Reportagem: o gênero sob medida para o jornalismo contemporâneo

Transcrição

Reportagem: o gênero sob medida para o jornalismo contemporâneo
Reportagem: o gênero
sob medida para o jornalismo
contemporâneo
Reporting: the gender tailored to contemporary journalism
Reportaje: el género a la medida del periodismo contemporáneo
—
Elizabeth MORAES GONÇALVES
Marli DOS SANTOS
Denis PORTO RENÓ
—
Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación
N.º 130, diciembre 2015 - marzo 2016 (Sección Ensayo, pp. 223-242)
ISSN 1390-1079 / e-ISSN 1390-924X
Ecuador: CIESPAL
Recibido: 01-02-2016 / Aprobado: 27-04-2016
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MORAES GONÇALVES, DOS SANTOS, PORTO RENÓ
Resumo
O objetivo do artigo é, a partir de um levantamento das principais classificações
de reportagem, refletir sobre o gênero, que tem a narrativa como principal elemento formador. Por meio de pesquisa bibliográfica, verificou-se que a reportagem é um dos formatos mais flexíveis na prática jornalística, o que pode ser
comprovado com o exemplo aqui apontado. Isso está relacionado à característica da narrativa que se constrói pelas exigências da temática abordada, do posicionamento do locutor e pelos objetivos que pretende atingir na relação com o
leitor, aliado às possibilidades narrativas oferecidas pelo gênero.
Palavras-chave: comunicação; jornalismo; narrativa transmídia; linguagem.
Abstract
The purpose of the paper is from a collection of the main classifications
report, reflect on the genus, which has as its main narrative forming element.
Through bibliographic research, it was verified that the report is one of the most
flexible format in journalistic practice, which can be checked com the example
presented here. That is related to the characteristic of the narrative constructed
by the demands of the topics addressed, the positioning of the speaker and the
objectives pursued in relation com reader, added to the narrative possibilities
offered by gender.
Keyword: communication; journalism; transmedia storytelling; language.
Resumen
El objetivo del artículo es, a partir de una recolección de las principales clasificaciones sobre reportaje, reflexionar sobre el género que tiene la narrativa como
principal elemento formador. Por medio de una investigación bibliográfica se
ha verificado que el reportaje es uno de los formatos más flexibles en la práctica
periodística, lo que puede ser comprobado con el ejemplo aquí presentado. Eso
está relacionado a la característica de la narrativa que construye por las exigencias de la temática abordada, el posicionamiento del locutor y los objetivos que
pretende alcanzar en su relación con el lector, sumando a las posibilidades narrativas ofrecidas por el género.
Palabras clave: comunicación; periodismo; narrativa transmedia; lenguaje.
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REPORTAGEM: O GÊNERO SOB MEDIDA PARA O JORNALISMO CONTEMPORÂNEO
1. Introdução
“Gênero nobre”, “gênero por excelência”, sinônimo de jornalismo. Diz Liliane
Machado (2012) que a reportagem possui “qualidades distintas”, abrange desde
fatos do momento até grandes temas contemporâneos (pauta quente e fria, no
jargão do jornalismo); e precisa ser elaborada a partir da investigação e do esforço do jornalista. É gênero narrativo, pois, na essência está a história. Mas, ao
narrar também descreve e argumenta, ou seja, não há narrativa pura na reportagem; a passagem de tempo anterior/tempo posterior, própria da narrativa, vem
acompanhada de elementos próprios da descrição e da dissertação e, com essa
mescla de tipologias a reportagem informa, emociona, analisa, interpreta, contextualiza, mostra personagens, lugar, divulga números, desvenda processos.
Como definir um gênero tão plástico, flexível e adaptável como a reportagem?
Não é resposta simples, aliás, nem é objetivo deste texto encontrá-la. Porém, há
um elo entre os diversos tipos de reportagem: a narrativa. Para abordar as relações entre narrativa e reportagem, antes, é preciso recorrer à história do jornalismo, para entender como surgiu o gênero e a sua importância como narrativa da realidade.
No período denominado pré-história do jornalismo (Marcondes Filho, 2000),
havia de tudo: ficção e realidade, comentários e relatos, literatura, anedotas −ao
mesmo tempo. Mas é no bojo da Revolução Francesa (1789) que se configura a
primeira fase do jornalismo (Marcondes Filho, 2000). Os jornais que surgem
naquele momento reúnem as características observadas por Groth (2011): periodicidade, atualidade, difusão e universalidade. Mesmo que efêmeros, reuniam
os conceitos fundantes atribuídos pelo sociólogo alemão, que estudou intensamente os periódicos (jornais e revistas), existentes no início do século XX. Nesse
período, o gênero que prevalecia era o artigo, em razão da necessidade de persuadir o povo sobre o ideal da revolução. Entretanto, foi só a partir do século XIX,
com a criação das máquinas rotativas, com grande capacidade de impressão, e
a consolidação do capitalismo, que surgiu a imprensa moderna. O ritmo de vida
urbano, o desenvolvimento tecnológico que deu mobilidade ao homem, o surgimento da publicidade que favoreceu o surgimento da penny press1 e a consolidação da grande imprensa, especialmente nos EUA, com os magnatas Willian
Randolf Hearst2 e Joseph Pulitzer3.
