Parte 2 - Franciscanos.org.br

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PRIMEIRA PARTE
LER OS SINAIS DOS TEMPOS
1.1. INJUSTIÇAS CONTRA A HUMANIDADE
Eis alguns acontecimentos-chave da nossa história mais recente que já
afectaram a história de toda a humanidade:
 1945: Os Estados Unidos da América e os seus Aliados vencem a Segunda Guerra
Mundial.
 Os Estados Unidos da América e os seus Aliados criam as instituições de Bretton
Woods: o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Acordo Geral
sobre o Comércio e Tarifas Internacionais (GATT) com a finalidade de controlar a
realidade financeira do mundo do pós-guerra. O dólar Americano irá dominar o
horizonte financeiro.
 Entre os anos 40 e 70 dá-se a independência de vários países da África e da Ásia.
 A independência política destes países leva, pouco a pouco, a uma maior
dependência económica.
 Em 1989 dá-se a queda do Muro de Berlim e, também, a repressão da Praça
Tienanmen na China. Seria o fim da Guerra Fria? Mas quem venceu? Foi o fim
da União Soviética? O fim da opção socialista? A partir daqui, o interesse
económico centra-se na Europa de Leste e nos “Tigres” da Ásia. Os pobres do
mundo são encarados como um problema.
 Em 1991: a Guerra do Golfo.
 Os Estados Unidos insinuam-se nas Nações Unidas como a única superpotência
mundial. Desenha-se no horizonte um novo conceito de império, não já baseado
no estado nacional, mas, antes, no capital, a cujo serviço aparece uma “nova ordem
mundial” de natureza político-militar.
 1992: “Celebração dos Quinhentos Anos”. De quê? Da presença europeia nas
Américas?
 1993: abolição do apartheid na África do Sul.
1.1.1 A ordem económica mundial de hoje
A política neoliberal
Com base em comentários recentes, é evidente que o neoliberalismo se
afirmou como um esquema ortodoxo de dimensões sem precedentes históricos, em
virtude da sua amplitude e da sua força a nível mundial. Na “nova ordem mundial”,
existe uma única base sobre a qual se discutem os problemas do mundo: a economia
neoclássica. Há um só caminho de “salvação” para todos os povos, sejam quais forem
as suas tradições, valores, história ou costumes, sejam eles do Norte ou do Sul - e esse
caminho chama-se mercado. A economia é a linguagem humana dominante nestes
tempos; e ela determina a vida colectiva do planeta. As empresas transnacionais são
hoje as instituições de controlo privilegiadas sobre este planeta. Talvez seja mais
correcto dizer que o sistema de controlo dominante é o sistema financeiro, mais que as
transnacionais em si. Elas são as responsáveis no que toca ao sistema financeiro
“global”, que se transformou, segundo modalidades importantes mas preocupantes, e
se descreve, em termos bastante precisos, como um “jogo de azar global”.
Todos os mercados financeiros do mundo estão interligados mediante um
único sistema computadorizado. Esta nova “realidade” está a transformar a face da
comunidade internacional e está a criar cada vez mais pobreza e destruição do
ambiente.
Em toda a parte se ouve o mesmo refrão: o único caminho para o progresso é o
“mercado livre” global. Para se poder concorrer nesta nova economia global,
sublinha-se que:
 as empresas devem tornar-se mais eficientes através do redimensionamento e a
restruturação da sua mão de obra;
 os impostos e os regulamentos dos Estados criam obstáculos à iniciativa
empresarial;
 os programas estatais de assistência tendem a criar dependências;
 o Estado deve , também ele, ser redimensionado; os bens devem ser privatizados;
os orçamentos devem ser cortados; e os défices devem ser eliminados;
 os custos da assistência social e os outros “subsídios” dos trabalhadores pobres são
assunto de crítica;
 os direitos sindicais e outra legislação interferem negativamente na flexibilidade
laboral.
Nos países do Sul que se encontram em vias de desenvolvimento, e são agora
habitualmente designados por “mundo dos dois terços” (2), esta crítica neoliberal é
evidente nos programas de afinação estrutural (Structural Adjustment Programs, SAP)
impostos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) (ver o
Apêndice I para ulteriores explicações) como condições para o refinanciamento dos
pagamentos da dívida. Em conformidade com os SAP, os governos destes países
favorecem as importações e os investimentos estrangeiros e reforçam as exportações.
Esta política encontra-se de tal modo difundida entre os centros do poder espalhados
por todo o mundo que, até ao fim do milénio, talvez acabe por mudar radicalmente a
vida de muito mais pessoas e nações que qualquer outra ideologia da história humana.
Tendo sido imposto por vastos interesses financeiros e políticos, o actual sistema
económico mundial cria riqueza para uma minoria e aumenta a pobreza duma maioria,
em vez de estar ao serviço dos habitantes da Terra. Embora esta globalização da
economia se apresente sob formas diversas consoante o país em que se viva, ela está a
influenciar, cada vez mais directamente, a nossa vida quotidiana (3):
______
(2) Temos que repensar, em certa medida, o nosso vocabulário, inclusive termos como “primeiro mundo”, “terceiro mundo”, etc.
Com base na economia, o único mundo criado por Deus ficou dividido em quatro - e , até em cinco mundos! O termo “mundo
dos dois terços” está a substituir, pouco a pouco, o termo “terceiro mundo”, visto que os pobres, neste mundo, são hoje mais ou
menos dois terços da população mundial.
(3) O Movimento Mundial dos Operários Cristãos lançou um Plano de Quatro Anos (1996-2000) para promover a dignidade
humana, para reanimar a esperança das pessoas, e para criar novas formas de solidariedade. O Plano de Pormenor foi incluído
no seu boletim «INFOR», n.º 154 ; (Bruxelles, Julho-Agosto de 1996).
 De entre os 5,7 biliões (4) de pessoas do mundo, 1,5 biliões são
considerados muito pobres.
 20% dos mais pobres do mundo recebem 1,4% do Produto Interno Bruto
(PIB), ao passo que os restantes 84,7% vão parar às mãos dos 20% dos mais
ricos.
 Mais de um bilião de seres humanos sobrevive com apenas um dólar por
dia; 3 biliões sobrevivem com pouco mais de dois dólares por dia. Ao
mesmo tempo, 358 pessoas terão já acumulado um capital pessoal no valor
de quase 762 biliões de dólares, o que equivale ao rendimento de 2 biliões e
35 milhões de pobres.
 Nos tempos actuais, um bilião de pobres do mundo vive em áreas rurais;
mas até ao ano 2005, uma pessoa em cada duas viverá nas metrópoles ou
nas cidades, causando uma crescente “urbanização da pobreza”.
….NB. SEGUE TABELA PARA ELABORAR.. (cfr.p.9)
 Desemprego e condições precárias de vida: cerca de 30% da população
activa mundial, avaliada em cerca de 2 biliões e meio de pessoas, não têm
ocupação produtiva.
 Custo de vida elevado: enquanto se idolatra a economia do mercado
mundial, quatro pessoas em cada cinco não têm poder aquisitivo.
 Fome: um quinto da população mundial padece de fome; três milhões de
crianças morrem de desnutrição todos os anos.
 A maioria dos pobres do mundo é constituída por mulheres. As crianças e
outros grupos vulneráveis e desfavorecidos, tais como as populações
indígenas, os incapacitados, os idosos, os refugiados, os emigrantes e os
desempregados de longa duração, são os mais expostos à pobreza.
 Violação do direito à educação: a frequência escolar reduziu-se de forma
muito particular, especialmente na África.
 Violação do direito à saúde: a privatização do sector da saúde e os ataques
aos sistemas de previdência social estão a causar uma desigualdade
intolerável no que toca ao direito à saúde.
 Falta de habitação e ausência de condições de vida “normais”: um quarto da
população mundial não dispõe de água potável; um terço dela vive em
extrema pobreza.
_____________
(4) A palavra “billion”, no Reino Unido e na Alemanha, significa um milhão de milhões ( 1.000.000.000.000 ); na França e nos
Estados Unidos, significa mil milhões (1.000.000.000). A palavra “trillion”, no Reino Unido, significa um bilião de biliões (
1.000.000.000.000.000.000); na França e nos Estados Unidos significa um milhão de milhões (1.000.000.000.000).
 A agricultura é um sector sacrificado tanto no Norte como no Sul. No
Norte, as políticas agrícolas encontram a sua base em critérios como o lucro
e a produtividade. Ora isto provoca a falência dos pequenos agricultores e
o desemprego dos trabalhadores agrícolas. No Sul, a falta de investimentos
na agricultura e a ausência de reforma agrária provocam a emigração das
zonas rurais para as cidades e, portanto, a sua desertificação.
 A degradação do ambiente coloca em perigo a vida das gerações presentes e
futuras.
Outros dados do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano - 1996 (5):
O desenvolvimento económico transformou-se em falência para um
quarto da população do globo: de facto, ele tem contribuído para aumentar o
desemprego e o número de pessoas sem direitos, tendo também destruído a
cultura dos povos.
Em particular, nota-se que:
 89 países estão em pior situação económica em relação à de oito
anos atrás;
 em 70 países em vias de desenvolvimento, os rendimentos são
inferiores aos dos anos 60 ou 70;
 em 19 países, o rendimento per capita está agora abaixo do nível
que tinham em 1960.
“Nenhum cristão pode ser defensor tácito dum sistema que marginaliza
os pobres. Digo “defensor tácito” porque a falta duma nossa tomada de posição
equivale a uma defesa. Hoje em dia, devemos dar-nos conta de que a opção a favor
dos pobres também significa, necessariamente, uma opção contra um sistema
económico que continua a fazer um crescente número de vítimas. A fé não pode
comunicar a vida se não tiver nada para dizer sobre os elementos primordiais que
designamos por alimento, água, terra, casa, segurança, etc.” (6).
(SEGUE GRÁFICO “ESTIMATIVA… - cfr. p. 10)
________________
(5) O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano é uma publicação anual do UNDP (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento).
(6) FELIX WILFRED, No Salvation Outside Globalization, (Não há salvação à margem da Globalização), in SEDOS, Roma,
1996/305
1.1.1.1 Para um modelo novo de desenvolvimento
As seguintes reflexões sobre a economia política foram compiladas por
Catherine Mulholland, do Conselho Mundial das Igrejas.
A condição prévia para a mudança de sistema económico está na adopção dum
novo sistema de valores. Nos últimos vinte anos, foi-se tornando cada vez mais claro
que, em relação a todos os sistemas económicos, sem excepção, é necessário verificar
se, e até que ponto, eles colocam as pessoas no centro do processo e as consideram
sujeitos e não objectos desse mesmo processo. Entre os valores e os critérios com
maior consenso enumeram-se os seguintes:
 satisfação das necessidades humanas fundamentais;
 justiça e participação: estas necessidades obtêm satisfação equitativa?
 sustentabilidade: o sistema económico é sustentável ecológica e socialmente
durante gerações?
 confiança em si mesmos: o sistema económico ajuda as pessoas a adquiri o sentido
do seu próprio valor, da sua própria liberdade e capacidade ou deixa-as totalmente
sujeitas a decisões alheias?
 universalidade: o sistema económico e as políticas económicas centram as suas
atenções sobre os elementos evidenciados em favor da família humana global, para
além de toda e qualquer fronteira política, nacional ou regional?
 paz: o sistema económico promove uma paz construída sobre a justiça?
