São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.1 – Inovação Tecnológica
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São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.1 – Inovação Tecnológica
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO desafios para C&T e inovação em São Paulo CARLOS A MÉRICO PACHECO CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ Resumo: O artigo faz uma avaliação da agenda atual das políticas de C&T de São Paulo, indicando os principais desafios para a promoção da inovação no Estado de São Paulo. Palavras-chave: Políticas de C&T. Estado de São Paulo. Inovação. Abstract: The paper appoints the present agenda of S&T policies of the State of Sao Paulo and the main challenges for to promote innovation in the state. Key words: S&T policies. State of Sao Paulo. Innovation. O Estado de São Paulo abriga a mais extensa rede de instituições de pesquisa, as mais produtivas universidades e a maior comunidade científica e tecnológica do país. Além disso, congrega o sistema produtivo mais avançado e inovador do Brasil, uma grande rede de prestadores de serviços tecnológicos e tem uma economia cada vez mais voltada para atividades intensivas em recursos humanos qualificados. Esse background é fundamental tanto para a atividade produtiva como para o perfil do emprego gerado no Estado, mas pode ser ainda mais relevante no futuro próximo, se os atores públicos e privados souberem tirar proveito máximo de um ambiente de forte interação e sinergia entre as universidades, as instituições de pesquisa e as empresas em geral, notadamente aquelas de base tecnológica. Os indicadores da atividade cientifica e tecnológica de São Paulo revelam que o Estado concentra cerca de 29% SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 dos grupos de pesquisa, 32% dos pesquisadores com título de doutor e 34% da produção científica nacional,1 segundo o levantamento do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (Tabela 1).2 Em termos de publicações em revistas internacionais, o mais indicador existente, o Science Citation Index, revela forte concentração da pesquisa mais qualificada em São Paulo: cerca de 53% das publicações internacionais com origem no Brasil são de pesquisadores domiciliados em São Paulo. A Tabela 1 traz indicadores sintéticos da atividade científica que mostram o papel central que São Paulo desempenha no contexto brasileiro. Quando os indicadores de inovação e de atividades de Pesquisa e Desenvolvimento – P&D são examinados no âmbito da empresa, esse panorama não é diferente. Embora o percentual de empresas que declaram inovar (introduzir inovações de processo e/ou produto, tanto para a empresa como para o mercado, nos dois anos anteriores) 3 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ seja similar ao do Brasil e abaixo dos padrões internacionais, ambos próximos a um terço; o gasto empresarial em atividades de P&D é sensivelmente maior em São Paulo. O maior porte das empresas, mas também o maior dispêndio unitário, fazem de São Paulo o responsável por cerca de 57% das despesas com atividades internas de P&D empresarial realizadas no país – ou seja, aquelas atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas no âmbito da própria empresa (Tabela 2). Mais da metade (53%) do pessoal ocupado em atividades de P&D no setor privado também está em São Paulo. Uma concentração ainda maior é ob- servada quando se examina a procedência das patentes depositadas no INPI: cerca de 58% delas têm origem em empresas com sede no Estado. Em relação ao PIB paulista, as estimativas do dispêndio em atividades de P&D em São Paulo permitem algumas comparações internacionais diretas. No Estado, o índice de gasto público e privado em P&D é de cerca de 1,1% do PIB estadual, enquanto que o indicador nacional equivalente é de 1,0%. Haveria um maior equilíbrio entre os gastos privado e público no Estado (54% e 46%), do que na média nacional (42% e 58%).3 Esses números mostram o TABELA 1 Grupos de Pesquisa, Pesquisadores Doutores, Produção Científica e Publicações em Revistas Internacionais Unidades da Federação Selecionadas – 2002 Unidades da Federação Brasil Grupos de Pesquisa Nos Absolutos % Pesquisadores Doutores Nos Absolutos % Produção Científica (mil) (1) Nos Absolutos % SCI (2) N os Absolutos % 15.158 100,0 41.111 100,0 1.533,1 100,0 13.512 100,0 São Paulo 4.348 28,7 13.385 32,6 513,8 33,5 7.098 52,5 Rio de Janeiro 2.113 13,9 5.828 14,2 218,1 14,2 2.491 18,4 Rio Grande do Sul 1.782 11,8 3.813 9,3 164,1 10,7 1.137 8,4 Minas Gerais 1.207 8,0 3.586 8,7 144,7 9,4 1.119 8,3 Paraná 1.049 6,9 2.479 6,0 91,1 5,9 676 5,0 Santa Catarina 786 5,2 1.577 3,8 56,3 3,7 366 2,7 Pernambuco 553 3,6 1.456 3,5 47,1 3,1 367 2,7 1.696 11,2 3.982 9,7 121,6 7,9 258 1,9 Outras Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002; Brito Cruz; Leta (2003). (1) Produção científica: artigos, livros, orientações e patentes. (2) SCI – artigos em revistas internacionais (Science Citation Index – ISI). TABELA 2 Indicadores de Inovação Brasil e Estado de São Paulo – 1998/2000 Indicadores de Inovação Estado de São Paulo (A) Total de Empresas – Pintec Empresas que Declaram Inovar Empresas que Inovam / Total de Empresas (%) Empresas com Gastos em P&D Dispêndios em Atividades Internas de P&D (bilhões de R$) Brasil (B) A/B % 26.597 72.005 36,9 8.664 22.698 38,2 32,6 31,5 - 7.229 19.165 37,7 2,1 3,7 56,7 Pessoal Ocupado em Atividades de P&D 22.020 41.467 53,1 Patentes Solicitadas (média 1994-1996) 1.084 1.885 57,5 Fonte: IBGE (2002b) Pintec 2000; Albuquerque (2001). 4 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... resultado do gasto estadual com atividades de pesquisa (universidades, institutos de pesquisa e fomento), bem como o do maior gasto privado: ambos compensam o fato de os investimentos federais serem relativamente menores em São Paulo (Tabela 3). Em síntese esse indicador colocaria o Estado bem acima da média latino-americana e em situação comparável à de muitos países europeus de renda média ou em desenvolvimento, mas em uma posição ainda muito distante dos patamares de gasto de países desenvolvidos (Gráfico 1). CAPACIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA: AS BASES DO FUTURO Segundo os resultados do censo realizado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq, a institucionalidade da pesquisa científica em São Paulo é complexa e reúne um conjunto heterogêneo de mais de 72 instituições entre as quais três universidades estaduais, duas universidades federais, 16 universidades privadas, 12 faculdades, 21 institutos tecnológicos, sete centros de pesquisa e um laboratório nacional, além de uma série de hospitais vinculados a essas instituições, onde se realizam pesquisas clínicas e de vários outros tipos. Nessas instituições trabalham cerca de 14 mil pesquisadores doutores, reunidos em cerca de 4,3 mil grupos de pesquisa.4 No centro desse sistema estão as três grandes universidades publicas de São Paulo: a Universidade de São Paulo – USP, a Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp. Essas são as três maiores instituições de pesquisa do Estado e do Brasil. Juntas, elas respondem por 17% de todos os grupos de pesquisa e por 20% de todos os pesquisadores doutores registrados no país – o que equivale a quase 62% dos doutores das instituições paulistas. Pelo critério de número de doutores, três outras universidades aparecem entre as vinte maiores instituições de pesquisa do país: a Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e Universidade Federal de São Paulo – Unifesp (Tabela 4). Mesmo respondendo por um percentual decres- GRÁFICO 1 Participação no PIB dos Dispêndios em P&D, por Fonte dos Recursos Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004 Gov erno Empresas Méx ico Espanha Brasil Irlanda Estado de São Paulo Canadá Austrália Inglaterra Coréia Em % do PIB 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 Fonte: Fapesp (2004); OECD (2004). TABELA 3 Dispêndios em P&D, segundo Fontes de Recursos Brasil e Estado de São Paulo – 2000 Estado de São Paulo Fontes de Recursos PIB Milhões de R$ (1) Brasil % do PIB % 370.819 Milhões de R$ (1) % % do PIB 1.101.255 Total de Dispêndio 3.979 100,0 1,1 10.969 100,0 1,0 Público 1.825 46,0 0,5 6.408 58,0 0,6 770 19,0 0,2 4.393 40,0 0,4 1.055 27,0 0,3 2.015 18,0 0,2 2.154 54,0 0,6 4.561 42,0 0,4 Federal Estadual Privado Fonte: Fapesp (2004). (1) Valores para 2000 em reais de 2003, segundo o IPCA do IBGE. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 5 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ outros 540. Dada a natureza da pesquisa realizada na universidade e graças à associação entre os cursos de pósgraduação e a pesquisa, a formação de mestres e doutores é um dos componentes do sucesso da atividade de pesquisa e da produção acadêmica de São Paulo. Essa formação consolida um quadro de liderança nacional e junto a países limítrofes – fato que coloca as três universidades no topo da hierarquia do sistema de pesquisa acadêmica no Brasil. Parte significativa dos doutores que trabalham nas demais instituições brasileiras de pesquisa formou-se em São Paulo. Esse fato pode ser aferido pelo que se chamou, na análise dos resultados dos últimos Diretórios de Pesquisa do CNPq, de “diáspora paulista”: um crescente número de egressos das instituições paulistas tem sido absorvido por instituições de outros estados.5 No Brasil, a posição de destaque da pesquisa acadêmica paulista tam- cente e reduzido de alunos matriculados no ensino superior no Estado – o que constitui um dos importantes desafios para a futura agenda estadual do ensino de ciência e tecnologia – as universidades públicas do Estado de São Paulo são a base do dinamismo da pesquisa paulista e brasileira. Esse papel decisivo deve-se ao desempenho dos cursos de pós-graduação e da pesquisa associada à pósgraduação. A importância dos cursos de pós-graduação pode ser aferida pelo papel das instituições paulistas na formação de mestres e doutores no Brasil. Cerca de 40% dos mestres e 60% dos doutores titulados na década de 90 formaramse em São Paulo (Tabela 5). Sozinhas, as três universidades estaduais respondem por praticamente metade dos doutores formados no país. Em 2003, a USP titulou pouco mais de dois mil doutores, a Unicamp cerca de 740 e a Unesp TABELA 4 Grupos de Pesquisa e Pesquisadores nas Vinte Principais Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Brasil – 2002 Instituições Grupos de Pesquisa Nos Absolutos % UF BRASIL Pesquisadores Total Doutores Nos Absolutos % N os Absolutos % 15.158 100,0 83.850 100,0 41.111 100,0 Universidade de São Paulo (USP) SP 1.350 8,9 6.383 7,6 4.264 10,4 Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) SP 614 4,1 2.929 3,5 1.994 4,9 Universidade Estadual Paulista (Unesp) SP 593 3,9 3.192 3,8 1.981 4,8 Universidade Federal do Rio de Janeiro RJ 750 4,9 2.936 3,5 1.882 4,6 Universidade Federal do Rio Grande do Sul RS 489 3,2 2.618 3,1 1.435 3,5 Universidade Federal de Minas Gerais MG 445 2,9 2.501 3,0 1.345 3,3 Embrapa DF 234 1,5 2.895 3,5 1.176 2,9 Universidade Federal de Santa Catarina SC 350 2,3 1.892 2,3 1.062 2,6 Universidade Federal de Pernambuco PE 334 2,2 1.843 2,2 990 2,4 Universidade de Brasília DF 259 1,7 1.587 1,9 945 2,3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro RJ 198 1,3 1.342 1,6 777 1,9 Universidade Federal da Paraíba PB 265 1,7 1.545 1,8 748 1,8 Universidade Federal do Paraná PR 246 1,6 1.330 1,6 740 1,8 Universidade Federal Fluminense RJ 236 1,6 1.068 1,3 643 1,6 Universidade Federal da Bahia BA 225 1,5 1.348 1,6 638 1,6 Universidade Federal de São Carlos SP 200 1,3 876 1,0 627 1,5 Fundação Oswaldo Cruz RJ 202 1,3 1.216 1,5 624 1,5 Universidade Federal de Viçosa MG 190 1,3 1.329 1,6 568 1,4 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) SP 145 1,0 1.012 1,2 567 1,4 Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) SP 152 1,0 783 0,9 548 1,3 7.681 50,7 43.225 51,6 17.557 42,7 Demais Instituições Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002. 6 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... TABELA 5 Distribuição de Mestres e Doutores Titulados Brasil, Regiões e Estado de São Paulo – 1996-2001 Em porcentagem 1996 Regiões 1998 2001 Mestres Doutores Mestres Doutores Mestres 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1,1 0,8 1,6 0,2 1,3 0,6 Nordeste 10,3 1,3 10,4 2,1 11,0 4,9 Sudeste 68,3 88,7 65,9 88,5 62,6 82,3 41,4 66,3 39,1 66,4 37,9 60,0 16,9 7,8 18,4 8,2 20,0 10,3 3,4 1,4 3,7 1,1 4,9 1,9 Brasil Norte Estado de São Paulo Sul Centro-Oeste Doutores 100,0 Fonte: Capes. bém é evidenciada pelo fato de o Estado produzir 53% dos artigos científicos originados no país e publicados em revistas científicas de circulação internacional cadastradas na base do Institute for Scientific Information (Gráfico 2) – um número que vem se mantendo relativamente constante ao longo dos últimos anos, apesar do menor percentual de doutores em atividade no Estado. O fato relevante é que o sistema de pesquisa se organizou a partir dessa hierarquia – e assim deve seguir nos próximos anos, fortalecido pelos nexos e redes de relacionamento já criados. A liderança de São Paulo é inconteste em todas as áreas do conhecimento, embora seja mais acentuada no setor de Saúde. Há apenas menor concentração entre grupos e números de pesquisadores na área de Ciências Sociais Aplicadas (Tabela 6). Repete-se aqui um fenômeno comum a muitos países: o avanço dos sistemas de formação de recursos humanos altamente qualificados e de pesquisa avançada configura claramente uma hierarquia que está longe de ser configurada como obstáculo ao desenvolvimento nas demais regiões, e que é o resultado da racionalização de recursos e da história institucional do país. A expressão mais inconteste do êxito da pesquisa acadêmica de São Paulo é o reconhecimento internacional da qualidade das atividades lá realizadas. Um fato emblemático ilustrou esse reconhecimento: em julho de 2000, o resultado do Projeto Genoma, financiado pela Fapesp, foi capa da edição da revista Nature dedicada ao primeiro genoma de um fitopatógeno a ser seqüenciado, a bactéria Xylella fastidiosa. A partir da década de 90, a produção científica do conjunto do país tem crescido, de forma sistemática, a taxas que são o dobro da média mundial. A produção de grupos de pesquisa de todo o Brasil tem contribuído para esse crescimento, destacando-se as crescentes produções de estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Mas a produção científica realizada em São Paulo segue sendo responsável por cerca de 53% dos papers publicados no exterior e observa-se que é o seu crescimento que explica a performance do Brasil (Gráfico 3). Mesmo que a produção acadêmica do Estado de São Paulo se destaque no Brasil, a comparação internacional ainda demonstra um caminho a ser percorrido. O Gráfico 4 mostra que, mesmo que São Paulo apresente posição de liderança na América Latina, publicando mais que o Méxi- GRÁFICO 2 Participação nos Artigos Científicos Brasileiros (1) e no Número de Doutores em Atividades de P&D no Brasil Estado de São Paulo – 1992-2004 Artigos Doutores em Ativ idades de P&D Em % 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 1993 1995 1997 2000 2002 2003 2004 Fonte: Institute for Scientific Information – ISI; CNPq (2003); Censo 2002. (1) Segundo ISI, levantamento feito pelos autores. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 7 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ TABELA 6 Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Áreas Predominantes Brasil e Estado de São Paulo – 2002 Estado de São Paulo (A) Grupos Pesquisadores Áreas Predominantes Total Brasil (B) Grupos Participação A/B Grupos Pesquisadores Pesquisadores 4.338 22.942 15.158 83.850 28,6 27,4 Ciências Agrárias 381 2.830 1653 12.281 23,0 23,0 Ciências Biológicas 620 2.822 2126 11.133 29,2 25,3 Ciências Exatas e da Terra 649 2.911 2051 10.186 31,6 28,6 Ciências Humanas 558 3.067 2399 13.497 23,3 22,7 Ciências Sociais Aplicadas 266 1.329 1429 6.942 18,6 19,1 1.073 5.339 2.513 13.498 42,7 39,6 Eng. e Ciência da Computação Ciências da Saúde 632 3.888 2243 12.770 28,2 30,4 Lingüística, Letras e Artes 159 756 744 3.543 21,4 21,3 Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002. GRÁFICO 3 GRÁFICO 4 Artigos Científicos Originados nos Quatro Estados que mais Publicam Brasil – 1980-2005 Artigos Científicos Publicados em Revistas do Science Citation Index Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004 Brasil São Paulo Rio de Janeiro Minas Gerais Rio Grande do Sul Chile Irlanda 16.000 Argentina 14.000 Méx ico 12.000 Estado de São Paulo 10.000 Brasil 8.000 Coréia Austrália 6.000 Espanha 4.000 Canadá 2.000 0 5.000 10.000 0 1980 1985 1990 1995 2000 15.000 20.000 25.000 30.000 Artigos Científicos Publicados 2005 Fonte: Institute for Scientific Information – ISI; Brito Cruz; Leta (2003). Fonte: Science Citation Index – SCI. Levantamento feito pelos autores. co, a Argentina e o Chile, o volume total de publicações paulistas ainda é menor do que a metade daquele publicado pela Coréia do Sul, Austrália e Espanha e um terço do índice do Canadá. A Tabela 7 compara os dados de publicações científicas com o das respectivas populações. Pode-se concluir que a produção científica paulista, quando comparada à de países desenvolvidos de população semelhante, precisaria ser de duas a três vezes maior para estar num patamar de competitividade. Considerando-se que, no mundo todo, os artigos científicos são produzidos quase que exclusivamente pelo setor acadêmico, não é difícil imaginar que, nesse caso, o principal fator de restrição enfrentado é o pequeno percentual de jovens paulistas que têm acesso a um ensino superior de qualidade. Mesmo sendo situadas no Estado de São Paulo, as três melhores universidades brasileiras apresentam uma capacidade de atendimento limitada. Para se ter uma idéia das dimensões do problema: enquanto no Estado há cinco universidades públicas com algo em torno de 120 mil alunos, na Espanha há 50 destas instituições,6 que contavam, em 2002, com mais de 1,4 milhão de matrículas.7 O Gráfico 5 mostra o número de matrículas no ensino superior em São Paulo, como fração 8 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... nas. A USP, a Unicamp e a Unesp saem-se bem na maior parte das comparações internacionais. E um item que ilustra bem a competitividade dessas instituições é o ranking de doutores formados, mostrado na Tabela 8, na qual essas três instituições são comparadas com as universidades dos EUA que mais formam doutores. Essa comparação ajuda a entender que o problema não é o de não haver instituições de ensino superior competitivas, mas sim o de serem em número reduzido. As contradições aqui demonstradas – como a existência de instituições excelentes, por um lado, e a falta de abrangência e o baixo número de matrículas, por outro – apontam para a necessidade de se elaborar um programa para o desenvolvimento do ensino superior público em São Paulo, como parte da estratégia estadual para a criação, no Estado, de uma situação efetivamente competitiva do ponto de vista internacional. TABELA 7 Artigos Científicos Publicados em Revistas do Science Citation Index e População Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004 (1) Países Selecionados Artigos População Canadá 26.994 32.507.874 Espanha 19.686 40.280.780 Austrália 16.550 19.913.144 Coréia 16.316 48.598.575 Brasil (2) 10.732 173.391.383 Estado de São Paulo (2) 5.625 38.730.682 México 4.583 104.959.594 Argentina 3.543 39.144.753 Irlanda 2.330 3.969.558 Chile 1.923 15.823.957 Fonte: Science Citation Index – SCI; CIA (2002) Factbook; IBGE (2003) PNAD 2002. Levantamento feito pelos autores. (1) Ano base. (2) Refere-se a 2002. TABELA 8 Doutores Formados nas Três Universidades Estaduais Paulistas e nas Doze que mais Formam Doutores nos EUA Brasil e EUA – 1998 GRÁFICO 5 Participação dos Jovens de 18 a 24 Anos nas Matrículas de Ensino Superior Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2003 Universidades Número de Doutorados USP (1) 2.013 Canadá U. CA Berkeley 799 Austrália Unicamp (1) 743 U. WI-Madison 649 Espanha U. CA Los Angeles 642 Argentina U. TX at Austin, The 637 OH State U.-Main Campus, The 616 Coréia Chile Estado de São Paulo Méx ico Brasil Em % 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Fonte: MEC (2004); Digest of Education Statistics 2003, ch. 6, (NCES, EUA). Nota: A contagem das matrículas inclui, em todos os casos, cursos curtos e longos de ensino superior, tipo ISCED 5A e 5B. da população com idade entre 18 e 24 anos, em comparação com os percentuais de alguns outros países. Das 475 instituições de ensino superior existentes no Estado de São Paulo – 434 privadas, 4 federais, 14 estaduais e 23 municipais – poucas podem ser consideradas de classe internacional. Além da USP, Unicamp e Unesp, que se encaixam nessa definição pela excelência e abrangência, há instituições menores e bem qualificadas – como a UFSCar, a Unifesp e o ITA (mas que somam apenas 8.985 matrículas8) – ao lado de algumas não estatais, como a Fundação Getúlio Vargas, a PUC de São Paulo e a de Campi- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 U. MI-Ann Arbor 607 U. IL at Urbana-Champaign 603 U. MN-Twin Cities 565 Havard U. 552 Unesp (1) 540 PA State U.-Main Campus 539 Stanford U. 526 MA Institute of Technology 501 Fonte: Summary Report 1998: Doctorate Recipients from United States Universities (NSF, 2002). (1) Refere-se a 2002. INOVAÇÃO E P&D EMPRESARIAL: AS QUESTÕES EMERGENTES Ao lado do êxito da pesquisa acadêmica, tem sido recorrente salientar uma forte frustração quanto ao desempenho da pesquisa no âmbito empresarial. Essa “assimetria” do sistema nacional de inovação já foi analisada 9 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ Em muitas análises, esses problemas de “densidade tecnológica” das exportações têm sido enfatizados a partir das classificações internacionais de bens mais intensivos ou menos intensivos em tecnologia. Essa abordagem é útil para enfatizar aspectos de estrutura setorial do produto industrial e, muitas vezes, também é compatível com as taxas de inovação aferidas pelas pesquisas industriais mais recentes, até porque, em geral, essas indústrias são levadas a inovar pelos rápidos ciclos de produto ditados pela concorrência internacional. Nesse aspecto, há uma marcante heterogeneidade setorial, em que fica evidente uma maior capacidade de inovação da grande empresa, notadamente em setores como: máquinas de escritório e informática; material eletrônico e equipamentos de comunicações; equipamento médico, instrumentos de precisão e automação industrial; produtos químicos; máquinas e equipamentos; petróleo e álcool; material elétrico; aviões; artigos de borracha e plásticos; e na área automobilística. No que toca ao tamanho da empresa, como mostra a Tabela 9, as taxas de inovação são expressivamente distintas segundo as faixas de pessoal ocupado, chegando a ser cinco vezes maior nas grandes empresas, em relação às menores. Contudo, convém notar que, às vezes, as abordagens de classificação de produto ou setoriais revelam pouco acerca da capacidade para inovar ou mesmo da atividade de pesquisa no âmbito da empresa. Em muitos setores tradicionais, as empresas e os grupos empresariais brasileiros têm apresentado grande dinamismo em termos de inovações. Isso é particularmente válido tanto para a agroindústria como para a metal-mecânica. A boa notícia é que, no âmbito público e privado brasileiro, a ênfase na inovação é o grande destaque da agenda de C&T nacional. Isso ficou patente pelo grande interesse gerado tanto na ocasião das recentes reformas do Sistema Nacional de de inúmeras maneiras (BRITO CRUZ, 2000). É relativamente consensual que suas razões são derivadas da história industrial brasileira e de certa facilidade – no terreno tecnológico – com que a substituição de importações garantiu o crescimento da produção industrial brasileira. O acesso relativamente fácil à tecnologia, seja através das subsidiárias das empresas transnacionais, seja através da importação de bens de capital, não indicava que esse fosse um gargalo relevante. A exitosa industrialização brasileira é talvez a maior prova desta verdade relativa. A substituição de importação tinha gargalos muito maiores, na questão da capacidade para importar, na formação da poupança, na debilidade dos sistemas financeiros, etc. (BRITO CRUZ; PACHECO, 2004). E seu auge viria a ocorrer num período de relativa estabilidade dos padrões tecnológicos vigentes no mercado mundial. Os problemas dessa herança tornaram-se visíveis apenas nas últimas décadas, quando as transformações na economia internacional ampliaram significativamente a rivalidade no terreno do comércio internacional, e inúmeras políticas de suporte à competitividade foram postas em prática em diversos países – muitas delas centradas na ampliação dos esforços domésticos de pesquisa e no aumento da capacidade de inovação das empresas. A frágil capacidade de pesquisa e de inovação da empresa brasileira é análoga a tantas outras debilidades competitivas – qualidade, marca, logística, etc. – geradas pela maior relevância dos mercados domésticos e pela baixa presença em outros mercados. Os exemplos de maior sucesso empresarial no enfrentamento dessas debilidades vêm exatamente das empresas com significativas pautas de exportação, como demonstra o caso da Embraer. TABELA 9 Empresas que Introduziram Produto e/ou Processo Tecnologicamente Novo ou Significativamente Aperfeiçoado para a Empresa, entre 1999 e 2001, segundo Faixas de Pessoal Ocupado Estado de São Paulo – 2001 Faixas de Pessoal Ocupado Total Empresas que Introduziram Produto e/ou Processo Novo Taxa de Inovação (%) Total 41.271 6.733 16,3 De 5 a 29 Pessoas Ocupadas 32.556 4.066 12,5 De 30 a 99 Pessoas Ocupadas 5.839 1.453 24,9 De 100 a 499 Pessoas Ocupadas 2.464 954 38,7 413 261 63,2 500 e Mais Pessoas Ocupadas Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. 10 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... subvenções). Mas a ênfase nesses aspectos não circunscreve o problema da pesquisa ao espaço interno da empresa. A criação de condições externas ao setor privado – bens públicos, em geral – é um componente de políticas aceito e aplicado universalmente. E a ênfase na interação dos atores do sistema de inovação é outra prioridade inquestionável. Um exame das informações da Pintec e da Paep ajuda a entender alguns dos limites do atual sistema brasileiro de inovação. Talvez o mais evidente desses dilemas seja a baixa interação entre os diversos atores, sejam eles privados ou públicos. A Tabela 10 mostra o grau de importância que as empresas que inovam atribuem às diversas fontes de informação para as atividades de inovação. Ao lado dos departamentos de P&D da própria empresa, que são uma novidade importante na conduta privada, há outros fatores que continuam sendo chaves, como as fontes de informação externas, mais características de uma conduta passiva, como: fornecedores de máquinas, clientes e concorrentes. É preciso deixar claro que a interação que se pretende estimular não pressupõe que as universidades e instituições de pesquisa possam auxiliar, de forma massiva, o esforço privado de inovação. A visão segundo a qual a trajetória da pesquisa segue um caminho linear que começa na pesquisa acadêmica Inovação, como na criação dos Fundos Setoriais ou no envio de uma Lei de Inovação ao Congresso Nacional. Uma série de documentos governamentais ou elaborados pelo setor empresarial evidenciou essas questões. Ademais, novos esforços vêm sendo feitos para se dimensionar e se compreender a atividade de pesquisa e a inovação no setor empresarial, como revelam a edição da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, do IBGE e a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, da Fundação Seade. A agenda da política pública de C&T gira em torno destas questões: “Como ampliar a competitividade da empresa e a sua capacidade de inovação?” e “Como tirar proveito dos investimentos feitos no sistema de pesquisa acadêmica?” Nesse sentido, é conveniente observar claramente que a questão-chave está posta no âmbito da empresa. É ela que inova e será dela a responsabilidade progressiva de ampliar mais e mais as atividades de P&D. Para tanto, as políticas públicas devem ser capazes de assegurar condições mínimas de redução do risco privado – condições compatíveis com a natureza das atividades de P&D, como ocorre na maioria dos países. Isso implica a necessidade de dar atenção prioritária aos incentivos diretos para a pesquisa empresarial (incentivos fiscais e TABELA 10 Proporção de Empresas que Inovaram, por Grau de Importância das Fontes de Informação para o Desenvolvimento das Atividades de Inovação Tecnológica Estado de São Paulo – 2001 Em porcentagem Fontes de Informação Indiferente ou Nulo Pouco Importante Importante Muito Importante Fontes Internas Departamento de P&D 27,0 7,5 26,5 24,9 Outros Departamentos 23,3 15,1 35,6 12,0 Outras Empresas dentro do Grupo 63,6 9,4 9,0 3,9 Fornecedores de Equipamentos, Componentes ou softwares 21,1 12,3 29,7 22,8 Clientes 14,2 7,4 26,5 37,9 Concorrentes 24,6 14,4 30,2 16,7 Empresas de Consultoria 53,0 16,1 12,0 4,8 Universidades e Institutos de Educação Superior 52,9 13,8 13,0 6,2 Institutos de Pesquisa/Centros Profissionalizantes 46,2 15,1 15,8 8,9 Aquisição, Licenças, Patentes e Know-How 50,8 11,5 14,6 9,0 Conferências, Encontros e Publicações 37,5 13,7 25,8 9,0 Feiras e Exposições 25,2 10,6 30,5 19,6 Fontes Ligadas ao Mercado Fontes Institucionais Outras Fontes Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 11 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ e termina na introdução, no mercado, pela empresa, não encontra amparo na realidade. Já Adam Smith, em 1776, observava que as principais fontes de inovação e aprimoramento tecnológico eram esta expertise e é irrealista esperar que possam obtê-la (MANSFIELD, 1996, p. 132). Portanto, o aspecto central gira em torno das atividades de P&D realizadas internamente às empresas. E as políticas públicas devem refletir esse fato, buscando estimular esse esforço privado de P&D. Em paralelo, como fazem todos os países, mas sem ilusões de qualquer modelo linear de ciência, deve-se identificar as maneiras para aproximar a capacidade acadêmica da atividade inovativa empresarial. Aqui, o enorme desafio é preservar e intensificar a capacidade acadêmica de estar em contato com a fronteira do conhecimento e contribuir para avançá-la; e, ao mesmo tempo, desenvolver interlocutores no mundo empresarial capazes de se apropriar destes avanços e desse conhecimento. Na margem, essa interação será relevante para inovações não incrementais. Mas será fundamental, sobretudo, para ajudar a modificar a conduta interna da empresa, intensificando sua própria atividade de P&D. Contudo, convém notar que esse sistema de inovação não se circunscreve a universidades e empresas. Além dos institutos tecnológicos, em geral públicos, criou-se, notadamente em São Paulo, uma gama variada de atores que desempenham papéis complementares no processo de inovação: associações de classe; prestadores de serviços; centros do Senai; além de institutos como o IPT, o CTA e o Inpe. Afora instituições de outras Unidades da Federação ou localizadas no exterior, mais de 120 entidades localizadas no Estado realizam atividades de ensaio e calibragem de apoio ao setor privado paulista, para citar apenas um exemplo (Tabela 11). Poucas dessas instituições, basicamente os institutos públicos, estão relacionadas também os homens que trabalhavam com as máquinas e que descobriam maneiras engenhosas de melhorá-las, bem como os fabricantes de máquinas, que desenvolviam melhoramentos em seus produtos. 9 A experiência internacional mostra que o esforço realizado no âmbito da própria empresa é essencial para esse processo (RAUSH, 1996). Edwin Mansfield, da Universidade da Pensilvânia, realizou um estudo sobre as fontes de idéias para a inovação tecnológica (MANSFIELD, 1996, p. 125) e verificou que menos de 10% dos novos produtos ou processos introduzidos por empresas nos Estados Unidos tiveram a contribuição essencial e imediata de pesquisas acadêmicas. Portanto, nove em cada dez inovações nascem na empresa. Diz ele: [...] a maioria dos novos produtos ou processos que não poderiam ter sido desenvolvidos sem o apoio de pesquisa acadêmica não foram inventados em universidades; ao contrário, a pesquisa acadêmica forneceu novas descobertas teóricas ou empíricas e novos tipos de instrumentação que foram usados no desenvolvimento, mas nunca a invenção específica ela mesma. Isto dificilmente vai mudar. O desenvolvimento bem sucedido de produtos ou processos exige um conhecimento íntimo de detalhes de mercado e técnicas de produção, bem como a habilidade para reconhecer e pesar riscos técnicos e comerciais que só vem com a experiência direta na empresa. Universidades não têm TABELA 11 Rede de Laboratórios de Calibração e Ensaios, segundo Tipos de Instituição Estado de São Paulo – 2004 Tipos de Instituição Total Número de Instituições Calibração Número de Laboratórios Ensaio Total 128 82 111 3 3 2 5 21 6 18 24 5 12 34 46 Prestadores de Serviços 56 45 16 61 Centros do Senai 20 4 25 29 5 2 8 10 18 10 8 18 Associações Empresariais Empresas Institutos Públicos Universidades Outros 193 Fonte: Fiesp/Ciesp (2004). 12 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... no Diretório de Pesquisa do CNPq. Ficam evidentes a complexidade desse sistema e a necessidade de que a política pública dê atenção ao conjunto do sistema de inovação, deixando de focalizar apenas um ou outro ator. A Paep detalha mais esses dados, investigando também o nível de escolaridade. Os resultados (Tabela 13) indicam que a indústria paulista emprega um total de 27 mil pessoas em P&D, das quais 15,8 mil possuem nível superior. Destes, por sua vez, apenas mil possuem doutorado e 1,8 mil mestrado. A pequena diferença do total de nível superior em relação a Pintec pode ser explicada pela data de referência e pela natureza ligeiramente distinta das amostras. De qualquer modo, o valor é coerente com os resultados anteriores. Assim, 56% dos pesquisadores (com nível superior) trabalham em universidades e institutos de pesquisa e 44% em empresas industriais.11 Além do fato de a maior parte das pessoas ocupadas estar empregada em instituições públicas, a partir das Tabelas 12 e 13, fica evidente o déficit de pesquisadores em São Paulo, quando comparado a países com população semelhante:12 em São Paulo há apenas 15,8 mil pesquisadores em empresas (ou 11,6 mil, segundo a Pintec), enquanto na Coréia há 118 mil, dez vezes mais. Diferença similar, mas de menor intensidade, pode ser observada na comparação entre o número de pesquisadores acadêmicos: 18,6 mil em São Paulo versus 57,6 mil na Coréia do Sul. Isso está relacionado com o déficit de matrículas no ensino superior em São Paulo, em comparação àquele país. Estendendo-se a comparação a outros países com população semelhante ou situação econômica parecida, torna-se mais clara a deficiência no número de pesquisadores em empresas, como se vê no Gráfico 6. UNIVERSIDADE E EMPRESA: ONDE TRABALHAM OS PESQUISADORES EM SÃO PAULO A Tabela 12 mostra uma comparação entre o número de pesquisadores e sua vinculação funcional, no Brasil, em São Paulo, nos EUA e na Coréia do Sul. A partir dos dados, pode-se observar o déficit no número de pesquisadores em indústrias no Brasil e em São Paulo, em comparação com os dois países citados. Enquanto nos EUA e na Coréia do Sul, respectivamente, 79% e 62% dos pesquisadores trabalham para indústrias, no Brasil esse percentual é de apenas 22% e, em São Paulo, 36%, segundo os dados da Pintec. É necessário destacar uma diferença de metodologia de coleta: para os números do Brasil e do Estado de São Paulo referentes a pesquisadores em empresas, foram utilizados dados obtidos na Pintec, a partir do censo do IBGE em 2002. Nessa pesquisa, o IBGE contou o número de “profissionais de nível superior em atividades de P&D” – e não o de pesquisadores. Os dados dos demais países referemse ao número de pesquisadores10 e não ao número total de profissionais alocados em P&D. TABELA 12 Pesquisadores, segundo Instituição em que Atuam Brasil, Estado de São Paulo, EUA e Coréia – 2002 Brasil Nos Absolutos Instituições Total % Estado de São Paulo Nos Absolutos % EUA N os Absolutos % Coréia Nos Absolutos % 129.474 100,0 31.972 100,0 962.700 100,0 189.888 100,0 Docentes Trabalhando Integral em Universidades 94.464 73,0 18.620 58,0 128.000 13,0 57.634 30,0 Universidades Federais 42.889 1.380 Universidades Estaduais e Municipais 27.115 9.357 Universidades Privadas 24.460 Institutos de Pesquisa Empresas Privadas (1) 7.883 5.924 5,0 1.751 5,0 70.200 7,0 14.094 7,0 29.086 22,0 11.601 36,0 764.500 79,0 118.160 62,0 Empresas Privadas (2) 27.060 Nível Superior (2) 15.829 Doutores (2) 1.000 Fonte: MEC (2004); Fapesp (2004); Brito Cruz (1999); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; MOST. Disponível em: <http://was.most.go.kr/most/english/activies_02_2.jsp>. Acesso em: 24 mar. 2005; NSF (1996). (1) Os dados para Brasil e Estado de São Paulo são da Pintec 2000. (2) Os dados são da Paep 2001. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 13 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ TABELA 13 Pessoas Ocupadas em Atividades de P&D na Indústria, por Tamanho da Empresa, segundo Nível de Escolaridade Estado de São Paulo – 2001 Nível de Escolaridade Tamanho da Empresa (Pessoal Ocupado) 30 a 99 100 a 499 500 e Mais Até 29 Total Total de Pessoal Ocupado em P&D 8.111 5.015 6.459 7.475 27.060 Nível Superior 4.007 2.437 4.086 5.299 15.829 337 151 290 222 1.000 Doutorado Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. GRÁFICO 6 tal. Devido à predominância da origem em P&D voltada para aplicações, e também ao alto custo de registro e manutenção, bem como ao interesse intrínseco na proteção da propriedade intelectual resultante, as patentes são muito mais freqüentemente um produto das atividades de P&D empresariais e não da P&D acadêmica. Nos EUA, por exemplo, 95% das patentes têm sua origem nas empresas. Mesmo sendo um indicador relevante, não é recomendável usar as estatísticas sobre patentes isoladamente, pois o quadro geral do sistema de C,T&I só pode ser adequadamente representado por um conjunto de indicadores (OECD, 1994), dentre os quais destacam-se publicações científicas de circulação internacional, formação de doutores e graduados, investimentos em P&D pelo governo e empresas, etc. O Gráfico 7 mostra o número de patentes registradas no Escritório de Patentes dos EUA (United States Patent and Trademark Office – USPTO), segundo a origem do recipiente da patente para 2003. No Estado de São Paulo originaram-se 73 das 130 patentes originadas no Brasil naquele ano. Esse resultado compara-se pobremente ao de alguns países desenvolvidos com dimensões de população similares às do Estado de São Paulo, mesmo que represente uma posição de liderança na América Latina, à frente do México e da Argentina. Nos países da OECD observa-se uma forte correlação entre o número de pesquisadores em empresas (e o investimento empresarial em P&D) e o número de patentes, conforme o Gráfico 8, no qual é mostrado, em cada ponto, (quadrados claros) os pares de valores de patentes registradas no USPTO em 2002 e o número de pesquisadores em empresas três anos antes, em 1999, para 28 países. A equação inserida no gráfico mostra que, com elevado grau de confiança (99,57%) ao se adicionarem 100 Pesquisadores em Empresas Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 1999 Argentina México Irlanda Estado de São Paulo (1) Estado de São Paulo (2) Austrália Espanha Brasil Canadá Coréia do Sul 0 30.000 60.000 90.000 120.000 Pesquisadores Fonte: Fapesp (2004); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; OECD (2003) MSTI. (1) Dados da Pintec 2000. (2) Dados da Paep 2001. COMPETITIVIDADE TECNOLÓGICA E PATENTES NA INDÚSTRIA PAULISTA Um dos indicadores universalmente reconhecidos para mensurar a capacitação tecnológica é o número de patentes gerado pelos setores empresariais. Indicadores relacionados a patentes ajudam a compreender uma realidade e sempre precisam ser analisados a partir da consideração de vários outros determinantes, como: a estrutura setorial da indústria (fármacos e eletrônica são setores mais usuários de patentes do que aeronáutica e metal-mecânica, por exemplo), a internacionalização e o acesso a mercados exteriores. Patentes são resultados típicos de P&D voltada para aplicações – geralmente trata-se de pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental, mas há casos relevantes de patentes originadas de pesquisa básica ou fundamen- 14 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... O Gráfico 8 mostra que o desempenho de São Paulo e do Brasil aproxima-se mais do modelo da Espanha (303 patentes em 2002 com 15.178 pesquisadores em empresas em 1999), da Irlanda, da Noruega e do México. GRÁFICO 7 Patentes Registradas no United States Patent and Trademark Office – USPTO, segundo Local de Origem do Recipiente da Patente Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2003 Argentina Estado de São Paulo GRÁFICO 8 Dependência do Número de Patentes Originado nas Empresas de Países da OECD mais Brasil e São Paulo, com o Número de Pesquisadores Trabalhando em Empresas nestes Países e em São Paulo Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 1999 México Brasil Irlanda Espanha Patentes no USPTO em 2002 100000 Austrália y = 0,084x Canadá R 2 = 0,9957 Coréia do Sul 10000 0 1.000 2.000 3.000 4.000 Patentes 1000 Fonte: USPTO (2004). Espanha Brasil 100 São Paulo pesquisadores a empresas obtêm-se mais 8,4 patentes dali a três anos. Para efeito de comparação, foram incluídos pontos para Brasil e São Paulo, mostrados em círculos cinza no Gráfico 8. Nota-se que, nos dois casos, os pontos posicionam-se bem longe da linha de tendência. Uma das razões para isso pode ser uma superestimativa do índice de pesquisadores, visto que a pesquisa do IBGE (Pintec) não informa o número de pesquisadores, mas sim o número de pessoas com nível superior em atividades de P&D, e essas pessoas podem ser auxiliares, pessoal de apoio técnico e outros que não são contados nos países da OECD como pesquisadores. As características da economia brasileira e paulista, segundo as quais a tradição de inovação e P&D interna é muito tênue e recente, também podem contribuir para essa fuga da tendência. E mais: podem levar à ineficiência intrínseca ou mesmo a atividades de pouco impacto na geração de propriedade intelectual própria. Não se deve esquecer também que a composição setorial da indústria – menor peso da indústria de tecnologia da informação e fármacos – pode afetar resultados de patentes, como já mencionado. Além disso, o papel de liderança da empresa multinacional em segmentos mais dinâmicos, também afeta esse resultado, na medida em que muitos produtos e processos novos são patenteados pela matriz. Em qualquer caso, essa diferença gritante parece indicar a necessidade de mais estudo sobre o assunto antes que se possa concluir sobre as principais causas. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 10 100 1000 10000 100000 1000000 10000000 Pesquisadores em empresas em 1999 Fonte: OECD (2003); Fapesp (2004). AS POLÍTICAS RECENTES DE APOIO À INOVAÇÃO: A NOVA AGENDA Nos últimos anos, o apoio às atividades de P&D e ao processo de inovação passou a integrar a agenda da política de ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, numa interação com as políticas federais. Na década de 90, a Fapesp instituiu novos e bem-sucedidos programas de apoio à inovação nas empresas. As universidades estaduais, por sua vez, têm-se dedicado cada vez mais à implementação de programas de cooperação com empresas, e têm procurado estimular o empreendedorismo e a incubação de novos negócios de base tecnológica, com mudanças institucionais importantes, como a criação do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas – Cietec, a partir da ação conjunta da USP, Ipen e IPT; ou da criação da Agência de Inovação da Unicamp, para citar dois exemplos. Os institutos de pesquisa do Estado têm igualmente ampliado a gama de serviços de apoio ao setor produtivo. O Governo Estadual, com o novo Plano Purianual, deu especial ênfase a alguns desses aspectos. 15 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ Fase III. A Fapesp não pode financiar a Fase III, por se tratar de atividades de produção e não de pesquisa, mas tem apoiado as empresas na obtenção de financiamentos para essa fase. Cabe destacar que, em concordância com as características das atividades de P&D realizadas na empresa, a Fapesp não exige titulação de doutor dos principais pesquisadores ligados aos projetos do Pipe. Há projetos Pipe em 67 municípios paulistas, número que demonstra uma abrangência bem superior àquela verificada nos projetos acadêmicos. Ao mesmo tempo há concentração de projetos em municípios que têm uma boa infraestrutura de ensino superior público e de pesquisa, como se vê na Tabela 15. O êxito dessas iniciativas não reside apenas na mobilização de recursos. Esses programas são até mais importantes por chamarem a atenção para a relevância da questão da inovação em São Paulo. De fato, o desembolso da Fapesp com o Pite e o Pipe só ultrapassou cinco por cento de seu orçamento (5%) em 2003. Naquele ano, quase 80% do desembolso foi para ações tradicionais de bolsas e auxílios regulares (Tabela 16). O desembolso com os programas Pipe e Pite vem crescendo ano a ano, atendendo à expansão da demanda. Deve-se salientar que os benefícios para as empresas ultrapassam em muito o valor do apoio O programa Parceria para Inovação Tecnológica – Pite, iniciado em 1995, foi o primeiro passo explícito da Fapesp rumo à inovação. O Pite financia, a fundo perdido, parte dos custos de projetos em que centros de pesquisa e empresas se associam para desenvolver ou aperfeiçoar produtos ou processos com o propósito de melhorar a qualidade e aumentar a competitividade. A Fapesp financia os centros de pesquisa até um limite de 70% do valor total do projeto, cabendo à empresa o financiamento do restante. A Fapesp deu um segundo passo importante no apoio à inovação tecnológica em empresas ao lançar, em 1997, o programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – Pipe, que aprovou, até abril de 2005, 423 projetos, em sua maior parte na área de engenharia (Tabela 14) – o que significa mais de um projeto contratado por semana desde a instituição do programa. O Pipe apóia atividades de P&D em pequenas empresas (com até 100 empregados) em projetos divididos em duas fases: a Fase I, com dotação máxima de R$ 100 mil (R$ 50 mil até o ano 2000, R$ 75 mil até 2004), em que se testa a viabilidade do projeto; e a Fase II, com dotação máxima de R$ 400 mil (R$ 200 mil até o ano 2000, R$ 300 mil até 2004), na qual se espera que o projeto seja desenvolvido e chegue a um estágio em que os resultados possam ser implementados pela empresa numa TABELA 14 Contratos e Valor referentes ao Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe/Fapesp), segundo Áreas do Conhecimento Estado de São Paulo – 1998-03 Áreas do Conhecimento Total 1998 Contratos 1999 Valor (R$ mil) 31 4.071,9 Agricultura e Veterinária 1 Arquitetura e Urbanismo 0 Biologia Ciências Sociais Contratos 2000 Valor Contratos (R$ mil) 32 6.076,1 246,5 2 0,0 0 1 302,8 1 39,4 2001 Valor (R$ mil) 40 4.286,6 480,8 3 0,0 0 1 333,6 0 0,0 2002 Valor Contratos (R$ mil) Contratos 2003 Valor (R$ mil) Contratos Valor (R$ mil) 52 7.874,4 65 8.177,6 72 9.955,8 316,1 7 432,8 6 633,7 4 917,3 0,0 1 67,8 1 67,5 1 89,8 3 396,9 0 586,3 2 474,6 4 426,6 0 0,0 0 0,0 0,0 2 98,5 Economia 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 56,6 0 3,4 2 155,5 Engenharia 20 2.794,8 23 3.988,1 26 2.640,2 33 4.806,4 39 5.022,3 40 6.724,9 Física 4 186,0 3 592,6 1 497,5 1 491,5 2 639,8 1 106,4 Geociências 0 0,0 2 98,7 1 51,0 0 345,4 0 42,7 0 12,7 Matemática 2 201,3 1 246,7 4 318,6 2 299,4 9 395,0 9 641,8 Química 1 138,1 0 289,0 1 0,3 4 341,8 3 431,7 5 534,5 Saúde 1 162,9 0 46,6 1 66,0 3 446,4 3 466,9 4 247,8 Fonte: Fapesp. 16 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... financeiro. A reconhecida tradição da Fapesp na avaliação de projetos e o fato de a empresa associar seu nome ao da instituição, representam um ativo relevante para os agraciados, que assim podem abrir portas e negociar outras formas de apoio ou capitalização a partir desses investimentos iniciais. Também na área de formação de recursos humanos tem havido ações dignas de nota no Estado. Desde 2002 o Governo Estadual, com o apoio da Assembléia Legislativa, tem implementado um Programa de Expansão de Vagas nas Universidades Públicas Paulistas. Esse programa baseia-se no oferecimento de suplementações orçamentárias às três universidades, desde que elas aumentem as vagas oferecidas em seus cursos de graduação. Implementado de maneira intensa em 2002 (Proposta Orçamentária de 2003) e com menos intensidade em 2001, 2004 e 2005, o programa, que correspondeu, em valor, a apenas 1,5% do orçamento das três universidades no período (Tabela 17): - resultou em 4.202 vagas novas criadas nas três universidades estaduais paulistas (Tabela 17); - trouxe um aumento de vagas de 29% em relação às oferecidas em 2000 e permitiu que o aumento realizado nas três universidades estaduais paulistas desde 1989 chegasse a 50% (Gráfico 9). O número de vagas oferecidas anualmente em cursos de graduação cresceu 50% desde a implantação do regime de autonomia com vinculação orçamentária, nas três uniGRÁFICO 9 Crescimento das Vagas na Graduação nas Três Universidades Estaduais Paulistas Estado de São Paulo – 1989-04 Em % 200 TABELA 15 Principais Municípios que Possuem Pequenas Empresas com Contratos no Pipe/Fapesp Estado de São Paulo – 2003 Municípios Fase I São Paulo 113 47 Campinas 68 35 Fase II São Carlos 52 24 São José dos Campos 30 24 Ribeirão Preto Demais 62 Municípios 150 9 4 107 65 100 50 1988 Fonte: Fapesp. 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 Fonte: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, Cruesp. TABELA 16 Distribuição do Orçamento da Fapesp, segundo Principais Modalidades de Apoio Estado de São Paulo – 1996-03 Em porcentagem Principais Modalidades de Apoio 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Bolsas 16,7 23,9 30,6 31,8 38,4 35,4 33,6 38,3 Auxílios Regulares 28,3 30,0 33,5 32,3 34,8 38,4 43,4 41,2 Projetos Temáticos ou Especiais 0,8 6,8 7,0 10,3 13,2 16,8 13,5 11,8 52,2 36,8 25,2 22,2 9,4 4,9 2,8 0,6 Rede ANSP 1,7 2,1 2,1 1,7 2,5 2,4 2,5 3,1 Pipe e Pite 0,3 0,4 1,6 1,7 1,8 2,1 4,3 5,1 Infra-Estrutura Fonte: MEC (2004); Fapesp (2004); Brito Cruz (1999); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; MOST. Disponível em: <http://was.most.go.kr/most/english/activies_02_2.jsp>. Acesso em: 24 mar. 2005; NSF (1996). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 17 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ TABELA 17 Valores Suplementados, Número de Vagas na Graduação e Acréscimo de Vagas do Programa de Expansão de Vagas nas Universidades Estaduais Paulistas Estado de São Paulo – 2000-04 Anos Suplementação Aprovada (R$) Unicamp 64.592.000 26.048.900 Vagas Adicionais (ref. 2000) Unesp Unicamp 2000 7.175 5.085 2.355 0 0 0 2001 7.354 5.215 2.400 179 130 45 540 39.659.100 Unesp Vagas na Graduação USP Total USP USP Unesp Unicamp 2002 11.359.100 29.392.000 4.948.900 7.811 5.685 2.895 636 600 2003 22.400.000 22.400.000 17.500.000 8.331 6.710 3.135 1.156 1.625 780 2004 5.900.000 12.800.000 3.600.000 8.547 7.015 3.255 1.372 1.930 900 Crescimento de Vagas (%) 19,0 38,0 38,0 Valor Suplementado em Relação ao Orçamento das Universidades (%) 0,85 2,98 1,28 Fonte: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, Cruesp. versidades estaduais paulistas. Com a instituição do Programa de Expansão de Vagas em 2001 a tendência de crescimento se tornou ainda mais intensa. Ao lado da expansão de vagas nas Universidades Estaduais, e em concordância com as estratégias para a criação de condições de maior competitividade no Estado, o Governo Estadual tem desenvolvido um programa de expansão também nas Faculdades de Tecnologia, as Fatecs (Tabela 18). No Estado de São Paulo, o Plano Plurianual 2004-2007 deu destaque ao aumento da competitividade e à promoção da inovação tecnológica. Sabidamente, a programatização das ações de governo através de planos plurianuais é um avanço na forma de atuação do Estado: afinal, ele não apenas ganha mais visibilidade, mas passa a identificar melhor seus resultados e os objetivos a que se destina a programação orçamentária. Assim, além das atividades próprias de gestão da política do ensino supe- rior e tecnológico, no âmbito da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo – SCTDET foram estabelecidos novos programas focalizados nos temas de tecnologia industrial básica; tecnologias da informação; arranjos produtivos locais e inovação para a competitividade. Mesmo que necessitem ser permanentemente atualizados e avaliados, esses novos programas do governo estadual são um ponto de partida importante para a ação pública, pois identificam questões que irão permanecer na agenda governamental nos próximos anos. Seus objetivos estão relacionados com a estruturação de um moderno sistema de metrologia, normalização, certificação e qualidade; com o desenvolvimento da produção e da comercialização interna e externa de bens e serviços da tecnologia da informação; com a promoção de Arranjos Produtivos Locais – APLs, como instrumento de política industrial; e com a criação de condições para o desenvolvimento da inovação em São Paulo, ampliando a interação entre as universidades, os institutos de pesquisa, o setor privado e os demais órgãos públicos. O programa Inovação para a Competitividade, em particular, dá ênfase a ações que buscam implantar um sistema de parques tecnológicos em São Paulo; estimular o crescimento, a consolidação e a ampliação de oportunidades de incubação de empresas de base tecnológica; formular políticas públicas de estímulo à inovação; atrair e estimular os investimentos em setores de alta tecnologia; implantar mecanismos de acesso às informações tecnológicas para MPEs e serviço de resposta técnica e, também, redes de TABELA 18 Unidades, Alunos e Vagas do Programa Estadual de Ampliação do Sistema Fatecs Estado de São Paulo – 2001-04 Ano Unidades Alunos Vagas 2001 10 10.287 3.080 2002 14 11.687 4.480 2003 14 13.561 5.280 2004 17 15.255 5.280 Fonte: Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Turismo – SCTDET. 18 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... propriedade intelectual para a difusão da inovação. Mesmo com toda a dificuldade associada à ausência de instrumentos adequados e de condições de acompanhamento e monitoramento dessas ações, a explicitação dessa agenda já é um avanço importante para a política de C&T de São Paulo. - um plano diretor para o desenvolvimento do ensino superior público em São Paulo; A AGENDA DA POLÍTICA DE C&T E INOVAÇÃO DE SÃO PAULO - nova postura das universidades e dos institutos de pesquisa na área de cooperação público-privada e licenciamento de tecnologia; Em que pesem os avanços registrados pela política de C&T em São Paulo, o contexto econômico atual e as possibilidades que se colocam exigem um salto qualitativo nessas políticas. A nova agenda requer ações indutoras que possam reforçar as tendências de desenvolvimento do Estado e congregar os diversos atores em torno do objetivo de apoiar a inovação e potencializar um novo estilo de desenvolvimento. São Paulo deve formular uma política industrial e tecnológica compatível com os desafios de competitividade de sua economia: da indústria já instalada e da indústria que será construída nas próximas décadas. É uma agenda ampla e complementar aos esforços do Governo Federal. Ela envolve aspectos macroeconômicos e regulatórios, que reduzem ou elevam as incertezas, sendo de responsabilidade do plano federal. Mas essa agenda também contempla aspectos de infra-estrutura e uma vasta gama de ações voltadas a criar externalidades positivas ao setor industrial dentre as quais a principal é a política tecnológica, que são compatíveis com as possibilidades de ação no plano estadual. A indústria de São Paulo se destaca no cenário nacional pela maior taxa de inovação e maior intensidade tecnológica. Mas sua performance ainda está longe de ser a necessária para qualquer parâmetro internacional. Mais grave que isso, pouco se sabe o que será a indústria paulista daqui a algumas décadas e quais serão as empresas e atividades que poderão mostrar-se altamente dinâmicas em cenários de forte mudança técnica e de reorganização dos mercados internacionais. Para responder a isso é necessária uma ação coordenada entre o setor público e o privado que discuta, proponha medidas e implemente novos modelos de atuação no terreno da inovação e da competitividade. É preciso estimular os investimentos em áreas de alta tecnologia e saber maximizar as vantagens relativas de São Paulo. Há avanços recentes nesta direção e também uma agenda mínima, formulada a partir das ações da SCTDET/SP, da Fapesp e das Universidades públicas paulistas e institutos de pesquisa, que procuram mobilizar os atores públicos e privados nas seguintes frentes: - estímulos à estruturação de arranjos produtivos locais (clusters e cadeias produtivas) – ações da SCTDET, do Sebrae e da Fiesp; SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 - implantação de um sistema de parques tecnológicos; - apoio à inovação tecnológica através de programas específicos da Fapesp; - suporte à metrologia e serviços tecnológicos (Tecnologias Industriais Básicas) através da SCTDET/SP, do IPT e da Fiesp. A base de C,T&I instalada em São Paulo pode dar uma contribuição ainda mais relevante ao desenvolvimento do Estado. Para isso, talvez o maior desafio a ser vencido seja o de conquistar uma capacidade de articulação do sistema que ao mesmo tempo respeite a autonomia institucional de cada um dos atores e crie as condições para que suas ações se somem de maneira muito mais efetiva. É preciso também lembrar que, ao lado dos papéis fundamentais a serem desempenhados por universidades, institutos de pesquisa públicos e agências de fomento, há a necessidade de serem mobilizados institutos de pesquisa privados e, especialmente, as empresas, para que intensifiquem suas atividades internas de P&D. Essa intensificação é absolutamente necessária para que as empresas possam beneficiar-se mais intensamente da infra-estrutura pública de P&D instalada no Estado. O Estado de São Paulo – que conta com o mais completo sistema de pesquisa do país e com as instituições e lideranças empresariais e científicas mais competentes e capazes – precisa elaborar e levar adiante uma agenda para o futuro que se coloque, muitas vezes, adiante das demandas imediatas do sistema e nem sempre coincide com os interesses já estabelecidos. O êxito das instituições públicas paulistas contribui para uma inércia natural que, se de um lado tem a vantagem de dar estabilidade ao sistema, de outro pode, sem os devidos estímulos impedir que São Paulo reforme e renove seu quadro institucional na área de C&T na velocidade necessária para acompanhar as mudanças e manter-se competitivo no terreno nacional e, principalmente, internacional. É importante ressaltar que, além das iniciativas paulistas, têm sido observadas algumas realizações inovadoras em outros estados, tais como o Porto Digital, em Pernambuco, e a Fundação Araucária, no Paraná. 19 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ TABELA 19 Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Instituições Estado de São Paulo – 2002 Instituições Grupos de Pesquisa Nos Absolutos % Pesquisadores Total Nos Absolutos % Doutores Nos Absolutos % Total 4.348 100,0 22.694 100,0 13.385 100,0 Universidade de São Paulo (USP) 1.350 31,0 6.383 28,1 4.264 31,9 Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) 614 14,1 2.929 12,9 1.994 14,9 Universidade Estadual Paulista (Unesp) 593 13,6 3.192 14,1 1.981 14,8 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) 145 3,3 1.012 4,5 567 4,2 Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) 200 4,6 876 3,9 627 4,7 Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) 152 3,5 783 3,5 548 4,1 Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) 98 2,3 639 2,8 276 2,1 Instituto Agronômico de Campinas (IAC) 33 0,8 539 2,4 225 1,7 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) 91 2,1 518 2,3 286 2,1 7 0,2 489 2,2 29 0,2 61 1,4 278 1,2 152 1,1 Fundação CPqD Pontifícia Universidade Católica de Campinas Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) 38 0,9 269 1,2 82 0,6 Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) 47 1,1 265 1,2 161 1,2 Instituto Adolfo Lutz 15 0,3 249 1,1 61 0,5 Instituto Butantã 30 0,7 240 1,1 131 1,0 Centro Técnico Aeroespacial (CTA) 28 0,6 232 1,0 108 0,8 Universidade do Oeste Paulista 49 1,1 230 1,0 62 0,5 Universidade Presbiteriana Mackenzie 48 1,1 229 1,0 102 0,8 Universidade de Taubaté 36 0,8 219 1,0 94 0,7 Universidade de Santo Amaro 73 1,7 209 0,9 97 0,7 Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo 62 1,4 203 0,9 106 0,8 Universidade de Ribeirão Preto 34 0,8 182 0,8 64 0,5 Universidade Metodista de São Paulo 39 0,9 164 0,7 75 0,6 Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) 25 0,6 134 0,6 39 0,3 Universidade Guarulhos 20 0,5 132 0,6 66 0,5 Universidade Cidade de São Paulo 26 0,6 125 0,6 54 0,4 Universidade do Sagrado Coração 23 0,5 117 0,5 42 0,3 Universidade Cruzeiro do Sul 28 0,6 97 0,4 47 0,4 Faculdade de Engenharia Química de Lorena 15 0,3 91 0,4 58 0,4 Instituto de Botânica 5 0,1 84 0,4 65 0,5 Fundação Seade 11 0,3 82 0,4 13 0,1 Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) 13 0,3 80 0,4 70 0,5 Universidade Paulista 14 0,3 80 0,4 62 0,5 Instituto Biológico 13 0,3 80 0,4 37 0,3 FGV/Eaesp 13 0,3 78 0,3 65 0,5 Superintendência de Controle de Endemias 16 0,4 75 0,3 16 0,1 (continua) 20 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... TABELA 19 Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Instituições Estado de São Paulo – 2002 Grupos de Pesquisa Nos Absolutos % Instituições Universidade do Vale do Paraíba 25 0,6 Pesquisadores Total Nos Absolutos % 74 0,3 Doutores N os Absolutos % 69 0,5 Universidade Camilo Castelo Branco 31 0,7 74 0,3 20 0,1 Universidade São Francisco 23 0,5 73 0,3 52 0,4 Cebrap 11 0,3 70 0,3 32 0,2 Coordenação do Instituto de Pesquisa 15 0,3 61 0,3 26 0,2 8 0,2 57 0,3 25 0,2 11 0,3 53 0,2 44 0,3 Instituto de Saúde Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Universidade São Marcos Instituto Mauá de Tecnologia Centro de Pesquisa Renato Archer Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (Lnls) Universidade de Franca Universidade de Mogi das Cruzes 9 0,2 53 0,2 37 0,3 12 0,3 52 0,2 20 0,1 5 0,1 46 0,2 26 0,2 17 0,4 45 0,2 33 0,2 9 0,2 44 0,2 24 0,2 24 0,6 42 0,2 32 0,2 Fundacentro 7 0,2 37 0,2 8 0,1 Instituto Pasteur 4 0,1 36 0,2 3 0,0 Universidade São Judas Tadeu 9 0,2 32 0,1 18 0,1 Fundação Carlos Chagas 6 0,1 31 0,1 17 0,1 Universidade de Sorocaba 5 0,1 29 0,1 21 0,2 Instituto de Economia Agrícola 5 0,1 22 0,1 11 0,1 Fundação Antônio Prudente 10 0,2 20 0,1 18 0,1 Centro Universitário Nove de Julho 6 0,1 19 0,1 18 0,1 Universidade Católica de Santos 4 0,1 16 0,1 15 0,1 Universidade de Marília 4 0,1 14 0,1 9 0,1 Instituto Internacional de Ecologia 2 0,0 13 0,1 10 0,1 Universidade Metropolitana de Santos 1 0,0 13 0,1 8 0,1 Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia 2 0,0 13 0,1 6 0,0 Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha 4 0,1 12 0,1 11 0,1 Cedec 1 0,0 12 0,1 9 0,1 Instituto Ludwig 5 0,1 10 0,0 10 0,1 Centro de Estudos Rurais e Urbanos 1 0,0 10 0,0 9 0,1 Centro de Radioastron. e Aplic. Espaciais 1 0,0 9 0,0 9 0,1 Instituto Florestal do Estado de São Paulo 2 0,0 8 0,0 3 0,0 Pólis 1 0,0 4 0,0 1 0,0 Universidade Braz Cubas 1 0,0 3 0,0 2 0,0 Faculdade de Agronomia Dr. Francisco Maeda 1 0,0 2 0,0 2 0,0 Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo 1 0,0 1 0,0 1 Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 0,0 (conclusão) 21 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ por atrair cada vez mais atividades intensivas em tecnologia, com perfis crescentes de qualificação e alto valor agregado. Já não será possível, daqui para a frente, disputar investimentos com regiões menos desenvolvidas do país, cujas decisões locacionais sejam determinadas por baixo custo de mão-de-obra, ou por outros fatores normalmente identificados com aspectos de competitividade espúria. Para os próximos anos, alguns investimentos importantes poderão ser atraídos em áreas de alta tecnologia, em função da necessidade de substituir importações ou criar capacidade exportadora adicional em setores como microeletrônica e fármacos. A necessidade de manter elevados superávits comerciais também vai impulsionar outras atividades de alto valor agregado, como aeroespacial, automotivo, energia (especialmente fontes renováveis), informática e telecomunicações. Muitos outros setores, com grandes impactos em cidades específicas de São Paulo podem e devem ser fomentados: cerâmica, calçados, têxtil e confecções, alimentos, etc. Estar preparado para esse ambiente pressupõe formular e implementar uma estratégia ativa – negociada e articulada com o setor empresarial e com o Governo Federal – para maximizar as vantagens relativas de São Paulo, em benefício, inclusive, do conjunto do país. Aqui, o ponto de partida é criar uma estrutura executiva mínima que mostre focada nessa agenda de C, T&I, com enfoque econômico e que aborde a política tecnológica como parte da política industrial e de desenvolvimento econômico. A oportunidade da criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, no âmbito federal, poderia servir de estímulo para repensar a institucionalidade de São Paulo nessa área. Certamente, há uma necessidade urgente de contar com um corpo técnico qualificado e com capacidade de dar seqüência às ações acordadas entre atores públicos e privados. São Paulo carece de uma estrutura operacional que atue diretamente, mobilize atores públicos e privados e articule interesses nas seguintes áreas de atuação: O desafio pode começar a ser vencido pela avaliação do significado e da dimensão do sistema paulista de instituições de C&T, que não apenas inclui as universidades, Fatecs e institutos de pesquisa estaduais, mas também uma gama de instituições federais e privadas de alta complexidade. Uma proposta prospectiva de rearranjo institucional, na forma de um plano diretor para C,T&I, poderia identificar os gargalos; os papéis dos atores institucionais; as novas necessidades; e, eventualmente, como atuar para renovar as instituições existentes. Em segundo lugar, é preciso reexaminar os instrumentos de que o Estado dispõe para promover a competitividade da economia paulista, suas exportações, atrair novos investimentos, atuar no ambiente econômico e na mobilização e articulação de esforços de empresas, órgãos do governo estadual e federal, instituições de pesquisa e universidades. Sem retornar ao passado, cabe perguntar; “Que meios e que tipo de conduta governamental pró-ativa são capazes de influenciar as estratégias privadas e de contribuir para a melhoria da competitividade?” O ponto de partida poderia ser o exame das “novas gerações” de políticas industriais de âmbito local, voltadas para a inovação em clusters ou cadeias produtivas, para a estruturação de parques e pólos tecnológicos, para o suporte a sistemas locais de inovação e serviços tecnológicos – que fazem hoje parte da ação permanente de governos estaduais e locais, em muitos países. Cabe, ao mesmo tempo, aproveitar as possibilidades criadas com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE, recentemente anunciada pelo Governo Federal. Em São Paulo, há avanços nessa direção, decorrentes da elevada densidade de competências empresariais e institucionais instaladas no Estado. Mas, há que se reconhecer que grande parte desses avanços são muito mais uma conseqüência histórica da concentração regional da atividade industrial e de pesquisa, do que de ações explícitas, quer do governo, quer do setor privado. São Paulo precisa avançar na articulação das competências existentes, maximizando os investimentos já feitos em infra-estrutura e logística, ensino, pesquisa e serviços tecnológicos. A própria institucionalidade pública reflete esse fato: dentre as agências e órgãos de governo não há uma responsabilidade clara para os temas de inovação e competitividade. Para o desenvolvimento econômico e social de São Paulo, essa agenda de articulação público-privada será decisiva para manter a capacidade de atrair investimentos, ampliar exportações e melhorar o perfil do emprego, em direção a ocupações mais qualificadas. São Paulo deve destacar-se - parques tecnológicos; - arranjos produtivos locais (clusters e cadeias produtivas); - metrologia e serviços tecnológicos (tecnologias industriais básicas); - estudos de suporte à decisão (política industrial, promoção comercial e comércio exterior, logística e infra-estrutura, empreendedorismo e capital de risco, crédito e financiamento). Entretanto, a agenda de reformas do sistema paulista é bem mais ampla. Alguns destes aspectos vêm sendo debatidos, 22 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ... - envio, à Assembléia Legislativa, de projeto de Lei de Inovação para São Paulo, que crie estímulos para novos tipos de parcerias público-privadas em setores estratégicos, flexibilize a gestão dos Institutos de Pesquisa e permita que Institutos e Universidades participem do capital de empresas de propósitos específicos e fundos mútuos de investimento voltados para atividades de C&T; a exemplo da formulação de uma Lei Paulista de Inovação Tecnológica. Além dessas, outras questões concretas poderiam ser desencadeadas a partir da elaboração de um Master Plan, dentro das seguintes linhas: - estímulos à atividade de P&D no ambiente empresarial com a meta de se ter mais pesquisadores em empresas obtendo-se, assim, mais resultados em inovação, patenteamento e competitividade; - avaliação dos regimes jurídicos dos institutos públicos e revisão da natureza das carreiras de servidores estaduais na área de C&T; - intensificação das ações para o desenvolvimento da capacidade estadual de formação de recursos humanos, através do planejamento e articulação entre instituições que poderá ser propiciada pelo plano diretor para o desenvolvimento do ensino superior público em São Paulo através do planejamento e da articulação entre instituições; - criação de estrutura adequada de gestão de programas de grande impacto, como a implantação dos Parques Tecnológicos de São Paulo, com flexibilidade de ação e capacidade efetiva de ação; - autorização para que entes públicos constituam e/ou participem do capital desses empreendimentos. - novos modelos de financiamento e funding das atividades de P&D: arranjos cooperativos com setor privado em novos modelos de negócios para C&T (participação em empreendimentos de propósitos específicos, participação em fundos mútuos de investimento, etc.); O fundamental, para a política de C, T&I de São Paulo, é identificar os gargalos e as oportunidades de médio prazo, para que as ações públicas e privadas sejam convergentes e que as reformas institucionais e financeiras necessárias sejam acordadas entre os atores. Essa capacidade de antever minimamente o futuro deveria ser o ponto de partida das reformas, que devem ter rumo e ser implementadas com determinação, porque delas dependerá o maior ou menor êxito do desenvolvimento tecnológico de São Paulo. - estímulos a parcerias com investidores privados em grandes projetos de interesse do Governo Estadual, ancorados em garantias do Governo do Estado de São Paulo e novos tipos de engenharias financeiras; - Reforma institucional do sistema estadual de C,T&I: criação de uma agência estadual de fomento à competitividade e ao desenvolvimento; novos formatos de modelo de gestão para os institutos de pesquisa – como organizações sociais ou contratos de gestão; avaliação sobre a criação de novos institutos de pesquisa, redes e parcerias público-privadas; avaliação da infra-estrutura instalada em São Paulo em novas áreas de pesquisa (nanotecnologia, biotecnologia, etc.) e de modelos alternativos de ação institucional nessas áreas; NOTAS Uma versão inicial deste artigo foi publicada em coletânea organizada pela Assembléia Legislativa de São Paulo e pela Fundação Seade. 