Nesse momento, os formatos do gênero relato, segundo Chaparro (1998)
ganham significado e importância. No século XIX a notícia e a reportagem surgem como formatos essenciais à sociedade, porém, a reportagem ainda possuía
1 Penny press é o termo utilizado para a imprensa nos EUA no século XIX, quando o valor de um exemplar
do jornal custava um penny, o equivalente a um centavo da moeda americana.
2 Hearst atuou na imprensa desde muito jovem, e formou um império na imprensa, o qual reuniu 28 diários
e 18 revistas, entre eles, o New York Morning. O filme cidadão Kane, de Orson Welles, foi inspirado em Hearst.
3 Pulitzer também se tornou empresário milionário com a aquisição e criação de diários, como o Post-Dispatch, o mais importante de Saint Louis; o The World, de Nova York (1883) e o Evening World (1887). Era rival
de Hearst.
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mais um caráter de anunciar a novidade do que de explicar o fato. De acordo
com Lage (2006) a reportagem foi um diferencial para os jornais da época, que
disputavam leitores. Essa concorrência, explica o autor, permitiu que alguns
assuntos fossem aprofundados, que fatos fossem explicados. Lage considera o
século XIX um período de revelações (2006). De acordo com Oliveira (2010), foi
nesse momento também que o furo de reportagem tornou-se uma estratégia de
concorrência.
Outro momento importante da reportagem ocorreu no século XX, nos EUA.
A sociedade estadunidense precisava entender melhor o que acontecia com
a economia do seu país e do mundo, e exigia da imprensa um papel fiscalizador (Chaparro, 2002). No Brasil, as referências ao formato ocorrem a partir de
1902, com Euclides da Cunha e a série de reportagens que fez sobre a Guerra
dos Canudos4 publicada no jornal O Estado de S. Paulo. João Paulo Barreto, mais
conhecido como João do Rio, também fez história em jornais cariocas, como A
Tribuna, Gazeta de Notícias, a partir de 1904, com as suas reportagens-crônica
sobre o cotidiano do Rio de Janeiro.
Portanto, a reportagem nasce como gênero em um contexto da imprensa
moderna, do capitalismo selvagem, da mecanização dos processos de produção
−no bojo da “indústria cultural”−, imersa em uma realidade urbana, complexa, e
que demandava cada vez mais explicações.
Considerando essas características, salientamos que o objetivo principal
deste artigo é apresentar as principais classificações da reportagem e refletir
sobre o papel da narrativa no discurso midiático. Considera-se a reportagem
como um dos gêneros discursivos mais perenes e flexíveis na história da humanidade. A flexibilidade e adaptabilidade do gênero, de acordo com o contexto e
os meios, têm representado grandes desafios para os estudos dos gêneros jornalísticos. A reportagem, como espécie ou formato, possui diversas classificações.
2. Na essência, a linguagem e a narrativa
As narrativas produzidas pela mídia incorporam-se ao cotidiano dos indivíduos
e passam a fazer parte da grande narrativa de suas vidas, compondo o repertório
4 Diz o repórter Audalio Dantas, em matéria publicada no site “Comunique-se” e assinada pela repórter Agnes
Sofia: “Foram as condições sociais e políticas do país que criaram os nossos textos daquela época”, explica
Dantas. Para reforçar isso, lembra que antes da década de 60, quando se deu o boom da grande reportagem
brasileira, o jornalismo do país contou com momentos antológicos, começando por Euclides da Cunha e sua
cobertura da guerra de Canudos −que deu origem à obra-prima Os Sertões, em 1902. Outro exemplo dado
pelo jornalista foi uma reportagem feita por Joel Silveira para a revista semanal Diretrizes, em 1945, célebre
por contar, em detalhes, bastidores do casamento da filha do Conde Francisco Matarazzo Júnior. Além de ser
registro valioso da elite paulistana da época, há um detalhe inusitado: o repórter não foi ao casamento. Seu
trabalho foi baseado em conversas com convidados e funcionários que estiveram, de alguma forma, relacionados à organização da festa. Disponível em http://portal.comunique-se.com.br/index.php/entrevistas-e-especiais/71556-nao-foi-o-new-jornalism-que-deu-origem-a-reportagem-brasileira-afirma-audalio-dantas.
Acesso em 07 de julho de 2014.
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dos sujeitos, juntamente com as informações e formações que recebem das instituições sociais, da família, da igreja, da escola, entre outras.
Jornalistas, produtores e diretores de TV e cinema, roteiristas e publicitários sabem
que os homens e mulheres vivem narrativamente o seu mundo, constroem temporalmente suas experiências. Por isso, exploram com astúcia e profissionalismo o
discurso narrativo para causar efeitos de sentido (Motta, 2005, online).
Nessa perspectiva, as narrativas midiáticas têm papel importante na sociedade e na relação entre os interlocutores, participando da forma como os sujeitos constroem o universo e como se vêem inseridos nele. Segundo Pêcheux
(1990), o funcionamento da linguagem não se explica como simples informação,
mas sim pela produção de sentidos pelos sujeitos e pelo jogo de efeitos de sentidos, carregados de ideologias. Nas palavras de Pêcheux: “o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar
que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu
próprio lugar e do lugar do outro” (1990, p. 82).