Desenvolvimento sustentável
“O desenvolvimento, para ser sustentável, tem que dar-se a favor dos pobres,
da natureza, do trabalho e da mulher. Ele deve conciliar o crescimento económico
com o emprego, o respeito pelo ambiente, a possibilidade de autovalorização, a
equidade» (7).
1.1.2 A ordem política mundial actual
 As democracias actuais não estão ao serviço do povo; antes, estão ao serviço dos
interesses políticos e económicos dos vários partidos.
 O partido do governo e a oposição gastam mais tempo a combater-se mutuamente
para manter ou conquistar o poder do que a procurar o bem comum nacional.
 O programa político de cada país sofre sempre a influência dos “centros do poder
mundial”.
 O mundo como um todo sofre a imposição de um mesmo modelo de democracia,
igual para todos.
 A nível político, prevalece a exclusão dos cidadãos, com base na discriminação
étnica, religiosa, etc.
 O capital, neste nosso mundo, beneficia duma defesa feita de alianças políticomilitares.
 Tanto os países capitalistas como os comunistas são responsáveis por terem
desenvolvido um aparelho burocrático que não dá a verdadeira liberdade aos
cidadãos.
 Certos países ainda continuam a praticar a tortura, por razões políticas.
Estória duma vítima da tortura no Médio Oriente
«Logo desde o fim da adolescência, eu estive directamente envolvido nas
actividades dos meus pais, dos meus irmãos e da minha irmã, em oposição ao regime
do meu país. Há seis anos, a minha irmã foi presa; um ano mais tarde foram presos os
meus pais e os meus irmãos. Nunca mais tive notícias deles.
Depois do seu desaparecimento, entreguei-me à causa da luta pela democracia.
Mas a polícia logo começou a ter suspeitas de mim e, uma noite, ao sair da padaria
onde trabalhava, fui agarrado e arrastado para um automóvel que já estava à espera.
Num ponto de semáforo, tentei escapulir-me, mas deram-me um tiro numa perna. A
deitar sangue e com muitas dores, foram-me vendados os olhos e fui levada para a
cadeia. Lá me interrogaram e bateram durante quatro ou cinco horas, sem parar. A
princípio, deram-me murros; depois, bateram-me com um cassetete que tinha a ponta
de aço. Quando comecei a perder os sentidos, fui jogada para uma cela, com as mãos
atadas atrás das costas. Os meus carrascos continuaram a atormentar-me com cabos
eléctricos, na planta dos pés. Para acabar, deram-me uma injecção e deixaram-me ali,
sozinha.
No dia seguinte, fui interrogada outra vez e fui levada para uma cela contígua
para convencerem algumas mulheres presas a que confessassem. Quando os guardas
notaram que elas ainda não estavam a dizer a verdade, levaram-me para um quarto,
ataram-me a uma cruz e regaram-me com gasolina. Fiquei lá várias horas, sob a
ameaça de ser queimada e violentada por um dos guardas. Dois dias mais tarde, os
meus rins deixaram de funcionar e levaram-me para o hospital. Como as minhas
pernas estavam fracturadas em vários sítios, tiveram que me aplicar pregos de aço
para conseguirem que os ossos ficassem juntos. Quando me recuperei um pouco, fui
levada de novo para a cadeia e fiquei amarrada várias horas numa posição nada
natural. Dia após dia, a tortura foi continuando. Deixaram-me suspensa do tecto por
uma só mão; fui batida e fui queimada com cigarros; quase perdi a vista. Depois, fui
obrigada a ficar a ver mulheres presas a serem torturadas e violadas. Muitas delas
morreram. Quando me mandaram de novo para o hospital, fiquei a saber que não
queriam realmente matar-me: só queriam destruir-me psíquica e fisicamente.
Enquanto eu estava no hospital, um dos enfermeiros drogou os meus guardas e
ajudou-me a fugir. Chegámos finalmente à fronteira, viajando de noite e escondendonos de dia».
1.1.2.1 Militarismo e comércio de armas
- Entre 1960 e 1990, a despesa militar mundial aumentou 150%, com maior
crescimento nos países do Sul. Eles são agora responsáveis por 20% da despesa
militar, contra os 7% do ano de 1960.
- Supermercado dos armamentos: os países ricos tornam-se ainda mais ricos
através do comércio de armas; os países pobres tornam-se ainda mais pobres mediante
a compra de armas.
______________
(7) Da intervenção de Kinda Gray na Conferência Habitat e Instalações Sustentáveis, «Justice and Peace Magazine», Escócia,
Outubro de 1996
As despesas com armamentos tiram fundos necessários para a alimentação, para a
assistência à saúde, para a educação, para o fornecimento de água, etc., dos países em
vias de desenvolvimento.
-Em média, há 19 soldados por cada médico, nos países pobres.
-O militarismo está a destruir os povos e o ambiente.
-Actualmente, a despesa global com armamentos é 2.400 vezes mais elevada
que a despesa internacional a favor da faz
- Meio milhão de cientistas em todo o mundo estão a fazer pesquisa e
desenvolvimento tecnológico para a actividade militar.
- Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações
Unidas (a China, a França, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos) são os cinco
maiores exportadores de armamentos para os países em vias de desenvolvimento.
- Existem armas químicas enterradas em 215 cidades dos Estados Unidos: o
saneamento da situação deverá custar 16 biliões de dólares, e talvez sejam precisos 40
anos para levá-lo a termo.
- Para além das causas estruturais políticas, sociais e económicas da violência
neste mundo, é evidente que a proliferação dos armamentos intensifica o impacto
dessa violência. Segundo o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 1994, que
foi publicado pelo UNDP (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a
falta de segurança para o homem, devida à violência, é hoje um fenómeno “global”.
Nos países em vias de desenvolvimento, uma enorme quantidade de fundos
destinados a projectos sociais são desviados para a aquisição de armamentos, embora
a probabilidade de se vir a morrer por desnutrição ou doenças, que se poderiam
prevenir, sejam 33 vezes maiores que a de morrer numa guerra de agressão vinda de
fora.
- Em 1996, houve 39 guerras locais e duas guerras regionais, muitas delas
contando com a presença de mercenários estrangeiros.
1.1.2.2 Minas anti-pessoal
«As minas anti-pessoal não podem ser aceites como dados de facto: elas são
uma realidade de morte» (juiz Michael Kirbu, Human Rights Report on Cambodja,
Nações Unidas).
a) Dados sobre as minas anti-pessoal
- Foram plantados 110 milhões de minas terrestres anti-pessoal; só 100.000
dos 2 a 5 milhões referentes a 1993 foram retiradas.
- Em cada ano, 15.000 pessoas são mortas ou ficam feridas por minas antipessoal.
- O preço médio duma mina anti-pessoal é de 3 a 30 dólares.
- O custo da retirada duma mina anti-pessoal é 300-1000 dólares.
- No Camboja, fazem-se 500 amputações por mês; uma pessoa em cada 236
sofreu a amputação de um membro superior ou inferior.
- A maior parte das vítimas são civis, na maioria mulheres e crianças.
Dois jovens adultos fizeram uma longa viagem até Roma. Conseguiram
marcar uma audiência privada com o Santo Padre e informaram-no sobre os avanços
na nova tecnologia militar; de seguida, foram ter com o Superior Geral dos Jesuítas e
deram-lhe alguns conselhos sobre lugares para onde mandar os seus Jesuítas fazer
missão; por fim, encontraram um grupo de jornalistas e outros representantes. Um
destes jovens, Keo Sovann, é fisioterapeuta; o outro é director duma empresa
comercial em desenvolvimento acelerado. Chama-se Tun Channareth; é cambojano e
é gestor duma fábrica de cadeiras de rodas; tem 6 filhos e não tem pernas - ambas
perdidas por causa duma mina anti-pessoal. Foi assim que ele exprimiu o desejo que o
seu povo tem de viver uma vida sem minas anti-pessoal:
«…o nosso povo sentir-se-ia muito feliz, porque, assim, poderia apoderar-se
da terra para plantar arroz, teria a liberdade de construir uma casa, de viajar sobre
estradas e caminhos de ferro, e a possibilidade de ganhar a vida e sustentar-se».
Tun Channareth não parece estar a pedir demais; no entanto, como é que é
possível em países tão afastados do Camboja e de outras nações “infestadas” de
minas, responder a esta obscena e indiscriminada violência?
Este capítulo vai descrever, a traços largos, a abordagem adoptada pelas Irmãs
de Loreto (Instituto da Bem-Aventurada Virgem Maria) em resposta ao problema
global das minas anti-pessoal. Foi em 1992 que começou a Campanha Internacional
para a Eliminação de Minas, por obra de um escol de Agências não Governamentais
(ONGs) e Organizações para os Direitos Humanos, na tentativa de alcançar um nível
suficiente de consciência pública que altere o horizonte político e elimine esta arma
convencional dos arsenais mundiais (8). No espaço de três anos, ela tornou-se uma
das mais importantes campanhas globais jamais realizadas. Mais de 100 ONGs estão
agora envolvidas no projecto e um número sempre crescente de países apoia a
proibição total do fabrico, armazenamento, disseminação e uso de minas anti-pessoal.
As Irmãs de Loreto, que se dedicam especialmente aos marginalizados, a mulheres e
crianças em particular, e com o desejo de responder de maneira não violenta à guerra e
à violência, decidiram fazer parte da campanha contra as minas anti-pessoal. Eis as
modalidades do processo adoptado:
 A Congregação tinha uma ligação íntima com o Serviço aos Refugiados dos
Jesuítas, uma das ONGs envolvidas nesta campanha, e, assim, estavam numa boa
posição para colaborar com eles, receber deles informação e recursos e, através
deles, fazer ligação com outros grupos envolvidos na campanha: o Mines Advisory
Group (do Reino Unido); o CAFOD (também do Reino Unido; O Australian
Catholic Relief, a Vietnam Veterans of America Foundation, a Mani Tese (da
Itália) e a Pax Christi (da Irlanda).
 Foi realizado um Seminário de estudo para cerca de 100 membros da Congregação,
representantes das ONGs e de partidos políticos (a cuja abertura compareceu um
ministro importante). Um conferencista do Mines Advisory Group (MAG)
apresentou, em linhas gerais, os tipos, objectivos e consequências das várias minas
e referiu algumas das suas experiências como “desminador”. Um conferencista da
Congregação fez a ligação entre a campanha das minas e a missão central da sua
Congregação.
_________________________
(8) NICOLETTA DENTICO, “Minas Anti-pessoal: sentinelas silenciosas da morte”. Intervenção feita num Encontro sobre
a
Educação Pública organizado pela JPIC, Janeiro de 1995.
 Dedicou-se uma tarde desse Seminário ao planeamento operativo em pequenos
grupos.
 Fez-se a distribuição de dossiers contendo informação sobre minas e sobre a
campanha, sugestões de actividades, cartas modelo e endereços de líderes
mundiais, a todos os participantes - e foram também enviados a todas as províncias
da Congregação.
 Foi enviado a todos os jornais principais (mas só um publicou) um comunicado a
dar os pormenores do encontro, bem como a posição da Congregação.
 Foram distribuídas cópias das intervenções feitas no Seminário a todas as
comunidades da Congregação.
 A administração geral fez alusão à campanha das minas nas suas cartas, em
reuniões e no seu boletim informativo sobre a justiça social. Os membros da
Congregação receberam estímulo a escrever ao coordenador, apresentando o
esquema de qualquer actividade que realizassem.
 Também enviaram materiais de actualização sobre minas anti-pessoal a todas as
comunidades: informações relativas aos vários Relatórios das Nações Unidas;
detalhes de medidas tomadas por vários indivíduos e grupos; um relatório de
situação sobre o número de países comprometidos com a proibição total das minas;
e sugestões para ulteriores medidas nesta matéria.
