Direito 4 PDF.pmd - Ajuris - Escola Superior da Magistratura

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Direito 4 PDF.pmd - Ajuris - Escola Superior da Magistratura
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Artigos
As concepções artificiais e o silêncio do novo Código Civil
Glauber Moreno Talavera .................................................................................................... 5
Se eu soubesse que ele era meu pai...
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka .......................................................................... 9
Proposta de uma nova política criminal e penitenciária para o Brasil
Luíz Flávio Borges D’Urso ................................................................................................... 17
Política y civismo: dos conceptos distintos
Gerardo Ancarola ............................................................................................................... 25
A dignidade da pessoa humana como valor-fonte da ordem jurídica
Vander Ferreira de Andrade ............................................................................................... 29
A história da enfiteuse no distrito de São Lourenço do Turvo
Luiz Olinto Tortorello .......................................................................................................... 44
Historicidad del derecho
Abelardo Levaggi ................................................................................................................ 51
A importância da interpretação nas relações sócio-jurídicas
Carlos João Eduardo Senger ................................................................................................ 55
Patrimônio: novo conceito da teoria irrestritiva ou imaterial
José Maria Trepat Cases ..................................................................................................... 68
A aposentadoria como causa de extinção do contrato de trabalho
José Ribeiro de Campos ...................................................................................................... 86
O contrato de mandato e seus aspectos à luz do Direito Civil Brasileiro
Otacílio Pedro de Macedo .................................................................................................... 95
O litisconsórcio nas ações coletivas para defesa dos direitos
individuais homogêneos, diante das relações de consumo
Ivone Cristina de Souza João ............................................................................................. 102
A propaganda enganosa: uma abordagem sob a ótica do
Código de Defesa do Consumidor
Silton Marcell Romboli
José Carlos C. Puga ........................................................................................................... 115
A proteção da pessoa humana
André Rubens Didone ........................................................................................................ 122
A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto,
no Código de Defesa do Consumidor
Manoel Martins Júnior ....................................................................................................... 132
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D ireito
Revista IMES Direito - Uma publicação do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul
Expediente
Ano II - no 4
Janeiro/Junho 2002
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Tiragem: 1.500 exemplares
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MTb 15637
O IMES, em suas revistas, respeita a
liberdade intelectual dos autores,
publica integralmente os originais
que lhe são entregues, sem com isso
concordar necessariamente com as
opiniões expressas.
Artigo
As concepções artificiais e o
silêncio do novo Código Civil
Glauber Moreno Talavera
Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade de Sourbonne – Paris.
Especialista em Direito das Relações de Consumo e Mestre em Direito Civil pela PUC – SP.
Professor das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo.
Parecerista em Direito de Família e advogado em São Paulo.
O poeta e dramaturgo italia-
n. 934, de 1982 – relativa à en-
Lei de Proteção aos Embriões,
no Pietro Metastásio, já no pri-
genharia genética; a Recomen-
de dezembro de 1990. A nor-
meiro quarto do século XVIII, no
dação n. 1046, de 1986, relati-
ma alemã tipifica oito crimes e
Ato II de sua obra Écio, entrevia
va à utilização de embriões e
uma infração administrativa,
que: “Nega ajuda aos aflitos
fetos humanos com os fins de
que é conservar um embrião ou
quem a oferece duvidosa”, afir-
diagnósticos e terapias científi-
um óvulo humano sem ser mé-
mação que parece externar o
cas, industriais e comerciais; e
dico habilitado, sendo que as
silêncio do novo Código Civil
a Recomendação n. 1100, de
penas chegam a cinco anos de
que, embora tenha em seu tex-
1985, que versa acerca da utili-
prisão para os crimes mais gra-
to se referido às reproduções
zação de embriões e fetos hu-
ves, como a criação de clones
assistidas para efeito de presun-
manos na pesquisa científica.
humanos e sua implantação no
ção de paternidade, não des-
O Reino Unido aprovou, em
útero de uma mulher. Proíbe,
mistificou, nem mesmo de for-
novembro de 1990, a Lei de Fer-
também, e pune criminalmente
ma reflexa, questões inúmeras
tilização Humana e Embriologia.
a inseminação ou a implantação
que advirão do fenômeno ora
Esta lei regula a prática da repro-
de um embrião em uma mulher
massivo das concepções artifi-
dução assistida, estabelecendo
sem seu consentimento e veda
ciais, sobretudo se considera-
algumas proibições com relação
a escolha do sexo do embrião
dos os seus controversos des-
ao armazenamento e utilização
que não esteja vinculada à pre-
dobramentos com relação à
de gametas e embriões. A lei bri-
venção de uma enfermidade
paternidade.
tânica criou o Conselho de Ferti-
muito grave.
Desde 1976, o Conselho da
lização Humana e Embriologia,
A China, em 1994, aprovou
Europa, por meio de várias Re-
que concede permissões na área.
uma lei de proteção à mater-
comendações, abordou proble-
É o Conselho que define o real
nidade e à infância, mas que
mas atinentes ao Direito Médi-
alcance da lei.
na realidade tem um papel de
co, tais quais a Recomendação
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A Alemanha também tem a
seleção da população. Lá, antes
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Artigo
do casamento, o casal faz exa-
em parecer sobre reprodução
zação da inseminação artificial,
mes para detectar enfermida-
assistida, concluiu pela neces-
da geração de bebês de prove-
des genéticas. Se isso for cons-
sidade de aprofundar estudos
ta e da esterilização que não
tatado, não obtêm licença para
para atualizar as normas vigen-
tenha como causa a preserva-
casar, a não ser que aceitem ser
tes. O parecer foi dado em con-
ção da vida da mulher.
esterilizados.
sulta formulada pelo Hospital
A Igreja, perfilhando esse
No Brasil, uma Resolução do
Albert Einstein, que pedia ori-
mesmo radicalismo, porém de
Conselho Federal de Medicina,
entação sobre o que fazer com
forma revés, proibiu, em abril
Resolução n. 1.358/92, contém
embriões congelados que não
de 1996, o casamento de um
as únicas normas em vigor so-
teriam mais uso. O descongela-
homem paraplégico. Sua defici-
bre reprodução assistida, vez
mento de embriões e sua con-
ência física foi apontada pelo
que o novo Código Civil, con-
seqüente inutilização foram
bispo de Patos de Minas, Minas
soante visão compartilhada com
proibidos pela Resolução
Gerais, dom João Bosco Óliver
o jurista Carlos Fattori, silenciou
n. 1.358/92, mas o contrato do
de Faria, como motivo para a
totalmente sobre o tema. Ela
hospital com os casais previa a
proibição do casamento. Em
dispõe que doadores e recep-
destruição dos embriões caso
consonância com o arrazoado
tores de sêmen sejam informa-
os casais não quisessem mais
do bispo, impotentes, pelas leis
dos sobre tudo o que diz res-
preservar o material sob o efei-
da Igreja Católica, não podem
peito às técnicas de reprodução
to da crioconservação.
casar no religioso. O comunica-
assistida. Exige autorização do
O parecer concluiu que, hoje,
do oficial da Igreja dizia que:
marido ou companheiro da
não há possibilidade de destruir
“Autorizar um casamento nes-
mulher que vai receber sêmen
esses embriões, devido à proi-
sas circunstâncias seria brincar
de outro, mas não fala do con-
bição da Resolução, mas ressal-
com o sagrado, pois cada defi-
sentimento da mulher para que
ta que o CFM precisa reestudar
ciência impõe às pessoas limi-
o marido doe sêmen. A lei diz,
o assunto e, necessariamente,
tes dolorosos na vida em socie-
também, que os doadores não
atualizar as regras atualmente
dade. A igreja não pode buscar
devem conhecer a identidade
em vigor.
o sucesso. Jesus morreu na
dos receptores e vice-versa, e
A Igreja Católica, extrema-
cruz, foi o maior fracassado. No
obriga as clínicas a manter em
mente conservadora e radical
cânone 1.084 do Código de Di-
sigilo a identidade de ambos,
oposicionista das reproduções
reito Canônico está escrito que
mas permite que informações
assistidas, no Brasil, por meio
a impotência coeundi antece-
sobre o doador sejam dadas em
da CNBB, Conferência Nacional
dente e perpétua, absoluta ou
casos especiais de ordem mé-
dos Bispos do Brasil, apresen-
relativa, por parte do homem ou
dica, resguardada a identidade
tou, em novembro de 1998, ao
da mulher, invalida o matrimô-
civil. A norma brasileira diz que
Ministério da Justiça, sugestão
nio por sua própria natureza.
um doador não deve produzir
de que o novo Código Penal
Autorizar um casamento nessas
mais de duas gestações, de se-
mantenha o aborto, a eutaná-
circunstâncias seria autorizar
xos diferentes, numa área de
sia e o adultério como crimes.
um ato nulo e enganar os noi-
um milhão de habitantes.
A entidade, que representa a
vos. Seria fazer teatro com aqui-
Em setembro de 1996, o
cúpula da Igreja Católica no Bra-
lo que é santo, no campo da fé.
Conselho Federal de Medicina,
sil, propôs também a criminali-
Em suma, é necessária a dimen-
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Artigo
são corpórea, não apenas a
cer em face do filho, vez que o
proteção dos nascituros que
espiritual”.
direito de parentesco é maior
não são concebidos por meio da
que o de sigilo.
cópula tradicional, único meio
Não obstante as posições
extremadas da Igreja, tanto
A garantia do anonimato não
de reprodução humana conhe-
num quanto noutro sentido, há,
deve prevalecer, porém, nesses
cido quando o ilustrado Clóvis
entrementes, várias questões
casos, embora o novo Código
Bevilacqua
que, em verdade, juridicamen-
omita, o importante é que a lei
Código vigente.
te, são nebulosas ou insolúveis,
exonere o doador da responsa-
Entrementes, ocorre que,
ao menos momentaneamente,
bilidade decorrente dos laços de
neste final de século, a vida do
sobretudo se considerada a ne-
parentesco. O pai biológico pre-
ser humano não mais se inicia
gligência do novo Código Civil.
cisa, insofismavelmente, estar
apenas pelo contato do esper-
Por exemplo, o filho gerado por
registrado em algum lugar para
matozóide com o óvulo no úte-
inseminação artificial tem o di-
que haja a efetiva possibilida-
ro da mulher, tal qual outrora.
reito de saber quem é seu pai
de de evitar-se casamentos con-
De fato, o novo Código Civil
biológico? Poderá ele reivindicar
sangüíneos, que podem trazer
– Lei 10.406/2002, reconhece
nome de família, pensão ali-
complicações genéticas para os
a inseminação artificial em três
mentícia e herança?
descendentes. Tanto é que o
dos cinco incisos do seu art.
Hoje, a resposta é positiva.
Código Civil de Beviláqua no art.
1.597, mas essa formulação,
Pela legislação vigente, todo ci-
183, I e IV, estabelece proibiti-
em si, conforme atentam os Pro-
dadão tem o direito de saber
vo explícito a esse tipo de casa-
fessores Wilame Carvalho e Ro-
quem é seu pai. É um direito da
mento
de
dolfo Machado Neto, não ofe-
personalidade e, portanto, um
nulidade, proibitivo que fora
rece resposta para indagações
direito inalienável, conforme o
mantido pelo art. 1.521, I e IV
mais complexas, atinentes aos
art.
do novo Código Civil.
“direitos do nascituro, desde a
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do
Estatuto
da
sob
pena
redigiu
o
Criança e do Adolescente e,
Na adoção, por exemplo, o
concepção”, quando o embrião
ademais, porque amparado
cartório anota a verdadeira fili-
humano é gerado em proveta
pelo princípio constitucional da
ação do adotado e, embora essa
ou por meio de outro qualquer
dignidade da pessoa humana,
anotação
método extra-uterino.
enaltecido pelo art. 1º, III, con-
ela é feita para fins de impedi-
tido na tábua axiológica da
mento matrimonial.
seja
sigilosa,
Como se definiria a filiação
quando, mediante encomenda,
A redação aprovada pelo Se-
óvulos são retirados de uma
Embora o Conselho Federal
nado, repetindo o ultrapassado
mulher anônima, fertilizados
de Medicina, único órgão a re-
Código de 1916, põe a salvo os
em laboratório com espermato-
gulamentar a reprodução assis-
direitos do nascituro, “desde a
zóide de um doador também
tida no Brasil, obrigue a que se
concepção”, conforme dispõe o
anônimo e implantados em uma
mantenha em sigilo a identida-
art. 2º do novo Código Civil.
barriga de aluguel para “venda”
de dos doadores e receptores
Esclarecemos que a problemá-
a um casal infértil, desejoso de
de sêmen, nada impede que o
tica aventada não diz respeito
ter filhos? Como se resguarda-
filho de doador investigue e
à punição do aborto, matéria
ria a esse embrião o direito de
descubra quem é seu genitor,
tratada noutro âmbito normati-
conhecer sua ascendência gené-
pois o sigilo não pode prevale-
vo. O problema concentra-se na
tica? Quem teria a guarda do
Constituição Federal.
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Artigo
nascituro? De quem se exigiria
gimento de um novo ser sem
pelo até então desconhecido
pensão? Teria havido adoção se,
fusão de espermatozóide e
não pode legitimar a contumá-
antes do parto, o casal se sepa-
óvulo, também se chega à con-
cia legislativa e, dessa forma,
rasse? Como se definiria a su-
cepção de um novo embrião
essas temáticas progressistas
cessão hereditária? Onde esta-
humano. E agora, Dr. Albieri?
haverão de ser tratadas, pois
ria, no caso, o impedimento de
Ainda que a clonagem venha
como preconiza o Professor Rui
relações incestuosas, e quais as
a ser criminalizada, haja vista
Geraldo Camargo Viana, em sua
cautelas legais para que elas
os indesejáveis efeitos morais,
Tese para o Concurso ao cargo
não venham a ocorrer?
legais, éticos e ambientais da
de Professor Titular da Faculda-
E o que dizer dos direitos de
multiplicação de seres preexis-
de de Direito da Universidade
embriões congelados, sem la-
tentes, a proibição em si não
de São Paulo: “(...) nessa surpre-
ços com os doadores de óvulos
tem o condão de impedir que ela
endente e infindável caminha-
e espermatozóides que lhes
ocorra, assim como o Código
da do direito, já se aventa a
deram origem? Fazem jus à in-
Penal não impede o homicídio.
possibilidade da gravidez mas-
seminação em mulheres que
E, uma vez formado um feto
culina (mediante colagem de
não as fornecedoras dos game-
por clonagem, quais seriam
óvulo fecundado no fígado), o
tas femininos de que surgem?
seus direitos de nascituro, se já
que estará a reclamar mais um
Podem ser comprados?
foi concebido? Como se defini-
passo do legislador na contem-
riam suas relações de parentes-
plação dessa nova modalidade
co?
de família unilateral”.
É lícita a seleção eugênica do
nascituro, como se o feto não
passasse de uma mercadoria de
Quer-nos parecer que esses
Nesses termos, a celeridade
catálogo, com o sexo e as co-
questionamentos, sem uma res-
das mutações e a aparente exi-
res da pele, dos olhos e dos
posta presentemente satisfató-
güidade do tempo em face da
cabelos podendo ser previa-
ria, causam perplexidades que
camaleônica realidade social
mente escolhidos como já ocor-
se imiscuem até o âmago da
que ora se apresenta, e que fora
re há algum tempo em muitas
alma de nós, estudiosos do fe-
teoricamente suprimida pelo
clínicas? A ordem jurídica lhes
nômeno jurídico que, até o pre-
novo Código Civil, é coroada
resguardaria o direito à evolu-
sente, só podemos tratar des-
pelos dizeres apocalípticos de
ção em incubadeiras, sem cer-
ses temas de lege ferenda, haja
Boileau, em sua Epístola III:
teza de maternidade e paterni-
vista o descaso do novo Códi-
“Apressemo-nos: o tempo foge
dade adotivas? Devem ser des-
go Civil. Talvez esse descaso
e nos arrasta consigo; o mo-
truídos se forem rejeitados para
seja produto do que Jung cos-
mento em que falo já vai longe
uma inseminação artificial espe-
tumava chamar de “misoneís-
de mim”.
cífica?
mo”, ou seja, o medo e a inse-
Os problemas não param por
aí. Vale lembrar que, por clonagem, processo em que há sur-
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gurança diante de tudo o que é
novo e desconhecido.
Ainda assim, o pavor trazido
R
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Artigo
Se eu soubesse que
ele era meu pai...1
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Professora-doutora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade de Direito
de Bauru. Diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Ouvi recentemente esta frase – “Se eu soubesse que ele era
e de mães famosos de crian-
minado ambiente hollywoodi-
ças desprotegidas.
ano. Mas, de tudo, o mais
meu pai, minha vida teria sido,
Esta pessoa, cuja frase tan-
doloroso, pareceu-me, foi o fato
quiçá, diferente...” – em um des-
to me marcou, era a filha, hoje
de que sua mãe, por ocasião de
tes especiais canais de televi-
sexagenária, do belíssimo
seu nascimento – e a gravidez
são a cabo que mostrava uma
Clark Gable, o insuperável galã
já havia sido devidamente ocul-
bela reportagem a respeito dos
de ...E o vento levou, que não
tada à imprensa – entregou-a
“filhos de Hollywood”. Aliás, pen-
revelou à criança a verdade
aos cuidados de um orfanato.
so que era mesmo assim o nome
que ela procurou, provavel-
Depois de seis meses, segura
da seqüência, embora não tenha
mente, por toda a sua vida,
da preservação de seu segredo
certeza: “Kids of Hollywood”. En-
talvez com grande ansiedade
e segura da mantença de sua
fim, o escopo fundamental da
e sofrimento.
etérea, ingênua e doce figura
reportagem, como se pode ima-
O depoimento daquela se-
junto ao seu público, a atriz re-
ginar, era demonstrar como foi
nhora – cujo olhar revelava,
torna ao orfanato, agora já sem
a vida, normalmente escrita
como o espelho do passado, a
tantos segredos e subterfúgios,
pelas mais diferentes e descon-
sua fragilidade infantil, a sua de-
mas, ao contrário, devidamen-
certantes formas de angústias
cepção adolescente, a sua des-
te acompanhada por fotógrafos
e frustrações, de crianças –
crença a respeito da hipótese de
e jornalistas para – que espeta-
hoje adultos – que tiveram a
ser feliz – informava também
cular cena, cenários e “script” –
má sorte de nascer de famo-
que o silêncio a que houvera
“adotar” a criança que houvera
sas pessoas registradas na
sido submetida a respeito de sua
sido concebida em seu próprio
calçada da fama, mas comple-
raiz genética paterna havia
ventre...
tamente despreparadas para a
sido imposto por sua mãe, ela
Mentira sem paradigma e hi-
assunção da condição de pais
também atriz destacada do ilu-
pocrisia maior, iguais a estas,
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D ireito
Artigo
só se conheceu ao tempo dos
aut iure, em condição de igual-
Gable, que ele era seu pai bio-
romanos, à época em que os fi-
dade com os demais irmãos
lógico. Conta a senhora em
lhos havidos fora do casamen-
(Hironaka, 1998, p. 167-185).
questão que, ao completar quin-
to não tinham nenhum valor,
Contudo, tantos séculos de-
ze anos, encontrou-se com ele,
lugar ou direitos, no contexto
pois e em terras tão distantes,
e extasiou-se como qualquer
das famílias de então.
como é o caso da capital ameri-
outra adolescente que se encon-
Isto porque, sabe-se, “no seio
cana do cinema, o fenômeno se
trasse na presença de tão famo-
das famílias romanas, houve
repetiu, para que a criança ti-
so e sedutor homem. Ela relata
sempre um repúdio à idéia de
vesse sido repudiada não ape-
que ele a tratou muito bem, foi
filhos ilegítimos, já que estes
nas pelo seu famoso pai, mas
atencioso e carinhoso, mas a
não podiam desempenhar o
também pela sua famosa mãe.
verdade não lhe foi revelada...
papel determinado, pela reli-
Mas o absurdo maior revela-se
Esta pessoa, por toda a vida,
gião, ao filho” (Hironaka, 1998,
pelo fato de ter sido, ainda,
andou à procura de seu pai, pois
p. 167-185).
“usada” literalmente pela sua
certamente sua fantasia avisa-
Com efeito, em Roma, como
adorável mãe, uma vez que, ins-
va a seu inconsciente que, se o
informa Fustel de Coulanges, “o
talada a criança no venerando
encontrasse, seus problemas
laço de sangue isolado não
lar da atriz pelas portas da ado-
maiores advindos da horrível
constituía, para o filho, a famí-
ção, carreou-lhe maior fama,
rejeição e da hedionda farsa
lia; era-lhe necessário o laço do
contribuindo para aumentar
cometida em nome do “amor
culto. Ora, o filho nascido de
consideravelmente a legião de
materno” talvez fossem mino-
mulher não associada ao culto
fãs, encantados com a “gran-
rados, atenuados, acariciados,
do esposo pela cerimônia do
deza e o despojamento da
chorados, paparicados e, quiçá,
casamento não podia, por si
alma daquela bela e talentosa
expurgados.
próprio, tomar parte do culto.
mulher”...
Mas não lhe disseram e ela
Não tinha o direito de oferecer
A reportagem indica, na con-
viveu assim, desejando encon-
o repasto fúnebre, e a família
tinuação, que a dor maior que
trar seu pai e desejando que ele
não se perpetuaria por seu in-
não foi ultrapassada, sequer
fosse lindo, famoso, sedutor e
termédio” (Cidade Antiga)
vencida, nem mesmo minorada,
encantador como o modelo mas-
(Hironaka, 1998, p. 167-185).
foi o fato de terem todos, sua
culino de maior significação, à épo-
A farsa romana a que me re-
mãe e a sociedade próxima,
ca, o famoso ator Clark Gable...
feri descortinava-se porque,
permanecido em odioso silên-
Aquele seu olhar de hoje, ao
lembremo-nos, Roma conheceu
cio a respeito da verdadeira ori-
qual já me referi antes, e que
apenas um modo destinado a
gem daquela criança, quer pela
se marcou em minha memória
contornar os obstáculos legais
linhagem a matre, quer pela li-
como triste e desconsolado
para regularizar a situação de
nhagem a patre. Parece que,
olhar, penso que não a abando-
inferioridade à qual eram rele-
com o tempo, lhe foi revelada,
nará até seu leito de morte...
gados os filhos espúrios. Este
não sei por que caminho ou for-
Nada está a indicar que sua tris-
modo era a adoção e, por meio
ma, sua origem ascendente
teza resida no fato de ter sido
dela, o filho adentrava à
pelo lado materno, mas jamais
afastada da percepção de seu
família, não aut natura, mas
soube, até a morte de Clark
quinhão hereditário, por oca-
10
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Artigo
sião da morte de seu pai famo-
sim, que entendo possível esta
crítica neste contraditório fim-
so. Não foi o que busquei adivi-
ampliação do campo de valores
de-século”, por outro lado, e
nhar naquele olhar, senão seu
essenciais, enquanto objeto do
como no exercício simples de
próprio e efetivo interesse de
direito em questão, e que suas
se verificar a outra face da mo-
ter tido um pai! Ela, que pro-
conseqüências jurídicas - no
eda, também me parece estar
vavelmente também não teve
plano da patrimonialização
replena de certeza e de verda-
verdadeiramente uma mãe...
principalmente - têm um cará-
de a idéia de que alguém possa
O direito que não pôde exer-
ter apenas secundário, se con-
pretender tão apenas investigar
cer, àquele tempo, certamente
templadas em face da gigantes-
sua ancestralidade, buscando
foi o direito de buscar sua iden-
ca extensão do que significa, na
sua identidade biológica pela
tidade biológica paterna, mas
essência, este formidável direi-
razão de simplesmente saber-
foi, também, o direito de bus-
to que é o direito de se buscar
se a si mesmo.
car, na figura do pai, o refúgio
o pai.
Isto tudo porque, segundo
e fortaleza adequados para
Ou não estará submersa em
penso, e independentemente
aqueles seus momentos em que
razão a conclusão de Caio Má-
da apuração ou verificação de
as feridas precisavam ser lambi-
rio da Silva Pereira (1996, p. 52-
conseqüências outras, que cor-
das, curadas, e ninguém como
53) quando afirma que pouco
ram ao viés da pretensão-âma-
ele poderia melhor fazê-lo.
importa se a perquirição judici-
go do investigante, existe ins-
Penso ser este, em primeiras
al da paternidade venha ou não
crito no coração de cada ho-
palavras, antes e excludente-
seguida de pedido pecuniário;
mem, desde sempre e desde a
mente de qualquer outra con-
este em nada afetará a nature-
sua auto compreensão a respei-
seqüência ou derivação de na-
za daquela, pela razão muito
to de sua origem, um anseio de
tureza patrimonial, o conteúdo
óbvia - diz o insuperável mes-
conhecer a si mesmo melhor,
e perfil deste direito da perso-
tre - de que na ação investiga-
por meio dos indícios certos e
nalidade que se tem procurado
tória o objeto colimado é a
dos indicadores científicos de
chamar de “direito ao pai”.
declaração da existência de
sua raiz genética. Um direito,
Não quero dizer, com isto,
uma relação de parentesco e,
portanto e antes, puramente
que esta busca ou certeza da
se conseguido isto, estará finda.
natural, cujo exercício nem
paternidade encerre-se apenas
Por isso tudo, afastada a ex-
sempre pode sucumbir à face
em situação de natureza moral
clusividade patrimonial como
de construções humanas, ain-
e íntima, correspondente so-
centro e cerne da investigação,
da que precipuamente bem in-
mente à questão de estado e
desejo considerar que, se por
tencionadas, como é o caso da
derivada do direto exercício de
um lado, está em perfeita reple-
mais que famosa e controverti-
um direito da personalidade, e,
ção de razão João Baptista Vil-
da presunção legal que costu-
com isso, afaste a natural am-
lela (1999, p. 121-142), ao re-
mamos singelamente chamar
pliação do campo jurídico no
ferir que “pensar que a paterni-
de pater is est.
que respeita aos demais direi-
dade possa estar no coincidir de
Mas volto a falar do “direito
tos subjetivos e aos deveres
seqüências genéticas constitui,
ao pai”, este direito que, além
decorrentes do estado de filia-
definitivamente, melancólica
de dotado da anterioridade pró-
ção. Não. Mas quero dizer, isto
capitulação da racionalidade
pria dos direitos encravados na
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
11
D ireito
Artigo
realidade e na vida dos homens
com a grande maioria dos ani-
viúvas, ou separadas ou, até
desde sempre, na verdade deve
mais que compõem a escala bi-
mesmo, que se encontrem vin-
ser lido e pensado de modo
ológica que habita e vivifica a
culadas pelos laços da consan-
muito mais elástico do que ape-
face da terra.
güinidade.
nas direito ao genitor masculi-
Raros são os animais que
Este é o legítimo interesse da
no. O que quero dizer é que
entregam suas jovens crias à
criança, quer me parecer, ain-
recepciono melhor a idéia de
própria sorte, mas quando o
da que desejando não correr o
que ele devesse ser compreen-
fazem, não os movem razões
risco – espero – de estar ape-
dido como “direito aos pais”,
vazias ou cruéis, senão o cos-
nas delirando sobre as supers-
incluindo-se aí, também e por
tume ancestral que caracteriza
tições tão ao desgosto de meu
certo, o direito à mãe.
a espécie, hipótese que, nem de
consócio neste painel, o magis-
Sabemos todos que a mãe
longe, assemelha-se à circuns-
tralmente culto e sensível pro-
tem estado ao lado de suas
tância humana. Os humanos, ao
fessor mineiro, João Baptista
crianças em número de vezes
contrário, naturalmente devem
Villela2 – a quem rendo, de pú-
sempre muito maior que os ge-
permanecer junto à cria recém-
blico, a minha homenagem, re-
nitores do sexo masculino, con-
nascida, e assim perdura a
velando minha profunda admi-
forme demonstram as estatísti-
situação, por um tempo signifi-
ração e respeito, pelo fato de
cas; isto não se perde de vista,
cativamente maior que nas
ser quem é e como é, para o
apesar do caso-exemplo ou hi-
hipóteses de outros animais.
Direito Privado brasileiro – mas,
pótese-verdade com que iniciei
Entre nós, e sob a égide dos
ao contrário do delírio, como
esta minha locução. Mas basta-
comandos constitucionais con-
dizia, espero estar apenas dei-
va que se conhecesse um único
temporâneos, destaca-se enfa-
xando que as aves da fantasia
caso, como o da filha de Clark
ticamente esta postura nova e
e da imaginação, estas sim sa-
Gable, por exemplo, para que
expurgatória da filiação unila-
dias, estejam desenvolvendo
eu já não pudesse mais estar
teral, de sorte a admitir e facili-
seus vôos em singulares tornei-
autorizada a desdenhar o co-
tar, ao filho, a busca aos seus
os à volta de um tema tão doce,
mentário: por direito ao pai
pais, mediante o exercício de
comovente e humano quanto
deve-se entender o direito atri-
um sadio direito de estado que
este, o do direito que cada um
buível a alguém de conhecer,
tem, como escopo precípuo, o
de nós tem de buscar, se qui-
conviver, amar e ser amado, de
afastamento da discriminação
ser, a verdade a respeito de sua
ser cuidado, alimentado e ins-
odiosa, resultante da distinção
vinculação genética a um ho-
truído, de se colocar em situa-
quanto à origem. Um direito
mem ou a uma mulher, ainda
ção de aprender e apreender os
indisponível e tão pleno que
que não seja a estes que sua
valores fundamentais da perso-
está incumbido, como atributo
alma ordene chamar de pai e
nalidade e da vida humanas, de
essencial de sua individuali-
de mãe.
ser posto a caminhar e a falar,
dade, a filhos advindos de qual-
Mesmo àqueles que já têm a
de ser ensinado a viver, a con-
quer relacionamento natural
seu favor reconhecido um esta-
viver e a sobreviver, como de
entre pessoas que não sejam
do de filiação que o liga a um –
resto é o que ocorre – em quase
casadas entre si, ou que sejam
digamos assim, apesar de acre
toda a extensão mencionada -
solteiras, ou divorciadas, ou
a
12
palavra
e
em
descon-
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Artigo
formidade com meu gosto pes-
os mais que incômodos, diga-
ocorrer como pressuposto de
soal – outro pai, quer por força
se assim, filhos incestuosos.
viabilização da pretensão, a
de ter sido havido na constância
Em cada um dos casos, cer-
desconstituição do vínculo pa-
do casamento de sua mãe, quer
tamente, concorrerão distintos
rental anteriormente gerado.
por força de um espontâneo reco-
pressupostos de admissibilida-
Nestes casos, a exigência de
nhecimento, prefiro circunscre-
de e, por via de conseqüência,
atendimento a tal pressuposto
vê-los, ao lado de todos os de-
distintos efeitos outros além do
se concretizaria por força de
mais aos quais falte mesmo a
comum a todos os casos, que é
outro fundamento, pois, nesta
atribuição jurídica de um pai, no
a declaração do estado filial.
hipótese, o estabelecimento da
rol dos que podem exercer esta
Desta forma, em alguns ca-
filiação não teria ocorrido como
pretensão de buscar o embrio-
sos, seria imprescindível que
decorrência da presunção atri-
nário liame genético, compreen-
se promovesse, antes, a des-
buível ao legislador, mas teria
dendo esta busca como o objeto
constituição do estado filial
ocorrido como conseqüência da
do “direito ao pai”.
anterior, como na hipótese de
escolha perpetrada pelo pai afe-
Por isso, imagino que este
ocorrência da filiação presumi-
tivo, que num gesto de puro
direito da personalidade esteja
damente matrimonial. Se por
amor - quem sabe? - promovera
disponível a um elenco maior de
nenhuma outra razão fosse, se-
a falsidade jurídica para alcan-
filhos, além daqueles que se
ria, ao menos, pelo fato de que
çar o escopo da filiação de fato,
determina chamar de filhos ex-
a presunção benéfica apurada
mas para ele verdadeira.
tramatrimoniais, alcançando
pelo legislador no interesse do
Muito dolorosa esta última
também os que foram presumi-
filho se desintegraria completa-
hipótese, para ser assim tão
damente qualificados como fi-
mente no momento em que o
serena e descuidadamente tra-
lhos matrimoniais, desde que
próprio interessado, até aqui
tada? Penso que não, se orga-
houvessem tido, primeiro, o
tão cuidadosamente protegido
nizo o raciocínio de acordo com
cuidado de obter a desconsti-
pelo comando presuntivo da lei,
aquela mesma tônica ou toada
tuição de seu estado, relativa-
decidisse, por si mesmo, des-
de antes, a saber: o direito exis-
mente ao marido de sua mãe.
cortinar a verdade genética a
te e se disponibiliza para quem
Imagino que este direito, ain-
respeito de sua origem. Deve
quiser exercê-lo, bastando que-
da, possa se encontrar disponi-
ser dado a ele o direito de fazê-
rer, bastando optar, se este de-
bilizado àqueles filhos que te-
lo, se assim desejar, como ila-
sejo ou esta opção se consagra-
nham sido espontaneamente
ção natural de sua condição
rem, verdadeiramente, como o
reconhecidos por pessoa não
humana e como inferência má-
interesse melhor ou mais ade-
vinculada biologicamente a eles
xima de sua dignidade.
quado do investigante. E então,
próprios, bem como pelos filhos
Mesmo na hipótese de per-
considerem os senhores, mes-
adotivos, assim como pelos ha-
quirição da origem genética em
mo sem querer deixar de ter
vidos por meio de procriação
face de alguém que, não sendo
como pai afetivo tão amantíssi-
assistida, e ainda, na abrangen-
o pai biológico, nem marido da
ma pessoa, talvez o interesse
te categoria dos extramatrimo-
mãe da criança, tenha operado
jurídico prevalecente quanto ao
niais, também os mais que re-
o reconhecimento da paternida-
exercício do “direito ao pai”,
jeitados, os mais que ocultados,
de, quero entender devesse
fosse exatamente este que se
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
13
D ireito
Artigo
desdobra na versão “direito à
dio que a ordem jurídica perpe-
que reorganizassem o matrimô-
identidade genética”.
trou contra tais criaturas, havi-
nio e a procriação, buscando
Aliás, senhores, um dos mais
das de relações incestuosas,
afastar o malefício ou o descon-
bonitos acordãos a respeito
esteve impregnado sempre des-
forto da relação incestuosa,
desta amplitude do direito ao
te desdém social, ou desta fin-
para evitar a impureza e a má-
pai, considerando-se a mais vas-
gida indiferença, quase um des-
cula das famílias, já que inces-
ta e possível extensão do que
conhecimento voluntário, que
to – que deriva do latim incestus
este direito realmente signifi-
sempre envolveu tão delicado
– significa impuro, não casto.4
que, é aquele que teve como
assunto.
No entanto, quer a mitolo-
relator S.Exa. o Ministro Sálvio
Desde muito longe, no tem-
gia, quer a história, quer a pró-
de Figueiredo Teixeira, que re-
po, a lei já se enunciava de sor-
pria Bíblia, estão todas estas
afirma que “saber a verdade
te a repugnar e a intolerar os
fontes a se referir, à exaustão,
sobre sua paternidade é um le-
casos de incesto, como ocorreu,
a episódios de incesto, alguns
gítimo interesse da criança; um
por exemplo, no antiqüíssimo
famosos como o caso de Zeus
direito humano que nenhuma
Código de Hamurabi que pres-
que, disfarçado de serpente,
lei e nenhuma Corte pode frus-
creveu: “Se alguém, depois de
manteve relação sexual com
trar” (Teixeira, 1991), exata-
seu pai, se deitar sobre o seio
sua mãe Réia, ou de Cleópa-
mente porque refere a uma das
de sua mãe, serão os dois quei-
tra que se casou com seu ir-
mais altas e valoradas expres-
mados”.
mão Ptolomeus XII, ou de
Mas nem sempre foram, no
Abraão que se casou com sua
passado mais remoto, exogâmi-
meia-irmã Sara, para citar ape-
Prossigamos, para enfrentar,
cas as famílias; ao contrário,
nas alguns.
quiçá, o mais difícil de todos os
percorreu a história da huma-
Mas, enfim, pululem à von-
endereçamentos quando a te-
nidade uma trajetória bastante
tade os exemplos históricos,
mática circunflui o cerne do “di-
longa até que se estabelecesse
bíblicos ou mitológicos, a ver-
reito ao pai”, para atribuí-lo,
a correlação entre fertilidade e
dade é que há e houve sempre
também, aos filhos extramatri-
sensualidade, a correlação en-
uma verdadeira aversão e um
moniais incestuosos.
tre o ato sexual e a procriação,
intranqüilizador temor em face
Perguntados de chofre, res-
sempre como resultado de uma
do incesto, aversão e temor es-
ponderemos, todos nós – ou a
situação de experimentação, ou
tes profundamente arraigados
maioria de nós – que eles, é cla-
seja, de um conhecimento que
na natureza humana. Poder-se-
ro, têm igualmente o direito ao
se produziu empiricamente.
ia dizer que “a proibição do in-
conhecimento de sua ascendên-
Esta descoberta, que deve ter
cesto é, hoje, daqueles freios
cia biológica. Respondido, o
sido produzida à volta do quar-
inibitórios que se encontram
assunto sempre falece, pois o
to ou do quinto milênio antes
incrustados no nosso ego, os
constrangimento que o envol-
de Cristo, provocou imensa
quais automaticamente passa-
ve parece conter uma tal espé-
mutação nas estruturas sociais,
mos à nossa descendência,
cie de maldição que é mais con-
religiosas e comportamentais
mesmo sem a averiguação dos
veniente dela não falar tanto...
da humanidade, de molde a
seus motivos e conseqüências”
Enfim, o velho e milenar repú-
implicar na assunção de regras
(Gavião de Almeida, 1985).
sões da condição e da dignidade humanas.
14
3
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Verdadeiro tabu, na lingua-
do pena por algum crime ou por
tão arriscado considerar que o
gem da psicanálise, funciona
violação dos costumes tiveram
filho incestuoso, como por hi-
exatamente assim, quer dizer,
algum tipo de envolvimento se-
pótese se está a examinar, exer-
como um tecido normativo não
xual intrafamiliar...”.
cesse seu “direito ao pai”, se
escrito que impõe rigorosa no-
Ora, que questão difícil é
assim desejasse, apenas no que
ção de limites e de proibido,
esta de se indagar a respeito de
dissesse respeito a um interes-
valendo por si só, algumas ve-
eventual “direito ao pai” deferi-
se exclusivamente colimado.
zes, como sanção à própria
do a uma criança que tenha sido
Por isso, tenho pensado que
transgressão, pois costuma
havida em decorrência de uma
seja possível incluir entre as
atormentar o violador, além do
relação sexual incestuosa... e
múltiplas faculdades que com-
violado, como um eficiente ins-
mesmo aquela que tenha sido
põem a vasta essência deste
trumento de tortura. Mas nem
vítima do incesto paterno! Em
direito, mais esta, que é a refe-
por isso, curiosa e tristemente,
alguns casos - ou até mesmo na
rente ao direito de escolher ou
é possível afirmar que o incesto
maioria deles, quer me parecer
selecionar os aspectos que
in casu se dá por uma única vez,
- melhor estaria sendo realiza-
quer ver exercidos, limitando a
quer dizer, de modo isolado e
do o direito se a criança fosse
extensão do campo de incidên-
esporádico. Mas, ao contrário,
mantida longe de seu genitor,
cia do exercício, para buscar,
as estatísticas mostram que
violador do tabu do incesto por
no “direito ao pai”, aquilo que
70% das relações incestuosas
ocasião
importar diretamente ao inte-
têm a duração de mais de um
cepção ou, afora a hipótese de
ano.
ser incestuosa a filiação, que
Assim, se o filho pretender
Aliás, é sempre o espantoso
houvesse sido ele, no lar, o
o conhecimento de sua ances-
mundo das estatísticas aquele
próprio violador sexual do
tralidade genética, poderá obtê-
que mais nos constrange, pois
filho ou filha.
lo, independentemente de se
de
sua
con-
resse jurídico em questão.
desperta o sentido para a visão
Relembrando que o direito
disponibilizar ao exercício do
do gigantismo da situação es-
ao qual nos referimos hoje,
direito de ser visitado, por
drúxula, nem sempre rara...
enquanto direito da personalida-
exemplo, ou de conviver com
Assim, e conforme estão alinha-
de, é de lata extensão, de
qualquer de seus genitores, se
dos estes dados estatísticos,
conteúdo plural, de proporção
a convivência lhe causar mais
recolhidos há cerca de seis ou
vária, que ele se compõe de múl-
estragos que benefícios, como
sete anos (Cohen, 1990, in-
tiplos sub-direitos, faculdades
é o caso de tantas hipóteses da
trod.), “30% das mulheres que
ou faces de um espectro maior,
vida real, entre elas, e por cer-
procuram ajuda psiquiátrica fo-
escalonados em matizes e gradu-
to, aquilo que se vinha consi-
ram vítimas de incesto; 5% das
ações distintas, e considerando
derando antes, a respeito dos
crianças enviadas à terapia, es-
que por força desta multifarie-
filhos do incesto.
tão vivenciando uma história de
dade, o seu titular pode exercê-
Enfim, senhores, este punha-
incesto; cerca de 50% das ado-
lo por partes, independente-
do de idéias que hoje exponho
lescentes que fugiram de casa
mente de atrair, de uma só vez,
neste II Congresso Brasileiro de
foram vítimas de incesto; 74%
todo o extenso rol de suas pe-
Direito de Família, promovido
dos presos que estão cumprin-
culiaridades, talvez não fosse
pelo Instituto Brasileiro de
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
15
D ireito
Artigo
Direito de Família – IBDFAM, e
Encerro relembrando a situ-
ou extramatrimoniais, e entre
que poderiam estar melhor des-
ação de todos os filhos que têm
estes os incestuosos, os quais,
pendidas não fossem as natu-
“direito ao pai” – de uma forma
por vezes, não têm a mesma
rais limitações do tempo e as
ou de outra e conforme a ex-
coragem de expor as entranhas
naturais limitações de minha ca-
pressão do direito que preten-
de seu sofrimento.
pacidade, trago-as para que as
dam exercer – para regravar em
Encerro ouvindo, sempre em
debatamos, pois um direito
minhas preocupações estórias
meu cérebro ouvindo, o clamor
grande, vital e essencial como
como a da sexagenária filha de
destes filhos: “Ah, se eu soubes-
este - o “direito ao pai” - só terá
Clark Gable que teve a coragem
se que ele era meu pai...”
o seu perfil e meandros perfei-
de descortinar ao mundo a sua
tamente delimitados se houver,
dor, suas frustrações e seus
como agora, provocação com a
anseios, bem como a de todos
semeadura de idéias.
os demais filhos, matrimoniais
E isto me comove.
R
NOTAS
1
Palestra proferida no II
Congresso Brasileiro de Direito
de Família, promovido pelo
Instituto Brasileiro de Direito
de Família – IBDFAM, com o
apoio
da
Ordem
dos
Advogados de Minas Gerais,
em 28.10.1999.
2
3
V. o mesmo e perfeito estudo
concluído pelo professor ilustre,
já referido, especialmente suas
assertivas de conclusão, à p.
142.
Se diz exogâmica a sociedade
em que os matrimônios se
efetuam com membros de tribos
estranhas ou, se dentro da
mesma tribo, com os membros
de outras famílias ou de outro
clã.
O contrário se diz
endogâmica.
4
Sobre o incesto, do ponto de
vista da psicanálise, cf. COHEN,
(1993); sobre as origens e
história da paternidade, cf.
DUPUIS, (1990).
BIBLIOGRAFIA
COHEN, Cláudio. O incesto – um
desejo. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1993.
DUPUIS, Jacques. Em nome do pai:
uma história da paternidade. São
Paulo: Martins Fontes, 1990.
16
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes
Novaes. Dos filhos havidos fora do
casamento. Revista Jurídica da
FADAP – Faculdade de Direito da Alta
Paulista, n. 1, 1998.
PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Reconhecimento de paternidade e
seus efeitos. 5. ed. Ed. Forense,
1996.
TEIXEIRA, Min. Sálvio de Figueiredo
(rel.). REsp. nº 4.987-RJ, rel. STJ, 4ª
T., por maioria, DJU de 28/10/91,
RSTJ 26/378.
VILLELA, João Baptista. O modelo
constitucional da filiação: verdade e
superstições. Revista Brasileira de
Direito de Família (IBDFAM), n. 2,
jul-ago-set 1999.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Proposta de uma nova política
criminal e penitenciária para o Brasil
Luíz Flávio Borges D’Urso
Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas –
ABRAC e da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, Mestre e Doutorando em
Direito Penal pela USP, Professor de Direito Penal, Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP,
Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.
O Brasil necessita de uma Política Criminal e Penitenciária,
de forma a definir, orientar e focar os objetivos que o governo,
permanentemente, deverá procurar alcançar, pois não se trata de uma política limitada a uma
gestão governamental, mas de
uma diretriz, nítida a guiar os
futuros dirigentes nacionais.
Este trabalho, que submetemos à apreciação da comunidade jurídica nacional, teve origem na determinação do Presidente do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária
do Ministério da Justiça, quando designou-nos Relator, objetivando preparar proposta para
uma nova Política Criminal
brasileira; na mesma oportunidade o Prof. Nilzardo Carneiro Leão foi também designado relator de uma proposta
para uma Política Penitenciária para nosso país.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
O ilustre Professor apresentou em reunião plenária seu relatório, registrando sua dificuldade em separar a Política Penitenciária da Política Criminal;
nosso trabalho também encontrou o mesmo ponto de resistência, porquanto, praticamente impossível cindir esses dois
ramos de uma única árvore. Ao
final, ambos os relatórios foram
aprovados por unanimidade.
No parecer do Prof. Nilzardo,
verifica-se a intimidade entre as
duas políticas, quando leciona:
“A elaboração de uma Política
Penitenciária torna-se tarefa
complexa na medida em que o
êxito de seus objetivos está a depender de sua efetiva aceitação
e execução, além de ser necessário postar-se em perfeita identidade com o sentido finalístico
de uma Política Criminal, ora
também em discussão, de modo
a tornarem-se ambas um estudo
global e realístico daquilo que o
Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária considera
fundamental às grandes linhas
de adequação e de reformas”.
E o ilustre Conselheiro Nilzardo conclui: “A Política Penitenciária está intimamente atrelada,
interligada, aos objetivos de uma
Política Criminal, na medida em
que esta é instrumento indispensável à execução daquela,
ambas indispensáveis à melhoria de vida do cidadão. Como
também inaceitável que esta se
pudesse operar fora do que for
aplicado nos estabelecimentos
penais, buscando a compreensão da efetiva e real aplicação
da pena”.
Daí, já neste início, nosso
registro em coro aos argumentos do Cons. Nilzardo, posto
que as dificuldades para traçar
uma Política Criminal para o Brasil são gigantescas, senão ob17
D ireito
servada em sintonia com a Política Penitenciária Nacional.
Convém, desde já, advertir
que inexiste projeto de política
criminal brasileira dissociada de
um projeto de política social,
porquanto aquela é efeito desta, sendo a política criminal o
resultado da política social implementada no país.
As presentes diretrizes de
uma Política Criminal e Penitenciária enunciam uma séria de
princípios básicos e propósitos
a serem perseguidos, objetivando o aprimoramento da reação
ao fenômeno crime, bem como
da execução penal no país, em
consonância com a Constituição
Federal, a legislação pertinente
e o Programa Nacional de Direitos Humanos, assim também
em harmonia com as Regras
Mínimas estabelecidas pela
ONU, para Tratamento do Preso, além das Regras de Tóquio
e as do CNPCP/MJ.
E afinal, o que é Política Criminal?
Na busca de uma definição,
encontramos o expressivo trabalho de madame Mireille Delmas-Marty, uma das maiores
autoridades em direito penal e
criminologia da Europa, editado em 1983, pela Econômica de
Paris, intitulado Modèles et mouvements de Politique Criminelle
(Modelos e Movimentos de Política Criminal), que orienta quanto à pesquisa preconizada.
Assim, “a expressão Política
18
Artigo
Criminal foi durante muito tempo sinônimo de teoria e prática
do sistema penal designando,
conforme a expressão de Feuerbach, ‘o conjunto dos procedimentos repressivos através
dos quais o Estado reage contra o crime’. Entretanto, constata-se hoje que a política criminal se desligou tanto do Direito Penal quanto da Criminologia e da Sociologia Criminal e
adquiriu um significado autônomo. E quando em 1975, Marc
Ancel cria a revista Archives de
Politique Criminelle, ele frisa de
imediato a necessidade de não
limitar a política criminal apenas ao direito penal e propõe
que seja considerada como “a
reação, organizada e deliberada, da coletividade contra as
atividades delituosas, marginais
e anti-sociais”, empenhando-se
em destacar sua dupla característica de ciência de observação
e de arte, ou de estratégia metódica da reação anticriminal”.
Conclui Madame DelmasMarty que poder-se-ia dizer,
retomando e ampliando a definição de Feuerbach, que a Política Criminal compreende “o
conjunto dos procedimentos
através dos quais o corpo social
organiza as respostas ao fenômeno criminal”.
Em poucas palavras: a Política Criminal tem, prioritariamente, por objetivo permanente,
assegurar a coesão e a sobrevivência do corpo social respon-
dendo à necessidade de segurança das pessoas e dos bens.
Já o desembargador paulista
Marcelo Fortes Barbosa afirma
que Política Criminal é o controle pragmático externo sobre a
Legislação Penal, presentemente, também, sobre a jurisdição
do ponto de vista concreto.
Além disso, separa dois ramos
para essa política, quando estabelece,
teoricamente, duas classificações para
a Política Criminal, sendo a
primeira uma Política Criminal
legislativa, e outra, uma Política Criminal jurisprudencial.
Nesse diapasão, entende o
Professor da USP que a Política
Criminal, precipuamente, deve
verificar-se no campo legislativo e atualmente, insiste, carecemos de uma reforma penal:
“Assim, uma reforma penal
deve enveredar sempre por
uma triagem no campo da antijuridicidade material para verificar aqueles relatos que deixaram de ter razão de ser no
CP, que resultaram no enfraquecimento do cometimento
respectivo, a fim de que ou
substitua o relato por outro
ou, por anomia completa,
resolva extingui-lo” (in Política Criminal, vários autores,
Usina Editorial, p. 88).
Portanto, para o professor de
São Paulo, uma Política Criminal passa por um enfoque quanto à oportunidade dos tipos de
que o Estado dispõe, a fim de
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
coibir condutas indesejáveis.
Esse enfoque obriga um rastreamento por entre os tipos
estabelecidos pelo legislador
pátrio e seu confronto com nossa realidade, verificando assim,
como salientado, sua oportunidade face à conjuntura.
O exame desses tipos poderá
indicar alguns que devem
desaparecer e outros que devem
dar lugar a novos tipos, vale
dizer, enquanto algumas condutas tendem a ser expurgadas do
regramento penal, outras darão
lugar a novas condutas, antes
inimagináveis pelo legislador,
mas que hoje precisam de regramento, à luz dessa política
criminal.
E o Des. Barbosa conclui: “Há
vários exemplos num sentido de
abolição e no sentido de necessária introdução de normas novas na Legislação Penal, como
reclamo da política criminal legislativa. Alguns dispositivos,
por anomia total da norma penal já deveriam ter sido erradicados do CP, e outros já deveriam ter sido modificados, por
anomia parcial, com outra conformação típica dos dispositivos
a fim de que os relatos fiquem
revigorados e, conseqüentemente, os respectivos cometimentos
possam, novamente, impregnarse de carga punitiva”.
Ao lado dessa Política Criminal legislativa, ainda segundo o
Prof. Barbosa, existe a Política
Criminal jurisprudencial: “Asj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
sim, hoje, as Súmulas dos Tribunais Superiores da República
formam um autêntico Direito de
concreção, que já se está denominando por nome próprio, “Direito Sumular”. Trata-se, à evidência, de manifestação de Política Criminal jurisprudencial,
que muitas vezes interpreta a
lei de maneira mais ampla do
que o Direito estrito. Além disso, é bom que se observe que a
jurisprudência da mais alta Corte de Justiça do País oscila de
acordo com o acréscimo ou diminuição da criminalidade urbana. Assim, já houve época em
que o STF chegou a admitir a
continuidade delitiva entre o
furto e roubo, que hoje é repudiada em face do crescimento
do número de crimes patrimoniais, especificamente os violentos”.
Outra manifestação dessa
Política Criminal jurisprudencial é notada quando os Tribunais manifestam-se, por
exemplo, sobre a aplicação da
Lei dos Crimes Hediondos – Lei
8.072/90, aos casos que lhe são
submetidos, posto que tal diploma é fruto de um movimento
denominado Lei e Ordem, que
advoga o endurecimento penal,
maior criminalização e aumento de tempo de encarceramento, influenciando o legislador e
também o julgador, numa política à luz dessa corrente. O equívoco
desse
enten
dimento ficou patente na própria
evolução do Direito Penal no
mundo, pois o aumento de pena,
juntamente com um maior encarceramento, não diminuem a
taxa de criminalidade. Hoje não
há mais dúvida: o que realmente reflete na criminalidade é a
certeza da punição.
Falamos sobre conjuntura e
é inegável que a Política Criminal passe, necessariamente, a
sofrer os influxos sociais, a delimitar as condutas eleitas pelo
legislador penal, que passará a
regrá-las.
Os apelos da atualidade, sabemos todos, impõem enormes
frustrações aos povos, principalmente aqueles brindados
pelo que se tem de mais avançado em tecnologia, aumentando o hiato entre os capacitados
a consumir e os demais, condenados a somente assistir a um
consumismo injustificável. Aumenta-se, obrigatoriamente, as
áreas de atrito social e o Direito tem como tarefa administrar essa questão.
Nosso ex-presidente do
CNPCP/MJ, Prof. Edmundo
Oliveira, teve sensibilidade suficiente para registrar essa realidade, em seu livro Política Criminal e Alternativas à Prisão
(Editora Forense), quando escreve: “O mundo moderno coloca
o Direito diante da necessidade de restabelecer a segurança
e a paz, sem arranhar a justiça,
sem violar os direitos fundamentais da humanidade. Pode19
D ireito
ríamos viver bem melhor, se
soubéssemos realizar a conciliação dos valores do indivíduo e
da sociedade, no sentido de evitar que a pobreza e a miséria
tornem ilusória a igualdade perante a lei. A conciliação de todos os valores do indivíduo e
da sociedade, e de todos os fatores instrumentais e finalísticos, é problema de composição
de forças que a mecânica não o
pode resolver, mas o Direito
sim, mercê da organização social e da disciplina jurídica. Fora
dessa regulamentação da vida
em sociedade, que é o Direito,
não há segurança nem justiça”.
Frente a essa realidade, exige-se o exame dos mecanismos
de regramento sociais, a fim de
se estabelecer o momento no
qual pode se invocar o Direito
Penal; assim, reserva-se a resposta penal para os casos nos
quais as respostas advindas de
outros mecanismos de controle sociais falharam, vale dizer,
somente após falharem todas
as outras formas de regramento para a sociedade, é que se
autoriza o chamamento do Direito Penal, restringindo-o ao essencialmente necessário. Esse é o
chamado mecanismo do Direito
Penal mínimo, ou da mínima intervenção, o qual deve, a nosso
ver, assoalhar uma Política Criminal para nosso país.
Ainda o Prof. Nilzardo, em
seu belo parecer, ensina que
“sendo ‘fenômeno de massa’, a
20
Artigo
criminalidade, no melhor conceito criminológico, não pode
ser vista apenas sob a ótica jurídica e muito menos ser enfrentada com possíveis agravamentos das sanções penais ou simples introdução de novos tipos
e conseqüentes preceitos sancionadores. A moderna concepção da ‘intervenção mínima’ do
direito penal repele essas soluções, que, sabe-se, não terá força alguma no reduzir a criminalidade”.
Nesse raciocínio, à luz desse Direito Penal mínimo é que
se deve admitir a análise conjuntural, e verificar se pretendemos somente criar novos tipos penais, objetivando, exclusivamente, intimidar, ou buscamos, também pelo Direito Penal, uma melhor convivência de
nossos compatriotas.
Sediados nesse enfoque é
que vamos buscar a manifestação do Professor Barbosa, quando assevera: “De outro lado, o
aumento da criminalidade violenta, que é um fato constante
numa sociedade que se caracteriza pela urbanização desenfreada, pelo abandono do campo em prol das cidades, pela
impessoalidade das relações da
cidade grande, faz com que
outros tipos penais sejam necessários para uma boa política criminal legislativa. Em suma,
a política criminal legislativa
visa à efetividade da norma penal, que conjugada com a sua
legitimidade lhe garante a eficácia”.
Para subsidiar este estudo,
vale registrar, nesse ponto, a
existência de uma corrente político-criminal, que, segundo o
Professor carioca João Marcello de Araújo Júnior, é atual.
Trata-se da Política Criminal
Alternativa.
Embora possa assustar alguns, e ser confundida com o
Direito Alternativo que apareceu no sul do país, essa corrente é extremada, porquanto,
embora enfeixe tendências, advoga a abolição do sistema penal e da pena privativa de
liberdade, o que sabemos, na
atualidade, é pura utopia.
Mas, para melhor entender
essa corrente penal, observe-se
o comentário do Professor João
Marcello, em seu livro Sistema
penal para o terceiro milênio
(Editora Revan, p. 78): “Sob a
denominação Nova Criminologia encontramos um outro movimento que, à semelhança da
Novíssima Defesa Social, se
constitui numa espécie de frente ampla, que abriga em suas
fileiras tendências diversas.
Nova Criminologia é expressão
genérica, na qual se subsumem
denominações específicas,
como Criminologia Crítica, Criminologia Radical, Criminologia
da Reação Social, Economia
Política do Delito (denominação
proposta na Inglaterra) e outras,
cada uma, a seu modo, signifij a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
cando reação à chamada Criminologia Tradicional, que, fulcrada no pensamento positivista,
preocupa-se apenas com a etiologia do crime e com os aspectos psicológicos da passagem
ao ato, a partir de conceitos estratificados na lei. Todas essas
Criminologias contribuem para
a formação, no campo da política criminal, de um movimento conhecido por Política Criminal Alternativa, cujo principal
veículo de divulgação foi a revista La Questione Criminale,
que se editava em Bolonha, sob
a orientação do denominado
Grupo de Bolonha”.
Num misto de alerta e protesto contra o Direito Penal
nos moldes que conhecemos
no Brasil, o professor carioca
conclui: “A Nova Criminologia
demonstra que o Direito Penal
não é igualitário, nem protege o bem comum e, também,
que sua aplicação não é isonômica”.
Dessa forma, para se alinhavar uma Política Criminal para
nossa nação, não podemos perder de vista o que diz o Professor da Faculdade de Direito do
Recife, Ruy Antunes, citado pelo
Cons. Nilzardo em seu parecer:
“À política criminal (e penitenciária) cumpre indicar os meios
adequados para consecução de
determinados objetivos no seu
campo específico de pesquisa.
À Política cumpre recolher essas sugestões, como tantas ouj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
tras fornecidas por disciplinas
consagradas ao estudo de fenômenos de diversa ordem – educação, higiene, assistência médica, etc. – e decidir da oportunidade de sua aplicação”.
Nos objetivos da Política Criminal nacional devem estar a
redução dos níveis de criminalidade o quanto possível, juntamente com a garantia dos cidadãos. Para tal, algumas sugestões são elencadas:
a) Exata adequação da utilização da pena privativa de liberdade, nos moldes de utilização mínima, à luz de um
Direito Penal mínimo também, servindo a cadeia somente para aqueles que revelem periculosidade. Isto
porque a pena de prisão,
como sabemos, não recupera, mas, ao contrário, aniquila o homem e jamais reintegra-o. Assim, trata-se de medida abominável, contudo indispensável para alguns.
Maior abrangência das penas
alternativas é absolutamente necessária.
b) Um programa que possibilite a descriminalização, a despenalização e a desjudicialização. Vale dizer, um esforço para que o legislador possa afastar, do elenco de tipos, condutas que, pela conjuntura, mereçam afastar-se
do campo penal; afastar de
algumas condutas sobre as
quais a lei penal ainda prevê
a pena severa, bem como
afastar da apreciação do judiciário o que pode ser distanciado desse crivo, porquanto aliviar-se-ia o sistema, desobstruindo-o para
concentrar-se nos problemas
realmente graves que são
levadas à apreciação de
nossa Justiça.
c) Transportar à comunidade, o
quanto possível, transferindo do Estado para a sociedade a função de controle sobre as condutas consideradas nocivas leves. Ampliar o
alcance das composições civis nas lides penais, bem
como a aplicação das penas
alternativas, como mecanismo de resposta penal ressocializador. Face aos efeitos
maléficos do cárcere, a aplicação de penas alternativas
à prisão é uma exigência humana, pois no dizer do Prof.
Damásio de Jesus, ilustre integrante deste Conselho,
existem pessoas que delinqüiram e precisam ser presas, face ao risco que representam à sociedade, pois são
pessoas perigosas, todavia,
existem aquelas que,apesar
dos delitos que cometeram,
não podem ser presas, pois
a prisão lhes fará mais mal,
a elas e à sociedade ao final,
do que o mal do delito cometido. Assim, o objetivo da
recuperação – com a aplicação das penas alternativas –
21
D ireito
pode tornar-se realidade.
d) Focando o direito penal mínimo, impõe-se a criminalização dos comportamentos
que importem dano ou
ameaça, no dizer do Prof.
Marcello, aos fundamentais
interesses das maiorias,
tais como: a criminalidade
ecológica, a econômica, as
violações à qualidade de
vida, as infrações à saúde
pública, à segurança e higiene no trabalho, e outras
do mesmo gênero.
e) Comprometer, de alguma forma a ser estudada, o aparelho da mídia nacional, a difundir os objetivos da certeza da punição, com intensa
observação aos direitos humanos e às garantias individuais, sem dispensar as garantias processuais. A vasta
propaganda deve desestimular a prática do delito, fazendo papel inverso daquele que
hoje observa-se. Esta proposta deve compreender uma
verdadeira campanha permanente de esclarecimento à
população sobre a lei penal,
seus reflexos e as conseqüências reais a aqueles que a
transgridem. Enfim, há que
se reimplantar o respeito à
lei e o temor à pena, que não
precisa ser privativa de liberdade, porém certa; que não
precisa ser exacerbada, porém inexorável a desestimular, principalmente, os jo22
Artigo
vens que pretendem delinqüir. Para tanto a mídia tem
um papel fundamental.
f) O profissional do direito tem
hoje dificuldade em saber
quais leis estão vigentes, o
que não dizer do cidadão
que tem enorme dificuldade
em conhecer as leis. Daí porque deve passar, pelo projeto de Política Criminal, a preocupação com que os brasileiros conheçam suas leis e,
para tal, uma medida sugerida poderia ser a Consolidação
das Leis Penais, pois mais
uma vez, a quantidade de leis
criminais fora do código
penal é tão grande, senão
maior do que os dispositivos
codificados. Já tivemos em
nossa história um momento
em que a consolidação mostrou-se útil, creio que estamos
diante de uma nova necessidade de consolidar todos os
regramentos criminais.
g) Outra questão que deve estar esculpida na Política Criminal adotada é a manutenção da maioridade penal aos
18 anos, porquanto, face ao
sistema prisional que temos,
de nada adiantará rebaixar
esse patamar etário de responsabilidade penal. Na verdade,
penso que o ideal seria o critério psico-etário, a verificar
quando o agente tem compreensão de sua conduta
para responsabilizá-lo criminalmente.
h) Nosso sistema tem, lamentavelmente, esquecido as vítimas e testemunhas, abandonando-as à própria sorte
após servirem à justiça. É indispensável que tenhamos
um programa de proteção à
testemunha e à vítima se pretendemos aprimorar nosso
sistema de justiça.
i) Todas as formas de prevenção do delito devem ser consideradas e campanhas de
prevenção têm que estar
num projeto que trace a Política Criminal nacional, esclarecendo a opinião pública de
que o delito ocorrido, mesmo que prevenido, será punido, de forma a demonstrar
que a impunidade está afastada, investindo-se na certeza da punição.
j) Jamais se pode traçar um plano sem as informações circunstanciais que devem subsidiar aquele que é responsável pela estratégia; da mesma forma, nosso país carece
de pesquisa criminológica,
aliás, carece de dados em
geral, principalmente aqueles destinados à estatística
criminal. Somente poderse-á traçar as estratégias
após se conhecer todos os
dados e circunstâncias que
envolvam o problema criminal.
k) Quanto à pena, embora mereça destaque no projeto de
Política Penitenciária, há que
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
se ponderar, embora epidermicamente, da necessidade
de sua proporcionalidade,
posto que tal graduação garante o equilíbrio da individualização da pena, quer
pelo agente, quer pelo delito cometido, eliminando o
enfraquecimento da norma
penal pelo desuso face ao
seu rigorismo.
l) Os problemas enfrentados
pelo governo para estabelecer um plano de segurança
pública servem para demonstrar a necessidade de um remodelamento, de uma reengenharia para a formulação
de uma nova doutrina de segurança pública no país, o
que certamente deverá estar
inserido num projeto de Política Criminal brasileira.
