Informação preliminar sobre a Campanha de Quaresma

Transcrição

Informação preliminar sobre a Campanha de Quaresma
Informação preliminar sobre a Campanha de Quaresma de MISEREOR 2015 Versão para os
convidados
“Panginoon sana malagpasan naming ang bagyong darating.
Sana tulungan no kami ng pamilya ko atng nga tao.”
„Deus, espero que possamos sobreviver este tufão.
Por favor, ajude-nos, ajude a minha família e todas as outras."
Prece de Grace Tanera Pame,
mulher de um pescador, mãe de 2 filhos,
Del Carmen, Siargao / Filipinas
Índice
Apresentação da Campanha de Quaresma 2015 de MISEREOR
1.
Experiências com a mudança do clima nas Filipinas .......................................................... 2
2.
Causas e impactos da mudança do clima .......................................................................... 4
3.
Ecologia e a responsabilidade mundial ............................................................................. 8
4.
A contradição entre saber e agir ..................................................................................... 12
5.
Projetos dos parceiros filipinos de MISEREOR ................................................................. 14
6.
A atuação de MISEREOR na área da mudança climática .................................................... 18
Os capítulos são autônomos em si. Isso oferece a possibilidade de utilizá-los mais tarde sob a
forma de coleção de "folhas soltas".
Apresentação da Campanha de Quaresma 2015 de MISEREOR
Na Campanha de Quaresma 2015, Misereor convida a virar o rumo: As mudanças climáticas que,
em parte, são resultado da intervenção humana, exigem um novo pensar para se construir uma
ação globalmente justa, pacífica e sustentável. As causas e consequências da mudança do clima
são apresentadas tomando como exemplo a vida das famílias pobres de pescadores, na costa
das Filipinas.
Como podemos nós, na Alemanha, reagir adequadamente diante desta situação? MISEREOR
interfere na busca de respostas em nome das comunidades de pescadores e pescadoras
atingidas. Levando em conta as experiências das famílias de pescadores, como também as
pesquisas do clima e as relações de poder no âmbito político, MISEREOR propõe consequências
fundadas na ética social e teologia, não só em favor de um apoio solidário às pessoas nas
Filipinas no desenvolvimento de novas estratégias de sobrevivências nas regiões costeiras, mas
também para as práticas ambientais da própria MISEREOR, para o estilo de vida das pessoas na
Alemanha e para a transição política para uma economia sustentável.
Mudança climática global - o exemplo das Filipinas
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Imagine que está conversando com um pescador das Filipinas sobre as mudanças climáticas.
Você próprio já conhece a temática dos fenômenos climáticos extremos, seja por experiência
própria ou através de leituras ou relatos no seu ambiente. Com efeito, já há muito que a
mudança do clima se tornou um tema corriqueiro nas nossas conversas. De vez em quando
notamos na Alemanha pequenas mudanças: épocas demasiado frias ou quentes, demasiado
secas ou úmidas; espécies de animais que migram para novas regiões; variedades de uvas
nativas do Sul da Europa que agora são cultivadas exitosamente na Alemanha. Seu interlocutor
filipino lhe diz: "Nós, os pescadores, temos cada vez mais medo da crescente violência das
monções - este medo nos impede de navegar mais longe, mar adentro, para pescar. Mas só lá
apanhamos bom peixe" (Padre Lazlate, Davao, ele próprio um pescador). O pescador faz-lhe
lembar as imagens depois do tufão Haiyan que assolou as Filipinas em novembro de 2013:
Milhares de mortos, milhões de vítimas desabrigadas que perderam as suas casas e a base de
existência, regiões inteiras e infra-estruturas devastadas por anos.
Você responde que na Alemanha também se fazem notar mudanças climáticas, mencionando,
por exemplo, os tornados e as chuvas torrenciais do verão de 2014. Estes dão uma - pequena visão dos impactos dos fenômenos climáticos extremos. Não obstante, a qualidade e a
dimensão não são comparáveis. – É assim que a conversa poderia ter ocorrido.
O fato de as nossas experiências serem diferentes nos permite, na Alemanha, duvidar da
existência da mudança climática ou ignorá-la. Não obstante, os dados científicos e as
experiências dos atingidos evidenciam com uma nitidez cada vez maior que a mudança climática
é uma realidade. Milhões de pessoas em todo o mundo já sofrem os seus impactos. O exemplo
das Filipinas mostra que severos tufões vêm ameaçando a vida e existência de pessoas com uma
crescente frequência e violência. Principalmente as famílias de pescadores nas regiões costeiras
necessitam de desenvolver estratégias alternativas de sobrevivência para fazer frente a estas
ameaças.
Na Alemanha, as autoridades municipais já estão tomando medidas de adaptação aos perigos
resultantes das alterações climáticas, por exemplo, a reforma do sistema de esgotos, a elevação
dos diques ao longo das costas e rios e a identificação de planícies aluviais.
É necessário mudar de rumo
As consequências da mudança do clima ainda podem ser limitadas a um nível gerível. Contudo,
até agora nem a soma das mudanças empreendidas na Alemanha como em outros países
industrializados, nem a solidariedade com as pessoas atingidas, como por exemplo nas
Filipinas, são suficientes para que haja uma verdadeira mudança de rumo. Por isso, MISEREOR
exorta-nos, com o lema "Pensar novo! Ousar mudanças", a relançar a reflexão sobre a nossa
responsabilidade pessoal e comunitária e mudar de rumo.
Enquanto Igreja Universal estamos unidos na solidariedade com as vítimas de fenômenos
meteorológicos, no combate das causas da mudança do clima e na adaptação às suas
consequências. De 15 a 19 de janeiro de 2015, Papa Francisco viajará às Filipinas. Segundo
consta, ele visitará também a região que em novembro de 2013 foi particularmente assolada
pelo tufão Haiyan. MISEREOR gostaria de usar esta viagem como ponto de partida:
Conjuntamente queremos identificar as causas, tirar consequências para as nossas ações
pessoais, dirigir reivindicações aos políticos, fortalecer a solidariedade para com as vítimas e
apoiar as suas forças de auto-ajuda.
1. Experiências com a mudança do clima nas Filipinas
As Filipinas são compostas por 7.107 ilhas com um total de 36.289 km de linha costeira. Devido
à sua situação geográfica estão extremamente expostas a fenômenos climáticos como
tempestades e tufões. Isso manifesta-se em particular nas regiões costeiras viradas para o
Pacífico e aí sobretudo nas ilhas exteriores. 60 milhões de habitantes, duma população total de
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107 milhões, vivem no litoral e em grande parte da pesca. O peixe representa o componente
proteínico principal na alimentação diária da população.
Localização: País no Sudoeste Asiático, composto por um arquipélago, delimitado a leste pela
bacia filipina no Pacífico e o Mar da China austral a oeste. As Filipinas são compostas por 7.107
ilhas
Capital: Manila
Cidades: Manila 11.862 milhões de habitantes; Davao 1.565 milhões de habitantes; Cidade de
Cebu 855.000 habitantes de habitantes; Zamboanga 884.000 de habitantes (em 2011);
Regime: República
Topografia: Ponto mais elevado: Mount Apo 2.954 m; Ponto mais baixo: Bacia das Filipinias
Número de Habitantes: 107.668.231 (julho 2014) 13º maior estado do mundo
Línguas: Filipino e inglês. Em paralelo, existem ainda 8 dialectos principais: Tagalog, Cebuano,
Ilocano, Hiligaynon (também designado por Ilonggo), Bicol, Waray, Pampango e Pangasinan
Grupos étnicos: Tagalog 28,1%, Cebuano 13,1%, Ilocano 9%, Bisaya/Binisaya 7,6%, Hiligaynon
Ilonggo 7,5%, Bikol 6%, Waray 3,4%, outros 25,3% (informação recolhida no recenseamento de
2000)
Filiação religiosa: Católicos 82,9%, muçulmanos 5%, evangelicais 2,8%, (informação recolhida
no recenseamento de 2000)
Estrutura etária
0-14 anos: 33,7%
15-24 anos: 19%
25-54 anos: 37%
55-64 anos: 5,8%
65 anos e mais: 4,4% (informação de 2014)
Recursos naturais: Ferro, petróleo, níquel, cobalto, prata, ouro, sal, cobre
Todos os anos o território das Filipinas é atingido, em média, por 20 tufões, dos quais 8 em
terra. Acrescem as tempestades de dimensão mais pequena e os furacões. Para além disso, as
populações são atingidas pela subida do nível do mar assim como por secas e chuvas extremas.
O tufão Haiyan e outros entre 2010 e 2013
A 8 de novembro de 2013 o tufão Haiyan destruiu vastas áreas de Visayas, a região central das
Filipinas. As ilhas Samar, Leyte e Panay foram particularmente atingidas. Segundo indicações
oficiais o tufão causou a morte de 6.300 pessoas e ainda hoje se registram aproximadamente
1.800 desaparecidos. Mais de um milhão de casas ficaram danificadas ou destruídas. Isto levou
a que mais de quatro milhões de pessoas tivessem de se deslocar para uma outra localidade à
procura de habitação. No total, 14,1 milhões de pessoas foram atingidas pelas consequências
do tufão. Como outras organizações internacionais, MISEREOR presta apoio na reconstrução,
inserida numa aliança formada com as suas organizações parceiras, sobretudo nas ilhas mais
afastadas, Homonhon e Manikani.
