Informédia - Ruanda ““The American Spring” – O rancho Bundy no
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Informédia - Ruanda ““The American Spring” – O rancho Bundy no
““The American Spring” – O rancho Bundy no Nevada: acontecimento isolado ou início de algo grande?” por Luís Rodrigues “Sul do Sudão: os desafios à sustentabilidade de um Estado politicamente instável” por Daniela Nascimento Informédia - Ruanda Para além dos acontecimentos mais recentes na área do State Building and Fragility! Newsletter nº 8 - Abril de 2014 Índice A Equipa Director Editorial Editorial III Cronologia Fotográfica IV Nuno Canas Mendes Director Executivo Nuno Ferreira ““The American Spring” – O rancho Bundy no Nevada: acontecimento isolado ou início de algo grande?” (Luís Rodrigues) VI Edição e Revisão Sandra Coelho “Sul do Sudão: os desafios à sustentabilidade de um Estado politicamente instável” (Daniela Nascimento) XI Colaborador João Terrenas Informédia - Ruanda XV Colaborador Luís Rodrigues II Índice & Equipa Editorial E nesta 8ª edição da nossa ‘Newsletter’, começamos com uma repleta Cronologia Fotográfica. Passando desde a comemoração dos 40 anos da “Revolução dos Cravos”, em Portugal, à continuidade das crises na Ucrânia e na Síria; passando pelos desenvolvimentos no Árctico, a visita oficial dos Duques de Cambridge à Oceânia, as eleições na Guiné-Bissau e o desenrolar de várias situações diplomáticas na zona do Médio Oriente. De seguida trazemos dois artigos de fundo: um do Luís Rodrigues, sobre o pouco “badalado” caso do rancho Bundy, no Nevada, EUA, e as consequências que pode ter para a política interna norte-americana; e outro da Daniela Nascimento, sobre os complexos desafios existentes no recente Sudão do Sul. Para finalizar, a Informédia traznos uma reflexão sobre os vinte anos do genocídio no Ruanda. Uma vez mais procuramos trazer aos leitores qualidade e novidade! Nuno Ferreira III Editorial Cronologia Fotográfica N o passado dia 25 de Abril a Revolução dos Cravos celebrou 40 anos. Foi em 1974 que o regime ditatorial do Estado Novo caiu para dar lugar a uma nova era de liberdade e democracia em Portugal. Foi também no dia 25 que terminou a visita oficial dos Duques de Cambridge à Austrália e à Nova Zelândia. A visita real durou três semanas e serviu para estreitar as relações entre os países da Oceânia e o Reino Unido. Falando noutro país pertencente à Coroa Britânica, o Canadá boicotou as reuniões do Conselho do Árctico como forma de protesto face à anexação da Crimeia à Rússia. Este boicote ocorre numa fase em que Moscovo tem vindo a intensificar os treinos militares no Árctico. Longe de melhorar está a situação na Ucrânia, onde o braço de ferro mantém-se entre as forças de Kiev e os separatistas pró-russos, no sul e no leste do país. Face ao caos que se tem instalado, a Rússia acusou a Ucrânia de violar os Acordos de Genebra e criticou a NATO por tirar partido da situação para se reforçar na Polónia e noutros países de leste. Já nos EUA, os Ku Klux Klan parecem estar de regresso, pelo menos à Pensilvânia. Um grupo de residentes da cidade de Fair View, que partilham a mesma ideologia da antiga organização, juntou-se para formar uma vigília de bairro. IV Cronologia Fotográfica No “outro lado do Mundo”, a Guiné-Bissau concluiu a primeira volta do seu duplo processo eleitoral (com um inesperado sucesso); que deu a vitória na parlamentar ao PAIGC, enquanto a presidencial vai para a segunda volta. Também a Síria se prepara para eleições (marcadas para 3 de Junho de 2014), enquanto a guerra civil se mantém (embora com o presidente Assad a alcançar sucessivas vitórias, incluindo a quase dominação da cidade de Homs). Também os palestinianos parecem estar num processo de mudanças, com Fatah e o Hamas a assinarem um novo acordo, com vista a unirem a governação de toda a Palestina e formarem um gabinete conjunto. Este acordo levou Israel a abandonar as ne- gociações de paz e aos EUA a censurar a tentativa de união (ameaças e censura – esta de conteúdo diferente – que já tinham começado após a Palestina ter assinado 15 novos tratados