Todas estas propostas não
afastam os cuidados que haverão de ser dispensados, visando às causas sociais que deflagram a criminalidade, como,
por exemplo, combate à miséria, à desnutrição, melhor distribuição de renda, melhores
oportunidades de trabalho, instrução, alimentação acessível,
assistência à saúde, etc.
Por derradeiro, invocamos a
lucidez de nosso estimado Professor João Marcello quando leciona: “O desejo ardente de uma
sociedade sem crimes e sem
penas é nobre e deve empolgar
todas as sociedades que amam
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
a liberdade e lutam pela igualdade e fraternidade entre os
homens. Tal aspiração, entretanto, não nos deve impedir
de reconhecer a realidade, e
esta, infelizmente, ainda não
se identificou com o sonho.
Por isso, ao mesmo tempo que
lutamos pelo progresso, devemos nos manter na defesa das
conquistas já alcançadas, pois
se nos dedicarmos ao devaneio, gozando a antevisão de
sua concretização, poderão
ocorrer retrocessos que nos
façam acordar diante de uma
sociedade mais cruel que a
atual”.
E encerrando, voltamos ao
ponto inicial de contato entre a
Política Criminal e a Política
Penitenciária, pois de nada adianta todo esforço na política
legislativa e até jurisprudencial, quando o desaguar desse
esforço ocorre no vazio da iniquidade de nosso sistema penitenciário, colocando tudo a perder.
Por fim, ainda o Cons. Nilzardo, com sua lucidez ímpar, é
invocado mais uma vez, quando em seu parecer registra:
“Fora de dúvida, inquestionável
mesmo, que a Política, em sua
compreensão genérica, e as
Política Criminal e Política Penitenciária, completando-se, representam um tempo histórico social e refletem e manifestam a
cultura de uma época. Fora de
dúvida que uma Política Crimi-
nal tem de voltar-se não apenas
para estruturas normativas e
suas modificações, para adequar-se a novas situações e
valores emergentes, mas para
a oferta de possíveis soluções,
as mais variadas e esperadas
pela sociedade, no sentido de
minimizar os níveis de criminalidade e reduzi-la a limites de
suportabilidade social. Porque,
sem dúvida, esse é problema
que está a exigir providências
as mais diversas, imediatas ou
mediatas, em todos os níveis,
ante o risco crescente da segurança dos cidadãos e da coletividade como um todo, com graves repercussões no desenvolvimento do país”.
Submetendo assim este estudo
ao crivo da comunidade jurídica
nacional, uma vez que aprovado por unanimidade pelo
Egrégio Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária,
acreditamos que uma Política
Criminal intuída pelos dirigentes intelectuais não seja suficiente, há que se ter um programa para sua implantação, há
que se ter seus princípios e diretrizes, enfim, há que se saber o
rumo certo de nossa trajetória
penal, atual e futura e, somente aí teremos a Política Criminal e Penitenciária Brasileira que
pretendemos.
R
23
Artigo
Política y civismo:
dos conceptos distintos
Gerardo Ancarola
Advogado, professor de direito e
diretor da revista Foro Político da Universidad del Museu Social Argentino UMSA,
Buenos Aires (Argentina)
En el marco de esta Jornada
conceptos que están íntima-
taba el fantasma del totalitaris-
vale la pena reiterar que el ob-
mente entrelazados: política,
mo comunista – para el lúcido
jetivo de Civic Education es
democracia y civismo. De los
pensador francés el civismo
nada menos que “realizar y ori-
dos primeros, que son claves,
abarcaba, como vimos, tres as-
entar en la sociedad contempo-
no es éste el momento de refe-
pectos que, sintéticamente, glo-
ránea la preparación de los jó-
rirnos. En cambio, qué se enti-
samos a continuación.
venes para ser futuros ciudada-
ende por civismo – en sus
El civismo conlleva entonces
nos y participar en la actividad
diferentes formas de manifes-
y en primer lugar, un conjunto
pública”. Todo ello, en la inteli-
tarse: vida cívica, educación
de ideas fundamentales que
gencia de que “la formación de
cívica, instrucción cívica, etc. –
pueden resumirse en las sigui-
los ciudadanos requiere una
será el tema central de estas
entes: a) sentido y preocupa-
cultura cívica, desarrollada en
sumarias reflexiones.
ción por el “bien común”, enten-
tradiciones
democráticas”.1
En un breve pero ya clásico
diendo por tal lo caracterizado
Es decir, se trata de formar
ensayo, Joseph Folliet (1903-
por la doctrina social católica;3
ciudadanos – mejor dicho jóve-
1976) definía el civismo como
b) “lealtad” – que no implica ni
nes ciudadanos – para una
el “conjunto de ideas, de acti-
servilismo ni sumisión – a las
sociedad democrática. En otras
tudes y de hábitos que corres-
autoridades e instituciones del
palabras, se trabaja para con-
ponden al buen ciudadano, ele-
país; c) la democracia, como es-
solidar la base política de las
mento activo y conciente del
tilo de vida, que obliga al respe-
sociedades del futuro; porque
pueblo”.2 Escrito en los años cin-
to por las ideas ajenas, porque
como sabemos, si bien el futu-
cuenta del siglo veinte – cuan-
no hay democracia sin pluralis-
ro no puede predecirse, puede
do en Europa Occidental
mo ideológico; y d) cultivar el
en cambio prepararse.
debían reconstruirse las demo-
“espíritu crítico” sin excesos ni
De estas telegráficas consi-
cracias luego de la Segunda
sectarismos. En cuanto a las ac-
deraciones surge que hay tres
Guerra Mundial y se enfren-
titudes que para Folliet deben
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
25
D ireito
Artigo
observarse, está prioritariamen-
integral, por lo que entre sus
ofrece un capítulo precisamen-
te la obediencia a las leyes – en
contenidos tenía que figurar,
te llamado Civismo, donde en
esta Jornada se ha destacado,
necesariamente, la formación
siete artículos – del 155 al 162
por ejemplo, la importancia que
cívica de las jóvenes genera-
– de manera concreta y hasta
reviste pagar los impuestos – y
ciones.
pormenorizadamente – avala-
también brindar generosidad,
En este último sentido, resul-
do en algunos casos con ex-
tanto de tiempo, para obras
ta de gran interés la lectura del
tensas notas doctrinarias – tra-
comunitarias – el desarrollo de
documento de trabajo de la
ta el tema.
las ONGs entre nosotros, en los
Civic Education, donde se de-
Así, por ejemplo, el artículo
últimos años, es un signo aus-
talla el estudio comparativo de
156 titulado “Naturaleza del
picioso – como generosidad de
la educación cívica que se de-
civismo” lo define como a “la vir-
los sectores de mayores recur-
sarrolla actualmente en más de
tud propia del ciudadano. Con-
sos en dinero, para obras de
veinte países del mundo. Sirve
siste en una disposición habi-
bien público. Finalmente, y en
también para verificar, en la
tual para cumplir con las cargas
cuanto a los hábitos, consti-
actualidad, la ausencia casi
que a uno le corresponden
tuyen para él una serie de com-
total de estos temas en nues-
como miembro de una sociedad
portamientos, en el plano per-
tras escuelas y colegios.
política, a la vez que para practicar los derechos que ella con-
sonal y de la vida cotidiana –que
van desde el respeto al prójimo
EL CIVISMO EN LA
fiere. El espíritu cívico hace per-
a una tendencia de austeridad
DOCTRINA SOCIAL DE
cibir el bien que permita el ar-
en las costumbres – que confor-
LA IGLESIA
mónico desarrollo de la comu-
man todo un “estilo de vivir” y
Cabe hacer notar que lo ex-
nidad política entera e inspira
que en definitiva se fundamen-
presado por Folliet no era más
el deseo de subordinar al bien
tan en la observancia riguro-
que repetir una posición soste-
general del país los intereses
sa de principios éticos, a los
nida desde hácia más de un
particulares, colocando a éstos
que se llega y se consolidan a
siglo por la Iglesia Católica, que
en un puesto preciso dentro del
través de la educación.
en su denominada doctrina
orden ciudadano. El objeto del
De ahí que la democracia –
social dividía las obligaciones y
civismo varía según la natura-
tanto como sistema político o
deberes inherentes al civismo
leza y el nivel de las sociedades
como estilo de vida – necesita
de todo lo atinente a la política.
políticas de las que uno forma
de lo que el recordado Mario
En ese sentido, por ejemplo, el
parte. El Estado exige el civis-
Justo López Llamaba “protago-
Código de Moral Política
mo de todos”.6
nistas idóneos” y que eran no
publicado por la Unión Interna-
El artículo siguiente, el 156,
sólo los dirigentes políticos,
cional de Estudios Sociales de
es también extenso. Se titula
sino también los simples ciuda-
Malinas, que data de diciem-
“Educación del civismo” y comi-
danos que debían ser eficaces
bre de 1957, es muy claro y
enza afirmando que “el civismo,
en el accionar y sobre todo vir-
circunstanciado al abordar es-
como las demás virtudes huma-
tuosos, y además debían reco-
tos problemas.
nas, necesita educación. Esta
nocer a la educación como la
En efecto, en su Sección IV
educación corresponde ante
gran prioridad del Estado.
titulada “El individuo como ciu-
todo a las instituciones propia-
Pero esa educación debía ser
dadano y miembro del Estado”,
mente educativas. Ellas inician
26
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
prácticamente en los conocimi-
cunstancia.7
larmente necesaria para el pue-
entos sociales elementales y
En cuanto al artículo 158, ti-
blo y sobre todo para la
deben también preparar al niño
tulado “Conservación Del espí-
juventud, a fin de que todos los
o al adolescente para ocupar
ritu cívico”, no podemos sino
ciudadanos puedan cumplir su
con honor el puesto que le cor-
ceder a la tentación de transcri-
misión en la vida de la comuni-
responde en la Nación. La es-
bir sin comentarios, porque su
dad política”.8
cuela, sea pública o privada,
claridad los hace innecesarios,
debe desarrollar poderosamen-
los dos últimos y significativos
VIDA POLÍTICA Y
te la conciencia cívica y hacer
párrafos: “Tienen también de
VIDA CÍVICA
arraigar el sentido de los debe-
manera permanente una grave
Ahora debemos distinguir
res, lo mismo que los derechos
responsabilidad los órganos de
también de manera muy esque-
de cada uno y de todos en la
prensa y sobre todo los perió-
mática entre la política y el ci-
Nación”.
dicos, los diarios, la radiodifu-
vismo. Son planos de actua-
No menos extensos – y al
sión, la televisión y el cine. Una
ción distintos. La política, como
mismo tiempo no menos inte-
actitud hipercrítica constante
actividad, exige vocación y ap-
resantes – son los dos artículos
hacia el gobierno o hacia el ré-
titudes muy determinadas para
siguientes: el 157 y el 158. El
gimen establecido, aun cuando
la cotidiana, difícil – y casi si-
primero, titulado “Preparación
se trate de una oposición legal,
empre ingrata – lucha política.
cívica”, proporciona una serie
tiende naturalmente a disolver
No todos están capacitados
de consejos básicos para la for-
el sentido ciudadano en la con-
para ello, ni les interesa su ejer-
mación cívica de los jóvenes y
ciencia popular”. Los cuatro res-
cicio activo. Pero todos deben
concluye con una asevera-
tantes artículos están también
tener las mínimas preocupacio-
ción de gran actualidad para los
vinculados con el tema de esta
nes cívicas en la defensa de la
argentinos, cuando dice: “Sin
Jornada, y de ellos cabe desta-
sociedad democrática, y corre-
caer en interpretaciones unila-
car el 159, que se titula “Papel
lativamente, brindar apoyos y
terales e injustas de la Historia,
del Estado”, sobre todo el pár-
estímulos para los que ejercen
la educación cívica inculcará el
rafo en donde se afirma que es
la actividad política, que debe
sentido del pasado y de la con-
a éste a quien “le corresponde
estar impregnada de conteni-
tinuidad nacional”. Decimos
velar por la educación cívica y
dos éticos. La actividad política
esto porque hace anos venimos
por la conservación del espíritu
es insustituible en las socieda-
denunciando como uno de los
cívico de la Nación”.
des, y los partidos políticos son,
más graves problemas de nu-
Esta posición de la Iglesia
igualmente, insustituibles como
estra educación, con directa
Católica se vio confirmada en el
correas de transmisión de las
repercusión en la cultura, la
trascendente Concilio Vaticano
inquietudes y problemas de la
ausencia – en casi la totalidad
II (1962-1965), en cuya Consti-
ciudadanía. Aunque no todos
de los niveles – de la enseñan-
tución Pastoral sobre la Iglesia
los dirigentes políticos y los
za de la Historia y la constan-
en el mundo actual igualmente
partidos, son “idóneos” para la
te tergiversación que muchos
se sostiene que “hay que pres-
vigencia y consolidación de una
sectores influyentes hacen de
tar gran atención a la educaci-
sociedad democrática, abierta y
nuestro pasado lejano o cer-
ón cívica y a la educación políti-
pluralista, cuya expresión jurí-
cano, aprovechando esa cir-
ca, que hoy en día es particu-
dica es el Estado de Derecho.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
27
D ireito
Artigo
Pero precisamente, es el
h) elevar y jerarquizar la educa-
talmente, la deserción, por par-
civismo el que enriquece, con-
ción en todos los niveles; i) tra-
te de una amplísima franja del
trola y apuntala la vida política
tar que los medios audiovisua-
espectro ciudadano, de sus de-
en democracia. Fundamental-
les no sean un factor de contra-
beres cívicos en los dos planos
mente el civismo consiste, en
cultura; j) frontal oposición a la
a los que nos hemos referido.
apretada síntesis, en lo siguien-
demagogia, a la mentira y a la
Todo indica que ahora hay, afor-
te: a) despertar y formar el es-
propaganda
alie-
tunadamente, signos que revi-
píritu público; b) luchar, en to-
nante; y k) inculcar el conoci-
erten aquella mala tendencia,
dos los ámbitos, contra la cor-
miento de la Historia, porque
en especial en vastos sectores
rupción; c) oponerse a los abu-
sin la memoria fiel del pasado
juveniles.
sos de la autoridad; d) evitar el
no puede entenderse el pre-
Porque si queremos superar
sectarismo que campea en algu-
sente ni proyectarse el porvenir.9
las frustraciones de los días que
nos partidos políticos y otras ac-
La crisis integral en que hoy
corren, hay que propiciar una
tividades sociales; e) impedir el
se debate el país tiene varias
gran renovación política, que
acoso de los intereses sectoria-
causas, pero hay dos que aquí
sólo vendrá si logramos recre-
les; f) democratizar la vida y la
deben merecer nuestra atenci-
ar una intensa vida cívica, como
organización de las activi-
ón: en primer lugar, el abando-
único camino para hacer de esta
dades sindicales; g) bregar por
no en que desde hace medio
Argentina, hoy “invertebrada”,
la independencia del Poder
siglo está sumida nuestra edu-
una República.
Judicial y por el acceso a una ad-
cación, con el olvido de enseñar
ministración de justicia rápida;
educación cívica; y fundamen-
R
NOTAS
1
Civic Education Study (I:E:A:), p.I,
los destacados son nuestros.
2
Folliet Joseph, Iniciación Cívica,
Editorial del Atlántico, Buenos
Aires, 1957, p. 16 y sgtes.
3
El concepto de “bien común”, de
origen medieval, ha sido muy
cultivado por los doctrinarios
cristianos. Hay abundante
bibliografía sobre el tema.
4
28
Civic education across countries:
twenty-four national cases
studies. En este trabajo se
detallan los contenidos y las
experiencias recogidas en la
enseñanza de la educación cívica
en distintos países.
5
Esta institución fue fundada en
Malinas, Bélgica, en 1920. Su
primer presidente fue el reputado
teólogo cardenal D.J. Mercier (18511926) y estaba formada por
juristas, sociólogos y teólogos
católicos de diversas partes del
mundo, con el objeto de sistematizar,
libremente, los principios rectores
de la doctrina social de la Iglesia.
Tuvo una enorme influencia
durante medio siglo y redactó
cuatro excelentes y completos
Códigos – el Familiar, el de Moral
Internacional y el de Moral Política
– que se conocen como los Códigos
de Malinas. Nosotros utilizamos la
edición de Sal Térrea, Santander,
1962, con traducción, prólogo e
índices de Ireneo González Moral.
6
P. 622 y sgtes. De la obra arriba
citada.
7
Cfr. Ancarola, Gerardo, Dilemas
de una década, Editorial de
Belgrano, Buenos Aires, 1999,
pág. 65 y sgtes.
8
Concilio Vaticano II. Constituciones.
Decretos. Declaraciones. Editorial
Biblioteca de Autores Cristianos.
Madrid, 1966, p. 328. (Las negritas
son nuestras).
*
Comunicación presentada el 28
de noviembre de 2001 en la
Jornada sobre civismo organizada por la Academia Nacional
de Ciencias Morales y Políticas.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
A dignidade da pessoa humana como
valor-fonte da ordem jurídica
Vander Ferreira de Andrade
Professor de Direito Penal e de Introdução ao Estudo do Direito do IMES.
Professor de Direito Administrativo da FIG. Especialista em Direito Penal e
Mestrando em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Oficial de Polícia Militar.
Atualmente exerce a função de Juiz Militar na 1ª Auditoria do Tribunal de
Justiça Militar do Estado de São Paulo.
R e s u m o
A b s t r a c t
O presente artigo objetiva dissertar sobre a
influência do Humanismo na formatação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como analisar os corolários da incidência de tal princípio no ordenamento
jurídico brasileiro.
The present article has the objective to explain
the influence of the Humanism in the creation
of the constitutional principle of the human
person dignity, and to analyse the consequences
of the incidence of this principle in Brazilian
juridical order.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
29
D ireito
Artigo
INTRODUÇÃO
o poder constituinte deriva da
a perscrutação da dignidade da
Chama-nos a atenção a pro-
lei natural, teríamos que é esta
pessoa humana, antes de decli-
posta de Miguel Reale, intitulan-
mesma lei que exige seja o
nar o alcance e o sentido da
do a pessoa humana como va-
homem respeitado por todos os
norma, mas sobretudo, antes
lor-fonte de toda a ciência e
que o cercam, somente pelo
da aplicação; é que não temos
experiência jurídica, propug-
fato de ser portador de uma
a ingenuidade de desacreditar
nando em sua teoria, ainda que
determinada natureza humana.
da existência de normas injus-
implicitamente, a existência de
Tal consideração leva-nos a
tas ou mesmo iníquas; elas exis-
uma estrutura hierárquica ver-
pensar que não há que se falar,
tem e persistem, e às miríades;
ticalizada, na qual o ser huma-
mesmo em face de um poder
contudo, face ao dogmatismo
no e sua imanente dignidade
constituinte originário, uma
do primado constitucional, es-
desempenham o papel de
ampla liberdade, mesmo irres-
tas não poderão ser declinadas
cume, de ponto mais elevado,
trita, no que diz respeito ao
no caso concreto se aviltarem
importando na necessidade de
conteúdo a ser descerrado pela
ou afrontarem o mandamento
se reconhecer a sua importân-
tarefa legisferante, ao contrário,
constitucional.
cia para a compreensão de todo
a esta mesma atividade impõe-
Outrossim, temos para nós
o sistema social e jurídico.
se o reconhecimento da existên-
que a ciência não cria, nem
Com efeito, tal ponderação
cia de uma pré-limitação, de
criou, nem construiu o postula-
parece ter encontrado guarida
uma limitação material, não
do da dignidade da pessoa hu-
no pensamento do legislador
importando a definição ou de-
mana; este sempre existiu e
constituinte de 88, o qual, ao
nominação que lhe conceda-
preexistiu, e se ainda no mun-
descerrar o conteúdo incipien-
mos, seja de direito natural,
do em que vivemos outras cul-
te da vontade do poder consti-
compreendido este como o di-
turas não o reconhecem como
tuinte originário, manifestou-
reito da natureza humana, e não
tal (e o dado cultural ou deriva-
se, insculpindo dentre os fun-
como de conjunto de leis natu-
do do misticismo ou fanatismo
damentos da República Federa-
rais ou da natureza propriamen-
religioso será sempre um poten-
tiva do Brasil e, conseqüente-
te dita (no sentido puramente
cial estímulo para a sua nega-
mente, do Estado Democrático
aristotélico), o de direitos huma-
ção), nada disso impede que,
e Direito implantado pela nova
nos, ou o de respeito e acata-
fora do conhecimento de dada
ordem constitucional, a digni-
mento à dignidade da pessoa
cultura, este conceito já não
dade da pessoa humana, vérti-
humana
estivesse presente, vivo e laten-
ce da nova Carta, espinha dor-
Silva, p. 98).
(Gomes
da
te, na própria consciência hu-
sal para a compreensão mais
Entendemos assim que, mes-
mana, no que divergimos, de
profunda do estágio de civiliza-
mo respeitando os elementos
certa forma, do papel da histo-
ção e experiência histórica que
histórico, sociológico e criativo
ricidade na consubstanciação
que permeiam a experiência
de determinados direitos; é que,
Com isso, e partindo-se de
jurídica, ou a denominada “dia-
para nós, a barbárie em si não
uma das matizes apresentadas
lética da complementaridade”,
retira do homem sua condição
por Bobbio (1998, p. 64) como
como denomina Reale, há na
de ente vivo e pensante, cria-
justificadoras de um poder es-
tarefa do intérprete uma porta
dor e modificador de situações
tatal, ou aquela que afirma que
de passagem obrigatória que é
fáticas das mais diversas, nem
logramos
30
atingir.1
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
existiu; é portanto incumbência
podemos olvidar ter sido o refe-
dos povos e nações que ainda
rido autor um permanente pes-
Nesse sentido estamos a afir-
não se aproximaram deste es-
quisador do postulado axioló-
mar que, em verdade, o pensa-
tágio do devir humano, incor-
gico da dignidade da pessoa
mento de Reale tem o mérito
porar ao seu ordenamento su-
humana como valor fundante,
de, ao afirmar a existência de
premo este postulado, mesmo
principiológico, de uma herme-
um valor-fonte, permitir-nos
que isto signifique derrogar al-
nêutica necessariamente con-
asseverar não somente a pre-
gumas de suas tradições, ain-
juntural.
existência deste mesmo pres-
da que se possa entendê-las
Não é à toa que a seu respei-
suposto, mas igualmente o de
como expressões ou manifesta-
to encontramos pronunciamen-
imantá-lo à norma fundamental,
ções de suas culturas milenares.
tos dos mais aguçados, como
como elo inseparável de uma
Amalgamada a dignidade da
se verifica nesse registro do
regra perene e verdadeiramen-
pessoa humana à norma hipo-
professor José Cretella Júnior,
te imutável; esta regra, que en-
tética fundamental, não basta
em que é apresentado como
contra seu suporte lógico na
declinar seu mais sintético
sendo o grande animador dos
existência de Deus e do homem
enunciado: cumpra-se a consti-
grandes e profundos proble-
como criatura feita a sua seme-
tuição; é preciso, antes de tudo,
mas jusfilosóficos entre nós
lhança, peca talvez por dogma-
que a norma constitucional
brasileiros: “Miguel Reale...
tizar-se, no momento em que
prestigie o homem, por sua na-
coloca-se nitidamente entre os
recorremos ao espírito para ten-
tureza humana, originariamen-
adeptos do culturalismo jurídi-
tar explicar coisas da razão;
te divina. Temos para nós que
co, mostrando como esta orien-
porém, como São Tomás de
a norma é produto da experi-
tação, desligada do idealismo
Aquino, estamos dizendo que
ência humana e não fonte; o ser,
que a inspirou no período inici-
por certo “aquilo que não é em
o ente humano, este sim é fon-
al, é a única que possibilita es-
si mesmo existe em Deus, en-
te, não somente da regra de di-
tudo integral da fenomenologia
quanto nele é previamente re-
reito mas principalmente da
jurídica, permitindo apreciação
conhecido e preordenado, con-
própria experiência humana,
panorâmica e completa dos ele-
forme a passagem de Romanos
que decorre do simples fato de
mentos do Direito, evitando, de
4,17: ‘Aquele que chama entes
o homem existir, não como os
um lado, a unilateral preferência
os não entes’. É assim que o eter-
animais, os vegetais ou os mi-
dos juristas-sociólogos pelo fato,
no conceito da divina lei é dota-
nerais, mas como a mais per-
e, de outro, a unilateralidade dos
do da razão de lei eterna, na me-
feita de todas as criações de
juristas técnicos seduzidos pela
dida em que é por Deus ordena-
Deus.
norma” (Cretella Júnior, 1967, p.
de
ensejador
de
novos
rumos para a história.
109).
do para o governo das coisas por
Ele previamente conhecidas”
(Aquino, 1997, p. 43).
1 ENFOCANDO A OBRA DE
MIGUEL REALE
Optando assim, nitidamente,
pela eleição da axiologia como
A ciência não teria assim criado
De fato, nosso estudo a res-
ponto de convergência do fato
o fundamento da dignidade da
peito do valor-fonte implicará a
e da norma, Miguel Reale, com
pessoa humana, mas desco-
necessidade de fazermos ex-
sua clássica e notória aborda-
berto, no que queremos dizer
pressa referência à obra de
gem sobre o tridimensionalismo
que este em verdade sempre
Miguel Reale, posto que não
do direito, delineia a valoração
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
31
D ireito
Artigo
como o amálgama, a liga da
direito natural, numa releitura
aponta para uma hierarquia de
qual as junções entre fato e
de seus pressupostos, mesmo
valores, mesmo numa estru-
regra não podem prescindir, se
formatando-o sob uma nova
tura axiológica verticalizada, da
o que se intenta é descobrir jus-
denominação – o realismo cul-
qual o ápice se descortina como
tamente a razão lógica de coe-
tural – análise acurada e apro-
sendo a própria pessoa humana,
rência e fundamento de uma
fundada do direito positivo,
na exata medida que a cada
ciência que se pretenda apre-
aderindo a esta postura um
valor corresponde um fato, um
sentar-se e verificar-se como tal.
comportamento denotadamen-
evento, e sendo o homem uma
Para Reale, haverá sempre
te crítico, o qual culminará
criatura de per si existente, au-
um caráter integrativo dos ele-
numa tentativa bem sucedida
tônoma em si mesma, a ela deve
mentos sociais em face de um
de aprimorá-lo, sobretudo em
necessariamente corresponder
sistema normativo de valores,
seu aspecto muitas vezes descui-
um valor, o qual se justifica
enfim, como aponta José Crete-
dado, a face ética do direito.
como o hierarquicamente supe-
lla Júnior “uma subordinação da
Partindo da crítica da unila-
rior, posto que os demais são
atividade humana aos fins éti-
teralidade do sociologismo ju-
todos decorrências daquele, por
cos precípuos da conveniên-
rídico, cujo fundamento encon-
lógica dependência e subordi-
cia” (Cretella Júnior, 1967, p.
tra-se na realidade fática, e en-
nação; todavia o valor que se
109).
troncando uma acendrada ob-
posiciona teleologicamente
Partindo de um caráter de
servação sobre a unilateralida-
para o direito não será o homem
bidimensionalidade e que en-
de das teorias formalistas e téc-
em si, mas sim uma de suas
contra no tecido sociológico a
nicas embasadas única e exclu-
maiores virtudes e emanações,
tríade necessária para a confi-
sivamente nos aspectos técni-
a saber, a justiça, a qual, mes-
guração lógica, do engate subs-
cos e puramente normativos,
mo diante de sua plúrima sig-
tancial para uma ciência norma-
postura um enlace de meio ter-
nificação, deve se tornar o ide-
tiva por excelência, Reale pro-
mo, de equilíbrio entre as ten-
ário de todos os operadores da
pugna a imperiosidade de se
dências polarizantes, ensejan-
ciência em voga. É por isso que
perscrutar os valores culturais
do a atenuação dos rigores do
não se pode deixar de conside-
de determinado povo, para ne-
formalismo técnico e do rigor
rar na obra de professor Reale
les verificar a real necessidade
da observação dos fatos sociais;
a importância que o contexto
de uma norma, não descuidan-
daí porque não rejeita a reali-
social desempenha na consa-
do da necessidade de constan-
dade histórica dos fatos, even-
gração da norma, bem como os
te atenção com o aspecto da
to sobremaneira relevante para
valores que se realizam efetiva
mutação e conseqüente altera-
a transmutação destes mesmos,
e concretamente no processo
ção axiológica, decorrente da
nem da racionalidade, pano de
legisferante e de declinação do
dinâmica social, histórica e,
fundo
direito.
portanto, da cultura de valores.
a descortinação dos aspectos da
Reale afirma em obra de sua
Identifica-se em Reale, em
normatização. É como diz
lavra que o primado humano na
especial, na manifestação de
Cretella Júnior, “ a síntese do ser
hierarquia axiológica se justifi-
seu pensamento, uma ótica
e do dever-ser ” (Cretella
ca logicamente pelo fato de o
toda própria, um mecanismo de
Júnior, 1967, p. 110).
ser humano ser a única espécie
se entender e compreender o
32
essencial
para
Todavia, parece-nos que Reale
dentre os seres viventes que
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
possui, além de uma estrutura
seja, o valor a cuja atualização
pessoa humana a inspirar a sua
psicofísica e biológica (o que
tendem os renovados esforços
declinação, sendo que a hipó-
não o diferencia dos demais
do homem em sua faina civili-
tese contrária haverá de reme-
gêneros animais), uma nature-
zadora” (Reale, 1998, p. 214).
ter o sujeito que não atente para
za capaz de proporcionar uma
De fato, repousa na pessoa
o seu enunciado principiológi-
mutação na ordem das coisas,
humana um diferencial de per
co, ou para o arbítrio, para a ile-
da história, mercê de sua capa-
si, que não nos permite encon-
galidade propriamente dita, ou
cidade de superação; para ele
trar outro ser que com ela ou
para o abuso do direito, conje-
“a natureza sempre se repete,
em face dela encontre equiva-
turas que não se coadunam com
segundo a fórmula de todos
lência. Na medida e mensura-
a liceidade que se espera de
conhecida, segundo a qual tudo
ção dos bens jurídicos, indivi-
uma ciência que tem na justiça
se transforma e nada se cria.
dual ou coletivamente conside-
seu ideal a ser alcançado.
Mas o homem representa algo
rados, a pessoa humana está
que é um acréscimo à nature-
obrigatoriamente em primeiro
2 O DIREITO E A PERFEIÇÃO
za, a sua capacidade de sínte-
lugar, antecedendo a configu-
DA VIDA HUMANA
se, tanto no ato instaurador de
ração de bem interesse a con-
Se o homem é um ser gregá-
novos objetos de conhecimen-
vergência para o seu aspecto
rio por excelência, como afirma-
to, como no ato constitutivo de
axiológico, o que por certo nos
ria Aristóteles, e se a vida em
novas formas de vida” (Reale,
permitirá atribuir valoração
sociedade é imprescindível para
1998, p. 211).
máxima; nesse sentido, não nos
o aperfeiçoamento do próprio
Não refutando a tese que
sensibilizam, nem nos seduzem
homem, porque é mediante ela
aponta a concepção humanísti-
argumentações no sentido de
que se permite forjar a educa-
ca que se tem na hodiernidade,
que nem mesmo a vida huma-
ção da razão e da vontade, fo-
como fruto e vetor de um lon-
na é um valor absoluto, na me-
mentando-se o exercício da vir-
go e imenso processo históri-
dida em que encontramos como
tude, e só por meio de uma vida
co, mesmo dialético das diver-
lícitos os institutos do estado
ativa é que se permite admitir a
sas teorias que se digladiaram
de necessidade ou o da legíti-
necessidade de uma existência
no percorrer da humanidade,
ma defesa no campo do direito
de momentos de contemplação,
Reale aponta, embasando-se
penal
direito
resulta forçoso reconhecer que
em Cuvillier, que a chamada
civil; o fato é que tais postu-
o direito coopera de maneira
“convergência de valores” é de
lados do direito, ao invés de
essencial para o sucesso da fi-
fato uma resultante do proces-
negá-lo, estão certamente por
nalidade última da pessoa hu-
so histórico que somente se
ratificar, por meio de sua previ-
mana, enquanto regra de tute-
verifica numa dada sociedade.
são legal, o primado da digni-
la da própria existência e sobre-
Não é por outra razão que Rea-
dade da pessoa humana como
vivência de toda uma raça, de
le encerra o estudo da pessoa
valor-fonte de toda a ciência
toda uma espécie, isso enquan-
humana como valor-fonte do
jurídica; isso porque, nos exem-
to determine imperativamente
direito apontando: “a pessoa,
plos aventados, tais institutos
o concurso efetivo de todos os
como autoconsciência espiri-
só poderão ser implementados
membros da sociedade para o
tual, é o valor que dá sentido
se diante do valor posto em
interesse em conjunto – o bem
a todo evolver histórico, ou
confronto estiver a dignidade da
comum, sendo necessária para
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
ou
do
33
D ireito
Artigo
a obtenção desse desiderato a
que impregnam o próprio direi-
Prega que o divino direito
presença na lei, e na declinação
to, dificultam sobremaneira en-
dos Reis é uma invenção dos
e operação desta, o dos ideári-
contrar um consenso conceitu-
poderosos para opressão dos
os da justiça, ou como nos di-
al e satisfatório; contudo pode-
humildes.
ria Joaquin Ruiz Gimenez, “el
mos constatar que, em meio ao
estado de seguridad y de paz
transcurso histórico da huma-
que el Derecho constituye –
nidade, tais ideários pareceram
Daí a necessidade de repre-
pax
ex
ter sido buscados incessante-
sentação popular, através da
iustitia...inquantum ille qui ab
mente, como a pedra filosofal,
qual esse povo fará reconhecer
iniuriis aliorum abstinet, subs-
ou como a panacéia para todos
a sua vontade.
tahit litigiorum et tumultum
os males, no que identificamos
Renascia assim a liberdade,
occasiones –, es de tal suerte
uma de suas mais expressivas
tal qual a Phénix das próprias
importante para el desenvol-
características, a historicidade,
cinzas.
vimento del hombre, que debe
ou como dos diria, em lingua-
Embarcada em navios sem
estimarse como condición in-
gem poética, Anacleto de Ma-
bússola e exilada nos confins da
dispensable para su realizaci-
galhães Fernandes: “Montes-
Terra e do silêncio, retornava
ón del bien.” (Gimenez, p.
quieu, Voltaire, Diderot e Rous-
forte como Hércules e invencí-
125).
seau são os arquitetos de um
vel como Esparta.” (Fernandes,
Esse bem comum, buscado
mundo novo, surgido a partir do
1975, p. 70-71).
e alçado juridicamente, só pode
século XVIII. Todos se revela-
De fato não há como disso-
ser atingido por meio do reco-
ram contra a ordem social exis-
ciar-se liberdade e livre-arbítrio
nhecimento da existência de
tente; cada um carrega o triunfo
do evolver histórico do homem;
desdobramentos naturais do
do livre pensamento, do culto à
aliás a própria história da hu-
valor-fonte da vida humana, ló-
ciência e da crença no progres-
manidade nada mais é do que
gicos consectários desse mes-
so que a Revolução Francesa con-
a história da busca da liberda-
mo valor original, dos quais
sagrou como colméia de valores
de e da manutenção de suas
enumeramos a liberdade e o
eternos.
conquistas, o que, mesmo na
causatur
“Todo o poder emana do
povo” – clama.
livre arbítrio, que, apesar dos
Luís XVI, na cadeia, ao reen-
proximidade de um novo milê-
pontos em comum, divergem
contrar-se com os livros de Vol-
nio, ainda não se verificou obti-
em suas específicas finalidades.
taire e de Rousseau, gritava:
da em caráter definitivo. Con-
Não ousamos ao certo, nem
poderíamos fazê-lo, sequer ten-
“Estes dois homens destruíram a França”.
tudo ao direito, numa perspectiva praeter positiva, impõe-se
tar definir em contornos preci-
O rei deposto, porém, con-
respeitar a pessoa humana, de-
sos os significados destes prin-
fundia o despotismo de seu
clinando as liberdades públi-
cípios; em verdade sabemos, e
governo com o país onde era
cas necessárias à consecução
isso podemos afirmar que, a par
monarca.
da felicidade, algo que para os
do dado cultural, que multipli-
Rousseau, no nomadismo
norte-americanos, com funda-
ca a plúrima compreensão de
de sua imaginação, advoga no
mento no direito natural, che-
seus postulados, a ideologia, o
contrato social uma nova era de
gou a ser erigido em direito
sentido político, a força, mercê
liberdade, criando um novo con-
público subjetivo.2
da coercitividade e coatividade
ceito de sociedade.
34
Tal liberdade, analisável sob
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
os ângulos individual ou coleti-
sentada pelas palavras direita/
aos norte-americanos do fim
vo, só se torna passível de exer-
esquerda, pela qual, coloquial-
deste século, ou como diria
citação em meio a um governo
mente, uma pessoa de esquer-
Kant (1970, p. 76), no sentido
democrático, onde devem pre-
da não poderia ser jusnaturalis-
de “hospitalidade universal”, no
valecer as tão difíceis (muitas
ta. Supondo que isto seja fato,
que recebe a complementação
vezes paradoxalmente inatingí-
a verdade é que, sendo esquer-
de Celso Lafer, quando este afir-
veis) e decantadas regras de
da ou direita, não podemos es-
ma que “Kant confirma o direi-
consenso, no qual possam ser
capar à aceitação de um conteú-
to à hospitalidade universal ao
fincados os pressupostos da
do mínimo do direito natural”
afirmar a existência de um di-
legitimidade.
(Gomes da Silva, p. 37-38), o
reito comum à posse da super-
Esta liberdade buscada em
que se afirma com as observa-
fície da terra, pois ela sendo um
seu devir histórico representa
ções de L. A. Hart: “Há, contu-
globo, os homens não podem
o resultado, o produto de um
do considerações mais simples
se dispersar infinitamente e
processo histórico dialético,
menos filosóficas do que estas,
devem tolerar-se uns ao lado
mesmo de luta de classes, no
que mostram a aceitação da
dos outros, ninguém tendo um
que parece estar presente e
sobrevivência como uma finali-
direito fundamental, maior do
mais do que a teoria marxista
dade que é necessária, num
que o do outro, a ocupar um
do materialismo histórico; e
sentido mais directamente re-
determinado local” (Lafer, 1988,
para aqueles que talvez não
levante para a discussão do di-
p. 182).
admitam conjugar o direito na-
reito humano e da moral.(...) A
É portanto de se concluir
tural com o materialismo histó-
partir deste ponto, o argumen-
que, incumbe ao direito, e es-
rico, vale a pena ponderar a res-
to é simples. A reflexão acerca
pecialmente ao direito positivo,
peito da atenta observação de
de algumas generalizações bas-
uma vez que de acordo com
Christian Thomasius “# VIII. Y,
tante óbvias - na verdade, tru-
Franco Montoro: “o positivismo
si la dureza en la expresión re-
ísmos - respeitantes à natureza
jurídico, apesar de ligar-se à
sulta menos grata, será lícito
humana e ao mundo em que os
mesma linha de pensamento,
sustituir ésta por outra menos
homens vivem mostra que, en-
não se confunde com o positi-
dura. Pues esto quierem decir
quanto estas se mantiverem
vismo filosófico e o positivismo
los autores de esta opinión: que
válidas, há certas regras de con-
científico. Ele consiste funda-
el derecho natural obligará a
duta que qualquer organização
mentalmente na identificação
todos los hombres, cualquiera
social deve conter para ser viá-
do “direito”, com o direito posi-
que sea la idea de Dios que ten-
vel” (Hart, 1986, p. 208-209).
tivo” (Montoro, 1997, p. 252),
gam, tanto si son verdadera-
Em verdade a assertiva de Hart
a tarefa de regular não somen-
mente piadosos, como si son
incide no aspecto da sobrevi-
te as relações humanas inter e
supersticiosos o ateos” (Thoma-
vência humana como o mínimo
transindividuais, mas sobretu-
sius, 1994, p. 245).
de direito natural que deve ser
do o exercício do poder, em to-
De fato, como nos aponta
respeitado por todos e isso den-
das as suas manifestações, ou
Paulo Thadeu Gomes da Silva,
tro de um amplo aspecto de real
seja, política, econômica, ideo-
“o debate pode crescer em
globalização, compreendida
lógica ou psicossocial, posto
abrangência e ir da velha e ain-
esta não no sentido neo-impe-
que somente através de uma
da importante dicotomia reprej a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
rialista que
Galbraith3
imputa
normatização eivada e corrobo35
D ireito
Artigo
rada de legitimidade (e não
O predomínio do cristianis-
quem o humanismo autêntico
pode haver maior legitimidade
mo na Idade Média, com sua
é o humanismo proletário, so-
do que a lei que ampare e pro-
doutrina da alma, preparou o
cialista, que preconiza a liber-
mova a dignidade da pessoa
terreno para o surgimento do
tação dos trabalhadores da ex-
humana) é que se pode pensar
humanismo renascentista, que
ploração capitalista, como pri-
tutelar a pessoa como ser, como
encontrou sua expressão máxi-
meira etapa da integração do
ente, como a mais perfeita ar-
ma nas obras de homens como
homem em sua verdadeira
quitetura, dentre todas as obras
Petrarca, Boccacio, Pico della
posição no mundo.
do Criador de todas as coisas.
Mirandola, Erasmo e Thomas
Contudo, teve o humanismo
Morus. Como movimento cultu-
o mérito de estabelecer a con-
3 A INFLUÊNCIA DO
ral, resultou do estudo dos clás-
vicção da necessidade imperio-
HUMANISMO NA DEFINIÇÃO
sicos da Antiguidade greco-ro-
sa do reconhecimento da
DE PESSOA HUMANA
mana, os quais proporcionavam
liberdade; segundo Hegel, esta
A expressão “humanismo”
a revelação do valor intrínseco
observação é recente na histó-
foi empregada pela primeira vez
da vida humana em face da
ria, dado que nem Platão, nem
pelo pedagogo bávaro F. J. Nie-
morte e da grandeza de suas
Aristóteles souberam que o ho-
thammer, que entendia ser o
possibilidades. Em sua última
mem enquanto tal era livre: “A
sistema de educação tradicional
etapa, o humanismo renascen-
exigência infinita da subjetivi-
que visa à formação da perso-
tista limitou-se a grupos cada
dade, da autonomia do espírito
nalidade total e da humanida-
vez mais restritos de sábios
em si era desconhecida dos ate-
de pelas “humanidades”, ao
latinistas.
nienses” (Hegel, 1954, p. 11).
qual se opõem as escolas que
Nos séc. XVIII e XIX, a pala-
Johannes Messner (p. 12-20)
se designaram de filantrópicas,
vra humanismo ganhou novas
aponta duas formas de huma-
enquanto que, de fato, elas le-
dimensões com as obras dos
nismo: o humanismo cristão,
vam à animalidade e não à hu-
enciclopedistas e com o cienti-
inspirado na antropologia em-
manidade (Brandão, 1990, p.
ficismo. O filósofo inglês Schil-
pírica, na antropologia cristã; e
300). Em verdade, o humanis-
ler definiu o humanismo moder-
o humanismo naturalista, no
mo foi um movimento cultural
no como a “concepção de que
qual distingue o humanismo
surgido na Europa durante a
os problemas se limitam ao ser
racionalista, o dialético – mate-
Renascença, que atribuiu impor-
humano, esforçando-se para
rialista –, o psicanalista, o beha-
tância fundamental ao homem,
compreender um mundo de
viorista, o biológico-evolucionis-
a seus interesses e aspirações
experiência humana através
ta, o neopositivista, o existen-
temporais. Os gregos distingui-
dos recursos da humana inteli-
cialista e o idealista, os quais,
am o humano do animal e do
gência”. A essa conceituação se
cada um a seu tempo, tiveram a
divino e, ao comparar o homem
opuseram tanto o humanismo
capacidade de formatar a cons-
com as divindades, davam ên-
cristão, de Jacques Maritain, que
ciência humana, transmigrando
fase a certos aspectos da natu-
via no desenvolvimento de to-
o homem para o centro do uni-
reza humana, como a mortali-
das as virtualidades do homem
verso, mesmo que, para as teo-
dade e a falibilidade. Eis por que
a fonte do humanismo, como a
rias cristãs, este continuasse
supervalorizavam os atributos
doutrina do materialismo histó-
sendo dependente de Deus.
divinos.
rico, de Marx e Engels, para
36
Teve o humanismo, em sua
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
vertente principal, o condão
valorização da humanidade en-
ma; é justamente no aspecto
também, segundo Alain Re-
quanto capacidade de autono-
volitivo, na vontade livre e deli-
naut, de dimensionar uma li-
mia, ambas constitutivas do
berada, fundamentada no cam-
berdade diversa da anterior-
humanismo moderno e condu-
po racional e na livre escolha do
mente suposta, uma liberda-
toras, ao longo de complexo
pensamento, onde identifica-
de que se pressupunha de
percurso, à afirmação do indi-
mos a mais pura legitimidade,
fato, uma verdadeira autono-
víduo enquanto princípio? Na
que recepciona todo o aparelho
mia, pelo que leciona: “O ter-
verdade o que define intrinse-
normativo dando-lhe validade,
mo autonomia é de cunhagem
camente a modernidade é, sem
no sentido amplo da expressão;
grega. De fato, um certo nú-
dúvida, a maneira como o ser
ainda que tais normas vez ou
mero de textos faz referência
humano nela é concebido e afir-
outra venham a ser descumpri-
à autonomia quando trata da
mado como fonte de suas repre-
das ou violadas, tais fatos não
liberdade. Por vezes, ambas as
sentações e de seus atos, seu
lhe tolhem a força imanente que
expressões – liberdade (eleu-
fundamento (subjectum, sujei-
se lhe acompanha, ao contrário,
theria) e autonomia – encon-
to) ou, ainda, seu autor: o ho-
apenas realçam o papel da for-
tram-se expressamente asso-
mem do humanismo é aquele
ça da liberdade humana na exis-
ciadas para definir a condição
que não concebe mais receber
tência, mercê do livre-arbítrio,
de uma cidade não submissa
normas e leis nem da natureza
característica específica e exclu-
à dominação externa.
das coisas, nem de Deus, mas
siva do homem, único ser de
(...) Há forte tendência da
que pretende fundá-las, ele pró-
todas as espécies animais que
interpretação sugerindo conclu-
prio, a partir de sua razão e de
pode exercer a tarefa de pen-
sões de matizes diferentes,
sua vontade. Assim o direito
sar e escolher, ponderando, di-
como estimar que a problemá-
natural moderno será um direi-
ferindo, descobrindo e eventu-
tica moderna da liberdade es-
to subjetivo criado e definido
almente, criando valores. No en-
teja completamente contida no
pela razão humana (racionalis-
tanto a dificuldade persiste em
modelo grego, no qual a idéia
mo jurídico) ou pela vontade
adequar a mais perfeita autono-
de autonomia estaria, desde já,
humana
(voluntarismo
mia, ou a livre vontade huma-
sendo aplicada não só à cida-
jurídico), e não mais um “direito
na, dirigindo-a (voluntariamen-
de, mas também às pessoas.
objetivo”, inscrito em qualquer
te, para sermos pleonásticos)
Partindo dessa orientação con-
ordem imanente ou transcen-
para o bem comum, para que à
tinuísta, é forte a tentação de
dente do mundo”.
guisa da heteronomia, caracte-
considerar que a lógica interna
De fato, o humanismo, não
rística própria da regra de di-
da cultura grega já então resi-
esgotado em suas primordiais
reito, possa ela vir a ser alçada
dia numa exigência clara e as-
delineações, protraiu-se até a
à categoria de norma ética por
sumida de autonomia: durante
modernidade, fincando-se na
excelência, no sentido da felici-
quatro séculos de cultura helê-
idade contemporânea; visto em
dade do homem.
nica, o processo democrático
sua incidência no direito, impor-
particularmente testemunhou
ta em reconhecer a necessida-
4 A PESSOA
tal exigência.
de de um consenso, algo que
HUMANA E O DIREITO
(...) O que supõem, efetiva-
dê mais do que a eficácia tão
NATURAL
mente, essa concepção e essa
decantada pelos puristas à nor-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Conquanto se possa afirmar
37
D ireito
Artigo
que a dicotomia entre direito
parte daquilo que se entende
e do Direito, juntamente com o
natural e direito positivo esteja
por ‘homem’, seja do ponto de
mútuo condicionamento onto-
hoje “operacionalmente enfra-
vista de sua ‘indeterminação’
lógico de ambos. Elas visam
quecida” (Ferraz Júnior, 1997,
originária, seja na perspecti-
suprimir pelo menos um possí-
p. 171), seja pelo fato de pre-
va do que se considera como
vel conflito metodológico entre
ceitos tidos por jurinaturalistas
sendo a determinação essen-
jusnaturalismo e positivismo
encontrarem-se efetivamente
cial deste ser em seu sentido
jurídico” (Van Acker, 1983,
positivados, sobretudo nas
moral. O que leva a conside-
p.67-78); sobre o mesmo tema
constituições (como ocorre por
rar a humanidade um predica-
dirá Bobbio que “a distinção
exemplo com o próprio princí-
do histórico, dependente dos
clássica na linguagem dos juris-
pio da dignidade da pessoa hu-
diversos modos através dos
tas da Europa continental é en-
mana, insculpido no art. 1º, III
quais as diferentes institui-
tre ‘direitos naturais’ e ‘direitos
da Constituição Federal) seja
ções sócio-políticas concebe-
positivos’. Da Inglaterra e dos
pelo fato de os direitos funda-
ram o ser do homem no trans-
Estados Unidos... chega-nos a
mentais encontrarem-se de cer-
curso da história” (Rosenfield,
distinção
ta forma, como afirma Tércio
1990, p. 132).
rights e legal rights... o único
entre
moral
Sampaio Ferraz Júnior (1997,
Muitos advogaram a tese,
modo para nos entender é
p. 171), “trivializados”, por se
elaborada pelo positivismo kel-
reconhecer a comparabilidade
tornarem tão notórios que qua-
seniano, que a moral encontra-
entre as duas distinções, em
se deles não nos damos conta,
va-se totalmente dissociada do
função da qual ‘direitos morais’
o fato é que, para efeito de uma
direito, não havendo que con-
enquanto algo contraposto a
compreensão do fenômeno
fundi-los, nem centrá-los num
‘direitos legais’ ocupa o mesmo
axiológico que alçou a pessoa
mesmo eixo; contudo, outros
espaço ocupado por ‘direitos
humana ao degrau máximo da
estudiosos, críticos de tal visão
naturais’ enquanto algo contra-
hierarquia de valores, temos
compartimentada, como Van
posto a ‘direitos positivos’. Tra-
que passar necessariamente
Acker entendem, como nós,
ta-se em ambos os casos de
por essa discussão, até porque
que, partindo-se das premissas
uma contraposição entre dois
ela, como veremos, pelo menos
de que a moral não pode nem
diversos sistemas normativos,
do ponto de vista histórico, fir-
deve ser fundamento lógico do
onde o que muda é o critério
mou-se como a base de susten-
direito, de que a moral é uma
de distinção. Na distinção en-
tação de todo o pináculo do
condição ontológica necessária
tre ‘moral right’ e ‘legal right’,
humanismo, e conseqüente-
à existência do direito, e, reci-
o critério é o fundamento; na
mente do valor atribuído pelo
procamente, o Direito é uma
distinção entre ‘direitos natu-
direito ao homem.
condição ontológica para à exis-
rais’ e ‘direitos positivos’, é a
Há quem participe como
tência da Moral e por fim, de
origem” (Bobbio, 1992, p. 7).
Reale da idéia de que o direito
que a obrigação moral não é
Ainda que atualmente possa-
natural é um produto histórico,
fundamento suficiente nem ne-
mos presenciar cenas freqüen-
assim como ocorre como a con-
cessário à obrigação jurídica e
tes de barbárie, típicas da Ida-
cepção de pessoa humana;
vice-versa, “ilustram a mútua
de Média, quando por exemplo,
“predicar a humanidade do
autonomia ou independência
cabeças são degoladas como
homem é uma operação que
lógica e deontológica da Moral
sinal de força e de poder, ou
38
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
povos, nações inteiras são sub-
na e do humanismo moderno;
todas as virtudes e defeitos ine-
metidas ao flagelo do genocí-
é que este em seu repertório de
rentes à alma humana, conta-
dio e da destruição, como ve-
ideários propugna, entre outras
minando o ordenamento, por
mos em Timor Leste, em Ruan-
faces, a de um conjunto de re-
vezes, como diria Hart, com as
da, ou ainda em qualquer cen-
gras que centram o homem e a
inerentes “patologias do sistema
tro urbano cosmopolita (sendo
essência humana como vetor da
jurídico” (Hart, 1980, p. 146).
up to date, cabe mencionar a
aplicação de toda e qualquer
hecatombe das FEBEM de São
regra de direito legítima, ou
Paulo) pessoas sendo descarta-
como afirma Basave del Valle,
Os direitos fundamentais da
das, como produtos supérfluos,
vendo na pessoa humana a pe-
pessoa humana representam
portanto absolutamente pres-
dra de toque do direito natural:
uma conquista da humanidade
cindíveis dentro de uma socie-
“o problema fundamental é o de
em seu perpétuo devir. A hos-
dade de mercado, no que nos
determinar a essência e estru-
pitalidade universal, da qual nos
apóia Hannah Arendt, sob a lei-
tura do homem em sua integri-
fala Kant, não é apenas um ide-
tura de Celso Lafer: “Em verda-
dade e unidade. O fazer do ho-
al platônico a ser alcançado,
de, depreende-se da análise
mem interessa-nos, sobretudo
mas uma realidade possível e
arendtiana a persistência de
porque nos leva ao seu ser, ao
atingível. A conscientização da
uma situação-limite que exige
sentido de sua existência – in-
existência de tais direitos deve
um pensar sobre o conhecer,
dividual, histórica e social – a
preceder quaisquer formas de
que não pode ter como pressu-
sua relação com a realidade úl-
instrumentalização, sob pena
posto a razoabilidade do mun-
tima, metafísica, ao seu ponto
de se criar todo um arcabouço
do para qualquer um, seja ele
no cosmo” (Del Valle, 1975, p.
jurídico com escopo tutelar e
quem for, pois seres humanos,
23).
não se alcançar a declinação da
CONCLUSÃO
em número crescente, correm
É ainda o direito natural, a
justiça, mercê da inexistência
o risco de se tornarem supér-
base do direito positivo, como
de incorporação subjetiva dos
fluos e descartáveis em termos
sustenta Francisco Puy: “O di-
preceitos éticos que devem
estritamente utilitários” (Lafer,
reito natural é o fundamento do
anteceder a elaboração da pró-
1988, p. 113), mesmo assim
Direito em sentido objetivo -
pria norma jurídica.
deflui a necessidade de, dentro
fundamento de toda lei jurídica
Todavia, criada a regra de
de uma sociedade que se pres-
- e em sentido subjetivo, fun-
proteção dos direitos funda-
supõe civilizada ou que intenta
damento de toda faculdade ou
mentais, cumpre a ela exercer
atingir a maioridade no estágio
exigência jurídica” (Puy, 1974,
um papel pedagógico, didático,
próximo do evoluir humano, a
p. 645-647), afinal, como diria
no sentido da irradiação destes
tutela da pessoa, individual ou
Paulo Dourado de Gusmão,
mesmos direitos como facultas
coletivamente considerada, ou
“seja qual for a natureza que se
agendi, dada a existência de
ainda sob a forma dos direitos
dê ao direito, uma coisa é cer-
fato e de direito da norma agen-
difusos que se lhe dependam.
ta: é obra humana ” (Gusmão,
di.
Nesse diapasão o direito na-
1966, p. 45), no que vale dizer
Estado, em todas as formas de
tural parece nos ser extrema-
que a criação recebe ao certo a
expressão do poder, cumpre
mente atual e benéfico para a
carga hereditária, mesmo
um importante papel a ser
compreensão da pessoa huma-
genética de seu criador, com
desempenhado, bem como à
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Nesse
diapasão,
ao
39
D ireito
coletividade.
Ao Legislativo cumpre proceder à incorporação dos textos
Artigo
cia como regras de conteúdo
recepção de todos e quaisquer
moral ou ético, desprovido de
direitos fundamentais que te-
obrigatoriedade.
nham por precisa objetividade a
de gênese internacional no or-
O plano adequado para a
tutela da dignidade da pessoa
denamento jurídico pátrio (au-
incorporação de tais direitos é
humana, tal como ocorre com
xiliado neste mister pelo Exe-
a constituição; ela, como ápice
nosso art. 5º, § 2º da constitui-
cutivo), bem como legisferar,
do sistema e do ordenamento
ção federal; recomenda-se tam-
criando regras de índole cons-
jurídico, apresenta-se como es-
bém, além da correspectiva pe-
titucional ou infraconstitucio-
pécie normativa moldada para
trificação, o reconhecimento de
nal, viabilizadoras do exercício
o recebimento de tal comando,
sua auto-aplicabilidade, tal como
de tais direitos e punitivas-edu-
recomendando-se ainda a petri-
igualmente prevê a nossa Lei
cativas da violação dos mes-
ficação dos direitos fundamen-
Maior em seu art. 5º, parágrafo
mos; ao Executivo importa cum-
tais, como medida saudável,
primeiro, justamente para que o
prir tais normas com exatidão
apta a torná-los infensos à sa-
seu exercício independa de in-
e exemplaridade, fiscalizar o
nha modificadora ou extintiva
junções ou da edição de instru-
seu cumprimento, e reportar-se
destes mesmos direitos, em
mentos normativos infraconsti-
quanto a hipóteses de sua vio-
face do poder constituinte
tucionais.
lação; já ao Judiciário, declina-
reformador.
Como alertou Hannah Arendt,
se a responsabilidade de pro-
Os direitos fundamentais re-
a diversidade humana em si já é
nunciar-se quanto à regra juri-
presentam ainda parte do míni-
um obstáculo para a criação de
discizada, punindo e educando
mo
qual
regras perfeitas e voltadas para
os violadores de tais direitos
Loewenstein se reporta, no que
um interesse geral; contudo é
com a imparcialidade que lhe
quer dizer que toda Carta deve
preciso encontrar um consenso
deve ser imanente; à coletivida-
prevê-los, posto matéria indis-
naquilo que precisa ser objeti-
de, por sua vez, destinatária
pensável e de índole absoluta-
vamente tutelado, e sob a ins-
que é da norma de proteção,
mente constitucional; a impos-
piração kantiana, pensamos
impõe-se o dever de conhecê-
sibilidade da enunciação de um
que este não pode ser outro
la, incorporá-la e exigir sua fiel
rol completo de direitos da pes-
valor, outro bem-interesse que
observância.
soa humana taxativo, que esgo-
não a dignidade da pessoa
A própria história da huma-
tasse todas as hipóteses obri-
humana.
nidade demonstrou que a soci-
gatórias de tutela, se nos apre-
A dignidade, valor-fonte de
edade fica por demais fragiliza-
senta impossível e inviável,
interpretação e de aplicação da
da quando os súditos de deter-
dada a própria dinâmica da
norma jurídica, na expressão
minado Estado não encontram
aventura humana, a qual está
realiana, supera todos os de-
uma regra de proteção da pes-
sempre pronta a nos surpreen-
mais valores, tomando-se como
soa humana, no que reconhe-
der com uma nova geração de
possível falar-se numa hierar-
cemos ser imprescindível que se
direitos de determinada espé-
quia axiológica; esta dignidade
proceda à juridiscização dos
cie ou categoria.
representa o consenso e como
irredutível,
ao
preceitos de Direitos Humanos,
Recomenda-se assim a criação
tal imprescinde ser tutelada,
não bastando, para tanto, o sim-
de um dispositivo constitucional
sendo que o instrumento para
ples enunciado de sua existên-
que albergue a possibilidade de
tanto mais eficaz e democráti-
40
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
co é a norma jurídica, como dis-
co, fato este que desperta, na
prática de crimes e contraven-
semos, na espécie constitucio-
Ciência do Direito, reclamo de
ções de toda ordem.
nal; para tanto impõe-se que
grande atualidade.
Os ideais do humanismo,
esta seja elaborada no exato li-
De outro lado, e a par das
igualmente apregoados pelo
mite da manifestação volitiva
dificuldades inerentes à sínte-
direito natural, e por diversas
tutelar, guardados aí os interes-
se de um material de tão gran-
vezes juridiscizados no direito
ses pessoais, econômicos, po-
de vulto, ficamos por demais
positivo não lograram ainda (e
líticos, ou quaisquer outros, que
impressionados com o fruto,
pelo visto não terão o condão
não os da própria pessoa.
com o produto de nossas refle-
de fazê-lo) salvar a humanida-
Os direitos fundamentais
xões, as quais nos inspiraram a
de dos riscos e perigos propor-
devem assim ser estabelecidos
reafirmar que Miguel Reale teve
cionados por ela mesma, mer-
com independência, para que se
um toque de genialidade, algo
cê das características intrínse-
garanta
imunidade
do porte de uma revelação, ao
cas, múltiplas, plúrimas e vari-
perante o Estado e até mesmo
propugnar a pessoa humana
áveis da própria essência e na-
diante das maiorias, presentes
como valor-fonte do edifício do
tureza humana, como são a
que se encontram e atuantes
Direito, do qual se destaca
mutabilidade, a dissonância
numa ordem democrática; esta
como o ápice da estrutura hie-
cultural, filosófica, lingüística,
proteção a mais permitirá reco-
rárquica axiológica, seja sob o
ideológica e religiosa, naquilo
nhecer a necessidade de tute-
aspecto objetivo, seja sob o
que recebeu a feliz síntese de
la, casuisticamente, não porque
prisma metafísico.
Hannah Arendt, a permanente
sua
o destinatário pertence a este
Contudo, mesmo a humani-
imprevisibilidade de nossa es-
ou aquele grupo (disseminado
dade encontrando-se às portas
pécie; mesmo assim, prossegui-
em meio aos fatores reais de
de um consenso, e entendendo
mos, vendo no Direito, e na Fi-
poder dos quais nos fala Lassa-
mais do que nunca a necessi-
losofia que se lhe imanta, ins-
le), mas somente pelo fato de
dade de uma hospitalidade uni-
trumentos absolutamente im-
pertencer ao gênero humano, e
versal como nos diria Kant, ain-
prescindíveis na correção das
portanto ser titular da expres-
da assim nos encontramos in-
distorções e desvios que nos
são de maior relevo entre to-
seguros, e freqüentemente ex-
separam da perfeição que pre-
dos os demais bens jurídicos:
postos a espetáculos hediondos
tendemos utopicamente al-
a dignidade do ser, simples-
de barbárie e de destruição, os
cançar.
mente, pelo fato de ser e de
quais nos colocam lado a lado
existir.
com os piores algozes da Idade
Outrossim, temos por certo
Média; campeiam no mundo a
que o presente trabalho, face a
fome e os genocídios, os homi-
sua simplicidade, não nos ofe-
cídios por razões vis, e daqueles
rece possibilidade de dissertar
que se espera o exemplo, dos lí-
sobre tema tão profundo qual
deres e governantes dos mais
seja o da dignidade da pessoa
diversos Estados, verifica-se,
humana sob o ângulo axiológi-
com reiterado cometimento, a
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
R
41
D ireito
Artigo
NOTAS
1
2
É o que dispõe o art. 1º, III da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988:
“A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;
É o que dispõe o preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos da América, constante da Declaração da
Independência:
“Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário
um povo dissolver laço políticos que
o ligavam a outro, e assumir, entre
os poderes da Terra, posição igual
e separada, a que lhe dão direito as
leis da natureza e as do Deus da
natureza, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se
declarem as causas que os levam
a essa separação.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre
os homens, derivando seus justos
poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer
forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir
novo governo, baseando-se em tais
princípios e organizando-lhe os
poderes pela forma que lhe pareça
mais conveniente para realizar-lhe
a segurança e a felicidade ” (grifo
nosso).
