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V. 29 (3) julho-setembro 2015 REVISTA PARAENSE DE MEDICINA PARÁ MEDICAL JOURNAL Órgão Oficial da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Vol. 29(3) julho- setembro 2015 ISSN 01015907 GOVERNO SIMÃO JATENE Presidente- Rosangela Brandão Monteiro Diretoria administrativo-financeira- Rosane Marques Rosado Gomes Diretoria assistencial- Norma Suely Carvalho Fonseca Assunção Diretoria de Ensino e Pesquisa- Lizomar de Jesus Maués Pereira Moia Diretoria Técnica- Cinthya Francinete Pereira Pires Editor chefe- Marcus Vinícius Henriques Brito Editor adjunto- Nara Macedo Botelho Conselho editorial Alípio Augusto Bordalo Ana Maria Revoredo Ventura Antonio Celso Ayub Andy Petroianu Cléa Carneiro Bichara Eliete da Cunha Araújo Geraldo Ishak Geraldo Roger Normando Jr Ingrid Magali Souza Pimentel Ítalo Suassuna Ivanete Abraçado Amaral Irna Carla do Rosário Carneiro José Thiers Carneiro Jr Lizomar J Maués Pereira Moia Lucia H. Takase Gonçalves Luciana Lamarão Damous Luciano Lobo Gatti Lusmar Veras Rodrigues Manoel do Carmo Soares Mauro José Fontelles Maria de Lourdes B. Simões Maria Rosângela Duarte Coelho Maurício Iasi...... Nicodemos Teles de P. Filho Paulo Pimentel de Assumpção Paulo Eduardo Santos Àvila Paulo Roberto Alves Amorim Robson José de S. Domingues Rui Sérgio de Monteiro Barros Salma Brito Saraty Sandra Rickman Lobato Silvestre Savino Neto Simônides da Silva Bacelar Vânia Lúcia N. Cavalcante Vera Lúcia de Azevedo Lima Victor Augusto Cavaleiro Corrêa FSCMPA UEPA SCMRS UFMG UEPA UFPA UFPA UEPA UEPA UERJ FSCMPA UFPA UFPA FSCMPA UFPA USP FEMA UFCE IEC UEPA UFPR UFPE FSCMPA UFPE UFPA UNAMA UFPA UEPA UEPA UEPA FSCMPA UFPA UNB UEPA UFPA UFPA PA PA RS MG PA PA PA PA PA RJ PA PA PA PA PA SP SP CE PA PA PR PE PA PE PA PA PA PA PA PA PA PA DF PA PA PA Assessoria de estatística Mariseth Carvalho de Andrade Rogério da Silva Santos Assessoria de língua inglesa Lorena Oliveira Lima Luana Pereira Margalho Renan Kleber Costa Teixeira Victor Seiji Nascimento Assessoria de informática Heriberto da Silva Pedroso Juliene de Souza Ferreira Secretaria Renata A. M. Viégas Campelo Bibliotecárias-indexadoras Luciane Obando Maia Regina Célia Coimbra Membros honorários Manuel Ayres, Camilo Martins Viana, Manoel Barbora Rezende Arival Cardoso de Brito, Habib Fraiha Neto, Manoel de Almeida Moreira, Mário Ribeiro de Miranda e William Mota Siqueira Menção honrosa/ In memorian Clóvis de Bastos Meira, Leônidas Braga Dias, Clodoaldo Riberio Beckmann, José Monteiro Leite e Guaraciaba Quaresma da Gama International Standard Serial Number ISNN 01015907 Indexada na Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde LILACS/BIREME/OPAS QUALIS B4 Medicina III, Odontologia e Psicologia; QUALIS B5 Medicina I, II - CAPES/MEC A Revista Paraense de Medicina é o periódico biomédico da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará com registro nº 22, Livro B do 2º Ofício de Títulos, Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas, do Cartório Valle Chermont, de 10 de março de 1997, Belém PA Diagramação e composição: Ione Sena Produção gráfica: Supercores Publicação trimestral e distribuição gratuita Tiragem: 500 Endereço: Rua Oliveira Bello, 395 - Umarizal 66050-380 Belém - PA Fone: (91) 4009.2213 - Fax (91) 4009.2299 Endereço eletrônico: [email protected] - www.santacasa.pa.gov.br BVS-LILACS/BIREME/OPAS - IEC Portal Eletrônico da BVS Dados de catalogação da fonte Revista Paraense de Medicina / Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. – Belém, FSCMP, vol. 29 (3) 2015. Irregular 1958-1995; semestral 1995-1998; trimestral 1998. ISSN 01015907 1. Medicina-Periódico I. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. CDD 610.5 SUMÁRIO / CONTENTS EDITORIAL A IMPORTÂNCIA DA REVISTA PARAENSE DE MEDICINA ........................................................................................ Nara Macedo Botelho e Robson José de Souza Domingues ARTIGOS ORIGINAIS A PERCEPÇÃO DAS PUÉRPERAS FRENTE À ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO NA PROMOÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO EM UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA DO ESTADO DO PARÁ.......................................................... THE PERCEPTION OF THE WOMEN WHO HAVE RECENTLY GIVEN BIRTH REGARDING THE ACTUATION OF THE NURSE ON THE BREASTFEEDING PROMOTION IN A BABY-FRIENDLY HOSPITAL INITIATIVE OF PARÁ STATE Alexandra Cordovil da Luz MASCARENHAS, Lorena Tais Teixeira MIRANDA, Gisele de Brito BRASIL, Lizomar de Jesus Maués Pereira MOIA, Ingrid Magali de Souza PIMENTEL e Vera Lúcia de Azevedo LIMA ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTO LEGAL EM UM HOSPITAL PÚBLICO DE BELÉM- PA ........................... HUMANIZED ATTENTION TO ABORTI ON LEGAL IN A PUBLIC HOSPITAL IN BELÉM-PA Débora Raimunda RIBEIRO e Claudia Tereza FONSECA CARACTERIZAÇÃO NUTRICIONAL DE NUTRIZES NA SEGUNDA ETAPA DO MÉTODO CANGURU DE UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA .................................................................................................................................................................................................................................... NUTRITIONAL CHARACTERISTICS OF NURSING MOTHERS IN THE SECOND STAGE OF THE METHOD OF A KANGAROO BABY FRIENDLY HOSPITAL Elisabeth Cristine Dias RIBEIRO, Pilar Maria de Oliveira MORAES e Larissa Penha MORAES ESTUDO SOCIOEPIDEMIOLÓGICO E ESPACIAL DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA EM MUNICÍPIO DO PARÁ ..................................................................................................................................................................................................................................................................... SOCIOEPIDEMIOLOGIC AND SPATIAL STUDY OF AMERICAN CUTANEOUSLEISHMANIASIS IN A CITY OF PARÁ Renan Faria CARDOSO, Bruma Gouveia de MELO, Waltair Maria Martins PEREIRA, Vera Regina da Cunha Menezes PALÁCIOS, Antônio Vinicius BARBOSA e Nelson Veiga GONÇALVES IMPACTO DO ESTADO NUTRICIONAL NA ADESÃO À DIETOTERAPIA EM PESSOAS COM HIV ...................................... IMPACT OF NUTRITIONAL STATUS IN ADHERENCE TO DIET THERAPY IN PEOPLE WITH HIV Rafaela Portal LIMA, Rozinéia de Nazaré Alberto MIRANDA e Aldair da Silva GUTERREZ ÍNDICES DE TRAUMA COMO MÉTODO PROGNÓSTICO EM PACIENTES VÍTIMAS DE TRAUMA ABDOMINAL ATENDIDOS NO HOSPITAL DE REFERÊNCIA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO ESTADO DO PARÁ . ....... TRAUMA SCORES AS PROGNOSTIC METHOD IN PATIENTS WITH ABDOMINAL TRAUMA TREATED ON EMERGENCY DEPARTMENT IN A REFERENCE HOSPITAL IN PARÁ STATE Gilson Renan Wanzeler ESTUMANO, João Paulo de Oliveira ALMEIDA, Pedro Alves Feitoza NETO e Mauro José Pantoja FONTELLES PERFIL DE PACIENTES HIV-AIDS QUE EVOLUÍRAM AO ÓBITO EM UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM BELÉM – PA ......................................................................................................................................................................... PROFILEOF HIV-AIDS PATIENTS WHO DIED AT ANUNIVERSITY HOSPITAL IN BELEM-PA. Eliane Regine Fonseca SANTOS, Guilherme Paulo Leite NETO, Raquel Almeida CUNHA, Marília Potter de Carvalho BEZERRA e Renata Fernandes Barra VALENTE PREVALÊNCIA DA CO-INFECÇÃO POR LEISHMANIA sp. EM PACIENTES PORTADORES DE HIV/AIDS ATENDIDOS PELO PROGRAMA MUNICIPAL DE DST/AIDS NO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO (CTA) DE IMPERATRIZ-MA . ............................................................................................................................................. PREVALENCE OF CO-LEISHMANIA sp. IN PATIENTS WITH HIV / AIDS PROGRAM ATTENDED BY HALL OF STD / AIDS IN THE CENTRE OF TESTING AND COUNSELING (CTA) IMPERATRIZ OF MA Lúcio André Martins da SILVA e Edna Aoba Yassui ISHIKAWA 5 7 13 21 29 37 45 53 57 61 PREVALÊNCIA DE ALEITAMENTO CRUZADO E SABERES SOBRE ESTA PRÁTICA ............................................ PREVALENCY OF CROSS-NURSING AND THE KNOWLEDGES ABOUT THIS PRACTICE Carla Regina Gonçalves PEREIRA, Waltair Maria Martins PEREIRA, Nelson Veiga GONÇALVES e Voyner RAVENACAÑETE. Fabrício Aleixo DIAS e Cileide Gomes da Mota TAVARES ATUALIZAÇÃO/REVISÃO AGITAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA EM ANESTESIA INALATÓRIA PEDIÁTRICA: REVISÃO INTEGRATIVA ................... EMERGENCE AGITATION IN INHALATION PEDIATRIC ANESTHESIA: INTEGRATIVE REVIEW Francisco Luiz de Moura CAVALCANTE, Herick Meninéa CANAVIEIRA e Eberlan Silva DE JESUS analise da eficácia do ácido zoledrônico no tratamento adjuvante do câncer de mama quanto a mortalidade e recidiva . ................................................................................................... examine the effectiveness of Zoledronic acid in the adjuvant treatment of breast cancer in terms of mortality and recurrence Camila Helena OLIVEIRA, Danielle Rodrigues DOMINGUES, Mariana Campos BOMFIM, Nathalya Botelho BRITO, Roberto César Nogueira JÚNIOR e Nara Macedo BOTELHO DOENÇA DE POMPE: MANEJO FISIOTERAPÊUTICO . ................................................................................................ POMPE DISEASE: PHYSICAL THERAPY MANAGEMENT Sâmela Miranda da SILVA e Paulo Eduardo Santos AVILA RELATO DE CASO ENDOCARDITE POR ENTEROCOCO RESISTENTE À VANCOMICINA EM PACIENTE DE UTI PEDIÁTRICA ... ENDOCARDITIS BY VANCOMYCIN-RESISTANT ENTEROCOCCUS (VRE) IN PEDIATRIC ICU PATIENT Gerusa Ninos FEITOSA, Patrícia Barbosa de CARVALHO, Ana Luiza Melo dos SANTOS, Karoline Helena Silva da SILVA PIOMIOSITE TROPICAL POR MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS .......................................................................... TROPICAL PYOMIOSITIS CAUSED BY MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS Yumide Oliveira OHNISHI, Renata Lima BELTRÃO, Rossicléia Lins MONTE e Márcia Melo DAMIAN IMAGEM EM DESTAQUE SÍNDROME DE HERLYN-WERNER-WUNDERLICH ............................................................................................................................................................................. HERLYN-WERNER-WUNDERLICH SYNDROME Jessica Miyuki Yamaki CORREA, Camilo Ferreira RAMOS, Natália Borges NUNES, Amanda Monteiro CARMONA, Lilia Sampaio LOBATO e Waldônio de Brito VIEIRA ARTIGOS ESPECIAIS DESENHO DE ESTUDO: PROJETANDO O SUCESSO DE UM TRABALHO CIENTÍFICO ........................................ Nara Macedo Botelho, Ana Luisa Mendes dos Reis, Jonathan Leitão Miranda e Luana Pereira Margalho 69 79 87 97 103 109 115 117 SOBRE O CONTEXTO ASILAR, A OCIOSIDADE E A OCUPAÇÃO HUMANA: ALGUMAS REFLEXÕES ............. Victor Augusto Cavaleiro CORRÊA, Alice da Silva MORAES, Ana Flávia de Morais Santos BORGES, Camila Nunes da SILVA e Flávia Carolina da Silva OLIVEIRA 119 MODELO DE CARTA DE ENCAMINHAMENTO ........................................................................................................ 123 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ........................................................................................................................................... 124 4 Revista Paraense de Medicina V.29(1) janeiro-março 2015 EDITORIAL A IMPORTÂNCIA DA REVISTA PARAENSE DE MEDICINA Nara Macedo Botelho* Robson José de Souza Domingues** A REVISTA PARAENSE MEDICINA (RPM) foi lançada em 1958 por um grupo de médicos e professores universitários, sendo que em 1990 passou para a responsabilidade da Fundação Santa Casa Misericórdia do Pará. Em 1998, foi reconhecida e indexada pelo Centro Latino Americano e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS/BIREME/OPAS - sediado em São Paulo e, em 2004, filiada à Associação Brasileira de Editores Científicos – ABEC –. Atualmente a RPM é composta por um corpo editorial qualificado e recebe trabalhos de todas as áreas da saúde do estado do Pará e de outros estados. O QUALIS/CAPES é a classificação dos periódicos científicos realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Conforme classificação de 2013, a RPM foi avaliada nas seguintes áreas: Ciências Biológicas III, Ensino, Medicina I, Medicina II, Odontologia e Psicologia com a classificação nos estratos entre B3 a B5. Sendo que no ano de 2014, a RPM foi avaliada nas seguintes áreas: Ciências Biológicas III, Ensino, Farmácia, Medicina I, Medicina II, Medicina III, planejamento urbano e regional/ demografia, psicologia e saúde coletiva com classificação nos estratos entre B3 a C (PLATAFORMA SUCUPIRA-CAPES). Apesar da RPM publicar importantes temas da Saúde Pública, Saúde Coletiva, Ética, Medicina, Psicologia, Ensino, dentre outros, com vasto interesse por parte de alunos, professores, pesquisadores e de profissionais da assistência ligados aos cursos de graduação e pós-graduação de várias regiões do Brasil, ainda não alcançou avaliação condizente com a sua qualidade e prestígio. Diante do novo desafio, algumas ações estão sendo providenciadas para elevar os indicadores da RPM, dentre elas: adaptação da revista aos documentos de área da Capes; novo portal de divulgação; indexação em Bases de Dados; inclusão de novos avaliadores nacionais e internacionais, captação de recursos, melhoria no sistema de avaliação e editoração da revista. Além do seu histórico e da sua experiência de mais de meio século, a RPM prima pelo conteúdo dos trabalhos publicados, pelas normas e periodicidade. É uma revista com caráter multidisciplinar que aborda relevantes temas, dentre eles as questões das populações e dos ambientes da Amazônia. * Profa. Titular em Ginecologia da Universidade do Estado do Pará ** Prof. Titular de Morfologia da Universidade do Estado do Pará- UEPA ARTIGO ORIGINAL A PERCEPÇÃO DAS PUÉRPERAS FRENTE À ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO NA PROMOÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO EM UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA DO ESTADO DO PARÁ1 THE PERCEPTION OF THE WOMEN WHO HAVE RECENTLY GIVEN BIRTH REGARDING THE ACTUATION OF THE NURSE ON THE BREASTFEEDING PROMOTION IN A BABY-FRIENDLY HOSPITAL INITIATIVE OF PARÁ STATE Alexandra Cordovil da Luz MASCARENHAS2, Lorena Tais Teixeira MIRANDA3, Gisele de Brito BRASIL4, Lizomar de Jesus Maués Pereira MOIA5, Ingrid Magali de Souza PIMENTEL6 e Vera Lúcia de Azevedo LIMA7 RESUMO Objetivo: analisar a percepção das puérperas frente à atuação do enfermeiro na promoção do aleitamento materno em um hospital amigo da criança do Estado do Pará. Metodologia: estudo exploratório com abordagem qualitativa tendo como participantes da pesquisa puérperas internadas no alojamento conjunto da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Atenderam aos critérios de inclusão 17 participantes. A coleta de dados foi por meio de entrevista semiestruturada com perguntas abertas. Os profissionais foram identificados por letra e por números referente a ordem de entrevista realizada. Resultado: foi utilizada a técnica de análise de conteúdo onde o eixo temático gerou como categoria teórica: a atuação do enfermeiro na promoção do aleitamento; como categoria empírica: orientações sobre aleitamento no alojamento conjunto, pelo enfermeiro e como unidades de análises: a maioria das puérperas não recebeu orientação no pré-natal e receberam orientações superficiais no hospital. Discussão: inúmeras são as dificuldades encontradas pelas puérperas na prática da amamentação, dentre elas destacam-se: falhas no processo de orientação e falta de incentivo à amamentação desde o pré-natal. Tais fatores isolados ou associados fazem com que as lactantes não amamentem seus filhos até o mínimo de tempo de seis meses proposto pela OMS. Essa orientação e incentivo a amamentação não está ocorrendo segundo a pesquisa. Conclusão: conclui-se que ainda existem falhas no que se diz respeito a promoção ao aleitamento materno, devido a ocupação do profissional enfermeiro em atividades administrativas e pouco interesse em participar de capacitações sobre aleitamento. Entretanto, cabe ao enfermeiro promover o aleitamento materno, oferecer suporte e apoio durante todo o período da gravidez, parto, puerpério. É importante enfatizar que os gestores, enfermeiros e outros profissionais de saúde precisam trabalhar integrados, fazendo valer a interdisciplinaridade, onde todos os saberes são utilizados para um único fim, a promoção do aleitamento materno. DESCRITORES:aleitamento materno, amamentação, educação em saúde 3 4 5 6 7 1 2 Trabalho realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém-Pará. Enfermeira (UEPA), Mestre em Ensino em Saúde na Amazônia (UEPA), Enfermeira da FSCMPA Enfermeira (UEPA), Especialista em Saúde da Mulher e da Criança (UEPA) Enfermeira (UEPA), Especialista em Estratégia Saúde da Família (UEPA) Médica (UEPA), Doutora em Medicina (Universidade Kagawa Japão), Profª Assistente (UEPA) Enfermeira (UFPA), Doutora em Enfermagem (UFRJ), Profª Adjunta (UEPA) Enfermeira (UFPA), Pós- Doutora em Enfermagem (Universidade Federal de Santa Catarina), Profª Adjunta III (UFPA) Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 7 INTRODUÇÃO MÉTODO Há milênios, propagavam-se os efeitos benéficos do leite materno na primeira infância, com o avanço do conhecimento puderam ser cientificamente comprovados, bem como os possíveis problemas de saúde para o lactente pela introdução precoce de outros tipos de leite, além de promover o fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho. Esse contato além de influenciar na formação psicológica, desenvolve a afetividade e, também ajuda na produção do leite além de proporcionar bem estar à mãe e ao bebê1.. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) recomendam o aleitamento materno exclusivo por seis meses e complementado até dois anos ou mais. Nesse período o organismo da criança já está preparado para receber outros tipos de alimentos, porém, esses alimentos, como o leite animal, possuem proteínas e minerais de difícil digestão, o que pode prejudicar a criança. O leite humano é um alimento completo, contendo água, fatores de proteção, vitaminas, proteínas, nutrientes, entre outros, que são de grande importância nos primeiros meses da vida. Além disso, também traz benefícios para a mãe, fortalecendo o vínculo mãe e filho, evita hemorragias no pós-parto, reduz o risco da mãe desenvolver câncer de mama e ovário, entre outros benefícios2. Apesar de várias evidências científicas que mostram o grande benefício do aleitamento materno nos primeiros meses de vida, no Brasil a prevalência do aleitamento materno exclusivo ainda é aquém do recomendado. E os profissionais de saúde, podem reverter esse quadro, desempenhando papel fundamental nesse processo, promovendo ações de educação em saúde que oriente desde o pré-natal a importância da amamentação2. O Enfermeiro é o profissional que, seja na rede básica, hospitalar ou ambulatorial, deve estar preparado para lidar e direcionar uma demanda diversificada, principalmente quando se tratar de questões de ordem da mulher nutriz, deve ser capaz de identificar e oportunizar momentos educativos, facilitando a amamentação, o diagnóstico e o tratamento adequados3. A prática do aleitamento materno vem sendo amplamente estimulada pelos profissionais e órgãos de saúde, porém, ainda se observa frequentemente puérperas que afirmam que não receberam orientações específicas ou desconhecem os benefícios de tal prática 4. Trata-se de um estudo exploratório com abordagem qualitativa, conduzido na FSCMPA, hospital com titulo amigo da criança, onde foram realizadas entrevistas com 17 puérperas internadas no Alojamento Conjunto da FSCMPA, especificamente em puérperas maiores de idade, que apresentaram boas condições de saúde física e mental e que aceitaram participar da pesquisa. A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, com perguntas abertas. Com a autorização, a entrevista foi gravada e depois foi realizada a transcrição dos dados coletados. Cada entrevista teve duração média de 15 minutos. Foram transcritas e validadas. Para garantir o anonimato, as puérperas foram identificados por letras “M”, e por números referente a ordem da entrevista realizada, ou seja, as puérperas foram identificados M01 até M17. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa em seres humanos na instituição em que ocorreu o estudo, sendo aprovado no dia 05 de setembro de 2014, com a numeração 35653214.0.0000.5171. Foram obtidos documentos que comprovem a aceitação da instituição participante, do orientador e dos sujeitos envolvidos, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os dados foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo de 5. Esta técnica é composta de três etapas de análise: a pré- análise (categorização), a exploração do material e o tratamento dos resultados (inferências/ interpretações)6. Neste estudo, a classificação das categorias foi feita respeitando o que diz Oliveira7 (2010), que relata que os dados obtidos na pesquisa devem ser classificados em categorias teóricas, categorias empíricas e unidades de análise. A categoria está relacionada à classificação ou agrupamento de elementos que são sistematizados pelo pesquisador após a pesquisa de campo, ou no decorrer da análise de conceitos em livros, textos e documentos, mas neste estudo foi pré-selecionado como categoria teórica: a atuação da equipe de enfermagem; como categoria empírica: orientações sobre aleitamento no pré-natal e alojamento conjunto pela equipe de enfermagem e como unidade de análise foi a sistematização das respostas dos participantes da pesquisa. É importante entender que as categorias existem para traduzir dados brutos em dados organizados, e esse processo não introduz desvios no material, apenas deixam mais claro os dados fornecendo uma representação simplificada dos mesmos 5. 8 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 OBJETIVO Analisar a percepção das puérperas frente a atuação do enfermeiro na promoção do aleitamento materno em um hospital amigo da criança do Estado do Pará RESULTADOS As puérperas participantes da pesquisa apresentaram idade entre 18 e 40 anos; 100% (17) estavam vivenciando o puerpério no momento da pesquisa e 58,8% (10) estavam vivenciando o aleitamento materno pela primeira vez. As puérperas eram caracterizadas a maioria com ensino médio completo 29,4% (5), eram donas de casa com 35,3% (6), as que nunca amamentaram totalizam 70,6% (12) das puérperas, onde 10 eram primigestas e apenas 2 eram secundigestas. Realizaram o pré-natal 88,2% (15) das mulheres, onde a maioria realizou entre 4 a 8 consultas. Tabela 1 – Características sócio- demográficas das puérperas da FSCMP , relacionadas a grau de escolaridade, ocupação, experiência com amamentação e pré-natal. Características Amamentavam pela primeira vez Cursavam o ensino médio completo Eram donas de casa Nunca haviam amamentado Realizaram pré-natal Nº Absoluto 10 % 58,8% 5 29,4% 6 12 15 35,3% 70,6% 88,2% Considerando-se a análise de conteúdo as categorias foram sistematizadas e organizadas em quadro. O tema principal do quadro corresponde à categoria teórica; o subitem corresponde a categoria empírica; o conteúdo do quadro corresponde às unidades de análise, as ideias predominantes nas respostas de cada participante. Quadro 1 – Sobre a atuação do Enfermeiro na Promoção do Aleitamento Materno na FSCMP. Categoria - orientações sobre aleitamento no alojamento conjunto pelo enfermeiro - No pré- natal não falaram nada; - Sim,a enfermeira aqui me ensinou; - Perguntaram se o bebê mamava bem e se pegava bem; - Até quanto tempo o bebê tem que mamar? Durante a análise dos dados coletados foi constatado que a maioria das puérperas 58,8% (10) relataram não Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ter recebido orientações sobre amamentação durante as consultas de pré-natal e 64,7% (11) relataram receber orientações sobre amamentação apenas no hospital durante o período puerperal. As queixas com relação a falta de orientação durante o período gravídico foram frequentes entre as puérperas, consequentemente as dúvidas também surgiram durante o período hospitalar devido a falta de informação relatado pelas mães. A dúvida mais frequente foi com relação a duração da mamada. Entretanto, observou-se que as orientações fornecidas pela equipe de enfermagem eram superficiais e que ainda existiam muitas dúvidas entre as puérperas sobre a amamentação. DISCUSSÃO Inúmeras são as dificuldades encontradas pelas puérperas na prática da amamentação, dentre elas destacam-se: falhas no processo de orientação e falta de incentivo à amamentação desde o pré-natal. Tais fatores isolados ou associados fazem com que as lactantes não amamentem seus filhos até o mínimo de tempo de seis meses proposto pela OMS. Essa orientação e incentivo a amamentação não está ocorrendo segundo a pesquisa. O profissional de saúde deve identificar durante o pré-natal os conhecimentos, a experiência prática, as crenças e a vivência social e familiar da gestante a fim de promover educação em saúde para o aleitamento materno, assim como, garantir vigilância e efetividade durante a assistência a nutriz no pós-parto8. É necessária uma comunicação simples e objetiva durante a orientação, o incentivo e o apoio ao aleitamento materno, demonstrando diversas posições, promovendo relaxamento e posicionamento confortável, explicando a fonte dos reflexos da criança e mostrando como isso pode ser usado para ajudar na sucção do recém-nascido9. O enfermeiro é o profissional que mais se relaciona com a mulher durante o ciclo gravídico-puerperal e também tem um importante papel nos programas de educação em saúde, durante o pré-natal, ele deve preparar a gestante para o aleitamento materno, para que no pós-parto o processo de adaptação da puérpera ao aleitamento seja facilitado e tranquilo, evitando assim, dúvidas, dificuldades e possíveis complicações durante a amamentação. Diante de todas estas considerações, é fundamental a atuação dos profissionais envolvidos com a promoção do aleitamento materno no período gestacional, bem como nos primeiros meses de vida do lactente, oferecendo orientações sobre os diversos benefícios da 9 amamentação e, sempre que possível, criando estratégias para sua manutenção. Mas ainda identificamos puérperas que relataram não ter recebido orientação durante sua permanência no ALCON do hospital. Sabe- se que os primeiros dias após o parto são cruciais para o aleitamento materno bem sucedido, pois é nesse período que a lactação se estabelece, além de ser um período de intenso aprendizado para a mãe e também de adaptação do recém-nascido. Então daí a importância do acompanhamento intensivo no pós-parto, pois várias dúvidas e problemas podem surgir e tornar a mulher vulnerável e insegura. É nesse período que o enfermeiro poderá intervir reforçando as orientações, buscando solucionar os problemas, prevenindo e ajudando a superar as dificuldades da puérpera, evitando, assim, o uso de complementos. As lacunas na assistência, geralmente decorrentes da ocupação do enfermeiro em atividades administrativas ou por falta do número adequado desses profissionais, pode resultar em pequena e/ou pouco atuação ou até falta de atuação do enfermeiro na assistência ao aleitamento materno no pós-parto. Esse fato é preocupante, pois aumenta o risco de perda desse campo de atuação pelo enfermeiro8. Além disso, observou-se a falta de interesse de alguns profissionais em participar de qualificações e capacitação sobre aleitamento materno e até mesmo banalizam o assunto. O conhecimento dos profissionais sobre o tema é de grande importância na atuação dos mesmos na promoção e incentivo ao aleitamento materno. Diante disso o profissional de saúde deve ter a humildade de reconhecer que precisa sempre aprender mais sobre o aleitamento materno e com isso participar de cursos e capacitações oferecidas pelos hospitais. CONCLUSÃO Concluiu- se que o conhecimento das puérperas sobre o aleitamento ainda é muito pequeno, o que se 10 torna preocupante, pois isso interfere diretamente para o sucesso da amamentação após a alta hospitalar. Vários fatores foram observados e que podem estar interferindo na percepção da gestante sobre a temática. A maioria das mães é primigesta, ou seja, nunca tiveram anteriormente alguma experiência com amamentação. Outra questão observada foi a grande queixa das mães com relação a falta de orientação durante as consultas de pré-natal, o que faz com que durante o período puerperal fiquem totalmente inseguras e com dúvidas. As puérperas também destacaram que as enfermeiras do ALCON falaram sobre aleitamento, porém muito superficialmente, ou seja, não houve um processo educativo propriamente dito. È importante destacar que cabe ao enfermeiro proporcionar novas alternativas quanto ao modo de transmitir seus conhecimentos às mães e oferecer suporte e apoio durante todo o período da gravidez, parto, puerpério e ainda o reforço durante o acompanhamento da criança na Atenção Básica. Sabese que o enfermeiro é o profissional que está diretamente ligado às mães durante o ciclo gravídico-puerperal e devido a isso também possui um importante papel de educador em saúde, auxiliando as mães no que se refere à amamentação. Apesar disso, ainda observamos algumas falhas no que se diz respeito a promoção e apoio ao aleitamento materno, e são vários os pontos identificados, podemos citar a ocupação do profissional em outras atividades administrativas, o que acaba interferindo na atuação do apoio a amamentação, a falta de interesse de profissionais em participar de capacitações e cursos sobre aleitamento. Todos os gestores e profissionais de saúde fazem parte de um mesmo processo e precisam trabalhar em conjunto, fazendo valer a interdisciplinaridade da equipe, onde todos os saberes são utilizados para um único fim, ou seja, promoção do aleitamento materno exclusivo dentro e fora da instituição. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT THE PERCEPTION OF THE WOMEN WHO HAVE RECENTLY GIVEN BIRTHREGARDING THE ACTUATION OF THE NURSE ON THE BREASTFEEDING PROMOTION IN A BABY-FRIENDLY HOSPITAL INITIATIVE OF PARÁ STATE Alexandra Cordovil da Luz MASCARENHAS,Lorena Tais Teixeira MIRANDA, Gisele de Brito BRASIL, Lizomar de Jesus Maués Pereira MÓIA, Ingrid Magali de Souza PIMENTEL e Vera Lúcia de Azevedo Lima Objective: Analyses of the perception of the women who have recently given birth regarding the actuation of the nurse on the breastfeeding promotion in a Baby-friendly hospital initiative of Pará State. Methodology: Exploratory study with qualitative approach having as participants of the research inmate women who have recently given birth in the accommodation of the Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. The inclusion criterion counted with 17 participants. The data collecting was by means of semi-structured interview with open questions. The professionals were identified by letters and reference numbers in accordance to order of the interview. Result: The data was analyzed utilizing the technics of content analyzes, in which the main theme produced as theoretical category: The Nurse action on the breastfeeding promotion; as empiric category: Breastfeeding orientation at the ensemble accommodations by the nurse and as analyses units: Most of the women who have recently given birth did not receive a prenatal orientation. They received a superficial orientation in the hospital. Discussion: numerous are the difficulties encountered by mothers in breastfeeding, among them stand out flaws in the orientation process and lack of incentive to breastfeeding from prenatal care. These factors alone or associated cause breastfeeding should not breastfeed their children until the minimum time of six months proposed by the WHO. This guidance and encouragement of breastfeeding is not going according to the survey. Conclusion: The conclusion is thatthere are yet faults regarding the breastfeeding promotion due the occupation of the nurse in administrative activities and little interest about participate of breastfeeding promotion courses. However is obligation of the nurse promoting the breastfeeding, gives support during all the pregnancy time, childbirth and puerperium. It is important to say that the managers, nurses and others healthy professionals need to work together to enforce the inter-dicipline of the team in which all the learning are used to an unique objective that is the promotion of breastfeeding. KEYWORDS: breastfeeding, breastfeeding promotion, health education. REFERÊNCIAS 1. Marques, R. F. S. V., Lopez, F. A., Braga, J. A. P. Jornal de Pediatria. O crescimento de crianças alimentadas com leite materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida, v.80, n. 2, abr. 2004. Disponível em: <http://www. scielo.br> Acesso em: 8 de fevereiro. 2016. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: nutrição infantil, aleitamento materno e alimentação complementar. CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA. Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2009. 3. Amorim MM, Andrade ER. Atuação do enfermeiro no PSF sobre aleitamento materno. v.3, n.9, 2009. 4. Saes SO, Goldberg TBL, Ondani LM, Valarelli TP, Carvalho AP. Conhecimento sobre amamentação: comparação entre puérperas adolescentes e adultas. Rev Paul Pediatria 2006; 24(2):121-6. 5. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. 6. Minayo MCS. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 11 7. Oliveira MM. Como Fazer Pesquisa Qualitativa. 3. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2010. 8. Almeida NAM, Fernandes AGF, Araújo CG. Aleitamento materno:uma abordagem sobre o papel do enfermeiro no pós-parto. Revista Eletrônica de Enfermagem, v.06, n.03, p. 358-367, 2004. Disponível em: www.fen.ufg.nr. Acesso em: 8 de Fevereiro de 2016. 9. Almeida JS, Vale IN. Enfermagem Neonatal e aleitamento materno. Disponível em: www.aleitamento.org.br/ arquivos/enfermeira. Acesso em: 6 de Fevereiro de 2016. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Alexandra Cordovil da Luz Mascarenhas Av. Almirante Barroso, 2010, apt° 902, Marco- Belém/Pa E-mail: [email protected] Recebido em 03.06.2015 – Aprovado em 10.02.2016 12 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTO LEGAL EM UM HOSPITAL PÚBLICO DE BELÉM- PA1 HUMANIZED ATTENTION TO ABORTION LEGAL IN APUBLIC HOSPITAL IN BELÉM-PA Débora Raimunda RIBEIRO2 e Claudia Tereza FONSECA3 RESUMO Objetivo: identificar as limitações e avanços institucionais no atendimento humanizado ao serviço de Aborto Legal na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA) e construir propostas que possibilitem transformações qualitativas neste atendimento.Método: pesquisa qualitativa e quantitativa no período de agosto de 2013 na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, utilizando como método de análiseo materialismo histórico e dialético. Resultados: dos 33 profissionais entrevistados, 16 (48%) não conhecem a Norma Técnica de Atenção humanizada ao abortamento,entre eles 10 (83%) dos médicos entrevistados afirmaram desconhecer e mesmo todos os profissionais de serviço social e psicologia terem afirmado conhecer a normativa, os profissionais do plantão afirmam que o aprofundamento do conhecimento em relação a essa norma técnica compete aos profissionais que atuam durante a semana. Conclusão:a existência do serviço pode ser considerada um avanço, entretanto há algumas limitações institucionais que reflete no atendimento oferecido as usuárias. DESCRITORES: aborto legal. Mulher.Políticas Publicas. INTRODUÇÃO Diniz (2012)¹ afirma que no Brasil, somente a partir de 1940 o aborto deixa de ser crime em caso de risco de morte para mãe e gravidez decorrente de estupro, mas apesar da lei, por muitos anos não houve qualquer mobilização do poder público para permitir sua efetivação. Os estudos de Viana(2008)² apontam que em 1970 o aborto já aparecia como um dos causadores do aumento de mortalidade materna, porém pouco discutido como uma questão de saúde pública ou de direitos humanos. Diante dessa realidade torna-se uma bandeira de luta do feminismo por políticas públicas que levariam à regulamentação das normas técnicas de aborto legal pelo Ministério da Saúde em 1999. Para o conceito médico, o aborto é produto da interrupção da gestação, o ato de interromper uma gestação chama-se abortamento, este deve ocorrer até a 20ª ou 22ª semana de gravidez, com o produto da concepção pesando até 500 gramas, conforme definição da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento³, após essa idade gestacional fala-se em antecipação do parto. Entretanto o código penal brasileiro utiliza a expressão aborto quando se refere à criminalização do abortamento. A prática do aborto/interrupção da gestação autorizado no Brasil pode ocorrer em três situações: 1- Mulheres que sofreram violência sexual, 2- Risco de morte para a mulher e 3- Má formação fetal incompatível com a vida (anencefalia). Trabalho realizado na Fundação Santa Casa do Pará. Belém. Pará. Brasil Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará.Belém. Pará. Brasil 3 Assistente social da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 13 Apesar dos casos de gravidez decorrente de estupro e risco de morte para a mulher serem incorporadosdesde 1940, somente na década de 1980 foram realizados, oficialmente, os primeiros atendimentos no serviço público de saúde brasileiro, ou seja, após quatro décadas e prestes a completar 50 anos, conforme afirmação de DINIZ (2012)¹, a referida autora descreve que somente na década de 1990 estabelecem parâmetros nacionais e lei específica para a atuação dos serviços de aborto legal, com medidas dos poderes executivo e judiciário, para que possam fornecer amparo para garantir acesso às mulheres ao aborto legal. Segundo Alexandre (2007)4 em 2003, a área técnica de saúde da mulher liderou o processo de criação de diretrizes nacionais para os serviços de aborto. Uma ação que contou com especialistas composta pela Coordenadoria de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, o IPAS Brasil, Rede Feminista de Saúde, Comitê Latino-americano de Direitos da Mulher (CLADEM), o Centro de Pesquisa Materno-Infantil de Campinas (Cremicamp), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e obstetrícia (FEBRASGO) reuniram-se de maio de 2003 a novembro de 2004 para desenvolver a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto. Essas diretrizes estariam alinhadas com a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994. As diretrizes contêm cinco seções principais: Aspectos legais e éticos do aborto, oferecimento de apoio e informação, parceria entre comunidade e profissionais, planejamento familiar e orientações clínicas e recomendações da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia e da Organização Mundial da Saúde. A referida normativa define como elementos essenciais um modelo de atenção baseado no acolhimento e a orientação, a atenção clínica ao abortamento e o planejamento reprodutivo pós-abortamento. Entretanto, após quase uma década da edição desta normativa não foram realizados estudos que avaliassem em que medida essas normativas estão sendo seguidas no Sistema Único de Saúde (SUS) dentro do serviço de Aborto Legal, sendo assim, fomentar esta discussão é relevante para subsidiar uma avaliação sobre o atendimento humanizado neste serviço. OBJETIVO Identificar as limitações e avanços institucionais no atendimento humanizado ao Serviço de Aborto Legal 14 na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, e construir propostas que possibilitem transformações qualitativas neste atendimento. MÉTODO A pesquisa qualitativa e quantitativa realizada na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, teve como sujeitos da informação os profissionais do setor de Urgência e Emergência Ginecológica/Obstétrica eusuárias que realizaram a interrupção da gestação ou abortamento. O setor da pesquisa foi escolhido como lócus por ser a porta de entrada da demanda mencionada. Os profissionais escolhidos para serem entrevistados foram: Assistentes Sociais, Psicólogos, Enfermeiros e Médicos. Com a finalidade de fornecer maior concretude ao objeto analisado, foi utilizado à técnica de entrevista com perguntas semi-estruturadas, pois esta técnica qualifica certas dimensões do objeto investigado, propondo-se analisar opiniões e pontos de vista complexos A pesquisa se iniciou após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisacom Seres Humanos e teve duração de um mês (agosto) – sendo 344.713 o número do protocolo. Foi realizada com mulheres que já haviam se submetido ao procedimento de aborto legal, mas que ainda estavam no hospital; não se excluiu adolescentes uma vez que essas usuárias compõem um significativo número dessa demanda. No caso de usuárias menores de 18 anos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos responsáveis legais. Os dados e as informações coletados na pesquisa foram: conhecimento dos profissionais sobre a norma técnica e dificuldades para efetivar a normativa, submetidos a uma pesquisa quantitativa, pois se apresentam dados estatísticos, e qualitativa, uma vez que trabalha com uma realidade que segundo Minayo (2011)5 não pode ser quantificada, correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Utilizou-se como técnica de análise qualitativa o materialismo histórico e dialético de Karl Marx(1988)6. Essa análise favoreceu a interpretação do objeto estudado, que proporcionou uma análise politizada em relação à problemática investigada. A quantidade de profissionais no serviço de Urgência e Emergência em Ginecologia e Obstetrícia que estavam dentro dos critérios estabelecidos de inclusão foram 24 profissionais no período matutino e vespertino Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 em regime de trabalho semanal, sendo: 10 enfermeiros, 02 Assistentes sociais, 02 psicólogos e aproximadamente 10 médicos. Desse total foram entrevistados 05 enfermeiros, 02 Assistentes Sociais, 02 psicólogos e 05 médicos, totalizando 14 profissionais. Existe ainda o regime de trabalho em plantões, realizados nos fins de semanas e feriados, onde profissionais de outros setores, atuam na Urgência e Emergência em Ginecologia e Obstetrícia. Na finalidade de contemplá-los, a pesquisa também foi feita nos fins de semanas e feriados no período de coleta de dados. Estava previsto 28 entrevistas, quantidade esta representativa no período de um mês de coleta de dados, considerando que em cada plantão há em média 07 profissionais no setor (02 Enfermeiras, 01 assistente social, 03 médicos e 01 psicólogo) totalizando 56 profissionais durante os 08 plantões do mês, logo se objetivava entrevistar 50% desse total, sendo os 28 já mencionados. Entretanto houve 05 recusas e 04 profissionais do plantão que já haviam sido entrevistados por se tratar de profissionais do setor no período semanal de trabalho que estavam também no plantão. Sendo assim foram entrevistados 33 profissionais (14 do período semanal de trabalho e 19 do plantão) e 03 usuárias, quantidade atendida neste mês no serviço. RESULTADOS Dentre os relatos coletados na entrevista sobre o que seria uma prática humanizada na concepção dos profissionais, obtive-se posicionamentos que qualificaram essa prática como importante para o cuidado.Entretanto dez profissionais demonstraram um posicionamento de que cabe ao psicossocial essa prática, ou ainda que se colocar no lugar da usuária já garante a humanização. É importante considerar que entre os 33 profissionais entrevistados, apenas 05 afirmaram participação em alguma capacitação. Essaquantidade representa apenas 15% de profissionais entre os entrevistados. Estabelecer a humanização da assistência perpassa também pelo cuidado com os profissionais, daí a importância das qualificações. A precariedade desta, rebate no nível de conhecimento dos profissionais sobre a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, na qual dos 33 profissionais entrevistados 17 afirmaram conhecer a normativa e 16 não conhecem. Figura 1 – Conhecimento dos Profissionais do hospital sobre a Norma Técnica, 2015. Considerando a análise do Figura 1, 48% dos entrevistados disseram desconhecer a normativa, dentre os profissionais entrevistados a maior quantidade eram de médicos e enfermeiros, porém apenas assistentes sociais e psicólogos em sua totalidade responderam conhecer a normativa Complementando tal analise dos 16 profissionais que afirmaram não conhecer a normativa 06 são enfermeiros e 10 médicos. Sendo que 04 desses profissionais compõem a equipe do setor e 12 são plantonistas, ou seja, trabalham somente em alguns fins de semanas e feriados. Em relação às equipes que atuam em plantões foi possível identificar em suas falas, que eles atribuem maior responsabilidade no atendimento a demanda aos profissionais que atuam durante a semana. Em se tratando da efetivação da Normativa, 13 profissionais, ou 76% deles afirmam conhecer a mesma, porém não acreditam que é efetivada em sua íntegra na FSCMPA. O alto índice de profissionais que desconhecem a normativa se da pelo baixo investimento direcionado para as qualificações no atendimento a esta demanda. Entre os problemas enfrentados para a efetivação da normativa, os profissionais mencionaram 05 dificuldades. Figura 2 – Dificuldades dos profissionais de saúde para efetivar a Normativa, 2015. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 15 Na Figura 2,quanto à dificuldade para efetivar a normativa, no que se refere a falta de sigilo na instituição, os profissionais enfatizam que muitos comentários são realizados pelos corredores quando há um atendimento, principalmente em casos de interrupção da gestação por violência sexual. “Em pouco tempo todo o hospital ta sabendo do ocorrido e comentando, tem profissional que vai até a enfermaria pra ver a paciente, ficam querendo saber comentando fora do hospital, isso é preocupante.” MÉDICO Entre as avaliações dos profissionais sobre o serviço de Aborto Legal, 05 profissionais mencionaram receio de que as mulheres faltem com a verdade ao procurar o serviço, pelo fato de não necessitar de Boletim de Ocorrência (B.O) policial, o que causa insegurança por parte desses profissionais em realizar o procedimento. “Às vezes sabemos que ela esta mentindo, inventando histórias, ninguém é abusada sexualmente e chega com uma cara de quem perdeu cinquenta centavos, mas mesmo assim temos que encaminhar o procedimento, não me sinto muito segura em realizar essa internação.” MÉDICO “Acho que deveria sim ter o B.O, temos agora uma política de que tudo pode, tudo é permitido.” MÉDICO Em relação ao espaço físico para o atendimento, duas usuárias afirmaram dificuldades enfrentadas nesse aspecto, a falta de um espaço mais reservado para a internação e o banheiro em condições precárias foi exposta por elas. Porém todas as usuárias afirmaram que tiveram um excelente atendimento da equipe. DISCUSSÃO Todas as usuárias entrevistadas afirmaram desconhecer deste amparo legal para a interrupção da gestação, só tomando conhecimento do mesmo, nos serviços em que prestaram ocorrência, como delegacia de policia e demais serviços da rede de atendimento, e ainda assim, as informações recebidas foram superficiais. 16 Viana (2008)2 afirma que a garantia do atendimento ao aborto legal é direito das mulheres, e esses serviços devem ser implantados e amplamente divulgados para a sociedade. A situação da rede assistencial na maioria dos municípios não possibilita o diagnóstico das necessidades e encaminhamentos mais claros e adequados, sedo assim a divulgação deste serviço não é suficiente para o conhecimento da população feminina. Embora as usuárias tenham afirmado um atendimento humanizado no hospital, é necessário considerar o esforço dos profissionais para que tenham recebido tal atendimento. Garantir o atendimento humanizado às usuárias para o abortamento ou interrupção de gestação, requer certo esforço entre a equipe de profissionais atuantes no setor. Esforço este desempenhado no sentido de organizar o serviço com os profissionais sensíveis a essa demanda. Organizar essa rotina não é fácil, pois são poucos profissionais médicos reconhecidos pela equipe para atuar com esta demanda, como afirmaram os profissionais entrevistados. Meneghele Ostermann (2006)7 afirmam que a humanização não se restringe ao plano das relações pessoais, constitui um projeto de caráter político e social, isto perpassa pela rede de serviço estruturada e capaz de atender as mulheres nas suas necessidades. Um grande déficit nessa atenção está na precáriainformação que a rede tem sobre o serviço e os atendimentos pós abortamento não oferecem suporte para o acompanhamento das mulheres, principalmente as vitimas de violência sexual. Santiago (2008)8 afirma que aestrutura física é um fator relevante quando se considera um atendimento humanizado, quando se trata da legalidade de um serviço, é necessário efetividade, construída a partir de recursos específicos, humanos, estruturais e equipamentos para considerar a assistência ao abortamento humano e seguro.Muito se fala em humanização, como um ato de se colocar no lugar do outro, essa afirmação de forma isolada, coloca o profissional como o único responsável pela humanização, responsabilizando o mesmo por todo o processo que depende de vários agentes e estágios. Se colocar no lugar do outro unicamente não garante a humanização, esta ação pode ajudar nesse processo, mas depende de abrir espaço para que o outro partilhe seus conhecimentos e suas opiniões, aceitando o que o outro tem a dizer, e isso é uma prática coletiva que toda a organização tem a exercitar nas relações entre profissionais de saúde e usuários, dos profissionais entre si, da instituição com os profissionais e do hospital com a comunidade. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Sarti (2001)9 afirmam que em um sentido amplo a humanização, além de objetivar a melhora do tratamento do paciente, deve incentivar, por todos os meios possíveis, a união e a colaboração interdisciplinar de todos os envolvidos, dos gestores, dos técnicos e funcionários, assim como a organização para a participação dos usuários no processo de prevenção, cura e reabilitação. Nesta perspectiva a humanização não depende apenas dos profissionais relacionados ao psicossocial tão pouco somente atenção ao paciente, trata-se de um conjunto de ações que envolvem todos os profissionais e o cuidado também com eles. Uma vez que os profissionais de saúde se submetem em suas atividades, as tensões provenientes do contato com a dor e o sofrimento do paciente, cuidar de quem cuida é condição para o desenvolvimento de projetos de ações em prol da humanização da assistência. Sendo assim, podemos afirmar que não há possibilidade de se trabalhar a humanização da assistência desvinculada de um projeto coletivo. Construir políticas públicas de saúde para este enfrentamento demanda a necessidade de um trabalho intersetorial continuo e vigilante, é fundamental que a discussão do papel do setor saúde na atenção a essas mulheres esteja inserida dentro da lógica do SUS, com a garantia de que seus princípios constitucionais de integralidade, descentralização e equidade sejam cumpridos. Para que a assistência integral à saúde da mulher, tal como proposta no SUS, possa ocorrer, torna-se de fundamental relevância que os profissionais estejam integrados tanto com os aspectos técnicos, éticos e jurídicos do aborto, quanto com seus aspectos subjetivos, evitando qualquer forma de constrangimento para a usuária, propiciando mais do que a técnica, a interação, a afetividade, o acolhimento. Viana (2008)² afirma que se um serviço de atendimento ao aborto legal funciona acoplado a um serviço de Urgência, é importante lembrar que todo o grupo de plantonistas deve ser incorporado à equipe, “isso significa ter um protocolo único, discutido e informado a todos, com treinamento sistemático”. Quando o profissional do plantão se desresponsabiliza por um conhecimento mais aprofundado da normativa, abre mão de informações importantes que poderiam ser apresentadas tanto para as usuárias, quanto para a equipe. Como já apontamos, há um conhecimento deficiente por parte de médicos e enfermeiros sobre essa normativa. Quando os profissionais do psicossocial se eximem da responsabilidade desse conhecimento nos plantões, não somente prejudicam um atendimento humanizado, como Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 distancia ainda mais a garantia de um direito, pois muitas vezes esses profissionais são responsáveis por articular junto à equipe a garantia do mesmo. É conhecendo os procedimentos que são executados para tomada de decisão que será possível para esses profissionais compreenderem que não somos detetives, não é essa nossa função no campo da saúde. “Somos profissionais que por principio devemos e precisamos confiar na palavra das pessoas que atendemos. Isso é função precípua do profissional de saúde” (VIANA)². É importante reafirmar que a responsabilidade pelas informações prestadas ao profissional de saúde é exclusivamente da informante, que poderá ser responsabilizada judicialmente por elas. Sendo assim, conhecer a legislação, os protocolos do Ministério as Saúde, as Normativas e as pesquisas sobre o assunto contribui para que a equipe esteja sempre informada e preparada para enfrentar as diversas discussões que sempre surgem sobre o tema. CONCLUSÃO Pode-se considerar como um grande avanço ter um serviço que atenda as mulheres em situação de aborto autorizado por lei, entretanto há algumas limitações institucionais que já apontamos. Não é pretensão deste trabalho, apontar que o conhecimento e efetivação da Norma Técnica de atenção Humanizada, por parte dos profissionais sanaria todos os problemas relacionados ao atendimento às mulheres que demandam o aborto legal, porém conhecer essa normativa é um caminho para começar a melhorar esse serviço, pois a mesma traz parâmetros para qualificar o atendimento humanizado e permite identificar os limites institucionais para traçar metas que possam cada vez mais humanizar o Programa. Conhecer a Legislação, os protocolos do Ministério da saúde e as pesquisas sobre o assunto contribuem para que a equipe esteja sempre informada e preparada para enfrentar as diversas discussões que sempre surgem sobre o tema. O trabalho intersetorial, por meio de parâmetros pactuados pode levar a resultados mais potencializadores para essas mulheres com repercussão favoráveis para sua auto-estima, que podem se traduzir na construção de um novo lugar nas suas relações pessoais, familiares e institucionais. Esses são algumas limitações que apontados neste trabalho para um atendimento humanizado A humanização da atenção à saúde das mulheres necessita muito mais que iniciativas como o PAISM 17 (Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher), para mudar as práticas e proporcionar atenção humanizada. Existe um entrelaçamento histórico entre ideologias médicas e de gênero responsáveis por produzir, nas práticas dos serviços de saúde, a centralidade do fazer clínico, relegando a segundo plano o que Meneghel e Ostermann (2012)7 chamam de compreensão sobre o “fazer atender” ou mais especificamente o cuidar. Esse cuidar exige atenção não somente ás queixas físicas da usuária, mas também suas vivências e sentimentos que muitas vezes não é verbalizado. Essa realidade faz com que os profissionais de saúde demonstrem pouca capacidade de assumir um papel colaborativo que esteja além de um fazer clinico e, portanto humanizador. Essas dificuldades não se limitam à inabilidade práticas, mas ao fato, de muitas vezes não visualizarem a importância de uma abordagem diferenciada e, portanto não se mostram interessados em adquirir esse conhecimento, como observamos na quantidade inexpressiva do conhecimento dos médicos e enfermeiros sobre a normativa de abortamento humanizado. Como proposta para uma mudança significativa, é necessário incluir nas grades curriculares das universidades disciplinas no campo das ciências humanas e sociais e incentivar desde o inicio de sua formação a importância da interação multiprofissional. Infelizmente, 18 a estrutura, a metodologia de ensino e a organização curricular ainda não estão baseadas nas demandas sociais e nas políticas públicas de saúde. Embora o Ministério da Saúde tenha publicação da Norma Técnica de Atenção ao Abortamento Humanizada em 2005, para definir elementos essenciais no modelo de atenção, não se criou instrumentos de avaliação abrangente e sistemática para avaliar em que medida essa normativa está sendo seguida no SUS. É importante ressaltar que a avaliação no âmbito das políticas públicas é um dever ético e que, no caso especifico desse serviço, é indispensável avaliar resultados alcançados. O resultado dessas avaliações deveria ser devolvido aos profissionais, criando assim maneiras de melhorar o desempenho, orientando capacitações para eles. O SUS nas suas diferentes esferas governamentais deve enfrentar o desafio de uma rede qualificada de atenção às mulheres em situação de interrupção de gestação/abortamento autorizadas por lei.Convocar os gestores, realizar reuniões temáticas, viabilizar os insumos necessários, capacitar profissionais, organizar campanhas voltadas para a população e potencializar a rede são estratégias necessárias. Pois como se observa na pesquisa, o conhecimento das mulheres sobre o programa ainda é mínimo, bem como o conhecimento da rede para esclarecer essa mulher sobre o serviço. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT HUMANIZED ATTENTION TO ABORTION LEGAL IN A PUBLIC HOSPITAL IN BELÉM- PA Débora Raimunda RIBEIRO e Claudia Tereza FONSECA Objective: To identify the constraints and institutional advances in the humane care of Legal Abortion Service in Santa Casa de Misericordia Foundation of Pará and build proposals that enables qualitative changes in this service. Methods: Qualitative and quantitative research from August 2013 at the Santa Casa de Misericordia Foundation of Pará using as a method of analyzing the historical and dialectical materialism. Results : Of the 33 professionals interviewed , 16 (48%) do not know the standard technique humanized abortion , including 10 (83%) of respondents said physicians and even ignoring all professional social work and psychology have asserted know the rules , the professional duty claim that the deepening of knowledge in relation to this technical standard competes for professionals who work during the week. Conclusion: Although the Ministry of Health has published Technical Standard for Humane Abortion Care in 2005 to define the essential elements of care model was not created instruments for comprehensive and systematic review to assess to what extent such rules are being followed in the SUS KEY-WORDS: Legal abortion. Women’s health. Public policies. REFERÊNCIAS 1 Diniz, D. Três gerações de mulheres. In: Nova história das mulheres no Brasil. Pinsky, C. e Pedro, J. São Paulo: contexto, 2012 2 Viana F. Serviços de atendimento ao aborto Legal In: Direito de decidir: múltiplos olhares sobre o aborto. Maia, M. (org.). Belo Horizonte. Editora: autentica 2008. 3 BRASIL, Atenção Humanizada ao abortamento: norma técnica/ Ministério da Saúde. Secretária de Atenção a Saúde. Departamento de ações programáticas Estratégicas. 2. ed. atual. E ampl. – Brasília: editora do Ministério da Saúde, 2011 4 Alexandre L. Políticas Públicas de saúde da mulher. In: Enfermagem e saúde da mulher, Fernandes, R. e Narchi, Nadia. Barueri SP: Manole, 2007. 5 Minayo M. O desafio da Pesquisa Social. In: Pesquisa Social: teoria, método e Criatividade. 30 ed. Petrópolis, RJ: vozes 2011. 6 MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988. 7 Meneghel, S, Ostermann A. Humanização, gênero e poder. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012. 8 SantiagoR.C. Saúde da mulher e aborto. In: Direito de decidir: múltiplos olhares sobre o aborto. Maia, Mônica Bara (org.). Belo Horizonte. Editora: autentica 2008. 9 Sarti C. A. Feminismo e contexto: Lições do caso Brasileiro. Caderno pagu 2001: são Paulo: UNIFESP 10 Adesse L. Assistência a mulher em abortamento: a necessária revisão de praticas e má conduta, preconceito e abuso. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006 11 BRASIL, Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica/ Ministério da Saúde. Secretária de Atenção a Saúde. Departamento de ações programáticas Estratégicas. 3 ed. atual. E ampl. – Brasília: editora do Ministério da Saúde, 2010. 12 Barroco M. Ética, Direitos Humanos e Diversidade. in: cadernos especiais n37, edição:28 de agosto a 25 de setembro de 2006. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 19 ENDEREÇO PARA CORRENPONDÊNCIA Débora Raimunda Ribeiro Costa Rodovia Augusto Montenegro.Conjunto Anísio Teixeira 2 bloco 16 apart. 201 Parque Guajará- CEP:66021-000 E-mail: [email protected] Recebido em 27.02.2014 – Aprovado em 12.02.2016 20 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL CARACTERIZAÇÃO NUTRICIONAL DE NUTRIZES NA SEGUNDA ETAPA DO MÉTODO CANGURU DE UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA1 NUTRITIONAL CHARACTERISTICS OF NURSING MOTHERS IN THE SECOND STAGE OF THE METHOD OF A KANGAROO BABY FRIENDLY HOSPITAL Elisabeth Cristine Dias RIBEIRO2, Pilar Maria de Oliveira MORAES3 e Larissa Penha MORAES4 RESUMO Objetivo: caracterizar, nutricionalmente, as nutrizes na 2ª etapa do método canguru de um Hospital Amigo da Criança. Método: o estudo aborda quantitativamente, caráter descritivo e desenvolvimento transversal. As participantes foram 30 nutrizes que acompanharam seus filhos, nos meses de agosto a novembro de 2013, na enfermaria da 2ª etapa do Método Canguru de um hospital de referência estadual no método, em Belém/PA. A coleta de dados ocorreu por meio de formulários e abrangeram os seguintes dados: socioeconômicos, antropométricos, consumo alimentar e hídrico. Além do acompanhamento ponderal das nutrizes semanalmente. A metodologia descrita pelas Recomendações de Ingestão Dietética do Instituteof Medicine foi empregada na análise da adequação alimentar. Resultados: os resultados evidenciaram que a maioria das nutrizes possuía nível de ensino médio (73,3%), renda familiar de até 1 salário mínimo (56,7%), apenas 1 filho (43.3%); enquanto, 46,7% estavam com sobrepeso na avaliação final; não houve associação significativa entre período de permanência na enfermaria, alterações de peso e Índice de Massa Corpórea; a dieta consumida pelas nutrizes atendeu as necessidades energéticas; a porcentagem de macronutrientes encontrou-se adequada; porém,o consumo de líquidos e a ingestão de vitamina A encontraram-se abaixo das recomendações, indicando a necessidade de inclusão de alimentos como frutas e verduras, assim como orientações a cerca da necessidade de hidratar-se. Conclusão: poucas pesquisas avaliam o consumo alimentar de nutrizes e não há referências de avaliação nutricional específicas para este estado fisiológico, tornando este trabalho de suma importância, sendo necessário a continuidade e o aprofundamento de mais estudos. DESCRITORES: Nutrição materna. Necessidades nutricionais. Aleitamento materno. Programas de nutrição. 3 4 1 2 Trabalho realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil Nutricionista. Universidade Federal do Pará. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil Nutricionista.Universidade Federal do Pará. Universidade da Amazônia. Belém. Pará. Brasil Nutricionista. Centro Universitário do Estado do Pará. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 21 INTRODUÇÃO Diante dos benefícios indiscutíveis do aleitamento materno, diversas estratégias foram criadas com a finalidade de evitar o desmame precoce e suas consequências. Entre elas são desenvolvidas no Brasil a Iniciativa Hospital Amigo da Criança,que incentiva, apoia e promove o aleitamento materno; OMétodo Canguru (MC),é modelo de assistência perinatal voltado ao cuidado humanizado ao recém-nascido de baixo peso1,2. O método é desenvolvido em três etapas, sendo que na segunda, o bebê permanece de maneira contínua com sua mãe, período que funciona como um “estágio” com abordagem dos cuidados necessários para alta (préalta hospitalar), eum dos critérios para a alta hospitalar é a sucção exclusiva ao seio materno, salvo em situações especiais2. Nesse contexto, as necessidades nutricionais maternas também devem ser consideradas e atendidas. Levando-se em conta que a amamentação é um estado fisiológico com intenso processo metabólico3. Devido a produção láctea, ocorre o aumento na demanda energética e nutricional para garantir que as reservas maternas não sejam depletadas em benefício deste processo3,4. Além de que, as deficiências nutricionais da nutriz podem contribuir para a manutenção de baixas reservas de alguns nutrientes nos lactentes, aumentando as chances para o desenvolvimento de carências nutricionais nos primeiros anos de vida, período em que há maior prevalência de agravos à saúde infantil5. Percebe-se, então, a necessidade de estratégias de atenção à saúde para este grupo populacional, referente ao cuidado nutricional6,7. OBJETIVO Caracterizar, nutricionalmente, as nutrizes de recém-nascidos e lactentes de baixo peso internados na Unidade Canguru de um Hospital Amigo da Criança, visto que permanecem alojadas no hospital a fim de acompanharem seus filhos 24 horas e estabelecer o aleitamento materno, quando possível. MÉTODO O estudo possui abordagem quantitativa, caráter descritivo e desenvolvimento transversal. 22 Este foi conduzido em um hospital de referência em Saúde da Mulher e da Criança no Estado do Pará, com 30 nutrizes que acompanhavam seus filhos na enfermaria da segunda 2ª etapa do MC no período de agosto a novembro de 2013. Foram incluídas as nutrizes saudáveis que aceitaram participar da pesquisa a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,e excluídas as que não se enquadraram nas especificações de inclusão, as adolescentes até 18 anos e as nutrizes que estiveram um curto período de permanência na enfermaria, impossibilitando a coleta de dados. A coleta ocorreu segundo os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução 466/2012) do Conselho Nacional de Saúde, após a aprovação do Comitê de Ética do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UEPA e da FSCMPA, com o número do CAAE:11614912.0.0000.5174. Através de formulário,abordamos dados: socioeconômicos (idade, renda familiar, escolaridade, local de moradia); antropométricos (peso e altura); e consumo alimentar e hídrico. O peso foi coletado na admissão da nutriz e, sequencialmente, 1 vez por semana, e o consumo alimentar por meio de dois a três recordatórios 24 horas, obtidos em dias não consecutivos. A análise estatística descritiva foi empregada para obter o perfil socioeconômico e nutricional. Os dados antropométricos foram utilizados no cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC), e o diagnóstico nutricional com base na classificação estabelecida pela World Health Organization (WHO) 8. Na análise de variação ponderal, durante o período de acompanhamento, foi utilizado o teste ANOVA. As informações referentes ao inquérito alimentar foram analisadas por meio de software específico para análise de consumo alimentar, o Nutrisurvey. A análise da adequação da ingestão energética, de macronutrientes, de vitamina A e de água foi alcançada por meio da metodologia descrita pelas Recomendações de Ingestão Dietética (DRIs) do Instituteof Medicine (IOM)9-11, que utiliza as médias do consumo alimentar. RESULTADOS Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Total 30 100.0 Ensino Fundamental 05 16.7 Ensino Médio 22 73.3 Escolaridade Ensino Superior 03 10.0 Total 30 100.0 17 56.7 Renda Familiar Até 1 salário mínimo Entre 1 e 2 salários mínimos 09 30.0 Entre 2e 4salários mínimos 04 13.3 Total 30 100.0 13 43.3 Carboidrato 0 0.0 58.2 Proteína 0 0.0 19.1 Lipídeo 19.3 3 10.0 23.2 29 96.7 67.4 1 30 100.0 0 27 90.0 0 % 56.7 n 17 Excesso % Ingestão União Estável % 23.3 20.0 n 07 06 Adequado % Ingestão Solteira Casada Insuficiente % % n n Estado Civil % Ingestão Características gerais Tabela 4 – Análise da adequação do consumo de macronutrientes de nutrizes da segunda etapa do método canguru, Belém-PA, 2013. Macronutrientes Tabela 1 – Características socioeconômicas de nutrizes da segunda etapa do Método Canguru, Belém-PA, 2013. 3.3 0.0 0.0 FONTE: Protocolo de Pesquisa Quantidade de Filhos Um Dois 07 23.3 Três 07 23.3 Quatro ou + 03 10.0 Total 30 100.0 FONTE: Protocolo de Pesquisa Tabela 2 – Diagnóstico nutricional de nutrizes na segunda etapa do Método Canguru, Belém-PA, 2013. Desnutrição Grau 1 Admissão n % 2 6.7 n 2 % 6.7 Desnutrição Grau 2 1 3.3 0 0.0 Eutrofia Sobrepeso Obesidade Grau 1 Total 15 11 1 30 50.0 36.7 3.3 100.0 13 14 1 30 43.3 46.7 3.3 100.0 Diagnóstico Nutricional Final Figura 1 - Análise qualitativa do consumo individual de vitamina A em nutrizes da segunda etapa do Método Canguru, segundo a RDA e a EAR, Belém-PA, 2013. N: nutrizes participantes; EAR: Estimativa do Requerimento Médio; RDA: Recomendação de Dose Alimentar. FONTE: Protocolo de Pesquisa FONTE: Protocolo de Pesquisa Tabela 3 – Avaliação do consumo energéticode nutrizes da segunda etapa do Método Canguru, Belém-PA, 2013. Consumo energético do grupo (Kcal) Média DP n % Baixo consumo 1512.5 83.3 7 23.3 Consumo adequado 2032.8 113.2 23 76.7 DP: Desvio Padrão FONTE: Protocolo de Pesquisa Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Figura 2 - Análise qualitativa do consumo hídrico individual de nutrizes da segunda etapa do Método Canguru. Belém-PA, 2013. N: nutrizes participantes; AI: Ingestão Adequada FONTE: Protocolo de Pesquisa 23 DISCUSSÃO As nutrizes possuíam idade entre 19 e 33 anos, sendo a metade procedente da região metropolitana de Belém, e a outra metade do interior do Estado do Pará. No cenário brasileiro atual, a maioria da população recebe de 1 a 2 salários mínimos (25,7%); 58% das mulheres estão no ensino fundamental; a maioria das mulheres (30%) possuem até 2 filhos nascidos vivos; e 36,7% são casadas formalmente12,13. Observa-se na tabela 1, um nível de escolaridade acima da realidade brasileira; renda mensal inferior a média nacional; e estado civil compatível a maioria das mulheres entrevistadas na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança (PNDS)13. Raros foram os casos de desnutrição e obesidade tanto na admissão como na avaliação final. Porém, em relação a maioria da população, houve discreta inversão entre o percentual de eutrofismo e sobrepeso (Tabela 2). Enquanto, na PNDS13, 43% das mulheres brasileiras entre 15 e 49 estavam com excesso de peso. Tavares et al14, em estudo com lactantes em aleitamento exclusivo encontrou um valor médio de IMC equivalente ao sobrepeso. Como na gravidez acumulam-se reservas, a mulher geralmente termina a gestação com sobrepeso15. No entanto, ainda não há o estabelecimento de acompanhamento nutricional materno pós-natal e classificação específica para lactantes referente ao IMC7,16. Em relação ao ganho ponderal, a variação do Peso (kg) entre as medidas informadas do peso pré-gravídico e verificadas no momento da admissão e ao 7º e 14º dia de internação na enfermaria,não houve variação significativa, pois o p-valor =0.8144 não foi significante. Este resultado pode estar relacionado ao baixo período de permanência na enfermaria, o que pode não ter possibilitado uma variação maior de peso. A taxa média de perda de peso esperada durante a lactação é de 0,5 a 1kg/mês para mulheres com IMC adequado, depois do primeiro mês do pós-parto. Porém, nutrizes com sobrepeso podem perder até 2kg/mês sem prejuízo na produção e composição do leite materno17,18. Nutrizes com sobrepeso ou obesidade, nutrizes que amamentam por curtos períodos ou as que possuem baixa atividade física podem apresentar baixa taxa de perda de peso nos primeiros 6 meses pós-parto18. O que pode estar relacionado à realidade das participantes da pesquisa, que eram sedentáriase 46,7% estavam com sobrepeso. 24 Na análise do consumo energético foi utilizado o cálculo da Estimativa da Necessidade Energética (EER) a fim de se chegar à necessidade energética das lactantes, e através do recordatório alimentar, o consumo calórico. Este valor foi então comparado ao intervalo de variação da necessidade energética. A EER considera a taxa de metabolismo basal, o nível de atividade física, a adição da energia necessária, a produção de leite, e subtração da energia a ser mobilizada dos depósitos maternos11. Na lactação há aumento significativo das necessidades energéticas para garantia da adequada produção de leite e manutenção do organismo materno19. Contudo, a idéia de que a nutriz necessita de alimentação abundante é errônea, pois, o excesso calórico não possui qualquer vantagem e pode causar malefícios estéticos e fisiológicos20. Em um estudo realizado por Castro, Kac e Sichieri21, 52,1% das mulheres investigadas apresentaram um consumo inferior a 1.500kcal e menos de 40% alcançou um consumo de 2.200kcal. Considerando-se, que o consumo mínimo seguropara a lactante é de 1.800kcal22. Em outros estudos, o valor energético médio ingerido por dia foi de 2.233 kcal14 e 1.800 kcal23. Valores próximos a média encontrada no presente estudo, 1868,17Kcal. Na análise da adequação do consumo alimentar do grupo, a média de ingestão, estava abaixo da média do requerimento do grupo, 2133Kcal. E a razão entre estes dois valores foi igual a 0,87. Um valor próximo a 1, mas que no entanto, indica sub-relato No entanto, considera-se na metodologia das DRI’s um grande intervalo de variação na EER (±324 Kcal) para as mulheres, o que aumenta ainda mais os limites na classificação da ingestão energética. Outro fator que pode estar relacionado é a baixa aceitação da dieta relatada por algumas participantes, o que pode ter influenciado a média de consumo calórico. O conteúdo de macronutrientes no leite materno não sofre influência da dieta materna24, porém, o consumo em quantidades adequadas de todos os grupos de alimentos é essencial para a boa condição de saúde da lactante25. Os resultados encontrados indicam adequação ao Intervalo de Distribuição Aceitável de Macronutrientes(AMDR),cuja distribuição consiste em 45 - 65% de carboidrato, 20 - 35% de lipídeo, e 10 - 35% de proteína, refletindo na redução de risco para doenças crônicas e o possível alcance de níveis suficientes de nutrientes essenciais11,26. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Em outros estudos com nutrizes e mulheres no pós-parto, os percentuais dos macronutrientes também estavam dentro dos intervalos considerados aceitáveis21,14. Poucos são os estudos que avaliam a ingestão de vitamina em nutrizes. Vitolo et al27, obteve ingestão média igual a 412µg e 770µg, respectivamente emnutrizes adultas de baixa e elevada condição socioeconômica. No entanto, os valores desta vitamina no leite atendiam o requerimento metabólico mínimo do lactente. Através do questionário de frequência alimentar, em outra pesquisa encontrou-se consumo médio de vitamina A em lactantes igual a 2101±1336 UI (Unidade Internacional)21. Segundo a DRI, é indicada a avaliação qualitativa da ingestão de vitamina A, comparando-se o consumo com a Estimativa do requerimento médio (EAR) igual a 900μg/dia e a Recomendação de Dose Alimentar (RDA), equivalente a 1.300μg/dia em lactantes de 19 a 50 anos 26,9 . Nestes estudos, a ingestão foi acima da encontrada nas nutrizes da segunda etapa do MC, 696.67±274 µg/dia. Porém, o recordatório alimentar possui suas limitações quanto a precisão da quantidade ingerida. Independente disto, cuidado especial deve ser dado na ingestão de vitamina A, devido a reserva hepática desta vitamina estar reduzida em prematuros28.Sugere-se então a maior inclusão de alimentos fonte desta vitamina no cardápio. Além de orientações nutricionais quanto a tabus e mitos alimentares que possam interferir na ingestão destes alimentos. Quanto a ingestão hídrica, existe como referência nas DRI’s a Ingestão Adequada (AI),um valor de consumo recomendado, baseado na ingestão mediana de indivíduos saudáveis, adequadamente hidratados26. Assim, não existe valor máximo e mínimo tolerável estabelecido para água, e indivíduos podem ser adequadamente hidratados tanto em níveis abaixo, bem como acima da AI. A AI é igual a 3,8L de água ao dia para a nutriz, sendo que, 80% devem ser atendidos por meio de água pura e bebidas, pois considera-se que 20% provém da umidade dos alimentos10. Neste estudo, a maioria das nutrizes apresentaram Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ingestão abaixo da AI,2183.7±926.7ml/dia, o que poderia indicar alguma probabilidade de inadequação. Por outro lado, existe o risco de superestimação ou subestimação da quantidade de água ingerida pelas participantes, pois no recordatório 24 horas uma das limitações é a memória29. Na lactação a ingestão de água é um cuidado importante. Nutrizes têm mais propensão à desidratação, especialmente em regiões de clima quente20. Ressalta-se ainda, que o consumo de líquidos além do requerido pela sede não influencia no volume do leite produzido17. Porém, a lactante deve ser orientada a ingerir mais água, cuja hidratação é mais eficiente3, visto que o próprio hospital disponibiliza suco, mingau e sopa na dieta e bebedouro na enfermaria. CONCLUSÃO O perfil nutricional predominante foi de sobrepeso e eutrofismo, com discreta diferença percentual entre os mesmos. Verificou-se que a dieta ofertada pelo hospital, segundo o parâmetro das DRI’s,supre a necessidade energética e de macronutrientes das lactantes, porém, o consumo de vitamina A e água está abaixo do recomendado, o que indica a necessidade da maior inclusão de alimentos fonte de micronutrientes como frutas e verduras; além de orientaçõesa cerca da importância de hidratar-se neste período. No entanto, o recordatório alimentar apesar de ser uma boa ferramenta para se averiguar o consumo, tem como risco a super ou subestimação do mesmo, pois depende da memória do entrevistado. Poucos são os estudos que avaliam o consumo alimentar de lactantes. A caracterização nutricional desta população mostra-se importante, visando uma melhor assistência para resultados satisfatórios. Possivelmente, esta população pode apresentar risco para carência nutricional por haver indicações de que a composição do leite possa sofrer modificações a partir destas carências, comprometendo em certo grau o estado nutricional do lactente, o que torna relevante o aprofundamento destes estudos. 25 ABSTRACT NUTRITIONAL CHARACTERISTICS OF NURSING MOTHERS IN THE SECOND STAGE OF THE METHOD OF A KANGAROO BABY FRIENDLY HOSPITAL Elisabeth Cristine Dias RIBEIRO, Pilar Maria de Oliveira MORAES e Larissa Penha MORAES Objective: to characterize nutritionally nursing mothers in the 2nd stage of kangaroo care of a Baby Friendly Hospital. Method: the study has a quantitative approach to descriptive and transversal development. The participants were 30 nursing mothers who accompanied their children in the months from August to November of 2013, at the ward of the 2ndstage of kangaroo method of a state referral hospital in the method in Belém/PA. Data collection occurred through forms, and covered the following data: socioeconomic, anthropometric, food and water consumption. Besides monitoring the weight of the mothers weekly. The methodology described by the Dietary Reference IntakesInstitute of Medicinewas employed in the analysis of food adequacy. Results: the results showed that most of the mothers had high school level (73.3%), family income up to 1 minimum wage (56.7%), only one child (43.3 %), while 46.7% were overweight in the final evaluation, there was no significant association between length of stay in the ward, changes in weight and body mass index, diet consumed by nursing mothers met their energy needs, the percentage of macronutrients found to be adequate, but the consumption fluid intake and vitamin A found themselves below the recommendations, indicating the need for inclusion of foods like fruits and vegetables, as well as guidance about the need to rehydrate.Conclusion: few studies evaluate the dietary intake of lactating women and there are no references to specific nutritional assessment for this physiological state, making this work of a great importance.Therefore, more following and deepening studies are needed. KEYWORDS:Maternal nutrition.Nutritional requirements.Breast feeding. Nutrition programs. REFERÊNCIAS 1 Brasil. Ministério da Saúde. Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Secretaria de Atenção à Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Brasília; 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ iniciativa_hospital_amigo_crianca.pdf - Acessado em 10 de setembro de 2012. 2 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.683 de 12 de julho de 2007. Aprova, na forma de anexo, a Normas de Orientação para a Implantação do Método Canguru. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 2007. Coleção 2:84. 3 Vitolo MR. Recomendações para a nutriz. In:Vitolo MR, organizadora. Nutrição da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Rubio, 143-146, 2008. 4 Lacerda EMA, Saunders C. Nutrição da Nutriz. In: Accioly E, Saunders C, Lacerda EMA. Nutrição em obstetrícia e pediatria, 2 ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 231-242, 2009. 5 Silva L SV, Thiapó AP, Souza GG, Saunders C, Ramalho A. Micronutrientes na gestação e lactação. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2007 jul-set; 7(3): 237-244. 6 Cotta RMM, Reis RS, Rodrigues JFC, Campos ACM, Costa GD, Sant’Ana LFR, et al. Aspectos relacionados aos hábitos e práticas alimentares de gestantes e mães de crianças menores de dois anos de idade: o programa saúde da família em pauta. O Mundo da Saúde. 2009; 33(3): 294-302. 7 Azeredo VB, Pereira KB, SilveiraCB, Santos AMC, Pedruzzi LM. Estado nutricional de nutrizes adolescentes em diferentes semanas pós-parto. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 2011 abr; 33 (4): 176-181. 26 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 8 WHO. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva: WHO; 2000. 9 Institute of Medicine - IOM. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin k, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. Washington, DC: National Academy Press; 2000. 10 IOM. Dietary reference intakes for water, potassium, sodium, chloride, and sulfate. Washington, DC: National Academy Press; 2004. 11 IOM. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein, and amino acids (Macronutrients). Washington, DC: NationalAcademy Press; 2005. 12 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de amostra por domicílio. Rio de Janeiro: IBGE; 2012.v. 32. 13 Brasil.Ministério da Saúde. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. 14 Tavares MP, Devincenzi, MU, Sachs A, Abrão, ACFV. Estado nutricional e qualidade da dieta de nutrizes em amamentação exclusiva. Acta Paul Enferm. 2013; 26(3):294-8. 15 Gigante D, Victora CG, Barros FC. Breastfeeding has a limited long-time effect on anthropometry and body composition of Brazilian mothers. J Nutr. 2001;131:78-84. 16 Kac G, Benicio MHD, Valente JG, Velásquez-Meléndez G.Postpartum weight retention among women in Rio de Janeiro: a follow-up study. Cad. SaúdePública. 2003;19Suppl 1: 149-161. 17 IOM. Nutrition during lactation. Washington, DC: National Academy Press; 1991. 18 Jevitt C, Hernandez I. Lactation Complicated by Overweight and Obesity: Supporting the Mother and Newborn. J Midwifery Women Health. 2007;52:606-13. 19 Castro MBT, KAC G, SichieriR. Determinantes nutricionais e sócio-demográficos da variação de peso no pósparto: uma revisão da literatura. Rev. Bras. Saude Mat. Infant. 2009 abr-jun; 9(2): 125-137. 20 Parizzi MR. Fonseca JGM. Nutrição na gravidez e na lactação. RevMed Minas Gerais. 2010; 20(3):341-353. 21 Castro MBT, Kac G, Sichieri R. Padrão de consumo alimentar em mulheresno pós-parto atendidas em um centro municipal de saúde do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2006 jun; 22(6):1159-1170. 22 IOM. Nutrition during pregnancy and lactation: an implementation guide.Washington DC: National Academies Press; 1992. 23 Kulkarni B, Shatrugna V, Nagalla B, Rani KU. Regional body composition changes during lactation in Indian women from the low-income group and their relationship to the growth of their infants. J Am CollNutr. 2011;30(1):57-62. 24 Allen, L.H. Multiple micronutrients in pregnancy and lactation: an overview. AmJ.Clín. Nutr. 2005; 81 (suppl):1206-12. 25 Oliveira DR, Gomes PR, Bando AMN, Gonçalves SR.Crenças alimentares no aleitamento materno. Um estudo entre gestantes e nutrizes atendidas em uma maternidade pública no município de São Paulo. Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde. 2011 mai-ago; 36 (2):67-71. 26 Soares NT, Maia FMM, organizadores. Avaliação do consumo alimentar: Recursos teóricos e aplicação das DRIs. Rio de Janeiro: MedBook; 2013. p.111-127. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 27 27 Vitolo MR, Accioly E, Ramalho RA, Soares AG, Cardoso CB, Carvalho EB. Níveis de vitamina A no leite maduro de nutrizes adolescentes e adultas de diferentes extratos econômicos. Rev. Ciênc. Méd., Campinas. 1999 jan-abr; 8(1):3-10. 28 Azais-Braesco V, Pascal, G. Vitamin A in pregnancy: requeriments and safe limits. Am J ClinNutr. 2000; 71(Suppl): 1325-S33. 29 Fisberg RM, Marchioni DML, Colucci ACA. Avaliação do consumo alimentar e da ingestão de nutrientes na prática clínica. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2009 jul; 53 (5): 617-624. Endereço para correspondência Elisabeth Cristine Dias Ribeiro [email protected] Recebido em 28.02.2014 – Aprovado em 10.02.2016 28 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL ESTUDO SOCIOEPIDEMIOLÓGICO E ESPACIAL DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA EM MUNICÍPIO DO PARÁ1 SOCIOEPIDEMIOLOGIC AND SPATIAL STUDY OF AMERICAN CUTANEOUSLEISHMANIASIS IN A CITY OF PARÁ Renan Faria CARDOSO2, Bruma Gouveia de MELO2, Waltair Maria Martins PEREIRA3, Vera Regina da Cunha Menezes PALÁCIOS4, Antônio Vinicius BARBOSA5 e Nelson Veiga GONÇALVES6 RESUMO Objetivo: analisar a distribuição espaço-temporal da Leishmaniose Tegumentar Americana – LTA, no município de Augusto Corrêa, e a relação com variáveis ambientais e socioeconômicas. Método: Estudo transversal, retrospectivo e ecológico, em uma amostra de 74 pacientes. A fonte dos dados primários foia Secretaria Municipal de Saúde de Augusto Corrêa; os dados ambientais, socioeconômicos e epidemiológicos georrefrenciados foramos do laboratório degeoprocessamento de dados epidemiológicos do Instituto Evandro Chagas – IEC, a partir do processo de classificação de imagens de satélite. Para geração dos modelos de integração de informação temáticas foram utilizadas fontes secundárias, como bases de dados cartográficos, imagens brutas de satélite e do Sistema de Informação de Agravos Notificáveis - SINAN. Para o desenvolvimento dos bancos de dados e execução das análises foi utilizada a geoindexação de informações temáticas, geradas em trabalhos de campo e laboratoriais, além de técnicas e métodos geoestatísticos.Resultados:Aproporcionalidade foi maior na faixa etária de 11 a 34 anos(61,64%),no gênero masculino (66%) e em indivíduos de cor parda (86%).No período estudado o ano de maior ocorrência de casos foi 2008. A relação da doença com a ocupação esteve presente em maior frequência nospequenos agricultores,na proporção de (58%). A região de maior predominância foi a rural, onde se observou alto nível de desmatamento (90%).Conclusão:Para este estudo, foi possível observar que as características da frequência da LTA, na área e no período estudado, apresentaram relação com a ocupação com condições socioeconômicas e alterações ambientais. DESCRITORES: Leishmaniose. Epidemiologia descritiva. Análise espacial. Saúde pública. INTRODUÇÃO As leishmanioses são antropozoonoses de significativo pleomorfismo clínico, presente em muitos países da Ásia, África, Europa e Américas, entretanto apenas em 32 países figura entre as doenças de notificação obrigatória, fato que corrobora para que seja considerada como um grande problema de saúde pública1. 3 4 5 6 1 2 De ampla distribuição geográfica, a LTA é a segunda das seis infecções parasitárias mais frequentes no mundo. Acomete principalmente regiões tropicais e subtropicais, sendo endêmica em 88 países, dos quais 72 são classificados com países em desenvolvimento. Cerca de 350 milhões de pessoas encontram-se em risco paracontrair a doença proporcionando assim 2 milhões de novos casos em todo o mundo. A ocorrência gira em Estudo realizado no Laboratório de Geoprocessamento e Epidemiologia da Universidade do Estado do Pará. Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. Médica.Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. Médica. Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. Engenheiro Civil. Universidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil. Tecnólogo em Processamento de Dados. Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 29 torno de 14 milhões de casos e a letalidade em torno de 59 mil óbitos2. No Brasil a LTA é uma importante morbidade com ampla distribuição em todas as regiões geográficas brasileiras. Faz-se acompanhar de importante comprometimento dermatológico, o que determina atenção especial devido ao caráter nosológico em produzir lesões deformantes, repercutindo no psicológico do paciente e no âmbito de suas relações sociais, bem como no ambiente econômico, haja vista ser uma doença, por vezes, considerada como ocupacional2,3. A região Amazônica encontra-se em constantes mudanças ambientais devido ao processo de desenvolvimento traduzido pela instalação degrandes projetos de geração de energia, agropecuários, abertura de rodovia, grande atividade de extrativismo vegetal e mineral. Tais atividades produzem impactos na Saúde Pública dada às alterações dos nichos ecológicos, intensa migração populacional e formação de novos centros urbanos, propiciando a ocorrência de várias doenças entre elas as transmitidas por vetores3. O Estado do Pará possui excepcionais características para o desenvolvimento da pecuária e expansão de fronteiras agrícolas. Entretanto este avanço favorece o aparecimento de diversos agravos infecciosos, decorrente da expansão dessas fronteiras e consequente ocupação desordenada em ambientes propícios a transmissão de doenças infecciosas, como é o caso das Leishmanioses4. Diante do exposto e da escassez de estudos acerca deste tema na região, reconhece-se como importante a produção de dados e informações complementares. Portanto, o objetivo deste trabalho consiste em analisar a distribuição espaço-temporal da Leishmaniose Tegumentar Americana no município de Augusto Corrêa, estado do Pará, e sua relação com variáveisambientais e socioeconômicas. MÉTODO Trata-se de uma pesquisa quantitativa, com tipo de estudo descritivo, retrospectivo, transversal, de caráter ecológico, sendo incluídoscasos notificados com Leishmaniose Tegumentar Americana no município de Augusto Corrêa, estado do Pará, no período de 2007 a 2013. A pesquisa foi executada a partir dos trabalhos de campo que se delineou com expedição ao local de ocorrência da doença e moradia dos pacientes.A 30 expedição foi dividida em etapas a seguir especificadas: Para o georreferenciamento das localidades onde residiam os casos notificados como portadoresde LTA no município, foi utilizado um receptor do Sistema de Posicionamento Global (GPS) Garmin 76CSx. Para subsidiar a geração dos mapas temáticos capazes de expressar visualmente relações espaciais e temporais referentes aos casos investigados, foram utilizadas as bases cartográficas de limites municipais e sedes dos municípios disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram utilizadas também imagens do satélites LandSat do sensor TM-5, na escala 1:250.000, nas órbitas pontos 225/ 062, 225/063, 226/062 e 226/063 e do radar (SAR) R99, fornecidas pelo Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Para a geração dos modelos de integração de informação temáticas foram utilizadas fontes secundárias, como bases de dados cartográficos, de imagens brutas de satélite, além de informações da Secretaria Municipal de Saúde de Augusto Corrêa referente aos resultados de exames laboratoriais de pacientes confirmados com a doença e dados epidemiológicos do SINAN, que foram desagregados para o período compreendido entre os anos de 2007 a 2013. Foram incluídos os casos de LTA residentes em Augusto Corrêa e excluídos os casos notificados, mas que não residiam no município em estudo. Todos os pacientes da pesquisa foram avaliados segundo os preceitos da declaração de Helsinque e doCódigo de Nuremberg, sendo respeitadas as normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Res. CNS 466/12) do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará e autorizado pelos participantes da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram utilizados dados do censo demográfico do IBGE(2010), além de informações ambientais como drenagem e vegetação, disponibilizados pela IBAMA (2005). A realização do trabalho laboratorial foi dividida em dois momentos: o primeiro partiu da utilização da técnica de Análise Temática da Informação (ATI) para criação do modelo de integração das bases de dados, conforme preconizaramVEIGA e FORATTINI.5,6O segundo momento foi o processamento do banco de dados geográficos desenvolvidos foram utilizados os Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 softwares TrackMaker 11.8, ArcGis 11 e Erdas 8.3. Os dados foram integrados em um Sistema de Informação Geográfico (SIG), utilizando o Software de geoprocessamento TerraView 3.1.3.Foram geradas análises geoestatísticas de Kernel para avaliar os níveis de densidade e correlação espacial da doença com níveis de degradação ambiental e características socioeconômicas. Foi realizada análise quantitativa-descritiva dos dados obtidos, utilizando o programa Microsoft Office Excel 2010 para construção das tabelas e elaboração dos indicadores e utilização do programa Bioestat 5.0 para a aplicação dos testes estatísticos. Foi levantada a hipótese de que existe uma relação positiva entre os indicadores epidemiológicos, ambientais, e o gênero para o adoecimento porLTA. Os testes estatísticos objetivaram verificar possíveis diferenças de proporções entre as diversas variáveis relacionadas no trabalho. Os testes aplicados foram os deKolmogorov-Smirnov e Qui-quadrado de partição.A interpretação dos testes foi feita de acordo com a convenção cientifica, isto é, o resultado foi chamado de estatisticamente significativo se o valor-“p” (“p”-value ou nível descritivo) era menor que 0,05 (já que o nível de significância α, alpha, pré-estabelecido foi de 5%). A rejeição da hipótese de nulidade foi assegurada quando não ocorreu diferença estatisticamente significativa entre as proporções observadas RESULTADOS FIGURA 1 – Estimativa de Densidade Kernel de casos de Leishmaniose Tegumentar Americana no município de Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 31 (%) 15% 40% 12% 3% 4% 10% 16% 100% FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA TABELA 2 – Distribuição da frequência de LTA, de acordo com a faixa etária em anos. Município Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. Faixa Etária ≤10 11 a 34 35 a 59 ≥60 TOTAL Observações 2 45 23 3 73 (%) 2,74% 61,64% 31,51% 4,11% 100% FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA TABELA 3 – Distribuição da frequência de LTA, por escolaridade, no município Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. Série 1ª a 4ª série incompleta do EF 4ª série completa do EF 5ª à 8ª série incompleta do EF Analfabeto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ignorado TOTAL Observações 4 10 15 2 5 2 22 60 (%) 7% 17% 25% 3% 8% 3% 37% 100% FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA (1) Excluídos os casos informados “como não se aplica” TABELA 4 - Distribuição da frequência de LTA, de acordo com o risco laboral. Município de Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. Relação com trabalho Ignorado Não Sim TOTAL Observações 11 15 36 62 (%) 18% 24% 58% 100% FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA (1) Excluídos os casos informados “como não se aplica” 32 Ano Rural (%) Urbana (%) Total Total (%) 2007 9 12% 2 3% 11 15% 2008 26 36% 3 4% 29 40% 2009 9 12% 0 0% 9 13% 2010 2 3% 0 0% 2 3% 2011 3 4% 0 0% 3 4% 2012 7 10% 0 0% 7 10% 2013 10 14% 1 1% 11 15% TOTAL 66 90% 6 8% 72 100% FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA (1) Excluído caso não preenchido TABELA 6 – Distribuição da frequência de LTA, por ano de notificação, gênero e aplicação do teste estatístico. Município Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. (%) 1 1% 2008 9 2009 (%) Total Total (%) P-valor Observações 11 29 9 2 3 7 12 73 Masculino Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 TOTAL TABELA 5 – Distribuição da proporcionalidade de LTA, por área urbana e rural.Município de Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. Feminino TABELA 1 – Distribuição da proporcionalidade de LTA, no município de Augusto Corrêa, Pará. 2007 a 2013. 10 14% 11 15% 0.1916 12% 20 27% 29 40% 0.6341 3 4% 6 8% 9 12% 0.4930 2010 1 1% 1 1% 2 3% 0.1642 2011 2 3% 1 1% 3 4% 0.9557 2012 2 3% 5 7% 7 10% 0.0544 2013 7 10% 5 7% 12 16% 0.2352 TOTAL 25 34% 48 66% 73 100% - Ano 2007 FONTE: LabGeo/SVS/MS e LabGeo/CCBS/UEPA DISCUSSÃO A ocorrência da LTA em Augusto Corrêa – PA nos anos de 2007 a 2013,apresentada na TABELA Ise mostra de forma heterogênea,com proporçãobastante elevada para o ano de 2008, o que corrobora àafirmarser essa nosologia um problema de saúde pública1. As maiores estimativas de densidade de casos foram observadas em Emborai Grande na sede do Município, Santa Maria do Patal e Santa Maria do Açaizal, emordem decrescente, respectivamente, como pode ser observado na FIGURA 1. Essaslocalidades concentraram quase a metade dos casos; fato explicado pelo fato destas localidades concentrarem áreasdesmatadas, e a Sede do Município por polarizar os fluxos de povoamento local, ao longo das rodovias7. Esses resultados refletem a existência da estreita relação climática e ambiental com a sobrevivência Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 e reprodução do vetor transmissor da doença, o flebotomíneo, posto que esse vetor deposita seus ovos próximos à corpos d’água e vegetação densa7. Os resultados apontam para a maior frequência de LTA no ano de 2008, no qual se pôde demonstrar ter havido um surto da doença.Tal fato pode ser explicado pelo fenômeno de La Niña, que ocorreu no mesmo ano no estado do Pará8. Este fenômeno tem como consequências o aumento de chuvas e enchentes em algumas regiões do país, o que favorece a proliferação do flebotomíneo. A frequência de LTA em Augusto Corrêa - PA no período estudado permite observar que o p-valor do percentual de frequência relativa do número de homens em relação ao de mulheres,foi significativamente maior no sexo masculino, como mostra a TABELA VI. Para os anos 2011 e 2013, a proporcionalidade foi pouco superior no sexo feminino. Tais fatos concordam com outros estudos, onde se observou maior proporcionalidade para o sexo masculino7, 8,9,11. Estes achados podem ser explicados pelo fato de que os homens tendem a se expor mais fora do ambiente domiciliar, em busca de trabalho, com maior exposição às regiões de mata, o que leva à maior proporção de acometimento em relação às mulheres. Estudos realizados no Paraná observaram que a faixa etária mais acometida foi de 15 a 49 anos12.Estes dados concordam com o presente estudo, onde a faixa etária de maior frequência foi a de adultos jovens que se encontram incluídos na faixa etária de 11 a 34 anos, observado na TABELA II, sendo que a média de idade foi de 30,52 anos.Estudo realizado em Pernambuco também observou que os adultos jovens eram os mais acometidos, com média de idade de 40,36 anos9. Esta característica sugere transmissão extradomiciliar na população economicamente ativa, mais exposta a áreas de mata. Alguns estudos apontam dados divergentes quanto à faixa etária mais acometida. Não encontraram variação significativa entre as faixas etárias, significando nessas pesquisas que o risco para adoecer se apresentou de forma semelhante nas diversas faixas etárias estudados, transparecendo padrão semelhante no Arco Sul, claramente identificados com a cultura europeia de descendentes de imigrantes (“colonos”,principalmente italianos e alemães)7,13. Esse quadro indica riscosemelhante em todas as faixas etárias, com padrões de transmissão intra ou peridomiciliar semelhantes à extradomiciliar, explicando assim a tendência do aumento do número de casos em mulheres e crianças, visto em alguns outros estudos já publicados14. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Pesquisa realizada no município de Juruti, estado do Pará, identificou maior número de casos em homens menores de 20 anos, sugerindo alterações no padrão de transmissão provavelmente devido a impactos ambientais decorrentes da exploração de bauxita nesse município15. O presente estudo mostra na TABELA III que para a variável escolaridade, a maioria das notificações apresentava o campo “ignorado” como o mais preenchido, indicando falha no preenchimento da ficha de notificação pelos profissionais responsáveis em notificar a doença. Em segundo lugar em número de notificações vem os indivíduos com baixa escolaridade, sendo que a maioria dos afetados tinha escolaridade inferior ao ensino médio, e os indivíduos com escolaridade entre a 5ª e a 8ª série os mais acometidos. Estes dados concordam com estudosrealizados em 2014 e 2013, onde a maior parte dos indivíduos declarou ter ensino fundamental incompleto16, 17. Isto pode ser explicado pela população de baixa escolaridade ser mais exposta aos riscos tanto por residirem ou exercerem suas atividades ocupacionais em áreas de focos da doença, como pelo desconhecimento da transmissão da doença e as formas de prevenção. Em relação à cor de pele,a frequência foi maior para os indivíduos de cor parda, corroborando com estudos de Silva em que evidenciou resultados semelhantes11,16. Estes achados podem ser explicados pelo alto índice de miscigenação brasileira.De acordo com o IBGE oitenta e quatro milhões de brasileiros se autodeclararam pardos em 2009, correspondendo 44,2% da população, entretanto no Estado do Pará este índice se apresentou na proporcionalidade de 72,6% dos declarantes. Em contrapartida, estudos realizados no Mato Grosso do Sul, foi verificada maior proporção na raça branca18. Tal achado pode ser explicado devido ao estado do Mato Grosso do Sul pertencer ao Arco Central, que se constituem em uma grande área de transição entre os dois arcos de fluxo migratório, a saber, nordeste centro oeste e sul centro oeste. Diante de tais evidências, não é possível afirmar que a LTA ocorra mais em uma etnia do que outra. O que ocorre é que a cor de pele da maioria dos indivíduos acometidos é a que compõe o perfil populacional das regiões estudadas. Isto depende da herança genética de cada grupo populacional e da colonização histórica de cada região. O vetor de transmissão da doença não prefere uma etnia em detrimento de outra, e não se pode afirmar quehajaresistência de algum perfil populacional ao agente etiológico. O presente trabalho mostrou que os moradores de 33 zonas rurais foram os mais acometidos, (TABELA V). O que concorda com os estudos de Araújo,Soares, Neto e Garcez 7,15. Tal fato pode ser explicado pela ocupação em atividades agrícolas e ou pecuárias, onde há maior exposição a riscos de transmissão seja pelas atividades que desempenham ou por residirem em zona rural. Estudos mais recentes como realizados em 2014 no norte de Minas Gerais11e no estado de Goiás16, apontaram a zona urbana como a de maior proporcionalidade, discordando do presente trabalho. Esta divergência pode ser explicada pela tendência de migração para a periferia das cidades, precariedade de saneamento básico, convívio com animais domésticos, que servem de novos reservatórios da doença. Tais fatores contribuem para alterações no perfil de transmissão da doença, explicando também o acometimento em pequena parcela de crianças e mulheres. Foi observado também, que a ocupação laboral da maioria dos casos representava risco para ocorrência do agravo(TABELA II),uma vez que as pessoas exerciam suas atividades em áreas rurais. Os estudos recentes realizados nos quatro últimos anos encontraram resultados semelhantes10,18,19. É lamentável observar, que neste estudo, para esta categoria de variável, parte dos casos notificadosestava registrada como “ignorado”. Isto mostra desconhecimento da equipe de saúde daquele município,sobre a importância da ocupação de um indivíduo portador de LTA para a epidemiologia da enfermidade,pois por meio desta pode-se avaliar se a doença está associada à determinada atividade laboral, e a partir do reconhecendo o padrão de ocorrência da doença, e possível caracterizar áreas de transmissão domiciliar, peridomiciliar e extradomiciliar. A identificação destes grupos populacionais permite planejar e executar medidas de proteção dos indivíduos expostos ao risco. frequência realtiva (25%), enquanto que as categorias, ensino médio incompleto e analfabeto registraram a menor frequência (3%). A utilização de técnicas de geoprocessamento e análises de dados espaciais em saúde se mostraram de grande importância para identificar áreas com maior frequência da doença, levando em consideração as suas variáveis ambientais e socioeconômicas. Esses resultados sinalizam para a implementação de políticas públicas voltadas para o combate do vetor, informação, educação e comunicação voltadas para os residentes do município visando prepara-los sobre aorientação de como proceder para reduzir o risco de contrair a doença. Além disto, é importante orientar os profissionais de saúde quanto ao preenchimento correto das fichas de notificações e o significado que esses dados têm para a saúde publica. Esta pesquisa aponta a necessidade de desenvolvimento de estudos longitudinais dotipo ecológico onde possam ser observadas as relações, em caráter quantitativo e qualitativo, entre o processo de degradação ambiental com a frequência da doença, no município de Augusto Corrêa, bem como implementar medidas avaliativas de políticas públicas voltadas para a mitigação das consequências do processo de ocupação e utilização desordenada das áreas físicas ambientais. CONCLUSÃO A incidência de LTA em Augusto Corrêa – PA nos anos de 2007 a 2013 foi maior em Emborai Grande, sendo a maior ocorrência observada no ano de 2008 (40%). A proporcionalidade foi superior no sexo masculino (66%), na faixa etária de 11 a 34 anos (61,64%), com idade média de 30,52 anos e de cor parda (86%). As atividades ocupacionais representaram risco de transmissão da doença em 58% dos casos.A zona rural foi a que concentrou maior parte das ocorrências (90%). A categoria escolaridade teve o campo “ignorado” com o maiorpercentual (37%) de preenchimento. A categoria da 5ª a 8ª série do ensino fundamental teve a maior 34 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT SOCIOEPIDEMIOLOGIC AND SPATIAL STUDY OF AMERICAN CUTANEOUSLEISHMANIASIS IN A CITY OF PARÁ Renan Faria CARDOSO, Bruma Gouveia de MELO, Waltair Maria Martins PEREIRA, Vera Regina da Cunha Menezes PALÁCIOS, Antônio Vinicius BARBOSA e Nelson Veiga GONÇALVES Objective:To analyze the spatial-temporal distribution of prevalence of american cutaneous leishmaniasis in Augusto Corrêa city, state of Pará, and its relationship with socioeconomic variables. Methods: Cross-sectional, retrospective ecological study, a final sample of 74 patients was used at work. Primary data sources and records georeferencing of environmental, socioeconomic and epidemiological data were consulted. To develop the model of integrating thematic secondary information sources such as databases cartographic data, satellite imagery and gross SINAN, and information from the Municipal Health For preparation of analyzes were used to geographic index thematic information generated was used from field and laboratory, and GIS technologies, statistical and epidemiological database. Results: Proportion was highest in the age group 11-34 years (61.64%), the year with the highest number of cases was in 2008, the proportion was higher in males (66%), was observed a relationship of the disease with the occupation of the patient (58%) cases occurred predominantly in rural (90%), and individuals of mixed ethnicity (86%). Conclusion: According to this study, it was observed that the characteristics of proportion ofamerican cutaneous leishmaniasisin the area and during the study period, compared with the present work, socioeconomic and environmental changes. KEYWORDS: Leishmaniasis. Descriptive epidemiology. Spatial analysis. Public health. REFERÊNCIAS 1 World Health Organization. Leishmaniasis: magnitude of the problem.Disponível no site:http//www.who.int/ leishmaniosis/burden/magnitude/burden_magnitude/en/index.html (acessado: 02/agosto/2013). 2 World Health Organization. Control of the leishmaniasis: report of a meeting of the WHO Expert Committee on the Control of Leishmaniases. Geneva; 2010; 22-26. 3 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília; 2010 4 Pereira EA, Faial AS, Martins N. Secretaria Executiva de Saúde Pública do Estado do Pará/ Departamento de Controle de Endemias, 2004. 5 Veiga NG. Modelo de Recuperação de Informações Temáticas Interrelacionadas, Contidas em Imagens de Satélites, Baseados em Descritores Contextuais. Tese de Doutorado. 225 p. UNB Brasília, 2001. 6 Forattini OP. Culicidologia Médica. Oswaldo Paulo Foratiini, 2002, editora Edusp S.P. 7 Cossermelli-Andrade JS. Estudo da Distribuição da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) na Bacia do Rio Capivari, SP, Utilizando Geoprocessamento de Dados. [Dissertação – Mestrado] – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, 2010. 8 Andrade TAS. Perfil Epidemiológico Dos Casos Notificados De Leishmaniose Tegumentar Americana no Município de Igarassu/Pe no Período de 2008 A 2010 [Monografia – Especialização]. Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, 2010. 9 Araújo AIF. Avaliação do método de coleta através do swab para o diagnóstico molecular da leishmaniose tegumentar americana em pacientes de áreas endêmicas de Pernambuco, Brasil.[Dissertação – Mestrado] – Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, 2013. 10 Soares MRA, et al. Análise Molecular da Infecção Natural de LutzomyiaLongipalpis em Área Endêmica de Leishmaniose Visceral no Brasil. Cad. Saúde Pública, 2010; 26(12): 2409-2413. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 35 11 Silva PLN, Alves CR, Chagas RB, Macedo LP, Majuse R, Silva JS. Características Epidemiológicas da Leishmaniose Tegumentar Americana no Norte de Minas Gerais. Renome. 2014; 3(1): 43-50. 12 Silveira TGV, Arraes SMA, Bertolini DA, Teodoro U, Lonardoni MVC, Roberto ACBS, Ramos M, Sobrinho AN, Ishikawa E, Shaw J. Observações sobre o diagnóstico laboratorial e a epidemiologia da leishmaniose tegumentar no Estado do Paraná. RevSocBrasMed Trop. 1999; 32:413-23. 13 Gomes AC. Perfil epidemiológico da leishmaniose tegumentar no Brasil. An. Bras. Dermatol. 1992;67(2): 5560. 14 Murback NDN, et al. Leishmaniose Tegumentar Americana: estudo clínico, epidemiológico e laboratorial realizado no Hospital Universitário de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. AnBrasDermatol. 2011;86(1). 15 Soares DC, et al. Epidemiologia Da Leishmaniose Tegumentar no Município de Juruti, Pará, Brasil. Rev. PanAmaz. Saude. 2010; 1(1). 16 Graziani D, et al. Estudo Das Características Epidemiológicas Da Leishmaniose Tegumentar Americana No Estado De Goiás, Brasil, 2007-2009. Revista de Patologia Tropical. 2014; 42(4). 17 Nobre ES, Souza LA, Rodrigues DJ. Incidência de leishmaniose tegumentar americana no norte de Mato Grosso entre 2001 e 2008.Acta Amaz. 2013; 43(3). 18 PiovesanA. Epidemiologia da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) no estado do Mato Grosso do Sul no período de 2001 a 2010. [Dissertação – Mestrado]. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, 2012. 19 Oliveira ACM. Caracterização epidemiológica da Leishmaniose Tegumentar Americana no município de Rio Branco-Acre no período de 2000 a 2008. [Dissertação – Mestrado]. Rio de Janeiro. (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2011. Endereço para correspondência Dr. Nelson Veiga Gonçalves Laboratório de Geoprocessamento de Dados Epidemiológicos/CCBS/UEPA Rua Perebebuí, no 2623. Bairro do Marco, Belém-PA. CEP: 66087-670 Telefone: (91)981869349 E-mail: [email protected] Recebido em 11.11.2014 – Aprovado em 10.02.2016 36 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL IMPACTO DO ESTADO NUTRICIONAL NA ADESÃO À DIETOTERAPIA EM PESSOAS COM HIV1 IMPACT OF NUTRITIONAL STATUS IN ADHERENCE TO DIET THERAPY IN PEOPLE WITH HIV. Rafaela Portal LIMA2, Rozinéia de Nazaré Alberto MIRANDA3e Aldair da Silva GUTERREZ4 rESUMO Objetivo: Avaliar o impacto na adesão à dietoterapia após a avaliação do estado nutricional, segundo a orientação nutricional oferecida aos pacientes portadores do HIV atendidos em um sistema de atendimento especializado em um Hospital de Referência na cidade de Belém. Método: Estudo de intervenção nutricional em 63 pacientes adultos, no período de quatro meses, com consultas mensais, onde a avaliação seguiu um protocolo padronizado para coleta dos dados, seguido de estudo comparativo entre a primeira e última consulta após orientação nutricional oferecida mensalmente aos portadores do HIV. Os mesmos foram submetidos à avaliação antropométrica, dietética e realização de exames bioquímicos. Resultados: Prevalência do sexo masculino, a média do Índice de Massa Corporal foi de 23,28 Kg/m2 e 23,91Kg/m2, % de gordura corporal de 22,27 e 24,43, assim como a adequação da circunferência do braço que apresentou % 86,30 e 89,10, valores estes encontrados na primeira e última consulta, respectivamente. Os triglicerídeos encontravam-se elevados na primeira consulta e ainda mantiveram-se na última, porém houve uma redução nos valores após a orientação alimentar, o colesterol total encontravam-se dentro dos padrões de normalidade (≤ 200 mg/dL) em ambas consultas, igualmente para os níveis de glicemia (≤ 100 mg/dL). O consumo de alimentos saudáveis foi observado na última consulta, porém não atingiu as recomendações da pirâmide alimentar. Conclusão: A adesão de hábitos alimentares saudáveis refletiu melhoras nos parâmetros antropométricos, bioquímicos e dietético. DESCRITORES: Antropometria. Consumo de Alimentos. Avaliação Nutricional INTRODUÇÃO Identificada na década de 80, a pandemia mundial resultante da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), tornou-se um marco na história da humanidade 1.AAcquiredImmuneDeficiencySyndrome (AIDS) é uma doença infecto-contagiosa causada pelo HIV, o qual afeta a função e o número dos linfócitos T CD4+, tendo como característica principal à alteração imunológica 1. Nos indivíduos HIV positivos e assintomáticos, o aumento da taxa de metabolismo de repouso não 3 4 1 2 provoca perda de peso porque há uma compensação pela hiperfagia. A composição corporal desses pacientes com as de pessoas não infectadas mostrou não haver diferenças significativas, apesar do aumento do gasto energético e do catabolismo protéico. O organismo ainda mantém a capacidade de regulação da ingesta alimentar de modo que seja possível conservar o equilíbrio nutricional proteico e de outros nutrientes, assim como o peso corporal 2. A intervenção nutricional contribui para sobrevida de pacientes HIV positivo, ao retardar a imunodepressão de origem nutricional e a ocorrência de Trabalho realizado no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Belém. Pará. Brasil Nutrição. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil Nutricionista. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil Nutricionista. Universitário João de Barros Barreto. Belém. Pará. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 37 infecções oportunistas3. A nutrição é um fator de grande importância no tratamento de pacientes HIV positivos, sejam sintomáticos ou assintomáticos, em tratamento com a Terapia Antirretroviral de Alta Potência (TARV) ou não, pois estes apresentam deficiência de macro e micronutrientes, o que provoca maior estresse oxidativo, imunossupressão, subsequente replicação do vírus e depleção dos linfócitos TCD4+4,5. OBJETIVO Avaliar o impacto na adesão à dietoterapia segundo a orientação nutricional oferecida aos pacientes portadores do HIV atendidos em um sistema de atendimento especializado em um Hospital de Referência na cidade de Belém-PA. MÉTODO Tratou-se de um estudo de intervenção nutricional, onde a avaliação dos pacientes seguiu um protocolo padronizado, coleta de dados dos prontuários e realização um estudo comparativo entre a primeira e última consulta nutricional. O acompanhamento dos pacientes teve duração de quatro meses (agostoa dezembro de 2013), com consultas mensais, em um total de quatro atendimentos, todos realizados pela nutricionista no ambulatório do Sistema de Atendimento Especializado (SAE). Para composição da casuística foram considerados os seguintescritérios: indivíduos HIV positivos, em fase assintomática com o propósito de reduzir fatores de confusão para a avaliaçãodo estado nutricional, idade entre 19 – 59 anos, linfócitos TCD4+ (350 a 500 células/ mm3)6,7e virgens de tratamento com TARV. Os pacientes foram submetidos à avaliação antropométrica, dietética e realização de exames bioquímicos. Para a avaliação antropométrica foi realizado aferição das medidas de peso, altura (IMC), dobras cutâneas biciptal, triciptal, supra ilíaca e subescapular e a circunferência do braço. O IMC foi calculado pela razão de peso (kg)/altura2(m)e classificado conforme os valores estabelecidos pela referência da Organização Mundial de Saúde 8. 38 As dobras cutâneas para estimar a gordura corporal e caracterizar a distribuição da gordura subcutânea 9. Foi utilizado o somatório das quatro dobras cutâneas para cálculo do percentual de gordura corporal (% GC), com a equação: (Σ = DCT (mm) + DCB (mm) + DCSE (mm) + DCSI 10 , e classificado conforme Lohmanet al 11. (mm) A circunferência do braço (CB) é a medida antropométrica recomendada para estimativa da proteína muscular esquelética total. Representa a somatória das áreas constituídas pelos tecidos ósseo, muscular e gorduroso do braço 12, 13. Sua interpretação foi realizada segundo padrão de normalidade de Frisancho,198114 e os resultados classificados através dos valores de referência propostos por Blackburn eBistrian, 197715. A avaliação bioquímica consistiu de perfil lipídico: triglicerídeos (TG), colesterol total (CT) e glicose. Os valores de normalidades aceitáveis para o perfil lipídico e glicose foram: colesterol total < 200 mg/dl, triglicerídeos ≤ 150 mg/dl e glicose < 100 mg/dl 16, 17. Para identificação de hábitos alimentares foi aplicado o questionário de frequência alimentar (QFA) obtidos através do recordatório 24 h, coletados em 3 dias não consecutivos, adaptado de acordo com a regionalidade18. Classificados em grupos: leite e derivados, carboidratos, proteínas (carne de gado, frango, peixe e ovos), farelos, suco natural e frutas, verduras e legumes, docese salgadinhos, embutidos e enlatados. Os dados foram compilados e armazenados em um banco de dados do programa Excel versão 2007 e posteriormente analisados no programa software Bioestat 5.0 19. Tabelas e gráficos foram elaborados no programa Microsoft Excel. Paraa análise das variáveis categóricas entre as consultas foi utilizado o teste Mann–Whitney. Considerando estatisticamente significantes os valores de p < 0,05. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto de acordo com a resolução № 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sob o número de 186.128/2013e todos os pacientes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. RESULTADO Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Tabela 1 – Comparativo de indicadores antropométricos entre a primeira e a última consulta nutricional dos pacientes portadores do HIV atendidos em uma Unidade de Referência de Belém-PA, 2013. Parâmetros antropométricos Primeira consulta Média ±DP 23,23±3,82 24,27±7,69 86,30±13,66 N IMC % GC % CB 63 63 63 Última consulta Média ±DP 23,91±3,79 24,43±7,46 89,10±12,67 p - valor *0,877 *0,840 *0,357 IMC: Índice de massa corporal. %CB: Adequação da circunferência do braço. %GC: Percentual de gordura corporal. N: Número de pessoas, *Teste de Mann-Whitney. DP: Desvio Padrão. Tabela 2 – Comparativo do Estado Nutricional segundo o Índice de Massa Corporal e o Percentual de adequação da circunferência do braço dos pacientes portadores do HIV atendidos em uma Unidade de Referência. Belém-PA, 2013. Classificação IMC (Kg/m2) N (63) Primeira consulta (%) N (63) Última consulta (%) Magreza Eutrofia Sobrepeso Obesidade %CB 9 34 17 3 14,2 54,0 27,0 4,8 8 33 19 3 12,6 52,4 30,2 4,8 Desnutrição Eutrofia Sobrepeso Obesidade 40 20 3 - 63,5 31,7 4,8 - 34 26 3 - 54,0 41,2 4,8 - IMC: Índice de Massa Corporal, % CB: Adequação da Circunferência do Braço, N: Número de pessoas. Tabela 3 – Comparativo do Percentual de gordura corporalentre a primeira e a última consulta nutricional dos pacientes portadores de HIV atendidos em uma Unidade de Referência. Belém-PA, 2013. Classificação Primeira Consulta (%) Última Consulta (%) % GC N Feminino Masculino N Feminino Masculino Risco (depleção) Abaixo da média Média Acima da Média Risco (excesso) Total 7 9 4 30 13 17,9 7,2 3,6 39,1 32,2 5,7 34,2 8,6 45,7 5,8 4 11 4 30 14 10,7 7,2 7,1 39,8 35,2 2,9 20,1 5,7 65,5 5,8 63 100 100 63 100 100 % CG: Percentual de Gordura Corporal, N: Número de pessoas. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 39 Tabela 4 – Comparativo de parâmetros bioquímicos entre a primeira e a última consulta nutricional dos pacientes portadores do HIV atendidos em uma Unidade de Referência de Belém-PA, 2013. Parâmetros Bioquímicos (mg/dl) Colesterol total Triglicerídeos Glicemia N Primeira consulta Média±DP Última consulta Média±DP p– valor 63 63 63 187,57±38,62 158,87±106,76 98,96±15,06 178,89±42,73 165,84±113,27 98,89±19,02 *0,215 *0,664 *0,972 *Teste de Mann-Whitney; DP: desvio padrão; N: número de pessoas Tabela 5 – Frequência do consumo alimentar por grupos de alimentos entre a primeira e a última consulta nutricional dos pacientes portadores do HIV atendidos em uma Unidade de Referência de Belém-PA, 2013. Diário Primeira Consulta Nutricional Semanal Mensal Raro/nunca Total Leites e derivados Energéticos Proteína Doces, salgadinhos e refrigerantes Enlatados e embutidos Farelos Verduras e legumes N 42 63 63 2 0 2 25 % 66,7 100,0 100,0 3,2 0 3,2 39,7 N 4 0 0 22 13 2 26 % 3,2 0 0 19,0 9,9 0 7,9 N 15 0 0 27 44 59 7 % 23,8 0 0 42,9 69,8 93,6 11,1 100,0 100,0 100,0 100,0 100,00 100,00 100,00 Sucos e frutas 34 54,0 23 36,5 1 1,6 Última consulta Nutricional Semanal Mensal 5 7,9 100,00 Raro/nunca Total Grupos de Alimentos Diário Grupos de Alimentos % 6,3 0 0 34,9 20,6 3,2 41,3 N 2 0 0 12 6 0 5 Leites e derivados Energéticos* Proteína** Doces, salgadinhos e refrigerantes Enlatados e embutidos Farelos*** Verduras e legumes N 46 26 63 2 1 4 34 % 82,15 46,42 100 3,2 1,6 6,3 54,0 N 5 3 0 22 0 2 23 % 8,92 5,35 0 34,9 0 3,2 36,5 N 1 2 0 7 0 1 1 % 1,78 3,58 0 11,1 0 1,6 1,78 N 4 25 0 32 62 56 5 % 7,15 44,65 0 50,8 98,4 88,9 7,9 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Sucos e frutas 38 60,3 20 31,7 0 0 5 7,9 100,0 *Energéticos: farinha com arroz, farinha com macarrão, arroz com macarrão. **Proteína: carne vermelha, frango, peixe e ovo. ***Farelos: aveia, quinoa e amaranto. N: número de pessoas. 40 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 DISCUSSÃO A dietoterapia é uma ferramenta importante na manutenção adequada do estado nutricional dos portadores do HIV. Dos 63 participantes investigados, a maioria foi do sexo masculino, característica idêntica descrita no estudo proposto por Fahiet al. 200820(73,94%), Burgos et al. 201021(64,5%). De acordo com aUnited NationsProgramon HIV/AIDS UNAIDS1 em todo o mundo, 50% das pessoas atualmente vivendo com HIV/ AIDS são mulheres, tendo ocorrido um maior aumento no número de casos entre jovens e pessoas com idade acima de 50 anos, ratificado pelos estudos de Martins et al. 201422, no Cenário Epidemiológico Mundial. Os parâmetros antropométricos nos mostraram que o IMC na primeira e última consulta nutricional mantevese normal, classificados em eutrofia, similarmente aos resultados encontrados por Guimarães et al. 200723 eLadeira e Silva, 201224,onde a média do IMC foi de 24,1Kg/m2 para portadores do vírus sem qualquer evento definidor de AIDS, quanto aos valores da última consulta nutricional houve aumento do IMC, porém os pesquisadosainda permaneceram dentro da faixa de normalidade, dados parecidos foram encontrados nos estudos de Rodrigues Neto et al. 201025 onde na primeira para a segunda consulta, os pacientes mantiveram seu peso. Guimarães et al. 200723em seu estudotambém demonstraram não haver diferença estatisticamente significativa quanto ao peso e o IMC quando comparados pacientes em uso de TARV ou a grupo virgem de tratamento. O %GC quanto à soma das pregas cutâneas na primeira consulta foi semelhante à média (25,1%) encontrada por Rodrigues Neto et al. 201025 onde o peso, IMC e porcentagem de gordura corporal foram idênticos entre os pacientes usuários ou não de antirretrovirais. A média do % CB encontrada na primeira consulta e última consulta classificou a maioria dos pacientes com desnutrição. Estratificando em classificação do estado nutricional observou-se um pequeno decréscimo no número de pacientes com desnutrição da primeira para a última consulta, concomitante com aumento de pacientes com estado de eutrofia, evidenciando a importância da orientação nutricional. Esta conduta nutricional deverá ser realizada sempre que possível ao ser diagnosticado a doença, a fim evitar perda de gordura subcutânea e subsequente depleção do compartimento proteico muscular fato também observado por Burgos et al. 201021. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Ospesquisados em questão apresentou níveis de triglicerídeos aumentados, corroborando com dados exposto por Silva et al. 201026onde a elevação de triglicerídeos é alteração bem descrita entre os infectados pelo HIV, inclusive antesda introdução da TARV, porém também é sabido que o aumento do TG está diretamente relacionado com uma alimentação rica em carboidratos, sendo necessário estar atento à alimentação destes pacientes. Na pesquisa o nível de colesterol total antes da orientação nutricional se mostrou semelhante aos níveis encontrados por Silva et al. 201026Segundo Burgos et al. 201021 a dislipidemia padrão (diminuição do HDL, aumento do LDL e aumento nos triglicerídeos) é extremamente aterogênica e faz par com outros fatores presentes em HIV positivo, como resistência à insulina, inflamação vascular, obesidade central, levando estes pacientes a um aumento nos riscos para doença cardiovascular prematura e aterosclerose. De acordo com Hadiganet al. 201027, há uma redução primária do colesterol HDL resultante da ativação imune pelo HIV e do estado de hipercatabolico da doença. A hipertrigliceridemia é outra modificação importante no metabolismo de pacientes com AIDS. Isso deve-se ao aumento do interferon-α, o que leva a uma depuração reduzida de triglicerídeos, aumentando, assim sua concentração sérica. Silva et al. 201026, apontam que anormalidades lipídicas se tornam mais evidentes entre os infectados pelo HIV após a introdução da TARV, e que a hipercolesterolemia e a hipertrigliceridemia são os distúrbios mais marcantes, pois pode ser um marcador inicial da progressão da infecção pelo HIV, do estágioevolutivo da doença. Na avaliação da QFA durante o período descrito, observou-se que houve diferenças e melhora no consumo de alimentos.Após a intervenção nutricional houve aumento do consumo de leite e derivados, redução na combinação de alimentos energéticos, aumento do número de pessoas para o não consumo de doces, salgadinhos e refrigerantes, assim como enlatados e embutidos e melhora em relação ao consumo diário de farelo, verduras, legumes e frutas. Todos os participantes consumiam alimentos proteicos, em conformidade com as orientações da pirâmide alimentar. Devido ao aumento do metabolismo, caracterizado principalmente pelo aumento do turnover proteico, as necessidades de consumo de proteínas estão aumentadas em pacientes HIV positivos5, as mesmas são importantes para a síntese de proteínas do sistema imune. 41 O consumo de farelo, frutas, verduras e legumes aumentaram após a orientação nutricional. Estes alimentos são fonte de fibras, nutriente muito importante para regular o funcionamento intestinal, lentificação na absorção de carboidratos, gorduras e esteroides. As fibras favorecem a controle glicêmico, a redução da insulinemia e melhora o perfil lipídico, principalmente quando associados com estilo de vida saudável, dieta e prática de exercícios físicos 28. Em um estudo proposto por Hadiganet al. 201027 sobre a relação entre hábitos alimentares, redistribuição de gordura e anormalidades metabólicas em HIV positivo verificou-se que o aumento de 5 gramas no consumo diário de fibras estava associado a redução em 14% na área sobre a curva glicêmica. Estudos realizado por Moura et al.200729, sobre consumo de frutas, legumes e verduras na população de Belém, mostrou que 33% consumiam frutas e 31,7% verduras. A pesquisa de orçamento familiar (POF)30, realizada em 2008-2009, apontou que na região Norte o consumo de frutas, verduras/legumes foi de 49,1% e 24,9%, respectivamente. Observou-se que o grupo dos alimentos energéticos referidos no estudo como farinha com arroz, farinha com macarrão ou arroz com macarrão, apresentaram uma ingestão inadequada quanto à combinação desses alimentos, elevando o consumo de alimentos fontes de carboidratos, mas após a intervenção nutricional 42 constatou-se aumento no número de pacientes com preferência por apenas um tipo de fonte carboidrato na refeição. As reservas energéticas são fundamentais para assegurar um estado nutricional e manter a qualidade de vida dos pacientes portadores do HIV, porém observa-se que cerca de 30% dos pacientes têm ingestão calórica inadequada, comprometendo suas reservas 5. Foi observado redução no consumo dedoces, refrigerantes e salgadinhos industrializados em 50% dos pacientes após a realização daorientação nutricional. Um ponto importante na adesão de uma alimentação mais saudável. Ao final desta pesquisa observamos que são poucos os estudos que relacionam, estado nutricional versus intervenção nutricional. Assim é necessária a promoção de praticas alimentares saudáveis, apontada como um instrumento indispensável para melhorar a resposta ao tratamento, minimizar a piora da função imunológica, e a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV. CONCLUSÃO Os resultados finais dessa pesquisa concluiu que a orientação dietética é uma ferramenta rica e de extrema importância no tratamento dos pacientes HIV positivos, pois observou-se melhora nos parâmetros de avaliação antropométrica, bioquímica e alimentar após sua aplicação. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT IMPACT OF NUTRITIONAL STATUS IN ADHERENCE TO DIET THERAPY IN PEOPLE WITH HIV Rafaela Portal LIMA, Rozinéia de Nazaré Alberto MIRANDAe Aldair da Silva GUTERREZ Objective:Assess the impact inadherence todiet therapyafter performingto the evaluationof nutritional status, according tonutritional counselingoffered toHIV patientstreated at aspecialized care system in areference hospital in Belém. Methods:Nutritional intervention study in 63 adult patients, the period of four months, with monthly visits, evaluation followed a standardized protocol for data collect followed by comparative study between the first and last visit, after nutritional guidance offered monthly to HIV bearer.Patients underwent anthropometric, dietary and performing biochemical tests. Results:male prevalence, the mean body mass index was 23.28 kg / m2 and 23.91Kg / m2,% body fat of 22.27 and 24.43, as well as the adequacy of the arm circumference which showed 86.30% and 89.10, values found in the first and last visit, respectively. Triglycerides found to be high at the first visit and still remained the last, but there was a reduction in values after dietary guidance, total cholesterol were within the normal range (≤ 200 mg / dL) in both queries, also for blood glucose levels (≤ 100 mg / dL). The consumption of healthy foods was observed in the last visit, but did not reach the food pyramid recommendations. Conclusion: The adherence of healthy eating habits reflected improvements in anthropometric, biochemical and dietary parameters. Key-words:Anthropometry.Food Consumption. Nutrition Assessment REFERÊNCIAS 1 Unaids. United Nations Program on HIV/AIDS. Whorl Health organization. Global report: Report on the global AIDS epidemic 2012. Switzerland, 2012. 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Endereço para correspondência: Rozinéia de Nazaré Alberto Miranda Rua Jardim Esmeralda, 15, Residencial Rios Tropicais, Bloco Tapajós, Apto. 304 Bairro: Guanabara Ananindeua- Pará- Brasil CEP: 67010660 E-mail: [email protected] Recebido em11.09.2014 – Aprovado em 12.02.2016 44 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL ÍNDICES DE TRAUMA COMO MÉTODO PROGNÓSTICO EM PACIENTES VÍTIMAS DE TRAUMA ABDOMINAL ATENDIDOS NO HOSPITAL DE REFERÊNCIA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO ESTADO DO PARÁ1 TRAUMA SCORES AS PROGNOSTIC METHOD IN PATIENTS WITH ABDOMINAL TRAUMA TREATED ON EMERGENCY DEPARTMENT IN A REFERENCE HOSPITAL IN PARÁ STATE Gilson Renan Wanzeler ESTUMANO2, João Paulo de Oliveira ALMEIDA2, Pedro Alves Feitoza NETO3 e Mauro José Pantoja FONTELLES4 RESUMO Objetivo: Avaliar os índices de trauma como método prognóstico de mortalidade em pacientes vítimas de trauma abdominal. Método: pesquisa realizada no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, com o preenchimento de ficha de avaliação para cálculo do Revisited Trauma Score (RTS),InjurySeverityScore (ISS) e Trauma andInjurySeverityScore (TRISS). Os índices foram analisados para avaliar a qualidade do serviço de cirurgia prestado aos pacientes vítimas de traumatismo abdominal. A pesquisa foi realizada com a análise de 189 prontuários referentes ao ano de 2010. Resultados: pacientes do sexo masculino, na terceira década de vida, foram as principais vítimas de trauma abdominal. Feridas por projétil de arma de fogo foram os mais prevalentes, sendo o intestino grosso e intestino delgado as vísceras mais acometidas. O tórax foi a região associada mais frequente. O RTS mostrou-se bom como fator preditivo de mortalidade; os pacientes com RTS aumentado apresentaram um risco relativo de evoluir para óbito quatro vezes maior quando comparados aqueles com RTS dentro da normalidade. A mortalidade para o grupo de pacientes com ISS > 25 foi maior que para o grupo com ISS < 25. O TRISS mostrou que a maioria dos pacientes que evoluíram para o óbito tinha maior probabilidade de sobreviver. Conclusão: A população mais exposta ao trauma abdominal foram os jovens do sexo masculino;o principal mecanismo de trauma as feridas por projétil de arma de fogo. Os índices de trauma apresentaram-se úteis para determinar o prognostico de sobrevida dos pacientes, porém com limitações. DESCRITORES: Trauma. Traumatismos abdominais. Índices de gravidade do trauma. 3 4 1 2 Trabalho realizado no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência. Medicina. Universidade do Estado do Pará. Belém. Pará. Brasil Medicina. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil Médico. Universidade do Estado do Pará. Belém. Pará. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 45 INTRODUÇÃO No Brasil, o trauma representa um dos problemas mais significativos de saúde pública, pois atinge a população jovem e sadia, ceifando mais de 100.000 vidas por ano. Estima-se, ainda, que duas a três vezes desse total sobrevivam com sequelas definitivas, muitas delas incapacitantes1,2. No paciente vítima de trauma, o abdômen é a terceira região do corpo mais afetada, com lesões que necessitam de tratamento cirúrgico em cerca de 20% das vítimas civis3,4,5.O diagnóstico oportuno e o tratamento precoce do trauma abdominal são essenciais para minimizar as taxas de morbidade e mortalidade5,6. No entanto, as lesões intra-abdominais podem ser particularmente desafiadoras, porque, com frequência, são de difícil avaliação nas vítimas com múltiplas lesões7,8. Nesse sentido, diversos sistemas de pontuação, os chamados índices de trauma, têm sido desenvolvidos a fim de classificar a gravidade das lesões, de modo que pacientes criticamente enfermos possam ser mais rapidamente identificados, e recebam tratamentos mais compatíveis com a gravidade do seu quadro clínico, com redução da morbimortalidade9,10. Atualmente, vários são os sistemas de pontuação utilizados, dentre eles destacam-se o Revisited Trauma Score (RTS), o InjurySeverity Score (ISS) e oTrauma andInjurySeverity Score (TRISS), os quais objetivam avaliar a gravidade dos pacientes vítimas de trauma, atribuindo-lhes valores matemáticos3,9,10. Esses números estão estatisticamente associados à taxa de mortalidade. Quanto maior for o escore do índice de trauma, maior será essa taxa3,10. Além de tentar prognosticar a evolução dos pacientes traumatizados, esses índices proporcionam um meio de avaliar a qualidade dos serviços de trauma, comparando os resultados dos serviços entre si3,9,11. OBJETIVO Avaliar os índices de traumas como método prognóstico da mortalidade de pacientes acometidos por trauma abdominal, atendidos no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência de Belém – PA. MÉTODO Pesquisa realizada após aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Hospital de Clínica Gaspar Viana. Estudo do tipo retrospectivo, com o 46 preenchimento de ficha de avaliação de prontuários dos pacientes atendidos no período 2010/2011, com diagnóstico de trauma abdominal. Os seguintes índices de trauma foram calculados: • Revisited Trauma Score (RTS) – Índice fisiológico que considera as funções vitais do paciente. É calculado com base nos valores da Escala de Coma de Glasgow (ECG), da pressão arterial sistólica (PAS) e da frequência respiratória (FR)12. Os valores das variáveis devem ser ponderados e somados conforme a fórmula: RTS = 0,9368 x ECG + 0,7326 x PAS + 0,2908 x FR As variáveis variam de 0 a 4 (Quadro I). O RTS varia de 0 a 8. Quanto maior o valor, melhor será o prognóstico, sendo possível o cálculo da probabilidade de sobrevida (Quadro II). Quadro 1 – Escores do RTS conforme a função vital. ECG Valor 13 - 15 9 - 12 6 -8 4-5 3 4 3 2 1 0 PAS (mmHg) > 89 76 - 89 50 - 75 1 - 49 0 Valor 4 3 2 1 0 FR (ipm) 10 - 29 > 29 6-9 1-5 0 Valor 4 3 2 1 0 MTOS – Major Trauma outcome Study19 Quadro 2 – Probabilidade de sobrevida conforme o RTS (números inteiros). RTS 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Probabilidade de sobrevida 0,988 0,969 0,919 0,807 0,605 0,361 0,172 0,071 0,027 MTOS – Major Trauma outcome Study19 • InjurySeverity Score (ISS) – Índice anatômico que considera as lesões existentes nos vários segmentos do corpo, o qual é dividido em seis regiões: 1) cabeça e pescoço, 2) face, 3) tórax, 4) abdome/conteúdo pélvico, 5) extremidades e anel pélvico, e 6) geral ou externo13,14. A gravidade das lesões pode ser determinada pelo exame físico, exames radiológicos, cirurgia e autópsia15. O desenvolvimento do ISS é baseado no AbreviatedInjuryScale(AIS), o qual é uma lista de Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 milhares de lesões, cada uma com valor de gravidade variando de 1 a 616.O índice é calculado após a determinação das lesões mais graves de cada uma das seis regiões,escolhendo-se os três valores mais altos em segmentos corpóreos diferentes, e realizando-se a soma dos quadrados desses índices. Destamaneira, o ISS pode variar de 1 a 75 pontos. Qualquer paciente com uma lesão AIS igual a 6, tem ISS = 75,por definição. • Trauma andInjurySeverity Score (TRISS) Proposto por Champion, em 1981, o índice associa os valores do RTS ao ISS, considerando, ainda, a idade do paciente e o mecanismo de trauma, se contuso ou penetrante17. É o método utilizado pelo Colégio Americano de Cirurgiões no cálculo da probabilidade de sobrevida (Ps), permitindo, assim, avaliar a qualidade do serviçoprestado na instituição. Em relação à idade, o TRISS considera, se menor ou igual a54 anos (idade =zero) ou se maior de 54 anos (idade = 1).Aprobabili-dade desobrevida é calculada segundo o modelo estatístico:Ps = 1 / (1 + e-j), onde J = j1 + j2 (RTS) + j3 (ISS) + j4 (Idade) (Quadro III). Quadro 3 – Pesos para as constantes do TRISS. J1 (Constante) Pesos (MTOS)* Contuso Penetrante - 1.2470 - 0.6029 J2 (RTS) J3 (ISS) J4 (Idade) 0.9544 - 0.0768 - 1.9052 1.1430 - 0.1516 - 2.6875 * MTOS – Major Trauma outcome Study19 • Preliminary Outcome-Based Evaluation (PRE) - Objetiva identificar os casos de pacientes, cujos resultados (morte ousobrevida) divergiram da probabilidade de sobrevida esperada18. É utilizado para controlede qualidade, pois identifica os pacientes com resultadosinesperados. No PRE, cada paciente é caracterizadopor um valor de RTS, à admissão, e um ISS baseado no diagnóstico definitivo após o tratamento no hospital. Os resultados de cada paciente são colocados num gráfico cartesiano cujos valores do ISS e do RTS ocupam os eixos x e y, respectivamente (Figura 1).A linha inclinada identificada como Ps 50 representa as combinações de valores do RTS e doISS associadas com uma probabilidade de sobrevida de 50%. De acordocom a idade e mecanismo de trauma(penetrante ou contuso), foi possível definir as coordenadas de RTS e ISS para cada paciente. A análise estatística foi realizada por meio do teste do qui-quadrado. A associação entre os índices de trauma e o desfecho foi medida com o cálculo do RiskRatio (RR). O nível de significância foi de 5% (P ≤ 0,05). Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 RESULTADOS No período do estudo, 189 pacientes foram selecionados. A Tabela I mostra o total de pacientes conforme o sexo. Tabela 1 – Número de pacientes vítimas de trauma abdominal, conforme o sexo Sexo Masculino Feminino Total Pacientes n* % 176 13 189 93,1 6,9 100,0 *p< 0,0001 (Teste do qui-quadrado) A Tabela 2 mostra o número de pacientes atendidos, vítimas de trauma abdominal, conforme a faixa etária. Tabela 2 – Número de pacientes vítimas de trauma abdominal, conforme a faixa etária. Faixa etária (anos) 0 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 > 60 Total Pacientes n* 2 49 88 32 8 7 3 189 % 1,1 25,9 46,6 16,9 4,2 3,7 1,6 100,0 *p< 0,0001 (Teste do qui-quadrado) A Tabela 3 mostra o número de pacientes atendidos segundo o diagnóstico do mecanismo do trauma. Tabela 3 – Número de pacientes vítimas de trauma abdominal, conforme o mecanismo do trauma. Mecanismo do Trauma Trauma Penetrante Ferimento por projétil de arma de fogo Ferimento por arma branca Outros Trauma Contuso Acidente de Trânsito Outros Total Pacientes n* 179 % 94,7 97 51,3 80 2 10 6 4 189 42,3 1,1 5,3 3,1 2,2 100,0 *p< 0,0001(Teste do qui-quadrado) 47 A Tabela 4mostra o número pacientesatendidos conforme a avaliação do RTA à admissão. Tabela 4 – Número depacientes conforme a avaliação do RTS à admissão. RTS Alterado Normal Total Óbitos 6 13 19 Conduta de saída* % Melhorado 31,6 11 68,4 159 100,0 170 % 6,5 93,5 100,0 *p = 0,002 (Teste exato de Fisher) RR = 4,67 A avaliação do RTS dos pacientes após o diagnóstico definitivo é mostrada na Tabela 5. Tabela 5 – Número de pacientes conforme a avaliação do ISS após o diagnóstico definitivo. ISS > 25 < 25 Total Óbitos 16 3 19 Conduta de saída* % Melhorado 84,2 71 15,8 99 100,0 170 % 41,7 58,3 100,0 *p = 0.0004 (Teste do qui-quadrado) RR = 6,25 A Figura 1 mostraos resultados da PreliminaryOutcome-BasedEvaluation com as probabilidades de sobrevida dos pacientes vítimas de trauma abdominal. Figura 1 – Probabilidade de sobrevida dos pacientes vítimas de trauma abdominal. Sobreviventes inesperados - azul acima da linha. Óbitos inesperados - vermelho abaixo da linha. DISCUSSÃO O termo “trauma” é definido como lesão caracterizada por alterações estruturais, ou por 48 desequilíbrio fisiológico, decorrentes de exposição aguda a várias formas de energia: mecânica, elétrica, térmica, química ou radioativa10,20. Essas lesões podem variar desde escoriações superficiais, sem nenhum risco a vida, até grandes contusões ou ferimentos graves que podem levar à morte instantânea da vítima20. Assim, para que se possam traçar um perfil clínico e tratamento adequado, diante de paciente vítima de trauma é importante ater-se à gravidade da lesão, às características inerentes ao doente, ao tempo decorrente entre a lesão e o tratamento definitivo, e, ainda, à qualidade da assistência no serviço de urgência4. Dessa forma, o conhecimento da gravidade de um paciente traumatizado é fator decisivo para orientar não apenas a conduta e o nível de complexidade hospitalar exigido, como, também, para aferir a qualidade do serviço de atendimento prestado3,20. Nesse sentido, os índices de trauma têm como objetivo a avaliação simples e prática do estado clínico do paciente, além da quantificação da gravidade das lesões através das alterações fisiológicas e anatômicas, assim como a orientação da triagem, de modo a permitir o encaminhamento dos pacientes para centros de complexidade adequada9,10. Do mesmo modo, estes índices estabelecem, mesmo que de forma genérica e aproximada, o prognóstico, chegando até a inferir a probabilidade de sobrevida do paciente. A uniformização da linguagem, a realização de estudos clínicos e epidemiológicos, a comparação dos resultados de diferentes centros, ou no mesmo centro em períodos variados, a constante reavaliação dos resultados a fim de melhorar o atendimento e a qualidade do serviço prestado, e a orientação de campanhas de prevenção da violência são outras de suas aplicações10,11,12,20. Este estudo obteve dados epidemiológicos sobre sexo e faixa etária dos pacientes vítimas de trauma abdominal, no qual o sexo masculino foi o mais afetado, sendo a terceira década de vida a faixa etária predominante, o que também é observado na literatura pesquisada2,6,21.O sexo e a idade são aspectos epidemiológicos importantes, pois através desses dados pode-se discutir a adoção de medidas de prevenção gerais e específicas para cada faixa etária, principalmente a dos jovens do sexo masculino, que são os mais expostos a violência urbana2. Com base no mecanismo causador da lesão, trauma abdominal é dividido em duas amplas categorias: fechado e penetrante. Em ambas, podem ocorrer lesões de órgãos sólidos (fígado, baço, pâncreas e rim) e/ou de vísceras ocas (estômago, intestino delgado, cólon, Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 vesícula biliar e bexiga), das quais podem resultar complicações graves, tais como hemorragia maciça, choque hipovolêmico, peritonite e sepse7,8. Para Freitas (2010)4, é importante perceber em que circunstâncias ocorreram as lesões, e qual o mecanismo que deu origem ao trauma abdominal. No estudo realizado, o trauma penetrante foi o mais frequente, com 179 (94,7%) casos, sendo o ferimento por arma de fogo a causa mais comum, concordando com o estudo de Dias-Rosales et al (2010)6, onde a maioria dos traumas penetrantes (55%) foram causados por armas de fogo. No estudo realizado por Fraga (2004)11, foi observado um aumento na incidência de traumas penetrantes, principalmente os causados por projeteis de arma de fogo, em que o autor relacionou ao aumento da violência urbana. Em relação aos traumas contusos, houve maior incidência dos acidentes automobilísticos como mecanismo de trauma, com 60% dos casos. De acordo com Pereira (2007)3 e Freitas (2010)4, as causas mais comuns de trauma abdominal fechado são os acidentes automobilísticos, seguido por atropelamentos e quedas. Segundo estes estudos, a disponibilidade de veículos cada vez mais potentes permite velocidades mais elevadas, em estradas com melhores condições, o que tem provocado acidentes cada vez mais violentos. Em relação aos índices de trauma estudados, o RTS, criado em 198120, é um índice fisiológico, pois considera os parâmetros das funções vitais do paciente. É proveniente da avaliação do estado neurológico, pressão arterial sistólica e frequência respiratória. Lesões de órgãos abdominais, como pâncreas, por exemplo, podem levar à alteração do RTS devido à queda na pressão arterial sistólica causada pela hemorragia, e choque subsequente21,22.Nos casos mais graves, em razão da hemorragia, a frequência respiratória também se altera, como forma de otimizar a oxigenação e a eliminação de gás carbônico, de modo a compensar uma acidose metabólica21,22. Neste estudo, o RTS mostrou ser um bom índice como fator preditivo de mortalidade, pois os pacientes do grupo cujos valores estavam alterados, isto é, abaixo do máximo (7,841), apresentaram um risco relativo 4,67 vezes maior de evoluir para o óbito quando comparados aos pacientes cujos valores do RTS estavam dentro da normalidade (p = 0,002).Neste sentido, Champion (1990)19 também descreveu aumento na mortalidade em vítimas de trauma abdominal com valores de RTS menores que o valor máximo. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Por sua vez, o ISS busca retratar a gravidade global da vítima de trauma, tendo como base o escore de gravidade das lesões estabelecido na AIS, índice de trauma do qual se originou o ISS. O cálculo do ISS consiste na soma do quadrado do escore AIS, atribuído à lesão mais grave de três diferentes regiões do corpo identificando a gravidade do paciente e possibilitando a estratificação do mesmo. Quanto maior o valor do escore, maior é a gravidade do paciente e, consequentemente, maior a mortalidade20,24,25. Por outro lado, em função de suas características, o AIS não pode ser usado para fins de triagem, nem para determinação do prognóstico à admissão, pois seu cálculo é feito após exames radiológicos, cirurgias ou autópsias10,12,20. Para o ISS, o ponto de corte para indicar maior ou menor probabilidade de sobrevida foi de 25, conforme a literatura consultada. A maioria dos autores considera os valores do ISS em maior ou igual a 25, e menor que 25, e quanto mais elevado for este valor maior o risco de morbidade e mortalidade do paciente9,10,11. Neste estudo, os pacientes com ISS ≥ 25 apresentaram um risco relativo de evoluir para óbito 6,25 maior quando comparados aos pacientes com ISS < 25 (p = 0,0004). Este resultado é corroborado por estudos publicados na literatura especializada13,15,23. O TRISS, que procura associar o RTS ao ISS levando em consideração a idade e o mecanismo de trauma, tem fundamental importância na análise retrospectiva da probabilidade de sobrevida do paciente. Sua análise permite avaliar a qualidade do serviço prestado ao paciente na instituição, bem como comparar os serviços de trauma entre si19. Para isso analisa os dados dos pacientes que teriam maior probabilidade de sobreviver e morreram, e os que tinham maior probabilidade de morrer e sobreviveram. De acordo com a Figura01, a maioria dos pacientes que evoluíram para o óbito tinha uma maior probabilidade de sobreviver, o que poderia ser avaliado como ineficácia do serviço prestado ao paciente. Porém o método TRISS tem como fator limitante a ineficiência ao avaliar pacientes com múltiplas lesões graves no mesmo segmento corpóreo, uma vez que estas não são somadas ao calcular o ISS19. Isto é bem exemplificado nos pacientes com ferimento por projétil de arma de fogo (FPAF) no abdome, o que geralmente resulta em várias lesões em diferentes órgãos e vísceras11. Em estudo publicado por Cornwell et al. (1998)24, os autores concluíram que o TRISS é um método muito limitado para ser usado em pacientes 49 com FPAF no abdome, devido o valor atribuído para a lesão de única víscera ser o mesmo atribuído para lesão de diversas vísceras abdominais. Logo, neste estudo, a maior incidência de pacientes vítimas de FPAF (51%) poderia ser um fator limitante para uso do TRISS. No Brasil o sistema de pontuação TRISS tem sido utilizado para monitorar programa de triagem pré-hospitalar. O índice tem se mostrado apropriado na avaliação dos serviços de saúde de atendimento ao trauma25. No presente estudo, o TRISS como método prognóstico de sobrevida do paciente apresentou uma sensibilidade de 97%, enquanto que sua especificidade foi de apenas 31%. Conforme a literatura, o TRISS usado para analisar a probabilidade de sobrevida dos pacientes traumatizados possui uma sensibilidade que varia de 58% a 100%, enquanto que a especificidade varia de 35% a 99%26,27. As limitações do TRISS não impedem o seu uso, pelo contrário, exigem uma análise crítica dos resultados referentes à população avaliada11,28. CONCLUSÃO Neste estudo, a população mais exposta ao trauma abdominal foram os jovens do sexo masculino, e o principal mecanismo o trauma penetrante provocado por projétil de arma de fogo. Os índices de trauma se mostraram uteis para determinar o prognostico de sobrevida dos pacientes,porém com limitações. ABSTRACT TRAUMA SCORES AS PROGNOSTIC METHOD IN PATIENTS WITH ABDOMINAL TRAUMA TREATED ON EMERGENCY DEPARTMENT IN A REFERENCE HOSPITAL IN PARÁ STATE Gilson Renan Wanzeler ESTUMANO, João Paulo de Oliveira ALMEIDA, Pedro Alves Feitoza NETO e Mauro José Pantoja FONTELLES. Objective:Evaluate the trauma scores as mortality prognostic method in patients with abdominal trauma.Method:The search was performedon Emergency Department at Metropolitan Hospital (HMUE), Belém, Pará.An evaluation form was used for the calculation of Revisited Trauma Score (RTS), Injury Severity Score (ISS) e Trauma and Injury Severity Score (TRISS).Trauma scores were then analyzed to assess the quality of trauma surgery service provided to patients victims of abdominal trauma. The research was conducted by analyzing of 189 records of patients attended during the years 2010-2011. Results:Male patients in their thirties were the most frequent victims of abdominal trauma.Injuriesbyprojectilefrom a firearmwere the mostprevalent,the large intestineandthe small intestinethe most affectedviscera. The thorax was the region most frequently associated. The RTS was a good predictor of mortality because the patients with high values of this trauma score showed a relative risk of death four times higher when compared to patients with normal RTS. The mortality rate for the group of patients with ISS >25 was higher than for the group with ISS < 25. On the other hand,TRISSshowed that mostof the patientswho died hada higherchance of survival. Conclusion:The mostexposed people toabdominaltraumawereyoungmale patients, andthe main cause oftrauma was the gunshot wounds. Thetrauma scores showed as useful method for determiningtheprognosisofpatient survival, but with limitations. KEY WORDS: Trauma. abdominal Injuries. Injuryseverity score. REFERÊNCIAS 1 Poggetti R, Leppanemi A, Ferrada P, Puyana JC, Peitzman AB, Ansaloni L, Catena F, Pinna AD, Moore EE, et al. highlights: emergency surgery around the world (Brazil, Finland, USA). World Journal of Emergency surgery. 2009, 4(11): 1-6. 50 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 2 Junior GAP, Scarpelini S, Aquino AMF, Santiago RC, Negrini, BVM, Passos AD. Caracterização dos pacientes traumatizados atendidos na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo utilizando os índices de gravidade RTS, ISS e TRISS, em 2006/2007. Boletim Epidemiológico Paulista, 2009, 62(6): 4-11. 3 Júnior GAP, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV. Abordagem geral trauma abdominal. Medicina (Ribeirão Preto,OnLine). 2007, 40(4): 518-530. 4 Freitas ASG. Trauma Abdominal Fechado. 2010. 34F. Tese de mestrado. Porto: Faculdade de Medicina Universidade do Porto. 5 Towsend Jr, CM, et al. Sabinston Textbook of surgery: The biological basis of modern surgical Pratice. 18. ed. Philadelphia: Saunders-Elsevier, 2008. 6 Dias-Rozales, JD.; Enríquez-Domínguez, L.; Arriaga-Carrera, JM.; Cabrera-Hinojosa, JE.; Gutiérrez-Ramírez, PG.Penetrating abdominal trauma with small bowel-circumscribed injury and injuries associated to other organs: relation regarding morbidity and mortality in Ciudad Juárez, Chihuahua, Mexico. Cir. Gen. 2009, 31(2): 91-96. 7 Fabian, TC.;Croce, MA. Trauma: abdominal trauma, including indications for celiotomy. 3 ed. EUA:Appleton e lange, p. 442, 1996. 8 Eckert KL. Penetrating and blunt abdominal trauma. Crit Care Nurs Q. 2005, 1(28): 41-59. 9 BiroliniD. Trauma: Os índices de trauma. Rev Col Brás Cir. 1996, 1(23): 4-5. 10 Mantovani, M.; Fontelles, MJP.; Fraga, GP.; Meirelles, GV. Trauma Abdominal Fechado: Tratamento NãoOperatório das Lesões Esplênicas. Re. Par. Med. 2002, 16(2): 46-51. 11 Fraga, GP.;Mantovani, M.;Magna, LA. Índices de trauma em pacientes submetidos à laparotomia. Rev. Col. Bras. Cir.2004, 31(5): 299-3064. 12 Champion, HR.; Sacco, WJ.; Copes, WS.; Gann, DS.; Gennarelli, TA.;Flanagan, ME. A revision of the trauma score. J Trauma. 1989, 29(5): 623-629. 13 Copes, WS.; Champion, HR.; Sacco, WJ.; Lawnick, MM.;Bain, LW. The Injury Severity Score revisited. J Trauma. 1988, 29(1): 69–77. 14 Baker, SP.; O’neill, B.; Haddon, JRW.; Long, WB. The injury severity score: a method for describing patients with multiple injuries and evaluating emergency care. J Trauma. 1974, 14(3): 187-196. 15 Baker, SP.; O’neill, B. The injury severity score: an update. J Trauma. 1976, 16(11): 882-885. 16 THE ABBREVIATED INJURY SCALE. Revision. Association for the Advancement of Automotive Medicine, Des Plaines, Illinois, 1990. 17 Champion, HR.; Sacco, WJ.; COPES WS. Trauma Scoring. In: Moore, EE.; Mattox, KL.; Feliciano, DV., 3a ed. 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World Journal of Emergency Surgery, 2009, 4(2): 1-6. 28 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for trauma quality improvement programmes. Geneva, 2009. Endereço para correspondência: Mauro José Pantoja Fontelles Rua Antonio Barreto 983/1502 Umarizal- Belém – Pará CEP: 66055-050 Telefone: (091) 99424680 Email: [email protected] Recebido em 01.12.2014 – Aprovado em10.02.2016 52 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL PERFIL DE PACIENTES HIV-AIDS QUE EVOLUÍRAM AO ÓBITO EM UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM BELÉM – PA¹ PROFILEOF HIV-AIDS PATIENTS WHO DIED AT ANUNIVERSITY HOSPITAL IN BELEM-PA. Eliane Regine Fonseca SANTOS²,Guilherme Paulo Leite NETO³, Raquel Almeida CUNHA³, Marília Potter de Carvalho BEZERRA3 e Renata Fernandes Barra VALENTE3 RESUMO Objetivo: analisar o perfil de pacientes com HIV-AIDS que evoluíram ao óbito em um hospital de referência em Belém-PA.Método:estudo transversal, incluindo 142 prontuários de pacientes com sorologia positiva para o vírus HIV internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Em 64 pacientes foi possível a análise da contagem dos linfócitos TCD4 no banco de dados do Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de contagem de linfócitos CD4+/CD8+ e Carga viral (SISCEL). Resultados: operfil sócio demográfico foi constituído principalmente por uma população de homens (71,1%), com faixa etária de 30 a 39 anos (39,4%), solteiros (67,6%), pardos(79.6%) e procedentes de Belém (59,2%). O sistema mais acometido na admissão e no óbito foi o respiratório com 71,1% e 42,% respectivamente, apresentandooutras pneumonias que não por Pneumocistis carinii (29,6%) e tuberculose pulmonar (24,6%) como mais frequentes de acordo com declaração de óbito contida no prontuário do paciente. A última internação teve tempo predominante menor que 7dias (26.1%).A correlação entre a contagem de linfócitos CD4 a as infecções oportunistas, verificou-se que a toxoplasmose cerebral apresentou a maior média de CD4 175,5 células/mm³.Conclusão:A amostra predominante foi constituída por homens, na faixa etária de 30 a 39 anos, solteiros, cor parda e procedente do município de Belém. DESCRITORES: AIDS-HIV. linfócitos T CD4. mortalidade. INTRODUÇÃO A síndrome da imunodeficiência adquirida AIDS, foi descrita há mais de 20 anos, no qual a pneumonia por Pneumocistiscarinii foi confundida com infecção pelo retrovírus inicialmente.Sabe-se que o HIV foi identificado pela primeira vez em 1983 e desde então é associada infecções graves,mencionadas como oportunistas,neoplasias de curso geralmente fatais, na ausência de terapia antirretroviral específica1. De acordo com a Organização Mundial da Saúde 2012, até final de 2011 aproximadamente 34 milhões de pessoasviviam com o HIV. Neste mesmo período em torno de 2,5 milhões de pessoas foram infectadas e 1,7 milhões evoluíram ao óbito por AIDS2. No Brasil foram notificados 17819 casos novos de AIDS no ano de 2012, dentre as regiões ao longo da epidemia o Norte configurou-se com a menor notificaçãode casos com uma porcentagem de 4,89% (32140), porém a sua taxa de incidência sofreu aumento significativo de 6,9 em 2000 para 20,8 por 100.000 habitantes em 2011.Dentre os estados da região Norte o Pará foi o mais prevalente em numero de casos com 43,55%3. Trabalho realizado no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Belém. Pará. Brasil Médica. Centro Universitário do Estado do Pará. Belém. Pará. Brasil 3 Graduandos de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Belém. Pará. Brasil 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 53 Ao longo dos últimos 15 anos, em áreas do mundo onde a terapia antirretroviral possui acesso irrestrito, a incidência de doenças oportunistas diminuiu dramaticamente resultado da inibição de imunodeficiência em primeiro lugar ou permitido reconstituição imunológica em indivíduos que tenham progredido para SIDA4. A introdução mais precoce da Terapia antirretroviral combinada (TARVc) ancora-se ao fato de que evidências demonstram diminuição da morbimortalidade, além de reduzir a transmissão do vírus e da coinfecção Tuberculose e HIV, que representa a principal causa de morte entrepessoas vivendo com HIV/ AIDS (PVHA)em nosso país. Outro importante aspecto da era pós-terapia TARVcfoi a diminuição da ocorrência de infecções e de tumores que estão correlacionados com AIDS. A incidência de neoplasias intimamente ligadas a AIDS apresentou redução, entretanto, observou-se uma elevação da incidência das neoplasias não relacionadas, destacando-se a pulmonar,anal, hepática e Linfoma Hodgkin5. O diagnóstico tardio tem impacto significativo na taxa de mortalidade por HIV no Brasil representando 40% dos casos, o que poderia explicar a pequena redução do número de óbitos na década. Isso ocorre porque os pacientes que iniciam tardiamente o tratamento apresentam um risco 49 vezes maior de evoluir para óbito comparado aos que possuem acompanhamento precoce. Segundo o estudo, o perfil dos indivíduos que mais frequentemente tiveram diagnóstico tardio é representado por homens, com faixa etária acima dos 40 anos e residentes das Regiões Norte e Nordeste6. O relatório da UNAIDS preconiza que a contenção do número de novas infecções seja executada pela combinação de estratégias de prevenção, incluindo a mudança de comportamento, fornecimento de preservativos, a circuncisão masculina, programas voltados para pessoas em situação de risco e acesso à terapia antirretroviral7. A circuncisão utilizada como ferramenta na prevenção da infecção por HIV é estudada por pelo menos 10 anos. O tema ainda continua alvo de esclarecimentos, pois a análise feita pelo Centro dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças sugere que a circuncisão não reduz o risco de infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo com homens8. Ensaios de prevenção do HIV foram realizados 54 avaliando uma série de abordagens diferentes para diminuir o risco de infecção pelo HIV, incluindo as intervenções comportamentais em homens que fazem sexo com homens, vacinação, tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, circuncisão, uso de diafragmas cervicais e vários microbicidas. Destes, a circuncisão masculina, uma combinação de vacinas, gel Tenofovir, Emtricitabina Oral / Tenofovir, e Tenofovir oral, têm sido mostrados para reduzir a aquisição do HIV9. Considerando-se o crescente número de internações hospitalares e os índices de letalidade por AIDS nos pacientes internados, faz-se necessário a obtenção de informações clínica laboratorial e epidemiológica detalhada, não somente para identificação dos pacientes de alto risco, mas também para intervenção rápida e eficaz dos serviços de saúde. OBJETIVO Analisar o perfil dos pacientes com HIV/AIDS que evoluíram ao óbito em um Hospital de Referência em Belém-Pará. MÉTODO O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Pará e do Hospital Universitário João de Barros Barreto, com parecer de nº 176.802. Foi realizado através da revisão de prontuários do Departamento de Arquivo Médico (DAME) do HUJBB de todos os pacientes com diagnóstico da infecção pelo HIV que evoluíram ao óbito admitidos na enfermaria de infectologia do HUJBB no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. A amostra foi constituída por 142 pacientes, contudo destes, somente 69 pacientes continham os dados referentes ao Banco de dados do Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de contagem de linfócitos CD4+/CD8+ e Carga viral(SISCEL). A avaliação da distribuição das variáveis qualitativas foi realizada pelo teste do Qui-quadrado e pelo Coeficiente de Contingência C. As variáveis quantitativas foram avaliadas pelo teste U de MannWhitney.Todo o processamento estatístico foi realizado no software BioEstat versão 5.4. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 RESULTADOS Tabela 1 - Distribuição da faixa etária dos pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Idade < 1 ano 1a9 10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 ou + Total N 2 1 5 25 56 31 12 6 4 142 % 1.4 0.7 3.5 17.6 39.4 21.8 8.5 4.2 2.8 100.0 Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Tabela 2 - Perfil sócio- demográfica dos pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Características gerais Sexo N 41 % 28.9 101 71.1 Branca 17 12.0 Parda 113 79.6 Preta 12 8.5 Estado Civil Casado 26 18.3 Divorciado 1 0.7 Solteiro 96 67.6 União Estável 11 7.7 Viúvo 2 1.4 Ignorado 6 4.2 Feminino Masculino Cor da pele p-valor <0.0001* <0.0001* <0.0001* Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 1.4 0.7 0.7 0.7 0.7 0.7 1.4 1.4 0.7 1.4 0.7 1.4 0.7 1.4 4 3 1 1 1 1 1 142 2.8 2.1 0.7 0.7 0.7 0.7 0.7 100.0 Tabela 4 - Distribuição do comprometimento dos sistemas verificados na admissão eno atestado de óbito nos pacientes internados no HUJBB queevoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Sistemas acometidos Neurológico Respiratório Gastrointestinal Genitourinário Dermatológico Admissão % 35.2 71.1 27.5 3.5 3.5 n 30 60 7 3 5 Óbito % 21.1 42.3 4.9 2.1 3.5 Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Tabela 3 - Distribuição da procedência dos pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. N 1 21 1 1 84 1 1 2 1 1 1 1 1 2 2 1 2 1 2 1 2 Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Procedência Acará Ananindeua Baião Barcarena Belém Bragança Capanema Castanhal Curralinho Curuçá Garrafão do Norte Igarapé-Miri Irituia Marituba Novo Progresso Ourém Paragominas Pinheiro Santa Isabel Santarém S.Sebastião de Boa Vista Soure Tailândia Terra Alta Vigia Amazonas Maranhão Pernambuco Total % 0.7 14.8 0.7 0.7 59.2 0.7 0.7 Tabela 5 - Distribuição das patologias descritas na declaração de óbito dos pacientes internados com AIDS no HUJBB que evoluíram ao óbitono período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Patologias do atestado de óbito Tuberculose pulmonar *Outras pneumonias que não por pneumocistis carinii Pneumocistose Meningite tuberculosa Meningite criptocócica Meningoenencef. linfomonocitária Toxoplasmose cerebral N 35 42 % 24.6 29.6 11 9 5 3 22 7.7 6.3 3.5 2.1 15.5 55 Encefalite herpética Hepatite medicamentosa Tuberculose mesentérica Gastroenterocolite aguda Salmonelose Cirrose hepática Infecção urinária Sarcoma de Kaposi Câncer de pulmão Câncer colorretal Histoplasmose disseminada Tuberculose disseminada 1 2 1 1 1 1 3 5 1 1 10 8 0.7 1.4 0.7 0.7 0.7 0.7 2.1 3.5 0.7 0.7 7.0 5.6 * pneumonias não classificadas nos documentos de pesquisa (prontuários) Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Tabela 6 - Distribuição do tempo de internação de pacientes pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Tempo de internação (dias) ≤7 8 a 13 14 a 20 21 a 27 28 a 34 35 a 41 ≥ 42 N % 37 34 18 21 8 9 15 26.1 23.9 12.7 14.8 5.6 6.3 10.6 Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. Figura 1 - Distribuição da faixa de CD4 conforme a presença (Sim) ou a ausência (Não) de infecções oportunistas nos pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Fonte: DAME, HUJBB, 2011-2012. 56 DISCUSSÃO A análise dos 142 prontuários dos pacientes internados no HUJBB que evoluíram ao óbito descreve um perfil sócio demográfico constituído principalmente por uma população de homens, jovens, solteiros, pardos e procedentes de Belém. Em relação a faixa etária, foi identificado maior prevalência na faixa de 30 a 39 anos com 39,4% revelando-se concordante com os dados brasileiros, onde a terceira década de vida representou a faixa de maior número de óbitos com 5819 mortes (38,87%)11Em relação a população mundial, 0,8% das pessoas entre 15-49 anos encontram-se infectadas pelo HIV, sendo a África Subsaariana a região do globo mais atingida pela epidemia, onde em alguns países, 1 em cada 20 adultos vive com o HIV/AIDS¹². No que concerne o gênero, desde o início da epidemia o Brasil registrou 426.459 (64,94%) óbitos masculinos e 230.161 (35,05%) feminino, configurando prevalência masculina. No entanto, a razão entre o sexo masculino e feminino (M:F) sofreu mudanças significativas ao longo dos anos. Em 1983, foi registrada a maior razão entre os sexos 38: 1, nos anos seguintes houve um declínio significativo e atualmente se encontra na razão de 1,7:111. No estudo em questão, a prevalência dos óbitos foi maior no sexo masculino (71,1%) e uma razão entre homens/mulheres de 2,46:1, o que difere da realidade nacional. É Importante ressaltar que o HUJBB apresenta registro no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) de 28 leitos designados para AIDS, sendo 16 masculinos e 12 femininos, porém no período do estudo, havia 20 leitos AIDS, efetivos, sendo 12 masculinos e 8 femininos. Em relação à cor, 79,6% representavam a raça parda, seguida pela branca com 12,0%. Esses dados diferem da realidade de nosso país, no qual dos óbitos masculinos 48,3% eram da raça branca, e percentual menor 38,4% era parda. Essa proporção é menor no sexo feminino com 44,7% e 39,3% respectivamente11. Esse contraste de informações justifica-se pelo fato de que a distribuição étnica do Brasil não é homogênea. No Norte predominam indivíduos pardos, inclusive, o Pará tem a maior porcentagem (72,2%) entre os estados dessa região. Enquanto o Sul, região onde se verifica os maiores coeficientes de mortalidade do país, prevalece à raça branca13. Quanto ao estado civil, constatou-se predominância de solteiros 67,6% na amostra, seguido dos casados com 18,3% e da união estável com 7,7%, fato condizente com Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 a literatura14, 15. Estudo realizado por Pieri no Paraná observou em sua casuística, que a soma de casados e pessoas em união estável alcançava um número maior que o de solteiros16. Estudo sobre o conhecimento do HIV/AIDS mostrou que mulheres consideravam a convivência duradoura com um parceiro comofator de proteção contra ainfecção17.Apesar dos solteiros representarem o grupo de maior incidência da infecção, principalmente pela exposição a vários parceiros sexuais. No entanto, a união estável por trazer uma falsa sensação de proteção, os indivíduos tendem a utilizar menos o uso de preservativos, tornando-os suscetíveis em situação de infidelidade conjugal. Quanto a procedência dos pacientes, a região metropolitana de Belém recebeu maior destaque com 59.2% fato que está de acordo com o estudo realizado no Estado da Bahia com pacientes internados em Hospital de referencia do Estado, também revela predominância de pacientes oriundos da capital em detrimento das cidades interioranas18. Estes dados estão de acordo com o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais que afirma que a epidemia encontra-se focada nos grandes centros urbanos, onde também estão as maiores proporções de casos de AIDS nas populações em situação de maior vulnerabilidade. Não obstante, deve se destacar que a epidemia se dissemina dos grandes centros para municípios de médio e pequeno porte19. A interiorização da AIDS é consequência do aumento da progressão numérica de indivíduos infectados e da ampliação da zona de abrangência da epidemia para municípios de médio e pequeno porte, que passam a detectar novos casos de infecção pelo HIV entre sua população20. É possível inferir que, grande número de casos / óbitos oriundos das zonas rurais não tenham sido constatados pelo nosso estudo, pois a procedência registrada no Hospital pode serde um parente do paciente que mora na capital e não a sua procedência real Ao avaliar a relação entre a faixa de CD4 e as infecções ou síndromes clínicasdescritas na declaração de óbito, observou-se que a toxoplasmose cerebral ocorreu nas maiores faixas de CD4 com a média de 175,5 células/mm³, seguida pela tuberculose pulmonar com média de CD4 de 136,2, posteriormente poroutras pneumoniasque não por pneumocistis cariniicom média de 99,6 e por último a pneumocistose com a menor média de CD4 de 46,4. No entanto, o risco de adquiriroutras pneumoniasque não por pneumocistiscariniie tuberculose já é possível na faixa de CD4 entre 200 e 500 células/mm³, a pneumocistose abaixo de 200 células/ mm³, seguida pela toxoplasmose com contagem menor Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 que 100 células/mm³ e Mycobacterium aviumabaixo de 50 células/mm³. Dado discordante, principalmente em relação atoxoplasmose, que foi verificada no presente estudo, uma faixa de CD4 acima da considerada habitual para esse tipo de infecção21. Em relação aos motivos que levaram a internação, o presente estudo, encontrou uma incidência de 71,1% de sintomas respiratórios no momento da admissão, seguida do acometimento do sistema neurológico 35,2%, e gastrointestinal com 27,5%. As pneumonias comunitárias ocorrem com taxa de incidência maior que a da população normal. Este fato associa-se não somente a imunodepressão, mas a condições de habitação que podem aumentar a chance do paciente adquirir pneumonia, destacando-se também os usuários de drogas endovenosas que apresentam altas taxas de bacteremia e maior índice de complicações22. O Norte apresenta uma média anual de 6 mil casos novos de tuberculose por ano e o Pará se encontra entre os Estados com maior incidência, apresentando média anual de 3 mil casos novos, sendo que sua capital, Belém, contribui com aproximadamente 45% desse total notificando em média 1.300 casos novos por ano23 Constatou-se em nosso estudo que, exatamente 50 % dos pacientes permaneceram internados por menos que 14 dias tendo como desfecho o óbito. Em uma análise multivariada as hospitalizações menores que 7 dias e a ausência de acompanhamento ambulatorial demonstraram estatisticamente associados ao risco de evolução para o óbito24. Observa-se desta forma que a comparação realizada entre os estudos são condizentes e que ambos apresentam em suas amostras pacientes em estágios mais avançados da doença e com um risco de evolução maior e mais rapidamente para o óbito. Dentre as doenças relatadas no atestado de óbitos a mais frequente foi a pneumoniasque não por pneumocistiscarinii(29,6%), seguida da tuberculose pulmonar (24,6%), toxoplasmose cerebral (15,5%) e pneumocistose (7,7%).Estudo realizado na mesma instituição, porém em anos anteriores, observando-se que a ocorrência de toxoplasmose cerebral manteve-se como a terceira causa de óbito mais frequente15. Segundo o manual de recomendações para Terapia antirretroviral em adultos infectados por HIV 2008, existem medidas profiláticas que contribuem para a redução do risco de adquirir infecções oportunistas, como evitar a ingestão de carne vermelha mal cozida e contato com gatos para prevenção da toxoplasmose, bem como evitar o contato com pessoas infectadas pelo Pneumocystis cariniii5. 57 A tuberculose pulmonar configurou a segunda causa mais prevalente durante a internação, porém quando incluímos as formas extra-pulmonares, a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis foi a mais incidente. Segundo a Organização mundial da saúde de (2012), a tuberculose evidencia-se como uma das principais causas de óbito no mundo nas pessoas vivendo com HIV. Anualmente contribui aproximadamente para um quarto de milhão de mortes nessa população25. Diante dessa situação, entende-se a importância de solicitar a prova tuberculínica (PT) ainda na abordagem inicial, possibilitando a intervenção de ações preventivas mais precoces. CONCLUSÃO A amostra predominante foi constituída por homens, na faixa etária de 30 a 39 anos, solteiros, cor parda e procedente do município de Belém. O principal motivo de internação dos pacientes foi por acometimento do sistema respiratório, seguido pelo neurológico. O tempo da última internação predominante foi menor ou igual a 7 dias e prevaleceu a ausência de internação prévia. Dentre as infecções oportunistas descritas no atestado de óbitos as mais frequentes foram pneumonia e tuberculose pulmonar, porém a infecção pelo Mycobacterium tuberculosisé a mais comum quando consideramos as formas pulmonares e extra-pulmonares.. ABSTRACT PROFILE OF HIV-AIDS PATIENTS WHO DIED AT AN UNIVERSITY HOSPITAL IN BELEM-PA. Eliane Regine Fonseca SANTOS, Guilherme Paulo Leite NETO, Raquel Almeida CUNHA, Marília Potter de Carvalho BEZERRA e Renata Fernandes Barra VALENTE3 Objective: To analyze the profile of HIV-AIDS patients who died in a referral hospital in Belém-PA. Method: cross-sectional study, including 142 patients with HIV, admitted to the University HospitalJoão de Barros Barreto, who died between January 2011 to January 2012. In the analysis of 64 patients, it was possible the count of TCD4 lymphocytes in the Database System Laboratory Tests Control of the National Network lymphocyte count of CD4 + / CD8 + and viral load (SISCEL). Results: The socio-demographic profile was primarily a population of men (71.1%), age between 30 and 39 years (39.4%), single (67.6%), brown color(79.6%) and born inBelém (59.2%). The system most affected at admission and death was the respiratory system with 71.1% and 42% respectively, with pneumonia (29.6%) and pulmonary tuberculosis (24.6%) as the most frequent according to the death certificate in the patient's record. The last hospitalization was less prevalent long as seven days (26.1%). The correlation between CD4 lymphocyte counts to opportunistic infections, it was found that a toxoplasmosebrain had the highest average 175.5 CD4 cells / mm³. Conclusion: The predominant sample was incorporated by men, aged 30-39 years old, single, brown color and founded the city of Belém. KEYWORDS: AIDS-HIV. CD4 T lymphocytes. Mortality. REFERÊNCIAS 1 VeronesiR, FoccaciaR. Tratado de Infectologia. 4 ed. v.1, São Paulo: Atheneu, 2010. 2 Unaids. Global report: Unaids report on the global AIDS epidemic 2012. Disponível em: <http://www.unaids. org/en/media/unaids/contentassets/documents/epidemiology/2012/gr2012/ 20121120_UNAIDS_Global_ Report_2012_en.pdf>. 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EM PACIENTES PORTADORES DE HIV/ AIDS ATENDIDOS PELO PROGRAMA MUNICIPAL DE DST/AIDS NO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO (CTA) DE IMPERATRIZ-MA¹ PREVALENCE OF CO-LEISHMANIA sp. IN PATIENTS WITH HIV / AIDS PROGRAM ATTENDED BY HALL OF STD / AIDS IN THE CENTRE OF TESTING AND COUNSELING (CTA) IMPERATRIZ OF MA Lúcio André Martins da SILVA² e Edna AobaYassui ISHIKAWA³ RESUMO Objetivo: Estimar a Prevalência da ocorrência da infecção por Leishmania sp. em indivíduos convivendo com HIV/AIDS atendidos pelo programa municipal de DST/aids no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Imperatriz-MA. Método: Foi realizado um estudo descritivo transversal, a população de estudo foi constituída por 199 indivíduos. A coleta de dados foi feita por meio de um questionário para a obtenção de dados demográficos, socioeconômicos e epidemiológicos, bem como foi realizado exame de coleta de material biológico (sangue) de todos os pacientes para detecção da infecção por Leishmania sp., por meio de exames laboratoriais (contagem de CD4 e CD8) e pesquisa da PCR. Resultados:Entre os pacientes observou-se similaridade entre a frequência dos gêneros, 49,2% masculino e 50,8% feminino, com média de idade de 40 anos. Foi observado que 61,8% possuem baixo nível de instrução e 69,3% possuem renda mensal de até um salário mínimo. 2,01% (4/199) dos pacientes analisados apresentaram co-infecçãoLeishmania/HIV. Sendo, destes, 3 que apresentaram infecção mista por Leishmania (V.) sp e Leishmania (L.) amazonensis, causadores de LTA e um paciente infectado por Leishmania (L.) chagasi, causador de LV. Conclusões:Este estudo permitiu conhecer a magnitude da prevalência da co-infecçãoLeishmania/HIV. Assim, sugerimos que o teste anti-Leishmaniaseja realizado em todos os indivíduos com HIV/Aids, e que sejam incrementadas políticas públicas voltadas para essa problemática. DESCRITORES:Co-infecção. HIV.Leishmania. Prevalência. INTRODUÇÃO A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida foi descrita pela primeira vez em 19814 e tem sido desde então um sério problema no contexto da saúde pública em todo o mundo5. Segundo as estatísticas fornecidas pelo Programa Estadual e Municipal, o número de casos de AIDS no Estado do Maranhão, entre os anos de 1985 a 2011, correspondem, aproximadamente, 5.443 casos, sendo em Imperatriz 729 (62,4%) casos e cidades circunvizinhas 440 (37,6%) casos, perfazendo um total de 1.169 casos nesta região. O estudo de Leishmania Visceral (LV) em pacientes com o Vírus da Imunodeficiência Humana/ AIDS (HIV) tem grande relevância, visto que, comportase como uma infecção oportunista e demonstra substancial modificação no seu quadro clínico-evolutivo e nos índices de mortalidade em pacientes infectados pelo HIV. A relação entre vírus e protozoários na determinação da patogênese da co-infecção parece ser secundária à interação molecular dos dois agentes e à indução da resposta imune do hospedeiro por cada um desses com HIV/AIDS. Imperatriz-MA Farmacêutico-Bioquímico. Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Brasil 3 Ciências Biológicas. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 61 OBJETIVO Investigar a ocorrência da infecção da LVem indivíduos convivendo com HIV/AIDS, além de fazer um levantamento dos pacientes em acompanhamento junto ao CTA na cidade de Imperatriz. Assim como, estimar a prevalência de LV em pacientes soropositivos para HIV utilizando para o diagnóstico a detecção do DNA do parasita pela técnica da PCR;identificar a categoria de exposição e a orientação sexual da população em estudo;descrever o perfil sócio-demográfico dos pacientes co-infectados; e descrever os aspectos socioeconômicos e demográficos dos pacientes co-infectados. MÉTODO É um estudo transversal analítico descritivo.A população constitui-se de indivíduos sorologicamente positivo para HIV de todas as idades cadastrados ou não com infecção confirmada pelo HIV atendidos pelo programa municipal de DST/AIDS no CTA de Imperatriz-MA, e que aceitaram participar da pesquisa6. A pesquisa foi realizada da seguinte maneira, os pacientes foram convidados a participar; e os que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foi preenchido um questionário por meio de entrevista com os seguintes dados: epidemiológicos, demográficos e clínicos.O período de estudo foi de Dezembro de 2011 a Fevereiro de 2012. Após o exame clínico, foi coletado 5 ml de sangue, as amostras foram processadas em laboratório para separação das camadas de leucócitos, que foram utilizadas para extração de DNA e 2 mL de sangue com EDTA para pesquisa de linfócitos TCD4/CD8. As camadas de leucócitos foram congeladas a -20°C e posteriomente transportadas para o Laboratório de Biologia Molecular do Núcleo de Medicina Tropical, em Belém-PA. A coleta de dados foi feita por meio de um questionário para a obtenção de dados demográficos, socioeconômicos e epidemiológicos, bem como foi realizado exame de coleta de material biológico (sangue) de todos os pacientes para detecção da infecção por Leishmania sp., por meio de exames laboratoriais (contagem de CD4 e CD8) e pesquisa da PCR. Os dados referentes às características sóciodemográficas foram tratados utilizando estatística descritiva, expressos na forma de frequência relativa. Foram utilizados o teste Qui-Quadrado (aderência) ou o teste G (aderência), conforme o caso, para testar as diferenças relacionadas às características sóciodemográficas nos gêneros masculino e feminino. Todos os testes foram executados com o auxílio do softwareBioEstat 5.07, e resultados com p ≤ 0.05 foram considerados significativos. RESULTADOS Tabela 1 – Características demográficas dos 199 pacientes vivendo com HIV/AIDS atendidos pelo programa municipal de DST/AIDS no centro de testagem e aconselhamento(CTA) de Imperatriz-MA, Dezembro de 2011 a Abril de 2012 CARACTERÍSTICA IDADE (Ano) 18-40 41-60 > 60 COR Branca Parda Negra MORADIA Tijolo Madeira Taipa ZONA Urbana Rural TOTAL n MASCULINO % SEXO FEMININO p n <0.0001 % p 68 32 1 67.3 31.8 0.9 <0.0001 28 46 27 27.8 45.5 26.7 56 37 5 57.1 37.8 5.1 22 53 23 22.4 54.1 23.5 85 7 6 86.7 7.1 6.2 <0.0001 83 9 9 82.2 8.9 8.9 <0.0001 78 20 98 79.6 20.4 100 <0.0001 81 20 101 80.2 19.8 100 <0.0001 <0.0001 <0.0001 Fonte: Pesquisa 2012. 62 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Tabela 2 – Características socioeconômicas dos 199 pacientes com HIV/AIDS atendidos pelo programa municipal de DST/AIDS no centro de testagem e aconselhamento(CTA) de Imperatriz-MA, Dezembro de 2011 a Abril de 2012 SEXO CARACTERÍSTICA SITUAÇÃO CONJUGAL Com Companheiro (a) Sem Companheiro (b) ESCOLARIDADE MASCULINO N % 37 61 37,7 62,3 2,1 55,1 Fundamental Completo 2 54 4 Ensino Médio Incompleto FEMININO N % p p 35 66 34.7 65.3 0.0028 5 61.4 <0.0001 4,0 5 62 3 20 20,4 10 9.9 Ensino Médio Completo 18 18,4 17 16.8 Superior Incompleto 0 0 3 3 0 0 1 0.9 Desempregado 18 18,4 19 18.8 Doméstica 2 2,0 21 20.7 Dona de Casa 0 0 26 25.7 Estudante 2 2,0 5 5 Aposentado 6 6,1 5 5 Autônomo 5 5,1 0 0 Vendedor 7 7,1 5 5 57 58,2 <0.0001 15 14.8 59,2 <0.0001 32,7 80 20 79.2 2-3 Salários 58 32 19.9 3-4 Salários 5 5,1 1 0.9 ≥5 Salários 3 3,0 0 0 98 100 101 100 Analfabeto Fundamental Incompleto Superior Completo OCUPAÇÃO Prestação de Serviços RENDA FAMILIAR ≤ 1 Salário TOTAL 0.0202 <0.0001 3 <0.0001 <0.0001 Fonte: Pesquisa 2012 Tabela 3 – Categorias de exposição e orientação sexual dos 199 pacientes vivendo com HIV/Aids atendidos pelo programa municipal de DST/Aids no centro de testagem e aconselhamento(CTA) de Imperatriz-MA, Dezembro de 2011 a Abril de 2012 Homossexual SEXO MASCULINO N % 98 49,24 10 5,02 Bissexual 0 CATEGORIAS DE ESPOSIÇÃO E ORIENTAÇÃO SEXUAL Heterossexual TOTAL GERAL 108 0 p <0.0001 FEMININO N % 71 32,66 12 6,03 8 4,02 91 p <0.0001 Fonte: Pesquisa 2012 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 63 Fonte: Pesquisa 2012 Figura 1– Prevalência da co-infecção por leishmaniasp nos 199 pacientes com HIV/AIDS atendidos pelo programa municipal de DST/AIDS no centro de testagem e aconselhamento(CTA) de Imperatriz-MA, Dezembro de 2011 a Abril de 2012. Tabela 4 – Contagem de linfócitos CD4 e CD8 dos 04 pacientes co-infectados por Leishmania/HIV atendidos pelo programa municipal de DST/AIDS no centro de testagem e aconselhamento(CTA) de Imperatriz-MA, Dezembro de 2011 a Abril de 2012 ASPECTOS LABORATORIAS CD4/mm³ n % >1591 410 - 1590 <410 CD8/mm³ 0 1 3 0 25 75 >1141 190 - 1140 <190 CD4/CD8 mm³ 1 3 0 25 75 0 0,1-0,5 0,5-1,0 >0,1 2 1 1 50 25 25 Fonte: Pesquisa 2012 DISCUSSÃO As leishmanioses se estendem no Brasil, por extensas áreas das regiões Nordeste (92%), Norte (3%), Sudeste (4%) e Centro-Oeste (1%). A forma visceral apresenta-se distribuída do Nordeste ao Sudeste. Apesar da ampla expansão da doença nos últimos anos, poucos casos associados à AIDStêm sido descritos8. De acordo com o levantamento realizado nos arquivos do programa municipal de DST/AIDS no CTA de Imperatriz-MA, encontrou-se 700 pacientes vivendo com HIV/AIDS cadastrados. Destes, 199 participaram do estudo, correspondendo a 28,4%. Atribuiu-se ao baixo percentual de participação no estudo tais fatores: não comparecimento na unidade no período do estudo; não aceitação em participar;casos não definidos como HIV/ 64 AIDS; e mudança de unidades de saúde para continuação do tratamento. A co-infecçãoLeishmania-HIV tem gradativamente aumentado na década de 90 com a notificação de casos novos. Esse fato está relacionado a novos processos que vem acometendo à população brasileira como a interiorização do HIV e a urbanização das leishmanioses. A maioria dos casos de co-infecção ocorre na faixa etária adulta9. Quanto ao sexo e a faixa etária, na seguinte pesquisa, observou-se que 50,8% eram mulheres e 49,2% eram homens, correspondendo a uma proporção de 1:1, com predominância na faixa etária de 18 a 40 anos em ambos os sexos (homens: c²=40.673, p<0.0001; mulheres: c ²= 66.792, p<0.0001) A incidência da AIDS aumentou rapidamente entre as mulheres e a razão de casos homens/mulheres cada vez fica mais próxima. A expansão da AIDS entre as mulheres vem sendo observada em quase todos os continentes, e estas representam 48% dos casos no mundo. No Brasil, a razão entre os sexos mostra claramente esta tendência: em 1986, eram 15,1 casos masculinos para um feminino; em 1996 eram 2,6 e, em 2004, 1,510. Na pesquisa, quanto à situação conjugal houve predominância sem companheiro, tanto entre os homens (c²=5.398, p=0.0202) quanto entre as mulheres (c ²= 8.911, p=0.0028), bem como maior número de homens e mulheres entre os que declararam grau de instrução como ensino fundamental incompleto (homens: c²=163.429, p<0.0001; mulheres: c ²= 195.426, p<0.0001). Quanto à ocupação, predominou a categoria dona de casa entre as mulheres (c ²= 59.663, p<0.0001) e prestação de serviços entre os homens (c ²= 241.061, p<0.0001) e, em ambos os sexos, houve mais indivíduos que relataram possuir renda de até 1 salário mínimo (homens: c²=82.49, p<0.0001; mulheres: c ²= 168.347, p<0.0001). A faixa etária predominante entre os pacientes convivendo com AIDS foi de 18 aos 40 anos entre ambos os sexos, corroborando com outras pesquisas11. Nesse contexto, verificou-se que a maior prevalência do HIV entre indivíduos em idade adulta, pode estar relacionada a um tempo mais prolongado de exposição sexual, assim como, a uma maior dificuldade para incorporar e negociar com as (os) parceiras (os) práticas sexuais seguras. No tocante a situação conjugal, a maioria dos participantes de ambos os sexos se declararam sem companheiro, resultados semelhantes foram descritos12. Uma possível justificativa pode ser à busca de uma prática sexual livre, justificado em estudos que apontam o sexo transicional (relações sexuais com múltiplos parceiros) Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 como um dos fatores de risco para a aquisição da AIDS13. O Brasil é um país caracterizado por extrema desigualdade social, marcada por diferenças relacionadas à distribuição de renda e de educação e a crescente especulação sobre a pauperização. A análise da dinâmica da epidemia da AIDS por classe ocupacional e status socioeconômico destaca o grau de escolaridade como indicador da condição sócio econômica como também evidencia novos aspectos da dinâmica social da epidemia da AIDS no Brasil14. Na presente pesquisa, quanto à categoria de exposição e orientação sexual, houve predominância da categoria heterossexual para ambos os sexos. Esse fenômeno, a chamada “pauperização” da AIDS, atualmente vivenciada no Brasil, parece também ocorrer no Estado do Maranhão, haja vista o 57 predomínio neste estudo de pessoas infectadas pelo HIV/ AIDS serem trabalhadores de setores não qualificados, com renda até dois salários mínimos tendo a maior freqüência mulheres donas de casa e homens autônomos, revelando que a epidemia da aids vem afetando em nosso meio, indivíduos em posições desvantajosas em relação ao mercado de trabalho apesar de a escolaridade de ensino fundamental a nível médio. No início da epidemia da AIDS, os indivíduos que se declararam homossexuais foram os mais afetados15;16;17. Esse perfil epidemiológico mostrou-se divergente com os nossos achados que apontam a maior prevalência do HIV em heterossexuais, realidade já confirmada anteriormente18;19. A LV é uma doença endêmica na cidade de Imperatriz desde a década de 80. Nos últimos anos houve uma crescente migração de pessoas das áreas rurais para urbanas onde se fixaram em áreas superlotadas e inadequadas, ocupadas à custa de desmatamentos e queimadas, formando as periferias de Imperatriz. A proximidade entre as habitações, a alta densidade populacional, mudanças ambientais e climáticas, diminuição de investimentos em saúde e educação, descontinuidade das ações de controle, adaptação do vetor aos ambientes modificados pelo homem e a grande suscetibilidade da população à infecção contribuíram para a rápida expansão da LV no ambiente urbano20;21. No tocante a história atual e/ou pregressa de LV na família e na vizinhança de pacientes convivendo com HIV/AIDS, nossos achados mostraram que a maioria não informou registros de casos humanos de LV. Uma possível explicação para esse resultado pode estar relacionada à população ser residente de zona urbana e com bom saneamento básico; o que diverge dos registros Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 em diversos estudos para pacientes com LV, como em outros encontrados20;21;22;23. A LV associada à infecção HIV habitualmente se manifesta em doentes com imunossupressão avançada. Em nossos achados, a quantificação do número de linfócitos CD4 nos co-infectados apresentou comprometimento moderado da imunidade celular, o número de linfócitos CD8 estava normal e a relação CD4/CD8 apresentou-se abaixo do normal. Estudos24;25 reafirmam essa imunossupressão. Dos 199 pacientes vivendo com HIV/AIDS, 4 (2,01%) apresentaram co-infecçãoLeishmania-HIV, sendo maior o número de indivíduos entre aqueles que não apresentavam co-infeção pelo protozoário (c ²= 181.407, p<0.0001). Dos 199 pacientes vivendo com HIV/AIDS, quatro (2,01%) apresentaram co-infecçãoLeishmania-HIV, destes, três pacientes apresentaram co-infecçãomista Leishmania (V.) sp e Leishmania (L.) amazonensis, causadora de LTA,e um apresentou co-infecção com a Leishmania (L.) chagasi, causadora de LV, não sendo, entretanto, significativa a diferença entre estas frequências (G=0.2527, p=0.6152). A quantificação do número de linfócitos dos quatro pacientes coinfectados por Leishmania/HIV apresentaram comprometimento moderado da imunidade celular, onde se observou que em 25% dos casos, o número de linfócitos CD4 estava entre 410 a 1590 células/mm³ e em 75% dos casos o número de linfócitos CD8 estava entre 190-1140 células/mm³. A relação CD4/ CD8 apresentou-se abaixo do normal com indicadores entre 0,1-0,5 em dois pacientes (50,0%). CONCLUSÃO Este estudo permitiu conhecer a magnitude, a gravidade e a prevalência da co-infecçãoLeismania/ HIV, onde se detectou uma ocorrência de 2,01% dentre os 199 pacientes co-infectados com HIV/AIDS. É uma prevalência relativamente alta, considerando o tamanho da população estudada. Os aspectos socioeconômicos, demográficos e ambientais dos indivíduos convivendo com HIV/ AIDS que apresentaram diferenças estatisticamente significantes em relação ao sexo foram: ocupação, renda familiar e características de categorias de exposição e orientação sexual. Entre as descrições sócioeconômico dos pacientes co-infectados foi observado que 75% possuem baixo nível de instrução e 50% possuem renda mensal de até um salário mínimo. 65 Quanto à categoria de exposição e orientação sexual, houve predominância da categoria heterossexual para ambos os sexos. Com relação aos aspectos sóciodemográficos foi constatado que todos os 4 pacientes co-infectados residem em áreas urbanas e periurbanas,evidenciando a expansão da leishmania no Brasil. Outro aspecto relevante é que a leishmaniose preenche o critério de infecção oportunista e sugerimos que faça parte do diagnóstico diferencial de todo indivíduo não só HIV positivo, com febre persistente, como também de todo imunodeprimido, que tenha vivido em área endêmica para leishmaniose, seja LTA ou LV. Uma vez que, casos de co-infecçãoLeismania/HIV podem passar despercebidos quando não investigados devido às manifestações comuns freqüentes nas duas patologias. ABSTRACT PREVALENCE OF CO-LEISHMANIA sp. IN PATIENTS WITH HIV / AIDS PROGRAM ATTENDED BY HALL OF STD / AIDS IN THE CENTRE OF TESTING AND COUNSELING (CTA) IMPERATRIZ OF MA Lúcio André Martins da SILVA and Edna AobaYassui ISHIKAWA Objective: To estimate the prevalence of infection with Leishmania sp. in individuals living with HIV / AIDS served by the municipal STD / AIDS in the Counseling and Testing Center (ATC) of Imperatriz-MA. Method: A descriptive cross-sectional study was conducted, the study population consisted of 199 individuals. Data collection was done through a questionnaire in order to obtain demographic, socioeconomic and epidemiological data, as well as examination was performed to collect biological material (blood) of all patients for detection of Leishmania sp., through laboratory tests (CD4 and CD8) and PCR research. Results:It was observed, among patients,similarity between the gender frequency, 49.2% male and 50.8% female, mean age 40 years. 61.8% of the surveyed have a low level of education and 69.3% have a monthly income of up to minimum wage. 2.01% (4/199) of patients analyzed showed co-infection Leishmania / HIV. From these, three showed that mixed infection by Leishmania (V.) sp and Leishmania (L.) amazonensis, causing LTA and one patient infected by Leishmania (L.) chagasi, causative of LV. Conclusions: This study showed the magnitude of prevalence of co-infection Leishmania / HIV. Thus, it is suggested that the anti-Leishmania test be performed on all individuals with HIV / AIDS, in which focus on public policy issues that are incremented. KEY WORDS: Co-infection. HIV. Leishmania. Prevalence. REFERÊNCIAS 4 Gottlieb GS, et al. Equal plasma viral loads predict a similar rate of CD4.sup. + T cell decline in humamimmunodeficiciency virus (HIV) type 1 and HIV-2 infected individuals from Senegal, West Africa.J. InfectDis.; v. 185, n. 7, p. 905-910, 2002. 5 Bastos FI, Malta M.As pesquisas sobre HIV? AIDS no Brasil hoje: uma análise do triênio 1997-2000. In: Parker, R.; Terto Júnior. V. (Org). Aprimorando os debates: respostas sociais frente à Aids. Rio de Janeiro: ABIA, 2002. 6 IMPERATRIZ. Programa municipal de DST/Aids no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). Imperatriz, 2012. 7 Ayres Junior M. BioEstat 5.0: aplicações estatísticas das ciências biológicas e médicas. Belém: Sociedade Civil Mamirauá, MCT-CNPq, 2007. 8 Melo M. A. Leishmaniose visceral No Brasil: desafios e perspectives. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PARASITOLOGIA VETERINÁRIA, 18., 2004, Ouro Preto, MG. Anais... OuroPreto, MG, 2004. v. 1. 66 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 9 Dietze R. et al. Effectt of elimination seropositives canines on transmission of visceral leishmaniasis in Brazil. Clin. Infect. Dis., v. 25, p. 1240-1242, 1997 10 BRASIL. Ministério da Saúde. Plano integrado de enfrentamento e feminização de epidemia de Aids e outras DST. Brasília, DF, 2007. 11 Rabello A, Orsini M, Disch J. Leishmaniose/HIV co-infection in Brazil: na appraisal. Ann. Trop. Med. Parasitol., v. 97, n. 1, p. 17-28, 2003. 12 Bassicheto KC, et al. Perfil epidemiológico dos usuários de um Centro de Testagem e Acompanhamento para DST/HIV da Rede Municipal de São Paulo, com sorologia positiva para HIV. Rev. Bras. Epidem., v. 7, n. 3, p. 302-310, 2004. 13 Silveira MF. et al. Autopercepção de vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis e Aids em mulheres. Rev.Saúde Públ., v. 36 p. 670-677, 2002. 14 Fonseca MGP. et al. Distribuição social da Aids no Brasil, segundo participação no mercado de trabalho, ocupação e status sócio-econômico dos casos de 1987 a 1998. Cad. Saúde Públ., v. 19, n. 5, p. 1351-1363, 2003. 15 Alves MTSSB. Tendência da incidência e da mortalidade por Aids no Maranhão, 1985 a 1998. Ver. Saúde Pub., v. 37, n. 2, p. 177-182, 2003. 16 BRASIL. Ministério da Saúde. Leishmaniose visceral no Brasil: situação atual, principais aspectos epidemiológicos, clínicos e medidas de controle. Ministério da Saúde/Fundação Nacional de Saúde/Centro Nacional de Epidemiologia. Boletim Epidemiológico, v. 6, p. 1-11, 2001. 17 Griep RH. et al. Perfil de um Centro de Testagem e Aconselhamento a partir dos dados de SI-CTA. In: Szapiro, A. M. Centro de Testagem e Acompanhamento (CTA) Integrando Prevenção eAssistência. Ministério da Saúde, v. 8, p. 56-67, 2004. (Coleção DST/Aids. Série 63 Estudos, pesquisas e avaliação). 18 Jesus JS de. Perfil epidemiológico dos usuários atendidos em um Centro de Testagem e Aconselhamento em HIV/Aids do Estado da Bahia. 2006. 77f.Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2006. 19 Minayo MCS. et al. Avaliação dos Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS) da Região Nordeste. Cad. Saúde Públ., v. 15, n. 2, p. 355-367, 1999. 20 Caldas AJM. et al. Infecção por Leishmania (leishmania) chagasi em crianças de área endêmica de Leishmaniose visceral americana na ilha de São Luís-MA. Rev.Soc. Bras. Med. Trop., v. 34, n. 5, p. 445-50, 2001. 21 Nascimento MDSB. et al. Prevalência de infecção por Leishmaniachagasi utilizando os métodos de ELISA (rK39 e CRUDE) e intradermorreação de Montenegro em área endêmica do Maranhão, Brasil. Cad. Saúde Públ., v. 21, n. 6, p. 1801-1807, 2005. 22 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids.Manual de recomendação para diagnóstico, tratamento da co-infecçãoleishmania/H IV. Brasília, DF, 2004. 23 Gama ME. A. Avaliação do nível de conhecimento que a população residente em área endêmica periurbana e rural, tem sobre leishmaniose visceral, estado do Maranhão, Brasil. Cad. SaúdePúbl., v. 14, p. 109-118, 1998. 24 Alvar J. et al. Leishman ia and human immunodeficiency virus coinfection: the first 10 years. Rev. Clin. Microbiol., v. 10, n. 2, p. 298-319, 1997. 25 Pintado V,Lopez-Velez R. Visceral leishmaniasis associated with human immunodeficiency vírus infection. Enferm. Infecc. Microbiol. Clin., v. 19, n. 7, p. 353-7, aug. 2001. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 67 Endereço para correspondência: Lúcio André Martins da Silva Rua Magno Silva, casa 27, lote 27, Vila Parati, Imperatriz – MA CEP: 65900-000 Tefefone: (99) 9228-1769 / (99) 8238-1769 E-mail:[email protected] Recebido em 14.10.2014 – Aprovado em 11.02.2016 68 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGO ORIGINAL PREVALÊNCIA DE ALEITAMENTO CRUZADO E SABERES SOBRE ESTA PRÁTICA1 PREVALENCY OF CROSS-NURSING AND THE KNOWLEDGES ABOUT THIS PRACTICE. Carla Regina Gonçalves PEREIRA2, Waltair Maria Martins PEREIRA3, Nelson Veiga GONÇALVES4 e Voyner RAVENA-CAÑETE5. Fabrício Aleixo DIAS6 e Cileide Gomes da Mota TAVARES7 RESUMO Objetivo: Investigar a prevalência do aleitamento cruzado e os saberes sobre esta prática, entre gestantes atendidas na Estratégia Saúde da Família (ESF), do município de Belém, estado do Pará. Método: foi realizada uma pesquisa quanti-qualitativa, com desenho de estudo descritivo, observacional do tipo transversal. Os participantes da pesquisa se constituíram de 85 gestantes atendidas nas ESF Galo I, Galo II e Canal da Visconde. Os dados foram coletados através da aplicação de questionário semi-estruturado, aplicados entre os meses de setembro a novembro de 2013. Resultados: a prevalência de aleitamento cruzado encontrada foi de 61,54% entre as mulheres que já tinham filhos, a maioria das gestantes entrevistadas amamentaria o filho de outra pessoa caso fosse solicitada sem qualquer restrição, bem como pediriam para outra mulher amamentar seu filho caso achasse necessário. Um grande percentual (94,87%) de entrevistadas presenciou o aleitamento cruzado. Praticamente todas as gestantes relataram que não receberam informação sobre os riscos do aleitamento cruzado pela equipe de saúde durante a realização do pré-natal. Os motivos que justificaram a prática do aleitamento cruzado foram: a dificuldade para amamentar e a ausência temporária ou definitiva da mãe. Conclusão: as concepções históricas culturalmente estabelecidas sobre o aleitamento materno, o sentimento de solidariedade, o altruísmo entre as mães, o incentivo ao aleitamento materno sem enfatizar suas contraindicações, em conjunto com a carência de informações sobre os riscos do aleitamento, se configuraram nesta pesquisa como os principais motivos para a prática do aleitamento cruzado. DESCRITORES: Aleitamento cruzado. Amamentação. Leite materno. Pré-natal. INTRODUÇÃO O aleitamento cruzado é a prática de lactação, na qual a criança recebe um leite que não é produzido por sua mãe, e sim por outra mulher. Portanto, esta prática tanto se configura quando uma nutriz amamenta uma criança que não seja seu filho, quanto quando a mãe permite que seu filho seja amamentado por outra 3 4 5 6 7 1 2 mulher1. Essa modalidade de aleitamento pode acontecer de forma direta quando uma nutriz, ou lactante, amamenta diretamente no seio o filho de outra mulher; a forma indireta se caracteriza quando a nutriz doadora faz a ordenha, ou seja, retira seu leite para algum frasco, e este é dado para o lactentesem qualquertipo de análise microbiológica e tratamento2. Trabalho realizado na Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil. Médica.Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. Médica. Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. Tecnólogo em Processamento de Dados. Universidade Federal do Pará. Universidade Estadual do Pará. Belém, Pará, Brasil. Socióloga. Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. Bacharel em Sistema de Informações. Universidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil. Enfermeira. Hospital Universitário João de Barros Barreto. Belém, Pará, Brasil. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 69 Existem duas formas especiais de aleitamento em que o leite oferecido ao lactente não é produzido pela mãe biológica, e, no entanto não são consideradas como formas de aleitamento cruzado, são elas: o aleitamento realizado com leite proveniente do Banco de Leite Humano (BLH), em que há todo um processo de seleção, esterilização, através da pasteurização, e controle biológico; e a relactação, situação caracterizada pela produção de leite por mães adotivas, mediante estimulação, devendo mãe e filho realizar avaliação médica assegurando-lhes aptidão para a amamentação3. Atualmente, o aleitamento cruzado é uma prática não recomendável, pois se evidenciou que através do leite materno as crianças podem ser contaminadas por algumas doenças, tais como aquelas causadas pelos seguintes agentes: Humanimunodeficiencyvirus (HIV); Human T lymphotropicvirus (HTLV); Citomegalovirus (CMV); entre outros4. No Brasil a proibição da amamentação cruzada é lei, conforme o estabelecido pela Portaria n.° 1.016, de 26 de agosto de 1993, a qual dispõe sobre a proibição da amamentação cruzada, ou seja, proíbe que as mães amamentem outros recém-nascidos que não os seus ou que permitam que seus filhos sejam amamentados por outra nutriz5. Apesar de todas as recomendações quanto aos riscos do aleitamento cruzado, este se configura como uma prática ainda muito recorrente. Portanto, através do levantamento de dados referentes ao conhecimento e práticas sobre o aleitamento cruzado entre as mulheres grávidas atendidas em um programa de saúde, o presente trabalho teve como propósito por meio da apresentação de seus resultados e discussão, enfatizar sobre a importância da temática abordada e sobre a devida atenção ao tema que deve ser despendida pelas mães e futuras mães, bem como pelos os profissionais de saúde e futuros profissionais. MÉTODO Pesquisa quanti-qualitativa, com desenho de estudo descritivo, observacional do tipo transversal. Foi realizada na Estratégia Saúde Família (ESF) do município de Belém, Estado do Pará, em três casas 70 Saúde da Família, no distrito administrativo DASAC, composto pelos bairros da Sacramenta, Telégrafo, Pedreira, Barreiro, Val de Cães e Vila da Barca. Os participantes da pesquisa foram 85 gestantes atendidas na ESFGalo I, Galo II e Canalda Visconde. Os dados da aplicação de questionários das 85 gestantes foram coletados em um questionário semi estruturado, e incluídos na análise quantitativa. Para a análise qualitativa foi obtida uma amostra de 27 gestantes. Esta quantidade amostral foi determinada pela saturação de dados, em que houve suspensão da inclusão de novas participantes quando o conteúdo dos questionários apresentou convergência, redundância ou repetição de discurso, atingindo assim um ponto de saturação. As gestantes participantes da análise qualitativa foram nomeadas com pseudônimos de flores, de forma a manter a privacidade e o anonimato das mesmas. Os dados coletados foram organizados em um banco de dados utilizando planilhas do Microsoft Office Excel 2010, com dupla entrada. De acordo com a natureza das variáveis, foi realizada a análise considerando a frequência e as proporções encontradas, e os resultados apresentados em tabelas e gráficos. Para verificar associações entre as variáveis e a consistência dos resultados foram realizadas as análises estatísticas de significância, através do software BioEstat 5.0, sendo aplicado o teste do Qui-quadrado, onde foi adotado como nível de significância p<0,05, considerando a correção de Yates, quando necessária. Como técnica para tratamento dos dados qualitativos foi adotada a Análise de Conteúdo, através da modalidade de Análise Temática. Todas as participantes da pesquisa foram avaliadas segundo os preceitos da declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, sendo respeitadas as normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Res. CNS 466/12) do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, com o número de parecer 373.465 da Plataforma Brasil, e autorizado pelos participantes da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. RESULTADOS Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Tabela 1 – Consulta pré-natal realizada pelas participantes da pesquisa, nulíparas e não nulíparas. Belém, estado do Pará, 2013. Número de Consultas Nº 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Total Gestantes Nulíparas Não-Nulíparas Total % 18 3 4 6 7 3 3 1 0 1 Nº 39,13 6,52 8,70 13,00 15,21 6,52 6,52 2,20 0,00 2,20 % 8 8 4 6 3 4 2 3 0 1 Nº 20,51 20,51 10,25 15,40 7,70 10,25 5,12 7,70 0,00 2,56 % 26 11 8 12 10 7 5 4 0 2 43,53 12,94 5,88 11,76 5,88 5,88 1,17 1,17 2,35 1,17 46 100 39 100 85 100 Figura 1: Gestantes não-nulíparas que praticaram aleitamento cruzado. Belém, estado do Pará, 2013 Fonte: Dados primários da pesquisa de campo Figura 1: Gestantes não-nulíparas que praticaram aleitamento cruzado. Belém, estado do Pará, 2013 Fonte: Dados primários da pesquisa de campo Tabela 2 – Distribuição de gestantes que amamentariam outra criança sem ser seu próprio filho, tendo sido ou não informadas pela equipe da saúde do pré-natal sobre os riscos da referida prática. Belém, estado do Pará, 2013. Informadas do risco pela equipe de saúde Amamentariam outra criança sem ser seu próprio filho SIM NÃO TOTAL Valor p Nº % Nº % Nº % SIM 2 100,00 0 0,00 2 2,35 NÃO 79 95,18 4 4,82 83 97,65 Total 81 95,30 4 4,70 85 100 p = 0,1702 Fonte: Dados primários da pesquisa de campo Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 71 Tabela 3 – Distribuição de gestantes que amamentariam outra criança, sem ser seu próprio filho, quanto à pressuposição da existência de risco do aleitamento cruzado. Belém, estado do Pará, 2013. Amamentariam outra criança sem ser seu próprio filho NÃO TOTAL Nº % Nº % Existência de risco no aleitamento cruzado Nº % SIM 51 92,73 4 7,27 55 64,70 NÃO 30 100,00 0 0,00 30 35,30 Total 81 95,30 4 4,70 85 100 SIM Valor p p = 0,3285 Fonte: Dados primários da pesquisa de campo Tabela 4 – Distribuição de gestantes que permitiriam ou não que seus filhos fossem amamentados por outra mulher quanto à pressuposição da existência de risco do aleitamento cruzado. Belém, estado do Pará, 2013 Existência de risco no aleitamento cruzado SIM Nº Permitiriam que seus filhos amamentassem em outra mulher NÃO TOTAL % Nº % Nº % SIM 36 64,29 20 35,71 56 65,88 NÃO 29 100,00 0 0,00 29 34,12 Total 65 76,47 20 23,53 85 100 Valor p p = 0,0006 Fonte: Dados primários da pesquisa de campo Quadro 1 – Respostas das gestantes ao serem questionadas se amamentaram algumacriança sem ser seu próprio filho. Belém, estado do Pará, 2013. Gestante Já amamentou alguma criança sem ser seu próprio filho? Acácia “Dei de mamar para o filho de minha prima, que mora perto de casa, porque ela não tinha leite suficiente, o bebê não se satisfazia!” Camélia “Já, para o filho da minha prima, porque a mãe dele não tinha muito leite, e ele estava com fome, deu pena!” Margarida “Filho do meu primo porque a mãe não conseguia amamentar, ela estava com o bico do peito muito ferido!” Açucena “No hospital, logo que tive meu filho, porque a mãe não estava bem e aí ela pediu para amamentar o filho dela que chorava muito!” Gardênia “Já amamentei duas crianças lá na Santa Casa porque as mães não tinham leite e o filho de uma vizinha que tinha saído e eu fiquei com o bebê dela, eu tinha leite, muito leite, não custava nada!” Violeta “Já amamentei duas crianças, filhas de vizinhas, quando as mães, me chamavam às vezes para dar de mamar para elas, não custava nada fazer caridade!” Hortência “Já dei de mamar para cinco crianças, filhos de vizinhas e amigas minha, dei porque às vezes elas tinham que sair e a criança tinha que mamar, aí eu dava, eu tinha muito leite!” Rosa “Sim, o filho da vizinha, minha amiga, ela saia e a criança ficava comigo, e como eu estava dando de mamar para meu filho também dava pra ele!” Amarílis “Sim, o filho de uma colega minha porque ela estava doente e foi internada, ai eu dei de mamar para o filho dela!” Angélica “Meu sobrinho porque a mãe faleceu!” Dália “Sim, o filho da minha cunhada, porque a criança foi adotada e eu tinha leite no peito!” Fonte: Dados primários da pesquisa de campo 72 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Quadro 2 – Respostas das gestantes participantes da pesquisa ao serem questionadas se permitiram queseus filhos fossem amamentados por outra mulher. Belém, estado do Pará, 2013. Gestante Begônia Camélia Tulipa Lírio Perpétua Magnólia Já permitiu que seu filho mamasse em outra pessoa? “Sim, uma vizinha deu de mamar pro meu filho, porque fiquei sem leite e não queria dar leite de lata, todo mundo sabe que o leite de peito é o melhor!” “Já, uma vizinha de quarto, minha conhecida, lá na Santa Casa, quando tive meu filho, porque no começo tava com dificuldade para amamentar!” “A vizinha deu de mamar pro meu filho que nasceu de 5 meses e teve que ficar internado, quando ele saiu da Santa Casa eu não tinha mais leite, ele ainda mamou por 6 meses na vizinha!” “Uma amiga minha dava de mamar pra minha filha e também doava leite pra Santa Casa, eu pedi pra ela porque não tinha leite, eu tava desesperada!” “Minha irmã amamentou meu filho porque eu saia pra trabalhar e ela ficava com ele!” “Não foi eu que permiti, foi minha mãe que deu ele pra amamentar em outra mulher enquanto eu tava inconsciente por causa da anestesia, como eu fiz cesárea demorei pra acordar, isso foi lá no hospital onde tive meu filho!” Fonte: Dados primários da pesquisa de campo DISCUSSÃO Um maior número de gestantes entrevistadas se encontrava na faixa etária compreendida entre 19 e 22 anos, o que confirma a tendência brasileira de concentração da fecundidade entre jovens de 15 a 24 anos6. Um maior número de gestantes se encontrava no 2º trimestre de gestação. Mais da metade das participantes da pesquisa (57%) já haviam realizado pelo menos 3 (três) consultas e o total máximo de consulta pré-natal realizada foram em número de 10. Com relação à quantidade de consulta pré-natal, os números encontrados estavam de acordo com os da Portaria emitida pelo Ministério da Saúde, a qual estabeleceu a realização mínima de seis consultas de acompanhamento pré-natal, sendo, preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro trimestre da gestação, o cumprimento dessa normatização auxiliaria no maior conhecimento das gestantes sobre a importância do aleitamento materno incluindo as informações sobre o aleitamento cruzado7. A prevalência de aleitamento cruzado no grupo de gestantes não nulíparas foi de 61,54%, sendo que 53,84% deram de mamar para outra criança que não era seu filho e 17,94% permitiram que seus próprios filhos fossem amamentados por outra mulher, esse último resultado encontrado apresenta um valor aproximado a outra pesquisa onde foi verificado que 15,38% das mulheres cadastradas em um Banco de Leite Humano permitiriam que seu bebê tomasse leite de outra nutriz; entretanto, foi mais elevada que em outra pesquisa que encontrou entre 81 mães não nuliparas 13,6% que recorreu a outra nutriz Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 para aleitar seu filho, e 28,2% amamentou outra criança que não seu filho.8, 9. Observa-se também na figura 1, que entre as nãonuliparasparticipantes da pesquisa que realizaram aleitamento cruzado, 70,83% amamentaram alguma criança sem ser o próprio filho, 12,5% permitiram que seu filho amamentasse em outra mulher e 16,67% tanto amamentaram alguma criança sem ser o próprio filho quanto permitiram que seu filho amamentasse em outra mulher. É interessante observar que dentre estas gestantes, que a faixa etária compreendendo de 23 a 26 anos foi a mais frequente (30,44%), assim como o grau de escolaridade de 12 a mais anos de estudo (47,82%). Quando analisada de forma separada, por grupo, a faixa etária mais prevalente no grupo das nulíparas foi o de 19 e 22 anos e o das não nulíparas foi o de 23 e 26 anos, o que denota que as nulíparas eram um pouco mais jovens que as não-nulíparas. Mas de uma forma geral, a maioria das participantes da pesquisa eram adultas jovens o que requer maior atenção com relação às orientações concernentes à gestação e, mais especificamente, ao aleitamento materno. Pesquisa anterior aponta que a educação das mulheres desde a mais tenra idade, influenciará suas atitudes e desempenhos posteriores em relação ao aleitamento. Desse modo, ver regularmente as práticas relacionadas ao aleitamento materno, especialmente entre os familiares ou grupo social pertencente, se constitui em uma das formas, que proporcionará que essas mulheres desenvolvam atitudes positivas envolvendo a amamentação10. As participantes da pesquisa que amamentaram outra criança sem ser seu próprio filho informaram ter 73 dado de mamar para o filho de alguma amiga, da vizinha, de algum parente próximo ou da colega de quarto na maternidade, bem como, as participantes da pesquisa que permitiram que seu próprio filho amamentasse em outra mulher, informaram que também alguma amiga, vizinha, parente ou parceira de quarto da maternidade atuaram como ama de leite de seus filhos. Esses dados foram semelhantes aos achados em pesquisas realizadas anteriormente a este estudo4,9. De acordo com os resultados encontrados neste estudo, não houve correlação entre a pressuposição de risco do aleitamento cruzado e a informação dada pela equipe de saúde durante o pré-natal sobre tais riscos (p-valor=0,1702). Denota-se, portanto que, as participantes da pesquisa que não foram orientadas quanto ao risco do aleitamento cruzado, durante o pré-natal, presumiram a existência de risco da referida prática mediante conhecimentos adquiridos através de outros meios. Também não foi encontrada relação significativa entre ter sido informada previamente pela equipe de saúde, durante o pré-natal, sobre os riscos do aleitamento cruzado, e a conivência das participantes da pesquisa com a prática do aleitamento cruzado (p valor=0,3285). Em suma, embora aquelas que haviam sido informadas sobre os riscos de tal prática pela equipe de saúde, na vigência do pré-natal, relatarem que não permitiriam que outra pessoa oferecesse a amamentação para seus filhos, ainda sim, elas se prestariam a atuarem como ama de leite de outras crianças. E alguma das entrevistadas que não haviam recebido qualquer informação sobre os possíveis prejuízos do aleitamento cruzado, também não consentiriam que seus filhos fossem amamentados por outra nutriz. A solicitude em dar de mamar para outra criança sem ser o próprio filho prevaleceu independentemente das participantes da pesquisa terem recebido ou não orientação sobre os eventuais perigos do aleitamento cruzado durante o pré-natal, e de presumirem ou não a existência de risco desta prática. Entretanto, foi encontrada uma significativa correlação (p = 0,0006) entre a suposição de risco atribuído à referida prática e o fato das mães aceitarem que seus filhos fossem amamentados por outra mulher. Por conseguinte, consideração da existência de risco atua como fator predisponente a não permissão que o próprio filho amamente em outra mulher, constituindo esta uma condição sinequa non para o combate ao aleitamento cruzado. A deficiência de informação faz com que as mães desconheçam os perigos desta prática e reafirmem a ideia, 74 transmitida histórico culturalmente, de que amamentar outra criança ou deixar sua criança ser amamentada seja uma forma de salvar sua vida1. Orientar sobre a amamentação requer tempo e isso muitas vezes na consulta pré-natal é considerado primordial. É preciso disponibilidade para ouvir a mulher afim de que ela conte suas experiências anteriores e suas crenças, as quais são pontos chaves para garantir o aleitamento adequado11. Observa-se que na maioria das vezes, as orientações a cerca da amamentação tem sido feitas, tardiamente, na maternidade, sendo esta uma condição inaceitável, haja vista que a gestante deve chegar à maternidade preparada para a amamentação e não ser preparada na maternidade, o que é extremamente difícil e, na maioria das vezes, quase inexequível8. As gestantes que alguma vez permitiram que o próprio filho amamentasse em outra mulher informaram que uma amiga, vizinha, parente ou parceira de quarto da maternidade atuaram como ama de leite de seus filhos, e os principais motivos citados, foram: incapacidade para amamentar e ter que se ausentar temporariamente. As participantes da pesquisa ao serem questionadas sobre terem presenciado alguma mulher amamentando outra criança que não era o próprio filho, 94,87% responderam que já haviam visto essa situação, entre as nulíparas 54, 62% relataram ter presenciado a vizinha ou algum parente próximo (irmã, prima, tia) realizando esta prática. No grupo das não-nulíparas, 74% presenciou, durante o período do puerpério, o aleitamento cruzado entre as companheiras de maternidade, e também entre as vizinhas e parentas próximas, tal como afirmou o primeiro grupo referendado. CONCLUSÃO A prevalência de aleitamento cruzado encontrada no referido estudo foi elevada, considerando que 61,54% das mulheres que já haviam tido filhos permitiram esta prática em algum momento de sua vida. Ademais a grande maioria das gestantes entrevistadas (94,87%) presenciou a prática do aleitamento cruzado. Resultados estes realçam que o aleitamento cruzado é frequente no cotidiano das mulheres atendidas no pré-natal da Estratégia Saúde da Família desenvolvida nas três unidades que serviram como campo de estudo. Presume-se que a alta prevalência do aleitamento cruzado tenderá a se manter à medida que a proporcionalidade de aceitação desta prática entre as gestantes entrevistadas também é elevada, haja vista que 95,3% das gestantes entrevistadas amamentaria o filho Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 de outra pessoa, caso fosse solicitada, e 75,3% pediria para outra mulher amamentar seu filho caso achasse necessário. Houve transparência sobre a ocorrência precoce de aleitamento cruzado já no quarto da maternidade, no período do puerpério, o que enfatiza a extrema importância de se fazer as devidas orientações sobre o referido tema durante o pré-natal, pois se feitas tardiamente, após o parto, somente pelo pediatra, o lactente corre o risco de já ter sido submetido aos perigos do aleitamento cruzado logo nas primeiras horas de vida. Entretanto, apesar dessa falta de orientação das gestantes sobre o aleitamento cruzado, mais da metade das gestantes (64,7%) relatou a existência de algum risco ao se realizar esta prática, pressupondo que elas adquiriram este conhecimento através de outros meios, sem ser durante o pré-natal. Um dos veículos de informação citados foi um programa de televisão. Todavia as informações recebidas pelas entrevistadas que mencionaram haver algum risco foram ineficientes, pois boa parte delas não soube citar qual seria o risco, e quando citaram, o fizeram de maneira equivocada, atribuindo risco de a criança adquirir doença não através do leite sugado, mas somente pelo contato, e quando responsabilizara o leite materno como potencial transmissor de doença, enfatizaram a dieta alimentar da nutriz, a qual poderia ser passada através do leite para o lactente e causar algum dano digestivo. Uma quantidade ínfima revelou a transmissão de doenças infectocontagiosas através do leite materno. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Ainda que munidas por um vago conhecimento sobre os eventuais riscos que envolvem o aleitamento cruzado, a maior parte das entrevistadas revelou que somente permitiria que seu próprio filho amamentasse em outra mulher caso a conhecesse, o que denota a percepção delas sobre os possíveis danos relacionados a este ato, no entanto, a sublimação deles diante do fato de conhecer a ama de leite, o que realça a errada concepção sobre os riscos que podem advir desse comportamento. Todas as gestantes entrevistadas foram enfáticas ao afirmar que não permitiria que seus filhos amamentassem em outra mulher caso tivesse certeza absoluta que o aleitamento cruzado implicasse em risco à saúde de seus filhos, ou seja, se elas tivessem conhecimento desta informação dificilmente o aleitamento cruzado aconteceria. Em suma, as concepções históricas culturalmente estabelecidas sobre o aleitamento materno, o sentimento de solidariedade, o altruísmo entre as mães, o incentivo ao aleitamento materno sem enfatizar suas contraindicações, em conjunto com a carência de informações sobre os riscos do aleitamento, se configuraram nesta pesquisa como os principais motivos para a prática do aleitamento cruzado. De um modo geral, a realização deste estudo e os resultados obtidos demonstram a importância de práticas pedagógicas participativas e continuadas durante o período pré e pós-natal, e afirma a necessidade de ampliar esta realidade informativa, sobretudo no tocante à etapa pré-natal. 75 SUMMARY PREVALENCY OF CROSS-NURSING AND THE KOWLEDGES ABOUT THIS PRACTICE Carla Regina Gonçalves PEREIRA, Waltair Maria Martins PEREIRA, Nelson Veiga GONÇALVES e Voyner RAVENA-CAÑETE. FabrícioAleixo DIAS e Cileide Gomes da Mota TAVARES Objective: to investigate the prevalence of crossed breast feeding and knowledge about this practice, among the pregnant women assisted in the Family’s Health Strategy of the municipal district of Belem, state of Para. Methods: a quantitative and qualitative research was accomplished, with drawing of descriptive, observational and crosssectional study type. The subjects of the research were 85 pregnant women assisted in PSF Galo I, Galo II e Canal da Visconde. The data were collected through the application of semi-structured questionnaire, applied among months of September to November of 2013. Results: The prevalence of crossed breast feeding found was 61,54% among women that already had children, most of the pregnant women interviewees would breastfeed the son of another person case it was requested without any restriction, as well as they would ask for another woman to breastfeed his/ her son if necessary. A big one percentile (94, 87%) of interviewees witnessed the crossed breast feeding. Practically all the pregnant women told they did not receive information about the risks of breast feeding crossed by the team of health during the accomplishment of the prenatal. The reasons that justified the crossed breast feedingpractice were: the difficulty to breastfeed and the temporary or definitivemother's absence. Conclusion: the historical conceptions culturally established on the maternal breast feeding, the solidarity feeling, the altruism among the mothers, the incentive to maternal breast feeding without emphasizing its contraindications, together with the lack of information on the risks of breast feeding, were configured in this research as the main reasons for the practice of the crossed breast feeding. Key-words: Crossed breast-feeding. Breast-feeding. Humanmilk. Health. Prenatal. REFERÊNCIAS 1 Vieira AC de Jesus et al. Conhecimento das puérperas sobre o aleitamento cruzado. Revista do Centro Universitário Barão de Mauá, v.1, n.2, jul/dez 2001. Disponível em: <http://www.baraodemaua.br/comunicacao/ publicacoes/jornal/v1n2/artigo03.html>. Acesso em: 12 abr 2013. 