Já em anos anteriores as Filipinas têm sido atingidas por diversos tufões : para além do tufão
Haiyan em 2010 registraram-se ainda o tufão Megi com 31 vítimas mortais e 2 milhões de
pessoas afetadas; em 2011 o tufão Nesat causou 83 mortos e 3 milhões de pessoas afetadas; e
por fim, no ano 2012, o tufão Bopha provocou 1067 mortes e 6,2 milhões de pessoas afetadas.
Assim, situações climáticas extremas não são nenhuma novidade para os habitantes das
Filipinas. Como nação cuja população se concentra nas faixas litorais, os filipinos
desenvolveram já uma consciência para os riscos, tais como as inundações causadas por ondas
de maré ou por tempestades e ao longo das gerações foram encontrando forma de se
adaptarem. Porém, aos tufões de extrema intensidade têm se tornado cada vez mais frequentes,
ao mesmo tempo que muda sua rota, deslocando-se, nomeadamente, mais para sul, atingindo
assim parte da população que antes se sentia a salvo e em segurança: "Antes, quando chovia em
Davao, simplesmente chovia... Mas hoje, quando a chuva começa, com cada pingo que cai e cada
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hora que passa fico mais preocupado, porque pode ser o início de uma grande cheia e de
imensurável destruição. Tenho medo por Davao porque uma catástrofe dessa dimensão parece
estar mais próxima como nunca antes.
Muitas famílias de pescadores nas Filipinas vivem em situação de precariedade, mesmo
independentemente dos efeitos da mudança do clima. Tornou-se muito difícil assegurar a
sobrevivência quando a pesca é a única fonte de renda, uma vez que a combinação de vários
fatores resultou numa redução dramática da população de peixe. Esses fatores são por exemplo,
a sobrepesca pelas frotas comercias, a prática da pesca com dinamite, que mata uma grande
parte da população de peixes jovens e com isso reduz a procriação, a falta de tratamento de
águas residuais e a destruição de recifes de corais e de manguezais. Isso afeta diretamente a
renda dos pescadores e suas famílias e indiretamente a população inteira: à custa da redução
das pescas e o consequente aumento dos preços, a população vê-se forçada a alterar seus
hábitos alimentares. O peixe como alimento básico tornou-se inaccessível para uma grande
parte da população.
As alterações climáticas vêm reforçar ainda mais todos esses problemas locais. O aquecimento e
a acidificação dos oceanos continuarão minimizando os recursos de pesca, uma vez que
destroem os recifes de corais, que são uma zona importante para a reprodução do peixe - para
além de funcionarem como proteção contra as ondas.
Até ao ano 2050, 13,6 milhões de pessoas poderão estar em perigo de perder suas casas devido
à subida do nível do mar em conseqüência da mudança do clima. 2050 - soa tão distante. Porém,
essa evolução vai acontecer no decurso de apenas duas gerações. Na Campanha de Quaresma,
as famílias de pescadores de Davao na ilha de Siargao simbolizam essas pessoas. Elas vivem
literalmente na borda da água e estão expostas aos fenômenos naturais extremos, como por
exemplo aos tufões, de forma imediata. Assim, já hoje essa população sente os efeitos da
mudança do clima.
No âmbito dos seus projetos, os parceiros da MISEREOR concentram-se precisamente na
capacidade de resistência dessas pessoas. Por um lado, ajudam a reforçar a capacidade de
resistência de cada um, por outro lutam por uma mudança do enquadramento político nas
Filipinas, no sentido de integrar as causas da proteção do clima e a da restrição da mudança do
clima na legislação e de dar resposta às necessidades da população mais pobre.
Resiliência
O termo resiliência vem do latim ("resilire") e significa "fazer ricochete". Ele compreende a
capacidade de uma pessoa de se prevenir de forma a minimizar o efeito das crises e de voltar,
após mudanças fortes e críticas, ao estado anterior à crise ou de até conseguir melhor. Esta
"capacidade de resistência", frequentemente entendida como sinônimo de resiliência, depende
fortemente dos recursos materiais e não-materiais disponíveis. Assim, a resiliência compreende
tanto o acesso a meios técnicos de proteção como à capacidade das pessoas afetadas de se
organizarem em comunidade de forma a manterem a sua capacidade de agir antes, durante e
após uma situação de crise.
Nos últimos anos esse conceito tornou-se um elemento permanente na discussão em torno da
construção de estratégias para a proteção das pessoas contra as catástrofes da natureza.
2. Causas e impactos da mudança do clima
Desde sempre houve na terra alterações do clima, mesmo sem a influência do homem. Essa
mudança do clima pode ser originada por alterações da atividade solar, da distância entre a terra
e o sol e do ângulo da terra em relação à órbita do sol. A erupção vulcânica representa ainda
outro fator de influência sobre o sistema climático.
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Desde o início da industrialização a temperatura média global da atmosfera subiu 0,8 graus
Celsius. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), esta evolução
não se explica com as causas naturais de mudança de clima. (ver gráfico 2). No seu
entendimento, as oscilações internas e os motivos naturais externos (por exemplo o sol)
contribuíram para um aquecimento na ordem de apenas ± 0,1 grau desde 1950.
Em comparação com as alterações de natureza geológica, a mudança de clima na idade moderna
apresenta uma evolução muito acelerada, o que está patente no gráfico 2. Esse aquecimento
afeta hoje uma população mundial de 7 bilhões, no ano 2015 serão 9 bilhões, que vive em
grande parte nas áreas
Mudanças de clima nos últimos 640 milhões de anos com
litorais com crescimento
períodos glaciares e quentes
econômico mas que também
apresentam grande risco.
Na década de 2000-2010, a
temperatura média do ar à
superfície manteve-se
inalterado a um nível muito
elevado. Porém, no quarto
relatório de seguimento do
IPCC de 2007 esperava-se
uma subida das
temperaturas, pelo que se fala
frequentemente de uma
Servidor do conhecimento em Hamburgo segundo IPCC (2007):
Sumário técnico, gráfico TS.1
"pausa no aquecimento". Esta
"pausa" se situa, no entanto,
perfeitamente dentro dos limites das oscilações naturais. Os últimos 30 anos contam como os
mais quentes dos últimos 1400 anos, pelo menos. O aquecimento dá-se não tanto no ar, mas
sim, nas camadas de água mais profundas nos oceanos. O gráfico seguinte mostra as
temperaturas do are e da água, bem como a respectiva média de dez anos.
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Consequencias das alterações cilmáticas da Idade Moderna
O aquecimento global e a alteração do clima se manifestam cada vez mais através de fenômenos
extremos, tais como chuvas torrenciais, tufões ou ondas de calor e um padrão pluvial em
constante mudança. Enquanto que até hoje as épocas de chuva e de seca eram previsíveis, agora
elas estão cada vez mais confusas. Em consequência, alteram os períodos de crescimento e de
cultivo na agricultura, sobe o nível do mar de forma notória e derretem os glaciares.
De acordo com os dados da seguradora Münchner Rück Versicherung, os perigos de origem
climática causados por tufões, chuvas fortes, aluimento de terras e cheias aumentam pelo
mundo inteiro - o que, todavia, não se constata para os terramotos. Na maioria as vítimas dessas
situações são as populações mais pobres nos países pobres, as que vivem em suas barracas
frágeis que não resistem às condições extremas do clima nas margens dos rios com risco de
cheias, ou nas encostas susceptíveis de aluimento de terras. A estatística revela isso com toda a
clareza: Entre 1980 e 2007 morreram 900.000 pessoas em consequência de fenômenos da
natureza. 86% das vítimas são dos países mais pobres, apesar de apenas 15% dos incidentes
de clima extremo registrados em todo o mundo acontecerem nesses países.
As administrações locais e os governos estão completamente sobrecarregados com a prevenção
e a resolução dos impactos desses incidentes climáticos. Mesmo quando efetivamente há lugar
para a prevenção de catástrofes e medidas de socorro, todos aqueles habitantes que vivem
informalmente nessas regiões não são tomados em conta nos planos de prevenção e ficam
totalmente desprotegidos.
Aos extremos climáticos como efeito bem palpável do aquecimento global, acrescem outras
consequências mais silenciosas: a perda de faixa costeira devido à subida do nível do mar, daí a
salinização de campos e dos lençóis de água, o desfasamento das épocas de chuva e de seca. Se
fosse possível restringir a mudança do clima, o número de pessoas em pobreza extrema (isto é,
com uma renda menor de 1,25 USD por dia) diminuiria apesar do crescimento da população até
2050, conforme o prognóstico das Nações Unidas. Todavia, se não conseguirmos travar a
mudança de clima, esse número aumentará para 3 bilhões.
