Fica, de qualquer modo, cionando, em contrapartida, “É proibida toda publicidade como fundamento de sua maior possibilidade de que a enganosa ou abusiva”. proibição, o reconhecimento justiça seja alcançada. Parágrafo 1º – É enganosa de que o consumidor tem um Todos estes direitos expos- qualquer modalidade de in- direito – de ordem pública – tos buscam evitar que o consu- formação ou comunicação de a não ser enganado, direito midor seja alvo constante de um caráter publicitária, inteira este agora adotado pelo bombardeamento de mensa- ou parcialmente falsa, ou, direito brasileiro” (Grinover, gens enganosas no seu dia-a- por qualquer outro modo, 1995, p. 283- 84). dia, pois este age por impulsos mesmo por omissão, capaz As mensagens transmitidas e entrega-se a um consumo de de induzir em erro o consu- aos consumidores assumem na produtos dos mais diversos midor a respeito da nature- maioria das vezes um papel tipos. za, características, qualida- bem deturpado, imputando em Portanto, a política de Rela- de, quantidade, proprieda- uma falsidade inteira ou parci- ção de Consumo do País, por des, origem, preço ou quais- al. O que ocorre é que o consu- meio de uma legislação moder- quer outros dados sobre pro- midor e seus órgãos de defesa na (Código de Defesa do Con- dutos e serviços. acabam por fazer vistas grossas sumidor), tenta harmonizar Os autores do Código de e só tomam atitudes quando sinergicamente o mercado, pro- Defesa do Consumidor comen- acontece de aquelas “pequenas porcionando um equilíbrio en- tam o artigo da seguinte forma: mentiras” causarem conseqüên- tre fornecedores e consumido- “A PUBLICIDADE ENGANOSA” cias muito graves e danosas aos res para que haja uma ordem – O Legislador demonstrou consumidores. econômica justa e um desenvol- colossal antipatia pela publicidade enganosa. Compreen120 Finalizando, cabe ainda ressaltar o artigo 38: Este amparo é dado ao con- vimento necessário e acessível a todas as instâncias sociais. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Cabe ainda ressaltar que dos pilares mais importantes de campanha promocional possa toda esta explanação sobre a um sistema democrático e, por- gerar. É evidente que também Propaganda Enganosa não encer- tanto, acessível a qualquer bra- existem empresas com pré-dis- ra o questionamento que deve sileiro que sinta seu direito posição para enganar os consu- existir sobre o tema, em virtude ameaçado, seja em função da midores, mas essas acabam por da diversidade e complexidade aquisição de um produto que sofrer, ao longo dos anos, o de interpretação que surge a não correspondeu às expecta- ônus da perda de credibilidade todo o momento, mas proporci- tivas ou ainda em função de por parte do mercado. onará em contrapartida subsídi- uma briga de vizinhos. O advogado possui hoje nas os para a reflexão e formulação Assim, toda vez que um con- organizações uma função bem de novas hipóteses com um teor sumidor se sentir injustiçado mais importante atrelada aos muito mais apurado. pode recorrer à justiça no intui- conhecimentos técnicos que to de defender seus direitos, este profissional pode utilizar pois hoje existem instrumentos no intuito de proporcionar uma Nas últimas duas décadas o como o “Código de Defesa do segura utilização da propagan- Brasil vem usufruindo do privi- Consumidor” que possibilita ao da sem que esta acarrete preju- légio de ter um sistema de go- consumidor lutar em uma situ- ízos para a empresa. verno amparado no ideal demo- ação de igualdade mesmo Dessa forma, o advogado e crático. Não cabe neste artigo diante de adversários muitos o administrador devem traba- discutir o quanto democrático poderosos. lhar lado a lado para a constru- CONCLUSÃO é o Brasil nem tão pouco se esse Por outro lado, a figura do ção de uma empresa forte, pois sistema é realmente bom ou advogado passou a ser muito em um futuro bem próximo ruim. O aspecto importante importante para a empresa no esse será o diferencial entre o para nós, neste artigo, é o fato sentido de defendê-la das difi- sucesso e o fracasso de uma de o sistema judiciário ser um culdades que um erro em uma organização. R BIBLIOGRAFIA CONSUMIDORES acham que a propaganda mente. Diário Comércio e Indústria. São Paulo: 17 maio 1993. GRINOVER, Ada P. et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,1997. ENIS, Ben. Princípios de marketing. São Paulo: Atlas, 1993. KOTLER, Philip. Marketing: edição compacta. São Paulo: Atlas, 1980. FERREIRA, Aurélio B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1997. MAZZILI, Hugo N. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Forense, 1997. FILOMENO, José G.B. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 1991. MINCIOTTI, Silvio A. A mala direta como instrumento de promoção e distribuição. São Paulo: USP, 1986. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 NUNES, Cruz A. R. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva,1997. ROSSETTI, José P. Introdução à economia. 16. ed. São Paulo: Atlas,1999. 121 D ireito Artigo A proteção da pessoa humana André Rubens Didone Professor Coordenador do Curso de Comércio Exterior do IMES, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA-Buenos Aires, Argentina. Mestre em Administração pelo IMES, Mestrando em Economia pela PUC-SP, Curso Superior de Guerra-ESG-RJ, Lato-Sensu em Política e Estratégia pela USP. R e s u m o A b s t r a c t Este artigo se refere a temática atual dos direitos humanos. Pode ser uma contribuição, como informação, sobre a história dos direitos humanos. Nós não podemos concordar com as manifestações das ONG’s em todo o mundo sobre a defesa, em igualdade, para todas as pessoas de diferentes países, mas nós devemos aceitar a principal motivação que o caminho certo sobre a pessoa humana, registrou muitos progressos nos últimos dez anos. This article remains to the atually tematic from human rights. It could be a contribution, like information about the history of human rights. We can´t agree with the manifestations from de ONGs in the whole world about the defense in equality for all the people in different countries, but we must accept the principal motivation that the right way about human people has registered many progress in the past ten years. 122 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo a intervenção em 1827 da Fran- outras admitidas pelo direito Dentre alguns dos aspectos ça, Grã-Bretanha e Rússia a fa- internacional, desde que não se da proteção dada pela ordem vor dos insurgentes gregos, que trate de emprego de força jurídica internacional à pessoa, se haviam levantado contra o armada, em violação da Carta os fatos internacionais realiza- Império Otomano. Foi conside- das Nações Unidas. dos com este fim demonstram rada uma intervenção legítima, exatamente a subjetividade embora o sentimento de 1.2 Intervenção para a internacional do indivíduo, vez humanidade tenha sito citado proteção dos interesses que o transformam em porta- em segundo lugar, visto que o de seus nacionais dor de direitos e deveres perante motivo principal foram os danos Todo Estado tem o direito e a ordem internacional. materiais sofridos pelos seus o dever de proteger os seus na- nacionais. As medidas tomadas cionais no exterior. Esse direi- 1.1 Intervenção para a proteção pela marinha britânica de to, reconhecido tradicionalmen- dos direitos humanos combate ao tráfico de escravos, te pelo direito internacional, foi O reconhecimento internaci- principalmente o brasileiro, era codificado na Convenção de onal dos direitos humanos na apresentado como de cunho Viena sobre Relações Diplomá- Carta das Nações Unidas e na humanitário. ticas de 1961. Seu exercício, INTRODUÇÃO Declaração Universal dos Direi- Seja como for, para os defen- geralmente realizado através de tos Humanos deu-lhes uma sores da proteção internacional missão diplomática, não pode importância desconhecida até dos direitos humanos, a inter- ser taxado de ingerência abusi- então, importância esta que se venção deverá ser praticada por va nos negócios do Estado, vai tornando cada vez maior meio de organização internaci- desde que mantido dentro de com o correr dos anos, a ponto onal, leia-se as Nações Unidas, determinados limites. Infeliz- de alguns governos e autores da qual todos os países envol- mente, verifica-se freqüente- julgarem que seu desconheci- vidos sejam membros e que, mente que o exercício da pro- mento por um Estado justi- como tais, tenham aceito a ado- teção diplomática é acompanha- ficaria uma intervenção para ção da medida. O Institut de do por outros meios de pressão, acabar com eventuais abusos. Droit Internacional, em sua ses- como a adoção de restrições O sentimento não é de hoje são de Santiago de Compostela econômico-comerciais. e citam-se inúmeros exemplos (1990), como que aceitou a tese Os Estados Unidos, tradicio- de intervenção humanitária no da intervenção para a proteção nalmente, reservam-se a facul- passado. Na maioria dos casos, dos direitos humanos, mas a dade de intervir em país, geral- ocorria indiscutivelmente no resolução veio mente da América Central ou do país vítima da intervenção a revestida de diversas salvaguar- Caribe, onde a vida e as propri- prática de crueldades, freqüen- das. Pela resolução, os Estados, edades de seus nacionais sejam temente com a morte maciça de agindo individual ou coletiva- ameaçadas. pessoas, mas, também, em mente, têm o direito de adotar consolidou-se com o pronunci- todos os casos o Estado inter- em relação a outro Estado que amento do Presidente Teodoro ventor era movido por outros tenha violado as suas obriga- Roosevelt, em decorrência do interesses. Talvez o melhor ções na matéria as medidas qual aquele país interveio me- exemplo no passado tenha sido diplomáticas, econômicas e diante o envio dos marines em j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 adotada Essa posição 123 D ireito Artigo várias nações vizinhas. A prá- to anterior de Carlos Calvo, teve Depois, na 4ª Conferência tica, que havia sido desconti- grande repercussão e passou a Internacional Americana, foi nuada, voltou em 1965, quan- ser conhecida como Doutrina concluída uma convenção sobre do os Estados Unidos enviaram Drago . Drago não negava a reclamações pecuniárias, que tropas para a República Domi- obrigação da nação devedora de teve a data de 11 de agosto de nicana para proteger seus naci- reconhecer dívidas e procurar 1910 e pela qual as partes onais ameaçados por ocasião da liquidá-la, mas condenava a contratantes se compromete- revolução que eclodira. Poste- cobrança coercitiva destas, como ram a submeter à arbitragem riormente, a OEA concordou capaz de conduzir as nações todas as reclamações por danos com o envio de uma força inte- mais fracas à ruína e até à e prejuízos pecuniários, apre- ramericana, que incluía tropas absorção dos respectivos gover- sentadas pelos respectivos na- brasileiras, com o objetivo de nos pelos das nações mais cionais e que não pudessem ser restabelecer a paz na ilha. Mais poderosas. resolvidas, amistosamente, pela Querendo, de certa forma, via diplomática, contando que ligar sua tese à doutrina de tais reclamações fossem de A demonstração naval peran- Monroe, Drago pretendeu fosse importância suficiente para te portos venezuelanos em reconhecido o princípio segundo cobrir as despesas do juízo 1902 da parte da França, Grã- o qual “a dívida pública não pode arbitral. Bretanha e Itália foi seguida de motivar a intervenção armada e, Na Conferência Interameri- bombardeio dos portos de Ma- ainda menos, a ocupação cana para a Consolidação da Paz, racaibo, La Guadia e Puerto material das celebrada em Buenos Aires em Cabello com o objetivo de forçar nações americanas por uma dezembro de 1936, a delegação o governo da Venezuela a pa- potência européia”. Argentina pretendeu, sem êxito, tarde, houve novas intervenções no panamá, Granada e Haiti. do solo dar forma conven- compromissos Mais tarde, essa doutrina foi financeiros com nacionais dos submetida à 2ª Conferência da cional à Doutrina Drago. A dele- três países. Paz, realizada em Haia em 1907, gação do Brasil impugnou o sendo transformada na chamada projeto, manifestando que só o Convenção Porter, que condena aceitaria se lhe acrescentasse O bombardeio dos portos o emprego da força para a uma disposição pela qual fosse venezuelanos provocou vivos cobrança das mencionadas declarado que, no caso de con- protestos na América Latina e dívidas, cujo pagamento seja trovérsia acerca da cobrança de foi objeto de nota de protesto reclamado ao governo de um país dívidas ou reclamações pecuni- do ministro das Relações Exte- pelo outro país, em nome dos árias, e na hipótese de ser riores da Argentina, Luís Maria credores, seus nacionais, salvo se impossível um acordo pelos mei- Drago, ao governo dos Estados o estado devedor repelir ou os diplomáticos usuais, as par- Unidos, na qual condenava o deixar um tes litigantes se obrigassem a uso da força para obrigar um oferecimento de arbitragem recorrer à arbitragem ou à Estado a pagar as suas dívidas sobre o caso, ou, se o aceitar, em decisão de uma corte de justiça públicas. se realizando a arbitragem, não internacional. É curioso assi- se conformar com a sentença nalar que o próprio Drago, no proferida. despacho em que formulou sua gar seus 1.3 A Doutrina Drago A nota de Drago, que a rigor se inspirava em pronunciamen124 sem resposta j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo doutrina, não se opunha de três primeiras décadas do sécu- proibindo o tráfico é de 1807. modo algum ao recurso à solu- lo XIX e teve fim quando, em A luta da Inglaterra contra o trá- ção arbitral, fazendo questão 1830, a Argélia foi conquistada fico fez com que ela conquis- apenas de que, antes ou depois pela França. A Rússia, ao tasse novas colônias para ser- da arbitragem, não se lançasse dominar a região do Mar Negro, vir de base para sua luta; Serra mão da força para cobrança da terminou com a escravidão de Leoa (1808), Gâmbia (1816) e dívida pública do Estado. brancos ali existentes. Costa do Ouro (1821). Em con- O tráfico de escravos negros seqüência, ela passou a ter uma 2 TRÁFICO DE ESCRAVOS, foi praticado durante séculos e situação dominante na África ESCRAVIDÃO E TRABALHO perdura até hoje em certas re- Ocidental (Magdoff, 1979). O Direito Internacional se giões. Nos séculos XVI e XVII, No início do século XIX (Tra- interessa em proteger o homem ele foi um monopólio dos por- tado de Paris, 1814) afirma-se contra qualquer restrição que se tugueses. A