Leonardo Silva Oliveira - III Semana de História

Transcrição

Leonardo Silva Oliveira - III Semana de História
UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA FIGURA MASCULINA NO FILME
“OS AMORES DE UM PISTOLEIRO” (1986)
Leonardo Silva Oliveira
Graduado em História pela FACIP/UFU
[email protected]
O filme Um pistoleiro chamado Papaco, também lançado com o nome de Os amores
de um pistoleiro, faz parte do gênero Pornochanchada e se passa num cenário típico dos
filmes western1, mostrando grande influência deste gênero cinematográfico cunhado nos
Estados Unidos ao resto do mundo. Anderson Neves nos fala que o filme ainda apresenta
menções a clichês do “Western spaghetti”, uma reinterpretação do cinema italiano ao western
norte-americano2.
Antes de partir para a análise do filme, é importante definir o que é a Pornochanchada.
Segundo o verbete da Enciclopédia do Cinema Brasileiro, Pornochanchada é um rótulo que
serviu para designar os filmes que da passagem da década de 1960 para 1970 produziram um
cinema que apontava na direção de questionamento de costumes, explorando o erotismo.
Possui temáticas diversas, mas formas de produção parecidas.
A origem do termo vem da Chanchada, gênero dominante no Brasil entre os anos 1940
e 1950, cujo humor continha-se na ingenuidade e a malicia sugestiva. A Pornochanchada
insere intenções explícitas aos filmes. Porém, a agregação do termo “pornô” ao “chanchada”
não se dá numa relação linear, só foi utilizado na Pornochanchada o nome de um gênero que
já era popular no Brasil.
Este gênero foi mais uma reflexão da “revolução sexual” e a onda de permissividade
que tomava o mundo à época. Os filmes apresentam títulos de duplo sentido, situações
amorosas e piadas maliciosas3.
Flavia Seligman aponta que numa primeira fase, a qual denomina de soft-core, a fase
leve, era apenas composta de piadas e títulos de duplo sentido, enquanto na segunda fase, o
sexo já se tornou mais explicito e os títulos mais exagerados. A Pornochanchada é um gênero
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que exalta a figura do malandro conquistador, ele dribla os poderes, se dá bem ao final e ao
mesmo tempo detém um sex-appeal especial que atraí muitos olhares à ele4.
Ainda segundo o verbete da Enciclopédia, a maioria dessas produções eram feitas na
Boca do Lixo, em São Paulo, “espaço urbano de contorno definido no bairro da Luz, onde
historicamente localizaram-se os escritórios de produtores, exibidores e distribuidores
nacionais e estrangeiros”5. Na época, era considerada a Hollywood brasileira, produzindo
número considerável de títulos.
Este filme em específico, As aventuras de um pistoleiro chamado Papaco, é uma
produção da Boca do Lixo, lançado em 1986, possuindo 70 minutos de duração, produzido
em cores. A companhia produtora é Olympus Filme, sendo o roteiro e a direção de Mario Vaz
Filho, fotografia de Antonio Meliande, técnico de som: Pedro Roberto e a montagem de
Antonio S. Dias6.
Na diegese7 do filme, Papaco (Fernando Benini) anda em uma estrada, em direção a
cidade, com ar misterioso, arrastando um caixão com uma encomenda. Ao longo de seu
caminho, Pancho Favela (Paco Sanchez), mandado por Sapato (Agnaldo Costa) e Big Boy
(Anão Chumbinho), trabalhando para Jane (Nikita), tentam roubar sua encomenda em
emboscadas. Porém, Papaco sempre é mais forte e ágil e consegue derrotar todos com seus
dois revólveres. No caminho da cidade, ele mata os quatro maridos de Linda (Márcia Ferro) e
ela pede para acompanhá-lo em sua jornada.