A meta dos 2 graus - ponto de não retorno no sistema climático
A comunidade internacional acordou restringir o aquecimento global em 2 graus Celsius
comparado com o nível pré-industrial, no início do século XX e de verificar se não será até viável
uma restrição para 1,5 em vez de 2 graus (Tratado do clima de Copenhaga) Se considerarmos
apenas os gases de efeito estufa causados pelas pessoas, e que já se encontram na atmosfera,
constatamos que já bastam esses para atingir um aumento até 1,6 graus Celsius. Segundo os
cálculos científicos dos especialistas, a marca crítica à volta dos 2 graus no aquecimento poderá
significar que as mudanças se tornam irreversíveis e se intensificam autonomamente. Se por
exemplo o pergelissolo na Sibéria, que é um solo permanentemente gelado, derretesse, isso
liberaria gás metano o que por sua vez aumentaria o efeito estufa. O mar sem uma camada de
gelo absorve mais energia solar do que a branca camada de gelo que reflete essa energia. A
água do mar aqueceria e faria com que ainda mais gelo derretesse. Face aos demasiado fracos
compromissos feitos pelos governos para a proteção do clima, a humanidade caminha para um
mundo que será em média 4 graus mais quente, até o fim do século 21.
É portanto evidente: Um aquecimento de em média 2 graus Celsius trará consequências muito
graves. Alguns estados no Pacífico, por exemplo Tuvalu, desaparecerão no mar.
O gráfico seguinte torna bem claro quais os diferentes efeitos da mudança do clima em relação
ao aumento da temperatura em determinadas zonas.
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As consequências da mudança do clima na Europa
Mesmo na Europa podemos já hoje constatar mudanças nítidas: Os pescadores nos rios Weser e
Elbe capturam hoje com as suas redes espécies de peixe diferentes devido ao aquecimento da
água dos rios. Insetos, tais como o mosquito Aedes albopictus, transmissor da febre de dengue,
chegam até a Alemanha, graças aos fluxos de mercadorias globais e aos viajantes. Até agora
esses mosquitos não se mantêm na Alemanha, porque não sobreviveriam ao inverno demasiado
frio. Todavia, uma vez que o inverno se está tornando cada vez mais quente, o risco de os
animais como esse mosquito se vir a estabelecer duradouramente na Alemanha está
aumentando.
O aquecimento dos glaciares é especialmente evidente, podendo-se já constatar o seu
derretimento nos Alpes.
Por outro lado, os invernos cada vez mais moderados, permitirão reduzir os tempos de paragem
na indústria da construção. Novas rotas marítimas de comércio através do Ártico ficarão
transitáveis e novas áreas poderão ser exploradas para a agricultura - por exemplo na
Groenlândia. Assim, na Europa já há governos e cidades a estudar as estratégias para uma
adaptação à mudança do clima.
As causas da mudança do clima na Idade Moderna
Desde os primórdios da industrialização o homem tem vindo a alterar a composição da
atmosfera, sobretudo no que toca à concentração dos chamados gases de efeito estufa.
São esses os gases que se encontram na atmosfera e provocam o efeito estufa natural no
planeta terra. Eles deixam passar a radiação solar sem qualquer barreira e absorvem uma parte
dos raios de onda comprida que é refletida pela terra e emitida para o espaço. O efeito estufa é
um fator essencial para a vida no planeta: sem o seu efeito a temperatura média do ar na terra
rondaria os 18 graus Celsius negativos. A concentração natural dos gases estufa provoca o
aquecimento do ar para uma temperatura moderada, em média 15 graus Celsius positivos. Os
gases efeitos de estufa mais importantes são o vapor de água e o dióxido de carbono (CO2). Os
gases antropogênicos - causados por atividade humana - mais relevantes são o dióxido de
carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Eles são produzidos, por exemplo, em
consequência da combustão de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, na queima de
florestas e em resultado da utilização de fertilizantes à base de nitrogênio na agricultura.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e a sua credibilidade
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas foi fundado em 1988 pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e a Organização Meteorológica Mundial (WMO)
como instituição de caráter intergovernamental. O painel não realiza qualquer tipo de
investigação própria. O seu papel é mais propriamente a recolha regular dos resultados de
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investigação científica sobre a mudança do clima, a sua avaliação e a publicação desses
resultados num relatório.
Os relatórios de situação do IPCC são apresentados de seis em seis anos desde 1990 em três
partes. A primeira parte informa sobre o nível de conhecimento relativo à dimensão e às causas
do aquecimento global; na segunda parte são apontadas as consequências da mudança
climática e possíveis reações por parte dos governos e das populações. A terceira parte faz a
devidas recomendações de como evitar a emissão de gases efeitos de estufa. Cada um desses
relatórios tem cerca de 1000 páginas. Todos os estudos científicos publicados na área da
especialidade são tomados em consideração. O relatório mais recente (2013/14) contou com a
participação de mais de 800 cientistas, na investigação e no controle mútuo. Apesar de
múltiplas verificações por parte dos cépticos do clima, só foram identificados muito poucos
erros. Por exemplo, foi criticado que a publicação de uma fundação fora reproduzida sem
qualquer tipo de crítica, agindo-se claramente contra as normas de qualidade impostas pelo
IPCC. Os relatórios do IPCC representam, portanto, o menor denominador comum em que
convergem muitos cientistas e investigadores e são por isso uma base fiável e exemplar para a
tomada de decisões políticas.
Deles resulta o "Resumo para decisores políticos" que leva em consideração o trabalho contido
nesses relatórios. Antes da sua conclusão são travadas as batalhas, sem dúvida com motivação
política, pela escolha das palavras e dos conteúdos. Porém, o direito de veto no final pertence
aos cientistas. Assim, a crítica que se faz ouvir frequentemente de que o IPCC tiraria conclusões
exageradas ou precipitadas não pode ser tido como verdadeiro. Porém, é certo que por vezes
alguns mídia ou indivíduos reproduzem as conclusões do IPCC de forma excessiva e exagerada.
Consultar estes trabalhos, sem dúvida difíceis de digerir, vale a pena. Todos os relatórios estão
acessíveis para descarregar em http://ipcc.ch.
Os causadores das mudanças climáticas
O valor anual médio de emissões de gases de efeito estufa por cabeça na Alemanha em 2011
rondava as 11 toneladas de CO2 por pessoa. Os habitantes nas Filipinas registram apenas um
valor de 1,5 toneladas de CO2 por ano por pessoa.
Nos mídia, é muito frequente apontar-se a China ou a Índia como os principais pecadores
climáticos. Mas na verdade as emissões por cabeça na Índia situam-se nas 2 toneladas de CO2. E
na China, no ano 2000, as emissões por cabeça estimavam-se em 4 toneladas de CO2 e
duplicaram para 8 toneladas até ao ano 2011. Em valores absolutos a China é presentemente o
maior emissor de gases estufa, seguida pelos EUA, pela UE e pela Índia. Como os gases de efeito
estufa permanecem durante muito tempo na atmosfera (CO2 durante 100 anos, por exemplo) é
necessário olhar para a história: Se tomarmos os valores de todas as emissões de CO 2 alguma
vez feitas desde 1850, os EUA ficam em primeiro lugar, a UE em segundo.
3. Ecologia e a responsabilidade mundial
A explicação científica da mudança climática ajuda a entender os impactos que a nossa forma de
viver e de produzir causa para o planeta terra. Ela revela que as mudanças do clima não são um
destino, mas sim algo que o próprio homem influenciou. Isso dá uma nova dimensão à autopercepção: "A humanidade experiencia-se como uma força poderosa, capaz de desencadear
uma mudança em todo o planeta." Daí levantam-se questões éticas e teológicas.
Qual "vida boa" é modelo das ações?
As formas de vida e de produção, intensas em emissão de CO2, praticadas na Alemanha são o
resultado daquilo que se entende ser o ideal de uma "vida boa". A "vida boa" consiste
essencialmente em fatores materiais e imateriais. No entendimento do dia a dia, uma vida boa é
associada à posse de muitos bens, a uma mobilidade sem limites e a uma elevada
disponibilidade e flexibilidade a nível de serviços. Tudo isso, por sua vez, requer uma respectiva
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infraestrutura para a educação, saúde, transportes e telecomunicações. Nesse sentido, a riqueza
material tanto a nível individual como social é um requisito essencial para uma vida boa. O fato
de que a riqueza material por si só não garante uma elevada satisfação pessoal torna-se cada
vez mais evidente nos fenômenos como o cansaço psíquico e a dependência. O que para além da
riqueza material faz parte de uma vida boa, ou eventualmente até é imprescindível, define-se a
nível pessoal, sob influência de ideais e valores.
A riqueza material é conseguida através da atividade econômica. O nosso sistema econômico
capitalista atual, as suas condições e métodos de produção exigem um crescimento constante e
ilimitado da produção como pré-requisito para manter e aumentar a riqueza que foi criada nos
países ricos no decurso de muitos séculos. Através de ideais culturais e de estruturas políticas
os países ricos globalizaram esta ordem econômica e financeira. Cada vez mais pessoas no
mundo conseguem um nível de consumo que promete felicidade mas que não é sustentável. A
mudança climática causada pelo homem é uma das consequências da falta de sustentabilidade.
Outras pessoas ficam excluídas desta vida boa, de forma permanente e completa. Com base
nesta análise, o Papa Francisco tira as elações: "Esta economia mata." Neste tipo de ordem, a
integração e exclusão, novas formas de comunicação e a exploração do homem e da natureza
vão par em par. Os países emergentes como a China, a Índia, a África do Sul e o Brasil aplicaram
este modelo "com sucesso" sob as suas próprias condições.