e convenções internacionais). Também os países do Golfo parecem ter chegado a um acordo. A Arábia Saudita, o Bahrain e os EAU tinham chamado os seus embaixadores no Qatar e começado uma campanha contra o mesmo, devido ao seu apoio à Irmandade Muçulmana (que eles temiam que crescesse nos seus países). O acordo reconhece que têm de respeitar a soberania dos demais e que as suas políticas internas não devem pôr em risco esse respeito. O Irão também enfrenta problemas diplomáticos, após a recusa dos EUA em emitir um visto para Hamid Aboutalebi, o novo embaixador iraniano para a ONU (devido a acusações de ter estado envolvido na crise de reféns, em 1979, na embaixada norteamericana em Teerão. Isto levou o Irão a fazer uma queixa aos órgãos internacionais contra os EUA, por desrespeito dos tratados da ONU. Fontes das Imagens: Imagem número 1- http://cotonete.iol.pt/upload/OUTROS/25_abril_01.jpg Imagem número 2- http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/02874/duchess-nz-day-1- s_2874470a.jpg Imagem número 3- http://meioambiente.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/7-78/ conselho-artico-2.jpg Imagem número 4- http://bigpicture.ru/wp-content/uploads/2014/02/1855528_original.jpg Imagem número 5- http://img.1.rp-api.com/thumb/12002740 Imagem número 6- http://imagens3.publico.pt/imagens.aspx/746943?tp=UH&db=IMAGENS Imagem número 7- http://www.aljazeera.com/mritems/ Images/2012/11/29//201211299573184734_20.jpg Imagem número 8- http://i.tmgrup.com.tr/dailysabah/2014/04/18/ HaberDetay/1397806546626.jpg Imagem número 9- http://news.bbcimg.co.uk/media/images/74244000/jpg/ _74244564_74244563.jpg V Cronologia Fotográfica “The American Spring” – O rancho Bundy no Nevada: acontecimento isolado ou início de algo grande? por Luís Rodrigues, Estagiário do State Building and Fragility Monitor L onge do foco dos meios de comunicação portugueses (e mesmo europeus) no seu todo, os dois últimos meses nos EUA têm sido marcados por uma delicada situação envolvendo o Estado norte-americano, através do BLM – “Bureau of Land Management”; e a família Bundy, encabeçada por Cliven Bundy, dono de um rancho no Nevada. A disputa envolve um território de 600 mil acres sob o controlo do BLM, apelidado de Gold Butte, perto da fronteira do Utah e pertencente ao estado do Nevada. O território em questão é habitat de uma espécie de tartarugas em vias de extinção, o que levou ao estabelecimento de uma reserva nacional e à proibição de pastagem de gado em 1998.1 Quando a pastagem de gado era legal, Cliven Bundy cessou os pagamentos ao governo federal, pois grande parte do território em questão remontava à posse da sua família desde cerca de 1880, segundo o rancheiro. Bundy afirmou a sua disponibilidade em pagar ao condado de Clark, onde se situa o território, mas não ao governo norteamericano, pois reclamava a posse das terras, sendo que o BLM se trata de uma organização posterior à posse que a família Bundy reclamava sobre o território.2 Uma série de processos legais seguiram, com trocas e acusações mútuas, mantendo a família Bundy que os territórios em questão fariam já parte da sua propriedade. O governo federal norte-americano tentou contrariar estes mesmos argumentos, tendo-o feito com sucesso nos tribunais.3 A família Bundy ignorou a decisão do tribunal e durante anos o gado foi-se expandindo, e consequentemente derivando para ainda mais das áreas que o governo federal norte-americano reclama como suas, e Cliven Bundy reclama como sendo pertencentes à sua família. Em virtude disto, em Maio de 2012 o governo federal norte-americano reiniciou o processo, sendo neste caso adicionadas as terras não abrangidas pelo processo de 1998. Em 9 de Julho de 2013, a família Bundy viu-se condenada a que qualquer presença sua ou de gado por eles possuído em terras reclamadas pelo governo fosse proibiVI Artigo 1 - “American Spring” da. Meses mais tarde, em Outubro, foi decidido que o governo federal teria o poder de proteger as terras por si reclamadas e retirar o gado presente nessas mesmas áreas.4 Feita a retrospectiva, esclareço apenas que o intuito