TeseSelma2.compressed - Instituto Gestalt de São Paulo
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Ciornai 12 Menopower pra quem foge às regras Menomale quando roça esfrega Menopower pra quem nunca se entrega... (Música de Rita Lee e Mathilda Kovak) Ciornai 13 2 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O TEMA O FATOR BIOLÓGICO: MITOS, PESQUISAS, TRATAMENTOS E CONTROVÉRSIAS CLIMATÉRIO: SINTOMAS RELACIONADOS Metaforicamente podemos fazer uma analogia entre o climatério e o período de turbulência que um avião entra ao passar por nuvens antes de chegar à um novo platô de estabilidade e equilíbrio. É uma fase de transição. Em termos biológicos, o climatério envolve dois estágios: o primeiro, quando inicia-se um processo de marcante instabilidade seguido de acentuado decréscimo nos níveis hormonais com os períodos menstruais ainda presentes. Esta fase, também chamada pré-menopausa, começa por volta do 40 a 45 anos. A segunda fase é a da menopausa, quando os períodos menstruais cessam totalmente, seguida da pós-menopausa, período em que o corpo ainda está tentando alcançar um novo patamar de equilíbrio. No entanto, freqüentemente os termos “climatério” e “menopausa” são usados como sinônimos, já que tem sido reconhecido que esta fase de transição começa bem antes das irregularidades e do término das menstruações. De acordo com vários autores, sintomas distintos de intensidades e duração variadas podem surgir neste período, tais como calores repentinos (muitas vezes alternados com períodos de frio), suores, insônia, tonturas, aumento de peso, fadiga, diminuição do desejo sexual, perda da umidade e elasticidade vaginal assim como da pele de modo geral, dores de cabeça, inchaços e retenção de líquidos, incontinência urinária, dores nas juntas, mudanças repentinas de humor tais como irritabilidade, ansiedade e depressão etc. Entretanto, é impossível predizer como será a experiência de uma mulher durante o período de climatério e a menopausa, e muito menos afirmar qual é a forma “normal” ou “certa” de vivenciar esta fase da vida. Se para algumas esta passagem na vida é uma fase bastante sofrida, com sintomas intensos por alguns ou vários anos, outras passam por este período da vida assintomaticamente, ou com quase nenhum sintoma. “Menopausa é como Ciornai 14 uma impressão digital,” escreve Sheehy (1991, p. xvi), referindo-se à natureza individual pela qual cada mulher experiencia a menopausa. Igualmente, Perlmutter et al. (1994) afirmam: “Para cada mulher para quem a experiência da menopausa é uma tormenta, existe outra que diz que é uma brisa.” (p.78) Porém, até os anos 90, pouco ou nada era dito ou escrito à respeito, e informações em relação à esta fase tão importante da vida de uma mulher eram pouco disponíveis e escassas. Ao contrário dos períodos de adolescência e gravidez, sobre os quais existem um número enorme de livros, cursos e profissionais especializados, a maioria das mulheres entra na fase de climatério sem a menor noção de que estão entrando numa fase especial que pode trazer tensões físicas e psicológicas. Freqüentemente não relacionam o que sentem à alterações hormonais (com exceção aos famosos “calores”), e muitas vezes nem sabem que transformações biológicas importantes estão ocorrendo em seu organismo, somente notando que uma mudança está ocorrendo quando seu ciclo menstrual torna-se irregular e finalmente cessa. É comum à profissionais de saúde, tanto do campo da medicina como da psicologia (com exceção aos endocrinologistas e ginecologistas), não considerar esta fase como possível fator desencadeante ou correlacionado aos sintomas físicos e de humor apresentados por suas pacientes, especialmente no período que precede a irregularidade e subsequente término dos ciclos menstruais. Entretanto, de acordo com uma pesquisa realizada com 15,000 mulheres pela revista “Prevention” em conjunto com o Centro de Saúde da Mulher do Centro Médico Presbiteriano de Colúmbia em Nova York, são precisamente as mulheres na pré-menopausa as que declaram estar tendo o maior número de sintomas. Os resultados desta pesquisa indicam que “a perimenopausa é, na realidade, o período mais difícil. É muito como a puberdade; as flutuações hormonais são mais severas neste período, tornando a vida temporariamente mais difícil.”(Perlmutter et al., 1994, p. 86). Na mesma linha, Sheehy (1995) escreve: A primeira fase, a pré-menopausa, é a parte menos compreendida, e com maior potencial para desnortear, de toda a passagem da menopausa. A pré-menopausa é muito parecida com a puberdade. Os altos e baixos nos hormônios são bastante sérios e imprevisíveis. O estrogênio está envolvido em pelo menos 300 processos no Ciornai 15 corpo. Portanto, quando ele cai abaixo de níveis dos quais o corpo dependeu ao longo de 30 anos ou mais, é previsível que ocorra um desequilíbrio. (p.231) Psicoterapeutas, psiquiatras e médicos (alopatas ou alternativos), ouvem com freqüência queixas de depressão, ansiedade, instabilidade e flutuações de humor de mulheres na faixa dos 40 e 50 anos, prescrevendo anti-depressivos, ansiolíticos, psicoterapia e até internações psiquiátricas, sem levar muito em consideração possíveis relações entre estes sintomas e as mudanças hormonais da idade. Uma repórter da revista Time (Wallis, 1995) escreveu: As mulheres geralmente ficam chocadas quando sintomas de menopausa surgem no início dos seus 40 anos. Afinal, sabe-se que a idade média para o aparecimento da menopausa é 51 anos. A maioria sabe muito pouco sobre a perimenopausa, e seus médicos não ajudam muito.... Até recentemente, os médicos “simplesmente não estavam muito cientes da perimenopausa,” admite o endocrinologista Howard Zacur do hospital Johns Hopkins em Baltimore. “Mudanças no ciclo neste período de vida eram erroneamente interpretadas e mal diagnosticadas....” Devido à má compreensão médica de seus sintomas, muitas mulheres foram submetidas à desnecessárias histerectomias, e à dilatação e curetagem -- um procedimento de raspagem da parede uterina. Praticamente 1 em cada 4 americanas é levada à “menopausa cirúrgica,” tendo seu útero e ovários removidos ao invés de chegar naturalmente à menopausa. (pp. 50-51) Neste sentido Greer (1991) escreve: “ O obscurantismo que existe em relação à menopausa, é parte da névoa geral de incompreensão sobre o estado de saúde da mulher de meia idade” (p. 158). Mulheres freqüentemente procuram um profissional atrás do outro em busca de ajuda para lidar com as mudanças físicas ou psicológicas que muitas vezes as perturbam de forma intensa. Nesta peregrinação, não só continuam a não entender o que lhes está acontecendo, como também, além de sentirem-se incompreendidas, ainda têm que lidar com interpretações e diagnósticos que não só não vêm de encontro às suas necessidades imediatas, como muitas vezes as deixam ainda mais confusas e aturdidas. Ao não conseguir encontrar ajuda eficaz para contextualizar e significar de forma coerente o que experiencia, Ciornai 16 a mulher freqüentemente sente-se só e perdida neste período. Não é sem razão que Mankowitz (1984) se refere à esta passagem como “a crise negligenciada.”(p.27) O fato é que o se climatério de forma geral é um período de marcantes transformações fisiológicas e mudanças na vida das mulheres que para uma grande porcentagem delas traz sintomas de vários tipos, intensidade e duração, tanto as próprias mulheres quanto profissionais de saúde deveriam estar mais bem informados e conscientes dos possíveis sintomas que podem apontar para um quadro de climatério, a fim de evitar erros de diagnóstico. Alguns autores contestam esta visão dizendo que menopausa não é doença, mas sim uma fase natural da vida de uma mulher, e que portanto a maioria destas queixas devem ser vistas meramente como “chiliques” de mulheres frustradas. Hirsh (1994) por exemplo, reconhece que calores e secura vaginal têm mesmo a ver com a redução do estrogênio, mas descarta totalmente a possibilidade de outras relações. Ela escreve: Não há por que encarar a menopausa como doença, crise ou transtorno, usando-a como pretexto para ter todos os calores, chiliques, depressões e espasmos emocionais que ficaram trancados até então.... Até a geração passada esperava-se que a mulher sofresse horrores ao atingir a “fase crítica”, o que se espera agora é que não sofra absolutamente nada. (p. 69) Citando pesquisas sobre o assunto cujos resultados apontam que apenas 25% das mulheres na menopausa têm sintomas severos, 50% poucos sintomas, e que 25% passam por esta fase de forma totalmente assintomática1, Hirsh comenta ironicamente que “as masoquistas ficam arrasadas com esta notícia”(p. 69). No entanto sabe-se muito bem que outras transformações “naturais” na vida de uma mulher tais como gravidez e parto, apesar de não serem “doenças” podem eventualmente acarretar em sérios problemas para a mulher. Porque então a dificuldade em se aceitar que o mesmo possa ocorrer durante o climatério e a menopausa? De acordo com a perspectiva sistêmica2, uma pessoa deve ser vista como uma totalidade integrada, e se uma parte do sistema fica instável, me parece bastante razoável considerar que isto afetará também as outras partes deste sistema. 1 2 Grant 1990; Greenwood, 1984. von Bertallanfy, 1956, 1962, 1981. Ciornai 17 Por outro lado, existem médicos que apesar de reconhecer que pode haver alguma relação entre o que suas clientes descrevem e as transformações hormonais deste período de vida, o fazem a partir de uma postura paternalista e autoritária na relação com suas clientes, prescrevendo medicamentos sem informar-lhes sobre os prós e contras de tais tratamentos, e sem discutir outras possibilidades e opções. Assim, é importante trazer esta questão à baila, tornando-a foco de nossa atenção, para que mulheres possam compreender suas experiências de forma que lhes faça sentido, sentindo-se compreendidas pelos profissionais que as atendem. Necessitamos poder obter informações confiáveis sobre os prós e contras das várias opções médicas e tratamentos existentes, para que possamos chegar a escolhas e decisões conscientes de como lidar com as transformações deste período. A CONTROVÉRSIA EM RELAÇÃO À TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL A terapia estrogênica foi oficialmente introduzida em 1929, quando Adolf Butenandt, prêmio Nobel de Química, isolou o hormônio na urina de mulheres grávidas.3 Mas o uso de estrógeno para tratar sintomas relacionados à menopausa iniciou-se quando Wilson (1966) publicou seu famoso livro Feminina Para Sempre. Neste trabalho, Wilson impiedosamente descreve as mulheres na menopausa com “caricaturas do que foram anteriormente,” recomendando doses adequadas de estrógeno a fim de mantê-las “femininas para sempre,” da adolescência ao fim da vida. Ele proclamava que o estrógeno é a “cura” para a menopausa da mesma forma que a insulina o é para a diabete, e recomendava enfaticamente às mulheres que tomassem estrógeno como elixir da juventude antes que os danos causados pela menopausa pudessem ocorrer. Este ponto de vista foi subseqüentemente defendido por vários autores que escreveram sobre este período de vida da mulher,4 e também pelos autores de Saúde e Bem-Estar Quando a Menopausa Chegar (Fernandes et al., 1993), livro publicado pela Sobrac (Sociedade Brasileira Para Estudo do Climatério) e gratuitamente distribuído em 1994 a todas as participantes do II Encontro Brasileiro Sobre Menopausa e Climatério. 3 4 Trien 1986, p. 110. Por exemplo Cooper 1976; Cutler et al., 1983; Fonseca, 1992; Goldin et al., 1993; Sand, 1993. Ciornai 18 Neste Congresso, que incluiu palestras específicas à Mulheres Não Médicas, a mensagem transmitida pelos médicos que lá se apresentaram era a de que, com raras exceções, todas as mulheres deveriam tomar hormônios pelo resto de suas vidas pois isto certamente lhes será benéfico. Em todos estes textos e palestras, as alternativas descritas para as mulheres que não usam a proteção dos hormônios são bastante sombrias. A lista do que uma mulher pode esperar inclui: • osteoporose • vulnerabilidade à doenças coronarianas • ressecamento e atrofia vaginal • perda do desejo sexual • perda dos contornos femininos • perda do tonus e elasticidade da pele • perda da aparência jovial • perda de cabelo • perda da atratividade sexual (o que inclui a perda do odor que atrai o macho) • perda de vitalidade e energia etc. No entanto, outros livros e artigos escritos por mulheres da área de saúde5 assim como por outros pesquisadores6 apontam para os possíveis riscos e benefícios da terapia de reposição hormonal (TRH), enfatizando a necessidade de que cada mulher esteja bem informada sobre os prós e contras deste tratamento para poder tomar uma decisão consciente. Estas publicações apontam que a TRH, pode provocar: * aumento do risco de câncer de seio após uso prolongado * aumento de risco de problemas e eventual cirurgia na vesícula biliar * aumento de retenção de fluidos (o que exige especial atenção dos médicos às condições diretamente por isto afetadas como asma, epilepsia, enxaquecas, doenças cardíacas e renais). * possíveis mudanças nos níveis de insulina necessários à mulheres com diabetes. * possível sangramento uterino e eventuais sintomas pré-menstruais tais como fadiga, irritablidade, tensão, mudanças de humor, dores de cabeça, ganho de peso, retenção 5 Por ex., Doress-Worters & Siegal, 1995; Greenwood, 1984; Soffa, 1996; Trien, 1986. Ciornai 19 de líquidos, inchaço e dores nos seios que podem ocorrer para mulheres ainda com útero e que têm que tomar progesterona para prevenir câncer no endométrio (parede que reveste o útero). * Possível deficiência de vitamina B6. Como decorrência desta deficiência podem ocorrer sintomas tais como: depressão, instabilidade emocional, fadiga, insônia, dificuldade de concentração e perda de libido que podem ser resolvidas com o suplemento desta vitamina. * Outros possíveis problemas tais como aumento da pressão arterial, enxaquecas, alteração nos padrões de coagulação e mudança na curvatura da córnea, o que vir a impossibilitar o uso de lentes de contato. Em relação aos benefícios, praticamente todos os autores recomendam o TRH quando uma reposição é realmente necessária, como em esterecotomias onde os ovários foram removidos antes dos 45 anos, quando existe alto risco de fraturas, e também quando o desconforto de sintomas relacionados ao climatério é severo. Porém, mesmo nestes casos a maioria dos autores concordam que, como qualquer outro medicamento, é importante usálo sabiamente, i.e., “apenas quando realmente necessário, na dose mais baixa e eficaz, e pelo menor tempo necessário” ( Greenwood, 1984, p. 38). No entanto outros pontos usualmente mencionados como benefícios não são tão rapidamente endossados por estes autores. Discussões e controvérsias continuam. Após ler vários livros e artigos, incluindo aqueles que defendem os benefícios da TRH, assim como aqueles que cabalmente a criticam, a leitora não-médica sente-se confusa devida às diferentes ênfases dadas aos prós e contras mencionados. Ou seja, se após ler um certo livro a leitora sente-se inclinada a utilizar a TRH, após a leitura de um segundo tende a concluir o oposto. Os livros se contradizem em vários aspectos, como por exemplo em relação ao uso do TRH em mulheres com alta taxa de colesterol e história de problemas cardíacos na família. Enquanto vários autores7 afirmam que a TRH é altamente recomendável nestes casos por proteger a mulher devido à ação do estrogênio, outros autores8 afirmam que é contraindicado, dado que a combinação de progesterona com estrogênio utilizada para 6 Greer 1991; Hahn & Murphy, 1993; Perlmutter et al., 1994; Sheehy, 1991. Por exemplo Fernandes et al., 1993; Sheehy, 1991. 8 Por exemplo Hahn & Murphy, 1993; Trien, 1986. 7 Ciornai 20 proteger a mulher de câncer uterino (por mantê-la menstruando) pode causar ataques do coração e derrame. Já Greenwood (1984) adota uma posição intermediária, e escreve que apesar da progesterona anular os benefícios do estrogênio, parece ser que não os anula totalmente, e portanto recomenda o TRH nestes casos. Em junho de 1995, a revista Time publicou um artigo de cobertura de duas páginas entitulado “O Dilema do Estrogênio”(Wallis, 1995). Neste artigo, o cabeçário da primeira página era: “A menopausa é desnecessária: Graças à Terapia Hormonal a mulher poderá ter a esperança de bem estar e juventude mais prolongados” (pp. 50-51). O texto da primei página informava à leitora que a TRH era recomendada a fim de prevenir as misérias que a mulher atravessa na menopausa -- doenças do coração, osteoporose, deterioração mental, envelhecimento da pele, câncer de cólon, contribuindo até mesmo para a melhoria das funções mentais e a prevenção da doença de Alzheimer. Porém, na segunda página, o cabeçário dizia: “Ginecologistas estão recomendando substitutos hormonais como se fossem pastilhas de chocolate, mas todos nós sabemos que o lanche não é de graça” (pp. 52-53). Nesta página estava escrito que “a maioria dos estudos de controle feitos sobre terapia com estrogênio têm sido de curta duração e não esclarecem os riscos que podem ocorrer à longo prazo” (p. 53). O artigo explica que o resultado dos estudos de longaduração é o de que quanto mais tempo o estrogênio é usado, tanto maiores os riscos do seu uso, e cita um estudo patrocinado pela Sociedade Americana de Câncer que verificou que em 240,000 mulheres que tomaram estrogênio durante pelo menos 6 anos, o risco de câncer fatal de ovário aumentou 40%, e que nas que usaram estrogênio durante 11 anos ou mais, o risco aumentou 70%. Na mesma linha, Soffa (1996) cita o “Estudo Sobre a Saúde das Enfermeiras”9, o maior estudo sobre a saúde da mulher feito nos Estados Unidos no qual 121.700 mulheres foram acompanhadas durante 10 anos. Ela escreve: “Este estudo verificou que mulheres que usam estrógeno têm 40% mais de chance de desenvolver câncer de seio do que as que não o usam. Soffa relata que um desdobramento posterior deste estudo foi realizado com a finalidade de verificar o grau de segurança da combinação terapêutica estrogênioprogesterona 10, e que este estudo verificou um aumento de 40% na incidência de câncer de 9 Colditz et al., 1990. Colditz et al., 1995 10 Ciornai 21 seio em mulheres com idades entre 50 e 64 anos que usaram TRH durante 5 anos ou mais e um aumento de 70 % em mulheres entre 65 e 69 anos de idade”( pp. 34-35). Em 1997, a revista American Psychologist publicou uma série de estudos coletivamente entitulados “Iniciativa de Saúde da Mulher,” que envolveu 164.500 mulheres na pós-menopausa em tratamento clínico e estudos de observação (Mathews et al., 1997). O artigo afirma que doenças cardiovasculares, câncer de seio do colo e do reto, e fraturas osteoporóticas são a maior causa de morbidez e mortalidade nos anos de pós-menopausa, e que a doença cardiovascular é a causa de morte número um em mulheres mais velhas, matando 11 vezes mais do que o câncer de seio. Pesquisando a ação positiva da TRH vis-àvis os riscos de doenças coronarianas, câncer e osteoporose, este estudo verificou: 1. Quase todos os estudos que avaliaram a associação entre a TRH e doenças cardiovasculares obtiveram seus dados numa época em que a TRH significava usualmente estrogênio puro por via oral (isto é, sem progesterona). Como estrogênio exógeno puro tornou-se associado ao aumento de risco de câncer no endométrio em mulheres com útero, as mulheres começaram a tomar estrogênio em combinação com progesterona porque esta combinação praticamente elimina este risco. Embora pouco se duvide que a progesterona proteja o endométrio, existe a preocupação de que os progestágenos possam também atenuar os efeitos benéficos do estrogênio nos fatores de risco de doenças coronarianas, pois possuem uma atividade de tipo androgênica. Sintetizando os resultados de 5 estudos de curta duração sobre lipídios, Pike, Henderson, Mack, Lobo e Ross (1989) anunciaram que os progestágenos em combinação com a TRH estavam associados com cerca de metade do aumento na alta densidade de lipo-proteínas encontradas sem reposição estrogênica, sugerindo que a progesterona pode reduzir o efeito benéfico da TRH nos fatores de risco das coronárias.... Diversos estudos em andamento... estão atualmente testando se a substituição hormonal previne a recorrência de doença coronária em mulheres com doenças cardíacas; porém, não respondem se TRH protege contra o desenvolvimento inicial de doenças coronarianas.(Mathews et al., 1977, p.103) 2. Citando a pesquisa conduzida por Colditz et al. (1995) afirma também que embora os usuários atuais do TRH corram maior risco de adquirir câncer de seio, o mesmo Ciornai 22 não se dá com as ex-usuárias. Eles escrevem: “pesquisadores levantam a hipótese de que o estrogênio afeta o tecido mamário de tal forma que este se torna suscetível à transformações malignas através do estímulo metabólico dos derivados da progesterona” (Mathews et al., 1977, p. 103). 3. Em relação à osteoporose, eles afirmam que “o estrogênio sozinho.... e a combinação TRH, podem conservar a ossatura em mulheres na pós-menopausa. Os dados fortemente suportam a idéia de que o estrogênio tem uma função chave na manutenção da estrutura óssea e sugere que tratamento contínuo e desde cedo pode minimizar a perda óssea” (Mathews et al., 1977, pp. 103-104). Portanto, estes são dados que nos fazem especular se daqui a dez anos estaremos todas dizendo que o deveríamos ter tomado, ou que ao contrário, que não deveríamos tê-lo tomado. Porém, quanto mais esclarecidos estivermos, tanto mais teremos recursos para tomar decisões que dizem respeito à nossa vida e saúde. TERAPIAS ALTERNATIVAS Por outro lado, a medicina alopata Ocidental convencional não é a única filosofia existente sobre saúde, nem a única fonte de alívio para sintomas que afetam mulheres nesta fase de suas vidas. Vários trabalhos já foram publicados sobre modos alternativos de promover o bem-estar de mulheres maduras e de meia-idade, modos alternativos de prevenir osteoporose, doenças coronarianas, e outros sintomas relacionados ao climatério e menopausa.11 Estes trabalhos recomendam exercícios físicos como maneira de prevenir estes problemas, e também como maneira de promover o bem estar de forma geral; dão orientações nutricionais e recomendam mudanças na alimentação. Também fornecem sugestões sobre tratamentos herbais, homeopáticos, e suplementos vitamínicos e minerais para esta fase da vida. Alguns médicos prescrevem alimentos especiais (como produtos de soja), e certas cápsulas de óleos naturais que não só provêm estrógeno vegetal, como 11 Greenwood, 1984; McGarey, 1995; Sander, 1991; Sharan, 1994; Trien, 1986; Weed, 1992. Ciornai 23 estimulam a produção endógena de estrógeno, que ao contrário do que usualmente se crê , não deixa de ser produzido mesmo depois da menopausa.12 A homeopatia, a medicina Chinesa, a medicina Aiurvédica e a medicina Antroposófica são outras modalidades alternativas de tratamento e prevenção dos sintomas relacionados ao climatério e menopausa. Para a médica e acupunturista M.G. E. de Vicco13 com formação tanto em medicina Chinesa como na medicina ocidental, os conceitos destas duas escolas médicas diferem bastante, e a única coisa em comum no nível verbal entre ambas é o entendimento de que todos nós temos uma energia vital, que na medicina chinesa chama-se Qi. Segundo esta profissional, para a medicina Chinesa tudo no universo é regido por polaridades. Como os átomos da matéria e de cada uma de nossas células têm cargas positivas e negativas (os ions), tudo é visto como sendo basicamente regido por energias de dois tipos: “Yin” e “Yang,” e também pelos princípios dos 5 elementos (madeira, ferro, terra, água e metal). Todos os distúrbios físicos e psicológicos são vistos como tendo uma natureza energética, não há separação entre o físico e o psicológico, cada órgão é concebido como regendo certas emoções. A relação entre órgãos e as emoções é a seguinte • medo e insegurança estão ligados ao rim e bexiga • raiva, ódio e irritabilidade estão ligados ao rim e vesícula biliar • tristeza está ligada ao pulmão e intestino grosso • racionalidade ao estômago, baço e pâncreas • alegria e euforia ao coração e intestino delgado De acordo com de Vicco, devido ao desequilíbrio energético destes órgãos sintomas vão aparecer. Estes desequilíbrios podem ser diagnosticados através do exame da língua e do pulso (do braço, da jugular e do pé), e os tratamentos em acupuntura são sempre na direção de sedar, ou de estimular e tonificar os órgãos, pontos e meridianos de energia. Durante o período de climatério e a menopausa, distúrbios físicos ou psicológicos são considerados sinais de desequilíbrio na energia da mulher. Segundo de Vicco, a maioria das patologias na menopausa são causadas por um “vazio do Yin” do fígado e dos rins. Esta denominação pode parecer estranha, mas os diagnósticos na medicina chinesa usam nomenclaturas como plenitude, vazio, calor, frio, umidade, para indicar os diversos tipos de 12 Dra. Lucia de Fátima C.Costa Heim, M.D., ginecologista. Comunicação pessoal, setembro de 1996. Ciornai 24 desequilíbrios energéticos. Como todos os hormônios são elementos comandados pelo rim, se há problemas na energia deste órgão, durante o climatério e a menopausa os hormônios sofrerão alterações marcantes. Isto é, como está relacionado a um tipo de emoções, se estas são muito freqüentes na vida de uma pessoa o rim é solicitado demais e sua energia esvazia-se, iniciando assim um processo de adoecer. Já o fígado, órgão ligado energeticamente ao rim, também vai também se enfraquecer devido ao excesso de emoções à ele ligadas. Assim, de acordo com esta médica acupunturista, o mesmo desequilíbrio pode manifestar-se diferentemente nas diversas faixas etárias. Como o rim comanda os órgãos sexuais (útero, ovários, seios, próstrata e a energia sexual), pode-se dizer que uma menina criada com medo e insegurança provavelmente irá desenvolver desequilíbrios na energia do rim, e ao crescer provavelmente será uma jovem com uma síndrome pré-menstrual marcante (cólicas, acne, edemas, mudanças de humor), mais tarde uma mulher com dificuldades durante a gravidez, parto e amamentação, mais à frente uma mulher madura com sintomas de climatério e menopausa (calores, insônia, tonturas, depressão etc.), e mais adiante uma senhora com problemas de osteoporose. Assim, para a medicina Chinesa os sintomas relacionados à fase de climatério e menopausa não são vistos apenas como decorrentes da diminuição e alterações hormonais características do período, mas como desequilíbrios energéticos do organismo como um todo. Minha intenção ao prover esta explicação mais ampla sobre esta linha alternativa de tratamento de saúde, não é a de fazer uma defesa desta linha de tratamento alternativo em particular, mas a de ampliar horizontes mostrando que realmente existem outras formas e filosofias de pensar e cuidar da saúde da mulher neste e em outros períodos de vida. No entanto, enquanto Sand (1993) sarcasticamente descreve sua peregrinação por uma infinidade de distintas opções de tratamento, para finalmente chegar à TRH, existem igualmente outras mulheres que sentem-se gratas e satisfeitas com a ajuda recebida em terapias alternativas. Na verdade, provavelmente não há receita que sirva à todas, porém, acredito que o conhecimento das diversas opções de tratamento inclusive preventivos, podem dar à mulher uma perspectiva mais ampla das possibilidades de ajuda a que pode recorrer tanto para seu bem-estar geral como em períodos de sofrimento e aflição. 13 Dra. Maria da Graça Esteves de Vicco, médica e acupunturista. Comunicação pessoal, outubro de 1996. Ciornai 25 MENOPAUSA -- UM EVENTO BIOLÓGICO NÃO-NATURAL? Certos profissionais afirmam que a vida após a menopausa é em si um evento nãonatural, e que, como a longevidade da mulher é cada vez maior, elas terão que encarar problemas que as mulheres não tiveram anteriormente. Trien (1986) por exemplo escreve que a não muito tempo atrás a maioria das mulheres morria antes de atingir a menopausa ou pouco depois da mesma, e que pela primeira vez na história mulheres estão tendo uma sobrevida de 1/3 a mais após a menopausa. Embora eu acredite que nosso funcionamento tenha ultrapassado em muitos aspectos as explicações puramente biológicas ou genéticas, a perspectiva sociobiológica de Diamond (1996) me pareceu bastante interessante por minar teorias e crenças que diminuem a auto-estima da mulher usando conceitos cientificamente fundamentados que nos valorizam. Este autor questiona a habilidade dos paleodemógrafos em diferenciar esqueletos de 40 anos dos de 55 anos de idade, e portanto de determinar a faixa etária das mulheres em tempos passados. Considerando que a maioria dos animais selvagens conservam-se férteis até a morte -- como acontece com os seres humanos de sexo masculino (embora alguns eventualmente percam um pouco desta fertilidade), pergunta -porque esta situação é diferente para a mulher? Ele escreve: “Para o biólogo evolucionista isto é uma aberração paradoxal no reino animal.... Como poderia a seleção natural resultar em mulheres que tenham genes que impeçam sua habilidade de deixar mais descendentes?” ( p.131) Afirmando que de forma alguma considera que o papel da mulher seja apenas o de permanecer em casa e produzir bebês, explica que se utiliza do raciocínio evolutivo padrão a fim de explicar por que considera a menopausa um traço biológico mais evoluído, essencial ao ser humano, e que faz com que sejamos qualitativamente diferentes dos macacos. Diamond contesta aqueles que afirmam que o sistema reprodutor da mulher foi programado para deixar de funcionar após os 50 anos, perguntando porque o mesmo não aconteceu com outras funções do organismo. Considerando que a natureza conseguiu produzir animais cujos óvulos permanecem viáveis por pelo menos 60 anos ( elefantes, tartarugas, baleias) ele pergunta a seguir: “porque a seleção natural programou as mulheres Ciornai 26 de forma que seus óvulos tornam-se estéreis ou envelhecidos após os quarenta?” (pp.134135). O autor sugere duas causas para isto: A primeira é que no que a mulher envelhece, ela pode fazer mais para aumentar o numero de descendentes que carregam seus gens ao devotar-se mais à prole já existente, seus netos potenciais e seus outros parentes do que produzindo mais um filho, especialmente se considerarmos que o ser humano na infância depende por um prazo mais longo de seus pais do que qualquer outra espécie animal ( p.135) . A segunda razão que fornece tem a ver com a importância que as pessoas mais velhas têm como transmissoras de sabedoria, conhecimento e experiência, especialmente em sociedades que não foram alfabetizadas -- o que, de acordo com ele, significa toda sociedade humana até o advento da escrita na Mesopotâmia por volta dos 3300 BC (p.136). Ele escreve “Os homens mais velhos não corriam o risco de parto ou da responsabilidade exaustiva da lactação e o cuidar das crianças, e portanto não desenvolveram proteção através da menopausa” (p. 137) . E ele conclui seu artigo afirmando que em sua opinião, a seleção natural provavelmente concluiu que “os benefícios da menopausa são maiores do que os custos, e que [após os cinqüenta] a mulher pode fazer mais fazendo menos” (p.137). Este trabalho me parece pois extremamente interessante por focalizar e questionar nossas crenças implícitas e internalizadas sobre quais são as funções essenciais da mulher na sociedade, estabelecendo uma ligação sistêmica entre as inferências biológicas, míticas e psicológicas de estudos sobre o tema. FATORES PSICOLÓGICOS As mulheres têm maior tendência à mudanças de humor, depressão, angústia, melancolia, ansiedade e irritabilidade durante a fase de climatério e a menopausa? Se sim, será isto provocado pela queda dos níveis hormonais, por crises de vida pessoal que ocorrem coincidentemente neste período de vida, ou ainda, como reação ao modo como a sociedade concebe e estigmatiza a mulher de meia idade ? Esta parece ser uma questão bastante debatida e complexa. A maioria dos autores concordam que crises de vida pessoal e fatores culturais contribuem para alterações em Ciornai 27 estados psicológicos, porém, enquanto alguns autores firmemente afirmam que as mulheres não estão condenadas pelos hormônios à depressões e mudanças drásticas de humor, outros afirmam que as mudanças hormonais deste período de vida podem ser fatores desencadeadores importantes nas mudanças de estados psicológicos e de humor. A INFLUÊNCIA DOS HORMÔNIOS Hirsh (1994) afirma categoricamente que “calores e secura vaginal têm mesmo a ver com a redução de estrogênio. Mas problemas emocionais, não.”(p.69). Na mesma linha, em 1995 na revista American Health News, o artigo “Boas Notícias Sobre a Menopausa” anunciava “São os problemas familiares e não o climatério que causa a depressão da meia idade.” O artigo relatava uma pesquisa feita com 2000 mulheres pelo que procurou responder à seguinte questão: A menopausa causa melancolia e depressão?” Segundo os autores do artigo os resultados indicam que “a ligação de longa data, entre a menopausa e melancolia decorre do fato de que mulheres que se queixam da menopausa a seus médicos têm maior probabilidade de sofrer de uma depressão preexistente” (p.52). Levando em consideração os que defendem estas posições, Sheehy (1991) nos previne que se os médicos lêem livros que afirmam não haver uma real ligação entre depressão e menopausa, estarão evidentemente considerando as queixas de suas clientes nessa faixa de idade como um sinal de doença ou patologia . Ela escreve: “É verdade que ... a irritabilidade e a depressão em mulheres de meia-idade têm várias outras origens. Mas se as mudanças de humor são tão freqüentemente mencionadas por mulheres na fase de pré-menopausa, porque elas são informadas de que não há razão hormonal para sentirem-se deprimidas? (p.116). Citando seu estudo anterior ela afirma: “A maioria das mulheres entre 46 e 50 anos de idade, quando pesquisadas, mostrou sinais claros de que estavam atravessando uma zona de perigo. Estratégias de enfrentamento que haviam funcionado perfeitamente para elas em fases anteriores já não pareciam adiantar diante dos piques transitórios de otimismo e depressão que caracterizam esta faixa de idade” (p.119). Já Fonseca (1992) escreve que a depressão é um sintoma típico de climatério, e que a idéia de uma causa química para a depressão nesta fase da vida tem sido defendida por Ciornai 28 alguns autores desde a metade do século. “A causa da depressão não está totalmente esclarecida, mas acredita-se que ela esteja ligada a fatores genéticos, reações endógenas ligadas às modificações dos níveis dos próprios hormônios femininos e outros (dopamina, serotonina, noradrenalina). [No entanto] problemas pessoais e familiares sempre estão presentes em maior ou menor intensidade nas pacientes com crises depressivas na menopausa” (p.66). Trien (1986) escreve que foi observado pelos cientistas que os mesmos sintomas físicos e emocionais , tais como mudanças de humor, insônia, depressão, irritabilidade, cansaço, tonturas, dores de cabeça, palpitações e câimbras nas extremidades freqüentemente ocorrem juntos, porém, que ainda persiste a questão de serem estes provocados pela queda nos níveis hormonais ou pelas tensões emocionais da meia idade, escrevendo que em sua opinião provavelmente há uma dose de verdade nas duas suposições. Também Greenwood (1984), analisando os dois pontos de vista, afirma que “embora a opinião de que muitos dos problemas psicológicos durante a menopausa estão diretamente relacionados à redução dos níveis de estrogênio seja impopular entre as feministas, pois apresenta uma imagem da mulher como um ser irracional à mercê dos seus hormônios”(p.84), um componente bioquímico parece estar também presente. Ela escreve: “estudos recentes indicam que isto vem acompanhado de uma queda nos níveis de betaendorfina no cérebro. Como as beta-endorfinas são elementos químicos associados às sensações de bem-estar, esta mudança pode desencadear depressão ou ansiedade em algumas pessoas suscetíveis ”(p.85). E conclui: Está claro que nossa psicologia e nossa visão de vida são afetadas pelo mundo que nos cerca e pela nossa biologia interna. As interações entre todos estes fatores são tão íntimas que seria artificial tentar separá-los. Durante os anos da menopausa o corpo sofre uma grande transição que é sentida de maneira diferente por cada mulher, dependendo de sua saúde em geral, do conhecimento do seu corpo, e da rapidez na queda dos seus hormônios. Sua reação psicológica à essa fase de transição será determinada tanto por sua bioquímica quanto pelas circunstâncias externas que a cercam. ( p.86) O artigo “Enfermidades Afetivas Relacionadas à Menopausa: Uma Justificativa Para Estudos Mais Profundos” publicado em 1991 na Revista Americana de Psiquiatria (American Journal of Psychiatry) diz: Ciornai 29 A existência de síndromes afetivas específicas relacionadas com o climatério ou menopausa permanece uma questão controvertida, a despeito de relatórios datando do Séc. XVIII já fazerem uma associação entre distúrbios do comportamento e afetividade e o período da vida reprodutiva. As conclusões de que não existem síndromes de humor relacionadas à menopausa refletem, pelo menos em parte, uma interpretação seletiva de dados, falta de precisão metodológica, e falha em considerar-se que outras síndromes afetivas além da depressão podem estar associadas ao climatério e/ou menopausa. Recentes avanços em pesquisas sobre a endocrinologia reprodutiva continuam a esclarecer a neurobiologia do processo de menopausa, e contribuirão para uma melhor compreensão do papel do declínio da função ovariana na produção de sintomas afetivos e comportamentais... de forma que irá possivelmente avançar tanto nossa precisão terapêutica quanto nossa compreensão da relevância das mudanças endócrinas sobre o comportamento. (Schmidt & Rubinow, 1991, pp. 850-851) A fim de melhor entender as relações dinâmicas entre os hormônios e os estados emocionais, entrevistei a psiquiatra Dra. M.A.Miranda, que tem pesquisado os distúrbios psiquiátricos que ocorrem em mulheres.14 Perguntei-lhe inicialmente se existe de fato uma relação entre níveis hormonais e estados emocionais, ao que ela respondeu que na realidade o que se sabe a respeito não é só em relação ao climatério e à menopausa, pois não só mulheres têm uma maior incidência de sintomas depressivos ao longo de suas vidas do que os homens, como há certos períodos na vida de uma mulher em que ela está mais predisposta a apresentar sintomas depressivos, e que isto, ao que parece, independe da cultura, raça ou classe social. Esclarecendo que em sua opinião não há uma única explicação para isto, disse que um fator que estes períodos indiscutivelmente têm em comum é que estes são períodos em que ocorrem quedas repentinas nos níveis dos hormônios femininos. O que a gente percebe é o seguinte: primeiro, as mulheres em geral têm mais chance de se deprimir do que os homens. Enquanto que as mulheres têm 20% de chance de ficar deprimidas ao longo da vida, para os homens a taxa é de 8% (Kessler et 14 Drª Mary Alves Miranda. Comunicação pessoal, Maio de 1996. Entrevista gravada. As referências bibliográficas aos autores citados foram posteriormente documentadas. Ciornai 30 al., 1994).... Segundo, existem algumas fases da vida em que as mulheres têm maior chance de apresentar sintomas depressivos. Fica-se tentando achar uma causa única.... provavelmente existem muitas causas envolvidas neste processo. Mas o que se sabe é que nos períodos em há maior chance de se fazer quadros psiquiátricos em mulheres, ocorrem quedas hormonais. Isto ocorre primeiramente no puerpério, período logo após o nascimento do bebê, que é um momento em que há uma queda hormonal abrupta e muito intensa nos níveis de estrogênio e progesterona. O segundo pico de incidência de transtornos psiquiátricos nas mulheres ocorre por volta dos 38 a 45 anos de idade, na verdade mais dos 42 aos 45 (Sherwin, 1996) .... i.e., no climatério, que é um período em que o ovário começa a ter uma produção desigual de estrógeno e progesterona. Mas isto também ocorre... na tensão prémenstrual (TPM) da fase lútea tardia, às vésperas da menstruação, em que geralmente grande parte das mulheres se queixam de alguns sintomas psiquiátricos desconfortáveis, como maior irritabilidade, insônia, tristeza etc. E este também é um momento em que as taxas hormonais estão decaindo.... Então existem algumas suspeitas de que estes hormônios femininos, tanto o estrógeno quanto a progesterona, possam estar envolvidos no desencadeamento destes quadros psiquiátricos. Dr.Miranda falou a seguir sobre a existência de pesquisas relacionando variações nos hormônios femininos à mudanças em estados de humor. Afirmou que foi descoberto que o estrogênio tem uma função anti-depressiva importante, pois tanto aumenta o nível da seretonina, como, ao diminuir a atividade da MAO--mono-amino-oxidase (uma enzima responsável por degradar os neurotransmissores), aumenta o número de neurotransmissores na fenda sináptica. Existem alguns outros estudos... sobre o papel do estrógeno na vida humoral das mulheres. Parece que o estrógeno tem uma ação anti-depressiva importante, parece que ele aumenta a disponibilidade do triptofano.... O triptofano aminoácido é uma substância que é utilizada para a fabricação da seretonina, um neurotransmissor que em alguns sistemas tem uma ação euforizante, e que, se acredita, esteja bastante envolvida nas questões de humor, tanto em homens como em mulheres. Ciornai 31 .... Uma outra questão em relação ao estrógeno, é que ele diminui a atividade da MAO -- mono amino oxidase -- que é uma enzima responsável por degradar os neurotransmissores. Se a MAO está diminuída, consequentemente você tem um aumento destes neurotransmissores. Neurotransmissor é uma substância excretada pelas células. Normalmente as células armazenam os neurotransmissores. Quando ocorre um estímulo qualquer, as células botam uma parte daqueles transmissores para fora.... e estimula as demais através deles, i.e., uma quantidade de neurotransmissores é derramada na fenda sináptica. Estes neurotransmissores são utilizados e logo degradados pela MAO.... Parece que o estrógeno diminui a disponibilidade desta enzima que degrada, e se a MAO está diminuída, é como se houvessem “menos lixeiros limpando a rua.” Isto acaba fazendo com que os neurotransmissores fiquem mais tempo na fenda, i.e., ocorre um aumento, um acúmulo de neurotransmissores na fenda sináptica. Por isto existem remédios anti-depressivos que são chamados de I-MAO, inibidores da MAO.... e outros anti-depressivos (como a fluoxetina), que aumentam o nível de serotonina, pois são inibidores da recaptação da serotonina (SSRI). Subseqüentemente, perguntei-lhe como é que o aumento do níveis de serotonina ou o aumento nos níveis de neurotransmissores na fenda sináptica podem estar relacionados à estados de humor, ao que ela respondeu que na verdade, não se sabe muito bem ainda como estes mecanismos ocorrem: Estamos falando de achados isolados e grosseiros, porque na verdade sabe-se muito pouco a respeito de quanto isso repercute em vivo no sistema nervoso central. Por exemplo, 2 horas após administrarmos um SSRI, já há um aumento da serotonina no sistema nervoso central, mas isso não quer dizer que a simples elevação dos níveis de serotonina melhore a depressão. Em geral há uma demora de 20 a 30 dias para a pessoa melhorar da depressão.... Sabemos muito pouco a respeito de tudo isso. Qual é a repercussão de uma maior consistência de neurotransmissores na fenda é uma tentativa de compreensão dos efeitos da maior parte dos anti-depressivos. O que a gente sabe é que a médio e longo prazo começa a ocorrer uma dessensibilização nos receptores pós-sinápticos. A parede das células têm receptores, como se fossem tomadinhas que as conectam Ciornai 32 com outras células. Com os quadros depressivos o que a gente sabe é que existe um aumento muito grande nos receptores das células. Quando você normaliza a quantidade de neurotransmissor, a tendência é que a quantidade de receptores volte ao normal. É isso que se chama dessensibilização, e isto estaria ligado a uma provável resposta anti-depressiva. Isto é um dos mecanismos para se explicar porque quando você toma Prozac aumenta a serotonina, mas demora 15 a 20 dias para fazer efeito, porque provavelmente as paredes das células como que precisam de um tempo para cicatrizar-se, para dessensibilizar-se.... Todas estas coisas são bastante e arduamente estudadas, mas ainda não temos nada comprovado. obrigatoriamente testado e tal, porque se tivesse isso você teria cura para todas as depressões, e isso não é verdade.... Falamos de uma célula, de um estímulo, de um neurotransmissor e um receptor na célula seguinte, mas dentro desta célula ocorrem inúmeras reações sobre as quais a gente tem muito pouco domínio... nossa técnica ainda é muito grosseira para acompanhar o que se passa no nível intracelular... Dr. Miranda falou a seguir de outras relações encontradas entre as mudanças hormonais em mulheres e estados de humor: Por outro lado a progesterona é uma substância que pode ser depressogênica, pode dar sono. Enquanto o estrogênio aumenta a excitabilidade neuronal, a progesterona a diminui (Backstrom, 1977).... Os ovários são responsáveis por 95% da produção de estradiol (estrogênio). Após a menopausa os ovários deixam de produzi-lo. Porém, em adição à falência ovariana, também ocorrem alterações hipotalâmicas relacionadas à idade.... Tem sido demonstrado que existem receptores específicos de estrogênio em várias áreas do cérebro, especialmente nas áreas relacionadas às emoções e à sexualidade. (Sherwin, 1996). E, ela concluiu reafirmando que, em sua opinião, mesmo face à estas descobertas científicas, não é possível atribuir apenas à mudanças hormonais as explicações sobre mudanças de estados de humor em mulheres, pois estes são processos multi-fatoriais: Estou falando de algumas idéias, algumas hipóteses que podem tentar explicar isto, mas dois seres humanos podem ter respostas diferentes porque os seres humanos são muito complexos. Nós não vamos poder dizer que depressão é causada apenas Ciornai 33 por aumento ou deficiência de estrógeno ou progesterona. Isto são indícios, possibilidades.... Estamos falando de um processo multi-fatorial que envolve fatores ovarianos e neuronais. (M.A. Miranda, comunicação pessoal, Setembro de 1996) O conjunto destas informações nos leva a ponderar que a depressão, assim como outros distúrbios psicológicos como alternâncias de humor, angústia, melancolia, ansiedade e irritabilidade, não devem ser descartados como possíveis sintomas de climatério e menopausa. Se nem todas as mulheres têm este tipo de experiências, muitas as têm, e estas experiências necessitam ser respeitadas, reconhecidas e apropriadamente cuidadas por profissionais capazes de levar em conta que as mudanças nos níveis de hormônios femininos nesta faixa etária têm sido consideradas um possível fator contribuidor ao desencadeamento destes estados -- mesmo que seus efeitos e intensidade variam de mulher para mulher . A INFLUÊNCIA DAS CRISES DE VIDA PESSOAL Alguns autores, escrevem sobre o período de climatério e menopausa como um período onde ocorrem não só mudanças de caráter biológico, mas também crises de vida pessoal que podem provocar fortes mudanças nos estados emocionais e psicológicos15. Alguns mencionam que neste período os filhos usualmente deixam a casa dos pais, e que mulheres que são donas de casa e passaram a vida cuidando dos outros podem entrar num estado doído de luto pela perda do papel materno, experienciando a chamada síndrome do ninho vazio. Porém, mulheres profissionais que têm interesses fora do lar também podem experienciar sentimentos agudos de perda nesta ocasião. Por outro lado, Trien (1986) aponta que freqüentemente o ninho vazio se torna uma oportunidade para a mulher fazer coisas que sempre desejou (p.65), e/ou enriquecer a intimidade do casal, mencionando que para algumas esta fase vem a ser uma segunda lua de mel (p.70). No entanto, para algumas este período justamente coincide com a crise de vida e masculinidade 15 Por ex. Bart,1971; Fraiman, 1995; Lane et al., 1986; Lemos, 1994; Mankowitz, 1984; Pereira et al., 1994; Rubin, 1979; Sand, 1993; Sheehy, 1991; Taylor & Sumrall, 1991b; Thiriet & Képès, 1981, Trien, 1986. Também na biblioteca do Depto de Psicologia da Universidade de São Paulo encontrei algumas teses sobre o tema : Grant, 1990;da Silva, 1991; Savoia, 1985. Ciornai 34 do companheiro, que pode causar o término da relação com abandono, divórcio ou mesmo viuvez, fatores obviamente bastante estressantes. Outra razão mencionada é que este é um período em que muitas mulheres fazem uma avaliação de seus caminhos na vida, do que conseguiram ou não realizar, do que foi desejado, pretendido, e que não foi alcançado. Algumas escrevem que para aquelas que adiaram a decisão de ter ou não filhos, dar-se conta de que o tempo para isto já passou pode trazer um certo desespero. Ocorre também que muitas vezes neste período o papel de cuidador em relação aos próprios pais se inverte, e a possibilidade de morte, tanto deles como de outros parentes passa a ser mais freqüente do que antes. Na literatura psicanalítica, Deutsch (1945) é talvez a autora mais conhecida que escreveu sobre o climatério. Para ela, as crises que acompanham o climatério na mulher são inevitáveis, pois este gera um estado psicológico que ela nomeou de “mortificação narcísica” (pp. 456-457). A autora vê nas reações somáticas e psicológicas do climatério uma repetição da menarca ( início da menstruação), com a diferença que tudo o que uma menina ganha na menarca ela perde na menopausa. Para Deutsch, a natureza das dificuldades pessoais nestes períodos deve-se à uma incapacidade de realização: muito cedo para as meninas, e muito tarde para as mulheres no climatério. No entanto, Greer (1991) apontou que “antes de atravessar o climatério, Helene Deutsch tinha a perspectiva pessimista que os anos da pós-menopausa representavam um retrocesso da genitalidade à imaturidade. Na velhice, sua opinião mudou”(p. 54). Greer ilustra esta afirmação com uma citação do texto de Deutsch (1973) no qual, rememorando sua adolescência como um período turbulento de conquistas, ela escreveu: Sinto que meu período de Sturm und Drang [impulsos e turbulências], que perdurou por muitos dos anos da minha maturidade, ainda está vivo em mim e recusa-se a terminar .... Sinto que ainda existem em mim êxtases e paixões, e que estes sentimentos estão enraizados em minha adolescência. Pode ser que sejam formações reativas à ameaça de morte, porém, ao mesmo tempo, representam os impulsos generosos do período mais energetizado de minha vida. ( Deutsch, 1973, pp. 215-216) Ciornai 35 O livro de Mankowitz (1984) Menopausa, Tempo de Renascimento, é um relato de um processo de terapia Jungiana com uma paciente atravessando a menopausa. Através de seus sonhos, a autora extrai temas e questões relativas à experiência interna da menopausa. Os temas psicológicos identificados pela autora são relativos aos sentimentos de medo, vergonha e perda (perda da juventude, da atratividade feminina, da fertilidade), que resultam em uma dificuldade em lidar e aceitar estas perdas. Esposando a escolha de Deutsch do termo mortificação narcísica para este período de vida, ela também aponta que a consciência do que não foi vivido, i.e., da vida não vivida, e a percepção de se ter perdido as possibilidades da juventude podem ser uma fonte angustiante de sofrimento. A autora também aponta a relação entre menopausa e envelhecimento, que por sua vez implica em aproximação da morte, e a importância simbólica de fim da fertilidade, que segundo ela, “representa inevitavelmente o poder constante de renovação”(pp.136-137), trazendo sentimentos de perda, tristeza e desespero. Ela escreve: “Na menopausa esse poder cessa, e para a mulher na menopausa parece, de início, que a esperança se foi para sempre, que é tarde demais, que o futuro é vazio”(p.137). No entanto, a autora também identifica conotações positivas deste período de vida nos capítulos finais, observando que “das cinzas da criatividade biológica poderia nascer uma criatividade de natureza mental”(p.98). No capítulo “Criatividade e Individuação” escreve que vê a menopausa como um período que propicia uma importante integração da totalidade da personalidade, e em sua última frase, a autora reafirma sua esperança de que com a menopausa a mulher redescubra sua criatividade em uma nova direção” (p.137) Estas foram as referências que encontrei quando decidi realizar este trabalho como tese de doutorado. No entanto, de 1994 a 1997, período em que nela trabalhei, localizei alguns textos novos que apresentam algumas similaridades com minha proposta inicial. Mulheres da 14ª Lua: Escritos Sobre a Menopausa (Taylor & Sumrall, 1991b), é uma coleção de ensaios literários e poemas escritos por mulheres para contar e escutar “Meu problema é aqui, é aqui que dói, e ter alguém respondendo, Eu também. E o que eu fiz foi o seguinte” (Paley, 1991, p.xi). Na introdução do livro, Taylor and Sumrall (1991a) escrevem: “Quando percebemos que estávamos à beira da menopausa, fomos atrás de estórias de mulheres que descrevessem em suas próprias palavras este período de suas vidas.... Esperávamos encontrar experiências comuns como calores, sentimento de perda, e Ciornai 36 uma sensação generalizada de desânimo. Ao invés, encontramos uma enorme diversidade e individualidade nos relatos.... Mulheres da 14ª Lua é um começo, a primeira onda que, esperamos, trará muito mais estórias de mulheres sobre a menopausa. O título foi tirado de uma das contribuições ao livro que diz:... “se existem 13 luas cheias durante o ano, uma mulher que não menstruou durante um ano estará iniciando uma nova fase de vida na 14ª lua cheia” (xvii-xix). No Brasil, Mulher 40 Graus à Sombra: Reflexões Sobre a Vida a Partir dos 40 Anos (Pereira et al., 1994) é um livro escrito por 3 psicanalistas que inclui entrevistas com 22 homens e mulheres de distintas profissões: escritores, artistas, empresários etc. Neste livro, temas e experiências desta fase de vida são relatados de forma sensível e bem humorada procurando descrever como a mulher de mais de quarenta “sente, pensa e faz para conseguir reger sua Sonata de Outono” (p.3). O livro toca temas importante deste período como depressão (“crise fé, de qualquer fé,” p. 5), solidão, a reavaliação dos caminhos escolhidos (“a crise tem mais a ver com as coisas que gostaria de ter feito mas não fiz” p. 9), a crise de identidade sentida especialmente através do reconhecimento das mudanças na identidade física, e vários outros temas relativos à aspectos culturais e ao imaginário social. O livro contém uma parte especialmente interessante dedicada à história dos personagens femininos de filmes que viveram momentos de crise e transformação de vida como as personagens de Telma e Louise, Babette de A Festa de Babette, e a Jasmin de Bagdah Café. E finalmente, Quarenta, a Idade da Loba (Lemos, 1994), é uma coletânea de 96 entrevistas com mulheres de classe média alta, de profissões variadas de todo o país, que contam suas estórias e compartilham suas experiências desta fase da vida. As entrevistadas apresentam diferentes “maneiras de viver a crise da meia-idade e todas as questões relacionadas... sem conselhos nem fórmulas, mas em toda a sua diversidade e originalidade... [traçando] um panorama da história feminina da vanguarda no Brasil, mostrando... a formação e a experiência dessas mulheres que estão hoje influenciando a cultura e a formação de novas gerações”(pp. 21-22). Ciornai 37 SEXUALIDADE NESTE PERÍODO DE VIDA A percebida perda da atração sexual e da própria libido são alguns dos medos e horizontes sombrios que, para ambos os gêneros, envolvem a perspectiva de vida na meia e terceira idade. Em nossa cultura, ficamos surpreendidos ao ouvir falar que uma pessoa mais velha ainda é ativa sexualmente, freqüentemente considerando o fato ridículo, inapropriado, ou até, se a atitude for benevolente, “uma gracinha.” Os meios de comunicação, com raras exceções, nos provêm continuamente com piadinhas e imagens de escárnio sobre a sexualidade de pessoas mais velhas. No entanto, embora esta atitude seja pervasiva em relação à pessoas idosas de forma geral, mulheres na meia e terceira estão muito mais sujeitas à discriminação social do que homens na mesma faixa etária. E este é um fator importante de se levar em conta ao questionarmos a sexualidade das mulheres de meia e terceira idade, pois se Clint Eastwood aos 67 anos ainda é um galã que provoca suspiros no público feminino, dificilmente hoje em dia uma mulher nesta idade provocaria tal reação em um público masculino. Ao pesquisar a literatura existente sobre a sexualidade da mulher durante os anos da menopausa, Terhune-Young (1993) diz ter verificado que esta questão ainda está carregada de contradições, informações e interpretações errôneas. Para ilustrar esta afirmação, cita autores como Barbach (1993) que considera que a perda do desejo e resposta sexual em mulheres após a menopausa é confirmada pelo corpo de pesquisas atuais; Kinsey et al. (1953), que afirmam inexistir relação entre idade e declínio do interesse sexual em mulheres, e Greer (1991), que defende a idéia de que o declínio do desejo sexual serve como função adaptativa às mulheres que não têm parceiros sexuais. A verdade é que sexualidade é uma área complexa, íntima e delicada onde uma multiplicidade de fatores atuam de forma interrelacionada. Ao considerar fundamentalmente o fator biológico, vários autores afirmam que, em decorrência do declínio dos hormônios femininos, a libido da mulher diminui nesta fase da vida16. Porém, Trien (1986) sugere uma perspectiva diferente: Sexo pode ser até mais agradável para você depois da menopausa. Embora os níveis de estrogênio caiam na menopausa, seus ovários e glândulas supra-renais continuam a produzir andrógenos, ou hormônios masculinos. Agora, sem a oposição Ciornai 38 dos estrógenos, eles exercem uma influência mais poderosa do que nunca sobre a libido. De um ponto de vista puramente físico a capacidade de prazer sexual aumenta com a idade. Mulheres com experiência sexual têm uma rede de veias maior e mais complexa na área genital, principalmente depois que têm filhos. Quando esta camada venosa fica ingurgitada durante a excitação sexual, isso pode contribuir para elevar as sensações de tensão sexual . (p.173) Masters e Johnson (1970), autores renomados na área da sexualidade, também se posicionam contra a idéia de que a mulher perde a capacidade de responder sexualmente após a menopausa -- para eles isso é uma falácia cultural. No entanto nos previnem que como qualquer outra função humana, para não perder é necessário usar, ressalvando que para algumas mulheres a reposição hormonal é necessária para que o tecido pélvico possa retornar a um estado similar ao do período da pré-menopausa pois a diminuição dos hormônios femininos pode produzir ressecamento nas paredes vaginais, e, sem o uso da TRH ou de cremes apropriados, o sexo pode ser dolorido. Neste sentido, ao descrever suas experiências pessoais, Sand (1993) escreve: “é difícil decidir o que vem primeiro: não desejar fazer sexo, ou não querer porque dói.”(p.113 ) Outros autores abordam a sexualidade da mulher mais velha de uma perspectiva mais ampla. Contestando a crença que o término da fertilidade implica no término da sexualidade, Greenwood (1984) escreve que “[embora] a menopausa seja o fim da fertilidade de uma mulher... ela continua sendo um ser sexual capaz de dar e receber amor de todas as formas ”(p. 41). Na mesma linha Pereira et al. (1994) opinam que apesar de que “ há séculos a perda da capacidade reprodutora vem sendo associada à perda da feminilidade e da possibilidade de prazer sexual.... fertilidade e sexualidade não são sinônimos” (p.15). Ultimamente, nos meios de comunicação tem começado a aparecer algumas matérias mais positivas a este respeito. No encarte Jornal da Família da edição de domingo do jornal O Globo por exemplo, foi publicado um artigo entitulado “Sexy na Terceira Idade: Pesquisa mostra que não há limite de idade para o prazer sexual” (Froés & Marinho, 1995) Os subtítulos eram: “As várias receitas de orgasmo aos 60,” e 16 Por exemplo Cooper 1976; Cutler et al., 1983; Fernandes et al., 1993; Fonseca, 1992; Wilson, 1965 . Ciornai 39 “Preconceito social inibe amor entre pessoas idosas.” O artigo defendia a posição que a idéia que pessoas mais velhas são dessexualizadas deve ser revertida, e entrevistava psicólogos, médicos e pessoas na faixa dos 60 anos de idade que têm uma vida sexual ativa e feliz. Livros sobre o assunto, trazendo uma perspectiva mais inovadora têm também começado a ser publicados. Quarenta, a Idade da Loba (Lemos, 1994), reuniu depoimentos de 96 mulheres desta faixa etária que trazem uma imagem da “quarentona” que em termos de sexualidade desafia e transcende os estereótipos culturais. Ao contar como vivenciam a sexualidade nesta faixa de idade, muitas relataram por exemplo interesse por homens mais jovens com os quais estão relacionando-se com muita satisfação. Fraiman (1995), em Coisas da Idade levanta um outro ponto. Ela escreve que a atividade sexual na vida adulta em geral é uma atividade desvinculada de sensualidade, afeto ou ludicidade, uma atividade feita rapidamente e sem intimidade, resultante de uma sociedade com uma ideologia de consumo onde tudo é rápido e descartável. Para ela, o grande entrave não é de ordem sexual, pois “o sexo, hoje, reduzido à busca do prazer, nos rouba a dimensão do envolvimento.... A maior barreira sexual é, em qualquer idade, a mordaça que se coloca na voz do coração.” (pp. 67-68). Já para Mankowitz (1984) o problema da sexualidade na menopausa não é que a mulher deixe de sentir desejo sexual, mas sim que sua capacidade de despertar o desejo em outros começa a diminuir. “O que está em jogo é seu poder feminino e não sua capacidade sexual” (p.71). Por outro lado, reconhecendo que transformações de fato ocorrem neste período de vida tanto para a mulher como para o homem, considera: Se pudéssemos imaginar... que o pêndulo afastou-se da imagem da menopausa sem sexo, mas não ao outro extremo da não-mudança, não-envelhecimento e sexualidade, a mulher mais velha poderia, em tal ambiente, envelhecer mais graciosa e com mais propriedade. Poderia descobrir...que se sua vida sexual já foi boa, ainda poderia continuar sendo; mas que suas necessidades sexuais eram menores do que antes e que seu interesse por sexo estava cedendo lugar a outras preocupações. Ela em geral tem medo de admitir isso, por temer não se manter à altura do parceiro masculino. Ele porém é igualmente pressionado, se não mais, a manter uma potência exuberante até idade avançada.... Ele também, se ouvir as Ciornai 40 necessidades de seu corpo em envelhecimento, pode descobrir que as necessidades são menos urgentes do que antes, e sentir-se aliviado por diminuir o ritmo, acertando o passo com sua parceira de longa data (p.72) Um outro fator importante é a história pessoal da sexualidade de cada mulher. Algumas autoras17 escrevem que mulheres que tiveram uma vida sexual satisfatória ao longo de suas vidas, costumam continuar a tê-la, e que aquelas que não a tiveram dificilmente irão tê-la agora. Mas Thiriet e Képès (1981) sem descartar a importância das experiências anteriores, apontam que neste terreno não é possível predizer, pois há mulheres que experienciaram orgasmo pela primeira vez aos 50 anos e até mais (p. 94). Isto nos leva a considerar que é sempre importante lembrar e levar em conta que a sexualidade é um fenômeno relacional, i.e., que sua qualidade depende tanto de nossa capacidade de amar, de soltura, de entrega -- muitas vezes só aprendidas nos anos de mais maturidade, como também do outro, do parceiro. A construção de uma relação amorosa satisfatória, não é, em nenhuma idade, uma questão simples e banal. Neste sentido, considerando a sexualidade de mulheres de 50 anos ou mais, Thiriet e Képès ( 1981) escrevem: As mudanças físicas podem, em certa medida, desempenhar um papel desfavorável, pois suprimem alguns estímulos hormonais ligados às diferentes fases do ciclo. Mas será que elas eram tão importantes em nossa vida amorosa anterior? Nossa disposição sexual era feita de outros elementos que podem permanecer intactos: aqueles que emanam da qualidade da oferta e da demanda de nossos parceiros com sua carga sentimental e erótica, e aqueles da nossa imaginação, por si só mais poderosa que todas as nossas glândulas para matar ou estimular nossos desejos ( pp. 92-93). Ao mesmo tempo, os efeitos castradores e opressivos que as crenças e atitudes sociais em relação à mulher mais velha, nossos conceitos sobre o envelhecer, e nossos temores do julgamento de outros, são indubitavelmente fatores que permeiam de forma marcante nossas experiências e a percepção de nossas possibilidades amorosas nesta idade: Se uma mulher chega a esta fase com a idéia de que é indecente continuar a vida amorosa com os cabelos grisalhos, então esta mentalidade puritana, um pouco 17 Sheehy (1991); Trien, 1986. Ciornai 41 ultrapassada mas ainda encontrada, poderá efetivamente ser concretizada por reticências nas relações amorosas. Estas reticências, por sua vez, implicarão em uma moderação na demonstração da ternura, no aparecimento da excitação, e haverá “falhas” no prazer. Logo esta mulher encontrará a confirmação de que isto não é mais próprio da sua idade, que ela não tem mais bastante vitalidade ou hormônios suficientes para fazer amor ( p.96). Sheehy (1991), adotando um ponto de vista mais pragmático, escreve : A vida sem sexo pode ser mais feliz para algumas mulheres do que continuar no mesmo padrão de frenesi emocional -- aberta à humilhação, rejeição, ansiedade e miséria, assim como aos prazeres do sexo...Isto pode explicar porque algumas mulheres começam a substituir seus hormônios e depois param. Enquanto não estavam muito com seus próprios hormônios em circulação, o desejo pode ter lentamente declinado.... Porém, se este é reestimulado pela ingestão de hormônios ... suas opções são satisfazê-lo ou sofrer de uma carência inconsolável. (p. 145) Enfim, revendo a literatura existente sobre a sexualidade da mulher de meia e terceira idade, torna-se evidente que a sexualidade nesta fase da vida é um tema controverso e que enche de temores mulheres à beira da menopausa. Neste sentido, o estudo de Terhune-Young’s (1993) traz uma conclusão que me parece um fechamento ainda bastante apropriado para este tópico: O estudo da sexualidade da mulher nos anos da menopausa é uma área que implora por mais pesquisas e definições. Áreas que justificam estudos mais conclusivos incluem os fatores psicológicos que influenciam o funcionamento sexual, as atitudes em relação à menopausa, a qualidade dos relacionamentos, fatores de stress, e a extensão pela qual a auto-estima de uma mulher está baseada em sua percepção de sua condição reprodutiva. Estudos que examinem os fatores psicológicos que influenciam a sexualidade na menopausa, se existentes, foram, até hoje, muito poucos. (p. 19) Ciornai 42 ESTUDOS TRANSCULTURAIS, DE CLASSE, E SOBRE O IMAGINÁRIO SOCIAL A sociedade e a cultura em que vivemos influenciam nossas formas de sentir, nos comportar, pensar, desejar e nos relacionar conosco e com os outros. Influenciam também as formas com que lidamos com a vida e a morte, as formas como compreendemos nossa feminilidade e lidamos com nossa sexualidade. Influenciam tanto o modo com que nos relacionamos com nossas realidades externas e internas, como o modo pelo qual os outros relacionam-se conosco. Nas palavras de Feinstein, Krippner (1988): Sua mitologia pessoal está enraizada no seu ser mais profundo, sendo também o reflexo da mitologia produzida pela cultura em que você vive. Todos nós criamos mitos baseados em fontes internas e externas, e vivemos segundo estes mitos .... Até certo ponto, sua mitologia é a mitologia de sua cultura em microcosmo. Tudo o que você faz e todos os seus pensamentos trazem a marca distintiva da mitologia da cultura em que você foi criado. ( pp. 4- 5) O IMAGINÁRIO SOCIAL NA SOCIEDADE OCIDENTAL As sociedades ocidentais tipicamente vêem a menopausa como o fim da feminilidade e juventude da mulher, como o primeiro degrau de uma escada descendente de onde o único cenário é a descida inexorável à deterioração e à morte. Em uma sociedade onde a juventude é exaltada e apontada nos meios de comunicação como padrão de beleza, sexualidade, bem-estar, sucesso, etc.