Linguagem Oral: Gêneros e Variedades

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Linguagem Oral: Gêneros e Variedades
Curso: Língua Portuguesa
Disciplina: Linguagem Oral: Gêneros e Variedades
Professor-Autor: Anna Christina Bentes da Silva
Tema: Introdução
Tópico: Um início de conversa
Um início de conversa...
Alô, professor ou professora!
Bem-vindo(a) à Disciplina LP006 - Linguagem Oral:
Gêneros e Variedades!
Esta disciplina enfocará, da forma mais aplicada
possível, as características dos textos e dos
gêneros
orais,
em
contextos
e
comunidades
diversificados que usam diferentes variedades do
Português do Brasil.
Será dada atenção à natureza multissemiótica das práticas orais, às estratégias de
construção do texto falado, a uma proposta de continuum de gêneros orais, às
marcas da oralidade na escrita e às diferentes organizações da materialidade
textual nos interior de diferentes gêneros orais (Tema 1).
No campo aplicado ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, abordaremos a
importância de se trabalhar com os gêneros orais formais e públicos na Educação
Básica e detalharemos a abordagem de alguns deles, relevantes tanto nas práticas
escolares como na vida pública, tais como a exposição oral e o debate. (Tema 2).
Finalmente, enfocaremos os diferentes modos de fala do Brasil, do ponto de vista
dos "sotaques", das variedades regionais e sociais (Tema 3).
Esperamos que nossa disciplina possa lhe ser útil em sala de aula e que o estudo dos
temas lhe seja agradável.
Bons estudos!
Para ver o vídeo de introdução a esta disciplina, clique aqui.
Fonte da imagem: Foto cedida Prof Anna Christina Bentes da Silva
Tema 1. O trabalho com gêneros orais: pressupostos teóricos
Tópico 1 - O continuum oral-escrito
Ponto de Partida
Muitos professores de Língua Portuguesa
reconhecem a importância do trabalho
com a oralidade em sala de aula. No
entanto, a grande maioria tem muitas
dúvidas sobre como fazer este trabalho
sem
estabelecer
um
"conflito
de
interesses" entre práticas orais e práticas
escritas.
Em geral, quem reconhece esse "conflito
de interesses" possui uma visão de que
oralidade e escrita são desligadas e muito
diferentes entre si. Mas oralidade e
escrita, nas mais diversas práticas de
linguagem,
encontram-se
inextrincavelmente conectadas e dependem uma da outra para a realização de textos
e de discursos.
Nosso objetivo ao longo da disciplina será o de tentar construir, junto com você,
professor, com você, professora, um conhecimento básico sobre três pontos:
a) No Tema 1, vamos discutir alguns princípios teórico-metodológicos que devem
reger o trabalho com a oralidade na escola, com base nos documentos oficiais da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e com base nos PCNs;
b) No Tema 2, vamos discutir sobre as principais características e funções de alguns
gêneros orais importantes de serem trabalhados na escola, mais especificamente, a
exposição oral e o debate;
c) No Tema 3, vamos discutir sobre a importância de se trabalhar com alguns
aspectos das variedades linguísticas na escola, mais especificamente, com as
variedades regionais e com as variedades sociais
Fonte da imagem: Redefor
Mãos à obra
Para isso, vamos precisar de sua atenção em relação aos exemplos abaixo e também
em relação aos seguintes pressupostos: (i) o de que não há apenas uma linguagem
oral, mas várias; (ii) o de que não há apenas uma linguagem escrita, mas várias; (iii) o
de
que oralidade e escrita não são opostas entre si, mas se mesclam e se
complementam, nas mais diversas práticas de linguagem.
Agora, gostaríamos que você assistisse ao vídeo abaixo, prestando atenção nas
diferentes oralidades: no texto oral da apresentadora, no texto oral do entrevistador, no
texto oral do entrevistado. Essa matéria da TV Cultura com a qual vamos trabalhar
está centrada em uma entrevista com o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa,
que fala de sua obra, de seus temas e interesses.
Agora, veja a transcrição do trecho inicial da entrevista.
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Antes de começarmos a falar sobre os três textos produzidos pelos diferentes agentes
que participam do vídeo, precisamos falar sobre algumas características dos textos
orais.
Em geral, pode-se dizer que os textos orais são relativamente não planejáveis de
antemão. Isso acontece em função de apresentarem uma natureza altamente
interacional. Além disso, ao contrário dos textos escritos, para os quais o produtor tem
maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e
correções, a grande maioria da produção oral é caracterizada por ser planejada e
verbalizada simultaneamente, justamente porque essa produção emerge no próprio
momento da interação. Sendo assim, os textos orais apresentam descontinuidades
frequentes, que podem ser observadas no fluxo da fala (KOCH, 1997).
Mas isso não significa que a maioria de nossa produção oral pode ser considerada
como "errada" ou "feia". Ao contrário, a produção oral caracteriza-se exatamente por
ser assim mesmo, sem nenhum demérito nisso.
Na verdade, todas as estratégias de construção dos textos falados contribuem para a
sua existência: a hesitação (A hesitação é uma importante estratégia de
processamento do texto oral porque tem a função de ganhar maior tempo para o
planejamento e também de desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria
considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela
é uma estratégia fundamental para que o texto possa progredir e ir se construindo
enquanto é produzido. Ela se manifesta por meio de pausas, preenchidas ou não,
alongamentos de vogais, consoantes ou sílabas iniciais ou finais, repetição de
palavras de pequeno porte, truncamentos oracionais etc.), por exemplo, tem a função
cognitiva de ganhar tempo para o planejamento/verbalização do texto; a inserção (A
inserção se caracteriza pelo fato de o locutor suspender temporariamente o tópico em
andamento para introduzir trechos com o intuito de (i) introduzir explicações ou
justificativas, (ii) fazer alusão a um conhecimento prévio que pode ajudar na
compreensão do assunto em pauta, (iii) apresentar ilustrações ou exemplificações. A
inserção também pode ter a função interacional de despertar ou manter o interesse do
interlocutor por meio de comentários jocosos ou por meio de avaliações, ressalvas,
atenuações, dentre outras.) tem a função cognitiva de facilitar a compreensão dos
parceiros; a reformulação (A reformulação pode ser retórica, quando ocorre por meio
de paráfrases ou de repetições de trechos anteriormente verbalizados, ou pode ser
saneadora, quando ocorre por meio de correções ou reparos, mas também podem
ocorrer por meio de paráfrases ou repetições. Essas últimas, as reformulações
saneadoras, em geral ocorrem em função de alguma solicitação de esclarecimento por
parte do interlocutor (KOCH, 1997). tem a função de reforçar a argumentação, a
repetição, que como recurso coesivo, serve para a manutenção temática e como
recurso retórico, serve para "martelar" na mente do interlocutor uma dada informação
ou um dado argumento para persuadi-lo de sua tese (KOCH, 1997).
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 2
Analisemos agora, com um pouco mais de atenção, o texto oral da jornalista que
apresenta a matéria/entrevista:
Seu texto não é produzido nas mesmas condições em que produzimos nossos
textos orais cotidianos, que são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou
seja, que apresentam um processamento on line. Em outras palavras, o texto oral
da jornalista apresenta um grau diferenciado de planejamento já que sua fala
apresenta poucas pausas. A verbalização do texto previamente planejado
necessariamente passa por um processo de pré-formatação (que tanto pode ser
oral como escrita) para que ele, enfim, seja enunciado no contexto de gravação do
programa. É neste sentido que falamos que a oralidade ("Oralidade e escrita são
práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente
opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas
permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a
elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações
estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. As limitações e os alcances de
cada uma estão dados pelo potencial do meio básico de sua realização. Som de
um lado e grafia de outro..." (MARCUSCHI, 2001, p. 17)). é uma prática social que
está imbricada com a escrita ("A escrita (enquanto manifestação formal do
letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na
escola. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável."
(MARCUSCHI, 2001, p. 18)). O texto oral produzido pela jornalista é um exemplo
extremo disto. É um texto de natureza descritiva, já que se concentra em
apresentar/tematizar um determinado referente, no caso, o escritor moçambicano
Ungulani Ba Ka Khosa, representante da literatura moçambicana, que está no
Brasil para um encontro em São Paulo.
Apesar de se mostrar um texto bastante fluente, ele apresenta as estratégias
características da produção de textos orais: a jornalista faz algumas pausas e
apresenta uma certa entonação (Variação na altura da voz, durante a fala. Os
filmes de ficção científica apresentam robôs que falam numa altura invariável, sem
elevações ou quedas. O efeito esperado é o de uma fala não-humana, porque os
seres humanos saudáveis não falam nunca daquele jeito. Ao contrário, a altura de
nossa voz sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado, e o padrão
que resulta disso é o padrão entoacional de cada enunciado." (TRASK, 2004, p.
91)), que não está marcada na transcrição, mas que pode ser percebida quando
ela fala os enunciados que compõem o texto.
Uma outra característica do texto oral produzido pela jornalista é o fato de que ele
se encontra "emoldurado" por outras linguagens, tais como o olhar (direto, que
não se desvia da câmera) e a expressão facial da apresentadora. Essas outras
linguagens corporais são ainda "trabalhadas" por uma outra linguagem, que é a
do enquadramento da câmera que a filma.
Por isso, quando falamos de "oralidade", estamos falando de todo um conjunto de
informações para além dos conteúdos que se está querendo transmitir. A
apresentação que a jornalista faz da entrevista que vai ao ar mostra um tipo de
competência comunicativa: falar para o "grande público" sem titubear e passando
confiança sobre o que diz.
Além disso, por meio de sua fala e de sua performance, ficamos sabendo que a
jornalista é de um certo lugar do Brasil (São Paulo) e que trabalha em uma certa
emissora. Assim, quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa
identidade social e também sobre as nossas diversas competências em nos
comunicarmos com pessoas/ públicos diferentes em situações distintas.
Colocando os conhecimentos em jogo 3
Já o texto oral do entrevistador é
constituído
de
um
único
enunciado
estruturado como uma pergunta. Mas o
modo
como
essa
pergunta
(que
provavelmente consta de um roteiro de
perguntas
previamente
elaborado
e
provavelmente escrito por Allan da Rosa)
é enunciada traz marcas do meio
sonoro
por meio do qual é produzida. Uma marca importante são as pausas. Outra
que revela uma interação explícita e dialogal entre um "eu" e um "tu", entre o
entrevistador e o entrevistado. Uma outra marca é o uso do marcador conversacional
so
de produção do texto oral.
O texto oral do entrevistado é estruturado por meio de sequências descritivas, já que
coloca em foco a "preocupação literária" do escritor, a de inserir elementos da cultura
africana em suas obras.
Ungulani: do primeiro livro ... até este ... há sempre um elemento .... da cultura
africana .. que de certo modo a primeira república tentou obliterar ... ((corte de edição))
então a minha preocupação literária ... foi no sentido sempre de buscar esses
elementos ... trazer esses elementos digamos para ... para ... primeiro pra pra língua
portuguesa que é a língua veicular nossa que é a lingua oficial ...e... e segundo fazer
com que muitos elementos da nossa tradição ... provérbios ... os contos tradicionais
que .... não estão grafados porque num ... a nossa escrita .... a nossa língua ainda não
tem uma escrita e::: sedimentada ... é este .... é neste campo onde eu me ( ) de certo
modo
Ele é um texto muito diferente do texto da jornalista que apresenta a matéria, já que
apresenta vários tipos de hesitações (A hesitação é, como vimos, uma estratégia de
processamento do texto oral que tem, dentre outras, a função de desacelerar o ritmo
da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos
sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia importante para que o texto possa
progredir e ir se construindo enquanto é produzido.), que se manifestam por meio de
pausas não preenchidas, alongamento de vogal, repetições de palavras e de
sintagmas etc. Sendo assim, o texto do escritor é um bom exemplo de um texto "que
se faz em se fazendo".
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11
Colocando os conhecimentos em jogo 4
No entanto, o texto oral do entrevistado, o escritor Ungulani Ba Ka Khosa, compartilha
algumas características com os outros textos orais produzidos pelos dois outros atores
sociais que participam com ele dessa interação: o texto oral do escritor também é
"emoldurado" por outras linguagens (gestos, expressão facial, e postura corporal).
Essas outras linguagens corporais que "emolduram" a fala do entrevistado também
são "trabalhadas" pelos diferentes enquadramentos da câmera que o filma. Em outras
palavras, a oralidade não se reduz à fala: ela é instrinsecamente multissemiótica.
Por fim, o texto oral do entrevistado também revela sua identidade social, já que, ao
falar, ele revela de onde é (de um dos países africanos que foram antigas colônias
portuguesas) e o que faz (é escritor).
Essa breve apresentação dos textos orais que constituem o gênero entrevista
televisiva mostra dois tipos de práticas orais que se diferenciam pelos graus de
planejamento e de pré-formatação a que estão submetidas, mas que compartilham
outras estratégias de produção de textos orais.
Neste sentido, corroboramos a
afirmação de Marcuschi (2001, p. 42): "fala e escrita apresentam um continuum de
variações". Em outras palavras, não se pode conceber que oralidade e escrita sejam
blocos monolíticos. Cada uma delas vai se mostrar altamente variável, tanto em
relação aos gêneros mais ou menos tipicos de cada modalidade, como em relação aos
processos/estratégias de produção e de formatação mobilizados.
É exatamente porque não se concebe que oralidade e escrita sejam opostas que
Marcuschi (2001) propõe a noção de continuum oral-escrito que organiza os gêneros
de acordo com o modo de produção (se falado ou escrito) e de acordo com critérios
outros tais como a distinção entre certos aspectos tipológicos (textos instrucionais,
exposições acadêmicas) e discursivos (comunicação pública & privada, diferentes
gêneros textuais).
Clique aqui para ver o diagrama do continuum oral-escrito proposto por Marcuschi
(2001).
Colocando os conhecimentos em jogo 5
Voltando à nossa entrevista, vamos
localizá-la no continuum proposto por
Marcuschi, no segundo campo mais
próximo
da
fala,
sendo
também
considerada uma comunicação pública.
É importante perceber que Marcuschi se
refere
ao
gênero
entrevista
como
pertencendo a uma "constelação", o que
reforça a sua postulação de que há vários formatos para esse gênero, que é um dos
gêneros orais formais públicos (Os gêneros orais formais públicos são aqueles que
são produzidos em situações e/ou contextos razoavelmente formais em que os
interlocutores desempenham papéis previamente definidos. Por exemplo, na situação
de debate, temos o público/platéia & convidados & moderador de debate; na
entrevista, temos entrevistador & entrevistado & público/leitor); além disso, os gêneros
orais formais públicos apresentam uma natureza altamente pré-formatada ou préplanejada e sua textualidade apresenta marcas desse planejamento prévio.) que
devem ser destacados numa proposta de ensino do oral em sala de aula de língua
materna. A entrevista televisiva, no continuum oral-escrito proposto por Marcuschi,
encontra-se correlacionada a outros tipos de entrevista (de rádio, pessoal) e também a
gêneros outros, tais como inquéritos, debates e discussões no rádio e na TV.
O que aproxima e o que distancia a entrevista de outros gêneros nesse continuum?
Para Marcuschi, os gêneros, sendo um exemplo a entrevista, são mais bem
compreendidos se forem observados no interior de um continuum oral-escrito porque,
por exemplo:
a) as semelhanças e diferenças entre diversos tipos de entrevista e entre as
entrevistas e outros gêneros não se dão de forma estanque ou dicotômica. São
semelhanças e diferenças contínuas e graduais;
b) as entrevistas, assim como muitos outros gêneros, apresentam-se em contrapartes
(oral, escrita ou híbrida); em outras palavras, há entrevistas, como a que vimos neste
tópico, que são orais; há entrevistas que são produzidas oralmente e depois
transcritas e publicadas (como a de Arnaldo Antunes, discutida na disciplina LP003) e
há entrevistas que são produzidas por escrito e divulgadas por escrito (é o caso de
quando o jornalista manda perguntas escritas para o seu entrevistado e este responde
também por escrito);
c) as entrevistas, assim como todos os gêneros, apresentam uma natureza
multissemiótica, ou seja, resultam do uso de várias linguagens ou semioses
simultaneamente;
d) as entrevistas, orais ou escritas, são ordenadas em sua formulação e encontram-se
submetidas a normas llnguistícas muito próximas entre si. Para Marcuschi (2001, p.
45), "não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda a
produção falada ou escrita, caracterizando as duas modalidades, pois as
características de cada uma delas não são nem categóricas nem exclusivas".
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11
Finalizando
Para finalizar, é importante que tenhamos em mente as seguintes distinções de
Marcuschi (2001, pp. 25-26):
a) "a oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se
apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela
vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de
uso (...)".
b) "o letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas de escrita (nas suas
variadas formas) na sociedade e pode ir desde a apropriação mínima da escrita, como
o indivíduo que é analfabeto, mas letrado, na medida em que identifica o valor do
dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe
distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornal
regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do indivíduo que
desenvolve tratados de Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o
indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas
aquele que faz uso formal da escrita."
c) "a fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na
modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma
tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo
uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem
como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos expressivos
de outra ordem, tais como a gestualidade, os movimentos do corpo, a mímica."
d) "a escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos
com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica,
embora envolva recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos
letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades
alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades
iconográficas, sendo que, no geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-se de
uma modalidade de uso da língua complementar à fala".
Assim, pode-se dizer que a principal distinção entre fala e escrita é o fato de que cada
uma é um modo de representarmos a língua, ou seja, são os aspectos sonoro e
gráfico que contam de modo essencial nesse caso.
Atividade autocorrigível 1
Marque a alternativa incorreta:
a) Textos falados apresentam distintos graus de planejamento. Portanto, não podemos
dizer que todo texto produzido por meio sonoro é processado on line.
b) A entrevista televisiva é um gênero oral que pode ser concretizado por meio de
vários textos;
c) Fala e escrita são dois modos distintos de se representar a língua;
d) As hesitações, as reformulações e as inserções presentes no curso da produção de
gêneros orais são recursos que devem ser corrigidos e substituídos por outros.
e) A proposta de considerar os gêneros textuais em um continuum oral-escrito é uma
maneira de passarmos a ver as relações oral-escrito de outra forma, considerando que
uma é complementar à outra e que ambas encontram-se sempre imbricadas nas
práticas de linguagem da maioria das sociedades.
Respostas
a) Correta
b)!Correta
c)!Correta
d)!Incorreta porque a hesitação, a reformulação e a inserção são estratégias de
produção do texto oral e vão ser mais ou menos presentes a depender do grau
de planejamento do texto e da situação comunicativa na qual ele é produzido.
Como são constitutivos da fala, devemos compreender quando ocorrem e não
corrigi-los simplesmente. A proposta é de levar o aluno a dominar os diferentes
modos de se produzir um texto oral, considerando principalmente os objetivos,
o público e a situação comunicativa.
e)!Correta
Tópico 2
Atividades de retextualização
Ponto de partida
Falamos de forma bem geral, no Tópico 1,
sobre o continuum oral-escrito. Para isso,
analisamos
brevemente
alguns
textos
orais. Nossa observação mais detalhada
desses textos permitiu que pudéssemos ter
uma visão não dicotômica das relações
oral-escrito e uma visão mais detalhada sobre a natureza do texto oral.
O que significa ter "uma visão não dicotômica das relações oral-escrito"?
Significa compreender que os textos e gêneros produzidos na modalidade oral
vão resultar de um conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção. Essas
estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a inserção)
também podem estar presentes na escrita, mas de outra forma. Essas
estratégias não são "defeitos" ou "erros", mas ações que caracterizam a fala e a
oralidade.
Significa dizer que nós não podemos olhar a oralidade de forma a enxergar
nela apenas "incompletude", "incorreção" e "imperfeição" e na escrita apenas
"completude, "corretude" e "maior perfeição".
Significa olhar a oralidade não como se ela ela estivesse em oposição à
escrita, mas ambas como modalidades linguísticas complementares uma à
outra.
Significa olhar a oralidade (e os gêneros e textos orais produzidos nesse
campo) como tão importante quanto a escrita e, ainda mais, como não
necessariamente subordinada a ela.
Significa construir caminhos que nos levem a eleger alguns gêneros orais
formais públicos, tais como a exposição oral, o debate e a entrevista, como
legítimos objetos de ensino-aprendizagem e que são muito importantes, na
escola e fora dela.
Fonte da imagem: Redefor
Mãos à obra
Como vimos, oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente
em função do meio em que são produzidas - sonoro ou gráfico, respectivamente. Os
textos e gêneros produzidos pelos meios característicos de cada uma delas serão
semelhantes e diferentes em função de muitos fatores, como é possível ver neste
outro quadro
elaborado por Marcuschi (2001) sobre a distribuição dos diversos
gêneros em um continuum oral-escrito.
Como podemos ver no quadro de Marcuschi, o autor prioriza pelo menos dois fatores
para que possamos pensar sobre as relações de continuidade entre as modalidades
oral e escrita da língua nos textos e gêneros: o meio sonoro ou gráfico em que o
texto oral ou escrito se materializa e a modalidade oral ou escrita em que se deu sua
concepção original. Segundo o autor, isso é que faz a diferença, por exemplo, entre
dois gêneros orais que se materializam em meio sonoro como a conversa e a notícia
televisiva: uma é concebida ou produzida já inicialmente na modalidade oral (a
conversa cotidiana) e a outra - a notícia televisiva - passou antes por vários gêneros
escritos e textualizações (a pauta, a notícia redigida, a transcrição no teleprompter).
Coisa similar acontece com os gêneros escritos entrevista impressa, que foi antes
realizada oralmente com o entrevistado, e artigo científico, cuja base, produção e
circulação é, desde sempre, escrita. Esses são os gêneros que o autor considera
prototípicos das modalidades oral e escrita nos dois extremos do continuum, pois
neles as relações entre as modalidades se dão de maneira bastante nítida. Além
deles, ao longo do continuum, há uma profusão de gêneros que apresentam a mais
variada relação entre oralidade e escrita.
Por isso, é importante que agora observemos como ocorre o que Marcuschi (2001)
denomina "atividades de retextualização".
É importante estudar as atividades de retextualização porque fazemos isto todos os
dias e a todo o momento. Por exemplo, toda a vez que simplesmente repetimos ou
relatamos o que alguém disse, até mesmo quando tentamos reproduzir fielmente a
fala de outrem, estamos retextualizando, transformando, modificando e recriando uma
fala em outra. Também é importante compreender as retextualizações, porque todos
nós (alunos e professores) devemos desenvolver um tipo de conhecimento mais
reflexivo sobre as diferenças e semelhanças entre o oral e o escrito e sobre os
procedimentos de retextualização, de forma a melhor dominar os gêneros mais
característicos de uma ou de outra modalidade da língua.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
No entanto, antes de começarmos a analisar as operações que estão na base das
retextualizações que fazemos, é importante falar da atividade de transcrição. Tanto
neste tópico, como no tópico anterior, estamos lidando com transcrições. E o que é
transcrever?
Para Marcuschi (2001), a transcrição é uma passagem de um código para outro.
Quando transcrevermos, passamos as palavras pronunciadas para uma
formatação escrita, num sistema gráfico que segue, na maioria dos casos,
a grafia padrão. [...] A transcrição representa uma passagem, uma
transcodificação (do sonoro para o grafemático), que já é uma primeira
transformação, mas não é ainda uma retextualização. (MARCUSCHI,
2001, p. 51)
Transcrição é, por exemplo, o que fizemos com trechos da entrevista com o escritor
moçambicano, trabalhada no Tópico anterior. Quando transcrevemos, fazemos uma
espécie de "neutralização" do texto oral produzido, porque nunca vamos poder
reproduzir todos os aspectos extralinguísticos (Como os gestos, a postura corporal, as
vestimentas, as expressões faciais e as entonações ou a prosódia.) que envolvem a
produção personalizada de um texto oral.
