Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto

Transcrição

Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto
Documentação da
arquitetura moderna
no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação
Maria Beatriz Camargo Cappello; Marília Maria
Brasileiro Teixeira Vale; Luiz Carlos de Laurentiz; Luis
Eduardo Borda e Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro
(organizadores)
Uberlândia
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design | UFU
2011
Documentação da
arquitetura moderna
no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação
e-book
este e-livro (arquivo PDF) não pode ser comercializado.
Sua distribuição é gratuita e a reprodução (parcial e/ou
integral) autorizada desde indicada referência
bibliográfica de autoria e organização conforme
normas vigentes da ABNT.
Documentação da arquitetura moderna no Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba: História e
Preservação / Maria Beatriz Camargo Cappello,
Luiz Carlos de Laurentiz, Marília Maria
Brasileiro Teixeira Vale, Luis Eduardo Borda,
Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro,
organizadores. – Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo e Design, 2011. 251 p.
ISBN 978-85-7078-290-8
1.arquitetura moderna – Minas Gerais. 2.arquitetura
moderna – Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
3.Urbanismo e Paisagismo. 4.História e Preservação.
Volume 1: Novembro de 2011
documentação da
arquitetura moderna
no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação
Coordenação de produção: Maria Beatriz Camargo
Cappello
Capa: Elisa Azevedo Ribeiro
Imagens capa: Palácio da Justiça Abelardo Penna
Edifício de apartamentos Pedro Salomão
Residência Migliorini
Biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia
45
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design
www.faued.ufu.br
0
Documentação da arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e
Alto Paranaíba: História e Preservação
Núcleo de pesquisa em Teoria e Historia de Arquitetura e Urbanismo
NUTHUAU | FAUED | UFU
Í
N
D
I
C
E
A P R E S E N T A Ç Ã O ............................................................................................................... 4
A U T O R E S ................................................................................................................................. 8
I N T R O D U Ç Ã O ...................................................................................................................... 9
A R T I G O S ................................................................................................................................ 15
UBERLÂNDIA CLUBE: A “MODERNIDADE” NA CIDADE DE UBERLÂNDIA - Flávio
Medeiros Pereira / Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello /
Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale ............................................................................ 16
A ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO ARQUITETO JOÃO JORGE COURY E
NOS EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DA CIDADE DE UBERLÂNDIA” - Patricia Pimenta
Azevedo Ribeiro / Denise Galhardi Rodrigues De Oliveira Cruz ................................. 36
ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO
PARANAÍBA - Raquel Beatriz Silva / Luiz Carlos de Laurentiz .................................... 68
COMPREENSÃO DA TÉCNICA CONSTRUTIVA UTILIZADA NAS EDIFICAÇÕES
MODERNAS NAS CIDADES DO TRIANGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA - Elisa
Azevedo Ribeiro / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale .............................................. 96
TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: ARQUITETURA MODERNA E SUA
RELAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO - Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz
Camargo Cappello ...................................................................................................... 108
GERMANO GULTZGOFF E O MOVIMENTO MODERNO EM UBERABA - Ariel Luis
Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo Cappello ........... 134
A LÓGICA DA SUPERFÍCIE: ANÁLISE FORMAL DA RESIDÊNCIA MIGLIORINI - Luis
Eduardo Borda / Larissa Ribeiro Cunha ..................................................................... 140
IGREJA ESPÍRITO SANTO DO CERRADO: A EXPERIÊNCIA DE LINA BO BARDI EM
MINAS GERAIS - Ariel L Lazzarin, Henrique V. S. Alves, Luiz C. Laurentiz, , Maria B. C.
Cappello ...................................................................................................................... 154
A DESCARACTERIZAÇÂO DE EXEMPLARES DA ARQUITETURA MODERNA NA
CIDADE DE UBERLÂNDIA - Maria Fernanda Zumpano França / Maria Beatriz Camargo
Cappello ...................................................................................................................... 164
EDIFÍCIOS DA ARQUITETURA MODERNA COM USO COMERCIAL NO TRIÂNGULO
MINEIRO E ALTO PARANAÍBA - Flávio Medeiros Pereira / Marília Maria Brasileiro
Teixeira Vale ................................................................................................................ 190
ARQUITETURA MODERNA NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: A
ATUAÇÃO DOS GRANDES ESCRITÓRIOS - Ana Paula Tavares Miranda / Maria
Beatriz Camargo Cappello ......................................................................................... 212
DA INSERÇÃO AO RECONHECIMENTO DO ESPAÇO MODERNO NOS CENTROS
HISTÓRICOS - Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz
Camargo Cappello ...................................................................................................... 238
2
A P R E S E N T A Ç Ã O
Neste texto de apresentação do e-book intitulado “A Documentação da
Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e
Preservação”, que por simpatia e mérito prefiro denominar ‘livro dos estudantes’,
já que os 12 capítulos são resultados das pesquisas em iniciação científica,
desenvolvidas por eles junto da equipe de professores do Núcleo de Teoria e
História da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e
Design, da Universidade Federal de Uberlândia/MG, no biênio 2008-2009.
Escolhemos para tal apresentação uma maneira de colar os respectivos
assuntos dos capítulos junto do nosso voo panorâmico sobre o assunto
destacado no título acima. Oxalá tenhamos conseguido apresentar as
contribuições de tendências e perspectivas sobre a referida documentação
“Moderna” do território geográfico, em atenção pós-Segunda Guerra Mundial.
4
Assim sendo, nesta apresentação cronológica, a década de 1940, efetivamente,
tem como ponto de vista econômico que Uberlândia liderava a economia do
Brasil Central, como grande centro atacadista, em correspondência ao lema
neobandeirante vitorioso. Logo, se é possível destacar esse glamour arquetípico
do então rotulado ‘anos dourados’ para os anos 40s e 50s, na classificação de
um clube social como a história do Uberlândia Clube, é possível imaginarmos
um filme high-society (ver texto: Uberlândia Clube: a ‘Modernidade’ na cidade
de Uberlândia).
Em meio a esse contexto de crescimento econômico e modernização, do ponto
de vista da arquitetura e do urbanismo, a chegada de João Jorge Coury à
cidade de Uberlândia, em 1940, é o marco da introdução da linguagem
moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
A atuação desse pioneiro arquiteto na região, com seu ‘pequeno ateliê, ponto de
encontro de uns poucos intelectuais’, cercado de livros – com temas no campo
dos estudos sociais ao Brazil Builds -, despertou a atenção de muitos
desenhistas, que de lá saíram para se tornarem arquitetos – entre eles Miguel
Juliano, que foi parar no escritório de Coury em 1944 e guarda recordações do
mestre.
João Jorge Coury é o exemplo máximo do arquiteto peregrino que se instalou
em Uberlândia e criou uma espécie de confraria discipular em torno de si e de
sua produção arquitetônica moderna, anti-monumental e com características
artesanais aplicadas às suas casas (ver os textos: ‘A arquitetura moderna nas
casas do arquiteto João Jorge Coury e nos edifícios residenciais da cidade de
Uberlândia’; ‘A arquitetura moderna nas casas do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba’ e ‘Compreensão da técnica construtiva nas edificações modernas
nas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba’).
É também notável, nesse arquiteto, o papel da função social e a apresentação
da dimensão política na arquitetura e no urbanismo aplicados (ver texto:
‘Triângulo mineiro e alto Paranaíba: arquitetura moderna e a sua relação com o
espaço público’).
Na senda de Coury, e inspirado no mestre, podemos destacar várias atuações
de outros arquitetos, como os jovens nativos da cidade de Uberlândia: Paulo de
Freitas (formado em 1955 no Mackenzie, em São Paulo), Hélvio Felice e Natalino
David Thomaz (formados, respectivamente, como engenheiros-arquitetos na
UFMG em 1958 e 1960). Os dois últimos arquitetos citados desenvolveram
principalmente residências unifamiliares enquanto Paulo de Freitas projetou
residências modernas e os primeiros edifícios altos (ver texto: ‘A arquitetura
moderna nos edifícios residenciais da cidade de Uberlândia e Alto Paranaíba’).
O assunto, a estética e o interesse pelo moderno não foi apenas da
‘cidade-jardim’, ‘metrópole interior’, ‘meca econômica, uma outra Nova York em
pleno sertão do Brasil’; esses epítetos imaginativos que a elite dos cidadãos da
cidade de Uberlândia, na primeira metade do século 20, assim se destacavam
pela imprensa escrita e falada. Mas, há que se destacar na cidade vizinha de
Uberaba, a presença marcante de Germano Gultzgoff (ver texto: ‘Germano
Gultzgolff e o movimento moderno em Uberaba’) e, mais ainda, a difusão da
arquitetura e do urbanismo modernos em outras cidades ‘do pedaço’ triangulino
e alto paranaibense, tais como: Prata, Ituiutaba, Campina Verde e Frutal (ver
texto com título homônimo).
Com a criação e inauguração de Brasília, em 1960, já era sabido e notório que a
‘Capital do Brasil Central’, o Triângulo e o Alto Paranaíba sairiam ganhando.
Após o golpe militar de 1964, o general Golbery do Couto e Silva, apoiado pela
burguesia local, vê na área triangulina ‘uma zona de reserva geral ou plataforma
central de manobra’ e, entre os itens necessários para tal, destacavam-se ‘a
abertura de faculdades’, assim como o ‘fechamento político com os políticos
locais’ (Brandão, 1987).
Nos anos 70s, as cidades crescem e cada vez mais se destacam, e ficará nítida
a ampliação do número de profissionais que optam por arquitetar na cidade e
permanecer nelas, ou não. Portanto, torna-se relevante ler e examinar o texto ‘A
lógica da superfície: análise planar da residência Migliorini’, tipologia
arquitetônica exemplar do período, quanto ler o texto fundamentado na
habitação social sobre ‘Arquitetura residencial da Vila de Operários de Jaraguá,
Sacramento/MG’.
Nos anos 80s, há que se destacar a presença dos titãs Oscar Niemeyer e Lina
Bo Bardi. Niemeyer fez o projeto do Teatro Municipal, ainda em construção. Lina
projetou, em 1976, com os jovens arquitetos Marcelo Ferraz e André Vainer, a
6
singeleza da obra franciscana localizada na periferia, então, pobre da cidade de
Uberlândia. Esse assunto bo bardiano e a experiência da arquiteta
ítalo-brasileira em Minas Gerais está no texto ‘Igreja Espírito Santo do Cerrado: a
experiência de Lina Bo Bardi em MG’.
O tempo não para. Hoje, a cidade é um importante centro distribuidor de
mercadorias do Triângulo Mineiro. Em sua trajetória econômica nos últimos trinta
anos têm acelerado transformações tecnológicas em prol de uma nova
articulação da agroindústria, gerando outros impactos regionais e, porque não
dizer, locais principalmente no que tange o assunto da especulação imobiliária.
Daí tem ocorrido com frequência a descaracterização, bem como a demolição
de muitos exemplares arquitetônicos modernos na cidade e, também, nas
vizinhas (ver texto: A descaracterização de exemplares da arquitetura moderna
na cidade de Uberlândia’).
Uma das propostas científicas, bem como com ares políticos no atual Núcleo de
Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo e Design, tem sido a proposta desta pesquisa, por ora, apresentada
em 12 capítulos sobre um acervo significativo: A Documentação da Arquitetura
Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Luiz Carlos de Laurentiz
Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de
Uberlândia/MG
A
U
T
O
R
E
S
Maria Beatriz Camargo Cappello, Arquiteta e Urbanista pela PUCCampinas (1984),
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela EESC-USP (1998), Doutora em Arquitetura e
Urbanismo pela FAUUSP (2006). Professorra Adjunto 3 da Faculdade de Arquitetura e
Design da Universidade Federal de Uberlândia. Coordenadora da Pesquisa
“Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História
e Preservação”.
Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, Arquiteta e Urbanista pela UnB (1981), mestre em
Arquitetura pela Architectural Association Graduate (AA, 1994), Doutora em Arquitetura e
Urbanismo pela FAUUSP (1998), Pós doutorado pela Universidade Michoacana de San
Nicolas de Hidalgo (2004), Professora Associada 3 da Faculdade de Arquitetura e
Design da Universidade Federal de Uberlândia.
Luiz Carlos De Laurentiz, Arquiteto pela UMC (1978), Mestre em Engenharia Civil pela
EESC– USP (1987), Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA
(2006), Professor Adjunto 1 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade
Federal de Uberlândia.
Luis Eduardo Borda, Arquiteto e Urbanista pela UFP (1984), Mestre em História Social da
Cultura pela PUCRJ (1994), Doutor em Artes pela ECAUSP (2003). Professor Associado
1 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia.
Patrícia Pimenta Azevedo Ribeiro, Arquiteta e Urbanista pela USU (1979), Mestre em
Arquitetura pela EESC-USP (1999), Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP
(2007), Professora Adjunto 2 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade
Federal de Uberlândia.
Ariel Luis Lazzarin, arquiteto e urbanista pela FAUeD-UFU (2010), PIBIC-FAPEMIG
(2007-2008) e mestrando em teoria e história da arquitetura e urbanismo do
IAU-USP-SC.
Henrique Vitorino Souza Alves, arquiteto e urbanista pela FAUeD-UFU (2009) e
mestrando em geografia do IG-UFU.
Natália Achcar Monteiro Silva, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2009),
PIBIC-CNPq (2007-2008) e mestranda em arquitetura da UFMG.
Raquel Beatriz Silva, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2008) e PIBIC-FAPEMIG
(2007-2008).
Denise Galhardi Rodrigues de Oliveira Cruz, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU
(2010) e PIBIC-FAPEMIG (2007-2008).
Flavio Medeiros Pereira, graduando em arquitetura e urbanismo da FAUeD-UFU e PIBIC
FAPEMIG (2009-2010)
Larissa Ribeiro Cunha, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2011) e PIBIC FAPEMIG
(2008-2009).
Ana Paula Tavares Miranda, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2010), PIBIC CNPq
(2008-2009) e mestranda em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo do
IAU-USP-SC.
Maria Fernanda Zumpano França, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2011) e PIBIC
FAPEMIG (2009-2010).
45
Elisa Azevedo Ribeiro, graduanda em arquitetura e urbanismo da FAUeD-UFU e PIBIC
FAPEMIG (2009-2010)
8
I
N
T
R
O
D
U
Ç
Ã
O
A importância de desenvolver ações de documentação, conservações e
proteção da arquitetura e de conjuntos urbanos e paisagísticos construídos
segundo os princípios do Movimento Moderno tem sido um dos trabalhos
desenvolvidos
organização
pelo
DOCOMOMO
não-governamental
Brasil,
representação
internacional
DOCOMOMO
brasileira
da
(International
Working Party for Documentation and Coservation of Buildings, Sites and
Neighbourhoods of Modern Movement), fundada em 1988, atualmente com sede
na Fundação Mies van der Rohe em Barcelona, reconhecida internacionalmente,
com representações em vários países. Como se sabe, esta organização tem
como um dos principais objetivos promover o conhecimento e a reflexão sobre o
Movimento Moderno e as manifestações artísticas e técnicas a ele relacionadas.
Dentro desses mesmos princípios, o Núcleo de Teoria e Historia da Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade
Federal de Uberlândia (FAUeD-UFU) vem realizando ações para colaborar com
a identificação e a preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico
moderno na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A pesquisa,
“Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação”, que será relatada neste livro está sendo realizada pelos
pesquisadores desse núcleo e tem como objetivo principal estabelecer uma
base documental que possibilite o desenvolvimento de estudos que contribuam
para a melhor compreensão da difusão, produção e significados. Com este
escopo, o trabalho vem se desenvolvendo a partir da identificação,
levantamento e sistematização de dados e análise da documentação coletada
referente à produção da Arquitetura Moderna produzida entre as décadas de
1960 e 1970 – período identificado como o de maior importância para sua
difusão regional – e que contribuiu, de forma significativa, para a constituição
das características arquitetônicas e urbanísticas específicas das cidades nessa
região.
Aponta-se ainda, como um dos aspecto fundamentais desta pesquisa, o
propósito de colaborar para suprir uma lacuna existente na historiografia da
arquitetura brasileira referente à arquitetura moderna que tem se ocupado,
primordialmente, da produção dos grandes centros de desenvolvimento do
país. Nesse sentido, a pesquisa pretende apontar novas direções, procurando
repensar o processo de formulação do Movimento Moderno em Minas Gerais
identificando o diálogo que aqui se estabeleceu com outros pólos de produção.
O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) divide Minas Gerais em 12
mesorregiões e 66 microrregiões. O Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é uma
destas 12 mesorregiões, situada ao oeste do Estado, entre os rios Grande e
Paranaíba, região que nos séculos XVIII e XIX era conhecida, principalmente,
por “Sertão da Farinha Podre”. Essa mesorregião agrupa 7 microrregiões: Araxá,
Ituiutaba, Frutal, Patos de Minas, Patrocínio, Uberaba e Uberlândia. Hoje é a
segunda maior economia do Estado e suas principais cidades são: Uberlândia,
Uberaba, Araguari, Ituiutaba e Araxá.
As cidades destas microrregiões selecionadas para integrarem essa pesquisa
são: Uberlândia, Uberaba, Prata, Ituiutaba, Araxá, Sacramento, Estrela do Sul,
Monte Carmelo, Araguari, Patos de Minas, Monte Alegre de Minas, Tupaciguara,
Campina Verde, Campo Florido, Frutal, Conquista, Conceição das Alagoas,
Patrocínio, Coromandel e Rio Paranaíba1.
A historiografia nos mostra que a arquitetura moderna brasileira teve início na
década de 1920 com Gregori Warchavchik em São Paulo, e posteriormente,
com a arquitetura desenvolvida no Rio de Janeiro com os arquitetos cariocas, se
consagrando com o Edifício do Ministério da Educação e Saúde (MES) em 1936,
uma das obras de arquitetura moderna brasileira mais difundida.
A primeira grande recepção e difusão da arquitetura brasileira se dá com a
exposição e publicação do livro Brazil Builds, em 1943, organizados pelo Museu
de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, marcando o início do reconhecimento e
sua consagração em nível internacional.
Sabemos também que sua difusão ocorreu nos grandes centros do país se
afirmando a partir de 1950, mas nas regiões interioranas essa prática se
1
Esta seleção considerou estudos já realizados sobre a formação e a produção da
arquitetura na região, dos quais destacamos a pesquisa de doutorado realizada pela
Professora Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, intitulada: Arquitetura Religiosa do
século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”.
10
fortaleceu mais tardiamente, entre as décadas de 1960 e 1970, sendo este, o
caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
A escolha do local de Brasília para localização da Capital Federal, nos anos
1950, provocou um importante impacto econômico e social na região do
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, fortalecendo sua importância geoestratégica,
consolidando-a com passagem de estradas federais e fomentando varias
atividades de apoio ao empreendimento de Juscelino Kubitschek. Além disso, a
construção de Brasília (1957-60) contribuiu para que a modernidade e o
progresso fossem incorporados no espaço urbano e no imaginário cultural da
população dessas cidades. Assim, novas técnicas construtivas, nova estética,
novos modos de vida e usos do espaço, trazidos pela arquitetura moderna
fizeram parte do desenvolvimento urbano e transformações das cidades desta
região. As cidades receberam novas tipologias de edifícios residenciais,
instituições públicas e privadas, indústrias, praças, clubes e vilas que se
implantaram no espaço e foram fortemente incorporados à sua identidade visual
e histórica.
Para realizar a documentação desta produção arquitetônica e urbanística na
região, foi adotada como base a ficha mínima de inventário elaborada pelo
DOCOMOMO Internacional. A adoção deste modelo busca uma padronização
dos dados sobre o movimento moderno no Brasil, proposto pelo Grupo de
Trabalho sobre inventários, formado pelo DOCOMOMO Brasil2, que tem como
objetivo desenvolver um trabalho em rede nacional, contribuindo com os
propósitos do DOCOMOMO internacional. O estudo específico de cada edifício
busca compreender a implantação das obras e seu impacto nas cidades a partir
de análises de suas características formais e construtivas.
As obras de arquitetura moderna foram identificadas e catalogadas a partir de
fontes bibliográficas e visitas as cidades selecionadas. As pesquisas nas
cidades se iniciaram com visitas aos arquivos públicos municipais, bibliotecas
das escolas de arquitetura e urbanismo (no caso de Uberlândia e Uberaba),
acervos particulares, entrevistas com arquitetos locais e identificação in loco, da
2
O inventário da arquitetura moderna nacional vem sendo realizado por diversas
instituições interligadas pelo DOCOMOMO Brasil e suas unidades regionais, que no
caso da região apresentada é o DOCOMOMO | MG.
produção ligada ao movimento moderno, através de percursos nas ruas das
cidades.
Para a realização do trabalho de campo, as 20 cidades foram divididas entre os
cincos professores pesquisadores, constituindo cinco equipes que contavam
com alunos de iniciação científica. Cada equipe se encarregava da
identificação, levantamento de dados e pesquisas locais sobre as construções
modernas nas cidades de seu grupo. Cada pesquisador coordenador de equipe
é responsável pela organização de referencias documentais e bibliográficas e
pela divulgação dos dados coletados referentes as suas cidades de estudos.
Vale destacar que a pesquisa também contou com a participação de uma
professora responsável pela criação do design do banco de dados e do web
site para a disponibilização das fichas de inventários3.
A primeira fase da pesquisa foi concluída no inicio de 2009 e contou com o
financiamento da FAPEMIG e PIBIC/CNPq e PIBIC/FAPEMIG; nesta etapa foi
possível a identificação e documentação de mais de 90 imóveis em 20 cidades.
O dados já processados integram o banco de dados da pesquisa, disponível no
web site da FAUeD4.
A partir desse material já levantado e a complementação do mesmo,
pretende-se dar continuidade a pesquisa selecionando as obras mais
características e destacando suas particularidades através da análise dos
projetos relacionando-os aos processos espaciais, sociais e culturais das
cidades estudadas, examinando-os a partir da presença da arquitetura moderna
na constituição da cidade.
Pretende-se assim: analisar o impacto da introdução da arquitetura moderna nos
espaços urbanos e no desenvolvimento das cidades destacando a sua
3
Equipe de Pesquisadores. Professores da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e
Design da Universidade Federal de Uberlândia, Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura e Urbanismo: Luis Eduardo Borda; Luiz Carlos De Laurentiz; Marilia Maria
Brasileiro Teixeira Vale; Maria Beatriz Camargo Cappello; Flávia Ballerini e Patrícia
Pimenta Azevedo Ribeiro. Alunos de iniciação científica: Henrique Vitorino Souza Alves;
Ariel Luis Lazzarin;
Raquel Beatriz Silva; Natalia Achcar Monteiro Silva;
Larissa Ribeiro
Cunha;
Ana Paula Tavares Miranda;
Karina Ribeiro;
Flavio M. Pereira;
Karine Oliveira;
Denise Galhardi R. O. Cruz;
Maria Fernanda Zumpano;
Elisa Azevedo Ribeiro;
Kauê
Felipe Paiva e Letícia Guitarrara Nirschl Crozara
4
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/
12
concepção urbana; compreender como o vocabulário moderno é absolvido na
arquitetura de caráter “popular”; identificar o patrimônio com importância para
preservação e estimular esta prática.
Sendo assim, a proposta de consolidação dos dados sobre a arquitetura
moderna do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e de difusão dos resultados das
pesquisas realizadas, envolve uma contínua alimentação do banco de dados,
com a inclusão de novos inventários e análises. Deste modo, a importância
deste banco de dados é constituir-se como instrumento de pesquisa não só
para os integrantes do projeto, mas para quaisquer outros professores,
estudantes ou pesquisadores que venham a desenvolver atividades de
investigação relacionadas ao tema. Acreditamos que a documentação
disponível poderá ser útil e colaborar para a realização de análises detalhadas
sobre os modos pelos quais a produção arquitetônica e urbanística moderna se
insere e se desenvolve nessa região de Minas Gerais, e assim estabelecer um
diálogo mais amplo, que se processa na própria constituição de uma arquitetura
moderna brasileira.
Coloca-se ainda a possibilidade de que esse Banco possa se tornar, além de
uma fonte de pesquisa do DOCOMOMO | MG, um local onde os pesquisadores
que fazem parte dessa rede possam depositar suas pesquisas, consolidado-o
assim, em um amplo meio de interlocução entre os pesquisadores de arquitetura
moderna do DOCOMOMO Brasil. Nesta mesma perspectiva, apontamos que
este inventário regional contribui também para um estudo maior que esta sendo
realizado pelo Grupo de Trabalho sobre inventários de arquitetura, urbanismo e
paisagismo
modernos,
formado
pelo
DOCOMOMO
Brasil,
envolvendo
pesquisadores de vários estados do Brasil, com o DOCOMOMO/BA,
DOCOMOMO/PE, DOCOMOMO/SP, DOCOMOMO/BSB e DOCOMOMO/MG,
estabelecendo interlocuções com pesquisadores de varias universidades5.
Agradecemos aos apoios institucionais do CNPq, da FAPEMIG, da nossa
instituição, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade
5
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Universidade Federal da Paraíba (UFP), Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pontifícia Universidade Católica de
Minas (PUCMinas) e Universidade de São Paulo (USP/SP).
Federal de Uberlândia, aos funcionários dos arquivos municipais das cidades
visitadas, aos arquitetos entrevistados e aos pesquisadores que desenvolveram
esta pesquisa.
Maria Beatriz Camargo Cappello
Coordenadora da Pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”
Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design
Universidade Federal de Uberlândia
14
A
R
T
I
G
O
S
UBERLÂNDIA CLUBE: A “MODERNIDADE” NA CIDADE DE UBERLÂNDIA
Flávio Medeiros Pereira / Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo
Cappello / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale
INTRODUÇÃO
A produção arquitetônica moderna da região do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba é o objetivo de análise da pesquisa intitulada “Documentação da
Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e
Preservação”, desenvolvida na Universidade Federal de Uberlândia por uma
equipe de cinco professores efetivos e alunos bolsistas da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo.
O projeto é financiado pela FAPEMIG e se desenvolve em duas etapas
realizadas paralelamente. Uma delas é a pesquisa teórica, desenvolvida a partir
da leitura de textos que tratam do movimento moderno, das características da
modernidade na região do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba e dos
determinantes históricos que influenciaram a construção desses edifícios.
Enquanto a outra etapa é de campo, e é desenvolvida por meio de visitas às
cidades da região com intuito de analisar os edifícios que trazem as
características desse movimento.
Dessa forma, o projeto busca promover um levantamento documental que
possibilite a elaboração de fichas, que oferecerão uma identificação e análise
das obras modernas da região e posteriormente, uma caracterização da
arquitetura moderna local. Esse material produzido ainda tem o intuito de ser
disponibilizado a todos os interessados por meio da internet, além de também
ser doado às cidades pesquisadas para que esse estudo não se restrinja ao
meio acadêmico e estimule a preservação dos edifícios mais significativos da
região, compreendendo o distanciamento temporal da construção dessas obras
e a importância arquitetônica e histórica que esses edifícios apresentam como
elemento de identificação regional.
O desenvolvimento das fichas de levantamento da produção arquitetônica
moderna da região é definido segundo o modelo do DOCOMOMO (International
Working Party for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and
Neighbourhoods of Modern Movement), que é uma organização internacional
que busca difundir o conhecimento e reflexão sobre o Movimento Moderno.
16
Essa instituição estimula o desenvolvimento de levantamentos documentais e
medidas de conservação e proteção de edifícios, conjuntos urbanos e
paisagísticos do Movimento Moderno.
Além disso, o DOCOMOMO possui várias unidades, como por exemplo, o
DOCOMOMO Brasil, que estimula o inventario da arquitetura moderna nacional
e que, por sua vez, também apresenta ramificações, como o DOCOMOMO
Minas que procura difundir o levantamento regional das obras modernas.
Nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, ambas no interior do Estado
de Minas Gerais, a arquitetura moderna teve seu auge tardiamente na década
de 1960, inserindo-se em um contexto urbano caracterizado pela busca de
inovações sociais, econômicas e culturais e do tão esperado progresso. Nesse
sentido, o trabalho em seguida estabelece uma análise do edifício Uberlândia
Clube, construído em 1957 no núcleo central de Uberlândia, com intuito de
promover atividades de recreação e comércio à elite uberlandense. Todavia, por
apresentar elementos de linguagem moderna até então pouco utilizados na
região, como os pilotis, o brise-soleil, os panos de vidro e o terraço-jardim, esse
edifício acabou se tornando um elemento de identificação local e de
caracterização da arquitetura moderna regional. Ainda hoje, o edifício assume
características importantes, pois representa a memória de um período; uma
inserção urbana diferenciada e mais adequada ao clima local, por possuir um
recuo em sua fachada frontal que oferece um passeio sombreado; além de
mostrar a intenção de trazer por meio da arquitetura, modernidade, progresso e
desenvolvimento à região.
A questão do patrimônio moderno brasileiro
No Brasil, a arquitetura moderna se iniciou na década de 1920, mas seu auge
nos grandes centros ocorre a partir de 1950. Os arquitetos tiveram influência,
principalmente européia, na imagem de Le Corbusier, mas rapidamente
seguiram um caminho próprio, e com isso a arquitetura adquiriu caráter
nacional.
A produção moderna brasileira recebeu destaque internacional, principalmente
pelo desenvolvimento de inovadora técnica de controle de luz e calor, através
do brise-soleil. Sua particularidade também estava no bem desenvolvido uso do
concreto armado e dos trabalhos em azulejos, principalmente desenhados por
Cândido Portinari.
A arquitetura moderna foi, sem dúvidas, nacional, refletindo os artistas que a
lançaram e recorrendo aos materiais disponíveis, assim como se ajustando ao
clima. Seu acervo patrimonial ainda é muito pequeno diante da produção que se
realizou, e falta uma política de identificação dos exemplares mais significativos,
que devem ser protegidos. Aliás, a discussão sobre a preservação deste
patrimônio ainda é muito polêmica, principalmente em função da pequena
distância temporal.
Uma das mais particulares características da arquitetura moderna é sua rica
documentação e detalhamento, o que possibilita que seja realizada uma
restauração por completo ou um projeto ser executado, em um outro momento,
de forma fiel ao original. Mas, até que ponto isto é viável? Em que condições
deveria se lançar de tal recurso? Quem seria considerado o realizador/autor de
tal proposta?
Outro ponto diz respeito ao tombamento ser a melhor forma de proteger a
arquitetura moderna, já que o ato de preservar pode incluir qualquer ação do
Estado que conserve a memória e os valores culturais, e o tombo acaba por
resguardar o bem em si e não as relações e vínculos imateriais que ele
proporciona, sejam elas afetivas, de uso, etc.
Mais um questionamento, talvez o mais intrigante, diz respeito ao fato de muitos
dos arquitetos modernos encontrarem-se ativos, possibilitando uma idéia de
tombar no bem, seu autor. Ou ainda de, o próprio arquiteto acreditar serem
viáveis modificações em seus projetos, assim como verdadeiras demolições,
criando um certo “mal-estar” com os órgãos de proteção e muitas vezes
inviabilizando tombamentos.
As ações de preservação do moderno iniciaram-se em 1947, quando Lucio
Costa pediu o tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha,
em Belo Horizonte. Nesta fase inicial, de 1947-1967, o tombamento
correspondia a obras recém construídas, fazendo uso da legislação de proteção
ao patrimônio artístico e histórico, como forma de resguardá-las, em termos de
18
sua constituição original, para que não fossem demolidas ou modificadas. O
período foi marcado pela presença de Lucio Costa à frente da Diretoria de
Estudos
e
Tombamentos
do
DPHAN
e
pelo
já
citado
caráter
de
excepcionalidade das obras tombadas, que representavam o patrimônio
histórico do futuro.
Somente na década de 1980 outros edifícios modernos passariam por processo
de tombamento, sendo que inovador foi o de Brasília em 1990, já que o que se
protegeu foi o plano, ou seja, as regras urbanísticas de ocupação, e não os
edifícios em si. Este tipo de tombamento aponta para um olhar diferenciado, no
qual a cidade, objeto a ser tombado, deixa de ser pensada enquanto conjunto
arquitetônico para ser vista como documento vivo, resultado das idéias
urbanísticas do seu tempo e história.
Tombar um edifício recentemente finalizado é algo inovador, que proporciona
proteger um monumento tal como ele foi projetado e construído. No caso da
conservação do patrimônio moderno, manter o projeto original é tida, quase
como fixação, ainda mais fortalecida pela pequena distância temporal, assim
como pelo vasto material documental e fotográfico, que possibilita retornar a
proposta inicial. Tal fato faz com que se desconsiderem as modificações, que
muitas vezes são inevitáveis nos processos de ocupação.
A preservação da arquitetura moderna ainda está em fase de formação, sendo
necessário fazer discussões sobre a idéia de voltar/manter o projeto original e a
importância das transformações que ele adquire com uso e ocupação. Se uma
obra é tombada muito cedo, fica o próprio tempo responsável por dar a ela suas
condições de patrimônio cultural.
O fato é que, a arquitetura moderna é parte de um passado recente que merece
ser mantido e respeitado. E a grande problemática quanto a sua preservação
está na pouca discussão e falta de aspectos conceituais e éticos.
O CONTEXTO HISTÓRICO DE UBERLÂNDIA
Uberlândia teve sua origem no início no século XIX, foi elevada à cidade em
1888 e recebeu seu nome atual em 1929.
Em 1908, o prefeito Alexandre Marquez pediu ao engenheiro Mellor Ferreira
Amado a realização de um plano de expansão, o qual alteraria a organização
física da cidade. Na proposta, Mellor definiu a constituição do centro a partir do
bairro Fundinho, núcleo original de ocupação, sendo composto por seis
avenidas, que iniciavam-se em praças e findavam-se na estação ferroviária, que
atualmente é a avenida João Pessoa.
Na década de 1910 deu-se início a seu processo de mais importante
desenvolvimento, muito em função da localização geograficamente estratégica
do município, que é entreposto entre as cinco regiões do país. Neste período
Uberlândia teve grande impulso econômico, especialmente no setor atacadista.
O crescimento ocorreu devido muito às ligações comerciais e agrícolas
estabelecidas, principalmente com o Estado de São Paulo, o que foi
potencializado ainda mais após a construção em 1895 da Estrada de Ferro
Mogiana e, em 1909 da ponte Afonso Pena sobre o rio Paranaíba. Nessa época
a cidade já contava com abastecimento de água, igreja, escola, hospital,
praças, etc.
A inauguração de novos e diversificados empreendimentos deu continuidade a
um processo de urbanização periférico da cidade, através da incorporação de
áreas agrícolas que visavam a especulação imobiliária.
Em 1950 as transformações ocorreram também no âmbito urbano, modificando
a área central da cidade, a qual passou a receber melhorias na infra-estrutura,
iniciou seu processo de verticalização, e onde foram construídos edifícios
importantes para a composição da paisagem urbana, como o Uberlândia Clube,
Edifício Tubal Vilela e outros.
A concentração e adensamento da população constituíam-se através de anéis
concêntricos: o entorno da Praça Tubal Vilela, os bairros Fundinho e Nossa
Senhora Aparecida formando um primeiro anel, os bairros Osvaldo Rezende,
Martins, Bom Jesus, Lídice, Saraiva e parte do Centro gerando o segundo, e os
bairros Daniel Fonseca, Osvaldo Rezende, Cazeca, Saraiva, Tibery e Marta
Helena integrando o terceiro. A ocupação das demais áreas da cidade era feita
de forma dispersa, com baixa densidade e presença de vazios urbanos
20
significativos, sendo que tais áreas eram constituídas pelos loteamentos
destinados às classes de renda baixa.
A criação do Aeroporto de Uberlândia em 1957, da Universidade em 1959, da
Companhia Elétrica de Minas Gerais, da implantação dos serviços de esgotos
sanitários e tratamento de água, do melhoramento de suas principais rodovias,
além da criação da ‘Cidade Industrial’ em 1965, impulsionaram a cidade e
atraíram grande contingente de estudantes e migrantes a procura dos novos
empregos que estavam sendo gerados. Todas essas transformações
demandaram que o governo investisse mais em infra-estrutura para atender ás
exigências de uma população maior.
Na década de 1960 foi possível notar a ação concomitante de empresas
imobiliárias e do Estado através de políticas como o Sistema Financeiro de
Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). Mesmo com o
surgimento de novos bairros, a cidade continuou a apresentar um padrão de
ocupação radial e assimétrico (em relação à presença de infra-estrutura urbana
e distribuição de renda), em que se destacava o centro, sobretudo ao longo das
avenidas Floriano Peixoto e Afonso Pena, entre as praças Clarimundo Carneiro e
Sérgio Pacheco.
Com a industrialização e a conseqüente necessidade de mão-de-obra,
começaram a surgir nas áreas periféricas da cidade, as vilas operárias, bairros
com pouca ou nenhuma infra-estrutura, destinados às classes mais pobres,
enquanto nas regiões principais, em torno do centro comercial, situavam-se os
bairros residenciais nobres. Entre as décadas de 1970 e 1980 várias indústrias
importantes como a Granja Rezende e a fábrica de cigarros Souza Cruz
instalaram-se no perímetro da cidade.
Atualmente novos vetores de expansão estão surgindo. Com a transferência da
Prefeitura e da Câmara de Vereadores para um terreno ao lado do Center
Shopping foi criado um novo foco de atração e uma nova dinâmica urbana,
tornando-se uma tendência na cidade a existência desses ‘centros’ dispersos
pelo tecido urbano.
Com todas estas transformações, a cidade cresceu vertiginosamente ao longo
dos anos, sobretudo pelo fluxo migratório de pessoas. Segundo dados do IBGE,
Uberlândia possui cerca de 615 mil habitantes.
Figura 01: Mapa urbano de Uberlândia, com destaque para o centro da cidade e a praça Tubal
Vilela.
Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia, com organização dos autores
O UBERLÂNDIA CLUBE SOCIEDADE RECREATIVA
O contexto histórico do Uberlândia Clube Sociedade Recreativa
O Uberlândia Clube Sociedade Recreativa surgiu em 23 de Março de 1937 com
o intuito de ser uma instituição privada sem fins lucrativos, proporcionando
atividades de lazer aos sócios, sendo assim proibida qualquer manifestação de
caráter político-partidária, religioso, ou afins. Composta pela elite da cidade,
essa organização apresentava grande restrição à filiação de membros que não
possuíssem mesmo status social ou poder aquisitivo.
22
Pode-se dizer que essa instituição é “herdeira” do antigo Clube Municipal de
Uberlândia, que existiu na cidade durante a década de 1920 e que “era o
responsável por sediar as festas e reuniões da sociedade uberlandense”.
(Prefeitura de Uberlândia. Complementação do Dossiê de Tombamento
Uberlândia Clube. pág.5)
A criação de clubes como o Uberlândia Clube Sociedade Recreativa não é um
acontecimento isolado. Segundo Alcindo Gonçalves, em publicação à revista
eletrônica “Patrimônio, Lazer e Turismo” vários clubes de caráter associativo e
geralmente sem fins lucrativos sugiram no contexto brasileiro entre o final do
século XIX e início do XX. Em Minas Gerais, temos a criação em Belo Horizonte,
do Minas Tênis Clube em 1935 e do Rotary Clube em 1927, em Pouso Alegre, o
Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre em 1926, e em Uberlândia o
Uberlândia Clube em 1937.
O Uberlândia Clube se estabeleceu como um clube da alta sociedade
uberlandense, sediando bailes, festas e carnavais. Sua inauguração ocorreu em
fevereiro de 1938, quando alugou as salas de um pavimento do edifício
Abdulmassih, localizado no núcleo central da cidade. Nesse local “a sociedade
se reunia diariamente para se divertir nos salões de dança e jogos”. O clube
iniciou suas atividades com cerca de cem associados, todavia, ”com o tempo e
o aumento dos sócios a sede alugada tornou-se obsoleta para abrigar os
eventos do clube e os sócios começaram a construir uma nova” (Prefeitura de
Uberlândia. Complementação do Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube.
pág.7).
Por volta de 1947 o uberlandense Rondon Pacheco, então deputado estadual de
Minas Gerais conseguiu uma parte de um grande terreno do Estado que se
estendia da Rua Olegário Maciel à Rua Santos Dumont na área central da
cidade para a construção da nova sede do clube. A diretoria decidiu então
promover um concurso para escolher o melhor engenheiro e o projeto vencedor
foi o de Almor da Cunha, engenheiro de Sacramento com formação e atuação
no Rio de Janeiro, enquanto os interiores ficaram sob a responsabilidade do
artista plástico e decorador Sérgio Freitas, que foi indicado por aquele
profissional. José Machado de Moraes, outro artista plástico carioca, com
formação na Escola Nacional de Belas Artes e com trabalhos realizados junto a
Cândido Portinari também foi contratado para fazer os murais de entrada no
pavimento térreo e outro no segundo pavimento.
A obra foi concluída em 1957 e foram gastos cerca de 30 milhões de cruzeiros
na execução do projeto. O edifício possui três pavimentos, que inicialmente
continham um espaço comercial e o teatro Rondon Pacheco no térreo, dois
salões para dança e jogos, palcos para shows, boate, bar, restaurante no
primeiro pavimento, sala para a diretoria e uma biblioteca no segundo
pavimento, contando ainda com um terraço-jardim que era utilizado para festas
ao ar livre, mas que hoje se encontra coberto por uma cobertura metálica,
configurando um grande salão. A inauguração dessa nova sede do Uberlândia
Clube Sociedade Recreativa se deu com uma grande festa, que contou com a
presença dos associados, da Orquestra do “Cassino de Sevilha”, de São Paulo,
além da orquestra do próprio clube, de bailarinos internacionais, artistas
brasileiros, e autoridades políticas, como o Ministro da Aeronáutica, e um
Embaixador da República.
Com o tempo, o edifício passou a ser denominado simplesmente Uberlândia
Clube. Nele aconteciam apresentações de óperas, recitais e concertos, que
ocorriam nos próprios salões do clube ou no teatro. Além dessas apresentações
culturais, durante a semana os associados continuaram a se reunir no edifício
para jogar e dançar, podendo também acessar a sala de leitura na biblioteca,
além de haver também festas para o público jovem todos os finais de semana,
bailes de carnaval e festas de virada do ano. Fora essas ocasiões, o salão
principal, no segundo pavimento, muitas vezes era alugado para festas
particulares como casamentos e aniversários dos associados. Na década de
1970, o clube foi muito procurado por seu barzinho e boate e nos anos 90 a
Festa Brava atraia muitas pessoas com sua música eletrônica. Todavia, por não
ter recebido um isolamento acústico adequado, os shows e festas com bandas e
músicas eletrônicas foram sendo proibidos, devido a reclamações da população
vizinha ao edifício, o que fez com que o clube começasse a entrar em grandes
problemas econômicos. Além disso, nesse período surgem novos edifícios de
lazer em Uberlândia, como os Shoppings Centers, que também contribuíram
para a diminuição de associados do Uberlândia Clube, o que dificultou sua
manutenção, levando-o a encerrar suas atividades diárias e semanais em 2000,
24
funcionando somente com o aluguel dos seus salões agora para toda a
população.
Hoje, ele é tombado integralmente pelo Decreto nº10223 de 29 de Março de
2006 que compreende a sua importância arquitetônica, urbanística e histórica
para toda a cidade e protege suas fachadas, volumes, acervo bibliográfico, e
mobiliário. Entre as diretrizes de tombamento estão a exigência de preservação
das características do imóvel, a proibição de intervenções que o descaracterize,
a manutenção do gabarito dos edifícios localizados dentro da área de perímetro
de entorno (que envolve o quarteirão em que se situa o edifício e os quarteirões
ao seu redor) com o intuito de manter as visuais que ele cria em relação à
cidade, a retomada do desenho original do terraço-jardim, entre outras.
Figura 02: Vista a partir da Rua Olegário Maciel, mostrando a fachada posterior do Uberlândia
Clube e o terraço-jardim.
Fonte: Inventário do Patrimônio Cultura do Município de Uberlândia, exercício 2007, quadro III –
volume 6/6 , Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube
Análise dos elementos do edifício Uberlândia Clube
O Uberlândia Clube foi um dos primeiros exemplares de arquitetura moderna em
Uberlândia, utilizando de recursos como os grandes panos de vidro protegidos
por brise-soleil, estruturação independente proporcionando fachadas e plantas
livres, e o uso de pilotis e terraço-jardim.
Figuras 03 e 04: Fachada Frontal do Uberlândia Clube e destaque para a marquise da entrada
principal.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
A edificação se compõe por um volume regular, disposto em dois pavimentos,
além do térreo recuado, onde se encontram os pilotis (revestidos por pastilhas
em tom azul marinho), que estruturam o pavimento superior. É neste térreo que
se encontram as 18 lojas, distribuídas em três blocos, constituindo uma galeria
comercial, assim como o Teatro Rondon Pacheco, acessado por uma das duas
ruas internas do edifício. Os revestimentos são em alvenaria e o piso em pedra
portuguesa branca e preta, configurando desenhos curvilíneos.
Figuras 05 e 06: Térreo recuado, com uso de pilotis e piso em pedra portuguesa branca e preta.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
26
Ao centro no pavimento térreo está a entrada principal, que externamente
apresenta uma marquise curva, que destaca o acesso ao interior do clube e leva
a um hall, que tem a parede revestida por espelho no lado direito, um painel em
pastilhas no esquerdo, no qual se conta um pouco dos eventos que ali ocorriam,
e ao fundo por mármore bege. O piso é em mármore branco, recoberto por
carpete de veludo vermelho.
Figuras 07 e 08: Porta principal de entrada e rampa curvilínea no hall central.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
Figuras 09 e 10: Hall de entrada com o painel em pastilha e revetimento do piso em mármore
branco e do teto em gesso trabalhado.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
O primeiro pavimento é acessado por uma rampa curva, em mármore branco e
madeira, revestida por carpete também vermelho, que finda-se em um grande
foyer, onde há um painel em gesso e uma grande luminária amebóide também
de gesso atirantada ao teto. Este andar conta com dois salões de festas,
sanitários, restaurante, boate e bar.
Figuras 11 e 12: Foyer no primeiro pavimento, com o painel em gesso, além da iluminação indireta,
embutida em ornamento em gesso atirantado.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
O hall deste pavimento tem as paredes parcialmente revestidas com madeira, o
piso em tacos de madeira e apresenta mobiliário moderno ainda original como
luminárias e sofás.
Figuras 13 e 14: Hall do primeiro pavimento.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
Um dos salões é o de inverno, de pequenas dimensões, com piso em parquet e
grandes esquadrias, o qual se liga diretamente a uma circulação, onde estão os
panos de vidro protegidos por brises, na fachada frontal. Ao centro destes está
um grande vitral, no qual estão desenhados edificações importantes da cidade
e o próprio Uberlândia Clube.
28
Figuras 15 e 16: Circulação perimetral, com a proteção por brises e destaque para o desenho do
Uberlândia Clube no vitral.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
O salão nobre, decorado em tons azuis e branco, tem trabalhos em gesso até
mesmo nos pilares de sustentação (desenhos de lírios), assim como esculpidas
sancas de iluminação. Nele também há um mezanino, que pode ter acesso por
duas escadas laterais. Na extremidade oposta a este, está o palco.
Figuras 17 e 18: Entrada do salão nobre e do Salão de Inverno respectivamente.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
Figuras 19 e 20: Palco e as esculpidas sancas de iluminação do teto em gesso.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
Figuras 21 e 22: salão, com o mezanino, destaque para os pilares com lírios em gesso.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
A boate tem piso em tacos de madeira e revestimento das paredes em espelho
e carpete escuro. O forro também é trabalhado em gesso. O bar tem piso em
granitina cinza e rosa, e revestimento do teto em gesso de cor azul. O mobiliário
do balcão é bastante orgânico, com uso de madeira, laminado preto, e detalhes
em mármore e latão. O acesso ao pavimento superior acontece nesta área
através de uma escada em mármore branco, assim como para a varanda, por
uma porta sanfonada.
30
Figuras 23 e 24: balcão do bar e mobiliário do mesmo.
Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva
A cozinha fica atrás do bar, sendo que seus revestimentos de parede e piso
foram alterados, existindo atualmente azulejos brancos e cerâmica cinza. Os
sanitários também são ornamentados, com destaque para o feminino, onde o
piso recebe pastilhas cerâmicas em preto e branco, formando flores.
No segundo pavimento estão a diretoria, biblioteca, sanitários e mais um bar e
um salão de festas, que foi adaptado quando se retirou o terraço-jardim. Da
escada acessa-se um hall, onde há outro painel de pastilhas e por onde se
circula atingindo as salas citadas.
A sala da diretoria é simples, enquanto a biblioteca recebeu maior atenção, com
piso em carpete e aplicações em gesso nas paredes onde estão embutidas as
estantes. Seu mobiliário se conserva original. O salão de festas, tem cobertura
metálica, com forro em PVC e piso em tacos de madeira. Nos fundos está o
palco e os camarins. O bar tem cozinha própria e está sob a mesma cobertura
do salão.
Análise do edifício Uberlândia Clube no contexto urbano
O edifício Uberlândia Clube, construído na década de 1950, foi um marco para a
cidade, representando, através da imponência de sua arquitetura, mais um
avanço em termos de desenvolvimento social e progresso. Como já foi dito, o
município passava por um processo de rápido crescimento e a formação de seu
centro era importante, conformando através do que era construído a imagem da
cidade progressista, com grande avanço econômico.
Em termos de implantação o Uberlândia Clube tem a particular característica de
um grande recuo da fachada frontal, o qual é recoberto pelo pavimento superior,
que atua como marquise estruturada por pilotis. Esta constituição define uma
composição urbana, na qual o pedestre é privilegiado por um espaço de
passagem gentilmente protegido. Em uma cidade com intenso calor como
Uberlândia, esta prática deveria ser freqüentemente utilizada permitindo ao
usuário do espaço público maior conforto em relação ao clima, assim como as
dinâmicas, o movimento, o barulho, o trânsito, etc.