1. Este último percentual depende da definição que se dê ao termo “produção científica nacional” – por exemplo veremos adiante que em termos de publicações em revistas científicas de circulação internacional cadastradas na base do Institute for Scientific Information (ISI) a contribuição do Estado de São Paulo chega a 53%. - implantação e consolidação de um conjunto de arranjos produtivos locais (ALPs) em São Paulo, por meio de uma melhor coordenação das ações já existentes, com claro ponto focal e aumento da capacidade de gestão local; 2. O Diretório dos Grupos de Pesquisas do CNPq (Censo 2002) é um levantamento cadastral, focalizado na pesquisa de natureza acadêmica e não representa o universo da pesquisa brasileira. Mas é o melhor levantamento existente e seus números são cada vez mais próximos da realidade da pesquisa acadêmica brasileira (CNPq, 2003). - estímulo para a interação universidade-empresa: implantação de modelos de interação público-privados mais efetivos; análise de autorização legislativa para a constituição de empresas vinculadas às Universidades para explorar licenciamento de tecnologia, propriedade intelectual e implementar novas parcerias com o setor privado em inovações e em tecnologias desenvolvidas no âmbito das universidades; SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 3. Estimativas preliminares dos autores indicam um gasto em relação ao PIB maior do 1,1%, mas preferimos manter aqui os números publicados pela Fapesp. 4. O quadro do ensino superior é mais amplo e retratado mais à frente neste artigo, mas os números levantados pelo CNPq são úteis para diferenciar, dentre os institutos de pesquisa e as entidades de ensino superior, aquelas instituições em que a pesquisa científica e tecnológica é mais relevante. 23 CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ 5. As sucessivas edições do Diretório de Pesquisa do CNPq (1993, 1995, 1997, 2000 e 2002) indicam uma acentuada redução do percentual de doutores trabalhando em São Paulo: de 50% para 32% do total, ao longo de quase dez anos. Este é um fato real, conseqüência da maior qualificação do corpo docente e pesquisadores das demais universidades e instituições de pesquisa. Mas a natureza cadastral do Diretório, e a melhoria da cobertura ano a ano, sugerem cautela na interpretação dos resultados, uma vez que parte desta redução é conseqüência da maior cobertura das estatísticas. CNPq. Censo 2002. Brasília: CNPq/Diretório dos Grupos de Pesquisa, 2003. Disponível em: <http://www.cnpq.br/gpesq2/>. 6. Portal do MEC Espanha. Disponível em: <http://wwwn.mec.es/ educa/ccuniv/html//estadistica/series/institucional.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2005. ________. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002b. 7. Portal do MEC Espanha. Disponível em: <http://wwwn.mec.es/ educa/ccuniv/html//estadistica/series/evolucion.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2005. ________. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2002. Rio de Janeiro: 2003. FAPESP. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo 2001. São Paulo: 2004. FIESP/CIESP. Metrologia. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www2.ciesp.org.br/metro/>. IBGE. Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro: 2002a. MANSFIELD, E. Contributions of new technology to the economy. In: SMITH, B.; BARFIELD, C. (Ed.). Technology, R&D and the Economy. Washington, DC: The Brookings Institutions, 1996. p. 132. 8. Dados da Sinopse do Censo do Ensino Superior 2003 (MEC, 2004). 9. Adam Smith (1776): “All the improvements in machinery, however, have by no means been the inventions of those who had occasion to use the machines. Many improvements have been made by the ingenuity of the makers of the machines, when to make them became the business of a peculiar trade; and some by that of those who are called philosophers or men of speculation, whose trade it is not to do anything, but to observe everything; and who, upon that account, are often capable of combining together the powers of the most distant and dissimilar objects”. MEC. Sinopse do Censo do Ensino Superior 2003. Brasília: Inep, 2004. NSF – The National Science Foundation. Science and Engineering Indicators Report. Arlington, VA: NSF/National Science Board, 2004. ________. Doctorate Recipients from United States Universities: Summary Report 1998. Arlington, VA: 2002. 10. Os dados de vários países da OECD mostram que o número de pesquisadores em empresas é de 30% a 50% daquele do total de pessoal alocado em atividades de P&D. ________. National Patterns of R&D Resources: NSF 96-333, Special Report. Arlington, VA: 1996. 11. Esses valores de pessoal ocupado se referem ao total da indústria, independente da declaração da empresa sobre suas atividades de inovação em produto e processo. Em atividades de serviços e na indústria da construção a Paep revela, respectivamente, a existência de 10.305 e 820 pessoas de nível superior trabalhando em atividades de P&D. OECD. Science, Technology and Industry Outlook. Paris: 2004. ________. Main Science and Technology Indicators – MSTI. Paris: 2003. ________. The Measurement Of Scientific And Technological Activities Using Patent Data As Science And Technology Indicators Patent Manual. Paris: 1994. 12. A população de São Paulo, em 2002, era de 38.730.682 (PNAD, 2002); e, na Coréia, de 48.598.175 (2002). RAUSCH, L.M. R&D continues to be an important part of the innovation process. Data Brief, National Science Foundation – NSF, n. 7, August, 7 1996. Disponível em: <http://www.nsf.gov/ statistics/databrf/sdb96313.htm>. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SÃO PAULO. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Turismo. Programa Estadual de Ampliação do Sistema Fatec’s. São Paulo, [s.d.]. Mimeografado. ALBUQUERQUE, E. Sistema estadual de inovação de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fapemig, 2001. SMITH, A. A riqueza das nações. [S.l.; s.n.], 1776. ALBUQUERQUE, E.; SIMÕES, R.; BAESSA, A.; CAMPOLINA, B.; SILVA, L. A distribuição espacial da produção científica e tecnológica brasileira: uma descrição de estatísticas de produção local de patentes e artigos científicos. Revista Brasileira de Inovação, v. 1, n. 2, 2002. USPTO. United States Patent and Trademark Office. Historic Patents by Country, State, and Year - Utility Patents. Dec. 2004. Disponível em: <http://www.uspto.gov/web/offices/ac/ido/ oeip/taf/cst_utlh.htm>. BRITO CRUZ, C.H. A universidade, a empresa e a pesquisa que o país precisa. Parcerias Estratégicas, v. 1, n. 8, p. 5-30, 2000. CARLOS AMÉRICO PACHECO: Engenheiro de Eletrônica (ITA, 1979), Doutor em Economia (Unicamp, 1989), Ex-Secretário Executivo do MCT (1999 a 2002), Professor do Instituto de Economia da Unicamp. BRITO CRUZ, C.H.; LETA, J. A produção científica brasileira. In: VIOTTI, E.B.; MACEDO, M. de M. (Org.). Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed. Unicamp, 2003. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ: Engenheiro de Eletrônica (ITA, 1978), Doutor em Física (Unicamp, 1983), Ex-Reitor da Unicamp, Diretor Científico da Fapesp. BRITO CRUZ, C.H.; PACHECO, C.A. Conhecimento e inovação: Desafios do Brasil no século XXI. Campinas, 2004. Mimeografado. Disponível em: <http://www.inovacao.unicamp.br/report/inte-britopacheco.shtml>. Artigo recebido em 1 de março de 2005. Aprovado em 21 de março de 2005. CIA. The factbook. Disponível em: <http://www.cia.gov./cia/ publications/factbook/>. 24 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005 BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL GUILHERME ARY PLONSKI Resumo: Este artigo identifica os equívocos recorrentes no tratamento da inovação tecnológica no Brasil e propõe o estabelecimento de um movimento pela inovação tecnológica, com quatro bases: compreensão do que é (e do que não é) inovação tecnológica; valorização de cada componente relevante; reconhecimento do caráter sistêmico e autocoordenado; e estabelecimento de suporte adequado. Palavras-chave: Inovação tecnológica. Política tecnológica. Sistemas de inovação. Abstract: Recurrent mistakes in the treatment of technological innovation in Brazil are identified. A movement on behalf of technological innovation is proposed, based on: an understanding of what technological innovation is (and is not); appreciation of every relevant component; recognition of its systemic and self-coordinating character; and the establishment of an appropriate support. Key words: Technological innovation. Technology policy. Innovation systems. Se, a princípio, a idéia não é absurda, então não há esperança para ela. Albert Einstein mobilização associada à Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em setembro daquele ano (nova versão desse evento está programada para outubro de 2005). A atual administração federal ratificou e ampliou a presença pública da tecnologia, pela sua inclusão em um dos carros-chefe da agenda econômica, que é a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE. Uma de suas medidas mais evidentes é a Lei no 10.973/04, que tem por apelido “Lei da Inovação”. Também no âmbito estadual vem se observando uma presença crescente da tecnologia. Em São Paulo, por exemplo, “o aperfeiçoamento tecnológico das empresas e das instituições públicas” é o objeto do primeiro dos quatro pilares da iniciativa São Paulo Competitivo, estabelecida pelo governo desse Estado no Decreto no 49.274/04. De forma mais lenta, o tema da inovação tecnológica vem adquirindo alguma visibilidade no espaço microrre- A inovação tecnológica vem sendo crescentemente invocada como estratégia para redimir empresas, regiões e nações de suas crônicas aflições econômicas e para promover o seu desenvolvimento. Por esse motivo, a implementação de políticas eficazes de estímulo à inovação tecnológica tornou-se, a partir dos anos 90, um dos eixos estruturantes da atuação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, que abrange 30 países comprometidos com a democracia pluralista e a economia de mercado. Essa proposição vem ganhando projeção no Brasil, principalmente a partir de 2001, como decorrência da SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 25 GUILHERME ARY PLONSKI gional. A fim de acelerar a conscientização dos novos dirigentes municipais a esse respeito, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – Anprotec recentemente publicou o manifesto Agenda das Cidades Empreendedoras e Inovadoras, com “idéias e propostas para prefeitos que querem gerar emprego e renda promovendo o desenvolvimento sustentável de suas cidades”. O setor produtor, por sua vez, está explicitando de forma crescente a inovação tecnológica em suas agendas. A Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras – Anpei, que já tem esse tema presente de longa data, escolheu o tema Cadeias Sinérgicas de Inovação como foco de sua V Conferência, em maio de 2005. A Confederação Nacional da Indústria – CNI estará realizando pela primeira vez, também em 2005, o Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, organizado pelo seu Conselho Temático Permanente de Política Industrial e Desenvolvimento Tecnológico. Essas agendas são justificadas por estatísticas que indicam baixo grau de inovação tecnológica na indústria nacional. A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec 2000), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2002), indicou que 32% das indústrias fizeram pelo menos uma inovação no período 1998-2000. Como era de se esperar, a maior parte dessas indústrias (38%) se localizava no Estado de São Paulo que, todavia, tinha uma taxa de inovação similar à nacional (33%). Focalizando apenas a inovação no produto, a taxa cai substancialmente – de 19% para 6% –, ao se considerar dutos agrícolas transgênicos. De um lado, a ênfase esposada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento na geração de renda e de divisas ensejada pela nova tecnologia e, de outro, a rotulagem dos produtos transgênicos como “inovações suspeitas” pelo Ministério do Meio Ambiente, em decorrência de que deveriam eles ser banidos por ora, em alinhamento ao que reza o “princípio da precaução”. O efeito sobre a biossegurança não é a única fonte de polêmica, no Brasil e no exterior, decorrente da ambivalência percebida da inovação tecnológica. Os sentimentos opostos perpassam outras questões críticas para a sociedade, além da sustentabilidade ambiental, tais como seu impacto sobre emprego e distribuição de renda, privacidade pessoal e segurança pública, guerra e terrorismo, riscos de acidentes e de danos causados por incompetência. Ilustra a primeira questão a própria Constituição Federal em vigor, ao determinar, no art. 7o, XXVII, que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a “proteção em face da automação, na forma da lei”.1 Não obstante existirem desinteligências acerca das importantes questões retromencionadas, a inovação tecnológica é vista, de forma geral, sob uma ótica favorável. Em parte, talvez, por ainda haver uma confusão na sociedade sobre a própria noção de inovação, permitindo a acomodação de posições que, em princípio, seriam divergentes. Por outro lado, a inovação tecnológica, como idéiaforça, corre expressivo risco de desgaste, caso os benefícios dos investimentos financeiros e emocionais feitos não se materializarem em prazo razoável, nem se tornarem adequadamente percebidos. A memória nacional registra numerosas propostas – algumas recendendo a sebastianismo, mas outras bastante sérias – que ocuparam mentes e corações durante curto período, caindo em descrédito. O risco de esvaecimento da capacidade atrativa da inovação tecnológica é alto, em face de dois fenômenos de fragmentação que se combinam. Um é a repartição histórica no seio dos governos, que descontinuam iniciativas antes mesmo de que tenham tido tempo de maturar – o que nem permite o benefício da aprendizagem pelo erro. Essas descontinuidades recorrentes são causadas por troca de dirigentes setoriais – por vezes anulando ações encetadas na gestão precedente sob a mesma direção superior – e pela tradicional dificuldade de sensibilizar as autoridades econômicas. 2 O resultado desastroso é o descompasso no desenvolvimento de iniciativas, mesmo inovadora a empresa que introduziu um produto (bem um serviço) tecnologicamente novo ou significativamente aperfeiçoado que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas também para o mercado nacional (FUNDAÇÃO SEADE, 2005). Reforçando essa constatação preocupante, recente trabalho do Ipea indica que apenas 2% das indústrias brasileiras “inovam e diferenciam produtos” (ARBIX, 2005). As demais se dividem entre empresas especializadas em produtos padronizados (21%) e aquelas que não diferenciam produtos e têm produtividade menor (77%). Contudo, por detrás de discursos aparentemente uníssonos, há visões contrastantes a respeito do valor da inovação tecnológica. Um exemplo recente foi uma ruidosa polêmica no seio do próprio governo federal sobre pro- 26 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL as já comprometidas, reforçando sensações de ceticismo e descrédito. A outra fragmentação, que se soma à anterior, ocorre na sociedade brasileira. Ela também se reflete no campo da inovação tecnológica, mediante redundância descabida de ações, desconsideração de investimentos públicos já feitos, exacerbação da competição em detrimento de esforços cooperativos e outros desvios de conduta coletiva, configurando o que Freud denominou “narcisismo das pequenas diferenças”. Nesse contexto difícil, como aumentar a probabilidade de geração de benefícios pela via da inovação tecnológica, que a tornem relevante para a sociedade em prazo razoável? Este artigo sugere o estabelecimento de um Movimento pela Inovação Tecnológica, agregando entes que compartilham o desejo de contribuir para a efetiva incorporação da inovação tecnológica como motriz do desenvolvimento social e econômico brasileiro. Sua sigla (MIT) coincide, não por acaso, com a de prestigiosa instituição norteamericana, que simboliza a inovação tecnológica e o empreendedorismo inovador. Todo movimento social precisa de valores compartilhados. Nesse sentido, propõe-se um conjunto de argumentos, agrupados em quatro bases: - compreensão do que é (e do que não é) inovação tecnológica; temente confundindo-o com invenção. [...] Inovação é o processo de tornar oportunidades em novas idéias e colocar estas em prática de uso extensivo. Três equívocos conceituais freqüentes no entendimento da inovação tecnológica merecem tratamento: reducionismo (considerar inovação apenas a de base tecnológica), encantamento (considerar inovação tecnológica apenas a espetacular) e descaracterização (relaxar o requisito de mudança tecnológica dessa inovação). “Inovação tecnológica” é uma espécie do gênero “inovação”. Como se depreende da citação anterior de Freeman, inovação é um fenômeno marcadamente socioeconômico, que envolve mudanças e empreendedorismo. E não, como muitos supõem, uma ocorrência de caráter predominantemente técnico e necessariamente decorrente de avanços singulares das ciências experimentais. Na expressão do conhecido pensador da Administração, Peter Drucker (1986), A inovação [...] não precisa ser técnica, não precisa sequer ser uma ‘coisa’. Poucas inovações técnicas podem competir, em termos de impacto, com as inovações sociais, como o jornal ou o seguro. As compras a prazo literalmente transformaram as economias. Há, evidentemente, um espaço relevante para a inovação derivada de conquistas científicas e do progresso técnico. Drucker (1986), ao recomendar o monitoramento de sete fontes para uma oportunidade inovadora, destaca uma fonte, que é o conhecimento novo: - valorização de cada componente relevante para a inovação tecnológica; - reconhecimento do caráter sistêmico e autocoordenado da inovação tecnológica; A inovação baseada no conhecimento é a ‘superestrela’ [...] Ela é o que as pessoas normalmente querem dizer quando falam sobre inovação. [...] As inovações baseadas no conhecimento diferem das demais inovações em suas características básicas [...] e nos desafios que apresentam para o empreendedor. E, como a maioria das ‘superestrelas’, a inovação baseada no conhecimento é temperamental, caprichosa e difícil de controlar. - estabelecimento de suporte adequado à inovação tecnológica. BASE 1: COMPREENSÃO DO QUE É (E DO QUE NÃO É) INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Um problema bem formulado é um problema meio resolvido. Charles Kettering Toda inovação envolve mudanças. A inovação tecnológica é caracterizada pela presença de mudanças tecnológicas em produtos (bens ou serviços) oferecidos à sociedade, ou na forma pela qual produtos são criados e oferecidos (que é usualmente denominada de inovação no processo). Inovações tecnológicas em produto e processo evidentemente não se excluem mutuamente; pelo contrário, podem se combinar, como, por exemplo, na comer- Um dos pioneiros e, até hoje, dos mais importantes estudiosos da inovação, Chris Freeman (1982), da University of Sussex (Reino Unido), alertava, já há mais de duas décadas, que um dos problemas em gerir a inovação é a variedade de entendimentos que as pessoas têm desse termo, freqüen- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 27 GUILHERME ARY PLONSKI cialização de DVDs (produto inovador) pela Internet (processo inovador). Uma outra classificação, de interesse para as políticas públicas – incluindo as de fomento à inovação – e para a gestão, busca lidar com o espectro de inovações tecnológicas no que se refere ao grau da mudança envolvida. Essa grande variedade leva à conhecida categorização das inovações em incrementais, radicais ou transformadoras (também chamadas de revolucionárias). Valores midiáticos têm levado a distorções acerca da relevância relativa dessas categorias no mundo real. Inovações tecnológicas incrementais são menosprezadas, enquanto pretensas inovações radicais ou transformadoras são alardeadas muito antes de se demonstrarem como tais. Mudanças tecnológicas incrementais são, por vezes, percebidas como de segunda categoria. Caberiam, quando muito, no vestíbulo do olimpo da inovação – este inacessível às empresas de porte pequeno e às sociedades que não dispõem dos elevados recursos (notadamente talento e capital) requeridos para gerar inovações radicais. Ledo engano, entre outros motivos, pelo fato de desconsiderar o expressivo efeito econômico e social do processo cumulativo de mudanças tecnológicas incrementais. A importância das inovações incrementais para os negócios, inclusive os das megaempresas, está começando a ser detectada pela mídia mais percuciente, como o periódico The Economist, formador de opinião de dirigentes empresariais e de formuladores de políticas públicas em muitas partes do globo terrestre. Artigo com a pitoresca chamada “Não ria de borboletas engalanadas”, na seção de Inovação nos Negócios, da edição de 22 de abril de 2004, tem o subtítulo: “Mais do que perseguir novos produtos miraculosos, as grandes empresas devem focalizar a realização de numerosos pequenos melhoramentos”. Explica que as grandes empresas ocorre o fenômeno combinado da duplicação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em uma década, com a redução pela metade das drogas verdadeiramente novas aprovadas pela agência reguladora norteamericana. Há, contudo, espaços expressivos para inovações incrementais, de expressivo valor social e econômico, por exemplo, na forma de ministrar medicamentos e nutrientes, pelo avanço da tecnologia de microencapsulação. Esses espaços vêm sendo explorados no Brasil, em particular no sistema paulista de inovação tecnológica.4 O equívoco conceitual antípoda ao do encantamento é o da descaracterização, ou seja, considerar quase qualquer inovação como sendo tecnológica. Trata-se, por um lado, de uma questão contábil, que deve ser resolvida para fins de cálculo honesto dos indicadores de inovação tecnológica empresarial, estadual e nacional, uma vez que eles se baseiam em dados provenientes de autodeclaração. Por outro lado, a descaracterização está passando a ser utilizada ideologicamente, de maneiras nem sempre sutis, por entidades e iniciativas interessadas em realocar para fins distintos recursos financeiros de fomento e apoio que, pelas regras vigentes, devem ser alocados exclusivamente em atividades voltadas à inovação tecnológica. Assim, entre outros cuidados, é necessário estipular o referencial de novidade para se caracterizar uma inovação tecnológica. Há, evidentemente, que explicitar se a mudança tecnológica se refere à própria organização, ao mercado nacional ou ao mundo. É imprescindível, também, precisar o caráter tecnológico da inovação.5 O movimento pela inovação tecnológica precisa ser, ao mesmo tempo, abrangente e seletivo. BASE 2: VALORIZAÇÃO DE CADA COMPONENTE RELEVANTE PARA A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA pensam em inovação como sendo algo parecido com Botox – injete nos locais corretos da empresa e os melhoramentos obrigatoriamente ocorrerão. Mas muitas empresas querem uma injeção muito grande, um sucesso retumbante (no original, blockbuster), cujo efeito lhes perdure durante o futuro previsível. Infelizmente, a inovação bem sucedida raramente ocorre desse jeito. Um bom cientista é uma pessoa com idéias originais. Um bom engenheiro é uma pessoa que faz um projeto que funciona com a menor quantidade possível de idéias originais. Freeman J. Dyson A inserção da inovação tecnológica no processo de desenvolvimento econômico e social requer das políticas públicas e da gestão das organizações inovadoras tratamento eqüitativo e integrado de seus elementos contributivos. São componentes relevantes da inovação tecnológica, sem a eles se limitar, o empreendedorismo inovador, o Reforça-se ali o argumento pela constatação de que, mesmo num setor intensivo em tecnologia como o de corantes, nenhuma inovação radical ocorreu nos últimos 50 anos. 3 E que no glamouroso setor farmacêutico, diretamente ligado a avanços espetaculares da ciência, 28 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL marketing (entendido em seu sentido lato6 ), a pesquisa científica e tecnológica, a invenção, o desenvolvimento tecnológico, a engenharia não-rotineira, a tecnologia industrial básica – TIB, o design (por vezes incluído na TIB), o financiamento (incluindo o capital empreendedor), os mecanismos de estímulo (fiscais, financeiros e outros), a extensão tecnológica, a educação em diversos níveis (inclusive a educação continuada), a comunicação social, a gestão do conhecimento e o gerenciamento de programas e projetos complexos. Cabe observar que a referida complexidade se deve, em boa medida, ao desafio de conseguir compatibilizar as peculiaridades (valores, etos, requisitos) distintas das entidades envolvidas na realização de cada componente. Na prática nacional, alguns componentes são desconsiderados e outros são encorpados, há componentes que são tomados pelo todo e é muito baixo o grau de integração no seu tratamento. Entre os elementos contributivos essenciais para a inovação tecnológica que são persistentemente desconsiderados pelas políticas públicas está a engenharia não-rotineira.7 A evidência contundente é a total ausência do termo “engenharia” nos quase 30 artigos da recente Lei no 10.973/04, que pretende ser um divisor de águas no campo da inovação tecnológica.8 Não por acaso, apenas “pesquisa” é ali mencionada como componente destacado da inovação.9 Essa mensagem reforça o modelo ofertante de inovação tecnológica, dominado pelo paradigma da inovação radical direcionada pelo avanço científico (science-driven). Outra prática usual em nosso meio é considerar um dos elementos contributivos da inovação tecnológica como se fosse a ela idêntico. Remanesce o problema apontado por Freeman da indistinção entre invenção e inovação, como se vê em numerosos textos e exposições que lançam mão do número de patentes, que são uma medida de invenção, para analisar o estado da inovação no Brasil. Esses analistas interpretam a baixa quantidade de patentes depositadas nos Estados Unidos por residentes brasileiros como indicador de debilidade da inovação entre nós. Eles justificam essa conclusão pelo contraste da estabilidade temporal do reduzido número de patentes com o expressivo avanço no campo da produção científica brasileira, medido por artigos em periódicos especializados arbitrados e pela comparação com o grande aumento do número de patentes atribuídas, por exemplo, a residentes da Coréia do Sul. Originário dos anos 50, mas ainda em voga, o número de patentes é um indicador problemático da inovação, SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 mesmo para a de base tecnológica. Ao focalizar a invenção, contempla apenas uma etapa de um longo e complexo caminho de trazer uma boa idéia a uma condição de utilização extensiva pela sociedade, que é a essência do conceito de inovação. No mundo real, aliás, parcela expressiva das patentes é depositada justamente para inibir a inovação (por parte de concorrentes) ou para confundir os trabalhos de inteligência competitiva feitos por rivais. Outra limitação do uso da medida de patentes como indicador de inovação tecnológica é a exclusão de outros meios de proteção da propriedade intelectual, tais como o direito autoral e o segredo industrial, que prevalecem em setores produtores importantes de economias intermediárias, como a brasileira. Para fins de avaliação da posição nacional deve-se, ainda, levar em conta que, no caso de empresas transnacionais, a titularidade da patente é usualmente pedida pelo escritório que cuida da propriedade intelectual, situado na matriz, e não pela unidade do país em que a invenção foi realizada. A dificuldade de interpretar o número de patentes per se recomenda a sua utilização apenas juntamente com outros indicadores, entre eles o balanço de pagamentos tecnológico, a análise de produtos e setores de alta tecnologia e estatísticas e indicadores da sociedade do conhecimento. A preocupação da OCDE de obter indicadores mais precisos de inovação resultou no Manual de Oslo, que focaliza as mudanças ao nível da firma, principalmente em termos de inovação em produtos (bens e serviços).10 No que se refere à medição dos gastos para inovação em produtos e processos na empresa, o Manual não se limita aos efetuados em pesquisa e desenvolvimento (P&D), reconhecendo diversas outras categorias, tais como a aquisição de know-how, a capacitação relacionada a atividades de inovação em tecnologias de produto e processo e os gastos de comercialização de produtos novos ou aperfeiçoados do ponto de vista tecnológico. Uma crítica ao Manual de Oslo advém de sua pouca adequação às condições dos países em desenvolvimento, em cujas empresas a inovação é predominantemente incremental. Uma proposta de mensuração alternativa passou a ser buscada, resultando no Manual de Bogotá, que introduz o conceito de “esforço de inovação”. Uma métrica correta da inovação tecnológica e o tratamento equânime e integrado dos seus elementos contributivos apenas ocorrerão se for adotada abordagem sistêmica. 29 GUILHERME ARY PLONSKI É útil, no esforço de autocoordenação, a noção de “rede tecno-econômica”, a saber, BASE 3: RECONHECIMENTO DO CARÁTER SISTÊMICO E AUTOCOORDENADO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA um conjunto coordenado de atores heterogêneos, envolvendo laboratórios públicos, centros de pesquisa técnica, firmas industriais, organizações financeiras, usuários e autoridades públicas – que participam coletivamente no desenvolvimento e difusão das inovações, e que, mediante numerosas interações, organizam as relações entre a pesquisa científico-tecnológica e o mercado. Essas redes evoluem ao longo do tempo, e sua geometria varia com a identidade dos atores que a compõem (CALLON, 1992). Não ande atrás de mim, posso não liderar. Não ande à minha frente, posso não seguir. Apenas ande ao meu lado e seja meu amigo. Albert Camus O Centro de Pesquisa sobre Inovação e Competitividade da University of Manchester, no Reino Unido, chama a atenção para três conceitos de inovação: como realização ou façanha; como efeitos das realizações; e como capacidade de mudar (TETHER, 2003). A forma mais usual de entender a inovação é pelas realizações do gênio humano – por vezes verdadeiras façanhas – materializadas em artefatos e serviços incorporados em nosso cotidiano. Essas realizações podem envolver uma extensão da fronteira do conhecimento (ou seja, requerendo pesquisa), ou a utilização criativa de tecnologias existentes. Outro conceito de inovação está associado ao conjunto de efeitos, intencionais e não-intencionais, dessas realizações. Configuram as noções de risco e incerteza, intrínsecas à inovação. O entendimento mais abrangente da inovação é como processo. O foco deixa de recair sobre as façanhas e seus efeitos, passando a privilegiar atitudes, comportamentos e práticas que ensejam à empresa, organização, região, segmento da sociedade ou nação uma capacidade dinâmica de mudança, que melhora a condição de responder criativamente a desafios e de alcançar seus objetivos estratégicos. Gerida como processo, a inovação tecnológica não mais se limita, como é hoje no Brasil, a uma coleção de fatos episódicos de êxito (e outros tantos de insucesso). Adquire uma dinâmica vital, buscando se tornar um modo de atuação reconhecido, uma maneira de ser válida da sociedade. Para que se consolide num movimento sustentado e sustentável, como vem sendo o da qualidade em nosso país, o trato da inovação tecnológica pelos seus diversos agentes deve desejavelmente considerar seu caráter sistêmico e autocoordenado. A idéia de autocoordenação é um avanço com relação ao tradicional desiderato da cooperação entre instituições científico-tecnológicas, empresas e governo, representado em modelos triádicos, tais como o conhecido Triângulo de Sábato11 e a Hélice Tríplice de Relações Universidade-Indústria-Governo.12 A circulação de intermediários – documentos, competências, dinheiro e artefatos técnicos – dá substância aos nexos entre os nós da rede. O conhecimento das características de uma rede, tais como sua extensão, polarização e graus de completude e de convergência, ajudam a delinear formas de boa governança. O caráter sistêmico inspira-se no conceito de “sistema nacional de inovação”, concebido por Lundvall, pesquisador da University of Aalborg, na Dinamarca, e exposto à comunidade internacional por Chris Freeman (ANDERSEN, 2002). O destaque conseguido pela indústria japonesa, no final da década de 80, havia reforçado sua convicção de que o progresso técnico e a competitividade não dependiam apenas de P&D (e, portanto, não se tratava apenas de aumentar os dispêndios em pesquisa), que a inovação tecnológica era um processo complexo e que a articulação entre geradores e usuários do conhecimento era o propulsor fundamental da inovação tecnológica. Daí a definição de Sistema Nacional de Inovação como a rede de instituições públicas e privadas, cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias. A disseminação desse conceito, como categoria analítica e instrumento de política, foi muito rápida. Proliferaram estudos nacionais, entre eles a análise comparativa de 14 países, coordenada por Richard Nelson, da University of Columbia, nos EUA, que inclui um interessante capítulo sobre o Brasil (NELSON, 1993). Estudos encomendados pela OCDE trazem casos de boas práticas e as seguintes recomendações de políticas públicas para a gestão de seus sistemas nacionais de inovação: construir uma cultura de inovação, ajudando as empresas a melhorar sua gestão nesse campo; aumentar a difusão tecnológica, balanceando o apoio ao segmento de tecnologia de ponta e o auxílio à disseminação do conhecimento tecnológico existente e da inovação por toda a 30 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL - aumento da transparência do processo decisório e da ação governamental, com introdução de balanço anual de atividades. economia; promover redes e arranjos inovadores, evitando focalizar empresas isoladamente; aproveitar a globalização dos fluxos internacionais de bens, investimentos, pessoas e idéias; e alavancar P&D, mediante agregação de recursos públicos e privados, fomentando a cooperação entre os atores do sistema de inovação (OCDE, 1999). Essas recomendações são relevantes para a plataforma do aqui alvitrado movimento pela inovação tecnológica no Brasil. Será de utilidade para a referida plataforma do MIT no Brasil avaliar criticamente a rica experiência nacional em políticas públicas voltadas à inovação tecnológica. A compilação dos mecanismos de estímulo à inovação no Brasil gerados no âmbito governamental, mormente na esfera federal, ao longo da segunda metade do século 20 e início do atual, levaria facilmente às dezenas. As ilustrações apresentadas a seguir permitem ter idéia dessa variedade. - Mecanismos de estímulo financeiro: pagamento da parcela da P&D de interesse da empresa que for realizado por instituição científico-tecnológica externa; estabelecimento de incentivos fiscais a P&D; suavização do custo de financiamento tomado para P&D; facilitação do processo de capitalização de empresas de base tecnológica; e concessão de bolsas para estudantes e pesquisadores participarem de projetos destinados a gerar inovações nas empresas. BASE 4: ESTABELECIMENTO DE SUPORTE ADEQUADO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA A pessoa que promete tudo nada cumprirá e quem promete muito corre o risco de usar meios inadequados de cumprir suas promessas, já estando a trilhar o caminho da perdição. Carl Gustav Jung É positivo o fato de as diretrizes da PITCE em vigor contemplarem diversos quesitos propostos pela OCDE para a gestão de sistemas de inovação. Das cinco linhas de ação para a implantação da política, a primeira focaliza a inovação e o desenvolvimento tecnológico, compreendendo: - estruturação de um sistema nacional de inovação que permita a articulação dos agentes voltados para a inovação no setor produtivo; - Mecanismos de estímulo moral: premiação de empresas, produtos e processos inovadores; e atribuição de reconhecimento a produtos inovadores de classe mundial. - Mecanismos de estímulo orientados principalmente para a inovação em empresas de pequeno porte: apoio à constituição de hábitats de inovação (incubadoras, parques tecnológicos e empreendimentos afins); valorização do empreendedorismo; pagamento de parcela da P&D feito pela empresa mesmo sem participação de instituição científico-tecnológica externa; suporte tecnológico à exportação; e organização de arranjos para eficiência coletiva (tais como consórcios e arranjos produtivos locais). - harmonização da base legal, incluindo a Lei da Inovação; - garantia do fluxo de recursos, já definidos legalmente, como instrumento efetivo da política de inovação; - criação e fortalecimento de instituições públicas e privadas de pesquisa e serviços tecnológicos, visando até mesmo à difusão de tecnologias e extensão tecnológica; - Mecanismos educacionais: pagamento total ou parcial de programas de capacitação de gestores nos diversos agentes do sistema de inovação e capacitação de empreendedores. - reestruturação dos institutos de pesquisa tecnológica nacionais e estaduais, reorientando suas prioridades e recuperando seus equipamentos e quadros técnicos; - Mecanismos associados ao poder de compra do Estado: criação de núcleos de articulação com a indústria e aquisição preferencial de bens e serviços estratégicos. - ampliação do debate nacional, mediante retomada da prática de conferências nacionais periódicas em torno de temas estratégicos; - estímulo aos projetos de extensionismo tecnológico; - Disponibilização de infra-estrutura tecnológica: formação e capacitação de profissionais qualificados e estabelecimento de programas de reforço à tecnologia industrial básica (incluindo metrologia, normalização, certificação, propriedade intelectual e design). - criação de empresas de base tecnológica integradas à economia local ou regional; Essa abundância de mecanismos reflete a intenção positiva dos gestores públicos, notadamente dos que cuidam - utilização do potencial de ciência e tecnologia para superação dos desníveis regionais; SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 31 GUILHERME ARY PLONSKI temática, que é compreendê-la e tratá-la como jogo de equipe. Cada um dos agentes – empresas, institutos tecnológicos, instituições de ensino (superior e médio), agências de fomento, entidades de capital empreendedor, organismos formuladores de políticas públicas (executivo e legislativo), hábitats de inovação (incubadoras e parques tecnológicos), associações profissionais e setoriais, entidades de trabalhadores, organizações não-governamentais, órgãos de imprensa, agências reguladoras e outros – tem papel a cumprir. O Brasil possui experiências inspiradoras do alcance de resultados excelentes pela inovação tecnológica mediante esforço cooperativo sustentado de longo prazo, tal como a praticamente alcançada auto-suficiência em petróleo. Para que o conhecimento efetivamente (e não apenas potencialmente) beneficie a sociedade, é preciso – mais do que estimular a cooperação – estabelecer uma dinâmica de coordenação entre os distintos agentes envolvidos na inovação. Isso requer uma política pela inovação tecnológica e não apenas uma política para inovação tecnológica. de agências especializadas. Contudo, em que pese o êxito localizado de algumas dessas iniciativas, seu efeito conjunto em termos de alavancagem da inovação no Brasil afigura-se módico. Diversos fatores podem ser arrolados, entre os quais se destacam três. O primeiro, estrutural, é a ausência de uma estratégia científico-tecnológica acordada entre os principais agentes do sistema de inovação. O Brasil chegou perto de iniciar um processo participativo estruturado e estruturante, capaz de estabelecer prioridades nacionais ancoradas numa visão prospectiva fundamentada, que havia sido demandada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) ainda em 1996. Anos depois, por motivos não explicados substantivamente, o MCT decidiu abortar a realização de um estudo prospectivo amplo, já em condições de ser iniciado. O tema consta da agenda do atual CCT, mas ainda não há sinal concreto de sua realização. A construção de um conjunto consistente de objetivos fundamentados e compartilhados, que responda à questão de “qual é o projeto do país e como a inovação tecnológica pode ajudar a viabilizá-lo”, é essencial para a autocoordenação já referida. Um MIT ajudará a assegurar que essa busca seja feita com isenção e competência, valorizando a competência nacional existente no campo do suporte a políticas públicas voltadas à inovação tecnológica13 e contribuindo para a autonomia tecnológica preconizada na Constituição Federal. O segundo fator, tático, é o caráter espasmódico e fragmentado dos mecanismos. Geralmente efêmeros, têm sua subsistência afetada mais por mudanças na direção dos órgãos e entidades que o criaram do que em decorrência de avaliação isenta. A inexistência, no Brasil, do eixo estruturante do desenvolvimento tecnológico voltado para a inovação, primeiro fator apontado, torna esses mecanismos mais vulneráveis a contingenciamento e outras restrições por parte das autoridades responsáveis pelo orçamento e pelo Tesouro.14 A presença do MIT possivelmente reforçará as condições que dêem fôlego às iniciativas acordadas. A terceira razão é a concentração dos mecanismos de estímulo governamental em segmentos do processo de inovação tecnológica a montante do “duto virtuoso”, em correspondência ao clássico (e superado) modelo linear. A participação ampla dos distintos agentes de inovação tecnológica e a criação de relações de simetria no MIT ensejará espaços para buscar a correção de distorções renitentes, algumas das quais apontadas neste artigo. O estabelecimento do MIT também contribuirá para um dos fatores-chave de sucesso na inovação tecnológica sis- NOTAS 1. O Projeto de Lei no 4.502/1994, submetido pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), “proíbe a adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra”. Após três arquivamentos, o deputado, que então ocupava a liderança do governo na Câmara dos Deputados, conseguiu que o Projeto fosse novamente desarquivado, passando a tramitar na atual legislatura. 2. Exposição feita pelo Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT, na reunião de 8 de abril de 2005 da Frente Plurissetorial em Defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação do Congresso Federal, indicou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT ficou com apenas 30% do esforço de arrecadação dos Fundos Setoriais em 2004. Também nos Estados ocorrem contingenciamentos, que não são levantados mesmo com superação da arrecadação orçada, bem como inadimplência de recursos legalmente comprometidos para ciência, tecnologia e inovação. 3. É previsão deste autor que mudanças radicais provavelmente ocorrerão pela adoção de nanotecnologias. 4. A Nota Metodológica sobre Inovação Tecnológica, na Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001, cujos resultados foram recentemente divulgados pela Fundação Seade, contempla essa situação: “um produto tecnologicamente novo é aquele cujas características básicas (especificações técnicas, usos pretendidos, software ou outro componente imaterial incorporado) diferem significativamente de todos os produtos previamente produzidos pela empresa. A inovação também pode ser progressiva e cumulativa, por meio de um significativo aperfeiçoamento tecnológico de produto previamente existente”. 5. Na Paep 2001, “não foram consideradas inovações tecnológicas as puramente gerenciais ou organizacionais [...], mudanças estéticas e de estilo no produto [...] e mudanças superficiais na embalagem e no conceito de produtos já existentes” (FUNDAÇÃO SEADE, 2005). 32 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL 6. Em sentido lato, o esforço de marketing de uma organização consiste no conjunto de estratégias e táticas usadas para identificar, criar e manter relacionamentos satisfatórios com clientes e parceiros, que resultem em valor tanto para os clientes e parceiros como para a organização. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7. A percepção da importância da engenharia levou a Anpei – originalmente, Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais – a incluí-la em sua razão social, quando se decidiu a explicitar a inovação em seu nome. Passou, então, a se chamar Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (grifos deste autor). ARBIX, G. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Versão preliminar. Estudos e Pesquisas. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Altos Estudos, n. 96, 2005. ANDERSEN, E.S. et al. Editorial, special issue, Innovation Systems. Research Policy, v. 31, n. 2, p. 185-190, fev. 2002. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS INOVADORES. Agenda das cidades empreendedoras e inovadoras. Brasília, 2004. 8. O esforço do Poder Legislativo de incluir a engenharia no substitutivo ao projeto de lei acabou sendo frustrado ao longo das negociações finais com o Poder Executivo. CALLON, M. et al. The management and evaluation of technological programs and the dynamics of techno-economic networks. Research Policy, v. 21, n. 3, p. 215-236, jun. 1992. 9. Referida Lei “dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”. Proposta de legislação similar, aprovada pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia em fevereiro de 2005, em preparação para envio à Assembléia Legislativa, destaca gama mais ampla de componentes, ao dispor “sobre incentivos à inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica, ao desenvolvimento tecnológico, à engenharia não-rotineira e à extensão tecnológica em ambiente produtivo no Estado de São Paulo”. DON’T laugh at gilded butterflies. The Economist, London, 22 Apr. 2004. DRUCKER, P. F. Inovação e espírito empreendedor: práticas e princípios. São Paulo: Pioneira, 1986. ETZKOWITZ, H. e LEYDESDORFF, L. The triple helix: universityindustry-government relations – a laboratory for knowledge based economic development. EASST Review, v. 14, n. 1, 1995. 10. Uma contribuição interessante do Manual é a apresentação de sugestões para indicadores de efeitos da inovação sobre o resultado econômico da empresa. Entre esses, menciona: proporção das receitas de vendas decorrentes de produtos novos ou aperfeiçoados nos três anos anteriores; resultados do esforço de inovação em medidas específicas de desempenho, tais como exportação e margem operacional; e impacto da inovação no uso dos fatores de produção, tais como redução de custos. FREEMAN, C. The economics of industrial innovation. 2. ed. London: Frances Pinter, 1982. FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa das Atividades Econômicas da Indústria Paulista – Paep 2001. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/paeponline/>. 11. Em 1968, Jorge Sábato, então diretor da Comissão Nacional de Energia Atômica da Argentina, e Natalio Botana, então pesquisador do Instituto para a Integração da América Latina, publicaram o artigo C&T no desenvolvimento futuro da América Latina, em que prospectavam o então longínquo ano 2000. Nesse trabalho, os autores propõem que, para a superação do subdesenvolvimento – palavra hoje algo fora de moda – da região e o seu acesso à condição de sociedade moderna, era necessária a inserção da C&T na própria trama do processo de desenvolvimento. Esse processo resulta “da ação múltipla e coordenada de três elementos fundamentais para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas: o governo, a estrutura produtiva e a infraestrutura científico-tecnológica”. IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. NELSON, R.R. (Ed.). National innovation systems: a comparative analysis. New York: Oxford University Press, 1993. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Managing national innovation systems. Paris, 1999. PLONSKI, G.A. Mantras da inovação. In: FLEURY, M.T. e FLEURY, A. (Org.). Política industrial. São Paulo: Publifolha, v. 2, 2004. p. 93-118. 12. Em 1995, Henry Etzkowitz, professor de sociologia da C&T da State University of New York (Suny), e Loet Leydesdorff, professor de economia da University of Amsterdam, assim expuseram a rationale da Hélice Tríplice: “Universidades e indústrias, até o presente esferas institucionais relativamente separadas e distintas, estão assumindo tarefas que anteriormente eram, em grande parte, a província da outra. O papel do governo em relação a essas duas esferas está mudando em direções aparentemente contraditórias. Os governos estão oferecendo incentivos por um lado, e fazendo pressão pelo outro, sobre as instituições acadêmicas para elas irem mais além do desempenho das suas funções tradicionais de memória cultural, educação e pesquisa, e fazerem uma contribuição mais direta para a ‘criação de riqueza’”. ________. Cooperação empresa-universidade na Ibero-américa: estágio atual e perspectivas. In: PLONSKI, G.A. (Ed.). Cooperación empresa-universidad en Iberoamérica: avances recientes. São Paulo: Programa Cyted, 1995. p. 79-92. TETHER, B.S. What is innovation? Approaches in distinguishing new products and processes from existing products and processes. Center for Research on Innovation & Competition (CRIC) Working Paper n. 12. Manchester (RU): The University of Manchester, 29 ago. 2003. 13. Recente Seminário Internacional sobre Sistemas de Suporte a Políticas de Tecnologia e Inovação, organizado pelo Observatório de Tecnologia e Inovação, operado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas para o governo do Estado de São Paulo, reforça a necessidade de sociedades que pretendem alavancar seu desenvolvimento pela inovação tecnológica disporem de sistemas de suporte adequados. GUILHERME ARY PLONSKI: Doutor em Engenharia de Produção. Professor Titular da FEA-USP e Professor Associado da Escola Politécnica - USP. Diretor superintendente do IPT ([email protected]). 14. Como contraponto, menciona-se o marcante caso da Irlanda, em que se estabeleceu um compromisso nacional para o desenvolvimento baseado na inovação tecnológica; a permanência dos mecanismos ao longo de sucessivas administrações muito contribuiu para a transformação econômica e social ali ocorrida. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005 Artigo recebido em 7 de março de 2005. Aprovado em 30 de março de 2005. 33 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO as implicações de política JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO HELENA MARIA MARTINS L ASTRES Resumo: A partir da discussão sobre uma co-evolução das idéias conceituais e analíticas a respeito do processo inovativo e da formulação de políticas nos países mais desenvolvidos, este texto argumenta que a incompreensão das particularidades do processo inovativo – e de suas conseqüências para o desenvolvimento – tem levado a equívocos que impedem avançar no sentido de propor e implementar políticas que dêem conta dos desafios e oportunidades colocados atualmente à sociedade e economia brasileiras. Palavras-chave: Inovação. Desenvolvimento. Política industrial e tecnológica. Abstract: Starting with a discussion about a co-evolution of conceptual and analytical ideas about innovation process and the design of industrial and technological policies in developed countries, paper argues that the misunderstanding of the specificities of the innovation process has led to design and implementation of adequate policies to deal with the threats and opportunities faced by Brazilian economy and society. Key words: Innovation. Development. Industrial and technological politics. N um período marcado pela crescente incorporação de conhecimentos nas atividades produtivas, a inovação passou a ser entendida como variável ainda mais estratégica para a competitividade de organizações e países. Estes têm enfrentado as mudanças dela decorrentes de forma diferenciada, tendo em vista suas especificidades históricas e socioeconômicas e as possibilidades permitidas pela sua inserção geopolítica. Alguns países têm obtido melhores resultados tanto em termos do aproveitamento das oportunidades apresentadas, como pela superação das dificuldades inerentes ao processo de transformação. Este trabalho argumenta que esses países conseguiram definir e implementar novas estratégias capazes de reforçar e ampliar suas políticas científicas, tecnológicas e industriais. Essas políticas realçam a mobilização dos processos de aquisição e uso de conhecimentos e de capacitações produtivas e inovativas como the the the the parte integrante fundamental de suas estratégias de desenvolvimento. Tal mobilização é estruturada a partir do conceito de “sistemas de inovação”. Na segunda metade dos anos 90, a palavra mágica “inovação” chegou ao Brasil, mas parece ainda não ter sido assimilada e talvez sequer bem compreendida. De fato, ela tem sido incluída na agenda das políticas industriais e tecnológicas. Porém, não se percebem resultados mais concretos das políticas implementadas, e o desempenho inovativo da economia brasileira continua modesto. Na maioria das vezes, o padrão de inovação que ocorre na economia brasileira ainda é defensivo e adaptativo. A exceção se encontra em segmentos da agroindústria (devido ao papel da Embrapa e às especificidades do processo de geração e difusão de inovações na agricultura), em algumas atividades historicamente percebidas como estratégicas e naquelas em que o papel do Estado foi 34 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ... então, a inovação era vista como ocorrendo em estágios sucessivos e independentes de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, produção e difusão (visão linear da inovação). Geralmente a discussão sobre as fontes mais importantes de inovação polarizava-se entre aqueles que atribuíam maior importância ao avanço do desenvolvimento científico (science push) e os que destacavam a relevância das pressões da demanda por novas tecnologias (demand pull). Nas décadas seguintes, ocorre uma revisão em tal conceituação: amplia-se a compreensão deste conceito. A inovação passou a ser vista não como um ato isolado, mas sim como um processo de aprendizado não-linear, cumulativo, específico da localidade e conformado institucionalmente. Essa revisão foi muito influenciada por dois grandes programas de pesquisa empírica. O primeiro foi o Projeto SAPPHO realizado sob a coordenação de Chris Freeman no Science and Technology Policy Research – SPRU da Universidade de Sussex. Utilizando como metodologia uma metáfora da pesquisa em biologia, o projeto comparou 50 inovações que tinham obtido sucesso1 com aquelas que não se concretizaram2 . Os resultados (ROTHWELL et al., 1974) sugeriram que algumas poucas características explicavam as diferenças entre sucesso e falha. Além de registrar a importância das diferentes atividades internas à firma (produção, marketing, vendas etc.) e também enfatizar a importância do ambiente nacional, o projeto apontou como principais atributos dos casos de sucesso: as ligações com fontes externas à firma de informação científica e tecnológica – os inovadores que tinham obtido sucesso, apesar de possuir seu próprio laboratório interno de P&D faziam uso considerável de fontes externas, enquanto os casos de insucesso eram caracterizados por falhas de comunicação com as mesmas; e a preocupação com as necessidades dos usuários e formações de redes – inovações que falharam eram caracterizadas por falta de comunicação com os usuários, ao passo que as que tinham tido sucesso caracterizaram-se por tentativas explícitas de entender as necessidades dos usuários, quase sempre através de processos cooperativos e interativos. Enquanto o SAPPHO dirigiu a análise para a inovação, a Yale Innovation Survey – YIS realizada nos EUA concentrou-se no entendimento das estratégias das grandes empresas norte-americanas para o desenvolvimento de novos produtos e processos. Os resultados da YIS demonstraram a extrema importância, para a inovação, da acumulação de capacitações internas, fundamentais para fundamental na constituição de sistemas de inovação e que se mantêm sob controle nacional, como o setor de petróleo e o aeronáutico. Este texto argumenta que a incompreensão das particularidades do processo inovativo e de suas conseqüências para o desenvolvimento tem levado a equívocos que impedem avançar no sentido de criar propostas e implementações políticas que dêem conta dos desafios e oportunidades colocados atualmente à sociedade e à economia brasileira. O texto está organizado da seguinte maneira: o item 2 apresenta uma breve discussão da co-evolução das idéias conceituais e analíticas sobre o processo inovativo e a formulação de políticas nos países mais desenvolvidos. Esta co-evolução centra-se, por um lado, no entendimento da inovação não como um ato isolado por parte de uma empresa ou organização individual, mas sim como um processo sistêmico e interativo e, por outro lado, na reformulação das políticas voltadas à inovação a partir de tais concepções. Esse item também argumenta que a abordagem neoschumpeteriana de sistemas de inovação apresenta importantes pontos de conexão com a literatura estruturalista latino-americana produzida a partir do final dos anos 40, especialmente no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina. O item 3 apresenta argumentos sobre a vantagem da abordagem de sistemas de inovação, tanto para tratar a realidade de países como o Brasil, mas principalmente para orientar a definição e implementação de política. O item 4 argumenta que há importantes conexões entre o enfoque neo-schumpeteriano em sistemas de inovação e o pensamento latino-americano sobre desenvolvimento. O item 5 apresenta as novas políticas implementadas pelos países mais avançados a partir do referencial de sistemas de inovação. O item 6 discute os principais desafios a serem superados por países em desenvolvimento para definir e colocar em prática políticas voltadas a sistemas de inovação. A CO-EVOLUÇÃO DAS IDÉIAS SOBRE INOVAÇÃO E DAS POLÍTICAS INDUSTRIAIS E TECNOLÓGICAS Sabe-se que até mesmo economistas que colocaram o processo de inovação no centro de suas teorias de desenvolvimento, como Joseph Schumpeter, não o estudaram em profundidade. É apenas a partir do final dos anos 60 que, através de diversos estudos empíricos houve um avanço da compreensão sobre o significado da “inovação”. Até SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 35 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES Mais ainda: foi naquele momento (início dos anos 80) que se reconheceu, também nos países avançados, que as decisões e estratégias tecnológicas são dependentes de fatores muito mais amplos – como aqueles relativos aos setores financeiros, sistemas de educação e organização do trabalho (sinalizando já uma definição de “sistema nacional de inovação”). É interessante perceber que – conforme observado por diversos autores latino-americanos e caribenhos, desde os anos 70 –, para entender a dinâmica do desenvolvimento industrial e tecnológico e propor políticas adequadas para sua mobilização, é fundamental considerar e atuar sobre os condicionantes do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específico de cada país. A percepção fundamental que levou a esta ênfase foi a observação de que esse contexto nos países menos desenvolvidos (PMDs) constitui-se em importante “política implícita”, que pode dificultar e até anular as políticas explícitas específicas (HERRERA, 1971).4 Mais significativo, porém, é que estes trabalhos – particularmente os de Chris Freeman (1982a, 1982b) – associam essas idéias sobre o processo inovativo ao surgimento do novo paradigma tecnológico proveniente da idéia da evolução do capitalismo em termos de ondas de crescimento e depressão de longo prazo, de que há necessidade de iniciativas governamentais para se dar conta da incerteza e de um pressuposto (certamente polêmico no contexto da OCDE) de que o livre comércio seria desvantajoso para países menos desenvolvidos. O passo seguinte, de maior impacto, foi a proposta, no Sundquist Report (OECD, 1988), de se adotar uma abordagem integrada para questões sociais, econômicas e tecnológicas com evidentes implicações para a formulação de políticas. No mesmo ano foi publicada a clássica coletânea Technical Change and Economic Theory (DOSI et al., 1988), que introduziu na literatura acadêmica a idéia de “sistemas de inovação”. O DSTI implementou o programa TEP (the Technology–Economy Programme) durante o período 1989 – 1992. Esse programa teve o efeito de, pela primeira vez, transplantar para os documentos de políticas da OCDE as novas idéias sobre sistemas de inovação que iam surgindo a partir das pesquisas anteriormente mencionadas. Principalmente no seu documentosíntese final Technology and the Economy: The Key Relationships (OECD, 1992b), foram introduzidos os conceitos fundamentais advindos dos estudos de inovação – formação de redes de cooperação, parcerias estratégicas, spillovers, a importância do conhecimento tácito. Com maior significado de longo prazo na discussão e que as empresas pudessem interagir com o ambiente externo. Mostraram também que a engenharia reversa era uma forma utilizada pela grande maioria das empresas norteamericanas para apropriação de conhecimentos gerados na economia como um todo. Nesse sentido, evidenciou-se a relevância de fontes de informação externas à firma, em particular as associadas, principalmente, aos fluxos de conhecimento entre agentes produtivos da mesma cadeia de produção e, em escala reduzida, à universidade. Os resultados da YIS mostraram ainda que a freqüência e intensidade das relações de cooperação dependem significativamente de políticas públicas direta ou indiretamente voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico (KLEVORICK et al., 1995) e apresentam significativas diferenças por áreas científicas, setores de atividade e natureza das inovações.3 Estes estudos empíricos demonstraram, pela primeira vez, a importância de redes formais e informais de inovação, mesmo que a palavra “rede” não fosse utilizada. Tais trabalhos representam, de fato, os pilares básicos sobre os quais, nos últimos 25 anos, vem sendo desenvolvida uma “teoria da inovação”. A ligação dessa idéia com a conceituação do processo inovativo e com as propostas de políticas de inovação ocorre através do Directorate for Science Technology and Industry (DSTI) da OECD. Mais especificamente: através da formação de um grupo ad hoc de assessoramento em Ciência, Tecnologia e Competitividade que contava com François Chesnais (do próprio DSTI), Christopher Freeman, Keith Pavitt (ambos ex-integrantes do DSTI) e Richard Nelson, entre outros. O grupo produziu Technical Change and Economic Policy (OECD, 1980) – sem dúvida o primeiro documento de política de inovação elaborado por um organismo internacional a desafiar as interpretações macroeconômicas tradicionais para a crise dos anos 70 e que enfatizou o papel das novas tecnologias para sua eventual superação: “a difusão da eletrônica para os demais setores industriais e de serviços resultará em uma economia onde a tecnologia influencie a inovação em toda a parte” (OECD, 1980, p. 48). O caráter sistêmico da inovação já era reconhecido nos documentos de trabalho do grupo: the ‘coupling mechanisms’ between the education system, scientific institutions, R&D facilities, production and markets have been an important aspect of the institutional changes introduced in the successful national innovation systems (FREEMAN, 1982a). 