direito subjetivo i: conceito, teoria geral e aspectos constitucionais

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direito subjetivo i: conceito, teoria geral e aspectos constitucionais
DIREITO SUBJETIVO I: CONCEITO, TEORIA GERAL E
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
DIREITO SUBJETIVO I: CONCEITO, TEORIA GERAL E ASPECTOS
CONSTITUCIONAIS
Revista de Direito Privado | vol. 52 | p. 11 | Out / 2012DTR\2012\451282
Georges Abboud
Mestre e Doutorando em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP. Advogado.
Henrique Garbellini Carnio
Mestre e Doutorando em filosofia do direito e do Estado pela PUC-SP. Bolsista do Centro de Pessoal
de Aperfeiçoamento em Nível Superior - Capes. Advogado.
Área do Direito: Constitucional
; Fundamentos do Direito; Filosofia
Resumo: O presente artigo tem como objetivo explorar a teoria do direito subjetivo a partir de
relação tradicional com o direito objetivo e sua conceituação como facultas agendi para propiciar
uma reflexão que, passando por apontamentos críticos profundamente interessantes, em especial na
esteira do pensamento de Max Weber e Hans Kelsen, indique condições de possibilidades para se
pensar na atualidade o tema do direito subjetivo e seu profícuo relacionamento com o Estado
Democrático de Direito.
Palavras-chave: Teoria do direito subjetivo - Direito subjetivo - Direito objetivo - Crítica ao direito
subjetivo como facultas agendi - Direito subjetivo e Estado Democrático de Direito.
Abstract: The article has the aims to explore the theory of subjective rights from traditional
relationship with law and and its conceptualization as facultas agendi with the intente to provide a
reflection that, through critical notes deeply interesting, especially in the thought of Max Weber and
Hans Kelsen, indicate conditions of possibilities to think nowadays the topic of subjective rights and
their fruitful relationship with the democratic estate of law.
Keywords: Theory of subjective rights - Subjective right - Law - Critical to the subjective right as
facultas agendi - Subjective right and rule of law.
Sumário:
1.SOBRE A TEORIA DO DIREITO SUBJETIVO E SUA RELAÇÃO COM OS CONCEITOS DE AÇÃO
E PRETENSÃO - 2.A TEORIA DO INTERESSE, A TEORIA DA VONTADE E AS NUANCES DE
UMA TEORIA DA COMPOSIÇÃO - 3.A PROPOSTA DE DIREITO SUBJETIVO EM KELSEN A
PARTIR DE CRÍTICA ÀS TEORIAS DO INTERESSE, DA VONTADE E DA COMPOSIÇÃO (MISTA)
E A FACETA DO DIREITO SUBJETIVO COMO FACULDADE - 4.APONTAMENTOS
CONCLUSIVOS: CRÍTICA À TEORIA DO DIREITO SUBJETIVO E DESENVOLVIMENTO DO
CONCEITO NO ÂMBITO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. SOBRE A TEORIA DO DIREITO SUBJETIVO E SUA RELAÇÃO COM OS CONCEITOS DE
AÇÃO E PRETENSÃO
O direito subjetivo consiste em um dos conceitos mais elementares da teoria do direito, o que em
nada diminui sua complexidade sendo um dos temas mais polêmicos já desenvolvidos.
Diante de todo o pensamento articulado sobre o direito subjetivo no processo de desenvolvimento
científico do direito, de antemão, cremos ser possível afirmar que seus estudos evidenciam a
existência de uma verdadeira teorização sobre o direito subjetivo.
Usualmente, defini-se o direito no sentido subjetivo como a facultas agendi. Nesta dimensão ele
representaria um poder de exigir determinado comportamento de outrem, sendo que tal poder é
conferido pela norma jurídica. Daí também a usual conceituação que se faz ao contrapor o direito
subjetivo ao direito objetivo para delimitar sua definição.
Tal distinção tem ligação numa antiga distinção de origem latina, entre facultas agendi e norma
agendi, no sentido exato de que a regra jurídica delimita objetivamente o campo social dentro do qual
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é facultado ao sujeito da relação pretender ou fazer aquilo que a norma lhe atribui.1
Nesse ponto, é importante salientar que o dualismo tratado direito material e subjetivo consiste em
aporte teórico necessário para melhor compreensão do fenômeno do direito subjetivo. Frise-se que
não estamos restaurando a defasada discussão entre monismo e dualismo, uma vez que
entendemos que referida polêmica não se sustenta perante um paradigma hermenêutico
pós-positivista.
E mencionamos isto considerando que “plano hermenêutico, é impossível absolutizar a distinção
entre plano material e processual porque, ontologicamente, tanto o direito material quanto o
processual estão no mesmo plano: ambos constituem textos normativos a serem interpretados,
circularmente, uma vez que um não possui proeminência sobre o outro. Perante um acesso
hermenêutico, não se pode distinguir entre normas substanciais (materiais) e normas processuais,
na medida em que a norma surge somente quando um caso jurídico, real ou fictício, é trazido à
linguagem e interpretado, sem dizer que essa distinção seria meramente semântica. Todavia, essa
crítica também não permite que a obra seja associada ao monismo, porque a teoria monista, em
regra, entende que o direito surgiria com a sentença judicial, consistindo esta em um ato de
positivação de vontade (ora lei ora legislador)”.2
Esta correlação entre facultas agendi e norma agendi se verifica numa ordem interessante de
fatores, pois como as regras jurídicas têm como destinatários sempre o indivíduo – sujeito de direitos
-, cabe a partir disso, a reflexão sobre o que consiste a possibilidade que têm as pessoas (sejam
físicas ou jurídicas) de ser, de pretender, de agir com referência ao sistema de regras jurídicas em
um determinado país, sendo este exatamente o problema do direito subjetivo, ou mais ainda, das
situações jurídicas.3
Torna-se, assim, viável didaticamente estabelecer que o ponto de partida para a compreensão do
direito subjetivo é contrapô-lo ao próprio direito objetivo. Inclusive, historicamente pode se afirmar
que a origem da dicotomia entre direito subjetivo e direito objetivo é moderna.