não é o de determinar quem tem ou não razão neste caso específico, mas sim de avaliar o seu possível peso na dinâmica interna dos EUA e as consequências que podem advir do seu desenlace. Os mais recentes acontecimentos ocorreram precisamente neste mês de Abril, ainda que Bundy já no final de Março tenha enviado cartas a líderes de vários movimentos de milícias nos Estados Unidos, pedindo ajuda e clamando por um movimento citadino para fazer frente à BLM.5 Semanas depois, no dia 12 de Abril, assistiu-se ao ponto mais tenso de toda a história de 21 anos do processo Bundy, tendo parte do gado da família sido confiscada dias antes, as milícias, e os agentes federais em conjunto com a BLM, viram-se envolvidos numa hora potencialmente volátil, em que foram feitas ameaças de parte a parte, com ameaças do uso de força.6 O impasse acabaria por ser resolvido pelo responsável máximo da polícia metropolitana de Las Vegas, Tom Roberts, que anunciou que o gado de Bundy seria devolvido. A BLM anunciou que iria suspender a retirada de gado devido a motivos de segurança, e prosseguir o processo administrativo e judicial de maneira a recolher a quantia de um milhão de dólares devido ao uso ilegal que Bundy fez de terras públicas.7 A presente situação é incerta, o que acaba por ficar na retina uma operação militar de considerável envergadura. Será passível esperar reacções igualmente enérgicas em situações semelhantes no futuro? Isto considerando o impacto mediático que todo o caso Bundy teve. Outra das questões que podem ser levantadas prendem-se com a veracidade dos argumentos levantados pela BLM, de modo a poder intervir no rancho Bundy. As terras em questão, em que foi ilegalizado o pasto de gado, tornaram-se numa zona protegida devido à existência das já mencionadas tartarugas em deserto em vias de extinção, de modo a preservar o seu habitat.8 Ainda que este factor que levou à mudança do estatuto legal das terras não seja amplamente discutido nos meios de comunicação, a sua validade acaba por ser abalada pelo facto de a própria BLM ter utilizado veículos militares e policiais, que podem potencialmente prejudicar muito mais o habitat em si do que a simples pastagem de gado. Outro factor a ser considerado é o facto de o governo federal americano e a BLM não reconhecerem o direito de Bundy possuir as terras ainda que a sua família trabalhou durante gerações. No entanto, um simples decreto tornaria as terras como interdi- VII Artigo 1 - “American Spring” tas a Bundy, tudo isto legitimado por quê? Terá sido autoritarismo por parte do governo norte-americano? O processo é sem dúvida legal, mas será legítimo? Mas outra questão ainda mais pertinente que tem sido pouco abordada pelos meios de comunicação social, são alegados planos de “fracking” (técnica para potencialmente extrair petróleo ou gás natural), nos territórios denominados como sendo protegidos. A confirmar-se, a questão da protecção do habitat das tartarugas tornar-se-ia ainda mais questionável, mas deixamos este factor à consideração do leitor. Torna-se necessário referir que os Estados Unidos têm um historial de comportamento secessionista dentro de si, com destaque para a famosa guerra civil no século XIX, e mais recentemente para pedidos individuais de vários estados, sendo que após as eleições presidenciais de 2012, foram interpostas petições na Casa Branca para a secessão de cada um dos Estados.9 O consenso em torno de uma nação não existe, mesmo com as habituais manobras para fomentar o patriotismo, que são tomadas tanto antes como depois de um conflito, ou em virtude de um atentado. Tudo isto é acentuado pela enorme dívida dos EUA, do contexto de crise e de um decréscimo das condições de vida de algumas partes da população, da dependência crónica de subsídios estatais e de um estigma racista que teima em não abandonar os Estados Unidos. Perante isto, é nossa função questionarmo-nos se será lícito pensar que poderá haver uma “American Spring”, uma “Primavera Norte-americana”, em que movimentos de cidadãos, de milícias, possam unilateralmente anunciar a sua secessão do governo