36 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ... A UTILIDADE DO CONCEITO DE SISTEMAS DE INOVAÇÃO implementação de políticas, foi introduzido o conceito de sistema nacional de inovação.5 Essas evoluções tiveram como conseqüência a maior relevância dada aos estudos de políticas da OCDE, às ligações e conexões dentro dos sistemas nacionais de inovação, assim como a imediata ênfase da visão sistêmica nas propostas de políticas inovadoras. Este é um ponto que será discutido em detalhe mais adiante. Aqui deve-se destacar apenas a dupla característica das novas políticas: a inovação passa a ser o mais importante componente das estratégias de desenvolvimento (e não apenas das políticas de C&T ou das políticas industriais); e as políticas a ela direcionadas passam a ser entendidas como “políticas direcionadas a sistemas de inovação”. O foco em conhecimento, aprendizado e interatividade deu sustentação à idéia de “sistemas de inovação” (LUNDVALL, 1992; 1995; FREEMAN, 1988), destacando As razões que explicam porque a abordagem de sistemas de inovação (SI) atraiu tanto interesse como ferramenta que permite compreender e orientar os processos de criação, uso e difusão do conhecimento,6 estão relacionadas ao renascimento do interesse em compreender as mudanças técnicas e as trajetórias históricas e nacionais rumo ao desenvolvimento. Foi particularmente relevante o fato de o conceito ter sido criado e desenvolvido em meados dos anos 80, exatamente quando tomava corpo, e rapidamente se difundia, a tese sobre a aceleração da globalização econômica que, inclusive, foi associada à hipótese de uma certa tendência ao tecnoglobalismo. O desenvolvimento desta abordagem reforçou o foco no caráter localizado (e nacional) da geração, assimilação e difusão da inovação em oposição à idéia simplista de um suposto tecnoglobalismo. A capacidade inovativa de um país ou região é vista como resultado das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais, e reflete condições culturais e institucionais próprias. Ao se incorporarem e consolidarem os novos modos de compreensão de inovação, privilegia-se a produção baseada na criatividade humana ao invés das trocas comerciais e da acumulação de equipamentos e de outros recursos materiais – e a inovação e o aprendizado passam a ser caracterizados como processos interativos com múltiplas origens. Portanto, é reforçada a relevância das inovações incrementais e radicais e a complementaridade entre elas, assim como entre as inovações organizacionais e técnicas e suas distintas fontes internas e externas à empresa. Esta, por sua vez, é vista como uma organização inserida em ambientes socioeconômicos e políticos que refletem trajetórias específicas. Assim, cada caso deve ser entendido de acordo com suas peculiaridades, sua posição e seu papel nos contextos nacional e internacional, para que se avalie qual deve ser a estratégia mais apropriada a seu desenvolvimento. Além da compreensão da natureza sistêmica da inovação, destaca-se também a importância da análise das dimensões micro, meso e macroeconômicas, assim como a das características das esferas produtiva, financeira, social, institucional e política. Argumenta-se que, também aqui, o enfoque sistêmico permite considerar o modo de inserção dos diferentes países na economia e na geopolítica mundial. Outro avanço crucial consolidado na abordagem de SIN refere-se à constatação de que o conceito de inovação não os ambientes nacionais ou locais onde os desenvolvimentos organizacionais e institucionais produzem condições que permitem o crescimento de mecanismos interativos nos quais a inovação e a difusão de tecnologia se baseiam (OECD, 1992a, p. 238). O “sistema de inovação” é conceituado como um conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado de um país, região, setor ou localidade – e também o afetam. Constituem-se de elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso do conhecimento. A idéia básica do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas também de como elas interagem entre si e com vários outros atores, e como as instituições – inclusive as políticas – afetam o desenvolvimento dos sistemas. Entende-se, deste modo, que os processos de inovação que ocorrem no âmbito da empresa são, em geral, gerados e sustentados por suas relações com outras empresas e organizações, ou seja, a inovação consiste em um fenômeno sistêmico e interativo, caracterizado por diferentes tipos de cooperação. Com relação a esse último ponto, conclui-se que esses sistemas contêm não apenas as organizações diretamente voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, mas também, e principalmente, todas aquelas que, direta ou indiretamente afetam as estratégias dos agentes. Um corolário de tal entendimento é que, por exemplo, o setor financeiro e as políticas macroeconômicas mais amplas passam também a ser objeto de preocupação e ação dos policy-makers. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 37 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES vista as implicações e propostas de políticas delas decorrentes. se restringe a processos de mudanças radicais na fronteira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes empresas através de seus esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D). São importantes as conseqüências do reconhecimento de que a inovação se estende para além das atividades formais de P&D e inclui novas formas de produzir bens e serviços, que lhe são novos, independentemente do fato de serem novos, ou não, para os seus competidores – domésticos ou estrangeiros. Essa percepção ajuda a evitar diversas distorções, incentivando os policy-makers a adotarem uma perspectiva mais ampla sobre as oportunidades para o aprendizado e a inovação em pequenas e médias empresas (PMEs) e também nas chamadas indústrias tradicionais. As implicações dessas políticas são significativas, particularmente, em relação aos PMDs. Este tipo de abordagem revela-se de muita utilidade para esses países. Ao invés de ignorar as especificidades dos diferentes contextos e atores locais, os principais blocos do enfoque em sistemas de inovação exigem que elas sejam captadas e analisadas. A contextualização na análise do processo de aprendizagem e capacitação tem particular importância para países e regiões menos desenvolvidos. Aqui reiteramos que, na discussão sobre geração e uso de conhecimentos de relevância para fins econômicos, o contexto importa e a geopolítica ainda mais. A ênfase em tratar a inovação como um processo cumulativo e específico ao contexto determinado permite desmistificar, por exemplo, idéias simplistas sobre as possibilidades de gerar, adquirir e difundir tecnologias em países menos desenvolvidos. Tal ênfase torna claro que a aquisição de tecnologia no exterior não substitui os esforços locais. Ao contrário, é necessário muito conhecimento para poder interpretar a informação, selecionar, comprar (ou copiar), transformar e internalizar a tecnologia importada. Outro aspecto essencial para todos os países, especialmente os menos desenvolvidos, é o papel central dado à inovação para a competitividade dinâmica e sustentável (COUTINHO; FERRAZ, 1994). Esta contrasta com a usual prioridade dada à exploração das vantagens competitivas tradicionais (como baixos custos de mão-de-obra e de exploração de recursos naturais sem uma perspectiva de longo prazo e manipulação da taxa de câmbio), as quais Fajnzylber (1988) chamou de “espúrias”. Este é mais um exemplo das coerências identificadas entre a abordagem utilizada em sistemas de inovação e o pensamento latinoamericano sobre desenvolvimento. Explicitar essas conexões torna-se um tema relevante para este texto, tendo em CONEXÕES ENTRE O ENFOQUE EM SISTEMAS DE INOVAÇÃO E O PENSAMENTO LATINOAMERICANO SOBRE DESENVOLVIMENTO Inicialmente deve ser ressaltado o fato de que os fundamentos de ambas as escolas coincidem com a tradição de abordagem da realidade econômica – cujo foco principal é a produção ao invés da troca, como na visão clássica dos fisiocratas (REINERT; REINERT, 2003). Essa tradição, cujas raízes podem ser encontradas na Itália renascentista (SERRA, 1616), sugere que a riqueza se origina de fontes imateriais: fundamentalmente, da criatividade (conhecimento) e que a acumulação de ativos ocorre por meio da incorporação de novas tecnologias que alteram o estoque do conhecimento (inovação). É a partir da ênfase inicial no conhecimento e nos retornos crescentes a ele associados que podem ser descritos os mecanismos positivos de retro-alimentação na economia, que levam a ciclos virtuosos de desenvolvimento num sistema nacional. A idéia da especificidade nacional presente nos trabalhos renascentistas é característica também das visões cepalina e neo-schumpeteriana – especialmente a partir das conexões com os trabalhos da escola alemã, em particular em List (1856) que também já enfatizava a percepção sistêmica.7 Portanto, para ambas as visões, os processos de desenvolvimento econômico são caracterizados por profundas mudanças estruturais na economia, a partir de descontinuidades tecnológicas que afetam e também são afetadas pela estrutura produtiva, social, política e institucional de cada nação, sendo que cada uma delas apresenta suas especificidades. Como não é linear e seqüencial, o desenvolvimento é um processo único, que depende de aspectos que envolvem suas especificidades políticas, econômicas, históricas e culturais. Ele ocorre a partir de mudanças estruturais de longo prazo, que geram rupturas com os padrões historicamente estabelecidos. Tanto a teoria, quanto as recomendações de política são altamente dependentes de cada contexto particular. Assim, a produção (e, portanto, a atividade econômica), nas duas visões, está fortemente enraizada na sociedade. As formulações centrais de Prebisch e dos neo-schumpeterianos convergem, ainda, num ponto normalmente ignorado pela literatura: para a dualização do sistema 38 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ... vimento de instituições, quadro de referências legal, estabelecimento de infra-estrutura, etc.), quanto do lado da demanda. capitalista, para a idéia de que a evolução do sistema produz, por um lado, o desenvolvimento econômico sistêmico e virtuoso e, por outro, o subdesenvolvimento. Embora esse caráter dual seja geralmente associado à escola cepalina, diversos autores (REINERT, 1996; MYRDAL, 1957) enfatizam que os trabalhos de Schumpeter também sugerem a existência de uma distribuição desigual dos ganhos advindos do progresso técnico, que tem raízes tanto internas (conflitos de capital e trabalho para a apropriação de tais ganhos), quanto, principalmente externas. As fontes externas de tal distribuição desigual têm importantes conotações geopolíticas e ocorrem com os países mais avançados concentrando os avanços na fronteira tecnológica – e se especializando na produção e distribuição de bens e serviços mais sofisticados – e os subdesenvolvidos naqueles caracterizados por baixa produtividade e baixo valor agregado. Myrdal, numa concepção claramente estruturalista indica que a outra face dos círculos virtuosos de desenvolvimento eram os círculos viciosos de subdesenvolvimento e os efeitos perversos produzidos na economia mundial. Daí a visão cepalina que sugeria que a ruptura com um padrão de especialização baseado na produção e exportação de produtos primários com estas características somente poderia ocorrer a partir da incorporação, na região, dos benefícios da segunda revolução industrial. Nesse sentido, a ênfase dada à industrialização como elemento propagador do processo de desenvolvimento da região por autores como Furtado e Presbisch é exatamente a mesma que aquela dada à revolução das novas tecnologias pelos neo-schumpeterianos. Assim, uma atualização da visão cepalina dos anos 50 (que enfatizava a importância da industrialização na América Latina) encontra-se na visão neo-schumpeteriana – que discute a maneira como mudanças nos paradigmas técnico-econômicos alteram a fronteira tecnológica e criam novos conjuntos de padrões, práticas e processos produtivos. A resolução dos conflitos entre a emergência do novo paradigma e a estrutura institucional anterior exigiria, em ambas as visões, um papel diferenciado dos Estados nacionais. Nas duas teorias, o papel do Estado é fundamental para o desenvolvimento. Nega-se a visão neoclássica tradicional – que considera os mercados como se surgissem espontaneamente, caracterizados por uma pretensa auto-organização. Para cepalinos e neo-schumpeterianos, a emergência dos mercados é resultado de intervenções de política estabelecidas tanto do lado da oferta (desenvol- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 AS NOVAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO Conforme foi mostrado em outros textos, mesmo durante o auge do neoliberalismo, os Estados jamais deixaram de intervir fortemente para fomentar o desenvolvimento produtivo e tecnológico e a expansão de setores estratégicos para a dinâmica estrutural, mesmo que estas políticas fossem camufladas por imperativos estratégico-militares (ERBER; CASSIOLATO 1995). Na maior parte dos casos, as novas políticas incluem o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias por meio da promoção das atividades de P&D e do estímulo à difusão e cooperação nas áreas de pesquisa genérica de longo prazo. Explicitamente, também visam a promover a consolidação das bases regionais para o desenvolvimento tecnológico, o reforço de malhas de pequenas e médias empresas e o desenvolvimento de atividades consideradas estratégicas para o crescimento econômico doméstico. Quanto à forma, destaca-se a tendência de as políticas focalizarem conjuntos de atores e seus ambientes, visando potencializar, disseminar e fazer com que seus resultados sejam mais eficazes. Os diferentes contextos, sistemas cognitivos e regulatórios e formas de articulação, de cooperação e de aprendizado interativo entre agentes são reconhecidos como fundamentais na geração, aquisição e difusão de conhecimentos, particularmente aqueles que são tácitos. Paralelamente, assiste-se ao desenvolvimento de instrumentos que abarcam estes atores coletivos, em complementação à tradicional ênfase a atores individuais. Assim, as novas políticas centradas na promoção de sistemas de inovação e nas relações entre empresas e demais atores diferem das políticas baseadas nas antigas visões dicotômicas e lineares da inovação. Por um lado, superase o dilema de fomentar o lado da oferta ou da demanda de tecnologias, como se estas fossem alternativas excludentes, por outro supera-se a visão funcional, pontual e hierarquizada do processo de geração e difusão de conhecimento (ciência, tecnologia, inovação). Algumas destas políticas têm se concretizado através do estímulo à formação de novas instituições e organizações de natureza coletiva, e da implementação de ações que estimulam as empresas e demais atores locais a interagirem. Além dos projetos de pesquisa e desenvolvimento conjuntos, tais ações têm incluído a formação e capacitação 39 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES tem desempenhado importante papel na política governamental para a área. Estima-se que cerca de 4/5 do orçamento governamental para P&D sejam alocados a projetos de colaboração, envolvendo várias associações de pesquisa e consórcios industriais e ainda a montagem de centros de pesquisa geridos por grupos de empresas (LASTRES, 1994). Amsden (2004) mostra como neste e nos demais países asiáticos os governos seguem fomentando ativamente a “substituição de importações” de peças e componentes nas indústrias de alta tecnologia por empresas de capital local – o que configura as políticas de estruturação dos novos setores. As ações de política voltadas para o estímulo de processos de cooperação e interação entre empresas, e entre estas e outras organizações dos sistemas nacionais de inovação, têm obtido resultados significativos. Apesar das dificuldades metodológicas para mensurar processos de cooperação, as evidências disponíveis têm confirmado a sua generalização. De acordo com dados da II European Community Innovation Survey, mais de 30% das empresas européias responderam dispor de arranjos cooperativos com diferentes parceiros, voltados para a inovação. Nos países nórdicos, esta percentagem é ainda maior do que a média européia, com mais de 60% das empresas inovadoras declarando utilizar algum tipo de cooperação. No final da década passada um grupo de trabalho (Focus Group on Innovative Networks) foi estabelecido na OCDE visando, especificamente, à investigação detalhada de tais processos.9 Além de examinar os dados das pesquisas de inovação, o grupo realizou uma série de investigações empíricas10 em diferentes países, concluindo que as empresas que inovam (geralmente entre 40% e 80% das empresas pesquisadas) têm uma forte tendência a colaborar. Os resultados desse esforço coincidem integralmente com as conclusões e proposições sugeridas nos trabalhos iniciais dos anos 80 (FREEMAN, 1983; 1987; LUNDVALL, 1988). Percebe-se ainda uma intensa diferenciação dos padrões de colaboração e interação. Isto é, existem especificidades nacionais nesses padrões. Os sistemas nacionais de inovação apresentam diferenças com relação à extensão, ao motivo e à natureza das colaborações, ligadas em especial à orientação das políticas públicas (macroeconômica e de C,T&I), aos quadros de referência institucional e a padrões de especialização produtiva. Por fim, aponta-se que os processos de interação e colaboração ocorrem predominantemente entre empresas domésticas. Mesmo que empresas estrangeiras – principal- de recursos humanos, informação, design, etc. Ressaltase que estas políticas voltadas para a promoção da interatividade de forma alguma substituem as ações de apoio público à infra-estrutura científica e tecnológica. Na Era do Conhecimento, torna-se ainda mais fundamental o fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa, dentro de uma estratégia orquestrada de planejamento de longo prazo. Portanto, as novas políticas, além de reforçarem as instituições científicas e tecnológicas, enfatizam a importância da interação entre diferentes atores, apostando que a geração, aquisição e difusão de conhecimentos constituem, de fato, processos interativos e simultâneos. (LASTRES; CASSIOLATO, 2003). Alguns países vêm adotando estratégias que visam, explicitamente, a mobilização de sistemas de inovação (CASSIOLATO, 1999). A Suécia, por exemplo, ao perceber a perda de competitividade de sua indústria de commodities de papel e celulose, tendo em vista a maior eficiência de competidores brasileiros e tailandeses, resolveu reestruturá-la em meados dos anos 90. Essa mudança estrutural foi realizada a partir da organização de processos cooperativos entre produtores de papel e celulose, produtores de bens de capital para esse segmento centros públicos de pesquisa, empresas locais de software, sob a coordenação conjunta do governo sueco e da confederação da indústria. O programa visava a aprofundar o sistema de produção e de inovação nesse segmento, de forma a permitir uma especialização em papéis especiais. O resultado líquido foi a mudança do padrão de especialização e a maior agregação de valor no país. No plano institucional, o governo sueco promoveu uma importante mudança, no início da primeira década de 2000. E o ponto mais significativo dessa mudança foi a criação de uma agência (Vinova) para focalizar as ações de política em sistemas de inovação (EDQUIST, 2003). Mesmo sem explicitarem essa visão sistêmica, há outros países que, na prática, vêm envolvendo atores e mobilizando elementos similares. No caso dos EUA, exemplos são os projetos do Sematech para a indústria de semicondutores, em meados dos anos 80 e o do Supercar, no início da década de 90 organizado sob a coordenação do US Council for Automotive Research (instituição fundada pela Ford, General Motors e Chrysller), em que o Governo Federal exercia a coordenação da política (através do Departamento de Comércio) e alocava recursos (aproximadamente US$ 1 bilhão do orçamento do Departamento de Energia).8 No Japão, arranjos de cooperação vêm sendo promovidos freqüentemente pelo governo, e o suporte a redes de P&D 40 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ... e implica conjuntos específicos de requerimentos que variam no tempo e podem levar a diversos caminhos. Uma segunda diferença, que é correlata, é a ignorância da influência dos diferentes contextos macroeconômicos e nacionais, que chegam a constituir políticas implícitas com o poder de dificultar e até anular as políticas explícitas específicas. Uma terceira diferença referese ao papel das diversas instâncias governamentais na formulação e implementação de políticas em PMDs. A ênfase nas agências locais e no fortalecimento do capital social local tem sido acompanhada por uma menção explícita à diminuição da importância do poder do governo nacional e o conseqüente aumento do papel das instâncias locais e do chamado terceiro setor (em especial as ONGs). Além do possível questionamento da falta de legitimidade dessas organizações, deve-se recordar que, na abordagem de sistemas de inovação, está explícita a importância da sua dimensão nacional. Assim – e de acordo com a abordagem apresentada aqui – a efetividade das políticas locais será reforçada com sua articulação à estratégia nacional e até supranacional. Mostra-se necessária uma coordenação dos diferentes níveis (desde o local, ao nacional e internacional) e tipos de políticas, assim como agências intervenientes – o que demanda uma forma de ação que só pode ser realizada na instância mais elevada do governo. Outra diferença de como os sistemas de inovação são vistos pelos organismos internacionais de financiamento refere-se à suposição de que o acesso ao mercado externo traz oportunidades de aprendizado superiores e que, portanto, a política industrial deve priorizar exportações. Como decorrência disso, uma parte significativa das prioridades das políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico atualmente em vigor está ainda mais fortemente centrada nas possibilidades de exportação e nas empresas exportadoras. No entanto, torna-se cada vez mais evidente que os produtores locais, que operam em cadeias globais, encontram barreiras significativas para desenvolver capacitação inovativa e que cadeias integradas em âmbito nacional (ou que se estendem aos países vizinhos) proporcionam melhores oportunidades para isso. Schmitz (2005), por exemplo, assinala que os resultados de pesquisas empíricas indicam que as empresas que têm os mercados nacionais ou regionais como alvo investem mais em design e marketing e têm adquirido capacidades que não foram desenvolvidas pelos fabricantes que exportam para a América do Norte ou para a Europa. Assim, ele demonstra que essas empresas deveriam ser “as novas heroínas no mente clientes e fornecedores de materiais e componentes – também tenham uma função importante nos acordos cooperativos nacionais voltados à inovação, elas cumprem um papel secundário. Resumindo, principalmente nos países mais avançados, a forma de atuação do Estado no campo das políticas industriais e tecnológicas tem-se alterado, havendo cada vez mais interesse em promover as interações e a cooperação entre os agentes visando a inovação. No próximo item pretende-se apontar como as novas políticas de inovação vêm sendo traduzidas para o contexto dos países em desenvolvimento. AS NOVAS POLÍTICAS E OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS A SEREM SUPERADOS Com a constatação da ineficácia das políticas neoliberais do Consenso de Washington, a premência na formulação de alternativas levou a uma maior percepção da importância da inovação e do conhecimento como importantes determinantes nos processos de desenvolvimento. A partir de então, a ênfase à promoção de sistemas de produção e de inovação, a formatos associativos e a rede, passou a orientar as políticas também na maioria dos países menos desenvolvidos (PMDs). Tais propostas foram encaminhadas, em sua maioria, por agências internacionais, e passaram a influenciar as estratégias implementadas em vários países. Entretanto, ainda persistem profundas diferenças, tanto na compreensão e forma como tais agências as utilizam como na abordagem de sistemas de inovação acima apresentada. Em primeiro lugar, as propostas formuladas por agências internacionais continuam se valendo de uma visão parcial do processo de globalização, o que sugere a idéia de convergência dos processos de desenvolvimento e padronização do espaço econômico global. Daí a proposição de modelos genéricos de política baseados em benchmarks e best practices, os quais têm como referência o desempenho de grandes empresas multinacionais e as instituições de alguns países desenvolvidos. No entanto, a abordagem de sistemas de inovação nega que tanto as tecnologias, quanto as suas formas de promoção, tendam a se tornar globais – não sendo, desse modo, passíveis de generalização. Tal abordagem nega ainda a possibilidade de existência de instituições-padrão passíveis de réplica. O reconhecimento da especificidade de cada sistema local significa que não há uma única fórmula comum a ser aplicada em todos os casos SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 41 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES adas a grandes revoluções tecnológicas têm levado a uma constante redefinição do grau e forma da intervenção pública;12 essa redefinição não implica em maior ou menor grau de intervenção, mas sim em diferentes formas de intervenção; a divisão de atribuições entre Estado e setor privado envolve necessariamente complexos fenômenos sociais de aprendizado de agentes e grupos, assim como os conflitos sociais e políticos a eles associados. Lembrando, portanto, que o que muda ao longo do capitalismo é a natureza da intervenção e as maneiras pelas quais ela se apresenta, o autor observa que, acompanhando a diversidade, há três características gerais que merecem ser resgatadas: - a experiência histórica de ciclos e mudanças nos processos de concorrência internacional tem demonstrado a crescente importância da orientação do Estado, tanto na educação básica e nos demais níveis como na pesquisa; debate de política industrial”. Essas conclusões são consistentes com os resultados da análise de mais 30 sistemas produtivos e inovativos locais realizados pela RedeSist em diferentes estados brasileiros (CASSIOLATO, et al., 2003). Deve-se notar que esta prática de utilizar novos enfoques como o de sistema de inovação apenas como um rótulo novo em posturas tradicionais vem sofrendo sérias críticas. Como apontado, por exemplo, por Reinert e Reinert (2003, p. 5): em nossa visão, existe um risco de se implementar a abordagem de sistemas nacionais de inovação como uma fina camada de glacê num sólido bolo neoliberal.11 Assim, se é verdade que as propostas de política sugeridas por organizações internacionais passam a dar ênfase a variáveis como conhecimento e inovação, elas continuam a conceber a intervenção do Estado a partir das necessidades de compensar ou corrigir as imperfeições do mercado, e de criar instituições adequadas ao seu bom funcionamento – quase sempre aquelas que se referem especificamente à evolução histórica dos países anglosaxões. A política tecnológica da maioria dos países em desenvolvimento (inclusive o Brasil) parte do pressuposto de que o papel do Estado é fundamentalmente auxiliar, deixando ao mercado a definição dos programas empresariais. Tal política é assim parte de uma “agenda reformista” que aceita a intervenção para “corrigir falhas de mercado”, supostamente relativas ao tempo de reação dos empresários aos estímulos trazidos pela concorrência advinda da desregulamentação e abertura e a carências do mercado de capitais. E, principalmente, as políticas continuam a ser “horizontais” e voltadas ou à entidade empresarial isoladamente (por meio da concessão de benefícios fiscais e creditícios) ou à relação universidade-empresa. Ora, como sugere a literatura, mecanismos de estímulo (fiscal e creditício) à empresa individual são no máximo subsidiários (alguns países, como o Reino Unido simplesmente não o utilizam) e os processos de colaboração universidade-empresa respondem por uma pequena parcela da cooperação voltada à inovação. Assim, o Brasil continua a ter uma atitude tímida e parcial quanto a essa importante questão. - a necessidade de envolvimento do Estado para administrar os problemas de instabilidade da moeda, taxas de câmbio, taxas de juros, confiança no sistema bancário e de crédito; - as mudanças de paradigma tecnológico trazem novas necessidades por regulamentação e desregulamentação que invariavelmente demandam a intervenção do Estado. A perspectiva histórica mostra que cabem ao Estado papéis da maior importância, seja como agente estruturante das novas forças produtivas, seja como propulsor e orientador da sua difusão através da economia e sociedade. Constituem um elemento importante dessa visão as coalizões estratégicas entre o Estado e os segmentos da sociedade civil, com objetivos e compromissos recíprocos definidos de forma explícita. Por outro lado, a ênfase à preservação e promoção da diversidade e a importância atribuída à cooperação conferem ao Estado importante papel de coordenador das necessárias políticas descentralizadas – isso tudo dentro de um projeto de desenvolvimento de longo prazo para o país. Há claras proposições de política que emanam da abordagem de sistemas de inovação que poderiam inspirar a política brasileira. Inicialmente, é necessária uma transformação do sistema nacional de inovação, no sentido de incorporar os sistemas baseados nas novas tecnologias. Em segundo lugar, deve-se buscar o apoio substantivo a mudanças na estrutura produtiva, isto é, à transição de trajetórias nas diferentes atividades econômicas permitidas pelas mesmas novas tecnologias. Em ambos os casos, a abordagem enfatizada neste texto sugere a inoperância das chamadas “políticas neutras”. CONCLUSÕES Utilizando uma abordagem histórica para analisar o papel do Estado no âmbito das políticas industrial e tecnológica Freeman (1983) mostra que as mudanças estruturais associ- 42 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ... 9. Ver os resultados das pesquisas do grupo da OCDE em Christensen et al. (1999) e OECD (1999). Estas, que têm sido sugeridas e implementadas a partir das recomendações das agências internacionais, podem ser tão irrelevantes que terão efeito nulo. Esse é, por exemplo, o caso dos incentivos fiscais generalizados voltados a P&D. Podem até gerar efeitos perversos ao acirrarem as desigualdades, como é o caso das políticas que tentam buscar a modernização rápida através da importação pura e simples de equipamentos. Cabe ao Estado o caráter pró-ativo voltado para coordenação e indução dos processos de transformação produtiva, visando internalizar os benefícios potenciais proporcionados por tecnologias de um novo paradigma tecnológico. Por fim, a política de sistemas de inovação deve apresentar claramente um viés pró-emprego. Assim, o governo deveria estimular com clareza sistemas produtivos e inovativos caracterizados pela alta importância de inovações de produto dado que eles tendem a apresentar um efeito líquido positivo de geração de novos empregos. Por outro lado, sistemas produtivos e inovativos na qual inovações de processo são mais relevantes deveriam combinar as necessárias políticas de inovação a outras que amortecessem a queda no emprego resultante. 10. Utilizou-se a metodologia pioneira desenvolvida pelo grupo da Universidade de Aalborg para um trabalho sobre cooperação na Dinamarca (a pesquisa DISKO). Ver: <www.aalborg.auc.dk>. 11. “We argue that by integrating some Schumpeterian variable to mainstream economics we may not arrive at the root causes of development. We risk applying a thin icing on what is essentially a profoundly neoclassical way of thinking […] As emphasized in the NIS approach, it is crucial to understand the different national contexts” (REINERT; REINERT, 2003, p. 60). 12. Por exemplo, a institucionalização de organismos de defesa da concorrência não pode ser compreendida sem se levar em consideração as profundas mudanças associadas ao surgimento de grandes empresas e à concorrência oligopolista do início do século XX, que tornaram ultrapassadas a concorrência atomizada entre pequenas empresas típicas do início do século XIX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMSDEN, A. La sustitución de importaciones en las industrias de alta tecnología: Prebisch renace en Asia. Revista de la Cepal, n. 82, p. 74-94, abr. 2004. AROCENA. R.; SUTZ. J. 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The role of user-producer relations in innovation and diffusion of new technologies: lessons from Brazil. 1992. Tese (Doutorado) – Universidade de Sussex, Inglaterra, 1992. 3. No mesmo período, uma série de trabalhos capitaneados por Nathan Rosenberg na Universidade de Stanford também propiciou um melhor entendimento do processo inovativo. O ápice destes trabalhos é a produção do chamado chain link model (KLINE; ROSENBERG, 1986) que teve um profundo impacto nos policymakers e na elaboração do Manual de Oslo. CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. Tecnoglobalismo e o papel dos esforços de P&D&I das multinacionais no Brasil. Parcerias Estratégicas, n. 22, 2005. No prelo. 4. Ver também Katz (2005) e Coutinho (2005). ________. Sistemas de inovação: políticas e perspectivas. Parcerias Estratégicas, n. 17, p. 5-30, 2000. 5. “When the outcome of this programme was summed up in Montreal in 1991, the concept, National systems of Innovation, was given a prominent place in the conclusions” (LUNDVALL, 1992, p. 5). CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M.; MACIEL, M.L. (Ed.). Systems of innovation and development: evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. 6. Veja Lundvall (1992) e Freeman (1995). CASSIOLATO, J.E.; RAPINI, M. University-industry interactions in developing countries: na investigation based on Brazilian data. In: CONFERÊNCIA GLOBELICS, 2., out. 2004, Pequim-China: 2004. 7. Para detalhes ver Lastres (1994). 8. Uma dimensão particularmente importante da intervenção norteamericana refere-se ao federalismo do país. Existem 83.000 instituições de política industrial em nível subnacional no país e as instituições financeiras locais desempenham um papel importante no financiamento de atividades de longo prazo (CASSIOLATO; BRITTO, 1997). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005 CASSIOLATO, J.E. et al. A relação universidade e instituições de pesquisa com o setor industrial: uma análise de seus condicionantes. Rio de Janeiro: IE/UFRJ, 1996. 43 JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES KRISTENSEN, P.S.; MADSEN, T. Foreign and domestic partners on product development in small firms. Working Paper, Aalborg University, 2000. COUTINHO, L. Regimes macroeconômicos e estratégias de negócios: uma política industrial alternativa para o Brasil no século XXI. In LASTRES, H.M.M., CASSIOLATO, J., ARROIO, A. (Ed.). Conhecimento, sistemas de inovação e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ e Contraponto, 2005. LASTRES, H.M.M. The Advanced Materials Revolution and the Japanese system of Innovation. London: MacMillan, 1994. COUTINHO, L.; FERRAZ, J.C. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Síntese final. 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Abstract: The paper focuses some issues related to innovation policy alternatives based on the Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec. The technological intensity of innovation is considered an important issue for policies and strategies of innovation. Key words: Technology. Innovation. Policy. Strategy. N o Brasil, há o consenso de que a atividade inovativa da indústria brasileira é insuficiente como elemento propulsor do crescimento econômico, da geração de emprego, da renda e do bem-estar da população. Indicadores de C,T&I (ciência, tecnologia e inovação) respaldam esse conceito, e oferecem uma referência para formulações de políticas voltadas a elevação dos investimentos em P&D, de um modo geral, mas especialmente os realizados pelos setores produtivos. O dispêndio nacional em P&D, em torno de 1% do PIB, está próximo dos da Espanha (0,94%) e de Portugal (0,8%), mas distante da média (2,2 %) dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, embora se situe acima da média (0,6%) dos países da América Latina.1 Outros indicadores – como os que apontam para a defasagem existente entre o conteúdo tecnológico dos produtos exportados e os importados e os de paten- tes –, ilustram a relativamente baixa propensão inovativa da indústria brasileira. A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, realizada pelo IBGE, oferece um novo e importante conjunto de informações sobre a atividade inovativa da indústria, possibilitando a elaboração de novos trabalhos de avaliação do desempenho tecnológico das empresas brasileiras e de proposição de políticas públicas para promover a inovação. Uma característica extremamente importante da Pintec é possibilitar a realização de trabalhos que considerem tanto a dimensão tecnológica quanto a econômica do processo inovativo. As abordagens do fenômeno da inovação tecnológica e da atividade inovativa com base no instrumental analítico da teoria econômica são relativamente recentes, e a Pintec representa um passo fundamental para a ampliação desse esforço. 46 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ... se é de produto ou de processo (natureza da inovação); se é de pesquisa e desenvolvimento (P&D); se é por aquisição externa do P&D; se é por aquisição de máquinas e equipamentos, por treinamento ou por introdução de inovações no mercado; sobre o projeto industrial, o perfil dos quadros envolvidos com a atividade inovativa e os impactos econômicos e tecnológicos da inovação; sobre as fontes de informação, as relações de cooperação, o suporte do governo; sobre os problemas e obstáculos relativos à inovação. Este trabalho aborda questões suscitadas diretamente pela Pintec como, por exemplo, a “inovação para o mercado” confrontada com a “inovação para a empresa”, e também outras, derivadas, explicitadas ou não na bibliografia: a importância relativa da inovação de produto diante da inovação de processo; a percepção da importância da difusão tecnológica; a classificação da inovação tecnológica em setorial ou não-setorial; inovações “radicais” versus inovações “incrementais”. São focalizadas, particularmente, as variáveis que se considera serem referentes à “natureza” e ao “tipo” da inovação ou, nos termos da Pintec: (a) se a inovação é um produto ou um processo tecnologicamente novo ou significativamente melhorado (natureza da inovação), e (b) se a inovação é tecnologicamente inovadora para o mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação). A partir dessas variáveis da Pintec – mas não exclusivamente delas – são tecidas considerações, algumas das quais remetem a proposições de políticas apresentadas por outros autores. A primeira Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, de 2000, trouxe informações sobre as atividades inovativas realizadas no período de 1998 a 2000 pelas empresas industriais brasileiras com 10 ou mais empregados (perfazendo o total de 72.005 empresas) apresentando um conjunto de informações com um grau de detalhamento muito maior sobre as características da atividade inovativa na empresa industrial brasileira, o que permitiu a elaboração de diagnósticos de alcance bem maior do que os existentes até então. O detalhamento das informações sobre a atividade inovativa da empresa industrial proporcionada pela Pintec, permite um maior grau de detalhamento também na formulação de sugestões de políticas. Assim, tornaram-se possíveis novos cortes analíticos que até então não eram feitos, com conseqüentes nuanças nas alternativas políticas. O intuito deste texto é levantar e iniciar um debate sobre algumas questões selecionadas a partir da Pintec, eventualmente suscitadas em outros trabalhos,2 que têm na Pintec sua principal fonte – de dados e informações. É importante registrar que, se esses pontos são de fato passíveis de debates, isso se deve, antes de tudo, à natureza complexa (tecnológica, econômica e social) da inovação e do processo inovativo. O procedimento metodológico adotado neste artigo é o de tecer considerações sobre os pontos selecionados, realçando sua relação com propostas de políticas inovativas, cotejando-os com os dados da Pintec e com base nas referências obtidas na bibliografia. As questões selecionadas o foram também pela relevância que possam apresentar para opções de políticas públicas de inovação tecnológica. Espera-se que as ponderações aqui apresentadas estimulem a realização de mais estudos, mesmo porque a Pintec 2003 estará em breve à disposição dos interessados. Qualquer estudo baseado nos dados da Pintec pode articular o diagnóstico com as propostas de políticas públicas, de várias maneiras, segundo seus próprios objetivos e a metodologia utilizada. Pode, por exemplo, selecionar para diagnóstico um ou mais grupos de variáveis dentre as que formam o questionário da Pintec. Pode também analisar os dados relativos às variáveis selecionadas conjuntamente com os dados de outras pesquisas, como, por exemplo, os da Pesquisa Industrial Anual – PIA, também do IBGE. São exemplos de grupos de variáveis selecionáveis para análise as seguintes questões: sobre a origem do capital controlador da empresa; se a inovação é nova para o mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação); SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 INOVAÇÃO PARA O MERCADO E INOVAÇÃO PARA A EMPRESA O trabalho da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras – Anpei (2004, p. 117) apresenta proposta de incentivos às empresas, por meio de um mecanismo que premie as inovações que forem de fato implementadas no mercado. O direito ao incentivo, tributário, seria gerado no ato da comercialização, no mercado, do novo produto ou processo. A Pintec distingue entre inovação para o mercado e inovação para a empresa. Embora não sejam a mesma coisa (inovação no mercado – Anpei, e inovação para o mercado – IBGE), se identificarmos as expressões, apenas para efeito de estimativa, teremos que o incentivo proposto alcançaria 23,5% das empresas que inovaram em produ- 47 LUÍS FERNANDO T IRONI e equipamentos – que é vista como uma atividade inovativa menos importante do que, por exemplo, a pesquisa e desenvolvimento. Os dados da Pintec mostram que a aquisição de máquinas e equipamentos é significativamente predominante dentre as atividades inovativas das empresas – seja quanto ao montante dos gastos ou à importância atribuída pelos respondentes do questionário. Porém, quando a aquisição de máquinas e equipamentos4 é considerada uma atividade inovativa de menor importância, conclui-se que há menor importância relativa na inovação de processo ante a inovação de produto. Essa conclusão, entretanto, é questionável. Algumas ponderações são: a literatura econômica considera o progresso técnico como causador do aumento da produtividade na economia (especialmente a produtividade total dos fatores), mas não lança muitas luzes sobre a relação entre o aumento de produtividade e a natureza da inovação – se ocorre em produtos ou em processos. Na Tabela 1, observa-se que o número de empresas do grupo das que inovaram em produto e processo (linha c) é significativamente superior aos dois grupos de empresas inovadoras apenas em produto (linha a) ou apenas em processo (linha b). Ou seja, a situação que prevalece é aquela em que ocorrem ambos os tipos de inovação – de produto e de processo considerando-se qualquer um dos tipos isoladamente – o que indica que a empresa inovadora em produto também o é em processo, e vice-versa. O grande grupo das empresas de capital nacional com menos de 500 empregados discrepa desta tendência, pois o número das que inovaram em processo ultrapassa o das que inovaram em produto, e em produto e processo. Essa situação deve estar relacionada com o fato de que, das 20.624 empresas de capital nacional com menos de 500 empregados que implementaram inovação, 11.893, ou 57,7 %, atribuem grande importância à “aquisição de máquinas e equipamentos” como atividade inovadora. Os dados da Tabela 1 permitem verificar também que, do total das empresas pesquisadas que inovaram (22.698), apenas 2.395 (10,6%) e 1.531 (6,7%), respectivamente, inovaram em produto e processo para o mercado, sendo que, para as empresas de capital nacional, esses percentuais são de 9,3 % e 5,8 % e para as de capital estrangeiro, de 29,8% e 20,7% – o que revela maior desempenho inovativo do grupo das empresas de capital estrangeiro. Considerando-se os quatro grupos de empresas da Tabela 1, observa-se que a relação entre o número das inovadoras em produto e o das inovadoras em processo nas empresas estrangeiras com mais de 500 to, sendo 20,4% das nacionais e 56,1% das estrangeiras, e 11,0% das empresas que inovaram em processo, sendo 8,9% das nacionais e 44,7% das estrangeiras (Anpei, 2004, p. 9, dados da tabela 1.2). A questão a realçar, a partir do ponto de vista das questões em discussão neste texto, é que a proposta de política do trabalho da Anpei não distingue “inovação de produto” de “inovação de processo”. Nos termos da Pintec, se a inovação é “para a empresa”, ela já existe no mercado. A inovação “para o mercado” abre novos mercados. A “inovação para a empresa” tem um caráter de difusão, para dentro da empresa, de uma inovação já produzida por outrem que já teria conquistado mercado novo e se beneficiado das rendas de monopólio – que são o grande atrativo impulsionador da atitude inovadora. É razoável supor que a “inovação para o mercado” demande maior esforço em atividades inovativas, inclusive investimento em P&D, do que a “inovação para a empresa”, que possivelmente se faz predominantemente, dentre as possibilidades consideradas pela Pintec, pela aquisição de máquinas e equipamentos. Então, é plausível o pressuposto de que a “inovação para o mercado” seja mais intensiva (represente maior impacto tecnológico e econômico) do que a “inovação para a empresa”. A IMPORTÂNCIA RELATIVA DA INOVAÇÃO DE PRODUTO VIS-À-VIS A INOVAÇÃO DE PROCESSO Acompanhando o padrão internacional das pesquisas sobre inovação que se orientam pelo Manual de Oslo, a Pintec adota a distinção entre produto tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado) e processo tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado). A partir da perspectiva das políticas de promoção da inovação, seria adequado considerar mais importante o produto tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado) do que o processo tecnologicamente novo ou significativamente melhorado? Uma resposta afirmativa a esta pergunta pode decorrer da idéia de que a inovação de processo derive predominantemente da busca da competitividade por meio do aumento da produtividade – o que reflete uma atitude defensiva em termos de comportamento da firma no mercado, enquanto a inovação de produto refletiria um comportamento empresarial mais pró-ativo, pois buscaria, por meio de novos produtos, alcançar a competitividade pela diferenciação e a abertura de novos mercados.3 Ademais, pode haver, para o analista, uma associação entre a inovação de processo e a aquisição de máquinas 48 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ... Nos segmentos science based, a inovação tecnológica é um processo complexo, não seqüencial ( seria, se obedecesse à seguinte ordem: pesquisa-desenvolvimento-processoproduto) Na verdade, apresenta-se como um processo circular complexo em que aquelas etapas podem ocorrer simultaneamente, até mesmo confundindo inovação de produto com inovação de processo: a um novo produto corresponde um novo processo e vice-versa. Não é por outra razão que as tecnologias “portadoras do futuro” são a microeletrônica, a tecnologia da informação e comunicação, a biotecnologia e a de novos materiais. A nanotecnologia também é fortemente baseada em ciência e em novos processos. Aqui, o argumento é que, no contexto do paradigma da inovação science based, a distinção entre inovação de produto e de processo tem seu significado enfraquecido. empregados é de 98%; no grupo das nacionais com mais de 500 empregados é de 74%; no das estrangeiras com 499 empregados ou menos é de 109%; e no das nacionais dessa mesma categoria, 66%. Esses percentuais sugerem que nos grupos mais inovativos (empresas de capital estrangeiro) o número das empresas que inovam em processo iguala-se ou suplanta o das que inovaram em produto,5 ou tende a aproximar-se, quando a referência for o grupo das empresas nacionais com 500 ou mais empregados. Embora a diversificação de produtos seja uma importante estratégia competitiva das firmas, principalmente das de grande porte, esse comportamento, por si só, não preenche uma característica do paradigma da sociedade do conhecimento, segundo o qual a inovação é crescentemente baseada na ciência (science based). TABELA 1 Número de Empresas, por Porte e Origem do Capital, segundo Tipo de Inovação Brasil – 2000 Tipo de Inovação Número de Empregados 500 ou Mais Empregados 499 ou Menos Empregados Capital Estrangeiro Capital Nacional Capital Estrangeiro Capital Nacional 1) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa 14 37 131 3.321 2) Inovadoras em Produto Novo para o Mercado 17 12 136 745 7 16 16 86 4) Inovadoras em Produto e Processo Novo para a Empresa 39 167 222 5.321 5) Inovadoras em Produto e Processo Novo para o Mercado 22 42 115 286 6) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa e Processo Novo para o Mercado 9 16 37 240 7) Inovadoras em Produto Novo para o Mercado e Processo Novo para a Empresa 13 30 82 770 3) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa e para o Mercado 8) Inovadoras em Processo Novo para a Empresa e para o Mercado 8 19 5 193 9) Inovadoras em Processo Novo para a Empresa 22 143 137 8.975 10) Inovadoras em Processo Novo para o Mercado 10 18 78 433 59 49 86 38 40 83 121 123 100 95 153 65 180 255 320 435 349 235 469 283 220 456 739 676 1.887 1.152 866 4.152 9.601 6.617 10.769 16.218 Total das que Informaram (a + b + c) 161 500 959 20.370 Total das Inovadoras 326 703 1.045 20.624 Inovaram em Produto para o Mercado: 2+3+5+7 Inovaram em Processo para o Mercado: 5+6+8+10 Inovaram para o Mercado: 2+3+5+6+7+8+10 a) Inovaram somente em Produto b) Inovaram somente em Processo c) Inovaram em Produto e Processo d) Inovaram em Produto (a + c) e) Inovaram em Processo (b + c) Fonte: IBGE (2002). Pintec 2000. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 49 LUÍS FERNANDO T IRONI a atribuíram às atividades internas de P&D. Por outro lado, 10,3 % delas atribuíram elevada importância à aquisição de outros conhecimentos externos, e 55,0 % à aquisição de máquinas e equipamentos. O argumento deste tópico é que a difusão de tecnologia está a merecer mais atenção dos formuladores de políticas de inovação do que tem tradicionalmente merecido. A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO TECNOLÓGICA As diversas atividades inovativas apontadas pela Pintec podem ser reunidas em três agrupamentos: “P&D”, “aquisição” e “outros”. No agrupamento “P&D” está a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da própria empresa. O agrupamento “aquisição” é composto pela aquisição externa de: pesquisa e desenvolvimento (P&D); de outros conhecimentos externos; de máquinas e equipamentos; de treinamento; e de introdução das inovações tecnológicas no mercado. No grupo “outros” estão: o projeto industrial e outras preparações técnicas para produção e distribuição. No contexto institucional da política de C,T&I vigente no Brasil, a aquisição de tecnologia como um fator de inovação ou como esforço inovador tem um status menos relevante, comparativamente, do que a inovação baseada na “geração de conhecimento”, obtida por meio de P&D.6 Talvez essa percepção derive, em parte, do fato de que a modalidade predominante da aquisição de tecnologia é a aquisição de máquinas e equipamentos, associada à inovação em processo e à inovação para a empresa. A atividade de P&D possui maior relevância dentro do arcabouço da política brasileira de C,T&I (ciência, tecnologia e inovação), uma vez que os instrumentos da política de inovação são operados, basicamente, pelos mesmos agentes das políticas de P&D. O desenvolvimento (D do P&D), que é um elo entre a pesquisa e a inovação, vincula-se, institucional e tradicionalmente, mais à pesquisa do que à inovação. A maioria dos instrumentos das políticas de inovação pertence ao arcabouço institucional da política de P&D. É de se perguntar até que ponto esse entendimento da inovação, principalmente como resultante da geração do conhecimento obtido através de P&D, não contribui, na esfera dos formuladores de políticas no Brasil, para a pouca importância atribuída à aquisição de tecnologia como atividade inovadora – por licenciamento de patentes, por exemplo. A difusão tecnológica, vista como o processo através do qual a inovação é implementada a partir de tecnologia adquirida de terceiros, pode ser o resultado da aquisição de tecnologia incorporada em uma máquina ou equipamento, ou por meio de licenciamento de patentes, contratos de parceria, etc. A P&D também pode ser adquirida. Segundo a Pintec, apenas 4,8 % das empresas que implementaram inovações atribuíram elevada importância à atividade de aquisição externa de P&D, enquanto 24,2 % delas INOVAÇÃO TECNOLÓGICA É SETORIAL?7 A inovação tecnológica é motivada tanto pelo mercado (o lado da demanda, a competição), como pela existência de conhecimento novo, de uma descoberta ou invenção (o lado da oferta). A motivação do mercado para a inovação geralmente ocorre em um contexto setorial. Determinados setores da indústria apresentam taxas de inovação superiores a outros (fato confirmado pelos dados da Pintec): tanto que os setores industriais podem ser classificados segundo o seu “dinamismo tecnológico”, ou por aquilo que oferecem em termos de “oportunidades de inovação”. Tais classificações podem ser baseadas no desempenho dos setores da indústria em nível global, ou de países desenvolvidos ou países em desenvolvimento. As comparações entre o desempenho inovador de setores são inclusive úteis como benchmarking para os formuladores de políticas. Os instrumentos da política industrial e de inovação tecnológica são, em larga medida, organizados setorialmente. Essa tendência à setorialização é explicada, tanto do ângulo dos diagnósticos como da formulação de políticas, pela natureza setorial do conhecimento que os agentes executores da política devem possuir. Em conseqüência disso, o conhecimento setorial irá intervir em algum ponto da cadeia decisória da sistemática operacional de uma política. Um exemplo recente dessa relevância na configuração de instrumentos de política é a constituição dos Fundos Setoriais, que apresentam recorte setorial, em sua maioria. Como exemplos de uso do corte setorial em diagnósticos do desempenho inovador da indústria brasileira, Sergio Queiroz e Ruy Quadros (2004) apontam a concentração de mestres e doutores e de cooperação com universidades nos setores de média-alta intensidade tecnológica e afirmam que: “a especialização brasileira em P&D de média-alta intensidade reflete a relativamente baixa intensidade tecnológica dos setores de alta tecnologia brasileiros, em comparação”; o trabalho da Anpei (2004, p. 11, gráfico 1.1), com base nos dados da Pintec, assinala 50 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ... INOVAÇÕES RADICAIS VIS-À-VIS INOVAÇÕES INCREMENTAIS que as empresas de capital nacional, em comparação com as de capital estrangeiro, apresentam desempenho inovador superior nos setores tidos como de alta tecnologia, tais como a fabricação de máquinas para escritórios e equipamentos de informática, fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de telecomunicações, fabricação de equipamentos e instrumentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos de automação industrial, cronômetros e relógios, fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos elétricos, fabricação de máquinas e equipamentos. Por outro lado, os setores com as maiores taxas de inovação no grupo das empresas estrangeiras são os de fabricação de móveis e os de indústrias diversas, como os de fabricação de máquinas de escritório e equipamentos de informática, fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias, fabricação de outros equipamentos de transporte e fabricação de produtos de minerais não-metálicos. Naquela perspectiva, é interessante comparar o trabalho de Queiroz e Quadros com o da Anpei, pois à primeira vista haveria uma discrepância, uma vez que a concentração de mestres e doutores (média-alta intensidade tecnológica), nas empresas brasileiras, não se encontra nos setores em que essas empresas apresentam desempenho inovativo superior (alta intensidade tecnológica). A explicação para isso talvez esteja no fato de que os setores classificados por um critério internacional como sendo de alta intensidade tecnológica, não o seriam assim, de fato, no Brasil, se o critério de intensidade tecnológica utilizado fosse baseado, por exemplo, na especialização da mão-de-obra. A questão “a inovação é setorial?” também mereceria ser discutida à luz da dicotomia tecnologia versus inovação, o que poderia, por exemplo, ser feito nos seguintes termos: a inovação, por ser tecnologia aplicada com finalidade econômica, tem seus determinantes mais fortemente vinculados à atividade econômica, à estrutura e ao desempenho do mercado. Portanto, está sujeita ao contexto setorial, que denota um conceito eminentemente econômico. Do ponto de vista de política pública, a distinção é relevante, uma vez que não se pode confundir a promoção de inovação tecnológica do setor industrial com a promoção do desenvolvimento da base tecnológica. Embora ambas se conectem estreitamente, a promoção do desenvolvimento da base tecnológica envolve outras instâncias de geração, concentração e reprodução do conhecimento, como universidades e centros tecnológicos. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 Quando entendida como um processo que leva a uma mudança tecnológica, a inovação é um fenômeno difícil de ser mensurado. O crescente interesse em abordar o fenômeno da inovação com instrumentos da análise econômica tem suscitado diversas metodologias para mensurá-lo, algumas adotadas em importantes iniciativas de alcance internacional, como as baseadas no Manual de Oslo (no qual a Pintec se fundamenta). Uma sumaríssima e seletiva apreciação daquelas abordagens apontaria as seguintes vertentes para os esforços de mensuração da inovação: as que medem efeitos – como patentes e publicações; as que medem esforço – como gastos e investimentos em P&D; as que medem impacto – como as que calculam a produtividade total dos fatores ou aumento de competitividade; as que medem capacidade tecnológica, por exemplo, por meio da avaliação de competências; as que medem a capacidade multiplicadora da inovação – por meio de análises de cluster, a partir de patentes e publicações. Seguindo a linha do Manual de Oslo, a Pintec oferece estatísticas sobre esforços e impactos, além de fatores indutores, obstáculos etc., a partir da informação qualitativa proporcionada por informantes qualificados nas empresas. A estatística transforma informações qualitativas em quantitativas. Uma expressão quantitativa do fenômeno da inovação, ainda que partindo de informações “qualitativas”, oferece uma medida da “qualidade” da inovação. Essa informação quantitativa poderá ser considerada uma medida da “intensidade” da inovação. Assim, quando a Pintec pergunta se a inovação é “para o mercado” ou “para a própria empresa”, está gerando, indiretamente, uma informação sobre a “intensidade” da inovação. Se a inovação é para o mercado externo (como pergunta a Pintec 2003), será gerada uma medida adicional da “intensidade” da inovação. E quanto maior a intensidade de uma inovação, mais próxima ela estará de ser considerada uma inovação radical. Pelo raciocínio inverso, chega-se à idéia de inovação incremental. O estudo de Duguet, que se baseia numa pesquisa sobre inovação na indústria realizada na França em 1991, aponta algumas questões importantes, a partir da distinção entre inovação incremental e inovação radical. A pesquisa francesa utilizada classifica a inovação em um dos cinco tipos seguintes: melhoramento significativo de um produto já existente; lançamento de um produto que é novo para a firma, mas não o é para o mercado; melhoramento significativo de um processo já existente; lançamento de um produto 51 LUÍS FERNANDO T IRONI que é novo para a firma e para o mercado; implementação de um processo breakthrough. As três primeiras situações são tomadas, por Duguet, como inovações incrementais, e as duas últimas, como inovações radicais. Algumas das conclusões do trabalho de Duguet são: primeiramente, a inovação radical depende muito mais de spillovers do que a inovação incremental. A inovação incremental é devida preponderantemente a novo equipamento, sugerindo relação com fatores de modernização do processo produtivo, acompanhado de pesquisa informal e desenvolvimento. A inovação radical depende fortemente da P&D formal e informal, mas se utiliza muito mais de fontes externas de conhecimento (externas e internas ao grupo), como também de conhecimento codificado em patentes e licenças. Essas fontes de inovação são utilizadas para obter novo produto para o mercado e processo breakthrough. Esse estudo também conclui que apenas as inovações radicais contribuem para o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF). Afirma também que o retorno proporcionado pelas inovações radicais cresce com o grau de oportunidades tecnológicas do setor. O estudo de Duguet aponta que, para a França, segundo essa pesquisa de 1991, 37 % das inovações seriam classificáveis como radicais. No Brasil, tendo por base a Pintec 2000, aplicando-se o critério grosseiro de considerar como “inovadoras radicais” a soma de todas as alternativas em que houve inovação para o mercado (ver Tabela 1 – lembrando que foram incluídas apenas as que responderam a essa pergunta no questionário), o resultado seria algo como: 17% das empresas que inovaram teriam inovações classificadas como “radicais”. Portanto, o argumento deste tópico é que, independentemente de se tratar de inovação de produto ou de processo, o importante é que as políticas busquem promover o aumento da freqüência da inovação mais radical. Uma proposta de política de inovação tecnológica que privilegie a inovação de produto vis-à-vis a inovação de processo será talvez fundamentada nas condições e características mais identificadas com as indústrias de tecnologia “madura”, mas possivelmente corresponderá menos às condições e possibilidades dos segmentos tecnológicos emergentes, “portadores de futuro”. no grupo de países que dispõem desse ferramental para a realização de diagnósticos e proposição de políticas. Este artigo levanta questões encontradas em opções de política de inovação formuladas a partir dos dados da Pintec, algumas já explicitadas como propostas em outros trabalhos. As questões abordadas são relativas aos temas: “tipo”da inovação (se para o mercado ou para a empresa); “natureza” da inovação (se de produto ou de processo); se a inovação tecnológica é setorial; e a percepção da importância da difusão tecnológica pelos agentes formuladores das políticas. A título de conclusão, são as ponderações referentes aos dois primeiros temas que receberam destaque. Este artigo defende que a distinção entre “inovação para o mercado” e “inovação para a empresa” deve de fato refletir um diferencial de intensidade tecnológica, e que isso depende da atenção que a política de inovação tecnológica venha a dedicar – como deve – à promoção da inovação radical. Porém, não se reconhece a mesma propriedade na distinção entre “inovação em produto” e “inovação em processo”. Portanto, no contexto de formulação de políticas, a opção por privilegiar a inovação de produto, em detrimento da inovação de processo, poderá significar não levar devidamente em conta a questão da intensidade tecnológica da inovação, pois uma inovação de processo pode também ser portadora de significativa intensidade tecnológica. Na perspectiva deste artigo, o principal desafio da política de inovação tecnológica brasileira seria conseguir aumentar a freqüência da inovação radical, entendida como de maior intensidade tecnológica. NOTAS 1. Referência feita por ocasião da divulgação da Pintec 2000 (ANPEI, 2004). 2. São levados em conta, sobretudo, os seguintes trabalhos que utilizam a base de dados da Pintec: Anpei (2004) e Queiroz e Quadros (2004) (as referências são feitas a “estudo PNAFE”), mimeo. 