Santa Joana

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Santa Joana
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Santa Joana
16-Jun-2010
"Santa Joana dos Matadouros", no Teatro Denoy de Oliveira...Onde? Em São Paulo.
Depois da realização de 20 apresentações especiais para escolas, em Maio, a peça, com direção de José Renato, está em
cartaz no Teatro Denoy de Oliveira.
.
O fundador do Teatro de Arena, e um dos mais importantes diretores em atividade no Brasil, leva ao palco do Teatro
Denoy de Oliveira um espetáculo vibrante, que retrata a grande depressão do início do século 20, mas que em tudo
lembra a crise desta primeira década de século 21.
A produção é do Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (CPC-UMES).
Com um elenco de 15 atores e atrizes, além de três músicos, a peça trata das tensões entre capitalistas e das agruras
vividas pelos trabalhadores de Chicago durante o inverno e no auge da crise econômica de 1929. O autor coloca em
cena os mecanismos que produzem a crise: superprodução, falta de mercado para escoá-la e os principais empresários
tentando compensar queda nos lucros através da especulação e do aumento da exploração, o que, por sua vez, leva a
mais quebradeira, mais fome e produz seu oposto: os movimentos operários contra o fechamento das fábricas.
Na trama, Jack Pierpoint (Alexandre Krug), o rei da carne de Chicago, recebe informações de “seus amigos de
Nova Iorque”, sobre a iminência da crise. Tenta safar-se, jogando o prejuízo nas costas de seu sócio Ambrósio
(João Ribeiro). O resultado será o fechamento das fábricas e o desemprego em massa. Tentando salvar a alma dos
demitidos, aparece Joana (Érika Coracini), jovem pregadora dos Chapéus Negros.
O encontro da inocência útil de Joana e da consciência ao mesmo tempo pesada e esperta de Pierpoint resultará
em um agravamento ainda maior da crise.
Em “Santa Joana” as emoções estão a serviço do entendimento de como a crise pode propiciar diferentes
desfechos e de como estes desfechos dependem da ação, das decisões de cada agente social em enfrentamento. É um
desafio, um texto complexo em que a pena arguta de Brecht trata destes mecanismos, das multidões que eles colocam
em movimento.
Um desafio muito bem ilustrado pelas palavras do diretor José Renato: “Considero, pela minha experiência,
esta encenação um espetáculo vivo, criado, em sua maioria, por atores jovens e motivados, e, por isso mesmo,
polêmico e sujeito a alterações criativas”.
Essa obra, pelas elucidações que é capaz de encaminhar com precisão e profundidade poética e dramática, demonstra
plena atualidade – mesmo depois de 80 anos de sua conclusão. Num momento em que uma crise – talvez
a mais profunda da história do capitalismo – é caracterizada pela montanha de derivativos sem lastro,
engendrados nos EUA, a realidade, já não nos deixa mais acreditar que “a desgraça vem como a chuva”
– como a bispa Bárbara empenha-se em dizer aos operários.
Ao colocar diante do espectador a percepção de classes em movimento, Brecht põe em prática sua visão de teatro épico
em que como diz o dramaturgo. “só poderemos descrever o mundo atual para o homem atual na medida em que
descrevermos um mundo passível de modificação”.
Serviço:
A peça estréia no dia 4 de junho e fica em cartaz todos as sextas, sábados (21h) e domingos (19h). Ela será
apresentada no Teatro Denoy de Oliveira, rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista – Tel: 3289-7475.
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (estudantes, terceira idade, classe artística e professores da rede estadual com
carteira da APEOESP),
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Ficha Técnica:
Direção: José Renato
Tradução / Adaptação: Valério Bemfica
Direção Musical / Assistência de Direção: Luciano Carvalho
Cenografia: Cris Cortilio
Figurinos: Magê Blanques
Vídeos: Bernardo Torres
Operação Som / Luz / Vídeo: Ana Cristina Bezerra, Luz Lopes, Thiago Prates
Projeto Gráfico: Janaína Torres
Fotos: Marcelo Kahn
Cenotécnico: Cleyton Caetano
Maquinistas: Bruno Oliveira, Leandro Paneque, Luiz Aparecido do Carmo
Produção: CPC-UMES
Apoio de Produção: Forte Casa Teatro
Elenco
Alessandro Moura – Don Salvatore / Líder Operário
Alexandre Krug – Jack Pierpoint
Bruna Amado – Chapéu Negro / Operária
Daniel Rodríguez – Jovem Operário / Criador / Policial
Érika Coracini - Joana
Felipe Ormeni – Big Joe / Policial
João Ribeiro – Don Ambrosio
Luiza Maia – Chapéu Negro / Gazeteiro / Secretária / Operária
Magê Blanques – Dona Abiggail / Chapéu Negro
Mário Zanca – Don Giuseppe
Natália Grisi – Chapéu Negro / Dona Sarah / Operário
Rafael Marques – Chapéu Negro / Contramestre / Operário
Rebeca Braia – Bispa Bárbara / Chapéu Negro / Operária
Rogério Nagai – Operário / Criador / Policial
Wilson Mandri – Tommaso
Músicos:
André Teles – Músico / Segurança / Operário
Adriana Mioni – Músico / Operário
Luciano Carvalho – Músico / Narrador / JornalistaConversinha rápida sobre "Santa Joana"
Nesses tempos sombrios, onde crises econômicas, políticas, sociais, esportivas, se misturam em nosso cotidiano,
provocando terremotos e tsunames na vida de todos, sempre procuramos, instintivamente, analisar, compreender o que
está acontecendo, empenhados em minimizar ao máximo as conseqüências desses acontecimentos.