federal americano, algo que teria certamente uma reacção em cadeira. Que faria o governo federal? Avançar com o exército ou com agentes federais? Torna-se curioso avaliar o peso da reacção, tendo em conta que montou uma operação militar de considerável en- vergadura para confiscar animais a um produtor de gado bovino no Nevada. Só o futuro poderá determinar se estas conjecturas estão certas ou erradas, o que parece certo é este processo não terminará aqui e que pode dar algum alento a grupos de cidadãos americanos que procurem mais autonomia do governo federal ou mesmo a estados que procurem a secessão. Olhar para os EUA como um país completamente unido torna-se altamente questionável sobretudo se nos recordarmos um dos principais momentos do movimento independentista americano se tratou do famoso “Boston Tea Party”, e se impostos sobre o chá motivaram uma reacção tão enérgica, torna-se imprevisível medir a real magnitude da situação quando as privações são ainda maiores, e desta vez, o “inimigo” é interno. VIII Artigo 1 - “American Spring” http://www.latimes.com/nation/nationnow/la-na-nn-vegas-blm-range-war20140407,0,1480936.story#axzz2zqjAIUUQ 1- http://edition.cnn.com/2014/04/10/us/nevada-rancher-rangers-cattle-showdown/? hpt=zite_zite3_featured 2- http://www.blm.gov/pgdata/etc/medialib/blm/nv/field_offices/las_vegas_field_office/ cattle_trespass.Par.40211.File.dat/Dkt%2056%20Order%20Granting%20Motion%20to%20Enforce%2010 -9-13.pdf 3- 4- http://law.justia.com/cases/federal/district-courts/nevada/nvdce/2:2012cv00804/87613/35 http://www.thespectrum.com/viewart/20140324/DVTONLINE01/303240032/Bundy-declares-rangewar5- 6- http://www.theguardian.com/world/2014/apr/13/nevada-bundy-cattle-ranch-armed-protesters 7- Ibid. http://www.washingtonpost.com/blogs/the-fix/wp/2014/04/15/everything-you-need-to-know-aboutthe-long-fight-between-cliven-bundy-and-the-federal-government/ 8- 9- http://www.huffingtonpost.com/2012/11/14/secession-50-states-_n_2131447.html IX Artigo 1 - “American Spring” Sul do Sudão: os desafios à sustentabilidade de um Estado politicamente instável por Daniela Nascimento, Professora Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra C om o fim formal do longo e complexo conflito que opôs o Sul do território su- danês ao governo do Norte e com a concretização de grande parte das garan- tias previstas no Acordo Geral de Paz (AGP) de 2005, muitos foram os cenários que se foram delineando para aquele que rapidamente se tornaria o mais jovem Estado do sistema internacional. Apesar das várias dificuldades existentes, que com a vontade política reafirmada perante a comunidade internacional por parte do novo governo seriam desejavelmente ultrapassadas, a ideia de que finalmente a população do Sul do Sudão se poderia libertar do jugo autoritário e repressivo da elite governativa de Cartum e começar uma nova era de paz, estabilidade e progresso tornou-se relativamente consen- sual. Contudo, passados quase três anos desde a independência resultante do referendo realizado em Julho de 2011, o Sul do Sudão enfrenta hoje enormes desafios relacionados com a sua sustentabilidade futura enquanto Estado soberano e estável. Esses desafios resultam, a nosso ver, de dois factores essenciais e interligados. Por um lado, das insuficiências do próprio processo de paz que respondeu, de forma algo limitada, às questões mais estruturais subjacentes ao conflito e que iam muito além da simples oposição religiosa entre Norte muçulmano e o Sul cristão e animista e que tinham a ver com as necessidades socioeconómicas fundamentais da população do Sul do Sudão, insatisfeitas por décadas de conflito e violência. Por outro lado, dos problemas internos relacionados com as dinâmicas políticas e de governação alimentadas pelas lideranças do Movimento de Libertação Popular do Sudão1 (SPLM) e que de alguma maneira têm agravado uma condição ainda frágil do Estado, tanto do ponto de vista das garantias e necessidades políticas como económicas e sociais. Apesar do acesso e controlo sobre cerca de 50% da produção petrolífera, fruto também das garantias previstas