Por isso dissemos anteriormente que, quando falamos, damos outras informações
para além dos conteúdos transmitidos. Deixamos transparecer a nossa identidade
social, que não pode ser neutralizada, mesmo quando gravada. Nossa identidade
social marca as nossas produções textuais orais. Vejamos alguns vídeos em que você
pode observar a identidade social de quem fala, sua performance oral (o que envolve
a possibilidade de se observar, ao mesmo tempo, texto, expressões faciais e da
gestualidade).
Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, (2) http://www.youtube.com/watch?v=EQ_TP2hK6iI, acesso
em 26/02/2011
Colocando os conhecimentos em jogo 2
De forma a passar um texto oral para a
escrita em um processo de retextualização,
algumas atividades que vão além da mera
transcrição são necessárias. Vejamos os
textos abaixo, retirados de Marcuschi (2001, p. 78):
TEXTO: eh... eu vou falar sobre a minha família... sobre os meus pais ... o que eu
acho deles ... como eles me tratam... bem ... eu tenho uma família ... pequena ... ela é
composta pelo meu pai ... pela minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão
pequeno de ...dez anos ... eh o meu irmão não influencia em nada ... a minha mãe é
uma pessoa superlegal ... sabe? (Narrativa oral de uma jovem de 17 anos;
MARCUSCHI, 2001, p. 78)
RETEXTUALIZAÇÃO 1- DA FALA PARA A ESCRITA:
Bem, eu tenho uma família pequena - meu pai, minha mãe e meu irmão. Tenho um
irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é uma pessoa
super legal. (Retextualização escrita feita por um aluno de Letras do 4o.período da
UFPE a partir da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78)
RETEXTUALIZAÇÃO 2 - DA FALA PARA A ESCRITA:
Bem, eu vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como
eles me tratam. A minha família é pequena, composta pelo meu pai, minha mãe e um
irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é superlegal.
(Retextualização escrita feita por uma aluna de Letras do 4o. período da UFPE a partir
da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78)
Há, em primeiro lugar, as atividades de idealização do texto falado, que envolvem
fundamentalmente a eliminação e/ou regularização de certos fenômenos, a partir da
ótica da escrita. No exemplo em questão, sobre a narrativa oral da jovem de 17 anos,
foram operadas eliminações de quase todas as marcas estritamente interacionais, no
caso, hesitações (dois "eh", pausas não preenchidas) e um marcador conversacional
("sabe?").
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 3
No entanto, ambos os sujeitos responsáveis por cada uma das retextualizações
mantiveram o marcador conversacional "Bem" no início do texto: "Bem, eu tenho uma
família pequena - meu pai, minha mãe e meu irmão" (Retextualização 1); "Bem, eu
vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como eles me
tratam" (Retextualização 2). Isso mostra que a escrita pode trazer uma série de
elementos da oralidade, sem que isso seja visto como um problema em determinadas
situações e contextos de produção escrita.
Um segundo tipo de atividade necessária na passagem da fala para a escrita são as
atividades de transformação operadas sobre o texto oral. Na primeira retextualização,
observamos que o aluno de Letras decide eliminar todo um trecho introdutório em que
a jovem diz o que vai fazer ("vou falar sobre a minha família..."). Apesar de manter o
marcador conversacional "bem" iniciando o seu texto, ele elimina todo o resto e já
começa o texto com a tematização direta da família ("eu tenho uma família pequena")
e não com a tematização do próprio dizer ("vou falar sobre minha família").
Na segunda retextualização, observamos que a aluna mantém os conteúdos, mas
introduz a paragrafação e uma reordenação: no texto oral ocorria a coordenação de
enunciados ("eu tenho uma família..pequena... ela é composta pelo meu pai... pela
minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão pequeno de ... dez anos") e no
texto escrito alguns enunciados/sintagmas ("eu tenho um irmão"; "o meu irmão") são
eliminados e, concomitantemente, constrói-se uma expressão referencial complexa
("um irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada").
É importante ter uma idéia sobre que tipos de atividades são necessárias para a
passagem do oral para o escrito, porque tanto as atividades de idealização como as
atividades de transformação do texto falado que constituem a retextualização
propriamente dita, apesar de revelarem ajustes e, muitas vezes, reordenações mais
amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do texto-base. No entanto,
sabemos que as modificações operadas transformam um texto em outro texto. No
caso em questão, segundo Marcuschi (2001), parece que o que se pretendeu foi
tornar o texto mais "disciplinado", com uma aparência mínima de escrita e sem
maiores ligações com o seu contexto oral de produção. Também é importante se ter
uma idéia mais clara sobre a retextualização porque ter consciência das atividades
envolvidas nesse processo é de muita utilidade quando se quer, por exemplo, passar
de uma modalidade a outra, como na passagem para a escrita de uma entrevista oral
(exemplo explorado por Marcuschi), ou como nas anotações de aula que os alunos
fazem.
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Na direção contrária (da escrita para a fala), na
exposição oral ou no comentário radiofônico, por
exemplo, temos que ler, compreender o que
lemos e ainda verbalizar este conhecimento
oralmente. Para isso, vamos precisar tomar
decisões
sobre
os
cortes
que
iremos
empreender no material falado ou escrito e as
reordenações que teremos que fazer. Sendo
assim, as atividades de idealização e de
transformação vão estar presentes na retextualização da escrita para a fala também.
É o que vamos começar a ver a seguir. Vamos ler abaixo dois trechos de um texto de
um mesmo autor, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor.
Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'. Não
queria. Ver filme de viados, eu? (Escrevo viado porque, como disse Millôr, quem
escreve 'veado' é viado). Muito bem, eu resistia à idéia mais ou menos como o Larry
David (o roteirista de 'Seinfeld') disse num artigo engraçadíssimo, que tinha medo de
virar gay se ficasse emocionado". (Arnaldo Jabor. "Brokeback Mountain é um filme
sobre heróis machos", texto publicado em 07/03/2006, no Jornal O Globo. Leia o texto
completo clicando aqui. Role a página um pouco para chegar à reprodução da
crônica.).
Texto falado: "Amigos ouvintes...eu não queria ver esse filme que tá passando aí ... O
Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficam amantes um do
outro... eu não queria ... ver filme de viado... eu? aliás ... a palavra correta é viado
porque gay é palavra americana... (Comentário de Arnaldo Jabor sobre o filme "O
Segredo de Brokeback Mountain", falado em 06/03/2006, na Rádio CBN. Ouça o
comentário completo, clicando aqui).
O trabalho de Leite (2006), que discute justamente o tema da oralidade em diferentes
discursos, analisando integralmente os dois textos produzidos por Arnaldo Jabor - o
escrito, publicado em 07/03/2006, e o oral, performado em 06/03/2006 - tem como
hipótese que o texto original é o escrito, a partir do qual, Jabor faz adaptações para
poder apresentá-lo oralmente.
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 5
A autora apresenta a seguinte pergunta: Será que a mudança de meio de
comunicação (de jornal impresso para o rádio) e de modalidade (do escrito para o oral)
transforma a mensagem, ou seria apenas uma mensagem em duas mídias diferentes?
Ela conclui que os textos são dois textos diferentes entre si, porque apresentam uma
orientação argumentativa bastante diversa.
Para a autora, uma das razões para que os dois textos sejam considerados dois
exemplares diferentes de um mesmo gênero (crônica ou comentário) é o tempo. No
rádio, o tempo é o fator limitador. No jornal impresso, o espaço é o fator limitador. O
texto oral de Jabor tem 696 palavras e o texto escrito apresenta 1001 palavras. Para a
autora, há uma maior exigência de "factualidade" no texto oral transmitido pelo rádio e,
por isso, acontecem os cortes efetuados e a inserção de trechos novos. (LEITE, 2006,
p. 101)
Pelo que já foi possível observar no primeiro parágrafo de ambos os textos, ocorrem
modificações de natureza muito profunda. A nosso ver, o texto escrito serve como uma
espécie de guia para a elaboração do texto oral. E é exatamente porque o texto escrito
é apenas este "guia", ou seja, é exatamente porque é importante manter algumas
informações, mas não todas, que os textos são tão diferentes. Para nós, é importante
perceber que as atividades de transformação do texto escrito mantém a informação de
que o jornalista não queria ver o filme. Mas são duas as formas de informar essa
posição (eu não queria ver o filme "O Segredo de Brokeback Mountain") de Arnaldo
Jabor aos leitores:
Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'. Não
queria. Ver filme de viado, eu?"
Texto falado: "Amigos ouvintes ... eu não queria ver esse filme que tá passando aí.. o
Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficaram amantes um do
outro ... eu não queria... ver filme de viado... eu? "
Fundamentalmente, o que acontece é que no texto escrito, o referente é enunciado
assim:
"o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'".
Já no texto oral, ocorre uma uma expansão do referente do texto escrito:
"esse filme que tá passando aí O Segredo de Brokeback Mountain sobre
dois cowboys que ficaram amantes um do outro"
Colocando os conhecimentos em jogo 6
Por que esta expansão acontece? Arnaldo Jabor antecipa informações sobre o
referente (é um filme que está em cartaz) e também já dá uma orientação
argumentativa (A orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado
pode ser percebida pelo modo como os recursos linguísticos (por exemplo,
encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos (
!
'
)
$
%
(
*
+
#
,
+
!
)
-
.
/
!
"
#
$
%
&
'
$
%
-, seleção lexical - cowboys & homens, viado & gay etc.) são
mobilizados, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao
que é dito em detrimento de outra.) para a interpretação do referente (um filme sobre
sobre dois cowboys que ficam amantes um do outro), por meio da escolha
principalmente do item lexical sublinhado a seguir, "ver filme de viado... eu?", que vem
depois da introdução exapandida do referente. Essa orientação argumentativa está
presente no texto escrito apenas pela enunciação da pergunta "Ver filme de viado,
eu?" No texto oral, a pergunta permanece, mas antes dela já vem a
apreciação/avaliação de Arnaldo Jabor sobre o tema: "dois cowboys que ficam
amantes um do outro". Assim, podemos dizer que, no momento da oralização do texto
escrito, houve uma reformulação do modo como Arnaldo Jabor introduz o referente
textual, ou seja, houve uma modificação no modo de apresentação do objeto sobre o
qual ele vai falar.
Além disso, a expansão do referente justifica-se pela pressuposição de Arnaldo Jabor
de que seus ouvintes poderiam não compartilhar o mesmo conhecimento de mundo: o
de que estava em cartaz um filme sobre o romance entre dois homens. Mais
especificamente, uma história de amor entre dois cowboys. Esse trecho serve para se
ter uma ideia da diferença fundamental entre os dois textos: o escrito, apresenta uma
argumentação ambígua, ao mesmo tempo favorável e contrária à homossexualidade;
o oral, tendo sido submetido a uma série de cortes de alguns argumentos, também
apresenta uma argumentação ambígua, mas menos enfática nessa ambiguidade. Daí
a razão de defendermos que os textos apresentam diferenças sutis, constituindo-se
em dois textos diferentes, apesar de um (o escrito) guiar a produção do outro (o oral) e
apesar de manterem as principais informações nas duas versões.
Veja este outro trecho da crônica impressa: "O viado sempre encarnou a ambiguidade
de nossos sentimentos. Claro que, hoje, os civilizados todos dizem que 'tudo bem',
que são contra a homofobia e todo o bullshit costumeiro."
e compare com o trecho correspondente do comentário radiofônico: "O viado sempre
encarnou a ambiguidade dos nossos sentimentos sexuais... é claro que, hoje, os
civilizados todos dizem que 'tudo bem, somos contra a homofobia... somos a favor da
liberdade dos homossexuais'... tudo muito politicamente correto".
Reflita: Em sua opinião, qual dos dois trechos deixa mais clara a orientação avaliativa
de Jabor sobre a questão da homossexualidade? Por meio de que recursos?
Finalizando
Ao longo deste Tópico vimos que:
a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo
de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo
meio gráfico;
b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são
complementares entre si;
c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais
cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um
processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores,
por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de
planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-formatação
que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita;
d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um
conjunto de estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a
inserção) que viabilizam a sua produção;
e) as atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala)
estão presentes em nosso cotidiano; no entanto, dependendo dos gêneros a serem
produzidos, essas atividades demandam um maior grau de consciência em relação às
operações que estão na sua base;
g) as atividades de retextualização pressupõem duas outras operações: a idealização
e a transformação. Essas operações/atividades, apesar de revelarem ajustes e, muitas
vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do
texto-base; no entanto, os sentidos dos textos vão sempre, em alguma medida, ser
modificados na passagem de um texto a outro texto.
h) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e
também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com
pessoas/públicos diferentes em situações distintas.
Atividade autocorrigível 2
Atribua falso ou verdadeiro para as alternativas abaixo e, em seguida, pouse o cursor
sobre o marcador da alternativa (letra), para conferir sua resposta:
a) Oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo
de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo
meio gráfico.
b) Oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são
complementares entre si.
c) Os textos orais cotidianos que produzimos não são planejados e verbalizados ao
mesmo tempo; são sim pré-formatados, assim como os textos orais produzidos por
certos profissionais como jornalistas, atores, "experts", políticos etc.
d) As atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala) não
estão presentes em nosso cotidiano e somente podem ser realizadas em situações
especiais.
e) A escrita não pode ser trabalhada para incorporar marcas da oralidade.
f) Os materiais impressos pensados para serem lidos podem apresentar índices de
oralidade em função dos propósitos comunicativos a que estão submetidos.
Repostas:
a) Verdadeiro
b) Verdadeiro
c) Falso
d) Falso
e) Falso
f) Verdadeiro
Tópico 3 - A presença da oralidade na escrita
Ponto de partida
Como vimos nos tópicos anteriores, oralidade e escrita são práticas de linguagem que
ocorrem em um contínuo, uma interpenetrando a outra. Sendo assim, não precisamos
ter a visão dicotômica de que essas duas práticas são completamente diferentes entre
si. Neste Tópico 3, vamos ver que toda
escrita apresenta o que Paul Zumthor,
historiador
e
filósofo,
estudioso
das
relações entre oralidade e escrita, denomina
"índice de voz". Ou seja, para este autor,
toda a escrita encontra-se "marcada" pela
oralidade. É uma visão que está em
consonância com a concepção linguistica de
que fala e escrita estão conjugadas nas práticas de oralidade e de letramento.!"Todos
já conhecemos as explicações sobre como o discurso direto, por exemplo, é um modo
de representar a fala dentro da escrita. Ou mesmo aquelas explicações sobre como a
pontuação não se reduz a uma forma de marcar pausas, que são estratégias de
produção do texto oral, como pudemos analisar no Tópico 1.)
Nosso interesse aqui, com base no estudo de Hilgert (2009), é mostrar alguns outros
recursos menos evidentes que mostram como gêneros/textos classicamente
concebidos no meio gráfico não escapam da influência da oralidade em função de
vários motivos. Pedimos, então, que você leia o trecho abaixo, retirado da revista
Ciência Hoje para Crianças 59 e reflita sobre quais são os principais recursos que
indicam a presença da oralidade nesse texto:
Como tudo começou
Conheça a teoria do Big Bang, que explica a origem dos planetas, do Sol e
das estrelas!
Você já deve ter olhado para o céu e perguntado: de onde vem os planetas, o
Sol e as estrelas? Ou olhado para a Terra e perguntado de onde vieram as
rochas, os animais, as plantas e os seres humanos. Para os cientistas, tudo o
que existe no universo veio de uma bolha que, há cerca de 10 ou 20 bilhoes
de anos, surgiu em um tipo de "sopa" quentíssima e começou a crescer,
dando origem a toda matéria que conhecemos. (Trecho retirado de HILGERT,
2009, p. 226).
Fonte da imagem: http://carlacoelhor.wordpress.com/2010/03/09/comunicacao-oral-e-escrita/, acesso em 20/02/2012.
Mãos à obra
Se observarmos com cuidado, o primeiro parágrafo do texto da revista começa com
um enunciado que se dirige diretamente ao leitor por meio do uso do pronome de
segunda pessoa do discurso, o "você". Esse recurso
marca o texto jornalístico, já que dirigir-se diretamente
ao interlocutor na modalidade escrita constrói um efeito
de proximidade entre o produtor do texto e o leitor, como
se o primeiro estivesse "falando" com o segundo. Em
outras palavras, mesmo no texto concebido no meio
gráfico temos a sensação de que estamos interagindo
com o produtor do texto como o fazemos na interação
face-a-face. O recurso de se dirigir ao leitor por meio do
uso de vocativos, de verbos conjugados na segunda
pessoa e de sequências textuais injuntivas (que fornecem instruções) é muito utilizado
por escritores literários. Machado de Assis é o mais famoso usuário desse recurso.
Muitas vezes, ao longo de seus textos, o escritor dirige-se ao leitor, juntando-se a ele
e/ou interpelando-o a tomar determinada atitude:
"Deixemos Rubião na sala de Botafogo, batendo com as borlas do chambre
nos joelhos, e cuidando na bela Sofia. Vem comigo, leitor; vamos vê-lo,
meses
antes,
à
cabeceira
do
Quincas
Borba."
(Fonte:
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm07.pdf, p. 3)
"D. Sancha, peço-lhe que não leia este livro; ou, se o houver lido até aqui,
abandone o resto. Basta fechá-lo; melhor será queimá-lo, para lhe não dar
tentação e abri-lo outra vez. Se apesar do aviso, quiser ir até o fim, a culpa é
sua;
não
respondo
pelo
mal
que
receber."
(Fonte:
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm08.pdf, p.115)
"Cuidado, caro leitor, vamos entrar na alcova de uma donzela. A esta
notícia o leitor estremece e hesita.(...) Descanse, leitor, não verá neste
episódio fantástico nada do que se não pode ver à luz pública. (....)
Tranqüilize-se, dê-me o seu braço, e atravessemos, pé ante pé, a soleira
da
alcova
da
donzela
Cecília."
(Fonte:
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn012.pdf, p. 1)
Fonte da imagem: http://meninanosotao.wordpress.com/2011/09/29/machado-de-assis/, acesso em 20/02/2012.
Colocando o conhecimento em jogo 1
Um outro recurso presente no texto da Revista
Ciência Hoje para Crianças é o uso de uma
expressão que estabelece uma explicação mais
acessível às crianças sobre o ambiente em que
surgiu o sistema solar:
surgiu em um tipo de
"sopa" quentíssima. O uso do termo "sopa" marcado por aspas - constrói um efeito de
informalidade para o texto, já que a expressão não
é um termo técnico. A palavra "sopa" funciona, então, como um índice de incorporação
da linguagem coloquial /informal característica das práticas orais; o seu uso está
intrinsecamente relacionado à própria função do texto, que é a de divulgar um
conhecimento produzido no interior uma comunidade interna específica (cientistas)
para uma comunidade externa ampla (no caso, crianças). Vejamos como o recurso a
palavras não técnicas (quase sempre marcadas por aspas) acontece em um outro
texto da mesma revista:
"Durante algumas horas, a Lua passará pela enorme sombra que a terra faz no
espaço. Se estivéssemos na Lua, veríamos a Terra "tapando" o Sol durante o
Eclipse."
Outros índices da oralidade presentes no texto de divulgação científica publicado pela
Revista Ciência Hoje para Crianças são: o uso de expressões típicas da oralidade
("pronto!";), de frases interrogativas (perguntas retóricas) e de frases exclamativas.
Esses recursos são de fato estruturadores do texto excrito para crianças, o que acaba
por conferir a ele um estilo muito peculiar, marcado pela coloquialidade e pela
iteratividade:
"Quando uma pessoa está dirigindo um carro e quer indicar que vai entrar à
direita, ela liga o pisca-pisca para a direita e pronto! Quem está na rua,
pedestre ou automóvel, sabe o que significa aquele sinal." (Trecho retirado de
HILGERT, 2009, p. 227)
"Você já reparou naquele bichinho que vive piscando à noite? Você sabe
porque os vaga-lumes piscam?" (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 226)
" O eclipse será visível aqui no Brasil a partir das 17:50. Escolha um lugar em
que seja possível ver o horizonte e curta o espetáculo!" (Trecho retirado de
HILGERT, 2009, p. 227-8)
Fonte da imagem: Fonte: http://zelmar.blogspot.com/2009/11/repensando-o-big-bang.html, acesso em 20/02/2012.
Colocando o conhecimento em jogo 2
Com base no estudo de Silva (2009), faremos algumas observações sobre como o
trabalho com a oralidade em textos escritos literários é um trabalho que vai muito
além do uso de travessões e de aspas. Vejamos o exemplo abaixo:
"À noite, Zeca se sentou na mesa da cozinha e refez as contas. Gás, oitenta e
sete e oitenta. Telefone, cinquenta e quatro. Luz, cento e setenta e cinco. Mais
isto e mais aquilo. Sempre tinha algo a mais. E se diminuíssemos a carne?
Cancelássemos a tv a cabo? Ver meu marido nesse perrengue da porra,
recalculando nossas despesas, cortando centavos, acabava comigo." (Trecho
do conto "Depilação holandesa" retirado do livro de autoria de Patrícia Melo:
Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)
O trecho acima revela a opção da autora por não marcar os possíveis diálogos, "falas
internas" e/ou monólogos das personagens com travessões. A escritora prefere usar
apenas certos sinais de pontuação (ponto, ponto e vírgula e ponto de interrogação)
para marcar tanto o procedimento de fazer as contas como as perguntas que não se
sabe, pelo tipo de marcação feita, se foram feitas pelo marido ou pela mulher - a
narradora. No entanto, há escritores, como Luiz Vilela, que são muito detalhistas na
reprodução das interações entre os personagens, assinalando todo o tipo de ação
típica da interação face-a-face, tais como a ocorrência de turnos nucleares (O turno
conversacional é uma unidade que diz respeito aos diferentes modos por meio dos
quais os interlocutores participam da construção do diálogo. Os turnos nucleares são
aqueles que contribuem para o desenvolvimento da conversação em termos
informacionais, ou seja, são os turnos de fala que apresentam conteúdo referencial.
(FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 105-108)) e de turnos inseridos (Os turnos
inseridos são aqueles em que os falantes fazem breves intervenções que mostram
que ele está atento ao que o outro interlocutor está falando, ou está em concordância
com o que está sendo dito, dentre outras funções. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p.
108)), a emergência de estruturação sintática típica da fala e a descrição dos
cortes/interrupções. Vejamos um exemplo de um trecho de um conto de Luiz Vilela em
que, no diálogo, aparecem estruturas sintáticas típicas da fala: (! Podemos dizer que
uma estrutura sintática bastante usada na fala é a de Tópico-Comentário, que se
distingue da estrutura canônica Sujeito-Predicado. Nas estruturas Tópico-Comentário,
desloca-se para o início do enunciado o tipo de informação sobre o qual se quer
chamar a atenção. Exemplos: "a bolsa, ela está em cima da mesa", "o Fernando, eu
não te falei dele". Com vimos, é possível chamar a atenção tanto sobre o sujeito de
uma sentença, como também sobre o objeto indireto. As gramáticas tradicionais
analisam essa estrutura como anacoluto, como uma figura de linguagem, mas, na
verdade, ela é uma estrutura sintática legítima tanto do português como de outras
línguas.)
"Claro", diz Maca, "claro que não depende só dele; mas os outros é mais fácil
ainda".
"Os outros?"
"O Souza, o Aderbal, O Nenzinho..."
" Você acha que eles...."