França, posterior- que a abolição do tráfico de faça A mente, também passou a reali- escravos deverá ser feita de escravidão é a forma mais vio- zar o tráfico. A Inglaterra tam- modo internacional. Dentro lenta de atentado à liberdade bém o fez, com a proteção do desta orientação, no Congres- humana. governo, durante um longo so de Viena é feita uma decla- A primeira preocupação do período, e obteve, em tratados ração (2 fev. 1815) em que o mundo jurídico internacional internacionais, o direito de co- tráfico é condenado. O 2º Tra- para terminar com a escravidão locar certa quota de escravos no tado de Paris (20 out. 1815) foi a abolição do tráfico de es- Novo Mundo. contém uma condenação seme- à sua liberdade. cravos, uma vez que aquela só No século XVIII tem início, lhante. Essas condenações vão existiria enquanto este subsis- dentro dos grandes Estados sendo repetidas nos grandes tisse. A escravidão não é, como europeus, a luta em favor da congressos da época: Aquisgrana pode parecer à primeira vista, abolição do tráfico. Era resultan- (1818) e Verona (1822). um problema ultrapassado den- te do pensamento filosófico da Os Estados passam a con- tro do Direito Internacional, época. Os Estados passam a cluir, durante o século XIX, uma pelo contrário, ela ainda se revogar as leis que davam a série de tratados em que eles mantém em alguns Estados proteção ao tráfico. Tal fenôme- admitiam o direito de visita a muçulmanos, na África, etc. no seus navios em alto-mar por O tráfico de escravos ao lon- ocorre na Inglaterra, na França, nos EUA, etc. navios de guerra de outro Esta- go da História se apresentou em O primeiro país a abolir o trá- do. É a origem do direito de duas modalidades: o de escra- fico de escravos foi a Dinamar- visita e tinha por finalidade vos brancos e o de escravos ca, que, pelo edito do Rei Cris- reprimir o tráfico de escravos. negros. tiano VII, de 16 mar. 1792, proi- O Ato Geral da Conferência O tráfico de escravos bran- biu que seus súditos tomassem de Berlim (1885) proibia qual- cos foi exercido, acima de tudo, parte no tráfico de escravos quer tráfico ou trânsito de es- pelos Estados do norte da Áfri- (Genovese, 1979). A Constitui- cravos na região da bacia do ca, que faziam o comércio dos ção dos EUA, em 1787, estabe- Congo. Diante da falta de resul- europeus prisioneiros. Ele foi lecia a extinção do tráfico a tados do ato de 1885, foi reu- praticado, por exemplo, nas partir de 1808. A lei britânica nida em Bruxelas (1889-1890) j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 125 D ireito Artigo uma nova conferência com cional dos Direitos Civis e denominado de tráfico de bran- maior número de Estados par- Políticos. cas, mas desde a Convenção de ticipantes do que a anterior (in- A Convenção de Genebra 1921 esta expressão é substi- clusive a Pérsia, Zanzibar, etc.), sobre alto-mar (1958) estabele- tuída pela de tráfico de mulhe- que concluiu uma nova conven- ce, no seu art. 13, que todo res, com o que se demonstra que ção interditando o tráfico e per- escravo que se refugiar em qual- a ordem jurídica internacional mitindo o direito de visita aos quer navio está livre. protege a mulher, independente navios em alto-mar. Estados se obrigam ainda a Os de sua cor. A Convenção de Saint-Ger- combater o tráfico. O art. 22 da Os autores têm dividido a maine (1919) revoga as anteri- mesma convenção admite que luta contra este tráfico em três ores e os Estados se obrigaram um navio de guerra exerça o fases: a) a das organizações a pôr fim à escravidão e ao trá- direito de “visita” em um navio particulares que, em um con- fico de escravos. Em 1926, uma de comércio em alto-mar, quan- gresso em 1899, constituíram nova convenção, concluída sob do houver suspeita de que este um Bureau internacional que os auspícios da SND, proibia navio se dedica ao tráfico de deveria reprimir o tráfico de qualquer forma de escravidão. escravos. A convenção da Baía mulheres e de crianças; b) os O Código Bustamante (1928) de Montego sobre o D. do Mar governos se interessaram pelo colocou o tráfico de escravos (1982), no art. 99, estabelece assunto e em 1904 concluem como sendo um delito interna- que todo Estado deve impedir uma convenção em que se obri- cional e punível pelo Estado que o tráfico de escravos, bem como gam a destacar funcionários capturasse o navio infrator. A todo escravo que se refugiar em para combatê-lo; nesta mesma Organização Internacional do um navio ficará livre. No art. 110 fase, outra convenção (1910) Trabalho, em uma convenção, consagra o direito de visita no condena o aliciamento para a declara que trabalho forçado é alto-mar ao navio que se prostituição de mulheres de todo trabalho ou serviço exigi- suspeitar faça tráfico de menos de 20 anos; c) a repres- do de um indivíduo sob a ame- escravos. são passa a ser também obra aça de uma pena e para a qual A Sociedade Antiescravidão das organizações internacionais o indivíduo não se ofereça es- afirmava, em 1966, que havia e, em 1921, é concluída uma pontaneamente. Em 1948, a evidência de escravidão de vá- convenção sob os auspícios da Declaração Universal dos Direi- rias formas em 26 países, por SDN; a idade é aumentada para tos do Homem (art. 23) afirma exemplo, no Iêmen, na Arábia 21 anos; em 1933, é assinada que o trabalho deve ser livre e Saudita (apesar da proibição outra convenção sobre o remunerado, bem como a remu- de Faiçal em 1962), etc. A mesmo assunto. Em 1949, a neração deve dar ao trabalha- Mauritânia aboliu a escravatu- Organização das Nações Unidas dor e à sua família uma existên- ra em 1980. realiza uma convenção em que o tráfico é condenado, mesmo cia que seja compatível com a dignidade humana. 3 TRÁFICO DE MULHERES nos casos em que há Os mesmos princípios figu- O tráfico de mulheres é aque- concordância da mulher. Estas ram no Pacto Internacional de le que se destina a colocar as últimas convenções invocadas Direitos Econômicos, Sociais e mulheres na prostituição. condenaram igualmente o Culturais e no Pacto Interna- Durante muito tempo, ele foi tráfico de crianças. 126 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Ainda visando à proteção da dos se comprometem a obrigar Podemos apresentar um mulher de modo amplo, existe os capitães dos navios nacionais maior desenvolvimento sobre a nas NU um Fundo de Desenvol- a prestarem assistência às liberdade sindical assegurada vimento da Mulher. pessoas que se encontrem em pelas convenções da Organiza- desgraça no mar (art. 12 e art. ção Internacional do Trabalho 98 da convenção de Montego de 1948 e 1949. A liberdade Bay – 1982). sindical é garantida a todos os 4 SALVAGUARDA DA VIDA HUMANA NO MAR A proteção da vida humana A Conferência de Hamburgo, empregadores e empregados no mar sempre foi objeto de que em 1979 aprovou uma con- que podem constituir livremen- preocupação do mundo jurídi- venção sobre busca e salvamen- te sindicatos. A ordem jurídica co internacional. Sempre se to marítimos, dividiu o mundo interna pode fixar os casos de considerou que a assistência no em zonas de salvamento que suspensão e dissolução de sin- mar, aos navios ou pessoas em não correspondem aos espaços dicatos. Em 1950 o Conselho de desgraça, era um dever humani- marítimos dos Estados, mas Administração da Organização tário. Desde o século XII que a levando em consideração Internacional do Trabalho criou Igreja se preocupa com os náu- critérios operacionais. a Comissão de Investigação e Conciliação sobre liberdade fragos (Concílio de Latrão), solicitando que as populações cos- 5 A PROTEÇÃO INTERNA- sindical. Os membros da teiras lhes dessem assistência. CIONAL DO TRABALHO Comissão são indicados pelo Em 1910, a Convenção de A Organização Internacional citado Conselho. Ela é perma- Bruxelas sobre assistência e do Trabalho se preocupa dire- nente e é um órgão comum à salvamento transforma o dever tamente com o homem. A Pró- Organização das Nações Unidas moral acima citado em dever pria representação dos seus e à Organização Internacional jurídico para os navios privados. órgãos (representantes de pa- do Trabalho, tendo em vista que A partir desta, inúmeras trões, empregados e governos) a liberdade sindical interessa convenções sobre salvaguarda visa entender os interesses dos aos direitos do homem. A da vida humana do mar foram indivíduos diretamente. Assim Comissão tem nove membros concluídas: 1914, 1929, 1948, sendo, ao contrário da grande que atendem às diferentes re- 1960 e 1974 (todas realizadas maioria das organizações inter- giões geográficas, sendo forma- em Londres) e 1938 (concluída nacionais, ela possui represen- da por indivíduos independen- em Bruxelas). Em 1978 foi con- tantes que não são dos Estados, tes de Estado e de organizações cluído na IMCO um protocolo à mas de “verdadeiras” classes sindicais. Os nacionais das par- convenção de 1974. sociais (patrões e empregados). tes em litígio não participam do A Organização Intergoverna- Ela já tratou de inúmeros procedimento. A Comissão tem mental Marítima Consultiva tem aspectos da vida social relativos função de investigação e de entre as suas funções a de de- ao trabalho que interessam conciliação. senvolver a proteção da vida diretamente ao homem: empre- As reclamações podem ser humana no mar por meio da go de crianças, repouso dos tra- apresentadas pelos governos e segurança da navegação. balhadores, higiene industrial, organizações de empregados e Na Convenção de Genebra desemprego, acidentes do tra- de empregadores. O CES e a (1958) sobre alto-mar, os Esta- balho, organização sindical, etc. Assembléia-Geral da Organiza- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 127 D ireito Artigo ção das Nações Unidas podem e protege certas categorias de de trabalho justas e humanas. transmitir reclamações. Para trabalhadores; b) a partir de Os estados podem se retirar existir a conciliação é necessá- 1944 visa estabelecer um da Organização Internacional rio que o governo interessado rendimento mínimo e assegurar do Trabalho, mas o prazo de dê o seu consentimento. Existe a proteção médica; c) em 1952 aviso prévio é de dois anos. um Comitê de Liberdade Sindi- estabelece normas gerais sobre cal formado por nove membros seguridade. O tratado não admite a suspensão de um membro. As con- do Conselho de Administração A Declaração de Filadélfia da venções e recomendações são (três de cada grupo social Organização Internacional do submetidas ao Legislativo. Con- representado na Organização Trabalho (1944) afirma: a) o tra- tudo, se versasse matéria de Internacional do Trabalho) que balho não é mercadoria; b) di- competência do Executivo, só diz se a reclamação merece ou reito dos seres humanos de seria submetida a este. A con- não um exame aprofundado. A perseguirem o seu bem-estar venção da Organização Interna- investigação tem três fases: a) material; c) proporcionar em- cional do trabalho fala em “au- escrita; b) oral e c) visita ao prego; d) facilitar a formação toridade competente” e esta é Estado. Ela é secreta, e as partes profissional; e) assegurar o di- quem pode legislar sobre a participam. O procedimento reito de ajustes coletivos; f) in- matéria. O estado ao aceitar em termina por um relatório. centivar a cooperação entre parte a convenção pode fazer Considera-se que o ideal seria a empregados e empregadores. uma lei regulamentando o que conciliação não depender do consentimento do Estado. A proteção internacional do Alguns autores defendem que o Direito Internacional do ele aceitou. Para controle da aplicação das convenções há um sistema Trabalho tem autonomia. trabalho é feita também nos As convenções da Organiza- de relatórios. Há também pro- pactos de Direitos do Homem. ção Internacional do Trabalho cedimentos contenciosos que Já se fala atualmente em não podem ser ratificadas com podem ser iniciados por: a) es- Direito Internacional da Segurida- reserva devido a sua estrutura tado-membro; b) “ex officio” de Social, que teria a sua origem (governo, patrão e empregados). pelo Conselho de Administra- em um tratado de cooperação O art. 427 do Tratado de ção; c) organização de empre- sobre a matéria, concluído entre Versalhes relaciona os princípi- gados e empregadores; d) de- a França e a Itália, em que se os fundamentais do Direito In- legações nas conferências. consagrava a igualdade de ternacional do Trabalho: a) As convenções internacio- tratamento (1904). bem-estar físico, moral e inte- nais de trabalho apresentam as Em 1925 a convenção n.