Dilema: Agir face à emergência de hoje e os efeitos num futuro relativamente remoto
O que impere fazer, se uma "vida boa" pressupõe a adoção de um comportamento prejudicial ao
clima? Para bem da vida de todas as pessoas e da integridade da natureza, impõe-se uma
obrigação ética de evitar mais danos. Uma vez que a mudança climática é provocada pelo
homem e causa danos, é uma questão de justiça para com as pessoas atingidas e as gerações
futuras restringi-la e apoiar medidas para a superação dos seus efeitos. O que está em causa é
uma distribuição global justa entre todos os que hoje habitam o planeta, a justiça entre as
gerações de hoje e do futuro e o respeito pela natureza. Juntando tudo, podemos aplicar o termo
da "justiça ecológica" para descrever esta situação.
No entendimento do filósofo, especialista em ética social, Markus Vogt, a necessidade de limitar
a mudança climática representa "o maior problema de bem coletivo que alguma vez atingiu a
humanidade. Não dispomos de qualquer experiência no passado à qual possamos recorrer para
encontrar uma solução."
"Acredito que a evolução da mudança climática ainda possa ser travada" Não podemos desistir
desta luta, porque senão nunca saberemos se teríamos tido uma chance." (Damaso C. Vertido,
Diretor da organização parceira da MISEREOR MinLand, Davao-City)
Em vez de procurarmos respostas, agimos conforme o princípio "Depois de nós, o dilúvio". Os
ricos hoje em dia podem ainda consumir energia e recursos, sem grandes preocupações e sem
ter de recear qualquer tipo de limitações materiais nas suas vidas. Dado que o problema na
Alemanha, ou melhor, na Europa, só se fará sentir de forma relevante a longo prazo, apesar dos
primeiros sinais já visíveis, as populações destas regiões conseguem de uma forma geral
escapar à grande parte dos efeitos da mudança de clima. É nesta situação, que a MISEREOR
apela para uma nova forma de pensar. É preciso criar novos ideais de vida boa, que assegurem a
justiça de duas formas: através de outras formas de vida e de produção, assim como através do
enquadramento político, econômico e financeiro pertinente. Com isso, levanta-se um novo
debate sobre liberdade e justiça, sobre o que se pode e o que se deve fazer. No início não haverá
apenas um modelo, mas sim muitos, porque há muita experimentação a fazer.
Responsabilidade conjunta mas distinta
As diferenças no que toca as causas do efeito estufa foram consideradas na abordagem ética da
responsabilidade conjunta mas distinta, em 1992, na conferência da ONU sobre o ambiente e o
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desenvolvimento, que teve lugar no Rio de Janeiro, uma ideia desde então vastamente discutida
e que até hoje é a base das negociações sobre o clima. Nessa acepção, todas as pessoas são
responsáveis pela proteção do clima e pela adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
Cada um, no entanto, de acordo com a sua responsabilidade na mudança do clima. Os países
industrializados deverão, por exemplo, graças às suas possibilidades econômicas e
tecnológicas, desempenhar um papel pioneiro na restrição das mudanças climáticas e dar apoio
aos países que mais sofrem com as consequências. Assim, todos os outros países são
igualmente responsáveis por enveredar por um caminho de desenvolvimento amigável ao clima
(na condição de serem ajudados pelos países industrializados) e por proteger as suas
populações contra os efeitos das mudanças climáticas, no âmbito das suas possibilidades e,
mais uma vez, com a ajuda dos causadores da mudança do clima.
A fórmula da responsabilidade conjunta mas distinta é cada vez mais completada com o fator
das capacidades distintas. Isso mostra que os governos se ajudam mutuamente - de acordo com
a sua responsabilidade histórica e os seus meios econômicos e técnicos. Para que os países
industrializados possam desempenhar o seu papel pioneiro, precisam de maiorias políticas para
a viabilização de medidas de proteção do clima.
Abdicar de mais emissões
No sentido de evitar ainda mais danos, impõe-se a obrigação de limitar o consumo dos recursos
naturais irrecuperáveis e a produção de emissões. É preciso ter em mente, porém, que é
impossível viver e produzir sem causar emissões. Assim, tem de haver também um direito à
utilização e à poluição - dentro dos limites a definir. A restrição do comportamento prejudicial
pelos consumidores a pela indústria, pode ser conseguida através da abdicação voluntária e
através de condições legais de enquadramento.
Cada vez mais o novo modelo de vida boa se consubstancia através do mote "menos é mais",
com o significado de "consumir menos e viver melhor". Fala-se de "suficiência", no sentido da
desaceleração e depuração da vida do indivíduo e da sociedade, o que tem consequências até
mesmo na prática política. A prosperidade das relações e da gestão de tempo ocuparão o lugar
da prosperidade material e da maximização do prazer. Existem já numerosas abordagens desta
forma de pensar, desde reparações em café até à abdicação de viagens de avião. A vantagem
desta abordagem reside na sua aposta na autonomia do indivíduo sem ser moralista. Se, para
além da minoria consciente dos valores ecológicos e sociais, este modelo será também
adoptado por outras pessoas só o futuro revelará.
Leis amigáveis ao clima
O enquadramento legal poderá ser uma forma de promover a inovação tecnológica amiga do
clima. No entanto, isto requer um investimento muito elevado em investigação e
desenvolvimento. Uma das vias decisivas de cariz internacional para uma melhor justiça
climática é vista por muitos políticos e cientistas na negociação quantitativa das emissões
permitidas a cada país (o chamados direitos ou limites de emissões). É importante instalar-se
um entendimento internacional sobre como e quanto cada estado deve contribuir para a redução
e superação da mudança do clima. MISEREOR defende que a longo prazo todas as pessoas
devem ter direitos iguais quanto aos valores de emissões. De forma simplificada isso significa
que as emissões globais terão de ser reduzidas drasticamente, que os ricos têm de melhorar seu
balanço climático, enquanto que os pobres podem até aumentar suas emissões. É essa a
orientação que o compromisso de proteção do clima deve adoptar futuramente.
Olhando para o passado: Mesmo que existam haja cada vez mais pessoas na Alemanha que
sentem a necessidade de mudar seus modelos, estilo de vida e métodos de produção, o
comportamento da maioria da população e da produção industrial, contudo, só está mudando a
um ritmo demasiado lento. Para promover um comportamento amigável ao clima é essencial que
haja uma transformação cultural e uma mudança no rumo político.
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Direito ao Desenvolvimento
Os países em desenvolvimento, em que as populações vivem com graves carências dos bens
essenciais, precisam de crescimento de forma a poderem providenciar uma vida em dignidade
às suas populações. Querer ajudar os pobres a conquistar seus direitos e uma vida boa significa
ter de produzir mais alimentos e energia, providenciar terras, habitação e infraestruturas, assim
como dar acesso aos serviços de saúde e à educação. Normalmente os países em
desenvolvimento escolhem o caminho da industrialização de grande consumo de energia e de
recursos naturais. Forçosamente isso conduzirá a uma liberação mais elevada de emissões de
CO2. Os países emergentes foram por esse caminho. Porém, as emissões de CO2 que daí
acrescem não são mais compatíveis com a função da Terra como espaço de vida. O combate à
pobreza e a restrição da mudança climática poderão, assim, entrar em tensão, nem que seja por
um período curto. No entanto, a terceira parte do último relatório sobre o clima mundial revela
claramente que os custos para uma proteção do clima são razoáveis dum ponto de vista
macroeconômico quando comparados com os custos provocados pela mudança climática
desenfreada. Existem desenvolvimentos tecnológicos especialmente encorajadores que
facilitarão a sustentabilidade da vida e da economia nos países em desenvolvimento. As
energias renováveis, por exemplo, proporcionam sobretudo nas regiões rurais uma forma de
produzir energia mais barata e fiável.
Distribuição do esforço
A distribuição dos esforços no âmbito da proteção do clima cria conflitos: Quem se
responsabiliza por qual esforço? Como poderá ser feita de forma justa a distribuição do esforço
pelos países emergentes, em desenvolvimento e industrializados? E sobretudo: O que poderá
ser considerado justo para os mais fracos das respectivas sociedades? Como compatibilizar,
numa perspectiva global, uma mudança de estilo de vida plena de sentido e métodos de
produção sustentáveis? Quais as estratégias políticas mais adequadas para traduzir isso para a
legislação?
Os países que no passado contribuíram de forma excessiva, graças à sua industrialização, para
as emissões mundiais e cuja riqueza hoje em dia se fundamenta nisso, têm o papel de
responsável principal e o dever de compensar os países menos desenvolvidos pela sua
desvantagem histórica. Algo já está acontecendo:
- Os países mais pobres recebem apoio na superação das consequências e na adaptação
preventiva à mudança climática através da prestação de transferências tecnológicas e
financeiras.
- É proporcionada aos países mais pobres a possibilidade de aplicarem tecnologias mais
eficientes em consumo de recursos para seu próprio desenvolvimento tecnológico, para
assim se lançarem diretamente na era das energias renováveis e da proteção do clima.