"O Souza, por exemplo: o Souza, eu dou uma leitoa para ele; o Natal vem aí, quem
resiste a uma leitoinha nessa época?
Nós rimos.
"Já o Aderbal... O Aderbal eu posso dar um peru."
(Trecho do conto " Más
notícias", de Luiz Vilela, retirado de SILVA, 2009, p. 169)
Clique aqui para ver um trecho de outro conto de Luis Vilela que exemplifica o trabalho
que o autor faz com os turnos nucleares (TN) e turnos inseridos (TI), assinalados ao
final de cada turno.
Colocando o conhecimento em jogo 3
Revendo as observações feitas neste tópico sobre os índices de oralidade presentes
nos mais variados gêneros e textos escritos, com base nos estudos de Barros (2002),
é possível também dizer que:
a) A evocação explícita do destinatário em certos textos escritos pode ter o objetivo
de criar o que Barros (2002) chama de "efeito de cumplicidade, de aproximação, de
cooperação" entre os interlocutores - por exemplo, no caso dos exemplos de Machado
de Assis.
b) Há uma série de recursos presentes principalmente no campo da publicidade que
conseguem fazer com que gêneros multissemióticos impressos - tais como
outdoors e anúncios publicitários em revistas e jornais - "encarnem", digamos assim,
práticas de linguagem do campo da oralidade, mais especificamente, aquelas que
envolvem a conversação cotdiana, na qual predomina uma certa simetria (As relações
sociais simétricas caraterizam-se por apresentar uma distribuição razovelmente
igualitária de poder entre os participantes. São exemplos de relações simétricas, as
relações entre amigos, as relações entre pessoas que desempenham funções sociais
parecidas, as relações entre colegas de trabalho.) entre os interlocutores.
c) Em outras palavras, ao ler esse material, o destinatário tem a sensação de que
estão falando com ele. Clique aqui para ver apenas alguns exemplos de trabalho com
um recurso linguístico (as pessoas do discurso) que promovem os efeitos de
identificação, aproximação, objetividade e simetria quando se entra em contato com
este tipo de material impresso.
É neste sentido que podemos dizer: mesmo por meio do impresso e da escrita, o
banco (instituição financeira) parece estar falando diretamente com você, o governo
(federal, estadual ou municipal) parece estar falando com você, grandes redes de
supermercado, de lojas etc., todos querem criar este efeito de que não há distância
entre essas instituições e cada indivíduo, de que eles são seus "camaradas", seus
"amigos", seus "velhos conhecidos". No entanto, sabemos que as relações entre os
clientes e os bancos, entre os consumidores e as lojas, entre os contribuintes e o
governo são assimétricas (As relações assimétricas se caracterizam pela distribuição
não igualitária do poder nas relações sociais. São exemplos de relações assimétricas
as relações ente pais e filhos,
entre professor e alunos, entre o patrão e seus
funcionários, entre chefe e subordinados, entre o estado e seus cidadãos, as relações
entre prestadores de serviço e consumidores, entre as forças armadas de um país e a
população. Em função disso, leis, estatutos) e distantes, justamente o contrário do
efeito que se cria com a publicidade e propaganda.
Colocando o conhecimento em jogo 4
Gostaríamos ainda de comentar o trabalho feito por muitos escritores sobre o léxico,
recurso este que auxilia na criação da verosssimilhança, fundamental nos textos
literários. Por exemplo, o uso de um léxico mais presente na oralidade do que na
escrita pode indicar o estado de ânimo da personagem, como acontece no exemplo
anteriormente mencionado da escritora Patrícia Melo:
"Ver meu marido nesse perrengue da porra, recalculando nossas despesas,
cortando
centavos,
acabava
comigo."
(Trecho
do
conto
"Depilação
holandesa", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no
escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)
Em certas situações de comunicação relatadas por meio das narrativas literárias, a
língua falada "encenada" é um dos recursos para a revelação de conflitos de todos os
tipos. Sendo assim, a chamada "presença da oralidade na escrita" não se dá apenas
para construir efeitos de aproximação e co-operação entre produtor e destinatário de
um determinado texto, mas se dá também para que o leitor tenha a sensação de que
aquela realidade que está sendo construída é de fato verossímel, verdadeira dentro
daquele universo. Romancistas fazem isso magistralmente. Vejamos alguns outros
exemplos:
"(...) Eu estava deitado quando tiniu a campainha irritante do telefone. Era Luiza
dizendo aborrecida, aquele advogado de nome ridículo anda fazendo perguntas
imbecis a meu respeito, coisas da minha vida particular, quer saber se minhas
empresas dão lucro, se as herdei, se estou seguindo as passadas de meu pai, até o
meu pai o cretino quer meter nessa história? o sujeito é um idiota (...)"
(Trecho retirado do livro de autoria de Rubem Fonseca, E do meio do mundo prostituto
só amores guardei no meu charuto. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 78)
"Já são sete horas da manhã e Carimbê acorda assustado quando ouve algo:
- Essa bosta virou hotel de cachorro agora?
Vê que é seu cunhado e responde envergonhado:
-Oi, é que... eu cheguei tarde e não quis incomodar, sabe né, acordar vocês e...
- Tá bom, foi bom mesmo não me acordar porque se não ia ter, mas já que você está
aqui, daqui a pouco vai chegar um caminhão de pedra... (...)"
(Trecho retirado do livro de autoria de Ferréz, Capão Pecado. São Paulo: Labortexto
Editorial, 2000, p. 130)
Finalizando
!Por fim, gostaríamos de dar alguns exemplos de
como
a
escrita
literária
já
está
fazendo
experimentação com uma outra escrita que está
literalmente "colada" nas práticas orais: a escrita
dos meios digitais. No caso dos trechos abaixo, a
escritora Patrícia Melo marca em itálico as sms
trocadas entre a protagonista do conto e narradora em 1a. pessoa (Fernanda) e sua
amiga (Dani):
"Dani me manda sms a toda hora, onde você se meteu?, Estamos fazendo a unha.
Pintei as unhas de azul chocante. Estamos em casa nos arrumando. Estamos saindo
para almoçar no Demo." E nós dois rodando pelo bairro, e agora o cara vem me dizer
que tudo o que tenho que fazer é concordar com ele. (Trecho do conto "Eu te amo",
retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco,
2011, p. 65)
"Logo que cheguei a casa dele, onde havia pilhas e pilhas de livros de álgebra e um
monstro da raça São Bernardo, hibernando num canto, ele me perguntou, depois de
me oferecer vinho, se eu era mesmo estudante de Psicologia. Quer fazer o teste do
Freud? Perguntei. Ele nem riu. Demo bombando. Todo mundo aqui. Gabizinha, Bel,
Lia, Ka, Dedé, Sofi, Nina, Paulinha, até a chata da Nat está aqui com a prima baranga
dela, a paulista estressada que brigou com a Gi na hora de dividir o táxi hahaha."
(Trecho do conto "Eu te amo", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo
no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 67)
Ainda há muitos outros recursos usados por quem escreve para "invocar" a oralidade
em situações de comunicação em que o meio gráfico é aquele
utilizado para o
estabelecimento da interação entre leitor e produtor, entre consumidor e prestador de
serviço, entre o governo e seus cidadãos.
Vimos aqui apenas alguns. Vimos também que não há uma única maneira de se
marcar os diálogos entre as personagens. Uma boa motivação para fazer os alunos
escreverem seria justamente pedir a eles que pesquisassem em textos literários ou em
textos publicitários as formas de se "manipular" a oralidade na escrita. Uma última
ideia: pedir que eles escrevam diferentes textos procurando trazer a oralidade para
dentro da escrita.
Fonte da imagem: Redefor
Finalizando o tópico
Ao longo deste Tema vimos que:
a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo
de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo
meio gráfico;
b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são
complementares entre si;
c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais
cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um
processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores,
por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de
planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-formatação
que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita;
d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um
conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção;
e) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e
também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com
pessoas/públicos diferentes em situações distintas.
f) quando escrevemos, também podemos trazer a oralidade para dentro da escrita por
meio de vários recursos: pontuação, manipulação das fontes das letras, apelo direto
ao interlocutor por meio do trabalho com as pessoas do discurso, seleção lexical.
g) por isso é possível dizer que toda escrita apresenta o que Paul Zumthor fala: um
índice de vocalidade, de oralidade;
h) nos gêneros concebidos para serem impressos, também é possível ocorrer a
elaboração de identidades sociais em função de propósitos comunicativos específicos.
Ampliando o conhecimento 1
Como você pode notar, professor(a), nosso Tema 1 foi bastante baseado no livro de
Luiz Antônio Marcuschi Da fala para a escrita: Atividades de retextualização, de 2001.
A leitura integral do livro seria indicada.!
Apresentação: Este livro de Luiz Antônio Marcuschi,
pesquisador
e
professor
titular
de
Linguística
da
Universidade Federal de Pernambuco, apresenta uma visão
nova, rigorosa e sistemática das relações entre fala e escrita
e constrói um modelo operacional para o tratamento das
estratégias realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito. O princípio
geral subjacente à obra é a visão não dicotômica das relações entre a oralidade e
escrita.
Outra indicação interessante é o material elaborado pelo
Centro de Estudos em Educação e Linguagem - CEEL, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), voltado para
as práticas dos professores e editado pela Autêntica, em
2005. A coletânea foi organizada por Luiz Antônio Marcuschi
e Ângela Paiva Dionísio.
Apresentação: A distinção entre fala e escrita vem sendo
feita na maioria das vezes de uma maneira ingênua e numa
contraposição
simplista.
As
posições
continuam
preconceituosas para com a oralidade. Por isso, julgamos
importante
explicitar
tanto
a
perspectiva
teórica
das
abordagens como as noções centrais de oralidade e
letramento;
fala
e
escrita,
língua;
gênero,
texto,
multimodalidade, interação, diálogo e muitas outras. Tratamos
da produção textual falada e escrita e observamos o
funcionamento da língua em sociedade.
Você pode baixar o livro na íntegra clicando aqui.
Fonte das imagens: (1) http://linguisticabr.wordpress.com/2011/09/26/da-fala-para-a-escrita-atividades-de-retextualizacao/ (2)
http://dc97.4shared.com/doc/r3lalR4L/preview.html, acesso em 23/02/2012.
Ampliando o conhecimento 2
WEBGRAFIA
Alguns TEXTOS interessantes podem ser obtidos na Internet, tais como:
BOTELHO, J. M. Entre a oralidade e a escrita: um contínuo
tipológico. Cadernos do CNLF, Série VIII, nº 7, s/p.
Disponível
em:
http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-05.html, acesso em 26/02/2011.
GALVÃO, A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Oralidade e escrita: uma revisão. Cadernos de
Pesquisa,
v.
36,
nº
128,
p.
403-432,
maio/ago
2006.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a07, acesso em 26/02/2011.
Também alguns VÍDEOS podem interessar:
ENTRE A IMAGEM E A PALAVRA - COLEÇÃO LUIZ ANTONIO MARCUSCHI
SINOPSE: Trecho do vídeo "Entre a imagem e a palavra: reflexões sobre fala, escrita
e ensino", parte integrante da Coleção Luiz Antonio Marcuschi, iniciativa do Programa
de Pós-Graduação em Letras da UFPE. Direção/Edição: Augusto Noronha e Karla
Vidal. Seleção de imagens: Angela Paiva Dionisio. Obras Utilizadas: Programa Mídia
Café - TV UNISINOS - São Leopoldo/RS, Fala e Escrita. Realização: Ministério da
Educação e CEEL/UFPE; Produção: D7 Filmes; Apoio: UFPE - Recife/PE, III SIGET Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais.
Fonte das imagens: (1) Redefor, (2) http://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew, (3) http://www.youtube.com/watch?v=6y9xK9bbcw, (4) http://www.youtube.com/watch?v=UqSfGyR1ERA, acesso em 20/02/12
Ampliando o conhecimento 3
Finalmente, para melhor poder acompanhar a comparação entre o comentário
radiofônico de Arnaldo Jabor sobre o filme "O Segredo de Brokeback Mountain" e a
correspondente crônica escrita e publicada no Jornal O Globo, seria interessante
assistir ao filme, não é? Tenho certeza de que você vai gostar, pela delicada
abordagem da questão que o filme constrói. Veja alguns dados a respeito:
SINOPSE
Dois caubóis se conhecem no interior do Wyoming,
onde cuidam de um rebanho de ovelhas. Lá surge um
amor mútuo que será compartilhado durante os 20 anos
seguintes, em intervalos irregulares, mesmo depois de
casados, cada um com sua mulher e filhos. Indicado a
oito Oscar 2006.
FICHA DO FILME
Título original: Brokeback Mountain
Diretor: Ang Lee
Elenco: Heath Ledger, Jake Gyllenhaal, Michelle
Williams
Gênero: Drama
Ano: 2005
Cor: Colorido
Classificação: Não recomendado para menores de 16
anos
País: EUA
Para ler uma RESENHA, clique aqui.
Veja o TRAILER, clicando aqui.
Referências Bibliográficas
BARROS, D. L. P. Interação em anúncios publicitários. In: D. PRETI. (Org.). Interação
na fala e na escrita. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2002, v. 05, p. 1744.
FÄVERO, L. L.; JUBRAN, C.C.A.S.; HILGERT, J.G. et alli. Interação em diferentes
contextos. In: A.C. BENTES; M.Q. LEITE (Orgs.) Linguística de texto e análise da
conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010,
p. 91-158.
HILGERT, J. G. A oralidade em textos de divulgação científica para crianças. In: D.
PRETI. (Org.). Oralidade em textos escritos. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas, 2009, v. 10, Pp. 217-248.
KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.
LEITE, M. Q. Oralidade, escrita, gênero e mídia: Entrelaçamentos. In: D. PRETI.
(Org.). Oralidade em diferentes discursos. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas, 2006, v. 8, Pp. 85-110.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo:
Editora Cortez, 2001. 1ª. ed.
SILVA, L. A. Oralidade em contos de Luiz Vilela. In: D. PRETI. (Org.). Oralidade em
textos escritos. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2009, v. 10, p. 151-187.
TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. São Paulo: Contexto, 2004.
Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari.
ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte, Minas Gerais: Editora da
UFMG, 2010.
Tema 2. O trabalho com gêneros orais: teoria e prática
Tópico 1 - O trabalho com gêneros orais formais na escola
Um início de conversa
Trabalhar com gêneros textuais na escola é uma das
tarefas mais exigidas dos professores hoje.
Desde que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram
publicados, em 1997, os gêneros textuais transformaramse em um dos principais objetos escolares no ensino de
Língua Portuguesa
Como já vimos na disciplina LP003, os gêneros e os
textos que são exemplares de cada gênero são
entidades de natureza flexível, maleável, mas também
apresentam uma grande estabilidade, porque servem para a organização dos
conhecimentos e para a regularização das diferentes práticas de linguagem das
diferentes esferas sociais no interior das quais são produzidos.
Por isso, neste Tema 2, vamos dar continuidade a algumas das discussões feitas na
disciplina LP003, mas agora, com o foco na compreensão da importância do trabalho
com gêneros orais.
Para tanto, vamos trabalhar com dois gêneros importantes dentro e fora da escola: a
exposição oral e o debate. Escolhemos esses dois gêneros porque:
·
eles se configuram como gêneros orais formais públicos (Os gêneros orais
formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam
restrições impostas do exterior e implicam um controle mais consciente e
voluntário do próprio comportamento para dominá-los. São, em grande parte,
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o seu sentido institucional. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1998], p. 147));
·
eles dificilmente podem ser aprendidos e exercitados, em suas versões mais
formais, fora da escola;
·
eles são um dos mais poderosos instrumentos de inserção social e de
exercício da cidadania.
Neste Tema, vamos procurar apresentar alguns procedimentos importantes que
podem servir de instrumento para o trabalho com os gêneros orais formais públicos na
sala de aula:
a) observação dos sujeitos na situação imediata de produção de um determinado
exemplar do gênero estudado;
b) reflexão sobre os mais importantes elementos do exemplar do gênero estudado.
Fonte das imagens: (1) http://www.nysut.org/images/content/voice_080421_early_literacy14.jpg, (2)
http://www.sfsh.org.pk/Women%20Literacy.htm,http://www.cloudbase.co.nz/2008/02/25/graffiti-wallpaper-set-for-iphone-ipod-touch/, (3)
http://diariodonordeste.globo.com/imagem.asp?Imagem=309060, (4) http://mandamarie.files, (5) wordpress.com/2008/01/dscn0257.jpg,
(6) http://www.pembrokepublishers.com/books/48a5a173044ee.jpg, acesso em 20/01/2009.
Ponto de partida
Nosso principal ponto de partida para o trabalho
com gêneros na escola é o seguinte princípio,
elaborado por Schneuwly e Dolz (2004[1997], p.
69):
Toda introdução de um gênero na escola é o
resultado de uma decisão didática que visa a
objetivos precisos de aprendizagem que são
sempre de dois tipos:
- trata-se de aprender a dominar o gênero para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para
melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela;
- e, em segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que
são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes.
Ao longo deste Tema, como vimos, discutiremos algumas das complexidades que
envolvem a produção de dois gêneros orais formais públicos: a exposição oral e o
debate. No entanto, para transformá-los em objetos de ensino, é preciso que
tenhamos claro que devemos trabalhar com eles com base nas seguintes ações:
·
observação do exemplar do gênero em questão;
·
sistematização de suas principais características;
·
compreensão dos fatores que possibilitam sua compreensão (intencionalidade
(A intencionalidade está relacionada ao fato de que, para que uma
manifestação linguística qualquer seja considerada como um texto, é
necessário que haja uma intenção por parte do produtor de que ela apresente
coesão e coerência.), aceitabilidade (A aceitabilidade é a contrapartida da
intencionalidade, já que um texto somente poderá ser considerado como tal se
para
os
interlocutores
ele
tiver
alguma
utilidade
ou
relevância.),
situacionalidade (A situacionalidade está relacionada à inserção do texto numa
determinada situação comunicativa. A situação comunicativa interfere na
maneira como o texto é constituído e o texto, por sua vez, também possibilita
determinados impactos sobre a situação comunicativa mais imediata e mais
ampla.));
·
conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero;
·
produção do gênero na sala de aula.
Fonte da imagem: http://profranciscamoura.blogspot.com/2009/10/tp-3-generos-e-tipos-textuais.html, acesso em 08/03/2011.
Mãos à obra
Vamos agora observar o vídeo abaixo.
Agora, reflita sobre as seguintes questões:
·
Esse vídeo nos mostra uma palestra?
·
Podemos dizer que uma palestra é um forma de exposição oral?
·
A palestra de Daniel Godri não é o exemplo mais prototípico de palestra. Por
quê?
·
Podemos dizer que Daniel Godri é um especialista?
·
Se sim, qual sua especialidade?
·
No que essa especialidade se diferencia de outras especialidades, tais como a
especialização científica?
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/v/Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Em geral, quando falamos de gêneros orais
formais públicos, não pensamos em um tipo
de fala como a de Daniel Godri a que você
acabou de assistir.!
Pensamos logo que uma palestra é um tipo de
fala pública muito formal. No entanto, a fala de
Daniel Godri, presidente do Instituto Brasileiro
de Marketing, formado em Administração e com pós-graduação em Metodologia do
Ensino Superior, é verdadeiramente uma palestra.
E por que não seria? Por que estamos trazendo essa palestra para começar a falar
sobre o trabalho com gêneros orais formais públicos na aula de Língua Portuguesa?
Em primeiro lugar, porque, apesar de Daniel Godri mobilizar uma série de recursos de
forma a criar um ambiente de proximidade entre o palestrante e a plateia, essa fala
pode ser qualificada como uma palestra, isto é, a fala de alguém que é especialista
em algo e que vai nos transmitir uma série de informações sobre um tema que
não dominamos e sobre o qual desejamos saber mais.
Sendo assim, um gênero oral formal público como uma palestra pode ser produzido
sem criar um efeito de afastamento entre orador e plateia/público. Aliás, é exatamente
por isso que alguns palestrantes fazem muito sucesso: porque conseguem criar um
ambiente de descontração e, com isso, produzem um grande envolvimento do público,
de forma que este pode, então, ficar completamente concentrado em sua
performance.
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 2
É exatamente esse o caso de palestras como de Daniel Godri. Ele faz com que nos
concentremos em sua performance por muitas razões. Vamos falar de algumas delas.
(Clique aqui para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala)
I. Em primeiro lugar, porque ele usa a seu favor (como palestrante) e em favor dos
conteúdos que quer passar, toda a natureza multissemiótica da fala. Vamos lembrar o
que isso quer dizer neste contexto específico? Quer dizer que ele trabalha, manipula,
por exemplo, recursos da voz, que possibilitam que os conteúdos sejam
"emoldurados" por sentidos sociais específicos. Assim, enquanto ele fala, ele não
apenas fala, mas trabalha, modula sua voz para que ela deixe transparecer suas
emoções (alegria, tristeza, empolgação etc.) em relação ao que está dizendo. Daniel
Godri também manipula a sua prosódia ("Variações em altura, volume, ritmo e tempo
(velocidade de emissão) durante a fala. [...] Os fenômenos prosódicos são
notoriamente difíceis de estudar, mas progressos consideráveis foram feitos no estudo
de pelo menos alguns deles. Ainda assim, alguns manuais elementares de fonética e
fonologia só raramente discutem os traços prosódicos com algum grau de detalhe."
(TRASK, 2004, p. 242) Na sala de aula, um importante trabalho com os recursos
prosódicos envolveria o incentivo à auto-observação da velocidade de fala (fala rápida
& fala ralentada & fala lenta) e das possibilidades de variação ou modulação da altura
da voz nos diferentes contextos de produção de fala. Por exemplo, a velocidade de
fala e as variações na altura da voz - entoação - no contexto de leitura de um texto
podem e devem ser bem diferentes das de uma encenação/performance do mesmo
texto.), de forma a falar mais devagar ou mais rápido, mais alto ou mais baixo, quando
lhe interessa, e ainda dando modulações à sua voz de forma a enfatizar os momentos
de transição entre as diferentes partes do texto.
II. A natureza multissemiótica da fala também pode ser percebida nessa palestra
porque o palestrante, enquanto fala, apresenta variadas expressões faciais e uma
gestualidade bastante treinada (ver, por exemplo, os momentos em que ele usa o ato
de assoprar o balão como uma forma de pontuar partes do texto e também de
enfatizar determinados conteúdos), que complementa aquilo que está sendo falado.
Além disso, a movimentação corporal do palestrante é também bastante ensaiada
(ver, por exemplo, os momentos em que ele sobe e desce uma escada).
III. Todas essas outras linguagens (qualidade da voz, recursos prosódicos - velocidade
de fala, ritmo de fala, entoação -, gestualidade, expressividade facial e corporal),
combinadas com a linguagem verbal, formam esse quadro multissemiótico da palestra.
Ou seja, quando falamos, nos damos a ver aos outros e não apenas nos fazemos
ouvir.
IV. O recurso discursivo mais importante trabalhado por Daniel é a metáfora de
pessoas "bola murcha" versus pessoas "bola cheia". Essa comparação, que é
trabalhada ao longo do texto, e a caracterização de cada um destes "tipos" por meio
de encenações específicas é o principal recurso discursivo que dá a estruturação do
texto. Essa metáfora é presentificada pelo objeto balão que fica na mão do orador
durante sua fala.
Colocando os conhecimentos em jogo 3
V. O texto oral de Daniel Godri é também muito bem organizado e é construído por
meio de alguns recursos que facilitam a sua memorização. A estrutura composicional
do texto pode ser descrita como dividida em três partes:
a) de como se pode ser um "bola cheia";
b) de como se pode ser um "bola murcha"; e
c) de como é difícil se manter um "bola cheia" sem "estourar".