º 19 lectual do trabalhador; b) a uni- seguintes características: a) são da Organização Internacional formidade absoluta só pode ser adotadas em uma instituição. do Trabalho consagra a igual- alcançada paulatinamente; c) Elas não são precedidas de ne- dade de tratamento. A ação da salário igual por trabalho igual; gociações diplomáticas, mas de Organização Internacional do d) jornada de 8 horas; e) direito uma discussão no meio de as- Trabalho nesta matéria tem sido a associação, etc. sembléia que é semelhante aos sintetizada do seguinte modo: O art. 23 do Pacto da Liga das parlamentos; b) a Conferência a) entre 1919 e 1936 gira em Nações seus Internacional tem uma repre- torno da noção de seguridade objetivos assegurar condições sentação tripartite; c) as con- 128 coloca em j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo venções e recomendações são ratificou, ela pode pedir a anu- passado, contra o cólera, con- aprovadas por 2/3 e devem ser lação do registro da ratificação. venções de Paris (1825) e Vie- submetidas às autoridades na- No caso de convenções e na (1874), Veneza (1892), Dres- cionais competentes no prazo recomendações não ratificadas, de (1893) e Paris (1894). Sobre de 12 a 18 meses; d) Scalle afir- os estados permanecem com a a peste bubônica, foi assinada mava que as convenções não obrigação de fazer relatórios uma convenção em Veneza tinham aspecto contratual, mas sobre elas. (1897). Outras convenções que eram “bis internacionais”. Algumas convenções criam internacionais se seguiram e As convenções são textos “qua- procedimentos especiais para organismos internacionais foram se-legislativos” ou “pré-legislati- assegurarem a sua execução, constituídos, até chegarmos à vos”, como tem sido afirmado; como é o caso da convenção Organização Mundial de Saúde e) as convenções e recomenda- sobre a liberdade sindical. nos dias de hoje. ções formam o Código Interna- Nos Conselhos da Europa Na primeira metade do sécu- cional do Trabalho; f) as normas existe um Código de Segurida- lo XIX surgem os conselhos de são elaboradas com flexibilida- de Social (1964) e seu protoco- quarentena entre os estados de e podem levar em considera- lo. A sua revista terminou em europeus, com função apenas ção as diferenças de condições 1990. Ele consagra os seguin- informativa. Na segunda meta- econômicas; g) há variedade nos tes princípios: a) igualdade de de do século XIX, surgem por métodos de aplicação; h) às ve- tratamento entre nacionais e influência da França as confe- zes as convenções têm alterna- estrangeiros; b) respeito aos rências sanitárias internacionais tivas; i) às vezes permitem der- direitos adquiridos e em curso já citadas. rogações temporárias; j) a reco- de aquisição; c) cooperação mendação é feita quando não há administrativa. Na América, as convenções sobre matéria sanitária se suce- condições para convenção; k) as A Organização das Nações dem: a do Rio de Janeiro (1887), línguas das convenções são fran- Unidas concluiu em 1990 a con- entre Argentina, Paraguai, Brasil cês e inglês. venção internacional sobre a e Uruguai; a de Montevidéu Existem também tratados Proteção do Direito de todos os (1904); a de Washington (1905), bilaterais, como os da segurida- trabalhadores migrantes e seus que cria a Repartição Sanitária de social. familiares, onde, por exemplo, Pan-americana; a de Havana O maior problema dos repre- é proibida a discriminação de di- (1924), onde foi concluído o sentantes dos empregadores foi reitos. Cria um Comitê de Pro- Código Sanitário Pan-americano, dos países comunistas e se ale- teção aos direitos de Todos os e o seu protocolo assinado em gou que não se exigia que o em- Trabalhadores Migrantes e seus Lima (1927). pregador fosse pessoa privada. familiares, quee recebe comu- Em 1902 foi criado o Bureau A data da entrada em vigor nicações de um estado sobre Sanitário Pan-americano. Com outro estado. vocação universal surge em da convenção determina a data 1907 o Escritório Internacional da denúncia e ela pode ser denunciada no ano seguinte ao que completa 10 anos. 6 SAÚDE A saúde foi objeto de inúme- de Higiene Pública com sede em Paris. Quando a convenção não ras convenções internacionais. O Pacto Internacional de entrou em vigor e um estado a Foram concluídas no século Direitos Econômicos, Sociais e j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 129 D ireito Artigo CONCLUSÃO Culturais reconhece “o direito Organização Internacional do de toda pessoa ao gozo do mais Trabalho (tem um centro de Hodiernamente, muito se alto nível possível de saúde higiene do trabalho), IMO, AIEA, tem falado e escrito a respeito física e mental” e determina que UNESCO, etc. A OUA também dos “Direitos Humanos”. sejam tomadas medidas para a tem competências sanitárias. com efeito, produzido um mun- redução da mortalidade infantil, o melhoramento da higiene do trabalho, etc. A era da comunicação tem, 7 CRIMES CONTRA A HUMANIDADE do globalizado que mais se contata e melhor se conhece. O Direito Internacional da Os crimes contra a huma- Com efeito, o homem conse- Saúde “consiste no estudo das nidade se distinguem do guiu, finalmente, descobrir que, regras jurídicas estabelecidas genocídio no tocante à intenção. ressalvadas essencialmente pelas organiza- O elemento intencional, no costumes raciais, tradições ções internacionais no domínio sentido de querer destruir de- religiosas e culturais, meio am- da proteção da saúde das po- terminado grupo social, não biente, os humanos sentem e pulações dos estados mem- existe nos crimes contra a precisam resolver os mesmos bros” (Michael Belanger). Ele humanidade. problemas. diferenças e surge do Direito Internacional A Internacional Bar Associa- Todo ser humano quer e pre- da Higiene ou do Direito Sani- tion, em um projeto de Código cisa comer, se vestir, trabalhar, tário Internacional. No tempo da Penal Universal que elaborou, estudar, morar, se comunicar, SDN havia a Organização de inclui entre os crimes contra a ter lazer e segurança. Higiene. humanidade (além do genocí- O homem sabe que ele é o É elaborado pelas Organiza- dio): a tortura, a escravidão, as mais instável animal da nature- ções governamentais e Organi- perseguições sociais, religiosas za, eternamente insatisfeito e zações Não Governamentais e raciais, a deportação de mu- sobre o qual a única previsão (como a Associação Médica lheres, etc. No Tribunal Militar possível de ser feita é a de que Mundial). É um direito misto: de Nurembergue uma das cate- ele é absolutamente imprevi- administrativo, econômico e gorias de crimes ali julgada foi sível. social. O seu fundamento é o o crime contra a humanidade. A Assembléia Geral das reconhecimento do direito à A Declaração Universal dos Nações Unidas de 1948 aprovou saúde. A sua oficialização ocor- Direitos Humanos proíbe, nos a Declaração Universal dos re na década de 1970. seus arts. 42 e 52: a escravidão, Direitos Humanos e, desde O Direito Internacional da o tráfico de escravos, a tortura, então, vemos um movimento Saúde se caracteriza por uma o “tratamento ou castigo cruel, crescente em direção ao descentralização que existe na desumano ou degradante”. Ela objetivo maior que é a proteção própria Organização Mundial da interdita assim a prática de da pessoa humana em qualquer Saúde, que criou seis regiões crimes contra a humanidade. lugar do mundo. geográficas. A Organização Os mesmos princípios figu- Crimes de guerra, tráfico in- Mundial da Saúde foi criada aci- ram no Pacto Internacional de ternacional de drogas, crimes ma de tudo por iniciativa da Direitos Civis e Políticos, nos financeiros, genocídios e cri- França, Brasil e China. Várias art. 7º, 8º, 9º e 10º. mes contra o meio ambiente organizações atuam nesta área: 130 têm representado um pano de j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo fundo da luta da humanidade entretanto, resta muito ainda a esteira de seu direcionamento para a defesa do elemento ser feito. O importante é que a busca contínua do cerne da humano. caminhemos com progresso em questão, fulcro do problema e Muito já tem sido feito na direção ao objetivo colimado assim se consiga mais proteção direção deste objetivo maior, como desiderato que abriga na à pessoa humana. R BIBLIOGRAFIA CHARNAY, Jean-Paul e outros. De la dégradation du droit des gens dans le monde contemporain. 1981. ARBUET, Heber; VIEIRA, Manuel. Organización de la Comunidad Internacional y Organizaciones Regionales. 1978. ARON, Raymond. Paix et Guerre entre les Nations. 1962. CAFLISCH, Lucius. 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The Ecological Perspective on Human Affairs. 1965. Assinatura Anual BRASIL Administração: R$ 30,00 Comunicação: R$ 20,00 Direito: R$ 40,00 Saúde: R$ 20,00 PUBLICIDADE E CORRESPONDÊNCIA Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul a/c Revista IMES Av. Goiás, 3400 São Caetano do Sul - SP Brasil - CEP 09550-051 Fone: (11) 4239-3259 - Fax (11) 4239-3216 e-mail: [email protected] j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Exterior (aérea) Administração: R$ 45,00 Comunicação: R$ 35,00 Direito: R$ 55,00 Saúde: R$ 35,00 131 D ireito Artigo A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto, no Código de Defesa do Consumidor Manoel Martins Júnior Advogado em Curitiba. Especialista em Direito Empresarial (PUC/PR). das Disposições Constitucionais 1997 (da Comissão de Comér- Transitórias.1 Conclui tratar-se cio do Mercosul) e ATA 08, de lações de consumo está às vés- de mais 29 nov. 1997 (do Comitê Téc- peras de completar uma déca- valiosos no ordenamento nico n. 7, Comissão de Comér- da de vigência no Brasil. Sua nacional e reconhecido pelos ju- cio). introdução no cenário pátrio re- ristas estrangeiros. INTRODUÇÃO A lei que dispõe sobre as re- Diploma dos Importa mencionar que o presentou conquista jurídico- O Estatuto Legal tem gênese STF na ADIn 319-4-DF2 – na constitucional das mais eleva- na Carta Magna de 1988. Os ar- relatoria do Ministro Moreira 5o das para seus destinatários tigos principais, os consumidores. gram o direito do consumidor. (XXXII) e 170 (V) consa- Alves – ressalta a importância da garantia constitucional3 na Nery Jr. (1992, p. 45-46) en- O direito do consumidor tam- defesa dos interesses dos con- fatiza que a Lei n. 8.078, de bém está presente no Mercosul. sumidores. No processo em 1990, tem uma consistente for- Neste sentido, documentos em exame, estava em cotejo a va- mação democrática. Destaca a consenso foram e estão sendo loração entre os preceitos do forma como foram conduzidas elaborados. Para exemplificar: ato jurídico perfeito e o direi- as discussões acerca do primi- Resoluções Parciais 123, 124, to dos consumidores. A deci- tivo Projeto de Lei n. 1.149/88, 125, 126 e 127, todas de são referida realçou a inviola- a teor do comando do art. 48 1.996. ATA n. 07, de 10 dez. bilidade desse novel princípio; 132 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo mormente, uma pedra na pi- dano o dever de repará-lo inte- para a concretização do direito lastra no Estado Democrático gralmente. não depende mais da prova da A reparação civil com a edi- culpa. O Código, em casos es- Portanto, é estreme de dú- ção da Lei de 1990 conquistou pecialíssimos, indica algumas vidas que o Código do Consu- realce. É nova modalidade de exceções. midor protege direitos funda- responsabilização. Traz contor- Comporta imprimir que o mentais. nos diferençados dos vertidos CDC cuida de interesses e di- A Lei Consumerista ostenta no Código de Beviláqua. Anun- reitos individuais e coletivos. A o perfil dos textos legais mais cia in genere a responsabilida- solução pelos conflitos coletivos atualizados. Encontra-se em de objetiva. é a dinâmica do CDC, a contra- de Direito. delgada sintonia com a chama- Alguns diplomas legislativos rio sensu, dos tradicionais es- da pós-modernidade; caracteri- já existentes imprimiam a res- tatutos já existentes, como os zando-se como um microssiste- ponsabilidade objetiva, exempli Códigos Civil, Comercial e Pro- ma de normas a irradiar seus gratia do Decreto n. 2.681, de cessual Civil. efeitos nas relações polarizadas 7 dez. 1912 (acidentes nas es- por fornecedores e agentes con- tradas de ferro). sumistas. A teoria do risco, como regra- Acrescente-se a forma diferençada da legitimação, para o exercício da defesa dos direitos insculpidos na Lei n. 8.078. De forma contundente o mento, pauta-se na composição CDC, no Capítulo IV, faz refe- do dano, sem se apurar a culpa. O tema alvo destas anota- rência a uma política de prote- A simples ocorrência do fato ren- ções alude à responsabilidade ção à saúde e segurança dos de ensejo à responsabilidade. civil do fornecedor pelo fato do O CDC adotou a técnica jurí- produto no âmbito da Lei mul- Para o recente Conjunto de gena da responsabilidade sem ticitada. Os dispositivos 8o a 17o Normas, o importante é a qua- culpa, embora na forma mitiga- do CDC serão o objeto desta lidade dos produtos e serviços da. O Código, prevendo a teo- análise. O enfoque será no con- postos à disposição dos uten- ria do risco, mais facilmente cernente à responsabilité civile tes. Nesse caso, a prevenção é realizará o direito dos usuários e suas repercussões. nota essencial no espírito do de serviços e produtos. De fato, Figura como principal objeti- Código. Utiliza o CDC a infor- é a tese que melhor se adequa vo estabelecer-se uma correlação mação para estabelecer a noção para proteger os consumidores. entre a análise do texto legal, o preventiva.4 É que antes de vigorar o Códi- pensamento doutrinário e a po- Assim, os bens de consumo go havia dificuldades quase que lítica de atuação dos tribunais deverão estampar com clareza intransponíveis para a configu- pátrios, na tentativa de elucida- a existência de alguma nocivi- ração do damno, na moldura da ção dos pontos nevrálgicos dos dade ou perigo existente. A in- Lei Substantiva. desafiadores questionamentos consumidores. formação funciona como prin- Eis a síntese do brocardo cípio, devendo conduzir-se ade- civilista: sem a prova da culpa quadamente. não há reparação. que o assunto circunda. Certamente que o tema eleito continuará desafiando a argú- A inobservância a esses ca- Com a assunção do CDC so- cia dos estudiosos; dividindo racteres impõe ao causador do lucionou-se o entrave. O óbice opiniões, das mais abalizadas. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 133 D ireito Artigo 1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR sas corpóreas (Alvino Lima, que causem danos a terceiros. 