À parte da proteção do clima e da prevenção dos danos causados pela mudança climática
(adaptação e resiliência) existe um terceiro aspeto que está já sendo considerado: A
compensação de danos que já não podem ser evitados. Levanta-se, por exemplo, a questão de
como compensar as pessoas e os estados quando a sua terra desaparece de vez no mar, como é
o caso de Tuvalu. As linhas diretrizes para uma ação internacional e solidária face às mudanças
climáticas estão cada vez mais claras. Falta, porém, preenchê-las com vontade política e meios
financeiros.
Uma nova abordagem teológica: Administrador e não dominador
As nossas ações refletem a nossa compreensão da Criação. Durante muito tempo, as Igrejas
cristãs interpretaram a história da Criação de uma forma que favorecia a exploração abusiva dos
recursos naturais. A base para tal é a afirmação bíblica de que o homem dominará sobre a
Criação. Gênesis 1,28 diz: "E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos e multiplicai-vos,
enchei e subjugai a terra! Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre tudo
que vive e se move sobre a terra."
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Hoje, é consenso geral que esta interpretação soberana e antropocêntrica de Gênesis 1,28 deve
ser corrigida: O mandato não foi pensado como autorização para, ilimitadamente, explorarmos,
devastarmos e exterminarmos outros seres vivos, não foi pensado como "permissão para
qualquer ação arbitrária e despótica por parte dos humanos, mas sim como missão para
continuarmos a ação criadora de Deus". A nova percepção consiste em que os seres humanos
podem desenvolver sua liberdade, mas só dentro dos limites determinados pela Terra como
espaço de vida biológico e natural.
A natureza, a biosfera e o cosmo como um todo são uma criação em processo. Na epístola aos
Romanos (8, 21-22) lemos: "...que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção,
para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação até agora geme e
sente dores de parto." A Criação se transforma por si só, sem intervenção humana, desde o seu
começo até hoje: Períodos glaciares passaram, vulcões surgiram e se extinguiram. De igual
forma, os seres humanos devem adaptar suas ações a essas mudanças. A Criação é um processo
inacabado. Na Criação em evolução, os cristãos e cristãs antecipam ativamente um novo céu e
uma nova terra (Ap 21-22).
A condição de ser criatura, a criaturalidade, significa que "o Homem recebeu a vida sem
contribuição própria e não pode dispor sobre sua origem". O ser humano não tem a sua vida e a
Criação nas suas mãos. Além disso, como ser corporal e espiritual, está integrado nas
interdependências da natureza, da Criação. Na sua finitude, acidentalidade e integração na
natureza, o ser humano é capaz de reconhecer Deus como sua origem, como Criador da Criação.
No reconhecimento da criaturalidade radica, na perspectiva cristã, a responsabilidade do ser
humano por si próprio, pelos seus próximos e perante Deus no contexto das condições de vida
naturais. Em concreto, isso significa: Uma conduta nociva ao meio ambiente prende-se, do ponto
de vista teológico, com um ateísmo prático ecológico: Vivemos como se a Criação de Deus não
fosse um dom que tivéssemos de cuidar.
Talvez encontremos esperança na fé que Deus não abandonará sua Criação, apesar de todas as
falhas e abusos dos seres humanos. Sob o signo do arco-íris é estabelecida a aliança entre Deus
e Noé (Gen 9, 1-17). Mas só no fim dos tempos é que esta aliança chegará à realização plena. Até
lá, o tempo será tempo de responsabilidade e de conversão permanente.
4. A contradição entre saber e agir
O conhecimento existente sobre as causas e as consequências das mudanças climáticas ainda
não conduz a um comportamento respeitador do clima. Nem as pessoas individualmente, nem a
política tiram em medida suficiente elações do seu conhecimento. Por exemplo, algumas
pessoas desejam seguir um estilo de vida que não compromete o clima. Por isso, fazem um
esforço para viver segundo critérios ecológicos, separam o seu lixo, têm um comportamento
eficiente a nível de consumo de energia, utilizam mais vezes a bicicleta, comem produtos
regionais e sazonais e menos carne. Mesmo assim, suas emissões de CO2 são enormes, porque,
por exemplo, fazem férias intensivas de energia, exercem passatempos dispendiosos ou
simplesmente não têm os meios financeiros para tornar suas casas mais eficientes em termos
energéticos. E fazem isso, sabendo que um vôo para uma ilha paradisíaca "por apenas uma
semana" já absorve quase por completo seu contingente anual de duas toneladas de CO2. Com
suas ações contrariam suas ambições. Cada um de nós reconhecerá tais contradições no seu
próprio comportamento. Uma pessoa quer fazer uma coisa, porém faz outra, embora tenha
consciência disso. Também as organizações como MISEREOR, que reivindicam a adoção de
práticas respeitadoras do ambiente e do clima, a bem da justiça e da Criação, não estão livres de
tais contradições. Através de uma assessoria externa, destinada a melhorar o seu desempenho
ambiental, MISEREOR se esforça para detectar e superar suas próprias contradições.
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A incoerência entre as ambições e as ações que as pessoas captam com a mente, não é,
contudo, uma disposição psicológica capaz de as fazer agir como deveriam. O termo
"dissonância cognitiva" descreve os sentimentos que surgem quando pessoas - individual ou
coletivamente - tomam decisões quando as opções disponíveis estão em conflito e são
incompatíveis.
Há muitas maneiras de reagir à dissonância cognitiva. Uma maneira é minimizar a importância
do próprio comportamento, por exemplo ao justificar a viagem de avião com o argumento que
esta não influenciará a mudança do clima. Ou então negar a seriosidade dos fatos: a mudança
climática é tida como algo que eventualmente nem acontece sequer ou que sempre existiu. Este
padrão de justificação torna-se fácil porque os longos ciclos dos impactos dos gases de efeito
estufa escapam à capacidade de imaginação humana – tal como os efeitos dos esforços para
limitar as alterações climáticas. Além disso, as pessoas na Alemanha não são tão severamente
afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas como as populações em outras regiões do
mundo. Por isso, temos muitos motivos para perguntar: Por que logo eu havia de mudar meu
comportamento?
Para além do comportamento individual é preciso que haja um quadro político vinculativo que
crie incentivos concretos para comportamentos, decisões e atividades econômicas respeitadores
do clima. É preciso que as ações nocivas ao clima não compensem. Tudo isso deveria traduzir-se
na exigência da mudança política e social necessária: Pensar novo! Ousar mudanças. Assumir
responsabilidade.
Um novo pensar requer também um coração desperto (mística e política)
A humanidade tem agora a possibilidade de nas próximas décadas limitar as mudanças globais
e de preservar a Criação como casa de vida para todos os seres humanos. Como vamos
conseguir as mudanças necessárias? Como assumir responsabilidade?
É mais que óbvio que são necessárias mudanças a nível individual e coletivo. Novos padrões de
vida e métodos de produção, renovadas estruturas políticas e estratégias para a sua
implementação não caem do céu, mas são construídos em processos sociais complexos. Não
precisamos de começar da estaca zero, alguns passos já foram dados. Os avanços tecnológicos
esperados no setor da economia e uso eficiente da energia são, sem dúvida, fatores importantes
neste caminho. Contudo, todos eles não serão suficientes para conseguir a mudança necessária.
Na ciência, na sociedade e na política multiplicam-se as vozes que reclamam uma mudança nas
nossas cabeças como ponto de partida essencial na execução dos objetivos de política climática.
A legislação cria as condições básicas para levar adiante a mudança. Mas a consciencialização
dos limites das nossas próprias ações e da necessidade de praticar solidariedade não pode ser
decretada por lei. São sobretudo os movimentos de solidariedade e ambientais que mais se
esforçam, há décadas, por despertar esta nova mentalidade em relação às preocupações e
temas específicos de cada um deles. As igrejas cristãs contribuíram para este processo e, elas
próprias, tornaram-se atoras das mudanças sociais. Porém, a mudança social não se dá (apenas)
pela disseminação de conhecimento, mas também por histórias, imagens e modelos em que os
novos padrões de vida e produção se tornam experienciáveis.
Para se abrir às dimensões transcendentes que se colocam no debate sobre a limitação da
mudança climática e a mitigação dos seus impactos, é necessário aprender a percepcionara
natureza e todo o cosmo, a localização de todas as formas de vida, a pessoa humana e a
humanidade, ensaiar a sua criaturalidade. A isso se refere a palavra "mística": O autoasseguramento do ser humano no cosmo, na Criação como também na história e na sociedade.
No misticismo, as pessoas abrem-se para o mundo, para o conjunto, desenvolvem gratidão e
compaixão. Um novo pensar requer um novo coração. Aqui falamos da admiração pela beleza e
do medo perante os perigos. As imagens da catástrofe no reator nuclear de Fukushima, no Japão,
tiveram um efeito tão poderoso porque comoveram as pessoas, despertaram receios e
ansiedades. Sem Fukushima, não teria havido uma revolução energética na Alemanha, com a
decisão de substituir as fontes de energia nuclear. Embora o abandono da energia nuclear tenha
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sido compensada com um aumento da produção de energia fóssil, a médio prazo, porém,
pretende-se substituir também os combustíveis fósseis como o carvão, o petróleo e o gás, para
reduzir as emissões de CO2. Imagens positivas em prol da proteção climática são os inúmeros
ciclistas e a utilização intensiva de transportes públicos. As turbinas eólicas, por outro lado, têm
uma conotação menos positiva, devido ao seu impacto na paisagem.