VI. Os recursos textuais mais usados por Daniel Godri são as recorrências (Recurso
textual
importante
para
a
estruturação
dos
textos
que
consiste
no
uso
reiterado/repetido de termos, de estruturas e de conteúdos.) de termos (Um exemplo
de recorrência de termos presente no texto oral de Daniel Godri é o reiterado uso da
expressão "mãe", iniciando vários enunciados durante um certo trecho do texto.), de
estruturas (No texto de Daniel Godri, alguns exemplo de recorrência de estruturas são
o uso de "você começa a" (cinco vezes) e também de "o bola murcha não quer que
você ...., ele quer que você ..." (duas vezes).) e de conteúdos e as sequências
dialogais (Como vimos na disciplina LP003, sequências dialogais são aquelas nas
quais "as enunciações encontram-se localizadas em turnos de fala, que são
naturalmente emparelhados sob a forma de intercâmbios bipartidos e ligados, entre si,
por uma certa tematicidade. (PASSEGI et al., 2010, p. 294). No caso do texto de
Daniel Godri, as sequências dialogais ocorrem quando ele encena esses turnos de
fala, performatizando, por exemplo, um diálogo entre "você" e "sua mãe" ou ainda
performatizando diálogos entre "você" e um "bola murcha".) que envolvem um "você"
genérico e outras personagens, sendo que o orador coloca em cena ou apenas um
deles ou os dois ao mesmo tempo (ver, por exemplo, o diálogo imaginário deste "você"
com a mãe, o diálogo entre um "bola cheia" ("você") e um "bola murcha" e as falas de
diferentes personagens - o chefe, o colega, o cliente, a mulher, o filho, a sogra dirigidas ao "você" genérico). Esse "você" genérico é também um recurso textual
importante porque cada um dos membros da plateia pode se identificar pessoalmente
com ele a cada vez que é enunciado.
VII. Por fim, a encenação dos diálogos confere ao texto oral um "ar de conversa" entre
o palestrante e o público ("você").
(Clique aqui para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala)
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/v/Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Voltemos, então, a Schneuwly e Dolz (2004[1997], p. 143):
A ação de falar realiza-se com a ajuda de um gênero, que é um instrumento
para agir linguisticamente. É um instrumento semiótico, constituído por signos
organizados de maneira regular; esse instrumento é complexo e compreende
diferentes níveis. Eis porque o chamamos de "megainstrumento", para dizer
que se trata de um conjunto articulado de instrumentos, um pouco como uma
fábrica. Mas fundamentalmente se trata de um instrumento que permite
realizar uma ação em uma situação particular. E aprender a falar é apropriarse dos instrumentos para falar em situações de linguagem diversas, isto é,
apropriar-se de gêneros.
Considerando a definição acima, podemos nos perguntar: qual ação Daniel Godri
realizou por meio desse trecho de sua palestra? As palestras de Daniel Godri e esta
que vimos parece que pretendem fundamentalmente "motivar" a pessoa que a
ouve/vê. Por isso, o nome de suas palestras: "palestras motivacionais".
É em função desse objetivo principal que os recursos antes descritos são mobilizados,
manipulados, manejados pelo orador. Sendo assim, suas palestras não vão implicar
em explicações mais técnicas sobre um dado tema, como seria o caso da palestra
científica. Seu objetivo maior é o de aproximar e envolver seu público de forma a
revelar-lhe uma "verdade" e de forma a fazer com que cada um dos seus
interlocutores acredite na sua "mensagem": a de que se deve ser um "bola cheia", mas
sem se deixar "estourar".
Sendo assim, um gênero oral formal público, como a palestra, pode apresentar muitos
formatos, de acordo com sua esfera de circulação. No caso estudado, o que chama a
atenção são os recursos que possibilitam a aproximação e o envolvimento do público
com o palestrante. Chama mais atenção ainda a linguagem informal (No próximo
tópico, nos concentraremos em observar a variação linguística que pode acontecer em
função de vários fatores e dimensões sociais. A informalidade na fala derivaria de uma
conjugação de fatores tais como o tipo de relação entre os participantes da interação
(próxima ou distante) e o status (alto ou baixo) de cada um. Assim, a linguagem
informal emerge quando estamos "relaxados" ou "livres de pressões". Na linguagem
informal, podemos, por exemplo, fazer uso de contrações ("cê"), de marcadores
conversacionais ("né", "aí"), de gírias etc.) da palestra e mobilização de uma metáfora
popular ("Bola murcha" & "Bola cheia") como principal recurso de estruturação textualdiscursiva.
No entanto, mesmo não sendo uma palestra prototípica, a palestra de Daniel Godri
nos mostra como alguém que se propõe a falar em público por meio de um
determinado gênero tem a sua disposição um variado conjunto de recursos de
natureza multissemiótica que possibilitam aos gêneros orais formais públicos
exercerem um fascínio muito especial em relação àqueles aos quais são dirigidos.
Finalizando
Ao longo desse tópico, aprendemos que:
a)
Os
gêneros
multissemiótica
orais
(texto
formais
verbal,
públicos
apresentam
sempre
prosódia,
modulação
da
uma
voz,
natureza
gestualidade,
movimentação corporal, expressões faciais etc.);
b) Os gêneros orais formais públicos tais como a palestra apresentam muitos
formatos, ou seja, são variáveis, de acordo com sua esfera de circulação;
c) Uma palestra, que é um gênero oral formal público, pode apresentar uma linguagem
informal;
d) Uma palestra é um gênero oral formal público porque é previamente planejada,
pensada, sendo que cada um dos recursos que a compõem e que parecem ser tão
naturais e espontâneos resultam, na verdade, de um trabalho sobre as diferentes
linguagens para um fim específico; e
e) O ensino de gêneros orais formais públicos pressupõe que os observemos e que
procuremos
compreender
-
para
podermos
ensinar
-
como
sua
natureza
multissemiótica contribui para a construção dos sentidos, e por meio de quais recursos
e formatações.
Tópico 2: Trabalhando com a exposição oral
Um início de conversa
No Tópico anterior, vimos que um exemplo
clássico de exposição oral, como a palestra
motivacional de um especialista em marketing
pessoal,
pode
ter
um
formato
pouco
canônico, mas, ainda assim, é um gênero oral
formal público porque:
·
é previamente planejado de forma a conseguir surtir determinados efeitos em
seus ouvintes; e
·
é produzida por alguém considerado um especialista em um campo específico
do conhecimento.
Neste Tópico 2, vamos trabalhar mais especificamente com a caracterização da
exposição oral e vamos retomar alguns pressupostos que devem ser considerados ao
se trabalhar com a linguagem oral na sala de aula.
Para tanto, vamos fazer o seguinte:
·
em um primeiro momento, vamos trabalhar com a comparação entre a palestra
que vimos no tópico anterior e uma coluna radiofônica de Mauro Halfeld,
especialista em Economia que tem um quadro na Rádio CBN; e
·
em um segundo momento, vamos retomar alguns pressupostos teóricos sobre
o trabalho com a linguagem oral em sala de aula, mais especificamente, o
trabalho com a exposição oral.
Fonte da imagem: Redefor
Ponto de partida
Vamos ouvir o áudio de Mauro
Halfeld, economista que tem um
quadro e/ou coluna radiofônico/a na
Rádio CBN, na parte da manhã, no
qual
responde
a
perguntas
dos
ouvintes sobre questões de economia
doméstica. Vamos acompanhar o
áudio com a transcrição e vamos tentar refletir a partir das seguintes perguntas:
·
Quais as principais diferenças entre a fala de Mauro Halfeld e a fala de Daniel
Godri?
·
Avalie essas diferenças considerando os seguintes aspectos:
1. A velocidade da fala - Quem fala mais pausadamente? Por quê?
2. A altura da voz - Quem fala mais alto? Por quê?
3. O vocabulário - Quem usa vocabulário técnico? Por quê?
4. Planejamento do texto: Qual texto apresenta uma maior grau de improvisação?
Por quê?
Fonte da imagem: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/mauro-halfeld/2011/03/04/MUDEI-DE-CIDADE-E-VENDI-OAPARTAMENTO-COMPRO-OUTRO-OU-INVISTO-E-VIVO-DE-ALUGUEL.htm, acesso em 08/03/2011.
Mãos à obra
O que aproxima os dois gêneros orais formais públicos com os quais tivemos contato
até agora, a palestra e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de Mauro Halfeld na Rádio
CBN?
Em
primeiro
lugar,
ambos
são
proferidos por especialistas. Esta é
uma
primeira
característica
das
exposições orais: o produtor é um
especialista que fala, em geral, porque
alguém lhe pede uma explicação e/ou
instrução sobre um dado tema e/ou
procedimento.
Em segundo lugar, vejamos o que
dizem Dolz e Schneuwly (2004[1998],
p. 147) sobre os gêneros orais formais
públicos:
Os gêneros orais formais públicos constituem as formas de linguagem que
apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmente,
um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para
dominá-las. São, em grande parte, pré-definidos, "pré-codificados" por
convenções que os regulam e que definem o seu sentido institucional.
Mesmo que se inscrevam numa situação de imediatez, já que muito
frequentemente a produção oral se dá em face dos outros, as formas
institucionais do oral implicam modos de gestão mediados, que são
essencialmente individuais. Exigem antecipação e necessitam, portanto,
preparação.
Podemos agora compreender melhor que os dois gêneros formais públicos aos quais
tivemos acesso, a palestra de Daniel Godri e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de
Mauro Halfeld na CBN, possuem uma segunda característica em comum: são
previamente planejados.
Fonte da imagem: foto cedida pelo autor Miguel Paiva, ao Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Então, tanto a palestra de Daniel Godri como a coluna radiofônica de Mauro Halfeld
compartilham as seguintes características:
a) são gêneros orais formais públicos;
b) são formas de exposição oral, caracterizadas por serem proferidas por um
especialista sobre um determinado tópico de interesse do público a quem se destina; e
c) são textos de natureza instrucional (seja isso, faça aquilo), mas que mobilizam
variados recursos que acabam por não deixar explícita essa natureza instrucional.
No entanto, esses dois gêneros se diferenciam em função de alguns aspectos que
envolvem a situação mais imediata de produção:
a) são veiculados por diferentes meios: o audiovisual (no caso da palestra) e o
sonoro (no caso do quadro ou da coluna radiofônico/a);
b) discorrem sobre tópicos distintos: motivação pessoal (no caso da palestra) e
economia doméstica (no caso do quadro radiofônico); e
c) pressupõem diferentes públicos: profissionais em formação continuada, no caso
da palestra, e público adulto que quer aconselhamento sobre temas de economia
doméstica, no caso da coluna radiofônica.
Colocando os conhecimentos em jogo 2
Essas diferenças possibilitam um grande impacto sobre o texto oral produzido. Quais
são alguns dos aspectos desse impacto?
a) em função dos diferentes meios de veiculação (audiovisual ou sonoro), a fala de
cada um dos especialistas apresenta características bastante distintas: fica mais
pausada, menos alta e mais planejada no caso do quadro radiofônico; e mais rápida,
mais alta e com um grau maior de improvisação, no caso da palestra; além disso, os
outros recursos multissemióticos (gestualidade, movimentação e expressividade
corporal e facial) são fundamentais para a construção dos sentidos na palestra mas
não podem ser mobilizados no quadro radiofônico, materializado em ondas sonoras.
b) em função dos diferentes tópicos sobre os quais os especialistas discorrem, o
léxico se apresenta bem diferente: na palestra, não há a presença de um vocabulário
técnico; bem ao contrário, são mobilizadas metáforas populares e um conjunto de
palavras que estão presentes na fala coloquial e/ou informal; no quadro radiofônico,
um vocabulário mais especializado é mobilizado.
c) em função dos diferentes públicos, os recursos textuais são diferenciados: na
palestra, predomina a exemplificação por meio da encenação de diálogos porque se
quer envolver e motivar o público; no quadro radiofônico, em função da necessidade
de se fazer um esclarecimento para uma dúvida, as sequências são expositivas, nas
quais há o predomínio das explicações (é bom comprar uma moradia porque é o
melhor investimento).
Colocando os conhecimentos em jogo 3
Considerando que o planejamento prévio é
uma das características fundamentais dos
gêneros orais formais públicos, podemos
dizer que ambos os gêneros analisados
envolvem
atividades
de
retextualização
(Como já vimos no Tema 1, as atividades de
retextualização podem ser definidas como a
passagem de uma modalidade (por exemplo,
oral) para outra (por exemplo, escrita) e
pressupõem
duas
outras
operações:
a
idealização e a transformação. Essas operações/atividades, apesar de revelarem
ajustes e, muitas vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos
fundamentais do texto-base.). E, provavelmente, na direção da escrita para a fala, mas
também da fala para a fala.
Essa questão nos leva a perguntar:
9
nto a fala de Mauro Halfeld é apenas uma leitura de um texto escrito, já que
ninguém o está vendo?
:
;
9
dri foi previamente "ensaiada"?
Na tentativa de responder a essas questões, vamos pensar:
Quando vamos fazer uma fala pública (quando somos demandados por nossos
amigos, por exemplo, a fazer um pequeno discurso em homenagem a um
aniversariante, amigo em comum), ensaiamos antes ou não? Escrevemos algo (um
roteiro ou mesmo um texto inteiro) antes ou não?
Provavelmente, a resposta é sim. E provavelmente o nosso discurso de homenagem
será uma retextualização tanto do "ensaio" quanto do texto ou do roteiro (caso
tenhamos feito um).
Por isso é que dissemos, no Tema 1, que não há uma relação de oposição entre as
duas modalidades, oral e escrita. Mas sim, que elas são complementares, ou seja,
elas contribuem de forma prática para a produção dos textos dos gêneros.
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Sendo assim, se considerarmos as observações iniciais dos gêneros que fizemos,
podemos levantar alguns pressupostos do trabalho com a oralidade na sala de aula,
mas, mais especialmente, os pressupostos do trabalho com os gêneros orais formais
públicos:
·
Trabalhar a oralidade não apenas como um meio para a exploração de
diversos outros objetos de ensino - a leitura, a produção de textos escritos e o
tratamento de aspectos gramaticais -, mas como um objeto de ensino por si
mesmo: ensinar a performar a fala formal e pública (MENDES, 2005).
·
Trabalhar a oralidade e, principalmente, os gêneros orais formais públicos,
como formas efetivas de comunicação que são, ao mesmo tempo, legítimos
objetos de ensino.
·
Considerar a oralidade não em termos de diferenças estanques em relação à
escrita, mas trabalhando suas diferentes funcionalidades e possibilidades de
interrelação entre ambas.
·
Trabalhar a oralidade (ou os textos escritos profundamente influenciados pela
oralidade) não como um lócus privilegiado para uma reflexão sobre possíveis
"erros" ou impropriedades, passando quase que imediatamente à correção
desses mesmos erros ou impropriedades. É importante que percebamos que a
correção gramatical é usada de forma estratégica nos gêneros orais formais
públicos. O melhor exemplo disso é a fala de Daniel Godri, que apresenta uma
série de "erros" gramaticais que jamais seriam corrigidos por seu público, já
que, sem esses "erros", sua fala não seria considerada envolvente e o efeito de
proximidade com o público desapareceria.
·
Não enfatizar excessiva e predominantemente o trabalho com o que
poderíamos chamar de uma "oralidade higienizada e normalizada", que
privilegia o exercício de práticas orais cultas e formais. Se entendemos que os
gêneros orais e escritos se situam em um continuum, não há porque trabalhar
apenas com as pontas desse contínuo. A chamada "oralidade padrão" é
produzida em contextos muito especiais e somente podemos chegar a ela de
forma gradual, considerando a relação de aproximação, contraste e/ou conflito
com outras práticas orais, mais coloquiais - privadas ou públicas -, menos
formais - privadas ou públicas (BENTES, 2010; 2011).
Colocando os conhecimentos em jogo 5
Uma sugestão de trabalho com a linguagem oral e
com a produção gradual e contínua de exposições
orais curtas, dependeria da eleição de novos
objetos de ensino. Por exemplo, o estudo de
Azanha (2008), intitulado "Gêneros televisivos na
escola:
A
co-construção
dos
sentidos
nas
interações de alunos do ensino médio", mostrou
que a exploração dos gêneros midiáticos como
notícias, comentários e entrevistas televisivas, com o objetivo principal de fazer com
que os alunos construam, de forma colaborativa e conjunta, os conhecimentos sobre
os sentidos veiculados nesses e por esses gêneros, contribui para que, em primeiro
lugar, os alunos aprendam a ouvir o outro. Trabalhar com o campo da oralidade
pressupõe necessariamente a contínua "apuração do ouvido".!
Além disso, o referido estudo também mostra que, quando colocados em uma
situação de interação mais simétrica (sem a intervenção, mas com a supervisão do
professor) e no contexto de um grupo menor de participantes (de quatro a seis
pessoas), os alunos passam a ter uma postura diferenciada: envolvem-se com a
atividade de linguagem proposta, elegem o outro como interlocutor legítimo (o que tem
um impacto imediato na maneira como formulam e reformulam sua produção
discursiva), apresentam uma atitude colaborativa em relação ao que os interlocutores
dizem e também conseguem discordar e/ou entrar em conflito com o(s) outro(s) de
forma polida.
Sem falar que os alunos passam a, de fato, exercitar e refletir sobre as outras
linguagens próprias dessa situação comunicativa específica (direcionamento do olhar,
gestualidade e expressão facial).
A eleição de novos objetos de ensino - a própria aula, os gêneros midiáticos
(radiofônicos, televisivos ou cinematográficos) e digitais (vídeos e áudios da Internet) é de importância vital para que o trabalho com a fala/oralidade surta os efeitos
desejados por todos.
Fonte da imagem: http://olhodopovo.blogspot.com/2008/10/telejornal-sic-e-tvi.html, acesso em 08/03/2011.
Finalizando
Vimos até aqui que, com base em Dolz e Schneuwly (2004[1998], p. 146-147) e em
Dolz, Schneuwly, De Pietro e Zahnd (2004[1998], p. 185-187), podemos dizer que:
I. A noção de oral formal adotada até aqui nada tem a ver com prescrições normativas
("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização de palavras ou de
enunciados. "As características do oral formal decorrem das situações e das
convenções ligadas aos gêneros." (p. 146)
II. Os gêneros orais realizados em público (conto oral, palestra, debate, quadros
(radiofônicos ou televisivos) etc.) são diferentes linguística e discursivamente e seus
graus de formalidade dependem do lugar social de comunicação no interior dos quais
os gêneros se realizam (rádio, televisão, igreja, escola, universidade, administração
etc.). (p. 146)
III. Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de
Língua Portuguesa, porque o papel da escola é fazer com que os alunos ultrapassem
as formas cotidianas de produção oral, levando-os a confrontar essas suas formas
cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais. (p. 147)
IV. Essas formas orais mais institucionais, fortemente definidas e reguladas do
exterior, dificilmente são aprendidas sem uma intervenção didática. (p. 147)
V. A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que
espera aprender algo com ele. (p. 186)
VI. O papel do expositor-especialista é o de transmitir um conteúdo, ou, dito de outra
forma, de informar, de esclarecer, modificar os conhecimentos dos ouvintes nas
melhores condições possíveis, procurando diminuir a assimetria de conhecimentos
que distingue o especialista do seu público (p. 186)
VII. A exposição oral é altamente planejada (em vários níveis) e exige que o
especialista organize o texto de forma a que este apresente uma progressão temática
clara e coerente em função da conclusão visada. (p. 187)
Atividade autocorrigível 3
Leia com atenção os enunciados abaixo:
I. A noção de oral formal proposta pela escola genebrina nada tem a ver com
prescrições normativas ("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização
de palavras ou de enunciados.
II. Os gêneros orais realizados em público como por exemplo o conto oral, a palestra,
o debate etc. são diferentes linguística e discursivamente e apresentam diferentes
graus de formalidade.
III. O objetivo do trabalho com os gêneros orais formais públicos é o de levar os alunos
a confrontarem suas formas cotidianas de produção oral com outras formas mais
institucionais.
IV. Os gêneros orais formais públicos são adquiridos espontaneamente.
V. A exposição oral pode ser feita por qualquer pessoa, mesmo que não esteja
preparada para desempenhar tal tarefa.
Agora escolha a alternativa correta e pouse o cursor sobre o marcador da alternativa
escolhida (letra) para conferir suas respostas:
a) Apenas II, III e V estão corretas;
b) Apenas I, III e V estão corretas.
c) Apenas I, III e IV estão corretas;
d) Apenas I, II, III e IV estão corretas;
e) Apenas I, II e III estão corretas;
Respostas
a) Incorreta
b)!Incorreta
c)!Incorreta
d)!Incorreta
e)!Correta porque as alternativas IV e V são incorretas.
Tópico 3: Trabalhando com o gênero debate
Um início de conversa 1
Neste Tópico, iremos abordar um outro gênero oral formal público, constitutivo das
práticas de linguagem das diferentes mídias (televisiva, radiofônica, digital etc.) e
também constitutivo das práticas de linguagem de muitas outras instituições (escola,
igreja, câmara de deputados, assembléia
sindical, fórum criminal etc.): o debate.
Como vimos até aqui, tanto nas disciplinas
anteriores como nesta disciplina, um gênero
textual, seja ele produzido oralmente, por
escrito ou por uma mescla dessas duas (ou de
outras)
modalidades,
seja
midiaticamente ou não,
ele
veiculado
pode apresentar
formatos bastante distintos, apesar de ser reconhecido, muitas vezes intuitivamente,
em função de sua nomeação, de sua rotulação.
Vimos que um gênero textual como a palestra pode apresentar uma linguagem bem
descontraída e pode estar focada principalmente no envolvimento do ouvinte com o
palestrante, de forma que os conteúdos informacionais novos são concisamente
apresentados, como foi o caso da palestra de Daniel Godri que analisamos no Tópico
anterior.
Vimos também que, tanto na palestra de Daniel Godri como no quadro radiofônico de
Mauro Halfeld, determinados recursos prosódicos são manipulados pelos especialistas
para que determinados objetivos sejam atingidos (envolver o ouvinte, esclarecer uma
questão). Assim, a produção desses gêneros não pode ser desvinculada do domínio
desses recursos prosódicos e de outros recursos semióticos que sejam necessários.
Vamos trabalhar com o gênero debate e observar como ele é produzido em uma
mídia: a televisiva. Analisaremos dois exemplares de um mesmo programa,
observando que eles se diferenciam um do outro em função da temática e observando
também como essas diferenças causam impactos sobre a linguagem e sobre a
produção textual de seus participantes.
Fonte da imagem: Redefor
Um início de conversa 2
Partiremos da proposta de Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]) para o trabalho
com o gênero debate público na sala de aula de língua materna. Os autores
concebem esse gênero, dentre outros aspectos, como a explicitação e a negociação
dos motivos de cada um em um contexto de defesa de um ponto de vista, de
uma escolha ou de um procedimento de descoberta.
Para os autores, um pressuposto importante em relação ao trabalho com o gênero
debate é o fato de que este gênero, além de ser predominantemente oral, possibilita
aos alunos o desenvolvimento das capacidades (orais ou escritas) envolvidas na
defesa de um ponto de vista, de uma escolha ou de um procedimento de
descoberta. Algumas dessas capacidades comunicativas específicas são:
·
a gestão da palavra entre os participantes;
·
a escuta do outro;
·
a retomada do discurso do outro em suas próprias intervenções etc.
