São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.1 – Inovação Tecnológica

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São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.1 – Inovação Tecnológica
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
INSTRUMENTOS PARA O
DESENVOLVIMENTO
desafios para C&T e inovação em São Paulo
CARLOS A MÉRICO PACHECO
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
Resumo: O artigo faz uma avaliação da agenda atual das políticas de C&T de São Paulo, indicando os
principais desafios para a promoção da inovação no Estado de São Paulo.
Palavras-chave: Políticas de C&T. Estado de São Paulo. Inovação.
Abstract: The paper appoints the present agenda of S&T policies of the State of Sao Paulo and the main
challenges for to promote innovation in the state.
Key words: S&T policies. State of Sao Paulo. Innovation.
O
Estado de São Paulo abriga a mais extensa rede
de instituições de pesquisa, as mais produtivas
universidades e a maior comunidade científica e
tecnológica do país. Além disso, congrega o sistema produtivo mais avançado e inovador do Brasil, uma grande
rede de prestadores de serviços tecnológicos e tem uma
economia cada vez mais voltada para atividades intensivas em recursos humanos qualificados. Esse background
é fundamental tanto para a atividade produtiva como para
o perfil do emprego gerado no Estado, mas pode ser ainda mais relevante no futuro próximo, se os atores públicos e privados souberem tirar proveito máximo de um
ambiente de forte interação e sinergia entre as universidades, as instituições de pesquisa e as empresas em geral,
notadamente aquelas de base tecnológica.
Os indicadores da atividade cientifica e tecnológica de
São Paulo revelam que o Estado concentra cerca de 29%
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dos grupos de pesquisa, 32% dos pesquisadores com título de doutor e 34% da produção científica nacional,1 segundo o levantamento do Diretório dos Grupos de Pesquisa
do CNPq (Tabela 1).2 Em termos de publicações em revistas internacionais, o mais indicador existente, o Science
Citation Index, revela forte concentração da pesquisa mais
qualificada em São Paulo: cerca de 53% das publicações
internacionais com origem no Brasil são de pesquisadores
domiciliados em São Paulo. A Tabela 1 traz indicadores
sintéticos da atividade científica que mostram o papel central que São Paulo desempenha no contexto brasileiro.
Quando os indicadores de inovação e de atividades de
Pesquisa e Desenvolvimento – P&D são examinados no
âmbito da empresa, esse panorama não é diferente.
Embora o percentual de empresas que declaram inovar
(introduzir inovações de processo e/ou produto, tanto para
a empresa como para o mercado, nos dois anos anteriores)
3
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seja similar ao do Brasil e abaixo dos padrões internacionais, ambos próximos a um terço; o gasto empresarial em
atividades de P&D é sensivelmente maior em São Paulo. O
maior porte das empresas, mas também o maior dispêndio
unitário, fazem de São Paulo o responsável por cerca de
57% das despesas com atividades internas de P&D empresarial realizadas no país – ou seja, aquelas atividades de
pesquisa e desenvolvimento realizadas no âmbito da própria empresa (Tabela 2). Mais da metade (53%) do pessoal
ocupado em atividades de P&D no setor privado também
está em São Paulo. Uma concentração ainda maior é ob-
servada quando se examina a procedência das patentes
depositadas no INPI: cerca de 58% delas têm origem em
empresas com sede no Estado.
Em relação ao PIB paulista, as estimativas do dispêndio em atividades de P&D em São Paulo permitem algumas
comparações internacionais diretas. No Estado, o índice
de gasto público e privado em P&D é de cerca de 1,1% do
PIB estadual, enquanto que o indicador nacional equivalente é de 1,0%. Haveria um maior equilíbrio entre os gastos privado e público no Estado (54% e 46%), do que na
média nacional (42% e 58%).3 Esses números mostram o
TABELA 1
Grupos de Pesquisa, Pesquisadores Doutores, Produção Científica e Publicações em Revistas Internacionais
Unidades da Federação Selecionadas – 2002
Unidades
da Federação
Brasil
Grupos
de Pesquisa
Nos Absolutos
%
Pesquisadores
Doutores
Nos Absolutos
%
Produção
Científica (mil) (1)
Nos Absolutos
%
SCI (2)
N os Absolutos
%
15.158
100,0
41.111
100,0
1.533,1
100,0
13.512
100,0
São Paulo
4.348
28,7
13.385
32,6
513,8
33,5
7.098
52,5
Rio de Janeiro
2.113
13,9
5.828
14,2
218,1
14,2
2.491
18,4
Rio Grande do Sul
1.782
11,8
3.813
9,3
164,1
10,7
1.137
8,4
Minas Gerais
1.207
8,0
3.586
8,7
144,7
9,4
1.119
8,3
Paraná
1.049
6,9
2.479
6,0
91,1
5,9
676
5,0
Santa Catarina
786
5,2
1.577
3,8
56,3
3,7
366
2,7
Pernambuco
553
3,6
1.456
3,5
47,1
3,1
367
2,7
1.696
11,2
3.982
9,7
121,6
7,9
258
1,9
Outras
Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002; Brito Cruz; Leta (2003).
(1) Produção científica: artigos, livros, orientações e patentes.
(2) SCI – artigos em revistas internacionais (Science Citation Index – ISI).
TABELA 2
Indicadores de Inovação
Brasil e Estado de São Paulo – 1998/2000
Indicadores de Inovação
Estado de São Paulo
(A)
Total de Empresas – Pintec
Empresas que Declaram Inovar
Empresas que Inovam / Total de Empresas (%)
Empresas com Gastos em P&D
Dispêndios em Atividades Internas de P&D (bilhões de R$)
Brasil
(B)
A/B
%
26.597
72.005
36,9
8.664
22.698
38,2
32,6
31,5
-
7.229
19.165
37,7
2,1
3,7
56,7
Pessoal Ocupado em Atividades de P&D
22.020
41.467
53,1
Patentes Solicitadas (média 1994-1996)
1.084
1.885
57,5
Fonte: IBGE (2002b) Pintec 2000; Albuquerque (2001).
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resultado do gasto estadual com atividades de pesquisa
(universidades, institutos de pesquisa e fomento), bem
como o do maior gasto privado: ambos compensam o fato
de os investimentos federais serem relativamente menores em São Paulo (Tabela 3). Em síntese esse indicador colocaria o Estado bem acima da média latino-americana e em
situação comparável à de muitos países europeus de renda média ou em desenvolvimento, mas em uma posição
ainda muito distante dos patamares de gasto de países
desenvolvidos (Gráfico 1).
CAPACIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA:
AS BASES DO FUTURO
Segundo os resultados do censo realizado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq, a institucionalidade da
pesquisa científica em São Paulo é complexa e reúne um
conjunto heterogêneo de mais de 72 instituições entre as
quais três universidades estaduais, duas universidades federais, 16 universidades privadas, 12 faculdades, 21 institutos tecnológicos, sete centros de pesquisa e um laboratório nacional, além de uma série de hospitais vinculados
a essas instituições, onde se realizam pesquisas clínicas e
de vários outros tipos. Nessas instituições trabalham cerca de 14 mil pesquisadores doutores, reunidos em cerca
de 4,3 mil grupos de pesquisa.4
No centro desse sistema estão as três grandes universidades publicas de São Paulo: a Universidade de São Paulo
– USP, a Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e
a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp. Essas são as três maiores instituições de
pesquisa do Estado e do Brasil. Juntas, elas respondem por
17% de todos os grupos de pesquisa e por 20% de todos
os pesquisadores doutores registrados no país – o que
equivale a quase 62% dos doutores das instituições
paulistas. Pelo critério de número de doutores, três outras
universidades aparecem entre as vinte maiores instituições
de pesquisa do país: a Universidade Federal de São Carlos
– UFSCar; a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC/SP e Universidade Federal de São Paulo – Unifesp
(Tabela 4). Mesmo respondendo por um percentual decres-
GRÁFICO 1
Participação no PIB dos Dispêndios em P&D, por Fonte dos Recursos
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004
Gov erno
Empresas
Méx ico
Espanha
Brasil
Irlanda
Estado de
São Paulo
Canadá
Austrália
Inglaterra
Coréia
Em % do PIB
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
Fonte: Fapesp (2004); OECD (2004).
TABELA 3
Dispêndios em P&D, segundo Fontes de Recursos
Brasil e Estado de São Paulo – 2000
Estado de São Paulo
Fontes de Recursos
PIB
Milhões de R$
(1)
Brasil
% do PIB
%
370.819
Milhões de R$
(1)
%
% do PIB
1.101.255
Total de Dispêndio
3.979
100,0
1,1
10.969
100,0
1,0
Público
1.825
46,0
0,5
6.408
58,0
0,6
770
19,0
0,2
4.393
40,0
0,4
1.055
27,0
0,3
2.015
18,0
0,2
2.154
54,0
0,6
4.561
42,0
0,4
Federal
Estadual
Privado
Fonte: Fapesp (2004).
(1) Valores para 2000 em reais de 2003, segundo o IPCA do IBGE.
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outros 540. Dada a natureza da pesquisa realizada na universidade e graças à associação entre os cursos de pósgraduação e a pesquisa, a formação de mestres e doutores
é um dos componentes do sucesso da atividade de pesquisa e da produção acadêmica de São Paulo. Essa formação consolida um quadro de liderança nacional e junto a
países limítrofes – fato que coloca as três universidades
no topo da hierarquia do sistema de pesquisa acadêmica
no Brasil. Parte significativa dos doutores que trabalham
nas demais instituições brasileiras de pesquisa formou-se
em São Paulo. Esse fato pode ser aferido pelo que se chamou, na análise dos resultados dos últimos Diretórios de
Pesquisa do CNPq, de “diáspora paulista”: um crescente
número de egressos das instituições paulistas tem sido
absorvido por instituições de outros estados.5 No Brasil,
a posição de destaque da pesquisa acadêmica paulista tam-
cente e reduzido de alunos matriculados no ensino superior no Estado – o que constitui um dos importantes desafios para a futura agenda estadual do ensino de ciência e
tecnologia – as universidades públicas do Estado de São
Paulo são a base do dinamismo da pesquisa paulista e brasileira. Esse papel decisivo deve-se ao desempenho dos
cursos de pós-graduação e da pesquisa associada à pósgraduação.
A importância dos cursos de pós-graduação pode ser
aferida pelo papel das instituições paulistas na formação
de mestres e doutores no Brasil. Cerca de 40% dos mestres
e 60% dos doutores titulados na década de 90 formaramse em São Paulo (Tabela 5). Sozinhas, as três universidades estaduais respondem por praticamente metade dos
doutores formados no país. Em 2003, a USP titulou pouco
mais de dois mil doutores, a Unicamp cerca de 740 e a Unesp
TABELA 4
Grupos de Pesquisa e Pesquisadores nas Vinte Principais Instituições de Ensino Superior e Pesquisa
Brasil – 2002
Instituições
Grupos de
Pesquisa
Nos Absolutos
%
UF
BRASIL
Pesquisadores
Total
Doutores
Nos Absolutos
%
N os Absolutos
%
15.158
100,0
83.850
100,0
41.111
100,0
Universidade de São Paulo (USP)
SP
1.350
8,9
6.383
7,6
4.264
10,4
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
SP
614
4,1
2.929
3,5
1.994
4,9
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
SP
593
3,9
3.192
3,8
1.981
4,8
Universidade Federal do Rio de Janeiro
RJ
750
4,9
2.936
3,5
1.882
4,6
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RS
489
3,2
2.618
3,1
1.435
3,5
Universidade Federal de Minas Gerais
MG
445
2,9
2.501
3,0
1.345
3,3
Embrapa
DF
234
1,5
2.895
3,5
1.176
2,9
Universidade Federal de Santa Catarina
SC
350
2,3
1.892
2,3
1.062
2,6
Universidade Federal de Pernambuco
PE
334
2,2
1.843
2,2
990
2,4
Universidade de Brasília
DF
259
1,7
1.587
1,9
945
2,3
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RJ
198
1,3
1.342
1,6
777
1,9
Universidade Federal da Paraíba
PB
265
1,7
1.545
1,8
748
1,8
Universidade Federal do Paraná
PR
246
1,6
1.330
1,6
740
1,8
Universidade Federal Fluminense
RJ
236
1,6
1.068
1,3
643
1,6
Universidade Federal da Bahia
BA
225
1,5
1.348
1,6
638
1,6
Universidade Federal de São Carlos
SP
200
1,3
876
1,0
627
1,5
Fundação Oswaldo Cruz
RJ
202
1,3
1.216
1,5
624
1,5
Universidade Federal de Viçosa
MG
190
1,3
1.329
1,6
568
1,4
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)
SP
145
1,0
1.012
1,2
567
1,4
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
SP
152
1,0
783
0,9
548
1,3
7.681
50,7
43.225
51,6
17.557
42,7
Demais Instituições
Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002.
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TABELA 5
Distribuição de Mestres e Doutores Titulados
Brasil, Regiões e Estado de São Paulo – 1996-2001
Em porcentagem
1996
Regiões
1998
2001
Mestres
Doutores
Mestres
Doutores
Mestres
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
1,1
0,8
1,6
0,2
1,3
0,6
Nordeste
10,3
1,3
10,4
2,1
11,0
4,9
Sudeste
68,3
88,7
65,9
88,5
62,6
82,3
41,4
66,3
39,1
66,4
37,9
60,0
16,9
7,8
18,4
8,2
20,0
10,3
3,4
1,4
3,7
1,1
4,9
1,9
Brasil
Norte
Estado de São Paulo
Sul
Centro-Oeste
Doutores
100,0
Fonte: Capes.
bém é evidenciada pelo fato de o Estado produzir 53% dos
artigos científicos originados no país e publicados em revistas científicas de circulação internacional cadastradas
na base do Institute for Scientific Information (Gráfico 2)
– um número que vem se mantendo relativamente constante ao longo dos últimos anos, apesar do menor percentual de doutores em atividade no Estado.
O fato relevante é que o sistema de pesquisa se organizou a partir dessa hierarquia – e assim deve seguir nos próximos anos, fortalecido pelos nexos e redes de relacionamento já criados. A liderança de São Paulo é inconteste
em todas as áreas do conhecimento, embora seja mais acentuada no setor de Saúde. Há apenas menor concentração
entre grupos e números de pesquisadores na área de Ciências Sociais Aplicadas (Tabela 6). Repete-se aqui um fenômeno comum a muitos países: o avanço dos sistemas
de formação de recursos humanos altamente qualificados
e de pesquisa avançada configura claramente uma hierarquia que está longe de ser configurada como obstáculo
ao desenvolvimento nas demais regiões, e que é o resultado da racionalização de recursos e da história institucional do país.
A expressão mais inconteste do êxito da pesquisa
acadêmica de São Paulo é o reconhecimento internacional
da qualidade das atividades lá realizadas. Um fato emblemático ilustrou esse reconhecimento: em julho de 2000, o
resultado do Projeto Genoma, financiado pela Fapesp, foi
capa da edição da revista Nature dedicada ao primeiro
genoma de um fitopatógeno a ser seqüenciado, a bactéria
Xylella fastidiosa. A partir da década de 90, a produção
científica do conjunto do país tem crescido, de forma
sistemática, a taxas que são o dobro da média mundial. A
produção de grupos de pesquisa de todo o Brasil tem
contribuído para esse crescimento, destacando-se as
crescentes produções de estados como Rio Grande do Sul,
Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Mas a produção
científica realizada em São Paulo segue sendo responsável
por cerca de 53% dos papers publicados no exterior e
observa-se que é o seu crescimento que explica a performance do Brasil (Gráfico 3).
Mesmo que a produção acadêmica do Estado de São
Paulo se destaque no Brasil, a comparação internacional
ainda demonstra um caminho a ser percorrido. O Gráfico 4
mostra que, mesmo que São Paulo apresente posição de
liderança na América Latina, publicando mais que o Méxi-
GRÁFICO 2
Participação nos Artigos Científicos Brasileiros (1) e no Número de
Doutores em Atividades de P&D no Brasil
Estado de São Paulo – 1992-2004
Artigos
Doutores em Ativ idades de P&D
Em %
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1993
1995
1997
2000
2002
2003
2004
Fonte: Institute for Scientific Information – ISI; CNPq (2003); Censo 2002.
(1) Segundo ISI, levantamento feito pelos autores.
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TABELA 6
Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Áreas Predominantes
Brasil e Estado de São Paulo – 2002
Estado de São Paulo
(A)
Grupos
Pesquisadores
Áreas Predominantes
Total
Brasil
(B)
Grupos
Participação
A/B
Grupos
Pesquisadores
Pesquisadores
4.338
22.942
15.158
83.850
28,6
27,4
Ciências Agrárias
381
2.830
1653
12.281
23,0
23,0
Ciências Biológicas
620
2.822
2126
11.133
29,2
25,3
Ciências Exatas e da Terra
649
2.911
2051
10.186
31,6
28,6
Ciências Humanas
558
3.067
2399
13.497
23,3
22,7
Ciências Sociais Aplicadas
266
1.329
1429
6.942
18,6
19,1
1.073
5.339
2.513
13.498
42,7
39,6
Eng. e Ciência da Computação
Ciências da Saúde
632
3.888
2243
12.770
28,2
30,4
Lingüística, Letras e Artes
159
756
744
3.543
21,4
21,3
Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002.
GRÁFICO 3
GRÁFICO 4
Artigos Científicos Originados nos Quatro Estados que mais Publicam
Brasil – 1980-2005
Artigos Científicos Publicados em Revistas do Science Citation Index
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004
Brasil
São Paulo
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Rio Grande do Sul
Chile
Irlanda
16.000
Argentina
14.000
Méx ico
12.000
Estado de
São Paulo
10.000
Brasil
8.000
Coréia
Austrália
6.000
Espanha
4.000
Canadá
2.000
0
5.000
10.000
0
1980
1985
1990
1995
2000
15.000
20.000
25.000
30.000
Artigos Científicos Publicados
2005
Fonte: Institute for Scientific Information – ISI; Brito Cruz; Leta (2003).
Fonte: Science Citation Index – SCI. Levantamento feito pelos autores.
co, a Argentina e o Chile, o volume total de publicações
paulistas ainda é menor do que a metade daquele publicado pela Coréia do Sul, Austrália e Espanha e um terço do
índice do Canadá. A Tabela 7 compara os dados de publicações científicas com o das respectivas populações.
Pode-se concluir que a produção científica paulista, quando comparada à de países desenvolvidos de população semelhante, precisaria ser de duas a três vezes maior para estar num patamar de competitividade. Considerando-se que,
no mundo todo, os artigos científicos são produzidos quase que exclusivamente pelo setor acadêmico, não é difícil
imaginar que, nesse caso, o principal fator de restrição enfrentado é o pequeno percentual de jovens paulistas que
têm acesso a um ensino superior de qualidade. Mesmo sendo situadas no Estado de São Paulo, as três melhores universidades brasileiras apresentam uma capacidade de atendimento limitada. Para se ter uma idéia das dimensões do
problema: enquanto no Estado há cinco universidades públicas com algo em torno de 120 mil alunos, na Espanha há
50 destas instituições,6 que contavam, em 2002, com mais
de 1,4 milhão de matrículas.7 O Gráfico 5 mostra o número
de matrículas no ensino superior em São Paulo, como fração
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INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
nas. A USP, a Unicamp e a Unesp saem-se bem na maior
parte das comparações internacionais. E um item que ilustra bem a competitividade dessas instituições é o ranking
de doutores formados, mostrado na Tabela 8, na qual essas três instituições são comparadas com as universidades dos EUA que mais formam doutores. Essa comparação ajuda a entender que o problema não é o de não haver
instituições de ensino superior competitivas, mas sim o de
serem em número reduzido. As contradições aqui demonstradas – como a existência de instituições excelentes, por
um lado, e a falta de abrangência e o baixo número de matrículas, por outro – apontam para a necessidade de se elaborar um programa para o desenvolvimento do ensino
superior público em São Paulo, como parte da estratégia
estadual para a criação, no Estado, de uma situação efetivamente competitiva do ponto de vista internacional.