-- i.e., como “o desejável,” não é de surpreender que a chegada ao climatério tenha a conotação negativa de descida à um status inferior. NA LINGUAGEM MÉDICA Esta postura tem aparecido de forma mais ou menos explícita nos escritos médicos sobre a menopausa. Em 1966 Wilson lançou o famoso livro Feminina Para Sempre e em 1976 Cooper publicou Sem Mudança. Os dois livros como os títulos indicam, oferecem às mulheres através da TRH juventude eterna e ciclos menstruais até o fim de suas vidas. No Ciornai 43 Brasil, Fonseca (1991) publicou Menopausa: Para Sempre Mulher, uma coletânea de artigos publicados no Caderno Feminino do Estado de Minas Gerais, na qual descreve a TRH como o maior avanço médico do século para a mulher. Assim como estas publicações, outros livros, artigos e palestras afirmam conhecer a receita daquilo que é visto como de mais alto valor e desirabilidade para a mulher: juventude e feminilidade perpétuas. No entanto, autores como Logothetis (1991) e Hahn and Murphy (1993), criticam a noção de “doença” que a medicina tradicional dá à menopausa ao denotá-la como uma fase de “deficiência hormonal” ao mesmo tempo em que louva a TRH como a forma de evitar e livrar-se “destes processos indesejáveis.” Segundo Beyene (1986), autoras feministas e o movimento da Organização Nacional de Saúde da Mulher nos Estados Unidos, têm contestado o modelo de doença da menopausa argumentando que os mitos sobre menstruação e a menopausa são uma forma de controle social através da qual o sistema de assistência à saúde na cultura Ocidental legitima o sexismo e o preconceito contra a idoso sob a máscara de ciência. O artigo de Logothetis (1991), “Nossa Herança : O Olhar dos Médicos Sobre a Mulher na Menopausa,” é uma revisão da literatura médica nos anos 1960, 1970, e 1980 sobre a menopausa com o objetivo de analisar que imagem de mulher está implícita em seus escritos. Na introdução de seu artigo ela assim resume o que encontrou: A mulher na menopausa parece provocar um tipo particular de virulência e negatividade na maioria dos médicos.... Ela tem sido retratada como experienciando a menopausa como um processo degenerativo .... Na literatura médica foram encontradas três imagens da mulher na menopausa: como fisicamente em deterioração, psicologicamente incapacitada, e socialmente desvalorizada (p. 40). Mais especificamente em relação às atitudes médicas em relação ao corpo da mulher na menopausa, ela escreve: A descrição do corpo da mulher na menopausa é geralmente repulsiva.... Os termos médicos comummente utilizados para descrever estas transformações no corpo da mulher na menopausa criam em si ainda maior negatividade. Por exemplo, a palavra “atrofia” utilizada para descrever mudanças genitais.... “deficiência estrogênica,” ...“vaginite senil”.... Implícito nestes rótulos médicos está implícita Ciornai 44 uma visão extremamente negativa da mulher como um ser assexuado com o corpo em ruínas.... ” (p.41) A seguir, considerando os aspectos psicológicos da mulher nesta fase, a autora continua dando exemplos de como a mulher na menopausa é descrita de forma rude e hostil na literatura existente, sendo caracterizada entre outros exemplos como “sofrendo de distúrbios neuróticos e psicossomáticos”(Kistner,1978, p. 552), e cuja “enciclopédia de queixas’ inclui “depressão, irritabilidade... clara mesquinhez” (Easley,1983, p.371). (Logothetis, 1991, pp. 42-43). E, em relação à questão do valor social, a autora dá exemplos de como a mulher na menopausa é definida na literatura médica em função de sua sexualidade e valor reprodutivo. Ela passa a considerada como passando a um status social inferior em vista de seu papel reprodutor ter terminado, e por socialmente não ser mais considerada atraente para o homem. Entre os vários exemplos encontrados a autora menciona os seguintes: Infelizmente , sem o estrogênio “que produz a beleza, a sedução que atrai o macho” (Wilson & Wilson, 1972, p.521).... Ela se torna “ a casca enrugada de uma mulher, gasta, seca, assexuada, e, em comparação com suas boas lembranças dos tempos passados de glória e romance,” passa a não ser nada mais que um monte ossos (Sillman, 1986, p.166). Sua “importância social e sua feminilidade desaparecem na menopausa” quando “seu valor como parceira sexual diminui”(Easley, 1983, p.373).... Com estrogênio ela se tornará “muito mais agradável à convivência e não se tornará insípida e pouco atraente”(Wilson & Wilson, 1972, p.523). ( Logothetis, 1991, p. 43) E ela conclui: Declarações sobre a mulher expressas através da ideologia médico-científica vêm imbuídas de prestígio e autoridade. Em vista disto os médicos têm um enorme poder em definir e manipular a realidade feminina. Quando mulheres são vistas como fisicamente, psicologicamente e socialmente incapacitadas devido à menopausa, o sexismo e o determinismo biológico perpetuam-se.... As mulheres devem unir esforços para rejeitar a imagem médica da menopausa como doença e resgatá-la como uma fase normal do seu ciclo de vida. (Logothetis, 1991, pp. 44-45) Ciornai 45 NAS QUESTÕES DE IDADE E VELHICE Consequentemente, mulheres não só sentem-se relutantes em admitir estar na menopausa, mas são também encorajadas a escondê-la e negá-la como se fosse uma gravidez indesejável que deve ser ocultada. Na obsessão de evitar ou retardar o máximo possível a passagem para esta fase “indesejável”, proclama-se os hormônios como pílulas da eterna juventude. No entanto, à parte da polêmica sobre serem os hormônios seguros ou não de tomar, não só eles não revertem o relógio para ninguém como impedem a mulher de alcançar um novo nível de desenvolvimento metabólico, psicológico e espiritual. Dentro destes parâmetros, a menopausa é equacionada como a porta de entrada para a velhice, carregando junto a discriminação e os preconceitos sociais em relação ao idoso. A este respeito, em A Velhice, de Beauvoir (1970) escreve: A situação dos idosos hoje é escandalosa (p.205). Para a sociedade a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar.... Aí está justamente porque escrevo este livro: para quebrar a conspiração de silêncio .... Com relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás dos mitos de expansão e abundância, trata os velhos como párias. (p.8) Ora, se a mídia, especialmente a indústria cinematográfica, apresenta os velhos às vezes como charmosos com histórias passadas “dignas de um filme”, às vezes como impossíveis e cheios de manias, não é comum ver-se uma pessoa mais velha retratada como uma pessoa inteira, profissionalmente e sexualmente ativa, participando da vida com alegria e vigor. Falando sobre este assunto, Lieboff (1995) coordenador do setor de programas do Departamento da Terceira Idade da prefeitura de Los Angeles, Califórnia, em um estudo apresentado no Congresso Panamericano de Gerontologia em São Paulo, defendeu a idéia de mudar a imagem do trabalhador aposentado. Seu estudo lista várias razões pelas quais trabalhadores mais velhos deveriam interessar às indústrias, como o sentido mais elevado de responsabilidade, conhecimento e experiência em sua área de trabalho, o fato de já terem seus filhos crescidos e educados, etc., e relata que o governo americano está implantado uma política de incentivos financeiros às indústrias que empregarem trabalhadores mais velhos. Ciornai 46 Fodor (1990), em um artigo sobre terapia com mulheres de meia-idade, afirma que terapeutas precisam confrontar seus próprios preconceitos antes de trabalhar com clientes de meia-idade (p.39). Citando Sontag (1980) que escreveu sobre o duplo padrão de envelhecimento para homens e mulheres, Fodor constata que enquanto as mulheres são consideradas velhas aos trinta anos, os homens de meia idade ainda são considerados em plena forma, e que este duplo padrão cria, para homens e mulheres, diferentes ansiedades em relação ao medo de envelhecer e à necessidade de manter-se jovem”(p.39). Para esta autora, a terapia com clientes de meia-idade deve necessariamente incluir o favorecimento de uma mudança de paradigmas em relação aos estereótipos culturais internalizados como esquemas internos (p.42). EM RELAÇÃO À “BELEZA” E AOS ESTEREÓTIPOS SOBRE A MULHER OS estereótipos internalizados do imaginário social têm muito a ver com a aparência física da mulher. A mulher tem sido apreciada mais por sua aparência física do que por qualquer outra coisa em nossa sociedade, e como o padrão ideal de figura física, moda ou beleza é sempre a juventude, torna-se difícil para a mulher valorizar-se e sentir-se neste sentido à medida em que chega à meia-idade Interessantemente, ao analisar pinturas de artistas europeus retratando mulheres, Berger (1972) também escreveu sobre este duplo padrão em relação às imagens de homens e mulheres retratados. Segundo ele, como as mulheres eram normalmente pintadas por homens, quase nunca eram retratadas como seres que percebem, pensam, sentem ou que têm uma interioridade, mas sim como objetos do desejo masculino. Ilustrando esta idéia com uma impressionante galeria de exemplos ele assim descreve esta percepção: Os homens agem, as mulheres aparecem. Os homens olham para as mulheres. As mulheres se vêm sendo olhadas. Isto determina não só a maior parte das relações entre homens e mulheres como também a relação das mulheres consigo mesmas. O observador interno de uma mulher é masculino: a observada, a mulher. Assim ela se transforma em um objeto -- e mais particularmente em um objeto visual: uma visão. (p. 47) Ravena (1996), psicóloga e arte terapeuta, pesquisou esta questão relacionando-a à mulher madura. Também buscando as imagens de mulheres representadas por artistas que Ciornai 47 através da história compuseram uma verdadeira “iconografia do feminino,” conclui que os padrões convencionais de beleza feminina foram concebidos basicamente por homens, e que estes padrões de beleza socialmente equacionados à juventude e ao poder da atração sexual, excluem as mulheres mais velhas. A autora defende a importância de questionar estes estereótipos estabelecidos, contrapondo a noção de beleza como uma qualidade em si -- uma essência, à noção de beleza como um processo relacional. Ela escreve: Quando... homens e mulheres organizam elementos de sua relação com o mundo dos fenômenos, e, numa perspectiva também existencial, esses elementos podem significar todos juntos e ao mesmo tempo harmonia, proporção, integração e expressividade, nasce a percepção de um estado diferenciado que, intensamente carregado de afeto, pode criar a vivência de um deslumbramento. Na sua plenitude esse deslumbrar-se é nomeado “O Belo”. ( p.79) Esta maneira de conceber o “belo” é muito semelhante à concepção de Knill (1995) , artista e arte terapeuta também por ela citado que assim escreve sobre o conceito da beleza na arte : É necessário dar um salto além da concepção tradicional da estética formal que se preocupa com formas ideais, e também, além da afirmação simplista de que “a beleza está nos olhos de quem vê” (p.1) .... A presença da beleza não está ligada à concretização ou abstração do tema ou objeto apresentado. A beleza irradia através dos meios e maneiras pelas quais o emergente -- concebido originalmente com amorosa afeição -- nos acerca. (p. 3) Baseando-se nestas premissas e preocupada com a internalização dos estereótipos sociais, Ravena conduziu um pequeno estudo em que explorou os conceitos pessoais sobre beleza de 6 mulheres maduras, concluindo que “que com um trabalho interno profundo, com compromisso com o próprio amor de si mesma e com a liberdade de olhar abertamente para si, a mulher madura pode descobrir sua Beleza.” (p.80). Ciornai 48 NOVOS PERFIS PARA A MULHER MADURA Recentemente tem havido um certo esforço de alguns setores da mídia de passar imagens positivas da mulher de meia idade. Entrevistas com mulheres, especialmente mulheres famosas que estão hoje na faixa dos 40, 50 anos começaram a aparecer lentamente em revistas e na televisão, mostrando um “novo perfil” da mulher de 40, 50 anos. No entanto, com freqüência oferecem mensagens ambíguas. Por exemplo, a revista Veja publicou um artigo sobre mulheres que estão hoje se aproximando dos anos da menopausa. O título do artigo que aparecia na capa da revista era: “A Batalha Começa aos 40: Hormônios, Ginástica, Cosméticos -- Como as Mulheres Estão Enfrentando a Menopausa?”( Capriglione & Leite 1995), título que claramente dá a menopausa a conotação de algo indesejável à ser combatido. Na literatura feminista, o tema da experiência feminina da menopausa também começou a aparecer em algumas publicações. Em “Enfoque Feminista,” Teles (1995) escreve que percebe uma resistência nas mulheres que têm estado na liderança dos movimentos feministas, hoje na faixa etária dos 40, 50 anos, a enfrentar a menopausa e reconhecer o próprio envelhecer. Ela escreve: “Temos que assumir nosso envelhecimento com independência, sabedoria, bom humor, e principalmente, com senso crítico”(p.38). Com uma intuição similar à que orientou meu interesse em realizar este trabalho, ela considera: Se soubermos aproveitar nossa capacidade de ousar e nos rebelar, enfrentaremos com maior fôlego os preconceitos e conseguiremos dar a volta por cima. Poderemos viver com mais segurança. Poderemos aceitar nossas rugas e nossos seios flácidos, como aceitamos com orgulho a experiência que o tempo nos deu. Para criar uma nova abordagem que resgate a menopausa de maneira digna, nós, mulheres, feministas ou não, precisamos agir coletivamente. (p.38) Por outro lado, alguns livros têm aparecido encorajando mulheres a definir por si mesmas o que desejam honrar e o que consideram sagrado, proporcionando uma perspectiva nova e positiva da menopausa como a porta de entrada para um desenvolvimento espiritual mais elevado.18 Os escritos destas autoras nos possibilitam 18 E.g, Anderson & Hopkins, 1991; Andrews, 1993 ; Gray 1994; Horrigan, 1996. Ciornai 49 entrever possibilidades de considerar a menopausa e a mulher mais velha de formas diferentes das usuais, sugerindo e encorajando a criação de práticas, cerimonias e rituais que nos honrem. Da mesma forma, lentes culturalmente distintas podem nos levar a considerar a subjetividade e relatividade de nossas “verdades” ao apresentarem perspectivas totalmente diferentes sobre o mesmo fenômeno biológico. ESTUDOS EM DIFERENTES CLASSES SOCIAIS No ensaio sobre as pesquisas transculturais em relação à mulher e menopausa Terhune-Young (1994) levantou a dúvida se experiência do climatério e menopausa seria significantemente distinta entre mulheres de diferentes camadas sociais. Ela introduz o tema citando Greene (1990), que escreveu: “Há algum tempo tem estado na moda encararse a preocupação com a menopausa como peculiar às classes média e alta da sociedade, ocorrendo entre mulheres que, não tendo necessidade de trabalhar, pouco têm a fazer além de se preocupar com o envelhecimento e suas manifestações físicas”(p.80). No entanto, ao resenhar a bibliografia existente sobre o assunto, a autora afirma que “esta não endossa esta conclusão” (p. 3). Entre os vários estudos que a autora cita como exemplos, ela menciona o estudo de Jaszmann, Van Lith, and Zatt (1969) sobre o climatério entre mulheres holandesas, que “conclui que vários sintomas da menopausa eram muito mais altos em mulheres de baixa renda e nível de educação baixo,” embora este estudo, segundo a autora, “não fizesse distinção entre sintomas vasomotores (i.e., ondas de calor e suor), e sintomas não vasomotores” (Terhune-Young, 1994, pp. 3-4). A autora menciona também o estudo de Greene and Coke (1980) sobre um grupo de mulheres escocesas , resumindo os resultados como segue: Este estudo não encontrou relação entre sintomas vasomotores e condição social, mas encontrou uma forte associação entre condição social e outros sintomas. Os resultados deste estudo indicam que durante os anos do climatério (entre 40 e 55 anos ) a freqüência de sintomas em mulheres de condição sócio-econômica inferior aumentavam mais que aqueles de mulheres de condição socio-economica superior, e permaneciam mais altos durante o período pós-climatério. O efeito entretanto, é Ciornai 50 maior para sintomas psicológicos, o que faz com que a diferença de classe durante o auge do climatério alcance um nível estatístico significativo. (pp. 3-4) Outro exemplo que ela apresenta é o estudo de Campagnoli et al (1981) sobre mulheres italianas, que também verificou que “a classe sócio-econômica não está relacionada com sintomas vasomotores, mas mulheres de classe social inferior tendem a queixar-se mais de sintomas psicológicos mais severos (tais como ansiedade, irritabilidade, depressão etc.) do que mulheres de condição social mais elevada.”(Terhune-Young,1994, p.4) Portanto, se por um lado estes estudos nos dizem que o aparecimento de sintomas pode variar em grau e intensidade em diferentes classes sociais, eles também indicam que sintomas vasomotores e psicológicos ocorrem na experiência de mulheres de todas as classes sociais no Ocidente. Na biblioteca do Deptº de Psicologia da USP encontrei 3 teses sobre o assunto. São 3 pesquisas dirigidas à mulheres de classe média e baixa que, comparadas às dirigidas à mulheres de classe média e alta que mencionei antes19 indicam que diferenças sócioeconômicas constituem um fator importante no considerar a experiência de mulheres durante o climatério e a menopausa . “Vivência da Menopausa,” dissertação de mestrado em Psicologia de Pereira da Silva (1981), é uma pesquisa com 15 mulheres mineiras de classe média nascidas entre 1920 e 1930 residentes em Belo Horizonte. Suas conclusões são que “suas vidas estão associadas a muitas perdas” (Abstract) e que “o corpo parece falar de uma sexualidade negada, ou vivida com culpa e medo de solidão e abandono”(p. 50). No último parágrafo ela fala de sua esperança de que através do compartilhar de experiências, a fenomenologia da menopausa que se configurou para ela em “um estudo de perdas, abandono e envelhecimento” possa “transformar cada etapa da existência em um momento vivido em sua integridade, evitando-se que o presente seja uma espera ansiosa” (p. 52) . O segundo, “Estudo Exploratório Sobre a Repercussão Psicológica da menopausa em Um Grupo de Mulheres de um Hospital Público” dissertação de mestrado de Savoia (1985), é um estudo piloto com 16 pacientes menopausadas de baixa renda, em uma ambulatório de psicologia de hospital público em Campinas. A pesquisa procurou acessar a 19 (Mankowittz,1984; Taylor, & Sumrall,1991; Pereira, Pimentel, & Fontes,1994; Lemos, 1994), Ciornai 51 repercussão psicológica da menopausa nas vidas destas mulheres através de entrevistas abertas com questões norteadoras sobre tópicos variados tais como sexualidade, vida afetiva, renda etc. As mulheres foram divididas em 2 grupos básicos, o das que tinham calores como o único sintoma de menopausa, e das que sentiam outros sintomas como tonturas, insônia, dores de cabeça, dores nas pernas, depressão e irritação. A autora procurou verificar se seria possível relacionar os sintomas relatados à diferenças em suas experiências de vida. Suas conclusões foram que, como não houveram diferenças significativas nas respostas dos 2 grupos, lhe parece que o uso do termo “crise da menopausa” não se justifica para o grupo pesquisado. Além disto, a autora conclui considerando que fora “calores”, os outros sintomas poderiam ser considerados somatizações, relacionando frases das participantes à citações de autores sobre possíveis bases psicológicas para sintomas de menopausa, tais como insatisfações prévias e presentes, formação reativa à sentimentos de frustração, medo de degradação física etc. O terceiro e mais recente, “Climatério: Tempo de Mudança,” tese de doutorado de Grant (1990), foi uma pesquisa realizada em instituições públicas de saúde com um grupo de mulheres de baixa renda da periferia da cidade de São Paulo. Através de entrevistas, a autora procurou entender os correlatos psicológicos das mudanças somáticas que ocorrem neste período de vida da mulher. As conclusões da autora foram que de seus discursos sobre esta fase da vida emergiram imagens caracterizando-a como entrada para a velhice, pautadas pela perda dos atributos femininos (p.xii). “As mudanças que ocorrem nesta fase de vida são significadas por perdas, e o resultado é um discurso caracterizado por lamentações”( p.127). A autora afirma que “os resultados indicam que a tentativa da mulher buscar na beleza, no amor, na maternidade, marcas que a identifiquem como mulher, é seriamente abalada no climatério”(p.xiii). ESTUDOS EM DIFERENTES CULTURAS Estudos médico-antropológicos têm criticado a biomedicina ocidental por conceber e definir a menopausa como doença e não como processo natural, baseando-se em alguns estudos que sugerem que a reação à menopausa está condicionada ao contexto cultural. De acordo com Beyene (1986), “tais estudos consideram a cultura como um sistema Ciornai 52 organizado que atribui significados à realidade.... [e] como tais significados variam de cultura à cultura, diferenças podem estar relacionadas à menopausa”(p.49) Estudos feitos com mulheres de diferentes grupos étnicos, revelam que à mulher de meia-idade atribuem-se usualmente valores bastante distintos. Por exemplo, em algumas destas culturas, embora as distinções entre homens e mulheres estejam rigidamente definidas através de sanções sociais e as mulheres sejam extremamente reprimidas, na pós-menopausa elas freqüentemente recebem mais poder, respeito, privilégios e honrarias especiais20. São liberadas da reclusão, lhes é permitido andar sem véu e podem conversar e beber junto com os homens (Beyene, 1986, p.49). De acordo com estes autores, nestas culturas as mulheres apresentam muito menos sintomas relacionados à menopausa do que as mulheres ocidentais, e estas diferenças são atribuídas ao fato de que a menopausa lhes traz um status e uma mudança de papel mais positivos.21 Flint (1975) por exemplo, antropóloga, pesquisou 483 mulheres menopausadas da casta Rajput na Índia. De acordo com esta antropóloga, poucas mulheres tinham problemas com a menopausa além da mudança na menstruação. Depressão ou qualquer outro dos sintomas usualmente associados não foram relatados; na realidade, a grande parte destas mulheres esperava ansiosamente pela menopausa ou tinham dela uma aceitação positiva. Porque isto? Flint explica que neste grupo as mulheres jovens têm que viver em “purda,” o que significa que têm que usar véus e viver reclusas, à parte dos homens à exceção de seus maridos. É só depois da menopausa que têm permissão de deixar os aposentos das mulheres e sair à rua, beber bebidas alcoólicas, e conversar com homens em reuniões sociais. Citando este estudo, Machado (1994) conclui: “Dá para concluir que, enquanto o declínio dos níveis de estrogênio na menopausa é universal, a visão negativa dela e da mulher que a vive, não o é.” (p.14). Também escrevendo sobre a questão das diferenças culturais neste período de vida Mankowitz (1984, pp. 32-34) cita 2 pesquisadoras que realizaram estudos semelhantes. A primeira, Mead (1949), assim descreve a situação das mulheres em Bali: A mulher depois da menopausa e a jovem virgem trabalham juntas em cerimônias das quais são excluídas as mulheres em idade de procriar. Espera-se recato ao falar e 20 21 Por exemplo Lock 1993a, 1993b. Beyene, 1986; Griffen, 1977,1982). Ciornai 53 no agir das mulheres jovens, porém, tal comportamento deixa de ser cobrado das mulheres mais velhas que podem usar linguagem obscena tão livremente quanto qualquer homem, ou até mais livremente (p.180). A segunda, Weideger (1977), assim descreve a situação da mulher menopausada na China: “Na China de antes da revolução a mulher pós-menopausa tinha uma posição segura e cobiçada; pela primeira vez em sua vida ela podia libertar-se do domínio do homem e, com a aprovação da sociedade, até mesmo assumir o domínio sobre os homens” ( p. 216). No entanto, outros profissionais, apesar de reconhecerem todas estas possibilidades, questionam alguns destes estudos e conclusões alegando que nestas populações as dificuldades em obter dados e chegar a conclusões consistentes é enorme, além do que, outros fatores como tipo de dieta e genética não estão sendo levados em consideração. Em 1986, uma edição especial sobre “Abordagens Antropológicas da Menopausa” foi publicada em Cultura, Medicina e Psiquiatria - Revista Internacional de Pesquisa Comparativa Transcultural. Na Introdução, Lock (1986b) afirma que até hoje “na verdade nada se conhece sobre a relação entre genética, meio-ambiente, dieta e o nível de estrogênio circulante armazenado, nem sobre o inter-relacionamento entre as variáveis psicológicas, os níveis de estrogênio, e a medida objetiva, ou a experiência subjetiva dos sintomas da menopausa” (p. 3). Neste mesmo número, Beyene (1986) acrescenta uma outra razão para esta atitude de cautela. Ele escreve: Tentativas de fazer distinções entre experiências de menopausa na mulher baseadas apenas em fatores sociais e culturais dão origem à conclusões ilusórias.... Comparações entre as experiências de menopausa entre mulheres de distintas sociedades não-industrializadas são necessárias antes que possamos falar com segurança sobre diferenças nas manifestações fisiológicas, sociais e culturais da menopausa.(p.49) Nesta linha, Lock (1986b) conclui a introdução deste número especial, traçando um panorama geral dos resultados contraditórios que estão começando a surgir das pesquisas transculturais. Ela assim resume os estudos existentes: Entre os Índias Maias (Beyene, 1986) as residentes norte-africanas em Israel, (Walfish et al., 1984), as Rajput da Índia (Flint, 1974), e Japonesas (Lock, 1986), a ocorrência de sintomas somáticos tem sido apontada como baixa ou ausente, Ciornai 54 enquanto Wright (1983) verificou que embora a prevalência de fluxos de calor entre as Navahos e as anglo-saxônicas seja similar, sua freqüência é bem diferente (enquanto que 65-70% das participantes Anglo-saxônicas relataram experienciar fluxos de calores todos os dias, apenas 17% das Navaho relatou tê-los com esta frequencia). Por outro lado, estudos na América do Norte e na Europa (Beyene,1986; Jaszmann et al., 1969; Kaufert, 1980; McKinlay & Jeffereys, 1974; McKinlay & McKinlay, 1985; Thompson et al.., 1973) e dois outros estudos, um em Zinbabwe (Moore, 1981) e o outro em Varanasi, India ( Sharma & Saxena, 1981) elicitaram bem mais relatos de sintomas somáticos. Falta verificar se estes achados representam diferenças reais ou se são simples artefatos na elaboração e administração da pesquisa. Acredito que existam diferenças genuínas, provavelmente tanto biológicas como socioculturais, mas também que algumas das variações encontradas são realmente devidas à métodos de pesquisa falhos. (p.3) CONCLUINDO... Os estudos e variáveis relacionados nesta revisão de literatura indicam que o climatério e a menopausa são experiências sistêmicas multifatoriais, nas quais fatores interdependentes ambientais, biológicos, psicológicos, e culturais interagem. Ao rever a literatura exposta não pude deixar de considerar como este é um tema carregado de preconceitos e comentários derrogatórios que, sob a égide de ciência, colorem reações de pessoas das mais educadas em relação à mulheres neste período de passagem No trabalho “Perspectivas transculturais Sobre Mulheres e Menopausa: Um panorama das pesquisas existentes,” Terhune-Young (1994) afirma que “estudos transculturais sobre mulher e menopausa sugerem que a experiência feminina da menopausa é significantemente afetada pelo contexto cultural, social e interpessoal no que ocorre (p.2).... [no entanto], pouco esclarecem a natureza interna da experiência da menopausa para a própria mulher” (p. 19). Este é precisamente o foco de meu interesse neste estudo. A compreensão da experiência do climatério e menopausa não pode ocorrer a partir de uma única perspectiva, pois é uma experiência onde a mitologia coletiva e o imaginário social misturam-se tanto às experiências como às mitologias pessoais de cada pessoa. Assim, pareceu-me importante Ciornai 55 debruçar-me sobre a dimensão psicológica desta experiência neste estudo, sabendo que está relacionada à todos os fatores anteriormente mencionados, presentes em combinações sempre únicas, pessoais e privadas, particulares à vida e à história de cada mulher 57 Ser... Mulher: carinho, suavidade doçura, valentia força Ter... 48 anos: carinho, carências, doçura, incompreensão coragem, cobranças, experiência. Eu sou: menina, mulher, amiga, amante, perfume, flor, filha, mãe, carinho, luz, paz, só... Eu tenho: 48 anos, e quatro filhos. (Elisa - Participante da Pesquisa) 58 3 PARTICIPANTES DA PESQUISA E SUAS HISTÓRIAS DESCRIÇÃO DAS PARTICIPANTES Trinta mulheres de profissões e idades diferentes (de 43 a 57 anos) habitantes da cidade de São Paulo participaram desta pesquisa. Todas têm nível universitário e identificaram-se como tendo participado, com formas e níveis distintos de envolvimento, dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70. Por ocasião da pesquisa 14 moravam maritalmente com um companheiro e filhos; 7 sem conviver com um companheiro moravam com filhos ; e 9, sem filhos, moravam sós. A fim de manter o compromisso de anonimato com as participantes, sem descaracterizar a riqueza e a fidelidade dos depoimentos, procurei eliminar dos dados biográficos particularidades que poderiam identificá-las. A única alteração aos dados originais foi nos nomes, que evidentemente foram trocados. Com uma única exceção: Maria Amélia de Almeida Telles fez questão de que seu nome verdadeiro conste em todos os trechos da pesquisa que se referem à seu depoimento à pesquisadora. Obrigada a viver clandestina na época da ditadura militar, pensa que esta é uma razão forte para nunca mais usar nomes fictícios. Para cuidar que as identidades das participantes se mantenham em sigilo, e também para simplificar a apresentação inicial de cada uma, as idades exatas de seus filhos não são reveladas. Cito-os apenas como pertencentes a certas faixas etárias: pequenos ( de menos de 1 a 10 anos ), pré-adolescentes e adolescentes (de 11 a 17 anos), jovens (de 18 a 24 anos) e adultos (de 24 anos em diante). E finalmente, como esta é por excelência uma pesquisa qualitativa, optei por não utilizar nenhum tipo de tabela na apresentação dos dados biográficos. 59 IDADE, FORMAÇÃO, ÁREA DE TRABALHO, ESTADO CIVIL, FAIXA ETÁRIA DAS CRIANÇAS E MODO DE MORADIA DAS PARTICIPANTES POR OCASIÃO DA PESQUISA: Paula, 54 anos, formada em Pedagogia, é coordenadora de recursos humanos em uma estatal. Divorciada, mora maritalmente a muitos anos com um companheiro. Tem duas filhas adultas do primeiro casamento (uma já casada) e também uma netinha. Inês, 48 anos, formada em Historia e Psicopedagogia, trabalha como psicopedagoga. Casada, tem duas filhas jovens (uma já casada) e um filho adulto. Mora com o marido e o filho. Rosana, 49 anos, formada em Psicologia e Psicopedagogia, trabalha em consultório e ensino nas duas áreas. Casada, mora com o marido e uma filha adolescente. Marcia, 47, formada em Pedagogia e Psicopedagogia, trabalha em consultório e ensino nas duas áreas. Casada, mora com o marido, e dois filhos adolescentes, uma moça e um rapaz. Stela, 51 anos, formada em Educação e Filosofia, trabalha como professora e orientadora educacional. Divorciada, sem filhos, mora sozinha. Julia, 50 anos, formada em Direito , atualmente cursando mestrado na área, trabalha como advogada. Divorciada, sem filhos, mora sozinha. Nira, 47 anos, formada em Sociologia, está atualmente cursando doutorado na área. Separada e posteriormente viúva, mora com duas filhas, uma filha pré-adolescente e uma filha adolescente Andréa , 47 anos, formada em Psicologia, trabalha em empresa na área de Recursos Humanos. Solteira, sem filhos, mora sozinha. Norma, 47 anos, formada em Arquitetura, trabalha como arquiteta e em política. Divorciada, sem filhos, mora sozinha. militância Frida, 57 anos, formada em Direito, trabalha em serviço público na área de formação de trabalhadores da saúde e em militância política. Casada pela segunda vez, tem dois filhos adultos do primeiro casamento e uma filha jovem do segundo casamento. Elaine, 45 anos , formada em Artes Plásticas com especialização em Arte terapia, trabalha em escolas, atelier e na área de recursos humanos. Casada, mora com o marido e 3 filhos jovens. Lucia, 47 anos, formada em Ciências Sociais, trabalha como professora universitária e pesquisadora. Separada, sem filhos, mora sozinha. 60 Mariana , 52 anos. Formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Divorciada e posteriormente viúva, tem um filho jovem e um filho adulto já casado. Mora com a mãe e o filho mais moço. Fernanda, 46 anos. Formada em Economia e Sociologia, com pós-graduação em Ciências Políticas, trabalhou em centros de pesquisa durante muito tempo. Atualmente trabalha em fundação estatal na área de planejamento e avaliação do atendimento. Solteira, sem filhos, mora sozinha. Rebeca, 49 anos. Formada em Educação e Psicologia. Com experiência em Orientação Educacional, trabalha como psicoterapeuta.. Casada, mora com o marido e uma filha jovem. Sandra, 49 anos. Formada em Sociologia, trabalhou como socióloga na área de cultura, educação e educação informal, e está engajada no movimento de garantia dos direitos da criança e do adolescente. Casada, tem dois filhos jovens, um rapaz e uma moça. Vera, 51 anos, formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Casada há 28 anos, mora com marido e filho. Tem dois filhos jovens, um já casado, e uma netinha. Maria Amélia, 51 anos, é professora primária de formação. Militante feminista desde 75, foi do Conselho Estadual da Condição Feminina, dirige a União de Mulheres de São Paulo e pertence à Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos. Casada, mora com o marido e a irmã. Tem uma filha e um filho já adultos. Renata, 44 anos, formada em Arquitetura e Urbanismo, trabalha como arquiteta e na coordenação de um centro de atendimento à mulher. É divorciada, sem filhos e mora sozinha. Cecília, 48 anos, formada em Física, conduz uma mini produção na área da indústria agrícola. Divorciada, mora com os pais e dois filhos adolescentes, uma moça e um rapaz. Sonia, 51 anos, formada em Artes e em Pedagogia, está atualmente fazendo doutorado na área de Psicologia Educacional. Trabalhou em escola como pedagoga, e hoje trabalha na área de formação de professores. Separada a 18 anos mora com dois filhos jovens, um rapaz e uma moça. Léa, 46, formada em Psicologia, trabalha como produtora de eventos culturais. Divorciada, sem filhos, mora sozinha . Silvia, 43 anos, formada em Filosofia e Ciências Políticas, trabalha como escritora de estórias infantis e em capacitação de educadores em entidades de crianças carentes. Desquitada e posteriormente viúva, mora maritalmente com um companheiro e com duas filhas do primeiro casamento, uma jovem e uma adolescente. Laura, 44 anos, assistente social e sanitarista, dirige um centro budista. Mora maritalmente com um companheiro, com quem tem uma filha pequena. 61 Ana, 52 anos, formada em Ciências Econômicas e Biologia, trabalha como bióloga. Solteira, sem filhos, mora sozinha. Rubia, 46 anos, formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Casada há 25 anos, mora com o marido e 3 filhos jovens, um rapaz e duas moças. Elisa, 48 anos, formada em Pedagogia e Psicopedagogia, faz mestrado em Educação Especial. Diretora de escola para deficientes mentais, até pouco tempo atendia em clínica psicopedagógica. Separada há 4 anos, mora com seus quatro filhos, dois jovens e dois adultos. Tereza, 50 anos, formada em Odontologia, trabalha como dentista. Divorciada, tem 3 filhos jovens, e mora com os dois filhos mais moços. Miriam, 43 anos, formada em Artes Plásticas com especialização em Gerontologia, trabalha como arte educadora. Casada, mora com o marido e duas filhas, uma jovem e uma adolescente. Jussara, 53 anos, formada em Educação. Divorciada, mora com seus três filhos, dois jovens e um adulto. HISTÓRIAS PESSOAIS DE ENVOLVIMENTO NOS MOVIMENTOS DE CONTRACULTURA DESDE OS ANOS 60 E 70. Ao longo dos workshops e entrevistas individuais, tive o privilégio de escutar histórias de vida das trinta mulheres que entrevistei. Os movimentos de contracultura que ocorreram na maioria dos países ocidentais nos anos 60 e 70 estão vivamente presentes em seus relatos. São mulheres que estiveram envolvidas nos intensos movimentos estudantis da época, no movimento feminista, nos movimentos da Igreja Católica ligados à Teologia da Libertação, nos movimentos inovadores em educação, no movimento “hippie,” nos círculos de artistas de vanguarda, nos movimentos das terapias alternativas, em movimentos místicos, ou em vários destes movimentos alternada ou concomitantemente. Algumas não participaram diretamente destes movimentos mas sentiram suas influências e com elas se transformaram. 62 No entanto, além dos movimentos que ocorreram em outros países, tivemos no Brasil assim como em muitos países da América Latina, um período negro de ditadura militar. Em decorrência disto algumas destas mulheres são mulheres que lutaram e sofreram muito. Duas das entrevistadas foram duramente torturadas, várias foram presas , algumas tiveram que viver clandestinamente, muitas se arriscaram para ajudar de diversas formas pessoas que estavam em perigo nesta época, duas tiveram que sair do país e se exilar, e algumas falaram do receio de ter filhos, e da decisão de não tê-los, por temor que pudessem vir a ser torturados. São mulheres de uma fibra impressionante. A história destas mulheres, que estiveram ativamente engajadas em militância política desde jovens, de certa forma se entremeia com a história do nosso país, e vê-las tão inteiras, abrindo o coração para falar de suas experiências de vida e de mulher, realmente foi uma lição de vida. Ao ler o conjunto deste depoimentos, percebe-se que são relatos de experiências provindas de formas muito diversas de participação nos movimentos de contracultura da época, que variam na forma, nível de intensidade , e até em termos de duração e período. Certamente naquela época, integrantes mais ativas de um movimento, se sentiriam extremamente diferenciadas de integrantes de outro, achando-as, no mínimo, “alienadas,” “burguesas,” ou “caretas.” No entanto, todas foram “contra” a cultura vigente, e apesar das diferenças, o experimentar de novos padrões de comportamento na vida mais pessoal lhes foi comum. Por este motivo, escolhi não classificar seus depoimentos por tipo de participação -- militância política, movimento feminista, movimento hippie etc., mas apresentá-las em conjunto. Por outro lado, na parte de seus depoimentos que se refere às suas vivências nos anos 60 e 70, vivências de cunho mais político e outras de cunho mais íntimo e pessoal se entremeiam, como de fato acontecia nas experiências daquela época. Para não trair-lhes o espírito, ao invés de fragmentar esta parte em ítems referentes aos diversos aspectos de suas vidas de então - vida política, vida sexual, etc., preferi enxugar e reduzir o relato de cada uma aos trechos que me pareceram mais importantes e apresentar cada relato por inteiro, com suas várias facetas. Finalmente, na medida em que colocá-los todos tornaria esta capítulo muito longo, selecionei alguns que me pareceram bem representativos da época. 63 Naquela época eu participava muito de movimentos estudantis e de movimentos universitários cristãos de esquerda, que eram movimentos dirigidos por padres envolvidos na Teologia da Libertação. Eu trabalhava em favelas com jovens e no final dos anos 70, junto com uma equipe, comecei um trabalho de formação de educadores para populações carentes. Eu acreditava no socialismo, em uma busca de novos padrões para humanidade, mas não me identificava com os movimentos mais agressivos. Eu buscava uma ação que não negasse a subjetividade. Quando entrei no psicodrama, tinha um estar olhando a construção individual das pessoas, uma coisa de achar que a revolução vinha de dentro pra fora, que me agradou muito. ( Marcia ) Tive uma atuação política muito intensa no movimento estudantil. Eu era de diretório, de linha de frente, de ir a todas as passeatas, de apanhar na rua, de ter que sair pra clandestinidade, ser presa, tudo aquilo.... E não tinha aquela coisa de proteger mulher, cada um que se cuidasse. Se você não levasse o teu lenço, o teu amoníaco, se ferrava. Como família era considerada instituição careta, eu tinha preocupação de que o meu apartamento não parecesse uma casa de família tradicional. Não podia ter muitos pratos, prato era meio comunitário, pra passar de um pro outro. Minha casa era um “aparelho,” vivia cheia de gente que eu nem conhecia. Me lembro de 10 na sala, não sei quantos na cozinha, colchão no corredor, não tinha privacidade. E eu era criticada por ter casado e por querer ter um quarto só pra nós, diziam que era um “resquício burguês”! (Inês) Participei dos movimentos estudantis da época, passeatas, concentrações, e estava vinculada aos movimentos de esquerda da Igreja. Apesar de não participar de organizações como AP [Ação Popular] e JUC [ Juventude Universitária Católica], eu participava da Missa Universitária onde o pessoal dessas entidades se juntava. E lá fazíamos reuniões para discutir qual deveria ser a nossa atuação como cristãos dentro do processo político, para ajudar a criar um mundo melhor . Discutíamos também questões como sexo, amor livre, havia uma preocupação muito grande com o psicológico, com a pessoa, que acho é algo que diferia de outros movimentos da época. Também em 1968 participei do Projeto Rondon [projeto que levava estudantes das capitais para assistir 64 populações carentes no interior do Brasil ] por uns dois meses. Tinha uma coisa minha de buscar ser diferente, de desafiar a família viajando sozinha com namorado. Mais tarde, já nos anos 70 quando a repressão estava muito mais forte ajudei muitos colegas, acolhendoos dentro da minha casa ou arranjando dinheiro para sobreviverem. (Rosana). Como secundarista, eu participava do movimento estudantil na Maria Antonia, no famoso prédio da Filosofia. [Maria Antonia : rua que se tornou famosa nos anos 60 por abrigar o setor de Ciências Humanas da USP, reduto de esquerda, e por ter sido local onde ocorreram vários conflitos entre estudantes da USP e estudantes da faculdade Mackenzie, reduto de direita, também localizada na mesma rua] A gente passava as noites lá, nos mimeógrafos, rodando panfleto e distribuindo à noite nas ruas. Lembro muito das passeatas, a gente marcava pontos de encontro, cada grupo vinha de um canto, tomávamos o centro da cidade, os policiais jogavam troços em cima da gente, mas a gente era muito idealista e se sentia muito forte. Eu nunca fui presa, mas amigos meus foram presos, desapareceram, alguns fugiram do Brasil e ficaram foragidos até 80 e pouco. E tinha o movimento feminista, que era uma coisa que me chamava muito. Me atraia a possibilidade da mulher se libertar, não depender de homem. Eu lia Simone de Beauvoir, achava lindo a relação dela com o Sartre, queria as experiências dela pá mim, queria morar numa casa separada da do companheiro. (Andréa) A gente queria um mundo melhor, queria mudar o mundo com nossas mãos. Era essa coisa do sonho. Com todas as desgramas que aconteceram, tinha muita solidariedade, muita cooperação, muita cumplicidade entre a gente. Eram só coisas ilícitas, desde a esquerda, sexo, até drogas, mas a prática das drogas era uma busca por outros estados de consciência, tinha uma ideologia, não era uma prática esvaziada. A gente vivia às margens, e o que a gente viveu está segurando a gente até hoje. Nós éramos um grupo que tinha o estigma de surrealistas, e a gente adorava esse estigma. Fiz um ano de Filosofia na Maria Antonia, e aí eu fui fazer Sociologia em Israel. Eu vivi os anos 60 lá, com muita música, muito psicodelismo, muita “viagem” (a gente fumava haxixe), e também com os problema de Israel, porque a gente vivia intensamente a política de lá. Na universidade a gente tinha juntado estudantes de esquerda, árabes, 65 feministas, e israelenses de kibutz numa frente acadêmica que depois se tornou um partido de esquerda. Reunia muitos dos estudantes sul-americanos que estavam fugidos dos movimentos políticos em seus países. Também trabalhei muito tempo num refúgio de mulheres espancadas, e experimentei todos os workshops e terapias alternativas da época, Gestalt terapia, Bioenergia, teatro... Tudo era tesão, a gente ia viver tudo “agora”! Eu realmente acho que a gente foi extremamente privilegiada, por ter conseguido viver, nem que fosse por pouco tempo, uma conjuntura onde isso tudo parecia possível. Eu sinto que essa sensação até hoje nos diferencia. (Nira) Em 1968 eu entrei na PUC com tudo o que podia entrar: tomamos a faculdade, dormimos lá dentro, fizemos tudo o que tínhamos direito! Na época eu tinha amigos que estavam presos, em partidos clandestinos, tinha polícia vigiando a casa, era o clima da época. Participei dessas coisas não como protagonista central, mas como era amiga das pessoas as coisas passaram muito perto. Me formei em 1970, e daí pra frente participei politicamente de associações profissionais, partidos, reuniões feministas, comícios, encontros, essas coisas, quer dizer, tava sempre presente nas coisas que acontecem com uma intelectual de esquerda. De carteirinha mesmo participei do MDB. Do ponto de vista profissional eu acho que eu tive uma participação política, racional, objetiva, que é o lado comprometido com o país onde vivo e que me fez ir fazer Ciências Sociais. Participei de instituições de pesquisa, dei aulas, mas sempre tinha um outro lado que queria expressão, uma coisa muito subjetiva que não cabia, que eu não me permitia. Eu me lembro de aos 16 anos ter escrito assim: “Eu quero escrever! Mas qual é o cabimento de escrever sobre meus sentimentos quando existe a fome, a guerra, o subdesenvolvimento, a pobreza, a ditadura ?” E aí veio os anos 80, que foi uma época de grande experimentação. Em 81 me separei e fui para outra cidade, o que foi uma coisa radical de ruptura com a minha cidade, minha família, meus amigos, o partido que eu trabalhava, com aquele monte de coisas que você vai pendurando em você. Foi uma coisa de ir pra um lugar onde ninguém me conhecesse. E aí eu comecei a escrever! Então pra mim foi um longo percurso de conseguir dar expressão a um lado meu que eu acho que nessa geração foi muito abafado, pelo menos pra pessoas como eu que são cerebrinas, que se defendem e saem pelo 66 intelectual. A sensibilidade não era muito permitida, ficava uma coisa meio babaca, meio piegas, porque a gente achava que havia coisas mais sérias a serem feitas. . . (Lucia) Em 64 eu tinha 16 anos. Um pouco antes de 64 eu tive a oportunidade de conhecer gente que participava de política. Eu acho que foi uma sorte ter conhecido gente que participava com ideais socialistas antes do golpe, porque depois as pessoas começaram a ficar quietas, falar menos, tinha-se menos oportunidades na imprensa, na televisão, onde quer que fosse. A partir daí, acho que a minha vida rolou por ciclos com duas constantes. Uma é a atividade política. Claro que em 64 ninguém me conhecia, mas pra mim a política ocupava um lugar grande. Acordava de manhã, ia fazer minhas coisinhas, e ficava pensando como é que eu ia derrubar a ditadura! Em 68 eu já estava casada. O meu exmarido era de uma organização, o pessoal fazia reuniões na minha casa, e me chamavam de massa avançada, uma qualquerzinha ali, esclarecida, que podia ajudar alguma coisa, mas ninguém discutia política comigo. O meu ex-marido estava num grupo que o pressionava para que ele passasse a fazer ações na clandestinidade, assaltar banco e tal, colocando que se ele não topasse, a situação pra ele ficaria difícil. Aí resolvemos ir para o exterior, mas como eu quis muito voltar a gente acabou voltando em 70. Em 71 voltei pra faculdade. Todo mundo com medo da sombra, aquela situação terrível. De lá pra cá eu acho que eu nunca mais fiquei fora de qualquer coisa que foi feita nesse país. Até acabar a ditadura, eu participei de tudo, absolutamente tudo o que aconteceu aqui. Um ciclo importante foi entrar no movimento sindical, outro foi o PT . Eu fazia parte de um monte de listas, mas nunca fui presa. Uma vez eu apanhei da polícia numa greve de forma muito violenta, tive que tomar pontos, não consegui suportar isso internamente, me senti arrasada. Isso já nos anos 80. Eu peguei militância, a dureza de você lutar contra a ditadura, depois, a disputa política, tudo isso era muito duro, não dava pra ser gentil, era um universo muito masculino! A outra constante , é um gosto muito especial por transar. . . Mas o primeiro namorado que eu tive, eu nunca vou me perdoar de não ter dado pra ele, eu morria de tesão, mas achava que tinha que casar virgem. . . (Norma) 67 A minha liberação sexual ocorreu nos anos 60, depois que eu casei. Eu entrei no movimento estudantil de cabeça, e comecei a trair o meu primeiro marido, pai das minhas filhas, com quem fiquei quatro anos casada. Quando eu tinha 25 anos, nós nos separamos, as meninas eram pequenininhas e foram pro Rio com a minha mãe. E aí por dois anos liberei geral mesmo. Fui morar num apartamento na frente da faculdade com uma colega. E era uma “zona” aquele apartamento! Como eu era muito atuante na faculdade, passeatas e tal, vivia tendo reuniões lá em casa, entrava e saia gente que eu nem conhecia. Às vezes ela transava no quarto, eu na sala, em apartamento de quarto e sala era um horror. Em dois anos eu devo ter tido uns 20 caras, tive todos os homens que eu quis, liberei que foi uma beleza, transgredi todos os parâmetros. E tudo isso na surdina, eu tinha cara de que eu jamais faria esse negócios! E eu fiz coisas “do arco da velha”! Mas como eu tive uma educação muito rígida, não tava preparada pra isso, acabei ficando com uma coisa de culpa muito grande. O emocional não acompanhava as mudanças de comportamento... (Paula). Nos anos 60 eu tinha dez anos de idade, tava ainda na escola fazendo admissão. Meu colégio era no Largo São Francisco em São Paulo, e eu assistia todo aquele movimento. Eu não tinha muita consciência do que estava acontecendo, mas via os tumultos, tava no ar a coisa. Depois, lá pelos meus 16 anos, chegavam ecos até mim, eu assistia a todos os festivais de música, ia muito em teatro, e isto começou a se refletir nas minhas roupas, no jeito de me colocar nas coisas, na filosofia de vida que eu tinha, no achar que mulher tinha que trabalhar fora, ter sua independência, conquistar sua liberdade. Aos 20 anos eu casei, e um ano depois fui fazer Faculdade de Artes. Nesta época, apesar de ter um pé na burguesia eu tinha muita influência do movimento “hippie,” e eu sinto que até hoje o fundamental pra mim tem muito dessa coisa de paz e amor mesmo da época, eu sinto essa influência até hoje no tipo de trabalho que faço, no meu jeito de ser. Eu estudava arteeducação, e acreditava no poder transformador da arte, na importância do desenvolvimento da sensibilidade e da criatividade na educação não só a nível pessoal, mas a nível do social também. Isso era muito forte na época. (Elaine) 68 Minha participação sempre foi política, desde a entrada na faculdade em 58 no Nordeste, onde eu nasci. Faculdade pra mim foi faculdade de política, porque na realidade a gente participava de diretório, DCE, UNE, eu era inclusive representante da UNE e terminei a faculdade no ano do golpe, embora o que eu fiz enquanto cursava a faculdade foi fundamentalmente política estudantil. Além do movimento político, eu havia sido também da JUC, Juventude Universitária Católica, que foi precursora de vários grupos políticos em termos de participação ativa nas questões sociais e políticas. Vim pra São Paulo por conta de que meu ex-marido havia sido preso por razões políticas. Muitas pessoas amigas estavam indo embora nesta época, mas eu não quis sair do país, preferi vir pra São Paulo, porque eu acreditava que as coisas tinham que continuar e que era importante ficar aqui. Eu costumo dizer que o meu exílio foi aqui porque realmente São Paulo era bem diferente do Nordeste, apesar de que nós tivemos muito apoio de pessoas desde o momento de chegada. Em São Paulo militei em uma organizações clandestina, e depois junto com outras pessoas criamos uma outra organização política, dissidência desta primeira. Em 68 a minha casa era um grande aparelho! As pessoas iam, se reuniam, acontecia muita coisa lá. Já com dois filhos, eu participava ativamente. Em 71 fui presa. Fiquei presa onze meses. A violência que se exerceu sobre uma geração que foi presa, foi um negócio de louco. Eu fui bastante torturada, e por muito tempo eu não falei nisso. A imagem que eu tenho, e que eu tive lá dentro, era de uma casa caindo e você tentando segurar os tijolos. Porque eles querem te destruir com aquilo. E eles conseguiram destruir muita gente.A guerra era como não se deixar destruir. Tudo isso me deu um reconhecimento da minha fragilidade e ao mesmo tempo da minha resistência. Eu fiquei muito acabada lá, muito desmontada. A prisão pra mim foi um momento de uma intensidade muito grande, uma coisa fortíssima, mas foi também um momento de pensar a vida toda de antes e o que eu faria dali pra frente, tanto individualmente quanto coletivamente. E nesse sentido foi bom. Parece um absurdo, mas eu fiquei dez anos pra separar, e foi só neste momento drástico da vida que eu consegui dizer que eu não queria mais. Conheci o homem que hoje é meu marido na prisão, e quando saí, separei. Aí veio a perspectiva de um novo partido, o PT , discussões no sindicatos, e lá fui eu outra vez! E estou nisso até hoje. . . . (Frida) 69 Tive uma adolescência muito sufocada, muito reprimida, moral rígida de família metodista de cidade de interior. Aos 14 anos eu tive a minha primeira grande crise religiosa, questionando tudo, chegando a me sentir completamente atéia. Me casei em 1963 e fiquei grávida. Naquela época eu era super burguesa, família rica, marido rico, mas extremamente possessivo e autoritário. Me lembro dele dizer pra mim: “ Ou você é casada ou você estuda.” Trabalhar era a mesma coisa que ser puta. Com o meu marido tive uma vida sexual medonha. Quando eu me separei, eu tinha 28 anos e se abriu um mundo novo pra mim em todos os sentidos. Daí eu passei um período ótimo no começo dos anos 70 de libertação sexual, de descoberta de vida, onde eu caí numa coisa que hoje poderia ser chamada até de promíscua, mas pra época não era. Transei muito, tive muitos namorados, muitos parceiros, muitos encontros e desencontros amorosos, fiz tudo que podia fazer. Sexualidade livre pra mim era uma forma de contestação, de libertação. Comecei a usar roupas bem alternativas, cabelo compridão, a mudança foi muito forte. Os meus filhos estranhavam mas aí foram assimilando que: “a mamãe é assim.” Em 1980, eu me acendi pelo movimento do Rajneesh [líder espiritual indiano], e em 82 eu fui pra comunidade do Oregon, mas fiquei lá pouco tempo. Eu fiz parte deste movimento, fiz todos aqueles trabalhos de grupo. Alguns foram muito bons, outros foram muito violentos pra mim, hoje eu questiono uma série de coisas. Mas você tem que se apaixonar, se entregar, pra depois se afastar, elaborar, e extrair uma síntese pessoal. Eu filtrei as coisas, tirei o sumo do que é importante, e isso abriu muito a minha cabeça. Eu acho que essa foi a minha forma de atuar na transformação do mundo e na contracultura. Pra mim a grande transformação veio no nível espiritual. Embora eu consiga ver essas coisas do social, também fico puta e tal, eu não acredito mais que movimentos coletivos, sistemas políticos e de governo, consigam modificar o ser humano. Acho que o ser humano precisa se transformar pra transformar o mundo. Por isso a minha relação hoje com o grupo Rajneesh é de muita gratidão, porque essa síntese veio pra mim de tudo o que eu vivi ligado a eles. (Mariana) 70 68 é muito vivo. Eu me engajei no movimento estudantil e no movimento hippie. Participei dos primeiros ensaios no TUCA [ teatro da PUC, onde várias peças de vanguarda foram encenadas nos anos 60 e 70] de “Arena Conta Zumbi”1. Depois, no início da década de 70, eu cheguei a fazer parte do grupo que vendia artesanato na Praça da República. Eu me lembro que uma vez minha mãe teve uma puta crise porque me viu vestida com um terno de homem, e com um monte de margaridinha enfiada na trança. Era a coisa da contracultura, mesmo, você queria vestir o que o outro não vestia, ser o que o outro não era. Ser “hippie” era negar sobretudo o consumo. Era não se engajar nesse afã de consumir, negar a coisa da opulência, da tradição. Tinha a Guerra do Vietnã também, que pegava muito a gente, então a gente achava que o negócio era paz e amor mesmo. Eu vivi em comunidade na década de 70. A vontade era ir pro campo, aquela coisa natureza, a gente tinha isso como ideologia. Mas eu não fiz parte dos grupos que conseguiram viver em comunidade rural. A gente acabou fazendo uma comunidade urbana, ao lado do DOI-CODI ! 2 Era um sobrado grande e nós éramos 8 pessoas. Como a gente acabou se transformando num grupo de atuação política, a gente achava, e foi verdade, que essa vizinhança era um jeito da gente se preservar da repressão. Cada um de nós atuava fora, mas a gente não falava no grupo, porque se alguém fosse preso e torturado isso podia sair. Todos trabalhavam e faziam universidade: tinha vários jornalistas, eu e uma amiga fazendo Ciências Sociais, tinha uma artista plástica, a comunidade era um centro de convergência, de encontros e de discussões. Alguns viraram casal, o que era extremamente criticado no grupo, porque isso era negar a militância, era burguês, e vinha cobrança ideológica. Não que a gente achasse que devia haver troca de parceiros, tinha até um respeito nisso. Aliás, hoje a gente quando se encontra fala: “pô, se fosse hoje ninguém garantia ninguém! ” A gente hoje dá risada lembrando! Mas a consolidação formal do casamento era burguês, e a gente era anti-burguês. Eu acho que desde o movimento “hippie,” até esses movimentos mais políticos dos anos 70, o denominador comum era a negação dos padrões burgueses. Por exemplo, o casal não podia fazer feira junto, isso era 1 Na época a peça foi considerada subversiva, sob a alegação de incitar subversão à ordem instituída e luta armada. 71 burguês. O cara já dorme junto, já tem um projeto de vida junto, ainda vai na feira junto?! Então no final de semana a gente ia na feira e fazia almoço com o marido de outra. E a gente viveu assim intensamente durante anos. Nada era de ninguém, materialmente tudo era dividido. Outra coisa é que a gente não podia ter filhos. Como é que a gente ia militar politicamente com barriga ou com filho? Aí teve um momento que a gente sofreu perseguição, tivemos que sumir com livros, e a gente “desarticulou o aparelho. ” Eu e meu companheiro, que tinha nacionalidade estrangeira, resolvemos casar, pra eu ter a dupla nacionalidade, pois caso a gente precisasse fugir do país, isso facilitaria. O grupo acabou se separando, cada um foi morar sozinho, mas a gente continuou se encontrando muito, as crianças foram criadas muito juntas. Aí me tornei mãe, e comecei a atuar na construção de uma escola alternativa. Nos anos 80 eu me engajei no movimento feminista e no movimento negro, militância que já havia se iniciado no final dos anos 70. E a partir dos anos 80 entrou a arte, e as terapias alternativas. E tinha também a coisa do fumo. Eu fumo até hoje, faz parte da educação dos meus filhos esse item. A gente não chama maconha de droga, chama de fumo. Pra mim é tão sério, tão militante, tão ideológico, e tão espiritual como todas as coisas que a gente falou. O pessoal da militância política não permitia droga, isso era imperdoável e visto como alienante, mas eu comecei a assumir e não responder a essas cobranças. Se eu olhar pra todas essas participações, acho que o denominador comum seriam duas palavras chaves: “liberdade e direito.” O reconhecimento do direito das pessoas serem tratadas com dignidade e com igualdade. E a esperança. Pra mim a esperança tá muito ligada com a ação. (Sandra) Fui criada no clima de pós guerra, com o compromisso de defender a democracia. Isso estava nos meus pais, meus professores , meus colegas, em todo o lugar tinha pessoas preocupadas com isso. Eu me entendo como participante da vida política deste país desde 1950. Fui membro do partido comunista de 1960 a 1987. Em 64 , ano do golpe militar, eu tinha 20 anos, e entrei na clandestinidade. Meu pai foi preso, e eu fui presa para responder a um IPM (inquérito policial-militar). O golpe mudou muito a minha vida, porque aí foi uma perseguição constante contra mim, minha família e meus amigos. Fui pra oposição da 2 Destacamento de Operações e Informações do Comando Operacional de Defesa Interna. Órgão da polícia civil, local para onde pessoas eram levadas e torturadas extra-oficialmente para a obtenção de infomações. 