Na Conferência do Clima da ONU, ocorrida em novembro de 2013 em Varsóvia, o negociadorchefe das Filipinas, Yeb Saño, diante os efeitos causados no seu país pelo tufão Haiyan, exigiu
ações concretas da comunidade internacional na luta contra a mudança do clima, anunciando
que, enquanto não houver avanços nesta direção, iria jejuar. Momentos empolgantes serão, sem
dúvida, quando nos meses de setembro a dezembro de 2015, os grupos ecumênicos peregrinos
atravessarem a Alemanha rumo a Paris, onde terá lugar a Conferência Mundial do Clima da ONU,
e no seu caminho produzirem novas imagens e darem voz aos apelos por ações em defesa do
clima.
O misticismo aponta para a responsabilidade pelos que sofrem e pelo que ficou quebrado. Este
misticismo torna-se político porque é através dele que as pessoas reconhecem o direito à vida
de todos os seres humanos, reorientam suas vidas e desenvolvem, reivindicam e procuram
adotar, conjuntamente com outros, estruturas correspondentes para a convivência social.
São Francisco de Assis se sentiu unido a Cristo em todas as criaturas. Esta união deu-lhes, a ele
e aos seus companheiros, tamanha liberdade que conseguiram despir-se de todas as
necessidades materiais. É o papel genuíno das igrejas que consiste em contribuir com base na fé
para esta mudança de mentalidade.
Por isso, na Campanha Quaresmal, MISEREOR convida os indivíduos, paróquias, bispados,
congregações, associações, comunidades religiosas e escolas, assim como todos os grupos
empenhados em questões ambientais, a denunciar práticas rotineiras nocivas ao clima, exercitar
novos padrões de vida, solidarizar-se com as comunidades pesqueiras das Filipinas e pressionar
por mudanças políticas.
5. Projetos dos parceiros filipinos de MISEREOR
As organizações parceiras de MISEREOR nas Filipinas preocupam-se há muitos anos com os
efeitos das mudanças climáticas em várias áreas. Desde 2011 há, além disso, diversos fóruns de
intercâmbio temático, proporcionados pela rede "Philippine MISEREOR Partnership
Incorporated" (PMPI), dos quais um se dedica especificamente aos efeitos climáticos. As
organizações parceiras se apóiam mutuamente para articular seu trabalho especializado com
aspectos de resiliência. Esta é também a base sobre a qual assenta a recuperação e
reconstrução das ilhas de Homonhon e Manikani, na província de Samar, depois da passagem
do tufão Haiyan, sob coordenação da PMPI. Num programa de reconstrução integrada, as
organizações parceiras de MISEREOR aliam aspectos de ajuda de emergência, preparação para
catástrofes e reconstrução, associando-os a aspectos de adaptação sustentável à mudança do
clima.
Os projetos de MISEREOR auxiliam as pessoas a se proteger, concretamente, contra as
mudanças climáticas e seus efeitos (resiliência e adaptação às mudanças climáticas) e a
assegurar, desta maneira, as bases de sua existência. Sobretudo os agregados familiares
pobres não têm meios nem recursos para se proteger dos efeitos das mudanças climáticas, por
exemplo, melhorando as suas casas para torná-las mais seguras, criando reservas para casos de
calamidade, reforçando as zonas costeiras, reflorestando os manguezais ou desenvolvendo
planos estratégicos de gestão de catástrofes com as administrações locais. Neste sentido,
MISEREOR fomenta atividades destinadas diretamente à proteção da vida e da existência dos
afetados e se empenha, a par disso, para melhorar as condições estruturais e jurídicas: porque infelizmente - no âmbito da proteção civil e da prevenção de catástrofes não se pode tomar como
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garantido que os mais pobres, quer dizer os particularmente vulneráveis, recebam proteção e
apoio. Por esse apoio, tão essencial para a sua sobrevivência, eles têm de batalhar de forma
sistemática e focada. Por isso, o empenho das organizações parceiras de MISEREOR está
focalizado também em influenciar os processos de decisão municipais e nacionais, para que os
mais pobres recebam subvenções dos Orçamentos Públicos para as suas medidas de prevenção
e sobrevivência e sejam contemplados nos planos nacionais de proteção contra as catástrofes.
Pensar novo - juntos assegurar a sobrevivência
Criação de fontes de renda alternativas e reflorestamento dos manguezais em Siargao
A ilha de Siargao é a ilha mais oriental das Filipinas. Devido à sua localização geográfica está
particularmente exposta a catástrofes naturais como tufões, tsunamis e terramotos e é afetada
de modo especial pelos efeitos das mudanças climáticas. É cercada pela maior faixa contígua de
manguezais das Filipinas e de recifes de corais, que abrigam uma enorme diversidade de
animais marinhos. A ilha como também o mar circundante foram declarados Reserva Natural em
1996. Em total trata-se de uma área de 278.914 hectares.
Segundo levantamentos das autoridades nacionais, os pescadores costeiros pertencem à
camada mais pobre da população filipina. De certa maneira, as famílias pesqueiras habitam um
espaço intermédio, entre terra e mar: tradicionalmente, vivem em terras de pouco valor. Ao
mesmo tempo, o acesso imediato ao mar é a base da sua subsistência. Viver à beira do mar
deixa-os particularmente expostos a tempestades, mas também a fortes chuvas e, a médio
prazo, à subida do nível do mar. Estes fenômenos meteorológicos já resultaram na redução do
número de dias em que os pescadores se podem fazer ao mar.
A organização parceira de MISEREOR "Center for the Development of Indigenous Science and
Technology, Inc. (SIKAT)" trabalha na ilha de Siargao na comunidade Del Carmen, uma de oito
pequenas comunidades da ilha. O município de Del Carmen é um dos 100 municípios mais
pobres das Filipinas. Del Carmen abrange a maior parte da faixa de manguezais da ilha nomeadamente 4.200 hectares. Os mangues desempenham uma função importante para a
proteção das costas: Aquando dos últimos tufões, sobretudo da passagem do Haiyan, viu-se que
os mangues servem de quebra-ventos e quebra-ondas: As zonas situadas atrás dos mangues
estavam significativamente melhor protegidas do que as zonas costeiras sem manguezais.
SIKAT trabalha com cerca de 1300 famílias em Siargao, das quais a maior parte vive da pesca e
habita a orla marítima. Os pescadores utilizam sobretudo barcos não motorizados e
equipamentos tradicionais como lanças e redes.
Os moradores de Siargao afirmam que as reservas de peixe diminuíram consideravelmente nos
últimos anos. Isso se manifesta nomeadamente nas suas quotas de pesca. Apanham por volta
de cinco quilos de peixe ao dia, o que corresponde a uma renda de cinco euros. Nos últimos 10
anos, tiveram uma redução de 30% nas quantidades capturadas. A renda familiar é acrescentada
através do trabalho penoso que é a colheita de mexilhão nos manguezais. Esta atividade, como
também a venda do pescado, é tarefa das mulheres. Os pescadores estão em concorrência com
as frotas de pesca que invadem as zonas de pesca dos pescadores artesanais e cujos métodos
de pescar destroem os recifes de corais. A guarda costeira não tem pessoal suficiente nem meios
para se impor em relação às traineiras; a pesca com dinamite e cianeto (o cianeto é lançado à
mão sobre os recifes de corais) são métodos ilegais que, todavia, são utilizados pelos
pescadores locais. Os manguezais não são só ameaçados pela pesca, mas também pela
extração de madeira. A venda da madeira dos manguezais tornou-se uma fonte de renda
importante para compensar a redução das unidades populacionais de peixe.
A mudança do clima vem agravar esta situação. Por um lado, as populações de peixe ao largo da
costa estão mudando, devido ao aumento na temperatura e à salinização da água dos oceanos.
Os corais que serviram como baluarte contra as ondas e de refúgio para os peixes, estão
desparecendo. Por outro, o nível do mar está subindo e as costas perdem terra para o mar.
Acrescem os fenômenos extremos.
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Perante este cenário, a SIKAT começou a promover a pesca de base comunitária e
ambientalmente sustentável, e a proteção das áreas costeiras, bem como a convencer os
pescadores a desistirem do desmatamento dos manguezais. O objetivo não é só em conjunto
proteger os 4200 hectares de manguezais, mas também proporcionar aos pescadores fontes de
renda alternativas. Par tal efeito, a SIKAT envolve as crianças dos pescadores, encorajando-as a
participar numa ação voluntária de plantio de mangue nos fins de semana. "Plantar mangues em
conjunto contribui, antes de tudo, para a proteção das costas contra ventos e tempestades. Além
disso, oferece aos alunos uma oportunidade ideal para fazer a ligação entre a teoria das aulas de
física e biologia e a prática na natureza", afirma Deny V. Comon, professora do Siargao National
College of Science and Technology de Del Carmen, Siargao. Isto tem um efeito secundário
positivo, porque: "o que os alunos experimentam e aprendem quando plantam mangues,
ensinam lá em casa aos pais. Através da geração mais nova pode-se mudar a geração mais
velha", acrescenta Deny V. Comon.