TABELA 7
Artigos Científicos Publicados em Revistas do
Science Citation Index e População
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2004 (1)
Países Selecionados
Artigos
População
Canadá
26.994
32.507.874
Espanha
19.686
40.280.780
Austrália
16.550
19.913.144
Coréia
16.316
48.598.575
Brasil (2)
10.732
173.391.383
Estado de São Paulo (2)
5.625
38.730.682
México
4.583
104.959.594
Argentina
3.543
39.144.753
Irlanda
2.330
3.969.558
Chile
1.923
15.823.957
Fonte: Science Citation Index – SCI; CIA (2002) Factbook; IBGE (2003) PNAD 2002. Levantamento feito pelos autores.
(1) Ano base.
(2) Refere-se a 2002.
TABELA 8
Doutores Formados nas Três Universidades Estaduais Paulistas e nas
Doze que mais Formam Doutores nos EUA
Brasil e EUA – 1998
GRÁFICO 5
Participação dos Jovens de 18 a 24 Anos nas
Matrículas de Ensino Superior
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2003
Universidades
Número de Doutorados
USP (1)
2.013
Canadá
U. CA Berkeley
799
Austrália
Unicamp (1)
743
U. WI-Madison
649
Espanha
U. CA Los Angeles
642
Argentina
U. TX at Austin, The
637
OH State U.-Main Campus, The
616
Coréia
Chile
Estado de
São Paulo
Méx ico
Brasil
Em %
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Fonte: MEC (2004); Digest of Education Statistics 2003, ch. 6, (NCES, EUA).
Nota: A contagem das matrículas inclui, em todos os casos, cursos curtos e longos de ensino
superior, tipo ISCED 5A e 5B.
da população com idade entre 18 e 24 anos, em comparação
com os percentuais de alguns outros países.
Das 475 instituições de ensino superior existentes no
Estado de São Paulo – 434 privadas, 4 federais, 14 estaduais e 23 municipais – poucas podem ser consideradas de
classe internacional. Além da USP, Unicamp e Unesp, que
se encaixam nessa definição pela excelência e abrangência,
há instituições menores e bem qualificadas – como a
UFSCar, a Unifesp e o ITA (mas que somam apenas 8.985
matrículas8) – ao lado de algumas não estatais, como a Fundação Getúlio Vargas, a PUC de São Paulo e a de Campi-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
U. MI-Ann Arbor
607
U. IL at Urbana-Champaign
603
U. MN-Twin Cities
565
Havard U.
552
Unesp (1)
540
PA State U.-Main Campus
539
Stanford U.
526
MA Institute of Technology
501
Fonte: Summary Report 1998: Doctorate Recipients from United States Universities (NSF,
2002).
(1) Refere-se a 2002.
INOVAÇÃO E P&D EMPRESARIAL:
AS QUESTÕES EMERGENTES
Ao lado do êxito da pesquisa acadêmica, tem sido recorrente salientar uma forte frustração quanto ao desempenho da pesquisa no âmbito empresarial. Essa “assimetria” do sistema nacional de inovação já foi analisada
9
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
Em muitas análises, esses problemas de “densidade
tecnológica” das exportações têm sido enfatizados a partir
das classificações internacionais de bens mais intensivos
ou menos intensivos em tecnologia. Essa abordagem é útil
para enfatizar aspectos de estrutura setorial do produto
industrial e, muitas vezes, também é compatível com as
taxas de inovação aferidas pelas pesquisas industriais mais
recentes, até porque, em geral, essas indústrias são levadas
a inovar pelos rápidos ciclos de produto ditados pela
concorrência internacional. Nesse aspecto, há uma marcante heterogeneidade setorial, em que fica evidente uma
maior capacidade de inovação da grande empresa, notadamente em setores como: máquinas de escritório e informática; material eletrônico e equipamentos de comunicações;
equipamento médico, instrumentos de precisão e automação industrial; produtos químicos; máquinas e equipamentos; petróleo e álcool; material elétrico; aviões; artigos
de borracha e plásticos; e na área automobilística. No que
toca ao tamanho da empresa, como mostra a Tabela 9, as
taxas de inovação são expressivamente distintas segundo
as faixas de pessoal ocupado, chegando a ser cinco vezes
maior nas grandes empresas, em relação às menores.
Contudo, convém notar que, às vezes, as abordagens de
classificação de produto ou setoriais revelam pouco acerca
da capacidade para inovar ou mesmo da atividade de
pesquisa no âmbito da empresa. Em muitos setores
tradicionais, as empresas e os grupos empresariais brasileiros têm apresentado grande dinamismo em termos de
inovações. Isso é particularmente válido tanto para a
agroindústria como para a metal-mecânica. A boa notícia é
que, no âmbito público e privado brasileiro, a ênfase na
inovação é o grande destaque da agenda de C&T nacional.
Isso ficou patente pelo grande interesse gerado tanto na
ocasião das recentes reformas do Sistema Nacional de
de inúmeras maneiras (BRITO CRUZ, 2000). É relativamente consensual que suas razões são derivadas da história
industrial brasileira e de certa facilidade – no terreno
tecnológico – com que a substituição de importações
garantiu o crescimento da produção industrial brasileira.
O acesso relativamente fácil à tecnologia, seja através das
subsidiárias das empresas transnacionais, seja através da
importação de bens de capital, não indicava que esse fosse
um gargalo relevante. A exitosa industrialização brasileira
é talvez a maior prova desta verdade relativa. A substituição
de importação tinha gargalos muito maiores, na questão da
capacidade para importar, na formação da poupança, na
debilidade dos sistemas financeiros, etc. (BRITO CRUZ;
PACHECO, 2004).
E seu auge viria a ocorrer num período de relativa estabilidade dos padrões tecnológicos vigentes no mercado
mundial.
Os problemas dessa herança tornaram-se visíveis apenas nas últimas décadas, quando as transformações na
economia internacional ampliaram significativamente a rivalidade no terreno do comércio internacional, e inúmeras políticas de suporte à competitividade foram postas
em prática em diversos países – muitas delas centradas
na ampliação dos esforços domésticos de pesquisa e no
aumento da capacidade de inovação das empresas. A frágil capacidade de pesquisa e de inovação da empresa brasileira é análoga a tantas outras debilidades competitivas
– qualidade, marca, logística, etc. – geradas pela maior relevância dos mercados domésticos e pela baixa presença
em outros mercados. Os exemplos de maior sucesso empresarial no enfrentamento dessas debilidades vêm exatamente das empresas com significativas pautas de exportação, como demonstra o caso da Embraer.
TABELA 9
Empresas que Introduziram Produto e/ou Processo Tecnologicamente Novo ou Significativamente Aperfeiçoado
para a Empresa, entre 1999 e 2001, segundo Faixas de Pessoal Ocupado
Estado de São Paulo – 2001
Faixas de Pessoal Ocupado
Total
Empresas que
Introduziram Produto
e/ou Processo Novo
Taxa de
Inovação
(%)
Total
41.271
6.733
16,3
De 5 a 29 Pessoas Ocupadas
32.556
4.066
12,5
De 30 a 99 Pessoas Ocupadas
5.839
1.453
24,9
De 100 a 499 Pessoas Ocupadas
2.464
954
38,7
413
261
63,2
500 e Mais Pessoas Ocupadas
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
10
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
subvenções). Mas a ênfase nesses aspectos não circunscreve o problema da pesquisa ao espaço interno da empresa. A criação de condições externas ao setor privado –
bens públicos, em geral – é um componente de políticas
aceito e aplicado universalmente. E a ênfase na interação
dos atores do sistema de inovação é outra prioridade
inquestionável.
Um exame das informações da Pintec e da Paep ajuda a
entender alguns dos limites do atual sistema brasileiro de
inovação. Talvez o mais evidente desses dilemas seja a baixa
interação entre os diversos atores, sejam eles privados ou
públicos. A Tabela 10 mostra o grau de importância que as
empresas que inovam atribuem às diversas fontes de
informação para as atividades de inovação. Ao lado dos
departamentos de P&D da própria empresa, que são uma
novidade importante na conduta privada, há outros fatores
que continuam sendo chaves, como as fontes de informação
externas, mais características de uma conduta passiva, como:
fornecedores de máquinas, clientes e concorrentes. É preciso
deixar claro que a interação que se pretende estimular não
pressupõe que as universidades e instituições de pesquisa
possam auxiliar, de forma massiva, o esforço privado de
inovação. A visão segundo a qual a trajetória da pesquisa
segue um caminho linear que começa na pesquisa acadêmica
Inovação, como na criação dos Fundos Setoriais ou no
envio de uma Lei de Inovação ao Congresso Nacional. Uma
série de documentos governamentais ou elaborados pelo
setor empresarial evidenciou essas questões. Ademais,
novos esforços vêm sendo feitos para se dimensionar e
se compreender a atividade de pesquisa e a inovação no
setor empresarial, como revelam a edição da Pesquisa
Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, do IBGE e a
Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, da Fundação Seade.
A agenda da política pública de C&T gira em torno
destas questões: “Como ampliar a competitividade da
empresa e a sua capacidade de inovação?” e “Como tirar
proveito dos investimentos feitos no sistema de pesquisa
acadêmica?” Nesse sentido, é conveniente observar
claramente que a questão-chave está posta no âmbito da
empresa. É ela que inova e será dela a responsabilidade
progressiva de ampliar mais e mais as atividades de P&D.
Para tanto, as políticas públicas devem ser capazes de
assegurar condições mínimas de redução do risco privado
– condições compatíveis com a natureza das atividades de
P&D, como ocorre na maioria dos países. Isso implica a
necessidade de dar atenção prioritária aos incentivos
diretos para a pesquisa empresarial (incentivos fiscais e
TABELA 10
Proporção de Empresas que Inovaram, por Grau de Importância das Fontes de Informação
para o Desenvolvimento das Atividades de Inovação Tecnológica
Estado de São Paulo – 2001
Em porcentagem
Fontes de Informação
Indiferente
ou Nulo
Pouco
Importante
Importante
Muito
Importante
Fontes Internas
Departamento de P&D
27,0
7,5
26,5
24,9
Outros Departamentos
23,3
15,1
35,6
12,0
Outras Empresas dentro do Grupo
63,6
9,4
9,0
3,9
Fornecedores de Equipamentos, Componentes ou softwares
21,1
12,3
29,7
22,8
Clientes
14,2
7,4
26,5
37,9
Concorrentes
24,6
14,4
30,2
16,7
Empresas de Consultoria
53,0
16,1
12,0
4,8
Universidades e Institutos de Educação Superior
52,9
13,8
13,0
6,2
Institutos de Pesquisa/Centros Profissionalizantes
46,2
15,1
15,8
8,9
Aquisição, Licenças, Patentes e Know-How
50,8
11,5
14,6
9,0
Conferências, Encontros e Publicações
37,5
13,7
25,8
9,0
Feiras e Exposições
25,2
10,6
30,5
19,6
Fontes Ligadas ao Mercado
Fontes Institucionais
Outras Fontes
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
11
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
e termina na introdução, no mercado, pela empresa, não
encontra amparo na realidade.
Já Adam Smith, em 1776, observava que as principais
fontes de inovação e aprimoramento tecnológico eram
esta expertise e é irrealista esperar que possam obtê-la
(MANSFIELD, 1996, p. 132).
Portanto, o aspecto central gira em torno das atividades de P&D realizadas internamente às empresas. E as
políticas públicas devem refletir esse fato, buscando estimular esse esforço privado de P&D. Em paralelo, como
fazem todos os países, mas sem ilusões de qualquer modelo linear de ciência, deve-se identificar as maneiras para
aproximar a capacidade acadêmica da atividade inovativa
empresarial. Aqui, o enorme desafio é preservar e intensificar a capacidade acadêmica de estar em contato com a
fronteira do conhecimento e contribuir para avançá-la; e,
ao mesmo tempo, desenvolver interlocutores no mundo empresarial capazes de se apropriar destes avanços e desse
conhecimento. Na margem, essa interação será relevante
para inovações não incrementais. Mas será fundamental,
sobretudo, para ajudar a modificar a conduta interna da
empresa, intensificando sua própria atividade de P&D.
Contudo, convém notar que esse sistema de inovação
não se circunscreve a universidades e empresas. Além dos
institutos tecnológicos, em geral públicos, criou-se, notadamente em São Paulo, uma gama variada de atores que
desempenham papéis complementares no processo de inovação: associações de classe; prestadores de serviços;
centros do Senai; além de institutos como o IPT, o CTA e
o Inpe. Afora instituições de outras Unidades da Federação ou localizadas no exterior, mais de 120 entidades localizadas no Estado realizam atividades de ensaio e calibragem
de apoio ao setor privado paulista, para citar apenas um
exemplo (Tabela 11). Poucas dessas instituições, basicamente os institutos públicos, estão relacionadas também
os homens que trabalhavam com as máquinas e que descobriam maneiras engenhosas de melhorá-las, bem como os
fabricantes de máquinas, que desenvolviam melhoramentos
em seus produtos. 9
A experiência internacional mostra que o esforço realizado no âmbito da própria empresa é essencial para esse
processo (RAUSH, 1996). Edwin Mansfield, da Universidade da Pensilvânia, realizou um estudo sobre as fontes
de idéias para a inovação tecnológica (MANSFIELD, 1996,
p. 125) e verificou que menos de 10% dos novos produtos ou processos introduzidos por empresas nos Estados
Unidos tiveram a contribuição essencial e imediata de pesquisas acadêmicas. Portanto, nove em cada dez inovações
nascem na empresa. Diz ele:
[...] a maioria dos novos produtos ou processos que não
poderiam ter sido desenvolvidos sem o apoio de pesquisa
acadêmica não foram inventados em universidades; ao
contrário, a pesquisa acadêmica forneceu novas descobertas
teóricas ou empíricas e novos tipos de instrumentação que
foram usados no desenvolvimento, mas nunca a invenção
específica ela mesma. Isto dificilmente vai mudar. O
desenvolvimento bem sucedido de produtos ou processos
exige um conhecimento íntimo de detalhes de mercado e
técnicas de produção, bem como a habilidade para reconhecer e pesar riscos técnicos e comerciais que só vem
com a experiência direta na empresa. Universidades não têm
TABELA 11
Rede de Laboratórios de Calibração e Ensaios, segundo Tipos de Instituição
Estado de São Paulo – 2004
Tipos de Instituição
Total
Número de
Instituições
Calibração
Número de Laboratórios
Ensaio
Total
128
82
111
3
3
2
5
21
6
18
24
5
12
34
46
Prestadores de Serviços
56
45
16
61
Centros do Senai
20
4
25
29
5
2
8
10
18
10
8
18
Associações Empresariais
Empresas
Institutos Públicos
Universidades
Outros
193
Fonte: Fiesp/Ciesp (2004).
12
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
no Diretório de Pesquisa do CNPq. Ficam evidentes a complexidade desse sistema e a necessidade de que a política
pública dê atenção ao conjunto do sistema de inovação,
deixando de focalizar apenas um ou outro ator.
A Paep detalha mais esses dados, investigando também
o nível de escolaridade. Os resultados (Tabela 13) indicam
que a indústria paulista emprega um total de 27 mil pessoas em P&D, das quais 15,8 mil possuem nível superior.
Destes, por sua vez, apenas mil possuem doutorado e 1,8
mil mestrado. A pequena diferença do total de nível superior em relação a Pintec pode ser explicada pela data de
referência e pela natureza ligeiramente distinta das amostras. De qualquer modo, o valor é coerente com os resultados anteriores. Assim, 56% dos pesquisadores (com nível
superior) trabalham em universidades e institutos de pesquisa e 44% em empresas industriais.11
Além do fato de a maior parte das pessoas ocupadas
estar empregada em instituições públicas, a partir das Tabelas 12 e 13, fica evidente o déficit de pesquisadores em
São Paulo, quando comparado a países com população
semelhante:12 em São Paulo há apenas 15,8 mil pesquisadores em empresas (ou 11,6 mil, segundo a Pintec), enquanto na Coréia há 118 mil, dez vezes mais. Diferença similar,
mas de menor intensidade, pode ser observada na comparação entre o número de pesquisadores acadêmicos: 18,6
mil em São Paulo versus 57,6 mil na Coréia do Sul. Isso está
relacionado com o déficit de matrículas no ensino superior
em São Paulo, em comparação àquele país. Estendendo-se
a comparação a outros países com população semelhante
ou situação econômica parecida, torna-se mais clara a deficiência no número de pesquisadores em empresas, como
se vê no Gráfico 6.
UNIVERSIDADE E EMPRESA: ONDE TRABALHAM
OS PESQUISADORES EM SÃO PAULO
A Tabela 12 mostra uma comparação entre o número de
pesquisadores e sua vinculação funcional, no Brasil, em
São Paulo, nos EUA e na Coréia do Sul. A partir dos dados, pode-se observar o déficit no número de pesquisadores em indústrias no Brasil e em São Paulo, em comparação com os dois países citados. Enquanto nos EUA e na
Coréia do Sul, respectivamente, 79% e 62% dos pesquisadores trabalham para indústrias, no Brasil esse percentual
é de apenas 22% e, em São Paulo, 36%, segundo os dados
da Pintec.
É necessário destacar uma diferença de metodologia de
coleta: para os números do Brasil e do Estado de São Paulo referentes a pesquisadores em empresas, foram utilizados dados obtidos na Pintec, a partir do censo do IBGE em
2002. Nessa pesquisa, o IBGE contou o número de “profissionais de nível superior em atividades de P&D” – e não
o de pesquisadores. Os dados dos demais países referemse ao número de pesquisadores10 e não ao número total de
profissionais alocados em P&D.
TABELA 12
Pesquisadores, segundo Instituição em que Atuam
Brasil, Estado de São Paulo, EUA e Coréia – 2002
Brasil
Nos Absolutos
Instituições
Total
%
Estado de São Paulo
Nos Absolutos
%
EUA
N os Absolutos
%
Coréia
Nos Absolutos
%
129.474
100,0
31.972
100,0
962.700
100,0
189.888
100,0
Docentes Trabalhando
Integral em Universidades
94.464
73,0
18.620
58,0
128.000
13,0
57.634
30,0
Universidades Federais
42.889
1.380
Universidades Estaduais
e Municipais
27.115
9.357
Universidades Privadas
24.460
Institutos de Pesquisa
Empresas Privadas (1)
7.883
5.924
5,0
1.751
5,0
70.200
7,0
14.094
7,0
29.086
22,0
11.601
36,0
764.500
79,0
118.160
62,0
Empresas Privadas (2)
27.060
Nível Superior (2)
15.829
Doutores (2)
1.000
Fonte: MEC (2004); Fapesp (2004); Brito Cruz (1999); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; MOST. Disponível em: <http://was.most.go.kr/most/english/activies_02_2.jsp>.