 O coordenador estava sempre em contacto com o Serviço dos Refugiados dos
Jesuítas; estabeleceu contacto com um outro apoiante da campanha; manteve
informado o director da International Landmines Campaign sobre as suas
actividades, e utilizou material de apoio proveniente de agências diversas.
Actividades Realizadas
 Fez-se um esforço unânime por escrever cartas aos líderes políticos locais, bem
como aos ministros da defesa, e aos líderes de países que produziam ou
distribuíam bombas anti-pessoal.
 Alguns membros inscreveram-se na Amnesty International, na Pax Christi e em
outros grupos para a paz, ou participaram em campanhas nacionais ou eclesiais:
- Redigiram-se petições e recolheram-se assinaturas
- Distribuiu-se informação às comunidades locais
- Introduziram-se nas escolas diversas actividades criativas de conscientização
- Estabeleceu-se uma rede de oração internacional entre os idosos, centrada
sobre a questão das minas; deu-se a respectiva informação; e deu-se estímulo
às pessoas para que escrevessem.
“Houve pouca pressão directa sobre os políticos: talvez tenha havido demasiada
direcção a partir de cima, sendo difícil saber quantos membros da Congregação
estiveram de facto envolvidos na campanha. Mas alguns mexeram-se; foram tomadas
medidas; alguns estão agora melhor informados sobre um problema global; e a
Congregação, por envolvimento numa acção de colaboração, alcançou uma certa
perícia em modalidades de colaboração, coordenação, comunicação e angariação de
recursos… Se duma maneira ou doutra pudermos fazer com que em Angola, no
Afganistão, no Rwanda, no Sudão, ou em países “em risco”, os homens possam
cultivar as terras, as mulheres possam ir à fonte e as crianças possam saltar pelos
arrozais em paz e com segurança, já teremos feito alguma coisa” (Do Discurso do
Conselheiro Geral no Seminário).
Se o Mundo se Desarmasse…(9)
 poderíamos salvar a vida de 5 milhões de crianças que morrem de diarreia todos os
anos. Preço: 700 milhões de dólares, ou seja, a quantia que o mundo gasta em
armas em apenas 6 horas;
 poderíamos equipar 80.000 aldeias com bombas para tirar água. Preço: 12 milhões
de dólares, ou a quantia que se gasta num só teste nuclear;
 poderíamos salvar as florestas tropicais. Preço: 1,4 biliões de dólares por ano por
um período de cinco anos, ou seja, a quantia que o mundo gasta em armas no
período de 12 horas;
 poderíamos impedir a desertificação. Preço: 5,6 biliões de dólares, ou seja, a
quantia que o mundo gasta em armamentos em apenas 2 dias.
1.1.3 A Realidade Demográfica Actual
- Entre 1950 e 1996, a população das regiões menos desenvolvidas aumentou 168%,
em comparação com um aumento de apenas 45% na das regiões economicamente
mais desenvolvidas.
- Entre 1950 e 1955, o aumento anual da população mundial situou-se nos 47
milhões de pessoas. Entre 1990 e 1995, o aumento anual foi de 81 milhões, 69 dos
quais se referem à África e à Ásia.
- A população actual do mundo é de 5,7 biliões.
(seguem 2 gráficos populacionais - p. 16 do original inglês)
1.1.4 As Crianças
Fome
 Nas regiões em vias de desenvolvimento, uma criança por cada três vive subalimentada.
 Mais de 40.000 crianças morrem por dia, por causa da desnutrição, ou por causa de
doenças de fácil prevenção.
 A cada minuto, morrem 30 crianças por falta de alimento e remédios de preço
acessível.
Saúde
 Por cada ano que passa, nascem 120.000 crianças mentalmente diminuídas devido
à falta de iodo, uma deficiência que pode ser remediada de modo fácil e pouco
dispendioso.
 Por ano, 250.000 crianças perdem a vista por completo, por falta de vitamina A.
 4 de entre 5 crianças no espaço rural não têm água potável ou saneamento básico.
 4 de entre 5 não têm acesso a uma assistência médica moderna.
Educação
 90% das crianças de países em desenvolvimento matriculam-se na escola; mas só
68% terminam os primeiros quatro anos.
 Em 1993, havia 130 milhões de crianças (com idade entre os 6 e os 11 anos) que
não iam à escola
Guerra
 Em 1995, só na África, e durante os primeiros 10 meses do ano, meio milhão de
crianças morreu devido a conflitos armados.
 Durante esta última década, 6 milhões de crianças ficaram incapacitados por causa
das guerras.
 Também durante esta última década, 12 milhões de crianças foram desalojadas pela
guerra.
 Só na Libéria, há 15.000 crianças-soldados.
Problemas crescentes que afectam as crianças
 Trabalho infantil e exploração económica: calcula-se que 200 milhões de crianças
são forçadas a trabalhar.
 Prostituição infantil: um milhão de crianças é forçado a prostituir-se de ano em
ano; a maior parte contrai HIV / SIDA.
 Meninos da rua: são mais de 100 milhões abaixo dos 15 anos.
 Tráfico de bebés.
 Comércio de órgãos de crianças
 Metade da população de refugiados é constituída por crianças.
“Crianças em risco” : uma resposta concreta
A nossa participação no House Workers‟ Movement (Movimento de Trabalhadores
Domésticos) em todo o território Indiano, mostrou-nos a realidade das crianças
envolvidas em trabalho doméstico. Tornámo-nos cada vez mais conscientes da
situação destas pequenas criadas domésticas que são forçadas ao silêncio e têm de
viver às escondidas, que por vezes são empregadas com vinculação mas designadas
por “nossa” filha, “filha adoptiva”… Trata-se de meninas que sonham em poder
brincar e poder usar uniformes escolares, mas que são castigadas quando abrem os
livros escolares dos filhos verdadeiros da família para que trabalham.
Sunita era uma destas empregadas-meninas. O pai estava na cadeia e a Sunita foi
mandada para Bombaim para trabalhar, tinha então 9 anos. Um dos dirigentes da
Bombay House Workers‟ Solidarity tirou-a daquele lugar de tortura. Sunita tinha 11
anos nessa altura, com lindo cabelo preto de corte irregular, com um olhar escuro
aterrado, e com cicatrizes de queimaduras por todo o corpo. Em caso de pequenos
erros ou incapacidade na realização do trabalho que lhe tinha sido ordenado, o patrão
batia-lhe com um ferro em brasa. O juiz, no tribunal, deixou-nos escolher: ou ganhar
a causa e entregar Sunita à Remand Home (Casa de Correcção ) a cujo cuidado ficaria
até aos dezoito anos, ou então retirar a queixa e resgatá-la.
Decidimos pela segunda alternativa. Recolhemos a Sunita, conseguimos a tutela, e
pusemo-la na escola.
Poucos dias depois, chegou Arathi, uma vítima de rapto. A Mónica escapuliu-se da
casa de prostituição. A Jessie foi violentada por uma quadrilha aos sete anos. Todas
elas crianças profundamente feridas e traumatizadas.
A nossa resposta costuma ser mais do tipo gestão de crises. Trabalhamos em ligação
com advogados, com diversas Congregações e com casas da criança para reabilitar
estas pessoas. Actualmente já funcionamos como um movimento de pesquisa com
um grupo alargado de pessoas e comunidades empenhadas na salvação das vítimas do
sexo comercial na cidade de Bombaim.
A pesquisa e o compromisso já começaram, mas o caminho não está ainda
desvendado…A Conferência Episcopal da Índia, tal como a Comissão Laboral,
apoiam este nosso empenho. Estamos envolvidos, a vários níveis, num vasto esforço
de colaboração para dar às nossas crianças “um futuro de justiça e paz”.
Jeanne Devos, ICM, Índia
________________________
(9) Development and Environment Kit, (Dossier do Desenvolvimento e do Ambiente), Norway, 1991.
1.1.5 As Mulheres
Eis as áreas críticas de maior preocupação, actualmente, em relação à mulher:
 Pobreza: 60% entre 1 bilião de pobres em zonas rurais são mulheres.
 Educação: Entre os 960 milhões de adultos analfabetos, 70% são mulheres. De
entre os 130 milhões de crianças que não têm escola primária, 70% são raparigas.
 Saúde: Todos os anos morrem 500.000 mulheres devido a complicações resultantes
da gravidez.
 500 mulheres morrem todos os dias devido a abortos de risco.
 Violência: 1/3 das mulheres é vítima de maus tratos físicos. Cada 8 segundos, uma
mulher é maltratada fisicamente. E cada 6 minutos, uma mulher é violada.
Existem 110 milhões de raparigas e mulheres que sofreram mutilação dos seus
órgãos sexuais; 2 milhões de mulheres continuam a ser mutiladas cada ano. Mais
de 1 milhão de bebés morrem todos os anos devido à desnutrição, ao abandono e
aos maus tratos; e não teriam morrido se não fossem raparigas.
 Conflitos armados e outros: as mulheres constituem 80% dos 100 milhões de
pessoas deslocadas (dentro da sua própria pátria) e dos 29 milhões de refugiados do
mundo. Gastam-se 800 biliões de dólares por ano em armas; mas a comunidade
internacional não tem os 6 biliões que são precisos para dar educação a cada
criança do sexo feminino.
 Participação económica: As mulheres recebem entre 30-40% menos que os
homens por fazerem trabalho igual. As mulheres fazem 2/3 do trabalho em todo o
mundo mas só recebem 10% da receita anual, e são donas de apenas 1% da terra
em todo o mundo. Se fosse atribuído um valor económico ao trabalho doméstico,
que não é pago, ele valeria 11 triliões de dólares e juntaria mais 70% à produção
mundial.
 Participação no poder e processos decisórios: a porção de lugares nos parlamentos
mundiais ocupados por mulheres em 1986 era de 12% (15% em 1988).
 Violência contra a mulher, em países selectos, por volta de 1990:
- EUA
1 em cada 5 mulheres adultas fora violada;
- Perú
70% dos crimes denunciados à polícia tiveram a ver com
espancamento pelos maridos;
- Noruega
25% das pacientes na área da ginecologia sofreram abuso
sexual
dos seus companheiros;
- Tailândia No maior bairro da lata de Banguecoque, 50% das mulheres
casadas eram espancadas sistematicamente.
1.1.5.1 Exemplos de empenhamento a favor das mulheres
Trechos de documentos Capitulares
“O nosso ministério específico enquanto mulheres, que era considerado por Comboni
como indispensável para a missão evangelizadora, faz da promoção da mulher a nossa
prerrogativa. As mulheres deveriam tornar-se conscientes dos seus valores , da sua
dignidade, e da função essencial a que são chamadas na família, na Igreja e na
sociedade.
Irmãs Combonianas
“…Por sermos mulheres nós próprias, queremos trabalhar com as mulheres e para as
mulheres, para podermos encontrar a nossa voz autêntica na sociedade e na Igreja. A
nossa apreciação feminina da vida impele-nos a viver em profundo respeito para com
cada pessoa humana e para com a terra que nos sustenta a todos. Nós desejamos
possuir a perspectiva e a atitude íntima que leva a ver Deus em tudo, a ser solidárias
com os pobres e a procurar compreender o mundo na visão que dele têm. Com
compaixão e com coragem, com aquela visão que só pode advir da contemplação do
Evangelho e dos sinais dos tempos, é em conjunto que nós procuramos a conversão
contínua de nós próprias e dos outros, a fim de podermos promover a justiça e a paz”.