no AGP, e que correspondem à maioria dos rendimentos do país, a distribuição equitativa desses dividendos está ainda muito aquém do estabelecido e considerado desejável. Além disso, as acusações de corrupção contra o governo liderado por Salva Kiir, têm alimentado dinâmicas de oposição crescentes resultando, em vários momentos, em episódios de violência e instabilidade no território, em particular a partir de Julho de X Artigo 2 - Sudão do Sul 2013, altura em que Salva Kiir destitui todo o governo e reforça o seu poder e controlo sobre a vida política do país. Mais recentemente, as ondas de violência e instabilidade foram-se agudizando com alegadas tentativas de golpe de Estado levadas a cabo pelo ex -Vice-Presidente Riek Machar (cargo que ocupara até à destituição do governo) e seus apoiantes armados e a partir de Dezembro de 2013 o país mergulha numa luta de poder entre as diferentes facções políticas e militares do SPLM – por um lado a facção liderada por Salva Kiir e, por outro lado, a facção liderada por Riek Machar. A violência entre as forças governamentais e as forças apoiantes da facção dita rebelde liderada por Machar agudizou-se significativamente nos últimos meses, resultando já em milhares de mortos e deslocados internos (BBC, 2014- 19 Março) e em fuga e em busca de protecção nos países vizinhos ou em áreas controladas pelas Nações Unidas2. Paralelamente a estes confrontos, têm igualmente surgido novas forças rebeldes e de oposição ao governo, como por exemplo o Exército de Libertação do Sul do Sudão3 liderado por Peter Gadet4. Esta dinâmica de instabilidade e os resultantes episódios de violência extrema e continuada, têm igualmente contribuído para o avivar das questões e explicações relacionadas com a dimensão étnica que pode estar na base destes confli- tos e disputas e que essencialmente se prende com a divisão entre os grandes grupos étnicos dominantes no território: os Nuer (considerados pro-Riek Machar) e os Dinka (considerados pró-Salva Kiir). Se, por um lado, é verdade que estas pertenças e divisões étnicas parecem ter ganho espaço no seio do SPLM desde o início da preparação das eleições previstas para 2015 até aos acontecimentos mais recentes, por outro lado, é importante não descurar que as tensões entre as diferentes facções estão também relacionadas com suspeitas dentro do partido de que o actual Presidente esteja a preparar um programa governativo mais conservador e anti-reformista e que poderá dar início a uma era mais autoritária e repressiva (ISS Africa, 2013). Independentemente da importância atribuída a cada uma das possíveis explicações para a instabilidade e violência que têm assolado o Sul do Sudão – por um lado a luta étnica entre os dois principais grupos no território ou, por outro lado, a luta de poder entre dois candidatos à liderança do SPLM e, logo, à Presidência do próximo governo-, parece-nos que ambas são insuficientes para abarcar a complexidade da situação no Sul do Sudão (Mamdani, 2014) e explicar as suas causas e factores de forma rigorosa. Não só porque a história da luta do SPLM/A durante o conflito com o Norte raramente se fez revestir destas linhas étnicas, mas também porque as divergências políticas internas ao SPLM após a independência não parecem ter resultado apenas de ‘apetites’ de poder de ambos os candidatos a líderes, mas também de sinais de insatisfação crescente alimentados por alegadas dinâmicas de corrupção, clientelismo e autoXI Artigo 2 - Sudão do Sul ritarismo por parte do actual governo. Esta situação tem ditado, assim, uma oposição crescente e cada vez mais generalizada à liderança do Salva Kiir, a vários níveis: a nível individual porque não tem conseguido manter os níveis de confiança de que gozava quando assumiu a liderança do SPLM (após a morte do líder histórico John Garang); e a nível político em virtude de ter alimentado um processo de formação do Estado largamente apoiado na politização e instrumentalização radical da etnicidade, com a presença Dinka a fazer-se sentir de forma muito clara nos diferentes níveis de governação, desde o exército à