Sendo assim, os autores afirmam que:
o debate coloca em jogo capacidades fundamentais, tanto do ponto de
vista linguístico (técnicas de retomada do discurso do outro, marcas de
refutação etc.), cognitivo (capacidade crítica) e social (escuta e respeito
pelo outro), como do ponto de vista individual (capacidade de se situar,
de tomar posição, de construção de identidade). (p. 214)
Os autores fazem questão de ressaltar que a sua proposta de trabalho com o gênero
debate encontra-se fundamentada em numerosas teorias da argumentação (o que
implica uma atenção especial em relação aos diversos tipos de argumento, às
diversas formas de refutação (A refutação de um argumento pode ser compreendida
como a ação de negar (mesmo que parcialmente) ou não concordar com o argumento
exposto pelo outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso
do próprio "não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se
opor ao argumento apresentado.), ao papel dos conectivos e dos marcadores de
orientação argumentativa), mas também sobre estudos que dão importância ao papel
exercido pelo mediador e que focam a construção coletiva, interativa dos sentidos.
Ponto de partida
Como ponto de partida, tomaremos a classificação que Dolz, Schneuwly e De Pietro
(2004[1998]) propõem, com base em vários estudos sobre o gênero debate, com
vistas ao trabalho em sala de aula. Os tipos de debates elencados pelos autores são:
o debate de opinião de fundo controverso, o debate deliberativo e o debate para
a resolução de problemas.
O debate de opinião de fundo controverso diz respeito a crenças e opiniões não
visando a uma decisão, mas a uma colocação em comum das diversas posições, com
a finalidade de influenciar a posição do outro, assim como de precisar ou mesmo
modificar a sua própria. Nesse sentido, o debate representa um poderoso meio não
somente de compreender um assunto controverso por suas diferentes facetas, mas
também de forjar uma opinião ou de transformá-la. (p. 215)
O
debate
deliberativo,
no
qual
a
argumentação visa a uma tomada de
decisão, é necessário cada vez que há
escolhas ou interesses opostos. Nesse
caso, o debate pode propiciar a emergência
de soluções originais, que integram posições
anteriormente opostas. Os exemplos podem
ser os seguintes: "Aonde ir na viagem de
formatura"? "Que livros ler coletivamente?"
"Deve-se fazer uma festa para recolher
fundos para ajudar na construção de uma
escola no Haiti?" (p. 215)!
O que está em jogo no debate para a resolução de problemas é a busca de
soluções, a partir da gestão do conjunto de saberes distribuídos (em geral, de forma
parcial e assimétrica) pelo grupo de debatedores. Exemplos de questões que
possibilitam esse debate em sala de aula: "Por que acontece o eclipse lunar?" "Uma
maçã é jogada do alto do mastro. Ela cai perto ou longe do mastro?" (p. 216)
Fonte da imagem: Redefor
Mãos à obra
Vejamos agora um exemplo de debate televisivo sobre o tema "Namorar ou ficar?
Qual a melhor escolha?". O tema é refraseado logo no início pelo apresentador:
"Namorar é melhor do que ficar?".
O Programa tem por objetivo trazer temas que possam ser debatidos pelo público
jovem e que sejam de interesse desse público.
Agora, vamos refletir:
·
Qual o perfil social dos debatedores que são chamados a participar desse
programa?
·
Qual o perfil social do moderador?
·
Quais são as razões para que sejam esses os perfis sociais para a composição
do programa e para fazer esse debate?
·
Como o programa dá voz ao público?
·
Considere os três tipos de debate apontados por Dolz, Schneuwly e De Pietro
(2004[1998]). Você classificaria este debate do Programa "Fala aí" como qual
dos três tipos?
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=hmnXxFvtxnQ, acesso em 08/03/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Você deve ter respondido que se trata de um debate de opinião de fundo
controverso. Pois bem, é com esse tipo de debate que vamos trabalhar, pois ele
garante a base central para os outros tipos de debate. De forma a trabalhar com esse
primeiro tipo de debate, vamos analisar, de forma bem geral, o formato desse gênero,
o programa de debate veiculado pela televisão. Apesar de termos visto apenas 10
minutos de programa, foi possível perceber que o programa se estrutura, em sua parte
inicial, da seguinte forma:
Em primeiro lugar, é importante perceber o papel do animador/moderador. É dele a
responsabilidade de receber os convidados e de moderar o debate, fazendo perguntas
que os "desafiam" a emitirem suas opiniões sobre o tema em pauta. Além disso, ele
deve também controlar o tempo de fala de cada um.
É também importante considerar que o meio (a televisão) é responsável pela rapidez
com que cada parte do programa é executada. Isso é importante de ser ressaltado
porque isso implica em habilidades especiais por parte do apresentador/moderador
André Marinho, por parte dos convidados e por parte dos jovens que participam do
programa: eles precisam falar de forma bastante fluente (Vamos nos lembrar do
Tópico 1, onde analisamos a fala da apresentadora da entrevista em contraste com a
fala do entrevistado. Percebemos que o tipo de planejamento da fala da apresentadora
(o que implica um treinamento profissional) foi o responsável pela diferença entre a
fala dela e a do entrevistado, mesmo que ambas as falas apresentassem um grau
maior de planejamento do que outras falas em contextos mais cotidianos e/ou
informais.), rápida mesmo, sem a presença de muitas pausas (preenchidas ou não).
Outro ponto importante de ser ressaltado é que o apresentador/moderador André
Marinho mobiliza muitos recursos linguísticos e de organização textual (No caso dos
vários textos de apresentação e de saudação produzidos por André Marinho, podemos
chamar a atenção para o uso de marcadores conversacionais ("bom", "olha", "então"),
de gírias comuns, de recursos prosódicos (por exemplo, ênfase - maior altura da voz -
em determinadas palavras) e semióticos (gestualidade, expressões faciais e
corporais).) de forma a deixar seu texto oral com uma cara menos "formal", assim
como acontece na palestra de Daniel Godri. Mas, como já dissemos, os gêneros orais
públicos formais não podem ser compreendidos a partir de uma visão normativa (de
certo ou errado), mas sim considerando a situação comunicativa implicada e as
convenções genéricas constitutivas de sua produção e recepção.
Colocando os conhecimentos em jogo 2
Voltando ao vídeo do Programa "Fala Aí", podemos dizer que a segunda parte do
programa é aquela na qual o público e os participantes são convidados a emitirem
suas opiniões sobre o tema em questão.
Sobre essa segunda parte, importa dizer, em primeiro lugar, que o papel do
apresentador/moderador continua sendo de fundamental importância para a
introdução e para a condução do tópico.
a) depois da abertura dessa segunda parte feita por Samiro, um jovem de 22 anos,
André Marinho fala: "beleza maravilha ( ) a galera tem a oportunidade de expressar
sua opinião... então é isso aí brother também concordo acho muito interessante...",
retomando a fala do jovem e concordando com ela;
b) em seguida, ao fazer a pergunta para o primeiro convidado, retoma novamente a
fala do jovem Samiro, fazendo a seguinte paráfrase: "tá certo que o namorar ...
primeiro você começa com o ficar...";
c) ao fazer a pergunta para a terceira convidada, a psicóloga Miriam Marsicky, André
Marinho fala "exato", concordando com a fala anterior da jovem jornalista; e continua:
"doutora... em se tratando de psicologia.. por exemplo.... eu falei/o Nico falou ....
aquela questão de de repente beijar duas ou três pessoas na mesma noite ... em se
tratando de psicologia ... o que isso pode influenciar na cabeça da juventude?"; aqui
podemos
observar
que,
para
fazer
a
pergunta
para
a
psicóloga,
o
apresentador/moderador retoma um ponto levantado (Sobre o comportamento dos
jovens de beijar mais de uma pessoa na mesma noite.) por ele mesmo e
respondido/comentado por Nico Marcondes.
Colocando os conhecimentos em jogo 3
Um segundo ponto importante de ser ressaltado é o papel dos participantes (jovens e
convidados). Ainda sobre esse trecho do programa "Fala Aí", é possível perceber que
todos os convidados explicitam suas opiniões ao longo e ao final de seus discursos.
Vejamos um resumo das opiniões do jovem e dos convidados:
Além disso, eles também entram no "clima" de debate proporcionado pelo moderador,
respondendo às suas "provocações":
Nico Marcondes: .... principalmente para jovens aí a partir de 14 até 18 anos ... você
tá num momento de descoberta da vida ... e eu acho que beijar é muito bom muito
saudável... então eu acho que ficar limpo ... dar beijinho na boca ... fazer experimentos
... beijar duas ou três mulheres ou vice-versa
André Marinho: não na mesma noite (risos)
Nico Marcondes: então eu acho que o ficar (interrupções de André) eu acho saudável
(interrupções do André) pois é.. eu acho saudável na mesma noite ficar... dar um
beijinho sem compromisso...
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Além disso, em geral, tanto o jovem que abre
a segunda parte do programa como os
convidados procuram fundamentar suas
opiniões por meio de sequências descritivas
ou expositivas. Vejamos dois exemplos:
Samiro: ... na minha opinião ficar é o que há
porque a pessoa não pode começar
a namorar sem antes ficar com ela pra poder
conhecer e tal (sequência expositiva)
Miriam Marsicky: ... então tem o ficar o transar e o namorar... então eu acho que o
ficar hoje para o jovem é um conhecer ... tá.. se conhecer pra ver se realmente a
relação vai dar certo (sequência descritiva)
Por fim, eles também procuram marcar suas posições pelo uso de marcadores de
refutação (A refutação de um argumento pode ser compreendida como a ação de
negar (mesmo que parcialmente) ou não concordar com o argumento exposto pelo
outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso do próprio
"não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se opor ao
argumento apresentado.) e/ou de concordância. (Os marcadores de concordância
estão relacionados à ação de concordar com um argumento exposto pelo outro
interlocutor. Um dos marcadores de concordância mais usados é o "isso" ou o "isso
mesmo".) Por exemplo, ao responder a pergunta de André Marinho ("Você também
pensa assim também, Mayara?"), a locutora de rádio Mayara Gonçalves, começa sua
fala assim:
Mayara Gonçalves: eu penso mais ou menos assim ... eu acho que o que ele falou
é muito importante...
No caso do início da fala da jornalista, ela, ao mesmo tempo em que não concorda
completamente com a fala do outro convidado ("eu penso mais ou menos assim"),
também faz um movimento de valorização dessa mesma fala ("o que ele falou é muito
importante").
Todos os exemplos nos mostram que o debate de opinião de fundo controverso é, de
fato, um locus muito importante de observação de como os sujeitos negociam e
coconstroem os sentidos, de forma a manter ou transformar uma opinião, um ponto de
vista. Os procedimentos exemplificados são fundamentais para a caracterização do
gênero, como já vimos no contato com os pressupostos de Dolz, Schneuwly e De
Pietro (2004[1998]).
Fonte da imagem: Redefor
Colocando os conhecimentos em jogo 5
Agora, vamos ver mais um vídeo do mesmo Programa, sobre outro tema. Interessanos neste vídeo analisar como a natureza polêmica do tema modifica a interação
entre o moderador e os convidados e entre os convidados.
Uma primeira diferença entre este programa sobre o tema "Maioridade penal aos 16
anos" e o outro programa sobre o tema "Ficar ou namorar? Qual a melhor escolha?" é
o tempo de apresentação do tema. Neste programa, o tema é apresentado durante
quase 2 minutos, enquanto que no outro programa, o tema é apresentado em
aproximadamente 1 minuto.
Uma segunda diferença reside no grau de informatividade do texto inicial do
apresentador. No seu texto oral, André Marinho fornece um conjunto de informações
mais detalhadas sobre o tema, diferentemente do que acontece no outro programa. O
apresentador faz alusão ao um dos importantes direitos do jovem de 16 anos no
Brasil, o direito ao voto, contrapondo esse fato ao de que o jovem brasileiro de 16
anos não pode ter carteira de habilitação. Em seguida, apontando um aprofundamento
do que ele julga ser uma contradição ("a situação fica mais complicada"), o moderador
levanta o problema dos crimes cometidos por jovens com menos de 18 anos. A partir
de então, começa a fornecer um conjunto de dados sobre como são as leis em outros
países no que diz respeito a essa matéria. Os dados oferecidos já induzem a se
pensar que a proposta de redução da maioridade penal é um erro.
Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=GI4y2vbqsPU, acesso em 08/03/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 6
É justamente contra essa orientação argumentativa (Como vimos no Tema 1, a
orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida
pelo modo como os recursos linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados
por meio de operadores argumentativos e por meio da seleção lexical) são
mobilizados peloprodutor do texto, levando o interlocutor a adotar uma determinada
posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.) implementada já no início
do programa que o primeiro convidado, o advogado Ari Friendebach, se insurge,
criando um ambiente de posições antagônicas no início do programa, já que vai
discordar explicitamente não das informações em si, mas da interpretação dada a
essas informações. Vejamos o trecho no qual o advogado explicita a sua crítica ao tipo
de informação fornecida pelo moderador na abertura do programa:
Ari Friendebach: ... você tem alguns dados que eu achei muito interessante mas me
deixa ... meio intrigado ... você diz de que em sete anos de endurecimento de leis nos
estados unidos a criminalidade entre jovens aumentou em três vezes ... é ... eu acho
assim que esse dado ... falta um pouco de melhor análise dele ... porque assim ... a
única leitura que eu posso fazer disso é... então quer dizer que os jovens ficaram
bravos porque a lei ficou mais dura?
Interrompendo o advogado, André Marinho se posiciona:
André Marinho: é porque é na verdade ele se aplica na cultura ... né americana
estados unidos ... e talvez ... um dentro daquela cultura deles isso tenha acontecido ...
mas não significa que num país como o nosso o Brasil isso também... por causa do
endurecimento... isso também deva acontecer....
Em resposta à intervenção de André Marinho, o advogado, então, aprofunda sua
crítica:
Ari Friendebach: não ... e é exatamente isso o que eu quero dizer ... o que acontece
a gente fala dados de vários países ... e cada país tem uma realidade completamente
diferente...
André Marinho: uma realidade... cultura... formação
Ari Friendebach: a gente não pode falar da cultura japonesa comparar com o que
acontece aqui no Brasil ...
É importante perceber que o tema, os dados fornecidos pelo moderador na abertura
do programa e a posição defendida pelo advogado (uma responsabilização penal dos
jovens que cometem crimes hediondos) possibilitaram a polêmica (É importante
pensar que o debate se instaurou de forma mais polêmica (caracterizada pela defesa
mais direta e acirrada de posições) e menos colaborativa (caracterizada pela não
refutação direta da outra posição) também por um fator emocional: o defensor da
responsabilização penal de jovens por crimes hediondos teve sua filha assassinada
por um jovem menor de 18 anos que ficou impune. Esse perfil social de um dos
convidados cria impactos não apenas sobre a forma como o tema é discutido, mas
também na maneira como ele é recebido no programa pelo moderador, que o trata
com maior formalidade e menos proximidade.) desse debate inicial entre o moderador
e o convidado, mais especialmente, a emergência do "ataque" do convidado ao
direcionamento argumentativo implícito do moderador sobre o tema em pauta, ao
fornecer os dados (- na maioria dos países (55%) a maioridade é aos 18 anos; - o
endurecimento das leis nos EUA apenas fez com que triplicasse o número de crimes
cometidos por jovens; - na Europa, a Espanha voltou atrás na decisão de reduzir a
maioridade penal e, na Alemanha, além de se ter retornado a maioridade para os 18
anos, está sendo criada uma justiça especializada em crimes cometidos por jovens
entre 18 e 21 anos.) que forneceu.
Finalizando o tópico
Neste tópico, trabalhamos com o gênero oral formal público "debate de fundo
controverso". Para tanto, procuramos analisar mais detidamente dois programas
televisivos destinados ao público jovem que têm por objetivo principal debater temas
de interesse desse público.
O que ficou para nós desse breve estudo?
1. O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito
importante para a formação da cidadania;
2. Fazer com que o aluno se interesse por esse gênero somente pode se dar por
meio da mediação do professor, como se faz com outros gêneros (orais ou
escritos);
3. A observação das competências exibidas pelo moderador e pelos participantes
de um debate pode ser uma das maiores motivações para que os alunos se
interessem por esse gênero, seja para compreendê-lo, seja para (re)produzir
um certo tipo de participação - como moderador, como especialista, como um
dos que vai defender uma determinada posição;
4. É importante perceber que em um debate, qualquer que seja ele, o tempo é um
fator muito importante. As posições e os argumentos precisam ficar
explicitados dentro de um determinado tempo (geralmente em um ou dois
minutos) e todos os participantes devem ter direitos iguais de participação em
relação a esse aspecto;
5. Desenvolver a competência de argumentar em um período muito curto de
tempo é um trabalho que exige muita preparação e planejamento;
6. Ensinar o debate pressupõe que observemos a forma como os argumentos são
apresentados, quais argumentos são apresentados e quais marcas de
refutação e de concordância são usadas;
7. A polêmica é uma forma de se estabelecer/construir o debate. Vimos que um
participante-especialista iniciou sua fala questionando diretamente os dados
fornecidos pelo moderador no início do debate. Não se pode lidar com a
polêmica de forma normativa (reprovando-a, por exemplo), já que ela é
constitutiva do debate. O mais importante é observar como a polêmica se
instaura e como os participantes lidam com enunciados e posturas polêmicas.
Finalizando o Tema
Os pontos mais importantes deste Tema 2 estão resumidos abaixo:
·
Os gêneros orais formais públicos apresentam sempre uma natureza
multissemiótica e apresentam muitos formatos, ou seja, são variáveis.
·
Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de
Língua Portuguesa porque se faz necessário levar os alunos a ultrapassarem
as formas cotidianas de produção oral e a confrontarem essas formas
cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais.
·
A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que
espera aprender algo com ele. O principal objetivo dessa interação é modificar
os
conhecimentos
dos
ouvintes,
diminuindo
assim
conhecimentos que distingue o especialista do seu público.
a
assimetria
de
·
A noção de oral formal adotada não está relacionada com "certo" ou "errado",
mas decorre fundamentalmente das situações, das convenções ligadas aos
gêneros e dos propósitos comunicativos do locutor.
·
O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito
importante para a formação da cidadania e que somente pode ser objeto de
reflexão por parte dos alunos se houver a mediação do professor.
·
Essa mediação consiste em levar os alunos a observarem o funcionamento do
debate: o papel de cada um dos participantes, a forma e o conteúdo da
argumentação e a instauração (ou não) da polêmica.
Ampliando o conhecimento 1
WEBGRAFIA
1. Links para textos sobre debate regrado e exposição oral:
·
CRISTOVÃO, V. L. L.; DURÃO, A. B. A. B.; NASCIMENTO, E. L. Debate em
sala de aula: Práticas de linguagem em um gênero escolar. Anais do 5º
Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003. P. 1436-1441.
·
NASCIMENTO, E. L. Gêneros em expressão oral: Elementos para uma
seqüência didática no domínio do argumentar. Revista SIGNUM: Estud. Ling.,
n. 8/1, Londrina, jun. 2005. P. 131-156.
·
TEIXEIRA, A. P. T.; BLASQUE, R. M. G.; SANTOS, C. D. A exposição oral na
sala de aula.
GOULART, C. A exposição oral em seminário: Um gênero escolar muito utilizado,
mas pouco sistematizado.
2. Links para textos com propostas de ensino de debate regrado:
·
Aula do Portal do Professor do MEC sobre "O debate regrado e o bullying", de
autoria de Walleska Bernardino Silva.
·
Debatendo. Oficina Pedagógica - DE S.J.Campos/SP, de autoria de Dorothy
Bluyus Rodrigues Matias - PCOP/História.
·
Plano de aula da Nova Escola Online sobre "Redução da maioridade penal (de
18 para 16 anos)" (debate).
Ampliando o conhecimento 2
FILMES E VIDEOS
O GRANDE DESAFIO
Título original: The Great Debaters
Duração: 126 minutos (2 horas e 6 minutos)
Gênero: Aventura
Direção: Denzel Washington
Ano: 2007
País de origem:EUA
SINOPSE: Acredite no poder das palavras. Inspirado em uma história real, o filme
conta a jornada do brilhante, mas volátil, professor Melvin Tolson (Denzel Washington)
que, usando de seus métodos pouco convencionais, sua visão política radical e o
poder das suas palavras para motivar um grupo de alunos do Wiley College, do Texas,
a participar de um campeonato de debates na Universidade de Harvard.
ELENCO:
Denzel Washington (Melvin B. Tolson)
Nate Parker (Henry Lowe)
Jurnee Smollett (Samantha Booke)
Denzel Whitaker (James Farmer Jr.)
Jermaine Williams (Hamilton Burgess)
Forest Whitaker (Dr. James Farmer Sr.)
Dentre outros.
Para ver o trailer, clique aqui. Leia uma resenha, clicando aqui.
Além disso, você pode ver alguns vídeos e textos de opinião sobre os temas tratados
no Programas de TV, clicando nos links abaixo:
·
Pé na Rua: ficar ou namorar?
·
i9 - Produções - Fala Aí (vários programas do Fala Aí da TV da Gente)
·
Debate sobre a maioridade penal no Rio de Janeiro
·
Um ombro amigo - Namorar ou ficar?
Fonte da imagem: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-o-grande-desafio-6773/, acesso em 10/03/2011.
Referências Bibliográficas 1
AZANHA, E. F. Gêneros televisivos na escola: A co-construção dos sentidos nas
interações de alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado. Universidade
Estadual de Campinas. São Paulo: Unicamp/IEL, 2008.
BENTES, A. C. Linguagem oral no espaço escolar: Rediscutindo o lugar das práticas e
dos gêneros orais na escola. IN: E. RANGEL; R. ROJO (Orgs.) Explorando o ensino:
Língua Portuguesa. Brasília, DF: MEC, Vol. 1, 2010. P. 15-35.
_____. Oralidade, política e direitos humanos: Por uma aula de Língua Portuguesa
comprometida com o diálogo e com a construção da cidadania. IN: V. M. S. ELIAS
(Org.) Oralidade, leitura e escrita no ensino de Língua Portuguesa. São Paulo:
Contexto, 2011. P. 20-35.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). IN: B.
SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 41-70. Tradução e organização de
R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-F.; ZAHND, G. A exposição oral. IN: B.
SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 215-246. Tradução e organização
de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-F. Relato da elaboração de uma
seqüência: O debate público. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores.
Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998].
P. 247-278. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.
Referências Bibliográficas 2
MENDES, A. N. N. B.
A linguagem oral nos livros didáticos de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental - 3º e 4º ciclos: Algumas reflexões. Tese de
Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-SP/LAEL,
2005.
PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: Para uma teoria da produção
co(n)textual do sentido. In: A. C. BENTES; M. Q. LEITE (Orgs.) Linguística textual e
análise da conversação: Panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez
Editora, 2010. P. 262-315.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares - Das práticas de linguagem aos
objetos de ensino. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e
escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1997]. P. 71-91.
Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.
TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.
Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari. Revisão Técnica de Ingedore G.V. Koch e
Thais Ch. Silva.
Tema 3. O trabalho com as variedades do Português
Tópico 1 -Trabalhando com as variedades do português: Pressupostos teóricos
Um início de conversa 1
Neste tópico 1 do Tema 3, vamos trabalhar com uma perspectiva sociolinguística,
para tratar dos elementos linguísticos que constituem os textos e os gêneros. O que é
uma perspectiva sociolinguística? É uma perspectiva que tem, como principal
interesse, a explicação sobre porque falamos e/ou escrevemos de formas diferentes,
em diferentes contextos. Os pesquisadores que estudam estas relações entre língua e
sociedade, os sociolinguistas, também buscam entender como a linguagem é usada
pelos falantes, de forma a convencionar/marcar significados sociais. Além disso, uma
perspectiva sociolinguística pressupõe que encaremos o fenômeno linguístico
considerando dois princípios:
a) Todas as línguas mudam.
b) Todas as línguas variam.