72 forma mais contundente. Entrei na clandestinidade em 68, fui presa em 72, e fiquei presa de final de 72 a começo de 74. Naquela época quem era revolucionário tinha que fazer sacrifícios pessoais, não podia ficar grávida. Minha primeira discussão dentro do partido foi em relação à minha gravidez, porque todo mundo achou que eu devia fazer aborto, e só eu achei que não. Mas na prisão dei razão à eles, porque ser presa e torturada sozinha é uma coisa, e com filho é outra. Fiquei presa com uma filha de 5 anos, e um filho de 4. Meus filhos me viram ser torturada, sofreram traumas terríveis, e eu sofri muito com isso, foi uma história muito dura pra mim . A prisão foi um momento em que eu pude me descobrir mulher. O que eles fazem com a gente em termos de abuso sexual, eles não fazem com os homens. Eu vi homem sendo torturado, choques nos órgãos genitais, isso eles faziam com mulher e com homem. Mas nunca vi preso político sendo estuprado dentro do presídio. As mulheres, além da tortura tinham que enfrentar abuso sexual, um torturador querendo fazer sexo com você. Então ali foi um momento da gente fazer muita discussão a respeito da nossa condição de mulher. Acho que ali despertou uma coisa da gente sentir que em toda a nossa trajetória política, em todo o nosso discurso político, estava faltando alguma coisa em relação a nós próprias. E eu me tornei militante feminista, desde 1975. Logo que saí da prisão começou a discussão do feminismo, daí logo se articulou a questão da anistia para os presos políticos com um jornal chamado Brasil Mulher que tratava da questão da mulher e da anistia. De lá prá cá eu só fiz trabalho feminista. Fui da Sociedade Brasil Mulher até 1980, do Núcleo de Mulheres do Centro de Cultura Operária, do Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1981 fundamos a União de Mulheres de São Paulo, e daí mais um monte de coisas até agora. Do partido fui expulsa em 87. Eu era muito perseguida no partido por ser uma feminista dentro de um partido comunista porque tinha que priorizar a luta de classes, e a gente priorizava a luta de sexos. (Maria Amélia) Participei dos grupos de alfabetização de adultos de Paulo Freire nos anos 60, e me formei em 1968. Acompanhei atentamente os desenvolvimentos políticos e culturais da época. E desde os anos 70 participei de várias vivências, workshops e treinamentos, que fizeram parte do movimento de desenvolvimento de potencial humano na Psicologia. (Vera) 73 Meu pai trabalhava em uma fábrica na periferia de São Paulo, e na juventude tinha participado de movimentos políticos, tendo vindo viver clandestino em São Paulo. Desde que eu me conheço por gente, eu via ele falando pros conhecidos que a reforma agrária nesse país só se faria na base da bala, que qualquer mudança mais profunda de justiça nesse país tinha que ser com arma na mão, eu fui criada ouvindo esse tipo de coisa. Na época de 64, o meu pai fazia umas reuniões clandestinas no fundo da casa, de madrugada, eu ia lá e ficava tentando escutar. Quando ele ia fazer pixação de madrugada, ele me levava, foi uma coisa que me marcou muito. Por outro lado, quando adolescente éramos um grupo de seis meninas, e a gente namorava um grupo de seis rapazes. Todas elas concordavam que o rapaz dez horas da noite podia sair prá andar com as piranhas deixando cada uma dentro da sua casa. Eu não aceitava isso do meu namorado, e todos ficavam contra mim, ele , elas, era uma brigaiada. Eu queria ser que nem elas, mas eu não conseguia. Eu dizia pro meu namorado: prá mim ela é uma mulher que nem eu, vamos transar nós, tem pílula”. E ele, achava que eu era louca, que eu tinha que esperar virgem até o dia de casar. E eu sofria, esvaziava os pneus do carro dele prá ele não sair mais com elas, era uma piração! Com 18 anos eu fiz faculdade de Belas Artes, depois é que eu fiz Arquitetura. Rompi com família, com namorado, com todo mundo, e fui morar na Casa da Mulher Universitária. Escolhi morar lá porque eu li no jornal que a casa havia sido vendida pra uma multinacional japonesa, e que elas tavam resistindo, então fui prá lá pra ajudá-las a resistir. Um dia eu escutei com elas a Rádio de Pequim, onde saíam notícias do PC do B, e apareceu uma mensagem dos guerrilheiros do Araguaia. E aí eu me decidi, porque eu lembrava do meu pai falando na luta armada. Eu lia muito aquelas coisas do Vietnã, acompanhava aquelas guerrilhas. Entrei pro PC do B em 74 de cabeça. Eu engravidei no final de 75. Quando fiquei sabendo que eu estava grávida, fiquei em conflito: eu tinha vontade de ter e não tinha. Eu achava que se eu fosse presa, iria entregar tudo por não agüentar ver tortura física em filho, eu não ia segurar torturarem minha criança, e eu sabia de casos que torturaram criança. E aí resolvi fazer o aborto. Foi difícil... Engravidei novamente cinco anos depois, justamente uma semana depois da anistia. Foi mesmo uma coisa de liberar prá engravidar, mas aí, eu perdi... 74 Em 1975 eu estava ainda na Casa da Mulher Universitária discutindo o primeiro número que saiu de “Brasil Mulher”, achamos super interessante. Era o Ano Internacional da Mulher, e organizamos um debate chamando as feministas. E de lá prá cá participei de vários grupos de estudo sobre a questão da mulher, ajudei a organizar encontros e participei da fundação e organização de algumas associações de mulheres. (Renata) Comecei a me envolver politicamente ainda antes de 64, no movimento secundarista, que era um movimento muito forte e radical. Eu fui exatamente a geração de fronteira, a geração do corte. Entrei na Universidade Federal do RJ em 1964, no ano do golpe. Minha geração entrou e deu de cara logo com soldados lá dentro, foi muito dramático. Aquele ano foi um ano de agitação política incrível, inclusive fiquei em dependência na metade das matérias, porque não tinha tempo pra estudar. Eu sempre conto uma história que marca minha geração. Eu me lembro que em 64 a minha turma tinha uns 120 alunos, e as poucas moças que não eram virgens eram apontadas no corredor como “galinhas”. Era uma coisa assim: fulana “dá”! E em março de 66, me dei conta de uma coisa absolutamente inacreditável. Havia uma única “virgem” na minha sala, e ela era apontada nos corredores como devendo ter algum problema muito sério. De março de 64 a março de 66 aconteceu isso! Em 67 eu estava no último ano. Este último ano eu não pude fazer. A situação política ficou muito difícil, e como eu não queria sair do país vim para São Paulo, achando que ia ficar aqui até as coisas esfriarem. Mas aí as coisas esquentaram. Depois do AI-53 houve uma escalada de repressão muito grande e as circunstâncias um pouco fizeram com que eu não pudesse voltar. Eu não era uma figura central, mas eu era alguém que eles achavam que era relacionada com pessoas que eram. Hoje eu olhando à distância, eu vejo que não tinha sentido eu ficar aqui. Eu vivia em um estado de semi-clandestinidade, quando as coisas apertavam eu sumia por uns tempos, depois reaparecia. Trabalhava pra 3 Ato Institucional nº 5. Editado e imposto pelo governo em dezembro de 1968, permitiu o fechamento do Congresso e a cassação de mandatos de deputados, vereadores e prefeitos. Em caso de atividades consideradas pelos militares como crimes contra a segurança nacional, a medida permitia a suspensão do habeas-corpus e a censura da imprensa. Além disto, este decreto autorizava a prisão e averiguação de cidadãos quando encontrados em via pública em número superior a dois, sob a alegação de reunião subversiva. 75 pra mandar as pessoas pra fora do país, gastava tudo o que eu ganhava com compra de documentos, mandar gente pra fora, isso rolou até final de 82. E eu não podia estudar, não podia ser uma aluna oficialmente inscrita em nenhum lugar. Eu chorei que nem louca quando entrei pela primeira vez numa universidade depois disso. Eu não tinha me dado conta que eu havia estado marginalizada.... Fui trabalhar em uma escola de esquerda. Ser de esquerda naquela época era ser anti-autoritário, porque o país estava em uma ditadura. Tinha essa coisa da contracultura, na escola era todo mundo meio “hippie,” meio de esquerda, mas sem maiores comprometimentos. Eu achava que a escola tinha uma função política, que a gente tinha que romper este círculo vicioso da escola fabricar o analfabetismo, no sentido de fabricar o sentimento de incompetência e incapacidade de aprender. Isso em um momento em que todo mundo achava que a escola era um aparelho que não tinha solução, que tinha que se fazer revolução fora dela. Eu não participei de grupos feministas no sentido de ter sido este o canal da minha militância, apesar de sentir solidariedade com as feministas. Acho que havia uma questão de escolher quem era a vítima que se elegia lutar por. E desde a adolescência, eu escolhi as crianças das classes oprimidas. Mas eu me aproximei de todas as militâncias. (Sonia) Nos anos 60 e 70 eu tinha uma vida cultural intensa. Freqüentava teatros de vanguarda como o Oficina e círculos de artistas escritores e poetas de vanguarda , onde experimentei de tudo, de sexo livre a maconha, sempre buscando experiências novas e inusitadas.. Lembro de viver o clima de desafio aos costumes e valores da época, de uma entrevista de Gaiarsa [terapeuta Reichiano, figura polêmica nos anos 70] na revista “Realidade” defendendo o fim da virgindade e o prazer que achei o máximo. Freqüentava também os artesãos da Praça da República em São Paulo, que na época era marcadamente um lugar alternativo, e cheguei a fazer bijuterias tipo colares de miçangas para vender lá. O pessoal que participava da Praça da República era chamado de “hippies” e defendiam e viviam valores alternativos como a liberdade sexual, a busca do prazer, e a busca de experiências de estados alterados de consciência, que abriam a percepção, como viagens de ácido, maconha etc. 76 Eu estudava psicologia na época, e sentia uma enorme identificação com a música do Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cantavam o que eu sentia, o clima da época. Lembro de “Sala de Jantar Burguesa” dos Mutantes, de “Sem Lenço nem Documento” de Caetano, eu adorava a Tropicália, os Beatles , Janis Joplin, os Rolling Stones , lia Sartre, Simone de Beauvoir, curtia o clima “beat.” Juliette Greco toda enigmática vestida de preto era uma ídola. Vivenciei os movimentos estudantis da época , indo nas passeatas etc., mas nunca me engajei pessoalmente em militância, partidos clandestinos, apesar de que tive muitos amigos presos e exilados que eu ajudava. Olhando em retrospecto, acho que estávamos vivendo e experimentando um processo de libertação dos valores burgueses convencionais. Fiz psicodrama e participei do famoso congresso de Psicodrama no MASP [Museu de Artes de São Paulo] no início do anos 80. Depois fiz terapia Jungiana, que me proporcionou uma maior compreensão de mim mesma. Hoje sinto-me satisfeita e privilegiada de ter vivido esta época onde se ousou sair dos modelos convencionais, e abrir novos horizontes. Acho que nesta época se propunha uma vida nova, diferente do padrão, uma vida com mais lugar para o pessoal, para o prazer, em uma outra poética.(Léa) Comecei no movimento estudantil como secundarista, mas nem cheguei a participar muito de movimento estudantil, logo veio o engajamento em uma organização política clandestina. Eu morava num aparelho, pra ter uma fachada legal. Daí fui presa e fiquei presa 5 meses. Consegui sair por influência familiar e saí do país. Fui pra Europa em 1970 como exilada e lá fiquei 9 anos. Eu tinha 18 anos na época. Lá fizemos uma organização que promovia discussões sobre a esquerda brasileira e trabalhei no movimento pela anistia. Também participei de movimentos de outros países porque meu marido era estrangeiro. Voltei em 78 e logo me engajei no movimento de mulheres. Fundamos uma associação de mulheres, ajudamos a lançar o jornal feminista “Nós Mulheres,” fizemos o tribunal Berta Lutz [pioneira na luta pelos direitos da mulher no Brasil], que foi uma simulação de tribunal pra julgar os crimes contra a mulher em várias situações de discriminação, organizamos o Congresso da Mulher Brasileira que reuniu vários grupos feministas, e a partir daí, eu e outras mulheres entramos de cabeça no governo Montoro. 77 Por outro lado, depois de uns 4, 5 anos após meu retorno ao Brasil, comecei a ter um interesse não especificamente pelo budismo, mas pelo espiritualismo de uma maneira geral, uma abertura no sentido de imaginar que a coisa não é só aqui e agora. Aí fui evoluindo de uma maneira “light” e finalmente há 2 anos eu me engajei pra valer. Hoje dirijo um centro Budista. (Laura ) Eu participei no Rio, do movimento estudantil da época da ditadura. Eu era muito empolgada, muito ligada naquilo tudo, muito rebelde. Eu estudava na PUC, e peguei toda aquela efervescência da rebeldia estudantil. Me lembro que na última grande passeata, levei borrachada nas costas, fiquei toda roxa, o cavalo quase pisou em cima de mim, porque os policiais estavam à cavalo e de cassetetes atrás dos estudantes! Che Guevara era um ídolo para mim, eu convivia com Vladimir Palmeira e aqueles líderes estudantis todos, que eram as pessoas com quem eu sentia sintonia, tanto no ter capacidade de romper com o tradicional como na ousadia de fazer coisas novas. Tinha também as revistas “Realidade” e ”Pasquim” que discutiam virgindade, casamento, o papel da mulher, tudo quê era tabu, e que mexeram muito com a gente. (Rubia) Ciornai 78 Ser mulher com 53 anos é perceber com tranquilidade que mutações sempre farão parte da sua vida, é não perder o elo com o mistério, e penetrar no mistério de ser mulher em todos os aspectos da vida. (Jussara - participante da pesquisa) Ciornai 79 4 FENOMENOLOGIA DA PASSAGEM Vinte a trinta anos depois, esta geração de mulheres hoje na faixa dos quarenta, cinqüenta anos, está vivendo a passagem para a meia idade. E esta é uma fase de vida em que mudanças bastante significativas ocorrem em vários níveis. Em termos sociais, a chegada da meia idade acarreta mudanças no modo da mulher ser percebida que vão influenciar sua percepção de si. Na vida pessoal, acontecem mudanças muitas vezes bem marcantes na relação com os filhos, com os companheiros, e eventualmente na relação com os próprios pais. E com a chegada da menopausa ou do período que a antecede -- o climatério, em muitas mulheres ocorrem sintomas especificamente relacionados com as mudanças hormonais do período. A mulher muitas vezes sente coisas que nunca havia sentido, tanto física como emocionalmente. Para muitas mulheres estes sintomas chegam a ser devastadores, enquanto outras nem se dão conta. Mas freqüentemente estes não são vistos como estando ligados à questão hormonal, nem pela mulher, nem pelos profissionais que as atendem -- médicos ou terapeutas. Certas mulheres peregrinam de médico em médico atrás de uma explicação para sintomas que muitas vezes lhe parecem inexplicáveis, sentindo-se muitas vezes incompreendidas, e sendo muitas vezes mal diagnosticadas. Na verdade, ao ouvir de participantes da pesquisa relatos de sintomas e perturbações descritos na literatura especializada como possivelmente ligados à mudanças hormonais, muitas vezes me surpreendi ao saber que esta possibilidade não havia sequer sido levantada como hipótese pelos profissionais que consultaram. No entanto, algumas mulheres que inicialmente afirmaram não ter sentido nenhum sintoma de climatério ou menopausa, ao ouvir relatos das companheiras e tomar conhecimento dos sintomas que podem estar relacionados à transformações hormonais, pela primeira vez se deram conta que alterações físicas e certos estados emocionais desta fase de suas vidas talvez pudessem estar relacionados à estas mudanças. Isto foi tão marcante, que a partir do terceiro workshop cuidei de colocar a questão de forma ampla, Ciornai 80 i.e., não como uma pergunta sobre sintomas de climatério e a menopausa, mas como uma pergunta geral sobre mudanças físicas e psíquicas ocorridas neste período. Além disto, ao compartilhar suas vivências deste período de vida, algumas mulheres passam por situações onde o que sentem, de forma velada ou explícita, é ridicularizado, ou atribuído à fricotes de mulher insatisfeita e não realizada -- às vezes até por mulheres que tendo tido uma experiência tranqüila e assintomática desta passagem, escolhem assim interpretar o que não experienciaram. Outras lidam com o que sentem de forma muito solitária. E algumas percebem em familiares e no social de forma geral, uma expectativa de que sintam e experienciem coisas que de fato não sentem, relatando experiências que virtualmente diferem do esperado. Assim, minha intenção nesta parte do trabalho não é a de dizer o que as mulheres que estão por chegar no climatério e na menopausa irão sentir, estabelecer relações causais, criar explicações interpretativas, ou chegar à conclusões estatísticas, mas apenas a de registrar relatos das transformações sentidas por estas mulheres, nos vários âmbitos do seu existir : físico, sexual, psicológico, espiritual, afetivo, social. Alguns relatos confirmaram de certa forma o que eu esperava encontrar. Outros me surpreenderam, revelando aspectos e vivências deste período de vida que eu não imaginava encontrar. Portanto, minha intenção com estes relatos é a de mostrar que é necessário ouvir, com respeito, com uma escuta isenta de preconceitos , isenta de “a-prioris”, o que as próprias mulheres relatam de si, em suas próprias palavras. Apresento aqui seus depoimentos, organizando-os em tópicos, sem me dirigir ainda neste momento à questão colocada na primeira parte deste trabalho, i.e., se estas mulheres, que foram protagonistas dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70, apresentam ou não alguma especificidade em sua maneira de vivenciar e de se relacionar com a fase de climatério e menopausa. Devido à natureza tanto da pesquisa como das entrevistas, voltadas à experiência singular e à qualidade do vivido por cada participante, e também pelo fato de que algumas delas já estavam na menopausa há alguns anos enquanto para outras isto ainda viria a ser um evento futuro, seus depoimentos não foram quantitativamente comparados em tabelas, mas apresentados como um quadro de possibilidades. Ciornai 81 MUDANÇAS FÍSICAS Das mulheres entrevistadas, algumas disseram não sentir, ou não ter sentido, nada que não fosse apenas conseqüências naturais do envelhecer. O relato de uma das participantes exemplifica bem isto : Faz três anos que parou minha menstruação. Eu não tive problema de calor, de insônia, de nada. O médico me disse que os sintomas iam começar depois, mas já passaram três anos e eu continuo não sentindo nada. Eu tenho irmãs e cunhadas que não se conformam. Ficam me dizendo : “Não acredito, você esconde”! Mas eu não sinto mesmo, eu não sinto aquelas aflições, aquele desespero que eu acompanhei em minhas irmãs e cunhadas, e mesmo na minha mãe. (Elisa) Outras descreveram mudanças especificamente relacionadas às transformações hormonais. A relação abaixo reflete a variedade de sintomas e mudanças descritas em seus depoimentos. OSCILAÇÕES DE TEMPERATURA Provavelmente o sintoma mais popularmente relacionado à menopausa, os famosos calores , muitas vezes seguidos da sensação de frio, trazem grande desconforto físico para a mulher. Além disto, mobilizam fortes emoções devido à exposição que acarretam, pois seus efeitos são facilmente visíveis. Vergonha, constrangimento, angústia, sensação de vulnerabilidade e desproteção, foram sentimentos compartilhados pelas participantes da pesquisa que os conheceram. A sensação de perda ligada à menopausa no imaginário social e pessoal, também está presente em um dos depoimentos, acompanhando a vivência destas oscilações de temperatura. Os 6 relatos abaixo, às vezes com uma pitada de humor, bem descrevem suas experiências. O último, o de Julia, nos conta de uma mulher que aprendeu a transformar os calores em aliados, fontes de prazer e criatividade. Acredito que seu relato possa servir de inspiração e ajuda para que mulheres consigam criar maneiras positivas e alternativas de com eles lidar. Ciornai 82 O que provocam em si Eu sentia muito calor, era uma coisa absurda! Tava o maior inverno, todo mundo de capote de lã, e eu literalmente me abanando. Todo mundo percebia, e quanto mais percebiam e faziam gracejos, mais eu me afogueava, porque aí vem toda a vergonha de ficar exposta. Fica assim uns 3, 4 minutos, daí passa, abranda, e aí você começa a sentir frio. Então era um tal de põe roupa, tira roupa , bota capote, tira capote, olha, puta que o pariu! (Paula) A palavra calor não define o que a gente sente. Eu chamo de fogacho. Me lembra o fogo do chuveiro de gás de rua, que a gente deixa na chama piloto, e quando liga o cioso faz: “Vuu!” É um negócio que sobe. Às vezes é rapidiinho, e às vezes dura muito, e quanto mais você quer controlar, mais ruim fica. E é acompanhado de um profundo mal estar. É um mal estar indefinível. Quando passa, vem um alívio, mas vem também uma espécie de depressãozinha rápida, um amolecimento do corpo, como se eu estivesse desfalecendo, me esvaindo... Ao mesmo tempo que eu sabia que aquilo era hormonal, que aquilo tinha a ver com menopausa, eu percebia que tinha a ver também com momentos emocionais. Se eu me angustiava um pouco, se eu me afobava, se uma situação tava me sufocando um pouco, aí batata, aquilo vinha: “Vvuu”! Na hora é uma sensação muito angustiante . Eu até fiz questão de ter um carro com ar condicionado porque ar condicionado é abençoado nesta fase! Eu entro no carro e crau ! “Ahhhhhh,” é um alívio! (Mariana) Comecei a ter disritmia térmica, ondas de calor extremamente desagradáveis, absolutamente de surpresa. Eu sempre me ruborizei muito facilmente quando alguma coisa me embaraçava. Se eu quisesse perguntar algo para o professor, eu sabia que eu ia ficar vermelha se levantasse a mão. Então pra não ficar vermelha eu nem levantava à mão, embutia as minhas questões. De repente eu não tava fazendo nada, pensando em nada, discutindo nada, e vinham as ondas, que me remetiam à sensação muito adolescente de vergonha. E fora isso Ciornai 83 uma coisa física muito desagradável, porque eu suava muito , me ensopava de molhar cabelo, e aí pressão baixava e muitas vezes depois da onda de calor eu me sentia desmaiante . Isso independente da atividade que eu estivesse fazendo, podia estar trabalhando, andando, fazendo nada! E de noite eu tinha que levantar da cama e trocar de camisola várias vezes, porque eu ensopava as camisolas. Aí trocava de roupa, parava de suar, morria de frio, puxava a coberta, 5 segundos depois jogava tudo fora e começava a suar de novo. Era uma coisa muito cansativa . E imagine, enquanto terapeuta, trabalhando com os clientes, eu tinha que explicar que o meu corar não tinha nada a ver com o que as pessoas estavam me dizendo, que era eu que estava com ondas de calor! Essa fase foi muito complicada! (Vera) Minha menstruação acabou faz um ano e o desconforto que aparece com os calores em determinadas circunstâncias é muito grande. Eu tô quietinha lá no meu canto, e de repente parece que acende o fogo. Quando começam aqueles suores, aqueles calores, todo mundo vendo o que eu tô sentindo, eu me sinto incomodadíssima - me sinto desprotegida. Porque eu não queria que ninguém visse que eu estou suando, me sentindo desconfortável, me sentindo mal... Eu aprendi em terapia a conviver com minhas próprias emoções, foi um processo longo de tomar posse de mim mesma , uma longa batalha aprendendo a me resguardar, e de repente fico exposta de novo. Essa sensação é muito desconfortável. (Rebeca) Eu sempre gostei muito de pouca roupa, e agora eu tenho um motivo a mais pra pôr pouca roupa! Porque é um horror esse calor, esse suadouro interminável. E ainda por cima tenho que usar bloqueador solar pra não acabar com a minha pele. Junta o bloqueador com o calor, e fica uma pasta! Então tem as manchas, tem o calor, e eu fico derretendo . Quando ele vem, eu me sinto esvaecer. Acho que essa palavra é fantástica pra descrever a sensação que sinto, porque realmente é uma coisa que vem, e vai gradativamente te esvaecendo... (Sandra) Meus calores me faziam passar momentos constrangedores de suadeira. Um dia eu estava dirigindo no transito à duas horas da tarde, o calor era infernal, e em Ciornai 84 determinado momento foi tão intenso, que eu achei que não ia agüentar. Aí parei numa rua lateral, e comecei a respirar fundo, aplicando técnicas que eu estava aprendendo no tai-chi e na ioga. Fechei os olhos e fui respirando naquele calor, que sempre ficava muito no peito e no coração como uma coisa angustiante me agoniando. E com a respiração fui jogando aquele calor prá baixo, levando aquele calor mais pro meu centro, pro umbigo. E pra meu espanto comecei a sentir prazer! Eu comecei a sentir gozo com meu calor, ele se transformou num orgasmo! Foi uma sensação tão gostosa de prazer, que eu mesma me assustei. Foi uma experiência incrível! Daí em diante, todas as vezes que o calor vinha, eu procurava uma forma de transformar esse calor. Então quando ele vem, eu “vejo” o meu calor, respiro nele, jogo o calor prá ponta dos pés, e deixo que ele entre na terra. Normalmente eu me encosto ou boto o pé numa coisa fria, ou então encaro a parede e vou respirando, faço mil coisas prá desconcentrar esse calor. Quando comecei a participar de um grupo de terapia para mulheres na menopausa, aprendi uma outra técnica além do respirar, que foi a de pintar com guache. Agora minhas ondas de calor diminuíram, mas quando eu estou mais agitada, reaparecem, e aí eu respiro e penso: “O que é que eu vou criar aqui com você?” Uma vez eu estava em um ônibus e o calor veio intenso.. E aí veio a imagem de uma garrafa de onde saiam cores que se esparramavam: laranja, vermelho, violeta. Era como se eu fosse a garrafa, e meu calor começasse a se esparramar lindamente pela cadeira, pelas pessoas, pelo ônibus, depois saía pela janela do ônibus e entrava na Av. Paulista, foi bárbaro! Eu sempre procuro uma forma de transformar o calor prá ele não ficar em mim, porque se ele ficar realmente me incomoda. Eu também percebo que quando estou mais agitada, quando as coisas se acumulam, ele vem mais. Então eu digo: “Oi! Eu já sei que você está querendo que eu me acalme.” E aí eu procuro respirar, pintar, começo a escrever. O meu calor vinha com taquicardia, nunca veio só. Então eu me assustava muito, porque o medo de enfartar vinha junto. Mas agora eu respiro muito na barriga, e transformo esse calor e essa taquicardia em aliados meus. Eu os encaro hoje como sinais pra mim. É como se me dissessem: desacelera! (Julia) Ciornai 85 O que provocam no outro Meu marido fala assim: “Mas não tá calor!” É muito incômodo porque ele fica irritado comigo. Na cama ele quer cobrir, e eu quero descobrir. Então fica um negócio complicadíssimo... (Rebeca) À noite, eu sentia calor e tirava toda a coberta. Punha as pernas pra fora da cama, pra refrescar um pouco, e como eu não fazia isso de uma forma delicada, ele acordava todo assustado e perguntava: “O que que houve?! Que que é?! Porque é que você tá me descobrindo ?! E eu dizia: “Tô com calor.” Ele ficava assustado e me dizia: “Você precisa procurar um médico, criatura, não pode ficar com essas suas alterações, não é possível!” Na verdade ele não queria conversar muito sobre isso. Ele se assustou muito, porque também ele sentia perda, também tava perdendo com isso... (Paula) INSÔNIAS E ALTERAÇÕES DA QUALIDADE DO SONO Das mulheres entrevistadas, várias se queixaram de insônias e alterações da qualidade de sono, geralmente em períodos onde outras perturbações físicas ou emocionais marcantes se faziam presentes: Tive uns 2, 3 meses de muita insônia – eu dormia um pouco, acordava às 2, 3 horas da manhã e não dormia mais. Isso me deixava super mal... (Ana) Olha, é uma insônia que eu desconhecia. Eu era conhecida na família como uma pessoa que dormia muito, pesado, e bem. Tipo a empregada passar a enceradeira e eu continuar dormindo. Quando tive filho, tive muita dificuldade naquela coisa de ter que acordar pra atender filho à noite, porque eu dormia muito pesado. Aí eu comecei a ter insônia, uma coisa de querer dormir e não conseguir. E não é aquela insônia em que você tá desperta pra ler, cozinhar, conversar, é uma insônia bodeada... Ciornai 86 Mas o pior pra mim não é nem a insônia, é a qualidade do sono que mudou, é uma coisa de dormir mal. Antigamente, não só eu dormia muito e bem, mas pra fazer a cama de manhã era a coisa mais fácil do mundo, meu lençol tava todo esticadinho. Atualmente amanhece tudo amarfanhado! Porque eu passo a noite inteira no que eu chamo de ‘fritando bife’ - viro pra cá, viro pra lá, viro pra cá, viro pra lá, chuta lençol, puxa lençol, graças a Deus que eu não tenho homem na minha cama, porque eu acho que ele ia sofrer, coitado! (Mariana) Eu acordava às quatro horas da manhã e não conseguia dormir mais... (Sonia) Eu sou uma pessoa que sempre dormi pouco então insônia era um estado meio normal. Então, não é que eu passei a ter insônia na menopausa. Mas antes, se eu ficava com insônia, eu lia um livro a noite inteira numa boa. Já na insônia da menopausa eu não tinha vontade de fazer merda nenhuma. É uma insônia ruim, um cansaço enorme, vontade de dormir e não conseguir. E além disto a qualidade do sono também mudou, mesmo dormindo durmo mal. (Rebeca) RESSECAMENTO VAGINAL Ressecamento vaginal é algo que freqüentemente acontece com mulheres após o cessar das menstruações. E de fato, as participantes da pesquisa que falaram sobre isto já estavam na menopausa. As que fizeram tratamento de reposição hormonal, relataram que com o tratamento este sintoma melhorava muito ou até desaparecia. Mas algumas, preocupadas com os possíveis efeitos colaterais dos hormônios, escolheram não tomá-los ou parar de tomá-los, e tiveram que lidar com este problema em suas relações sexuais com parceiros através do uso de gel lubrificante. As mulheres casadas, que estão em uma relação longa e estável com um companheiro, relataram conseguir lidar com isto na relação de casal sem grandes problemas. No entanto, para as que não estão em relações duradouras, este problema pesa mais, e chega a ser um fator de impedimento em seus envolvimentos afetivos com homens : Ciornai 87 Dá problemas de lubrificação vaginal mesmo, mas hormônio ajudou bastante. (Sandra) Em termos de diferença de corpo, inegavelmente a coisa da secura vaginal atrapalhou bastante a relação sexual, mas logo a gente achou uma pomada legal. (Vera) Entrei na menopausa a uns 5 anos atrás, e de uns 4 anos pra cá que eu acho que isso se manifestou mais. Na relação sexual, arde mesmo, dói, é uma coisa que incomoda. Agora, se usar creme supera. Como nós somos casados há muito tempo, tem toda uma forma de saber o que fazer com isso entre nós. (Frida) Quero falar o que é a menopausa pra uma mulher que vive sozinha. Eu tive uma menopausa muito cedo. Com 43 anos eu parei de menstruar, assim, pum! Não senti calores, dores, nada, mas minha vagina secou. E é secura mesmo. E em que hora que você sente isso ? Na hora em que você tá morrendo de tesão, e a tralha do homem te machuca, não entra direito. E aí você pensa: Mas por quê?! Se tá tudo certo, se você tá super excitada, se você tá ali, no ponto! Mas isso não adianta nada, a coisa raspa, parece uma lixa, e se não tiver o tal do gelzinho, mas não entra nem a pau, dói mesmo ! É quase como ser violentada, não é legal... E aí uma coisa é você estar casada com um cara e ir transando a história de lubrificante, gel e tal . Mas o tal do gel, quando você está transando com um homem pela primeira vez , não é assim tão simples. Você está ali pela primeira vez entrando num jogo íntimo com o cara , e botar camisinha, enfiar gel, não conhecendo o cara direito, é um bruta de um rolo, não é tão tranquilo. Então o que tá acontecendo é que eu estou me retraindo, já de antemão acho que não vai dar certo, porque uma ou duas vezes não deu. Só vai dar certo quando eu conseguir tomar hormônio e lubrificar de novo a vagina, porque aí eu vou voltar a ter problema só com a camisinha. Então essa coisa da vagina seca complicou muito a minha vida... (Norma) Ciornai 88 TONTURAS Dos sintomas relacionados à fase de climatério e menopausa, tontura é um dos menos conhecidos. Mariana só foi se dar conta da possibilidade que suas tonturas estivessem ligadas à questão hormonal, ao ler uma bula de hormônio para menopausa que listava os sintomas que o hormônio poderia solucionar. As outras, só chegaram à considerar esta possibilidade ao compartilhar suas experiências com as demais colegas de grupo durante a pesquisa. Uns dois, três anos antes de entrar na menopausa, eu sentia mal estares repentinos, tonturas, coisas que nunca havia sentido antes. Cheguei até a achar que talvez fosse labirintite.(Frida) Eu sentia muita tontura. Passei por essa via sacra por volta dos 43, 45. Cheguei até a achar que eu tinha um tumor no cérebro, porque eu tinha tonturas violentas. E no meu trabalho como terapeuta isso é uma coisa horrorosa, porque te faz perder o foco, perder a atenção. Em psicoterapia você tem que estar ali, com presença inteira em cima do cliente, tem que estar ligadona, né ? E de repente você não consegue focalizar direito nem visualmente, tá semi-ligada, dá uma angústia muito grande. Hoje eu acho que estas tonturas estão ligadas tanto à fatores emocionais como à questão hormonal, porque antes do climatério eu nunca tive essas coisas. Às vezes a tontura é leve, fica o dia inteiro assim : ‘uuuuu’, é incômoda mas dá pra guiar, pra falar, pra trabalhar, aí eu tomo meio Lexotan [tranquilizante] de três miligramas. Os médicos dizem que é placebo, mas pra mim faz efeito, eu acalmo um pouquinho e a tontura melhora. Mas às vezes fica muito violenta, daquelas que o quarto roda, e aí eu não consigo sair pra trabalhar, tenho que desmarcar os clientes, fico super mal, mesmo tomando remédios mais fortes como Estugeron que é um remédio para labirintite que leva tempo para fazer efeito, e que como é um remédio forte, te deixa meio bodeada. (Mariana) Ciornai 89 Há dez anos atrás eu tive um aneurisma cerebral. Fui operada, e passei de vez em quando a ter umas coisas de tontura, parecia que eu ia desmaiar. Mas de uns 3 anos pra cá, eu tenho tido isso com muito mais freqüência. Parece o se esvair, mas é uma coisa física mesmo. Saem as forças, eu não consigo prestar atenção no que as pessoas tão falando. Me parece que eu quero dormir um pouquinho, parece que eu vou desmaiar. Uma coisa que me ajuda muito é mexer. Levanto, ando, vou lavar a louça, e dá uma melhorada. ( Fernanda) OSTEOPOROSE Sintoma que quando aparece, geralmente aparece anos após a menopausa, se fez presente no relato de poucas participantes, mas mais agudamente em Marcia : Aos 40 anos tive uma questão na coluna, fui fazer exame, e o médico falou que eu tava com perda de cálcio, que era importante eu estar fazendo algum tratamento porque eu já estava num processo da diminuição hormonal. E esta osteoporose mexeu muito comigo, porque minha mãe tem, ela não se tratou, e eu vejo o estado que ela ficou de envelhecimento, facilidade de cair e quebrar osso, realmente não tenho vontade de me ter uma velhice igual a da minha mãe. (Marcia) Fiz o exame de osteoporose, e já deu uma coisa, pequena mas deu. (Mariana) NÓDULOS E MIOMAS Muitas mulheres relataram problemas de nódulos e miomas nos seios e no útero nesta faixa etária: Há um ano e meio senti um caroço no seio. Tratei com homeopatia, acupuntura, mas no fim tive que operar mesmo. Graças a Deus não era maligno. (Rosana) Eu comecei com hormônios sem querer, por causa da osteoporose. Aí me apareceu um caroço no seio, e acabei tendo que tirar com cirurgia.( Marcia) Ciornai 90 Quando eu tinha 45 anos eu tive um mioma. O médico me mandou fazer um levantamento das taxas hormonais, e descobriu que o hormônio feminino tinha baixado. (Sandra) Comecei a reclamar que eu estava tendo cólicas de menstruação e de ovulação muito fortes, e aí foi descoberto que eu tinha um mioma. Eu espero que eu não tenha que operar porque como eu já devo estar perto de chegar na menopausa o mioma tende a decrescer.(Sílvia) Tive um nódulo maligno no seio a um ano e meio atrás. Eu não tinha noção de que nessa faixa dos 40, antes da menopausa, uma em cada 10 mulheres tem câncer de mama. (Miriam ) DISTÚRBIOS NO FLUXO MENSTRUAL Várias relataram alterações no fluxo menstrual. Menstruações muito fortes ou muito frequentes e longas, às vezes com cólicas, inchaços, hemorragias, fluxos ora minguados ora abundantes : O meu processo menopáusico veio com muito distúrbios, não é comum mulheres passarem o que eu estou passando. Inclusive fui operada recentemente, tive que tirar o endométrio. Foram dois anos que eu fiquei com fortes hemorragias. É terrível o que você passa, porque você sente esvair sua energia, fica debilitada no organismo todo, se sente sempre cansada. E eu era uma mulher de muito dinamismo, de fazer qualquer coisa, a qualquer hora, a qualquer dia, não sentia problemas de saúde. E minha saúde ficou muito abalada, mesmo agora eu não voltei a ser o que eu era. (Maria Amélia). Tive algumas hemorragias fortes que se normalizaram com Premarim. (Renata) Ciornai 91 Eu tenho tido uma menstruação muito prolongada, isso tem me deixado com a xoxota irritada e me incomoda demais. (Rosana) Passei a ter menstruações muito fortes, com inchaços. (Léa) Uma coisa que eu também tô sentindo, que a médica diz que é do mioma, é diferenças no fluxo menstrual. Ora vem pouquinho, de repente vem bastante, meio parecido com adolescência. (Silvia) MUDANÇAS NA QUALIDADE DA PELE E NO TONUS CORPORAL De todas as entrevistadas, não houve uma que não houvesse mencionado as mudanças de pele e de corpo que se evidenciam nesta idade. Este sem dúvida foi o ítem onde houve maior concordância, e a mudança sentida como mais dramática. Nunca fui de ligar pra cremes, limpeza de pele, nada, mas ultimamente tenho me preocupado com isso, tô ligada nas rugas que tão aparecendo.(Eliane) Minha pele secou totalmente. E minha pele era gordurosa, tenho marcas de quem teve espinhas e cravos a vida inteira. Nessa idade, pra nós que somos clarinhas, a pele fica cheia de pelotas, de manchas, cai, enruga, é uma desgraça! (Fernanda) Agora tem rugas, papada, quando me olho no espelho eu penso : tá tudo horrível e caído... ( (Rebeca) Estou com quase 49 anos, e neste último ano, tenho notado uma diferença física muito grande no meu corpo. Os tecidos não têm mais a mesma firmeza, a qualidade da pele é outra, inegavelmente teve uma perda do viço, do tonos . (Cecília) Ciornai 92 Me incomoda muito as estrias. Os olhos e o pescoço é dramático. E tem uma coisa que eu tô descobrindo: o joelho também é dramático. Também tô começando a ter celulite faz uns 5 anos, e sendo negra, tenho um problema sério de manchas na pele. Mas na verdade eu sou muito relaxada e preguiçosa. Eu sou daquelas pessoas que saio, compro “um kit completo” de cremes, e uso uns dias só, porque eu não tenho o menor saco pra essas coisas. Se você me falar assim: ‘Vai pra ginástica ficar linda ou vamos pro bar beber?’ Eu vou responder: ‘Vamos pro bar beber! E que caia!’ E aí de repente eu olho e falo pra mim mesma: ‘Ai, que merda, caiu! Por que eu não fiz ginástica, não passei o creme?! ’ Mas eu não tenho saco. Então é complicado, mas ao mesmo tempo eu também me aceito... (Sandra) Eu me olho no espelho e vejo que por mais que eu me cuide, estou perdendo a vitalidade do corpo. As coisas vão caindo, não tem jeito! Por mais que você faça esforço, por mais que você faça ginásticas, não dá mais a mesma resposta que a gente tinha antes. (Mariana) Cai mesmo, a gente não é mais o que era... (Paula) Apesar de eu fazer muito exercício sempre, começou a aparecer flacidez e rugas no braço, na mão e no joelho. É um processo que se acelerou muito de uns 6 meses prá cá, desde que eu fiz 52 anos. Aí eu penso: ‘Meu Deus! Se isso for rápido desse jeito, daqui há cinco anos, eu estou acabada!’ E isso tem me dado um certo grilo.(Ana) Pra quem como eu que sempre tive uma relação ruim com o meu corpo, quando chega nesta idade, fica pior, quer dizer, se eu já achava feio, agora acho feio e despencado. Ou seja, já era um problema e ficou um problema um pouco pior. Mas pra quem era bonita deve ser mais assustador, mais dramático... (Sonia) Ciornai 93 MUDANÇAS NO NÍVEL DE ENERGIA Outro fator mencionado por quase todas mulheres como marcante mudança física, é a percepção de que a energia pra fazer e realizar coisas variadas diminuiu, que houve uma perda de vitalidade significante, e que coisas que antes eram tranquilas, como passar uma noite em claro, hoje não são mais. Selecionei algumas falas relativas à esta mudança: Antes eu podia trabalhar o dia inteiro, e à noite eu ainda queira sair para dançar. Passava a madrugada inteira dançando, voltava às 5 horas da manhã, tomava um banho e às 8 tava trabalhando de novo numa boa, com uma excitação muito grande. E lá ia eu o dia inteiro de novo! Eu era uma pessoa muito agitada. As pessoas diziam: ‘Que energia! Que resistência! Como é que você aguenta?’ Minhas amigas diziam que eu parecia uma maluca, que não aguentavam o meu ritmo , mas para mim era tranquilo. Mas de uns tempos pra cá já não sinto assim, sinto que meu corpo me diz que quer dormir, que está cansado. Eu tô com outro ritmo agora, não aguento mais o de antes. (Marcia) Tenho sentido necessidade de fazer uma economia de energia. Até sexualmente, pra ter uma energia sexual eu sinto que preciso fazer uma economia das minhas energias de maneira geral. (Rosana) A nível físico minha onipotência foi pro vinagre, hoje em dia sou muito mais cautelosa . Me canso com mais facilidade, e respeito o cansaço. Antes eu não media conseqüências.(Vera) Eu era uma mulher de muito dinamismo, de fazer qualquer coisa, a qualquer hora, a qualquer dia, prá mim tanto fazia carregar esse livro como carregar uma sacola pesada, e isso mudou. (Maria Amélia) Eu costumava ser elétrica, fazia mil coisas sem cansar. Hoje eu não tenho mais o mesmo fôlego que tinha antes. (Renata) Ciornai 94 Estou mais cansada, preciso dormir um determinado número de horas. Antigamente eu aguentava perfeitamente uma noitada, um papo longo, hoje estas coisas me deixam mal no dia seguinte. (Cecília) Sinto que eu estou com necessidade de dormir mais. Mesmo dormindo bem à noite, no final de tarde tem me dado sono.(Ana) Já não me sinto tão disposta pra uma série de coisas como antes. O que eu fazia há alguns anos atrás quando eu tinha três, quatro empregos e uma série de coisas, hoje realmente é mais complicado. (Jussara) AUMENTO DE PESO Várias mulheres contaram que engordaram nos últimos anos, algumas até bastante, e que sentem uma dificuldade cada vez maior em reduzir o peso : Eu engordei muito, engordei 20 quilos nesses últimos 11 anos.(Mariana) Eu pesava 55 quilos e hoje estou com quase 80, tô gorda. E a pior hora da minha vida é ir comprar roupa. Porque, aí não bate a imagem daquilo que eu gostaria de estar pondo, com aquilo que eu posso usar. Nada serve, nada fica bom, a barriga aparece, dá uma sensação muito ruim. (Rebeca) Tô mais gorda, com celulite, barriga, estrias. (Fernanda) Também engordei demais, nesses dois últimos anos eu engordei 15 quilos. (Maria Amélia) Tenho sentido cada vez mais dificuldade de emagrecer. (Cecília) Ciornai 95 PROBLEMAS DE VISÃO Um outro problema que se configura para algumas nesta idade, são as dificuldades com a visão, que trazem a necessidade de usar óculos : Eu vou até tirar essa óculos! Cacete, viu! É a concretização da perda! (Paula) Meu primeiro choque foi começar a me sentir com braço curto, eu ia ler um livro e tinha que afastar o livro cada vez mais para poder enxergar. Eu que sempre enxerguei muito bem sem óculos, descobrir que estava com necessidade de óculos para a leitura. E eu achei que a meia idade tinha chegado na hora que eu botei os óculos. Então o primeiro impacto tipo ‘estou começando a envelhecer’, ‘meu corpo está mudando’ foi a questão dos óculos. (Vera) Eu tô enxergando cada vez pior... (Fernanda) Eu enxergava muitíssimo bem pra ler . Passei a ter dificuldades, e ao brigar com isso, aumentava a minha tontura, porque eu me recusava à ir ao oftalmologista. Agora não, já tô usando óculos, já me rendi a isso. (Rebeca) PROBLEMAS NAS ARTICULAÇÕES E AUMENTO DE COLESTEROL Algumas mulheres mencionaram aumento de nível de colesterol, e duas falaram de problemas nas juntas. O relato de Rosana bem descreve este problema : Tenho tido problemas nas articulações da mão. Às vezes quando acordo estão inchadas e doloridas. O médico disse que tem a ver com a chegada da menopausa, que com a diminuição hormonal o ácido úrico tende a aumentar. Estou procurando controlar mais a dieta ingerindo menos proteínas, pois provocam aumento do ácido úrico. Quando os dedos estão assim, faço bastante exercícios, e com os movimentos a dor acaba passando. Mas estou ficando com as articulações grossas, porque incham, e esteticamente isto está me incomodando. (Rosana) Ciornai 96 MEMÓRIA E finalmente, alterações na capacidade de memória também foram mencionadas. Os depoimentos abaixo são um exemplo : Há uns 3 anos, eu tomo Geriavit. Tomo um de manhã cedo, e se eu tenho que produzir até tarde num trabalho intelectual, eu tomo outro lá pra umas quatro da tarde, pra ficar em pé, pra produzir, pra ter lucidez. Eu sempre tive problema de memória e de concentração, mas agora piorou fantásticamente.(Sandra) Tenho tido uns problemas de memória, e até brinco assim: é a menô! (Jussara) Eu tive sempre uma memória fantástica. Como sou terapeuta, eu trabalho com memória. Lembrava de sonhos que paciente contou pra mim há dez anos atrás. Às vezes ele podia esquecer, mas eu não esquecia em hipótese alguma! E comecei a esquecer. Comecei a ficar um pouco assustada, porque a minha memória passou a falhar com algumas coisas, e a concentração diminuiu. (Rebeca) MUDANÇAS SEXUAIS A presença do desejo e da atividade sexual não é uma questão simples, envolve uma série de fatores. Apesar de não haver regras neste terreno, e cada caso ser um caso, ao ouvir os depoimentos das participantes, pude perceber que haviam algumas variáveis importantes, que listo a seguir. O FATOR BIOLÓGICO Mudanças hormonais podem estar ligadas à alterações na libido. No relato de várias mulheres, este fator é freqüentemente mencionado entremeado com o emocional, o psicossocial, e com as alterações físicas muitas vezes bem desagradáveis do período. No Ciornai 97 entanto, algumas mulheres relatam ter sentido esta mudança, mesmo sentindo-se bem. Já outras, continuam a sentir-se igual ao que sempre foram. Frida por exemplo, está na menopausa há alguns anos, aparentemente pareceu estar muito bem tanto em sua vida profissional, sua vida pessoal, como na relação com o marido por quem dizia-se ainda apaixonada. No entanto, ao falar de sexualidade, disse: Acho que a sexualidade tá muito menor, eu tenho menos vontade. Porque também meu marido tem me procurado menos. A gente transa, mas com menos freqüência , é uma coisa mais tranqüila. De vez em quando me dá alguns grilos e eu fico pensando: puxa vida, será que isso vai acabar como uma grande amizade, será que a gente vai ficar só amigo ? Mas eu acho que é assim mesmo... (Frida) O FATOR RELACIONAL E O FATOR PSICO-SOCIAL A segunda variável, é que as experiências das mulheres que estão em uma relação duradoura e estável com um companheiro com quem mantêm relacionamento sexual, se diferenciam em certos aspectos das experiências de mulheres que estão sós - sejam elas solteiras, separadas ou viúvas. Enquanto para as primeiras existe uma intimidade e uma confiança construída permeando suas relações sexuais com o parceiro, independente de que esta relação lhes seja ou não satisfatória, e independente de ansiarem ou não por outras relações, para as que estão sós, a inexistência desta condição facilitadora chega muitas vezes a ser um sério impedimento para a atividade sexual. Três razões básicas para isto emergiram de seus relatos: 1) A vivência de um imaginário social desfavorável à mulher nesta faixa etária, que se entremeia à uma percepção pessoal, também por este tecida, muitas vezes extremamente crítica e negativa de si em termos estéticos, aliada à constatação de que homens desta faixa etária freqüentemente preferem mulheres bem mais moças, faz com que muitas mulheres não se sintam “mulheres desejáveis”, capazes de atrair e provocar desejo. Apesar de que isto também pode ocorrer com a mulher que tem um companheiro, para a mulher que não tem, isto muitas vezes traz como conseqüência uma ausência de relações sexuais em sua vida. Ciornai 98 2) Freqüentemente se percebendo com uma sexualidade diferente da que tinham antes, às vezes até ainda por descobrir e experienciar, o que se evidencia por exemplo no desejo de uma relação mais lenta, na necessidade de mais tempo para se excitar, e na necessidade muitas vezes da ajuda de um lubrificante vaginal com o qual não têm ainda experiência, a perspectiva de relacionamento sexual com um novo parceiro vem acompanhada de um sentimento de insegurança e desconforto. Pensar em estar se experimentando e experimentando novos recursos em uma área tão íntima, com alguém com quem não têm uma intimidade e uma confiança construída, para algumas vem a ser muito desencorajador, como nos conta o relato de Norma à algumas páginas atrás, ao falar das dificuldades que o ressecamento vaginal que adveio com a menopausa trouxe aos seus relacionamentos. Estes fatores se mesclam e estão presentes no relato de Mariana: Faz 10 anos que eu não tenho vida sexual. Também a AIDS começou nesse período, e eu fiquei apavorada com a AIDS. Eu não sei mais o que é o toque de um homem. No começo foi terrível, terrível! Eu subia pelas paredes, eu queria morrer, mas fui acostumando. Hoje eu não sinto falta. Eu ouço pessoas dizerem ultimamente que eu estou bonita, atraente, mas eu não me sinto assim. Odeio meu corpo, me acho horrorosa, sinto que tô velha, e que já acabou pra mim. Sexo é uma coisa que não existe na minha vida, mas eu também sinto que a libido diminuiu, diminuiu o desejo. Acho que pra quem tem um parceiro é mais fácil. E eu não sei dizer o quanto disso tem a ver com minha fase de menopausa, ou o quanto tem a ver com minha parte emocional que fechou... Tenho tesão esporádicos. Na maior parte das vezes eu não tô ligada, não quero nem saber. Mas às vezes eu sinto uma coisa que sobe, uma vontade. Mas nunca é cena de sexo que me excita, são cena de amor, cenas de carinho, de toque que me motivam. Não é tanto genital, é uma coisa que se esparrama pelo corpo, uma sensualidade. Eu me masturbo às vezes, quando eu me sinto sozinha. Acho que a razão disso é que sou tão invadida na minha vida, que quando eu tô sozinha, tranqüila, não tem ninguém em casa e eu sinto o espaço da casa só pra mim, o meu corpo começa a soltar e vem uma sensualidade. Nesses momentos eu sinto um tesão se espalhando e às vezes eu me masturbo. E aí é gostoso. E às vezes é meio triste pela solidão, pela ausência de um parceiro... Ciornai 99 Além disto me assusta muito a idéia de começar um relacionamento nesta idade, quando a sexualidade tá diferente, já não responde como antes , quando tem que ser mais suave, mais devagar, com maior estimulação pra ter lubrificação. Eu imagino que pra uma mulher que é casada, que tá há 25 anos com um companheiro, onde o afeto, o companheirismo, a amizade e a cumplicidade estão presentes, isso venha naturalmente. Foi acontecendo, e os dois foram se adaptando, e continuaram se curtindo. Mas a minha fantasia de começar um relacionamento agora é muito assustadora. (Mariana) 3) Também a AIDS veio a complicar bastante a vida das mulheres e de todos aqueles que não têm um parceiro único e fixo. Tereza por exemplo, diz isto claramente: De uns três, quatro anos para cá, eu transo eventualmente. Não que eu não tenha vontade, mas eu aprendi a conviver com o meu desejo sem transar. Não faço mais concessão, porque a história da AIDS complicou as coisas. A gente até sai, bate papo, o cara fala que você é sensual, sedutora, mas aí, na hora do vamos ver mesmo, deixo para amanhã. O que felizmente eu fiz há quinze anos atrás, ainda em tempo de descobrir minha sexualidade , eu não faria hoje.(Tereza) Por outro lado, há mulheres que estão sós e que relatam experiências distintas com homens : A minha atividade sexual não é muito forte, mas é gostosa. E eu aprendi como torná-la gostosa só depois que eu me separei. Tenho 2 parceiros com quem que eu transo já há bastante tempo, e não sinto nenhum pudor disso. São 2 homens casados, que eu vejo muito eventualmente. (Julia ) Desde que me separei do meu marido de quem depois fiquei viúva, tive alguns encontros esporádicos, sem nenhum “grilo” pra mim enquanto mulher, mas sem envolvimento afetivo, sem muito prazer, não significaram nada pra mim. (Nira) Ciornai 100 Uma coisa que eu acho que me aconteceu ultimamente, na relação com homem, é que eu antigamente gostava muito das preliminares. Tinha até um namorado que me falava: ‘você cansa, demora muito!’ Hoje eu tô muito mais afoita, muito mais ansiosa. Lembro de uma piadinha que fala: Legal é transar com velho porque ele sempre pensa que é a última, então ele dá tudo o que pode. Vai ver que é isso o que anda acontecendo comigo! (Fernanda ) MULHERES COM PREFERÊNCIA POR RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS Já a experiência de mulheres que têm preferência por relações homossexuais, se diferencia das demais por não ter que lidar com alguns dos fatores presentes nas relações heterossexuais. Nos depoimentos abaixo, Ana está em uma relação relativamente recente, e Sandra, casada com um companheiro, se permite relacionamentos hetero e homossexuais. Eu nunca fui uma mulher dada a sexo por sexo. E eu acho que a questão da libido tem a ver com isso: quando você encontra pessoa com quem você tem uma sintonia, aí rola. Como existe essa sintonia agora com uma mulher, eu acho minha libido perfeitamente normal, porque eu tenho uma parceria muito gostosa, muito agradável. ( Ana) Desde os anos 80 eu também tenho relações com mulheres. Mas eu não consigo dizer assim: ‘eu sou bissexual, sou pansexual’, não consigo me encaixar nessa terminologia. Mas eu me permiti me relacionar também com mulheres. E relações muito duradouras. Acho que essa possibilidade de eu me relacionar com uma mulher dá um equilíbrio nessa coisa de chegar aos 50 anos e ter toda uma mudança corporal, essa coisa da lubrificação, todas essas questões. A relação sexual de uma mulher com uma mulher é muito diferente de um homem com uma mulher, mesmo que ele seja um homem bastante sensível e de afagos. Porque tem uma coisa muito afetiva, muito mais sensual e menos sexual, e muito, muito de cumplicidade. (Sandra) Ciornai 101 MUDANÇAS NA FREQUÊNCIA E QUALIDADE DAS RELAÇÕES SEXUAIS Um outro fator mencionado por todas as que relataram continuar tendo atividade sexual, refere-se às transformações sentidas na freqüência e qualidade das relações sexuais. Das mulheres que estão mantendo um relacionamento sexual constante com parceiros, enquanto muitas relataram uma diminuição na freqüência das relações sexuais, a maioria relata uma transformação para melhor na qualidade da experiência sexual. A presença de fantasias sexuais também faz parte de alguns relatos. Como ilustração, alguns relatos de mulheres que vivem com um companheiro : Eu tenho uma vida sexualmente ativa com meu marido, que aliás, foi meu único parceiro. E a sexualidade junto com ele, sempre foi muito boa, muito intensa, muito essa coisa da descoberta da sexualidade como uma coisa gostosa. De uns anos pra cá, sinto que houve em mim uma diminuição da libido, um certo desinteresse, uma diminuição do desejo corporal. O desejo da fantasia, esse não, porque as fantasias apesar de incluir desejo são mais românticas. Acho que diminuiu o libido e aumentou a fantasia romântica do cortejamento, do passar a mão. Tenho que falar: ‘Vai mais devagar, por que é que você tá com pressa?’ Diminuiu completamente o desejo de coisa rápida. Eu quero bem devagarzinho, porque se for depressa não dá. Mas se for devagar começa a surgir. Deixou de ser uma coisa de ímpeto pra ser uma coisa bem mais suave. Aliás, como a minha libido era muito maior do que a dele, ao diminuir encontrou um pouco mais com a dele. Fico às vezes incomodada porque ele está afins e eu não, ele ainda tem muito tesão por mim. Mas acho que tô com uma sexualidade mais integrada com o afetivo, mais devagar, mais sensual. O orgasmo às vezes é muito maior até do que quando eu era mais jovem, porque quando eu era jovenzinha era mais segurado. Agora não, quando vem, vem bem lento, como uma coisa de conquista, como uma coisa gostosa, sinto muito mais liberdade pra me soltar. Antes, soltar era uma coisa que assustava, agora não assusta mais. (Rebeca) Ciornai 102 Em termos de libido acho que a mudança que teve foi pra melhor. Eu acho que é a sabedoria do mais velho. Falam muito que as mulheres mais velhas são sexualmente muito mais experientes, até mais gostosas de transar, porque sabem lidar melhor com a sua sexualidade. Alguém tava falando outro dia que pros jovens é melhor transar com mulheres mais velhas, e que pras jovens é melhor transar com os homens mais velhos. Mas eu não tenho a menor vontade de transar com jovenzinhos. Nenhuma atração. Mas acho que a mulher mais velha fica mais sábia em todos os sentidos, inclusive sexualmente.(Silvia) Pra mim essa coisa da sensualidade, da sexualidade, sempre foi uma coisa de muita vida. Eu sempre adorei transar. Sempre, nossa, que delícia! Gostava muito. Eu tive e tenho uma vida sexual boa , acho que eu tenho um saldo gostoso nesse território. Eu tenho um casamento de 25 anos. Com meu marido, com certeza hoje tô mais pra um chazinho, uma passadinha de mão. Mas ele é artista, então a gente tem uns recursos muito gostosos, a gente tem uma vida sexual legal. Agora, a freqüência das relações sexuais diminuiu, com certeza. Além disto, pra gente teve uma mudança assim: ele sempre foi um cara muito lento, é aquariano, artista, tá sempre nas nuvens. Essa coisa do ritmo da sexualidade, foi uma coisa que a gente sempre precisou estar ajeitando. Então pra nós, agora o casamento ficou melhor, porque eu entrei num ritmo mais próximo do dele. E a gente tem feito uso de recursos eróticos também. A gente que nunca via esses filmes, agora vê, lê Playboy, eu acho que a gente incorporou isso, que a gente não tinha antes, na nossa relação. Agora, em relação à qualidade, eu acho que tem ficado cada vez melhor. Cada vez eu me sinto mais livre. Também costumo me masturbar, isto é um recurso que eu sempre usei muito depois que eu consegui me safar da minha educação cristã. Aliás a fantasia é um recurso que a essa altura é fantástico. ( Sandra). Em relação ao tesão, à libido, essas coisas, eu sempre suprimi muito meu tesão, então acho que eu agora tô mais atenta ao meu tesão, fico com mais vontade de explorar e de ser explorada no sentido corporal, mais do que antes. Eu Ciornai 103 era uma pessoa que foi muito tomada pela questão cristã e tal, queriam que eu fosse freira de qualquer jeito, por pouco eu não fui. Não me lembro na adolescência de me masturbar. Eu me masturbava através das imagens, lendo romances, não era um contato físico, não era manipulatório, era uma masturbação através do imaginário. Então agora na verdade eu tô descobrindo o meu corpo, vivo agora muito intensamente essa familiaridade com o meu corpo, esse carinho, esse gostar. Na relação a dois, apesar da freqüência ter diminuído, também sinto meus orgasmos tendo melhor qualidade, são mais soltos, mais intensos. (Marcia) O FATOR TEMPORAL Outra variável importante, é o fator temporal. Mulheres que estão tendo ou tiveram um período pesado e sofrido , tanto física quanto psicologicamente, ligado às mudanças hormonais, relatam sentir a libido praticamente desaparecer nesta fase. Em algumas no entanto, após esse período mais sofrido e agoniado, o desejo sexual muitas vezes reaparece. No entanto, algumas das mulheres que participaram desta pesquisa estavam no início do climatério, i.e., talvez pudessem vir ainda a vivenciar um período mais turbulento, outras se descreviam em plena “borrasca”; enquanto outras já estavam “olhando para trás.” E o que percebi de seus relatos é que a vivência de sexualidade de uma mulher aos 47 anos, pode ser muito mais negativa, sombria, desinteressada, e desvitalizada , do que a vivência de sexualidade desta mesma mulher aos 52. Aliás, períodos de depressão e/ou fortes incômodos físicos, não costumam ser acompanhados de tesão em ninguém , em nenhuma faixa etária, nem aos 20, nem aos 50 anos. Os relatos abaixo bem ilustram isto : Eu acho que eu tenho tido menos desejo sexual, mas eu não sei se é porque eu estou numa fase mais deprimidinha. Eu me sinto com menos tesão. Eu não tenho mais a necessidade da mesma freqüência que eu tinha antes, fico meia devagar. Mas quando passa um tempo, eu digo: “Ôpa, nossa que falta, faz tempo que eu não transo. Que vontade.” Aí, vem. Mas eu sinto que é muito menos do que antes (Rubia) Ciornai 104 Eu tenho tido uma menstruação muito prolongada, e isso me afeta sexualmente, porque eu fico irritada, sem vontade de ter relação com ninguém,e isso atrapalha meu casamento, porque meu marido me solicita muito. Aliás eu acho que na verdade, nesse momento, ele me procura mais do que eu, eu ando mais desanimada, sem vontade, parece que é uma coisa de um esforço enorme. Depois eu acho ótimo, mas, pra eu drenar a energia, não é fácil! No entanto, apesar da freqüência ter diminuído, a qualidade tá mais inteira, no sentido de afeto e de entrega. (Rosana) Já o relato de Paula e Vera ilustram bem que a vivência da sexualidade na menopausa também varia com o fator temporal, i.e., não é uma condição imutável que se adquire. Eu tô perdendo a vontade de transar. Eu sempre fui muito fogueteara, sempre tive muito tesão, e eu não tô tendo. E não tem nada a ver com o gostar ou não gostar do meu companheiro. Eu gosto muito dele. Não tem nada a ver. Mas eu tô tendo dificuldade. Durante o período mais barra do climatério, eu não tinha nem vontade de me masturbar, não tinha vontade de nada, apagou. Quando meu companheiro me procurava eu pensava: “Que saco, puta merda, de novo!” Agora, isso tá passando. Eu continuo com menos vontade, mas não é como antes. Tô redescobrindo meu corpo . E eu já sei que meu corpo ainda tá muito vivo . (Paula) Enquanto eu estava deprimida evidentemente que a libido desceu. Mas hoje em dia eu tenho muita clareza do que é que eu quero, quando eu quero e como eu quero, é muito nítido. Quando você está cheia de hormônios, a libido é muito misturada. Eu raramente tive a sensação de estar com tesão e ter que trepar de qualquer jeito, não se manifestava nunca assim pra mim. Tinha sempre que ter um clima, uma idéia romântica, uma palavra, um toque especial, um poema, o romantismo e as brumas ao redor da relação eram pra mim mais atraentes que o ato de fazer amor em si., e só muito depois é que eu vim a nomear estas coisas de sexualidade. E hoje em dia eu vou mais direto ao assunto, tenho muito claro Ciornai 105 quando é uma coisa sensual, sexual. Parece que descomplicou, ficou menos enevoado, me tornei muito mais clara pra mim mesma neste aspecto. Acho que melhorou muito. (Vera) MUDANÇAS PERCEBIDAS NOS PARCEIROS E finamente, um fator que não poderia faltar, é a percepção de mudanças na sexualidade do parceiro. Afinal, eles também estão envelhecendo e passando por mudanças físicas, psíquicas e hormonais: Eu acho que atualmente, meu marido não tem mais tanto interesse sexual, nem por mim nem por ninguém. Ele era uma pessoa super atraente, vivia galinhando, e hoje eu sinto que ele não está mais desse jeito. Quer dizer, a gente tem relação sexual, mas é muito pobre, muito pobre. Não é aquele foguete que era. (Paula) Meu marido também tem me procurado menos. (Frida) Eu que tô solteira, e tenho transado aqui e ali, percebo que eles também querem agora uma coisa mais lenta. (Fernanda) Eles também descobriram que é mais gostoso devagar. (Sandra) Eu vejo que ele também não tem mais a mesma frequência. Percebi que quando eu ficava exigindo muito, às vezes ele dava uma disfarçada e não queria. Algumas vezes ele até falou: “ Ah não está dando não.” (Rubia) MUDANÇAS EM ESTADOS EMOCIONAIS Ciornai 106 Das mulheres que participaram da pesquisa, muitas relataram ter sentido em certos períodos desta fase de vida grandes alterações nos estados de alma e de humor, que até então lhes eram desconhecidas. Seus relatos falam de período bastante críticos e dolorosos de estados como depressão, tristeza, vazio, irritabilidade, angústia, desamparo, ansiedade, melancolia, insegurança e medos. De seus relatos percebe-se que o sofrimento e agonia destes períodos é muitas vezes agravado pelo fato de que freqüentemente a mulher não entende o que lhe está acontecendo, não consegue dar sentido ao que está experienciando, e tão-pouco se sente compreendida pelos companheiros, amigos, e até mesmo pelos profissionais que procura. Talvez por este motivo, muitas das mulheres que passaram por estes períodos contaram têlos vivenciado de forma muito solitária. Abaixo , alguns exemplos : O humor mudou terrivelmente, eu tive muitos lances de extremo mau humor. E eu sempre fui uma pessoa extremamente bem humorada, muito estável em termos de humor. E fiquei muito irritadiça, com o pavio curtíssimo. Se me falavam alguma coisa, eu nem ouvia direito o que tavam falando, já dava uma resposta atravessada. Minhas atitudes eram super intempestivas e impensadas. Trabalhei anos em uma companhia, me aborreci e saí sem negociar nada, de arroubo mandei tudo à puta que pariu. Quando eu poderia ter negociado numa boa, ficado lá. Isso foi a três anos atrás, eu tava no auge dos meus calores e da minha solidão, foi um período muito difícil. Senti muita ansiedade, muita depressão, muita melancolia e muita incompreensão em relação às pessoas. Eu também tava muito centrada em mim, tipo “não entendo”, você me fala e eu não quero nem saber , fora o que também não conseguia raciocinar muito bem e não entendia mesmo. Hoje , olhando pra trás, eu compreendo que é difícil prestar atenção nos outros quando a gente está mal, mas eu não tinha nenhuma clareza de porque eu estava daquele jeito. E eu sofria muito com isso. (Paula) Fiquei muito deprimida e dizem que eu estava muito irritada. Fiquei muito assustada, meus filhos ficaram muito assustados, todo mundo ficou assustado. (Sonia) Ciornai 107 Tive uma depressão muito forte aos 45 anos, com muita ansiedade e instabilidade emocional. Tinha tendência depressiva anteriormente, mas nunca da forma forte e arrasadora como a depressão se manifestou neste período, tive que buscar ajuda psiquiátrica. (Léa) Nunca tomei nem calmantes nem anti-depressivos. Eu não conheço essa história. Meu calmante é tomar banho, se eu começo ficar agoniada, me enfio dentro da água. Mas tenho estado de baixo astral de uns dois anos pra cá. Tenho tido uns ataques de angústia. (Rebeca) Entrei na menopausa a cinco anos atrás. Esse período não foi fácil, me sentia muito insegura, com medos descabidos, tinha medo até de sair na rua. Eu lembro que houve um tempo que eu pensei: “Será que eu tô com a síndrome do pânico?” Porque me dava agonia em alguns lugares, eu queria sair correndo, chegar logo em casa. Sentia agonia com freqüência, ficava tensa, ansiosa e não sabia porque. Mas eu não associava estas coisas com climatério e menopausa, aliás, quando a Selma me disse pelo telefone que uma porcentagem de mulheres passavam por essa fase sem sintomas, eu achei que era uma delas. (Frida) Com quarenta e três anos, eu fiquei mal, comecei a não ter mais controle sobre as minhas emoções. Eu me emocionava muito, chorava à toa, ia prá reunião e eu não conseguia raciocinar, não conseguia falar. Me vinha uma espécie de bloqueio mesmo de raciocínio. Eu ficava muito nervosa, levantava e ia chorar no banheiro. Isso começou a se agravar, e eu pedi licença, disse à minha chefia que eu não estava bem de saúde. Minha médica disse : Isso está com cara de síndrome de pânico, vou te dar Anafranil, e vai cuidar disso em terapia. Agora com 52 anos voltei a me sentir deprimida. A velhice começou a me assustar. Eu estou com medo, coisa que eu nunca tive. De morte, de doença. Com a depressão, o medo fica pior ainda. Eu vivo muito sozinha. E aprendi a viver só, sobreviver só, superar, suplantar os problemas só. E de repente nesse momento, eu Ciornai 108 estou sentindo que estou frágil, física e emocionalmente. A força que eu tinha, a sensação de poder conseguir conquistar tudo, agora está indo embora. Não sei mais o que dizer, não sei se alguém tem interesse em ouvir o que eu tenho a dizer, e não sei se também sou eu que não estou querendo ouvir muito o que o outro tem a me dizer. Eu me sinto emburrecendo, estou com muita dificuldade de concentração, com um raciocínio muito lento. As vezes me dá vontade de ‘dizer: ‘Olha. Me esqueçam! Me deixa lá no cantinho batendo carimbo, qualquer coisa.” É uma sombra que não vai embora. Tem que agitar isso, porque viver assim... (Ana) Por outro lado, ao compartilhar estas vivências, algumas mulheres não só não conseguiam relacioná-las à causas específicas, como contavam que uma característica marcante destes estados de alma e de humor, ao contrário dos de outras épocas da vida, era a sensação de que estas vivências eram meio que desprovidas de conteúdo. Descreviam períodos de infinita tristeza, de profunda sensação de vazio e desânimo, de ansiedade ininterrupta, de depressões violentas, muito sentidas como sensações essencialmente físicas, sem motivos claros e específicos, entendendo as mudanças do climatério e menopausa como fatores desencadeantes destes estados, como exemplificado nos relatos abaixo: MUDANÇAS SENTIDAS COMO NÃO RELACIONADAS À CAUSAS ESPECÍFICAS Veio uma depressão intrinsecamente muito física. Nas depressões anteriores que conheci , a depressão é muito cheia de conteúdos, emoções, abandonos, decepções, quer dizer, tem motivos, alguma coisa deu errada, você tá triste, tá mexida por alguma coisa. Mas essa era uma depressão muito esquisita, como se eu fosse feita de palha, como se eu não tivesse nada dentro dentro do meu corpo. É uma sensação de vazio, de uma tristeza ancestral , que absolutamente você não sabe de onde vem , uma coisa muito esquisita. ( Vera ). Ciornai 109 Eu me sentia muito deprimida, não tinha vontade de sair da cama. O esforço pra me levantar, pra ir trabalhar, pra fazer qualquer coisa era imenso. Eu tinha crises de choro convulsivo, e eu não identificava uma causa específica para nada disso. Antigamente eu “ficava na fossa”. Mas a fossa tinha a ver com namorado, tinha motivos. Agora aquela coisa física eu não conhecia. Eu sempre fui uma pessoa muito viva, cheia de vida , alegre, brincalhona, nunca fui dada a fossas e depressões. E eu comecei a ficar melancólica, triste, não tinha vontade de brincar, não tinha força... A sensação que eu tinha é que pra levantar da cama de manhã ia precisar pegar me botar num guindaste e me puxar. O corpo todo doía, eu me sentia pesando 300 quilos em cada perna e cada braço. Não sei se era uma coisa só física, acho que não, mas eu não me lembro de ter vivido isso antes, nunca. (Mariana) MUDANÇAS SENTIDAS COMO RELACIONADAS À CAUSAS ESPECÍFICAS Já outras mulheres relacionaram estes períodos à fatos específicos em suas vidas, compreendendo as mudanças hormonais resultantes da fase de climatério e menopausa como um fator a mais, que combinado à outros, contribui para a emergência destes estados internos. Outras, só consideraram esta possibilidade durante o próprio workshop; e outras, não estabeleceram esta relação, e até questionaram esta hipótese.. Olha a combinação de coisas dentro de mim. Aos 43 eu parei de menstruar. Quando eu tinha 40, o meu pai ficou muito doente, foi ficando cada vez mais doente, e faleceu quando eu tinha 44. A única figura masculina constante da minha vida indo embora e a menstruação, que é a coisa da maternidade, indo embora na mesma época. Eu não liguei isso naquele momento, mas olhando pra trás , eu percebo que esses dois acontecimentos tiveram a ver com uma depressão muito forte que eu tive, foram anos de depressão por causa da doença do meu pai, e no momento da morte foi uma barra, despiroquei total. (Norma) Ciornai 110 Eu tive uma menopausa cirúrgica, tive que fazer uma histerectomia aos 45 anos e tirei o útero. E é brutal, é uma puta de uma cirurgia. Tive uma carga emocional de depressão, de tentativa de suicídio muito complicada. Eu não sabia o que tava acontecendo comigo e cheguei a querer me matar. Era uma tristeza, uma tristeza... e era nada. Eu não via possibilidade de nada... Eu nunca tinha sentido isso antes. Além disso eu estava desempregada, e me deu medo de estar velha, de não conseguir me empregar mais... e pirei. Hoje acho que tinha esses componentes mas também a coisa hormonal. Aí fui num médico que me deu Lexotan e mais um outro troço. Eu comecei a tomar, e aí morri, porque Lexotan me acaba. Um dia que eu consegui apesar de estar apagada, ter uma luz na minha frente, eu pensei: ‘Eu não investi tanto na minha vida pra ficar desse jeito. Eu não quero isso.’ E aí eu retomei a coisa da acupuntura que sempre foi o meu eixo. Eu tô de agulha agora. Mas quando baixa pesado, porque às vezes tenho crises depressivas, eu tomo Prozac, porque eu não tenho tempo a perder. Faço psicanálise há muito tempo, e nesse momento solidão é o meu tema na análise. Eu tenho um parceiro, tenho relações extra-conjugais, e sinto solidão. Eu às vezes curto, vivo a solidão prazerosamente, porque como tem gente em casa o tempo inteiro, às vezes é uma delícia ficar só. Agora, tem uns pedaços que são muito desprazerosos. Procurando entender essa solidão dentro do meu momento de vida, encontrei a coisa do vazio, fui elaborar o meu vazio, e achei o desamparo. Me sinto desamparada mesmo com gente em volta... (Sandra) Irritabilidade, sensibilidade à flor da pele, depressão, melancolia, desamparo, senti tudo isso. Não conseguia me relacionar com ninguém, nem dava. Foi uma fase muito difícil da minha vida. Briguei com meu pai, fiquei sem emprego... Eu não sabia por onde começar. Foi, depressão total. Só não morri porque tinha que criar crianças. E eu não ligo isso com a passagem, ligo isso com todas as perdas que eu tive.(Nira) Acho que a grande crise para mim foi aos 37 anos, quando comecei a questionar o que eu estava fazendo com a minha vida. Larguei o lugar onde eu Ciornai 111 trabalhava, foi um período super difícil pra mim. Comecei a ter pânicos e inseguranças que não tinham nada a ver com nada. Era uma coisa completamente doida. De repente eu tinha medo de sair na rua porque eu achava que o pé direito não ia na frente do pé esquerdo. Tinha pânico de assinar meu nome e tremer a mão Não dá nem pra falar dos pânicos, porque era coisa louca. Eu que sempre tive tanta energia, tanta vontade de viver, que acordava de manhã a mil ! Tudo estava ótimo, tudo estava maravilhoso, e de repente ficou tudo sombrio, a sensação que eu tinha era assim: “devo estar ficando louca, não tô entendendo o que tá acontecendo”. Tem um primeiro período que você nem fala sobre o que você tá passando com ninguém. Mas quando a gente começa a poder falar, melhora. Hoje acho que teve a ver com essa mudança de vida que eu tive. Você tá ascendendo profissionalmente, aí pára , repensa tudo, daí vêm os medos, as inseguranças e provavelmente o estar chegando perto dos 40 deve ter tido a haver também. Engraçado que tive dois médicos nesse período, falei várias vezes de fazer medição hormonal, e não fizeram. Fiz exame neurológico, me mandaram fazer o diabo, e não me mandaram fazer exame hormonal. Mas nunca, nem me passou pela cabeça que pudesse ser hormonal, porque ninguém levantou essa possibilidade.(Silvia) Quando eu senti todo esse fluir de depressão, de ansiedade, eu era uma mulher só, que estava tomando uma decisão muito forte na minha vida. Resolvi romper com tudo e me aposentar. Teve um momento em que eu tava com pressão alta, cheguei a parar de respirar e fui parar no Pronto Socorro. Mas fico em dúvida de colocar tudo isso como uma conseqüência da menopausa. Porque foi um troço que eu estava vivendo muito forte, eram raivas que estavam dentro de mim vindo à tona, decisões importantes na minha vida sendo tomadas, e isso tudo explodiu em um estresse muito violento. Então eu vejo assim : há uma transformação biológica, psicológica, que influencia, claro, mas não acho que é o mais importante. Acho que o mais forte é o social, o cultural. (Julia) Eu acho difícil avaliar até onde as mudanças que a gente sofre, o estado de espírito, é influência do climatério, ou até onde é da vida mesmo. Eu perdi papai no ano passado. Quer dizer, a época da menopausa é mais ou menos a época de Ciornai 112 perder pai e mãe. Passei por outras coisas difíceis também, então é difícil distinguir. (Lucia) EXPERIÊNCIAS COM ASSISTÊNCIA MÉDICA E PSICOLÓGICA Durante o período que se estende do início do climatério à alguns anos após a menopausa, muitas mulheres passam por fases difíceis, quando, devido às mudanças sentidas e à sintomas às vezes bastante desagradáveis que surgem, procuram a assistência de profissionais da área médica e psicológica. Mas estes nem sempre estão atentos à possibilidade de que o que a mulher experimenta possa estar de alguma forma relacionado às mudanças hormonais do período. À psicoterapeutas e psiquiatras, muitas vezes não ocorre considerar que as depressões, tristezas, medos e ansiedades apresentadas por suas clientes, possam ter um fundo ou um fator biológico. Em contrapartida, não só muitos médicos (exceção à ginecologistas e endocrinogistas) freqüentemente procuram causas para sintomas possivelmente relacionados às transformações hormonais, sem sequer aventar esta hipótese, como muitas vezes lhes falta tato e sensibilidade humana para atender às mulheres que os procuram. Nos relatos das mulheres que participaram desta pesquisa, se a relação com os profissionais da área médica em alguns casos suscitou gratidão, em outros apareceu ligada à experiências de humilhação, indignação e revolta. Assim, a questão da ajuda profissional, é sem dúvida, uma questão delicada. TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL : ORIENTAÇÕES CONTROVERSAS. Médicos refletem em seu atendimento e orientação, as divergências atuais sobre a questão da necessidade ou não de reposição hormonal, muitas vezes sem se preocupar em Ciornai 113 informar às mulheres que atendem sobre o teor destas controvérsias, i.e., sobre os possíveis riscos e benefícios de um ou outro tratamento, para que possam fazer opções que afinal, dizem respeito ao seus corpos e às suas vidas. Uns são favoráveis à que todas as mulheres tomem hormônios desde a fase do climatério, exceções à casos de avaliação médica especial, outros são à favor apenas na ocorrência de certos sintomas, e outros são radicalmente contra, como atestam os depoimentos abaixo: Eu falava com a minha mãe, que vai fazer 80 anos, sobre menopausa, e ela dizia: “Todo mundo passa pela menopausa. Isso é uma coisa normal da vida, é natural, não tem que fazer nada! ” Mas hoje não é mais assim, hoje tem quinhentas possibilidades: toma hormônio, não toma hormônio, hormônio de adesivo, hormônio pra tomar, um médico diz que precisa, o outro diz que não, a gente tá completamente numa coisa nova onde a gente não sabe o que fazer! ( Fernanda) Meu ginecologista acha que toda mulher tem que tomar hormônio desde antes da menopausa, pra se preparar. Ele tinha dúvidas, era contra, mas agora é a favor. Diz que agora tem um negócio que toma junto e diminui os efeitos colaterais do hormônio, mas eu ainda não resolvi. Ele me disse: “O teu útero já está branquinho, sequinho, você precisa tomar hormônio agora.” Mas eu não sei, não me decidi ainda. (Norma) Minha ginecologista sempre me acalma dizendo assim: “Você tem que andar, fazer exercícios, fazer exames periodicamente, mas hormônio não precisa tomar”, ao contrário de um outro que disse que eu teria que tomar hormônio a qualquer custo. Também fui consultar uma terceira pessoa, um geriatra, e o que ele me disse foi: “Olha, são muitas as conseqüências de tomar os hormônios, estrogênio principalmente. Eu tenho recebido aqui pessoas com problemas de disfunções de todo tipo por tomar hormônio.” Ele acha que se a pessoa está bem, não tem porquê tomar. Acho que ele tem uma posição mais com os pés na terra, não quer arriscar e experimentar com as pessoas, o que eu acho uma coisa séria. Então não estou tomando nada. (Frida ) Ciornai 114 A um tempo atrás, uma colega estava com essa coisa de toma ou não toma hormônio, começou a conversar com as pessoas, várias mulheres estavam com esta dúvida, e ela resolveu fazer uma reunião com uma médica pra discutir essa história. Fui à reunião, e saí de lá com uma única conclusão : é polêmico, e é uma decisão pessoal. Me pareceu que pra certas pessoas é indicado, pra certas pessoas não é indicado, mas que é uma decisão que cada pessoa tem que tomar em relação ao seu próprio corpo. E ponto. E que é uma decisão que você vai ter que tomar sem muita certeza. (Lucia) EXPERIÊNCIAS COM A TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL Esta pesquisa não teve como objetivo estabelecer correlações entre o uso da TRH e a presença ou não de sintomas, mas apenas o de registrar a variada gama de experiências das mulheres que a adotam. Assim, enquanto algumas mulheres que estavam ou haviam estado em tratamento de reposição hormonal por ocasião da pesquisa, relataram dar-se bem com o tratamento, outras o interromperam devido ao medo ou ao advento de seqüelas: Por causa de uma osteoporose precoce, eu tive que entrar nos hormônios. E eu me dou muito bem. (Stela) Há 2 anos comecei a fazer reposição hormonal com adesivos, porque descobriu-se que sou diabética, e preciso tomar hormônio senão a insulina não funciona e a diabete toma conta. E me dou bem. (Tereza) Quando eu comecei a sentir os calores, minha médica me passou hormônios. Eu tomei, e esses hormônios, e pelo menos em mim, se transformaram num pólipo endometrial. Eu sentia cólicas insuportáveis. Resolvi tentar homeopatia, e com o tratamento homeopático o pólipo desapareceu. E aí eu decidi: “Eu não vou mais tomar hormônio.” Comecei a questionar: “Por que eu tenho que tomar?” Então estou vendo se posso viver sem a terapia de reposição hormonal. Eu faço ginástica Ciornai 115 todos os dias, Tai-Chi, ando, corro, faço alimentação natural, não tomo refrigerante, não como açúcar, faço terapia individual e de grupo, pinto, enfim, estou procurando me equilibrar, realizar coisas que eu gosto. Quanto à osteoporose, estou com o meu complexo vitamínico, com os meus cálcios, com a minha alimentação natural, com a minha andança todo dia, fazendo o meu lado também. Minha vó tem 91 anos, minha mãe é uma mulher fortíssima, meu pai está com quase 80, e ninguém lá em casa teve osteoporose! Será que eu, que tenho uma alimentação saudável, que caminho, que ando, que respiro, será que eu vou ter? (Julia) Eu tinha nóia de tomar hormônio por causa do câncer. Morria de medo, então não tomava. Eu experimentei por um mês, e realmente os sintomas saíram. Sumiu tudo! Sumiu insônia, sumiu calor, sumiu depressão, eu fiquei ótima, maravilha. Mas aí o medo era tão grande que eu larguei. Agüentei à seco. Mas também eu não fiz mais nada, não apelei pra acupuntura, nada. Os piores anos i.e., do período que começou a falhar até a menopausa propriamente dita 3 anos atrás, eu agüentei sozinha, sem remédio, sem apoio, sem médico. Aí fui procurar uma médica porque foi detectado um problema de hipotireoidismo, uma pequena elevação no colesterol, uma coisa pequena de osteoporose, o sono ainda tava ruim, engordei muito, e comecei a fazer um tratamento mais geral. Ela me convenceu, embora eu ainda sinta um puta medo, que o benefício do hormônio é maior do que os possíveis danos. O que ela explicou é que o hormônio não é uma coisa só pra menstruação, mas que tem uma função em todo o sistema. Então eu tô tomando. Eu botei o adesivo por um período, mas criei alergia. Em todo lugar que eu punha, ficava toda cheia de bola. Aí ela suspendeu e me deu um hormônio muito fraco. Agora, tem uma série de outros medicamentos que são coadjuvantes. Eu tomo vitamina E, vitamina C diariamente, e tomo Cálcio pra prevenir a osteoporose. É um kit anti-velhice! (Mariana) Quando eu descobri que tinha um mioma e que estava com o hormônio feminino baixo, meu médico me falou de estudos pioneiros que estavam sendo feitos Ciornai 116 nos Estados Unidos que revelavam que apesar da mulher de meia idade ter hoje a capacidade de estar socialmente ativa, biologicamente o corpo da mulher não havia acompanhado isso, e as mulheres estavam envelhecendo osseamente, enquanto suas cabeças estavam no auge da produção. Ele me falou: Tá pequeno o seu mioma. Você vai ter que fazer uma escolha : se você tomar hormônio, vai alimentar esse mioma, e se não tomar, vai estar deixando de se precaver pra sua velhice E eu comecei com o hormônio. Mas tô meio invocada com ele agora, porque eu tenho displasia mamaria, e consultei um oncologista que não queria que eu tomasse hormônios enquanto ele não fizesse uma série de exames. O medo da displasia mamaria me faz sempre tomar hormônio com um pouco de preocupação. É verdade que o tempo que eu tomei o hormônio deu um conforto muito grande pros calores, pra insônia, pra tudo. Mas aí eu comecei a pensar: ‘E se eu ficar com câncer?’ Eu perdi a minha mãe com câncer, na minha família todas as irmãs de minha mãe tiveram câncer, comecei a ficar com o fantasma do câncer. Meu marido tá fazendo acupuntura, e eu tô realmente considerando ir por esse caminho também... ( Rebeca) A OPÇÃO POR TRATAMENTOS ALTERNATIVOS Por outro lado, homeopatia, acupuntura, medicina chinesa, medicina antroposófica etc., foram tratamentos procurados por algumas mulheres como opções alternativas à medicina alopata : Procurei homeopatia, e meu desconforto foi diminuindo gradativamente. Ajudou muito.(Paula) Nunca entrei nessa coisa de hormônio, eu sempre tive uma postura muito alternativa. Pra mim é terapia, acupuntura, trabalho corporal, sempre fui em busca desses trabalhos. (Rosana) Ciornai 117 Comecei a fazer acupuntura por indicação de uma amiga que se sentiu muito ajudada numa época de climatério que foi braba pra ela, e tô adorando, sinto que me faz um super bem. (Nira) COMPLICAÇÕES MAIS GRAVES: A INSENSIBILIDADE MÉDICA Algumas mulheres relataram ter passado por problemas mais graves, e seus relatos sobre a maneira como foram tratadas, reflete a insensibilidade de certos médicos em relação à mulher. Maria Amélia teve que lidar com fortes hemorragias, e todos os médicos que consultou lhe aconselharam à retirar o útero; mas uma médica lhe ajudou a resolver este problema sem que isto fosse necessário. Miriam, surpreendida com a presença inesperada de nódulos malignos no seio, contou ter resolvido participar desta pesquisa para poder dar um depoimento à outras mulheres sobre a maneira desnecessariamente insensível e brutal como os vários médicos oncologistas que procurou a trataram, e de como o último médico, um médico mais velho, soube relacionar-se com ela de forma sensível e empática. Na época em que estava tendo hemorragias terríveis, nos médicos senti muita incompreensão e ignorância, exceção à minha médica atual. Não que ela atinasse com a coisa de cara, ela patinou também, mas ela buscou uma primeira informação: ver se eu não tinha câncer. Descartou essa. Depois, quis garantir o meu útero. Todos os médicos que eu fui, achavam que eu devia tirar o útero. Todos. Porque como é do útero que vem a hemorragia, em vez de tratar eles querem tirar. Um médico do Hospital das Clínicas me disse: “Minha filha, pra que é que uma mulher de 50 anos precisa de um útero?” Mas como eu já tinha previsto isso, já tinha preparado uma resposta , e eu respondi : “ E por que é que um homem de 50 anos quer manter a próstata? Porque os homens quando precisam operam a próstata em vez de tirar?” Ele não soube responder, ficou embananado, nervoso, e respondeu : Quem estudou aqui fui eu.” Aí eu falei: “ Que pena, que foi o senhor que estudou. Porque se fosse eu, com certeza, as mulheres iam ter outro tratamento.” Eu não tenho os Ciornai 118 números, mas eu ouvi falar em 200 mil casos por ano! A revista Saúde publicou que nos Estados Unidos se tira 700 mil úteros por ano ! (Maria Amélia) Eu passei há um ano atrás, aos 42 anos, uma experiência muito forte na minha vida. Eu sempre me tratei com antroposofia, medicina alternativa. E um dia eu passei a mão no meu seio e senti um nódulo. Fiquei apavorada. Eu estava viajando, voltei, corri no médico, fiz mamografia, ultrassom, todas essas coisas. O médico disse que era benigno, que não precisava operar, que a gente faria um tratamento e tudo ficaria bem. Mas tempos depois, ele falou que apesar do tratamento estar indo bem, ele havia repensado e achava que seria mais adequado tirar o nódulo. Como eu tinha mesmo vontade de fazer uma plástica no seio, eu topei. Eles tinham tanta certeza que não era maligno que não fizeram o exame na hora. Mas, três ou quatro dias após a operação, quando eu voltei ao consultório do médico pra pagar, ele me disse que o resultado do exame não tinha sido bom, que eu tinha tido um nódulo maligno, e que eu tinha que procurar um oncologista. Pareceu que o mundo acabou naquele minuto. Foi uma sensação de morte muito forte, fiquei em estado de choque. Eu acho que passei um mês da minha vida sem dormir! Eu achava que eu ia morrer, foi uma coisa muito, mas muito forte mesmo. E aí tive que começar a procurar médico, a me inteirar do assunto, ainda mais que eu nunca havia tratado com alopatia. O médico da antroposofia era contra tirar, mas eu achei que a coisa era séria demais e não dava para arriscar. Inclusive porque eu sempre fui uma pessoa que fiz medicina antroposófica preventiva, fazia terapia, tava sempre procurando cuidar da alma pra que as coisas não chegassem no corpo. E de repente tomei uma cacetada que me derrubou. Fui em vários médicos oncologistas, e cada vez que eu conversava com um, eu saía da consulta em estado de choque, já nem chorava mais. Eles me diziam : “Você quer viver? Então tem que arrancar tudo pra salvar a sua vida. E aí você vai ter uns 80 % de chance de sobreviver.” Imagina você, com 42 anos, ouvindo que tem 80% de chance de continuar a viver! E não tinha essa de dizer que pode fazer reconstituição. Vão logo dizendo que vai ter que arrancar tudo, fazer quimioterapia, se preparar pra ficar careca, comprar peruca. Falam na lata , é Ciornai 119 uma coisa muito brutal. E além disso, ainda me disseram: “Você deverá entrar numa menopausa precoce, provavelmente não vai ter mais menstruação, porque a quimio acaba mesmo.” Gente, escutar aquilo foi muito violento, muito violento, até hoje pra contar é difícil. Fui, em vários médicos. Teve um que chegou a falar, sem exagero, exatamente o seguinte: “Olha, você vai passar uns dois anos da sua vida se achando um lixo, vai se sentir a pior mulher do mundo, e vai ficar um lixo mesmo, vai ficar horrorosa. Teu marido vai até querer se separar de você, vai te odiar. Mas depois que você passar este período, tudo vai voltar ao normal. Você vai poder fazer uma plástica, e você vai ser uma nova mulher. ” Juro por Deus. Nunca imaginei que eu pudesse ouvir um troço desses, eu ficava arrasada. Consultei uns 6 médicos, todos absolutamente insensíveis e brutais. E isso não foi a 20 anos atrás não, foi a um ano e meio atrás! Até que eu encontrei um senhor de 60 anos, contei meu caso, ele se sensibilizou e falou: “A gente vai pensar junto, nós vamos fazer a coisa juntos. Claro que eu não posso dizer pra você que isto não é nada. É uma coisa grave, e a gente não sabe em que pé está. Mas nós vamos fazer uma cirurgia de axila. Nós vamos abrir embaixo do teu braço tirar todos os nódulos linfáticos e analisar pra ver se tem algum comprometimento. Se tiver, a gente abre e tira um quadrante. Mas acho que o primeiro passo é este, não arrancar tudo. Inclusive porque isto está te ameaçando muito, e acho que psicologicamente (foi o primeiro médico que falou no psicológico!), a gente tem que fazer a coisa devagar, pra não te agredir muito.” E foi uma benção achar este homem! (Mirian) A VIA SACRA DOS DIAGNÓSTICOS Várias mulheres relataram ter tido que passar por uma verdadeira via sacra atrás de um diagnóstico para sintomas caracteristicamente relacionados à alterações hormonais, sem que esta hipótese tenha sido levantada pelos médicos que consultaram : Também fiz a via sacra : labirinto, não sei o quê, fui a neurologista, fui à clínico geral, à otorrinologista, fiz curva glicêmica, e no final deu uma síndrome Ciornai 120 cervical, que “poderia” explicar o que eu estava sentindo. Mas, numa bula de hormônio pra menopausa, li sobre os possíveis sintomas de menopausa, e quando li sobre tonturas, eu pensei: ‘Ah! Achei! Achei! Tontura também pode ser sintoma de menopausa, na bula diz que pode! Mas nenhum médico que eu consultei me disse minhas tonturas poderiam estar associadas à menopausa! Eu não identificava as coisas que eu sentia com menopausa. Por desconhecimento desta possibilidade, eu procurava assim: Tontura? Procurava médico de tontura. E não se falava em menopausa, só se falava da tontura. Ficava muito separado uma coisa da outra. E eu tinha uma médica que eu consultava pra aquelas coisas, papa-nicolau, mamografia, densitometria, exames preventivos pra ver se não tem câncer e tal. Mas era: tem - não tem, chau- chau, p.t. saudações. Finalmente procurei uma médica amiga da gente que tem uma visão mais global, com quem tô me dando muito bem. (Mariana) Na época das tonturas, fui ao médico. Cheguei a perguntar “Isso não pode ser menopausa?” Mas ele disse que não, que não tinha nada a ver. Pediu exame de hipoglicemia e outras coisas, disse que eu tenho uma coisa chamada síndrome da fadiga crônica, e me receitou Anafranil [antidepressivo]. (Fernanda) Eu fico um pouco assustada com esses neurologistas, com a falta de informação deles pros nossos estados. Isso me assusta muito! Porque eu acho que eles não tão informados desta questão. E aí eles dão diagnósticos e medicações pesadas, e que não são boas... (Rebeca) AJUDA PSICOTERAPÊUTICA A maioria das mulheres que estiveram ou estavam em terapia por ocasião da pesquisa, consideraram a ajuda psicoterápica muito positiva, e especialmente valiosa neste período de vida. No entanto, nem sempre psicoterapeutas estão atentos e alertas para a possibilidade de um componente hormonal nas queixas de suas clientes. Abaixo alguns exemplos : Ciornai 121 Eu faço psicanálise já há algum tempo, tem me ajudado muito... (Sandra) A melhor ajuda de todas foi a minha terapia. Eu entrei em terapia em um período muito duro da minha vida, porque minha única filha, que eu amo de paixão, teve uma crise de diabete, foi internada na UTI, e ficou em coma durante seis dias, foi uma coisa terrível. Eu tava com 40 anos, desde então tem sido um grande suporte pra mim. (Rebeca) Estou fazendo terapia individual e de grupo, um grupo fantástico sobre menopausa, com uma psicóloga e uma médica, que era pra ser curto, de dois meses, e como a gente pediu pra continuar, continuou. Lá eu descobri muita coisa em mim mesma, me ajudou demais. (Julia) Na época em que eu estava pior, a terapia não ajudou muito. Era uma tristeza enorme, uma agonia física, uma sensação de fragilidade total, e eu não sabia porque, a impressão é que eu estava desmoronando. E o movimento do terapeuta de procurar desencavar raivas não expressas na relação amorosa, de voltar à relação com meu pai e tal, estranha além de só, fazia com que eu me sentisse ainda mais porque a sensação que eu tinha era que nada daquilo realmente me alcançava... (Nira) Terapia é um fator que tem me ajudado muito a nível de compreensão e aceitação de mim mesma. Porque na medida em que você vai se aceitando, aceitando a sua idade, o seu corpo, isso também vai gerando menos tensão e menos sintomas. (Mariana) PROCESSOS PSICOLÓGICOS COMUNS DESTE PERÍODO DE VIDA VIVÊNCIAS DE ISOLAMENTO E SOLIDÃO Ciornai 122 Enquanto algumas das participantes da pesquisa relataram passar por esta fase quase que sem se dar conta, de forma assintomática, a maioria das mulheres que experienciaram transformações marcantes neste período de vida, sejam estas no âmbito físico, psíquico, da sexualidade, ou da percepção de si enquanto mulher, relataram viver estas transformações de forma extremamente solitária. As razões para isto são várias. O desconhecimento dos sintomas que podem estar associados às transformações hormonais especialmente no climatério, fase que antecede a menopausa, faz com que a mulher muitas vezes não entenda o que lhe passa, e atribua o que sente à doenças e descompensações de cunho estritamente pessoal, sem dar-se conta de que várias mulheres de sua faixa etária passam por coisas semelhantes, e que existe uma vivência comum a ser compartilhada. Isto às vezes é reforçado pelo fato de que os médicos e psicoterapeutas que as atendem, muitas vezes não chegam sequer a considerar a possibilidade de que transformações hormonais deste período de vida possam estar relacionadas às queixas de suas clientes, não despertando assim, atenção para essa questão. Além disto, a dificuldade de algumas em compartilhar aspectos de sua intimidade, seja por uma formação ideológica como nos conta Sônia em seu relato, seja pela sensação de perda, angústia, e vergonha que freqüentemente permeiam a vivência do climatério e a menopausa para a mulher, também contribuem para isso. Os depoimentos abaixo são exemplos : Eu nunca tinha conversado com ninguém a respeito das transformações da idade. A gente pensa que aquilo está acontecendo só com a gente, vive isso de forma solitária. Muito solitária... (Ana) Eu acho que a gente é muito sozinha nisso. Eu nunca falo sobre as transformações que estou vivendo, nem sobre meu casamento, com absolutamente ninguém. Eu não sei se é por característica minha, eu sou reservada mesmo, ou se é porque mulheres falam pouco sobre isso. Eu acho que seria melhor se a gente tivesse espaços onde essas questões fossem discutidas. Talvez a gente não se permita isto, e também as pessoas não querem saber disso porque é um assunto incômodo. Então você acaba se isolando cada vez mais, se protege se isolando ... Ciornai 123 Eu não tenho amigas com quem falo de intimidades, e faz falta, porque tem todo um ponto de vista, um jeito de pensar que é feminino, e se você vive só em relação com homens, o raciocínio deles tem um outro viés, não é o nosso. Talvez seja uma coisa que eu tenha que desenvolver, porque eu acabo ficando muito sozinha com minhas considerações... (Frida) Na época eu não tive trocas, no sentido de compartilhar experiências com outras mulheres. Eu não transo muito essa coisa de auto ajuda, isso pra mim sempre foi incomodo. Talvez tenha sido isso o que me fez nunca ter sido uma militante feminista. Para mim sempre foi incomodo a idéia de fazer do centro da minha vida, alguma coisa minha ou algum desconforto meu. Não sei direito porque, não sei explicar...(Ri). Acho que isso me parece uma coisa “feia!” Porque comunista não faz isso, (rindo) comunista se preocupa com os outros, não fica que nem borboleta andando em volta de si mesmo! É a mesma coisa que andar com jóias, é de mau gosto isso! Mas eu percebi que as pessoas ficavam chocadas e meio desconfortáveis quando eu comentava .E eu comentava como quem comenta qualquer outra coisa, sei lá, uma pedra no rim, uma hérnia de disco, para mim era igual.(Sônia) Pra mim a coisa começou muito cedo, e foi um processo muito sofrido. Aos 43 anos comecei a ter falhas de menstruação e muitos sintomas. Eu sofri muito com a menopausa, com o climatério, em todos os níveis. Os piores anos foram os do período que começou a falhar até a menopausa, 3 anos atrás, quando eu tinha 46 anos. E pensando na minha experiência, foi uma coisa muito solitária mesmo, muito solitária. Misturava vergonha com não ter muito com quem falar. Eu tinha vergonha de conversar com amigas e deixá-las saber o que estava se passando, porque eu achava que era muito cedo pra mim, que eu era muito nova pra isso... (Mariana) Eu passei por esse período absolutamente só, não tendo com quem dividir. Meu companheiro dizia: “você precisa ir ao médico mulher!" Mas não era Ciornai 124 problema médico, era uma perda, era estar perdendo uma fase da minha vida, e isso dá uma angústia profunda porque você não sabe direito como vai ser depois. A partir dessa perda como é que é eu vou ser fisicamente? Como vai ficar a questão do tesão ? Você não sabe... Pra mim foi um processo muito difícil, muito dolorido. Além das coisas físicas que eu tive, como calores horrorosos. É uma fase complicada, e você vive isso muito só . E isso é muito triste... (Paula) Eu tenho tido amigas com quem compartilhar as experiências desta fase da vida, mas por mais que a gente possa compartilhar, tem uma solidão que é da gente nisso, a sensação de perda é muito pessoal... (Rosana) VIVÊNCIAS DE INCOMPREENSÃO Algumas mulheres relataram que além da dificuldade em lidar com uma sintomatologia muitas vezes violenta e dolorosa, à esta muitas vezes se somou a incompreensão de familiares e mesmo de amigas, que atribuíam o que relatavam sentir, à fricotes, frustrações e sintomas de mulher mal amada e pouco realizada. Considerando que estes comentários chegam à uma mulher que está fragilizada e muitas vezes sem entender o que lhe passa, pode-se imaginar os sentimentos que provocam : humilhação, vergonha, raiva, e talvez mas que tudo, solidão. Um exemplo marcante à este respeito, e que surpreendentemente fala da dificuldade sentida entre as próprias companheiras de movimento feminista, é o relato de Maria Amélia : Uma das grandes bandeiras do movimento femista é a saúde. Foi a primeira bandeira formulada. Eu fui uma pessoa que acompanhei esse processo intensamente, construí essa política de saúde junto com as outras companheiras. E eu não fui uma pessoa que usei meu conhecimento só prá fora. Desde o dia que eu entendi o que é um “papa-nicolau,” não passei um ano sem fazer um, e achava que pelo fato de ser feminista e estar me cuidando, não ia ter problemas, ou pelo menos eu iria esclarecê-los rapidamente. Ciornai 125 E de repente eu não só me vi com um problema, tinha hemorragias terríveis, como me deparei com as mulheres do movimento me cobrando: “Isso é porque você não dá atenção às suas questões pessoais, porque você não se cuida?” Teve companheira dizendo até que eu devia ter dificuldades com a minha sexualidade, e que por isso é que eu tinha esse problema. E eu respondia: “Mas se eu tenho dificuldades com a minha sexualidade, tem mulheres com dificuldades muito mais acentuadas e que não estão com hemorragias, como é que se explica isso?” O que eu vivi por parte do movimento, foi um certo preconceito pelo fato de eu estar mal. Quer dizer, procuraram dar uma justificativa teórica completamente afastada da realidade. Eu sou o que sou graças ao movimento feminista, e de repente me senti só, não vi nenhum reconhecimento de que eu que estava numa fase de vida de transição hormonal que estava me trazendo sintomas mais graves. Eu senti assim: uma ignorância . Não tinha outro termo. De repente em um movimento que tem tanto mulheres acadêmicas como mulheres de pouco conhecimento, em relação à menopausa eram todas iguais. Acredito que isso possa ter a ver também com o fato que as feministas sempre batalharam pela igualdade de condições com os homens, e talvez seja difícil aceitar que existam diferenças, que nesta época a mulher fica mais fragilizada mesmo. (Maria Amelia ) VIVÊNCIAS DE MEDO E EVITAÇÃO Por outro lado, a reação de algumas mulheres face ao desconhecido que se aproxima e do qual não se fala abertamente, é de evitação e até medo, como nos relatos abaixo: Estou num momento de pavor. Comigo ainda não está acontecendo nada, mas é um pouco esta história, ninguém fala em menopausa, é um tabu. Então aqui estou eu com 46 anos, com toda uma história de vida, mestranda, com experiência de morar fora do Brasil, e não sei como é que isso funciona! Não conheço nada. E também não vou atrás por minha própria conta, eu não quero falar nisso, porque quero fingir que isso não vai acontecer, quero fingir que isso é mentira. Quando Ciornai 126 vou aos médicos, eles falam assim: “que bobagem, não precisa pensar nisso ainda, tá cedo.” Bom, mas alguém tem que me preparar pra essa história! Outro dia eu tava lendo uma revista dessas, Cláudia, aí tava lá: “Por que ter medo da menopausa? Isso não é nada.” Eu pensei: tá aqui o artigo que serve pra mim! Comecei a ler: “Isso é uma coisa normal, as pessoas falam muito que é um horror, mas não é nada disso. Mas pode dar calores, insônia, osteoporose, depressão, isso, aquilo, até bexiga caída!” Pô! Não quero isso! Como “por que ter medo da menopausa?!” Uma das coisas que me preocupa com a menopausa é que eu sou uma mulher de cio. No período antes da menstruação, eu tenho um tesão enlouquecido, depois passa, e tenho medo de perder isso na menopausa. E aí, eu nunca mais vou ter tesão na vida? Eu tô com medo de como vai ser! Quando chegar a menopausa pára tudo? Então eu fico apavorada. Não vou mais poder procriar, o tesão vai acabar, a bexiga vai cair, periga ter ou câncer ou osteoporose, meu Deus, não quero nem pensar! (Fernanda) Menopausa foi uma coisa que nunca me preocupou, na minha cabeça era um processo normal de desenvolvimento que a mim não ia abalar em nada. Talvez porque eu nunca tive cólica, dor de cabeça, síndrome pré-menstrual, nada, então eu esperava que fosse igual. Mas há uns dois anos atrás, algumas alterações começaram a aparecer. Uns dois dias antes de menstruar vinha dor de cabeça, e além disto, eu que era super regulada, menstruação era três dias, no quarto dia vinha muito pouco e acabou, de repente fiquei dez dias menstruada, e dali a quinze dias mais dez dias menstruada. Aí fui ao ginecologista e descobri que tanto isso como a dor de cabeça tinha a ver com estar no climatério. Fui no homeopata, regularizou, mas há 6 meses as alterações voltaram. E fui administrando isso solitariamente, com os médicos, achando que isso era uma "coisa minha." Não troquei nem com meu companheiro. Eu não procurava espaço de troca, não sentia necessidade. O que me atraiu em participar desta pesquisa, foi saber que era dirigido às pessoas que viveram os anos 60, os movimentos políticos, a liberação sexual, e Ciornai 127 como eu tive uma participação intensa nisso, achei que tava dentro. Não foi a questão do climatério, da menopausa que me motivou. Agora o engraçado é que escutando o depoimento das pessoas, confesso que vejo o quanto é forte meu movimento de não querer entrar em contato com certas coisas... (Inês) VIVÊNCIAS DE RENOVAÇÃO Em contrapartida, mulheres que anteriormente viveram situações opressivas e limitadoras em sua vida, e especialmente em suas relações conjugais, relataram experiências virtualmente opostas nesta fase de vida : Em 77, depois de muito transtorno, me separei. Um ano antes disso, comecei a ter hemorragias. Como meu ex-marido me podava muito, acho que meu centro de criatividade adoeceu: eu formei um tumor no útero, e dez dias depois do desquite eu fiz uma esterectomia. Sou esterectomizada desde os trinta e sete anos. Se você trouxer uma fotografia minha daquela época, vai dizer que eu tinha sessenta, porque eu estava um trapo, uma velha. E comecei a viver a partir daí. Isso é uma coisa incrível porque as pessoas quando fazem esterectomia, geralmente entram em depressão, e eu acordei da cirurgia para a vida. Passei a ter uma vida sexual maravilhosa, e também de aparência fui melhorando. Então, como é que eu me sinto com cinqüenta anos? Como estou na menopausa ? Não sinto calores, não sinto nada. Eu nunca estive tão bem! Este ano, fiz cinqüenta anos, e fiz uma festa pra comemorar, eu me homenageei. Tenho três filhos maravilhosos, amigos, sou uma pessoa que estou realmente em paz e feliz. E me dei de presente a primeira viagem internacional. Fui para a Itália e andei por lá um mês sozinha de mochila nas costas! Então eu acho que eu estou na contra história! O que vocês viveram de maravilhoso antes, eu estou vivendo agora. Estou sem namorado no momento, pela primeira vez eu consigo estar sem namorado e não estar desesperada porque eu fazia qualquer coisa para ter uma companhia masculina. Hoje já não fantasio que o outro é príncipe, porque já não sou mais a Gata Borralheira que eu era. Claro que olhar no espelho e ver que eu estou Ciornai 128 envelhecendo é uma coisa que me angustia. Mas a menopausa para mim tem sido uma fase boa, de paz interior, de um bom conceito de mim.. Acho que é o melhor momento que eu estou vivendo na minha vida. (Tereza) O meu marido era alcoólatra. Só ouvir o barulho da chave dele na porta era um terror, porque eu não sabia nunca como ele ia chegar. E ele fez cenas horrorosas, me fez passar muitos vexames. Eu me separei com 38 anos, e posso dizer que passei a viver muito melhor depois dos 40. Mais segura, mais dona do meu corpo, mais dona do meu nariz e das minhas decisões. (Jussara) REMEMORANDO MEMÓRIAS DA MENOPAUSA MATERNA A memória da menopausa materna deixa sua marca na maneira como a menopausa e este período de vida é percebido pelas mulheres. Lembrar disto, se por um lado ajudou perceber como esta foi uma forte influência na visão que cada mulher tem deste período de vida, por outro, em certos relatos se configurou em motivação para um movimento de resgate e aproximação da figura materna : O que minha mãe passou quando ela atingiu a menopausa, era absolutamente incompreendido por mim e pelas outras pessoas. Eu tinha 17 anos na época. Ela espirrava com qualquer coisa, ficava enlouquecida, qualquer contrariedade, se ela estivesse com um prato na mão, a resposta dela era jogar no chão, chutar, e eu tinha verdadeiro horror, tinha ódio disso. Mas hoje eu entendo que ela sofria prá caramba, porque o período que eu passei foi mais ou menos assim, eu só não jogava prato no chão...(Paula) Lembro de minha mãe, quando ela estava passando por esta fase, dizendo que eu tava incomodando , que eu era uma merda, que eu era terrível, que eu dava trabalho, que eu era uma adolescente rebelde, que eu não sei quê. Eu não era nada disso, mas antigamente não se falava em depressão como se fala agora. Meus filhos hoje em dia já me falam: ‘Estou deprimido’. Mas a gente não tínha esse recurso, e Ciornai 129 muito menos nossas mães, era tudo arremetido para o externo : culpados eram os filhos, marido, os irmãos, a falta de dinheiro. E como minha mãe, eu também vivi o coincidir da minha menopausa com a adolescência da minha filha. Que tragédia! Quer dizer, são dois processos difíceis de você viver. São duas mulheres em processo de mudança hormonal. Então hoje, ao lembrar da minha mãe naquela época, eu entendo de outro jeito o que ela estava passando... (Sandra) Minha mãe sofreu muito com a menopausa. Tinha descompensação emocional, chorava à toa, foi muito pesado. (Elisa) Minha mãe foi um “bode” na menopausa. Ela sempre falou da menopausa como uma coisa difícil. Emocionalmente ela ficou muito perturbada, muito nervosa, muito descontrolada. E sofreu com a coisa dos calores, de não dormir à noite, tomava 500 remédios pra dormir e não adiantava nada, ela ficava desesperada, numa neura total, e ficava um desgaste emocional pra todos, uma coisa que me dava muita aflição. Se bem que agora que eu passei pela experiência do que é não dormir, do que é ver as horas passando, fica mais fácil entender. Por outro lado, eu me lembro de uma vez em que eu fui em um médico oncologista, desses horríveis que foi logo dizendo que com a quimio eu ia entrar em menopausa precoce. E eu comentei com a minha mãe: “ Eu sou tão nova ainda pra entrar na menopausa, eu queria me preparar melhor pra isso, entrar na idade certa.” Então minha mãe falou: “Olha, minha filha, eu vou te contar uma coisa pra você ficar mais tranqüila : na verdade, não muda nada quando a gente entra na menopausa, nem sexualmente”. Eu achei isso o máximo! Foi a primeira vez que minha mãe falou em sexo comigo! Ela ficou preocupada de eu achar que poderia ficar menos mulher. Isso foi bárbaro, e uniu muito a gente. (Miriam) Ciornai 130 MUDANÇAS PSICO-SOCIAIS COMO A MULHER SE PERCEBE Como estas mulheres se percebem hoje ? A percepção de si se dá a partir de um sujeito que percebe seu objeto de percepção, no caso si próprio, de uma forma que não é imparcial, ingênua e desprovida de a-prioris. O olhar da mulher sobre si mesma passa pelo filtro da história da relação da mulher consigo mesma em termos de auto-estima e auto conceito; passa por suas vivências pessoais, acadêmicas, profissionais, culturais ou sociais e por como as internalizou ao longo de sua vida; passa pela história das relações da mulher com seus outros significantes em termos de como se sentiu percebida por aqueles que fizeram parte de sua vida pessoal - i.e., de quanto e como se sentiu amada, desejada, valorizada , confirmada, respeitada, ou, ao contrário, desqualificada, rejeitada, etc; quer dizer, passa por sua postura interna, confluente ou não, em relação à estes vários fatores. O conjunto destes elementos compõe as crenças internas que a mulher tem sobre si mesma, i.e., sua mitologia pessoal, e age como um filtro de luz através do qual as experiências dos seus sentidos são interpretadas, e através do qual novas informações são processadas (Feinstein & Krippner 1988b,p.27). A forma como a mulher se sente percebida e a forma como se percebe, são processos em constante inter-relação. A percepção de si e o auto-conceito têm sempre um aspecto psico-social. Quase todas as entrevistadas são mulheres que, em termos profissionais, estão ativas, muitas até em uma fase áurea da carreira em termos de criação, realizações e cargos ocupados - apesar de algumas verbalizações sobre temores com o futuro, demissões e dificuldade de emprego para a mulher mais velha. Quase todas se sentem mais amadurecidas em sua capacidade de reflexão e compreensão, e quero pontuar que estarei abordando os ganhos sentidos nesta fase de vida mais adiante. Nesta parte porém, estarei focando especificamente em como estão se percebendo enquanto mulheres. E em relação à isto, significativamente, a grande maioria, referiu-se ao aspecto visual -- talvez até por ser este um aspecto que as incomoda demais neste período de vida. Ciornai 131 Esta predominância da visão como canal perceptivo em seus relatos, se nos fala de um incômodo presente, sem dúvida nos fala também de uma cultura que valoriza e julga pela aparência. No entanto, sobre o olhar, Arnheim(1974), no livro cujo subtítulo é justamente A Psicologia do Olhar Criativo, afirma que “toda percepção é também pensamento... toda observação também é invenção.” ( p.5), ou seja, o olho que vê , ao ver já configura, julga, e valora. Portanto, ao se falar de olhar, se por um lado estamos inseridos em uma cultura cada vez mais visual, faz-se mister considerar também, que o olho que olha, traz um olhar impregnado de história, de mitos e de subjetividade. No próximo capítulo, estarei apresentando os mitos culturais sobre a mulher madura, menopausa e velhice que emergiram nos depoimentos das participantes. Apesar de intimamente interligados à percepção que cada mulher tem de si, estarei nesta seção focalizando especificamente o que cada mulher disse de si própria. Assim, todos os trechos selecionados se caracterizam por serem falas na primeira pessoa, por serem afirmações pessoais sobre si : “eu me acho,” “eu me vejo,” eu estou,” ou “eu me sinto.” O relato de Rosana, é um exemplo de como a percepção interna de si se contrapõe ao olhar pra si. Além disto, o olhar pra si vem tanto como o imaginado olhar do outro, que Rosana na mesma frase fala de si, “não sou mais a mesma coisa”, e fala para si, “você não pode ficar achando que você ainda é jovem!” Eu me sinto muito jovem ainda pra estar na menopausa, pra ter essa perda, como se eu tivesse ainda muito o que viver. E eu só percebi isso vendo a exuberância da minha filha, só aí parece que eu tomei consciência de que eu tava envelhecendo. Antes eu não tinha tomado consciência, porque eu não me sinto envelhecendo. Mas quando eu comecei a olhar mais pra minha filha, quando saio com ela pra ir a shopping comprar roupa pra nós, e olho pra mim e pra ela frente ao espelho, é que eu percebo o quanto eu perdi. Porque ela é muito parecida comigo quando eu era jovem, e olhando pra ela, pra exuberância de corpo dela, quando eu olho assim eu e ela junto, eu me digo : "Ave Maria! Não sou mais a mesma coisa, não adianta, você não pode ficar achando que você ainda é jovem!”(Rosana) Ciornai 132 Outros relatos revelam como o olhar sobre si mesma, e a percepção da própria aparência, trazem como conseqüência a percepção de si como uma mulher que não pode mais atrair um homem e que não tem mais possibilidades de estabelecer um relacionamento amoroso. A gente muda muito fisicamente mesmo, hoje não tô mais com a bola toda pra atrair pessoas. (Paula). Eu me sinto uma pessoa que já entrou na velhice, que não está mais no mercado da “caça.” Não só não me sinto mais capaz de atrair um homem, como não me sinto capaz de entrar na briga, porque um negócio que eu sempre adorei, é o desafio de entrar “num pau” por um homem. Na universidade onde estou fazendo doutorado, como eu polemizo, defendo os anos 60, as drogas, a liberdade, e de alguma maneira represento a liberdade , e as meninas e mulheres minhas colegas, se abrem comigo. Muitas vem fazer confissões, e o meu preconceito em relação à minha idade e a minha velhice é tão grande, que eu chegava a pensar que elas falavam assim comigo porque eu já estava tão descartada do mercado que dava, que elas podiam sentir confiança. Foi essa a interpretação que eu dei pra essa abertura. Agora que estou mais ousada, estou descobrindo que elas sempre me viram competindo. No entanto, elas até podem me dar essa colher de chá , mas pra mim é difícil aceitar isso.” ( Nira) Outro dia eu estava com a minha sobrinha no carro. Aí, na rua, de repente, ela diz: “Tia, o cara está te paquerando!”. Eu falei: “Não é pra mim, é pra você, imagina se é pra mim!” E ela caiu na risada: “Tia, era pra você!” Aí me dei conta que as pessoas também olham a gente, mas que a gente nem percebe, porque não acha possível.(Frida) Tenho um sentimento de menos valia no sentido do feminino. Estou velha, e estou feia. E não acho que é só por causa da idade , porque eu observo mulheres da minha idade que estão mais bonitas que eu, mais em forma, e me comparo. E tem uma coisa que em pequenos momentos rápidos eu capto e fico muito triste : me Ciornai 133 pego sentindo que eu não tenho o direito de amar, de ser amada e de ser tocada, porque eu tô velha, feia e gorda. Uma mulher desse tipo é ridícula se quiser ter alguma coisa assim. Que grande pretensão! Racionalmente eu sei que é absurdo, mas fôda-se, é o que eu sinto. (Mariana) Mas o olhar depreciativo sobre si, traz às vezes uma percepção limitante não só de si enquanto mulher capaz de atrair e ser amada por um parceiro, mas generaliza-se, limitando possibilidades de contatos nutritivos e vivificantes também em outras relações : Eu estou ficando velha, e tem muitos grilos que vão aparecendo em função do corpo que vai ficando diferente. De uns anos pra cá, eu já estava achando difícil me relacionar com alguém emocionalmente. Porque começa o problema com as rugas, o corpo vai tendo modificações, começam a aparecer dobrinhas, e pra mim que sempre tive um corpo bonito, essas alterações começaram a incomodar muito. Dá vontade de descobrir um comprimido mirabolante que vai segurar, mas não tem jeito. Eu me sinto deteriorando gradativamente. Então eu estou me depreciando muito depois que entrei na menopausa. Acho que todo mundo está vendo que eu estou ficando velha e que a minha cara está caindo. Quando eu vejo que eu vou encontrar gente conhecida desvio “ não vou por aqui , vão achar que eu estou velha, que eu estou horrorosa, não quero encontrar com aquelas pessoas.” Tem momentos assim... (Ana) Eu era muito bonitinha. Não sou mais. Eu pesava 55 quilos e tô com quase 80. O cabelo era bonito. O olho era bonito. A pele era perfeita. Nunca tive mancha, nunca tive espinha, nada, e agora tem papada , tá começando a ter ruga e tô gorda. Quando eu olho no espelho o que me vem é: “ Tô muito feia., tá tudo horrível, tá tudo caído.” Como imagino que me vêem? Ah, que eu tô feia, que eu tô velha, que eu já sou carta virada que não serve mais pra nada...(Rebeca) Ciornai 134 Já outras mulheres revelaram em seus depoimentos uma percepção mais positiva de si, às vezes acompanhada de uma percepção crítica da visão de mulher madura ou velhice socialmente difundida: Eu fico olhando essa questão da velhice. Eu tenho 50 anos. E não sei definir se eu estou velha, acho que estou no limiar. Mas eu acho que eu tenho dentro de mim, ou eu busco, uma vitalidade, uma energia, um vigor tão grande, que eu não me sinto velha. Com 50 anos eu sou uma pessoa que consigo atrair. Velhice pra mim é coisa de idéia, porque tem horas em que eu tenho uma vitalidade, uma vontade de realizar, selecionando o que eu quero realizar, que eu não tinha com 20 anos. (Julia) Eu, com 53 anos, me sinto ainda uma mulher atraente. (Jussara) Eu me vejo muito bem, ainda me sinto uma mulher desejável, mas não sei até quando vai durar isso. E eu acho engraçado isso, porque lembro que quando minha mãe tinha 28 anos eu achava ela velha, e agora eu acho que quem tem cinqüenta é jovem. O pessoal com quem eu ando tem a minha faixa de idade, e eu acho todo mundo muito jovem! E por outro lado, eu tenho certeza que os jovens acham a gente velhos. Mas e daí? É assim mesmo. Outro dia eu tava com uma amiga e a gente viu uma pessoa que a gente não via há muito tempo. Ela virou pra mim e falou: ‘Puxa, você viu como ela tá acabada?’ Mas pra te dizer sinceramente, o que eu acho é o seguinte: ela também deve ter achado a gente acabada! A gente vai ficando mais flácida, mais enrugada, e eu acho que isso é inexorável mesmo, acho que a gente tem que trabalhar o saber envelhecer. Sempre fui relaxada, mas de repente comecei a fazer hidratação da pele uma vez por mês e passo creme todo dia. Não acho que isso vai fazer com que a minha pele volte a ser como quando eu tinha vinte anos, mas eu acho que é uma coisa legal de fazer pra se sentir envelhecendo legal, a pele fica mais saudável, mais corada. Por outro lado, eu percebo que tem algumas pessoas que ficam desesperadas com o envelhecimento, todo ano estão fazendo uma plástica. E não vai adiantar nada., a gente tem que aprender a conviver com isso.(Silvia) Ciornai 135 Quando eu olho no espelho acho que as coisas estão caídas, mas de roupa eu sou ótima, então, eu vou seduzir de roupa . Mas, depois, eu vou ficar sem roupa, eu acho que o cara que se vincular, não vai se iludir de que não caiu. Eu não preciso ter peito durinho pra ter orgasmo ou pra provocar o orgasmo. Eu tenho certeza disso. E o homem que tiver uma relação comigo, não vai se iludir que quando eu tô de sutiã é assim e que quando eu tirar vai ser igual. Ele sabe. Ele vai saber. E aí vai ser numa outra base. Então não acho que não dá mais tempo, que a menopausa vai atrapalhar, isso absolutamente não me limita .(Inês) E outras mulheres, sentem-se oscilar na maneira de se ver e perceber. O relato de Sandra é um exemplo: Há momentos que eu me acho maravilhosa, puta mulherão, não fisicamente, mas mulherão no sentido de uma mulher cheia de força, vitalidade, que dá conta de recados em vários setores: financeiro, afetivo, existencial. E tem outras horas em que eu me sinto (pausa) --. sabe iogurte vencido? Que você olha a validade na prateleira do supermercado e já venceu ? Mas não é só pela menopausa, é também pela mentalidade, valores. Eu me vejo uma mulher desejável momentos sim, momentos não, mas predominantemente não me vejo. Eu nunca tive uma beleza padrão, então não acho mesmo que um homem vai olhar pra mim e babar. Lógico que não! Mas eu acho que as minhas conquistas agora são conquistas mais pelo meu interno. A pessoa tem que se aproximar de mim, me conhecer, o fascínio é outro, não é uma coisa física. Especialmente por causa da idade. Eu noto alguns homens me olhando. Mas não é como antes, não é como antes. Por outro lado tem uns homens que eu já conheço que dão conta da minha vaidade. Mas eu penso ‘Meu Deus! Quanto tempo será que eu ainda tenho? Quanto tempo ainda esses homens vão cuidar da minha vaidade?’ (Sandra) Ciornai 136 Uma outra questão que aparece, é a questão das limitações auto-impostas à maneira de se comportar e vestir, que está ligada à postura do meio social em relação à mulheres mais velhas. Nos relatos abaixo, três mulheres nos falam de seus conflitos : Eu sinto hoje algumas dificuldades com roupa. Eu sempre gostei de pouca roupa, de quanto menos pano melhor. Então isso pra mim me traz um conflito. Pô, eu sou uma senhora, e eu ando meio pelada, não fica bem! Também reassumi o biquíni. Porque é uma coisa que eu não me permitia mais: ‘Ah, não tenho mais corpo pra isso!’, essa coisa da autocrítica. Tem roupas que eu gosto, que eu vejo que absolutamente são “minhas”, que têm a ver comigo internamente, tipo esses vestidos curtinhos de alcinha e tal, e eu penso: ‘Ah, mas na minha idade não dá! Eu tenho uma preocupação grande em não ser ridícula, e tô sempre pensando e perguntando pra minha filha: ‘Tô ridícula?’ Isso pra mim traz muito conflito. Porque por um lado eu tenho certeza que eu tô ótima, batalhei pra caramba pra poder responder isso pra mim mesma. Mas tem hora que pega. Minha filha, meu filho, meu marido, todo mundo diz: ‘Não, tá ótimo.’ Mas eu penso: ‘Pô, será que esses caras não tão enxergando? (Sandra) Eu super curto umas roupas mais “chans”, mas se a gente quer pôr umas roupinhas mais sensuais, a gente é chamada de perua e de ridícula com muita facilidade. (Marcia) Às vezes eu dou uma cruzada de perna super sensual, descobrindo, insinuando e tal. Mas de repente eu penso: Não posso mais, não tenho mais 20 anos pra sentar assim! A perna tá com celulite, tá mais gorda, não dá, é ridículo uma mulher da minha idade sentar assim! historinha, a cultura. (Fernanda) Não deveria ser, né? Mas é a Ciornai 137 COMO A MULHER SE SENTE PERCEBIDA Por Homens Uma impressão presente em grande parte das mulheres que participaram da pesquisa, é a de que homens de sua faixa etária estão interessados em mulheres bem mais jovens: Eu vejo os meus amigos descasados, que estão na mesma faixa de idade que eu, buscando mulheres de 20 a 30 anos. Dificilmente eu vejo um amigo meu de quarenta e poucos anos, buscando uma mulher da mesma idade. Por outro lado eu vejo o jovem olhando muito pra nós como mulher, até um pouco fascinado, mas acho que é um fascínio mais por esse jeito mais maduro da gente, por essa inteireza que a gente tem hoje. Talvez tenha até uma busca meio que mais de mãe do que realmente uma busca da nossa sensualidade, da nossa sexualidade. (Rosana) Homem não gosta de mulher velha. Existem exceções? Existem , mas essas nunca passaram do meu lado, homens mais sensíveis, homens mais sensoriais. Em conversa alguns homens já me disseram: “a sexualidade nessa idade é diferente, a coisa visual vai dando lugar pra uma coisa mais sensorial, o que encanta um homem numa mulher nessa idade é outro tipo de coisa.” Mas pra mim é blá-bláblá. Porque eu não vejo isso acontecer, nem comigo, nem com as outras mulheres. Excepcionalmente eu conheço casos. Tem mulher que vai atrás, vai pra “single” bar, vai pro caramba a quatro e até arranja um namoradinho. Mas pra mim são exceções. Homem gosta de mulher magra, bem feita e de corpo e jovem. Então eu já nem me exponho. Eu me fecho. Não procuro, não percebo, não olho pra ninguém. Eu rejeito antes que me rejeitem. Bem curto e grosso, é isso. (Mariana) Ciornai 138 Por outras pessoas Por outro lado, ao falar de como se percebem vistas pelas pessoas que conhecem, algumas mulheres se referiram ao olhar crítico do outro, ao constrangimento que às vezes impõe, ou à graça que provocam: Minha filha e minha família me podam muito. Vivem me dizendo : “Isso é ridículo para uma pessoa da sua idade! ” (Rebeca) Minha filha morre de vergonha de como eu me visto, acha que eu não pareço uma mãe séria como as mães das amigas dela ! (Nira) Minhas filhas e as amigas delas, vêem mulheres mais velhas como peruas, ou, no meu caso, como bicho-grilo. (Laura) No entanto, como falas anteriores (como as de Nira, Júlia e Sandra) revelam, o olhar sobre si é às vezes bem mais crítico do que o olhar do outro ( ou pelo menos de alguns outros) : O que eu recebo de feedback das pessoas é uma coisa assim: ‘Imagina, você é uma mulher interessante, você é uma mulher bonita! ’, inclusive dito pelos meus filhos que são dois homens de 29 e 31 anos e que me dão muita força. De outros vem uma coisa assim: “Você é bonita, atraente, mas precisa fazer um regime, você tá um pouco gorda e isso não te favorece.” Como eu não sou completamente louca, eu acho que tem uma possibilidade que as pessoas me vejam assim. Mas eu não consigo botar isso pra dentro de mim. O que eu vejo é: uma mulher velha, feia, gorda e sem direito. E o que eu percebo no cultural e no social reforça. (Mariana) Ciornai 139 Na mídia E finalmente. todas as mulheres se referiram à imagem negativa da mulher nesta idade, que, com raras exceções, é transmitida pelos meios de comunicação. O depoimento de Márcia é um exemplo: Assistindo televisão, tenho reparado na frequência das indiretas e colocações negativas em relação às mulheres mais velhas que aparecem, e que mostram uma sensualidade. Os comentários são sempre no sentido de colocá-las no lugar de ridículas, de “peruas”. E isso me emperra muito. Outro dia em uma cena de novela por exemplo, iam dar um jantar elegante, e uma mulher dizia que devia-se pôr cartões com nomezinhos nos lugares em que cada um ia sentar. E aí entra um cara mais jovem com o seguinte comentário: "Poxa, mas essa aí é inimiga das mulheres! Vai obrigar as peruas a por óculozinho pra saber aonde que vão sentar!” As novelas estão cheias de coisas assim . (Marcia) RELAÇÕES AFETVAS RELAÇÕES AMOROSAS Mulheres Que Convivem Com Um Companheiro Com Relacionamentos Satisfatórios Das 30 mulheres que participaram da pesquisa, 14 conviviam com um companheiro. Destas, ao falar sobre sua vida amorosa, algumas se descreveram afetivamente satisfeitas com este relacionamento. 