Os contrastes de um país em guerra civil e seus ensinamentos

Transcrição

Os contrastes de um país em guerra civil e seus ensinamentos
Os contrastes de um país em guerra civil
e seus ensinamentos
* Irmão Ândrei Clauhs
Amigos do Portal Mhario Lincoln do Brasil, aqui retornamos para transmitir um
pouco mais das impressões que estamos colhendo nesse ano de convivência junto ao povo
sudanês, oportunidade proporcionada pela Missão da Organização das Nações Unidas
(ONU) no Sudão, ali instalada desde o ano de 2005.
Conforme mencionei no artigo anterior, o Sudão é o maior país da África, herdeiro
da antiga Núbia. Desde sua emancipação junto à Inglaterra, em 1956, e especialmente desde
a década de 1980, o País vive em constante guerra civil, proliferando a pobreza e a miséria,
que contrastam com o desenvolvimento que pequena parcela da população daquela Nação
africana vem experimentando nos últimos anos.
Aproveitando alguns comentários do meu primo Igor Muniz, de Vitória-ES, passo a
descrever algumas observações acerca das disparidades sociais que afetam o Sudão – um
país em guerra – concluindo sobre os ensinamentos que podemos colher para minimizar o
sofrimento de grande parte da população brasileira.
Na porção norte do Sudão, particularmente, na capital Khartoum, alguns fatores têm
contribuído para a melhoria das condições de vida do povo: a presença da ONU; a
conseqüente circulação de dinheiro, especialmente do dólar; os lucros obtidos com a
exploração do petróleo, sobretudo por empresas chinesas e um relativo período de
estabilização da guerra civil.
Assim, é possível observar alguns carros novos circulando por ruas asfaltadas da
capital, um bom número de obras em andamento, com a construção e reconstrução de
prédios e de lojas, o surgimento de empresas de telefonia celular e de um comércio
crescente, conforme pode-se ver nas fotos a seguir:
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Esse desenvolvimento, porém, não alcança a todas as camadas da sociedade. Grande
parte da população de Khartoum vive ainda em condições precárias de vida, em especial, no
que tange aos aspectos de saneamento básico, higiene e educação, como pode ser notado nas
fotos abaixo:
No sul do País, as conseqüências da guerra ainda são nefastas e se fazem sentir de
modo mais intenso. Dessa forma, é possível observar o crescimento das cidades e a melhoria
de vida do povo sudanês, mas numa escala muito menor de desenvolvimento,
particularmente, nos vilarejos mais afastados das margens do rio Nilo.
As ruas e estradas, ainda de terra, têm sido niveladas e têm proporcionado maior
trafegabilidade a pedestres e a veículos. A telefonia celular, aos poucos, tem se expandido. A
reconstrução de muitas moradias e lojas de comércio, destruídas pela guerra, lentamente
vem acontecendo, mas numerosa parcela da população ainda vive sob condições subumanas
de vida, morando em tucos (casebres de barro e pau-a-pique), grande parte, sem energia
elétrica, sem saneamento e sem água potável para beber, como pode ser observado nas fotos
seguintes:
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Desses cenários descritos ao norte e ao sul do País, depreende-se que existe uma
pequena porção de pessoas formando o que se poderia chamar de classe privilegiada, que
tem acesso à compra de água mineral para consumo, à energia elétrica, ao asfalto nas ruas
(exceto na maioria das cidades do sul), às casas de alvenaria (nova exceção para a maioria
das cidades localizadas ao sul), ao vestuário, à internet (com exceção para o sul, de novo) e a
carros de boa qualidade.
No norte, essa camada de pessoas não sofre tanto com represálias nem está tão
exposta a doenças e a dificuldades, quanto a que vive no sul do território, onde a malária
grassa abertamente, junto com febre tifóide, hepatite e outras dificuldades e moléstias
impostas pela carência de higiene, de água potável e de alimentos limpos e saudáveis.
A maior parte da população sudanesa, entretanto, compõe ainda a classe
desfavorecida, quer no norte, quer no sul do país.
A despeito da ação de organismos internacionais, como UNICEF, WFP, UNHCR,
Cruz Vermelha e outros, duas grandes características formam um laço único em todo o
Sudão, representativas de todas as camadas sociais: a falta de higiene e de educação, seja em
mais favorecidos, seja em mais desfavorecidos. “Ricos” ou “pobres”, todos jogam sujeira no
chão (papéis, latas etc), demonstram pouco respeito uns pelos outros (no trânsito, nas
calçadas, nas filas que são sempre “furadas”), pouca atenção dão à higiene e apresentam
baixo grau de educação formal e informal.
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No sul, há ainda o problema das rivalidades tribais, resultado da “colcha de retalhos”
formada pelo colonizador europeu, mas que será objeto de nosso próximo artigo.
Por ora, façamos a seguinte reflexão: o que podemos aproveitar como ensinamento
dos contrastes do Sudão – um país em guerra civil, repito – para ser implementado no Brasil,
um país maravilhoso em recursos naturais?
Bem, no Sudão, há problemas, como vimos, de educação, de higiene, de água
potável, de ausência de energia elétrica, de doenças e muitos outros, ainda decorrentes de
rivalidades tribais.
O Brasil, por sua vez, é abundante em água doce, não experimenta a ausência de
energia, não possui guerras tribais e já erradicou as doenças acima mencionadas. Há ainda
muito o que ser feito nas áreas de infra-estrutura, aí englobando saneamento básico, saúde,
transportes, telecomunicações e outras, em especial, nas periferias dos grandes centros, nas
cidades interioranas e no Norte e Nordeste de maneira geral.
Mas, qual é a grande mola propulsora para esses avanços? O que ainda nos falta no
Brasil – e que também se faz ausente no Sudão – para minimizar as disparidades regionais?
Educação! Eis a chave, a meu ver.
Mantenha um povo ignorante e você poderá manipulá-lo ao seu bel prazer. É preciso
acabar com a validade dessa assertiva. É necessário educar o povo, desde as bases, para que
ações estruturais possam ser feitas, pari passu com a educação moral e cívica das pessoas,
ensinando-as o que é um voto, como votar, qual o papel dos legisladores, qual ação esperar e
cobrar do executivo e do judiciário, conhecer seus deveres, enfim, a ser um cidadão.
Que tal retornar com a Educação Moral e Cívica e com a Organização Social e
Política Brasileira – sob novas roupagens – às escolas?
Meus amigos, que os exemplos de um Sudão em guerra civil nos sirvam de
ensinamentos para a construção de um Brasil cada vez melhor. Nosso País é maravilhoso,
acreditem!!
(*) Resumo
do Currículo Militar do Irmão Ândrei Clauhs
O Major Ândrei Clauhs nasceu em Teófilo Otoni-MG, a 22 de maio de 1970.
Graduou-se Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN), na Arma de Comunicações, em 1992. Em 2000, concluiu o Mestrado em
Operações Militares, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Realizou diversos
cursos civis e militares, sobretudo, nas áreas de Política e Estratégia, Marketing e Relações
Públicas e na esfera da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, desempenha a
função de Observador Militar das Nações Unidas no Sudão – África – com vistas a verificar
e a monitorar o cumprimento do Acordo de Paz assinado internamente, naquele País, em
2005. Após sua missão pela ONU, que terminará em 22 de agosto de 2009, cursará o
Doutorado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
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