3. Segundo o trabalho da Anpei (2004, p. 7), para os setores que apresentam maior intensidade e complexidade tecnológica e que apresentam as taxas de inovação mais elevadas: “[...] a inovação de produto é mais importante do que a inovação de processo, o que se encontra espelhado nas taxas de inovação diferenciadas para produto e processo”. Conforme mostra o trabalho da Anpei (2004, p. 14, tabela 1.4), o principal responsável pela inovação de produto é a própria empresa, enquanto “outras empresas ou institutos”, são o principal responsável pela inovação de processo, e, segundo este trabalho “esses resultados dizem respeito às características distintas dos dois tipos de inovação, em particular devido ao fato de que a tecnologia de produto guarda diferencial da empresa em relação a seus concorrentes, o que induz à própria empresa a rea- CONCLUSÃO A Pintec oferece uma base de dados que possibilita abordagens de análise econômica ao fenômeno da inovação tecnológica. Isto é muito auspicioso, porque inclui o Brasil 52 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ... lizar este tipo de atividade inovativa. A maior parte das inovações de processo caracteriza-se pela introdução de modernização nos processos de fabricação, sinalizando que os responsáveis pelo desenvolvimento dessas inovações seriam outras empresas ou institutos”. DUGUET, E. Innovation heigth, spillovers and TFP growth at the firm level: Evidence from the French manufacturing, Cahiers de la MSE – EUREQua. NEP – New Economics Papers Issue, p. 11-22, 2004. FIGUEIREDO, P.N. Aprendizagem tecnológica e inovação industrial em economias emergentes: uma breve contribuição para o desenho e implementação de estudos empíricos e estratégias no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, v. 3, n. 2, jul./dez. 2004. 4. A aquisição de máquinas e equipamentos é uma das atividades inovativas do questionário da Pintec. Sua definição é: “aquisição de máquinas, equipamentos, hardware, especificamente comprados para implementação de produtos ou processos novos ou tecnologicamente aprimorados”. HARA, T. Innovation in the Pharmaceutical Industry – The Process of Drug Discovery and Development. Cheltenham UK: Edward Elgar, 2003. 5. O trabalho da Anpei (2004, p. 8) observa que a empresa de capital estrangeiro, em relação ao seu próprio grupo, apresenta taxas de inovação em produto superiores às nacionais, mas para a inovação em processo há menos disparidade entre a empresa estrangeira e a nacional. Conclui que “[...] enquanto as empresas de capital nacional privilegiam as inovações de processo, mantendo a trajetória tecnológica das empresas brasileiras de buscarem a competitividade através da eficiência produtiva, as estrangeiras buscam tanto a inovação de produto quanto de processo”. IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Análise dos Resultados. Rio de Janeiro: 2002. PIANTA, M.; SIRILLI, G. The Use of Innovation Surveys for Policy Evaluation in Italy. In: CONFERENCE ON POLICY EVALUATION IN INNOVATION AND TECHNOLOGY, Part IV, OECD, 26-27 June 1997. 6. O trabalho da Anpei (2004, p. 7-8) associa a inovação para o mercado com o esforço próprio de capacitação tecnológica, enquanto a inovação para a empresa é associada à difusão tecnológica, uma forma de apropriação de conhecimento já produzido e difundido no mercado, “[...] em países como o Brasil o comportamento inovador da indústria é dominado predominantemente pelos processos de difusão tecnológica”. QUEIROZ, S.; QUADROS, R. Inovação e desenvolvimento tecnológico nas empresas brasileiras. Campinas: Ipea/PNAFE, 2004. VIOTTI, E.B. Fundamentos e evolução dos indicadores de C&T. In: VIOTTI, E.B; MACEDO, M. de M. (Org.). Indicadores de ciência tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed. Unicamp, 2003. 7. Em debate realizado em 2004, no IFHC, o presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE, ressaltou que a inovação é uma questão de postura, muito mais do que setorial (Boletim eletrônico Inovação Unicamp, de 30 de setembro de 2004). LUÍS FERNANDO TIRONI: Técnico do Ipea, engenheiro mecânico pela EESC-USP, com mestrado em economia pela Unicamp. Foi Secretário de Mecânica de Precisão do MCT e Diretor de Planejamento e Políticas Públicas e Diretor de Estudos Setoriais do Ipea. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANPEI – Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras. Como Alavancar a Inovação Tecnológica nas Empresas. São Paulo: 2004. (Elaborado por Mauro Arruda e Roberto Vermulm). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005 Artigo recebido em 17 de março de 2005. Aprovado em 7 de abril de 2005. 53 PAULO N. FIGUEIREDO ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA E INOVAÇÃO INDUSTRIAL conceitos, mensuração e evidências no Brasil PAULO N. FIGUEIREDO Resumo: Este artigo oferece uma contribuição à gestão do processo de desenvolvimento industrial no contexto de economias em desenvolvimento, particularmente no Brasil. Para isso, esclarece certas terminologias relativas a acumulação de capacidade tecnológica e inovação industrial e apresenta um modelo, acompanhado de breve aplicação prática, que pode ser usado para examinar – e gerir – o processo de desenvolvimento industrial. Palavras-chave: Capacidade tecnológica. Inovação industrial. Economias em desenvolvimento. Abstract: This article offers a contribution to the management of the industrial development process in the context of developing economies, particularly Brazil. The article clarifies certain terminologies relative to technological capability accumulation and industrial innovation. Finally, the article presents a metric, followed by a brief empirical application, that can be used to examine – and manage – the process of industrial development. Key words: Technological capability. Industrial innovation. Developing economies. fim da política de substituição de importações, no início dos anos 80, e a intensificação da globalização e da liberalização comercial, durante os anos 90, contribuíram para tornar a acumulação tecnológica fator ainda mais crucial para o crescimento econômico e a competitividade internacional de países em desenvolvimento. No Brasil, nos últimos 15 anos, tem havido uma profusão de estudos baseados em “diagnósticos”, descrições, análises e propostas relativas ao papel da política tecnológica no desenvolvimento econômico e inserção da economia brasileira no mercado internacional.1 Porém, ainda há escassez de abordagens gerenciais para estratégias de inovação industrial do ponto de vista de acumulação de capacidade tecnológica. Observa-se ainda o uso indiscriminado de certos termos sem fundamentos analíticos e empíricos adequados, tanto no discurso como em documentos acadêmicos, governamentais e de consultoria, relativos a estratégias de inovação industrial. Isto pode conduzir, de um lado, à realização de estudos cujo foco de análise não capte adequadamente a realidade industrial e, de outro, a uma interpretação equivocada da realidade. Por conseguinte, pode deturpar e interferir negativamente no processo de desenho e implementação de estratégias de inovação industrial, tanto em nível governamental como empresarial. O CAPACIDADE TECNOLÓGICA INOVADORA: FATOR-CHAVE PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Embora os benefícios da capacidade tecnológica inovadora para o desenvolvimento econômico de indústrias e países tenham sido observados, desde a Revolução Industrial, por Adam Smith, Alexis de Tocqueville e Karl Marx, foi J. Schumpeter, na década de 30, quem enfatizou a im- 54 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA Desenvolvimento Tecnológico no Contexto de Economias em Crescimento No final dos anos 70, sob a influência intelectual da “abordagem baseada em recursos” e da “perspectiva neoschumpeteriana”, emergiu um conjunto de estudos sobre EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ... o desenvolvimento tecnológico em empresas de países em desenvolvimento – ou de industrialização tardia. Mais especificamente, no início dos anos 70, a pesquisa sobre tecnologia em países em desenvolvimento adotou uma perspectiva dinâmica. Deixando de lado o ponto de vista estático dos economistas ortodoxos – os quais também argumentavam a inexistência de atividades tecnológicas inovadoras em empresas de economias em desenvolvimento – os novos estudos concentram-se nas mudanças ao longo do tempo na tecnologia e na maneira como as empresas implementavam tais mudanças (STEWART; JAMES, 1982). Esses novos estudos, que tiveram origem na América Latina sob a liderança de Jorge Katz, deram grande atenção às mudanças na capacidade tecnológica das empresas ao longo do tempo.4 Em seguida, estudos similares foram desenvolvidos na Ásia (BELL et al., 1982; LALL, 1987) e alguns poucos foram implementados na África (MLAWA, 1983).5 Durante meados dos anos 90, um novo conjunto de estudos emergiu para examinar as implicações dos processos de aprendizagem na trajetória de acumulação tecnológica de empresas de países em desenvolvimento.6 Diferentemente daqueles dos anos 70, essa nova geração de estudos examinou a base organizacional dos processos de aprendizagem e suas implicações para a acumulação tecnológica das empresas. Adotou-se, portanto, uma perspectiva muito mais ampla do que a descrição de trajetórias tecnológicas de firmas, característica dos estudos iniciais. Alguns estudos também examinaram, nas diferenças entre as empresas, o papel dos processos de aprendizagem em termos de acumulação tecnológica e aprimoramento de performance técnico-econômica (FIGUEIREDO, 2001) e o papel da cultura organizacional em termos de acumulação tecnológica (VERA-CRUZ, 2002). O exame da velocidade de acumulação tecnológica, medida em número de anos, aparece em dois estudos dessa literatura (ARIFFIN, 2000; FIGUEIREDO, 2001). Essas literaturas têm examinado a relação entre acumulação tecnológica e inovação industrial de maneira exaustiva, tanto conceitualmente como empiricamente. Durante os últimos dez anos, houve um considerável avanço na pesquisa sobre esses temas, no contexto de empresas de economias em desenvolvimento. Os estudos têm demonstrado, com adequado grau de detalhe e profundidade se e como os processos de aprendizagem afetam a capacidade inovadora e competitiva de empresas. Os resultados, análises e recomendações gerados por tais estudos são fontes valiosas para o aprimoramento de estratégias empre- portância da inovação para o desenvolvimento econômico das nações. Também foi Schumpeter quem nos ensinou que o conceito de inovação não se restringe a produtos e processos, mas envolve novas formas de gestão, novos mercados e novos insumos de produção. A partir da década de 50, alguns pesquisadores buscaram explicações para questões não abordadas por Schumpeter: fontes de inovação, melhoria contínua e características de empresas inovadoras. Mais especificamente, houve a emergência de um conjunto de estudos dedicados a examinar a capacidade tecnológica, os ativos específicos à empresa ou a base de conhecimento como fontes de diferenças entre empresas em termos de performance competitiva, ainda que no mesmo setor industrial. Essa perspectiva, ancorada na “abordagem baseada em recursos” gerou um conjunto de estudos inspiradores tanto conceituais como empíricos.2 No final dos anos 70, começou a emergir um conjunto de estudos que, de maneira mais sistemática, buscava examinar o papel da mudança tecnológica no desenvolvimento industrial e econômico de países e empresas. A partir de raízes intelectuais diversas, tanto no campo da economia como da gestão, essa nova abordagem passou a ser popularmente conhecida como neo-schumpeteriana ou evolucionista.3 Vários desses estudos enfatizaram o papel da capacidade tecnológica como fonte de diferenças entre setores industriais e países, em termos de progresso industrial e crescimento econômico. Um ponto comum nesses estudos é a rejeição à abordagem da economia ortodoxa, na qual a tecnologia era considerada meramente como informação e apenas uma variável exógena nos modelos de desenvolvimento econômico. Os estudos neo-schumpeterianos apontavam o caráter tácito e intrínseco da tecnologia como um dos fatores para explicar a impossibilidade de sua transferência automática de um contexto para outro. Isso, por sua vez, estava no seio das explicações das diferenças entre empresas e setores industriais em termos de performance técnico-econômica. Porém, tais estudos focavam tecnologia e inovação no contexto de empresas e países que já se encontravam em estágio avançado de industrialização. SÃO PAULO E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: 55 PAULO N. FIGUEIREDO sariais e governamentais de melhoria da performance inovadora e técnico-econômica tanto de empresas como de países. Para a operacionalização das várias recomendações emanadas desses estudos, primeiro faz-se necessário o entendimento de duas questões-chave: o real significado do conceito “capacidade tecnológica” e a maneira apropriada de identificá-la e medi-la. A partir da “abordagem baseada nos recursos específicos da firma” (PENROSE, 1959) e valendo-se de evidências empíricas, Bell (1982) faz distinção entre dois tipos de recursos: os que são necessários para usar os sistemas de produção existentes e os que são necessários para mudar os sistemas de produção. Estes últimos não devem ser tomados como um conjunto distinto de recursos especializados pois, por serem de natureza difusa, estão amplamente disseminados por toda a organização. Em outras palavras, a capacidade tecnológica de uma empresa (ou de um setor industrial) está armazenada, acumulada, em pelo menos quatro componentes (LALL, 1992; BELL; PAVITT, 1993; 1995; FIGUEIREDO, 2001)9 apresentados a seguir e ilustrados na Figura 1. - sistemas técnicos físicos – referem-se à maquinaria e equipamentos, sistemas baseados em tecnologia de informação (como os bancos de dados), software em geral, plantas de manufatura; Capacidade Tecnológica: o que é, afinal?7 Bell e Pavitt (1993; 1995) formularam uma definição ampla, segundo a qual a capacidade tecnológica incorpora os recursos necessários para gerar e gerir mudanças tecnológicas. Tais recursos acumulam-se e incorporam-se aos indivíduos (como aptidões, conhecimentos e experiência) e aos sistemas organizacionais. Essa definição baseia-se em outras formuladas anteriormente.8 Além disso, a capacidade tecnológica é de natureza difusa. FIGURA 1 Dimensões da Capacidade Tecnológica Sistema físico, base de dados, software, máquinas e equipamentos Sistema (tecido) organizacional e estratégias gerenciais; Procedimentos e rotinas organizacionias. Capacidade Tecnológica = conhecimento específico à organização / empresa Mentes dos indivíduos – conhecimento tácito e qualificação formal de engenheiros técnicos, operadores. Sua experiência e talento acumulado. Produtos e Serviços Fonte: Elaboração do autor. 56 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA - pessoas – referem-se ao conhecimento tácito, às experiências e habilidades de gerentes, engenheiros, técnicos e operadores que são adquiridos ao longo do tempo, mas que também abrangem sua qualificação formal. Essa dimensão tem sido geralmente denominada de “capital humano” da empresa ou do país; - produtos e serviços – referem-se à parte mais visível da capacidade tecnológica e refletem o conhecimento tácito das pessoas e da organização e dos seus sistemas físicos e organizacionais. Por exemplo, nas atividades de desenho, desenvolvimento, prototipagem, teste, produção e na parte de comercialização de produtos e serviços, estão refletidos os outros três componentes da capacidade tecnológica. Portanto, existe uma relação inseparável (simbiótica) entre esses quatro componentes. A capacidade tecnológica possui uma natureza não apenas disseminada, mas abrangente. Ademais, a capacidade tecnológica é intrínseca ao contexto da firma, região ou país onde é desenvolvida (PENROSE, 1959; NELSON; WINTER, 1982; DOSI, 1988a, 1988b).10 Logo, é curioso o termo “transferência” de tecnologia. Esse termo pode transmitir a falsa idéia de que a tecnologia pode ser automaticamente transladada de um contexto para outro. No entanto, a real transferência de tecnologia de economias industrializadas para economias em desenvolvimento envolve, de um lado, a gestão da aquisição, instalação e operação da tecnologia importada. De outro, implica assegurar o engajamento da organização recipiente em um contínuo e sistemático processo de aprendizagem tecnológica. É justamente essa segunda “metade” que tende a ser negligenciada em estratégias de inovação industrial. Isso contribui para explicar o processo irregular de desenvolvimento tecnológico que tende a ocorrer em economias em desenvolvimento. Em razão da natureza tácita e ampla da capacidade tecnológica, aqui não se faz distinção entre capacidade tecnológica e organizacional – ou entre tecnologia e EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ... organização –, já que a última é parte integrante da primeira. Porém, há uma tendência a negligenciar-se a dimensão organizacional da capacidade tecnológica.11 Ou seja, enquanto costuma-se dar grande ênfase ao “capital humano” como fonte de desenvolvimento tecnológico, dedica-se atenção inadequada ao “capital organizacional”, ou seja, à capacidade tecnológica embutida e armazenada no sistema (tecido) organizacional. A adoção de perspectivas limitadas de capacidade tecnológica (como sistema físico ou capital humano) pode ter implicações negativas para implementação de estratégias de inovação industrial. Uma das causas de resultados pífios, em termos de desempenho inovador e/ou técnico-econômico da tecnologia importada para a empresa receptora, é a “compra” de tecnologia limitada aos sistemas físicos e técnicos. Em outras palavras, estratégias industriais que enfocam apenas os elementos mais visíveis da capacidade tecnológica (oferta de capital e de sistemas físicos), sem considerar o desenvolvimento do capital organizacional, conduzem a resultados insignificantes em termos de inovação e produtividade.12 Em outros casos, ainda que seja dada forte atenção ao desenvolvimento de “capital humano” para absorver a tecnologia importada, a dimensão organizacional é normalmente negligenciada. Por exemplo, em nossas atividades de trabalho de campo de pesquisa, é comum encontrarmos gerentes que afirmam que, a despeito da presença de máquinas avançadas e de engenheiros e técnicos altamente qualificados, a empresa não consegue obter inovação em produtos e serviços e nem melhorar seu desempenho técnico. Ou seja, como se costuma justificar, falta nas empresas uma “organização” para integrar esses elementos e transformar o conhecimento tácito em novos produtos e práticas de produção. Isso parece refletir, de um lado, a ausência ou inadequação de esforços para aprimorar o tecido organizacional e gerencial no qual a capacidade tecnológica da empresa é acumulada. De outro, reflete uma percepção limitada sobre o que vem a ser “capacidade tecnológica”. Por exemplo, é louvável a meta brasileira de formar cerca de 10 mil doutores por ano. Porém, muito embora esse seja um elemento importante do desenvolvimento tecnológico nacional, primeiro é essencial responder a questões como: “Para que e em que áreas a oferta de tal capital humano é relevante para o país?” Em outras palavras, primeiro, é preciso saber como se pretende integrá-los aos demais componentes da capacidade tecnológica nacional. - sistema (tecido) organizacional – refere-se ao conhecimento acumulado nas rotinas organizacionais e gerenciais das empresas, nos procedimentos, nas instruções, na documentação, na implementação de técnicas de gestão (total quality management – TQM; material requirement planning – MRP; just-in-time – JIT, entre outras), nos processos e fluxos de produção de produtos e serviços e nos modos de realizar certas atividades nas organizações; SÃO PAULO E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: 57 PAULO N. FIGUEIREDO MENSURAÇÃO DE CAPACIDADE TECNOLÓGICA perspectiva agregada das atividades tecnológicas em empresas no Brasil. Vários deles têm suas raízes na literatura internacional sobre fatores determinantes das atividades inovadoras no âmbito empresarial (como COHEN; LEVIN, 1989; COHEN; LEVINTHAL, 1990; KUMAR; SIDDHARTHAN, 1997). Porém, como argumentado em Lall (1992), Bell e Pavitt (1993; 1995), Dutrénit (2000), Ariffin (2000) e Figueiredo (2001; 2003a; 2003b), há situações em que algumas dessas medidas têm suas próprias limitações e são menos relevantes pelas seguintes razões: - indicadores relativos às atividades de P&D e de patentes são apenas prevalentes em alguns setores industriais de países tecnologicamente avançados (como por exemplo, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Alemanha), onde certas empresas têm níveis suficientemente profundos de P&D e intensiva produção de patentes internacionais. Logo, a aplicação desses indicadores para empresas em economias em desenvolvimento – que, em geral, não possuem níveis sofisticados de capacidade tecnológica inovadora para conduzir atividades de P&D e patentes – seria irrelevante; No que concerne à identificação e medição da capacidade tecnológica em empresas ou setores industriais, particularmente no contexto de economias em desenvolvimento, o que é importante é não apenas identificar se essa capacidade existe ou não, mas também a direção, extensão – ou nível – e velocidade de seu desenvolvimento ou acumulação. Por isso, é preciso levar em conta o princípio básico de gestão, segundo o qual se pode gerir com eficácia aquilo que se pode medir. Antes porém, de introduzir a métrica para este fim, serão comentadas algumas das principais limitações dos indicadores convencionais para identificar e medir a capacidade tecnológica. Indicadores Convencionais: por que são Limitados? Indicadores relativos à base de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e patentes têm sido extensivamente usados para medir a capacidade tecnológica de empresas, setores industriais e países. Normalmente, é realizada avaliação do pessoal alocado em laboratórios de P&D, dos gastos em P&D e da intensidade da atividade de patentes internacionais registradas nos Estados Unidos como parâmetro para inovações internacionalmente reconhecidas.13 Há uma vasta literatura internacional, concernente ao contexto de empresas e países tecnologicamente avançados, que mede capacidade tecnológica de firmas e indústrias, à base, por exemplo, de gastos em P&D (MANSFIELD et al., 1979), qualificações formais de indivíduos (PACK, 1987; JACOBSSON; OSKARSSON, 1995), investimentos em pessoal alocado em laboratórios de P&D (WORTMAN, 1990) e estatísticas de patentes depositadas nos EUA (PATEL, 1995; PATEL; PAVITT, 1997) e mesmo uma combinação de P&D, patentes, gastos em educação, e estatísticas de pessoal de engenharia (DANIELS, 1997). Além disso, há o Manual de Oslo (OECD, 1997) que, embora tenha avançado em relação ao padrão de medida anterior (Manual Frascati), adota como critério-chave a medição de atividades tecnológicas por meio de estatísticas de P&D. No Brasil, a combinação de estatísticas de patentes e outras medidas quantitativas – como gastos em P&D, educação, percentual de cientistas e engenheiros qualificados e intensidade de capital – tem sido usada em alguns estudos para medir a capacidade tecnológica (MACEDO; ALBUQUERQUE, 1999; QUADROS et al., 2001; ANDREASSI; SBRAGIA, 2002; KANNEBLEY, 2003). Tais estudos são extremamente meritórios ao apresentarem uma - estatísticas de patentes internacionais, particularmente patentes nos Estados Unidos, são geralmente aceitas como uma medida superior de capacidade tecnológica. Estão disponíveis por longo período de tempo e fornecem detalhes estatísticos altamente quantificáveis, que poderiam ser examinados de acordo com a localização geográfica e área técnica (PATEL, 1995). Entretanto, muito embora isso seja verdadeiro, avaliar capacidades tecnológicas tendo como base essas estatísticas internacionais poderia ser limitante e tendencioso para empresas em economias em desenvolvimento que não exportam significativamente produtos especializados e de marca própria para o mercado dos EUA. - nas empresas que operam em economias em desenvolvimento (América Latina, Ásia, África do Sul ou alguns países do Oriente Médio e Leste Europeu) é rara a incidência de laboratórios de P&D formalmente estruturados conforme os encontrados em empresas de economias industrializadas. Não obstante, atividades tecnológicas inovadoras e complexas são conduzidas através dos departamentos de engenharia, de qualidade e de manutenção. É muitas vezes nessas unidades organizacionais que está acumulada grande parte das capacidades tecnológicas inovadoras das empresas; - a maneira como a empresa constrói a sua base organizacional influencia no sucesso ou fracasso de seu engajamento em atividades inovadoras – de básicas à P&D. 58 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA Porém, as abordagens baseadas em indicadores convencionais não captam as características e elementos do tecido organizacional, no qual a capacidade tecnológica é desenvolvida, acumulada e sustentada. Subjacente à persistência do uso desses indicadores convencionais para medir capacidade tecnológica no contexto de economias em desenvolvimento, está uma perspectiva de inovação que tende a negligenciar tanto as atividades de imitação, cópia, adaptação, experimentação, como a adoção de novos produtos e processos e de novos arranjos organizacionais que são parte do processo inovador (DOSI, 1988a; 1988b; LALL, 1992). Tais atividades são essenciais para o entendimento do processo de desenvolvimento tecnológico em economias em desenvolvimento (BELL; PAVITT, 1993, 1995; DUTRÉNIT, 2000; ARIFFIN, 2000; FIGUEIREDO, 2001). Ou seja, há diversos graus de inovação – de básica a complexa – que não são captados pelos estudos à base de indicadores convencionais. Identificar a progressão por meio dos diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico é crucial para entender a dinâmica industrial de economias e regiões em desenvolvimento. Para isso, é fundamental examinar os diferentes estágios percorridos por empresas e setores industriais. Métrica Alternativa para Identificar e Medir a Capacidade Tecnológica Baseando-se em Katz (1987), Dahlman et al. (1987) e Lall (1987; 1992; 1994) desenvolveu um modelo no qual as capacidades tecnológicas de uma empresa são categorizadas por funções. Tal modelo sugere que a acumulação processa-se a partir das categorias mais simples para as mais complexas.15 O princípio dessa métrica começou a ser desenvolvido pelo clássico estudioso russo Alexander Gerschenkron (1962), com base na idéia de estágios de desenvolvimento no contexto de industrialização tardia. Depois, outro avanço significativo foi feito em Lall (1992) e, mais tarde, refinada em Bell e Pavitt (1995). Em Figueiredo (2001), esse modelo foi empiricamente adaptado para explicitar melhor as diferenças entre empresas do setor de EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ... aço, em termos da maneira e da taxa (velocidade) de acumulação de capacidade tecnológica e em termos de aprimoramento de desempenho técnico-econômico (ver o modelo adaptado no Quadro 1).16 Em outras palavras, o modelo permite identificar e medir a acumulação de capacidade tecnológica baseada em atividades que a empresa é capaz de realizar ao longo de sua existência. Com base nesse modelo, é possível distinguir entre: capacidades rotineiras e capacitações inovadoras. As primeiras são para usar ou operar certa tecnologia e sistemas de produção, enquanto as segundas são para adaptar e/ou desenvolver novos processos de produção, sistemas organizacionais, produtos, equipamentos e projetos de engenharia (isto é, para gerar e gerir a inovação tecnológica). O Quadro 1 apresenta um exemplo do modelo modificado para aplicação empírica. Embora essa adaptação tenha sido feita, inicialmente, para a indústria do aço, o modelo tem sido utilizado para estudos de desenvolvimento tecnológico em outros setores industriais, como será apresentado com mais detalhes a seguir. 17 A capacidade tecnológica por função e nível de dificuldade é medida pelo tipo de atividade que a empresa é capaz de realizar por si mesma em diferentes intervalos de tempo. Com relação à aplicação empírica desse modelo, é importante notar os seguintes pontos: - O modelo permite captar dois tipos de trajetória de desenvolvimento tecnológico: pela evolução da simples produção de bens e serviços cada vez mais complexos e de maior valor agregado e pelo aprofundamento do nível de capacidade tecnológica. No primeiro caso, estuda-se, por exemplo, a evolução da manufatura de simples aparelhos de áudio à de DVDs. No segundo, pode-se analisar a produção básica para a engenharia, desenho e desenvolvimento de processos e/ou produtos. - outro problema dos estudos baseados em estatísticas de indicadores convencionais é que eles examinam a capacidade tecnológica em um ponto no tempo (momento atual – snap-shot studies).14 Tal abordagem estática não permite esclarecer como empresas desenvolveram progressivamente níveis mais profundos de capacidade tecnológica. Ou seja, não há exame do processo de acumulação tecnológica. SÃO PAULO E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: - Embora apresente a capacidade tecnológica em níveis ou “estágios”, como em Gerschenkron (1962), o modelo não pressupõe que todas as empresas de um certo setor industrial – e até mesmo unidades de uma mesma empresa – necessariamente capacitem-se nessa seqüência linear. O modelo também não pressupõe que as capacidades sejam construídas, acumuladas, sustentadas (ou debilitadas), ao mesmo tempo e à mesma velocidade, para as diferentes funções tecnológicas. Ademais, é difícil fazer uma separação entre as atividades relacionadas aos produtos e o processo de sua fabricação, incluindo-se aí o instrumental e o equipamento utilizado. 59 PAULO N. FIGUEIREDO QUADRO 1 Modelo Descritivo da Capacidade Tecnológica em Empresas de Economias Emergentes Níveis de Competências Tecnológicas (1) Básico (2) Renovado (3) Extra-básico (4) Pré-Intermediário (5) Intermediário (6) Intermediário Superior (7) Avançado Investimentos Decisão e Controle sobre a Planta Engenharia de Projetos Decisão sobre localização da planta. Preparação inicial de projeto. Termos de referência. Sincronização de trabalhos de construção civil e instalações. Monitoramento ativo de rotina de Serviços rotineiros de engenharia na unidades existentes na planta. planta nova e/ou existente. Funções Tecnológicas e Atividades Relacionadas Processos e Organização Produtos da Produção CAPACIDADES DE ROTINA Coordenação de rotina na planta. Absorção Replicação de aços seguindo especificações da capacidade da planta. PCP e CQ amplamente aceitas. CQ de rotina. básicos. Fornecimento a mercados de exportação. Estabilidade do AF e aciaria. Coordenação Replicação aprimorada de especificações de aprimorada da planta. Obtenção de aços dados ou próprias. Obtenção de certificação (ex.: ISO 9002, QS 9000) certificação internacional para CQ de rotina. Reposição de rotina de componentes de equipamento. Participação em instalações e testes de performance. Manufatura e reposição de componentes (ex.: cilindros) sob certificação internacional (ISO 9002) CAPACIDADES INOVADORAS Pequenas adaptações e intermitentes em processos, eliminação de gargalos, e alongamento de capacidade. Pequenas adaptações em especificações dadas. Criação de especificações próprias para aços (dimensão, forma, propriedades mecânicas). Aprimoramentos sistemáticos em especificações dadas. ‘Engenharia reversa’ sistemática. Desenho e desenvolvimento de aços tecnicamente assistidos. Desenvolvimento de especificações próprias. Pequenas adaptações em equipamentos para ajustá-los a matérias-primas locais. Manutenção break-down. Aprimoramento contínuo em especificações próprias. Desenho, desenvolvimento, manufatura e comercialização, de aços complexos e de alto valor sem assistência técnica. Certificação para desenvolvimento de produto (ex.: ISO 9001). Adição de valor a aços desenvolvidos internamente. Desenho e desenvolvimento de aços extra complexos e de alto valor agregado. Engajamento em projetos de desenho e desenvolvimento com usuários. Desenho e desenvolvimento de produtos em classe mundial. Desenho original via E, P e D. Contínua engenharia básica e de detalhe e manufatura de plantas individuais (ex.: AF, Sinter). Manutenção preventiva. Envolvimento ativo em fontes de financiamento de tecnologia. Planejamento de projeto. Estudos de viabilidade tecnicamente assistidos, para grandes expansões. Monitoramento parcial e controle de estudos de viabilidade de expansão, busca, avaliação, e seleção de tecnologia e fornecedores. Engenharia de instalações. Expansões Alongamentos sistemáticos de capacidade. tecnicamente assistidas. Engenharia Manipulação de parâmetros-chave de de detalhamento. processo. Novas técnicas organizacionais (TQC/M, ZD, JIT). Monitoramento completo, controle e execução de estudos de viabilidade, busca, avaliação, seleção, e atividades de financiamento. Engenharia básica de plantas individuais. Expansão da planta sem assistência técnica. Provisão intermitente de assistência técnica. Aprimoramento contínuo de processo. Desenho de sistemas automatizados estáticos. Integração de sistemas automatizados de processo e PCP. Alongamento rotinizado de capacidade. Elaboração e execução próprias de projetos. Provisão de assistência técnica em decisões de investimentos. Engenharia básica da planta inteira. Provisão sistemática de assistência técnica em estudos de viabilidade, engenharia de aquisição, de detalhe, básica, e partida da planta. Engenharia de classe mundial. Novos desenhos de processos e P&D relacionado. Integração entre sistemas operacionais e sistemas corporativos. Engajamento em processos de inovação baseados em pesquisa e engenharia. Gestão de projetos de classe mundial. Desenvolvimento de novos sistemas de produção via P&D. Produção de classe mundial. Desenhos e desenvolvimento de novos processos baseados em E e P&D. Equipamentos Reforma de grandes equipamentos (ex.: AF) sem assistência técnica. Engenharia reversa de detalhe e básica. Manufatura de grandes equipamentos. Continua E básica e detalhe de equipamento para planta inteira de aço e/ou componentes para outras indústrias. Assistência técnica (ex.: reforma de AF) para outras empresas. Desenho e manufatura de equipamentos de classe mundial. P&D para novos equipamentos e componentes. Fonte: Figueiredo (2001; 2003a; 2003b). Nota: E = Engenharia; PCP = Planejamento e controle da produção; CQ = controle de qualidade; AF = alto forno. dustrial leva para alcançar determinado nível de capacidade para funções tecnológicas específicas. Também é possível identificar quanto tempo uma empresa – ou conjunto de empresas – permaneceu estacionada em certo nível de capacidade tecnológica. A identificação e o exame da progressão por meio dos diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico é crucial para entender a dinâmica industrial de economias e regiões em desenvolvimento (KATZ, 1987; LALL, 1992; BELL; PAVITT, 1993; 1995). Exemplos de medições da velocidade de acumulação de capacidade tecnológica são apresentados em Figueiredo (2001; 2002; 2003a), enquanto Ariffin desenvolve um método e sua aplicação empírica sistemática na indústria eletroeletrônica (2000). Essa preocupação em medir o tempo de acumulação tecnológica presente nesses dois estudos ainda é uma questão negligenciada em estudos empíricos e em estratégias de inovação industrial – embora seja crucial para empresas de economias emergentes, como foi já mencionado nesse artigo. Como uma extensão do modelo no Quadro 1, o Gráfico 1 (a “escada”) é uma estrutura auxiliar, que facilita a visualização da trajetória tecnológica de empresas de economias em desenvolvimento. Tão importante quanto focalizar a acumulação do nível mais avançado de capacidade tecnológica, é entender que a construção e a acumu- - Em estudos no âmbito de empresas – e mesmo de setores industriais – recomenda-se classificar as funções tecnológicas específicas (como produtos, processo e organização da produção), em termos de tipos e níveis de capacidades, em vez da empresa ou do setor industrial em si (DUTRÉNIT, 2000; FIGUEIREDO, 2003a; 2003b). As empresas acumulam suas capacidades para funções tecnológicas diversas, de várias maneiras, em diferentes direções e velocidades. Para certa função tecnológica (produtos, por exemplo) pode-se alcançar uma profundidade de capacidade tecnológica (nível 5), enquanto que em uma outra função (gestão de projetos) pode-se acumular um nível mais superficial (nível 2). - Lembrando que as capacidades rotineiras e inovadoras acumulam-se de maneira paralela dentro da empresa, e também do setor industrial, é possível acumular partes de certas capacidades inovadoras sem que o acúmulo de suas capacidades rotineiras esteja consolidado. Chamamos a esse fenômeno “acumulação truncada ou incompleta”, observado, com certa freqüência, em empresas que operam em economias ou áreas emergentes (DUTRÉNIT, 2000; ARIFFIN, 2000; FIGUEIREDO, 2001, 2003a). A aplicação empírica mais sofisticada desse modelo permite ainda examinar a velocidade (ou taxa) de acumulação – isto é, o número de anos que uma empresa ou setor in- 60 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA lação dessa capacidade em níveis intermediários são uma pré-condição para o alcance de patamares mais elevados (DOSI, 1988a; LALL, 1992; HOBDAY, 1995; BELL; PAVITT, 1993, 1995; DUTRÉNIT, 2000; ARIFFIN, 2000; FIGUEIREDO, 2001, 2003a). Entretanto, estudos sobre inovação industrial em economias em desenvolvimento tendem a ignorar os seguintes aspectos: a importância da acumulação de capacidades em níveis intermediários e como e em quanto tempo as empresas evoluem da acumulação de capacidades rotineiras para inovadoras – de básicas a avançadas. Por isso, a aplicação empírica dos modelos apresentados no Quadro 1 e no Gráfico 1 permite levantar questões aparentemente simples. Mas a busca sistemática e disciplinada de respostas para elas pode conduzir a uma estratégia de inovação industrial focada e coerente – tanto no âmbito de empresas como de setores industriais ou até mesmo de um país. As questões são: - quanto tempo levamos para chegar até aqui?; - por quanto tempo estamos “estacionados” em um determinado nível de capacidade para uma função tecnológica específica?; - quão distante estamos da fronteira tecnológica internacional?; - onde queremos estar até o ano x?; - quais são os recursos e como geri-los para alcançar um nível de capacidade tecnológica em x número de anos? APLICAÇÃO EMPÍRICA DA MÉTRICA DE CAPACIDADE TECNOLÓGICA Apresenta-se a seguir uma breve aplicação empírica do modelo de mensuração de capacidade tecnológica. Isso foi GRÁFICO 1 Tipos de Competência Tecnológica “Profundidade” da Competência Tecnológica Competências em P&D e Engenharia para desenvolver e implementar novas tecnologias Competência Tecnológica Acumulada Fronteira Tecnológica Internacional Competências em P&D e Engenharia básica/gestão de projetos para copiar, implementar e desenvolver tecnologias existentes Competências em desenho, engenharia, gestão e P&D para aprimoramento incremental de produtos/processos e organizacional Competências técnica e gerencial/organizacional para usar e operar tecnologias existentes 5 10 15 20 25 Tempo (anos) Fonte: Bell (1997). Nota: Ver aplicação empírica em Figueiredo (2001; 2003b). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ... - onde estamos em termos de capacidade tecnológica?; Modelo Ilustrativo de Trajetória de Acumulação de Capacidade Tecnológica em Empresas de Economias Emergentes (Escada de Capacidades Tecnológicas) Complexidade da Tecnologia E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: 61 30 PAULO N. FIGUEIREDO representam as capacidades para inovar. O estudo encontrou uma diversidade de tipos e níveis de capacidades tecnológicas inovadoras na amostra examinada, conforme mostrado na Tabela 1. As principais evidências relativas ao estágio atual da capacidade tecnológica dos participantes da amostra são: - A função tecnológica “engenharia de software” é a que concentra mais institutos nos níveis 5 e 6 (“intermediáriosuperior” e “avançado”, respectivamente). Embora apenas um deles (correspondente a 5,5% da amostra) tenha alcançado as capacidades de nível 6, as capacidades de nível 5 representam o máximo de capacitação de onze participantes (61,1%). feito com base em recente estudo sobre desenvolvimento tecnológico na indústria de tecnologia de informação e comunicação (TIC) no Brasil (FIGUEIREDO; MARINS, 2005). O estudo examinou o desenvolvimento de capacidades tecnológicas em 18 dos mais importantes institutos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) vocacionados para o setor de TIC localizados nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Norte.18 A composição da amostra obedeceu a três critérios: localização; idade; e natureza dos institutos. Localização refere-se à dispersão geográfica dos institutos de P&D no território nacional. Assim, a amostra foi composta por institutos geograficamente distribuídos em todas as regiões do Brasil. Quanto à idade dos institutos de P&D foram pesquisados desde aqueles criados na década de 60 até os mais recentes, como de 2001. Por fim, examinou-se institutos de natureza diversa: tanto públicos como privados, tanto ligados a universidades quanto independentes ou ligados a empresas. Portanto, foi obtida uma amostra representativa, rica em evidências e diversificada. Para examinar as questões pesquisadas com adequado detalhamento e profundidade, foi necessária a coleta de evidências empíricas primárias. Tais evidências foram coletadas por meio de fontes variadas: entrevistas, observação direta e análise de documentação. Em razão das idades diferentes dos institutos – e no intuito de obter-se comparações interessantes – foi criada uma estrutura de três fases comuns: - fase inicial: período em que começam suas atividades; - As capacidades de nível 4 (“intermediário”), representam o grau máximo de capacitação na função “engenharia de software” em seis institutos pesquisados (33,3%). O instituto que consolidou as capacidades de nível 6 representa um centro de referência mundial no desenvolvimento de determinada tecnologia. Em termos de “gestão de projetos”, o nível 4 (“intermediário”) é o que concentra maior número de participantes e 12 institutos o têm como nível máximo alcançado (66,6% da amostra). - O nível 3 (“inovação básica”) representa o grau máximo alcançado por quatro participantes (22,0%). - O nível 5 (“intermediário-superior”) representa o grau máximo de capacitação em “gestão de projetos” de dois institutos estudados (11,1%) – sendo um deles independente e o outro ligado a uma empresa. Muito embora nenhum instituto estudado tenha consolidado as capacidades de nível 6 (“avançado”) em “gestão de projetos”, um dos participantes da amostra encontra-se em processo de transição para aquele nível. Nesse instituto há esforços deliberados no sentido de transformar a prevenção de falhas e defeitos durante a realização de um projeto (não apenas em produtos, mas também em processos) em uma rotina estruturada e formalizada. A função “produtos e soluções” é a única em que os participantes da amostra estão distribuídos em torno de quatro níveis de especialização máxima, estando apenas um deles (5,5%) restrito ao nível 3 (“inovação básica”). O nível 4 (“intermediário”) concentra dez institutos estudados (55,5%). Os níveis 5 (“intermediário-superior”) e 6 (“avançado”) representam o nível máximo alcançado por seis e por um participante (33,3% e 5,5%, respectivamente). As evidências apontam que o instituto que alcançou o nível 6 de capacitação nessa função é capaz de desenvolver produtos e soluções de elevada complexi- - fase intermediária: período de transição da primeira fase para a última – marcada pelo amadurecimento tecnológico e pela adaptação a condições externas (como a desregulamentação e a privatização do setor de telecomunicações nacional e a criação da Lei de Informática); - fase atual. Para o exame da capacidade tecnológica nas organizações da amostra, foi construída uma métrica específica para esse tipo de indústria com base em extensivo trabalho de adaptação, calibração e validação (ver o modelo adaptado no Quadro 2). Quanto aos tipos, foram examinadas as capacidades construídas pelos institutos em quatro funções tecnológicas: engenharia de software; gestão de projetos; produtos e soluções; e ferramentas e processos. As capacidades tecnológicas foram divididas em seis níveis de complexidade crescente, sendo que os níveis 1 e 2 representam as capacidades de rotina e os níveis de 3 a 6 62 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: ... senvolvimento de práticas próprias e de processos adequados a suas especificidades. Além disso, assim como o ocorrido com a função “gestão de projetos”, não há institutos que tenham consolidado as capacidades de nível 6 (“avançado”) na função “ferramentas e processos”. As evidências sugerem a ausência de institutos que venham realizando o aprimoramento contínuo de processos e sistemas operacionais próprios, uma vez que muitos nem mesmo estruturaram por completo seus processos organizacionais e operacionais. Portanto, o estudo contribuiu para elucidar a realidade desse segmento da indústria de TIC no Brasil. Tal realidade é, por vezes, desconhecida justamente pela escassez ou ausência de estudos dessa natureza. Isso contribui para a emergência de certas generalizações comuns sobre o desenvolvimento tecnológico na América Latina e no Brasil. É assim que, com base em análises agregadas, tem-se argumentado que a partir da década de 90 iniciou-se um pro- dade, dotados de capacidade de personalização para atender necessidades ainda não identificadas. Além disso, há a geração de spin-offs por conta da complexidade e da especialização das atividades em que esse instituto vem se engajando. Finalmente, em relação a “ferramentas e processos”, os institutos estudados estão agrupados em três níveis de capacitação tecnológica: 10 (55,5%) encontram-se no nível 3 (“inovação básica”); 7 (38,8%) no nível 4 (“intermediário”); e 1 (5,5%), que é um instituto independente, no nível 5 (“intermediário-superior”). As evidências indicam que os institutos têm buscado organizar suas atividades em torno de métodos de trabalho internacionalmente praticados. No entanto, embora uma parte significativa deles esteja orientada para a organização de suas práticas em torno de padrões internacionais, as evidências sugerem que poucos são os que, ao se organizarem e obterem certificações, voltaram-se para o de- QUADRO 2 Modelo Descritivo para Mensurar as Capacidades Tecnológicas no Setor de Tecnologia de Informação e Comunicação Níveis de Competência Atividades de Engenharia e Gestão de Projetos Engenharia de Software Ferramentas básicas e tecnologias pré-existentes de desenvolvimento de software. Práticas de gestão incipientes. Ambiente instável para o desenvolvimento de software e atividades de P&D correlacionadas. Nível 1 Básico Nível 2 Extra básico Utilização e adaptação de tecnologias desenvolvidas por terceiros. Formalização das práticas básicas de engenharia de software. Nível 3 Inovação básica Processos de desenvolvimento de software estruturados e padronizados. Interação com clientes e parceiros para desenvolvimento de novas tecnologias. Produtos e Soluções Gestão de Projetos CAPACIDADES DE ROTINA Práticas internas de gestão de projetos informais e intermitentes. Imprevisibilidade de prazos, Replicação de especificações determinadas pelos orçamentos, funcionalidade e qualidade do clientes. Pequenas adaptações de tecnologias já produto. Gestão de projetos realizada pelos existentes. clientes. Gestão de projetos realizada informalmente, com base nas práticas dos clientes. Padronização das Atividades de reengenharia e cópia. Novas aplicações fases básicas de um projeto (ex.: planejamento, para tecnologias e produtos, visando ao atendimento testes e desenvolvimento). Gestão de projetos das necessidades pontuais da empresa-cliente. abrangendo fornecedores e sub-contratados. CAPACIDADES INOVADORAS Planejamento e coordenação formal de projetos simples. Capacidade de gestão de projetos Processo de identificação das necessidades da empresa-cliente. Desenvolvimento de produtos e baseada na performance de projetos anteriores. Capacidade de identificação dos riscos dos soluções para solucionar problemas específicos. Análise, definição e especificação de requisitos. projetos. Sistemas de controle de documentação de projetos. Capacitação de gerentes de projeto. Uso de ferramentas básicas de engenharia de software. Processos operacionais não-formalizados. Técnicas de controle de qualidade incipientes. Estruturação dos processos operacionais. Controle de documentos operacionais e gerenciais. Controle de instruções técnicas para projetos. Uso de canais de comunicação em redes compartilhadas. Sistemas institucionais para integração de informações e dados (ex.: base de projetos). Padronização do processo de desenvolvimento de software. Capacitação em metodologias de gestão de processos. Práticas operacionais orientadas por pré-requisitos e especificações CMM2. Gestão de projetos complexos, envolvendo áreas de especialização tecnológica complementares. Interação contínua entre gerentes de projeto do instituto e gerentes de projeto dos clientes. Documentação formal das fases do projeto em base de dados. Tecnologias inovadoras visando ao mercado em potencial. Soluções complexas a partir da integração de áreas de especialização (ex.: óptica, Java, reconhecimento de voz). Criação de novas unidades organizacionais. Fortalecimento das práticas de gestão de projetos. Gestão estratégica da qualidade; obtenção de certificações internacionais (ISO, PMP-PMI). Processos baseados em e controlados por web intranet. Práticas operacionais orientadas por prérequisitos e especificações CMM3. Transformação (reengenharia) dos processos críticos do instituto. Ferramentas avançadas de gestão de processos. Normas e padrões de projetos próprios (ex.: Prosces). Execução de projetos envolvendo gestão de processos globais e simultâneos. Práticas operacionais orientadas por pré-requisitos e especificações CMM4. Aprimoramento contínuo dos processos e sistemas operacionais, tanto a partir de avanços incrementais nos processos existentes quanto a partir de novos métodos e tecnologias. Práticas operacionais orientadas por pré-requisitos e especificações CMM5. Nível 4 Intermediário Integração das ferramentas do instituto com as utilizadas por clientes e parceiros. Complementaridade das atividades de P&D para viabilizar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Nível 5 Intermediáriosuperior Equipes multidisciplinares, rotativas, de alta especialização tecnológica. Soluções inovadoras em engenharia de software e novas tecnologias a partir de insights próprios. Desenvolvimento de software em conjunto com centros globais. Formalização da gestão de risco. Avaliação de performance em projetos por meio de métricas quantitativas. Interação com o mercado global. Desenvolvimento de produtos e soluções em tecnologias de última geração (ex.: TV digital, PDAs, integração, telefonia celular – CDMA, TDMA, GSM, iDEN). Centro de P&D de excelência mundial no desenvolvimento de novas tecnologias (ex.: games, grid computing, messaging, iDEN). Gestão de projetos de classe mundial. Gerência de equipes fisicamente distantes. Capacidade próativa de reconhecer fraquezas. Prevenção da ocorrência de falhas em processos e de defeitos em produtos. Desenvolvimento de produtos e soluções de alta complexidade, com grande capacidade de personalização e adaptação para atender a necessidades ainda não identificadas via P&D (ex.: grid computing, convergência). Geração de spin-offs em decorrência da elevada especialização tecnológica. Nível 6 Avançado Ferramentas e Processos Fonte: Figueiredo (2001). Nota: Adaptado de e elaborado a partir de trabalho de campo que levou em consideração certas métricas específicas existentes: Capability Maturity Model – Software Engineering Institute (CMMSEI) e Project Management Body of Knowledge – Project Management Institute (PMBok – PMI). iDEN: Integrated Digital Enhanced Network; PDAs: Personal Digital Assistants; CDMA: Code-Division Multiple Access; TDMA: Time Division Multiple Access; GSM: Global System for Mobile communication; Prosces: Processo Padrão de Desenvolvimento de Software do CESAR. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 63 PAULO N. FIGUEIREDO COMENTÁRIOS FINAIS E RECOMENDAÇÕES PARA ESTRATÉGIA INDUSTRIAL cesso de deterioração das capacidades tecnológicas construídas até a década de 80 (CIMOLI; KATZ, 2003; KATZ, 2004). Segundo a perspectiva desses estudos, as atividades de P&D estão cada vez mais concentradas em países industrializados. Nas economias latino-americanas, há certa tendência de especialização na produção de commodities e na atividade de produção industrial básica, sendo elas geralmente descritas como passivas em termos de aprendizagem e inovação. Outros estudos sugerem que a interação entre infra-estrutura tecnológica e empresas vem sendo seriamente deteriorada a partir da década de 90, e que o processo de deterioração de capacidade tecnológica industrial caracteriza-se pela aprendizagem passiva do sistema nacional de inovação (CASSIOLATO; LASTRES, 2000; CASSIOLATO et al., 2001; VIOTTI, 1997, 2000). Ocorre que tais argumentos e generalizações normalmente não são apoiados por evidências empíricas de primeira mão e suficientemente detalhadas em nível de organizações. Por isso, as conclusões que emergem de tais estudos não refletem a realidade de empresas e indústrias de países ou áreas em desenvolvimento. Especificamente, tais generalizações não se sustentam frente ao escrutínio empírico detalhado que a aplicação desta métrica permite. Este artigo buscou oferecer uma contribuição ao aprimoramento da gestão do processo de desenvolvimento tecnológico no contexto de economias em desenvolvimento, particularmente no Brasil. Para isso, procurou esclarecer o significado de certas terminologias relativas a aprendizagem tecnológica e inovação industrial e apresentou um modelo de mensuração que pode ser usado para examinar o processo de desenvolvimento industrial. Tal iniciativa pode ser interpretada por alguns como “demasiadamente acadêmica”. Contudo, convém reiterar que tem havido uso indiscriminado de certos termos relativos à inovação industrial sem a adequada fundamentação analítica e empírica. Essa prática pode deturpar e interferir negativamente no processo de desenho e na implementação de estratégias governamentais e empresariais de inovação. Por isso, foram apresentadas algumas definições e um modelo de mensuração alternativo para a acumulação de capacidade tecnológica. Isso é particularmente importante para o contexto da indústria no Brasil, pelos seguintes motivos: - permite esclarecer as definições subjacentes ao desenho de estudos empíricos e de estratégias de inovação indus- TABELA 1 Institutos da Amostra, por Tipo da Capacidade Tecnológica Acumulada, segundo Níveis de Competência Atividades de Engenharia e Gestão de Projetos Níveis de Competência Engenharia de Software N os Abs. Produtos e Soluções Ferramentas e Processos Gestão de Projetos % N os Abs. N os Abs. % % N os Abs. % Capacidades Rotineiras Nível 1 (Básico) 18 100,0 18 100,0 18 100,0 18 100,0 Nível 2 (Extra básico) 18 100,0 18 100,0 18 100,0 18 100,0 Nível 3 (Inovação básica) 18 100,0 18 100,0 18 100,0 18 100,0 Nível 4 (Intermediário) 18 100,0 14 77,7 17 94,4 8 44,4 Nível 5 (Intermediário-superior) 12 66,6 2 11,1 7 38,8 1 5,5 1 5,5 0 0,0 1 5,5 0 0,0 Capacidades Inovadoras Nível 6 (Avançado) Fonte: Figueiredo e Marins (2005). 64 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA trial. A partir de uma noção mais clara do real escopo do tema e das variáveis envolvidas, é possível calibrar, desenhar ou redesenhar estratégias com foco mais coerente com as necessidades do contexto industrial e tecnológico do Brasil e das suas diferentes regiões; Mais especificamente, estudos baseados em amostra de dezenas de milhares de empresas, sem distinção intersetorial e à base de indicadores convencionais captados em um ponto no tempo podem gerar apenas uma mera “radiografia” de uma situação que nem sempre reflete a realidade industrial do país. Ou seja, estudos dessa natureza pouco contribuem para o entendimento da real dinâmica industrial – tão necessário para o desenho e redesenho de estratégias governamentais e empresariais. A aplicação empírica do modelo de mensuração de capacidade tecnológica permite: - avaliar, identificar e pontuar, de modo contínuo e à luz de taxonomias coerentes, o nível tecnológico dos setoreschave da indústria na economia brasileira; - identificar a maneira e a velocidade com que certos setores têm acumulado suas capacidades tecnológicas ao longo do tempo. Ou seja, distinguir os setores mais dinâmicos dos mais lentos em termos de acumulação de capacidades tecnológicas pois, setores mais vagarosos em termos de acumulação tecnológica talvez necessitem de incentivos diferentes e de maior exposição às pressões competitivas internacionais; - identificar os setores industriais que têm maior potencial e que devem receber maior atenção – em termos de recursos materiais, humanos, técnicos, organizacionais e financeiros – para aprofundar o desenvolvimento de capacidades tecnológicas; - recomendar políticas específicas para disseminar atividades que conduzam ao desenvolvimento de capacidades tecnológicas nos setores mais relevantes para cada uma das regiões do Brasil. EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ... De fato, atingir níveis de inovação próximos daqueles alcançados por empresas de países tecnologicamente avançados não é tarefa fácil. Porém, são duvidosas as perspectivas que advogam o avanço industrial de economias em desenvolvimento à base de proteção tarifária e subsídios, no intuito de resgatar a experiência histórica de certos países hoje tecnologicamente avançados (CHANG, 2002). Evidências e análises de estudos sobre inovação industrial realizados ao longo das últimas décadas – alguns citados aqui – sugerem que a gestão da acumulação tecnológica, no âmbito das empresas, associada a diferentes estratégias governamentais, que convergem para apoiar e estimular o desenvolvimento tecnológico na indústria, são fatores essenciais para que empresas, de economias emergentes sigam uma trajetória ascendente na intricada “escada” de capacidades tecnológicas. Na verdade, a intensificação da globalização e da liberalização comercial não elimina a necessidade de intervenções governamentais à base de desenho e implementação de estratégias para suportar, direta e indiretamente, a acumulação de capacidade tecnológica industrial. Assim, como sugere a perspectiva subjacente ao modelo apresentado no Gráfico 1, durante o processo de desenho de estratégias de inovação industrial é importante distinguir dois tipos de desenvolvimento de capacidade tecnológica: a rotineira (para usar) e a inovadora (para gerar e gerir mudança tecnológica). Enquanto os governos estiverem interessados em acelerar ambos os tipos de trajetória, serão necessários diferentes recursos e ações para cada caso. Por isso, as decisões relativas a essas duas trajetórias estão no coração das opções estratégicas de desenvolvimento industrial de um país. Em termos de estratégia industrial, a questão-chave é não apenas calibrar o grau de incentivos a empresas – para a compra de máquinas e equipamentos ou para exportação, por exemplo (abordagem estática) – mas também estimular que um grande número de empresas se mova, com adequada velocidade, para a acumulação de níveis inovadores de capacidade tecnológica por meio de um contínuo processo de aprendizagem (abordagem dinâmica). Por isso, no intuito de contribuir para facilitar a materialização de certos objetivos, tanto governamentais como empresariais – por exemplo, o alcance de alto nível de desempenho inovador e exportador, com base em uma perspectiva de 2020, para certos segmentos da indústria no Brasil –, sugere-se a criação de metas de desenvolvimento de capacidade tecnológica. Isso significa criar prazos para - auxilia a condução de novos estudos de inovação industrial fundamentados principalmente no trabalho de campo – e não apenas em análises de estatísticas oficiais – que possibilitam coletar evidências qualitativas e quantitativas de primeira mão e captar a realidade das atividades tecnológicas na indústria com adequado nível de detalhe e profundidade. Isso contribuiria para ampliar o debate para além das generalizações comuns – ou mesmo derrotistas – sobre o desenvolvimento tecnológico da indústria que, de tempos em tempos, emergem não apenas no Brasil, mas também na América Latina. SÃO PAULO E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: 65 PAULO N. FIGUEIREDO 11. Há uma literatura clássica sobre a relação simbiótica entre tecnologia e organização. Ver Rosenberg (1976; 1982), Salomon (1984), Pavitt (1985). o alcance de diferentes tipos e níveis de capacidades tecnológicas para os vários setores industriais no longo prazo, com avaliação a cada dois anos. Essa medida possibilitaria que ajustes periódicos, em termos, por exemplo, de fortalecimento e/ou reorganização da infra-estrutura tecnológica e de processos de aprendizagem, pudessem ser implementados, a fim de contribuir para a materialização dos níveis tecnológicos desejados. O processo de elaboração e implementação das metas de desenvolvimento de capacidade tecnológica poderia envolver lideranças empresariais, governamentais, acadêmicas e de outras organizações da sociedade comprometidas com o desenvolvimento industrial e tecnológico nacional. 12. Ver exemplos em Bell et al. (1982), Leonard-Barton (1995), Dutrénit (2000) e Figueiredo (2001). 13. Discussões detalhadas sobre a limitação desses indicadores para o contexto de empresas em economias em desenvolvimento são desenvolvidas em Bell e Pavitt (1993, 1995); Ariffin e Bell (1999); Ariffin (2000) e Figueiredo (2001; 2003a; 2003b). 14. É o caso, por exemplo, do desenho da Pintec (IBGE) e de seu desdobramento refletido no estudo ‘Inovação, padrões tecnológicos e desempenho de firmas industriais brasileiras’, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Não obstante, um dos méritos do estudo do Ipea é chamar a atenção para as implicações positivas dos esforços das empresas em ‘inovação tecnológica’ para a sua performance econômica. 15. Outros modelos descrevem as trajetórias de acumulação de capacidade tecnológica adotando perspectivas diversas. O ‘ciclo reverso de produto’ de Hobday (1995) está mais ligado à acumulação de capacidades para os mercados exportadores, ao passo que o modelo ‘aquisição-assimilação-aprimoramento’ de Kim (1997) tem mais a ver com a acumulação de capacidade para produtos do que para outros tipos de funções tecnológicas (por exemplo, equipamento, gestão de projetos, processos e organização da produção). NOTAS 16. O processo de adaptação e validação desse modelo para sua aplicação empírica em um estudo centrado na indústria de aço levou aproximadamente um ano. As principais atividades desse processo envolveram a seleção das funções tecnológicas relevantes, a coleta e a classificação das atividades específicas para expressar os diversos níveis de capacidade tecnológica e uma contínua validação com diferentes profissionais de empresas de aço e especialistas da indústria. Este artigo foi gerado no âmbito do Programa de Pesquisa em Gestão da Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), Fundação Getúlio Vargas (FGV). 1. Para uma breve revisão de alguns desses estudos, ver Figueiredo (2004). 17. Ver, por exemplo, Ariffin (2000) e Ariffin e Figueiredo (2003) para a indústria eletrônica; Tacla e Figueiredo (2003) para indústria de bens de capital fornecedora de sistemas de produção para a indústria de celulose e papel. Uma adaptação para a indústria de motocicletas e bicicletas foi realizada em Figueiredo (2005). No âmbito do Programa de Pesquisa em Gestão da Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da Ebape/FGV, adaptações têm sido feitas em estudos empíricos de desenvolvimento tecnológico em empresas de diferentes setores industriais no Brasil: metal-mecânico, linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, ar condicionado e fornos microondas), componentes eletrônicos, telefonia celular e fixa. 2. Ver Penrose (1959); Hollander (1965), dentre outros. 3. Ver Freeman (1974; 1982); Rosenberg (1976); Rothwell (1977); Nelson e Winter (1982); Dosi (1988a; 1988b); Dietrickx e Cool (1989); Teece et al. (1990); Pavitt (1984; 1991); Pavitt e Wald (1971) e muitos outros. 4. Ver Katz (1976); Maxwell (1981); Dahlman e Fonseca (1978) e vários outros sumariados em Katz (1987). 5. Para uma extensiva revisão desses estudos, ver Figueiredo (2001). 6. Ver, por exemplo, Hobday (1995); Kim (1997; 1998); Dutrénit (2000); Figueiredo (2001). 18. O estudo também examinou duas fontes utilizadas pelos institutos pesquisados para construir suas capacidades tecnológicas: processos de aprendizagem intra-organizacionais e ligações com empresas e componentes da infra-estrutura tecnológica (universidades, institutos de pesquisa, centros de formação e treinamento e laboratórios), ver Figueiredo e Marins (2005). 7. Há uma ampla literatura na qual se busca distinguir entre os termos capacidades e capacidades tecnológicas. Mais precisamente, na língua inglesa, os diferentes termos usados são, por exemplo, capabilities, competence e competencies. Porém, não é o objetivo deste artigo discutir as diferentes perspectivas, mas apresentar a definição mais ampliada do termo capacidade tecnológica no contexto de economias em desenvolvimento. Por isso, daqui em diante, será usado apenas o termo capacidade tecnológica. Não obstante, é importante lembrar que o termo capacitação tecnológica refere-se ao processo de acumulação de capacidades tecnológicas por meio dos vários processos subjacentes de aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 8. Ver Katz (1976); Lall (1982; 1987); Dahlman e Westphal (1982); Bell (1982); Westphal et al. (1984); Scott-Kemmis (1988). ANDREASSI, T.; SBRAGIA, R. Fatores determinantes do grau de novatividade das empresas: um estudo utilizando a técnica de análise discriminante. Série de working papers. São Paulo, FEAUSP, n. 01/004, 2002. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/wpapers>. 9. Essa perspectiva ampla para capacidade tecnológica também é encontrada na literatura sobre gestão da inovação no contexto de empresas inovadoras de economias industrializadas (LEONARDBARTON, 1995). ARIFFIN, N. The internationalization of innovative capabilities: the Malaysian electronics industry. 2000. Thesis (D. Phil.) – SPRU, University of Sussex, Brighton, 2000. 10. Para mais detalhes sobre essa perspectiva, ver Bell e Pavitt (1993; 1995) e Bell (1996). 66 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005 ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA E INOVAÇÃO INDUSTRIAL: ... ARIFFIN, N.; BELL, M. Firms, politics and political economy: patterns of subsidiary-parent linkages and technological capability-building in electronics TNC subsidiaries in Malaysia. In: JOMO, K. S.; RASIAH, R.; FELKER, G. (Ed.). Industrial technology development in Malaysia. London: Routledge, 1999. DAHLMAN, C.; FONSECA, F. From technological dependence to technological development: the case of the USIMINAS steel plant in Brazil. Working Paper 21, IBD/ECLA Research Programme, 1978. ARIFFIN, N.; FIGUEIREDO, P.N. Internacionalização de capacidades tecnológicas: implicações para estratégias governamentais e empresariais de inovação e competitividade da indústria eletrônica no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2003. DAHLMAN, C.; WESTPHAL, L. 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Aprovado em 7 de abril de 2005. 