administração local (Mamdani, 2014), em particular após as reestruturações governamentais. Em virtude deste contexto, fica relativamente claro que as divisões políticas recentes no SPLM se têm reflectido também numa profunda divisão do ponto de vista das forças militares no terreno, na medida em que o exército do Sul do Sudão é mais uma coligação de várias milícias do que propriamente um exército nacional e coeso. Nesse sentido, podemos considerar que este factor foi crucial para a eclosão da violência não tanto como uma ‘guerra civil’, mas mais como uma sublevação das forças militares descontentes com a governação de Salva Kiir e alimentadas pela expectativa de uma nova liderança com Riek Machar (Mamdani, 2014), alastrando-se rapidamente para o seio da população. No que toca às tentativas internas para resolver estes problemas, têm sido dados alguns passos no sentido de criar as condições para a estabilização da situação, mas globalmente sem grande sucesso. Politicamente, Riek Machar, tem manifestado, por várias vezes mas sem sucesso, vontade em iniciar negociações com o Presidente Salva Kiir. Do ponto de vista militar, apesar do cessar-fogo em vigor, este tem sido claramente violado por ambos os lados, com ataques continuados em várias regiões do país. Relati- vamente ao envolvimento de actores internacionais nas tentativas de resolução desta instabilidade, a inércia demonstrada pela comunidade internacional - anteriormente envolvida activamente no processo de paz entre o Norte e o Sul- parece demonstrar uma clara falta de interesse em se envolver nesta disputa. Nesse sentido, a liderança tem sido assumida pela Inter-Governmental Authority on Development (IGAD), uma entidade regional já anteriormente presente nos processos de paz na região, mas com resultados igualmente pouco positivos, desde logo porque apesar de apelar às negociações entre as duas partes, tem claramente favorecido e apoiado a facção de Salva Kiir, nomeadamente através do envio de forças militares do Uganda. Além disso, predomina ainda uma visão de que o Sudão do Norte continua a ser o maior adversário do Sul, claramente alimentando uma imagem antiga da disputa e, logo, pouco consentânea com os desafios e necessidades que realmente se colocam ao país na actualidade e que ditaXII Artigo 2 - Sudão do Sul rão a sua estabilidade e viabilidade futura enquanto Estado. É óbvio que Cartum continua (e continuará) a desempenhar um papel fundamental nas condições de estabilidade e sustentabilidade do território do Sul – nomeadamente no que diz respeito aos direitos de passagem dos oleodutos e das infra-estruturas para circulação e transporte do petróleo extraído nas reservas a Sul5 — mas as prioridades dever-se-iam concentrar agora maioritariamente na resolução das causas subjacentes às tensões entre os diferentes protagonistas políticos e os seus respectivos apoios militares. Apesar dos enormes obstáculos, o Sul do Sudão pode ainda retomar o seu caminho rumo a um Estado viável e bem-sucedido, mas tal requer uma nova liderança, uma liderança que seja simultaneamente forte, bem preparada e capaz de ultrapassar as tensões que se têm vindo a agravar ao longo dos últimos meses. Neste contexto, a acção tanto de actores internos como externos, deve centrar-se na criação das condições que permitam a reforma e/ou consolidação da estrutura e liderança governativa no país, de modo a que esta se concentre naquelas que devem verdadeiramente ser as prioridades do Estado e da sua população, claramente cansada e delapidada após décadas de guer- ra com o Norte: a reconstrução e o desenvolvimento apoiados em estratégias e vontades de paz reais e não em disputas individualistas pelo poder. 1- Em inglês Sudan’s People Liberation Movement (SPLM). O mais recente episódio de violência, que reflecte bem a profunda instabilidade e insegurança que domina o território, teve lugar no passado dia 17 de Abril quando milícias de jovens armados invadiram a base militar das NU em Bor, matando indiscriminadamente dezenas de pessoas (BBC, 2014b). 