Nos jogos de linguagem os sujeitos interlocutores se relacionam a partir de
determinadas condições estabelecidas e papéis desempenhados, construindo
um fenômeno particularmente dialógico, um jogo de imagens que se encontram: imagem que um sujeito faz do outro, imagem que cada sujeito faz de si
mesmo e ainda, imagem que fazem do objeto e do contexto em que se inserem.
No contexto da reportagem, além das estratégias discursivas que encerram o
gênero, pode-se dizer que a narrativa da reportagem é considerada sinônimo da
prática jornalística e, como gênero discursivo, expressão da aventura humana.
Para Mikhail Bakhtin (1997) as atividades humanas são incontáveis e os gêneros as refletem. Dessa forma, há tantos gêneros quantas são essas atividades e
quantos são os enunciados ou tipos de enunciados elaborados. No campo da
Comunicação a atividade jornalística caracteriza-se como um tipo de manifestação enunciativa que envolve vários gêneros, dependendo não somente do conteúdo abordado, mas, em especial da forma como o conteúdo é trabalhado, da
visão do jornalista frente ao fato e da proposta que se apresenta ao leitor. Assim,
vários gêneros transitam na esfera do jornalismo, seja pela construção composicional dos discursos, seja pela relação que se estabelece entre os interlocutores.
No âmbito deste estudo assumimos que na reportagem muitas manifestações são observadas, ou seja, muitas formas de compor o enunciado são possíveis, dependendo da ênfase no aspecto que se busca observar. O caráter dialógico do discurso evidencia-se na reportagem, pois, o jornalista está em contato
direto com o público leitor e também com as fontes selecionadas, além do diálogo estabelecido com outros textos. Para Bakhtin, o autor nunca está sozinho,
o texto nunca é o primeiro, original, pois traz consigo referências a textos anteriores ou servirá de referência a textos posteriores, ou ainda, o simples fato de
enunciar alguma coisa pressupõe a existência do outro: “O fato de ser ouvido,
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por si só, estabelece uma relação dialógica. A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder à resposta, e assim ad infinitum” (Bakhtin, 1997, p. 357). Assim, o efeito dialógico da linguagem, seja entre
textos, seja entre sujeitos, está na base do processo comunicacional. Ainda que
a troca efetiva entre sujeitos não se concretize, ou seja, o ato de tomar a palavra
implica em uma responsabilidade com o outro e determina o que dizer e a forma
de dizer; o enunciado é elaborado considerando as condições de produção e
tendo em vista uma possível condição da recepção, o conhecimento do que o
outro espera daquele contexto de comunicação.
Portanto, o texto jornalístico, em especial a reportagem, foco deste estudo,
é produto de um processo de seleção contínuo −seleção que começa pela temática, pelas fontes de informação, pela seleção lexical e também pelo estilo de
narrativa mais apropriada para a abordagem proposta. Em cada forma de seleção e em cada opção de como articular as informações podem ser encontradas
as marcas da subjetividade do jornalista, que não se mostra abertamente, mas
deixa-se entrever pelas escolhas e pelo tom que emprega ao narrar ou comentar
fatos.
3. A reportagem como gênero
As escolhas que marcam a composição da narrativa estão presentes em diversos
gêneros jornalísticos, especialmente na reportagem. Alguns autores brasileiros
têm se destacado em relação aos estudos sobre o tema, como os clássicos Beltrão,
Melo (Assis & Melo, 2010), e Chaparro (1998). São visões diferentes sobre os
gêneros, inclusive a reportagem, embora haja consenso quanto à característica
de aprofundamento, diferentemente da notícia. Assim, a reportagem é classificada por esses autores como gênero informativo e interpretativo (Beltrão); como
gênero informativo (Melo); e como gênero relato, espécie narrativa (Chaparro).
Considerar a reportagem como “informativo” é caracterizá-la pelo objetivo em
relação ao outro (atuar sobre o interlocutor de forma a fazer saber algo); como
“interpretativo” recorta-se a posição do locutor em relação aos fatos; como
“relato”, enfatiza-se a tipologia textual empregada na elaboração.
Como pontua Seixas, Beltrão e Melo −inspirados no autor espanhol Martínez
Albertos−, usam como critério para a classificação dos gêneros: “1) finalidade do
texto ou disposição psicológica do autor, ou ainda intencionalidade; 2) estilo; 3)
modos de escrita, ou morfologia, ou natureza estrutural; 4) natureza do tema
e topicalidade; e 5) articulações interculturais (cultura) (2004, p. 3).” A autora
também analisa que as classificações estão baseadas na “separação entre forma
e conteúdo, o que gerou a divisão por temas, pela relação do texto com a realidade (opinião e informação) e deu vazão ao critério de intencionalidade do
autor, que realiza uma função (opinar, informar, interpretar, entreter) (Idem)”.
As relações com o lugar, com o “contexto econômico, social, político e cultural,
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com os modos de produção, com as correntes de pensamento e ainda com as
noções de objetividade e neutralidade”, são também apontadas por Seixas como
critérios de classificação, porém, ressalta ela, que estes não dão conta de oferecer “uma explicação geral dos princípios dos gêneros, um conceito de gênero
jornalístico e como se constitui” (Ibidem).