3
Em recente pronunciamento à rede
CNN, o economista Galbraith afirmou que o conceito de globalização
é “apenas um neologismo para mais
uma forma de os Estados Unidos
continuarem se enriquecendo à
custa da exploração dos países em
desenvolvimento”. Essa afirmação
vinda, nada mais nada menos, do
que da boca do idealizador do new
deal, o grande plano de recuperação econômica implementado no
governo de Roosevelt, soa no mínimo extremamente interessante.
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43
D ireito
Artigo
A história da enfiteuse no
distrito de São Lourenço do Turvo
Luiz Olinto Tortorello
Professor Universitário de Direito Civil, exerceu a Magistratura Paulista,
foi Deputado Estadual e é o atual Prefeito Municipal de São Caetano do Sul.
tólicos, os prédios que utiliza-
já era legal, autorizando ao se-
O presente texto retrata a
vam para desenvolver suas ati-
nhorio o direito de cobrar a
história da enfiteuse, em decor-
vidades, inclusive as residênci-
pensão ou o foro anual. O novo
rência de aforamento instituí-
as dos sacerdotes (casas paro-
Código Civil proíbe a institui-
do pela Igreja Católica, repre-
quiais), ao redor das quais iam
ção de novas enfiteuses e su-
sentada pelo Bispado de São
se desenvolvendo os povoados.
benfiteuses, em seu artigo
Carlos, Paróquia de Matão, na
A Igreja autorizava as pessoas
2.038, mantendo as enfiteuses
gleba de terras por ela
a construírem em suas terras,
dos terrenos da marinha.
havida em 1900, que constitui
com terrenos delimitados e
O mestre Washington de
o Patrimônio de São Lourenço
demarcados, podendo usar,
Barros Monteiro, em seu curso
do Turvo.
gozar e dispor da área, com
de Direito Civil Brasileiro
Durante o século XIX, prin-
certas restrições, inclusive pa-
(p. 248/253), lecionava que “a
cipalmente através de doações
gamento de uma retribuição
constituição desse direito real
de devotos, ou de apossamen-
anual, chamada pensão.
não contraria qualquer princí-
INTRODUÇÃO
to por parte dos padres católi-
Caracterizava-se, então, a
pio jurídico, apresentando, por
cos, a Igreja Católica tornou-se
enfiteuse, largamente usada, e
outro lado, certo estímulo para
proprietária de imensas glebas
até hoje existente. O Código
a colonização de áreas incultas
de terras por todo o Brasil. Ne-
Civil Brasileiro, em seu artigo
e aproveitamento de terrenos
las construíram os templos ca-
678, amparou o instituto, que
não edificados. A existência de
44
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
numerosos patrimônios consti-
1 A CONSTITUIÇÃO DA
no (propriedade) a concessão
tuídos de bens enfitêuticos con-
ENFITEUSE
perpétua de posse do domínio
tribuiu, sem dúvida para o de-
O BISPADO DE SÃO CARLOS,
útil (uso e gozo) de datas ou
senvolvimento de muitos cen-
PARÓQUIA DE MATÃO, PATRI-
terrenos, conservando para si
tros urbanos, posteriormente
MÔNIO DE SÃO LOURENÇO DO
a posse do domínio direto (nua
transformados em vilas e cida-
TURVO, Igreja Católica, equipa-
propriedade), cujas concessões
des”.
rada a sociedade civil, represen-
de terrenos (datas foreiras) fo-
A Comarca de Matão fica na
tada pelo Bispo, autoridade
ram formalizadas mediante
região central do Estado de São
eclesiástica, com personalida-
simples assentos lavrados nos
Paulo. Em seu território existe
de jurídica devidamente cons-
livros do Bispado de São Car-
o Distrito de São Lourenço do
tituída, houve, provavelmente
los, denominados “contrato de
Turvo, que é um patrimônio,
no exercício de 1900, através
aforamento”.
uma vila, de aproximadamente
de título não localizado, portan-
Em decorrência do “afora-
2.000 habitantes. O pequeno
to, sem título, considerando o
mento” instituído pela igreja
povoado se desenvolveu ao re-
instrumento particular (carta de
católica, representada pelo Bis-
dor da capela, ali existente em
aforamento) passado pelo fa-
pado de São Carlos, Paróquia
área de propriedade da Igreja
briqueiro Dr. Antônio M. Mar-
de Matão Patrimônio de São
Católica. Assim os possuidores
tins Valverde, em data de 10 de
Lourenço do Turvo na gleba por
dos terrenos encontram-se sob
março
em
ela havida, em 1900, nasceu,
o regime da enfiteuse pelo que
favor de João Pelegrini, referen-
originariamente, o Patrimônio
devem pagar para ela a pensão
tes a duas datas de terras na
ou Povoado de São Lourenço do
anual, também designada
vila de São Lourenço do Turvo,
Turvo, tendo sido, em 1912,
como foro. Essa cobrança e fis-
conforme demonstra a inscri-
elevado à condição de Vila e
c
o
ção nº 17, no livro 4 “A” de
Distrito de São Lourenço do
ficam a cargo da Paróquia de
Registros Diversos do 2º Regis-
Turvo, integrado no Município
Matão, por seu Vigário, que re-
tro de Imóveis da comarca de
de Matão.
presenta o Bispado, ao qual
Araraquara, outrora (até 09/ju-
O fato de não possuir o títu-
pertence.
lho/1.955) Comarca de Matão.
lo (escritura) não desconfigura
Esse instituto é importantís-
Trata-se do título foreiro regis-
a enfiteuse em razão de ter sido
simo à História do Direito pelo
trado mais antigo. Com animus
ela constituída em data ante-
que, através de documentos
domini do domínio pleno de
rior à vigência do Código Civil,
antigos, escrituras, contratos,
uma gleba de terras não culti-
ou seja, 1° de janeiro de 1917.
documentos fiscais, correspon-
vada e destinada a edificação,
dências, atas, jornais e revistas,
resolveu, visando rendimentos
2 A ENFITEUSE E A
colhidos junto ao Bispado de
destinados à conservação e re-
LEGISLAÇÃO
São Carlos, à Paróquia de Ma-
paração do patrimônio da igre-
“Não há como exigir, para
tão, cartórios, testemunhos de
ja construída na referida gleba,
configuração da enfiteuse, a
moradores, se levantou a his-
bem como as despesas do cul-
transcrição no Registro Imobi-
tória da enfiteuse do Distrito de
to, instituir de fato a enfiteuse
liário como direito real (arts.
São Lourenço do Turvo.
ao desdobrar do domínio ple-
674-1, 676 e 859 do CC) se a
a
l
i
z
a
ç
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
ã
de
1901,
45
D ireito
Artigo
carta de foro foi passada em
bro de 1973, a carta ou contra-
Lamentavelmente a Lei nº
data anterior ao Código Civil”
to de aforamento, com título
6.015 de 31 dez. 1973 não re-
(Revista do Direito Imobiliário
anterior constituído antes da
produziu a disposição anteri-
n. 19/20, p. 138/141).
vigência do Código Civil, tinha
or. Mas não a revogou expres-
O próprio Código ministra
perfeito ingresso nas serven-
samente.”. (Revista do Direi-
conceito preciso da enfiteuse,
tias do Registro de Imóveis,
to Imobiliário n. 19/20, p.
quando preceitua, no art. 678,
segundo os dispostos na legis-
132/134).
que “Dá-se enfiteuse, afora-
lação anterior dos Registros
Observando-se a legislação
mento, ou emprazamento,
Públicos: Decreto nº 4.857 de
dos Registros Públicos, até en-
quando for ato entre vivos, ou
09 nov. 1939, modificado pelo
tão vigente – decretos nºs 4.857
de última vontade, o proprietá-
Decreto nº 5.318 de 29 fev.
de 09 nov. 1939 e 5.318 de 29
rio atribui a outrem o domínio
1940.
fev. 1940, respectivamente –, os
útil do imóvel, pagando a pes-
A legislação a respeito foi
Oficiais dos Registros de Imó-
soa que o adquire, e assim se
emitida após o advento do Có-
veis da Primeira e da Segunda
constitui enfiteuta, ao senhorio
digo Civil, vindo a ter uma me-
Circunscrições da Comarca de
direto uma pensão, ou foro
lhor consolidação com o Decre-
Araraquara, e o Oficial do Re-
anual, certo e invariável”. “Por
to nº 4.857 de 09 nov. 1939.
gistro de Imóveis da Comarca
outras palavras, enfiteuse é a
Mas a segurança, validade e
de Matão, procederam às ins-
relação jurídica por via da qual
autenticidade (art. 1º) eram
crições (registros) das cartas ou
o senhorio direto (o proprietá-
constantemente desafiadas
contratos de aforamento firma-
rio) autoriza outra pessoa (o
pelas dúvidas e hesitações, so-
dos pelo Bispado de São Car-
enfiteuta) a usar, gozar e dis-
bretudo pela lacuna maior: a
los, Paróquia de Matão, com
por da coisa, com certas restri-
falta de registro antes do Códi-
relação ao Patrimônio de São
ções, inclusive pagamento de
go.
Lourenço do Turvo, consig-
uma retribuição anual, chama-
Veio então o Decreto nº
nando nas respectivas inscri-
da pensão. Na enfiteuse
5.318/40 que deu uma redação
ções como registro anterior:
intervêm, por conseguinte, ne-
bem transparente ao art. 244
“transcrição anterior ao Código
cessariamente, duas pessoas, o
do Dec. 4.857. Nascia ali a fa-
Civil”.
senhor direto e o enfiteuta. O
culdade de registrar alienações
primeiro é o titular do domí-
sem registro anterior, desde
3 DELIMITAÇÃO E
nio, numa posição equivalen-
que na época da lavratura do
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
te a do nu-proprietário, en-
ato o “direito então vigente”
DA ENFITEUSE DE SÃO
quanto o segundo tem a pos-
não abrigasse o registro. Como
LOURENÇO DO TURVO
se, uso, gozo e disposição,
dizia João Pedro Lamana Paiva
O Bispado de São Carlos, de
conquanto sujeito a certas
(1984, p. 11): “o pensamento
posse da gleba de terras que
restrições em benefício do
dominante dessa fórmula foi
lhe foi doada, sem nenhuma
senhorio direto.” (Barros Mon-
afastar a série retrospectiva
contestação ou oposição, ao
teiro, p. 250).
completa dos títulos e restrin-
longo desses cem anos, reivin-
gir a exigência do título imedi-
dicou, judicial e extrajudicial-
atamente anterior”.
mente, a posse até então exer-
Anteriormente à vigência da
Lei nº 6.015 de 31 de dezem46
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
cida na predita gleba, de ma-
4 O FRACCIONAMENTO
da ao trânsito público e neces-
neira justa, e porque sobre ela
DA GLEBA E A CONCESSÃO
sária ao sistema viário (ruas e
não pesa nenhum dos defei-
DE LOTES DE TERRAS A
avenidas), conforme planta de-
tos típicos, uma vez que a
FOREIROS
vidamente aprovada pela Pre-
posse exercida não é violen-
O Bispado de São Carlos, Paró-
feitura Municipal de Matão exis-
ta, clandestina ou precária
quia de Matão, Patrimônio de
tente nos documentos da mu-
(art. 495 do CC).
São Lourenço do Turvo, a partir
nicipalidade.
A gleba consiste em uma
de 10 de março de 1901, com
Nos referidos terrenos des-
área de terras de forma irregu-
animus domini do domínio ple-
membrados da gleba originária
lar, com 281.880,00 metros
no (propriedade) da gleba por
de terras, encontram-se edifi-
quadrados que compreende o
ele havido, fracionando-a, pas-
cadas casas residenciais e de
originário Patrimônio ou Povoa-
sou a conceder, em caráter per-
comércios, construídas respec-
do de São Lourenço do Turvo,
pétuo, aos interessados em
tivamente nas datas foreiras
hoje, Vila e Distrito de São Lou-
construir suas casas, o domí-
(terrenos) “aforadas”’ e de-
renço do Turvo, com as seguin-
nio útil (posse, uso e gozo) de
monstradas nas cartas ou con-
tes medidas e confrontações:
terrenos (datas foreiras), con-
tratos de aforamento expedido
“Uma área de terra de forma ir-
servando para si a posse (do-
pelo Senhorio direto, o Bispa-
regular, situada no Distrito de
mínio direto ou nua proprieda-
do de São Carlos, Paróquia de
São Lourenço do Turvo, Muni-
de), cujas concessões das da-
Matão, Patrimônio de São Lou-
cípio e Comarca de Matão SP,
tas aforadas foram formaliza-
renço do Turvo, possibilitando
com área de 281.880,00m 2,
das por meio do instrumento
aos “enfiteutas” o competente
tem inicio no ponto n. 00, loca-
particular denominado contra-
cadastro da concessão de seus
lizado na confluência das vias
to de aforamento.
respectivos terrenos “aforados”
públicas Rua Primo Zanazzi e
Por ocasião da lavra do con-
na Prefeitura Municipal de Ma-
Av. Luís Albino Bassolli e com
trato de aforamento ficou en-
tão e da formalização da cons-
terreno onde encontra-se cons-
tre as partes ajustado: “que
trução de suas casas, passan-
truída a Capela de São Louren-
nenhuma escritura de alienação
do desde então a contribuir
ço, do ponto n. 00, segue com
das referidas datas poderá ser
com imposto territorial e pre-
azimute
221º
lavrada sem que o primeiro fo-
dial municipal (IPTU).
18’31” e distância de 42,811m,
reiro apresente quitação dos
Constata-se, por meio da
até o ponto nº 01. Segue-se cir-
foros e laudêmio da Fabrica e
documentação analisada, que o
cundando a Capela até o ponto
nova carta de aforamento a
Bispado de São Carlos, Paró-
n. 60. Do ponto n. 60, até o
favor do novo foreiro”.
quia, concedeu a posse do do-
de
ponto n. 00, confronta-se com
Atualmente a gleba de ter-
mínio útil (uso e gozo) das da-
a Av. Luís Albino Bassolli.”, con-
ras caracterizada encontra-se
tas (terrenos) designadas atra-
forme memorial descritivo e a
fracionada em datas foreiras
vés de lote e quadra da Vila e
respectiva planta do levanta-
(terrenos para a construção de
Distrito de São Lourenço do
mento constantes dos registros
casas) e datas foreiras públicas
Turvo, em conformidade com
da Prefeitura Municipal de Ma-
(terrenos destinados a praça e
os assentos do Cadastro Muni-
tão.
prédio público e área destina-
cipal, aos chamados “foreiros”.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
47
D ireito
Artigo
5 O PRIMEIRO LOTE,
dio residencial de tijolos e co-
com os confrontantes do lote
PERTENCENTE HOJE AO
berto de telhas, o qual recebeu
01 da quadra 01 que concor-
SENHOR ANGELIM ALVES
o nº 235 da Rua Primo Zanazzi.
dam plenamente com a descri-
Como exemplo, analisamos
Imóveis esse cadastrado na Pre-
ção e caracterização relativa a
o primeiro lote, de um mora-
feitura Municipal de Matão sob
individuação do predito lote 01
dor, chamado Angelim Alves,
o nº 5.129, conforme demons-
da quadra 01, demonstrada no
que vem assim descrito: “Lote
tra a inclusa certidão sob o nº
croqui e no memorial descriti-
nº 01 da quadra 01 da Vila e
647/1999 expedida em 03/
vo devidamente formalizados.”
Distrito de São Lourenço do
agosto/1999. Histórico do lote:
Por sua vez os confrontantes
Turvo, deste município e co-
A posse direta (domínio útil:
também assinaram uma decla-
marca de Matão, com frente
uso e gozo) referente a data
ração concordando com os ter-
para a Rua Primo Zanazzi, es-
foreira (lote) acima descrito foi
mos firmados pelo vizinho.
quina da Avenida João Poletti,
concedida originariamente a
medindo 11,00 (onze metros)
Pedro Aparecido Gessolo a San-
6 A SITUAÇÃO JURÍDICA
de frente; 26,85 (vinte e seis
to Gessolo, através do instru-
ATUAL DOS LOTES
metros e oitenta e cinco centí-
mento particular (contrato de
Pelo fato de a doação da gle-
metros) do lado esquerdo de
aforamento) firmado em data
ba ter se efetivado no exercí-
quem se situa de frente para o
de 18/abril/1974; estes por sua
cio de 1900 (antes, portanto,
imóvel; 27,67 (vinte e sete me-
vez, através de instrumento
do Código Civil, a partir de
tros e sessenta e sete centíme-
particular firmado em data de
quando foi emitida legislação a
tros)
e
20/setembro/1994, cederam e
respeito), através de título não
finalmente 11,14 (onze metros
transferiram a Angelim Alves
localizado, desse modo, sem
e quatorze centímetros) nos
e a Rosa Alves Zanazzi. Decla-
título, o Bispado de São Carlos,
fundos, encerrando a área de
ração: Os foreiros assinaram
Paróquia de Matão, Patrimônio
301,61 metros quadrados, con-
um documento, onde declaram,
de São Lourenço do Turvo, sem
frontando pela frente com a ci-
para os devidos fins de direito,
que ninguém tivesse contesta-
tada via pública: Rua Primo Za-
na condição de detentores da
do, judicialmente ou extrajudi-
nazzi; do lado esquerdo de
posse
direta
cialmente, de lá para cá, a pos-
quem se situa de frente para o
(domínio útil: uso e gozo) do
se por ele exercido na predita
imóvel, confronta com a Aveni-
lote nº 01 da quadra 01 da vila
gleba, obteve, em seu favor, o
da João Poletti; do lado direito
e distrito de São Lourenço do
reconhecimento dos detento-
com o prédio n° 245 da Rua Pri-
Turvo, através de um termo
res da posse direta (uso e gozo)
mo Zanazzi, cadastrado no
devidamente formalizado, que
das respectivas datas (terrenos)
município como lote 02 da qua-
reconhecem em favor do Bispa-
e a sua posse indireta (domí-
dra 01 e finalmente nos fundos
do de São Carlos, Paróquia de
nio direto ou nua propriedade).
com o lote 01 da quadra 05
Matão, Patrimônio de São Lou-
Trata-se, efetivamente, o fato
(área institucional) do lotea-
renço, a posse indireta (domí-
em questão de posse paralela.
mento Jardim Primavera. No
nio direto ou nua propriedade)
Ensina o Professor Plácido e Sil-
predito lote 01 da quadra 01
do lote nº 01 da quadra 01, e
va (p. 1185-1186), “a existên-
encontra-se construído um pré-
“declaram, ainda, juntamente
cia de uma posse ao lado de
48
do
lado
direito
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
outra. Exprime, pois, a evidên-
ída, sobre a mencionada gleba
em o direito, portanto, os de-
cia de duas posses simultâne-
originária, pelo período ininter-
tentores da posse direta das
as, que não se anulam e se ga-
rupto de cem anos, de manei-
respectivas datas ou terrenos
rantem juridicamente. E própria
ra justa, com aparência de pro-
na vila e distrito de São Lou-
ao caso das posses direta e in-
prietário e visibilidade de do-
renço da Turvo, da posse ad
direta. E, a direta não extingue
mínio. É certo que passou a não
usucapionem com direito ao
a indireta, que tão real, asse-
existir o contato físico e mate-
usucapião do domínio útil.
gura ao proprietário a mesma
rial com a gleba originária, por-
qualidade de possuidor, que ao
que dela foram transferidos,
outro possuidor se atribui. Nes-
respectivamente, para uso e
O Decreto nº 3.819, de 15
ta circunstância, a posse indi-
gozo (edificação de residência)
de setembro de 1999, da mu-
reta ou posso mediata, que é a
de outras pessoas físicas ou
nicipalidade, declarou de utili-
posse que se conserva, simbo-
jurídicas (foreiros), por tempo
dade pública os direitos relati-
licamente, em mãos do propri-
perpétuo. Assim detém o Bis-
vos ao domínio direto (nua pro-
etário. é posse paralela ou que
pado de São Carlos, a posse ad
priedade) da área urbana que
fica ao lado da posse que se
usucapionem com direito ao
compreende o antigo patrimô-
transferiu a outrem, para uso e
usucapião do domínio direto.
nio ou povoado de São Louren-
gozo temporário da coisa. A
De outra forma a entende o
ço do Turvo e que constava
posse direta também se mos-
mestre Antonio de Almeida Oli-
pertencer ao Bispado de São
tra paralela, em relação à pos-
veira, em seu livro A prescrição
Carlos, Paróquia de Matão, Pa-
se do dono, que se mantém ao
(1914, p. 18): “não há dúvida
trimônio de São Lourenço do
lado dela. A posse paralela, as-
que se adquire o domínio dire-
Turvo. A intervenção municipal
sim, é exceção ao princípio de
to através de usucapião, até
nos direitos de propriedade
exclusividade da posse, que se
mesmo sem título”.
(domínio direto ou nua-proprie-
CONCLUSÃO
funda na essência ou na pró-
Dessa forma, a posse direta
dade) se efetivou em razão da
pria natureza da coisa, que não
das datas ou terrenos concedi-
desídia do pretenso senhorio
pode ser possuída por inteiro,
das para fins de edificação de
direto e do interesse público
ao mesmo tempo, por mais de
residências, através de “contra-
em regularizar uma situação
uma pessoa. Quando alguém
to particular de aforamento”
(enfiteuse) de fato, através de
está de posse de uma coisa,
pertence de direito aos seus
usucapião do domínio direto e
outrem dela se privou”.
respectivos possuidores que
do domínio útil, possibilitando,
A matéria em questão de-
têm a efetiva detenção das da-
assim, por meio de doação do
monstra que a posse indireta
tas ou terrenos na vila e distri-
Poder Público Municipal, aos ti-
pertenceu ao Bispado de São
to de São Lourenço do Turvo,
tulares do domínio útil e contri-
Carlos, Paróquia de Matão, Pa-
sem a intenção de tê-las como
buintes do imposto territorial e
trimônio de São Lourenço do
suas (animus domini), reconhe-
predial do município (IPTU), con-
Turvo, sociedade civil, repre-
cendo e as mantendo com a
solidar o domínio pleno (propri-
sentada pela autoridade eclesi-
aparência de proprietário
edade) de seus respectivos ter-
ástica, com personalidade
(affectio tenendi) em favor do
renos que lhes foram concedi-
jurídica devidamente constitu-
Bispado de São Carlos. Possu-
dos para a construção de suas
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
49
D ireito
Artigo
casas próprias, garantindo-lhes
de Matão de propriedade da
propriedade aos atuais deten-
com justo título da proprieda-
Prefeitura Municipal de Matão,
tores.
de (domínio pleno) o direito
o que efetivamente se realizou
Todavia, ainda hoje, perma-
social, o da moradia, consagra-
através da competente escritu-
nece a enfiteuse, e os foreiros
do pela Constituição Federal
ra pública de permuta, lavrada
aguardam sua extinção, uma vez
(art. 6º), através da Emenda
em julho de 2000, em notas do
que, muito embora exista a lei
Constitucional nº 26 de 14 fev.
Tabelião de Matão. Dessa for-
municipal, conforme se disse
2000.
ma a Prefeitura Municipal de
alhures, a documentação encon-
A Lei Municipal nº 2.876, de
Matão se tornou legítima titu-
tra-se no Cartório do Registro de
20 out. 1999, por sua vez, con-
lar da posse indireta anterior
Imóveis de Matão para a regula-
cedeu a devida autorização le-
pertencente ao Bispado de São
rização. Alguns foreiros ingres-
gislativa para a permuta dos
Carlos, Paróquia de Matão, Pa-
saram com ações de Usucapião
direitos relativos ao domínio
trimônio de São Lourenço, so-
visando à propriedade plena do
direto (nua propriedade) da
bre as datas ou terrenos con-
imóvel, sem a restrição, que tra-
área urbana que compreende o
cedidos aos seus possuidores
mitam na Justiça.
antigo patrimônio ou povoado
e detentores da posse direta
de São Lourenço do Turvo, por
(uso e gozo), para fins de edifi-
três áreas (bens disponíveis)
cação de casas próprias, e po-
situadas na cidade e município
derá ceder definitivamente a
R
BIBLIOGRAFIA
BARROS MONTEIRO, Washington de.
Curso de Direito Civil Brasileiro. 4.
ed. vol. 2. São Paulo: Saraiva.
PAIVA, João Pedro Lamana. A
sistemática no registro de imóveis.
4. ed. 1984.
OLIVEIRA, Antonio de Almeida. A
prescrição. 1914.
PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário
Jurídico, vol. III. Ed. Forense.
50
Revista do Direito Imobiliário
n. 19/20, jan./dez. 1987.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Historicidad del derecho
Abelardo Levaggi
Universidad de Buenos Aires, Argentina
No siempre los juristas se detienen a pensar en el origen de
Sólo una relación externa, su-
dogmático creerá que es sufici-
perficial.
ente conocer el texto de las
las instituciones, o de las nor-
Quien crea en este espejis-
normas, la jurisprudencia y la
mas que analizan. Parecería que
mo, quien se deje dominar por
doctrina – propias y extranjeras
el trabajo mismo del jurista dog-
este fantasma, no considerará
– para desempeñar su misión,
mático, de interpretación e in-
que la historia pueda ser fuen-
asistido sólo por su razonami-
tegración del ordenamiento, lo
te para el científico del Derecho.
ento lógico y su capacidad de
hiciera perder la noción, el sen-
No participará del axioma roma-
análisis. EI dato histórico no
tido del tiempo, lo envolviera en
no Caeca sine historia jurispru-
será para él relevante. Su único
una extraña atmósfera de eter-
dentia (“la doctrina jurídica es
valor será, a lo sumo erudito.
nidad. Según esto, el Derecho
ciega sin la historia”), expresi-
Ignoro si esta clase de jurista
carecería de la dimensión tem-
ón ésta de una idea latina del
es mayoritaria o minoritaria, pero
poral, histórica, no estaría tras-
Derecho como realidad esenci-
son muchas las pruebas de que
pasado por “la flecha del tiem-
almente mutable sometida a las
existe. La ausencia de cursos de
po” de cual nos habla el Premio
“tempestuosas variaciones de
Historia del Derecho en varias
Nobel en física Ilia Prigogine.
las cosas y de los acontecimi-
Facultades de Derecho ha debi-
Entre Derecho e historia no exis-
entos”, como dice Aulo Gelio en
do tener esa consecuencia: pro-
tiría ninguna relación intima.
sus “Noches áticas”. Ese jurista
ducir esa clase de juristas.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
51
D ireito
La historia, sin embargo, no
es indiferente al Derecho, como
Artigo
entonces de modo más eminen-
Derecho, pues, sigue creciendo
te por el Ius Commune.
con el pueblo, se perfecciona
no es indiferente a ningún pro-
Antes y después de la irrup-
con él y finalmente muere, al
ducto cultural. Cualquiera sea
ción de la doctrina racionalista,
perder el pueblo su peculiari-
éste el tiempo es uno de sus
el humanismo y la escuela his-
dad”.1 El prestigio de la escuela
elementos constitutivos. Pres-
tórica del Derecho, respectiva-
histórica hizo que, superadas
cindir de este dato equivale a
mente, llamaron la atención de
sus exageraciones historicistas
renunciar al conocimiento ple-
los juristas con sus apelaciones
iniciales, el pensamiento jurídi-
no del objeto respectivo. Es ver-
a la historia. EI humanismo ju-
co mayoritario reconociera el
dad que en la historia de las
rídico, mos gallicus, desde la
papel fundamental cumplido
ideas jurídicas de Occidente
obra de Jacques Cujas, instaló
por la historia en la formación
hubo y hay escuelas negadoras
a la historia en la biblioteca del
del Derecho, y, también, que
de la historicidad del Derecho.
jurista, al emprender el estudio
hay un modo histórico de cono-
Sobre todo, el racionalismo y
del Derecho romano como la
cer el Derecho.
sus variaciones, con su creen-
manifestación que había sido de
Las instituciones jurídicas –
cia en la posibilidad de formu-
una sociedad y de una época
es evidente – varían con el paso
lar de una vez y para siempre,
determinadas, aun cuando mu-
del tiempo, en el corto, media-
con la sola fuerza de la razón y
chas de esas reglas tuvieran un
no o largo plazo. Unas consti-
abstracción absoluta de todo
valor universal. Así, pudieron
tuciones son sustituidas por
dato empírico (tanto del pasa-
interpretarlas correctamente y
otras, unos códigos por otros,
do como del presente, o sea, no
desvanecer fantasías ideadas a
unas leyes ordinarias por otras.
sólo proporcionado por la his-
su respecto por glosadores y
Además, varia la jurisprudencia,
toria, sino también por la soci-
comentaristas.
los criterios de interpretación
ología), un Derecho esencial-
Pero, fue, principalmente, la
de las leyes. Nuevas necesida-
mente justo. Válido para todos
escuela histórica del Derecho,
des sociales demandan nuevas
los tiempos y lugares, expulsó
la escuela del gran Friedrich Karl
soluciones jurídicas. El dinamis-
a la historia de las fuentes de
von Savigny, la que predicó la
mo social impulsa el dinamis-
saber jurídico, si bien lo hizo de
naturaleza histórica del Dere-
mo jurídico. E; Derecho, para
una manera más teórica que
cho, como obra de la nación –
conservar su eficacia, debe
práctica. En efecto, los intentos
de cada nación – en su devenir
acompañar a la sociedad en su
del iusnaturalismo racionalista
histórico, que sólo se detiene
desarrollo. De lo contrario, se
por construir un sistema jurídi-
con la muerte misma de ella. Lo
convertiría en “letra muerta”,
co ideal, a partir, única y exclu-
mismo que para el lenguaje –
perdería vigencia. Esos cambi-
sivamente, de la razón, fueron
escribió v. Savigny – “para el
os producidos en los ordenami-
posibles en cuanto a la formu-
Derecho tampoco hay ningún
entos positivos son la manifes-
lación de los principios, pero,
momento de pausa absoluta: el
tación obvia de la historicidad
para establecer soluciones con-
Derecho está sometido al mis-
del Derecho, y – como escribe
cretas ante problemas concre-
mo movimiento y a la misma
el notable jurista brasileiro Nel-
tos, no pudo evitar el recurso a
evolución que todas las demás
son Saldanha – esto nos autori-
la experiencia, representada
tendencias del pueblo [...] EI
za a llamar “histórico” incluso
52
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
cunstancias propias de cada
dad actual sólo se descubre re-
recientes.2
época, y no de modo uniforme.
construyendo la trayectoria his-
El jurista que no concibe el
Lo que para una época es lo jus-
tórica; por lo menos, partiendo
Derecho como un ordenamien-
to, no lo es, necesariamente,
del sistema que regía antes de
to abstracto, puramente racio-
para todas. Los cambios que
la codificación moderna, con-
nal, sino que reconoce en él su
experimentaron las institucio-
trastándolo con el posterior. Lo
relación íntima con las condici-
nes se fundaron, por lo común,
mismo debe decirse de la pro-
ones de vida de la sociedad a la
en el deseo de establecer un
piedad, de la capacidad de las
que pertenece, que lo concibe
Derecho “más justo”. Cada épo-
personas, de las sociedades
como un fenómeno social, sien-
ca nos da su propia versión de
comerciales, del régimen de las
te la necesidad de conocer la
cuál es la “ley justa”.
penas, de los derechos políti-
el estudio de las novedades jurídicas más
génesis de sus reglas, cuáles
El jurista que no se satisface
cos, en suma, de todas las ins-
fueron las condiciones sociales
con el conocimiento superfici-
tituciones jurídicas. Sea que el
que estimularon su formulaci-
al, descriptivo, de las normas,
Derecho se haya mantenido
ón, para comprender su verda-
sino que intenta captar su espí-
constante en el tiempo, sea que
dero significado. Además, saber
ritu. penetrar en su intimidad,
haya experimentado cambios
cómo el cambio social influye en
no puede – por lo tanto – pres-
profundos, la perspectiva histó-
el cambio jurídico: unas veces,
cindir del estudio histórico, úni-
rica existe siempre y es funda-
obligando al ordenamiento a
co capaz de responder a los in-
mental para adquirir un conoci-
modificar sus normas: otras ve-
terrogantes de esa índole que
miento pleno, causal, verdade-
ces, manteniéndolas, pero, al
se nos plantean cada vez que
ro, de las instituciones.
haber variado el contexto, dan-
reflexionamos sobre su signifi-
Como he dicho otras veces,
do origen a una nueva jurispru-
cado. Cualquiera sea el siglo en
la ley hoy vigente es sólo un
dencia. Es que las instituciones
que esas normas hayan nacido,
capitulo, un capítulo más, de la
jurídicas nacen y se desarrollan
antiguo o moderno, problemas
historia o la novela de la insti-
en estrecha vinculación con las
de interpretación histórica, en
tución respectiva. Mal podría-
necesidades y aspiraciones de
mayor o menor número, se pre-
mos entender ese capítulo si no
sociedades concretas, entendi-
sentan siempre, y no deben ser
hubiéramos leído los anteriores,
das como una suma de relacio-
evitados.
si no supiéramos lo que suce-
Instituciones como el testa-
dió antes. Mucho de lo que leyé-
Es verdad que la aspiración
mento o la sucesión ab-intesta-
ramos ese capítulo carecería de
de justicia que anida en el cora-
to, que tienen tras de sí un de-
sentido para nosotros, no ten-
zón del ser humano es univer-
sarrollo histórico de tantos si-
dría explicación, por faltamos
sal y eterna, y que el Derecho
glos, no pueden ser compren-
los elementos de juicio, los da-
tiende naturalmente a la esta-
didas en su regulación actual,
tos o las claves para interpre-
bilidad de sus normas, pero ta-
en la que emana de la ley hoy
tarlo. La función de la discipli-
les aspiraciones, y la forma
vigente, si el intérprete no es
na historia del Derecho es, pre-
como se concretan, se han ex-
capaz de relacionar el presente
cisamente, ésa: revelarnos el
presado y se expresan a través
con aquel pasado. Y es así, por-
pasado para permitirnos com-
del tiempo de acuerdo a las cir-
que el sentido de la normativi-
prender el presente.
nes sociales de toda índole.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
53
D ireito
Artigo
Además de auxiliamos en la
enunciados lógicos y éticos, con
de estudio universitarios ha de
labor hermenéutica, la historia
los fenómenos sociales: los
ser considerada indispensable.
jurídica, bien entendida, es ca-
principios con los hechos. Tam-
paz de estimular nuestro espí-
bién, nos hace tomar concien-
ritu crítico, de impedir que la
cia de la necesidad de situar la
dogmática degenere en noso-
ciencia jurídica en la intersecci-
tros en un rígido dogmatismo,
ón de las coordenadas tiempo
con su pernicioso efecto parali-
y espacio, y de cultivarla en fun-
zante de la inteligencia. Ella nos
ción de ellas. Al ser tan impor-
impulsa a relacionar las normas
tantes los beneficios que brin-
jurídicas, concebidas como
da, su presencia en los planes
R
NOTAS
(1)
(2)
Von Berufunserer Zeit, item 2.
Diritto contemporâneo, storia e
sociologia, Sociologia del Diritto,
n. 3, 1996. p 143.
Núcleo de Recursos Humanos
Com o trabalho sério e reconhecido,
o Núcleo de Recursos Humanos do IMES
busca a integração entre o conhecimento
teórico e a prática no campo da Administração
de Recursos Humanos.
Entre os serviços oferecidos, destacam-se:
O
Realização de pesquisas em Recursos Humanos (cargos, salários, benefícios, acordos/convenções coletivas, remuneração
variável, indicadores da performance de área e clima organizacional);
O
Encontros de reciclagem para profissionais da área de RH;
O
Publicação do boletim Notícias de Recursos Humanos, que traz uma sinopse da imprensa paulista com informações sobre RH;
O
Desenvolvimento de projetos personalizados para empresas (consultoria, auditoria, e treinamento);
O
Publicação de artigos que abordam ocomportamento do mercado de trabalho e suas tendências.
Informações e consultas podem ser feitas na Av. Goiás, 3.400, em São Caetano do Sul,
pelo telefone (011) 4239-3201, ou pelo e-mail: [email protected]
54
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
A importância da interpretação
nas relações sócio-jurídicas
Carlos João Eduardo Senger
Coordenador e Professor da disciplina de Introdução ao
Estudo do Direito do Curso de Direito do Centro Universitário Municipal de
São Caetano do Sul (SP). Doutorando pela Universidade do Museo Social Argentino,
Buenos Aires, Argentina. Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de
São Paulo. Consultor Jurídico e Advogado.
R e s u m o
A b s t r a c t
A escolha do tema dentro do campo da Teoria Geral
do Direito deveu-se à importância da interpretação
na realidade atual da vida em sociedade, onde os
estudos de hermenêutica (hermeneuein), com origem
na cultura sócio-filosófica, tida como a maneira
científica da arte de interpretar, têm-se revelado de
substancial importância na solução dos impasses
dentro das relações sócio-jurídicas, desde os entendimentos mais comuns, as avenças da vontade expressas na fixação de direitos e deveres, até nas regras
legisladas pelos respectivos poderes constituídos do
Estado, este como grande mentor dos anseios
sociais, ante os avanços da modernidade e da
tecnologia, trazendo-se como exemplo os sistemas
i
n
f
o
r
m
a
t
i
zados, cujos sensores dos computadores nos emitem
diretrizes e controles a repercutir seriamente em
nossos atos, e que se qualifica como uma ação de pura
interpretação, com forte incidência na vida das
pessoas. É justamente nesta ordem de idéias e a
preocupação concorrente que nos propusemos
examinar o tema escolhido, podendo-se afirmar que
a interpretação, sem sombra de dúvidas, representa
a alma de toda conjuntura do direito, evidenciandose como reforço a oportuna afirmação do eminente
jurista e professor argentino dr. Marcelo Urbano
Salerno; “como se foi espiritualizando uma matéria
inorgânica a fim de dar forma a uma das mais sólidas
criações do homem para assegurar a paz e a convivência normal” (Mayor, 1999). Neste rumo e nos
passos do entendimento do ilustre professor, a
hermenêutica representa toda criatividade do direito
deduzido em regra, em sua manifestação interpretativa e construtiva, sob o impulso da genialidade
da mente do ser humano, onde reside a real importância da elaboração do direito como obra final e
acabada, fruto perfeito do pensamento criador, da
engenhosidade, dos artifícios do idioma e de retórica
postos, sutilmente engendrados, da sensatez e do
equilíbrio, que culminam por transformar-se em preceitos eficientes e disciplinadores providos de força
que se apresentam como incontestes à obediência
social.
The choice of the theme inside the field of the General
Theory of Law was due to the importance of the
interpretation in the current reality of life in society,
where the hermeneutic studies (hermeneuein), with
origin in the culture social/philosophical, had as the
scientific way of the art of interpreting, it has been
revealing inside of substantial importance in the
solution of the impasses of the relationships social/
juridical, from the most common understandings, the
agreement of the expressed will in the fixation of
rights and duties, even in the rules legislated by the
respective constituted powers of the State, this is as
great mentor of the social longings, before the
progresses of the modernity and of the technology,
being brought as example the computerized systems,
whose sensor of the computers they emit us guidelines
and controls to echo seriously in our actions, and that
it is qualified as an action of pure interpretation, with
strong incidence in the people’s life. It is exactly in
this order of ideas and the competitive concern that
we intended to examine us the chosen theme, could
be affirmed that the interpretation, without shadow
of doubts, represents the soul of every conjuncture
of Law, being evidenced as reinforcement the eminent
jurist’s opportune statement and teacher Argentinean
dr. Urban Marcelo Salerno; “as It has been
spiritualizing an inorganic matter in order to give
form to one of the man’s most solid creations to
assure the peace and the normal coexistence” (Mayor,
1999). In this direction and in the steps of the
illustrious teacher’s understanding, the hermeneutic
represents all creativity of the Law deduced in rule,
in its interpretative and constructive manifestation,
under the pulse of the brilliant idea of the human
being’s mind, where it lives to real importance of the
elaboration of Law as final work and ended, perfect
fruit of the creative thought, of the ingeniousness, of
the artifices of the language and of put rhetoric,
subtly engendered, of the good sense and of the
balance, that culminate for transforming in an
efficient precepts and disciplinary, provided of force
that comes as uncontested to the social obedience.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
55
D ireito
Artigo
creto, impõe-se ao intérprete o
se diversificam. Esse interés ex-
A tanto, o entendimento de
entendimento dos padrões vi-
traordinário por la interpretaci-
Mayor se desponta como muita
gentes da modernidade ter o
ón jurídica, claramente visible
propriedade a realidade em vi-
conhecimento mais profundo
em las dos últimas décadas, no
gência, no sentido de que “a
do direito e da realidade social,
es exclusiva de alguma orien-
humanidade entrou num perío-
com a revalorização da filoso-
tación en particular, por el con-
do de mudanças cuja amplitu-
fia jurídica, como também ter a
trario, em él coincidem, más allá
de, profundidade e, sobretudo,
necessária vivência com os fa-
de matices, tanto jusnaturalis-
rapidez, provavelmente nunca
tos sociais que representam a
tas como juspositivistas, y las
tiveram um equivalente na his-
base da vida em sociedade, ca-
otras variantes doctrinárias que
tória. A internacionalização da
bendo principalmente ao estru-
intentan escapar a essa tradici-
vida
sociedades
turador e ao aplicador do direi-
onal e inevitable divisória de
nacionais, o fenômeno da mun-
to perceber as causas e proble-
águas.” (Vigo, 1999, p. 13).
dialização, os problemas do
mas que afligem a coletividade
Sábia lição a respeito é apre-
meio ambiente, as tensões e os
quer sob o aspecto individual,
sentada por Clovis Bevilacqua,
conflitos de um novo tipo, bem
quer sob o aspecto coletivo e,
autor de nosso Código Civil an-
como a generalização de certas
assim, lograr interpretar corre-
terior, em seus estudos a res-
normas e de certos comporta-
tamente as relações e implica-
peito da Teoria Geral do Direito
mentos culturais que entram
ções, tendo como balizamento
Civil: “Assim, embora a intenção
em conflito com os valores tra-
a ética e a real finalidade da lei,
da lei seja um ponto importan-
dicionais, os problemas éticos
cujo texto é frio, de forma que
te para o intérprete, o essenci-
cada vez mais complexos, dos
a regra legislada oportunize a
al é escolher, dentre os pensa-
quais nem os indivíduos nem
geração do calor à justiça dese-
mentos possíveis da lei, o sen-
as sociedades podem escapar,
jada.
tido mais racional, mais salutar
INTRODUÇÃO
das
são alguns dos fatos relevan-
A propósito do assunto, o
e de efeito mais benéfico. Por
tes da nossa época.” (Salerno,
eminente jurista Argentino
isso mesmo, a lei admite mais
1998, p. 13).
Rodolfo Luis Vigo, em sua obra
de uma interpretação no decur-
Dessa forma, diante da mul-
Interpretación jurídica, desponta:
so do tempo. Supor que há so-
tiplicidade de relações formais
“La teoria de la interpretación
mente uma interpretação exa-
e informais que se estabelecem
jurídica pasa, especialmente en
ta, desde que a lei é publicada
em face da vida social, na fixa-
el ámbito del derecho continen-
até aos seus últimos instantes,
ção de direitos e deveres ao con-
tal, por um momento de esplen-
é desconhecer o fim da lei, que
trato social preexistente, o direi-
dor, quizás como nunca em la
não é objeto de conhecimento,
to, para alcançar os anseios do
historia del pensamiento jurídi-
mas um instrumento para se
povo, ao primado do justo e le-
co. Buena parte de la bibliogra-
alcançarem os fins humanos,
gítimo, deve evoluir correlata-
fia jusfilosófica que se edita
para fomentar a cultura, conter
mente, não se restringindo tão
versa de manera directa o indi-
os elementos anti-sociais e de-
somente a via estreita das téc-
recta sobre aquella temática.
senvolver as energias da nação.
nicas jurídicas, pois para a apli-
Los problemas se acrescientam
Em conclusão, na interpretação
cação correta da lei ao caso con-
y los intentos por solucionarlos
da lei, deve atender-se, antes de
56
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
tudo, ao que é razoável, depois
estabelecendo uma multiplici-
fonte contínua de alimentação
às conseqüências sistemáticas
dade de ações, sem poder dis-
e realimentação ao aperfeiçoa-
e, por fim o desenvolvimento
tanciar-se do respeito aos valo-
mento do entendimento e com
histórico da civilização” (Bevila-
res humanos, conquista advin-
ressonância direta no ordena-
cqua, 1956, p. 41), e remata
da do jusnaturalismo e do mun-
mento legal, a possibilitar a in-
com extraordinária clareza, isto
do neo-liberal, no propósito de
denidade e atualidade das re-
já a sua época: “...vê-se que a
poder possibilitar uma convi-
gras, das convenções deduzi-
ciência do direito sente hoje im-
vência harmônica entre os se-
das em relações por atos de
periosa necessidade de largue-
res humanos, ao matiz da dig-
vontade, e máxime no forneci-
za e flexibilidade, diante da
nidade, e dentro de sua exclu-
mento de elementos mais segu-
marcha acelerada e da expan-
siva atribuição para a prevenção
ros, a influenciar na elaboração
s
o
e solução dos conflitos de inte-
e melhoramento da Lei, via de
da cultura, e, como a lei é mo-
resses, na tentativa da efetiva
conseqüência repercutindo na
rosa em suas transformações,
realização da Justiça, através de
própria Justiça, tarefa a que
vai pedir à interpretação, ou,
um sistema de normas impera-
compete a todos os estudiosos
melhor, à jurisprudência e à dou-
tivo-atributivas.
do direito, e como já dito, pre-
ã
trina, um instrumento de adap-
A propósito do tema aborda-
sos aos princípios da plena sin-
tação constante do direito à
do, trazemos o pensamento
tonia com a situação cultural,
vida real” (Bevilacqua, 1956,
poético do ilustre jurista brasi-
social, política e jurídica da so-
p. 43).
leiro Mario Moacyr Porto: “a lei
ciedade, ao cobro de todas as
Transportando-se para os
não esgota o direito, como a par-
suas nuances, voltados para a
dias atuais, a talante da cons-
titura não exaure a música, in-
finalidade sempre perseguida,
tante busca da modernidade, a
terpretar é recriar, pois as notas
ou seja, a disciplinação da con-
mesma preocupação subsiste e
musicais, como os textos da lei,
vivência social e a solução dos
está a assolar a sociedade rotu-
são processos técnicos de ex-
conflitos de interesses.
lada como da era moderna,
pressão e não meios inextensí-
mais facilitada pelo apoio irre-
veis de exprimir” (Porto, p. 11).
Assim, diante da ciência, o
direito sempre caminha om-
sistível dos adventos técnicos,
Portanto, no presente artigo
e por força de seu crescimento
desenvolvido e pesquisado, que
vegetativo e inexorável multipli-
integra os estudos de teoria
De grande felicidade é a afir-
cação, passando a conviver com
geral do direito, o objetivo é de
mação do jurista italiano Ange-
uma acentuada magnitude de
dar estrutura a um raciocínio no
lo Falzea: “Na esfera da realida-
problemas sociais, tendo-se
sentido de demonstrar a impor-
de, na qual se encontra o direi-
como evidente que a grande
tância da interpretação, que se
to e a esfera da vida humana,
preocupação do Estado moder-
convola na atualidade como o
fácil será compreender que os
no atual, gestor político supre-
cerne de tudo, princípio basilar
valores da vida humana se en-
mo, sob os efeitos da influên-
ao entendimento de quaisquer
contram na origem dos valores
cia global, é de cumprir sua
relações consubstanciadas nos
do direito. Estes últimos se
finalidade, ou seja, dar tratos
direitos e deveres formalmente
apresentam como exigências da
ao campo da pacificação social,
fixados, por cuidar-se de uma
vida em sociedade, e assim é
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
breado ao destino do próprio
homem.
57
D ireito
Artigo
porque os valores da vida hu-
professor Salerno que tomamos
como suporte a interpretação
mana também se apresentam
a liberdade de trasladar para o
dos anseios sociais e das neces-
como exigências. A vida tem
nosso idioma: “O direito, como
sidades, antecedente necessá-
seus valores porque tem suas
toda ciência, apresenta certas
rio para a inserção das regras
exigências, sem dúvida condi-
características fundamentais,
na moldura legal, e o operador
cionadas às situações de fato e
quanto ao seu conteúdo, sua
do direito compete alinhar-se na
mutáveis
as
linguagem, seu método, sua
posição de cauteloso exegeta,
variações das situações de fato”
validade e sua prescrição” e con-
investigador científico, aplica-
(Voci di teoria generale Del
tinua: No decorrer desta obra
dor da regra, e naturalmente
diritto, 1978, p. 216).
serão examinados cada um des-
como esmiuçador do verdadei-
Resta certo, que as tendên-
ses caracteres que permitem
ro espírito e do alcance do pre-
cias desta envolvente moderni-
apreciar através do tempo como
ceito, premido pela atenção ao
dade que estão a afetar o direi-
se foi espiritualizando uma
inafastável binômio: finalidade
to e a estrutura da aplicação da
matéria inorgânica a fim de dar
social e o bem comum, o que
Justiça, em consonância com os
forma a uma das mais sólidas
na prática tem sido relegado,
anseios sociais, e a vida em so-
criações do homem para asse-
principalmente pelos órgãos
ciedade, que carecem de uma
gurar a paz e a convivência nor-
responsáveis e com poder de
melhor qualidade do agente in-
mal” (Salerno, 1998, p. 13).
decisão, que na maioria das ve-
segundo
terativo destas ações, ou seja,
Registre-se, o ponto relevan-
zes optam equacionar o proble-
do profissional do direito, que
te da sábia afirmação do ilustre
ma de forma mais rápida e me-
deve estar mais apto, mais com-
professor vem ao encontro do
nos trabalhosa, através do mo-
pleto, aplicado, seguro e mais
escopo do tema enfocado, i.é,
delo da escola interpretativa
sensível, envolvido num autên-
o significado da interpretação
mais simples e já de todo supe-
tico realinhamento de cultura,
dentro do direito e seu enten-
rada, a da “exegesis”, e assim
para que esteja pronto, com um
dimento, reiterando-se a perfei-
remanescer presos à litera-
embasamento mais profundo
ção da frase produzida “...como
lidade, via liturgia dramática do
do direito e, de uma disposição
se foi espiritualizando uma
teor normativo aos quadrantes do
de conhecimento mais abran-
matéria inorgânica a fim de dar
texto, um autêntico paradoxo à luz
gente, para que possa entender
forma a uma das mais sólidas
da modernidade.
e dar assim a efetiva contribui-
criações do homem para asse-
ção ao modelo moderno do
gurar a paz e a convivência nor-
1 A HERMENÊUTICA
direito como regra disciplina-
mal”.
E O SIGNIFICADO DA
dora, tenha-se como exemplo
Destarte, é de se atribuir à
inicial que hoje, em vários seto-
interpretação o papel preponde-
O vocábulo hermenêutica
res da atividade humana, os
rante como raciocínio respon-
provém do grego “herme-
nossos sensores e que de certa
sável pela transformação de
neuein”, sendo considerado uma
forma nos ditam regras impo-
uma matéria inorgânica em
teoria ou a filosofia da interpre-
sitivas são as máquinas do sis-
realidade legal, pois o legisla-
tação, cujo objetivo é tornar
tema da informatização.
dor, quando elabora a regra,
compreensível o objeto de es-
como já referido, o faz tendo
tudo, de forma mais profunda,
Repetimos as palavras do
58
INTERPRETAÇÃO
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
portanto mais do que sua sim-
mento, que anima as palavras”
surgir. Uma disposição poderá
ples aparência ou superficiali-
(...) Para penetrar o pensamen-
parecer clara a quem examinar
dade.
to da lei e faze-la regular de
superficialmente, ao passo que
Cediço dizer que, para al-
acordo com os fins da civilização,
se revelará tal a quem a consi-
guns juristas, a hermenêutica
os fenômenos sociais, a que
derar nos seus fins, nos seus
não representa somente a arte
deve presidir, pode o intérprete
procedentes históricos, nas
da interpretação, é considerada
recorrer aos elementos puramente
suas conexões com todos os
uma verdadeira ciência, como
verbais (interpretatio gramati-
elementos sociais que agem
uma teoria científica da arte de
cal) ou ao raciocínio, à análise,
sobre a vida do direito na sua
interpretar, no direito colabo-
à comparação, a todos os meios
aplicação a relações que, como
rando no esclarecimento de tex-
que fornecem a ciência jurídica,
produto de novas exigências e
tos obscuros, apontando as
a exata compreensão do direito
condições, não poderiam ser
imperfeições das regras, adap-
na mecânica social, a história da
consideradas, ao tempo da for-
tando-as à aplicação e dando
formação da lei e a evolução do
mação da lei, na sua conexão
soluções às contradições detec-
direito (interpretação lógica).
com o sistema geral do direito
tadas.
Sobretudo deve atender a que
positivo
Carlos Maximiliano foi o ju-
o direito é um organismo desti-
(Bevilacqua, 1956, p. 41).
rista brasileiro que se notabili-
nado a manter em equilíbrio as
E mais: “As leis positivas são
zou acerca do tema com sua
forças da sociedade e, portanto,
formuladas em termos gerais;
obra pioneira Hermenêutica e
tem princípios gerais, a que os
fixam regras, consolidam prin-
aplicação do direito, considera-
outros se subordinam (as perma-
cípios, estabelecem normas, em
da clássica e completa sobre o
nências jurídicas, os preceitos
linguagem clara e precisa, po-
assunto, em que dizia “a herme-
constitucionais), e todas as suas
rém ampla, sem descer a minú-
nêutica é a teoria científica da
regras
entre
cias. É tarefa primordial do exe-
arte de interpretar” (Maximilia-
si harmônicas (interpretação sis-
cutor a pesquisa da relação en-
no, 1994, p. 14).
temática)” (Bevilacqua, 1956, p.
tre o texto abstrato e o caso
37 e 38).
concreto, entre a norma jurídi-
A palavra, mesmo usada de
devem
ser
vigente”
forma correta, muitas vezes es-
Despiciendo dizer que “A
ca e o fato social, isto é, aplicar
timula interpretações diversifi-
norma jurídica sempre necessi-
o Direito. Para o conseguir, se
cadas, mormente pelo fato de
ta de interpretação. A clareza de
faz mister um trabalho prelimi-
a linguagem normativa não
um texto legal é coisa relativa.
nar: descobrir e fixar o sentido
apresentar similaridade e, como
Uma mesma disposição pode
verdadeiro da regra positiva; e
se não bastasse, existem situa-
ser clara em sua aplicação aos
logo depois, o respectivo alcan-
ções em que o texto legal im-
casos mais imediatos e pode ser
ce, a sua extensão . Em resu-
pregna-se de erros gramaticais
duvidosa quando se aplica a
mo: o executor extrai da nor-
que acabam por confundir a in-
outras relações que nela pos-
ma tudo o que na mesma se
terpretação correta de normas
sam enquadrar e às quais não
contém: é o que se chama in-
jurídicas.
se refere diretamente, e a ou-
terpretar, isto é, determinar o
Para Clovis, já citado, “Inter-
tras questões que, na prática,
sentido e o alcance das expres-
pretar a lei é revelar o pensa-
em sua atuação, podem sempre
sões do Direito” (Maximiliano,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
59
D ireito
Artigo
pretação; c) carga emotiva, veri-
fundeza. Deve-se atender a que,
A interpretação corresponde
ficando-se que os textos jurídi-
em nosso pensar, existe uma
à exegese, e a dogmática jurí-
cos se expressam como lingua-
parte sociológica ao lado da in-
dica se fundamenta na idéia do
gem natural, sofrendo as influ-
dividual. O que pensamos não
legislador racional que é carac-
ências da língua, daí advir a
é somente trabalho nosso, é al-
terizado como: a) único; b) ab-
razão dos problemas de inter-
guma coisa de infinito, por ser
solutamente consciente; c) um
pretação.
produto da ideação de séculos
1994, p. 1).
“homo” ciente; d) operativo
Entre os modos de interpre-
e milênios, oferecendo uma tal
(pela elaboração de leis que
tação, tem-se: a) interpretação
conexão de idéias que o próprio
sempre serão aplicadas); e) de
objetiva, que corresponde à
pensador não percebe. Não se
apresentar soluções que sem-
fidelidade ao texto; b) interpre-
tem atendido, convenientemen-
pre são as melhores; f) dotado
tação subjetiva, que correspon-
te, à significação sociológica da
de coerência; g) um legislador
de à intenção do legislador, e
lei, e ainda se supõe que, para a
que a tudo prevê; h) dotado de
que permite via: estilo livre,
formação da lei, apenas atua a
precisão na linguagem; i) dota-
livre no texto; b) estilo restrin-
vontade do legislador, quando se
do de perfeição.
gido, preso ao texto.
sabe que não é o indivíduo, mas
Parte-se do pressuposto que
Apresenta conexões pelo
sim o grupo social, que faz a his-
em toda norma sempre existe
contexto e situação fática, cuja
tória” (Bevilacqua, 1956, p. 41).
um marco de indeterminação,
linguagem pode ser: instrumen-
que pode ser: a) ante uma falha
tal (signo), relação de causa e
2 HERMENÊUTICA E
ou deficiência do texto; b) pre-
efeito e convencional, represen-
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA:
vista pelo legislador, havida
tada pelos símbolos que são
CARACTERÍSTICAS
como intencional; c) não inten-
convenções, que podem ser ex-
Como dissemos, a interpreta-
cional, por motivos alheios (pro-
pressadas por linguagem artifici-
ção é feita, sempre, conforme algu-
blemas de linguagem, diferen-
al, e tácita, por linguagem na-
mas regras e enunciados prees-
ça entre o texto e a intenção do
tural, citando como exemplo a
tabelecidos, realizada de acordo
legislador, problemas lógicos,
fórmula da água H2O/água.
com postulados norteadores no
que se dão por meio de lacu-
Dentro desse alinhamento de
sentido da interpretação das re-
nas, falhas, má redação e equí-
idéias, Kohler, reverenciado ju-
gras jurídicas; em síntese, repe-
vocos).
rista alemão, que mereceu men-
tindo-se a lição de Carlos Maxi-
A atividade do operador do
ção de Clovis Bevilacqua, em
miliano, “o executor extrai da
direito é sempre interpretativa,
seus estudos, preconizava ao
norma tudo o que na mesma se
e a norma sempre se expressa
seu tempo: “Interpretar é pro-
contém: é o que se chama inter-
por intermédio de proposições,
curar o sentido e a significação,
pretar,
enunciados e expressões de
não do que alguém disse, mas
minar o sentido e o alcance
lingüística.
do que foi dito. É um erro su-
das expressões do Direito”
Na linguagem natural a lei
por que o pensamento é escra-
(Maximiliano, 1994, p. 13).
pode apresentar: a) ambiguida-
vo da vontade. A expressão que
A interpretação é feita, sem-
de; b) vaguidade, como indeter-
o traduz, nem sempre o expõe
pre, de acordo com alguns pre-
minação no alcance da inter-
em toda a sua extensão e pro-
ceitos preestabelecidos e reali-
60
isto
é,
deter-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
zada em sintonia com regras de
abstrato, pela hermenêutica,
mas sim que ele seja capaz de
como interpretar as regras jurí-
podendo-se dizer que a inter-
oferecer o conteúdo da norma
dicas, tendo-se em conta que o
pretação somente se dá em con-
de acordo com enunciados ou
intérprete equivale ao agente
fronto com o caso concreto a
formas de raciocínio explícitos,
responsável pela clarificação do
ser analisado e decidido pelo
previamente traçados e aceitos
texto normativo.
judiciário; a hermenêutica, ao
de maneira mais ou menos
A propósito infira-se da pon-
contrário, é totalmente abstra-
geral, advindos de determi-
deração a respeito da herme-
ta, isto é, não tem em mira qual-
nada ciência, mas sem neces-
nêutica e da interpretação tra-
quer caso a resolver.
sariamente com isto estar-se
fazendo ciência” (Bastos, 1997,
zida pelo festejado jurista Cel-
Segue-se o pensar do já cita-
so Ribeiro Bastos: “Faz sentido
do Carlos Maximiliano: “o erro
aqui a diferenciação posto que
dos que pretendem substituir
Novamente Carlos Maximili-
hermenêutica e interpretação
uma palavra pela outra; alme-
ano: “não basta conhecer as re-
levam a atitudes intelectuais
jam, ao invés de Hermenêutica,
gras aplicáveis para determinar
muito distintas. Num primeiro
Interpretação. Esta é aplicação
o sentido e o alcance dos tex-
momento, está-se tratando de
daquela; a primeira descobre e
tos. Parece necessário reuni-las
regras sobre regras jurídicas, de
fixa os princípios que regem a
e, num todo harmônico, ofere-
seu alcance, sua validade, inves-
segunda. A Hermenêutica é a
cê-las ao estudo, em um enca-
tigando sua origem, seu desen-
teoria científica da arte de in-
deamento lógico. A memória
volvimento etc. Ademais, embo-
terpretar” (Diniz, 1991, p. 381).
retém com dificuldade o que é
ra essas regras, que mais pro-
E conclui Celso Ribeiro Bas-
acidental; por outro lado, o in-
priamente poder-se-iam desig-
tos, por singular metáfora: “As-
telecto desenvolve dia a dia o
nar por enunciados, para evitar
sim como as tintas não dizem
logicamente necessário, como
a confusão com as regras jurí-
onde, como ou em que exten-
conseqüência, evidente por si
dicas propriamente ditas, pre-
são deverão ser aplicadas na
mesma, de um princípio supe-
ordenem-se a uma atividade ul-
tela, o mesmo ocorre com os
rior. A abstração sistemática é
terior de aplicação, o fato é que
enunciados quando enfrenta-se
a lógica da ciência do Direito.
eles podem existir autonoma-
um caso concreto. Por isso, não
Ninguém pode tornar-se efeti-
mente do uso que depois se vai
é possível negar, da mesma for-
vo senhor de disposições parti-
deles fazer. Já a interpretação
ma, o caráter evidentemente
culares sem primeiro haver
não permite este caráter teóri-
artístico da atividade desenvol-
compreendido a milímoda vari-
co-jurídico, mas há de ter uma
vida pelo intérprete. A interpre-
abilidade do assunto principal
vertente pragmática, consisten-
tação já tangencia com a pró-
na singeleza de idéias e concei-
te em trazer para o campo de
pria retórica. Não é ela neutra
tos da maior amplitude ou, por
estudo o caso sobre o qual vai
e fria como o é a hermenêutica.
outras palavras, na simples uni-
se aplicar a norma” (Bastos,
Ela tem de persuadir, de conven-
dade sistemática. Descobertos
1997, p. 21).
cer. O Direito está constante-
os métodos de interpretação,
Assim, a interpretação tem
mente em busca de reconheci-
examinados em separado, um
caráter concreto, seguindo uma
mento. Não se quer que o in-
por um nada resultaria de or-
via preestabelecida, em caráter
térprete coloque sua opinião,
gânico, de construtor, se os
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
p. 22).