Atualmente, o “símbolo da sociedade e da cultura uberlandense” não tem mais
as atividades semanais, funcionando esporadicamente quando seus salões são
alugados, mantendo-se em uso a área comercial no térreo, que é uma espécie
de galeria, além do Teatro Rondon Pacheco.
CONCLUSÃO
A partir dos estudos realizados sobre o edifício Uberlândia Clube percebemos a
importância que a Arquitetura Moderna assume na identificação de um período
na região do Triângulo Mineiro. Nele vemos a introdução de elementos até então
pouco utilizados na cidade e que foram empregados com o intuito de
representar o tão esperado progresso.
A mescla de áreas comerciais, festas e apresentações culturais mostra a
grandiosidade do edifício e justificam o título de “símbolo da sociedade e da
cultura uberlandense”. Seus elementos diferenciados auxiliaram na introdução
do moderno na região e ainda hoje o tornam único no contexto urbano, com
elementos que poderiam ser amplamente utilizados em toda a cidade. Além
disso, seu acervo de mobiliário, em ótimo estado de conservação, também é
muito importante para a manutenção da memória da ambientação da década de
1960.
As várias alterações que esse edifício já passou, o estado parcial de abandono
e a grande importância que ele representa para toda a cidade justificam seu
tombamento, no intuito de preservá-lo. Assim, a partir do Uberlândia Clube,
compreendemos a atual importância das obras modernas para as cidades
analisadas no projeto de pesquisa e a situação em que elas se encontram, o que
reforça uma atenção maior aos exemplares existentes e a necessidade de
tombamento dos que se encontram ameaçados de descaracterização,
degradação ou abandono.
32
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer à toda a equipe do projeto de pesquisa
“Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação” pela troca de conhecimentos e incentivo em assuntos
tão importantes como a Arquitetura Moderna e a Preservação.
Referências
AZEVEDO, P. A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João
Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos: Dissertação de Mestrado, EESC – USP,
1998.
COMPLEMENTAÇÃO do Dossiê de Tombamento, exercício 2008, ano 2007 –
Uberlândia Clube. Secretaria Municipal de Cultura – Prefeitura de Uberlândia.
GOODWIN, P. L. Brazil Builds – Architecture New and Old 1652 - 1942. New
York: The Museum of Modern Art, 1943.
GUERRA, M. E. As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro.
São Carlos: Dissertação de Mestrado, EESC – USP, 1998.
HISTÓRIA
de
Uberlândia.
Disponível
em:
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_historia.php>. Acesso em: 30 jul.
2008.
INVENTÁRIO do Patrimônio Cultura do Município de Uberlândia, exercício 2007,
quadro III – volume 6/6 , Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube. Secretaria
Municipal de Cultura – Prefeitura de Uberlândia.
LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. Projeto, São Paulo,
n.º 163, p. 75-91, mai. 1993.
LEMOS, C. A. C. (1979). Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos e
Edusp, 1979.
MARTINS, C. A. F. (1988). Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de
Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH - USP, 1º. Capítulo,
1988.
PATRIMÔNIO
Cultural
–
Fichas
de
Inventários.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=604>.
em:
Acesso
em: 25 jun. 2008.
PESSÔA, José. Lucio Costa: documentos de trabalho Rio de Janeiro, IPHAN,
1999.
PESSOA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSÔA,
J.; VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói:
EduFF, 2006.
REIS FILHO, Nestor G. (1970). Quadros da Arquitetura no Brasil. São Paulo,
Perspectiva, 1970.
SANTOS, C. R. Conservação no DOCOMOMO: modernidade em busca de
preservação ou preservação em busca de modernidade? In: PESSÔA, J.;
VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói:
EduFF, 2006.
SOARES, B. R. Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia. São Paulo:
USP/Departamento de Geografia, 1988.
UBERLÂNDIA
Clube
Sociedade
Recreativa.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=628>.
em:
Acesso
em: 25 jun. 2008.
VALE, M. M. B. T. “Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo Sertão da
Farinha Podre”. Tese de São Paulo: Dissertação de Doutorado, FAU – USP,
1988.
34
A ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO ARQUITETO JOÃO JORGE
COURY E NOS EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DA CIDADE DE UBERLÂNDIA”
Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro / Denise Galhardi Rodrigues De Oliveira Cruz
1. INTRODUÇÃO
A Semana da Arte Moderna em São Paulo, na década de 1920, oficializou o
início da modernidade no Brasil, apesar da proposta que foi apresentada na
Arquitetura, valorizar o Neocolonial como legitimamente brasileiro. Em 1936, a
construção do Ministério de Educação no Rio de Janeiro, projetado por
brasileiros com a consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, foi o marco
definitivo nos novos caminhos da arquitetura moderna brasileira. A partir de
então, as obras arquitetônicas, tanto públicas como privadas, mesmo em
regiões mais distantes do centro político do país, mostraram uma tendência a
serem funcionais e modernas. Em Belo Horizonte, ainda em 1936, aconteceu a
exposição “Salão Bar Brasil”, considerada por alguns autores como a Semana
de Arte Moderna Mineira. Nessa exposição foram apresentados trabalhos de
desenho, pintura, escultura e projetos dos estudantes de arquitetura do quinto
ano da EABH (Escola de Arquitetura de Belo Horizonte), dentre eles, o então
aluno João Jorge Coury.
Nascido em Abadia dos Dourados – Minas Gerais, em 1908, João Jorge Coury
formou-se em arquitetura na EABH em 1937, mas provavelmente em função de
sua atuação política colou grau em 1940. Foi redator da primeira revista de
arquitetura e urbanismo, editada em Minas Gerais, denominada “Arquitetura”,
em 1935.
“Desde o período de estudante, Coury era militante no Partido Comunista
Brasileiro, sendo preso em 1937 (BH) na onda do Estado Novo e em 1964, já
morando em Uberlândia, quando foi encaminhado para a Base da Aeronáutica
em Lagoa Santa – MG, ficando preso junto com o arquiteto Sylvio de
Vasconcellos” RIBEIRO (2001).
A prática profissional do arquiteto João Jorge Coury se estendeu por São Paulo,
Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Brasília, mas foi em Uberlândia, que instalou
seu escritório, em 1940, e onde se concentra o maior número de suas obras,
36
com ênfase na temática residencial. Teve uma intensa participação
nas questões políticas e sociais da cidade, tais como a estruturação
de Sindicatos, a fundação da Associação de Engenheiros, Químicos e
Agrônomos, da Cooperativa de Fruticultores, colaborando, também,
na criação da UESU – União dos Estudantes Secundaristas de
Uberlândia. Possuía, segundo depoimentos, uma extensa biblioteca;
assinava revistas nacionais e estrangeiras de vanguarda.
A cidade de Uberlândia no estado de Minas Gerais, possui “uma
posição estratégica na região, servida por uma malha rodoviária e
ferroviária ligando-a aos importantes centros industriais do país e
ponto obrigatório de entrecruzamento do Sul, Norte e Nordeste com o
Centro Oeste” RIBEIRO (2001). Sendo um pólo atacadista e
Figura 1: Arquiteto João Jorge Coury,
década de 1930. Foto: Acervo Irene Terra
distribuidor, além de sua agropecuária, Uberlândia sempre esteve
voltada para o progresso, o crescimento e a modernização. Até o final
da década de 1940, a cidade já apresentava um comércio forte em
todas as áreas, inclusive na de materiais de construção.
“As obras de Coury foram significativas na cidade de Uberlândia. Até a segunda
metade da década de 50, era o único arquiteto estabelecido na cidade. Além
das residências, projetou diversas praças para a cidade de Uberlândia e região.
Nas atuações urbanísticas, além das praças, Coury projetou em 1960, o Clube
Caça e Pesca (clube campestre com loteamento) e em 1961 a Cidade Industrial
de Uberlândia, englobando área destinada a instalações das indústrias, parque,
área residencial e comércio” RIBEIRO (2001).
A retomada das discussões sobre a mudança da capital federal envolveu toda a
região de Uberlândia e sua sociedade. Seguindo a proposta desenvolvimentista
do governo, novas linguagens arquitetônicas eram necessárias. Desta forma,
outros escritórios de arquitetura se instalaram na cidade, como o de Hélvio
Felice e o de Natalino David Thomaz, ambos formados pela UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais), em 1954 e 1960 respectivamente. Com
a construção de Brasília, cresceram, na cidade, os investimentos que deram
suporte a esse grande empreendimento. A forma de conceber tanto o edifício
quanto o espaço urbano começou a se alterar, mesmo que ainda, sob vários
aspectos aparecessem, em alguns momentos, espaços do programa de
necessidades,
principalmente
nas residências,
vinculados
a
costumes
tradicionais, como por exemplo, a segunda cozinha, nas edículas.
“No decorrer do tempo, os projetos residenciais unifamiliares do arquiteto João
Jorge Coury sofreram transformações advindas do diálogo entre o arquiteto e o
lote. Podemos perceber nitidamente as modificações que ele fez na relação
casa e lote, ou seja na forma de ocupação do lote urbano pela organização na
implantação dos volumes da edificação no terreno. Uma série de tipologias,
identificadas através de repetições presentes nos projetos, e definidas pelas
diferentes relações urbanas da habitação nos permite reconhecer, em síntese, a
trajetória do raciocínio arquitetônico de João Jorge Coury. (...)” RIBEIRO (2001).
A historiografia sobre as obras modernas em Uberlândia, apesar de apresentar
trabalhos de pesquisa anteriores, ainda possui alguns vazios a serem
preenchidos pelo estudo dessa produção, fato que justificou este trabalho de
pesquisa, que teve como objetivo, identificar, analisar e documentar a
arquitetura residencial moderna na cidade de Uberlândia através das obras de
João Jorge Coury e de outros arquitetos modernos. Foi também intenção da
pesquisa ampliar o acervo, já em desenvolvimento, do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação”, cuja finalidade é estruturar um material didático para as
disciplinas de graduação e da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo e Design da UFU – Universidade Federal de Uberlândia.
O expressivo número e o caráter das obras residenciais de João Jorge Coury
levou à escolha deste objeto para a análise. A metodologia de análise adotada
se fundamentou nas transformações da organização espacial nas residências
modernas na cidade de Uberlândia, compreendendo não somente a linguagem
moderna enquanto plástica, mas, também, ordenadora das relações de uso.
A revisão da documentação, o levantamento de dados adicionais, a realização
de análises e produção de um web site sobre essa produção moderna, além de
facilitar o acesso ao acervo, pretende contribuir para a criação de diretrizes que
assegurem a proteção e conservação destes bens.
38
Os dados da pesquisa foram compilados em fichas específicas conforme
proposta do DOCOMOMO (International Working Party for Documentation and
Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement). O
DOCOMOMO é uma organização internacional que visa difundir o conhecimento
e a reflexão sobre o Movimento Moderno, através do levantamento de
documentos e de medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim
como, de conjuntos urbanos e paisagísticos deste período. O inventário da
arquitetura moderna brasileira vem sendo realizado pelo DOCOMOMO Brasil e
suas unidades regionais, que no caso do presente trabalho é o DOCOMOMO
Minas.
A análise das obras seguiu os parâmetros indicados pelo projeto do grupo de
pesquisa que foi norteada pelos preceitos modernistas, sendo, as informações
compostas de: textos sobre o autor; o projeto (publicado ou não), levantamento
iconográfico e relatos. Estas informações servem de base para uma leitura da
obra, objetivando sempre, identificar as referências projetuais dos arquitetos.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A primeira parte do trabalho de pesquisa constituiu-se de uma pesquisa
bibliográfica sobre a região estudada e o moderno, a qual se manteve até o final,
sempre visando à ampliação dos conhecimentos. Os documentos consultados
constam nas referências deste artigo.
Em um segundo momento foi realizada a atualização e a revisão dos dados
coletados em trabalhos anteriores, sendo os mesmos catalogados conforme
ficha do DOCOMOMO. Na medida em que eram preenchidas as fichas, a
pesquisa histórica sobre os edifícios foi aprofundada, sendo acrescentadas
novas informações e imagens, e também, foram recuperadas plantas que se
apresentavam bastante ilegíveis, devido ao desgaste pelo tempo. Após a coleta
de dados teve início, então, o trabalho de alimentação da página do Web Site
com as informações obtidas, assim como, com um levantamento iconográfico
que complementasse a catalogação. A pesquisa seguiu com o processo de
análise dos aspectos formais-técnicos-construtivos dos edifícios. Buscou-se,
ainda, estabelecer paralelos entre os projetos residenciais dos diversos
arquitetos modernos pesquisados.
3. DISCUSSÃO E RESULTADOS
A Arquitetura Moderna Brasileira buscou desde seus primeiros vislumbres, com
a Semana de Arte Moderna, um desejo de algo novo, mostrou que havia uma
clientela interessada numa arquitetura nova, que oferecesse propostas
concretas e realizáveis. Esse desejo começou a se concretizar, primeiramente
nas obras de Gregori Warchavchik em São Paulo e em seguida, pela reforma
efetuada por Lúcio Costa à frente da Escola de Belas-Artes em 1930,
influenciado pelas idéias de Le Corbusier.
A construção do Ministério da Educação e Saúde (1936-1943) estabeleceu um
marco na história da arquitetura brasileira, especialmente devido à presença de
Le Corbusier, como assessor da equipe encarregada do projeto. Paralelamente,
despontaram outras obras significativas, tais como, o prédio da A.B.I.
(Associação Brasileira de Imprensa) e o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de
Janeiro projeto dos irmãos Marcelo e Milton Roberto e a Estação de Hidroaviões
do arquiteto Attílio Correa Lima. Com a exposição das fotografias de R.
Kidder-Smith no Museu de Arte Moderna de New York (1943) e o livro de Philip
Goodwin, Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652 -1942, (1943) foi
divulgado internacionalmente a nova arquitetura brasileira.
No período que compreende os anos do pós-guerra até os anos 1960, o Brasil
apresentou uma intensa industrialização e urbanização. A isso se segue a busca
pela modernização e hegemonia da arquitetura moderna no Brasil.
Uberlândia, devido à sua localização geográfica privilegiada interligando os
grandes centros econômicos do país e também a sua proximidade com a nova
capital federal, firmou-se economicamente, fato que refletiu em seus espaços
públicos e privados. Nesse cenário, desenvolveu o trabalho do arquiteto João
Jorge Coury, tornando-o pioneiro na difusão da arquitetura moderna na cidade e
na região. Segundo RIBEIRO (1998), as obras de Coury trazem uma nova
concepção projetual, explorando um repertório formal e tecnológico de novos
40
padrões construtivos, traduzido na utilização de rampas, de cobertura em lajes
planas ou inclinadas e impermeabilizadas. Ainda segundo RIBEIRO (1998) o
arquiteto trabalhava as formas puras e uma concepção de partido funcionalista
na qual a implantação, a edificação e o terreno conviviam harmoniosamente. A
integração rua/casa acontecia desde a paginação do piso do passeio e
mediante o recurso do afastamento frontal, perpassando pela varanda, pelas
aberturas das áreas sociais voltadas para a rua e em alguns casos, também
voltadas para a parte posterior do lote. Destaca-se a volumetria dos edifícios
que Coury soube animar com altos e baixos relevos, cheios e vazios, resultando
em efeitos de luz e sombra que ‘elevavam’ a edificação do solo. O arquiteto
Coury demonstrou uma clara preocupação com o clima, utilizou sistemas de
ventilação interna eficientes, protegeu, com o uso de brises, a insolação direta
quando esta era inconveniente.
É importante ressaltar que as obras modernas, na cidade de Uberlândia, no
período de 1940 a década de 1960, fazem parte, em sua maioria, da iniciativa
privada, patrocinadas pela burguesia que se formava. Outros arquitetos se
destacaram com projetos na arquitetura residencial moderna de Uberlândia, tais
como: Paulo de Freitas, Flávio Almada e Fernando Graça.
O arquiteto Paulo de Freitas formou-se em 1959 pelo Mackenzie. Nos quatro
anos seguintes permaneceu em São Paulo, vindo, em seguida, para Uberlândia,
onde se destacou por uma série de projetos e também como professor, durante
vinte anos, no Curso de Decoração da Universidade Federal de Uberlândia. Foi
colaborador na criação dos cursos de Música, Artes e Comunicação Visual
desta Universidade.
Os arquitetos Fernando Graça e Flavio Almada também são mineiros. Fernando
Graça formou-se em 1959 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG e Flávio Almada em 1961 pela Faculdade de
Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro. Os dois dividiram
escritório em Belo Horizonte por alguns anos.
Devido à importância da produção moderna dessas obras e seu papel
preponderante na formação da identidade e na memória histórica de
Uberlândia, faz-se necessária uma política de conscientização no que se refere
à preservação deste patrimônio, e para tanto é fundamental um trabalho de
recuperação, catalogação e análise de todo o material existente.
3.1 Análise dos Projetos
Apresentamos
trabalho
nessa
algumas
parte
do
residências
edificadas em Uberlândia e que
foram selecionadas por possuírem
características similares quanto a
sua organização espacial. A análise
teve como apoio os fichamentos
efetuados na pesquisa do Núcleo
anteriormente citado.
Figura 2: Residência Benedito Modesto, arquiteto João J.
Coury,
Foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.
Em 1954, João Jorge Coury realizou
o
projeto
para
a
residência
Benedito Modesto, situada à Rua
Machado de Assis, próxima à
Avenida João Pinheiro6.
Nesta residência o vocabulário presente na arquitetura moderna brasileira pode
ser observado tanto pela forma da implantação da casa no lote quanto pela
presença de elementos, tais como: laje plana, formas sinuosas e grandes panos
de vidro. Na fachada frontal uma laje em concreto armado se solta do corpo da
edificação, desenha uma linha curva e com esse movimento cria uma varanda
que contrasta com o volume cúbico da casa. Percebe-se aí, a preocupação do
arquiteto com a expressão plástica. A laje se apóia sobre seis pilares cilíndricos,
revestidos por pastilhas azuis, contrastando, assim, com as pastilhas brancas
da platibanda. Nota-se, também, a busca pela integração interior-exterior
através da utilização do vidro, montado em esquadrias de metal, na parede
frontal que separa a sala de estar e a rua.
6
A ficha completa de análise da edificação pode ser encontrada no site
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Residen
cia_Benedito_Modesto/Res_benedito_modesto5.html
42
A organização espacial da casa é funcional e setorizada: na
parte frontal do volume principal, tem-se a área social formada
por sala de estar aberta em duas faces para a varanda. No
centro, o setor de convívio, com a copa e cozinha. No setor
íntimo, um pequeno hall leva aos dois quartos, ao banheiro social
e a suíte de casal. Nesse hall há uma parede em forma de “S”
com um vão fechado por uma esquadria de metal e vidro,
voltada para o “almoço ao ar livre”.
O setor de serviços localiza-se na edícula no fundo do lote,
separado do volume principal e compreende: garagem,
despensa, cozinha e lavanderia. O acesso principal da
residência é lateral, feito pela sala de estar. O abrigo do carro é
formado pela extensão da laje da varanda na lateral esquerda. A
preocupação com o conforto térmico é revelada pela presença
de dutos de ventilação em vários cômodos da casa.
A residência sofreu algumas modificações entre 1960 e 1965, a
Figura 3: Planta Residência Benedito
Modesto, arquiteto João Jorge Coury
(RIBEIRO, 1998).
fim de atender às novas necessidades da família e foram
supervisionadas pelo próprio João Jorge Coury. Um biombo
sanfonado em treliça foi colocado na varanda frontal. Uma nova
cozinha foi instalada no local antes destinado ao almoço ao ar livre,
modificando-se as funções dos espaços de cozinha e copa do projeto original
para a copa e sala de jantar, respectivamente. O volume anexo ao fundo do lote,
originalmente térreo, ganhou um segundo pavimento, que abrigava um terraço,
cujo acesso se dava por uma escada junto à parede limite da lateral direita do
terreno. O espelho d’água existente no jardim frontal da edificação foi revestido
com argamassa de cimento, preenchido com terra e plantas.
No período entre 1972 e 1974, essa casa sofreu novas alterações –
sob a orientação do engenheiro Michelli. Foi construído um novo
abrigo para carros, em frente à antiga garagem que foi
transformada em depósito. A cobertura da edificação, feita
Figura 4: Residência Benedito Modesto,
arquiteto João J. Coury,
Foto atual: Arquivo da Pesquisa.
originalmente em laja plana, com tijolos Tambaú e nervuras de
concreto armado nos dois sentidos foi recoberta com telhas de
cimento amianto como forma de proteção contra as infiltrações.
Atualmente, a residência encontra-se em processo de demolição, fato que alerta
para a necessidade de urgentes mecanismos de preservação dessa arquitetura.
Outras residências projetadas por João Jorge Coury também sofreram com a
falta destes mecanismos de preservação, sendo demolidas: Casa Waldemar
Silva, de 1957 e Alexandre Fornari de 1959 que apresentamos a seguir.
A primeira, situada à Rua Princesa Isabel7, apresentava um recuo frontal, com a
presença de um pequeno espelho d’água. Desenvolvia-se em torno de um
jardim interno, o qual possibilitava a integração entre os ambientes. A varanda
frontal, protegida por brises, fazia parte do corpo da edificação e era voltada
para o jardim, criando um espaço de estar entre a rua e a casa. Os fechamentos
verticais em alvenaria não tocavam o solo e a casa era elevada por uma base
em pedra. O acesso de veículo seguia até os fundos do terreno, onde havia uma
edícula com uma segunda cozinha.
Figura 5: Residência Waldemar Silva, arquiteto João J. Coury, foto: Arquivo da Pesquisa.
7
Residência
Waldemar
Silva,
disponível
no
site
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/res_wald
emar_silva.html
44
A planta configurava-se, praticamente, em forma de um quadrado, com
programa definido por: sala de estar, copa, cozinha, três quartos e um banheiro.
Figura 6: Residência Waldemar Silva, planta (RIBEIRO, 1998).
No pátio interno o arquiteto inseriu um painel em mosaico de vidro com
motivos abstratos, elaborado pelo artista plástico, atuante na cidade, José
Moraes.
A Residência Alexandre Fornari, já demolida, situava-se à Avenida Cesário
Alvim à 25m da Rua Olegário Maciel, ao lado do edifício da Sociedade
Médica. O projeto se caracterizava por uma composição volumétrica
dividida em dois corpos, sendo um deles com dois pavimentos. A
implantação acompanhava o perfil natural do terreno, o qual possuía um
declive que colaborava com a definição dessa tipologia. O uso de dois
blocos também resolvia o problema da distribuição espacial funcional. O
Figura 7: Residência Waldemar
Silva, Painel, artista plástico: José
Moraes, foto: Arquivo Pessoal
Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.
bloco frontal era interligado ao pavimento superior do segundo bloco por
uma rampa–corredor com 15% de inclinação que partia da sala de estar e
levava até aos quartos e banheiro. Implantada em terreno muito pequeno a
edificação ocupava basicamente todas as divisas.
Figura 8: Residência Alexandre Fornari, arquiteto João J. Coury, planta, Arquivo Pessoal Profa.
Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.
No nível mais baixo da residência localizava-se a garagem, a lavanderia e as
dependências de empregada. Não havia cobertura entre o corpo da residência
e o setor de serviços. “Uma escada com viga central e degraus em balanço
fazia essa ligação, e um jardim entrava sob o recuo do pavimento intermediário.
O acesso à garagem, situado na parte posterior, cortava toda a extensão do
terreno. Ao nível do passeio, sem recuo frontal, se definiam a sala, a copa e a
cozinha.” RIBEIRO (2001). Havia uma integração entre esses espaços. Apenas a
utilização de uma bancada, um armário e uma divisão em “eucatex”
demarcavam seus limites. O projeto se estruturava plasticamente com ênfase na
configuração de planos, definidos pelo balanço do pavimento superior, pelos
pequenos recuos e pela textura no reboco ou pela presença de outros materiais
como a pedra e o cobogó. A esquadria com desenho em “U” invertido na
elevação principal, voltada para a rua, também, configurava um plano na
alvenaria. Elementos vazados circulares colocados eqüidistantes facilitavam a
ventilação e trabalhavam na composição harmônica da fachada.
46
Figura 9: Residência Alexandre Fornari, elevação frontal (RIBEIRO, 1998).
Em 1958, João Jorge Coury projetou a Residência Carlos Saraiva, à Rua Vigário
Dantas, 405. A planta, composta por dois pavimentos, apresenta, no térreo:
jardim frontal com espelho d’água, abrigo, escritório – quarto de costura, lavabo,
salas de estar e jantar, copa e cozinha. A sala de estar apresenta grandes panos
de vidro que se abrem para a varanda posterior da residência. No segundo
pavimento, há uma suíte, três dormitórios e um banheiro. Nesses dormitórios há
janelas contínuas voltadas para frente do lote.
Figura 10: Residência Carlos Saraiva, arquiteto João Jorge Coury, esquema volumétrico
Os recuos laterais formam corredores em ambos os
lados da construção. O setor de serviço com
lavanderia, quarto de funcionário e depósito forma
um
volume
longitudinal
ao
terreno,
é
um
prolongamento do abrigo e da cozinha que se
estende até o fundo do lote. Assim o corpo da
residência possui implantação em “L”, com a parte
frontal da edificação ocupando quase toda a
Figura 11: Residência Carlos Saraiva,
arquiteto João Jorge Coury, foto atual:
Arquivo da Pesquisa
largura do lote em dois pavimentos e um prisma
retangular longitudinal, que desenvolve o serviço em um só pavimento.
48
Atualmente, a residência mantém praticamente a mesma divisão dos espaços,
com poucas alterações. Na parte frontal, o espaço do jardim, agora é ocupado
por um escritório de advocacia, tendo sido fechado o corredor da lateral
esquerda do lote. Não há mais o espelho d’ água. Na parte posterior do lote foi
construída uma piscina de 6 x 12m e um banheiro.
Em 1959, mais dois projetos residenciais do arquiteto Coury merecem destaque:
a Residência José Naves de Ávila e Sebastião Caparelli.
O primeiro projeto é de uma residência unifamiliar térrea. O acesso frontal se faz
por uma varanda que, como um hall ou mesmo uma ante-sala, distribui as portas
para o escritório, copa e a estar. Nessa varanda frontal elementos vazados em
louça protegem um pouco o olhar da rua e o sol da tarde.
Figura 12: Residência José Naves de Ávila, arquiteto João Jorge Coury, perspectiva da Elevação
Frontal: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.
Um abrigo para carros é definido na lateral esquerda da edificação, sendo a
garagem, no fundo do lote. Um muro em pedra se eleva acima da laje e na altura
do telhado, na lateral esquerda do lote. Essa mesma solução foi utilizada pelo
arquiteto em outras residências do mesmo período, como a residência Airton
Borges que veremos mais abaixo.
Figura 13: Residência José Naves de Ávila, esquema volumétrico.
O programa de necessidades da casa é composto
ainda por uma sala de estar, um lavabo, uma sala
de jantar, cozinha, três dormitórios, uma circulação
e um banheiro. Além de um jardim frontal, há um
outro, interno que se situa próximo a copa, possui
um belo painel em vidrotil do artista Geraldo
Queiroz. Um grande pano de vidro faz os
fechamentos da sala de estar. Janelas contínuas
Figura 14: Residência José N. de Ávila,
foto atual: Arquivo da Pesquisa.
são propostas na parede que separa o abrigo do
interior da casa. Nos fundos, há uma edícula com um dormitório, um banheiro e
uma lavanderia. A estrutura foi feita em concreto armado com fechamento em
alvenaria de tijolos cerâmicos. A edificação era elevada, por uma base em pedra
aparente em resposta ao pequeno declive do terreno.
50
Essa residência passou por várias reformas. Atualmente o projeto
original foi bastante modificado para atender às necessidades da
função atual de edificação: restaurante. Foi mantida a varanda em
sua entrada. Internamente várias paredes foram demolidas criando
um único espaço, um salão ocupado por mesas. Na parte posterior,
em outra reforma, foi construída uma piscina e uma varanda.
O
painel em vidrotil continua intacto e está voltado para o salão do
Figura 15: Residência José Naves de
Ávila, painel em vidrotil, artista Geraldo
Queiroz
restaurante. A fachada foi também muito modificada, perdendo o
jardim frontal e seu afastamento da calçada. Foi mantido o cobogó
que separava o jardim frontal do corredor lateral direito.
Para o projeto da residência Sebastião Caparelli, João Jorge Coury
definiu um programa composto por varanda, sala, cozinha, copa,
quatro dormitórios, um banheiro e uma área de circulação com
rouparia no pavimento térreo.
Figura 16: Residência Sebastião Caparelli, arquiteto João Jorge Coury, planta.
No pavimento inferior, que acompanha o desnível do
terreno, há um quarto de serviços também denominado
de “passar roupa” , banheiro, lavanderia e salão de
festas. O acesso a esse pavimento se dá através de duas
escadas nas laterais do lote: uma serve aos serviços e a
outra à área social da copa e da sala. Nesse último lado,
existe um pergolado com um desenho definido por
lâminas em “L” que se estreitam nas extremidades, junto
à parede e ao piso.
Com um jardim frontal a residência possui em sua
fachada panos de vidros e cobogós. O corpo frontal da
edificação ocupa a largura do lote e a área íntima é
definida
linearmente
ao
comprimento
do
terreno,
Figura 17: Residência Sebastião
Caparelli, pergolado, foto: Arquivo
Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A.
Ribeiro.
formando uma circulação-corredor, enfatizada pela
janela contínua sobre o armário-rouparia em toda a sua
extensão. O projeto apresenta, ainda, um jardim
posterior, no pavimento inferior, escalonado junto ao
muro com a presença de banco contínuo, com a laje do
assento revestida em pastilhas cerâmica. Essa residência
passou por uma reforma quando foi de propriedade do
Sr.
Nilo
Rejane
e
hoje
como
comércio
está
descaracterizada.
Figura 18: Residência Sebastião
Caparelli, foto atual: Arquivo da
Pesquisa.
Para a Residência Airton Borges da Silva8, de 1960, João
Jorge Coury, projetou o volume da edificação entorno de
um jardim interno com pequeno lago, que se configura
em elemento definidor da circulação, possibilitando a
integração entre os ambientes. A visibilidade para a área
de serviço é interrompida por elementos vazados
(cobogós).
Figura 19: Residência Airton B. da
Silva: jardim interno,
foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra.
Patrícia P. A. Ribeiro.
8
Residência
Airton
Borges
da
Silva,
ficha
disponível
no
site
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/res_airto
n_borges.html
52
A residência apresenta um recuo frontal com jardim. A varanda está contida no
corpo da casa. Um plano vertical, revestido em pedra “Pirenópolis”, separa a
varanda frontal da entrada de veículos. Esse plano não toca a laje do teto, uma
seqüência de tubos metálicos faz essa ligação. Há uma pequena escada, que
dá acesso à varanda, com quatro degraus independentes, presos somente em
uma das extremidades à viga lateral, revestidos em lajota cerâmica preta. O
guarda-corpo da varanda é elevado aproximadamente quinze centímetros do
piso por quatro tubos metálicos e é recoberto com pastilhas de porcelana de
várias cores. A casa é elevada do solo, o piso avança sobre o limite da base
proporcionando um balanço e realça a linha horizontal.
No interior, há uma distribuição setorizada dos espaços. A sala e os quartos
conservam o piso original em tacos e parquet de madeira formando losangos.
Uma floreira atua como elemento inibidor da visão entre a sala e a circulação
central. As esquadrias externas são em metalon pintado e vidro; as portas
internas, em madeira. Há duas janelas contínuas junto da laje, na lateral
esquerda da residência. A cobertura conserva as telhas originais em cerâmica,
capa e canal, sobre laje plana horizontal. Hoje, mesmo adaptada para funcionar
uma empresa de informática, a edificação mantém a grande maioria de suas
características originais.
Figura 20: Residência Airton Borges da Silva, planta.
Ainda, em 1960, o arquiteto João Jorge Coury
realizou o projeto para a Residência Gilberto da
Cunha Machado à Avenida Cipriano Del Fávero,
140.
Seu programa é composto por: abrigo, que segue
até o fundo do lote onde se encontra a garagem e
uma lavanderia. Essa configuração está presente
Figura 21: Residência Airton Borges da
Silva, foto: Arquivo da Pesquisa.
também em outros trabalhos do arquiteto, como nas
residências Airton Borges da Silva, Waldemar Silva
e José Naves de Ávila. A partir do abrigo, situado na
lateral esquerda do lote, a edificação se eleva por
uma base em pedra. Subindo alguns degraus, há a
varanda, que leva à sala e à copa. A casa de
desenvolve entorno de um jardim interno central,
que além de ser o elemento que configura a
circulação,
proporciona
conforto
térmico.
Figura 22: Residência Gilberto da Cunha
Machado, arquiteto João J. Coury, foto
atual: Arquivo da Pesquisa.
Um
balcão separa a copa da cozinha. Uma circulação, com janelas voltadas para o
jardim interno, leva aos três quartos e ao banheiro. Uma área coberta liga a
cozinha a uma edícula no fundo do lote composta por: cozinha, copa e
circulação com dois quartos e banheiro.
Figura 23: Residência Gilberto da Cunha Machado, planta.
54
Atualmente, a residência, como espaço comercial, apresenta
algumas mudanças na configuração espacial do projeto original.
O jardim interno foi transformado em um espaço fechado e
juntamente com a copa, a sala e o quarto da frente forma um só
ambiente. O piso da varanda, da circulação e dos quartos
permanece original, assim como, os azulejos e as louças do
banheiro. Tanto a cozinha quanto o banheiro mantêm os azulejos
originais revestindo o teto. O jardim frontal deu espaço a um
Figura 24: Residência José R. da Silva,
arquiteto Flávio Almada, foto atual: Arquivo da
Pesquisa.
estacionamento. Foi instalada uma grade até o teto, que separa a
varanda do estacionamento.
Em 1963, destacamos o projeto do arquiteto Flávio Almada para a
Residência José Rodrigues da Silva, à Rua Goiás, 450.
O terreno desta residência possui um grande desnível invertido
com o caimento da rua. A casa foi então implantada
estabelecendo como parâmetro dois níveis que se desenvolvem
longitudinalmente. O pavimento superior, com acesso por uma
FUNDO DO LOTE
escada externa, é constituído por uma sala de estar, circundada
JARDIM DE
INVERNO
CORPO DE EDIFICAÇÃO
GARAGEM NO PAV. INF.
JARDIM FRONTAL
COM ESCADA
ENTRADA DE
VEÍCULOS
RUA
Figura 25 – Residência José Rodrigues da
Silva, esquema volumétrico.
por uma varanda, sala de jantar, cozinha, jardim de inverno, sala
intima, quatro quartos e uma suíte. Ao nível do passeio, também
no sentido longitudinal do lote, temos um abrigo para carro e o
programa destinado ao serviço, lavanderia, despensa, adega,
dois quartos e banheiro. Observamos, a partir do projeto original,
que o terreno ao lado da edificação foi adquirido posteriormente
para servir como estacionamento, e que a integração da fachada
foi mantida.
Figura 26: Residência José R. da Silva,
gárgula, foto atual: Arquivo da Pesquisa.
Atualmente, a residência mantém o recuo frontal com
jardim. A sala de estar conserva panos de vidro e
janelas contínuas na frente e em uma de suas laterais.
Protegido por platibandas, o telhado se apoia sobre
laje plana horizontal. Duas gárgulas com desenho bem
estudado
se
encaixam
nessa
platibanda.
Foi
acrescentada ao projeto original, uma plataforma,
atendendo às novas funções da edificação: Clínica
Ortodôntica. A cozinha foi transformada em banheiro,
também atendendo às necessidades da clínica. No
piso inferior, podem ser encontrados, tanto na
despensa como nos banheiros, o piso, as louças e os
azulejos (inclusive no teto) originais do projeto. Ainda,
foram mantidos dois fechamentos entre a garagem e o
estacionamento em cobogó.
Outro projeto que se destaca no ano de 1963 é o da
Figura 27: Residência Simão
Carvalho Luz, esquema volumétrico
Residência Simão Carvalho Luz, do arquiteto Paulo de
Freitas. Situada à Avenida Nicomedes Alves dos
Santos, 240.v
Seu programa era composto por: jardim frontal, abrigo
para veículo, sala de estar, sala de jantar com jardim
interno, cozinha, quatro dormitórios, banheiro, edícula
na lateral direita do fundo do lote contendo um quarto
de empregada, banheiro e lavanderia. Atualmente essa
casa foi muito modificada para atender ao programa de
Figura 28: Residência Simão C. Luz,
arquiteto Paulo de Freitas, foto atual:
Arquivo da Pesquisa.
uma escola de natação.
Em 1964, Paulo de Freitas realiza o interessante projeto
para a Residência Robledo Zacarias, à Av. Getúlio
Vargas, 1013.
É uma edificação térrea com programa composto por:
garagem, sala de estar, escritório, sala de refeições,
pequeno jardim de inverno, hall, lavabo, cozinha, uma
Figura 29: Residência Robledo
Zacarias, arquiteto Paulo de Freitas,
foto atual: Arquivo da Pesquisa.
56
pequena escada que leva à uma circulação com três dormitórios e um banheiro.
Nos fundos há lavanderia, rouparia, dormitório e banheiro de empregada. A sala
de estar possui um pano de vidro que faz uma relação interior/exterior com o
jardim frontal. Em sua lateral, janelas contínuas acompanham o caminho até a
porta da entrada da residência. Um plano vertical revestido em
FUNDO DO LOTE
EDÍCULA
CORPO DA
EDIFICAÇÃO
JARDIM
INTERNO
PERGOLADO
GARAGEM
JARDIM FRONTAL
pedra marca a escada que leva até a garagem, na lateral direita
do lote. Entre o caminho da calçada até a porta da entrada e a
parede da garagem há uma separação com cobertura em
pergolado, a qual também cobre o espaço entre a parede da sala
de refeição e a parede de pedra da entrada da garagem.
RUA
Figura 30: Residência Robledo Zacarias,
esquema volumétrico.
A residência sofreu algumas modificações em relação ao projeto
original, dentre elas a construção de um banheiro configurando o
dormitório maior em uma suíte. Atualmente, passa por mais uma
reforma para se adequar ao seu novo uso: Consultório
Oftalmológico. O pequeno jardim de inverno foi transformado em
guichê de atendimento e a fachada recebeu uma grade alta. Os
demais espaços mantiveram suas proporções de projeto e
também muitos dos acabamentos originais, tais como, louças dos
banheiros, pisos e revestimentos de paredes de banheiros,
cozinha e edícula, portas, armários, janelas, etc.
O projeto para a Residência Diogo de Oliveira Silva9, de 1964 e de
autoria do arquiteto João Jorge Coury também merece destaque.
Situada à Rua Quintino Bocaiúva, 862, a residência se caracteriza
pela planta em “L”, que proporciona uma integração entre frente e
fundo do lote e dois pavimentos na parte frontal.
Figura 31: Residência Diogo de Oliveira
Silva, esquema volumétrico (Ribeiro,
1998)
9
Residência Diogo de Oliveira Silva, Ficha disponível no site:
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Res_dio
go_de_oliveira.html
A casa, através de um grande pano de vidro, cria uma
relação interior/exterior com os fundos do lote. Essa
área posterior se configura em espaço de lazer e de
estar. A área de serviço se desenvolve lateralmente ao
corpo da casa. A copa e a cozinha são integradas. O
volume do pavimento superior se destaca do inferior
pelo pequeno balanço e pela textura aplicada à parede.
No pavimento superior há três suítes e uma pequena
varanda voltada para o hall central. “Interessante
observar que as portas da varanda se voltam para a
Figura 32: Residência Diogo de O.
Silva, painel em pastilhas de vidro,
foto: Arq. Pessoal Profa. Dra. Patrícia
P. A. Ribeiro.
lateral, determinando o pano central em alvenaria
revestido por lambril. A arte está presente em um painel
em pastilhas de vidro com imagens de cisnes e flores
assentado na fachada frontal, junto à porta de acesso”
RIBEIRO (2001).
Os jardins, formados por diferentes espécies vegetais
criam uma volumetria com jogos de texturas e cores,
que envolvem a edificação desenhando curvas no piso.
A pavimentação, que se inicia no passeio, seguindo
pelo recuo frontal até os fundos do lote, utiliza pedras
portuguesas brancas e pretas, formando o mesmo
desenho gráfico da Praça Tubal Vilela, projeto urbano
do arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia, no
Figura 33: Residência Diogo de O.
Silva, arquiteto João J. Coury, foto:
Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P.
A. Ribeiro.
mesmo ano desta residência. Na parte posterior do lote,
ainda remetendo às praças do arquiteto e a seu projeto
para a residência Sebastião Caparelli, de 1959, são
utilizados bancos contínuos. Atualmente, a residência
foi adaptada para tornar-se uma Escola Infantil.
O último projeto analisado no presente trabalho é a
Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho 10 , de 1965,
também de autoria do arquiteto João Jorge Coury.
10
Figura 34: Residência Dr. Duarte
Ulhôa Portilho, arquiteto João J.
Coury, foto: Arq, Pessoal Profa. Dra.
Patrícia P. A. Ribeiro.
Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, ficha disponível no site:
58
Situada à Avenida Nicomedes Alves dos Santos a 36m da Rua Padre Anchieta,
sua planta apresentava dois corpos interligados por um hall e pelo abrigo,
separados por um jardim interno. No corpo frontal estavam os espaços
destinados a receber pessoas: sala de visitas e estudos. Na parte posterior, a
área mais íntima: sala de estar, copa, cozinha, quarto. Havia um grande jardim
interno coberto por pérgulas longitudinais, em concreto armado, revestidas com
pastilhas de porcelana. A sala possuía nível do piso rebaixado. A área de
serviço situava-se em uma edícula, na lateral direita do lote.
Figura 35: Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, esquema volumétrico.
O pavimento superior possuía três quartos, sendo um, suíte. Os
fechamentos verticais em alvenaria não tocavam o solo e a casa era
elevada por uma base em pedra. Atualmente, a edificação abriga um
Centro
Odontológico,
tendo
passado
por
várias
alterações,
principalmente na fachada frontal, da qual foi retirado o gradil existente,
que abriu espaço para um estacionamento. O plano vertical em pedra foi
Figura 36: Residência Dr. Duarte
Ulhôa Portilho, foto atual: Arquivo da
Pesquisa.
revestido com placas de alumínio com o logotipo da empresa, e ao lado,
foi colocado um grande pano em vidro espelhado. A edícula foi demolida.
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Res_dua
rte_ulhoa_portilho.html
4. CONCLUSÕES
A partir desse conjunto de obras residenciais unifamiliares apresentadas,
constatamos variáveis de projeto em relação à implantação da casa no lote; a
organização espacial e a posição do jardim em relação ao corpo da residência.
Essas características podem ser definidas em sete séries, citadas por Ribeiro,
(2001).
Figura 37: Estudo das Implantações, (Ribeiro, 2001).
Até a década de 1950, os projetos residenciais unifamiliares de João Jorge
Coury apresentavam a casa em bloco único, na divisa frontal do lote. A partir da
daí, passam a se abrir para jardins, surgindo novas concepções de
implantação, de organização e distribuição espacial dos espaços internos e
volumetria dos blocos.
Figura 38: Série 1.
60
No início dos anos 50, percebe-se uma clara definição de frente e fundo do lote.
Surge um pequeno afastamento da edificação em relação à rua, no qual é
criado um jardim. A varanda frontal apresenta cobertura em laje plana, mais
baixa que o corpo principal. Dessa varanda, uma única porta estreita se abre
para o interior da casa, que se fecha à rua. Os quartos saem para a copa,
demonstrando uma falta de preocupação com setorizações. Há uma integração
da cozinha com a copa.
Figura 39: Série 2.
Numa terceira série, persiste o bloco único da residência, com a varanda frontal,
mas essa apresenta um movimento em forma amebóide. A casa antes fechada
para a rua, agora se abre, utilizando brises, treliças, cobogós para proteção
solar ou como elementos que geram certa privacidade. A residência Benedito
Modesto (1954) caracteriza essa tipologia.
Figura 40: Série 3.
A quarta série inova trazendo a varanda como elemento de transição entre a
casa e a rua. Esta, primeiramente, surge como uma continuidade da edificação,
e depois se solta até configurar um espaço aberto entremeado pelo jardim e,
muitas vezes, há a presença de um pequeno espelho d’água. Há um aumento
do recuo frontal. Continuam presentes os cobogós e os brises verticais de
formas variadas.
Figura: 41: Série 4.
Na quinta série, a casa, ainda um bloco único se desenvolve em torno de um
jardim interno, o qual possibilita uma integração entre os ambientes. É
introduzida uma distribuição setorizada dos espaços. A varanda, ainda
mantendo elementos de proteção solar, se incorpora à casa. A construção se
eleva por uma base em pedra e seus fechamentos de alvenaria não tocam o
solo. O acesso para automóveis segue pela lateral até o fundo do lote, onde se
situa a garagem. Como exemplo desta tipologia podem ser citadas as
residências de João Jorge Coury: Waldemar Silva (1957), José Naves de Ávila
(1959), Airton Borges da Silva (1960) e Gilberto da Cunha Machado (1960).
62
Figura 42: Série 5.
Outra série engloba as residências que se dividem em dois corpos, um deles
com dois pavimentos, interligados por uma rampa – corredor. Desníveis no
terreno favorecem esse desenho. Outra característica que surge nesse
momento é a posição da edícula (até então se localizada no fundo do lote), que
se incorpora à edificação. A residência Alexandre Fornari (1959) se enquadra
nesta série.
Figura 43: Série 6.
A última série traz dois blocos superpostos, formando um “L”, caracterizados
pela integração que criam entre a frente e o fundo do lote. A sala se abre para
um espaço externo posterior, até então reservado apenas aos serviços, e que
passa então à função de espaço de lazer. Seguindo esta tipologia, podem ser
citados os projetos das residências Carlos Saraiva (1958), Sebastião Caparelli
(1959) e Diogo de Oliveira Silva (1964).
Figura 44: Série 7.
Dessa forma, pode-se obter um fragmento de como se desenvolveu a
arquitetura residencial moderna em Uberlândia, sua importância e riqueza de
conteúdo.
A arquitetura moderna brasileira é de fundamental importância na estruturação
das cidades, devido à sua extensão por todo o território nacional e também pelo
desenvolvimento de novos produtos e técnicas.
A ausência de uma documentação mais detalhada sobre o contexto em que
surgiu e se consolidou esta arquitetura dificulta análises mais sólidas desta
produção além de relegar ao esquecimento e mesmo à destruição muitos de
seus exemplares.
A importância da obra de arquitetos como João Jorge Coury, Paulo de Freitas,
Flávio Almada, dentre outros, na consolidação da arquitetura moderna na região
do Brasil Central justifica a realização desta pesquisa, que busca ampliar o
conhecimento documental da arquitetura moderna na região, no período de
64
1950 a 1970, identificando condições, referências e nomes que a constituíram,
contribuindo, assim, para a realização de estudos mais aprofundados e,
também, visando a criação de mecanismos para a sua proteção e preservação.
5. AGRADECIMENTOS
Ao PIBIC/CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida.
6. REFERÊNCIAS
ACAYABA, M. M., 1986, “Residências em São Paulo” 1947-1975, São Paulo:
Projeto Editores Associados Ltda.
ACAYABA, M. M. e FISHER, S., 1982, “Arquitetura Moderna Brasileira”, São
Paulo: Projeto Editores Associados Ltda.
ARGAN, G. C., 1970, “L’Arte Moderna – 1770/1970”, 13a Ed. Firenze: Sansoni
Editore.
BANHAM, R., 1979, “Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina”. 2a Ed. São
Paulo: Perspectiva, Ed. Orig. The Architectural Press, Londres.
BENEVOLO, L., 1976. “História da Arquitetura Moderna”, São Paulo: Editora
Perspectiva.
BRUAND, Y., 1981, “Arquitetura Contemporânea no Brasil”, São Paulo, Editora
Perspectiva.
CAMISASSA, M. M. dos Santos, 2006, “A preservação do Moderno e a formação
dos futuros profissionais da Arquitetura e do Urbanismo”, in PÊSSOA, J.,
VASCONCELOS, E., REIS, E. e LOBO, M. (org.), Moderno e Nacional, Niterói:
EDUFF, pp. 169 – 181.
“Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”.
Disponível em:
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/index_docomomo.html.
FRAMPTON, K., 1987, “História Crítica da Arquitetura Moderna”, Barcelona: Ed.
Gustavo Gili.
GOODWIN, P. L., 1943, “Brazil Builds – Architecture New and Old 1652 – 1942”,
New York: The Museum of Modern Art.
GUERRA, M. E., 1998, “As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo
Mineiro”, São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP.
LAURENTIZ, L., 1993, “Olhando as Arquiteturas do Cerrado”, in: Projeto nº 163,
São Paulo, maio, pp. 75-91.
LEMOS, C. A. C., 1979, “Arquitetura Brasileira”, São Paulo: Melhoramentos e
Edusp.
______________.1979, “Arquitetura Contemporânea”, in: Zanini, W. org. História
Geral da Arte no Brasil. São Paulo, Instituto Walter Moreira Salles.
“Minas Gerais – Brasil, Patrimônio Histórico e Cultural”, Realização: Ministério da
Indústria do Comércio e do Turismo – EMBRATUR – Instituto Brasileiro de
Turismo, TURMINAS – Governo de Minas Gerais, TURMINAS.
PESSÔA, J., 2006, “Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte”, in
PÊSSOA, J., VASCONCELOS, E., REIS, E. e LOBO, M. (org .), “Moderno e
Nacional”. Niterói: EDUFF, pp. 157 – 168.
REIS FILHO, N. G., 1970, “Quadros da Arquitetura no Brasil”, São Paulo:
Perspectiva, 1970.