Além de Seixas (2004), mais recentemente outros pesquisadores interessados no tema contribuem para as discussões: Machado (2001), Temer (2012),
Assis (2010, 2014), entre outros. O Grupo de Pesquisa Gêneros Jornalísticos5, da
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom),
também tem sido reduto de discussões profícuas sobre o assunto. Seixas (2004)
considera que o gênero “evolui e se transforma e torna-se elemento comum de
diferentes sistemas”. Assim, para ela, a narrativa é um dos gêneros mais perenes
da “tradição ocidental”. Embora considere a narrativa um gênero e não um tipo
de composição textual, Seixas (2004) e Machado (2001) ancoram os estudos de
gênero no âmbito do discurso.
4. Classificações de reportagem
Assim como os gêneros jornalísticos, a reportagem possui diversas classificações, como já foi referido neste texto. A taxonomia observa diversos critérios
para a reportagem: estrutura do texto, esquema narrativo, estilo, técnicas de
apuração, técnicas narrativas, finalidade, mídia. Não se esgota aqui as diversas
classificações, porém, nossa proposta é destacar as principais e analisar os critérios utilizados, organizá-los, para refletir sobre os tipos de narrativa presentes
na reportagem.
A reportagem é a complexidade de conteúdos somada à simplicidade da
narrativa. Segundo Yanes (2004), a reportagem é uma mistura de gêneros que
constrói um novo gênero, mais completo e diversificado. De acordo com Yanes:
Existe um gênero que contém em seu texto −ou pode conter−, todos e cada um dos
demais gêneros. É informativo, mas também opinativo. Pode tratar da atualidade,
ainda que também permita a inclusão de algum texto de criação. Muitos autores
o consideram um híbrido entre os escritos informativos e os interpretativos, mas
realmente se trata da fusão de todos os gêneros jornalísticos. É a reportagem. (2004,
p. 192, tradução nossa)
As palavras do autor consolidam a importância da reportagem para tornar
públicos assuntos complexos ou amplos. Também justifica um tempo maior
para a produção dos mesmos. Também, de acordo com Yanes (2004, p. 196-197),
existem correntes que defendem a reportagem como um texto livre de criação
5
O GP Gêneros Jornalísticos da Intercom foi criado por José Marques de Melo em 2009.
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com resultados literários. Ao mesmo tempo, é um texto que resulta de uma
busca da informação e seus preâmbulos, sem limitar-se ao fato ocorrido. O jornalista, no sentido do produtor de reportagens, é um constante investigador
de acontecimentos. Por fim, o autor defende que “a tendência do jornalismo na
atualidade caminha para a reportagem profunda e a notícia, simplesmente, vai
abrindo espaço para o jornalismo interpretativo” (Yanes, 2004, p. 197, tradução
nossa).
A reportagem engloba o resto de formas jornalísticas, ainda que não seja a soma
delas, sem um texto com características próprias. Podemos defini-lo como um gênero
jornalístico informativo que contém a interpretação explicita de seu autor que, com
estilo literário, firma um texto que se caracteriza pela possível admissão em seu
corpo de qualquer outro gênero”. (Idem, p. 198, tradução nossa)
Os modelos de reportagem propostos por Yanes (2004) são construídos a partir de conceitos aplicados do gênero e atendem a uma expectativa profissional.
Entretanto, pode parecer simplista e óbvia a proposta.
Quadro 1. Classificação de Reportagem, segundo Yanes
Classificação
Definição
Reportagem objetiva
Tem como características básicas a construção de seus
argumentos a partir de entrevistas ou dados numéricos
extraídos a partir de informações oficiais e/ou relatórios.
Reportagem de retrospectiva
O modelo que apoia sua argumentação a partir de dados
recuperados no passado para contextualizar a informação
presente ou propor uma reflexão sobre o futuro.
Reportagem de profundidade
Reúne os modelos de reportagem objetiva e de retrospectiva em um só, apontando novos dados que revelam
aspectos concretos de notícias de grande importância.
Reportagem de investigação
Ainda que redundante, pois toda reportagem resulta de
uma investigação, esse modelo adota técnicas avançadas de reportagem, como o modelo RAC (Reportagem
Assistida por Computador), proposta por Lage (2006).
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir dos conceitos de Yanes (2004) sobre gêneros da
reportagem.
Para fortalecer as interpretações sobre o tema, também podemos considerar a proposta de Sousa, para quem a reportagem “[...] não pode ser entendida
como um sistema rígido” (apud Machado, 2012, p. 7) e, aponta alguns dos critérios de classificação: i) quanto à origem (de rotina: imprevista e planificada); ii)
quanto à enunciação (primeira pessoa, terceira pessoa); iii) quanto ao tipo (de
acontecimento, de personalidade, temática); iv) mista (mescla origem, enunciação e tipo); v) quanto ao tamanho (curta, grande reportagem); vi) quanto às
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características estéticas e formais (narrativa, descritiva, explicativa, mista) e;
vii) quanto à linguagem (informal, formal, técnica). Acrescentaríamos, quanto
ao meio; quanto à linguagem; quanto à temporalidade do acontecimento ou à
natureza do fato; ou com várias dessas características, em diversos arranjos.