61
D ireito
Artigo
não enfeixássemos em todo
instrumento de adaptação cons-
grande importância da interpre-
lógico, em um complexo har-
tante do direito à vida real”, e
tação jurídica pelo magistrado
mônico. À análise sucede a sín-
finaliza com grande tirocínio,
antes da aplicação da regra
tese. Intervenha a Hermenêuti-
projetando seu entendimento a
jurídica ao caso levado a seu cri-
ca, a fim de proceder à sistema-
atualidade: “Assim, o intérpre-
vo (in concreto).
tização dos processos aplicáveis
te, esclarecendo, iluminando,
Houve tempo em que se
para determinar o sentido e o
alargando o pensamento da lei,
acreditava ser a lei uma fórmu-
alcance das expressões do
torna-se um fator da evolução
la “mágica”, expressão definiti-
Direito” (Heinrich Gerland, Prof.
jurídica. É certo que a sua ação
va do direito, através do qual o
da Universidade de Jena. Maxi-
é limitada pelo próprio edito da
Estado poderia resolver todos os
miliano, 1994, p. 5).
lei, e se este se recusa a aceitar
problemas jurídicos da socieda-
Dessa forma, interpretar é
as modificações sociais, o intér-
de, acreditando-se que por meio
descobrir o sentido de determi-
prete nada mais tem que fazer,
do regramento positivo poder-
nada norma jurídica ao aplicá-
senão esperar o legislador re-
se-ia solucionar todas as hipó-
la ao caso concreto, e a vagui-
tome a sua empresa atrasada,
teses de conflitos de interesses
dade, ambigüidade do texto, a
e, enquanto esse momento não
surgidos na sociedade.
imperfeição, a falta da termino-
chega, pedir a razão jurídica lhe
O homem, diversamente da
logia técnica, a má redação obri-
revele a norma a seguir. Para
espécie animal, apresenta sua
gam o operador do direito, a
que a sua decisão traduza, de
vida social não organizada de
todo momento, interpretar a
fato, o direito imanente às rela-
modo inexorável e rígido; ao
norma jurídica visando a encon-
ções sociais, é necessário que
contrário, desenvolve-se dentro
trar o seu real significado, an-
o intérprete seja dotado de um
de margens mais ampliadas,
tes de aplicá-la a caso “sub exa-
critério, de um senso jurídico e
numa grande variedade de for-
mem”, com a observação de que
de um largo preparo intelec-
mas passíveis de desenvolvi-
a letra da lei permanece, mas
tual, não somente nas discipli-
mento, que exigem pelo menos
seu sentido deve, sempre, adap-
nas propriamente jurídicas,
um ordenamento jurídico com-
tar-se às mudanças que o pro-
mas ainda em todas as ciênci-
patível para com tudo isso.
gresso e a evolução cultural
as que se ocupam com o ho-
Carlos Maximiliano é incisi-
impõem à sociedade.
mem e com a sociedade, des-
vo ao ensinar: “Não há como
Reitera-se a lição sempre
de a psicologia até a história,
almejar que uma série de nor-
irrepreensível de Clovis Bevila-
a economia, a sociologia” (Be-
mas, por mais bem feitas que
cqua: “vê-se que a ciência do di-
vilacqua, 1956, p. 43).
sejam, vislumbrem todos os
reito sente hoje imperiosa necessidade de largueza e flexi-
acontecimentos de uma socie3 O DIREITO E A SOCIEDADE
dade. Neque leges, neque se-
bilidade, diante da marcha ace-
É certo que a diferenciação
natusconsulta ita scribi pos-
lerada e da expansão da cultu-
entre hermenêutica e interpre-
sunt, ut omnes casus qui quan-
ra, e, como a lei é morosa em
tação jurídica passa a ter neste
doque inciderint comprehen-
suas transformações, vai pedir
exame um significado todo es-
dantur (nem as leis nem os se-
a interpretação ou, melhor, à
pecial, visto que foi executada
natus – consultos podem ser
jurisprudência e à doutrina, um
com o intento de enfatizar a
escritos de tal maneira que em
62
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
seu contexto fiquem compreen-
escrita. Esta é a estática, e a
tureza e a realidade humana
didos todos os casos em qual-
função interpretativa, a dinâmi-
não podem ser tratadas como
quer tempo corrente). Por mais
ca do Direito” (Maximiliano,
números ou fórmulas”. Conclu-
hábeis que sejam os elaborado-
1994, p.12).
indo o ilustre jurista: “Como nos
res de um Código, logo depois
Assim, o homem necessita
ensinaram Hans-George Gada-
de promulgado surgem dificul-
de um ordenamento jurídico
mer e São Tomás de Aquino, ao
dades e dúvidas sobre a aplica-
que o discipline, verificando-se
jurista é imprescindível, muito
ção de dispositivos. Uma cen-
que tais normas são somente
mais que aplicar a lei ao caso
tena de homens cultos e expe-
letras frias e não possuem for-
concreto, saber interpretá-la de
rimentados seria incapaz de
ça alguma sem a vivacidade e
modo a alcançar o justo. Essa
abranger em sua visão lúcida a
criatividade do intérprete.
interpretação deve considerar,
essencialmente, a causa do ho-
infinita variedade dos conflitos
de interesses entre os homens,
4 A INTERPRETAÇÃO
mem – visto como ser humano
não perdurando o acordo esta-
JURÍDICA QUANDO
que vive em sociedade, que as-
belecido, entre o texto expres-
REALIZADA EM DESACORDO
pira ao bem comum. A lei deve
so e as realidades objetivas. Fi-
COM REALIDADE SOCIAL
existir para servir ao homem e
xou-se o Direito Positivo; porém
A interpretação da norma
não o homem a lei. A lei pode
a vida continua com multiplici-
jurídica em descompasso com
não ser condizente com sua fi-
dade de problemas: morais, so-
o bem comum, com a evolução
nalidade original, por ter sido
ciais, econômicos. Transformam-
cultural, ou ainda, contraria-
elaborada de forma a não ga-
se as situações, interesses e ne-
mente à própria estrutura de
rantir o bem comum ou por sua
gócios que teve o Código em
um ordenamento jurídico, faz
desvirtuada aplicação e inter-
mira regular. Surgem fenôme-
gerar injustiças, desigualdade
pretação. À medida que a lei se
nos imprevistos, espalham-se
social ou, no mínimo, situações
afasta de sua finalidade origi-
novas idéias, a técnica revela
de desrespeito em relação aos
nal, que pode, muitas vezes,
coisas cuja existência ninguém
órgãos de judicação.
não ser a finalidade desejada
poderia presumir quando o tex-
Em excelente artigo intitula-
pelo legislador, ela perde seu
to foi elaborado. Nem por isso
do “A Hermenêutica Jurídica de
compromisso como o bem co-
se deve censurar o legislador,
Hans-George Gadamer e o pen-
mum e, naturalmente, deixa de
nem reformar sua obra. A per-
samento de São Tomás de Aqui-
beneficiar a todos para benefi-
manecer: apenas o sentido se
no”, publicado no site do Con-
ciar alguns. Tal lei, em perden-
adapta às mudanças que a evo-
selho da Justiça Federal, Rodri-
do sua identidade/sentido, não
lução opera na vida social. O
go Andreotti Musetti aduz que:
pode continuar a ser lei, deven-
intérprete é o renovador inteli-
“A existência do ordenamento
do ser revogada. Tanto a cria-
gente e cauto, o sociólogo do
jurídico, por si só, não garante
ção da lei como a sua apli-
Direito. O seu trabalho rejuve-
o fim do Direito, qual seja, a
cação devem visar ao bem
nesce e fecunda a fórmula pre-
justiça. Se assim fosse, já tería-
comum. Se assim não for, a lei
maturamente decrépita, e atua
mos computadores recolhendo
não estará cumprindo a sua fina-
como elemento integrador e
os casos concretos e aplicando
lidade. Elaborar a lei para bene-
complementar da própria lei
neles as leis pertinentes. A na-
fício da minoria é uma aberra-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
63
D ireito
Artigo
ção. Aplicar e interpretar a lei
raciocínio longe da paixão, pois
adaptável à espécie. Examina o
sem visar ao bem comum é ou-
ela o cega, devendo sempre
Código, perquirindo das cir-
tra aberração”.
interpretar e aplicar a lei ao caso
cunstâncias culturais e psicoló-
A lei foi elaborada com o
concreto de forma a alcançar o
gicas em que ele surgiu e se
objetivo de estabelecer o inten-
bem comum, mas nunca, para
desenvolveu o seu espírito; faz
to comum, não se podendo ad-
isso, extrapolar o limite da pró-
a crítica dos dispositivos em
mitir, em hipótese alguma, in-
pria norma jurídica.
face da ética e das ciências so-
terpretação que venha a satis-
Carlos Maximiliano consigna
ciais, interpreta a regra com a
fazer objetivos contrários à re-
a advertência: “Cumpre evitar,
preocupação de fazer prevale-
alização da justiça, sob pena de
não só o demasiado apego à
cer a justiça ideal (richtiges Re-
ferir a democracia vivificada em
letra dos dispositivos, como
cht), porém tudo procura achar
nosso país, visto que a própria
também o excesso contrário, o
e resolver com a lei, jamais com
finalidade do direito ao propó-
de forçar a exegese e deste
a intenção descoberta de agir
sito do justo é a realização da
modo encaixar na regra escri-
por conta própria, proeter ei
justiça.
ta, graças à fantasia do her-
contra legem” (Maximiliano,
Lembra sobre o assunto
meneuta, as teses pelas quais
1994, p. 80), acrescentando li-
Chaim Perelman que “se o juiz
este se apaixonou, de sorte
ção que deve ficar integrada no
viola regras de justiça concre-
que vislumbra no texto de
consciente do intérprete ao ci-
ta aceitas por ele, é injusto. Ele
idéias apenas existentes no
tar C. A. Reuterskioeld, em sua
o é involuntariamente se seu
próprio cérebro, ou no sentir
obra “Ueber Rechtsaualegund”:
julgamento resulta de uma re-
individual, desvairado por oje-
“Esteja vigilante o magistrado,
presentação inadequada dos
rizas e pendores, entusiasmos
a fim de não sobrepor, sem o
fatos. Ele só é voluntariamen-
e preconceitos” (Maximiliano,
perceber, de boa fé, o seu pa-
te quando viola as prescrições
1994, p. 103).
recer pessoal à consciência
E mais: “Em geral, a função
jurídica da coletividade; inspi-
do juiz, quanto aos textos, é
re-se no amor e zelo pela jus-
dilatar, completar e compreen-
tiça, e “soerga o espírito até
5 A INTERPRETAÇÃO
der, porém não alterar, corrigir,
uma atmosfera serena onde o
JURÍDICA E O RESPEITO À
substituir. Pode melhorar o dis-
não ofusquem as nuvens das
NORMA LEGAL
positivo, graças à interpretação
paixões” (Maximiliano, 1994,
O juiz, ao interpretar a lei,
larga e hábil; porém não negar
p. 105).
não pode ater-se quanto a sim-
a lei, decidir o contrário do que
Pode-se concluir que a regra
patia ou alergia às partes, deve,
a mesma estabelece. A juris-
escrita nem sempre é justa, a
acima de tudo, procurar inter-
prudência desenvolve e aperfei-
não ser nos casos onde a dife-
pretar o direito sempre de for-
çoa o Direito, porém como que
rença entre a lei e o fato é pra-
ma objetiva, equilibrada, desapai-
inconscientemente, com o intui-
ticamente insignificante. No
xonante, respeitando a razão
to de o compreender e bem apli-
entanto, abandonar o ordena-
e, às vezes, ousando na utili-
car. Não cria, reconhece o que
mento jurídico, sob o pretexto
zação da audácia e estratégia.
existe, não formula, descobre e
de alcançar o ideal de justiça,
O intérprete deve manter o
revela o preceito em vigor e
somente levaria a um mal mai-
da justiça formal” (Perelman,
1966, p. 23).
64
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
or, pois a vantagem precípua
(Maximiliano, 1994, p. 9).
evitando, sempre que possível,
das codificações, consiste na
Em evidência, hoje, o fenô-
sua rigidez natural e positivis-
certeza e na estabilidade do
meno da globalização, caracte-
mo, sem no entanto ir contra o
Direito, pois afinal “la vida de la
rizado pela intensa circulação
que nela ficou estabelecido, ten-
comunidad humana exige uma
de pessoas, bens, capitais e tec-
do em vista a assegurar o bem
regularidad o, más bien dicho,
nologia através das fronteiras,
comum e abrandar as injustiças
uma regulación que la haga
influenciando padrões culturais
sociais, evitando, assim, deci-
posible, ordenada, perfectible,
e trazendo, como conseqüênci-
sões solertes, arbitrárias e sem
justa. Esto constituye el motor
as, problemas diversos que atin-
sentido, que além de desacre-
e el fin Del derecho y es uma
gem todo o planeta, como a
ditar o Judiciário, vão contra a
significación viva y permanen-
proteção dos direitos humanos,
natureza do objetivo da lei, qual
te. (El hombre es un animal ju-
o desarmamento nuclear, o
seja, o prestígio pela finalidade
rídico.)” (Garay, 1976).
crescimento populacional e a
social e a proteção do bem co-
poluição ambiental, o que leva
mum.
a concluir, que todas inovações
A esta conclusão não se pode
Levando-se em conta que o
e problemas sociais estão, sem
olvidar do pensamento de Gior-
ordenamento jurídico é uma
dúvida alguma, ligados ao Di-
gio Del Vecchio já revelado a
constante em toda sociedade,
reito, e o intérprete não pode
sua época: “(...) O caráter gené-
deverá, sempre e necessaria-
ficar a mercê da letra fria da lei,
rico do direito positivo dá azo,
mente sujeitar-se a regras de
pois deve buscar conhecimen-
porém, a que surja, a propósito
interpretação jurídica visando a
tos diversos não somente vin-
da aplicação dele, uma dificul-
conferir a aplicabilidade da nor-
culados a ciência jurídica, como
dade grave e contínua. Na ver-
ma legal às relações sociais que
os relacionados com as mudan-
dade, dada a norma jurídica,
lhe deram origem, estender o
ças sociais, tecnológicas e polí-
não foi dada com ela a solução
sentido da norma às relações
ticas, enfim, todo o conheci-
dos casos que a vida pode apre-
novas, inéditas ao tempo de sua
mento voltado para a realização
sentar. A fim de levar a norma
criação, e temperar o alcance do
da difícil tarefa de entender a
jurídica abstrata a aderir à rea-
preceito normativo, para fazê-
norma e buscar a justiça.
lidade concreta, torna-se neces-
CONCLUSÃO
lo corresponder às necessida-
“Assim, interpretar uma ex-
sário todo um trabalho especi-
des reais e atuais de caráter
pressão de Direito não é sim-
al de aplicação. A justa aplica-
social (Diniz, 1991, p. 381).
plesmente tornar claro o respec-
ção da norma requer do intér-
Interpretar é explicar, escla-
tivo dizer, abstratamente falan-
prete a descoberta do significa-
recer; dar o significado do vo-
do; é sobretudo, revelar o sen-
do intrínseco, de que ela é o
cábulo, atitude ou gesto; repro-
tido apropriado para a vida real,
portador. Por outras palavras:
duzir por outras palavras um
e conducente a uma decisão
requer dele que não se fique
pensamento exteriorizado;
reta” (Maximiliano, 1994, citan-
pela letra da lei, mas decifre o
mostrar o sentido verdadeiro de
do Ludwig Enneccerus. Lehrbu-
sentido apropriado, o espírito
uma expressão, extrair, de fra-
ch
des
que nela se guarda... Desta sor-
Rechts,
8a.
se, sentença ou norma, tudo
o que na mesma se contém.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Burgerlichen
ed., 1921, vol. 1).
É necessário interpretar a lei
te, verificamos como os princípios jurídicos possuem logica65
D ireito
Artigo
mente um valor e uma eficiên-
abilizaria sua correta aplicação
clusos na observância da litera-
cia que, a miúdo, nem sequer
ao caso concreto.” (Diniz,
lidade da regra, presos a uma fi-
era possível no momento de sua
2002, p. 98).
delidade à liturgia dramática do
formulação. O jurista, assim
A estas conclusões derradei-
teor normativo do texto, e que
como deve aprofundar a norma,
ras, repete-se o mencionado li-
culmina por instaurar um verda-
a fim de retirar dela tudo o que
nhas acima de que, é de se atri-
deiro paradoxo, na contramão
nela virtualmente se contém,
buir a interpretação o papel pre-
das exigências da modernida-
assim também deve ir até ao
ponderante como raciocínio res-
de impregnada de virtuoso hu-
fundo do caso concreto, ao qual
ponsável pela transformação de
manismo.
a norma se aplicará.Em cada
uma matéria inorgânica em re-
Neste alinhamento de idéias
caso concreto, o jurista deverá
alidade legal corporificada num
face à oportunidade, impõe-se
separar aquilo que é essencial,
texto, pois o legislador quando
necessariamente referenciar o
– ou seja, juridicamente relevan-
elabora a regra, o faz tendo
novo Código Civil brasileiro já
te, – daquilo que o não o é; nes-
como suporte a interpretação
sob vigência, que ao exame de
te campo devem o seu senso
dos anseios sociais e das neces-
seu texto e das regras contidas
jurídico e a sua argúcia ser
sidades, antecedentes necessá-
ante suas inovações, nos dá
exercitados...” (Del Vecchio,
rios para a inserção das regras
uma visão da sua atualidade aos
1948, p. 56-57).
na moldura legal, e o operador
assuntos normados, contestada
Oportuno ainda é trazer as
do direito se coloca na posição
por alguns, e por sua caracte-
conclusões da festejada mestra
de cauteloso intérprete, inves-
rística mais chegada às regras
Maria Helena Diniz, em artigo
tigador científico, aplicador da
de natureza nitidamente proce-
escrito na Revista do Advogado
regra, e naturalmente como es-
dimental, onde a interpretação
sobre o tema, convalidando o
miuçador do verdadeiro espíri-
terá um papel relevante na com-
entendimento de vários auto-
to e alcance do preceito, premi-
posição de suas recomendações
res: “...Se a mera leitura da nor-
do ainda pela atenção ao ina-
legais, e no aperfeiçoamento do
ma não é uma interpretação,
fastável binômio: finalidade so-
próprio texto, tarefa que caberá
por ser tão-somente um ponto
cial e o bem comum, o que na
aos órgãos de judicação no es-
de partida e não um ponto de
realidade prática hodierna tem
correito entendimento do regra-
chegada, todas as técnicas in-
sido relegado, principalmente
do e da realidade factível posta
terpretativas deverão atuar em
pelos órgãos responsáveis pela
a crivo.
conjunto, impondo limites à ati-
decisão, que por vezes optam
Ao encerramento, colaciona-
vidade hermenêutica, que não
por equacionar o problema de
se a recomendação textual des-
poderá colidir com a essência
forma objetiva, mais rápida e
te notável jurista argentino,
institucional dos princípios
menos trabalhosa, através da
Rodolfo Luis Vigo, ao conclamar
constitucionais, que constituem
adoção do modelo mais prático
séria reflexão a respeito: “... Un
“alavanca” na aplicabilidade da
da escola Francesa que surgira
mundo urgido de claridad, de
norma...”, concluindo com a
à ocasião para defender o Có-
valentia, de verdades y de justi-
maestria que lhe é peculiar...
digo de Napoleão, de interpre-
cia, exige de los juristas
“Portanto, a simples exegese
tação mais simples, a da “exe-
retomar energicamente sua
literal, própria dos leigos, invi-
gesis”, e assim remanescer re-
misión de jurisprudens, diciendo
66
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
el derecho que le corresponde a
entador y crítico del derecho, se
cada uno y procurando, con los
requiere que su saber sea
medios a su alcance, que nadie
integral, y de ese modo, com-
se vea privado de lo suyo. Para
prendiendo las razones últimas
cumplir con sus funciones de
que explican su oficio, cumpla
creador, intérprete, difusor, ori-
su llamado a decir el derecho
(jurisdictio)...” (Vigo, 1999).
R
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67
D ireito
Artigo
Patrimônio: novo conceito da teoria
irrestritiva ou imaterial
José Maria Trepat Cases
Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade São Paulo. Advogado.
Coordenador e Professor Titular de Direito Comercial do
Curso de Direito do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul – IMES.
1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
SOBRE PATRIMÔNIO
O tema patrimônio requer
uma atenção especial, por ser
de vital importância o exato
posicionamento de seu real
exercício no direito das obrigações, pois o estado do conteúdo patrimonial1 da pessoa – na
parte dos direitos disponíveis –
é o reflexo de seu estado de
solvência ou insolvência, cabendo ou não, neste último caso,
ensejar o concurso de credores.
Pode-se afirmar, por isso, que
nos direitos disponíveis do conteúdo patrimonial estão plantadas as estacas que alicerçam os
bens do devedor de prestação
obrigacional.
68
O homem é um ser social por
excelência.2
envolvem as pessoas naturais e
No seu dia-a-dia re-
jurídicas podem resultar em
laciona-se com outros homens,
repercussões patrimoniais di-
realizando atos que preencham
versas, produzindo efeitos dis-
seus interesses e satis-façam
tintos tanto para umas quanto
suas necessidades, na busca do
para as outras.
provimento de recursos que for-
Além disso, se é vital para a
marão seu patrimônio, para lhe
sobrevivência da pessoa a ob-
assegurar um bem estar futuro.
servância aos direitos refletidos
E onde serão amealhados
pelo conjunto de caraterísticas
esses recursos no sentido am-
individualizadas, denominadas
plo de palavra? No seu patrimô-
de personalidade, assegura-se
nio.3 Nesta busca é que o ho-
que é impossível a uma pessoa
mem passa a ter direitos e a
conviver, em sociedade, despro-
contrair obrigações, figurando,
vida de patrimônio, pois a idéia
ora como sujeito ativo (credor),
não implica tão somente “massa
ora como sujeito passivo (deve-
de coisas”.
dor), nas relações jurídicas das
quais participa.
As relações jurídicas que
Patrimônio, segundo a concepção econômica, é o complexo de
bens atribuído a uma pessoa,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
com o escopo de produzir e
res, pode-se afirmar que é nos
sas são as opiniões: a) só os
fazer circular riquezas.
objetos dessas relações que
direitos (créditos) fazem parte
De forma diferente, o interes-
eles poderão buscar a satisfa-
do patrimônio; b) as obrigações
se do direito em relação ao
ção obrigacional, cujo cumpri-
(débitos) não fazem parte do
patrimônio recai diretamente
mento recaia sobre seu titular.
patrimônio, são seus encargos;
sobre a relação jurídica que vin-
O exame acurado das teses
c) fazem parte do conteúdo
cula o titular deste patrimônio
esposadas sobre patrimônio
patrimonial os direitos e obri-
aos direitos e obrigações que o
demonstra que determinadas
gações; d) só o resultado líqui-
compõem.
exposições levam a resultados
do dos elementos faz parte do
Patrimônio, no sentido jurí-
controversos e até mesmo con-
patrimônio, resultado da sub-
dico, é bem imaterial. É o recep-
flitantes, dando margem a
tração dos elementos ativos e
táculo (no sentido abstrato) que
interpretações equivocadas.
passivos; e) o patrimônio é com-
se resolve denominar de bolsa
A escassez de referências e
posto de bens, direitos e
patrimonial, em cujo interior
a ausência de um lineamento
obrigações; f) seu conteúdo é
abriga-se
de
preciso da composição do con-
composto de bens; 2) como
relações jurídicas ensejadoras
teúdo patrimonial, no direito
complexo de relações jurídi-
de direitos e obrigações presen-
romano, acarretam uma série
cas, o patrimônio é uma: a)
tes e futuras. Todas as pesso-
de conflitos conceituais que se
universitas júris; e b) universi-
as, naturais ou jurídicas, inde-
refletem nos vários textos dou-
tas facti; 3) quanto à sujeição
pendentemente de sua poten-
trinários.
ao titular: a) é uma emanação
o
conjunto
cialidade econômica (pobre/
Algumas teorias prospera-
da personalidade, b) não está
rico, solvente/insolvente) e ca-
ram, levando outros doutrina-
vinculado à personalidade; c) é
pacidade (de direito/de gozo),
dores a seguir os passos de
uma unidade patrimonial sem
são providas de bolsa patrimo-
seus idealizadores; outras, en-
sujeito; d) são bens afetados
nial.
tretanto, por seu conteúdo eclé-
pela vontade do titular ou por
tico, tiveram poucos defensores
força de lei, destinados a um
além dos seus autores.
determinado fim, e e) o patri-
Fazendo-se uma amálgama
das relações ativas e passivas,
mônio tem personalidade jurí-
ter-se-á um final superavitário
Encontram-se, neste traba-
ou deficitário. Se os créditos
lho, as diversas posições ado-
(direitos) forem maiores que os
tadas pelos juristas pátrios e
Duas são as correntes teóri-
débitos tem-se um superávit,
estrangeiros, visando a coletar
cas predominantes sobre patri-
representado por um patrimô-
elementos constitutivos do ins-
mônio, denominadas: clássica
nio positivo, se os débitos
tituto para, ao final, conceituar
ou subjetiva4 e moderna ou
(obrigações) forem maiores
e definir qual a natureza jurídi-
realista5.
que os créditos tem-se um
ca de patrimônio.
dica.
déficit, representado por um
Pesquisando a questão, ve-
patrimônio negativo, indica-
rifica-se haver maior divergên-
dor de insolvência.
cia dos doutrinadores nos se-
A teoria clássica de patrimô-
Considerando o patrimônio
guintes aspectos: 1) quanto
nio é do século XIX, erigida em
de uma pessoa, de forma es-
aos elementos constitutivos
torno da obra de Aubry e Rau,
trita, com relação aos credo-
do conteúdo patrimonial, diver-
desacreditada por alguns dou-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
2 TEORIA CLÁSSICA OU
SUBJETIVA
69
D ireito
Artigo
trinadores, em função de seu
ções).
complexo unido,9 signifi-
rigorismo lógico e artificial.
O desalojamento de um ele-
cando unidade em vez de
O ponto assinalado por seus
mento do ativo e sua substi-
unicidade.
criadores, que culmina na sín-
tuição por outro elemento
4) Toda pessoa é provida de
tese da teoria, é o que leva em
ativo acarretará a sub-roga-
patrimônio. Nenhuma pes-
conta o patrimônio como ema-
ção real, isto é, o bem ingres-
soa é desprovida de patrimô-
nação da personalidade e ex-
sado no patrimônio respon-
nio. O patrimônio não se tra-
pressão de potestade jurídica
derá pelo passivo no lugar do
duz em riqueza; a inexistên-
excluído.7
de que está investida uma pes-
bem
soa como tal.
Para os autores da teoria
de direitos não significa au-
clássica, os direitos do cre-
sência patrimonial. Mesmo
com excessiva rigidez, a
dor não recaem sobre um
na insolvência do titular, es-
ponto de considerarem uma
bem do devedor de forma
tado decorrente da existên-
aberratio, confunde patrimô-
individualizada, admitindo,
cia de patrimônio negativo,
nio, que é um conjunto de bens,
por isso, a sub-rogação real,
onde as obrigações (dívi-
com personalidade, que é a
na qual o bem novo substi-
das) são maiores que os
aptidão de possuir.
tui o bem excluído. A teoria
direitos (créditos), persisti-
Para Aubry e Rau o patrimô-
clássica admite que o credor
rá o patrimônio.
nio e a personalidade estão
tem como garantia de seus
5) O patrimônio é inalienável.
unidos por vínculo, sendo o
créditos o patrimônio geral
Enquanto existir a pessoa,
primeiro um atributo da perso-
do devedor.
não poderá haver transmis-
Estigmatizada pelos contrários6
cia ou a escassez de bens ou
2) A titularidade patrimonial
são da universalidade patri-
é exclusiva das pessoas.
monial. Estando o patrimô-
Somente as pessoas natu-
nio vinculado à personalida-
2.1 Elementos caracterizadores
rais e jurídicas podem ter
de, somente se admite sua
1) O patrimônio do devedor é
patrimônio, logo, somente
transferência no fim da exis-
a garantia dos credores. Por
elas podem figurar como
tência de seu titular.
ser o patrimônio uma univer-
sujeitos de direito e obriga-
Com a morte do titular,
salidade de direito, no seu
ções. 8
transfere-se o patrimônio
nalidade, cingido pelas características a seguir expostas.
conteúdo estão amalgamados
3) Unidade patrimonial. Toda
para o herdeiro do de cujus
todos os direitos da pessoa
pessoa possui um único pa-
que, em ato de transfigura-
que tenham expressão pecu-
trimônio, no qual os bens e
ção, absorverá também a
niária. São os chamados direi-
as dívidas formam um só
personalidade do falecido,
tos patrimoniais.
acervo.
passando a responder pelas
Para os autores, os direitos
A teoria clássica é categó-
obrigações contraídas pelo
extrapatrimoniais estavam
rica em afirmar que cada
defunto, no limite dos bens
fora do receptáculo patri-
pessoa só pode ter um pa-
herdados. Os elementos in-
monial.
trimônio, ou seja, a esta ex-
dividualizados dessa univer-
Os elementos ativos (direi-
pressão de patrimônio úni-
salidade poderão ser objeto
tos) respondem pelos ele-
co – solus unus – os clássi-
de alienação.
mentos passivos (obriga-
cos deram um sentido de
70
6) Exclusão dos direitos da
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
personalidade do patrimô-
uma abstração (Baudry-Lacan-
Enquanto o patrimônio é imu-
nio. Para Aubry e Rau, só
tinerie e Wahl, p. 2), como a
tável, o seu conteúdo (direitos
compõem o patrimônio os
capacidade de possuir da per-
e obrigações) é variável, tanto
direitos patrimoniais passí-
sonalidade humana. Em vista
em quantidade quanto em qua-
veis de valoração pecuniária.
disso, pode ser denominada
lidade.
No entanto, como teoria
de teoria abstracionista, mes-
Valoração pecuniária. Só os
pura, admitem os autores que
mo que seguindo os passos da
elementos ativos e passivos
teoria clássica.
sujeitos à valoração econômica
todos os
bens10
podem compor
podem fazer parte do conteú-
o patrimônio, especialmente os
bens inatos e os bens futuros.
Em síntese, a teoria clássi-
3 TEORIA ABSTRACIONISTA
E SUAS CARACTERÍSTICAS
do patrimonial.
Em sua obra os autores ad-
ca considera que: a) só as pes-
Baudry-Lacantinerie e Wahl
mitem no conteúdo patrimo-
soas físicas ou jurídicas po-
(p. 2) assim se expressam: “Il
nial somente os direitos e obri-
dem ter um patrimônio; b)
patrimonio è un insieme di di-
gações valoráveis em dinhei-
toda pessoa tem, necessaria-
ritti e di oneri valutabili in de-
ro.11
mente, um patrimônio, ainda
naro. Solo una persona, fisica
O patrimônio é uma abstra-
que atualmente nenhum bem
o morale, puó avere un patri-
ção. Isto deve-se ao entendi-
possua; c) a mesma pessoa só
monio.”
mento de que a capacidade de
pode ter um patrimônio.
Os autores referem-se a um
patrimônio como unidade, ou
As principais características
possuir, conforme Lacantinerie
desta teoria serão comentadas
e Wahl, é uma aptidão da per-
individualmente.
sonalidade humana.12 Esta é a
Toda pessoa possui patri-
mais marcante e diferenciada
mônio. Para os seguidores des-
característica dessa teoria e,
Em que pesem as encrudes-
ta teoria, a toda pessoa natural
talvez, a que enseja o maior
cidas críticas aos autores, a teo-
ou jurídica é atribuído um pa-
número de críticas.
ria clássica não está totalmente
trimônio, em consonância com
desprovida de fundamentação
a teoria clássica.
seja, a pessoa não pode ter mais
de um patrimônio.
4 TEORIA MODERNA OU
nas suas características concei-
Unicidade patrimonial. Se
tuais, porque, sem afastar a hi-
toda a pessoa tem patrimônio,
A teoria moderna ou realis-
pótese de críticas e eventuais
individualmente cada uma des-
ta, desenvolvida em seu início
discordâncias, parece que ela
tas pessoas só tem um patrimô-
por doutrinadores alemães,
contém pontos comuns com as
nio.
afasta-se da visão subjetiva de
REALISTA
Podem, entretanto, ocorrer
patrimônio compreendida na te-
casos excepcionais em que o
oria clássica e assenta-se na
Dentre os autores da escola
sujeito terá direitos sobre ou-
concepção realista13 de patri-
francesa de direito encontram-
tro patrimônio, diverso do seu
mônio.
se Baudry-Lacantinerie e Wahl,
patrimônio geral; é o que ocor-
Na concepção dos autores
vistos como tão ou mais radi-
re com a herança, mas isto é
que se filiam a essa teoria, pode
cais que Aubry e Rau, pois os
pura ficção legal, de caráter
a pessoa afetar elementos do
primeiros, de forma expressa,
temporário e limitado.
seu patrimônio para obter di-
outras teorias formuladas para
conceituar o patrimônio.
referem-se a patrimônio como
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Universalidade de direito.
ferentes fins, compondo patri71
D ireito
Artigo
mônios diferentes do patrimô-
pertinente ao conteúdo patri-
riamente um patrimônio. O
nio geral.
monial, que parece ser válido
conteúdo patrimonial pode não
adotar esta denominação.
apresentar elemento ativo ou
Na teoria ampliativa, segura-
passivo, porém a inexistência
Substitui-se o binômio patri-
mente poderão se alojar os vá-
de conteúdo não significa
mônio/ personalidade, da teo-
rios pensamentos doutrinários,
ausência de patrimônio.
ria clássica, pelo binômio patri-
com as nuanças que diferen-
Patrimônio não é sinônimo de
mônio/fim, da teoria moderna,
ciam cada qual das posições
riqueza, mas o estado econômi-
que repudia a vinculação do
adotadas pelos autores.
co da pessoa. Não é estanque,
4.1 Principais contornos
Cada uma das características
no decorrer da vida de seu titu-
A teoria moderna acaba com
será tratada de forma individua-
lar está sujeito a alterações con-
as características de unidade e
lizada e ao final chegar-se-á ao
tínuas, o que acarreta aumentos,
intransmissibilidade14
do con-
cerne da teoria em construção.
decréscimos ou substituições de
teúdo patrimonial, defendidas
Algumas peculiaridades são
seus elementos ativos e passi-
compartilhadas também com
vos. Embora nada possuindo ou
O direito alemão influenciou
outras teorias, mas, as que so-
nada devendo, toda pessoa tem
em muito a concepção realis-
bressaem serão comentadas
a bolsa patrimonial.
ta do patrimônio adotada pela
uma a uma.
patrimônio à personalidade.
pela teoria subjetiva.
A toda pessoa corresponde uma unidade patrimonial.
teoria moderna, principalmente no que se refere à transmis-
5.1 Princípios distintivos
Os modernistas, seguidores da
sibilidade do patrimônio.
Somente as pessoas po-
teoria ampliativa, buscam elimi-
Poucas foram as codificações
dem ter um patrimônio. Não
que adotaram a transferência do
importa que sejam naturais ou
patrimônio por ato inter vivos,
jurídicas.
nar a concepção personalista.
O patrimônio, visto como a
emanação da personalidade,
conforme prevê o Código Civil
A aptidão de amealhar direi-
defendida pela teoria clássica, é
alemão, que admite a transferên-
tos e contrair obrigações é atri-
substituído pela concepção ob-
cia por sub-rogação.
buto de quem possa figurar
jetiva do patrimônio (Planiol,
Nesse sentido, feita a exege-
como sujeito passivo ou ativo
1906, p. 672).
se dos princípios esposados por
nas relações jurídicas, daí dizer-
Para os ampliativistas o patri-
cada um desses doutrinadores
se da existência de um liame
mônio é uma realidade, sendo
ao discorrer sobre patrimônio,
entre a pessoa e o patrimônio.
que os elementos que o com-
tem-se que a teoria moderna,
Existem posições discordan-
põem estão unidos como uma
atualmente, comporta ser
tes, dentre elas citamos Brink-
universalidade de direito16 que
dividida em outra teoria, que se
mann-Bondi que defendem a
objetiva atender a um determina-
patrimônio;15
do fim pretendido por seu titular.
denominará
de
teoria
ampliativa.
5 TEORIA AMPLIATIVA
Alguns seguidores da teoria
moderna dão tamanha amplitude ao tema, principalmente no
72
personificação do
Seckel, que admite o patrimônio sem sujeito; e Schwarz, que
6 COMPOSIÇÃO DO
afirma ser o patrimônio o que
CONTEÚDO PATRIMONIAL
elimina as diferenças entre pessoa natural e jurídica.
Toda pessoa tem necessa-
Os elementos que compõem
o conjunto de relações jurídicas
formadoras da massa patrimoj a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
nial têm por fim buscar resulta-
dúvida quando, no capítulo que
dos que satisfaçam às necessi-
trata da bonorum possessioni-
A corrente de doutrinadores
dades econômicas da pessoa.
bus, esclarece, de forma clara e
germânicos, entre eles VON
Estes elementos, ativos e
precisa, que “bens” não são con-
TUHR (1946, v. 1, p. 398),18
passivos, devem ser passíveis
siderados como “coisas”.
entende que tanto é correto se
co de patrimônio.
Bem não é a posse de coisa
empregar a expressão patrimô-
Tanto os seguidores da te-
corpórea, é o elemento imate-
nio bruto, ou seja, a soma dos
oria clássica, quanto os segui-
rial que produz vantagens (di-
ativos, sem diminuir-lhe a soma
dores da teoria moderna, ex-
reitos) e inconvenientes (obri-
dos passivos, quanto patrimô-
cluem do conteúdo patrimoni-
gações),17
a ele se referindo,
nio líquido, resultado da soma
al elementos que não possam
o direito romano, como com-
dos ativos, diminuindo-lhe a
ser avaliados em dinheiro.
modum et incommodum.
soma dos passivos.
de valoração pecuniária.
O conceito seguido pela
O patrimônio é um conjun-
Apoiados no direito roma-
maioria dos doutrinadores vê o
to de bens, direitos e obriga-
no, 19 os defensores desse
patrimônio como o conjunto de
ções (Planiol, 1901, v.1, p. 672;
pensamento concluem que o
direitos e obrigações. É o
Comporti, Cose, beni...op.cit. p.
patrimônio deve ser conside-
complexo de relações jurídicas,
304). Estes doutrinadores fazem
rado como o resultado apura-
independente do resultado
uma fusão de elementos materi-
do pela compensação do ati-
compensatório dos elementos
ais, objetos das relações jurí-
vo e passivo.
ativos com os passivos.
dicas; e dos elementos imate-
O autor discorda desses po-
riais, os direitos e as obriga-
sicionamentos no que concer-
ções.
ne à fórmula e ao resultado.
A doutrina moderna tende a
preponderar no sentido de desalojar os elementos passivos
O patrimônio só é compos-
Pensando-se dessa forma, o
do conteúdo patrimonial, con-
to de direitos (Ennecerus, Kipp
patrimônio que aloje, unica-
siderando as obrigações (dívi-
e Wolf, 1947, v.1, p. 609; Pon-
mente, no seu conteúdo, ele-
das) como encargos ou ônus da
tes de Miranda, 1954, v. 5, p.
mentos passivos (débitos), dei-
massa ativa.
393). Para os seguidores desse
xa de ser patrimônio, o que é
Diversas são as posições ado-
pensamento, somente os ele-
um absurdo.
tadas pelos ampliativistas, perfi-
mentos ativos fazem parte do
Igualmente, o sentido econô-
ladas no sentido de imprimir ao
conteúdo patrimonial, dele fi-
mico imprime ao patrimônio um
patrimônio a idéia de um com-
cando excluídas as obrigações,
estado de existência e inexis-
plexo de direitos e bens.
os elementos passivos.
tência. Vê-se o patrimônio como
Para alguns autores, patri-
O patrimônio é o resultado
mônio é conjunto de bens
líquido (Windscheid, 1930, v. 1,
(Bittar, 1994, p. 102-104). Usam
p. 118). Os adeptos dessa
O patrimônio desaparece
a expressão patrimônio em sen-
corrente doutrinária defendem
quando houver ausência de di-
tido impróprio, como se fosse
a tese de que o patrimônio deve
reitos e obrigações. E onde fi-
uma massa de “coisas” (elemen-
ser considerado pelo seu resul-
cam as expectativas de direito?
tos materiais) e não de direitos
tado líquido, resultado da soma
Não são consideradas como ele-
(elementos imateriais).
dos ativos, deduzidos os passi-
mentos do patrimônio. E a bolsa
vos. Este é o sentido econômi-
patrimonial, também deixará de
O direito romano desfaz a
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
depositário só de elementos já
adquiridos.
73
D ireito
existir? Sob esse entendimento,
Artigo
tiva ou imaterial.
inicial de patrimônio, segura-
Adiante far-se-á um breve
mente não o foi no que diz res-
O texto do direito romano
comentário das principais carac-
peito à vinculação do patrimô-
em que se inspiraram esses
terísticas da teoria proposta,
nio com a personalidade.
autores diz: “Bona” intelliguntur
adequando-as às realidades
Em que pese o notável saber
cuiusque, quae deducto aere
jurídicas atuais, de forma a
jurídico dos autores dessa
alieno supersunt.
abranger o conteúdo das nor-
teoria, respeita-se a defesa de
[Entende-se que são “bens”
mas legais vigentes e as even-
sua posição doutrinária, feita de
de qualquer (qualquer pessoa)
tuais alterações decorrentes do
forma magistral, o que não sig-
os que restam depois de dedu-
direito projetado.
nifica que deva ela ser aceita
sim.
zidas as
dívidas]20.
sem críticas.
Compreende-se que o tex-
7.1 Principais características
Defender o binômio persona-
to faz referência à transmissi-
Defende-se, na propositura
lidade/patrimônio, na condição
bilidade de elementos ativos,
desta teoria irrestritiva ou ima-
de ser a última irradiação da
enquanto houver pendência
terial, a possibilidade de faze-
personalidade, é algo insusten-
de elementos passivos (dívi-
rem parte do conteúdo patrimo-
tável nos dias atuais, como
das).
nial direitos disponíveis (de va-
insustentável seria, para os au-
São considerados disponí-
loração econômica) e direitos
tores longevos, defender o pa-
veis os “bens” (no sentido de
indisponíveis (também chama-
trimônio sem sujeito ou patri-
direitos) que excederem as obri-
dos de extrapatrimoniais).
mônio personificado, da doutri-
gações. O texto, sob essa
A bolsa patrimonial será o
na germânica, tendo como prin-
interpretação, reforça a coesão
habitáculo de toda a espécie de
cipais defensores Seckel e
dos elementos ativos e passivos
elementos imateriais (direitos),
Brinkman-Bondi.
do patrimônio.
sejam ou não economicamente
valoráveis.
7 TEORIA IRRESTRITIVA
OU IMATERIAL
Buscando-se formar um
todo, compatível com a tendên-
Dizer que todas as pessoas
possuem patrimônio, indepen-
Os direitos da personalidade,
dente da existência ou não de
ainda que indisponíveis, tam-
elementos em seu conteúdo,
bém alojar-se-ão na bolsa
não significa que o patrimônio
patrimonial.
esteja vinculado à sua personalidade.
cia atual sobre direitos patrimo-
Estende-se ainda o patrimô-
niais, procede-se a adequação
nio não somente às pessoas,
e ordenamento das interpreta-
mas também aos entes não
ções fragmentadas, compilan-
personalizados, que hoje são
É na bolsa patrimonial, esta
do-se as peculiaridades coleta-
uma realidade jurídica, confor-
sim abstrata, que estarão aloja-
das nas diversas obras, tanto
me considerações que serão
dos os elementos ativos e passi-
dos seguidores da teoria clás-
feitas no desenvolver da teoria.
vos que seu titular adquire no
Patrimônio é invólucro, é receptáculo.
transcorrer de sua existência.
sica, quanto dos seguidores da
7.2 Personalidade e patrimônio
A capacidade de possuir é
Se foi de grande valia o con-
que está vinculada à personali-
Erigindo esta teoria, decide-
teúdo da teoria clássica ou sub-
dade da pessoa. Esta capacida-
se nomeá-la de teoria irrestri-
jetiva, para uma conceituação
de não tem qualquer vínculo
teoria moderna, acrescentandose-lhes outras novas.
74
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
com a bolsa patrimonial.
Há pessoas que têm capacidade de possuir elementos ati-
dos não deve causar espanto,
se entende. Tome-se como
principalmente aos estudiosos
exemplo o direito germânico.
da ciência do direito.
Os pandectistas absorveram os
vos (direitos) em quantidade
As pessoas jurídicas, as fun-
conceitos do direito romano e
preponderante aos elementos
dações e os entes que, ditos
os adequaram ao seu direito
passivos: são os solventes. Sua
despersonalizados, podem figu-
positivo.
situação resulta no patrimônio
rar como sujeitos de direitos e
Se a personalização das pes-
positivo.
obrigações, ora no pólo ativo,
soas jurídicas e das fundações
ora no pólo passivo das relações
é uma realidade que teve êxito,
dade de possuir elementos pas-
jurídicas 23
por que não estendê-la para
sivos – contrair obrigações – em
falida, condomínios).
Outras pessoas têm capaci-
(herança, massa
outras situações jurídicas? De-
quantidade maior que os ele-
Como forma ilustrativa para
terminados tipos de sociedades
mentos passivos: são os insol-
nosso direito positivo, realidade
e associações no direito alemão
ventes. Sua situação resulta no
para o direito anglo-americano,
são consideradas entes não per-
patrimônio negativo.
tome-se como exemplo os casos
sonalizados, ou seja, desprovi-
A atribuição patrimonial não
de pessoas que deixam bens
dos de personalidade jurídica,
está restrita somente à pessoa.
para animais de estimação, atra-
no entanto, possuidores de pa-
Hoje, é dominante a doutrina
vés de ato inter vivos ou causa
trimônio, igual ocorre no direito
que reconhece a existência de
mortis. Como será denominada
pátrio. Negar sua aplicação é
patrimônio personificado, v.g,
essa massa de bens? Deverá ser
mera fixação ortodoxa.
as
fundações.21
considerada uma abstração?
A desvinculação do binômio
Pouco importa se as funda-
Quem será o sujeito ativo e pas-
personalidade/ patrimônio, tão
sivo desse acervo?
defendido pela teoria clássica,
ções são ou não exceções de
parece ter sido justificada.
patrimônio personalizado; o
Talvez digam: estará o autor
que vale é que isto é uma reali-
querendo personalizar gatos,
Patrimônio é o possuir direi-
dade jurídica, estabelecida por
cães e cavalos? Antes de consi-
tos e obrigações. Personalida-
norma legal.
derar como “deductio ad absur-
de, por sua vez, é a capacida-
dum”, vários juristas defende-
de de possuir direitos e obri-
Já é hora de se fazer uma
teoria,24
reflexão realista e abandonar a
ram esta
arraigada posição de considerar
de forma minoritária.
obviamente,
gações. O conteúdo patrimonial é objeto de direito e a bolsa
patrimonial
é
apêndice
a personalidade como um
O direito é uma ciência vol-
atributo só do homem, na con-
tada a criar normas comporta-
dição estrita da expressão.
mentais para as pessoas em so-
Obviamente refere-se à perso-
ciedade e, como tal, não pode
7.3 Quem pode ter patrimônio
nalidade jurídica.
ficar atrelado a conceitos arcai-
É cediço que só as pessoas
Personificar, no sentido eti-
cos, que tiveram valor à sua
naturais ou jurídicas podem ser
mológico da expressão, é dar
época. Defender e propagar
titulares de patrimônio. As pes-
vida e característica de seres
novas concepções é ampliar a
soas naturais, nascidas com
racionais aos que não o são, e
abrangência do direito, dentro
vida, passam a ser possuidoras
A per-
de uma realidade social. Com o
de patrimônio e as pessoas ju-
sonificação de seres não anima-
perdão dos contrários, é o que
rídicas, ao adquirir personalida-
também aos
animados.22
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
do sujeito.
75
D ireito
Artigo
de jurídica, também serão pro-
O art. 91, do Projeto, pode-
Quando se diz caráter
vidas de patrimônio. O Código
ria ter sido redigido desta for-
quantitativo e qualitativo, está
Civil25
pátrio considera univer-
ma: constitui universalidade
se fazendo referência à quan-
salidades o patrimônio e a he-
de direito o complexo de rela-
tidade (valor) e espécie das
rança, não fazendo qualquer
ções jurídicas de uma pessoa
relações jurídicas.
menção sobre a quem podem
ou ente, destinadas a um fim
O patrimônio de uma pessoa
ser atribuídas estas universali-
determinado e dotadas ou
pode conter elementos ativos
dades.
não de valoração econômica.
(direitos – créditos) cuja valora-
Por interpretação lógica, en-
O patrimônio deve ser visto
ção pecuniária seja superior à
tende-se que o titular da heran-
como fim e não como um meio.
dos elementos passivos (obriga-
ça é uma pessoa natural. A
Entende-se que o patrimô-
ções –débitos), resultando no
questão relativa ao patrimônio,
nio pode ter como titular as
patrimônio positivo ou, in-
na atual redação, admite uma
pessoas naturais, jurídicas e
versamente, os elementos
interpretação ampla e genérica.
outros entes despersonaliza-
passivos terem valoração pe-
Os entes despersonalizados,
dos: massa falida, massa da
cuniária superior à dos ele-
tais como o espólio, a massa
insolvência civil, herança, con-
mentos ativos, resultando no
domínio, sociedade de fato e
patrimônio negativo. Isto é o
irregular, sociedades em conta
que resulta da quantidade
de participação e os consórcios
e qualidade dos elementos
previstos na Lei das S/A.
patrimoniais.
falida e o
condomínio26,
podem
ser titulares de patrimônio.
O Projeto do Código Civil
refere-se à universalidade como
Diante disso, pode-se afirmar
No decorrer da existência da
que todas as pessoas são
pessoa e de acordo com sua
Se por um lado andou bem o
providas de patrimônio, mas a
capacidade de possuir, estes
legislador, por outro, andou
máxima não se aplica aos en-
elementos podem sofrer modi-
mal. Bem andou quando, de
tes28,
porque não são todas as
ficações de qualidade e quanti-
forma clara, denomina o com-
coisas que possuem patrimônio.
dade, isto é, poderão sofrer
sendo o complexo de relações
jurídicas de uma
pessoa27.
diminuição, acréscimos e subs-
plexo de relações jurídicas
como sendo uma universalida-
7.4 Elementos imateriais
tituições, conforme a vontade
de de direito. Sim, porque na
disponíveis e indisponíveis
do titular. Portanto, a inexistência
redação do código em vigor,
Como já foi dito anterior-
de qualquer elemento no con-
afirma-se que são universalida-
mente, a bolsa patrimonial é o
teúdo patrimonial, o que para
des (gênero), mas não se diz se
receptáculo das relações jurídi-
as pessoas é impossível, não
são universalidades de fato ou
cas que compõem o conteúdo
significa ausência de patrimô-
de direito (espécie). Logo, o tex-
do patrimônio.
nio. Toda pessoa tem sua bolsa
patrimonial, provida ou despro-
to do direito projetado é preci-
De acordo com sua capaci-
so e esclarecedor. Andou mal ao
dade de possuir, pode o titular
atribuir este complexo de
do patrimônio imprimir o cará-
Estas relações jurídicas, os
relações jurídicas a uma pessoa.
ter quantitativo e qualitativo do
direitos e obrigações que com-
Como
o
conteúdo patrimonial. Esta ca-
põem o patrimônio são os ele-
patrimônio de um ente desper-
pacidade de possuir varia de
mentos imateriais.
sonalizado?
pessoa a pessoa.
76
explicar
então
vida de conteúdo.
Não há de se confundir os
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
elementos imateriais com os
ção econômica e as obrigações
objetos sobre os quais incidem,
naturais ou prescritas.
Diante do exposto, chega-se
à conclusão de que o patrimô-
que podem ser corpóreos ou
Discorda-se desta posição
nio é revestido das seguintes
incorpóreos. O imóvel não faz
doutrinária que só admite in-
características: é inato (toda
parte do patrimônio, ele é um
cluir no patrimônio os elemen-
pessoa tem patrimônio); é in-
bem corpóreo, sobre o qual in-
tos de valoração econômica (pa-
transferível (como um todo); é
cide um direito de propriedade.
trimônio – pecuniae). Admita-se
impenhorável (o que é penho-
A invenção é um bem incorpó-
que não seria tão absurdo in-
rável são os bens sobre os quais
reo e não faz parte do patrimô-
cluir na composição do patrimô-
seus elementos incidem); é
nio, o que dele faz parte é o
nio elementos que não fossem
vitalício (só por ato causa
direito de propriedade industri-
economicamente apreciáveis. É
mortis desvincula-se de seu ti-
al e, assim por diante. Dizer
uma
tular) e é necessário (para po-
“penhora de patrimônio”, “alie-
habitáculo.
mera
questão
de
der abrigar as relações jurídicas
nação de patrimônio”, “garantia
Personalidade é abstração, é
das pessoas). Assim, é possível
do patrimônio” é juridicamente
imaterialidade, tal qual o é a
afirmar que a personalidade é
incorreto. O patrimônio é impe-
bolsa patrimonial. A personali-
inata, impenhorável, vitalícia,
nhorável, inalienável e im-
dade não é visível. Visíveis são
necessária e intransferível, re-
prestável como garantia.
suas expressões, seus reflexos
flexivamente o são os direitos
Podem ser penhorados, aliena-
(comportamento, caráter, cria-
da personalidade. O que leva à
dos, dados em garantia, os ob-
tividade e capacidade de adqui-
conclusão de que é um mero
jetos nos quais incidem os
rir e colecionar valores). Da
problema de habitáculo.
direitos patrimoniais, que são
mesma forma, a bolsa patrimo-
As expressões da personali-
os elementos ativos do conteú-
nial não é visível. Visíveis são
dade são protegidas por nor-
do patrimonial.
os objetos sobre os quais inci-
mas de direito, denominadas
Para a corrente doutrinária
dem seus elementos ativos e
direitos da personalidade. Estes
dominante não são todos os
passivos, formando a massa da
direitos incluem: vida, integri-
direitos que podem fazer parte
esfera patrimonial.
dade física, honra, integridade
do conteúdo patrimonial. Os
O patrimônio, entendido
moral, liberdade de locomoção,
elementos ativos e passivos da
como conjunto do receptáculo
de pensamento e de manifesta-
massa patrimonial são aqueles
(a bolsa patrimonial) e de seu
ção, v.g, corpo, privacidade,
que têm valoração pecuniária e
conteúdo (elementos ativos e
nome, imagem.
conteúdo econômico.
passivos), pelo menos em rela-
Na esfera das pessoas natu-
Prevalece o entendimento de
ção à pessoa natural, é intrans-
rais, quando ocorre violação dos
que não fazem parte do conteú-
ferível e inalienável como um
direitos da personalidade,
do patrimonial os elementos
todo, por ato inter vivos.
podem ocorrer lesões, que reper-
ativos e passivos que não pos-
A impossibilidade de transfe-
cutirão em danos – pessoais,
sam ser mensurados em dinhei-
rir ou alienar o patrimônio in to-
materiais e morais. No momen-
ro. São os direitos extrapatrimo-
tum retira-lhe a capacidade pe-
to em que ocorrem essas lesões
niais, aí compreendidos os
cuniária, impede sua negociabi-
há a repercussão no conteúdo
direitos da personalidade, os
lidade e, por conseqüência, des-
patrimonial do lesado, implican-
direitos de família sem valora-
pe-o de conteúdo econômico.
do o direito de indenização ou
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
77
D ireito
Artigo
reparação dos danos causa-
sado em valor pecuniário que
ciador entre a pessoa natural e
dos. Alvim (1980, p. 170) pre-
passa a integrar o conteúdo
a jurídica consiste na transmis-
fere seguir o conceito clássi-
patrimonial da pessoa lesada.
sibilidade desses direitos. En-
co de dano que o faz consistir
Considera-se plenamente
quanto na pessoa natural os
em uma “diminuição do patri-
admissível a inclusão dos direi-
direitos da personalidade são
mônio”.29
tos da personalidade como
indisponíveis, na pessoa jurídi-
elementos do patrimônio.
ca tal não ocorre.
O lesado deve ser indenizado pelos danos físicos e mate-
Admitida esta posição, o pa-
Admite-se que a pessoa jurí-
riais e reparado pelos danos
trimônio seria composto de ele-
dica possa dispor dos direitos
morais. Esse direito indenizató-
mentos ativos e elementos pas-
da personalidade, bem como do
rio ou reparatório passa a ser
sivos, sendo estes primeiros
patrimônio, por meio de atos
um elemento ativo do patrimô-
divididos em: direitos disponí-
negociais, v.g, os processos de
nio do lesado, com valoração
veis e direitos indisponíveis.
fusão, incorporação e cisão das
pecuniária, devendo ser aferido
Os direitos da personalidade
por ocasião do cálculo da
estariam dentro da bolsa
Enquanto na pessoa natural
indenização, o que leva à con-
patrimonial na condição de ele-
alguns dos direitos da persona-
clusão de que a lesão aos direi-
mentos imateriais indisponí-
lidade são vinculados com vita-
tos da personalidade – direitos
veis, com a possibilidade de
liciedade, na pessoa jurídica o
extrapatrimoniais – exige inde-
poderem, se violados, atrair ele-
mesmo não ocorre. Os valores
nização e/ou reparação.
mentos disponíveis, de conteú-
da personalidade das pessoas
O conteúdo do patrimônio é
do econômico, em razão do
jurídicas podem ser auferidos
composto de direitos subjetivos
direito à indenização ou a
mediante
reparação.
pecuniária, diferentemente do
– bens jurídicos
patrimoniais30
sociedades comerciais.
uma
medição
– e, como tanto, elementos
Quando o patrimônio tiver
que ocorre com a pessoa natu-
imateriais. Os direitos da
como titular pessoa jurídica,
ral. O nome, a imagem, a inte-
personalidade são bens jurídi-
ocorrerá praticamente o mesmo
lectualidade (direitos da propri-
cos extrapatrimoniais (direitos),
que ocorre com a pessoa
edade industrial e autorais) e a
também elementos imateri-
natural. De pronto e sem con-
identidade das pessoas jurídi-
ais.31
Logo, não deve causar es-
trovérsias, o conteúdo patrimo-
cas são atributos que têm con-
tranheza o fato de estes últimos
nial de uma pessoa jurídica será
teúdo econômico e os direitos
também comporem o conteúdo
composto de elementos ativos
que neles incidem são direitos
patrimonial. A honra, o nome,
e passivos – direitos e obriga-
patrimoniais.
a liberdade, o corpo são
ções – os denominados direitos
O mesmo se dá na transmis-
atributos da personalidade e,
patrimoniais. Mas a pessoa ju-
sibilidade in totum do patrimô-
mesmo que sejam indisponíveis
rídica também tem atributos da
nio, que é inadmissível nas pes-
e não tenham valoração econô-
personalidade, citando alguns:
soas naturais, e admissível nas
mica, são patrimônio da pessoa.
nome, reputação, imagem,
pessoas jurídicas.
Quando a violação desses
identidade e intelectualidade.
Concluindo: se toda a lesão
direitos extrapatrimoniais cau-
Estes valores são tutelados pe-
contra os direitos da personali-
sar dano, haverá direito à inde-
los direitos da personalidade.
dade acarreta responsabilidade
nização ou à reparação, expres78
O principal elemento diferen-
ao lesante, o dano provocado
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
também repercute no patrimô-
dizer que o patrimônio só é
rem pessoas jurídicas de direi-
nio do lesado.
atribuído a quem tem persona-
to privado, apresentam compo-
lidade jurídica, quem for sujei-
sição estrutural diferente de
to de direitos e obrigações.
todas as outras pessoas jurídi-
A indenização ou a reparação
tem conteúdo econômico que
cas de direito privado.
passa a incorporar a massa pa-
Disso se deduz que podem
trimonial de forma indireta,
ter patrimônio as pessoas na-
As sociedades civis, socieda-
através do elemento ativo que
turais, as pessoas jurídicas de
des mercantis e associações,
sobre ele incide, qual seja, o di-
direito público interno (União,
como entes coletivos, são cons-
reito
Estados, Distrito Federal, Muni-
tituídos, geralmente, por duas
cípios, Autarquias); as pessoas
ou mais pessoas naturais ou
Consoante a doutrina, em
jurídicas de direito público ex-
jurídicas, com exceção das so-
entendimento incontroverso,
terno (países, órgãos interna-
ciedades unipessoais.32
fazem parte do conteúdo patri-
cionais – ONU, OEA, OIT,
A fundação, ao contrário das
monial a posse, o direito real, o
OMC); e as pessoas jurídicas
outras pessoas jurídicas, é cons-
direito obrigacional, os direitos
de direito privado (as socieda-
tituída a partir da afetação de
de família economicamente
des civis, associações, funda-
bens de uma pessoa (institui-
avaliáveis, direitos de suces-
ções, sociedades mercantis e
dor) natural ou jurídica,
são, direitos pessoais ou de
os partidos políticos). Essas
por ato inter vivos ou causa
crédito, direitos indenizatóri-
pessoas são personificadas,
mortis, destinados a cumprir
os ou reparatórios e os
logo, têm patrimônio.
um determinado fim, estabele-
à
indenização
e
à
reparação.
direitos às ações que tutelem
No entanto, entes há que
cido pelo instituidor.
podem ter patrimônio, mesmo
Enquanto as outras pessoas
Ainda, em posições divididas,
sendo despersonalizados.
jurídicas necessitam de um nú-
alguns autores incluem na massa
Alguns podem figurar como su-
mero mínimo de participantes
patrimonial as expectativas de
jeito ativo e passivo nas rela-
em seu ato constitutivo, as fun-
direito e os direitos de valoração
ções negociais. Podem partici-
dações são constituídas tão
econômica sujeitos à condição ou
par de uma relação processual,
somente por bens livres dota-
termo (Pontes de Miranda, 1954,
tanto no pólo ativo, como no
dos pelo instituidor, sem que de
v. 5, p. 369; Ennecerus, Kipp e
pólo passivo, v.g, o condomí-
seu ato constitutivo participem
Wolf, 1947, v. 1, p. 607-608;
nio, a herança, a massa da
sócios ou associados.
Moncada, 1995, p. 80).
falência e da insolvência, as
É doutrina predominante a
sociedades em conta de
que sustenta a personalização
participação.
do patrimônio das fundações.
esses direitos.
Melhor seria que os direitos
da personalidade fossem alojados na bolsa patrimonial, do
Outros podem contrair obri-
Conferir personalidade jurídica
que ficarem, de forma etérea,
gações e não ter direitos e, ain-
ao patrimônio é a tese esposa-
no limiar da personalidade e do
da, ter ou não ter patrimônio.
da por Brinkmann-Bondi e
patrimônio.
Incluem-se entre eles: as socie-
Seckel entre outros.
7.5 Toda pessoa tem
dades irregulares, as socieda-
Alguns entes podem não ter
necessariamente patrimônio
des de fato e as sociedades em
patrimônio, mas toda pessoa
conta de participação.
natural ou jurídica tem patrimô-
Toda pessoa natural ou jurídica tem patrimônio. Equivale a
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
As fundações, apesar de se-
nio. A capacidade de possuir,
79
D ireito
Artigo
Toda vez que as obrigações
como conteúdo dessa bolsa, a
(dívidas) excederem à importân-
primeira por ser o habitáculo
Que não se pense estar o
cia dos bens (créditos), presu-
dos direitos disponíveis – enten-
patrimônio vinculado à abun-
mir-se-á a insolvência do deve-
dendo também os indisponíveis
dância de riqueza, porque tam-
dor, 36
como elemento inato da pessoa,
é valor da personalidade.
se pessoa natural ou
– e obrigações, o segundo – no
franciscana33
sociedade civil; a falência, se
que pertine aos elementos eco-
há patrimônio. Toda e qualquer
sociedade comercial; e a liqui-
nomicamente valoráveis – por
pessoa possui patrimônio. Não
dação extrajudicial, se socieda-
ser a exteriorização econômica,
há pessoa sem patrimônio,
des regidas por regime espe-
o reflexo da solvibilidade ou in-
como não há pessoa sem per-
cial de liquidação.
solvibilidade do seu titular.
bém na pobreza
Em havendo pluralidade de
É o resultado da compensa-
O conteúdo patrimonial dis-
credores e insuficiência de con-
ção dos elementos disponíveis
ponível é o espelho que reflete
teúdo patrimonial ativo, o esta-
do conteúdo patrimonial que
o estado econômico da pes-
do de insolvência do devedor
permitirá aos credores mensu-
soa, independentemente do
poderá ensejar o concurso de
rar quais são as garantias em
resultado.
credores.37
face das dívidas de seu titular.
sonalidade.
O fato de toda pessoa ter
Ao ingressar com o pedido
A bolsa patrimonial pode, em
personalidade e patrimônio é
de insolvência civil ou falência,
dado momento, alojar conteú-
que levou Aubry e Rau (1936,
o credor ou o próprio devedor
do patrimonial disponível (ele-
v. 9, p. 335), na teoria clássica,
estará exercendo sua pretensão
mentos ativos e passivos) e
a sustentarem que o patrimô-
processual. Tem-se a insolvên-
pode este habitáculo, em outro
nio é uma emanação da perso-
cia ou a falência de fato. Tanto
momento, nada conter. Quan-
nalidade, afirmação que lhes
a insolvência quanto a falência
do dizemos “nada conter” não
pareceu verossímil.
dependem sempre de reconhe-
significa o perecimento do pa-
cimento judicial.
trimônio. A bolsa patrimonial,
Se houver elementos ativos
superioridade34
O juiz, ao sentenciar, decla-
ainda que esvaziada de elemen-
aos elementos passivos, o con-
rará a insolvência ou a falên-
tos disponíveis, permanece.
teúdo patrimonial é positivo e
cia do devedor, tendo-se, as-
Dela fazem parte os direitos in-
seu titular é solvente, então os
sim, a insolvência ou a falên-
disponíveis38 e as expectativas
credores terão como garantia os
cia de direito.
de direito, de materialização
disponíveis em
bens nos quais incidem os
Por isso, causa consternação
elementos ativos do patrimônio,
o instituto do patrimônio, por
quando ocorrer inadimplemen-
vezes, ser tratado como se fos-
Por ser o conteúdo patrimo-
to da prestação obrigacional
se de pouca importância, como
nial mutável, seus elementos
pelo devedor. Contrariamente,
mero relicário ou simples invó-
podem formar complexos mul-
se houver elementos passivos
lucro, recaindo a atenção so-
tiformes: ativos e passivos, só
aos elemen-
mente no conteúdo material em
ativos ou só passivos, elemen-
tos ativos, dir-se-á que o con-
que seus elementos incidem.
tos com valoração econômica e
teúdo patrimonial é negativo e
Contrariamente, o patrimônio,
sem valoração econômica, o
seu
quer considerado como bolsa
que leva a conclusão de que à
patrimonial, quer considerado
toda pessoa é atribuído patri-
em
superioridade35
insolvente.