69 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA um estudo comparativo com os países centrais ANDRÉ TOSI FURTADO RUY DE Q UADROS C ARVALHO Resumo: O objetivo deste artigo é mostrar que a indústria brasileira tem padrões diferenciados de esforços tecnológicos em relação aos países desenvolvidos. Para identificar esses padrões, usaram-se indicadores de intensidade tecnológica (dispêndio em P&D/valor adicionado), de estrutura do dispêndio em P&D e de recursos humanos por setor da indústria. Em razão dessas diferenças, este trabalho propõe uma nova classificação dos setores por intensidade tecnológica, diferente da OCDE, aplicada ao caso brasileiro. Palavras-chave: Pesquisa industrial. Padrões setoriais. Comparações internacionais. Abstract: The present work aims to demonstrate that the Brazilian industry display a level of technology effort that differ from those found in developed countries. In order to define these levels we have adopted indicators of technology intensity, measured as R&D expenditure by value added, of R&D expenditure structure and of Human Resources by sector of the industry. Due to these differences, the present work proposes a classification of sectors based on technological intensity for the Brazilian case, which differs from the classification defined by OECD. Key words: Industrial Research. Sectoral Patterns. International comparisons. O Brasil teve um processo de industrialização retardatária que ocorreu a partir dos anos 30 do século XX. Apesar do acelerado crescimento até 1980, o nível de desenvolvimento do país ainda fica muito aquém do alcançado pelos países desenvolvidos. A indústria, que se orienta basicamente para o mercado interno, é tributária de fluxos externos de tecnologia incorporada e desincorporada. Ainda assim, essa indústria realiza um substancial esforço tecnológico voltado, na maior parte das vezes, para adaptar, ao contexto local, o fluxo de conhecimentos externos. Esse esforço também resulta de demandas tecnológicas locais que não podem ser satisfeitas a partir do fluxo externo de tecnologia. São ainda excepcionais os casos de setores em que empresas geram fluxos de novos conhecimentos para conquistar vantagens competitivas dinâmicas. O objetivo deste trabalho é mostrar que essa posição intermediária, e relativamente dependente, confere aos setores da indústria brasileira padrões diferenciados de esforços tecnológicos em relação aos países desenvolvidos. Para identificar esses padrões usaram-se indicadores de intensidade de pesquisa e desenvolvimento – P&D (dispêndio em P&D/valor adicionado), de estrutura do gasto em P&D e de recursos humanos por setor da indústria. Esses indicadores foram comparados com os de outros países desenvolvidos para os quais existem estatísticas similares. A pesquisa recente de inovação tecnológica realizada pelo IBGE, denominada Pintec 2000, que possibilita um salto qualitativo em matéria de dados sobre esforços tecnológicos de empresas industriais brasileiras, apresenta-se num padrão semelhante ao da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – 70 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... (Tabela 1) e os recursos humanos destinados a essas atividades por nível de qualificação. As informações sobre dispêndio publicadas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia anteriormente se apoiavam em estimativas feitas a partir de bases de dados incompletas. Esses dados não permitiam a desagregação em termos setoriais. Contudo, agora está disponível no país uma base de dados que possibilita comparações com os números publicados pela OCDE. A cobertura da Pintec 2000 é destacável. Abrange empresas industriais com mais de dez empregados, cuja amostra é de 11.044 empresas, representando um universo de 72.005 empresas industriais. Deste total, 22.698 (31,5%) afirmaram ter introduzido inovações tecnológicas entre 1998 e 2000. Um subconjunto das inovadoras composto de 7.412 empresas (32,7%) fez dispêndios internos de P&D em 2000. Esse conjunto subdivide-se entre 3.178 empresas que fizeram P&D de forma contínua e 4.236 que o fizeram descontinuamente. Os dados de dispêndios em P&D da Pintec 2000 se apóiam em um universo de empresas um pouco distinto daquela que fornece os dados utilizados em países desenvolvidos. Normalmente, tais valores são obtidos a partir de pesquisas baseadas no Manual Frascati, que restringem o universo às empresas com pelo menos uma pessoa em tempo integral atuando em P&D, o que equivale às atividades contínuas. As pesquisas de inovação podem eventualmente produzir dados sobre dispêndio interno em P&D, mas estes não são usados pelas estatísticas oficiais. Assim, as duas grandes diferenças metodológicas residem na cobertura. O Manual Frascati restringe o levantamento às empresas que têm atividades contínuas de P&D, ao passo que as pesquisas apoiadas no Manual de Oslo incluem as empresas que têm atividades de P&D irregulares. Em compensação, as pesquisas com base no Manual de Oslo só levantam informações sobre dispêndio em P&D das empresas que inovaram, excluindo aquelas que realizaram esse tipo de dispêndio sem ter inovado. No conjunto, a cobertura das pesquisas apoiadas no Manual de Oslo é mais ampla do que aquelas apoiadas no Manual Frascati (SIRILLI, 1998). OCDE, permitindo exercícios de comparação internacional. Este trabalho pretende dar continuidade a artigos que buscaram definir padrões de inovação na indústria brasileira e de outros países latino-americanos (FURTADO et. al, 1994; QUADROS et al., 1999; ERBER, 2001; KATZ; STUMPO, 2001). Pretende-se estabelecer uma classificação dos setores industriais por intensidade tecnológica distinta daquela da OCDE. Para tanto, faz-se uma breve caracterização da metodologia da base de dados da Pintec 2000. Em seguida, apresenta-se a classificação da OCDE dos setores por intensidade tecnológica e analisam-se os dados de esforço tecnológico (dispêndio em P&D) da indústria brasileira por setor, comparando-os com os de países desenvolvidos. Em outra seção, há uma análise comparativa entre a estrutura de recursos humanos, (pesquisadores) do Brasil e a dos Estados Unidos. São introduzidos, então, elementos analíticos que permitem explicar os padrões diferenciados de esforço tecnológico, a partir dos quais se propõe uma classificação dos setores da indústria brasileira. A BASE DE DADOS DA PINTEC 2000 E OS INDICADORES DE P&D A Pesquisa Industrial Inovação Tecnológica 2000 – Pintec 2000, produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, representa um marco para as estatísticas de inovação tecnológica do setor industrial no Brasil (IBGE, 2002a). Anteriormente, uma pesquisa de inovação fora realizada, apoiada na metodologia do Manual de Oslo, para o Estado de São Paulo, cobrindo o período 1994-1996 (QUADROS et al., 1999). Esse levantamento, denominado Pesquisa de Atividade Econômica Paulista – PAEP, foi coordenado pela Fundação Seade e não trazia estatísticas sobre dispêndios em P&D das empresas. Apenas faziam parte do seu escopo os recursos humanos alocados a esse tipo de atividade. A Pintec 2000 é uma novidade porque, além de representar a primeira pesquisa de inovação de âmbito nacional, apoiada no Manual de Oslo da OCDE e na terceira versão do questionário “Community Innovation Survey”, da Comunidade Européia, trouxe pela primeira vez estatísticas sistemáticas do dispêndio em P&D das empresas industriais brasileiras. Trata-se de uma pesquisa de inovação tecnológica que incorporou um capítulo específico sobre P&D, no qual se solicita às empresas que indiquem o valor do dispêndio em atividades internas e externas SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 CLASSIFICAÇÃO DA OCDE POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA A intensidade de P&D é o mais importante indicador usado pela OCDE para classificar os setores industriais de acordo com a sua intensidade tecnológica. O outro in- 71 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO TABELA 1 Esforços de P&D da Indústria de Transformação, segundo Setores Brasil – 2000 Dispêndio Estrutura Setores Valor da Transformação Industrial P&D Interno P&D Externo P&D Total Total Manufaturado Intensidade P&D Interno P&D Total P&D Int./ VTI % P&D Tot./ VTI Dispêndio Externo 249.217.209 3.712.478 624.000 4.336.478 1,49 1,74 14,39 Alim., Beb. e Fumo 35.807.205 227.680 31.965 259.645 6,13 5,99 0,64 0,73 12,31 Têxt., Conf. e Calç. 16.914.909 101.262 9.898 111.160 2,73 2,56 0,60 0,66 8,90 Mad. e Papel e Cel. 10,70 13.738.816 85.565 10.249 95.814 2,30 2,21 0,62 0,70 Papel e Celul. 10.872.983 73.591 7.941 81.532 1,98 1,88 0,68 0,75 9,74 Refino e Outros 35.664.372 446.064 52.393 498.457 12,02 11,49 1,25 1,40 10,51 33.797.426 444.637 497.030 11,98 11,46 1,32 1,47 10,54 30.733.502 527.072 127.811 654.883 14,20 15,10 1,71 2,13 19,52 23.332.298 414.094 38.394 452.488 11,15 10,43 1,77 1,94 8,49 7.401.204 112.978 89.417 202.395 3,04 4,67 1,53 2,73 44,18 Refino Química Total Prod. Químicos Prod. Farmacêuticos Borracha e Plástico 8.721.609 91.227 27.059 118.286 2,46 2,73 1,05 1,36 22,88 Min. Não-Metál. 9.297.993 51.411 12.357 63.768 1,38 1,47 0,55 0,69 19,38 Metalurgia Básica 16.248.928 144.842 10.217 155.059 3,90 3,58 0,89 0,95 6,59 Produtos de Metal 7.939.072 60.585 13.179 73.764 1,63 1,70 0,76 0,93 17,87 Máquinas e Equipamentos 13.475.191 341.960 20.394 362.354 9,21 8,36 2,54 2,69 5,63 Informática 2.967.765 109.060 18.391 127.451 2,94 2,94 3,67 4,29 14,43 Máq. e Material Elét. 6.183.593 260.631 38.608 299.239 7,02 6,90 4,21 4,84 12,90 Eletrôn. e Telecom. 8.265.740 387.155 154.778 541.933 10,43 12,50 4,68 6,56 28,56 Instrumentação 2.128.912 70.292 3.152 73.444 1,89 1,69 3,30 3,45 4,29 Mat. Transp. 23.269.248 732.507 79.111 811.618 19,73 18,72 3,15 3,49 9,75 Automob. 13,95 19.322.086 472.237 76.566 548.803 12,72 12,66 2,44 2,84 Out. Mat. Transp. 3.947.162 260.270 2.545 262.815 7,01 6,06 6,59 6,66 0,97 Móveis e Diversos 5.497.977 41.329 5.952 47.281 1,11 1,09 0,75 0,86 12,59 Fonte: IBGE (2002a). Pintec 2000; IBGE (2002b). Pesquisa Industrial 2000. - média-alta intensidade tecnológica: setores de material elétrico; veículos automotores; química, excluído o setor farmacêutico; ferroviário e de equipamentos de transporte; máquinas e equipamentos; dicador usado pela entidade é o gasto em P&D mais o gasto em tecnologia incorporada em bens intermediários e de investimento. Os primeiros trabalhos da OCDE exploraram, além dos dados de gastos em P&D, indicadores de fluxos tecnológicos inter-setoriais construídos a partir da matriz insumo-produto. No entanto, mais recentemente a classificação da OCDE tem se restringido aos gastos em P&D para classificar os setores.1 Baseada no indicador de intensidade de P&D (gasto em P&D/valor adicionado ou gasto em P&D/produção), a OCDE classifica os setores em quarto grupos principais de intensidade tecnológica: - alta intensidade tecnológica: setores aeroespacial; farmacêutico; de informática; eletrônica e telecomunicações; instrumentos; - média-baixa intensidade tecnológica: setores de construção naval; borracha e produtos plásticos; coque, produtos refinados de petróleo e de combustíveis nucleares; outros produtos não metálicos; metalurgia básica e produtos metálicos; - baixa intensidade tecnológica: outros setores e de reciclagem, madeira, papel e celulose; editorial e gráfica; alimentos, bebidas e fumo; têxtil e de confecção, couro e calçados. 72 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... selecionado um conjunto de dez países que integram a organização, entre eles as principais economias desse bloco mais a Noruega, a qual foi escolhida por apresentar algumas semelhanças com a economia brasileira, devido à importância do setor primário (energia e pesca). A indústria manufatureira brasileira apresenta uma intensidade tecnológica (1,5%) bem inferior à de todos esses países. O grupo da OCDE pode ser subdividido em quatro: um subconjunto de líderes com intensidade superior a 8% (Japão e EUA), um subgrupo de países europeus próximos com intensidade entre 6% e 7% (Alemanha, França e Reino Unido), um terceiro subconjunto de nações que exibem patamar intermediário de 4% (Coréia, Noruega e Canadá) e, finalmente, um subgrupo de países atrasados com intensidade de 2% (Itália e Espanha). O Brasil estaria em um patamar próximo ao dos países do Mediterrâneo, embora em nível ainda inferior (Tabela 2). Essas diferenças de intensidade entre países se devem a estruturas industriais distintas e sobretudo a disparidade de intensidade entre os mesmos setores de países diferentes. Pode-se atribuir tanto o primeiro tipo de distinção como o segundo à especialização produtiva e a diferentes formas de inserção produtiva na Divisão Internacional do Trabalho. Neste artigo enfocam-se, principalmente, as diferenças de intensidades setoriais entre países e no interior de uma mesma economia. Ao destacar a heterogeneidade entre países percebe-se que as maiores diferenças ocorrem em alguns setores de média e alta intensidades tecnológicas (como as indústrias farmacêutica, de instrumentação, de computação e automobilística), que são atribuídas à especialização produtiva. A maior intensidade tecnológica indica a existência de uma sólida indústria que se apóia em importantes grupos locais. O caso contrário sinaliza uma indústria local menos forte e, em certos casos, com presença marcante de filais de empresas multinacionais. Este segundo aspecto fica mais nítido para o caso da indústria automobilística, em que países com grande implantação de multinacionais (Canadá e Espanha) apresentam intensidade muito abaixo de países com importantes grupos nacionais (EUA, Japão, França, Alemanha, Coréia e Itália). A heterogeneidade mais importante para os propósitos deste trabalho ocorre inter-setorialmente dentro de cada país. Medindo-se a diferença entre intensidades tecnológicas setoriais extremas tem-se uma percepção de tal desigualdade. Assim, a intensidade do setor de instrumentação (29,9%) é aproximadamente 60 vezes superior à do setor têxtil (0,5%) nos Estados Unidos (Tabela 2). A classificação por intensidade tecnológica é interessante para identificar algumas diferenças estruturais entre o padrão de esforços inovativos e de mudança tecnológica de países desenvolvidos e a daqueles em desenvolvimento. Nas nações desenvolvidas, a intensidade tecnológica descreve em geral a velocidade de deslocamento da fronteira tecnológica internacional. Nos países em desenvolvimento, essa intensidade descreve os esforços relativos que devem ser realizados no processo de transferência internacional de tecnologia. O indicador (gasto em P&D/valor adicionado) possibilita comparações com os países da OCDE que publicam regularmente essas estatísticas (2002) e será usado como a principal variável para classificar a intensidade tecnológica setorial da indústria brasileira, neste artigo. Deve-se considerar que existe uma grande variabilidade de comportamentos nacionais em termos de esforços de P&D setoriais (gasto em P&D/valor adicionado). Os números que levam à construção da classificação da OCDE se apóiam em gastos agregados de todos os países pertencentes à organização. Muitas vezes comportamentos nacionais fogem a essa média. No entanto, a classificação da OCDE reflete o comportamento da indústria dos países desenvolvidos em escala mundial. Seria de alguma forma o padrão de comportamento da indústria na fronteira tecnológica. Como veremos adiante esse modelo possui importantes variantes nacionais. Esse aspecto não oculta, entretanto, as importantes diferenças estruturais com o padrão de esforço tecnológico de um país em desenvolvimento. CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO DISPÊNDIO EM P&D DA INDÚSTRIA BRASILEIRA – UMA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL As atividades de P&D do setor industrial brasileiro não são desprezíveis. Elas representam 32,7% do dispêndio interno em P&D.2 O restante é executado por instituições públicas ou privadas de ensino e pesquisa. Embora essa proporção fique bem abaixo da dos países desenvolvidos, onde ela chega a ultrapassar os 75% (nos Estados Unidos, por exemplo), o esforço de P&D executado internamente pelas empresas tem um peso significativo, que define o padrão tecnológico da indústria brasileira. O esforço tecnológico pode ser medido por meio do indicador (gasto em P&D/valor adicionado) porque possibilita comparações com países da OCDE (2002). Foi SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 73 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO TABELA 2 Intensidade Tecnológica dos Setores Industriais (P&D/VTI), segundo Setores Brasil e Países Selecionados – 1997-2000 Em porcentagem EUA 2000 Japão 1998 Coréia 1999 Alemanha 2000 Itália 2000 Total Manufaturados 8,3 8,6 4,5 4,0 7,0 7,4 2,1 2,1 6,1 4,3 1,5 Alimentos, Bebidas e Fumo 1,0 1,9 0,7 0,5 1,0 0,5 0,3 0,5 1,2 1,6 0,6 Têxt., Conf. e Calç. Madeira, Papel, Celulose, Edição e Impressão 0,5 2,1 0,9 1,0 0,9 2,0 0,1 0,6 0,4 1,9 0,6 1,6 1,2 Refino e Outros 3,2 0,8 0,5 0,6 0,3 0,3 0,1 0,3 0,2 1,0 0,6 0,5 10,0 4,1 1,9 2,0 1,4 9,6 6,4 1,3 Prod. Químicos 6,6 15,2 3,6 1,7 7,2 - 2,2 2,3 6,6 5,0 1,8 Prod. Farmacêuticos 19,9 21,5 3,9 24,4 27,6 - 10,7 10,1 54,2 23,1 1,5 Borracha e Plástico 2,8 18,2 3,5 0,8 4,7 2,9 1,2 1,5 1,0 3,7 1,0 Min. Não-Metál. 2,0 5,6 1,9 0,3 2,2 2,3 0,1 0,6 1,1 1,6 0,6 Metalurgia Básica 1,2 4,3 1,0 1,6 3,3 1,5 0,3 1,1 1,3 5,2 0,9 1,9 1,0 1,0 0,9 1,3 0,2 0,6 0,7 1,1 0,8 Setores Produtos de Metal Máquinas e Equipamentos Informática Máq. e Material Elétrico Eletrôn. e Telecom. 1,8 Canadá França 1997 1999 Espanha RU 1999 1999 Noruega Brasil 1997 2000 5,0 6,6 3,6 2,7 4,6 5,4 1,7 2,9 4,9 7,1 2,5 25,9 37,7 7,0 44,9 13,3 16,7 9,3 7,5 3,1 16,5 3,7 9,1 18,7 10,6 3,4 7,7 3,3 1,5 3,3 6,6 4,8 4,2 19,6 17,8 17,9 37,7 34,1 36,2 22,3 19,1 13,7 54,5 4,7 Instrumentação 29,9 23,8 4,1 16,9 11,7 3,1 3,7 10,2 7,7 3,3 Veículos Automotores 15,5 13,1 8,9 1,1 13,1 19,2 9,7 2,6 10,3 10,4 2,4 Outros Mat. Transp. 18,5 10,7 1,1 16,7 28,8 28,1 13,7 13,0 22,1 1,8 Aeroespacial 21,0 29,9 0,0 22,7 40,1 - 30,3 25,0 27,8 3,1 Móveis e Diversos - - 1,6 1,2 2,2 1,4 - 1,0 - - 0,8 Reciclagem - - - - 0,3 0,7 - 1,1 - - - 6,6 (1) Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000. (1) Inclui os setores Aeroespacial e Outros Materiais de Transporte. No caso japonês, essa razão é de 47 entre os setores de computação e de refino, coque e nuclear. Na Alemanha, ela alcança 120 vezes (eletrônica/madeira, papel e celulose). No caso francês , chega à 133 vezes (aeronáutica/ madeira, papel e celulose). Mesmo países em situação intermediária como a Coréia, com 35 vezes (eletrônica/ madeira, papel e celulose), e os de baixa intensidade como a Itália, com 303 vezes (aeroespacial/minerais não-metálicos), apresentam diferenças notáveis. Essas distinções revelam que, em geral, os esforços tecnológicos dos países industrializados tendem a se concentrar em alguns setores de alta e média-alta tecnologia, nos quais foram construídas vantagens competitivas internas. Esse aspecto é sensivelmente diferente em um país periférico como o Brasil, onde a diferença máxima chega a ser de 16 vezes (outros materiais de transporte/minerais não-metálicos). Se o contraste de intensidade tecnológica inter-setorial é relativamente menor do que nos países desenvolvidos, isso não significa que o Brasil tenha um maior nível de desenvolvimento industrial. Pelo contrário, neste caso, a homogeneidade dos níveis setoriais de intensidade tecnológica demonstra o oposto da homogeneidade dos níveis de produtividade. 3 Ela revela, na verdade, a fraqueza dos setores de alta tecnologia e a falta de especialização dinâmica do sistema produtivo brasileiro. 74 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... A razão entre os extremos setoriais de intensidade tecnológica é um indicador imperfeito que pode esconder uma maior ou menor dispersão em torno de um comportamento médio da indústria. Já o indicador de dispersão média 4 corrobora que os níveis de dispersão médios são muito superiores nos países desenvolvidos do que no Brasil. Neste país, esse indicador é próximo de um (1,15), ao passo que alcança patamares mais elevados em outras nações: Coréia (3,11), Espanha (5,02), Alemanha (8,48) e Canadá (11), conforme a Tabela 3). Esse indicador parece ser ainda mais sensível ao nível de desenvolvimento de um país. Quanto maior a renda per capita, maiores são as diferenças de intensidade de P&D devidas à especialização (Gráfico 1). No entanto, existem algumas distinções desse indicador nos países de maior renda entre aqueles que têm maiores mercados internos, tais como Estados Unidos, Japão e Alemanha, os quais têm menor coeficiente de dispersão, e países menores, como Canadá e França. O maior grau de dispersão das intensidades de P&D setoriais nos países desenvolvidos se deve a uma acentuada especialização produtiva e tecnológica de seus sistemas de inovação em setores de alta e média-alta intensidade tecnológica. Em contrapartida, no Brasil, o menor grau de concentração dos esforços de P&D setoriais se devem à maior fraqueza dos setores de alta tecnologia e à falta de especialização da indústria brasileira em setores tecnologicamente dinâmicos. Esse aspecto fica ainda mais nítido na comparação, entre países, dos setores classificados pela OCDE como sendo de alta tecnologia. Enquanto no setor farmacêutico a intensidade tecnológica do Reino Unido, que detém uma sensível vantagem competitiva no setor, ultrapassa a barreira dos 50%, ela é de apenas 1,5% no Brasil (Tabela 1). No setor de computação, a proporção é muito inferior à dos Estados Unidos e à do Japão, o mesmo ocorrendo em instrumentação. Na aeronáutica, essa comparação não pode ser plenamente feita por causa de problemas de agregação,5 mas observam-se sensíveis desníveis entre o Brasil e outros países que detêm posições de liderança nessa indústria, como Estados Unidos, Canadá, França, Itália e Reino Unido. Embora nem sempre os países desenvolvidos apresentem intensidades altas em setores de alta ou média-alta intensidade tecnológica, esse coeficiente tende a ser mais elevado em pelo menos um desses setores, em que o país detém vantagem competitiva tecnológica. Assim, ainda que a intensidade tecnológica da indústria da Itália seja relativamente baixa, o coeficiente é elevado para os setores farmacêutico (10,7%), de informática (9,3%), de eletrônica (22,3%), automobilístico (9,7%) e aeroespacial (30,3%). Já para setores de baixa intensidade tecnológica (alimentos, têxtil, madeira, refino, minerais não-metálicos, metalúrgica básica) e média-baixa (maquinaria, borracha e plásticos), a situação é muito mais favorável para o Brasil. As diferenças com os países ricos, quando elas existem, são menos acentuadas. Esse aspecto contribui para entender por que nesses setores o Brasil acumula suas vantagens competitivas. As empresas têm escala e apresentam níveis de atualização tecnológica e de produtividade mais próximos aos da fronteira tecnológica internacional (KATZ; STUMPO, 2001). Os dados da estrutura do dispêndio por setor e por grupo de setor de intensidade (classificação da OCDE), conforme as Tabelas 4 e 5, confirmam as informações de intensidade tecnológica. Os setores de alta tecnologia possuem uma importância relativamente menor no dispêndio em P&D da indústria. O setor de alta tecnologia ocupa 27,9% TABELA 3 Renda per capita, Quociente das Intensidades Extremas Setoriais de P&D e Desvio Médio das Intensidades de P&D Setoriais Brasil e Países Selecionados – 1997-2000 Indicadores Quociente das Intensidades Extremas Desvio Médio da Intensidade de P&D EUA 2000 Japão 1998 Coréia 1997 Canadá 1999 França 2000 Alemanha 2000 Itália 2000 59,8 47,1 35,8 81,33 133,7 120,7 303,0 Espanha 1999 83,3 RU 1999 271,0 Noruega 1997 Brasil 2000 54,5 16,5 8,70 8,93 3,11 11,00 9,92 8,48 6,64 5,02 8,89 7,75 1,15 PIB/p.c. (1999) 33.900 34.500 8.800 20.400 23.600 25.700 20.100 15.000 23.900 33.900 4.900 PIB/p.c.ppp (1999) 33.900 24.500 15.900 25.900 21.900 23.600 21.800 18.100 22.300 27.600 8.900 Fonte: OCDE (2000); MCT (2004). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 75 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO GRÁFICO 1 PIB per capita e Índice de Desvio da Intensidade Média de P&D Brasil e Países Selecionados – 1999-2000 Desvio Médio da Intensidade de P&D 14,00 12,00 Canadá França 10,00 Japão Reino Unido Alemanha 8,00 EUA Noruega Itália 6,00 Espanha 4,00 Coréia 2,00 Brasil 0,00 0 10000 20000 30000 40000 PIB per capita em PPP (1999 or 2000) Fonte: OCDE (2000); MCT (2004). pão, 14,6% na França, 43,8% na Coréia, 24,5% na Itália e 42,4% no Canadá, em relação a 12,5% no Brasil. Novamente, a presença de grandes grupos nacionais no campo da eletrônica explica a maior participação desse setor nos gastos dos países desenvolvidos. A Alemanha destoa um pouco desse quadro, devido ao maior peso relativo dos setores de média-alta intensidade tecnológica para a competitividade dessa economia. No setor de instrumentação, a pequena proporção do gasto no Brasil (1,7%) se contrapõe aos 14,3% dos norte-americanos e aos 7,8% dos franceses. Aqui também se manifesta a força da indústria de instrumentação de alguns países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos. A situação do Brasil é proporcionalmente mais favorável nos setores de menor intensidade tecnológica. Nos setores de média-alta intensidade tecnológica pela classificação da OCDE, a proporção de dispêndio interno da indústria é significativamente maior (38,4%) e fica aquém apenas de países como Alemanha (58%) e Japão (41,7%) e igualando-se à Itália (38,8%). Setores como o automobilístico, de máquinas e material elétrico e de equipamentos representam a principal parcela do dispêndio em P&D da indústria brasileira. Mas nos setores de média-baixa intensidade (refino e outros, borracha e plástico, minerais não-metálicos, metalurgia básica e produtos de metal) e nos de baixa intensidade (alimentos, têxtil, madeira e papel e móveis), a proporção de gastos das empresas brasileiras tende a ser do dispêndio da indústria brasileira, ao passo que essa proporção atinge 80% no Canadá e patamares elevados em outros países: Estados Unidos (61,6%), Reino Unido (62,7%), França (54,4%), Coréia (60,9%), Itália (53,7%), Japão (44,3%). Apenas a Alemanha (34%) se aproxima do Brasil (Tabela 3). A Alemanha e o Japão possuem fortes posições competitivas nos setores de média-alta tecnologia. De maneira geral, esse descompasso acontece em quase todos os setores de alta tecnologia, mas com países desenvolvidos distintos devido às especializações competitivas de cada um deles. Enquanto o setor farmacêutico representa 4,7% do dispêndio interno da indústria brasileira, essa proporção alcança 30,8% no Reino Unido, 15,4% na França e 10% nos Estados Unidos. No setor de informática, a proporção no Brasil é de 2,9%, em relação a 8% nos Estados Unidos, 11,3% no Japão e 8,5% na Coréia (Tabela 5). Mas nesse mesmo setor, a proporção brasileira é relativamente maior do que em países como França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. Isso porque, nesses países, a indústria nacional de computadores praticamente deixou de existir, enquanto no Brasil a Lei de Informática criou incentivos para a execução interna de uma parcela do dispêndio dessa indústria. A mesma diferença se confirma nos setores eletrônico e de telecomunicações, cuja participação no dispêndio total é das mais expressivas nos países desenvolvidos: 19,9% nos Estados Unidos, 19,8% no Ja- 76 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... TABELA 4 Estrutura do Dispêndio Interno da Indústria Manufatureira Brasileira, segundo Grupos de Intensidade Tecnológica na Classificação da OCDE Brasil e Países Selecionados – 1998-2001 Em porcentagem Grupos de Intensidade Tecnológica na OCDE Canadá 2001 EUA 2000 Japão 2000 Coréia 2000 França 1999 80,03 61,63 44,32 60,93 Média-Alta Intensidade Tecnológica 9,84 28,97 41,68 Média-Baixa Intensidade Tecnológica 4,99 4,78 Baixa Intensidade Tecnológica 5,29 4,47 Alta Intensidade Tecnológica Alemanha 2000 Itália 2001 Noruega 1998 Espanha 2000 RU 2000 Brasil 2000 54,38 34,06 53,73 43,75 43,41 62,72 25,31 28,08 32,32 58,05 38,81 29,04 33,92 28,93 40,11 8,63 6,93 9,22 5,59 4,85 16,73 10,93 4,49 20,97 5,37 4,18 4,08 2,30 2,61 10,29 11,74 3,87 12,28 Espanha 2000 RU 2000 Brasil 2000 Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000. TABELA 5 Estrutura do Dispêndio Interno da Indústria, segundo Setores Brasil e Países Selecionados – 1998-2001 Canadá 2001 EUA 2000 Japão 2000 Coréia 2000 França 1999 Alemanha 2000 Itália 2001 Noruega 1998 Alim., Bebidas e Fumo 1,47 1,23 2,53 1,67 2,10 0,66 1,62 5,33 4,34 2,87 6,13 Têxt., Conf. e Calçados 1,03 0,15 0,74 1,08 0,58 0,66 0,37 0,74 4,02 0,37 2,73 Mad., Pap., Celul. e Edição 1,91 2,47 1,16 0,48 0,47 0,44 0,37 4,23 2,09 0,37 2,30 Refino e Outros 0,73 0,92 0,32 2,39 1,63 0,11 0,87 2,94 1,29 2,00 12,02 Prod. Químicos 1,91 6,47 8,53 5,62 7,12 11,94 6,09 7,90 8,20 7,36 10,43 Prod. Farmacêuticos 9,25 10,02 7,26 1,67 15,40 6,68 10,70 8,09 12,22 30,80 3,04 Borracha e Plástico 0,44 1,23 2,53 1,67 3,27 1,86 2,49 1,84 2,57 0,62 2,46 Minerais Não-Metál. 0,15 0,62 1,68 0,60 1,52 1,31 0,37 1,47 2,73 0,50 1,38 Metalurgia Básica 2,06 0,46 2,95 1,55 1,63 0,77 0,37 9,01 1,93 0,62 3,90 Produtos de Metal 1,62 1,54 1,16 0,72 1,17 1,53 0,75 1,47 2,41 0,75 1,63 Máquinas e Equip. 3,08 5,24 9,79 3,35 5,25 10,41 9,33 13,42 9,00 7,61 9,21 Informática 7,05 8,01 11,37 8,48 2,22 2,08 1,24 1,84 1,29 1,25 2,94 Máq. e Material Elét. 2,20 2,93 10,32 2,03 4,32 3,29 2,99 4,41 6,27 4,61 7,02 Eletrôn. e Telecom. 42,44 19,88 19,79 43,85 14,59 11,72 24,25 24,82 14,63 11,10 10,43 Instrumentação 1,91 14,79 4,74 1,19 7,82 5,37 3,48 3,86 3,05 5,24 1,89 Veículos Automotores 2,64 14,33 13,05 17,08 15,64 32,42 20,40 3,31 10,45 9,35 12,66 Out. Mat. Transp. 19,38 8,94 1,16 5,73 14,35 8,21 14,05 5,15 12,22 14,34 7,01 Móveis e Diversos 0,88 0,62 0,95 0,96 0,93 0,55 0,25 0,00 1,29 0,25 1,11 Setores Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 77 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO substancialmente superior à dos países desenvolvidos. A diferença mais notável a favor do Brasil fica por conta do setor de refino, cuja participação é de 11,5% e nos demais países desenvolvidos não alcança os 3%. Aqui, o peso da Petrobras explica indubitavelmente essa maior expressão de um setor que normalmente ocupa uma pequena parcela do gasto de um país desenvolvido. Mesmo na Noruega e no Reino Unido, dotados de indústrias do petróleo de maior envergadura que a brasileira, o gasto desse setor é relativamente menor do que o daqueles intensivos em tecnologia (Tabela 5). anteriores, apoiadas nos dispêndios. Os setores de maior peso na alocação de recursos humanos para P&D pertencem ao grupo de média-alta tecnologia (Tabela 6). Esse conjunto é acompanhado por um outro mais heterogêneo (alimentos e bebidas, eletrônica e telecomunicações, outros materiais de transporte, máquinas e material elétrico), que junto com o anterior representa 61,4% dos pesquisadores da indústria brasileira. Esse grupo é mais heterogêneo tecnologicamente porque reúne setores de baixa intensidade (alimentos), de média-alta (máquinas e material elétrico) e de alta intensidade tecnológica (eletrônica e telecomunicações e outros materiais de transporte). Esses dados, além de revelarem importantes forças competitivas setoriais, mostram que a indústria brasileira possui uma distribuição relativamente mais homogênea de seus esforços de P&D do que a dos países desenvolvidos. O padrão de esforço da indústria brasileira não se concentra nos setores de alta intensidade tecnológica, como revela a comparação com a estrutura dos recursos huma- CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DOS ESFORÇOS DE RECURSOS HUMANOS: COMPARAÇÃO COM OS ESTADOS UNIDOS Os dados sobre recursos humanos, entendidos como pesquisadores em tempo integral dedicados à P&D na indústria, confirmam basicamente as observações TABELA 6 Estrutura dos Recursos Humanos em P&D(1), segundo Setores da Indústria Brasil e Estados Unidos – 2000-2001 Setores de Indústria Total Manufaturados Alimentos, Bebidas e Fumo Brasil 2000 EUA 2001 19.802 515.400 1.707 9.100 Brasil % EUA % 8,62 1,77 Têxtil, Conf. e Calç. 914 2.100 4,62 0,41 Mad. e Papel e Cel. e Gráf. 661 13.700 3,34 2,66 Refino e Outros 894 2.800 4,51 0,54 Prod. Químicos 2.162 38.800 10,92 7,53 Prod. Farmacêuticos 814 42.500 4,11 8,25 Borracha e Plástico 691 12.300 3,49 2,39 Min. Não-Metálicos 345 6.600 1,74 1,28 Metalurgia Básica 727 4.600 3,67 0,89 Produtos de Metal 544 9.800 2,75 1,90 Máquinas e Equip. 2.108 51.700 10,65 10,03 741 23.200 3,74 4,50 Máq. e Material Elét. 1.326 22.700 6,70 4,40 Eletrôn. e Telecom. 1.507 89.400 7,61 17,35 889 75.100 4,49 14,57 Veículos Automotores 2.013 75.200 10,17 14,59 Out. Mat. Transp. 1.330 33.400 6,72 6,48 429 2.400 2,17 0,47 Informática Instrumentação Móveis e Diversos Fonte: National Science Foundation (2003); IBGE (2002a). Pintec 2000. (1) Por Pesquisador Equivalente de Tempo Integral – ETI. 78 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... No caso brasileiro, apenas os esforços observados no setor de outros materiais de transporte, entre os de alta intensidade tecnológica, podem ser atribuídos a uma necessidade competitiva. Nesse setor, a Embraer se tornou uma grande exportadora de aviões apoiando-se no desenvolvimento de produtos próprios. Mas essa é uma exceção na indústria brasileira de alta tecnologia. Nos demais setores desse grupo, a maior parte da produção destina-se ao mercado interno e se apóia em conceitos tecnológicos desenvolvidos externamente. Os esforços tecnológicos mais expressivos do setor eletrônico e de informática são devidos a políticas explícitas de incentivo à P&D (incentivos fiscais da Lei de Informática). A situação é bem diferente nos setores de maior peso nos esforços de P&D, que pertencem ao complexo metalmecânico (máquinas, material elétrico e automobilística, metalúrgica básica, produtos de metal) e à química básica (química, refino e borracha e plásticos). Nesses segmentos a estrutura da indústria brasileira é mais sólida. Isso não significa que as empresas possuam uma capacidade de geração tecnológica endógena, salvo raras exceções como a Petrobras. Na maior parte dos casos os esforços tecnológicos visam adaptar a tecnologia importada ao contexto nacional. As necessidades de adaptação costumam ser maiores nesses setores do que nos de alta tecnologia. Essa situação se reproduz nos segmentos de baixa intensidade tecnológica. A comparação do Brasil com os Estados Unidos revela que o esforço nacional, medido em termos de recursos humanos, é proporcionalmente muito maior nesses setores. Assim, o setor de alimentos é responsável por 8,6% do total de pesquisadores da indústria, ao passo que essa proporção é apenas de 1,77% nos Estados Unidos (Tabela 5). Nesse caso, também, os esforços tecnológicos empresariais se orientam à adaptação de produtos e processos ao mercado local. nos dedicados à P&D da indústria manufatureira americana, obtida a partir dos dados levantados pela National Science Foundation – NSF. Nos Estados Unidos, responsável por quase a metade do dispêndio de P&D industrial na OCDE, há forte concentração nos setores de alta tecnologia (eletrônica, instrumentação, outros materiais de transporte e informática), com 51,1% dos recursos humanos, e em alguns segmentos de média-alta intensidade tecnológica (automobilística, máquinas e equipamentos e química), com 32,2%. Os dois grupos somam 83,3% do contingente total de recursos humanos da indústria alocados para P&D (Tabela 6). EM BUSCA DE UM MARCO CONCEITUAL PARA EXPLICAR OS ESFORÇOS TECNOLÓGICOS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA Essas diferenças estruturais dos esforços tecnológicos do Brasil em relação aos países desenvolvidos apontam para padrões setoriais muito distintos. As nações desenvolvidas possuem economias abertas, em que as indústrias crescem num ambiente competitivo. Essas economias são fortemente especializadas em setores de alta intensidade tecnológica e em alguns de média-alta intensidade. Conseqüentemente, possuem sistemas de P&D que concentram esforços nesses setores. Isso não se deve necessariamente a uma falta de vocação para segmentos de menor intensidade tecnológica, mas ao fato de que as barreiras tecnológicas à entrada, nos setores de alta tecnologia são muito elevadas. Para que empresas desses países possam construir posições competitivas, elas devem realizar substanciais esforços tecnológicos. Nos países em desenvolvimento, os esforços tecnológicos ainda se realizam no contexto de economias relativamente fechadas, submetidas às limitações do estrangulamento externo, em que a indústria, sobretudo a de maior conteúdo tecnológico, desenvolve-se em razão da ocupação do mercado interno. As corporações têm estratégias imitativas, apoiadas na reprodução, imitação e adaptação de tecnologias provenientes dos países desenvolvidos líderes. Os esforços tecnológicos das empresas se direcionam a gerar inovações incrementais (KATZ, 1976; LALL, 1982). Nesse contexto de economias fechadas e dependentes, as multinacionais costumam liderar os setores de maior intensidade tecnológica, por terem um acesso privilegiado à importação de tecnologia das demais empresas do grupo, localizadas em países desenvolvidos. Com isso, observa-se um menor esforço tecnológico nos setores de alta tecnologia. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE ESFORÇOS TECNOLÓGICOS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA: PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO SETORIAL Durante muito tempo se considerou que os países em desenvolvimento eram meros importadores de tecnologia proveniente de países desenvolvidos. Somente a partir dos anos 70 e 80 começou-se a atentar para a existência de atividades tecnológicas nas empresas desses países (KATZ, 1976; BELL, 1984; LALL, 1982). Na maior parte das vezes, as atividades tecnológicas das empresas es- 79 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO tavam ligadas à produção e não requeriam P&D rotineira. As corporações não possuíam laboratórios de P&D. De toda evidência houve uma sensível evolução da P&D industrial no Brasil. Hoje, são quase 20 mil profissionais dedicados à atividade na indústria em equivalente tempo integral (Tabela 6). Existem 7.412 empresas que realizam P&D, das quais 3.178 de forma contínua. Apesar do seu porte, os esforços tecnológicos da indústria brasileira seguem um padrão sensivelmente distinto daquele dos países desenvolvidos. Os setores de alta tecnologia, pela classificação da OCDE, têm menor expressão nesse quesito, em comparação com os dos países centrais. Eles formam um conjunto que não se destaca significativamente nem em termos proporcionais nem em intensidade tecnológica com relação aos demais setores da indústria. Assim, propõe-se, neste trabalho, uma classificação alternativa para a indústria brasileira que eventualmente sirva de ponto de partida para uma reflexão mais sistemática sobre as características estruturais diferenciadas das trajetórias tecnológicas de países em desenvolvimento. Entretanto, a ausência de dados sobre os demais países desse grupo impossibilita ainda qualquer pretensão de generalização da classificação apresentada. Algumas das posições fortes no Brasil não são encontradas em outros países em desenvolvimento, ou seja, é provável que existam significativas diferenças de intensidade tecnológica entre essas nações, assim como as que são encontradas em países desenvolvidos. Uma classificação aplicável ao conjunto dos países em desenvolvimento requereria uma maior cobertura das estatísticas de P&D da indústria desagregadas setorialmente e elaboradas a partir de uma metodologia comum. A classificação dos setores de acordo a sua intensidade de P&D possui significados distintos em um país desenvolvido daqueles assumidos nas nações em desenvolvimento. No primeiro caso, a classificação usada pela OCDE está apoiada no comportamento médio da indústria. Ela representa a dinâmica geral da fronteira tecnológica internacional. No entanto, como mostrado anteriormente, cada país desenvolvido se especializa em um pequeno número de indústrias, que variam caso a caso. Os países grandes possuem um maior número de setores em que se especializam do que os menores (Tabela 3 e Gráfico 1). No caso de um país em desenvolvimento, devese esperar um menor nível médio de esforço tecnológico e um comportamento muito mais homogêneo entre os setores. Entretanto, uma carência de informações sobre gastos de P&D na indústria desagregadas setorialmente impossibilita a generalização dos padrões encontrados no Brasil para os demais países em desenvolvimento. Uma maior cobertura de casos nacionais seria necessária para que se chegasse a uma classificação setorial semelhante à da OCDE. Mesmo assim, informações ainda esparsas permitem adiantar que um aspecto importante do padrão dos países em desenvolvimento consiste em um menor nível de esforços de P&D, principalmente nos setores de alta tecnologia. Um recente estudo da indústria mexicana (CAPDEVIELLE, 2003), que se apoiou em dados de 19891991, corrobora dois aspectos centrais dos esforços tecnológicos de empresas industriais em países em desenvolvimento que são uma menor dispersão intersetorial dos esforços tecnológicos e uma posição relativamente mais fraca nos setores de alta intensidade tecnológica.6 A classificação proposta para o caso brasileiro se apóia nas cifras de intensidade em P&D como as da OCDE. As diferenças de intensidade inter-setoriais que existem entre os quatro grandes grupos são muito menos acentuadas do que nos países desenvolvidos porque uma das características básicas dos esforços tecnológicos dos países em desenvolvimento é a sua maior homogeneidade. Em compensação, nos países da OCDE essas diferenças eram de 1,2% para o setor de baixa intensidade tecnológica até 27,5% para o setor de alta tecnologia, em 1999 (OECD, 2003). Na classificação proposta para o Brasil, esse leque se distribui entre 0,7% e 4,9% (Tabela 6). Tais diferenças estruturais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento podem ser amenizadas ou acentuadas por fatores variáveis de país para país. Uma análise do caso brasileiro permite identificar quatro itens principais: - origem do capital; - conteúdo local; - conteúdo tácito/conteúdo codificado da tecnologia; - políticas governamentais. A origem estrangeira do capital atua, com os demais fatores, no sentido de reduzir o esforço tecnológico local. Já o conteúdo local, o conteúdo tácito e as políticas governamentais tendem a agir em sentido contrário, incrementando os esforços tecnológicos e aproximando-os dos esforços existentes em países desenvolvidos. Assim, as maiores discrepâncias da nova classificação com a da OCDE estão no grupo de alta intensidade 80 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... justifica os esforços que são realizados tanto por empresas nacionais como multinacionais nos setores de informática e eletrônica no Brasil (Tabela 1). O caso da indústria aeronáutica se diferencia dos demais, na medida em que os esforços se direcionam para a geração endógena de tecnologia que dá sustentação à vantagem competitiva dinâmica adquirida no mercado internacional. Esse é o caso mais próximo ao de um país desenvolvido. No entanto, mesmo nesse exemplo, políticas públicas orientadas para a implantação de capacidade tecnológica no setor aeroespacial foram determinantes para explicar as diferenças inter-setoriais. O único setor considerado neste artigo como de alta tecnologia, mas que não está incluído na classificação da OCDE, é o de material e equipamentos elétricos. Este possui uma forte presença de empresas multinacionais no Brasil, mas em compensação tem maiores necessidades de adaptação da tecnologia do que os setores eletrônico e farmacêutico. No segmento de bens de capital de encomenda é notória a necessidade de desenvolvimentos específicos, em razão do porte do parque hidroelétrico brasileiro. Para o segmento de eletrodomésticos presencia-se a uma indústria de grande porte, que se destaca na exportação de alguns produtos, como compressores. Entre os setores de média-alta intensidade tecnológica, cujo comportamento pode ser explicado pela maior necessidade de adaptação da tecnologia transferida, destacam-se os de veículos automotores e máquinas e equipamentos. Esses setores realizam um significativo esforço tecnológico, que os coloca entre os mais expressivos no conjunto da indústria (Tabelas 4 e 5). Tanto na indústria de bens de capital como na de bens de consumo duráveis metal-mecânica, a transferência internacional de tecnologia requer um considerável esforço de adaptação que está associado a especificidades do mercado local. O grande porte do mercado brasileiro de veículos automotores, que foi ampliado para o Mercosul, justifica que empresas multinacionais desenvolvam esforços adaptativos. No caso da indústria de bens de capital, tais iniciativas decorrem de exigências dos setores usuários. Os setores de média-baixa tecnologia formam um grupo heterogêneo, que inclui o setor farmacêutico, considerado de alta intensidade tecnológica, segundo a OCDE, mas em que as empresas multinacionais têm um padrão de esforço local muito mais modesto porque as necessidades de adaptação são relativamente baixas (maior conteúdo codificado). Não há políticas setoriais para o setor farmacêutico que incentivem as empresas a investirem tecnológica. O setor farmacêutico é o segmento de alta tecnologia que, no caso brasileiro, apresenta um nível de esforço tecnológico, notoriamente, muito inferior ao dos países desenvolvidos, sendo classificado como de médiabaixa intensidade tecnológica. A maior presença de empresas multinacionais, que controlam 70% da produção desse setor, explica parcialmente esse comportamento. Mas esse não é o único fator, pois outros setores, em que empresas multinacionais estão fortemente implantadas, como os de eletrônica e veículos automotores, apresentam intensidades de P&D mais expressivas e até relativamente mais próximas das dos países desenvolvidos. Entre os demais fatores, destaca-se a necessidade de adaptação da tecnologia transferida a partir dos países desenvolvidos, a qual tende a crescer com o conteúdo de produção local. Esse esforço de internalização da produção está muito associado, no caso brasileiro, ao tamanho do mercado interno. A sua grande dimensão justifica que as empresas tanto estrangeiras quanto nacionais realizem investimentos em diversas etapas do processo produtivo. Porém, o esforço tecnológico local depende de muitos outros elementos, como as especificidades do mercado interno, dos insumos e dos serviços ofertados localmente e da relação entre conteúdo tácito e codificado da tecnologia transferida. As novas tecnologias, associadas aos complexos eletrônico e químico, comportam um maior nível de codificação, que torna o custo de sua cópia muito inferior ao de geração. Esse maior grau de codificação das novas tecnologias reconfigurou a agenda internacional sobre questões relativas à propriedade intelectual a partir da década de 80 e trouxe no seu bojo o acordo do Trade Related Propierty Rights – TRIPS (CORREA, 1989; 1997). Também possui fortes implicações na forma como ocorre a divisão do trabalho entre centro e periferia no processo de geração e difusão internacional da tecnologia. O maior grau de codificação das novas tecnologias tende a reduzir sensivelmente os esforços de adaptação aos contextos específicos locais, o que implica, por sua vez, uma menor intensidade tecnológica nesses setores nos países receptores. Esse efeito resultante do elevado grau de codificação das novas tecnologias só é contrabalançado por um quarto fator: as políticas públicas. Estas explicam, em grande medida, os esforços tecnológicos internos e externos dos setores de alta tecnologia. A Lei de Informática, que permite o abatimento do imposto de renda dos gastos executados internamente e externamente com P&D e isenta de IPI as empresas que gastam 5% do faturamento em P&D, SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 81 ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO CONCLUSÃO em P&D semelhantes às da indústria da informática e de telecomunicações (eletrônica). Paralelamente, o setor químico realiza um respeitável esforço tecnológico por conta da adaptação de tecnologia de processo e da introdução de inovações incrementais de produto, mas não se equipara com o de países desenvolvidos líderes, como Estados Unidos, Japão, França e Reino Unido (Tabela 1). Isso acontece porque, além de recorrer abundantemente à transferência internacional de tecnologia, a indústria química brasileira posiciona-se a montante da cadeia produtiva, quando são os segmentos posicionados a jusante (química fina) que apresentam maior intensidade tecnológica. A situação é muito distinta para o refino, em que a indústria brasileira apresenta uma expressiva posição de liderança. No conjunto, o grupo dos setores de média-baixa intensidade tecnológica ocupa o primeiro lugar no dispêndio interno (28,9%). Os setores de baixa intensidade tecnológica são mais numerosos do que os presentes na classificação da OCDE. Incluem-se, além desses, minerais não-metálicos, metalúrgica básica e produtos metálicos. Eles possuem intensidades em níveis semelhantes aos dos países desenvolvidos (Tabela 1) e representam uma parcela muito maior do dispêndio total das empresas em P&D (Tabela 4 e Quadro 1). A comparação dos dados de dispêndio e de recursos humanos do Brasil com um grupo de países da OCDE revela sensíveis diferenças estruturais nos padrões setoriais de esforço tecnológico. Os países em desenvolvimento, como o Brasil, realizam menos esforços tecnológicos que os países desenvolvidos. As diferenças são mais acentuadas nos setores de alta intensidade tecnológica do que nos de média e baixa tecnologia da classificação da OCDE. Isso explica porque há maior homogeneidade setorial das intensidades de P&D na indústria brasileira. O padrão mais homogêneo de esforço tecnológico torna a classificação dos setores industriais por intensidade tecnológica da OCDE pouco significativa para países em desenvolvimento. Essa sistematização descreve o dinamismo da fronteira tecnológica internacional mas é pouco apropriada para descrever o processo de difusão tecnológica mundial, principalmente em países em desenvolvimento. A difusão internacional de tecnologia não pode ser entendida como um processo automático e sem esforço endógeno. No entanto, a natureza desse esforço é bastante distinta da vigente nos países desenvolvidos e tende a ser mais homogênea setorialmente. O caso brasileiro indica que alguns fatores adicionais podem atuar no senti- QUADRO 1 Classificação dos Setores da Indústria Brasileira, segundo Intensidade Tecnológica Intensidade Tecnológica Estrutura do (P&D/Valor Adicionado) Faixa 0 a menos de 1% Dispêndio Intensidade Interno da Média (%) Indústria 0,68 Grupo 19,20 Baixa Intensidade: Alimentos, Bebidas e Fumo; Têxtil, Confecção e Calçados; Madeira, Papel, Celulose, Edição e Gráfica; Minerais Não-Metálicos, Metalúrgica Básica, Produtos Metálicos, Móveis e Diversos 1 a menos de 2% 1,42 28,67 Média-Baixa Intensidade: Refino e Outros, Química, Borracha e Plástico, Farmacêutica 2 a menos de 4% 2,62 26,76 Média-Alta Intensidade: Informática, Máquinas e Equipamentos, Instrumentos e Veículos Automotores 4% e mais 4,94 24,46 Alta Intensidade Tecnológica: Material e Máquinas Elétricas, Eletrônica e Outro Material de Transporte Fonte: IBGE (2002a). Pintec 2000. 82 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ... do de reduzir ou aumentar a distância entre o nível de esforço local e aquele vigente na fronteira tecnológica internacional. Este artigo propôs uma classificação dos setores de acordo com a sua intensidade em P&D em quatro grandes grupos. Cada um dos grupos recebeu uma denominação similar à da classificação da OCDE. No entanto, as diferenças de intensidade entre esses grupos são bem menores no caso brasileiro do que no da OCDE. Esse esforço ainda não é suficiente para gerar uma nova classificação setorial porque o Brasil é apenas um caso. Ainda assim, tal classificação foi útil para identificar fatores críticos que explicam a diferença em relação aos padrões setoriais existentes nos países desenvolvidos. Com o intuito de ajudar a explicar as distinções de intensidade de P&D dos setores industriais brasileiros, quatro importantes fatores foram identificados: origem do capital; o conteúdo de produção local; conteúdo codificado/tácito da tecnologia; e políticas públicas. A origem estrangeira do capital e o grau de codificação da tecnologia podem contribuir negativamente para o nível de esforço local, ao passo que o maior conteúdo local, o maior grau de conhecimento tácito da tecnologia e as políticas públicas de promoção da inovação podem agir de maneira contrária, ou seja, induzindo o maior nível de esforço tecnológico local. Em alguns setores, como o farmacêutico, o alto grau de codificação da tecnologia ou, ao contrário, o baixo nível de conteúdo tácito que demanda a tecnologia transferida (incorporada em insumos) requer poucos esforços adaptativos. Em decorrência disso, os esforços de P&D são muito menores em países desenvolvidos. Entretanto, mesmo em setores com dinâmicas tecnológicas similares, a ação de políticas governamentais pode exercer um efeito contrário, como é o caso do setor eletrônico e de telecomunicações. A propriedade estrangeira do capital pode se constituir em fator limitante dos esforços internos de P&D. A filial tem acesso privilegiado às fontes externas de conhecimento tecnológico e organizacional. Essa facilidade tende a inibir a necessidade de esforço interno. No entanto, esse fator pode ser contrabalançado por níveis mais elevados de conteúdo produtivo local e de conteúdo tácito da tecnologia. Esse é particularmente o caso de setores como o de veículos automotores e de equipamentos elétricos. O maior nível de conteúdo local está associado com o tamanho do mercado interno. Dessa forma, os quatro fatores apresentados são importantes para explicar as diferenças de intensidade SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005 tecnológica entre países em desenvolvimento e, também, para elucidar as diferenças entre as menores ou maiores aproximações com a classificação da OCDE. NOTAS 1. A metodologia da OCDE está baseada em “three indicators of technological intensity reflecting, to different degrees, the ‘technology producer’ and the ‘technology user’ aspects: i) R&D expenditures divided by the value added; ii) R&D expenditures divided by the production; and iii) R&D expenditures plus technology embodied in intermediate and investment goods divided by production”. No entanto, “In the absence of updated ISIC Rev. 3 input-output tables (required for estimated embodied technology), only the first two indicators could be calculated” (OCDE, 2003, p. 155). 2. O total do dispêndio interno foi estimado a partir dos dados das empresas (gasto interno e externo) mais os dados do MCT de dispêndio público e das universidades privadas em pós-graduação. É interessante notar que a participação empresarial no financiamento da P&D é bastante superior, equivalendo a 38,2% do dispêndio interno. 3. Com base na teoria da Cepal (PINTO, 2000), pode-se afirmar que a heterogeneidade da produtividade entre atividades econômicas indica uma falta de desenvolvimento econômico e a existência de um tecido produtivo fraturado. A “heterogeneidade estrutural” é uma característica dos países em desenvolvimento devido à forma irregular e descontínua com que se difundem as novas tecnologias no sistema econômico, que se restringe aos segmentos mais modernos da economia. O restante das atividades econômicas e sociais permanecem excluídas, em grande parte, dos benefícios do progresso técnico. Por conseguinte, há uma maior dispersão da produtividade e também uma maior heterogeneidade tecnológica nos países em desenvolvimento (FURTADO, 1972). 4. Esse indicador é a média aritmética dos desvios absolutos dos setores em torno da média da indústria de um determinado país. 5. A indústria aeronáutica não é separada do restante de Outros Materiais de Transporte. 6. “Se compararmos com o gasto realizado nos Estados Unidos, podemos apreciar que no México o quociente P&D/Vendas é 0,58% contra 3,12% no primeiro país. Mas as diferenças setoriais variam de 0,35% para 1,6% no México, enquanto elas vão de 0,18% a 20,19% nos Estados Unidos. No setor intensivo em ciência a intensidade de P&D é de 9% nos Estados Unidos, enquanto ela é de 0,79% no México” (CAPDEVIELLE, 2003, p. 459, tradução do autor). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELL, R.M. Learning and the Accumulation of Industrial Technological Capacity in Developing Countries. In: FRANSMAN, M.; KING, K. 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Conclui-se que a adoção de esquemas de cooperação é limitada e muito concentrada nas relações com instituições acadêmicas, tendendo a caracterizar redes pouco densas, configurando um tipo de arranjo que não é o mais favorável ao desempenho inovativo. Palavras-chave: Cooperação. Redes de inovação. Empresas de base tecnológica. Abstract: This paper approaches the issue of cooperation activities carried out by technology-based firms (TBFs). Drawing on a database built from a survey including 100 Brazilian TBFs, we argue that among these firms the practice of cooperation is quite restricted, too concentrated on relationships with universities, and reflects a low density networking. Such circumstances clearly hinder the innovative performance of Brazilian TBFs, thus undermining their competitiveness as a whole in the long run. Key words: Cooperation. Innovation Networks. Technology-Based Firms. A s empresas de base tecnológica – EBTs são objeto de crescente interesse. Sua importância como espaço de atuação profissional é reconhecida por engenheiros e cientistas há muito tempo e, talvez por isso, os estudiosos com esse tipo de formação foram os primeiros que se debruçaram sobre as especificidades de tais empresas. Com a disseminação do entendimento de que muitas delas padeciam de problemas gerenciais básicos, a administração passou a se dedicar ao tema, analisando as deficiências das EBTs e propondo modelos de gestão adaptados às suas características. Mais recentemente, as EBTs passaram a fazer parte da agenda de economistas e cientistas sociais, que, com certo retardo, perceberam o papel crítico que elas exercem nos processos de inovação nas economias contemporâneas. Em contrapartida, avolumam-se as evidências da importância dos mecanismos de cooperação na dinâmica SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 tecnológica. A literatura evolucionista, mesmo afirmando a relevância da concorrência como mecanismo de seleção, tem enfatizado a insuficiência de abordagens centradas exclusivamente nas competências internas das empresas, especialmente no caso das atividades em que são maiores a complexidade tecnológica e a freqüência da inovação. Paralelamente, a sociologia econômica tem lançado uma nova visão sobre o tema, a qual tende a privilegiar as redes e as relações entre os agentes como objetos precípuos de investigação. Parece, portanto, oportuno combinar um objeto e uma temática que são de grande interesse, tratando das relações de cooperação em que estão envolvidas as empresas de base tecnológica brasileiras. Tal é precisamente o objeto deste artigo, apoiado na base empírica fornecida por uma pesquisa de campo recentemente concluída. Antes de apresentar os primeiros resultados da análise, contudo, a 85 MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO tante que seja, essa função tem menor relevância. Naturalmente, num contexto como o atual, em que a intensificação do conteúdo de conhecimento dos processos produtivos e a aceleração das dinâmicas de desenvolvimento tecnológico são fenômenos presentes em muitos setores de atividade econômica, essa discriminação não é tarefa simples, mas nem por isso impossível ou desnecessária. A construção de um conceito de EBT que seja adequado nessa perspectiva e também aplicável nos esforços de identificação empírica dessas empresas foi uma das tarefas centrais da etapa inicial da pesquisa. A revisão da literatura e a discussão realizada sugeriram que um conceito apropriado deveria reconhecer e atender a uma série de requisitos, entre os quais se destacam: - As condições de uma economia de desenvolvimento tardio, historicamente caracterizada pela importação de tecnologia e por esforços limitados de constituição de capacidades inovativas (SUZIGAN, 1992). Nesse contexto, a noção de inovação deve contemplar não apenas a inovação “significativa” mas também a incremental e a imitação, de modo a assegurar, seguindo os argumentos de Freeman (1995), Bell e Pavitt (1993), a identificação dos processos de inovação característicos de economias menos desenvolvidas. seção subseqüente discute o conceito de empresa de base tecnológica e os marcos metodológicos gerais da pesquisa de campo. Em seguida, apresenta-se uma revisão sucinta, mas abrangente, da literatura sobre redes sociais, atentando principalmente para suas aplicações na análise dos processos de inovação. O passo seguinte consiste em analisar os dados obtidos na pesquisa de campo, com o propósito central de examinar a relação entre a presença de esquemas de cooperação e algumas variáveis que influenciam sua adoção e seu desenvolvimento. Por fim, são apresentadas algumas considerações, inclusive com a identificação de tópicos que merecem análise e pesquisa adicionais. REFERENCIAL CONCEITUAL E METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO Na literatura sobre empresas de base tecnológica – EBTs há conceitos diferentes, quando não divergentes, para esse conjunto de empresas. Procurando aperfeiçoar e detalhar a definição proposta originalmente por Marcovitch et al. (1986),1 Ferro e Torkomian (1988, p. 44), que preferem a expressão ‘empresa de alta tecnologia’, sugerem particularizar com esse conceito aquelas empresas que “dispõem de competência rara ou exclusiva em termos de produtos ou processos, viáveis comercialmente, que incorporam grau elevado de conhecimento científico”, circunscrevendo, todavia, a densidade tecnológica e a viabilidade econômica no devido contexto histórico e geográfico. Stefanuto (1993), por sua vez, propõe considerar como EBTs as empresas de capital nacional que, em cada país, se situem na fronteira tecnológica de seu setor. Mais recentemente, Carvalho et al. (1998, p. 462) identificaram como EBTs as micro e pequenas empresas - A EBT certamente é caracterizada por um esforço tecnológico expressivo, mas no contexto de pequenas e médias empresas em países em desenvolvimento tal iniciativa pode ser realizada em outros formatos que não o de P&D estruturado em centros próprios de pesquisa. Isso significa que os indicadores de esforço não devem se restringir aos critérios clássicos de intensidade em P&D, mas cobrir também arranjos menos formalizados e a articulação direta com instituições de pesquisa. - Considerando que nas EBTs a inovação não pode deixar de constituir um eixo central das estratégias competitivas, deve-se contemplar na sua caracterização a presença de resultados expressivos em termos de tecnologia de produto. Procedendo dessa maneira consegue-se separar as empresas tecnologicamente dinâmicas daquelas que estão baseadas em atividades em que o deslocamento da fronteira é mais lento, ainda que a tecnologia seja densa e sofisticada. comprometidas com o projeto, desenvolvimento e produção de novos produtos e/ou processos, caracterizando-se ainda pela aplicação sistemática de conhecimento técnicocientífico (ciência aplicada e engenharia). A comparação entre essas definições permite perceber de imediato que a conceituação do objeto desta pesquisa não é um problema trivial. Ao juízo dos autores, uma definição proveitosa deve possuir a capacidade de discriminar adequadamente as empresas em que atividades de cunho propriamente tecnológico sejam críticas para seu desempenho competitivo, distinguindo, portanto, firmas em que a capacitação tecnológica cumpre um papel estratégico de primeira ordem daquelas em que, por mais impor- Um conceito que respeite esses requisitos e seja capaz de discriminar adequadamente as EBTs no universo empresarial deve, portanto, enfatizar a dimensão das tecnologias de produto com relação às de processo. Empresas que têm nas capacidades inovativas – mesmo quan- 86 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ... do se emprega essa expressão de forma ampla, de maneira a abranger as capacidades de imitação, adaptação e engenharia reversa que tipicamente caracterizam o processo de inovação em economias em desenvolvimento – um atributo estratégico crucial expressam suas competências específicas no desenvolvimento de produtos “novos”.2 Essa ênfase permitiria distinguir as EBTs daquelas empresas que se empenham intensamente em modernizar suas bases produtivas, modificando suas tecnologias de processo, mas cujas operações se concentram na produção de bens e serviços há muito existentes no mercado. Em contrapartida, é preciso considerar também que certas empresas operam com produtos inovadores para os seus mercados mesmo sem realizar esforços tecnológicos significativos. Seria o caso, por exemplo, de firmas dedicadas à montagem não-qualificada de artigos eletrônicos padronizados, como as maquiladoras mexicanas e algumas fábricas da Zona Franca de Manaus, cuja operação é fortemente baseada em licenciamento de tecnologia. Além disso, em alguns setores de atividade, tanto no setor de serviços quanto em setores industriais maduros, a introdução de novos produtos pode ser realizada sem o suporte de uma firme base tecnológica. Portanto, um conceito útil de EBT não pode deixar de incorporar a dimensão do esforço de constituição de capacidades tecnológicas. Ainda que não adotem necessariamente o formato mais sólido e convencional de um departamento de P&D,3 EBTs são empresas que necessariamente aplicam parcela expressiva de seus recursos nessas atividades e nas quais a qualificação de, ao menos, uma parcela expressiva da força de trabalho é um requisito imprescindível para o sucesso da operação. Nessa perspectiva, as EBTs seriam sinteticamente definidas como empresas que: realizam esforços tecnológicos significativos e concentram suas operações na fabricação de “novos” produtos. O quadro subseqüente ajuda a entender como a combinação desses dois eixos de definição propicia uma segmentação do universo empresarial. O critério proposto pode, em princípio, ser aplicado a diferentes espaços geográficos, bastando que se atente para os diferentes conteúdos que podem ser atribuídos à noção de produto “novo”. A delimitação aqui proposta permite evitar a reprodução do procedimento adotado por outros estudiosos do tema que estipulam recortes adicionais – propriedade do capital, setor, idade, ramo de atividade – na definição das EBTs. Esses recortes são, mais do que desnecessários, inconvenientes, já que implicam limitar a capacidade de abordar a variada dinâmica que sabidamente envolve esse tipo de empresa. Por exemplo, excluir na partida a possibilidade de pesquisar empresas de capital estrangeiro significaria não estudar os interessantes casos de