RIBEIRO, Patricia. P. A., 1998, “A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O
Arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia”, São Carlos, Dissertação
(Mestrado), EESC – USP.
_________________, 1998, “Arquitetura Moderna em Uberlândia”, in: Caderno de
Arte, Departamento de Artes Plásticas, Universidade Federal de Uberlândia,
Número Especial.
_________________, 2001, “A Arquitetura Residencial de João Jorge Coury em
Uberlândia” in 4º Seminário DOCOMOMO Brasil | Viçosa | Cataguases. 30 out a
2 nov. de 2001.
RIBEIRO, Patricia P.A. e GUERRA, M. E., 1993, “João Jorge Coury, Um Moderno
no Triângulo”, in: Projeto nº 163, São Paulo, maio, pp. 78-79.
RIBEIRO, P. P. A. e LOPES, C. C., 2001, “Documentação da Produção
Arquitetônica do Arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia”, Banco de Obras,
FAURB/UFU, PIBIC/CNPQ, Inventário de Proteção do Acervo Cultura da
Prefeitura Municipal de Uberlândia, disponível em:
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/documentos/cultura/bens_estrutura_arquiteto
nicas.pdf> Acesso em: 2008/2009.
RIBEIRO, P. P. A. e MORAIS, G., M., 2001, “Arquitetura Moderna em
Uberlândia”, Banco de Obras, FAURB/UFU, PIBIC/CNPQ.
SANTOS, C. R., 2006, “Conservação no DOCOMOMO: modernidade em busca
de preservação ou preservação em busca de modernidade?”, in PÊSSOA, J.,
VASCONCELOS, E., REIS, E. e LOBO, M. (org .), Moderno e Nacional, Niterói:
EDUFF, pp. 127 – 139.
SEGAWA, H., 1998, “Arquitetura no Brasil 1900 – 1990”, São Paulo: Edusp.
66
SOARES, B. R., 1988, “Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia”, São
Paulo: USP/Departamento de Geografia.
TINEM, N., 2006, “Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem com texto”,
disponível
em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq072/arq072_02.asp>. Acesso em:
20 de agosto de 2008.
VALE, M. M. B. T., 1988, “Arquitetura Religiosa do Século XIX no Antigo Sertão
da Farinha Podre”, Tese de Doutorado, USP, São Paulo.
XAVIER, A., org. 1987, “Arquitetura Moderna Brasileira – Depoimentos de uma
Geração”, São Paulo: Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de
Arquitetura e Fundação Vila Nova Artigas.
ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO
PARANAÍBA
Raquel Beatriz Silva / Luiz Carlos de Laurentiz
Introdução
A conservação do acervo moderno passou por processos em que inicialmente
tombaram-se obras modernas recém concluídas e algumas já em estado de
destruição, utilizando assim a legislação de proteção para garantir que o bem
não fosse destruído ou descaracterizado11 . E depois na década de 80 novos
tombamentos reabrem a discussão da preservação do moderno 12 , nesse
momento tratava-se de reconhecer os marcos iniciais do movimento no país. Na
década seguinte Brasília é inserida no livro de tombos e o que está protegido é o
plano e suas regras urbanísticas. Em termos de reflexão atual verifica-se que o
acervo moderno tombado nacionalmente é pouco diante da grande produção e
de certa forma isso reflete a falta de política de identificação do acervo para uma
posterior proteção do mesmo. (Pessoa, 2006)
A pesquisa intitulada “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” é o passo inicial da
preservação do acervo moderno.
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar duas situações de
arquitetura residencial encontradas: um estudo sobre a residência Marco Paulo
Teixeira Paiva projetada por Elifas Lopes Martins em Uberlândia e as casas da
Vila de Jaguara em Sacramento.
Para construir tal paralelo o trabalho foi estruturado da seguinte forma: em um
primeiro momento demonstra-se os materiais e métodos, os antecedentes
históricos que abrangem a contextualização do moderno no Brasil e o
desenvolvimento socioeconômico das cidades e por fim o paralelo arquitetônico
demonstrando como ocorreu a introdução do moderno nas cidades e por fim a
11 Entre esses primeiros tombamentos se tem a estação de hidroaviões no Rio de
Janeiro projetada por Atílio Correia Lima, Parque do Flamengo no Rio de Janeiro
projetada por Afonso Eduardo Reidy e por Roberto Burle-Marx e a Catedral de Brasília
em 1967. (PESSOA , 2006)
12 Dentre os projetos: residências de Warchavick, Associação Brasileira de Imprensa
projeto dos Irmãos Roberto, conjunto de edifícios de Lucio Costa no Parque Guingle no
Rio de Janeiro e Park Hotel em Nova Friburgo e por fim o Pavilhão de Óbidos em Recife
projeto de Luis Nunes. (PESSOA, 2006)
68
exploração dos estudos de caso. Após tais etapas a conclusão do trabalho
realizado demonstrando as análises dos estudos de caso apresentados e a
importância da pesquisa enquanto instrumento inicial no processo de
preservação.
A pesquisa tem como intuito realizar a documentação e análise de obras de
arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A escolha
das cidades foi feita baseada no trabalho da Dra. Marília Maria Brasileiro
Teixeira Vale em sua pesquisa de doutorado intitulada: Arquitetura Religiosa do
século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”. As cidades são: Uberlândia,
Uberaba, Prata, Ituiutaba, Araxá, Sacramento, Estrela do Sul, Monte Carmelo,
Araguari, Patos de Minas, Monte Alegre, Tupaciguara, Campina Verde, Campo
Florido, Frutal, Conquista, Conceição das Alagoas, Patrocínio, Coromandel e Rio
Paranaíba.
A primeira etapa foi constituída por um levantamento bibliográfico sobre a
arquitetura moderna e sobre as cidades da região. Posteriormente foram feitas
visitas às cidades para identificar a arquitetura moderna local sendo que nas
cidades de maior significado sócio-econômico optou-se por uma aproximação
prévia de faculdades locais e órgão de preservação municipal facilitando assim
o trabalho. Nas cidades menores a identificação foi realizada através do
percurso pela cidade.
Após o levantamento realizou-se a seleção de quais obras seriam feitas as
fichas de Inventário seguindo o modelo do DOCOMOMO (International Working
Party
for
Documentation
and
Coservation
of
Buildings,
Sites
and
Neighbourhoods of Modern Movement), que é uma organização internacional,
que no contexto nacional, tem o DOCOMOMO Brasil e os regionais, sendo este
trabalho parte do levantamento de inventário do DOCOMOMO Minas.
A formação desse acervo é fundamental para a última etapa da pesquisa que
será justamente a análise da produção arquitetônica e urbanística moderna
nessa região de Minas Gerais e sua relação com a produção nacional.
Toda a pesquisa está sendo realizada em equipe: sendo que se dividiu as
cidades entre quatro professores responsáveis pela orientação do trabalho dos
alunos de graduação contemplados com bolsa de Iniciação Científica13, com
auxílio das instituições CNPq/ FAPEMIG e UFU.
Antecedentes históricos
O moderno no Brasil
Lúcio Costa ao definir as características da arquitetura moderna diz que esta;
“busca a contraposição ao neoclassicismo visando à praticidade e economia,
volumes simples, poucos elementos decorativos e estrutura aparente”.14 Essa
alteração na forma de projetar relaciona-se com o momento histórico após a
Primeira Guerra Mundial entre os anos de 1914 a 1918 em que as cidades
européias se viram diante da necessidade de uma rápida reconstrução e
passando por transformações políticas e sociais. Os arquitetos então se aliam a
indústria e ao movimento operário acreditando que arquitetura e o urbanismo
seriam importantes instrumentos para a reconstrução social.
No período anterior a 2ª Guerra surgiram os nomes que afirmaram a arquitetura
moderna: o franco-suiço Charles-Edouard Jeanneret conhecido como Le
Corbusier, o americano Frank Lloyd Wright, os alemães Mies van der Rohe e
Walter Gropius que é responsável pela criação da Bahaus; todos estes
forneceram subsídios que seriam assimilados e transformados pelos arquitetos
brasileiros.
A trajetória do movimento moderno no Brasil tem como marco inicial a Semana
de Arte Moderna essencial para instituir um clima receptivo a novos valores
estéticos e artísticos. Foi essa condição que possibilitou que a arquitetura
moderna pudesse ser instalada. (Bruand, 1991)
13
A equipe de professores orientadores é: Dra. Marilia Maria Brasileiro T, Dra. Maria
Beatriz Camargo Cappello, Dr. Luis Eduardo Borda , Dr. Luiz Carlos de Laurentiz.
Os orientandos: Henrique Vitorino Souza Alves, Ariel Luis Lazzarin, Natália Achcar
Monteiro Silva, Raquel Beatriz Silva, Larissa Ribeiro Cunha, Flávio Medeiros Pereira,
Karina Ribeiro.
14
XAVIER, A. org. (1987). Arquitetura Moderna Brasileira - Depoimentos de uma
Geração. São Paulo, Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e
Fundação Vila Nova Artigas, p. 38.
70
Esse período ainda nascente do movimento moderno encontrou entraves
explicitados pela indiferença da opinião pública, alto custo de materiais
industrializados e necessidade de se contornar a legislação.
A publicação de manifestos de arquitetos como Rino Levi e Gregori
Warchavchik contribuíram para que o público conhecesse os preceitos
modernos 15
que vinham sendo praticados na Europa. Ambos tratam de
questões como: arquitetura norteada pela praticidade, economia, redução da
decoração e síntese das artes.
A “primeira” obra moderna é feita por Warchavchik que projeta sua residência
na Rua Santa Cruz, na Vila Mariana em São Paulo. A residência era um volume
branco e cúbico como deveria ser uma construção moderna, mas possuía
contradições internas como: estrutura feita de tijolo que só na aparência externa
era similar ao concreto e também preocupação formal. Em relação aos
elementos de desenho postulados por Le Corbusier 16 , Warchavchik aplica
apenas a janela horizontal devido a razões econômicas. (Bruand, 1991)
O ponto de inflexão que trouxe significativas reverberações para a fixação do
moderno foi a tentativa de reforma da Escola de Belas-Artes no Rio de Janeiro
que ficou a cargo de Lúcio Costa contribuindo para que os alunos fossem
influenciados pelas premissas do moderno. (Bruand, 1991)
O momento decisivo foi sem dúvida a execução do Ministério da Educação e
Saúde no Rio de Janeiro (1937-1943), que contou com a consultoria de Le
15
O manifesto de Rino Levi intitula-se “A arquitetura e a estética das cidades” e foi
publicado no jornal O Estado de São Paulo. E o de Warchavchik denomina-se “Acerca
da arquitetura moderna
16
Os cinco pontos postulados pelo arquiteto franco suíço são:
- Pilotis: os pilares liberam o edifício do solo e tornam público esse espaço.
- Terraço jardim: transformam as coberturas em espaços habitáveis.
- Planta livre: é resultado da independência da estrutura e vedação o que possibilita
maior flexibilidade na articulação dos espaços.
- Fachada livre: permitida pela separação da estrutura e vedação e permitindo o uso de
vidro.
- Janela em fita: são aberturas longilíneas que permitem iluminação uniforme e vistas
panorâmicas da área externa.
Corbusier, fator de extrema importância para toda a equipe17 de arquitetos
brasileiros já que a partir daí a valorização plástica do edifício adquire maior
importância. (Bruand, 1991)
Foi o olhar “estrangeiro” de Le Corbusier que recomendou o uso: da palmeira
imperial e de espécies locais18 ; do granito extraído das montanhas do Rio de
Janeiro e dos azulejos portugueses, ou seja, elementos locais que contribuíram
para a formação de uma expressão original e que ia de encontro ao momento de
busca por uma identidade brasileira. (Bruand, 1991)
Arruda (2004) define a “escola carioca” como um movimento liderado por Lúcio
Costa da década de 30 até meados de 50 que baseava seus estudos nas
realizações de Gropius e Mies van der Rohe e sobretudo Le Corbusier. A escola
carioca foi influenciada pela inventividade plástica da arquitetura de Niemeyer
fator que contribuiu para que muitos arquitetos se dedicassem a pesquisas
sobre diversos temas enfatizando o aspecto plástico, em paralelo a Niemeyer,
processo esse que contribui para que a produção brasileira adquirisse maior
originalidade.
A linguagem desta escola se dissemina por várias partes do país devido à
ampla divulgação causando assim uma apropriação e aplicação da linguagem
por parte dos profissionais ligados a construção, tendo-se exemplares com
menor ou maior acerto.
A década de 40 é marcada pelo reconhecimento internacional da arquitetura
moderna brasileira, explicitada através da exposição realizada em 1942 no
Museu de Arte Moderna de Nova York e que posteriormente resulta no livro
“Brazil Builds”, este livro mostra quarenta projetos executados até aquele ano e
destes trinta pertenciam a arquitetos formados pela Escola Nacional de Belas
Artes no Rio de Janeiro o que certifica a então capital do país como pólo
irradiador da tecnologia do concreto armado e também de uma nova forma de
ver a arquitetura. (Lemos, 1979)
17
A equipe era formada pelos seguintes arquitetos: Lucio Costa, Afonso Eduardo Reidy,
Carlos Leão, Ernani Vasconcelos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer.
18
O uso de espécies locais para o paisagismo já vinha sendo trabalhado por Mina
Warchavchik e posteriormente por Roberto Burle Marx.
72
A coletânea de projetos publicados envolve obras como o Ministério da
Educação e Saúde e o prédio da Associação Brasileira de Imprensa dos
arquitetos Milton e Marcelo Roberto projetado em 1936 e o Aeroporto Santos
Dumont. A região nordeste foi representada por Luis Nunes. Aparecem também:
Warchavchik, Rino Levi, Henrique Mindlin e Jacques Pilon e a ausência notável
em tal coletanêa é de Afonso Eduardo Reidy responsável por projetos de grande
envergadura social como: Conjunto Pedregulho (1947-1952) e Gávea (1954).
Outra característica importante na arquitetura moderna brasileira foi a relação
especial que ocorre entre a arquitetura e as artes plásticas através de nomes
como: o paisagista Roberto Burle Marx, o pintor Cândido Portinari, o escultor
Bruno Giorgi no projeto do Ministério da Educação e Saúde e em demais
projetos com resultados de grande riqueza plástica de forma a realçar e
completar a arquitetura.
Tal reconhecimento internacional era importante enquanto elemento que
fortalecia os arquitetos modernos no âmbito local e ao mesmo tempo incentivava
a busca da originalidade da arquitetura brasileira.
Lemos (1979) considera que por muito tempo em São Paulo só haveria alguns
poucos arquitetos com personalidade frente a escritórios de maior porte e os
pouco profissionais como Warchavckik e Flávio Carvalho não tiveram
seguidores. E ressalta o projeto de Álvaro Vital Brasil pra o Edifício Esther é o
primeiro realmente moderno da cidade. A situação começa a se modificar nos
anos 40, período em que se verifica a formação de um grupo sólido de
arquitetos devido à chegada de profissionais estrangeiros e pela instalação das
Faculdades de Arquitetura, Mackenzie e Universidade de São Paulo.
As figuras centrais desse cenário são Rino Levi e Oswaldo Bratke, a produção
de ambos é marcada por concisão de formas, partiam de situações
pré-existentes e tentavam resolve-las, ou seja, um pensamento marcado pela
racionalidade.
Os arquitetos estrangeiros que escolhiam São Paulo como destino; tinham o
objetivo de buscar oportunidades de trabalho que no contexto da II Guerra
Mundial se tornaram escassas podendo-se citar: o italiano Calabi, austríaco
Bernard Rudofsky,a italiana Lina Bo Bardi e o alemão Adolf Franz Heep.
Outro profissional que foi essencial para definir os rumos da arquitetura paulista
foi João Vilanova Artigas, cuja produção pode, de acordo com Bruand, ser
analisada em três fases: organicismo, racionalismo brasileiro e por fim o
brutalismo19, porém essa divisão para fins de estudo não quer dizer que a
produção não tenha unidade, muito ao contrário o que se tem é uma processo
no qual a visão social do arquiteto sobressai. Nos projetos do arquiteto
percebem-se características como: uso do material puro, espaço interno
unificado e organização racional, Lemos (1979) considera como projeto síntese
a FAU- USP. (1961)
No período de 1956-1960 ocorre a construção de Brasília que foi o apogeu da
arquitetura moderna situando-se como uma experiência em que foi possível
utilizar novos elementos de desenho urbano criando uma relação espacial
totalmente diferente da cidade tradicional.20
Após a construção de Brasília ocorrem dois processos: num primeiro momento a
disseminação da linguagem moderna para regiões distantes do eixo São Paulo
e Rio de Janeiro e após a segunda metade da década de 60 inicia-se o
desgaste da arquitetura moderna brasileira devido ao contexto político que se
origina do golpe militar (1964) e se estende até os anos 80. Nesse segundo
momento forma-se uma “segunda geração” de arquitetos modernos brasileiros.
A principal característica da arquitetura após Brasília é a perda do caráter
monumental e o planejamento urbano ganha maior destaque e passa a existir
uma maior pluralidade de expressões arquitetônicas. (Acayaba; Fischer, 1982)
19
Bruand (1991) parte em busca das conceituações do brutalismo de Le Corbusier e de
brutalismo inglês; o primeiro precede a invenção do termo e utiliza amplamente o
concreto bruto e a segunda corrente surge como uma espécie de volta extremista ao
princípios da década de vinte com uma estética que se volta para a essência do
material, apresentação da estrutura e seus elementos ocultos mas ao contrário do
brutalismo de Le Corbusier não havia uma escolha única de material. O brutalismo de Le
Corbusier foi fundamental para Artigas.
20
Brasília da reta e do projeto possui elementos de desenho como: zoneamento por
eixos viários, área residencial utiliza o conceito de superquadra tendo cinturão verde no
perímetro e o interior destinado ao pedestre configurando uma cidade sem vida na rua.
74
Paralelo histórico: Uberlândia e Sacramento - MG
Tecer paralelos sobre a produção arquitetônica moderna de duas cidades com
características socioeconômica totalmente díspares como Sacramento e
Uberlândia torna necessário a realização de uma breve contextualização
histórica de ambas.
UBERLÂNDIA
SACRAMENTO
O
Ilustração 01: Relação entre as cidades: Sacramento e Uberlândia.
Fonte: maps.google.com.br
Uberlândia
Adjetivos utilizados para caracterizar Uberlândia: “Cidade-jardim”, “metrópole
do interior”, “Nova York no sertão”21 todos demonstram o tom progressista que
sempre se vinculou a imagem da cidade.
No início da década de 1920 as cidades do Triângulo Mineiro contavam com
uma infra-estrutura de energia, transportes, telefonia e telégrafos que favoreciam
a circulação mercantil propiciando a especialização de algumas cidades; caso
de Uberlândia que a partir de 1912 começa a se firmar como entreposto
comercial. (GUERRA; 1998).
A Uberlândia dos “vazios urbanos” começa-se a formar na década de 30
quando surge a empresa imobiliária, principal agente para definir as áreas de
valorização. (SOARES, 1988)
21
Laurentiz (2003) no ensaio “Olhando as arquiteturas do cerrado” inicia o texto
discorrendo sobre os adjetivos associados à imagem de Uberlândia.
A construção de Goiânia no período de 1933/1937 é um elemento importante na
dinamização do comércio já que Uberlândia passa a abastecer a cidade
nascente. (GUERRA, 1988)
A partir de 1940, apresenta um crescimento intenso, sendo que em trinta anos
sua população urbana quintuplica enquanto que a população rural passa por
um decréscimo. Esse fato tem enorme influência sobre a cidade que se expande
de forma cada vez mais desordenada com maior ocupação das áreas
periféricas. Esse crescimento urbano está intimamente ao contexto nacional de
industrialização crescente, diversificação do comércio e a construção de
Brasília; conjunção de fatores que estimulam o crescimento econômico de
Uberlândia. (SOARES, 1988)
Concomitante com o crescimento econômico ocorre um processo de ocupação
de áreas periféricas pela população de baixa renda através das favelas,
cortiços, conjunto habitacional e etc.
O processo de expansão urbana intensifica-se na década de 50 e surgem novas
estradas que ligam São Paulo e Brasília a Uberlândia e ao Sul de Mato Grosso
fortalecendo ainda mais a atividade comercial. (SOARES, 1988)
A implementação do Parque Industrial em Uberlândia no início da década de 60
está relacionada a abertura para o capital estrangeiro que intensificou a
industrialização e introduziu novas tecnologias. (SOARES, 1988)
Nesse momento Uberlândia começa a ter sua paisagem na área central
modificada, os “arranha-céus” 22 e o asfaltamento das avenidas centrais
configuram uma imagem moderna para a cidade. (RAMIRES; SOARES, 1993)
A transferência da estação ferroviária em 1969 que se localizava próximo à área
central de Uberlândia propiciou a criação da Avenida João Naves de Ávila e a
continuidade das avenidas Cipriano Del Fávero, João Pinheiro possibilitando
assim novos eixos de expansão urbana. (FONSECA; 2007).
22
A pesquisa realizou um levantamento de alguns desses de maior relevância
arquitetônica como Edifício Tubal Vilela um empreendimento da Morse e Bierrenbach
Engenheiros e Itaporã e Itacolomy projetados pelo arquiteto uberlandense Paulo de
Freitas.
76
Em meados de 70 ocorre aceleração do fluxo migratório devido a instalação do
Distrito Industrial e da Universidade Federal de Uberlândia.
O processo de adensamento da área central se seguiu na década de 80 com
edifícios predominantemente residenciais. Ao mesmo tempo em que se iniciou o
processo de descentralização da área central devido à criação de ambientes
fechados como o shopping center.
Na década de 90 surge um novo vetor de expansão urbana composto por
Carrefour, Centershopping, Centro de Convenções e Centro Administrativo
próximo ao Campus Santa Mônica e outros sub-centros contribuem para
diminuir a importância da área central. (FONSECA; 2007)
No decorrer dos anos o padrão de ocupação da área central em Uberlândia
passa a ser cada vez mais popular devido a implementação do Terminal Central
que facilita o acesso da população de baixa renda para a área central o que
causou alterações no padrão comercial que passa a ter equipamentos como:
lojas de venda de produtos de baixa qualidade,lojas de preço único,
camelódromos e camelôs. (FONSECA; 2007)
Ao mesmo tempo o Bairro Fundinho local de origem da cidade passa a se
destinar ao público de alta renda devido à introdução de serviços sofisticados
como: lojas de roupa, de móveis, de objetos de decoração, galerias de arte,
escritórios de profissionais liberais e restaurantes. (FONSECA; 2007)
O momento atual possui como característica predominante à proliferação dos
condomínios residenciais fechados assim o centro e sua área de entorno tem
cada vez mais deixado de ser a opção viável para as classes privilegiadas.
(FONSECA; 2007)
Sacramento
Sacramento é uma cidade de pequeno porte com uma população de 22.159
habitantes, segundo o Censo- 2007 realizado pelo IBGE.
Sacramento é uma das cidades com povoação mais antiga de Minas Gerais
ligado ao ciclo da extração aurífera, Desemboque, seu núcleo inicial foi ponto de
partida de inúmeras expedições que contribuíram para a colonização do Sertão
da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro) em meados do século XVIII.23
Posteriormente com o declínio das atividades mineradoras e dificuldade de
locomoção para as igrejas mais próximas localizadas no Desemboque e em
Uberaba fator que fez o Cônego Hermógenes24 pedir a Goiás autorização para
fundar um oratório25 entre as duas localidades, nas terras do Ribeirão Borá
formando assim o núcleo inicial da cidade de Sacramento.
Em torno da capela do Santíssimo Sacramento com o Patrocínio de Maria, foram
sendo construídas casas, casebres e em torno da igreja havia o cemitério. Esse
núcleo hoje é a Zona de Proteção Histórica após a aprovação do Plano Diretor.
Um fator importante para o desenvolvimento da cidade foi o plantio de café e a
abertura de trânsito sobre o Rio Grande através da Ponte de Jaguara, em 1861 e
posteriormente essa ponte foi utilizada pela Companhia Mogiana.
A estação ferroviária de Jaguará foi inaugurada em 05 de março de 1888. Desde
1976 o transporte de passageiros entre a estação e Uberaba foi cancelado.
As duas primeiras décadas do século XX foram de intensas melhorias para
Sacramento, realizadas durante a administração de Cel. José Afonso de
Almeida. Dentre essas podemos citar: restauração da Comarca de Sacramento,
criação do Grupo Escolar Afonso Pena, instalação Empresa Elétrica Municipal,
canalização de água potável e mudança antiga do cemitério (que se localizava
23
Dados retirados do Histórico do Inventário de Patrimônio Cultural realizado pela
Prefeitura Municipal de Sacramento.
24
O Padre Hermógenes Cassimiro Brunswick, vigário de Desemboque por mais de 40
anos. Seu papel no desenvolvimento do Arraial e na colonização efetiva da região
merece destaque e o coloca como figura de importância capital na história do Triângulo
Mineiro.
25
Esse oratório transforma-se em capela curada em 1820.
78
em uma área próxima ao centro comercial) para o local onde hoje se encontra e
instalação dos bondes elétricos os quais facilitavam o acesso a Estação de
Jaguará.
Na primeira década do século XX foi construído o primeiro Colégio Espírita do
Brasil fundado por Eurípedes Barsanulfo, o qual atrai turistas até os dias atuais.
As principais atividades econômicas estavam ligadas à pecuária e a agricultura.
A década de 30 é caracterizada por melhorias na iluminação pública e
remodelação da Praça da Matriz.
O posto de higiene é instalado em meados de 40.
No período de 50 as avenidas passam por alargamento e as ruas são calçadas.
Outra modificação relevante foi o reservatório de água do Bairro Rosário.
A década de 60 é marcada por intervenções na infra-estrutura da cidade como:
a energia elétrica fornecida pela Cemig e Serviço de Abastecimento de água e
Esgoto (SAAE)
A construção da Escola Estadual Barão da Rifaina, Sinhana Borges e Seminário
são datados no fim da década de 60.
Em meados de 70 a cidade passa por investimentos na área de saúde com a
construção do Centro de Saúde, iluminação a vapor e ampliação da rede
elétrica e implantação da rede de água e esgoto. A execução da rodovia
asfaltada para Uberaba e Conquista foi outra importante realização do período.
Sacramento hoje possui algumas indústrias de maior destaque dentre essas
podemos citar: Sak’s e o Laticínios Skala.
Sacramento possui um potencial turismo religioso e ecoturismo (o município
pertence ao Circuito da Canastra) os principais entraves ao exercício de tais
vocações são a falta de investimentos e a infra-estrutura incipiente na cidade.
Estudos de caso: casa Elifas e casas da Vila Jaguara
Os estudos de caso apresentados foram selecionados com o objetivo contrastar
a produção de duas cidades com características diversas: Uberlândia como
uma cidade-pólo no Triângulo Mineiro, a qual possuiu uma sólida atuação de
arquitetos e Sacramento uma cidade de pequeno porte cuja produção
arquitetônica não se vinculou a uma rede de profissionais e que somente em
obras institucionais como a construção de um espaço planejado como a Vila
Jaguara recebeu uma arquitetura de maior valor arquitetônico. Outro fator que
norteou a escolha foi a proximidade temporal existente entre os projetos.
O moderno em Uberlândia
A introdução do moderno em Uberlândia ocorre com a chegada de Jorge Coury
em 1940; arquiteto formado na Escola de Arquitetura da Universidade de Minas
Gerais26 e com grande influência de Le Corbusier.
Na década de 40 em Uberlândia ainda existia o predomínio de uma arquitetura
eclética e neocolonial. 27
A produção do arquiteto é divida em dois períodos: a produção da década de
40 em estilo eclético e a produção após 1950 com linguagem moderna.
(AZEVEDO, 1998)
26
Azevedo (1998) destaca alguns estudantes contemporâneos a Coury como: Luiz Pinto
Coelho, Virgilio de Castro, Shakespeare Gomes, Francisco Salomé de Oliveira, Edmundo
Bezerril, Nicola Santolia, Vicente Buffalo, Euclides Lisboa, Celso Werneck de Carvalho. A
geração posterior abrange nomes como: Sylvio de Vasconcellos, que possui obras em
Uberlândia e Eduardo Mendes Guimarães.
Azevedo (1998) ressalta que o arquiteto foi sempre participativo na Escola tendo
inclusive redigido a revista do Diretório Acadêmico.
27
Bruand (1991) define como eclético a justaposição de todos os estilos que utilizam
colunas, cornijas e frontões da Renascença italiana passando pelo Segundo Império
francês e pelo neoclássico do final do século XIX. E o sobre o neocolonial foi introduzido
como salienta Bruand (1991), pelo arquiteto português Ricardo Severo em São Paulo, o
movimento teve como característica o emprego de elementos da arquitetura civil
portuguesa dos séculos XVII e XVIII e foi importante por se constituir como sendo o
primeiro momento em que houve uma tomada de consciência por parte dos brasileiros
para o país e as possibilidades de sua originalidade.
80
Os motivos para essa alteração projetual, de acordo com Azevedo (1998)
podem se relacionar: viagens de estudo, construção do Conjunto Pampulha em
Belo Horizonte, Bienal de Arquitetura em São Paulo de 1951 e estudos de livros
que abordam o moderno.
Inúmeros desenhistas que passaram pelo seu escritório como Ivan Rodrigues
Cupertino e Miguel Juliano tornaram-se mais tarde arquitetos.
Laurentiz (1993) ressalta que posterior a Coury observa-se a atuação de Miguel
Juliano com o projeto da Sociedade Médica de Uberlândia com elementos da
escola carioca como: brises em concreto, fachadas cegas, vidros e pilotis.
Os arquitetos “nativos”28: Paulo de Freitas com formação na escola Mackenzie
em São Paulo no ano de 1955, Hélvio Felice e Natalino David Thomaz, ambos
formados na Universidade Federal de Belo Horizonte (UFMG) nos anos de 1958
e 1960 passam a projetar com linguagem moderna.
O início da atuação de Elifas Lopes Martins com formação na Universidade de
Brasília e diplomado em 1968 é marcada por uma grande produção residencial
com características diversas dos modernistas pioneiros. A sua atuação também
abrange nos anos 80 a tipologia industrial. (LAUARENTIZ, 1993)
Nos anos 7029 houve também um afluxo de jovens formados tanto em escolas
consagradas como das particulares criadas e ainda recentes. A produção dos
mesmos está mais relacionada mais com as disciplinas de projeto que
receberam em suas escolas do que com as revistas com
posterior a Le
Corbusier. (LAUARENTIZ, 1993)
A cidade recebe obras de arquitetos de outras cidades através de parcerias
com arquitetos locais, como ocorreu com o concurso de arquitetura para o
Centro Administrativo com projeto de Acácio Gil Borsói e o arquiteto local Milton
Leite.
28
Termo utilizado por Laurentiz (1993) para designar os arquitetos nascidos em
Uberlândia e que após a finalização de seus estudos retornam a cidade.
29
Foi nesse momento em que se funda o núcleo IAB de Uberlândia.
Verificou-se também a atuação de arquitetos de renome como: o mineiro Sylvio
de Vasconcellos que projeta uma residência, Praça Sérgio projeto do paisagista
Burle Marx e Igreja do Espírito Santo do Cerrado projetada por Lina Bo Bardi.
O que se pode observar da produção local de Uberlândia é que diferente de
outras cidades as obras modernas se vinculam a iniciativa privada. Sendo que o
poder público somente se fez sentir nas remodelações de praças e na Cidade
Industrial na década de 50. (AZEVEDO, 1988)
Caso 1: casa Elifas
Após a explanação de como ocorreu o desenvolvimento do moderno em
Uberlândia pode-se adentrar na obra de Elifas Martins Lopes; com um exemplar
residencial localizado no Bairro Lídice, que segundo Soares (1988) surge na
década de 70 sendo destinado a classe alta e ainda preserva as inúmeras
residências modernas construídas durante seu período inicial de urbanização.
O bairro Lídice possui outras residências projetadas por Elifas.
Fig.02: Residência Lopes Martins, localizada no bairro Lídice.
Fonte: Lívia Marina de Andrade.
82
Ilustração 03: Mapa Integrado de Uberlândia, o bairro 25 é o Lídice, nota-se a proximidade com a
área central.
Fonte:http://bastion.uberlandia.mg.gov.br/sedur/bairros/index.htm
A formação de Elifas ocorre na UNB concluída em 1968, no momento de
formação do arquiteto a UnB caminhava em direção a uma escola de arquitetura
revolucionária, cuja estrutura curricular abrangia dois anos voltados para artes e
três anos para a área técnica e profissional, ele aponta que admira como
ex-professores: João Filgueiras Lima em projeto, Athos Bulcão e Amélia Toledo
na área artística e o então coordenador Oscar Niemayer. (JÚNIOR; CAPELLO,
2002; LAURENTIZ, 1993)
E após sua graduação parte para Inglaterra onde realiza um curso sobre
habitação e admite que seus projetos devam ter resquícios do brutalismo
britânicos. (LAURENTIZ, 1993)
Quando retorna da Inglaterra se estabelece em Uberlândia com uma produção
inicialmente voltada para residências e posteriormente em 1974 a associação
com a Granja Resende S/A possibilita a ele explorar a tipologia industrial.
A sua linguagem aproxima-se do repertório paulista (LAURENTIZ, 1993).
O projeto a ser abordado é a Residência Marco Paulo Teixeira Paiva
(1972-1974).
Ilustração 04: Residência Marco Paulo Teixeira Paiva.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Ilustração 05: Elevação frontal, residência Marco Paulo Teixeira Paiva.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
A residência a princípio foi projetada para ocupar apenas o lote da esquina
entre as ruas Johen Carneiro e Augusto César, porém os proprietários
adquiriram o terreno ao lado durante a execução possibilitando a criação de um
balcão na sala de jantar.
O terreno que em que a casa foi construída possui grande declividade, fator
utilizado pelo arquiteto na distribuição da área de serviço que ocupa o
pavimento inferior.
A cobertura é em telhas de fibrocimento oculta por platibanda, esta é o principal
elemento estético por se transformar em brise-soleil para as janelas dos quartos
e sala de jantar.
A implantação é definida por um reduzido afastamento lateral e maior
afastamento frontal definindo nestes os jardins.
A construção é feita em concreto armado com fechamento externo em alvenaria
de tijolo cerâmico pintadas na cor branca e bege com esquadrias na cor preta.
Ainda mantém uso residencial e a configuração do projeto é ainda original
sendo que somente alguns revestimentos internos foram trocados.
84
Ilustração 06: Planta da residência Marco Paulo Teixeira Paiva.
Fonte: Arquivo da pesquisa, modificado pela autora.
É possível identificar nesse projeto similaridades com a residência Elza Berquó
(1967), projeto de João Vilanova Artigas. (KAMITA, 2000)
Ilustração 07: Fachada sudoeste da residência Elza Berquó.
Fonte: Kamita (2000, p. 104)
Ilustração 08: Corte longitudinal e planta.
Fonte: (Kamita, 2000, p.105)
Percebe-se uma similaridade na forma de tratar a distribuição dos ambientes.
Em ambos os projetos a cozinha aparece como um ambiente retangular e de
dimensões reduzidos associado à sala de jantar.
Os quartos também são delimitados por interfaces diversas, mas que funcionam
de forma semelhante: no projeto de Elifas a escada que sobe do térreo para o
primeiro pavimento separam os quartos do corpo da casa assim como o jardim
interno de Artigas.
Alguns detalhes volumétricos apresentam também semelhanças como a
abordagem da caixa de água como um elemento plástico de composição.
No projeto de Elifas, a cobertura avança sobre o volume e deste descem placas
recortadas que funcionam como brises, cujo desenho se assemelha ao projeto
de Artigas, a fachada adquire dinamismo através desse dispositivo.
86
Elifas afirmava que conhecia as obras de Artigas pós-45, mas de acordo com
Laurentiz (1993) não reconhecia a influência, mas observando-as tão de perto
torna-se impossível não encontrar similaridades.
O trabalho de Elifas é marcado por algumas características como: uso de
concreto e tijolos aparentes, uso da topografia como elemento de projeto
criando platôs que se transformam em jardins, usa de planos para ocultar os
telhados e assim justificar o uso da linguagem moderna, flexibilidade espacial
devido aos planos verticais e setorização funcional. (JÚNIOR; CAPELLO, 2002)
O contexto da Vila Jaguara
Como já foi dito Sacramento não possui uma corrente de atuação consolidada;
as obras modernas existentes no perímetro urbano estão vinculadas a
instituições privadas ou públicas. A arquitetura residencial em grande parte
apropria-se de elementos modernos.
A construção da Vila de Operários de Jaguara se contextualiza com a
necessidade da criação de uma política energética após a 2ª Guerra Mundial
devido a crescente industrialização e urbanização do período que gerava maior
consumo. (GUERRA; ALMEIDA, 2003)
A crise energética foi tratada pelo Estado dentro do ideário nacionalista que se
firmou após 1930. O segundo governo de Getúlio Vargas decidiu a presença
estatal nos serviços de base principalmente no transporte e energia elétrica.
(GUERRA; ALMEIDA, 2003)
Após o golpe de 1964 verificou-se uma intensificação de investimentos na
infra-estrutura e o setor de construção é um dos que mais se beneficiam. A
construção da Usina de Jaguara e da Vila na década de 70 faz parte deste
contexto. (GUERRA; ALMEIDA, 2003)
De acordo com Guerra e Almeida (2003) as vilas construídas no Brasil se
espelham na experiência norte americana realizada no vale do rio Tenesse na
década de 1930 como a Radburn em New Jesey planejada por Clarence Stein e
Henry Wright sob os princípios da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard.
A cidade Radburn priorizava a circulação dos pedestres e o interior das quadras
era planejada de forma a conter equipamentos para que a vida ocorresse no
interior das mesmas.
Vila de Jaguara
Sacramento
Ilustração 09: Localização da Vila Jaguara e de Sacramento.
Fonte: maps.google.com.br
Caso 2: Casas da Vila Jaguara
Ilustração 10: Foto área da Vila de Jaguara.
Fonte: Google Earth
A Vila foi construída no início da década de 70, com princípios de projeto da
cidade-jardim. A partir da década de 90 a empresa começa a incentivar seus
empregados a se mudar para cidades próximas e em 2006 a empresa Borá
Agropecuária Ltda comprou a vila para transformá-la em um Complexo Turístico.
O acesso a Vila é feito através da Rodovia MG 428 Km 102, existe uma guarita
que controla a entrada e saída de veículos.
88
A Vila Jaguara possui infra-estrutura completa fator que possibilitava aos
moradores o total atendimento de suas necessidades. Os equipamentos são:
Aeroporto, Casa de Visita, escola, ambulatório, clube, hotel, supermercado e
igreja ecumênica e são localizados no perímetro da Vila, em tais projetos é
possível identificar uma linguagem ligada ao brutalismo paulista devido a
aplicação do material em estado bruto, estruturas pesadas e exploração da
cobertura enquanto elemento gerador do espaço.
A característica de projeto marcante na implantação da Vila é o predomínio da
área verde que conjugado com o afastamento frontal das residências propicia
continuidade visual.
O sistema viário da Vila possui uma avenida principal que percorre no sentido
longitudinal, desta saem ruas que possuem retornos em suas finalizações;
configuração que se assemelha a espinha de peixe. A nomenclatura do sistema
viário é referente a usinas ou subestações da empresa CEMIG (Companhia
Energética de Minas Gerais).
As residências são implantadas com um grande afastamento frontal utilizado
como área verde e acesso social. O acesso privado é feito na zona posterior
onde se localiza a garagem.
As unidades residenciais possuem quatro tipos que possuem a mesma lógica
espacial, mas alteram em número de quartos e área.
As residências são implantadas no centro da quadra com grande afastamento
frontal configurando assim uma área verde continua de uso público.
A divisão dos lotes é feita por muros que individualizam a área de lazer e por
serem recuados das habitações e do passeio não rompem com a continuidade
espacial.
Ilustração 11: Implantação das
residências.
Fonte: Google Earth.
Ilustração 12: Muro recuado da
fachada frontal da residência e do
passeio.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Ilustração 13: Garagens das
unidades e detalhe do afastamento
dos muros do passeio.
90
As garagens ficam na parte posterior dos lotes.
As casas embora tenham tipologias para se adaptar a diferentes números de
pessoas por família são padronizadas.
O acesso social é feito pela varanda frontal.
Nas plantas das casas a separação do setor intimo dos quartos ocorre por meio
da porta do corredor.
Apenas a tipologia L130 liga a sala com a varanda dos fundos. O posicionamento
da cozinha próximo a varanda dos fundos potencializa o uso da mesma para o
convívio familiar assim como facilita os serviços domésticos.
Na L2R têm-se a existência de um quarto reversível que pode se abrir para a
varanda ou para o interior da casa.
As residências são caracterizadas pela simplicidade construtiva com estrutura
em concreto e vedação em tijolo mantido aparente do lado externo e a na parte
interna é rebocado e pintado de branco.
Ilustração 14: Varanda original das casas.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
30
A nomenclatura utilizada é que está nos desenhos técnicos cedidos pelo Parque
Náutico de Jaguára.
Ilustração 15 : Tipologia de residência L1 e L2.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Ilustração 16: Tipologia L2R e L3.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Ilustração 17: Tipologia L4.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
92
A cobertura é de duas águas com telha de amianto e a caixa de água é mantida
aparente.
Na elevação frontal há um detalhe em madeira e as esquadrias são metálicas
pintadas de branco.
Assim como ocorre nas superquadras de Brasília o acesso dos automóveis é
realizado na parte posterior dos lotes agrupando o fluxo motorizado priorizando
assim o pedestre.
A relação entre a casa e o espaço urbano da vila é a característica de maior
valor no projeto, integrando-se às propostas modernas de planejamento urbano
que buscavam um habitat coletivo e ao mesmo tempo a separação dos lotes
pelo muro propicia um espaço de lazer privado mantendo assim um equilíbrio
entre a esfera pública e privada.
A padronização das unidades residenciais reflete essa utopia de coletividade e
mescla de classes sociais, todos os funcionários independentes do posto
moravam da mesma forma. Ainda que utopia, a manutenção do conjunto é
importante enquanto testemunho de tais ideais.
Considerações finais
Uma questão que se coloca como fundamental nos dois estudos de caso
apresentados e em todo levantamento realizado sobre a produção moderna do
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é o fato de se tratarem de um acervo com
proximidade temporal fator que interfere nas medidas protecionistas a serem
tomadas e que também facilita o desaparecimento desse acervo na medida em
que não são reconhecidos enquanto patrimônio a ser preservado.
A região escolhida para o levantamento da arquitetura moderna tem como
característica a polarização das cidades Uberaba – Uberlândia – Araguari, que
detêm as obras de maior valor arquitetônico e urbanístico e nestas devido a
existência ou proximidade com universidades e centros de pesquisa facilita o
passo inicial para a proteção que é o reconhecimento do valor sociocultural
impregnados em tais conjuntos. Nas cidades de menor porte que contém uma
arquitetura moderna de maior apropriação popular e que ocasionalmente como
Sacramento, possuem acervos de maior valor arquitetônico e urbanístico estes
ainda não são vistos como passiveis de proteção uma vez que não são sequer
conhecidos pela sociedade.
As situações escolhidas, dentre o acervo da Pesquisa, tiveram como objetivo
apresentar o contraste que ocorre na difusão do moderno em cidade como
Uberlândia que funciona como um pólo regional e Sacramento cuja maior
singularidade está em sua importância histórica.
Os projetos também se contrastam, uma vez que, a residência projetada por
Elifas faz parte da situação convencional em que o cliente contrata o arquiteto e
a casa faz então parte do contexto urbano já as unidades da Vila de Jaguara
integram uma proposta urbanística planejada.
Ambos, projetos são executados em período próximo um ao outro sendo
possível identificar uma linguagem que tende a escola paulista.
A contribuição da pesquisa por tanto reside no fato de que ao identificar,
catalogar e disponibilizar esse acervo constituído por meio de um WEB
Sitecontribui para o conhecimento por parte da sociedade do conjunto moderno
existente da região do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro.
Referências
ACAYABA, M. M. FICHER, S. (1982). Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo:
Projeto Editores Associados Ltda. 124 p.
AZEVEDO, P. (1998). A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto
João Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC USP
BANHAM, R. (1960). Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina. 2.º ed. São
Paulo, Perspectiva, 1979. Ed. orig. The Architectural Press, Londres.
94
BRUAND, Y. (1981). Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo,
Perspectiva. 398 p.
GUERRA, M. E. (1998). As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo
Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP.
KAMITA, J. M. (2000). Vilanova Artigas. São Paulo: Cosac & Naify Edições. p.
102-105.
LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. In: Projeto n.º 163,
São Paulo, maio, pp. 75-91.
LEMOS, C. A. C. (1979). Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos e
Edusp.
PESSOA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSÔA,
J.; VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói:
EduFF, 2006.
SOARES, B. R. (1988). Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia. São
Paulo: USP/Departamento de Geografia.
XAVIER, A. org. (1987). Arquitetura Moderna Brasileira - Depoimentos de uma
Geração. São Paulo, Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura
e Fundação Vila Nova Artigas.
COMPREENSÃO DA TÉCNICA CONSTRUTIVA UTILIZADA NAS EDIFICAÇÕES
MODERNAS NAS CIDADES DO TRIANGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA
Elisa Azevedo Ribeiro / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale
Introdução
Este artigo tem por objetivo apresentar os primeiros resultados da investigação
sobre as técnicas construtivas utilizadas nas edificações modernas das cidades
do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Enquanto técnica subentende-se uma análise dos materiais utilizados, sistema
construtivo, mão de obra, conforto térmico e as soluções de design adotadas;
dando foco à linguagem construtiva, pretende-se estabelecer um paralelo entre
a técnica aplicada nas construções dos edifícios e as premissas do Movimento
Moderno. Assim, seus objetivos específicos compreenderam a análise dos
aspectos formais e construtivos dos edifícios modernos, compreensão da
tecnologia empregada nas construções modernas, suas conseqüências
enquanto nova linguagem de construção (e seus vários usos), bem como a
importância da difusão dessa técnica para a região, além de registrar, através
da linguagem do desenho, os detalhes técnicos construtivos encontrados. Para
isso, fez-se necessário estudar e compreender de que maneira a nova técnica
desenvolvida pelo Movimento Moderno foi aplicada às edificações da região,
considerando que o desenvolvimento de suas mais importantes cidades Uberlândia e Uberaba - assim como grande parte da região do Triangulo
Mineiro, esteve intimamente vinculado à construção de Brasília. Através do
entendimento e ênfase no desenho de detalhes técnicos construtivos,
buscou-se colaborar para o entendimento da arquitetura como detentora do
saber técnico, teórico e prático correspondente a uma época, além da criação
de uma consciência sobre a importância deste patrimônio e a necessidade de
sua preservação.
Como um primeiro resultado, este trabalho apresenta as soluções técnicas e os
materiais utilizados pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke na Estação Ferroviária
de Uberlândia (MG), inaugurada em 1972, já que este é um dos mais
importantes edifícios modernos da cidade e região pelo contexto em que foi
construído e pela qualidade do projeto.
96
O
trabalho
foi
organizado
em
três
partes.
A
primeira
consiste
na
contextualização da Estação em Uberlândia e resumo do projeto; a segunda
descreve os elementos construtivos utilizados no edifício pelo arquiteto; a
terceira, e ultima, estabelece uma reflexão sobre a importância do projeto para a
região, compreendendo que em sua arquitetura reconhecemos premissas da
Arquitetura Moderna comportando-se como um importante material de estudo e
de essencial preservação.
Contextualização
A Estação Ferroviária de Uberlândia, assim como a de Ribeirão Preto, foi
projetada pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (1907 – 1997) em meados dos
anos 1960 a serviço do plano de expansão e modernização das instalações de
serviços da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Foi a terceira estação
ferroviária construída pela Mogiana, em substituição à segunda que se
localizava no final da atual Avenida Afonso Pena, onde hoje se encontra a Praça
Sergio Pacheco que, até a década de 1930, definia o limite na direção Norte da
malha urbana.
Dentro desse raciocínio expansionista, esperava-se que a Estação induziria o
desenvolvimento e crescimento da cidade, considerando o fluxo de mercadoria
e pessoas inerente desse tipo de equipamento e sua ligação com a nova capital,
Brasília. Em Uberlândia, sua instalação, propositalmente distante do núcleo
adensado da cidade, foi parte de um projeto que visava determinar seu traçado,
induzindo seu crescimento para uma determinada direção (a Leste), através da
passagem de infra-estrutura, e impondo um outro limite físico.
“A localização da nova estação ferroviária em Uberlândia foi definida conjuntamente
pela Companhia Mogiana, o governo municipal e o arquiteto (SEGAWA & DOURADO),
que prepuseram sua implantação em uma área periférica à malha urbana, no Bairro
Custódio Pereira, localizado no setor Leste, próxima à Rodovia BR 050 - que liga São
Paulo à Brasília - e ao aeroporto da cidade. Esta decisão contemplava o projeto de
expansão do espaço urbano cogitado desde o início da década de 1950. A remoção da
antiga Estação Ferroviária permitiu o prolongamento das avenidas centrais (Floriano
Peixoto, Afonso Pena e Cesário Alvim), integrando a já área urbanizada depois dos
trilhos à região mais antiga da cidade; a remoção dos trilhos e a pavimentação de seu
leito deram origem às avenidas João Naves de Ávila e Monsenhor Eduardo, que se
converteram em importantes vias arteriais da cidade; a nova estação tornou-se
importante elemento de orientação da expansão na direção Leste. ”(VALE, 2010)
Fig. 1: Mapa de
Uberlândia
indicando a
localização da
antiga Estação de
Trens da Mogiana e
a nova Estação no
Bairro Custódio
Pereira.