Em meio às confusões, muitas cenas de sexo são mostradas, como a primeira vez que
Papaco derrota Pancho Favela e “fode ele com sua pistola”, nas palavras do mesmo. Após
derrotar os capachos de Jane no saloon da cidade, Papaco também faz sexo com as quatro
prostitutas do local. Além disso, ainda faz sexo com Jane mais a frente, estando ele sempre
em posição ativa, com exceção das cenas finais, onde tem intercurso sexual com Linda e esta
assume uma posição mais ativa no sexo.
Descreverei e analisarei as principais cenas do filme buscando entender como o
narrador cinematográfico constrói o personagem Papaco, seja por meio das falas, do
enquadramento, da trilha sonora e da caracterização.
Ao início do filme vemos um movimento de câmera da esquerda pra direita mostrando
o céu e algumas árvores, com som de pássaros ao fundo, que logo termina em um close no
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rosto de Papaco, o qual aparece com ar misterioso, cara de bravo, com a barba por fazer e um
chapéu de cowboy. Ele permanece vestido deste jeito o filme todo. Ele acende um cigarro e
coloca na boca com muita virilidade. Uma música de aventura de faroeste começa a tocar ao
fundo enquanto Papaco anda com sua encomenda e as informações sobre o filme vão
aparecendo em placas ao longo do caminho.
A música é cortada quando Papaco se encontra com Pancho Favela. Este último o
desafia e perde logo na batalha. Papaco domina ele e, os dois travam o seguinte diálogo:
Papaco: - Agora vou te foder.
Pancho: - Por dios, hombre, tendes piedade de un pobre diablo como Pancho.
Papaco: - És Pancho Villa?
Pancho: - No, soy Pancho Favela. Pero no me mates.
Papaco: - E quem falou em matar? No voy te fuder com o revolver, mas com a pistola.
Percebemos num diálogo um certo tom de deboche, ao mesmo tempo em que é
articulado com a sexualidade, pois logo Papaco coloca seu membro ereto para fora da roupa,
cospe nele e entra em intercurso sexual com Pancho Favela. Ao mesmo tempo em que é uma
cena de sexo, possui o deboche como ponto marcante. O pênis é referido como “pistola” e o
diálogo claramente debocha de um dos líderes da Revolução Mexicana, Pancho Villa.
Na cena, Papaco faz apenas o papel ativo, ficando Pancho Vila deitado no caixão de
bruços, submisso a Papaco. Ao fundo, toca música de faroeste durante a cena, enquanto
Pancho fala várias frases que instigam mais o riso do que o erotismo, como “como duele, mi
pregas foran parar na casa del carajo, estoy fodido e mal pagado, ay Dios mio”. A câmera
mostra apenas o rosto de ambos durante as cenas enquanto Papaco faz sexo com Pancho
Favela de forma impessoal, mostrando a superioridade do homem ativo. Ele apenas coloca
seu membro e faz os movimentos, nem mesmo toca em Pancho Favela ou demonstra qualquer
tipo de afeto.
Na cena seguinte, Linda está fazendo sexo com seus quatro maridos, os quais param o
ato ao ver Papaco passar na estrada. Eles vão atrás para saberem se o que está no caixão é
uma encomenda que fizeram, mas acabam brigando e Papaco, com sua agilidade com o
revolver, mata os quatro. Linda, então, pede para ir com ele através do seguinte diálogo:
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Linda: - Moço, não me abandone aqui, me leve com você.
Papaco: - Eram seus conhecidos?
Linda: - Meus maridos.
Papaco: - Porra, tudo isso?
Linda: - E daí? Sou mulher até debaixo d'água. Rola pra mim tem que ser por metro.
Papaco: - É vivendo que se aprende. Vamos embora. Mas não me comprometa, meu negócio é
outro.
Linda: - Por mim tudo bem, eu não tenho nada com isso, cada um dá o que é seu.
Papaco: - Como é seu nome?
Linda: - Linda.
Papaco: - "Num" parece.
Mais uma vez, vemos um diálogo com deboche, onde a mulher diz que gosta muito de
“rola” e Papaco ainda insinua que o nome não condiz com a aparência dela. Ao dizer que “seu
negócio é outro”, Linda já diz que não tem nada a ver com isso, dando a entender que Papaco
é gay.