Porém, mobilizar e entusiasmar todos os pescadores para que se envolvam na proteção
ambiental continua sendo um desafio especial "O meu maior êxito foi um levantamento porta-aporta, sobre o tema "zona pesqueira protegida". Perguntamos às pessoas simplesmente se
apoiariam tal iniciativa e, caso não, o que seria a alternativa. A maioria das pessoas interrogadas
trabalhava na pesca com dinamite. Pelo contato direto, o amplo trabalho de informação e
conscientização, 70% dos agregados familiares acabaram por votar em favor de tal zona
protegida!" diz Jeremy Samaniego, gestor de programas da SIKAT. Desta maneira foi possível,
dentro de pouco tempo, melhorar consideravelmente a consciência ambiental e, por
conseguinte, o manejo dos recursos costeiros. Isso é tudo menos óbvio, já que para os
pescadores e suas famílias significa terem de assumir uma nova atitude perante o meio
ambiente e reorientar-se quanto ao seu sustento. Sem a renda obtida através da venda da
madeira dos mangues, muitos pescadores não terão o suficiente para sustentar suas famílias.
Por isso, a segunda tarefa importante da SIKAT é criar oportunidades alternativas de geração de
renda. "A natureza é inconcebível sem o ser humano e vice versa. Se pretendermos incentivar os
homens a pescar sem dinamite, então teremos de ajudá-los a encontrar fontes alternativas de
renda, para que consigam alimentar suas famílias." (Jeremy Samaniego) A SIKAT tem fomentado
novas formas de geração de renda, como a secagem de peixes e a criação de crustáceos. O
objetivo da SIKAT é criar uma aliança auto-sustentável, através do estabelecimento e
consolidação de contatos entre as organizações de base das famílias pescadoras e o município
Del Carmen. As organizações de base operam com um largo grau de autonomia: "O trabalho da
SIKAT em Del Carmen é suposto ter um efeito de dominó. O que já está acontecendo. Os
pescadores devem seguir um novo rumo e um novo pensamento. Nos bairros, já começam a falar
sobre proteção ambiental." (Roanne Gonzales, antiga colaboradora da SIKAT, organização
parceira de MISEREOR). SIKAT mostrou em projetos semelhantes em outras regiões que é
possível introduzir planos de proteção das zonas costeiras, apoiados e implementados pelas
comunidades locais e, ao mesmo tempo, reforçar as capacidades dos pescadores costeiros
como também a responsabilidade ambiental dos governos locais. A questão agora é replicar o
exemplo de Del Carmen em outros municípios e explorar as lições aprendidas para a concepção
de medidas sustentáveis de reconstrução das comunidades vitimadas pelo tufão.
Ousar mudanças - juntos preservar os habitats
Empoderamento e programa de treinamento para comunidades pesqueiras em Davao City
Em 2006, cerca de 45% da população urbana, que na altura contava 1.3 milhões de habitantes,
vivia em bairros informais, na maioria situados nas proximidades de ruas, margens dos rios,
estuários e em aluviões, porque os terrenos urbanizados são escassos. Os segmentos mais
pobres da população são empurrados para as periferias, para as zonas de risco que,
frequentemente, são atingidas por inundações e onde chuvas torrenciais provocam
desabamentos de terra que arrastam as habitações.
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A organização parceira de MISEREOR "Mindanao Land Acquisition, Housing & Development
Foundation Incorporated (MinLand)" trabalha em conjunto com oito comunidades que vivem nas
margens do rio Davao. A ideia é articular as comunidades ribeirinhas no sertão da cidade de
Davao com as comunidades ribeirinhas no centro de Davao. As comunidades situadas a
montante têm, por um lado, de se proteger a si próprias contra as cheias do rio, e por outro,
podem dar o alerta às comunidades a jusante.
Em Davao vivem quatro comunidades do povo Bajau, conhecidos também como "nômades do
mar". Na comunidade de Laylate, 17 famílias se juntaram num grupo de auto-ajuda. Antigamente
viviam exclusivamente em barcos, no sudoeste da ilha Mindanao. Em consequência de uma
guerra civil refugiaram-se em Davao, onde agora habitam em palafitas, "de costas" para a
cidade, na foz do rio Davao, mesmo à saída para o mar. A comunidade está ameaçada não só
pelas ondas tempestuosas do mar, mas também pelas cheias do rio durante as épocas de chuva.
Terras alternativas não há; todas as outras áreas elegíveis já estão povoadas. Além do mais:
"Mesmo que a vida à beira da água seja perigosa: Um Bajau só pode sobreviver na água!" (Padre
Bobby, Davao City)
Os Bajau não pescam com redes, mas com arpões. Nem todos têm barco, algumas famílias não
têm esses meios financeiros. Assim, os homens se juntam em grupos de três e dividem os peixes
no fim do dia – independentemente de quem, afinal, os apanhou. Mas dado as receitas da venda
de peixe muitas vezes não serem suficientes, procuram gerar renda adicional com a venda de
roupa de segunda mão e jóias de pérolas.
Os Bajau têm uma identidade muito forte que se exterioriza também numa grande solidariedade
interna. O seu modo de viver é interpretado por muitos como uma teimosia obstinada e não
como uma base de diálogo que deve ser aceitada. A administração municipal de Davao quer
deslocar os Bajau: "A administração municipal insiste nesta pergunta: Porquê os Bajau têm de
viver tão próximos da água, sendo isso tão perigoso? Então respondo: Mas são Bajau, nômades
do mar, e o mar representa a sua identidade e a sua cultura!" (Erick Ley Mundiz, colaborador da
organização parceira MinLand). Os Bajau cartografaram a sua povoação - sob a orientação de
MinLand. Isso é um passo importante para documentar os planejamentos da cidade de Davao,
com números recolhidos peles próprios Bajau, e para deixar claro que esta é sua terra. Primeiro,
há que clarificar questões fundamentais de segurança e aumentar a resiliência dos Bajau:
Quantas pessoas vivem na vizinhança, como estão posicionadas as casas e quão vulneráveis
são às catástrofes e calamidades? Existem refúgios ou caminhos de evacuação?
A cartografia é apenas o primeiro passo numa série de atividades. Os Bajau têm de desenvolver
as suas próprias estratégias para se proteger em caso de emergência, porque: "Quando ocorre
uma catástrofe, as ambulâncias não conseguem socorrer as comunidades à beira da água,
porque ou não existem vias de acesso ou estas são demasiado estreitas. Portanto, vocês têm de
se prevenir para o caso de uma emergência: Vocês têm de ser capazes de se salvarem a si
próprios!" (Erick Ley Mundiz). Em cada comunidade são criadas e capacitadas equipes de
emergência que não só são responsáveis por suas próprias famílias, mas também pela
comunidade.
A defesa da orla costeira e, com isso, da povoação dos Bajau, incluirá futuramente também o
plantio de mangues. Os Bajau buscam, em primeiro lugar, melhorar a situação sanitária e ter
acesso aos estabelecimentos de ensino e saúde, o que, imediatamente, levará a melhorias nas
suas condições de vida. Para tal precisam de apoio.
Encontrar terrenos alternativos para viver que correspondam à sua identidade de pescadores, é
um enorme desafio. Do ponto de vista da administração municipal de Davao, esta faixa de terra é
área não habitável que, portanto, não recai na sua responsabilidade; quem lá vive fá-lo
ilegalmente e, portanto, a culpa é dele. Esta é a parte difícil da tarefa que os Bajau têm de
enfrentar conjuntamente com MinLand. E ainda há um longo caminho a percorrer. MinLand e os
Bajau seguem este caminho com grande empenho, juntamente com outras comunidades que
vivem nas margens do rio Davao e que estão igualmente afetadas. Trata-se da sua própria
segurança, mas ainda mais: trata-se da sustentabilidade da cidade e de conciliar questões
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relacionadas com a segurança dos atingidos, suas bases de existência e aspectos de justiça.
"Espero que um dia .... as medidas surtirão efeito e serão sustentáveis..." (Erick Ley Mundiz).
Infelizmente não se pode tomar como garantido que os mais vulneráveis sejam apoiados no
fortalecimento da sua capacidade de resistência. Este apoio tem de ser conquistado
sistematicamente. Esta luta ganha uma outra dimensão quando pensarmos no princípio do
poluidor-pagador. Neste caso, também os países do Norte teriam de acolher estas questões e
contribuir para a elaboração de soluções.
6. A atuação de MISEREOR na área da mudança climática
Secas, chuvas torrenciais e tempestades tendem a aumentar. As estações do ano e as zonas de
cultivo estão-se deslocando. As consequências são mais severas para quem vive em situação de
pobreza: em cabanas e barracos que não resistem a tempestades e chuvas torrenciais. Sem
reservas e conta bancária, a perda de uma única colheita põe em risco a própria existência.
A mudança climática há muito que chegou aos nossos projetos
MISEREOR recebe crescentemente pedidos de financiamento para medidas de adaptação às
mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, os projetos em curso devem ser capazes de responder
às condições ambientais em mutação, para que consigam continuar sendo exitosos no combate
à pobreza. Por isso, a adaptação às mudanças climáticas já há muito constitui um componente
importante do trabalho de muitas organizações parceiras de MISERER e exige cada vez mais
recursos financeiros.