1998, p. 19-23). Ratifica a exegese que se em- Com parâmetro no elemento presta ao dispositivo supra, 1.1 Evolução do conceito de culpabilidade culpa surgiu o germe da repara- uma Lei de 7 nov.1932, a qual ção,7 a partir da Lei de Aquília. conferiu responsabilidade, de- Daí, a expressão: responsabilida- corrente de culpa, ao detentor de aquiliana. do imóvel onde se originou o A teoria clássica da culpa encontra seu principal fundamento no direito justinianeu. O artigo 1.382 do Código incêndio. Restou clara a exce- No Direito Romano, a com- Civil de Napoleão, de 1804, es- pensação da culpa teve início tabeleceu a responsabilidade O assunto ainda suscitava com base na culpa, a título de questionamentos, não fosse o fórmula. luminoso aresto da Corte de Cas- com a vingança privada.5 O cri- tério primitivo passou a evoluir ção ao artigo 1.384, § 1o. com a prática da composição Coube a Saleilles8 e a Josse- sação de Paris, datado de 13 voluntária, onde o lesado tran- rand9 assentarem a responsa- fev.1930, quando ficou incólume sigia com o ofensor, em troca bilização exclusivamente no a prevalência da teoria do risco. de dinheiro ou objetos. fato ou no risco criado: surge A Itália também optou pela Povos antigos, a exemplo então a responsabilidade obje- tese objetiva. O Código de Es- dos babilônios, hebreus, helê- tiva. A idéia doutrinária influen- trada, de 8 dez.1933 (art. 122) nicos e indianos, dispunham de ciou estudiosos, julgadores e o e o Civil (art. 2.054, § 2o, inci- legislação própria para comba- Poder Legiferante.10 so) reprisam tal instituto.12 ter o ato ilícito perpetrado. O Alvino Lima (1998, p. 40)11 As modernas codificações cânon mosaico ou Pentateuco põe em relevo a doutrina de têm adotado a teoria do risco, prescrevia com exatidão algu- Mazeaud et Mazeaud, como porque cogitada tese expressa uma negativa ao dogma tradi- o princípio da eqüidade com A pena de Talião foi reprodu- cional da responsabilidade me- maior justiça. O Código do Con- zida em diplomas que se torna- diante a culpa. Os ilustres au- sumidor brasileiro inseriu a res- ram multiconhecidos, como o tores defendem a theoria obje- ponsabilidade objetiva, na for- Código de Hammurabi, Código tiva, a partir do conceito da cul- ma mitigada, em consonância de Manu e a Lei das XII Tábuas. pa in abstrato. Ou seja, não se com as explanações avante. Por influência dos pretores, aprecia a conduta do autor do no Direito Romano surgiu a Lei dano – eis o ponto de toque – 1.2 A responsabilidade de Aquília (286 a.C.). por que não se exige a culpa civil no Direito Brasileiro como elemento nuclear da res- Calcado na doutrina da res- mas normas.6 A Lei Aquiliana apresentava três capítulos. Regulava as seguintes situações: (a) a morte ponsabilidade. O artigo 1.384, § ponsabilidade extracontratual 1 o, do Có- subjetiva, ou teoria aquiliana, o de escravos ou quadrúpedes; digo Civil francês, é interpreta- Código Civil pátrio, como nota (b) o dano causado por um cre- do no sentido de consagrar o genérica, perfilhou idêntico po- dor; (c) o ferimento ocorrido em princípio da responsabilidade sicionamento. escravos e animais; (d) a des- sem culpa. O texto assinalado Os artigos 159 e 1.518 do truição ou deterioração de coi- reporta-se a casos de incêndio Codex com clareza dimensiona- 134 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo ram o espectro da responsabili- Todas as normas especiais de objetiva do risco, na modali- zação ali arregimentada. Para visavam proteger interesses dade mitigada. Contudo, no ar- que o ato ilícito seja reparado, é públicos, e tinham como res- tigo 14, § 4o, há uma ressalva necessária a comprovação da cul- ponsável pela indenização a tangente à responsabilidade pa lato sensu do agente causador. Administração Pública. dos profissionais liberais. Refe- Para a concreção da modali- Denari (1997, p. 142-143) rida obrigação é subjetiva, re- dade extracontratual e sua res- observa que os artigos 1.528, solvendo-se pelo regime da te- pectiva compensação, a doutri- 1.529 e 1.546 do Código Civil oria da culpa. na nacional é uníssona quanto brasileiro contêm regras de res- à implementação dos pressu- ponsabilidade objetiva. 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR postos que norteiam a culpa, a O dano moral foi inscrito na saber: (a) o ato ou omissão vio- Lei Fundamental de 1988, em ladora do direito de outrem; (b) conformidade com o que narram a configuração do dano produ- os incisos V e X do artigo 5o. Em zido; (c) a relação de causalida- nível constitucional inaugurou-se de; (d) a culpa. a constitucionalização do dano. A Lex Fundamentalis fez Presentes tais elementos, o Tanto as pessoas físicas como as constar em seu texto os direi- ato recebe a chancela de ilícito, jurídicas poderão usufruir do tos dos consumidores. Os arti- exsurgindo-se o imperativo dever de ressarcimento. comando da Lei Maior.13 2.1 A previsão constitucional da defesa do consumidor e a importância do Código de Defesa do Consumidor gos 5o (XXXII), 24 (VIII), 150 (§ No tocante à teoria objetiva 5o), 170 (V) e 220 (§§ 3o, II e Não obstante à adoção da do risco, é oportuno destacar o 4o) consagraram a nova disci- teoria de Aquília pela Lei Civi- previsto na Constituição da Re- plina. Especialmente os precep- 1988.14 lista, no ordenamento jurídico pública de O artigo 21, tivos 5o (XXXII) e 170 (V) ampa- brasileiro existe uma coletânea inc. XXIII, ‘c’, dispõe sobre os ram a pretensão consumerista. legislativa que expressa a opi- danos nucleares, e redaciona No artigo 170, caput, consig- nião ou these objetiva. que a forma de indenização “in- nam-se relevantes fundamentos A legislação esparsa a seguir depende da existência de cul- para uma sociedade democrá- destacada ilustra o argumento pa”. Igualmente, o disposto no tica: ordem econômica, valori- da teoria do risco: Decreto n. artigo 37, § 6o, faz menção à zação do trabalho, livre iniciati- 2.681, de 7 dez. 1912 (aciden- responsabilidade da Adminis- va, existência digna e justiça tes nas estradas de ferro); De- tração Pública centralizada e social. O inciso V – “defesa do creto-Lei n. 483, de 8.6.1938 descentralizada,15 consumidor” – é mencionado (acidentes no transporte aéreo bém dos prestadores de servi- – Código Brasileiro de Aeronáu- ços públicos (serviços delega- tica, com a vigência da Lei n. dos a particulares). como tam- como um princípio. Um preceito inscrito na carta política de um país tem sig- 7.565, de 19 dez. 1986; Decre- Na esfera do Código de nificação das mais soberanas. to-Lei n. 7.036, 10 nov.1944 Defesa do Consumidor, o tema Para Bandeira de Mello (acidentes de trabalho); Lei n. encontra-se veiculado nos arti- (1997, p. 450) um princípio é 6.938, de 31 ago. 1981 (danos gos 12, 13 e 14. O Código aco- “mandamento nuclear de um causados ao meio ambiente). lheu a teoria da responsabilida- sistema”. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 135 D ireito Artigo Na introdução deste ensaio nização por danos, via de regra, ofício o fato jurídico em dis- foi transcrita uma decisão im- era negada pela ausência de cussão. Sobre a temática não portantíssima para a seara do uma relação contratual direta incide a preclusão e poderá Direito do Consumidor. Trata- entre o fornecedor e o agente ser revista a qualquer tempo. se de acórdão propalado pelo consumidor, ou então, porque O tribunal pode, inclusive, Colendo STF, na ADIn 319-4- a vítima não detinha elementos aplicar o preceito da reforma- DF. O relator, Ministro Morei- comprobatórios para demons- tio in pejus, dado o conteúdo ra Alves, sobranceiramente trar a culpa do agente produ- da norma. pondera a despeito dessa inar- tor. Valiosos institutos jurídicos redável garantia constitucio- No curso dos anos 1950 e alinharam-se em prol do con- nal pró-consumidores. Sopesa, 1960 transparecem os consumi- sumidor. Boa-fé nas relações o prefalado preceito, ante ao dores como um problema soci- de consumo, inversão do ônus primado do ato jurídico perfei- al. Os tempos pós-guerra mul- da prova, proteção contratual to. Em conclusão, argumenta tiplicaram, sem precedentes, o de cláusulas abusivas, princí- que, quando em disputa, não desenvolvimento econômico e pio da segurança à saúde, vul- poderá haver prejuízo para os carrearam um desequilíbrio em nerabilidade do consumidor, consumidores; a harmoniza- desfavor dos consumidores. In- equilíbrio nas relações de con- ção entre os princípios é ques- clusive, em 1962, o Presidente sumo, dever de informar são tão de estreita justiça. dos Estados Unidos, John Ken- princípios de especial relevo nedy, reconheceu para a defesa do consumidor. da no catálogo brasileiro. Com alguns direitos dos consumidores, A responsabilidade civil muito acerto foi a condução do como: direito à segurança, à objetiva do fornecedor nos voto do eminente magistrado. informação, à escolha, e direito “acidentes de consumo” 17 – alvo Em síntese, entre princípios à ser ouvido. Na América e das nossas considerações – é não pode prevalecer qualquer Europa Ocidental surgia um outra ferramenta jurídica à jerarquia. novo direito, o dos consumi- disposição do usuário de produ- dores. 16 tos e serviços. Luzidia decisão foi registra- A constitucionalização da defesa do consumidor como Um dos enfoques principais Sob tais contornos, não há primado basilar representa do Direito do Consumidor é a como deixar de reconhecer o destacada ênfase para as nor- proteção contra produtos peri- vital espaço ocupado por este mas inseridas na Lei n. 8.078, gosos ou com defeitos, alicer- Estatuto Jurídico. Como já de 1990. çando-se, assim, o princípio da apontado, o CDC tem desper- segurança à saúde. tado a atenção da comunida- Com o advento do CDC supriu-se extensa lacuna nas re- Conjugar normas de ordem de jurídica internacional, dado lações comerciais entre forne- pública e interesse social a favor o moderno conjunto sistêmi- cedor e o agente que consome. dos consumidores, na ordem prá- co-doutrinário acolhido, em O relacionamento mercantil tica, trouxe mais vantagens para paralelo, com o cunho prote- com maior apoio no Código Ci- os utentes. O conteúdo do arti- tivo dos direitos e interesses vil, encontrava-se desequilibra- go 1º significa que o órgão ju- ali dispostos. do para o consumidor. A inde- risdicional deverá apreciar de 136 2.2 A referência no Direito j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo Comparado e o modelo da dade conferida pelo CDC é a da responsabilidade civil acolhida responsabilidade não-culposa CDC e o risco de danos ao consumidor pelo Código do Consumidor na acepção de Lima Marques 2.3.1 O direito à segurança No que tange ao modelo de (1999, p. 623).19 dos produtos responsabilização, dois siste- A responsabilidade civil no A tutela da segurança nas mas influenciaram o Projeto de Direito Norte-Americano, para relações de consumo é nota nosso Código: o Norte-America- os danos motivados por defei- importante na esfera do CDC. É no e o da Diretiva (n. 85/374/ tos, fundamentou-se em três evidente que a noção de segu- CEE, de 25 jul.1985), da Comu- estágios de evolução: (1) negli- rança, que o Diploma estabele- nidade Econômica Européia. O gence, (2) breach of warranty; ce, alude à segurança legitima- primeiro alicerçou-se nas garan- (3) strict liability in tort (Mace- mente esperada, consoante têm tias implícitas (ou contratuais) na de Lima, 1990, p. 4). proclamado os doutrinadores. para aportar na responsabilida- O Estatuto do Consumidor O entendimento é o de que não de objetiva (theoria do risco). A brasileiro elegeu a teoria do ris- se trata de segurança absoluta, sistematização da CEE fundou- co – mas com temperamentos hermética. No mercado de con- se na premissa de defeito dos – ou seja, prevalece a respon- sumo existem produtos que são produtos industrializados colo- sabilidade sem culpa, mas per- naturalmente perigosos, ou no- cados no mercado pelo forne- mite-se exceções para isentar o civos à saúde. No entanto, o cedor, para, então, configurar fornecedor de reparar danos, Código de Proteção não os a responsabilidade objetiva. em conformidade com o dispos- proíbe que estejam à disposi- to em lei. ção de utentes. O espírito do O Código do Consumidor perseguiu a orientação da Dire- Tal forma de apuração de Código está atento à idéia de tiva da CEE. Sustentam que o dano é reconhecida como a defeito e de falha na justa ex- CDC acolheu a orientação da mais justa, posto existir situa- pectativa de segurança. CEE, Macena de Lima (1990, p. ções em que incide culpa exclu- 226) e Vasconcellos e Benjamin siva do consumidor. (1991, p. 61).18 A segurança realçada tenta proteger riscos à integridade Prova-se pelo Multifárias legislações têm física do utilizador do produto fato de o CDC somente obrigar recepcionado essa teoria, como ou serviço e, da mesma forma, à à composição danosa, quando as citadas precedentemente. proteção de seu patrimônio, evi- existir o defeito do produto. Destaque-se, outrossim, que tando-se custos desnecessários. Para melhor esclarecer, vale o na esfera do Mercosul, com as No sistema do CDC figura argumento de Lima Marques edições das Resoluções 123/96, como natureza extracontratual (1999, p. 625), ao concluir que, 124/96, 125/96, 126/96, 127/ a garantia do produto ou do ser- o CDC reconhece o dano e seu 96, tais princípios estão sendo viço. nexo de causalidade. Contudo, reproduzidos. Da mesma forma, se não for comprovada a exis- nas ATAs n. 08/97 e n. 07/97. tência do defeito do produto, aí Destarte, o CDC tem trilha- não repousará a obrigatorieda- do na modernidade legislativa de de indenizar. em defesa dos consumidores. O produto tem segurança quando não manifesta algum elemento defeituoso, que venha a causar danos. Convém distinguir que exis- A natureza da responsabili2.3 Princípios protetivos no j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 137 D ireito Artigo tem produtos e serviços defei- cípio geral de proteção da con- posteriormente à notícia, é ina- tuosos, sem contudo, serem fiança, inserto na Lei n. 8.078, fastável o dever pós-contrato, inseguros. Por exemplo, uma de 1990. na ensinança da autora referendada. Inclusive, com a fixação roupa pode apresentar alguma deformidade de design, sem tra- 2.3.2 O dever de de cartaz no estabelecimento zer risco à saúde. Na mesma li- informar do fornecedor comercial, com as orientações nha, existe produto ou serviço O dever de informar no CDC pertinentes. com deficiência e que pode cau- funciona como uma norma-ma8 o, Ferreira da Rocha (1992, p. sar sérios prejuízos, exemplifi- triz (arts. § ún. e 12). A in- 97) ilustra o tema ao mencio- cando: um medicamento com a formação é direito básico do nar que a farmacêutica norte- 6 o, data vencida, e que continua consumidor (art. II), e deve- americana Johnson & Johnson exposto à venda; um portão que rá apresentar-se como suficien- foi condenada pela Suprema é fixado irregularmente, e cai te e adequada. É indispensável Corte do Estado de Washington, ferindo um transeunte. no contexto em que os aconte- na cifra de US$ 2,5 milhões, Em consonância com o art. cimentos transmigram on line. porque um menino de 15 me- 12, a responsabilidade extra- A mecânica do mercado de con- ses bebeu óleo de limpeza, e no contratual pelo dano baseia-se sumo move-se pelo dinamismo rótulo não constava a advertên- na falta de segurança esperada. das informações. cia alertando os pais sobre os riscos em caso de ingestão do No citado texto, é imputada ao Em comento ao art. 10, Lima construtor, fabricante, produtor Marques (1999, p. 619) conclui e ao importador a responsabili- que o dispositivo institui um dade sem culpa. A reparação “dever pós-contratual”.20 Justi- causada aos consumidores con- fica a locução, ao dizer que esse globa dever pós-contratual impõe um 2.4 Espectro da dever de vigilância; dever de se responsabilidade objetiva Aliás, convém lançar uma prestar informações ao agente no regime do CDC questão de ordem. A solidarie- consumidor. Noutro enfoque, é A sistemática do CDC relati- dade entre os fornecedores está plausível assegurar que está vamente à obrigação de indeni- expressa no CDC, art. 7o, § ún. implícito, em qualquer liame zar do fornecedor tem sedimen- A denunciação da lide, conso- jurídico entre fornecedor e usu- tação (a) na existência do de- ante o art. 88, não é possível ário de produtos ou serviços, a feito, (b) no dano gerado, (c) no operar-se. Nas relações de con- imprescindível obrigação de o nexo causal, entre o defeito do sumo é fornecedor corrigir o perigo ou produto e o ato lesivo. admitido, em face da responsa- nocividade de produtos ou ser- Abrange a todas as situações bilidade objetiva. O chamamen- viços postos no mercado. É o em que o consumidor for pre- to ao processo, também não fato de um farmacêutico comer- judicado. O parâmetro da inde- (Nery Jr., 1999, p. 1.874). cializar medicamento que, após nização é o do princípio da res- Lima Marques (1999, p. 616) a venda, foi considerado noci- titutio in integrum, conforme reitera que a garantia de segu- vo à saúde. Embora o negócio teor do art. 6o, VI, que enume- rança entrelaça-se com o prin- mercantil tenha sido realizado ra: “VI – a efetiva prevenção e produtos e serviços defeituosos. 