Acesso em: 24 mar. 2005; NSF (1996).
(1) Os dados para Brasil e Estado de São Paulo são da Pintec 2000.
(2) Os dados são da Paep 2001.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
13
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
TABELA 13
Pessoas Ocupadas em Atividades de P&D na Indústria, por Tamanho da Empresa, segundo Nível de Escolaridade
Estado de São Paulo – 2001
Nível de Escolaridade
Tamanho da Empresa (Pessoal Ocupado)
30 a 99
100 a 499
500 e Mais
Até 29
Total
Total de Pessoal Ocupado em P&D
8.111
5.015
6.459
7.475
27.060
Nível Superior
4.007
2.437
4.086
5.299
15.829
337
151
290
222
1.000
Doutorado
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
GRÁFICO 6
tal. Devido à predominância da origem em P&D voltada
para aplicações, e também ao alto custo de registro e manutenção, bem como ao interesse intrínseco na proteção da propriedade intelectual resultante, as patentes
são muito mais freqüentemente um produto das atividades de P&D empresariais e não da P&D acadêmica. Nos
EUA, por exemplo, 95% das patentes têm sua origem nas
empresas.
Mesmo sendo um indicador relevante, não é recomendável usar as estatísticas sobre patentes isoladamente, pois
o quadro geral do sistema de C,T&I só pode ser adequadamente representado por um conjunto de indicadores
(OECD, 1994), dentre os quais destacam-se publicações
científicas de circulação internacional, formação de doutores e graduados, investimentos em P&D pelo governo e
empresas, etc.
O Gráfico 7 mostra o número de patentes registradas no
Escritório de Patentes dos EUA (United States Patent and
Trademark Office – USPTO), segundo a origem do recipiente da patente para 2003. No Estado de São Paulo originaram-se 73 das 130 patentes originadas no Brasil naquele
ano. Esse resultado compara-se pobremente ao de alguns
países desenvolvidos com dimensões de população similares às do Estado de São Paulo, mesmo que represente
uma posição de liderança na América Latina, à frente do
México e da Argentina.
Nos países da OECD observa-se uma forte correlação
entre o número de pesquisadores em empresas (e o
investimento empresarial em P&D) e o número de patentes, conforme o Gráfico 8, no qual é mostrado, em cada
ponto, (quadrados claros) os pares de valores de patentes
registradas no USPTO em 2002 e o número de pesquisadores em empresas três anos antes, em 1999, para
28 países. A equação inserida no gráfico mostra que, com
elevado grau de confiança (99,57%) ao se adicionarem 100
Pesquisadores em Empresas
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 1999
Argentina
México
Irlanda
Estado de
São Paulo (1)
Estado de
São Paulo (2)
Austrália
Espanha
Brasil
Canadá
Coréia do Sul
0
30.000
60.000
90.000
120.000
Pesquisadores
Fonte: Fapesp (2004); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; OECD
(2003) MSTI.
(1) Dados da Pintec 2000.
(2) Dados da Paep 2001.
COMPETITIVIDADE TECNOLÓGICA E PATENTES
NA INDÚSTRIA PAULISTA
Um dos indicadores universalmente reconhecidos para
mensurar a capacitação tecnológica é o número de patentes
gerado pelos setores empresariais. Indicadores relacionados
a patentes ajudam a compreender uma realidade e sempre
precisam ser analisados a partir da consideração de vários
outros determinantes, como: a estrutura setorial da indústria
(fármacos e eletrônica são setores mais usuários de patentes
do que aeronáutica e metal-mecânica, por exemplo), a
internacionalização e o acesso a mercados exteriores.
Patentes são resultados típicos de P&D voltada para
aplicações – geralmente trata-se de pesquisa aplicada e
desenvolvimento experimental, mas há casos relevantes
de patentes originadas de pesquisa básica ou fundamen-
14
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
O Gráfico 8 mostra que o desempenho de São Paulo e
do Brasil aproxima-se mais do modelo da Espanha (303
patentes em 2002 com 15.178 pesquisadores em empresas
em 1999), da Irlanda, da Noruega e do México.
GRÁFICO 7
Patentes Registradas no United States Patent and Trademark Office –
USPTO, segundo Local de Origem do Recipiente da Patente
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 2003
Argentina
Estado de
São Paulo
GRÁFICO 8
Dependência do Número de Patentes Originado nas Empresas de Países
da OECD mais Brasil e São Paulo, com o Número de Pesquisadores
Trabalhando em Empresas nestes Países e em São Paulo
Brasil, Estado de São Paulo e Países Selecionados – 1999
México
Brasil
Irlanda
Espanha
Patentes no USPTO em 2002
100000
Austrália
y = 0,084x
Canadá
R 2 = 0,9957
Coréia do Sul
10000
0
1.000
2.000
3.000
4.000
Patentes
1000
Fonte: USPTO (2004).
Espanha
Brasil
100
São Paulo
pesquisadores a empresas obtêm-se mais 8,4 patentes dali
a três anos. Para efeito de comparação, foram incluídos
pontos para Brasil e São Paulo, mostrados em círculos
cinza no Gráfico 8. Nota-se que, nos dois casos, os
pontos posicionam-se bem longe da linha de tendência.
Uma das razões para isso pode ser uma superestimativa
do índice de pesquisadores, visto que a pesquisa do IBGE
(Pintec) não informa o número de pesquisadores, mas sim
o número de pessoas com nível superior em atividades
de P&D, e essas pessoas podem ser auxiliares, pessoal
de apoio técnico e outros que não são contados nos
países da OECD como pesquisadores. As características
da economia brasileira e paulista, segundo as quais a
tradição de inovação e P&D interna é muito tênue e
recente, também podem contribuir para essa fuga da
tendência. E mais: podem levar à ineficiência intrínseca
ou mesmo a atividades de pouco impacto na geração de
propriedade intelectual própria. Não se deve esquecer
também que a composição setorial da indústria – menor
peso da indústria de tecnologia da informação e fármacos
– pode afetar resultados de patentes, como já mencionado.
Além disso, o papel de liderança da empresa multinacional
em segmentos mais dinâmicos, também afeta esse resultado, na medida em que muitos produtos e processos
novos são patenteados pela matriz. Em qualquer caso,
essa diferença gritante parece indicar a necessidade de
mais estudo sobre o assunto antes que se possa concluir
sobre as principais causas.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
10
100
1000
10000
100000
1000000
10000000
Pesquisadores em empresas em 1999
Fonte: OECD (2003); Fapesp (2004).
AS POLÍTICAS RECENTES DE APOIO À
INOVAÇÃO: A NOVA AGENDA
Nos últimos anos, o apoio às atividades de P&D e ao
processo de inovação passou a integrar a agenda da política de ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, numa
interação com as políticas federais. Na década de 90, a
Fapesp instituiu novos e bem-sucedidos programas de
apoio à inovação nas empresas. As universidades estaduais, por sua vez, têm-se dedicado cada vez mais à implementação de programas de cooperação com empresas, e
têm procurado estimular o empreendedorismo e a incubação de novos negócios de base tecnológica, com mudanças institucionais importantes, como a criação do Centro
Incubador de Empresas Tecnológicas – Cietec, a partir da
ação conjunta da USP, Ipen e IPT; ou da criação da Agência de Inovação da Unicamp, para citar dois exemplos. Os
institutos de pesquisa do Estado têm igualmente ampliado a gama de serviços de apoio ao setor produtivo. O
Governo Estadual, com o novo Plano Purianual, deu especial ênfase a alguns desses aspectos.
15
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
Fase III. A Fapesp não pode financiar a Fase III, por se
tratar de atividades de produção e não de pesquisa, mas
tem apoiado as empresas na obtenção de financiamentos
para essa fase. Cabe destacar que, em concordância com
as características das atividades de P&D realizadas na
empresa, a Fapesp não exige titulação de doutor dos
principais pesquisadores ligados aos projetos do Pipe. Há
projetos Pipe em 67 municípios paulistas, número que
demonstra uma abrangência bem superior àquela verificada
nos projetos acadêmicos. Ao mesmo tempo há concentração de projetos em municípios que têm uma boa infraestrutura de ensino superior público e de pesquisa, como
se vê na Tabela 15.
O êxito dessas iniciativas não reside apenas na mobilização de recursos. Esses programas são até mais importantes por chamarem a atenção para a relevância da questão da inovação em São Paulo. De fato, o desembolso da
Fapesp com o Pite e o Pipe só ultrapassou cinco por cento
de seu orçamento (5%) em 2003. Naquele ano, quase 80%
do desembolso foi para ações tradicionais de bolsas e
auxílios regulares (Tabela 16). O desembolso com os programas Pipe e Pite vem crescendo ano a ano, atendendo à
expansão da demanda. Deve-se salientar que os benefícios
para as empresas ultrapassam em muito o valor do apoio
O programa Parceria para Inovação Tecnológica – Pite,
iniciado em 1995, foi o primeiro passo explícito da Fapesp
rumo à inovação. O Pite financia, a fundo perdido, parte
dos custos de projetos em que centros de pesquisa e
empresas se associam para desenvolver ou aperfeiçoar
produtos ou processos com o propósito de melhorar a
qualidade e aumentar a competitividade. A Fapesp financia
os centros de pesquisa até um limite de 70% do valor total
do projeto, cabendo à empresa o financiamento do restante.
A Fapesp deu um segundo passo importante no apoio
à inovação tecnológica em empresas ao lançar, em 1997, o
programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas –
Pipe, que aprovou, até abril de 2005, 423 projetos, em sua
maior parte na área de engenharia (Tabela 14) – o que
significa mais de um projeto contratado por semana desde
a instituição do programa. O Pipe apóia atividades de P&D
em pequenas empresas (com até 100 empregados) em
projetos divididos em duas fases: a Fase I, com dotação
máxima de R$ 100 mil (R$ 50 mil até o ano 2000, R$ 75 mil até
2004), em que se testa a viabilidade do projeto; e a Fase II,
com dotação máxima de R$ 400 mil (R$ 200 mil até o ano
2000, R$ 300 mil até 2004), na qual se espera que o projeto
seja desenvolvido e chegue a um estágio em que os
resultados possam ser implementados pela empresa numa
TABELA 14
Contratos e Valor referentes ao Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe/Fapesp),
segundo Áreas do Conhecimento
Estado de São Paulo – 1998-03
Áreas do
Conhecimento
Total
1998
Contratos
1999
Valor
(R$ mil)
31
4.071,9
Agricultura e Veterinária
1
Arquitetura e Urbanismo
0
Biologia
Ciências Sociais
Contratos
2000
Valor
Contratos
(R$ mil)
32
6.076,1
246,5
2
0,0
0
1
302,8
1
39,4
2001
Valor
(R$ mil)
40
4.286,6
480,8
3
0,0
0
1
333,6
0
0,0
2002
Valor
Contratos
(R$ mil)
Contratos
2003
Valor
(R$ mil)
Contratos
Valor
(R$ mil)
52
7.874,4
65
8.177,6
72
9.955,8
316,1
7
432,8
6
633,7
4
917,3
0,0
1
67,8
1
67,5
1
89,8
3
396,9
0
586,3
2
474,6
4
426,6
0
0,0
0
0,0
0,0
2
98,5
Economia
0
0,0
0
0,0
0
0,0
1
56,6
0
3,4
2
155,5
Engenharia
20
2.794,8
23
3.988,1
26
2.640,2
33
4.806,4
39
5.022,3
40
6.724,9
Física
4
186,0
3
592,6
1
497,5
1
491,5
2
639,8
1
106,4
Geociências
0
0,0
2
98,7
1
51,0
0
345,4
0
42,7
0
12,7
Matemática
2
201,3
1
246,7
4
318,6
2
299,4
9
395,0
9
641,8
Química
1
138,1
0
289,0
1
0,3
4
341,8
3
431,7
5
534,5
Saúde
1
162,9
0
46,6
1
66,0
3
446,4
3
466,9
4
247,8
Fonte: Fapesp.
16
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
financeiro. A reconhecida tradição da Fapesp na avaliação de projetos e o fato de a empresa associar seu nome
ao da instituição, representam um ativo relevante para os
agraciados, que assim podem abrir portas e negociar outras formas de apoio ou capitalização a partir desses investimentos iniciais.
Também na área de formação de recursos humanos tem
havido ações dignas de nota no Estado. Desde 2002 o
Governo Estadual, com o apoio da Assembléia Legislativa,
tem implementado um Programa de Expansão de Vagas
nas Universidades Públicas Paulistas. Esse programa
baseia-se no oferecimento de suplementações orçamentárias às três universidades, desde que elas aumentem
as vagas oferecidas em seus cursos de graduação. Implementado de maneira intensa em 2002 (Proposta Orçamentária de 2003) e com menos intensidade em 2001, 2004
e 2005, o programa, que correspondeu, em valor, a apenas
1,5% do orçamento das três universidades no período
(Tabela 17):
- resultou em 4.202 vagas novas criadas nas três universidades estaduais paulistas (Tabela 17);
- trouxe um aumento de vagas de 29% em relação às oferecidas em 2000 e permitiu que o aumento realizado nas três
universidades estaduais paulistas desde 1989 chegasse a
50% (Gráfico 9).
O número de vagas oferecidas anualmente em cursos
de graduação cresceu 50% desde a implantação do regime
de autonomia com vinculação orçamentária, nas três uniGRÁFICO 9
Crescimento das Vagas na Graduação nas
Três Universidades Estaduais Paulistas
Estado de São Paulo – 1989-04
Em %
200
TABELA 15
Principais Municípios que Possuem Pequenas Empresas
com Contratos no Pipe/Fapesp
Estado de São Paulo – 2003
Municípios
Fase I
São Paulo
113
47
Campinas
68
35
Fase II
São Carlos
52
24
São José dos Campos
30
24
Ribeirão Preto
Demais 62 Municípios
150
9
4
107
65
100
50
1988
Fonte: Fapesp.
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
Fonte: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, Cruesp.
TABELA 16
Distribuição do Orçamento da Fapesp, segundo Principais Modalidades de Apoio
Estado de São Paulo – 1996-03
Em porcentagem
Principais Modalidades
de Apoio
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Bolsas
16,7
23,9
30,6
31,8
38,4
35,4
33,6
38,3
Auxílios Regulares
28,3
30,0
33,5
32,3
34,8
38,4
43,4
41,2
Projetos Temáticos
ou Especiais
0,8
6,8
7,0
10,3
13,2
16,8
13,5
11,8
52,2
36,8
25,2
22,2
9,4
4,9
2,8
0,6
Rede ANSP
1,7
2,1
2,1
1,7
2,5
2,4
2,5
3,1
Pipe e Pite
0,3
0,4
1,6
1,7
1,8
2,1
4,3
5,1
Infra-Estrutura
Fonte: MEC (2004); Fapesp (2004); Brito Cruz (1999); IBGE (2002b) Pintec 2000; Fundação Seade (2005) Paep 2001; MOST. Disponível em: <http://was.most.go.kr/most/english/activies_02_2.jsp>.
Acesso em: 24 mar. 2005; NSF (1996).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
17
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
TABELA 17
Valores Suplementados, Número de Vagas na Graduação e Acréscimo de Vagas do
Programa de Expansão de Vagas nas Universidades Estaduais Paulistas
Estado de São Paulo – 2000-04
Anos
Suplementação Aprovada (R$)
Unicamp
64.592.000
26.048.900
Vagas Adicionais (ref. 2000)
Unesp
Unicamp
2000
7.175
5.085
2.355
0
0
0
2001
7.354
5.215
2.400
179
130
45
540
39.659.100
Unesp
Vagas na Graduação
USP
Total
USP
USP
Unesp
Unicamp
2002
11.359.100
29.392.000
4.948.900
7.811
5.685
2.895
636
600
2003
22.400.000
22.400.000
17.500.000
8.331
6.710
3.135
1.156
1.625
780
2004
5.900.000
12.800.000
3.600.000
8.547
7.015
3.255
1.372
1.930
900
Crescimento de Vagas (%)
19,0
38,0
38,0
Valor Suplementado em Relação ao Orçamento das Universidades (%)
0,85
2,98
1,28
Fonte: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, Cruesp.
versidades estaduais paulistas. Com a instituição do Programa de Expansão de Vagas em 2001 a tendência de crescimento se tornou ainda mais intensa.
Ao lado da expansão de vagas nas Universidades Estaduais, e em concordância com as estratégias para a criação de condições de maior competitividade no Estado, o
Governo Estadual tem desenvolvido um programa de expansão também nas Faculdades de Tecnologia, as Fatecs
(Tabela 18).
No Estado de São Paulo, o Plano Plurianual 2004-2007
deu destaque ao aumento da competitividade e à promoção da inovação tecnológica. Sabidamente, a programatização das ações de governo através de planos
plurianuais é um avanço na forma de atuação do Estado:
afinal, ele não apenas ganha mais visibilidade, mas passa
a identificar melhor seus resultados e os objetivos a que
se destina a programação orçamentária. Assim, além das
atividades próprias de gestão da política do ensino supe-
rior e tecnológico, no âmbito da Secretaria da Ciência,
Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo –
SCTDET foram estabelecidos novos programas focalizados nos temas de tecnologia industrial básica; tecnologias
da informação; arranjos produtivos locais e inovação para
a competitividade.
Mesmo que necessitem ser permanentemente atualizados e avaliados, esses novos programas do governo
estadual são um ponto de partida importante para a ação
pública, pois identificam questões que irão permanecer na
agenda governamental nos próximos anos. Seus objetivos
estão relacionados com a estruturação de um moderno sistema de metrologia, normalização, certificação e qualidade; com o desenvolvimento da produção e da comercialização interna e externa de bens e serviços da tecnologia
da informação; com a promoção de Arranjos Produtivos
Locais – APLs, como instrumento de política industrial; e
com a criação de condições para o desenvolvimento da
inovação em São Paulo, ampliando a interação entre as
universidades, os institutos de pesquisa, o setor privado
e os demais órgãos públicos.
O programa Inovação para a Competitividade, em particular, dá ênfase a ações que buscam implantar um sistema
de parques tecnológicos em São Paulo; estimular o crescimento, a consolidação e a ampliação de oportunidades de
incubação de empresas de base tecnológica; formular políticas públicas de estímulo à inovação; atrair e estimular os
investimentos em setores de alta tecnologia; implantar
mecanismos de acesso às informações tecnológicas para
MPEs e serviço de resposta técnica e, também, redes de
TABELA 18
Unidades, Alunos e Vagas do Programa Estadual de
Ampliação do Sistema Fatecs
Estado de São Paulo – 2001-04
Ano
Unidades
Alunos
Vagas
2001
10
10.287
3.080
2002
14
11.687
4.480
2003
14
13.561
5.280
2004
17
15.255
5.280
Fonte: Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Turismo – SCTDET.
18
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
propriedade intelectual para a difusão da inovação. Mesmo
com toda a dificuldade associada à ausência de instrumentos
adequados e de condições de acompanhamento e monitoramento dessas ações, a explicitação dessa agenda já é um
avanço importante para a política de C&T de São Paulo.