EBTs originalmente constituídas por capital nacional, cujo controle foi posteriormente adquirido por empresas transnacionais – ETNs. Limitações igualmente indesejáveis emergiriam se o conceito se restringisse a empresas industriais, “jovens” ou de setores caracterizados por alguma dinâmica tecnológica específica.4 É preciso reconhecer que, mesmo num ambiente menos intensivo em esforços tecnológicos, como é a economia brasileira, o conceito proposto alcança um número não desprezível de grandes empresas, que exibem características, estruturas e problemas muito diferentes daqueles que tipificam as EBTs. Por conseguinte, determinar que as empresas de base tecnológica a serem estudadas são aquelas de pequeno e médio portes é um imperativo ditado pela busca de consistência interna no objeto de estudo. A aplicação da definição exige o detalhamento de indicadores que captem a “novidade” dos produtos e a relevância dos esforços tecnológicos, bem como a determinação dos respectivos parâmetros de corte. Entre os indicadores de desempenho inovativo em tecnologia de QUADRO 1 Identificação das Empresas de Base Tecnológica Maior Inovação em Produto Maior Esforço Tecnológico Menor Esforço Tecnológico Menor Inovação em Produto EBTs (ou de “alta intensidade e dinamismo tecnológicos”) Empresas modernizadas e densas, mas não-dinâmicas Empresas produtoras, por exemplo, de bens de consumo leves não-maduros Empresas tradicionais em setores maduros Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 87 MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO produto, consideraram-se a parcela do faturamento com produtos novos, o número de patentes e os projetos de novos produtos em andamento. Quanto à relevância dos esforços tecnológicos, adotaram-se a intensidade em P&D, a existência de atividades de P&D não-estruturadas, a participação de engenheiros e cientistas na força de trabalho, o relacionamento com instituições de pesquisa e o envolvimento em redes de cooperação, conforme detalhado em Fernandes et al. (2000). Um dos objetivos centrais da investigação consistia precisamente em aplicar o conceito à base de dados obtida na pesquisa de campo, distinguindo as empresas que se ajustam à definição. Assim, já na composição da lista de entrevistadas tentou-se identificar empresas com alta probabilidade de se enquadrarem no conceito proposto de EBTs. O primeiro procedimento foi elaborar, a partir de uma ampla variedade de fontes, uma base com 1.316 “candidatas” a EBT.5 A ausência de estudos prévios com alcance nacional para caracterizar essa população impedia a montagem de amostras estatisticamente representativas e, antes disso, a definição de critérios de estratificação. Nesse contexto, buscou-se compor uma amostra abrangente, característica definida com referência à cobertura (1) de setores em que tipicamente se desenvolvem atividades de EBTs e (2) das principais regiões do país em que há indicações prévias da existência desse tipo de empresa. Portanto, mesmo sem ambicionar a representatividade estatística, procurou-se evitar vieses mais evidentes na composição da lista de empresas a sondar. Partindo de uma meta inicial de 150 entrevistas, foi possível realizar 117, o que, levando em conta a resistência de muitas empresas à pesquisa, pode ser considerado uma boa cobertura. Ressalte-se que a pesquisa de campo foi desenvolvida por meio de entrevistas com os gerentes ou proprietários das empresas. Nessas sondagens, além da aplicação de um questionário, procurou-se avaliar qualitativamente as atividades das firmas, dedicando-se especial atenção à avaliação de seu esforço tecnológico e às características de seus produtos e serviços. Informações de caráter qualitativo foram também consideradas no exame de cada uma das empresas e em sua classificação ou não como EBT. Com base nesse procedimento, 100 das 117 empresas entrevistadas foram consideradas EBTs. Ainda que esses não sejam os parâmetros mais precisos para avaliar o significado econômico de empresas particularizadas por seus efeitos na dinâmica tecnológica, a relevância desse conjunto de 100 EBTs pode ser atestada até mesmo por indi- cadores econômicos básicos: juntas, essas empresas faturaram, em 2002, R$ 874 milhões e empregaram 6.215 pessoas.6 REDES: CONCEITOS FUNDAMENTAIS Contemporaneamente, esforços importantes têm sido feitos para considerar as organizações em geral, e as empresas em particular, como estruturas que não são independentes, mas estão envolvidas em redes sociais ou networks (POWELL, 1990). De forma geral, na perspectiva da Nova Economia Institucional, as formas de governança das relações econômicas se dão ou pelo mercado (seja através de preços, seja através de contratos), ou pela hierarquia, manifesta na relação de emprego (POWELL, 1990). Com a perspectiva de redes sociais busca-se analisar essas estruturas levando em conta o caráter relacional dos agentes envolvidos no sistema. Para Powell e Smith-Doerr (1994) existem duas abordagens de estudo utilizando redes sociais. A primeira usa o conceito como ferramenta analítica para elucidar as relações sociais informais existentes e sua ligação com força e autonomia. A segunda entende as redes como uma forma de governança, ou seja, a estrutura das inter-relações existentes entre os diversos atores econômicos acaba criando condutas que outros tendem a seguir. Os dois caminhos têm como base conceitos como conectividade, reciprocidade e embeddedness, considerando as redes como estruturas de oportunidade e fonte de restrições. Outro ponto destacado é que as redes sociais procuram levar em conta o contexto social em que se dão as relações. Para os autores supracitados, na análise das organizações como redes sociais, os esforços devem se concentrar em entender como ocorrem as trocas de informações, o porquê de os agentes estarem ligados uns com os outros, como ocorrem os benefícios para cada agente e a disseminação de informações pela rede formada e qual a força das ligações. Outros aspectos de grande importância são a reciprocidade entre os agentes, a confiança estabelecida e o tempo de existência da ligação. A noção de rede, ainda segundo Powell e Smith-Doer (1994), pode ser utilizada para estudar diversos fenômenos, tais como redes de produção, de oportunidade e acesso, de poder e influência e de tratados, nas quais diversas estruturas podem ser formadas, levando em conta diferentes características dos sistemas enfocados. Neste estudo entende-se que EBTs, analisadas sob a perspectiva das redes sociais, possam ser caracterizadas 88 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ... como o número de ligações existentes dividido pelo número de ligações possíveis. Quanto maior o número de ligações, mais densa a rede é. A análise da distância entre os atores numa rede pode ajudar a entender os padrões de difusão das informações, os custos de transação e as estruturas de governança. Como Davis, citado por Granovetter (1973), destaca: como redes de produção e de oportunidade e acesso, por serem estruturas em que as relações de poder são minimizadas, os agentes são horizontais e a maioria das relações (em particular as orientadas a P&D) é de cooperação, difundindo-se pela rede informações, proporcionando troca de conhecimento para inovação e tecnologia. Nessa dinâmica, o nível da cooperação é variável dependente do grau de confiança que se estabelece entre os atores. Redes de pesquisa e desenvolvimento têm caráter mais colaborativo, possivelmente por seus membros pertencerem a associações industriais e científicas. Para o conhecimento de dinâmicas inovativas, o contato com redes de P&D torna-se indispensável, pois elas aproximam as empresas, permitindo o compartilhamento de competências diferentes e a geração de novas idéias. Apoiando-se nas formulações pioneiras de Albert Hirschman, Powell e Smith-Doerr (1994) sustentam que confiança e outras formas de capital social são particularmente interessantes, pois são recursos morais que operam de forma diferente do capital físico. Com isso, as relações e as formas de governança ganham importância, já que na presença de confiança os riscos de cooperar ficam minimizados e a necessidade de monitoramento, diminuída. Segundo Granovetter (1973), a análise de processos em redes interpessoais oferece uma ponte poderosa entre os níveis analíticos micro e macro, permitindo que interações em pequena escala possam ser convertidas em propriedades de grande dimensão. Na análise das estruturas de redes, um conceito fundamental é o de ligação e suas características. As ligações são importantes, pois além de caracterizarem a estrutura da rede, possibilitam que esta seja usada para o estudo de fenômenos como difusão, mobilidade e coesão social. A força de uma ligação é definida como “uma combinação, provavelmente linear, de tempo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos” (GRANOVETTER, 1973, p. 1.361). Assim, podem ser fortes ou fracas. Em geral, costuma-se dar grande importância às ligações fortes. Todavia, como destaca o autor, as fracas possuem características importantes e podem ser mais interessantes nos processos de difusão de informação, pois podem reduzir a redundância e trazer informações novas aos agentes mais rapidamente. Conceitos como densidade, distância e freqüência são igualmente fundamentais. A densidade, conceito relativamente difícil de ser observado empiricamente, é definida SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 o que quer que seja que irá fluir de uma pessoa i para uma pessoa j, é (a) diretamente proporcional ao número de ligações positivas entre i e j; e (b) inversamente proporcional à distância desta ligação. As ligações fracas conseguem atravessar maior distância social e difundir as informações mais rapidamente e com menor redundância do que as ligações fortes. Com relação às inovações, Granovetter (1973) argumenta que agentes com várias ligações fracas estão mais bem posicionados na rede para difundir uma inovação. Assim, se esta for percebida como ‘boa’ ou considerada como ‘vantagem’, provavelmente será difundida rapidamente pelos diversos agentes da rede, num típico processo de isomorfismo mimético, caso contrário, a probabilidade de ela subsistir é muito pequena. Portanto, as ligações fracas podem ser tidas como estimuladoras da inovação, pois trazem informações novas e não redundantes às redes, embora não sejam muito ricas em detalhes. O último atributo importante para a análise das ligações é a freqüência, que indica a quantidade de encontros entre os agentes por um período de tempo. Sua função é permitir o estreitamento do relacionamento ao longo do tempo, criando confiança mútua e enriquecendo o fluxo de informações. É razoável assumir que quanto maiores os recursos envolvidos numa troca, mais freqüentemente os atores deverão se encontrar, e vice-versa. No processo de inovação das EBTs, construir um relacionamento robusto (ligações fortes) com outros atores – em geral por meio das estruturas (formais ou não) de P&D – mostra-se importante, especialmente nos casos em que esse processo exige informação e competência específicas. Em processos como esses, a confiança e a familiaridade precisam ser intensas, bem como o compartilhamento de recursos e tempo. Governança também é tratada por Granovetter (1973) quando o autor argumenta que o comportamento do agente é formatado e delimitado pela estrutura da rede, ainda que alguns atores possam estar estruturalmente melhor localizados do que outros e consigam, dessa forma, interferir na governança e modificá-la com suas ações. 89 MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO Das 100 EBTs entrevistadas, 93 responderam a essa questão. Dentre estas, 76 (82% dos respondentes) declararam desenvolver atividade de cooperação, ao passo que 17 afirmaram não participar de qualquer arranjo cooperativo. O Gráfico 1 mostra que as universidades e os institutos de pesquisa destacadamente figuram mais freqüentemente como parceiras das EBTs pesquisadas. Essas organizações foram mencionadas quase três vezes mais do que os clientes e cerca de cinco vezes mais do que empresas de consultoria e fornecedores. Concorrentes, por sua vez, foram mencionados por apenas cinco das empresas entrevistadas, representando uma proporção muito pequena das iniciativas de cooperação. Do Gráfico 1 pode-se inferir também que as EBTs estão envolvidas em redes pouco densas, visto que as relações com outras empresas, concorrentes, fornecedores e empresas de consultoria/engenharia representam apenas 28% das parcerias existentes. Entre as conseqüências dessa situação, considerando que se analisam iniciativas de P&D, pode-se admitir que o nível de informações e troca de conhecimentos para inovação que circula na rede seja limitado, tanto em termos de conteúdo como de acesso, o que tem impacto negativo sobre a dinâmica inovativa das empresas. Mesmo que estas acessem oportunidades interessantes via ligações fracas, sua tradução em produtos objetivos dependerá da atividade de P&D, que estará limitada pela capacidade instalada na empresa e pelas ligações fortes que esta estabelece. Além disso, a baixa densidade da rede implica a internalização de iniciativas de P&D que poderiam ser desenvolvidas por meio das par- O conceito de embeddedness7 é de extrema importância para o entendimento da dinâmica das redes. Por meio dele, procura-se expressar a noção de que um grupo de agentes, quando imerso ou enraizado em um certo meio, segue padrões semelhantes de comportamento, evidenciando uma estrutura que governa tais ações. Uma possibilidade de tradução do termo é “cristalização”, refletindo a idéia de uniformidade dos agentes. Rowley et al. (2000) utilizam o conceito para compreender como empresas diferentes estão embeddedness numa rede, distinguindo embeddedness relacional, que avalia a força das ligações entre os atores, e embeddedness estrutural, que diz respeito à densidade da rede formada. Seu objetivo é discutir em quais condições o embeddedness relacional e estrutural estão positivamente relacionados com o desempenho empresarial. ESQUEMAS DE COOPERAÇÃO EM EBTs BRASILEIRAS Nesta seção, procura-se promover uma primeira aproximação das atividades de cooperação desenvolvidas pelas EBTs brasileiras, explorando informações provenientes da pesquisa de campo descrita na segunda seção deste artigo. O objetivo primordial é verificar a associação existente entre a adoção efetiva de práticas de cooperação e um conjunto de variáveis que, em princípio, afetariam a tendência das empresas em cooperar. A informação básica aqui utilizada corresponde à resposta dos representantes das empresas entrevistadas à seguinte pergunta: “a empresa já desenvolveu ou está desenvolvendo algum projeto/atividade em cooperação/ parceria com outros agentes?”. O entrevistado era informado de que, no contexto da pesquisa, cooperação equivale a qualquer relação, formal ou informal, que envolva a colaboração ativa com outras organizações, empresariais ou não, em atividades de P&D, projetos de inovação ou capacitação. Apesar do esforço de delimitar o escopo do termo, fazendo referência a iniciativas de certo alcance, deve-se reconhecer que a qualificação da relação como de cooperação esteve sujeita à interpretação do respondente. De todo modo, procurou-se identificar as ligações fortes, mesmo sem qualificar sua intensidade, visto ser este o tipo de ligação necessariamente presente em atividades cooperativas orientadas para P&D. Ligações fracas, embora fundamentais na difusão de informações que possam dar suporte às atividades exploratórias de P&D, não sustentam as parcerias fundadas com tal objetivo. GRÁFICO 1 Distribuição dos Parceiros de EBTs em Esforços de Cooperação Universidades ou institutos de pesquisa Clientes Empresas de consultoria ou engenharia Fornecedores Concorrentes Outras empresas do grupo Outros 51% 2% 19% 4% 4% 9% 11% Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar. 90 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ... presas com menos de dez funcionários (78%) e mesmo entre as 48 que apresentavam entre 10 e 100 funcionários (81%). Vale registrar que resultados muito próximos são obtidos quando a avaliação do porte das empresas é feita com base no seu faturamento. Esses dados sugerem que, à medida que a empresa se consolida, cresce também a necessidade de realizar novas ligações (com clientes, fornecedores, empresas de consultoria, etc.), além das estabelecidas com as instituições acadêmicas, para manter sua dinâmica de inovação. De maneira análoga, ainda que em grau menos acentuado, a cooperação está positivamente correlacionada com o market-share do principal produto de cada empresa. Mais de 40% das EBTs pesquisadas declararam controlar pelo menos 25% do seu mercado. Essa situação pode parecer contraditória ao pequeno porte dessas empresas, mas é coerente com a inserção típica das EBTs brasileiras em nichos de mercado de extensão reduzida (PINHO et al., 2002). De todo modo, as EBTs mais bem posicionadas, com mais de 50% de parcela de mercado, demonstram uma tendência a cooperar mais pronunciada do que aquelas com posições mais frágeis. Nichos específicos exigem o desenvolvimento de produtos igualmente específicos, o que implica iniciativas de P&D sustentadas por ligações fortes. Em contrapartida, a condição de atuação em mercado de nicho representa um entrave ao crescimento das EBTs (PINHO et al., 2002). Tal constrangimento pode ser enfrentado por meio de estratégias de diferenciação rumo a novos nichos, o que, em princípio, é feito de maneira mais eficiente com ligações fracas. Nesse sentido, ligações fortes potencializariam o crescimento das EBTs em nichos específicos, enquanto ligações fracas permitiriam que elas superassem o problema do travamento estrutural. Isso posto, o fato de as empresas entrevistadas estabelecerem poucas relações de parceria, diante das possibilidades colocadas, pode indicar dificuldade em explorar novos segmentos, iniciativa fundamental para a superação do entrave estrutural a que as EBTs brasileiras estão submetidas. 8 A estruturação de P&D é outro fator que se associa positivamente com as práticas de cooperação. No contexto de pequenas EBTs, a escala diminuta nem sempre permite um desdobramento das funções ao ponto de a empresa dispor de uma estrutura voltada especificamente à atividade. De fato, das EBTs inquiridas, apenas 37% apresentam em sua organização uma estrutura desse tipo. O estabelecimento de P&D é, contudo, indicador de apro- cerias, limitando os efeitos de diluição dos elevados custos e riscos associados a essas atividades. Em contrapartida, a predominância de parcerias com universidades e institutos de pesquisa (51%) pode ser interpretada de duas formas. Indica, primeiramente, que tais empresas procuram preservar uma relação importante para o acesso a recursos fundamentais para sua dinâmica (informação, pessoal, serviços especializados, etc.). De outra parte, sabe-se que universidades e institutos de pesquisa são, por sua própria natureza institucional, pouco orientados para P&D ‘empresarial’, em seu sentido estrito. O problema, por assim dizer, não está no forte relacionamento com as instituições acadêmicas, mas no seu grande peso em comparação aos outros tipos de parcerias. Isso reforça a noção de uma estrutura de rede pouco dinâmica, em termos de inovação em produto, mesmo considerando o tipo de inovação próprio de economias em desenvolvimento. Muitas são as variáveis que presumivelmente influenciam a propensão a cooperar das EBTs. Algumas delas são apresentadas na Tabela 1. Os fundadores de uma EBT, naturalmente, tendem a estabelecer contatos e relações com o tipo de organização do qual provêm, em particular se a nova empresa não compete com a instituição de origem. Com efeito, nas EBTs cujos fundadores são oriundos de instituições acadêmicas – universidades e institutos de pesquisa –, a proporção de empresas envolvidas em cooperação (97%) é significativamente maior do que naquelas formadas por empreendedores provenientes de outras empresas (72%). Vale frisar, porém, que, contrariamente ao senso comum, a pesquisa de campo identificou uma proporção minoritária dos chamados spin-offs acadêmicos entre as EBTs interrogadas. Em compensação, a constatação de que quase todas as EBTs desse tipo estão envolvidas em atividades cooperativas com as instituições de origem indica a permanência de laços de confiança e o aproveitamento de oportunidades oferecidas pelas agências de fomento em seus programas de apoio a EBTs. Pode-se também especular que persiste uma dinâmica ainda muito focada na fase de “projeto”, etapa inicial de uma dinâmica virtuosa. A adoção de práticas de cooperação cresce nitidamente com o porte da empresa. Das 93 empresas que responderam à pergunta sobre cooperação, 85 informaram também o número de funcionários, dentre as quais apenas 14 contavam com mais de 100 empregados. Os esquemas de cooperação são mais difundidos entre essas empresas – 93% delas os adotam – do que entre as 23 em- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 91 MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO TABELA 1 EBTs que Adotam Esquemas de Cooperação, segundo Recortes Analíticos Recortes Analíticos Total Cooperam N os Absolutos Não Cooperam % Total Nos Absolutos % N os Absolutos % 76 82 17 18 93 100 Empresas 39 72 15 28 54 100 Instituições Acadêmicas 32 97 1 3 33 100 Outras 13 81 3 19 16 100 2 100 - 0 2 100 Origem dos Fundadores da Empresa (1) Sem Resposta Número de Funcionários (2002) Menos de 10 18 78 5 22 23 100 De 10 a 100 39 81 9 19 48 100 Mais de 100 13 93 1 7 14 100 6 75 2 25 8 100 Sem Resposta Market-share do Principal Produto Menos de 25% 27 84 5 16 32 100 De 25% a 50% 10 83 2 17 12 100 Mais de 50% 10 91 1 9 11 100 Sem Resposta 29 76 9 24 38 100 Menos de 10% 10 100 - 0 10 100 De 10% a 20% 10 83 2 17 12 100 Crescimento das Vendas (1997-2002)(2) Mais de 20% 9 69 4 31 13 100 Sem Resposta 47 81 11 19 58 100 Estruturação da Atividade de P&D P&D Estruturado 33 89 4 11 37 100 P&D Não-estruturado 34 72 13 28 47 100 Não Realiza P&D 1 100 - 0 1 100 Sem Resposta 8 100 - 0 8 100 Apoio de Políticas Públicas Recebeu Apoio de Algum Tipo 59 94 4 6 63 100 Não Recebeu Apoio 17 57 13 43 30 100 Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar. (1) Empresas fundadas por mais de um empreendedor têm mais de uma instituição de origem. (2) Taxa média geométrica de crescimento anual do faturamento deflacionado pelo IPCA. fundamento das competências tecnológicas. A caracterização convencional da cooperação como uma via de mão dupla ajuda a entender porque ela é mais comum entre EBTs que contam com P&D – 89% delas cooperam – do que entre as que não contam com tal estrutura (72%). Longe de substituir a capacitação interna, as iniciativas de cooperação complementam-na e, ao mesmo tempo, dela se alimentam. No tocante à taxa de crescimento real das vendas, os resultados da pesquisa são, à primeira vista, paradoxais. Maior cautela é requerida na análise dessa variável, já que nesse caso foi bem menor o índice de resposta e estão dis- poníveis informações sobre apenas 35 empresas. Mesmo assim, a proporção de empresas que realizam atividades de cooperação é claramente menor no grupo das que apresentam maior taxa de crescimento, isto é, acima de 20% reais ao ano.9 Esse resultado se deve ao dinamismo particularmente elevado de quatro das empresas que declararam não adotar esquemas de cooperação. Todas elas são desenvolvedoras de software, atividade na qual a cooperação parece exercer um papel menos crítico do que em outros setores intensivos em tecnologia. Por um lado, a dinâmica de constituição de competências não exige um relacionamento estreito com instituições acadêmicas, que, 92 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ... NOTAS como já se disse, constituem o principal foco de cooperação das EBTs no Brasil. Por outro, diferentemente do que ocorre em processos de montagem que caracterizam a produção de artefatos eletrônicos e mecânicos de precisão, na “produção” de software um relacionamento estreito com fornecedores de componentes não é vital para o desempenho da operação e para a própria qualidade do produto.10 Um último aspecto a ressaltar nessa primeira avaliação dos esquemas de cooperação em que estão envolvidas as EBTs brasileiras consiste em sua vinculação positiva com algum tipo de apoio por políticas públicas. Das EBTs entrevistadas, 65% foram beneficiadas individualmente por apoio governamental, oriundo de qualquer uma das três esferas de governo.11 Empresas que não foram apoiadas por políticas públicas aparentemente inclinamse bem menos vigorosamente para a cooperação. Apenas 57% delas desenvolveram atividades cooperativas, enquanto 94% das empresas apoiadas por algum programa oficial o fizeram. Duas interpretações que não são mutuamente excludentes podem ser oferecidas para esses dados: algumas políticas públicas – como o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas – Pipe, da Fapesp – podem estar gerando resultados efetivos em termos de promoção da cooperação; empresas com uma rede de relações mais rica podem se posicionar melhor na disputa por recursos provenientes de instituições públicas. Este artigo apresenta resultados de projetos de pesquisa apoiados pelo Programa de Políticas Públicas da Fapesp e pelo Diretório da Pesquisa Privada da Finep. Os autores reconhecem explicitamente que este artigo não teria sido escrito caso não tivessem contado com o apoio eficiente e diligente de muitos estudantes que contribuíram tanto na etapa da pesquisa de campo quanto no processamento e na tabulação dos dados. São merecedores de agradecimentos especiais Larissa Vilela, Renato Orlando e Rosângela Pereira. A responsabilidade pelo conteúdo, no entanto, cabe inteiramente aos autores. 1. Segundo esses autores, “empresas de alta tecnologia são aquelas criadas para fabricar produtos ou serviços que utilizam alto conteúdo tecnológico”. 2. No contexto de economias em desenvolvimento, essa noção deve incluir também a introdução de novas variedades e gerações atualizadas de produtos mais antigos. 3. Nas EBTs brasileiras, laços estreitos e sistemáticos com universidades e institutos públicos de pesquisa podem constituir o foco de boa parte do esforço tecnológico. 4. É claro que com a aplicação do conceito a tendência é identificar um maior número de EBTs nos setores de maior intensidade em P&D que lideram em escala internacional a dinâmica de progresso técnico. No entanto, a definição ora proposta embute o benefício de excluir da categoria de EBTs aquelas empresas que atuam nesses setores sem esforços tecnológicos importantes. Mais do que isso, permite incluir nessa categoria empresas inovadoras e tecnologicamente agressivas que eventualmente operem em setores que, na média, são menos vigorosos em termos de ritmo de mudança técnica. 5. Para compor essa listagem inicial, utilizaram-se relações de empresas que foram: apoiadas por fundos privados de capital de risco (Votorantim, GP, IP e FIR Capital Partners); beneficiadas por instituições gestoras de políticas públicas (Finep, BNDES, Fapesp e Softex); participantes da disputa pelo Prêmio Finep de Inovação; integrantes de alguns clusters de alta tecnologia (aeronáutica, em São José dos Campos; biotecnologia, em Belo Horizonte e eletrônica, em Santa Rita do Sapucaí); ou interrogadas em 1998 num esforço de pesquisa liderado por dois dos autores deste artigo (FERNANDES; CÔRTES, 1998). CONSIDERAÇÕES FINAIS 6. Esses números equivalem às 80 empresas que informaram o faturamento e às 92 que indicaram o número de funcionários em 2002. Este artigo procurou abordar a cooperação e a formação de redes voltadas à inovação em empresas de base tecnológica brasileiras. Pode-se verificar, entre outros aspectos, que a adoção de mecanismos de cooperação é limitada e excessivamente concentrada nas relações com instituições acadêmicas, tendendo a caracterizar redes pouco densas e com ligações fracas entre os agentes, um tipo de arranjo que, em princípio, não é o mais favorável ao desempenho inovativo. Em compensação, os esforços de cooperação intensificam-se à medida que as empresas crescem e parecem sensíveis a estímulos provenientes de políticas públicas. Estes são resultados iniciais de um esforço de pesquisa em andamento. Naturalmente, há muitos aspectos dessa temática em que é possível e necessário aprofundar a análise. A caracterização mais precisa da densidade das redes, da força das ligações e das relações que tipos diferentes de EBTs estabelecem são alguns dos aspectos a explorar em pesquisas e estudos futuros. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005 7. Esse termo, usado por Granovetter (1973), deriva diretamente das análises de Polanyi (1980). 8. Ligações fracas podem ser tipicamente construídas por meio da participação em feiras e congressos, prestação de serviços, capacitação profissional e relações comerciais em geral. Rigorosamente, devido às possíveis variações interpretativas dos entrevistados, não se pode afirmar que entre as iniciativas apontadas como ‘cooperativas’ não estejam algumas que poderiam ser caracterizadas como típicas de ligações fracas. Em compensação, é importante que se reforce que ligações fortes não impedem a prospecção de novas oportunidades, apenas tendem a produzir certa redundância de informações, levando a que aqueles que atuam nos mesmos mercados a vislumbrar as mesmas possibilidades. 9. Com efeito, 12% das empresas que cooperam tiveram crescimento real anual acima de 20%; entre as que não cooperam, a proporção é o dobro. 10. Isso não significa que a cooperação não traga benefícios às empresas de software. Em algumas das entrevistas, ficou patente que um dos fatores que limitam a competitividade internacional do software brasileiro é a dificuldade de dispor nas estruturas internas de todas as competências requeridas. A formação de parcerias com o propósito de modularizar o desenvolvimento de sistemas é uma prática menos comum no Brasil do que nos países desenvolvidos. 93 MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO 11. O vigor relativo das políticas públicas voltadas às EBTs foi comentado em trabalho anterior (PINHO et al., 2005). Aparentemente, ocorreu durante os anos 90, década que em outros âmbitos da política industrial ficou marcada por uma indiscutível redução do “ativismo”, uma intensificação das iniciativas voltadas para as EBTs, que são hoje muito variadas e envolvem todas as esferas de governo, além de instituições públicas com certa autonomia – como as Universidades – e organizações não-governamentais. Pode-se especular sobre as razões desse comportamento paradoxal. Parece ser decisivo o custo relativamente baixo para o fisco dessas iniciativas. Além disso, a ênfase no conteúdo tecnológico desse tipo de empresa representa, no contexto atual, uma importante fonte de legitimação política e jurídica dessas políticas, que encontrariam amparo até nas regras impostas pela OMC. Por fim, a adoção de medidas vinculadas ao estímulo de valores e iniciativas empreendedoras encontra-se claramente em conformidade com o ideário liberal. PINHO, M.; CÔRTES, M.R.; FERNANDES, A.C. Constraints to Technology-Based Firms in Developing Countries: an assessment from the Brazilian Experience. In: PICMET’05 – PORTLAND INTERNATIONAL CONFERENCE ON MANAGEMENT OF ENGINEERING AND TECHNOLOGY, 2005. ________. A fragilidade das empresas de base tecnológica em economias periféricas: uma interpretação baseada na experiência brasileira. Ensaios FEE, v. 23, n. 1, p. 135-162, 2002. POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980. POWELL, W.W. Neither Market nor Hierarchy: networks forms of organizations. Research in Organizational Behavior, v. 12, p. 295336, 1990. POWEEL, W.W.; SMITH-DOERR, L. Networks and Economic Life. In: SMELSER, N.J.; SWEDBERGER, R. (Org.). The Handbook of Economic Sociology. Princeton: University Press, 1994. p. 368-402. ROWLEY, T.; BEHRENS, D.; KRACKRARDT, D. Redundant Governance Structures: an analysis of structural and relational embeddedness in the steel and semiconductor industries. 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DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E UNIVERSIDADES NO BRASIL EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE LEANDRO ALVES SILVA LUCIANO PÓVOA Resumo: Este artigo apresenta resultados preliminares de tabulações especiais preparadas pelo IBGE (a partir da Pintec), focalizando a relação entre universidades e empresas. A hipótese básica é a de que o envolvimento de uma empresa com atividades de P&D (interna e/ou externa) amplia a importância das universidades como fonte de informação para suas atividades inovativas. Esta hipótese é investigada e se sustenta tanto nos dados gerais como em uma análise intersetorial. Palavras-chave: Sistemas de inovação. P&D industrial. Universidades. Abstract: This short paper presents results based on special tabulations prepared by IBGE, using data from Pintec in order to focus on the interaction between firms and universities in the Brazilian industry. The basic hypothesis states that the relevance of universities as a source of information to the firms’ innovation activities is greater when firms are engaged in R&D activities (both internal and external). The hypothesis is not rejected neither for the industry as a whole nor for inter-sectoral analysis. Key words: Innovation systems. Industrial R&D. Universities. Avaliando o Brasil em termos de sua produção científica e tecnológica, é possível classificá-lo como parte de um grupo de países que estariam ainda em processo de construção de seus sistemas de inovação. Assim como México, Índia e África do Sul, o Brasil teria um sistema de inovação caracterizado como imaturo. Nesses países seriam encontradas “conexões parciais” entre a infra-estrutura científica e as atividades tecnológicas (ALBUQUERQUE, 2004). Rapini (2005) apresenta evidências de setores em que se identificariam essas “conexões parciais”, indicando aqueles nos quais a interação entre empresas e grupos de pesquisa em universidades já está funcionando efetivamente no Brasil. A pesquisa que informa este artigo pretende contribuir para a avaliação dessas “conexões parciais” no caso brasileiro. Para mapear essas interações, a Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica 2000 (Pintec), realizada pelo niversidades e instituições de pesquisa ocupam lugar estratégico nos sistemas nacionais de inovação. Sua infra-estrutura científica relaciona-se com a dimensão tecnológica, colocando-se no centro de uma dinâmica complexa plena de circuitos virtuosos que se reforçam mutuamente. Como Nelson e Rosenberg (1993) colocaram de forma sintética, a ciência tanto lidera como segue o desenvolvimento tecnológico. No interior da abordagem evolucionista, a partir da elaboração e dos estudos em torno de sistemas nacionais e setoriais de inovação, o tema sobre o papel das universidades vem ganhando importância e atenção. Duas referências recentes são os trabalhos de Mowery et al. (2004) e de Mowery e Sampat (2005). Certamente essa atenção está consoante com a crescente importância das universidades no apoio da capacitação tecnológica de países, regiões, setores e firmas. U SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 95 EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA IBGE (2002), traz contribuições inestimáveis. A partir de solicitação de um conjunto de tabulações especiais, o IBGE forneceu dados que permitem uma focalização nas relações entre atividade inovativa, P&D (interno e externo) e importância de universidades e institutos de pesquisa como fonte de informação para as atividades inovativas das empresas. Este artigo apresenta uma avaliação preliminar desses dados. A hipótese é simples: o envolvimento de uma empresa com atividades de P&D (interna e/ou externa) amplia a importância das universidades como fonte de informação para suas atividades inovativas. Essa hipótese se relaciona com a identificação já mencionada de “conexões parciais” entre ciência e tecnologia no sistema de inovação brasileiro: essas conexões estariam se estabelecendo a partir de um núcleo de firmas que investem em P&D. tecnológicos e a interação entre universidade e indústria. Os autores apontam alguns “produtos” economicamente importantes resultantes da pesquisa universitária, tais como: informações tecnológicas e científicas; equipamentos e instrumentação; capital humano; redes de capacidade científica e tecnológica; e protótipos de novos produtos e processos. Destacam também que o fortalecimento da interação entre a universidade e as outras instituições e atores do Sistema Nacional de Inovação, em especial a indústria, é fundamental para que a primeira possa contribuir de forma mais eficaz para o avanço tecnológico. Vários estudos mostram que tem havido um aumento considerável na cooperação entre universidade e indústria recentemente (MEYER-KRAHMER; SCHMOCH, 1998; COHEN et al., 2002). Este fato deve-se não só ao crescente reconhecimento da importância da pesquisa universitária para as atividades inovativas da indústria, mas também a mudanças estruturais, como restrições orçamentárias relacionadas aos fundos públicos. Desta forma, as universidades têm adotado uma postura mais agressiva e “empresarial” na busca por novas fontes de recursos para a pesquisa (MOWERY; SAMPAT, 2005, p. 211). Com base no conceito de Sistema Nacional de Inovação, Meyer-Krahmer e Schmoch (1998, p. 847) destacam as seguintes variáveis como determinantes da interação universidade-indústria: - a “capacidade de absorção” de cada instituição, o que torna possível a interação; A UNIVERSIDADE EM UM SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO: BREVE REVISÃO DA LITERATURA Sistema Nacional de Inovação pode ser definido como um conjunto de instituições, atores e mecanismos de um país que contribuem para criação, avanço e difusão das inovações tecnológicas. Entre estas instituições, atores e mecanismos, destacam-se os institutos de pesquisa, o sistema educacional, as empresas e seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, a estrutura do sistema financeiro, as leis de propriedade intelectual e as universidades. A importância do Sistema Nacional de Inovação para o avanço tecnológico não está na existência não apenas deste conjunto de instituições, mas principalmente de fortes interações entre as instituições, permitindo uma atuação conjunta e coerente. Nelson e Rosenberg (1993, p. 11) destacam que as universidades possuem papel importante em um Sistema Nacional de Inovação, atuando como formadoras de cientistas e engenheiros e como fontes de conhecimentos científicos e de pesquisas que fornecem técnicas úteis para o desenvolvimento tecnológico industrial.1 Como a estrutura institucional difere entre os países, o papel das universidades, embora importante, varia de intensidade (NELSON, 1988; FREEMAN, 1988) e sua influência pode ser potencializada de acordo com a base industrial de uma região ou país e com a relevância dos incentivos e fundos públicos para a pesquisa científica. Em um recente trabalho, Mowery e Sampat (2005) apresentam um excelente apanhado dos estudos sobre a importância da pesquisa universitária para os avanços - a estrutura de incentivos das interações, que influencia na intensidade da interação; - importantes condições macroestruturais (como a característica de centralização do sistema de pesquisa e a orientação de curto ou longo prazo do sistema financeiro) e mesoestruturais (como a estrutura industrial e tecnológica). É importante destacar que a capacidade de absorção, ou seja, a capacidade da firma em adquirir, da melhor forma possível, os avanços das pesquisas científicas está relacionada aos investimentos internos em P&D. De acordo com Cohen e Levinthal (1989), os gastos com P&D não apenas estão ligados ao processo de inovação e aperfeiçoamento de produtos e processos, mas também contribuem para o aprendizado da firma, ou seja, para desenvolver a sua capacidade de absorção. A contribuição da pesquisa acadêmica para o avanço tecnológico ocorre por vários mecanismos, além de variar entre os setores industriais e de existirem ramos da 96 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ... ciência cujos avanços são considerados mais relevantes para as inovações tecnológicas. Klevorick et al. (1995) apontam os avanços no conhecimento científico como sendo a fonte mais importante de oportunidades tecnológicas. 2 A ciência fornece dados, explicações teóricas, técnicas e soluções gerais de problemas que podem ser utilizadas no desenvolvimento e na pesquisa industrial, além de desenvolver conhecimentos que podem abrir diretamente novas possibilidades tecnológicas (KLEVORICK et al., 1995, p. 193). Através das respostas de questionários enviados às empresas de vários setores, os autores identificaram as indústrias nas quais a relevância da pesquisa universitária para o progresso tecnológico era maior. Os autores também verificaram os ramos da ciência que mais contribuem para os avanços tecnológicos em determinadas indústrias, mostrando que os setores industriais possuem percepções diferenciadas em relação aos avanços de cada campo científico e de pesquisa universitária. Utilizando o mesmo método de envio de questionários às empresas, Cohen et al. (2002) procuram analisar se a pesquisa pública influencia a geração de novos projetos de P&D industrial e contribui para a conclusão de projetos existentes. Os resultados sugerem que a pesquisa universitária exerce impacto substancial na pesquisa industrial, mas este impacto é direto em apenas poucas indústrias, como a farmacêutica. Os autores destacam que os principais canais de transmissão de conhecimento das pesquisas públicas para a pesquisa industrial são publicações e relatórios. de oportunidades tecnológicas. Em outras palavras, a infraestrutura científica em países em desenvolvimento deve contribuir para vincular o país aos fluxos científicos e tecnológicos internacionais. Neste sentido, o papel da ciência durante processos de catching up pode ser desdobrado em três dimensões: ela atua como “instrumento de focalização”, contribuindo para a identificação de oportunidades e para a vinculação do país aos fluxos internacionais; cumpre o papel de instrumento de apoio para o desenvolvimento industrial, provendo conhecimento necessário para a entrada em setores industriais estratégicos (PEREZ; SOETE, 1988); e serve como fonte para algumas soluções criativas que dificilmente seriam obtidas fora do país (exemplo: vacinas contra doenças tropicais, desenvolvimento de certas ligas metálicas, preparação de softwares aplicados, etc.). Certamente há uma inter-relação entre esses diferentes papéis, uma vez que o desenvolvimento da capacidade de absorção é uma precondição para desenvolvimentos tecnológicos locais, originais e incrementais.3 A PINTEC E OS DADOS GERAIS SOBRE EMPRESAS E ATIVIDADES INOVATIVAS O principal intuito da Pintec é identificar, de forma rigorosa e pioneira, o envolvimento das empresas brasileiras com atividades inovativas, inclusive identificando o total de gastos em P&D do setor industrial e o pessoal empregado em atividades de P&D. 4 Para uma apreciação geral dos resultados da Pintec, algumas informações são importantes para dimensionar o papel das universidades e instituições de pesquisa: - a Pintec envolve um total de 72.005 empresas industriais com dez ou mais empregados; O PAPEL DE UNIVERSIDADES NA CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS DE INOVAÇÃO NA PERIFERIA A situação prevalecente nos países menos desenvolvidos não pode ser compreendida a partir da aplicação direta e sem qualificações das conclusões alcançadas na literatura sobre os países avançados. Há diferenças que devem ser levadas em conta. No que diz respeito ao papel da ciência, a principal diferença reside na contribuição que ela pode oferecer durante o processo de catching up: a infra-estrutura científica atua como “instrumento de focalização” e “antena” para identificar oportunidades tecnológicas e constituir a capacidade de absorção do país. Em uma nação atrasada, a infra-estrutura científica oferece “conhecimento para focalizar buscas”, em vez de ser apenas uma fonte direta SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 - 22.698 empresas implementaram inovações (de produto e/ou processo), sendo que “aquisição de máquinas e equipamentos” é a atividade inovativa mais importante, com 15.540 empresas informando gastos nesse quesito (IBGE, 2002, p. 52); - 7.412 empresas informaram gastos com “atividades internas de P&D”, totalizando R$ 3,74 bilhões (IBGE, 2002, p. 51); - nessas 7.412 empresas, foram encontradas 31.447 pessoas ocupadas com “dedicação exclusiva” em atividades de P&D e 32.945 pessoas ocupadas com “dedicação parcial” (IBGE, 2002, p. 54); 97 EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA A partir dessas informações gerais, um conjunto de tabulações especiais foi solicitado ao IBGE, focalizando especificamente as atividades internas de P&D e a importância atribuída pela empresa às universidades e institutos de pesquisa como fonte de informação. Os dados solicitados envolvem o cruzamento das questões 35 e 36 do questionário da Pintec, respondidas por todos que realizaram atividades internas e/ou externas de P&D entre 1998 e 2000, e da questão 97, na qual o entrevistado indica o grau de importância (alto, médio, baixo ou não relevante) das universidades e centros de pesquisa como fonte de informação para as atividades inovativas (para esta tabulação especial, o IBGE agregou as respostas em dois grupos: o primeiro com as empresas que responderam importância alta ou média; e o segundo com - avaliando as “fontes de informação empregadas” pelas 22.698 empresas que implementaram inovações, 3.732 informaram utilizar “universidades e institutos de pesquisa” localizados no Brasil e 94 afirmaram que utilizam “universidades e institutos de pesquisa” localizados no exterior (IBGE, 2002, p. 70); - outra fonte de informação diretamente relacionada à infra-estrutura científica utilizada diz respeito a “conferências, encontros e publicações especializadas”, empregada por 8.950 empresas no Brasil e 3.202 no exterior (IBGE, 2002, p. 71); - quanto às parcerias, 641 empresas consideram importantes as “relações de cooperação” com universidades e institutos de pesquisa. QUADRO 1 Identificação dos Setores Código Nome S1 Indústrias extrativas S2 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas S3 Fabricação de produtos de fumo S4 Fabricação de produtos têxteis S5 Confecção de artigos do vestuário e acessórios S6 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados S7 Fabricação de produtos de madeira S8 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel S9 Edição, impressão e reprodução de gravações S10 Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool S11 Fabricação de produtos químicos S12 Fabricação de artigos de borracha e plástico S13 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos S14 Metalurgia básica S15 Fabricação de produtos de metal S16 Fabricação de máquinas e equipamentos S17 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática S18 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos S19 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações S20 Fabricação de equip. de inst. médico-hospitalares, inst. de precisão e ópticos, equip. para automação industrial, cronômetros e relógios S21 Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias S22 Fabricação de outros equipamentos de transporte S23 Fabricação de móveis e indústrias diversas S24 Reciclagem 98 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ... parte significativa das “conexões parciais” já identificadas no sistema de inovação brasileiro. Possivelmente, há uma relação de complementaridade entre o P&D das empresas (interno) e o das universidades (externo). O conjunto das empresas que realizam apenas P&D externo (649), das quais 222 (34,1%) consideram universidades importantes, ocupa o segundo lugar na valorização das universidades. Possivelmente essas firmas utilizam diretamente as universidades como fonte de seu P&D (contratação de pesquisas), substituindo (pelo menos temporário) o P&D interno. O terceiro lugar na valorização das universidades é ocupado pelas empresas que realizam apenas P&D interno: das 6.394 com atividades internas de P&D, 1.066 (16,7%) consideram as universidades importantes. Ressalte-se que essa porcentagem é quase três vezes maior do que a encontrada para as empresas que não realizam P&D (apenas 6,1% consideram as universidades importantes). Finalmente, é necessário um comentário sobre a quantidade de empresas (893) que, embora não realizem P&D, valorizam as universidades, aproximando-se do total de empresas com P&D interno que consideram importantes as universidades. Uma explicação para a existência de um número elevado de empresas sem atividades internas de P&D e atribuindo importância alta e média para as universidades como fonte de informação pode ser a utilização de recursos da universidade como substituto do investimento interno (talvez em função da restrição de recursos financeiros passíveis de alocação para atividades contínuas ou não de P&D). Outra hipótese seria a de que essas empresas, pelo relacionamento com as universidades, estariam em vias de iniciar atividades internas de P&D. aquelas que responderam importância baixa ou não relevante). Além dos dados gerais para o Brasil, solicitou-se ao IBGE a desagregação por setor industrial (classes CNAE, conforme o Quadro 1). P&D INDUSTRIAL E IMPORTÂNCIA DAS UNIVERSIDADES Firmas que investem em P&D utilizam mais as universidades como fontes de informação para suas atividades inovativas. A Tabela 1 apresenta os dados da Pintec indicando a natureza da atividade de P&D: empresas que realizam apenas P&D interno; aquelas somente com P&D externo; as que possuem os dois tipos de P&D; e aquelas que não desenvolvem P&D. Assim verifica-se que, entre as empresas com atividades inovativas, 35,6% investiram em P&D, sendo 28,2% apenas em P&D interno, 2,9% somente em P&D externo e 4,5% nos dois tipos de P&D. A relação entre atividades de P&D e importância da universidade como fonte de informação pode ser identificada comparando os dois conjuntos de firmas: 6,1% das empresas que não realizam P&D consideram universidades importantes enquanto 21,1% das que realizaram algum tipo de P&D utilizaram universidades como fonte de informação (1.701 firmas em 8.062 firmas com P&D). Entre as empresas com atividade de P&D, destaca-se um conjunto minoritário mas relevante: das 1.019 com P&D interno e externo, 413 (40,6%) utilizaram universidades e institutos de pesquisa como fontes de informação. Essas firmas devem constituir o núcleo mais dinâmico e capacitado tecnologicamente, que responderia por TABELA 1 Empresas, por Grau de Importância Atribuído às Universidades como Fonte de Informação, segundo Modalidades de P&D Brasil – 2000 Alta e Média Modalidades de P&D Baixa e Não-Relevante Total Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos % Total 2.594 11,4 20.104 88,6 22.698 100,0 P&D Interno 1.066 16,7 5.327 83,3 6.394 28,2 P&D Externo 222 34,1 427 65,9 649 2,9 P&D Interno e Externo 413 40,6 606 59,4 1.019 4,5 Não Realizam P&D 893 6,1 13.744 93,9 14.636 64,5 Fonte: IBGE. Tabulações especiais. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 99 EDUARDO DA MOTTA E A LBUQUERQUE / L EANDRO ALVES S ILVA / L UCIANO PÓVOA DIFERENÇAS INTERSETORIAIS trônico e de equipamentos de comunicações), nos quais mais de 50% das firmas realizam atividades internas de P&D. No extremo oposto encontram-se os setores 24 (reciclagem), 9 (edição, impressão), 5 (vestuário e acessórios) e 7 (produtos de madeira), com menos de 13% das empresas realizando P&D interno. Quanto às atividades externas de P&D, destacam-se os setores 1 (indústrias extrativas), 10 (fabricação de coque, refino de petróleo, nuclear e produção de álcool), 11 (produtos químicos) e 19 (material eletrônico e de equipamentos de comunicações). Nesses setores, de 6% a 10% das firmas realizam apenas P&D externo. No extremo oposto, têm-se os setores 24 (reciclagem), 3 (fumo) e 18 (máquinas e aparelhos elétricos), com menos de 0,2% das firmas com apenas P&D externo. Em relação ao grupo mais sofisticado, que realiza P&D tanto interno como externo, destacam-se os setores 17 (fa- Envolvimento em Atividades de P&D O Gráfico 1 sistematiza as diferenças intersetoriais em termos do envolvimento das empresas com atividades de P&D. Seguindo a divisão apresentada na Tabela 1, os dados são apresentados de acordo com a porcentagem de firmas por setor que realizam P&D interno, P&D externo, P&D interno e externo e as que não realizam P&D. Os gráficos estão organizados de forma a indicar os setores industriais que apresentam desvio-padrão acima e abaixo das médias setoriais. Em relação às atividades internas de P&D, destacamse os setores 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), 22 (outros equipamentos de transporte), 11 (produtos químicos) e 19 (material ele- GRÁFICO 1 Proporção das Firmas, por Setor, segundo Modalidade de P&D – Média e Desvio-Padrão Brasil – 2000 Realizam P&D Externo Realizam P&D Interno Em % Em % 10,00 70,00 S10 S1 S17 9,00 60,00 S22 8,00 S11 S19 S18 50,00 S16 40,00 7,00 S20 S19 6,00 S11 S8 5,00 S21 S6 S3 S4 30,00 S12 S2 S23 3,00 20,00 S1 S13 S2 2,00 S7 S9 S5 S5 1,00 S9 0,00 S24 0,00 S16 S17 S12 S7 S22 S18 S3 S24 Setores Média Desvio-Padrão Desvio-Padrão Não Realizam P&D Realizam P&D Interno e Externo 25,00 S20 S21 S14 S8 Setores Média S23 S15 S13 S10 10,00 S6 S4 4,00 S14 S15 Em % Em % 100,00 S24 90,00 S17 S9 S5 S7 20,00 80,00 S13 70,00 15,00 60,00 S1 S2 S3 S10 S4 S12 S15 S14 S23 S6 S21 S8 50,00 S16 S19 10,00 S16 S11 5,00 0,00 S08 S02 S01 S10 S13 S14 30,00 S18 S20 S18 40,00 S21S22 S23 S20 S22 S11 S19 20,00 S04 S07 S06 S05 S12 S15 S17 10,00 S09 S24 S03 0,00 Setores Média Média Setores Desvio-Padrão Desvio-Padrão Fonte: IBGE. Tabulações especiais. Nota: Para a identificação dos setores, consulte o Quadro 1. 100 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ... bricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática) e 19 (material eletrônico e de equipamentos de comunicações), com mais de 10% das empresas com tais atividades. No extremo oposto, novamente aparecem os setores 3 (fumo) e 24 (reciclagem), sem nenhuma firma envolvida. Finalmente, o Gráfico 1 apresenta os setores que se destacam pela não realização de P&D: com mais de 80% das empresas sem estas atividades, encontram-se os setores 24 (reciclagem), 9 (edição, impressão), 5 (vestuário e acessórios) e 7 (produtos de madeira). No extremo oposto, com menos de 35% das firmas não envolvidas, estão os setores 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), 19 (material eletrônico e de equipamentos de comunicações), 11 (produtos químicos) e 22 (outros equipamentos de transporte). P&D e a tendência de valorizar as universidades como fonte de informação. À medida que diminui a média setorial de “não-envolvimento” com P&D, cresce a importância das universidades para as atividades inovativas. O Gráfico 2 mostra, em um extremo, o setor 24 (reciclagem), com 100% das firmas não-envolvidas com P&D e 0% considerando universidades importantes e, no outro, se o setor 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), com cerca de 10% das firmas não-envolvidas com P&D e com cerca de 30% atribuindo importância às universidades. O setor 20 (equipamentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão, equipamentos de automação industrial) destaca-se como o que mais valoriza as universidades (um pouco mais de 30% das empresas), embora esteja em sétimo lugar em termos de envolvimento com P&D. É também importante mencionar o setor 14 (metalurgia básica), que, embora esteja em décimo terceiro lugar em termos de envolvimento com P&D, é o quarto setor que mais valoriza as universidades. Isso talvez expresse a tradição do setor e o envolvimento histórico com universidades. Aliás, o quinto lugar em termos da valorização de universidades encontra-se com as indústrias extrativas (S1), que detêm apenas a décima sexta colocação em termos de P&D e Importância de Universidades O Gráfico 2 permite avaliar a correlação entre o nãoenvolvimento com atividades de P&D e a importância das universidades para a inovação no setor. O resultado mais importante refere-se à relação inversa entre o nãoenvolvimento de um setor industrial com atividades de GRÁFICO 2 Proporção de firmas que não fazem P&D 120,00 Em % Em % 35,00 30,00 100,00 25,00 80,00 20,00 60,00 15,00 40,00 10,00 20,00 5,00 0,00 0,00 S24 S9 S5 S7 S13 S15 S3 S10 S2 S1 S12 S14 S23 S4 S6 S21 S8 S20 S16 S18 S22 S11 S19 S17 Setores (1) Não fazem P&D Atribuem Importância Alta e Média Linear (Atribuem Importância Alta e Média) Fonte: IBGE. Tabulações especiais. (1) Para identificação dos setores, ver Quadro 1. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 101 Proporção de firmas que atribuem importância alta ou média às universidades Proporção das Firmas que Não Fazem P&D e das que Atribuem Importância Alta ou Média às Universidades como Fonte de Informação, por Setor Brasil – 2000 DA MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA 0% das empresas envolvidas com P&D interno e externo e com 0% considerando universidades importantes. Destaca-se que, em décimo segundo lugar entre os setores com mais envolvimento simultâneo em P&D interno e externo, está o setor que mais valoriza as universidades: o 14 (metalurgia básica), com cerca de 5% das empresas realizando P&D interno e externo, das quais mais de 80% consideram as universidades importantes. É interessante também notar que com mais de 65% das empresas com P&D interno e externo valorizando as universidades estão os setores 10 (fabricação de coque, refino de petróleo, nuclear e produção de álcool), 11 (produtos químicos) e 1 (indústrias extrativas). Esses comentários reforçam novamente a indicação de que a base para a competitividade, nesses setores importantes da economia brasileira (com exceção do setor 11, produtos químicos, não são de alta tecnologia), parece depender, de alguma forma, da interação desses setores com atividades de universidades e institutos de pesquisa. envolvimento com P&D. Esses dois comentários podem indicar que a base para a competitividade nesses setores importantes na economia brasileira (que não são de alta tecnologia) depende das atividades de universidades. P&D Interno e Externo e Universidades O Gráfico 3 focaliza o que pode ser considerado o grupo mais sofisticado: as empresas que realizam simultaneamente P&D interno e externo. O resultado mais importante indicado é a relação direta entre um setor industrial que desenvolve atividades internas e externas de P&D e a tendência de valorizar as universidades como fonte de informação. À medida que decresce a média setorial do envolvimento com P&D interno e externo, diminui a tendência de valorizar as universidades como fonte de informação para as atividades inovativas. Os setores localizados nos extremos do Gráfico 3 são os mesmos do Gráfico 2, mas com posições invertidas: de um lado está o setor 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), com mais de 20% das firmas com atividades internas e externas de P&D, das quais cerca de 20% valorizam as universidades como fonte de informação; e, do outro, o setor 24 (reciclagem), com COMENTÁRIOS FINAIS A hipótese básica deste artigo (o envolvimento de uma empresa com atividades de P&D amplia a importância das GRÁFICO 3 Proporção de firmas com P&D interno e externo Proporção das Firmas com P&D Interno e Externo e das que Atribuem Importância Alta ou Média às Universidades como Fonte de Informação, por Setor Brasil – 2000 25,00 Em % Em % 90,00 80,00 20,00 70,00 60,00 15,00 50,00 40,00 10,00 30,00 20,00 5,00 10,00 0,00 0,00 S17 S19 S16 S11 S18 S21 S13 S22 S10 S08 S02 S14 S23 S20 S04 S01 S07 S15 S06 S12 S05 S09 S03 S24 Setores (1) Proporção de firmas que atribuem importância alta e média às universidades EDUARDO Fazem P&D Interno e Externo Atribuem Importância Alta e Média Linear (Atribuem Importância Alta e Média) Fonte: IBGE. Tabulações especiais. (1) Para identificação dos setores, ver Quadro 1. 102 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS universidades como fonte de informação para suas atividades inovativas) não foi refutada pelos dados apresentados. Além disso, essa relação entre investimentos em P&D utilização de universidades e institutos de pesquisa como fontes de informação sustenta-se em comparações intersetoriais. Os dados apresentados sugerem que as empresas ao realizarem investimentos em P&D, ampliam sua capacidade de absorção de conhecimentos e, por isso, tendem a valorizar mais as universidades como fonte de informação. Essa relação pode ser mais investigada por meio de estudos de caso e de novas avaliações quantitativas a partir dos dados da Pintec. Há um duplo papel para as universidades na discussão aqui realizada: por um lado, a ampliação de investimentos em P&D multiplica a importância das universidades como fonte de informação para atividades inovativas empresariais (os canais dessas fontes de informação são diversos: publicações, contratação de pessoal, participação em congressos, patentes, contratos, pesquisa conjunta, etc.); e, por outro, o início e a ampliação de investimentos em P&D dependem de profissionais com formação universitária atuando nas empresas. Essa dupla função possivelmente sugere que o papel das universidades e institutos de pesquisa nos processos de catching up contemporâneos é maior do que o normalmente considerado. ALBUQUERQUE, E. Notas sobre os determinantes tecnológicos do catching up: uma introdução à discussão sobre o papel dos sistemas nacionais de inovação na periferia. Estudos econômicos, v. 27, n. 2, p. 221-253, 1997. ALBUQUERQUE, E. Science and technology systems in Less Developed countries: identifying a threshold level and focusing in the cases of India and Brazil. In: MOED, H.; GLÄNZEL, W.; SCHMOCH, U. (Ed.). Handbook of quantitative science and technology research: the use of publication and patent statistics in studies of S&T systems. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2004. BASTOS, C.; REBOUÇAS, M.; BIVAR, W. A construção da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec. In: VIOTTI, E.; MACEDO, M.M. (Org.). Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Campinas: Editora Unicamp, 2003. p. 463-532. COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: the two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, n. 397, p. 569-596, 1989. COHEN, W.; NELSON, R.; WALSH, J. Links and impacts: the influence of public R&D on industrial research. Management Science, v. 48, n. 1, p. 1-23, 2002. COLYVAS, J.; CROW, M.; GELIJNS, A.; MAZZOLENI, R.; NELSON, R.; ROSENBERG, N.; SAMPAT, B. 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A preparação deste texto contou com a colaboração das bolsistas de iniciação científica Elaine Rodrigues, Thaís Henriques e Raquel Guimarães. Esta pesquisa é apoiada pelo CNPq e pelo NepaqUFMG. MOWERY, D.; NELSON, R.; SAMPAT, B.; ZIEDONIS, A. Ivory tower and industrial innovation: university-industry technology transfer before and after the Bayh-Dole Act. Stanford: Stanford University, 2004. MOWERY, D.; SAMPAT, B. Universities in national innovation systems. In: FARGERBERG, J.; MOWERY, D.; NELSON, R. (Ed.). The Oxford Handbook of Innovation. Oxford University Press, p. 209-239, 2005. 1. Narin et al. (1997) fornecem evidências empíricas da crescente influência das pesquisas universitárias e de instituições de pesquisa governamentais como fonte de conhecimento para as inovações tecnológicas nos Estados Unidos. 2. As oportunidades tecnológicas compreendem o “conjunto de possibilidades para o avanço tecnológico” (KLEVORICK et al., 1995, p. 188). NARIN, F.; HAMILTON, K.S.; OLIVASTRO, D. The increasing linkage between U.S. technology and public science. Research Policy, v. 26, n. 3, p. 317-330, 1997. 3. Para uma discussão mais geral das relações entre processos de catching up e tecnologia, ver Albuquerque (1997). NELSON, R. Institutions supporting technical change in the United States. In: DOSI, G.; FREEMAN, C.; NELSON, R.; SILVERBERG, G.; SOETE, L. (Ed.). Technical change an economic theory. London and New York: Printer Publishers, 1988. p. 312-329. 4. Para uma discussão detalhada da construção da Pintec, ver Bastos, Rebouças e Bivar (2003). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 103 EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA ________. Inside the black box: technology and economics. Cambridge: Cambridge University, 1982. NELSON, R.; ROSENBERG, N. Technical innovation and national systems. In: NELSON, R. (Ed.). National innovation systems: a comparative analysis. New York: Oxford University, 1993. p. 3-21. PAVITT, K. What makes basic research economically useful? Research Policy, v. 20, n. 2, p. 109-119, 1991. EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE: Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. PEREZ, C.; SOETE, L. Catching up in technology: entry barriers and windows of opportunity. In: DOSI, G.; FREEMAN, C.; NELSON, R. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London and New York: Pinter Publishers, 1988. p. 458-479. LEANDRO ALVES SILVA: Mestre em Economia, Pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. RAPINI, M.S. Interação universidade-empresa no Brasil: evidências do diretório dos grupos de pesquisa do CNPq. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2005. 24p. (Texto para Discussão, 251). Disponível em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD 251.pdf>. LUCIANO PÓVOA: Mestre em Economia. ROSENBERG, N. Schumpeter and the endogeneity of technology: some American perspectives. London: Routledge, 2000. Artigo recebido em 24 de março de 2005. Aprovado em 13 de abril de 2005. 104 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ... INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS análise da inserção das filiais brasileiras CÉLIO HIRATUKA Resumo: O presente trabalho busca analisar o processo de internacionalização das atividades de P&D das Empresas Transnacionais, a partir das informações das corporações com sede nos Estados Unidos. Procura-se verificar como essas empresas distribuem seus gastos em P&D nos países em desenvolvimento, analisando comparativamente os países da Ásia e da América Latina, com ênfase no caso brasileiro. Palavras-chave: Pesquisa e desenvolvimento. Empresas transnacionais. Globalização. Abstract: The aim of this paper is to analyse the internationalisation of Research and Development activities carried by the Transnational Corporations. Based on the information of Transnational Corporations from United States provided by the Bureou of Economic Analisys, the paper try to assess how these corporations allocate its R&D expenses inf foreign countries, comparing the the role of Asia and Latin America affiliates, with special reference to Brazilian affiliates. Key words: Research and development. Transnational corporations. Globalization. D epois de um período de retração em decorrência da crise ocorrida nos anos 80, a economia brasileira voltou a receber volumes significativos de Investimento Direto Estrangeiro – IDE, a partir da década de 90, em especial em sua segunda metade. A participação brasileira no total dos fluxos mundiais passou de cerca de 1%, no período 1990-95, para 2,9%, entre 1996 e 2001, atingindo uma média anual de aproximadamente US$ 23,7 bilhões. Como resultado, o grau de internacionalização da estrutura produtiva, que já era alto, aumentou ainda mais. Em 1996, as empresas majoritariamente estrangeiras respondiam por 27% do total do faturamento da indústria, passando para 42%, em 2000. Em termos de comércio exterior, também verificou-se elevação significativa na participação das empresas estrangeiras majoritárias no total SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 exportado: com uma participação de 31%, em 1995, as filiais passaram a responder por 41% do total exportado pelo Brasil. Dado esse aumento da importância das filiais de empresas transnacionais – ETNs na estrutura produtiva da economia brasileira, torna-se fundamental a questão de como essas empresas têm conduzido suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento – P&D no país e contribuído para a evolução do sistema nacional de inovação. Em especial quando se considera que os gastos de P&D em relação ao PIB na economia brasileira têm se mantido estagnados em níveis relativamente modestos (0,97% em 2000) e majoritariamente financiados com recursos públicos (56% do total contra 42% financiado pelo setor empresarial), de acordo com dados do Ministério de Ciência e Tecnologia. 