A palavra direito, em aspectos gerais, adquire duas acepções distintas. O termo direito pode
corresponder à estrutura normativa de determinada comunidade com sua hierarquia (conjunto de leis
e demais textos normativos que compõem o ordenamento jurídico), essa acepção corresponderia ao
termo law do common law, e seria a perspectiva objetiva do direito. Contudo, o termo direito não se
apresenta apenas mediante perspectiva objetiva, ele possui faceta subjetiva, perante a qual o direito
não representa mais o termo law e sim right do common law. Nesse ponto de vista, o direito (right)
subjetivo corresponde à faculdade jurídica que o ordenamento (direito objetivo) atribui à determinada
pessoa.4
Esta contraposição se mostra interessante também no âmbito do estudo da norma jurídica, pois,
enquanto esta estipula deveres, atribui a possibilidade de exercício de uma faculdade ou pretensão.5
A relação entre direito objetivo e direito subjetivo consiste numa das dicotomias clássicas do estudo
teórico do direito.
Segundo aponta Tercio Sampaio Ferraz Junior, a referida dicotomia pretende realçar que o direito é
um fenômeno objetivo, que não pertence a ninguém socialmente, sendo um dado cultural, composto
de normas, instituições, mas que de outro lado, é também um fenômeno subjetivo, visto que faz, dos
sujeitos, titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles relações6 – para fins
elucidativos o conceito utilizado de relação jurídica é o clássico formulado dentre outros por Adolf
Merkel. As relações jurídicas em uma estrutura simples evidenciam aspecto ativo e outro passivo. Ou
seja, um aspecto de poder jurídico e outro de sujeição jurídica. O primeiro corresponde à função de
proteção e garantia do direito e o segundo com sua função imperativo-restritiva.7
Com intuito exemplificativo, poderíamos dizer que o direito subjetivo é o lado ativo de uma relação
jurídica, cujo lado passivo representa em certos casos uma obrigação, pois a regra que
responsabiliza o vendedor pelos vícios ocultos da coisa vendida é um direito no sentido objetivo. O
direito de pedir rescisão da venda pelo vício descoberto na coisa recém comprada é um direito
subjetivo do comprador.
Daí se poder afirmar que todos os direitos subjetivos não têm as mesmas características. Conforme
o tipo do poder que representam e, por outro lado, de acordo com a obrigação que geram, podem
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ser classificados.
Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e obrigações) são de dois tipos, decorrentes de relações
familiares ou patrimoniais. Os primeiros incluem os relativos ao casamento, ao pátrio poder e à tutela
e curatela. Já os segundos dividem-se em dois grupos: os direitos reais e as obrigações.
Os direitos reais são direitos que conferem um poder absoluto sobre as coisas do mundo externo.
Sua característica essencial é valerem erga omnes: “contra todos”. O comportamento alheio que o
titular do direito subjetivo pode exigir é o de todos, que são obrigados a respeitar o exercício de seu
direito (poder) absoluto sobre a coisa. Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem tão somente
entre pessoas determinadas e vinculam uma (o devedor) à outra (o credor).
Ainda na esteira do pensamento de Tercio Sampaio Ferraz Junior, os romanos, ao menos no que se
refere no sentido técnico da expressão, não conheceram o que hoje denomina-se como direito
subjetivo. O que havia era uma definição no jus romano que não se confundia com a lex, que os
juristas medievais iriam expressar em termos da facultas agendi e norma agendi. Na Era Moderna a
distinção ganha os contornos atuais e para isso contribui uma nova concepção de liberdade.
Enquanto para os antigos a liberdade era um status, algo que não se referia a uma qualidade interna
individual, mas uma qualificação pública do agir político, o cristianismo trouxe uma outra noção, a de
livre arbítrio, algo interno, uma qualidade de que partilham todos os homens expressa em seu querer
ou não querer, tal noção intimista torna-se crucial para o capitalismo nascente na modernidade, para
a liberdade de mercado e a luta da burguesia com os remanescentes privilégios feudais marcará a
disputa pelo poder político e com a aniquilação do status libertatis dos antigos.8
Tal liberdade, no sentido moderno, intimista e ao mesmo tempo pública servirá para a defesa da
propriedade privada, à defesa da economia de mercado livre e à concepção do Estado como
guardião das liberdades fundamentais garantidas pela Constituição. De modo que será com base
nesta liberdade, que funciona como limite à atividade legiferante do Estado que irá configurar-se a
noção de direito subjetivo em oposição ao direito objetivo.9
No pensamento de Max Weber há uma das principais pistas para se explicar realmente a criação do
direito subjetivo.