Isso significa dizer que a língua de hoje está em processo de mudança e que a língua
de ontem apresentou variação. Em outras palavras, a qualquer momento que
quisermos partir para a observação do fenômeno linguístico, vamos encontrá-lo em
variação e sofrendo mudanças (ambos processos mais ou menos perceptíveis). Ao
longo deste tópico, trabalharemos com estes dois princípios, mostrando como eles
estão intrinsecamente relacionados. Observemos, por exemplo, o texto abaixo,
apontado como "a mais antiga cantiga de amigo em Língua Portuguesa, que seria de
autoria de D. Sancho I de Portugal e teria sido escrita em 1199, numa época em que o
príncipe residia na fortaleza da Guarda" (ILARI, 1997, p. 208):
Ay, eu coitada, como vivo em gram cuydado
Por meu amigo que hei alongado!
Muyto me tarda
O meu amigo na guarda!
Ay, eu coitada, como vivo em gram desejo
Por meu amigo que tarda e non vejo!
Muyto me tarda
O meu amigo na guarda.
É interessante perceber que, apesar de este texto ser escrito em Português arcaico,
do século XII, nós o compreendemos em seu sentido global: o lamento de uma mulher
sobre o fato de estar distante de seu amado. No entanto, também percebemos
algumas diferenças radicais na grafia de certas palavras: "y" no lugar de "i"; "am" ou
"on" no lugar de "ão".
Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_I_de_Portugal , acesso em 05/04/2011.
Um início de conversa 2
Há mudanças também no léxico. Certas expressões que figuram na cantiga ("hei
alongado", "me tarda") não são mais usadas com o mesmo sentido. Hoje, usaríamos
"está distante", "demora".
Mudaram ainda certas estruturas sintáticas. Na expressão "hei alongado" (algo como
"tenho distante") o verbo haver ("hei") é usado como auxiliar de tempo do particípio
"alongado" e esta estrutura sintática não ocorre mais no Português contemporâneo. A
cantiga de amigo aqui analisada é um dado exemplar para analisarmos a chamada
variação diacrônica, ou seja, a variação linguística que se dá através do tempo.
Assim, as línguas mudam (Portanto, usamos o termo "mudança linguística" para nos
referir às transformações das línguas ao longo do tempo histórico.) bastante através
dos tempos.
Mas também variam (Portanto, usamos o termo "variação linguística" para nos referir
às diferentes formas que as línguas apresentam em um dado tempo histórico.)
bastante em um mesmo tempo histórico.
Para começarmos nossa conversa sobre esse tema, clique nas imagens abaixo, que
remetem a gravações das décadas de 40 a meados dos anos 60 do século XX:
Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=vEh7J7hQ4c4, (2)!http://www.youtube.com/watch?v=YxQaN0FKA74, (3)
http://www.youtube.com/watch?v=LQCV1iFegZg, (4) http://www.youtube.com/watch?v=kUKJMdCdynA, acesso em 19/04/2011.
Ponto de partida
Agora, reflita:
·
Quais diferenças, em termos de linguagem,
você pode notar entre os filmes de diferentes gêneros
(discursos de palanque filmados, cena de série
brasileira, anúncio comercial televisivo)?
·
Considerando
os
gêneros
observados,
podemos fazer uma divisão entre aqueles mais formais
e os mais informais?
·
O que você considera que mais se modificou: a linguagem, os cenários
(vestimentas, comportamentos etc.) ou ambos?
Retomando nossa conversa sobre as relações entre linguagem e sociedade, podemos
dizer que a variação linguística é um fenômeno constitutivo de todas as línguas.
Consiste no que Camacho (2001) denomina "caos organizado", a saber, a existência
de formas linguísticas alternativas para se dizer a mesma coisa.
A variação pode se dar no nível lexical. Ilari e Basso (2006, p. 164-165) afirmam
que a mesma realidade, conforme a região, pode ser expressa por palavras diferentes:
lanternagem/funilaria;
macaxeira/aipim/mandioca;
negócio/venda;
geleia
de
frutas/chimia. Ou, ainda, que duas variedades regionais têm palavras com a mesma
forma, mas com sentidos diferentes: quitanda (em geral, mercearia, tenda; em Minas
Gerais, conjunto de iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha); feira (em
geral, reunião de vendedores; na região Norte, sacola em que se transportam
gêneros).
A variação pode ocorrer no nível fonético-fonológico (."A Fonética e a Fonologia são
as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de
estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de
pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é
descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os
resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos
sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI;
MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106)). Considerando as diferenças de fala entre
sujeitos oriundos de diferentes grupos sociais, pode-se dizer que há variação, por
exemplo, na pronúncia de "folha" que pode se pronunciada com "lhe" antes da vogal
final; ou com "i" ("foia"); ou que há variação na pronúncia de "constância", que pode
também ser pronunciada "constança", ocorrendo a monotongação do ditongo
crescente em posição final "ia".
A variação pode ocorrer no nível sintático. No português de Portugal, a condição é
expressa pelo modo indicativo ("Se eu sabia, eu vinha"). No português do Brasil, esta
construção é estigmatizada e a construção preferida é expressa pelo modo subjuntivo
("Se eu soubesse, eu viria").
Fonte da imagem: http://cataobabado.blogspot.com/2011_01_01_archive.html, acesso em 05/04/2011.
Mãos à obra
Essa diversidade de formas, no entanto, não é usada aleatoriamente pelos falantes.
Os usos linguísticos são influenciados por fatores sociais específicos, refletindo a
influência de um ou mais dos componentes abaixo:
Os participantes:
Quem está falando? - A idade da pessoa que fala, o grupo ou classe social ao qual ela
pertence, o sexo da pessoa.
Com quem a pessoa está falando? - A idade da pessoa com quem se fala, o grupo ou
classe social ao qual ela pertence, o sexo da pessoa.
O contexto social da interação: Onde e em que época eles estão falando?
O tópico: Sobre o que se está falando?
A função ou finalidade: Por que ou para que eles estão falando?
Nos vídeos a que você acabou de assistir, a linguagem dos participantes muda
justamente em função da conjunção de alguns dos fatores acima. Vejamos:
Na cena em que Eva Wilma e John Herbert
desempenham o papel de marido e mulher, o uso
da
expressão
"meu
bem"
como
forma
de
tratamento (usada tanto por ele como por ela)
marca justamente o tipo de relação (conjugal) que
mantêm e a proximidade entre eles. Outro aspecto
importante de ser ressaltado é a entoação (É a
variação na altura da voz durante a fala. Em outras palavras, a altura de nossa voz
sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado e o padrão que resulta disso
é o padrão entoacional do enunciado. (TRASK, 2004, p. 91)) de Eva Wilma quando
fala com John Herbert. Perceba a forma como ela implementa um ritmo especial à sua
fala no trecho: "ah eu vi uma coisa TÃO bonitinha pra homem na cidade que eu não
resisti... comprei pra você... adivinhe o que é? ... um chaveirinho na forma de sapinho
meu bem... um amor meu bem ... pra você...". Aqui também percebemos o uso do
diminutivo, que pode ser considerado como um marcador de gênero (No sentido de
gênero social: homem, mulher, gay etc. Alguns estudos afirmam que há uma
tendência na fala feminina ao uso de diminutivos.) no Português brasileiro. Todos
esses recursos conjugados conferem um caráter informal e próximo às falas dos
participantes dessa interação.
Fonte da imagem: http://blcamargo.blogspot.com/2011/02/fatos-programa-de-tv-alo-docura.html, acesso em 05/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
·
No anúncio comercial televisivo, do qual participam Cacilda Becker e Walmor
Chagas, são justamente as funções desempenhadas por Cacilda - de mulher
explicando para o marido ("é por isso, querido") a diferença no uso de dois
óleos de cozinha, em um plano, e a de atriz explicando para o público feminino
("é verdade, amiga") porque deve usar/comprar um determinado produto, em
outro plano - que exercem influência sobre a sua velocidade de fala (pausada
ou mais rápida) e sobre o fato de o texto ser estruturado principalmente por
meio de sequências descritivas ("esses óleos estão aquecendo há bastante
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explicativas ("... o Óleo Saúde não faz fumaça porque não tem impurezas para
queimar... e é por isso... querido... que com o Óleo Saúde a gente sente o
gosto dos alimentos não do óleo... é verdade amigas... o teste da fumaça prova
)
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Já os discursos de palanque de Getúlio Vargas e de Luís Carlos Prestes
revelam a influência do contexto social na produção da linguagem. São
produções primeiramente escritas e, como tal, previamente planejadas,
formatadas na variedade padrão (A variedade padrão é geralmente aquela
associada aos gêneros escritos de prestígio (literários, jornalísticos, científicos
etc.) e que passou por processos mais sistemáticos e duradouros de
regularização e codificação por meio da elaboração de gramáticas e de
dicionários. É reconhecida como uma variedade de prestígio por uma
comunidade e é usada para funções altas, tais como a escolarização e a
elaboração de leis e de procedimentos administrativos. Pode-se dizer que
apenas uma minoria de línguas do mundo possuem escrita e uma parcela
menor ainda passou por processos de codificação e/ou regularização.) do
Português brasileiro.
·
Uma das principais características da fala do ex-presidente Getúlio Vargas é a
forma de tratamento de seus interlocutores. Ele se dirige a seus interlocutores
por meio da segunda pessoa do plural ("vós", "convosco, "vosso"). Hoje em
dia, mesmo em discursos formais, a segunda pessoa do plural não é mais
usada, tendo sido substituída, quase que categoricamente, por "vocês", ou, em
contextos mais formais, por "os(as) senhores(as)". Outra característica da fala
do ex-presidente é a pronúncia do /l/ pós-vocálico; normalmente, nesses
contextos de palavras, vocaliza-se o /l/, pronunciando-se /al/ como /au/, /il/
como /iu/, /el/ como /éu/ e /ol/ como /ou/. No entanto, Getúlio Vargas pronuncia
o /l/ como um som alveolar (Som que é produzido com a ponta da língua
tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores.), como nas palavras
"BrasiL", "voLtei", "nacionaL", "leaL", "irresistíveL", "iguaLdade sociaL". Essa
variação, que podemos ver e ouvir ao termos acesso a essa gravação de um
discurso de palanque de mais de 50 anos atrás, não é produtiva hoje, já que
poucas pessoas pronunciam o /l/ dental. No entanto, naquela época, essa
pronúncia marcava a regionalidade da fala da pessoa, sendo característica dos
falantes do Sul do País, especialmente, do Rio Grande do Sul, terra de
nascimento do ex-presidente Getúlio Vargas. (LEITE; CALLOU, 2002). Se uma
pessoa hoje pronuncia o /l/ assim, provavelmente tem uma idade mais
avançada e mora no extremo Sul do Brasil. Para nós, essa pronúncia
alternativa das palavras "Brasil", "voltei", "nacional", "leal", "iressistível",
"igualdade social", marca um tipo de pronúncia distante no tempo e específica
de determinada região do País.
Colocando os conhecimentos em jogo 2
O trecho do discurso de Luís Carlos Prestes também reflete o
contexto sócio-histórico mais amplo, principalmente se
observarmos o uso de determinadas expressões referenciais:
1. Relacionadas ao campo da política da época:
"trotskistas", "fascistas", "quinta-colunistas", "comunistas";
"Stalinistas".
2. Relacionadas ao campo de estudos das Ciências
Sociais:
"realidade
econômica,
social
e
política",
"proletariado", "trabalhadores das cidades e do campo".
Retomando a nossa discussão sobre a variação intrínseca a todo fenômeno
linguístico, podemos dizer que as línguas variam em função de fatores e dimensões
sociais. Os fatores sociais são os que apresentamos anteriormente. As dimensões
sociais envolvidas na variação linguística são as que se seguem:
1. A escala de distância social definida pelo relacionamento entre os
participantes.
2. A escala de status definida pelo relacionamento entre os participantes.
3. Uma escala de formalidade definida pelo cenário e pelo tipo de interação.
4. Duas escalas funcionais relacionadas ao propósito ou ao tópico da interação.
A escolha das expressões referenciais elencadas acima revela que a fala de Luís
Carlos Prestes é influenciada tanto pela dimensão da formalidade quanto pelo status
social de quem fala. É uma fala que evoca conhecimentos do campo político da época
e também conhecimentos científicos, revelando o status social de Prestes, um homem
estudado, experiente nas questões políticas, que desempenha uma função alta dentro
de seu Partido, um líder político nacional (veja, por exemplo, a quantidade de pessoas
mobilizadas para escutar o seu discurso). Por isso, podemos dizer que sua fala se
situa na parte superior da escala de status, revelando que o "dono da voz" pertence a
um grupo social mais prestigiado socialmente. Em função do contexto em que é
enunciada, sua fala é marcada pela formalidade também, porque exibe determinadas
construções sintáticas (o uso do presente do subjuntivo, como em "organizemos, pois,
o nosso povo"; "marchemos ..."; o uso do verbo "haver" como auxiliar na construção "é
o que nós, comunistas, havemos de fazer, havemos de fazer com o apoio do povo e
particularmente com o proletariado de São Paulo", que só aparecem na escrita formal
ou em textos oralizados previamente redigidos, como é o caso dos discursos de
Prestes e de Getúlio.
Fonte da imagem: http://educacao.uol.com.br/biografias/luis-carlos-prestes.jhtm, acesso em 05/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 3
A partir de agora, procuraremos exemplificar como a manipulação de elementos de
uma das variedades não padrão (As variedades não-padrão em geral se caracterizam
por serem faladas por pessoas das camadas populares e que possuem pouca ou
nenhuma escolarização. Fala-se de variedades não-padrão no plural, porque elas vão
ser influenciadas por fatores tais como região geográfica, faixas etárias e níveis de
escolarização. Mas existem traços comuns entre elas, tais como o fato de serem
estigmatizadas, de veicularem conteúdos de tradição oral e de não serem submetidas
a processos de regularização e oficialização.) do português brasileiro, no interior de
um texto (um roteiro de cinema) predominantemente escrito na variedade padrão,
somente foi bem-sucedida na passagem do escrito para a encenação, porque contou
com o conhecimento prático de um falante dessa variedade não padrão, que deu
assessoria aos roteiristas e diretores. Para tanto, vamos trabalhar com um trecho do
roteiro do filme nacional "O Invasor", de autoria de Marçal Aquino, Renato Ciasca e
Beto Brant, de forma a compará-lo com o trecho da transcrição da cena do filme, feita
pela pesquisadora Alessandra Brum (2003), em sua dissertação de mestrado intitulada
O processo de criação artística no filme "O Invasor".
Segundo a pesquisadora, o filme "O Invasor" foi
concebido a partir de uma novela que ainda estava
sendo escrita por Marçal Aquino, que interrompeu o seu
processo de criação literária para desenvolver o roteiro.
De qualquer forma, antes de observarmos o trecho em
que
ocorrem
transformações
na
linguagem,
na
passagem do roteiro para a encenação propriamente
dita, é necessário que tenhamos acesso a
informações relevantes.
algumas
A linguagem desenvolvida por Marçal Aquino na
produção desta novela, que depois se transforma em
roteiro de filme, é assim caracterizada em entrevista
concedida à pesquisadora Alessandra Brum:
"... queria pensar um pouco essa coisa da
violência urbana, no sentido de que tinha
algumas coisas que eu estava vendo nas ruas.
Eu gosto muito da rua, a minha literatura vem
da rua, a mágica vem dali..."
(Marçal Aquino, em entrevista concedida a
Alessandra Brum, 2003, p. 167).
Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/trailers-e-imagens/, acesso em 05/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Sobre o gênero roteiro, a pesquisadora Alessandra Brum afirma que Marçal Aquino o
concebe como "um instrumento para a realização de um filme que garante, de maneira
organizacional, a estrutura narrativa que o material deve conter" (BRUM, 2003, p. 31).
Para a pesquisadora, é importante percebermos que o roteiro é um dos elementos da
linguagem cinematográfica, já que "o verdadeiro roteiro é aquele que não pretende,
por si só, afetar o leitor de forma completa e definitiva, mas que foi criado tão somente
com o objetivo de se transformar em um filme e só a partir daí adquirir sua forma final"
(TARKOVSKI, 1998, apud BRUM, 2003, p. 31).
Sobre a passagem do escrito para a encenação, foi muito importante a participação do
rapper Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Como o filme trata das relações entre
centro e periferia em São Paulo, capital, as falas de Anísio, o assassino contratado por
dois sócios (Ivan e Gilberto), para matar o terceiro membro da sociedade (Estevão), já
eram, segundo Brum (2003), uma preocupação dos roteiristas ao escreverem o texto,
porque eles não tinham conhecimento suficiente do universo da periferia para criar
verossimilhança em relação à linguagem dessa personagem.
"... no caso do Anísio a coisa era grave porque eu sabia que
era um personagem da periferia, vindo da periferia que vai
para o centro, logo, a fala dele não é igual a dos outros caras,
ele tem gírias que estão colocadas no roteiro se você olhar,
de maneira tênue, mas está lá dita a intenção do que ele vai dizer. Quando o Beto
incorpora ao Invasor o Sabotage, foi uma grande oportunidade, porque o Sabotage é o
homem da linguagem, é um rapper, é um cara que domina essa linguagem."
(Marçal Aquino, em entrevista a Alessandra Brum, 2003, p. 181).
Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Sabotage2.jpg, acesso em 08/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 5
Roteiro
Cena: Interior de bar de periferia - Dia
ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): E você, não fala nada?
Ivan continua calado. Para quebrar o desconforto, Gilberto fala:
GILBERTO (para Anísio): Você trabalha sozinho?
ANÍSIO (para Gilberto): Eu e Deus
Filme
Cena: Interior de bar de periferia - Dia
ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): e::: e aí... e o cara aí ... não fala nada? que que é? é
cana? é ganso? qual que é?
GILBERTO (para Anísio): ele é meu parceiro... meu sócio ... também tá pagando.
ANÍSIO (para Ivan e Gilberto): eh:::... porque se não for... é o seguinte... ninguém sai
daqui...
Observando os trechos acima (para ver a redação completa da cena no roteiro, clique
aqui; para ver a cena inicial do filme, clique aqui), podemos perceber que a situação
comunicativa e a linguagem do roteiro foram transformadas na filmagem da cena, que
retrata uma situação imediata de muita tensão: dois sócios vão a um bar de periferia
para encontrar e contratar um assassino profissional, que será incumbido da missão
de matar o terceiro membro da sociedade. Para que a cena tenha verossimilhança, a
linguagem precisa evidenciar essa tensão. Mais do que isto, conhecendo um pouco
mais a história, o diálogo em questão está exibindo tanto o desconforto de Ivan com o
que está prestes a fazer (representado por sua mudez), como a desconfiança de
Anísio (que faz as perguntas que faz e da forma que faz) de que alguma coisa ali
estava errada.
Interessa-nos olhar, com especial cuidado, a retextualização da primeira pergunta que
Anísio faz, quando os sócios chegam ao bar. Ao ser formulada na cena, a pergunta é
feita em uma situação diferente daquela do roteiro: nele, Anísio se dirige diretamente a
Ivan ("E você, não fala nada?"), que continua calado; na encenação do filme, Anísio
não se dirige diretamente a Ivan, mas sim faz a pergunta para Gilberto sobre Ivan: "e o
cara aí...não fala nada?". Esta mudança ocorre porque a encenação toda mostra que
quem está no comando da situação é Gilberto. Anísio fala com quem está no comando
da situação que ali se instaura.
Colocando os conhecimentos em jogo 6
Ao ser encenada, a pergunta de Anísio ("e o cara aí...não
fala nada?") é precedida por uma pausa preenchida (e:::) e
por uma saudação informal ("e aí?"), estratégias típicas de
uma oralidade informal (Neste contexto, a informalidade da
linguagem é marcada pelo uso de gírias, marcadores
conversacionais, hesitações, repetições etc. No entanto, no
contexto da cena, a informalidade da linguagem não está relacionada a uma situação
de "relaxamento" entre os interlocutores; ao contrário, está servindo à afirmação de
relações de poder entre o assassino e os empresários.).
O dado apresentado, o qual nos faz perceber as diferenças entre o que estava escrito
no roteiro e a fala realmente encenada no filme, é interessante porque mostra que a
fala do personagem precisa "casar", "combinar" com sua identidade social - ele é um
fora-da-lei, um marginal e, nesta condição, precisa ser muito precavido. Daí a pergunta
sobre a atitude de silêncio de Ivan. Logo depois da pergunta feita, Anísio enuncia sua
desconfiança de que Ivan seja um policial, alguém trazido por Gilberto para
testemunhar a contratação de um assassinato. E faz isso por meio de uma série de
perguntas, sendo as duas primeiras sobre a identidade social de Ivan ("é cana? é
ganso?") e a última de caráter mais geral ("qual que é?"), que pode ser traduzida por
"quem é ele, afinal?" e/ou "o que está acontecendo aqui?".
Neste tópico, estivemos interessados em entender como as línguas humanas são
fenômenos dinâmicos, mutáveis e variáveis. É esse pressuposto que nos possibilita
dizer que a fala de Anísio não pode ser vista como igual às falas de Gilberto e de Ivan.
Eles pertencem a universos sociais diferentes e hierarquicamente opostos - os dois
(engenheiros e donos de uma construtora) estão no topo da escala de status e Anísio
está na base dessa escala. Pertencem a classes sociais radicalmente diferentes e
suas profissões também nada têm em comum. Neste sentido, a fala de Anísio traz as
marcas do que chamamos de variedades não padrão, principalmente no nível lexical.
Gilberto é tratado de "cara" e é acusado de talvez ser um "cana" ou ainda um "ganso".
Se as duas primeiras expressões podem ser consideradas como gírias comuns ("A
gíria comum é a vulgarização da gíria de grupo. Essa vulgarização ocorre quando a
gíria quebra seu papel de isolamento e exclusão e invade a sociedade em geral,
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podendo ser usadas por pessoas de diferentes grupos sociais em situações informais,
a terceira é um pouco diferente, remetendo ao universo da periferia, onde os delatores
(os "gansos") são duramente penalizados, muitas vezes, com a morte. "Ganso" é,
pois, uma gíria de grupo
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sociedade que conscientemente mantêm um aspecto de distanciamento em relação à
sociedade em geral, seja pelo inusitado, seja pelos conflitos entre estes setores e a
sociedade. A partir daí, seus usuários criam um mundo particular e esse isolamento é
levado à linguagem por meio de vocábulos específicos, também de caráter isolado e
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O exemplo de retextualização que ocorre na passagem do texto escrito (roteiro) para o
texto falado (filme) mostra que o domínio sistemático de variedades muito
contrastantes (variedade padrão & variedades não padrão) pelo mesmo sujeito é uma
tarefa muito difícil. Por isso, os roteiristas e diretores do filme necessitaram da
assessoria de um falante da variedade não padrão em questão (Sabotage), para
conseguir construir a identidade linguística de Anísio, o matador profissional.
Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/, acesso em 05/04/2011.
Finalizando
Sobre este Tópico 1, podemos dizer que:
1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,
variável.
2. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo
(mudança linguística).
3. As línguas sofrem influências de fatores, tais como: quem fala, com quem fala,
o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,
finalmente, a função comunicativa que está em jogo (variação linguística).
4. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais
como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau
de formalidade da situação.
5. As línguas humanas podem ser definidas cada uma como um conjunto de
variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e
estilística.
6. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à
escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. A
variedade padrão passa por processos de regularização e oficialização e serve
para ser usada em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de
leis e documentos oficiais e a administração pública.
7. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e
marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas
e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não
sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas à
práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.
8. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos gêneros
textuais.
Fonte da imagem: Redefor
Atividade autocorrigível 4
Escolha a única alternativa correta e depois pouse o cursor sobre o marcador da
alternativa escolhida (letra) para conferir sua resposta:
a) Apenas algumas línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,
variável.
b) As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o
contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,
finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo.
c) As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de
variedades, variedades estas que não são influenciadas por fatores de natureza social,
geográfica, temporal e estilística.
d) A variação diacrônica é a variação linguística que ocorre em função do fato os
falantes serem de origens geográficas distintas.
e) A variação diatópica é um tipo de variação linguística que se dá através do tempo.
Respostas
a)!Incorreta. Todas as línguas do mundo são dinâmicas, ou seja, variam e
mudam.
b)!Correta. Todos esses fatores exercem enorme influência sobre as línguas do
mundo.
c)!Incorreta. As variedades linguísticas, como vimos, são classificadas como
sociais, geográficas, temporais e estilísticas.
d)!Inocrreta. A variação diacrônica decorre do fato de que as línguas se
modificam com o tempo.
e)!Incorreta. A variação diatópica está relacionada ao fato de os falantes serem
de origens geográficas distintas.
Fonte da imagem: Redefor
Tópico 2 - Trabalhando com variedades regionais
Um início de conversa
No tópico 1, fizemos uma breve apresentação de como uma perspectiva
sociolinguística possibilita a compreensão de alguns aspectos das relações entre
linguagem e sociedade. Vimos que o fenômeno linguístico e as práticas de linguagem
são bastante afetados por fatores e dimensões sociais, tais como a identidade social
do falante, o tipo de interação entre o falante e seu interlocutor, o tópico e o contexto
social e histórico mais amplo, no interior do qual determinada produção de linguagem
ocorre.
Vimos, também, que os fatores que estão em jogo, quando começamos a perceber de
maneira mais reflexiva os diferentes modos de fala, nada têm a ver com o "certo" e o
"errado", mas com o fato de que as línguas humanas são fenômenos variáveis e que
essa variação pode ser explicada e descrita.
Neste tópico 2, primeiramente, iremos tratar da língua portuguesa no mundo e das
diferenças de funcionamento e peso social do português nos diversos países
africanos, em países da Ásia e da Oceania, em Portugal e no Brasil.
Em seguida, trataremos de algumas variedades regionais do português brasileiro.
Denomina-se variação diatópica o fato de as diferenças linguísticas entre os falantes
serem atribuídas a suas origens geográficas distintas.
Fonte da imagem: Redefor
Ponto de partida 1
Sabemos que um falante do português de Portugal não fala como um falante do
português brasileiro.
Voltemos a observar, mais atentamente, a fala do escritor moçambicano Ungulani Ba
Ka Khosa, na entrevista que concedeu para a TV Cultura, texto brevemente analisado
no Tema 1. Clique aqui para ver o vídeo novamente. Clique aqui para ver a transcrição
do trecho inicial entrevista.
Vendo e ouvindo novamente o vídeo, com mais atenção, vamos começar a observar
algumas diferenças entre a maneira de se pronunciar as palavras no português de
Portugal (PP) e no português do Brasil (PB).
Uma primeira diferença entre o PP e o PB possível de ser observada é a da
pronúncia do /l/. Na fala do escritor moçambicano (assim como na fala de Getúlio
Vargas), o /l/ é um som alveolar (Som produzido com a ponta da língua tocando a
parte posterior dos dentes incisivos superiores.), não sendo vocalizado como em
"oficiau", que é o que ocorre generalizadamente no PB.
Uma segunda diferença é a realização das vogais. Por exemplo, na fala de Ungulani
Ba Ka Khosa, o /e/ inicial átono (como em "sedimentada") é pronunciado como /i/
("sidimentado"). Também ocorre na fala do escritor moçambicano o fenômeno da
redução das vogais /a/ e /e/. Um exemplo deste fenômeno é quando o escritor fala
"que".
Fonte das imagens: (1) e (2): Redefor
Ponto de partida 2
Uma terceira diferença entre o PB e o PP é a realização/pronúncia do /s/ antes de
consoantes surdas ("posto") ou no final de palavras. No PP, ocorre o fenômeno do
"chiamento", ou seja, o /s/ se realiza como "ch". Por exemplo, na fala do escritor
moçambicano, os /s/ finais pronunciados, como, por exemplo, em "estes elementos",
"os contos", "não estão apagados", são "chiados". No PB, este é um traço de diferença
regional interna ao Brasil. Variedades regionais, tais como a carioca e as variedades
faladas em estados do Norte, do Nordeste e do Sul (Santa Catarina), compartilham o
traço do "chiamento" do /s/ final ou de meio de sílaba.
Sendo assim, vimos que algumas diferenças linguísticas se devem ao fato de o
português ser falado em diferentes lugares do mundo. Essas diferenças acabam
sendo reproduzidas dentro do espaço geográfico do Brasil por razões históricas e
sociais. Pode-se dizer, ainda, que em países africanos, como Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e em países da Ásia e da Oceania,
como Goa e Timor Leste, em que o português também é falado, a situação de seu uso
é bem diferente daquela no Brasil e em Portugal. Se aqui e em Portugal o português é
a língua nacional ("É a principal língua de um país. (...) É a língua usada por
praticamente todo mundo para quase todos os fins. O status de língua nacional pode
ser sancionado em lei, como na França, ou não, como nos Estados Unidos da
América, mas todo país, quer tenha ou não uma língua nacional, é obrigado a
reconhecer uma ou mais línguas oficiais em que são processados os negócios oficiais.
Esse é o status da língua portuguesa no Brasil, de acordo com a Constituição de
1988."
(TRASK, 2004, p. 172)) e a língua materna da esmagadora maioria da
população, nos outros países, são diferentes as funções desempenhadas pela língua
portuguesa em relação às outras línguas. No entanto, nos países africanos (Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde), no Brasil, em
Portugal e no Timor Leste, a língua portuguesa é a língua oficial (Uma língua que pode
ser usada para tratar de questões oficiais em determinado país. (...) Cada governo de
cada estado nacional determina uma ou mais línguas em que serão tratados os
assuntos relativos ao envolvimento dos sujeitos com as autoridades do país (certidão
de nascimento, carteiras de habilitação e passaportes, formulários oficiais, escrituras
etc.) Mas em muitos países, como por exemplo, a Espanha e a Bélgica, a questão da
escolha de uma ou mais línguas oficiais é uma questão de disputa política até hoje.
(TRASK, 2004)) de todos. A este respeito, veja informações sobre a formação da
CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
Fonte das imagens: (1), (2), (3), (4), (5) e (6): Redefor
Mãos à obra
Nas páginas anteriores, preocupamos-nos em comentar brevemente o fato de o
português brasileiro, em função de sua relação histórica com o português de Portugal,
ter desenvolvido diferenças linguísticas exatamente porque é falado na América do Sul
e não na Europa. Assim, foi possível observar algumas diferenças linguísticas (no
nível fonético-fonológico ("A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que
estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de estudo, são ciências
relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes
em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...)
Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da
descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos
modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).))
entre os "falares de lá" e os "falares de cá".
Muitos estudiosos da língua (como gramáticos, filológos e linguistas) assumem a
posição de que há uma íntima relação entre o PP e PB. Esta relação foi estabelecida
devido a fatores geopolíticos, sociais e culturais. Mas tratar duas línguas nacionais
como variedades de uma mesma língua (a língua portuguesa) é e será sempre uma
questão polêmica. No entanto, não há como negar as mútuas influências (A respeito
dos dados estatísticos (que envolvem o número de falantes, as políticas internacionais
de difusão da língua, a produção editorial de uma
forma geral - traduções, número de livros, tiragem
de jornais - e a produção cultural - músicas, filmes,
novelas etc.)
sobre a posição do Português no
mundo, mais especialmente do Português do
Brasil, recomendo a leitura de Noll (2008).)
linguísticas e socioculturais entre Brasil e Portugal,
principalmente hoje, no momento em que o Brasil se eleva à posição de nação
economicamente poderosa e politicamente ativa na comunidade internacional.
A partir de agora, vamos nos ocupar dos "falares de cá", ou seja, vamos nos debruçar
sobre as variedades regionais do português brasileiro. Conhecer um pouco dessas
variedades é sempre conhecer também as diferenças culturais e sociais que estão na
base da constituição de qualquer sociedade, muito mais a brasileira, que tem um
histórico de formação multicultural e multilíngue.
É importante começarmos, então, com uma consideração: o português brasileiro não
conta com uma pronúncia padrão (Apesar de não haver uma normatização da
pronúncia do português brasileiro, em 1936 e em 1957, dois grandes congressos
foram convocados para "regulamentar" a língua utilizada em dois gêneros artísticos: o
canto lírico e o teatro. O primeiro foi o Congresso Brasileiro de Língua Cantada e o
segundo foi o Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro. No primeiro, houve a
tendência de apontar a fala do Rio de Janeiro como norma. Já no segundo, a
resolução foi na direção de recomendar que um modelo de pronúncia deveria ser o
resultado de uma negociação entre as regiões. Segundo Ilari e Basso (2006), um
aspecto comum aos dois congressos foi a ideia de que, uma vez definida por um
fórum de especialistas, a pronúncia recomendada acabaria se espalhando por áreas
cada vez mais amplas do País através do ensino. Mas isso, de fato, não chegou a
acontecer.) definida.
Fonte da imagem: http://liciafabio.uol.com.br/wp-content/uploads/2010/04/Sem-T%C3%ADtulo-183.jpg, acesso em 19/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Vamos escutar, com bastante atenção, os falares dos vídeos abaixo:
Agora, vamos refletir:
1) A fala de Pitty revela sua origem regional. Quais seriam os traços que você
elencaria como característicos da fala de uma soteropolitana (nascida em Salvador)?
2) Quais as semelhanças e/ou diferenças que você consegue perceber na
realização/pronúncia dos segmentos /s/, /t/, /d/, nas falas dos entrevistados Riane
Brandão, Eli Marques, Abraão e Jean, todos cineastas paraibanos que foram
entrevistados e que estavam concorrendo ao prêmio "Andorinha digital", durante o 4º
Cineport, Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, realizado em João
Pessoa, Paraíba, em 2009?
Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, (2)!
http://www.youtube.com/watch?v=fWJLefAGUYU&feature=player_embedded#at=49, acesso em 19/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 2
Podemos dizer que a fala de Pitty apresenta uma das principais características gerais
da fala nordestina:
·
a pronúncia aberta do /e/ em posição pré-tônica, como em "lÉvantado" ou
"fÉlicidade", "mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar".
Conforme apontam Leite e Callou (2004), em sua obra Como falam os brasileiros, as
vogais pré-tônicas têm sido consideradas um foco de diferenciação não só entre os
falares brasileiros, mas também entre o português do Brasil e o português de Portugal.
Nesse estudo, as autoras mostram que as vogais pré-tônicas grafadas "e" e "o"
estabelecem uma linha divisória entre os falares do Norte e do Sul. Os falantes da
região Norte e Nordeste optam pela realização aberta (como em "intÉresse", ou em
"cÓração"), enquanto os falantes da região Sul e Sudeste preferem a realização
fechada ("intÊresse", "cÔração).
Outra variação na pronúncia, que marca diferenças regionais, é a realização da
consoante /s/. Clique aqui para ver o mapa da distribuição da variação do /s/ no
Brasil.
Na fala de Pitty e dos cineastas paraibanos entrevistados, por exemplo, o /s/ é
predominantemente não chiado, sendo sibilante. Ele também é sibilante na fala do
paulista Abujamra, o entrevistador do programa Provocações. No entanto, sabemos
que, no Nordeste (e a fala de alguns cineastas entrevistados e da primeira jornalista
mostra isto), o /s/ em contexto pré-consonantal pode ser sibilado, como em "busca",
"expectativa", na fala de Riane; ou pode ser chiado (pronunciado como "ch"), como em
"liSta", também na fala de Riane. A variação livre do /s/ também pode ocorrer em final
de sílaba - na fala da jornalista que apresenta a matéria, ela disse "vêS", mas também
disse "literários". Ou seja, ocorre uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ sibilante
em diferentes contextos (pré-consonantal ou final de sílaba) na fala de baianos (menos
do sul), sergipanos, alagoanos, pernambucanos, paraibanos, potiguares (nascidos no
Rio Grande do Norte), cearenses, maranhenses e piauienses.
Já o /s/chiado ocorre de forma generalizada e predominante em Belém e em
Santarém (PA), em Macapá (AP), em Parintins (AM) e na Baixada Cuiabana (MT). Já
em Manaus, capital do Amazonas, volta a acontecer a variação entre o /s/sibilante e o
/s/ chiado, tal como ocorre em vários estados do Nordeste. O chiamento do /s/
também é mais ou menos generalizado no Rio de Janeiro, na cidade de Santos (SP),
no litoral catarinense e também (tendencialmente) em Recife (NOLL, 2008).
Colocando os conhecimentos em jogo 3
A pronúncia do /t/ e do /d/ é também um divisor de águas
para
os
diferentes falares/sotaques
brasileiros.
Mais
especificamente, a pronúncia do /t/ e do /d/ antes de /i/
encontra-se em variação. No Brasil, esses dois segmentos
sonoros consonantais podem ser realizados de duas
maneiras:
·
da maneira como a realizam os falantes de vários estados e regiões do
Nordeste (inclusive os cineastas paraibanos entrevistados), os falantes do
interior de São Paulo e os falantes de Santa Catarina. Todos produzem o /t/ e
o /d/ antes de /i/ sem a chamada "palatalização". Portanto, o /t/ de palavras
como "tia" (/t/ em início de palavra) e "prestigiado" (/t/ depois de uma
consoante) é produzido como um som dental (Som produzido com a ponta da
língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou com a ponta da
língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores.) ou alveolar
(Som produzido com a parte da frente da língua em direção aos alvéolos dos
dentes incisivos superiores.)
·
da maneira como a realizam os falantes da maior parte do Brasil, inclusive
Pitty, pronunciando o /t/ e o /d/ palatalizados, ou seja, como sons alveopalatais
(Som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam
os sons palatais.), como em "tchia" ou "djia". A transcrição fonética aproximada
Q
R
S
T
R
U
T
V
A pronúncia do /r/ é também outro traço marcante de diferenciação entre os falares
brasileiros. Observemos a variação do /r/ apenas em contexto final de sílaba. A fala de
Abujamra, o ator que entrevista Pitty, é marcada pela realização de uma vibrante
simples, como em "lugaR", "poR", "tentaR". Também ocorre em posição intervocálica
como em sua pronúncia de "caRne". Essa realização do /r/ é característica de São
Paulo (capital) e da região Sul. No resto do Brasil, há a predominância do fenômeno
da velarização avançada do /r/ em muitos territórios: no Norte, no Nordeste, no Rio de
Janeiro, em grande parte de Minas Gerais e no Espírito Santo. A velarização é uma
espécie de "enfraquecimento" do /r/, já que ele deixa de ser produzido com a ponta da
língua tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores (o /r/ de Abujamra), e
passa a ser produzido com o dorso da língua tocando o palato mole (o /r/ de Pitty e
dos cineastas paraibanos). Outro /r/ é marca de diferença regional e social: o /r/ caipira
(retroflexo), realizado por falantes do interior de São Paulo, do sul de Minas, do Sul e
do Centro-Oeste; a pronúncia deste segmento sonoro é bastante estigmatizada e seus
falantes, via de regra, sofrem muito preconceito.
Temos, então, grosso modo, três tipos de /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar
(de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do
Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto préconsonantal.
Fonte da imagem: (NOLL, 2008. p. 68)
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Trabalhar com a variação regional em sala de aula pode ser uma experiência muito
significativa. Pode fazer com que os alunos reconheçam, de forma reflexiva e
respeitosa, os diferentes modos de fala. O modo de fala de alguém representa uma
das mais fortes marcas de identidade social daquela pessoa. Quando as crianças
começam o seu processo de aquisição da linguagem, vão adquirindo os traços que
caracterizam a fala de seu grupo social e de seu lugar de origem. É possível que elas
variem ou mudem a pronúncia dos segmentos sonoros, mas é muito comum que
mantenham os traços identitários originais que permitem que seja reconhecida como
pertencendo a um grupo social e geográfico, e que outros sujeitos de fora do seu
grupo também a reconheçam como tal.
O importante é que os alunos percebam que todas as variedades têm seu valor e que
entre os diferentes modos de fala pode não haver uma hierarquia preestabelecida.
Assim, o status social de maior prestígio conferido a uma determinada pronúncia é
sempre provisório e, em geral, não faz sentido para quem produz uma pronúncia
diferenciada daquela à qual se atribui maior status social.
Vejamos os áudios e vídeos abaixo:
Áudio da Música Vaca Estrela e Boi Fubá
Vídeo de Almir Sater contando um causo
Vídeo Cordel do Fogo Encantado - Música "Preta" (Cantada por Lirinha)
Vídeo "Ai Se Sesse" (Performance de Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado)
Videorreportagem de Rappin Hood com MV Bill (Rappers)
De forma a nos sensibilizarmos para a presença do fenômeno da variação linguística
nos mais diferentes contextos, tipos de interação e gêneros, gostaríamos de propor o
seguinte exercício, que deverá ser feito com base na leitura das páginas anteriores:
Colocando os conhecimentos em jogo 5
A observação sistemática da ocorrência do /r/ nos diferentes dados de fala nos leva a
refletir sobre os seguintes pontos:
1. Voltar a atenção para apenas um único traço linguístico, que funciona como um
"marcador" de identidade linguística regional, nos faz perceber a variação na fala de
cada indivíduo; em outras palavras, passamos a perceber que a fala individual (o
idioleto) também está sujeita a variação; por exemplo, em um dos vídeos que vimos,
Almir Sater não fala o mesmo /r/ ao longo de sua narrativa, um fenômeno que afeta
mais marcadamente os falantes do estado de São Paulo, de certas regiões de Minas
Gerais, do Centro-Oeste e do Sul do Brasil.
2. Voltar a atenção para apenas um ou dois traços linguísticos, que funcionam como
"marcadores" de identidade linguística regional, nos faz perceber que é possível que o
falante controle a sua fala, exacerbando, em certos contextos, determinados traços e
deixando à sombra esses mesmos traços em outro contexto; por exemplo, o sotaque
de Lirinha (o intérprete e compositor do grupo Cordel do Fogo Encantado) pode ser
percebido no seu todo (muitos traços o caracterizam e não apenas a palatalização de
/t/ e /d/), quando ele declama o poema; já quando ele canta, o traço mais proeminente
é apenas um, justamente o da palatalização de /t/ e /d/. Este fenômeno é definido na
literatura sociolinguística como estilização (Vamos tratar deste fenômeno no próximo
tópico.).
3. Voltar a atenção para um único traço da fala, que funciona como um "marcador" de
identidade linguística regional, pode nos levar à conclusão de que este traço,
percebido como marcador da fala de um grupo social e/ou regional específico, na
verdade, é característico do chamado vernáculo (O termo vernacular, como já
dissemos anteriormente, geralmente refere-se à variedade mais coloquial do repertório
linguístico de um falante. Isto não significa que essa variedade é falada apenas em
situações informais. Por exemplo, a fala de Daniel Godri é construída como
predominantemente vernacular, mas é produzida em uma situação formal, na qual ele
é o palestrante, um especialista que fala para um público atento e com o qual
estabelece uma relação assimétrica.), a fala que a maioria de nós produz
cotidianamente quando não está prestando atenção à própria fala; no caso da fala
vernacular brasileira, uma de suas características é o apagamento do /r/ em final de
palavra, traço este bem marcante na performance da música Vaca Estrela e Boi Fubá,
mas que é um traço da fala da maioria dos brasileiros (Excetuando-se, é claro, os
falantes de variedades regionais do Sul do Brasil que pronunciam o /r/ plenamente em
final de sílaba.) em contextos de situação informal.
4. Voltar a atenção para um ou dois traços da fala, que funcionam como "marcadores"
da identidade linguística regional, pode nos levar a perceber que isso, de forma
alguma, impede a interação entre os falantes das diferentes variedades linguísticas.
Apesar de Rappin Hood e MV Bill exibirem diferentes falares, isto não impede que eles
conversem, interajam, mesmo percebendo as diferenças linguísticas existentes entre
eles. Essas diferenças estão relacionadas ao fato de ambos terem nascido e vivido
durante muito tempo em diferentes lugares (Rio e São Paulo), apesar de pertencerem
a universos sociais semelhantes (a periferia das grande cidades).
Finalizando 1
Neste tópico 2, vimos que:
1. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os
falantes são de origens geográficas distintas. Esse tipo de variação está na base do
fato de línguas nacionais distintas, como o português de Portugal e o português do
Brasil, apresentarem diferenças linguísticas importantes, mesmo que seus falantes
possam se compreender mutuamente. É esse tipo de variação que está na base da
emergência de diferentes "sotaques" de uma mesma língua.
2. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da
pronúncia ou realização dos segmentos sonoros (sons), estudados pela fonética e
pela fonologia.
3. Um traço linguístico marcador de diferenças linguísticas regionais no Brasil é a
pronúncia aberta de vogais pré-tônicas como em: "lÉvantado" ou "fÉlicidade",
"mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar". Os falantes da região Norte e Nordeste optam
pela realização aberta, enquanto os falantes da região Sul e Sudeste optam pela
realização fechada (CALLOU e LEITE, 2002).
4. Uma outra variação na pronúncia que marca diferenças linguísticas regionais no
Brasil é a realização da consoante /s/. O /s/ não chiado é realizado por falantes do
sul e sudeste do Brasil (Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul) e em Goiás. O /s/ com chiamento mais ou menos
generalizado é realizado por falantes do litoral de Santa Catarina, cidades de Santos,
Rio de Janeiro, Recife (tendencialmente), Baixada Cuiabana e região de Belém do
Pará, com continuação na área do Rio Amazonas. No Nordeste, de forma geral, ocorre
uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ não chiado em posição pré-consonantal.
Em posição final, o /s/ não chiado é o mais pronunciado no Nordeste brasileiro (NOLL,
2008).
Finalizando 2
5. Outro traço divisor de águas dos falares brasileiros é a realização de /t/ e /d/ antes
de /i/. Nos falares de várias regiões do Nordeste e de alguns estados do Sul e do
Sudeste, por exemplo, /t/ e /d/ não são palatalizados. Nas demais regiões, o /t/ e o /d/
antes de /i/ tendem a ser palatalizados.
6. Por fim, há pelo menos três diferentes /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar
(de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do
Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto préconsonantal.
7. As diferenças linguísticas que podem ser percebidas na observação das diferentes
variedades regionais brasileiras e na observação do PB, em comparação com o PP,
não parecem impedir definitivamente a comunicação e a interação entre os falantes, já
que estamos, inevitavelmente, imersos nesse contínuo de falares ou "sotaques".
Fonte da imagem: Redefor
Tópico 3 - O trabalho de estilização das variedades sociais e regionais
Ponto de partida
Neste último tópico do Tema 3, iremos trabalhar com o tema da estilização das
variedades linguísticas.
Vimos que as línguas são fenômenos variáveis, dinâmicos, mutáveis. A concepção de
língua que adotamos ao longo do Tema 3, é a de língua como conjunto de variedades.
No tópico 2, fizemos uma abordagem breve do fenômeno da variação linguística,
enfocando principalmente a questão das diferentes pronúncias dos falantes, o
chamado sotaque.