Papaco chega a cidade e vai se alimentar no saloon da cidade, lugar comum de filmes
western. Durante sua refeição, Pancho Favela chega até a porta e pede para que ele saia com
as mãos pra cima, ele quer a encomenda de Papaco que está no caixão. Pancho Favela é
derrotado por Papaco outra vez e travam o seguinte diálogo:
Papaco: - Será que eu vou ter que te foder outra vez?
Pancho: - Por Dios, senhor, estoy com las priega en fuego.
Papaco: - É a segunda vez que eu te deixo vivo. Cuidado. A próxima pode ser a última.
Pancho: - Por que no me mataste, senhor?
Papaco: - Um cu como o teu merece ficar vivo.
Pancho: - Ay gracias, senhor.
Papaco: - Agora um recado pro seu patrão, ou manda a grana, ou não tem mercadoria.
Mais uma vez o deboche marca os diálogos, como na cena seguinte, onde Big Boy vai
falar para sua patroa sobre Papaco e ela também quer as encomendas. Jane diz que quem
pegar Papaco vai ter um prêmio especial. Quanto perguntada sobre o prêmio, Jane vira de
costas e levanta a saia dizendo: “meu cu”, após o close que a câmera dá ouvimos um barulho
de flatulência.
Outro deboche é Sapato, personagem alegórico a Emiliano Zapata, outro líder da
Revolução Mexicana. Sempre que este personagem aparece, ele está fazendo sexo com outros
homens, sempre em posição de submissão. Além disso, ele e Pancho Favela sempre falam
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“Viva Sapato!” em menção a “Viva Zapata!”.
Big Boy vai atrás de capachos e pedem para que eles peguem Papaco. Eles chegam até
o saloon mas são todos mortos com tiros por Papaco. A câmera mostra Papaco de longe
enquanto atira em todos os homens, com uma música de tensão ao fundo. Papaco deixa um
homem vivo, que diz que ainda iriam se encontrar, mas ele não demonstra nem medo. O dono
do saloon até mesmo o descreve da seguinte forma: “você é mais perigoso que a bomba
atômica, mata mais que AIDS”, construindo-o como um macho poderoso. Além de poderoso,
ele faz suas refeições de forma grosseira, sem nenhuma delicadeza, o que reforça mais ainda
sua virilidade.
Após ter matado os homens, Papaco bebe uma cerveja de forma viril, sempre com seu
ar misterioso. Logo as prostitutas o cercam, a primeira dizendo “um machão desses faz a
minha cabeça”, a segunda: “eu também quero”. Ele responde: “vamos com calma, gente. Meu
negócio é outro”. Logo, a terceira diz: “Faz uma forcinha, benzinho” e a quarta: “Só hoje.
Não deixa a gente na mão”. Então, Papaco diz, com um close em seu rosto, “Bem, já que não
tem outro jeito, vamos nessa”. As prostitutas ficam em volta dele, tocando-o, mas ele nem
mesmo olha nos olhos delas ao falar.
Na cena seguinte, Papaco faz sexo com as quatro, estando todas em posição de
submissão a ele. O foco da câmera, na maior parte da cena, se dá em seu falo, enquanto uma
das quatro faz sexo oral nele, ou enquanto ele introduz o membro na vagina delas.
Linda é a única que não participa da orgia e após duas das prostitutas voltarem do
quarto, ela conversa com uma das prostitutas o diálogo a seguir:
Linda: - O cara é bom de pica mesmo ou é cascata?
Prostituta: - Ah, ele é mó máquina de poder.
Linda: - E eu pensando que ele era viado.
Prostituta: - O ato não anula o fato, tem gente que corta dos dois lados.
Linda: - Eu não acredito muito nisso, ou o cara fode, ou sai de cima.