80
titular
será
futura. O mesmo é aplicável a
obrigações futuras.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
“único” o sentido de um com-
mando, esse conjunto de rela-
plexo unido. Por ser um con-
ções jurídicas, uma universali-
7.6 Unidade patrimonial
junto de elementos unidos, o
dade de direito.
O germe da unidade patrimo-
patrimônio é indivisível. Assim
Para os seguidores da teoria
nial deve-se à teoria clássica de
fica afastada, por completo, a
moderna, o patrimônio deixa de
Aubry e Rau e aos demais
existência de patrimônios autô-
ser uma abstração – da teoria
autores que os acompanharam.
nomos, separados do patrimô-
clássica – passando a ser uma
A consideração dessa teoria
nio geral do titular. Admitem
realidade.
está alicerçada na concepção
esses autores, não como reali-
Oportuna e correta a posição
subjetiva que vincula persona-
dade, mas como aparência, que
da teoria realista, que pôs co-
lidade e patrimônio, sendo este
determinadas situações possam
bro aos entendimentos perso-
último visto como uma irradia-
insinuar a existência de mais de
nalistas de patrimônio erigidos
ção da personalidade.
um patrimônio, citando, como
pela outra teoria.
mônio.
O pensamento da teoria clás-
exemplo, a herança. Para eles,
O patrimônio deixa de ser
sica é fácil de ser entendido,
os herdeiros assumem o lugar
meio – capacidade de possuir –
mas é difícil aceitar seus moti-
do falecido, dele herdando o
para tornar-se fim – é o possuir.
vos e suas conseqüências.
patrimônio, com todos os direi-
A capacidade de possuir é va-
Os autores da teoria clássica
tos e obrigações. Cada herdei-
lor da personalidade, o possuir
imprimiram-lhe a concepção
ro teria seu patrimônio geral e,
é estado econômico.
personalista, pela qual o patri-
ainda, o patrimônio indiviso do
Da concepção objetiva ado-
mônio é uma emanação da per-
de cujus. Isso é uma situação
tada pela teoria moderna, nela
sonalidade. Concluíram que a
temporária,
não
compreendida a teoria da afe-
personalidade é inata, logo, que
descaracteriza a unidade patri-
tação e a teoria ampliativa,
a cada pessoa corresponde uma
monial, eis que ambos os
retira-se do patrimônio a carac-
única personalidade; por ilação,
conjuntos de relações jurídicas
terística de indivisibilidade.
uma pessoa só pode ter um
formam um objeto unitário de
único patrimônio. Esse raciocí-
direito.
que
O patrimônio, como universalidade, é um todo; esta unici-
Para os seguidores da teoria
dade é atribuída a uma pessoa,
clássica o patrimônio é uma
mas não significa que cada pes-
A carga de subjetivismo, im-
universalidade de direito. Esse
soa só possa ter um único
primida pela teoria clássica ou
enfeixe de relações jurídicas é
patrimônio.
subjetiva, implica a considera-
considerado como um conjun-
nio levou-os a defender a
unidade patrimonial.
ção do patrimônio como um
to unitário, por força de lei.
Esta compreensão atomística39
estabelece que elementos
meio, isto é, o patrimônio como
Se da teoria clássica origi-
ativos (direitos) e elementos
capacidade de possuir. Desta
nou-se a concepção subjetiva
passivos (obrigações) possam
conclusão decorre o categórico
de patrimônio, deve-se à teoria
ser destinados à criação de no-
entendimento que reconhece
moderna a concepção objeti-
vos acervos patrimoniais, distin-
um patrimônio único – solus
va, na qual os elementos que
tos do patrimônio geral do
unus – para cada pessoa.
compõem o patrimônio estão
sujeito.
Os seguidores da teoria sub-
unidos para atender a um fim
Patrimônios de destina-
jetivista deram à expressão
pretendido por seu titular, for-
ção são estes novos conjun-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
81
D ireito
Artigo
tos de relações jurídicas dis-
ciais, patrimônios de desti-
Para uma minoria divergen-
tintos do patrimônio geral,
nação ou patrimônios autô-
te, o patrimônio só é compos-
que o direito alemão deno-
nomos.
to de direitos (Enneccerus,
São exemplos de patrimô-
Kipp e Wolf, 1947, v. 1, p. 609).
nios distintos do patrimônio
Os elementos passivos não
Entretanto poderão ocorrer
geral, dentre outros: a heran-
fazem parte do conteúdo patri-
situações em que seu titular,
ça indivisa, massas concursais
monial, sendo tão somente
para atender a um fim determi-
– da falência, da insolvência
encargos ou ônus do mesmo.
nado, poderá destinar elemen-
civil e da liquidação extrajudi-
Pensar dessa forma equivale
tos ativos do patrimônio geral
cial – o dote, o fideicomisso,
a dizer que o desprovido de di-
para formar patrimônios sepa-
o bem de família.
reitos não tem patrimônio e que
mina de ZWECKVERMÖGEN
(Galgano, 1969, p. 18).
rados. Estes patrimônios distin-
Quanto à responsabilidade
o insolvente perde o patrimônio.
tos do patrimônio geral pode-
patrimonial, o patrimônio geral
O descompasso desse enten-
rão ter como fim, ou garantir,
não responde pelas dívidas do
dimento doutrinário contraria o
ou conservar interesses do ti-
patrimônio separado ou autôno-
pensamento da maioria dos
tular (garantir um determinado
mo e, o patrimônio separado ou
autores. Aceita-se a propositu-
grupo de credores, excluir bens
autônomo, não o faz pelas dívi-
ra, mas considera-se írrito seu
que possam ser excutidos por
das do patrimônio
geral.42
resultado.
Por ulterior, em expressão
credores). Estes patrimônios
distintos classificam-se em pa-
7.7 Crítica à composição do
minoritária estão os autores que
trimônio separado (massa
conteúdo patrimonial sob a
defendem ser patrimônio o
falida, bens gravados com
ótica da teoria ampliativa
resultado líquido (Enneccerus,
hipoteca) e patrimônio autôno-
Quanto à composição do
Kipp e Wolf, 1947, v. 1, p. 609-
(patrimônio da pessoa ju-
patrimônio, conforme já menci-
610; Windscheid, 1930, p. 118)
rídica). O patrimônio separado
onado anteriormente, quando
trilhando na concepção das
possui uma autonomia patri-
se explicou a teoria ampliativa,
ciências econômicas, o que
monial imperfeita e o patrimô-
diversos são os entendimentos
resulta em diminuir da soma
nio autônomo uma autonomia
dos doutrinadores.
dos ativos todos os passivos.
mo40
perfeita.41
Uma corrente afirma que o
No entender desses doutri-
Toda pessoa tem um único
patrimônio é um conjunto de
nadores, não pode haver patri-
patrimônio geral, mas, em de-
bens, quando já dissemos que
mônio negativo, aquele em que
corrência de determinadas situ-
não são os bens que formam a
a soma dos passivos ultrapas-
ações, seja por vontade de seu
massa patrimonial, são os direi-
sa a soma dos ativos, acarretan-
titular, seja por força de lei,
tos que sobre eles incidem.
do, de forma indireta, os mes-
patrimonial
poderão ser separados elemen-
Defendido por outros, repou-
mos resultados dos que defen-
tos ativos do patrimônio geral
sa o entendimento no qual o
dem ser o conteúdo patrimo-
para formar um patrimônio dis-
patrimônio é um conjunto de
nial composto só de elemen-
tinto, com o objetivo de aten-
bens, direitos e obrigações,
tos ativos.
der a um fim determinado. São
amalgamando elementos imate-
Para se apurar o patrimônio
os chamados patrimônios se-
riais (direitos e obrigações) e
por esse método doutrinário, os
parados, patrimônios espe-
elementos materiais (bens).
elementos ativos e passivos de-
82
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
vem ser auferidos em um valor
pensamento da maioria dos
de unicidade patrimonial,
em dinheiro e, ao final, deduzir-
doutrinadores).
admitindo-se a existência de
patrimônios distintos do patri-
se da importância do ativo, a
Dentro do enfoque da teoria
soma em dinheiro do passivo,
irrestritiva ou imaterial, ora
para se obter o resultado líqui-
proposta, tem-se que: 1)
Ao finalizar a propositura
do. Há exigência de periódicas
patrimônio é o habitáculo ou
da teoria irrestritiva ou ima-
avaliações e liquidações, o que
receptáculo de um complexo
terial, verifica-se que seus ele-
na prática é insustentável.
de relações jurídicas (direitos
mentos constitutivos alteram
e obrigações); 2) todas as pes-
o atual conceito de patrimô-
soas têm titularidade patrimo-
nio. Propõe-se, então, uma
Verificadas quais as caracte-
nial e alguns entes desperso-
nova conceituação que assimi-
rísticas comuns do patrimônio,
nalizados podem também ter
le as alterações introduzidas
existentes nas diversas corren-
patrimônio; 3) compõem o pa-
pelo novo pensamento, onde:
tes doutrinárias, encontram-se
trimônio as relações jurídicas
as seguintes conclusões: 1) o
economicamente apreciáveis
CONCLUSÃO
não,44
mônio geral.
Patrimônio é o conjunto
patrimônio é o complexo de
ou
direitos disponíveis
de relações jurídicas de uma
relações jurídicas; 2) com-
e indisponíveis (direitos da per-
pessoa ou ente, destinadas
põem o patrimônio as relações
sonalidade, direitos políticos,
a um fim determinado, dota-
jurídicas economicamente
direitos pessoais decorrentes
das ou não de valoração
apreciáveis; 3) o conjunto de
do casamento e os direitos
econômica.
elementos do patrimônio forma
referentes ao pátrio poder); e,
uma universalidade de direi-
4) o conjunto de elementos do
to (corrente
predominante);43
e,
patrimônio forma uma univer-
4) somente as pessoas têm ti-
salidade de direito, no senti-
tularidade patrimonial (este é o
do de unidade de direito e não
R
NOTAS
1
2
3
No transcorrer do tema, o conteúdo
patrimonial, de acordo com o seu
resultado, será denominado de:
conteúdo ativo ou passivo; credor ou
devedor; e, superavitário ou deficitário.
Veja-se a máxima romana UNUS
HOMO, NULLUS HOMO que pontifica: a existência de um único homem
é como se não existisse homem.
Sobre patrimônio, Ihering assim se
manifesta: “...l’origine pratique du
patrimoine, c’est-à-dire de la tendance, non seulement à suffire aux
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
nécessités du moment, mais à assures encore des ressources pour les
besoins de l’avenir.” (Ihering, 1901,
p. 43).
4
Na proa dessa teoria, tem-se, Aubry e Rau (1936). Também nesse
sentido, ver G. Baudry-Lacantinerie
e Alberto Wahl [s.d.].
5
Citam-se alguns autores estrangeiros seguidores desta teoria: Marcel
Planiol (1906); Marcelo Planiol e Jorge Ripert (1946); Bernard Windscheid (1930); Lodovico Barassi
(1914); Domenico Barbero (1936);
Francesco Messineo (1957); Luis
Diez-Picazo (1993). Dos autores
nacionais que filiam-se a esta teoria: Clovis Bevilaqua (1977); Orlando Gomes (1996); Pontes de Miranda (1954); Francisco dos Santos
Amaral Neto (1998); Caio Mario da
Silva Pereira (1991) .
6
Cf. nesse sentido, Marcel Planiol (1906,
p. 672); Ripert, Picard e Gény, que são
os que se insurgem com maior intransigência. São ainda contrários a essa
teoria todos os seguidores da teoria
moderna ou realista.
83
D ireito
Artigo
NOTAS
7
Subrogatum capit naturam subrogati.
8
Exclusão dos entes não personalizados.
9
Domenico Barbero (1936, p. 390),
combatendo a teoria clássica, salienta que patrimônio uno é entendido como complexo unido, a unidade do patrimônio emanando da unidade da pessoa, resultando na vinculação do patrimônio com a personalidade, como uma só unidade.
10
11
12
É de se pensar se esta afirmação feita
por Aubry e Rau pode induzir à conclusão, que de forma velada, estariam admitindo, no conteúdo patrimonial, a inclusão dos direitos da
personalidade.
15
Brinkmann-Bondi, Seckel, Schwarz e
Brins são assinalados por Pontes de
Miranda
no
Tratado
de
direito...op.cit. v.5 p.369 e v.1
p.281.
16
Aqui os autores se dividem em três
correntes: uns não aceitam o patrimônio como uma universalidade,
outros afirmam ser uma universitasfacti e, por último, a reconhecem
como uma universitas iuris , sendo
esta última é a posição dominante.
17
“Il patrimonio si compone di un attivo e di un passivo: esso non comprende nè tutti i diritti, nè tutte le
obbligazioni di una persona, ma solamente i diritti e le obbligazioni
valutabili in denaro.” ( Baudry-Lacantinerie e Wahl, p. 2).
A posição dos autores é difícil de ser
defendida, vez que significaria destituir dessa capacidade as pessoas
jurídicas, eis que não são humanas.
Por outro lado, entendem que a pessoa jurídica é desprovida de vontade própria. A capacidade de possuir
advém das pessoas que as administram (humanas), não se pode, igualmente, abarcar esta colocação, que
conflita com a doutrina da teoria
organicista de Windscheid e Gierke,
onde as pessoas jurídicas são administradas por órgãos, excluídas as
vontades individuais das pessoas
que deles participam. Otto von Gierke é responsável pela Genossenschaftstheorie ou teoria realista. Cf
Teorias politicas de la edad media .
p. 37 (Windscheid, 1930, p. 70-183).
13
O patrimônio deixa de ser uma absrealidade.
tração e passa a ser uma realidade
14
O direito germânico moderno afasta-se dos preceitos do direito romano e passa a admitir, em sua codificação civil, a sub-rogação do conteúdo patrimonial em bloco, ou seja,
transferência da totalidade dos elementos ativos disponíveis e dos elementos passivos. Código Civil Ale-
84
mão, art.419. Nesse mesmo sentido
o Código Civil Suíço.
Cf. afirma Ulp. 39 ed. , D. 37, 1: Bonorum possessio admissa commoda et incommoda hereditaria, itemque dominium rerum, quae in his
bonis sunt, tribuit, nam haec omnia
bonis sunt coniucta.
Ao comentar Labeão, D. 37, 3, 1,
Ulpiano escreve: Hereditatis autem
bonorumne possessio, ut Labeo re
escribit, nom uti rerum possessio,
accipienda est; est enim iuris magis, quam corporis possessio. Denique etsi nihil corporale est in hereditate, attamen recte eius bonorum
possessionem aganitam Labeo ait.
18
Seguem este mesmo pensamento
Hellwig, Dernburg, Enneccerus e
Binder.
19
Cf. texto de Paulo 53 ed. , D. 50, 16,
39, 1 pr.. .
20
Cf. nossa tradução.
21
As fundações serão tratadas no capítulo da Responsabilidade do conteúdo patrimonial.
22
Humana specie induere.
23
As fundações têm direitos e contraem obrigações. Os condomínios são
reconhecidos para efeitos de normas
tributárias. Praticam atos negociais
em seu próprio nome, têm capacidade processual, figurando no pólo
ativo nas demandas contra os condôminos inadimplentes, celebram
contratos de trabalho e por inadimplência podem ser acionados, figurando no pólo passivo da relação
processual.
24
Cf. nesse sentido Bekker, Demogue,
Stein, De La Grasserie, Affolter,
Schweppe, entre outros, inspirados
na teoria de Brinz. Basile Eliachevitch (1942, p. 364), citando Petrajizky, defensor da teoria psicológica
do direito, manifesta-se: “(...)le fait
que les hommes atriubuent toujours
les droits et les obligations à euxmême et aux autres est un des phènomènes fondamentaux du droit.
Ces autres ne sont pas seulement
des individus humains”.
25
O art. 57, do Código Civil, diz: “O
patrimônio e a herança constituem
coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora
não constem de objetos materiais”.
26
Em França a Lei n.º 65-557, de 10
de julho de 1965 que trata da copropriedade em edificação imobiliária, no seu art. 14, atribui personalidade jurídica a coletividade de
co-proprietários.
27
Projeto de Lei da Câmara, n.º 118,
de 1984 (Projeto de Lei n.º 634/B),
art. 91: “constitui universalidade de
direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de
valor econômico.”
28
A expressão ente é empregada no
sentido de tudo o que tem existência real ou de coisa existente.
29
Ora, se o dano é diminuição do patrimônio por via oblíqua, o ressarcimento é acréscimo de patrimônio.
Entende-se que o que diminui ou
acresce é o conteúdo patrimonial do
lesado ou indenizado e não o patrimônio que é mero receptáculo.
30
Temos evitado adotar esta expressão de direito romano para não acarretar confusões entre bem jurídico
– direito – e bens, no sentido de coisas.
31
Prefere-se diretamente admitir a inclusão desses direitos no conteúdo
patrimonial em vez de subdividi-lo
em patrimônio em sentido lato. e
patrimônio em sentido restrito,
como o fez Augusto Teixeira de Freitas (1876, p. 154).
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
NOTAS
32
33
34
35
No Brasil, a sociedade unipessoal
originária é admitida na Lei 6.404/
76, Lei de Sociedades Anônimas,
onde prevê a subsidiária integral,
companhia que tem como único
acionista sociedade brasileira, cujo
ato constitutivo dar-se-á por meio
de escritura pública.
36
Cf. art. 748 do Código de Processo Civil.
37
Cf. art. 1554 e ss. do Código Civil.
38
Denominados de direitos extrapatrimoniais, que entende-se não ser exmoniais
tra, pois também estão alojados na
bolsa patrimonial.
39
Faz-se alusão à história de São
Francisco de Assis que, nascido de
berço abastado, abandonou toda
a riqueza, saindo nu de sua cidade, para pregar a pobreza clérica.
Foi o fundador da Ordem dos Franciscanos em Assis-Úmbria.
Esta superioridade não é numérica, é superioridade de resultado.
É a soma dos ativos, dela diminuída a soma dos passivos.
É a superioridade de resultado, inversamente do que foi dito na nota
anterior.
Faz-se esta menção ilustrativa por
ser esta idéia semelhante ao atomismo, sistema filosófico que explica
ser o universo (patrimônio geral)
formado de átomos (patrimônios
separados) combinados em associações fortuitas ( causa mortis ) ou
mecânicas (por vontade da pessoa
ou por força de lei).
40
Jorge Manuel Coutinho de Abreu (1996,
p. 199) faz referência ao patrimônio
autônomo da pessoa jurídica.
41
Cf. Francesco Messineo (1957, v.1.
1, p. 384- 387), que afirma ser o patrimônio, em princípio, um só.
42
Não estão compreendidas as exceções de sociedades de responsabilidade ilimitada e desconsideração
da personalidade jurídica.
43
Cf. nesse sentido Espínola e Espínola Filho (1939, v.1 p.517); Caio
Mário da Silva Pereira (1991, v.1 p.
295); Maria Helena Diniz (1991, v.1,
p.167). Contra esse entendimento,
Orlando Gomes (1996, p. 228). Para
Domenico Barbero (1936, p. 393), o
patrimônio não pode ser considerado como uma universalidade.
44
A própria Constituição Federal faz
referência ao patrimônio cultural
brasileiro; patrimônio histórico, arqueológico, científico, cultural e artístico. Em direito ambiental tem-se
o patrimônio florestal.
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85
D ireito
Artigo
A aposentadoria como causa de extinção
do contrato de trabalho
José Ribeiro de Campos
Advogado, Mestre e doutor em direito do
trabalho pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo - PUC/SP
INTRODUÇÃO
e outras formas como a aposen-
tar-se dos compromissos dos
O vínculo de emprego exis-
tadoria, a extinção da empresa
negócios ou da profissão” (Sus-
tente entre a empresa e o tra-
ou morte do empregado, e ain-
sekind, 1995, p. 585).
balhador está sujeito a extin-
da por último pelo advento do
Assim sendo, a aposentado-
guir-se. A cessação do contra-
termo do contrato de trabalho.
ria nada mais é do que “o exer-
to de trabalho põe fim às obri-
Interessa-nos, por ora, a aná-
cício de um direito público
gações tanto para o emprega-
lise da aposentadoria como cau-
subjetivo de que é titular o em-
do quanto para o empregador.
sa de cessão do contrato de tra-
pregado, cuja conseqüência
balho.
inarredável é o exaurimento
Há variadas formas pelas
quais o pacto laboral chega a
seu término. A ruptura pode se
das obrigações contratuais até
1 CONCEITO
então vigentes” (Sussekind,
dar por iniciativa do emprega-
Aposentar-se vem do verbo
dor, compreendendo-se neste
latino pausare, que quer dizer
caso a dispensa com justa cau-
parar, cessar, descansar. O
2 DA NATUREZA JURÍDICA
sa e sem justa causa, ou ain-
vocábulo aposentadoria, como
DA APOSENTADORIA
da pode ser gerada por inicia-
demonstra Délio Maranhão,
Muito se discutiu acerca da
tiva do próprio empregado,
“tem sempre o sentido de ir
natureza jurídica da aposenta-
caso em que se daria o pedido
para os aposentos, isto é, ces-
doria, e ainda hoje existem
de demissão, rescisão indireta
sar atividades quotidianas, afas-
divergências doutrinárias e
86
1995, p. 585).
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
concessão do benefício previ-
8.213/91 prevê a possibilidade
Apesar das inúmeras discus-
denciário, não significa que não
de o empregado continuar tra-
sões, para a corrente majoritá-
haverá cessação do contrato de
balhando, sem se desligar da
ria, a aposentadoria é uma
trabalho.
empresa, para requerer sua
jurisprudenciais.
Esta é a opinião do MM. Juiz
aposentadoria. Contudo, rece-
do Trabalho de Santa Catari-
bendo o trabalhador o benefí-
O art. 453 da CLT declara
na, Francisco Luís Alves (1998,
cio previdenciário, cessa a rela-
expressamente que a aposen-
p. 82), em seu artigo publica-
ção jurídica existente entre as
tadoria é causa extintiva do
do pela Revista Trabalho e
partes, e caso haja interesse de
contrato de trabalho, sendo
Doutrina:
ambas as partes, poderá ser
forma de extinção do contrato
de trabalho.
certo que após o requerimen-
O fato de a legislação previ-
estabelecido um novo contrato
to e deferimento da aposen-
denciária ter deixado de exi-
de trabalho.
tadoria, cessa a relação jurídi-
gir o prévio desligamento do
Assim sendo, o melhor en-
ca existente entre o emprega-
emprego, como condição
tendimento quanto a natureza
dor e o empregado.
para a concessão da aposen-
da aposentadoria é o de causa
Assim, se o empregado per-
tadoria voluntária, não con-
de extinção do contrato de tra-
manecer trabalhando para o
duz ao entendimento de que
balho, com a cessação de todas
empregador, após a concessão
o contrato de trabalho não se
as obrigações tanto para o em-
da aposentadoria pela Previdên-
extingue.
pregador, quanto para o empre-
cia Social, haverá a formação de
Na verdade, o disposto no
gado.
uma nova relação jurídica, ou
art. 49, inciso I, letra b, da
Nesse sentido é a opinião de
seja, a continuidade do empre-
Lei n. 8.213/91, encerra ape-
Sergio Pinto Martins, ao afirmar
gado na empresa não gera o
nas o comando de que o em-
que “a aposentadoria do empre-
direito ao prosseguimento do
pregado, voluntariamente
gado é uma das formas de ces-
antigo contrato de trabalho, es-
aposentado, pode continuar
sação do contrato de trabalho.
tabelecendo-se entre as partes
na empresa, o que não sig-
Se o empregado continuar tra-
um novo contrato individual de
nifica dizer que o contrato de
balhando, há a formação de um
trabalho.
trabalho não será extinto ao
novo contrato de trabalho” (Mar-
Ressalte-se que a continuida-
tempo da concessão da apo-
tins, 2002, p. 348).
de da relação empregatícia en-
sentadoria. O que ali vem es-
Amauri Mascaro Nascimento
tre o trabalhador e a empresa
tabelecido é apenas a possi-
também partilha da mesma opi-
após a concessão da aposenta-
bilidade de o trabalhador con-
nião, entendendo que “a apo-
doria depende da concordância
tinuar vinculado à empresa
sentadoria também rescinde o
entre as partes, até mesmo por-
após a concessão da aposen-
contrato” (Nascimento, 2001, p.
que o contrato de trabalho aten-
tadoria, contudo por força da
552). E mais, afirma que “a apo-
de ao requisito da bilateralida-
readmissão operada automa-
sentadoria é causa suficiente de
de.
ticamente após a extinção do
cessação do vínculo. A continui-
Aliás, apesar de existir a pos-
vínculo antes existente, con-
dade na mesma empresa não é
sibilidade de prosseguimento
soante a inteligência extraída
o mesmo que prosseguimento
da relação de emprego, sem
do art. 453 da CLT.
do contrato. O contrato fica ter-
que haja desligamento para a
O art. 49, I, letra b da Lei n.
minado por aposentadoria. Ini-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
87
D ireito
Artigo
cia-se, após a aposentadoria,
Direito do Trabalho, SP, Saraiva,
das as leis e regulamentos da
novo contrato individual de tra-
7ª Ed. 1989, p. 384) e Octá-
Previdência Social, decorre
balho entre as mesmas partes”.
vio Bueno Magno (Manual de
da circunstância de que o
Arnaldo Sussekind e Délio
Direito do Trabalho, SP, LTr,
contrato de trabalho gerador
vol. II, 1981, p. 280).
do tempo de serviço e das
Maranhão (1992, p. 262-263;
268) citando outros juristas,
13. A unanimidade da doutrina
contribuições que implemen-
demonstram que comungam
ocorre porque a própria lei
tam o direito do empregado
desse mesmo entendimento,
previdenciária condiciona o
à prestação previdenciária
senão vejamos:
pagamento do aludido bene-
não pode determinar o paga-
“10. José Martins Catharino con-
fício ao fato de não mais es-
mento concomitante de sa-
sidera as aposentadorias por
tar o respectivo segurado
lários e proventos de aposen-
velhice e por tempo de ser-
vinculado ao emprego que
tadoria. Estes começam
viço, quando requeridas pelo
exercia. Por isto, acentuou o
quando cessam aqueles. Tra-
empregado, como espécies.
1º signatário, em parecer ela-
ta-se de mera imposição de
– Da Demissão Indireta ou
borado com o douto Délio
lógica jurídica.
Mediata” (Compêndio Univer-
Maranhão:
(...)
sitário de Direito do Traba-
Que a aposentadoria por
lho, SP, Ed. Jur. Univ., 1972,
tempo de serviço extingue o
vol. II, p. 764).
contrato de trabalho, acaso
16. A recente Lei 8.213 de julho
11. Evaristo de Moraes Filho é
existente, do respectivo se-
de 1991, embora inaplicável
enfático: os outros tipos de
gurado é ponto pacífico no
ao caso em tela, não alterou
aposentadoria previstas em
direito brasileiro, sendo, por
este aspecto, mantendo mes-
lei levam à cessação automá-
isso, uniforme tanto a dou-
mo critério adotado pela le-
tica do contrato de trabalho,
trina como a jurisprudência.
gislação anterior (art. 49, I, a).
ipso jure, quer na aposenta-
Aliás, a própria Lei Orgânica
17. Precisamente porque a
doria por velhice, tempo de
da Previdência Social, mesmo
aposentadoria definitiva, tal
serviço (ordinária) ou espe-
depois das alterações intro-
como a morte do emprega-
cial quer também nas chama-
duzidas pela Lei 5890, de 8
do, extingue o contrato de
das profissionais. Ao contrá-
de junho de 1973, tornou ir-
trabalho é que a Lei n. 6204
rio da aposentadoria por in-
refutável essa conclusão, ao
de 29 de abril de 1975 com-
validez, todas estas são de-
exigir, para o início do paga-
plementou o art. 453 da CLT,
finitivas, e nenhuma dúvi-
mento dessa aposentadoria,
para afirmar que o emprega-
da acarretam quanto aos
após sua concessão, a prova
do espontaneamente apo-
seus efeitos sobre o contra-
de que o segurado-emprega-
sentado, se vier a ser read-
to de trabalho. (Rio, Foren-
do foi desligado do seu em-
mitido na empresa, não com-
se, 1968, 2ª edição, p. 31).
prego (art. 32, 7º). (Pareceres
putará o tempo de serviço
12. No mesmo sentido são as
sobre Direito do Trabalho e
anterior à aposentadoria;
manifestações dos renoma-
previdência Social, SP, LTr vol.
isto é, não restabelece o con-
dos titulares da Faculdade de
II 1976, p. 34).
trato pretérito.
Direito da USP, Amauri Mas-
O fundamento dessa norma,
18. Desde então a jurisprudên-
caro Nascimento (Curso de
que vem se repetindo em to-
cia se tornou interativa no
88
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
sentido de que as aposenta-
n. 8.213/91 introduziu, em
do TST – que aliás não pode
dorias por tempo de serviços
relação à sistemática ante-
prevalecer sobre a lei – ficou
e por velhice, quando espontaneamente requeridas pelos
riormente adotada, foi a
adstrita aos casos de aposen-
possibilidade do trabalha-
tadoria não espontânea
empregados, extinguem os
dor, uma vez aposentado,
(como, v.g., por invalidez).
correspondentes contratos
de trabalho (...).”
continuar vinculado à empre-
Acrescente-se que, desde o
sa. Isto porém, a nosso ver,
advento da Lei 8.213/91, a
sob um novo enlace contra-
concessão de aposentadoria
tual. Dessa forma, sobrevin-
não mais se vincula ao desli-
do o afastamento definitivo
gamento do emprego. Tal
da empresa, a quitação pelo
diploma autoriza a perma-
desfazimento do vínculo con-
nência do trabalhador no em-
siderará apenas o período em
prego mesmo após a aposen-
que o aposentado prosseguiu
tadoria. (Recurso Ordinário
na empresa. O período ante-
provido, TRT 3ª Reg. RO
rior à jubilação já está com-
4279/94 – Ac. 4ª T. 25.05.94
preendido no contrato de tra-
– Red. Juiz Carlos Alberto
balho extinto concomitante-
Reis de Paula).”
Otávio Bueno Magano também partilha da opinião de que
a aposentadoria é forma de extinção do vínculo empregatício,
ao afirmar que “A nossa lei agasalha forma anômala de aposentadoria, alcançada, conforme o
caso, depois de trinta ou trinta
e cinco anos de serviço. Qualquer que seja a forma da aposentadoria, tem ela, normalmente, o condão de extinguir o
mente com o deferimento da
vínculo empregatício” (Magano,
1993, p. 311-312).
aposentadoria.”
Também foi o mesmo enten-
da jurisprudência:
Outro não é o entendimento
dimento adotado pelo ilustre
Jurista Amauri Mascaro Nasci-
“O art. 453, da CLT, é claro
mento, em sua obra Iniciação ao
ria espontânea impede a
direito do trabalho, em que defende que “há divergências doutrinárias sobre a natureza da
aposentadoria, porém, predomina a orientação de que é uma
forma de extinção do contrato
de trabalho” (Nascimento,
2002, p. 483).
ao dizer que a aposentadosoma dos períodos descontínuos de trabalho. É de se
entender, portanto, que trata-se de causa de extinção do
contrato de trabalho. Por
conseguinte, a continuidade
da prestação laboral configura celebração de novo con-
“APOSENTADORIA – E XTINÇÃO NATURAL
DO CONTRATO DE T RABA-
– O artigo 453 da CLT
LHO
exclui a possibilidade de
soma dos períodos trabalhados quando o empregado se aposenta espontaneamente, posto que a jubilação extingue o contrato de
trabalho. (TRT 2ª Região.
Acórdão n.: 02980479408.
Processo n.: 02970282580.
Ano: 1997. Turma: 07. Recorrente: Inst. Pesq. Téc. Do
Est. S Paulo S/A IPT. Recorrido: Francisco Barone. Juiz
A controvérsia acerca da matéria é explicitada por meio dos
trato de trabalho entre as
ensinamentos de João de Lima
te que a forma seja expressa
“APOSENTADORIA - CAUSA DE EXTIN-
Teixeira Filho (Sussekind, 1995,
ou tácita. Ambas estão auto-
ÇÃO DO
p. 586):
rizadas pelo diploma conso-
DA
lidado – art. 442. Assim, a
453
aplicação do Enunciado n. 21
mitir a Lei 8213/91 que o em-
“O traço distintivo que a Lei
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
mesmas partes. É irrelevan-
Relator: Gualdo Formica).”
CONTRATO – CONFRONTO
LEI 8213/91
DA
COM O ARTIGO
CLT – O fato de per-
89
D ireito
Artigo
pregado permaneça no empre-
Processo n.: 02960016976.
contrato de emprego, onde
go após o requerimento da
Ano: 1996. Turma: 06. Recor-
não é computável o período
aposentadoria não autoriza o
rente: Dorival Tabanela. Re-
anterior (RR 290.447/96.8,
entendimento de que tenha
corrido: Rede Ferroviária Fe-
Ac. 3ª T – Carlos Alberto Reis
aquele diploma legal derroga-
deral S/A. Juiz Relator: Carlos
de Paula – TST).”
do o artigo 453 da CLT eis que
Francisco Berardo.”
não veda o entendimento de
que a aposentadoria é causa
de extinção do contrato de trabalho. TRT 2ª Região. Acórdão
n.: 02970120105. Processo n.:
02950315008. Ano: 1995.
Turma: 07. Recorrente: Benedito Roberto Garcia. Recorrido:
Rede Ferroviária Federal S/A.
Juiz Relator: Gualdo Formica.”
“APOSENTADORIA DEFINITIVA, COMPULSÓRIA OU
VOLUNTÁRIA (POR
PO DE SERVIÇO OU POR IDADE)
TINÇÃO DO
TEM-
– EX-
CONTRATO DE TRABALHO
– ART. 453, CLT (REDAÇÃO
DA
LEI 6.204/75 – LEI 8.213/91,
ART.
49, I, “B”) – A aposenta-
doria definitiva continua
como uma das causas jurídicas da extinção do contrato
de trabalho (Amauri M. Nascimento). Ao não mais condicionar a concessão da aposentadoria ao desligamento,
o legislador assegurou ape-
“RECURSO
DO
“READMISSÃO
RECLAMANTE. RESCI-
PROSSEGUIMENTO
EMPREGO. A aposentadoria
E
espontânea implica extinção
FGTS. A
do contrato de trabalho. Se
aposentadoria voluntária ex-
o empregado continua traba-
tingue o contrato de traba-
lhando, nasce um novo con-
lho, a teor do disposto no
trato, onde não é computá-
artigo 453 da CLT, em pleno
vel o período anterior, con-
vigor, uma vez que tal dis-
soante dispõe o art. 453 da
positivo não foi alterado pela
Consolidação das Leis do
Lei n. 8.213/91, porquanto
Trabalho (RR 372.206/97.5,
esta disciplina as aposenta-
Ac. 1ª T – João Oreste Dala-
dorias junto à Previdência So-
zen – TST).”
SÃO
CONTRATUAL. AVISO PRÉVIO
NO
OU
MULTA
DE
40%
SOBRE O
cial, nada dispondo sobre
contratos de trabalho. O reclamante, contudo, permaneceu trabalhando após a
concessão da aposentadoria,
sendo esse contato distinto
do primeiro. Recurso parcialmente provido. TRT 4ª Região. Número do processo:
01062.751/97-3 (RO). Juiz:
Maria Helena Mallmann Sulzbach. Data de Publicação:
03/06/2002.”
“APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EXTINÇÃO DO
CIA NO
SOMA
CONTRATO. PERMANÊN-
EMPREGO – POSSIBILIDADE.
DE
PERÍODOS
BILAMENTO
ANTES E PÓS JU-
– INVIABILIDADE. O de-
ferimento da aposentadoria
espontânea extingue o contrato de trabalho e não pode
ser interpretado como dispensa sem justa causa, o ato
patronal de desligamento do
empregado. A finalidade do
benefício é amparar o traba-
nas efeitos circunscritos ao
“APOSENTADORIA. EFEITOS. Enten-
lhador ou trabalhadora na
procedimento previdenciá-
de essa Corte Superior que,
velhice, ou em caso de inca-
rio (Arnaldo Sussekind, Re-
consoante dispõe o art. 453
pacidade física ou mental.
vista Synthesis 20/95-137;
da Consolidação das Leis do
Daí, a conseqüência lógica:
Suplemento LTr 137/94).
Trabalho, a aposentadoria
a extinção do contrato de tra-
(Ementa na íntegra à dispo-
espontânea implica a extin-
balho. Se assim não fosse, o
sição no serviço de jurispru-
ção do contrato de trabalho.
dência). TRT 2ª Região.
Continuando o empregado a
Acórdão n.: 02970167594.
trabalhar, nasce um novo
benefício perderia a sua natural finalidade, para se
transformar em complemen-
90
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
to salarial. Esta concepção,
que é válida para um regime
de aposentadoria contratada
com entidade privada, não se
compatibiliza com o nosso
regime que é público. Ainda
que não haja desligamento
de fato, pois nada impede
que o trabalhador volte a desenvolver qualquer atividade, inclusive como empregado na empresa, a aposentadoria tem o efeito jurídico de
pôr fim à relação de emprego mantida até então.”
“A ratio legis do art. 49, I, “b”
da Lei 8.213/91 é mera autorização da previdência social àquele que se aposentar
espontaneamente, em permanecer trabalhando na
mesma empresa, sem necessidade de se desligar de fato.
Entretanto, nasce novo contrato de trabalho, cujo período não se soma nem se confunde com o anterior e posterior à aposentadoria. Recurso
Ordinário a que se nega provimento. TRT 15ª Região.
Acórdão 010599/200-SPAJ do
processo 01283-1998-09315-00-2 RO (33062/1998-RO8). Recte. Sergio Luiz Copia.
Recdo. Colégio Visconde de
Porto Seguro).”
Esta é a mesma posição do
TST, senão vejamos a Orientação Jurisprudencial n. 177:
“Aposentadoria espontânea.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
A aposentadoria espontânea
recebimento de férias propor-
extingue o contrato de tra-
cionais e vencidas e 13º salário
balho, mesmo quando o em-
proporcional, bem como ao le-
pregado continua a trabalhar
vantamento do FGTS.
na empresa após a conces-
Nos casos em que houver
são do benefício previdenci-
pedido de aposentadoria reque-
ário. Assim sendo, indevida
rido pela própria empresa, o tra-
a multa de 40% do FGTS em
balhador terá direito ao levan-
relação ao período anterior
tamento do FGTS, que deverá
à aposentadoria.”
ser acrescido da multa de 40%.
Também deverá receber férias
3 EFEITOS DA
proporcionais, 13º salário pro-
APOSENTADORIA
Conforme anteriormente explanado, a aposentadoria é uma
forma de extinção do contrato
de trabalho, e como tal, traz
conseqüências para a relação
existente entre empregador e
empregado.
Levando-se em consideração
que a aposentadoria faz cessar
todo e qualquer vínculo empregatício, ao receber o benefício
previdenciário, o trabalhador
não fará jus ao recebimento de
aviso prévio, muito menos de
multa de 40% sobre o FGTS ,
tendo em vista que não houve
ruptura contratual por parte do
empregador.
Com relação às anotações
na CTPS, deverá ser procedida a baixa no dia anterior ao
início da concessão da aposentadoria, e caso haja continuidade da relação entre o trabalhador e a empresa, a sua
readmissão se operará no dia
seguinte à concessão do benefício previdenciário.
porcional e aviso prévio, visto
Terá, no entanto, direito ao
risprudência acerca dos efeitos
que neste caso o desligamento empregatício assemelha-se
a dispensa sem justa causa.
A partir da concessão da aposentadoria, caso se estabeleça
nova relação empregatícia, o
trabalhador não mais terá direito a contagem do tempo de serviço do primeiro contrato de trabalho, excluindo-se o período
anterior à concessão da aposentadoria. Assim, no caso do rompimento do segundo contrato,
que iniciou-se após a concessão
da aposentadoria, a multa de
40% sobre os depósitos do FGTS
será paga tão somente sobre os
depósitos do segundo contrato.
Para os empregados das
empresas públicas e sociedades
de economia mista, uma condição se impõe, no caso de sua
readmissão, que nada mais é do
que a submissão a um novo
concurso público.
Vejamos o que nos diz a ju-
91
D ireito
Artigo
da concessão da aposentadoria:
SERVIDOR PÚBLICO – APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA
– EFEITOS. Pela
aplicação conjunta do enunciado 177 das Orientações
Jurisprudenciais da SDI-1
com o enunciado de súmula
363, ambos do C. TST, é nulo
o contrato do servidor público que permanece prestando serviços à Administração
após a aposentadoria voluntária, mesmo porque esta
torna vago o cargo (e/ou emprego) público somente passível de ser preenchido por
novo concurso. TRT 15ª Região. Acórdão 031261/2001SPAJ do processo 00173-
bilamento, a multa dos 40%
do prestado antes da jubila-
do FGTS não incide sobre os
ção, a teor do art. 453 da
depósitos anteriores ao jubilamento. A movimentação da
CLT. Assim, a multa de 40%
conta vinculada do FGTS tem
bre os depósitos posteriores
razões diversas, dentre as
quais, a dispensa sem justa
à sua aposentadoria (RR
causa /art. 20, inciso I, da Lei
mando de Brito – TST).
n. 8036/90), quando tem lugar a multa de 40% sobre os
Tempo de Serviço. Cômputo
depósitos (art. 10, inciso I,
do ADCT). A lei n. 8.036/90
autoriza o saque em caso de
do FGTS é devida apenas so-
296.572/96.9, Ac. 5ª T. – Ar-
do período anterior à aposentadoria espontânea – 1)
A aposentadoria espontânea
aposentadoria, (inciso III; art.
extingue o contrato de tra-
20), sem impor ao empregador a multa de 40%. Por isso,
sentado espontaneamente,
balho. 2) O empregado apo-
ainda que o trabalhador con-
que celebrou novos contra-
tinue no emprego após a
aposentadoria, quando não
com o mesmo empregador,
tos de trabalho sucessivos
ocorra o rompimento do vín-
se dispensado, não faz jus ao
cômputo do período anteri-
(00582/2001-RO-3). Recte.
culo por ocasião do jubilamento, em caso ulterior dis-
Deise Olinda Costa Cardoso.
pensa sem justa causa, a
tos indenizatórios (TST, PLE-
Recdo. Município de Orlândia.
multa de 40% incidirá tão
somente sobre os valores
NO, proc. E-RR-1191/81; Rel.
dos depósitos efetuados
De Jurisp. De Trab., Ed. Frei-
após o jubilamento. TRT 15ª
Região. Acórdão 001216/
tas Bastos, 1989, vol. VI, pág.
2000-075-15-00-7
RO
A POSENTADORIA. POR T EMPO DE
SERVIÇO. NÃO EXIGÊNCIA DE RESCICONTRATUAL. PERMANÊNCIA DO
TRABALHADOR NA EMPRESA. RESILISÃO
ÇÃO
CONTRATUAL, POSTERIOR. MUL-
DE 40% DO FGTS SOBRE DEPÓSITOS ANTERIOR AO JUBILAMENTO.
TA
INVIABILIDADE. O art. 49, inciso
I, alínea “b” da Lei n. 8.213/
91 não condiciona a rescisão
2002-SPAJ do processo
00692-2000-086-15-00-9
RO (30871/2000-RO-2). Recte. Indústrias Romi S/A Recdo. José Paulino Sass.
or à aposentadoria para efei-
Min. Mendes Cavaleiro; Rep.
1195/6, n. 4957).
READMISSÃO OU PROSSEGUIMENTO NO
EMPREGO. A aposentadoria permanece na Justiça do Trabalho como uma modalidade
de extinção do contrato la-
APOSENTADORIA. EFEITOS. A apo-
boral, a teor do preceituado
sentadoria espontânea é forma de resilição voluntária do
no artigo 453 da CLT. A mul-
contrato de trabalho, sem in-
renta por cento) sobre os
podendo o empregado per-
terferência do empregador,
depósitos do FGTS só é devi-
manecer na empresa. Na
ocorrência de dispensa sem
de modo que não faz jus o
da nos casos de demissão
empregado ao cômputo, no
sem justa causa, como uma
justa causa, posterior ao ju-
tempo de serviço, do perío-
imposição punitiva ao em-
do contrato de trabalho para
a concessão da aposentadoria pela Previdência Social,
92
ta indenizatória de 40% (qua-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
pregador pela prática do ato
(RO). Juiz: Fernando Luiz de
denizações legais. No caso
demissionário injusto. Uma
Moura Cassal. Data de Pu-
em tela, a causa de afasta-
vez aposentado o trabalhador, mesmo que permaneça
blicação: 03/06/2002.
mento do reclamante consis-
de forma contínua a laborar
na mesma empresa, nasce a
partir daí uma nova relação
jurídica, ou seja, firma-se um
novo contrato de trabalho
completamente desvinculado daquele extinto com a
aposentadoria. Assim, havendo uma nova rescisão
APOSENTADORIA . READMISSÃO
OU
PROSSEGUIMENTO NO EMPREGO. Não
incidência da multa de 40%
do FGTS sobre depósito do
contrato extinto por aposentadoria espontânea – A aposentadoria espontânea é
uma das formas de extinção
do contrato de trabalho. A
contratual pela demissão
permanência do aposentado
sem justa causa, a multa de
40% do FGTS deverá incidir
mo empregador configura
em atividade junto ao mes-
apenas sobre os depósitos
um novo contrato, cuja du-
recolhidos no período posterior à aposentadoria (RR
or, por força do disposto no
ração não se soma ao anteri-
309.533/96.7, Ac. 3ª T –
artigo 453 da CLT. A resci-
Francisco Fausto Paula de
Medeiros – TST).
são imotivada do novo con-
RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. A POSENTADORIA. A aposentadoria espontânea do
empregado constitui modalidade de extinção do contrato de trabalho, conforme entendimento consubstanciado
no Enunciado n. 17 da Súmula de Jurisprudência deste Tribunal Regional do Trabalho.
No presente caso, nada é de-
trato, portanto, não implica
a incidência da multa de 40%
do FGTS sobre os antigos
tiu na aposentadoria por
tempo de serviço, não se tratando de despedimento sem
justa causa e, por conseguinte, indevidos os consectários pretendidos, pois estes
são aplicáveis à hipótese de
ruptura imotivada do pacto
laboral. Recurso ordinário a
que se nega provimento,
mantendo-se incólume a r.
decisão de primeiro grau.
TRT 2ª Região. Acórdão:
20000066235. Processo:
02980593278. Ano: 1998.
Turma: 09. Recorrente: José
Arcanjo Mendes. Recorrido:
CIA Paulista Trens Metropolitanos CPTM. Relator: Narciso Figueiroa Junior.
depósitos do contrato extinto. TRT 2ª Região. Acórdão n.:
02980414683. Processo n.:
02970282890. Ano: 1997.
Turma: 08. Recorrente: José
Idemar Batista Lopes. Recorrido: CIA Santo Amaro de Automóveis. Relator: Raimundo
Cerqueira Ally.
vido a título de parcelas res-
APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - EX-
cisórias, uma vez que a reclamante espontaneamente ade-
TINÇÃO DO
CONCLUSÃO
A aposentadoria nada mais
é do que uma das formas de
cessação do vínculo de emprego existente entre empregador
e empregado, inclusive com o
exaurimento de todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho.
CONTRATO DE TRABALHO
A continuidade da relação
– A concessão de aposenta-
empregatícia após a conces-
riu ao Programa de Incentivo
doria espontânea implica a
são da aposentadoria pela
à Aposentadoria, implanta-
extinção do contrato de tra-
Previdência Social, apesar de
do pela empresa reclamada.
balho, não podendo o em-
ser perfeitamente possível, de-
TRT 4ª Região. Número do
pregador ser responsabiliza-
pende da concordância, tanto
processo: 01283.020/96-3
do pelo pagamento das in-
do empregador, quanto do
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
93
D ireito
empregado, e essa continuida-
Artigo
tre ele e o seu empregador.
gador, o empregado terá direi-
de do empregado na empresa
Sendo a aposentadoria uma
to ao levantamento do FGTS
dará ensejo à formação de um
forma de extinção do contrato
acrescido da multa de 40%, bem
novo contrato individual de
de trabalho, as conseqüências
como às férias proporcionais,
trabalho, com o encerramen-
da extinção da relação empre-
13º salário proporcional e avi-
to do contrato anterior para
gatícia são as seguintes: o em-
so prévio.
todos os efeitos.
pregado não terá direito ao avi-
Assim, ainda que existam en-
Cabe ressaltar que a Lei
so prévio, muito menos a mul-
tendimentos divergentes, para
8213/91, letra b, inciso I, de seu
ta de 40% sobre o FGTS, porém
a corrente majoritária, a melhor
art. 49, possibilita que o empre-
poderá proceder ao levanta-
interpretação acerca da nature-
gado continue trabalhando,
mento dos depósitos fundiári-
za jurídica da aposentadoria é
sem que haja seu desligamen-
os, além de ter direito ao rece-
a de extinção do contrato de
to da empresa, até que seja con-
bimento de férias proporcionais
trabalho, com a produção de
cedida a sua aposentadoria, o
e vencidas e 13º salário pro-
vários efeitos para o trabalha-
que não quer dizer que essa
porcional, e caso se estabeleça
dor e para a empresa.
relação jurídica não será extin-
nova relação empregatícia, o tra-
ta, pois conforme anteriormen-
balhador não terá direito a con-
te mencionado, no momento
tagem do tempo de serviço do
em que o empregado recebe o
primeiro contrato de trabalho.
benefício previdenciário, cessa
Quando o pedido de aposen-
a relação jurídica existente en-
tadoria partir do próprio empre-
R
BIBLIOGRAFIA
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espontânea. Extinção do contrato de
trabalho. Permanência do trabalhador
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_______. Instituições de direito do
trabalho. Vol. I. 15. ed. atual. São
Paulo: LTr, 1995.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
O contrato de mandato e seus aspectos à
luz do Direito Civil Brasileiro
Otacílio Pedro de Macedo
Bacharel em Direito.
Pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior – Lato Sensu.
Mestre em Direito das Relações Sociais – Sub-Área Direito Civil – PUC – SP.
Professor das disciplinas Instituições de Direito Público e Privado,
Teoria Geral do Direito Privado, Teoria Geral e Fontes das Obrigações.
R e s u m o
A b s t r a c t
Objetivou este artigo traçar algumas considerações sobre determinados aspectos do contrato de mandato, diante do que prescreve o Código Civil Brasileiro, especificamente no artigo
1.288. Foram levantadas algumas questões sobre as quais nem a doutrina nem a jurisprudência são concordes com as disposições contidas
no Código Civil. Com maior ênfase, procurouse deixar registrada a distinção do que venha a
ser “mandato” e “representação”, mesmo assim
entende-se que os comentários aqui registrados
ainda merecem uma análise mais cuidadosa,
com vistas a que o tema seja melhor compreendido. Todavia, as poucas linhas aqui traçadas
foram suficientes para esclarecer os aspectos
marcantes da representação e do mandato.
This article objectified to trace some
considerations on certain aspects of the
mandate contract, before what it prescribes the
Brazilian Civil Code, specifically in the article
1.288. Some subjects were lifted up: nor the
doctrine nor the jurisprudence is uniform in
relation to the dispositions contained in the Civil Code. With larger emphasis, it tried to leave
registered the distinction between “mandate”
and “representation”, even so it understands
each other that the comments here registered
they still deserve a more careful analysis, with
views the one that the theme is understood
better, though, the few lines here traced were
enough to illuminate the aspects of the
representation and of the mandate.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
95
D ireito
INTRODUÇÃO
Artigo
tibilidade de equívocos a
tratual do instituto: é o poder
Uma palavra de esclarecimen-
que está sujeito o ser humano,
de representação aceito ou as-
to é necessária, antes do desen-
não deve ocorrer, pois implica
sumido por uma pessoa, ou
volvimento deste trabalho.
desaviso ou despreparo.
seja, mandatário, assim qualifi-
Mandato não é Mandado. É
Mandato, diante do Código
cado em oposição ao que dá ou
comum ouvir-se, principalmen-
Civil Brasileiro, é um contrato de
manda o poder, ou que o ou-
te na mídia falada e televisada:
representação. Daí prescrever o
torga, denominado mandante.
“o Juiz de Direito da 1ª Vara Cí-
artigo 1.288: “opera-se o man-
A representação que em re-
vel da Comarca de São Paulo
dato, quando alguém recebe de
alidade se calca na substituição
expediu mandato de prisão con-
outrem poderes, para, em seu
de uma pessoa por outra, na
tra fulano de tal”; “o Tribunal de
nome, praticar atos, ou admi-
verificação da essência funda-
Justiça expediu mandato de pri-
nistrar interesses”. Assim, te-
mental do mandato, indica, por
são contra o ex-banqueiro si-
mos que o mandato é o contra-
essa forma, sua mais profunda
crano”. Até mesmo no meio fo-
to pelo qual alguém recebe de
estrutura e sua mais caracterís-
rense ouve-se, por vezes, algu-
outrem poderes para, em seu
tica expressão: o mandante se
mas escorregadelas de colegas
nome,
faz representar pelo mandatário
menos cuidadosos ou familiari-
administrar interesses.
zados com os termos em apreço.
praticar
atos
ou
Mandado é uma ordem
escrita do Juiz, subscrita pelo
nos atos que este pratica em seu
nome e em virtude dos poderes
que lhe foram confiados.
Certo dia, estávamos aden-
Escrivão, para cumprimento de
Dessas observações, vê-se
trando no recinto do Fórum de
uma diligência. Daí dizer-se:
que a representação é elemen-
uma das Comarcas de nossa
“Mandado de Prisão”; “Mandado
to intrínseco do mandato.
Região do Grande ABC, quando
de Citação”; “Mandado de Rein-
O mandato verdadeiro e pró-
veio a nosso encontro um aca-
tegração de Posse”; “Mandado
prio, na concepção da doutrina,
dêmico do Curso de Direito e,
de Penhora de Bens”, além de
nunca está desacompanhado do
na oportunidade, nos exibiu
tantos outros.
conceito de representação, sen-
cópia de petição inicial, que
do até a fonte e causa mais im-
abrigava uma pretensão jurídi-
1 MANDATO E
portante da representação dire-
ca, consubstanciada num “Man-
REPRESENTAÇÃO
ta. E a representação implica
dado de Segurança”. Ao tomar
O Código Civil Brasileiro con-
conhecimento do material, ve-
sagra o mandato como um con-
te)
rificamos que o acadêmico, bem
trato de representação. Desta
ção de vontade com referência
como seu digno patrono, não
forma, não se reduz à ordem
a uma outra pessoa (represen-
haviam atentado para o termo
dada para que se faça alguma
tado), de modo que a primeira
próprio, e constou da peça
coisa, mas importa na aceitação
só no interesse deste age, mas
“Mandato de Segurança”. Nada
em cumprir esta mesma ordem.
em seu próprio nome.
mais vexatório, principalmente
Assim, quando, segundo o
Explica-se esse aspecto mar-
porque, tendo partido de al-
conceito aceito, se afirmam que
cante da representação no con-
guém que tem o dever de não
o mandato encerra um poder de
trato de mandato porque este
errar, errou. Tal erro, ainda que
representação, não se pode dei-
tem a finalidade de criar obri-
compreensível, diante da susce-
xar de lado a significação con-
gação e regular os interesses
96
que uma pessoa (representanemita
uma
declara-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
dos contratantes, formando
teor do já referenciado artigo
por exemplo, nos casos de
uma relação interna; todavia,
1.288 do Código Civil Brasilei-
comissão. Nesse sentido, diz Be-
para que o mandatário possa
ro. Disso podemos concluir,
viláqua (1957, p. 24), se o comi-
cumpri-la, é preciso que o man-
com acerto, que o mandato é
tente não aparece, autorizando
dante lhe outorgue o poder de
uma representação convencio-
o ato, é que não há mandato, e,
representação; se tem ademais
nal, em que o representante
sim, locação de serviço.
interesse em que haja em seu
pratica atos que dão origem a
Pontes de Miranda contesta
nome, o poder de representa-
direitos e obrigações que reper-
a imprescindibilidade da repre-
ção tem projeção exterior, dan-
cutem na esfera jurídica do re-
sentação no mandato. Para ele,
do ao agente, em suas relações
presentado. Realmente, o man-
o mandato, no direito brasilei-
com terceiras pessoas, legitimi-
datário, como representante do
ro, não só se refere a poder de
dade para contratar em nome
mandante, fala e age em seu
representação; não é limitado a
do interessado, com o inerente
nome e por conta deste. Logo,
negócios jurídicos: há manda-
desvio dos efeitos jurídicos para
é o mandante que contrai as
to para atos jurídicos stricto
o patrimônio deste último (Go-
obrigações e adquire os direi-
sensu e para atos-fatos, e no
mes, 1983, p. 378-88).
tos como se tivesse tomando
tocante a esses não há repre-
A representação, também
parte pessoalmente no negócio
sentação (Miranda, 1963, p. 5).
para a jurisprudência, é elemen-
jurídico. Possibilita, assim, que
Na verdade, o que ocorre é que,
to intrínseco do mandato. A 5ª
pessoa interessada na realiza-
enquanto para uns a represen-
Câmara Civil do Tribunal de Jus-
ção de certo ato negocial, que
tação é um elemento essencial
tiça de São Paulo, a 12 de no-
não possa ou não saiba praticá-
do mandato, para outros, dei-
vembro de 1948 (RT. 178/717),
lo, o efetue por meio de outra
xa de sê-lo. O que se tem por
decidiu que não há mandato
pessoa. O mandatário, celebra-
certo é que, na verdade, pode
onde não há representação; se
do o contrato de mandato, au-
faltar o direito de representação
falta esse poder, há locação de
torizado estará a representar o
no mandato, sem que por isso
serviços. Não haveria mandato,
mandante na execução do en-
o contrato degenere em outro
por exemplo, na outorga de po-
cargo que lhe foi atribuído (Di-
diferente ou não produza ne-
der para que o amigo retirasse,
niz, 1999, p. 279).
nhum efeito. Ordinariamente
com as chaves, a correspondên-
Mas o conceito de mandato
ocorre que o mandatário é o
cia; nem para que entregasse o
com representação, fundado
procurador do mandante, po-
dinheiro dos salários aos empre-
na disposição legal do Código
rém, pode não sê-lo, quando,
gados (Miranda, 1963, p. 9).
Civil, precisamente no artigo
por estipulação ou por sua úni-
Ante a explicitação dos pon-
1.288, não é no todo aceito por
ca vontade, o mandatário atua
tos retro, podemos renovar a
todos os doutrinadores. Auto-
em nome próprio.
definição do contrato de man-
res contestam que a represen-
Verdadeiramente, no estado
dato, como sendo o contrato
tação seja característica do
atual do direito, a lei presume
pelo qual alguém (mandatário
mandato, argumentando com
que, pelo fato de se celebrar o
ou procurador) recebe de ou-
algumas hipóteses em que o
contrato de mandato, o manda-
trem (mandante) poderes para,
mandatário age em seu próprio
tário fica autorizado a cumprir
em seu nome, praticar atos ou
nome, num verdadeiro manda-
o que lhe foi determinado em
administrar interesses. É este o
to sem representação, como,
representação do mandante,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
97
D ireito
Artigo
isto com o objetivo de simplifi-
Civil Brasileiro, é o instrumento
de que o mandato seria um ato
car o trabalho do mandatário.
do mandato e, também, a pala-
unilateral do mandante tomou
Nada impede que o manda-
vra designativa do mandato
melhor acerto quando se fixou
tário não se utilize desta facul-
(Monteiro, 1985, p. 245), ou
que o contrato de mandato se
dade e contrate em seu próprio
ainda uma declaração de von-
ajustaria com validade jurídica,
nome, nem que assim o estipu-
tade do representado dirigida a
ou se aperfeiçoaria como con-
lem expressamente o mandan-
terceiros. Essa declaração não
trato, pela aceitação do manda-
te e o mandatário, no próprio
se confunde com o mandato,
tário (De Plácido e Silva, 1989,
contrato ou posteriormente,
pois pode existir independen-
p. 16-17).
quando mandatário executará o
temente deste, mas, geralmen-
Procurador e mandatário –
negócio por conta do mandan-
te, o acompanha, como condi-
embora, assim, sejam as expres-
te, porém, em seu próprio nome
ção indispensável a que o man-
sões procurador e mandatário
e então, terminada a gestão,
datário possa agir em nome do
empregadas indistintamente,
deverá transferir ao mandante
mandante.
há, em verdade, visível distinção
os créditos e as obrigações ad-
A confusão entre os concei-
técnica entre os seus sentidos: o
quiridas e contraídas, dos quais
tos decorre do direito positivo
mandatário traz significação
o mandante será o responsável.
francês. Nesse sentido, eis a
mais ampla. É indicativo de toda
Em conseqüência, a repre-
lição do insigne De Plácido e
pessoa que está autorizada a
sentação é simplesmente um
Silva: “O Código Civil Francês, no
fazer ou a praticar um ato jurí-
elemento da natureza do man-
entanto, confunde mandato e
dico ou um negócio em nome e
dato, quer dizer, algo que, não
procuração”. Por esta razão Tro-
por conta de outrem, seja de-
lhe sendo essencial, se compre-
plong anota que é no sentido
corrente de uma autorização
ende pertencer-lhe, sem neces-
restrito que emprega a expres-
tácita.
sidade de uma declaração espe-
são: – como procuração – ato
O procurador, a rigor, é de-
cial, que, porém, pela mesma
unilateral que não terá exis-
terminativo da pessoa que se
razão, pode-se suprimir medi-
tência sem a aceitação do man-
constituiu em mandatário por
ante uma estipulação em contrá-
datário, quando o mandato im-
ordem escrita ou foi autorizada
rio.
por
porta na existência do contrato
a agir por conta e em nome de
regra geral, se entenda que o
que deste ato se formou. Foi o
outrem por meio de uma escri-
mandatário tem naturalmente a
mestre, no entanto, de excessivo
tura ou documento.
faculdade de representar o man-
rigor na assertiva. Embora o
Desta forma, todo procura-
dante, mesmo assim pode não
Código Francês se utilize das
dor é um mandatário. Mas, nem
ser o mandato representativo.
expressões mandato e procu-
todo o mandatário apresenta
ração como sinônimos ou vocá-
qualidade ou condição de pro-
2 MANDATO E
bulos de sentido equivalentes,
curador. Na figura do procura-
PROCURAÇÃO: DISTINÇÃO
não nos proporcionando no tex-
dor, há o pressuposto de uma
to uma definição perfeita, corri-
procuração dada e passada
ge a deficiência, quando institui
pelo mandante, o que pode
A procuração, na forma
que “o contrato somente se for-
não existir acerca de certos
como consta na segunda parte
ma pela aceitação do mandato”.
mandatários, conforme já ficou
do artigo 1288, do Código
Assim, a primeira impressão,
explicitado anteriormente, onde
Ainda
quando,
O mandato não se confunde
com a procuração.