Entretanto, o declínio da produção de café vinculado a carência de
investimentos nesse meio de transporte por parte do Governo Federal, levaram a
decadência da Companhia Mogiana e conseqüente precariedade de seus
serviços na década de 1930. Em 1952, a maioria de suas ações foi vendida para
o Governo do Estado de São Paulo, que posteriormente foi incorporada à
FEPASA- Ferrovia Paulista SA. Com o passar dos anos 1990, a linha férrea de
Uberlândia começou a demonstrar mudanças de uso, refletindo o cenário
nacional, diminuindo o trânsito de passageiros até extingui-lo definitivamente.
Em 1998, a FEPASA foi incorporada à RFFSA – Rede Federal de Ferrovia, que
em seguida, foi privatizada, estabelecendo um modelo de segmentação do
sistema ferroviário em seis malhas regionais. A Ferrovia Centro Atlântica (FCA),
adquiriu a concessão por 30 anos, mediante licitação, do segmento que inclui a
Estação de Uberlândia. Devido a essa conjuntura, a movimentação urbana viva
nas Estações Ferroviárias das cidades brasileiras, foi aos poucos cessando, e
conseqüentemente a seu significado comercial perante a cidade.
98
O projeto da Estação de Uberlândia foi concebido sobre esse pressuposto
urbanístico de que “as estações ferroviárias são importantes referências
urbanas, indutoras de crescimento e desenvolvimento material nas áreas aos
seus redores, sejam elas consolidadas anteriormente, ou originadas a partir da
presença desses equipamentos.” (SEGAWA & DOURADO, 1997), por isso, o
programa desenvolvido pelo arquiteto contemplava outros serviços.
Compreendendo as inúmeras atividades que ocorrem ao redor de estações,
muitas vezes geradas por sua instalação, o arquiteto Oswaldo Bratke produziu
um projeto diferente do padrão brasileiro, cujo programa se restringia
exclusivamente aos serviços relacionados ao transporte e de apoio aos
passageiros. Ele percebe que as estações poderiam obter retorno financeiro
desses serviços terceirizados de comércio e destiná-los a sua manutenção.
Dessa maneira, as Estações de Uberlândia e Ribeirão Preto se abrem para a
produção comercial da cidade, criando uma espécie de shopping ligado a ela.
O projeto era dividido em dois blocos. O primeiro compreendia a infra-estrutura
ferroviária - incluindo o pátio de manobras - e as dependências da estação, e o
segundo bloco incluía a complementação das utilidades de apoio aos
passageiros e compreendia um setor comercial e de serviços mais voltados
para o bairro. Para viabilizar a construção desse projeto, o arquiteto prevê sua
implantação em etapas: uma que corresponde à infra-estrutura ferroviária e
dependências da estação; outra de complementação das atividades de apoio
aos passageiros, e uma terceira que corresponde ao setor comercial/serviços
voltado ao bairro. Em ambas as Estações (de Uberlândia e de Ribeirão Preto),
apenas a primeira etapa do projeto foi executada.
Em coerência ao partido adotado, a arquitetura da ferroviária tinha que ter
caráter flexível para assegurar viabilidade à construção. Podemos dizer, então,
que esse projeto surgiu a partir do desenho da cobertura, que se define pela
repetição de módulos de uma estrutura em concreto armado em forma de
parabolóide hiperbólica. Por se definirem independentemente das construções
ao nível do usuário, os módulos permitiam que as ampliações construtivas da
estação pudessem acontecer em momentos distintos, sem prejudicar o
funcionamento do que já estava implantado.
“Estes módulos encontram-se dispostos em três alinhamentos paralelos: os dois
primeiros compreendem 11 módulos cada e o último alinhamento, que se
posiciona próximo aos trilhos - constituindo a plataforma de embarque e
desembarque propriamente dita - possui, além dos 11 módulos centrais, um
prolongamento de três módulos à esquerda e outro de quatro módulos, à
direita.” (VALE, 2010)
De maneira geral, podemos definir o projeto como uma grande cobertura,
configurada pela adição de módulos de estrutura independente e que,
conseqüentemente, produzem uma planta livre para a implantação de quatro
blocos de estruturas e usos independentes, que setorizam as funções. O pé
direito alto da cobertura escancara a separação entre ambos (cobertura e
programa) e facilitam a circulação de ar.
Croqui
esquematizando a
circulação de ar entra
a grande cobertura e
as caixas.
Desenho: Elisa
Azevedo Ribeiro
Até na torre da caixa d’água observamos uma continuidade do projeto, pois seu
desenho remete a forma dos módulos da cobertura. A caixa d’água, na foram da
parabolóide hiperbólica quadrangular e seu apoio com base quadrada com
altura maior que a dos módulos usados na cobertura.
Croqui da caixa
d’água da Estação.
Desenhos: Elisa
Azevedo Ribeiro
Basicamente, o que diferencia os projetos de Ribeirão Preto ao de Uberlândia
são justamente os materiais utilizados nos módulos que organizam os usos ao
nível do usuário. Enquanto na primeira eles são vedados por alvenaria de tijolos
100
aparentes, no segundo, o arquiteto radicaliza na escolha dos materiais,
utilizando de uma estrutura autônoma de concreto pré-moldado com 3,20 m de
pé direito e chapas corrugadas de cimento amianto pré-moldados, fixados por
parafusos.
Definição dos elementos que constituem o projeto
A cobertura
A cobertura é composta pelo agrupamento de módulos cuja estrutura é uma
peça única formada por uma parabolóide hiperbólica quadrangular apoiada no
meio por um pilar, moldado em concreto armado. A parabolóide mede 10,50m x
10,50 m e os pilares possuem 5,25m de altura com base quadrada de 0,65m, x
0,65m, sendo mais estreitos na junção com a laje.
A água da chuva é conduzida pela própria forma da
parabólica que desce por um condutor localizado dentro
do pilar e que desemboca em uma canaleta aberta situada
junto ao muro de arrimo da plataforma, ao lado dos trilhos.
Para proteção da captação pluvial, a cobertura conta com
os ralos tipo abacaxi. A junção dos módulos são
preenchidas por peças de madeira de 4 cm de espessura
e 25 cm de altura, protegidas com cumeeiras de amianto.
Fig. 2. Forma Parabolóide hiperbólica quadrangular
apoiada no meio por um pilar
Fonte: Consiglieri, 1994.
A independência desse módulo de cobertura, possibilita
uma liberdade na configuração da planta e da implantação
das caixas/blocos de serviço ao nível do usuário, além de
criar um projeto de conjunto aberto, que pode se expandir e mudar de forma a
qualquer tempo. Essa solução de cobertura também proporciona uma noção de
ritmo e contigüidade, colaborando para a compreensão do projeto como um
todo.
Desenhos: Elisa Azevedo Ribeiro
As caixas
As caixas que setorizam o programa e se
localizam sob a grande cobertura que têm
estrutura autônoma, de concreto pré-moldado
com 3,20 m de pé direito até uma segunda
cobertura em telha trapezoidal em cimento
amianto. As vedações se alternam dependendo
da necessidade do programa.
A maior parte delas é vedada por tijolos maciços
de cerâmica revestidos por módulos de chapas
corrugadas de cimento amianto pré-moldados,
aparafusados
a
um
socos
de
madeira
engastadas nas alvenarias. Em outros blocos,
como os de serviço, a vedação é feita por
elementos vazados de concreto assentados
verticalmente com juntas desencontradas na face
Fig. 3. Foto do elemento vazado da chapa
corrugadas
de
cimento
amianto
pré-moldado.
Fonte: Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro
externa (voltado para a rua) e esquadrias de
metalon na face interna.
102
Todas as esquadrias originais desse projeto foram desenhadas pelo arquiteto
Bratke: as portas em madeira das caixas, as portas dos sanitários e as janelas.
Por caixas subentende-se os blocos retangulares soltos, inseridos sob a grande
cobertura.
Através da utilização de materiais simples e de fácil manuseio, como o ferro em
perfis chato, “L” e “T”, e metalon para caixilharia, o arquiteto se mostra
preocupado em otimizar dos recursos e simplificar a construção, e obtêm
soluções adequadas tecnicamente, tais como: escoamento da água da chuva
na canaleta inferior da esquadria ou de caráter ergonômico, como os puxadores
cujo sistema já é embutido no desenho da caixilharia.
A abertura da janela próxima ao elemento vazado de concreto foi desenhada
para pivotar para dentro do espaço interno do bloco, facilitando sua limpeza e
garantindo abertura total do vão. Todos os elementos de caixilharia foram
detalhados pensando no seu correto funcionamento e durabilidade.
Dividida em duas peças de caixilho de vidro, seu mecanismo consiste em
pivotar a peça superior e erguer e pivotar a peça inferior de maior comprimento
presa a superior. Uma inicial reconstrução desse detalhamento seria:
Croqui esquemático do
acionamento da janela
basculante.
Desenhos: Elisa
Azevedo Ribeiro
Fig. 4. Foto da janela basculante de
dentro das caixas.
Fonte: Marília Maria B. Teixeira Vale
Canaleta – guia inferior da
esquadria
Croqui em vista
esquemática da
janela basculante
com indicação
dos cortes.
Vista detalhe externo da caixa e
braço escamoteável. As peças
são soldados com rebites.
Croqui esquemáticos
do funcionamento da
porta com eixo de
gravidade.
Desenhos: Elisa
Azevedo Ribeiro
104
O espírito inventivo do arquiteto Bratke é aplicado nas soluções dos sistemas de
acionamento das esquadrias. A porta dos sanitários, chamada de porta com
eixo de gravidade, é um desenho pensado especificamente para instalações
sanitárias, mas que pode ser utilizada em outras circunstâncias. O detalhamento
de um mecanismo presente no pivô da porta permite que a mesma esteja
sempre fechada substituindo as dobradiças de molas ou ferramentas
sofisticadas usuais.
“A concepção geral do projeto aponta a busca de uma construção
industrializada, de caráter racionalista, com reduzido número de
materiais construtivos e de acabamentos, refletindo o esforço do
arquiteto de possibilitar uma obra que moderasse os custos de
construção
e
manutenção,
sem
comprometer
a
qualidade
arquitetônica. Várias das soluções adotadas por Bratke na Ferroviária
de Uberlândia foram utilizadas pelo arquiteto em outras obras,
revelando a estreita relação desta com o conjunto de sua obra, na
busca de soluções eficientes tanto em relação aos aspectos formais
quanto aos construtivos, traduzidos no uso de volumetrias regulares e
o espírito industrial nelas presente.” (VALE, 2010)
O desenho da janela basculante e porta do banheiro é um
exemplo dos elementos desenvolvidos pelo arquiteto que se
repetiram em outros projetos. Uma derivação dessa janela
aparece nos edifícios dos apartamentos de Engenharia
Mecânica e Engenharia Metalúrgica da Escola Politécnica da
USP, em São Paulo (inaugurados nos anos de 1960) o qual o
raciocínio de funcionamento da esquadria é o mesmo, porém,
ao inverter a aresta que corre na peça superior e substituindo o
vidro pela veneziana, o arquiteto atribui outra função para ela: a
de proteger da visibilidade externa, da chuva e da incidência
Fig. 5. Janela basculante da Escola de Minas e
Metalurgia da USP – corte esquemático do
sistema de acionamento.
Fonte: Elisa Azevedo Ribeiro
Fig. 6. Janela basculante Estação Ferroviária de
Uberlândia – corte esquemático do sistema de
acionamento.
Fonte: Elisa Azevedo Ribeiro
direta do sol.
Uma imagem explicativa exemplifica a mudança de sistema.
Conclusão
O projeto da Estação Ferroviária de Uberlândia é especialmente importante
como referência de Arquitetura Moderna para a região, não somente pela
configuração da planta, premissas e materiais utilizados, mas pelo empenho do
arquiteto Oswaldo Bratke em produzir uma arquitetura como um objeto total
“integralmente pensado e coerentemente resolvido” (SEGAWA & DOURADO,
1996), compromissado com as soluções das necessidades reais.
Para a produção de uma arquitetura durável, Bratke se preocupava com a
exeqüibilidade do projeto, aplicando seus conhecimentos técnicos na busca por
soluções ideais. Assim, verifica-se a grande preocupação por parte do arquiteto
no detalhamento de todos os aspectos do edifício,
para obter seu correto
funcionamento.
O resultado final deste projeto é simples, já que sua forma é clara e condizente
com a questão funcional. A cobertura se alonga em uma ortogonalidade ritmada
e equilibrada, e o desenho modular, com planta livre e a verdade dos materiais
trazem a este projeto identidade e originalidade.
Ao longo dos anos, no entanto, o edifício tem sofrido diversas alterações
indesejáveis, principalmente no que diz respeito á substituição de vedações,
esquadrias e aberturas de vãos que colocam em risco sua integridade física e a
preservação dos detalhamentos técnicos fundamentais para a concepção e
coerência da obra.
Bibliografia
CONSIGLIERI, Victor. A Morfologia da Arquitetura 1920 – 1970. Volume II.
Lisboa, 1994.
SEGAWA, Hugo. DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke. São
Paulo: ProEditores, 1997.
SEGAWA, Hugo. Invenção como resposta às necessidades. Finestra/Brasil Ano2
nº7 Out/Dez 1996.
106
VALE, Marília Maria Brasileiro Teixeira. Conservação da Arquitetura Moderna –
Estudo de Caso: A Estação Ferroviária de Uberlândia. Monografia de Conclusão
de Curso de Especialização. CECI – ICCROM, 2010.
TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: ARQUITETURA MODERNA E SUA
RELAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO
Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello
Introdução
A arquitetura moderna brasileira teve início na década de 1920, mas seu auge
nos grandes centros ocorreu a partir de 1950. Nas regiões interioranas essa
prática se fortaleceu mais tardiamente na década de 1960, sendo este, o caso
do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Esta região foi muito influenciada pela construção de Brasília (1957-60), capital
federal, trazendo a modernidade e o progresso, que não só foram incorporados
no espaço, mas também no imaginário cultural da população dessas
localidades. Novas técnicas construtivas, nova plástica, novos usos do espaço,
essa arquitetura moderna produzida participou do rápido desenvolvimento
urbano.
As cidades receberam edifícios residenciais, clubes, instituições públicas e
privadas, indústrias, praças, vilas que se implantaram no espaço e foram
incorporados fortemente a identidade visual e histórica.
Em vista da importância da arquitetura produzida neste período foi realizada
uma seleção das edificações mais características e essenciais dentro da
estruturação histórico-social e constituição das seguintes cidades da referida
região mineira: Uberlândia, Uberaba, Araxá, Sacramento, Conquista, Conceição
das Alagoas, Araguari, Patrocínio, Patos de Minas, Coromandel, Rio Paranaíba,
Tupaciguara, Ituiutaba, Prata, Campina Verde, Campo Florido, Frutal, Estrela do
Sul, Monte Carmelo e Monte Alegre.
Uma ênfase especial se aplicou na percepção de como esses edifícios, com
nova linguagem arquitetônica, se inseriram no espaço público. As relações,
enquanto parte de um universo urbano mais amplo, ou seja, o diálogo com o
entorno, as dinâmicas sociais, etc.
O levantamento de dados, que engloba identificação, análise e catalogação da
arquitetura moderna produzida no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, é feito
através de fichas de inventário definidas segundo o modelo do DOCOMOMO
108
internacional, e busca constituir um acervo que possibilite uma caracterização
da arquitetura moderna local, além de estimular a preservação dos exemplares
mais significativos, ressaltando a importância arquitetônica e histórica que esses
edifícios apresentam como elemento de identificação regional.
O
DOCOMOMO
(International
Working
Party
for
Documentation
and
Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement) é
uma organização internacional que busca difundir o conhecimento e reflexão
sobre o Movimento Moderno, desenvolvendo levantamentos documentais e
medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim como de conjuntos
urbanos e paisagísticos deste período.
O inventário da arquitetura moderna nacional vem sendo realizado por diversas
instituições interligadas pelo DOCOMOMO Brasil e suas unidades regionais,
que no caso da região apresentada é o DOCOMOMO Minas.
Para esta abordagem são exemplificados edifícios, praça e vila significativos no
contexto de inserção de cidades como Uberlândia e Sacramento. Assim como
também é colocado brevemente a atuação de arquitetos em Uberaba.
Material e Métodos
O projeto foi desenvolvido em duas etapas realizadas em paralelo: a pesquisa
teórica e o trabalho de campo.
A etapa teórica compreendeu a pesquisa bibliográfica tanto da caracterização
regional, como do movimento moderno em si, além da compreensão dos
determinantes históricos que propiciaram a construção das edificações.
Na etapa de campo, foram realizadas visitas às cidades selecionadas para a
pesquisa, destacando as edificações características desse movimento, com o
intuito de fazer uma investigação e um levantamento iconográfico, que dessem
respaldo à catalogação.
Com a intercalação desses dois momentos, os projetos selecionados passaram
a ser catalogados em fichas de inventário, nas quais constam informações
específicas e extremamente relevantes sobre os edifícios, além de imagens,
constituindo-se assim um acervo fotográfico da produção moderna da região.
Discussão e Resultados
A arquitetura moderna se fez documental, sendo o projeto mais do que seu
desenho e execução, constituindo-se por textos, discussões, história e crítica.
Os arquitetos brasileiros tiveram influência, principalmente européia, na imagem
de Le Corbusier, mas rapidamente seguiram um caminho próprio, e com isso a
arquitetura adquiriu caráter nacional.
A produção moderna brasileira recebeu destaque internacional, principalmente
pelo desenvolvimento de inovadora técnica de controle de luz e calor, através
do brise-soleil.
Sua particularidade também estava no desenvolvido uso do concreto-armado e
dos trabalhos em azulejos, desenhados por Cândido Portinari, Burle Marx, Anísio
Medeiros, Athos Bulcão e outros artistas plásticos.
A arquitetura se fez residencial, de lazer, etc., mas seu principal destaque
estava nos edifícios institucionais, colocando a importância do cenário político
de tal momento. Também foram definidos conjuntos habitacionais, como forma
de proporcionar mais salubridade aos operários.
A produção moderna foi, sem dúvidas, nacional, refletindo os artistas que a
lançaram e recorrendo aos materiais disponíveis, assim como se ajustando ao
clima.
Em 1943, ocorreu a primeira importante publicação internacional sobre a
arquitetura brasileira, intitulada “Brazil Builds”, escrita por Philip L. Goodwin e
organizada pelo Museu de Arte de Nova York.
Para a realização deste livro Goodwin, juntamente com G. E. Kidder Smith
fizeram uma viagem aérea por todo o país, levantando os principais edifícios e
estes foram apresentados na publicação, separados em Edifícios Antigos e
Arquitetura Moderna. Tendo ênfase especial a segunda parte.
110
Os norte-americanos almejavam estreitar laços com os arquitetos brasileiros, a
fim de desenvolver, principalmente o uso dos brise-soleils, como forma de
proteção térmico-luminosa dos grandes panos de vidro.
Outras publicações aconteceram como em 1965 de “Modern Architecture in
Brazil”, de Henrique E. Mindlin, e em 1973, “L’architecture Contemporaine au
Brésil31”, do francês Yves Bruand.
Em 1974, Geraldo Ferraz publicou pelo MASP, “Warchavchik e a introdução da
nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940” e, em 1979 Lemos, “Arquitetura
Brasileira”.
Segundo Cappello (2005), o primeiro artigo sobre a arquitetura moderna no
Brasil aparece na Cahier d’Art em 1931 “L’Architecture d’Aujour’hui dans
l’Amérique du Sud”, do arquiteto Gregori Warchavchik. Após o livro Brazil Builds
uma série de artigos e números especiais de revistas internacionais
especializadas foram dedicados à arquitetura moderna no Brasil.
É importante também destacar as análises em termos de preservação do
patrimônio moderno.
O 6º Seminário Nacional do DOCOMOMO, realizado em Niterói – RJ, em
novembro de 2005, resultou na publicação intitulada “Moderno e Nacional”, a
qual se faz essencial em tal abordagem, principalmente por levantar a
problemática em se tratar de uma arquitetura que precisa ser preservada, mas
que é temporalmente próxima.
De acordo com Santos (2006) esta análise se inicia já com uma das mais
particulares características da arquitetura moderna: sua rica documentação e
detalhamento, o que possibilita que seja realizada uma restauração por
completo ou um projeto ser executado, em um outro momento, de forma fiel ao
original. Mas, até que ponto isto é viável? Em que condições deveria se lançar
de tal recurso? Quem seria considerado o realizador/autor de tal proposta?
Ainda faltam princípios éticos que tratem de tais questões, da mesma forma que
falta um campo conceitual, no qual sejam desenvolvidas as justificativas de
preservação do que já está construído, visto que a proximidade temporal dá um
31
Tese de doutorado de Yves Bruand apresentada a Universidade de Paris.
outro caráter ao edifício, gerando mais discussões sobre manter ou modificar
certos aspectos.
Outro ponto que Santos (2006) coloca, diz respeito ao tombamento ser a melhor
forma de proteger a arquitetura moderna, já que o ato de preservar pode incluir
qualquer ação do Estado que conserve a memória e os valores culturais, e o
tombo acaba por resguardar o bem em si e não as relações e vínculos imateriais
que ele proporciona, sejam elas afetivas, de uso, etc.
Mais um questionamento, talvez o mais intrigante, diz respeito ao fato de muitos
dos
arquitetos
realizadores
do
modernismo
encontrarem-se
ativos,
possibilitando uma idéia de tombar no bem, seu autor. Ou ainda de, o próprio
arquiteto acreditar serem viáveis modificações em seus projetos, assim como
verdadeiras demolições, criando um certo “mal-estar” com os órgãos de
proteção e muitas vezes inviabilizando tombamentos.
Pêssoa (2006) diz que as ações de preservação do moderno iniciaram-se em
1947, quando Lucio Costa pediu o tombamento da Igreja de São Francisco de
Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte.
Projetada por Niemeyer, em 1943, a igreja já era tida como um dos ícones de
inovação da arquitetura brasileira. Em 1947, três anos após sua entrega, já se
encontrava em estado de abandono e má conservação, visto que a igreja
católica se negava a ocupá-la.
A proposta de tombamento veio então no intuito de impedir que uma obra tão
significante ao período moderno desaparecesse, sem nem mesmo ter sido
utilizada.
Segundo Pêssoa (2006), como era um pedido totalmente a parte das realidades
de tombo, Lucio Costa revestiu-o de um caráter excepcional nomeando-o de
tombamento preventivo. Foi esta excepcionalidade que abriu caminho para que
outros projetos modernos fossem tombados, como o Ministério da Educação e
Saúde, e a estação de hidroaviões, ambos no Rio de Janeiro.
Assim, nesta fase inicial, o tombamento correspondia a obras recém
construídas, fazendo uso da legislação de proteção ao patrimônio artístico e
112
histórico, como forma de resguardá-las, em termos de sua constituição original,
para que não fossem demolidas ou modificadas.
Tal parecer foi utilizado para o tombamento em 1965 do Parque do Flamengo,
projetado por Roberto Burle Marx e Afonso Eduardo Reidy, antes mesmo de sua
finalização, devido à incerteza de que as administrações futuras dariam
continuidade ao projeto original.
Em 1967, foi tombada a Catedral de Brasília, para a qual desde 1962 já havia
sido feito este pedido, com o intuito de arrecadar fundos para a construção da
mesma. Proposta a qual Lucio Costa se opôs, já que não havia fundamentos
para se tombar algo que nem mesmo existia. De qualquer forma, o tombamento
foi feito antes de sua conclusão, que só ocorreu três anos depois, em 1970.
Neste momento encerrou-se a primeira fase de tombamento da arquitetura
moderna, marcado pela presença de Lucio Costa à frente da Diretoria de
Estudos
e
Tombamentos
do
DPHAN
e
pelo
já
citado
caráter
de
excepcionalidade das obras tombadas, que representavam o patrimônio
histórico do futuro (PÊSSOA, 2006).
Somente na década de 1980 outros edifícios modernos passariam por processo
de tombamento.
Em 1983, foi pedido para a sede da Associação Brasileira de Imprensa, projeto
dos irmãos Roberto, sendo aceito no ano seguinte. Em 1986, um conjunto de
três residências de Warchavichik, na Vila Mariana – SP, foi tombado, marcando o
primeiro tombamento de projetos fora da escola carioca.
Estes dois projetos citados, juntamente com o Pavilhão de Óbidos do Recife
marcaram o período de tentativa de preservar projetos singulares, que restaram
das primeiras obras modernas do país.
Na década de 1990, técnicos do IPHAN de Minas Gerais propuseram o
tombamento do conjunto de edificações de Oscar Niemeyer na Pampulha.
Assim como 11 edifícios, de diversos arquitetos cariocas na cidade de
Cataguases, um caso excepcional, visto que na década 1940, estes ainda
jovens profissionais foram contratados para fazer uma série de projetos, com o
intuito de construir a cidade. O mais surpreendente é que 50 anos depois, tais
construções residenciais encontravam-se integralmente originais até no
mobiliário.
Inovador foi o tombamento de Brasília, em 1990, já que, o que se protegeu foi o
plano, ou seja, as regras urbanísticas de ocupação, e não os edifícios em si.
Esse tipo de tombamento aponta para um olhar diferenciado, no qual a cidade,
objeto a ser tombado, deixa de ser pensada enquanto conjunto arquitetônico
para ser vista como documento vivo, resultado das idéias urbanísticas do seu
tempo e história.
O acervo de patrimônio moderno é muito pequeno diante da produção que se
realizou, e falta uma política de identificação dos exemplares mais significativos,
que devem ser protegidos.
Ainda segundo Pêssoa (2006) tombar um edifício recentemente finalizado é algo
inovador, que proporcionaria proteger um monumento tal como ele foi projetado
e construído. Mas esse tipo de tombamento incide sobre o fato de o arquiteto
que realizou o projeto estar vivo, como já foi mencionado, o que pode gerar
oposições entre estes autores e as instituições de preservação, principalmente,
no que diz respeito a realizar modificações no edifício.
A conservação do patrimônio moderno, enquanto projeto original é tida, quase
como fixação, ainda mais fortalecida pela pequena distância temporal, assim
como pelo vasto material documental e fotográfico, que possibilita retornar a
proposta original. Tal fato faz com que se desconsiderem as modificações, que
muitas vezes são inevitáveis nos processos de ocupação.
A preservação da arquitetura moderna ainda está em fase de formação, sendo
necessárias discussões sobre a idéia de voltar/manter o projeto original e a
importância das transformações que ele adquire com uso e ocupação. Se uma
obra é tombada muito cedo, fica o próprio tempo responsável por dar a ela suas
condições de patrimônio cultural.
O fato é que, a arquitetura moderna é parte de um passado recente que merece
ser mantido e respeitado. E a grande problemática quanto a sua preservação
está na pouca discussão e falta de aspectos conceituais e éticos.
114
A arquitetura moderna do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba
A linguagem moderna foi iniciada em Uberlândia, na década de 1950 com o
arquiteto João Jorge Coury32, que é considerado o difusor de tal arquitetura na
região.
Nascido em Abadia dos Dourados/MG em 1908, formou-se em 1937 pela Escola
de Arquitetura de Belo Horizonte (EABH). Iniciou sua carreira em Goiandira e
Catalão, no Estado de Goiás. Posteriormente, em 1940, dirigiu-se para
Uberlândia onde traçou uma bela produção em termos residencial, comercial,
urbanístico, hospitalar e industrial.
Sua arquitetura associava os elementos modernos ao caráter regional, com uso
de lajes planas, brises, cobogós conciliados à fitocerâmica, os seixos rolados, a
granitina, a pedra portuguesa, etc. (AZEVEDO, 1998).
Fig. 01: Residência Benedito Modesto de Sousa, Uberlândia _ Arquiteto João
Jorge Coury
Foto: arquivo da pesquisa
Era em seu atelier que os intelectuais se reuniam, valendo também de destaque
no contexto político da época (GUERRA, 1998). Coury foi uma espécie de
arquiteto-discípulo, estimulando o interesse de jovens como Paulo de Freitas,
Hélvio Felice, Natalino David Thomaz, Milton Leite Ribeiro, Ivan Cupertino, João
Alves Pimenta, Fernando Galvão e Miguel Juliano, cada um atuando em
diferentes cidades, entre elas Uberlândia, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo.
32
Na década de 1940 Coury teve sua produção voltada para o eclético, com forte uso
de elementos neocoloniais (AZEVEDO, 1998).
Fig. 02: Sociedade Médica, Uberlândia _
Arquiteto Miguel Juliano
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 03: Residência Laerte Alvarenga de
Figueiredo, Uberlândia _ Arquiteto Ivan
Cupertino
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 04 e 05: Perspectivas tratadas do
projeto do arquiteto Ivan Cupertino para a
residência Laerte Alvarenga de
Figueiredo
Foto: arquivo da pesquisa
116
Dentre os citados foi destacado na pesquisa o arquiteto Paulo de
Freitas, que segundo Laurentiz (1993) é da chamada geração
intermediária.
Paulo se formou em 1959 pelo Mackenzie, permanecendo na capital
paulista por mais quatro anos, vindo depois para Uberlândia, onde se
destacou
principalmente
pelos
projetos
de
edifícios
verticais,
importantes na constituição física-social do centro da cidade.
Além disso, foi por mais de 20 anos professor da Escola de Decoração
da Universidade Federal de Uberlândia, tendo também colaborado na
criação dos cursos de música, artes e comunicação visual.
Fig. 06: Edifício Itaporã, Uberlândia _
Arquiteto Paulo de Freitas
Foto: arquivo da pesquisa
Ainda de acordo com Laurentiz (1993) a terceira geração é
encabeçada por Elifas Lopes Martins, que se formou arquiteto em 1968
pela Universidade de Brasília.
Após a conclusão da faculdade, ficou por dois anos na
Inglaterra, onde fez especialização na área habitacional, a
qual influiu muito em seus projetos.
Retornou ao Brasil, atuando em Uberlândia e região nas
décadas de 1970-80, tendo sua produção muito voltada
para o caráter residencial e industrial.
Fig. 07: Residência Nelson Vasconcelos, Uberlândia _
Arquiteto Elifas Lopes Martins
Foto: arquivo da pesquisa
Há um considerável número de residências de sua autoria,
localizadas no Lídice, bairro que pode ser tido como
essencialmente de arquitetura moderna.
Com
relação
às
indústrias,
principalmente
projetou
edificações para a Granja Resende, compondo um
conjunto estético e funcionalmente bem elaborado.
Fig. 08: Incubatório da Granja Resende, Uberlândia _
Arquiteto Elifas Lopes Martins
Foto: arquivo da pesquisa
Sua arquitetura é marcada pelo uso de concreto e tijolo aparentes, lajes
inclinadas e telhados em platibanda, aproveitamento da topografia definindo
platôs ajardinados, espaços internos com grande organicidade, etc. (SILVA
JÚNIOR, A. P.; CAPPELLO, M. B. C., 2002).
Fig. 09: Residência Antônio Jorge Tannus, Uberlândia _ Arquiteto
Elifas Lopes Martins
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 10: Residência Oscarino Martins da Silva, Uberlândia _ Arquiteto
Elifas Lopes Martins
Foto: arquivo da pesquisa
Em Uberaba o destaque fica com Germano Gultzgoff
(1922-2007), principalmente por seus primeiros projetos,
que possuíam grande caracterização modernista. Ao
longo de sua carreira afastou-se destes princípios
mantendo somente a planta moderna.
O arquiteto estudou no Mackenzie, formando-se em 1950.
Nessa época foi estagiário de Oswaldo Bratke, conhecido
arquiteto moderno com escritório na cidade de São Paulo.
Fig. 11: Ed. Chapadão, Uberaba _ Arquiteto Germano Gultzgoff
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 12: Ed. Pedro Salomão, Uberaba _ Arquiteto Germano Gultzgoff
Foto: arquivo da pesquisa
118
Fig. 13: Residência Dr. Albano Bruno,
Uberaba
_
Arquiteto
Wagner
Schroden
Foto: arquivo da pesquisa
Wagner Schroden também atuou em Uberaba constituindo
grande produção principalmente residencial no centro da
cidade.
Seus projetos têm destaque no contexto urbano, possuindo
cada um particularidades, que os tornam exemplares únicos.
Diferentemente da produção moderna dos grandes centros, a
qual se fez principalmente institucional pública, no Triângulo
Fig. 14: Residência Edmundo Chapadeiro,
Uberaba _ Arquiteto Wagner Schroden
Foto: arquivo da pesquisa
Mineiro e Alto Paranaíba estava muito vinculada ao capital
privado da emergente burguesia, ficando a cargo do Município
e Estado principalmente alguns projetos de praças, escolas e
demais instituições.
Para compor a relação sócio-espacial que tal produção exerceu no imaginário
do período, assim como continua mantendo nos dias atuais, foram selecionadas
algumas edificações, uma praça e uma vila, que fazem parte da catalogação
elaborada no projeto de pesquisa, para exemplificar tal contextualização.
A vila analisada está em Sacramento, enquanto os demais projetos estão em
Uberlândia, na qual primeiramente será abordada, a Praça Tubal Vilela.
Até 1937, esta se chamava Praça da República, adquirindo a partir de então o
nome de Benedito Valadares e somente em 1958 recebendo seu nome atual.
Guerra (1998) coloca que no início de 1959,
a cidade era palco de manifestações, que
cobravam
da
gestão
municipal
maior
cuidado com os espaços públicos, que se
encontravam
em
péssimo
estado
de
conservação, e entre eles estava a Praça
Tubal Vilela.
Nesse momento, o prefeito Geraldo Ladeira
convidou João Jorge Coury para realizar o
projeto de remodelação, em que a praça
Fig. 15: Foto aérea da Praça Tubal Vilela, Uberlândia
_ Arquiteto João Jorge Coury
Foto: Prefeitura Municipal de Uberlândia
adquiriu caracterização moderna.
Como colaboradores Coury contou com o arquiteto Ivan Cupertino e os
Engenheiros Rodolfo Ochôa, Roberto Ochôa e Sebastião da Silva Almeida.
A inauguração aconteceu no aniversário de Uberlândia, em 31 de agosto de
1962. Segundo Guerra (1998), a proposta do arquiteto foi de desenvolver um
local de convivência, sociabilidade e manifestações, no qual as diferenças
étnicas, ainda demasiadamente discriminatórias, fossem sanadas em função do
bem-estar social e da cidadania. A presença da Concha Acústica para eventos
políticos, culturais, assim como os bancos coletivos integradores fazem parte do
programa de equipamentos comunitários.
Ao longo de mais de 40 anos, a praça
passou
alteraram
por
várias
modificações
consideravelmente
o
que
projeto
original de Coury.
Ainda nos dias atuais é referência urbana,
tida como o ‘coração’ da cidade. As
manifestações agora são ditas populares,
na imagem do transporte coletivo, do
comércio
informal,
da
música,
de
expressões religiosas, artísticas, etc., que
Fig. 16: Foto atual da Praça Tubal Vilela, Uberlândia
_ Arquiteto João Jorge Coury
Foto: Pedro Alberto Gomide
proporcionam movimento e dinâmica.
120
Em 2004, foi tombada como patrimônio histórico municipal pelo decreto nº
967633.
Essa região central da cidade possui um conjunto de edificações importantes,
salientando o Edifício Tubal Vilela, que se localiza no encontro da Av. Afonso
Pena com a Rua Olegário Maciel.
Construído em 1957, pela “Empresa Uberlandense de Imóveis”, de propriedade
do então prefeito Tubal Vilela, foi o primeiro arranha-céus da cidade (AZEVEDO,
1998).
O projeto é do arquiteto de Belo Horizonte, Ulpiano Muniz e a construção foi
realizada pela construtora paulista Morse e Bierrenbach.
A edificação não tem afastamentos, estando alinhada à calçada. Seu uso é
misto, destinando os primeiros pavimentos para comércios e serviços e os
demais para apartamentos, com 1 ou 2 quartos, remetendo a tipologia da
unidade mínima.
O alinhamento na calçada não prejudica as relações estabelecidas com os
pedestres que percorrem o espaço, visto que a utilização deste térreo para
comércio, na verdade, é convidativa e aproxima os usuários a utilizá-lo.
Fig. 17: Edifício Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto Ulbiano Muniz
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 18: Sacada do pavimento comercial do Ed. Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto Ulbiano Muniz
Foto: arquivo da pesquisa
33
Apud Praça Tubal Vilela. Disponível em:
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=632>.
O segundo andar, de serviços e uso também comercial, tem uma sacada que
permeia as duas fachadas voltadas para as vias e Praça Tubal Vilela,
proporcionando continuidade entre os espaços privado e público. Pode-se dizer
que atua quase como uma calçada elevada do chão.
Azevedo (1998) diz que a estruturação em concreto armado independente foi
algo inovador para a época e o uso de revestimentos em pastilhas e granitina
fortaleceram sua linguagem moderna.
As fachadas voltadas para a praça têm um jogo volumétrico que marca
fortemente as linhas horizontais, através das janelas panorâmicas e das
sacadas, tendo quebras verticais proporcionadas pelos volumes que saltam do
alinhamento e pelo grande paredão em cor terracota, que percorre praticamente
todo o edifício.
Este foi um empreendimento bem aos moldes do que era almejado: a
modernidade e o progresso definindo, através da arquitetura, uma imagem de
desenvolvimento social.
Ainda nesta área central está o Edifício Itacolomi,
projetado por Paulo de Freitas na década de 1960,
o qual se insere em um contexto de verticalização
da cidade.
Para este projeto o arquiteto lançou mão do uso de
cobogós, proporcionando ventilação e iluminação
naturais no interior, assim como desenvolveu uma
diversidade
de
tipos
de
plantas
para
os
apartamentos, os quais poderiam atender a um
público amplo.
A volumetria também é peculiar, fugindo aos
padrões de linhas geométricas retilíneas. Em forma
de “J” e por estar em uma esquina, define
perspectivas variadas conforme a posição do
observador.
Fig. 19: Edifício Itacolomi, Uberlândia _
Arquiteto Paulo de Freitas
Foto: arquivo da pesquisa
122
Além disso, possuía uma particular implantação: seu térreo era
composto por uma área aberta destinada ao uso público e
circulação livre, mas esta foi gradeada e tornou-se estacionamento
para os moradores.
Esta é uma tendência de constituição das cidades de médio a
grande porte, as quais perdem em qualidade de espaços, devido
Fig. 20: Estacionamento Ed. Itacolomi,
Uberlândia _ Arquiteto Paulo de Freitas
Foto: arquivo da pesquisa
à necessidade de destinar, boa parte deles, aos veículos.
Dentre os projetos abordados um dos mais diversos é o Uberlândia
Clube Sociedade Recreativa, por ter sido um marco para a cidade,
representando, através da imponência de seu edifício, mais um
avanço em termos de desenvolvimento sócio-econômico e
progresso.
Com relação a sua implantação tem a especial característica de
um grande recuo da fachada frontal, o qual é recoberto pelo
pavimento superior, que atua como marquise estruturada por
pilotis, remetendo as loggias dos edifícios clássicos italianos. Esta
constituição define uma composição urbana, na qual o pedestre é
privilegiado por um espaço de passagem gentilmente protegido.
Fig.
21:
Edifício
Uberlândia
Clube,
Uberlândia _ Engenheiro Almôr da Cunha
Foto: arquivo da pesquisa
Em uma cidade com intenso calor como Uberlândia, esta prática
deveria ser freqüentemente utilizada, permitindo ao usuário do
espaço público maior conforto em relação ao clima, assim como as
dinâmicas sociais, o movimento, o barulho, o trânsito, etc. A região
central da cidade não possui outras áreas agradáveis de
passagem, a não ser àquelas proporcionadas pelas praças.
O projeto, construído em 1957, é do engenheiro Almôr da Cunha e
foi criado, por iniciativa privada, para ser um espaço comercial e
de recreação inovador para a cidade. A decoração, de estilo Art
Fig. 22: Painel de gesso no foyer do primeiro
piso, Uberlândia Clube _ Artista Plástico
Sérgio de Freitas
Foto: Pedro Alberto Gomide
Decó ficou a cargo do artista plástico Sérgio de Freitas.
No edifício foram empregados alguns elementos de linguagem
moderna, até então pouco utilizados localmente, como o
brise-soleil, o terraço-jardim e os pilotis, mostrando, mais uma vez, a intenção de
trazer por meio da arquitetura, modernidade à região.
A constituição interna se mantém, com o conjunto
mobiliário
(também
moderno),
os
painéis,
revestimentos e adornos originais.
Seus salões são alugados para festas e eventos
diversos,
a
parte
comercial
continua
sendo
utilizada, além do Teatro Rondon Pacheco. Seu
tombamento como patrimônio histórico municipal
ocorreu em 2006, pelo decreto nº 1022334.
Fig. 23: Detalhes decorativos e mobiliário
de um dos salões, Uberlândia Clube _
Artista Plástico Sérgio de Freitas
Foto: Pedro Alberto Gomide
Outro importante projeto é a Igreja Espírito Santo do
Cerrado, da arquiteta Lina Bo Bardi, o único
exemplar em Minas Gerais de sua produção.
Fig. 24: Painel de pastilha no hall de
entrada, Uberlândia Clube _ Artista
Plástico José Machado de Moraes
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 25: Igreja Espírito
Santo do Cerrado,
Uberlândia _ Arquiteta
Lina Bo Bardi
Foto: arquivo da
pesquisa
34
Apud Uberlândia Clube Sociedade Recreativa. Disponível em:
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=628>.
124
Em 1975, o Frei Egydio Parisi convidou Lina para realizar o
projeto de uma igreja franciscana em um pequeno terreno,
localizado no humilde bairro Jaraguá.
A obra foi construída pelos próprios moradores em
mutirões, e utilizando materiais característicos da região,
angariados por doações. Também foi essencial a ajuda
vinda da organização alemã Adveniat.
O conjunto se distribui em quatro platôs compostos cada
Fig. 26: Vista aérea da Igreja Espírito Santo do Cerrado,
Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto: Laura Fernandes Miguel
um, respectivamente pela capela, a casa para três
religiosas e um salão, assim como o campo de futebol
(agora cimentado). Os dois primeiros ambientes são em
tijolos aparentes, assentados com barro, tendo concreto armado onde se fez
necessário e no caso da capela, seu interior é estruturado por toras de madeira
(aroeira lavada). O salão remete a uma oca indígena, tendo fechamento em
bambu.
A composição além de aludir aos materiais da região ainda representa, através
da arquitetura, a cultura popular.
Este projeto além de estar fora do perímetro central e de seu entorno próximo,
onde o moderno foi mais fortemente realizado, ainda teve a particularidade de
não utilizar de recursos financeiros da burguesia local ou do poder público, além
de destinar-se ao uso de uma população carente.
Fig. 27: Interior da capela, Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto: Laura Fernandes Miguel
Fig. 28: Fechamento do salão, Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto: arquivo da pesquisa
Atualmente o bairro é composto também pela classe média, que continua
utilizando o espaço para as práticas religiosas.
Em maio de 1997, a igreja foi tombada como patrimônio histórico estadual pelo
IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas
Gerais) e apesar disso, freqüentemente sofre descaracterizações, muito
ocasionadas
pela
falta
de
adequada
manutenção.
Como última análise na cidade de Uberlândia
está a residência Geraldo Migliorini, projeto
do arquiteto mineiro Fernando Graça.
Elaborado em 1958, este foi o segundo
projeto do arquiteto, sendo que ele ainda nem
havia finalizado o curso de arquitetura pela
Universidade
Federal
de
Minas
Gerais
(UFMG), o que só veio a ocorrer em 1959.
Fig. 29: Residência Migliorini, Uberlândia _
Arquiteto Fernando Graça
Foto: arquivo da pesquisa
A construção foi executada sem nenhuma
modificação em relação à proposta original, e o programa de necessidades foi
definido juntamente com a esposa do proprietário, D. Yovette Migliorini.
A obra durou um ano e meio, sendo inaugurada em 1960.
Grande parte dos materiais foi adquirida na própria cidade.
A residência tem elementos que foram exclusivamente
desenhados pelo arquiteto para ela, como por exemplo, os
azulejos do piso e os painéis interiores (FARIA, R. R. et al.).
Fig. 30: Mobiliário e piso da residência Migliorini, Uberlândia _ Arquiteto
Fernando Graça
Foto: arquivo da pesquisa
De caracterização moderna compõe-se por lajes planas, jogos volumétricos,
grandes panos de vidro, painéis decorativos e uso de materiais como tijolo a
vista, pastilhas, azulejos.
126
Tem
consideráveis
afastamentos
em
todas
as
fachadas
do
terreno,
implantando-se diversamente ao contexto de entorno, composto por edifícios
verticais e arquitetura principalmente colonial, na qual a edificação explora os
alinhamentos frontal e laterais.
Seus elementos construtivos também diferem e sua relação com o
espaço público é fortalecida pelo baixíssimo muro na frente da
edificação.
Por este projeto Graça recebeu vários prêmios, sendo que um deles
ficou a cargo do IAB de Minas Gerais em 1958.
Geraldo Migliorini era um político influente, sendo que sua residência
Fig. 31: Interior da residência Migliorini,
Uberlândia _ Arquiteto Fernando Graça
Foto: arquivo da pesquisa
foi palco de eventos importantes no contexto social da cidade. Assim
como recebeu visitantes ilustres do âmbito nacional.
Recentemente D. Yovette faleceu e a família optou por vender a residência.
Membros da área de preservação na cidade pediram o tombamento do projeto,
em virtude de sua importância histórica, parte da memória e identidade de
Uberlândia.
Infelizmente o atual proprietário, um empresário de outra cidade, mesmo sendo
informado do valor do edifício, optou por demoli-lo. Este só possuía um alvará,
que permitia pequenas reformas, estando impedido de tal ato realizado.
A multa a ser paga por ele é irrisória em comparação a perda
de um patrimônio dessa qualidade. Fica também a dúvida
quanto ao poder público, na imagem das Secretarias de
Cultura e de Planejamento Urbano, que em nada impediram
tal descaso.
Sacramento é uma das mais antigas ocupações do estado de
Minas Gerais, caracterizando-se por uma constituição urbana
voltada para os estilos colonial e, principalmente, eclético. O
moderno foi incorporado somente em alguns elementos
Fig. 32: Foto aérea da Vila de Jaguara, Sacramento
_ Projeto da Usina Hidrelétrica de Jaguara
Foto: Google Earth
construtivos, sendo a Vila de Jaguara seu grande símbolo
modernista.
Construída na década de 1970, era parte do programa de implantação da Usina
Hidrelétrica de Jaguara e tinha o intuito de proporcionar moradia e
infra-estrutura necessária aos funcionários da empresa, constituindo-se por
residências, escola, supermercado, clube, casa de visitas, hotel, igreja
ecumênica, ambulatório e pista de pouso e decolagem.
Os equipamentos estão distribuídos na área
perimetral do conjunto, às margens da represa, com
exceção da pista, que se loca em conformidade a
legislação de transporte aéreo. As residências
estão na área central.
O acesso a vila é feito pela rodovia MG 428 e a
entrada é restrita, devido à presença da guarita de
Fig. 33: Escola _ Vila de Jaguara,
Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
segurança.
O traçado das vias é ortogonal, com uma avenida
ao centro, que atua como espinha dorsal, definindo
a circulação de todo o complexo. As demais ruas só
são acessadas por esta principal.
Os
lotes
possuem
uma
dimensão
bastante
considerável, permeando todo o quarteirão, o que
possibilita dois acessos aos terrenos, um em cada
via.
Uma particularidade é o fato de todas as
fachadas
(compostas
frontais
por
das
jardim
residências
e
varanda)
estarem voltadas para a entrada da vila,
conformando uma grande área verde
aos fundos, por onde se chega a
garagem.
Fig. 34: Residência da Vila de Jaguara, Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
128
Estas residências são padronizadas, com pequenas alterações de
planta, ressaltando que as diferentes hierarquias de poder na
hidrelétrica não definiam diferenças de convívio na vila, a qual se
pretendia coletiva.
A estruturação é em concreto, o fechamento em tijolos, que são
aparentes no exterior e a cobertura em duas águas.
Fig. 35: Supermercado _ Vila de Jaguara,
Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
A igreja é a edificação mais exuberante, possuindo uma forma
triangular em concreto aparente. A ambiência que se constitui é
propicia a meditação, a qual se potencializa ainda mais devido à implantação
afastada do restante do conjunto.
Fig. 36: Exterior da Igreja Ecumênica _ Vila de Jaguara, Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 37: Interior da Igreja Ecumênica _ Vila de Jaguara, Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
Cada equipamento tem sua particularidade, sendo freqüente o uso de concreto
e tijolos aparentes.
Atualmente a vila está praticamente desocupada, com exceção do hotel.
Há pouco tempo foi vendida a um empresário da cidade, o qual pretende
transformá-la em um complexo turístico.
A localização fora do perímetro urbano contribuiu muito para a falta de
conhecimento dos moradores sobre sua existência.
Este conjunto necessita de medidas de
preservação,
salvaguardando
sua
constituição, que ainda se mantém bastante
original, e a qual é possivelmente adaptável a
novos usos, como o que será dado.
Conclusão
A
arquitetura
importantíssima
moderna
na
brasileira
contextualização
é
das
cidades, principalmente porque a produção
foi nacional, com desenvolvimento de técnicas
inovadoras, como o brise-soleil, o concreto
armado, etc.
No caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba
este período marcou o grande crescimento da
região e a arquitetura, o urbanismo e o
paisagismo eram tidos como a forma de
Fig. 38: Hotel _ Vila de Jaguara, Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
Fig. 39: Ambulatório _ Vila de Jaguara,
Sacramento
Foto: arquivo da pesquisa
registrar a imagem desenvolvimentista e o
progresso. As construções, com suas inovações, volumetria, formas, elementos
e materiais, representavam os avanços e a modernidade.
A produção moderna teve, então, papel primordial na formação imagética da
população e nos dias atuais já é parte da identidade e memória histórica desses
locais.