Weber para aprioristicamente da afirmação de que existe um direito concreto quando se concede um
“complemento” de probabilidade de que não resultarão de que determinadas expectativas não sejam
frustradas em favor dos indivíduos aos quais o direito objetivo atribuiu certos direitos subjetivos.10
Nesta ordem, quem tem de fato poder de disposição sobre uma pessoa ou uma coisa, obtem
mediante a garantia jurídica, segurança específica quanto a perduração deste poder, e aquele a
quem foi prometida alguma coisa, obtem segurança de que a promessa seja cumprida. Segundo
Weber, estas são de fato as relações mais elementares entre o direito e a economia.11
Segundo Weber, o direito moderno se compõe de disposições jurídicas, ou seja, de normas
abstratas em cujo conteúdo uma determinada situação de fato deve produzir tais ou quais
consequencias jurídicas. Assim, a divisão mais corrente das normas jurídica é a de dividi-las em três
agrupamentos, a saber: (a) imperativas; (b) proibitivas e (c) permissivas.12
Destas três classes de normas surgem os direitos subjetivos em exercício dos quais um indivíduo
pode ordenar, proibir ou permitir a outro um determinado comportamento, de modo que a este poder
juridicamente limitado e garantido, correspondem, sociologicamente dizendo, as seguintes
expectativas: (1.ª) A de os outros observarem determinada conduta; (2.ª) A de que omitam um
determinado proceder e (3.ª) que uma pessoa pode fazer, ou se quiser, deixar de fazer determinada
coisa sem intervenção de terceiros (faculdades).13
Assim, pode se afirmar que cada direito subjetivo é uma fonte de poder que, de acordo com a norma
jurídica correspondente, pertence, no caso concreto, a uma pessoa que sem tal disposição que lhe
concedida pelo direito subjetivo, seria impotente.14
Como aponta Icilio Vanni, o direito subjetivo é a faculdade do indivíduo e do ente coletivo de agir em
conformidade com a norma que garante a eles fins e interesses, e de exigir dos outros o que é
devido pela norma.15
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Desta definição se extrai que o direito subjetivo concerne na vontade e na execução humana
enquanto se direciona para realização de determinados objetivos. Com relação a vontade o direito
atribui um poder, o qual é antes de tudo uma faculdade, poder de agir. Este poder, define Vanni, não
é um poder qualquer, um poder ilimitado, mas um poder regulado pela norma jurídica que o
reconhece e garante.16
Em seu conceito amplo, direito subjetivo é a figura jurídica que dentro do ordenamento normativo,
concede ao indivíduo espaço de autonomia, poder de iniciativa que é irrenunciável e insubstituível
em todo sistema jurídico.17
Ainda que esse não seja o propósito do artigo, importante fazer pequena explicação para distinguir a
figura do direito subjetivo da pretensão de direito material.
Fábio Gomes e Ovídio Araújo Baptista da Silva lecionam que o direito subjetivo é uma posição
privilegiada posta pelo direito material para alguém em relação ao outro polo da relação jurídica.18
Nesse contexto, o direito subjetivo preexiste ao processo em si, na medida em que ele se constitui
quando a própria relação de direito material é criada. Vale dizer, a celebração de um negócio jurídico
é suficiente para assegurar e conferir direitos subjetivos aos contratantes sendo ainda que não tenha
havido a formação de um litígio processual. Assim, o direito subjetivo é pré-processual.
Contudo, a existência de direito subjetivo não corresponde imediatamente à formação da pretensão.
Essa somente surge quando o direito subjetivo torna-se processualmente exigível e não foi
adimplido.
Acerca da questão, merece destaque a doutrina de Pontes de Miranda: “O credor tem direito
subjetivo ao que se lhe atribui: tem-no, desde que a relação nasceu. A exigibilidade faz-lhe a
pretensão. Se o devedor não paga como e quando deve pagar, cabe-lhe, então, a ação. Não se diga
que a coação a caracteriza, nem que caracterize os dois, a ação e o direito subjetivo; porque o que
existe de coativo no direito é comum ao direito objetivo não subjetivado e aos direitos subjetivos”.19
Com efeito é possível concluir que tanto o direito subjetivo quanto a pretensão são institutos
correlatos ao direito material,20 isso se dá porque em regra, cada direito subjetivo é dotado de uma
pretensão que é a condição de se poder exigir a satisfação desse direito. Por consequência, a
improcedência ou a procedência são categorias que correspondem à constatação se existia ou não a
pretensão suscitada pelo litigante.21
Tendo em vista que a improcedência atinge a pretensão e não o direito subjetivo ou a própria ação,
Ovídio Araújo Baptista da Silva diferencia a ação do direito subjetivo afirmando que a segunda
corresponde ao poder conferido pela ordem jurídica para agir a fim de realizar seu próprio direito.
Ocorre que em um Estado Constitucional esse agir, em regra, não é dado diretamente ao próprio
titular do direito, em virtude do que dispõe, por exemplo, em nosso ordenamento o inc. XXXV do art.
5.º da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) em que a jurisdição precisa ser provocada para prevenir ou reparar a
lesão ao direito.22
Essa rápida distinção entre direito subjetivo, pretensão e ação tem por escopo tão somente
evidenciar rapidamente as principais questões acerca do tema.
Em conformidade com o que expusemos, a improcedência ou a procedência carreadas pelas
decisões judiciais não atingem o direito subjetivo mas sim a pretensão. Daí que a improcedência por
prescrição e decadência não alcançar o direito subjetivo mas sim a pretensão, conforme estatui o
189 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) : “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.23
Em virtude de a improcedência/procedência atingir a pretensão, Agnelo Amorim Filho propôs como
critério científico para distinguir prescrição e decadência o exame de qual tipo de pretensão está
sendo posta no processo. A pretensão que qualifica a ação, de acordo com a teoria quinaria, pode
ser declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva.24
Nesse contexto, Agnelo Amorim Filho dispõe que as ações declaratórias são, em regra, perpétuas,
pois a qualquer tempo pode-se pedir puramente a declaração ou não de uma relação jurídica. As
condenatórias, por sua vez, cujo escopo é impor obrigações e comportamentos, sujeitam-se à
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prescrição, as constitutivas (positivas ou negativas) que criam, modificam ou extinguem
relações/situações jurídicas estão sob o regime da decadência (e.g., ação rescisória). As
mandamentais e executivas possuem em seu âmago preceito ora condenatório ora constitutivo,
consequentemente seguem o rito do preceito que contêm.25
2. A TEORIA DO INTERESSE, A TEORIA DA VONTADE E AS NUANCES DE UMA TEORIA DA
COMPOSIÇÃO
Deve-se à Jhering o conceito mais tradicional de direito subjetivo que seria o interesse juridicamente
protegido.26 Referido conceito criou polêmica com Windscheid que defendia ser o direito subjetivo o
poder da vontade assegurado pelo direito objetivo.27
Jhering, levando em conta o relacionamento do direito com a economia – como já mencionamos
anteriormente com referência a Max Weber -, começa a desenvolver o modo como historicamente
ganhou campo a importância de se defender, garantir, a vida e o patrimônio.