Paradoxalmente, conforme mostram as experiências de MISEREOR e seus parceiros locais, as
pessoas particularmente atingidas frequentemente não têm acesso a informações sobre a
mudança do clima e as alterações daí decorrentes. Certamente, também os governos dos países
em desenvolvimento, frequentemente com apoio financeiro internacional, começam a
desenvolver estratégias de adaptação às mudanças climáticas e a preparar as suas populações
para o futuro, porém, justamente os grupos mais pobres só raramente são levados em conta quanto mais envolvidos no desenvolvimento das medidas de adaptação e mitigação.
Por isso, MISEREOR apóia as igrejas locais e organizações não-governamentais a elaborar
soluções a partir da perspectiva dos pobres e exerce pressão política para que estas sejam
implementadas. Ao mesmo tempo, MISEREOR apela ao governo alemão para disponibilizar
fundos para a pesquisa dos impactos climáticos nos países em desenvolvimento e para medidas
de adaptação a estes, bem como para assegurar que estes fundos beneficiem em primeiro lugar
os segmentos populacionais mais pobres.
A responsabilidade especial da Europa e da Alemanha
Quanto mais esforços são empreendidos na mitigação das alterações climáticas, menos vítimas
estas reclamarão. Por isso, o trabalho de MISEREOR não pode terminar com o apoio aos
atingidos pelas alterações climáticas. A nível europeu e internacional, MISEREOR advoga juntamente com os parceiros do Sul e como membro da CIDSE - a negociação de um acordo
internacional eficaz e justo de proteção ao clima. A este respeito o governo alemão desempenha
um papel especial: Devido ao seu compromisso de abandonar a energia nuclear e a reduzir em
40% as emissões de gases com efeito de estufa, até 2020, e em 90%, até 2050, o governo
alemão assumiu um papel precursor a nível internacional. Porém, atualmente não está à altura
disso, sobretudo considerando que a energia nuclear vem sendo substituída sobretudo pelo
carvão e que voltou a incentivar até mesmo a extração de lignito - a fonte de energia mais
poluente. Ao contrário, o desenvolvimento das energias renováveis está sendo travado.
MISEREOR está convencida de que a Alemanha deve prosseguir rigorosamente a revolução
energética. Após a saída da energia nuclear deve haver também uma transição da política de
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promoção do carvão para soluções verdadeiramente sustentáveis. Porque outros governos
acompanham com grande interesse os desenvolvimentos na Alemanha e fazem depender os
seus próprios empenhos dos êxitos e fracassos alemães. Por isso, MISEREOR participa
ativamente da "Aliança Climática Alemanha" que atualmente já integra mais de 100
organizações ambientais e de desenvolvimento e que se propõe a mostrar as interrelações entre
mudança climática e desenvolvimento e a conseguir avanços concretos na política climática
europeia e alemã.
Um desenvolvimento ecológico no Sul
Embora os países industrializados devam tomar a liderança no processo de mitigação climática,
devido à sua responsabilidade histórica e suas possibilidades técnicas e financeiras, é certo que
também os países emergentes devem corrigir o mais rápido possível a via de desenvolvimento
iniciada que se baseia nos combustíveis fósseis; e os países mais pobres deveriam saltar
diretamente para a era das energias renováveis, sem recorrer primeiro às tecnologias "antigas".
É claro que terão de ser apoiados pelos países industrializados, em termos técnicos e
financeiros.
As energias renováveis são superiores aos combustíveis fósseis, justamente em sítios onde até
agora não havia sequer acesso à energia. Segundo dados da Agência Internacional de Energia
(AIE) 1,4 bilhões de pessoas não têm acesso à eletricidade. 2,4 bilhões utilizam lenha e carvão
para cozinhar, o que ocasiona doenças graves das vias respiratórias. Cada ano, mais de um
milhão morre precocemente, devido a doenças respiratórias.
Contudo, energia é uma importante pré-condição para um desenvolvimento sustentável, por
exemplo, para a educação escolar (luz à noite), para a segurança alimentar (refrigeração de
alimentos), para a saúde (vacinas podem ser conservadas a temperaturas baixas, operações não
precisam ser feitas à luz de velas), e para a segurança (luz protege mulheres de assédio sexual
na rua). As energias renováveis oferecem, portanto, a possibilidade de associar exitosamente a
proteção do clima ao combate à pobreza. Por isso, MISEREOR apóia as suas organizações
parceiras - também com fundos do Ministério Alemão de Cooperação Econômica - a desenvolver
projetos piloto sobre energias renováveis e a dar visibilidade a estes, afim de influenciar as
políticas energéticas nacionais.
Proteção do clima na MISEREOR
Também na sede de MISEREOR atribui-se grande importância à proteção do meio ambiente: Por
exemplo, MISEREOR utiliza papel reciclado em todas as suas impressoras, viagens aéreas dentro
da Alemanha são evitadas, as compras e aquisições seguem critérios ecológicos e a alimentação
nos eventos de MISEREOR é vegetariana. Em 2008 foi montada no telhado uma instalação
fotovoltaica e desde 2010 MISEREOR consome 100% eletricidade verde . MISEREOR esforça-se
por monitorar e melhorar continuamente o seu desempenho ambiental (gestão ambiental
interna). A este respeito, MISEREOR é apoiada, entre outros, pela iniciativa da igreja "Comprando
o futuro" www.zukunft-einkaufen.de. Emissões que não podem ser evitadas, são compensadas
através da "coleta pró-clima": Cada tonelada gerada em Aachen ou com viagens de trabalho, é
"compensada" na Índia, através da instalação de lâmpadas solares nas casas da população
desprivilegiada de Dalits. Estas lâmpadas substituem a querosene e a lenha por si já escassa ,
de modo que contribuem para a redução dos gases de efeito estufa e, sobretudo, fornecem luz à
noite para atividades de estudo, leitura, trabalhos manuais e para o convívio social.
MUDANÇA DE RUMO - Compromisso político na Campanha de Quaresma
Com a Campanha de Quaresma, MISEREOR chama a atenção para as causas e para alguns dos
inúmeros impactos das mudanças climáticas para as pessoas mais afetadas. MISEREOR procura
apoio financeiro para os atingidos, para que estes possam, autonomamente, preservar as suas
bases de existência, mas também, reivindicar uma melhor proteção dos seus governos.
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Ao mesmo tempo, MISEREOR propõe-se a incentivar os cristãos e cristãs para uma "MUDANÇA
DE RUMO" individual e comunitária, no sentido de um estilo de vida mais sustentável. Juntos,
queremos também dar um sinal ao governo federal alemão: Os cristãos e cristãs estão dispostos
a mudar de rumo e exortam o governo alemão a prosseguir, rigorosamente, o caminho de
transição energética iniciado.
Durante o tempo quaresmal serão decoradas, em toda a Alemanha, pás de remo, cada uma com
um desenho individual, indicando os objetivos que as comunidades estabeleceram para
contribuir para a preservação da Criação, os contributos que pessoas individuais visam prestar
durante a Quaresma e as esperanças que depositam no compromisso do governo federal. No
final da Quaresma, estas pás de remo conduzirão um barco para o Parlamento e lançarão um
apelo ao governo alemão, para que tome a dianteira nesta "MUDANÇA DE RUMO".
MUDANÇA DE RUMO - Compromisso político para além da Campanha de Quaresma
2015 é um ano importante para a proteção do clima e o desenvolvimento sustentável: Por um
lado, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio passarão para a fase seguinte e serão
complementados por objetivos ambientais e, por outro, será elaborado em dezembro em Paris
um acordo internacional vinculativo sobre o clima. O ano de 2015 é, portanto, um ano de
esperança para a preservação da Criação. Contudo, o lento progresso nas negociações sobre o
clima dos últimos anos mostra que estas esperanças são limitadas e que a vontade política para
mudar o rumo continua insuficiente.
MISEREOR pode e quer fazer frente a este fatalismo. A organização participa de uma
peregrinação ecumênica a Paris e convida todas as pessoas interessadas a se juntarem, mesmo
para além do período de Quaresma. A rota de peregrinação a Paris é percorrida em etapas, entre
setembro e dezembro de 2015. No seu caminho, os peregrinos visitarão lugares de dor e de
esperança para a proteção do clima e, juntos, acumularão forças, ideias e conhecimentos para o
seu próprio empenho na proteção do clima, ao mesmo tempo que procurarão entusiasmar
outros. As pás de remo podem acompanhar a peregrinação. Comunidades paroquiais,
associações, grupos e pessoas individuais estão convidados a participar. Durante a Quaresma, e
para além dela, podem ser organizados eventos próprios ou serviços religiosos no contexto das
negociações sobre o clima.
Visite a página na web www.misereor.de/fastenaktion-politische-aktion onde formulamos
exigências firmes e proporcionamos sugestões de como realizar a dimensão política da
Campanha de Quaresma.
"As mudanças climáticas representam, atualmente, a ameaça mais abrangente à sobrevivência
das gerações presentes e futuras assim como da natureza extra-humana e, por isso, constitui um
desafio sério à responsabilidade pela Criação."
Os bispos alemães: A Mudança do Clima: Ponto focal da justiça global, intergeracional e
ecológica, pág. 11.
www.misereor.org/pt
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