98
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
se procurou fazer a distinção em
esta qualificação, é concorde a
sa, nem requer seja simultânea
função da essencialidade entre
doutrina brasileira, sem se aper-
da outorga da procuração.
mandato e representação.
ceber voz discordante. Porém,
Com efeito, em regra a acei-
não se faz alusão ao fato de
tação é tácita e se mostra atra-
3 CARACTERES DO MANDATO
que tal característica decorre
vés de início de execução por
O mandato é contrato em
basicamente do mandato repre-
parte do mandatário. Por con-
que predomina soberanamente
sentativo, portanto da represen-
seguinte, é necessariamente
a mútua confiança dos contra-
tação.
posterior ao momento da assi-
tantes. É intuitu personae, ce-
É exatamente o poder de
natura da procuração, onde ha-
lebrando-se especialmente em
representação que enseja a exe-
bitualmente a anuência do pro-
consideração ao mandatário, e
cução por conta e em nome do
curador não figura.
traduzindo, mais que qualquer
mandante dos atos jurídicos ti-
A Lei presume a aceitação do
outra figura jurídica, uma ex-
pificadores de outros contratos,
mandatário ausente quando o
pressão fiduciária, já que o seu
ou negócios jurídicos, ou atos
negócio, para que foi dada a
pressuposto fundamental é a
jurídicos strictu sensu.
procuração, é da profissão do
confiança que o gera. O elemen-
O mandato, ainda, geralmen-
mesmo, e também quando o
to subjetivo da confiança gover-
te, é contrato consensual, pois
serviço para que se conferiram
na o comportamento do manda-
que se perfaz pelo só acordo de
poderes foi anunciado pelo ou-
tário desde a formação do con-
vontades. Por conseguinte, des-
torgado. Em qualquer dessas
trato até a sua extinção. É por
necessária a prática de qualquer
hipóteses, para ilidir a presun-
essa razão que é somente a
ato do mandante para o contra-
ção legal, o nomeado deverá
alguém em que se confia que
to se tornar perfeito e acabado.
cientificar imediatamente o
se concedem poderes para a
Basta o simples consentimento
mandante de sua recusa (Rodri-
prática de negócios jurídicos
das partes, sendo, por isso, sim-
gues, p. 306).
ou administração de negócios
plesmente consensual. O man-
(Gomes, 1983, p. 389-90).
dato
Diante dos aspectos até aqui
comporta
traçados, podemos concluir que
O caráter da pessoalidade
todas as formas de emissão da
a função que o contrato desem-
predomina em todos os siste-
vontade, seja verbal, escrita,
penha é, portanto, a de um ser-
mas jurídicos.
por instrumento público ou par-
viço que o mandatário presta ao
ticular.
mandante, fazendo por ele o
O mandato é um contrato
preparatório; habilita o manda-
Aliás, a natureza do manda-
tário a praticar certos atos jurí-
to, porém, é sempre reconheci-
dicos que não estão contidos
da como consensual – desde o
nele. No mandato para vender,
direito romano, pois quem re-
para pleitear, para representar
cebe o encargo gratuito de
Geralmente o mandato é con-
o herdeiro, os atos da venda, da
exercê-lo em favor de terceiro
fundido com outras relações
demanda, do inventário não
aceita tal encargo.
convencionais, principalmente
negócio, de que lhe foi dado o
encargo.
4 DISTINÇÃO
estão contidos no mandato,
Saliente-se que, para que o
são-lhe externos. O mandato
negócio se aperfeiçoe, indispen-
confere poderes para executá-
sável se faz a aceitação. Mas tal
As confusões com a locação
los (Beviláqua, 1957, p. 25), com
aceitação não precisa ser expres-
de serviços devem-se à exis-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
com a locação de serviços, a
comissão e o depósito.
99
D ireito
Artigo
tência de vários elementos pro-
unilateralidade, ou a gratuida-
míscuos ou comuns. Longo de-
de. Quem exige limpar-se a
bate se estabeleceu, de fato, na
vala, ou desviar-se o rio, não
Já vimos os traços caracterís-
doutrina francesa e italiana so-
manda: é locatário de serviços,
ticos do mandato, e tivemos a
bre a natureza jurídica do con-
ou de obra: quem exige que al-
oportunidade de observar que
trato. A controvérsia nasceu,
guém assine, pelo outorgante,
entre este e outros contratos,
como adverte Cunha Gonçalves,
o documento ou interpele, ou
há dessemelhança. É que o tra-
do errôneo conceito, oriundo do
intime a outrem, manda: quem
ço marcante do mandato é o
direito romano de que o man-
exige que outrem adquira a
próprio substrato do contrato,
dato deve ser sempre gratuito
posse para quem exige, ou
que não se confunde com a pro-
(Monteiro, 1985, p. 247-248).
abandone a posse que é de
curação em si, isto porque o
No direito romano, aqueles
quem exige, manda. É contra-
mandato compreende modali-
que exerciam profissões liberais
ente de serviços quem exige
dades classificáveis onde de-
eram considerados mandatári-
que outrem especifique ou pro-
vem ser atendidos ou observa-
os. Modernamente, prossegue
cure tesouro, ou escreva cartas;
dos alguns critérios.
o debate. Para uns, eles continu-
porém o mandatário pode ir até
Na preleção de Orlando Go-
am sendo mandatários; para ou-
aí. Não a representação (Miran-
mes (1999), a classificação das
tros, as profissões liberais, dada
da, 1963, p. 5).
espécies de mandato deve ter
5 ESPÉCIES
a nobreza de que se acham im-
Dessa forma, para se distin-
em mira o contrato e não a pro-
pregnadas, como res inestima-
guir, convenientemente, os dois
curação. Nesse sentido, classi-
bilis, estão fora do comércio e
contratos (mandato e locação
fica o autor as espécies de man-
não são suscetíveis de contra-
de serviços), necessário é aten-
dato, obedecida uma ordem de
tos; para outros mais, haveria
tar para os seguintes aspectos:
critérios, a saber: a) quanto às
contrato, que seria inominado;
na idéia de representação, é
relações entre as partes; b)
finalmente, para outros, ain-
fundamental que exista no pri-
quanto ao modo de celebração
da, na atividade desenvolvida
meiro, para ficar bem claro que
da vontade; c) quanto à forma;
por
profis-
o mandatário representa o man-
d) quanto ao conteúdo; e) quan-
sionais haveria simples loca-
dante. Por outro lado, tal não
to ao fim.
ção de serviços.
ocorre na locação de serviços,
Na verdade, é de subenten-
Mas, de modo nenhum, se-
pois não há falar aqui a idéia da
der-se que a peculiaridade que
gundo a doutrina de Pontes de
representação, o que vale dizer
existe no contrato de mandato
Miranda, no direito brasileiro, a
que neste caso o locador se li-
reside no objeto, ou seja, na
gratuidade serve a distinguir
mita a executar o ato advindo
extensão dos atos que devem
mandato e locação de serviços
de suas aptidões ou habilida-
ser praticados pelo mandatário
ou locação de obra. Se bem que
des. De tudo, observa-se que,
em nome do mandante. A clas-
não aprofundado pelos juristas,
entre um e outro, o aspecto
sificação supra aludida é abran-
é esse o ponto principal da clas-
marcante reside na idéia da re-
gente nos diversos aspectos do
sificação dos contratos. A natu-
presentação, sendo este o fator
contrato de mandato. Há auto-
reza do ato que se exige de al-
que predomina entre as duas
res que são mais sucintos, e dão
guém é que distingue mandato
modalidades de contratos aqui
uma classificação de espécie de
e locação de serviços, não a
aludidas.
mandato, menos abrangente. É
100
esses
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
o que ocorre, por exemplo, com
tensão, e não pode ser estendi-
mente, a realidade social, econô-
Fran Martins (1993), quando diz
do a outros, ainda que da mes-
mica e jurídica era outra, e não
que o mandato pode ser “geral”
ma natureza.
permite, no todo, uma compara-
ou “especial”. O mandato geral
seria aquele conferido ao man-
ção com os dias de hoje.
CONCLUSÃO
De uma forma ou de outra,
datário, para que este realizas-
Constaram do presente traba-
procurou-se destacar alguns
se todos os negócios do man-
lho alguns aspectos pertinentes
aspectos mais marcantes acer-
dante, o que vale dizer que nes-
ao contrato de mandato, todavia,
ca do contrato de mandato que,
se diapasão o mandatário teria
outros ainda restaram sem ser
carecendo de alguns reparos,
a outorga indiscriminada e ili-
comentados com maior profun-
persiste em pleno vigor e, diga-
mitada, sendo seu campo de
didade, como é o caso de temas
se, atendendo às necessidades
ação amplo e irrestrito, de onde
tais como “das obrigações do
de mandatário e mandante.
se depreende que estaria capa-
mandatário”; “das obrigações do
Repita-se, outros aspectos
citado a representar o mandan-
mandante”; “da extinção do
restaram por não ser comenta-
te em qualquer lugar ou circuns-
mandato”, além de outros.
dos, como por exemplo a natu-
tância onde haja interesse de
O tema é extenso e merece
reza do contrato, elementos
um estudo mais acurado, a fim
essenciais, obrigações dos con-
No mandato especial, o mes-
de que seja melhor compreendi-
tratantes, modos de revogação,
mo não ocorreria, eis que o
do, mesmo porque nem sempre
representação aparente e, prin-
mandatário estaria submetido a
as posições doutrinárias e juris-
cipalmente, alguns aspectos al-
limites no campo de ação e, ul-
prudenciais, hoje, são conver-
terando as disposições do tema,
trapassado este, estaria exorbi-
gentes, e isto é devido ao fato
conforme constam do Novo
tando suas funções, nascendo
de que as disposições legais,
Código Civil.
deveres para o mandante e,
contidas no direito material,
eventualmente, terceiros envol-
datam de 1916, época do apare-
vidos, acarretando, inclusive,
cimento do atual Código Civil
possíveis indenizações. É que
Brasileiro, tempo em que o legis-
no mandato especial o mandan-
lador pátrio de então tinha ou-
te discrimina os atos de sua pre-
tra concepção, até porque, real-
direitos deste.
R
BIBLIOGRAFIA
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comentado. 5º V., 10. ed. Rio de
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__________. Contratos. 9. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1983.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
101
D ireito
Artigo
O litisconsórcio nas ações coletivas para
defesa dos direitos individuais
homogêneos, diante das relações
de consumo
Ivone Cristina de Souza João
Professora Titular de Direito Processual Civil do IMES e da Faculdade de Direito de SBC.
Mestre em Direito Processual Civil e Direitos Difusos e Coletivos.
Doutoranda em Direitos Difusos e Coletivos.
R e s u m o
A b s t r a c t
O trabalho tem a finalidade de analisar a aplicação da figura processual do litisconsórcio,
considerando a própria legislação, e de fazer
ponderações a respeito de sua acomodação e
adequação ao subsistema processual civil
coletivo, especialmente para utilização dos
direitos individuais homogêneos, bem como
para uma possível utilização subsidiária do
Código de Processo Civil.
The work has the purpose of analysing the
application of the lawsuit figure of the
litisconsorte, pondering the own legislation, and
make considerations regarding its adjustment
and adequacy to the collective subsystem of civil
lawsuit, especially for the utilisation of the
homogeneous individual rights, as well as for a
possible subsidiary use of the Code of Civil
Lawsuit.
Será, pois, mais uma forma de demonstrar a
necessidade de escrever sobre o tema que surge
diante desta nova bipartição do processo civil
em individual e coletivo.
102
This is, therefore, a form of demonstrating the
need to write on the theme that appears due to
this new bipartition of the civil lawsuit in
individual and in collective.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
O presente trabalho tem a
básicas serão feitas (conceitos,
cessual: ativo, passivo ou mis-
finalidade de analisar a aplica-
espécies) justamente para
to; quanto ao regime de trata-
ção do litisconsórcio, conside-
podermos constatar o modo de
mento dos litisconsortes: unitá-
rando a própria legislação, quer
utilização no sistema proces-
rio ou simples.
dizer, avaliaremos todos os arti-
sual coletivo.
O litisconsórcio inicial (ou
gos (CDC e LACP) que tiverem
Será, pois, mais uma forma de
originário), como o nome diz, é
alguma relação com esta figura
demonstrar a necessidade de es-
aquele que se forma no início
processual, e passaremos a fazer
crever sobre o tema que surge
da constituição da relação pro-
ponderações a respeito de sua
diante desta bipartição do
cessual, quer dizer, coincide
acomodação e adequação ao
processo
e
com o momento da propositu-
subsistema processual civil
coletivo. Se não fosse assim, como
ra da ação; já o ulterior (ou su-
coletivo, especialmente para
dito, o tema estaria exaurido.
cessivo) se forma com a ação já
em
individual
proposta, em andamento.
utilização dos direitos indivi-
Nelson Nery define litiscon-
duais homogêneos, bem como
sórcio como “a possibilidade que
O litisconsórcio será neces-
para uma possível utilização
existe de mais de um litigante
sário quando for indispensável
subsidiária do Código de
figurar em um ou em ambos os
a presença de partes plúrimas,
Processo Civil.
pólos da relação processual. Ca-
por exigência legal; será facul-
Antes porém de explorar o
racteriza a pluralidade subjetiva
tativo quando esta necessidade
assunto faz-se necessário escla-
da lide. Quando ocorre o
não existir.
recer que embora a Lei da Ação
litisconsórcio, há cumulação sub-
O litisconsórcio será ativo,
Civil Pública não se refira aos
jetiva de ações” (Nery Jr. e An-
conforme haja pluralidade de
direitos individuais homogê-
drade Nery, 1997, p. 324).
autores; passivo, conforme haja
neos, mas tão somente aos
Cândido Rangel Dinamarco
pluralidade de réus; será mis-
difusos e coletivos, as regras
diz ser “a pluralização das par-
to, conforme a pluralidade ocor-
sugeridas neste trabalho devem
tes no processo mediante a reu-
ra tanto no pólo ativo, como
também a ela ser aplicadas,
nião de dois ou mais sujeitos
passivo, concomitantemente.
naquilo que se puder aprovei-
em um ou em ambos os pólos
E, finalmente, o litisconsór-
tar, já que a Lei da Ação Civil
da relação jurídica processual,
cio será unitário, conforme haja
Pública dispõe de normas que
ou mediante a pluralização des-
dependência tal quanto aos
completam as normas proces-
ses mesmos pólos.” E, ainda,
litigantes que a decisão obrigue
suais do Código de Defesa do
simplificando, “a situação que
a todos, de forma que os atos e
Consumidor, sendo sugerida
existe entre duas ou mais
omissões de um beneficiam e
pelas próprias leis (7347/85 e
pessoas quando são autores
prejudicam os demais litiscon-
8078/90) a total integração
ou réus no mesmo processo”
sortes; será simples quando não
entre elas.
(Dinamarco, 1997, p.19 e 32).
exista esta relação de depen-
Não temos a pretensão de
Quanto ao momento de sua
dência entre os co-litigantes,
esmiuçar esta figura processu-
formação, o litisconsórcio pode
sendo que a decisão não os
al, já que inúmeras obras prati-
ser: inicial ou ulterior; quanto à
afetará de forma equânime, de
camente esgotaram o assunto,
obrigatoriedade de sua forma-
forma que os atos e omissões
embora polêmico e intrincado.
ção: necessário ou facultativo;
de cada um são em princípio
Porém, algumas considerações
quanto ao pólo da relação pro-
indiferentes para os demais.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
103
D ireito
Artigo
Feitas as primeiras emana-
dade simultânea de outro le-
litisconsórcio entre os co-legi-
ções, vamos visitar em toda a
gitimado, ou seja, inexiste
timados. As regras do CPC (arts.
extensão o CDC e verificar em
necessidade de atividade
46 e segts.) poderão ser apro-
que momento o legislador utili-
paralela de qualquer um dos
veitadas, conforme autorização
zou a expressão ou onde pode-
outros legitimados. Concor-
do próprio CDC, porém é preci-
mos enquadrá-la. A primeira
rente significa que a ativida-
so avaliar se se coadunam com
observação que se faz necessá-
de de qualquer um desses
o sistema; naquilo que o contra-
ria é em relação ao artigo 82
legitimados se dirige ou ten-
riarem há de se estabelecer
do Estatuto. Este artigo estabe-
de para uma mesma e co-
novas regras, que se conformem
lece legitimação concorrente ao
mum finalidade, e que, por
com a principiologia do Código
Ministério Público (I), à União,
isso mesmo, pode autono-
de Defesa do Consumidor.
aos Estados, aos Municípios e
mamente ser desempenhada
Nelson Nery diz que “o even-
ao Distrito Federal (II), às enti-
por qualquer um dos legiti-
tual litisconsórcio que se formar
dades e órgãos da administra-
mados” (Arruda Alvim et al.,
entre eles será facultativo e obe-
ção pública direta ou indireta,
1991, p.382).
decerá ao regime desse tipo de
ainda que sem personalidade
“A legitimidade se diz con-
cumulação subjetiva de ações,
jurídica (III), e às associações
corrente porquanto todas as
de acordo com as regras do
legalmente constituídas (IV)
entidades são simultânea e
CPC” (Nery Jr., Revista de Pro-
para propositura de ações cole-
independentemente legiti-
cesso, v. 61, p.29).
tivas (em defesa de direitos di-
madas para agir, isto é, a le-
Genacéia da S. Alberton es-
fusos, coletivos e individuais
gitimidade de uma delas não
clarece que “falta, na legislação
homogêneos) em prol dos con-
exclui a de outra. Concorren-
nacional, previsão sobre o mo-
sumidores. Isso nos leva a con-
te, aqui, significa não-exclu-
mento consumativo da interven-
cluir que caso dois ou mais co-
siva de uma só entidade.
ção do legitimado para a cau-
legitimados litiguem em conjun-
Também é chamada disjun-
sa, devendo permanecer no
to, formar-se-á um litisconsór-
tiva no sentido de não ser
âmbito da doutrina e jurispru-
cio ativo. Este litisconsórcio ati-
complexa, visto que qual-
dência a solução. Quanto à
vo, por óbvio, será facultativo,
quer uma das entidades co-
assistência litisconsorcial não
já que a lei não determina que
legitimadas poderá propor,
há qualquer alteração prevista.
os co-legitimados ingressem
sozinha, a ação coletiva sem
Ou ampliam-se as hipóteses de
necessariamente juntos com a
necessidade de formação de
litisconsórcio, simplesmente se
ação coletiva; ao contrário, essa
litisconsórcio ou de autoriza-
veda a assistência ou silencia-se
legitimação é concorrente e
ção por parte dos demais co-
acerca da assistência litiscon-
disjuntiva, o que significa dizer
legitimados. É facultada, en-
sorcial. Impõe-se, assim, indicar
que cada um pode sozinho in-
tretanto, a formação volun-
uma proposta de alteração” (Al-
gressar com a ação.
tária de litisconsórcio”. (Gidi,
berton, 1994, p. 124).
Quanto ao momento de for-
“A legitimação concorrente
1985, p.37-38).
significa que qualquer um
Resta saber qual o regime a
mação deste litisconsórcio, o
dos legitimados “ex lege”
ser observado, já que num pri-
assunto na doutrina não é pací-
pode agir processualmente,
meiro momento a Lei 8.078/90
fico. O Prof. Nelson Nery enten-
independentemente da ativi-
é omissa quanto à formação do
de que a eventual formação de
104
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
litisconsórcio entre os co-legi-
litisconsórcio facultativo entre
MP, daí entenderem não se tra-
timados deve ocorrer no mo-
os Ministérios Públicos da
tar de um problema de litiscon-
mento do ajuizamento da ação,
União, do Distrito Federal e dos
sórcio e sim de representação,
sob pena de se ferir o princípio
Estados, na defesa dos interes-
concluindo não haver nenhum
do
ses e direitos de que cuida este
impedimento para que os
código”.
Ministérios Públicos Federal e
juiz
natural.
O
autor afirma que o ajuizamento
de ações secundárias ou a de-
Aqui, podemos notar que o
Estadual se litisconsorciem
terminação pelo juiz de reuniões
legislador efetivamente utilizou
para a propositura de ações
de ações são formas “atípicas e
a palavra litisconsórcio.
coletivas.
litiscon-
Embora tenha sido vetado,
Já os autores José Antonio
sórcio ulterior”. Significa dizer
esse parágrafo na verdade per-
Lisboa Neiva e Vladimir Passos
que, para este autor, o litiscon-
manece em sua íntegra, já que
de Freitas entendem não exis-
sórcio, tanto ativo como passivo,
o art. 113 do CDC acrescentou
tir esta possibilidade, devendo
sendo facultativo não deve ser
ao art. 5º da LACP o § 5º, que
os Ministérios Públicos Federal
formado após o ajuizamento da
repete seu exato teor: “Admitir-
e Estadual atuarem cada um
ação, respeitadas somente as
se-á o litisconsórcio facultativo
em sua esfera. (Nery Jr., 1992,
formas previstas na lei (denun-
entre os Ministérios Públicos da
p.209; Watanabe, 1997, p.
ciação da lide, chamamento ao
União, do Distrito Federal e dos
644).
processo, conexão) (Nery Jr. e
Estados na defesa dos interes-
A jurisprudência também
Andrade Nery, 1997, p.324).
ses e direitos de que cuida esta
não é pacífica. Hoje, porém, já
lei”.
podemos perceber um equilí-
impróprias
de
Já o professor Cândido
brio nas decisões.
Rangel Dinamarco manifesta-se
Considerando a interação
de maneira distinta. Entende
entre o Código de Defesa do
De nossa parte, entendemos
que, no caso de co-legitimados,
Consumidor e a Lei da Ação Ci-
ser perfeitamente possível o
que possam agir isoladamente
vil Pública, o § 5º acrescido ao
litisconsórcio, já que, como dis-
ou em conjunto, ocorrendo o
artigo 5º da Lei é perfeitamen-
semos, há perfeita interação
ingresso posterior à instauração
te aplicável à tutela dos consu-
(conforme regras dos arts. 90,
do processo de algum ou alguns
midores.
110 e 117 do Código de Defe-
deles “configurará autêntico
A razão do veto presidencial
sa do Consumidor) com a Lei de
litisconsórcio e não assistência
foi a de que somente poderia
Ação Civil Pública e o § 5º,
litisconsorcial”; é o que o autor
haver litisconsórcio entre os
acrescentado ao art. 5º pelo art.
chama de “intervenção litiscon-
Ministérios Públicos se a todos e
113 do CDC, que prevê esta
sorcial voluntária” (Dinamarco,
a cada um deles tocasse a quali-
possibilidade.
1997, p. 32 e 54).
dade que autorizasse a condu-
Além disso, a instituição do
Por agora, daremos prosse-
ção autônoma do processo. E o
Ministério Público é una, com
guimento a nossas observações
artigo 128 da CF não admitiria o
funções bem definidas pela
e, por oportuno, retomaremos
referido litisconsórcio.
Constituição Federal. A divisão
Kazuo Watanabe e Nelson
que se faz é tão somente para
O parágrafo 2º, do artigo
Nery consideram que o artigo
facilitar o trabalho do órgão. No
82, que foi vetado, tinha a se-
não foi vetado visando ao litis-
entanto, a atividade de um sem-
guinte redação: “Admitir-se-á o
consórcio e sim à instituição do
pre corresponderá à atividade
o assunto.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
105
D ireito
Artigo
de todos, sendo que o Ministé-
O artigo 91 atribui legitimi-
Lei 7347, consideramos que,
rio Público estadual pode plei-
dade aos co-legitimados do art.
dada a integração que há entre
tear na esfera federal e vice-versa,
82 para propor ação no interes-
o CDC e a Lei da Ação Civil Pú-
inexistindo inaplicabilidade
se das vítimas; da mesma for-
blica,
da decisão obtida por um em
ma, o litisconsórcio que even-
aplicação dos parágrafos.
relação a toda a instituição.
tualmente se formar entre eles
Daí a possibilidade do litis-
será facultativo.
permanece
a
Assim, vejamos o que de
interesse para o nosso assunto
podemos encontrar nestes
consórcio ativo facultativo para
Aqui vemos o típico caso de
a defesa dos direitos indivi-
substituição processual, onde
duais homogêneos, entre os
os co-legitimados têm autori-
O § 2º do Art. 5º da LACP
diferentes Ministérios Públicos,
zação legal para, em nome
estabelece a faculdade do Po-
sejam eles da esfera estadual
próprio, pleitear em nome e no
der Público e de outras associa-
ou federal.
interesse das vítimas.
ções legitimadas habilitarem-se
parágrafos.
Pelo teor do artigo, a forma-
Vemos, portanto, que o litis-
como litisconsortes de qualquer
ção deste litisconsórcio deverá
consórcio ativo entre os co-le-
das partes (“Fica facultado ao
ser inicial; no entanto, não ve-
gitimados para a defesa dos di-
Poder Público e a outras associ-
mos impedimento para que,
reitos individuais homogêneos
ações legitimadas nos termos
após o ajuizamento da ação,
é possível, num primeiro mo-
deste artigo habilitar-se como
haja este ingresso. Sobre o as-
mento, já que não há proibição
litisconsortes de qualquer das
sunto falaremos logo à frente.
expressa; ao contrário, como já
partes”).
Continuando a falar do litis-
vimos, a legitimidade é concor-
Ora, considerando-se a inte-
consórcio, ingressando no Títu-
rente e disjuntiva e, podendo a
ração que existe entre os
lo III que trata Da Defesa do
ação ser proposta por qualquer
diplomas, acabamos de encon-
Consumidor em Juízo, vamos
um, nada impede que mais de
trar uma regra que estabelece
encontrar um capítulo (II) que
um ocupe o pólo ativo da re-
o litisconsórcio entre os
aborda as ações coletivas para
lação. Quanto ao momento da
co-legitimados do art. 82 do
a defesa dos interesses indivi-
formação deste litisconsórcio
CDC. Além disso, entendemos
duais homogêneos.
falaremos a seguir.
que esta intervenção dos co-legi-
É nesse capítulo que vamos
O § único do artigo 92, que
timados, em um dos pólos da
encontrar as class action for
foi vetado, rezava: “aplica-se à
relação, poderá ocorrer com
damages (ações civis de
ação prevista no artigo anterior
referência a todos os co-legiti-
responsabilidade por danos
o art. 5º, §§ 2º a 6º, da Lei nº
mados e não somente pelo
sofridos por uma coletividade
7.347, de 24 de julho de 1985”.
Poder Público e pelas associações.
de indivíduos). Aqui vai ocorrer
A razão do veto foi justamen-
Pensamos também que a regra,
necessariamente a intervenção
te a remissão que fazia aos pa-
embora se situe no capítulo das
do Ministério Público como fis-
rágrafos do art. 5º da Lei da
ações coletivas para defesa dos
cal, caso não seja autor da ação
Ação Civil Pública. No entanto,
direitos individuais homogêneos,
(art. 92); e, ainda, a ampla di-
considerando o artigo 90 do
deva ser aplicada a todas as
vulgação da demanda para in-
CDC, que determina que se apli-
ações coletivas estabelecidas no
tervenção
quem às ações previstas neste
Código.
dos
sados (art. 94).
106
interes-
título as normas do CPC e da
A problemática, no entanto,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
não se estabelece neste ponto
rá no ingresso em juízo da ação
regras constantes no Código de
e sim no próprio termo utiliza-
coletiva e será facultativo unitá-
Processo Civil. Isto porque, se
do pelo legislador. Observe-se
rio ou então refletir-se-á na fi-
formos efetivamente considerar
que o parágrafo estabelece que
gura
assistência
as regras estabelecidas pelo
aqueles co-legitimados poderão
litisconsorcial, por entender que
Código de Processo Civil e res-
(faculdade) habilitar-se como
nosso sistema processual não
pectivas interpretações doutri-
litisconsortes de qualquer das
admite o litisconsórcio facul-
nárias, jamais obteremos um
partes.
tativo superveniente (Fiorillo,
enquadramento, um ajuste per-
Abelha Rodrigues e Andrade
feito.
Temos aqui duas questões
que parecem gerar um conflito
da
Nery, 1996, p.120).
De nossa parte, pensamos
maior. A primeira delas fixa-
Com o professor Cândido
que o legislador pretendeu fa-
se na possibilidade de forma-
Rangel Dinamarco podemos
cilitar ao máximo a propositura
ção de litisconsórcio faculta-
citar os autores Rodolfo de
da ação coletiva e, com isto,
tivo ulterior, já que a redação
Camargo Mancuso – que enten-
permitiu que os co-legitimados
do artigo não é clara sobre o
de poder este litisconsórcio ser
pleiteassem sozinhos ou em
momento desta formação litis-
inicial ou ulterior; caso seja ini-
conjunto, podendo ocorrer a
consorcial; a segunda estabele-
cial será sempre facultativo e
formação com a propositura da
ce-se na terminologia utilizada
comum; sendo ulterior, “decor-
ação ou posteriormente. Por
pelo legislador ao concluir o
rente do ingresso de um co-legi-
óbvio que se o litisconsórcio se
parágrafo com a expressão:
timado que ingressa na ação
formar no início da relação te-
‘qualquer das partes’. Vejamos
já proposta e formula pedido
remos um litisconsórcio ativo
a opinião de alguns autores.
próprio, mas que guarda afini-
facultativo e unitário entre os
Inicialmente em relação ao ‘litis-
dade com a pretensão original”,
co-legitimados, já que não po-
consórcio facultativo ulterior’:
então, de acordo com o autor,
demos imaginar uma decisão
Em relação ao professor
ocorrerá uma verdadeira “inter-
diferente para cada um dos co-
Nelson Nery, já vimos que não
venção litisconsorcial voluntá-
legitimados, que, esperamos,
aceita a formação do litisconsór-
ria” (Mancuso, 1992, p.136) – e
estejam agindo todos em uma
cio facultativo após o início da
Hugo Nigro Mazzilli, para o qual
mesma direção, qual seja, o in-
ação, ao menos de forma irre-
“cabe verificar se se deve aditar
teresse das vítimas. Caso o li-
gular quando autorizado pela
a inicial ou não; no primeiro
tisconsórcio se forme posterior-
lei (Nery Jr. e Andrade Nery,
caso tratar-se-á de litisconsór-
mente, concordamos em parte
1997, p. 324).
cio ulterior e, no segundo, quer
com o professor Mazzilli, quan-
Já o professor Cândido R.
dizer, se o pedido continua o
do diz que se ocorrer o adita-
Dinamarco pensa ser perfeita-
mesmo, cuidar-se-á de assis-
mento da inicial caracteriza-se
mente possível este litisconsór-
tência litisconsorcial” (Mazzi-
um litisconsórcio ulterior e, em
cio facultativo posterior (Dina-
lli, 1991, p. 81).
não havendo este aditamento,
Diante dessas opiniões, po-
entendemos que o co-legitima-
O professor Celso A. P. Fiori-
demos constatar o quanto é di-
do ou os co-legitimados devam
llo, acompanhando o professor
fícil emoldurar as questões
habilitar-se também como litis-
Nelson Nery, entende que a for-
suscitadas pelas normas do pro-
consortes ulteriores, desde que
mação do litisconsórcio ocorre-
cesso civil coletivo diante das
o façam dentro do prazo esta-
marco, 1997, p. 54).
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
107
D ireito
Artigo
Observe-se ainda que este
uma ação coletiva em defesa
Veremos a seguir que tratan-
litisconsórcio ulterior seria uma
das vítimas e uma associação
do-se de direitos individuais
modalidade própria deste sub-
formada especificamente para
homogêneos haverá publicação
sistema coletivo. Não discorda-
defesa das vítimas de medica-
na imprensa oficial de edital
mos dos professores Nelson
mentos falsos, ao tomar conhe-
para conhecimento e ingresso,
Nery e Celso Fiorillo quando di-
cimento desta causa, através do
como litisconsortes, dos inte-
zem que nosso sistema proces-
edital, se habilitasse como litis-
ressados; a lei, no entanto, não
sual não aceita o litisconsórcio
consorte. Cremos ser direito
estabelece prazo para o ingres-
facultativo ulterior; no entanto,
desta instituição ingressar
so. Cremos que este prazo será
estamos cuidando de um novo
como litisconsorte, ao lado do
estabelecido pelo juiz, no pró-
processo que, como ficou mui-
Ministério Público, para se em-
prio edital, nos moldes do
to bem frisado por nós, deve
penhar ao máximo para a pro-
Código de Processo Civil.
merecer contornos diferencia-
cedência desta ação. Mesmo
Nossa posição é, portanto, a
dos. Pensamos, assim, que o
porque, caso a Associação in-
de que os co-legitimados apro-
legislador atribuiu legitimidade
gressasse posteriormente com
veitem o prazo estabelecido no
a determinadas pessoas jurídi-
uma ação coletiva, baseando-se
edital pelo juiz para o ingresso
cas e entidades por considerar
na mesma causa de pedir, já
dos interessados (vítimas e suces-
que estas pessoas possuem um
teríamos configurada a conexão
sores – art. 94, CDC) e se habili-
“plus” de confiança que os pró-
que levaria à reunião das duas
tem neste prazo; além disto, em
prios consumidores interessa-
ações.
nosso entendimento, a habilita-
dos, num primeiro momento,
Essa deve ter sido a intenção
ção dos interessados deve ocor-
não possuem, já que a lei não
do legislador quando se referiu
rer antes da citação do réu, o
permite que os mesmos propo-
à habilitação dos co- legitimados
que não causaria nenhum pre-
nham ação coletiva. Significa,
como “litisconsortes”.
juízo a sua defesa.
em nosso entendimento, que já
É certo que caso esta habili-
Isto porque, o Código de
que existe esta confiança, tam-
tação não ocorra dentro do pra-
Defesa do Consumidor não
bém em relação à habilitação
zo estabelecido pelo juiz no
define se o juiz determinará a
posterior ela deve existir. E esta
edital o co-legitimado, que in-
citação do réu desde logo ou
credibilidade fica mais clara ain-
gressará como litisconsorte,
se aguardará a habilitação dos
da com o parágrafo seguinte,
não mais deverá ter a oportuni-
interessados. Não define tam-
que determina a assunção, pelo
dade de aditamento da inicial.
bém o prazo para esta habili-
Ministério Público ou outro le-
Na prática, porém, ingres-
tação. Pensamos que o juiz, an-
gitimado da titularidade da
sando como litisconsorte ou
tes de determinar a citação,
ação, na hipótese de desistên-
como assistente litisconsorcial,
deve aguardar a habilitação dos
cia (§ 3º, art. 5º, da Lei 7.347/
não haverá diferença, já que o
interessados, que deve ocorrer
85).
regime do assistente litiscon-
belecido pelo juiz no edital.
dentro de um prazo razoável,
Podemos imaginar, por
sorcial é praticamente o mesmo
por ele estabelecido, a fim de
exemplo, neste caso recente
do litisconsórcio unitário, quer
que
o
das vítimas da pílula anticon-
dizer, o assistente litisconsor-
prejuízo para nenhuma das
cepcional Microvlar, que o Mi-
cial será necessariamente atin-
partes.
nistério Público propusesse
gido pela coisa julgada e isto é
108
não
ocorra
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
o que basta para colocá-lo na
re-se ao pólo passivo da ação;
to, aliás, não passou desperce-
posição de parte; no entanto,
o legislador disse que esta ha-
bido à doutrina. Ada P. Grino-
como não existe na doutrina
bilitação pode ocorrer em rela-
ver anotou: ‘Talvez não sejam
posição unânime a respeito das
ção a qualquer das partes.
freqüentes as oportunidades
duas figuras, quer dizer, nem
Poucos são os autores que se
em que os interesses instituci-
todos aceitam que o assistente
manifestam sobre esta legitimi-
onais dos corpos intermediári-
litisconsorcial possa ter direito
dade passiva.
os coincidam com os do réu.
aos mesmos atos dos litiscon-
O professor Celso A. Pache-
Mas não se podem excluir, a
sortes, então pensamos ser
co Fiorillo afirma que a regra
priori, ações intentadas não a
melhor que os co-legitimados
geral estabelecida na jurisdição
favor, mas sim contra o interes-
ingressem como litisconsortes,
civil coletiva é a de que, desde
se coletivo” (Mancuso, 1992,
para se evitar entendimentos
que não exista nenhum impe-
p.137).
dúbios. Mas, para evitar o pre-
dimento constitucional em re-
O professor Arruda Alvim
juízo da parte contrária, tam-
lação a cada uma das ações co-
apresenta outra posição; pensa
bém há que se estabelecer um
letivas, poderá figurar no pólo
ser inviável, pelo sistema do
prazo para este ingresso e, su-
passivo dessas ações qualquer
Código de Defesa do Consumi-
gerimos, assim, que seja feito
um (Fiorillo, Abelha Rodrigues
dor, que os legitimados do art.
até o vencimento do prazo esti-
e Andrade Nery, 1996, p. 122).
82 figurem no pólo passivo: “To-
pulado no edital, para a habili-
A Constituição Federal não
dos estes textos autorizam, ex-
tação dos interessados (art. 94,
proíbe qualquer pessoa de figu-
clusivamente, o entendimento
CDC), sob pena de, ingressan-
rar no pólo passivo das ações
de que a
do posteriormente, não mais
coletivas para defesa dos direi-
que se refere o art. 82 é, unica-
poderem aditar a inicial.
tos individuais homogêneos.
mente, uma legitimidade ativa.
Diante do conflito, Genacéia
Ademais, a regra do parágrafo
Ou seja, é legitimidade existen-
da Silva Alberton, ao escrever
segundo do artigo que estamos
te para que sejam propostas
sobre a assistência litisconsor-
comentando é clara ao estabe-
ações coletivas, em prol de con-
cial, deixa a seguinte proposta
lecer que os co-legitimados po-
sumidores, ou dos que a estes
de alteração: “Proponho, pois,
dem habilitar-se como litiscon-
estejam, pelo próprio sistema,
que se acrescente ao art. 46 do
sortes de qualquer das partes,
equiparados, para incidência de
Código de Processo Civil um
quer dizer, podem figurar tan-
determinada parte do regime
parágrafo único nos seguintes
to no pólo ativo como no passi-
jurídico deste estatuto (...). A
termos:
vo.
interpretação dos arts. 81 e 82
legitimidade, a
Art. 46, parágrafo único – É
O professor Rodolfo de Ca-
combinadamente com o art.
admitida a intervenção litis-
margo Mancuso entende ser
103, em que se disciplinam os
consorcial adesiva antes do
possível o litisconsórcio com
possíveis resultados das ações
início da instrução, demons-
um dos legitimados no pólo
coletivas, conduz a que o Códi-
trando o interveniente legiti-
passivo da ação: “Não se pode
go de Proteção e Defesa do Con-
midade para a causa” (Alber-
negar a possibilidade de litis-
sumidor somente regula a ação,
ton, 1994, p. 125).
consórcio no pólo passivo (...)”,
entendida esta expressão no
A segunda problemática em
e continua, citando a professo-
seu sentido próprio, ou seja,
torno deste parágrafo 2º refe-
ra Ada Pellegrini: “Esse aspec-
agir ativamente contra alguém,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
109
D ireito
Artigo
que é o sujeito passivo. A ação,
fornecedor contra um consumi-
a uma coletividade de pessoas
v.g., do fornecedor, porque neste
dor, esta ação não teria condão
indetermináveis e o bem tute-
sistema dele não cogita, enquan-
de ação coletiva e, neste momen-
lado é indivisível em relação aos
to autor, rege-se pelo direito pro-
to, concordamos com o Prof. Ar-
primeiros e, quanto aos direi-
cessual comum” (Arruda Alvim
ruda Alvim, reger-se-á pelo Có-
tos coletivos, da mesma for-
et al., 1991, p. 347).
digo de Processo Civil.
ma, o bem, que é indivisível,
Achamos que embora não
Concluindo, queremos dizer
pertence a um grupo, catego-
exista impedimento legal para
que, embora o Código não te-
ria ou classe de pessoas liga-
um legitimado figurar no pólo
nha proibido os co-legitimados
das entre si por uma relação
passivo da ação, esta participa-
a figurarem no pólo passivo da
jurídica-base.
ção no pólo passivo não terá
ação, esta proibição nem se fa-
Nelson Nery diz que somen-
como ocorrer no caso da ação
ria necessária, já que pela fina-
te nas ações coletivas para a
coletiva para defesa dos direi-
lidade do Código não haveria
defesa de direitos individuais
tos individuais homogêneos,
cabimento para esta hipótese.
homogêneos é que pode haver
por uma questão de lógica. Se
O artigo 94 do Código de
o ingresso do particular, na qua-
a ação coletiva para a defesa
Defesa do Consumidor estabe-
lidade de litisconsorte, porque
destes direitos só pode ser pro-
lece o ingresso de interessados,
o direito discutido é dele tam-
posta por um dos co-legitima-
como litisconsortes, com a
bém. Porém, conforme manifes-
dos, como imaginar um outro
propositura da ação. Dispõe o
tado anteriormente, essa inter-
co-legitimado, figurando no
artigo: “Proposta a ação, será
venção será sempre posterior,
pólo passivo da demanda, ao
publicado edital no órgão ofici-
já que o particular não é parte
lado de um fornecedor, por
al, a fim de que os interessados
legítima para propor a ação
exemplo? A lei atribui legitimi-
possam intervir no processo
(Nery Jr. e Andrade Nery, 1997,
dade a eles para defesa dos con-
como litisconsortes, sem preju-
p. 325).
sumidores. Por outro lado, caso
ízo de ampla divulgação pelos
Por este sistema, portanto,
uma ação seja proposta contra
meios de comunicação social
permite-se a intervenção do
um consumidor, esta não será
por parte dos órgãos de defesa
particular; é o que no ordena-
uma ação coletiva, já que, em-
do consumidor”.
mento norte-americano se cha-
bora a relação dos que partici-
O primeiro comentário que
ma de “the best notice e practi-
param de alguma forma para a
se nos afigura necessário é que
cable under the circunstances”.
transmissão daquele produto
pensamos ser esta intervenção
Mais uma vez, estamos dian-
ou daquele serviço seja bem
exclusiva das ações coletivas
te de uma hipótese de litiscon-
extensa para atribuir, num pri-
para defesa de direitos indivi-
sórcio facultativo ulterior. E,
meiro momento, responsabili-
duais homogêneos, já que, por
como já dito, no ordenamento
dade a todos, o consumidor
tratar-se de direitos divisíveis e
processual clássico, não se
está excluído desta lista, en-
disponíveis, são perfeitamente
admite esta figura.
quanto consumidor, nos mol-
identificáveis aqueles que pos-
des em que foi definido pelo
suem estes direitos.
Hugo Nigro Mazzilli diz que
nas ações coletivas para defesa
Código de Defesa do Consumi-
No caso de direitos difusos
de interesses individuais homo-
dor. Ademais, ainda que se pu-
e coletivos, o direito não é de
gêneos a pessoa, individual-
desse imaginar uma ação de um
um ou de outro, mas pertence
mente considerada, poderá in-
110
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Eduardo Gabriel Saad, acom-
al só pode ser usada por quem
panhando, ao comentar o arti-
realmente tem legitimidade
Arruda Alvim, nesta linha,
go, diz que “neste código, o
para a propositura da ação,
observa que a intervenção do
edital é usado para o chama-
independente dos demais
particular mais se aproximaria
mento ao processo de eventu-
co-legitimados; outros pensam
da assistência litisconsorcial, já
ais interessados, mas como au-
que a intervenção posterior
que, segundo o autor, para ser
tores litisconsortes” (Saad et al.,
facultativa caracteriza-se como
litisconsórcio deveria haver a
1991, p. 397).
um litisconsórcio, propria-
tervir como assistente litisconsorcial (Mazzilli, 1991, p.83).
possibilidade dos particulares
Ada Pellegrini Grinover, da
mente dito; e há, ainda, aqueles
serem autores da ação coleti-
mesma forma, entende que os
que criticam o sistema adotado
va (Arruda Alvim et al, 1991,
particulares ingressam como li-
pelo CPC, que deveria ter cuidado
p. 427).
tisconsortes dos autores e este
da hipótese de um legitimado
Rodolfo de Camargo Mancu-
litisconsórcio é regido pelas dis-
ingressar posteriormente como
so, de outro lado, diz que o in-
posições do CPC, em seus arts.
litisconsorte.
gresso dos demais consumido-
46 a 49, que tratam do litiscon-
Como dissemos, não vamos
res na ação formará um litiscon-
sórcio. Pensa ainda a autora que
voltar a discutir estas questões
sórcio facultativo ulterior. Em
será um litisconsórcio unitário,
tão bem cuidadas por inúme-
seqüência expressa: “mais pre-
já que a lide será necessaria-
ros autores de renome que até
cisamente, cremos cuidar-se de
mente decidida de modo unifor-
hoje não chegaram a um con-
intervenção litisconsorcial de
me com relação a todos, no que
senso.
tipo voluntário (hipótese do
diz respeito ao dever de inde-
Continuando, o segundo
art. 54 do CPC, antes lembra-
nizar, fixado na sentença con-
lado já recai exatamente na
do): a sentença irá influir na
denatória. Após, conclui, nos
temática das relações de con-
relação jurídica entre ele e o(s)
processos individualizados de
sumo; como temos repetido
adversário(s) do assistido, e por
liquidação o litisconsórcio que
exaustivamente, trata-se de um
isso sua intervenção é qualifica-
eventualmente se formar será o
novo processo, com novas ver-
da e não simples ou adesiva”
comum (Grinover, p. 397).
tentes, novos reflexos e, natu-
(Mancuso et al., p. 328).
Como se vê, estamos diante
ralmente, novas soluções que
devem ser buscadas.
Vladimir Passos de Freitas
de uma questão bem intrin-
não pensa diferente ao enten-
cada. O problema surge de
Todos os autores comenta-
der que a intervenção possa
dois lados; o primeiro já existia
dos têm sua opinião, alguns
ocorrer por parte de todos que,
antes da entrada em vigor do
baseando-se já nesta nova rea-
de alguma forma, possam ter
Código de Defesa do Consumi-
lidade, outros considerando as
interesse no desfecho da ação
dor e se refere à discordância dos
regras processuais clássicas,
coletiva proposta. Esta interven-
autores em relação às figuras do
todos, porém, com um posicio-
ção, segundo ele, ocorre atra-
litisconsórcio e da assistência
namento e respectiva funda-
vés do litisconsórcio, que nada
litisconsorcial. Veremos que há
mentação.
mais é do que a pluralidade de
opiniões divergentes em torno
De nossa parte, temos que é
partes na relação jurídica pro-
destas categorias de interven-
praticamente impossível enqua-
cessual, sendo sempre facultati-
ção. Alguns autores pensam
drar esta regra do artigo 94 do
vo (Freitas et al., 1991, p. 355).
que a assistência litisconsorci-
CDC às regras estabelecidas
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
111
D ireito
Artigo
pelo CPC, ao menos em sua to-
possam agir sozinhos, por exis-
tabelecido legitimidade ativa ao
talidade. Parece que para algu-
tir uma origem comum, ocasio-
mesmo. Não que ele não a te-
mas figuras nele elencadas há
nadora desta ameaça ou deste
nha, mas a tem como litigante
óbices de enquadramento nas
dano, a lei faculta uma ação
individual ou até em litisconsór-
ações coletivas. Os autores
coletiva, proposta por um dos
cio, com outras vítimas, porém,
apontados nos levam a estes
legitimados elencados no art.
neste caso sim, como litisconsor-
óbices. “Não dá para ser litiscon-
82, lei que permite também
tes do regime comum, do CPC.
sórcio, porque não se pode fa-
que estes consumidores e ví-
Assim, o ingresso dos con-
lar em litisconsórcio facultativo
timas ingressem no pólo ati-
sumidores e das vítimas interes-
ulterior”; “não pode ser assis-
vo da demanda ao lado do(s)
sadas no pólo ativo da ação co-
tência litisconsorcial porque o
autor(es) por pertencer a cada
letiva para defesa dos direitos
particular não tem legitimação
um deles o objeto litigioso, de
individuais homogêneos, ao
autônoma para a ação”; “a es-
forma divisível e disponível.
lado dos autores legitimados
pécie de intervenção litisconsor-
Não há nada parecido na lei
para a propositura, que pelo
cial voluntária não está previs-
material e instrumental do sé-
teor da lei só pode ser posteri-
ta em nosso ordenamento”.
culo passado. Como adequar
or a ela, levaria à perda de sen-
Com isto, acreditamos estar
aquelas regras a esta realidade?
tido das ações coletivas, se
diante de um novo tipo de litis-
Há que se estabelecer inter-
ocorrido no início da formação
consórcio, que até poderia ser
pretações sistemáticas para o
chamado de intervenção litis-
assunto. Se pararmos para re-
Há uma série de outras novi-
consorcial voluntária ou qual-
fletir, veremos que o ingresso
dades do sistema que nos con-
quer outro nome que se queira
do particular como litisconsor-
duzem a esta reflexão. Obser-
dar, desde que não se preten-
te comum, nos moldes do CPC,
ve-se, por exemplo, a questão
da enquadrá-lo pelas regras do
desembocará num verdadeiro
da coisa julgada, já menciona-
CPC. A lei do consumidor esta-
litisconsórcio multitudinário,
da. O Código de Processo Civil
belece que será publicado edi-
que, como dissemos, é justa-
estabelece, num primeiro mo-
tal para que os interessados
mente o que as ações coletivas
mento, que somente as partes
possam intervir como litiscon-
pretendem evitar. Daí a razão
serão atingidas pelos efeitos da
sortes; muito bem, serão eles
de ser de cada uma delas, des-
coisa julgada. Daí uma das ra-
litisconsortes, mas não os litis-
complicar e não complicar mais.
zões de ser do litisconsórcio.
consortes dos arts. 46 e segts.
Se o particular ingressa
Mas no sistema processual
do CPC; também não serão os
como um litisconsorte, quer
coletivo é diferente; mesmo
assistentes litisconsorciais do
dizer, no momento da propo-
aqueles que não intervieram no
art. 54 daquele Estatuto; serão
situra da ação, haverá um
feito como ‘litisconsortes’ serão
sim os litisconsortes do Código
grande tumulto na ação e a
beneficiados pelos efeitos da
de Defesa do Consumidor com
ação coletiva perderá a sua fi-
sentença favorável, assim, não
as peculiaridades que lhes são
nalidade.
há necessidade desta interven-
da relação processual.
ção, por isso ela é facultativa.
atinentes, ou seja, serão consu-
Se o legislador pretendesse
midores ou vítimas que estão
que o consumidor lesado pu-
Acreditamos que não haja
sendo ameaçados ou sofreram
desse ingressar na ação como
interesse por parte de todos os
danos e a quem, muito embora
parte autora legítima, teria es-
interessados em ingressar no
112
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
feito, já que, como acabamos de
mento do feito ocorrer até o fi-
ingresso, mesmo como assis-
dizer, a coisa julgada benefici-
nal do processo. Ademais, em-
tentes litisconsorciais, pois isso
ará mesmo àqueles que não te-
bora a lei do consumidor tenha
tumultuaria o andamento do
nham intervindo. Mas pode
reconhecido este como a parte
processo, atingindo a finalida-
ocorrer que um número grande
mais
de da jurisdição coletiva.
de consumidores/vítimas pre-
relação de consumo, as regras
Outro limite que deve ser
tenda habilitar-se como litiscon-
diferenciadoras já estão estabe-
estabelecido se refere ao adita-
sorte, levando a um indesejável
lecidas, e o princípio do contra-
mento da inicial; sugerimos que
tumulto. Para que isto não ocor-
ditório permanece íntegro, o
esta seja uma condição sine qua
ra pensamos que alguns limites
que significa que o réu deve ter
non para o ingresso do particu-
devam ser colocados.
iguais oportunidades de mani-
lar como litisconsorte. Isto por-
Por tudo isto, temos que re-
festações. Sendo assim, caso
que não faz sentido a habilita-
gras diferenciadas devem ser
fosse viável a habilitação dos
ção se não houver este adita-
estabelecidas para o ingresso
interessados a qualquer mo-
mento, já que os benefícios da
deste particular na demanda,
mento, haveria que se permitir
coisa julgada serão estendidos
de forma que não tumultue o
ao réu a manifestação em
a ele sem ter ingressado e so-
regular andamento da ação co-
todos estes momentos.
mente se houver improcedência
fraca
da
Ademais, também não suge-
da ação e o particular tiver in-
Um limite que consideramos
riu a lei se a citação do réu deva
gressado é que esta decisão o
viável diz respeito ao momento
ocorrer antes ou após a publi-
atingirá. Desta feita, perde a
do ingresso destes interessa-
cação deste edital; pensamos
razão de ser o ingresso do par-
dos. Embora a lei não o estabe-
que deva ocorrer posteriormen-
ticular sem modificação do pe-
leça, achamos por bem que os
te a esta publicação, para uma
dido inicial.
interessados habilitem-se como
vez publicado e habilitados os
Assim, para concluir, há que
litisconsortes no prazo que de-
interessados, aí sim realizar-se
se estabelecer novos contornos
verá ser estabelecido no edital
a citação. No entanto, este pra-
para esta intervenção do art. 94,
pelo juiz, antes da citação do
zo não deve ser muito longo
para que as ações coletivas não
réu. Não é demais lembrar que
para não prejudicar todos os
percam sua razão suprema de
a lei do consumidor não diz
envolvidos. Posicionamo-nos
existir.
expressamente que o juiz deva
por 30 (trinta) dias, o que
estabelecer um prazo para o
inclusive se coaduna com o pra-
cumprimento deste edital, mas,
zo estabelecido para os interes-
obviamente, este prazo deverá
sados suspenderem suas ações
ser estabelecido, sob pena de
individuais (art. 104).
letiva.
o procrastinamento do anda-
R
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j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
A propaganda enganosa: uma abordagem
sob a ótica do Código de Defesa do
Consumidor
Silton Marcell Romboli
Mestre em Administração de Empresas.
Professor do Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul.
Consultor em Administração de Marketing.
José Carlos C. Puga
Mestre em Administração de Empresas.
Bacharel em Administração de Empresas, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis.
Consultor Contábil-Financeiro de diversas empresas.
Professor do Instituto de Ensino Superior de São Caetano do Sul.
R e s u m o
A b s t r a c t
O escoamento dos produtos fabricados pelas
empresas a níveis desejados tem sido uma das
maiores dificuldades do sistema capitalista, da
sua gênese até os dias atuais.
The flow of goods made by businesses to desirable
levels has been one of the biggest difficulties of
capitalist system since its gênesis up to present
days.
A propaganda dessa forma encontra grande
relevância como sendo um agente facilitador da
atividade empresarial, pois divulga o produto,
estimula o consumo e aumenta como conseqüência à produção. Para tal, cabe ser lembrada
a necessidade de a propaganda estar intrinsecamente vinculada ao produto em uma concepção
essencial, porque o “Código de Defesa do
Consumidor”, por meio de seu capítulo intitulado
“Publicidade Enganosa”, trata com extremo rigor
toda e qualquer comunicação feita ao consumidor, seja ela total ou parcialmente falsa.
Advertising, this way, finds great relevance as
being a facilitator agent of business activities, as
it publishes the product, stimulates the
consumption and increases the production as well.
É, sem dúvida alguma, uma grande evolução da
relação de consumo em nosso país, e faz com
que as empresas fiquem mais atentas com a
veracidade das informações divulgadas por meio
de seus mecanismos de propaganda.
No doubt that it is a great evolution of the
comsuption relation in our country, and makes
businesses more aware of the veracity of
published information through their adverting
mechanisms.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
This way, it is necessary to remind the necessity
of advertising, for it is closely related to the
product in an essential conception, and because
the “Code of Comsumer’s Defense”, through its
chapter named “Cheating Publicity”, deals with
extreme rigor all and any communication done
to the consumer, may it be totally or partially
false.
115
D ireito
INTRODUÇÃO
Artigo
da de valor e reserva de valor
1 A PROPAGANDA
p.182).
O estímulo ao consumo tem
ções de consumo nos dias de
Assim, as trocas foram ganhan-
sido cada vez mais presente e
hoje, temos antes que conhe-
do espaço e popularidade, sen-
utilizável como uma ferramen-
cer alguns aspectos de seu pro-
do realizadas sob o ângulo
ta que auxilia no escoamento
cesso histórico, para que des-
específico da cultura de cada
dos produtos em níveis deseja-
sa forma possamos compreen-
povo.
dos. Hoje, por meio de diagnós-
Para entendermos as rela-
(Rossetti,
1999,
Na Grécia Antiga as trocas
ticos precisos, formula-se um
eram realizadas em Àgoras, ou
composto promocional, para
A história das relações de
seja, as principais praças públicas
que sejam efetuadas as vendas
consumo está inter-relacionada
das cidades gregas, sendo geral-
em um determinado segmento
diretamente com o desenvolvi-
mente no centro e a céu aberto,
de mercado.
mento econômico da socieda-
e tendo também uma utilização
Uma definição de propagan-
de. Partindo-se dessa premissa,
para celebrações religiosas.
da de grande quilate é advoga-
encontramos sua propedêutica
(Ferreira, 1997, p. 63).
da pela Associação Americana
der um pouco o paradigma dos
dias de hoje.
de Marketing, que define pro-
nos primórdios da humanidade,
Em Roma, os cidadãos nati-
onde pela inexistência de
vos, bem como os estrangeiros,
moeda, os povos efetuavam
efetuavam suas relações de
“Qualquer forma paga de
suas trocas por meio de um
consumo junto ao fórum. Além
apresentação pessoal e pro-
recurso denominado escambo
disso, este espaço também era
moção de idéias, bens ou
(Rossetti, 1999, p. 171). Com
destinado a decisões de ordem
serviços, por um patrocina-
o passar do tempo e a dificul-
política.
dor identificado” (Enis, 1983,
paganda como sendo:
p. 264).
dade de se conseguir uma pa-
Já nas cidades Medievais, o
ridade nas trocas, existiu a ne-
comércio era realizado em es-
A mesma Associação America-
cessidade de se criar um meca-
paços público e especializado,
na de Marketing traz também em
nismo que tornasse estas mais
recebendo o nome do bem
seu rol de definições o conceito de
lógicas e coerentes.
p r in cip a l c o m e rc i a l i z a d o ,
publicidade como sendo:
A priori eram nomeados
como por exemplo: praça do
“Um estímulo impessoal de
alguns produtos de considerável
peixe, praça das ervas, praça
demanda por um produto ou
relevância, tal como o açúcar,
das frutas etc.
serviço ou unidade de comér-
mas este por sua vez veio a
É importante notar que não
cio pela inserção de notícias
fracassar, cedendo lugar para a
existiam critérios únicos e nem
comercialmente significante
moeda propriamente dita, anos
padronizados para que fossem
a seu respeito, em um
mais tarde (Rossetti, 1999, p.
realizadas essas transações,
veículo, ou obtenção de uma
175).
uma vez que elas assumem for-
apresentação favorável, em
A partir de então, a moeda
mas mais complexas a cada
rádio, televisão ou palco,
abriu espaço para uma utiliza-
momento, pois a troca é uma
sem que haja pagamento por
ção em sentido amplo, não ape-
atividade humana fundamental
parte do patrocinador” (Enis,
nas simplesmente como uma
impulsionadora do desenvolvi-
1983, p. 264).
unidade de troca, mas incorpo-
mento econômico das socieda-
Todas essas definições só
rava também o papel de medi-
des. (Enis, 1983, p. 24-26).
116
amparam a conclusão de Mincij a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
otti, sobre a dificuldade se
É evidente que o livro nunca
diferenciar Publicidade e Pro-
será lido, o sermão não chama-
As mensagens distorcidas
paganda por meio do paga-
rá a atenção de ninguém e a
apresentadas por meio de Pro-
mento ou não por parte do pa-
ratoeira ficará na prateleira da
pagandas Enganosas têm gera-
trocinador nos dias de hoje.
loja, a não ser que o mundo
do cada vez mais um clima de
Dessa forma, ele acredita que a
saiba a respeito desses produ-
desconfiança nos consumidores,
diferença básica está na osten-
tos e acredite em suas qualida-
prova deste fato foi a pesquisa
sividade do patrocínio, que é
des, e é a propaganda que tem
realizada pelo P.O.P. (Pesquisa de
flagrante na propaganda e na
a incumbência de proporcionar
Opinião Pública), que totalizou
publicidade, não (Minciotti,
essa divulgação.
400 pessoas entrevistadas.
2 A PROPAGANDA ENGANOSA
Esse processo possuiu vári-
Essa pesquisa teve como
os agentes que são classifica-
finalidade analisar a veracidade,
tudo isso é uma retificação a ser
dos como:
segundo a ótica do público, das
feita em nosso “Código de
Q
1986, p. 40).
O que pode ser extraído de
Comunicador: o que envia ou
propagandas de veículos. Os
é a fonte da mensagem;
resultados obtidos foram in-
Mensagem: o conjunto de
questionavelmente esmagado-
Enganosa, ao passo que o mais
significados que está sendo
res em favor da desconfiança
correto, em conformidade com
enviado;
geral, pelo fato de 50,5% acre-
Canais: os meios pelos quais
ditarem que a propaganda “não
cionadas, seria Propaganda
as mensagens podem ser
apresenta a descrição verdadei-
Enganosa.
levadas ou transmitidas aos
ra dos automóveis”, enquanto
receptores;
apenas 20,8% acreditam que
Receptor: o recebedor ou a
sejam verdadeiras. Mas a aten-
sumo, atuando junto a necessi-
quem se destina todo o pro-
ção deve voltar-se para os ou-
dades e desejos ilimitados, pois
cesso. (Kotler, 1980, p.
tros 17,5% que têm o perfil de
propicia uma comunicação
383).
“acreditarem desacreditando”,
fundamental entre as empresas
É claro que a mensagem sim-
ou seja, acham que apenas par-
e o mercado, movimentando
plesmente não pode efetivar a
te da propaganda é verdadeira.
todo o composto produtivo.
troca, mas é uma forte ferra-
Esses dados simplesmente
Com base nisso podemos
menta para que ocorra a esti-
demonstram a opinião dos con-
dizer que Ermerson estava
mulação. Assim, a caracteriza-
sumidores para com um merca-
errado quando afirmou:
ção de uma Propaganda Enga-
do específico; entretanto, existe
“Se um homem pode escre-
nosa está diretamente relacio-
hoje uma falta de credibilidade
ver o melhor livro, fazer o
nada a uma distorção da men-
geral
melhor sermão ou construir
sagem, o que leva o receptor a
propaganda, pois o consumidor
uma ratoeira melhor que
uma falsa verdade em relação
vê a todo instante serem ofere-
seus vizinhos, embora ele
ao produto que está sendo vei-
cidos produtos como: emagre-
construa sua casa na flores-
culado, tornando o consumo do
cedores que prometem resulta-
ta, o mundo abrirá um cami-
produto atrelado a virtudes que
dos espantosos, sem sacrifícios;
nho até sua porta” (Enis,
este pode não possuir como
automóveis que demonstram
1983, p. 260).
característica.
um desempenho ótimo, muito
Defesa do Consumidor” que
utiliza o termo Publicidade
as
definições
supramen-
Q
Q
A propaganda tem um papel
fundamental na relação de con-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Q
no
que
tange
à
117
D ireito
Artigo
além da realidade; ou ainda
muito embora já existissem
sumidor sobre o dado essen-
um apartamento de dois
algumas leis esparsas.
cial do produto ou serviço”.
dormitórios na zona leste da
No que tange à proteção dos
“É abusiva, dentre outras, a
cidade de São Paulo que prome-
consumidores contra a propa-
publicidade discriminatória,
te a vizinhança da atriz
ganda enganosa, o Código de
a que incite à violência, ex-
Carolina Ferraz.
Defesa do Consumidor tem o
plore o medo ou a supersti-
A maciça utilização de Pro-
seu início no artigo 6º, inciso
ção, a que aproveite da defi-
paganda Enganosa traz, além
IV, que é expresso da seguinte
ciência de julgamento e ex-
da perda de credibilidade por
forma:
periência da criança, desres-
parte da empresa, dois outros
“Artigo 6º – São direitos bá-
peite valores ambientais, ou
comportamentos a serem toma-
sicos do consumidor”;
seja, capaz de induzir o con-
das pelo consumidor.
IV - a proteção contra a pu-
sumidor a se comportar de
O primeiro é a efetiva desis-
blicidade enganosa ou abu-
forma prejudicial ou perigo-
tência de vir a consumir o pro-
siva, métodos comerciais co-
sa à sua saúde e segurança.
duto novamente, sendo consi-
ercitivos ou desleais, bem
Em suma, abusiva é a propa-
derada até uma conseqüência
como contra práticas e cláu-
ganda antiética, que se im-
positiva para a empresa, uma
sulas abusivas impostas no
ponha sem que se possa dis-
vez que a desobriga a efetuar o
fornecimento de produtos e
pensá-la, que incite precon-
ressarcimento previsto na
serviços.”
ceitos, que seja vexatória ou
legislação.