Lemos jornais, ouvimos os noticiários, as declarações das autoridades competentes e, muitas vezes, percebemos,
surpresos, que nossa posição, nossa resposta às provocações se alterou. Nós mudamos, é isso! Somos capazes de evoluir,
nos transformar, isto é ... mudar de idéia!
Bertoldt Brecht nos ajuda, com suas obras, a entender nossas mudanças de pensamento. Esta personagem,
“Santa Joana dos Matadouros” vive o florescer de uma crença baseada na fé e na ingenuidade. Sua fé a
engaja num grupo religioso, cujo trabalho piedoso, ela assume com personalidade. E logo entra em choque com um
sistema de vida menos piedoso que visa aproveitar-se das pessoas e delas tirar o maior proveito possível, sem a menor
preocupação com uma retribuição justa.
Jack Pierpoint, o personagem que se contrapõe à Joana é alguém que acredita profundamente que seu ponto de vista é
que é o correto; seu único objetivo é obter lucros nos negócios, e seu comportamento oscila entre o cinismo e a
agressividade sem escrúpulos.
E o autor mostra a evolução do pensamento de Joana que traça uma curva iniciada na fé, baseada numa crença
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verdadeira na confraternização, e que, conforme os fatos, esbarrando com decepções, surpresas, injustiças, evolui num
traçado que demonstra a mudança completa do pensamento.
Em contraposição o pensamento de JP evolui no sentido de aprofundar suas crenças e malicias. Seu cinismo ampara a
crescente confiança que ele desenvolve na sua fé, inteiramente submetida ao lucro circunstancial.
A personagem mito da historia da França, que serviu de modelo para a demonstração de Brecht, depois de defender ideais
de liberdade em campos de batalha e realizar feitos heróicos tangida por suas idéias, é submetida à Santa Inquisição e
morre numa fogueira como criminosa. Nesta peça ela morre de “pneumonia”, um novo apelido das mesmas
pressões.
Todas estas explicações são superficiais se considerarmos que Brecht foi o mais importante autor teatral do século XX, e
que suas obras, muito mais que explicações merecem encenações cuidadosas. Considero, pela minha experiência, esta
encenação um espetáculo vivo, criado, em sua maioria, por atores jovens e motivados, e, por isso mesmo, polêmico e
sujeito a alterações criativas.
O mais significativo ensinamento da dramaturgia de Brecht, preocupação presente em todas as suas peças, é que
devemos caminhar com os olhos bem abertos, não nos deixando enganar pela aparência dos fatos, mas sim, sempre
questionando onde está a verdade, muitas vezes mascarada pela aparência; Na inauguração do Teatro Denoy de
Oliveira – saudoso companheiro de tantos momentos ! - encenei para a UMES outro Brecht,
“Turandot”; esta nova oportunidade, agora, me ajudou a recuperar a saudade e a certeza da importância da
nossa luta!
Texto de José Renato
A Divisão Calculada de Pierpoint
Brecht nunca chegou a levar “Santa Joana” aos palcos, apenas dirigiu uma versão reduzida em uma
leitura radiofônica em 1932. No entanto, escreveu bastante sobre ela. E a peça parece mesmo ter esta sina: é uma das
menos encenadas do autor, mas muito se escreve sobre ela. Sua beleza, complexidade e profundidade inspiram a
crítica, mas mantém os palcos a uma distância respeitosa.
A decisão de montar “Santa Joana”, 80 anos depois de sua criação e justo no meio de uma crise mundial de
proporções – e origens - semelhantes às de 1929, demandou um estudo aprofundado não apenas da fortuna crítica
da peça como também – e principalmente – dos escritos de Brecht. Uma questão nos chamou
sobremaneira a atenção: Em uma pequena nota introdutória, Brecht ressalta que a peça “deve mostrar a etapa atual
do desenvolvimento do homem fáustico”.
Fosse maior o espaço e mais propícia a ocasião, poderíamos traçar um paralelo não apenas entre os personagens de
Goethe e Brecht (é inevitável não lembrar da tragédia de Gretchen quando da imolação de Joana), mas inclusive entre
cenas inteiras, em especial a partir do Quinto Ato da Segunda Parte do poema goethiano.