142 Do ponto de vista afetivo, como estou há muitos anos vivendo de um jeito gostoso com um companheiro que me adora, a idade não é uma coisa que interfere. (Laura) Sinto que meus filhos estão crescidos, e tenho a sensação de volta ao casal, quer dizer, a relação com meu marido está se tornando outra vez muito mais só nós dois como foi no começo, e sinto o quanto a gente está precisando ser companheiro agora para envelhecer junto. E é uma coisa diferente, porque a preocupação com as crianças sempre me tomou muito espaço. Temos hoje uma relação amorosa muito legal. Não foi fácil me manter casada, a gente quase separou mil vezes, não foi nada de um mar de rosas, mas hoje eu e meu marido estamos numa coisa muito gostosa e eu me sinto muito em paz na relação com ele. Gosto de sair com ele, de ficar na casa de praia com ele, a gente é muito bom companheiro de viagem. E ele é carinhoso, me acolhe, sexualmente ele é ótimo, potente, gostoso, me completa muito como homem. Se eu disser: “estou triste, estou mal, ” ele logo me fala: “vou te levar para comer uma coisa gostosinha, você quer viajar?” Ele sabe todas as coisas que eu gosto e faz para mim. E eu acho isso um super colo, acho que é uma conquista de quase trinta anos juntos. Às vezes eu me sinto totalmente apaixonada, dá até medo. Porque mesmo com um parceiro só, dentro de uma relação tem um renovar do amor e das emoções. (Rubia) A minha descoberta sexual, desde o comecinho, foi com meu marido. É o único parceiro que eu conheço, e a sexualidade junto com ele sempre foi muito boa, muito intensa, muito essa coisa da descoberta da sexualidade como uma coisa gostosa. Será que casamento é sempre careta e monótono? Eu acho que não, porque eu acho que eu me casei muitas vezes com o mesmo homem, nosso casamento passou por muitas reformulações. (Rebeca) Meu marido e eu nos damos super bem, e sinto que ele sente muito tesão por mim. (Silvia) 143 No meu casamento eu sempre estive absolutamente apaixonada. Ainda estou, mas hoje é diferente. Estou lendo “A Cerimônia do Adeus, ” da Simone de Beauvoir. É uma coisa belíssima e terrível também, porque ela relata esmiuçadamente a doença final do Sartre, mas com uma solidariedade muito grande, mostrando um conhecimento muito profundo dele. E eu achei isso muito importante, quer dizer, como você demonstra solidariedade em cada ato, como você multiplica e deixa transparecer em cada atenção o amor que existe o tempo todo. No casamento isso tem que ser buscado. Não precisa necessariamente estar junto, grudado, porque ele teve outras pessoas, e ela também. Então o que quero dizer, é que casada ou não casada é muito bom poder ter um companheiro-amante. E conservar dá um certo trabalho! (Frida) Com Relacionamentos Parcialmente Satisfatórios Em contrapartida, algumas mulheres que convivem maritalmente com um parceiro, não se sentiam totalmente satisfeitas com este relacionamento. Algumas, como Elaine, desejam uma relação mais completa : Eu hoje me vejo mais exigente, estou querendo um encontro de alma, uma coisa mais amorosa de carinho, amizade, além do sexual. E isso me faz pensar se a relação que tenho com meu marido vai poder me dar isso... As mulheres que estão sozinhas falaram desta busca, mas eu como casada, também estou buscando isso. Quero sentir companheirismo, aceitação, quero me sentir bem amada, bem tratada, uma série de coisas que sexo só não traz. Tenho desejo de uma relação mais profunda, espiritual, que nunca exigi do casamento. Eu fui me desenvolvendo nesse sentido, e quero ter alguém pra realmente compartilhar isso. (Elaine) Outras, apesar de ter uma boa relação com o companheiro, sentindo que em sua juventude tiveram a sexualidade e a feminilidade muito reprimidas, anseiam por outras relações, onde possam estar tanto se experimentando enquanto mulher, quanto experimentando seu poder de sedução: 144 . O que tenho a meu favor que me ajuda muito, é que meu marido tem muita atração por mim. Eu acho que tem uma coisa forte entre a gente, muito forte, que me alimenta. Mas não me basta. Porque é como se eu precisasse ter tido um tempo de estar mostrando eu mulher no coletivo que não tive. Me vêm imagens de ser uma mulher que atrai todo mundo, uma “mulher fatal.” Eu não pude experimentar isso, e eu queria ter experimentado! Acho que a minha relação com meu marido sempre foi um ponto sadio no meu processo, que cria até uma certa dependência com ele. Mas eu queria ter mais confiança em mim e em minha autonomia, prá não depender isso. (Marcia) Tenho vontade de ter outros tipos de relacionamento, de experimentar sair um pouco da coisa do casamento fechado. Prá mim tem sido uma busca antiga, mas a proximidade da menopausa tá me trazendo uma certa urgência. (Rosana) No entanto, em um contato posterior com a pesquisadora um ano e meio após sua participação na pesquisa, Rosana falou de como sente ter mudado neste período, o que nos chama a atenção para o fator temporal, de momento de vida, inevitavelmente presente em todos os relatos : Uma coisa que mudou de lá pra cá é que não tenho tido mais vontade de procurar aventuras fora do casamento. E uma coisa nova que está acontecendo comigo é a valorização do companheirismo, que está sendo pra mim uma coisa super importante. Não é que eu não tivesse, mas eu não valorizava, não dava o valor que eu dou hoje à troca com o companheiro. (Rosana, um ano e meio depois) Já esta necessidade de outras experiências e relacionamentos, é vivida por Sandra como uma relação aberta, o que ideologicamente era bastante defendido em alguns movimentos de contra-cultura dos anos 60 e 70 (apesar de nem sempre vivido com tanta facilidade) : 145 No meu casamento, a gente teve um acordo de ter um casamento aberto. A gente se conheceu dentro do movimento hippie; depois tivemos envolvimentos políticos diversos: eu fui atuar em movimento feminista, em movimento negro, nosso casamento teve vários sub-casamentos. Hoje eu considero que a gente é um casal velho. É interessante isso, e muito gostoso, a gente se desafia. Mas tem momentos difíceis da nossa relação, por essa permissividade, por essa construção de códigos novos. (Sandra) Há também, mulheres que tendo uma história de frustração sexual na relação com o marido, anseiam por viver relações mais satisfatórias : Eu fui uma moça muito sensual e atraente, e eu era fogo, nunca tinha um namorado só, tinha três, quatro. Eu tive um exercício amoroso, enquanto jovem, muito intenso, que não era o normal na minha época. Eu vivia sempre num limiar tênue prá não passar prá situação de “galinha”. Eu fazia de tudo com um prazer tremendo, e só não chegava à relação sexual propriamente porque eu tinha certeza que se eu perdesse a virgindade eu não conseguiria casar. Quando casei, casei virgem. Amava meu marido ,e ele me dava tudo, menos satisfação sexual. Meu movimento pra lidar com isso foi estudar muito, trabalhar muito e negar minha sexualidade. Engordei, fiquei feia, parei de cuidar do corpo, passei a usar roupas de senhora, e fui empurrando pro fundo do baú esse problema, sublimando a questão sexual e exacerbando todos os outros ganhos que eu tinha na relação com ele. Aí vem os filhos, você passa noites sem dormir, e se ocupa com aquelas histórias de limpar bumbum, fralda, dar comida, aquele negócio todo, não dá nem pra pensar. Mas quando os filhos cresceram eu comecei a ficar muito pirada. O que eu tinha feito do meu corpo? Aonde estava aquele corpo de “Miss” que eu tinha? Tava muito feio, muito envelhecido, eu tava gorda, muito senhora, não tinha sensualidade. Aí fui buscar terapia, comecei a emagrecer e ficar bonita e atraente de novo. Eu dizia pro meu terapeuta: “Eu preciso de um amante.” Cheguei a ter uma experiência com um homem com quem tive uma relação sexual muito 146 satisfatória. Eu pretendia administrar essa coisa de viver com o marido e ter satisfação sexual com um amante. Mas aí o cara morreu, e hoje não quero mais viver com meu marido, porque eu não tenho cabeça pra viver com ele e ter um outro. Mas ainda não consegui me separar, não é fácil...(Inês) E finalmente, os homens também estão passando pelo climatério masculino, a andropausa, o que traz alterações nem sempre prazerosas para o relacionamento: Meu marido tá um homem ranzinza. Porque ele também entrou no climatério. Só que ele não sente calores, as reações dele são outras. A primeira reação que percebo é desinteresse, desinteresse das coisas . Por exemplo, caiu a cortina na minha casa, e a cortina tá despencada, ele não recoloca a cortina a cortina tá caída já há um ano, e ele sempre costumou fazer esse tipo de coisas! Então tem o desinteresse pelas coisas, de fazer coisas, de organizar as coisas. Também tem desinteresse sexual. Eu não digo que há um desinteresse muito grande, mas há. Há uma diferença entre a nossa vida sexual anterior à entrada dele no climatério e agora. E terceiro : ele está ficando ranzinza! E com premonições de catástrofes! (Ri) Com um pessimismo atroz! E parece que ele acaba atraindo coisas negativas mesmo ! Teve um vazamento lá na minha casa, chamamos o cara prá consertar, e falou assim: “Isso não vai parar por aí.” E não é que agora entupiu?! Filho da puta! Conseguiu premonizar que depois do vazamento, vinha o entupimento, e entupiu mesmo! Eu disse à ele: “Que saco que nós estamos!” Então é mais ou menos por aí. Agora, acho que varia de homem pra homem porque meu companheiro é uma pessoa rígida. Ele até se permite fazer um monte de coisas que acha que os outros não devem fazer, mas não se abre para a vida com tranqüilidade. Ele usa a inteligência dele pro saber, não mobiliza pro querer, pro cotidiano. Então ele tá ficando velho e ranzinza. Isso vinha vindo, mas agora com o climatério dele, infernou! Às vezes até penso em me separar! (Paula) Mulheres Que Não Convivem Com Um Companheiro Envolvidas Em Relacionamentos Amorosos Satisfatórios Algumas mulheres que não convivem com um companheiro, relataram estar atualmente vivendo relacionamentos amorosos satisfatórios dos mais variados : 147 Tenho um relacionamento amoroso há dez anos, cada um na sua casa. Ele também é separado, e a gente vai vivendo muito bem assim. (Jussara) Tenho uma relação afetiva com um rapaz de 33 anos, bem mais moço do que eu . Acho que é uma relação moderna, tão anos 60! Eu gosto de me relacionar com homens mais jovens. Sinto que o que tenho em comum com um rapaz de 33, é o gosto da liberdade. Ele gosta das mesmas músicas que eu, Rolling Stones por exemplo. Mas temos uma relação de amantes. Conhecer os amigos só iria melar.... (Léa) A minha preferência é por mulheres. Transo com homens esporadicamente também, é uma coisa gostosa , mas a minha afetividade, a sintonia emocional. está mais voltada para uma pessoa do mesmo sexo. E há dois meses encontrei uma moça e eu estou me relacionando com ela. E ter alguém me acompanhando nesse momento é muito gostoso.(Ana) Desejantes de encontrar um companheiro No entanto, seja vivendo um relacionamento pouco satisfatório, seja estando no momento ou há bastante tempo sem nenhum relacionamento amoroso, muitas mulheres expressaram o desejo de encontrar um companheiro. Porém, enquanto algumas parecem ter clareza do que procuram, outras dizem-se confusas e aturdidas, percebendo-se neste momento de vida, surpreendentemente sem saber pra que tipo de homem olhar, que homem desejar. Ao lado disto, a dificuldade em conseguir parceiros da mesma faixa etária, pois muitas relatam perceber que uma característica marcante dos homens de sua idade é procurar mulheres bem mais jovens, aliada muitas vezes à falta de interesse por homens mais velhos, acaba dificultando bastante a possibilidade de encontrar um parceiro. Assim, enquanto várias mulheres se descrevem abertas à um relacionamento, outras não acreditam mais nesta possibilidade. Além disto , fatores psicológicos individuais, tais como experiências pessoais e familiares negativas em relação à envolvimentos amorosos, 148 têm também um papel importante, às vezes até impeditivo, na vivência de relacionamentos amorosos, e nos relatos abaixo, aparecem em alguns depoimentos. São 2 parceiros que eu tenho hoje , e não sinto nenhum pudor nisso, porque são 2 pessoas que eu vejo muito eventualmente. Um mora num estado e outro no outro, e eu, lamentavelmente prá eles, ou felizmente prá mim, gosto dos dois. Mas são pessoas casadas, e eu não quero manter mais este tipo de relação. Hoje quero um parceiro, um companheiro que esteja mais presente na minha vida... (Julia) Pela experiência que eu tive, eu decidi que com cada pessoa a gente tem um tipo de relação. Com um homem, você quer ser absolutamente monogâmica e fiel, com outro você adora sair com mais um, fica mais gostoso. Eu tenho um caso com um homem casado há 15 anos. Não estou mais a fim, mas a gente é tão amigo, já faz tão parte da vida, que continuo nesta história um pouco por inércia. E tem a Aids agora, eu não posso mais fazer o que eu fazia! Eu não posso mais me encantar com um homem e levar ele pra minha casa por uma noite ou duas, ou ir pra casa dele por um mês! Então o que acontece? Entra a camisinha! Mas aí é perfil do brasileiro achar que a camisinha complica., né? Eu me sinto numa fase de transição, meio que tateando. Eu me olho eu não consigo me ver com a cara que eu tenho. Olho pra um homem da minha idade, e acho ele velho, não consigo pensar uma relação com um homem desses! Então eu tô um pouco perdida, sem saber onde pôr o desejo, não sei direito pra quem olhar. E isso não quer dizer que eu olho pra um menininho de 20 anos e fico com vontade, não fico mesmo . Hoje eu queria ter um companheiro-amante. Uma relação com componente sexual, intimidade física, carinho, afeto. Mas eu não quero conta de luz no meu caminho, se você começar a ter que discutir conta de luz não dá certo. Eu quero um cara como eu, que viva só, que tenha sua privacidade, sua profissão, sua vida, e que a gente se encontre. (Norma) 149 Em relação à homens, esses meus últimos cinco anos foram muito difíceis. Eu me separei com 31 anos, e na década dos 80 eu fiz de tudo, me pendurei no lustre, fui pra Marte, fiz tudo o que quis. Realizei rigorosamente todas as minhas fantasias sexuais! E aí veio a história da Aids, fiquei com um caso pendurado com um cara casado que não ia nem vinha até que acabou por si mesmo, e aí não arrumei outro. Então eu estou agora meio sem saber... A essa altura do campeonato, eu tô a fim é de um caso de amor, porque sexo eu já tive o que eu queria. Mas acontece que eu olho ao redor nos lugares onde eu estou, e eu não sei que tipo de homem eu devo, ou quero procurar...( Lucia) Já faz bastante tempo que eu não tenho ninguém. De marido já tive a minha cota, e a idéia de um outro marido me arrepia de ponta a ponta . Já um namorado eu gostaria de ter. Mas um homem de 60 anos não me apetece mesmo, eu realmente não consigo sentir um mínimo de tesão por um homem mais velho. Me apeteceria um homem no máximo da minha idade, e isso cria uma situação dificílima, porque um homem de 50 anos está interessado hoje em mulheres de 30. E biológicamente, se você pensar como bicho, parece muito coerente que o impulso seja em direção à mulheres férteis. Já com homens mais novos ou da minha idade, até sinto, mas o problema é que os homens que encontro em geral são maridos de amigas, então há uma série de restrições sociais e você acaba pondo certos limites até para os sentimentos. Então ... (Sonia) Não tenho relacionamento amoroso com homem há dez anos. Eu nunca mais prestei atenção se um homem olha pra mim. Eu tenho uma amiga que diz: ‘Puta que pariu, mas você nem olha! Pode ser, mas acho que o tempo pra mim já passou...(Mariana) Sinceramente casar eu nunca quis, prá mim sempre foi uma coisa assustadora pelo modelo que tive em casa. O que eu gostaria é de ter um companheiro, um parceiro, um grande amigo. Eu poderia até ser fiel sexualmente se isso fosse necessário prá ele, mas a individualidade dele e a minha teriam que 150 estar garantidas o tempo todo. E eu não encontro esse homem. Os homens que eu conheço, ou são homens casados que querem uma amante, ou que querem uma mulher prá cuidar deles, fazer comida, supermercado, lavar roupa. Então, fico sozinha. (Andréa) Quando me separei, me deu um grande vazio. Num primeiro momento eu pensei: “Preciso arrumar um namorado.” Depois eu achei que eu poderia me envolver com uma relação onde iria me magoar mais. Pessoas tentavam se aproximar de mim, mas eu fiquei defendida, meia fria nesse sentido. Quando eu percebo que vai existir um envolvimento eu corto, pulo fora . Mas tenho vontade de encontrar um companheiro que além de carinhoso e bom de cama não seja irresponsável, porque de Vadinho [personagem do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos] na minha vida, chega. (Elisa) Tenho a impressão que a minha solteirice, já nasceu comigo.. Desde o meu primeiro namorado foi sempre uma coisa complicada. Eu namorei vários homens, transei muito, e nos anos 70 eu me apaixonei perdidamente por uma mulher. Nunca tinha acontecido, e eu praticamente casei com ela. Hoje eu não procuro o casamento, o que quero mesmo é ter uma pessoa pra estar junto, porque sempre tive medo de uma ligação afetiva e emocional mais permanente. Mas o problema é que os homens da nossa idade estão casados. Os bons estão casados. (Fernanda) Tive muitos namoros desde que me separei. Faz um ano que estou sem ninguém, e não tenho sentido falta. Não tenho mais ilusão de achar o príncipe encantado. Esse companheiro idealizado que nós queremos, não existe. Companheiro que te ouve, que te dá ombrinho? Eu sou muito prática, muito objetiva, já procurei muito. Ele quer mais é falar que é forte e que você pegue ele no colo. Eu já tive horror a ter um homem que é meio filhão, mas hoje: “Ah, você tem essas carências?” Se ele for legal, eu até pego no colo. O que eu quero hoje de um homem é assim: não precisa ser bonito, não precisa ser charmoso, não precisa ser jovem, mas tem que ser sincero, saber levar a vida com bom humor, e não ficar 151 mentindo e inventando. São essas as coisas que eu preciso. Agora, se for um pouco frágil, medroso, cheio de dúvidas, que precise da minha intuição, da minha experiência, é uma coisa que hoje eu aceito. Não me importo que eu seja mais forte emocionalmente. O problema é que os homem de cinqüenta anos não querem uma mulher de cinqüenta anos. Eles estão se relacionando com mulheres de uma faixa muito menor que a nossa, trinta, trinta e cinco, ou até menos . Eu levo um pouco de vantagem por ser muito alegre, brincalhona, me visto de forma jovem, sou miúda, não aparento. Mas quando digo a idade que tenho, eles se retraem. E os homens na faixa de sessenta, já estão com problema de próstata, gente, um em cada três! E pra ser enfermeira do cidadão não dá , né ? Acho que hoje tenho abertura para um relacionamento maduro. Antes não estava pronta para isso, tanto é que de todos os homens que passaram por mim não fiquei com nenhum, eu os espantei com a minha imaturidade, com minhas necessidades. Eles vinham ao encontro de uma mulher sedutora, e quando começava o ‘vamos ver’ mesmo, aparecia uma menininha chorosa. Hoje, depois de muito trabalho em terapia, eu sinto que não vou espantar um homem legal, que a minha parte está feita. Porém, levando em conta o número reduzido de homens disponíveis para mulheres da nossa idade, não sei se existe a possibilidade desse encontro. As chances hoje são muito menores, cada vez menores para nós, mulheres de mais idade. ( Tereza) FILHOS Mulheres Que Tiveram Filhos Para as mulheres que participaram da pesquisa e que são mães, a relação com os filhos é básica em suas vidas e parte orgânica de suas identidades. No entanto, se neste período esta relação tem uma presença afetiva importante para a mulher, no sentido de encontrar nos filhos um continente afetivamente seguro, gratificante e estimulador, a mulher está em um período muitas vezes delicado, em que sua disponibilidade interna para o outro não é mais a mesma do que há 20, 30 anos atrás. Além disto, para algumas mulheres este período de passagem vem paralelo à um outro, a adolescência dos filhos, 152 que com todos os conflitos típicos de adolescência, a pegam justamente em uma fase de transformações nem sempre agradáveis e fáceis de se lidar. Já para outras, este período vem paralelo ao período de maioridade, independência, e o sair de casa dos filhos, o que sem dúvida traz modificações significativas no relacionamento com os pais. E em relação à isto, houveram relatos de sentimentos tanto de perda e dor, como também de um certo alívio e tranqüilidade. As mulheres que participaram desta pesquisa e são mães, têm filhos em idades distintas (como se pode ver em “Descrição das Participantes”), e além disso convivem com os filhos de formas diversas, já que algumas vivem com um companheiro enquanto outras são viúvas ou separadas. Assim, ao falar de filhos, abordaram aspectos distintos de sua vivência materna, e seus depoimentos de certa forma refletem tanto a diversidade de suas experiências, como os aspectos desta vivência que lhes estavam sendo mais relevantes por ocasião da pesquisa: A Relação Com os Filhos O amor que eu tenho pelos filhos é muito forte. Eu tenho muitas amigas que não têm filhos, e eu acho que elas estão perdendo muita coisa. Mesmo as brigas e os sofrimentos que os filhos trazem pra gente é uma coisa muito boa. É a melhor parte de mim, ser mãe pra mim, é uma coisa muito rica. E nós temos uma coisa de ser muito amigos, uma relação de amor muito grande. Mas eu já cheguei a ponto de dizer “Cata as tuas coisas e vai uns tempos na casa do teu pai que eu quero ficar um pouco longe de você.” Nós expressamos muito o que uma incomoda a outra, e isso é muito legal. (Tereza) Eu tenho uma relação de proximidade, de amizade, muito legal com as minhas duas filhas, tem uma coisa de amor muito mais gostosa do que eu tive com a minha mãe. (Miriam) Adoro as minhas filhas, ser mãe é uma coisa muito importante na minha vida, sou com elas a mãe que eu gostaria de ter tido. Me delicio com elas, somos muito amigas, elas são bárbaras, mas também me irrito e me desespero com elas. 153 Tenho amigas que não tiveram filhos que dizem que tem horas em que elas têm inveja de mim, mas tem horas em que eu também tenho inveja delas ! Acho que tô numa idade em que estar sempre cuidando do outro fica mais difícil, que quero receber também, e minhas filhas não tão muito aí pra dar ou cuidar. Se quero um tempo pra poder estudar, não adianta, se elas estão em casa, enquanto elas estão acordadas, não dá! Então isso em mim acaba às vezes sendo um pouco ambíguo : adoro a intimidade com elas, mas às vezes elas são um saco, me requisitam demais. Elas tomam muito espaço! Não vejo a hora delas crescerem pra eu pegar tênis e mochila e sair por aí! (Nira) Eu não quero mais ficar tão preocupada com filho. Acho que tá relacionado com menopausa ser o fim da fertilidade, porque eu estou sentindo que acabou minha fertilidade pra filho, e não só no sentido concreto. Minha filha mais nova no fim de semana faz a malinha, vai pra casa do namorado, e eu fico muito bem com isso. Meu filho está muito independente, muito homem. Já a outra anda com uns problemas sérios que me preocupa muito, que me pega na coisa de culpa, de talvez não ter sido boa mãe, que realmente me derruba às vezes. E eu sinto que estou querendo sair desse estilo de vida de “ser mãe,” estou querendo que eles vão embora, pra ver se eu me acho. Sempre fui muito super mãe, acho que estou muito fundida neles, então estou sentindo psicologicamente a necessidade de abrir mão de pensar neles pra eu poder me perceber, porque eu não dou espaço pra mim. Meu movimento agora é muito de dar um tempo pra mim e estar mais com o meu marido, só eu e ele... (Rubia) Acho que para uma mulher “do lar” como minha mãe, no que começa a ver os filhos crescerem, a função acaba, fica um vazio. Mas pra mim, que sou uma mulher super ativa profissionalmente, quando hoje meu filho fala “Ah mãe, eu vou morar sozinho” ou “acho que vou casar”, é tranquilo, eu até encorajo.(Elisa) Outro dia minha nora não estava bem e meu filho disse “vou pra casa cuidar da família, ” e me dei conta que realmente a casa dele não é mais a minha, 154 que a família dele agora é outra. Claro que vou sempre ser a mãe dos meus filhos, sei que eles me adoram e vão sempre gostar de mim, mas tem uma perda nessa separação que pra mim está sendo muito dolorosa. E isso não foi uma coisa que eu senti logo que ele casou, foi uma coisa que só fui perceber mesmo alguns anos depois. Por outro lado adoro minha nora, fico super orgulhosa do meu filho ser um bom marido e um bom pai., quer dizer , não tenho raiva nem ressentimento de ninguém, só dor... (Mariana) O que me tocou mais nesta época, foi o crescimento dos filhos... o fim da maternidade, da minha função maternal, é uma coisa pra mim muito dolorosa. (Chorando) a função maternal acabou, o fato de um filho ainda morar em casa não altera isso... É a única perda que eu realmente sinto... (Sonia) Minha filha quis ir passar um ano sozinha na Europa, e foi. E desde que ela voltou, sinto que ela tá num movimento de se diferenciar da gente, vendo o que do nosso jeito ela quer conservar pra ela, o que não, e por mais que eu ache isso super legal pra ela, tem um aspecto que me é doído nisso... (Rosana) Comparando gerações Eu invejo na minha filha o poder mostrar o tesão, manifestar a sexualidade, acho que ela conseguiu isso em um tempo muito mais curto do que eu. Ela se permitiu experimentar o “ficar,” que era tudo o que eu queria, experimentar uma transação sexual sem muitos comprometimentos, uma coisa de explorar a sexualidade sem ter que ficar com o cara amanhã. Pra mim isso foi uma coisa que limitou muito, e eu sinto que eles tão podendo experimentar isso sem ser escondido, e até com uma certa permissividade da gente. Eles contam das galinhagens deles pra gente numa boa. Depois tem um momento em que eles começam a querer resgatar o namoro, e aí é uma coisa inteira, de companheiro, de querer estar experimentando até uma coisa de ficar junto, de casamento. E eu acho bárbaro que eles estejam tendo a possibilidade de estar experimentando essas 155 coisas antes de qualquer definição mais existencial. Nisso minha filha tá muito mais na frente do que eu, e às vezes eu tenho inveja, e me realizo com ela. Por outro lado, eu sinto que eu tive que lutar muito pra quebrar coisas que minha filha não precisou quebrar, e eu não sinto por parte dela o movimento de romper, de contestar que a gente tinha , porque tá tudo fácil demais , disponível demais , então tem momentos que eu sinto que eles se acomodam muito e ficam passivos diante de enfrentamentos. Às vezes penso: “será que a gente não tá facilitando demais?” Mas fui descobrindo que os desafios deles são outros. Quando ela enfrenta o vestibular, conflitos em relações vinculares mais profundas, eu vejo que ela tem causa sim, e vislumbro uma outra guerreira. E aí fico me perguntando: “Será que eu não quero que eles sejam os espelhos dos guerreiros que a gente precisou ser? Pode ser que tenham um outro caminho...”, e isso me faz refletir também no que a gente perdeu tendo que ser tão guerreira assim” (Marcia) Eu não queria casar, sempre achei que papel não adiantava nada, isso foi a última concessão que eu fiz pra minha família. Então eu tava preparada pros meus filhos terem vida sexual com vários parceiros, escolher, e daí se juntar. Aí a minha primeira filha quis casar com todas as pompas, véu, grinalda e igreja! Pra mim foi uma coisa terrível! Eu tive que trabalhar muito na terapia pra aceitar que aquele era o sonho dela, porque eu tava puta, achava aquilo um horror. Então acho que ela é mais quadrada, mais burguêsa, mais família do que eu. Por outro lado a minha segunda filha é muito parecida comigo, fica muito na coisa do ficar, do transar, acha ótimo. Mas, pras duas a fidelidade é vital. Quando namoram não tem ficar, experimentar, flertar, não tem nada, porque elas são “fiéis! ” (Inês) As minhas filhas são minha cópia carbono. As duas são guerreiras, terrivelmente guerreiras, e têm um equilíbrio que eu invejo. Nisso eu fui o modelo de vida pra elas. Mas essa coisa da fidelidade chega a me irritar, elas não traem de jeito nenhum ! E olha que desde pequenas a gente conversou a respeito de sexo, de transa assim, assado, de ficar, de tudo o que se possa imaginar... (Paula) 156 Eu sinto essa coisa de guerreira , que foi uma coisa muito da nossa geração, muito forte na minha filha. Sinto nela uma energia muito parecida com a minha na busca de coisas. Mas eu sinto que ela quer comer tudo, todos os pratos, porque pra ela tem um leque muito grande de possibilidades disponíveis! Então eu acho que ao contrário da gente, o grande desafio pra ela é discriminar a escolha. (Rosana) Mulheres Que Não Tiveram Filhos Mulheres Que Desejaram Tê-los A questão da maternidade para mulheres que não estão vivendo com um companheiro é uma questão delicada, em função da existência ou não de um homem com quem se queira ter um filho e que esteja disponível para isso, ou, em caso contrário, de uma resolução interna pela opção de adotar uma criança, ou de ter um filho sozinha, como produção independente. E a estas questões, somam-se evidentemente fatores como idade, saúde, forma de vida e condições financeiras. Assim, para as que não são mães e desejaram sê-lo, o término do projeto de ter filhos e da própria esperança de vir à tê-los, geralmente vem até um pouco antes do término da possibilidade biológica de tê-los. E neste ponto, se para algumas esta porta se fecha de forma razoavelmente tranqüila, podendo até reconhecer e tirar proveito da liberdade que o não ter que cuidar de filhos traz, para outras ela se fecha com dor. Dor pela vivência da maternidade não realizada, pela vivência de um aspecto do humano que não foi possível experienciar. Menopausa é um marco que sinaliza pra quem nunca teve filhos, a impossibilidade de tê-los, e isto traz uma certa amargura... (Léa) Não ter filhos foi frustrante. Eu já chorei muito por isso, trabalhei muito em terapia esse problema de mãe com o filho que não pari. Me casei com perspectiva de filho, marido, aquela coisa toda pra qual a gente foi criada. Mas não tive, nunca engravidei. Fiz todos os exames e nunca acharam nada de errado comigo. Meu 157 marido sempre ser recusou a fazer qualquer tipo de exame. Depois da gente se separar, produção independente eu nunca quis, e com os namorados que eu tive, nunca encontrei um parceiro com quem eu tivesse uma convivência intensa e contínua que me permitisse perceber se eu podia ou não engravidar. (Julia) Ter filho ou não é uma história muito diferente pras mulheres sozinhas. A decisão final: “bom, não tive até agora, ultima escolha: vou ter ou não vou ter?”, foi há anos atrás pra mim, porque com mais de 40 anos eu já não ia ter mais filho, mesmo não estando ainda na menopausa. Eu sou de uma família de seis irmãos, sempre cuidei dos pequenos, sempre gostei muito de crianças. Então, eu sempre achei que eu ia ter filhos, era algo que seria natural pra mim. Por outro lado, quando eu fiquei adulta, eu tinha cá comigo que eu não ia casar, porque tinha um outro lado meu que queria ser independente, eram dois lados meus que conviviam. Aí me casei, mas meu marido não estava a fim de ter filho. E como eu usava DIU, não dava pra ter filho por acaso, não dava pra “esquecer” de tomar pílula. Uma colega minha me disse uma vez: “Você não teve filho porque não quis. Se você tivesse querido mesmo, você tinha retirado o DIU, engravidava, e dava a notícia”. Mas não estava em mim fazer isso, eu queria ter filho com pai. Eu me lembro que ele me dizia: “ Se você quiser muito ter filho, tenha, mas você cuida, eu não vou querer nem saber!” E assim eu não queria. Não sei se era falta de vontade ou de estrutura, alguma coisa faltou. O fato é que desse jeito eu não topei. Acho que tem a coisa simbólica de filho ser uma coisa feita a dois, que você quer e o outro também quer. Eu queria ter um filho assim, não queria ter um filho só meu pra eu cuidar. É meio como se eu me masturbasse... então eu não tive. Depois eu me separei e nunca mais tive nenhuma outra relação que levasse ao casamento. Os homens por quem eu me interessei, me apaixonei, e tive casos, não eram homens casáveis. Eu sempre quis homens que alargassem a minha experiência de vida, com quem eu sentisse coisas novas, homens com quem eu crescesse... e não calhou que aparecesse na minha frente algum homem assim que também fosse casável. Tive uma vez vontade de ter filho com um cara com quem eu tive um caso longo. Perguntei à ele: Você toparia ter um filho comigo?” Mas ele 158 não quis. E produção independente eu não queria, já não tinha querido com meu marido. Acho muito complicado, e inclusive caro, sem pai é uma puta responsabilidade, não é uma coisa que eu acho que dá certo. A hora de eu ter tido um filho teria quando eu estava casada. Se eu tivesse tirado o DIU , bancado a aposta e esperado pra ver que bicho ia dar. Mas isso eu não quis fazer na época, e também não tenho clareza de que se eu fosse fazer de novo, eu faria diferente. Se eu vivesse em outra circunstância, tivesse conhecido outras pessoas, tivesse... aí sei lá! Agora, se fossem as mesmas circunstâncias e eu igualzinha, provavelmente eu teria feito a mesma coisa, porque eu não teria condição de fazer diferente. Mas eu gostaria de ter tido filho sim, acho que é uma das dores que eu tenho. Essa experiência ficou por explorar... e o que eu acho chato é que eu vou morrer sem saber o que é isso. Eu penso às vezes em adotar uma criança, mas as escolhas que eu fiz pra minha vida me dão uma renda muito pequena, não ia dar pra bancar. Agora, eu me permito um grau de liberdade a que eu acho que eu faço jus, porque eu não tenho filho, não tenho família. Eu arco com as dores de não ter isso mas também tenho os prazeres, porque se eu arcar só com as dores eu sou uma idiota, não é ? ( Lucia) Eu tinha uma decisão que não queria ter filho. Porque eu queria estudar, e também porque eu queria derrubar a ditadura, e como teve caso de levaram bebê pra torturar , eu pensei: “eu não vou ter filho, não vou expor uma criança a isso.” O meu ex-marido queria que queria, mas eu não quis. Tempos depois, eu tive um caso com um aluno bem mais novo do que eu. E pela primeira vez na minha vida eu tive vontade de ter filho com ele. Tirei o DIU, programamos tudo pra eu ficar grávida de forma a emendar com as férias da Universidade , estava tudo certinho. Mas fui demitida, ao mesmo tempo a mãe dele que era quase da minha idade bombardeou, o cara não suportou , e a nossa relação acabou indo pro brejo. Houve uma outra ocasião em que pensei em ter um filho. Eu tenho um caso há 15 anos com um cara casado, e teve um momento em que eu fiquei grávida. Isso há 11 anos, eu estava com 36, e eu achava que era dele. Cheguei a conversar com ele 159 e ele disse que assumiria, que não tinha nada a ver com a gente morar junto, mas que ele seria o pai. Mas refazendo as contas, vi que não era dele e tirei. E engravidar dele propositalmente eu não quis, porque ele não queria e eu não ia forçar ninguém a ter filho. Então foram os dois únicos momentos da minha vida em que eu realmente tive vontade de ter filho. Hoje eu não quero. Há momentos, por exemplo, quando meu pai morreu, que eu senti um vazio enorme, e pensei que se eu tivesse um filho eu teria um colo... Então eu diria o seguinte: eu não me arrependo do que eu fiz. Não sofro: “Ai se eu tivesse filho! Eu preciso ter um filho!” Tenho amigas que não sossegaram enquanto não tiveram um filho, em termos de se sentir mulher e tal. Crise deste tipo eu não tive. Agora, olhando pra trás eu teria filho se eu pudesse refazer a história da minha vida. Mas não a ponto de adotar uma criança hoje. Então, a passagem da menopausa não me pegou por aí... (Norma) Mulheres Que Não Desejaram Tê-los Por outro lado, há mulheres que relatam nunca ter realmente desejado ter filhos. E para estas, o término da possibilidade de ser mãe, não acarreta perda ou frustração : Eu nunca pensei em ter filho com homem algum a não ser naquele momento do grande amor, depois daquela trepada, daquela puta paixão... ‘Ai, eu queria tanto ter um filhinho de você aqui na barriga’. Mas assim: acabou, levantei pra ir buscar água, esqueci! Não tenho vontade, nunca tive... (Fernanda) Em relação à possibilidade de gerar um filho, não senti o deixar de menstruar como perda, porque eu nunca tive vontade de ser mãe , de engravidar. Eu nunca me senti muito equilibrada prá ser uma boa mãe. Acho que eu cairia no amor sem limite, nessa coisa de se apoderar do ser e sufocar. E também sempre teve o problema da figura masculina, porque eu não queria casar. Então prá mim filho já teria que começar como produção independente, já pesado, ônus demais para mim. Por outro lado, ao contrário da maioria das mulheres da minha idade que casou e teve filhos, eu me sinto muito solta prá fazer qualquer coisa. Eu posso 160 ter o exercício dessa liberdade o quanto eu quiser, em qualquer lugar do planeta, e gosto disso. (Andréa) AVALIANDO MUDANÇAS O VIVIDO: Percebendo Transformações PERDAS, GANHOS, E OUTRAS 161 Parando para Balanço Comum à todas as mulheres que participaram desta pesquisa neste período de vida, é a experiência de um certo balanço dos caminhos percorridos; do que foi realizado, do que não foi, das chances que foram aproveitadas ou não, do que se aprendeu, dos sonhos que tornaram-se ou não realidade ou que deixaram de ser sonhos e foram esquecidos. Junto à isso, ao lado de todas as experiências e mudanças já abordadas anteriormente, emerge também um pensar nas escolhas por vir, um considerar das possibilidades e desejos de enveredar por novos caminhos e tomar novos rumos. Um pensar sobre o que verdadeiramente se quer e o que não se quer preservar. Enfim, um olhar avaliativo do que ficou para trás, de onde se está, e também de como e para onde se quer seguir. Quem sou eu hoje, o que vivi, o que deixei de viver, onde estou, para onde quero ir, com o que quero me comprometer, são perguntas que tiveram forte presença nos relatos das participantes, e que caracterizam este momento e vida. Abaixo alguns relatos que descrevem este processo: Esta é uma idade onde a gente repensa a vida, pensa no que fez, no que não fez, no que pode ainda vir a fazer, quer dizer, faz uma garimpagem e tira o que é realmente essencial. Eu me sinto profundamente adolescente neste momento da minha vida. E é curioso como ás vezes me vêm fragmentos de sensações corporais e de imagens do tempo de adolescente, como se eu estivesse voltando no tempo. Talvez porque nesse momento da minha vida também está presente uma certa adolescência, no sentido de um brotar, um surgir de algo novo. (Stela) No meu aniversário de 41 anos que eu não quis conversar com ninguém, eu queria aquele espaço pra mim. Eu passei o fim de semana inteiro ouvindo músicas do passado, resgatando todos os meus desejos, todas as minhas vontades de mulher que não realizei, todos os amores recalcados, eu vivi isso profundamente , foi um negócio muito significativo. E saí disso encarando esse momento. (Marcia) Estou num momento em que me sinto em uma reflexão muito funda: “ Que sonhos foram esses dos meus vinte anos? O que é que eu realizei? O que que eu não 162 realizei? O que valeu a pena? O que não valeu a pena?” É uma época de balanço, e tá uma coisa fortíssima viver isso. Por outro lado, eu me sinto refletindo também “Que é que eu quero prós próximos 20 anos? Que mulher eu quero ser aos 65? E olhando pra minha mãe, me pergunto também: o que eu quero e o que eu não quero que a minha mãe tem?” Em relação ao casamento me pega um pouco pensar que eu não tive experiências com outros homens. Fui criada numa família que freqüentava igreja protestante, eu tinha aquelas regras, tal, mas isso era muito meu também. Se tinha um namorado, era aquele namorado. Comecei a namorar com meu atual marido aos 16 anos, e casei virgem. A nossa vida sexual foi uma coisa muito legal de aprendizagem, de troca, mas eu vivi isto com um homem só. E de certa forma isso pesa pra mim atualmente. Porque todo mundo casou, descasou, teve trocentos homens, e eu tive um. Então fazendo um balanço da minha vida 25 anos com um homem só, penso : Será que eu quero mais 25 anos pela frente? E me incomoda por aí, quer dizer, conquistei um lado super arrojado no trabalho, e me faltou coragem nesse outro lado. E pensar que eu como mulher joguei a vida numa cartada só, me faz mal... (Elaine) A chegada da menopausa é um momento que traz muitas reformas a nível corporal, e vem junto com um momento em que você começa a se preocupar com o que é que você fez, o que valeu a pena, o que não valeu a pena, o que é que ainda pode ser feito, é uma reflexão em que você fica muito agudamente consciente de que você está na sua etapa mais madura de vida... Tenho sentido necessidade de descobrir caminhos novos, tem umas coisas velhas que eu tô querendo jogar fora, como quando você tá fazendo uma limpeza: algumas coisas você quer conservar, outras você vê que é um velho que não serve mais, que só amarrou, e quer jogar fora. (Rosana) A minha vida basicamente foi muito pautada em muito trabalho. Hoje estou refletindo muito sobre isso, sentindo que deixei de fazer muitas coisas. Sinto que 163 esqueci muito de mim, que não prestei muita atenção nas coisas que estavam acontecendo comigo...(Ana) Tenho feito muito um balanço da minha vida nos últimos anos, pensado que a minha vida correu por um caminho completamente diferente do que eu imaginava que fosse. Porque não era pra ser assim, eu para eu ser uma mulher, com uma família, bem sucedida profissionalmente, com uma casa não sei o quê, com um marido não sei o que lá, e não essa pessoa turbulenta, atrapalhada. Eu investi na minha vida pessoal um tempo inacreditável, eu não conheço ninguém que tenha investido tanto tempo fazendo análise, pensando na vida e tal. Eu banquei pra mim mesma um tempo que eu sei que por outros critérios meus mesmos deveriam ser pra outras coisas. Trabalhei anos pra viabilizar o meu próprio interior pra poder me haver com a vida de uma maneira razoável nas frentes que eu tenho . Provavelmente muitas pessoas diriam, “você perdeu um tempo louco!” Mas o que as pessoas vêem dentro da gente? As pessoas me conhecem profissionalmente, lêem os artigos que eu escrevo, me vêem em congressos, assistem cursos que eu dou, participam de reuniões em que eu vou, mas isso é só um lado de mim... (Lucia) Considerando o Envelhecer Acompanhando este balanço de vida, um outro fator mencionado por várias mulheres é a consideração do envelhecer, do perceber-se envelhecer, que marcadamente se diferencia da sensação de imortalidade e onipotência da juventude. Algumas mulheres relataram inclusive estar percebendo em si um novo olhar, uma atenção curiosa e interessada em relação às pessoas mais velhas. Os depoimentos abaixo são exemplos: Aos 49 anos tive sérios problemas devidos a fortes hemorragias. Isso foi uma mudança muito forte pra mim, porque para uma pessoa revolucionária, para uma feminista, envelhecimento não existe. Se você tem idéias revolucionárias, sente que tem que construir todo um mundo novo, está sempre disposta a enfrentar 164 tudo, a questionar, subverter a ordem, isso é o anti-envelhecimento, entendeu? Então perceber isso foi muito forte. (Maria Amélia) Tem uma coisa do velho com a qual começo a dialogar, porque me vejo mais próxima disto. Me pego pensando: Qual é a velha que eu quero ser? E de repente eu tô muito ligada na minha avó, é uma coisa louca este resgate da avó! Ultimamente eu vejo a minha avó sabe como? No espelho! Eu me olho, faço careta, franzo o rosto e me vejo com noventa e poucos anos, como ela. E eu não me projeto só fisicamente, eu me projeto inteira mesmo. Aliás, tem uma particularidade que quero contar. Há una 10 anos atrás, a minha mãe entrou de repente no quarto dela e pegou a minha avó se masturbando. Com oitenta e poucos anos, entendeu ? Quer dizer, tá lá o tesão, né? Ela tava viva, super viva! E eu acho que também vou estar! (Paula) Eu tenho me percebido preocupada com o tempo que me resta, com o que é que eu vou fazer, porque eu não tenho mais o tempo todo do mundo... Sinto que preciso aproveitar os meus anos e planejar pra quando não tiver mais vontade de trabalhar tanto. E me encontro pensando como minha mãe deve se sentir aos setenta e tantos anos. Se eu me sinto às vezes sem vontade, como é que eu me sentirei quando tiver a idade dela? Então tenho me percebido mais observadora do que ela faz, do que é que a motiva, pensando em quais serão as minhas motivações quando eu tiver a idade dela. Porque hoje eu tenho como motivação os meus filhos, coisas que eu gostaria de ver, mas de repente daqui a 20 anos isso não será mais motivação para mim. Tenho me percebido pensando muito neste tipo de coisa... (Cecília) Mudando o jeito de ser Também acompanhando este balanço de vida, algumas mulheres relatam estar vivendo uma transformação marcante no jeito de ser. Umas mais intencionalmente, em uma busca por maior autenticidade, mais satisfação, e por dar espaço à aspectos seus antes 165 pouco desenvolvidos; outras por sentir mudar a qualidade de sua energia, de seus interesses e motivações : De repente parei pra pensar se fico no que eu estava fazendo ou se mudo. Estou selecionando muito mais no que quero me envolver, deixando de fazer algumas coisas, talvez até porque eu esteja mais cansada às vezes, mas tenho procurado fazer coisas nas quais eu sinto que posso contribuir verdadeiramente e de um jeito que me seja mais satisfatório...(Frida) Estou sendo seletiva. Eu estou procurando fazer só as coisas que me dão prazer, as coisas que eu gosto de fazer. Inclusive viver as emoções, coisa que eu não me permitia porque eu sempre fui muito racional. Quero poder ir ao teatro ou ao cinema à hora que eu quiser, pesquisar o que eu quiser, viajar prá onde eu quiser, viver a minha sexualidade como e com quem eu quiser. E abri mão da segurança pra isso. Por isso eu digo que parece que eu sou uma adolescente agora. (Julia) A minha vida inteira eu cuidei dos outros, nunca cuidei de mim. E agora eu presto atenção em mim. Faço força, nem sempre consigo, mas fico muito atenta em não fazer coisas que não quero. Às vezes escapa, eu faço, e fico muito brava. E isso é uma coisa nova. Hoje eu consigo dizer não, até para os meus filhos. (Elisa) Sinto que eu estou mais reflexiva, que tenho hoje uma energia diferente, uma energia para buscar mais a paz. Eu não quero mais “mudar,” eu quero “aproveitar as conquistas.” E isso está mexendo profundamente comigo. Pra mim, entrar na menopausa significa sossegar o fogo. E não acho isso ruim, eu não estou querendo mais essa energia intensa, batalhadora, que eu tive a minha vida inteira. Eu tenho mudado muito em termos de personalidade, tô querendo uma coisa mais serena. Antigamente eu era uma mulher que tinha que sair de noite, fim-de-semana, passear, fazer, era eu não fazer isso que você ia me ver de mau humor. A minha vida era um agito no sentido de programas, viagens, e tal. Agora não, se eu tiver 166 que ficar em casa, eu fico numa boa, fico legal. Continuo adorando sair pra dançar, comer fora, viajar, eu tenho uma casa na praia, que a gente vai muito, e eu adoro ir. Mas é uma coisa mais serena. Eu quero curtir meu marido, minha relação amorosa, ficar no meu canto na praia, nadar e olhar o mar, serenamente...(Rubia) Eu estou mais cuidadosa. Aos trinta e cinco anos tive meus últimos lances de “porraloquisse,” peguei um avião e fui passar um mês sozinha na Europa. Sem nenhum projeto, sem nenhuma reserva, sem hotel, sem plano, sem nada! E isso sempre foi um traço meu. Pra me mudar de universidade, de cidade, de amigos, não precisava de muita coisa, não ficava três anos pensando, em um mês eu decidia que ia e ia! Hoje eu não faria isso de jeito nenhum, não me lanço mais nas coisas como me lançava. Porque eu não sou mais só eu, sou eu e a minha história, com pessoas, obrigações, o fato de você ter um passado é uma coisa impressionante. (Sonia) Abrindo mais espaço para o Feminino Uma outra mudança que se evidenciou em vários relatos, é o estar abrindo espaço para os aspectos mais femininos, receptivos, delicados e suaves de si. A geração de mulheres que participou ativamente dos movimentos políticos dos anos 60 e 70, se caracterizou de certa forma por ser uma geração de guerreiras. Reivindicando, contestando, desafiando, ousando experimentar novos comportamentos. O clima da época, especialmente nos países onde houve ditadura militar, trouxe um endurecer pra quem militava politicamente, e além disto, o movimento feminista nos vários países onde se espraiou, fomentou inicialmente nas mulheres, uma postura belicosa no contestar as desigualdades de gênero, o que posteriormente, se modificou no próprio movimento feminista, como se lê por exemplo em Friedan (1981) A Segunda Etapa. Assim, várias destas mulheres, estão somente hoje se permitindo deixar emergir certos aspectos do seu feminino. 167 Eu sempre tive uma vida de muito trabalho, comecei a trabalhar aos 13 anos. E além disso, pra participar tanto no movimento feminista quanto na luta contra a ditadura, tinha que ser muito guerreira. Então pra mim hoje, é desmanchar o homem que eu precisei ser. De uns 7 anos pra cá, na verdade, eu tô tentando achar a mulher em mim, resgatar a feminilidade, a suavidade... (Sandra) Nos anos 60 e 70, a mulher tinha uma ambiguidade muito grande como mulher. Ser feminina era ser burguesa, precisava ser guerreiro, precisava ser muito macho pra mudar o mundo. Não podia usar maquiagem, roupa sensual, sapato alto. Tinha que ser estilo guerrilheira! Eu deixei de tocar piano, e eu adorava tocar piano, deixei de dançar, porque isso tudo era tido como coisa burguesa. Acho que se por um lado nos tornamos muito guerreiras naquela época, por outro houve um entrave da mulher não-guerreira, que é um outro tipo de heroína, heroína do ponto de vista do acolher, do afeto, da sensualidade, do corpo - da não-ação. Acho que durante muito tempo isso continuou na gente internamente, e exigiu muito trabalho pessoal pra resgatar esse feminino que tivemos que negar. (Marcia) Com tudo aquilo que a gente viveu, sinto às vezes que endureci muito. Tanto que agora que estou me sentindo nesta passagem de idade, estou com uma proposta de não ficar mais lutando tanto, chega. Tenho muita vontade de viver o meu lado mais feminino, mais meigo, que não tinha muito lugar na guerreira contestadora. Acho que eu fui muito com o masculino na minha coisa de batalhadora. Em casa meu marido é que era o doce, o que brincava com as crianças; já eu era a que educava, a que tinha que dizer “isso não pode”, porque mesmo que ele estivesse do lado ele não abria a boca. Então hoje, às vezes eu falo para o meu marido: “Ah, toma conta das coisas, toma conta de mim, vá?” E ele dá risada e fala: “Poxa, você mudou, hem? Agora você vem me dizer que você quer um machão? Sinto muito, mas eu não sou.” Então nós vamos ter que achar um meio termo... (Rubia) 168 A minha sensação é que eu virei homem pra poder enfrentar, os 18, 20 anos, na hora em que quis entrar na universidade, e resolvi ser independente, autônoma, ter uma profissão e vencer na vida. E mais ainda depois, quando quis ser de esquerda, militante, não sei o quê, transformar o mundo . Porque pra isso você tinha que virar homem, no papel feminino que eu conhecia não cabia isso, não tinha instrumentos pra fazer isso. O único modelo que a gente tinha era o modelo masculino, muito patriarcal, muito autoritário e cruel. E eu percebo que por um modelo masculino adotado muito rígido, eu fui cruel comigo mesma em termos de repressão, de autoridade, de muita recriminação em relação à minha fragilidade, meus defeitos, minhas dificuldades. Pra enfrentar meu pai, a família, eu tive que assumir o guerreiro porque é uma guerra masculina, você briga no campo masculino! E nos lugares em que fui trabalhar como socióloga, só tinha homem! Então hoje eu tô procurando recuperar o meu feminino e tentando mudar o masculino briguento em mim. Trabalho num ambiente predominantemente masculino, e me permito fazer gracinha, me permito até ser sedutora, mas escrachadamente, todo mundo vendo, sedução não como arma de poder, mas como graça feminina. Hoje a minha relação de trabalho é muito agradável com os homens, eu chego, faço questão de dar beijinho em todo mundo, e eles também cobram o meu beijinho. Tem um certo modo de relação que é muito afável , afetivo, onde fica muito presente que somos homens e mulheres, e que convivemos profissionalmente continuando a ser homens e mulheres.. No entanto, apesar dessa mudança, só o fato de ser uma profissional bem sucedida já assusta muito os homens. Aquilo que é uma qualidade nossa, muitas vezes vira obstáculo à convivência com um parceiro... (Lucia) Percebendo Perdas A perda do que foi vivido Este é um tema que já apareceu anteriormente, nas vários partes deste trabalho que tratam das mudanças percebidas nesta passagem : mudanças físicas, mudanças sexuais, 169 mudanças psico-sociais, etc. Selecionei aqui no entanto, dois depoimentos que falam de sensações de perda diferentes. A primeira, da sensação do menstruar, vivida por uma das mulheres como uma experiência prazerosa; a segunda, a de um modo de ser, vem junto com uma certa saudade por um tempo vivido como muito especial: Eu sempre gostei muito de ficar menstruada, pra mim sempre foi um prazer. Talvez até porque eu nunca tive cólica, tensões pré-menstruais, sempre foi uma coisa de sentir aquele alívio , de me sentir viva, de me sentir mulher. E pra mim eu acho que vai ser meio complicado não ter mais aquela sensação... (Silvia) Sinto a perda da juventude, daquele corpinho bonitinho, daquela graça, isso não é nada fácil. Mas além disso, sinto saudade da Rubia rebelde, que se metia em tudo, que contestava tudo, eu adorava ser assim! Acho que a rebeldia foi uma característica muito grande na minha vida. Eu incomodei muita gente com a minha rebeldia, com os meus gritos, minhas falações. Às vezes, as pessoas me dizem: “nossa, não fica brava,” e eu não estou brava, é que eu tenho um jeito apaixonado de falar, eu me empolgo, ou então eu fico arrasada, nada é no meio termo. E ultimamente eu me percebo ficando mais quieta, mais madura, sabendo até equilibrar melhor a minha emoção, mas sinto falta da menina que eu fui... Isso tem vindo junto com uma certa nostalgia, porque eu tenho filhos jovens entrando na idade adulta, e o que eles estão vivendo, é tão diferente do momento que eu vivi! A gente tinha tanto ideal, tinha tanta coisa para lutar, tanta coisa para fazer, para ler, para entender e trocar... Eu realmente acho que a gente tinha um mundo muito mais amplo do que eu vejo que meus filhos tem agora. Então quando eu vejo na moda, na música, “a volta dos anos sessenta, dos anos setenta” eu fico profundamente irritada. Não tem nada a ver! A gente tinha “outra” cabeça para usar aquelas roupas, aqueles coletes, tudo tinha um sentido! Eu penso “aquele foi o nosso momento, não mexam!” Para eles tem um significado mais engraçado, é uma coisa até alegórica, só de forma, e para gente tinha um significado profundo, a gente botava aqueles saiões, aqueles colares e saia levantando a cabeça : “Sou mesmo e daí? Quero ver quem vai me prender!” Era muito isso... (Rubia) 170 O luto pelas experiências não vividas Na parte deste trabalho relativa à relação com filhos, houveram depoimentos de sentimentos de perda por parte de mulheres que não tiveram filhos e desejaram tê-los, no sentido de sentirem-se não podendo mais experienciar este aspecto do feminino. No entanto, além disto, para algumas mulheres em graus e modos distintos, os quarenta vieram junto à uma sensação distinta de falta, que também diz respeito a um aspecto não realizado do feminino: o do luto pelas experiências amorosas e sensuais não vividas, e que com a idade ficam mais difíceis de realizar. Para algumas, o intenso envolvimento interno em vários tipos de lutas onde tinham que assumir uma postura guerreira -- por justiça social, por conquistar poder, direitos e posições em todas as áreas (na família, no social, no profissional, e até no campo sexual), contribuiu para que não vivessem relações amorosas onde realmente tenham se entregue e se aberto à um parceiro; não se deram espaço para este aspecto do ser mulher, e, como anteriormente mencionado no item “Abrindo mais espaço para o feminino, ” muitas somente agora estão resgatando (ou tentando resgatar), esta experiência e este aspecto de si mesma. Para outras, como descrito nos depoimentos abaixo, uma educação sexualmente repressora, muitas vezes até religiosa, impediu a descoberta e a exploração da sensualidade e afetividade feminina : Eu tenho a sensação que eu fui descobrir a minha sensualidade num momento onde eu já não tava com todos os viços com os quais poderia tirar proveito dela. Passei grande parte da minha vida travada, com vergonha do meu corpo, achando que era feio, que eu não podia mostrar... Mas, depois de muita elaboração interna, quando fui descobrir que até que não era feio, que até dava prá olhar, já tava meio tarde. E isso de uma certa maneira eu não aceito ainda... Porque eu sinto uma vontade, um desejo muito grande de estar descobrindo essa minha sensualidade com todos os instrumentais corporais possíveis a meu favor. Eu até tento viver a descoberta da minha sensualidade comigo mesma, dançando, me olhando, não sei o quê, mas não é a mesma coisa, não é suficiente, o olhar do 171 homem é muito importante prá mim. Mas aí você vai descobrindo que as pessoas já não te olham mais do mesmo jeito que antes, que a você já passa despercebida ao olhar dos homens, quando você anda na rua não te fazem mais aqueles gracejos, você já não desperta mais desejo... Te chamam de senhora, de tia, é muito decepcionante. Teve uma época que eu me iludi com os rapazes mais jovens, mas é uma outra coisa que desperta, pode até ter algo de sensualidade misturado, mas não é esse objeto que eu quero ser... Eu queria estar despertando desejo como mulher, e não penso se é no jovem de 25 ou no homem de 50, eu queria despertar isso no homem . E eu sinto que pra gente já é difícil, já é difícil, e isso é uma perda muito doída prá mim. Agora, o que tenho a meu favor e que me ajuda muito, é que meu marido sente muita atração por mim. Eu acho que tem uma coisa forte entre a gente, muito forte. Então isso me alimenta, mas não me basta. Porque é como se eu precisasse ter tido um tempo de estar mostrando eu mulher no coletivo. Me vêm imagens de ser uma mulher que atrai todo mundo, uma mulher fatal - eu não pude experimentar isso, e eu queria ter experimentado... (Marcia) Eu comecei muito tarde a me soltar e me abrir prá um monte de coisas, tive antes que trabalhar e limpar uma série de coisas minhas que estavam me amarrando. No início na minha vida sexual por exemplo, eu tive muitos problemas, eu não sentia tesão sexual, eu não conseguia me entregar, era uma amarra minha. E quando pude me soltar como pessoa, me abrir mais, eu já estava muito perto do climatério. Quando eu fiz 40 anos, procurei terapia novamente porque de repente eu percebi que estava entrando na idade adulta, mas me sentindo “super” adolescente, me abrindo pela primeira vez pras coisas variadas, pra relacionamentos fora do casamento, mais livres com os homens, e tal . Eu tinha a sensação que tinha muita coisa que eu não tinha feito e ainda queria fazer, que só agora tava conseguindo ter coragem de olhar e estar vivendo, mas que eu já tava entrando nos quarenta, e que já estava tarde... Em tudo que eu tava fazendo antes já tinha estas buscas, mas só aos 40 é que eu consegui me apropriar de eu-mulher, eu-sexualidade, eu-charme, no sentido de perceber como jogo charme, sensualidade, e ... não me sinto tão sensual como eu poderia ter sido quando eu 172 tinha 30 anos. Porque prá você ser sensual, não é só o teu papo, não é só teu jeito, é o teu corpo também. Então eu acho que é isso que eu perdi... Nesse período de vida a gente tem a sensação de perder a ilusão. Ilusão de viver aventuras amorosas, de conquistar e de ser conquistada, talvez até de desmanchar o casamento pra viver totalmente uma paixão com um outro homem, vir a ter outro filho... E tem uma coisa difícil na perda da ilusão, porque a ilusão para mim, mesmo que eu não a realize, já me dá tesão...(Rosana) Interessantemente, em contato posterior com Rosana um ano e meio depois, estes sentimentos haviam se modificado, o que me faz considerar a importância do momento, do fator temporal neste processo. Para Rosana, parece que houve um período de sofrimento pelas perdas, um período de luto que se fechou, abrindo espaço para novas experiências : Eu tinha uma sensação de ter perdido o tempo, eu hoje já não tô sentindo assim, não estou mais em uma busca frenética pelo que não vivi. Hoje eu sinto que tenho uma nova perspectiva, ainda não sei direito qual é, mas sei que não é tão ameaçadora, algumas coisas eu até vislumbro. É uma coisa de investir também, tenho procurado me sentir bem, me sentir bem vestida por exemplo. E tenho buscado minha sensualidade de um outro jeito, mais suave, não tão afoita. Tenho sentido necessidade de descobrir caminhos novos, mas algumas coisas que me afligiam no sentido de não ter mais tempo, eu não quero mais, não faz mal se eu não usei bem, se perdi, realmente já não quero mais... (Rosana - um ano e meio depois do workshop ) Percebendo Ganhos Ganhando sabedoria, inteireza, e maior sensibilidade com os outros A grande maioria das mulheres entrevistadas, de uma forma ou outra, falaram de como hoje se sentem muito mais sábias, inteligentes, seguras e integradas nos diversos aspectos de si. Algumas falaram do perceber-se mais espertas e hábeis no relacionamento com os outros e no lidar com distintas situações. Outras, de sentirem-se mais tolerantes e 173 pacientes, e de, por não estarem mais tão auto-centradas, poderem perceber os outros de forma mais sensível, dando-lhes mais atenção. No geral, com exceção das que estavam em uma fase de franca depressão, todas reconheceram ter conquistado um ganho significativo em sabedoria de vida. Eu me vejo, tanto pessoalmente quanto profissionalmente, buscando uma integração de coisas, da mente com o corpo, do não-verbal com o verbal, do sentimento com a racionalidade; ora me volto pra atividades artísticas, ora prá uma coisa mais cognitiva, fico fazendo essa dança. Teve alguns momentos que eu vislumbrei que eu pudesse fazer "a integração”. Hoje, na minha maturidade, eu descubro que isso também é processo, acho que esse meu período de vida está me dando essa sabedoria. (Marcia) Toda minha história de vida foi em cima de racionalidade, de conquistas, de me tornar capaz de solucionar e vencer dificuldades. E com isso eu deixei deliberadamente de lado partes minhas. A uns anos atrás comecei a querer resgatálas e ser mais inteira, tanto profissional quanto pessoalmente.