- um plano diretor para o desenvolvimento do ensino superior público em São Paulo;
A AGENDA DA POLÍTICA DE C&T E INOVAÇÃO
DE SÃO PAULO
- nova postura das universidades e dos institutos de pesquisa na área de cooperação público-privada e licenciamento de tecnologia;
Em que pesem os avanços registrados pela política de
C&T em São Paulo, o contexto econômico atual e as possibilidades que se colocam exigem um salto qualitativo
nessas políticas. A nova agenda requer ações indutoras
que possam reforçar as tendências de desenvolvimento do
Estado e congregar os diversos atores em torno do objetivo de apoiar a inovação e potencializar um novo estilo de
desenvolvimento. São Paulo deve formular uma política
industrial e tecnológica compatível com os desafios de
competitividade de sua economia: da indústria já instalada e da indústria que será construída nas próximas décadas. É uma agenda ampla e complementar aos esforços do
Governo Federal. Ela envolve aspectos macroeconômicos
e regulatórios, que reduzem ou elevam as incertezas, sendo de responsabilidade do plano federal. Mas essa agenda também contempla aspectos de infra-estrutura e uma
vasta gama de ações voltadas a criar externalidades positivas ao setor industrial dentre as quais a principal é a
política tecnológica, que são compatíveis com as possibilidades de ação no plano estadual.
A indústria de São Paulo se destaca no cenário nacional
pela maior taxa de inovação e maior intensidade tecnológica.
Mas sua performance ainda está longe de ser a necessária
para qualquer parâmetro internacional. Mais grave que isso,
pouco se sabe o que será a indústria paulista daqui a algumas décadas e quais serão as empresas e atividades que
poderão mostrar-se altamente dinâmicas em cenários de forte
mudança técnica e de reorganização dos mercados internacionais. Para responder a isso é necessária uma ação coordenada entre o setor público e o privado que discuta, proponha medidas e implemente novos modelos de atuação no
terreno da inovação e da competitividade. É preciso estimular os investimentos em áreas de alta tecnologia e saber
maximizar as vantagens relativas de São Paulo.
Há avanços recentes nesta direção e também uma agenda mínima, formulada a partir das ações da SCTDET/SP,
da Fapesp e das Universidades públicas paulistas e institutos de pesquisa, que procuram mobilizar os atores públicos e privados nas seguintes frentes:
- estímulos à estruturação de arranjos produtivos locais
(clusters e cadeias produtivas) – ações da SCTDET, do
Sebrae e da Fiesp;
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
- implantação de um sistema de parques tecnológicos;
- apoio à inovação tecnológica através de programas específicos da Fapesp;
- suporte à metrologia e serviços tecnológicos (Tecnologias Industriais Básicas) através da SCTDET/SP, do IPT
e da Fiesp.
A base de C,T&I instalada em São Paulo pode dar uma
contribuição ainda mais relevante ao desenvolvimento do
Estado. Para isso, talvez o maior desafio a ser vencido seja
o de conquistar uma capacidade de articulação do sistema
que ao mesmo tempo respeite a autonomia institucional de
cada um dos atores e crie as condições para que suas ações
se somem de maneira muito mais efetiva. É preciso também
lembrar que, ao lado dos papéis fundamentais a serem
desempenhados por universidades, institutos de pesquisa
públicos e agências de fomento, há a necessidade de serem
mobilizados institutos de pesquisa privados e, especialmente, as empresas, para que intensifiquem suas atividades
internas de P&D. Essa intensificação é absolutamente
necessária para que as empresas possam beneficiar-se mais
intensamente da infra-estrutura pública de P&D instalada
no Estado.
O Estado de São Paulo – que conta com o mais completo
sistema de pesquisa do país e com as instituições e lideranças empresariais e científicas mais competentes e capazes –
precisa elaborar e levar adiante uma agenda para o futuro
que se coloque, muitas vezes, adiante das demandas imediatas do sistema e nem sempre coincide com os interesses
já estabelecidos. O êxito das instituições públicas paulistas
contribui para uma inércia natural que, se de um lado tem a
vantagem de dar estabilidade ao sistema, de outro pode, sem
os devidos estímulos impedir que São Paulo reforme e renove seu quadro institucional na área de C&T na velocidade
necessária para acompanhar as mudanças e manter-se competitivo no terreno nacional e, principalmente, internacional. É importante ressaltar que, além das iniciativas paulistas,
têm sido observadas algumas realizações inovadoras em
outros estados, tais como o Porto Digital, em Pernambuco,
e a Fundação Araucária, no Paraná.
19
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
TABELA 19
Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Instituições
Estado de São Paulo – 2002
Instituições
Grupos de
Pesquisa
Nos Absolutos
%
Pesquisadores
Total
Nos Absolutos
%
Doutores
Nos Absolutos
%
Total
4.348
100,0
22.694
100,0
13.385
100,0
Universidade de São Paulo (USP)
1.350
31,0
6.383
28,1
4.264
31,9
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
614
14,1
2.929
12,9
1.994
14,9
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
593
13,6
3.192
14,1
1.981
14,8
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
145
3,3
1.012
4,5
567
4,2
Universidade Federal de São Carlos (Ufscar)
200
4,6
876
3,9
627
4,7
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
152
3,5
783
3,5
548
4,1
Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen)
98
2,3
639
2,8
276
2,1
Instituto Agronômico de Campinas (IAC)
33
0,8
539
2,4
225
1,7
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
91
2,1
518
2,3
286
2,1
7
0,2
489
2,2
29
0,2
61
1,4
278
1,2
152
1,1
Fundação CPqD
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
38
0,9
269
1,2
82
0,6
Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)
47
1,1
265
1,2
161
1,2
Instituto Adolfo Lutz
15
0,3
249
1,1
61
0,5
Instituto Butantã
30
0,7
240
1,1
131
1,0
Centro Técnico Aeroespacial (CTA)
28
0,6
232
1,0
108
0,8
Universidade do Oeste Paulista
49
1,1
230
1,0
62
0,5
Universidade Presbiteriana Mackenzie
48
1,1
229
1,0
102
0,8
Universidade de Taubaté
36
0,8
219
1,0
94
0,7
Universidade de Santo Amaro
73
1,7
209
0,9
97
0,7
Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
62
1,4
203
0,9
106
0,8
Universidade de Ribeirão Preto
34
0,8
182
0,8
64
0,5
Universidade Metodista de São Paulo
39
0,9
164
0,7
75
0,6
Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital)
25
0,6
134
0,6
39
0,3
Universidade Guarulhos
20
0,5
132
0,6
66
0,5
Universidade Cidade de São Paulo
26
0,6
125
0,6
54
0,4
Universidade do Sagrado Coração
23
0,5
117
0,5
42
0,3
Universidade Cruzeiro do Sul
28
0,6
97
0,4
47
0,4
Faculdade de Engenharia Química de Lorena
15
0,3
91
0,4
58
0,4
Instituto de Botânica
5
0,1
84
0,4
65
0,5
Fundação Seade
11
0,3
82
0,4
13
0,1
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
13
0,3
80
0,4
70
0,5
Universidade Paulista
14
0,3
80
0,4
62
0,5
Instituto Biológico
13
0,3
80
0,4
37
0,3
FGV/Eaesp
13
0,3
78
0,3
65
0,5
Superintendência de Controle de Endemias
16
0,4
75
0,3
16
0,1
(continua)
20
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
TABELA 19
Grupos de Pesquisa e Pesquisadores, segundo Instituições
Estado de São Paulo – 2002
Grupos de
Pesquisa
Nos Absolutos
%
Instituições
Universidade do Vale do Paraíba
25
0,6
Pesquisadores
Total
Nos Absolutos
%
74
0,3
Doutores
N os Absolutos
%
69
0,5
Universidade Camilo Castelo Branco
31
0,7
74
0,3
20
0,1
Universidade São Francisco
23
0,5
73
0,3
52
0,4
Cebrap
11
0,3
70
0,3
32
0,2
Coordenação do Instituto de Pesquisa
15
0,3
61
0,3
26
0,2
8
0,2
57
0,3
25
0,2
11
0,3
53
0,2
44
0,3
Instituto de Saúde
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
Universidade São Marcos
Instituto Mauá de Tecnologia
Centro de Pesquisa Renato Archer
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (Lnls)
Universidade de Franca
Universidade de Mogi das Cruzes
9
0,2
53
0,2
37
0,3
12
0,3
52
0,2
20
0,1
5
0,1
46
0,2
26
0,2
17
0,4
45
0,2
33
0,2
9
0,2
44
0,2
24
0,2
24
0,6
42
0,2
32
0,2
Fundacentro
7
0,2
37
0,2
8
0,1
Instituto Pasteur
4
0,1
36
0,2
3
0,0
Universidade São Judas Tadeu
9
0,2
32
0,1
18
0,1
Fundação Carlos Chagas
6
0,1
31
0,1
17
0,1
Universidade de Sorocaba
5
0,1
29
0,1
21
0,2
Instituto de Economia Agrícola
5
0,1
22
0,1
11
0,1
Fundação Antônio Prudente
10
0,2
20
0,1
18
0,1
Centro Universitário Nove de Julho
6
0,1
19
0,1
18
0,1
Universidade Católica de Santos
4
0,1
16
0,1
15
0,1
Universidade de Marília
4
0,1
14
0,1
9
0,1
Instituto Internacional de Ecologia
2
0,0
13
0,1
10
0,1
Universidade Metropolitana de Santos
1
0,0
13
0,1
8
0,1
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
2
0,0
13
0,1
6
0,0
Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha
4
0,1
12
0,1
11
0,1
Cedec
1
0,0
12
0,1
9
0,1
Instituto Ludwig
5
0,1
10
0,0
10
0,1
Centro de Estudos Rurais e Urbanos
1
0,0
10
0,0
9
0,1
Centro de Radioastron. e Aplic. Espaciais
1
0,0
9
0,0
9
0,1
Instituto Florestal do Estado de São Paulo
2
0,0
8
0,0
3
0,0
Pólis
1
0,0
4
0,0
1
0,0
Universidade Braz Cubas
1
0,0
3
0,0
2
0,0
Faculdade de Agronomia Dr. Francisco Maeda
1
0,0
2
0,0
2
0,0
Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo
1
0,0
1
0,0
1
Fonte: IBGE (2002a) Censo Demográfico 2000; CNPq (2003). Censo 2002.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
0,0
(conclusão)
21
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
por atrair cada vez mais atividades intensivas em tecnologia,
com perfis crescentes de qualificação e alto valor agregado.
Já não será possível, daqui para a frente, disputar investimentos com regiões menos desenvolvidas do país, cujas
decisões locacionais sejam determinadas por baixo custo de
mão-de-obra, ou por outros fatores normalmente identificados com aspectos de competitividade espúria. Para os próximos anos, alguns investimentos importantes poderão ser
atraídos em áreas de alta tecnologia, em função da necessidade de substituir importações ou criar capacidade exportadora adicional em setores como microeletrônica e fármacos.
A necessidade de manter elevados superávits comerciais
também vai impulsionar outras atividades de alto valor agregado, como aeroespacial, automotivo, energia (especialmente fontes renováveis), informática e telecomunicações.
Muitos outros setores, com grandes impactos em cidades
específicas de São Paulo podem e devem ser fomentados:
cerâmica, calçados, têxtil e confecções, alimentos, etc. Estar
preparado para esse ambiente pressupõe formular e implementar uma estratégia ativa – negociada e articulada com o
setor empresarial e com o Governo Federal – para maximizar
as vantagens relativas de São Paulo, em benefício, inclusive, do conjunto do país.
Aqui, o ponto de partida é criar uma estrutura executiva
mínima que mostre focada nessa agenda de C, T&I, com
enfoque econômico e que aborde a política tecnológica
como parte da política industrial e de desenvolvimento
econômico. A oportunidade da criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, no âmbito federal,
poderia servir de estímulo para repensar a institucionalidade
de São Paulo nessa área. Certamente, há uma necessidade
urgente de contar com um corpo técnico qualificado e com
capacidade de dar seqüência às ações acordadas entre
atores públicos e privados. São Paulo carece de uma
estrutura operacional que atue diretamente, mobilize atores
públicos e privados e articule interesses nas seguintes
áreas de atuação:
O desafio pode começar a ser vencido pela avaliação
do significado e da dimensão do sistema paulista de instituições de C&T, que não apenas inclui as universidades,
Fatecs e institutos de pesquisa estaduais, mas também uma
gama de instituições federais e privadas de alta complexidade. Uma proposta prospectiva de rearranjo institucional,
na forma de um plano diretor para C,T&I, poderia identificar os gargalos; os papéis dos atores institucionais; as
novas necessidades; e, eventualmente, como atuar para
renovar as instituições existentes.
Em segundo lugar, é preciso reexaminar os instrumentos
de que o Estado dispõe para promover a competitividade
da economia paulista, suas exportações, atrair novos
investimentos, atuar no ambiente econômico e na mobilização e articulação de esforços de empresas, órgãos do
governo estadual e federal, instituições de pesquisa e
universidades. Sem retornar ao passado, cabe perguntar;
“Que meios e que tipo de conduta governamental pró-ativa
são capazes de influenciar as estratégias privadas e de
contribuir para a melhoria da competitividade?” O ponto
de partida poderia ser o exame das “novas gerações” de
políticas industriais de âmbito local, voltadas para a
inovação em clusters ou cadeias produtivas, para a
estruturação de parques e pólos tecnológicos, para o
suporte a sistemas locais de inovação e serviços tecnológicos – que fazem hoje parte da ação permanente de
governos estaduais e locais, em muitos países. Cabe, ao
mesmo tempo, aproveitar as possibilidades criadas com a
Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior –
PITCE, recentemente anunciada pelo Governo Federal.
Em São Paulo, há avanços nessa direção, decorrentes
da elevada densidade de competências empresariais e
institucionais instaladas no Estado. Mas, há que se reconhecer que grande parte desses avanços são muito mais
uma conseqüência histórica da concentração regional da
atividade industrial e de pesquisa, do que de ações explícitas, quer do governo, quer do setor privado. São Paulo
precisa avançar na articulação das competências existentes, maximizando os investimentos já feitos em infra-estrutura e logística, ensino, pesquisa e serviços tecnológicos.
A própria institucionalidade pública reflete esse fato: dentre
as agências e órgãos de governo não há uma responsabilidade clara para os temas de inovação e competitividade.
Para o desenvolvimento econômico e social de São Paulo, essa agenda de articulação público-privada será decisiva para manter a capacidade de atrair investimentos, ampliar
exportações e melhorar o perfil do emprego, em direção a
ocupações mais qualificadas. São Paulo deve destacar-se
- parques tecnológicos;
- arranjos produtivos locais (clusters e cadeias produtivas);
- metrologia e serviços tecnológicos (tecnologias industriais básicas);
- estudos de suporte à decisão (política industrial, promoção comercial e comércio exterior, logística e infra-estrutura, empreendedorismo e capital de risco, crédito e financiamento).
Entretanto, a agenda de reformas do sistema paulista é bem
mais ampla. Alguns destes aspectos vêm sendo debatidos,
22
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO ...
- envio, à Assembléia Legislativa, de projeto de Lei de
Inovação para São Paulo, que crie estímulos para novos
tipos de parcerias público-privadas em setores estratégicos, flexibilize a gestão dos Institutos de Pesquisa e permita que Institutos e Universidades participem do capital
de empresas de propósitos específicos e fundos mútuos
de investimento voltados para atividades de C&T;
a exemplo da formulação de uma Lei Paulista de Inovação
Tecnológica. Além dessas, outras questões concretas
poderiam ser desencadeadas a partir da elaboração de um
Master Plan, dentro das seguintes linhas:
- estímulos à atividade de P&D no ambiente empresarial
com a meta de se ter mais pesquisadores em empresas
obtendo-se, assim, mais resultados em inovação, patenteamento e competitividade;
- avaliação dos regimes jurídicos dos institutos públicos
e revisão da natureza das carreiras de servidores estaduais
na área de C&T;
- intensificação das ações para o desenvolvimento da
capacidade estadual de formação de recursos humanos,
através do planejamento e articulação entre instituições
que poderá ser propiciada pelo plano diretor para o desenvolvimento do ensino superior público em São Paulo
através do planejamento e da articulação entre instituições;
- criação de estrutura adequada de gestão de programas
de grande impacto, como a implantação dos Parques
Tecnológicos de São Paulo, com flexibilidade de ação e
capacidade efetiva de ação;
- autorização para que entes públicos constituam e/ou
participem do capital desses empreendimentos.
- novos modelos de financiamento e funding das atividades de P&D: arranjos cooperativos com setor privado em
novos modelos de negócios para C&T (participação em
empreendimentos de propósitos específicos, participação
em fundos mútuos de investimento, etc.);
O fundamental, para a política de C, T&I de São Paulo, é
identificar os gargalos e as oportunidades de médio prazo,
para que as ações públicas e privadas sejam convergentes
e que as reformas institucionais e financeiras necessárias
sejam acordadas entre os atores. Essa capacidade de antever
minimamente o futuro deveria ser o ponto de partida das
reformas, que devem ter rumo e ser implementadas com determinação, porque delas dependerá o maior ou menor êxito
do desenvolvimento tecnológico de São Paulo.
- estímulos a parcerias com investidores privados em grandes projetos de interesse do Governo Estadual, ancorados
em garantias do Governo do Estado de São Paulo e novos
tipos de engenharias financeiras;
- Reforma institucional do sistema estadual de C,T&I: criação de uma agência estadual de fomento à competitividade
e ao desenvolvimento; novos formatos de modelo de gestão para os institutos de pesquisa – como organizações
sociais ou contratos de gestão; avaliação sobre a criação
de novos institutos de pesquisa, redes e parcerias público-privadas; avaliação da infra-estrutura instalada em São
Paulo em novas áreas de pesquisa (nanotecnologia,
biotecnologia, etc.) e de modelos alternativos de ação
institucional nessas áreas;
NOTAS
Uma versão inicial deste artigo foi publicada em coletânea organizada pela Assembléia Legislativa de São Paulo e pela Fundação Seade.
1. Este último percentual depende da definição que se dê ao termo
“produção científica nacional” – por exemplo veremos adiante que
em termos de publicações em revistas científicas de circulação internacional cadastradas na base do Institute for Scientific Information (ISI) a contribuição do Estado de São Paulo chega a 53%.
- implantação e consolidação de um conjunto de arranjos
produtivos locais (ALPs) em São Paulo, por meio de uma
melhor coordenação das ações já existentes, com claro
ponto focal e aumento da capacidade de gestão local;
2. O Diretório dos Grupos de Pesquisas do CNPq (Censo 2002) é
um levantamento cadastral, focalizado na pesquisa de natureza
acadêmica e não representa o universo da pesquisa brasileira. Mas
é o melhor levantamento existente e seus números são cada vez
mais próximos da realidade da pesquisa acadêmica brasileira (CNPq,
2003).
- estímulo para a interação universidade-empresa: implantação de modelos de interação público-privados mais efetivos; análise de autorização legislativa para a constituição de empresas vinculadas às Universidades para explorar
licenciamento de tecnologia, propriedade intelectual e
implementar novas parcerias com o setor privado em inovações e em tecnologias desenvolvidas no âmbito das universidades;
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
3. Estimativas preliminares dos autores indicam um gasto em relação ao PIB maior do 1,1%, mas preferimos manter aqui os números publicados pela Fapesp.