Em cidades como Uberlândia, Uberaba e Araguari, todas acessadas pela BR
050, que interliga São Paulo à Brasília, os projetos modernos tiveram maior
destaque, resultando em um grande acervo, ainda existente, mas passível de
descaracterizações ou demolições, devido à falta de políticas protecionistas.
Infelizmente ainda é insipiente a cultura de preservação, já que a arquitetura
moderna continua não sendo vista como patrimônio a ser preservado,
principalmente em virtude de sua proximidade temporal.
130
Como pôde ser observado, em uma cidade do porte de Uberlândia, existem
somente três projetos modernos protegidos por lei, o que é irrisório, perto da
produção que se teve, e principalmente em virtude da variedade de tipologias e
usos.
A pesquisa desenvolvida é então muito importante, principalmente enquanto
produção documental, pois a catalogação dos projetos em fichas de inventário é
o passo inicial para a preservação. O levantamento também é amparado pelas
discussões do grupo, definindo a percepção crítica e as análises sobre a melhor
forma de proteger tal patrimônio.
Agradecimentos
À FAPEMIG por financiar e incentivar o projeto científico. Ao CNPq pela bolsa de
iniciação e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Uberlândia, em especial ao núcleo de História, idealizador da produção.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, P. A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João
Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos. Dissertação (Mestrado) – EESC – USP,
1998.
BARDI, L. B.; ALMEIDA, E.; FERRAZ, M. C. [org.]. Igreja Espírito Santo do
Cerrado. Portugal: Editorial Blau, 1999.
BENEVOLO, L. (1976). História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1976.
______. História da Cidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.
CAPPELLO, M. B. C. Arquitetura em revista: arquitetura moderna no Brasil e sua
recepção nas revistas francesas, inglesas e italianas (1945-1960). São Paulo.
Tese (Doutorado) – FAU – USP, 2005.
FARIA, R. R.; GOMES, P. S.; GOMIDE, G. O.; LIMA, D. R. S.; SARAMAGO, R. C.
P.; SEGANTINI, M. O. Dossiê de Tombamento da Residência Migliorini.
Uberlândia. Trabalho da disciplina de graduação Técnicas Retrospectivas –
FAURB – UFU, 2007.
GOODWIN, P. L. Brazil Builds – Architecture New and Old 1652 - 1942. New
York: The Museum of Modern Art, 1943.
GUERRA, M. E. As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro.
São Carlos. Dissertação (Mestrado) – EESC – USP, 1998.
IGREJA
Espírito
Santo
do
Cerrado.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=629>.
em:
Acesso
em: 21 jul. 2008.
LAMAS, J. M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992.
LAURENTIZ, L. Olhando as arquiteturas do cerrado. Projeto, São Paulo, n.º 163,
p. 75-91, mai. 1993.
LEMOS, C. A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos e Edusp,
1979.
MARTINS, C. A. F. Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de
Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH – USP (1º. Capítulo),
1988.
MINDLIN, H. Arquitetura moderna no Brasil. Organizador da edição brasileira
Lauro Cavalcanti. Tradução de Paulo Pedreira. 2 ed. Rio de Janeiro: Aeroplano
Editora/IPHAN. 2000. Tradução de: Modern architecture in Brazil.
PATRIMÔNIO
Cultural
–
Fichas
de
Inventário.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=604>.
em:
Acesso
em: 20 de jul. 2008.
132
PRAÇA
Tubal
Vilela.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=632>.
em:
Acesso
em: 21 jul. 2008.
PESSÔA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSÔA,
J.; VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói:
EduFF, 2006.
REIS FILHO, N. G. Quadros da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1970.
SANTOS, C. R. Conservação no DOCOMOMO: modernidade em busca de
preservação ou preservação em busca de modernidade?. In: PESSÔA, J.;
VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói:
EduFF, 2006.
SOARES, B. R. Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia. São Paulo.
Tese (Mestrado) – Departamento de Geografia – USP, 1988.
SEGAWA, H. Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998.
SILVA JÚNIOR, A. P.; CAPPELLO, M. B. C. Documentação das residências do
arquiteto
Elifas
Lopes
Martins
em
Uberlândia.
Disponível
em:
<http://www.propp.ufu.br/revistaeletronica/edicao2002/G/DOCUMENTACAO%2
02.PDF>. Acesso em 20 jul. 2008.
UBERLÂNDIA
Clube
Sociedade
Recreativa.
Disponível
<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=628>.
em: 21 jul. 2008.
em:
Acesso
GERMANO GULTZGOFF E O MOVIMENTO MODERNO EM UBERABA
Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo
Cappello
Este trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura
Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”,
desenvolvido pelo Núcleo de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Uberlândia. Esta investigação tem como objetivo
estabelecer uma base documental consistente para a avaliação da produção
projetual da Arquitetura Moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba, estado de Minas Gerais.
Com o produto desta investigação é possível traçar um panorama referente a
consolidação do Movimento Moderno na arquitetura produzida em uma região
ainda carente de estudos pela historiografia nacional. As décadas de 1960 e
1970 abarcam o período de estabelecimento de princípios modernos na
construção regional; o que denuncia o processo de apropriação dessa leitura de
espaço desenvolvida primeiramente nos grandes centros pelos autores desses
projetos, antes do exercício local.
Neste período a região experimentava grande desenvolvimento, principalmente
as cidades de Uberlândia e Uberaba, impulsionado pela construção de Brasília
e a intensificação das rotas comerciais do interior brasileiro. O processo de
consolidação do centro dessas cidades, propício para as novas possibilidades
de verticalização e adensamento, e o crescimento urbano associados ao espírito
de modernidade traçaram a nova imagem destas cidades. Algumas com a
conservação de sua configuração urbana de escala e ocupação e outras, de
maior desenvolvimento, com a sobreposição de edifícios, redesenhos espaciais
e deslocamentos de centralidades e interesses.
A partir do registro e documentação da produção arquitetônica investigada, é
possível identificar características de práticas desenvolvidas na região por uma
classe de engenheiros e arquitetos e urbanistas graduados nos grandes centros
urbanos do país. Estas experiências de formação acabam por determinar o
ponto de partida para uma atuação frente aos problemas locais, as quais
permitem situar a obra moderna regional no contexto nacional.
134
Entre a produção identificada nas 21 cidades de
estudo, é destaque a obra do Arquiteto Germano
Gultzgoff, identificado como autor de significativos
edifícios na cidade de Uberaba, onde dedicou maior
parte de sua profissão.
Os avós do arquiteto Germano Gultzgoff saem da
Rússia, fugindo da revolução e encontram-se na
Grécia, de onde partem para a Córcega e para Lyon,
na França. O passo seguinte foi a vinda para o Brasil,
onde o avô do arquiteto trabalha como atuário. A
família se estabelece em São Paulo, onde nasce
Germano, que parte para Minas Gerais em sua
juventude, estudando por 3 anos na escola de Minas
em Ouro Preto, antes de ingressar na escola
Mackenzie, em São Paulo. Nesta cursou o básico de
Galeria Fausto Salomão, Uberba – arq. Germano
Gultzgoff, 1972
Engenharia Civil e diversas cadeiras de Arquitetura,
totalizando 6 anos de estudo. Isto lhe deu, nas palavras
de seu filho, grande qualidade para seu desenho e
muito conhecimento estrutural; com relação a este
último, ele cita seu pai, que sempre dizia ‘arquiteto de
hoje não sabe nada de estrutura, arquitetura virou corte
e costura’. Importante sobre sua formação foi seu
período de estágio no escritório do arquiteto paulista
Oswaldo Bratke.
Edifício de apartamentos Pedro Salomão, Uberaba –
Arq. Germano Gulzgoff, 1964. Homenagem ao mestre
com desenho inspirado na residência Morumbi em São
Paulo, de Oswaldo Bratke.
Após graduar-se em São Paulo – ano de
1950, turma de 18 alunos – recebe
convite para projetar uma reforma numa
casa em Uberaba/MG, do pai de um
amigo
da
Chegando
época
à
de
cidade,
Ouro
Preto.
recebe
outro
encargo, desta vez uma fábrica de papel
cujo proprietário era Edgar Rodrigues da
Cunha – atualmente a fábrica não existe
mais, tendo sido demolida recentemente.
Res. Maurício Cunha Campos de Moraes e Castro,
Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, 1950. Primeiro
encargo na cidade, uma reforma.
Com isso, outros projetos surgiram e o
arquiteto acabou por se estabelecer na
cidade, onde realizou a maior parte de
seu trabalho. Surgiram oportunidades de
trabalho em Brasília,
mas que não
puderam ser aceitas devido à gravidez
de sua esposa.
Seu primeiro importante projeto foi o
Hospital Hélio Angotti, financiado pela
Associação de Combate ao Câncer do
Brasil Central, sob a denominação de
Residência Hélio Angotti, Uberaba – Arq. Germano
Gulzgoff, década de 1950.
Hospital de Clínicas Mário Palmério,
então deputado federal que deu todo
apoio à instituição. A inauguração se deu
em 4 de maio de 1958, sendo que a data
do projeto é desconhecida. Germano
Filho comenta ainda que o projeto
estrutural da cúpula do hospital – não
mais existente – foi realizado pelo
engenheiro
calculista
Victor
Neciporenko, mesmo autor do projeto
estrutural da cúpula do Ibirapuera.
Entre 1964-1965 Germano vê um de seus
primeiros
edifícios
de
Edifício de apartamentos Pedro Salomão, Uberaba –
Arq. Germano Gulzgoff, 1964. Interior do apartamento
do arquiteto.
apartamentos
136
construído, provavelmente um dos primeiros da cidade: o edifício Pedro
Salomão, com 13 pavimentos e lojas no térreo. Seu desenho teve como objetivo
homenagear seu mestre Oswaldo Bratke, em específico tomando como
referência a casa Morumbi – as referências são diversas: o desenho das
elevações, a utilização dos materiais, os interiores etc.
Além deste, outros importantes projetos de Germano estão distribuídos pela
cidade: o edifício comercial e de garagens Chapadão, outra galeria comercial,
edifícios residenciais, casas, reforma no prédio dos Correios em Uberaba e em
diversas cidades da região, algumas obras em Brasília – Residência para Delfim
Neto, Centro Comercial Urbano Salomão e Granja Riacho Fundo. A década de
1970 foi de intenso trabalho, com muitos projetos chegando à sua prancheta no
escritório que estabeleceu junto à construtora Urbano Salomão até o
fim de sua carreira.
Na década de 1980 Germano se envolve com a vida política de
Uberaba: trabalha na secretaria de obras, se candidata à prefeito
(com 237 votos), funda o Partido Verde na cidade. Ainda, auxilia Mário
Palmério a criar a FIUBE (atualmente UNIUBE), realizando muitos dos
projetos dos prédios da universidade – embora tenham sido muito
descaracterizados. Nesta universidade ainda não havia curso de
arquitetura e Germano leciona então arquitetura no curso de
engenharia. Por motivos desconhecidos, ele abandona a carreira de
professor – talvez desgostado com os alunos –, após 20 anos de sala
Edifício Chapadão , Uberaba – Arq.
Germano Gulzgoff, 1975.
de aula. Com sua saída, a escola continuou a pagar seu salário,
mesmo não indo trabalhar, uma vez que era mais barato isso do que
pagar a indenização para um dos fundadores da instituição. Nesta
situação ele fica durante 30 anos, até seu falecimento em 2008.
A virada da década de 1970 para a de 1980 representou não apenas
uma intensificação da atividade política do arquiteto na cidade, mas
também um redirecionamento em sua trajetória profissional. Após
seus primeiros anos fincados no exercício da linguagem formal e do
modo de projetar instituídos pelo Movimento Moderno, Gultzgoff
Faculdade de Talentos Humanos,
Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff,
década de 1970.
passou a realizar projetos onde estes dois aspectos não eram mais
indissociáveis. Deste modo, seu rigor inicial foi substituído por um
desapego ao racionalismo e ao abstracionismo modernos – interessante notar
que foi justamente na década de 1970 que o Movimento Moderno alcança sua
popularização nas cidades da região, principalmente Uberlândia, Uberaba,
Araxá
e Araguari.
Os
trabalhos
deste
período
em
diante mostram,
progressivamente, um distanciamento da linguagem moderna, em favor dos
desejos de sua clientela: se o pedido era um castelo medieval, o projeto o era,
embora de ‘planta moderna’, nas palavras do arquiteto. Assim, embora muitas
obras do período se aproximavam do pós-modernismo historicista, uma análise
mais atenta demonstra que, acima de tudo, a mudança se deu em função da
aceitação pelo arquiteto do hedonismo e das fantasias de seus clientes.
Seu filho, desenhista do pai entre
seus 15 e 20 anos, ainda conta que o
pai gostava muito de história, que
era um militar frustrado e que
desejava muito que o filho fosse
militar – o que não aconteceu; e cita
uma frase de seu pai: ‘Profissão que
lida com desgraça é a que dá
dinheiro, profissão que lida com
sonho, não’. Assim ele comparava os
médicos
aos
completava:
arquitetos,
‘sempre
gostei
mas
do
Hospital Santa Lucia, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff,
década de 1970. Este é um dos primeiros exemplares onde
o arquiteto se distancia da linguagem moderna, com
referências diretas à história ou à tradição vernacular.
sonho’.
Carente de um estudo acadêmico aprofundado, a obra de Germano Gultzgoff é
protagonista do desenvolvimento e consolidação do Movimento Moderno em
Uberaba e região, tendo desempenhado papel pioneiro semelhante ao de João
Jorge Coury em Uberlândia.
Referências Bibliográficas
ARGAN, Giulio Carlo - Arte Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras. 1995
138
AZEVEDO, Patrícia; GUERRA, Maria Eliza – João Jorge Coury, Um Moderno no
Triângulo. In: Projeto n.º 163, pp. 78-79, 1993.
AZEVEDO, Patrícia – A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto
João Jorge Coury em Uberlândia. Dissertação de Mestrado, EESC – USP,
São Carlos,1998.
BENÉVOLO, Leonardo – História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1976.
BORDA, Luis Eduardo – O Nexo da Forma: Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao
Debate Contemporâneo. Tese de Doutorado. Orientador: Domingos Tadeu
Chiarelli, USP,São Paulo, 2003.
BRUAND, Yves – Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1981.
COWART, Jack – Henri Matisse Paper Cut-Outs. New York: Harry N. Abrams,
Inc., 1977.
FRAMPTON, Kenneth – História Critica da Arquitectura Moderna. Barcelona,
Gustavo Gili, 1987.
GOLDING, John – Cubismo. In: STANGOS, Nikos (org.) – Conceitos da Arte
Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
ROWE, Collin – Transparência: literal e fenomenal. Revista de História da Arte e
da Arquitetura Gávea. Rio de Janeiro, 1985, n°2, p. 33-50, 1955/56
A LÓGICA DA SUPERFÍCIE: ANÁLISE FORMAL DA RESIDÊNCIA MIGLIORINI
Luis Eduardo Borda / Larissa Ribeiro Cunha
Introdução
Tendo tido um desenvolvimento econômico e urbano considerável durante os
anos 60 e 70, a região do Triângulo e Alto Paranaíba registrou a produção de um
significativo acervo arquitetônico de matriz moderna. Tal produção vinculou-se à
implantação da capital federal (situada a menos de 500 Km da região do
Triângulo) e à divulgação dos idéias modernos em várias regiões brasileiras
deste período.
A pesquisa intitulada Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação teve por finalidade registrar tal
produção, produzindo um material que servisse para a reflexão acerca desta
arquitetura, bem como de suporte para ações ligadas à sua preservação.
Tal pesquisa teve coordenação da Profª Drª M. Beatriz Cappello e participação
dos professores Dr. Luiz Carlos de Laurentiz, Drª Patrícia Ribeiro, Drª Marília
Vale, Ms. Flávia Ballerini e Dr. Luis Eduardo Borda, todos professores da
Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de
140
Uberlândia (UFU), além de vários estudantes do Curso de Arquitetura e
Urbanismo da UFU.
Este texto é o registro da experiência de documentação e análise da Residência
Migliorini, expressivo exemplar de residência modernista construída em
Uberlândia.
A análise da residência foi realizada pela estudante Larissa Ribeiro Cunha, do
curso de Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do professor Dr. Luis Eduardo
Borda. Ambos são autores deste artigo.
O foco da análise é o problema do plano ou da superfície, questão que, estando
presente na pintura e na escultura modernas, constituiu um dos elementos
conceituais importantes vinculados à definição do espaço moderno.
Material e métodos
Pesquisa de caráter documental, o trabalho implicou inicialmente o estudo da
referência bibliográfica vinculada à Arquitetura Moderna e a aspectos ligados à
sua preservação, além de discussões sobre alguns textos considerados
fundamentais para o entendimento das questões conceituais referentes à
pesquisa.
Um segundo passo foi o trabalho de campo nas cidades designadas para cada
pesquisador. Coube a cada um fotografar e buscar informações sobre as
construções identificadas nas várias cidades cobertas pela pesquisa. Isso levou
à elaboração das fichas de identificação de tais bens, as quais seguiram o
modelo adotado pelo DOCOMOMO Internacional.
Discussão e resultados
1.A questão planar na pintura e na escultura
A questão planar esteve presente na Arte Moderna e influenciou poderosamente
a arquitetura. Embora a ênfase conferida ao plano já ocorresse em telas como
as do pintor Paul Cézanne (França, 1839-1906), foi o Cubismo que colocou
definitivamente em questão a planaridade da tela.
A questão do plano decorreu, primeiramente, do fato dos pintores Pablo Picasso
e Georges Braque terem abandonado a perspectiva como o único modo
possível de representação. O que fizeram foi substituir a perspectiva por
diferentes visadas do mesmo objeto, visadas que eram trazidas de modo
fragmentado para o espaço da tela. A tarefa do observador seria reconstituir
mentalmente o objeto a partir destes fragmentos visuais.35
Em termos plásticos, o resultado foi a transformação da tela numa espécie de
trama: uma estrutura ou malha onde cada ponto passava a ter a mesma
importância e onde se eliminava a clássica distinção entre figura e fundo.
Ao invés do espaço ilusionista dado pela perspectiva, tinha-se agora uma
estrutura
planar
constituída
por
inúmeros
fragmentos
de
objetos
representados.36
Até mesmo a paleta de cor passou a articular-se a essa tendência em enfatizar o
caráter plano da tela. Nessa primeira fase cubista, denominada de Cubismo
Analítico, os pintores restringiram tremendamente a gama de tons utilizados.
Limitaram-se aos beges, marrons e acinzentados, evitando qualquer outra cor
ou tom mais intenso. A razão disso era evitar que algum elemento da tela,
pintado com uma cor mais saturada ou intensa, saltasse aos olhos do
observador, produzisse um efeito de profundidade e rompesse assim o efeito
chapado que buscavam. (Fig. 1).
Na fase seguinte, chamada de Cubismo Sintético, as figuras representadas
tornaram-se silhuetas, elementos chapados, colocados uns a frente dos outros,
determinando um sentido de profundidade não mais produzido pelas regras da
perspectiva e sim pela lógica da sobreposição das formas. É o caso da tela Os
Três Músicos (1921. Figura 2), de Pablo
35
As pesquisas de Picasso e Braque foram desenvolvidas nas primeiras duas décadas
do século XX.
36
Uma vez que tais fragmentos retinham ainda certo caráter tridimensional, o resultado
foi uma imagem que se assemelhava a um baixo-relevo.
142
Picasso. Tratava-se de uma articulação de elementos planos e
paralelos à superfície da tela, algo que anunciava uma
possibilidade plástica que seria usada na Arquitetura Moderna.
Do mesmo modo que a pintura, a escultura passou a incorporar
o plano como uma nova possibilidade de resolução da forma. É
o que se pode ver na obra Corner Relief (1915. Figura 3), de
Vladimir Tatlin. Diferente do desbaste da pedra, do entalhe da
madeira ou da modelagem da argila, o que se tem aí é a ação
Figura 2 - Picasso, Pablo – Os Três Músicos,
1921.
de cortar, articular, soldar, aparafusar, procedimentos muito
mais próximos da engenharia do que dos processos clássicos
vinculados à escultura.
Outro aspecto é o que concerne à espacialidade gerada. O
Corner Relief não é uma forma densa, não se vincula à noção
clássica da escultura, nem implica uma rígida distinção entre
forma e espaço. É, ao contrário, uma composição onde o vazio
adquire um valor positivo. Constituindo uma composição
assimétrica, o Corner Relief demanda ademais que o
observador se desloque, retenha na memória cada ângulo
percebido e depois reconstrua mentalmente o espaço da obra.
Ora, quando a arquitetura passou a incorporar a questão do
plano, essas mesmas questões tornaram-se aspectos do
espaço arquitetônico. É o que veremos a seguir.
2. A questão do plano na arquitetura
Figura 1 - Braque, Georges - Violin and Pitcher,
1909-1910
Em 1925, Theo van Doesburg escreve “Os dezessete pontos da
arquitetura neoplástica.” Neste texto, escrito em forma de
Manifesto, propõe várias diretrizes para a arquitetura moderna e
explica que o espaço moderno deveria resultar de uma
articulação de planos.
Na obra Articulação de Planos no Espaço (1923. Fig. 4)
Doesburg esclarece que o seria um espaço gerado através de
Figura 3 - Tatlin, Vladimir – Corner Relief, 1915
planos. Isso é mostrado através de um desenho semelhante ao
Corner Relif, de Tatlin. A diferença é que, enquanto Tatlin realizou uma
articulação com planos curvos, Doesburg propôs planos retos e uma
organização plástica ortogonal.
A proposição de Le Corbusier referente à planta livre também seria coerente
com a questão dos planos; trata-se de um sistema de pilares e lajes, onde os
planos verticais (paredes) acontecem livremente. Isso é possível porque as
paredes funcionam como vedação apenas, deixando de desempenhar uma
função de sustentação do edifício.
Ora, como mostraremos a seguir, a concepção arquitetônica da Residência
Migliorini busca aproximar-se dessa lógica dos planos e da idéia de que são as
superfícies as geratrizes do espaço.
Figura 4 - Doesburg, Theo – Articulação de Planos no Espaço, 1923.
3 histórico da residência Migliorini
A residência situava-se na Praça Coronel Carneiro, n° 112, Bairro Fundinho,
setor central de Uberlândia (MG).
O projeto é de 1950 e foi realizado para um terreno onde havia uma antiga
construção. Conhecida como a Casa do Coronel Carneiro, tal construção foi
demolida para dar lugar à nova moradia. 37 A proposta arquitetônica foi
37
A casa havia sido adquirida em 1948 pelo Comendador Geraldo Migliorini.
144
encomendada pelo Comendador Geraldo Migliorini ao então estudante de
arquitetura Fernando Graça38.
A residência abrigou reuniões de renomados políticos da época, como também
pessoas da sociedade uberlandense.
Há algum tempo, com o falecimento de D. Yovette Migliorini, os seus filhos
resolveram colocar a casa à venda.
A residência foi demolida em 19 de julho de 2008 para dar lugar a um centro
comercial, não obstante os protestos de arquitetos, estudantes e membros da
comunidade uberlandense que compreendiam seu valor enquanto patrimônio
arquitetônico moderno.
4. Preocupações funcionais e disposição geral dos ambientes
O projeto de Fernando Graça revela preocupação com funcionalidade, boa
articulação espacial e com a privacidade dos setores (social, íntimo e de
serviço).
Modulou a planta com cerca de dois metros no sentido transversal do terreno e
cerca de quatro metros no sentido longitudinal, princípio de racionalidade que
facilitou a execução da estrutura e o desenho das esquadrias.39 (Figura 5).
Para atender o amplo programa da residência e também liberar o máximo de
área livre no terreno F. Graça desenvolveu o projeto em dois pavimentos: situou
o setor social e o de serviço no térreo, levando o setor íntimo para o pavimento
superior.
38
Arquiteto natural de Carangola, MG. Quando desenvolveu o projeto da residência
Migliorini, Fernando Graça cursava o 4º ano como estudante de arquitetura da UMG
(hoje UFMG). Para o desenvolvimento da proposta seguiu a orientação de D. Yovette
Migliorini, esposa do comendador.
39
A medida de dois e quatro metros é aproximada já que aferida pela observação das
fotos.
Definiu afastamentos e pátios com vegetação em todos os lados da construção,
de modo a garantir o máximo de ventilação, iluminação e integração entre
construção e área verde. 40
A garantia de privacidade conseguida nos setores íntimo e de serviço deve-se à
criação de um vestíbulo social; deve-se também ao fato de que a área da
escada funciona como um vestíbulo íntimo, ligando os dormitórios à cozinha e às
demais dependências de serviço.41
5. Análise da residência migliorini a partir da questão do plano
Fernando Graça opta por uma volumetria caracterizada por prismas
retangulares. Articula tais prismas a uma composição assimétrica e marcada
pelo forte caráter de horizontalidade.
Confere certo destaque à estrutura. Faz questão de deixar evidenciadas as
vigas que estruturam a construção; elas aparecem de modo marcante na
fachada e fazem parte de um jogo compositivo onde cada elemento tende a
comparecer de modo independente e plasticamente marcado. (Figura 5).
É a este jogo compositivo que se articulam os planos (as paredes) da
residência. Veja-se, por exemplo, as superfícies que definem a fachada
principal; podem ser identificadas uma a uma. Há, por exemplo, o amplo plano
envidraçado do estar, as duas superfícies de tijolo à vista, no hall
e no
estacionamento, e, para não citar todos os planos, a parede azulejada que
delimita o escritório. (Figura 5) São elementos independentes, cada qual
revestido de um material distinto; têm sua autonomia assinalada a partir do
contraste cromático com os demais componentes da composição. Mas não só
isso. A independência plástica de cada superfície é salientada pela sua posição
no jogo compositivo e também pelo formato pregnante 42 : tais planos são
40
Explorou, aliás, diferentes paginações nos pátios e áreas livres, conferindo identidade
a cada um.
41
O pavimento superior é formado pela área íntima, composta por uma suíte, quatro
quartos, dois banheiros e um terraço.
42
Segundo a Teoria da Gestalt, formas pregnantes são aquelas que tem um formato
facilmente reconhecível, podendo adquirir em função disso certo peso visual
(capacidade de despertar nossa atenção). ARNHEIM, R e GOMES FILHO,J.
146
retângulos perfeitamente definidos, por vezes recuando em relação ao limite do
volume, por vezes avançando.
Outro aspecto que reforça a integridade desses planos é o fato de que não
ultrapassam o limite das vigas. Veja-se, por exemplo, a superfície azulejada que
comparece na fachada. Neste caso, a integridade plástica deste elemento é
salientada não só pelo fato de não ultrapassar a linha da estrutura; resulta do
fato de que avança horizontalmente em relação ao limite da viga; tal
independência plástica decorre também do fato de que possui uma textura e cor
distintas dos demais elementos da composição (vigas e esquadrias).
No restante da residência, o mesmo raciocínio formal é utilizado. As venezianas
dos dormitórios, por exemplo, constituem um amplo plano de madeira que se
estende ao longo de todo o andar superior; ganham destaque em função do
contraste com o branco das paredes e da laje de cobertura. (Ver Figura 6).
No interior da residência, chama à atenção a parede de madeira que separa
dois setores do estar. O fato desta superfície se deter sob a viga reforça ainda
mais sua integridade formal e faz com que apareça mais claramente enquanto
uma superfície plasticamente autônoma.
Há também o plano azulejado que estrutura a escada. Trata-se de um elemento
perfeitamente identificado: uma superfície plasticamente independente e que
comparece como uma peça no jogo compositivo proposto por F. Graça.
Há ainda a superfície azulejada que organiza a circulação da área de serviço.
Igual a outras paredes da composição, não ultrapassa a linha da viga, além de
avançar em relação ao limite da fachada.
Figura 5 – Res. Migliorini: planta do
térreo, reconstituída pelos autores a
partir das fotos e com proporções
aproximadas. Legenda: 1.Hall de
entrada; 2.Estar social; 3.Estar
íntimo; 4.Jantar; 5.Cozinha; 6.Área
de serviço; 7.Dormitório de
empregada; 8.Banheiro;
9.Escritório;10.Dormitório;11.Estaci
onamento; 12.Varanda.
148
Figura
7
–
Residência
Migliorini.
Parede
revestida de azulejo, junto à área de serviço.
Foto Luis E. Borda Figura 8 – Residência
Migliorini. Parede revestida de madeira: estar
íntimo no térreo. Foto Luis E. Borda.
Figura 9 – Residência Migliorini. Azulejos
utilizados no estar íntimo e nas varandas.
Foto Luis E. Borda.
Por fim, há o revestimento de lambri especificado para a circulação do
pavimento térreo (Figura 8). Funciona enquanto uma extensa superfície de
madeira; rompe a idéia de volume, sensação que seria produzida se todas as
paredes internas ao ambiente fossem da mesma cor e textura.
Se até aqui analisamos de como modo a questão do plano comparece enquanto
elemento da linguagem arquitetônica, resta considerar o resultado espacial da
utilização da superfície enquanto recurso de projeto.
Vê-se, nesse sentido, que é no térreo onde Fernando Graça explora de modo
mais rico e contundente as possibilidades espaciais propiciadas pelos planos
(paredes). Essas situações espaciais de maior riqueza são geradas junto à
150
parede de madeira do Estar e junto ao plano azulejado que F. Graça cria na
área de serviço.
A parede de madeira do Estar determina um circulação fluída, já que é um
elemento solto no espaço da sala. É uma situação semelhante ao que se vê no
Pavilhão de Barcelona (Mies van der Rohe, 1929), onde os planos geram um
espaço fuído, sendo ao mesmo tempo elementos plasticamente autônomos.
O mesmo acontece na parede azulejada que se vê na área de serviço. É um
elemento que organiza a circulação, separa dormitórios e cozinha, ao mesmo
tempo em que garante uma trânsito fluido. O fato de avançar em relação ao
limite do volume acrescenta interesse plástico a esse elemento construtivo, ao
mesmo tempo em que o destaca enquanto uma peça na composição. De modo
mais contundente, vê-se esse mesmo raciocínio utilizado por Mies van der Rohe
(Casa de Campo de Tijolos, 1923), quando cria grandes planos que avançavam
para além dos limites do volume e geram diferentes áreas externas.
No pavimento superior da Residência Migliorini as superfícies já não têm a
mesma contundência espacial que no andar térreo.
Por fim, vale considerar que um aspecto interessante do projeto da residência
Migliorini é o fato de que a questão do plano é também levada para o desenho
das cerâmicas de parede e piso. Fernando Graça optou por padronagens
diversas, cada qual emprestando determinada identidade aos vários ambientes.
Há por exemplo a cerâmica azul e branca que comparece na circulação do
térreo e nas varandas. (Figura 9). Trata-se de uma forma plana, sinuosa,
sobreposta a um fundo azul. Lembra os recortes realizados por Matisse nos
anos 50, entre eles os da série Jazz (1947).
Num dos banheiros do andar superior, F. Graça utiliza a idéia cubista da
sobreposição dos planos.43 (Figura 6). São quadrados e retângulos de vários
tons de azul: elementos planares, paralelos entre si e que criam uma idéia de
profundidade não em função de perspectiva mas pelo fato de se situarem uns à
frente dos outros.
43
Trata-se de um procedimento típico do Cubismo Sintético.
Por fim há a cerâmica marrom e branco que comparece no piso de um banheiro
do andar superior. Neste caso F. Graça utiliza um desenho que, primando pela
idéia de planaridade, resulta num efeito ótico de ambiguidade: as formas
marrom ora são figura ora são fundo.
Conclusão
Presente na arte e na escultura moderna, a questão do plano (ou da superfície)
significou possibilidades plásticas que levaram não só a uma renovação da
linguagem quanto a uma arquitetura espacialmente mais rica e complexa.
Tendo por base as experiências pioneiras referentes a essa questão o então
estudante de arquitetura Fernando Graça desenvolveu o projeto da residência
Migliorini.
O projeto revela que, para além das preocupações com a funcionalidade e a
racionalidade do espaço, F. Graça explora a linguagem dos planos,
investigando dentro disso as possibilidades expressivas dos vários materiais e
texturas utilizados.
O projeto não tem a contundência espacial que se vê em obras como as de um
Mies van der Rohe. Contudo, tem qualidades inequívocas; revela um jogo
compositivo marcante, de grande clareza e racionalidade tectônica, articulado
ademais às possibilidades plásticas trazidas pelo plano moderno.
Para além da qualidade arquitetônica do projeto, a virtude da proposta foi ter
sido também uma das experiências pioneiras que trouxeram para a região do
Triângulo e Alto Paranaíba as ricas possibilidades vinculadas ao desenho
moderno.
Resta considerar, por fim, que, se a preservação desta arquitetura não possível,
acredita-se que o registro e a análise que aqui foram feitos sejam de interesse
no sentido de pensar o desenvolvimento da arquitetura moderna na região em
questão, bem como conduzir à preservação de obras modernas ainda
existentes e de reconhecido valor cultural.
Referências bibliográficas
152
ARGAN, Giulio Carlo - Arte Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras. 1995
AZEVEDO, Patrícia; GUERRA, Maria Eliza – João Jorge Coury, Um Moderno no
Triângulo. In: Projeto n.º 163, pp. 78-79, 1993.
AZEVEDO, Patrícia – A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto
João Jorge Coury em Uberlândia. Dissertação de Mestrado, EESC – USP, São
Carlos,1998.
BENÉVOLO, Leonardo – História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1976.
BORDA, Luis Eduardo – O Nexo da Forma: Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao
Debate Contemporâneo. Tese de Doutorado. Orientador: Domingos Tadeu
Chiarelli, USP,São Paulo, 2003.
BRUAND, Yves – Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1981.
COWART, Jack – Henri Matisse Paper Cut-Outs. New York: Harry N. Abrams,
Inc., 1977.
FRAMPTON, Kenneth – História Critica da Arquitectura Moderna. Barcelona,
Gustavo Gili, 1987.
GOLDING, John – Cubismo. In: STANGOS, Nikos (org.) – Conceitos da Arte
Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
ROWE, Collin – Transparência: literal e fenomenal. Revista de História da Arte e
da Arquitetura Gávea. Rio de Janeiro, 1985, n°2, p. 33-50, 1955/5
IGREJA ESPÍRITO SANTO DO CERRADO: A EXPERIÊNCIA DE LINA BO BARDI
EM MINAS GERAIS
Ariel L Lazzarin, Henrique V. S. Alves, Luiz C. Laurentiz, , Maria B. C. Cappello
Introdução
Na década de 1970 a cidade de Uberlândia já ultrapassava os 200 mil
habitantes, apresentando um crescimento bastante desigual entre a área central
e sua periferia, fruto de um desenfreado processo de especulação imobiliária.
Este crescimento se deu principalmente através de um grande fluxo de
imigração das cidades vizinhas para Uberlândia, surgido em decorrência do
próspero desempenho econômico da cidade. A Igreja Espírito Santo do Cerrado
se localiza no bairro Jaraguá, uma das diversas periferias pobres nascidas com
a chegada destes imigrantes regionais.
Durante uma estada em Uberlândia a arquiteta Lina Bo Badi é convidada por
Edmar de Almeida, Frei Egydio Parisi e Frei Fúlvio Sabia, em 1975, para
desenvolver o projeto de construção de uma capela que atendesse à
comunidade do bairro e às ordens dos Franciscanos e das Carmelitas de Pés
Descalços. Sua construção foi fruto do trabalho coletivo da comunidade –
através da criação de seu Conselho de Construção, eleito pelos moradores - e
dos profissionais envolvidos, em regime de mutirão, inaugurando a igreja em
1981, toda executada com materiais e técnicas da região. Este modo de
colaboração e diálogo entre os saberes erudito e popular, bastante recorrente
no pensamento da arquiteta, aconteceu de modo bastante intenso se
comparado às suas outras realizações pelo país, onde tal relação se deu em
menor grau.
Nesta igreja Lina Bo Bardi realizou, a partir da própria História da Arquitetura e
das necessidades dos habitantes do bairro, uma transformação no espaço
sagrado, acompanhando a evolução da igreja com a nova colocação do espaço
comunitário no corpo do edifício.
154
Documentação da Forma Arquitetônica
O processo de catalogação das obras adotado pelo projeto de pesquisa
supracitado inclui visitas aos edifícios e acesso a documentos históricos e
trabalhos anteriores referentes aos projetos. Neste caso, pela importância do
edifício, existe uma base documental satisfatória no que diz respeito ao projeto
original, sendo possível organizar as informações necessárias para seu registro
nos moldes propostos pelo grupo de pesquisa, possibilitando ainda o
estabelecimento de comparativos com as condições atuais da igreja.
O conjunto da Igreja é organizado em quatro cotas: a
mais alta guarda a área de celebração, localizado na
esquina entre a Avenida dos Mognos e Rua das
Mangabeiras; no segundo nível foi implantada uma
moradia para três religiosas e a administração; no
terceiro, um salão para festividades e reuniões e no
quarto nível, a quadra de futebol, que está localizada
na esquina entre a Avenida dos Ipês e Avenida dos
Mognos. Esta diferença de cota entre os três volumes
e funções do edifício faz com que seja estabelecida
Figura 1: Vista frontal da Igreja Espírito Santo do Cerrado
Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da Arquitetura
– FAURB UFU
uma hierarquia, onde a igreja está na cota mais
elevada e com o maior volume. (Figura 1)
O programa é organizado em três volumes, conectados e em partido circular,
acompanhando o desnível do terreno e criando movimento na fachada. O
acesso à Igreja acontece pela Avenida dos Mognos, onde uma entrada principal
distribui o fluxo para os três níveis. O volume central, onde se localiza a moradia
das religiosas possui um pequeno claustro, para onde estão voltadas as janelas
dos quartos (Figura 2). Na porção mais alta do terreno está localizado o
campanário, no lado “leste” do corpo da igreja.
Com a implantação do edifício em uma área limítrofe ao centro e em função da
topografia local, obteve-se uma relação visual direta com parte da área central
da cidade, a qual é avistada a partir do edifício. Esta situação, nos primeiros
anos, ressaltava o distanciamento da periferia e o centro progressista de então.
Hoje, após quase três décadas, esta paisagem distante se aproximou do
contexto local, pois a expansão da periferia da cidade para sítios ainda mais
distantes transformou o bairro Jaraguá – onde é situada a igreja -, não mais
sendo caracterizado como periferia, mas como região intermediária entre a área
central e as bordas da cidade.
Alguns
aspectos
do projeto
original
–
eliminados na execução ou durante a vida do
edifício - evidenciavam a contextualização do
edifício ao local, como a jardineira que
circunda o telhado da igreja, que reservava
lugar à vegetação do cerrado. Apesar das
interferências, alterações, supressões ou
mesmo da incompletude da execução do
plano original, o conjunto mantém suas
principais características arquitetônicas e
programáticas.
Figura 2: Pátio interno da Igreja Espírito Santo do
Cerrado
Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da
Arquitetura – FAURB UFU
O sistema construtivo utilizado para a edificação do conjunto é misto de
alvenaria estrutural, concreto armado, madeira e aço. Foram utilizados materiais
do próprio local: tijolo de barro e estrutura portante de madeira - aroeira da
região. No interior da Igreja, sustentando a cobertura, foi adotado o sistema de
estrutura de madeira em forma de pórtico e para o fechamento do edifício
estrutura em concreto armado. A vedação é em tijolo maciço sem acabamento
especial e sem reboco, a cobertura é de telha de barro do tipo “capa canal”,
assentada sobre engradamento de madeira, e telha translúcida de vidro na
região do altar-mor. O piso é em calçada portuguesa de um granito de cor
avermelhada. A casa paroquial está edificada em alvenaria estrutural, o piso é
em tabuado corrido e cimento queimado, as paredes internas receberam reboco
pintado de branco. No salão de festa foi também adotado o sistema estrutural
em madeira para a cobertura e bambu (substituído por aço e madeira) no
fechamento e o piso em chão batido foi substituído por cimento queimado.
156
TRANSFORMAÇÕES
Ao longo dos anos a estrutura da igreja sofreu uma série de intervenções, por
razões de segurança, conservação, uso ou ainda alterações por motivações
estéticas. Não existem registros documentais destas intervenções, as quais
foram identificadas a partir de análises comparativas com o projeto original e
relatos. Para melhor compreensão destas alterações, a análise se deu a partir da
organização de três grupos, referentes a cada uma das áreas principais do
edifício.
No interior do espaço da nave foi aplicada massa sobre os tijolos aparentes e
estes foram pintados de branco; foram fechadas as aberturas de ventilação e
iluminação em toda a extensão da parede; foi construído um cômodo atrás do
altar a partir do acréscimo feito no painel de tijolos ao fundo, revestido em massa
e pintado com tinta branca; o piso foi pintado; o piso do altar de tijolos foi
revestido com cimento queimado; houve instalação de luminárias; aplicação de
placas de madeira na porta principal, antes treliçada;
colocação de pilares em madeira para escoramento da
cobertura que apresentava rachaduras e instabilidade
estrutural (no inicio de 2008 foi realizada a substituição
de peças da estrutura da cobertura e a retirada deste
escoramento); instalação de caixas de som (Figura 3).
Figura 3: Interior da Igreja Espírito Santo do Cerrado
Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da Arquitetura –
FAURB UFU
A moradia, o volume central do edifício, teve seu uso substituído para
administração da igreja, o que acarretou uma série de adequações nos
espaços: a substituição da porta da administração; instalação de forro em
madeira; colocação de divisórias na atual secretaria; novas instalações elétricas
e adequação do subsolo.
No salão foi feita a substituição do fechamento a meia altura de bambu por
madeira roliça - do piso ao teto - e aço; o piso em chão batido foi revestido por
cimento queimado. O campo de futebol teve a grama do campo substituída por
piso em placas de concreto; houve o fechamento do terreno com muro e grade
desde o antigo campo até o acesso principal; foi instalado guarda-corpo desde
o nível mais elevado até o acesso principal; a antiga entrada de serviço ao lado
do campanário passou a ser utilizada como depósito e ainda, houve a
construção de uma cobertura na área externa no nível do salão. Recentemente
foi retirada toda a vegetação localizada no entorno do edifício.
A igrejinha hoje
A mobilização pró-preservação e recuperação da Igreja Espírito Santo do
Cerrado começou em 1994 a partir de estudos realizados pelos alunos do então
Departamento de Artes Plásticas da Universidade Federal de Uberlândia, sobre
a obra de Lina Bo Bardi, detectando que a Paróquia Divino Espírito Santo
pretendia fazer uma reforma no conjunto arquitetônico e que o projeto já se
encontrava nas mãos de um arquiteto da cidade. Após esses relatos, o
Departamento de Artes entrou em contato como Instituto Lina Bo Bardi e P. M.
Bardi propondo a vinda para Uberlândia da exposição de arquitetura de Lina Bo
Bardi, na intenção de conscientizar a população do valor de sua obra na cidade
e dar assim início, juntamente com o IAB - Núcleo Uberlândia, ao processo de
tombamento da obra. A exposição aconteceu em 1995, realizando em sua
abertura uma mesa redonda da qual participaram membros da comunidade, do
IEPHA, do IAB – núcleo Uberlândia, do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e da
Universidade Federal de Uberlândia. Na ocasião foi ressaltada a importância da
obra de Lina Bo Bardi na cidade. O tombamento foi oficializado pelo IEPHA/MG
em 18 de março de 1997. Em 18 de março de 1996 foi realizado pelo Instituto
Lina Bo Bardi juntamente com o pároco Rui Vieira, um documento contendo a
discussão das seguintes propostas: projeto do salão paroquial para atender as
necessidades do novo uso, ajuda do Instituto para o conserto dos telhados e
estruturas de madeira e reconstituição do projeto original.
O bairro Jaraguá não é mais o mesmo de quando a igreja foi construída. Muitos
moradores são novos, as ruas possuem trânsito de veículos cada vez mais
intenso e o projeto de Lina Bo Bardi permanece como centro de reuniões
comunitárias. A igreja possui uma abrangência local forte, atendendo aos
moradores e festividade do bairro. As celebrações continuam ocorrendo
periodicamente, as três celas não são mais utilizadas como dormitórios. O
campo é pouco utilizado para o esporte e isso se deve, em grande parte, à troca
158
da grama por piso. A maior parte das intervenções agride esteticamente o
edifício, além de enfraquecer o caráter público e aberto original com as grades e
muros. Após uma série de intervenções, a Igreja passou recentemente por um
processo de restauração de sua estrutura, com a substituição de peças da
estrutura de madeira da cobertura, acompanhada pelo órgão responsável
(IEPHA).
Atualmente, mesmo com seu tombamento, homologado em 09/05/97 pelo
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais IEPHA, a igreja vem sofrendo diversas alterações – descaracterizando seu
projeto original – geralmente oriundas das transformações de seu uso e de seu
entorno. Ainda, a ausência de uma manutenção adequada ao longo dos anos
ocasionou diversos problemas construtivos, chegando a por em risco sua
integridade física. Após reparos em sua estrutura, estuda-se a viabilidade da
execução de um projeto para um anexo à obra desenvolvido pelos arquitetos
Marcelo Ferraz e André Vainer, que estiveram envolvidos com o projeto original
e construção da obra, uma vez que certos elementos nunca chegaram a ser
construídos.
Pretende-se assim, com este trabalho, identificar as transformações do edifício a
partir do projeto original, da obra construída e das possíveis intervenções em
desenvolvimento. É a conservação da espacialidade, materialidade e uso deste
espaço que garante o cumprimento de sua função na comunidade.
Análise
O pequeno distanciamento histórico existente entre a contemporaneidade e o
Movimento Moderno na arquitetura regional não exclui seu entendimento
enquanto patrimônio histórico. Possibilita o estabelecimento de contatos com
informações e referências importantes para a constituição de um banco de
dados e entendimento deste processo na construção das cidades em estudo.
Este registro de arquitetura a partir de um método de catalogação proporciona
uma análise deste movimento em âmbito regional e consequentemente um
estudo destas cidades no contexto nacional.
No caso da Igreja Espírito Santo do Cerrado, sua inclusão nesse método faz
com que seja estabelecida uma relação com o contexto da construção local
quando da sua elaboração. Desta forma podem ser verificadas, a partir do
registro especificado, o impacto da obra naquele contexto, bem como a posição
da sociedade e do “arquiteto” diante daquele momento histórico. São as
análises de contexto, social, material e estética que determinam juntas o
verdadeiro sentido da arquitetura e sua relação com o local e servem como base
documental para o exercício da conservação da arquitetura enquanto
documento histórico e agente de identificação cultural e social.
Neste processo de levantamento de dados surgem diversos aspectos
relevantes para uma análise crítica do processo de criação de vínculos com o
determinado objeto de estudo, onde se encontram significativas condições para
o momento atual da obra. Entre as ações desenvolvidas hoje e que possuem o
edifício de estudo como acervo, se destacam produções de arte, as quais
utilizam meios de expressão para apontamentos pertinentes a essa referência
espacial na cidade de Uberlândia. Em um trabalho de performance, a artista
Ana Reis encontra um universo de investigação sobre as tensões existentes
frente ao espaço da Igreja Espírito Santo do Cerrado. Convertendo os registros
do trabalho em vídeo, a artista levanta questionamentos junto ao depoimento de
moradores do bairro em um processo de construção artística no próprio espaço
investigado, o “Trajeto com Beterrabas” (2009). No vídeo de registros Ana Reis
apresenta uma seqüência de moradores do entorno exteriorizando suas
impressões sobre este lugar, considerando desde aspectos históricos até
referentes ao uso contemporâneo do edifício.
Seu Hélio, por exemplo, destaca a ausência do sino na estrutura sempre
existente. Flávia, uma jovem, diz não conhecer uma história da Igreja, enquanto
Denise, outra jovem relata a existência de um Padre e de um mutirão de
construção, sem definições específicas de autores ou datas. Marília, não
identificou nenhuma transformação no edifício ao longo dos anos. Dona Cícera,
que viu a construção da Igreja, se conforma com o edifício construído, apesar
de tantas outras igrejas “mais bonitas” existentes. Segundo ela, pela quantidade
de madeira empregada na obra, se parece com uma “casa de índio”. Esta
mesma senhora também relata não poder “pregar nenhum prego” dentro da
igreja, afirmando que o local deve ser mantido em seu estado atual “para
sempre”. Dona Lindalva relembra o início dos trabalhos em 11 de janeiro de
1978 e sua participação na limpeza do lugar. Esta mesma senhora afirma em
160
tom bem humorado que: “Aqui nós não reza é porque não quer viu. Falta de
Igreja não é não.” Beth conta ter perdido a visão voltando da Igreja e afirma a
existência de modificações realizadas naquele lugar.
Relatos como esses existentes na obra de Ana Reis, contribuem diretamente
para a construção de um panorama das condições atuais da Igreja, não
somente no âmbito material, mas também das forças sociais agentes sobre esta
obra que coexiste às significações do imaginário coletivo local.
Este trabalho, ao relatar o desenvolvimento desta obra, discute a existência da
igreja não apenas como objeto de valor arquitetônico exemplar, mas sim como
elemento estruturador de uma realidade histórica específica. Embora a
discussão sobre a necessidade de seu restauro seja de suma importância para
sua preservação e para o estudo da obra de sua autora, ainda mais delicadas
são as relações entre a edificação e seu entorno atual, suas contradições e as
demandas sociais dos diversos agentes envolvidos em sua história –
comunidade, Igreja Católica, arquitetos e órgão públicos de cultura e
preservação. Se a própria preservação depende destas relações, até que ponto
a busca pelo projeto original é vital para a conservação do edifício? Ainda, em
face do iminente restauro - onde certos caracteres perdidos serão reconstruídos
e outros serão construídos pela primeira vez – é de suma importância a
discussão sobre onde se localizam as fronteiras do patrimônio histórico e
artístico, suas relações internas e as relações entre o objeto e a sociedade que o
produziu.