Ao longo do tempo, diversos autores tentaram enquadrar a narrativa da
reportagem em tipos. A começar por Warren, citado por Chaparro (1998, p.
125-126), que ao estudar a reportagem diária nos jornais de 1950, definiu quatro
tipos, utilizando para defini-los a estrutura do texto e, como é possível observar,
o ponto de vista do narrador, a temporalidade do fato: 1) reportagem de acontecimento, 2) reportagem de ação, 3) reportagem de citações e 4) reportagem de
seguimento. O Quadro 2 sintetiza nome e definição das reportagens identificadas pelo autor.
Quadro 2. Classificação de Reportagem, segundo Warren
Classificação
Definição
Reportagem de acontecimento
Narrativa de fora do acontecimento como fato observado e
concretizado.
Reportagem de Ação
Narrativa de dentro do acontecimento, seguindo a evolução
temporal do fato; é fundamentalmente narrativa.
Reportagem de citações
Narrativa que alterna citações diretas e indiretas dos personagens; contem descrições e é mais utilizada para resumir coletivas de imprensa.
Reportagem de seguimento
Narrativa que enlaça um acontecimento anterior com novos
fatos presentes e faz ponderações sobre o futuro, dando continuidade à narrativa sobre fatos que têm potencial noticioso
por mais que um dia.
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir de referência na obra de Chaparro sobre gêneros
jornalísticos (1998, p. 125-126).
Como é possível observar, a classificação de Warren (apud Chaparro, 1998)
considera a perspectiva do repórter, de dentro ou de fora do fato; as características do fato, como a temporalidade; e a natureza da fonte, como no caso de
coletivas de imprensa.
Outra iniciativa para uma classificação da reportagem foi empreendida por
Conceição Aparecida Kindermann (2003, p. 18), que faz referência a Swales, o
qual, segundo a autora, diz que o “texto funciona na comunicação” de acordo
com a “comunidade discursiva, gênero e tarefa”, entendendo o primeiro como
uma “forma de discutir as dimensões relativas ao papel e ao contexto do texto
e, os dois últimos, em conjunto, como um modo de discutir a natureza propriamente do gênero”. Assim, a autora analisa a reportagem como uma estrutura
retórica, com movimentos −“blocos discursivos [...] organizados a partir da função retórica”− e passos diferenciados.
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Kindermann reuniu reportagens publicadas no extinto Jornal do Brasil, em
2000, usando como critérios de classificação a “estrutura textual e os aspectos
pragmáticos” das reportagens (2003, p. 6). A seguir, apresentamos a síntese
dessa classificação:
Quadro 3. Classificação de reportagem – Kindermann
Classificação
Definição
Reportagem de aprofundamento da
notícia (RAN)
Possui cinco movimentos: orientação ao leitor para identificar tema da reportagem; desdobramento do fato principal;
foco da reportagem; eventos que se relacionam com o fato
principal; eventos que se relacionam ao desdobramento do
fato principal.
Reportagem a partir de entrevista
(Ren)
Cinco movimentos: orientação ao leitor para identificar tema da reportagem; relato do conteúdo da entrevista; fato principal; detalhes da entrevista; descrição dos
entrevistados.
Reportagem de pesquisa (Rpe)
Quatro movimentos: orientação ao leitor para identificar
tema da reportagem; “relato da pesquisa; […] a pesquisa; e
[…] fechar o relato da pesquisa...” (Kindermann, 2003, p. 77).
Reportagem retrospectiva (Rre)
Cinco movimentos: orientação ao leitor para identificar
tema da reportagem, introdução do histórico do fato principal apresentação do histórico do fato principal e comentários sobre os fatos narrados.
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir da dissertação de Conceição Aparecida
Kindermann (2003).
Trata-se de análise que guarda semelhanças com os estudos de Chaparro
(1998) e de Warren, ao propor uma classificação de reportagens pela estrutura textual, mas não só. O que há de comum nas estruturas apresentadas por
Kindermann (2003) é a orientação ao leitor, para a identificação do assunto logo
no início do texto, o que pode corresponder ao lead (resumo da notícia, que fica
no primeiro parágrafo) já que o estudo tomou como corpus jornal diário em período recente.
Outra classificação é apresentada por Liliana Mesquita Machado, que estuda
a “reportagem escrita”, em jornais portugueses, utilizando também como referência autores espanhóis. A autora aponta 15 tipos de reportagem (Machado,
2012, p. 5-7), conforme mostra o Quadro 4:
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Quadro 4. Classificação de reportagem, segundo Machado
Classificação
Definição
Reportagem objetiva
Descreve os fatos, é mais enxuta.
Reportagem interpretativa
História que apresenta análise e interpretação dos acontecimentos e dos fatos.
Reportagem argumentativa
Apresenta ação de persuasão, com a apresentação de argumentação em torno de ideias e motivos.
Reportagem no local
“Este tipo de reportagem dá vitalidade a uma crónica local”,
evitando a banalização de assuntos locais.