4. O quadro do ensino superior é mais amplo e retratado mais à
frente neste artigo, mas os números levantados pelo CNPq são úteis
para diferenciar, dentre os institutos de pesquisa e as entidades de
ensino superior, aquelas instituições em que a pesquisa científica e
tecnológica é mais relevante.
23
CARLOS A MÉRICO P ACHECO / C ARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ
5. As sucessivas edições do Diretório de Pesquisa do CNPq (1993,
1995, 1997, 2000 e 2002) indicam uma acentuada redução do
percentual de doutores trabalhando em São Paulo: de 50% para 32%
do total, ao longo de quase dez anos. Este é um fato real, conseqüência da maior qualificação do corpo docente e pesquisadores das demais
universidades e instituições de pesquisa. Mas a natureza cadastral
do Diretório, e a melhoria da cobertura ano a ano, sugerem cautela
na interpretação dos resultados, uma vez que parte desta redução é
conseqüência da maior cobertura das estatísticas.
CNPq. Censo 2002. Brasília: CNPq/Diretório dos Grupos de
Pesquisa, 2003. Disponível em: <http://www.cnpq.br/gpesq2/>.
6. Portal do MEC Espanha. Disponível em: <http://wwwn.mec.es/
educa/ccuniv/html//estadistica/series/institucional.pdf>. Acesso em:
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________. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica –
Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002b.
7. Portal do MEC Espanha. Disponível em: <http://wwwn.mec.es/
educa/ccuniv/html//estadistica/series/evolucion.pdf>. Acesso em:
22 abr. 2005.
________. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
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São Paulo 2001. São Paulo: 2004.
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economy. In: SMITH, B.; BARFIELD, C. (Ed.). Technology,
R&D and the Economy. Washington, DC: The Brookings
Institutions, 1996. p. 132.
8. Dados da Sinopse do Censo do Ensino Superior 2003 (MEC,
2004).
9. Adam Smith (1776): “All the improvements in machinery,
however, have by no means been the inventions of those who had
occasion to use the machines. Many improvements have been made
by the ingenuity of the makers of the machines, when to make
them became the business of a peculiar trade; and some by that of
those who are called philosophers or men of speculation, whose
trade it is not to do anything, but to observe everything; and who,
upon that account, are often capable of combining together the
powers of the most distant and dissimilar objects”.
MEC. Sinopse do Censo do Ensino Superior 2003. Brasília:
Inep, 2004.
NSF – The National Science Foundation. Science and
Engineering Indicators Report. Arlington, VA: NSF/National
Science Board, 2004.
________. Doctorate Recipients from United States
Universities: Summary Report 1998. Arlington, VA: 2002.
10. Os dados de vários países da OECD mostram que o número de
pesquisadores em empresas é de 30% a 50% daquele do total de
pessoal alocado em atividades de P&D.
________. National Patterns of R&D Resources: NSF 96-333,
Special Report. Arlington, VA: 1996.
11. Esses valores de pessoal ocupado se referem ao total da indústria, independente da declaração da empresa sobre suas atividades
de inovação em produto e processo. Em atividades de serviços e na
indústria da construção a Paep revela, respectivamente, a existência de 10.305 e 820 pessoas de nível superior trabalhando em atividades de P&D.
OECD. Science, Technology and Industry Outlook. Paris: 2004.
________. Main Science and Technology Indicators – MSTI.
Paris: 2003.
________. The Measurement Of Scientific And Technological
Activities Using Patent Data As Science And Technology
Indicators Patent Manual. Paris: 1994.
12. A população de São Paulo, em 2002, era de 38.730.682 (PNAD,
2002); e, na Coréia, de 48.598.175 (2002).
RAUSCH, L.M. R&D continues to be an important part of the
innovation process. Data Brief, National Science Foundation –
NSF, n. 7, August, 7 1996. Disponível em: <http://www.nsf.gov/
statistics/databrf/sdb96313.htm>.
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tecnológica brasileira: uma descrição de estatísticas de produção
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o país precisa. Parcerias Estratégicas, v. 1, n. 8, p. 5-30, 2000.
CARLOS AMÉRICO PACHECO: Engenheiro de Eletrônica (ITA, 1979),
Doutor em Economia (Unicamp, 1989), Ex-Secretário Executivo do
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BRITO CRUZ, C.H.; LETA, J. A produção científica brasileira.
In: VIOTTI, E.B.; MACEDO, M. de M. (Org.). Indicadores de
ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed.
Unicamp, 2003.
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ: Engenheiro de Eletrônica (ITA,
1978), Doutor em Física (Unicamp, 1983), Ex-Reitor da Unicamp,
Diretor Científico da Fapesp.
BRITO CRUZ, C.H.; PACHECO, C.A. Conhecimento e
inovação: Desafios do Brasil no século XXI. Campinas, 2004.
Mimeografado. Disponível em:
<http://www.inovacao.unicamp.br/report/inte-britopacheco.shtml>.
Artigo recebido em 1 de março de 2005.
Aprovado em 21 de março de 2005.
CIA. The factbook. Disponível em: <http://www.cia.gov./cia/
publications/factbook/>.
24
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 3-24, jan./mar. 2005
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
GUILHERME ARY PLONSKI
Resumo: Este artigo identifica os equívocos recorrentes no tratamento da inovação tecnológica no Brasil e
propõe o estabelecimento de um movimento pela inovação tecnológica, com quatro bases: compreensão do
que é (e do que não é) inovação tecnológica; valorização de cada componente relevante; reconhecimento do
caráter sistêmico e autocoordenado; e estabelecimento de suporte adequado.
Palavras-chave: Inovação tecnológica. Política tecnológica. Sistemas de inovação.
Abstract: Recurrent mistakes in the treatment of technological innovation in Brazil are identified. A movement
on behalf of technological innovation is proposed, based on: an understanding of what technological innovation
is (and is not); appreciation of every relevant component; recognition of its systemic and self-coordinating
character; and the establishment of an appropriate support.
Key words: Technological innovation. Technology policy. Innovation systems.
Se, a princípio, a idéia não é absurda,
então não há esperança para ela.
Albert Einstein
mobilização associada à Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em setembro daquele
ano (nova versão desse evento está programada para outubro de 2005). A atual administração federal ratificou e
ampliou a presença pública da tecnologia, pela sua inclusão em um dos carros-chefe da agenda econômica, que é
a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
– PITCE. Uma de suas medidas mais evidentes é a Lei no
10.973/04, que tem por apelido “Lei da Inovação”.
Também no âmbito estadual vem se observando uma
presença crescente da tecnologia. Em São Paulo, por exemplo, “o aperfeiçoamento tecnológico das empresas e das
instituições públicas” é o objeto do primeiro dos quatro
pilares da iniciativa São Paulo Competitivo, estabelecida
pelo governo desse Estado no Decreto no 49.274/04.
De forma mais lenta, o tema da inovação tecnológica
vem adquirindo alguma visibilidade no espaço microrre-
A
inovação tecnológica vem sendo crescentemente
invocada como estratégia para redimir empresas,
regiões e nações de suas crônicas aflições econômicas e para promover o seu desenvolvimento. Por esse
motivo, a implementação de políticas eficazes de estímulo à inovação tecnológica tornou-se, a partir dos anos 90,
um dos eixos estruturantes da atuação da Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE,
que abrange 30 países comprometidos com a democracia
pluralista e a economia de mercado.
Essa proposição vem ganhando projeção no Brasil,
principalmente a partir de 2001, como decorrência da
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
25
GUILHERME ARY PLONSKI
gional. A fim de acelerar a conscientização dos novos dirigentes municipais a esse respeito, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – Anprotec recentemente publicou o manifesto
Agenda das Cidades Empreendedoras e Inovadoras, com
“idéias e propostas para prefeitos que querem gerar emprego e renda promovendo o desenvolvimento sustentável de suas cidades”.
O setor produtor, por sua vez, está explicitando de forma crescente a inovação tecnológica em suas agendas.
A Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento
e Engenharia das Empresas Inovadoras – Anpei, que já
tem esse tema presente de longa data, escolheu o tema
Cadeias Sinérgicas de Inovação como foco de sua V Conferência, em maio de 2005. A Confederação Nacional
da Indústria – CNI estará realizando pela primeira vez,
também em 2005, o Congresso Brasileiro de Inovação
da Indústria, organizado pelo seu Conselho Temático
Permanente de Política Industrial e Desenvolvimento
Tecnológico.
Essas agendas são justificadas por estatísticas que
indicam baixo grau de inovação tecnológica na indústria
nacional. A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
(Pintec 2000), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE (2002), indicou que 32%
das indústrias fizeram pelo menos uma inovação no
período 1998-2000. Como era de se esperar, a maior parte
dessas indústrias (38%) se localizava no Estado de São
Paulo que, todavia, tinha uma taxa de inovação similar à
nacional (33%). Focalizando apenas a inovação no
produto, a taxa cai substancialmente – de 19% para
6% –, ao se considerar
dutos agrícolas transgênicos. De um lado, a ênfase esposada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento na geração de renda e de divisas ensejada pela nova
tecnologia e, de outro, a rotulagem dos produtos transgênicos como “inovações suspeitas” pelo Ministério do
Meio Ambiente, em decorrência de que deveriam eles ser
banidos por ora, em alinhamento ao que reza o “princípio
da precaução”.
O efeito sobre a biossegurança não é a única fonte de
polêmica, no Brasil e no exterior, decorrente da ambivalência percebida da inovação tecnológica. Os sentimentos opostos perpassam outras questões críticas para a sociedade, além da sustentabilidade ambiental, tais como seu
impacto sobre emprego e distribuição de renda, privacidade pessoal e segurança pública, guerra e terrorismo, riscos de acidentes e de danos causados por incompetência.
Ilustra a primeira questão a própria Constituição Federal
em vigor, ao determinar, no art. 7o, XXVII, que é direito
dos trabalhadores urbanos e rurais a “proteção em face da
automação, na forma da lei”.1
Não obstante existirem desinteligências acerca das
importantes questões retromencionadas, a inovação
tecnológica é vista, de forma geral, sob uma ótica
favorável. Em parte, talvez, por ainda haver uma confusão
na sociedade sobre a própria noção de inovação, permitindo a acomodação de posições que, em princípio, seriam
divergentes.
Por outro lado, a inovação tecnológica, como idéiaforça, corre expressivo risco de desgaste, caso os benefícios dos investimentos financeiros e emocionais
feitos não se materializarem em prazo razoável, nem
se tornarem adequadamente percebidos. A memória
nacional registra numerosas propostas – algumas recendendo a sebastianismo, mas outras bastante sérias – que
ocuparam mentes e corações durante curto período,
caindo em descrédito.
O risco de esvaecimento da capacidade atrativa da inovação tecnológica é alto, em face de dois fenômenos de
fragmentação que se combinam. Um é a repartição histórica no seio dos governos, que descontinuam iniciativas
antes mesmo de que tenham tido tempo de maturar – o
que nem permite o benefício da aprendizagem pelo erro.
Essas descontinuidades recorrentes são causadas por troca de dirigentes setoriais – por vezes anulando ações encetadas na gestão precedente sob a mesma direção superior – e pela tradicional dificuldade de sensibilizar as
autoridades econômicas. 2 O resultado desastroso é o
descompasso no desenvolvimento de iniciativas, mesmo
inovadora a empresa que introduziu um produto (bem um
serviço) tecnologicamente novo ou significativamente
aperfeiçoado que tenha sido novo não apenas para a
empresa, mas também para o mercado nacional
(FUNDAÇÃO SEADE, 2005).
Reforçando essa constatação preocupante, recente trabalho do Ipea indica que apenas 2% das indústrias brasileiras “inovam e diferenciam produtos” (ARBIX, 2005).
As demais se dividem entre empresas especializadas em
produtos padronizados (21%) e aquelas que não diferenciam produtos e têm produtividade menor (77%).
Contudo, por detrás de discursos aparentemente uníssonos, há visões contrastantes a respeito do valor da inovação tecnológica. Um exemplo recente foi uma ruidosa
polêmica no seio do próprio governo federal sobre pro-
26
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
as já comprometidas, reforçando sensações de ceticismo
e descrédito.
A outra fragmentação, que se soma à anterior, ocorre
na sociedade brasileira. Ela também se reflete no campo
da inovação tecnológica, mediante redundância descabida de ações, desconsideração de investimentos públicos
já feitos, exacerbação da competição em detrimento de
esforços cooperativos e outros desvios de conduta coletiva, configurando o que Freud denominou “narcisismo das
pequenas diferenças”.
Nesse contexto difícil, como aumentar a probabilidade de geração de benefícios pela via da inovação
tecnológica, que a tornem relevante para a sociedade em
prazo razoável?
Este artigo sugere o estabelecimento de um Movimento
pela Inovação Tecnológica, agregando entes que compartilham o desejo de contribuir para a efetiva incorporação
da inovação tecnológica como motriz do desenvolvimento
social e econômico brasileiro. Sua sigla (MIT) coincide,
não por acaso, com a de prestigiosa instituição norteamericana, que simboliza a inovação tecnológica e o
empreendedorismo inovador.
Todo movimento social precisa de valores compartilhados. Nesse sentido, propõe-se um conjunto de argumentos, agrupados em quatro bases:
- compreensão do que é (e do que não é) inovação
tecnológica;
temente confundindo-o com invenção. [...] Inovação é o
processo de tornar oportunidades em novas idéias e colocar
estas em prática de uso extensivo.
Três equívocos conceituais freqüentes no entendimento da inovação tecnológica merecem tratamento: reducionismo (considerar inovação apenas a de base tecnológica),
encantamento (considerar inovação tecnológica apenas a
espetacular) e descaracterização (relaxar o requisito de
mudança tecnológica dessa inovação).
“Inovação tecnológica” é uma espécie do gênero “inovação”. Como se depreende da citação anterior de Freeman,
inovação é um fenômeno marcadamente socioeconômico,
que envolve mudanças e empreendedorismo. E não, como
muitos supõem, uma ocorrência de caráter predominantemente técnico e necessariamente decorrente de avanços
singulares das ciências experimentais.
Na expressão do conhecido pensador da Administração, Peter Drucker (1986),
A inovação [...] não precisa ser técnica, não precisa sequer
ser uma ‘coisa’. Poucas inovações técnicas podem competir,
em termos de impacto, com as inovações sociais, como o
jornal ou o seguro. As compras a prazo literalmente
transformaram as economias.
Há, evidentemente, um espaço relevante para a inovação derivada de conquistas científicas e do progresso técnico. Drucker (1986), ao recomendar o monitoramento de
sete fontes para uma oportunidade inovadora, destaca uma
fonte, que é o conhecimento novo:
- valorização de cada componente relevante para a inovação tecnológica;
- reconhecimento do caráter sistêmico e autocoordenado
da inovação tecnológica;
A inovação baseada no conhecimento é a ‘superestrela’ [...]
Ela é o que as pessoas normalmente querem dizer quando
falam sobre inovação. [...] As inovações baseadas no
conhecimento diferem das demais inovações em suas
características básicas [...] e nos desafios que apresentam
para o empreendedor. E, como a maioria das ‘superestrelas’,
a inovação baseada no conhecimento é temperamental,
caprichosa e difícil de controlar.
- estabelecimento de suporte adequado à inovação
tecnológica.
BASE 1: COMPREENSÃO DO QUE É (E DO
QUE NÃO É) INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Um problema bem formulado
é um problema meio resolvido.
Charles Kettering
Toda inovação envolve mudanças. A inovação tecnológica é caracterizada pela presença de mudanças
tecnológicas em produtos (bens ou serviços) oferecidos à
sociedade, ou na forma pela qual produtos são criados e
oferecidos (que é usualmente denominada de inovação no
processo). Inovações tecnológicas em produto e processo
evidentemente não se excluem mutuamente; pelo contrário, podem se combinar, como, por exemplo, na comer-
Um dos pioneiros e, até hoje, dos mais importantes
estudiosos da inovação, Chris Freeman (1982), da
University of Sussex (Reino Unido), alertava, já há mais
de duas décadas, que
um dos problemas em gerir a inovação é a variedade de
entendimentos que as pessoas têm desse termo, freqüen-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
27
GUILHERME ARY PLONSKI
cialização de DVDs (produto inovador) pela Internet (processo inovador).
Uma outra classificação, de interesse para as políticas
públicas – incluindo as de fomento à inovação – e para a
gestão, busca lidar com o espectro de inovações tecnológicas no que se refere ao grau da mudança envolvida.
Essa grande variedade leva à conhecida categorização das
inovações em incrementais, radicais ou transformadoras
(também chamadas de revolucionárias).
Valores midiáticos têm levado a distorções acerca da
relevância relativa dessas categorias no mundo real. Inovações tecnológicas incrementais são menosprezadas,
enquanto pretensas inovações radicais ou transformadoras
são alardeadas muito antes de se demonstrarem como tais.
Mudanças tecnológicas incrementais são, por vezes,
percebidas como de segunda categoria. Caberiam, quando muito, no vestíbulo do olimpo da inovação – este inacessível às empresas de porte pequeno e às sociedades que
não dispõem dos elevados recursos (notadamente talento
e capital) requeridos para gerar inovações radicais. Ledo
engano, entre outros motivos, pelo fato de desconsiderar
o expressivo efeito econômico e social do processo cumulativo de mudanças tecnológicas incrementais.
A importância das inovações incrementais para os negócios, inclusive os das megaempresas, está começando
a ser detectada pela mídia mais percuciente, como o periódico The Economist, formador de opinião de dirigentes
empresariais e de formuladores de políticas públicas em
muitas partes do globo terrestre. Artigo com a pitoresca
chamada “Não ria de borboletas engalanadas”, na seção
de Inovação nos Negócios, da edição de 22 de abril de
2004, tem o subtítulo: “Mais do que perseguir novos produtos miraculosos, as grandes empresas devem focalizar
a realização de numerosos pequenos melhoramentos”.
Explica que as grandes empresas
ocorre o fenômeno combinado da duplicação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em uma
década, com a redução pela metade das drogas verdadeiramente novas aprovadas pela agência reguladora norteamericana.
Há, contudo, espaços expressivos para inovações
incrementais, de expressivo valor social e econômico, por
exemplo, na forma de ministrar medicamentos e nutrientes, pelo avanço da tecnologia de microencapsulação. Esses
espaços vêm sendo explorados no Brasil, em particular
no sistema paulista de inovação tecnológica.4
O equívoco conceitual antípoda ao do encantamento é
o da descaracterização, ou seja, considerar quase qualquer
inovação como sendo tecnológica. Trata-se, por um lado,
de uma questão contábil, que deve ser resolvida para fins
de cálculo honesto dos indicadores de inovação tecnológica empresarial, estadual e nacional, uma vez que eles se
baseiam em dados provenientes de autodeclaração.
Por outro lado, a descaracterização está passando a ser
utilizada ideologicamente, de maneiras nem sempre sutis,
por entidades e iniciativas interessadas em realocar para
fins distintos recursos financeiros de fomento e apoio que,
pelas regras vigentes, devem ser alocados exclusivamente em atividades voltadas à inovação tecnológica.