Companhia da Santa Úrsula
Exemplos de participação no poder por parte das mulheres
Os homens (pescadores) de Cattiparambu eram viciados do álcool. As suas magras
entradas eram gastas na bebida, o que levava a rixas no seio das famílias, divisões e
até assassínios. Em conjunto com as várias organizações que trabalhavam com elas,
as mulheres da aldeia decidiram acabar com esta praga. Assim, organizámos uma
“dharna” (manifestação) e informámos a polícia e outras autoridades sobre o plano
que tínhamos. Sentávamo-nos, aos grupos, diante de todas as lojas de “arrack” (uma
bebida local) da aldeia, dia e noite. E fizemo-lo durante três meses seguidos. Durante
este período, não deixávamos nenhum homem entrar em qualquer das lojas de
“arrack” nem deixávamos que mais “arrack” entrasse nelas. Uma vez, um dos
homens entrou numa dessas lojas à força e saiu bêbedo. As mulheres pegaram nele,
tiraram-lhe a roupa, ataram-no a um coqueiro e deram-lhe uma carga de pancada,
dizendo-lhe também que já tinham sofrido que chegasse durante todos os anos
passados. Deixaram-no naquela situação para os restantes homens verem. Depois
deste incidente, mais ninguém entrou naquela taberna. E como as mulheres não
puderam trabalhar durante todos aqueles meses, todas as suas famílias passaram fome.
Claro que enfrentámos oposições, passámos por muitas dificuldades e recebemos todo
o tipo de ameaças…Até nós passámos fome, passámos noites sem dormir…Mas
permanecemos unidas até que os homens do governo foram obrigados a retirar as
licenças de vender álcool e a fechar as lojas de arrack na aldeia…
Quanto a mim, isto foi uma “experiência de Deus”…Eu tive experiência do apoio da
minha comunidade; a minha vocação de FMM passou por um desafio; e a minha
dedicação à justiça tornou-se mais profunda.
Irmã Cecily George, FMM, Índia
A consciência de ser mulher, uma fonte de transformação
Isto é a história dum grupo de camponesas de Culong, Guimba, Nueva Ecija (nas
Filipinas). A maior parte delas faz parte da Comunidade Cristã de Base, que é
animada por uma líder dinâmica deste lugar. Em certa ocasião, no mês de Setembro
de 1994, a equipa do Programa Feminino do Instituto Sociopastoral foi convidado
pela dirigente a fazer uma acção de formação, mas sem ser clara a respeito do tipo de
formação desejada. Marcou-se um encontro inicial: seria um Seminário de Orientação
Básica com um só dia de duração, utilizando um método experiencial. Participaram
trinta e cinco mulheres.
O Seminário acabou por ser um dia de revelação para todos. As participantes
descobriram-se a si mesmas enquanto pessoas, especialmente a sua beleza, os seus
talentos e o seu valor como MULHERES. Tornaram-se conscientes da situação e da
condição em que sofriam as mulheres em casa, na sociedade e até na Igreja: a mulher
é a pessoa subordinada, explorada, marginalizada e excluída do processo decisório.
Durante o Seminário, elas aprofundaram o seu apreço pelo papel da mulher como
procriadora e como protectora da vida; mas, ao mesmo tempo, descobriram que a
mulher dá vida de muitas mais maneiras do que pela procriação.
Mal sabíamos nós que este encontro iria marcar o início duma caminhada em conjunto
até hoje, Janeiro de 1997. O Seminário foi a primeira degustação das águas vivas que
elas tiraram dos seus “poços”. Elas estavam sedentas por descobrir a vida enquanto
mulheres…
Os encontros seguintes vieram esclarecer a diferença entre sexo e género. Elas
tornaram-se conscientes dos papéis estereotipados que tinham ficado por conta das
mulheres e dos homens, e que tinham sido transmitidos de geração em geração por
uma injusta cultura patriarcal. Descobriram, além disso, o grande dom da FÉ da
mulher - em si mesma, noutros e, sobretudo em Deus. Desenvolveram um sentido
mais profundo da sua inter-relação com a natureza - ao acreditarem que uma vida
sadia depende dum ambiente sadio; e que os seres humanos existem numa relação
simbiótica com a terra. Rezaram e ficaram com a esperança de que os seus maridos
também pudessem receber o mesmo tipo de formação que elas.
RESULTADOS: Elas organizaram-se formalmente como uma associação de
mulheres. Os seus maridos já tiveram o seu primeiro encontro e já pediram para
repetir. A sensibilidade das mulheres ao género está a aumentar. Já eliminaram o uso
de pesticidas e de adubos inorgânicos. Agora estão a promover a agricultura orgânica.
Decidiram usar o “carabao” na agricultura para evitar a poluição; servem leite de
“carabao” aos seus filhos e ajudam a eliminar a ameaça de extinção desta espécie pela
cultivação mecânica. Elas SONHAM com o momento em que mulheres e homens, tal
como toda a criação, haverão de viver em harmonia, na união, no equilíbrio e no
respeito!
Josefina Diaz, Irmãs Missionárias do Imaculado Coração de Maria (ICM), Filipinas
Algumas histórias de sucesso vindas da Zâmbia:
 As mulheres católicas participam nos funerais e efectivamente protegem a viúva
dos parentes violentos do falecido, que querem levar tudo.
 As mulheres procuram dar apoio às vítimas da violência doméstica para
melhorarem as atitudes da polícia a seu respeito.
 As mulheres usam os resultados da pesquisa científica sobre as causas da violência
para poderem lutar contra ela.
 As mulheres têm ajudado as “viúvas do desastre aéreo do Gabão” a conseguirem
justiça sobre as indemnizações a que têm direito.
 As mulheres marcharam até ao Palácio do Governo para protestar contra o
crescente número de casos de violação; depois vieram algumas detenções (10).
No primeiro MICROCREDIT WORLD SUMMIT (Cimeira Mundial do
Pequeno Crédito de Fevereiro de 1997), a Rainha da Espanha partilhou das suas
experiências e das suas esperanças de mudança:
Ao discursar na sessão inaugural, a Rainha Sofia recordou a sua visita recente a
Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo. Antes de empreender a viagem,
ela tinha levantado problemas à política de fornecer baixo crédito às mulheres em
áreas rurais do mundo. Viria esta prática a criar benefícios para estas mulheres e a dar
resultados práticos na luta pela erradicação da pobreza que já lhes estava a negar
direitos humanos básicos?
“…Durante a minha visita às aldeias e durante as minhas conversas com os capelães
hospitalares e com generosas mulheres Bengalis, eu descobri a resposta a estas
perguntas. Descobri-a ao experimentar a mais profunda solidariedade com as
mulheres que sofreram ao passarem por acontecimentos pessoais dramáticos. Através
do seu testemunho e das provas tangíveis do seu trabalho, que conseguiram
principalmente em relação a objectivos práticos e a produtos, eu consegui
compreender que é possível vencer a pobreza e criar uma Utopia!”
1.1.5.2 O Eco-Feminismo
A violência que está a praticar-se contra as mulheres e contra o ambiente reflecte uma
ligação íntima. Eco-feminismo, como a palavra indica, trata das preocupações com o
ambiente e com as mulheres. O termo foi usado pela primeira vez em 1974 pela
escritora francesa Françoise d‟Eaubonne para descrever a capacidade que as mulheres
têm no campo da mudança ambiental.
A crescente consciência dos problemas das mulheres está intimamente ligada à
crescente consciência da destruição do ambiente. Tanto as mulheres como o ambiente
estão a sofrer violência. Em muitas culturas, nós ouvimos os “gemidos” das mulheres
e os “gemidos” da própria criação. A destruição do ambiente tem um efeito
especialmente grave sobre as mulheres. “As mulheres sofrem mais que todos os
outros quando não há água potável, combustível ou ambiente salubre. As mulheres
sabem o que quer dizer haver falta de água; sabem como a saúde das suas famílias é
afectada quando o ambiente em que vivem não lhes dá segurança. Elas sabem o que
significa a “ruptura” do delicado equilíbrio ambiental”(11).
As mulheres dos países mais pobres são duplamente afectadas pela crise ecológica, já
que não têm como comprar água engarrafada, comida produzida organicamente, ou
pagar pelos cuidados médicos. A injustiça que se está a fazer ao ambiente está a
agravar as injustiças que se estão a fazer às mulheres, especialmente às mulheres mais
pobres.
__________________
(10) AMECEA (Documentation Service, Quénia, n.º 462, Dezembro de 1996), pág. 5.
(11) Aruna Gnanadason, “Para uma Teologia Eco-Feminista”, (CCA News, Maio-Junho de 1992).
O movimento eco-feminista actual tem contribuído para uma compreensão mais
profunda da interligação da criação como um todo. Desta forma, o movimento ecofeminista actual procura promover relações novas entre mulheres e homens, entre
seres humanos e natureza - relações de respeito mútuo, relações que dão VIDA.
Seguem-se alguns trechos retirados do inquérito preparatório que foi enviado aos
participantes da 11.ª Assembleia Geral do Encontro Asiático de Religiosos (AMOR)
que se realizou na Índia, em Junho de 1997:
Fundamentos do Eco-Feminismo:
 As raízes da história humana, em que a inter-relação do ecossistema na sua
totalidade era experienciado na sua plenitude.
 A percepção de que a terra e a mulher geram vida nova: o feminino era
reverenciado como „Deusa-Mãe‟.
 A correlação que existe entre a ecologia e o feminismo e a nossa compreensão da
mesma.
 Os valores comuns que promovem e sustêm a „vida‟ na comunidade humana têm
sofrido os efeitos duma erosão progressiva, em virtude dos ataques levados a cabo
pelos valores / ideologia patriarcais e capitalistas.
 A “dominação” da mulher e da terra, sob a forma do controle ou da submissão,
especialmente das mulheres e da natureza; a violência e a destruição da vida
…reflectem as forças em acção no nosso contexto actual.
“Rebentos” de Eco-Feminismo:
 Um certo sentido de suficiência-frugalidade (Robert Muller, ex-Assistente do
Secretário Geral das Nações Unidas, actualmente Chanceler da Universidade da
Paz, na Costa Rica).
 Uma certa maneira de encarar o “desenvolvimento” e o “progresso”, em que a
comunidade dos povos e o cuidado a ter com a terra ficam no centro das atenções.
 A protecção da natureza contra a exploração indiscriminada por parte de interesses
capitalistas e “direitos adquiridos” é essencial para a existência humana.
 Uma crescente apreciação do papel das mulheres enquanto criadoras e protectoras
da vida no actual contexto da destruição da vida - humana e da natureza.
1.1.6 Os Refugiados
A existência de tantos refugiados é sinal de um mundo em apuros. É impossível olhar
para os refugiados e para a maneira como a comunidade internacional responde às
suas necessidades, sem se ter consciência de que a sua presença é um sintoma de que
algo deve estar muito avariado no sistema internacional.
 Há cerca de 29 milhões de refugiados e mais 100 milhões de pessoas deslocadas
(tanto dentro como fora dos seus países de origem). Só uma pequena minoria de
refugiados consegue sair do próprio país em tempo de guerra; a maioria fica na
“armadilha”, à mercê de consequências pavorosas.
 O número de refugiados está a aumentar devido às violações dos Direitos
Humanos: políticos, económicos, étnicos e do ambiente. O crescente comércio de
armas, as práticas comerciais injustas, as políticas desumanas de endividamento, a
exclusão política, cultural e religiosa, o racismo, a desertificação e outros desastres
ambientais…continuarão a fazer aumentar o número de refugiados à medida que
avançamos para o século XXI.