Em sentido próximo, Merkel conceitua o direito subjetivo como o poder jurídico conferido pelo
ordenamento material e individualizado. Para Merkel o direito material protege diversos tipos de
interesses, no momento em que esse interesse é violado ou ameaçado, o poder conferido pelo
ordenamento jurídico individualiza-se e forma o direito subjetivo do particular ou do próprio Estado.28
Daí que, a forma pela qual o direito, no sentido objetivo, assegura proteção aos dois interesses –
vida e patrimônio – é o direito subjetivo.
Segundo Jhering, ter um direito significa que: há algo para nós, e o poder estatal dá seu
reconhecimento, protegendo-nos e este algo pode existir ainda de 4 formas: (1) algo que cabe a nós
mesmos: nesse sentido ganham corpo a noção de direito de personalidade, sendo fundamento ético
deste conceito a máxima: o homem é um fim em si mesmo; (2) algo que nos cabe como uma coisa:
nessa caso temos expressamente a noção de propriedade em sentido amplo; (3) alguma pessoa:
seja em sua totalidade e com reciprocidade da relação vinculante (as relações jurídicas da família),
seja em relação a prestações avulsas (a exigência), e por fim, pode se referir ao (4) estado.29
Ainda em conformidade com Jhering, a expressão jurídica para a relação vinculante dele para
conosco é o direito civil.
Dessa forma, a posicionamento da pessoa no mundo resta assentado em três proposições: nas duas
de que ela extrai para si o direito, e na terceira sobre a qual o mundo respalda seu dever contra ela,
a saber: (1) Existo para mim; (2) O mundo existe para mim e; (3) Existo para o mundo. Nestas três
bases, segundo Jhering, se assentam toda a ordem do direito e não só do direito como todo o
universo moral (subjetivo): nossa vida privada, a vida em família, as relações de modo geral, a
sociedade, o Estado, as relações entre os povos, a relação vinculante recíproca dos povos, daqueles
que vivem ao mesmo tempo, bem como daqueles que já sucumbiram.30
Kaufmann propõe uma acepção conciliatória para a polêmica, assim, o direito subjetivo seria:
interesse juridicamente protegido + poder de vontade assegurado pelo direito objetivo.31
Arthur Kaufmann assevera que estudar a relação existente entre direito subjetivo e objetivo é
fundamental para se compreender a própria concepção de Estado de determinada comunidade.
Kaufmann realiza tripartição classificatória para os direitos subjetivos que poderiam ser: públicos,
privados e sociais. A primeira categoria refere-se aos direitos subjetivos públicos, que seriam os
direitos do Estado em face do indivíduo (por exemplo, o crédito tributário).32
A formulação desses direitos é muito importante, uma vez que, de acordo com uma concepção
autoritária, o Estado enquanto autoridade não precisa de tais direitos. Ao invés, dum ponto de vista
do Estado de Direito, o Estado não tem nenhum poder em face do indivíduo que não lhe seja
concedido através do Direito.33
Estas concepções opostas referem-se também a direitos subjectivos do indivíduo em face do Estado.
No Estado autoritário, o indivíduo não tem mais direitos, em especial não pode intentar ações contra
o Estado, no Estado de Direito, pelo contrário, existe uma cláusula de geral jurisdição administrativa:
“se alguém for lesado nos seus direitos pelo poder público, poderá recorrer á via judicial”.
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Os direitos subjetivos sociais seriam uma categoria híbrida que possui características do direito
privado e do direito público,34 ressaltando ainda que, no âmbito do direito privado o direito subjetivo,
admite-se duas divisões, a saber: direitos sobre algo e direitos a algo e direitos para algo.
Os direitos sobre algo são os absolutos como o direito de propriedade cujos efeitos são oponíveis
perante todos (erga omnes).
Os direitos a algo são os direitos-dever, por exemplo, direitos obrigacionais e de crédito, bem como
os direitos de participação, sócio em face da sociedade.
Os direitos para algo são os direitos-poder, compreendendo os direitos potestativos em sentido lato.
35
A segunda divisão dos direitos subjetivos particulares refere-se ao seu objeto: direitos pessoais;
patrimoniais e patrimoniais relativos. Os direitos pessoais são os direitos personalíssimos, e.g.,
referentes ao próprio nome, filiação, paternidade; os direitos patrimoniais se subdividem em
absolutos englobando os direitos reais, direitos autorais, patente e os patrimoniais relativos que
seriam os direitos de crédito.36
Tudo isso importa para a reflexão da própria dicotomia, sendo muito significativa sobre esta
especulação a observação feita por Giorgio Del Vecchio,37 clássico pensador que em clássica obra,
ao informar a partir do conceito de direito a importância de se entender como a dicotomia direito
objetivo/direito subjetivo acaba se reduzindo em um só.
Segundo o referido autor, do conceito de direito enquanto uma delimitação, uma coordenação
objetiva das ações de vários sujeitos, uma norma de convivência não se pode perder de vista que o
efeito da norma jurídica é o de atribuir a um sujeito uma exigência ou pretensão contra outro sujeito,
sobre quem impende, por isso mesmo uma obrigação – um dever jurídico. Ocorre que a pretensão
atribuída pelo direito, chama-se também direito, porém o significado não é o mesmo em ambos os
casos.
Esta abordagem de Del Vecchio apesar de consideravelmente diferente, nos direciona para a
investigação da proposta de Kelsen numa diluição – para alguns uma negação – do direito subjetivo
no âmbito do ordenamento jurídico.
3. A PROPOSTA DE DIREITO SUBJETIVO EM KELSEN A PARTIR DE CRÍTICA ÀS TEORIAS DO
INTERESSE, DA VONTADE E DA COMPOSIÇÃO (MISTA) E A FACETA DO DIREITO
SUBJETIVO COMO FACULDADE
Hans Kelsen em investigação a partir do tema da personalidade jurídica do Estado, entende ser
fundamental o estudo do Estado como sujeito de Direito e, a partir disso, propõe um estudo original
sobre a teoria do direito subjetivo.