Cabe aí uma diferenciação
explore a vulnerabilidade do
O segundo comportamento,
entre a Propaganda Enganosa,
consumidor, que viole usa in-
este considerado muito mais
que é objetivo de nosso estu-
trincidade, paz ou tranqüili-
grave, é o ingresso de ação con-
do, e a Propaganda Abusiva,
dade” (1997, p. 107).
tra a empresa ou seu represen-
abordada por Mazzilli, quando
Porém, ainda com relação ao
tante, a fim de buscar a repara-
afirma:
artigo 6º, cabe relevar a mani-
ção do dano, oriundo da utili-
“É enganosa qualquer moda-
festação dos doutrinadores que
zação de um produto ou servi-
lidade de informação em co-
participaram da elaboração do
ço “errôneo ou lesivo ao patri-
municação de caráter publi-
Código de Defesa do Consumi-
mônio em decorrência de indi-
citário, inteira ou parcialmen-
dor, os quais advogam que a
cação ou afirmação falsa ou
te falsa, ou, por qualquer
proteção contra a Propaganda
enganosa sobre a natureza, a
outro modo, mesmo por
Enganosa ou Abusiva se dá a
qualidade do bem ou serviço”.
omissão, capaz de induzir
partir do Artigo 30, descrito no
(Filomeno, 1991, p. 247).
em erro o consumidor a res-
Código da seguinte forma:
O amparo preponderante a
peito da natureza, caracterís-
“Toda informação ou publi-
esse rol de direitos atuais é o
ticas, qualidade, quantidade,
cidade, suficientemente pre-
“Código de Defesa do Consumi-
propriedades, origem, preço
cisa, veiculada por qualquer
dor” acrescido a nossa legisla-
e quaisquer outros dados
forma ou meio de comunica-
ção em 12 de setembro de 1990
sobre produtos e serviços.
ção, com relação a produtos
no governo do então Presiden-
Por sua vez, é enganosa por
ou serviços.”
te Fernando Collor de Melo, que
omissão a Propaganda que
“Oferecidos ou apresenta-
criou uma legislação específica,
deixe de informar ao con-
dos, obriga o fornecedor que
118
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
a fizer veicular, ou dela se
III - rescindir o contrato,
sumidor, fácil e imediatamen-
utilizar e integrar o contrato
com direito a restituição de
te, a identifique como tal”.
que vier a ser celebrado.”
quantia eventualmente an-
Parágrafo Único: O fornece-
Assim, a lei deixa claro que,
tecipada, monetariamente
dor, na publicidade de seus
seja simples informação, seja
atualizada e a perdas e danos.
produtos ou serviços mante-
propaganda veiculada, não
O termo “a sua livre escolha”
rá, em seu poder, para infor-
devemos nos esquecer de que
deixa bem claro que o consumi-
mação dos legítimos interes-
estamos diante de uma oferta,
dor encontra-se em total privilé-
sados, os dados fáticos, téc-
que passa a integrar o contrato
gio para escolher como sanar
nicos e científicos que dão
no momento em que este é
possíveis prejuízos proporciona-
sustentação à mensagem.
realizado.
dos pela oferta, nas condições
A propaganda deve estar
Com base no supramencio-
pré-estabelecidas no Código.
atenta à qualidade que visa
nado, a empresa deve, antes do
Outro aspecto relevante é o
transparecer, de forma que o
estabelecimento de uma oferta,
fato de que a propaganda deve
consumidor a identifique fácil e
ter a noção exata dos limites
exprimir com exatidão somen-
imediatamente, para se desvin-
que possui para o cumprimen-
te o que tem a efetiva condição
cular da prerrogativa de gerar
to desta, e atrelar a sua oferta
de cumprir, respeitando todas
um engano. Contudo, há de se
todos os dados importantes no
as características do que é
notar que é difícil expor um
que se refere à qualidade,
vendido, para que não fiquem
produto chamando a atenção
quantidade, preço ou quaisquer
possíveis brechas que gerem
do público nos diversos graus
outros atributos que possam vir
cobranças futuras.
de cultura contidos na socieda-
Assim, se o fornecedor dei-
de, sem agredir a nenhum de-
xar de cumprir a oferta, ou ain-
les, como é o caso das propa-
Com relação ao Artigo 35, o
da, se não tiver condições de
gandas de massa. Para tal, o
Código do Consumidor mani-
cumprir o que prometeu, o con-
mais correto é que a propagan-
festa direitos que são assim
sumidor poderá escolher entre
da veicule informações pensan-
expressos:
o cumprimento forçado da obri-
do em atingir o homem médio,
“Se o fornecedor de produ-
gação e a aceitação de outro
não se concentrando em nenhum
tos ou serviços recusar o
bem de consumo, ficando ain-
dos extremos da exata cultura.
cumprimento da oferta, apre-
da a possibilidade de serem
sentação ou publicidade, o
pleiteadas perdas e danos em
consumidor
poderá,
virtude da expectativa criada e,
“O anúncio publicitário é
alternativamente e à sua
como conseqüência, a frustra-
dirigido aos consumidores
livre escolha”:
ção que veio a gerar.
indiscriminadamente. Por
a gerar reclamações por parte
do cliente.
Segundo Nunes (1997, p.
249):
I - exigir o cumprimento for-
Seguindo o enorme rol de
isso, durante a averiguação
çado da obrigação, nos ter-
direitos proporcionados pelo
não se pode levar em conta
mos da oferta, apresentação
Código, o artigo 36 mostra
certo consumidor real, com
ou publicidade;
outro aspecto importante
qualidades específicas pró-
II - aceitar outro produto ou
sempre ligado a vícios.
prias, por isso poderia, em
prestação de serviço equiva-
“A publicidade deve ser veicu-
tese, afastar o teor engano-
lente;
lada de tal forma que o con-
so do anúncio”.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
119
D ireito
Artigo
Fechando o comentário com
de-se que assim seja. Esse
“O ônus da prova da veraci-
relação a este artigo, fica um
traço patológico afeta não
dade e correção da informa-
fato interessante, nítido aos
apenas os consumidores,
ção ou comunicação publici-
nossos olhos diariamente. Ele
mas também a sanidade do
tária cabe a quem patrocina”.
diz respeito aos dados técnicos
próprio mercado. Provoca,
Diante de dúvidas sobre a
e científicos que os produtos
está provada, uma distorção
veracidade e correção da infor-
possuem e são usados pelos
no processo decisório do
mação ou da comunicação, não
que anunciam, com o intuito de
consumidor, levando-o a ad-
cabe a quem as acusa de inexa-
demonstrar maior qualidade do
quirir produtos e serviços
tas comprovar sua alegação,
produto, mas que acabam por
que, estivesse melhor infor-
pois o ônus da prova é de
simplesmente confundir o con-
mado, possivelmente não o
atribuição do fornecedor.
sumidor e caracterizam a enga-
faria”.
nosidade da propaganda.
“O Legislador, reconhecendo
sumidor mediante a crença
Outro artigo que merece ser
a complexidade e dinamismo
comum de que o fornecedor
citado por manifestar a prote-
da matéria, preferiu concei-
possui uma força maior, e tal
ção contra a Propaganda Enga-
tuar de maneira larga o que
privilégio coloca ambas as par-
nosa é o 37 em seu parágrafo
seja publicidade enganosa.
tes em pé de igualdade propor-
primeiro:
Fica, de qualquer modo,
cionando, em contrapartida,
“É proibida toda publicidade
como fundamento de sua
maior possibilidade de que a
enganosa ou abusiva”.
proibição, o reconhecimento
justiça seja alcançada.
Parágrafo 1º – É enganosa
de que o consumidor tem um
Todos estes direitos expos-
qualquer modalidade de in-
direito – de ordem pública –
tos buscam evitar que o consu-
formação ou comunicação de
a não ser enganado, direito
midor seja alvo constante de um
caráter publicitária, inteira
este agora adotado pelo
bombardeamento de mensa-
ou parcialmente falsa, ou,
direito brasileiro” (Grinover,
gens enganosas no seu dia-a-
por qualquer outro modo,
1995, p. 283- 84).
dia, pois este age por impulsos
mesmo por omissão, capaz
As mensagens transmitidas
e entrega-se a um consumo de
de induzir em erro o consu-
aos consumidores assumem na
produtos dos mais diversos
midor a respeito da nature-
maioria das vezes um papel
tipos.
za, características, qualida-
bem deturpado, imputando em
Portanto, a política de Rela-
de, quantidade, proprieda-
uma falsidade inteira ou parci-
ção de Consumo do País, por
des, origem, preço ou quais-
al. O que ocorre é que o consu-
meio de uma legislação moder-
quer outros dados sobre pro-
midor e seus órgãos de defesa
na (Código de Defesa do Con-
dutos e serviços.
acabam por fazer vistas grossas
sumidor), tenta harmonizar
Os autores do Código de
e só tomam atitudes quando
sinergicamente o mercado, pro-
Defesa do Consumidor comen-
acontece de aquelas “pequenas
porcionando um equilíbrio en-
tam o artigo da seguinte forma:
mentiras” causarem conseqüên-
tre fornecedores e consumido-
“A PUBLICIDADE ENGANOSA”
cias muito graves e danosas aos
res para que haja uma ordem
– O Legislador demonstrou
consumidores.
econômica justa e um desenvol-
colossal antipatia pela publicidade enganosa. Compreen120
Finalizando, cabe ainda ressaltar o artigo 38:
Este amparo é dado ao con-
vimento necessário e acessível
a todas as instâncias sociais.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Cabe ainda ressaltar que
dos pilares mais importantes de
campanha promocional possa
toda esta explanação sobre a
um sistema democrático e, por-
gerar. É evidente que também
Propaganda Enganosa não encer-
tanto, acessível a qualquer bra-
existem empresas com pré-dis-
ra o questionamento que deve
sileiro que sinta seu direito
posição para enganar os consu-
existir sobre o tema, em virtude
ameaçado, seja em função da
midores, mas essas acabam por
da diversidade e complexidade
aquisição de um produto que
sofrer, ao longo dos anos, o
de interpretação que surge a
não correspondeu às expecta-
ônus da perda de credibilidade
todo o momento, mas proporci-
tivas ou ainda em função de
por parte do mercado.
onará em contrapartida subsídi-
uma briga de vizinhos.
O advogado possui hoje nas
os para a reflexão e formulação
Assim, toda vez que um con-
organizações uma função bem
de novas hipóteses com um teor
sumidor se sentir injustiçado
mais importante atrelada aos
muito mais apurado.
pode recorrer à justiça no intui-
conhecimentos técnicos que
to de defender seus direitos,
este profissional pode utilizar
pois hoje existem instrumentos
no intuito de proporcionar uma
Nas últimas duas décadas o
como o “Código de Defesa do
segura utilização da propagan-
Brasil vem usufruindo do privi-
Consumidor” que possibilita ao
da sem que esta acarrete preju-
légio de ter um sistema de go-
consumidor lutar em uma situ-
ízos para a empresa.
verno amparado no ideal demo-
ação de igualdade mesmo
Dessa forma, o advogado e
crático. Não cabe neste artigo
diante de adversários muitos
o administrador devem traba-
discutir o quanto democrático
poderosos.
lhar lado a lado para a constru-
CONCLUSÃO
é o Brasil nem tão pouco se esse
Por outro lado, a figura do
ção de uma empresa forte, pois
sistema é realmente bom ou
advogado passou a ser muito
em um futuro bem próximo
ruim. O aspecto importante
importante para a empresa no
esse será o diferencial entre o
para nós, neste artigo, é o fato
sentido de defendê-la das difi-
sucesso e o fracasso de uma
de o sistema judiciário ser um
culdades que um erro em uma
organização.
R
BIBLIOGRAFIA
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propaganda mente. Diário Comércio e
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ROSSETTI, José P. Introdução à
economia. 16. ed. São Paulo:
Atlas,1999.
121
D ireito
Artigo
A proteção da pessoa humana
André Rubens Didone
Professor Coordenador do Curso de Comércio Exterior do IMES, doutorando em
Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA-Buenos Aires, Argentina. Mestre em
Administração pelo IMES, Mestrando em Economia pela PUC-SP, Curso Superior de
Guerra-ESG-RJ, Lato-Sensu em Política e Estratégia pela USP.
R e s u m o
A b s t r a c t
Este artigo se refere a temática atual dos direitos
humanos.
Pode ser uma contribuição, como informação,
sobre a história dos direitos humanos.
Nós não podemos concordar com as manifestações das ONG’s em todo o mundo sobre a
defesa, em igualdade, para todas as pessoas de
diferentes países, mas nós devemos aceitar a
principal motivação que o caminho certo sobre
a pessoa humana, registrou muitos progressos
nos últimos dez anos.
This article remains to the atually tematic
from human rights.
It could be a contribution, like information
about the history of human rights.
We can´t agree with the manifestations from
de ONGs in the whole world about the defense
in equality for all the people in different
countries, but we must accept the principal
motivation that the right way about human
people has registered many progress in the
past ten years.
122
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
a intervenção em 1827 da Fran-
outras admitidas pelo direito
Dentre alguns dos aspectos
ça, Grã-Bretanha e Rússia a fa-
internacional, desde que não se
da proteção dada pela ordem
vor dos insurgentes gregos, que
trate de emprego de força
jurídica internacional à pessoa,
se haviam levantado contra o
armada, em violação da Carta
os fatos internacionais realiza-
Império Otomano. Foi conside-
das Nações Unidas.
dos com este fim demonstram
rada uma intervenção legítima,
exatamente a subjetividade
embora o sentimento de
1.2 Intervenção para a
internacional do indivíduo, vez
humanidade tenha sito citado
proteção dos interesses
que o transformam em porta-
em segundo lugar, visto que o
de seus nacionais
dor de direitos e deveres perante
motivo principal foram os danos
Todo Estado tem o direito e
a ordem internacional.
materiais sofridos pelos seus
o dever de proteger os seus na-
nacionais. As medidas tomadas
cionais no exterior. Esse direi-
1.1 Intervenção para a proteção
pela marinha britânica de
to, reconhecido tradicionalmen-
dos direitos humanos
combate ao tráfico de escravos,
te pelo direito internacional, foi
O reconhecimento internaci-
principalmente o brasileiro, era
codificado na Convenção de
onal dos direitos humanos na
apresentado como de cunho
Viena sobre Relações Diplomá-
Carta das Nações Unidas e na
humanitário.
ticas de 1961. Seu exercício,
INTRODUÇÃO
Declaração Universal dos Direi-
Seja como for, para os defen-
geralmente realizado através de
tos Humanos deu-lhes uma
sores da proteção internacional
missão diplomática, não pode
importância desconhecida até
dos direitos humanos, a inter-
ser taxado de ingerência abusi-
então, importância esta que se
venção deverá ser praticada por
va nos negócios do Estado,
vai tornando cada vez maior
meio de organização internaci-
desde que mantido dentro de
com o correr dos anos, a ponto
onal, leia-se as Nações Unidas,
determinados limites. Infeliz-
de alguns governos e autores
da qual todos os países envol-
mente, verifica-se freqüente-
julgarem que seu desconheci-
vidos sejam membros e que,
mente que o exercício da pro-
mento por um Estado justi-
como tais, tenham aceito a ado-
teção diplomática é acompanha-
ficaria uma intervenção para
ção da medida. O Institut de
do por outros meios de pressão,
acabar com eventuais abusos.
Droit Internacional, em sua ses-
como a adoção de restrições
O sentimento não é de hoje
são de Santiago de Compostela
econômico-comerciais.
e citam-se inúmeros exemplos
(1990), como que aceitou a tese
Os Estados Unidos, tradicio-
de intervenção humanitária no
da intervenção para a proteção
nalmente, reservam-se a facul-
passado. Na maioria dos casos,
dos direitos humanos, mas a
dade de intervir em país, geral-
ocorria indiscutivelmente no
resolução
veio
mente da América Central ou do
país vítima da intervenção a
revestida de diversas salvaguar-
Caribe, onde a vida e as propri-
prática de crueldades, freqüen-
das. Pela resolução, os Estados,
edades de seus nacionais sejam
temente com a morte maciça de
agindo individual ou coletiva-
ameaçadas.
pessoas, mas, também, em
mente, têm o direito de adotar
consolidou-se com o pronunci-
todos os casos o Estado inter-
em relação a outro Estado que
amento do Presidente Teodoro
ventor era movido por outros
tenha violado as suas obriga-
Roosevelt, em decorrência do
interesses. Talvez o melhor
ções na matéria as medidas
qual aquele país interveio me-
exemplo no passado tenha sido
diplomáticas, econômicas e
diante o envio dos marines em
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
adotada
Essa
posição
123
D ireito
Artigo
várias nações vizinhas. A prá-
to anterior de Carlos Calvo, teve
Depois, na 4ª Conferência
tica, que havia sido desconti-
grande repercussão e passou a
Internacional Americana, foi
nuada, voltou em 1965, quan-
ser conhecida como Doutrina
concluída uma convenção sobre
do os Estados Unidos enviaram
Drago . Drago não negava a
reclamações pecuniárias, que
tropas para a República Domi-
obrigação da nação devedora de
teve a data de 11 de agosto de
nicana para proteger seus naci-
reconhecer dívidas e procurar
1910 e pela qual as partes
onais ameaçados por ocasião da
liquidá-la, mas condenava a
contratantes se compromete-
revolução que eclodira. Poste-
cobrança coercitiva destas, como
ram a submeter à arbitragem
riormente, a OEA concordou
capaz de conduzir as nações
todas as reclamações por danos
com o envio de uma força inte-
mais fracas à ruína e até à
e prejuízos pecuniários, apre-
ramericana, que incluía tropas
absorção dos respectivos gover-
sentadas pelos respectivos na-
brasileiras, com o objetivo de
nos pelos das nações mais
cionais e que não pudessem ser
restabelecer a paz na ilha. Mais
poderosas.
resolvidas, amistosamente, pela
Querendo, de certa forma,
via diplomática, contando que
ligar sua tese à doutrina de
tais reclamações fossem de
A demonstração naval peran-
Monroe, Drago pretendeu fosse
importância suficiente para
te portos venezuelanos em
reconhecido o princípio segundo
cobrir as despesas do juízo
1902 da parte da França, Grã-
o qual “a dívida pública não pode
arbitral.
Bretanha e Itália foi seguida de
motivar a intervenção armada e,
Na Conferência Interameri-
bombardeio dos portos de Ma-
ainda menos, a ocupação
cana para a Consolidação da Paz,
racaibo, La Guadia e Puerto
material
das
celebrada em Buenos Aires em
Cabello com o objetivo de forçar
nações americanas por uma
dezembro de 1936, a delegação
o governo da Venezuela a pa-
potência européia”.
Argentina pretendeu, sem êxito,
tarde, houve novas intervenções
no panamá, Granada e Haiti.
do
solo
dar
forma
conven-
compromissos
Mais tarde, essa doutrina foi
financeiros com nacionais dos
submetida à 2ª Conferência da
cional à Doutrina Drago. A dele-
três países.
Paz, realizada em Haia em 1907,
gação do Brasil impugnou o
sendo transformada na chamada
projeto, manifestando que só o
Convenção Porter, que condena
aceitaria se lhe acrescentasse
O bombardeio dos portos
o emprego da força para a
uma disposição pela qual fosse
venezuelanos provocou vivos
cobrança das mencionadas
declarado que, no caso de con-
protestos na América Latina e
dívidas, cujo pagamento seja
trovérsia acerca da cobrança de
foi objeto de nota de protesto
reclamado ao governo de um país
dívidas ou reclamações pecuni-
do ministro das Relações Exte-
pelo outro país, em nome dos
árias, e na hipótese de ser
riores da Argentina, Luís Maria
credores, seus nacionais, salvo se
impossível um acordo pelos mei-
Drago, ao governo dos Estados
o estado devedor repelir ou
os diplomáticos usuais, as par-
Unidos, na qual condenava o
deixar
um
tes litigantes se obrigassem a
uso da força para obrigar um
oferecimento de arbitragem
recorrer à arbitragem ou à
Estado a pagar as suas dívidas
sobre o caso, ou, se o aceitar, em
decisão de uma corte de justiça
públicas.
se realizando a arbitragem, não
internacional. É curioso assi-
se conformar com a sentença
nalar que o próprio Drago, no
proferida.
despacho em que formulou sua
gar
seus
1.3 A Doutrina Drago
A nota de Drago, que a rigor
se inspirava em pronunciamen124
sem
resposta
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
doutrina, não se opunha de
três primeiras décadas do sécu-
proibindo o tráfico é de 1807.
modo algum ao recurso à solu-
lo XIX e teve fim quando, em
A luta da Inglaterra contra o trá-
ção arbitral, fazendo questão
1830, a Argélia foi conquistada
fico fez com que ela conquis-
apenas de que, antes ou depois
pela França. A Rússia, ao
tasse novas colônias para ser-
da arbitragem, não se lançasse
dominar a região do Mar Negro,
vir de base para sua luta; Serra
mão da força para cobrança da
terminou com a escravidão de
Leoa (1808), Gâmbia (1816) e
dívida pública do Estado.
brancos ali existentes.
Costa do Ouro (1821). Em con-
O tráfico de escravos negros
seqüência, ela passou a ter uma
2 TRÁFICO DE ESCRAVOS,
foi praticado durante séculos e
situação dominante na África
ESCRAVIDÃO E TRABALHO
perdura até hoje em certas re-
Ocidental (Magdoff, 1979).
O Direito Internacional se
giões. Nos séculos XVI e XVII,
No início do século XIX (Tra-
interessa em proteger o homem
ele foi um monopólio dos por-
tado de Paris, 1814) afirma-se
contra qualquer restrição que se
tugueses. A França, posterior-
que a abolição do tráfico de
faça
A
mente, também passou a reali-
escravos deverá ser feita de
escravidão é a forma mais vio-
zar o tráfico. A Inglaterra tam-
modo internacional. Dentro
lenta de atentado à liberdade
bém o fez, com a proteção do
desta orientação, no Congres-
humana.
governo, durante um longo
so de Viena é feita uma decla-
A primeira preocupação do
período, e obteve, em tratados
ração (2 fev. 1815) em que o
mundo jurídico internacional
internacionais, o direito de co-
tráfico é condenado. O 2º Tra-
para terminar com a escravidão
locar certa quota de escravos no
tado de Paris (20 out. 1815)
foi a abolição do tráfico de es-
Novo Mundo.
contém uma condenação seme-
à
sua
liberdade.
cravos, uma vez que aquela só
No século XVIII tem início,
lhante. Essas condenações vão
existiria enquanto este subsis-
dentro dos grandes Estados
sendo repetidas nos grandes
tisse. A escravidão não é, como
europeus, a luta em favor da
congressos da época: Aquisgrana
pode parecer à primeira vista,
abolição do tráfico. Era resultan-
(1818) e Verona (1822).
um problema ultrapassado den-
te do pensamento filosófico da
Os Estados passam a con-
tro do Direito Internacional,
época. Os Estados passam a
cluir, durante o século XIX, uma
pelo contrário, ela ainda se
revogar as leis que davam a
série de tratados em que eles
mantém em alguns Estados
proteção ao tráfico. Tal fenôme-
admitiam o direito de visita a
muçulmanos, na África, etc.
no
seus navios em alto-mar por
O tráfico de escravos ao lon-
ocorre
na
Inglaterra,
na França, nos EUA, etc.
navios de guerra de outro Esta-
go da História se apresentou em
O primeiro país a abolir o trá-
do. É a origem do direito de
duas modalidades: o de escra-
fico de escravos foi a Dinamar-
visita e tinha por finalidade
vos brancos e o de escravos
ca, que, pelo edito do Rei Cris-
reprimir o tráfico de escravos.
negros.
tiano VII, de 16 mar. 1792, proi-
O Ato Geral da Conferência
O tráfico de escravos bran-
biu que seus súditos tomassem
de Berlim (1885) proibia qual-
cos foi exercido, acima de tudo,
parte no tráfico de escravos
quer tráfico ou trânsito de es-
pelos Estados do norte da Áfri-
(Genovese, 1979). A Constitui-
cravos na região da bacia do
ca, que faziam o comércio dos
ção dos EUA, em 1787, estabe-
Congo. Diante da falta de resul-
europeus prisioneiros. Ele foi
lecia a extinção do tráfico a
tados do ato de 1885, foi reu-
praticado, por exemplo, nas
partir de 1808. A lei britânica
nida em Bruxelas (1889-1890)
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
125
D ireito
Artigo
uma nova conferência com
cional dos Direitos Civis e
denominado de tráfico de bran-
maior número de Estados par-
Políticos.
cas, mas desde a Convenção de
ticipantes do que a anterior (in-
A Convenção de Genebra
1921 esta expressão é substi-
clusive a Pérsia, Zanzibar, etc.),
sobre alto-mar (1958) estabele-
tuída pela de tráfico de mulhe-
que concluiu uma nova conven-
ce, no seu art. 13, que todo
res, com o que se demonstra que
ção interditando o tráfico e per-
escravo que se refugiar em qual-
a ordem jurídica internacional
mitindo o direito de visita aos
quer navio está livre.
protege a mulher, independente
navios em alto-mar.
Estados se obrigam ainda a
Os
de sua cor.
A Convenção de Saint-Ger-
combater o tráfico. O art. 22 da
Os autores têm dividido a
maine (1919) revoga as anteri-
mesma convenção admite que
luta contra este tráfico em três
ores e os Estados se obrigaram
um navio de guerra exerça o
fases: a) a das organizações
a pôr fim à escravidão e ao trá-
direito de “visita” em um navio
particulares que, em um con-
fico de escravos. Em 1926, uma
de comércio em alto-mar, quan-
gresso em 1899, constituíram
nova convenção, concluída sob
do houver suspeita de que este
um Bureau internacional que
os auspícios da SND, proibia
navio se dedica ao tráfico de
deveria reprimir o tráfico de
qualquer forma de escravidão.
escravos. A convenção da Baía
mulheres e de crianças; b) os
O Código Bustamante (1928)
de Montego sobre o D. do Mar
governos se interessaram pelo
colocou o tráfico de escravos
(1982), no art. 99, estabelece
assunto e em 1904 concluem
como sendo um delito interna-
que todo Estado deve impedir
uma convenção em que se obri-
cional e punível pelo Estado que
o tráfico de escravos, bem como
gam a destacar funcionários
capturasse o navio infrator. A
todo escravo que se refugiar em
para combatê-lo; nesta mesma
Organização Internacional do
um navio ficará livre. No art. 110
fase, outra convenção (1910)
Trabalho, em uma convenção,
consagra o direito de visita no
condena o aliciamento para a
declara que trabalho forçado é
alto-mar ao navio que se
prostituição de mulheres de
todo trabalho ou serviço exigi-
suspeitar faça tráfico de
menos de 20 anos; c) a repres-
do de um indivíduo sob a ame-
escravos.
são passa a ser também obra
aça de uma pena e para a qual
A Sociedade Antiescravidão
das organizações internacionais
o indivíduo não se ofereça es-
afirmava, em 1966, que havia
e, em 1921, é concluída uma
pontaneamente. Em 1948, a
evidência de escravidão de vá-
convenção sob os auspícios da
Declaração Universal dos Direi-
rias formas em 26 países, por
SDN; a idade é aumentada para
tos do Homem (art. 23) afirma
exemplo, no Iêmen, na Arábia
21 anos; em 1933, é assinada
que o trabalho deve ser livre e
Saudita (apesar da proibição
outra convenção sobre o
remunerado, bem como a remu-
de Faiçal em 1962), etc. A
mesmo assunto. Em 1949, a
neração deve dar ao trabalha-
Mauritânia aboliu a escravatu-
Organização das Nações Unidas
dor e à sua família uma existên-
ra em 1980.
realiza uma convenção em que
o tráfico é condenado, mesmo
cia que seja compatível com a
dignidade humana.
3 TRÁFICO DE MULHERES
nos
casos
em
que
há
Os mesmos princípios figu-
O tráfico de mulheres é aque-
concordância da mulher. Estas
ram no Pacto Internacional de
le que se destina a colocar as
últimas convenções invocadas
Direitos Econômicos, Sociais e
mulheres na prostituição.
condenaram igualmente o
Culturais e no Pacto Interna-
Durante muito tempo, ele foi
tráfico de crianças.
126
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Ainda visando à proteção da
dos se comprometem a obrigar
Podemos apresentar um
mulher de modo amplo, existe
os capitães dos navios nacionais
maior desenvolvimento sobre a
nas NU um Fundo de Desenvol-
a prestarem assistência às
liberdade sindical assegurada
vimento da Mulher.
pessoas que se encontrem em
pelas convenções da Organiza-
desgraça no mar (art. 12 e art.
ção Internacional do Trabalho
98 da convenção de Montego
de 1948 e 1949. A liberdade
Bay – 1982).
sindical é garantida a todos os
4 SALVAGUARDA DA VIDA
HUMANA NO MAR
A proteção da vida humana
A Conferência de Hamburgo,
empregadores e empregados
no mar sempre foi objeto de
que em 1979 aprovou uma con-
que podem constituir livremen-
preocupação do mundo jurídi-
venção sobre busca e salvamen-
te sindicatos. A ordem jurídica
co internacional. Sempre se
to marítimos, dividiu o mundo
interna pode fixar os casos de
considerou que a assistência no
em zonas de salvamento que
suspensão e dissolução de sin-
mar, aos navios ou pessoas em
não correspondem aos espaços
dicatos. Em 1950 o Conselho de
desgraça, era um dever humani-
marítimos dos Estados, mas
Administração da Organização
tário. Desde o século XII que a
levando em consideração
Internacional do Trabalho criou
Igreja se preocupa com os náu-
critérios operacionais.
a Comissão de Investigação e
Conciliação sobre liberdade
fragos (Concílio de Latrão), solicitando que as populações cos-
5 A PROTEÇÃO INTERNA-
sindical. Os membros da
teiras lhes dessem assistência.
CIONAL DO TRABALHO
Comissão são indicados pelo
Em 1910, a Convenção de
A Organização Internacional
citado Conselho. Ela é perma-
Bruxelas sobre assistência e
do Trabalho se preocupa dire-
nente e é um órgão comum à
salvamento transforma o dever
tamente com o homem. A Pró-
Organização das Nações Unidas
moral acima citado em dever
pria representação dos seus
e à Organização Internacional
jurídico para os navios privados.
órgãos (representantes de pa-
do Trabalho, tendo em vista que
A partir desta, inúmeras
trões, empregados e governos)
a liberdade sindical interessa
convenções sobre salvaguarda
visa entender os interesses dos
aos direitos do homem. A
da vida humana do mar foram
indivíduos diretamente. Assim
Comissão tem nove membros
concluídas: 1914, 1929, 1948,
sendo, ao contrário da grande
que atendem às diferentes re-
1960 e 1974 (todas realizadas
maioria das organizações inter-
giões geográficas, sendo forma-
em Londres) e 1938 (concluída
nacionais, ela possui represen-
da por indivíduos independen-
em Bruxelas). Em 1978 foi con-
tantes que não são dos Estados,
tes de Estado e de organizações
cluído na IMCO um protocolo à
mas de “verdadeiras” classes
sindicais. Os nacionais das par-
convenção de 1974.
sociais (patrões e empregados).
tes em litígio não participam do
A Organização Intergoverna-
Ela já tratou de inúmeros
procedimento. A Comissão tem
mental Marítima Consultiva tem
aspectos da vida social relativos
função de investigação e de
entre as suas funções a de de-
ao trabalho que interessam
conciliação.
senvolver a proteção da vida
diretamente ao homem: empre-
As reclamações podem ser
humana no mar por meio da
go de crianças, repouso dos tra-
apresentadas pelos governos e
segurança da navegação.
balhadores, higiene industrial,
organizações de empregados e
Na Convenção de Genebra
desemprego, acidentes do tra-
de empregadores. O CES e a
(1958) sobre alto-mar, os Esta-
balho, organização sindical, etc.
Assembléia-Geral da Organiza-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
127
D ireito
Artigo
ção das Nações Unidas podem
e protege certas categorias de
de trabalho justas e humanas.
transmitir reclamações. Para
trabalhadores; b) a partir de
Os estados podem se retirar
existir a conciliação é necessá-
1944 visa estabelecer um
da Organização Internacional
rio que o governo interessado
rendimento mínimo e assegurar
do Trabalho, mas o prazo de
dê o seu consentimento. Existe
a proteção médica; c) em 1952
aviso prévio é de dois anos.
um Comitê de Liberdade Sindi-
estabelece normas gerais sobre
cal formado por nove membros
seguridade.
O tratado não admite a suspensão de um membro. As con-
do Conselho de Administração
A Declaração de Filadélfia da
venções e recomendações são
(três de cada grupo social
Organização Internacional do
submetidas ao Legislativo. Con-
representado na Organização
Trabalho (1944) afirma: a) o tra-
tudo, se versasse matéria de
Internacional do Trabalho) que
balho não é mercadoria; b) di-
competência do Executivo, só
diz se a reclamação merece ou
reito dos seres humanos de
seria submetida a este. A con-
não um exame aprofundado. A
perseguirem o seu bem-estar
venção da Organização Interna-
investigação tem três fases: a)
material; c) proporcionar em-
cional do trabalho fala em “au-
escrita; b) oral e c) visita ao
prego; d) facilitar a formação
toridade competente” e esta é
Estado. Ela é secreta, e as partes
profissional; e) assegurar o di-
quem pode legislar sobre a
participam. O procedimento
reito de ajustes coletivos; f) in-
matéria. O estado ao aceitar em
termina por um relatório.
centivar a cooperação entre
parte a convenção pode fazer
Considera-se que o ideal seria a
empregados e empregadores.
uma lei regulamentando o que
conciliação não depender do
consentimento do Estado.
A proteção internacional do
Alguns autores defendem
que o Direito Internacional do
ele aceitou.
Para controle da aplicação
das convenções há um sistema
Trabalho tem autonomia.
trabalho é feita também nos
As convenções da Organiza-
de relatórios. Há também pro-
pactos de Direitos do Homem.
ção Internacional do Trabalho
cedimentos contenciosos que
Já se fala atualmente em
não podem ser ratificadas com
podem ser iniciados por: a) es-
Direito Internacional da Segurida-
reserva devido a sua estrutura
tado-membro; b) “ex officio”
de Social, que teria a sua origem
(governo, patrão e empregados).
pelo Conselho de Administra-
em um tratado de cooperação
O art. 427 do Tratado de
ção; c) organização de empre-
sobre a matéria, concluído entre
Versalhes relaciona os princípi-
gados e empregadores; d) de-
a França e a Itália, em que se
os fundamentais do Direito In-
legações nas conferências.
consagrava a igualdade de
ternacional do Trabalho: a)
As convenções internacio-
tratamento (1904).
bem-estar físico, moral e inte-
nais de trabalho apresentam as
Em 1925 a convenção n.º 19
lectual do trabalhador; b) a uni-
seguintes características: a) são
da Organização Internacional
formidade absoluta só pode ser
adotadas em uma instituição.
do Trabalho consagra a igual-
alcançada paulatinamente; c)
Elas não são precedidas de ne-
dade de tratamento. A ação da
salário igual por trabalho igual;
gociações diplomáticas, mas de
Organização Internacional do
d) jornada de 8 horas; e) direito
uma discussão no meio de as-
Trabalho nesta matéria tem sido
a associação, etc.
sembléia que é semelhante aos
sintetizada do seguinte modo:
O art. 23 do Pacto da Liga das
parlamentos; b) a Conferência
a) entre 1919 e 1936 gira em
Nações
seus
Internacional tem uma repre-
torno da noção de seguridade
objetivos assegurar condições
sentação tripartite; c) as con-
128
coloca
em
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
venções e recomendações são
ratificou, ela pode pedir a anu-
passado, contra o cólera, con-
aprovadas por 2/3 e devem ser
lação do registro da ratificação.
venções de Paris (1825) e Vie-
submetidas às autoridades na-
No caso de convenções e
na (1874), Veneza (1892), Dres-
cionais competentes no prazo
recomendações não ratificadas,
de (1893) e Paris (1894). Sobre
de 12 a 18 meses; d) Scalle afir-
os estados permanecem com a
a peste bubônica, foi assinada
mava que as convenções não
obrigação de fazer relatórios
uma convenção em Veneza
tinham aspecto contratual, mas
sobre elas.
(1897). Outras convenções
que eram “bis internacionais”.
Algumas convenções criam
internacionais se seguiram e
As convenções são textos “qua-
procedimentos especiais para
organismos internacionais foram
se-legislativos” ou “pré-legislati-
assegurarem a sua execução,
constituídos, até chegarmos à
vos”, como tem sido afirmado;
como é o caso da convenção
Organização Mundial de Saúde
e) as convenções e recomenda-
sobre a liberdade sindical.
nos dias de hoje.
ções formam o Código Interna-
Nos Conselhos da Europa
Na primeira metade do sécu-
cional do Trabalho; f) as normas
existe um Código de Segurida-
lo XIX surgem os conselhos de
são elaboradas com flexibilida-
de Social (1964) e seu protoco-
quarentena entre os estados
de e podem levar em considera-
lo. A sua revista terminou em
europeus, com função apenas
ção as diferenças de condições
1990. Ele consagra os seguin-
informativa. Na segunda meta-
econômicas; g) há variedade nos
tes princípios: a) igualdade de
de do século XIX, surgem por
métodos de aplicação; h) às ve-
tratamento entre nacionais e
influência da França as confe-
zes as convenções têm alterna-
estrangeiros; b) respeito aos
rências sanitárias internacionais
tivas; i) às vezes permitem der-
direitos adquiridos e em curso
já citadas.
rogações temporárias; j) a reco-
de aquisição; c) cooperação
mendação é feita quando não há
administrativa.
Na América, as convenções
sobre matéria sanitária se suce-
condições para convenção; k) as
A Organização das Nações
dem: a do Rio de Janeiro (1887),
línguas das convenções são fran-
Unidas concluiu em 1990 a con-
entre Argentina, Paraguai, Brasil
cês e inglês.
venção internacional sobre a
e Uruguai; a de Montevidéu
Existem também tratados
Proteção do Direito de todos os
(1904); a de Washington (1905),
bilaterais, como os da segurida-
trabalhadores migrantes e seus
que cria a Repartição Sanitária
de social.
familiares, onde, por exemplo,
Pan-americana; a de Havana
O maior problema dos repre-
é proibida a discriminação de di-
(1924), onde foi concluído o
sentantes dos empregadores foi
reitos. Cria um Comitê de Pro-
Código Sanitário Pan-americano,
dos países comunistas e se ale-
teção aos direitos de Todos os
e o seu protocolo assinado em
gou que não se exigia que o em-
Trabalhadores Migrantes e seus
Lima (1927).
pregador fosse pessoa privada.
familiares, quee recebe comu-
Em 1902 foi criado o Bureau
A data da entrada em vigor
nicações de um estado sobre
Sanitário Pan-americano. Com
outro estado.
vocação universal surge em
da convenção determina a data
1907 o Escritório Internacional
da denúncia e ela pode ser
denunciada no ano seguinte ao
que completa 10 anos.
6 SAÚDE
A saúde foi objeto de inúme-
de Higiene Pública com sede em
Paris.
Quando a convenção não
ras convenções internacionais.
O Pacto Internacional de
entrou em vigor e um estado a
Foram concluídas no século
Direitos Econômicos, Sociais e
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
129
D ireito
Artigo
CONCLUSÃO
Culturais reconhece “o direito
Organização Internacional do
de toda pessoa ao gozo do mais
Trabalho (tem um centro de
Hodiernamente, muito se
alto nível possível de saúde
higiene do trabalho), IMO, AIEA,
tem falado e escrito a respeito
física e mental” e determina que
UNESCO, etc. A OUA também
dos “Direitos Humanos”.
sejam tomadas medidas para a
tem competências sanitárias.
com efeito, produzido um mun-
redução da mortalidade infantil, o melhoramento da higiene
do trabalho, etc.
A era da comunicação tem,
7 CRIMES CONTRA A
HUMANIDADE
do globalizado que mais se
contata e melhor se conhece.
O Direito Internacional da
Os crimes contra a huma-
Com efeito, o homem conse-
Saúde “consiste no estudo das
nidade se distinguem do
guiu, finalmente, descobrir que,
regras jurídicas estabelecidas
genocídio no tocante à intenção.
ressalvadas
essencialmente pelas organiza-
O elemento intencional, no
costumes raciais, tradições
ções internacionais no domínio
sentido de querer destruir de-
religiosas e culturais, meio am-
da proteção da saúde das po-
terminado grupo social, não
biente, os humanos sentem e
pulações dos estados mem-
existe nos crimes contra a
precisam resolver os mesmos
bros” (Michael Belanger). Ele
humanidade.
problemas.
diferenças
e
surge do Direito Internacional
A Internacional Bar Associa-
Todo ser humano quer e pre-
da Higiene ou do Direito Sani-
tion, em um projeto de Código
cisa comer, se vestir, trabalhar,
tário Internacional. No tempo da
Penal Universal que elaborou,
estudar, morar, se comunicar,
SDN havia a Organização de
inclui entre os crimes contra a
ter lazer e segurança.
Higiene.
humanidade (além do genocí-
O homem sabe que ele é o
É elaborado pelas Organiza-
dio): a tortura, a escravidão, as
mais instável animal da nature-
ções governamentais e Organi-
perseguições sociais, religiosas
za, eternamente insatisfeito e
zações Não Governamentais
e raciais, a deportação de mu-
sobre o qual a única previsão
(como a Associação Médica
lheres, etc. No Tribunal Militar
possível de ser feita é a de que
Mundial). É um direito misto:
de Nurembergue uma das cate-
ele é absolutamente imprevi-
administrativo, econômico e
gorias de crimes ali julgada foi
sível.
social. O seu fundamento é o
o crime contra a humanidade.
A Assembléia Geral das
reconhecimento do direito à
A Declaração Universal dos
Nações Unidas de 1948 aprovou
saúde. A sua oficialização ocor-
Direitos Humanos proíbe, nos
a Declaração Universal dos
re na década de 1970.
seus arts. 42 e 52: a escravidão,
Direitos Humanos e, desde
O Direito Internacional da
o tráfico de escravos, a tortura,
então, vemos um movimento
Saúde se caracteriza por uma
o “tratamento ou castigo cruel,
crescente em direção ao
descentralização que existe na
desumano ou degradante”. Ela
objetivo maior que é a proteção
própria Organização Mundial da
interdita assim a prática de
da pessoa humana em qualquer
Saúde, que criou seis regiões
crimes contra a humanidade.
lugar do mundo.
geográficas. A Organização
Os mesmos princípios figu-
Crimes de guerra, tráfico in-
Mundial da Saúde foi criada aci-
ram no Pacto Internacional de
ternacional de drogas, crimes
ma de tudo por iniciativa da
Direitos Civis e Políticos, nos
financeiros, genocídios e cri-
França, Brasil e China. Várias
art. 7º, 8º, 9º e 10º.
mes contra o meio ambiente
organizações atuam nesta área:
130
têm representado um pano de
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
fundo da luta da humanidade
entretanto, resta muito ainda a
esteira de seu direcionamento
para a defesa do elemento
ser feito. O importante é que
a busca contínua do cerne da
humano.
caminhemos com progresso em
questão, fulcro do problema e
Muito já tem sido feito na
direção ao objetivo colimado
assim se consiga mais proteção
direção deste objetivo maior,
como desiderato que abriga na
à pessoa humana.
R
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_____. The Ecological Perspective on
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131
D ireito
Artigo
A responsabilidade civil do fornecedor pelo
fato do produto, no Código de Defesa do
Consumidor
Manoel Martins Júnior
Advogado em Curitiba.
Especialista em Direito Empresarial (PUC/PR).
das Disposições Constitucionais
1997 (da Comissão de Comér-
Transitórias.1 Conclui tratar-se
cio do Mercosul) e ATA 08, de
lações de consumo está às vés-
de
mais
29 nov. 1997 (do Comitê Téc-
peras de completar uma déca-
valiosos no ordenamento
nico n. 7, Comissão de Comér-
da de vigência no Brasil. Sua
nacional e reconhecido pelos ju-
cio).
introdução no cenário pátrio re-
ristas estrangeiros.
INTRODUÇÃO
A lei que dispõe sobre as re-
Diploma
dos
Importa mencionar que o
presentou conquista jurídico-
O Estatuto Legal tem gênese
STF na ADIn 319-4-DF2 – na
constitucional das mais eleva-
na Carta Magna de 1988. Os ar-
relatoria do Ministro Moreira
5o
das para seus destinatários
tigos
principais, os consumidores.
gram o direito do consumidor.
(XXXII) e 170 (V) consa-
Alves – ressalta a importância
da garantia constitucional3 na
Nery Jr. (1992, p. 45-46) en-
O direito do consumidor tam-
defesa dos interesses dos con-
fatiza que a Lei n. 8.078, de
bém está presente no Mercosul.
sumidores. No processo em
1990, tem uma consistente for-
Neste sentido, documentos em
exame, estava em cotejo a va-
mação democrática. Destaca a
consenso foram e estão sendo
loração entre os preceitos do
forma como foram conduzidas
elaborados. Para exemplificar:
ato jurídico perfeito e o direi-
as discussões acerca do primi-
Resoluções Parciais 123, 124,
to dos consumidores. A deci-
tivo Projeto de Lei n. 1.149/88,
125, 126 e 127, todas de
são referida realçou a inviola-
a teor do comando do art. 48
1.996. ATA n. 07, de 10 dez.
bilidade desse novel princípio;
132
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
mormente, uma pedra na pi-
dano o dever de repará-lo inte-
para a concretização do direito
lastra no Estado Democrático
gralmente.
não depende mais da prova da
A reparação civil com a edi-
culpa. O Código, em casos es-
Portanto, é estreme de dú-
ção da Lei de 1990 conquistou
pecialíssimos, indica algumas
vidas que o Código do Consu-
realce. É nova modalidade de
exceções.
midor protege direitos funda-
responsabilização. Traz contor-
Comporta imprimir que o
mentais.
nos diferençados dos vertidos
CDC cuida de interesses e di-
A Lei Consumerista ostenta
no Código de Beviláqua. Anun-
reitos individuais e coletivos. A
o perfil dos textos legais mais
cia in genere a responsabilida-
solução pelos conflitos coletivos
atualizados. Encontra-se em
de objetiva.
é a dinâmica do CDC, a contra-
de Direito.
delgada sintonia com a chama-
Alguns diplomas legislativos
rio sensu, dos tradicionais es-
da pós-modernidade; caracteri-
já existentes imprimiam a res-
tatutos já existentes, como os
zando-se como um microssiste-
ponsabilidade objetiva, exempli
Códigos Civil, Comercial e Pro-
ma de normas a irradiar seus
gratia do Decreto n. 2.681, de
cessual Civil.
efeitos nas relações polarizadas
7 dez. 1912 (acidentes nas es-
por fornecedores e agentes con-
tradas de ferro).
sumistas.
A teoria do risco, como regra-
Acrescente-se a forma diferençada da legitimação, para o
exercício da defesa dos direitos
insculpidos na Lei n. 8.078.
De forma contundente o
mento, pauta-se na composição
CDC, no Capítulo IV, faz refe-
do dano, sem se apurar a culpa.
O tema alvo destas anota-
rência a uma política de prote-
A simples ocorrência do fato ren-
ções alude à responsabilidade
ção à saúde e segurança dos
de ensejo à responsabilidade.
civil do fornecedor pelo fato do
O CDC adotou a técnica jurí-
produto no âmbito da Lei mul-
Para o recente Conjunto de
gena da responsabilidade sem
ticitada. Os dispositivos 8o a 17o
Normas, o importante é a qua-
culpa, embora na forma mitiga-
do CDC serão o objeto desta
lidade dos produtos e serviços
da. O Código, prevendo a teo-
análise. O enfoque será no con-
postos à disposição dos uten-
ria do risco, mais facilmente
cernente à responsabilité civile
tes. Nesse caso, a prevenção é
realizará o direito dos usuários
e suas repercussões.
nota essencial no espírito do
de serviços e produtos. De fato,
Figura como principal objeti-
Código. Utiliza o CDC a infor-
é a tese que melhor se adequa
vo estabelecer-se uma correlação
mação para estabelecer a noção
para proteger os consumidores.
entre a análise do texto legal, o
preventiva.4
É que antes de vigorar o Códi-
pensamento doutrinário e a po-
Assim, os bens de consumo
go havia dificuldades quase que
lítica de atuação dos tribunais
deverão estampar com clareza
intransponíveis para a configu-
pátrios, na tentativa de elucida-
a existência de alguma nocivi-
ração do damno, na moldura da
ção dos pontos nevrálgicos dos
dade ou perigo existente. A in-
Lei Substantiva.
desafiadores questionamentos
consumidores.
formação funciona como prin-
Eis a síntese do brocardo
cípio, devendo conduzir-se ade-
civilista: sem a prova da culpa
quadamente.
não há reparação.
que o assunto circunda.
Certamente que o tema eleito continuará desafiando a argú-
A inobservância a esses ca-
Com a assunção do CDC so-
cia dos estudiosos; dividindo
racteres impõe ao causador do
lucionou-se o entrave. O óbice
opiniões, das mais abalizadas.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
133
D ireito
Artigo
1 FUNDAMENTOS
HISTÓRICOS DA
OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
sas corpóreas (Alvino Lima,
que causem danos a terceiros.
1998, p. 19-23).
Ratifica a exegese que se em-
Com parâmetro no elemento
presta ao dispositivo supra,
1.1 Evolução do conceito de
culpabilidade
culpa surgiu o germe da repara-
uma Lei de 7 nov.1932, a qual
ção,7 a partir da Lei de Aquília.
conferiu responsabilidade, de-
Daí, a expressão: responsabilida-
corrente de culpa, ao detentor
de aquiliana.
do imóvel onde se originou o
A teoria clássica da culpa
encontra seu principal fundamento no direito justinianeu.
O artigo 1.382 do Código
incêndio. Restou clara a exce-
No Direito Romano, a com-
Civil de Napoleão, de 1804, es-
pensação da culpa teve início
tabeleceu a responsabilidade
O assunto ainda suscitava
com base na culpa, a título de
questionamentos, não fosse o
fórmula.
luminoso aresto da Corte de Cas-
com a vingança
privada.5
O cri-
tério primitivo passou a evoluir
ção ao artigo 1.384, § 1o.
com a prática da composição
Coube a Saleilles8 e a Josse-
sação de Paris, datado de 13
voluntária, onde o lesado tran-
rand9 assentarem a responsa-
fev.1930, quando ficou incólume
sigia com o ofensor, em troca
bilização exclusivamente no
a prevalência da teoria do risco.
de dinheiro ou objetos.
fato ou no risco criado: surge
A Itália também optou pela
Povos antigos, a exemplo
então a responsabilidade obje-
tese objetiva. O Código de Es-
dos babilônios, hebreus, helê-
tiva. A idéia doutrinária influen-
trada, de 8 dez.1933 (art. 122)
nicos e indianos, dispunham de
ciou estudiosos, julgadores e o
e o Civil (art. 2.054, § 2o, inci-
legislação própria para comba-
Poder Legiferante.10
so) reprisam tal instituto.12
ter o ato ilícito perpetrado. O
Alvino Lima (1998, p. 40)11
As modernas codificações
cânon mosaico ou Pentateuco
põe em relevo a doutrina de
têm adotado a teoria do risco,
prescrevia com exatidão algu-
Mazeaud et Mazeaud, como
porque cogitada tese expressa
uma negativa ao dogma tradi-
o princípio da eqüidade com
A pena de Talião foi reprodu-
cional da responsabilidade me-
maior justiça. O Código do Con-
zida em diplomas que se torna-
diante a culpa. Os ilustres au-
sumidor brasileiro inseriu a res-
ram multiconhecidos, como o
tores defendem a theoria obje-
ponsabilidade objetiva, na for-
Código de Hammurabi, Código
tiva, a partir do conceito da cul-
ma mitigada, em consonância
de Manu e a Lei das XII Tábuas.
pa in abstrato. Ou seja, não se
com as explanações avante.
Por influência dos pretores,
aprecia a conduta do autor do
no Direito Romano surgiu a Lei
dano – eis o ponto de toque –
1.2 A responsabilidade
de Aquília (286 a.C.).
por que não se exige a culpa
civil no Direito Brasileiro
como elemento nuclear da res-
Calcado na doutrina da res-
mas
normas.6
A Lei Aquiliana apresentava
três capítulos. Regulava as seguintes situações: (a) a morte
ponsabilidade.
O artigo 1.384, §
ponsabilidade extracontratual
1 o,
do Có-
subjetiva, ou teoria aquiliana, o
de escravos ou quadrúpedes;
digo Civil francês, é interpreta-
Código Civil pátrio, como nota
(b) o dano causado por um cre-
do no sentido de consagrar o
genérica, perfilhou idêntico po-
dor; (c) o ferimento ocorrido em
princípio da responsabilidade
sicionamento.
escravos e animais; (d) a des-
sem culpa. O texto assinalado
Os artigos 159 e 1.518 do
truição ou deterioração de coi-
reporta-se a casos de incêndio
Codex com clareza dimensiona-
134
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
ram o espectro da responsabili-
Todas as normas especiais
de objetiva do risco, na modali-
zação ali arregimentada. Para
visavam proteger interesses
dade mitigada. Contudo, no ar-
que o ato ilícito seja reparado, é
públicos, e tinham como res-
tigo 14, § 4o, há uma ressalva
necessária a comprovação da cul-
ponsável pela indenização a
tangente à responsabilidade
pa lato sensu do agente causador.
Administração Pública.
dos profissionais liberais. Refe-
Para a concreção da modali-
Denari (1997, p. 142-143)
rida obrigação é subjetiva, re-
dade extracontratual e sua res-
observa que os artigos 1.528,
solvendo-se pelo regime da te-
pectiva compensação, a doutri-
1.529 e 1.546 do Código Civil
oria da culpa.
na nacional é uníssona quanto
brasileiro contêm regras de res-
à implementação dos pressu-
ponsabilidade objetiva.
2 A RESPONSABILIDADE
CIVIL DO FORNECEDOR
postos que norteiam a culpa, a
O dano moral foi inscrito na
saber: (a) o ato ou omissão vio-
Lei Fundamental de 1988, em
ladora do direito de outrem; (b)
conformidade com o que narram
a configuração do dano produ-
os incisos V e X do artigo 5o. Em
zido; (c) a relação de causalida-
nível constitucional inaugurou-se
de; (d) a culpa.
a constitucionalização do dano.
A Lex Fundamentalis fez
Presentes tais elementos, o
Tanto as pessoas físicas como as
constar em seu texto os direi-
ato recebe a chancela de ilícito,
jurídicas poderão usufruir do
tos dos consumidores. Os arti-
exsurgindo-se o imperativo dever de ressarcimento.
comando da Lei
Maior.13
2.1 A previsão constitucional
da defesa do consumidor e a
importância do Código de
Defesa do Consumidor
gos 5o (XXXII), 24 (VIII), 150 (§
No tocante à teoria objetiva
5o), 170 (V) e 220 (§§ 3o, II e
Não obstante à adoção da
do risco, é oportuno destacar o
4o) consagraram a nova disci-
teoria de Aquília pela Lei Civi-
previsto na Constituição da Re-
plina. Especialmente os precep-
1988.14
lista, no ordenamento jurídico
pública de
O artigo 21,
tivos 5o (XXXII) e 170 (V) ampa-
brasileiro existe uma coletânea
inc. XXIII, ‘c’, dispõe sobre os
ram a pretensão consumerista.
legislativa que expressa a opi-
danos nucleares, e redaciona
No artigo 170, caput, consig-
nião ou these objetiva.
que a forma de indenização “in-
nam-se relevantes fundamentos
A legislação esparsa a seguir
depende da existência de cul-
para uma sociedade democrá-
destacada ilustra o argumento
pa”. Igualmente, o disposto no
tica: ordem econômica, valori-
da teoria do risco: Decreto n.
artigo 37, § 6o, faz menção à
zação do trabalho, livre iniciati-
2.681, de 7 dez. 1912 (aciden-
responsabilidade da Adminis-
va, existência digna e justiça
tes nas estradas de ferro); De-
tração Pública centralizada e
social. O inciso V – “defesa do
creto-Lei n. 483, de 8.6.1938
descentralizada,15
consumidor” – é mencionado
(acidentes no transporte aéreo
bém dos prestadores de servi-
– Código Brasileiro de Aeronáu-
ços públicos (serviços delega-
tica, com a vigência da Lei n.
dos a particulares).
como tam-
como um princípio.
Um preceito inscrito na carta política de um país tem sig-
7.565, de 19 dez. 1986; Decre-
Na esfera do Código de
nificação das mais soberanas.
to-Lei n. 7.036, 10 nov.1944
Defesa do Consumidor, o tema
Para Bandeira de Mello
(acidentes de trabalho); Lei n.
encontra-se veiculado nos arti-
(1997, p. 450) um princípio é
6.938, de 31 ago. 1981 (danos
gos 12, 13 e 14. O Código aco-
“mandamento nuclear de um
causados ao meio ambiente).
lheu a teoria da responsabilida-
sistema”.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
135
D ireito
Artigo
Na introdução deste ensaio
nização por danos, via de regra,
ofício o fato jurídico em dis-
foi transcrita uma decisão im-
era negada pela ausência de
cussão. Sobre a temática não
portantíssima para a seara do
uma relação contratual direta
incide a preclusão e poderá
Direito do Consumidor. Trata-
entre o fornecedor e o agente
ser revista a qualquer tempo.
se de acórdão propalado pelo
consumidor, ou então, porque
O tribunal pode, inclusive,
Colendo STF, na ADIn 319-4-
a vítima não detinha elementos
aplicar o preceito da reforma-
DF. O relator, Ministro Morei-
comprobatórios para demons-
tio in pejus, dado o conteúdo
ra Alves, sobranceiramente
trar a culpa do agente produ-
da norma.
pondera a despeito dessa inar-
tor.
Valiosos institutos jurídicos
redável garantia constitucio-
No curso dos anos 1950 e
alinharam-se em prol do con-
nal pró-consumidores. Sopesa,
1960 transparecem os consumi-
sumidor. Boa-fé nas relações
o prefalado preceito, ante ao
dores como um problema soci-
de consumo, inversão do ônus
primado do ato jurídico perfei-
al. Os tempos pós-guerra mul-
da prova, proteção contratual
to. Em conclusão, argumenta
tiplicaram, sem precedentes, o
de cláusulas abusivas, princí-
que, quando em disputa, não
desenvolvimento econômico e
pio da segurança à saúde, vul-
poderá haver prejuízo para os
carrearam um desequilíbrio em
nerabilidade do consumidor,
consumidores; a harmoniza-
desfavor dos consumidores. In-
equilíbrio nas relações de con-
ção entre os princípios é ques-
clusive, em 1962, o Presidente
sumo, dever de informar são
tão de estreita justiça.
dos Estados Unidos, John Ken-
princípios de especial relevo
nedy,
reconheceu
para a defesa do consumidor.
da no catálogo brasileiro. Com
alguns direitos dos consumidores,
A responsabilidade civil
muito acerto foi a condução do
como: direito à segurança, à
objetiva do fornecedor nos
voto do eminente magistrado.
informação, à escolha, e direito
“acidentes de consumo” 17 – alvo
Em síntese, entre princípios
à ser ouvido.
Na América e
das nossas considerações – é
não pode prevalecer qualquer
Europa Ocidental surgia um
outra ferramenta jurídica à
jerarquia.
novo direito, o dos consumi-
disposição do usuário de produ-
dores. 16
tos e serviços.
Luzidia decisão foi registra-
A constitucionalização da
defesa do consumidor como
Um dos enfoques principais
Sob tais contornos, não há
primado basilar representa
do Direito do Consumidor é a
como deixar de reconhecer o
destacada ênfase para as nor-
proteção contra produtos peri-
vital espaço ocupado por este
mas inseridas na Lei n. 8.078,
gosos ou com defeitos, alicer-
Estatuto Jurídico. Como já
de 1990.
çando-se, assim, o princípio da
apontado, o CDC tem desper-
segurança à saúde.
tado a atenção da comunida-
Com o advento do CDC supriu-se extensa lacuna nas re-
Conjugar normas de ordem
de jurídica internacional, dado
lações comerciais entre forne-
pública e interesse social a favor
o moderno conjunto sistêmi-
cedor e o agente que consome.
dos consumidores, na ordem prá-
co-doutrinário acolhido, em
O relacionamento mercantil
tica, trouxe mais vantagens para
paralelo, com o cunho prote-
com maior apoio no Código Ci-
os utentes. O conteúdo do arti-
tivo dos direitos e interesses
vil, encontrava-se desequilibra-
go 1º significa que o órgão ju-
ali dispostos.
do para o consumidor. A inde-
risdicional deverá apreciar de
136
2.2 A referência no Direito
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
Comparado e o modelo da
dade conferida pelo CDC é a da
responsabilidade civil acolhida
responsabilidade não-culposa
CDC e o risco de danos ao
consumidor
pelo Código do Consumidor
na acepção de Lima Marques
2.3.1 O direito à segurança
No que tange ao modelo de
(1999, p. 623).19
dos produtos
responsabilização, dois siste-
A responsabilidade civil no
A tutela da segurança nas
mas influenciaram o Projeto de
Direito Norte-Americano, para
relações de consumo é nota
nosso Código: o Norte-America-
os danos motivados por defei-
importante na esfera do CDC. É
no e o da Diretiva (n. 85/374/
tos, fundamentou-se em três
evidente que a noção de segu-
CEE, de 25 jul.1985), da Comu-
estágios de evolução: (1) negli-
rança, que o Diploma estabele-
nidade Econômica Européia. O
gence, (2) breach of warranty;
ce, alude à segurança legitima-
primeiro alicerçou-se nas garan-
(3) strict liability in tort (Mace-
mente esperada, consoante têm
tias implícitas (ou contratuais)
na de Lima, 1990, p. 4).
proclamado os doutrinadores.
para aportar na responsabilida-
O Estatuto do Consumidor
O entendimento é o de que não
de objetiva (theoria do risco). A
brasileiro elegeu a teoria do ris-
se trata de segurança absoluta,
sistematização da CEE fundou-
co – mas com temperamentos
hermética. No mercado de con-
se na premissa de defeito dos
– ou seja, prevalece a respon-
sumo existem produtos que são
produtos industrializados colo-
sabilidade sem culpa, mas per-
naturalmente perigosos, ou no-
cados no mercado pelo forne-
mite-se exceções para isentar o
civos à saúde. No entanto, o
cedor, para, então, configurar
fornecedor de reparar danos,
Código de Proteção não os
a responsabilidade objetiva.
em conformidade com o dispos-
proíbe que estejam à disposi-
to em lei.
ção de utentes. O espírito do
O Código do Consumidor
perseguiu a orientação da Dire-
Tal forma de apuração de
Código está atento à idéia de
tiva da CEE. Sustentam que o
dano é reconhecida como a
defeito e de falha na justa ex-
CDC acolheu a orientação da
mais justa, posto existir situa-
pectativa de segurança.
CEE, Macena de Lima (1990, p.
ções em que incide culpa exclu-
226) e Vasconcellos e Benjamin
siva do consumidor.
(1991, p.
61).18
A segurança realçada tenta
proteger riscos à integridade
Prova-se pelo
Multifárias legislações têm
física do utilizador do produto
fato de o CDC somente obrigar
recepcionado essa teoria, como
ou serviço e, da mesma forma, à
à composição danosa, quando
as citadas precedentemente.
proteção de seu patrimônio, evi-
existir o defeito do produto.
Destaque-se, outrossim, que
tando-se custos desnecessários.
Para melhor esclarecer, vale o
na esfera do Mercosul, com as
No sistema do CDC figura
argumento de Lima Marques
edições das Resoluções 123/96,
como natureza extracontratual
(1999, p. 625), ao concluir que,
124/96, 125/96, 126/96, 127/
a garantia do produto ou do ser-
o CDC reconhece o dano e seu
96, tais princípios estão sendo
viço.
nexo de causalidade. Contudo,
reproduzidos. Da mesma forma,
se não for comprovada a exis-
nas ATAs n. 08/97 e n. 07/97.
tência do defeito do produto, aí
Destarte, o CDC tem trilha-
não repousará a obrigatorieda-
do na modernidade legislativa
de de indenizar.
em defesa dos consumidores.
O produto tem segurança
quando não manifesta algum
elemento defeituoso, que venha
a causar danos.
Convém distinguir que exis-
A natureza da responsabili2.3 Princípios protetivos no
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
137
D ireito
Artigo
tem produtos e serviços defei-
cípio geral de proteção da con-
posteriormente à notícia, é ina-
tuosos, sem contudo, serem
fiança, inserto na Lei n. 8.078,
fastável o dever pós-contrato,
inseguros. Por exemplo, uma
de 1990.
na ensinança da autora referendada. Inclusive, com a fixação
roupa pode apresentar alguma
deformidade de design, sem tra-
2.3.2 O dever de
de cartaz no estabelecimento
zer risco à saúde. Na mesma li-
informar do fornecedor
comercial, com as orientações
nha, existe produto ou serviço
O dever de informar no CDC
pertinentes.
com deficiência e que pode cau-
funciona como uma norma-ma8 o,
Ferreira da Rocha (1992, p.
sar sérios prejuízos, exemplifi-
triz (arts.