Reportagem quente
Apresenta imediatismo na cobertura de acontecimentos não
previstos.
Reportagem morna
Ligada ao tempo do acontecimento, em três fases: explora
acontecimento recente que necessita de mais explicações, os
acontecimentos em fase de eclosão e quando eles são mais
perenes.
Reportagem fria
Aborda acontecimentos previstos.
Reportagem de sequência
Oferece novas informações a acontecimentos já concretizados há algum tempo, como catástrofes, crimes.
Reportagem de revista
Aborda acontecimento ou tema já divulgado, porém, apresenta “novidade ao conteúdo”.
Reportagem intemporal
Refere-se à “atualidade nunca escaldante, mas muito perto,
sempre de boa temperatura”.
Reportagem relocalizada
Apresenta abordagem local para acontecimentos de caráter
nacional e internacional, relacionando-os.
Reportagem novelística
Trata-se de uma modalidade de jornalismo literário, que
mescla realidade e ficção, “muitas vezes caracterizado pela
simbiose de dois géneros diferenciados”.
Reportagem de fatos/fact-story
Apresenta texto objetivo, em formato pirâmide invertida.
Reportagem de ação/action-story
Trata-se de relato que começa com o fato mais atraente
chegando aos detalhes, envolvendo o leitor a partir de uma
narrativa que mostra cenas, “como num filme”.
Reportagem documental/quote-story
Relata acontecimentos apresentando “elementos de forma
objetiva, acompanhados de citações que complementam e
esclarecem o assunto tratado”
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir de texto de Liliana Mesquita Machado (2012, p.
6-7).
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A referida autora indica o “tema e o espaço em que surge a reportagem” como
critérios de classificação da reportagem. Porém, é possível observar que a temporalidade do acontecimento, o tipo de narrativa (descritiva, argumentativa,
interpretativa) e a angulação também aparecem como elementos diferenciais.
Observa-se que em certos tipos apresentados, como a reportagem de revista e
reportagem intemporal, as definições se aproximam; há a reportagem novelística, que segundo a autora possui uma “simbiose de gêneros” como característica, mesclando realidade e ficção −questão polêmica para o jornalismo, que
pauta a sua credibilidade na ideologia da objetividade e da imparcialidade do
jornalista. No que se refere ao tipo de composição textual, há menção à interpretação, opinião, descrição e à informação, características presentes na narrativa
da reportagem.
Além das classificações já apresentadas, Coimbra (1993) menciona três tipos
de reportagem considerando as características textuais.
Quadro 5. Classificação de Reportagem, segundo Coimbra
Classificação
Definição
Reportagem dissertativa
Apresenta raciocínio explicativo.
Reportagem narrativa
Relata fatos organizados em que há uma cronologia, um desenrolar que mostra mudanças de
coisas e pessoas.
Reportagem descritiva
Apresenta história com fatos cheios de detalhes,
vários adjetivos, os verbos ficam no presente.
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir do texto de Coimbra (1993).
Novamente a estrutura textual é utilizada como critério para distinguir
tipos de reportagem, sendo possível encontrar na narrativa composições textuais como explicação, narração e descrição. Isso mostra novamente a versatilidade da narrativa, consequentemente, da reportagem.
5. Uma proposta: narrativas híbridas?
A reportagem também flerta com outros gêneros, como a literatura, por exemplo. Isso já foi mencionado por Machado (2012), com a “reportagem novelística”,
mais uma das denominações de reportagens que utilizam métodos de captação e técnicas literárias, diferenciando-se da reportagem diária nos jornais.
Hibridismo defendido por alguns e negado por outros, a reportagem não só
flerta com a arte, mas com a ciência, ao usar a técnica da imersão, como a observação direta ou participante. Nas modalidades descritas no Quadro 6, logo a
seguir, observa-se que as relações do jornalismo com a literatura são enraizadas,
considerando que escritores exercem o jornalismo e vice-versa, no Brasil e no
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mundo. O uso das técnicas literárias para a elaboração da narrativa, incluindo
narração, descrição, diálogo, exposição, perspectivas narrativas do narrador e/
ou dos personagens/fontes, digressões, fluxo de consciência do personagem,
como diz Lima (2004), são possibilidades. Observa-se no caso da reportagem de
ideias a mesma preocupação em valorizar fontes e abordagens diferenciadas,
diferentemente do que ocorre no jornalismo mais convencional.
Quadro 6. Reportagens híbridas
Classificação
Definição
Reportagem-crônica
Aborda o cotidiano, utilizando técnicas literárias, dando
ênfase a personagens.
Reportagem-descritiva
Utiliza a descrição como elemento essencial na narrativa, como àquelas que relatam a Guerra de Canudos,
elaboradas por Euclides da Cunha e publicadas no jornal O Estado de S. Paulo, em 1902.
Romance-reportagem
Cosson (In Castro; Galeno, 2002, p. 71) classifica como
gênero híbrido, reúne “[...] nessa condição de gênero
a força política do jornalismo com a força poética da
literatura”.
Livro-reportagem
Projeta na narrativa liberdades, desde o tema, propósito, passando pela pauta, pela abordagem, pela captação, pelas fontes, texto e edição (Lima, 2014, online).