 Os refugiados tornaram-se coisas “descartáveis” : os relatórios de testemunhas
presenciais do tratamento dado aos refugiados do Rwanda confirmam-no.
Definição de “refugiado”
O direito internacional define “refugiado” como uma pessoa que:
“devido a um temor bem fundamentado de ser perseguida por motivo de raça,
religião, nacionalidade, participação num dado grupo social ou opinião
política, vive fora do país a que pertence e não pode ou, em virtude desse
temor, não está disposta a servir-se da protecção desse país ou, por não ter
nacionalidade e estar fora do país da sua residência habitual em razão de
tais acontecimentos, não pode ou, devido a esse temor, não está disposta a ali
regressar”.
Esta definição exclui aquelas pessoas que se encontram deslocadas por causa da
violência ou acto de guerra e que não foram seleccionados como alvo de perseguição
individual.
O sistema internacional de protecção aos refugiados está a desintegrar-se. Este
sistema foi constituído com base no consenso de que os refugiados tinham um direito
especial perante a comunidade internacional, o de que era responsabilidade desta dar
protecção e assistência aos refugiados - e não apenas a responsabilidade dos governos
dos países a que arribassem. Actualmente, este consenso parece ter problemas.
Todos os três componentes do sistema, quer dizer, a definição legal de “refugiado”, a
própria Convenção, e o UNHCR (Alto Comissário das Nações Unidas para os
Refugiados, que é o agente principal do sistema), estão a sofrer alterações:
 os governos estão a fazer uma aplicação mais restrita da definição clássica de
“refugiado”, tal como se encontra integrada na Convenção da ONU de 1951 e do
Protocolo de 1967;
 estão a aumentar os problemas referentes à conveniência daquela definição numa
época em que a maior parte dos refugiados vive afastada por questões de guerra e
violência e não por perseguição individual, e em situações em que a linha divisória
entre a motivação política e a motivação económica para a fuga é cada vez mais
ténue;
 o enfraquecimento da liderança do Alto Comissário das Nações Unidas para os
Refugiados em questões de protecção e assistência aos refugiados.
Os riscos desta erosão do sistema internacional são elevados. Noventa por cento dos
refugiados de todo o mundo vêm dos países do Sul; 90% deles ficam no Sul. Os
governos de países muito mais pobres que os da Europa Ocidental ou os da América
do Norte - países que albergam um número muito maior de refugiados - estão a
perguntar por que razão se espera que eles tomem conta dos refugiados, enquanto que
países mais ricos estão a fechar-lhes as portas. A falência das três soluções
tradicionais para as situações do refugiado (repatriação voluntária, integração local, e
recolocação num país de alternativa) trazem consequências tanto para o Norte como
para o Sul.
Um refugiado conta a sua estória:
“Cheguei à Austrália em Julho de 1995, directamente dum país da África Central
então devastado pela guerra, o Burundi. Foi uma grande mudança para mim, pois
que não havia nada de comum entre as vidas que se levam nestes dois países.
Embora o Burundi tenha andado nos cabeçalhos dos meios de comunicação há já dois
anos, e apesar dos seus famosos tamborileiros, o meu país ainda é desconhecido por
muita gente. Sempre que me perguntam onde é que fica, eu só digo que é o vizinho
do Rwanda, e é então que recordam as tristes fotografias do genocídio de 1994.
“Aqui, na Austrália, eu tenho levado uma vida diferente, na qualidade de membro
mais recente da família dos refugiados. Já disse adeus ao Verão sem fim da minha
terra, especialmente ao Lago Tanganyika, que deu forma à minha vida, quando a
violência estava a aumentar na minha cidade. Não pude dizer adeus aos meus amigos
ou mesmo aos meus pais. Mas o que mais dói é aquela cruel sensação que vai
reaparecendo: a sensação de que talvez nunca mais os volte a ver. Muitas pessoas, lá
na minha terra, chamam-me o “homem da sorte”. Mas eles mal sabem quanto é
difícil viver longe e, sobretudo, viver sozinho…
“Mal poderão imaginar que eu sou como uma folha levada pelas águas do rio. É
difícil encontrar resposta para a eterna e embaraçosa pergunta: „Quando é que vais
voltar para casa?‟ Mas quando sabemos que não temos outra alternativa para poder
continuar a viver, nós fechamos os olhos e tomamos uma decisão.
“O maior desafio que se possa fazer a quem está na minha situação é a adaptação ao
novo ambiente. Para consegui-la, o factor mais importante é a autosuficiência
económica. Isso é certamente um pré-requisito, e mais para um refugiado do que
para qualquer outra pessoa, precisamente para poder ser aceite, ao menos em parte,
pela comunidade.
“Eu aprendi, pela pouca experiência que possuo, que tenho de „trabalhar como um
refugiado‟ para poder sobreviver. Cheguei à conclusão de que um refugiado tem de
ser forte, tanto fisicamente como psicologicamente. Isso mesmo: ainda que tenha de
chorar, é preciso deixar as lágrimas escorrerem para dentro do coração. Nós trazemos
o orgulho e a tristeza dentro de nós próprios, mas temos que continuar a sorrir. A
terra continua a dar as suas voltas e o sol continua a brilhar para todos. Ao fim do
dia, nós simplesmente suspiramos e cantamos, à espera de que qualquer dia, algures,
alguém se cruze com o nosso olhar e se interesse por nós” (12).
__________________
(12) Resource Kit on Uprooted People (Dossier de Recursos sobre os Desenraizados), Austrália, pág. 18.
(Em caixa…?):
Mais vale prevenir que remediar…
Os movimentos em prol dos refugiados não são inevitáveis, mas podem ser evitados
se alguém tomar medidas para reduzir ou eliminar as ameaças que forçam as pessoas
a sair do seu país para encontrar abrigo noutro lugar. Este é um princípio
fundamental da nova abordagem do problema. O conceito de prevenção envolve
actividades do tipo…






monitoria e pronto alarme,
intervenção diplomática
desenvolvimento económico e social,
resolução de conflitos
protecção dos direitos humanos e de minoria,
difusão de informação a eventuais procuradores de asilo.
O que significa lançar um ataque às raízes e às causas imediatas da fuga…
Está a pedir-se aos países de origem (dos refugiados) que eliminem as causas da fuga
e facilitem o regresso dos refugiados ou das pessoas deslocadas. Por outras palavras,
há uma tendência crescente para levar a comunidade internacional a interessar-se por
situações que, até há pouco, costumavam ser tratadas como assuntos internos de cada
país, como por exemplo, violação dos direitos humanos, repressão das minorias,
discriminação, violência e perseguição.
(Em Caixa…?)
Dez fases de actuação
-
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Fase 7
Fase 8
Fase 9
Fase 10
aumentar o seu grau de conscientização
envolver-se
compreender os princípios do sistema internacional
compreender os problemas de actuação do seu próprio país
trabalhar pela justiça e pela paz
mostrar solidariedade
oferecer hospitalidade: “Benvindo, estrangeiro!”
participar no debate sobre a imigração
envolver-se na defesa da causa
prestar serviços que respondam às necessidades materiais,
sociais e espirituais
Conclusão
Enquanto muita gente na nossa sociedade volta as costas ou nega atenção aos
estrangeiros que vivem no meio dela, alguns Cristãos e algumas Igrejas optam por
ficar do lado dos desenraizados. Algumas Igrejas têm-se identificado com os
estrangeiros e os exilados durante séculos. Estão a surgir sinais de esperança nas
iniciativas comunitárias e eclesiais em todo o mundo, como na criação de novos
ministérios, novos meios de cooperação ecuménica, e novas maneiras de apoiar a
dignidade humana e criar comunidades sustentáveis.
Convidamos as Igrejas-membros a voltar a descobrir a sua identidade enquanto Igreja
do Estrangeiro (13) através do testemunho e do serviço a todos os níveis da vida das
Igrejas.
1.1.7 Os Idosos e os Incapacitados




Estão a ser eliminados de maneira astuta;
A sociedade só dá valor aos que “produzem”;
São apenas tolerados, em vez de serem tratados com amor;
A sociedade e algumas famílias tendem a agir segundo um sistema de valores que
os exclui.
1.1.8 Injustiças Culturais e Religiosas
 Há uma distinção nítida entre o conceito de “cultura” dos povos indígenas e o
conceito moderno de “cultura”: o primeiro não exclui ninguém; o segundo contém
uma exclusão cultural intrínseca.
 Só as “exclusões” culturais e religiosas já nos custaram, neste século, 120 milhões
de vidas.
 As pessoas são consideradas “não-pessoas” por razões culturais, linguísticas e
religiosas.
(Segue tabela da p. 26 do Manual - inglês )
 Muitos governos têm uma agenda secreta de eliminação de grupos minoritários ou
de “não-pessoas” por serem considerados “gente a mais”.
 Até há pouco, os 41 milhões de povos indígenas da América Latina e de outras
áreas eram consideradas “não-pessoas”: mas a sua situação, em muitas regiões,
não mudou de maneira significativa.
 Os grupos fundamentalistas e as seitas são frequentemente usados e sofrem abusos
às mãos dos detentores do poder político. Por isso, são considerados como “uma
ameaça” por outros grupos.
 Globalmente falando, está a nascer uma nova cultura, com um novo sistema de
valores, que vai substituindo os valores tradicionais religiosos e culturais. Os
meios de comunicação de massa são os principais factores deste fenómeno.
1.1.9 O racismo
 As pessoas estão a ser sistematicamente roubadas da sua humanidade e da sua
esperança por causa da sua raça - através de práticas tendenciosas ao nível
educacional, legislativo, legal, médico e religioso.
 O racismo é um mal que existe em todos os sectores da sociedade e da Igreja.
- A Exclusão
Até há pouco, falava-se da marginalização de grupos, mas o fenómeno realmente
novo consiste na sua exclusão. É fácil identificar os excluídos, mas é mais difícil
identificar aqueles que praticam a exclusão.
- Trecho dum Documento de Capítulo Provincial:
«A universalidade - a herança que nos deixou Maria da Paixão - é, antes de mais, uma
atitude espiritual de abertura que nos leva além-fronteiras, para além da etnicidade,
das castas e das nacionalidades. O ponto de partida está em encetar a caminhada da
conversão e reconhecer o nosso próprio etnocentrismo para podermos ultrapassá-lo e
para irmos ao encontro do outro.
Na actual mistura de povos e no contexto do nacionalismo, as nossas comunidades
interculturais e internacionais são chamadas a tornarem-se sinais e instrumentos de
comunhão.
A justiça chama-nos a reconhecer e a respeitar a igualdade de cada pessoa e de cada
cultura - e a trabalhar continuamente para arrancar os nossos preconceitos pela raiz,
numa atitude de conversão permanente. Por conseguinte, os membros do capítulo
provincial apelam para que aprofundemos a nossa consciência dos males do racismo /
etnocentrismo - dentro de nós próprios - dentro das nossas comunidades da FMM, nas
áreas em que servimos, e no mundo em geral, lutando pela eliminação das barreiras
que nos impedem de nos juntarmos à mesa do Senhor.
Dentro de cada comunidade, os membros têm a corresponsabilidade de se convocarem
uns aos outros para tornar esta declaração uma realidade na vida quotidiana».
Missionárias Franciscanas de Maria, E.U.A.
_________________
(13) Ibidem, pp. 21, 24-27.