(Ines) Eu costumava ser elétrica, fazia mil coisas sem cansar. Hoje eu não tenho mais o mesmo fôlego que tinha antes, mas eu acho que eu tenho muito mais qualidade. Sou mais centrada, mais madura, acho que essa é a melhor fase da minha vida... (Renata) Sinto que profissionalmente, tenho ainda muito pra dar, porque tenho a maturidade da experiência, o equilíbrio da idade, contatos, conhecimento da profissão, e ao mesmo tempo o saber usar - fiquei esperta, habilidosa. (Cecília) Com o câncer que tive no seio, e todo o processo que isto envolveu, eu estive muito próxima da morte. Então eu senti neste último ano, uma coisa de despertar, de ter mais consciência. Hoje eu me sinto mais segura de mim, não tenho mais medos. Quando você entra em contato com a morte você muda... (Miriam ) 174 Uma coisa nova nesta fase da minha vida, é que estou querendo mais tempo pra pensar, pra andar, pra nadar, pra desenvolver mais o lado espiritual, pra encontrar mais harmonia e serenidade, sei lá, pra mim. Só que pra isso, tem a questão de saber organizar a vida, saber lidar com o tempo, não ficar desesperada pra trabalhar. Pra poder dar mais atenção pras pessoas, pra minha mãe, pro sogro que tá sozinho... A imagem que vem é a imagem de uma cacica índia, de sabedoria. Porque quando você sente mais sábia, você se sente mais ligada aos outros, você se sente mais tolerante, mais paciente. Tem umas coisas que tão acontecendo nesse sentido comigo que eu tô curtindo demais, e que acho que é coisa do envelhecimento mesmo., tem esse lado super legal. Quando você tem trinta, você tá subindo na cabeça de todo mundo, é “aquela” competição, política, profissional, sexual, o que for, né? E de repente você começa a perceber que acalmou. Eu acho isso fantástico, é não girar tanto em torno do próprio umbigo, não ser tão auto-centrada, de repente, você começa a perceber que não precisa ser assim. (Silvia) A Luz no Fim do Túnel Ao longo da pesquisa, algumas mulheres que relataram ter passado por uma fase bem difícil, sofrida, e até desesperante, tanto física quanto psicologicamente, durante um período do climatério e/ou início da menopausa, contaram que após a menopausa ter se instalado de forma mais definitiva, sentiram um abrir de novos horizontes, um resgatar da satisfação de viver, e, parodiando Huxley, um verdadeiro “abrir das portas da percepção.” Essa ‘luz no fim do túnel,” veio a confirmar o que eu havia lido sobre PMZ (Pós Menopausal Zest), nome dado por Mead à incrível sensação de ânimo e bem-estar que sentiu após a menopausa. É verdade que isto não transpareceu em todas as participantes da pesquisa que já estavam na menopausa de forma tão marcante como nos dois primeiros depoimentos abaixo. O terceiro depoimento por exemplo, também de uma mulher já na menopausa, tem certamente um tom menos entusiasmado, mas apesar disto, pontos em comum com os dois primeiros. tem vários 175 Percebi porém, como foi alentador e importante para as mulheres que estavam no momento da pesquisa passando por um período difícil e não muito ensolarado de climatério ou menopausa, poder vislumbrar, a partir dos relatos de mulheres que já estavam na menopausa, a possibilidade de uma primavera ao final desta passagem. Tem uma coisa muito interessante: passado um estreitamento de canal muito difícil e muito apertado em vários níveis, passada a coisa específica da menopausa, eu me vejo emergindo muito mais natural, mais simples, com uma lucidez e uma clareza extraordinária. Apesar de precisar dos óculos, a gente vê mais claro as situações, a relação é mais direta, a gente sofre menos com as coisas emocionais, vem um período de tranquilidade sem tumulto. É um período de ver e discriminar as coisas com muita clareza. Eu sinto que o período da paixão, por qualquer pessoa ou qualquer idéia passou, e o declínio do desejo e o declínio do erótico te dá uma liberdade extraordinária de usufruir qualquer coisa que seja. Você é capaz de achar graça nas coisas mais inacreditáveis, você acha graça em contatos mais simples, o padeiro da esquina, alguém que você conhece e repara em você, você não tem aquele anseio, aquela nostalgia, aquela coisa que não sai da barriga, e portanto a gente fica mais livre. Eu acho que fiz muita besteira porque tava presa nos hormônios, sabe quando você é “prisioneira dos hormônios?” Aquelas coisas que você depois que passa se diz “Meu Deus do céu, aonde é que eu estava com a cabeça, que burra!” Os hormônios maquiam as coisas ! Sinto também que me contento com muito menos hoje. Antes quando eu tava numa certa alegria , uma mania, uma coisa apaixonada, eu entrava num shopping center e achava tudo desejável. Hoje em dia sou capaz de passar por um shopping center, tomar um café, comer um pão de queijo e ficar contente, uma coisa de prescindir de coisas materiais que antes eram tão importantes. Por outro lado, dá um pouco de saudade daqueles picos de paixão cega, quando você cavalga a paixão sem avaliar sua energia. Eu faço menos besteiras hoje em dia, mas a paixão é embriagadora, dá um barato especial do qual eu sinto falta às vezes. Por outro lado, a sensação de proximidade com a morte, que “daqui pra frente é só pra baixo,” que vivi muito intensamente antes, também reformulei 176 internamente. Inclusive em relação à coisa da dor da separação dos filhos crescidos, de repente você chegar em casa e a casa estar do jeito que você deixou quando saiu, de repente você ser dona do seu tempo, é uma coisa muito boa, te dá mais espaço de buscar coisas boas. ( Vera ) Eu tô num momento de explosão, uma coisa interessante, por um lado uma potência enorme, e ao mesmo tempo num processo de humildade para aprender as pequenas coisas. Então assim: (gesto amplo pra fora de si) "plum" explode... e volta (gesto pra si ). Então é um momento muito incrível o que eu tô sentindo esse ano. É uma apropriação daquilo que eu sempre acreditei, mas para mim, podendo realmente aplicar isso na minha vida sem medos. É uma apropriação mais profunda dos conhecimentos a nível do sentimento. Acho que fiquei mais inteligente! É um crescimento em termos da minha vida interior que tá sendo muito rico prá mim. Então não tô parada nas perdas, eu tô tendo ganhos também. Eu tô ganhando em sabedoria das coisas, na minha relação afetiva com as pessoas, sinto que sou capaz de maior compreensão, de realmente perceber o outro. Por exemplo, meu companheiro tá ranzinza, porque ele também está no climatério. Olho pra ele e consigo perceber o que se passa , vejo dimensões dele que não conseguia ver antes. E percebo o ganho dessa maturidade, dessa coisa de estar entendendo mais o outro. Com compaixão. Essa palavra é muito forte pra mim, é estar “junto ” com amor... (Paula) Existe um ganho consolidado sem dúvida, os anos te ensinam a manejar melhor até a capacidade de sentir prazer, você aprende a se divertir com muito menos e com menos sofrimento. Porque você consegue discriminar as coisas com mais clareza, e isso, é o tempo que te dá. Acho que a gente aprende a manejar a infelicidade... Você passa a juventude buscando a felicidade, mas você não sabe o que é que ela é, e a maturidade te ensina a não ser infeliz, o que é uma coisa diferente de buscar a felicidade... (Sonia) 177 Resgatando a guerreira para romper amarras Várias mulheres relataram que só depois dos quarenta tiveram coragem de romper amarras pessoais e realizar seus desejos. Algumas, só nesta idade conseguiram se mobilizar para romper casamentos que há muito as oprimiam; outras, só nesta idade conseguiram mobilizar coragem para lançar-se em aventuras que há muito acalentavam. Os dois relatos abaixo são exemplos : Eu sinto que eu tenho hoje mais coragem de fazer coisas aventureiras, de empreender buscas que me trazem uma integridade grande. Como a viagem que eu fiz sozinha pra Europa, me meti pelo mundo com pessoas novas, gente diferente , isso me deu uma sensação de inteireza muito grande.(Rosana) Pra mim o que veio foi uma modificação interior, de repente eu resolvi não continuar casada com um homem com quem eu não tinha mais nada a ver, que me fez sofrer muito. Então aos 47 anos, finalmente me separei! E me sinto recomeçando a vida , como se eu fosse uma flor que só estivesse brotando agora. Nunca me senti tão livre. (Elisa) Tecendo o fio da história Por outro lado, ser vista e sentir-se no papel da transmissora das tradições é uma experiência que foi sentida por uma das participantes da pesquisa como ganho significativo desta fase de vida, o que foi corroborado pelas outras mulheres que participaram do mesmo workshop : Tem me pintado uma coisa muito gostosa, que eu descobri: estou me encaminhando pra ancestralidade! Eu vejo ancestralidade como uma coisa do histórico coletivo, me vejo inserida neste histórico , e aí eu penso : que legal os futuros humanos me terem como ancestral, os depoimentos que eu vou ter pra dar vão ser ótimos! E isso tem sido uma sacada. A minha família tem uma coisa ritualista, de tradição, coisa de baiano, e nas festas de final de ano, desde que 178 papai morreu à 6 anos, minha mãe passou pra mim o compromisso de organizar as festas da família. Isso me deu um susto pela minha própria trajetória; eu que neguei família, neguei festa, neguei Natais, neguei tudo, de repente fui retomando isso, e agora não só retomei como me tornei a filha responsável pela ancestralidade. Então, porra! Que legal! Tem esse barato também...(Sandra) Descobrindo a espiritualidade E finalmente, várias mulheres relataram que buscar e experienciar o desenvolver da espiritualidade, foi um ganho deste período : Há 13 anos que eu pratico Zen-Budismo. Quando agora na nossa idade a gente fala de proximidade da morte, é muito reconfortante pra mim o apoio do Zen-Budismo, porque o medo é grande, e eles ensinam o tempo todo que morte é uma coisa de transformação, um novo nascimento prá alguma outra coisa. Você sai disso que os sentidos alcançam, esse modo da gente se aproximar da realidade, e vai prá outra coisa. (Andréa) Eu estou na Ordem Rosa Cruz desde que eu tinha 42 anos. Tem 10 anos. É uma linha de estudos voltado pro auto-conhecimento e o desenvolvimento de si mesmo, não é uma religião, e tem sido muito importante pra mim. E tem rituais muito bonitos que se reportam a rituais do Egito Antigo.. (Ana) O desenvolvimento espiritual veio com a idade, e a relação com o budismo acabou me ajudando muito. Porque quando a gente fala de envelhecimento, a gente tá falando de morte, de uma decadência que é inexorável, que não há nada que vá mudar isso, que é inevitável. E o budismo ensina a lidar com isso com muita tranquilidade, com muita sabedoria, até porque você começa a cuidar exatamente de uma coisa que não termina, você começa a se preocupar com o espírito. E com isso, também meus valores mudaram. Ascensão, projeção profissional, cursos, viagens, festas, coisas que eu achava o máximo, hoje em dia 179 não têm a menor importância, é tudo muito ego, muito “”EU , EU, EU.” E na medida em que você começa a mudar o eixo, de atividade pra fora para atividade pra dentro, a trabalhar a mente, naturalmente os valores vão mudando. É uma passagem para um movimento mais de introspecção, o que não impede que eu como coordenadora de um centro budista trabalhe também pra fora, mas é com outra energia. Por exemplo, como professora aqui, entendo que o principal papel do professor é sair da frente e comunicar as idéias do Budda Sakiamuni , não tem nada de original, de “EU acho”, que infle o ego. Não é por aí, e isso é uma coisa que a idade dá... (Laura) 180 A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.... Cada idade tem seu esplendor. Ë um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é importante que cada um descubra o fulgor do próprio corpo... Affonso Romano de Sant’Anna (1987, p.9-11) 181 5 MITOLOGIA DA PASSAGEM Um dos principais objetivos deste trabalho, foi pesquisar se a geração de mulheres que vivenciou os movimentos alternativos, libertários e contestatórios dos anos 60 e 70, iria, também nesta fase da vida, ter um papel transformador em relação à maneira com que mulheres, e a sociedade como um todo, se relacionam com o climatério e a menopausa. Esta questão advém do fato de que, apesar de viverem em uma cultura carregada de preconceitos e negatividade em relação à mulher mais velha e à menopausa, estas mulheres co-criaram, experienciaram e apreenderam um outro conjunto de valores : os dos movimentos de contra cultura, que, apesar de todas as suas vastas e marcantes diferenças, tiveram em comum a contestação dos padrões de comportamento nas relações de gênero, na vida pessoal, familiar e social, o experimentar da sexualidade e de novas formas de relacionamento afetivo. Porem, se as vivências e valores dos movimentos dos anos 60 e 70 ainda lhes estão presentes mesmo que transformados, se ainda colorem o modo de perceberem e criticamente considerar o social, inevitavelmente estamos diante de dois conjuntos de valores que podem se contrapor, ou, nas palavras de Feinstein & Krippner (1988), diante de um conflito mítico -- i.e., mitos que abrigam afirmações contraditórias sobre a mesma questão. Por exemplo: a mulher que chega à menopausa, se por um lado recebe do social a mensagem de que esta é um marco que determina o término de sua vida como uma mulher que possa inspirar paixão e desejo, por outro lado, aprendeu nos movimentos dos anos 60 e 70 a não aceitar limites externamente impostos, a questionar preconceitos e a desafiar o “status-quo.” Aprendeu inclusive a não aceitar passivamente as regras e limites que o social lhe impõe e a se colocar como agente de transformação na sociedade. Então, o que ocorre interiormente com as mulheres que, tendo participado dos movimentos de contra-cultura, estão hoje com 40, 50 anos, chegando ao climatério e à menopausa ? Esta resposta não é simplesAo analisar diferentes exemplos de confrontos míticos na história, Krippner (1986) coloca que estes podem ser resolvidos de modos diferentes: ou um conjunto de mitos se sobrepõe ao outro anulando-o, ou os dois conjuntos de alguma forma coexistem ( por ex., em certas situações o primeiro conjunto atua, enquanto que em outras o segundo é o que 182 predomina e conduz), ou, os dois, através de um processo dialético geram um novo, que contém aspectos de ambos. Nesta pesquisa, ao longo das entrevistas e dos workshops, pude observar a presença de elementos dos dois conjuntos míticos nos depoimentos da maioria das participantes. Para estas, os dois conjuntos míticos coexistem em diferentes áreas de suas vidas sem conflito aparente -- por exemplo, às vezes, enquanto na educação dos filhos, no vestir, na casa, no trabalho ou na política os valores da contra-cultura parecem prevalecer, nas esferas mais íntimas da vida pessoal, i.e., na vida amorosa e sexual, o social parece estar mais presente. Já para poucas outras, os valores e práticas dos movimentos de contracultura pareceram prevalecer de forma uniforme nas várias áreas de suas vidas. No entanto, sem sombra de dúvida os workshops trouxeram estes conflitos à tona tanto à percepção individual quanto coletiva, jogando luz sobre seus elementos e fazendo-os emergir como figura à consciência. Escolhi portanto organizar o material desta parte do trabalho em dois tópicos: o primeiro, referente aos mitos coletivos sobre climatério, menopausa e a mulher mais velha que emergiram de seus depoimentos. O segundo referente aos mitos e valores dos movimentos de contracultura que apareceram e se fizeram igualmente presentes. Como os trechos escolhidos estão precedidos dos nomes (fictícios) das participantes da pesquisa, é interessante comparar inclusive as falas de algumas pessoas que aparecem em ambos. MITOS SOCIAIS E ENVELHECIMENTO PESSOAIS SOBRE MENOPAUSA E Esta parte do trabalho diz respeito às crenças, valores e mitos sobre menopausa e envelhecimento que perpassam as vivências descritas no capítulo anterior. (Feinstein & Krippner, 1988a, 1988b) . É através de suas óticas que significados são atribuídos às experiências vividas, pois as pessoas interpretam tanto o vivido como o que se delineia por viver, com os valores, cores e conteúdos de suas mitologias internas. Estas, por sua carga afetiva, não só colorem experiências conferindo-lhes significados específicos, como também, muitas vezes, contribuem em graus variados para gerá-las. 183 Por outro lado, a cultura em que a pessoa vive (seja esta a cultura dominante, ou qualquer sub-cultura a que se sinta pertencer), sendo consonante ou dissonante aos valores e mitos que esta pessoa abriga em sua mitologia pessoal, terá também um papel importante na geração de suas vivências e experiências, pois cada pessoa é um ser-nomundo, um ser relacional, que não pode ser compreendido isoladamente, à parte do mundo e da cultura onde vive. Não só valores e crenças do contexto social são muitas vezes internalizados pela pessoa tornando-se parte de sua mitologia pessoal, como também, a pessoa depende de outros e de contextos sociais (mesmo quando criticamente selecionados) para trabalhar, conviver, trocar experiências, sentir-se aceita, valorizada, reconhecida, desejada e amada. Uma grande parte das descrições que compõem “Fenomenologia da Passagem,” estão de forma mais ou menos óbvia, carregadas de mitos sobre menopausa, a mulher mais velha, e envelhecimento de forma geral. Sentimentos, vivências, estados internos, a maneira como a pessoa se percebe e se sente percebida, os caminhos que se permite considerar e as experiências que considera possíveis viver, seus projetos, sonhos e esperanças, são fenômenos embebidos em valores e mitos culturalmente internalizados e/ou vividos. Um exercício típico que se usa em Gestalt terapia é pedir para que se descreva sensações sem julgá-las, i.e., descrevendo como se manifestam, sentimentos a elas associados -- porque a mesma sensação e não através dos pode dar margem à sentimentos distintos; um fremir no peito e na barriga junto à uma respiração mais acelerada, pode ser nomeado de medo, mas também pode ser nomeado de excitação. Nesta pesquisa, as súbitas ondas de calor, típicas de climatério e menopausa, para a maioria das mulheres entrevistadas vieram associadas à mal estar, incômodo, e também à vergonha -- por motivar risos e um certo desprezo do social ao revelarem a presença de uma fase de vida da mulher não valorizada culturalmente. No entanto, como sugere Andrews (1995) ao escrever sobre menopausa e espiritualidade, estas mesmas ondas de calor podem ser vistas como tendo um poder alquímico, como sendo o acender de um fogo interior que surge para purificar o corpo e o espírito de energias negativas e preparar a mulher para a fase de maior desenvolvimento de seu poder espiritual. Em uma cultura que assim as considerasse, as ondas de calor seriam provavelmente extremamente bem-vindas e valorizadas, e as palavras e adjetivos escolhidos para descrevê-las seriam também bastante 184 distintos -- à mesma sensação de súbito fogacho a que é atribuído o adjetivo “horrível” nesta cultura, em outra talvez fosse atribuído o adjetivo “maravilhoso.” Portanto, é percebendo esta complexa configuração de fatores múltiplos que se interinfluenciam, e a inevitável interligação entre a fenomenologia da experiência, e a mitologia que a permeia, que torno figura à nossa percepção neste momento as crenças e mitos sobre menopausa e envelhecimento que emergiram dos depoimentos das mulheres que participaram desta pesquisa . Menopausa como término dos atributos femininos Um dos mais fortes mitos coletivos que apareceu, foi o de que a menopausa assinala para a mulher o término não só do seu poder reprodutor, mas também o de ser considerada uma mulher sexualmente desejável, atraente, bonita, capaz de suscitar paixão. Nossa sociedade não só hiper valoriza estes atributos, como também os limita a uma determinada faixa etária, estipulando como padrão referencial ideal as características da mulher jovem. A mulher mais velha se vê passada à categoria de cidadã de segunda classe, e enquanto mulher “perde seu poder,” e com isto, sente-se perdendo também a possibilidade de poder vir a realizar alguns de seus anseios. Disto decorre que junto ao sentimento de perda dos atributos femininos, surge também o sentimento de vergonha - por passar a ser considerada alguém que já não possui aquilo que confere status, admiração e poder social. Os depoimentos abaixo são exemplos: Quando alguém, às vezes mais velha que eu dizia: “não, não tô por aí,” aí é que eu me fechava mesmo. Eu me sentia envergonhada de estar dizendo às outras pessoas que eu, aos 43 anos, estava deixando de ser mulher. Que é aquela idéia : tá ficando velha, tá perdendo a sua função. Todo aquele peso da menopausa vem pra gente. Passa, não sei como, mas passa... (Mariana) Eu acho a partir de uma determinada idade, lá pros quarenta, você já começa a ser vista na sociedade como como uma mulher velha. Coisa que não acontece com os homens. Socialmente a mulher mais velha deixa de ser desejável, o homem não. Ter cabelo grisalho por exemplo, em homem é muito atraente, mas em 185 mulher não é, a gente sai correndo pra pintar o cabelo! E isso eu acho que é uma questão muito difícil pra mulher de conviver. Muito mais difícil que pro homem, quer dizer, não sei, não tô dentro da cabeça dos homens, acho que eles também devem ter um revertério, não é à toa que os homens a partir dos quarenta e pouco começam a procurar jovenzinhas, provavelmente se sentem inseguros quanto à sua potência, quanto à sua sexualidade. Mas eles têm uma aceitação social que a mulher a partir de uma determinada idade não tem. Veja Clint Eastwood, Paul Newman -- só pra citar alguns exemplos, são homens na faixa dos sessenta ainda considerados atraentes e desejáveis; mas quantas mulheres nesta faixa etária recebem o mesmo tratamento? (Silvia) Tem uma coisa de feio, de vergonha em relação a isso, de ser o seu fim enquanto mulher. A gente está impregnada de valores assim...(Marcia) Eu vejo a menopausa como a ante-sala da velhice, e no plano de cabeça, acho que o que mais me pega é essa coisa de eu pensar que eu vou perder as formas, que eu vou me olhar no espelho sem roupa e não vou gostar, não vou mais ser bonita.... (Andréa) Menopausa traz a vergonha de estar ficando velha, de estar perdendo a função de mulher, de ter a vida acabando. Vem um terror que entrou na menopausa tudo vai acabar. Tem um simbolismo milenar que a mulher procria e que na hora em que ela pára de poder procriar... pra que serve? Então tem essa coisa histórica, arquetípica que tá dentro da gente, e dá uma puta ansiedade... (Fernanda) A imagem que eu tinha de menopausa era de uma coisa ruim, aquela coisa de perder a juventude mesmo, deixar de ser uma mulher atraente . Eu vi amigas da minha mãe competindo com as próprias filhas, porque quando a mulher está entrando na menopausa, se tem filha, ela está no auge da beleza. Na geração da minha mãe vi muito essa coisa de não querer encarar a idade. Mas hoje eu penso: 186 se é natural da vida, tem que passar como uma coisa natural. Você não vai querer com 50 e tantos anos, ter corpinho de 20. Hoje eu já começo a me relacionar diferente com isso, não tenho medo do envelhecimento, acho que é preciso encarar com sabedoria. E não é fazendo plástica, não é ficando quinhentas horas na academia, ou se vestindo como uma jovem de 20. A gente tem que se preocupar com passar alguma coisa da nossa experiência de vida. Porque com 20 anos você está jovem, tem um corpo lindo, tem tudo bonitinho, mas você não tem experiência. E aí é que está a beleza da idade, é uma beleza interna, é saber usar isto. (Miriam) Menopausa como passagem para o fim da vida No entanto, a menopausa não é só vista como pontuando o término dos atributos femininos; em adição a isto, muitas mulheres que participaram desta pesquisa relataram vê-la também como um marco do início do fim de tudo, como marco do início de uma fase de declínio em direção à morte -- que por sua vez, nesta cultura, é extremamente temida. Sentir a chegada da menopausa foi uma época muito difícil. De marcar uma transição em direção à morte, uma aproximação da minha morte. Uma coisa assim: acabou, acabei... Não que eu me sentisse velha , mas a mudança corporal te faz sentir estar nitidamente caminhando para a velhice, uma sensação de que acabou a vida, que daqui pra frente é só pra baixo... (Vera) Lembro da minha mãe na menopausa, com muitos calores, aquela imagem de ser uma pessoa já “velha.” Ela tinha uns 44 anos ! A menopausa vinha associada com “fim de linha... ”(Laura) Há um choque de pensar “estou na menopausa.” Porque você de repente entra na cultura de dizer: “fim da menstruação, eu estou velha, e proxima da morte...” (Julia) 187 Pra mim, a chegada da menopausa veio como uma “passagem para o fim da vida...” (Léa) O envelhecimento é apavorante. Mas pra mim não foi tanto o envelhecimento físico não, foi a concretização da idéia de morte. Eu era eterna, a morte pra mim seria um acidente, não era um inevitável, e o que existe hoje é o medo da morte. De repente você começa a perceber que o pico da sua vida já passou, e a sensação é que daqui pra frente o processo é só pra baixo... E eu não consigo aceitar e entender pessoas que depois de velhas se voltam para soluções irracionais! Fico muito impressionada com este encaminhamento de entrada no místico que as pessoas estão dando para o medo da morte, acho que isso é muito mais uma vontade de acreditar do que de uma crença verdadeira. As pessoas que sempre foram místicas, encontram nestas crenças um comforto verdadeiro, mas acho que pra quem virou místico depois de velho, isto vem acompanhado de pânico, não é desprovido de sofrimento. Porque a questão da morte é uma questão muito séria, pensar que as pessoas se vão... isso é muito duro e traz muito sofrimento... (Sonia) O que eu observo no social , no cultural, e que reforça o meu sentimento, é que a mulher velha não tem chance... Além dos fogachos e tal, a menopausa é terrível por quê? Porque o social, o cultural, o hormonal se juntam pra dizer: “Você está no fim, você é um iogurte vencido, você é uma mulher em fim de linha.” E isso conscientemente ou não, te remete à morte. Porque a referência que a gente sempre teve foi que vida é sexo, juventude e trabalho... (Mariana) Menopausa e a imposição de novos limites Junto com a chegada da menopausa e da idade madura, chega também para a mulher, uma série de injunções do social sobre como ela deve ou não deve se comportar nesta idade, e sobre o que ela deve ou não deve mais ser, fazer e querer. Nos exemplos abaixo, percebe-se que se em alguns estas injunções transparecem 188 internalizadas pela mulher, em várias outros aparecem provocando revolta e desejo de constestação. Tenho vontade de sair como antigamente, mas aí eu penso: Mas como é que eu vou sair desse jeito? Não dá mais pra usar roupa toda decotada, como é que vão me ver? (Sandra) Veja só, eu me visto como sempre me vesti, com roupas soltas, leves, descontraídas. Mas uma pessoa da minha idade, se sai na rua vestida assim chama a atenção, as pessoas acham estranho, ridículo. Então eu acho que as pessoas que fizeram parte da contra-cultura e que têm de um jeito ou de outro uma visão diferente de mundo, têm que começar a impor esse jeito. (Laura) Eu acho que o social é muito preconceituoso, embora a gente saiba que há mesmo as mudanças biológicas da mulher, isso não há como negar. Mas a sociedade parece que espera que aconteçam coisas, a gente fica ouvindo “você agora vai sentir calores, dores nas juntas, se preparar para uma ostereoporose” -é uma imagem de decadência! Além disso parece que você tem obrigação de se comportar como uma “senhora de cinqüenta anos.” Você não pode mais nem querer namorar porque vão logo achando que “pô, não tem vergonha, com cinqüenta anos querer namorar?!” (Elisa) Conheço uma mulher de 47 que tá morando com um menino que tem 19. Ela sempre foi “mucho loca.” E eu olho pra ela e a acho ridícula. Porque ela quer ter o pique do menino de 19. Mas eu procuro defendê-la pra família dizendo: “Esse é o canto do cisne dela, deixa ela viver a última aventura.” (Rebeca) Acho engraçado eu estar tão tranqüilamente me dizendo: “ agora eu vou arrumar homem para ter um caso de amor,” quando eu estou na beira da menopausa, porque menopausa pro imaginário em geral é um certo fecho da vida. É um pouco incongruente, se bem que na minha experiência familiar, meu pai 189 separou-se de minha mãe, e aos 60 anos casou-se de novo com uma mulher de 64 e foram muito felizes. E minha mãe sempre foi uma mulher muito serelepe, sempre gostou muito de transar . Eu me lembro que quando ela tinha 65 anos, eu tive a ousadia de fazer um comentário tipo : “Também quando eu tiver 65 anos, não vou estar mais querendo nada. ” Ela me deu aquela bronca, ficou tão indignada comigo! Falou: “O quê?! Você pensa isso de uma mulher de 65 anos? Pois saiba que isso, que aquilo.” Não era nem o caso de pedir desculpa pra ela, era o caso de pedir desculpas pra mim por ter sido tão estúpida de ter uma idéia tão ridícula do meu próprio porvir . Então eu acho que, pelo que eu vejo na minha mãe e no meu pai é uma coisa que depende das pessoas... (Lucia) Com a chegada da menopausa, a gente vê o futuro fechado em determinados pontos pra nós, daí a coisa da angústia, do sentir-se estar só, sentir fechado o futuro...(Mariana) Você não é um ser isolado, você está numa conjuntura de preconceitos, e você vive esses preconceitos. Por exemplo, a gente vive escutando: “você está velha para isso!” Você entrou na menopausa, você está excluída do processo da história! “Seu tempo, passou minha filha, acabou. Deixa o lugar pros jovens.” O mundo é dos teens, o mundo é do jovem. Tudo na mídia é em defesa da juventude, do estereótipo de beleza de juventude... Agora, eu estou reconhecendo e batalhando esses preconceitos. Estou aprendendo a lidar melhor com a ansiedade, o medo da morte, o medo de envelhecer, o medo da rejeição porque o corpo está mudando, enfrentando cara a cara isso, sempre deixando bem claro que eu estou na menopausa e não tenho vergonha de dizer isso. Porque o que eu não quero é que a cultura estabeleça meus limites, tô querendo que a menopausa me seja não um drama, mas uma coisa prazerosa. (Julia) Eu acho que a sociedade tem uma visão muito negativa da mulher mais velha. Uma coisa assim : Agora que você já tem essa idade, chega, sossega.” E eu vejo muitas mulheres aceitando isso, achando que a época boa já se foi, e que 190 agora têm quase que se preparar para o fim. Acho isso muito triste. Mas, por outro lado, no último ano tá passando na televisão a novela “Idade da Loba,” tem livros interessantes sendo lançados, tem tido muito artigo nas revistas femininas sobre menopausa , parece que o pessoal está acordando um pouco para valorizar essa faixa da idade da mulher...(Rubia) Menopausa e culpa Algumas mulheres comentaram durante a pesquisa, ter ouvido de colegas e pessoas variadas, preciosidades como “cada mulher tem a menopausa que merece,” “só sofre na menopausa a mulher que não se realizou sexual e afetivamente” e outras coisas do gênero, depreciativas e humilhantes, além de cruéis. Assim como outros pré-conceitos internalizados, este tipo de pensamento também apareceu na fala de uma das participantes: E aí chega o climatério, que loucura, não tava claro pra mim, agora eu acho que tá ficando mais claro, é como se eu estivesse resgatando a puta que eu fui por dois anos na época da faculdade. Eu tinha que pagar a reparação de dois anos de galinhação que eu tive. Algo assim: Fez ? Agora paga! Foi assim que percebi internamente essa mudança de não ter mais tesão sexual. (Paula) Velhice e desvalorização social Apesar de que a maioria das mulheres entra na menopausa por volta dos 50, e considera-se pessoas de terceira idade aquelas com mais de 60, a entrada para a menopausa foi freqüentemente equacionada como entrada para a velhice. E neste sentido, um outro tipo de conteúdo valorativo que emergiu com freqüência dos depoimentos das participantes como mito individual e coletivo, foi a constatação da desvalorização da velhice na sociedade atual. Se ser velho é ruim, é não estar na crista da onda, é ser cidadão de 191 segunda classe, é não ter oportunidades de trabalho, é ser feio, gasto, desnecessário, desrespeitado e indesejado - como não ter medo de envelhecer ? Olhar no espelho e ver que eu estou envelhecendo é uma coisa que me angustia... (Tereza) Eu não posso negar que eu me olho no espelho e minha idade está lá, e esse departamento é ruim. Eu tenho a impressão que saber que você está envelhecendo não é legal para ninguém, não só para a mulher. (Elisa) Tem uma outra coisa, que eu acho que perpassa um pouco todo mundo, que é a coisa da velhice. Gente, a velhice não é fácil! É barra! É uma virada na vida que você não tem como não passar em alguns momentos por depressão, porque não é fácil mesmo. A meu ver, a questão grave não é a menopausa. A questão grave é você estar entrando nessa porra dessa terceira idade, é você estar envelhecendo... (Fernanda) Deixar de estar menstruada era o limite : daí pra frente eu ia ser uma pessoa da terceira idade. Hoje eu sou uma pessoa da terceira idade. No entanto, eu não me assumo como da terceira idade! Eu não me coloco como uma pessoa que já está na menopausa, quer dizer, que está ficando velha, porque pra mim menopausa é isso, é encarar que você ficou velha. Outro dia eu estava dirigindo o carro, um carro tava me atrapalhando, e fui chamando o homem de ô vé....! E comecei a rir, porque eu sou velha, vou xingar o outro de velho? Parei no meio e pensei : mas por que é pejorativo ser velho?! (Frida) Eu sou uma profissional autônoma, se fosse empregada certamente estaria me aposentando. Isso é esquisito, porque mesmo me sentindo com toda a potencialidade, muito provavelmente se eu estivesse procurando emprego não teria a mínima chance. (Cecília) 192 Tive um choque quando minha filha com 18 anos engravidou, e eu tive uma neta; depois foi meu filho. Essa coisa de virar avó me deu um sacolejo, de certa forma os dois netos me me fizeram ver e pensar a vida de outro jeito. A diferença de idade com o meu marido que é mais novo do que eu, também me causava uma preocupação enorme. Quando eu fiz 50 anos ele me fez uma festa surpresa; eu queria esconder um pouco os meus 50 anos e não consegui. Hoje essa questão da idade é muito tranqüila pra mim. Quando eu tinha 35 anos eu ficava me olhando e pensando: “Puxa vida, tem uma ruga aqui, daqui a pouco eu vou ter que fazer alguma coisa, tinha uma preocupação extrema com isso. Hoje , passado o tempo, eu acho muito engraçado lembrar disso. Por outro lado, quando o meu filho teve um filho, ele e a mulher tinham esperança que eu passasse a tomar conta do neném. Acho que até hoje eles não conseguem entender que esta avó tem vida própria!(Frida) A sociedade é absolutamente cruel com a mulher mais velha, em particular no Brasil, em termos das oportunidades de trabalho, da maneira como você é tratado. Na Europa por exemplo, tingem muito menos os cabelos do que aqui no Brasil. Na California, é incrível a quantidade de casais que se encontram e começam a construir uma vida aos 60 anos, tem muito mais pessoas idosas dirigindo automóveis nas ruas, tem uma quantidade de pessoas ativas e idosas fantástica, é uma vida mais digna. No Brasil as pessoas mais velhas não são tratadas com dignidade, talvez pelo fato do Brasil ser um país mais jovem. (Laura) Ser velha aqui no Brasil não é fácil. A gente não vê muito velho na rua. Na Europa, geração de cabelo branco é direto, todo mundo na rua. Vi mulheres idosas de tailleur e sapato alto com suas cestinhas fazendo compras de manhã, grupos de mulheres em museus, assistindo palestras, se divertindo. Aqui é difícil a gente ir em festas, teatro, lugares públicos em geral, ou mesmo em reuniões profissionais, congressos etc, e encontrar gente que seja mais velha que você. Eu sou sempre a geração mais velha nestes lugares! 193 Veja só, aqui, se a gente não tinge o cabelo é vista como desleixada, mas na Europa e nos EUA as pessoas assumem seus cabelos brancos. Acho que tem menos espaço pros velhos aqui no Brasil. A gente como mulher madura é muito mal pensada e tratada aqui. Então não é fácil aceitar que a gente está se encaminhando pra velhice. (Vera) 194 CONTRACULTURA: MITOS QUE PERDURARAM O outro conjunto de mitos e valores que também emergiu dos depoimentos das participantes, foram os relacionados aos movimentos de contra cultura dos anos 60 e 70. Muitos já apareceram, mesclados a alguns dos depoimentos dos capítulos precedentes. No entanto, os depoimentos abaixo correspondem em sua maioria à pergunta “O que ficou daquela época em você?” feita durante os workshops. Neles, de forma marcante, apareceram os seguintes mitos e valores : 1- A crença no poder de se ser sujeito ativo de sua história, agente transformador tanto de sua própria vida como da sociedade como um todo, apareceu de modo pervasivo. Os jovens daquela época que participaram dos movimentos de contracultura rebelavam-se contra o status quo, participando e fundando movimentos de protesto, partidos clandestinos e comunidades alternativas. 2- Outro aspecto marcante que emergiu, foi a crença na possibilidade de se criar modelos alternativos de comportamento sexual, de gênero, moral, familiar, e social -- contrários aos padrões vigentes, pois os movimentos de contra-cultura se caracterizaram por buscar experimentar e implantar práticas alternativas de vida em vários âmbitos, do estritamente pessoal ao político e comunitário. 3- O espírito justiceiro - movidos por um ideal revolucionário e humanitário de justiça e pela crença no potencial de vir a ser agentes de uma nova era, procurava-se naquela época defender o direito, a dignidade humana e a igualdade de oportunidades para pessoas de ambos os sexos e diferentes classes sociais. 4- O espírito crítico - percebendo a violência, a massificação e a repressão que dominavam o social, acreditava-se na necessidade e possibilidade de questionar, discutir, contestar e desafiar o estabelecido : as regras, idéias, pre-conceitos, a prática e a política tanto do micro, como do macrocosmo em que se vive. 195 5- A busca e o direito ao prazer – buscando sexualidade mais livre, liberar e experimentar uma as mulheres, através dos movimentos feministas, defendiam o direito da mulher ao prazer sexual. 6- A crença na possibilidade do ser humano de libertar-se de suas amarras, tanto externas como internas. Enquanto muitos partiram para as lutas políticas, outros procuraram uma vida criativa, prazerosa e em harmonia com a natureza, onde a pessoa pudesse ser mais livre e autêntica.. Isto resultou, para alguns, na busca por terapias alternativas e pelas experiências dos movimentos de desenvolvimento do potencial humano, pois procurava-se através destas práticas a liberação dos padrões burgueses sentidos como amarras internas. 7- E finalmente, creio ser importante pontuar que, permeando todos os depoimentos sobre as participações nos diversos movimentos de contra-cultura, apesar de suas diferenças, dois fatores estiveram fortemente presentes: o idealismo e a esperança. O que restou daquilo? Eu hoje vejo com naturalidade a possibilidade que as pessoas têm de serem protagonistas nessa vida. ( Paula) Eu me considero uma pessoa aberta, que procura as coisas, que questiona, que vai atrás, que não aceita tudo consolidado. E eu acho que ter participado ativamente de movimentos políticos, feministas, essa coisa toda dos anos 60 e 70, foi fundamental pra eu ter a estrutura de pensamento que eu tenho hoje. Eu não tenho a menor dúvida disso. (Silvia) Dos anos 60 e 70, acho que uma coisa que ficou é o não se deixar levar por estereótipos e saber questioná-los, porque eles não estão fora da gente, estão dentro. Outra coisa que tem ver com a contra-cultura, é o não se deixar influenciar, mudar o estilo de vida ou o jeito de ser, porque você tem tal ou tal 196 idade, o que é uma coisa muito cruel, né, você muda por que você muda, não porque as pessoas acham que pela tua idade você não tem mais direito de fazer algumas coisas, como por exemplo usar biquini, roupa decotada e tal. Eu, por exemplo, quando não tô a fim, não depilo nem a perna nem debaixo do braço, tô pouco ligando pro que as pessoas vão achar. (Laura) Eu acho que a prática do experimentar o poder da gente, de sentir que a gente pode romper e transformar estruturas, rituais, esse laboratório de experimentar que a gente teve, foi muito importante. A gente fazia trabalhos até entre a gente, saía em grupo e ia pra um lugar pra vê se a gente conseguia viver em comunidade, viver o socialismo na prática. Às vezes dava brigas enormes por causa de bobagens, mas era uma experiência. Nos assumíamos, pá, pá, quebrando tudo ! Então isso pra mim foi um legado muito importante. Em termos do social, não dá mais pra ser ingênua e alienada. Mas acho que houve uma ampliação daquele espírito justiceiro, hoje ele está mais presente no cotidiano, muito mais ampliado, não é focalizado numa questão só .Acho que é uma visão de política mais ampla, mais integrada que a gente tem, que aparece nas mínimas coisas, no posicionamento em relação às filhas, nas discriminações que voce vai fazendo. Tenho contato com pessoas que viveram aquela época e ficaram estanques, pra elas “o sonho acabou.” Mas pro pessoal como nós que foi procurar terapias e trabalhos de crescimento pessoal, a busca continuou em termos de descoberta interior além do processo político, nossa trajetória foi capacidade de sonhar não acabou. diferente, a nossa (Marcia) Acho que ficou essa busca de uma justiça maior, até para mim mesma. Porque se com a sua atuação você busca uma justiça maior para a mulher que você é, você também busca para a mulher sua filha, para a mulher grupo geral. Acho que a busca por justiça social de antes, hoje está presente na busca da minha sensualidade, da minha sexualidade, na busca de um feminino melhor, mais justo. Minha postura perante a vida tem raízes nesse meu passado. Acho que o que também ficou foi meu idealismo diante da vida, minha garra de luta por valores 197 que eu ainda acredito, e até minha ligação com trabalhos pouco remunerados, com uma clientela menos favorecida economicamente. E por valores me refiro a valores humanos mesmo, respeito à necessidade das de pessoas terem meios mínimos de subsistência, de terem uma existência digna, e também, o acreditar na pessoa humana, acreditar que as pessoas podem crescer, mudar, descobrir novas coisas, se desenvolver, se transformar. Acho que essa fé tá muito neste passado da minha vida. (Rosana) Eu me sinto hoje, com 47 anos, totalmente imbuída dos valores que abraçei nos anos 60. É o que eu sou, o que me sustenta interiormente. E fico pensando que se antigamente nós tínhamos uma postura muito clara sobre o quão diferente a gente queria ser das nossas mães, hoje eu também sinto necessidade de enfrentar diferentemente essa nova idade... (Nira) Sinto que a experiência de 60, 70 , está hoje mais amadurecida. Se naquela época eu, como outras mulheres, briguei pelo feminismo, briguei prá trabalhar, prá ser a mulher que queima o sutiã, que tira o sutiã e tal, hoje estamos na menopausa e continuamos lutando. Os conteúdos e as formas podem ser diferentes, até porque temos mais experiência e maturidade. Mas não é o meu físico que vai me impedir, é a morte das minhas idéias; aí eu morro mesmo. (Julia) Eu acho que a minha cabeça sempre foi à procura da liberdade, de ser uma mulher livre, de romper os limites impostos, culturais. Acho que esse avançar os limites em todas as áreas, é uma coisa realmente muito da geração da gente. (Lucia) Se eu tivesse que dar um nome pra esse grupo, eu daria “mulheres transformadoras”. Porque de uma forma ou de outra, dentro de atuações diferentes, o que eu percebo em cada trabalho, cada coisa íntima relatada, é esse poder transformador. Acho que isso é uma característica forte da nossa geração. (Elaine) 198 De todas as participações que eu tive, acho que o denominador comum foi a busca da liberdade e do direito, uma coisa de reconhecimento do direito das pessoas serem tratadas com dignidade e com igualdade. Isto ainda está em mim, mas cada vez mais suave, o meu fazer foi se reformulando, adquirindo uma nova forma. Outra coisa que ficou foi a busca do prazer . Por outro lado tem o peso do social, mas eu diria assim: social tem vários. Tem um social burguês, tradicional, para o qual eu sou uma mulher já velha. Mas esse me interessa menos. Me atinge, lógico, porque eu tô vivendo nesse meio. No entanto, o fato de eu ter feito parte deste segmento social anterior de contracultura, me dá uma outra perspectiva. Eu me sinto extremamente privilegiada de ter feito parte disso. Nós tínhamos, temos, e vamos continuar a ter valores diferenciados, isto faz parte do meu ser, mesmo que alguns valores estejam muito reformulados. Por exemplo, quando minha filha tinha 9 anos perguntou: “Mãe você é hippie?” Surpresa, perguntei pra ela: “Mas por quê?” E ela disse :“ o pessoal da rua entra aqui e fala que nossa casa é hippie.” Aí eu comecei a olhar pra minha casa, e pensei: “Mas é lógico!” A sala era de caixote do Ceasa cheia de obras de arte que todo mundo inventa. Não tinha cama, dormia-se em tatami. Então eu cheguei pra ela e falei: Minha filha, nós somos hippies sim.” Também essa semana aconteceu uma coisa muito interessante. Eu tenho um jardim muito grande, com tartaruga, bromélias, cachorro, e tem uma piscina de plástico, dessas que se tem quando se tem bebê, e que eu chamo de “meus mil litros de felicidade”. Um eletricista foi na minha casa, olhou e perguntou: “a senhora tem criança?” Mas hoje a gente tem piscina pra mim e meu marido, adolescente não quer saber de ficar na piscina com pai, mãe e amigo velho. Nós dois fazemos daquilo um lugar de profundo prazer, a gente nada nu de noite, fica olhando estrela, eu acendo meu cigarrinho, meu baseado... faço questão de ter uma vida regada de muito prazer. (Sandra) A vivência da contra-cultura é uma coisa muito integrada em mim. Não tem nada que eu possa pensar: “Ó meu Deus, que loucuras que eu fiz, agora vou 199 mudar.” É uma coisa que vai sendo elaborada, mas que é germinal, tá aí. Sou eu. Quando eu tinha 20 anos enfrentei a homossexualidade, tenho 47 e vou enfrentar a menopausa, e quando eu tiver 80 e estiver velha, isto também vai se manifestar. Eu acho que este aspecto rebelde, de contestação eu tenho desde menina , eu já respondia “Não faço. Não vou fazer”. Por exemplo, eu nunca participei de movimento feminista, não bate comigo. Mas minhas amigas falam: “Como não? Você é completamente feminista!”, porque estou sempre nas batalhas com elas. É aquela coisa: precisa de gente, precisa de movimento, vamos lá. Pra mim a questão é a do direito, da liberdade, do direito a poder se expressar, do direito a poder viver e transformar. Sempre fui assim. (Fernanda) Desde criança eu fui uma feminista. Aos 7, 8 anos de idade, tendo um irmão homem, eu brigava pelo meu direito de menina. Então tem a coisa do ser rebelde, ser contra, ser alternativo, contra-cultura, acho que você já nasceu com isso, já nasceu esperneando, mesmo que às vezes a gente se submeta. É uma forma de ser, independente de ter participado disso ou daquilo. Eu entendo que contra-cultura é transformar o status quo estabelecido, e com todas as minhas mazelas e dificuldades pessoais, isso tá presente hoje em tudo o que eu faço, em tudo o que eu sinto, tudo o que eu digo, tudo o que eu sou. Mas eu também acho a gente é um ser social, um ser cultural, um ser que sofre as influências e as pressões do mundo. E não é nem pouco nem sem dor. (Mariana) Sem dúvida aquele espírito de luta está na mulher que eu sou hoje. E eu continuo sentindo que eu tenho uma fala diferente, que é a mesma coisa que eu sentia quando ia para as passeatas com o grupo da faculdade. As amigas falam que é porque eu sou psicóloga. Mas não é por isso, eu acho que eu tenho mesmo essa veia de ser diferente, de questionar, de desafiar. E tenho orgulho disso. Sinto que a rebelde que eu fui ainda está em mim, me emociono quando escuto coisas da nossa época. Eu me casei de mini-saia e com música dos Beatles, foi um escândalo, e eu reconheço isso ainda em mim, isso não vai morrer. Porque é uma coisa muito minha. (Rubia) 200 Sinto que até hoje não me enquadro em padrão nenhum. Posso estar com gente chique, com gente simples, mas nunca caibo completamente nos padrões vigentes. Namoro um rapaz de 33 anos numa boa, e acredito que só tenho esta liberdade por ter vivido o que vivi ( Léa) Acho que as vivências dos anos sessenta ficaram, porque eu não sou o que esperam que uma mulher da minha idade seja: não sair mais, ficar triste, ter calores, dores, depressão. Vivem me dizendo: “Voce vai fazer outro curso ? Mestrado, nessa idade, pra que ?” Vão todo mundo pra puta que pariu! Eu não tenho que fazer o que eles querem, eu não tenho que sentir o que eles acham que eu tenho que sentir ! Tanto que quando a Selma me disse no telefone: “nós nunca ouvimos a voz das próprias mulheres,” eu topei direto, fui logo dizendo : “Pode contar comigo! ”(Elisa) Eu acho que tudo que a gente viveu ficou impregnado, a gente tem uma outra atitude na vida até hoje. (Miriam) Eu continuo a participar, a querer descobrir coisas novas, a rever e questionar meus valores. Ainda acho que há coisas a serem combatidas mas sobretudo, o que realmente vejo que se mantém, é que eu continuo a ter esperança. (Jussara) Um dia eu fui no médico, falei que a menstruação tava vindo de 15 em 15 dias, que tava uma coisa muito chata, e ele me disse que eu já estava na prémenopausa .Eu fiquei uma fera com ele. “A sua avó está na pre-menopausa! Que é isso, você tá louco?” Eu tinha uma idéia da menopausa, que quando vem a menopausa, acabou tudo. Uma coisa meio de uma decadência, de calores, muito ligado a parar em relação ao mundo, sair das atividades. E aí eu fiquei pensando que a gente tem que pensar a questão da menopausa. Veio a idéia de nos juntarmos pra pensar junto o que significa isso nas nossas vidas, e criamos um grupo de 201 reflexão. Porque uma experiência que no feminismo foi muito forte pra mim, foi a de perceber que um problema que você está vivendo, no fundo não é só você que está vivendo, é uma geração inteira. E quando as mulheres começam a falar sobre isto, o problema praticamente acaba, você percebe que não é só você, que somos milhares, e você começa a pensar junto que medidas tomar. Então eu acho que a idéia de fazer este grupo partiu um pouco daí, da experiência com o feminismo, e foi maravilhoso. Foi um grupo super informal, só com pessoas amigas, de idades diferente. Conversávamos sobre as experiências de cada uma, relações com os filhos, como os filhos nos viam, como a gente encarava as nossas mães. E uma vez convidamos os homens pra vir contar como nos viam.(Laura) 202 Ser mulher de 47 é bonito. É ser bonita e gostosa com mais firmeza, mais integridade É ser bonita de dentro e para fora se gostando, se explorando, e mostrando o que ela mesma não via de si e dos demais; o que ela sempre quis e pensava não ser capaz. Mas fui Fui capaz de coisas inimaginadas e incapaz ( espantosamente) em coisas esperadas. Afinal, fui capaz - apenas e tão somente -de ser eu. O que não é pouco! (Poesia conjunta de Elaine, Lucia e Norma, participantes da pesquisa) 203 6 REFLEXÕES SOBRE A PASSAGEM REFLEXÕES ARTISTÍCAS SOBRE “ANTES” E “AGORA” Durante os workshops, além dos relatos verbais das participantes, experimentos plásticos e poéticos provindos de minha experiência com a arte terapia, foram propostos ao grupo como forma de expressar e refletir sobre o vivido. Para as mulheres que participaram da pesquisa, esta vivência foi muito significativa. Em todos os workshops, o compartilhar dos poemas e trabalhos plásticos realizados abriram portas para momentos de uma qualidade de intimidade diferente, menos defendida e mais profunda do que o compartilhar verbal havia proporcionado. Inclusive, algumas mulheres cujos relatos verbais se caracterizaram por um discurso de cunho mais racional, somente nestes momentos se permitiram realmente abrir seus corações e falar de suas fragilidades, suas emoções, de suas vidas íntimas e afetivas. Por outro lado, o movimento de contato até então intenso com o grupo, neste momento retraiu-se, passando a ser um movimento de contato apenas consigo mesmas e suas interioridades. De repente não tinham que falar, ouvir, dar opiniões, ocupar um espaço no grupo, relacionar-se com os outros, descriminar o que falar ou não, mas apenas entregar-se à um outro tipo de reflexão: o deixar-se sentir, experienciar, deixar-se adentrar no mundo das formas, das cores, e das palavras soltas que nascem do coração. Como os workshops foram realizados em uma sala acarpetada cheia de almofadas, inicialmente pedia às participantes que nelas se acomodassem de forma a ficarem confortáveis, e , colocando uma música suave, conduzi um relaxamento corporal e mental. A seguir, sugeria que, deixando o corpo relaxado, se reportassem na imaginação à um período anterior ao que estavam vivendo no presente. Cada uma poderia deixar-se retornar ao período de vida que lhe ocorresse, desde que fosse marcadamente sentido como um período de vida anterior a este em termos existenciais. 204 Sugeria que cada uma se lembrasse de como era fisicamente, como se vestia e penteava, onde vivia, como era o mundo a seu redor, o que fazia, quem eram as pessoas com quem se relacionava, e também, que se lembrasse de quais eram seus desejos, seus sonhos, seus medos e conflitos naquela época. Pedia que se deixassem presentificar aquele momento de suas vidas, imaginando-se voltar a ser a pessoa que tinham sido naquela época, deixando-se re-experienciar internamente as sensações corporais, os movimentos, e o jeito de olhar a si, o mundo, e as pessoas de então. A seguir, eu procurava aquecê-las para o trabalho expressivo perguntando: Se o seu existir naquela época tivesse uma ou mais cores, que cores seriam? Cores frias, quentes, contrastantes, brilhantes, foscas? Eu lhes pedia também que procurassem perceber qual era o movimento de suas existências naquele período de vida, i.e., se era um movimento de expansão ou de contração, ordenado ou desordenado, contínuo ou fragmentado, agitado ou calmo, de adágio, allegro, staccatto ou andante -- enfim, pedialhes que procurassem imaginar qual o ritmo, a direção, as formas e as cores de seu existir naquela época. A seguir, deixando que cada uma tomasse o tempo que fosse necessário para esta visualização, pedia que fossem abrindo os olhos. No chão haviam folhas de tamanhos diferentes e materiais plásticos diversos -- giz de cera, bastões de pastel oleoso, canetas hidrográficas coloridas e tintas guache de cores diversas. Solicitava então que sem cortar o contato interno com os conteúdos vivenciados, utilizassem os materiais a seu dispor para criar uma representação simbólica deste momento do seu existir, escolhendo o tamanho de folha e os materiais que lhes parecessem mais apropriados. No que cada uma foi terminando o trabalho, eu pedia que escrevessem palavras ou frases soltas, em forma poética ou não (como se sentissem mais à vontade), referentes ao que havia sido vivido e representado. No que todas terminaram seus trabalhos e escritos, eu lhes pedia que fechassem novamente os olhos, e o mesmo processo de imaginação criativa era sugerido em relação ao momento presente de suas existências. Ao término deste processo, cada uma à sua vez mostrou os dois trabalhos realizados, compartilhando o que haviam representado e lendo o que havia escrito sobre cada um. A seguir, as demais participantes do grupo também compartilhavam suas impressões sobre os 205 trabalhos, sempre cuidando de comunicar suas impressões através de frases que claramente expressassem percepções pessoais (o que eu percebo é..., o que eu vejo é..., isso me parece... ), e não através de interpretações explicativas ou julgamentos sobre o trabalho do outro (o que você representou aí é... ) -- o que é um cuidado de extrema importância. Além disto, para facilitar que a pessoa pudesse aguçar sua percepção sobre seus trabalhos, e a partir deles chegar à uma consciência mais profunda de si, utilizei em certos casos algumas técnicas da arte terapia Gestáltica. Por exemplo, descrever elementos do trabalho (figuras, formas, traços) na primeira pessoa dando-lhes uma voz ( Eu sou forte, precisa, com alguns traços frágeis e pouco definidos, minha direção principal é para cima mas me espalho em várias direções ...) , e outras mais, que, ao invés de prover significados e interpretações às formas representadas, têm o objetivo de facilitar com que a própria pessoa perceba, descubra e crie os significados a elas relacionados. Na impossibilidade de apresentá-los todos, entre os 22 trabalhos realizados, selecionei 15 que me pareceram mais representativos e diferenciados. É importante frisar que, na transcrição das fitas, me ative apenas ao que a própria pessoa falou , i.e., por mais interessantes que os comentários das outras participantes ou da coordenadora pudessem ter sidos, registrei apenas àqueles com os quais a participante explicitamente concordou. Sem nada acrescentar, enxuguei seus relatos para que coubessem cada um em uma página. Assim, nas páginas que se seguem, à cada página onde um relato está registrado, correspondem os dois trabalhos plásticos da página seguinte. Apenas as frases entre colchetes não são da participante. Referem-se à comentários da coordenadora ou à comentários de outras pessoas que foram acolhidos pelas participantes como significativos , i.e., como comentários que lhe fizeram sentido. 206 REFLEXÕES ARTISTICAS SOBRE OS TRABALHOS DE CADA MULHER Isso aqui sou eu hoje, inteira, com todas as minhas energias, captando a energia das pessoas, do mundo, do universo, que entram e explodem em ações, de ajuda pros outros, de compaixão, de junção. E ao mesmo tempo que saem eu também recebo. O em volta é o universo. Eu fiz com muito prazer esse desenho, com muito carinho. Meu cuidado atual com meu corpo tá aí também, porque tem um ir em direção a mim mesma também. É a explosão da minha consciência, no sentido de eu me apropriar das minhas capacidades, e também de poder me dizer “sou incapaz agora, mas posso não ser depois”. O traço vermelho é a minha força. Eu sou uma pessoa extremamente forte e determinada nas minhas decisões, nas minhas conquistas, eu não esmoreço. E gosto de ser assim. Não que eu não tenha o outro lado, mas eu tô sempre vencendo barreiras. Enxergo uma barreira e penso: “Vou conseguir transpor essa barreira.” E ponto. Mobilizo energia pra isso.. [ Ao lhe ser apontado que apesar dela se identificar com a forma feita com cores e traços fortes, a suavidade e delicadeza do trabalho em volta, que ocupam a maior parte do espaço, também fazem parte de sua representação de si.] É, acho que tem uma coisa nova sim, eu não mostrava o lado mais frágil, mais delicado, mais vulnerável! Tô curtindo cada coisa que me acontece, cada coisa que aprendo, e descarto também o que não me serve, meus valores não estão mais rígidos quanto antigamente. Então eu estou gostando muito de mim neste período de vida, tô fazendo muitas coisas gostosas! E escrevi: Inteira, todinha aqui, em ebulição o sentir,o pensar, o agir Buscando fora, buscando dentro, harmonizando, me apropriando e que alegria... Explodindo de paixão pela vida! Já o segundo, me representa a 10 anos atrás. Sou eu mais compartimentada, cristalizada, sem muita integração do pensar, do sentir e do agir. São cristais mesmo, não é uma coisa fluida. Escrevi : Meus valores e crenças , teus valores e crenças. Meus motivos , teus motivos, meus cristais, teus cristais Juntos, realizando o movimento de vida. O outro está mais harmonioso, os elementos são mais integrados uns com os outros, este é mais segmentado. E mais dolorido. Acho que aqui tem mais dor, tem mais coisa pontuda, entrando, se chocando e se ferindo (Paula) 207 208 No primeiro momento, é bem o que escrevi: Sensualidade tropical frescor, calor, paixão, tesão. Fim, perda, recolhimento parar-filtrar e tudo recomeçar! É sol e lua. O sol tem tudo a ver com a minha “baianice”, é a sensualidade tropical mesmo, irradiando, explodindo pra tudo quanto é lado, é essa exuberância baiana, e tem a ver também com a figura forte do meu pai, dominador, que permitia ou não permitia, que julgava. As luas têm a ver com contenção, com a insegurança que eu tinha como mulher, com recolhimento, e também com a força escondida, com a mãe. Então era assim , ou oito ou oitenta, ou sol ou lua. Já no segundo, escrevi : Semente aberta, corpo que palpita, útero que recebe como cálice que acolhe. Fogo que se expande e que transborda. Corpo que filtra e limita, Corpo que busca a relva, a água, a selva. Contenção, expansão, contemplação, ação, a busca da minha satisfação... Tem aí um útero que recebe, filtra, com muita luz em volta. As fronteiras não são rígidas, são permeáveis... Vejo a forma também como um cálice, que simboliza a inteireza feminina. Como se tivesse um fluir entre contenção e expansão, mas sem trancos. Comparando com o primeiro, tem sem dúvida uma harmonia e uma integração muito maior entre os elementos... E eu realmente me sinto assim.. (Marcia) 209 210 No momento atual, estou buscando integrar em minha vida os sentidos, o prazer, a sexualidade, dos quais durante muito tempo abri mão. Eu era muito cabeça, pernas e braços, só pensar e agir, só pensando em realizar coisas, ter sucesso profissional. Hoje eu quero cuidar da minha inteireza, buscando o que deixei de viver. A repressão da minha sexualidade em um casamento frustrante nesta área foi muito forte. Tive um amante durante um período, mas fiquei com medo de começar a fazer coisas que poriam em risco o casamento e acabei me fechando. Hoje não quero mais que mande a razão. Escrevi : Hoje eu quero ser inteira, unir o que faltava, Assumir o que era negado, sentir, agir sem hierarquias, permitir o prazer sem sublimações Resgatar a chama abafada pelo poder da razão. Já o primeiro momento, que me representa a dez anos trás, é uma chama pobre, fria, represada. Começa vermelha, com energia, saindo de um fogo, e depois vai passando por um canal e se esvaindo. Eu quis fazer uma bola rosa dentro porque o rosa prá mim é uma cor gostosa, de satisfação, de prazer, e pus um roxo escuro em volta pra que isso fosse que nem uma brasinha com cinzas queimadas em volta, que parece que tá apagada, mas que é só soprar que ela reacende. E as palavras que escrevi foram : Chama represada filtrada, é brasa, quase apagada. [Ao lhe ser apontado a linha azul muito marcada e definida em torno do corpo de mulher como um limite, e a divisão do corpo em partes, a de cima e a de baixo com cores quentes, movimento, e uma parte intermediária que as separa.] É verdade, faz muito sentido para mim. Acho que nunca pude experienciar o me soltar juntando a sexualidade com afeto. Ou eu tinha só muito afeto e tinha que controlar a sexualidade, ou tinha que controlar o afeto pra ter só a sexualidade. Então faz muito sentido essa coisa estar assim, separada, em baixo a ebulição dessa sexualidade que não se espalha, eu até tentei um pouco mas não consegui. Engraçado, ao olhar de novo para esse desenho da chama, vejo a cabeça de um pássaro.... Se eu fosse esse pássaro, eu voaria tanto, tão alto, tão solto, tão colorido.... Mas eu não tive a coragem de chutar tudo e ir viver o que eu queria (pausa) ah, como eu queria ter tido essa coragem em algum momento! (Pausa) Mas não tô morta, né, não tô morta não! Acho que ainda tem tempo...