Referências
AZEVEDO, P., Guerra, M. E.(1993). João Jorge Coury, Um Moderno no
Triângulo. In: Projeto n.º163, pp. 78-79.
AZEVEDO, P. (1998). A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto
João Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC USP.
BARDI, Lina & ALMEIDA, Edmar de. Igreja Espírito Santo do Cerrado –
1976/1982. Marcelo Carvalho Ferraz (coordenação) Lisboa: Blau. 1999, 31 p.
BARDI, Lina B. e FERRAZ, M (coordenação editorial). Lina Bo Bardi. São Paulo:
Inst. Lina Bo e P. M. Bardi. 1993.
BRUAND, Y. (1981). Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo,
Perspectiva.
CHIOCA, Cíntia. Ficha de inventário do acervo cultural – Igreja Espírito Santo do
Cerrado. Secretaria de Cultura, Prefeitura Municipal de Uberlândia. 2002.
GOODWIN, P. L. (1943). Brazil Builds – Architecture New and Old 1652 - 1942.
New York, The Museum of Modern Art.
GUERRA, M. E. (1998). As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo
Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC - USP.
LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. In: Projeto n.º 163,
São Paulo, maio, pp. 75-91. LEMOS, C. A. C. (1979). Arquitetura Brasileira. São
Paulo: Melhoramentos e Edusp.
MARTINS, C. A. F. (1988). Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de
Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH - USP, 1º. Capítulo.
“MINAS GERAIS – BRASIL, PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL”.
Realização: Ministério da Indústria do Comércio e do Turismo – EMBRATUR –
Instituto Brasileiro de Turismo, TURMINAS – Governo de Minas Gerais,
TURMINAS.
PESSOA, J.; VASCONCELLOS,E.; REIS, E.; LOBO, M. (Org.). Moderno Nacional.
Niterói, EdUFF, 2006.REIS FILHO, Nestor G. (1970). Quadros da Arquitetura no
Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1970.
SEGAWA, H. (1998). Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo, Edusp.
XAVIER, A. org. (1966). Lúcio Costa: Obra Escrita. Brasília, UnB.
__________________. org. (1987). Arquitetura Moderna Brasileira - Depoimentos
de uma Geração. São Paulo, Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de
Arquitetura e Fundação Vila Nova Artigas.
http://vimeo.com/11771660. Acesso em junho de 2010.
162
A DESCARACTERIZAÇÂO DE EXEMPLARES DA ARQUITETURA MODERNA NA
CIDADE DE UBERLÂNDIA
Maria Fernanda Zumpano França / Maria Beatriz Camargo Cappello
Introdução
Em 1947, pela primeira vez no mundo, foi garantida a preservação através da
tutela legal de uma obra da arquitetura moderna, a Igreja de São Francisco da
Pampulha,44 em Belo Horizonte, obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Com os
tombamentos nasceu a preservação do patrimônio moderno no Brasil e a
certeza de que, com isso, esses monumentos históricos não seriam
desfigurados para as gerações futuras. (PESSOA, 2006)
A primeira fase de tombamento de obras modernas tinha por objetivo
salvaguardar edifícios ameaçados de destruição45, enquanto a fase posterior
tinha o intuito de reconhecer os marcos iniciais da arquitetura moderna
brasileira46. Ainda assim, com o tombamento de alguns exemplares modernos, o
patrimônio protegido é muito pequeno diante da produção da arquitetura
moderna no país. (PESSOA, 2006)
O presente trabalho tem como objetivo mostrar como parte do patrimônio
moderno da cidade de Uberlândia foi desfigurado, graças a sua falta de
proteção e a falta de conscientização dos proprietários dessas obras modernas
e dos arquitetos responsáveis pelas reformas, que não entenderam a
importância das características dessa obras, entendendo que o projeto ficaria
melhor de outro modo. O intuito é analisar as mudanças feitas, devido a um mal
projeto de reforma, que pioraram a obra e sua imagem na cidade, sem
necessidade.
44
A primeira proposta de tombamento de obra moderna já havia sido feita, em 1944,
para o prédio do Ministério da Educação e Saúde. Com o tombamento da Igreja São
Francisco foi autorizado o andamento do processo e o conseqüente tombamento do
Ministério. (PESSOA, 2006)
45
Exemplos dessa primeira fase são: a Igreja de São Francisco da Pampulha, em Belo
Horizonte; o prédio do Ministério da Educação e Saúde e a estação de hidroaviões,
ambos no Rio de Janeiro; entre outros. (PESSOA, 2006)
46
Exemplos dessa segunda fase são: o conjunto de edificações de Oscar Niemeyer na
Pampulha, em Belo Horizonte; o Plano Piloto de Brasília; entre outros. (PESSOA, 2006)
164
Para cumprir com seu objetivo, o trabalho foi estruturado da seguinte maneira:
em um primeiro momento são mostrados os materiais e métodos que tornaram
esse trabalho viável; em um segundo momento são apresentadas as discussões
e os resultados dessa pesquisa. Nesse segundo momento é apresentada uma
contextualização histórica do modernismo na cidade de Uberlândia que
possibilita entender como se deu o processo de inserção da arquitetura
moderna na cidade e quais foram os agentes desse processo. Posteriormente,
são
apresentadas
algumas
dessas
obras
que
foram
claramente
descaracterizadas devido a falta de conservação e entendimento de como o
projeto foi pensado e os valores que trazem esses projetos modernos, dos
arquitetos: João Jorge Coury, Elifas Lopes Martins e Sylvio de Vasconcelos. As
obras são analisadas mostrando um paralelo entre o projeto original e a situação
atual de cada uma delas. Por fim, é apresentada a conclusão do trabalho,
mostrando uma análise geral dos projetos analisados e a importância da
pesquisa como parte do processo de documentação da arquitetura moderna e
de conscientização do seu valor.
Materiais e Métodos
A pesquisa realizada tem como objetivo mostrar como algumas edificações
modernas foram sendo alteradas ao longo dos anos descaracterizando o
conjunto arquitetônico da cidade que passa de uma linguagem da arquitetura
moderna para uma não arquitetura.. A idéia não é mostrar um patrimônio
depredado fisicamente, mas sim um patrimônio que perdeu sua essência
arquitetônica baseada no conceito moderno e como as mudanças poderiam ter
sido feitas de outra maneira baseando-se num bom projeto de reforma.
Essa pesquisa faz parte de outra ainda maior relacionada a documentação e
análise de obras da arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba47. Essa ampla pesquisa está sendo realizada ao longo de dois anos
por uma equipe de professores e alunos de graduação orientados por eles e
47
Pesquisa: “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba: História e Preservação”, desenvolvida pelo Núcleo de teoria e história da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UFU. Web site para acesso:
http://www.faurb.ufu.br/doc_moderno/index_docomomo.html.
contemplados com bolsa de Iniciação Científica, com auxílio das instituições
CNPq, FAPEMIG e UFU.
Na primeira etapa dessa pesquisa foi feito em reconhecimento da arquitetura
moderna na cidade de Uberlândia48 e estudos sobre a arquitetura moderna, em
geral. Posteriormente, foi feita uma identificação dos exemplares modernos da
cidade que se encontram descaracterizados, e então, foram selecionados
alguns mais relevantes.
A seleção foi feita baseada na observação das obras de arquitetos importantes
para cidade, que tiveram destaque na inserção do movimento moderno e na
formação de uma identidade arquitetônica moderna na região. Através das
comparações de alguns projetos originais com a situação na qual se encontram
atualmente, foi possível perceber como pequenas modificações ao longo de
vários anos Podem resultar numa alteração total da linguagem pensada para o
projeto.
Resultados e Discussões - Contextualização histórica: O modernismo na cidade
de Uberlândia e seus precursores
A cidade de Uberlândia encontra-se num ponto privilegiado do território
nacional, conta com uma malha rodoviária e ferroviária que liga as regiões Sul,
Norte e Nordeste ao Centro-Oeste do país, o que a tornou um ponto de
passagem obrigatório e garantiu seu desenvolvimento econômico nas primeiras
décadas do século XX49.
Nesse período a cidade se mostrava para o restante do país, caracterizando-se
como uma cidade moderna e bem desenvolvida. Com esse discurso
48
O reconhecimento foi feito através de leitura sobre bibliografia específica,
levantamento em arquivos, visitas nas cidades, passeios pela cidade de Uberlândia e
através da elaboração do web site desenvolvido pela pesquisa de documentação e
análise de obras da arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba.
49
Em 1957, Uberlândia viveria um crescimento ainda mais significativo com a
implantação da nova capital do país, quando passaria a fazer parte da rota de ligação
de Brasília com São Paulo e Rio de Janeiro. (AZEVEDO; 1998)
166
progressista, Uberlândia chamou a atenção de grandes investidores que
acabaram indo para a cidade.
Com essa imagem de cidade promissora Uberlândia recebe, na primeira
década do século XX, grande quantidade de construtores e, a partir de então,
se estabelece economicamente. A construção civil passa a ser fonte de riqueza
da cidade, juntamente com o comércio.
A primeira empresa a instalar-se na cidade foi a “Empresa Uberlandense de
Imóveis”, do empresário Tubal Vilela da Silva50. Em 1957, essa empresa constrói
o primeiro arranha da cidade, o Edifício Tubal Vilela. Segundo AZEVEDO, a
proposta do Edifício “responde ao conceito de moderno e progressista imposto
pela cidade”. “A proposta de estrutura independente em concreto armada, foi
inovadora para a região. Os materiais de acabamentos utilizados, pastilhas,
granítica, fazem parte do vocabulário moderno”.
Uma vez que a cidade estava em desenvolvimento e se expandindo pelo seu
território, a arquitetura e o urbanismo ganharam espaço de expressão. Com a
vinda de João Jorge Coury para a cidade, em 1940, essa expressão passa a ter
uma linguagem moderna.
João Jorge Coury foi uma figura importante para a cidade, nasceu em Abadia
dos Dourados, MG, em 25 de novembro de 1908. Coury era um intelectual e
mantinha contato com intelectuais, seu escritório era um ponto de encontro, de
discussões acerca de questões políticas, sociais e culturais. O arquiteto tem
uma produção extremamente diversificada, tanto em tipologia quanto em locais
e cidades, além disso, teve uma grande atuação no espaço urbano. Inseriu uma
arquitetura moderna numa sociedade que ainda não a reconhecia e com isso,
acabou despertando o olhar de muitos para a profissão. A residência Alfredo
Fonseca Marquez, analisada nessa pesquisa, é projeto do arquiteto.
Outro mineiro de destaque para a cidade foi Sylvio de Vasconcelos,
engenheiro-arquiteto, nascido em Belo Horizonte, MG, em 1916, e formado em
1944, na mesma escola de Coury, a Escola de Arquitetura de Belo Horizonte,
com medalha de ouro por média excepcional. Sylvio esteve sempre presente e
50
Em 1950, o empresário torna-se prefeito da cidade e incentiva seu crescimento
urbano. (AZEVEDO; 1998)
atento a todo o movimento de afirmação da arquitetura moderna no país. Em
Belo Horizonte ele foi um de seus grandes defensores, juntamente com nomes
como os de Eduardo Mendes Guimarães Jr., Raphael Hardy Filho e outros.
Destacou-se em suas atividades como professor, pesquisador e ensaísta, mas
também elaborou um número significativo de projetos, em sua maioria
residências, alguns edifícios de apartamentos e outros projetos construídos em
Belo Horizonte e em cidades próximas. Como estudo de caso dessa pesquisa,
temos a Residência Bolivar Carneiro, de sua autoria. Além dos preceitos
modernos, sua carreira foi influenciada de forma marcante pela sua formação
histórica, o gosto pelo nosso passado, pelas coisas de Minas, o conhecimento
da nossa arquitetura colonial; traduzindo todas essas influências nos seus
projetos, que emanam clareza, demonstram o seu talento, a riqueza de idéias
criativas, que dão um ar todo particular à sua arquitetura.
Alguns jovens da cidade que se tornaram arquitetos graças à influência de
Coury, retornaram para Uberlândia e também tiveram um papel relevante na
construção arquitetônica da cidade e na sua difusão. Um desses exemplos é
Paulo de Freitas, que estudou na Faculdade de Arquitetura de Mackenzie, em
São Paulo, por quatro anos e depois retornou para Uberlândia, no início dos
anos 60. De volta à cidade, Paulo de Freitas teve o interesse e a iniciativa de
desenvolver
o
ensino
de
arquitetura
na
cidade
51
,
além
de
atuar
profissionalmente através da produção de alguns exemplares modernos. Seus
projetos destacam-se na paisagem urbana e reafirmam os princípios modernos.
De acordo com LAURENTIZ, “Em sua temporada paulista, como recém –
formado, Paulo de Freitas só fez arquitetura residencial uni familiar. Quando
estudante teve estreita ligação com o ideário e o repertório das primeiras
gerações modernas nos três anos de estágio com o arquiteto tcheco Adolf Franz
Heep. Era também freqüentador de papos e rodas com os estudantes da
FAU/USP e os mestres Vilanova Artigas e Eduardo Corona”.
Nos anos 70, outro nome se destaca no cenário arquitetônico Uberlandense, o
nome de Elifas Lopes Martins, arquiteto goiano formado em 1968 pela
Universidade de Brasília, mas que só começou a atuar na cidade em 1970, após
51
Com a ajuda de outros nomes como Harley Simão e Paulo Henrique Carrara Arantes, o
arquiteto fundou o curso de artes na Universidade Federal de Uberlândia, em 1972.
(LAURENTIZ; 1993)
168
um período de estadia na Inglaterra. A obra desse arquiteto diferencia-se das
dos pioneiros João Jorge Coury e Paulo de Freitas, aproximando-se mais da
linguagem arquitetônica moderna paulista. (LAURENTIZ, 1993)
Segundo AZEVEDO, “Historiar o contexto uberlandense, através dos seus
arquitetos, é fazer um conto da cidade de todos os cantos. Uma cidade que
recebeu arquitetos formados em várias localidades do Centro-Sul”. Apesar
disso, Uberlândia conseguiu criar uma identidade cultural própria e por isso
descaracterizar as obras modernas da cidade é o mesmo que desvalorizar sua
identidade cultural. O arquiteto da cidade deve manter “um olho no passado,
outro no futuro e o pensamente no presente” (LAURENTIZ, 1993, p. 84). Dessa
forma, a arquitetura moderna será preservada e a identidade de uma época
afirmada.
Análises das Residências Modernas
Residência Bolivar Carneiro (1956)
Projetada em 20 de julho de 1956, pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos, a
Residência Bolivar Carneiro situa-se na Avenida João Pinheiro, 573, na cidade
de Uberlândia, Minas Gerais. Inserida em um terreno de 924,00 m 2, em sua
proposta original a residência ocupava apenas 190,14m2 do mesmo e possuía
uma área total de projeto de 307,34m2. A implantação da residência foi feita com
afastamentos de todos os lados, sendo o frontal de 8 metros e apenas a laje de
cobertura do abrigo, situada na lateral direita, toca o muro limite. (Figura 01)
Figura 01: Fachada Original – Res. Bolivar Carneiro
Fonte: Cíntia Lopes
A residência é o único exemplar
edificado
de
Vasconcellos
na
Sylvio
de
cidade.
No
projeto, o arquiteto “utiliza um
conceito e uma linguagem plástica
moderna, um partido de planta
funcional,
com
volume
frontal
marcando toda a extensão lateral
do terreno”. (AZEVEDO, 1998, p.
63). O partido de planta funcional é
claramente
notado
Figura 02: Planta Original – Res. Bolivar Carneiro
Fonte: Cíntia Lopes
pela
organização dos espaços: a área
íntima é isolada devido a utilização de um volume superior fragmentado; os
ambientes são interligados proporcionando uma ampliação e melhor articulação
dos espaços; a circulação é solucionada de forma a permitir a setorização dos
espaços; a relação interior-exterior é enfatizada pelo uso de grandes panos de
vidro; (Figura 02) e os planos verticais com revestimento de pedra fazem a
ambientação, no caso do plano frontal exterior, funciona como elemento estético
inibidor da visibilidade. Cada detalhe do projeto foi bem planejado, destacam-se
os lustres, que foram desenhados pelo autor e diferenciam-se um dos outros,
além dos puxadores do armário e dos degraus da escada, que foram
detalhados pelo arquiteto. Os degraus foram pensados de forma que a escada
ocupasse menos espaço, característica de uma racionalização dos espaços
presente na arquitetura moderna. (Figura 03) Esse detalhamento da obra é
características da forma de projetar
de outros arquitetos modernos,
preocupados com a execução da obra e detalhes de acabamento.
Figura 03: Detalhe – Lustre, Puxador do Armário e Degrau da Escada – Res. Bolivar Carneiro
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
170
Quanto a sua volumetria, o projeto da residência apresenta uma planta térreo em
forma de “L”, estando nesse pavimento as áreas de serviço e social e um
pavimento superior, em apenas um dos corpos que compõe o “L”, que se
desloca um pouco à frente em relação ao pavimento superior, onde se encontra
a área íntima da residência. (LOPES, 2002).
Com relação ao sistema construtivo, a residência foi construída em concreto
armado, formada por uma malha de pilares, vigas e lajes, nesse material, além
do fechamento em alvenaria. O construtor responsável pela obra foi o
Engenheiro Luiz Antônio Rocha e Silva e o executor do projeto de cálculo foi o
engenheiro Haroldo Campos.
Todas as características citadas fazem dessa obra, uma arquitetura moderna,
no entanto, parte delas foi perdida ao longo dos anos. Além disso, o projeto
executado se distingue do planejado. Acredita-se que o arquiteto tenha
realizado
o
projeto
sem
visitar
o
local
e,
conseqüentemente, sem ter o conhecimento da topografia
do terreno. Logo, como o terreno apresenta grande
desnível e o projeto foi pensando baseando-se num
terreno plano, foi necessária a construção de um novo
volume, abaixo do nível térreo. O acesso à esse pavimento
se dá por uma escada edificada na lateral esquerda, onde
encontra-se a lavanderia, o depósito e uma porta de
acesso ao estacionamento, localizado ao fundo do
Figura 04: Planta Projeto Construído – Res. Bolivar
Carneiro
Fonte: Cíntia Lopes
terreno. Ao lado deste, no mesmo nível inferior, foi criado
um caramanchão, abaixo do qual foi construída uma mesa
de alvenaria para refeições ao ar livre. (Figura 04)
A diferença entre projeto original e projeto construído já se mostra como uma
pequena descaracterização da obra, uma vez que o subsolo construído não
possui as características próprias de Sylvio de Vasconcellos, configurando-se
como um espaço fechado, com ventilação e iluminação inadequadas, sem um
cuidado espacial e plástico. Além disso, o acesso ao subsolo utiliza de materiais
diferentes dos utilizados no restante da residência.
Outra alteração no momento de construção da residência,
também causada devido a declividade do terreno, foi a
criação de um terraço no pavimento térreo. Essa
intervenção segue o partido do restante da residência,
mantendo a relação interior-exterior presente no projeto.
(Figura 05)
No que diz respeito ao uso do espaço, temos que a obra foi
construída
para
ser
uma
habitação
unifamiliar
e,
atualmente, abriga um espaço comercial. Desde agosto de
1998, o imóvel está alugado para a empresa de consultoria
imobiliária, Módulo Imóveis. Devido a isso, para adaptação
de uso, foram feitas algumas alterações na planta,
Figura 05: Imagens terraço –
Res. Bolivar Carneiro
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
alterando a função dos espaços e até mesmo criando
novas áreas.
No pavimento térreo, a maioria dos espaços tornou-se
áreas de atendimento aos clientes da empresa. Para
integração de todos esses espaços foram retiradas duas
paredes internas, uma que dividia escritório e sala de
estar, e outra que dividia sala de jantar e copa. A parede
de pedra que dividia sala de jantar e sala de estar foi retira
em parte. (Figura 06)
O plano vertical com revestimento de pedra na fachada
frontal foi retirado. A visibilidade que, num primeiro
momento, deveria ser obstruída, por se tratar antes de uma
residência, agora deveria ser permitida, uma vez que, por
se tratar de uma empresa, ela é necessária para atração
de clientes. Outra alteração na fachada foi a colocação de
brises horizontais metálicos nas janelas do pavimento
Figura 06: Planta mostrando as
paredes
internas
retiradas,
destacando em foto a área da
antiga sala de jantar e da antiga
copa, com a divisão atual – Res.
Bolivar Carneiro
Fonte: Cíntia Lopes e Maria
Fernanda Zumpano
superior. (Figura 07) O jardim frontal presente no projeto
original foi retirado, em seu lugar foi implantado um estacionamento e o desnível,
antes suave, agora é reforçado. Dado a implantação desse estacionamento, a
mureta e o gradil, elementos de delimitação do lote em relação à rua, foram
retirados. (Figura 08)
172
Outra intervenção marcante foi no que diz respeito ao acesso ao pavimento
superior, que antes era possível de duas maneiras, um acesso pela sala de
estar e outro acesso pela copa. Atualmente, esse acesso se dá apenas pelo
espaço onde era a copa, uma vez que o outro acesso foi tampado com
alvenaria. O acesso duplo era um fator bem planejado pelo arquiteto,
permitia que os moradores e empregados da residência pudessem acessar
o pavimento superior sem ter que passar pela área social, fator esse que
perde o sentido, se tratando agora de um espaço empresarial bem integrado.
Figura 07: Comparação –
Fachada original e fachada atual
– Res. Bolivar Carneiro
Fonte: Patrícia Pimenta e Maria
Fernanda Zumpano
(Figura 09)
Em 2000, foram criados dois volumes anexos à lateral direita da edificação,
nos fundos e no mesmo nível do pavimento inferior. Esses volumes abrigam a
sala de manutenção e um banheiro, e não dialogam com o restante da
residência. Com esse novo elemento, a volumetria geral da edificação foi
prejudicada, a planta em “L” foi desfigurada, além disso, o gabarito, a
implantação, o acesso e a estética desse anexo se diferenciam do
observado no projeto. O terraço no nível térreo, que antes dava uma vista
privilegiada ao pátio dos fundos, agora, tem parte dessa vista bloqueada
pela cobertura do anexo criado.
Figura 08: Comparação –
Jardim frontal original e como
se encontra atualmente – Res.
Bolivar Carneiro
Fonte: Patrícia Pimenta e Maria
Fernanda Zumpano
A residência recebeu modificações que poderiam ter seguido a mesma
linguagem do restante da obra, ou até mesmo, poderiam ter sido evitadas. A
parede de pedra da fachada poderia ter permanecido ali, pois permitia a
visibilidade de parte da área interna do imóvel. O acesso duplo ao pavimento
superior também poderia ser preservado, uma vez que a presença de
funcionários em todas as áreas dá edificação permite um controle de quem
acessa a área superior, sem que seja necessário o bloqueio desse acesso.
Os anexos criados eram necessários, no entanto, não dialogam com o
restante da residência, o que poderia ser conseguido com um projeto bem
elaborado através de estudos da obra.
Essa residência, assim como as demais que serão analisadas, continha
características importantes para a constituição da arquitetura moderna na
Figura 09: Comparação –
Acesso ao pavimento superior
pela sala de estar e acesso
único atual.
Fonte: Patrícia Pimenta e Maria
Fernanda Zumpano
cidade o da arquitetura moderna, pois seus elementos eram características
desse conceito e fazem parte do modo de projetar do arquiteto.
Residência Alfredo Fonseca Marquez (1956)
A Residência Alfredo Fonseca Marquez é obra do arquiteto João Jorge Coury e
foi projetada em 16 de novembro de 1956. A obra localiza-se na Avenida João
Pinheiro, implantada num terreno de 229,67m2, ocupando 154,25m2 desse. A
construção da edificação também ficou a cargo do arquiteto. (Figura 10)
Figura 10: Croqui Fachada Original – Res. Alfredo Fonseca
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
Como já foi dito, João Jorge Coury foi uma figura importante para a inserção da
arquitetura moderna na cidade de Uberlândia, e a Residência Alfredo Fonseca
Marquez é parte dessa arquitetura. O projeto original possui uma planta
funcional bem definida, a área social encontra-se no pavimento térreo, enquanto
a área íntima é isolada no pavimento superior. Na área social há um elemento de
destaque no projeto original, uma área de refeição ao ar livre com um painel
decorativo. O nível térreo não é plano, sendo que a distribuição dos espaços se
dá ao longo de uma rampa que dá acesso também ao nível superior. (Figura 11)
Há o uso de elementos vazados na fachada, que possui pequenas aberturas,
proporcionando a relação visual interior-exterior da sala com o jardim frontal, e
acessos do dormitório e do hall a varanda do pavimento superior. Além disso,
destaca-se na fachada a vegetação presente ao longo de toda essa varanda
que se mistura com as plantas de médio porte presentes no jardim frontal.
174
Figura 11: Croqui Planta Original – Res. Alfredo Fonseca
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
A residência, em seu projeto original, possui dois volumes retangulares distintos,
um maior, no nível térreo, e outro menor, no nível superior. Essa diferença de
tamanho dos dois volumes permite que haja uma relação visual interior-exterior
de dois dormitórios com a área de refeição ao ar livre.
Ao longo dos anos várias alterações ocorreram no projeto da residência. A
mudança de uso da edificação foi o principal fator que levou a essas mudanças.
Atualmente, a edificação é utilizada como uma escola, a Universidade
Corporativa, portanto a maioria dos cômodos funciona como salas de aula. Além
das alterações no projeto original, é importante destacar que houve o acréscimo
de um pavimento na edificação. O acesso a esse pavimento é independente e o
seu uso não está relacionado ao restante da edificação.
A grade que existia no limite entre lote e calçada, protegendo o jardim frontal, foi
retirada, e esse jardim, também já não existe mais. A volumetria foi alterada
devido à implantação de um novo pavimento e muito se perdeu na fachada com
a retirada da vegetação, tanto do jardim quanto da varanda do segundo
pavimento. (Figura 12)
Com relação à área interna, o abrigo foi fechado e se tornou
uma recepção. A sala da residência se tornou sala de espera, o
acesso a esse espaço, que antes se dava de duas formas,
atualmente é dado apenas pela recepção, sendo que o outro
acesso encontra-se bloqueado com vedação em vidro fixo.
Esse outro acesso era feito pela copa, que atualmente funciona
como um laboratório de computadores. O acesso à copa, feito
no projeto original pelo abrigo, foi bloqueado com alvenaria.
Atualmente, a recepção dá acesso a um pequeno corredor que
Figura 12: Fachada Atual
– Res. Alfredo Fonseca
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
leva ao laboratório de computadores, aos banheiros 52 e à
rampa. Havia, no projeto original, apenas meia parede que dividia copa e
cozinha. Essa parede foi totalmente preenchida, tornando o espaço da cozinha
inutilizável e um dos acessos a essa área, dado por uma porta criada nessa
parede, encontra-se bloqueado por um mobiliário.
A alteração mais significativa nessa residência foi na área de refeições ao ar
livre. Essa área foi coberta e o painel que integrava esse ambiente deixou de
fazer parte dessa área para fazer parte de um pequeno corredor criado nesse
espaço. A integração das artes é uma das características de destaque da
arquitetura
defendidas
moderna
pelos
nossos
brasileira,
arquitetos
modernos, como Lucio Costa, Niemeyer,
Rino Levi e outros, observada nessa
residência. O corredor criado, onde se
encontra o painel, se divide em dois
espaços e assim, sem nenhum respeito
pela obra de arte ali encontrada, foi
colocada uma parede danificando o
painel e dividindo-o ao meio. Dessa área
coberta se tem acesso a área da antiga
cozinha, como já dito, não utilizada
atualmente e a um banheiro criado nessa
Figura 13: Croqui Planta Atual – Res. Alfredo
Fonseca
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
área. (Figura 13)
52
O banheiro que existia na copa foi dividido em dois.
176
No segundo pavimento, o hall foi fechado e se tornou uma sala. Todos os
dormitórios tornaram-se salas de aula e em um deles foi criado um banheiro. Os
dois banheiros desse pavimento se diferenciam bastante no que diz respeito ao
tipo de revestimento usado. Fica claro que um deles foi construído
Figura
14:
Banheiro
original
do
pavimento
superior – Res. Alfredo
Fonseca
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
posteriormente. (Figura 14)
Como alteração marcante no projeto, vale destacar também, a pintura da
fachada, que foi alterada várias vezes ao longo dos anos. A residência, assim
como a maioria das obras modernas, tinha sua fachada pintada numa cor clara.
Devido à mudança de uso e a necessidade de atração de clientes, essa cor foi
alterada e a fachada recebeu cores mais vibrantes. (Figura 15)
As alterações mais significativas nessa residência poderiam ter sido evitadas se
tivessem feito um projeto de reforma consciente em relação às características
preexistentes. A vegetação existente na varanda do segundo pavimento poderia
ter sido mantida, em seu lugar há apenas o logotipo da escola, que poderia
ocupar outra área da fachada. A recepção, um espaço antes aberto, poderia ter
seu acesso com esquadrias semelhantes ao restante da residência para que
seguisse uma mesma linguagem de projeto. O laboratório de computadores que
ocupa o espaço da antiga copa, deixando o espaço da cozinha inutilizável,
poderia ocupar toda a área.
A implantação do terceiro pavimento foi pensada de uma forma que sua
Figura 15: Comparação –
Fachada original e fachada
no ano de 2008.
Fonte: Patrícia Pimenta e
Maria Fernanda Zumpano
volumetria se encaixasse na do segundo pavimento, portanto seria possível que
a área de refeições ao ar fosse mantida descoberta. Além disso, o painel
poderia continuar a fazer parte dessa área, mesmo coberta, afinal o corredor
criado nessa área, onde está o painel, não tem nenhuma função.
Com relação ao segundo pavimento, seria possível a mesma disposição de
ambientes da habitação para a escola, não sendo necessário o fechamento do
hall, nem mesmo a implantação de um banheiro, dentro da sala de aula.
As modificações nessa residência, assim como na residência Bolivar Carneiro já
analisada, ambas localizadas na Avenida João Pinheiro, descaracterizam uma
avenida da cidade que teve vários exemplos da arquitetura moderna na cidade.
Residência Nelson Vasconcelos (1970)
Construída em 1970 por Elifas Lopes Martins, a Residência Nelson Vasconcelos
caracteriza-se pela composição a partir de volumes retangulares integrados.
Localizada na Rua Olegário Maciel com a Rua Johen Carneiro, em um terreno de
224,42m2, ocupando 150.95m2 dele, a residência acontece em dois níveis,
aproveitando o desnível do terreno. (Figura 16)
Figura 16: Fachada Original – Res. Nelson Vasconcelos
Fonte: Núcleo de pesquisa em teoria e historia da arquitetura e urbanismo da FAUeD – UFU
Em seu projeto original, a planta da residência configura-se da seguinte forma, o
acesso principal à área social, no nível superior, dá em um pequeno hall que
leva a uma sala, a copa e a cozinha. Da cozinha se tem acesso ao corredor de
circulação, que leva aos três dormitórios, ao banheiro, à área externa e à um
acesso ao nível inferior. Também se tem acesso direto ao pátio da residência, na
área externa, pela cozinha. No nível inferior há uma área de serviço, uma sala de
costura, um banheiro e uma garagem, cuja entrada se dá pela Rua Johen
Carneiro através de um portão. (Figura 17) Apesar de o terreno ser pequeno,
Elifas conseguiu elaborar um espaço bem resolvido, com um arranjo de
ambientes
que
proporcionaram
uma
integração entre eles. Além da organização
espacial dessa residência, é importante
destacar a sua escala. Todos os objetos
que a compõem seguem a escala do
homem deixando tudo ao alcance fácil das
mãos do usuário da casa com espaços
funcionais e equipamentos domésticos
Figura 17: Croqui Planta Original – Res. Nelson
Vasconcelos
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
bem resolvidos como armários.
O destaque dessa obra é a sua volumetria que proporciona uma composição de
fachada clara com seis volumes e às esquadrias que se apresentam
178
discretamente com desenho próprio para o edifício e localizadas em pontos que
permitem entrada de luz e conforto térmico adequado. Esses volumes puros e
fechados se fecham para fora e se abrem para dentro da residência, criando
uma diferente forma de contato com o seu entorno.
Com relação ao sistema construtivo, a residência foi construída em estrutura de
concreto com vedação em alvenaria, esquadrias metálicas com um desenho
exclusivo e cobertura em platibanda. (Figura 18) Além do detalhe da esquadria,
destaca-se também o projeto de armários embutidos nos quartos e cozinha que
influenciam na forma do edifício e propiciam o uso racional e funcional do
espaço interno, caracterizado pela articulação de funções bem resolvidas.
(Figura 19)
Figura 19: Detalhe –
Esquadria e Armário – Res.
Nelson Vasconcelos
Fonte: Núcleo de pesquisa
em teoria e historia da
arquitetura e urbanismo da
FAUeD – UFU
Figura 18: Volumetria Original – Res. Nelson Vasconcelos
Fonte: Núcleo de pesquisa em teoria e historia da arquitetura e urbanismo da FAUeD - UFU
A residência recebeu, há aproximadamente dez anos, um novo uso, abriga
desde então os escritórios de duas agências de comunicação. Com essa
mudança, ocorreram algumas alterações na edificação. A mais expressiva delas
foi a troca da cobertura com a inserção de um telhado aparente, com telhas de
fibrocimento, e aumento da platibanda, o que gerou “uma conseqüente
mudança na fachada com o rompimento da volumetria pura que é uma das
principais características do projeto”. Segundo o atual proprietário da
residência, essa mudança foi necessária devido a problemas de infiltrações que
vinham ocorrendo. (Figura 20)
Figura
20:
Simulação
fachada
com
cobertura
original e fachada atual –
Res. Nelson Vasconcelos
Fonte:
Maria
Beatriz
Camargo e Maria Fernanda
Zumpano
Houve alterações no espaço da cozinha, ele deixou de ser
interligado ao espaço da copa, sendo colocada entre esses
espaços uma porta de MDF com fórmica. A cozinha também
perdeu alguns dos elementos fixos que compunham esse
espaço, como a bancada e a pia. A área da cozinha foi
aumentada, sendo anexado a ela, o espaço da antiga entrada
de serviço, que não funciona mais como um acesso, uma vez
que passou a fazer parte da área interna da residência. (Figura
21)
Figura 22: Fachada atual
com
destaque
nas
alterações
descaracterizantes
–
cobertura,
vedação
do
acesso, inserção de ar
condicionado e luminárias –
Res. Nelson Vasconcelos
Fonte:
Maria
Fernanda
Zumpano
Figura 21: Comparação – Área copa/cozinha original e atualmente – Res.
Nelson Vasconcelos
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
A alteração da cobertura e a vedação do acesso exterior à
cozinha, juntamente com a inserção de um ar condicionado na
área da cozinha e de luminárias fixadas na parede externa da
residência, desconfiguraram a fachada frontal, afinal, os dois
planos puros já não se caracterizam como tal. (Figura 22)
Essa desconfiguração também ocorre na fachada da Rua
Johen Caneiro. Nessa, a cobertura e a inserção de alguns ares
Figura 23: Comparação –
Fachada Rua Johen Carneiro
original e como se encontra
atualmente – Res. Nelson
Vasconcelos
Fonte:
Maria
Fernanda
Zumpano
condicionados nas áreas dos dormitórios são, mais uma vez,
os responsáveis pela descaracterização. (Figura 23) A
garagem, mostrada nessa fachada como uma possibilidade
de acesso, encontra-se vedada interiormente por uma parede,
e funciona atualmente como um estúdio. (Figura 24)
Figura 24: Garagem vedada
interiormente – Res. Nelson
Vasconcelos
Fonte:
Maria
Fernanda
Zumpano
180
No nível inferior, além da mudança de uso da garagem, que se tornou um
estúdio, o banheiro funciona como depósito e a lavanderia como uma sala,
sendo retirados desses ambientes os elementos fixos que os compunham.
(Figura 25) No nível superior, o banheiro da área social também funciona
atualmente como depósito.
Figura 25: Comparação – Nível Inferior original e atualmente – Res. Nelson Vasconcelos
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
Além das alterações citadas que mostram o desinteresse com a conservação do
imóvel e com a linguagem anterior proposta pelo arquiteto, há uma
despreocupação com a manutenção e conservação do funcionamento e técnica
original da casa. Essa falta de preocupação mostra o não reconhecimento do
valor arquitetônico da obra, fazendo com que o projeto se descaracterizasse por
completo interferindo também na linguagem de um dos bairros residenciais da
cidade, onde se concentra o maior numero de residências com características
da arquitetura moderna, marcando a linguagem predominante da cidade na
época de sua construção.
Residência José Geraldo Miguelleto (1970)
Aprovado em 2 de outubro de 1970, o projeto de Elifas Lopes Martins de uma
residência para a família de José Geraldo Miguelleto situa-se na Avenida
Nicomedes Alves dos Santos, em um terreno de 360m2, com uma área total de
projeto de 228m2. (Figura 26)
Figura 26: Croqui Fachada Original – Res. José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
A obra se resume em um jogo de volumes retangulares puros. O desnível do
terreno proporciona a criação de níveis desencontrados, reafirmando a proposta
de uma composição de volumes, presentes em outras obras do arquiteto na
cidade e até mesmo nesse bairro. A planta proposta por Elifas se desenvolve em
vários níveis, o que facilita uma setorização do espaço, separando a área íntima
da social. O acesso principal se dá no nível superior e leva ao hall de entrada
que distribui quatro ambientes, um lavabo, o living, a copa e um corredor de
acesso ao nível intermediário da residência. Da copa se tem acesso à cozinha e
ao jardim externo. No nível intermediário há quatro dormitórios e dois banheiros,
desse nível se tem acesso ao inferior, onde se encontra a lavanderia, um quarto
e um banheiro e duas garagens. (Figura 27)
Figura 27: Croqui Planta Original – Res. José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
182
A volumetria proposta no projeto fica clara nas fachadas. Na frontal se vê dois
planos verticais sem aberturas, enquanto na secundária há vários planos
seguindo o desnível do terreno, esses com algumas aberturas, permitindo a
entrada de luz e ventilação. A escolha por uma cobertura em platibanda deixa
esses planos em mais evidência e puros.
Assim como a outra residência analisada do arquiteto Elifas (Residência Nelson
Vasconcelos), essa residência explora a topografia do terreno, utiliza planos
escondendo os telhados para justificar formas geométricas e coberturas planas
características da linguagem da arquitetura moderna e possui uma setorização
dos espaços que garante uma forma racional e funcional do uso do espaço.
Atualmente, a Residência José Geraldo Miguelleto funciona como um laboratório
de exames genéticos. Os espaços receberam diferentes funções e foram
adaptados para isso. A copa da residência tornou-se uma sala de recepção e o
living, uma sala de espera. O lavabo foi dividido em dois banheiros menores e a
cozinha teve seu espaço diminuído para a criação de uma sala que ocupa parte
da área externa da residência, a qual se tinha acesso pela copa. No nível
intermediário, os dormitórios tornaram-se sala de gerência e laboratórios, e um
dos dois banheiros desse nível tornou-se uma sala para cadastro mudando seu
acesso, agora pelo corredor de circulação. No nível inferior o quarto e a
lavanderia tornaram-se salas e as garagens, laboratórios. Além disso, foram
criados outros espaços, anexos. Uma lavanderia, uma área de depósito, uma
pequena sala e um pátio coberto. (Figura 28) Com essas mudanças de uso dos
espaços foram feitas algumas alterações físicas na edificação. A porta de
acesso do living a área externa da residência foi retirada tornando-se uma janela
e essa área externa tornou-se um estacionamento. (Figura 29) A parede
existente entre o hall e a copa necessária no caso desses usos, e outra entre o
hall e o corredor de acesso ao nível intermediário, foram retiradas, criando um
contato visual entre a entrada e a sala de recepção. (Figura 30) Para criação de
uma nova sala, como já foi dito, o espaço da cozinha foi reduzido e parte da
área externa da residência foi incorporada a parte interna, com isso a porta da
copa que dava acesso a área externa tornou-se uma janela, e mesmo assim,
não é utilizada como tal, pois foi vedada no interior da sala. (Figura 31) Com a
redução do espaço da cozinha o seu acesso tornou-se o acesso a nova sala,
portanto, no corredor que leva ao nível intermediário, foi criada uma nova porta
de acesso a cozinha, que teve parte de seus elementos fixos alterados. Também
foi criada uma porta nesse corredor impedindo o contato visual entre os clientes
e a área dos laboratórios, o que poderia ter sido evitado se fosse mantida a
parede existente entre o hall e o corredor. (Figura 32)
Figura 28: Croqui Atual Original – Res. José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
Figura 29: Janela da
atual sala de espera e
estacionamento
visto
por essa janela – Res.
José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
Figura 30: Área do
antigo hall, agora sem
paredes
e
atual
recepção – Res. José
Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
Figura 31: Janela da
antiga
copa,
atualmente
vedada
interiormente e nova
sala criada – Res. José
Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
Figura 32: Detalhe –
Porta de acesso aos
pavimentos
inferiores
criada em 2006 – Res.
José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
184
A alteração mais impactante nesse projeto foi a criação de aberturas na
recepção, na sala de espera e nos banheiros. Essas aberturas e o acesso criado
à área externa da residência, desconfiguram a fachada frontal, uma vez que
rompe os planos verticais, parte da linguagem moderna da residência. Além
Figura 33: Fachada atual
– Av. Nicomedes Alves
dos Santos – Res. José
Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
disso, a razão da criação dessas aberturas não é válida. Elas não se abrem,
portanto não permitem a entrada de ar, e o vidro utilizado é escuro, evitando, em
parte, a entrada de radiação, ou seja, não tem função nenhuma de janela já que
internamente tudo funcional com iluminação e ventilação artificial (Figura 33)
Na fachada secundária as alterações se deram através da criação de janelas no
espaço onde era a garagem da residência e da inserção de ar condicionados
nessas janelas criadas e nas dos dormitórios. Além disso, o estacionamento, o
acesso criado ao fundo do terreno e uma área de despejo de resíduos criada ao
lado desse acesso dão uma nova configuração à fachada, que perde parte da
leveza que possuía com o jogo de volumes puros. (Figura 34)
O jardim frontal que, provavelmente, era parte do projeto dessa residência,
Figura 34: Fachada atual
– Rua Vital José Carrijo –
e detalhe – acesso ao
fundo do terreno e área
de despejo de resíduos
– Res. José Geraldo
Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda
Zumpano
funciona como um estacionamento e a fachada, que originalmente era em
tijolinho a vista, teve sua pintura alterada e uma massa foi aplicada para
esconder a presença dos tijolos. A cor branca da platibanda se diferencia da
cor usada no restante da fachada, beje com grafiato, puro pastiche de um
projeto sem arquitetura. (Figura 35)
Figura 35: Detalhe – Estacionamento na área do antigo jardim frontal e pintura atual com grafiato –
Res. José Geraldo Miguelleto
Fonte: Maria Fernanda Zumpano
A maioria das alterações nessa residência não se justifica, uma vez que não
levam a um maior conforto do usuário nem mesmo a uma melhor otimização do
espaço. Dessa forma, entende-se que foram realizadas apenas visando uma
adaptação do imóvel ao momento atual com a utilização de materiais
“contemporâneos”, piorando e muito a qualidade da linguagem do e da
linguagem do projeto que faz parte de uma avenida e de um bairro na cidade
que foi constituído em sua maioria por residências ligadas a arquitetura moderna
descaracterizando assim também, a linguagem desse bairro e o patrimônio
moderno da cidade.
Conclusão
As residências estudadas são exemplos de algumas obras que poderiam fazer
parte da arquitetura moderna na cidade, mas que foram descaracterizadas.
Essa descaracterização se deu através da mudança de uso da edificação.
Como uma das premissas da arquitetura moderna se baseia na “forma segue a
função”, essas residências foram criadas baseando-se numa planta racional e
funcional para a função de uma habitação. Com a alteração de uso a planta livre
moderna se adapta ao novo uso e se desconfigura do projeto original com
facilidade.
As obras da arquitetura moderna são relativamente novas, comparadas as obras
de outros períodos, e são muito cedo consideradas obras de arte. Com o tempo
e com a mudança de uso, as alterações são inevitáveis, e podem até ser
positivas no sentido de dar a essas obras o destaque necessário para serem
vistas como uma obra de arte, no entanto, a sua linguagem deve ser respeitada.
Respeitar a linguagem da obra não significa se prender ao projeto original, numa
visão reducionista e desconsiderar as modificações inerentes aos processos de
ocupação, significa, simplesmente, evitar a perda de identidade da obra e valor
histórico de uma época.
Várias obras pertencentes a outras épocas recebem proteção por terem seu
valor reconhecido, obras como as do período colonial e eclético, por exemplo.
Já as obras modernas ainda não são valorizadas talvez por serem mais recentes
ou mais presentes, mesmo sem a proteção devida.
As obras da arquitetura moderna, além do seu valor como representantes da
forma de projetar de uma época, carregam consigo uma riqueza de dados e
informações sobre essa arquitetura, uma vez que conserva documentos e
projetos desenhados com um alto nível de detalhamento, o que possibilita uma
maior compreensão da obra e facilita sua conservação.
186
Os exemplos mostrados tiveram modificações na sua linguagem, seja através
da alteração da fachada, da planta, da cobertura, ou até mesmo de todos esses
elementos. A maioria das alterações observadas nessas obras poderiam ser
realizadas sem a conseqüente descaracterização das mesmas, muitas delas
foram
feitas
apenas
para
uma
“modernização”
da
obra,
tornando-a
esteticamente mais “contemporânea”, sem qualquer justificativa prática. Mesmo
a mudança de uso sendo uma justificativa para as alterações, ela não é válida,
uma vez que havia outras soluções para o novo uso que preservariam as
características modernas da obra.
Afirmar que estas obras devem ser conservadas não significa propor o seu
tombamento. Há outras formas de proteção de um patrimônio que podem ser
aplicadas a essas residências, inclusive a análise dela e, conseqüente
documentação de suas características, já é uma forma de proteção.
No entanto, para que cada obra moderna receba algum tipo de proteção, é
necessário que haja um reconhecimento dessa arquitetura como uma
arquitetura de valor por parte dos usuários e dos próprios profissionais
arquitetos, para que as verdadeiras arquiteturas existentes na cidade não se
tornem uma “não – arquitetura” deixando cada vez mais nossas cidades sem
história de uma época.
Referências
AZEVEDO, P. A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João
Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP,
1998.
GUERRA, M. E. As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro.
São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP, 1998.
LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. Projeto, São Paulo,
maio, n. 163, p 75-91, 1993.
PESSOA, J. L. C. Conservação no DOCOMOMO: modernidade em busca de
preservação ou preservação em busca de modernidade? In: PESSOA.
PESSOA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSOA.
BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1981.
398 p.
LOPES, C. M. C. Espaço Arquitetura – projeto requalificação de uma edificação
moderna de Sylvio de Vasconcelos em Uberlândia. Uberlândia, Monografia
(Trabalho Final de Graduação), FAURB – UFU, 2002.
AZEVEDO, P.; LOPES, C. M. C. - Banco de Obras – Arquitetura Moderna em
Uberlândia, 2001, Uberlândia. 1 CD-ROOM.
188
EDIFÍCIOS DA ARQUITETURA MODERNA COM USO COMERCIAL NO
TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA
Flávio Medeiros Pereira / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale
Este trabalho se propõe a analisar os edifícios da arquitetura moderna de uso
comercial identificados nas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba,
considerando-os sob diferentes aspectos - formais, técnicos, construtivos e
implantação, dentre outros - assim como a identificação de seus autores,
buscando colaborar para a melhor compreensão da produção arquitetônica
desse período. Teve como base para sua realização, o inventário sobre a
arquitetura moderna realizado no âmbito da pesquisa de documentação da
Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e
Preservação.
Os Edifícios Comerciais Modernos
Considerando os edifícios inventariados até o momento (agosto de 2011), foi
possível identificar vinte e seis imóveis53 de uso comercial construídos de acordo
com os valores da Arquitetura Moderna em apenas oito 54 das vinte e uma
cidades da região que foram selecionadas para estudo. Nas demais cidades
não houve a identificação de nenhum imóvel construído com este uso.
A partir da análise desses exemplares é possível apontar que o primeiro edifício
construído para uso comercial com vocabulário moderno foi a Casa São Jorge,
em Araxá, com projeto de autoria do arquiteto Ítalo Pezzutti, datado de 1954. O
edifício e Galeria Central, em Uberlândia, foi o último construído dos edifícios
53
Edifício Araguari, Casa São Jorge, Cine Capitólio, Edifício Jockey Clube, Edifício
Alvorada, Galeria São Geraldo, Mercado Municipal de Patos de Minas, Patos Social
Clube, Edifício Modelo de Patos de Minas, Centro Comercial da Vila Operadora de
Jaguará, Conjunto Comercial de Uberaba, Edifício Chapadão, Edifício Everest, Edifício
Geraldino Rodrigues da Cunha, Edifício Leopoldino de Oliveira, Edifício Pedro Salomão,
Edifício Rio Branco, Edifício Rio Grande, Edifício Rio Negro, Galeria Fausto Salomão,
Edifício Galeria Central, Edifício Itaporã, Edifício Tubal Vilela, Shopping Center Norte,
Shopping Center Sul e Edifício Uberlândia Clube.
54
Araguari, Araxá, Ituiutaba, Patos de Minas, Sacramento, Tupaciguara, Uberaba e
Uberlândia.
190
inventariados, já na década de 1980. No entanto, observa-se que a maioria dos
edifícios analisados datam da década de 1960.
Figura 01: Casa São Jorge, Araxá – MG,
Arquiteto: Ítalo Pezzuti
Ano de inauguração: 1954
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 02: Edifício Galeria Central, Uberlândia
– MG, Arquiteto: Paulo Cazé
Período de inauguração: out/1960
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Esses dados confirmam a hipótese levantada pela pesquisa de que a produção
da Arquitetura Moderna nessas regiões ocorreu a partir da década de 1950.