Agir contra o racismo
“Desde 1993, eu tenho trabalhado para mulheres imigrantes do Sudeste Asiático que
vivem em Vancouver, no Canadá. Estas mulheres já verificaram que as organizações
de serviço social são apenas um remendo em relação aos problemas mais prementes e
fazem pouca obra de prevenção. Elas organizaram-se totalmente em vários e grandes
grupos de protecção à mulher para educar, apoiar, trabalhar em rede e estudar
estratégias conjuntamente com outras mulheres, para chegar a uma mudança na
legislação e nas estruturas sociais.
O principal problema é a falta de reconhecimento da educação recebida no estrangeiro
e das credenciais laborais no Canadá.
Os modos de discriminação que sofrem nesta área chegam a fazer com que um
bacharelato, por exemplo, só dê, no máximo, para admissão ao Ensino Superior. Um
diploma de pós-graduação talvez dê equivalência a primeiro grau académico.
Também há discriminação no local de trabalho: Sirjit diz que “apenas reparam para a
cor da pele.., agem como se a pessoa não soubesse nada, tivesse problema com a
língua, ou não virá a desempenhar as suas funções cabalmente”. Têm uma ideia
estranha das mulheres Indianas - dão os empregos a pessoas médias e depois dizem:
“você não tem experiência Canadiana”.
Diz Devi: “A pessoa tem que ser número um entre os melhores para poder ter tanto
sucesso como um Canadiano de origem”.
E Pushpa afirma: “Está difícil para estrangeiros; eu tenho que alcançar resultados de
100% para conseguir um emprego de homem”. As observações destas mulheres estão
carregadas de elementos racistas e sexistas - presumem ignorância devido à cor da
pele; assumem que uma mulher Indiana não tem contributo a dar, ou que as
competências adquiridas não têm valor algum; exprimem um racismo latente ao
esperar melhor desempenho duma mulher imigrante com aparência diferente.
Acção: Instituir programas orientados para a obtenção de equivalências de credenciais
estrangeiras. Ou fazer acções de formação e manuais práticos, por exemplo, sobre
“Como Chegar a Professor em British Columbia”. Ou mesmo seminários de
formação anti-racista e anti-sexista preventiva, bem como projectos capazes de
promover as políticas estatuídas pelo British Columbia Multiculturalism Act (Lei do
Multiculturalismo de British Columbia) de 1993.
Helen Ralston, RSCJ, Canadá
Existe um programa de formação anti-racista na Escola Secundária do Sagrado
Coração em Bona. Em Berlim, é da Congregação do Sagrado Coração de Jesus a
delegada para assuntos de migração junto do Cardeal Arcebispo da Diocese. Esta
função coloca-a em contacto com a imprensa e com políticos que são os criadores da
lei e da opinião pública em relação aos imigrantes. Ela tem sido animadora de um
grupo de estudantes para agir sobre a lei dos imigrantes a apresentar no Parlamento.
Congregação do Sagrado Coração, Alemanha
Segue um trecho da famosa visão do Dr. Martin Luther King - a de um país unificado
pelo amor e pelo espírito, sem os impedimentos das barreiras da cor ou da raça:
“…Eu tenho um Sonho: o de que os meus quatro filhos haverão de viver, um dia,
numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo do seu
carácter. É esta a nossa esperança. É esta a fé que tenho…E com esta fé, nós
conseguiremos cortar, da montanha do desespero, uma pedra de Esperança”.
1.1.10 A Violência
Não estamos a exagerar quando dizemos que, actualmente, se vive numa cultura da
violência. Na sua Encíclica “Evangelium Vitae”, o Papa João Paulo II enumerou
alguns dos elementos daquela a que chamou “cultura da Morte”. No fundo, trata-se
da mesma coisa, visto que toda e qualquer forma de violência é destruidora.
A violência pode ser pessoal, social ou global. Ela pode ser sistémica e estrutural.
Pode ser política, económica, cultural e religiosa. Pode até ser institucional. Ela vivese em muitas famílias e comunidades. E nós temos consciência das suas muitas
causas e expressões.
Bob Kearns, um pároco da Congregação de São José, nos Estados Unidos, partilhou
connosco a experiência que teve com um grupo de alunos do terceiro ano. Ao falarlhes do quinto mandamento, perguntou: “Que tipos de violência se conhecem hoje”?
Foi esta a resposta que veio dos lábios destas crianças de oito anos:
“Violação em série, pancadarias, facadas, tiroteios, envenenamentos, suicídios, rapto
de crianças, atirar bombas, acender fogos, torturar animais, abusar de crianças, matar
pessoas idosas, aborto, SIDA”.
E o Padre Kearns pergunta: “E que aconteceu àqueles tempos em que o grande
problema era andar zangado com os meus irmãos e irmãs ou andar aos murros?”
Michael Crosby (14), ao definir violência, afirma que ela é “qualquer uso de força
causadora de ferimentos”. Nesta sua definição, ela conta com três elementos:
 qualquer tipo de força
 contra a vontade
 causadora de ferimentos
A “força” e o “ferimento” podem ser físicos ou mentais, individuais ou de grupo,
psicológicos ou sociológicos, concretos ou ideológicos, religiosos ou espirituais, etc.
Ao meditarmos nesta definição, deveríamos dar mais importância ao elemento “força”
que causa ferimentos, do que às outras duas dimensões. Assim, centramo-nos na
causa enquanto tratamos do impacto e do efeito.
Ora isto leva-nos a perguntar: quais são os diversos tipos de “forças” e “ferimentos”
que operam neste mundo? Eis o que Thomas Merton, no seu livro Faith and Violence
(Fé e Violência) tem para dizer:
_________________________
(14) Michael Crosby, OFM Cap., “Coming to Terms with Violence” (Encarar a Violência), The CMSM Shalom Strategy, EUA,
1996, pp. 18-20
“O verdadeiro problema moral da violência no século vinte está obscurecido por
pressupostos arcaicos e míticos. Nós tendemos a calcular a violência em termos do
que é individual, confuso, fisicamente perturbador e pessoalmente aterrador…Isso é
razoável, mas tende a influenciar-nos demais. Leva-nos a pensar que o problema da
violência se limita a esta muito pequena escala, e torna-nos incapazes de apreciar o
problema muito maior da presença mais abstracta, mais global e mais organizada da
violência a nível das massas e dos grupos. A violência de hoje é uma violência de
“colarinho branco”, a da destruição sistematicamente organizada, burocrática e
tecnológica do homem”.
Nós ainda temos a tendência para limitar a nossa compreensão da violência ao que é
físico e individual, não a igualando às formas organizadas, burocráticas e sistémicas
de violência que são responsáveis pela nossa actual cultura da morte.
Em concreto, a violência manifesta-se nas seguintes formas, no mundo de hoje (15):
 no trato que se dá aos pobres e aos marginalizados, às mulheres e às crianças, aos
idosos e aos incapacitados;
 na pesada carga de dívidas dos países mais pobres;
 em programas de austeridade ou Programas de Adaptação Estrutural;
 na economia do lucro;
 em certas formas de consumismo;
 no desemprego e no subemprego;
 no acesso desigual à terra arável e a outros recursos essenciais;
 no sistema monetário internacional actual;
 na destruição do ambiente
Eis allguns exemplos de opção clara pela não violência, feita pelas Irmãs
Franciscanas da Penitência e da Caridade Cristã:
“As Irmãs da nossa província detiveram-se intensamente sobre o tema da “não
violência” durante este ano. Por ocasião da Visita aos conventos, todas as pulsões e
reflexões em comum se centraram nesse assunto”.
Os debates foram em torno de problemas e aspectos diversos como estes:
“Como é que o comportamento violento e o comportamento não violento se
manifestam na nossa vida diária? Será o comportamento não violento para com nós
próprios, e prestar ouvidos à nossa verdade interior? Será a não violência uma
expressão de tolerância? Será o respeito pela dignidade e crescimento das outras
pessoas? A não violência - que é uma atitude Franciscana - é o princípio da
subsidiaridade, um princípio estrutural em que a não violência se manifesta”.
________________
(15) Terry Miller e Marie Dennis, no seu artigo “The Global Face of Violence” (A Face Global da Violência) em Shalom
Strategy,
explicam os vários tipos de violência que estão em manifestação na sociedade actual; pp. 164-172.
NB: Em Caixa?
Testemunho Pessoal (16)
Michael Crosby, OFM Cap.
Para interiorizar este material , sugiro algumas estratégias que me têm ajudado no
esforço contínuo que tenho vindo a fazer para me tornar mais não violento:
 Respeitar-me a mim mesmo por aquilo que sou, e aos outros pelo que são,
desprendendo-me da necessidade que eu sinta de controlar os outros e,
respeitosamente, não deixar que outros me controlem a mim.
 Em todos os intercâmbios que possam incluir elementos de conflito, seguir esta
quádrupla via: comparecer; prestar atenção; dizer a verdade tal como se vê;
renunciar à necessidade de controlar os resultados.
 Acautelar-me das várias maneiras como “ me pago do perdido” sempre que o meu
poder, os meus haveres e o meu prestígio estejam em perigo. Que costumo fazer
para os proteger e para guardar o meu “território”? Que é que me costuma fazer
entrar na defensiva?
 Acautelar-me dos meus medos e daquilo que faço, tanto consciente como
inconscientemente quando eles aparecem. Procurar compreender como eles me
podem impedir de “arriscar”.
 Perguntar-me se guardo ressentimentos no coração a respeito de alguém. Na
afirmativa, procurar a reconciliação pedindo perdão ou oferecendo arrependimento.
Abrir-me aos outros quando eles procuram reconciliação comigo.
 Mostrar gratidão e reconhecimento pelos pequenos actos de não violência; alegrarme e mostrar satisfação em promover a paz.
 Procurar tornar-me um místico/contemplativo na oração; ela alimentará e dará
autenticidade aos desafios proféticos que a resistência pede.
 Sabendo que toda a reconciliação deve estar baseada na justiça, procurar maneiras
inovadoras de desafiar as instituições, os “ismos” e todas as ideologias que apoiam
a injustiça. Não basta simplesmente denunciar: é preciso procurar alternativas.
 Desenvolver formas de pensar que me tirem da centralização em mim mesmo e me
coloquem numa solidariedade maior com as vítimas da violência, incluindo a
própria terra.
 Procurar viver segundo os seis princípios do Voto da Não Violência da Pax Christi
(cfr. Apêndice A3.3); promovê-lo em toda a pregação que fizer.
 Perguntar-me “Importo-me mesmo” com aqueles de que discordo, que desafio, e
que me desafiam?
 Ganhar consciência das origens da minha raiva quando ela tem tendências
destruidoras (por exemplo, transferência, culpar os outros, arranjar bodes
expiatórios).
 Alimentar e deixar-me alimentar por comunidades de não violência e de
resistência.
 Individuar pelo menos uma causa pela qual esteja disposto a sacrificar-me;
envolver-me numa campanha digna dessa causa.
______________
(16) Ibidem, p. 36-37
1.1.11 Factores duma globalização manipulada
 As empresas transnacionais
Os agentes principais são as empresas transnacionais, também chamadas
multinacionais, que não têm vínculos de lealdade para com ninguém, principalmente
para nenhum estado-nação. A maior parte das nações industrializadas estão em
dívida, mas as transnacionais não. Elas são os motores da globalização. Agora são os
estados-nações e os políticos quem trabalha para elas.
 A Tecnologia da Comunicação
Os computadores são hoje a linguagem da vida moderna. A INTERNET é quem
define a vida de muita gente. O capital viaja à velocidade do computador e, assim,
torna-se “a única e verdadeira linguagem humana”. Nós próprios estamos obrigados a
fazer parte da super-autoestrada das comunicações.