2- O mais recente episódio de violência, que reflecte bem a profunda instabilidade e insegurança que domina o território, teve lugar no passado dia 17 de Abril quando milícias de jovens armados invadiram a base militar das NU em Bor, matando indiscriminadamente dezenas de pessoas (BBC, 2014b). 3- De acordo com o governo, estes movimentos podem estar a ser financiados e apoiados pelo governo Sudanês para servirem como fontes desestabilizadoras do território, mas Cartum tem negado essas acusações. 4- Apesar da existência de projectos em curso para a construção de oleodutos a Sul, pelo Quénia, por exemplo, as únicas opções de exportação do petróleo controlado pelo Sudão do Sul continuam a estar localizadas exclusivamente no Sudão do Norte pelo que as tensões entre os dois territórios se têm vindo a fazer sentir. 5- XIII Artigo 2 - Sudão do Sul Referências Bibliográficas Anon., 2014. Gagauzia Voters Reject Closer EU Ties For Moldova. Radio Free Europe / Radio Liberty [On-line]. Published at February 03. Available at: http://www.rferl.org/content/moldova-gagauzreferendum-counting/25251251.html; Brezianu, Andrei and Spânu, Vlad, 2007. Historical Dictionary of Moldova. Maryland: Scarecrow Press; Chinn, Jeff and Roper, Steven, 1998. “Territorial autonomy in Gagauzia”. Nationalities Papers: The Journal of Nationalism and Ethnicity, Vol. 26, N.º 1, pp. 87-101; Mamdani, Mahmood (2013), “The way forward for Sudan”, Al Jazeera-Opinion (6 de Janeiro de 2014). Consultado em 18 de Abril de 2014, disponível em http://www.aljazeera.com/indepth/ opinion/2014/01/way-forward-south-sudan-20141565251473808.html. BBC (2014), “South Sudan Profile” (17 de Março de 2014). Consultado em 18 de Abril de 2014, disponível em http://www.bbc.com/news/world-africa-14069082. BBC (2014b), “South Sudan conflict: Attack on UN base 'kills dozens'” (17 de Abril de 2014). Consultado em 18 de Abril de 2014), disponível em http://www.bbc.com/news/world-africa-27074635. ISS Africa (2013), “South Sudan mishandles the pro-Machar 'coup'”, Institute for Security Studies Africa (20 de Dezembro de 2013). Consultado em 18 de Abril de 2013, disponível em http:// www.issafrica.org/iss-today/south-sudan-mishandles-the-pro-machar-coup. XIV Artigo 2 - Sudão do Sul Informédia “A Informação via multimédia!” Ruanda O ano de 2014 marca o vigésimo aniversário de um dos mais trágicos momentos da humanidade, o genocídio do Ruanda. Vinte anos depois as Nações Unidas promovem a iniciativa Kwibuka 20, com o tema “Lembrar, Unir, Re- novar”. Esta iniciativa contempla uma série de eventos a nível global que pretendem “inspirar o mundo” para a capacidade de reconciliação da população ruandesa. Esta é também uma forma de relembrar a comunidade internacional para a necessidade de aprender com este momento trágico, do qual resultaram cerca de 800.000 mortos, em 1994. Os três vídeos que trazemos até aos leitores este mês têm uma curta duração e insistem em três diferentes visões do processo de reconstrução. No primeiro o coordenador do International Rescue Committee, Pierre Nzeyimana, relembra o genocídio e fala-nos um pouco do processo de reconstrução social. No segundo vídeo vemos uma pequena reportagem sobre as celebrações do vigésimo aniversário no Ruanda e o discurso proferido pelo Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki -moon. Uma imagem forte que demonstra a forma como o povo ruandês marcou oficialmente a data e que levou mesmo alguns dos espectadores a desmaiarem, devido às reminiscências que voltaram a brotar na sua memória, sem dúvida um momento marcante. O terceiro vídeo é o ‘short film’ oficial do Kwibuka 20. Um registo inspirador, com a duração de apenas 4 minutos em que são reveladas algumas histórias e locais de importante relevo no genocídio ruandês. 1- Rwanda: 20 years after the genocide — http://www.rescue.org/blog/rwanda-20 -years-video 2- Ban Ki-moon says “we should have done much more” to stop genocide in Rwanda — http://www.theguardian.com/world/video/2014/apr/07/rwanda -genocide- memorial-twenty-years-video 3- Kwibuka Short Film - 'Remember, Unite, Renew’— https://www.youtube.com/ watch?v=00x1L34wLF8 XV Informédia - Ruanda