Esta observação nos permite afirmar também que o vocabulário arquitetônico foi
introduzido tardiamente em comparação com os grandes polos brasileiros, tais
como São Paulo e Rio de Janeiro, nos quais se verifica a presença da
Arquitetura Moderna desde a década de 1930, em edifícios como o Palácio
Gustavo Capanema e a casa da rua Santa Cruz, nesta e naquela cidade,
respectivamente.
Além disso, essas informações confirmam ainda que a construção de Brasília,
concluída em 1960, foi um importante fator de disseminação desse vocabulário
na região, uma vez que a data da construção da nova capital federal coincide
com o período de maior utilização desse vocabulário arquitetônico na região.
Podemos induzir que essa situação se deu pelo fato da área da nova capital
federal ser próxima do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e ainda pelo fato
destas regiões terem sido rota de passagem de pessoas e dos materiais das
regiões pólos brasileiras para o distrito federal, facilitando a consolidação da
Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
A partir dos imóveis analisados, percebemos que as cidades que apresentam
maior número de edifícios modernos com uso comercial são Uberaba, com dez
edifícios, e, em seguida Uberlândia, com seis. Entre as cidades analisadas,
estas são as de maior porte, e apresentaram nesse período um forte
crescimento econômico e populacional, com uma grande demanda pela
construção de novos edifícios de vários usos, entre eles os comerciais. Vale
destacar que a introdução da arquitetura e urbanismo modernos trouxeram
transformações profundas nas áreas em que se inseriram devido a novas formas
de inserção do edifício no lote, na relação entre o espaço público e o privado, e
na utilização de novos materiais, gerando mudanças no modo de vida da
população e se inserindo rapidamente no consciente da população como o
símbolo da chegada do “tão esperado progresso”.
Os arquitetos identificados envolvidos na construção da Arquitetura Moderna
nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba foram: Alcegan Monteiro, com
atuação em Araguari; Ítalo Pezzuti, em Araxá; Germano Gultzgoff, Wagner
Schröden e o escritório Pontual Arquitetos Associados com trabalhos em
Uberaba; Paulo de Freitas, Paulo Cazé, Ulbiano Muniz, o engenheiro Almôr da
Cunha e a CEGES – Companhia Empreiteira Gerais do Brasil em Uberlândia; e
por fim a CEMIG a partir do seu Departamento de Engenharia Civil com o projeto
dos edifícios da Vila Operadora de Jaguara, em Sacramento. Entre estes
arquitetos, Ítalo Pezzuti, Wagner Schröden e Paulo de Freitas são profissionais
com origem nas cidades onde desenvolveram seus trabalhos, mas que se
graduaram nas capitais brasileiras, retornando posteriormente para suas
cidades natais. Almôr da Cunha, o único engenheiro desse grupo, por sua vez,
era natural de Uberlândia e se graduou no Rio de Janeiro, retornando
192
posteriormente a sua cidade natal. Germano Gultzgoff por outro lado, originário
de São Paulo, onde graduou-se pela Universidade Presbiteriana Mackenzie;
após desenvolver um trabalho em Uberaba, resolveu nela se estabelecer,
criando o primeiro escritório de arquitetura da cidade. Wagner Schröden, natural
de Uberaba, estudou em Belo Horizonte, onde montou um escritório e lecionou
arquitetura e urbanismo, retornando posteriormente a sua cidade de origem. Os
demais arquitetos não possuíam vínculos com a região, sendo que sua
formação havia se dado nos grandes centros urbanos brasileiros, onde também
residiam, como por exemplo, Paulo Cazé; que vivia no Rio de Janeiro. Por fim, os
demais edifícios foram desenvolvidos por profissionais de grandes escritórios,
como o da CEMIG, a partir do seu Departamento de Engenharia Civil. Em suma,
esses dados nos revelam que os edifícios modernos da região foram elaborados
por profissionais que se graduaram nos grandes centros urbanos do país,
retornando posteriormente para suas cidades de origem para exercerem sua
profissão ou apenas desenvolvendo trabalhos nessas cidades sem maiores
vínculos com elas.
A análise dos dados também aponta que quase todos os edifícios foram
construídos nas áreas centrais das cidades. A exceção se dá apenas com os
Shoppings Norte e Sul (figuras 03 e 04, respectivamente), construídos em
Uberlândia, fora da região central da cidade. Essa informação reforça
primeiramente a vocação que as áreas centrais das cidades possuíam em
abrigar atividades comerciais e de recreação. Posteriormente, analisando as
atividades e os usuários desses edifícios, percebemos que os imóveis se
configuram em equipamentos importantes para toda a cidade, como por
exemplo, o Uberlândia Clube (figura 05), que comporta o principal teatro
uberlandense, o que revela a outra vocação que as áreas centrais das cidades
nesse momento agregavam que era a de abrigar a maioria dos equipamentos
de grande importância para toda a comunidade. Além disso, a construção
desses edifícios mostra a demanda que existia pela construção de imóveis com
esse caráter nessas regiões, principalmente pelo crescimento econômico e
populacional mencionados anteriormente, que estas cidades vinham passando.
Figura 05: Edifício Uberlândia Clube,
Uberlândia – MG, Engenheiro: Almôr da
Cunha
Data de inauguração: 26/01/1957
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 04: Shopping Center Sul,
Uberlândia – MG, Projeto desenvolvido
por arquitetos do CEGES – Companhia
Empreiteira Gerais do Brasil
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 03: Shopping Center Norte,
Uberlândia – MG, Projeto desenvolvido
por arquitetos do CEGES – Companhia
Empreiteira Gerais do Brasil
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Os Shoppings Centers Norte e Sul de Uberlândia foram os únicos construídos
fora da área central das cidade estudadas, configurando a única situação
encontrada nas regiões de criação de subcentros comerciais naquele momento.
Essa situação ocorreu devido ao acelerado crescimento demográfico e territorial
que Uberlândia apresentava no período, propiciando o surgimento de novos
centros comerciais fora da área central para atender a população que morava
nessas regiões.
194
Em
relação
ao
uso
que
esses
edifícios
apresentam,
percebemos que há edifícios com uso exclusivamente
comercial (envolvendo atividades comerciais e de serviços),
como o Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07),
prevalecendo edifícios de uso misto. Entre estes há os que
apresentam atividades residenciais e comerciais, como por
exemplo, o edifício Jockey Clube de Ituiutaba (figura 04), e
Figura 06: Conjunto Comercial de Uberaba,
Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff
Fonte: Arquivo da Pesquisa
ainda os que apresentam atividades recreativas e comerciais,
como o Uberlândia Clube (figura 05), em Uberlândia.
Vale destacar que os edifícios que mesclam atividades
recreativas
e
comerciais
são
a
minoria,
apresentando
atualmente apenas dois imóveis em toda a região, sendo um
em Patos de Minas – Cine Capitólio (figura 09) – e o outro em
Uberlândia – Uberlândia Clube (figura 05). Por outro lado,
atualmente há um número igual de edifícios com uso misto
Figura 07: Conjunto Comercial de Uberaba,
Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff
Fonte: Arquivo da Pesquisa
(comercial e residencial) e de edifícios com uso comercial
(comércio e serviços), com doze imóveis cada, distribuídos
pelas cidades da região.
Há ainda alguns edifícios que foram construídos com a
proposta de possuírem uso misto, mas que passaram
posteriormente a abrigar uma única função, como, por exemplo,
a Casa São Jorge de Araxá (figura 01), que foi projetada
inicialmente para abrigar atividade comercial em seu pavimento
térreo e residencial nos pavimentos superiores e o edifício Cine
Capitólio, em Ituiutaba (figura 09), com cinema no térreo e lojas
nos demais pavimentos; atualmente, cada um desses edifícios
abriga uma única loja que ocupa todos os pavimentos do
edifício.
Figura 08: Edifício Jockey Clube, Ituiutaba – MG,
Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 09: Cine Capitólio, Ituiutaba – MG, Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Observa-se ainda que os edifícios analisados apresentam uma configuração
básica, nas quais as atividades comerciais geralmente são desenvolvidas no
pavimento térreo, enquanto os demais pavimentos são destinados a atividades
recreativas ou residenciais. Dessa forma, essa setorização do edifício, com o
comércio nos pavimentos térreos gera um conjunto de atividades que atendem
a toda cidade, sem se restringir aos moradores do próprio edifício e sem ser
desenvolvida necessariamente por eles, mostrando assim uma distinção entre
os edifícios de uso misto da arquitetura tradicional, predominante na região até o
início do século XX, na qual o morador do imóvel geralmente era o mesmo
responsável pelo desenvolvimento da atividade comercial nas proximidades de
sua moradia.
Há uma grande variedade quanto ao número de pavimentos nos edifícios
encontrados, que possuem entre um e dezenove pavimentos. Observamos
quatorze edifícios com até seis pavimentos e treze com mais de seis
pavimentos. Entre todos, o único com apenas um pavimento é o Centro
Comercial de Jaguara (figuras 12 e 13), em Sacramento, que envolvia o
supermercado e um conjunto de lojas da Vila Operadora da Hidrelétrica de
Furnas.
196
Figura 10: Centro Comercial da Vila
Operadora de Jaguara, Sacramento – MG,
Projeto desenvolvido por arquitetos do
Isvaú – Departamento de Engenharia Civil
da Cemig
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 11: Vista Lateral do Centro
Comercial da Vila Operadora de Jaguara,
Sacramento – MG, Projeto desenvolvido
por arquitetos do Isvaú – Departamento de
Engenharia Civil da Cemig
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Observamos assim, que estes edifícios tiveram uma expressiva participação no
processo de verticalização das cidades da região, principalmente nas áreas
centrais, onde essa arquitetura se inseriu mais expressiva e quantitativamente. A
partir disso verificamos que não por acaso, o processo de verticalização dessas
cidades analisadas teve início na década de 1960. Como exemplo temos os
edificios Tubal Vilela em Uberlândia (figuras 12 e 13), o Edifício Pedro Salomão
em Uberaba (figura 14) e o Edifício Alvorada em Patos de Minas (figura 15),
todos pioneiros no novo modo de viver em habitações verticalizadas. A exceção
se dá apenas com os Shoppings Centers Norte e Sul de Uberlândia (figuras 03 e
04) que se localizam fora dessa região central, mas que da mesma forma
contribuíram para a verticalização dos locais em que se inserem.
Figura 14: Edifício Pedro Salomão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano
Gultzgoff
Ano de inauguração: 1964
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 13: Detalhe do Pavimento Térreo (Comercial) do Edifício Tubal Vilela,
Uberlândia – MG, Arquiteto: Ulbiano Muniz
Data de inauguração: out/1960
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 12: Edifício Tubal Vilela, Uberlândia – MG, Arquiteto: Ulbiano Muniz
Data de inauguração: out/1960
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 15: Edifício Alvorada, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado
Período de construção: década de 1960
Fonte: Arquivo da Pesquisa
198
A partir dessas análises, podemos perceber que havia uma demanda por uma
otimização do espaço no centro das cidades, principalmente daquelas que já
revelavam uma expansão horizontal acelerada como Uberaba e Uberlândia, ao
mesmo tempo em que se mostrava uma crescente disponibilidade tecnológica e
de novos materiais que permitiam a construção com elevados gabaritos que
começavam a chegar à região e que possibilitaram o processo de
verticalização. Vale ressaltar que essa demanda se mostra principalmente pelo
número de pavimentos dos edifícios construídos, mas também pela utilização
em larga escala das sobrelojas ou mezaninos, encontrados em grande número
dos imóveis.
É possível considerarmos ainda que essa intenção de verticalização se
apresenta mesmo nos edifícios de poucos pavimentos, como os Shoppings
Centers Norte e Sul de Uberlândia (figuras 03 e 04, respectivamente) que,
apesar de possuírem somente dois pavimentos, apresentam um elevado pé
direito, com uma estrutura bem demarcada e grandes vãos que buscam realçar
essa verticalidade.
Há imóveis como o Edifício Araguari (figura 16), nesta cidade da qual
adotou o nome, que apresentam lojas em seu pavimento térreo com
uma relação direta com a calçada e a via de trânsito à sua frente.
Porém, há alguns edifícios como o Galeria Central (figura 26) e o
Edifício Uberlândia Clube (figura 05), em Uberlândia, o Edifício
Jockey Clube (figura 08) em Ituiutaba, o Edifício Rio Negro (figura
18), em Uberaba e a Galeria São Geraldo (figuras 19 e 20) em Patos
de Minas, que além dessa relação das lojas voltadas diretamente
para a via pública, apresentam também uma galeria interna;
chegando às vezes a apresentarem mais de um pavimento
destinado a estas atividades.
Figura 16: Edifício Araguari, Araguari –
MG, Arquiteto: Alcegan Monteiro
Data inauguração: 18/10/1969
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Assim, podemos considerar que há mais de uma maneira nas
relações que esses edifícios desenvolvem com o espaço público
gerada a partir dos seus elementos arquitetônicos, uma vez que
todos os imóveis apresentam uma relação direta entre o interior do prédio e o
espaço público em seu entorno por meio de suas lojas. Mas, além disso, há
ainda edifícios que apresentam também galerias de circulação interna com uma
diversidade de percursos em seu interior, criando espaços semi-públicos que
enriquecem a diversidade dos espaços e das relações desenvolvidas nas áreas
urbanas em que se inserem.
Geralmente essa galeria interna é coberta, como por exemplo, no Uberlândia
Clube
(figura
05),
que
apresenta
duas
galerias
que
penetram
perpendicularmente no interior do edifício levando às lojas e ao teatro, e ainda
um grande recuo na sua fachada frontal no pavimento térreo, criando uma
contínua faixa de circulação coberta pela projeção do pavimento superior,
alargando assim o espaço público da calçada. Já a galeria do Mercado de
Patos de Minas (figura 17) por sua vez, apresenta um formato diferenciado uma
vez que suas extremidades são ovais, facilitando a circulação em seu interior,
apresentando ainda pé direito mais elevado que o das lojas em suas laterais,
recebendo iluminação e ventilação naturais por meio de aberturas laterais
zenitais. A galeria do Edifício Rio Negro (figura 18), em Uberaba por outro lado,
constitui um percurso retilíneo que atravessa o edifício ligando as duas vias que
o margeiam. Por fim, a Galeria São Geraldo em Patos de Minas (figuras 19 e 20)
é a única que apresenta parte de sua galeria descoberta, uma vez que apenas a
parte inicial e mais antiga do edifício apresenta cobertura.
Figura 17: Mercado Municipal, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado
Ano de inauguração: 1958
Fonte: Arquivo da Pesquisa
200
Figura 20: Interior da Galeria São Geraldo,
Patos de Minas – MG, Arquiteto não
identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 19: Galeria São Geraldo, Patos de
Minas – MG, Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 18: Edifício Rio Negro, Uberaba –
MG, Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Com respeito aos materiais construtivos e de revestimentos empregados
observamos que há uma variedade entre os edifícios estudados. Primeiramente
observa-se que a estrutura em concreto armado e as aberturas em caixilharia
metálica com vidros são empregadas em todos os imóveis analisados. Além
disso, é comum encontrarmos o concreto armado utilizado também em brises
que geralmente seguem um formato retilíneo nas fachadas dos edifícios, como
no Edifício Rio Negro em Uberaba (figura 18).
Percebe-se ainda, que quando há a utilização de
lajes impermeabilizadas, elas apresentam diversos
formatos, como nos mostra o Centro Comercial de
Jaguara (figuras 10 e 11) e o Edifício Everest (figura
21) em Uberaba.
Também apontamos a utilização de elementos de
sombreamento que atuam ao mesmo tempo como
elementos de valorização plástica, como o cobogó
utilizado no Conjunto Comercial de Uberaba
(figuras 06 e 07), as marquises do Centro
Comercial de Jaguara (figuras 10 e 11) e do
Edifício Everest em Uberaba (figura 21), sendo que
este recurso, como sabemos, foi bastante utilizado
Figura 21: Edifício Everest, Uberaba – MG,
Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
na Arquitetura Moderna brasileira.
Além disso, sabemos também que o Movimento Moderno buscava uma
integração das artes, com pinturas e esculturas trabalhadas em composição ao
edifício. No Uberlândia Clube (figura 05), por exemplo, percebemos um grande
vitraux da fachada frontal do edifício com imagens de outros imóveis da cidade
e também um painel em mosaico localizado no hall de entrada do edifício
desenvolvido pelo artista plástico José Machado de Moraes (figura 22), ambos
atendendo justamente à esta intenção.
Figura 22: Painel de pastilha no hall de entrada do Edifício Uberlândia Clube, Uberlândia
Artista Plástico José Machado de Moraes
Data de inauguração: 26/01/1957
Fonte: Arquivo da Pesquisa
202
Além disso, devemos também nos atentar à mudança dos materiais
empregados e consequentemente de composição que esses edifícios
apresentam de acordo com o período em que foram construídos. Os edifícios
pioneiros, construídos na década de 1950, como a Casa São Jorge em Araxá
(1954 – figura 01), o Uberlândia Clube (1957 – figura 05), e o Mercado Municipal
de Patos de Minas (1958 – figura 17), por exemplo, mostram uma grande
diversidade de materiais empregados nos sistemas construtivos e nos materiais
de revestimento, apresentando uma grande riqueza de composição, a partir da
utilização de concreto, tijolos cerâmicos, brises, pastilhas cerâmicas de várias
cores e texturas, elementos cerâmicos vazados, pedras e vidros.
Todavia, nos edifícios mais tardios, geralmente da década de 1970, vemos uma
maior uniformidade dos materiais utilizados e, consequentemente uma menor
riqueza de composição de materiais, com maior utilização do concreto e do
vidro, apresentando ainda a introdução de novos materiais, como o alumínio.
Como exemplo, temos os Edifícios Chapadão (1975 – figura 23), Everest (1970 –
figura 21), Geraldino Rodrigues da Cunha (1974 – figura 24) e Leopoldino de
Oliveira (1973 – figura 25) todos em Uberaba.
Figura 23: Edifício Chapadão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff
Ano de inauguração: 1975
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 24: Edifício Geraldino Rodrigues da
Cunha, Uberaba – MG, Arquiteto: Wagner
Schröden
Ano de inauguração: 1974
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Figura 25: Edifício Leopoldino de Oliveira,
Uberaba – MG, Arquiteto: Pontual
Arquitetos Associados
Ano de inauguração: 1973
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Assim, podemos observar que inicialmente havia o emprego de elementos com
um apelo visual maior (como por exemplo, o cobogó) com uma maior riqueza de
composição de materiais, enquanto que com o tempo, percebemos uma maior
uniformização dos materiais empregados, que passam a ser utilizados em maior
escala diminuindo assim, a diversidade da composição dos materiais.
204
Outra característica importante a ser citada diz respeito à inserção da garagem
nos edifícios. Entre os edifícios analisados, os que foram construídos antes da
década de 1970 não apresentam garagens ou áreas para vagas de
estacionamentos. Todavia, a partir desta data, eles passam a incluir
esse espaço, como nos mostra o Edifício Chapadão de 1975 em
Uberaba (figura 23) que apresenta quatro pavimentos destinados
somente à garagem. Essa situação revela a demanda iniciada a
partir deste período, devido à popularização que o automóvel
adquiria
devido,
entre
outros
fatores,
às
políticas
desenvolvimentistas do governo brasileiro, principalmente durante a
administração do Presidente Juscelino Kubitscheck 55 , trazendo
grandes alterações no planejamento dos espaços urbanos e
arquitetônicos, como por exemplo, a incorporação desse novo
ambiente.
Sobre a inserção desses imóveis nos lotes podemos notar que há
Figura 26: Edifício Itaporã, Uberlândia – MG,
Arquiteto: Paulo de Freitas
Fonte: Arquivo da Pesquisa
tanto edifícios situados em lotes de esquinas como o Conjunto
Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07) e também outros no meio
dos quarteirões como a Galeria São Geraldo em Patos de Minas
(figura 19). Geralmente eles seguem o alinhamento da calçada, não
apresentando recuos frontais ou laterais no pavimento térreo, onde
se concentram as atividades comerciais como nos mostra o edifício
Itaporã em Uberlândia (figuras 26 e 27). A exceção se dá com o
Uberlândia
Clube
(figura
05)
que,
como
já
mencionado
anteriormente, apresenta recuo frontal com proteção do pavimento
superior.
Figura 27: Detalhe do Pavimento Térreo
(comercial) do Edifício Itaporã, Uberlândia –
MG, Arquiteto: Paulo de Freitas
Fonte: Arquivo da Pesquisa
É freqüente ainda o edifício tirar partido da inclinação do terreno
criando níveis, como se observa no Conjunto Comercial de Uberaba
(figuras 06 e 07). Essa situação é típica de edifícios comerciais, uma
vez que normalmente se busca aproveitar ao máximo o terreno existente e
facilitar o acesso da população que se desloca pelo espaço público ao interior
do imóvel. Por sua vez, a Galeria Fausto Salomão (figura 28) de Uberaba, tirou
55
Gestão entre os anos de 1955 e 1960, caracterizada pela consolidação a indústria
automobilística no país, podendo-se apontar como uma das marcas da década de 1970
a ampliação da aquisição do automóvel pela classe média brasileira.
partido da inclinação do terreno criando um nível sub-solo, de forma a receber
acesso pelas duas ruas que o margeam.
Figura 28: Galeria Fausto Salomão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff
Ano de inauguração: 1972
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Os edifícios que apresentam suas lojas voltadas diretamente para o espaço
público, geralmente apresentam vários acessos independentes a cada uma de
suas de suas lojas como no Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07),
enquanto que aqueles que possuem galerias internas possuem dois ou mais
acessos a essas lojas voltadas para a galeria, como por exemplo, o Edifício
Galeria Central (figura 02), em Uberlândia. Além disso, em geral eles
apresentam um único acesso aos pavimentos superiores, que pode ser isolado
e restrito aos moradores em relação aos usuários das atividades comerciais
como no Edifício Pedro Salomão de Uberaba (figura 14).
Geralmente eles não apresentam aberturas ou lojas voltadas para as laterais
uma vez que se encontram quase sempre alinhados em suas laterais as
edificações vizinhas, como por exemplo o Edifício Rio Grande em Uberaba
(figura 29).
206
Figura 29: Edifício Rio Grande, Uberaba – MG, Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
No entanto, nas elevações frontais, o uso de aberturas com panos de vidros e
janelas corridas são frequentes, uma vez que a adoção da estrutura autônoma
de concreto armado – um dos elementos do vocabulário moderno – possibilita a
adoção de plantas livres com aberturas, promovendo grande relação com o
espaço público. Além disso, é comum ainda a utilização de elementos de
sombreamento sobre a calçada gerados pela presença de marquises, como nos
mostra a Casa São Jorge em Araxá (figura 01); ou pela própria projeção do
pavimento superior sobre o recuo do inferior, como no Edifício Uberlândia Clube
(figura 05).
Esses edifícios ainda apresentam elementos introduzidos pela Arquitetura
Moderna, como os pilotis presentes no Cine Capitólio (figura 09), de Ituiutaba,
que geralmente demarcavam o ritmo dos edifícios.
Com respeito às volumetrias, observamos que em geral são bem definidas em
prismas compactos, apresentando normalmente diferentes volumetrias entre as
suas funções numa composição harmoniosa, que deixa à mostra as divisões de
uso do edifício. Percebe-se ainda que geralmente as áreas comerciais do
edifício seguem o alinhamento das construções vizinhas, revelam grandes
aberturas e pés-direitos com uso intenso do concreto aparente, como nos
mostra o Joquey Clube em Ituiutaba (figura 08), sendo que são estas áreas
comerciais
dos
edifícios
os
locais
que
mais
sofrem
atualmente
descaracterizações e poluição visual. Já as áreas residenciais, por sua vez,
normalmente recebem um maior grau de privacidade, ou por não se localizarem
nos pavimentos térreos – nos edifícios de uso comercial e residencial – ou por se
encontrarem recuadas em relação ao alinhamento da calçada, como por
exemplo, no Edifício Galeria Central de Uberlândia (figura 02). As áreas dos
edifícios destinadas a atividades de lazer, como cinemas, teatros, etc., por outro
lado, apresentam relação mais direta com o espaço público (assim como o
comércio), que as residenciais. No Edifício Cine Capitólio, em Ituiutaba (figura
09), por exemplo, percebemos um alinhamento à calçada dos pavimentos com
usos recreativos, apresentando ainda grandes panos de vidros que
estabelecem uma forte relação visual com o entorno em que se inserem.
Neste edifício ainda, percebe-se um efeito de
horizontalidade em contraponto à verticalidade.
Esse efeito é gerado em alguns casos por frisos
em concreto, brises horizontais e janelas
corridas, como nos Edifícios Rio Branco (figura
30), Rio Grande (figura 29) e Rio Negro (figura
18), todos em Uberaba. Em outros casos, como
nos
Shoppings
Centers
Norte e Sul
de
Uberlândia (figuras 03 e 04), o efeito de
horizontalidade é gerado pelo emprego de
grandes
platibandas
contínuas,
que
se
contrapõem aos elevados pés direitos que eles
apresentam; ou ainda por meio de sacadas de
circulação contínuas e externas como nos
edifícios Tubal Vilela (figuras 12 e 13) e Galeria
Figura 30: Edifício Rio Branco, Uberaba – MG,
Arquiteto não identificado
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Central (figura 02), em Uberlândia.
Outra mudança significativa que percebemos nos edifícios ao longo do tempo
diz respeito á ocupação dos espaços nesses imóveis. A Casa São Jorge, de
Araxá (figura 01), por exemplo, foi construída com a proposta de funcionar como
loja e residência e no entanto, atualmente se encontra ocupada por uma única
loja do tipo magazine. O Cine Capitólio, de Ituiutaba (figura 09), por sua vez, não
apresenta mais o cinema proposto originalmente, e também hoje é ocupado por
208
uma única loja. O Edificio Modelo de Patos de Minas (figura 31), proposto para
uso residencial hoje apresenta uso comercial; e por fim o Centro Comercial de
Jaguara (figuras 10 e 11), importante edificio durante o pleno funcionamento
desta vila, hoje se mostra desocupado e abandonado, assim como o restante da
vila.
Figura 31: Edifício Modelo, Patos
de Minas – MG, Arquiteto não
identificado
Ano de conclusão do projeto: 1960
Fonte: Arquivo da Pesquisa
Vale ressaltar, que a utilização de materiais novos para a época, assim como o
emprego de novos elementos arquitetônicos e uma nova proposta de viver e se
relacionar com o espaço urbano proposto pelo Movimento Moderno, levando em
consideração o desenvolvimento tecnológico do período, foram rapidamente
tomados como símbolo do progresso e do desenvolvimento econômico, social e
estético das regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Conclusão
A análise realizada sobre as obras modernas de uso comercial do Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba aponta que são raros os edifícios construídos
exclusivamente para esse fim em relação ao conjunto de obras já inventariados,
prevalecendo aqueles de uso misto. Os edifícios com uso exclusivo para
comercio tornam-se mais numerosos a partir da década de 1970 principalmente nas cidades de Uberaba e Uberlândia que apresentavam maior
desenvolvimento desse setor da economia.
No entanto, a constatação de que essa produção tem sofrido constantes
alterações ao longo dos anos e que sua adaptação a novas necessidades e
usos nem sempre tem sido feita de modo adequado ou criterioso – muitos se
encontram descaracterizados, em más condições de conservação, outros
sofrem com a poluição visual ou mesmo abandono – nos alertam para a
necessidade de sua melhor documentação e conhecimento.
Essas questões nos alertam para a necessidade de ações efetivas voltadas para
a preservação desses edificios, uma vez que essa produção da Arquietura
Moderna possui apenas alguns poucos exemplares bem conservados. Caso
contrário, facilmente estes imóveis poderão deixar de fazer parte da paisagem
urbana das cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, suprimindo uma
produção importante e significativa para a região, que testemunha a introdução
dos ideais de modernidade e progresso, fundamentais na configuração de sua
paisagem cultural e do imaginário social e simbólico marcaram suas trajetórias a
partir de meados do século XX.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, P., GUERRA, M. E. João Jorge Coury, Um Moderno no Triângulo. In:
Projeto n.º 163, pp. 78-79, 1993.
AZEVEDO, P. A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João
Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos. Dissertação (Mestrado) – EESC – USP,
1998.
BARDI, L. B.; ALMEIDA, E.; FERRAZ, M. C. [org.]. Igreja Espírito Santo do
Cerrado. Portugal: Editorial Blau, 1999.
BENEVOLO, L. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva,
1976.
BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1981.
CAMISASSA, M. M. S. A Preservação do Moderno e a Formação dos Futuros
Profissionais da Arquitetura e do Urbanismo. In: PESSÔA, J.; VASCONCELLOS,
E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). 6º Seminário Nacional DOCOMOMO Brasil, Niterói,
novembro 2005. Organizado por José Pessoa, Eduardo Vasconcellos, Elisabete
Reis e Maria Lobo, Niterói, EdUFF, 2006. pp. 169 – 182
CAPPELLO, M. B. C. Arquitetura em revista: arquitetura moderna no Brasil e sua
recepção nas revistas francesas, inglesas e italianas (1945-1960). São Paulo.
Tese (Doutorado) – FAU – USP, 2005.
FRAMPTON, K. História Critica da Arquitectura Moderna. Barcelona, Gustavo
Gili, 1987.
210
GOODWIN, P. L. Brazil Builds - Architecture New and Old 1652 - 1942. New
York: The Museum of Modern Art, 1943.
GUERRA, M. E. As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro.
São Carlos. Dissertação (Mestrado) – EESC – USP, 1998.
LAMAS, J. M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992.
LAURENTIZ, L. Olhando as arquiteturas do cerrado. Projeto, São Paulo, n.º 163,
p. 75-91, maio, 1993.
LEMOS, C. A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos e Edusp,
1979.
MARTINS, C. A. F. Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de
Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH – USP (1º. Capítulo),
1988.
MINDLIN, H. Arquitetura moderna no Brasil. Organizador da edição brasileira
Lauro Cavalcanti. Tradução de Paulo Pedreira. 2 ed. Rio de Janeiro: Aeroplano
Editora/IPHAN. 2000. Tradução de: Modern architecture in Brazil.
PESSÔA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSÔA,
J.; VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). 6º Seminário Nacional
DOCOMOMO Brasil, Niterói, novembro 2005. Organizado por José Pessoa,
Eduardo Vasconcellos, Elisabete Reis e Maria Lobo, Niterói, EdUFF, 2006. pp.
157 – 182.
SEGAWA, H. Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998.
TEIXEIRA VALE, M. M. B. “Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo Sertão
da Farinha Podre”, 1988. Tese de Doutorado apresentada à USP – São Paulo.
ARQUITETURA MODERNA NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: A
ATUAÇÃO DOS GRANDES ESCRITÓRIOS
Ana Paula Tavares Miranda / Maria Beatriz Camargo Cappello
1. Introdução
A Arquitetura Moderna no Brasil teve como marco e divisor de águas a
construção do prédio para o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP)56,
no Rio de Janeiro, iniciado no fim da década de 1930 e que antecedeu a
consolidação da Linguagem Moderna no Brasil nos anos 1940. (LEMOS, 1979)
Essa nova arquitetura que se introduzia no país, como já de costume, foi
importada da Europa com a diferença de que, aqui, a nova linguagem
arquitetônica adquiria características próprias, nacionalizando-se e resultando
em inovações que respondiam ao nosso clima tropical e à nossa disponibilidade
tecnológica que ainda se limitava ao uso do concreto armado como material de
construção disponível no país. Divulgada pelo Brazil Builds 57 , dentre outras
revistas internacionais de arquitetura da época, a arquitetura moderna feita no
Brasil
foi
internacionalmente
enfatizada
principalmente
pelas
soluções
empregadas na barragem dos fortes raios solares de um país tropical, como a
aplicação do brise-soleil. As principais características do Movimento Moderno
no Brasil, segundo Giedion (apud MINDLIN, 1956), foram o arrojo das linhas
bem marcadas no exterior dos edifícios, os avanços no tratamento dos
ambientes internos e a existência de linguagem e técnicas que dão identidade a
essa arquitetura como nacional.
Lembrar-se-á também da sua forte relação com as artes através das pinturas
murais, esculturas e do paisagismo, dentro da concepção de síntese das artes
defendida pelos CIAM.58
56
Hoje chamado Edifício Capanema, projetado pela equipe de arquitetos formada por
Lucio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos,
Jorge Machado Moreira e consultoria do arquiteto franco-suiço Le Corbusier. Sua
construção iniciou-se em 1936, sendo entregue em 1947.
57
Brazil Builds - Exposição e publicação do livro de mesmo nome realizada em 1943
pelo Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York.
58
CIAM - Congrès Internationaux d'Architecture Moderne [Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna] - era uma organização internacional que reunia os expoentes da
vanguarda de arquitetura com a intenção de estudar e difundir as bases teóricas da
arquitetura moderna.
212
No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, região estudada neste artigo, a
arquitetura moderna teve sua inserção paralela à industrialização da região na
década de 1940, estimulada pela posição estratégica de algumas cidades
como Uberlândia, que faziam o eixo de ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro
com o interior do país. Intensificada essa característica com a implantação de
Brasília, em 1957, a arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba
teve seu auge na década de 1960 e 1970.
Sabendo da importância em documentar a produção moderna a fim de se
manterem preservados os exemplares mais significativos (assim como já é feito
em outras cidades e capitais do Brasil), o projeto intitulado “Documentação da
Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e
Preservação”, busca a identificação e catalogação dessas obras através de
fichas de inventário, definidas segundo o modelo DOCOMOMO59.
Uma vez elaborado pelo grupo de pesquisa um acervo de referência que busca,
além de suprir a carência de documentação sistemática, difundir esse conteúdo
à população através de um site, é possível analisar o impacto dessa nova
arquitetura nos espaços urbanos, no desenvolvimento das cidades e na
produção arquitetônica posterior e atual na região. O artigo aqui desenvolvido e
intitulado “Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: A Atuação
dos Grandes Escritórios”, tem como objetivo demonstrar como se deu a atuação
dos grandes escritórios nacionais que, não se fixando nas cidades de seus
projetos, ainda assim contribuíram para o desenvolvimento e fixação do
Movimento Moderno na região. O trabalho também espera fornecer um acervo
específico para a pesquisa base deste projeto a fim de motivar novos campos
de discussão, novas pesquisas e novos pesquisadores.
2. Material e métodos
Este trabalho foi desenvolvido, primeiramente, com uma pesquisa teórica a qual
abrangia uma leitura bibliográfica acerca do Movimento Moderno, tanto no
59
International Working Party for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and
Neighbourhoods of Modern Movement - Organização internacional que busca motivar o
conhecimento e reflexão sobre o Movimento Moderno, desenvolvendo levantamentos
documentais e medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim como de
conjuntos urbanos e paisagísticos do Movimento Moderno.
âmbito nacional quanto no regional. Com a leitura, foram melhor compreendidos
os elementos determinantes dessa arquitetura, suas características e sua
importância para a efetivação de uma arquitetura nacional brasileira.
Na pesquisa de campo, etapa seguinte, foram feitas visitas às cidades
selecionadas de acordo com o critério daquelas que ainda não tinham sido
exploradas pelo projeto da faculdade. As visitas objetivavam um levantamento
fotográfico das obras percebidas como mais características da Arquitetura
Moderna e o recolhimento do material encontrado nos arquivos públicos e
particulares das cidades visitadas como plantas dos projetos, publicações em
jornais, revistas, entrevistas, etc.
Após pesquisas teóricas e de campo foram preenchidas as fichas de inventário,
nas quais foram catalogados os edifícios e onde constam também todas as
informações necessárias para o conhecimento suficiente de cada obra.
Com a catalogação foi possível perceber a atuação de um grupo de arquitetos,
associados a grandes escritórios do Brasil, que desenvolveram projetos
característicos e de grande importância para a região. A partir de então, veio o
interesse em aprofundar essa linha de pesquisa, analisando as características
dessa arquitetura e, consequentemente, seu impacto na região do Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba.
3. Resultados
3.1 os arquitetos forasteiros
Motivados pelo discurso progressista de crescimento e modernização, em 1910,
chegam à região, e principalmente Uberlândia, muitos construtores, sendo a
maioria imigrantes. A partir de então, com um crescimento considerável, a
região atrai mão de obra do campo e de regiões vizinhas, fazendo com que, já
na década de 1920, a construção civil se coloque, juntamente com o comércio,
como fontes primeiras de riqueza.
A implantação da 1ª Escola de Arquitetura de Minas Gerais, em Belo Horizonte,
foi crucial para o momento que se vivia. A EABH (Escola de Arquitetura de Belo
214
Horizonte) formou profissionais que iriam atuar em várias cidades de Minas
Gerais, fixando-se ou somente deixando seus trabalhos pelas cidades,
formando uma geração de pioneiros saídos da faculdade como transformadores
das cidades mineiras (GUERRA, 1998).
O principal nome diante da implantação dessa nova arquitetura na região é João
Jorge Coury, arquiteto formado pela EABH e o primeiro a se fixar na região, mais
precisamente em Uberlândia, em 1940. Coury abre as portas para a
implantação da linguagem moderna na região, difundindo-a e influenciando
outros arquitetos a também se estabelecerem, fazendo com que a arquitetura
produzida aqui se aproximasse cada vez mais daquela que se fazia em São
Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, os profissionais identificados na pesquisa
“Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba:
História e Preservação” estabeleceram diversos tipos de relações com as
cidades estudadas, os quais foram denominados arquitetos “migrantes” (como
Ivan Cupertino e Germano Gultzgoff que atuaram em Uberlândia entre as
décadas de 1960 e 1970), “peregrinos” (como o já citado pioneiro João Jorge
Coury), “nativos” (como o uberlandense Paulo de Freitas e o uberabense
Wagner Schroden), “forasteiros” (como o belo-horizontino Fernando Graça
dentre os arquitetos que ainda serão citados) e “titãs”(Oscar Niemeyer e Lina Bo
Bardi, nos anos 80).
Os projetos estudados aqui estão dentro do grupo de arquitetos “forasteiros”.
São edifícios projetados por arquitetos ou por um conjunto deles, advindos dos
grandes centros do país e que não estabelecem bases profissionais na região
(LAURENTIZ, 1993), ou seja, a relação e a estadia nas cidades que
desenvolvem seus trabalhos são delimitadas ao período necessário para o
levantamento do local de implantação.
3.2 a atuação dos grandes escritórios
Dentro do grupo de profissionais60 denominados “forasteiros”, estabeleceu-se
um subgrupo daqueles que, não somente vindos de fora, eram também
integrantes de grandes escritórios nacionais. Esses escritórios eram formados
por
uma
equipe,
muitas
vezes
interdisciplinar,
necessária
para
o
desenvolvimento dos projetos, normalmente de grande escala.
Os escritórios e obras estudados aqui são: Burle Marx & Cia Ltda., com os
projetos para o Conjunto Paisagístico para o Parque da Estância do Barreiro e
Fonte Andrade Junior, ambos em Araxá; Henrique Mindlin Associados, com o
projeto da Fábrica Souza Cruz, em Uberlândia; Rino Levi Arquitetos Associados,
com os projetos da Casa de Hóspedes para a CBMM e a Escola Sesi-Senai,
ambos em Araxá.
Burle Marx & Cia Ltda
Roberto Burle Marx, nascido em 1909 na cidade de São Paulo e radicado no Rio
de Janeiro, estudou pintura na Alemanha durante sua estadia no país, motivada
por um problema de saúde, voltando para o Brasil em 1930. Devido às
influências artísticas trazidas da Europa, ingressa no curso de Belas Artes da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, fazendo seu primeiro projeto
paisagístico de linhas modernas em 1932. O projeto era um jardim para a
Residência da Família Schwartz, com projeto arquitetônico de Gregório
Warchavchik e Lucio Costa, este último, vizinho de Burle Marx. Seu contato com
amigos e professores como Lucio Costa, Leo Putz (Escola Expressionista Alemã)
e Cândido Portinari o introduziu ao pensamento moderno, fazendo com que na
década de 1940 se filiasse permanentemente ao Movimento Moderno, deixando
para traz os projetos ainda de concepções acadêmicas da Beux-Arts.
A formação da Burle Marx & Cia Ltda se deu oficialmente em 1955, com
localização no bairro Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro. O escritório fazia
trabalhos de execução e manutenção de obras paisagísticas, desde edifícios
60
Não sãos todos os profissionais estudados aqui arquitetos de formação. O paisagista
Roberto Burle Marx, mesmo com o título de Arquiteto-Paisagista, não tem formação
acadêmica em Arquitetura.
216
residenciais a obras públicas. Mesmo antes da oficialização da firma, Burle
Marx contava com profissionais que o auxiliavam nas obras de seu escritório,
como é o caso do projeto para a Fonte Andrade Junior, no Parque do Barreiro,
em Araxá, em que, sem a formação de arquiteto, passou o projeto para seu
então estagiário Francisco Bolonha, graduando em Arquitetura pela Escola
Nacional de Belas Artes, na qual ingressou no ano de 1940.
Francisco Bolonha, no seu primeiro ano de curso, já trabalhava como estagiário
em escritórios de arquitetura, trabalhando primeiramente com Aldary Toledo e
em seguida no escritório em conjunto dos arquitetos Jorge Machado Moreira,
Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, enquanto também estagiava com
Burle Marx, no período da noite. Nos estágios, Bolonha participou de projetos
como o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, com Moreira e o Teatro de Belo
Horizonte, com Niemeyer. Durante seu trabalho com Burle Marx, além dos
projetos para o Barreiro de Araxá, participou também da elaboração dos jardins
da Residência Odette Monteiro, em Petrópolis, e dos Jardins para o Ministério da
Educação. Bolonha formou-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura da
Universidade do Brasil61, em 1945, permanecendo no escritório de Burle Marx
até 1950. (PORTO, 2005)
Desde o falecimento de Burle Marx, em 1994, a Burle Marx & Cia Ltda é dirigida
pelo arquiteto, companheiro de trabalho, amigo e discípulo, Haruyoshi Ono, o
qual mantém o desenvolvimento dos trabalhos e concepções deixados pelo
mestre. Enquanto vivo, Roberto Burle Marx primava pela perpetuação de seus
conhecimentos, assim como da necessidade de tê-los. Disseminava suas
idéias, das quais via o jardim como um lugar onde se estabelece uma relação
especial com a natureza, uma coexistência pacífica entre as várias espécies, um
lugar de respeito pelo outro, uma vez sendo esse um espaço público, um
instrumento de prazer e um meio de educação. Das características deixadas de
seus projetos, a principal foi a valorização da beleza dos elementos nativos da
flora brasileira, sendo ele o responsável pela introdução do paisagismo como
parte integrante do projeto arquitetônico e urbanístico.
61
Faculdade resultante do desmembramento do curso de arquitetura da Escola
Nacional de Belas Artes, em 1945.
Henrique Mindlin Associados
Henrique Ephim Mindlin, filho de russos estabelecidos no Brasil, nasceu em São
Paulo, em 1911 e graduou-se engenheiro-arquiteto pela Escola de Engenharia
Mackenzie, em 1932. Nos seus primeiros anos como profissional realizou
dezenas de obras em São Paulo, a maioria edifícios residenciais e que ainda
não apresentavam uma uniformidade estética. Em 1942, mudou-se para o Rio
de Janeiro após obter o primeiro lugar no concurso para o anexo do Palácio do
Itamaraty. Com o crescimento das encomendas e popularidade, Mindlin se
associou ao arquiteto Giancarlo Palanti, em 1955, num acordo onde, os
trabalhos em São Paulo seriam desenvolvidos pela equipe do escritório de
Palanti, e os do Rio de Janeiro, então capital federal, pelo escritório de Mindlin.
(SANCHES, 2004) Em 1964, na tentativa de formar um escritório mais sério para
o desenvolvimento de trabalhos no Brasil e no exterior, juntam-se à mais três
sócios, Walmyr Lima Amaral, Marc Demetre Fondoukas e Walter Morrison,
formando o “Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e Arquitetos Associados”,
primeiro escritório de arquitetura no país constituído juridicamente como uma
empresa.62 (NOBRE, 2000)
Atraindo uma boa gama de clientes, o escritório logo adquiriu popularidade,
chegando a ter cerca de 60 pessoas trabalhando simultaneamente, fato que
encadeou a necessidade de um “sistema de produção de arquitetura”, visto a
necessidade de organização e produtividade condizentes aos preceitos
funcionais do Movimento Moderno. Tal sistema de produção estabelecia uma
uniformidade gráfica para os desenhos técnicos de projetos, desenvolvido por
um grupo de arquitetos do próprio escritório, que ia desde a representação de
cortes, níveis e cotas a um roteiro completo de numeração de pranchas e
logomarca da empresa. (NOBRE, 2000) O sistema rendeu uma apostila com a
marca do escritório, que logo se difundiu pelo Brasil, sendo adotada por vários
outros escritórios. Também, seguindo a linha de pioneiros na produção
arquitetônica, o escritório foi o primeiro a utilizar recursos tecnológicos no
desenvolvimento
de
projetos,
na
virada
dos
anos
1960,
quando
o
microcomputador ainda era desconhecido para a maioria da população
62
Vale lembrar que a Burle Marx & Cia Ltda, fundada em 1955, não era um escritório de
arquitetura, mas de obras paisagísticas, até então atividade não apta na formação do
arquiteto.
218
brasileira. Ainda na década de 1960, precisamente em 1966, Giancarlo Palanti,
visando aposentar-se, (SANCHES, 2004) desfaz sua associação com Henrique
Mindlin, passando o escritório a se chamar somente “Henrique Mindlin
Associados”.
Apresentado por seu irmão mais próximo, o empresário José Mindlin, como um
homem “envolvido por uma visão de futuro”, Henrique Mindlin ainda teve
atuação pioneira em várias frentes. Foi atuante no IAB desde 1940, precursor na
luta pela regulamentação da profissão, pelos direitos autorais do arquiteto e pela
remuneração condizentes às exigências e custos de um trabalho profissional
(NOBRE, 2000). Via a arquitetura como sinônimo de planejamento, a qual tinha o
objetivo de “atingir valores humanos e sociais na síntese de todos os elementos
funcionais, estéticos e econômicos de projeto”, uma arquitetura de uma
linguagem dita internacional e sistematizada, daí vide a importância, já discutida
aqui, da organização de suas produções e de seu trabalho em equipe. Mindlin
colaborou com o movimento moderno não só com edifícios, mas também com
sua forte atuação no campo editorial.
Publicou artigos em revistas
especializadas nacionais e estrangeiras, sendo sua maior publicação, o
livro-antologia “Arquitetura Moderna no Brasil”63, publicado pela primeira vez em
Outubro de 1956.
Dentre os inúmeros projetos assinados pelo escritório está o importante Bank of
London and South America, de 1959, em São Paulo.
Desde seu falecimento, em 1971, a Henrique Mindlin Associados, ainda hoje em
funcionamento, está sob os comandos de um de seus primeiros fundadores, o
arquiteto Walmyr Amaral.
Rino Levi Arquitetos Associados
Rino Levi, nascido em São Paulo em 1901, obteve o diploma de arquiteto em
1926, pela Faculdade de Arquitetura de Roma, voltando a São Paulo, no mesmo
ano, onde iniciou as atividades de seu escritório. Devido às ambigüidades de
sua formação no período entre-guerras e do conservadorismo da escola de
63
Principal registro da construção brasileira de 1937 a 1955, no qual fornece uma rica e
minuciosa visão do Movimento Moderno, situando o Brasil à época.
Roma, Levi trouxe para seus primeiros trabalhos a marca de um meio repleto de
pluralidade e transformações. Não obstante, Rino Levi acabou por buscar para
si a missão do arquiteto no Movimento Moderno, o qual presenciou ainda em
seus anos de estudo, e que trouxe para seus trabalhos seguintes o uso de uma
linguagem revolucionária, lógica e de um racionalismo internacional. Levi dizia
que era preciso “estudar o que se faz no exterior e resolver nossos casos sobre
estética da cidade com alma brasileira”64. Via a arquitetura como um evento
indissociável da cidade e um elemento participante de sua construção que,
enquanto morfologia, formaria o caminho a ser seguido para a construção da
“urb moderna”.
Como profissional atuante nas discussões profissionais65, Rino Levi trouxe para o
seu escritório a real utilização de todas as disciplinas do currículo e deu extrema
importância ao trabalho em equipe, tornando-o mais complexo e interdisciplinar,
uma prática comum dos ateliês italianos. Em sua organização de trabalho, o
papel do projetista era importante tanto para o detalhamento dos projetos como
para o aprendizado dos estagiários e jovens arquitetos. Dos mais de cinquenta
profissionais que passaram pelo escritório, muitos se tornaram professores das
principais escolas de arquitetura do Estado de São Paulo, outros, arquitetos de
atuação destacada no cenário paulista e nacional.
Em 1941, o arquiteto Roberto Cerqueira César associou-se ao escritório de Rino
Levi e, em 1951, o arquiteto Luiz Roberto Carvalho Franco fez o mesmo. Após a
morte de Levi, em 1965, durante sua última expedição a qual fez com Burle Marx
para catalogar a vegetação típica da Bahia e que foi financiada pelo Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, o escritório passou a realizar suas atividades sob a
64
Levi, R. Carta de 1925, “A arquitetura e estética das cidades”, publicado em o Estado
de São Paulo , São Paulo, 15 de Outubro de 1925, transcrita por Geraldo Ferraz na
revista Habitat, n. 30 Maio de 1956. Reproduzida no Catalogo da exposição realizada no
Museu Lasar Segal – Warchavchik, Pilon, Rino Levi – Três Momentos da Arquitetura
Paulista. São Paulo, Funarte – 1983. In Xavier (org.). Arquitetura Moderna Brasileira:
Depoimento de uma Geração, São Paulo. Ed. Pini/Abea/FVA, 1987; Cosac-Naify 200.