Assim, entre outros cuidados, é necessário estipular o
referencial de novidade para se caracterizar uma inovação tecnológica. Há, evidentemente, que explicitar se a
mudança tecnológica se refere à própria organização, ao
mercado nacional ou ao mundo. É imprescindível, também, precisar o caráter tecnológico da inovação.5
O movimento pela inovação tecnológica precisa ser,
ao mesmo tempo, abrangente e seletivo.
BASE 2: VALORIZAÇÃO DE CADA
COMPONENTE RELEVANTE PARA A
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
pensam em inovação como sendo algo parecido com Botox
– injete nos locais corretos da empresa e os melhoramentos
obrigatoriamente ocorrerão. Mas muitas empresas querem
uma injeção muito grande, um sucesso retumbante (no
original, blockbuster), cujo efeito lhes perdure durante o
futuro previsível. Infelizmente, a inovação bem sucedida
raramente ocorre desse jeito.
Um bom cientista é uma pessoa com idéias originais.
Um bom engenheiro é uma pessoa que faz um projeto que funciona
com a menor quantidade possível de idéias originais.
Freeman J. Dyson
A inserção da inovação tecnológica no processo de desenvolvimento econômico e social requer das políticas públicas e da gestão das organizações inovadoras tratamento
eqüitativo e integrado de seus elementos contributivos.
São componentes relevantes da inovação tecnológica,
sem a eles se limitar, o empreendedorismo inovador, o
Reforça-se ali o argumento pela constatação de que,
mesmo num setor intensivo em tecnologia como o de
corantes, nenhuma inovação radical ocorreu nos últimos
50 anos. 3 E que no glamouroso setor farmacêutico,
diretamente ligado a avanços espetaculares da ciência,
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
marketing (entendido em seu sentido lato6 ), a pesquisa
científica e tecnológica, a invenção, o desenvolvimento
tecnológico, a engenharia não-rotineira, a tecnologia industrial básica – TIB, o design (por vezes incluído na TIB),
o financiamento (incluindo o capital empreendedor), os
mecanismos de estímulo (fiscais, financeiros e outros), a
extensão tecnológica, a educação em diversos níveis (inclusive a educação continuada), a comunicação social, a
gestão do conhecimento e o gerenciamento de programas
e projetos complexos.
Cabe observar que a referida complexidade se deve,
em boa medida, ao desafio de conseguir compatibilizar
as peculiaridades (valores, etos, requisitos) distintas das
entidades envolvidas na realização de cada componente.
Na prática nacional, alguns componentes são desconsiderados e outros são encorpados, há componentes que são
tomados pelo todo e é muito baixo o grau de integração
no seu tratamento.
Entre os elementos contributivos essenciais para a inovação tecnológica que são persistentemente desconsiderados
pelas políticas públicas está a engenharia não-rotineira.7 A
evidência contundente é a total ausência do termo “engenharia” nos quase 30 artigos da recente Lei no 10.973/04,
que pretende ser um divisor de águas no campo da inovação tecnológica.8 Não por acaso, apenas “pesquisa” é ali
mencionada como componente destacado da inovação.9
Essa mensagem reforça o modelo ofertante de inovação
tecnológica, dominado pelo paradigma da inovação radical direcionada pelo avanço científico (science-driven).
Outra prática usual em nosso meio é considerar um dos
elementos contributivos da inovação tecnológica como se
fosse a ela idêntico. Remanesce o problema apontado por
Freeman da indistinção entre invenção e inovação, como
se vê em numerosos textos e exposições que lançam mão
do número de patentes, que são uma medida de invenção,
para analisar o estado da inovação no Brasil.
Esses analistas interpretam a baixa quantidade de patentes depositadas nos Estados Unidos por residentes brasileiros como indicador de debilidade da inovação entre
nós. Eles justificam essa conclusão pelo contraste da estabilidade temporal do reduzido número de patentes com
o expressivo avanço no campo da produção científica brasileira, medido por artigos em periódicos especializados
arbitrados e pela comparação com o grande aumento do
número de patentes atribuídas, por exemplo, a residentes
da Coréia do Sul.
Originário dos anos 50, mas ainda em voga, o número
de patentes é um indicador problemático da inovação,
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
mesmo para a de base tecnológica. Ao focalizar a invenção, contempla apenas uma etapa de um longo e complexo caminho de trazer uma boa idéia a uma condição de
utilização extensiva pela sociedade, que é a essência do
conceito de inovação. No mundo real, aliás, parcela expressiva das patentes é depositada justamente para inibir
a inovação (por parte de concorrentes) ou para confundir
os trabalhos de inteligência competitiva feitos por rivais.
Outra limitação do uso da medida de patentes como
indicador de inovação tecnológica é a exclusão de outros
meios de proteção da propriedade intelectual, tais como o
direito autoral e o segredo industrial, que prevalecem em
setores produtores importantes de economias intermediárias, como a brasileira. Para fins de avaliação da posição
nacional deve-se, ainda, levar em conta que, no caso de
empresas transnacionais, a titularidade da patente é usualmente pedida pelo escritório que cuida da propriedade
intelectual, situado na matriz, e não pela unidade do país
em que a invenção foi realizada.
A dificuldade de interpretar o número de patentes per
se recomenda a sua utilização apenas juntamente com
outros indicadores, entre eles o balanço de pagamentos
tecnológico, a análise de produtos e setores de alta
tecnologia e estatísticas e indicadores da sociedade do
conhecimento.
A preocupação da OCDE de obter indicadores mais
precisos de inovação resultou no Manual de Oslo, que
focaliza as mudanças ao nível da firma, principalmente
em termos de inovação em produtos (bens e serviços).10
No que se refere à medição dos gastos para inovação em
produtos e processos na empresa, o Manual não se limita
aos efetuados em pesquisa e desenvolvimento (P&D), reconhecendo diversas outras categorias, tais como a aquisição de know-how, a capacitação relacionada a atividades de inovação em tecnologias de produto e processo e
os gastos de comercialização de produtos novos ou aperfeiçoados do ponto de vista tecnológico.
Uma crítica ao Manual de Oslo advém de sua pouca
adequação às condições dos países em desenvolvimento,
em cujas empresas a inovação é predominantemente
incremental. Uma proposta de mensuração alternativa
passou a ser buscada, resultando no Manual de Bogotá,
que introduz o conceito de “esforço de inovação”.
Uma métrica correta da inovação tecnológica e o tratamento equânime e integrado dos seus elementos
contributivos apenas ocorrerão se for adotada abordagem
sistêmica.
29
GUILHERME ARY PLONSKI
É útil, no esforço de autocoordenação, a noção de “rede
tecno-econômica”, a saber,
BASE 3: RECONHECIMENTO DO CARÁTER
SISTÊMICO E AUTOCOORDENADO DA
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
um conjunto coordenado de atores heterogêneos, envolvendo
laboratórios públicos, centros de pesquisa técnica, firmas
industriais, organizações financeiras, usuários e autoridades
públicas – que participam coletivamente no desenvolvimento
e difusão das inovações, e que, mediante numerosas
interações, organizam as relações entre a pesquisa científico-tecnológica e o mercado. Essas redes evoluem ao longo
do tempo, e sua geometria varia com a identidade dos atores
que a compõem (CALLON, 1992).
Não ande atrás de mim, posso não liderar.
Não ande à minha frente, posso não seguir.
Apenas ande ao meu lado e seja meu amigo.
Albert Camus
O Centro de Pesquisa sobre Inovação e Competitividade
da University of Manchester, no Reino Unido, chama a
atenção para três conceitos de inovação: como realização
ou façanha; como efeitos das realizações; e como capacidade de mudar (TETHER, 2003).
A forma mais usual de entender a inovação é pelas realizações do gênio humano – por vezes verdadeiras façanhas
– materializadas em artefatos e serviços incorporados em
nosso cotidiano. Essas realizações podem envolver uma extensão da fronteira do conhecimento (ou seja, requerendo
pesquisa), ou a utilização criativa de tecnologias existentes.
Outro conceito de inovação está associado ao conjunto de efeitos, intencionais e não-intencionais, dessas realizações. Configuram as noções de risco e incerteza, intrínsecas à inovação.
O entendimento mais abrangente da inovação é como
processo. O foco deixa de recair sobre as façanhas e seus
efeitos, passando a privilegiar atitudes, comportamentos
e práticas que ensejam à empresa, organização, região,
segmento da sociedade ou nação uma capacidade dinâmica
de mudança, que melhora a condição de responder
criativamente a desafios e de alcançar seus objetivos
estratégicos.
Gerida como processo, a inovação tecnológica não mais
se limita, como é hoje no Brasil, a uma coleção de fatos
episódicos de êxito (e outros tantos de insucesso). Adquire uma dinâmica vital, buscando se tornar um modo de
atuação reconhecido, uma maneira de ser válida da sociedade. Para que se consolide num movimento sustentado e
sustentável, como vem sendo o da qualidade em nosso país,
o trato da inovação tecnológica pelos seus diversos agentes deve desejavelmente considerar seu caráter sistêmico
e autocoordenado.
A idéia de autocoordenação é um avanço com relação
ao tradicional desiderato da cooperação entre instituições
científico-tecnológicas, empresas e governo, representado em modelos triádicos, tais como o conhecido Triângulo de Sábato11 e a Hélice Tríplice de Relações Universidade-Indústria-Governo.12
A circulação de intermediários – documentos, competências, dinheiro e artefatos técnicos – dá substância aos
nexos entre os nós da rede. O conhecimento das características de uma rede, tais como sua extensão, polarização
e graus de completude e de convergência, ajudam a delinear formas de boa governança.
O caráter sistêmico inspira-se no conceito de “sistema
nacional de inovação”, concebido por Lundvall, pesquisador da University of Aalborg, na Dinamarca, e exposto
à comunidade internacional por Chris Freeman
(ANDERSEN, 2002). O destaque conseguido pela indústria japonesa, no final da década de 80, havia reforçado
sua convicção de que o progresso técnico e a competitividade não dependiam apenas de P&D (e, portanto, não
se tratava apenas de aumentar os dispêndios em pesquisa), que a inovação tecnológica era um processo complexo e que a articulação entre geradores e usuários do conhecimento era o propulsor fundamental da inovação
tecnológica.
Daí a definição de Sistema Nacional de Inovação como
a rede de instituições públicas e privadas, cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias. A disseminação desse conceito,
como categoria analítica e instrumento de política, foi
muito rápida. Proliferaram estudos nacionais, entre eles a
análise comparativa de 14 países, coordenada por Richard
Nelson, da University of Columbia, nos EUA, que inclui
um interessante capítulo sobre o Brasil (NELSON, 1993).
Estudos encomendados pela OCDE trazem casos de
boas práticas e as seguintes recomendações de políticas
públicas para a gestão de seus sistemas nacionais de inovação: construir uma cultura de inovação, ajudando as
empresas a melhorar sua gestão nesse campo; aumentar a
difusão tecnológica, balanceando o apoio ao segmento de
tecnologia de ponta e o auxílio à disseminação do conhecimento tecnológico existente e da inovação por toda a
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
- aumento da transparência do processo decisório e da
ação governamental, com introdução de balanço anual de
atividades.
economia; promover redes e arranjos inovadores, evitando focalizar empresas isoladamente; aproveitar a globalização dos fluxos internacionais de bens, investimentos,
pessoas e idéias; e alavancar P&D, mediante agregação
de recursos públicos e privados, fomentando a cooperação entre os atores do sistema de inovação (OCDE, 1999).
Essas recomendações são relevantes para a plataforma
do aqui alvitrado movimento pela inovação tecnológica
no Brasil.
Será de utilidade para a referida plataforma do MIT no
Brasil avaliar criticamente a rica experiência nacional em
políticas públicas voltadas à inovação tecnológica. A compilação dos mecanismos de estímulo à inovação no Brasil
gerados no âmbito governamental, mormente na esfera
federal, ao longo da segunda metade do século 20 e início
do atual, levaria facilmente às dezenas. As ilustrações
apresentadas a seguir permitem ter idéia dessa variedade.
- Mecanismos de estímulo financeiro: pagamento da parcela da P&D de interesse da empresa que for realizado
por instituição científico-tecnológica externa; estabelecimento de incentivos fiscais a P&D; suavização do custo
de financiamento tomado para P&D; facilitação do processo de capitalização de empresas de base tecnológica;
e concessão de bolsas para estudantes e pesquisadores
participarem de projetos destinados a gerar inovações nas
empresas.
BASE 4: ESTABELECIMENTO DE SUPORTE
ADEQUADO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
A pessoa que promete tudo nada cumprirá
e quem promete muito corre o risco de usar
meios inadequados de cumprir suas promessas,
já estando a trilhar o caminho da perdição.
Carl Gustav Jung
É positivo o fato de as diretrizes da PITCE em vigor
contemplarem diversos quesitos propostos pela OCDE
para a gestão de sistemas de inovação. Das cinco linhas
de ação para a implantação da política, a primeira focaliza a inovação e o desenvolvimento tecnológico, compreendendo:
- estruturação de um sistema nacional de inovação que
permita a articulação dos agentes voltados para a inovação no setor produtivo;
- Mecanismos de estímulo moral: premiação de empresas, produtos e processos inovadores; e atribuição de reconhecimento a produtos inovadores de classe mundial.
- Mecanismos de estímulo orientados principalmente para
a inovação em empresas de pequeno porte: apoio à constituição de hábitats de inovação (incubadoras, parques
tecnológicos e empreendimentos afins); valorização do
empreendedorismo; pagamento de parcela da P&D feito
pela empresa mesmo sem participação de instituição científico-tecnológica externa; suporte tecnológico à exportação; e organização de arranjos para eficiência coletiva
(tais como consórcios e arranjos produtivos locais).
- harmonização da base legal, incluindo a Lei da Inovação;
- garantia do fluxo de recursos, já definidos legalmente,
como instrumento efetivo da política de inovação;
- criação e fortalecimento de instituições públicas e privadas de pesquisa e serviços tecnológicos, visando até
mesmo à difusão de tecnologias e extensão tecnológica;
- Mecanismos educacionais: pagamento total ou parcial
de programas de capacitação de gestores nos diversos
agentes do sistema de inovação e capacitação de empreendedores.
- reestruturação dos institutos de pesquisa tecnológica
nacionais e estaduais, reorientando suas prioridades e recuperando seus equipamentos e quadros técnicos;
- Mecanismos associados ao poder de compra do Estado: criação de núcleos de articulação com a indústria e
aquisição preferencial de bens e serviços estratégicos.
- ampliação do debate nacional, mediante retomada da
prática de conferências nacionais periódicas em torno de
temas estratégicos;
- estímulo aos projetos de extensionismo tecnológico;
- Disponibilização de infra-estrutura tecnológica: formação e capacitação de profissionais qualificados e estabelecimento de programas de reforço à tecnologia industrial
básica (incluindo metrologia, normalização, certificação,
propriedade intelectual e design).
- criação de empresas de base tecnológica integradas à
economia local ou regional;
Essa abundância de mecanismos reflete a intenção positiva dos gestores públicos, notadamente dos que cuidam
- utilização do potencial de ciência e tecnologia para superação dos desníveis regionais;
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
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GUILHERME ARY PLONSKI
temática, que é compreendê-la e tratá-la como jogo de
equipe. Cada um dos agentes – empresas, institutos
tecnológicos, instituições de ensino (superior e médio),
agências de fomento, entidades de capital empreendedor,
organismos formuladores de políticas públicas (executivo e legislativo), hábitats de inovação (incubadoras e parques tecnológicos), associações profissionais e setoriais,
entidades de trabalhadores, organizações não-governamentais, órgãos de imprensa, agências reguladoras e outros –
tem papel a cumprir.
O Brasil possui experiências inspiradoras do alcance
de resultados excelentes pela inovação tecnológica
mediante esforço cooperativo sustentado de longo prazo,
tal como a praticamente alcançada auto-suficiência em
petróleo.
Para que o conhecimento efetivamente (e não apenas
potencialmente) beneficie a sociedade, é preciso – mais do
que estimular a cooperação – estabelecer uma dinâmica de
coordenação entre os distintos agentes envolvidos na inovação. Isso requer uma política pela inovação tecnológica
e não apenas uma política para inovação tecnológica.
de agências especializadas. Contudo, em que pese o êxito
localizado de algumas dessas iniciativas, seu efeito conjunto em termos de alavancagem da inovação no Brasil
afigura-se módico. Diversos fatores podem ser arrolados,
entre os quais se destacam três.
O primeiro, estrutural, é a ausência de uma estratégia
científico-tecnológica acordada entre os principais agentes do sistema de inovação. O Brasil chegou perto de iniciar um processo participativo estruturado e estruturante,
capaz de estabelecer prioridades nacionais ancoradas numa
visão prospectiva fundamentada, que havia sido demandada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CCT) ainda em 1996. Anos depois, por motivos não explicados substantivamente, o MCT decidiu abortar a realização de um estudo prospectivo amplo, já em condições
de ser iniciado. O tema consta da agenda do atual CCT,
mas ainda não há sinal concreto de sua realização.
A construção de um conjunto consistente de objetivos
fundamentados e compartilhados, que responda à questão de “qual é o projeto do país e como a inovação
tecnológica pode ajudar a viabilizá-lo”, é essencial para a
autocoordenação já referida. Um MIT ajudará a assegurar que essa busca seja feita com isenção e competência,
valorizando a competência nacional existente no campo
do suporte a políticas públicas voltadas à inovação
tecnológica13 e contribuindo para a autonomia tecnológica
preconizada na Constituição Federal.
O segundo fator, tático, é o caráter espasmódico e fragmentado dos mecanismos. Geralmente efêmeros, têm sua
subsistência afetada mais por mudanças na direção dos
órgãos e entidades que o criaram do que em decorrência de
avaliação isenta. A inexistência, no Brasil, do eixo estruturante do desenvolvimento tecnológico voltado para a
inovação, primeiro fator apontado, torna esses mecanismos
mais vulneráveis a contingenciamento e outras restrições
por parte das autoridades responsáveis pelo orçamento e
pelo Tesouro.14 A presença do MIT possivelmente reforçará
as condições que dêem fôlego às iniciativas acordadas.
A terceira razão é a concentração dos mecanismos de
estímulo governamental em segmentos do processo de
inovação tecnológica a montante do “duto virtuoso”, em
correspondência ao clássico (e superado) modelo linear.
A participação ampla dos distintos agentes de inovação
tecnológica e a criação de relações de simetria no MIT
ensejará espaços para buscar a correção de distorções renitentes, algumas das quais apontadas neste artigo.
O estabelecimento do MIT também contribuirá para um
dos fatores-chave de sucesso na inovação tecnológica sis-
NOTAS
1. O Projeto de Lei no 4.502/1994, submetido pelo deputado federal
Aldo Rebelo (PCdoB-SP), “proíbe a adoção, pelos órgãos públicos, de
inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra”. Após três arquivamentos, o deputado, que então ocupava a liderança do governo na
Câmara dos Deputados, conseguiu que o Projeto fosse novamente
desarquivado, passando a tramitar na atual legislatura.