Deixaremos tal tarefa ao espectador, mas acreditamos encontrar na questão da “ação” uma chave de leitura
possível para a afirmação de Brecht. O mote para que Fausto seja abordado por Mefistófeles é justamente a tradução que o
doutor está fazendo da bíblia. Depois de muito procurar pelo termo mais justo, escreve: “Do espírito me vale a
direção, / E escrevo em paz: Era no início a Ação!” Fausto era um homem dilacerado, “opresso pela
livralhada”, que, em sua inação, declara: “Não julgo algo saber direito, / Que leve aos homens uma luz que
seja / Edificante ou benfazeja.” Ao descobrir que no início era a ação – e não o verbo – surge-lhe o
diabo na frente, que o tomará pela mão e o levará pelo mundo.
Goethe localizava no homem a fonte do bem e do mal. Mas acreditava, como a maior parte dos humanistas, na
perfectibilidade do ser humano. Lembremos que todo o desenrolar do poema de Goethe aponta justamente para a
superação da divisão através da ação. Ela – a divisão entre a alma que se aferra ao “mundo e à
matéria” e a que busca a “plaga etérea” - é o ponto de partida de Fausto.
A obra monumental de Goethe mostra, no alvorecer do capitalismo, o homem burguês se lançando à ação. Mas, por mais
genial e visionário que fosse Goethe, ele não poderia, escrevendo antes mesmo da formação do Estado Nacional na
Alemanha, prever todas as conseqüências do desenvolvimento daquele que rompia com o sistema feudal e empreendia
a construção de uma nova sociedade. O homem ativo de Goethe não tem consciência plena das conseqüências de seus
atos. Mas também não é à toa que o poeta estabeleceu, como seu parceiro de jornada, o próprio demônio. Parece que
antevia possibilidades sombrias no desenvolvimento da burguesia.
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Em “Santa Joana dos Matadouros”, Jack Pierpoint e Joana também agem freneticamente. Mas se ela
mantém-se presa ao ideal goethiano, pressupondo que suas pregações irão garantir a vitória do Bem existente no homem,
ele age calculadamente. O resultado é o triunfo de Pierpoint no mundo capitalista e a apropriação da figura de Joana
como elemento ideológico pelos causadores da miséria que ela acreditava combater.
Brecht vive um período em que a desproporção, intrínseca no sistema, entre a capacidade de produção e o nível de
consumo das grandes massas já havia empurrado o capitalismo para o estágio imperialista, gerando uma guerra
mundial e estando a caminho de deflagrar outra. Seu olhar sobre a trajetória do homem fáustico é retrospectivo. A
produtividade sonhada por Goethe, o “trabalho produtivo em prol da humanidade” já não une espiritual e
material: a apropriação privada do trabalho social transforma tudo, espírito e matéria, em mercadoria. Se no
“Fausto” o personagem central decide o que será feito, mas não tem idéia de todas as conseqüências, na
obra de Brecht as ações de Pierpoint são friamente calculadas.
No mundo de Pierpoint, a ação do capitalista gera necessariamente mais miséria e exploração, e deve ser mascarada.
É por isso que Pierpoint precisa simular uma alma sensível. É por isso também que, na citação mais explícita a Goethe,
Brecht recue dez mil versos e coloque na boca dos vencedores os versos do Fausto que ainda não havia deixado sua
condição de alquimista medieval: “Em cada homem habitam / Duas almas opostas”. Pierpoint parece
chegar ao ponto de onde Fausto parte. Se Fausto nega sua divisão com a ação, Pierpoint manipula a crença nessa divisão
como meio de iludir a platéia para obter lucros.
O velho poeta realmente esperava que surgisse daquele momento histórico um homem purificado. Já Brecht, que tinha
a revolução por horizonte, acabou revelando-se profético quanto ao comportamento dos capitalistas: não há nada mais
contemporâneo do que grandes conglomerados financeiros com “responsabilidade social”, grandes
poluidores com “responsabilidade ambiental”, “amigos da escola”,
“voluntários”, “mecenas” com o dinheiro alheio.
Não há na peça uma divisão maniqueísta entre operários bonzinhos e patrões malvados. Existem sujeitos concretos,
condicionados por uma situação histórica, de cujas ações dependem a mudança ou a manutenção da situação. Os operários só
se libertarão se descobrirem as causas de sua opressão. Os burgueses precisam manter a alienação dos operários.
Em tempo: o JP Morgan – banco fundado pelo inspirador do personagem Pierpoint – fundiu-se com o
Chase, de Rockfeller, em 2000, e no auge da pior crise do capitalismo, desde 1929, aumentou significativamente sua
participação no mercado financeiro, adquirindo concorrentes quebrados. Em 2008 distribuiu U$ 5,6 bilhões aos seus
acionistas, pagou bônus de U$ 8,69 bilhões aos seus executivos, depois de embolsar uma ajuda bilionária do governo
americano para salvar-se, e ao sistema, das conseqüências de seus atos
Texto de Valério Benfica
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