65
Rino Levi lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo de 1954 a 1959 e foi professor e crítico de ateliê na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Venezuela em 1959; presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil,
Departamento de São Paulo, por três anos seguidos; em 1951 funda o grupo do CIAM
em São Paulo junto com Osvaldo Bratke, Icaro de Castro Mello, Roberto Cerqueira César
e Eduardo Kneese de Mello; membro honorário das sociedades de arquitetos da
Colômbia; membro da Comissão de Saúde Pública da UIA; presidente do Instituto
Brasileiro de Acústica, etc.
220
denominação “Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda”. Mesmo buscando a
continuidade dos parâmetros que formaram o escritório, este acaba
inevitavelmente tomando outros rumos, embora os conceitos essenciais
estivessem mantidos. Em 1972, o arquiteto Paulo Bruna foi convidado a
associar-se como diretor do escritório e, em 1986, o arquiteto Antônio Carlos
Sant’Anna Jr tornou-se sócio-diretor.
Em mais de 80 anos de atividades ininterruptas, o Rino Levi Arquitetos
Associados SC Ltda desenvolveu projetos em praticamente todas as áreas do
trabalho profissional, procurou estar sempre na vanguarda de seu tempo,
produziu pesquisas em pré-fabricação de canteiro, utilizando estruturas
metálicas, implementando a racionalização dos processos construtivos e das
práticas de escritório, fazendo uso de computadores aplicados à arquitetura,
ensino e participando de atividades públicas e profissionais (VILLELA, 2003).
Nos anos 90, o escritório passa por outras reestruturações. Primeiro, a saída dos
arquitetos Paulo Bruna e Roberto Cerqueira César. O trabalho do escritório
passa a ser continuado pelos arquitetos Luiz Roberto Carvalho Franco e Antonio
Carlos Sant’Anna Júnior sob o nome de Rino Levi Arquitetos, até o ano de 1997,
completando os 70 anos de existência, quando então, foi desfeito e seu arquivo
doado para a biblioteca da FAUUSP, São Paulo.
3.3 os projetos
Apresentados os escritórios, suas origens de formação e métodos de produção
utilizados, serão apresentados agora, em ordem cronológica, os projetos
desenvolvidos pelos mesmos que se destacaram na região do Triângulo Mineiro
e Alto Paranaíba.
Para a análise das obras escolhidas, além das visitas feitas in loco e do material
recolhido nos arquivos públicos e particulares de cada cidade, foi também feita
uma pesquisa em revistas de arquitetura a fim de levantar o material suficiente
para o trabalho em questão. Portanto, as descrições a seguir são resultado de
minha percepção pessoal mas, principalmente, são retiradas de publicações
coletadas de revistas de arquitetura.
Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro
O
convite
para
o
projeto
paisagístico do Parque da Estância
do Barreiro veio quando Burle Marx
ainda trabalhava nos projetos da
Pampulha (Cassino, Casa de Baile e
Iate Clube), na cidade de Belo
Horizonte, em 1943. (PORTO, 2005)
O paisagista, já famoso na época,
tinha conquistado renome diante do
governo brasileiro e mineiro com os
projetos
para
o
Ministério
da
Educação e Saúde, o terraço-jardim
do Edifício da Associação Brasileira
de Imprensa, ambos no Rio de
Fig. 01: Imagem aérea_Conjunto Paisagístico:
Parque da Estância do Barreiro_ Burle Marx &
Cia Ltda.
Fonte: Google Earth
Janeiro, os Jardins do Grande Hotel
de Ouro Preto e também por ter sua obra incluída no Brazil Builds, em 1943.
Além do mais, segundo Porto (2005), as propostas paisagísticas de Burle Marx66
haviam se mostrado correspondentes às ideias de modernidade e progresso
almejados pelos governos do Estado e da União. Este em especial, somado à já
aceitação dos seus trabalhos, foi a razão principal da escolha do paisagista
para a realização de um projeto em linhas modernas, contrapondo a arquitetura
eclética do parque, desenhada pelo arquiteto Luiz Signorelli.67
No Barreiro, Burle Marx trabalha em conjunto com o botânico Henrique
Lahmeyer de Mello Barreto e continua desenvolvendo as ideais já iniciadas no
Ministério da Educação e Saúde e Pampulha, dando destaque aos aspectos
regionais em oposição à valorização de elementos exóticos, característicos da
66
Antes de 1930, os projetos de Burle Marx ainda tinham concepções filiadas ao
Beaux-Arts, onde realizou composições simétricas, regulares, incorporando também
espécies exóticas.
67
Luiz Signorelli, mineiro, arquiteto e pintor. Formou-se pela Escola Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro em 1925, participou do Salão Nacional de Belas Artes em 1923 e
1926. Foi fundador e organizador e primeiro diretor da EABH. Em 1928, fixa residência
em BH e atua em inúmeros projetos na capital e no estado - foi professor de Grandes
Composições de Arquitetura.
222
linha acadêmica, sempre na busca por uma arte ou arquitetura nacional. Para o
projeto, Burle Marx e o botânico Mello Barreto realizaram expedições para a
coleta de plantas em algumas regiões do estado de Minas Gerais como as da
Serra da Piedade, do Curral e do Cipó, Lagoa Santa e Sete Lagoas,
conseguindo montar um conjunto de espécies autóctones que não se
encontravam no comércio, a fim de reproduzir as várias zonas fitogeográficas da
região. (ADAMS, 1991)
O plano paisagístico para o parque foi organizado em vinte e cinco seções,
compostas por grupos vegetais de diferentes regiões do estado de Minas
Gerais e coletados durante as expedições com o objetivo de reproduzir um
mostruário da variada flora do estado. (PORTO, 2005) Tal concepção foi
inspirada em Engler, que agrupou no Jardim Botânico de Dahlen, na Alemanha,
plantas das regiões do Cárpato, dos Alpes, e dos Apeninos (OLIVEIRA, 1992),
produzindo um mostruário que dificilmente um viajante comum poderia
presenciar.
Desse modo, o parque contava com grupos de vegetais
específicos, setorizados por todo o parque, como as plantas
perenes e os representantes legítimos da flora serrana
situados na alameda de entrada e as plantas hidrófilas nas
áreas de brejo. Ao longo da Avenida do Contorno, a qual
delimita o parque, é possível perceber os agrupamentos
característicos da canga da Serra do Curral, Serra do Cipó,
Fig. 02: Grande Hotel e Fonte Andrade Jr. ao
fundo_Conjunto Paisagístico: Parque da
Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
além de elementos da caatinga, roseirais, palmeiras, uma
ampla zona de semi-xerófitas, com ipês, cássias, primaveras
e quaresmeiras de cores variadas, além de embaúbas,
jacarandás,
gameleiras,
pindaíbas,
fícus,
jequitibás,
tamboris, copaíbas e paineiras, e ainda presente, um bosque com árvores de
grande porte circundando toda a extremidade do parque.
Com efeito, dos 25 setores propostos por Burle Marx, apenas 21 foram
executados. Ficaram no papel um viveiro de animais, um parque infantil, duas
áreas de brejo, um jardim da região calcária, uma composição com plantas de
quartzito e um orquidário. Aparentemente, na área a ser ocupada pelo
orquidário foi mantido um bosque com árvores já existentes no local. Nessa
mesma região, seria implantado, na década de 1980, um conjunto com um
parque infantil e quiosques comerciais, concebido de acordo com um projeto da
Burle Marx & Cia Ltda, em 1983. (PORTO, 2005)
Neste
projeto,
o
paisagista
teve
a
preocupação em selecionar plantas com
períodos de floração diferentes de modo
que o conjunto apresentasse pontos floridos
e de cor durante todo o ano. Também foram
usadas
espécies
com
características
cromáticas variadas a fim de se explorar os
contrastes entre as cores das flores, frutos,
folhas e caules.
Também, aqui, inicia-se nos projetos de
Fig. 03: Conjunto Paisagístico: Parque da
Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Burle Marx o uso do traçado orgânico e da
visão projetual ligada às características
científicas, botânicas e mesmo culturais,
disseminadas pelo amigo e companheiro
de trabalho, Henrique Lahmeyer de Mello
Barreto, (PORTO, 2005) que acreditava na
importância da noção didática dos parques
públicos e sua assimilação pela sociedade.
O Conjunto Paisagístico para o Parque da
Estância do Barreiro é parte integrante do
Complexo
Hidrotermal
e
Hoteleiro
Fig. 04: Ao fundo, Fonte Andrade
Jr._Conjunto Paisagístico: Parque da
Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia
Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
do
Barreiro, tombado pelo IEPHA de Minas Gerais e registrado na categoria
“Conjunto Paisagístico” – Decreto – Constituição Estadual - Ano: 1989.
Fonte Andrade Junior
Ainda dentro dos projetos concedidos ao escritório de Burle Marx para a
Estância do Barreiro, em 1943, estava o desenvolvimento de um edifício para
abrigo dos bebedouros e aproveitamento da fonte de água sulfurosa e de raras
224
propriedades medicinais encontrada na região. Como já dito, Burle Marx, não
tendo formação acadêmica em arquitetura, passa o projeto para seu então
estagiário Francisco Bolonha,
que juntamente com o
paisagista e o engenheiro Andrade Junior (nome com a qual a
fonte foi batizada) ficam encarregados de desenhar um
edifício em linhas modernas para o local. É válido ressaltar,
novamente, a forte contribuição que a introdução da
linguagem moderna no Barreiro trouxe para a afirmação da
imagem de “modernização” e “progresso” apregoados pelo
Fig. 05: Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia
Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
governo de minas.
Influenciado pela sua convivência com os chamados
arquitetos modernos, Bolonha desenha um edifício totalmente diferente das
concepções neoclássicas européias normalmente empregadas nessa tipologia
de edifício. A Fonte Andrade Junior é localizada às margens de um lago
desenhado por Burle Marx defronte para o Grande Hotel e Termas, no qual foi
construído o tanque onde a lama sulfurosa é armazenada.68 (PORTO, 2005)
O edifício em concreto armado abriga dois pavilhões cobertos por uma laje
curva sustentada por pilares revestidos em mármore travertino. Os pavilhões,
um em cada extremidade, possuem fechamento em vidro com esquadrias de
ferro fixas e abertas na parte mais alta de maneira a oferecer proteção aos
ventos
dominantes.
Neles
estão
localizados
os
oito
bebedouros com água mineralizada. Há também uma vitrine
para a exposição dos fósseis encontrados na região durante
as escavações das obras do complexo. Tal fato explica os
motivos de animais pré-históricos desenhados nos azulejos
das rampas de acesso aos bebedouros e na paginação de
piso
em
pedra
portuguesa
preta
e
branca,
ambos
desenhados por Burle Marx.
Fig. 06: Destaque para a paginação do
piso_Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia
Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
68
Desde sua construção, a fonte passou por algumas
modificações, sendo essas: alteração na laje plana, revestida
A fonte de água sulfurosa já havia sido canalizada e disponibilizada ao público.
Localizava-se dentro de um edifício inaugurado em 1932, no entanto, como o parque
passaria por uma reformulação total, o edifício foi demolido.
em mármore travertino, para laje em platibanda com revestimento em pastilha
retangular; colocação de calhas; retirada do plano envidraçado que limitava o
pavilhão na elevação norte em reforma datada de 1990. (PORTO, 2005)
Ainda no projeto, vemos materializada a forte
influência que Bolonha sofreu dos estágios nos
escritórios anteriores. Aqui, o ainda estudante
de arquitetura explora as potencialidades
formais do concreto armado, evidenciado no
desenho sinuoso que contempla todo o projeto
e que claramente remete aos projetos de
Niemeyer para a Pampulha, principalmente a
Casa de Baile, em Belo Horizonte, 1942.
A
Fonte
Andrade
Junior,
juntamente
ao
Fig.07: Plano envidraçado que limitava o
pavilhão_ Fonte Andrade Junior_ Burle Marx &
Cia Ltda.
Fonte: Revista Municipal de Engenharia. vol.15,
n. 4, out-dez, 1948.
conjunto paisagístico de Burle Marx, é parte
integrante do Complexo Hidrotermal e Hoteleiro
do Barreiro, tombado pelo IEPHA de Minas
Gerais e registrado na categoria “Conjunto
Paisagístico” – Decreto – Constituição Estadual
- Ano: 1989.
Fábrica Souza Cruz
O conjunto de edifícios projetados na década
Fig. 08: Destaque à retirada do antigo plano
envidraçado. Fonte Andrade Junior_ Burle Marx
& Cia Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
de 1970 pela Henrique Mindlin Associados, no então Distrito Industrial de
Uberlândia, revela o tratamento sensível dos seus condicionantes, como o
terreno plano do local de implantação, a vegetação típica do cerrado, as
necessidades futuras de modificações e a importância do arranjo humanizado
de ambientes internos. O projeto destaca-se por levar em consideração as
particularidades regionais brasileiras sem precisar importar as soluções de
layout desenvolvidas em outros países, opondo-se também à concepção de
edifícios industriais como simples galpões para armazenamento de máquinas e
226
produtos. (AMARAL, MORRISON, FRANCO, 1980) A Fábrica Souza Cruz,
assinada pelos arquitetos Walmyr Lima Amaral, Pedro Augusto Vasques Franco,
Walter Lawson Morrison e colaboradores, é um trabalho desenvolvido no campo
interdisciplinar, principalmente como “exercício indispensável da profissão”,
segundos os próprios autores. Para tanto, uma equipe formada não só de
arquitetos, mas também de engenheiros, paisagistas, dentre outros, formularam
diretrizes conjuntas que resultaram num projeto, que em meados dos anos 70,
conseguiu estabelecer novas tendências construtivas para edifícios de tipologia
industrial.
Fig. 09: Vista aérea_Fábrica Souza Cruz_
Henrique Mindlin Associados.
Fonte: http://www.souzacruz.com.br, acessado
em Jul. 2009.
O plano diretor da fábrica nasceu da intensa discussão dos conceitos já
firmados pela Souza Cruz, incorporando todas as edificações e circulações de
homens, veículos e materiais, estabelecendo um zoneamento visando
expansões, segurança e defesa ecológica de toda área. (AMARAL, MORRISON,
FRANCO, 1982)
Para a fábrica de produtos de tabaco, o escritório projetou um
complexo industrial com previsão de três módulos: o Módulo I
de Fabricação, com 45.925 m²; o Módulo II de Fabricação, com
55.525 m²; e o setor de Armazenagem de Fumo, com 81.614 m².
Os Módulos de Fabricação e os Armazéns de Fumo foram
programados para operação independente, fazendo uso
comum apenas dos setores de serviço, como a Gerência Geral,
Fig. 10: Fábrica Souza Cruz_ Henrique Mindlin
Associados.
Fonte: Projeto, n.20, 1980.
Administração Geral (contabilidade, segurança, etc), Cozinha
(com refeitórios separados), Portaria e Expedição. Todos os
problemas técnicos e de segurança industrial foram resolvidos
por espelhos d’água, praças e pequenos pátios que pudessem gerar um
microclima apropriado às atividades dos operários. Uma rua particular, porém
aberta ao público, isolou uma faixa do terreno como reserva de estacionamento,
o que permitiu a entrada da fábrica pelo centro do terreno, livrando-a de
qualquer influência negativa de potenciais futuros vizinhos. O próprio
estacionamento, projetado para execução em módulos, seguiu uma lei de
formação o qual evitou linhas retas de árvores de sombra e ainda permitiu o
aproveitamento de algumas árvores originais, reduzindo sensivelmente a
necessidade de cercas, conforme o almejado
na proposta inicial. Da mesma forma, uma
cerca inicialmente exigida entre o centro
administrativo e a zona fabril foi substituída
por um lago que integrou a área de lazer e
ainda serviu como reserva de água para os
sistemas
pressurizados
de
sprinklers
e
hidrantes para a segurança contra incêndios.
Filtros, dutos, pontes rolantes e tubulações
Fig. 11: Fábrica Souza Cruz_ Henrique Mindlin
Associados.
Fonte: Projeto, n.20, 1980.
ofereceram elementos industriais com estética
própria que, no desenvolvimento conjugado, puderam ser integrados na
composição. Sua dinâmica e aparente espontaneidade contemplaram uma
imensa variedade de incidentes visuais, juntando-se com a firme utilização de
cores fortes e a presença permanente do paisagismo de Fernando Chacel para
manter interesse e “senso do lugar”, como de um conjunto homogêneo e
disciplinado. (AMARAL, MORRISON, FRANCO, 1982)
Apresentando soluções de linguagem moderna como espaços modulados,
coberturas que objetivavam grandes vãos, economia, simplicidade, rapidez de
execução, reaproveitamento de peças, etc, o projeto buscou transformar um
tema árido e às vezes poluidor, num ambiente agradável e apropriado não só
para a maquinaria, mas principalmente para seus trabalhadores, evidenciando
uma postura de conquista social dos mesmos. Com tantos triunfos, o projeto
para a Fábrica Souza Cruz recebeu a XVII Premiação IAB/Rio na categoria de
Edificações para fins industriais, passando a ser conhecido nacionalmente.
Escola Sesi-Senai
O primeiro projeto conhecido do Escritório Rino Levi Arquitetos Associados SC
Ltda, no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, é o conjunto destinado às atividades
228
educacionais, assistenciais e esportivas dos trabalhadores de indústrias,
localizado na cidade de Araxá, proposto por um convênio entre a CBMM
(Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) e o Sesi-Senai, doado, logo
em seguida, à prefeitura da cidade.
Desenvolvido pelos arquitetos Roberto Cerqueira César, Luiz
Roberto Carvalho Franco e Paulo Bruna, o edifício deveria
contemplar um programa que se adequasse às especificidades
de uma escola Sesi, orientada para a família dos alunos, com
cursos de economia doméstica, culinária, etc., e de uma escola
Senai, destinada a formação e aperfeiçoamento de mão-de-obra
para a indústria (SANTOS, 1988).
Fig. 12: Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos
Associados SC Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
Para tanto, o terreno de implantação, bastante acidentado, foi
tomado como partido inicial, a fim de dar destaque à
diferenciação funcional dos três blocos propostos e dos seus
espaços internos. Para as instalações do Sesi, um bloco foi
destinado a abrigar os espaços para uma creche e demais salas
de aula; para as instalações do Senai, outro bloco, diferenciado
pela cobertura de sheds e por um grande espaço coberto de
características nitidamente industriais, abrigou a salas restantes.
Para a interligação desses dois blocos, um espaço central foi
pensado como área comum do prédio, dispondo de todos os
serviços como recepção, cuidados médicos, administração e
Fig. 13: Sheds das instalações do Senai_Escola
Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos Associados
SC Ltda.
Fonte: Arquivo da pesquisa.
auditório. Segundo Santos (1988), este bloco central foi
diferenciado dos demais pelo seu tratamento de fachada e pela
localização em desnível, sendo acessado por um grande
conjunto de escadas que, não somente aqui, também pode ser
visto em outras transições de espaços coletivos para espaços
externos.Na área externa, além do estacionamento e da forte
presença da vegetação como elemento integrador, também foi
concentrada a área de lazer e locais para as atividades
Fig. 14: Entrada principal e conjunto de
escadas_Escola Sesi-Senai_ Rino Levi
Arquitetos Associados SC Ltda.
Fonte: Projeto, n.111, 1988.
esportivas, com quadras poliesportivas, quadras de vôlei,
vestiários, arquibancadas e piscina.
No
mais,
como
um
forte
componente de contraste, a torre
para
abastecimento
de
água
demonstra ser um importante marco
visual para essa área da cidade,
onde
predominam
os
gabaritos
Fig. 15: Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos
Associados SC Ltda.
Fonte: Projeto, n.111, 1988.
baixos.
Casa de Hóspedes para a CBMM
Em 1979, um ano após o projeto feito para a
Escola Sesi-Senai, o Escritório Rino Levi
Arquitetos Associados SC Ltda foi convidado
a elaborar o projeto arquitetônico para a Casa
de Visitas da CBMM, também na cidade de
Araxá,
diante
acolhimento
da
necessidade
adequado
aos
de
dar
inúmeros
visitantes estrangeiros, técnicos e diretores da
própria empresa, por ocasião de suas visitas à
Fig. 16: Casa de Hóspedes para a CBMM_ Rino
Levi Arquitetos Associados SC Ltda.
Fonte: Projeto, n.111, 1988.
mineração e à usina. (SANTOS, 1988)
Assinado pelos arquitetos Roberto Cerqueira
César, Luis Roberto Carvalho Franco, Paulo
Bruna e Carlos Eduardo de Paula, o projeto
usou como partido inicial as características do
local de sua implantação, um terreno de
35.000m²
e
de
acentuada
declividade,
localizado no alto de uma colina nos arredores
de Araxá e nas proximidades da mineração,
com vistas para vales e montanhas próximos.
Ao tirar partido da acentuada declividade, o
Fig.x 17 Casa de Hóspedes para a CBMM_
Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda.
Fonte: Projeto, n.111, 1988.
escritório se propôs a elaborar um projeto de
230
característica horizontal e dividido em alas que acentuassem a topografia do
local.
As três alas estabelecidas foram articuladas a um corpo central, onde foram
dispostos os ambientes para as atividades de cunho social como o salão de
estar, recepção, bar, restaurantes, salas de reunião e demais ambientes de
trabalho. Nas alas norte e sul foram dispostos os apartamentos para o
alojamento dos hóspedes e, ainda, uma terceira ala foi destinada aos setores de
serviço como cozinha, lavanderia, etc. Segundo Santos (1988), tal setorização
de funções, em diferentes blocos
em desnível, criou um jogo de
volumes e planos de telhado ao
mesmo tempo em que diversificou
os espaços no interior do complexo.
Também, a sucessão de pátios,
terraços e jardins internos ao edifício
de dois pavimentos estabeleceu
uma lenta transição entre espaços
externos e internos, integrando o
paisagismo de Fernando Chacel e a
rica vegetação nativa do entorno.
Todo o complexo tem estrutura em
concreto armado e cobertura em
telha
cerâmica
com
caimento
específico a cada sucessão de
blocos. Os materiais mesclam o
Fig.18: Detalhe da cobertura_Casa de
Hóspedes para a CBMM_ Rino Levi Arquitetos
Associados SC Ltda.
Fonte: Projeto, n.111, 1988.
tijolinho, a madeira e o concreto
aparente,
contrastando
com
as
demais cores do edifício. Ainda
destacam-se as pérgulas para a proteção do sol, localizadas nos acessos da
Casa de Hóspedes, também associadas à estrutura do prédio.
Ainda que o escritório trabalhesse dentro da racionalidade e funcionalidade
proposta pela arquitetura moderna, percebe-se na Casa de Visistas para a BMM
a retomada de certas características vernaculares, como a utilização de telhas
cerâmica, os elementos vazados e o tijolo aparente. Também, segundo Anelli,
Guerra e Kon (2001) o projeto retoma temas de algumas de suas obras
anteriores, como a Casa dos Engenheiros da Eclor, em 1956, que assemelha-se
ao edifício em questão na implantação no topo de uma colina como partido para
soluções formais, na utilização de brises horizontais para controle da insolação e
no uso de um volume cilíndrico em contrate às demais linhas regulares do
projeto.
4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A produção dos chamados arquitetos “forasteiros” no Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba demonstrou ser positiva e importante para a região. Não só grandes
escritórios advindos das capitais, como também outros arquitetos que
estabeleceram aqui suas bases de trabalho por um curto período de tempo,
deixaram nas então pequenas cidades, produções modernas significativas
para, num conjunto maior, formarem um considerável acervo dessa produção.
Ainda, considerando a grande escala dos projetos desenvolvidos pelos
escritórios citados, a região beneficiou-se com a chegada de novas técnicas em
tipologias variadas e que fizeram da arquitetura produzida aqui semelhante
àquela de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
No projeto da Henrique Mindlin Associados para a Fábrica Souza Cruz, a
introdução do fator humano e de novas tendências na elaboração de projetos
industriais de grande escala influenciou o desenvolvimento de outros edifícios
de mesma tipologia diante do forte setor industrial da região, ainda em
crescimento no começo da década de 1970. A Escola Sesi-Senai e a Casa de
Hóspedes para a CBMM, do escritório Rino Levi Arquitetos Associados,
também foram conseqüência deste mesmo avanço industrial, sendo também
resultados da aceitação de outras obras modernas já estabelecidas na cidade
de Araxá, como o Conjunto Paisagístico da Estância do Barreiro e a Fonte
Andrade Jr. Nestes últimos, ainda, pôde-se perceber que os procedimentos
compositivos adotados foram empregados posteriormente em outros projetos do
mesmo escritório e que alguns se tornaram peculiaridades proeminentes do
mesmo.
232
É importante destacar que, não somente as obras aqui citadas mas toda a
arquitetura moderna, contribuiu para o desenvolvimento de uma cultura
arquitetônica
reconhecida
internacionalmente,
que
demonstra
traços
particulares nacionais e não específicos de uma região específica.
Evidenciada a importância do Movimento Moderno no Brasil, principalmente
pela produção nacional, vêm à tona os problemas de preservação uma vez
passada por definitiva a época de produção moderna no país. A salvaguarda
dessa arquitetura, que varia entre atitudes pequenas como a menor
descaracterização possível pelos moradores até atitudes maiores como o
tombamento do edifício por um órgão federal, tem encontrado dificuldades
devido, principalmente, a proximidade temporal de sua produção. A população
desconhece a importância do Movimento Moderno para a história do país e
ainda não vê essa produção como patrimônio a ser preservado, assim como é,
dentre outras, a arquitetura colonial, barroca e neoclássica, expressões de uma
cultura passada e remota.
A demora na efetivação das medidas de salvaguarda pode ocasionar, em ultima
instância, uma demolição indesejada e irreversível para a construção da
memória cultural de uma cidade ou comunidade. Por isso, o desenvolvimento
das ações de documentação feitas na pesquisa “Documentação da Arquitetura
Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” como
medidas iniciais para a preservação. Com a catalogação em fichas de inventário
pode-se verificar as obras em destaque e desenvolver medidas que procurem,
dentro de discussões e análises enquadradas caso a caso, conscientizar as
autoridades, os órgãos públicos e a população, uma vez que entendemos que,
sem o reconhecimento do usuário, essa arquitetura não poderá ser preservada .
5. AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig, órgão
fomentador da pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, como órgão fomentador da
bolsa de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica -
PIBIC/CNPq/UFU e à Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da
Universidade Federal de Uberlândia – FAUeD/UFU.
6. REFERÊNCIAS
ADAMS, William Howard. Roberto Burle Marx: The Unnatural Art of the Garden,
The Museum of Modern Art, New York, 1991.
AMARAL, Walmyr Lima; MORRISON, Walter L; FRANCO, Pedro Augusto
Vasques. Fábrica Souza Cruz, Uberlândia, MG; projeto de arquitetura. In:
Projeto. São Paulo, n.42, p.144, jul, 1982.
AMARAL, Walmyr Lima; MORRISON, Walter L; FRANCO, Pedro Augusto
Vasques. Fábrica Souza Cruz, Uberlândia, MG: prêmio IAB-RJ; projeto de
arquitetura. In: Projeto. São Paulo, n.20, p.13-18, maio, 1980.
ANELLI, Renato, GUERRA, Abílio, KON, Nelson. Rino Levi: Arquitetura e
Cidade. São Paulo: Romano e Guerra, 2001.
ARANHA, Maria Beatriz de Camargo. Rino Levi: Arquitetura como Ofício .
Dissertação de mestrado. São Paulo, Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2003.
ARGAN, G. C. (1970). L'Arte Moderna - 1770/1970. 13.º ed. Firenze, Sansoni
Editore, 1985.
AZEVEDO, P. (1998). A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto
João Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC USP.
BENEVOLO, L. (1976). História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora
Perspectiva.
____________. (2003). História da Cidade. São Paulo: Editora Perspectiva.
CAMISASSA, Maria Marta dos Santos. A preservação do moderno e a formação
dos Futuros profissionais da Arquitetura e do Urbanismo. In: PESSÔA, José;
234
VASCONCELLOS, Eduardo; REIS, Elisabete e LOBO, Maria (org.). Moderno
Nacional. EduFF, Niterói, 2006. p. 169-181.
CAPPELLO, Maria Beatriz Camargo. Paisagem e jardim nas casas de Rino Levi.
Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade
de São Paulo, São Carlos,1998.
DOCUMENTAÇÃO da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto
Paranaíba: História e Preservação – Fichas de Inventário. Disponível em
<http://www.faurb.ufu.br/doc_moderno/html/cidades0.html>.
Acesso
em:
jun.2009.
FONTE Termal Andrade Junior. In: Revista Municipal de Engenharia. Secretaria
Geral de Viação e Obras. vol.15, n. 4, out-dez, 1948.
FRAMPTON, K. (1987). História Critica da Arquitetura Moderna. Barcelona,
Gustavo Gili.
GUERRA, M. E. (1998). As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo
Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC - USP.
LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. In: Projeto 163, São
Paulo, maio, PP. 75-91.
MARTINS, C. A. F. (1988). Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma
Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de
Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH - USP, 1º. Capítulo.
Uma trama recorente.
MINDLIN, H. (1956). Arquitetura moderna no Brasil; prefácio de S. Giedion;
organizador da edição brasileira. Lauro Cavalcanti; tradução de Paulo Pedreira.
2.ed. Rio de Janeiro : Aeroplano Editora/IPHAN. 2000. Título original em inglês:
Modern architecture in Brasil. New York : Reinhold.
MUMFORD, L. (1998). A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes.
NOBRE, Ana Luiza. Documento - Henrique Mindlin, profissão: arquiteto. In:
Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, v.16, n.90, p.77-81, jun./jul, 2000.
OLIVEIRA, Ana Rosa de. Bourlemarx ou Burle Marx? Entrevista a Burle Marx.
1992.
Disponível
em:
<http://www.vitruvius.com.br/entrevista/burlemarx/burlemarx_6.asp>. Acessado
em: 30 jun.2009.
PORTO, Daniele Resende. O Barreiro de Araxá: Projetos para uma estância
hidromineral em Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, Escola de Engenharia
de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005.
236
DA INSERÇÃO AO RECONHECIMENTO DO ESPAÇO MODERNO NOS
CENTROS HISTÓRICOS
Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo
Cappello
Da inserção ao reconhecimento do espaço moderno nos centros históricos69
Este trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura
Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”,
desenvolvido pelo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura da Faculdade de
Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Esta
investigação tem como objetivo estabelecer uma base documental consistente
para a avaliação da produção projetual da Arquitetura Moderna na região do
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, estado de Minas Gerais.
Com o produto desta investigação é possível traçar um panorama referente a
consolidação do Movimento Moderno na arquitetura produzida em uma região
ainda carente de estudos pela historiografia nacional. As décadas de 1960 e
1970 abarcam o período de estabelecimento de princípios modernos na
construção regional; o que denuncia o processo de apropriação dessa leitura de
espaço desenvolvida primeiramente nos grandes centros pelos autores desses
projetos, antes do exercício local.
A abrangência desse estudo possibilita a análise de 21 cidades, as quais
sofreram distintos impactos com a implantação da Arquitetura Moderna. Neste
período a região experimentava grande desenvolvimento –destacando-se a
cidade de Uberlândia –impulsionado pela construção de Brasília e a
intensificação das rotas comerciais do interior brasileiro. O processo de
consolidação do centro dessas cidades, propício para as novas possibilidades
de verticalização e adensamento, e o crescimento urbano associados ao espírito
de modernidade traçaram a nova imagem destas cidades. Algumas com a
conservação de sua configuração urbana de escala e ocupação e outras, de
69
Esta pesquisa foi financiada pela FAPEMIG (Fundação de amparo à pesquisa do
estado de Minas Gerais)
238
maior desenvolvimento, com a sobreposição de edifícios, redesenhos espaciais
e deslocamentos de centralidades e interesses.
Estabelecido então o reconhecimento do patrimônio eclético nessa região,
vivemos um período com distanciamento histórico capaz de reconhecer na
Arquitetura Moderna o caráter de patrimônio. Os centros dessas cidades
convivem com a construção e uso espacial modernos e estas podem ser causas
que retardem o reconhecimento dos valores desta produção, uma vez que ele
se repete com freqüencia na construção contemporânea.
Nas cidades que viveram grande crescimento neste período, ao mesmo tempo
em que é vista a conservação de algumas fachadas ecléticas, são perdidas
grandes oportunidades com as transformações de uso naturais da cidade. A
qualidade da configuração espacial moderna é ignorada, principalmente nas
transformações de antigas áreas residenciais em linhas de comércio e serviços.
O desejo de transformação do espaço dispensa grandes avanços nas leituras
espaciais, estéticas e de conforto ambiental obtidos com a arquitetura moderna
local com a mesma voracidade com que são instalados luminosos nas fachadas
ecléticas.
O trabalho a ser apresentado busca, através da análise desse processo de
alteração das relações entre o novo homem moderno e o ambiente urbano
construído e a nova relação também do edifício com a cidade, e que modifica os
partidos
de
análise
deste
objeto,
seu
caráter
como
patrimônio.
O
reconhecimento desta arquitetura como valor histórico a ser conservado vai
além da materialidade, exigindo a compreensão da espacialidade gerada a
partir de sua implantação e das possibilidades de apropriação pelo homem
contemporâneo, dissociadas de seu uso. Este é o início das medidas de
conservação, até mesmo involuntárias, destacadas nesta região de estudo.
Uberlândia – a arquitetura moderna e a busca da
imagem de modernidade
Uberlândia faz parte de um conjunto de cidades
médias brasileiras que experimentou um grande
crescimento populacional a partir da década de
1980. Um dos fatores principais foi o movimento de
desconcentração econômica e industrial que
ocorreu no país durante esta década. O Triângulo
Gráfica 01. Uberlândia, localizaçăo do
povoado.
Fonte: Arquivo Valéria Maria Queiroz
Cavalcante Lopes.
Mineiro, região onde a cidade se localiza, iniciou
com isso uma nova fase econômica, com a
industrialização da agropecuária, a vinda de
indústrias e o desenvolvimento de seu setor
terciário (SILVA ET AL: 2000:5). Além disso, o caso
de Uberlândia foi favorecido por sua posição
geográfica
central
assumindo
um
no
papel
território
de
brasileiro,
distribuição
de
mercadorias e entroncamento de canais de
circulação.
Gráfica 02. Mapa de Uberlândia em 1898
Fonte: Caminhos e trilhas: transformações
e apropriações da cidade de Uberlândia
(1950-1980). Pag.23. Valéria Maria
Queiroz Cavalcante Lopes.
O primeiro núcleo, que deu origem à
Uberlândia,
se
implantou
próximo
ao
córrego São Pedro – atualmente canalizado e
convertido em um dos principais eixos viários da
cidade, a Avenida Rondon Pacheco. Em 1853 foi
construída a primeira capela e, uma década
depois, esta se elevou a Matriz, o que permitiu a
Uberlândia adquirir a condição de vila.
O adro desta igreja se caracterizou como o
primeiro ponto central da cidade, de onde diversas
ruas irradiavam-se em todas as direções. Com o
crescimento do núcleo, a cidade foi expandindo-se
na direção nordeste, com a conversão de seu
cemitério em uma praça (atualmente a Praça
Clarimundo Carneiro), onde se construiu o primeiro
Gráfica 03. Mapa de Uberlândia em 1915
Fonte: Caminhos e trilhas: transformações
e apropriações da cidade de Uberlândia
(1950-1980). Pag.46. Valéria Maria
Queiroz Cavalcante Lopes.
240
prédio da Câmara Municipal e um coreto. A instalação da estação ferroviária, em
1895, também contribuiu para este crescimento rumo a nordeste.
Em 1894 realizou-se o levantamento topográfico da região compreendida entre
esta praça e a estação ferroviária. Com o crescente tráfego de pessoas e
mercadorias induzido pela presença da ferrovia nesta região, foram abertas seis
avenidas paralelas, cortadas por ruas perpendiculares, introduzindo um traçado
em tabuleiro que conectou o núcleo originador da cidade ao pátio da ferrovia,
dando forma à região que hoje é o Centro de Uberlândia (FONSECA,
2007:87-89).
Esta nova região, gradativamente assume o papel de nova
centralidade uberlandense. Com a criação da Praça da
República – atualmente Praça Tubal Vilela – um novo espaço
referencial
surge,
com
os
principais
estabelecimentos
comerciais, bancários, culturais, além da nova Igreja Matriz,
se instalando ao seu redor. A partir de 1920, juntamente com a
Avenida Afonso Pena, esta região torna-se, de fato, a nova
centralidade de Uberlândia. Na década de 1960 a antiga
Gráfica 04. Praça Tubal Vilela – meados de 1940.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.
Matriz é demolida e em seu lugar é construída a primeira
estação rodoviária da cidade, reforçando a mudança
simbólica e funcional de centro para a nova praça.
A partir da década de 1960 inicia-se o processo de
verticalização do Centro. A cidade também começa a
experimentar
um
período
de
intenso
crescimento
populacional, atraindo pessoas das cidades vizinhas em
busca de oportunidade de emprego e estudo, principalmente.
Gráfica 05. Área central de Uberlândia em 1970
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.
Este
processo
atingirá
níveis
altíssimos,
conforme
já
mencionado, a partir da década de 1980 – maiores que as
taxas observadas nas grandes cidades brasileiras.
Com esta explosão de crescimento, alguns
edifícios modernos foram construídos em
Uberlândia: desde residências para a elite
econômica
equipamentos
a
prédios
institucionais
urbanos
–
e
terminais
de
transporte, sedes de associações, prédios do
poder público, escolas, praças etc. Esta
gradativa inserção de obras alinhadas com o
pensamento
moderno
e
produzidas
por
arquitetos instalados na cidade ou não – mas
sempre com formação nos grandes centros
Gráfica 06. Praça Tubal Vilela– arquiteto João
Jorge Coury, 1960 - Uberlândia, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura,
Urbanismo e Design. UFU.
urbanos –, pode ser interpretada, juntamente
com as grandes obras de infraestrutura urbana
realizadas a partir deste período, como parte
de um discurso progressista do poder político e
econômico local, buscando
criar uma imagem urbana de
desenvolvimento
e
modernidade. Por outro lado,
a periferia da cidade era
reservada às classes sociais
mais
pobres
destes
e
nenhum
investimentos
era
Gráfica 07. Residência Laerte Alvarenga de
Figueiredo - arquiteto Ivan Cupertino, 1950 –
Uberlândia, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura,
Urbanismo e Design. UFU.
destinado a tais regiões, um
processo
de
exclusão
socioespacial recorrente em
todas as cidades do Brasil.
Gráfica 09. Edifício residencial Itacolomi arquiteto Paulo de Freitas, 1970 –
Uberlândia, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História
da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura,
Urbanismo e Design. UFU.
Gráfica 08. Escola Estadual Bueno Brandão,
1960 – Uberlândia, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura,
Urbanismo e Design. UFU.
242
Com estes projetos novas características espaciais foram
introduzidas no tecido urbano local, principalmente novos
modos de implantação das edificações nos lotes e novas
configurações dos espaços públicos, tendo como ideal a
criação de uma cidade democrática e eficiente. Claro que
isto se deu de modo limitado e localizado, tanto pela inserção
pontual destas arquiteturas como também pelas próprias
Gráfica 10. Edifício Empresa de Correios e
Telégrafos, 1970 - Uberaba, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo
e Design. UFU.
restrições impostas pelo código predial de Uberlândia que,
como em todas as outras cidades no país, não tinha relação
alguma com os princípios urbanísticos progressistas tidos
como ideais – corbusianos, principalmente. Conforme Nestor
Goulart Reis Filho: “...a arquitetura é mais facilmente
adaptável às modificações do plano econômico-social do
que o lote urbano, pois as modificações deste exigem, em
geral, uma alteração do próprio traçado urbano.” (REIS
FILHO, 2004:16)
Como já dito, as contribuições introduzidas pela arquitetura
moderna foram importantes, mas em pequena escala; a
Gráfica 11. Conjunto de salas comerciais, 1970 –
Uberaba, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo
e Design. UFU.
grande mudança na paisagem urbana da região central da
cidade aconteceu com o surgimento dos grandes edifícios
de apartamentos e de salas comerciais – de linguagem
moderna ou não -, contribuindo para o adensamento desta
zona da cidade mas, ao mesmo tempo, desconfigurando a
espacialidade de seu centro histórico – o Fundinho – onde
suas estreitas vias de circulação, adequadas às carroças,
deram lugar aos automóveis e suas pequenas edificações de
um ou dois pavimentos foram substituídas por grandes
edifícios de apartamentos para a elite local.
É neste contexto de profundas transformações urbanas que
Gráfica 12. Residência Siqueira - arquiteto Kadmo
de Paula, 1960 – Patrocínio, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo
e Design. UFU.
os primeiros edifícios modernos são construídos nesta
cidade, trazendo novas formas de ocupação do território e
alterando profundamente a paisagem urbana local. Estas
transformações, experimentadas de modo agressivo em
Uberlândia, se deram de modo mais sutil nas cidades vizinhas de Uberaba,
Araguari e Araxá, inexistindo nas demais, que gradativamente aumentavam sua
dependência em relação à Uberlândia, que assumia a posição de cidade polo
da região do Triângulo Mineiro (SILVA ET AL: 2000:26).
Reconhecimento do Espaço Moderno
Hoje, nosso distanciamento histórico com o período de exercício da prática
arquitetônica moderna nos permite estabelecer um olhar crítico sobre esta
produção, capaz de reconhecê-la como patrimônio histórico.
As transformações na produção do espaço pós modernismo permite com que a
imagem de modernidade criada associada à disseminação de um “estilo
moderno” na produção arquitetônica principalmente nas décadas de 60 e 70 na
região de estudo, passa a ser reconhecida como antigo.
O rótulo de antigo, potencializado pelas necessidades atuais de medidas de
conservação, como qualquer outro edifício de 30 ou 50 anos, não são capazes
de inserir esses objetos na esfera do patrimônio. Isto se dá, primeiramente, pelo
fato da linguagem moderna tratar de uma estética oposta ao que o olhar de
nossa sociedade foi treinada a reconhecer como patrimônio, que se aproxima
muito da museificação de caráter intocável.
Um segundo fato que impede a aceitação desses espaços como memória é a
característica de que esta produção buscou além de uma solução espacial,
plástica e tecnológica baseada na razão e funcionalismo, uma discussão de
sociedade a partir da arquitetura. Este objetivo fez dos princípios modernos uma
alternativa para o redesenho de uma cidade que impulsionada pela velocidade
da máquina e do espírito progressista, pudesse rever seus conceitos enquanto
espaço das trocas sociais. Com isso o movimento conseguiu desenvolver
grandes modelos de espaços possíveis ao uso comum e tendo uma maior e
significativa resposta no que diz respeito à arquitetura, dissociada da
macroescala que é a cidade. Esses modelos são representados pelas grandes
áreas destinadas ao convívio, integração entre espaços internos e externos e
planta livre, características desconsideradas pela sociedade contemporânea a
caminho do individualismo crônico.
244
E por fim, como terceiro ponto desta leitura do homem contemporâneo sobre o
espaço moderno, podemos identificar que a permanência do uso desses
espaços dá-se exclusivamente pela conveniência que significam para a
transformação dessas cidades, que se caracterizam por ter seu uso
transformado na medida em que a cidade se expande. Em Uberlândia podemos
identificar antigas áreas residenciais que tiveram suas casas adaptadas à novos
usos com o adensamento de serviços e comércios nas áreas centrais, como é o
caso da Centro, propriamente dito, Bairros Martins e Lídice e dos eixos
compreendidos pelas Avenidas Getúlio Vargas, primeiramente, seguida pela
Avenida Nicomedes Alves do Santos.
Esta positiva reorganização de uso nos espaços pensados pelos arquitetos
modernos é tratada exclusivamente no âmbito do interesse por essas
propriedades, ignorando os valores representados pelos significativos ideais
modernos.
Hoje as relações espaciais – público x privado – além de terem sido
parcialmente estabelecidas na cidade tradicional devido à conservação de
restrições urbanísticas históricas, são gradativamente deterioradas, em função
do que já foi dito e, principalmente pela paranoia da violência simbolizada por
seu elemento principal: o muro. Este artifício arquitetônico é a síntese da nova
relação entre o privado e público, a própria cisão entre esses lugares, chegando
no seu ponto de máxima eficiência até então conhecida e representada pelo
condomínio fechado. Este local, inclusive, é o cenário onde a ideologia moderna
impera inocentemente de forma limitada à uma estética superficial, existindo até
o momento em que o próprio edifício impõe suas necessidades primordiais de
“privacidade”, até mesmo dentro do espaço da casa.
Com isso surge o desdobramento da terceira causa do não reconhecimento dos
valores da arquitetura moderna, onde o uso contemporâneo do espaço moderno
indica a possibilidade de repetição de soluções (tipológicas, construtivas e
plásticas) adotadas há quarenta anos. Essa possibilidade da repetição insere
aquele espaço que necessita de medidas naturais de conservação nas áreas
centrais em um alvo à inovações espaciais individualizadas.
Gráfica 13. Palácio da Justiça Abelardo Penna - arquitetos Roberto Pinto Manata e José Carlos.
Laerder de Castro, 1970 – Uberlândia, Brasil. Projeto original.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.
A adequação do edifício moderno para receber usos distintos ao longo de sua
existência contribui para sua preservação, considerando não apenas fatores
culturais e estéticos, mas inclusive econômicos. É o entendimento de que o
reconhecimento do patrimônio deve estar dissociado do caráter exclusivamente
contemplativo da obra – como se todo o seu valor estivesse impresso em sua
imagem. Os elementos que representam o pensamento da função do espaço
construído nesta produção arquitetônica também devem ser vistos como
patrimônio, uma vez que a arquitetura moderna buscava certas relações
espaciais – de implantação, de escala e de diálogo com seu entorno – e não
apenas a simples construção de uma nova linguagem plástica e construtiva. Seu
valor como patrimônio, deste modo, transcende sua mera materialidade.
Exemplo disso é o edifício do Palácio da Justiça Abelardo Penna, em
Uberlândia. Implantado numa das principais praças da região central – Praça
Sérgio Pacheco – o edifício, de desenho inspirado no brutalismo paulista, se
configura como um bloco elevado do solo, liberando este para a livre circulação
de pedestres através da praça. Com a necessidade de ampliação da área
246
destinada às vagas de estacionamento, um gradil foi instalado por todo o
perímetro da praça, ao redor do edifício, anulando a intenção original de manter
a circulação pública ali.
O reconhecimento da arquitetura moderna atual no centro histórico pode ser
entendido como um retorno às atitudes que este
movimento tomou diante da construção substiuída ou
radicalmente interferida, representada pela arquitetura
eclética. Isto foi conseqüência do fato de que o centro
passou por uma ocupação pela elite financeira, a qual
tinha com a arquitetura moderna o ideal de progresso,
enquanto as classes mais baixas utilizavam do espaço da
periferia, onde a nova arquitetura nunca se fez presente,
Gráfica 14. Palácio da Justiça Abelardo Penna arquitetos Roberto Pinto Manata e José Carlos Laerder
de Castro, 1970 – Uberlândia, Brasil. Instalação de
grade bloqueando percurso sob o edifício.
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e
Design. UFU.
nem como símbolo de progresso, nem como tentativa de
solução de mazelas sociais.
Hoje, com a reocupação dos centros históricos por uma
elite interessada neste aspecto rentável, é a vez da
arquitetura moderna passar por este teste de viabilidade,
onde umas das possibilidades frequentes têm sido o
fechamento de áreas centrais para a seleção de seus
usuários; enquanto a periferia se desenvolve nos mesmos
moldes da década de 1960.
Gráfica 15. Residência Migliorini (demolida) - arquiteto
Fernando Graça, 1970 – Uberlândia, Brasil
Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e
Design. UFU.
Lições Modernas para a Cidade Contemporânea
Apesar de muitas apostas do Movimento Moderno não
encontrarem lugar na realidade ao longo do século
passado – setorização de funções urbanas e padronização de soluções –,
muitas de suas propostas ainda são pertinentes, principalmente aquelas
baseadas na integração entre espaços e usuários, adaptabilidade e
flexibilização de programas e valorização do espaço público.
Diante da cidade contemporânea murada, vigiada, privatizada, controlada e,
principalmente, carente de espaços públicos, a preservação do patrimônio
moderno – não apenas da sua materialidade, mas também de suas relações
espaciais – pode ser um modo de questionamento e resistência à deteriorização
da urbanidade nas cidades brasileiras.
Bibliografía
FONSECA, Maria de Lourdes Pereira. Forma Urbana e Uso do Espaço Público:
As transformações no centro de Uberlândia, Brasil Barcelona, 2007.
JACOBS, Jane Morte e Vida de Grandes Cidades, São Paulo, Editora Martins
Fontes, 2001.
LOPES, Valéria Maria Queiroz Cavalcante. Caminhos e trilhas: transformações e
apropriações da cidade de Uberlândia (1950-1980). 2002.(Dissertação
Mestrado) — Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002.
REIS FILHO, Nestor Goulart Quadro da Arquitetura no Brasil São Paulo, Ed.
Perspectiva, 2004.
SILVA, Vitorino Alves da; GUIMARÃES, Eduardo Nunes; BERTOLUCCI JÚNIOR,
Luiz; FERREIRA, Ester Willian; DINIZ, Carlos José. Aglomeração urbana de
Uberlândia (MG): formação sócio-econômica e centralidade regional, Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Urbano. Instituto de
Economia, Universidade Federal de Uberlândia, 2000.
SOARES, Beatriz Ribeiro; RAMIRES, Júlio César L. As transformações do centro
de Uberlândia no contexto de expansão da cidade, Sociedade e Natureza,
Uberlândia, v. 9/10, p. 25-38, jan./fev, 1993.
http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/ Acesso em 16 de Junho de
2009
248
Núcleo de pesquisa em Teoria e Historia de Arquitetura e Urbanismo
NUTHUAU | FAUED | UFU
250

Documentos relacionados