Os apontamentos principais de seus estudos aparecem na sua afamada obra Hauptprobleme der
Staatsrechtslehre entwickelt aus der Lehre vom Recthssatze (Problemas capitais da teoria jurídica do
Estado desenvolvidos com base na doutrina da proposição jurídica).38 Esta obra surgiu em 1911 e,
como bem adverte Josef L. Kunz, nela já se encontram, em concentração, os principais traços de
sua teoria, como: a compreensão da norma jurídica como juízo hipotético, o direito como sistema de
normas, a doutrina da personalidade jurídica como ponto final da imputação jurídica, como
personificação de uma ordem jurídico parcial, a ideia da norma básica, os primeiros delineamentos
da doutrina da identidade do Estado e da ordem jurídica nacional.39
A vertente de sua investigação tem como ponto de inspiração o problema de se derivar o direito
subjetivo da norma jurídica objetiva. As questões postas são: como uma ordem jurídica geral estatui
um direito subjetivo determinado e concreto? Como a norma jurídica pode representar um direito
meu?
Segundo Kelsen, somente desta forma é que pode se pensar o tema do direito subjetivo, se este se
reconhece como o dever subjetivo, como algo que somente na ordem jurídica objetiva pode ser
estatuído.
Com isso, Kelsen está, de plano, rechaçando a tese jusnaturalista segundo a qual o direito subjetivo
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e o dever têm uma existência independente do ordenamento jurídico que as normas jurídicas se
limitam a proteger ou garantir.40
Essa investigação kelseneana tem como base a percepção do quanto o objeto central da análise do
direito subjetivo parece ter sido sob o fundamento mesmo do jusnaturalismo, e como a terminologia
da doutrina imperante e tradicional identifica o direito subjetivo, exclusivamente, como algo para
expressar a faculdade, ficando relegada concretamente qualquer investigação de caráter científico
sobre o assunto.
Para explorar adequadamente esta polêmica, Kelsen empreende uma análise das teorias
tradicionais, a saber, a teoria do fim ou do interesse pensada por Jhering e seus seguidores, a teoria
da vontade dos romanistas que tem por principais sustentadores Windscheid, Arndts e outros. Por
fim, a terceira teoria que tenta combinar no conceito de direito subjetivo, os dois fatores, o interesse e
a vontade, teoria esta fundada por Bernatizik e desenvolvida por Jellinek.
Embasado em Jhering, Kelsen reconhece o erro fundamental da teoria jusnaturalista. A mais
substancial refutação da teoria de Jhering se refere à questão de sua própria impossibilidade, pois o
fator material fim não pode ser nunca parte integrante de um conceito jurídico formal, de modo que
Kelsen assinala como o conceito de direito subjetivo estabelecido por Jhering é insustentável e
contraditório, com base precisamente na teoria do fim.41
Já a teoria da vontade de Windscheid entende o direito subjetivo como a licitude da vontade ou como
o poder da vontade reconhecido pelo direito objetivo.
A definição de Windscheid é pensada sobre o conceito de duas classes: (1) os que recaem sobre a
própria conduta e os que se referem a conduta de outras pessoas, de forma que estaríamos sob um
direito de segunda classe quando o ordenamento jurídico, baseando-se em um suposto fato
concreto, emite uma ordem para um determinado indivíduo, pondo a ordem a livre disposição
daquele em favor do qual se formula; (2) já no segundo grupo constariam aqueles casos em que a
vontade do sujeito titular é decisiva, não simplesmente enquanto a existência mesma das ordens que
o direito emite.
As duas categorias formam a concepção de que o direito subjetivo representa o poder ou o senhorio
da vontade conferido pela ordem jurídica.42
A crítica certeira de Kelsen é que em sua teoria Windscheid acaba se vendo obrigado a reconhecer a
existência de um direito subjetivo em casos que, manifestamente, não concorre com ato congruente
da vontade e ainda naqueles em que a vontade do sujeito é diametralmente contrária ao regramento
jurídico.
Kelsen de modo muito instigante – corroborando nesse caso com as críticas de August Thon ao
pensamento de Windscheid – apresenta exemplos sobre o problema que invoca: “el marido no deja
de ser proprietário de la finca dotal enajenada, aun cuando no quiera serlo, y el acreedor no perde su
derecho subjetivo por el hecho de que, no sólo no quiera positivamente la restituición de lo que se le
adeuda, sino de que llegue, incluso, a rehusar a su aceptación”.43
A ponta crítica deste esboço kelseneano sobre Widscheid é a de que esta construção não permite
falar de um direito subjetivo em uma conduta alheia sujeita ao dever, mas somente sobre o direito de
realização da sanção ou mesmo da consequência derivada da conduta antijurídica.
Por fim, Kelsen entende que a referência a direitos subjetivos de segunda categoria são pobres e
imprecisas, resultando, na realidade, em uma extrema dificuldade de se chegar formar uma ideia
clara e praticável.44
A expressão de direitos subjetivos em Windscheid é bem ampla, pois reconhece a existência de
direitos subjetivos não somente quanto a atos dotados de efeitos jurídicos, mas também com
respeito a outros, desde o momento em que se considera como exercício de um direito o desfrute
dos bens protegidos pela ordem jurídica.
O terceiro apontamento crítico de Kelsen ocorre na dimensão da teoria da combinação (mista), que
envolve as próprias teorias da vontade e do interesse. Tal teoria fora protagoniza por Bernatzik e
consolidada, mesmo que de forma distinta por Jellinek.45
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Referida teoria deve, de plano, sofrer a crítica por sua combinação ocorrer exatamente a partir de
teorias que Kelsen não considera adequadas para o trato do direito subjetivo, de modo que as
críticas enfaticamente expostas anteriormente, na esteira do pensamento kelseneano, podem ser
aproveitadas para a composição.
A definição de direito subjetivo desta teoria demonstra, com efeito, o direito subjetivo como um fim e,
mais concretamente, como um “fim humano” e sua realização reconhece na ordem jurídica a
possibilidade de um senhorio da vontade ao atestar a esta efeitos jurídicos, qualquer que seja a
pessoa a quem esta pertença.