Vemos um diálogo extremamente machista, no entanto, também contém um pouco de
humor, como a fala de uma das prostitutas que sai do quarto e diz “estou toda arrombada, vou
ficar um mês sem trepar”.
Interessante notar também que na cena de sexo de Papaco com as prostitutas, ele as
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beija, toca no corpo e fica totalmente nu, diferentemente da cena com Pancho Favela. Apesar
do personagem ser construído como alguém que gosta de “comer cu”, não tendo muito
interesse por mulheres ao início, ele aparece muito mais solto com as mulheres, ato que se
assemalha ao que Valter Vicente Sales Filho caracteriza como traços do nosso
conservadorismo na Pornochanchada, pois estes não se manifestam apenas na preservação dos
“bons costumes, mas sim de todas as ideias e conceitos que estamos mergulhados”8. Em
outras palavras, apesar de o personagem ter inclinações a fazer sexo com homens, as cenas de
sexo heterossexuais estão em maior evidência devido ao nosso conservadorismo em
privilegiar e entender o sexo heterossexual como o correto.
Após fazer sexo com as quatro mulheres, Papaco se encontra extasiado na cama,
quando Big Boy vem e introduz o revólver em seu ânus e o leva para conversar com sua
patroa, Jane. Eles negociam a mercadoria que Papaco traz, definindo que quem chegasse
primeiro no outro dia levaria toda a encomenda por 100 mil cruzados, pois ele já tinha
combinado com Sapato antes, e é um homem de palavra.
Na cena, Papaco está com a camiseta aberta, ressaltando seu peito cabeludo. Logo,
Jane diz que vai lhe oferecer uma comissão extra e faz sexo oral no mesmo, depois vira de
bruços e diz: “Vem, Papaco. Come o que você gosta. Me arranca todas as pregas”. Após fazer
sexo com Papaco, Big Boy vem e cobra seu prêmio por ter pego Papaco e trazido até ela. A
mesma diz: “pode foder a vontade, dizem que não gasta”. Percebemos nisto como o deboche
está totalmente ligado a estas cenas de sexo.
Papaco, então, está em casa numa banheira tomando banho, onde adormece fumando
seu cigarro. A cena é bem escura, estando iluminado somente onde Papaco está, dando um ar
de mistério. Linda chega, então, nua, e começa a fazer sexo com Papaco. Pela primeira vez no
filme a mulher aparece com um papel mais ativo durante o sexo. Linda é que toma todas as
iniciativas durante a cena. A música de fundo é uma música de faroeste. Toda a trilha sonora
do filme se constitui deste tipo de música.
Após isso, temos a cena onde Papaco está com a mercadoria em frente à igreja,
esperando que os interessados venham. É aí que a mercadoria é revelada: é um caixão lotado
de consolos em formato fálico, de diversos tamanhos. Jane e Sapato chegam e começam a
brigar:
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Sapato: la mercadoria é minha, sua puta arrombada.
Jane: - Ainda não é não, seu viado bigodudo.
Sapato: - Claro que vai ser, sua piranha.
Jane: - Ainda não perdi a parada. Papaco decide.
Papaco: - Por que vocês não dividem? Dá pra todo mundo.
Jane: - Pode ser
Sapato: - Podemos ver la de puerto?
Papaco pede primeiro o dinheiro. Eles pagam e começam a mexer nas mercadorias, se
maravilhando com elas. Jane diz: “que maravilha!” e Sapato: “ahora si, no voy a tener mais
problemas. Tien de todas las medidas”. Papaco deseja que todos divirtam-se à vontade e se
retira com o dinheiro.
É interessante perceber que, como Marcel Almeida de Freitas diz, o homossexual é
identificado somente como o papel do passivo. Neste caso, a mulher e o homossexual brigam
pelo falo, coisas que os mesmos demonstram idolatrar. Brigam em um tom mais sentimental,
impulsivo, enquanto Papaco a todo tempo detém a razão e media a situação. Ele é o homem
racional, enquanto a mulher e o “viado” são movidos pelas emoções e paixões.