§ ún. e 12). A in-
97) ilustra o tema ao mencio-
cando: um medicamento com a
formação é direito básico do
nar que a farmacêutica norte-
6 o,
data vencida, e que continua
consumidor (art.
II), e deve-
americana Johnson & Johnson
exposto à venda; um portão que
rá apresentar-se como suficien-
foi condenada pela Suprema
é fixado irregularmente, e cai
te e adequada. É indispensável
Corte do Estado de Washington,
ferindo um transeunte.
no contexto em que os aconte-
na cifra de US$ 2,5 milhões,
Em consonância com o art.
cimentos transmigram on line.
porque um menino de 15 me-
12, a responsabilidade extra-
A mecânica do mercado de con-
ses bebeu óleo de limpeza, e no
contratual pelo dano baseia-se
sumo move-se pelo dinamismo
rótulo não constava a advertên-
na falta de segurança esperada.
das informações.
cia alertando os pais sobre os
riscos em caso de ingestão do
No citado texto, é imputada ao
Em comento ao art. 10, Lima
construtor, fabricante, produtor
Marques (1999, p. 619) conclui
e ao importador a responsabili-
que o dispositivo institui um
dade sem culpa. A reparação
“dever pós-contratual”.20 Justi-
causada aos consumidores con-
fica a locução, ao dizer que esse
globa
dever pós-contratual impõe um
2.4 Espectro da
dever de vigilância; dever de se
responsabilidade objetiva
Aliás, convém lançar uma
prestar informações ao agente
no regime do CDC
questão de ordem. A solidarie-
consumidor. Noutro enfoque, é
A sistemática do CDC relati-
dade entre os fornecedores está
plausível assegurar que está
vamente à obrigação de indeni-
expressa no CDC, art. 7o, § ún.
implícito, em qualquer liame
zar do fornecedor tem sedimen-
A denunciação da lide, conso-
jurídico entre fornecedor e usu-
tação (a) na existência do de-
ante o art. 88, não é possível
ário de produtos ou serviços, a
feito, (b) no dano gerado, (c) no
operar-se. Nas relações de con-
imprescindível obrigação de o
nexo causal, entre o defeito do
sumo
é
fornecedor corrigir o perigo ou
produto e o ato lesivo.
admitido, em face da responsa-
nocividade de produtos ou ser-
Abrange a todas as situações
bilidade objetiva. O chamamen-
viços postos no mercado. É o
em que o consumidor for pre-
to ao processo, também não
fato de um farmacêutico comer-
judicado. O parâmetro da inde-
(Nery Jr., 1999, p. 1.874).
cializar medicamento que, após
nização é o do princípio da res-
Lima Marques (1999, p. 616)
a venda, foi considerado noci-
titutio in integrum, conforme
reitera que a garantia de segu-
vo à saúde. Embora o negócio
teor do art. 6o, VI, que enume-
rança entrelaça-se com o prin-
mercantil tenha sido realizado
ra: “VI – a efetiva prevenção e
produtos
e
serviços defeituosos.
138
o
instituto
não
produto.
Portanto, o dever de informar
é imprescindível.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
reparação de danos patrimoni-
mente o que seja fornecedor;
ação como responsável pelos
ais e morais, individuais,
assim: “Fornecedor é toda pes-
produtos que transporta para o
coletivos e difusos”.
soa física ou jurídica, pública ou
mercado consumista.
Como acentuado, a previsão
privada, nacional ou estrangei-
do ressarcimento é extensível
ra, bem como os entes desper-
a todos os danos, inclusive na
sonalizados, que desenvolvem
proteção dos direitos e interes-
atividades de produção, monta-
ses coletivos e difusos, na mol-
gem, criação, construção, trans-
dura da class action.
formação, montagem, exporta-
2.6 Objeto da
responsabilização do
fornecedor pelo fato do
produto
Afasta a denominada indeni-
ção, distribuição ou comerciali-
zação limitada ou tarifada.21
zação de produtos ou prestação
2.6.1 O defeito como
elemento propulsor da
obrigação de indenizar,
Igualmente, a cumulação é rea-
de serviços”.
pelo fato do produto23
lidade jurídica. Tanto no mode-
A doutrina com base na
O agente econômico é res-
lo do dano moral, como no
Diretiva 85/374/1985/CEE clas-
ponsabilizado pelo produto que
patrimonial.
sifica o fornecedor em: (a) for-
coloca no mercado, se este
Consentâneo com o primado
necedor ou produtor real; (b)
apresentar defeito potencial ou
indenizatório da restitum in in-
fornecedor ou produtor aparen-
real, e causar dano. A circula-
tegrum, o Superior Tribunal de
te; (c) fornecedor ou produtor
ção defeituosa do produto, con-
Justiça recentemente, ao julgar
presumido. O fornecedor real é
juntamente como o ato preju-
um pedido de reparação civil
quem cria e entrega o produto
dicial, é o que caracteriza o de-
por atraso de vôo, com espeque
acabado, inclusive, a matéria-
ver de reparar. Ipso facto, o res-
no Código do Consumidor, en-
prima. É fornecedor aparente
sarcimento não encontra apoio
tendeu que a indenização não
aquele que imprime no produ-
legal na singela conduta defici-
pode ser tarifada, nos termos
to seu nome, marca ou sinal
ente de quem fornece o produ-
da legislação da Convenção de
distintivo. Presumido é o forne-
to, mas tão-somente, na imper-
Varsóvia, porquanto a defesa do
cedor que distribui produtos; é
feição produzida capaz de
consumidor tem regra pró-
o que importa produtos para
gerar prejuízo.
pria.22
venda, aluguer, leasing. Não
Macena de Lima (1990,
Na vértice de tais comandos,
importando se os produtos ne-
p. 5) enumera o famoso caso
o dever de indenizar no CDC é
gociados são identificados ou
MacPerson v. Buick Motor Co. A
o da completa reparação.
não (James Marins, 1993, p.
Buick Motor Co. vendeu um veí-
100-101).
culo de sua fabricação. Ao utili-
2.5 Conceituação de fornecedor
A conceituação abrange a
zar o novíssimo automóvel, o
Para uma melhor compreen-
todas as atividades, civis ou
comprador foi surpreendido com
são do agente responsável pelo
mercantis. O fornecedor pode-
os raios de uma das rodas que se
ato a ser reparado, é importan-
rá oferecer produtos ou servi-
romperam, com o proprietário ar-
te destacar sua conceituação na
ços. Dessarte, o conceito de
remessado
textura do CDC.
agente econômico é extenso,
veículo, e ficando gravemente
não pairando qualquer dúvida
ferido. O Tribunal de Apelação
quanto ao espectro de sua atu-
de Nova York, em 1916, apre-
O Código do Consumidor,
em seu art.
3 o,
define ampla-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
para
fora
do
139
D ireito
Artigo
ciou o assunto. O juiz Cardozo
to em (a) defeitos juridicamen-
tos podem apresentar, dividem-
condenou a empresa pelo dano
te relevantes para responsabi-
se em dois grupos: (a) riscos in-
causado, e não somente isto –
lidade civil, e (b) defeitos juridi-
trínsecos (periculosidade ineren-
neste caso – generalizou-se a
camente irrelevantes para res-
te); e (b) periculosidade adqui-
idéia de que o agente fabrican-
ponsabilidade civil. Os juridica-
rida (decorrente de defeito).26
te de um produto assume um
mente relevantes são os dispos-
Os defeitos no regime do
dever de diligência perante os
tos no caput do art. 12. Defei-
Código são apresentados em
consumidores diretos, e tam-
tos juridicamente irrelevantes
três gêneros: (1) de fabricação;
bém perante qualquer terceiro,
apresentam-se pela atividade –
(2) de concepção; e (3) de infor-
que possa suportar danos
exclusivamente – culposa do
mação (ou de comercialização).
defeituoso.24
consumidor ou de terceiro. São
O artigo 12 descreve quais são
Os defeitos de produção são
aquelas imperfeições oriundas
os defeitos decorrentes da fa-
os que se manifestam em al-
do caso fortuito ou força mai-
bricação, sabendo-se: monta-
guns exemplares do produto,
or, “da normal ação deletéria do
gem, manipulação, construção
oriundos de falha no processo
tempo” e do risco do desenvol-
ou acondicionamento de produ-
produtivo; qualquer que seja,
vimento.
tos. Os atos defeituosos de fa-
oriundos do fato
Na sistemática do Código,
bricação que originam a respon-
fato do produto significa dano
sabilidade pelo fato do produ-
A noção de defeito no CDC
causado por defeito apto a re-
to caracterizam-se como inevi-
tem estreita ligação com a idéia
dundar a responsabilidade do
táveis; de previsível ocorrência
de segurança do produto.25
fornecedor. Há necessidade
e de manifestação limitada.27
Na direitura do art. 12, § 3o,
impostergável de se caracteri-
Na conceituação de Ferreira da
II, não havendo a configuração
zar o dano por interlúdio do fato
Rocha, (1993, p. 47) os defei-
indisfarçável da deformidade, a
do produto.
tos de fabricação apresentam
mecânico ou manual (Denari,
1997, p. 147).
pretensão do conforto indeniza-
O CDC exige que o produ-
dois caracteres: previsibilidade
tório, por sua vez, será esvazia-
to seja considerado defeituo-
e relativa inevitabilidade. As
da. A simples prova de ausência
so para que haja a responsa-
doutrinas nacional e estrangei-
de defeito excluirá quaisquer
bilização do fornecedor. Os
ra são unânimes ao afirmarem
formas de reparação para o agen-
agentes beneficiados pela in-
que as imperfeições do fato pro-
te econômico. Não importará a
denização são todos aqueles
duto, no gênero fabricação, são
potencialidade que o dano re-
que suportarem os danos, in-
inexoráveis, inerentes a qual-
dundar, nem tampouco, se o
clusive, os bystanders (vocá-
quer espécie de produção em
entregador ou fornecedor pôs o
bulo do Direito Norte-America-
série.28
produto na rede de mercancia.
no).
Na linha de concepção, os
Atenua a descrição, o fato de o
A responsabilidade do forne-
defeitos são de projeto ou de
fornecedor ter que exibir a com-
cedor poderá ocorrer por fato
fórmula. Nesta classificação, é
provação da inexistência da im-
próprio, de outrem ou pelo fato
certo dizer que referidas defor-
perfeição, ou defectu.
da coisa (produto).
midades são evitáveis. Quando
James Marins (1993, p. 110)
Arruda Alvim (1996, p. 136)
o defectu é ocasionado na eta-
estrutura os defeitos do produ-
diz que os riscos que os produ-
pa de concepção, toda produ-
140
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
ção fica comprometida – do
mente, prepondera.
da responsabilidade do CDC
ponto de vista de prevenção –,
Decerto, o caráter de defei-
O Código nos incisos I, II e
porque a falha é na origem, no
tuosidade do produto necessi-
III, do art. 13, relata a situação
projeto. Portanto, irremediável.
ta de valoração, e enseja na in-
do comerciante, relativamente
Os causadores do dano, nesse
tervenção estatal, para o efe-
ao dever de compor o evento
caso, poderão utilizar-se do re-
tivo exame das circunstâncias
danoso a que der origem. Na
que encerram o fato concreti-
hermenêutica do CDC, o agen-
zado.
te fornecedor-direto suporta a
call,
29
com o escopo de preve-
nir eventuais responsabilizações (exceto se os produtos já
A propósito, merecem refe-
responsabilização de forma
tiverem sidos distribuídos para
rência alguns julgados no
subsidiária, e nos seguintes ca-
comercialização e causado da-
Direito Brasileiro. Recente-
sos: (a) quando a cadeia forne-
1a
nos, o mecanismo do recall per-
mente o Juízo da
Vara Cível
cedora não puder ser identifi-
de a eficácia). A estrutura da de-
em Curitiba (Processo 66057/
cada; (b) não havendo identifi-
ficiência na concepção difere da
97) condenou a Arisco Produ-
cação clara nos produtos distri-
ocorrida na fase de construção.
tos Alimentícios Ltda a pagar
buídos; (c) em caso de não con-
É que, na construção, o defeito
indenização de 400 salários
servar com adequação os pro-
atinge apenas a um número li-
mínimos, porque uma mosca
dutos perecíveis.
produtos.30
foi encontrada em um frasco
A subsidiariedade justifica-se
Os defeitos de informação se
de 30 gramas de pimenta (Ga-
por que o produtor é quem es-
manifestam quando ocorre (a)
zeta Mercantil, 14 jul. 1999,
palha os produtos no mercado.
informação inadequada ou in-
p. 1 e 5).
Em todo caso, o direito de re-
mitado de
gresso é garantido pelo § ún.
suficiente sobre a utilização do
O Superior Tribunal de Justi-
produto e os riscos que os re-
ça tem se manifestado a respei-
vestem, (b) defeito no acondici-
to do tema. No REsp 185.836-
O sistema do CDC é criticá-
onamento do produto.
SP, manteve a condenação da
vel, à medida que o comercian-
Constata-se que os defeitos
Ford do Brasil, para que fosse
te ou fornecedor-direto, em
alusivos à comercialização fun-
entregue um novo veículo. O
caso de produtos não industri-
dam-se na forma como os pro-
bem apresentou vício de quali-
alizados, não é responsabiliza-
dutos são conduzidos. Tanto no
dade. O REsp. 114.447-3-RJ aco-
do prima facie, em detrimento
aspecto de veiculação (informa-
lheu tese para a substituição de
ao produtor rural ou do artesão.
do art. 13.
defeituoso.31
No quadro comparativo, o co-
como no que diz respeito à for-
O Código apregoa o defei-
merciante geralmente é o que
ma de armazenamento. A co-
to para a finalidade de repa-
tem maior lastro econômico
municação ao público – de for-
ração. A imperfeição do pro-
(Lima Marques, 1999, p. 621).
ma clara, adequada e esclare-
duto deverá acompanhar o
Convém sinalizar que o pre-
cedora – sobre o conteúdo do
nexo de causalidade, para que
ceptivo legal (art. 12) não se
produto que se está pondo no
o dano seja reparado pelo for-
referiu ao comerciante, impu-
mercado consumidor é caráter
necedor.
tando-lhe qualquer obrigação.
ção adequada e suficiente),
mobiliário
O negociador-direto é o prin-
de absoluta obrigatoriedade. O
dever de guardar bem, igual-
2.6.2 O fornecedor-direto
(comerciante) no contexto
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
cipal elo de ligação com o con141
D ireito
Artigo
sumidor, mas o legislador nes-
ta algumas excludentes a favor
impedir que se manifeste o
te primeiro momento optou
de quem deve indenizar, con-
nexo de causalidade, fato indis-
por não inclui-lo no elenco do
soante as previsões legais.
pensável para a responsabiliza-
A responsabilidade objetiva
ção. Nesta ótica, não importará
pelo risco, quando aplicada na
que haja defeito, porquanto
modalidade de abrandamento
será “defeito juridicamente
declina
(mitigada), busca um ponto de
irrelevante”, em consonância
lição do mestre italiano Alpa, o
equilíbrio entre a causa danosa
com estudo de James Marins
qual atribui a concentração da
e a distribuição da reparabilida-
(1993, p. 110).
responsabilidade ao construtor,
de. É o que se chama de reparti-
fabricante e ao produtor, porque
ção do risco; o equilíbrio, na ta-
3.2 Os institutos do caso
a maioria dos defeitos ocorrem
refa de distribuição de justiça,
fortuito e da força maior
na origem, ou seja, na produção.
com o desiderato de alcançar o
e a possibilidade de
Na comercialização o risco é afas-
núcleo do princípio da eqüidade.
aplicação no CDC
tado, exceto a título subsidiário,
Espanca o CDC, portanto, a tese
na leitura do art. 13 e seus inci-
do risco integral.
artigo 12, somente o fazendo
no art. 13.
Ainda a Professora Lima Marques (1999, p.
622)32
plexas é a atinente aos institu-
Comentando o art.
5o
do
tos do caso fortuito e da força
Decreto-Lei de Portugal, n. 383/
maior, na estreiteza do Código
1989, Calvão da Silva (1990, p.
do Consumidor.
sos. Esclarece-se assim, a motivação do escritor da lei.
Problemática das mais com-
3 EXCLUDENTES DE
RESPONSABILIDADE DO
FORNECEDOR
717) diz que o Texto Legal in-
A índole civilista dos concei-
corpora disposição do art. 7o da
tos da força maior e do caso
Diretiva Européia, e na alínea ‘a’
fortuito é proeminentemente.
3.1 Excludente, um parênte-
dispõe que o produtor não é
Lançando luzes sobre o pa-
sis à teoria do risco
responsável “se provar que não
rágrafo único e seu art. 1.058,
pôs o produto em circulação”.33
o clássico Clóvis Beviláqua
do art. 12, é afastada a
O fato é que, quando houver
(1979, p. 172) menciona: “Con-
responsabilização do fornece-
culpa exclusiva do consumidor,
ceitualmente o caso fortuito e
dor, quando este provar: “I – que
o
econômico
a fôrça maior se distinguem. O
não colocou o produto no mer-
ficará isento de qualquer
primeiro, segundo a definição
cado; II – que, embora haja co-
responsabilidade.
de Huc, é “o acidente produzi-
Na diretriz dos incisos I, II e
III, §
3 o,
agente
locado o produto no mercado,
A culpa concorrente não é
do por fôrça fisica ininteligen-
o defeito inexiste; III – a culpa
excludente de responsabilida-
te, em condições que, não po-
exclusiva do consumidor ou de
de, mas simples atenuante. A
dem ser previstas pelas partes”.
7 o,
n. I, do Dec.-Lei
A segunda é “o fato de terceiro,
As causas exonerativas su-
n. 383, de 6 nov. 1989, a culpa
que criou, para a inexecução da
perpostas explicam a natureza
concorrente é tida como atenu-
obrigação, um obstáculo, que a
jurídica da responsabilidade
ante e não como cláusula de ex-
boa vontade do devedor não
acolhida pelo Código de Prote-
clusão.34
pode vencer”.
terceiro”.
teor do art.
ção. Preferiu o CDC, a teoria do
A existência da culpa exclu-
Importa considerar que o
risco mitigada; ou seja, compor-
siva é motivo suficiente para
Código Civil adotou expressa-
142
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
mente os regimes jurídicos
dentes, dentre outros, Denari
caso fortuito impeçam a concre-
multicitados. É possível a exclu-
(1997, p. 155), Vasconcellos e
tude da responsabilização (Nery
são das regras em espécie. Cló-
Benjamin e Calvão da Silva (au-
Jr., 1992, p. 56).
vis Beviláqua (1979, p. 173)
tor português). Defendem os
A imputabilidade objetiva
baliza: “O caso fortuito e a fôr-
renomados estudiosos do Direi-
com escora na ação dos agen-
ça maior escusam o devedor de
to do Consumidor que os for-
tes fornecedores e na existên-
responsabilidade pelos prejuí-
necedores beneficiam-se das
cia efetiva do defeito espanca-
zos; mas êle pode, por cláusula
excludentes da força maior e do
ria o colóquio de que o defeito
expressa, ter assumido essa
caso fortuito.37 -38
James Marins
seria originado em caso fortui-
responsabilidade”.35
(1993, p. 153), parcialmente:
to e na força maior. Exemplifi-
O CDC não faz menção à for-
distingue a ocorrência da força
cando: a devolução indevida de
ça maior e ao caso fortuito. Nos
maior ou caso fortuito, em dois
cheque com a anotação ‘sem
dispositivos que consignam as
estágios: (a) se ocorre antes (b)
fundos’, um registro equivoca-
causas exonerativas de respon-
ou depois da inserção do pro-
do em banco de dados, o corte
sabilidade do fornecedor (art.
duto no mercado. Ocorrendo na
ilícito de energia elétrica (Lima
etapa inicial, o fornecedor res-
Marques, 1999, p. 627).
12, §
3 o,
I, II e III), não tratam
ponderá pelos danos; na segun-
A força maior e o caso for-
Mais uma vez, convém trans-
da etapa, as excludentes afas-
tuito não são causas de exclu-
crever o magistério do erudito
tarão quaisquer formas de res-
são da responsabilidade objeti-
jurisconsulto, Clóvis Beviláqua
ponsabilização para o agente
va prevista no CDC. Ferreira da
(1979, p. 173): “Não é, porém,
produtor.
Rocha (1992, p. 112) apresen-
sobre o assunto.
a imprevisibilidade que deve,
No outro pólo, com a mes-
ta argumentação, para justificar
principalmente, caracterizar o
ma eloqüência doutrinária: Al-
a não aplicabilidade da força
caso fortuito, e, sim, a inevita-
vim, Castro Nascimento, Ferrei-
maior e do caso fortuito na es-
bilidade”.36
ra da Rocha, Lima Marques e
fera das relações de consumo.
O fator decisivo, parece-nos,
Nery Jr., sem exaurir a listagem.
Expõe: (a) a responsabilidade do
é a inevitabilidade do aconteci-
Para o ressarcimento não
fornecedor funda-se na existên-
mento. Já ficou frisado em
importa que tenha havido caso
cia de um produto defeituoso;
linhas precedentes que, o
fortuito ou força maior. A mens
(b) o defeito fundamenta-se em
defeito do produto é fato previ-
legis colhida do CDC, quanto às
um fato necessário, “cujo efei-
sível – mas inevitável –, no
circunstâncias exonerativas,
to era impossível evitar ou im-
gênero defeito de construção
não contempla os institutos re-
pedir” (caso fortuito ou força
ou de produção.
feridos. Portanto, excludentes
maior). Considera como dois os
A doutrina brasileira perti-
do dever de reparação são nu-
momentos da configuração do
nente ao assunto divide-se en-
merus clausus e o fornecedor
defeito: (1) quando o defeito
tre defensores e oposicionistas.
não pode livrar-se da obrigação.
ocorrer antes do ingresso do
As regras jurídicas invocadas,
A Lei n. 6.938/1981, dispondo
produto no mercado; (2) quan-
no campo de aplicação do CDC
sobre os danos causados ao
do o defeito ocorrer após a en-
– a título de cláusulas excluden-
meio ambiente, em seu art. 14,
trada do produto no mercado.
tes – têm como ilustres defen-
inadmite que força maior e o
Na primeira preposição, tendo
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
143
D ireito
Artigo
sido a causa gerada ou produ-
ponsabilidade por caso fortuito e
já encontrar-se no mercado de
zida antes de o produto ingres-
força maior. Assim, não há falar-
consumo.
sar no mercado, o agente eco-
se em causa exonerativa.
No nosso embrionário modo
nômico ainda teria a oportuni-
A tese de oposição à incidên-
de apreciar o thema, não é jus-
dade de corrigir o defeito, evi-
cia do caso fortuito e da força
to que a responsabilidade seja
tando que os consumidores su-
maior, como causas excluden-
conferida ao produtor, pois o
portassem gravames; na segun-
tes da responsabilidade do for-
vínculo de causalidade não es-
da: se o defeito for causado
necedor, é unânime: o CDC não
taria presente, no caso de o pro-
após a colocação do produto na
inscreve os institutos como fa-
duto apresentar defeito depois
rede de consumo, o fornecedor
tores de afastamento da res-
d seu ingresso na rede consu-
não será responsabilizado; con-
ponsabilidade.
merista. Razão suficiente para
tudo, não pelos regramentos da
Calvão da Silva (1990, p. 737)
força maior e do caso fortuito,
assinala que nem o Dec.-Lei n.
mas pelo disposto no art. 12, §
383/1989, tampouco a Dire-
3o,
II. De qualquer forma, a for-
tiva 384/CEE, dispuseram so-
3.3 Risco do
ça maior e o caso fortuito,
bre a força maior como exclu-
desenvolvimento e a
como excludentes, não se apli-
dente de responsabilidade do
responsabilidade do
cam ao CDC.
produtor. Caso o legislador co-
agente produtor
O catálogo das cláusulas
exonerativas dos arts. 12, §
3 o,
munitário pretendesse excluí-la,
teria feito
expressamente.39
arredar a responsabilidade do
fornecedor.
Qualquer atividade desenvolvida pelo ser humano compre-
e 14, § 3o, é exaustivo. Diferen-
Denari (1997, p. 155) desta-
ende algum risco; especialmen-
temente do que informa o Có-
ca que, se for depois da dispo-
te quando se produz em gran-
digo de Clóvis (art. 1.058, §
nibilização do produto na rede
de escala. A minimização do
ún.), para os acontecimentos na
de consumo, a ocorrência da
percentual
órbita civilista, o CDC não traz
força maior e do caso fortuito
defeitos é tarefa fundamental.
a previsão de aplicabilidade do
incide na “ruptura do nexo de
Esforços e investimentos finan-
caso fortuito e da força maior.
causalidade que liga o defeito
ceiros significativos são exigi-
A redação empregada nos tex-
ao evento danoso”.
dos, na tentativa de se evitar
de
falhas
e
tos, é: “...só não será responsa-
No contexto da doutrina do
gravames aos destinatários
bilizado quando provar”. Assim,
direito comum, pelo suporte
dos produtos. A ferramenta da
afasta-se a incidência daqueles
clássico, a inevitabilidade é o
tecnologia é preponderante
institutos” (Castro Nascimento,
elemento caracterizador do re-
para a prevenção de riscos.
1991, p. 55).
gime da força maior ou do caso
Maior atenção é dispensada,
Arruda Alvim (1996, p. 146)
fortuito. No âmbito do CDC,
quando o objeto da produção
defende que, em qualquer caso
parece-nos que o transporte
diz respeito a medicamentos
da existência do defeito do
daquele pressuposto é inevitá-
ou a bens que envolvam a
produto – antes ou depois de
vel, não sendo possível ao ope-
segurança.40
o fornecedor pôr o produto no
rador econômico evitar o fato
No estágio de competitivida-
mercado de consumo – deverá
extraordinário (e externo ao seu
de global enfrentado por todos
assumir os percalços da res-
alcance), no caso de o produto
os segmentos na sociedade de
144
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
consumo, é imperioso que os
tos do produto, já existentes,
dade absoluta e objectiva de
agentes de produção eliminem
no momento em que ele é dis-
descobrir a existência do defei-
o risco de produtos que venham
tribuído no mercado, contudo,
to por falta ou insuficiência de
a ocasionar prejuízos ao agen-
segundo os conhecimentos ci-
meios técnicos e científicos idó-
te consumidor. O empreendi-
entíficos e técnicos da época,
neos, e não a impossibilidade
mento produtor constantemen-
são irreconhecíveis.
subjectiva do produtor em cau-
te concorre ao prêmio de me-
É na fase de concepção que
sa”. Argumenta ainda: o produ-
lhor qualidade; e assim, esta-
se configura a problemática do
tor deve estar atualizado sobre
rá solidificando sua imagem
risco do desenvolvimento. É
as experiências e técnicas cien-
comercial no mercado que exi-
premissa lógica que a imperfei-
tíficas mundiais.42 -43
ge a mais ampla performan-
ção resulta da ausência de in-
É interessante o confronto
ce.
formações científicas, na épo-
das expressões: não lhe permi-
ca da concepção. Faltava o do-
tia e não lhe permitiu. O tempo
mínio de tecnologia nova.
verbal, em paralelo, com o co-
Todo produto para ser lançado no mercado de consumo
perpassa por uma série de eta-
Ferreira da Rocha (1992, p.
nhecimento científico contem-
pas. Desde o projeto de ideali-
110) observa ser decisivo saber
porâneo – por certo – é o divi-
zação até a confecção do pro-
em que proporção um defeito
sor de águas para a fixação da
duto final, demanda-se um flu-
poderia ser cognoscível, de
responsabilidade do agente
xo de tempo. No iter projeto à
acordo com o conhecimento ci-
produtor do defeito.
produção, costumeiramente,
entífico contemporâneo à distri-
transcorre o que a doutrina
buição do produto.
identifica como risco do desen-
O autor português Calvão da
volvimento (developmental risk
Silva (1990, p. 510-511), apoi-
risk).41
Questão relevante é descortinar a quem competirá assumir
o ônus do risco do desenvolvimento.
O ris-
ando-se no Decreto-Lei n. 383/
Destaca Ferreira da Rocha
co do desenvolvimento signifi-
1989 (de Portugal), e doutrinan-
(1992, p. 111) que os Direitos
ca um risco que, mesmo com
do sobre o estado da arte ou
Português, Italiano e o Ale-
todo o aparato das avançadas
estado da ciência e da técnica,
mão44 fizeram a opção legisla-
técnicas preventivas, não é
obtempera: o critério legal é
tiva no sentido de atribuir ao
identificado no momento em
objetivo e para que o produtor
consumidor o encargo de assu-
que o produto é distribuído na
se exima da responsabilidade,
mir com o risco do desenvolvi-
rede de consumo, mas somen-
exige-se que este faça a prova
mento. O fornecedor foi excluí-
te é identificável, após um perí-
de que o estado dos conheci-
do a título de cláusula exonera-
odo de uso. O exemplo mais
mentos científicos e técnicos
tiva.
comum é o de medicamentos
não lhe permitia detectar os
Na exegese de Calvão da Sil-
novos, os quais chegam a pro-
defeitos existentes; e não que
va (1990, p. 510-511) o Dec.-
duzir efeitos colaterais que pre-
o conhecimento científico não
Lei Português somente libera o
judicam a saúde.
lhe permitiu inteirar-se sobre a
produtor pelo defeito gerado no
Macena de Lima (1990, p. 82)
existência do defeito (art. 5º, al. e).
risco do desenvolvimento, em
lapidarmente diz que os riscos
Arremata: “Noutros termos: o
caso de impossibilidades abso-
de desenvolvimento são defei-
que a lei requer é a impossibili-
luta e objetiva de desvendar a
ou development
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
145
D ireito
Artigo
existência da deformidade indus-
sível e incongruente comungar
produto e o comprador, posto
trial. Portanto, a exclusão da res-
com entendimento diverso.
que a mercadoria já traz
ponsabilidade é mitigada, adstri-
James Marins (1993, p. 137)
ínsita o defeito.
considera o risco de desenvol-
Considerar a exclusão do
Ferreira da Rocha (1992, p.
vimento como um defeito juri-
agente econômico de qualquer
111) opina que no Direito Bra-
dicamente irrelevante, assim,
responsabilização é admitir, em
sileiro a exclusão mediante o
insuscetível de atribuir-se res-
certo grau, a teoria do enrique-
risco do desenvolvimento não
ponsabilidade ao fornecedor.
cimento ilícito, posto que so-
ta ao fato em cotejo.
3o
do art.
O tema não é dos mais fá-
mente o fornecedor auferiu lu-
12 não contempla tal hipótese.
ceis. A Diretiva/CEE, no art. 15,
cros, e todo o risco do insuces-
É que na situação concreta, ine-
al. ‘b’, derrogou o art. 7, al. ‘e’
so foi arcado pelo consumidor.
xistiu culpa exclusiva pelo con-
(que previa uma responsabilida-
Sendo este o entendimento pre-
sumidor – logo – o fornecedor
de por riscos de desenvolvimen-
dominante, o preceito da eqüi-
responderá pela ocorrência da-
to); sendo assim, cada Estado-
dade estaria violado. Em sínte-
nosa do produto defeituoso.
Membro disporia sobre o assun-
se: o produtor vende, obtém
to (Macena de Lima, 1990, p.
lucros; o comprador adquire e
84).
tem prejuízos.
é possível, pois o §
Norris (1996, p. 91) assinala
que são muitas as razões pelas
quais a teoria do risco não pode
A questão parece resvalar em
O risco é próprio da ativida-
ter aplicabilidade no cenário
premissas singelas. É conceito
de desempenhada. O risco deve
pátrio. A sua eficácia, no ambi-
universal: quem arrisca deverá
ser endereçado ao fornecedor
ente do CDC, dar-se-ia no caso
suportar o ônus inerente. O pro-
e não ao agente que consome
de o art. 12, § 3o mencioná-la
dutor é o dono do negócio e
o produto.
expressamente.
ganha para expor o objeto de
Talidomida foi um produto
Arruda Alvim (1996, p. 147),
sua produção. Receber paga-
que causou alvoroço social em
expressando opinião sobre o
mento e causar gravames pela
todo o mundo. É consistente
assunto jurídico em análise, in-
mercadoria vendida não é pas-
exemplo de que não se pode
clina-se pelo posicionamento de
sível de reparação? Decerto, é
admitir a idéia de aplicabilida-
que no direito brasileiro não se
uma troca injusta.
de do risco de desenvolvimen-
recepciona a idéia de aplicação
Excluir a responsabilidade
to na conjuntura brasileira.
desenvolvi-
por risco de desenvolvimento
mento. A obrigação do fornece-
do fornecedor é tornar plena-
4 A RESPONSABILIDADE
dor é inafastável, e a teoria do
mente vulnerável as vítimas das
SUBJETIVA NO CDC
risco do desenvolvimento não
falhas produzidas pelo agente
O FORNECEDOR COMO
pode deslocar-se como eximen-
produtor. Não se pode imputar
PROFISSIONAL LIBERAL
te de responsabilidade. A argu-
ao lado mais fraco da relação
O Código do Consumidor
mentação
na
de consumo um encargo para
também traz em seu bojo a res-
assertiva de que, se o Código
o qual não corroborou; não par-
ponsabilidade subjetiva.
considerou o produto defei-
ticipou da elaboração do proje-
A norma do § 4o (art. 14) cons-
tuoso (à segurança que é espe-
to, tampouco da produção final.
titui-se como exceção da doutri-
rada legitimamente), fica impos-
Não há nexo entre o risco do
na do Código, porque aborda a
do
146
risco
de
esgota-se
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
reparação na ótica da theoria
carreira liberal.
operário liberal.
aquiliana. A modalidade subjeti-
É possível também que o pro-
va constante no CDC estende-se
fissional liberal ressarça o dano
à classe dos profissionais libe-
nos moldes da teoria do risco,
Os fundamentos históricos
rais. Os integrantes da carreira
quando contratar obrigação de
da obrigação de indenizar en-
liberal, por prestarem serviços
resultado, verbi gratia: um mé-
contram sustentação no classi-
intuitu personae, fruem de bene-
dico que garante o sucesso de
cismo da teoria da responsabi-
fício extraordinário na apuração
qualquer intervenção cirúrgica.
lidade subjetiva.
do dano. Os elementos da confi-
Aliás, no caso de operação
Civilizações do passado cul-
ança e presunção de competên-
plástica, a jurisprudência na-
tivaram formas de reparação,
cia, por parte do interesssado no
cional tem considerado que se
como a pena de Talião. A moti-
serviço, são determinantes para
trata de obrigação de resulta-
vação de compensar o dano
que a categoria dos trabalhado-
do, conforme Lex 142/117
sofrido orientou esse critério.
res liberais responda, a título de
(Stoco, 1997, p. 91).
Mas naqueles tempos, o corpo
compensação, com sustentácu-
A orientação do art.
6o,
VIII
CONCLUSÃO
humano e a vida eram o real
objeto do ressarcimento.
lo na responsabilidade extracon-
do CDC merece exame ante à
tratual. Advogado, dentista e
exceção do subjetivismo da cul-
Alguns ordenamentos fica-
médico exemplificam a profissão
pa. O normativo outorga, ao
ram famosos: os Códigos de
liberal.
agente usuário, a proteção le-
Hammurabi e Manu; a Lei da XII
Assim, o caráter personalís-
gal de que o juiz poderá inver-
Tábuas; as normas mosaicas.
simo na entrega do serviço é
ter o ônus da prova.45 O dis-
No Direito Romano aflorou a
fator determinante, para que a
posto no art. 14, § 4o, garante
Lei de Aquília, em 286 a. C. A
culpa seja levantada.
ao profissional liberal a apura-
responsabilidade com culpa
Contudo, o ofício liberal,
ção do dano, por entremeio da
surgiu na lei aquiliana. Qualquer
quanto à caracterização do
clássica teoria da responsabili-
modalidade de reparar um dano
dano, poderá reger-se sob o
dade subjetiva.
encontrava sua justificação no
elemento culpa.
domínio da responsabilidade
Aparentemente persiste a
sem culpa. Responderá objeti-
contradição entre as normas ci-
Estudiosos insatisfeitos com
vamente o responsável, nesta
tadas. Na estrutura protetiva do
o modelo ressarcitório milenar
situação: (a) quando o profissi-
Código, quiçá, arriscaríamos a
esbravejaram com uma nova
onal liberal contrata através de
dizer que a preleção do art.
6o
opinião: responsabilidade pelo
pessoa jurídica (sociedade de
(VIII) sobressairia. Mas, é im-
risco causado, desconsideran-
médicos, por exemplo); (b) se o
prescindível anotar que não há
do-se a culpabilidade.
profissional labora para a pessoa
antinomia entre os preceitos
Saleilles e Josserand foram
jurídica prestadora do serviço.
respectivos. O texto vertido no
os revolucionários do novo con-
4 o)
é especial – faz a
ceito, nos idos de 1894 e 1897.
sabilização da pessoa jurídica,
exceção – e, dessa forma, o jul-
Muitos outros absorveram a
e não à dos profissionais libe-
gador não poderia aplicar a con-
idéia, a exemplo dos irmãos
rais, pois inexiste o pressupos-
traversão do ônus da prova,
Mazeaud.
to da pessoalidade para os da
pena de contrariar direito do
Sobressai, in casu, a respon-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
art. 14 (§
O Código Francês em seu art.
147
D ireito
Artigo
1.384, § 1o, no concernente a
capítulo importante para a de-
O defeito do produto pode
danos causados por incêndio,
fesa dos usuários dos produtos
causar danos ao consumidor.
espelhou aquela maneira de se
e serviços. Surge, dessa forma,
Existem defeitos que não apre-
obter a reparabilidade.
o princípio constitucional da
sentam risco à saúde dos uten-
defesa do consumidor, reitera-
tes, como uma peça de roupa
do na ADIn 319-4-DF.
que desbota na primeira lava-
A responsabilidade como arrimo na teoria objetiva é mais
Valiosos institutos jurídicos
gem. Não obstante, constata-se
O Código Civil Brasileiro re-
alinharam-se em prol do consu-
que produtos potencializam ris-
cepcionou o princípio vertido na
midor. Boa-fé nas relações de
cos à saúde. Um medicamento
Lei de Aquília. O critério subje-
consumo, inversão do ônus da
cuja data de vencimento já ex-
tivo da culpa está expresso nos
prova, proteção contratual de
pirou continua sendo comerci-
artigos 159 e 1.518.
cláusulas abusivas, princípio da
alizado e tem efeitos danosos;
Dentro desse prospecto, a
segurança à saúde, vulnerabili-
um produto perecível, que é
indenização funda-se nos se-
dade do consumidor, equilíbrio
acondicionado sem as precau-
guintes pressupostos: (a) o ato
nas relações de consumo, de-
ções necessárias; uma instala-
ou omissão que cause dano; (b)
ver de informar são princípios
ção elétrica irregular, que cau-
o dano produzido; (c) o nexo
de especial relevo para a defe-
sa estrago em equipamentos
causal; (d) a culpa.
sa do consumidor.
eletrônicos.
eficaz; sintetiza maior justiça.
Alguns artigos do Código de
No Mercosul os diplomas que
O caso MacPerson v. Buick
Beviláqua admitem a objetivida-
estão sendo escritos estabele-
Motor Co., julgado em 1916,
de da compensação econômica,
cem correlatas proteções.
pelo Tribunal de Apelação de
exempli gratia: 1.528, 1.529 e
O fornecedor é o alvo da res-
Nova York, ilustra a noção dos
1.546. Igualmente, alguns di-
ponsabilidade trazida pelo CDC.
nefastos defeitos insertos nos
plomas legislativos ingressaram
A sua conceituação é ampla. É
produtos.
no ordenamento jurídico. O De-
o produtor, o prestador de ser-
Na sistemática do CDC, para
creto n. 2.681, de 7 dez. 1912 e
viços. Pode ser real, aparente ou
que o dano seja importante é
o Decreto-Lei n. 483, de 8 jun.
presumido, nos moldes da Di-
indispensável: (a) a existência
1938, para ilustrar.
retiva 85/374/CEE.
do defeito; (b) o dano; (c) o nexo
causal.
Mormente, o germe da res-
O CDC exige a segurança e
ponsabilidade sem culpa encon-
proteção dos consumidores, e
A prova de ausência do de-
tra-se na Magna Charta de 1988
impõe o dever de informar. A
feito afasta a responsabilidade
informação, para ter o efeito
do fornecedor.
(arts. 21, XXIII, ‘c’ e 37, §
6o).
O Código do Consumidor
também acolheu o regime da
imposto pelo Código, deve ser
adequada e suficiente.
O defeito do produto é o
dano causado, apto a render
teoria do risco, na forma miti-
A segurança contra os riscos
ensejo a responsabilização do
gada. Mitigada é uma modali-
dos produtos não é absoluta, e
agente econômico. Os agentes
dade de reparação que admite
encontra limitação no conceito
beneficiados pela indenização
exceções.
de segurança legitimamente
serão todos os que sofrerem
esperada, como também nas
danos, adicionando-se os bys-
excludentes pró-fornecedor.
tanders.
A previsão constitucional dos
direitos dos consumidores é
148
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
A doutrina contrói conceitos.
pelo Estatuto do Consumidor
Os riscos são (a) intrínsecos e
admite temperamentos. As ex-
Quando o fato ocorre antes de
(b) os decorrentes de defeito
cludentes de responsabilidade
o produto ser ofertado na rede
(a periculosidade adquirida).
do produtor confirmam a pre-
de consumo, impera a responsa-
missa.
bilidade do produtor. Sendo o
Os defeitos são de fabrica-
na inevitabilidade dos eventos.
ção, concepção e de informa-
Por culpa exclusiva do con-
fato externo e atingindo o pro-
ção. Na etapa de fabrico ou
sumidor, o agente da produção
duto após a sua distribuição no
manufatura, os defeitos se ca-
não é provocado a reparar
mercado, não se pode atribuir
racterizam como previsíveis e
quaisquer danos.
responsabilização ao fabricante
inevitáveis. Na arquitetura da
O artigo 12 (§
3o,
I a III) lista
(fornecedor lato sensu).
concepção, as deformidades
as hipóteses em que incidem as
A atividade humana, qual-
são as mais comprometedoras,
cláusulas exonerativas pró-for-
quer que seja, convive com o
porque ocorrem na origem, e
necedor. Neste caso, o risco
risco, com o perigo.
contaminam toda a produção.
pela atividade industrial encon-
As doutrinas nacional e es-
A informação é defeituosa
tra um parêntesis no espectro
trangeira bifurcam-se sobre a
quando incompleta. Melhor ex-
da teoria do risco.
temática do risco do desenvol-
plicando, quando é inadequada
ou insuficiente.
Compete ao Judiciário atri-
O Dec.-Lei Português, n. 383/
1989, também prevê causa de
exclusão para o produtor.
vimento.
Múltiplas são as etapas vencidas para que um produto aden-
buir valor à imperfeição, apre-
No caso de culpa concorren-
tre no mercado de consumo.
ciando a ocorrência, em conso-
te, não se configura o nexo de
Projetos, testes, produto final,
nância com cada caso concre-
causalidade, abrindo-se cami-
compõem o catálogo da produ-
to. Órgãos jurisdicionais brasi-
nho para a plena isenção do
ção. O fornecedor nesse iter tem
leiros têm desempenhado suas
operador econômico.
todas as oportunidades para
funções nesse mister. Quando
No registro do direito comum,
extirpar os defeitos da sua obra.
os produtos apresentam defei-
controlado pela larga teoria civi-
O risco do desenvolvimento
tos e causam prejuízos, a lei
lista, despontam os tópicos da
ou developmental risk tem sede
determina a respectiva indeni-
força maior e do caso fortuito.
na concepção ou na produção
O Código não inseriu qual-
do artefato. Somente é identifi-
O comerciante responde sub-
quer dispositivo com alusão aos
cado o defeito quando o produ-
sidiariamente a par dos incisos
institutos cotejados. A doutrina
to é utilizado. O fato é previsí-
I, II e III do art. 13, CDC. É que
oscila, entre os defensores e
vel, mas inevitável.
em sua maioria, os defeitos, são
oposicionistas, quanto ao em-
Assim, objetivamente, o mo-
gerados na fase de concepção
prego dos regimes jurídicos na
delo da responsabilidade espo-
ou produção; fato próprio do
esfera das relações de consu-
sada pelo CDC, com singeleza
fornecedor. De toda sorte, es-
mo. O tema é árduo e ainda
de análise, não dar azo para que
tará garantido o direito de re-
movimenta-se, carregando o
o agente produtor escape da
gresso.
fardo das dúvidas.
obrigação de ressarcir pelo
zação.
Como já frisado, a teoria da
O ponto de discórdia, numa pri-
dano causado. O argumento de
responsabilidade contornada
meira análise, parece localizar-se
que o estado dos conhecimen-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
149
D ireito
Artigo
tos científicos e técnicos não
utentes, e na expansão dos
respeito.
princípios protecionistas ali
permitia ou não permitiu que o
Os profissionais liberais são
fornecedor evitasse o risco de de-
os beneficiários da norma. O
senvolvimento, não elide a con-
princípio basilar é o de que o
Nos ditames da Lei n. 8.078,
duta danosa.
integrante da carreira liberal
de 1990, encontra-se o moder-
A lógica é: o fornecedor pro-
contrata seus serviços com base
níssimo conjunto de preceitos
duz, vende e aufere lucros; o
na qualidade personalíssima. O
de ordem pública. Aspecto me-
consumidor adquire e suporta
médico, o advogado, que age
recedor de reconhecimento in-
um prejuízo por comprar algo,
nesse mister, suportará a inde-
ternacional, por especialistas da
que tinha a legítima expectati-
nização com apoio na respon-
matéria.
va de segurança. Paga para ter
sabilidade subjetiva.
concatenados.
A responsabilidade civil sob
prejuízos. O liame anunciado é
Há casos, contudo, em que
o color da objetividade é avan-
injusto e traz ínsito a pecha da
o profissional liberal é chama-
ço jurídico-constitucional dos
iniqüidade. O risco é de quem
do a responder pelo regime da
mais eloqüentes.
labora com a produção. Os pre-
teoria do risco. Por exemplo,
Reputado instituto persegue
ceitos insculpidos no CDC es-
quando participa de pessoa ju-
o preceito universal de eqüida-
pancam a tese em relevo.
rídica e em nome dela realiza o
de, buscando maior justiça e
O fornecedor responde, por-
pacto para prestar os serviços.
complementando a garantia do
tanto, pelos danos causados
Por fim, está patenteada, ine-
preceito fundamental da defe-
pelo risco do desenvolvimento
xoravelmente, a importância do
A teoria subjetiva da culpa,
Código de Defesa do Consumi-
igualmente, é prevista no am-
dor na sociedade brasileira.
biente do Código do consumidor. O artigo 14, §
4o
explana a
sa dos consumidores.
O tônus doutrinário do Código repercute na defesa dos
R
NOTAS
1
Nery Jr. (1992, p. 45-46) registra como
participantes das discussões: ABINEE,
ABRAS, ANFAVEA, CNI, CONAR, Conselho Federal da OAB, FIESP, Ministérios
Públicos, PROCONs. Dois congressos
internacionais foram realizados. Sugestões das mais brilhantes foram lançadas naqueles eventos. Do Brasil: Alcides Tomasetti Júnior, Carlos Alberto
Bittar, Eros Roberto Grau, Fábio Konder Comparato, José Carlos Barbosa
Moreira, Rachel Sztajn e Waldírio Bulgarelli. Do exterior: Edwoud Hondius
(Holanda), Eike von Hippel e Norbert
Reich (Alemanha), Françoise Maniet e
150
Thierry Bourgoignie (Bélgica), Jean Calais-Auloy (França), Mário Frota (Portugal), dentre outros.
2
“... havendo a possibilidade de incompatibilidade entre alguns dos princípios constantes dos incisos desse art.
170, se tomados em sentido absoluto,
mister se faz, evidentemente, que se
lhes dê sentido relativo para que se
possibilite a sua conciliação a fim de
que, em conformidade com os ditames
da justiça distributiva, se assegure a
todos – e, portanto, aos elementos de
produção e distribuição de bens e servi-
ços e aos elementos de consumo deles – existência digna (...) Para se alcançar o equilíbrio da relatividade
desses princípios – que, se tomados
em sentido absoluto, como já salientei, são inconciliáveis – e, portanto, para se atender aos ditames da
justiça social que se pressupõe esse
equilíbrio, é mister que se admita
que a intervenção indireta do Estado na ordem econômica não se faça
apenas a posteriori, com o estabelecimento de sanções às transgressões
já ocorridas, mas também a priori,
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
NOTAS
até porque a eficácia da defesa do consumidor ficará sensivelmente reduzida
pela intervenção somente a posteriori
que, às mais das vezes, impossibilita
ou dificulta a recomposição do dano
sofrido.
Essa nova linha de interpretação relativa necessariamente a mencionada noção de ato jurídico perfeito, ou
haverá violação de outro princípio
constitucional, que a defesa do consumidor, ao negar-se o juiz a examinar a licitude da imposição contratual
face ao novo mandamento de maior
lealdade no mercado e relativização
do dogma absoluto da autonomia da
vontade.
A jurisprudência brasileira nem sempre
tem sido conseqüente com estes princípios, aceitando, por vezes, a aplicação imediata de normas de ordem pública, por vezes considerando a existência de ato jurídico perfeito, face ao
contrato simplesmente constituído antes da entrada em vigor da nova lei. Na
utilização de ambas as teorias pode
haver prejuízo para os consumidores,
daí a importância deste terceiro elemento: a necessária ponderação da
garantia constitucional da defesa dos
interesses dos consumidores...” (com
destaques). Apud MARQUES, Cláudia
Lima. LOPES, José Reinaldo de Lima.
PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos.
Saúde e responsabilidade: seguros e
planos de assistência privada à saúde.
São Paulo: RT, 1999. p. 140-141.
3
4
Revista de Direito, Rio de Janeiro, n. 65,
v. LXV, p. 575-576, jul. 1922 (organizada por Antônio Bento de Faria, Livraria Cruz Coutinho), com o seguinte teor
e linguagem da época:
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
7
A fonte da reparação por dano moral,
segundo Ihering, é romana. No mesmo
sentido: Windscheid. Diritto delle Pandette. II, § 472. p. 427; GIORGI. Teoria
delle obbligazioni. v. n. 161. p. 272275,
apud Cahali (1998, p. 28). Destaca que
Gabba (Risarcibilità dei danni morali.
Questioni. II. p. 233) desconsiderava
que o berço da responsabilidade por
danos morais fosse de origem romana, ipsis literis: “certamente nel diritto
romano non vi há nè traccia nè germe
del concreto che i cosi detti danni morali si possono risarcire” (Cahali, 1998,
p. 28).
8
SALEILLES, Raymond. Les accidents du
travail et la responsabilité civile. Paris,
1897. Apud Alvino Lima (1998, p. 40).
9
JOSSERAND, Louis. La responsabilité de
fait des choses inanimées. Paris. Apud
Alvino Lima (1998, p. 40).
“TERCEIRA CÂMARA DA CÔRTE DE APELAÇÃO - Marcas de fabrica - Consumidor - Impossibilidade de illudil-o - Expressão de uso vulgar e designativa da
materia prima para fabricação - Uso
comum.
SUMMARIO - Não há possibilidade de
confusão para o consumidor desde que
este ponha na acquisição da mercadoria attenção ordinaria.
Vocábulo - “Guaraná”. - Denominação
necessaria” (Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1921. - Angra de Oliveira. - Machado Guimarães. - Edmundo Rego.
Presidiu o julgamento o Desembargador Sá Pereira. - Angra de Oliveira. Recorrentes: J. Franklin e a Empreza de
Productos Guaraná. Recorridos: Manoel Pires Calvo e Paulo de Souza).
Anoto trecho do voto encerrado no
acórdão: “Considerando que não ha
possível confusão nos desenhos e configuração das marcas dos querellantes
e dos querellados, de modo a illudir o
consumidor inexperto que ponha na
acquisição da mercadoria atenção
ordinaria” (p. 575).
O decisum expressa, inarredavelmente, o novel conceito da informação,
imerso no CDC (arts. 8o, § ún. e 12).
5
Afonso da Silva com apoio em lição do
insigne Ruy Barbosa (in República: teoria e prática, p. 124), afirma que a locução “garantia constitucional” tem o
significado de “assecuratória de direito” (Apud SILVA, José Afonso. Curso de
Direito Constitucional positivo. 15. ed.
revista. São Paulo: Saraiva, 1998. p.
414).
Inusitado transcrever decisão luminosa e histórica, datada de 5 de janeiro
de 1921, sobre matéria decidida em
juízo criminal, mas que se reportava a
uma relação de consumo. Colhida da
Verso 24) registra uma forma primária
de reparação: “olho por olho, dente por
dente, mão por mão, pé por pé”.
6
Acrescenta Rangel Dinamarco que no
período das legis actiones (Século II a.
C), os romanos não distinguiam entre
a penalidade corporal e a do patrimônio, in DINAMARCO, Cândido Rangel.
Execução Civil. 6. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 32.
O mesmo autor – ob. Loc. Cit. – lembrando doutrina de Cuenca, Humberto
(Proceso civil romano. Buenos Aires,
1957. n. 16) afirma que os romanos tinham respeito pelo patrimônio de uma
pessoa, mais valorado, inclusive, que
a própria vida.
10
O Código das Obrigações da Polônia
adotou a teoria da responsabilidade
sem culpa.
11
MAZEAUD, Léon et Henri. Traité théorique et pratique de la responsabilité
civile del. et. Cont. v. I. n. 431 et seq.
Apud, Alvino Lima (1998, p. 61-63).
12
Como informa De Cupis (Dei fatti illiciti, p. 77). Apud Alvino Lima (1998, p.
127).
13
A despeito da pessoa abstrata, o STJ
sedimentou: “A pessoa jurídica pode
sofrer dano moral” (Súmula 227, DJU 8
out. 99, p. 126).
14
A partir da Constituição Federal de
1946 (art. 194), a Administração Pública passou a responder pelos atos de
seus agentes, com fulcro na teoria do
risco. Os Textos Constitucionais de
1967 (art. 105), 1969 (art. 107) estatuíram sobre a responsabilidade da Administração Pública. Com mais amplidão
a Carta de 1988 (art. 37, § 6o), posto
que incluiu os prestadores de serviços.
O Livro de Êxodo (Bíblia, Capítulo 21,
151
D ireito
Artigo
NOTAS
15
Os serviços centralizados compõem a
estrutura administrativa do Presidente
da República. Integram a Administração Pública descentralizada, as autarquias, fundações, empresas públicas e
sociedades de economia mista, segundo MEIRELLES, Hely Lopes, in Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade. ALEIXO, Délcio Balestero. BURLE FILHO, José Emmanuel. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 630-631.
rejeitaram a idéia de responsabilidade
objetiva pura. Optou-se por uma responsabilidade não-culposa, apoiando-se no
defeito.
20
21
Na percuciência de Nery Jr. (1992, p.
59).
22
4a Turma. REsp. nº 235678—SP, rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar. Extraída do
site do STJ ([email protected]),
em 13 dez. 99. Decisão ainda não publicada. Transcrição de trechos, a
seguir: “Código do Consumidor determina o pagamento de indenização por
atraso de vôo. Indenização por atraso
decorrente de transporte aéreo deve
ser calculada de acordo com o Código
de Defesa do Consumidor. Esta foi a
decisão unânime da Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (...). Ao
decidir em favor do passageiro, o
ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo, entendeu que a limitação do valor de indenização estipulada em convenções internacionais
sobre transporte aéreo está em desacordo com o Decreto 2.681 de 1912
que definiu os princípios da responsabilidade civil do transportador.
“Mudaram as condições técnicas de
segurança do vôo e também se modificaram as normas que protegem o
usuário dos serviços prestados pelo
transportador”. Para o ministro, o
Código do Consumidor tem regra
expressa que protege o passageiro de
empresa aérea do mau serviço”.
16
Observação anotada por F ERREIRA DA
ROCHA (1992, p. 20), citando o escólio
de CALAIS-AULOY, Jean (Droit de la consommation. Paris: Dalloz, 1996. p. 67). No mesmo sentido, Calvão da Silva
(1990. p. 3).
17
Expressão evidenciada por Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 44).
18
A mesma observação é feita por Lima
Marques (1999, p. 624 – nota 536).
Assinala o escólio do francês T UNC
(TUNC, André. La Directive Europénne
sur la responsabilité du fait des produits defecteux. Saarbrücken. Europa-Institut. n. 140, 1988. p. 9), in Lima Marques (1999, p. 626-627). Com supedâneo no art. 4o da Diretiva, o espectro
do ressarcimento é o defeito e não a
culpa. Em outras palavras, o utente não
precisaria provar o ato culposo do fabricante, mas obrigar-se-ia a comprovar a deficiência da matéria fabricada.
A diretriz orquestrada pela Diretiva 85/
374/CEE é a de que somente exsurgirá
responsabilização para o fornecedor
em caso de se comprovar o nexo causal entre o defeito e o dano suportado.
A propósito, Lima Marques (loc. Cit.)
questiona: “não seria este o fundamento também da responsabilidade no sistema do CDC”?
19
Lima Marques (1999, p. 623) sobre o
assunto menciona o posicionamento de
Taschner (TASCHNER, Hans Claudius.
Product liability in den USA versus
Europäisches Produkthaftpflichtrecht.
Saarbrücken: Europa-Institut. n. 78,
1986. p. 9). Afirma aquele autor que no
Mercado Comum Europeu as empresas
152
Complementa o raciocínio: “se ‘tiver
conhecimento’ da periculosidade de
um produto, que ajudou a colocar no
mercado” (Lima Marques, 1999, p. 619).
23
25
O FDA dos E.U.A noticiou que foram
encontrados resíduos de benzeno na
água “Perrier”. A fabricante recolheu do
mercado mundial (120 países) 160 milhões de garrafas, com gastos no importe de US$ 35 milhões (Pereira, 1990,
p. 55-56).
26
Conforme doutrina evidenciada por
Vasconcellos e Benjamin (p. 60), apud
Alvim (1996, p. 136).
27
Manifestação limitada significa que o
dano não atinge a todos os consumidores. O dano é limitado a poucos.
28
Neste sentido, Barros Leães (1987, p.
148). James Marins (1993, p. 115). Apud
Alvim (1996, p. 139 – nota n. 22).
29
A técnica do recall hodiernamente tem
sido muito difundida. Recentemente o
Jornal Folha de S. Paulo mencionou que
os veículos da marca Volkswagen Gol,
geração 3, lançada em maio de 1999
apresentaram um defeito crônico, verificado no engate da 1a para a 2a marcha. Mais de 3 milhões foram vendidos.
Já se comenta na aplicação do
recall. Fonte: www.automovel.com.br.
O caso do silicone nos Estados Unidos
ficou famoso. Os fabricantes Dow Corning, Myers—Squibb, 3M e Union Carbide veicularam nos principais tablóides dos E. U. A. a decisão de indenizar
todas as vítimas através de class
action. Danos causados: na ordem de
US$ 4,2 bi (Folha de S. Paulo, São Paulo,
26 abr. 1994. Terceiro Caderno), apud
Denari (1997, p. 128).
30
James Marins (1993, p. 123) pondera
que existem três caracteres que distinguem os defeitos de produção dos outros: (1) “não contaminam todos os
exemplares”; (2) é perfeitamente possível a projeção estatística da freqüência do fato; (3) a inevitabilidade, pois é
impossível a eliminação absoluta dos
riscos.
31
REsp 185.836-SP, 4a Turma, Rel. Min.
Ruy Rosado de Aguiar, DJU 22
mar.1999, p. 211. REsp 114.473-RJ. 4a
Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, DJU 5 maio 1997, p. 17.060.
Denari (1997, p. 143) registra que coube a Barros Leães (1987), pioneiramente, enfrentar o tema sobre a responsabilidade do fabricante pelo fato do produto.
24
Consagrado o germe do chamado
bystanders, também reconhecido no
CDC, art. 17.
NEW YORK. Court of Appeals. March 14,
1916. MacPerson v. Buick Motor Co.
The Northeastern Reporter, [St. Paul],
v. 111, p. 1050—1057. 1916.
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
Artigo
NOTAS
32
ALPA, Guido. Diritto privatto dei consumi. Bologna: Il Mulino, 1986. p. 302.
33
Calvão da Silva (1999, p. 717) interpreta o preceito de lei, com as seguintes palavras: “Num claro propósito de
alcançar uma justa repartição de riscos,
corresponde a um equilíbrio de interesse entre o lesado e o produtor, a lei,
longe de imputar a este uma responsabilidade absoluta, sem limites, prevê causas de exclusão ou da sua responsabilidade”.
34
35
Eis o conteúdo da norma: “Quando um
facto culposo do lesado tiver contribuído para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as circunstâncias,
reduzir ou excluir a indenização” (Dec.Lei n. 383/1989, art. 7o, n. I).
O Mestre civilista faz ecoar: “O caso
fortuito e a força maior excluem a obrigação de satisfazer o damno, salvo convenção em contrario, culpa, determinante de caso fortuito ou mora. Porque? Porque não existe vínculo de causalidade entre o agente e o damno”
(Beviláqua, 1929, p. 352).
39
Relembre-se comando doutrinário de
Gomes Canotilho, José Joaquim: “Os
princípios beneficiam-se de uma objetividade e presencialidade normativa
que os dispensam de estarem consagrados expressamente em qualquer
preceito”(in Direito Constitucional. 4.
ed. Coimbra: Almedina, 1989. p. 119).
40
Macena de Lima (1990, p. 44) anota
que a Lei da República Federal, editada
em 24.8.1976 dispõe sobre a responsabilidade dos farmacêuticos pelos danos causados por medicamentos, de
forma objetiva.
41
36
Similar tese defende Helena Diniz
(1998, p. 760).
37
38
Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 67)
realça: “Quer me parecer que o sistema tradicional, neste ponto, não foi
afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar”.
Calvão da Silva (1990, p. 738) manifesta-se: “Equivale isto a dizer, em
suma, que a força maior - acontecimen-
j a n e i r o / j u n h o - 2 0 0 2
partir da interpretação do verbo “considerar”. Eis a redação da norma: “se o
estado dos conhecimentos científicos
e técnicos (...) não permitia ainda considerar o produto como defeituoso”. No
mesmo sentido, a legislação inglesa
(Section 4 (1) (e) do Consumer Protection Act 1987), expressis verbis: “the state of scientific and technical knowledge at the relevant time was not such
that a produder of products of the
same decription as the product in
question might be expected to have
discovered the defect if it had existed
in his produts while they under his control” (negritos do escritor). Permear os
Diplomas referidos de valorações subjetivas contrariam o caráter objetivo da
Diretiva.
to imprevisível, irresistível ou inevitável e exterior ao produtor - é igualmente causa de exclusão da responsabilidade objectiva do produtor instituída
pelo Dec.-Lei n. 383/89”.
42
Norris (1996, p. 90) cita que a definição que mais tem chamado a atenção
da doutrina nacional é a esposada por
Dominick Vetri, “no sentido de se constituir no risco que não pode ser cientificamente conhecido ao momento do
lançamento do produto no mercado,
vindo a ser descoberto somente após
um certo período de uso do produto e
do serviço”. Consulte-se também: Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 67). Ferreira da Rocha (1992, p. 110).
Calvão da Silva (1990, p. 510-511) enfatiza que o Dec.-Lei n. 224 (art. 6o, n.
1, al. e), da Itália, contrariamente à orientação da Diretiva da CEE, excluiu a
responsabilidade porque inseriu no texto uma impossibilidade subjetiva, a
43
Esboçam correlato entendimento:
Denari (1997, p. 150) e Vasconcellos e
Benjamin (1991, p. 69).
44
Lei Portuguesa (Dec.-Lei n. 383/89, art.
5o, al. e); Lei Italiana (Dec.-Lei n. 224/
88, art. 6o); Lei Alemã (§ 2o, 5).
45
Oportuno imprimir a origem da inversão do ônus da prova. Na Alemanha,
década de 1960, após a aplicação de
uma vacina para combater peste avícola, sob a fiscalização de veterinário,
morreram 4.000 aves. Como era impossível o prejudicado comprovar que a
antídoto estava contaminado, o tribunal estabeleceu a inversão do ônus da
prova, apoiando-se na presunção juris
tantum da culpa in vigilando do fabricante. In Barros Leães (1987, p. 78),
apud Denari, 1997, p. 129.
153
D ireito
Artigo
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