105 CÉLIO HIRATUKA ETN E GLOBALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE P&D Outro fator importante é que o aumento da presença de ETNs na economia brasileira ocorre em um momento em que essas empresas vêm implementando um processo intenso de reorganização das suas atividades internacionais. Considerando a globalização das atividades tecnológicas das ETNs, vários autores destacam que, embora a internacionalização dos laboratórios de P&D ocorra em ritmo muito inferior ao verificado na atividade de produção e comercialização, esses laboratórios estariam também mais integrados globalmente, cumprindo a função não apenas de adaptar produto e processo aos locais de implantação, mas também de alavancar capacitações tecnológicas, buscando ativos intangíveis imóveis internacionalmente e que poderiam ser mais bem aproveitados por meio da instalação de atividades de P&D no exterior. Potencialmente, esse processo poderia, de acordo com alguns autores, representar um aprofundamento das atividades de P&D nos países de implantação das filiais, aumentando a possibilidade de efeitos positivos de transbordamento em relação a atividades simples de adaptação. Em especial, esse efeito seria importante nos países em desenvolvimento dada a carência em termos de capacitação tecnológica do sistema empresarial local. Entretanto, outros autores ressaltam que o processo de internacionalização tem ficado concentrado nos países centrais, mantendo as nações em desenvolvimento ainda marginalizadas do processo de globalização das atividades inovativas. Este artigo busca recolher evidências sobre a internacionalização das atividades de P&D das grandes corporações, a partir dos dados das ETN com sede nos Estados Unidos. O objetivo do trabalho é não apenas analisar as características das atividades internacionais de P&D das filiais de empresas norte-americanas nos países em desenvolvimento, comparando em especial a América Latina e a Ásia, mas também ressaltar o papel e a inserção das filiais instaladas no Brasil. Além desta introdução, o presente trabalho está organizado em mais três seções. Na primeira, são tecidas breves considerações sobre o processo de globalização das atividades de P&D a partir da literatura internacional. Na segunda seção, são analisados os dados sobre P&D das filiais de ETN dos Estados Unidos, comparando a inserção dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e, nestes últimos, separando os países da Ásia e da América Latina, com ênfase no Brasil. A terceira seção apresenta as considerações finais do artigo. A literatura sobre as atividades de P&D das corporações multinacionais tem destacado tanto os fatores que levam à centralização das atividades mais importantes de P&D no país de origem quanto aqueles que poderiam contribuir para que essa atividade fosse efetivamente deslocada para o exterior.1 Pearce (1999) destaca três fatores que levariam as grandes corporações a manterem as atividades de P&D centralizadas no país de origem. O primeiro seria a existência de economias de escala em P&D, associadas à utilização de equipamentos, laboratórios e equipes de pesquisa. Ou seja, a instalação de um segundo centro de pesquisa no exterior não seria economicamente viável enquanto os recursos indivisíveis destinados ao laboratório central não estivessem plenamente utilizados. O segundo fator seria o fato de que as atividades tecnológicas e de inovação teriam o benefício de interagir com outros elementos do sistema de inovação do país de origem, como centros de pesquisa, fornecedores, comunidade científica, etc. A reprodução dessas vantagens no exterior demandaria esforços elevados e, principalmente, um tempo prolongado. Por fim, o terceiro fator estaria associado aos custos de coordenação e controle relacionados à descentralização de uma atividade estratégica como a P&D. Além do risco de perda de foco dos programas definidos como prioritários, existiria também o risco de difusão indesejada das tecnologias desenvolvidas na passagem de uma estrutura centralizada para outra mais dispersa. Apesar da influência desses fatores, os elementos que favorecem a maior internacionalização das atividades de P&D vêm ganhando força nos anos recentes. O estudo de Cantwell e Janne (2000) mostra o aumento da tendência à internacionalização a partir da análise das patentes depositadas nos Estados Unidos por um conjunto de 748 ETNs. Enquanto no período 1977-79, 11,1% dessas patentes resultavam de pesquisas realizadas fora do país de origem da corporação, entre 1987 e 1995, essa proporção teria se elevado para 16,2%. Entre os fatores explicativos para um maior deslocamento das atividades de P&D para fora do país de origem, estariam a própria internacionalização das vendas e a procura de novos mercados por parte das ETNs. Ou seja, a internacionalização tecnológica estaria associada à maior internacionalização produtiva buscada pelas grandes corporações, ocorrendo, entretanto, em ritmo e intensidade muito menores. É importante ressaltar que, nessa in- 106 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ... os desenvolvimentos científicos e tecnológicos em outros países, que potencialmente poderiam ser complementares às atividades inovativas desenvolvidas no país de origem, reforçando, portanto, as competências já desenvolvidas no interior da corporação. Nesse caso, as vantagens do país de destino, associadas à possibilidade de aproveitamento de externalidades tecnológicas propiciadas pelas firmas e instituições desse país, ocorreriam em áreas semelhantes ao núcleo de competências tecnológicas da ETN no país de origem. A segunda estratégia, seguida com menos intensidade do que a primeira, seria buscar, em outros países, vantagens e novas capacitações que não estariam disponíveis tão facilmente no país de origem. Portanto, ao contrário da primeira estratégia, o investimento na montagem de laboratórios de P&D no exterior estaria associado a áreas tecnológicas em que existissem fragilidades no sistema nacional de inovação, com o investimento no exterior cumprindo a função justamente de compensar esse aspecto. Essas estratégias indicariam que as ETNs adotaram um enfoque mais integrado nas suas atividades tecnológicas, com o objetivo não apenas de adaptar produtos aos diferentes mercados, mas também de desenvolver novos produtos e acumular competências associadas às atividades de P&D no exterior. Nesse contexto, os laboratórios de P&D fora do país de origem cumpririam uma função muito mais estratégica, abrindo a possibilidade de maior autonomia e, ao mesmo tempo, de maior profundidade nas atribuições desses laboratórios (GERYBADZE; REGER, 1999). Entretanto, é importante destacar, que, apesar do enfoque mais internacionalizado das atividades de P&D, estas continuam sendo bastante seletivas no que se refere às possibilidades de reforçar as competências domésticas ou acumular capacitações consideradas estratégicas, porém, com melhores condições de serem desenvolvidas fora do país de origem. De acordo com Cassiolato et al. (2001), o processo de globalização das atividades tecnológicas das ETNs estaria ocorrendo basicamente entre EUA, Europa e Japão, uma vez que, quando essas corporações buscam interagir com sistemas nacionais de inovação que não os do próprio país de origem, o fazem procurando infra-estruturas de ciência e tecnologia igualmente desenvolvidas. De acordo com Hagedoorn (2002), dos acordos de cooperação tecnológica interfirmas realizados entre 1990 e 1998, apenas 6,8% teriam ocorrido fora dos países da tríade. Nas nações em desenvolvimento, portanto, o escopo e a profundidade das atividades de P&D dessas empresas seriam limitados, mantendo o caráter tradicional de adaptação de produtos e processo. terpretação, o aumento das atividades de P&D no exterior refletiria apenas a intensificação de uma tendência que vem desde o pós-guerra, uma vez que as atividades tecnológicas no exterior teriam basicamente um papel de suporte à exploração de mercados externos, associado à necessidade de adaptar produtos e processos às especificidades dos mercados de implantação. A internacionalização cumpriria fundamentalmente a função de garantir a exploração de vantagens criadas por avanços tecnológicos desenvolvidos no país de origem. Nesse caso, embora as atividades de P&D fossem mais deslocadas para o exterior, seu escopo seria bastante reduzido, mantendose as atividades nucleares no país de origem. Entretanto, vários autores, como Pearce (1999), Le Bas e Sierra (2002) e Narula e Zanfei (2003), vêm destacando que a internacionalização das atividades tecnológicas das ETNs representaria não apenas um aprofundamento da tendência anterior, em que a internacionalização da P&D seria meramente reflexo do aumento da internacionalização da produção, mas também uma mudança qualitativa, associada a alterações nas estratégias de operação para acumulação de recursos em nível global, implementada pelas ETNs no período recente. A desestruturação das condições que haviam garantido o ciclo de crescimento das décadas de 50 e 60 e as mudanças na ordem econômica mundial observadas a partir da crise econômica dos anos 70 nos países centrais impulsionaram um profundo processo de reestruturação nas grandes corporações. No novo ambiente de instabilidade e volatilidade macroeconômica, com baixas taxas de crescimento nos principais países desenvolvidos, as ETNs buscaram reforçar suas vantagens proprietárias, acirrando a concorrência e a disputa por mercados nas várias regiões do globo. A busca de capacitação para inovação em produtos e processos e o aumento em gastos de P&D constituíram um dos aspectos mais importantes, embora não o único, uma vez que foram acompanhados pela estratégia de desenvolvimento de outros ativos intangíveis, como diferenciação de produtos, fixação de marcas e vantagens organizacionais. No bojo desse processo, a organização internacional das atividades de P&D sofreu alterações importantes. Além da estratégia tradicional de explorar as vantagens criadas no país de origem em terceiros mercados, Patel e Vega (1999) e Le Bas e Sierra (2002) destacam outros dois tipos de estratégias de internacionalização da P&D que ganharam importância no período recente. O primeiro e principal deles seria a estratégia de montar laboratórios de P&D no exterior com o intuito de monitorar SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 107 CÉLIO HIRATUKA Se é verdade que a nova fase de internacionalização das atividades de P&D implementada pelas grandes corporações abre espaço para maior grau de profundidade das atividades tecnológicas realizadas no exterior, aumentando portanto os possíveis impactos positivos dessa internacionalização sobre os países hospedeiros, também é verdade que a seletividade nesse processo cria novas dificuldades para os países em desenvolvimento. Em primeiro lugar, cabe destacar que a possibilidade de se beneficiar desse processo está diretamente associada à capacidade dos países em desenvolvimento de criarem vantagens de localização não-naturais (DUNNING, 1993) associadas à infra-estrutura de ciência e tecnologia capazes de favorecer o aumento da densidade das atividades de P&D das filiais. Em segundo lugar, vale lembrar que, mesmo que ocorra investimentos em P&D por parte das ETNs, a possibilidade de que esses investimentos transbordem para o restante do sistema econômico depende em grande medida da capacidade de absorção do sistema empresarial local. Ou seja, é necessário que haja alguma capacitação tecnológica prévia na estrutura produtiva já existente para que possa ocorrer de fato uma transferência das capacitações tecnológicas desenvolvidas pelas ETNs para a economia dos países. Esses dois aspectos em conjunto ressaltam a importância da existência de políticas ativas de ciência e tecnológica voltadas não apenas para o desenvolvimento de infra-estrutura, mas também para que essa infraestrutura esteja mais integrada às atividades de aprendizado tecnológico do sistema empresarial, tanto de empresas nacionais quanto estrangeiras. Em especial, nos países onde as ETNs exercem papel relevante no siste- ma produtivo, a política científica e tecnológica deveria estar mais integrada à política industrial e de investimentos estrangeiros, com o intuito de contribuir para o processo de aprendizado e a criação de capacitações tecnológicas locais (LALL, 2000). Na próxima seção, busca-se analisar a internacionalização tecnológica das ETNs a partir da evolução dos gastos em P&D efetuado pelas filiais de empresas com sede nos Estados Unidos. A partir dos dados, procura-se verificar a inserção das filiais brasileiras, em comparação com outros países em desenvolvimento na América Latina e na Ásia. INTERNACIONALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE P&D DAS ETNS DOS ESTADOS UNIDOS E A INSERÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS Esta seção tem como objetivo analisar a internacionalização das atividades de P&D das grandes corporações transnacionais norte-americanas no exterior. A partir dos dados coletados pelo Bureau of Economic Analisys nas pesquisas censitárias sobre as operações das ETNs no exterior, as informações foram organizadas e classificadas, separando países desenvolvidos e em desenvolvimento e, neste último grupo, os países da América Latina e da Ásia. Além dos anos de 1989, 1994 e 1999, para os quais estavam disponíveis as pesquisas censitárias, foi analisado também 2002, ano com cobertura amostral e com quantidade menor de informações do que os demais. A Tabela 1 mostra a evolução da internacionalização das ETNs dos Estados Unidos, tanto em termos das vendas como dos gastos em P&D. Como é possível perceber, TABELA 1 Evolução da Internacionalização das Empresas Transnacionais (ETNs), segundo Gastos em P&D e Vendas Estados Unidos – 1989-2002 Em US$ milhões correntes Gastos e Vendas 1989 1994 1999 2002 59.925 91.574 126.291 (1) 7.048 11.877 18.144 21.151 11,8 12,9 14,3 (1) Total 3.329.443 3.990.013 5.975.478 6.426.628 Realizado pelas Filiais 1.019.966 1.435.901 2.218.945 2.548.625 30,6 36,0 37,1 39,7 Gastos em P&D Total Realizados nas Filiais Participação das Filiais no Total (%) Vendas Participação das Filiais no Total (%) Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp. (1) Dado não disponível. 108 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ... pação entre os países em desenvolvimento analisados. Em 1989, os gastos em P&D das filiais brasileiras chegaram a representar 25% do total realizado nos países em desenvolvimento, diminuindo para cerca de 20% em 1994 e 10% em 1999. Em relação ao total dos países, a participação brasileira caiu de 2% em 1994 para 1,4% em 2002. Fica evidente, portanto, a perda de importância relativa das filiais brasileiras nas atividades tecnológicas internacionais das grandes empresas norte-americanas. Ainda assim, o Brasil continua sendo o país com maior importância relativa na América Latina, posicionando-se ainda à frente do México, mesmo considerando o aumento da importância das filiais mexicanas em termos de vendas,2 quase duas vezes maior do que a participação brasileira. As demais economias da América Latina possuem representatividade menor ficando bem abaixo de Brasil e México. Comparando-se com os países em desenvolvimento da Ásia, o contraste com a América Latina é evidente, uma vez que, nos primeiros, a tendência de aumento de participação ocorre em praticamente todos os países. Merecem destaque a evolução das filiais instaladas na China e em Cingapura, que passaram a ser os dois centros com maior importância entre todos os países em desenvolvimento analisados, além da Malásia, que, embora não tenha dados para 2002, apresentou crescimento acelerado entre 1989 e 1999. É interessante também comparar, na Tabela 4, a participação das filiais de cada país no total de gastos em P&D e nas vendas. Enquanto os países da América Latina são, invariavelmente, mercados mais importantes do que centros de P&D, nos países asiáticos a disparidade entre participação nas vendas e em P&D não é tão grande. Alguns países até mesmo se destacam por apresentarem maior importância relativa para a atividade de P&D do que para vendas. o aumento da importância das atividades das filiais ocorreu nos dois indicadores e com ritmo parecido. Porém, fica evidente que a internacionalização da P&D ainda é muito mais concentrada no mercado norte-americano do que as vendas. Enquanto a participação dos gastos de P&D realizados no exterior através das filiais aumentou de 11,8% do total em 1989 para 14,3% em 1999, nas vendas essa proporção cresceu de 30,6% para 37,1%, no mesmo período. Considerando a distribuição dos gastos em P&D entre as filiais, a Tabela 2 indica o aumento da importância relativa dos países em desenvolvimento, que em 1989 respondiam por apenas 5,2% do total e atingiram 15,1% em 1999. Entre os países em desenvolvimento, comparando o desempenho da América Latina e da Ásia, observa-se que até 1994 os dois grupos conseguiram aumentar sua participação, mas com a Ásia já apresentando taxa de crescimento maior. Ainda assim, nesse ano, a participação das filiais da América Latina ainda era superior. Entre 1994 e 1999, verifica-se perda de importância relativa da América Latina, que teve sua participação reduzida para 3,4% do total, enquanto a Ásia continuou sua trajetória de crescimento, atingindo 7,7% do total. Os dados para 2002 só estão disponíveis para a Ásia e mostram que a região representou nesse ano 10% do total. Portanto, pelo menos para as ETNs dos Estados Unidos, a internacionalização dos gastos em P&D não ficou restrita às atividades dos países centrais, deslocando-se em direção àqueles em desenvolvimento, embora em ritmo ainda relativamente lento. Entretanto, esse foi um movimento concentrado nos países em desenvolvimento da Ásia, em especial na segunda metade da década de 90. Os dados da Tabela 3 detalham as informações anteriores, mostrando os principais países em cada região. Analisando o caso do Brasil, observa-se que, em 1989 e 1994, as filiais instaladas no país representaram a maior partici- TABELA 2 Participação dos Países em Desenvolvimento no Total de Gastos de P&D das Filiais de ETN dos Estados Unidos Países em Desenvolvimento, América Latina e Ásia – 1989-2002 Em porcentagem Região 1989 1994 1999 Países em Desenvolvimento 5,2 10,3 15,1 - América Latina 2,2 4,0 3,4 (1) Ásia 1,1 3,4 7,7 10,0 Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IE/Unicamp. (1) Dado não disponível. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 109 2002 CÉLIO HIRATUKA TABELA 3 Participação no Total de Gastos de P&D das Filiais de ETNs dos Estados Unidos, segundo Países em Desenvolvimento América Latina e Ásia – 1989-2002 Em porcentagem Países em Desenvolvimento 1989 1994 1999 2002 América Latina Argentina Brasil Chile Venezuela México 2,2 0,1 1,3 0,01 0,1 0,5 4,0 0,2 2,0 0,02 0,1 1,5 3,4 0,1 1,6 0,02 0,2 1,3 (1) 0,1 1,4 0,03 0,2 1,3 Ásia China Hong Kong Índia Coréia Malásia Filipinas Cingapura Taiwan Tailândia 1,1 0,0 0,1 0,03 0,1 0,04 0,1 0,4 0,3 0,01 3,4 0,1 0,4 0,04 0,1 0,2 0,1 1,4 0,9 0,03 7,7 1,8 1,2 0,1 0,6 0,9 0,2 2,3 0,7 0,04 10,0 3,1 (1) 0,4 0,8 (1) 0,2 2,8 0,3 0,1 Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp. (1) Dado não disponível. TABELA 4 Comparação entre a Participação no Total de Gastos de P&D e no Total de Vendas das Filiais de ETN dos Estados Unidos, segundo Países em Desenvolvimento América Latina e Ásia – 2002 Em porcentagem Participação no Total de Gastos de P&D (A) Participação no Total de Vendas (B) A/B América Latina Argentina Brasil Chile Venezuela México (1) 0,1 1,4 0,03 0,2 1,3 12,1 0,7 2,3 0,3 0,5 4,4 (1) 14,3 60,9 10,0 40,0 29,5 Ásia China Hong Kong Índia Coréia Malásia (2) Filipinas Cingapura Taiwan Tailândia 10,0 3,1 2,1 0,4 0,8 1,0 0,2 2,8 0,3 0,1 12,3 1,7 1,2 0,3 0,7 0,9 0,4 3,7 0,9 0,8 81,3 182,4 55,4 133,3 114,3 90,1 50,0 75,7 33,3 12,5 Países em Desenvolvimento Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp. (1) Dado não disponível. (2) Dados de 1999. 110 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ... Nesta situação encontram-se Índia, Coréia do Sul e China. O caso da China, em especial, chama atenção, uma vez que as filiais chinesas, em 2002, representavam 1,7% das vendas de todas as filiais, mas 3,1% dos gastos em P&D, ou seja, a participação nos gastos em P&D chega a ser quase duas vezes maior do que nas vendas. Comparando-se com o Brasil, a participação nos gastos em P&D representa 60,9% daquela referente às vendas. Em 2002, portanto, o Brasil era ainda um centro de produção e vendas mais importante do que a China, mas com uma importância para as atividades tecnológicas muito menor. Em relação aos demais países, o Brasil está na primeira posição na América Latina e supera ainda alguns países na Ásia, como Tailândia, Taiwan e Filipinas, mas fica abaixo de outros, como Cingapura e Malásia (dados de 1999). Outro indicador que revela a maior importância relativa das atividades inovativas nos países em desenvolvimento da Ásia do que nos da América Latina é o dispêndio de P&D em relação às vendas. De acordo com a Tabela 5, no total de suas operações mundiais, inclusive na matriz, a proporção de gastos em P&D em relação às vendas das ETNs dos EUA aumentou de 1,8% em 1989 para 2,3% em 1994, reduzindo-se um pouco em 1999, quando atingiu 2,1%. Considerando esse mesmo indicador para todas as operações das filiais, o índice chegou a 0,7% em 1989, subindo para 0,8% em 1994 e mantendo-se nesse patamar em 1999 e 2002. Nas filiais instaladas nos países desenvolvidos, como seria de se esperar, a intensidade do esforço inovativo é maior do que a média para o total das filiais, aumentando de 0,8% para 1% entre 1994 e 1999. No conjunto dos países em desenvolvimento, o mesmo indicador apresentou tendência de aumento e passou de 0,2% em 1989 para 0,3% em 1994 e 0,4% em 1999, reduzindo, portanto, a diferença em relação ao nível observado nos países desenvolvidos. TABELA 5 Proporção dos Gastos em P&D sobre Vendas Total e nas Filiais no Exterior das ETNs dos Estados Unidos, segundo Países em Desenvolvimento América Latina e Ásia – 1989-2002 Em porcentagem Países em Desenvolvimento 1989 1994 1999 2002 Total das ETNs 1,8 2,3 2,1 (1) Total das Filiais 0,7 0,8 0,8 0,8 Países Desenvolvidos 0,8 1,0 1,0 (1) Países em Desenvolvimento 0,2 0,3 0,4 (1) América Latina 0,2 0,4 0,2 (1) Argentina 0,2 0,2 0,1 0,1 Brasil 0,3 0,7 0,5 0,5 Chile 0,05 0,04 0,04 0,05 Venezuela 0,3 0,3 0,4 0,3 México 0,2 0,5 0,3 0,3 Ásia 0,1 0,3 0,6 0,7 1,5 China 0,0 0,2 1,6 Hong Kong 0,1 0,2 0,5 (1) Índia 0,6 0,5 0,4 1,0 Coréia 0,2 0,3 0,9 0,9 Malásia 0,1 0,2 0,7 (1) Filipinas 0,2 0,3 0,4 0,5 Cingapura 0,2 0,4 0,5 0,6 Taiwan 0,3 0,8 0,7 0,3 0,02 0,04 0,05 0,1 Tailândia Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp. (1) Dado não disponível. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 111 CÉLIO HIRATUKA internacionalizando suas atividades tecnológicas em ritmo similar ao verificado para as vendas. Porém, o mais importante é que, nessa internacionalização, os países em desenvolvimento ganharam importância em relação aos desenvolvidos. Embora estes continuem respondendo pela maioria dos gastos em P&D realizados fora dos Estados Unidos, é nítido o aumento da importância dos primeiros. De certa maneira, esse fato pode refutar a conclusão de Cassiolato et al. (2001), de que o processo de internacionalização permanece restrito à tríade. Apesar disso, os dados analisados mostram a seletividade das ETNs na escolha de onde localizar as atividades de P&D e a posição desigual entre os próprios países em desenvolvimento. Num primeiro nível, fica evidente a diferença que se estruturou ao longo da década de 90, em especial na sua segunda metade, entre os países da Ásia e da América Latina. O aumento da importância relativa da Ásia e a redução da participação da América Latina aparece em todos os indicadores analisados. Com certeza, o aumento da importância da Ásia enquanto região preferencial de produção, principalmente de produtos associados ao complexo eletrônico/tecnologia de informação, teve peso importante nesse processo.3 Entretanto, é válido observar que, mesmo na Ásia, o movimento de aumento na importância nas atividades de P&D não foi uniforme, permanecendo restrito a alguns países. Analisando-se os dados por região, verifica-se que, na América Latina, a proporção de gastos em P&D teve um aumento importante entre 1989 e 1994, subindo de 0,2% para 0,4%, mas voltou a diminuir para 0,2% em 1999. Enquanto no final da década de 80 o indicador estava no mesmo patamar da média das filiais instaladas em países em desenvolvimento, no final da década de 90 a proporção na América Latina era bem menor. Na economia brasileira, o aumento na proporção de gastos em P&D sobre vendas das filiais foi ainda mais acentuado entre 1989 e 1994, passando de 0,3% para 0,7%. Nesse último ano, entre os países discriminados na tabela, o Brasil apresentou o segundo indicador mais elevado, ficando atrás apenas de Taiwan. Entretanto, entre 1994 e 1999, a proporção voltou a se reduzir, atingindo 0,5%, patamar que se manteve em 2002. Nos demais países da América Latina, a proporção esteve sempre abaixo da verificada na economia brasileira. Em 2002, as filiais da Argentina e do Chile atingiram 0,1% e as do México e Venezuela chegaram a 0,3%. Já na Ásia a proporção de gastos em P&D sobre vendas apresentou tendência de aumento, principalmente a partir de 1994, confirmando o fato de que efetivamente alguns países asiáticos conseguiram atrair importantes investimentos voltados para o desenvolvimento tecnológico. Analisados em conjunto, os países em desenvolvimento da Ásia experimentaram uma elevação contínua da intensidade de P&D no período analisado: de 0,1% em 1989, o indicador passou para 0,3% em 1994, 0,6% em 1999 e 0,7% em 2002. Novamente, destaca-se o caso da China, que de 0,2%, em 1994, atingiu 1,6% em 1999, patamar inclusive superior ao verificado para o conjunto dos países desenvolvidos. Em 2002, o indicador se reduziu um pouco, ficando em 1,5%. A Índia também merece destaque, uma vez que, desde o início do período analisado, as filiais instaladas nesse país sempre tiveram uma proporção de gastos em P&D sobre vendas muito superior aos demais países da região. Apesar de uma queda de 0,6% para 0,4%, entre 1989 e 1999, em 2002 o indicador atingiu 1%. Outros dois países asiáticos importantes em termos de intensidade de P&D são Coréia e Malásia. No primeiro, a proporção foi de 0,2% em 1989, aumentando para 0,9% em 1999 e permanecendo estável em 2002 nesse mesmo nível. No caso da Malásia, a elevação foi de 0,1% em 1989 para 0,7% em 1999. Em resumo, observa-se que as grandes ETNs dos Estados Unidos aumentaram os gastos em P&D no exterior, CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações analisadas neste trabalho mostram que, apesar de ainda manterem uma grande parte das atividades de P&D no exterior concentrada nos países centrais, as multinacionais americanas têm aumentado os gastos tecnológicos nas filiais de países em desenvolvimento. Observa-se, entretanto, um movimento bastante seletivo, com a concentração de atividades nos países em desenvolvimento da Ásia e, mesmo dentro desta região, em alguns poucos países, que conseguiram não apenas aumentar a participação nos gastos de P&D das ETNs norteamericanas, mas também apresentar uma relação dispêndio de P&D/vendas em níveis elevados e em patamares semelhantes ao observado nos países centrais. O traço comum entre os países que demonstraram essa capacidade, destacando-se China, Coréia, Malásia, Cingapura e Índia, é a adoção de políticas tecnológicas ativas voltadas para criação de vantagens locacionais importantes para as atividades de elevado conteúdo tecnológico (qualificação de mão-de-obra, educação técnica e 112 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ... superior, suporte à pesquisa básica, financiamento e incentivos às atividades de P&D), combinada com políticas de investimento seletivas, estruturadas com o objetivo de elevar o conteúdo tecnológico das atividades realizadas pelas filiais estrangeiras e aumentar o grau de complementaridade e integração com empresas e instituições locais (UNCTAD, 2002; LALL, 2000; 2003). Dessa perspectiva, e comparando com a situação da América Latina, o trabalho de Katz (2001) ressalta que as reformas estruturais implementadas nessa região, na década de 90, assentadas sobre a abertura comercial, liberalização dos fluxos de capitais, privatizações e redução do poder de atuação do setor público, embora tenham tido impactos positivos sobre a modernização e eficiência (estática) do sistema produtivo, resultaram em redução dos esforços tecnológicos internos, tanto de empresas nacionais como daquelas transnacionais. Em primeiro lugar, a possibilidade de contar com insumos e bens de capital importados significou a substituição dos esforços tecnológicos das empresas anteriormente operando no mercado local por tecnologia incorporada diretamente nos bens importados. Do ponto de vista das ETNs, o novo padrão de utilização de tecnologia, mais convergente com os padrões internacionais, significou a redução dos esforços voltados para adaptação de produtos e processos ao mercado local. Em segundo lugar, a privatização de empresas públicas de infra-estrutura, em especial de energia e telecomunicações, foi acompanhada da desmobilização dos departamentos de P&D e engenharia construídos durante a fase anterior. Por fim, os gastos na infra-estrutura de Ciência e Tecnologia, que nos países da América Latina sempre estiveram a cargo do Estado, sofreram impacto de sucessivos processos de corte de recursos em razão da necessidade de ajustes fiscais. Pode-se adicionar a esses fatores a política direcionada para o investimento estrangeiro, que, ao contrário do verificado nos países em desenvolvimento da Ásia, não se preocupou em criar mecanismos voltados para aumento das atividades tecnológicas das filiais instaladas ou das novas entrantes no boom recente de IDE. Em vez de uma política seletiva em termos setoriais ou focada em atividades mais intensivas em tecnologia, os países da América Latina tiveram, em geral, uma política horizontal, em que a principal preocupação era retirar as restrições existentes ao IDE e à atuação das empresas estrangeiras e eliminar as regulamentações para remessas de lucros. Analisando especificamente o caso do Brasil, os dados revelam a perda de posição relativa das filiais brasileiras SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005 na distribuição internacional de gastos em P&D das multinacionais norte-americanas. Embora permaneça como o país na América Latina onde as filiais mais gastam em P&D, a participação é muito menor do que a verificada nas vendas. O recente boom de investimento estrangeiro ocorrido na década de 90 não alterou o papel das filiais brasileiras, que permaneceram tendo uma função restrita em termos de envolvimento em atividades de P&D com maior densidade. De acordo com o trabalho de Araújo (2004), no final da década de 90, as filiais estrangeiras, apesar de serem mais inovadoras, em média gastavam menos em P&D do que as empresas nacionais, o que evidenciaria que as atividades tecnológicas continuariam tendo uma função de adaptação às condições locais. A vasta presença de filiais de grandes empresas transnacionais no Brasil, líderes mundiais em seus setores de atuação, com intensa atividade inovativa globalmente, continua, por enquanto, sendo um potencial de transferência de tecnologia que permanece pouco aproveitado. Com certeza as filiais operando no Brasil poderiam ter um papel muito mais relevante no desenvolvimento tecnológico e na geração de spillovers capazes de aumentar o grau de desenvolvimento da economia. Entretanto, essa não é uma tarefa trivial, já que, como ressaltado, a globalização das atividades de P&D, embora crescente, vem ocorrendo de maneira muito mais seletiva, exigindo vantagens de localização relacionadas à infra-estrutura de ciência e tecnologia e qualificação de mão-de-obra, além de capacidade do setor público de coordenar ações no sentido de atrair investimentos ou estimular as ETNs já presentes a realizarem atividades ou funções corporativas com maior interação com o sistema nacional de inovação e com maior capacidade de geração de externalidades. Essa é uma tarefa que não foi realizada pelo Brasil no último ciclo de investimentos estrangeiros, e que permanece como desafio para esse início de século. NOTAS O autor agradece a ajuda prestada pelo auxiliar de pesquisa e bolsista Raphael Cega (Pibic do CNPq), pelo auxílio na organização dos dados deste artigo. 1. Na terminologia de Hirschey e Caves (1981), essas seriam as forças centrípetas e centrífugas, respectivamente. 113 CÉLIO HIRATUKA 2. De uma participação nas vendas de 1,6%, em 1989, o México aumentou para 2,7% em 1994 e, após a integração com a economia norte-americana por intermédio do Nafta, atingiu 4,4% em 2002. Ver Boletim Neit, n. 6. KATZ, J. Structural reforms and technological behavior. The sources and nature of technological change in Latin America in the 1990s. Research Policy, v. 30, 2001. LALL, S. Reinventing industrial strategy: the role of government policy in building industrial competitiveness. 2003. Mimeografado. (Texto preparado para o Grupo Intergovernamental de questões monetárias e desenvolvimento do G-24). 3. Ver Boletim Neit n. 6, para uma análise detalhada da distribuição geográfica das atividades das filiais norte-americanas. ________. Export performance technological upgrading and foreign direct investment strategies in the Asian newly industrializing economies with special reference to Singapur. Desarollo Productivo. Cepal, n. 88, 2000. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LAPLANE, M. F.; SARTI, F.; HIRATUKA, C.; SABBATINI, R. El caso brasileño. In: CHUDNOVSKY, D. (Ed.). El boom de las inversiones extranjeras directas en el MERCOSUR. Buenos Aires: Siglo XXI, 2001. ARAÚJO, R. D. Desempenho inovador e comportamento tecnológico das firmas domésticas e transnacionais no final da década de 90. 2004. Dissertação de Mestrado – IE/Unicamp, Campinas, 2004. BOLETIM NEIT. Campinas: Unicamp, n. 6. Disponível em: <http:// www.eco.unicamp.br/Neit/boletim.htm>. LE BAS, C.; SIERRA, C. Location versus home country advantages in R&D activities: some further results on multinationals locational strategies. 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Este artigo centra-se no tema do desenvolvimento de capacidade antecipativa e a incorporação da função prospectiva na gestão das organizações de C,T&I. Palavras-chave: Políticas de C,T&I. Prospectiva tecnológica. Inovação tecnológica. Abstract: Competitiveness in the knowledge society is more and more dependent on fostering innovative activities. The high degrees of incertitude and the increasing costs associated to technological development are challenging the present levels of investment in S,T&I. This article focuses on this theme specially on the necessity of developing anticipative capabilities in order to create a prospective culture in S,T&I organizations. Key words: Science and Technology policies. Technological prospective. Technological innovation. É notável a crescente importância dos estudos prospectivos. Hoje, eles são componentes fundamentais para políticas e estratégias de inovação, não só como subsídios para ampliar a capacidade de antecipação, mas também porque estimulariam virtuosamente a organização dos sistemas de inovação. Este artigo propõe-se a discutir, sob o ponto de vista do conceito de sistema de inovação, alguns dos meios pelos quais tal efeito estruturante poderia se manifestar a partir da execução de estudos prospectivos. Em sua origem, os estudos prospectivos para os rumos da ciência e da tecnologia buscavam aumentar ao máximo a capacidade de previsão de seus avanços – algo plausível no contexto de estabilidade institucional que caracterizou as décadas de 50 e 60. A partir dos centros de pesquisa militares dos EUA motivados pelo conflito velado da Guerra Fria, inúmeras técnicas e metodologias SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 foram criadas e aperfeiçoadas para prever o desenvolvimento tecnológico do inimigo e orientar as estratégias da P&D militar. Empresas e outros setores da sociedade civil rapidamente se apropriaram de muitas dessas ferramentas e as incorporaram a suas rotinas de planejamento e de busca por oportunidades. Uma segunda corrente de estudos prospectivos desenvolveu-se a partir da década de 70, em contrapartida à tendência tecnocentrada predominante: a dos futuristas (JOHNSTON, 2002). Sua abordagem dava ênfase à compreensão das raízes profundas e da evolução dos propósitos da humanidade, de seus valores, condições e expectativas. Quando ficou mais claro que a estabilidade era a exceção e que a mudança técnica exercia uma influência mais complexa do que se supunha nas mudanças institucionais, das quais também era dificilmente dissociável, a quimera da previsão tecnológica e a utopia normativa dos futuris- 115 MAURO ZACKIEWICZ / M ARIA BEATRIZ B ONACELLI / SERGIO SALLES FILHO rio. Entretanto, não descarta a validade de políticas voltadas para a inovação que definam linhas de ação e pesquisa prioritárias – desde que não sufoquem o espaço da ciência aberta. Uma vez que os recursos são limitados, elas passariam por reconfigurações de papéis institucionais e culturas organizacionais que ainda não se materializaram na prática. O fato é que é difícil criar instrumentos de política, planejamento e avaliação que estejam plenamente de acordo com a noção de sistema de inovação e estabeleçam um grau de coerência e determinação compatível com os dos modelos lineares, que são simplistas, porém facilmente comunicáveis. A maior parte dos atores envolvidos nessas atividades ainda tem dificuldade de operar em um marco cognitivo que estabeleça a complexidade, a incerteza e a ambigüidade como regra. Os grandes desafios metodológicos da atualidade para os estudos prospectivos referem-se a essas questões. A política para a organização de sistemas de inovação não pode se restringir a incorporar o lado da demanda nem a transferir todo o ônus do financiamento para o setor privado. A política precisa, essencialmente, promover ações que levem a um novo patamar de entendimento do papel da C&T na sociedade – e os estudos prospectivos são decisivos nesse processo. Afinal, a noção de prospecção quase se confunde com esse objetivo. Tanto, que a tendência atual dos estudos prospectivos é a de evoluir das abordagens estritamente tecnológicas para outras que enfatizem questões organizacionais do desenvolvimento da C&T no contexto de sistemas de inovação (RENN, 2002). Essa tendência também aproxima os estudos prospectivos dos sistemas de apoio à decisão para o planejamento e dos esforços de avaliação da evolução das redes sociotécnicas (ZACKIEWICZ, 2002). Cada vez mais, os estudos sobre o futuro das atividades de C&T deixam de ser encarados como encomendas ad hoc para se tornarem atividades perenes e internalizadas nas organizações presentes nos sistemas de inovação. Os estudos prospectivos deparam-se com o desafio da complexidade a partir do momento em que há dificuldade para estabelecer os nexos causais para deduzir as múltiplas possibilidades de mudanças técnicas e suas conseqüências (RENN, 2002). A incerteza é relacionada com a complexidade, mas se distingue desta por se referir ao grau de confiança nas relações causais estabelecidas por um modelo explicativo, e não ao modelo em si. A incerteza aumenta se a complexidade não puder ser resolvida por teorias e métodos que gerem modelos mais adequados. Se o efeito estudado possuir natureza estocástica, isso também colaborará para a incerteza (RENN, 2002). tas foram enfraquecidas e amalgamadas em abordagens bem mais pragmáticas. Assim, é comum encontrar definições para prospecção tecnológica como: A systematic attempt to look into the longer-term future of science, technology, economy and society with a view to identifying emerging generic technologies likely to yield the greatest economic and social benefits (OCDE, 1996). A percepção de que o fenômeno da inovação tecnológica é complexo e se manifesta a partir de diversos níveis, em processos multicausais e retroalimentados e com a atuação mais ou menos determinante de diversos atores, trouxe a necessidade de projetá-lo sobre a sintaxe dos sistemas abertos. Se, por um lado, pensar a inovação a partir de sistemas superava a simplicidade arriscada dos antigos modelos lineares, de inovação, por outro, criava novas dificuldades analíticas – especialmente para a identificação das relações causais responsáveis pelas novas tecnologias e para as projeções prospectivas. COMPLEXIDADE, INCERTEZA E AMBIGÜIDADE A partir da década de 80, diversos autores perceberam que a mudança para uma óptica sistêmica na explicação do fenômeno da inovação implicava, também, em mudanças nos métodos e propósitos da prospecção tecnológica (MARTIN; IRVINE, 1989; GODET, 1993). Desde então, foram feitas diversas tentativas, propostas novas metodologias e cunhados novos termos. Paul David (2002) faz uma interessante crítica aos estudos recentes de technology foresight no Reino Unido, dizendo que eles não superaram totalmente o antigo modelo linear, o que ocorreu foi muito mais uma inversão. David afirma que a exagerada ênfase na orientação pelo mercado (demand-pull) pode ser desastrosa e que seria simplista tentar enquadrar o avanço – e o financiamento público – da ciência e tecnologia apenas por demandas de curto prazo e de alto retorno econômico potencial. Além disso, com a insistência nesse processo, poderiam ocorrer mudanças organizacionais nas instituições de C&T que, ao invés de gerar o círculo virtuoso da inovação, levariam a uma perda sistêmica de eficiência na produção de novos conhecimentos. O autor prefere chamar de “ciência aberta” o que comumente se chama de “ciência básica” e advoga a manutenção do investimento público como o mais adequado para financiar a produção da commodity “conhecimento”, assumindo seu caráter incerto e aleató- 116 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO S ISTEMAS DE ... A partir de então, a ênfase voltou-se fortemente para os processos, muitas vezes até em detrimento dos produtos. Métodos como o Delphi ganharam nova força sob o novo enfoque. Diversos estudos – agora também chamados exercícios – prospectivos foram lançados pelo mundo para estruturar e definir prioridades a seus SNIs.2 Irvine e Martin (1984), bem ao estilo minimalístico das ferramentas de gestão, enxergam a essência desse novo espírito nos 5Cs do technology foresight: concentração, comunicação, consenso, compromisso e coordenação. A idéia de concentração refere-se ao fato de que os participantes de um exercício de prospecção são convidados a refletir de modo sistemático sobre certas questões, definir prioridades e buscar identificar a relevância de suas próprias atividades. Comunicação, porque os exercícios prospectivos se transformariam em canais por onde a informação fluiria de modo eficiente e plural. O consenso é um atributo buscado explicitamente e é o sustentáculo da identificação e da seleção de prioridades de investimento a partir da prospecção. Dado o caráter participativo e “socialmente construído” dos processos de foresight, o compromisso dos atores envolvidos seria mais um resultado, a garantir a legitimidade do processo e viabilizar a efetiva implementação das prioridades estabelecidas. Por fim, a coordenação do sistema de inovação e a cooperação na pesquisa seriam promovidas pela formação de redes proporcionada pelas conexões entre pessoas, grupos e temas de pesquisa derivados do exercício. Claramente, os 5Cs não são independentes entre si. Aparecem acima listados em uma ordem causal na qual cada C seria uma etapa rumo à coordenação. O sucesso de cada etapa seria o impulso para a seguinte. Porém, esse processo é fortemente condicionado pela metodologia adotada, por contextos políticos e institucionais do país em que ocorre o exercício e pelo entendimento prévio dos atores em relação aos objetivos do estudo prospectivo. De fato, trata-se de um processo de aprendizado que poderia levar a uma reorganização mais ampla do que esses 5Cs mostram – especialmente no contexto dos países em desenvolvimento. Isso é importante porque coloca outras questões que precisam ser observadas. A questão do aprendizado está presente nos dois níveis nos quais os estudos prospectivos atuam – ou seja, tanto na capacidade de antecipação quanto na organização da inovação. No primeiro deles, o aprendizado refere-se à construção progressiva de noções mais ou menos A ambigüidade refere-se à variabilidade das interpretações possíveis – e legitimadas teoricamente – a partir de uma mesma base de dados ou a partir da observação dos mesmos fatos. Alta complexidade e incerteza favorecem o surgimento de controvérsias e, portanto, de ambigüidade (RENN, 2002). A emergência desses atributos no contexto dos estudos sobre a evolução dos processos de inovação é argumento tanto para a apologia quanto para a crítica sobre a necessidade de planejamento e de definição de prioridades. De um lado, os que defendem o enquadramento dos rumos da C&T apoiados na execução de estudos prospectivos advogam que, desse modo, seria possível reduzir a incerteza e a ambigüidade na execução das pesquisas, além de melhor orientá-las para as necessidades econômicas e sociais. De outro lado, argumenta-se que, por conta da complexidade e da imprevisibilidade dos processos de inovação, todo planejamento ancorado em metodologias prospectivas seria claramente reducionista e nocivo à riqueza de possibilidades que o avanço do conhecimento poderia proporcionar, se fosse estimulado em toda sua potencialidade. Novamente, o que está em jogo é a questão da organização. Seria possível conjugar o melhor dos dois lados? Seria possível fazer com que o planejamento e a definição de prioridades orientadas a problemas do país potencializassem ainda mais o avanço do conhecimento? Para tentar uma resposta afirmativa a essa questão, é preciso examinar como a prospecção pode estimular a organização dos sistemas de inovação e o surgimento de novos padrões cognitivos acerca da produção de conhecimento e tecnologia. EFEITOS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DA INOVAÇÃO A idéia de que os resultados da prospecção tecnológica são úteis para a organização dos processos de inovação é tributária da escola norte-americana do pós-guerra e foi amplamente disseminada, junto com suas metodologias e abordagens, principalmente por autores interessados nas estratégias e no planejamento empresarial.1 Com o surgimento do conceito de Sistemas Nacionais de Inovação – SNIs na década de 80 (FREEMAN, 1987), essa idéia ganha em escopo ao identificar uma série de efeitos colaterais dos processos subjacentes à obtenção dos resultados prospectivos que atuariam como fatores estruturantes para os SNIs. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 DE 117 MAURO ZACKIEWICZ / M ARIA BEATRIZ B ONACELLI / SERGIO SALLES FILHO compartilhadas sobre como será o futuro da sociedade e as implicações das tecnologias que poderão surgir e/ou se tornar dominantes em determinado campo. São essas visões que fundamentam as decisões dos atores no presente e, de certo modo, moldam as trajetórias tecnológicas. Idier (2000) chama a atenção para o componente motivacional da inovação e observa o quanto as imagens socialmente compartilhadas sobre o futuro – incluindo aí fatores culturais, psicológicos e estéticos 3 – influenciariam as decisões e, portanto, as trajetórias tecnológicas. Assim, a atividade prospectiva teria um papel mais profundo do que aquilo que Irvine e Martin chamam de “concentração” e “comunicação”. A natureza compartimentalizada do conhecimento organizado em disciplinas e especialidades estanques, a lógica reativa e de curto prazo de grande parte dos atores das cadeias produtivas, as múltiplas influências culturais e heranças institucionais, tudo isso cria obstáculos formidáveis à concentração e à comunicação. Eles começam nas diferenças semânticas e se aprofundam em direção às diferenças de valores e expectativas. Esses obstáculos só podem ser superados por meio de aprendizado, mas a geração de círculos virtuosos de aprendizado que culminem em frentes de consenso – o próximo passo dos 5Cs – não é direta e nem tampouco óbvia. A abordagem invariavelmente adotada para viabilizar esse salto é a da participação. Essa idéia já é, por princípio um tanto nebulosa, e mais facilmente apropriada pela retórica do que pela ação. Entretanto, é na prática da participação que está o segundo nível de aprendizado, o que desde logo mais interessa à organização da inovação e que, não obstante, é ainda o mais incipiente e fragilmente compreendido. Antes de colaborar para a superação dos obstáculos impostos à concentração e à comunicação, a participação também é dificultada e limitada pelos mesmos obstáculos. Assim, se nas oportunidades que a participação for invocada, a discussão for orientada para objetos que reforcem esses obstáculos, o resultado poderá ser o inverso do esperado. A participação precisa ocorrer sobre enfoques multidisciplinares, sobre visões conflitantes, sobre referências multiculturais. A participação precisa exigir o aprendizado dos atores, a compreensão dos limites impostos pelos contextos institucionais nos quais estão inseridos e a ampliação de suas visões particulares de futuro. Renn (2002) atribui ainda à participação a função de reduzir a ambigüidade e os custos de transação entre os atores, uma vez que a busca por frentes de consenso evitaria a maximização parcial dos benefícios dos atores. É na reação à ação desconstrutiva da participação que está a chave do aprendizado para uma organização mais dinâmica da inovação. A formação de redes, a definição de competências essenciais, o compromisso com prioridades, o compromisso público, são todos características de um certo padrão de organização fundamentado em formas comportamentais e contratuais que precisam ser, antes de tudo, aprendidas. Essas novas formas de organização cresceriam então no espaço vazio do futuro, de modo tão aberto à criatividade quanto as tecnologias e o conhecimento que produziriam. A coordenação a que Irvine e Martin fazem referência envolve esses atributos. Mas fica claro que essa abordagem percebe mais o dinamismo das tecnologias que a necessidade do dinamismo das organizações e instituições. Como bem observou Johnston (2002) ao analisar os principais exercícios de prospecção no cenário internacional, não há conexão natural entre prospecção, planejamento e tomada de decisão. E tampouco há, necessariamente, o efeito virtuoso de coordenação sobre o sistema de inovação. Na prática, as abordagens metodológicas têm dificuldade para concretizar esses saltos. Isso reforça a importância de se ampliar o entendimento conceitual do que significa, hoje, fazer prospecção tecnológica, para que se reformulem as abordagens metodológicas vigentes que, em sua esmagadora maioria, apenas tangenciam as questões realmente importantes para a política e a gestão da inovação. ESBOÇO PARA UM ESQUEMA ANALÍTICO Nessa seção, é proposta uma primeira tentativa de construção de um esquema analítico para estudos prospectivos. O objetivo é duplo: caracterizar os estudos de modo a permitir a identificação de correlações entre objetivos, padrões metodológicos, tipos de organizações envolvidas como atores e, finalmente, as áreas e formas de conhecimento consideradas; e medir o impacto dos estudos prospectivos na organização da inovação. Por meio dessa análise, espera-se aprofundar o entendimento dos nexos conceituais e metodológicos da função estruturante da prospecção tecnológica, assim como fornecer indicadores que permitam a seus executores melhor orientá-la nesse sentido. Desse modo, para a caracterização dos estudos prospectivos, não obstante a já clássica tipologia propos- 118 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO ta por Martin e Irvine (1989), há especial interesse em certos aspectos qualificáveis e quantificáveis dos exercícios prospectivos. O esquema analítico considera importante a associação de escalas de medida às variáveis consideradas, para permitir a identificação de correlações e padrões que poderão gerar conclusões interessantes. Assim, para a caracterização dos exercícios prospectivos, consideram-se quatro variáveis: - A aderência do objetivo do exercício prospectivo aos seguintes objetivos gerais e não excludentes (escala – nenhuma; implícita; marginal; explícita): a) prospecção de áreas de conhecimento e tecnologias emergentes; b) identificação de tecnologias críticas para cadeias produtivas; c) prospecção voltada para problemas sociais ou ambientais; d) identificação de competências essenciais; e) definição de prioridades; f) formação de redes de pesquisa voltadas para problemas. S ISTEMAS DE ... diretos do exercício prospectivo, palpável e quantificáveis no tempo e no espaço: visões de futuro, previsões, prioridades, encontros e discussões. Esses objetos em si não interessam diretamente para este esquema analítico. Os “impactos” vêm depois dos resultados: são os efeitos que a existência desses objetos provocam em outras estruturas. Para a análise proposta, o que interessa são as transformações que ocorrem em estruturas-chave para a organização da inovação. Desse modo, foram escolhidos três importantes elementos para descrever tal processo: o efeito sobre a coordenação entre os atores, o efeito sobre o aprendizado e o efeito sobre a evolução da estrutura do conhecimento. Para cada um desses impactos, foram selecionados três indicadores mensuráveis qualitativamente ou quantitativamente: - Efeitos sobre a coordenação entre atores: a) intercâmbio de recursos humanos (mostrando a existência de agendas comuns ou complementares); b) redução dos custos de transação para a difusão de tecnologia e circulação de conhecimento; c) aumento e perenidade dos investimentos para pesquisas a longo prazo. - As técnicas utilizadas para compor a metodologia (escala – forma clássica; modificada; associada a x, associada a y, etc.4 ): a) Delphi; b) cenários; c) painéis de atores (plataformas); d) extrapolação de séries temporais; e) modelos de simulação dinâmica; f) análise morfológica; g) métodos multicritérios; h) mineração de dados ou textual; i) evolução de mapas de conhecimento e monitoramento tecnológico. - Efeitos sobre o aprendizado: a) institucionalização da função prospectiva nas organizações; b) aumento nos registros de patentes e publicações em temas prioritários; c) novos arranjos organizacionais para a produção de conhecimento e tecnologia. - A estrutura institucional do estudo se dá entre os seguintes atores (escala – não participam; quantos indivíduos têm participação passiva; quantos indivíduos têm participação ativa; quantos indivíduos podem ser considerados decisores): a) empresas; b) universidades; c) institutos de pesquisa; d) organizações da sociedade civil; e) agências regionais de fomento e planejamento; f) agências nacionais de fomento e planejamento; g) agências supranacionais de fomento e planejamento; h) mídia; i) indivíduos sem vínculo formal com as organizações anteriores. - Efeitos sobre a estrutura do conhecimento: a) aumento do número de projetos de pesquisa inseridos em contextos de aplicação; b) aumento de projetos de pesquisa e de publicações conduzidos em redes multiinstitucionais; c) aumento do número de cursos multidisciplinares. Essa estrutura de impactos pode ser modelada de modo hierárquico e agregada a partir de funções de valor aditivas. Um modelo dessa natureza requer ainda alguns parâmetros auxiliares para uma interpretação mais realista do impacto de cada estudo prospectivo. Entre eles, coeficientes de ponderação da importância de cada indicador e efeito e coeficientes de credibilidade para cada indicador – uma vez que nem sempre a existência do impacto pode ser integralmente atribuída à existência de um exercício em particular. Como foi destacado no início desta seção, esta proposta analítica ainda é fruto de um esforço inicial de construção. A abordagem que se pretende seguir é a de ampliar o entendimento estrutural e funcional dos exercícios de prospecção em sua relação com a organização dos siste- - A estrutura cognitiva do estudo refere-se a (escala – não se refere; refere-se um pouco; refere-se bastante; referese quase/ou exclusivamente): a) demandas dos usuários; b) gargalos de cadeias produtivas; c) problemas sociais ou ambientais; d) condicionantes do futuro e causalidades; e) projetos ou programas científicos ou tecnológicos; f) disciplinas; g) técnicas ou tecnologias gerais; h) profissões. Para medir os impactos sobre a organização da inovação é importante, antes, fazer a distinção entre os conceitos de impacto e de resultado. “Resultados” são os produtos SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 DE 119 MAURO ZACKIEWICZ / M ARIA BEATRIZ B ONACELLI / SERGIO SALLES FILHO NOTAS mas de inovação, mais do que a de determinar um conjunto de quesitos para julgá-los ex post em sua efetividade, embora isso também seja possível. A característica processual e perene que cada vez mais se imprime às atividades prospectivas exige que sejam criados mecanismos de ajuste e atualização, uma vez que um indicador de sucesso é a própria mudança do contexto institucional em que elas ocorrem. O tipo de análise que este artigo propõe vai nessa direção. Este artigo faz parte da pesquisa Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação – Geopi do Departamento de Política Científica e Tecnológica – DPCT/IG da Unicamp com financiamento da Finep. 1. Cf. Whitehill (1996) para uma breve revisão da evolução dos conceitos e para conhecer os autores mais importantes que adotaram essa perspectiva. 2. Uma revisão bastante completa sobre essa febre prospectiva pode ser realizada a partir de OCDE (1996), Gavigan e Scapolo (1999) e Johnston (2002). CONCLUSÕES 3. Para o autor, as obras de ficção científica exerceriam uma forte influência na percepção social sobre o futuro das tecnologias. Cita o caso do projeto Guerra nas Estrelas do governo Reagan nos EUA e as previsões sombrias atribuídas à biotecnologia. A engenhosidade terrorista de 2001 pode também ter sido inspirada pela ficção. Johnston (2002) assinala que é difícil generalizar a experiência de prospecção dos diferentes países, que os países em desenvolvimento tendem a mimetizar os exercícios dos desenvolvidos e que por isso não são tão bemsucedidos. Acrescenta que é preciso metodologias e abordagens próprias. É certo que há uma concepção de procedimentos que têm aplicação geral, mas não é menos certo que as distintas realidades de países, regiões e organizações contribuem para a definição de metodologias específicas. Em qualquer ambiente complexo, o velho e o novo não se dissociam, as percepções e interpretações tributárias a ambos convivem lado a lado, por vezes durante longo tempo. Dependendo do quadro institucional vigente, ambigüidade e incerteza assumem dimensões particulares. E esse é um bom ponto de partida quando se pretende instituir a prática do planejamento e da prospecção. Organizar sistemas de inovação significa mexer com ambientes complexos. É tarefa de longo prazo que combina atores diferentes e suas diferentes perspectivas. Mais que isso: é tarefa balizada por alvos em constante movimento. É, portanto, uma atividade permanente. Os princípios do foresight (os 5Cs) são especialmente importantes, em todos os níveis: macro, meso e microinstitucionais. Criar uma cultura que incorpore esses princípios especialmente uma cultura voltada à formação de canais de comunicação, de planejamento participativo entre os diversos atores dos sistemas de inovação –, é o desafio maior da estruturação da política de inovação, seja no nível microinstitucional (organizações de pesquisa, firmas, etc.), seja no mesoinstitucional (arranjos produtivos locais, sistemas locais), seja ainda no plano macroinstitucional (sistema nacional de inovação e seus componentes no âmbito federal). 4. As variáveis internas x, y, etc. referem-se às demais técnicas em suas formas clássicas e podem assumir valores de 0 a 9. O comprimento do vetor de dados será definido pelo caso que contar mais associações na amostra considerada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRÉ, R. Foresights and Their Themes: Analysis, Typology and Perspectives. In: THE ROLE OF FORESIGHT IN THE SELECTION OF RESEARCH POLICY PRIORITIES. Conference Papers… Seville, 13-14 May 2002. p. 88-109. BARROS, H.G. 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The State and Contribution of International Foresight: New Challenges In: THE ROLE OF FORESIGHT IN THE SELECTION OF RESEARCH POLICY PRIORITIES. Conference Papers… Seville, 13-14 May 2002. p. 59-74. 120 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO MARTIN, B.R.; IRVINE, J. Research Foresight – Priority in Science. London: Pinter Publishers, 1989. S ISTEMAS DE ... MAURO ZACKIEWICZ: Pesquisador Associado do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação – Geopi, Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp ([email protected]). OCDE. Special Issue on Government Technology Foresight Exercises. STI Rewiew, Paris, n. 17, 1996. MARIA BEATRIZ BONACELLI: Professora Doutora do Departamento. de Política Científica e Tecnológica da Unicamp ([email protected]). RENN, O. Foresight and Multi-Level Governance. In: THE ROLE OF FORESIGHT IN THE SELECTION OF RESEARCH POLICY PRIORITIES. Conference Papers… Seville, 13-14 May 2002. p. 35-42. SERGIO SALLES FILHO: Professor Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp ([email protected]). WHITEHILL, M. Strategy Foresight: The Future of Strategy Research. Long Range Planning. v. 29, n. 2, p. 249-254, 1996. ZACKIEWICZ, M. Em busca da inovação: as atuais perspectivas do estudo do futuro e da avaliação em ciência e tecnologia. Parcerias Estratégicas, CEE/MCT, n. 15, 2002. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005 DE Artigo recebido em 18 de fevereiro de 2005. Aprovado em 22 de março de 2005. 