(Inês) 211 212 No primeiro momento que representei, tinha muita angústia, muita angústia. Vejo este primeiro reviravolteando-se, trabalho muito amarrado, cheio de nós, quase sem um fluir. Nesta época fui até a energia truncada, procurar aprender a trabalhar com aquarela, que é um meio mais fluido; mas trabalhar com aquarela dava medo, medo da água, medo do fluir da emoção que vinha na aquarela. E escrevi : Ilusões, sensações angústias explosões dificuldades alegrias impotência... O que é afinal? Doi! Carícias ... Sempre presente a ilusão! Sempre busca, busca, busca... Já hoje estou podendo lidar com os problemas da minha vida de forma mais flúida, mais equilibrada, estou podendo resolver melhor as coisas. Então no segundo trabalho vejo um vulto de mulher se confundindo com um vulto de pássaro, tem água, verde, terra e fogo presentes. Mas apesar de estar muito mais fluido e muito mais solto do que o primeiro, ainda tem controle, menos mas ainda tem. E no que fui escrevendo, voltei pro desenho pra colocar uns limites... Vejo também que ainda tem alguns nós, mas são bem mais laceados do que os do primeiro traballho, dá pra sair deles com mais facilidade. E escrevi : Chorar, pensar... rir, brincar, mergulhar.... Coração alegre, e ao mesmo tempo triste e duro... Será isto amadurecer ? Não sei... Faz-me sentir, pensar, degustar... O que afinal? Acho que eu mesma, a minha inteireza... (Rosana) 213 214 Percebo que o segundo trabalho decorre do primeiro, como se o núcleo do primeiro tivesse crescido, adquirido novas cores, nova forma, e ido para o centro do segundo. Este núcleo tem um movimento interno muito grande, que procura se expressar e interagir com as outras pessoas, não fica fechado no centro, ora rodopia para dentro de si, ora para fora de si. O primeiro tem uma coisa inquieta, de estar sempre pensando no futuro, um movimento circular de ficar buscando, buscando, buscando. Tem o sentir, o pensar e o fazer. No segundo aparece esse quadrado, uma coisa mais sólida, mais fechada, representando um quarto elemento, muito recente pra mim, que é o julgar, o analisar com juízo. Uma busca de assumir meus valores com uma postura firme, amadurecida, menos ingênua, sem tantas ilusões, que me dá uma base melhor. Quer dizer, no primeiro tem uma energia que vai pra fora indiscriminadamente, e no segundo tem este quadrado como proteção. Percebi que tinha que pôr alguma coisa pra proteger um pouco esse núcleo na interação com o mundo, com as pessoas. No primeiro escrevi: “Ilusões, movimento, sonhos, pesquisa, realizações, construção, exploração, o três, o futuro, ingenuidade.” No segundo escrevi : “realidade, profundidade, passo a passo, apropriação de mim mesma, solidificação, julgamento, análise, o quatro, o presente, maturidade.” Aí , olhando os dois, veio: Antes a ilusão, hoje a realidade. Sonhos do passado são presente. O três se fez quatro, a abertura em solidez, o abrir em diminuir e dividir. Uma constante : o amor O caminho - da sabedoria , da maturidade Ainda estou aprendendo a lidar com este elemento, é muito novo pra mim, estou experimentando, procurando ver como posso integrar estes aspectos opostos, como ficar mais resguardada e ao mesmo tempo ainda estar aberta. Pra mim é muito importante que o que sai pra fora, toda essa coisa que vai de mim para o mundo, venha muito de dentro; talvez por isso as cores de fora são as mesmas das dentro. Ao mesmo tempo o de fora também entra ao interagir com o de dentro, tanto é que o núcleo do segundo trabalho tem mais cores do que o primeiro... ( Elaine) 215 216 O primeiro trabalho representa eu no final do meu casamento e eu separada. Depois que separei eu mudei de cidade e desbundei. Foi um período de muita sexualidade e afetividade. Olhando o desenho, acho estranhíssimo ter feito isso. Eu sou contundente comigo mesma, contundente com os outros, é uma coisa que me incomoda, e nada pode ser mais contundente do que esse negócio. Eu me representei como uma coisa dura e reta à esquerda, e depois, à direita, começando a ter curvas, a quebrar. É a mesma forma que perdeu a rigidez. Esta época é o movimento de passagem de uma para a outra. A forma preta sou eu, e o em volta é o clima dos sentimentos. Eu acho que o principal recheio desta forma é aquela imagem que você tem de si mesma, que vai ser socióloga, que você vai fazer tais coisas, que você é de esquerda, rótulos que você se coloca e dos quais decorrem certos projetos. Eram projetos abstratos pra uma pessoa que eu imaginava que eu fosse, mas que não tinha nada a ver com o que eu realmente era. E fui escrevendo palavras sem nenhuma censura, parei na hora em que acabou a página. Escrevi: Transição abertura procura escuridão alegria fechamento sufocamento respiração magreza bonita e gostosa clausura alívio e tristeza trabalho sucesso obscuro companhia tristeza mudança salto no escuro. Coisas opostas que conviviam. Já no momento atual, me vejo saindo de um período de sofrimento muito grande, a emoção ainda está muito intensa. Nos últimos cinco anos tive um movimento de volta pro meu interior, acho que por excesso de exposição. E estou numa mudança, não assumi minha cara nova ainda, não sei que homem eu quero, não sei bem qual é o meu desejo. E o que escrevi foi: Fusão integração interrogação maciez maciez e aspereza dureza renitente luta descanso e luta cansaço desejo de esperança descanse da consciência intuição entrega realização. (Lucia) 217 218 Quando ouvi o convite a uma viagem no tempo, imediatamente me vieram imagens e sensações do período de 78 a 81. Em 78 eu fiz 30 anos. O que escrevi foi : Trinta /Trindade --- Trabalho, Militância, Público --- Sexo, Amor, Maternidade E as palavras “suave, som, luz e força.” Quatro coisas que me apareceram na cabeça: Trindade é o lugar onde eu fui com um namorado com quem tive um caso lindo e intensíssimo, e Mauá é um lugar onde eu passei as férias em 1980, todo dia descobrindo uma cachoeira mais bonita do que a anterior. Desde então nunca mais tirei férias, então Trindade e Mauá são dois lugares referencia pra mim. Um é mar, o outro é montanha mas os dois têm água. Então me veio essa época e me veio uma coisa suave. Cada componente, cada cor, como um componente do meu ser, pinceladas, desejos, projetos, tal. Eu queria ter representado isso tudo com mais definição, não gostei do jeito que ficou o desenho, mas por outro lado a verdade é que eu não tenho muito definido como é que eu estava. Tem consolidação, amadurecimento e ao mesmo tempo dúvidas. O azul, o verde e o lilás, são as cores que eu mais gosto, têm muita força pra mim. Já o vermelho é um contraponto. Eu fui e continuo sendo e sempre serei meio elétrica, acelerada, turbulenta. Então eu quis colocar o vermelho como uma tensão densa que influencia tudo, mas inicialmente só fiz os dois pedacinhos que aparecem mais fortes, eu não queria que ocupasse tanto lugar. No segundo trabalho que representa meu momento atual, o vermelho permeia, ocupa, perpassa, pauta, penetra, influencia, já é um componente. No primeiro era um vermelho adolescente, no segundo já está mais amadurecido. Tudo o que pautou minha vida no primeiro momento, continua pautando hoje, mas no segundo escrevi : ‘Realização, busca, falta”. Hoje eu me sinto realizada, realizando coisas que antes eram sonhos, projetos, desejos. Por outro lado tem a falta do lado afetivo, a falta do companheiro, do amante que eu gostaria de ter do meu lado... (Norma) 219 220 Fui para uns 10 anos anos atrás. Eu estava muito embutida naquele tempo, muito voltada pra preocupações com coisas que estavam acontecendo, ansiedades, estava tudo muito certo e incerto ao mesmo tempo, e eu me sentia fragmentada. E surgiram estes quadrados cinzas , pretos, representando essa fragmentação. Quando eu comecei a fazer o círculo, a minha mão fez com que o círculo não se completasse, a linha foi pra fora. E aí o que eu escrevi foi: Um quadrado, vários quadrados O círculo, o caminho, a correção Preto, cinza Adequação / inadequação Beleza, Tristeza A vida, a quem será que se destina ? A cajuína transparente em Teresina... Já quando eu fui pro hoje eu achei que eu desbundei de todo! Eu só pensava no mar, queria fazer o mar como eu o via quando era criança, com ondas enormes, vagas de vinte e dois metros e eu entrando debaixo delas, porque desde pequena enfrentar o mar foi uma coisa muito forte na minha vida. Aí veio a vontade de botar vários círculos despencando em cima do mar, como se os quadrados do primeiro trabalho estivessem despencando, se soltando, caindo lá dentro e se acomodando. Eu quis fazer as linhas quebradas com traços bem certinhos. No começo os lápis estavam pesados, quebrei alguns, mas aí fui soltando e saiu isso, que pra mim ficou sendo chuva, que representa a resolução do que foi se acumulando. Um pouco assim : eu e o mar muito leve, muito claro, já não cinza, e como me sinto hoje, tranqüila. Eu escrevi isso aí : A beleza do mar, Uma constante na minha vida Hoje, ou desde o exílio, De vez em quando Tudo começava e terminava no mar, até as reuniões. [E Frida concorda com a observação de que talvez o exílio não tenha sido só da terra natal, mas de aspectos dela de mar, que hoje estão podendo ser resgatados.] ( Frida) 221 222 No primeiro momento eu escolhi a década de 80. Eu estava saindo da década de 70, aquela coisa desbravada que a gente viveu. Estava com. trinta e poucos anos e estava me assentando, tendo o segundo filho, muito engajada no movimento das diretas, no movimento feminista, fazendo dança folclórica e vivendo as minhas primeiras experiências homossexuais. Aí veio a cor amarelo e movimento, porque movimento e liberdade pra mim são palavras que se compõem muito. Movimento ascendente, descendente, prá cá, pra lá, tudo junto. Tinha a coisa da vibração, de muita energia, muita esperança. E as palavras que me vieram foram: Movimento, Vibração, Esperança e Liberdade.. Tinha também um recorte muito forte que era busca profissional. “Onde eu vou trabalhar?” Não era só trabalhar, era escolher pra onde eu ia me direcionar, que caminho ia tomar. E no segundo, veio o “iogurte vencido,” que é uma definição muito viva pra mim. E a cor veio lilás, no ato. No sentir, algumas coisas muito : “Não preciso mais brigar, tá posto. Não tô nem aí pra estar defendendo se sou, se não sou, se faço, se não faço, tô cagando e andando!” Porque essa história de estar vencido não é só físico, tem a ver também com postura, valores, que precisam se adequar a esses momentos de final de século. Porque é a coisa da revisão do olhar mesmo. E eu acho que aí entra a coisa da esperança. Tinha alguma coisa aqui dentro de mim em que eu acreditava. Eu tinha uma esperança, batalhava por um tipo de homem, de mundo, que eu não estou vendo... Eu não achava que ia dar nisso aqui, eu realmente acreditava que o mundo ia mudar, que a transformação estava ao nosso alcance... E hoje estou mais descrente, me decepciona muito a qualidade humana de vida das pessoas..... Então aí entra uma coisa filosófica, mais do que a questão estética Sabor, porque eu fui no gancho do iogurte, Validade e Vencido extensivos à essas questões que eu estou falando, e Esperança, que continua. Porque embora eu tenha essa decepção com essa mudança do curso da história ,eu acredito que a história se ajeita. O fato de eu estar me afastando desse tipo de trabalho tem a ver com isso também. Então veio, a coisa do iogurte, a coisa do lilás , mais laissez-faire... ( Sandra) 223 224 O primeiro me reportou a uns 20 anos atrás, e as palavras foram: Muitas cores, arco-íris, esperança, busca ansiosa, desejo, encontros, desencontros, vida, futuro, movimento. Era uma coisa de sensações múltiplas e coloridas, de calor, vida, vibração, de muito movimento, no sentido de liberdade, como se tivesse uma porta muito grande se abrindo, e de esperança, no sentido de esperar encontrar . Já no segundo trabalho, escrevi : Escuro, tenso, preso, medo. Movimento contido, aprisionado. Vulcão, medo e dor. Anseio, desejo que espera, busca que movimenta. Movimento suave de cores pastéis, de vida tranqüila, de encontro, de paz, de céu azul, de águas tranquilas . E silêncio. Duas palavras muito fortes: dor e liberdade. No primeiro tinha a liberdade de quem está abrindo, descobrindo, experimentando, conquistando. E liberdade na época era romper, era ser mulher, era sexualidade, sensualidade.... E no segundo me veio muito uma sensação de estar com essa vibração toda muito contida numa coisa tensa, difícil, que representei com a linha preta, e que é dor e aprisionamento. Mas é uma camada muito fina de aprisionamento. Com uma porta, pra liberdade das cores suaves, que é a coisa da paz interior mesmo. A liberdade agora mais ligada a isso, a uma sabedoria interna. Eu não quero mais romper com droga nenhuma, eu quero ter paz interior. Ter céu azul, silêncio, silêncio que traz a sabedoria de verdade. Mas sem dúvida nesse momento, a dor e o aprisionamento, e a coisa da liberdade, da paz interior co-existem. Eu não havia pensado nisso antes, na hora eu só expressei, saiu. Mas reconheço que são polaridades opostas em mim. Talvez até a linha preta seja uma linha que não só contém, mas também protege aquilo que naquela outra idade tava pipocando pra tudo quanto é lado... Protege mas não tampa, tem uma abertura... Por enquanto tá saindo só os violetas e os azuis, mas eu tô vendo que tem uns rosas, tem uns vermelhos ali dentro que quem sabe, também poderão vir a sair... (Mariana) 225 226 No primeiro desenho, o cavalo representa a minha força, e o barco o que eu gostava de fazer: velejar. Estou no barquinho, viajo solitária, mas é muito agradável. Tem uma casa do lado esquerdo com telhadinho vermelho e uma lareira soltando fumaça. O sol, as estrelas, a lua, estão todos alegres, eu tinha muito contato com a natureza naquela época. As cores são claras muito harmoniosas, verde água, azul mediterrâneo, amarelo da luz do sol. E o que eu escrevi foi:Suavidade, harmonia com as pessoas, raiva e ira, alegria, prazer, rigor, seriedade”.. Porque um lado que era muito forte também na época era raiva e ira. Enraivecia com qualquer coisa, no trânsito, com alguém que fazia as coisas erradas, e tinha muito rigor com horários. Mas tinha uma vida voltada prá alegria e pro prazer. Já no momento atual, o que escrevi foi : “Anti-social, amargura, rudeza, busca de objetivos: quais ?????, desânimo, falta de interesse, alegria ocasional”. O trabalho que representa essa fase atual, tem 4 desenhos. O 1º é um grande muro, que é uma barreira séria prá me comunicar com as pessoas nesse momento, com eu sozinha em negro atrás e um monte de pessoas do outro lado. Porque eu estou ficando uma pessoa muito anti-social.... No 2º tem um precipício. Tem um monte de coisa preta lá embaixo, embora em cima seja muito bonito, tem uma belíssima mata. E eu estou em vermelho, quase prá cair do abismo, que prá mim é derrota. Eu ser uma perdedora na vida é um negócio que me dá pânico, e o que está me apavorando hoje é a perda da saúde mental, da saúde física.. No 3º fiz um túnel preto com eu na entrada. Porque eu me sinto assim, entrando num túnel onde eu não estou vendo fim, mas quero buscar uma luz na saída. E esse buraco preto representa a minha vida : O que é que eu vou fazer? Como é que vai ser daqui prá frente? Ele vai preto, preto, e lá no fundo tem umas rajadas de amarelo e coral, umas cores fortes de luz.. No 4º tem uma ameba, significando burrice, que é como eu estou me sentindo; tem também uma parte que é toda pontiaguda, onde tudo machuca. Essa forma, prá lá, prá cá, é a confusão mental em que eu me encontro. E aquele triângulo virado prá cima é o que está me machucando. E fiz esse desenho todo em preto e marrom , que são as cores com que me vejo neste momento... (Ana) 227 228 O primeiro momento é 76, eu tenho 28 anos, e acabo de entrar no mestrado. Eu sinto que todas as opções estão abertas, que todas as coisas estão abertas, eu as busco e vou prá todos os lados. Tem todas as possibilidades, tem muita potência, muito movimento, muito vigor, e muito vôo. E o texto é curto e grosso: Movimento, liberdade, virtualidade, sagitalidade, sem raízes, sem filhas. Áureos tempos. Hoje sinto que é fundamental essa sensação de sem filhos, de não ter nada que me acorrente. O momento atual, apesar da imensa escuridão, tudo preto em volta em termos do mundo, amarras, prisões, menos espaço, tem uma clareira petititica, onde tem praia, coqueiro, sol, montanhas onde tem uma pequena caverna, e lá dentro estou eu, enrolada num troço de múmia. Uma múmia, não tem espaço, tá fechada em formol, e o meu felling é esse, de falta total de espaço. Eu me sinto tão invadida, minhas filhas entram até no meu pensamento! Então, eu estou mobilizada, mas estou lá. Quer dizer, dentro da falta de espaço, eu estou num lugar ótimo. O tempo mais brabo de depressão já passou, e o que escrevi foi: Amarras . Enterros. Pouco, pouco espaço. Ainda dá prá respirar. Mas só se for bem de leve. É assim que eu me sinto hoje. Realmente a minha vida é antes e depois das filhas. No dia que elas crescerem, nesse dia eu me liberto! E o que eu estou percebendo agora, é que a assepsia de estar como uma múmia fechada em formol, me mantém sem vínculos afetivos... Eu estou muito asséptica à vínculos, muito só. Mas não sou só múmia, eu vejo minha vida hoje, intermitente, entre múmia e não-múmia, tanto é que consegui estar fazendo doutorado. Por outro lado, acho importante dizer que eu estou muito feliz de ter minhas filhas, eu adoro elas. Mas como o pai delas morreu, o peso todo de cuidar das filhas ficou comigo, não tem com quem compartilhar, e isso me faz muita falta. Hoje eu não posso ficar nem ficar doente! Minha fantasia delas crescidas e idas, é poder pegar mochila, tênis, e sair pelo mundo, essa é a minha grande fantasia : liberdade ! (Nira) 229 230 Voltar no tempo, 10 anos atrás, me deu uma sensação de vazio, de não acontece, me senti uma coisa muito pastel. Peguei o creme, que foi a cor mais pálida que vi, e fui pintando, porque eu só via o pálido de não estar acontecendo nada importante. Mas acabei pondo um pouquinho de amarelo, porque apesar de não estar acontecendo nada que eu achasse importante, eu estava numa busca muito grande de equilíbrio, de consciência. Apesar de não precisar trabalhar pra sobreviver, eu tinha uma busca profissional. Eu que tinha vivido tantas coisas interessantes na juventude, não queria ser só dona-de-casa. Se eu fosse em algum lugar, eu era “a esposa do fulano” ou “a mãe.” Eu estava pálida, apagada. E aí deu câncer, aquela coisa: o corpo fala. Comecei a ter consciência de que esse tipo de vida não tava legal, e busquei terapia. Vejo o amarelo como luz, e o azul como treva. E da luz e da treva se equilibrando, sai o verde. Sem querer ficou meio dividido. Tudo podia acontecer, e não acontecia, como se fossem movimentos que cada um interrompe o outro. Eu não quis um papel grande, porque eu não conseguia ocupar muito espaço, mas ao mesmo tempo queria abrir. E eu escrevi: Tudo podia acontecer, mas nada acontecia. Bloqueios, inseguranças, ilusões, busca de consciência, de mudança, espaço fechado, escondido. No outro foi como se eu estivesse vendo a imagem de um verde que foi chegando no lilás, e daí passando para o azul. Lilás é uma cor que me passa paz, espiritualidade, tranqüilidade e equilíbrio, que é como me sinto hoje. Mas ainda em busca, ainda me transformando, ainda querendo saber muitas coisas, porque a gente nunca pára. Eu sinto que o primeiro desenho está duro, rígido, muito difícil de soltar. No segundo fui soltando mais, está mais colorido e expressivo, mais integrado, tem vontade de viver, de acontecer. Tem também uma onda, que é um movimento interno, que eu espero que se transforme e não arrebente. E tive vontade de botar bastante água, que é coisa gostosa, flúida, que relaxa, que não prende. E eu escrevi: Busca de equilíbrio, tranqüilidade, encontro, felicidade verdadeira, despertar da consciência cura, paz, muitas coisas a fazer, parar de se esconder. (Miriam) 231 232 O primeiro é dos 25 aos 36 anos. O dourado sou eu, uma luz muito intensa mas completamente contida. O cinza contém, tolhe, limita, entristece, impede completamente a expressão. É a aparência, a identidade aparentemente sólida utilizada no social. Mas tudo o que era meu mesmo estava oculto. A idéia foi colocar em cima desse quadrado uma torre de figuras geométricas prá dar uma idéia de pilha está quase prá cair. Eram as coisas que eu tinha que sustentar prá fazer esse papel e prá conter meu ser. Ser sempre a primeira, inteligente, requisitada, bem sucedida, o máximo. A exigência sempre foi muito grande em casa. E quando você escolhe ser o que alguém quis que você fosse, você precisa por energia em um projeto que não é teu, o que gera muita frustração. Então essa que aparece é um constructo. À luz do dia virei uma moça convencional, certinha, elegante, trabalhadora, dedicada. Eu que na juventude tinha desprezado tudo aquilo, fiz o jogo do sistema e me enquadrei. Com 25 anos de idade eu já estava amordaçada. A sensação dessa fase da minha vida é a de um tempo de conquistas materiais, mas de muita tristeza na alma. Eu estava aparentemente bem, mas a alma tinha muita dor. E escrevi assim: A luz pulsa encapsulada, contida. As idéias, os conceitos, os papéis e os rótulos são carregados, penosamente, sobre os ombros. No segundo, o de hoje, eu pedi uma folha maior, porque eu tenho mais espaço no mundo do que naquele tempo. Meu desenho não tem muitos elementos, é tudo meio brotando, ainda é um momento de libertação. Eu sou essa luz que agora começa a dançar. Tenho formas fluidas e meus movimentos são macios, A luz está se soltando pro mundo, não sei ainda o que vai ser. Sinto que tenho liberdade de ir para qualquer lugar, e posso me transformar em muitas coisas, não há uma direção específica. E o que escrevi foi: No tempo do não-ser a luz estava presa, impedida. Hoje ela começa a fluir, diante de um olho-boca virgem prestes a se abrir. (Rosa) 233 234 No primeiro momento me coloquei antes de 78, quando me separei. Essa cruz representa muito o que eu era, as coisas que eu aprendi de pai, mãe, avô. É toda a carga de preconceito, do sacrifício, das cobranças, do pecado, da Igreja Católica Apostólica Romana, toda a coisa de que sexo é pecado, beijo é pecado, masturbar é pecado, de que vai morrer e vai pro inferno se mexer nos primos, de que eu era uma menina depravada, sem vergonha, safada, porque vivia no meio de um monte de irmãos e primos. A espiral é como se eu estivesse me libertando, porque eu sempre vôei muito com o pensamento. Eu tinha um corpo reprimido, um comportamento crucificado, mas minha visão e minha sexualidade eram mais soltas, o que represento como um olho e uma boca, que também é vontade de falar. E o que escrevi foi: Lembro ou sinto com boca alerta e aberta da cruz de dor e morte de mim que viva estou, que outra luz eu sou. ou do eu que eu não sabia. Cruz que era eu casada Não há mais cruz a mutilar meu verve constrangida, reprimida não há mais dor a carregar sexo e perplexidade enlutados. Há espirais de esperança Cruz da qual me separei um novo olhar, uma luz de mudança a exalar odores, a expurgar temores um grito aberto de criança a gritar para o mundo que se faz mulher. No segundo, meu símbolo é o coração, porque uma das coisas mais difíceis com que eu lidei a vida toda, é a minha emoção. Eu sempre segurei barras, e tinha dificuldade de sentir. Então é como se o meu coração estivesse abrindo, não tem fim essa abertura. Eu que sempre fui muito racional, agora quero ser feminina, quero muito o meu lado mulher, tirar minhas amarras, quebrar as resistências, chorar na hora que eu quiser. Tem laranja ali, muita luz, tem azul, considerado masculino, e o rosa da feminilidade. Há uma integração que no primeiro não tem, há uma essência em expansão, há amplitude, clareza, transparência, as cores são bonitas, é uma coisa muito profunda. E ao mesmo tempo que o coração se abre, se você olhar como se fosse o Mar Vermelho, esse mar também está se abrindo pro coração passar, é uma energia que flui e reflui. E o que escrevi foi: A minha essência agora é definida, solta, leve, fluida Hoje eu sou comigo e com o universo um grande coração, uma emoção que se amplia e se mistura com a emoção do Ser Infinito . (Julia) 235 236 REFLEXÕES COLETIVAS SOBRE COMUNALIDADES EM SEUS TRABALHOS Na medida em que todas as participantes concluíram a apresentação de seus trabalhos, solicitei que agrupassem todos os seus trabalhos em conjunto, e que procurassem perceber se seria possível identificar comunalidades nas transformações ocorridas entre os primeiros e os segundos trabalhos de todas as participantes do workshop, acreditando que estas, se existentes, poderiam apontar para comunalidades nos processos de transformações vividas, para além das diferenças individuais. Os depoimentos abaixo, colagens de observações feitas pelas participantes de grupos distintos, transmitem estas percepções: Comparando com os primeiros, todos os segundos trabalhos refletem um momento de passagem para um momento de maior fluidez, de maior harmonia, de maior integração de elementos anteriores. Têm também mais dinamismo , mais movimento, mais expansão, menos contornos limitadores, menos contenção . São mais discriminados, sutis e elaborados, constituíndo-se em formas [gestalts] mais complexas. Na maioria aparece um movimento de expansão suave, que reflete o poder estar presentemente manifestando mais a suavidade e o feminino. (Conclusões das participantes do 1º workshop) Todas representaram o momento atual como um momento de uma imensa vitalidade-- e duas das participantes acharam que isto aponta claramente para o fato de que esta está sendo a melhor época das suas vidas, um momento de florescimento, de auto-conhecimento, de maior autenticidade, uma coisa de estar podendo, com a idade, ter mais liberdade e maior clareza do que realmente se quer. Nos desenhos isto transparece na maior fluidez, soltura e expansão -- que se manifestou até de forma até física, o tamanho dos papéis escolhidos para o realizar o segundo desenho foi maior. (Conclusões das participantes do 2º workshop) 237 Do ponto de vista visual, todos os segundos trabalhos tem uma qualidade de maior integração que os primeiros. Integração das cores, das formas, das partes, de tudo. A maioria dos 2º trabalhos, têm uma qualidade de maior abertura ao espaço, expansão e soltura, porém , no trabalho de uma das participantes o movimento que antes era muito aberto torna-se inverso : agora filtra , discrimina e limita mais. (Conclusões das participantes do 4º workshop) Em termos de cor, tem mais cores primárias nos primeiros : vermelho, amarelo, etc, e mais lilás nos trabalhos que representam o momento atual, que também são mais suaves, mais tranqüilos, mais leves, com nuances de cor muito mais diversificadas. A direcionalidade é muito mais marcada nos primeiros, e a forma ganha mais expansão em todos os segundos trabalhos. Como composição, os primeiros são mais simples, mais lineares. Já os segundos são muito mais complexos, diversificados e elaborados. Até a metáfora do “iogurte vencido,” como síntese , é uma concepção elaborada. Isso aponta para uma maturidade maior, e também para um estar se encaminhando pra paz, para uma maior leveza interior. (Conclusões das participantes do 6º workshop) 238 SONHOS EXPERIENCIADOS DURANTE OS WORKSHOPS Como os workshops tiveram dois dias de duração, pedi às participantes ao final do primeiro dia que ficassem atentas aos sonhos que porventura tivessem à noite. Assim, no início do segundo dia algumas participantes relataram os sonhos que registro a seguir. Ao escutar estes sonhos e ajudá-las a desvelar os significados neles contidos, lancei mão em certos casos, de alguns recursos da abordagem gestáltica para trabalhar com sonhos (Downing 1973, Perls 1969, 1973), que tem fundamentado já há vários anos minha prática clínica. Gestalt terapeutas partem do princípio de que cada parte do sonho, cada personagem, cada objeto, cada elemento, cada ação etc, representa uma parte de si, como se fossem metáforas que representam diferentes aspectos da experiência pessoal. Gestalt terapeutas não “interpretam,” mas procuram facilitar com que a própria pessoa possa encontrar e atribuir significado ao seu sonho ou a partes dele, propondo experimentos que a ajudem a explorá-lo. Alguns destes experimentos se tornaram bastante famosos, como por exemplo pedir à pessoa que dê uma voz a um elemento do sonho, que o represente dramaticamente, ou ainda, que construa diálogos com os diferentes elementos de seu sonho. Alguns destes experimentos foram utilizados pela pesquisadora como forma de ajudar as participantes a desvelar os significados de seus sonhos, e apesar de suas intervenções não estarem registradas (pois procurei registrar apenas as falas das participantes), estiveram subjacentes a algumas das falas sobre significados associados aos sonhos que aparecem no relato das participantes. Como se pode facilmente observar, comum à todos estes sonhos é a existência de conflitos (em alguns mais, em outros menos) o que não só é comum às épocas de passagem e transformações de forma geral, como também as caracteriza. Mitos pessoais também transparecem nestes sonhos, que, sob esta ótica, podem também ser vistos como representando um conflito mítico, i.e., um conflito entre mitos novos e antigos. Assim, busquei identificar os mitos pessoais que transparecem em alguns dos sonhos, na medida em que a questão dos mitos é uma das dimensões deste trabalho.. Para isto, procurei me ater ao que me pareceu obviamente representado, evitando 239 interpretações explicativas. Como anteriormente descrito, o que aparece em itálico refere-se estritamente à fala das participantes da pesquisa e apenas o que aparece entre colchetes corresponde às observações da coordenadora. Saí ontem daqui super bem, sossegada. E essa noite sonhei de novo um sonho que se repete desde que eu me separei. Não é toda noite, mas constantemente eu sonho que tem uma criança de quem que eu cuido. Às vezes essa criança é uma nenê recém-nascida, às vezes tem um aninho, aparece de diversas formas. No sonho eu sei que ela não é minha, mas é uma criança que eu tenho que cuidar, que está sob minha responsabilidade. Eu a alimento, cubro, faço dormir, troco, e cuido dessa criança em lugares onde tem guerra, em lugares onde as casas estão desmoronando, em lugares muito ruins. Ela é sempre muito bonita, às vezes loira, às vezes morena, e às vezes menino, às vezes menina. Tenho um carinho muito grande por esse bebê que eu cuido quando eu durmo, que eu não sei o que é... [Para a pesquisadora] Você me pergunta o que é novo, recém-nascido em mim, de repente é uma parte minha mesmo... Porque a vida inteira eu cuidei dos outros, nunca cuidei de mim [mito antigo] e agora presto atenção em mim [mito novo, recém nascido, do qual ela sente que tem que cuidar]. Nem sempre consigo, mas fico muito atenta em não fazer coisas que não quero [novo mito ainda se instaurando] Às vezes escapa, eu faço, e fico muito brava. E isso é uma coisa nova. Hoje eu consigo dizer não, até para os meus filhos...(Elisa) Eu saí tranqüila, refletindo muito, cansada. E tive um sonho confuso, lembro de flashes. Eu estava na casa da minha cunhada, e me lembro do marido dela, que é um cara muito crítico, um homem muito arrogante, olhando pra mim. Era um jantar em família, e ao passar pelo sala eu disse pro meu marido: “Eu não vou ficar aqui, vamos pra onde está o pessoal mais novo?” Eu não quis ficar na sala dos velhos, e fui pra sala dos sobrinhos com quem me dou super bem, mas minha sobrinha preferida falou alguma coisa negativa pra mim, e ao olhar não era ela, era uma menina parecida com ela. Aí saí de lá, e me vi numa casa que parecia ser a minha, mas não era. Era uma casa que tinha janelas muito grandes de vidro. 240 Eu abri e começou a entrar uma ventania. E eu pensei : “não vou aguentar esse vento, vai voar tudo aqui dentro.” Aí fechei de novo, apareceram duas crianças e alguém falou que eu tinha que cortar a unha de uma delas. Eu pensei: “mas que saco!” Mas acabei sentando e cortei a unha da criança. E aí eu acordei. Então o que eu entendi desse sonho: Meu cunhado é a minha parte crítica. Eu tenho esse lado, certamente. Eu não me sinto bem mesmo na família do meu marido, porque eu acho eles muito velhos, muito chatos, muito o estabelecido, todo mundo quer ser colunável, ter o carro mais legal. Tem uma coisa meio competitiva que não me atrai. E eu realmente adoro ficar com meus sobrinhos. Me dou muito bem com eles, gostam de mim, vêm me contar as coisas, eu viro muito criança quando estou com eles. E vejo como eu prefiro esse lado mais jovem, essa turma que não está preocupada com como devem ser as coisas, com o convencional. Agora, essa casa com este vento que invade eu não consegui entender direito... [Para a pesquisadora] O que é que chegando com de um jeito que eu não consigo aguentar? Talvez sejam os problemas da minha filha com os quais não tô conseguindo lidar... E acho que essa criança que eu tenho que cortar a unha pode ser a minha filha, porque eu ando mesmo de saco cheio dessa função de mãe de ter que ficar cuidando tanto deles [mito antigo], tô querendo sair disso [mito novo] . (Rubia) Eu saí com uma sensação de muita leveza. E resolvi ficar em casa, ver um filminho com meu marido, ficamos lá papeando. Eu tava com a sensação gostosa de ter tido um dia legal. E me lembrava de vários momentos, não ficou nem pesado, nem triste, ficou tranquilo. E à noite sonhei com roubo, falcatrua. Sonhei que peguei a mala do meu ex-chefe que foi mandado embora porque tinha desviado grana, e olhando dentro vi que dentro da mala tinha bilhetes de amor dele pra amante, que era a secretária dele. Aí , como a mala era muito bonita resolvi ficar com ela. Joguei no lixo os bilhetes, e tinha uns objetos que deviam ser canetas coloridas, que achei bonito e resolvi ficar pra mim. Agora, eu fui secretária do meu atual companheiro por muito tempo, e me tornei amante dele. Quando a gente começou a namorar ele era infeliz, cheio de 241 problemas, mas casado. Ele se separou, não sei se foi em função minha ou em função dele mesmo, mas a sensação de que você tá roubando alguém de alguém, não é agradável, fica [mito antigo]. Eu me lembro que a mulher dele me chamava de ladra de homens, vagabunda, e daí prá cima. Mas acordei bem por ter ganho a mala, não fiquei com sensação de culpa não [mito novo]. Acho que tem a ver também com aprender a discriminar e ganhar coisas boas, porque fiquei com as coisas que gostei, pelas quais eu optei, joguei fora os bilhetes e fiquei com as canetas coloridas. E acho que de uns tempos pra cá esse tem sido meu movimento mesmo[mito novo], jogar fora o que não interessa e reter o que é bom... (Paula). Foi bom relembrar tudo o que a gente viveu aqui durante o dia, de vez em quando me vinham lembranças do que a gente conversou aqui. E sonhei muito, foi um sono muito agitado, sonhava, acordava, sonhava de novo. E foram sonhos que tinham uma tônica, todos eles discutiam preceitos morais, sociais, o que a mulher pode ou não transgredir prá não ser marginalizada, pra não ser puta [mito antigo]. Acordei muito cansada, com o peso de ter estado a noite inteira na corda bamba. Lembro que na minha adolescência eu ouvia: "Cuidado, tem um ponto na intimidade com um homem que você não pode ultrapassar”. E esse ponto não era muito definido pela minha mãe, ela até discutia a coisa de não perder a virgindade, mas onde é que tava esse ponto, ela deixava prá gente. Este estar no fio da navalha foi a sensação do sonho [conflito mítico]. Como estou querendo me separar, parece que volta a questão de qual é o limite da moralidade que eu vou ter que construir, e que é nova [ procura um contra-mito que possa contrabalançar o mito antigo]. E uma sensação do cansaço de estar sempre controlando prá não cair do outro lado...(Ines) Eu saí com a minha sensorialidade à flor da pele, acho que falar tanto de sexualidade, relações afetivas e tal, me mobilizou, tava com muito tesão! Cheguei em casa, quis ficar com meu marido, ir prá piscina com ele, e como ele tava super receptivo foi delicioso, parecia um programa de lua-de-mel. E sonhei muito. Não me lembro de imagens, mas tenho a sensação de que tinha a ver com espaço, 242 aproveitamento de espaço, de poder preencher o espaço de uma forma mais prazeirosa, que é uma preocupação que tenho tido ultimamente . E ao acordar uma sensação como se eu tivesse trabalhando muito, acordei cansada [novo mito procurando se implantar].(Marcia) Saí super bem, encontrei com meu marido e fomos fazer compras numa loja que tem coisas super boas de comer, porque gosto de comer coisas importadas, diferentes. Mas saí daqui ontem com um super tesão, parece que eu tinha que me provar nos meus tesões da vida! Então foi super gostoso, ele tava super me pararicando, tava ótimo. E sonhei com alguma coisa de viagem, mas não era minha. Era da minha filha, e quando começo a sonhar com viagem, tem sempre alguma coisa de mudança interna acontecendo. E sempre é complicada, sempre perco mala no caminho, perco roupa, perco gente, tem sempre umas coisas difíceis nos meus sonhos de viagem. E essa daí era também angustiante. Acho que tem a ver com a minha relação com a minha filha, que tá me mobilizando muito, tô sentindo ela começando a querer voar mais do que eu posso segurar. Eu sinto que ela voa muito mais do que eu aguento! E não é em relação à coisa do sexo, que prá mim não assusta tanto, é mais a coisa aventureira. Ela é assim: "mãe, vou pra Bahia." "Mas como vai, pera um pouco, com quem que você vai?", ela me deixa um pouco insegura , angustiada. E ela é que nem eu, super determinada quando inventa uma coisa, não sai de cima! Então eu sei que tinha uma questão de viagem, e tinha uma coisa com ela. Pode ser até a parte minha que identifico com ela, acho que eu ainda tenho muito essa coisa da jovialidade, da aventureira, pode ser que é isso que ta me dando insegurança, não sei... (Rosana) 243 IMPRESSÕES DA EXPERIÊNCIA NOS WORKSHOPS Os depoimentos abaixo foram feitos ao final dos workshops pelas mulheres que deles participaram. No entanto, alguns comentários feitos ao término do primeiro dia do workshop também foram incluídos e estão assinalados como tal. Resgatando Valores Algumas mulheres falaram da importância de ter participado dos workshops, no sentido de neles poderem ter resgatado as idéias, valores e práticas vivenciados nos movimentos de contra cultura dos anos 60 e 70 que de certa forma estavam empoeirados, um tanto esquecidos e encostados, apontando que o workshop serviu para presentificá-los, ou seja, utilizando uma linguagem Gestáltica, para trazê-los do “fundo” e torná-los “figura” em suas vidas : Eu gostei muito de ter vindo, foi surpreendente. Eu não pensei que fosse tão gostoso estar aqui, a gente resgata muita coisa. E achei curioso que quando eu saí daqui ontem, saí com um pouco desse gosto do resgate na boca, porque no trilhar da vida a gente vai perdendo esses sabores. Era tudo tão intenso, tão nosso, tão legítimo, e uma parte disso eu senti que esteve presente aqui . E estar resgatando essa época me faz sentir mais forte. (Andréa) Eu saio com uma sensação ótima! Foi super gostoso fazer essa troca, me senti super à vontade. Me veio uma coisa de: “Puxa! eu vivi uma época fantástica, eu devia ter aproveitado mais!” Porque a gente pôde fazer um resgate aqui, e isso foi muito bom para mim. (Miriam) Foi um momento de voltar às coisas passadas, mas pensadas hoje. Eu achei muito legal isso. Ver como é que hoje, aos 57 anos, com tantas dificuldades e com tanta coisa pela frente , a gente resgata coisas que a gente tem, que as outras têm junto com a gente, e percebe que a gente continua com elas. (Frida) 244 Pra mim foi totalmente transformador, dentro do meu momento foi super forte. E o que percebo de comum em nós é um ímpeto transformador que parece que vem desde a juventude. Esse encontro me deu mais consciência disto. Me dá muita força pensar que eu faço parte dessa história, dessa geração. (Elaine). A Importância do Compartilhar Com Outras Mulheres Por outro lado, o encontro com outras mulheres da mesma faixa etária, perceber que as questões vividas no nível individual são também questões coletivas, comuns à outras mulheres, e a relação de confiança e cumplicidade que se estabeleceu no trabalho grupal, foram bastante citadas como elementos facilitadores : Acho que foi uma sintonia, cada uma à sua maneira abrindo a porta prá que eu me sentisse bem e conseguisse ser autêntica, senti muita reciprocidade. Eu já fiz parte de grupos, sou sempre armada, e ontem não era meio-dia e eu já estava chorando! Olha o clima de eu poder me liberar, eu achei incrível isso! (Stela) Eu achei maravilhoso a idéia deste grupo, desta pesquisa, porque eu acho que a gente só sente mesmo o que que é, só se sente em casa e à vontade, quando você conversa com outras mulheres e vê que elas passam pelas mesmas coisas. Pra mim foi muito bom. (Mariana) A gente acaba conhecendo poucas pessoas, mas é muito bom saber que tem pessoas assim como vocês, faz com que a gente tenha esperança nas coisas todas que estão por vir. A gente às vezes fica muito pra baixo, achando que está tudo destruído, mas não, tem muita gente fantástica! E pra mim, pessoalmente, foi um momento de pensar as coisas. Vocês têm razão, eu preciso conversar mais, ter um grupo de amigas mulheres com quem eu possa trocar experiências. Porque se não você fica muito por fora e sem dividir um bocado de coisas que se tem pra dividir com os outros. E aqui foi ótimo! (Frida) Acho que eu estava exatamente em um momento em que estava precisando escutar mulheres da minha faixa etária, passando por coisas semelhantes, com uma cabeça parecida com a minha. Eu acho que eu fico muito fechada com as minhas coisas, com as minhas dores, minhas fantasias. Então eu estou achando bárbaro, estou curtindo demais, 245 estou sentindo muita identificação. Porque eu estava me sentindo um E.T. no meu momento atual! E está me fazendo um bem enorme escutar vocês. (Rubia) Tá sendo muito bom conhecer a experiência da outras mulheres, é muito interessante (Lucia) A Relação Com a Pesquisadora A qualidade do contato estabelecido com a pesquisadora foi citada por várias participantes da pesquisa, como sendo também um elemento facilitador. Apesar de falar pouco de mim e colocar-me em uma postura de abertura e real interesse em conhecer e registrar a variada gama de experiências vividas por cada mulher, era claro para todas as participantes que a pesquisadora também era uma delas, i.e., uma mulher em fase de climatério que havia vivido os movimentos de contra cultura. Isto ficou evidente não só nas risadas e comentários compartilhados, como também desde o primeiro contato telefônico, quando, ao convidá-las a participar da pesquisa, referia-me à importância de registrar o que “nós, mulheres que vivemos movimentos de contra cultura estamos experienciando nesta fase da vida. O cuidado em criar um ambiente descontraído e acolhedor, tanto na maneira de recebê-las como oferecendo sucos, chás, café, biscoitos, papéis e materiais para trabalho artístico de boa qualidade, também foi um fator que contribuiu para que se sentissem à vontade para falar abertamente de suas experiências pessoais. Por outro lado, o “termo de contrato” proposto, ajudou a propiciar um clima de confiabilidade e seriedade à pesquisa. Os dois depoimento abaixo são exemplos: Nós não fomos objeto de investigação, mas pessoas que você convidou para compartilhar com você de um encontro, para expressar sentimentos e emoções que você vai transportar pro seu trabalho, mas de forma muito verdadeira, muito humanizada, sem transformar a gente em materiais de pesquisa. Não nos sentimos apenas objetos de investigação. E acho que o que incentivou essa liberação, foi que : primeiro você garantiu preservar o anonimato com um compromisso formal. E na medida em que a gente preserva com você, a gente também preserva entre a gente . Então acho que isso aí deu prá soltar quem é mais tímido, ou quem se preserva e tem mais resistência. Em segundo lugar, eu senti o tempo todo que você estava muito junto com a gente, que você é uma de nós também. Isso deu muito continente e foi super gostoso. (Julia) 246 Achei que a tua atuação foi super acolhedora, tranqüila, não invasiva, você não forçou nenhuma barra, uma coisa da gente estar se sentindo muito bem aqui, eu acho que neste sentido tá perfeito. E você não foi diretiva , deixou todo mundo falar, perguntar, opinar, deixava rolar sem pressa o assunto que estivesse mobilizando a gente a cada momento, achei o jeito de conduzir o grupo super legal. (Ines) A Importância da Experiência Vivida nos Workshops E finalmente, todas as mulheres que participaram dos workshops que constituíram esta pesquisa falaram da importância desta experiência para suas vidas. Muitas mencionaram a importância deste espaço de workshop, pois propiciou-lhes um debruçar-se sobre as experiências desta fase da vida, que lhes possibilitou qualificá-las, nomeá-las e sobre elas poder refletir de forma pessoal e coletiva. Este pensar e compartilhar grupal possibilitou não só uma rica troca de experiências, como um importante redimensionar de suas vivências tanto atuais como passadas. Eu achei ótimo. Nossa! Precisava ter esse espaço prá discutir essas coisas ! E foi bom que foi de uma forma aconchegante e organizada. (Paula). Tive que fazer esforço aqui pra nomear e qualificar as experiências que tenho vivido, mesmo em relação à coisas que eu já pensei, já trabalhei em análise, tal, de repente aqui dentro, ouvindo as outras, fiz umas sínteses que não tinha feito antes. Pra mim, pagou o dia ! (Norma, ao término do primeiro dia de workshop) O grupo foi muito marcante. Ontem de manhã, antes de vir pra cá, eu era uma pessoa. Agora indo pra casa, já sou outra pessoa. Esse momento foi muito importante. Houve oportunidade da gente se conhecer, e cada vez que uma falava, a gente ouvia um pedacinho da gente mesma. (Norma, ao término do workshop) Tá sendo muito legal. Primeiro pela troca, e segundo pela síntese que a gente tem que fazer da própria experiência . Hoje eu vinha pelo caminho pensando no que que foi a 247 experiência ontem aqui, e achei três palavras: “cutucante, estimulante e excitante.” Acho que me fez pensar muito, e além disso me excitou a gente falar tanto de homem, de aspectos dessas relações; mexeu comigo ver o jeito como cada uma se colocou. (Elaine, ao término do primeiro dia de workshop) Eu tive fases diferentes aqui. Cheguei, sem muita vontade de entrar. Depois senti que eu entrei demais. O que a gente falou mexeu muito comigo, porque a gente vai empurrando um pouco essas coisas com a barriga, eu não fico pensando nessas questões no cotidiano, me deparo com elas apenas em alguns momentos. Então eu achei super intenso. E na medida em que fui me mobilizando, comecei a sentir o “chacra” do peito ardendo. Daí foi difícil me concentrar, na hora da visualização eu tava muito irritada, muito com raiva de estar aqui. Depois o desenho me acalmou, mas não o suficiente. Só quando fui escrevendo as coisas que me vinham na cabeça é que foi me dando tranqüilidade. Fui mudando, fui vivendo muito transformações de humor no processo. Fiquei indo de um polo para o outro, cham--chum, mas depois que todos os meus altos e baixos passaram, saí super bem. Para mim foi muito bom ter vivido esse processo aqui. Eu acho que a gente se sente muito solitária nessa coisa, porque por mais que a gente troque, é diferente você fazer uma reunião só para falar sobre isto, não é? Ë muito bom estar trocando esse tipo de coisa desse jeito. E acho também que teve coisas interessantes que eu aprendi com cada pessoa aqui, jeitos diferentes de lidar com esta fase, porque eu tô sentindo que cada dia mais, eu tô findando uma fase e entrando em uma outra. Então esse partilhar e aprender com as outras foi super legal. (Rosana) Por outro lado, o estar em um grupo de mulheres da mesma faixa etária, para muitas foi um elemento fundamental para que pudessem ultrapassar a vergonha que em geral acompanhava o falar sobre certos temas em suas vidas. Para outras, foi um fator facilitador do resgate do seu poder feminino, fortalecendo-as enquanto mulheres no mundo, e ajudando-as a reconhecer e criar coletivamente uma identidade mais positiva para a mulher madura do que a socialmente difundida : Saí daqui com uma sensação muito boa ontem, uma sensação de poder mostrar minhas coisas e não me sentir envergonhada, que é uma sensação que eu sempre tive. (Tereza, ao término do primeiro dia de workshop) 248 Tô saindo super bem. Antes de vir fiquei pensando se eu não iria me sentir constrangida aqui, mas não, foi um ambiente super acolhedor, legal mesmo. E foi gostoso estar encontrando um espaço prá cuidar das minhas coisas e de mim. (Ines) Eu acho que esse trabalho fortalece esse nosso momento enquanto mulher, ajuda a gente a se ver como mulher integrada, não mulher "sem coisas." Mulher "com!" Eu achei que foi legal esse momento da gente poder até estar também resgatando e exercitando o poder da gente, nos afirmando, afirmando os nossos desejos. Por outro lado achei que foi importante poder estar vendo as minhas coisas, poder mostrar minha fragilidade, estar compartilhando o difícil desse momento, foi bom ter trocando isso. (Marcia) Eu achei uma experiência muito enriquecedora. O que eu gostei muito é que são mulheres diferentes de mim, com experiências muito diferentes, embora a gente seja da mesma geração, e certamente estivemos nos mesmos lugares, eventos, reuniões, nos mesmos comícios, nas mesmas passeatas. Eu converso muito com amigas, mas são as mulheres que eu conheço . Eu me senti em contato com pessoas com caminhos diferentes dos meus, e que me deram uma referência do feminino muito forte. Eu estava sem referência, numa coisa de muita introspecção, que foi o que eu fiz nesses últimos tempos, fiquei meio sem saber até onde é o feminino mais geral, e até onde sou eu mesma. A minha sensação era de que o feminino era uma coisa meio desorganizada, meio natureza bruta, essa coisa de só sentimento, e que o organizado era o masculino -- quer dizer, que o organizado em mim é o masculino que eu absorvi. E percebi que aqui apareceu um feminino organizado e muito diferente em cada uma, uma forma de misturar inteligência com sensibilidade, com vivência, com reflexão, com estar no mundo, com agir. A impressão que me deu foi que pelo menos em nós, que somos da mesma geração, o feminino tem uma forma muito nítida a despeito das diferenças . E eu fiquei com uma referência assim: ser mulher é uma coisa muito clara, que você reconhece, com a qual você se identifica. Foi muito reconfortante pra mim ter essa clareza! Eu acho que as mulheres desse tempo passam uma experiência muito inédita, muito luminosa, é uma grande aventura ser mulher nessa época, é uma transformação muito grande. Então achei muito importante o espaço de troca. Faltam lugares e ocasiões pra socializar isso. Porque, inclusive, na hora que você divide fica mais leve pra carregar, e eu sinto isso muito pesado às vezes, é uma carga pesada de levar sozinha . Mas quando de repente você vê que todo mundo está levando , cada uma do seu jeito, com a sua graça , 249 a gente percebe que dá pra segurar com mais graça. Senti aqui muita maturidade das pessoas. Tivemos machucados, dores profundas que hoje estão de alguma maneira cicatrizados, e acho que o que dá dignidade à gente é muito isso também, eu percebo muita dignidade em todas. Então eu acho que esta reunião incorporou coisas importantes à minha história e à minha referência da história das mulheres da minha geração. Além do que foi muito agradável estar aqui, gostei muito de conhecer as pessoas que conheci aqui.(Lucia) E finalmente, muitas falaram da importância de transcender a experiência de solidão das vivências deste período de vida, e da confirmação e prazer que esta experiência proporcionou, reconhecendo os ganhos terapêuticos que a experiência de participar nestes workshops lhes trouxe : Na minha vida, a todo momento eu me deparo com algumas coisas que são extremamente prazerosas [Chorando] ... e esse encontro é uma delas, muito prazeroso, muito especial... (Sandra) Foi muito bom., muito agradável, especialmente pela diversidade, pra gente poder perceber que todas as experiências são únicas e muito pessoais, apesar dos aspectos em comum. Cada uma tá passando do seu jeito, vivendo do seu jeito... e que bom! Que bom que possa ser assim! Que é o que a gente batalha tanto na terapia. Muita gente vem pra terapia com a impressão de que vai mudar e a primeira coisa que eu falo é: “terapia não está aqui pra mudar ninguém, está pra você se revelar, se descobrir, se aceitar, se incorporar, ficar inteira. ” Sinto que esse grupo teve esta qualidade para mim. Acho que a gente teve a coragem de compartilhar coisas menos bonitas, mas que também podem se transformar. (Rebeca) Foi muito legal pra mim aliviar a ansiedade, ver que que todo mundo tá passando por essas coisas, perceber que a gente é maravilhosa mesmo. Também gostei muito de estar com o grupo, foi uma experienciam muito gostosa e para mim, emocionante. (Fernanda) Eu fiquei encantada com as histórias, eu me deliciei com as histórias de todas, porque apesar de diferentes, o que eu achei muito legal foi observar as contradições. Achei bárbaro! Isso traz uma coisa de humanidade que é muito bacana. Porque a gente é isso, 250 um ser-aí, contraditório. Então, na medida em que a gente sofre toda essa pressão cultural e social, a gente também escorrega e entra na mesma carneirada. “Será que eu já sou carta descartada? Será que eu não atraio mais? O iogurte venceu, o peito caiu, a bexiga despencou, os homens não vão olhar mais pra mim.” Você sofre essas pressões, você tem esses medos, você fica apavorada com esta monstra menopausa. Isso traz muito sofrimento, e não me sinto livre disso. Então curti ver aqui pessoas tão diferentes, com vidas, histórias e experiências diferentes lidando com as mesmas questões, sofrendo essas mesmas coisas Muito legal. Talvez , o que nos distinga seja a consciência dessa coisa toda. Ontem à noite fiquei pensando que eu gostei muito do grupo. Me encantou tanto as diferenças entre nós que trouxeram uma riqueza muito grande, como também descobrir pontos comuns. E o respeito. Olhar nos olhos das pessoas , e ver seus olhos olhando diferenças com respeito e até com certa admiração, sentindo admiração por cada uma aqui, foi muito especial. A palavra que mais fica pra mim desse trabalho que tivemos aqui, é “cumplicidade.” A gente teve uma coisa de cumplicidade. Não é que eu vou sair daqui uma outra pessoa, ou me achando com os peitos menos caídos ou sem estar fora de validade. Mas dá força, certamente eu me sinto mais forte ao sair daqui. Acho que essa experiência mais do que interessante, é importante. Valeu mesmo , e deve se difundir, pra poder ajudar as mulheres em geral. (Mariana) 251 CONCLUSÕES POÉTICAS Ao término dos workshops, dei a cada uma um papel onde pedi que escrevessem, como fechamento do workshop vivido, uma conclusão poética sobre o ser mulher desta idade, sugerindo às que nunca haviam escrito poesia, que se deixassem escrever o que lhes viesse à cabeça, sem preocupação com lógica, continuidade, sintaxe ou concordância, e que deixassem fluir as frases e palavras que lhes ocorressem como se fossem imagens de um sonho. Como só me ocorreu propor isto à partir do segundo workshop, as participantes do primeiro estão ausentes nesta parte. Da mesma forma, somente à partir do terceiro workshop me ocorreu propor que escrevessem estas poesias de fechamento em conjunto, e não individualmente, assim os textos das participantes do segundo workshop são individuais. A proposta foi foi dar a cada mulher uma folha grande de papel, e pedir que como primeira frase escrevessem : Ser mulher de tantos anos é... , cada uma completando a frase com a sua idade, e que a partir disto, escrevessem o que lhes ocorresse, até que eu desse um sinal. Neste momento, terminariam a frase que estavam escrevendo, e dobrariam o papel, deixando somente a ultima frase à mostra, passando a folha para a companheira do lado, que por sua vez escreveria o que lhe ocorresse como continuação dessa frase até o próximo sinal, e assim por diante. Na última rodada eu avisava que as frases que escrevessem estariam concluindo o poema. Assim, em cada grupo foram feitos tantos poemas conjuntos quanto o número de participantes. Aprendi esta técnica de escrita conjunta no período de 1976 a 1978 com um grupo de poetas surrealistas de São Paulo com quem me relacionava (Cláudio Willer, Juan Sanz Hernandez, Roberto Piva etc), que por sua vez a aprenderam do movimento surrealista francês. Um exemplo de um poema por eles assim escrito é A Espécie Humana (Willer 1981), poema escrito à várias mãos. Experimentei tanto com eles, como em várias ocasiões posteriores este jeito de escrever, que juntei à sugestão de Meserani (1977), de propor a primeira frase do texto ou poema para facilitar a desinibição da escrita criativa. Entre todos os textos elaborados, selecionei os poemas individuais e conjuntos que me pareceram mais representativos para compor esta parte do trabalho. Assim como os que 252 já apareceram nas páginas introdutórias dos capítulos precedentes, foram todos resultantes desta proposta. Considerando que a ordem de apresentação do material de pesquisa deste trabalho, em linhas gerais obedece à seqüência de temas e vivências dos workshops, acredito que estes textos, por terem sido criados como fechamento de workshops de 12 horas em média cada, onde se falou sobre vivências e experiências do feminino, espelhem os efeitos positivos que um trabalho de reflexão e conscientização conjunta pode ter sobre mulheres nesta passagem da vida. Ser uma mulher de 47 é ter vivido muito, um bom tempo, suficiente para aprender a ver a outra pessoa e a reconhecer em si e nos outros luzes e sons na pele e no coração. É encontrar a vida porque conheçe um pouco da morte. Afetos queridos que se foram, pedaços de si mesma que morreram, desejos que não resistiram e morreram, ilusões que se revelaram, mesclaram, multiplicaram e frutificaram numa esperança de um eterno florescimento. (Poesia conjunta de Norma, Lucia e Elaine, participantes da pesquisa) Ser mulher de cinquenta anos Meio século de esperar e sentir 253 de viver e experimentar de ser o ser. Mulher com brios sem o sangue mensal sem a dor do devir mulher, apenas mulher quente, gostosamente mulher não mulher com face de homem mas mulher integrada, masculino/feminino ser universal, movimento, energia prazer de ser mulher de ser em harmonia com o cosmos. Mulher- mudança, mudando Mulher-transformando mulher sacando de si mesma e se unindo aos demais para compor a nova realidade. Cri-ar, no sentido de usar sua porção criança ela, mulher capaz de fazer crianças, para de novo inventar. Porque é na criança que está a liberdade, o intuitivo, o amigo do Ivo Quero incorporá-la às argolas dos meus brincos, ao colar que cerca meus chakras, pois a mulher só pode ser se tiver o dourado. Quero um encontro d’ouro! Por que não? Quero um encontro enfeitiçado Repleto de encantos e prazer. Que soem os sinos, Homens e mulheres, chegei! (Poesia conjunta de Andréa, Julia, Nira, e Stela, participantes da pesquisa) Ser uma mulher de 52 anos é ser uma constante contradição Um paradoxo de dor e prazer Uma cachoeira e um lago tranqüilo Que vão podendo fertilizar tudo onde passa e o que está ao redor, 254 cada vez mais... Poder conseguir se transformar. Com água, com bromélias, com gambás, com girassóis... sóis com bloqueador solar, e música, sempre música. Muitos amigos, amores, erotismo, e finalmente prazer. Sempre tem pra quem você dar, receber, transformar, amar, tendo a idade que tiver. Haverá sempre quem goste. Talvez melhor que sejam poucos, intensos e belos... (Poesia conjunta de Fernanda, Mariana, Rebeca e Sandra, participantes da pesquisa) Ser uma mulher de 45 é florescer, resplandecer, amadurecer é se colocar mais fortemente, veemente se encaminhar para a sabedoria do ser, do amar, do desejar, do realizar. Aquilo que se previu? Não. Que se almejou? Talvez, incertamente, principalmente, aquilo que a vida revelou Tomar em suas mãos, agarrar firmemente o que a vida, trouxe às suas mãos, e fazer disso algo precioso, valorizando o brilho precioso, fundamental, do valor de si, interno, e que irradia a luz do bem-querer, do bem-amar, da relação, na serenidade de uma nova idade. (Poesia conjunta de Norma, Lucia e Elaine, participantes da pesquisa) Lembrei da jaboticabeira no meu quintal, que vejo da janela do meu quarto. Ela está linda, crescida, dando frutos. Acompanhei seu crescimento desde pequenininha. Era uma raminha frágil enfiada na terra. E ela cresceu tão rápido! Tive a sensação de que deu frutos antes da hora. Durante um ano ela deu frutos sem parar. Fiquei até com medo de que estivesse se esvaindo, incontida, e que não fosse suportar tamanha sangria. Agora 255 percebo que ela está pausada, dando frutos só na estação certa, sem aquele impulso louco de gastar toda a sua energia. Eu sou mais velha do que ela e estou menopausando. Significa que estou madura, e que minha estação de frutos passou. No entanto, sinto-me como ela, uma jaboticabeira madura, que nos seus galhos abriga passarinhos com seus ninhos e filhotes. Isso me enche de alegria. Adoro ouvir seus cantos e me sinto tão orgulhosa de poder servir-lhes de pousada. A minha copa é enorme, e posso acomodar um pequinique com muita gente comendo, dando risada, ouvindo música. E o gostoso é que eu não preciso interferir em nada. As coisas acontecem à minha volta, porque eu estou lá, mas independente da minha ação. Essas serenidade eu não troco por nada. Acho que só por um banho de mar. Me lanço nas ondas, hoje não tão afoita, não tão no alto mar, mas brincando muito, criando novos movimentos, inventando danças, para a água me massagear e para o sol me pegar inteira. E vou sair do mar só na hora que eu quiser, correr na areia e subir no morro com o vento batendo forte no meu rosto. Ah, bendito vento que limpa minha alma, seca meus cabelos, me proporciona poder gritar, gritar e gargalhar. Estou finalmente livre para ser eu mesma, pra assumir minha segurança, minha liberdade, minha beleza e a minha independência. Adorei ter crescido e estar madura. Vou em frente, descobrir o resto do meu caminho. (Rubia -Participante da pesquisa) Adeus óculos... adeus modess... adeus impaciencia... adeus autocrítica cruel... adeus opinião alheia... adeus buraco no peito... adeus ansiedade... 256 adeus... Serenidade, compreensão generosidade independência emocional amor, intuição maravilhosa. , De repente, no lugar do vazio, da solidão, amigos que me procuram, programas... Eu sonhei ser uma pessoa solitária e serena. Hoje sou capaz de ficar sozinha, mas não me sinto só. Plenitude, saúde, energia, Portas abertas, janelas abertas, que venha o amor! (Tereza - participante da pesquisa) Ser mulher de 47 anos é me sentir na metade do caminho, poder recomeçar de novo e enxergar mais que antes. É poder caminhar mais devagar (a pressa confunde, a gente não vê direito as coisas) É me sentir mais calma, mais tranquila. E também é me sentir mais forte, mais plena, 257 mais capaz de interagir com a realidade. É me sentir mais distante dos pré-conceitos e mais próxima de mim mesma. É, também, me sentir mais próxima dos demais, como se eu fosse os demais, numa intermitência sem fim entre o dentro e o fora. Deixe que eu lhe diga, sobre a esperança, sobre um novo rumo. Há possibilidades de se colher flores mesmo não se tendo certeza do fim do caminho. Na trilha entravada, no caminho largo, na mina garimpada, uma nova mulher mulher lapidada, mulher brilhante, mulher- universo. (Poesia conjunta de Andréa, Julia, Nira, e Stela, participantes da pesquisa) 258 7 CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS Ao chegar ao final deste trabalho leio as questões colocadas no capítulo introdutório considerando como as responderia agora. Uma questão básica deste estudo foi verificar se os valores, crenças e práticas aprendidas e experienciadas nos movimentos alternativos e contestatórios dos anos 60 e 70, que genericamente chamei de contracultura, ainda estavam presentes para as participantes da pesquisa, sobrepondo-se à carga de preconceito e negatividade existentes na forma como a sociedade como um todo relaciona-se com a mulher mais velha e a passagem para a menopausa. Questionei se, ao contrário, esta mitologia estaria sendo sobreposta pela pesada carga de preconceito social que constitui nossa mitologia social, ou ainda, se estes dois conjuntos de mitos estariam coexistindo ou em conflito. Através dos workshops e entrevistas ficou claro que a mitologia da contracultura ainda se faz bastante presente em várias áreas das vidas destas mulheres. Em suas opiniões e posições políticas, em suas atividades profissionais e maneira de nelas estar, em suas postura crítica em relação à notícias, livros, eventos e questões sociais, no jeito de administrar e arrumar a casa, nas atitudes em relação à educação dos filhos, nas relações que estabelecem com amigos íntimos e parceiros, etc. No entanto, apesar de todas terem uma atitude bastante liberal em relação à questões relativas à sexualidade, e grande parte delas em relação à sua própria sexualidade, estes valores não estavam presentes em algumas das áreas mais íntimas de suas vidas, i.e., em sua identidade enquanto mulher. A maioria sabia muito pouco de fato sobre a fase de climatério e menopausa, e o silêncio, vergonha e preconceito social eram bastante pervasivos em seus depoimentos. Com algumas exceções, a maioria relatou sentir-se perdendo seu poder de atração enquanto mulher, começando a sentir-se como uma carta descartada enquanto mulher na esfera social. No entanto, durante as 12 horas de workshops, à medida em que se recordavam de suas experiências da época da contracultura e compartilhavam com as demais participantes 259 suas experiências atuais nos vários áreas de suas vidas, e.g., física, psicológica, sexual, psico-sexual, etc., suas atitudes foram mudando. Era como se nestas áreas mais íntimas de suas vidas este valores estivessem esquecidos, cobertos de pó, e estivessem sendo subitamente recobrados. Na verdade o que aconteceu é que a experiência dos workshops acabou sendo uma prática de conscientização em que puderam dar-se conta de como estavam passivamente aceitando e permitindo que estes mitos sociais se tornassem internalizados, possibilitando que se questionassem “por que diabos” este estava sendo um ponto cego. As “conclusões poéticas” que constituíram a parte final dos workshops refletem de forma significante esta mudança perceptiva. Portanto, minha resposta à questão que coloquei inicialmente é que apesar de que a mitologia social esteja de certa forma coexistindo e mesmo se sobrepondo ao conjunto das crenças, práticas e valores da contracultura sobre questões de gênero e sexualidade, a experiência dos workshops se constituiu em uma prática fortalecedora que ajudou as participantes a tirar o parênteses desta área de suas vidas, estendendo as crenças e valores “de antes” para suas experiências “de agora.” Evidentemente não falo aqui de uma transformação milagrosa, mas de um questionamento inicial e de uma nova ótica, que, apesar de ficarem inicialmente um tanto à frente do nosso sentir mais profundo (tal como nossos questionamentos e posições sobre a sexualidade dos anos 60 e 70), marcam a direção da construção de uma nova mitologia sobre a mulher mais velha, a passagem da menopausa, e o próprio envelhecer. Quanto àquelas entre nós que estiveram ativamente envolvidas nos movimentos dos anos 60 e 70, não deixa de ser interessante considerar que, se nos perguntassem como nos imaginaríamos com 50 anos quando éramos mais jovens, nós provavelmente nunca pensaríamos que chegando à meia idade iríamos ter internalizado tão fortemente aspectos da mitologia social vigente sobre a mulher mais velha e a menopausa., i.e., nunca imaginaríamos que iríamos “cair que nem patinho” em absorvê-los sem nenhuma consciência crítica. Por outro lado, as poucas participantes que por razões diversas viveram épocas difíceis em sua vida conjugal aos 20, 30 anos, relataram estar sendo este o melhor período de suas vidas. Uma delas inclusive, ao fazer 50 anos, foi viajar sozinha pela Europa de mochila nas costas. Interessante também foi verificar que todas as participantes que 260 mantinham relações sexuais com um parceiro fixo por ocasião das entrevistas e workshops, relataram que suas experiências sexuais estavam melhor que nunca em termos de qualidade. Além disto, em sua grande maioria as participantes relataram perceber-se mais atentas à si mesmas e ao que realmente estão buscando, percebendo-se mais autênticas, sem tanta preocupação com as opiniões e expectativas alheias. Finalmente, todas as participantes dos workshops sentiram-se agradecidas tanto pela oportunidade de compartilhar suas experiências com outras mulheres como pela oportunidade de resgatar e reapropriar-se de valores e experiências da época de contracultura que estavam esquecidos. Apesar de não terem sido planejados como workshops terapêuticos, os grupos tiveram a dimensão de ajudar as participantes a dar voz, iluminar, examinar criticamente, e começar a reconstruir tanto suas percepções sobre si mesmas como mulheres mais velhas como suas mitologias internas sobre a menopausa e o envelhecer. Para mim pessoalmente, o processo de elaboração desta pesquisa teve esta qualidade. Foi sem dúvida extremamente terapêutico para mim. Aprendi com cada mulher que participou deste processo, e certamente hoje me sinto bem melhor sobre mim, minha idade, e as perspectivas que vislumbro adiante. Isto me levou a perceber como grupos de apoio terapêutico direcionados à mulheres nesta faixa etária podem ser extremamente valiosos em ajudá-las à lidar com os conflitos e turbulências específicos deste período de vida – o que é característico aliás de períodos de mudanças de forma geral. Porém, este é um período de transformações muito especial, pois envolve uma rede de fatores importantes interrelacionados. É um período de passagem, onde as questões existenciais bem ou mal resolvidas da vida de uma mulher precisam ser revistas e alcançar à uma boa resolução interna a fim de abrir espaço para o novo. No entanto, às vezes este processo não se dá de forma fluída e amena e nossas questões mais íntimas não ficam bem resolvidas. Às vezes nossas necessidades não se configuram claramente, sentimo-nos angustiadas, ansiosas, com uma sensação de vazio em nossas vidas, sem muito contato com o que nos faz sentir assim. Ou, sentimo-nos desesperançadas, sem opções, sem entrever possibilidades de soluções e caminhos novos para as situações que nos afligem. Quando isto acontece, nossa energia fica presa em situações inacabadas mal resolvidas do passado que ficam obstruindo o fluir da nossas 261 possibilidades de percepção e respostas criativas à novas situações no presente. Nestes casos, a terapia freqüentemente pode ajudar a expandir o fluxo de consciência, liberando a energia retida. Através do suporte da relação terapêutica, pode-se facilitar a elaboração de questões da nossa interioridade, o vivenciar de novas experiências, e a compreensão e eventual transformação dos padrões de relacionamento da mulher consigo própria, com os outros e com o mundo. Terapeutas e médicos que mulheres nesta faixa etária possam vir a procurar, precisam estar atentos não apenas ao quadro biológico ou psicológico mais específico que apresentem, mas também para a possibilidade de que estes façam parte de um quadro mais amplo relacionado ao climatério e menopausa, assim como para as dimensões socioculturais desta passagem. Só assim poderão realmente ajudar suas clientes a lidar não só com as mudanças experienciadas, mas também com a carga de negatividade e preconceito que impregna nossa mitologia cultural em relação à este período de vida da mulher. Neste sentido, a abordagem da Gestalt terapia para trabalho com grupos, combinada com o referencial da Mitologia Pessoal, provou ser um instrumento valioso na facilitação destes processos. Finalmente, é importante notar que todas as participantes expressaram seu contentamento não apenas em participar nos workshops, mas também em estar colaborando nesta pesquisa, já que mesmo as que manifestaram uma atitude predominantemente positiva em relação à esta fase da vida, relataram experienciar esta passagem como uma passagem solitária e silenciosa. Nos círculos feministas e de mulheres envolvidas nos movimentos de contestação da década de 60, 70, não se falava sobre a mulher mais velha ou sobre a menopausa porque éramos todas muito jovens, e também, como era comum dizer-se na época, porque “não confiávamos em ninguém com mais de 30 anos”. Hoje em dia este silêncio permanece por outras razões, que necessitamos questionar e contestar. Necessitamos trazer luz e informações à esta questão, aprendendo sobre nossas experiências através do nosso próprio compartilhar, a fim de ajudar a de-construir e a re-construir de forma mais positiva, para homens e mulheres de todas as idades, nossa mitologia cultural sobre a mulher mais velha e esta passagem na vida de uma mulher. 