Na cena final, ele aparece beijando Linda. Ela pede para ir com ele, mas ele diz: “Não
posso, meu amor. Minha missão ainda não está cumprida. Tenho outros pedidos pra serem
atendidos. Quando minha tarefa terminar, eu volto pra te buscar. Juro”. Ela diz, então, que
esperará. Papaco vai andando pela estrada carregando o caixão, enquanto a câmera o filma de
trás, com uma música triste de fundo e Linda se despede dele, acenando. Assim o filme acaba.
Percebemos que o filme é construído em meio ao deboche e muitas cenas de sexo
explícitas e implícitas, possuindo até mesmo certa ambigüidade, pois ao mesmo tempo em
que o roteiro, as falas das personagens e a caracterização seja bem machista, ele não deixa de
propor ou mostrar outros caminhos e possibilidades.
O sexo homossexual é mostrado não como algo definidor da sexualidade, pois Papaco
lida com homens e mulheres. Claro que ele não é definidor para quem faz o papel ativo, sendo
este ainda “macho, traço do nosso conservadorismo. Mas é importante notar que, como
Marcel Freitas diz, nos filmes pornôs heterossexuais de hoje em dia, a figura do homossexual
não existe mais, diferentemente da bissexualidade feminina que permaneceu. Na
Pornochanchada esta figura era essencial, aparecendo na maioria dos filmes héteros. Este foi
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algo da Pornochanchada que não sobreviveu ao gênero pornográfico contemporâneo9. Ou
seja, esta liberdade de transitar entre o homem e a mulher, de optar por um dos dois foi algo
que se perdeu.
Por outro lado, temos algo positivo, onde a mulher não é reprimida sexualmente, coisa
que os autores apontam como traços da Pornochanchada, a mulher mais livre, sensual.
Papaco, mesmo fazendo sexo com várias pessoas ao longo do filme, termina o filme
com Linda, chamando-a de meu amor. É mais um traço do nosso conservadorismo apontado
por Sales Filho, as personagens se deliciam em aventuras sexuais mas aspiram pelo amor,
pelo casamento, sendo isso concretizado em um final feliz no filme. Neste caso, não há
casamento, mas existe uma relação de amor entre os dois, coisa que não houve entre Papaco e
nenhuma outra pessoa com a qual teve relações durante o filme.
Outra coisa que é muito clara no filme é o deboche, a sátira. Alguns críticos mais
ferrenhos diriam que o filme faz parte de um cinema alienante, despolitizado, vendido ao
imperialismo norte-americano por utilizar elementos do velho-oeste, coisa que nem mesmo
existe no Brasil. De fato, despolitizado foi a maior crítica que este cinema sofreu, como
aponta Freitas.
Entretanto é preciso analisar bem o filme para notar que ele incorpora o modelo dos
filmes western mas debocha disto o tempo todo. As próprias cenas de trocas de tiro
demonstram isso muito bem. Papaco mal pega nas armas e todos os seus inimigos já estão no
chão mortos. Os tiros nem sempre são bem direcionados. Obviamente, as cenas mal feitas
também são traços da Pornochanchada, por se tratarem de produções de baixo custo. Outro
aspecto também é Sapato, que seria o papel do xerife, que sempre é um homem viril e forte.
Ele passa o filme todo fazendo sexo com outros homens, louco pelos consolos que havia
encomendado à Papaco. Por mais machista que seja, é uma forma de debochar deste gênero.
O deboche também é percebido nos diálogos. As falas são totalmente escrachadas,
usando termos chulos e baixos. Algumas cenas que deveriam explorar o homoerotismo estão
mais para o riso do que qualquer outra coisa, como Sapato conversando com Pancho Favela
enquanto manda seu parceiro sexual enfiar com tudo nele, pois não está comendo um cabaço.