138 o instituto não produto. Portanto, o dever de informar é imprescindível. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo reparação de danos patrimoni- mente o que seja fornecedor; ação como responsável pelos ais e morais, individuais, assim: “Fornecedor é toda pes- produtos que transporta para o coletivos e difusos”. soa física ou jurídica, pública ou mercado consumista. Como acentuado, a previsão privada, nacional ou estrangei- do ressarcimento é extensível ra, bem como os entes desper- a todos os danos, inclusive na sonalizados, que desenvolvem proteção dos direitos e interes- atividades de produção, monta- ses coletivos e difusos, na mol- gem, criação, construção, trans- dura da class action. formação, montagem, exporta- 2.6 Objeto da responsabilização do fornecedor pelo fato do produto Afasta a denominada indeni- ção, distribuição ou comerciali- zação limitada ou tarifada.21 zação de produtos ou prestação 2.6.1 O defeito como elemento propulsor da obrigação de indenizar, Igualmente, a cumulação é rea- de serviços”. pelo fato do produto23 lidade jurídica. Tanto no mode- A doutrina com base na O agente econômico é res- lo do dano moral, como no Diretiva 85/374/1985/CEE clas- ponsabilizado pelo produto que patrimonial. sifica o fornecedor em: (a) for- coloca no mercado, se este Consentâneo com o primado necedor ou produtor real; (b) apresentar defeito potencial ou indenizatório da restitum in in- fornecedor ou produtor aparen- real, e causar dano. A circula- tegrum, o Superior Tribunal de te; (c) fornecedor ou produtor ção defeituosa do produto, con- Justiça recentemente, ao julgar presumido. O fornecedor real é juntamente como o ato preju- um pedido de reparação civil quem cria e entrega o produto dicial, é o que caracteriza o de- por atraso de vôo, com espeque acabado, inclusive, a matéria- ver de reparar. Ipso facto, o res- no Código do Consumidor, en- prima. É fornecedor aparente sarcimento não encontra apoio tendeu que a indenização não aquele que imprime no produ- legal na singela conduta defici- pode ser tarifada, nos termos to seu nome, marca ou sinal ente de quem fornece o produ- da legislação da Convenção de distintivo. Presumido é o forne- to, mas tão-somente, na imper- Varsóvia, porquanto a defesa do cedor que distribui produtos; é feição produzida capaz de consumidor tem regra pró- o que importa produtos para gerar prejuízo. pria.22 venda, aluguer, leasing. Não Macena de Lima (1990, Na vértice de tais comandos, importando se os produtos ne- p. 5) enumera o famoso caso o dever de indenizar no CDC é gociados são identificados ou MacPerson v. Buick Motor Co. A o da completa reparação. não (James Marins, 1993, p. Buick Motor Co. vendeu um veí- 100-101). culo de sua fabricação. Ao utili- 2.5 Conceituação de fornecedor A conceituação abrange a zar o novíssimo automóvel, o Para uma melhor compreen- todas as atividades, civis ou comprador foi surpreendido com são do agente responsável pelo mercantis. O fornecedor pode- os raios de uma das rodas que se ato a ser reparado, é importan- rá oferecer produtos ou servi- romperam, com o proprietário ar- te destacar sua conceituação na ços. Dessarte, o conceito de remessado textura do CDC. agente econômico é extenso, veículo, e ficando gravemente não pairando qualquer dúvida ferido. O Tribunal de Apelação quanto ao espectro de sua atu- de Nova York, em 1916, apre- O Código do Consumidor, em seu art. 3 o, define ampla- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 para fora do 139 D ireito Artigo ciou o assunto. O juiz Cardozo to em (a) defeitos juridicamen- tos podem apresentar, dividem- condenou a empresa pelo dano te relevantes para responsabi- se em dois grupos: (a) riscos in- causado, e não somente isto – lidade civil, e (b) defeitos juridi- trínsecos (periculosidade ineren- neste caso – generalizou-se a camente irrelevantes para res- te); e (b) periculosidade adqui- idéia de que o agente fabrican- ponsabilidade civil. Os juridica- rida (decorrente de defeito).26 te de um produto assume um mente relevantes são os dispos- Os defeitos no regime do dever de diligência perante os tos no caput do art. 12. Defei- Código são apresentados em consumidores diretos, e tam- tos juridicamente irrelevantes três gêneros: (1) de fabricação; bém perante qualquer terceiro, apresentam-se pela atividade – (2) de concepção; e (3) de infor- que possa suportar danos exclusivamente – culposa do mação (ou de comercialização). defeituoso.24 consumidor ou de terceiro. São O artigo 12 descreve quais são Os defeitos de produção são aquelas imperfeições oriundas os defeitos decorrentes da fa- os que se manifestam em al- do caso fortuito ou força mai- bricação, sabendo-se: monta- guns exemplares do produto, or, “da normal ação deletéria do gem, manipulação, construção oriundos de falha no processo tempo” e do risco do desenvol- ou acondicionamento de produ- produtivo; qualquer que seja, vimento. tos. Os atos defeituosos de fa- oriundos do fato Na sistemática do Código, bricação que originam a respon- fato do produto significa dano sabilidade pelo fato do produ- A noção de defeito no CDC causado por defeito apto a re- to caracterizam-se como inevi- tem estreita ligação com a idéia dundar a responsabilidade do táveis; de previsível ocorrência de segurança do produto.25 fornecedor. Há necessidade e de manifestação limitada.27 Na direitura do art. 12, § 3o, impostergável de se caracteri- Na conceituação de Ferreira da II, não havendo a configuração zar o dano por interlúdio do fato Rocha, (1993, p. 47) os defei- indisfarçável da deformidade, a do produto. tos de fabricação apresentam mecânico ou manual (Denari, 1997, p. 147). pretensão do conforto indeniza- O CDC exige que o produ- dois caracteres: previsibilidade tório, por sua vez, será esvazia- to seja considerado defeituo- e relativa inevitabilidade. As da. A simples prova de ausência so para que haja a responsa- doutrinas nacional e estrangei- de defeito excluirá quaisquer bilização do fornecedor. Os ra são unânimes ao afirmarem formas de reparação para o agen- agentes beneficiados pela in- que as imperfeições do fato pro- te econômico. Não importará a denização são todos aqueles duto, no gênero fabricação, são potencialidade que o dano re- que suportarem os danos, in- inexoráveis, inerentes a qual- dundar, nem tampouco, se o clusive, os bystanders (vocá- quer espécie de produção em entregador ou fornecedor pôs o bulo do Direito Norte-America- série.28 produto na rede de mercancia. no). Na linha de concepção, os Atenua a descrição, o fato de o A responsabilidade do forne- defeitos são de projeto ou de fornecedor ter que exibir a com- cedor poderá ocorrer por fato fórmula. Nesta classificação, é provação da inexistência da im- próprio, de outrem ou pelo fato certo dizer que referidas defor- perfeição, ou defectu. da coisa (produto). midades são evitáveis. Quando James Marins (1993, p. 110) Arruda Alvim (1996, p. 136) o defectu é ocasionado na eta- estrutura os defeitos do produ- diz que os riscos que os produ- pa de concepção, toda produ- 140 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo ção fica comprometida – do mente, prepondera. da responsabilidade do CDC ponto de vista de prevenção –, Decerto, o caráter de defei- O Código nos incisos I, II e porque a falha é na origem, no tuosidade do produto necessi- III, do art. 13, relata a situação projeto. Portanto, irremediável. ta de valoração, e enseja na in- do comerciante, relativamente Os causadores do dano, nesse tervenção estatal, para o efe- ao dever de compor o evento caso, poderão utilizar-se do re- tivo exame das circunstâncias danoso a que der origem. Na que encerram o fato concreti- hermenêutica do CDC, o agen- zado. te fornecedor-direto suporta a call, 29 com o escopo de preve- nir eventuais responsabilizações (exceto se os produtos já A propósito, merecem refe- responsabilização de forma tiverem sidos distribuídos para rência alguns julgados no subsidiária, e nos seguintes ca- comercialização e causado da- Direito Brasileiro. Recente- sos: (a) quando a cadeia forne- 1a nos, o mecanismo do recall per- mente o Juízo da Vara Cível cedora não puder ser identifi- de a eficácia). A estrutura da de- em Curitiba (Processo 66057/ cada; (b) não havendo identifi- ficiência na concepção difere da 97) condenou a Arisco Produ- cação clara nos produtos distri- ocorrida na fase de construção. tos Alimentícios Ltda a pagar buídos; (c) em caso de não con- É que, na construção, o defeito indenização de 400 salários servar com adequação os pro- atinge apenas a um número li- mínimos, porque uma mosca dutos perecíveis. produtos.30 foi encontrada em um frasco A subsidiariedade justifica-se Os defeitos de informação se de 30 gramas de pimenta (Ga- por que o produtor é quem es- manifestam quando ocorre (a) zeta Mercantil, 14 jul. 1999, palha os produtos no mercado. informação inadequada ou in- p. 1 e 5). Em todo caso, o direito de re- mitado de gresso é garantido pelo § ún. suficiente sobre a utilização do O Superior Tribunal de Justi- produto e os riscos que os re- ça tem se manifestado a respei- vestem, (b) defeito no acondici- to do tema. No REsp 185.836- O sistema do CDC é criticá- onamento do produto. SP, manteve a condenação da vel, à medida que o comercian- Constata-se que os defeitos Ford do Brasil, para que fosse te ou fornecedor-direto, em alusivos à comercialização fun- entregue um novo veículo. O caso de produtos não industri- dam-se na forma como os pro- bem apresentou vício de quali- alizados, não é responsabiliza- dutos são conduzidos. Tanto no dade. O REsp. 114.447-3-RJ aco- do prima facie, em detrimento aspecto de veiculação (informa- lheu tese para a substituição de ao produtor rural ou do artesão. do art. 13. defeituoso.31 No quadro comparativo, o co- como no que diz respeito à for- O Código apregoa o defei- merciante geralmente é o que ma de armazenamento. A co- to para a finalidade de repa- tem maior lastro econômico municação ao público – de for- ração. A imperfeição do pro- (Lima Marques, 1999, p. 621). ma clara, adequada e esclare- duto deverá acompanhar o Convém sinalizar que o pre- cedora – sobre o conteúdo do nexo de causalidade, para que ceptivo legal (art. 12) não se produto que se está pondo no o dano seja reparado pelo for- referiu ao comerciante, impu- mercado consumidor é caráter necedor. tando-lhe qualquer obrigação. ção adequada e suficiente), mobiliário O negociador-direto é o prin- de absoluta obrigatoriedade. O dever de guardar bem, igual- 2.6.2 O fornecedor-direto (comerciante) no contexto j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 cipal elo de ligação com o con141 D ireito Artigo sumidor, mas o legislador nes- ta algumas excludentes a favor impedir que se manifeste o te primeiro momento optou de quem deve indenizar, con- nexo de causalidade, fato indis- por não inclui-lo no elenco do soante as previsões legais. pensável para a responsabiliza- A responsabilidade objetiva ção. Nesta ótica, não importará pelo risco, quando aplicada na que haja defeito, porquanto modalidade de abrandamento será “defeito juridicamente declina (mitigada), busca um ponto de irrelevante”, em consonância lição do mestre italiano Alpa, o equilíbrio entre a causa danosa com estudo de James Marins qual atribui a concentração da e a distribuição da reparabilida- (1993, p. 110). responsabilidade ao construtor, de. É o que se chama de reparti- fabricante e ao produtor, porque ção do risco; o equilíbrio, na ta- 3.2 Os institutos do caso a maioria dos defeitos ocorrem refa de distribuição de justiça, fortuito e da força maior na origem, ou seja, na produção. com o desiderato de alcançar o e a possibilidade de Na comercialização o risco é afas- núcleo do princípio da eqüidade. aplicação no CDC tado, exceto a título subsidiário, Espanca o CDC, portanto, a tese na leitura do art. 13 e seus inci- do risco integral. artigo 12, somente o fazendo no art. 13. Ainda a Professora Lima Marques (1999, p. 622)32 plexas é a atinente aos institu- Comentando o art. 5o do tos do caso fortuito e da força Decreto-Lei de Portugal, n. 383/ maior, na estreiteza do Código 1989, Calvão da Silva (1990, p. do Consumidor. sos. Esclarece-se assim, a motivação do escritor da lei. Problemática das mais com- 3 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 717) diz que o Texto Legal in- A índole civilista dos concei- corpora disposição do art. 7o da tos da força maior e do caso Diretiva Européia, e na alínea ‘a’ fortuito é proeminentemente. 3.1 Excludente, um parênte- dispõe que o produtor não é Lançando luzes sobre o pa- sis à teoria do risco responsável “se provar que não rágrafo único e seu art. 1.058, pôs o produto em circulação”.33 o clássico Clóvis Beviláqua do art. 12, é afastada a O fato é que, quando houver (1979, p. 172) menciona: “Con- responsabilização do fornece- culpa exclusiva do consumidor, ceitualmente o caso fortuito e dor, quando este provar: “I – que o econômico a fôrça maior se distinguem. O não colocou o produto no mer- ficará isento de qualquer primeiro, segundo a definição cado; II – que, embora haja co- responsabilidade. de Huc, é “o acidente produzi- Na diretriz dos incisos I, II e III, § 3 o, agente locado o produto no mercado, A culpa concorrente não é do por fôrça fisica ininteligen- o defeito inexiste; III – a culpa excludente de responsabilida- te, em condições que, não po- exclusiva do consumidor ou de de, mas simples atenuante. A dem ser previstas pelas partes”. 7 o, n. I, do Dec.