Por essa razão a concepção da teoria da composição lança mão extraordinariamente do
pensamento de Jhering, desde o momento em que não considera como direito subjetivo
simplesmente todo fim ou todo interesse protegido, propondo somente o fim ou o interesse protegido
mediante o reconhecimento do poder da vontade.
A problemática analisada por Kelsen revela que não se deve adentrar na esfera do poder ou da
competência do ordenamento jurídico para se propor formulações teóricas ou mesmo para a
construção de conceitos jurídicos fundamentais. A aposta da teoria da composição padece, pois,
nela, por exemplo, se nega aos órgãos do Estado a personalidade jurídica, baseando-se sua ideia de
sujeito de direito na ideia de fim.46
A tese kelseneana sobre o direito subjetivo aposta que o erro cardeal de todas as definições
analisadas reside no fato de que todas elas se obstinam a ver no direito subjetivo algo
substancialmente distinto do direito objetivo, fato faz qualquer análise desta ordem ser incorreta e
imprecisa.
Em sentido próximo, Merkel enfatizava que o direito subjetivo enquanto poder jurídico individualizado
equivale-se ao direito objetivo/material, poder e poder conferido em atenção a determinado interesse
que, por sua vez, é proposto pelo próprio direito objetivo e disposto como instrumento para
satisfação desses interesses.47
Se é certo que o direito é forma e não conteúdo, é proteção e não o protegido, deve-se concebê-lo
em ambos os sentidos, a saber: como norma jurídica, limitando-se a ver a diferença que há entre
eles simplesmente numa relação, a partir do que pode-se formular a seguinte pergunta: como se
passa do direito objetivo ao subjetivo, como em particular, se converte a norma jurídica numa
faculdade, ou seja em meu direito?48
Dessa maneira, o direito subjetivo passa a ser visto não como mera vontade ou mero interesse, ou
seja, não como algo protegido pelo ordenamento jurídico, mas sim como proteção, como parte
integrante da ordem jurídica e, mais concretamente, como a norma jurídica mesma, considerada
desde o ponto de vista de sua relação especial com um sujeito.49
Em síntese, o direito subjetivo deve ser visto como o dispositivo normativo que confere uma
prerrogativa em movimento para concretizar a prevenção ou proteção de um direito dado pelo direito
material na própria facticidade.
A investigação kelseneana é relevante para nossa análise, pois enquadra a ideia de um
desenvolvimento histórico da teoria do direito subjetivo, de forma que, a subsequente questão passa
a ser como relacionar o tema do direito subjetivo com a de um Estado Democrático de Direito.
4. APONTAMENTOS CONCLUSIVOS: CRÍTICA À TEORIA DO DIREITO SUBJETIVO E
DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO NO ÂMBITO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Em conformidade com o que expusemos, examinar a relação entre direito subjetivo e objetivo é
necessária porquanto ela elucida a própria concepção de Estado de determinada comunidade.
Nesse contexto, Massimo La Torre analisa aspecto político do direito subjetivo, ressaltando que ele
possui uma construção simbólica, de modo que seu conceito é histórico, socialmente e culturamente
determinado, configurando espaço de autonomia do cidadão que não pode ser suprimido em
nenhum ordenamento.50
Desse modo, Massimo La Torre pontua a necessidade de se examinar o conceito de direito subjetivo
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DIREITO SUBJETIVO I: CONCEITO, TEORIA GERAL E
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
como se faria com o Estado Democrático de Direito (rule of law), porque a sua presença é que
determina a função, o lugar e a autonomia de cada indivíduo perante sua comunidade jurídica.51
A construção de direito subjetivo deve ser anterior ao próprio Estado, o direito subjetivo não pode ser
visto como concessão do poder público (Estado). Na realidade, ele preexiste ao próprio Estado.
Nesse ponto, é importante salientar que o fato de o direito subjetivo preexistir ao Estado, não se está
afirmando sua natureza jusnatural como concessão divina, e.g., o que se pretende afirmar, com
fundamento em Massimo La Torre, é que antes do nível normativo fixado pelo Estado, existe um
nível normativo difuso da sociedade, afinal, ela é formada por seres humanos que possuem
capacidade jurídica para realizar atos intencionais.
Assim, todo ordenamento jurídico, fundado no ser humano, pressupõe uma capacidade jurídica que
implica na formação do próprio direito subjetivo. Portanto, ignorar a categoria do direito subjetivo
termina por formar sistema jurídico que não está centrado no próprio homem.52
Urge ressaltar que não se está afirmando que toda sistema jurídico necessita da presença do direito
subjetivo para se desenvolver. Contudo, em virtude do desenvolvimento social e histórico, e a
consolidação do Estado Constitucional, o sistema jurídico não pode mais ignorar a instituição do
direito subjetivo, sob risco de tornar-se sistema autoritário em que a figura central do direito deixa de
ser o indivíduo e passa a ser o próprio Estado.
Nessa concepção, o Estado deixa de ser instrumento e instituição promovedora e assegurada de
direito e passa a constituir-se um fim em si mesmo, função está que não se coaduna com a atual
quadra da história que consolidou o Estado Constitucional e a presença dos direitos fundamentais.
Portanto, as reflexões aqui empreendidas, desde a visão tradicional sobre a dicotomia, passando
pela via da sociologia weberiana e da ácida crítica de Kelsen e chegando ao deslocamento –
superação da dicotomia – no processo atual do Estado Constitucional e a ressalva aos direito
fundamentais, orientam a Teoria do Direito Subjetivo para novos caminhos e reflexões que, na atual
conjuntura, entendemos que possui como ponto de partida a aposta de cuidar-se do direito subjetivo
enquanto elemento jurídico que contribui na manutenção dos anseios fundamentais do Estado
Democrático de Direito. A relação entre direito subjetivo e Estado Constitucional merece
desenvolvimento autônomo tendo em vista a riqueza do tema, o intuito do raciocínio elaborado nesse
artigo é o de demonstrar a importância do instituto do direito subjetivo na teorização do direito,
porquanto ele evidencia principalmente uma prerrogativa do próprio cidadão face principalmente o
Poder Público.