Neste último tópico 3, vamos nos dedicar à observação de como os falantes
manipulam de forma consciente e deliberada os diversos recursos das diferentes
variedades linguísticas, de forma a obter determinados efeitos (humorísticos, poéticos,
retóricos, interacionais etc.)
Para isso, precisamos saber: o que é estilização?
Antes de respondermos a esta pergunta, vamos ver e ouvir atentamente os vídeos
abaixo:
Fonte das imagens: (1) Víhttp://www.youtube.com/watch?v=wamnabxSnKM, (2) http://www.youtube.com/watch?v=Vf03ZYyMrF0,
acesso em 19/04/2011.
Mãos à obra
A estilização das variedades linguísticas é um recurso fundamental para os "poetas
populares", como se autodenomina Jessier Quirino. A ação de estilizar a linguagem
está relacionada ao fato de o poeta e/ou artista popular poder manipulá-la de forma
propositalmente indisciplinada e organizada, como nos diz Bakhtin (1988).
Ao observamos a linguagem do
matuto,
personagem criado por Jessier Quirino, tanto
em sua performance ao vivo como no vídeo
de animação, vamos logo perceber que ele
mistura
traços
linguísticos
de
diferentes
variedades, para compor a fala e a identidade
nordestinas
de
seu
personagem.
Suas
performances têm como principal objetivo
falar de diferentes temas de forma irreverente
e, ao mesmo tempo, poética.
Vejamos alguns elementos que marcam a fala do personagem como uma fala
"nordestina":
·
Léxico: "cabra", "embira", "cuscuz com leite";
·
Pronúncia: /t/ e /d/ não palatalizado; vogais pré-tônicas abertas; variação entre
/s/ chiado e o /s/ não chiado; pronúncia do /s/ final como /i/ como em "rapai";
·
Metáforas: "perigoso, que só buxada de bode"; "invocado, que só um fiscal de
gafieira".
Agora, alguns elementos que também aparecem na fala do personagem, mas que são
caracterizadores de variedades vernaculares ou não padrão do português brasileiro:
·
desnasalização da desinência de 3ª pessoa do plural, do pretérito perfeito passa de "amarraram" para "amarraro"';
·
queda parcial do plural: "estados unido"; "dois artista";
·
o alteamento da vogal pré-tônica - passa de polícia para "puliça"; na mesma
palavra, a monotongação do ditongo final - passa de "polícia" para "puliça"
Fonte da imagem: http://charlezine.files.wordpress.com/2010/11/jessier-quirino.jpg?w=300, acesso em 19/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 1
Vejamos agora o trabalho de estilização da linguagem feito pelo rapper Criolo.
Comparemos duas letras do rapper: "Subirosdoistiozin" (clique aqui para ver a
transcrição da letra) e "Não existe amor em SP" (clique aqui para ver a letra). As duas
músicas fazem parte do álbum Nó na Orelha, disponível para download na Internet.
Vejamos as principais características textuais-discursivas da letra "Subirosdoistiozin":
a) Do ponto de vista estrutural, a letra não é uma narrativa. Ela procura reconstruir
cenas do cotidiano da periferia. Por exemplo, nos versos, "má quem qué pretá/ má
quem qué branca/ todo azulê/requer seu rejuntin", o autor tematiza a procura por
drogas na favela, por meio de metáforas (cada freguês escolhe a droga que lhe
apetece ("todo azulê/requer seu rejuntin") e por meio de gírias. Outras cenas são
descritas: a movimentação de pessoas desocupadas na periferia ("os perreco vem/os
perreco vão"), as crianças da periferia andando armadas com metralhadoras ("a
criança daqui tão de HK"), os saraus que acontecem na periferia hoje em dia ("leva no
sarau/salva essa alma aí"), a periferia vigiada pelo tráfico ("o sol tá de rachá/vários de
campana/aqui na do campin"), uma reunião de rappers/ativistas em uma casa ("só
função no doze"), o sofrimento escondido de um menino ("eu cresci no mundão/onde o
filho chora/e a mãe não vê").
b) Ainda na letra, o autor revela uma parte de sua visão de mundo. Por exemplo, nos
versos "Aqui a lei do cão/quem sorri puraqui/qué vê tu caí", fala-se de um tema
bastante recorrente em muitos raps: o de que não se pode confiar em ninguém nesses
ambientes. Em outros versos, fala dos que prejudicam a periferia ("E covarde
são/quem tem tudo de bom/e fornece o mal/pra a favela morrê"). O rapper também
brinca: quem se dá bem na vida acaba virando/se parecendo um "chinezim". Ele
também fala metaforicamente da postura diante da vida daqueles "que acham que são
mas nunca vão ser".
Sendo assim, essa letra não nos conta uma história, mas permite que adentremos o
universo social da periferia visto por um rapper. As características textuais e
discursivas da letra e o trabalho sobre as variedades linguísticas empreendido permite
conferir a ela um estilo bem marcado. Do ponto de vista linguístico, esse estilo é
reforçado pela manipulação dos seguintes recursos:
(i) ausência de concordância nominal em alguns sintagmas nominais;
(ii) pronúncia forte do "r" vibrante em contextos de início ("riquer", "Rornet" e meio de
palavra ("arrastá" "sorri", "perreco");
(iii)
redução
de
palavras
-
as
terminadas
em
inho
("campinho>campim";
"chinesinho>chinesim") e outras ("mas>má" e "licença>cença").
Colocando os conhecimentos em jogo 2
Podemos considerar que Criolo, como os outros poetas anteriormente apresentados, é
um poeta popular. E como tal, vai fazer uso de variados recursos na elaboração de
suas poesias. Vimos que a letra "Subirusdoistiozin" é bastante trabalhada, tanto do
ponto de vista da forma (recursos linguísticos e textuais) como do ponto de vista dos
conteúdos, com o objetivo de mostrar a linguagem e os pontos de vista (como em um
caleidoscópio) de parcelas significativas das periferias brasileiras. No entanto, o rapper
também compõe "Não existe amor em SP", uma letra criada por outra persona. Nesta
letra, os versos do poeta são escritos sem as principais marcas linguísticas e
discursivas presentes em "Subirosdoistiozin", ou seja, recursos linguísticos
socialmente estigmatizados e fragmentação dos conteúdos.
Na letra de "Não existe amor em SP", o tema é enunciado no título e explicado (Por
que não existe amor em SP?) de várias maneiras ao longo das estrofes. Além disso, a
variedade linguística mobilizada é a culta, com todas as suas marcas: concordância
nominal e verbal e ausência de manipulação da pronúncia das palavras. Na letra de
"Não existe amor em SP", podemos perceber que:
a) para justificar que o título da música, a cidade de São Paulo é descrita. A descrição
da cidade é feita por meio de metáforas: SP é como "um labirinto místico onde os
grafites gritam"; SP é como "um buquê". Em seguida, a aproximação entre SP e um
buquê é feita por meio de outra descrição: "Buquê são flores mortas num lindo arranjo
feito para você";
b) nesta letra, como em "Subirusdoistiozin", há a descrição de uma cena: os bares
cheios. Mas, segundo o poeta, estão "cheios de almas tão vazias". No entanto, se isso
guarda alguma semelhança com a outra letra do poeta, esse é um item que também
marca a diferença entre esta letra e a outra: o número de cenas descritas/ encenadas
em "Subirusdoistiozin" é muito maior do que aquele em "Não existe amor em SP";
c) também como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre
a cidade por meio de afirmações genéricas: um lugar onde "a ganância vibra", "a
vaidade excita" e onde "ninguém vai para o céu";
d) por fim, como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre
a vida: "Não precisa morrer para ver Deus", "Não precisa sofrer para saber o que é
melhor pra você".
Assim, podemos dizer que cada letra de música constrói um estilo: um mais popular
("Subirusdoistiozin") e o outro mais culto ("Não existe amor em SP").
Colocando os conhecimentos em jogo 3
Vejamos mais um exemplo de estilização de variedades
linguísticas. Vamos ver e ouvir atentamente a performance
de Marco Luque, ator paulistano que encarna um
motoboy.
(Clique aqui para ver a performance e aqui para ler a
transcrição)
Quais traços das variedades linguísticas do português brasileiro estão sendo
estilizados? Podemos dizer que a identidade social em jogo, aqui, para a qual o
trabalho de estilização da linguagem precisa dar corpo é a do motoboy, um tipo social
das grandes metrópoles (como diz o personagem), que exerce a profissão de
entregador veloz de objetos e documentos. Por se deslocar na cidade, o motoboy é
um sujeito que transita por diferentes redes sociais, vendo e sendo visto, observando e
sendo observado. Os traços linguísticos mais marcados na linguagem do personagem
(um motoboy paulistano) são os que se seguem:
a) a inserção de (i) em sílaba tônica em palavras como "nós" que passa a "nó(i)s";
b) a queda do /r/ final de verbos e substantivos ("aproveitá(r)", "retrovisô(r)");
c) a assimilação de /nd/ em /n/ em palavras como "in(d)o" e "vin(d)o";
d) perda do -s (e de suas variantes) da desinência de plural: "nóis prolifera", "nóis
quér", "nóis viemo", "(vo)cês queria etc.; em outras palavras, a ausência de
concordância.
A estilização desses traços específicos, e não de outros, constrói para o motoboy a
identidade linguística de falante de variedades populares ou não padrão, em especial
paulistanas, dado que esses traços são caracterizadores dessas variedades
(RIBEIRO, 2002; CASTILHO, 1997; NOLL, 2008; ILARI; BASSO, 2006). Mas, nesse
dado, também podemos perceber o fenômeno da estilização justamente em função do
fato de que alguns dos traços acima não são sistematicamente utilizados, tal como o
traço da não concordância. Um exemplo desse uso não sistemático (e, portanto,
estilístico) de um certo recurso linguístico é justamente a ocorrência da concordância
nos enunciados "eu ouço todas as minhas" e "as avenidas são as artérias". A respeito
da variação estilística em falantes do mesmo grupo social (no caso, em fala de
rappers), ver Bentes (2009).
Outro traço linguístico-discursivo marcador dessa identidade social são as metáforas
ou "ditos". Na performance de Marco Luque, o personagem insta a plateia a "flexionar"
(estilização do verbo "refletir") sobre dois "dilemas": "o que a gente não pode detêlos... junte-se a eles" e "a cidade é uma ferida incrustrada na crosta terrestre", trabalho
de estilização de uma enunciação proverbial e de uma enunciação metafórica
(NOGUEIRA, 2010).
Fonte da imagem: http://thumb.videolog.tv/videos/a2/05/tg_370789_0002.jpg, acesso em 19/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 4
Vejamos, agora, outros exemplos do trabalho de
estilização da linguagem de textos jornalísticos
da mídia impressa. Trabalharemos com duas
notícias veiculadas no mesmo dia: uma no
Jornal Notícia Já e outra no Jornal Correio
Popular, ambos da cidade de Campinas, São
Paulo.
"GRANA CURTA NÃO BRECA MAIS SONHO DE DAR ROLÊ LÁ FORA" (Manchete
da primeira página)
"Só alegria. Galera que ganha de 3 a 10 salários mínimos virou figurinha fácil nos
aeroportos do País; a chamada classe C decola pro mundo nem que for pra pagar a
viagem a perder de vista."(Lide da matéria que remete à página 3 do Jornal Notícia Já,
de 17 de abril de 2011)
"EMERGENTES DA CLASSE C JÁ MIRAM VIAGENS INTERNACIONAIS" (Uma das
chamadas da primeira página)
"Mais da metade (52%) dos brasileiros que planejam uma viagem ao exterior nos
próximos 12 meses pertence à classe C - conhecida como a nova classe média
brasileira. São pessoas que possuem renda entre três e dez salários mínimos e já
fizeram a primeira viagem de avião, dentro do País. Buenos Aires, Miami e Nova York
são os destinos mais procurados pelos novos turistas internacionais." (Lide da matéria
que remete à página B9 do Jornal Correio Popular, de 17 de abril de 2011)
É possível perceber que o trabalho de estilização da linguagem aqui incide sobre o
léxico, principalmente sobre os referentes (do que se fala?) textuais.
Fonte da imagem:: http://www.gruporac.com.br/imagens/tit_noticiaja.gif, acesso em 19/04/2011.
Colocando os conhecimentos em jogo 5
Vimos que a observação da primeira página de cada um dos dois jornais nos leva a
perceber uma diferença muito grande na forma de se nomear o principal referente
textual, no caso, a Classe C.
O Jornal Notícia Já prefere categorizar esse grupo por meio de nomes usados em
situações informais de fala, tais como "galera" e "figurinha carimbada". São dois
termos que podem ser considerados gírias comuns. Já o Jornal Correio Popular
mobiliza expressões mais genéricas e menos marcadas, tais como "pessoas" e
"turistas internacionais" para categorizar o mesmo grupo. Além disso, no Correio
Popular, a "classe C" também é recategorizada por meio de um vocábulo mais técnico,
originado do campo dos estudos socioeconômicos: "emergentes".
Ambos os jornais referem-se ao grupo social tematizado como "classe C", expressão
esta acompanhada ou de determinante ("chamada", no Notícia Já) ou de modificador
("conhecida como a nova classe média", no Correio Popular).
Se a forma de categorizar o grupo tematizado revela uma interlocução específica de
cada jornal com diferentes grupos sociais, a forma de tematizar a questão também
reforça esta interlocução diferenciada.
No Jornal Notícia Já, o foco recai sobre o fato de que, mesmo tendo "grana curta", a
chamada classe C pode viajar porque tem crédito. Nas palavras do Jornal, essa classe
"não breca mais esse sonho". Novamente aqui, o uso de um vocábulo de natureza
gíria (o verbo "brecar"). O Jornal Correio Popular tematiza o fato de que os
emergentes da classe C "miram" ("têm por objetivo") as viagens internacionais, numa
clara diferença de ponto de vista: para o Notícia Já, as pessoas da classe C "sonham"
com isso; para o Jornal Correio Popular, essa classe tem objetivos precisos (verbo
"mirar") e calculados.
Por fim, a recategorização de viagem internacional pela expressão "rolê lá fora", feita
pelo Notícia Já, revela não apenas o uso de uma linguagem mais informal e
considerada "oral" na escrita jornalística, mas, principalmente, a "naturalização" de um
fato: viajar para o exterior passa a ser algo corriqueiro, banal, um simples "rolê" para
esse grupo social.
Finalizando o tópico
Neste tópico 3, tivemos o objetivo de:
1. Mostrar que estamos imersos em um mundo discursivo repleto de objetos
artístico-culturais, organizados de forma a estilizar (manipular) as diferenças
linguísticas, com fins de entreter e, ao mesmo tempo, de afirmar e valorizar
identidades sociais (é o caso das performances e das letras de canção
analisadas) e de privilegiar certos modos de fala na configuração de práticas
de escrita. (Jornal Notícia Já).
2. Evidenciar que a manipulação consciente de traços das variedades linguísticas
é um procedimento muito usado por todos aqueles profissionais da linguagem
(poetas, escritores, atores, jornalistas, publicitários etc.), procedimento este
que fica registrado nos produtos culturais e é reconhecido e compreendido pelo
público ou pela audiência.
3. Compreender, de forma mais reflexiva, as atividades de estilização
empreendidas pelos diferentes profissionais, de forma a valorizar este trabalho
e aprofundar o nosso olhar em relação a práticas de linguagem que parecem
muito banais, mas que, na verdade, resultam de intensa e contínua elaboração
consciente das diferentes variedades linguísticas.
4. Reforçar a ideia da íntima relação entre língua e sociedade, entre língua e
identidade social, entre língua e poder.
Neste tópico, vimos que:
1. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das
diferentes variedades e dos diferentes modos de fala, com fins específicos.
2. As atividades de estilização podem ter o objetivo de (re)afirmar identidades
sociais e/ou distanciar-se delas, já que um dos efeitos da estilização é
transformar a linguagem em um objeto a ser observado, ou seja, é dar um foco
especial sobre a linguagem, fazendo com que seu público e/ou plateia prestem
atenção especial a ela.
3. A estilização de certos traços linguístico-discursivos está inescapavelmente
relacionada a certos tipos de interação ou a certos temas. Certas
construções metafóricas ocorrem, por exemplo, em narrativas populares de
natureza cômica, humorística.
Finalizando o Tema
Recapitulando o Tema 3, temos que:
1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,
variável.
2. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala,
o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,
finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo.
3. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais
como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau
de formalidade da situação.
4. As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de
variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e
estilística.
5. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo.
6. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os
falantes são de origens geográficas distintas.
7. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da
pronúncia ou realização dos segmentos sonoros (sons), estudados pela
fonética e pela fonologia.
8. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à
escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. Ela
passa por processos de regularização e oficialização e serve para ser usada
em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de leis e
documentos oficiais e a administração pública.
9. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e
marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas
e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não
sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas a
práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.
10. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos
gêneros textuais. Na fala e na escrita das pessoas e nas mais diferentes
práticas de linguagem, os traços linguísticos diferenciadores e/ou marcadores
de pertencimento social e/ou regional coocorrem, ou seja, ambos os tipos de
traços formatam a produção de linguagem simultaneamente.Todos os
exemplos aqui trabalhados são exemplos da influência simultânea de fatores
sociais e regionais sobre a produção de linguagem.
Atividade autocorrigível 5
Leia atentamente os enunciados abaixo e atribua falso ou verdadeiro a cada um deles
(confira a resposta passando o cursor do mouse sobre o número das alternativas):
1. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das diferentes
variedades e dos diferentes modos de fala, com o único objetivo de desconstruir a
identidade social daquele a quem se atribui a fala estilizada.
2. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o
contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,
finalmente, a função comunicativa que está em jogo.
3. A variação diatópica é a variação linguística que se dá através do tempo.
4. Em geral, apenas um traço linguístico é estilizado nas produções artístico-culturais.
5. A estilização da variedade não padrão é a característica principal dos dois dados
analisados: a cena do filme "O Invasor" e a performance de Marco Luque.
6. Tanto o fenômeno da variação linguística como as atividades de estilização das
diferentes variedades incidem sobre os diferentes níveis: o fonético-fonológico, o
lexical, o sintático e o semântico.
7. A variação linguística e as atividades de estilização das diferentes variedades
ocorrem na fala e na escrita.
Respostas:
1)!Falso. As atividades de estilização podem ter os mais variados objetivos e não
apenas o objetivo de desconstruir a identidade social alheia.
2)!Verdadeiro
3)!Falso. É a variação diacrônica que ocorre através do tempo.
4)!Falso. Como vimos, nas produções culturais, vários são os traços linguísticos
manipulados para se atingir determinados efeitos em relação ao público e/ou à
audiência.
5)!Verdadeiro
6)!Verdadeiro
7)!Verdadeiro
Ampliando o conhecimento 1
Os diversos textos que compõem o livro, escritos por
pesquisadores altamente gabaritados em suas respectivas
áreas de especialização, cobrem as diversas ramificações da
Linguística, aqui entendida como a ciência da linguagem verbal
humana, desde as mais tradicionais, o chamado "núcleo duro"
dessa ciência, do qual fazem parte a fonologia, a morfologia e
a sintaxe - até as que, paulatinamente, foram sendo
incorporadas
-
como
foi
o
caso,
entre
outras,
da
psicolinguística, da sociolinguística, da análise do discurso, da
linguística textual, da neurolinguística. (Ingedore Koch UNICAMP)
O português do Brasil é falado por mais de 170 milhões de
pessoas em um imenso território, mas muita gente teima em
afirmar que ele não existe ou, pior, não deveria existir. Ilari e
Basso, seguindo uma tradição iniciada nos anos 20 por Mário
de Andrade e Amadeu Amaral, oferecem-nos, em O português
da gente, um estudo da língua que nós falamos e que pouco a
pouco vai conquistando seus direitos. Este é um livro para ler,
estudar e discutir, na sala de aula e fora dela. (Mário A. Perini PUC-Minas)
Nossa tradição educacional sempre negou a existência de uma
pluralidade de normas linguísticas dentro do universo da língua
portuguesa; a própria escola não reconhece que a norma
padrão culta é apenas uma das muitas variedades possíveis no
uso do português e rejeita de forma intolerante qualquer
manifestação linguística diferente, tratando, muitas vezes, os
alunos
como
"deficientes
linguísticos".
Marcos
Bagno
argumenta que falar diferente não é falar errado e o que pode
parecer erro no português não padrão tem uma explicação
lógica, científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica).
Para explicar esta problemática, o autor reúne então n'A língua
de Eulália as universitárias Vera, Sílvia e a esperta Emília, que
vão passar as férias na chácara da professora Irene...
Fonte das imagens: (1) http://www.submarino.com.br/produto/1/154240/introducao+a+linguistica:+dominios+e+fronteiras+-+vol.+1, (2)
http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=292, (3) http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=363, acesso em
19/04/2011.
Ampliando o conhecimento 2
Sinopse
Estevão, Ivan e Gilberto são companheiros desde os tempos de
faculdade. Além disso, são sócios em uma construtora de sucesso
há mais de 15 anos. O relacionamento entre eles sempre foi muito
bom, até que um desentendimento na condução dos negócios faz
com que eles entrem em choque, com Estevão, sócio majoritário,
ameaçando deixar o negócio. Acuados, Ivan e Gilberto decidem,
então, contratar Anísio (Paulo Miklos), um matador de aluguel, para assassinar
Estevão e poderem, assim, conduzir a construtora do modo como bem entendem.
Entretanto, Anísio tem seus próprios planos de ascensão social e, aos poucos, invade
cada vez mais as vidas de Ivan e Gilberto.
Clique aqui para ver o trailer.
Sinopse
Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) são
amigos, que cresceram juntos em uma favela do Rio de
Janeiro e agora estão com 18 anos. Acerola tem um filho de
dois anos para cuidar, mas sente-se preso pelo casamento e
lamenta a paternidade precoce. Já Laranjinha está decidido a
encontrar seu próprio pai, que não conhece. Paralelamente, o
morro em que vivem é sacudido pelo mundo do tráfico, já que
Madrugadão (Jonathan Haagensen), primo de Laranjinha,
perdeu o posto de dono do local para Nefasto (Eduardo BR).
Clique aqui para saber mais sobre o filme e ver o trailer.
Fonte das imagens: (1) http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/, (2) http://www.tvseriados.com/seriados-a-d/cidade-dos-homens/,
acesso em 25/04/2011.
Ampliando o conhecimento 3
Webgrafia
Você pode navegar e obter textos sobre os temas abordados, acessando os seguintes
links:
·
Sociolinguística
·
A Sociolinguística e seu papel metodológico no ensino da linguagem oral
·
Sociolinguística educacional: Teoria e prática nas aulas de Língua
Portuguesa
·
O passado, o presente e o futuro da Língua Portuguesa
·
Cineport 2009 - montagem produção e programação
Referências Bibliográficas 1
ALKMIM, T. Sociolinguística - Parte I. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES (Orgs.)
Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P.
21-47.
AQUINO, M. O Invasor. São Paulo: Geração Editorial, 2002.
BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Hucitec, 1988.
BENTES, A. C. Contexto e multimodalidade na elaboração de raps paulistas.
Investigações.
Vol.
21,
no.
2,
julho
/2008,
p.
199-220.
Disponível
em:
http://www.revistainvestigacoes.com.br/volume-21-N2.htm, acesso em 21/02/2012.
________. "Tudo que é sólido desmancha no ar": Sobre o problema do popular na
linguagem. Revista Gragoatá (UFF), v. 27, 2009. P. 12-47. Disponível em:
http://www.uff.br/revistagragoata/, acesso em 21/02/2012.
BRUM, A. O processo de criação artística no filme "O Invasor".
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III.
Novos
estudos.
São
Paulo:

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