O Cinema Novo nega esta estética hollyoodiana em favor do “homem do povo”,
representante da nacionalidade brasileira e o alvo da conscientização política, elencando
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lugares simbólicos para representarem a brasilidade, como o sertão e a favela10. Na
Pornochanchada e neste filme em específico vemos o contrário, a total incorporação de
clichês de Hollywood, mas com muito humor e sátira. A intenção não é de conscientizar ou de
politizar, mas claramente estão rindo disso, se aproximando mais do público do que o Cinema
Novo, que de forma autoritária queria impor seu projeto ao “povo”.
Aliás, Freitas ainda aponta que a grande aceitação da Pornochanchada se deve a atingir
diretamente as fantasias dos espectadores, onde mulheres libertinas mexem com os imaginário
do homem médio brasileiro, homens pobres e sem perspectivas se identificam com os galãs,
que são canastrões e predadores sexuais. Além disso, as cenas ainda proporcionam risadas,
causando associação com o que o público vivencia ou já viveu, como “um marido traído, um
conquistador piegas, uma mulher atirada, um rapaz que fica impotente no momento da
relação, uma aventura homossexual esporádica” 11.
Valter Sales Filho também aponta o mesmo que Freitas, que o sucesso do gênero se dá
também pela identificação do público com os conteúdos presentes e ainda nos mostra que
explicação de que o Estado autoritário do Regime Militar permitiu a circulação destes filmes
para tirar o foco de outras questões, como torturas e perseguições, é totalmente preconceituosa
e ingênua. Para ele, os mecanismos de incentivo a produção cinematográfica nacional nos
governos militares beneficiaram as Pornochanchadas e criaram ao mesmo tempo empecilhos a
cineastas do Cinema Novo.
Os cineastas da Pornochanchada se beneficiaram destas condições do regime militar,
como a obrigatoriedade de dias de exibição de filmes nacionais, mas a expansão deles se deu
longe das políticas oficiais. Estes cineastas estavam mais interessados em ganhar dinheiro
com produções baratas que geravam alta rentabilidade, o que até despertou a atenção de
empresas estrangeiras que vieram ao Brasil produzir filmes do gênero aqui. O autor ainda
expõe seu ponto de vista de que não há nada de transgressor neste cinema, ele apenas mostra
o que buscamos ocultar, portanto, está dentro das normas.
Transgressor ou não, é fato que a Pornochanchada expôs a sexualidade de forma não
retratada antes no cinema brasileiro. O filme analisado é um exemplo disso, da segunda fase,
onde os filmes já eram mais radicais e explícitos.
Notamos, então, que articulando estes elementos da nossa formação, como o
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conservadorismo, o machismo e o falocentrismo e ao mesmo tempo práticas comuns, mas
colocadas á margem, como a homossexualidade e a experiência sexual corriqueira entre
pessoas do mesmo sexo, o personagem Papaco é construído, nos mostrando como estas
características se articulam muito bem em nossa sociedade, mesmo que veladas.
Longe de entender o filme como um mero reflexo da sociedade, o que aponto é como
percebemos estes elementos dentro da narrativa do filme, observando a construção do
personagem. Papaco é o “macho dominante” que faz sexo com homens e mulheres, mas ao
final do filme faz a opção pela heterossexualidade, pois termina o filme envolvido
amorosamente com Linda.
Percebemos, então, que apesar de demonstrar uma possível “liberdade sexual”, a
narrativa do filme ainda está associada ao moralismo que prega que só seremos felizes através
do amor. Também considero que este cinema não é despolitizado ou alienante, sendo
riquíssimo para a análise, nos ajudando a entender até nós mesmo enquanto brasileiros, que
somos conservadores, mas nos demos muito bem com este gênero que lançou muitas atrizes
que fizeram sucesso depois telenovelas, e agora foi jogado pra baixo dos tapetes, sendo pouco
é lembrado hoje em dia.
BIBLIOGRAFIA:
FREITAS, Marcel Almeida de. Entre estereótipos, transgressões e lugares comuns: notas
sobre a Pornochanchada no cinema brasileiro. Intexto, v. 1, n. 10, p. 1-26, jan/jun. 2004.