1. Por todos, tal definição aparece clara no pensamento de Miguel Reale, para tanto, cf., Miguel
Reale, Lições preliminares de direito, 26. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, n. XIX, p. 251 e 252.
2. Georges Abboud, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo: Ed. RT, 2011, n.
1.9.2, p. 89.
3. Miguel Reale, op. cit., n. XIX, p. 251. A abordagem sobre o tema da situação jurídica a partir da
relação do direito subjetivo é muito interessante e pode ser aprofundada de forma específica. A
problematização do presente artigo não tem objetivamente este escopo, de qualquer forma,
esclarecimento pontual sobre o tema contribui para a discussão aqui encetada. Segundo Rosa Maria
de Andrade Nery “no sistema das situações jurídicas, o direito se realiza a partir dos fatos que situam
determinada pessoa num contexto cultural para cuja existência jurídica foi necessária a inserção de
sujeitos (com seus atos, bens, patrimônio e realizações). Ocorrência diversas podem se dar,
desafiando soluções, ou porque topicamente é necessário encontrar uma solução para um problema,
ou porque o sujeito que vive a situação considerada se insere num ambiente cultural que sugere
solução na cadência de critérios que não são os de desfrute egoístico de direitos, mas de vivencia
cultural e jurídica de implicações normativas de utilidade social (…). Para simplificar essas
considerações, poderíamos afirmar que o sujeito de direito vivem sempre situações jurídicas,
absolutas ou relativas. Por exemplo a situação jurídica de quem quer se ver preservado seu direito
ao silêncio é fenômeno jurídico, é situação jurídica absoluta (não relacional), e, portanto, não é
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DIREITO SUBJETIVO I: CONCEITO, TEORIA GERAL E
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
relação intersubjetiva”. Rosa Maria de Andrade Nery, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria
geral do direito privado, São Paulo: Ed. RT, 2008, cap. III, 37, p. 119 e 120.
4. Paulo Jörs e Wolfgang Kunkel, Derecho privado romano, Barcelona: Labor, 1937, § p. 78.
5. Tudo isto corrobora para uma definição do direito subjetivo na dimensão mesma do próprio
dualismo entre direito objetivo e direito subjetivo.
6. Tercio Sampaio Ferraz Junior, Introdução ao estudo do direito: técnica decisão e dominação, 6.
ed., São Paulo: Atlas, 2010, n. 4.5.2, p. 116 e 117.
7. Adolf Merkel, Enciclopedia jurídica, 5. ed., Madrid: Reus, 1924, § 146, p. 102.
8. Tercio Sampaio Ferraz Junior, op. cit., n. 4.5.2, p. 118.
9. Idem, ibidem.
10. Max Weber, Economia y sociedad: esbozo de sociología comprensiva, 2. ed., México: FCE,
2008, 2.ª parte, n. VII, § 3.º, p. 532.
11. Idem, ibidem.
12. Idem, ibidem.
13. Idem, p. 532 e 533.
14. Idem, p. 533.
15. Icilio Vanni. Lezioni di filosofia del diritto, 3. ed., Bologna: Nicola Zanichelli, 1908, n. IV, p. 109.
16. Icilio Vanni, op. cit., p. 109.
17. Massimo La Torre, La lucha contra el derecho subjetivo: Karl Larenz y la teoría nacionalsocialista
del Derecho, Madrid: Dykinson, 2008, n. VII, 3, p. 351.
18. Verbis: “(…) o direito subjetivo: corresponde a uma situação favorável na qual se encontra
determinada pessoa em relação a outra, por força da incidência do direito objetivo sobre a relação
entre eles mantida”. Ovídio Araújo Baptista da Silva e Fábio Gomes, Teoria geral do processo civil, 3.
ed., São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 129.
19. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratados das ações, 2. ed., São Paulo: Ed. RT, 1972, t.
I, p. 33.
20. Ovídio Araújo Baptista da Silva, Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação, Revista da
Ajuris 29/102, Porto Alegre: Ajuris, 1983.
21. Idem, ibidem.
22. Idem, p. 105.
23. “A exemplo do que já ocorre no CDC ( LGL 1990\40 ) arts. 26 e 27, o CC/2002 ( LGL 2002\400 )
adotou o critério científico para distinguir prescrição da decadência, proposto por Agnelo Amorim
Filho. A fórmula oferecida por Câmara Leal, segundo a qual a decadência extinguiria o direito,
enquanto que a prescrição extinguiria a ação, não é suficiente para explicar a complexidade do
fenômeno e, mais do que isso, está superado pelo texto do art. 189 do CC/2002 ( LGL 2002\400 ) ,
que fala expressamente que a prescrição extingue a pretensão de direito material e não a ação. O
melhor critério para conceituar-se e distinguir-se a prescrição de decadência é o de Agnelo Amorim
Filho, que foi adotado pelo CDC ( LGL 1990\40 ) e pelo CC/2002 ( LGL 2002\400 ) . Esse critério não
é exclusivamente processual e nem parte de premissa processual, como à primeira vista pode
parecer; trata-se de critério fundado na pretensão de direito material e de seu exercício e que, por
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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
isso, culmina por informar os critérios para classificação das ações”. Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, 9. ed., São Paulo: Ed. RT, 2012, comentário 3,
CC/2002 ( LGL 2002\400 ) , art. 189, p. 467.
24. Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis, Revista dos Tribunais 744/725 ( DTR 1997\430 ) -750 passim,
São Paulo: Ed. RT, out. 1997. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil
comentado cit., p. 467.
25. Agnelo Amorim Filho, op. cit., passim.
26. Ver: Rudolf von Jhering, A evolução do direito, 2. ed., Salvador: Livraria Progresso Ed., n. 159, p.
276.