2. Exposição feita pelo Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT, na
reunião de 8 de abril de 2005 da Frente Plurissetorial em Defesa da
Ciência, Tecnologia e Inovação do Congresso Federal, indicou que o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
FNDCT ficou com apenas 30% do esforço de arrecadação dos Fundos
Setoriais em 2004. Também nos Estados ocorrem contingenciamentos,
que não são levantados mesmo com superação da arrecadação orçada,
bem como inadimplência de recursos legalmente comprometidos para
ciência, tecnologia e inovação.
3. É previsão deste autor que mudanças radicais provavelmente ocorrerão pela adoção de nanotecnologias.
4. A Nota Metodológica sobre Inovação Tecnológica, na Pesquisa da
Atividade Econômica Paulista – Paep 2001, cujos resultados foram
recentemente divulgados pela Fundação Seade, contempla essa situação: “um produto tecnologicamente novo é aquele cujas características básicas (especificações técnicas, usos pretendidos, software ou outro
componente imaterial incorporado) diferem significativamente de todos os produtos previamente produzidos pela empresa. A inovação
também pode ser progressiva e cumulativa, por meio de um significativo aperfeiçoamento tecnológico de produto previamente existente”.
5. Na Paep 2001, “não foram consideradas inovações tecnológicas as
puramente gerenciais ou organizacionais [...], mudanças estéticas e de
estilo no produto [...] e mudanças superficiais na embalagem e no conceito de produtos já existentes” (FUNDAÇÃO SEADE, 2005).
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
BASES PARA UM MOVIMENTO PELA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
6. Em sentido lato, o esforço de marketing de uma organização consiste no conjunto de estratégias e táticas usadas para identificar, criar
e manter relacionamentos satisfatórios com clientes e parceiros, que
resultem em valor tanto para os clientes e parceiros como para a organização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
7. A percepção da importância da engenharia levou a Anpei – originalmente, Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das
Empresas Industriais – a incluí-la em sua razão social, quando se decidiu a explicitar a inovação em seu nome. Passou, então, a se chamar
Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das
Empresas Inovadoras (grifos deste autor).
ARBIX, G. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das
firmas industriais brasileiras. Versão preliminar. Estudos e
Pesquisas. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Altos Estudos,
n. 96, 2005.
ANDERSEN, E.S. et al. Editorial, special issue, Innovation Systems.
Research Policy, v. 31, n. 2, p. 185-190, fev. 2002.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS ENTIDADES PROMOTORAS
DE EMPREENDIMENTOS INOVADORES. Agenda das cidades
empreendedoras e inovadoras. Brasília, 2004.
8. O esforço do Poder Legislativo de incluir a engenharia no substitutivo
ao projeto de lei acabou sendo frustrado ao longo das negociações finais com o Poder Executivo.
CALLON, M. et al. The management and evaluation of technological programs and the dynamics of techno-economic networks.
Research Policy, v. 21, n. 3, p. 215-236, jun. 1992.
9. Referida Lei “dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”. Proposta de legislação
similar, aprovada pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia em
fevereiro de 2005, em preparação para envio à Assembléia Legislativa,
destaca gama mais ampla de componentes, ao dispor “sobre incentivos à inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica, ao
desenvolvimento tecnológico, à engenharia não-rotineira e à extensão
tecnológica em ambiente produtivo no Estado de São Paulo”.
DON’T laugh at gilded butterflies. The Economist, London, 22 Apr.
2004.
DRUCKER, P. F. Inovação e espírito empreendedor: práticas e
princípios. São Paulo: Pioneira, 1986.
ETZKOWITZ, H. e LEYDESDORFF, L. The triple helix: universityindustry-government relations – a laboratory for knowledge based
economic development. EASST Review, v. 14, n. 1, 1995.
10. Uma contribuição interessante do Manual é a apresentação de sugestões para indicadores de efeitos da inovação sobre o resultado econômico da empresa. Entre esses, menciona: proporção das receitas de
vendas decorrentes de produtos novos ou aperfeiçoados nos três anos
anteriores; resultados do esforço de inovação em medidas específicas
de desempenho, tais como exportação e margem operacional; e impacto da inovação no uso dos fatores de produção, tais como redução
de custos.
FREEMAN, C. The economics of industrial innovation. 2. ed.
London: Frances Pinter, 1982.
FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa das Atividades Econômicas da
Indústria Paulista – Paep 2001. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br/paeponline/>.
11. Em 1968, Jorge Sábato, então diretor da Comissão Nacional de
Energia Atômica da Argentina, e Natalio Botana, então pesquisador
do Instituto para a Integração da América Latina, publicaram o artigo
C&T no desenvolvimento futuro da América Latina, em que prospectavam o então longínquo ano 2000. Nesse trabalho, os autores propõem que, para a superação do subdesenvolvimento – palavra hoje algo
fora de moda – da região e o seu acesso à condição de sociedade moderna, era necessária a inserção da C&T na própria trama do processo
de desenvolvimento. Esse processo resulta “da ação múltipla e coordenada de três elementos fundamentais para o desenvolvimento das
sociedades contemporâneas: o governo, a estrutura produtiva e a infraestrutura científico-tecnológica”.
IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec
2000. Rio de Janeiro: 2002. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br>.
NELSON, R.R. (Ed.). National innovation systems: a comparative analysis. New York: Oxford University Press, 1993.
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PLONSKI, G.A. Mantras da inovação. In: FLEURY, M.T. e
FLEURY, A. (Org.). Política industrial. São Paulo: Publifolha, v. 2,
2004. p. 93-118.
12. Em 1995, Henry Etzkowitz, professor de sociologia da C&T da
State University of New York (Suny), e Loet Leydesdorff, professor
de economia da University of Amsterdam, assim expuseram a rationale
da Hélice Tríplice: “Universidades e indústrias, até o presente esferas
institucionais relativamente separadas e distintas, estão assumindo
tarefas que anteriormente eram, em grande parte, a província da outra.
O papel do governo em relação a essas duas esferas está mudando em
direções aparentemente contraditórias. Os governos estão oferecendo
incentivos por um lado, e fazendo pressão pelo outro, sobre as instituições acadêmicas para elas irem mais além do desempenho das suas
funções tradicionais de memória cultural, educação e pesquisa, e fazerem uma contribuição mais direta para a ‘criação de riqueza’”.
________. Cooperação empresa-universidade na Ibero-américa:
estágio atual e perspectivas. In: PLONSKI, G.A. (Ed.). Cooperación
empresa-universidad en Iberoamérica: avances recientes. São
Paulo: Programa Cyted, 1995. p. 79-92.
TETHER, B.S. What is innovation? Approaches in distinguishing
new products and processes from existing products and processes.
Center for Research on Innovation & Competition (CRIC) Working
Paper n. 12. Manchester (RU): The University of Manchester, 29
ago. 2003.
13. Recente Seminário Internacional sobre Sistemas de Suporte a Políticas de Tecnologia e Inovação, organizado pelo Observatório de
Tecnologia e Inovação, operado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas para o governo do Estado de São Paulo, reforça a necessidade
de sociedades que pretendem alavancar seu desenvolvimento pela inovação tecnológica disporem de sistemas de suporte adequados.
GUILHERME ARY PLONSKI: Doutor em Engenharia de Produção. Professor
Titular da FEA-USP e Professor Associado da Escola Politécnica - USP.
Diretor superintendente do IPT ([email protected]).
14. Como contraponto, menciona-se o marcante caso da Irlanda, em
que se estabeleceu um compromisso nacional para o desenvolvimento
baseado na inovação tecnológica; a permanência dos mecanismos ao
longo de sucessivas administrações muito contribuiu para a transformação econômica e social ali ocorrida.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 25-33, jan./mar. 2005
Artigo recebido em 7 de março de 2005.
Aprovado em 30 de março de 2005.
33
JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES
SISTEMAS DE INOVAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO
as implicações de política
JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO
HELENA MARIA MARTINS L ASTRES
Resumo: A partir da discussão sobre uma co-evolução das idéias conceituais e analíticas a respeito do
processo inovativo e da formulação de políticas nos países mais desenvolvidos, este texto argumenta
que a incompreensão das particularidades do processo inovativo – e de suas conseqüências para o desenvolvimento – tem levado a equívocos que impedem avançar no sentido de propor e implementar políticas que dêem conta dos desafios e oportunidades colocados atualmente à sociedade e economia brasileiras.
Palavras-chave: Inovação. Desenvolvimento. Política industrial e tecnológica.
Abstract: Starting with a discussion about a co-evolution of conceptual and analytical ideas about
innovation process and the design of industrial and technological policies in developed countries,
paper argues that the misunderstanding of the specificities of the innovation process has led to
design and implementation of adequate policies to deal with the threats and opportunities faced by
Brazilian economy and society.
Key words: Innovation. Development. Industrial and technological politics.
N
um período marcado pela crescente incorporação
de conhecimentos nas atividades produtivas, a
inovação passou a ser entendida como variável
ainda mais estratégica para a competitividade de organizações e países. Estes têm enfrentado as mudanças dela
decorrentes de forma diferenciada, tendo em vista suas
especificidades históricas e socioeconômicas e as possibilidades permitidas pela sua inserção geopolítica. Alguns
países têm obtido melhores resultados tanto em termos do
aproveitamento das oportunidades apresentadas, como
pela superação das dificuldades inerentes ao processo de
transformação. Este trabalho argumenta que esses países
conseguiram definir e implementar novas estratégias capazes de reforçar e ampliar suas políticas científicas,
tecnológicas e industriais. Essas políticas realçam a
mobilização dos processos de aquisição e uso de conhecimentos e de capacitações produtivas e inovativas como
the
the
the
the
parte integrante fundamental de suas estratégias de desenvolvimento. Tal mobilização é estruturada a partir do conceito de “sistemas de inovação”.
Na segunda metade dos anos 90, a palavra mágica
“inovação” chegou ao Brasil, mas parece ainda não ter sido
assimilada e talvez sequer bem compreendida. De fato, ela
tem sido incluída na agenda das políticas industriais e
tecnológicas. Porém, não se percebem resultados mais
concretos das políticas implementadas, e o desempenho
inovativo da economia brasileira continua modesto. Na
maioria das vezes, o padrão de inovação que ocorre na
economia brasileira ainda é defensivo e adaptativo. A
exceção se encontra em segmentos da agroindústria
(devido ao papel da Embrapa e às especificidades do
processo de geração e difusão de inovações na agricultura),
em algumas atividades historicamente percebidas como
estratégicas e naquelas em que o papel do Estado foi
34
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ...
então, a inovação era vista como ocorrendo em estágios
sucessivos e independentes de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, produção e difusão (visão
linear da inovação). Geralmente a discussão sobre as fontes mais importantes de inovação polarizava-se entre aqueles que atribuíam maior importância ao avanço do desenvolvimento científico (science push) e os que destacavam
a relevância das pressões da demanda por novas tecnologias (demand pull).
Nas décadas seguintes, ocorre uma revisão em tal
conceituação: amplia-se a compreensão deste conceito. A
inovação passou a ser vista não como um ato isolado, mas
sim como um processo de aprendizado não-linear, cumulativo, específico da localidade e conformado institucionalmente. Essa revisão foi muito influenciada por dois
grandes programas de pesquisa empírica.
O primeiro foi o Projeto SAPPHO realizado sob a coordenação de Chris Freeman no Science and Technology
Policy Research – SPRU da Universidade de Sussex. Utilizando como metodologia uma metáfora da pesquisa em
biologia, o projeto comparou 50 inovações que tinham
obtido sucesso1 com aquelas que não se concretizaram2 .
Os resultados (ROTHWELL et al., 1974) sugeriram que algumas poucas características explicavam as diferenças entre
sucesso e falha. Além de registrar a importância das diferentes atividades internas à firma (produção, marketing,
vendas etc.) e também enfatizar a importância do ambiente
nacional, o projeto apontou como principais atributos dos
casos de sucesso: as ligações com fontes externas à firma de informação científica e tecnológica – os inovadores que tinham obtido sucesso, apesar de possuir seu próprio laboratório interno de P&D faziam uso considerável
de fontes externas, enquanto os casos de insucesso eram
caracterizados por falhas de comunicação com as mesmas;
e a preocupação com as necessidades dos usuários e formações de redes – inovações que falharam eram caracterizadas por falta de comunicação com os usuários, ao passo
que as que tinham tido sucesso caracterizaram-se por tentativas explícitas de entender as necessidades dos usuários, quase sempre através de processos cooperativos e
interativos.
Enquanto o SAPPHO dirigiu a análise para a inovação,
a Yale Innovation Survey – YIS realizada nos EUA concentrou-se no entendimento das estratégias das grandes
empresas norte-americanas para o desenvolvimento de
novos produtos e processos. Os resultados da YIS
demonstraram a extrema importância, para a inovação, da
acumulação de capacitações internas, fundamentais para
fundamental na constituição de sistemas de inovação e que
se mantêm sob controle nacional, como o setor de petróleo
e o aeronáutico.
Este texto argumenta que a incompreensão das particularidades do processo inovativo e de suas conseqüências
para o desenvolvimento tem levado a equívocos que impedem avançar no sentido de criar propostas e implementações políticas que dêem conta dos desafios e oportunidades colocados atualmente à sociedade e à economia
brasileira.
O texto está organizado da seguinte maneira: o item 2
apresenta uma breve discussão da co-evolução das idéias
conceituais e analíticas sobre o processo inovativo e a formulação de políticas nos países mais desenvolvidos. Esta
co-evolução centra-se, por um lado, no entendimento da
inovação não como um ato isolado por parte de uma empresa ou organização individual, mas sim como um processo sistêmico e interativo e, por outro lado, na reformulação
das políticas voltadas à inovação a partir de tais concepções. Esse item também argumenta que a abordagem neoschumpeteriana de sistemas de inovação apresenta importantes pontos de conexão com a literatura estruturalista
latino-americana produzida a partir do final dos anos 40,
especialmente no âmbito da Comissão Econômica para a
América Latina. O item 3 apresenta argumentos sobre a
vantagem da abordagem de sistemas de inovação, tanto
para tratar a realidade de países como o Brasil, mas principalmente para orientar a definição e implementação de
política. O item 4 argumenta que há importantes conexões
entre o enfoque neo-schumpeteriano em sistemas de inovação e o pensamento latino-americano sobre desenvolvimento. O item 5 apresenta as novas políticas implementadas pelos países mais avançados a partir do
referencial de sistemas de inovação. O item 6 discute os
principais desafios a serem superados por países em desenvolvimento para definir e colocar em prática políticas
voltadas a sistemas de inovação.
A CO-EVOLUÇÃO DAS IDÉIAS SOBRE
INOVAÇÃO E DAS POLÍTICAS INDUSTRIAIS
E TECNOLÓGICAS
Sabe-se que até mesmo economistas que colocaram o
processo de inovação no centro de suas teorias de desenvolvimento, como Joseph Schumpeter, não o estudaram em
profundidade. É apenas a partir do final dos anos 60 que,
através de diversos estudos empíricos houve um avanço
da compreensão sobre o significado da “inovação”. Até
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
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JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES
Mais ainda: foi naquele momento (início dos anos 80)
que se reconheceu, também nos países avançados, que as
decisões e estratégias tecnológicas são dependentes de
fatores muito mais amplos – como aqueles relativos aos
setores financeiros, sistemas de educação e organização
do trabalho (sinalizando já uma definição de “sistema nacional de inovação”). É interessante perceber que – conforme observado por diversos autores latino-americanos
e caribenhos, desde os anos 70 –, para entender a dinâmica do desenvolvimento industrial e tecnológico e propor
políticas adequadas para sua mobilização, é fundamental
considerar e atuar sobre os condicionantes do quadro
macroeconômico, político, institucional e financeiro específico de cada país. A percepção fundamental que levou a
esta ênfase foi a observação de que esse contexto nos
países menos desenvolvidos (PMDs) constitui-se em importante “política implícita”, que pode dificultar e até anular as políticas explícitas específicas (HERRERA, 1971).4
Mais significativo, porém, é que estes trabalhos – particularmente os de Chris Freeman (1982a, 1982b) – associam essas idéias sobre o processo inovativo ao surgimento
do novo paradigma tecnológico proveniente da idéia da
evolução do capitalismo em termos de ondas de crescimento e depressão de longo prazo, de que há necessidade de
iniciativas governamentais para se dar conta da incerteza
e de um pressuposto (certamente polêmico no contexto da
OCDE) de que o livre comércio seria desvantajoso para
países menos desenvolvidos.
O passo seguinte, de maior impacto, foi a proposta, no
Sundquist Report (OECD, 1988), de se adotar uma abordagem integrada para questões sociais, econômicas e
tecnológicas com evidentes implicações para a formulação de políticas. No mesmo ano foi publicada a clássica
coletânea Technical Change and Economic Theory (DOSI
et al., 1988), que introduziu na literatura acadêmica a idéia
de “sistemas de inovação”. O DSTI implementou o programa TEP (the Technology–Economy Programme) durante o período 1989 – 1992. Esse programa teve o efeito
de, pela primeira vez, transplantar para os documentos de
políticas da OCDE as novas idéias sobre sistemas de inovação que iam surgindo a partir das pesquisas anteriormente mencionadas. Principalmente no seu documentosíntese final Technology and the Economy: The Key
Relationships (OECD, 1992b), foram introduzidos os conceitos fundamentais advindos dos estudos de inovação
– formação de redes de cooperação, parcerias estratégicas, spillovers, a importância do conhecimento tácito.
Com maior significado de longo prazo na discussão e
que as empresas pudessem interagir com o ambiente externo. Mostraram também que a engenharia reversa era uma
forma utilizada pela grande maioria das empresas norteamericanas para apropriação de conhecimentos gerados na
economia como um todo.
Nesse sentido, evidenciou-se a relevância de fontes de
informação externas à firma, em particular as associadas,
principalmente, aos fluxos de conhecimento entre agentes
produtivos da mesma cadeia de produção e, em escala reduzida, à universidade. Os resultados da YIS mostraram
ainda que a freqüência e intensidade das relações de cooperação dependem significativamente de políticas públicas direta ou indiretamente voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico (KLEVORICK et al., 1995) e
apresentam significativas diferenças por áreas científicas,
setores de atividade e natureza das inovações.3
Estes estudos empíricos demonstraram, pela primeira
vez, a importância de redes formais e informais de inovação, mesmo que a palavra “rede” não fosse utilizada. Tais
trabalhos representam, de fato, os pilares básicos sobre
os quais, nos últimos 25 anos, vem sendo desenvolvida
uma “teoria da inovação”.
A ligação dessa idéia com a conceituação do processo
inovativo e com as propostas de políticas de inovação
ocorre através do Directorate for Science Technology and
Industry (DSTI) da OECD. Mais especificamente: através
da formação de um grupo ad hoc de assessoramento em
Ciência, Tecnologia e Competitividade que contava com
François Chesnais (do próprio DSTI), Christopher Freeman,
Keith Pavitt (ambos ex-integrantes do DSTI) e Richard
Nelson, entre outros. O grupo produziu Technical Change
and Economic Policy (OECD, 1980) – sem dúvida o primeiro documento de política de inovação elaborado por um
organismo internacional a desafiar as interpretações
macroeconômicas tradicionais para a crise dos anos 70 e
que enfatizou o papel das novas tecnologias para sua eventual superação: “a difusão da eletrônica para os demais
setores industriais e de serviços resultará em uma economia onde a tecnologia influencie a inovação em toda a parte”
(OECD, 1980, p. 48).