2 Carvalho MR. Amamentação Cruzada e Amas de Leite: práticas não recomendadas. O portal para o Universo da Amamentação.Disponível em: <http://www.aleitamento.com/amamentacao/conteudo.asp?cod=1561>. Acesso em: 10 abr 2013. 3 Santiago LB,Mattar MJG. Aleitamento Cruzado. SBP Amamentação. Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de Pediatria, n. 6, out 2006/jan 2007. Departamento Científico de Amamentação. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/img/bo_amentacao/boletim06.pdf>. Acesso em: 12 abr 2013. 4 Vieira GO, ISSLER H,Teruya K. Amamentação e Doenças Maternas. In: LOPEZ, Fábio Ancona; campos júnior, Dioclécio. Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. São Paulo: Manole, 2007. Cap. 3, p. 287-291. 5 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.016, de 26 de agosto de 1993. Disponível em: <http://pnass.datasus. gov.br/documentos/normas/40.pdf>. Acesso em: 15 mar 2013. 6 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010. Disponível em:< http://www. ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso em: 11 jan 2014. 7 BRASIL. Portaria Nº 570, de 1º de junho de 2000. Ministério da Saúde. Secretaria. Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2000. Disponível em:<http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/ obst/GM_P570_00obst.doc>. Acesso em: 12 jan 2014. 76 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 8 Oliveira CNT,Oliveira M V. Prevalência de Aleitamento Materno Exclusivo e Fatores Associados ao desmame precoce no município de Vitória da Conquista-BA. 9 Nogueira CMR. Conhecimento sobre o aleitamento materno de parturientes e prática do aleitamento cruzado na Unidade Hospitalar e Maternidade Venâncio Raimundo Sousa Horizonte – Ceará. Dissertação (mestrado) - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://bvssp.icict. fiocruz.br/pdf/25623.pdf>. Acesso em: 15 fev 2014. 10 WABA. World Alliance for Breastfeeding Action. Grupo de Trabalho de Apoio Materno - GTAM. Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno. Boletim Eletrônico, v. 6, n. 1, jan./abr. 2008. Disponível em:< http://www.waba.org.my/pdf/mstfnl_v6n1_por.pdf>. Acesso em: 11 jan 2014. 11 Lunardi VLet al. Promoção do aleitamento materno pela equipe de enfermagem em um Hospital Amigo da Criança. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 28, n. 1,p. 89-97, 2007. Disponível em: <www.seer. ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/download>. Acesso em 15 dez 2013. Endereço para correspondência M.Sc. Waltair Maria Martins Pereira Universidade Federal do Pará Travessa Timbó, no 2350, Apartamento 1002. Bairro do Marco, Belém-PA. CEP: 66093-350 Telefone: (91)98152-7887 E-mail: [email protected] Recebido em 11.11.2014 – Aprovado em 10.02.2016 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 77 ATUALIZAÇÃO/REVISÃO AGITAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA EM ANESTESIA INALATÓRIA PEDIÁTRICA: REVISÃO INTEGRATIVA1 EMERGENCE AGITATION IN INHALATION PEDIATRIC ANESTHESIA: INTEGRATIVE REVIEW Francisco Luiz de Moura CAVALCANTE2, Herick Meninéa CANAVIEIRA3 e Eberlan Silva DE JESUS4 RESUMO Objetivo: Trata-se de uma revisão sistemática que busca identificar os principais fatores de risco para o desenvolvimento da agitação ao despertar em crianças submetidas à anestesia geral inalatória. Método: Revisão sistemática e integrada de artigos originais e revisões que investigaram os fatores associados à agitação no despertar pós-operatório em crianças, no período de1994 até 2014.. Resultados e Discussão: Os possíveis motivadores da agitação identificadas foram idade pré-escolar, ansiedade no período pré-anestésico, aflição e insegurança dos pais, temperamento da criança, medicação pré-anestésica, escolha do agente anestésico, sequela de estresse na indução, dor, ambiente barulhento e estimulante, rápido retorno à consciência e despertar em ambiente não familiar. Ainda observou-seque, os α2-agonistas parecem ser o grupo de fármacos mais efetivo na prevenção e tratamento desta complicação. Conclusão: De forma isolada, não há desencadeadores que possam ser implicados como causador de agitação pós-operatório, deve-se considera dar o quadro como um conjunto onde existem componentes biológicos, farmacológicos, psicológicos e sociais, os quais todos profissionais envolvidos devem estar preparados para identificar, prevenir e intervir adequadamente sempre que necessário. DESCRITORES: Anestesia inalatória. Crianças. Excitação psicomotora INTRODUÇÃO A agitação pós-operatório é um fenômeno clinico bem documentado, principalmente em crianças e tem sido estudada desde a década de 601. É também denominada na literatura mundial comoemergence delirium.Trata-se de um problema significante na recuperação da anestesia em crianças. Esta se manifesta por uma variedade de comportamentos que variam desde choro e irritabilidade, até intensa agitação e desorientação, que muitas vezes necessita contenção mecânica. 3 4 1 2 Wells &Rachestudaram casos de agitação no despertar onde os pacientes descreveram suas experiências. Eles afirmaram estarem acordados, mas sentindo-se terrificados e temporariamente desorientados, acreditando que ainda estavam esperando para serem operados2.O quadro pode levar a acidentes dentro da sala de cirurgia ou de recuperação pós-anestésica como a queda do paciente do leito resultando em traumas diversos, perda de sondas e cateteres venosos, desconexão de cabos e instrumentos de monitorização e perda de curativos cirúrgicos. Trabalho Realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil. Medicina. Universidade Federal do Pará.Universidade do Estado de São Paulo. Belém. Pará. Brasil Medicina. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil Medicina. Universidade do Estado do Pará. Belém. Pará. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 79 O período de maior incidência de agitação são os primeiros30 minutos após o despertar. O quadro normalmente tem duração limitada e resolução espontânea e dura geralmente entre 5-15min. Contudo, episódios de agitação prolongada por ate dois dias já foram relatados3. Cuidados adicionais de enfermagem muitas vezes são necessários, o que pode retardar a alta do hospital e aumentar os custos, a angústia dos pais e a insatisfação geral com o atendimento anestésico3. Não existe explicação definitiva para a agitação ao despertar. Algumas têm sido aventadas, tais como o rápido retorno à consciência em ambiente não familiar, a presença da dor, o estresse durante a indução da anestesia, a hipoxemia, a obstrução da via aérea, o ambiente barulhento, a duração do procedimento, o temperamento da criança, o emprego da medicação pré-anestésica ou a técnica anestésica empregada e emprego de alguns fármacos, dentre os quais desponta osevoflurano4. Este enigma em estabelecer a etiologia explica a grande variabilidade de prevalência relatada na literatura, com taxas que variam de 10 a 80% 5. Do mesmo modo, escalas diagnósticas diferentes e definições variadas fazem com que a comparação entre os trabalhos para identificação da real etiologia se torne cada vez mais complexa. Sikich&Lerman (2004), com o objetivo de minimizar o erro na avaliação clinica da agitação em crianças, desenvolveram uma escala e comprovaram sua validade e confiabilidade para aferir este fenômeno e a denominaram PediatricAnesthesiaEmergence Delirium (PAED)6. A partir disso, os estudos que avaliam a ocorrência da agitação ao despertar em crianças tem empregado tal ferramenta, o que possibilita a comparação mais confiável dos dados observados por diferentes autores.Embora a escala PAED tenha se mostrado fidedigna e útil,foram identificadas algumas limitações, sendo a principal delas a dificuldade em se separar sintomas referentes a dor pós-operatório da agitação pósanestesica6. Embora a agitação pós-operatória também seja observada em procedimentos indolores, acredita-se que a dor seja o seu principal fator contribuinte7. A intervenção farmacológica pode ser considerada, dependendo da duração e gravidade do evento e pode incluir analgésicos, benzodiazepínicos e hipnóticos como fentanil, propofol e midazolan dentre outros3. OBJETIVO Identificar, agrupar e discutir as possíveis razões da agitação pós-operatória em crianças submetidas 80 à anestesia inalatória, além de dar subsídios àsações referentes a documentação e prevenção cada vez mais adequadas. MÉTODO Revisão sistemática e integrada de artigos originais e revisões que investigaram os fatores associados à agitação no despertar pós-operatório em crianças, no período de1994 até 2014. Foram incluídos artigos originais e revisões, publicados e indexados no MEDLINE, PubMede Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME). Como estratégia de busca, foram utilizados os termos a seguir: Agitação, despertar, pós-operatória, crianças, anestesia, pediátrica, inalatória. Foram executadas a cooptação de dois descritores por vez: “agitação” + “anestesia”, “agitação” + crianças”, “agitação” + “inalatória”, “agitação” + “pós-operatório” “despertar” + “agitação”, “despertar” + “anestesia”, “despertar” + “crianças”, “despertar” + “inalatória”, “despertar” + “pós-operatório”. Ainda foi aproveitada a tática de busca nas referências bibliográficas dos artigos selecionados, com objetivo de identificar os que porventura não tivessem sido encontrados na busca inicial. O sparâmetros para busca foram os mesmos já descritos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Vários fatores podem ter impacto no comportamento dopaciente no pós-operatório, como será descrito a seguir. Idade A maior incidência de agitação após anestesia inalatória encontra-se em crianças em idade pré-escolar. Estudos anteriores já confirmaram estes resultados e, desde então, o grupo mais estudado situa-se na faixa etária de 2 a 4 anos de idade6. Recentemente, Gooden e colaboradores demonstraram que a média de idade dos pacientes que desenvolveram agitação após anestesia inalatória com sevofluorano foide4,8±1,5 anos,em comparaçãocom a média de idade de6,7±2,3 anos para aqueles que não apresentaram agitação (p < 0,001)8. Segundo Martini (2005)a explicação para incidência maior neste grupo parecem ser as condições fisiológicas do hipocampo ainda imaturo nessa faixa etária, além da labilidade emocional exacerbada diante de uma situação de estresse em um ambiente estranho9. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Fatores ambientais,sociais, psicológicos e relacionadosao ato operatório. Crianças que apresentam conduta impulsiva e emocional, menos sociáveis e cujos pais são mais ansiosos,parecem ser mais propensas para desenvolver este fenômeno clinico10. Se a separação da criança dos seus pais, no momento do encaminhamento para a sala de cirurgia,for muito traumática, aumenta-se o risco do aparecimento da agitação no despertar. Em 2004, Arai e colaboradores demonstraram que a separação de ratas dos seus filhotes, no período pré-operatório, desencadeia agitação pós-operatoria11. No mesmo ano Kain e colaboradores, em pesquisa que envolveu 791 crianças, demonstraram que o risco para o aparecimento dos sintomas da agitação no despertar aumenta em 10% para cada aumento de 10 pontos no escore de avaliação da ansiedade pré-operatório das crianças que eram submetidas a qualquer modelo de tratamento anestésicocirúrgico12. Outros autores encontraram resultados semelhantes em estudos populacionais10. A relação entre ansiedade dos pais, histórico comportamental da criança, distúrbios durante o sono e a presença de agitação pós-operatória também foi avaliada por alguns estudos. Concluiu-se que crianças que apresentam acessos de raiva frequente e separação traumática dos pais durante o encaminhamento para a sala de operação tendem a apresentar mais frequentemente agitação pós-operatória, no entanto sem qualquer consequência psicológica a longo prazo13. Dor pós-operatório A dor pós-operatória é tema frequente nos estudos sobre agitação ao despertar. Apresenta-se em todos como uma variável que é alvo de intensa discussão.Mesmo assim, alguns autores argumentam que a analgesia adequada seria capaz de reduzir a incidência dessa complicação. Segundo Aouad e colaboradores (2005), em crianças submetidas a anestesia com sevoflurano para a realização de herniorrafia inguinal, a incidência de agitação após o despertar da anestesia foi significativamente menor no grupo que recebeu analgesia através do bloqueio caudal quando comparado ao grupo submetido a analgesia sistêmica com fentanil14. Observou-se redução da ocorrência de agitação com o uso de cetorolaco intravenoso, no intraoperatorio, em procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos de curta duração, nos quais o pico do efeito analgésico do fármaco ocorreu após o despertar15. Contudo, segundo outros autores, mesmo quando a dor no pós-operatório Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 é eficientemente tratada ou mesmo ausente, a agitação pode ocorrer. Isicem 2006, avaliou crianças submetidas à anestesia geral com sevoflurano para a realização de ressonância magnética e observou que, mesmo tratandose de um procedimento indolor, houve agitação em ate 47% das crianças ao despertar 16. Ainda observou-se a ocorrência de agitação ao despertarem pacientes submetidos à anestesia geral que receberam bloqueio caudal determinando analgesia efetiva 17. Assim, a dor parece ser fator agravante, e s uas manifestações comportamentais podem confundir o diagnostico de agitação ao despertar. Portanto, não parece ser um fator etiológico determinante, uma vez que mesmo em pacientes nos quais a dor esta ausente, a agitação pode ocorrer, permanecendo assim como fenômeno clinico independente. Entretanto, recomendase descartar, com o uso de analgesia adequada, a dor pósoperatória em todos os pacientes que manifestem sinais compatíveis com a agitação ao despertar. Tipo de cirurgia Vários estudos ressaltam a presença de agitação ao despertar em certas modalidades cirúrgicas. Cirurgias otorrinolaringológicas como amigdalectomia, tireoidectomia e cirurgias oftalmológicas,parecem apresentar incidência maior de agitacao16.Especulase que a sensação de sufocamento em procedimentos otorrinolaringológicos possa ser responsável pelo evento.Entretanto, são escassas e pouco consistentes as evidências científicas atuais que embasem este fator como causador de agitação. Escolha do anestésico Diversos desenhos foram realizados para determinar se o aparecimento da agitação no despertar estaria relacionado à técnica anestésica ou aos anestésicos. A anestesia inalatória, quando comparada à anestesia venosa com o propofol, parece estar mais frequentemente associada à ocorrência de agitação após o despertarem crianças. O sevoflurano e o desfluranosão os agentes mais comumente associados com essa complicação18.Muitos autores encontraram maior incidênciaem anestesia geral inalatória com o uso de sevoflurano,em comparação ao halotano18,19. Outros anestésicos inalatórios, como o desflurano e o isoflurano, também são implicados na ocorrência de agitação no despertar20. Como emprego do desflurano, demonstrouse incidência de 50 a80% desta complicacao21.Outro resultado encontrado foi agitação ao despertar em 2/3 81 dos pacientes que foram submetidos à miringotomia para colocação de tubo de ventilação sob anestesia com sevoflurano. Frente a esses resultados, os autores contra indicaram este fármaco para manutenção anestésica de pacientes nos quais é desejado mínimo esforço para evitar deslocamento do tubo de ventilação e, consequentemente, prejuízo ao procedimento. Em um estudo experimental, a adição de oxido nitroso à anestesia com sevoflurano diminuiu a concentração alveolar mínima do sevoflurano, de forma que a menor concentração do anestésico, reduziu a incidência de agitação no pós-operatorio21.Quando comparado ao isoflurano, o sevoflurano parece não somente aumentar a incidência de agitação ao despertar como também prolonga a duração da agitação quando esta ocorre, problema este detectado em crianças mantidas sob anestesia com sevoflurano, nas quais a ocorrência desta complicação foi de 20%, comparada a incidência de 7% com o emprego do isoflurano22. Uma das hipóteses aventadas seria abaixa solubilidade sanguínea deste agente em comparação à do isofluorano, promovendo despertar mais precoce da anestesia e agitação ao despertar23. Além disso, a redução gradual da concentração do sevoflurano, promovendo um despertar mais prolongado, não demonstrou diminuir a incidência de agitação com este agente 22.Sevoflurano, isofluranoe desflurano induzem a alterações eletroencefalográficas similares durante a anestesia, mas diferentes das alterações provocadas pelo halotano. Este fato poderia explicara menor incidência de agitação nos pacientes anestesiados com halotano. Entretanto, outros autores observaram que não houve diferença significativa na incidência da agitação ao despertar e nas mudanças comportamentais, no período pós-operatório,ou distúrbio do sono em crianças, quando se utilizou o sevoflurano ou o halotano24. Assim, diante de tais evidências, fica claro que os anestésicos inalatórios, principalmente o sevoflurano e o desflurano, são potencias desencadeadores de agitação ao despertar, não existindo ainda explicação definitiva para a causa desencadeante nem para estabelecimento do anestésico inalatório preferencial para prevenir esta complicação. Agentes adjuvantes da anestesia Em 2004, Demirbilek e seus colaboradores observaram que a administração do fentanil na dose de 2,0 μg.kg-1 em crianças submetidas à adenoamigdalectomianão diminuiu de forma significativa a incidência de agitação após o despertar da anestesia 82 com desflurano ou sevoflurano. Segundo os autores, a incidência de agitação após o despertar foi de 13% no grupo controle e não diminuiu de forma significativa após administração do opióide18. Por outro lado, no estudo experimental de Galinkin em 2000, observou-se que a associação do fentanil, na dose de 2μg.kg-1 por via nasal, à anestesia com sevoflurano ou halotano reduziu a incidência de agitação ao despertar em crianças submetidas a timpanotomia e colocação de tubo de ventilação, sem o aumento dos efeitos colaterais ou do tempo de despertar25. O mesmo efeito foi observado no estudo de Cohen em 2000 que administrou o fentanil (2,5 μg.kg-1) por via venosa, em crianças submetidas a adenoidectomia sob anestesia com desflurano20. Já Cravero, em 2003, observou redução da incidência desta complicação quando promoveu a associação do fentanil (1,0 μg.kg-1) ao sevoflurano para realização de exames de ressonância magnética, procedimento que não envolve estímulo cirúrgico ou dor pós-operatório26. Já a eficácia do propofol para a prevenção da agitação após o despertar tem sido avaliada recentemente. Sabe-se que a incidência desse efeito indesejável é significativamente menor em crianças submetidas à anestesia venosa com propofol quando comparada aquela apresentada após anestesia inalatória baseada na administração de sevoflurano21. Segundo Aouade colaboradores (2007), mesmo quando administrado em dose única, no final da cirurgia, o propofol (1 mg.kg-1) é capaz de reduzir a incidência de agitação após o despertar da anestesia com sevofluran27. Resultado semelhante ao observado por Abu-Shawan em 2008 28. Alguns outros agentes também tiveram sua eficácia avaliada na prevenção da agitação após o despertar. Comparando-se a nalbufina (0,1 mg.kg-1) e a cetamina (0,25 mg.kg-1),administradas no final da anestesia inalatória com sevoflurano para a realização de ressonância magnética cerebral em crianças com idades entre 6 meses a 8 anos, houve menor incidência de agitação no grupo de pacientes que recebeu nalbufina. A ocorrência de agitação foi maior no grupo controle29. No ano de 2010 uma metanálise verificou a eficácia de diferentes agentes empregados como prevenção para o aparecimento da agitação durante o despertar da anestesia. Segundo o estudo, o midazolam não pode ser considerado como eficaz para essa função, enquanto o propofol, a cetamina, os agentes α2-agonistas e o fentanil mostraram efeitos profiláticos significativos30. Amelatonina, embora tenha grau de ansiólise préRevista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 operatório similar ao midazolam, apresentou menor incidência de agitação pós-operatório ou distúrbio do sono durante a observação por duas semanas de pósoperatório31. Os α2-agonistas adrenérgicos têm sido empregados em pediatria, com indicações cada vez mais amplas, como, por exemplo, medicação pré-anestésica, adjuvantes de bloqueios centrais e periféricos, analgésico em perfusão intratecal,controle da tolerância e síndrome de privação a outros sedativos. O emprego desta classe para prevenção da agitação no despertar pode ser justificado pela ação destes fármacos na diminuição da liberação de noradrenalina do locusceruleos, facilitando o deflagrar dos neurônios inibitórios,como os do sistema do acido gama-aminobutirico32,33. Confrontou-se a incidência de agitação em crianças sob medicação pré-anestésica com midazolam (0,5 μg/kg-1) e clonidina(2 e 4 μg/kg-1). O grupo que recebeu a maior dose de clonidina apresentou incidência estatisticamente menor do que a do grupo que recebeu dose menor declonidina ou midazolan. Porém esse resultado ainda não é consenso na literatura34.A clonidina (2 μg/kg-1) endovenosa, administrada após a indução da anestesia, diminuiu a incidência de agitação no despertar, ainda que tenha ocorrido sonolência mais acentuada no pós-operatório, mas sem que se observasse nenhum evento cardiorrespiratório adverso35. Outro fármaco α2-agonista que também tem se mostrado eficaz em prevenira agitação no despertar é a dexmedetomidina. Certos autores, em crianças anestesiadas com sevoflurano, administraram a dexmedetomidina em dose única após a indução da anestesia. A dose de 0,3 μg.kg-1 de peso corporal foi administrada em crianças submetidas a cirurgias abdominais superficiais e genitais36, e a dose de 1 μg.kg-1 de peso corporal, para a realização de ressonância magnética16.Outros autores administraram a dexmedetomidina (0,5 μg.kg-1 de peso corporal) no final da cirurgia, ou em infusão contínua (0,2 μg.kg1.h-1)37.Em todas essas pesquisas, houve diminuição da incidência da agitação no despertar. Quando em infusão continua, na dose de 0,2 μg/ kg-1/h-1,a dexmedetomidina mostrou-se eficaz em Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 reduzir a incidência de agitação no despertar na anestesia mantida com sevoflurano16.Da mesma forma, foi eficaz na prevenção desta complicação na dose de 0,5 μg/kg-1 de peso corporal37.Assim, os α2-agonistas mostram-se úteis na redução de agitação pós-operatório na criança. CONCLUSÃO A excitação pós-anestésica é um fenômeno limitado e não existem evidências que estes curtos episódios de agitação prejudiquem a recuperação a longo prazo. A presença desta complicação em crianças tem sido alvo de estudos de vários autores, principalmente quando anestésicos inalatórios como os evoflurano são empregados. Contudo, é desagradável uma recuperação turbulenta e não é compatível com uma boa prática anestésica. O choro e a agitação da criança podem causar ansiedade nos pais em decorrência da sensação de que algo não está certo. Em síntese, nenhum fator pode, de maneira isolada, ser implicado como causador de agitação pósoperatória. O anestesiologista deve estar preparado para identificar,prevenir e intervir adequadamente, quando necessário.Pode-se observar e entender que para crianças, algumas medidas são recomendadas com o intuito de evitar ou minimizar a ocorrência de agitação pós-operatória: – Acordar a criança em ambiente silencioso, evitando estimulação física ou verbal durante o transporte para a sala de recuperação pós-anestesica, até a criança estar totalmente acordada e com percepção do estimulo externo. – Se necessário, administrar analgésicos em caso de suspeita de dor, tais como dipirona, tramadol e antiinflamatórios,ou outro analgésico que estiver indicado. – Permitir a presença dos pais ou pessoas que estejam acompanhando a criança durante a permanência na sala de recuperação anestésica, auxiliando a diminuição da agitação. – Pela literatura atual, os α2-agonistas parecem ser o grupo de fármaco mais efetivo na prevenção e tratamento desta complicação. 83 ABSTRACT EMERGENCE AGITATION IN INHALATION PEDIATRIC ANESTHESIA: INTEGRATIVE REVIEW Francisco Luiz de Moura CAVALCANTE, HerickMeninéa CANAVIEIRA e Eberlan Silva DE JESUS Objective: It is a systematic review that aimsto elucidate the main factors of risk for the development of agitation in children submitted inhalation general anesthesia. Method: Research of literature based in studies of cohort and/or incidence, transversal and/or prevalence that search to identify possible triggers of agitation in children. Articles of 1994 to 2014 were reviewed as elementary sources of the research. Results and Discussion: The possible motivators of the agitation identified were: preschool age, anxiety in the period pre-anesthetic, affliction and insecurity of parents, child temperament, pre-anesthetic medication, choice of anesthetic agent, sequel of stress in the induction, pain, noisy and stimulating environment, rapid return to consciousness and awakening in unfamiliar environment. Furthermore, it was observed that the α2-agonists seem to be the group of drugs more effectives in the prevention and treatment of this complication. Conclusion: Of isolation manner, there are not triggers that can be involved as the causer of postoperative agitation. The clinical presentation should be consideredas a set, where there are biologicals, pharmacological, psychological and social components, and all professionals involved should be prepared to identify, prevent and intervene accordingly when necessary. KEYWORDS: Anesthesia. Inhalation. Children. Agitation.Review. REFERÊNCIAS 1 Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. Anesthesiology 1994; 22:667– 73. 2 Wells LT, Rasch DK. Emergence “delirium” after sevoflurane anesthesia: a paranoid delusion? AnesthAnalg 1999; 88:1308-10. 3 Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. AnesthAnalg. 2007;104:84-91. 4 Wilson S. A review of important factors in sedation methodology. PediatricDentistry. 1995;17:406-12. 5 Bong CL, Ng ASB. Evaluation of emergence delirium in asian children using the Pediatric Anesthesia Emergence Delirium Scale. PediatrAnesth 2009, 19: 593-600. 6 Sickich M, Lerman J. 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Floresta Tropical. Bl- Ipê. AP. 201, Coqueiro Ananindeua-Pará-Brasil Tel: (91) 98228-4243 Email: [email protected] Recebidoem 09.12.2014 – Aprovadoem 12.02.2016 86 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ATUALIZAÇÃO/REVISÃO analise da eficácia do ácido zoledrônico no tratamento adjuvante do câncer de mama quanto a mortalidade e recidiva¹ examine the effectiveness of Zoledronic acid in the adjuvant treatment of breast cancer in terms of mortality and recurrence Camila Helena OLIVEIRA², Danielle Rodrigues DOMINGUES², Mariana Campos BOMFIM², Nathalya Botelho BRITO³, Roberto César Nogueira JÚNIOR4 e Nara Macedo BOTELHO5 RESUMO Objetivo: realizar uma revisão da literatura para analisar a eficácia do ácido zoledrônico(ZOL) no tratamento adjuvante do câncer de mama quanto à mortalidade e recidiva. Método: para a realização da busca, foi utilizada a base de dados Medline, usando os descritores “zoledronic acid OR Diphosphonates” “AND Breast Neoplasms” e o filtro “Therapy Broad”. Os critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos foram utilizados para selecionar os estudos incluídos nesta revisão. Resultados: Foram incluídos quatro estudos. O ABCSG-12 observou uma redução dos eventos de sobrevida livre de doença (p=0,008) e do número de mortes (p=0,09) no grupo com ZOL. Já no estudo AZURE, a sobrevida livre de doença (p= 0,79) e o número de mortes (p=0,07) não apresentaram diferença significativa entre os grupos na população geral, sendo observado benefício somente nas pacientes com menopausa há mais de cinco anos, com diferença na sobrevida global significativa (p= 0,04). Coleman et al, em 2010 verificou maior redução do tamanho do tumor invasivo residual no grupo que recebeu ZOL (p=0,0059). O ZO-FAST demonstrou uma diferença absoluta na sobrevida livre de doença de 3,2% (p= 0,0314) a favor do grupo que recebeu ZOL imediato. Conclusão: Não se pode afirmar que o ácido zoledrônico seja benéfico na terapia adjuvante do câncer de mama para todas as mulheres, porém os resultados são promissores quando utilizado em pacientes com baixos níveis estrogênico. DESCRITORES:Ácido zoledrônico. Bifosfonados. Câncer de mama. Mortalidade. Recidiva. INTRODUÇÃO O câncer da mama é o tipo de neoplasia maligna que mais acomete as mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos. Em 2012, esperam-se, para o Brasil, 52.680 casos novos de câncer da mama, com um risco estimado de 52 casos a cada 100 mil mulheres1. ¹ ² ³ 4 5 O ácido zoledrônico (ZOL), utilizado no tratamento para o câncer de mama, pertence à classe dos bisfosfonados que atuam especificamente no osso, impedindo a reabsorção óssea osteoclástica²-4. É usado na oncologia médica para reduzir eventos relacionados com a morbidade esquelética5 visto que terapias para o tratamento do câncer de mama, como quimioterapia (QT) adjuvante e terapias endócrinas, podem resultar em Pesquisa realizada utilizando na base de dados Medline. Medicina. Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Medicina. Graduada pela Universidade Estadual do Pará. Belém. Pará. Brasil Medicina. Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Medicina. Universidade Estadual do Pará. Belém. Pará. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 87 diminuição dos níveis de estrógeno e consequentemente em perda óssea. Estudos recentes mostram que os bisfosfonados, além de preservar a densidade mineral óssea, atuam prevenindo metástases ósseas ao tornar o microambiente celular menos adequado à sobrevivência e proliferação das células cancerígenas6-9. Seus efeitos incluem a prevenção da adesão da célula tumoral no osso e, consequentemente, a prevenção de metástases ósseas10-12, indução da apoptose das células tumorais13-15, antagonismo dos fatores de crescimento16 e efeitos anti-angiogênicos14,15,17. Acredita-se, com base em dados pré-clínicos, que o ácido zoledrônico tenha propriedades antitumorais que podem também torná-lo útil no tratamento do câncer de mama precoce5,14,15,18, apresentando efeitos sinérgicos com outros tratamentos para câncer, como quando combinados com o tratamento quimioterápico18,19. Outros estudos recentes sugerem que os bisfosfonados também devem retardar a recorrência da doença em populações de mulheres com níveis estrogênicos baixos com câncer de mama20, entretanto, este mecanismo ainda não está totalmente esclarecido, havendo controvérsias20-22. OBJETIVO os critérios de inclusão e exclusão a fim de selecionar os artigos que condiziam com o objetivo do trabalho. Após a leitura na íntegra destes, foram incluídos aqueles apropriados para elucidação dos objetivos propostos por esta revisão. Para avaliar o nível de evidência científica foi utilizada a escala de “Oxford Centre for Evidencebased Medicine” atualizada em maio de 2001, na qual a correspondência entre o grau de recomendação e a força de evidência científica foi descrita a seguir: A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência. B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência. C: Relatos de casos estudos não controlados. D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. Para a realização da análise estatística foi utilizado o programa catmakerde. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao se aplicar a estratégia de busca foram selecionados 1608 artigos, após incluir o filtro e realizar a leitura dos resumos, selecionaram-se 11 artigos para a leitura na íntegra, destes, quatro foram incluídos (figura 1). Realizar uma revisão da literatura a fim de analisar aeficácia do uso do ácido zoledrônico no tratamento adjuvante do câncer de mama precoceem relação à mortalidade e à recorrência da doença. MÉTODO Trata-se de umametanalise, onde para a realização da busca foi utilizada a base de dados Medline, usando os descritores “zoledronic acid OR Diphosphonates AND Breast Neoplasms”, utilizou - se ainda o filtro “Therapy Broad”, a fim de selecionar apenas estudos terapêuticos. Com a finalidade de direcionar o estudo, foram incluídos trabalhos que seguissem os seguintes critérios: estudos realizados em humanos, do sexo feminino, que se encontravam na pré ou pós-menopausa; além de estudos que analisavam os benefícios do ácido zoledrônico no câncer de mama em relação a mortalidade e recorrência. Foram excluídos artigos que abordassem apenas benefícios em relação à metástase óssea ou diminuição do índice de densidade mineral óssea. Para a seleção dos trabalhos, realizou-se a leitura dos resumos dos trabalhos encontrados e seguiram-se 88 Figura 1: fluxograma da seleção dos estudos O Austrian Breast and Colorectal Cancer Study Group trial 12 (ABCSG-12)23 é um estudo 2x2 fatorial controlado, randomizado e aberto, que analisou uma população de 1803 mulheres pré-menopausadas com Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 câncer de mama em estadio precoce (I ou II), receptor de estrógeno e/ou progesterona positivos, com um total de até nove linfonodos axilares comprometidos e que receberam tratamento adjuvante com hormonioterapia, onde foi realizada supressão ovariana com goserelina (3,6 mg a cada 28 dias) para todas as pacientes e adicionado tamoxifeno (20 mg por dia) ou anastrozol (1 mg por dia) com ou sem ácido zoledrônico (4mg a cada 6 meses) por 3 anos de tratamento. Após o fim da terapia estas pacientes foram seguidas por mais 62 meses a fim de esclarecer questões previamente não respondidas a respeito da sobrevida livre de doença e da sobrevida global, que eram os principais desfechos analisados no estudo inicial. Do total de pacientes estudados, 900 foram randomizados para receber terapia endócrina associada ao ZOL, enquanto nos 903 pacientes restantes foi administrada terapia endócrina isolada, não havendo diferença significativa, neste estudo, entre o uso de tamoxifeno ou anastrozol na sobrevida livre de doença (p=0,608). Comparando o grupo que recebeu ZOL ao que não o recebeu, notou-se melhora da sobrevida livre de doença na associação com ZOL, 92% neste grupo e 88% na terapia isolada, essa diferença absoluta de 4% correspondeu a uma redução do risco relativo significativa para esses pacientes (76 vs 110 eventos; IC 95% 0,51 – 0,91; p=0,008). Ocorreram 30 mortes (3%) no grupo que recebeu ZOL comparado ao grupo que não recebeu esta droga, no qual foram verificadas 43 mortes (5%), o risco de morte não diferiu significativamente entre esses grupos (IC 95% 0,41 – 1,07 p=0,09). Observou-se ainda uma recorrência locorregional em 15 pacientes do grupo em uso de ZOL, enquanto no grupo sem a associação desta droga este evento acometeu 30 pacientes (IC 95% 0,002 - 0,030). Para uma análise mais específica, a população geral do estudo foi analisada de acordo com a idade. Em pacientes com 40 anos ou menos (n=403), o ZOL não mostrou redução de risco relativo significativa nos eventos da sobrevida livre de doença (IC 95% 0,57 – 1,56); já nas pacientes com mais de 40 anos (n=1803), foi possível observar uma redução de risco relativo significativa (IC 95% 0,40 – 0,83). No estudo Adjuvant Zoledronic Acid to Reduce Recurrence (AZURE)24 controlado, randomizado, aberto, fase 3, foi avaliado o uso adjuvante do ácido zoledrônico em uma ampla população de pacientes (N = 3360) com estadio II ou III de câncer de mama, incluindo pacientes na pré e pós menopausa. O ácido zoledrônico foi administrado após cada ciclo de quimioterapia Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 adjuvante em uma dose de 4 mg por infusão IV a cada 3 a 4 semanas por 6 ciclos e a seguir a cada 3 a 6 meses até completar 5 anos de tratamento. O objetivo primário do estudo foi a sobrevida livre de doença, o que foi definido como uma ausência de recorrência a distância, de qualquer recorrência locoregional invasiva e ausência de morte. Os objetivos secundários analisados foram a sobrevida global e a sobrevida livre de doença invasiva. Dos 3360 pacientes estudados, 1681 foram randomizados para receber ácido zoledrônico, enquanto 1679 entraram para o grupo controle. Do total de pacientes, 3208 (95,5%) receberam quimioterapia associada ou não à terapia endócrina, sendo que destes pacientes, 97,6% receberam uma antraciclina e 24,2% receberam um taxane. Destes pacientes tratados com quimioterapia, 208 receberam quimioterapia neoadjuvante e 3000 receberam quimioterapia pós-operatória. O tempo médio de seguimento foi de 59,3 meses no grupo do ácido zoledrônico e 58,6 meses no grupo controle. O restante dos pacientes, ou seja, 151 do total (4,5%) receberam terapia endrócrina exclusiva. Em 5 anos de seguimento, 1293 (76,9%) no grupo recebendo ácido zoledrônico e 1294 (77,1%) no grupo controle estavam vivos e livres de doença; 377 pacientes no grupo de tratamento e 375 pacientes no grupo controle tiveram doença recorrente ou morreram (IC 95% 0,85 - 1,13; p= 0,79). Em relação aos pacientes que estavam vivos e livres de doença invasiva, 75,4% e 75,3% estavam nos grupos de tratamento e controle, respectivamente. Observando as pacientes que tiveram doença invasiva ou haviam morrido, 404 eram do grupo de tratamento e 403 do grupo controle (IC 95% 0,85 1,12; p= 0,73). Analisando as mortes, 243 ocorreram no grupo que recebeu ZOL, sendo a taxa de sobrevida global em 5 anos de 85,4%, já no no grupo controle, ocorreram em 276 pacientes, com taxa de sobrevida global em 5 anos de 83,1% (IC 95% 0,72-1,01; p= 0,07). Outra análise foi feita ao dividir as pacientes em grupos de acordo com o estado menopausal: pré menopausa (n=1503) e pós menopausa ou estado desconhecido (n=1856). Nas pacientes com menopausa há mais de cinco anos notou-se uma heterogenicidade do efeito do tratamento em relação à sobrevida livre de doença invasiva. Nos cinco anos de estudo, em pacientes na pós menopausa a sobrevida livre de doença invasiva foi de 78,2% no grupo que recebeu ZOL e 71% no grupo controle (IC 95% 0,59-0,96; P=0,02); entre as outras 89 pacientes, as taxas foram de 74,1% no grupo que recebeu ZOL e 77,2% no grupo controle (IC 95% 0,97-1,36; P=0,11). Entre as pacientes que entraram na menopausa há mais de 5 anos, a sobrevida global foi de 84,6% no grupo que recebeu ZOL e 78,7% no grupo controle (IC 95% 0,55-0,98; P= 0,04), enquanto nos outros pacientes foi de 85,7% no grupo que recebeu ZOL e 85,1% no grupo controle (IC 95% 0,78-1,21; P= 0,81). Essas diferenças foram independente do estado de receptor de estrógeno, estadiamento tumoral, e envolvimento linfonodal. No grupo que recebeu ZOL, foram confirmados 17 casos de osteonecrose de andíbula e 9 casos suspeitos; no grupo controle nenhum caso foi relatado. Essas taxas foram observadas com uma frequência maior que o reportado na literatura (8 abc1 ,20 azure, o 20 é o zofast), provavelmente devido ao uso do ácido zoledrônico em maior número de mulheres neste estudo. A taxa de fratura foi reduzida em pacientes que receberam ácido zoledrônico, com 175 fraturas (65 no grupo ácido zoledrônico e 110 no grupo controle) em 152 pacientes (60 no grupo de ácido zoledrônico e 92 no grupo controle). Coleman et al, em 201025 , realizou um estudo retrospectivo a partir da população do AZURE, onde foi selecionado um subgrupo de 205 pacientes que recebeu QT neoadjuvante, associada ou não ao ácido zoledrônico. Para receber esta terapia as pacientes deveriam ter estadio da doença T3 ou T4, ou N1, além de ter cirurgia definitivaprogramada e/ou radioterapia radical com intenção curativa. O ZOL deveria seradministrado logo após a quimioterapia na dose de 4 mg IV junto a 100 mL de SF a 0,9%durante 15 minutos. O desfecho primário foi a avaliação do tamanho do tumor residualinvasivo no momento da cirurgia. Os desfechos secundários foram: a resposta patológicacompleta (RPC), ou seja, a ausência de qualquer tumor invasivo residual dentro da mama eda axila, e a taxa de envolvimento ganglionar axilar. Da população selecionada pelo AZURE, 195 pacientes foram incluídas, pois tinhamformas histopatológicas cirúrgicas disponíveis para a análise exploratória, 94 receberamQT + ZOL e 101 receberam QT isolada. O tamanho do tumor invasivo residual pôde serdeterminado em 182 pacientes (93 QT isolada e 89 QT + ZOL), encontrando-se tumores,em média, de 30 mm (7 - 60 mm) no grupo que recebeu QT isolada e 21 mm (7 – 38 mm)na QT associada ao ZOL. Ao se realizar um ajuste da média do tamanho desses tumores,encontrouse uma diferença estatística significativa de 12 mm (95% CI 3,5 – 20,4 mm; p-0,0059). Em relação aos 90 linfonodos axilares, foi possível analisá-los em 194 pacientes(99,5%) e a média de linfonodos positivos foi 3 (0 - 6) no grupo de QT isolada e 2 (0 - 6)na QT + ZOL, não havendo diferença significativa (p=0,6315). Os únicos fatoressignificativos na associação a um baixo envolvimento linfonodal são o aumento da duraçãodo tratamento (p=0,0102) e a presença de receptor de estrógeno negativo (p=0,0129). Considerando-se que cirurgia conservadora da mama é um frequente objetivo da terapianeoadjuvante, a taxa de mastectomia é um importante parâmetro a se analisar. No estudoem questão, de todas as pacientes incluídas, 80 (79,2%) do grupo da QT isolada foramsubmetidas à mastectomia, comparado com 66 (70,2%) do grupo QT + ZOL. O Zometa-Femara Adjuvant Synergy Trial (ZOFAST)30 é um estudo randomizado,aberto, multicêntrico que compara a adição imediata ou tardia de ácido zoledrônico naterapia endócrina adjuvante em 1065 mulheres na pós-menopausa com câncer de mamaprecoce (estadio I-IIIa) e receptor hormonal positivo. Todas as pacientes receberamdiariamente letrozol oral adjuvante (2,5mg) por 36 meses e foram randomizadas parareceber ácido zoledrônico (4mg em infusão IV de 15 minutos a cada 6 meses)imediatamente ou tardiamente. A administração do ZOL para o grupo imediato foi realizada logo após a randomização; já o grupo de ZOL tardio, recebeu a droga apenas se oT-score fosse menor que -2,0, após fratura não traumática ou assintomática diagnosticadaatravés de raio-X. Seu objetivo primário consiste em analisar a porcentagem de mudançana densidade mineral óssea da coluna lombar entre os grupos e os objetivos secundáriosestão relacionados ao tempo de recorrência da doença (recidiva local ou metástase àdistância), à sobrevida global e à segurança do acido zolêdronico na terapia do câncer. Para a realização do estudo, 1060 pacientes foram classificadas como populaçãosegura, estando aptas a receber as drogas a serem analisadas. Inicialmente, 524 pacientesforam selecionadas para o grupo ZOL-imediato e 536 para o grupo ZOL-tardio; desteúltimo grupo, apenas 110 pacientes (21%) iniciaram a terapia com ZOL no períodoestudado. Na população com intenção de tratar, 506 pacientes do grupo ZOL imediato e489 do tardio estavam livres da doença e vivos, tendo uma diferença absoluta de 3,2%entre estes dois grupos. Esta diferença representa uma significativa redução do riscorelativo (41%) em ter um evento de sobrevida livre de doença (recorrência da doença ouorte) para ZOL imediato versus tardio (IC 95% Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 = 0,361-0,959; p = 0,0314). Além disso,verificou-se que os efeitos do ZOL não foram limitados ao osso: pacientes do grupo ZOLimediato tiveram menos recorrência local [2 (0.4%) vs 10 (1.9%) do ZOL tardio] e àdistância [20 (3.8%) vs 30 (5.6%) do ZOL tardio]. Apenas 9 pacientes (1.7%) do ZOLimediato vs 17 (3.2%) pacientes do ZOL tardio desenvolveram metástases ósseas. Asíntese dos resultados pode ser observada na tabela 1. Os estudos analisados avaliam o efeito do uso do ácido zoledrônico no tratamento adjuvante do câncer de mama. Há diferenças no que diz respeito à população estudada, tanto em relação a amostra, quanto ao estadiamento do câncer e ao estado menopausal dessas pacientes, o que pode comprometer a síntese da evidência disponível. Tabela 1 – Síntese dos resultados pesquisados Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 91 Enquanto o estudo ABCSG12 inclui pacientes na pré-menopausa e com estadiamento I ou II para o câncer de mama, ou seja, um estadio precoce, o estudo AZURE avalia, além de mulheres na pré menopausa, as mulheres em estado de pós menopausa ou estado menopausal indeterminado e com estadiamento II ou III, se tratando de um estadio com prognóstico menos favorável do que o do ABCSG12. Já o estudo ZO-FAST avalia mulheres na pós menopausa ou em menopausa recente, ou seja, menopausa devido à supressão ovariana ou à quimioterapia utilizadas no tratamento do câncer de mama precoce e com estadiamento mais abrangente, entre I e IIIa. Em relação ao tempo de seguimento das pacientes, o ABCSG12 seguiu as pacientes por 78 meses; no AZURE o tempo de seguimento foi em torno de 60 meses e no ZO-FAST de 36 meses, porém se analisarmos as perdas, podemos verificar que no estudo de maior seguimento elas foram inferiores aos estudos de menor seguimento, portanto, dentre todos, o ABCSG12 poderia ser considerado o mais fidedigno em relação à população que iniciou e terminou o estudo. Embora todos os estudos comparassem a adição do ZOL no tratamento adjuvante do câncer de mama, as terapias para este fim diferem entre os estudos: o ABCSG12 fez uso de goserelina associada a tamoxifeno ou anastrozol, enquanto que o AZURE realizou terapia endócrina isolada ou associada a QT ou QT isolada. O ZO FAST fez o emprego de letrozol associado ao ZOL precoce ou tardio em todos os seus pacientes e no estudo de Coleman et al de 2010 foi utilizada apenas QT. Neste último, o desfecho analisado foi o tamanho do tumor antes da realização da cirurgia programada, diferindo dos demais estudos que analisaram em comum a sobrevida livre de doença. É importante ressaltar que apesar de existirem alguns desfechos em comum, há uma abordagem diferente em cada estudo, resultando em uma heterogeneidade entre eles, portanto devemos analisá-los separadamente. Acredita-se que o ácido zoledrônico possa reduzir a recorrência da doença devido a sua ação em diminuir a prevalência de células tumorais disseminadas detectadas na medula óssea26,27. Uma diferença do risco absoluto de recorrência local foi demostrada em alguns estudos, como o ZO- FAST e o ABCSG-12, porém esta não foi significativa. Não é possível analisar este dado no estudo AZURE, pois os valores absolutos da recorrência da doença são fornecidos juntamente aos valores de morte. O benefício encontrado neste trabalho foi em relação à sobrevida global nas mulheres com menopausa há mais de 5 anos antes da entrada no estudo, demonstrando uma redução do risco absoluto de morte de 5,9% ( IC 95% 0,55 – 0,98, p= 0,04). 