27. Referida polêmica é bem expressa por Icilio Vanni nos seguintes termos: “Tutto cio implica la
condanna di tutte le teorie, che separano questi due momenti elevando a fondamentos del diritto
soggettivo o il solo interesse. Alcune teoriche infatti ripongono la sostanza del diritto soggettivo
esclusivamente nella signoria del volere, indipendentemente da qualunque scopo o interesse del
volere stesso: e sono quelle teorie Che, figliate dalla filosofia del diritto dello Hegel, hanno avuto
un’espressione técnico-giuridica nel [Trattato di diritto romano] del Windscheid; Che considera il diritto
soggrttivo come un potere dato aL volere (Willensmacht). Mas si vede súbito l’errore di queste teorie,
riflettendo che la garanzia nun può essere data Allá volontà astratta, ma le è data quanto essa si
dirige Al raggiungimento di certi scopi, in quanto si esplica concretamente sotto l’impulso di certi
interessi. Parimenti erronea è la teoria opposta a quella ora esaminata, ossi la teoria sostenuta dallo
Jhering, che há considerato il diritto soggettivo simplicemente como un interesse giuridicamente
protetto”. Icilio Vanni, op. cit., p. 111.
28. Adolf Merkel, op. cit., § 156 et seq., p. 104-106.
29. Rudolf von Jhering, A finalidade do direito, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979, capítulo V, vol. I, p. 35.
30. Idem, p. 36.
31. Arthur Kaufmann, Filosofia do direito, cit., n. 7. III, p. 154.
32. Idem, p. 156. Ressalta-se que a abordagem sobre a teoria da composição será explorada mais
adiante pela crítica kelseneana ao pensamento de Bernatizk e Jellinek.
33. Esse ponto é um dos vários que evidenciam o risco de se adotar uma visão estatalista da
jurisdição tal qual é praticada pela Instrumentalidade do processo, ver: Georges Abboud e Rafael
Tomaz de Oliveira, O dito e o não-dito sobre a instrumentalidade do processo: críticas e projeções a
partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual, Revista de Processo 166/27 ( DTR
2011\1531 ) . São Paulo: Ed. RT, dez. 2008, passim.
34. Arthur Kaufmann, op. cit., n. 7. III, p. 156.
35. Idem, ibidem.
36. Idem, ibidem.
37. Segundo Miguel Reale, indica que Del Vecchio inclina-se para uma segunda formulação da teoria
de Windscheid, com uma certa variante: “Diz ele: o erro da doutrina de Windscheid é situar o
problema segundo uma vontade atual ou efetiva, quando a questão deve ser posta em termos de
vontade possível ou potencial. O direito subjetivo não é o querer, mas a possibilidade de querer. Não
é a vontade, mas a potencialidade da vontade. Dessa forma, fazendo uma distinção entre vontade in
acto, e vontade in potentia, Del Vecchio declara que ficam eliminadas as objeções clássicas
formuladas à teoria windscheidiana”. Cf. Miguel Reale, op. cit., n. XIX, p. 257 e 258.
38. A obra aqui utilizada se refere à tradução para o espanhol feita por Wenceslao Roces pelo
editorial Porrúa, para tanto, cf. Hans Kelsen, Problemas capitals de la teoría juridica del estado
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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
desarrollados con base en la doctrina de la proposición juridical, México: Porrúa, 1987.
39. Segundo Josef Kunz “Si se toman las obras de Kelsen como obras separadas, creo que de todas
ellas, la de 1911 es aún hoy la más genial. Como Pallas Atena de la cabeza de Zeus, así apareció en
esta obra la Teoría pura del derecho con rasgos geniales y en su aspecto fundamental. Ya está allí
claramente delineada, en verdad la Teoria pura del derecho. Hallamos la base filosófica kantiana, la
estricta separación entre los mundo del ser y del deber ser, entre las ciencias naturales y las ciencias
normativas, entre causalidad y imputación juridical, entre ciencia del derecho y sociología, entre la
ley causal y norma. Vemos la concentración de la teoria en el concepto de la norma juridical. En
verdad, el título complete de la obra es: Problemas capitales de la teoria juridical del Estado,
desarrollados con base en la doctrina de la proposición juridica. Ya encontramos allí, la
comprehension de la norma juridical como juicio hipotético: el derecho como sistema de normas; la
doctrina de la personalidad juridical como punto final de imputación juridical, como personificación de
un orden jurídico parcial; la idea de la norma básica; los primeiros comienzos de la doctrina de la
identidad del Estado y el orden jurídico nacional”. Josef L. Kunz, Teoría pura del derecho, México:
Imprensa Universitaria, 1948, p. 18.
40. Hans Kelsen, op. cit., p. 493.
41. Idem, p. 497.
42. Idem, p. 509.
43. Idem, p. 510.
44. Idem, p. 513 e 514.
45. A teoria de Jellinek se distingue da teoria de Bernatzik pelo fato de que a teoria de Jellinek , se
apoiando em Jhering, orienta-se mais no sentido do dogma da vontade, relegando ao o fator vontade
a fixação de seu conceito e apresentando o poder subjetivo como o poder da vontade humana.
46. Hans Kelsen, op. cit., p. 522 e 523.
47. Adolf Merkel, op. cit., § 159, p. 106.
48. Hans Kelsen, op. cit., p. 539 e 540.
49. A discussão proposta no pensamento de Kelsen se ocupou de forma mais central às suas
críticas feitas sobre o conceito de direito subjetivo como faculdade. Cumpre respeitosamente
esclarecer que a abordagem kelseneana é muito mais ampla e acurada, se estendendo as ideias do
direito subjetivo publico, a derivação do direito subjetivo da norma jurídica em sentido estrito – um
pouco trabalhado no texto – e amplo, em relação aos órgãos do Estado e sua posição, dentre outros
pontos interessantes.
50. Massimo La Torre, op. cit., n. VII, 3, p. 351.
51. Idem, p. 356.
52. Idem, p. 360.
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