-Lei A segunda é “o fato de terceiro, As causas exonerativas su- n. 383, de 6 nov. 1989, a culpa que criou, para a inexecução da perpostas explicam a natureza concorrente é tida como atenu- obrigação, um obstáculo, que a jurídica da responsabilidade ante e não como cláusula de ex- boa vontade do devedor não acolhida pelo Código de Prote- clusão.34 pode vencer”. terceiro”. teor do art. ção. Preferiu o CDC, a teoria do A existência da culpa exclu- Importa considerar que o risco mitigada; ou seja, compor- siva é motivo suficiente para Código Civil adotou expressa- 142 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo mente os regimes jurídicos dentes, dentre outros, Denari caso fortuito impeçam a concre- multicitados. É possível a exclu- (1997, p. 155), Vasconcellos e tude da responsabilização (Nery são das regras em espécie. Cló- Benjamin e Calvão da Silva (au- Jr., 1992, p. 56). vis Beviláqua (1979, p. 173) tor português). Defendem os A imputabilidade objetiva baliza: “O caso fortuito e a fôr- renomados estudiosos do Direi- com escora na ação dos agen- ça maior escusam o devedor de to do Consumidor que os for- tes fornecedores e na existên- responsabilidade pelos prejuí- necedores beneficiam-se das cia efetiva do defeito espanca- zos; mas êle pode, por cláusula excludentes da força maior e do ria o colóquio de que o defeito expressa, ter assumido essa caso fortuito.37 -38 James Marins seria originado em caso fortui- responsabilidade”.35 (1993, p. 153), parcialmente: to e na força maior. Exemplifi- O CDC não faz menção à for- distingue a ocorrência da força cando: a devolução indevida de ça maior e ao caso fortuito. Nos maior ou caso fortuito, em dois cheque com a anotação ‘sem dispositivos que consignam as estágios: (a) se ocorre antes (b) fundos’, um registro equivoca- causas exonerativas de respon- ou depois da inserção do pro- do em banco de dados, o corte sabilidade do fornecedor (art. duto no mercado. Ocorrendo na ilícito de energia elétrica (Lima etapa inicial, o fornecedor res- Marques, 1999, p. 627). 12, § 3 o, I, II e III), não tratam ponderá pelos danos; na segun- A força maior e o caso for- Mais uma vez, convém trans- da etapa, as excludentes afas- tuito não são causas de exclu- crever o magistério do erudito tarão quaisquer formas de res- são da responsabilidade objeti- jurisconsulto, Clóvis Beviláqua ponsabilização para o agente va prevista no CDC. Ferreira da (1979, p. 173): “Não é, porém, produtor. Rocha (1992, p. 112) apresen- sobre o assunto. a imprevisibilidade que deve, No outro pólo, com a mes- ta argumentação, para justificar principalmente, caracterizar o ma eloqüência doutrinária: Al- a não aplicabilidade da força caso fortuito, e, sim, a inevita- vim, Castro Nascimento, Ferrei- maior e do caso fortuito na es- bilidade”.36 ra da Rocha, Lima Marques e fera das relações de consumo. O fator decisivo, parece-nos, Nery Jr., sem exaurir a listagem. Expõe: (a) a responsabilidade do é a inevitabilidade do aconteci- Para o ressarcimento não fornecedor funda-se na existên- mento. Já ficou frisado em importa que tenha havido caso cia de um produto defeituoso; linhas precedentes que, o fortuito ou força maior. A mens (b) o defeito fundamenta-se em defeito do produto é fato previ- legis colhida do CDC, quanto às um fato necessário, “cujo efei- sível – mas inevitável –, no circunstâncias exonerativas, to era impossível evitar ou im- gênero defeito de construção não contempla os institutos re- pedir” (caso fortuito ou força ou de produção. feridos. Portanto, excludentes maior). Considera como dois os A doutrina brasileira perti- do dever de reparação são nu- momentos da configuração do nente ao assunto divide-se en- merus clausus e o fornecedor defeito: (1) quando o defeito tre defensores e oposicionistas. não pode livrar-se da obrigação. ocorrer antes do ingresso do As regras jurídicas invocadas, A Lei n. 6.938/1981, dispondo produto no mercado; (2) quan- no campo de aplicação do CDC sobre os danos causados ao do o defeito ocorrer após a en- – a título de cláusulas excluden- meio ambiente, em seu art. 14, trada do produto no mercado. tes – têm como ilustres defen- inadmite que força maior e o Na primeira preposição, tendo j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 143 D ireito Artigo sido a causa gerada ou produ- ponsabilidade por caso fortuito e já encontrar-se no mercado de zida antes de o produto ingres- força maior. Assim, não há falar- consumo. sar no mercado, o agente eco- se em causa exonerativa. No nosso embrionário modo nômico ainda teria a oportuni- A tese de oposição à incidên- de apreciar o thema, não é jus- dade de corrigir o defeito, evi- cia do caso fortuito e da força to que a responsabilidade seja tando que os consumidores su- maior, como causas excluden- conferida ao produtor, pois o portassem gravames; na segun- tes da responsabilidade do for- vínculo de causalidade não es- da: se o defeito for causado necedor, é unânime: o CDC não taria presente, no caso de o pro- após a colocação do produto na inscreve os institutos como fa- duto apresentar defeito depois rede de consumo, o fornecedor tores de afastamento da res- d seu ingresso na rede consu- não será responsabilizado; con- ponsabilidade. merista. Razão suficiente para tudo, não pelos regramentos da Calvão da Silva (1990, p. 737) força maior e do caso fortuito, assinala que nem o Dec.-Lei n. mas pelo disposto no art. 12, § 383/1989, tampouco a Dire- 3o, II. De qualquer forma, a for- tiva 384/CEE, dispuseram so- 3.3 Risco do ça maior e o caso fortuito, bre a força maior como exclu- desenvolvimento e a como excludentes, não se apli- dente de responsabilidade do responsabilidade do cam ao CDC. produtor. Caso o legislador co- agente produtor O catálogo das cláusulas exonerativas dos arts. 12, § 3 o, munitário pretendesse excluí-la, teria feito expressamente.39 arredar a responsabilidade do fornecedor. Qualquer atividade desenvolvida pelo ser humano compre- e 14, § 3o, é exaustivo. Diferen- Denari (1997, p. 155) desta- ende algum risco; especialmen- temente do que informa o Có- ca que, se for depois da dispo- te quando se produz em gran- digo de Clóvis (art. 1.058, § nibilização do produto na rede de escala. A minimização do ún.), para os acontecimentos na de consumo, a ocorrência da percentual órbita civilista, o CDC não traz força maior e do caso fortuito defeitos é tarefa fundamental. a previsão de aplicabilidade do incide na “ruptura do nexo de Esforços e investimentos finan- caso fortuito e da força maior. causalidade que liga o defeito ceiros significativos são exigi- A redação empregada nos tex- ao evento danoso”. dos, na tentativa de se evitar de falhas e tos, é: “...só não será responsa- No contexto da doutrina do gravames aos destinatários bilizado quando provar”. Assim, direito comum, pelo suporte dos produtos. A ferramenta da afasta-se a incidência daqueles clássico, a inevitabilidade é o tecnologia é preponderante institutos” (Castro Nascimento, elemento caracterizador do re- para a prevenção de riscos. 1991, p. 55). gime da força maior ou do caso Maior atenção é dispensada, Arruda Alvim (1996, p. 146) fortuito. No âmbito do CDC, quando o objeto da produção defende que, em qualquer caso parece-nos que o transporte diz respeito a medicamentos da existência do defeito do daquele pressuposto é inevitá- ou a bens que envolvam a produto – antes ou depois de vel, não sendo possível ao ope- segurança.40 o fornecedor pôr o produto no rador econômico evitar o fato No estágio de competitivida- mercado de consumo – deverá extraordinário (e externo ao seu de global enfrentado por todos assumir os percalços da res- alcance), no caso de o produto os segmentos na sociedade de 144 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo consumo, é imperioso que os tos do produto, já existentes, dade absoluta e objectiva de agentes de produção eliminem no momento em que ele é dis- descobrir a existência do defei- o risco de produtos que venham tribuído no mercado, contudo, to por falta ou insuficiência de a ocasionar prejuízos ao agen- segundo os conhecimentos ci- meios técnicos e científicos idó- te consumidor. O empreendi- entíficos e técnicos da época, neos, e não a impossibilidade mento produtor constantemen- são irreconhecíveis. subjectiva do produtor em cau- te concorre ao prêmio de me- É na fase de concepção que sa”. Argumenta ainda: o produ- lhor qualidade; e assim, esta- se configura a problemática do tor deve estar atualizado sobre rá solidificando sua imagem risco do desenvolvimento. É as experiências e técnicas cien- comercial no mercado que exi- premissa lógica que a imperfei- tíficas mundiais.42 -43 ge a mais ampla performan- ção resulta da ausência de in- É interessante o confronto ce. formações científicas, na épo- das expressões: não lhe permi- ca da concepção. Faltava o do- tia e não lhe permitiu. O tempo mínio de tecnologia nova. verbal, em paralelo, com o co- Todo produto para ser lançado no mercado de consumo perpassa por uma série de eta- Ferreira da Rocha (1992, p. nhecimento científico contem- pas. Desde o projeto de ideali- 110) observa ser decisivo saber porâneo – por certo – é o divi- zação até a confecção do pro- em que proporção um defeito sor de águas para a fixação da duto final, demanda-se um flu- poderia ser cognoscível, de responsabilidade do agente xo de tempo. No iter projeto à acordo com o conhecimento ci- produtor do defeito. produção, costumeiramente, entífico contemporâneo à distri- transcorre o que a doutrina buição do produto. identifica como risco do desen- O autor português Calvão da volvimento (developmental risk Silva (1990, p. 510-511), apoi- risk).41 Questão relevante é descortinar a quem competirá assumir o ônus do risco do desenvolvimento. O ris- ando-se no Decreto-Lei n. 383/ Destaca Ferreira da Rocha co do desenvolvimento signifi- 1989 (de Portugal), e doutrinan- (1992, p. 111) que os Direitos ca um risco que, mesmo com do sobre o estado da arte ou Português, Italiano e o Ale- todo o aparato das avançadas estado da ciência e da técnica, mão44 fizeram a opção legisla- técnicas preventivas, não é obtempera: o critério legal é tiva no sentido de atribuir ao identificado no momento em objetivo e para que o produtor consumidor o encargo de assu- que o produto é distribuído na se exima da responsabilidade, mir com o risco do desenvolvi- rede de consumo, mas somen- exige-se que este faça a prova mento. O fornecedor foi excluí- te é identificável, após um perí- de que o estado dos conheci- do a título de cláusula exonera- odo de uso. O exemplo mais mentos científicos e técnicos tiva. comum é o de medicamentos não lhe permitia detectar os Na exegese de Calvão da Sil- novos, os quais chegam a pro- defeitos existentes; e não que va (1990, p. 510-511) o Dec.- duzir efeitos colaterais que pre- o conhecimento científico não Lei Português somente libera o judicam a saúde. lhe permitiu inteirar-se sobre a produtor pelo defeito gerado no Macena de Lima (1990, p. 82) existência do defeito (art. 5º, al. e). risco do desenvolvimento, em lapidarmente diz que os riscos Arremata: “Noutros termos: o caso de impossibilidades abso- de desenvolvimento são defei- que a lei requer é a impossibili- luta e objetiva de desvendar a ou development j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 145 D ireito Artigo existência da deformidade indus- sível e incongruente comungar produto e o comprador, posto trial. Portanto, a exclusão da res- com entendimento diverso. que a mercadoria já traz ponsabilidade é mitigada, adstri- James Marins (1993, p. 137) ínsita o defeito. considera o risco de desenvol- Considerar a exclusão do Ferreira da Rocha (1992, p. vimento como um defeito juri- agente econômico de qualquer 111) opina que no Direito Bra- dicamente irrelevante, assim, responsabilização é admitir, em sileiro a exclusão mediante o insuscetível de atribuir-se res- certo grau, a teoria do enrique- risco do desenvolvimento não ponsabilidade ao fornecedor. cimento ilícito, posto que so- ta ao fato em cotejo. 3o do art. O tema não é dos mais fá- mente o fornecedor auferiu lu- 12 não contempla tal hipótese. ceis. A Diretiva/CEE, no art. 15, cros, e todo o risco do insuces- É que na situação concreta, ine- al. ‘b’, derrogou o art. 7, al. ‘e’ so foi arcado pelo consumidor. xistiu culpa exclusiva pelo con- (que previa uma responsabilida- Sendo este o entendimento pre- sumidor – logo – o fornecedor de por riscos de desenvolvimen- dominante, o preceito da eqüi- responderá pela ocorrência da- to); sendo assim, cada Estado- dade estaria violado. Em sínte- nosa do produto defeituoso. Membro disporia sobre o assun- se: o produtor vende, obtém to (Macena de Lima, 1990, p. lucros; o comprador adquire e 84). tem prejuízos. é possível, pois o § Norris (1996, p. 91) assinala que são muitas as razões pelas quais a teoria do risco não pode A questão parece resvalar em O risco é próprio da ativida- ter aplicabilidade no cenário premissas singelas. É conceito de desempenhada. O risco deve pátrio. A sua eficácia, no ambi- universal: quem arrisca deverá ser endereçado ao fornecedor ente do CDC, dar-se-ia no caso suportar o ônus inerente. O pro- e não ao agente que consome de o art. 12, § 3o mencioná-la dutor é o dono do negócio e o produto. expressamente. ganha para expor o objeto de Talidomida foi um produto Arruda Alvim (1996, p. 147), sua produção. Receber paga- que causou alvoroço social em expressando opinião sobre o mento e causar gravames pela todo o mundo. É consistente assunto jurídico em análise, in- mercadoria vendida não é pas- exemplo de que não se pode clina-se pelo posicionamento de sível de reparação? Decerto, é admitir a idéia de aplicabilida- que no direito brasileiro não se uma troca injusta. de do risco de desenvolvimen- recepciona a idéia de aplicação Excluir a responsabilidade to na conjuntura brasileira. desenvolvi- por risco de desenvolvimento mento. A obrigação do fornece- do fornecedor é tornar plena- 4 A RESPONSABILIDADE dor é inafastável, e a teoria do mente vulnerável as vítimas das SUBJETIVA NO CDC risco do desenvolvimento não falhas produzidas pelo agente O FORNECEDOR COMO pode deslocar-se como eximen- produtor. Não se pode imputar PROFISSIONAL LIBERAL te de responsabilidade. A argu- ao lado mais fraco da relação O Código do Consumidor mentação na de consumo um encargo para também traz em seu bojo a res- assertiva de que, se o Código o qual não corroborou; não par- ponsabilidade subjetiva. considerou o produto defei- ticipou da elaboração do proje- A norma do § 4o (art. 14) cons- tuoso (à segurança que é espe- to, tampouco da produção final. titui-se como exceção da doutri- rada legitimamente), fica impos- Não há nexo entre o risco do na do Código, porque aborda a do 146 risco de esgota-se j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo reparação na ótica da theoria