Reportagem-perfil
“Retrato detalhado de personagens famosos ou anônimos, individualizando a compreensão mais ampla possível do ser humano em destaque na matéria” (Lima,
2014, online).
Reportagem-conto
É texto enxuto, claro, com ênfase ao “sentido humano”,
às histórias de vida. A estrutura é a do conto. “Um meio
de introdução da ficção no real, colorindo os fatos,
revestindo-os de sutilezas psicológicas, quase sempre
proibidas no jornalismo (Sodré; Ferrari, 1986, p. 98-99)”.
Reportagem-etnográfica
Utiliza “técnicas de encenação de estilos de vida e
inverte as formas convencionais de cobertura da atualidade (Seibt, 2013, p. 104)”.
Reportagem de ideias
É formato criado por Foucault, oferecendo uma perspectiva do intelectual. Valoriza o fato e usa fontes não
convencionais. (Seibt, 2013, p. 104)
Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo, a partir de diversas fontes.
Entretanto, como aponta Yanes (2004), a reportagem em si é naturalmente
híbrida, desde o surgimento do jornalismo, pois uma narrativa jamais existe
sem a influência de outras narrativas. Segundo o autor, “não existe um purismo
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narrativo, pois a literatura é construída por traços históricos” (Yanes, 2004, p.
68, tradução nossa).
6. A hipernarrativa
Por fim, o advento da Internet viabilizou a reportagem guiada por dados, ou
Jornalismo Digital em Base de Dados (JDBD), como Barbosa e Torres (2013) denominam o jornalismo que utiliza os dados disponibilizados na web pelas organizações públicas, privadas e terceiro setor como base para produzir reportagens,
confrontando-os. O JDBD tem origem no “jornalismo de precisão”, criado por
Philip Meyer no final da década de 1960 e difundido no início da década de 1970,
nos EUA. De acordo com Barbosa e Torres (2013), surge um novo paradigma com
o Jornalismo Digital em Base de Dados. Com esse método de apuração, o jornalismo ganha algumas funcionalidades:
1) integrar os processos de apuração, composição, documentação e edição dos conteúdos; 2) orientar e apoiar o processo de apuração, coleta, e contextualização dos
conteúdos; 3) regular o sistema de categorização e qualificação das distintas fontes
jornalísticas, indicando a relevância delas; 4) habilitar o uso de metadados para
análise de informações e extração de conhecimento, por meio de técnicas estatísticas
ou métodos de visualização e exploração como o data mining. Também assegurando
a aplicação da técnica do tagging; e 5) garantir a flexibilidade combinatória e o
relacionamento entre os conteúdos. (Barbosa & Torres, 2013, p. 154)
Os autores afirmam que se trata de uma “hipernarrativa”, porque mescla
“narrativa tradicional” e narrativa da “nova mídia”, considerando uma base de
dados. De outro lado, o internauta também se torna um “’performador’ de ações
para levar a narrativa adiante. Pois, se ele não se movimenta, clicando nos links
e escolhendo o que lerá ou verá em seguida, a narrativa para” (Barbosa & Torres,
2013, p. 157).
Já a web reportagem pode ou não se apropriar do JDBD. Enquanto a reportagem guiada por dados (RGD) tem como base a estatística, as ciências da computação, a análise quantitativa, a web reportagem está diretamente vinculada
às particularidades do meio: interatividade, multimídia, hiperlinks, que também
são apropriadas nas RGD. Denominada também “reportagem multimídia”, “narrativa multimídia” ou “especial multimídia”. Longhi considera a web reportagem
como “Grande reportagem constituída por formatos de linguagem multimídia
convergentes, integrando gêneros como a entrevista, o documentário, a infografia, a opinião, a crítica, a pesquisa, dentre outros, num único pacote de informação, interativo e multilinear (2010, p. 159-160)”. A web reportagem também nos
leva à hipernarrativa, porque o internauta se torna “performador”, confirmando
a flexibilidade da narrativa da reportagem.
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O desenvolvimento do Jornalismo de Dados requer uma reconfiguração
de formação acadêmica, redações e a mistura de técnicas e procedimentos.
Segundo Renó e Renó:
A essa mistura de ‘jornalismos’ também estão envolvidos no jornalismo de dados o
grande volume de informação e visualização interativa. Por isso, o envolvimento
de um profissional de tecnologia se justifica à equipe de redação para desenvolver
tarefas como extração de dados, depuração, aplicativos de notícias, entre outras
atividades. (2015, p. 134, tradução nossa)
Sem dúvida, isso tem feito com que o espaço para as reportagens cresça
cada vez mais. Da mesma maneira, cresce a composição de redações e técnicas
interdisciplinares, onde o jornalista aprende a conviver profissionalmente com
outros perfis de conhecimento.
7. Reportagem transmídia
A linguagem transmídia é apropriada aos conceitos sobre reportagem apresentados neste texto. Trata-se de uma narrativa que reúne “conteúdos produzidos
por plataformas de linguagem distintas, porém relacionadas entre si, e que em
conjunto constroem um novo conteúdo com renovado significado cognitivo”
(Renó & Flores, 2012, p. 82, tradução nossa). Além disso, esses conteúdos devem
circular por meios sociais e, se possível, ser produzido por e para dispositivos
móveis. Dessa maneira, espaços como a blogosfera e redes sociais são ideais
para a produção e circulação de conteúdos multiplataforma.