121 FÁBIO DUARTE CIDADES INTELIGENTES inovação tecnológica no meio urbano FÁBIO DUARTE Resumo: Neste artigo analisa-se como o desenvolvimento dos pólos de inovação tecnológica pode ser incorporado nos processos de gestão urbana, especialmente em projetos de recuperação de áreas urbanas. Palavras-chave: Inovação tecnológica. Arranjos produtivos locais. Gestão urbana. Abstract: In this article we analyze how the development of regions of technological innovation within the cities can be appropriated into the urban management process, making these innovation poles catalytic to projects of recovery of urban areas. Key words: Technological innovation. Local productive arrangements. Urban management. O s pólos tecnológicos são comumente analisados pela inserção de processos produtivos inovadores, pela articulação de atores científicos, empresariais, financeiros e políticos e pelos arranjos econômicos locais. Grande parte desses pólos é implantada em meios urbanos que, por despreparo ou desarticulação dos organismos públicos locais, da iniciativa privada e dos centros de pesquisa, perdem oportunidades de torná-los catalisadores de requalificação de áreas urbanas. Destacam-se, nesta análise, os aspectos dos processos de inovação que trazem conseqüências para a gestão urbana, buscando saber como é possível otimizar valores de um contexto urbano central de modo a atrair a implantação de um pólo de inovação tecnológica e torná-lo, ao mesmo tempo, catalisador de requalificação urbana. Como estudo de caso, tomou-se a Cidade Multimídia, desenvolvida a partir de 1998 em região central degrada- da de Montreal. Para isso, analisaram-se seus planos de implementação tecnológica, econômica, política e urbana; foram realizadas visitas técnicas à região; entrevistaram-se responsáveis por órgãos públicos, empresas e institutos de pesquisa envolvidos e estudou-se material científico e jornalístico, em que especialistas debateram o assunto. O foco de todos os esforços se manteve nas estratégias urbanas adotadas para a implantação do pólo e nos instrumentos decisórios e de gestão envolvendo as empresas, a universidade e a cidade, resultando em uma análise dos impactos sociais, culturais e urbanos conseqüentes do processo de planejamento e implantação adotado. Demonstra-se que a articulação de políticas nacionais e provinciais com objetivos claros de desenvolvimento socioeconômico ligado a um ramo tecnológico inovador, o diagnóstico de oportunidades de mercado e o envol- 122 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO bretudo aqueles ligados ao desenvolvimento de produtos tecnológicos digitais. Se Manuel Castells (1996, p. 375) afirma que “o espaço de fluxos substitui o espaço dos lugares”, que continuariam importantes para a concretização de transformações econômicas globais mas perderiam seu significado cultural, geográfico e histórico, Félix Guattari (1986) ressalta que as cidades perderiam sua importância por qualidades particulares para se converterem em nós de uma rede multidimensional de processos técnicos, científicos e artísticos, mas concentrariam e atrairiam as pessoas responsáveis pela “produção da subjetividade”, isto é, pela germinação da criatividade cultural, tecnológica e econômica que animaria a sociedade informacional. As cidades, assim, mantêm seu papel por serem “formadas e formadoras da diversidade, atratoras e dispersoras de valores que nelas se transformam” (DUARTE, 2002). E tais qualidades, que mais que se perpetuam, revigoramse em alguns lugares, são o destaque que Peter Hall (1995) coloca à luz ao dizer que Londres, Paris, Barcelona, Milão ou Roma (restringindo-se ao continente europeu) são importantes dínamos sociais há mais de 2 mil anos, cuja força está tanto em possíveis características físicas quanto na dinâmica de fatores políticos, culturais, econômicos, financeiros, sociais e técnicos. Assim, as empresas e pessoas inovadoras dependem de um ambiente informacionalmente rico e esse ambiente está intimamente ligado às qualidades do contexto urbano. Com essa análise, busca-se responder à primeira pergunta que guia este estudo, destacando a importância permanente das cidades na rede de fluxos, dentro da sociedade da informação. Passa-se, então, à segunda questão: como as cidades podem propor planos para usufruir a instalação de empresas da economia de informação em benefício a uma região urbana? vimento da escala municipal na atração de determinado tipo de empresa para uma região específica da cidade e na articulação com outros atores, como investidores imobiliários e universidades, podem fazer com que, mais do que apenas um receptáculo, a cidade torne-se a catalisadora do desenvolvimento de um pólo tecnológico inovador – tanto pela economia tecnológica quanto pela recuperação de um contexto urbano. A CIDADE NA SOCIEDADE INFORMACIONAL Parte-se da reflexão de que a sociedade contemporânea é construída com base nas tecnologias de informação, responsáveis tanto pelos produtos característicos da época – sejam eles independentes (como softwares), parte de produtos tecnológicos (de veículos a eletrodomésticos) ou commodities (alimentos geneticamente modificados) – quanto pelos processos de fabricação e gerenciamento de produção, distribuição e venda dos produtos (CASTELLS, 1996; SANTOS, 1996). Nessa sociedade, caracterizada pelos fluxos de informação organizados em redes flexíveis e mutantes, colocam-se duas questões: - Qual a importância das cidades, lugares geograficamente determinados, na comunidade de fluxos, dentro da sociedade da informação? - Como as cidades podem propor planos para usufruir a instalação de empresas da economia de informação em benefício de uma região urbana? A sociedade informacional abre mão da proximidade de fontes de matéria-prima, fontes de energia, mão-de-obra abundante e mercado consumidor contíguo (PORTER, 1993; MUMFORD, 1982). No início da industrialização, a necessidade de matéria-prima e fontes de energia em locais adjacentes impulsionou o desenvolvimento de regiões industriais nas cercanias de minas de carvão (energia) e de minérios (matéria-prima). As cidades tornaram-se, então, organização ideal para o provimento de mão-de-obra ou mercado – de forma que Henri Lefebvre (1999) prognosticou que o fenômeno urbano tenderia a ser universal, estando na base, portanto, de importantes discussões futuras de Manuel Castells (Sociedade da Informação) e Saskia Sassen (Cidades Mundiais), por exemplo. Porém, a economia de base informacional e os arranjos geopolíticos contemporâneos tendem, de um lado, a tornar as indústrias independentes de proximidade com insumos físicos ou reserva de mão-de-obra e, de outro, a facilitar a circulação de mercadorias e profissionais – so- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 OS AGLOMERADOS E O MEIO URBANO A constituição de pólos tecnológicos é um dos primeiros arranjos urbanos próprios da sociedade da informação. A exemplo de Silicon Valley, nos Estados Unidos, ou Sophia-Antipolis, na França, os primeiros pólos tecnológicos foram implantados a distâncias médias de grandes centros urbanos e foram, até certo ponto, responsáveis pelo desenvolvimento de suas respectivas regiões (CASTELLS; HALL, 1994). A concentração de fatores positivos para o desenvolvimento tecnológico está ligada a um conjunto de aspec- 123 FÁBIO DUARTE - condições empresariais favoráveis, com procedimentos administrativos simplificados e eficientes; tos políticos, intelectuais, financeiros, tecnológicos, sociais e culturais. Os lugares que os possuem articulados podem ser considerados “informacionalmente ricos”. A partir dos anos 70, início do desenvolvimento do que ora se chamam tecnologias de informação, o modelo nacional foi substituído por outro, o das regiões, onde se desenvolveram os tecnopolos, formados nas proximidades de cidades que possuíam atrativos econômicos e culturais, mas com estrutura urbana independente, e que serviam, como escreveram Georges Benko e Alain Lipietz (2000), como articulação entre as economias nacional e internacional. Philippe Aydalot (1985) analisa que desde os anos 80 as inovações tecnológicas privilegiam um desenvolvimento descentralizado em que os atrativos das cidades (e não mais as nações ou macrorregiões infranacionais) têm força para imantar empresas inovadoras. Poder-se-ia dizer que isso ocorre tanto por sua base tecnológica, social e intelectual mais maleável a essas transformações quanto pela autonomia (relativa às organizações territoriais maiores) que têm para se colocarem na rede de inter-relações comerciais e intelectuais do espaço de fluxos. Nos últimos anos, exemplos como os ambientes inovadores de Nova Iorque e Montreal demonstram que um número crescente de pólos tecnológicos é implantado em regiões internas ou centrais nas cidades, tendo, portanto, ligação estreita com a dinâmica socioeconômica e política urbana. Para analisar a dinâmica econômica dos pólos tecnológicos, Michael Porter (1999, p. 211) define como aglomerados as “concentrações geográficas de empresas e indústrias concorrentes, complementares ou interdependentes que realizam negócios entre si e/ou possuem necessidades comuns de tecnologia, pessoas, infra-estrutura”, com cinco principais características que beneficiariam as empresas participantes: - acesso a insumos e pessoal especializado; - ambiente propício à inovação, indo da infra-estrutura à diversidade cultural; - iniciativas locais, advindas da comunidade local e regional. Essas duas perspectivas podem ser complementares, mas apresentam dois enfoques que merecem ser destacados: Porter atém-se aos aspectos internos do pólo, às características que otimizariam os arranjos produtivos locais, enquanto Spolidoro trata das características do contexto onde os pólos podem surgir e vingar. Esses dois pontos de vista, complementares, estão sempre presentes na literatura sobre os aglomerados e sinalizam uma possível ordem para a efetivação de um pólo tecnológico, que seria: - conjunto de qualidades infra-estruturais, científicas, socioeconômicas e políticas, pré-existentes ou induzidas em uma região, que cria condições para a implantação de um pólo; - conjunto de apoios e instrumentos institucionais na região que facilite a organização empresarial a fim de otimizar os arranjos produtivos do pólo. Do modelo de complexos industriais (como Silicon Valley, Estados Unidos), às cidades da ciência, aos parques tecnológicos (como Sophia-Antipolis, França) e às tecnópoles (Japão), em todos os casos Castells e Hall (1994, p. 31-33) mostram que o foco está na consolidação ou constituição de condições favoráveis ao desenvolvimento de pólos tecnológicos cujas externalidades à região contígua estão, sobretudo, voltadas ao crescimento industrial e econômico. Todos, porém, apontam que as sinergias ótimas que impulsionariam os pólos não devem se restringir às empresas envolvidas diretamente na cadeia de produção; ou seja, além das relações mais imediatas entre as empresas envolvidas no desenvolvimento de um mesmo produto, os aglomerados1 possibilitam as cadeias produtivas paralelas e se beneficiam delas. Tais cadeias vão desde a realização de pesquisas agrícolas e a indústria de equipamentos até a consolidação do mercado turístico e gastronômico e de centros universitários. Apesar disso, o que se vê na literatura é que essas complementaridades estão sempre voltadas à otimização produtiva dos diferentes arranjos e setores econômicos. Maria Elizabeth Lunardi (1997) elenca as três principais características de um parque tecnológico implantado em - acesso a informações técnicas e de mercado; - complementaridade entre negócios; - acesso a instituições e bens públicos, o que reduziria, entre outros, os custos com treinamentos; - incentivos e mensuração de desempenho. Também são cinco as condições apontadas por Roberto Spolidoro (1997) como necessárias para a efetivação de uma tecnópole: - instituições de ensino superior e de pesquisa; - mercado e políticas governamentais; 124 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO presas ligadas à tecnologia, seja na aquisição de novos processos e produtos, seja na abertura de mercado. Mesmo com essa influência direta no desempenho das empresas, as escalas nacional e local também têm papel fundamental no seu desenvolvimento – e como já se ressaltou, a inovação tecnológica está fortemente atrelada ao ambiente em que as empresas estão inseridas (PORTER, 1999; SPOLIDORO, 1997), onde se materializam um possível ambiente institucional propício à inovação e redes formais e informais entre empresas do mesmo setor. Nesse sentido, Joe Tidd, John Bessant e Keith Pavitt (1997) consideram que os fatores mais influentes no sucesso do setor industrial ligado à inovação tecnológica são a posição em relação aos competidores e a existência de um sistema nacional de inovação. O primeiro indício do sistema nacional pode ser visto pelo porcentual do PIB ligado à pesquisa e ao desenvolvimento – P&D. O Japão, por exemplo, apresentou crescimento de 0,85% do PIB ligado a P&D, em 1967, para 1,9%, em 1993. Nos Estados Unidos, essa taxa passou, no mesmo período, de 0,99% para 1,45%; e no Canadá, esses números foram de 0,40% a 0,58%. meio urbano: as ligações formais com universidades e instituições de pesquisa; o crescimento de empresas de outras bases tecnológicas implantadas na região; a coordenação por entidade com funções gerenciais, estimulando ações voltadas à capacitação das empresas do pólo e também das outras instaladas na região. Em se tratando de pólos inseridos em meio urbano, as ações urbanísticas estão comumente voltadas à preparação do terreno para atrair e otimizar os arranjos produtivos, com raras exceções prognosticando as conseqüências da implantação dos pólos como fomento de novas ações de política urbana. Tendo-se destacado que as cidades têm um papel fundamental como ambiente informacionalmente rico e propício ao desenvolvimento de pólos de inovação, colocase a pergunta: quais medidas de planejamento e gestão são possíveis para otimizar valores de um contexto urbano central de modo a atrair a implantação de um pólo de inovação tecnológica e torná-lo, ao mesmo tempo, catalisador de requalificação urbana? ESTUDO DE CASO: CIDADE MULTIMÍDIA, MONTREAL TABELA 1 No final da década de 90, a província de Quebec, no Canadá, iniciou a implementação de uma grande política de desenvolvimento tecnológico com um diferencial importante: seu vínculo estreito com o desenvolvimento de áreas urbanas centrais que passavam por um processo de degradação. Atento às oportunidades globais do mercado de software, à fuga de talentos jovens da área de informática para os Estados Unidos e ao potencial tecnológico interno existente, o governo do Quebec lançou no início de 1997 a política dos Centros de Desenvolvimento de Tecnologia de Informação – CDTI, apoiada em medidas legais e financeiras. Em menos de um ano, mais de 200 empresas já haviam se cadastrado no programa. Antes de partir para o estudo de caso da Cidade Multimídia, de Montreal, é importante entender a posição do Canadá em relação aos parâmetros de inovação tecnológica no mundo, sua indústria interna e a decisão política de privilegiar esse setor. PIB Investido em Pesquisa e Desenvolvimento Países selecionados da OECD – 1999 Em porcentagem País Suécia 3,80 Japão 3,04 Estados Unidos 2,64 Alemanha 2,44 França 2,17 Reino Unido 1,87 Canadá 1,77 Itália 1,04 Fonte: OECD (2001). Comparando os dados anteriores de Japão, Estados Unidos e Canadá com os da Tabela 1, percebe-se que houve crescimento expressivo de investimentos em P&D em todos os países, sendo que a média dos países desenvolvidos é de 2,2% (CALAMAI, 2002). A defasagem dos investimentos canadenses levou o governo a criar o programa Innovation Strategy, que almeja elevar o índice de investimento em P&D à casa dos 3% até 2010 – chegando a taxas similares às projetadas Inovação Tecnológica – Fatores Institucionais e Territoriais É certo que o mercado global e interconectado é uma realidade cada vez mais presente nas diretrizes das em- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 PIB Investido em P&D 125 FÁBIO DUARTE para os países que mais investem em tecnologia (Finlândia, Islândia, Suécia, Japão e Estados Unidos) e também ao compromisso assumido pelos países da União Européia (CANADÁ, 2002). Esse incremento tem apoio em programa de governo nacional que envolve também empresas privadas e universidades. Na província de Quebec, as diretrizes incluem investimento em empresas tecnológicas iniciantes; adoção de práticas de gestão avançadas; acesso dessas empresas a serviços especializados de transferência tecnológica; desenvolvimento e marketing para os produtos criados. Todas essas iniciativas passam por uma diretriz governamental geral: a de que “O desenvolvimento de uma cultura de inovação nos negócios é central para uma visão moderna do desenvolvimento econômico regional” (CANADÁ, 2002, tradução do autor). sobretudo pequenas empresas reforça os dados levantados por Stéphane Dion (2001, p. 17), segundo os quais as parcerias são cruciais nessa área, tanto no desenvolvimento de produtos, no marketing e nas vendas quanto no acesso a tecnologia e na distribuição de produtos. O relacionamento estreito entre as empresas é fundamental para seu crescimento, abrangendo da rivalidade competitiva à colaboração – critérios importantes para pesquisa e desenvolvimento de indústrias ligadas à inovação tecnológica estudadas por J. Tidd, J. Bessant e K. Pavitt (1997). E é nesse sentido que a configuração em clusters torna-se decisiva (PORTER, 1999). Os clusters são marcados por proximidade geográfica entre empresas (fornecedores, indústria e acesso a mercados), autonomia das indústrias para buscar soluções e criar mercados, independentemente de uma estrutura piramidal de grandes corporações, e conexões próximas entre as empresas, sejam formais ou informais. No Canadá, três clusters ligados à indústria multimídia têm destaque: Vancouver, Toronto e Montreal – não por acaso, centros de importantes aglomerados urbanos onde se encontram desde centros de pesquisa e formação de profissionais das áreas de criação, técnica, administrativa e marketing, até os principais mercados internos, distribuídos tanto geograficamente (Toronto e Montreal no extremo leste, Vancouver no extremo oeste) quanto culturalmente (Toronto e Vancouver de cultura anglófona, Montreal, francófona), como também pela proximidade com os Estados Unidos. Assim, a província de Quebec estabeleceu um vínculo rápido com o mercado francês, tanto pela proximidade lingüística quanto pela distância de tecnologia de software (por exemplo, a França vivia os estertores de um sistema próprio de redes de computadores por via telefônica, o Minitel). Nessa época, a província de Quebec contava mais de 3 mil empresas de desenvolvimento de softwares com produtos nas áreas de comércio, saúde, educação, construção civil, etc. Em um estudo conduzido pela British Trade International (1999), a indústria multimídia do Quebec aparece como a mais dinâmica e inovadora do Canadá – e a Cidade Multimídia de Montreal é seu centro. Resgatando as características sintéticas dos clusters, nota-se que no programa da Cidade Multimídia outros fatores estão explicitamente presentes. No lado institucional, uma das características citadas como das mais importantes pelo seu sucesso, segundo a British Trade International, consiste na articulação de organizações como a Associação Indústria Multimídia no Canadá Desde a década de 90 o Canadá vem investindo de modo sistemático na indústria das tecnologias de informação e um dos destaques é a indústria multimídia, que pode ser considerada uma combinação da indústria cultural e de entretenimento com a indústria da informática e abrange desde o desenvolvimento de equipamentos eletrônicos e programas específicos a design de portais web e jogos eletrônicos. O desenvolvimento dessa indústria conta com uma base consumidora nacional crescente. De acordo com pesquisa da consultoria ACNielsen (1999), realizada entre 1996 e 1999, sabe-se que 11% de canadenses efetuaram compras on-line em 1996, número que chegou a 25% em 1999. As empresas privadas são os maiores consumidores da indústria multimídia, seguidas da educação, que gera 20% da receita dessa indústria, os consumidores individuais (13%) e o governo (10%). Um detalhe importante é que 53% das empresas também vendem seus produtos para os Estados Unidos. Os créditos governamentais auxiliam no desenvolvimento de dois terços das empresas e crescem a oferta e a procura por crédito internacional – considerado estratégico por 61% das empresas. Uma de suas principais características é a configuração em micro e pequenas empresas, sendo que 37% têm menos de 5 empregados, 40% entre 6 e 25 e 6% contam com mais de 100 trabalhadores, sendo que as principais funções são de criação (26% dos empregados), técnicos (22%) e administração e vendas (20%). O fato de haver 126 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO de Produtores de Multimídia do Quebec – APMQ, o Centro de Promoção do Software do Quebec – CPLQ e a Alliance NumeriQC, que dão suporte para o desenvolvimento e a promoção das empresas ligadas a multimídia. Quanto à autonomia das empresas, o programa de incentivos do Centro de Desenvolvimento de Tecnologias de Informação – CDTI tem como pré-requisito que as integrantes sejam novas, portanto com liberdade de decisão, sem passar por grandes corporações. Ademais, as trocas de informações em ambientes informais estão suportadas por um empreendimento urbanístico que privilegia a mistura de usos em uma área restrita, de unidades das universidades locais aos edifícios de escritório, dos cafés aos edifícios residenciais. Isso propicia um convívio intensivo entre os profissionais, por concentrar as empresas da área multimídia em um mesmo setor, como também um convívio extensivo, pela diversidade de usos que proporciona justamente a troca de informações em âmbito informal. Os benefícios fiscais: - cinco anos de isenção de impostos sobre lucro, capital e para o fundo de saúde dos empregados; - 40% de abatimento como crédito em taxas ligadas aos salários dos empregados; - 40% de abatimento como crédito em taxas ligadas a compra ou aluguel de equipamentos especializados. Para ter acesso ao programa, as empresas deveriam: - submeter projeto enquadrado em setor emergente da indústria das tecnologias de informação e comunicação (multimídia, software, telecomunicações, etc.); - comprometer-se em desenvolver expertise em sua área de atuação; - ser novas e ter como único negócio o desenvolvimento de projetos de inovação tecnológica; - desenvolver todas ou quase todas as atividades nos locais indicados; - realizar atividades que gerassem novos negócios para a província de Quebec. Cidade Multimídia – Base Institucional Foram considerados projetos inovadores: - investigação com objetivo de formar novos conhecimentos técnicos ou científicos; A Cidade Multimídia2 poderia ser segmentada em três principais itens: a) um programa de ajuda fiscal a empresas ligadas às novas tecnologias; b) uma sociedade imobiliária destinada à construção de escritórios; c) um projeto urbanístico para recuperar um antigo bairro industrial de Montreal. O programa de ajuda fiscal exibia um caráter eminentemente do governo da província, para alavancar a indústria ligada às tecnologias de informação, em especial a multimídia, de telecomunicações, de sistemas de informação e de software, sob coordenação do organismo Investissement Québec (www.invest-quebec.com/en/ accueil.jsp). Iniciado em 1997 e concluído em 2003, o programa institucional do CDTI foi destinado às empresas ligadas à inovação tecnológica e teve o objetivo explícito de - pesquisa aplicada, com objeto claro e aplicação prática, ou pesquisa pura; - ou ainda a estruturação comercial de conhecimentos e inovações tecnológicas prévias que ainda não estivessem no mercado. Os empregados contados para os benefícios fiscais deveriam ter as seguintes características: - contrato de pelo menos 26 horas semanais, por um período mínimo de 40 semanas; - função que permitisse sua especialização em um setor emergente; - no mínimo 50% do tempo de trabalho cumprido na empresa; reunir corporações em edifícios específicos para encorajar a criação de redes tecnológicas para maximizar a sinergia e cooperação e ao mesmo tempo oferecer-lhes facilidades adaptadas às suas necessidades (QUEBEC, 2003). - no mínimo 90% do horário de trabalho envolvido nos projetos de inovação. Em Montreal, o programa dedicou-se especialmente às empresas emergentes ligadas à indústria multimídia, daí Cidade Multimídia para a região onde foi implantado. Na Cidade Multimídia, 46% das empresas estão voltadas ao desenvolvimento e design em multimídia, 13% são provedores de Internet, 17% dedicam-se ao desenvolvimento de equipamentos e softwares e 32% são de servi- Foram designadas cinco localidades onde os centros se desenvolveriam: Gatineua, Sherbrooke, Laval, Quebec e Montreal. Seguem as principais características desse programa institucional de incentivo à inovação tecnológica. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 127 FÁBIO DUARTE novas mídias tendem a buscar localização mais central” do que as grandes indústrias que requeriam grandes plantas industriais. Uma das diretrizes do programa CDTI é instalar essas empresas em edifícios desocupados em áreas urbanas centrais, que costumam ter infra-estrutura disponível (não só eletricidade, água, esgoto, mas também cabeamento óptico, retransmissores celulares, etc.), são servidas por transporte público de massa e possuem redes de equipamentos urbanos complementares (de cafés a faculdades). Todavia, elas passam por um processo de esvaziamento crescente – e quando são recuperadas, na maioria das vezes é com expressivo montante de dinheiro público com empreendimentos que formam edificações, mas raramente conseguem trazer ocupantes constantes e diversificados (empresas, comércio e habitação) de volta às áreas centrais. Nos 121 mil metros quadrados de escritórios da Cidade Multimídia trabalham mais de 6 mil pessoas, com idade média de 32 anos e salários acima da média de Montreal. Unidades das principais universidades da cidade foram inauguradas ou ampliadas na região e a chegada desses trabalhadores e estudantes impulsionou o mercado imobiliário residencial a construir cerca de 500 unidades habitacionais onde vivem aproximadamente 800 pessoas – além de dezenas de empreendimentos comerciais e de serviços (de restaurantes a oficinas gráficas) que se instalaram dando apoio cotidiano à Cidade Multimídia. Tanto por meio dos incentivos fiscais quanto na recuperação de áreas urbanas, o governo investiu milhões de dólares. Se já de início tais medidas provocaram reação negativa de setores da sociedade (de jornalistas a pesquisadores), tal fato se agravou com o estouro da bolha ponto com, no início dos anos 2000. As críticas foram ferozes, mas circunstanciais: entre o estouro da bolha e o abalo do modo de sustentação tecnológica da sociedade contemporânea, apenas alguns anos foram necessários para que a retomada econômica se apresentasse vigorosa. Assim, a previsão do governo de Quebec de investir na consolidação da Cidade Multimídia por dez anos, quando os edifícios deveriam ser vendidos, foi antecipada. Em 2004 (seis anos após o lançamento do programa), sete das oito fases do empreendimento foram vendidas à iniciativa privada por quase 150 milhões de dólares canadenses. Tal valor superou o investimento governamental, lembrando que a cidade ainda recolhe mais de CN$ 7 milhões anuais de impostos com esses edifícios (LE DEVOIR, 2004). ços. Hoje, trabalham nesse pólo mais de 6 mil pessoas nos 121 mil m2 de edificações para escritórios, com salários médios 50% superiores aos da média de Montreal; de 700 a 800 pessoas vivem nos edifícios residenciais construídos ou revitalizados no bairro histórico, que tem sua recuperação quase completa. A articulação entre organismos públicos, privados e setoriais teve como principais participantes os seguintes atores e atividades: - Cité Multimédia, promotor imobiliário; - Cidade de Montreal, especialmente pelos organismos SDM, sociedade paramunicipal; SITQ, banco de investimentos; SOLIM, fundo dos trabalhadores de Quebec; - governo de Quebec, com Investissement Québec, programa de apoio fiscal; Ministério do Meio Ambiente, para recuperação de terrenos contaminados na área portuária e industrial; Ministério de Assuntos Municipais e Metropolitanos, com investimento em infra-estrutura; - organismos sem fins lucrativos, como CEIM, incubadora de empresas, e Quartier Éphémère, que se encarregou da recuperação e transformação da Fundição Darling em centro de artes; - sociedades privadas, como Gueymard e McGill, com projeto para a Universidade McGill, e Prével, com o projeto Quai de la Commune. Processo Urbano da Cidade Multimídia New ideas need old buildings. Jane Jacobs Com as mudanças tecnológicas no complexo industrial (da produção aos meios de distribuição, dos produtos aos mercados), várias indústrias importantes deixaram a cidade de Montreal, instalando-se na vizinha Laval, junto às rodovias – o mesmo padrão de implantação regional e urbanístico encontrados em parques industriais ao redor do mundo (ROBITAILLE; ROY, 1998).3 Como as novas empresas ligadas às tecnologias de informação não produziam máquinas, não encontravam brechas para se aproveitar dos incentivos fiscais e também não usufruíam a sinergia científica e tecnológica dos parques industriais – um dos quesitos de sucesso dos aglomerados. Elas foram, então, abrindo mão dos parques industriais e instalando-se em outras regiões urbanas. Como notaram Éric Robitaille e Philippe Roy (1998, tradução do autor), “as empresas do setor de multimídia e 128 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO nal – indústrias e depósitos abandonaram os galpões e barracões que ocupavam, instalando-se alhures.4 Apesar desse esvaziamento, o bairro é adjacente ao centro histórico de Montreal (Vieux-Montréal). Com suas docas recuperadas com museus, circos, bares, etc., ele recebe milhares de turistas anualmente, além de abrigar o distrito financeiro e administrativo da cidade. Portanto, Faubourg apresentava dezenas de edifícios vazios em região bem servida de infra-estrutura e serviços urbanos. Várias tentativas governamentais de recuperação foram feitas em vão. Atentos às qualidades urbanas da região, no final dos anos 90 havia no bairro cerca de 150 pequenas empresas ligadas a moda, design, publicidade e à incipiente indústria multimídia. Dessa forma, a escolha do bairro para se tornar a Cidade Multimídia atrelou ganhos tecnológicos e econômicos aos urbanos. As empresas que ali se instalaram, além de incentivos fiscais desde que cumprissem regras de formação e retenção de talentos científicos, artísticos e tecnológicos, beneficiaram-se também de um contexto urbano bem servido de infra-estrutura e serviços. Em contraponto, a cidade de Montreal viu um bairro central em processo de esvaziamento ser revigorado com custo que seria pago em período máximo de dez anos (como já esclarecido, isso aconteceu antes). O governo de Quebec (por meio de agências de capital misto) investiu não apenas no fomento de um segmento econômico, mas também em um projeto de reestruturação urbana. Por conseguinte, não parece conveniente argumentar sobre as políticas de incentivos estritamente por seus aspectos tecnológico e econômico: os custos de recuperação do bairro Faugbourg des Récollets hora ou outra incidiria exclusivamente como despesa nas finanças públicas (raros são os projetos de recuperação de áreas centrais onde o poder público não é o grande, senão único, financiador). Além disso, os incentivos e investimentos do governo na Cidade Multimídia referiram-se exclusivamente às empresas ligadas à atividade fim (desenvolvimento de aplicativos multimídia), não abarcando todas as demais que se instalaram na região, dando apoio às empresas e aos profissionais que passaram a viver no bairro, dos restaurantes aos empreendimentos residenciais, das unidades universitárias aos prestadores de serviços gráficos e às galerias. Enfim, empresas, empregados, prestadores de serviços, estudantes e moradores que passaram a vivenciar a região 24 horas por dia, sete dias por semana. A revitalização do bairro, do ponto de vista arquitetônico, Tais benefícios financeiros deveriam ganhar relevância por serem provenientes de um desenvolvimento tecnológico de incentivo à retenção de talentos e de formação e consolidação de empresas locais de desenvolvimento de software. Há, contudo, um outro benefício que constitui o motivo pelo qual a Cidade Multimídia é estudada neste trabalho: os aspectos urbanos do projeto, articulando os desenvolvimentos tecnológico, científico e urbanístico da cidade. Política Tecnológica e Política Urbana Comentando as eventuais políticas fiscais do governo de Quebec para incentivar a industrialização, Pierre Desrochers (2002) combate a idéia de vincular ajuda fiscal à implantação de empresas de tecnologia em determinados locais, ressaltando que se isso implica a concentração de desenvolvimento imobiliário em uma região, ao mesmo tempo implica o não-investimento (ou mesmo o esvaziamento e a desvalorização) em outras áreas. Seu foco principal de crítica são as cidades industriais, que se distanciam do meio urbano, enquanto algumas áreas urbanas, pelos seus próprios atrativos e sinergias, apresentam espontaneamente o vicejo de um desenvolvimento econômico temático, citando, entre sete áreas em Montreal em 1998, a Cidade Multimídia. Não obstante, Desrochers critica, embasado por outros estudiosos do desenvolvimento econômico canadense, a “territorialização” de benefícios fiscais: se o foco é incentivar o desenvolvimento econômico, os incentivos deveriam valer para as empresas, independentemente das regiões de implantação. Entre os dados utilizados por Desrochers e da crítica por ele formulada, para este estudo torna-se relevante destacar que: focando apenas o lado econômico do desenvolvimento tecnológico, a localização das empresas cabe apenas a elas; a região que recebeu a Cidade Multimídia já conhecia uma fomentação de empresas tecnológicas. Aqui, discorda-se do primeiro aspecto, visto que, por vezes, a territorialização induzida traz outros benefícios, que não se restringem ao setor econômico diretamente envolvido com as empresas de tecnologia. Para sustentar tal discordância e apresentar um outro ponto de vista, focaliza-se a região onde a Cidade Multimídia foi implantada: no bairro Faubourg des Récollets, antiga região portuária de Montreal que perdeu importância quando o canal Lachine foi fechado, causando seu esvaziamento funcio- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 129 FÁBIO DUARTE contou com a recuperação de edifícios antigos e construção de novos, em um contraste estimulante entre dois tempos de pujança econômica do local: a região portuária e o bairro das novas tecnologias. Nesse sentido, o projeto Cidade Multimídia deve ser analisado pela diversidade de questões que traçaram seus objetivos desde o início: - uma política regional de desenvolvimento tecnológico; versas fontes, e centrífugo, por emanar esses mesmos elementos pelo espaço. Algumas cidades elaboraram estratégias para serem catalisadoras de inovações tecnológicas na sociedade de informação, articulando atores públicos e privados – órgãos públicos, empresas e universidades. Pode-se dizer que a constituição de pólos tecnológicos é um dos primeiros arranjos urbanos próprios da sociedade da informação. Se antes a sua maioria era implantada nas regiões periféricas às cidades, com formato semelhante a parques industriais, hoje os pólos de inovação, espontâneos ou induzidos, consolidam-se em áreas urbanas “ricamente informadas” – com infra-estrutura tecnológica, social, econômica, cultural e científica. Os resultados desta pesquisa, utilizando como estudo de caso a Cidade Multimídia, em Montreal, ampliaram os parâmetros de análise dos pólos tecnológicos incorporando referenciais estratégicos de gestão urbana, de modo que as cidades deixem de ser o receptáculo passivo e informe de atividades econômicas e tecnológicas vigorosas para se tornarem agentes capazes de oferecer ambiente ativo e informado para esse desenvolvimento. A cidade-palco é substituída pela cidade-atriz, que se envolve em processos de negociação, planejamento e gestão urbana e regional, aliando seus trunfos de catalisadoras de inovação científica às suas necessidades de recuperação urbanística de determinadas áreas. Por fim, propôs-se com este estudo que as análises de aglomerados e pólos não apenas citem os aspectos locacionais como importantes para o sucesso das sinergias empresariais, colocando as avaliações sempre do ponto de vista dos aglomerados, mas ensaie críticas e forme base conceitual, metodológica e referencial para analisar o sucesso de arranjos produtivos do ponto de vista das cidades: como elas tornam-se agentes nesse processo, o que oferecem, quais benefícios colhem. Enquanto o sucesso da primeira análise foca os resultados empresariais, a segunda permite ver os resultados urbanos, os quais se espraiam por segmentos da sociedade que, mesmo não estando ligados às empresas dos pólos, usufruem seus ganhos urbanísticos. - ênfase em um setor da economia tecnológica, cuidando das sinergias empresariais necessárias; - aspectos de desenvolvimento humano e científico da região (com formação e retenção de talentos como parte das condicionantes à cessão de benefícios às empresas); - a análise urbana buscando identificar regiões que apresentassem potencial incipiente para esse setor empresarial tecnológico (como visto, foram identificadas sete, em Montreal); - a estratégia de usar uma política de desenvolvimento empresarial tecnológico para catalisar a recuperação de uma área urbana. Se os três primeiros itens são comuns às recomendações para o desenvolvimento de pólos tecnológicos, os últimos itens diferenciam o projeto da Cidade Multimídia – se não pelo seu caráter inaugural, ao menos pelo sucesso que obteve. Em quase todos os pólos, os motivos de localização são levantados, mesmo que signifiquem a repetição de modelos tanto empresariais quanto urbanísticos, como a implantação de centros de desenvolvimento de softwares junto a parques industriais. Em análise financeira estrita, o investimento pagou-se alguns anos antes do previsto. Porém, se o espectro analítico fosse ampliado, incluindo a estratégia urbana subjacente ao empreendimento, um bairro histórico central em decadência, adjacente a áreas nobres, acaba recuperado não apenas pela remodelação de seu conjunto edilício, mas por, efetivamente, voltar a ser usado pela cidade, retornando à cena socioeconômica urbana de Montreal. CONCLUSÕES Considerando a reflexão inicial sobre as cidades na sociedade informacional, o contraponto entre sociedade de fluxo e localidades fixas não retira do meio urbano o potencial de ser um dos nós no espaço de fluxos, um dos dínamos dessa sociedade, pois são ao mesmo tempo seu pólo centrípeto, por atrair bens, pessoas e signos de di- NOTAS 1. Os aglomerados, termo usado nas traduções da obra de Michael Porter e aqui adotado, aparecem também como clusters ou ambientes de inovação. 2. Ver detalhes em: <http://www.citemultimedia.com>. 130 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005 CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO HALL, P. Cidades do amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1995. 3. Ver detalhes em: <http://www.citemultimedia.com/english/a Propos/galeriaPhotos.asp>. LE DEVOIR. La Cité Multimédia est vendue. Montreal, 22 de janv. 2004. 4. Ver detalhes em: <http://www.citemultimedia.com/english/a Propos/ galeriaPhotos.asp>. LEFEBVRE, H. 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Do ponto de vista analítico, o artigo procura mostrar o deslocamento conceitual produzido pela incorporação do tema das estruturas de governança e dos mecanismos de regulação social. Do ponto de vista empírico, analisa o perfil das intervenções fundadas na lógica da concertação social no caso dos pactos territoriais na Itália, sublinhando suas inovações, diversidade e o peso das dimensões históricas e político-institucionais. Palavras-chave: Desenvolvimento local. Concertação social. Pactos territoriais. Abstract: This paper aims to retake the path of the local development problematic since the studies on diffuse industrialization until the most recent political modalities and territorial decentralized programs of the 1990´s. From the analytical point of view, the article aims at showing the conceptual displacement produced by the incorporation of structure governance issues and social regulation mechanisms. From the empirical point of view, it analyses the profile of the interventions based on the logic of social concertation in the case of territorial pacts in Italy, underlining your innovations, diversity and the weight of historical and political-institutional dimensions. Key words: Local development. Social concertation. Territorial pacts. N - a política regional européia, que procurou estimular o desenvolvimento local não mais como resgate de situações históricas bem-sucedidas, mas como o resultado da adoção de novas orientações de políticas públicas e de arranjos institucionais e de interação estratégica entre o público e o privado; - o surgimento de problemas de saturação no interior dos distritos industriais ligados a questões ambientais, ao aumento do individualismo em detrimento de estratégias coletivas, à necessidade de desenhar estratégias inovadoras ante os impactos da globalização e das grandes empresas multinacionais no território. Do ponto de vista teórico, impõe-se a reflexão que emerge da imbricação entre a problemática dos distritos os anos 90, a relevância da temática do desenvolvimento local e das políticas descentralizadas cresceu em razão da estratégia européia de reforço dos programas de descentralização para as regiões, do acirramento da competição entre elas, e das próprias dificuldades de sistemas econômicos locais. Há um relativo consenso por parte dos autores de que entre os principais vetores de mudanças que ocorreram nesse período estão: - o aprofundamento do processo de globalização capitalista e a incorporação da produção flexível, provenientes das grandes empresas multinacionais, que impuseram novos desafios ao modelo de desenvolvimento endógeno dos distritos industriais; 132 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ... se os principais temas e proposições analíticas discutidas ao longo do trabalho. industriais e aquela do desenvolvimento local apoiado em estratégias de governança do tipo “concertação social”. Estas foram estimuladas pela política européia de desenvolvimento regional apoiada na lógica do diálogo social (TAPIA, 2005a; 2005b) e também pelas orientações dos governos nacionais materializadas nos pactos territoriais. O resultado foi a constituição de uma nova agenda, marcada pela introdução de inovações institucionais, e de uma nova lógica de desenho e implementação de programas e políticas de desenvolvimento local. Em outras palavras: há uma nova agenda teórica e de policy que foi fortemente impulsionada – seja pelas políticas regionais desenhadas no âmbito da Comunidade Européia, seja por aquelas elaboradas pelos diferentes governos nacionais – direcionadas para o incentivo da revitalização de áreas economicamente decadentes e para a reorientação de outras rumo a novas vocações econômicas. São duas as principais proposições deste artigo. Primeiro, do ponto de vista teórico, a literatura ao longo das últimas décadas tem-se deslocado da reflexão sobre as condições históricas de surgimento de sistemas econômicos locais e distritos industriais para uma outra mais ampla. Nesta, a reprodução e a transformação dos sistemas locais de inovação e dos modelos de desenvolvimento local, no atual quadro de transformações econômicas globais, dependeriam das modalidades de regulação social e de estruturas de governança locais. Essas estruturas de governança seriam resultantes da ação coletiva de um sistema de atores – públicos e privados – que interagem dentro de um contexto espacial, institucional, político e cultural específico. Segundo, a experiência de políticas de desenvolvimento local na modalidade de pactos territoriais, apoiada em estratégias de concertação social, tem sido responsável por importantes inovações institucionais, embora as características históricas e os arranjos institucionais pretéritos exerçam fortes condicionamentos em relação ao grau de eficácia dessas estratégias. Este trabalho está organizado em três partes. Na primeira, apresenta-se o itinerário da reflexão teórica sobre a relação entre distritos industriais e desenvolvimento local, sublinhando a relevância analítica do deslocamento conceitual trazido pela incorporação dos conceitos de governança e de regulação social. Na segunda, o foco da análise volta-se para o exame das experiências de pactos territoriais com ênfase na sua estrutura operativa, lógica de decisória e seus principais resultados e desafios. Nas considerações finais, resgata- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 DA TEMÁTICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DIFUSA À PROBLEMÁTICA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL CONCERTADO A literatura sobre a industrialização difusa surgiu, a partir de meados dos anos 70 e primórdios dos anos 80, refletindo sobre a emergência de modelos de desenvolvimento industrial baseados nas pequenas empresas e em regiões consideradas “periféricas” (BECATTINI, 1975; 1989; 1990; GAROFOLI, 1978; 1981; FUÀ; ZACCHIA, 1983). O principal desafio teórico desses autores foi explicar as possíveis combinações de pequenas empresas, capazes de gerar modelos alternativos de desenvolvimento pela superação de problemas clássicos como acesso ao crédito e a recursos competitivos estratégicos. A experiência inovadora da industrialização difusa foi analisada a partir de uma visão teórica que integrava um esquema analítico composto por três dimensões ou esferas: a sociedade, o território e as formas de organização produtiva. Esse modelo analítico integra a esfera econômica (relação entre as empresas), a esfera social (as características da estrutura social e as condições para a coesão social) e a territorial (organização do território e a estrutura de governança no plano local). Posteriormente, a agenda de pesquisa deslocou-se para dois novos temas: a análise da diferenciação dos modelos de desenvolvimento local e a construção de classificações de tipologias pelo agrupamento de elementos comuns entre as diferentes experiências. Um dos resultados dessas mudanças analíticas foi a passagem da problemática baseada no conceito de distritos industriais para uma outra, voltada para o desenvolvimento local ou territorial. Nesta nova perspectiva, a ênfase passou para o estudo dos principais traços das estratégias endógenas de desenvolvimento, as quais são dirigidas por atores locais e baseadas em fatores de competitividade territorial. O modelo endógeno1 de desenvolvimento garantiria a autonomia do processo de mudança do sistema econômico local, para a qual teria centralidade a ação estratégica dos atores sociais locais, isto é, sua capacidade de controlar e internalizar o conhecimento e as informações externas – variáveis-chaves que afetam o desenvolvimento. Portanto, a dinâmica do sistema econômico local e sua transformação dependeriam tanto das especificidades locais quanto das estruturas de governança,2 assim como 133 JORGE R UBEN BITON TAPIA competências específicas). Porém, é preciso colocar o problema das condições de reprodução das “economias externas” para garantir a manutenção das vantagens dinâmicas locais. Ou seja, há limites ao desenvolvimento local espontâneo e à auto-regulação privada. Nesse sentido, uma importante contribuição ao entendimento das características das estruturas de governança locais, sua dinâmica e desafios está inspirada na literatura produzida durante a década de 90 sobre o revival das práticas de concertação na Europa (SCHMITTER; GROTTE, 1999; REGINI, 2000; FAJERTAG; POCHET, 2001; TAPIA, 2003). O desenvolvimento das experiências de concertação social de segunda geração em diversos países europeus nos anos 90 representou uma fonte de intensos debates teóricos sobre o neocorporativismo. É necessário observar que o debate tem ido além das questões relativas às novas orientações das políticas de renda, ou de desregulação, ou ainda de re-regulação do mercado de trabalho, de descentralização e de redimensionamento do Welfare State, incluindo também novos temas acerca das novas características e agenda dessas experiências, especialmente no tocante às novas modalidades de concertação no plano territorial. Dentro do amplo conjunto de trabalhos teóricos sobre a problemática dos pactos sociais de segunda geração, encontramos o esforço analítico e empírico para examinar as características desses processos de ajustamento e inovação institucional e social no plano subnacional. Essas experiências de concertação, impulsionadas pelas políticas estabelecidas pela Comunidade Européia para os níveis subnacionais, caracterizaram-se pela construção de novos mecanismos de regulação descentralizada ou de formas de governança local, no plano meso e micro, e por novas modalidades de desenho e de implementação de políticas e programas. Seguindo essa perspectiva analítica, alguns estudos recentes discutem o papel das associações de representação de interesses como policy makers, examinando os pactos descentralizados de desenvolvimento (BAGLIONI, 1999). Nesse contexto, a concertação como modo de policy making ganhou relevância em diversos países. As práticas de concertação seriam uma resposta diante da fase de incerteza vivida pelos estados-membros dentro do processo de unificação regional, seja em termos da política social, seja quanto às identidades políticas. Nesse quadro, a produção de consenso seria uma estratégia vista como do tipo win-win capaz de reduzir as da capacidade das elites locais que controlam as variáveischaves que afetam o desenvolvimento. A importância dessa trajetória analítica pode ser mais bem compreendida se lembrarmos que, na visão da primeira geração de estudos sobre os distritos industriais e a industrialização difusa, essas experiências foram interpretadas como processos espontâneos, fruto da combinação de diversos fatores internos favoráveis e catalisadores externos. Entretanto, como observa Garofoli (2000), o desenvolvimento local não pode ser explicado pela excepcionalidade não intencional, porque há um conjunto de requisitos sociais e institucionais que não são oferecidos pelas empresas e pelos mecanismos tipicamente de mercado.3 Em presença de uma multiplicidade de pequenas empresas e de múltiplos atores sociais e institucionais, o processo de desenvolvimento local coloca problemas de coordenação e de governabilidade fundamentais para o desenvolvimento local. Trata-se de reproduzir as condições sociais, a acumulação de conhecimento e de competências, e também a produção de economias externas, que são as bases do desenvolvimento endógeno e dos processos de industrialização territorial que, no seu conjunto, representam o “outro” do sistema de empresas (ou seja, as condições de contexto institucional e estrutural sobre as quais se baseiam as relações entre as empresas). Em outras palavras; as condições de reprodução e de transformação do sistema socioeconômico dependeriam de instituições e de mecanismos de regulação fundamentados em uma lógica não estritamente de mercado. As instituições intermediárias são elementos estratégicos nas relações entre Estado e mercado, porque elas são responsáveis pela construção destes, por meio dos mecanismos de formação de competências e da organização de redes de conhecimentos externos, ensejando a articulação entre a oferta e a demanda sobre bases coerentes e com capacidade de realização. DESENVOLVIMENTO LOCAL E GOVERNANÇA: A REGULAÇÃO COMO CONCERTAÇÃO DA ECONOMIA LOCAL Apesar da sua inegável relevância para a dinâmica e a transformação da industrialização local, a dimensão da governança é freqüentemente pouco explorada no debate sobre o desenvolvimento endógeno. Bem verdade que o desenvolvimento territorial é o resultado de economias externas e é sedimentado historicamente no território (como resultado da acumulação de conhecimento e de 134 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ... quais o governo central aloca recursos financeiros visando incentivar a constituição de uma coalizão política e econômica local responsável pela elaboração de um projeto de desenvolvimento territorial. Os pactos territoriais estariam, assim, apoiados num incertezas e de assegurar um acordo mínimo sobre os grandes temas da agenda do desenvolvimento. Particularmente, as experiências de concertação descentralizada ou de pactos territoriais correspondem a processos de institutional building fortemente ancorados na ação concertada, envolvendo uma pluralidade de atores sociais, públicos e privados. Esses atores coletivos têm sido responsáveis pela construção simultânea de instituições e de policies. acordo entre sujeitos públicos e privados para a realização de ações coordenadas de diferentes naturezas visando a promoção de estratégias de desenvolvimento local nas áreas economicamente desfavorecidas (CNEL, 2001, tradução do autor). PACTOS TERRITORIAIS: ENSINAMENTOS E DESAFIOS Os principais objetivos dos pactos sociais são, de um lado, constituir uma coalizão estável de atores locais (uma espécie de ator coletivo), e de outro, deflagrar um processo de transformação da economia e da sociedade local visando à melhoria da oferta de bens coletivos. Como podemos perceber, esses dois objetivos são concebidos tanto como condições de partida como elementos dinâmicos de retro-alimentação da estratégia de implementação dos pactos territoriais, uma vez que o reforço da ação conjunta dos atores sociais locais e o projeto de desenvolvimento inicial podem estimular novas iniciativas, adensando seu desenho inicial. Como mencionado anteriormente, uma das inovações trazidas pelos pactos territoriais foi quanto à sua lógica operativa fundada na concertação social, pois esta é bastante diferente daquela dos programas tradicionais de socorro a regiões em grave situação econômica. Diferentemente da mera alocação de recursos financeiros pela instância nacional, nos pactos territoriais a elaboração e a implementação dos programas de intervenção constituem o resultado de uma metodologia de tomada de decisão na qual diversos atores (representantes das forças sociais), os entes locais e as empresas privadas pactuam e aderem a uma estratégia comum de desenvolvimento local. O pacto territorial apresenta-se, então, como um instrumento seletivo de política de desenvolvimento local, baseado num conjunto de compromissos negociados entre os atores sociais públicos e privados envolvidos nos programas aprovados. É importante sublinhar que a concertação social no plano local é distinta daquela clássica do “neocorporativismo”, porque envolve um elenco mais amplo de atores sociais – e sua agenda de negociação é também mais abrangente. Os segmentos empresariais e de representações de trabalhadores devem mobilizar-se para negociar com os atores públicos locais (regionais e provinciais). Além disso, a concertação no plano local deve reunir uma No caso italiano, entre as principais razões que impulsionaram a elaboração da experiência inédita de política de desenvolvimento descentralizada, baseada na lógica da concertação social, estão os princípios comunitários de políticas regionais adotados a partir da reforma dos fundos estruturais europeus, no final dos anos 80, e os resultados amplamente desfavoráveis das políticas de intervenção extraordinária no Mezzogiorno (ARRIGHETTI; SERAVALLI, 1999). Na Itália, a discussão e a adoção de estratégias de desenvolvimento local sob a forma de pactos territoriais e de responsabilidade de atores locais ocorreram na metade dos anos 90. Mais precisamente, a partir de 1995, com a Lei no 341/95, o governo italiano decidiu “ativar uma série de instrumentos específicos de programmazione negoziata” para desenhar programas locais que envolvessem uma multiplicidade de atores públicos e privados e uma gestão unitária dos recursos financeiros. Essa decisão significou uma mudança na orientação da política de desenvolvimento regional e local, cuja característica principal era o de ter um caráter de alocação de recursos automático e assistencial. Mesmo nos projetos financiados pelos fundos europeus não havia a participação de atores sociais – seja na fase de formulação dos projetos, seja na de escolha dos instrumentos de implementação das políticas inovadoras. Portanto, em seu desenho original, os pactos territoriais trouxeram uma inovação institucional e de procedimento, na medida em que foram concebidos como um instrumento de intervenção pública descentralizada, ancorado em uma forte cooperação entre o governo, as regiões e as províncias autônomas, para o estabelecimento de objetivos comuns de maneira conjunta e para a escolha dos setores econômicos a serem estimulados. Os pactos territoriais se definem como uma política de desenvolvimento endógeno em áreas circunscritas, nas SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 135 JORGE R UBEN BITON TAPIA ciais e da cultura, que são fatores explicativos para as diferentes formas de implementação descentralizada das propostas de concertação gestadas no plano nacional. Assim, nas regiões onde havia uma tradição de práticas concertadas, como a Toscana e a Emilio Rogmana (TRIGILIA, 1989; REGINI, 1991; CROUCH, 1993), esses modelos obtiveram resultados mais satisfatórios do que em outras, como o Veneto, na qual a tradição pluralista colocou sérios obstáculos às tentativas de construção de arranjo institucional de inspiração neocorporativa (GIACCONE, 2001). Nos anos 90, no bojo da difusão dos pactos territoriais, houve na região do Veneto4 iniciativas de construção de instituições e de políticas apoiadas na lógica da concertação ou de partnership. Essas iniciativas ocorreram tanto no plano das Regiões quanto das províncias5 e estiveram voltadas para a modernização do tecido econômico regional. Basicamente, tratava-se de construir uma estratégia negociada entre os diferentes atores no plano subnacional para enfrentar o desafio da competição internacional. Dessa forma, a expectativa era que fosse definida uma estratégia comum de desenvolvimento regional. Quanto ao desenho de instituições segundo a lógica da concertação, o saldo é bastante modesto na região do Veneto. O principal saldo positivo dessas tentativas foram os Observatórios Econômicos Provinciais de Treviso, Padova e Verona. Esse fato indica que, numa estrutura decisória fragmentada, o que funciona é o compartilhamento das informações sobre as tendências econômicas e sociais entre os atores locais. Além da fragmentação institucional e da lógica política pluralista, outra especificidade fundamental do Veneto é o papel dominante da grande empresa. Como observam Burroni (1999) e Giaccone (2001), cultura administrativa e política associada à dinâmica territorial, mais ampla do que aquela da negociação, que envolve capital e trabalho. Elaborados para as regiões meridionais, mas atualmente difusos de modo capilar, os pactos territoriais podem ser descritos e analisados a partir de uma característica intrínseca: o desenho de baixo para cima (bottom up) – isto é, a partir do nível da comunidade local de uma programação socioeconômica plurianual que mobiliza, através da concertação social, um elevado número de atores públicos e privados. Trata-se de uma estratégia de implementação de políticas públicas do tipo bottom-up. O pacto territorial constitui um ponto de partida de um processo de concertação em âmbito local, no qual a presença de uma idéia-força de desenvolvimento do território é essencial, pois funciona como ponto de referência fundamental, seja para poder delimitar a área sujeita ao pacto, seja para fazer uma seleção de objetivos e estabelecer as prioridades entre os vários interesses presentes em nível local. Como observam vários estudiosos, no que tange à estratégia de concertação social, há um componente de experimentação institucional nas vivências dos pactos territoriais, uma vez que eles buscam articular as demandas dos atores sociais locais e regionais com a capacidade de resposta apresentada pelos mesmos no plano do território. Graças à experiência acumulada dos pactos territoriais, alguns princípios de estruturação da política de desenvolvimento descentralizado foram se consolidando. É o caso da descentralização das competências administrativas a favor de instituições intermediárias (regiões, comunas e províncias) e da constituição de estruturas de governança de tipo concertativa apoiadas no social (partnership). Do ponto de vista teórico, os pactos territoriais reafirmam dois princípios básicos da nova modalidade de política de desenvolvimento descentralizada: o local como unidade básica do desenvolvimento socioeconômico, e a opção por uma estratégia concertada de tipo bottom-up, que mobiliza o conjunto de atores sociais pertencentes ao território. Uma das questões mais instigantes que emergiu da experiência italiana de pactos territoriais e da tentativa de difundir o policy making da concertação para os níveis das regiões e províncias é a diversidade das modalidades de regulação social ou de governança. Essa diversidade tem raízes na história política e social das regiões, e reflete as peculiaridades do espaço político e das relações so- a diferença de outras regiões de pequena empresa, o suporte estratégico foi dado pela grande empresa, que organizou redes próprias ou em consórcio com outras empresas de produção de serviços [...] oferecendo serviços estratégicos (inovação, marketing, formação, logística), que orientaram as políticas de desenvolvimento do tecido produtivo em interação com a empresa-líder (GIACCONE, 2001, p. 17, tradução do autor). Essa forma de articulação entre a grande empresa e as pequenas e médias assemelha-se à idéia de “governos privados” (SCHMITTER; STREECK, 1985) e traduziu-se em uma delegação efetiva das atribuições de policy do poder público local para o mundo empresarial. Ao mesmo tempo, a representação sindical mostrou-se frágil e com 136 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ... CONSIDERAÇÕES FINAIS pouca capacidade de interlocução em relação às associações empresariais. Portanto, numa situação de forte desequilíbrio entre os parceiros sociais, e na ausência de instituições e de tradição de políticas pactuadas, predomina a racionalidade da imposição dos atores empresariais, que resistem à proposta de concertação territorial, de scambio generalizado (PIZZORNO, 1978). Afinal, por que colocar os recursos que conferem às entidades empresariais sua posição de controle político como moeda de troca de uma negociação tripartite? Na verdade, essa situação típica do Veneto mostra como um arranjo institucional fragmentado e uma forte assimetria entre os parceiros sociais geram um quadro propenso a que decisões estratégicas unilaterais condicionem as escolhas sucessivas dos outros atores. Ora, nesse caso, a estratégia de descentralização concertada que se desenhou no plano nacional encontrou limites na grande autonomia do nível regional e local e, por isso, os resultados foram modestos e incapazes de introduzir alterações duradouras e abrangentes na lógica de decisão das políticas de modernização locais (CONTARINO, 1998). Em conseqüência, como indica o caso da região do Veneto, é possível encontrar o seguinte paradoxo: uma estratégia de produção de consenso e de negociação neocorporativa convivendo com a manutenção de uma lógica decisória de tipo pluralista e fragmentada. Da experiência dos pactos territoriais é possível extrair a existência da disputa entre diferentes modelos regionais de regulação. O primeiro, de caráter pluralista e fortemente polarizado em torno das associações de representação de interesses empresariais, é uma variante da delegação pública que ficou conhecida na literatura como “governos privados”. A segunda tem forte tradição de práticas de microconcertação e representaria uma manifestação, no plano local, da estratégia de pactuação, como método de decisão e construção das alternativas de desenvolvimento. Embora essa polarização represente uma estilização de alternativas, no essencial parece plausível – frente ao debate sobre o futuro da concertação social travado na Itália em anos recentes. Em outras palavras, o argumento é que o movimento de aprofundamento da descentralização da regulação social estaria projetando cenários alternativos que, antes de representarem uma alternativa à hegemonia da dimensão nacional, exprimem diferentes formas de articulação entre as dimensões nacional, regional e local ao oporem o modelo do Veneto ao da Toscana e da Emilia Romagna. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005 A variável territorial tem sido valorizada no debate recente sobre o futuro dos distritos industriais e dos modelos de desenvolvimento local. Diferentes correntes e autores concordam sobre o caráter estratégico da dimensão espacial, seja para a redefinição da inserção dos distritos industriais clássicos, seja para as estratégias de construção de modelos de desenvolvimento local, particularmente em zonas tidas como desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano. Nesse conjunto de trabalhos observa-se uma convergência para a valorização do papel dos atores sociais (diferentes órgãos de governos, agências de desenvolvimento local, associações de representação de interesses, etc.) e o das estratégias integradas de desenvolvimento local e regional. Novamente, o caráter intencional do desenvolvimento local e o peso atribuído às estruturas de mediação reforçam a importância da reflexão analítica sobre a diversidade e a coerência das modalidades de regulação e de governança locais. A esse respeito, as experiências recentes de desenvolvimento local, na modalidade de pactos territoriais, têm apresentado características inovadoras. Primeiro, elas envolvem um número muito maior de atores – o que implica intenso processo de negociação e indica o caráter mais inclusivo dos arranjos de concertação recentes. Segundo, eles representam uma mudança no processo decisório – o que denota a passagem do modelo de planejamento induzido pelo governo, no caso local, para um outro baseado no modelo de parceria (partnership model). Quando bem-sucedido, este modelo permite a definição de objetivos estratégicos, traduzidos em programas de intervenção, que contemplam os interesses econômicos e sociais mais amplos presentes no território. Ao mesmo tempo, os estudos sobre a implementação dos pactos territoriais têm ressaltado algumas dificuldades e obstáculos. Primeiro, as experiências de concertação social, principalmente nas áreas economicamente desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano, indicam a importância das dimensões de capacitação técnica. No plano da implementação das estratégias locais, uma variável crucial é a existência de uma capacidade técnica para auxiliar nas escolhas estratégicas dos atores sociais – seja em termos dos objetivos prioritários, seja dos principais instrumentos. A debilidade técnica parece comprometer as estratégias de desenvolvimento local, e apresenta-se de forma particularmente crucial nas áreas economicamente mais desfavorecidas. 137 JORGE R UBEN BITON TAPIA Nessas áreas geralmente não há um patrimônio de políticas de desenvolvimento bem-sucedidas, que possam servir de ponto de referência para o desenho de novas modalidades de programas – o que torna mais difícil a identificação de uma estratégia de desenvolvimento. A fragilidade quanto à capacidade técnica para desenhar e escolher instrumentos de intervenção apropriados torna mais agudas as desvantagens das áreas mais desfavorecidas. Ainda no plano da execução, a ausência de mecanismos adequados de monitoramento das iniciativas e programas adotados, traz como conseqüências dificuldades na fase de implementação, e mesmo o descumprimento dos objetivos definidos pelos parceiros sociais. Ao contrário, nas áreas mais desenvolvidas e com maior tradição de implementação de distritos industriais e de novas iniciativas locais, as condições técnicas e a experiência acumulada permitem que o desenho de intervenções efetue-se com mais facilidade. Entretanto, os estudos advertem que não há um nexo causal entre o nível de desenvolvimento inicial e a performance dos pactos territoriais. Por fim, as estratégias de pactos territoriais apoiados na lógica da concertação social têm esbarrado em alguns casos, como na região do Veneto, na tradição pluralista do policy making e na forte assimetria entre os atores coletivos locais. Esse exemplo sugere que as inovações institucionais e o jogo estratégico dos atores sociais, apesar de não serem determinados pela “trajetória percorrida”, pela estrutura econômica territorial e pela cultura política local, são fortemente afetados. 3. Nas palavras de Garofoli (2000, p. 7) “há a questão da existência de problemas comuns a muitas empresas e que o mercado não é capaz de resolver”. NOTAS CROUCH, C. Industrial Relations and the European State Tradition. Oxford: Clarendon Press, 1993. 1. Apesar da ênfase no caráter endógeno do desenvolvimento local, esse não deveria ser interpretado como algo “fechado” ao exterior. Na verdade, a própria dinâmica do desenvolvimento local implicaria progressivamente no estabelecimento e aprofundamento de relações com o exterior, mercados de produtos, de conhecimento e de tecnologia. FAJERTAG, G.; POCHET, P. Une ere nouvelle pour les pactes sociaux en europe. In: POCHET, P.; FAJERTAG, G. (Dir.). La Nouvelle Dynamique des Pactes Sociaux en Europe. Bruxelles: P.I.E.-Peter Lang, 2001. p. 9-40. 4. Na região do Veneto, foram assinados 11 pactos territoriais, entre 1997 e 2000. Segundo Giaccone (2001), na maioria eles foram instrumentos para obter financiamento de Fundos Comunitários. Os pactos territoriais, principalmente, serviram para buscar recursos financeiros europeus para setores industriais e agrícolas em crise. 5. Pela constituição italiana, a federação é constituída pelos comunes, províncias, regiões e o estado nacional. As funções administrativas entre essas estruturas são repartidas segundo o princípio da subsidiariedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRIGHETTI, G.; SERAVALLI, A. Sviluppo economico, convergenza e istituzioni intermedie. In: ________. Istituzioni intermedie e sviluppo locale. Roma: Donzelli, 1999. p. 25-50. BAGLIONI, M. Public policy, territorial agreements and socioeconomic regulation. In: SEMINAR ON THE ROLE OF INTERMEDIATE INSTITUTIONS FOR SOCIAL STABILITY AND DEMOCRACY, Trieste, 1999. BECATTINI, G. The Marshallian Industrial District as a SocioEconomic notion. In: PIKE, F. et al. Industrial Districts and Interfirm Cooperation in Italy. International lnstitute for Labour Studies, 1990. ________. Modelli local i di sviluppo. 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