92 No ABCSG-12, a sobrevida livre de doença nas pacientes que fizeram o uso de ZOL foi mais evidente em mulheres acima de 40 anos de idade no início do estudo, que provavelmente tiveram supressão ovariana mais completa do que as mulheres com 40 anos ou menos. De fato, relatos de gravidez ou menstruação durante a supressão ovariana em mulheres muito jovens na pré-menopausa com câncer de mama, assim como relatos de amenorréia induzida por quimioterapia ocorrem menos freqüentemente em mulheres até 40 anos de idade quando comparados a pacientes com mais de 40 anos, sugerindo que a idade influencia fortemente na função ovariana e, assim, nos níveis estrogênicos circulantes durante a terapia do câncer28-31. Ao analisar os níveis hormonais da população dos estudos, observou-se que pacientes do ABCSG12 na pré-menopausa tratadas com goserelina (com anastrozol ou tamoxifeno) tinham baixos níveis hormonais no início do estudo, sendo similares às pacientes pós menopausadas do estudo AZURE e ZO-FAST, havendo desfechos semelhantes em relação à sobrevida global e/ ou sobrevida livre de doença. No subgrupo do AZURE houve redução de 44% no volume do tumor residual (p=0,006) e praticamente dobrou a taxa de resposta patológica completa no grupo que fez associação do ZOL à QT neoadjuvante29, porém existem limitações quanto à interpretação dos resultados finais em relação ao tamanho do tumor antes da cirurgia após o uso do ZOL, pois o tamanho dos tumores basais não havia sido coletado prospectivamente no estudo AZURE. Além disso, existem problemas inerentes relacionados à variabilidade interobservador na avaliação clínica do tamanho do tumor da mama e discrepâncias entre o exame físico, a mamografia e a ultrassonografia de mama. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se pode afirmar que o ácido zoledrônico seja benéfico na terapia adjuvante do cancêr de mama para todas as mulheres, porém os resultados são promissores quando utilizado em mulheres com baixos níveis estrogênicos, o que pôde ser avaliado pela melhora da sobrevida livre de doença e da sobrevida global, sendo estas, mais significativas quando o ZOL é admnistrado precocemente. Ademais, quando associado à QT neoajduvante, pode reduzir o tamanho do tumor, permitindo um menor número de mastectomias. Apesar destes benefícios, houve heterogeneidade quanto à população analisada, demostrando a necessidade de novos estudos, mais homogênios, para que se possa provar a evidênica disponível. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT examine the effectiveness of Zoledronic acid in the adjuvant treatment of breast cancer in terms of mortality and recurrence Camila Helena OLIVEIRA, Danielle Rodrigues DOMINGUES, Mariana Campos BOMFIM, Nathalya Botelho BRITO, Roberto César Nogueira JÚNIOR e Nara Macedo BOTELHO5 Objective:It is a literature review to examine the effectiveness of zoledronic acid (ZOL) in the adjuvant treatment of breast cancer in terms of mortality and recurrence. Method:It was used the Medline database, using the keywords “Diphosphonates OR zoledronic acid”“AND Breast Neoplasms” and the filter “Therapy Broad”. The inclusion and exclusion criteria previously established were used to select the studies included in this review. Results: Four studies were included. The ABCSG-12 observed a reduction in the event-free survival (p = 0.008) and in the number of deaths (p = 0.09) in the group with ZOL. In the AZURE trial, the disease-free survival (p = 0.79) and the number of deaths (p = 0.07) did not show significant difference between groups in the general population. The benefit was observed only in patients with menopause for more than five years, with significant difference in overall survival (p = 0.04). Coleman et al, in 2010, found a further reduction in tumor size invasive residual in the group receiving ZOL (p = 0.0059). The ZO-FAST demonstrated an absolute difference in disease-free survival of 3.2% (p = 0.0314) in favor of the group receiving ZOL immediately. Conclusion:It is not possible to assert that zoledronic acid is beneficial in the adjuvant therapy of breast cancer for all women; however, the results are promising when used in patients with low estrogen levels. KEYWORDS: Zoledronic acid. Diphosphonate. Breast neoplasms. Mortality. Recurrence. REFERENCIAS 1 Instituto Nacional de Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância. 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Endereço para correspondência CAMILA HELENA OLIVEIRA Endereço: Dr. Fernando Magalhães, 297, apto 7 São José do Rio Preto – São Paulo Tel: (55 017) 99650-2128 E-mail: [email protected] Recebido em 06.06.2015 – Aprovado em 11.02.2016 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 95 ATUALIZAÇÃO/REVISÃO DOENÇA DE POMPE: MANEJO FISIOTERAPÊUTICO1 POMPE DISEASE: PHYSICAL THERAPY MANAGEMENT Sâmela Miranda da SILVA2 e Paulo Eduardo Santos AVILA3 RESUMO Objetivo: revisar e descrever os atuais conceitos da Doença de Pompe, bem como, a fisiopatologia, métodos diagnósticos, aspectos da função cardíaca, pulmonar, musculoesquelética e neurológica, novas terapêuticas e manejo fisioterapêutico. Método: realizadarevisão da literatura científica com seleção das publicações sobre a Doença de Pompe nos últimos 10 anos, em português e inglês. Considerações Finais: ao final da revisão percebeu-se que a história natural da Doença de Pompe vem sofrendo grandes mudanças graças o advento de terapias como a de reposição de enzimas, e que essa reposição, tem seu efeito acelerado com o manejo fisioterapêutico adequado. DESCRITORES:Doença de Pompe.Doença de Depósito de Glicogênio Tipo II. Terapia de Reposição de Enzimas. Fisioterapia. INTRODUÇÃO A doença de Pompe (DP), também conhecida como doença de depósito de glicogênio tipo II, glicogenose tipo IIa ou deficiência do ácido maltase, é uma doença autossômica recessiva caracterizada pelo depósito lisossomal de glicogênio causada pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida (acid α-glucosidase GAA).1,2 Esta enzima participa no processo de degradação do glicogênio em glicose dentro das fibras musculares, sendo que mutações variadas no gene da GAA induzem a diferentes graus da deficiência da enzima, podendo levar a deficiência parcial ou completa.3 O acúmulo de glicogênio lisossômico pode ocorrer em diferentes tecidos, sendo as células da musculatura lisa, esquelética e cardíaca as mais afetadas.4 A DP foi descrita pela primeira vez em 1932 pelo patologista holandês JohannesCassianusPompe, em uma criança do sexo feminino que morreu aos sete meses de idade por cardiomiopatia hipertrófica, considerada até o momento como idiopática.Porém em 1963, Hers e colaboradores descreveram a enzima ácido alfa-1,4glicosidase dentro dos lisossomos, e correlacionaram sua deficiência com a DP.5 A doença apresenta um amplo espectro que vai depender da idade de início, envolvimento dos órgãos e grau das miopatias.6Porém, sabe-se que a deficiência completa da GAA resulta na forma infantil, que acomete as crianças nos primeiros meses de vida, e a deficiência parcial da enzima resulta na forma de início tardio, que pode se manifestar em qualquer idade, entre o primeiro ano de vida até a sexta década de vida.4,7 A prevalência da DP varia de 1:40.000 para 1:60.000 e é dependente de fatores étnicos e geográficos. Em comparação com outras doenças, ela é raramente observada em centros de doenças neuromusculares.8 As manifestações iniciais podem ter sua velocidade de progressão rápida e letal ou extremamente lenta; geralmente consistem em hipotonia e fraqueza muscular, Artigo elaborado para a Especialização de Fisioterapia em Terapia Intensiva da Universidade da Amazônia Fisioterapeuta. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 3 Fisioterapeuta.Universidade da Amazônia. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 97 cardiomiopatia e insuficiência respiratória.2,4 Até pouco tempo atrás, o tratamento da DP limitava-se a medidas sintomáticas que não alteravam a história natural da doença.2Atualmente, o tratamento da DP é feito através de terapia de reposição de enzimas (TRE) com a enzima alfa-glicosidase recombinante humana, aprovada em 2006 pela European Medicines Agency e pela FoodandDrugAdministration. A TRE tem proporcionado significativa melhora na função dos músculos cardíaco e esquelético, prolongando a sobrevida e reduzindo a mortalidade.3,9 OBJETIVO Revisar e descrever os atuais conceitos da Doença de Pompe, bem como, a fisiopatologia, métodos diagnósticos, aspectos da função cardíaca, pulmonar, musculoesquelética e neurológica, novas terapêuticas e manejo fisioterapêutico. MÉTODO Realizadarevisão da literatura científica com seleção de publicações relacionadas a Doença de Pompe, utilizando as bases de dados Scielo, MedLine e PubMed, além de revistas científicas publicadas nos últimos 10 anos, em português e inglês. DOENÇA DE POMPE A Doença de Pompe é uma rara, progressiva e frequentemente fatal doença muscular. A patologia fundamental é a deficiência da enzima GAA que tem por função hidrolisar o glicogênio lisossomal.6Com isso, ocorre um acúmulo de glicogênio intralisossômico, resultando em seu acúmulo maciço. A evolução da doença leva a ruptura dos lisossomos e formação de “lagos de glicogênio” intracelulares, que estimulam a liberação de outras hidrolases no citoplasma, causando autofagia e morte celular.2 Apesar de pouco frequente, a doença apresenta impacto significativo, com alta morbidade e letalidade em sua forma infantil e alta morbidade em sua forma tardia.2A forma infantil da DP é caracterizada por uma atividade enzimática residual de menos de 1%, hipotonia e fraqueza muscular progressivas, arreflexia, déficit de deglutição e sucção, déficit de peso e estatura, cardiomiopatia hipertrófica,hepatomegalia, macroglossia, que tende a evoluir para uma cardiomiopatia dilatada. Autópsias mostram que o coração pode alcançar um 98 tamanho três vezes maior que o normal.1,2,7 Nesses pacientes a rápida progressão da doença conduz ao óbito geralmente por volta do 1º ano de vida.10 Jáa DP de início tardio, é caracterizada pelo aparecimento dos sintomas após o 1º ano de vida, com um envolvimento menos severo da cardiomiopatia e progressão mais lenta.A fraqueza muscular é o principal sintoma com predomínio na musculatura proximal e importante comprometimento dos membros inferiores, resultando em prejuízo da função motora. Com a progressão da doença, os pacientes necessitam de dispositivos que auxiliem no transporte (deambulação),podendo vir a se tornar dependentes de ventilação pulmonar mecânica devido à insuficiência respiratória, sendo esta, a principal causa de morbidade e mortalidade.9,10 Pacientes com história clínica compatível com DP devem ser investigados para confirmação, eassim, encaminhados para tratamento específico.O diagnóstico pode ser realizado pela avaliação da atividade da enzima GAA de forma direta em amostras de sangue, de leucócitos ou ainda de fibroblastos.A análise molecular pode também ser utilizada para identificar mutações da GAA em casos altamente suspeitos. É necessário considerar que familiares assintomáticos de um paciente diagnosticado com DP também devem ser considerados para avaliação.6,8 As doenças que são importantes no diagnóstico diferencial da DP tanto de início precoce como tardio são:distrofia muscular de cinturas, distrofia muscular de becker, miastenia gravis, atrofia muscular espinal, polimiosite, artrite reumatóide, entre outras.6,8 ABORDAGEM CLÍNICA A cardiomiopatia em pacientes com DP deve ser tratada com cautela, de preferência por um cardiologista pediátrico especializado, visto que os cuidados devem ser ajustados quanto ao estágio da doença. O uso inadequado dos medicamentos padronizados para tratar a cardiomiopatia pode piorar funções já prejudicadas do coração.9 Além da cardiomiopatia, outros problemas cardíacos podem ocorrer como insuficiência cardíaca e arritmias. É válido ressaltar, que a disfunção do componente cardíaco pode contribuir para a insuficiência respiratória a partir de um ponto de vista hemodinâmico.6 Com a evolução daDoença de Pompe, a fraqueza muscular leva a baixos volumes pulmonares, tosse ineficaz, distúrbios dos gases sanguíneos, além de disfunções respiratórias do sono. Esses pacientes Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 passam a fazer parte da população que apresenta mais suscetibilidade para pneumonias aspirativas. Aproximadamente 30% dos pacientes com DP necessitam de suporte ventilatório, independentemente da idade do início dos sintomas. Adultos tendem a responder bem à ventilação não invasiva (VNI), enquanto crianças apresentam maior dificuldade de adaptação, embora possa ser usada em casos de insuficiência respiratória progressiva. A intubação orotraqueal deve ser evitada sempre que possível tendo em vista as dificuldades no desmame da ventilação invasiva e complicações decorrentes, como as fístulas.6,9 A caracterização do envolvimento musculoesquelético na DP se dá por fraqueza progressiva que conduz a uma diminuição da função motora, alteração das tendências posturais e do posicionamento, e o uso de padrões compensatórios do movimento, que podem levar a deficiências musculoesqueléticas secundárias, tais como contratura, deformidade, osteoporose, além de outros comprometimentos secundários. As funções motoras(grossa e fina), provavelmente, se encontrarão limitadas pela fraqueza, diminuição da resistência, comprometimento osteomioarticular secundário e, também, cardiorrespiratório. Lembrando que a comunicação e interação podem se tornar comprometidas pela fraqueza motora oral que prejudica o discurso, a articulação e a fonação.6,10 A história natural da Doença de Pompe reflete em grande parte as consequências patológicas do acúmulo de glicogênio nos músculos esqueléticos e cardíacos, porém estudos vêm mostrando que no tecido nervoso pode haver a infiltração do glicogênio nas células de Purkinje do cerebelo, neurônios corticais, células de Schwann de pequenos nervos do diafragma e, principalmente, neurônios motores do corno anterior da medula. A função cognitiva é geralmente considerada normal na DP independente da forma, porém, é possível o aparecimento de deficiências sutis, mas que podem ser corrigidas ou modificadas por terapias emergentes como a TRE.2,6 TERAPIA DE REPOSIÇÃO DE ENZIMAS (TRE) Os recentes avanços biotecnológicos que envolvem a produção de enzimas humanas recombinantes têm permitido a introdução da TRE para deficiências monogênicas, esta nova modalidade terapêutica vem sendo aplicada na DP, apresentando resultados positivos como a redução dos níveis de glicogênio, melhora da morfologia, e restauração da função e força Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 muscular,2,11prolongando a sobrevida e reduzindo a mortalidade.4 A história natural da DP cursa com deficiências físicas e mentais, por vezes letais, mas com o avanço da TRE, vem apresentando alteração na sua evolução e possíveis remissões do quadro clínico, porém, ainda existem pacientes que não apresentam bons resultados com esta terapêutica.6 Recentes publicaçõesmostram que é necessário o diagnóstico e início do tratamento precoce para que possam ser alcançados melhores resultados, além da prevenção de lesões irreversíveis.11,12,13,14Entretanto, além do diagnóstico definitivo é necessário que a equipe de saúde e a família estejam cientes dos reais benefícios esperados e que poderão ser alcançados, bem como do risco de possíveis complicações. Ambos devem estar comprometidos e serem capazes de seguir o protocolo recomendado para monitorizar a resposta ao tratamento.9 Para monitorar a progressão da DP e guiar os tratamentos e/ou intervenções necessários, é recomendada avaliação clínica e funcional em intervalos curtos de tempo, a cada três a seis meses, em ambas as apresentações clínicas da doença.4 Estudos com TRE em pacientes com DP vêm demonstrando melhoras na cardiomiopatia hipertrófica, na fração de ejeção, bem como nas anormalidades de condução cardíaca, que podem ser visualizados em pequenos intervalos PR, e altos e largos complexos QRS.7,12Porém, recente estudo em pacientes com Doença de Pompe de início tardio não apresentou diferenças estatísticas tanto em parâmetros eletrocardiográficos quanto nos ecocardiográficos, comparando o uso de TRE com placebo. Isso pode ser justificado pelo fato dessa forma de DP não apresentar anormalidades cardiovasculares tão severas como as da forma infantil.1 MANEJO FISIOTERAPÊUTICO O manejo fisioterapêutico da Doença de Pompeapresenta uma visão preventiva baseada no entendimento da fisiopatologia, apresentação clínica, evolução e avaliação individual.15O ponto chave para um acompanhamento eficiente é a compreensão da interação entre a presença da fraqueza, da sua progressão e possível remediação; da biomecânica do movimento eficiente; dos riscos do desenvolvimento de contraturas e deformidades, bem como de estratégias para prevenção e reversão; assim como, dos riscos de desenvolvimento da osteoporose.10,14 Encurtamento muscular, contraturas e deformidades ocorrem devido padrões patológicos sem 99 intervenção, por isso o foco do manejo, sempre que possível, deve ser a quebra e redução desses padrões patológicos, para que a força e a resistência sejam mantidas em seu máximo.2,6 Protocolos para fortalecimento muscular em indivíduos com DP não estão estabelecidos, visto que ainda não se conhece os seus efeitos, porém,estudos vêm recomendando o uso de exercícios submáximos (provoca degradação de considerável quantidade de glicogênio acumulado no citosol) e aeróbicos (que associados a uma boa nutrição pode ajudar na “limpeza” do glicogênio presente no músculo), com a finalidade de aumentar a força e a função.16 Entretanto, é necessário cautela quanto a excessivos e extenuantes exercícios de fortalecimento, que podem causar degeneração muscular, contribuindo assim para o aumento da fraqueza muscular; de tal modo, deve-se evitar exercícios resistidos e excêntricos excessivos, fazendo uso de atividades funcionais, sempre monitorando a resposta cardiopulmonar tanto dos exercícios quanto das próprias mudanças de decúbito.10 Na forma infantil da DP, a fraqueza muscular é profunda, daí antes de se iniciar qualquer atividade terapêutica é preciso que haja a estabilidade clínica, e sempre considerando a segurança das variações dos parâmetros cardiopulmonares, os intervalos de descanso e a conservação de energia. O manejo fisioterapêutico nessa população deve visar o posicionamento e suporte que maximize as vantagens biomecânicas, redução do impacto da gravidade e do desenvolvimento de contraturas musculares, além de atividades que desenvolvam habilidades e evitem as atrofias por desuso.10 Para os indivíduos que desenvolvem a doença tardiamente e que apresentam maior força residual, os exercícios submáximos e aeróbicos funcionais sem resistência excessiva e com suporte quando necessário, bem como atividades funcionais respeitando as limitações cardiopulmonares e endurance muscular, são considerados benéficos e podem maximizar os efeitos positivos da TRE.16 Deve-se considerar a utilização de técnicas de conservação de energia que ajudam a evitar o esforço excessivo, o qual pode conduzir a fraqueza por excesso de trabalho.10 O fisioterapeuta também é responsável pela manutenção e otimização da função respiratória, seu manejo consiste no reconhecimento dos efeitos do posicionamento sobre a função respiratória, na maximização da função e da sua eficiência, uso de técnicas de higiene brônquica, treinamento dos músculos inspiratórios17e quando necessária indicação de suporte 100 ventilatório adequado, acompanhado de constante avaliação e monitorização. Os efeitos da ventilação mecânica não invasiva, como a melhora da mecânica ventilatória, repouso noturno da musculatura respiratória fadigadae melhora da sensibilidade respiratória ao CO2 vêm mudando a evolução dos doentes com doenças neuromusculares e insuficiência respiratória crônica em termosde sobrevida e qualidade de vida, umavez que invariavelmente eles evoluíam com necessidade de traqueostomia e suporte ventilatório invasivo.18 Equipamentos adaptativos e intervenções ortopédicas podem e devem ser usados para suporte funcional e posicionamento para controle de contraturas e deformidades, além de permitir mudança de decúbito e alívio das áreas de maior pressão óssea, visando manutenção da integridade da pele. Suportes que mantenham a bipedestação são importantes para indivíduos com doenças neuromusculares para prevenção, redução da osteoporose e controle de contraturas.10 O uso de dispositivos adaptativos deve ser discutido e coordenado entre a equipe, envolvendo o fisioterapeuta, e a equipe médica que acompanha o caso (ortopedista, cardiologista, pneumologista e, nos casos infantis, por pediatra), levando em consideração as potenciais contra-indicações em termos de status cardiopulmonar, risco de fraturas, subluxações e contraturas.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Até pouco tempo atrás, a Doença de Pompe era de alta letalidade, principalmente na forma infantil, porém com os avanços da biotecnologia vêm surgindo terapias que estão mudando o curso da doença, como a TRE, que pode ter seus efeitos acelerados e maximizados com um manejo fisioterapêutico adequado. Portanto, a fisioterapia é tratamento adjuvante essencial, pois pode corrigir a postura estática e dinâmica do tronco e dos membros, prevenir complicações osteomioarticulares, além de garantir a manutenção da função respiratória. Independentemente da idade e do estágio da doença, o fisioterapeuta deve ter como metas para esses indivíduos a função apropriada e máximo nível de independência, considerando o nível de estabilidade clínica, proporcionando conforto e qualidade de vida. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ABSTRACT POMPE DISEASE: PHYSICAL THERAPY MANAGEMENT Sâmela Miranda da SILVAe Paulo Eduardo Santos AVILA Objective:To review and describe the current concepts of Pompe disease, as well as its pathophysiology, diagnostic methods, aspects of cardiac, pulmonary, musculoskeletal and neurologicalfunction, new therapies and physical therapy management. Method:A review of scientific literature was condutedwith selection of the publications about Pompe disease in the last 10 years, in Portuguese and English. Conclusion: At the end of the review, it was noticed that the natural history of Pompe disease has undergone great changes thanks to the advent of therapies, such as enzymesreplacement, and this replacement has its effect accelerated with the proper physical therapy management. KEY WORDS: Pompe disease; Glycogen Storage Disease Type II; Enzyme Replacement Therapy; Physiotherapy. REFERÊNCIAS 1 Forsha D, Lil JS, Smith PB,Ploeg ATV,Kishnani P, Pasqual SK. Cardiovascular abnormalities in late-onset Pompe disease and response to enzyme replacement therapy. Genet Med. 2011; 13(7):625-631. 2 Pereira SJ,Berditchevisky CR,Marie SKN. Relato do primeiro paciente brasileiro com a forma infantil da doença de Pompe tratado com alfa-glicosidase recombinante humana. 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Endereço para correspondência: Sâmela Miranda da Silva Avenida Roberto Camelier, nº 406, apt 03 – Jurunas Cep: 66033-970, Belém – PA, Brasil Telefone: (91) 98032-7134 E-mail: [email protected] Recebido em 10.12.2014 – Aprovado em 12.06.2016 102 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 RELATO DE CASO ENDOCARDITE POR ENTEROCOCO RESISTENTE À VANCOMICINA EM PACIENTE DE UTI PEDIÁTRICA1 ENDOCARDITIS BY VANCOMYCIN-RESISTANT ENTEROCOCCUS (VRE) IN PEDIATRIC ICU PATIENT Gerusa Ninos FEITOSA2, Patrícia Barbosa de CARVALHO3, Ana Luiza Melo dos SANTOS4, Karoline Helena Silva da SILVA5 RESUMO Objetivo: descrever as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento de um caso de endocardite por VRE (Enterococo Resistente à Vancomicina) em paciente pediátrico em Unidade de Terapia Intensiva. Relato de caso: menina de 2 anos, com encefalopatia crônica não evolutiva em decorrência de síndrome genética à esclarecer, com história de múltiplas internações hospitalares, admitida com quadro respiratório evoluindo ao longo da internação com piora clínica e laboratorial e eventual choqueséptico.No período de internação, utilizou antibioticoterapia de largo espectro, incluindo vancomicina. Foi instituído tratamento empírico com linezolida, com melhora clínicoradiológica após 48 horas. Odiagnóstico de endocardite foi comprovado microbiologicamente por hemocultura, cultura de ponta de cateter, e ecocardiograma. Foi estabelecido tratamento por 42 dias com linezolida, sendo realizado ecocardiograma de controle com resolução da lesão. Considerações finais: a ocorrência de endocardite por VRE em um paciente pediátrico em um hospital de ensino e pesquisa referência em atendimento infantil chama atenção para uma melhor investigação na ocorrência de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde (IRAS), particularmente causadas por microrganismos multiresistentes, através da criação de protocolos baseados na realidade de cada serviço. Assim melhorando a qualidade da assistência e, consequentemente, proporcionando um menor tempo de internação e diminuição da letalidade dessas infecções. DESCRITORES: Endocardite.VRE. Amazônia. Crianças. Pediatria INTRODUÇÃO Os enterococos são parte da flora bacteriana normal do trato gastrointestinal de humanos. As espécies mais importantes são os Enterococcus faecaliseEnterococcus faecium (E. faecium), que podem causar infecções graves, inclusive de corrente sanguínea (ICS).1 Os enterococos são considerados resistentes a alguns antibióticos, tais como as cefalosporinas. A resistência à vancomicina ocorre basicamente pela produção de precursores de peptideoglicano na parede celular que se ligam pobremente à vancomicina, impedindo assim sua ação no bloqueio da síntese de parede celular.2 Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 2 Médica. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 3 Médica. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 4 Médica. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 5 Médica. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Belém. Pará. Brasil 1 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 103 Enterococos resistentes à vancomicina (Vancomycin-resistant enterococci - VRE) foram isolados pela primeira vez no final da década de 1980 e têm se disseminado rapidamente nos Estados Unidos, Europa e em diversos países.3No Brasil, o primeiro VRE foi identificado em 1996 em um hospital de Curitiba.4 Os VREs são uma importante causa de Infeccão Relacionada à Assistência a Saúde (IRAS), afetando na maioria das vezes grupos de pacientes mais vulneráveis, levando a alta mortalidade e aumento nos custos relacionados a saúde. Dados norte-americanos do NationalHealthcare Safety Network (NHSN) indicaram que enterococos foram a segunda maior causa de IRAS, depois de Staphylococcus aureus, e 89% dos E. faecium isolados em ICS associadas a cateter venoso central eram resistentes à vancomicina.5 A prevalência de VRE é emergente em hospitais ao redor do mundo, e as unidades que mais frequentemente apresentam pacientes infectados/colonizados pelo mesmo são as unidades de transplante, unidades oncológicas e principalmente UTIs. No Brasil alguns estudos prospectivos em UTIs brasileiras mostram taxas entre 14 e 25% de colonização retal, em geral em pacientes com uso prévio de antibióticos (vancomicina) e com história de longa permanência hospitalar.6 OBJETIVO Relatar a ocorrência de endocardite por Entecococcus faecium resistente à vancomicina em paciente pediátrico em hospital de ensino e pesquisa, referência em pediatria, Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA). RELATO DE CASO Paciente do sexo feminino, I.V.M.C, 2 anos, natural de Castanhal-Pará, procedente de Curuçá-Pará. Em novembro de 2014, a mesma foi admitida na enfermaria pediátrica da FSCMPA com história de febre há 20 dias associada à rinorréia de coloração purulenta e equivalentes convulsivos, sendo diagnosticada com pneumonia. Foi iniciado antibioticoterapia com meropenem, tendo em vista as diversas internações prévias e alta hospitalar recente. Em 15 de novembro de 2014, 5º dia de internação, a paciente mantinha-se hipersecretiva, com episódios de cianose central e queda de saturação de oxigênio, evoluindo com insuficiência respiratória aguda e síndrome do desconforto respiratório agudo, sendo 104 realizada entubação orotraqueal, e mantida sob ventilação mecânica. Foi então transferida para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica. Durante internação na UTI, menor evoluiu com choque séptico descompensado por germes multirresistentes. Necessitou de drogas vasoativas e recebeu múltipla antibioticoterapia, incluindo vancomicina. Evoluiu ainda com insuficiência renal aguda, sendo realizado diálise peritoneal por 10 dias, pausada por conta de infecção de líquido peritoneal por germe multi-resistente; submetida, então, a hemodiálise por 10 dias. Paciente permaneceu com cateter de hemodiálise por aproximadamente 40 dias, devido impossibilidade de obter outros acessos por trombose venosa. Em 15 de janeiro de 2015, foi iniciado linezolida empiricamente, com melhora clínico-radiológica importante em 48h do antibiótico. Apresentou hemocultura (11/01/15) e cultura de ponta de cateter femural (19/01/15) positivas para Entecococcus faecium resistente à vancomicina. Sendo realizado então ecocardiograma transtorácico em 22/01/15 que revelou vegetação em átrio direito de cerca de 20 mm (endocardite). Dessa forma foi mantido antibioticoterapia com linezolida, por 42 dias . Menor permaneceu entubada sob ventilação mecânica por aproximadamente 72 dias. Além de ter permanecido com cateter intravascular central de longa duração por dificuldade de acesso periférico e várias punções e trombose venosa em vários sítios. A paciente evoluiu com regressão de vegetação progressivamente em ecocardiogramas transtorácicos seriados até a mesma não ser mais detectada ao fim do tratamento, com negativação da cultura de corrente sanguínea após sete dias do início do tratamento. Recebeu alta hospitalar após 130 dias de internação. Antecedentes Mórbidos Pessoais e Familiares Encefalopatia crônica não evolutiva por provável anóxia neonatal.Atraso de desenvolvimento neuropsicomotor. Fundoplicatura e gastrostomia em 2013. Diversas internações prévias por quadros respiratórios. Vacinações atualizadas. Faz uso contínuo de fenobarbital, clonazepam e ácido valpróico. Trombofilia hereditária em investigação.Avó materna portadora de hipertensão arterial sistêmica Antibióticos utilizados durante a internação: vancomicina, ciprofloxacino, anfotericina B, polimixina B, Ffluconazol, meropenem, micafungina, metronidazol e linezolida. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 Exames de Imagem Ecocardiograma inicial (22/01/15) vegetação de aproximadamente 20 mm em átrio direito. Ecocardiograma após tratamento (25/03/15): não foi mais detectada vegetação em átrio direito. USG Doppler de Vasos: trombose de veias jugular interna direita, femoral comum esquerda, subclávia esquerda, axilar esquerda e braquial esquerda Exames Laboratoriais HISTÓRICO DE CULTURAS DA PACIENTE I.V.M.C. 2015. Sangue Enterococcus faecium resistente à Vancomicina (11/01/15) Secreção traqueal Pseudomonas aeruginosa multirresistente (19/12/2014) Líquido peritoneal Acinetobacter baumanii multirresistente (03/12/14) Pseudomonas aeruginosa multirresistente (06/12/14) Ponta de cateter venoso central Enterococcus faecium resistente à Vancomicina (19/01/15) Acinetobacter baumanii multirresistente (10/02/15) Histórico de culturas positivas da paciente, Belém-PA, 2015. DISCUSSÃO Trata-se de primeiro relato de caso confirmado de endocardite por VRE em paciente pediátrico na FSCMPA e possivelmente no Brasil, pois outros relatos não foram encontrados em revisão nas bases de dados do Pubmed e Lilacs. Nos últimos anos a incidência de infecção hospitalar associada a microrganismos resistentes tem aumentado em todo o mundo.7 As infecções nosocomiais por enterococos ocorrem principalmente pelos Enterococcus faecium (85-90%) e Enteroccoccus faecalis (5-10%).1 As infecções por enterococos resistentes à vancomicina podem ser atribuídas à própria flora endógena do paciente, por contato direto pacientepaciente ou por contato indireto com as mãos dos profissionais de saúde ou ambiente contaminado.8 A principal fonte de disseminação e reintrodução do VRE nos hospitais são as mãos: mãos dos próprios pacientes que estão internados, mãos dos profissionais de saúde que trabalham nos hospitais, mãos dos visitantes e acompanhantes, que entram e saem dos estabelecimentos de saúde e que ajudam a equipe de saúde nos cuidados e manuseio com o paciente.9 Segundo o Ministério da Saúde, internação prolongada, internação em UTI e uso de antibioticorepia Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 de amplo espectro constituemsérios fatores de risco para o desenvolvimento da colonização/ infecção por VRE.9 O caso presente é um exemplo, uma vez que a hospitalização do paciente durou 130 dias, fez uso de diversos esquemas antimicrobianos, além de ter evoluído com insuficiência renal que também é apontada como fator de risco. Uma vez que pacientes internados em instituições de saúde estão expostos a uma ampla variedade de microorganismos patogênicos, o uso de antimicrobianos potentes e de largo espectro é a regra, e os procedimentos invasivos são rotina.10 A paciente fez uso prolongado de Vancomicina, o que exerceu uma pressão seletiva sobre as bactérias da microbiota intestinal e, por conseguinte, favoreceu o desenvolvimento da colonização/infecção por VRE nas unidades de saúde, assim como o relatado por Miller et al.11 Antimicrobianos lançados nos últimos anos com atividade contra Enterococcus spp, como linezolida, já apresentam relatos de resistência.12Essa resistência aos antibióticos se desenvolve como uma natural consequência da habilidade da população bacteriana de se adaptar. O uso indiscriminado de antibióticos aumenta a pressão seletiva e, também, aoportunidade da bactéria ser exposta aos mesmos. Isso facilita a aquisição de mecanismos de resistência, tornando-se o principal problema de saúde pública no mundo, afetando todosos países, desenvolvidos ou não.13 De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2012), a prevenção e controledas IRAS envolve toda a equipe de saúde, inclusive quanto aocumprimento das normas de proteção ao paciente, ressaltando alavagem das mãos pelos profissionais como medida mais importantede evitar a transmissão de microrganismos de um pacientepara outro; o uso de luvas para proteção individual e para reduçãoda possibilidade de microrganismos das mãos do profissional contaminaremo campo operatório, bem como a troca de luvas entreum paciente e outro para redução da possibilidade de transmissãode microrganismo de um paciente para outro nas situações deprecaução de contato e o uso de aventais, máscaras ou proteçãofacial para evitar o contato do profissional com material biológicodopaciente. As IRAS representam uma preocupação não apenas dosórgãos da saúde competentes, mas também de ordem social, éticae jurídica frente as implicações na vida dos pacientes e o risco a que estão submetidos (Sousa et al, 2008) 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS Aocorrência de endocardite porVRE em um paciente pediátrico em um hospital de ensino e pesquisa referência em atendimento infantil chama atenção para uma melhor investigação na ocorrência de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde (IRAS), particularmente causadas por microrganismos multiresistentes, através da criação de protocolos baseados na realidade de cada serviço. Assim melhorando a qualidade da assistência e, consequentemente, proporcionando um menor tempo de internação e diminuição da letalidade dessas infecções. ABSTRACT ENDOCARDITIS BY VANCOMYCIN-RESISTANT ENTEROCOCCUS (VRE) IN PEDIATRIC ICU PATIENT Gerusa Ninos FEITOSA, Patrícia Barbosa de CARVALHO, Ana Luiza Melo dos SANTOS e Karoline Helena Silva da SILVA Objective: To describe the clinical manifestations, diagnosis and treatment of a case of endocarditis caused by VRE in pediatric patients in the Intensive Care Unit. Case report: 2 year old girl with chronic non-progressive encephalopathy due to genetic syndrome to clarify, with a history of multiple hospitalizations, admitted with respiratory symptoms evolved over hospital stay with clinical and laboratory worsening and finally septic shock. During hospitalization, broad-spectrum antibiotics were instituted, including Vancomycin. Empirical treatment with Linezolid was implemented, with clinical and radiological improvement after 48 hours. Final diagnosis of encocarditis was microbiologically proven by blood culture, catheter tip culture, and echocardiography. A 42 days course of Linezolid was performed, and after treatment control echocardiogram detected resolution of the lesion. Final considerations: The occurrence of endocarditis caused by VRE in a pediatric patient in a teaching and research hospital, reference in child care, draws attention to the importance of research on the occurrence of health care associated infections, particularly caused by multiresistant microorganisms, by creating protocols based on the reality of each service. Thus improving the quality of care, providing a shorter hospital stay and reducing mortality of these infections. KEY-WORDS: Endocarditis. VRE.Amazon. Children. Pediatrics REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Arias CA, Murray B. The rise of the Enterococcus: beyond vancomycin resistance. Nat Rev Med. 2012; 10: 266278. 2 Lai KK, Kelley AL, Melvin ZS, Belliveau PP, Fontecchio SA. Failure to eradicate Vancomycinresistant Enterococci in a University hospital and the cost of barrier precautions. 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Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/reniss/ manual%20_controle_bacterias.pdf. Acesso em 13 fev. 2015 7 Oliveira AC, Cardoso CS, Mascarenhas D. Precauções de contato em Unidade de Terapia Intensiva: fatores facilitadores e dificultadores para adesão dos profissionais. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(1): 161-5. 8 Centers of Disease Control and Prevention. Recommendations for preventing the spread of vancomycin resistance - Recommendations Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC). MMWR. 1995; 44 (12): 1-13. 9 BRASIL. Ministério da Saúde, ANVISA. Surto de Enterococo Resistente à Vancomicina em Estabelecimentos de Assistência à Saúde – Fundamentos e esclarecimentos gerais. Editora ANVISA, Brasília-DF, 2008. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/b04ff7804902d4fca6ddbe466b74119d/informe_vre_2008. pdf?MOD=AJPERES. Acesso em 13 fev. 2015 10 Moura MEB, Campelo SMA, Brito FCP, ET AL. Infecção hospitalar: estudo de prevalência em um hospital público de ensino. Rev Bras Enferm. 2007; 60(4): 416-21. 11 Miller, William R; Munita, Jose M; Arias, Cesar A .Mechanisms of antibiotic resistance in enterococci. Expert Rev Anti Infect Ther. 2014; 12: 1221-36. 12 Simner PJ, Adam H, Baxter M, Mccracken M, Golding G, Karlowsky JA, Nichol K, ET AL. Antimicrobial Resistance Alliance-CARA, Hoban DJ, Zhanel GG. Antimicrob Agents Chemother. 2015; 20: 384-15. 13 Santos NQ. A resistência bacteriana no contexto da infecção hospitalar. Texto Contexto Enferm. 2004; 13:64-70. Correspondência para Karoline Helena Silva da Silva Travessa Coronel Luis Bentes, 158, Bairro Telegrafo, Belém - PA CEP:66113080 Telefone: (0XX91) 981467003 Email: [email protected] Recebido em 08.09.2015 – Aprovado em 10.02.2016 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 107 RELATO DE CASO PIOMIOSITE TROPICAL POR MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS1 TROPICAL PYOMIOSITIS CAUSED BY MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS Yumide Oliveira OHNISHI2, Renata Lima BELTRÃO3, Rossicléia Lins MONTE4 e Márcia Melo DAMIAN5 RESUMO Objetivo: apresentar três casos de piomiosite por Micobacteriumtuberculosis. Relato de casos: três pacientes do sexo feminino com diagnóstico de HIV/AIDS admitidas no Hospital da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado/AM, acometidas por doenças oportunistas, todas com CD4 abaixo de 200 cel/mm3 e em terapia antirretroviral. Em um dos casos foi diagnosticado tuberculosepulmonar concomitante à piomiosite, e em outro havia sinais de tuberculose disseminada. Estes tiveram como desfecho, o óbito. Considerações Finais:piomiositetropical é causada por microorganismos que invadem o músculo esquelético por contiguidade ou disseminação hematogênica de foco a distância. Há relato de acometimento em casos de Diabetes mellitus, hepatopatia alcoólica, artrite reumatóide, LES, desnutrição, desordens hematológicas, neutropenia, imunossupressores e infecção por HIV.1,2. Apiomiosite primária por tuberculose é rara, e se não tratada, a infecção progride com abscessos a distância e complicações como pneumonia, osteomielite, abscesso pulmonar, choque/sepse. DESCRITORES: piomiosite, HIV, tuberculose. INTRODUÇÃO RELATOS DE CASO Piomiosite é uma infecção piogênica da musculatura esquelética comum nas regiões tropicais, cuja etiologia mais frequente é o Staphylococcus aureus, que ocorre em indivíduos jovens do gênero masculino imunocompetentes, sendo geralmente abscessos únicos,localizados principalmente em membros inferiores 1,2. CASO 1 Paciente do gênero feminino, 30 anos, com diagnóstico prévio de HIV/AIDS há dois meses, em uso regular de antirretroviral: lopinavir 200mg + ritonavir 50 mg e lamivudina 150 mg + zidovudina 300mg; em tratamento para neurotoxoplasmose (sulfadiazina + pirimetamina + ácido folínico), foi admitida no setor de pronto atendimento da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado com história de febre não mensurada há 14 dias, acompanhada de vômitos pós prandiais, tosse com expectoração mucóide e eventualmente, purulenta, com aparecimento de nódulo doloroso em região cervical anterior.Negava outras patologias e desconhecia OBJETIVO Descrever três casos de piomiosite por Mycobacterium tuberculosisem pacientes portadoras de HIV/AIDS. 3 4 1 2 Trabalho realizado no Hospital da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado. Manaus, Amazonas, Brasil. Medicina. Universidade do Estado do Pará. Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Brasil Medicina. Universidade do Estado do Amazonas. Brasil Farmácia. Universidade Federal do Amazonas. Universidade do Estado do Amazonas. Brasil Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 109 história familiar. Relações sexuais sem preservativo com parceiro de estado sorológico negativo. Na admissão apresentava estado geral comprometido, eupnéica, acianótica, afebril, desidratada, lúcida, orientada, porém letárgica, com motricidade diminuída em membros inferiores, sem comprometimento da sensibilidade e sem sinais meníngeos. Na inspeção da cabeça epescoço havia lesões vesiculares, úlcero-crostosas e serohemáticas em lábio inferior, abaulamento naregião cervical ântero-inferioresquerda, eritematosa e brilhante. À palpação, a massa era de consistência endurecida, fria e dolorosa, que se sobrepunha a cabeça medial do esternocleidomastóideo. A ausculta pulmonar, roncos em base esquerda. Hemograma com anemia normocrômica e normocítica (Hb – 7,7;Hto- 23,4), leucopenia com neutrofilia (WBC – 3,9X103). A USG da lesão cervical demonstrou coleção de limites imprecisos e conteúdo ecogênico sem planos de clivagem com o terço inferior do músculo esternocleidomastóideo, medindo 7,5x3,8x2,4 (vol:21,6 ml), sugestivas de piomiosite.Feito punção aspirativa da lesão cervical e iniciado: aciclovir, oxacilina, sendo mantida a terapia antirretroviral e para neurotoxoplasmose. A análise direta do material colhido por punção aspirativa do abscesso muscular mostrou-se positiva para BK (+++), sendo iniciado tratamento com esquema básico para tuberculose(rifampicina 150mg + isoniazida 75 mg + pirazinamida 400mg + etambutol 275 mg). Na hemocultura foi isolado Staphilococcuscoagulase negativa. A pesquisa de BAAR no escarro foi positiva, semelhante à secreção do abscesso cervical. No sétimo dia de internação a paciente apresentou rebaixamento do sensório associado a sinais focais emdimídio direito e piora do comando dos membros inferiores, evoluindo para óbito no 11º dia de internação hospitalar. CASO 2 Paciente de 39 anos, feminino, internou com diagnóstico de HIV/AIDS, CD4 de 137cel/mm3 e carga viral indetectável, com história de tosse produtiva purulenta há duas semanas e lesões em pele tipo placas eritematosas recobertas por vesículas, acometendo mais de um dermátomo em membro inferior esquerdo. Uso regular de antirretroviral há dois meses: lamivudina 150mg +zidovudina 300 mg e efavirenz 600 mg; e em tratamento para neurotoxoplasmose. Viúva, cônjuge falecido há 6 anos por HIV. Na admissão, bom estado geral, lúcida, orientada, afebril, eupneica, hemiplégica a direita com desvio da comissura labial a direita e ptose palpebral a esquerda (sequela deneurotoxoplasmose). 110 Ausculta pulmonar normal. Abdome plano, normotenso, sem visceromegalias. Hipótese diagnóstica: varicela zoster. Prova tuberculina não reator (0 mm). A pesquisa de BAAR no escarro foi negativa em duas amostras e RX de tórax normal. Hemograma com anemia normocrômica, normocítica, (Hb- 9,5 g/dL – Hto27,9%; WBC 5x103). No quinto dia de internação foi observado nodulação eritematosa em região coxofemural direita de consistência endurecida e dolorosa. Solicitado USG de partes moles que evidenciou abscesso em região do músculo vasto lateral de membro inferior direito. Realizada punção aspirativa do abscesso que demonstrou presença de BAAR (++) e cultura foi positiva para Staphylococcusepidermidis. A biópsia da lesão resultou compatível com tuberculose. Foi iniciado oxacilina, e esquema básico tuberculostático.Após seis meses de tratamento houve regressão completa da lesão. CASO 3 Paciente de 45 anos, feminino, diagnóstico de HIV com CD4 de 120cel/mm3e carga viral de 198.137 cópias. Admitida com perda ponderal de 10 kg em dois meses, disfagia, anorexia, tosse produtiva há três semanas, diarréia liquida (três episódios/dia) iniciada após introdução de terapia antirretroviral (zidovudina 300mg + lamivudina 150 mg e lopinavir 200 mg + ritonavir 50 mg). Exame físico de admissão apresentava-se em mal estado geral, desidratada, emagrecida, hipocorada, consciente e orientada. Cavidade oral com presença de lesões sugestivas de monilíase. Linfonodos supraclaviculares palpáveis e dolorosos. Presença de abaulamento em tórax anterior à direita com cerca de 10 cm, de consistência endurecida, frio e doloroso.Ausculta pulmonar com roncos difusos. Abdome doloroso difusamenteà palpação profunda, sem visceromegalias. Tremor fino de extremidades. Hemograma: (Hb- 11,3 g/dL; Hto- 32,9%;WBC- 2.7 x103); hormônios tireoidianos: T3- 431 ng/dL; T4- 12,72 µg/ml. Sorologias: CMV IgM reator, IgGreator (22); EBV IgM não reator, IgGreator (750). BAAR no escarro negativo em duas amostras, presença de leveduras gemulantes (Candidasp).PPD não reator (0 mm). USG de tireoide com formações nodulares heterogêneas em lobo direito. USG de tórax evidenciando piomoiosite e celulite em região ântero-superior de hemitórax direito. TC de tórax com coleção heterogênea de 10,2 x 3,2 cm ocupando planos subcutâneo e muscular em parede torácica anterior a direita, íntimo contato com pleura, sem dissociação com a mesma. Pequeno derrame pleural a direita e pericárdico, micronóduloscentrolobulares Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 esparsos, bilaterais e linfonodomegaliasmediastinais 2,2 cm. A punção aspirativa do abscesso demonstrou presença de BAAR.Diagnóstico: piomiosite, candidíase oral, tuberculose disseminada, pneumocistose e tireoidopatia. Iniciado esquema básico para tuberculose,pneumocistose (dose terapêutica de sulfametoxazol + trimetoprim), oxacilina, ganciclovir e fluconazol.Evoluiu com icterícia, e elevação de transaminases.Suspenso esquema básico de tuberculose devidohepatotoxicidade e iniciado esquema alternativo com etambutol600mg, estreptomicina 750 mg + ofloxacino 800 mg, conforme preconizado peloMinistério da Saúde. No entanto persistiu com picos febris diários (38.3ºC), e apresentou dispneia progressiva sendo necessário suporte por ventilação mecânica. Foi transferida para unidade de terapia intensiva onde no 15º dia de internação evoluiu para óbito. DISCUSSÃO O acometimento de partes moles e tecidos adjacentes, tais como articulações e ossos, por espécie de Mycobacterium já foi descrito na literatura 3,4,5,6. No entanto, a piomiosite primária por tuberculose, assim como a bursite e a tenossinovite são raras, sendo responsáveis por apenas 1% dos casos de tuberculose músculo esquelética7. Simon et al (2011), na Romênia descreveram um caso em paciente de 66 anos, sexo feminino e cujos fatores de risco eram diabetes mellitus e uso de imunossupressor por doença reumtológica8. Caso semelhante foi relatado por Krishnasamy& Joseph em 2013, nos Estados Unidos, de paciente com sarcoidose e fibrose cística, usuária de corticosteroideem altas doses, diagnosticada com múltiplos abscessos sendo isolado M. tuberculosis no aspirado da coleção. A paciente também teve diagnóstico de TB pulmonar através de cultura de lavado bronco alveolar9. Outro caso de piomiosite por M. tuberculosisfoi descrito por Meller (2012) nos Estados Unidos, em um paciente de sexo masculino sem aparentes fatores de risco, cujo único fator epidemiológico era ser Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 procedente de Laos, área endêmica para tuberculose10. A incidência de HIV/AIDS associada à tuberculose tem aumentado em todo mundo. O não reconhecimento precoce das formas da tuberculose extrapulmonar, especialmente as de localização mais raras, como nos casos aqui descritos, implica em aumento da morbidade e mortalidade, especialmente na população imunodeprimida11. A síndrome inflamatória de reconstituição imune (SIRI) que ocorre em pacientes HIV/AIDS em uso de terapia antirretroviral altamente potente (HAART) pode ser responsabilizada pela piora ou agravamento de doenças preexistentes ou disseminação não usual de infecções oportunistas 11,12. Também são descritos na literatura, fatores que aumentam o risco para o desenvolvimento de piomiosite em pacientes HIV/ AIDS: supressão da imunidade mediada por células T; disfunção de linfócitos B e de granulócitos neutrófilos; neutropenia secundária ao acometimento da medula óssea por infecções oportunistas sistêmicas; defeitos na quimiotaxia e disfunção na capacidade bactericida dos polimorfunucleares; aumento da colonização nasal por S. aureus; miopatias por fármacos, especialmente a zidovudina (AZT); elevação das concentrações séricas de IgG na doença avançada; e por fim, miosites por micobactérias, como nos casos aqui apresentados 12, 13, 14, 15,16 . CONCLUSÃO Os três casos descritos ocorreram em pacientes do sexo feminino, imunocomprometidas por HIV/ AIDS e visam chamar atenção de clínicos que trabalham com DSTs/AIDS, assim como aos infectologistas que na suspeita de piomiosite em localizações não usuais acometendo indivíduos infectados pelo HIV, devem ser lembradas outras etiologias tais como as micobacterioses, visto quepiomiosite por M. tuberculosis é uma rara entidade clinica com sérias consequências se não diagnosticada precocemente. 111 ABSTRACT TROPICAL PYOMIOSITIS CAUSED BY MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS- THREE CASES REPORT Yumi de Oliveira OHNISHI, Renata Lima BELTRÃO, Rossicléia Lins MONTE, Márcia Melo DAMIAN. Objective: Present three cases of pyomyositis by Mycobacterium tuberculosis. Case reports: Three female patients diagnosed with HIV / AIDS admitted to the Hospital of Tropical Medicine Foundation Heitor Vieira Dourado / AM, affected by opportunistic diseases, all with CD4 counts below 200 cells / mm3 and antiretroviral therapy. In one case it was diagnosed pulmonary tuberculosis concurrent with pyomyositis, and another had disseminated tuberculosis signs. These had as outcome, death. Final Thoughts:Tropicalpyomyositis is caused by microorganisms that invade the skeletal muscle by contiguity or hematogenous spread from a distant focus. There report involvement in cases of diabetes mellitus, alcoholic liver disease, rheumatoid arthritis, SLE, malnutrition, blood disorders, neutropenia, immunosuppressive drugs, and HIV infection. 1.2. The primary Pyomyositis tuberculosis is rare, and if left untreated, the infection progresses with distant abscesses and complications such as pneumonia, osteomyelitis, lung abscess, shock / sepsis. KEYWORDS: pyomyositis. HIV. 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American JournalofEmergency Medicine. 27(2): 251.e1-2, 2009. 12 Villamil-Cajoto I, Maceiras-Pan F, Villacian-Vicedo MJ. Piomiositis: presentación de 17 casos em niños y adultos. Ver. Mèd. Chile [revista em la internet]. 2006. Ene [citado 2010 jun15]; 134(1):31-38. Disponible em: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-98872006000100004&1ng=es.doi:10.4067/ S0034-98872006000100004. 112 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 13 Lawn SD, Bekker LG, Miller RF. Immunere constitution diseaseassociatedwithmyco bacterial infections in HIV-infectedindividualsreceivingantiretrovirals. Lancet InfectDis. 2005; 5(6):361-73. 14 Leone S, Nicastri E, Giglio S, Narciso P, Ippolito G, Acone N. Immunere constitution in flammatory syndrome associated with Mycobacterium tuberculos is infection: a systematicre view. Int J InfectDis. 2010; 14(4):28391. 15 Colebunders R, John L, Huyst V, Kambugu A, Scano F, Lynen L. Tuberculosisimmunereconstitution inflammatorysyndrome in countries withlimitedresources. Int J TubercLungDis. 2006; 10(9): 946-53. 16 Muller M, Wandel S, Colebunders R, Attia S, Furrer H, Egger M. Immunere constitution in flammatorysyndrome in patientsstartingantiretroviraltherapy for HIV infection: a systematicreviewand meta-analysis. Lancet InfectDis. 2010; 10(4): 251-61. Endereco para correspondência; Telefone: (91) 9339- 8541 Email: [email protected] Recebido em 05.10.2015 – Aprovado em 10.02.2016 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 113 IMAGEM EM DESTAQUE SÍNDROME DE HERLYN-WERNER-WUNDERLICH1 HERLYN-WERNER-WUNDERLICH SYNDROME1 Jessica Miyuki Yamaki CORREA2, Camilo Ferreira RAMOS2, Natália Borges NUNES2, Amanda Monteiro CARMONA2,Lilia Sampaio LOBATO³ e Waldônio de Brito VIEIRA³. Paciente do sexo feminino, 13 anos, com queixa de dismenorreia progressiva e dor pélvica crônica, com agenesia do rim direito detectada por ultrassonografia de abdome prévia, em investigação clínica para malformação uterina, sendo encaminhada para a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, a fim de realizar ressonância magnética (RM) da pelve. A RM (Figura 1) demonstrou útero didelfo, apresentando volumoso hematometrocolpo (asterisco) na cavidade uterina à direita associada a septo vaginal deste lado (Figura 2). A tríade composta por útero didelfo, obstrução da hemivagina e agenesia renal ipsilateral é conhecida como Síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich¹, uma malformação mulleriana rara. Outro termo utilizado atualmente é a sigla “OHVIRA” que engloba outras malformações uterinas², ³. Os sintomas mais comuns se manifestam após a menarca, destacando-se dor pélvica progressiva, dismenorreia e massa pélvica palpável decorrente do hematocolpo e/ou hematométrio3,4. O diagnóstico precoce desta entidade possibilita remoção cirúrgica do septo vaginal, evitando complicações agudas de origem infecciosa como piohematocolpo e piossalpinge, além da endometriose e aderência, complicações tardias que podem ocasionar infertilidade3, 4. Figura 1. Ressonância Magnética da Pelve (plano coronal na sequência ponderada em T2). Trabalho realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Residentes de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. 3 Radiologista da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia. 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 115 Figura 2. Ressonância Magnética da Pelve (plano axial na sequência ponderada em T2). REFERÊNCIAS 1 Gazárek F, Kudela M, Zenisek L, Nevrla F. Herlyn-Werner and Wunderlich syndromes. Zentralbl Gynakol. vo.101. p.1411-5. 1979. 2 Smith N, Laufer M. Obstructed hemivagina and ipsilateral renal anomaly (OHVIRA) syndrome: management and follow-up. Fertil Steril. vol. 87 p.918-22. 2007. 3 Cinzia Orazi, M. Chiara Lucchetti, Paolo M. S. Schingo, et al. Herlyn-Werner-Wunderlich syndrome: uterus didelphys, blind hemivagina and ipsilateral renal agenesis. Sonographic and MR findings in 11 cases. Pediatric Radiology. vol. 37, n. 7, p. 657. 2007. 4 Cristina Guillán-Maquieira, José María Sánchez-Merino and Cristina Méndez-Díaz. Síndrome OHVIRA (hemivagina obstruida y anomalía renal ipsilateral) asociado a útero didelfo. Journal: Progresos de Obstetricia y Ginecología.vol.55, n. 6, p. 281. 2012. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Jessica Miyuki Yamaki Correa Av. Generalíssimo Deodoro, 146. Umarizal, Belém – Pará CEP: 66050-160 (91) 99203-8822 [email protected] Recebido em 17.02.2016 – Aprovado em 18.02.2016 116 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGOS ESPECIAIS DESENHO DE ESTUDO: PROJETANDO O SUCESSO DE UM TRABALHO CIENTÍFICO Nara Macedo Botelho1, Ana Luisa Mendes dos Reis2, Jonathan Leitão Miranda3 e Luana Pereira Margalho2 Embora seja uma tarefa desafiadora, desenhar e planejar como conduzir um estudo é fundamental durante o desenvolvimento de um trabalho científico. Escolher o tipo de desenho requer decisões importantes, que envolvem o objetivo da pesquisa, a disponibilidade da amostra e as variáveis que serão estudadas1. A maioria dos pesquisadores persiste no erro de realizar o estudo a partir de sua ideia inicial, sem ter lido quaisquer materiais relacionados ao assunto. Contudo, para se construir um método com o mínimo de erros (viés) possíveis, é preciso verificar na literatura o conhecimento atual a respeito do tema gerador da pesquisa e, sobretudo, ter um bom planejamento2. Além disso, sabe-se que cada desenho de pesquisa apresenta maior ou menor propensão para um determinado tipo de erro. Portanto, é essencial uma preparação e entendimento abrangente acerca dos diferentes tipos de desenho de estudo, visto que um pesquisador não familiarizado com esses princípios poderá desconsiderar os problemas inerentes a cada tipo de desenho1. Ao se estabelecer os objetivos a serem alcançados, durante o planejamento da pesquisa, deve-se adequar o desenho de estudo a esses objetivos. De modo que, se o objetivo é avaliar a eficácia de determinada intervenção, o desenho mais adequado seria o experimental, por exemplo. Ou ainda, se a pretensão é a análise populacional, um estudo observacional seria mais apropriado3. Desse modo, ao selecionar o desenho mais adequado para atender aos objetivos da pesquisa, o autor dá um passo muito importante na condução de uma pesquisa que tenha um impacto significativo e positivo4. Por outro lado, a escolha incorreta do desenho de estudo pode ter resultados catastróficos, como foi evidenciado por Etzioni, Gulati, Mallinger e Mandelblatt (2013)5, cujo estudo demonstrou que devido a falhas metodológicas, o “overdiagnosing” de câncer tem exposto pacientes indevidamente a tratamentos dispensáveis, em virtude da grande quantidade de resultados falso positivos, o que está diretamente relacionado à sensibilidade do teste diagnóstico escolhido. O relato de caso, por exemplo, descreve um paciente. Já o estudo de caso descreve uma série de dois ou mais pacientes portadores da mesma síndrome ou doença, ou que se submeteram a um mesmo procedimento. É necessário para tal pesquisa o acesso adequado à fonte de casos. Este tipo de estudo é empregado quando se quer: identificar novas síndromes, descrever as características e similaridades entre pacientes com os mesmos sinais e sintomas de uma doença, gerar hipótese para pesquisas futuras3. Por outro lado, o objetivo de estudos transversais é medir a exposição da população ou parte a um fator de risco em particular ou doença num determinado ponto no tempo. É um estudo usado para descrever comunidades, avaliar programas de saúde e estimar as necessidades da população3. Já num estudo de coorte, um grupo de pessoas semelhantes é monitorado ao longo de um determinado período de tempo, envolvendo dois parâmetros para mensuração: inicialmente confirmando a exposição primária ou doença em cada indivíduo e posteriormente mensurando a incidência de novos casos da doença em comparação à primeira pesquisa3. Dentre os tantos parâmetros técnicos que envolvem a escolha do desenho de estudo, deve-se ainda ressaltar questões práticas para orientar tal escolha. Atentar para a questão da viabilidade em relação ao tempo é indispensável – um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é muito diferente de um doutorado nesse quesito, por exemplo. Lembrar que ocasionalmente optar por um estudo simples e realizado com todo o esmero que qualquer trabalho científico demanda pode resultar em um trabalho mais correto e com maior clareza, evitando surpresas desagradáveis como quanto a um detalhe estatístico ou algo do gênero. Professora Doutora do Curso de medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) Graduando do Curso de medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 117 REFERÊNCIAS 1 Luna Fo B. Seqüência básica na elaboração de protocolos de pesquisa. Arq. Bras. Cardiol.1998; 71(6): 735-40. 2 Fronteira I. Como desenhar um (bom) estudo epidemiológico observacional: um olhar sobre o protocolo de investigação. Acta Med. Port. 2013; 26(6): 731-36. 3 Masic I. Medical publication and scientometrics. J. Res. Med. Sci. 2013: 18(6): 516-21. 4 Sousa VD, Driessnack M, Mendes IAC. Revisão dos desenhos de pesquisa relevantes para enfermagem. Parte 1: desenhos de pesquisa quantitativa. Rev. Latino-am. Enfermagem. 2007: 15(3). 5 Etzioni R, Gulati R, Mallinger L, Mandelblatt J. Influence of study features and methods on overdiagnosis estimates in breast and prostate câncer screening. Ann. Intern. Med. 2013: 158(11): 831-38. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: [email protected] Recebido em 05.08.2014 – Aprovado em 11.06.2015 118 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 ARTIGOS ESPECIAIS SOBRE O CONTEXTO ASILAR, A OCIOSIDADE E A OCUPAÇÃO HUMANA: ALGUMAS REFLEXÕES. Victor Augusto Cavaleiro CORRÊA1, Alice da Silva MORAES2, Ana Flávia de Morais Santos BORGES2, Camila Nunes da SILVA2 e Flávia Carolina da Silva OLIVEIRA2 INTRODUÇÃO Envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa da vida do homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas, sociais e ocupacionais que acometem de forma particular cada indivíduo com sobrevida prolongada. É uma fase em que, ponderando sobre a própria existência, o indivíduo idoso conclui que alcançou muitos objetivos, mas também sofreu muitas perdas, das quais a saúde destaca-se como um dos aspectos mais afetados1. A velhice parece deixar o indivíduo impotente, indefeso, fragilizado para tomar suas próprias decisões, para enfrentar seus problemas, o cotidiano, não só diante dos familiares, mas também da sociedade como um todo. Além disso, nem sempre é amparado pelos familiares e, muitas vezes, são levados a morar em asilos ou albergues, a viverem isolados, longe de parentes e amigos. O asilo é a modalidade mais antiga de atendimento ao idoso fora de seu convívio familiar, podendo ter como algumas consequências: o isolamento, a inatividade física e mental e a redução na qualidade de vida2. A literatura evidencia que a maioria das instituições asilares são de cunho religioso e tem como principal objetivo o ato de caridade cristã, como norma orientadora da obra social3. Dentro do contexto de instituições asilares Ribeiro e Schultz2 apontam uma desvalorização pessoal pela não realização de atividades produtivas. A ausência do trabalho coloca os idosos numa situação de ociosidade e, a partir de então, não conseguem encontrar outras atividades que possam preencher o vazio deixado pela ruptura existente entre o passado produtivo e o presente situado na instituição. Com base nessa realidade surgem algumas reflexões acerca de como se apresentam as ocupações dos idosos institucionalizados? O que a instituição pode fazer para diminuir a ociosidade? Os desejos e as expectativas ocupacionais dos idosos são levados e consideração? Este artigo busca refletir sobre a pessoa idosa na condição de institucionalização, visando pensar sobre a relação do fazer e do não fazer do idoso no contexto asilar. SOBRE O IDOSO EM INSTITUIÇÃO ASILAR, A OCIOSIDADE E A OCUPAÇÃO A Política Nacional do Idoso5 entende asilo como o atendimento em regime de internato ao idoso, sem vínculo familiar ou sem condições de prover a própria subsistência, de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social. Declara ainda que tal atendimento somente deve ocorrer no caso da inexistência do grupo familiar, abandono, carência de recursos financeiros próprios ou da própria família, sem considerar quaisquer outras condições, seja em caráter temporário ou permanente. De acordo com Resolução 283/2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)6, no item 3.6, ILPIs (INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA) são “instituições mantidas por órgãos governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas ao domicilio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condições de liberdade, dignidade e cidadania”. Terapeuta Ocupacional. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará. Brasil Discentes do curso de Terapia Ocupacional. Universidade Federal do Pará. Belém. Pará.Brasil 1 2 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 119 Em muitos casos, no cotidiano asilar, a sensação que se tem é de um lugar onde o tempo estagnou. As horas estendem-se, resistem na ociosidade em todo o ambiente. Os idosos, na maioria das vezes, passam a maior parte do tempo sentada, um ao lado do outro, sem conversas ou, quando se ouve alguma voz, esta é solitária. Idosos conversam, mas não se ouvem. Uns gritam, sem motivo aparente, outros vagam7. Ximenes e Côrte4 ressaltam que esses idosos não se sentem parte integrante do espaço onde vivem, ficando claro que o asilo não apresenta condições de vida comunitária para os seus residentes. Vivem num mundo à parte, onde perdem sua individualidade, entram aos poucos num processo de isolamento e deixam de realizar as suas atividades mais significativas. Esta ociosidade leva os idosos a uma posição passiva diante da vida, que transcorre como se fosse algo externo e alheio à sua existência. Entende-se que a ocupação humana é essencial ao equilíbrio físico, psicoemocional e social do idoso, na medida em que favorece o continuar vivendo, mesmo que intercorrência possam interpor-se ao processo de envelhecimento. Estimular o idoso a continuar a fazer planos, estabelecer os contatos sociais, torna-o ativo e participante de sua comunidade. Inúmeros autores relatam os efeitos benéficos das atividades nas suas diversidades, sejam elas físicas, de lazer, de trabalho, artísticas, sociais, etc. Pois viver, requer movimento, ação, execução e fazer, o que por sua vez, dão forma e estruturam as ocupações dos sujeitos, estabelecendo um sistema de relações, que colabora para a construção de uma vida cotidiana com qualidade. Evidências demonstram que o não fazer é nocivo à saúde do idoso, podendo levá-lo ao declínio de sua capacidade física pelo “desuso” das funções do corpo, atingindo as atividades de vida diária e de vida prática. Consequentemente, pode levá-lo ao desconhecimento de seu corpo e de si mesmo, expondo-o a uma maior vulnerabilidade às enfermidades. As ocupações, portanto, dão suporte para que o idoso enfrente o processo de envelhecimento, adaptando-se às mudanças com algum equilíbrio emocional, podendo fortalecer sua autoestima, com uma visão de mundo mais positiva, vontade de viver e, por conseguinte, estimular uma vida longeva, com saúde, independência e autonomia4. De maneira mais abrangente, este acesso é deficitário em Instituições de Longa Permanência (ILPs), levando em consideração ao que é ofertado aos idosos, onde a rotina ocupacional é levada de forma institucional, ou seja, os idosos é que devem se adaptar 120 aos horários e atividades programados pela instituição e não o inverso. As instituições de longa permanência podem não visualizar seus usuários como seres de desejos e singularidades ocupacionais, esquecendo, muitas vezes no âmbito ocupacional,suas histórias, preferências e perspectivas ocupacionais de cada idoso, ignorando suas referências de cultura, religiosidade, escolaridade, enfim, o que é significativo e importante para cada indivíduo. Nesse sentido Ximenes e Côrte4, abordam que os idosos não se sentem partes integrantes do espaço onde vivem, não se sentem “pertencer”, contrariando o sentimento de comunidade, podendo, nesses casos, o asilo não apresentar condições de vida comunitária para os seus residentes. Percebe-se então, um déficit social importante em decorrência de um processo de internação em uma instituição. Muitas vezes, os contatos sociais dos idosos residentes com o exterior são poucos ou inexistentes, rompendo os laços sociais e ocupacionais habituais. Acredita-se que a ocupação humana é imprescindível para estes idosos, tendo em vista a necessidade ser cada vez mais autônomo, independentes e ocupante de fazeres que tenham alguma relação com si. Ocupar-se diariamente daquilo que se quer e deseja pode ser um instrumento importante para contribuir na estimulação e participação do idoso no contexto e comunidade a que pertence, cuidando da relação entre a instituição e a ociosidade que os idosos podem enfrentar no dia-a-dia, proporcionando-os uma melhor qualidade de vida e participação em seu cotidiano. SOBRE AS OCUPAÇÕES E O IDOSO EM INSTITUIÇÃO ASILAR Hoje, o idoso institucionalizado adapta-se a uma rotina de horários, a dividir seu ambiente com desconhecidos e viver à distância da família. A individualidade e o poder de escolha das preferências ocupacionais são pouco observados. Almeida10 refere que a ociosidade foi sempre um aspecto mencionado pelos estudos como um fator causador de constrangimentos na vida do idoso institucionalizado. Esta realidade traz implicações para os Terapeutas Ocupacionais, uma vez que estes necessitam mobilizar conhecimentos para prestarem uma assistência adequada e de qualidade, que compreenda as necessidades ocupacionais dos idosos, de modo a amenizar os desafios impostos pela institucionalização. Souza et al11, em sua pesquisa em uma ILPI’s, mostraram que a inatividade física foi observada na instituição e revelada na fala dos idosos que gostariam Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 de ter mais ocupação, demonstrando que a ociosidade os incomodava. Foi observado que, salvo raras exceções, os idosos residentes na instituição estudada são ociosos. Muitos não participam das atividades diárias por acomodação e outros por acharem que não é de sua competência fazer alguma ocupação. Além disso, a falta de oportunidade e de iniciativa de algumas instituições em criar espaços para que os idosos possam assumir pequenas tarefas acabam por mantê-los mais inativos. Já Duarte,12 em seu estudo de abordagem qualitativa teve como objetivo compreender o discurso da institucionalização do idoso e a existência de práticas que favorecem o vínculo com o lugar e a rotina de cuidados neste ambiente, propondo efetuar a análise de discursos sobre o idoso e a noção de representação. Neste sentindo, percebe-se que as instituições de longa permanência trazem consigo um estigma de uma população idosa dependente, ociosa, geralmente sem vínculo familiar ou social e vista de maneira generalizada. Born13 esclarece que independente de qual for a denominação estabelecida, há uma rejeição da sociedade brasileira a instituições que prestam assistência ao idoso. Sabe-se que muitas das instituições não estão preparadas para proporcionar aos seus idosos, serviços individualizados que respeitem, no âmbito ocupacional, as preferências e modos de vida diversificados. Há uma desvalorização das necessidades do idoso, por se acreditar que estas se limitam a certas prioridades fisiológicas. Algumas ocupações importantes para a vida não são exercidas em sua forma plena, tais como lazer, trabalho, educação e outras são deixadas no esquecimento como as de nível social, afetivo e sexual. Diante disto, percebe-se um déficit nas áreas de ocupação humana, como o lazer, a educação e a participação social. Existem casos específicos em que idosos conseguem ter acesso a uma destas áreas, como, por exemplo, a educação, verificando então, uma possibilidade de se obter situações em que a instituição, consegue sanar estas necessidades de engajamento ocupacional destes indivíduos. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 A Terapia Ocupacional, tendo como instrumento de suas ações as atividades, poderá assistir esta população que apresenta um “fazer” desestruturado decorrente das mudanças acarretadas pelo envelhecimento e institucionalização e, assim, encontra dificuldades para participar novamente do mundo social e cultural14. O que se almeja é uma promoção de mudanças de valores e hábitos em várias gerações, construindo assim um novo paradigma de promoção e manutenção da saúde da pessoa idosa institucionalizada15. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentro do contexto de instituições asilares Ribeiro e Schultz2 apontam uma desvalorização pessoal pela não realização de atividades produtivas. A ausência do trabalho coloca os idosos numa situação de ociosidade e, a partir de então, não conseguem encontrar outras atividades que possam preencher o vazio deixado pela ruptura existente entre o passado produtivo e o presente situado na instituição. Ximenes e Côrte4 ressaltam que esses idosos não se sentem parte integrante do espaço onde vivem ficando claro que o asilo não apresenta condições de vida ocupacionais para os seus residentes. Vivem num mundo à parte, onde perdem sua individualidade, entram aos poucos num processo de isolamento e deixam de realizar as suas ocupações mais significativas. Esta ociosidade leva os idosos a uma posição passiva diante da vida, que transcorre como se fosse algo externo e alheio à sua existência. Portanto, faz-se necessário favorecer o engajamento desses idosos, em atividade significativas, contribuindo assim na autonomia e independência nos fazeres cotidianos, além de trazer benefícios nos aspectos de engajamento ocupacional. Para isso as instituições podem contribuir com um ambiente calmo, previsível e acolhedor, além de poder promover a escuta e captar as principais demandas que possam ser realizadas dentro da própria instituição para que assim a ociosidade possa ser atenuada e a vida dos idosos ganhe um novo sentido. 121 Referências 1 Mendes MRSSB. O cuidado com os pés: um processo em construção [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2000. 2 Ribeiro AP, Schultz GE. Reflexões sobre o envelhecimento e bem-estar de idosas institucionalizadas. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, 2007 . 3 Ximenes MA, Côrte B. Idosos e seus fazeres na Instituição de Longa Permanência. Caderno Temático Kairós Gerontologia 8: Moradia na Velhice. São Paulo, p.29-34, novembro. 2010. 4 Ximenes MA, Côrte B. A instituição asilar e seus fazeres cotidianos: um estudo de caso. Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v. 11, p. 29-52, 2007. 5 BRASIL. Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 05 jan. 1994. Seção 1, p. 77. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8842.htm>. Acesso: 31/10/2014 6 BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC Nº283. 2005. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente/documentos/rdcs/RDC%20N%C2%BA%202832005.pdf. Acesso: 31/10/2014 7 Goffman E. Manicômios, Prisões e Conventos. 7.ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. Apud. Ximenes M, Côrte B. A instituição asilar e seus fazeres cotidianos: um estudo de caso. Estud. interdiscip. envelhec., Porto Alegre, v. 11, p. 29-52, 2007. 8 Neistadt ME, Crepeau EB: Willard &Spackman; Terapia Ocupacional; Rio de Janeiro; Guanabara Koogan; 2002. 9 Perpéua VAQ, et al. Terapia Ocupacional na terceira idade com a reciclagem do óleo de cozinha Revista Complexus, Faculdade de Engenharia e Arquitetura – CEUNSP, SALTO/SP, ano. 02, n. 4, P. 161-183, setembro de 2011. 10 Almeida RR. A Terapia Ocupacional como recurso para idosos Institucionalizados – um estudo de avaliação das necessidades Ocupacionais. 2011, (Dissertação) Mestrado em saúde e envelhecimento. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade nova de Lisboa. 2011. 11 Souza PD, et al. Aptidão funcional de idosos residentes em uma Instituição deLonga Permanência Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. Rio de Janeiro, 2011; v. 14, n.1, p. 7-16. 2011 12 Duarte LMN. O processo de institucionalização do idoso e as territorialidades: espaço como lugar? Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 201-217, 2014. 13 Born T, Boechat NS. A Qualidade dos Cuidados ao Idoso Institucionalizado. In: Freitas EV, PY, L, Neri AL, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. P. 768-777. 14 Paulin GST, Oliveira ML. Terapia Ocupacional no processo de envelhecimento e aposentadoria: construção de espaços saudáveis. O Mundo da Saúde São Paulo, v. 33, n. 2, p. 246-252. 2009. 15 Mello MAF. Terapia Ocupacional Gerontológica. In: Cavalcanti A, Galvão G. Terapia Ocupacional: Fundamentação e Prática. Rio de Janeiro, Ed Guanabara Koogan, 2007. p. 331-336. Endereço para correspondência: [email protected] Recebido em 08.04.2015 – Aprovado em 10.02.2016 122 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 MODELO DE CARTA (Timbre da instituição onde o trabalho foi elaborado) À REVISTA PARAENSE DE MEDICINA Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Belém, PA Senhores editores Encaminhamos o artigo intitulado- ............................................. de autoria de- ............................................... .............. para devida avaliação editorial. Declaramos que não há conflito de interesses e outorgamos plenos direitos de publicação à Revista Paraense de Medicina da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Informamos que este artigo não foi submetido em outra revista científica. Anexo, o parecer da Comissão de Ética em Pesquisa. Atenciosamente, Belém, .......de........ de ...... (assinatura dos autores) .................................................................. .................................................................. .................................................................. Endereço para correspondência, inclusive telefones e e-mail: .................................................................. .................................................................. .................................................................. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 123 NORMAS DE PUBLICAÇÃO INFORMAÇÕES GERAIS A REVISTA PARAENSE DE MEDICINA (RPM) é o periódico bio-médico tri-mestral, editado pelo Núcleo Cultural da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP). Registro oficial nº22, livro B do 2º Ofício de Títulos, Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas, do Cartório Vale Chermont, em Belém-Pa, 1997. A RPM da FSCMP é indexada nas Bases de Dados LILACS-BIREME-OPAS e classificada: estrato B Medicina I, II e III, B Odontologia e C Ciências Biológicas III pela CAPES/MEC (classificação 2009). Filiada à Associação Brasileira de Editores Científicos ABEC, sediada em Botucatu SP. Os artigos publicados na Revista Paraense de Medicina seguem os requisitos uniformes recomendados pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org) e são submetidos à avaliação pelos conselhos editorial e científico, compostos por especialistas da área da saúde, que avaliam os textos e decidem por sua publicação. A RPM tem o propósito de publicar contribuições originais, sob temas científico-culturais da área interdisciplinar de saúde, sob formas de: Artigo original (pesquisa) ; Atualização/Revisão; Relato de caso; Iniciação científica; Imagem em destaque; Artigos especiais e Questões de linguagem médica O artigo enviado para análise não poderá ter sido submetido, simultaneamente, para publicação em outras revistas e nem publicado anteriormente. Na seleção do manuscrito para publicação, avalia-se a originalidade, a relevância do tema, a metodologia utilizada, além da adequação às normas editoriais adotadas pela revista. Os manuscritos aceitos, condicionalmente, são revisados pelos pares e serão devolvidos aos autores para serem efetuadas as modificações devidas e que tomem conhecimento das alterações a serem introduzidas, a fim de que o trabalho possa ser publicado. A Revista cumpre a resolução do CFM nº 1596/2000, que veda artigos, mensagens e matérias promocionais de produtos ou equipamentos de uso na área médica. Os autores são responsáveis pelos conceitos emitidos e devem atentar à seriedade e qualidade 124 dos trabalhos, cujos dados devem receber tratamento estatístico, sempre que indicados, assim como, a tradução do SUMÁRIO para SUMMARY. Encaminhar aos editores da RPM, os artigos com 2 (duas) vias, 2 vias de carta de encaminhamento padrão anexas, assinadas por todos os autores, na qual deve ficar explícita a concordância com as normas editoriais, o processo de revisão e com a transferência dos diretos de publicação para revista, passando a ser propriedade da Revista Paraense de Medicina. Todo trabalho com investigação humana deve ser acompanhado da aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição, onde se realizou o trabalho e relatar no texto a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomenda a Declaração de Helsinki (de 1975 e revisada em 1983) e a Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde-Ministério da Saúde. A pesquisa realizada em animal de experimentação, deverá ser acompanhada da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Animal, seguindo as Normas Internacionais de Proteção aos Animais. FORMA E ESTILO Os artigos devem ser envidados em CD-R ou CD-RW, dois textos originais impressos em papel A4, digitados em word, espaço simples, fonte TNR-11 e duas colunas; no rodapé citar o local onde foi elaborado o estudo, identificação dos autores e seus respectivos vínculos acadêmicos sem siglas, TNR 10. O SUMMARY, fonte 11 e referências fonte 10, em uma coluna. As tabelas incluídas no texto, devem possuir legenda na parte superior, fonte TNR 10 , identificados com números arábicos, indicando o que, onde e quando do tema; os dados da tabela em TNR10; nota de rodapé TNR 9, indicando o nível de significância (p) e entre parênteses o método estatístico aplicado, quando necessário. Os gráficos, fotos, esquemas, etc. são considerados como figuras, legenda inferior TNR 10, seqüencial único em algarismo arábico . Fotografias deverão ser inseridas no corpo do texto, em preto e branco ou colorida, com boa qualidade de visualização. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 FORMATAÇÃO DOS ARTIGOS EditorialÉ o artigo inicial de um periódico. Comenta assunto atual de interesse à área de saúde, editoração, metodologia científica ou temas afins. Artigo originalAborda temas de pesquisa observacional, analítica, experimental, transversal (incidência ou prevalência), horizontal ou longitudinal (retrospectiva ou prospectiva), estudo randomizado ou duplo cego, máximo de 6 a 10 laudas. A pesquisa bibliográfica acompanha todo trabalho bio-médico. 1) Título e subtítulo (se houver), em português, TNR fonte 11, negrito e tradução para o inglês, fonte 10, não negrito, centralizados e em caixa alta. 2) Nomes completos dos autores, máximo de 6, com sobrenome em letras maiúsculas, TNR 10, também, centralizados. 3) No rodapé da 1ª página, citar a instituição, cidade e país onde foi realizado o trabalho, titulação, graduação e local de graduação dos autores (local de graduação, atividade atual, cidade, estado e país), TNR 10, numerada conforme a seqüência dos autores, fontes de financiamento, sem conflito de interesses. 4) Resumo deve ter no máximo 250 palavras, escrito em parágrafo único, TNR 11, espaço simples, contendo: objetivo, método (casuística e procedimento), resultados (somente os significantes) e conclusão ou considerações finais. 5) Descritores: citar no mínimo 3 e no máximo 5, em ordem de importância para o trabalho, devendo constar do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) criado pela LILACS/BIREME e disponível em http:// decs.bvs.br. O desenvolvimento do texto é TNR 11, espaço simples. 6) Introdução: mostra a hipótese formulada, atualiza o leitor na relevância do tema sem divagação e termina com o objetivo do trabalho. 7) Método: citar nº do protocolo de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição com aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; descrever a casuística, amostra ou material e procedimentos utilizados para o trabalho. Descrever, também, os métodos estatísticos empregados e as comparações empregadas em cada teste, assim como, o nível de significância. Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015 8) Resultados: constituído por, no máximo, 6 tabelas numeradas, com legenda superior (TNR 10) e fonte de informação abaixo (TNR 9), acompanhadas ou não de gráficos. Não fazer comentários, reservando-os para o item Discussão. 9) Discussão: comenta e compara os resultados da pesquisa com os da literatura referenciada, de maneira clara e sucinta. 10) Conclusões ou considerações finais sobre os resultados da pesquisa ou estudo, de forma concisa e coerente com o tema. 11) Summary: versão do resumo do trabalho para a língua inglesa, TNR 11. Devem constar o título, nomes dos autores e os respectivos itens. 12) Key words: segundo o DECS e na língua inglesa. 13) Agradecimentos: devem ser feito às pessoas que tenham colaborado, intelectualmente, mas cuja contribuição não justifique co-autoria, ou para os que tenham dado apoio material. 14) Referências: devem seguir o estilo Vancouver e predominantemente de trabalhos publicados nos últimos 10 anos, TNR 10, obedecendo os requisitos uniformes recomendados pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org), em ordem numérica conforme a citação no texto, máximo de 30 citações. Evitar citações de difícil acesso como resumo de trabalhos apresentados em congresso ou publicações de circulação restrita. Nas referências citar todos os autores até o sexto. Caso haja mais de seis autores acrescentar a expressão et al. Exemplificando Artigos: Teixeira JRM. Efeitos analgésicos da Maytenus guianensis: estudo experimental. Rev. Par. Med. 2000;15(1): 17-21 Livro e monografia: Couser WG. Distúrbios glomerulares. In:CECIL – Tratado de Medicina Interna, 19 ed. Rio de Janeiro : Ed. Guanabara, 477-560, 1993 Internet: Mokaddem A (e colaboradores). Pacemaker infections, 2002. Disponível em http:/www.pubmed. com.br – Acessado em .. As qualidades básicas da redação científica são: concisão, coerência, objetividade, linguagem correta e clareza. 125 Atualização/revisão15) conflito de interesse: declarar se ocorre, ou não, conflito de interesse 16) Endereço para correspondência: nome, endereço, e-mail de um dos autores. Relato de casoDeve ter relevância científica, conciso, máximo de 3 laudas, esquemático e didático; o método é o próprio relato do caso, seguindo os itens: anamnese, exame físico, exames subsidiários, diagnóstico, conduta e prognóstico; dispensa resultados. Referências bibliográficas devem atender o mesmo padrão dos artigos originais.. Endereço para correspondência : REVISTA PARAENSE DE MEDICINA Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Rua Oliveira Bello, 395 – Umarizal CEP: 66.050-380 Belém – Pará Fone: (0xx91) 4009-2213 e-mail: [email protected] Iniciação científica São resumos contendo os seguintes itens: introdução, objetivo, método, resultados, conclusão, descritores e referências bibliográficas. Não devem ultrapassar mais de uma lauda, TNR 11, espaço simples. No rodapé, citar o local onde foi elaborado o estudo e identificação dos autores com os respectivos vínculos acadêmicos Imagens em Destaque Deve conter o título, nomes dos autores como no formato dos demais artigos. Fazer uma descrição prévia do caso clínico, seguido das fotos denominadas de figuras com número arábico e referências bibliográficas. No rodapé, citar o local onde foi elaborado o estudo e a identificação dos autores com os respectivos vínculos acadêmicos. Máximo de 2 laudas. Solicitamos aos autores e colaboradores da RPM que sigam as normas referidas e encaminhem os artigos após revisão e correção gramatical, inclusive o CD-RW. Ao final de cada artigo, anotar o endereço completo com CEP, telefone para contato e endereço eletrônico (e-mail), do autor principal. TNR 10. Toda matéria é passível de correções referentes ao conteúdo científico, metodologia e redação. Os autores são responsáveis pelo conteúdo da matéria. 126 Revista Paraense de Medicina V.29(3) julho-setembro 2015