262 Acredito que esta geração de mulheres pode ter um papel transformador em relação à maneira pela qual mulheres e a sociedade de forma geral relacionam-se com a mulher mais velha, o envelhecer e a menopausa. Meu desejo é que esta pesquisa possa ser uma contribuição neste processo. Ciornai 263 ANEXO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA DE PESQUISA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Como o climatério e a menopausa são transições complexas que envolvem variáveis biológicas, psicológicas e culturais, me pareceu importante abordar a experiência interna de mulheres neste período de vida, com uma fundamentação teórica que pudesse proporcionar uma compreensão abrangente das complexas inter-relações entre estes fatores. Encontrei esta possibilidade em dois referenciais familiares: a abordagem de campo da Gestalt terapia, e a Mitologia Pessoal. A Abordagem de Campo da Gestalt Terapia Ao considerar as experiências de mulheres no período de vida que compreende a passagem para a menopausa, compreender suas experiências internas como um fenômeno de campo foi de fundamental importância. Mas em que consiste esta perspectiva? Para a Gestalt terapia, o indivíduo só pode ser compreendido enquanto ser relacional, i.e., a partir de suas relações com o meio onde vive e com as pessoas com quem convive. A abordagem de campo da Gestalt terapia tem três fontes básicas: a Psicologia da Gestalt, a teoria de campo de Kurt Lewin, e a teoria organísmica de Kurt Goldenstein. A Psicologia da Gestalt foi um movimento criado por 3 psicólogos alemães, Max Wertheimer, Wolfgang Kohler, e Kurt Koffka, que constituiu “a primeira manifestação importante da influência da moderna teoria de campo na psicologia.”1 Seu objeto de estudo era basicamente a percepção visual. Para eles a percepção é sempre determinada “por um campo psicofísico de forças... análoga às de um campo gravitacional ou eletromagnético”2 Como decorrência, um de seus princípios básicos que se tornou famoso é o de que o todo é 1 Hall & Lindzey 1957/1978, p. 383. 2 Hall & Lindzey 1957/1978, p. 383. Ciornai 264 maior que a soma das partes, e que a percepção de um elemento (figura), é sempre inevitavelmente influenciada pelo contexto ( fundo ) no qual se insere. Muito influenciado por estes três psicólogos, Lewin aplicou a teoria de campo à diferentes áreas da Psicologia. Definindo campo como “a totalidade dos fatores coexistentes e considerados como mutualmente interdependentes”3, afirmava que todo comportamento deve ser compreendido em função do campo existente no período em que o comportamento ocorra.4 Goldstein, neuropsiquiatra, estendeu os princípios da psicologia da Gestalt para o organismo como um todo, criando uma maneira de compreender fenômenos psicológicos que passou a ser chamada de “psicologia organísmica”5. Trabalhando com soldados com lesões cerebrais durante a 1ª Guerra Mundial, chegou à conclusão de que os sintomas psicológicos apresentados pêlos pacientes não poderiam ser compreendidos apenas como conseqüência de certas lesões ou doenças, mas teriam que ser considerados como uma manifestação da totalidade do organismo, pois para ele “as leis do todo governam o funcionamento das partes diferenciadas.” 6 Nos fundamentos teóricos da Gestalt terapia, estas influências estão bem presentes. Por exemplo, Perls, Hefferline e Goodman (1951), autores de um dos livros mais básicos e importantes na Gestalt terapia, escrevem: Apenas a inter-relação organismo e meio constitui a situação psicológica, e não o organismo e o meio considerados separadamente (p.xii).Chamemos à essa interação organismo-meio em qualquer função, de “campo organismo/meio”, e lembremo-nos que não importa como teorizemos sobre impulsos, drives, etc., sempre estaremos nos referindo a tal campo de interação e não a um ser isolado. (p. 228) E em livro subsequente Perls (1973) escreve: “Nossa abordagem, que considera o ser humano como simultaneamente e por natureza , um indivíduo e um membro do grupo social, nos fornece uma base operacional mais ampla.” (p. 52). Entre os teóricos atuais da Gestalt terapia, Yontef (1993) assim define a perspectiva da teoria de campo: 3 Lewin, 1951, p. 240 Hall & Lindzey 1957/1978, p. 386 5 Goldstein, 1939 6 Hall & Lindzey, 1957/1978, p. 242, 243 4 Ciornai 265 A teoria de campo é um método de exploração que descreve a totalidade do campo no qual o evento está ocorrendo, ao invés de analisar o evento em termos da classe a que pertença por sua “natureza” (e.g., classificação Aristotélica), ou de uma seqüência de causa e efeito linear e histórica (e.g., mecânica Newtoniana). O campo é uma totalidade em que as partes estão em relação imediata, reativas umas às outras, onde nenhuma parte deixa de ser influenciada pelo que se passa nas outras partes do campo (p. 130). . . . Do ponto de vista da teoria de campo, tudo o que existe consiste em uma rede de relações (p. 298). Já Wheeler (1995) escreve que a abordagem de campo em psicoterapia por conceber o self como relacional, é um paradigma polar ao individualista, que concebe a experiência humana como função da história pessoal e de mecanismos internos, e o self essencialmente como uma unidade separada, preexistente às interações. Partindo da conceituação da Gestalt terapia de que o self é “o sistema de contatos em qualquer momento... a fronteira de contato em funcionamento... o integrador... [que] desempenha o papel crucial de encontrar e construir os significados por meio dos quais crescemos” (Perls, Hefferline e Goodman (1951, p. 235), Wheeler escreve : No modelo Gestáltico, self inclui o outro assim como o “self interno,” no sentido mais antigo do termo. A tarefa da terapia certamente continua ser em certo sentido a exploração do self e dos processos de self tal como nos modelos dinâmicos antigos, mas agora com um sentido e espírito totalmente distinto. Onde autoexploração e auto-expressão eram individualizados e separados do campo social, poderemos agora ver estes processos, em terapia ou na vida, como dando igual peso tanto à definição das “minhas necessidades” como à considerações interpessoais e mesmo comunitárias e políticas: minha awareness e articulação do meu mundo interno e minha sensibilidade ao mundo de outras pessoas são, em um sentido real, tanto parte de mim como distintas de mim. (p. 43) Especificamente considerando a questão da vergonha, (que tanto permeou esta pesquisa), Wheeler (1996) escreve que compreende a vergonha como estando basicamente ligada à uma sensação de ruptura, à uma sensação de estar existencialmente excluído de uma relação harmônica com o campo, pois “vergonha tem a ver com como somos recebidos e aceitos, com nossos vínculos básicos com o campo”(p.50). Fodor ( 1996), Ciornai também Gestalt terapeuta, 266 no artigo “A Mulher e Seu Corpo, Ciclos de Orgulho e Vergonha,” citando mensagens que mulheres recebem da mídia, afirma que “as mulheres recebem pouco apoio e aceitação do meio pela maneira como são, e o afeto que acompanha esta falta de suporte do campo é a vergonha”. Para ela as mulheres “vivem em um campo de vergonha, e constróem sua realidade e seu sentido de si através de mensagens que continuamente que desvalorizam o feminino”(p. 229). A Mitologia Pessoal A perspectiva da Mitologia Pessoal também constituiu um referencial importante em termos teóricos para esta pesquisa. Mitos pessoais são crenças profundas que guiam nossas vidas, servindo para orientar ações e escolhas. Para Feinstein e Krippner (1988a, 1988b, 1989,1997), todas as construções humanas sobre realidade podem ser concebidas como mitologias. Para estes autores, mitos pessoais são mais do que simples crenças, pois também se constituem de imagens e emoções. São “modos pelos quais os seres humanos codificam e organizam suas vidas interiores... [pois] é através dos nossos mitos que interpretamos a experiência dos nossos sentidos, ordenamos novas informações, encontramos inspiração e direções, e nos orientamos em relação a poderes no universo que estão além da nossa compreensão” (1988b, p. 27). Nas sociedades primitivas os mitos eram apenas culturais e compartilhados por todos. Mas as sociedades foram se tornando por demais complexas para que uma visão uniforme do mundo fosse aceita por todos os seus membros. As pessoas se tornaram mais diferenciadas, e mesmo vivendo na mesma sociedade, passaram à pertencer à diferentes camadas sociais, grupos e sub-culturas. Desta forma, mitos pessoais foram se formando para cada indivíduo. Mitos pessoais estão geralmente fora do campo da consciência, e resultam da influência do ambiente cultural, familiar, da influência das gerações passadas e de todos os eventos vividos pelo indivíduo, filtrados pela subjetividade única de cada pessoa. Assim, alguns mitos pessoais são também mitos grupais compartilhados, e outros são unicamente individuais..... A mitologia pessoal de uma pessoa inclui Ciornai 267 todos os pensamentos interativos e às vezes conflituosos que esta tem sobre o mundo, tanto consciente quanto inconscientemente. Estes pensamentos e sentimentos formam sua compreensão do que é o mundo, e qual o lugar que nele pode ocupar. Estes mitos formatam as ações das pessoas e as interpretações que conferem às suas experiências. (Krippner 1986, p. 454) Portanto: Mitos pessoais são modelos internos que, para o indivíduo, interpretam o passado, explicam o presente e orientam o futuro... [e] dizem respeito a questões de identidade (quem sou eu?), de direção ( para onde vou?) e de objetivo (por que vou?). (Feinstein & Krippner 1988b, p. 29) E, enfatizando a questão da subjetividade em todas as experiências vividas, os autores escrevem: A orientação silenciosa de sua mitologia pessoal confere significado a toda situação que você encontra, e determina sua atitude em relação à ela. Sua mitologia pessoal atua como uma lente que colore suas percepções, segundo seus próprios valores e suposições, ressaltando certas possibilidades e obscurecendo outras. (Feinstein e Krippner ,1988a, p.1) No entanto, nossa mitologia interna vai evoluindo à medida em que vivenciamos novas experiências na medida e internalizamos mitos que muitas vezes entram em conflito. Como somos desafiados pela vida a incorporar novas informações e experiências, as pessoas ou adaptam suas mitologias internas para se acomodar a estas novas situações ou as reformulam. Assim nossa compreensão do mundo vai sendo constantemente revisada. Ao compreender e dar-se conta de seus mitos latentes, as pessoas podem começar a modificar padrões de vida que antes lhes pareciam incontestáveis, e, ao reconhecer que padrões do nosso viver são dirigidos por mitos internos que podem ser questionados e modificados, nossa consciência das escolhas possíveis cresce. Além disto, em adição à idéia de mito pessoal, Feinstein e Krippner (1988a) postulam que para cada mito pessoal há um contra-mito, i.e., uma estrutura de crenças e afeto que se opõe ao mito prevalecente e que geralmente emerge para fortalecer aspectos da personalidade que não foram apropriadamente desenvolvidos, compensando desta forma as limitações do mito antigo. Os autores afirmam que mesmo fora do campo da consciência Ciornai 268 contra-mitos estão presentes na psique, pressionando por expressão. E ao considerarmos os mitos e preconceitos que rebaixam a valorização e auto-estima da mulher, o conceito de contra-mito é ser bastante útil. A Mitologia Pessoal provê uma conexão importante entre a experiência pessoal e as questões de gênero do campo que influenciam a experiência interna neste período de vida para a mulher. Provê uma perspectiva de como estas influências afetam cada pessoa de modo particular e dos mitos que estão em consonância ou em conflito com a psique de cada pessoa. METODOLOGIA DE PESQUISA Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores; há idéias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. (Pessoa 1996 , p. 24 ) Os objetivos desta pesquisa tais como descritos no Capítulo Introdutório foram: 1) De forma geral, investigar a experiência interna de mulheres brasileiras, de nível universitário, na faixa etária dos 40, 50 anos, que se identificaram como tendo participado dos movimentos de contracultura e contestação dos anos 60 e 70. Ciornai 269 2) Especificamente, investigar se estas mulheres, que viveram os movimentos dos anos 60 e 70, apresentam hoje formas de continuidade ou de ruptura em relação ao modo pelo qual a sociedade de forma geral percebe e relaciona-se com a mulher mais velha e a menopausa. A hipótese levantada foi que o potencial contestatório, revolucionário e transformador dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70 possa estar presente ainda hoje na experiência das mulheres que deles participaram em termos da maneira de se relacionarem, à mitologia, aos valores, e ao imaginário cultural da sociedade a que pertencem. Pesquisa qualitativa, voltada à qualidade singular das experiências vividas por cada mulher, o objetivo deste estudo foi o de investigar a variedade de experiências vividas pelas participantes. Utilizei-me de uma abordagem combinada, pois me era importante tanto identificar os temas básicos em seus depoimentos a fim de acessar suas experiências pessoais, como identificar os mitos que lhes eram subjacentes. Isto foi realizado através da gravação de workshops de 15 horas de duração e também, de algumas entrevistas individuais de 2 a 3 horas de duração. A abordagem fenomenológica foi utilizada como atitude norteadora da pesquisa de forma geral, tanto em termos do cuidado em manter a máxima fidelidade em relação aos depoimentos das participantes, preservando suas próprias palavras e modos de expressão, como em termos de extrair títulos e subtítulos temáticos do trabalho de seus depoimentos. No entanto, não segui etapas preestabelecidas descritas Por algum autor específico na área da pesquisa fenomenológica em psicologia, preferindo criar meus próprios procedimentos. Como diz o poeta, não basta abrir a janela para ver... é preciso também não ter filosofia nenhuma. A sabedoria de Pessoa aponta para o perigo, na vida e em pesquisa, de ver apenas aquilo que buscamos, de olhar o mundo através das lentes de nossas teorias e expectativas. Por esta razão minha escolha foi a de utilizar basicamente a abordagem fenomenológica na coleta e tratamento dos dados, i.e., os workshops e entrevistas foram conduzidos com a atitude fenomenológica de abrir a janela para a experiência das participantes, sem apego à crenças e expectativas prévias, pois o sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse... nunca é o que se vê quando se abre a janela. Ciornai 270 Já na análise dos dados, preservando uma atitude fenomenológica, utilizei o método mítico em combinação com o que pode ser chamado de método temático. A Abordagem Fenomenológica Desde Descartes, o método objetivo passou a ser considerado o único meio de auferir credibilidade científica a uma pesquisa. De acordo com Forghieri (1984) Tal metodologia está fundamentada no pressuposto de que o sujeito e o mundo, ou melhor dizendo, o cientista e o objeto que pretende conhecer são completamente separados e independentes -- ela busca a objetividade através da anulação da subjetividade. Assim sendo, o cientista é comparável a um espelho que reflete objetivamente um mundo que existe por si próprio.( p.14) Este método foi posteriormente adotado em todas as ciências humanas, incluindo a Psicologia. No entanto, a partir do final do século XIX o pensamento positivista começou a ser questionado. A crença na possibilidade de um sujeito apreender de modo imparcial e objetivo a essência de seu objeto de estudo, é sobreposta pela percepção de que a própria “sombra” do sujeito ao debruçar-se sobre o objeto já o altera, e de que as categorias do percebido, depreendem do que é importante para o sujeito observar (Ciornai, 1993, p. 4). Husserl, proponente da fenomenologia, “nega a existência tanto do sujeito quanto do mundo, como puros e independentes um do outro”(Forghieri 1984, p.15), fundamentando esta idéia através do conceito de intencionalidade da consciência, de acordo com o qual toda consciência é sempre consciência algo ou de um objeto, assim como todo objeto é sempre objeto para uma consciência. Consciência/sujeito e coisa/objeto constituem o mesmo fenômeno. Em outras palavras, consciência e objeto não são entidades separadas, se definem a partir desta relação, e portanto, o campo da fenomenologia é perceber a natureza desta relação: o fenômeno tal qual é vivido por nós. Para Husserl o fenômeno não é a realidade em si, mas apenas aquilo à que temos acesso imediato. “O fenômeno integra a consciência e o objeto, unidos no próprio ato de significação.” (Forghieri, 1996, p. 31) . Estendendo esta abordagem ao campo da psicoterapia, Barroso (1991) escreve: Ciornai 271 No pensar fenomenológico o conhecimento é, pois, produto da interação entre “sujeito e “objeto”; não há a oposição subjetividade versus objetividade, há, sim, a intersubjetividade. Nesse pensar, meu conhecimento, enquanto psicoterapeuta vem, pois, de minha interação com meu cliente, vem de meu cliente em mim, vem de meu cliente, com e através de mim, vem de mim em meu cliente ( p.37) . E mencionando a peculiaridade da relação sujeito-objeto do conhecimento no campo das relações humanas ela escreve: O “objeto” de meu conhecimento, o ser humano, não é precisamente um objeto, mas sim um “sujeito”, como eu. “Sujeito” como eu, mas totalmente outro, diferente de mim e de qualquer outro sujeito. O “objeto” de meu conhecimento é, pois, dotado de subjetividade e singularidade. É também concreto, corporificado, vivo, quer dizer, não é um ser humano abstrato, mas sim o cliente à minha frente, senhor de uma história própria. (p. 35) Neste sentido, abordando a vivência do terapeuta que trabalha com uma orientação fenomenológica, Augras (1978/1986) escreve: A objetividade do processo de diagnóstico, preferíamos dizer, do processo de reconhecimento e compreensão do cliente, fundamenta-se na intersubjetividade. Isto supõe, por parte do psicólogo, a observação de sua própria subjetividade. . . . Longe de deixar-se atemorizar pelo fantasma do receio de “se projetar”, atribuindo ao outro suas próprias “fantasias”, o psicólogo deve ater-se a pesquisar, dentro de suas próprias vivências, os caminhos que o possam levar à compreensão do outro.... Assumir a própria subjetividade não é substituir as suas problemáticas aos conflitos do paciente. É reconhecê-la para delimitá-la, transformando-a em ferramenta para a compreensão do outro. ( p. 14) Mas como um psicólogo com orientação fenomenológica deve acercar-se de seus sujeitos/objetos de estudo? Etimologicamente a palavra fenomenologia significa “o estudo daquilo que aparece.” No entanto, nem toda observação ou percepção pode ser considerada fenomenológica. Para Dichtchekenian (1979), Dependendo da atitude daquele que “vê”, ou da forma como ele se “coloca perante,” o ver pode-se reduzir à aparência, àquilo que se manifesta; ou seja, o observador coloca-se em determinado ponto de referência e descreve aquilo que ele pode ver Ciornai 272 desse ponto. [Mas] este não é o fenômeno em termos fenomenológicos. Nesses termos o fenômeno tem um sentido, e este sentido se revela no aparecer se este aparecer é olhado com olhos fenomenológicos. Voltamos à atitude do observador -o deixar aparecer o fenômeno decorre da “atitude” de “perseguir” o fenômeno nas suas diferentes formas de manifestação. Isto quer dizer que os pontos de referência não devem ser estáticos.... O “ver” fenomenológico é entendido antes como uma resposta ao que se insinua no que se manifesta. Quer dizer que é a atitude do observador, despojado de referenciais preestabelecidos, que possibilita o “aparecer” em sua originalidade. Neste sentido o imediato não é mediatizado por qualquer referencial teórico preestabelecido.... A posição crítica da fenomenologia consiste fundamentalmente nisto: estabelecer pontos de referência e saber que são pontos de referência apenas. (pp. 69-70) Como método a fenomenologia vai empregar a “redução fenomenológica,” que é o colocar todos os conhecimentos e teorias entre parênteses, e voltar “às coisas mesmas”, i.e., ao o objeto de meu interesse, ao fenômeno, na medida do possível com “beginners mind”, sem a-prioris, com abertura para o novo, descrevendo-o tanto quanto possível sem interpretações. Somente então iremos refletir sobre o vivido, num movimento continuo e dialético entre a experiência direta e a reflexão sobre esta experiência. (Ciornai 1993, p.4). “O método fenomenológico propõe caminhos para a compreensão, visando respeitar a complexidade do real e encontrar o sentido dentro do próprio fenômeno” (Augras, 1978/1986, p.16) . Porém, à que tipo de saber podemos chegar com esta abordagem, em termos da necessária compreensão das dificuldades e recursos existenciais de nossos clientes em nossa prática psicoterápica, ou, do conhecimento das experiências internas de nossos sujeitos/objetos de estudo em uma pesquisa como esta em particular? Sublinhando sua inevitável intersubjetividade, a abordagem fenomenológica não coloca de lado o rigor e a seriedade. Procura chegar sobretudo à descrições acuradas e atentas do fenômeno percebido em busca de seus significados, num esforço de expandir a percepção do psicoterapeuta (ou do pesquisador) sobre o que é experienciado na relação. Para Barroso (1991), teoria e métodos de pesquisa podem vir depois, a fim de organizar estas percepções, pois “nada substitui o encontro” (p. 38). Ciornai 273 Escrevendo sobre a abordagem fenomenológica na pesquisa em psicologia, Forghieri (1996) escreve que ao transpor o método fenomenológico do campo da Filosofia para o da Psicologia, o objetivo inicial de procurar captar a própria essência do conhecimento passa a ser o de procurar o sentido que certas experiências ou situações têm para a pessoa (p. 32). Para alcançar este objetivo, de acordo com Forghieri, o pesquisador necessita de estar contentemente em um movimento pendular entre deixar-se envolver existencialmente, deixando brotar sentimentos e sensações que propiciam uma compreensão intuitiva, pré-reflexiva desta experiência, para em seguida poder estabelecer uma certo distanciamento que lhe permita uma reflexão onde procurará nomear aquela vivência de forma descritiva que se aproxime o mais possível do próprio vivido. No meu entender, a fenomenologia basicamente estabelece a atitude com que me relaciono com o fenômeno. O ponto fundamental aqui é a primazia da experiência direta sobre a teoria, e a abertura ao novo sem compromisso com modelos previamente estabelecidos. Gambini(1996), apontando o que percebe como sendo a essência do método fenomenológico, comum à todas as suas vertentes (Husserl, Heiddeger, Merleau-Ponty, etc.), diz que é “uma constante vigilância no sentido de nunca se deixar cristalizar por qualquer conteúdo do conhecimento estabelecido de antemão, uma atitude de radical abertura para ser interpelado pelo novo, o permanente cultivo de uma disponibilidade para ser surpreendido pelo aparecimento sempre inesgotável do mundo” (pp. 49-50). Para Gambini, é comum à todos os fenomenólogos, 1) Uma insatisfação com os métodos de pesquisa que exijam a adesão a uma definição prévia do que é o real antes mesmo de abordá-lo.... ; 2) O reconhecimento de que a experiência humana em geral, e do que denominamos “dimensão psíquica”... ultrapassa em muito os limites impostos pelos métodos de investigação de cunho naturalista; 3) Uma necessidade quase visceral de conservar um frescor do olhar e do pensamento, uma postura que se define muito mais pelo desejo de aprender com o mundo do que dominá-lo e enquadrálo em categorias pré-definidas de pesquisa e análise; 4) O desejo de encontrar um método que preserve a multiplicidade e especificidade daquilo que será estudado, e que possa ser sensível à sua irredutível singularidade. (p. 54) Ciornai 274 Na Gestalt terapia assim como na Arte Terapia Gestáltica, esta atitude vai se manifestar na desconfiança com interpretações rápidas provenientes de referenciais externas à pessoa. Isto não quer dizer que Gestalt terapeutas evitem buscas de significados, mas que, Queremos ouvir a história primeiro e deixar o significado desvendar-se, ao invés de estar presente com expectativas por certos significados, nos quais todos os comportamentos devem se encaixar. Apesar de que a busca de significado é um reflexo humano, a compulsão pelo significado freqüentemente sufoca a experiência.... Ao invés de jogos intelectuais, preferimos que um cliente adentre sua própria experiência. (Polster & Polster, 1974, p. 16, 17). Portanto o terapeuta gestáltico estará atento à presença e comportamento (verbal ou não verbal) do cliente, focalizando mais em processos do que em conteúdos. Atenção é sempre dada a como alguém se move e se expressa; a que qualidade de contato é estabelecida enquanto este ocorre; à ordem e o ritmo com que sentenças, materiais, cores e formas são escolhidos e trabalhados; a quando o processo de contato e expressão fluem de maneira contínua e vital e quando se tornam emperrados, desvitalizados ou interrompidos. Gestalt terapeutas estarão sempre também ajudando seus clientes a entrar em contato com suas sensações e a usá-las como informação sobre o que está ocorrendo, acreditando que este processo pode conduzir à “insights” significativos (Ciornai, 1993, p.5). E finalmente, como a fenomenologia concebe sujeito e objeto do conhecimento como mutuamente definidos através de sua relação, gestalt terapeutas irão privilegiar a relação. Isto quer dizer que significados possíveis ou inferidos de um trabalho de arte ou de qualquer comportamento verbal ou não verbal só podem ser confirmados, descobertos ou desvelados no contexto da relação terapêutica. Na arte terapia gestáltica esta atitude eventualmente manifesta-se também no trabalho mútuo e no compartilhar de sentimentos e percepções sobre a expressão artística do cliente. (Ciornai, 1993, p. 60) . A abordagem fenomenológica sucintamente descrita nas páginas anteriores, orientou a condução e planejamento desta pesquisa em termos da atitude da pesquisadora na relação com as participantes, em termos da forma de obtenção e tratamento dos dados de pesquisa, e também em termos da análise dos dados, no sentido de assegurar-me que cada Ciornai 275 classificação ou mito identificado realmente refletisse a experiência vivida no contato da pesquisadora com as participantes. O Método Mítico e o Método Temático De acordo com Feinstein e Krippner (1988a, 1988b), construções humanas de realidades podem ser consideradas mitologias. Mitos pessoais são crenças internas profundas que podem conter emoções, imagens, e têm importantes conseqüências tanto comportamentais como nas atitudes relativas à própria pessoa, aos outros, e ao mundo que nos cerca. Como decorrência, o método mítico consiste em identificar nas narrativas das pessoas aquelas atitudes interiores, e/ou comportamentos exteriores que revelam mitos pessoais. Já o método temático, consistiu para mim, em identificar nos relatos das experiências das participantes todos os temas que poderiam servir como títulos descritivos de partes dos seus depoimentos. É importante sublinhar-se que, embora antes dos workshops e entrevistas eu tivesse algumas idéias sobre os principais tópicos que gostaria de ver abordados (tais como mudanças físicas, psicológicas, sexuais, relacionamentos afetivos, etc.), todos os subtítulos surgiram depois da experiência dos workshops e entrevistas, i.e., originaram-se da identificação de temas ao decorrer da leitura da transcrições das fitas. Nesse sentido, tentei incluir tudo que fosse relevante. Assim, podese notar que alguns dos subtítulos representam muitos, poucos, ou apenas um ou dois dos depoimentos das participantes. No decorrer do processo, estes dois métodos foram combinados, já que vários temas foram identificados como mitos. O método mítico, combinado ou não com o método temático, já foi usado também em outras pesquisas. Pieracci (1990) descreve uma pesquisa com 20 indivíduos que haviam estado em psicoterapia. Neste projeto, ele buscou identificar os temas míticos predominantes em histórias imaginárias contadas pelos pacientes sobre suas experiências em terapia. Em sua abordagem, Pieracci abraça a visão de mito refletida nos textos de Feinstein e Krippner (1988a , 1989) no qual este estudo se baseia. Ele escreve: “Vejo como mito qualquer crença sobre a natureza da realidade e/ou o sentido da existência que Ciornai 276 implique na execução de uma ação ou a adoção de uma atitude em relação a si próprio ou ao mundo” (p. 212) Também Rockefeller (1994) desenvolveu e propôs o método mítico na área das ciências humanas. Conduziu um estudo sobre experiências individuais com o cinema, examinando “as associações entre a imagética e a experiência vivenciada nos filmes, e a imagética da mitologia pessoal de cada um, evidenciada nos sonhos” (p. 187). Nesse estudo, o procedimento foi incentivar as pessoas para que falassem abertamente sobre as experiências com cinema que mais as haviam emocionado, examinando em seguida em suas narrativas e respostas, os conteúdos míticos que pudessem trazer conseqüências comportamentais (pp. 189-190). Defendendo uma metodologia de pesquisa que leve em consideração a riqueza, ambigüidade e diversidade da experiência humana, Rockefeller escreve: O método mítico não depende de generalizações empíricas, de testes experimentais, ou observações a partir das quais se possa prever ou controlar o comportamento.... Ao contrário, ele identifica as imagens e padrões simbólicos, metafóricos e mitológicos, que criam estruturas cognitivas que influenciam o comportamento (p. 200). Esta foi, precisamente, a intenção deste estudo. Seleção Das Participantes Meu objetivo foi conduzir uma pesquisa qualitativa com mulheres brasileiras na faixa dos 40, 50 anos, com educação universitária, vivendo na cidade de São Paulo por ocasião deste estudo, e que se identificaram como participantes dos movimentos de contracultura das décadas de 60 e 70. Além disso, as participantes eram mulheres com estado civis diversos (i.e., casadas, divorciadas, viúvas, solteiras), com ou sem parceiros, com ou sem filhos, e com profissões variadas, embora a maioria viesse das áreas das ciências humanas. Como o contato inicial com as participantes foi feito por telefone, outro critério para a seleção das participantes foi, evidentemente, seu interesse em participar da pesquisa. Com relação à escolha das mulheres que participariam dos diferentes workshops, o critério foi as datas nas quais teriam disponibilidade. Nos casos em que as participantes se Ciornai 277 conheciam previamente , eram convidadas a participar de workshops diferentes a fim de evitar constrangimentos. Número De Participantes Realizei 7 workshops e 8 entrevistas individuais. Minha intenção original era realizar 5 workshops com 4 mulheres em cada um e chegar a um total de 20 participantes. No entanto, como no 3o e no 5O workshop nem todas as 4 mulheres que se comprometeram a participar da pesquisa compareceram, senti a necessidade de oferecer ao menos mais um workshop. Além disso, como esta pesquisa destinava-se a oferecer exemplos da vasta gama de experiências que podem ocorrer nesta fase da vida, e em alguns workshops certos temas mal foram abordados enquanto em outros eram bastante discutidos, preferi ter uma amostragem um pouco maior a fim de poder apresentar resultados mais variados. Por outro lado, acabei conversando por telefone com muitas mulheres interessantes, e como algumas delas não poderiam participar dos workshops (por compromissos de trabalho ou de família durante os fins de semana, ou por conflito de datas), decidi fazer também algumas entrevistas pessoais. Assim, o número total de participantes foi 30. Instrumentação Princípios da Abordagem Gestáltica no Trabalho com Grupos Organizei workshops intensivos de fins de semana, i.e., sábados das 9 às 17 horas, e domingos das 9 às 13 horas. Durante os workshops, as participantes tiveram a oportunidade de falar livremente, de maneira interativa, pois o que uma expressava geralmente mobilizava as outras. Minha intenção não foi interpretar as experiências pessoais das participantes durante as sessões de grupo, mas sim, elicitar reações e registrá-las. Esses workshops foram encontros vivenciais que seguiram a orientação da Gestalt terapia em relação à maneira de pensar e trabalhar com grupos (Kepner, 1980; Tellegen, 1984; Zinker, 1994). Como psicoterapeuta, venho usando esta ferramenta ao longo de 20 anos de prática clínica com grupos, tanto em psicoterapia como em do treinamento de terapeutas. Embora esta pesquisa não pretendesse ser um exercício clínico, essas Ciornai 278 ferramentas, resultantes da minha experiência no trabalho com grupos nestes dois enquadres, foram fundamentais para trazer à tona o tipo de troca de experiências que caracterizou os workshops e entrevistas. A abordagem Gestáltica no trabalho grupal é baseada em uma compreensão sistêmica, de campo, e utiliza-se de conceitos como relações de campo, formação de gestalts e relações figura-fundo com o fim de relacionar-se com os processos individuais e grupais que ocorrem de maneira dinâmica e inter-relacionada. Nesta abordagem, a função do coordenador é ouvir, acolher, e facilitar a expressão e elaboração de sentimentos e idéias através de certas intervenções. No entanto, o processo de escuta do psicoterapeuta não é o de uma mera escuta, mas é um escutar com uma atitude de genuíno interesse e respeito pela experiência do outro. Este tipo de escuta, em Gestalt terapia implica em uma atitude de apoio e inclusão -- termo criado por Buber para denotar o movimento do terapeuta de colocar-se no lugar do outro buscando penetrar e “incluir-se” experiencialmente no seu universo existencial, porém, sem perder seu próprio referencial. Esta atitude, que implica também na aceitação e confirmação da existência do outro tal qual ela é, é fundamental para que uma relação dialógica possa se estabelecer entre o cliente (ou participante da pesquisa) e o terapeuta (ou coordenador da pesquisa). Esta atitude deriva da conceitualização Buberiana de relação Eu-Tu (em contraposição à relação Eu-Isso), que foi posteriormente estendida na literatura Gestáltica à compreensão do modelo relacional que deve caracterizar a relação terapêutica.7 A relação dialógica em terapia, para Yontef (1981/1993), implica em 5 condições. A 1a, já mencionada, é a atitude de inclusão. A 2a, a presença autêntica, ativa e envolvida do terapeuta. A 3a, seu compromisso com o diálogo i.e., a atitude de abertura e rendição ao “entre” que acontece entre duas pessoas e que não pode ser controlado por nenhuma delas. A 4a, a característica vivencial do diálogo, e a 5a , sua qualidade de não-exploração, i.e., a não utilização do outro para gratificações narcísicas ou de quaisquer outras necessidades enquanto movimento manipulatório. 7 A Gestalt terapia sempre privilegiou o indivíduo “em relação” através dos conceitos de contato, fronteiras e distúrbios de contato, e através da própria definição de self como ‘a fronteira de contato em ação’. Da mesma forma a Gestalt terapia sempre enfatizou a presença plena e genuína do terapeuta, sendo comum encontrar na literatura Gestáltica, freqüentemente conjugados, os termos “Aqui e Agora” e “Eu e Tu.” Porém, foi somente a partir dos anos 80 que o termo ‘relação dialógica’ passou a ser explicitado e articulado dentro do referencial teórico Gestáltico. (Ciornai, 1991a). Ciornai 279 No entanto, Hycner (1985) considera que em psicoterapia (assim como nesta pesquisa), a disposição de estar totalmente com o outro em uma relação Eu-Tu, é apenas uma dos momentos da relação dialógica, que necessariamente necessita ser alternada com momentos em que o terapeuta reflete sobre a relação com o cliente, suas percepções, e considera o que seria apropriado dizer ou propor como experimento a fim de facilitar o processo do outro. E esta foi a atitude com que, como coordenadora dos workshops e entrevistadora, procurei me relacionar com as participantes. Por outro lado, na abordagem Gestáltica de trabalho com grupos, o terapeuta (ou coordenador) reconhece a existência de 3 níveis de processos que se desenvolvem concomitantemente. Nas palavras de Kepner ( 1980), O coordenador que se relaciona com o grupo-enquanto-sistema, assim como com os processos interpessoais e intrapessoais que estejam acontecendo, é como um malabarista que tem várias bolas nas mãos, cada uma de cor e tamanho variados, que necessitam estar sempre em movimento e em equilíbrio. O coordenador tem 3 tipos de escolha de papel que irão determinar o nível em que suas intervenções irão ocorrer. Pode funcionar como terapeuta de um indivíduo em particular, como facilitador de processos interpessoais ou como consultor do grupo-como-sistema. (p.15) O terapeuta atua de forma a ajudar a reconhecer e focalizar o que emergir como questões existenciais ou temas que mobilizem a emoção (na linguagem da Psicologia da Gestalt, as figuras emergentes), facilitando com que estas figuras formem configurações claras, distintas, definidas e energizadas enquanto temas individuais, ou, na medida em que mobilizem a energia do grupo, enquanto temas grupais. Muitas vezes também, temas grupais surgem como decorrência de relatos pessoais, i.e., um tema ou uma questão levantada por uma pessoa mobiliza a emoção e a energia de todos os membros do grupo que passam a reconhecer o tema como seu. Loffredo (1994, capítulo 3) ressalta que um aspecto que caracteriza o trabalho em Gestalt terapia e que o diferencia de outras abordagens, mesmo as de orientação fenomenológica, é o método de awareness. Awareness é uma palavra de difícil tradução em Português, pois implica em um processo de expansão de consciência, de “dar-se conta”, que não se restringe ao âmbito do Ciornai 280 mental. Por esta razão, em Gestalt terapia fala-se de awareness organísmica. Para Yontef (1976/1995), “awareness é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do campo indivíduo/meio com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético”(p. 183). Já para Tellegen (1986), é um fluxo associativo focalizado. Loffredo (1994) comenta que a definição de Tellegen é primorosa, pois “nela fica implícito o caráter dinâmico e de processo no termo fluxo; a finalidade do método, de facilitar a discriminação e de promover a maior precisão no contato com a figura emergente, através do termo focalizado; e associativo, na medida em que a focalização pode levar à produção de novas cadeias de relações de significado.” (p.128). Em 1991, ao pontuar os parâmetros que a meu ver norteiam o trabalho terapêutico na abordagem Gestáltica, escrevi: É nos processos de awareness que o indivíduo aguça e percebe tanto os seus sentidos como as relações de significado que estabelece entre eles (o “sentido” que emerge da percepção dos sentidos); que tanto experiência como percebe a forma como organiza suas experiências, e é por isso que processos contínuos de awareness são sempre acompanhados de novas in-formações, i.e., a formação de figuras à percepção que criam um novo saber. Em gestalt terapia este tipo de awareness é denominado de “awareness criativa”(Ciornai, 1991b, p.32 ) Portanto, o Gestalt terapeuta está sempre atento à qualidade do contato, e também aos processos de awareness, i.e., ao movimento de perceber as questões existencialmente relevantes (figuras) que estão presentes, ajudando o cliente ( ou o grupo) a reconhecê-las, e também a identificar como sua energia e sua awareness estão sendo bloqueadas de forma a limitar novas possibilidades de contato energizado e gratificante com o meio. Nesta abordagem, o foco da atenção tanto do terapeuta como do cliente (ou grupo), volta-se, idealmente, não só para as questões de caráter individual, mas também para a complexa rede de inter-relações que ocorrem no campo. A Arte Terapia Gestáltica Ciornai 281 Como pesquisadora, minha preferência foi a de não me limitar à linguagem verbal e usar outras formas de expressão, característicamente metafóricas e simbólicas, como parte da dinâmica dos workshops. No trabalho “Arte Terapia: O Resgate da Criatividade na Vida” (Ciornai 1995), escrevi: A atividade artística vai nos proporcionar linguagens mais afinadas à natureza de nossas experiências internas, [muitas vezes] ainda não traduzíveis em palavras. (....) Por outro lado, por não implicar a linearidade causal, lógica, temporal e espacial que a estrutura léxica e sintática da linguagem verbal nos impõe, as linguagens plásticas, poéticas, musicais etc, podem ser mais adequadas à elaboração e à expressão daquilo que mal se vislumbra, que é nebuloso, ou que é complexo e implica em uma apreensão simultânea de várias facetas e níveis de significado. E esta em geral é a qualidade do que se passa em nossa intimidade psíquica, um mundo de percepções e sensações concomitantes, pensamentos, fantasias, sonhos e visões que não respeitam a ordenação lógica e temporal da linguagem. A arte vai prover portanto, a possibilidade de ampliação de consciência sobre estes fenômenos internos. Como diz Bachelard, é um “fenômeno da alma.” (....) Importante adicionar a qualidade mobilizadora da arte em termos de tocar e trazer à tona conteúdos mais profundos. O momento do fazer artístico, como um estado alterado de consciência nos facilita focar no nosso universo interno, funciona como um ligar de um canal mais intuitivo, mágico, onde nos surpreendemos com nosso próprio fazer e o sentido que nele encontramos. (....) Nas palavras de Ecco, a arte é uma “obra aberta,” onde estamos sempre buscando e encontrando significados novos, e, neste sentido é uma mensagem complexa e simbólica do indivíduo tanto para si mesmo como para os outros, que, ao contrário dos sonhos, inclui tanto conteúdos inconscientes como intencionalidade. Nestes processos, sentimentos e experiências tomam concretude, onde a consciência vai se formando no fazer, no exercício de si mesma (p. 61,62) Ë importante ressaltar também que as linguagens expressivas proporcionam a possibilidade de uma linguagem mais individualizada, mais próxima dos sentidos e geralmente com menos defesas do que a linguagem verbal usual. Além disto, em processos de auto conhecimento, os trabalhos criados podem servir de espelhamento, e também de Ciornai 282 fonte de reflexão para o desvelamento e identificação de nossos movimentos e paisagens internas (Ciornai, 1994, p.19), pois não há limite para os insights e associações que uma pessoa pode vir a ter ao dialogar internamente com um único trabalho expressivo ao longo do tempo. Em processos de grupo como os desenvolvidos nos workshops desta pesquisa, este tipo de atividade é valiosa por uma razão adicional: o trabalho plástico, assim como o poético, criam objetos intermediários que ajudam à comunicação interpessoal e grupal, assim como a exploração e apreciação mútua da expressão de cada um (Ciornai, 1994, p.18). Assim, nesta pesquisa sugeri experimentos sobre temas que pudessem motivar a expressão e elaboração de sentimentos e idéias em determinadas partes dos workshops. Neste sentido, fundamentando-se em uma postura fenomenológica, a arte terapia Gestáltica não busca interpretações baseadas em referenciais externos, mas “sustenta-se na crença que as pessoas podem ser agentes de sua própria saúde e de seus processos de crescimento, encontrando sentidos que lhes são pessoalmente relevantes e significativos no que fazem. Terapeutas funcionam como guias, facilitadores e companheiros de busca, às vezes sugerindo experimentos que possam ajudar e revelar as realidades interiores e a descoberta de novos caminhos e direções (Ciornai, 1994, p.6). A descrição fenomenológica da linguagem visual8 (Arnheim, 1974; Dondis, 1973 ; Wiart, 1967), e a identificação com seus elementos simbólicos, figurativos e formais (composição, linhas, formas, movimentos, ritmos, direções, cores, etc.), são práticas encorajadas como experimentos em arte terapia Gestáltica que pode ajudar a uma pessoa a perceber e contatar seus padrões e conteúdos emocionais, posto que pressupõe-se que a expressão plástica possa estar em relação isomórfica com aspectos da realidade interna da pessoa que a criou9 Esta hipótese vem da pressuposição da Psicologia da Gestalt de que exista uma relação isomórfica entre estruturas físicas e psicológicas, i.e., entre experiências internas e aquilo que é expresso plasticamente. Esta abordagem foi desenvolvida na arte terapia 8 9 Arnheim, 1974; Dondis, 1973 ; Wiart, 1967 Arnheim, 1974; Ciornai 1988, 1994a; 1994a; Rhyne, 1973; 1976; 1977. Ciornai 283 Gestáltica por Rhyne (1973,1976,1977), e posteriormente utilizada como metodologia de pesquisa por Rhyne (1977) e Ciornai (1983). Procedimentos Para a Coleta de Dados e Proteção das Participantes Os procedimentos, antes dos workshops e das entrevistas, foram os seguintes: Através da indicação de amigos e pessoas de suas relações, ou através de resposta a um anúncio (ver Apêndice 1) colocado em alguns lugares (clínicas ginecológicas e de acupuntura, centros de dança e de ginástica, livrarias, quadros de avisos em universidades), a pessoa era inicialmente contatada por telefone. Durante este contato, era informada sobre o tema e natureza do estudo, tempo compreendido, contrato de privacidade, etc., e questionada sobre sua disposição em participar da pesquisa em uma das datas marcadas. Um formulário de consentimento (ver Apêndice 2) e o questionário abaixo eram distribuídos na chegada ao workshop: 1. Nome 2. Idade 3. Lugar de Nascimento 4. Profissão 5. Grau de educação 6. Estado civil (atual e prévios) 7. Tem filhos? Quantos? De que idades? Moram contigo? 8. O que fazia nos anos 60 e 70? 9. Sente-se de certa forma protagonista da geração dos anos 60 e 70, dos movimentos de contracultura daquela época? De que forma sente Ter participado? Isso feito, o trabalho iniciava-se convidando cada pessoa a apresentar-se às demais participantes do grupo, expondo as razões do seu interesse em participar da pesquisa. A partir deste ponto não havia um programa fixo. Considerando que a experiência dessa passagem ocorre num campo de fatores múltiplos, inter-relacionados e interdependentes, a coordenadora seguia o fluxo dos temas que afloravam, cuidando para que os temas-chave do workshop fossem abordados: histórias pessoais das vivências nas décadas de 60 e 70; Ciornai 284 transformações físicas, emocionais, sexuais desta fase da vida, relações afetivas com parceiros, e filhos, mudanças, perdas e ganhos percebidos nessa fase da vida, etc. Contudo, cada workshop acabava não só tendo uma ordem temática diferente, como a ênfase dada a certos temas diferia muito de um workshop para outro (ou de uma entrevista para outra). Em dois workshops por exemplo, , falou-se muito dos filhos, e de como suas vivências e valores diferem dos que tínhamos nesta idade, enquanto que nos outros mal se tocou nesse tema. Depois da parte inicial de compartilhar verbalmente vivências pessoais, a coordenadora propunha os experimentos já descritos, pedindo às participantes que compartilhassem o que haviam realizado e suas percepções sobre esses, trabalhos, bem como o que haviam escrito, i.e., seus textos e poesias. Este processo era eventualmente facilitado por intervenções e técnicas da arte terapia Gestáltica para reflexão e contato com significados expressos em trabalhos plásticos10 , como por exemplo pedir às pessoas que experimentassem descrever elementos do trabalho (linhas, formas, cores, movimentos, composição, figuras, etc) na primeira pessoa, “como se” elas fossem aquelas formas , dando-lhes uma voz ( sou forte, precisa, determinada, me espalho em várias direções...), ou representando-as por gestos, através de sons, etc, que são técnicas terapeuticas que ao invés de prover significados e interpretações às formas representadas, têm o objetivo de facilitar com que a própria pessoa descubra ou crie, os significados a elas relacionados. A coordenadora assim como as outras participantes também compartilhavam suas percepções sobre os trabalhos produzidos, atentas a formular suas impressões como expressões de suas percepções individuais (o que eu percebo é..., isto me parece..., o que eu vejo aqui é... ), e nunca como afirmações ou julgamentos sobre o trabalho do outro (o seu trabalho é ..., o que você representou aí foi ....) -- o que é um cuidado de extrema importância na postura fenomenológica que fundamenta o trabalho Gestáltico com recursos artísticos. Em seguida, a coordenadora pedia que todos os trabalhos produzidos no primeiro exercício fossem colocados ao lado daqueles do segundo exercício, solicitando que as 10 Ciornai, 1983; 1994a; 1994b; Rhyne, 1973; 1976; 1977; Thompson-Taupin, 1976; Zinker, 1977. Ciornai 285 participantes procurassem perceber se existiam semelhanças e diferenças nos trabalhos representativos das fases “Antes” e “Agora” da vida de cada uma em termos de estilo, linguagem visual, conteúdo temático, etc. Estes processos sempre aprofundavam as percepções anteriores. assim como nas transformações percebidas entre os trabalhos do primeiro exercício proposto e os do segundo. Na última parte dos workshops, a coordenadora propunha a elaboração dos poemas conjuntos descritos no capítulo “Conclusões Poéticas”, encerrando o processo com a leitura dos poemas e o compartilhar de impressões sobre o processo vivido. Como os workshops eram realizados durante fins de semana, no início do segundo dia a coordenadora pedia que as participantes contassem como haviam se sentido e se lembravam-se de algum sonho. Da mesma forma, ao final dos workshops, era solicitado que entrassem em contato posterior com a coordenadora no caso de virem a ter outros sonhos que pudessem estar relacionados à experiência do workshop, ou no caso de qualquer outra necessidade. Tratamento dos Dados e Procedimentos de Análise Procedimentos de Análise: As fitas foram transcritas e organizadas segundo temas e mitos identificados dentro de quatro categorias básicas: 1. Narrativas de histórias de vida. 2. Descrição de experiências interiores concretas e subjetivas, tais como sensações, sentimentos, lembranças e atitudes. 3. Identificação de conteúdos míticos pessoais. 4. Sentimentos e conceitos sobre si vis a vis a percepção das possibilidades e existência nas diferentes fases da vida (nas décadas de 60 e 70, na fase de vida anterior ao climatério, e a fase atual). Dada a questão básica deste estudo se o conjunto de mitos, i.e., valores, práticas e atitudes aprendidas nos anos 60 e 70 estão ou não se sobrepondo, na experiência de cada Ciornai 286 participante, aos valores convencionais mais difundidos socialmente, minha preferência foi expor os dois conjuntos míticos que emergiram desta pesquisa separadamente. Em termos de tratamento dos dados, meu procedimento foi, primeiro, omitir das transcrições originais sentenças repetitivas ou incompletas, e conversas irrelevantes (como as sobre a necessidade de intervalo para um café). Segundo, reorganizar os diversos trechos de seus depoimentos de acordo com temas. No entanto, às vezes as participantes começavam a falar sobre um tema, passavam a um outro, e, num momento diferente do workshop, retornavam ao tema anterior, ou a fala de uma pessoa era intercalada por falas e comentários de outras pessoas. Nestes casos, fiz uma “colagem” dessas partes, com o cuidado de não adicionar palavras e atenta à não juntálas de forma a alterar o seu significado. Assim, trechos longos são, às vezes, resultado da colagem de trechos de depoimentos de uma pessoa sobre um mesmo tema em momentos diversos. Meu procedimento para a identificação de temas foi organizar todos os dados da transcrição de cada workshop (cada uma com cerca de 200-250 páginas) em uma lista de tópicos (e.g., mudanças físicas, relações afetivas), e cada tópico em uma lista de tantos temas quantos os encontrados como sub-tópicos, colocando abaixo de cada um as partes dos depoimentos que lhes fossem pertinentes. O mesmo procedimento foi seguido com as transcrições das entrevistas. Quanto aos “mitos”, eu os considerei um dos tópicos. Sempre que encontrava frases que correspondessem ao que Feinstein e Krippner (1988, 1989, 1997) definem como mitos eu as colocava sob esse tópico. Por exemplo, se a mulher descrevia como o seu corpo havia mudado, eu colocava esse trecho sob Mudanças Físicas, mas se ela relatava acreditar não poder mais atrair um homem devido às transformações físicas ocorridas, eu selecionava essa parte do seu depoimento para Mitologia da Passagem. Evidentemente, nem sempre era fácil fazer essa distinção, pois as partes dos depoimentos que descrevem as transformações percebidas, e que coloquei sob o título mais amplo de Fenomenologia da Passagem, estavam também cheias de julgamentos avaliativos, tais como péssimo, horrível, feio, ou maravilhoso, ótimo, etc. É claro que alguns destes julgamentos por originarem-se se em crenças também direcionam atitudes e comportamentos. Contudo, procureei colocar em Fenomenologia da Passagem os trechos que me pareceram enfatizar mais a descrição de Ciornai 287 experiências pessoais, e deixei para Mitologia da Passagem, os trechos que me pareceram conter temas e conteúdos preponderantemente míticos. Depois desta fase de organização do material transcrito, selecionei os trechos dos relatos das participantes que pareceram mais diferenciados e representativos para ilustrar cada tema. Quanto aos trabalhos plásticos, as próprias participantes teceram suas reflexões sobre estes segundo os parâmetros da abordagem da arte terapia Gestáltica anteriormente apresentados. Limitações e Delimitações Os resultados limitam-se a mulheres brasileiras que freqüentaram a Universidade nos anos 60 e 70, e que se identificaram como tendo participado direta ou indiretamente dos movimentos de contracultura ocorridos nestas décadas. Embora a energia, valores, características, e impulsos dos movimentos de contracultura tenham se espalhado de modo rápido e contagiante pelas principais cidades do ocidente a partir de maio de 1967, Nanterre, França, no Brasil e no resto da América Latina eles tiveram características específicas. Aqui, a instituição do regime ditatorial provocou a supressão de liberdade das forças democráticas e de oposição de forma arrasadora. Portanto, os movimentos de contestação aqui tiveram características especiais que podem fazer com que os depoimentos e reflexões das participantes difiram, pelo menos em parte, de estudos similares que possam ter sido ou vir a ser realizados em outros países do Ocidente. Além disto, a amostragem desta pesquisa por ser pequena pode ser atípica, e tampouco tenho meios de saber o que as participantes podem ter omitido por vergonha ou falha de memória. É importante pontuar também que como coordenei pessoalmente os workshops e entrevistas, minha personalidade e estilo podem ter facilitado e/ou prejudicado a exposição ou omissão de certos temas. Ademais, sou uma mulher na mesma faixa etária das participantes. Como elas participei ativamente dos movimentos de contracultura das Ciornai 288 décadas de 60 e 70, tanto no Brasil como no exterior, e também atravesso o climatério. Portanto, sem que eu tenha percebido este estudo pode conter viéses. Finalmente, é importante sublinhar que este estudo não teve por objetivo fazer uma comparação entre mulheres brasileiras que estiveram envolvidas nos movimentos de contracultura e aquelas que não estiveram, ou entre grupos de mulheres de diferentes classes sociais. Este seria um outro estudo, válido, relevante, mas que não foi a proposta desta pesquisa. 289 ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO E ANÚNCIO DA PESQUISA ANÚNCIO DA PESQUISA Você mulher que viveu os anos 60 e 70, como está experienciando a passagem dos 40, 50, o climatério e a menopausa ? Por volta dos 40, 50 anos, mulheres passam por uma fase de transição física, emocional e social da qual pouco se fala, pois está carregada de negatividade social. A maioria vive esta passagem de maneira pouco informada e solitária, com sentimentos de perda, vergonha e negação. Motivada por esta percepção, e por estar pessoalmente experienciando esta passagem, realizei como tese de doutorado uma pesquisa procurando acessar como mulheres que de forma mais ou menos ativa participaram dos movimentos de contestação e contra-‐cultura dos anos 60 e 70, estão experienciando esta fase de vida nos seus vários aspectos, i.e., físico, sexual, psicológico, afetivo, social, etc.” Realizei esta pesquisa através de 7 workshops intensivos com grupos pequenos de mulheres além de algumas entrevistas individuais, e o primeiro resultado concreto da pesquisa foi ter me dado conta da enorme necessidade deste tipo de grupo, pois os workshops serviram como processos de troca e conscientização mútuas, atestando a relevância que grupos terapêuticos para mulheres podem ter no ajudar-‐nos a lidar com os conflitos, mitos e transformações desta passagem em nossas vidas. Assim, além de eventuais workshops intensivos de fins de semana, estou coordenando também grupos de mulheres que estão se encontrando semanalmente para compartilhar e elaborar suas experiências, descobrindo também novas possibilidades e caminhos. Apreciaria poder contar com sua colaboração para divulgar este trabalho. O telefone do meu consultório é (nº da época) e posso ser contatada também pelo E-Mail : ............................ Selma Ciornai . Profª do Instituto sedes Sapientiae 290 TERMO DE CONSENTIMENTO A informação que se segue lhe está sendo fornecida para que você possa estar tão informada quanto possível sobre a pesquisa em que vai participar. Se você tiver alguma dúvida a respeito de qualquer aspecto deste estudo, sinta-se à vontade de solicitar esclarecimento à pesquisadora deste projeto antes de assinar este termo de consentimento. PESQUISADORA A pesquisadora deste projeto de pesquisa é: Nome: Selma Ciornai Endereço: (da época) Telefones: (da época) OBJETIVOS E BENEFÍCIOS O objetivo deste estudo é pesquisar a natureza da experiência subjetiva, interior, de mulheres na fase de climatério e menopausa.. Ao participar desta pesquisa você terá a oportunidade de compartilhar suas experiências com outras mulheres e, através disto, saber mais sobre si mesma e sobre suas companheiras neste grupo. PROCEDIMENTOS: Este estudo consistirá em um grupo de encontro que ocorrerá sábado de 9:00 às 17:00, e domingo de 9:00 às 13:00, com 4 participantes. O processo será todo gravado. Em um momento específico, a pesquisadora lhe sugerirá a realização de um trabalho artístico como forma de expressar sua experiência não-verbalmente. PROTEÇÃO AOS PARTICIPANTES : Sua participação nesta pesquisa é totalmente voluntária. Você tem o direito de se recusar a responder a qualquer pergunta feita pela pesquisadora ou por outra participante, assim como interromper seu involvimento nesta pesquisa a qualquer momento deste encontro se você assim o desejar. As informações obtidas sobre você, assim como sobre todas as outras participantes neste estudo, ficarão absolutamente anônimas, e não serão fornecidas à terceiros. Em relação às fitas gravadas: Este material será confidencial. Somente a pesquisadora e a profissional encarregada da transcrição terão acesso às fitas. Nomes serão omitidos, assim como qualquer informação biográfica que possa identificar a participante. No entanto, se mesmo assim durante o correr do workshop você não quiser que algo que você tenha dito seja transcrito, você poderá solicitar que esta parte seja omitida. 291 As fitas transcritas serão guardadas por tres anos após o término desta pesquisa, e após este período serão destruídas. Em relação aos eventuais trabalhos artísticos( desenhos, pintura, poemas etc): Ser-lhe-á solicitado que deixe com a pesquisadora os eventuais desenhos, pinturas ou poemas produzidos durante este encontro pois serão parte importante da pesquisa. No entanto, se ao final do encontro você decidir que não quer realmente deixá-los, você terá o direito de levá-los. Os trabalhos artísticos farão parte da dissertação de doutorado e poderão nela constar. Da mesma forma poderão também constar de uma eventual publicação futura. Em ambos os casos nomes serão omitidos. RISCOS POSSÍVEIS: Esta pesquisa foi planejada cuidadosamente a fim de não causar conseqüências negativas às participantes. A expectativa é a de que você terá uma experiência positiva e enriquecedora. No entanto, se em conseqüência deste encontro você ficar emocionalmente perturbada, ou se a qualquer momento você tiver preocupações ou questões a respeito desta pesquisa, por favor me procure e discutiremos formas de ajudá-la a sentir-se melhor. Você pode contatar a pesquisadora pelos telefones (nºs da época) Caso contato com a pesquisadora não lhe seja suficiente, como esta pesquisa está sendo realizada como dissertação de doutorado, se você sentir necessidade, poderá contatar o orientador desta dissertação, Prof. Stanley Krippner, Ph.D., Saybrook Institute, São Francisco, E.U.A., no telefone (001 - 415) 433-9271, ou o Presidente da Comissão de Revisão de Pesquisa (Chairperson of the Institutional Review Board) Prof. David Lukoff, Ph.D., no telefone (001-707) 763-3504. O enderêço de ambos é: Saybrook Institute 450 Pacific Ave, 3rd floor San Francisco, CA 94133, U.S. RELATÓRIO DE CONCLUSÃO Ao término desta pesquisa, será redigido um relatório resumido de seus resultados. Se você quiser receber uma cópia, por favor escreva abaixo seu enderêço para correspondência: ______________________________________ ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------A pesquisadora explicitou acima as condições e componentes desta pesquisa, assim como deu oportunidade para a participante de esclarecer quaisquer dúvidas a respeito do projeto, tendo se proposto a esclarecer satisfatoriamente as questões colocadas. 292 ______________________________ Pesquisadora ______________ Data Afirmo que li o texto acima, e tive a oportunidade de fazer perguntas e esclarecer dúvidas a respeito das informações recebidas sobre esta pesquisa ; que minha participação neste estudo é totalmente voluntária; e que comprometo-me a não dar entrevistas sobre, publicar ou utilizar profissionalmente a experiência de participação nesta pesquisa antes de sua conclusão e publicação. ____________________________ ____________ Participante da pesquisa Data Ciornai Women Reach Climacteric 293 BIBLIOGRAFIA : Aburdene, P., & Nasbitt, J. 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Maria da Graça Esteves de Vicco, Médica acupunturista. Setembro de 1996. -Drª Mary Alves Miranda, Médica psiquiatra, Maio de 1996.