Porém, a reportagem transmídia está em um momento de consolidação, o
que deixa os seus limites indefinidos e a acepção da mesma como transmídia
pouco usual. São encontradas reportagens de caráter transmidiático em conteúdos denominados como reportagem multimídia, docugame ou mesmo em conteúdos não definidos. Trata-se de reportagens que envolvem gamificação como
princípio narrativo, mas também uma diversidade de conteúdos em plataformas distintas, independentes e relacionados entre si. Um exemplo bem sucedido é a reportagem A Batalha de Belo Monte, produzido e publicado pela Folha
Online em 2013, que reúne conteúdos complementares, independentes entre si,
e em multiplataforma de linguagem.
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Imagem 1. Interface reportagem sobre Usina Belo Monte
Fonte: http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/
O conteúdo é composto por infográficos, vídeos, fotos em grande escala de
exibição, vídeos com textos informativos e imagens artísticas, o que amplia a
liberdade narrativa e hibridação descrita neste artigo.
Imagem 2. Texto, vídeo e videojogo oferecidos na página.
Fonte: http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/
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Imagem 3. Videojogo Folhacóptero.
Além disso, a reportagem mescla, como narrativa jornalística, o conceito de
videojogo com o aplicativo do Folhacóptero, que “sobrevoa” a usina num passeio
virtual e informativo. Dessa maneira, o leitor/usuário, definido por Levinson
como “new new user”, ou “produtor de conteúdo midiático que consome conteúdo midiático” (2012, p. 61), pode obter uma experiência cognitiva além da
leitura ou da recepção comunicacional tradicionalmente oferecida por outros
modelos de reportagem. Trata-se de uma proposta essencialmente inovadora,
além de ser uma maneira de transformar o jornalismo em uma experiência
lúdica sem que o mesmo se transforme no showrnalismo criticado por Arbex Jr.
(2005), onde a audiência contemporânea é, muitas vezes, alcançada a qualquer
custo, mesmo que em detrimento da qualidade da notícia.
8. Conclusões
A narratividade que organiza as experiências humanas em linguagem continua
sendo a responsável pela interação característica dos novos tempos e das novas
maneiras de produzir conteúdos. Nesse sentido, os estudos de linguagem no
contexto da comunicação firmam-se como indispensáveis para o entendimento
da complexidade dos relacionamentos no processo comunicativo e fundamentais para aquele que enfrenta o desafio da produção midiática pela narrativa.
Isso se potencializa com as possibilidades narrativas que surgiram a partir da
web 2.0 e do desenvolvimento de espaços digitalmente participativos.
No caso do jornalismo, especialmente a reportagem, verifica-se, na breve
revisão apresentada neste artigo, que esse formato ou espécie é considerado
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gênero informativo, relato, interpretativo e diversional, dependendo do pesquisador, além de possuir classificações diferentes, de acordo com o referencial
teórico adotado e dos critérios utilizados para observar padrões, que abrangem
diversos tópicos, sem que com isso se alcance um consenso. Um estudo da reportagem como gênero certamente deve considerar as condições de produção, a
perspectiva do jornalista em relação aos fatos e, a relação do jornalista com o
leitor. Isso pode ser observado a partir do exemplo apontado neste texto −a
reportagem sobre a Usina Belo Monte. No caso especificado, percebemos traços
intensificados de um conteúdo informativo, relato (já que em alguns momentos
os jornalistas envolvidos relatam informações sobre os dias vividos na região),
interpretativo e diversional (a partir do videojogo oferecido para os usuários).
Esse panorama diverso em relação à reportagem nos leva a refletir sobre a
riqueza da narrativa como organizadora das experiências humanas e do processo comunicativo na mídia. É impossível aprisioná-la em uma só estrutura
textual, em uma só temporalidade, em uma só perspectiva do autor, em um
só estilo, uma plataforma midiática, em significações demarcadas, em um só
método de apuração. Um dos caminhos para compreender uma tipologia da
reportagem seria pensar nas possibilidades da narrativa e como ela se apropria
de estratégias diferenciadas para constituir os gêneros jornalísticos −discursos
da mídia que produzem grande impacto na sociedade contemporânea.
Os resultados do trabalho apontam para a necessidade de capacitação dos
jornalistas contemporâneos e a preparação dos novos jornalistas a partir de
uma modificação/atualização dos projetos pedagógicos das universidades de
tal maneira que sejam reforçadas capacidades interdisciplinares que aliem
conhecimentos do fazer jornalismo com uma base sólida na produção de conteúdos digitais. Isso já ocorre em diversas universidades norte-americanas, como
Stanford e Columbia, onde o aluno de jornalismo sai preparado para realizar
projetos de programação para ambientes contemporâneos, especialmente em
tecnologia HTML5 e na elaboração de algoritmos para o levantamento de dados.
Dessa maneira, poderão atender a uma tendência comunicacional que poderá
ser, num curto espaço de tempo, uma sólida realidade: a narrativa transmídia.
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