KORNIS, Mônica de Almeida. Cinema, História e Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
NEVES, Anderson. História e cinema: algumas questões relacionadas ao filme “Um
pistoleiro chamado Papaco (1986)”. Ágora, n. 16, p. 194-201, jun. 2013.
PINTO, Carlos Eduardo. Governo Lacerda versus Cinema Novo: a grande cidade como arena
de debates simbólicos. Estudos Históricos, v. 26, n. 51. p. 154-172, jan/jun. 2013.
RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz Felipe. Pornochanchada. In: Enciclopedia do Cinema
Brasileiro. São Paulo: Senac, 2004, p. 431-433.
SALES FILHO, Valter Vicente. Pornochanchada: doce sabor da transgressão. Comunicação e
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10
Educação, v. 1, n. 3, p. 67-70, mai/ago. 1995
SELIGMAN, Flavia. Um certo ar de sensualidade: o caso da Pornochanchada no cinema
brasileiro. Seções do Imaginário. n. 9, p. 38-40, 2003.
FILME ANALISADO:
FILHO, M. V. Um Pistoleiro chamado Papaco. [Filme]. direção de Mário Vaz Filho. São
Paulo, 1986. 1 cassete VHS / NTSC, 75 min. color. son.
1
Ou faroeste (farwest), velho-oeste. Segundo Fernando Simão Vugman este é um dos primeiros gêneros de
filmes narrativos da história, tendo surgido na virada do século XIX para o XX sua influência em filmes de
outros países pode ser observada em filmes indianos, de samurais japoneses, cangaceiros brasileiros, além da
Itália, onde se desenvolveu o Western Spaghetti, entre outros. Esse gênero inventou o Velho Oeste, uma mistura
de diversos lugares dos EUA em um único lugar mítico e atemporal. O que é mais comum nestes filmes é um
embate entre cultura e natureza, Leste contra Oeste, Cowboy contra o índio. Ver VUGMAN, F. S. Western. In:
MACARELLO, Fernando (org.). História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006, 159-175.
2
NEVES, Anderson. História e cinema: algumas questões relacionadas ao filme “Um pistoleiro chamado Papaco
(1986)”. Ágora, n. 16, jun. 201. p. 4.
3
RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz Felipe. Pornochanchada. In: Enciclopedia do Cinema Brasileiro. São
Paulo: Senac, 2004, p. 431-433.
4
SELIGMAN, Flavia. Um certo ar de sensualidade: o caso da Pornochanchada no cinema brasileiro. Seções do
Imaginário. n. 9, 2003, p. 39.
5
RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz Felipe, op. cit., p. 432.
6
Informações retiradas da Cinemateca Brasileira. Disponíveis em: <http://migre.me/hO50M> Acesso em 11 fev.
2014.
7
Carlos Eduardo Pinto define a diegese como “o universo dos personagens”, ainda podendo se desdobrar no
termo “extradiegético” que é utilizado para se referir a elementos que estão dentro da narrativa fílmica mas não
dentro da diegese, como uma música que os espectadores escutam mas os personagens do filme não. A narrativa
é a forma e as estratégias com a qual a história do filme é contada, não se confundindo com a diegese.
8
SALES FILHO, Valter Vicente. Pornochanchada: doce sabor da transgressão. Comunicação e Educação, v. 1,
n. 3, mai/ago. 1995, p. 70.
9
FREITAS, Marcel Almeida de. Entre estereótipos, transgressões e lugares comuns: notas sobre a
Pornochanchada no cinema brasileiro. Intexto, v. 1, n. 10, jan/jun. 2004, p. 6.
10
PINTO, Carlos Eduardo. Governo Lacerda versus Cinema Novo: a grande cidade como arena de debates
simbólicos. Estudos Históricos, v. 26, n. 51, jan/jun. 2013, p. 155.
11
FREITAS, Marcel Almeida de, op. cit., p. 6.
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