 Os Poderosos de Bolso
Os ricos e os poderosos, na verdade não demonstram lealdade nenhuma aos seus
países ou nações - só à nova comunidade global. As viagens a jacto, os telefones
celulares e por satélite, os computadores e os santuários fiscais em terra alheia
permitem que os ricos andem pelo mundo como por casa sua e não revelam fidelidade
aos seus países de origem.
 Os Meios de Comunicação
Quem é dono deles? Quem é que os administra? Eles têm preconceitos e por vezes
são manipulados para servir os interesses dos que controlam o poder político e
económico. Os média das nações ricas aceitam o plano das transnacionais e
procuram convencer o resto do mundo de que ele é a única realidade para que vale a
pena trabalhar, a única e verdadeira realidade humana, o sentido real do progresso.
 O Fundamentalismo
Devido a uma certa insegurança subtil inerente ao individualismo e respectivos
ícones, está a dar-se uma viragem à direita em termos de Religião e de
Fundamentalismo. Em certos contextos, o fundamentalismo até se usa como arma
contra o modernismo.
Segundo Felix Wilfred, a globalização parece estar a arrastar consigo o mundo
inteiro. Na realidade, porém, ela deixa para trás porções cada vez maiores deste
mundo no deserto da miséria. Ela arranca pela raiz muita gente com promessas de
abundância, mas, na verdade, suga-os sem piedade e deixa-os secar e morrer. Os
pobres e os fracos da nossa sociedade estão cada vez mais privados da segurança
que as suas ocupações simples tradicionais lhes davam, por humildes que fossem.
Eles ficam incapazes de concorrer contra um sistema cuja essência assenta em
deixar para trás muitas pessoas à medida que ele avança. Foi o sector agrícola que
sofreu o maior choque com a globalização…A globalização significa, para eles, uma
real marginalização…
É fácil arrastar povos e nações para uma economia global. Pouco a pouco, isto leva
à perda dos aspectos mais nobres das suas culturas. Todos eles, afinal, recebem uma
pseudo-cultura global que, no fundo, presta serviço aos direitos adquiridos dos
poderosos (17).
______________
(17) Felix Wilfred, “No Salvation Outside Globalisation” (Não Há Salvação Fora da Globalização), in SEDOS, Roma,
96/305.
1.2. INJUSTIÇAS CONTRA O AMBIENTE
1.2.1 A Integridade da criação
(Em caixa?)
“A Terra é a minha mãe. Tal como uma mãe humana, ela dá-nos protecção, prazer e
toma conta das nossas necessiddes - económicas, sociais e religiosas. Nós temos
relações humanas com a terra: de mãe, de irmã, de filho. Quando nos tiram a terra ou
quando a destróem, nós sentimo-nos feridos, porque nós pertencemos à terra e
fazemos parte dela” (18)
Diácono Djiniyini Goudarra
 Há uma inter-relação íntima entre as injustiças sociais e as injustiças ambientais.
 As crescentes injustiças ambientais são consequência das injustiças sociais.
Aquelas não podem ser resolvidas sem que estas o sejam também.
 Os modelos actuais de produção e de consumo são as principais causas da
degradação ambiental.
FACTOS E DADOS SOBRE AS INJUSTIÇAS AMBIENTAIS
1.2.2 Os Oceanos do Mundo (19)




regulam o clima terrestre;
fornecem 100 milhões de toneladas de alimento ao ano, sob a forma de peixe;
têm abundância de sal e minerais (magnésio, níquel e cobre);
podem fornecer água fresca por destilação;
mas estão agora a sofrer a poluição…
 dos materiais tóxicos industriais
 de esgotos e lixo provenientes das áreas urbanas;
 de pesticidas, adubos, estrume animal e outros, devido aos métodos modernos de
agricultura e cultivação.
(segue tabela “access to safe water…p.33
_________________
(18) Recognition: The Way Forward, An Issues Paper from the Australian Catholic Social Justice Council, ( Reconhecimento:
O Caminho à Nossa Frente; Um Estudo de Problemas pelo Conselho Católico Australiano de Justiça Social), 1993, p. 20.
(19) Os dados e os valores que seguem foram tirados de Environment and Development Kit (Dossier Ambiente e
Desenvolvimento); Visuell Inform, Noruega, 1991.
1.2.3 A Poluição da Terra e do Ar




deve-se à queima de combustíveis fósseis para fins industriais;
deve-se às emissões de combustão automóvel;
deve-se ao crescente número de máquinas de refrigeração e condicionamento de ar;
deve-se ao despejo de lixos tóxicos.
1.2.4 A Desertificação e a Erosão do Solo
 A desertificação tem consequências ecológicas, sociais, económicas e humanas.
 É o processo pelo qual a terra arável perde as suas árvores, arbustos e erva. A
camada fértil fica, então, exposta ao vento e às variações climáticas,
transformando-se em areia.
 Todos os anos, cerca de 60.000 quilómetros quadrados de terra fértil ficam
transformados em deserto. Mais 200.000 quilómetros quadrados de terreno
cultivável e de pastagens são destruídos ou ficam gravemente depauperados. Com
o tempo, estas áreas ficam tão expostas aos elementos que o deserto acaba por
engoli-las.
 A desertificação está a acontecer sobretudo nas terras ao Sul do Sahara: mas
também em certas partes da Ásia e nas orlas costeiras dos Estados Unidos e da
América Latina.
1.2.5 A Desarborização
 A floresta é a morada de muita gente, animais, aves e insectos. Ela fornece-lhes
alimento, remédios, combustível, carvão, madeira e papel.
 A vegetação mantém a vida humana e animal de muitos modos que são essenciais.
Proteger a cobertura floral é a maneira mais importante de impedir a
desarborização.
 As plantas verdes absorvem o anidrido carbónico e produzem oxigénio. Se houver
menos árvores, menos anidrido carbónico será absorvido; uma maior quantidade de
anidrido carbónico faz piorar o efeito de estufa.
 As florestas pluviais tropicais representam ¾ das florestas existentes nos trópicos.
Essas florestas contêm 60% das espécies animais e florais do mundo como um
todo.
As florestas pluviais estão a desaparecer devido a:





actividades de mineração
indústria de madeiras
construção de estradas
criação de gado (para exportar carne para o Norte)
posse da terra.
 Tanto os países ricos como os pobres consomem árvores em proporções
basicamente idênticas: os países pobres usam-nas por uma questão de
sobrevivência, enquanto que os países ricos usam-nas principalmente por razões de
luxo (para construção - à razão de 75%, no caso dos países ricos); e para fabrico de
papel - à razão de 87,5% também pelos países ricos).
 Já mais de metade das florestas tropicais do mundo desapareceram desde 1950.
Estudos feitos recentemente revelam que, por cada ano que passa, destrói-se uma
área de floresta tropical do tamanho da Nova Zelândia.
Consequências da destruição das florestas pluviais:
 A desarborização é a causa principal da eliminação de:
 povos indígenas que habitam nas florestas,
 espécies naturais: animais, aves, plantas - inclusive 7000 elementos
medicinais
 uma espécie desaparece cada 12 minutos que passam. (Deve haver cerca de
30 milhões de espécies, das quais conhecemos apenas 1.400.000);
 Graves alterações climáticas, devido à destruição das chamadas “pias de anidrido
carbónico”.
Consequências da Alteração Climática Acelerada:
 Torna os padrões climáticos cada vez mais inconstantes e difíceis de prever. Secas,
temporais, inundações e furacões podem tornar-se mais frequentes e mais severos
do que anteriormente. O gelo, a neve e os glaciares diminuirão.
 Como o aquecimento da atmosfera também leva a um aquecimento maior da
temperatura do mar, a sua alteração levará ao aumento do nível das águas dos
oceanos.
 Os efeitos deste fenómeno sobre a agricultura serão irregulares mas substanciais.
Algumas áreas importantes de cultivo desaparecerão. A desarborização aumentará.
 As alterações hidrológicas causarão rupturas
 As condições climáticas assim alteradas farão pressão sobre as florestas, os prados
e outros ecossistemas.
Os efeitos das alterações climáticas aceleradas
agravarão as desigualdades sociais
dentro dos vários países e
dentro de cada país.
1.2.6 O Efeito de Estufa




A combustão de carvão, óleo e gasolina,
A libertação de gases químicos industriais,
As queimadas em florestas,
A fermentação anaeróbica…
…causam o aumento do anidrido carbónico e outros gases na atmosfera. Ora isto
reduz a irradiação do calor para o espaço. O calor fica, então, retido, como acontece
numa estufa - e a terra aquece.
(segue tabela “Projected levels..” p.35)
1.2.7 Esgotamento da camada de ozono
 A libertação de clorofluorcarbonetos para a atmosfera está a reduzir a camada de
ozono que protege a terra contra raios ultravioletas: já diminuiu entre 4 e 8%
durante os últimos 10 anos.
Efeitos prejudiciais:
 afectação do sistema imune
 aumento do cancro da pele
 mais doenças dos olhos
 menor produção de madeiras
 menor produção de culturas
 perturbações no sistema oceânico
 degradação causada por tintas e plásticos
1.2.8 A Ligação entre Injustiças Sociais e Injustiças Ambientais
 Um bilião de pessoas adoece e 2 milhões acabam por morrer devido ao consumo e
à lavagem - com água poluída;
 No ano 2000, dois biliões e meio de pessoas já terão passado a consumir árvores a
um ritmo maior que o da regeneração das mesmas;
 20% dos ricos consomem 85% das energias não renováveis;
 As indústrias continuam a produzir 2 biliões e meio de toneladas de resíduos
tóxicos por ano - e a desfazer-se deles nos países mais pobres;
 17 das principais variedades de pesca já atingiram ou até ultrapassaram os limites
da sustentabilidade: 9 já estão em declínio grave;
 As emissões provindas dos combustíveis fósseis já aumentaram quase 400% desde
1950.
1.2.9 Exemplos de Compromisso com o Ambiente
Uma história de êxito dum grupo ecológico
Marina Silva de Souza foi eleita para o Senado Federal em 1994 e já atingiu o nível
mais elevado de qualquer mulher brasileira. Mas ela nunca esqueceu as suas origens.
Com mais dez irmãos duma pobre família de extractores de látex da Amazónia, ela
passou os seus anos mais tenros a caçar, pescar e produzir borracha.
Em 1960, juntou-se a Chico Mendes para organizar manifestações pacíficas contra a
desarborização da Amazónia e contra a expulsão das famílias extractoras de látex, que
dependiam da floresta pluvial para viver. Encontraram muita resistência às mãos dos
ricos fazendeiros e criadores de gado que andavam a abater a floresta com grande
rapidez. Dizia ela: “Nós até duvidávamos de que alguém estivesse a prestar-nos
atenção”. Mas, afinal, foram mesmo ouvidos, e a cruzada dos extractores de látex
tornou-se uma inspiração para grupos ecológicos de base em todo o mundo. Desde
os anos 80 e depois do assassínio de Mendes Silva, ela continuou a levar por diante a
sua luta, concentrando os seus esforços na formação de reservas de floresta pluvial
consagradas a actividades agrícolas não destruidoras, tais como extracção de látex e
recolha de noz brasileira. Actualmente, existem 7.700 quilómetros quadrados no seu
Estado, o Estado do Acre, reservados para estas actividades que são dirigidas pelas
comunidades da floresta. “Se eu consigo ter um golpe de vista maior que os outros,
diz ela, é porque estou apoiada por ombros de gigantes - os extractores de látex, os
Índios e os cientistas” (20)
No seu livro The Fire in these Ashes (O Lume Nestas Cinzas), Joan Chittister escreve
que a nossa maior necessidade, hoje, é ter uma ecologia de vida, justiça e paz, para
que o planeta possa sobreviver e para que todos os seus habitantes possam ter uma
vida digna (21). Para que o planeta possa sobreviver e as pessoas possam levar vidas
dignas, é preciso haver uma transformação nos sistemas económicos, nos padrões de
consumo e nos valores que estão na base do estilo de vida dos ricos. As exigências
deste estilo de vida estão a empobrecer os pobres e a matar a terra. Segundo Sean
McDonagh “Nós estamos a causar alterações biológicas e geológicas de grande
magnitude e só agora estamos a começar a acordar para as consequências da nossa
maneira de agir” (22).