carreira liberal. operário liberal. aquiliana. A modalidade subjeti- É possível também que o pro- va constante no CDC estende-se fissional liberal ressarça o dano à classe dos profissionais libe- nos moldes da teoria do risco, Os fundamentos históricos rais. Os integrantes da carreira quando contratar obrigação de da obrigação de indenizar en- liberal, por prestarem serviços resultado, verbi gratia: um mé- contram sustentação no classi- intuitu personae, fruem de bene- dico que garante o sucesso de cismo da teoria da responsabi- fício extraordinário na apuração qualquer intervenção cirúrgica. lidade subjetiva. do dano. Os elementos da confi- Aliás, no caso de operação Civilizações do passado cul- ança e presunção de competên- plástica, a jurisprudência na- tivaram formas de reparação, cia, por parte do interesssado no cional tem considerado que se como a pena de Talião. A moti- serviço, são determinantes para trata de obrigação de resulta- vação de compensar o dano que a categoria dos trabalhado- do, conforme Lex 142/117 sofrido orientou esse critério. res liberais responda, a título de (Stoco, 1997, p. 91). Mas naqueles tempos, o corpo compensação, com sustentácu- A orientação do art. 6o, VIII CONCLUSÃO humano e a vida eram o real objeto do ressarcimento. lo na responsabilidade extracon- do CDC merece exame ante à tratual. Advogado, dentista e exceção do subjetivismo da cul- Alguns ordenamentos fica- médico exemplificam a profissão pa. O normativo outorga, ao ram famosos: os Códigos de liberal. agente usuário, a proteção le- Hammurabi e Manu; a Lei da XII Assim, o caráter personalís- gal de que o juiz poderá inver- Tábuas; as normas mosaicas. simo na entrega do serviço é ter o ônus da prova.45 O dis- No Direito Romano aflorou a fator determinante, para que a posto no art. 14, § 4o, garante Lei de Aquília, em 286 a. C. A culpa seja levantada. ao profissional liberal a apura- responsabilidade com culpa Contudo, o ofício liberal, ção do dano, por entremeio da surgiu na lei aquiliana. Qualquer quanto à caracterização do clássica teoria da responsabili- modalidade de reparar um dano dano, poderá reger-se sob o dade subjetiva. encontrava sua justificação no elemento culpa. domínio da responsabilidade Aparentemente persiste a sem culpa. Responderá objeti- contradição entre as normas ci- Estudiosos insatisfeitos com vamente o responsável, nesta tadas. Na estrutura protetiva do o modelo ressarcitório milenar situação: (a) quando o profissi- Código, quiçá, arriscaríamos a esbravejaram com uma nova onal liberal contrata através de dizer que a preleção do art. 6o opinião: responsabilidade pelo pessoa jurídica (sociedade de (VIII) sobressairia. Mas, é im- risco causado, desconsideran- médicos, por exemplo); (b) se o prescindível anotar que não há do-se a culpabilidade. profissional labora para a pessoa antinomia entre os preceitos Saleilles e Josserand foram jurídica prestadora do serviço. respectivos. O texto vertido no os revolucionários do novo con- 4 o) é especial – faz a ceito, nos idos de 1894 e 1897. sabilização da pessoa jurídica, exceção – e, dessa forma, o jul- Muitos outros absorveram a e não à dos profissionais libe- gador não poderia aplicar a con- idéia, a exemplo dos irmãos rais, pois inexiste o pressupos- traversão do ônus da prova, Mazeaud. to da pessoalidade para os da pena de contrariar direito do Sobressai, in casu, a respon- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 art. 14 (§ O Código Francês em seu art. 147 D ireito Artigo 1.384, § 1o, no concernente a capítulo importante para a de- O defeito do produto pode danos causados por incêndio, fesa dos usuários dos produtos causar danos ao consumidor. espelhou aquela maneira de se e serviços. Surge, dessa forma, Existem defeitos que não apre- obter a reparabilidade. o princípio constitucional da sentam risco à saúde dos uten- defesa do consumidor, reitera- tes, como uma peça de roupa do na ADIn 319-4-DF. que desbota na primeira lava- A responsabilidade como arrimo na teoria objetiva é mais Valiosos institutos jurídicos gem. Não obstante, constata-se O Código Civil Brasileiro re- alinharam-se em prol do consu- que produtos potencializam ris- cepcionou o princípio vertido na midor. Boa-fé nas relações de cos à saúde. Um medicamento Lei de Aquília. O critério subje- consumo, inversão do ônus da cuja data de vencimento já ex- tivo da culpa está expresso nos prova, proteção contratual de pirou continua sendo comerci- artigos 159 e 1.518. cláusulas abusivas, princípio da alizado e tem efeitos danosos; Dentro desse prospecto, a segurança à saúde, vulnerabili- um produto perecível, que é indenização funda-se nos se- dade do consumidor, equilíbrio acondicionado sem as precau- guintes pressupostos: (a) o ato nas relações de consumo, de- ções necessárias; uma instala- ou omissão que cause dano; (b) ver de informar são princípios ção elétrica irregular, que cau- o dano produzido; (c) o nexo de especial relevo para a defe- sa estrago em equipamentos causal; (d) a culpa. sa do consumidor. eletrônicos. eficaz; sintetiza maior justiça. Alguns artigos do Código de No Mercosul os diplomas que O caso MacPerson v. Buick Beviláqua admitem a objetivida- estão sendo escritos estabele- Motor Co., julgado em 1916, de da compensação econômica, cem correlatas proteções. pelo Tribunal de Apelação de exempli gratia: 1.528, 1.529 e O fornecedor é o alvo da res- Nova York, ilustra a noção dos 1.546. Igualmente, alguns di- ponsabilidade trazida pelo CDC. nefastos defeitos insertos nos plomas legislativos ingressaram A sua conceituação é ampla. É produtos. no ordenamento jurídico. O De- o produtor, o prestador de ser- Na sistemática do CDC, para creto n. 2.681, de 7 dez. 1912 e viços. Pode ser real, aparente ou que o dano seja importante é o Decreto-Lei n. 483, de 8 jun. presumido, nos moldes da Di- indispensável: (a) a existência 1938, para ilustrar. retiva 85/374/CEE. do defeito; (b) o dano; (c) o nexo causal. Mormente, o germe da res- O CDC exige a segurança e ponsabilidade sem culpa encon- proteção dos consumidores, e A prova de ausência do de- tra-se na Magna Charta de 1988 impõe o dever de informar. A feito afasta a responsabilidade informação, para ter o efeito do fornecedor. (arts. 21, XXIII, ‘c’ e 37, § 6o). O Código do Consumidor também acolheu o regime da imposto pelo Código, deve ser adequada e suficiente. O defeito do produto é o dano causado, apto a render teoria do risco, na forma miti- A segurança contra os riscos ensejo a responsabilização do gada. Mitigada é uma modali- dos produtos não é absoluta, e agente econômico. Os agentes dade de reparação que admite encontra limitação no conceito beneficiados pela indenização exceções. de segurança legitimamente serão todos os que sofrerem esperada, como também nas danos, adicionando-se os bys- excludentes pró-fornecedor. tanders. A previsão constitucional dos direitos dos consumidores é 148 j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo A doutrina contrói conceitos. pelo Estatuto do Consumidor Os riscos são (a) intrínsecos e admite temperamentos. As ex- Quando o fato ocorre antes de (b) os decorrentes de defeito cludentes de responsabilidade o produto ser ofertado na rede (a periculosidade adquirida). do produtor confirmam a pre- de consumo, impera a responsa- missa. bilidade do produtor. Sendo o Os defeitos são de fabrica- na inevitabilidade dos eventos. ção, concepção e de informa- Por culpa exclusiva do con- fato externo e atingindo o pro- ção. Na etapa de fabrico ou sumidor, o agente da produção duto após a sua distribuição no manufatura, os defeitos se ca- não é provocado a reparar mercado, não se pode atribuir racterizam como previsíveis e quaisquer danos. responsabilização ao fabricante inevitáveis. Na arquitetura da O artigo 12 (§ 3o, I a III) lista (fornecedor lato sensu). concepção, as deformidades as hipóteses em que incidem as A atividade humana, qual- são as mais comprometedoras, cláusulas exonerativas pró-for- quer que seja, convive com o porque ocorrem na origem, e necedor. Neste caso, o risco risco, com o perigo. contaminam toda a produção. pela atividade industrial encon- As doutrinas nacional e es- A informação é defeituosa tra um parêntesis no espectro trangeira bifurcam-se sobre a quando incompleta. Melhor ex- da teoria do risco. temática do risco do desenvol- plicando, quando é inadequada ou insuficiente. Compete ao Judiciário atri- O Dec.-Lei Português, n. 383/ 1989, também prevê causa de exclusão para o produtor. vimento. Múltiplas são as etapas vencidas para que um produto aden- buir valor à imperfeição, apre- No caso de culpa concorren- tre no mercado de consumo. ciando a ocorrência, em conso- te, não se configura o nexo de Projetos, testes, produto final, nância com cada caso concre- causalidade, abrindo-se cami- compõem o catálogo da produ- to. Órgãos jurisdicionais brasi- nho para a plena isenção do ção. O fornecedor nesse iter tem leiros têm desempenhado suas operador econômico. todas as oportunidades para funções nesse mister. Quando No registro do direito comum, extirpar os defeitos da sua obra. os produtos apresentam defei- controlado pela larga teoria civi- O risco do desenvolvimento tos e causam prejuízos, a lei lista, despontam os tópicos da ou developmental risk tem sede determina a respectiva indeni- força maior e do caso fortuito. na concepção ou na produção O Código não inseriu qual- do artefato. Somente é identifi- O comerciante responde sub- quer dispositivo com alusão aos cado o defeito quando o produ- sidiariamente a par dos incisos institutos cotejados. A doutrina to é utilizado. O fato é previsí- I, II e III do art. 13, CDC. É que oscila, entre os defensores e vel, mas inevitável. em sua maioria, os defeitos, são oposicionistas, quanto ao em- Assim, objetivamente, o mo- gerados na fase de concepção prego dos regimes jurídicos na delo da responsabilidade espo- ou produção; fato próprio do esfera das relações de consu- sada pelo CDC, com singeleza fornecedor. De toda sorte, es- mo. O tema é árduo e ainda de análise, não dar azo para que tará garantido o direito de re- movimenta-se, carregando o o agente produtor escape da gresso. fardo das dúvidas. obrigação de ressarcir pelo zação. Como já frisado, a teoria da O ponto de discórdia, numa pri- dano causado. O argumento de responsabilidade contornada meira análise, parece localizar-se que o estado dos conhecimen- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 149 D ireito Artigo tos científicos e técnicos não utentes, e na expansão dos respeito. princípios protecionistas ali permitia ou não permitiu que o Os profissionais liberais são fornecedor evitasse o risco de de- os beneficiários da norma. O senvolvimento, não elide a con- princípio basilar é o de que o Nos ditames da Lei n. 8.078, duta danosa. integrante da carreira liberal de 1990, encontra-se o moder- A lógica é: o fornecedor pro- contrata seus serviços com base níssimo conjunto de preceitos duz, vende e aufere lucros; o na qualidade personalíssima. O de ordem pública. Aspecto me- consumidor adquire e suporta médico, o advogado, que age recedor de reconhecimento in- um prejuízo por comprar algo, nesse mister, suportará a inde- ternacional, por especialistas da que tinha a legítima expectati- nização com apoio na respon- matéria. va de segurança. Paga para ter sabilidade subjetiva. concatenados. A responsabilidade civil sob prejuízos. O liame anunciado é Há casos, contudo, em que o color da objetividade é avan- injusto e traz ínsito a pecha da o profissional liberal é chama- ço jurídico-constitucional dos iniqüidade. O risco é de quem do a responder pelo regime da mais eloqüentes. labora com a produção. Os pre- teoria do risco. Por exemplo, Reputado instituto persegue ceitos insculpidos no CDC es- quando participa de pessoa ju- o preceito universal de eqüida- pancam a tese em relevo. rídica e em nome dela realiza o de, buscando maior justiça e O fornecedor responde, por- pacto para prestar os serviços. complementando a garantia do tanto, pelos danos causados Por fim, está patenteada, ine- preceito fundamental da defe- pelo risco do desenvolvimento xoravelmente, a importância do A teoria subjetiva da culpa, Código de Defesa do Consumi- igualmente, é prevista no am- dor na sociedade brasileira. biente do Código do consumidor. O artigo 14, § 4o explana a sa dos consumidores. O tônus doutrinário do Código repercute na defesa dos R NOTAS 1 Nery Jr. (1992, p. 45-46) registra como participantes das discussões: ABINEE, ABRAS, ANFAVEA, CNI, CONAR, Conselho Federal da OAB, FIESP, Ministérios Públicos, PROCONs. Dois congressos internacionais foram realizados. Sugestões das mais brilhantes foram lançadas naqueles eventos. Do Brasil: Alcides Tomasetti Júnior, Carlos Alberto Bittar, Eros Roberto Grau, Fábio Konder Comparato, José Carlos Barbosa Moreira, Rachel Sztajn e Waldírio Bulgarelli. Do exterior: Edwoud Hondius (Holanda), Eike von Hippel e Norbert Reich (Alemanha), Françoise Maniet e 150 Thierry Bourgoignie (Bélgica), Jean Calais-Auloy (França), Mário Frota (Portugal), dentre outros. 2 “... havendo a possibilidade de incompatibilidade entre alguns dos princípios constantes dos incisos desse art. 170, se tomados em sentido absoluto, mister se faz, evidentemente, que se lhes dê sentido relativo para que se possibilite a sua conciliação a fim de que, em conformidade com os ditames da justiça distributiva, se assegure a todos – e, portanto, aos elementos de produção e distribuição de bens e servi- ços e aos elementos de consumo deles – existência digna (...) Para se alcançar o equilíbrio da relatividade desses princípios – que, se tomados em sentido absoluto, como já salientei, são inconciliáveis – e, portanto, para se atender aos ditames da justiça social que se pressupõe esse equilíbrio, é mister que se admita que a intervenção indireta do Estado na ordem econômica não se faça apenas a posteriori, com o estabelecimento de sanções às transgressões já ocorridas, mas também a priori, j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo NOTAS até porque a eficácia da defesa do consumidor ficará sensivelmente reduzida pela intervenção somente a posteriori que, às mais das vezes, impossibilita ou dificulta a recomposição do dano sofrido. Essa nova linha de interpretação relativa necessariamente a mencionada noção de ato jurídico perfeito, ou haverá violação de outro princípio constitucional, que a defesa do consumidor, ao negar-se o juiz a examinar a licitude da imposição contratual face ao novo mandamento de maior lealdade no mercado e relativização do dogma absoluto da autonomia da vontade. A jurisprudência brasileira nem sempre tem sido conseqüente com estes princípios, aceitando, por vezes, a aplicação imediata de normas de ordem pública, por vezes considerando a existência de ato jurídico perfeito, face ao contrato simplesmente constituído antes da entrada em vigor da nova lei. Na utilização de ambas as teorias pode haver prejuízo para os consumidores, daí a importância deste terceiro elemento: a necessária ponderação da garantia constitucional da defesa dos interesses dos consumidores...” (com destaques). Apud MARQUES, Cláudia Lima. LOPES, José Reinaldo de Lima. PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Saúde e responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São Paulo: RT, 1999. p. 140-141. 3 4 Revista de Direito, Rio de Janeiro, n. 65, v. LXV, p. 575-576, jul. 1922 (organizada por Antônio Bento de Faria, Livraria Cruz Coutinho), com o seguinte teor e linguagem da época: j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 7 A fonte da reparação por dano moral, segundo Ihering, é romana. No mesmo sentido: Windscheid. Diritto delle Pandette. II, § 472. p. 427; GIORGI. Teoria delle obbligazioni. v. n. 161. p. 272275, apud Cahali (1998, p. 28). Destaca que Gabba (Risarcibilità dei danni morali. Questioni. II. p. 233) desconsiderava que o berço da responsabilidade por danos morais fosse de origem romana, ipsis literis: “certamente nel diritto romano non vi há nè traccia nè germe del concreto che i cosi detti danni morali si possono risarcire” (Cahali, 1998, p. 28). 8 SALEILLES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civile. Paris, 1897. Apud Alvino Lima (1998, p. 40). 9 JOSSERAND, Louis. La responsabilité de fait des choses inanimées. Paris. Apud Alvino Lima (1998, p. 40). “TERCEIRA CÂMARA DA CÔRTE DE APELAÇÃO - Marcas de fabrica - Consumidor - Impossibilidade de illudil-o - Expressão de uso vulgar e designativa da materia prima para fabricação - Uso comum. SUMMARIO - Não há possibilidade de confusão para o consumidor desde que este ponha na acquisição da mercadoria attenção ordinaria. Vocábulo - “Guaraná”. - Denominação necessaria” (Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1921. - Angra de Oliveira. - Machado Guimarães. - Edmundo Rego. Presidiu o julgamento o Desembargador Sá Pereira. - Angra de Oliveira. Recorrentes: J. Franklin e a Empreza de Productos Guaraná. Recorridos: Manoel Pires Calvo e Paulo de Souza). Anoto trecho do voto encerrado no acórdão: “Considerando que não ha possível confusão nos desenhos e configuração das marcas dos querellantes e dos querellados, de modo a illudir o consumidor inexperto que ponha na acquisição da mercadoria atenção ordinaria” (p. 575). O decisum expressa, inarredavelmente, o novel conceito da informação, imerso no CDC (arts. 8o, § ún. e 12). 5 Afonso da Silva com apoio em lição do insigne Ruy Barbosa (in República: teoria e prática, p. 124), afirma que a locução “garantia constitucional” tem o significado de “assecuratória de direito” (Apud SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. 15. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 414). Inusitado transcrever decisão luminosa e histórica, datada de 5 de janeiro de 1921, sobre matéria decidida em juízo criminal, mas que se reportava a uma relação de consumo. Colhida da Verso 24) registra uma forma primária de reparação: “olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”. 6 Acrescenta Rangel Dinamarco que no período das legis actiones (Século II a. C), os romanos não distinguiam entre a penalidade corporal e a do patrimônio, in DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 6. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 32. O mesmo autor – ob. Loc. Cit. – lembrando doutrina de Cuenca, Humberto (Proceso civil romano. Buenos Aires, 1957. n. 16) afirma que os romanos tinham respeito pelo patrimônio de uma pessoa, mais valorado, inclusive, que a própria vida. 10 O Código das Obrigações da Polônia adotou a teoria da responsabilidade sem culpa. 11 MAZEAUD, Léon et Henri. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile del. et. Cont. v. I. n. 431 et seq. Apud, Alvino Lima (1998, p. 61-63). 12 Como informa De Cupis (Dei fatti illiciti, p. 77). Apud Alvino Lima (1998, p. 127). 13 A despeito da pessoa abstrata, o STJ sedimentou: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (Súmula 227, DJU 8 out. 99, p. 126). 14 A partir da Constituição Federal de 1946 (art. 194), a Administração Pública passou a responder pelos atos de seus agentes, com fulcro na teoria do risco. Os Textos Constitucionais de 1967 (art. 105), 1969 (art. 107) estatuíram sobre a responsabilidade da Administração Pública. Com mais amplidão a Carta de 1988 (art. 37, § 6o), posto que incluiu os prestadores de serviços. O Livro de Êxodo (Bíblia, Capítulo 21, 151 D ireito Artigo NOTAS 15 Os serviços centralizados compõem a estrutura administrativa do Presidente da República. Integram a Administração Pública descentralizada, as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, segundo MEIRELLES, Hely Lopes, in Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade. ALEIXO, Délcio Balestero. BURLE FILHO, José Emmanuel. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 630-631. rejeitaram a idéia de responsabilidade objetiva pura. Optou-se por uma responsabilidade não-culposa, apoiando-se no defeito. 20 21 Na percuciência de Nery Jr. (1992, p. 59). 22 4a Turma. REsp. nº 235678—SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Extraída do site do STJ ([email protected]), em 13 dez. 99. Decisão ainda não publicada. Transcrição de trechos, a seguir: “Código do Consumidor determina o pagamento de indenização por atraso de vôo. Indenização por atraso decorrente de transporte aéreo deve ser calculada de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Esta foi a decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (...). Ao decidir em favor do passageiro, o ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo, entendeu que a limitação do valor de indenização estipulada em convenções internacionais sobre transporte aéreo está em desacordo com o Decreto 2.681 de 1912 que definiu os princípios da responsabilidade civil do transportador. “Mudaram as condições técnicas de segurança do vôo e também se modificaram as normas que protegem o usuário dos serviços prestados pelo transportador”. Para o ministro, o Código do Consumidor tem regra expressa que protege o passageiro de empresa aérea do mau serviço”. 16 Observação anotada por F ERREIRA DA ROCHA (1992, p. 20), citando o escólio de CALAIS-AULOY, Jean (Droit de la consommation. Paris: Dalloz, 1996. p. 67). No mesmo sentido, Calvão da Silva (1990. p. 3). 17 Expressão evidenciada por Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 44). 18 A mesma observação é feita por Lima Marques (1999, p. 624 – nota 536). Assinala o escólio do francês T UNC (TUNC, André. La Directive Europénne sur la responsabilité du fait des produits defecteux. Saarbrücken. Europa-Institut. n. 140, 1988. p. 9), in Lima Marques (1999, p. 626-627). Com supedâneo no art. 4o da Diretiva, o espectro do ressarcimento é o defeito e não a culpa. Em outras palavras, o utente não precisaria provar o ato culposo do fabricante, mas obrigar-se-ia a comprovar a deficiência da matéria fabricada. A diretriz orquestrada pela Diretiva 85/ 374/CEE é a de que somente exsurgirá responsabilização para o fornecedor em caso de se comprovar o nexo causal entre o defeito e o dano suportado. A propósito, Lima Marques (loc. Cit.) questiona: “não seria este o fundamento também da responsabilidade no sistema do CDC”? 19 Lima Marques (1999, p. 623) sobre o assunto menciona o posicionamento de Taschner (TASCHNER, Hans Claudius. Product liability in den USA versus Europäisches Produkthaftpflichtrecht. Saarbrücken: Europa-Institut. n. 78, 1986. p. 9). Afirma aquele autor que no Mercado Comum Europeu as empresas 152 Complementa o raciocínio: “se ‘tiver conhecimento’ da periculosidade de um produto, que ajudou a colocar no mercado” (Lima Marques, 1999, p. 619). 23 25 O FDA dos E.U.A noticiou que foram encontrados resíduos de benzeno na água “Perrier”. A fabricante recolheu do mercado mundial (120 países) 160 milhões de garrafas, com gastos no importe de US$ 35 milhões (Pereira, 1990, p. 55-56). 26 Conforme doutrina evidenciada por Vasconcellos e Benjamin (p. 60), apud Alvim (1996, p. 136). 27 Manifestação limitada significa que o dano não atinge a todos os consumidores. O dano é limitado a poucos. 28 Neste sentido, Barros Leães (1987, p. 148). James Marins (1993, p. 115). Apud Alvim (1996, p. 139 – nota n. 22). 29 A técnica do recall hodiernamente tem sido muito difundida. Recentemente o Jornal Folha de S. Paulo mencionou que os veículos da marca Volkswagen Gol, geração 3, lançada em maio de 1999 apresentaram um defeito crônico, verificado no engate da 1a para a 2a marcha. Mais de 3 milhões foram vendidos. Já se comenta na aplicação do recall. Fonte: www.automovel.com.br. O caso do silicone nos Estados Unidos ficou famoso. Os fabricantes Dow Corning, Myers—Squibb, 3M e Union Carbide veicularam nos principais tablóides dos E. U. A. a decisão de indenizar todas as vítimas através de class action. Danos causados: na ordem de US$ 4,2 bi (Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 abr. 1994. Terceiro Caderno), apud Denari (1997, p. 128). 30 James Marins (1993, p. 123) pondera que existem três caracteres que distinguem os defeitos de produção dos outros: (1) “não contaminam todos os exemplares”; (2) é perfeitamente possível a projeção estatística da freqüência do fato; (3) a inevitabilidade, pois é impossível a eliminação absoluta dos riscos. 31 REsp 185.836-SP, 4a Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 22 mar.1999, p. 211. REsp 114.473-RJ. 4a Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 5 maio 1997, p. 17.060. Denari (1997, p. 143) registra que coube a Barros Leães (1987), pioneiramente, enfrentar o tema sobre a responsabilidade do fabricante pelo fato do produto. 24 Consagrado o germe do chamado bystanders, também reconhecido no CDC, art. 17. NEW YORK. Court of Appeals. March 14, 1916. MacPerson v. Buick Motor Co. The Northeastern Reporter, [St. Paul], v. 111, p. 1050—1057. 1916. j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 Artigo NOTAS 32 ALPA, Guido. Diritto privatto dei consumi. Bologna: Il Mulino, 1986. p. 302. 33 Calvão da Silva (1999, p. 717) interpreta o preceito de lei, com as seguintes palavras: “Num claro propósito de alcançar uma justa repartição de riscos, corresponde a um equilíbrio de interesse entre o lesado e o produtor, a lei, longe de imputar a este uma responsabilidade absoluta, sem limites, prevê causas de exclusão ou da sua responsabilidade”. 34 35 Eis o conteúdo da norma: “Quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indenização” (Dec.Lei n. 383/1989, art. 7o, n. I). O Mestre civilista faz ecoar: “O caso fortuito e a força maior excluem a obrigação de satisfazer o damno, salvo convenção em contrario, culpa, determinante de caso fortuito ou mora. Porque? Porque não existe vínculo de causalidade entre o agente e o damno” (Beviláqua, 1929, p. 352). 39 Relembre-se comando doutrinário de Gomes Canotilho, José Joaquim: “Os princípios beneficiam-se de uma objetividade e presencialidade normativa que os dispensam de estarem consagrados expressamente em qualquer preceito”(in Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1989. p. 119). 40 Macena de Lima (1990, p. 44) anota que a Lei da República Federal, editada em 24.8.1976 dispõe sobre a responsabilidade dos farmacêuticos pelos danos causados por medicamentos, de forma objetiva. 41 36 Similar tese defende Helena Diniz (1998, p. 760). 37 38 Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 67) realça: “Quer me parecer que o sistema tradicional, neste ponto, não foi afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar”. Calvão da Silva (1990, p. 738) manifesta-se: “Equivale isto a dizer, em suma, que a força maior - acontecimen- j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2 partir da interpretação do verbo “considerar”. Eis a redação da norma: “se o estado dos conhecimentos científicos e técnicos (...) não permitia ainda considerar o produto como defeituoso”. No mesmo sentido, a legislação inglesa (Section 4 (1) (e) do Consumer Protection Act 1987), expressis verbis: “the state of scientific and technical knowledge at the relevant time was not such that a produder of products of the same decription as the product in question might be expected to have discovered the defect if it had existed in his produts while they under his control” (negritos do escritor). Permear os Diplomas referidos de valorações subjetivas contrariam o caráter objetivo da Diretiva. to imprevisível, irresistível ou inevitável e exterior ao produtor - é igualmente causa de exclusão da responsabilidade objectiva do produtor instituída pelo Dec.-Lei n. 383/89”. 42 Norris (1996, p. 90) cita que a definição que mais tem chamado a atenção da doutrina nacional é a esposada por Dominick Vetri, “no sentido de se constituir no risco que não pode ser cientificamente conhecido ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço”. Consulte-se também: Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 67). Ferreira da Rocha (1992, p. 110). Calvão da Silva (1990, p. 510-511) enfatiza que o Dec.-Lei n. 224 (art. 6o, n. 1, al. e), da Itália, contrariamente à orientação da Diretiva da CEE, excluiu a responsabilidade porque inseriu no texto uma impossibilidade subjetiva, a 43 Esboçam correlato entendimento: Denari (1997, p. 150) e Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 69). 44 Lei Portuguesa (Dec.-Lei n. 383/89, art. 5o, al. e); Lei Italiana (Dec.-Lei n. 224/ 88, art. 6o); Lei Alemã (§ 2o, 5). 45 Oportuno imprimir a origem da inversão do ônus da prova. Na Alemanha, década de 1960, após a aplicação de uma vacina para combater peste avícola, sob a fiscalização de veterinário, morreram 4.000 aves. Como era impossível o prejudicado comprovar que a antídoto estava contaminado, o tribunal estabeleceu a inversão do ônus da prova, apoiando-se na presunção juris tantum da culpa in vigilando do fabricante. In Barros Leães (1987, p. 78), apud Denari, 1997, p. 129. 153 D ireito Artigo BIBLIOGRAFIA ARRUDA ALVIM, Eduardo. 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