É exactamente a magnitude destas alterações que está a levar as pessoas à depressão, à
impotência e à incerteza do que fazer. Mas o papel daqueles que se encontram
comprometidos com a Justiça Cristã para fazerem paz e para cuidarem da terra é
muito claro. Trata-se dum papel essencialmente profético. Estruturas inviáveis
exigem crítica; a indústria tem que ser desafiada, e as consequências da prática
consumista devem ser postas em relevo. Estes tempos não são feitos para os tíbios.
São para as pessoas com imaginação: há novas teologias a caminho; as liturgias que
nascem da criação estão a avançar pelas igrejas adentro; nos lugares menos esperados,
aparecem respostas inovadoras para as situações presentes. Há muito a fazer.
Wanagri Maathai, célebre e corajosa figura do movimento Kenyan Green Belt
(Cintura Verde do Quénia)
e incorrigível plantadora de árvores incita-nos à acção:
________________
(20) “Grass Roots Heroes”, (Heróis das Bases), (Times, 29 de Abril de 1996).
(21) Sheed and Ward, Kansas City, 1995, p.102.
(22) Passion for the Earth (A Paixão pela Terra), Geoffrey Chapman, London, 1994, p.64.
“Ninguém pode chegar e logo dizer que vamos impedir a desertificação ou a
desarborização sem mais nem menos. Não se trata de um só problema, que requeira
uma só resposta: trata-se dum cozinhado complexo de muitos tipos de problemas que
jogam uns com os outros e estão entrelaçados. E quando nós procuramos resolver
estes problemas, eles nunca se resolvem em comícios de políticos, escrevendo lindos
documentos. A final de contas, os problemas só serão resolvidos pela acção, onde
quer que nós, enquanto indivíduos, estejamos. É por isso que eu gostaria de pôr em
relevo o conceito de acção local e pensamento global. Afinal, é cada um de nós que
deve tomar a decisão de actuar; já a conversa, os documentos…vão e vêm. E isso tem
vindo a acontecer durante muito tempo”.
Os problemas relacionados com a protecção do ambiente podem ser tratados de
muitas maneiras: através da análise estrutural, através da colaboração, através da
actuação a nível local ou por combinação destes três. A análise estrutural pode ajudar
a identificar quais os grupos de interesses que estão a tirar partido da poluição
industrial. Dias de limpeza, actividades da Greenpeace, actividades do World
Wildlife Fund poderão pôr-nos em contacto com uma certa rede e com informações
pertinentes, perícia e solidariedade de grupos. A actuação local e em casa é
precisamente aquilo que mantém as nossas vidas ambientalmente “reais” e nos leva da
teoria à prática. (No Apêndice 2, há uma lista de sugestões práticas para servirem de
resposta aos desafios ecológicos do dia a dia).
Abaixo, segue um excerto dum testemunho dado pelas Missionárias Franciscanas
de Maria, nas Filipinas:
Ética Ecológica para a Transformação Pessoal e Social
A. Justiça Para os Nossos Dias: Suficiência Sustentável para Todos (SAPAT)
 SAPAT é um termo filipino para “suficiente”, “bastante”.
 Os ricos devem viver simplesmente, para que os pobres possam simplesmente
viver.
 A aceitação e a adopção de SAPAT como um modo de vida, como uma maneira
de viver em sociedade, exige uma maneira verdadeiramente alternativa de
encarar o mundo e de nele viver, uma maneira que deve revelar-se em vivo
contraste com a cultura predominante corrente.
B. Princípios de SAPAT
 Princípio Primeiro:
 Princípio Segundo:
 Princípio Terceiro :
 Princípio Quarto :
Basta de destruição do ambiente.
Colha da natureza apenas o suficiente.
Coma e compre apenas o suficiente e o necessário.
Cada um deve ter o suficiente para manter uma vida
sadia e digna.
Ao longo dos anos, foram dados passos significativos para a protecção do ambiente
nos lugares onde as nossas Irmãs têm trabalhado. No decurso do seu protesto contra a
exploração ilegal de madeiras na sua zona, os Mangyans e as Irmãs foram vexadas e
ameaçadas. Este estado de coisas tornou-se crítico quando um dos chefes Mangyan
foi esfaqueado.
As Irmãs Combonianas fizeram a seguinte opção:
Dar início à campanha do “suficiente” estabelecendo limites para as nossas exigências
pessoais e comunitárias, e encontrando satisfação no que é apenas necessário…
Uma Parábola para Reflexão e para Debate:
(Em caixa…)
A MÃE (23)
Era uma vez…uma mãe: muito carinhosa, fecunda e providente. Na sua imensa
fertilidade, ela deu à luz, alegremente, centenas, até milhares de filhos. Chamava-se
Terra; e os seus filhos chamavam-se “homens” e “mulheres”.
Amorosa e prodigamente, ela deliciava-os com a fresca e casta água para beber, frutas
carnudas e sumarentas para comer, relva macia, verde e fresca para nela se
estenderem, por dias e noites, meses e estações.
Quando os homens e as mulheres, que eram os filhos da Terra Mãe, eram pequenos,
eles amavam a sua mãe de todo o coração. Acariciavam-na dia e noite com mãos e
pés nus.
Tão agradecidos se mostravam à Terra Mãe que chegaram a organizar grandes festas
para introduzir e celebrar as estações, a colheita das culturas, o princípio e o fim das
chuvas, do Verão e do Inverno.
Na sua simplicidade de crianças, até lhe rezavam e lhe prestavam culto nos seus
campos, nas suas casas e nos seus pequenos templos.
À medida que os filhos da Terra Mãe foram crescendo e recebendo saber e educação,
eles foram-se tornando também cada vez mais insensíveis para com ela. Por fim,
esqueceram-se de todos os favores que ela lhes fizera, e também de todo o seu amor e
generosidade. Todos os festivais e celebrações acabaram. As suas orações ficaramlhes presas na garganta. O culto da mãe também foi esquecido. Até começaram a
olhar com desprezo para as suas orações anteriores, as suas adorações, festivais e
celebrações. E à medida que se tornaram mais “civilizados”, aprenderam a arrancar
do seu seio, com espertezas e com a força, os tesouros que ela tinha escondido com
amor para os homens e as mulheres ainda por nascer!
Por fim, quando se desenvolveram por completo, mudaram de atitude para com a sua
benigna mãe. Foi então que a Terra Mãe apareceu a seus perversos olhos, como se
fosse uma conquistadora, sua rival, um animal feroz que era preciso apanhar em
armadilha e subjugar, uma pobretona que era preciso depenar. E assim, os seus filhos
fizeram brutal canibalismo dela, amputaram-na, arrancaram-lhe o seu manto de
beleza e poluíram-na. E mesmo assim, por todo o mundo, os intelectuais, os filósofos
e os grandes pensadores continuavam a repetir: “ Finalmente que conquistámos a
terra. Nós agora conhecemos os segredos da natureza. Libertámos a humanidade do
antigo obscurantismo, do medo dos fenómenos naturais, e das superstições. Agora,
sim, que somos ricos e prósperos. Espera-nos um grande futuro. Já nem precisamos
de rezar ou fazer adoração a ninguém !”.
Mas a minha pergunta é: “Isso é verdade? Podemos mesmo viver sem a nossa Mãe?”
(Em caixa):
PERGUNTAS:
1. Quem são os filhos deste mundo? Trata-se apenas duma figura literária ou, antes,
duma realidade concreta? Explique.
2. Que sentimentos tinham os “primitivos” para com a terra e a natureza? Como é que
os exprimiam?
3. Os festivais, as celebrações, os rituais e os mitos dos “primitivos” tinham valor?
Que valor?
4. Agora que acabaram, ganhámos ou perdemos com isso? Porquê?
5. Que sentimentos têm os seres humanos modernos para com a terra? Que é a terra,
para eles?
6. Porque é que as suas atitudes para com a terra mudaram tão radicalmente?
7. Que é que os seres humanos modernos fazem à terra, hoje em dia?
8. Poderá a terra aguentar por mais tempo este ataque, este saque, esta violação dos
seus recursos? Porquê? Quais serão as consequências?
9. Como é que os seres humanos, “racionais”, deveriam usar (mas não abusar) das
riquezas e dos recursos da terra para impedir essas catastróficas consequências?
____________________________
(23)
Peter Ribes, S.J., Parables and Fables for Modern Man (Parábolas e Fábulas para o Homem de Hoje), vol.4, St. Paul´s,
Bombay, 1991, p.70
PARÁBOLA
para reflexão pessoal
Houve uma vez uma turma
cujos alunos discordavam - da professora, é claro Por terem de se importar
com interdependências, globais problemas,
ou com o que outros pensavam, faziam e até sentiam.
A professora disse então que tinha tido um sonho
em que vira um dos alunos, já na casa dos 50…
Zangado ele estava e dizia…
“Porque tive eu de aprender do meu país o passado
e o governo em pormenor
mas do mundo pouco ou nada?”
Zangado ele estava porque
ninguém lhe dissera que agora
tinha que encarar dia a dia
problemas de interdependência
de paz, segurança, e até de vida com qualidade,
alimento e inflação, falta de naturais recursos.
O aluno zangado vira
que vítima e cúmplice fora...
“Porque não fui avisado
um pouco melhor educado?
E não me falaram os „stores
dos problemas deste globo
ou ajudaram a entender
que interdependente sou, de raça?”
Cresceu a raiva, e ele gritou…
“Fizeram crescer minhas mãos
com máquinas, roboterias,
meus olhos com telescópios, e até com microscópios,
os meus ouvidos com rádios, sonares e telefones,
com computadores meus miolos…
mas não me ajudaram a alargar
o meu coração, o amor
ou o int‟resse sequer, p‟la grande família humana.
Obrigado, stor, então:
por só me ter dado meio pão!”
Rye Kinghorn,
Citado por Robert Muller: The Birth of a Global Civilisation
(O Nascimento duma Civilização Global)
1.1.10 Comentário Final
Como Gente Consagrada
e promotores da Justiça, Paz e Integridade da Criação,
importa que levemos
esta “nova ordem global” a sério.
Como Cristãos empenhados
na edificação do Reino
é nosso dever procurar o Plano de Deus para o mundo.
E isto remete já para a leitura da Escritura (Secção II).
É preciso que os promotores/animadores da JPIC
examinem problemas de justiça com acuidade
antes de passarem à acção para lhes dar solução.
É preciso que assim façam
porque precisam de entender os problemas com que lidam.
É preciso ter método para examinar e analisar os problemas de justiça
porque há perigo real
de tais problemas se agravarem
se os operários da justiça
não tiverem noção plena
da raiz dos seus problemas.
É o que devemos fazer
pela Análise Social (Secção III).
(p.41)
(fim NCNT-Parte 1)

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