O caráter sistêmico da inovação já era reconhecido nos
documentos de trabalho do grupo:
the ‘coupling mechanisms’ between the education system,
scientific institutions, R&D facilities, production and markets
have been an important aspect of the institutional changes
introduced in the successful national innovation systems
(FREEMAN, 1982a).
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ...
A UTILIDADE DO CONCEITO DE
SISTEMAS DE INOVAÇÃO
implementação de políticas, foi introduzido o conceito de
sistema nacional de inovação.5
Essas evoluções tiveram como conseqüência a maior
relevância dada aos estudos de políticas da OCDE, às ligações e conexões dentro dos sistemas nacionais de inovação, assim como a imediata ênfase da visão sistêmica nas
propostas de políticas inovadoras. Este é um ponto que
será discutido em detalhe mais adiante. Aqui deve-se destacar apenas a dupla característica das novas políticas: a
inovação passa a ser o mais importante componente das
estratégias de desenvolvimento (e não apenas das políticas de C&T ou das políticas industriais); e as políticas a
ela direcionadas passam a ser entendidas como “políticas
direcionadas a sistemas de inovação”.
O foco em conhecimento, aprendizado e interatividade
deu sustentação à idéia de “sistemas de inovação”
(LUNDVALL, 1992; 1995; FREEMAN, 1988), destacando
As razões que explicam porque a abordagem de sistemas de inovação (SI) atraiu tanto interesse como ferramenta
que permite compreender e orientar os processos de criação, uso e difusão do conhecimento,6 estão relacionadas
ao renascimento do interesse em compreender as mudanças técnicas e as trajetórias históricas e nacionais rumo ao
desenvolvimento. Foi particularmente relevante o fato de
o conceito ter sido criado e desenvolvido em meados dos
anos 80, exatamente quando tomava corpo, e rapidamente
se difundia, a tese sobre a aceleração da globalização econômica que, inclusive, foi associada à hipótese de uma
certa tendência ao tecnoglobalismo. O desenvolvimento
desta abordagem reforçou o foco no caráter localizado (e
nacional) da geração, assimilação e difusão da inovação
em oposição à idéia simplista de um suposto tecnoglobalismo. A capacidade inovativa de um país ou região
é vista como resultado das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais, e reflete condições culturais
e institucionais próprias.
Ao se incorporarem e consolidarem os novos modos de
compreensão de inovação, privilegia-se a produção baseada na criatividade humana ao invés das trocas comerciais e da acumulação de equipamentos e de outros recursos
materiais – e a inovação e o aprendizado passam a ser
caracterizados como processos interativos com múltiplas
origens. Portanto, é reforçada a relevância das inovações
incrementais e radicais e a complementaridade entre elas,
assim como entre as inovações organizacionais e técnicas
e suas distintas fontes internas e externas à empresa. Esta,
por sua vez, é vista como uma organização inserida em
ambientes socioeconômicos e políticos que refletem
trajetórias específicas. Assim, cada caso deve ser entendido de acordo com suas peculiaridades, sua posição e seu
papel nos contextos nacional e internacional, para que se
avalie qual deve ser a estratégia mais apropriada a seu
desenvolvimento.
Além da compreensão da natureza sistêmica da inovação,
destaca-se também a importância da análise das dimensões
micro, meso e macroeconômicas, assim como a das
características das esferas produtiva, financeira, social,
institucional e política. Argumenta-se que, também aqui, o
enfoque sistêmico permite considerar o modo de inserção
dos diferentes países na economia e na geopolítica mundial.
Outro avanço crucial consolidado na abordagem de SIN
refere-se à constatação de que o conceito de inovação não
os ambientes nacionais ou locais onde os desenvolvimentos
organizacionais e institucionais produzem condições que
permitem o crescimento de mecanismos interativos nos quais
a inovação e a difusão de tecnologia se baseiam (OECD,
1992a, p. 238).
O “sistema de inovação” é conceituado como um
conjunto de instituições distintas que contribuem para o
desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado
de um país, região, setor ou localidade – e também o afetam.
Constituem-se de elementos e relações que interagem na
produção, difusão e uso do conhecimento. A idéia básica
do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho
inovativo depende não apenas do desempenho de empresas
e organizações de ensino e pesquisa, mas também de como
elas interagem entre si e com vários outros atores, e como
as instituições – inclusive as políticas – afetam o desenvolvimento dos sistemas. Entende-se, deste modo, que os
processos de inovação que ocorrem no âmbito da empresa
são, em geral, gerados e sustentados por suas relações com
outras empresas e organizações, ou seja, a inovação
consiste em um fenômeno sistêmico e interativo, caracterizado por diferentes tipos de cooperação.
Com relação a esse último ponto, conclui-se que esses
sistemas contêm não apenas as organizações diretamente
voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, mas
também, e principalmente, todas aquelas que, direta ou indiretamente afetam as estratégias dos agentes. Um corolário
de tal entendimento é que, por exemplo, o setor financeiro e
as políticas macroeconômicas mais amplas passam também
a ser objeto de preocupação e ação dos policy-makers.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
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JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES
vista as implicações e propostas de políticas delas decorrentes.
se restringe a processos de mudanças radicais na fronteira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por
grandes empresas através de seus esforços de pesquisa e
desenvolvimento (P&D). São importantes as conseqüências do reconhecimento de que a inovação se estende para
além das atividades formais de P&D e inclui novas formas
de produzir bens e serviços, que lhe são novos, independentemente do fato de serem novos, ou não, para os seus
competidores – domésticos ou estrangeiros. Essa percepção ajuda a evitar diversas distorções, incentivando os
policy-makers a adotarem uma perspectiva mais ampla
sobre as oportunidades para o aprendizado e a inovação
em pequenas e médias empresas (PMEs) e também nas
chamadas indústrias tradicionais. As implicações dessas
políticas são significativas, particularmente, em relação aos
PMDs.
Este tipo de abordagem revela-se de muita utilidade para
esses países. Ao invés de ignorar as especificidades dos
diferentes contextos e atores locais, os principais blocos
do enfoque em sistemas de inovação exigem que elas sejam captadas e analisadas. A contextualização na análise
do processo de aprendizagem e capacitação tem particular
importância para países e regiões menos desenvolvidos.
Aqui reiteramos que, na discussão sobre geração e uso de
conhecimentos de relevância para fins econômicos, o contexto importa e a geopolítica ainda mais. A ênfase em tratar a inovação como um processo cumulativo e específico
ao contexto determinado permite desmistificar, por exemplo, idéias simplistas sobre as possibilidades de gerar,
adquirir e difundir tecnologias em países menos desenvolvidos. Tal ênfase torna claro que a aquisição de tecnologia
no exterior não substitui os esforços locais. Ao contrário,
é necessário muito conhecimento para poder interpretar a
informação, selecionar, comprar (ou copiar), transformar e
internalizar a tecnologia importada.
Outro aspecto essencial para todos os países, especialmente os menos desenvolvidos, é o papel central dado à
inovação para a competitividade dinâmica e sustentável
(COUTINHO; FERRAZ, 1994). Esta contrasta com a usual
prioridade dada à exploração das vantagens competitivas
tradicionais (como baixos custos de mão-de-obra e de exploração de recursos naturais sem uma perspectiva de longo prazo e manipulação da taxa de câmbio), as quais
Fajnzylber (1988) chamou de “espúrias”. Este é mais um
exemplo das coerências identificadas entre a abordagem
utilizada em sistemas de inovação e o pensamento latinoamericano sobre desenvolvimento. Explicitar essas conexões torna-se um tema relevante para este texto, tendo em
CONEXÕES ENTRE O ENFOQUE EM SISTEMAS
DE INOVAÇÃO E O PENSAMENTO LATINOAMERICANO SOBRE DESENVOLVIMENTO
Inicialmente deve ser ressaltado o fato de que os fundamentos de ambas as escolas coincidem com a tradição
de abordagem da realidade econômica – cujo foco principal é a produção ao invés da troca, como na visão clássica dos fisiocratas (REINERT; REINERT, 2003). Essa tradição, cujas raízes podem ser encontradas na Itália
renascentista (SERRA, 1616), sugere que a riqueza se
origina de fontes imateriais: fundamentalmente, da
criatividade (conhecimento) e que a acumulação de ativos ocorre por meio da incorporação de novas tecnologias
que alteram o estoque do conhecimento (inovação).
É a partir da ênfase inicial no conhecimento e nos retornos crescentes a ele associados que podem ser descritos os mecanismos positivos de retro-alimentação na
economia, que levam a ciclos virtuosos de desenvolvimento num sistema nacional. A idéia da especificidade
nacional presente nos trabalhos renascentistas é característica também das visões cepalina e neo-schumpeteriana – especialmente a partir das conexões com os
trabalhos da escola alemã, em particular em List (1856) que
também já enfatizava a percepção sistêmica.7
Portanto, para ambas as visões, os processos de desenvolvimento econômico são caracterizados por profundas
mudanças estruturais na economia, a partir de descontinuidades tecnológicas que afetam e também são afetadas pela estrutura produtiva, social, política e institucional de cada nação, sendo que cada uma delas
apresenta suas especificidades. Como não é linear e
seqüencial, o desenvolvimento é um processo único, que
depende de aspectos que envolvem suas especificidades
políticas, econômicas, históricas e culturais. Ele ocorre
a partir de mudanças estruturais de longo prazo, que
geram rupturas com os padrões historicamente estabelecidos. Tanto a teoria, quanto as recomendações de
política são altamente dependentes de cada contexto
particular. Assim, a produção (e, portanto, a atividade
econômica), nas duas visões, está fortemente enraizada
na sociedade.
As formulações centrais de Prebisch e dos neo-schumpeterianos convergem, ainda, num ponto normalmente
ignorado pela literatura: para a dualização do sistema
38
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ...
vimento de instituições, quadro de referências legal,
estabelecimento de infra-estrutura, etc.), quanto do lado
da demanda.
capitalista, para a idéia de que a evolução do sistema produz,
por um lado, o desenvolvimento econômico sistêmico e
virtuoso e, por outro, o subdesenvolvimento. Embora esse
caráter dual seja geralmente associado à escola cepalina,
diversos autores (REINERT, 1996; MYRDAL, 1957) enfatizam que os trabalhos de Schumpeter também sugerem a
existência de uma distribuição desigual dos ganhos advindos do progresso técnico, que tem raízes tanto internas
(conflitos de capital e trabalho para a apropriação de tais
ganhos), quanto, principalmente externas. As fontes
externas de tal distribuição desigual têm importantes
conotações geopolíticas e ocorrem com os países mais
avançados concentrando os avanços na fronteira tecnológica – e se especializando na produção e distribuição de
bens e serviços mais sofisticados – e os subdesenvolvidos
naqueles caracterizados por baixa produtividade e baixo
valor agregado. Myrdal, numa concepção claramente
estruturalista indica que a outra face dos círculos virtuosos
de desenvolvimento eram os círculos viciosos de subdesenvolvimento e os efeitos perversos produzidos na
economia mundial.
Daí a visão cepalina que sugeria que a ruptura com um
padrão de especialização baseado na produção e exportação de produtos primários com estas características somente poderia ocorrer a partir da incorporação, na região, dos
benefícios da segunda revolução industrial. Nesse sentido, a ênfase dada à industrialização como elemento
propagador do processo de desenvolvimento da região por
autores como Furtado e Presbisch é exatamente a mesma
que aquela dada à revolução das novas tecnologias pelos
neo-schumpeterianos.
Assim, uma atualização da visão cepalina dos anos 50
(que enfatizava a importância da industrialização na
América Latina) encontra-se na visão neo-schumpeteriana
– que discute a maneira como mudanças nos paradigmas
técnico-econômicos alteram a fronteira tecnológica e criam
novos conjuntos de padrões, práticas e processos produtivos. A resolução dos conflitos entre a emergência do
novo paradigma e a estrutura institucional anterior exigiria,
em ambas as visões, um papel diferenciado dos Estados
nacionais.
Nas duas teorias, o papel do Estado é fundamental para
o desenvolvimento. Nega-se a visão neoclássica tradicional
– que considera os mercados como se surgissem espontaneamente, caracterizados por uma pretensa auto-organização. Para cepalinos e neo-schumpeterianos, a emergência dos mercados é resultado de intervenções de
política estabelecidas tanto do lado da oferta (desenvol-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan./mar. 2005
AS NOVAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO
Conforme foi mostrado em outros textos, mesmo durante
o auge do neoliberalismo, os Estados jamais deixaram de
intervir fortemente para fomentar o desenvolvimento produtivo e tecnológico e a expansão de setores estratégicos
para a dinâmica estrutural, mesmo que estas políticas fossem camufladas por imperativos estratégico-militares
(ERBER; CASSIOLATO 1995). Na maior parte dos casos,
as novas políticas incluem o desenvolvimento e difusão
de novas tecnologias por meio da promoção das atividades de P&D e do estímulo à difusão e cooperação nas áreas de pesquisa genérica de longo prazo. Explicitamente,
também visam a promover a consolidação das bases regionais para o desenvolvimento tecnológico, o reforço de
malhas de pequenas e médias empresas e o desenvolvimento de atividades consideradas estratégicas para o crescimento econômico doméstico.
Quanto à forma, destaca-se a tendência de as políticas
focalizarem conjuntos de atores e seus ambientes, visando potencializar, disseminar e fazer com que seus resultados sejam mais eficazes. Os diferentes contextos, sistemas
cognitivos e regulatórios e formas de articulação, de cooperação e de aprendizado interativo entre agentes são reconhecidos como fundamentais na geração, aquisição e
difusão de conhecimentos, particularmente aqueles que são
tácitos. Paralelamente, assiste-se ao desenvolvimento de
instrumentos que abarcam estes atores coletivos, em
complementação à tradicional ênfase a atores individuais.
Assim, as novas políticas centradas na promoção de sistemas de inovação e nas relações entre empresas e demais
atores diferem das políticas baseadas nas antigas visões
dicotômicas e lineares da inovação. Por um lado, superase o dilema de fomentar o lado da oferta ou da demanda de
tecnologias, como se estas fossem alternativas excludentes,
por outro supera-se a visão funcional, pontual e hierarquizada do processo de geração e difusão de conhecimento (ciência, tecnologia, inovação).
Algumas destas políticas têm se concretizado através
do estímulo à formação de novas instituições e organizações de natureza coletiva, e da implementação de ações que
estimulam as empresas e demais atores locais a interagirem.
Além dos projetos de pesquisa e desenvolvimento conjuntos, tais ações têm incluído a formação e capacitação
39
JOSÉ E DUARDO C ASSIOLATO / H ELENA M ARIA MARTINS L ASTRES
tem desempenhado importante papel na política governamental para a área. Estima-se que cerca de 4/5 do orçamento governamental para P&D sejam alocados a projetos de
colaboração, envolvendo várias associações de pesquisa
e consórcios industriais e ainda a montagem de centros de
pesquisa geridos por grupos de empresas (LASTRES,
1994). Amsden (2004) mostra como neste e nos demais
países asiáticos os governos seguem fomentando ativamente a “substituição de importações” de peças e componentes nas indústrias de alta tecnologia por empresas de
capital local – o que configura as políticas de estruturação
dos novos setores.
As ações de política voltadas para o estímulo de processos de cooperação e interação entre empresas, e entre estas e outras organizações dos sistemas nacionais
de inovação, têm obtido resultados significativos. Apesar das dificuldades metodológicas para mensurar processos de cooperação, as evidências disponíveis têm
confirmado a sua generalização. De acordo com dados da
II European Community Innovation Survey, mais de 30%
das empresas européias responderam dispor de arranjos
cooperativos com diferentes parceiros, voltados para a
inovação. Nos países nórdicos, esta percentagem é ainda maior do que a média européia, com mais de 60% das
empresas inovadoras declarando utilizar algum tipo de
cooperação.
No final da década passada um grupo de trabalho
(Focus Group on Innovative Networks) foi estabelecido
na OCDE visando, especificamente, à investigação detalhada de tais processos.9 Além de examinar os dados das
pesquisas de inovação, o grupo realizou uma série de investigações empíricas10 em diferentes países, concluindo
que as empresas que inovam (geralmente entre 40% e 80%
das empresas pesquisadas) têm uma forte tendência a colaborar. Os resultados desse esforço coincidem integralmente com as conclusões e proposições sugeridas nos
trabalhos iniciais dos anos 80 (FREEMAN, 1983; 1987;
LUNDVALL, 1988). Percebe-se ainda uma intensa diferenciação dos padrões de colaboração e interação. Isto é, existem especificidades nacionais nesses padrões. Os sistemas nacionais de inovação apresentam diferenças com
relação à extensão, ao motivo e à natureza das colaborações, ligadas em especial à orientação das políticas públicas (macroeconômica e de C,T&I), aos quadros de referência institucional e a padrões de especialização produtiva.
Por fim, aponta-se que os processos de interação e colaboração ocorrem predominantemente entre empresas domésticas. Mesmo que empresas estrangeiras – principal-
de recursos humanos, informação, design, etc. Ressaltase que estas políticas voltadas para a promoção da
interatividade de forma alguma substituem as ações de
apoio público à infra-estrutura científica e tecnológica. Na
Era do Conhecimento, torna-se ainda mais fundamental o
fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa, dentro de uma estratégia orquestrada de planejamento de longo prazo. Portanto, as novas políticas, além de reforçarem
as instituições científicas e tecnológicas, enfatizam a importância da interação entre diferentes atores, apostando
que a geração, aquisição e difusão de conhecimentos constituem, de fato, processos interativos e simultâneos.
(LASTRES; CASSIOLATO, 2003).
Alguns países vêm adotando estratégias que visam,
explicitamente, a mobilização de sistemas de inovação
(CASSIOLATO, 1999). A Suécia, por exemplo, ao perceber
a perda de competitividade de sua indústria de commodities
de papel e celulose, tendo em vista a maior eficiência de
competidores brasileiros e tailandeses, resolveu reestruturá-la em meados dos anos 90. Essa mudança estrutural foi realizada a partir da organização de processos cooperativos entre produtores de papel e celulose, produtores
de bens de capital para esse segmento centros públicos
de pesquisa, empresas locais de software, sob a coordenação conjunta do governo sueco e da confederação da
indústria. O programa visava a aprofundar o sistema de
produção e de inovação nesse segmento, de forma a permitir uma especialização em papéis especiais. O resultado
líquido foi a mudança do padrão de especialização e a maior
agregação de valor no país. No plano institucional, o governo sueco promoveu uma importante mudança, no início da primeira década de 2000. E o ponto mais significativo dessa mudança foi a criação de uma agência (Vinova)
para focalizar as ações de política em sistemas de inovação (EDQUIST, 2003).
Mesmo sem explicitarem essa visão sistêmica, há outros países que, na prática, vêm envolvendo atores e mobilizando elementos similares. No caso dos EUA, exemplos
são os projetos do Sematech para a indústria de semicondutores, em meados dos anos 80 e o do Supercar, no início da década de 90 organizado sob a coordenação do US
Council for Automotive Research (instituição fundada pela
Ford, General Motors e Chrysller), em que o Governo Federal exercia a coordenação da política (através do Departamento de Comércio) e alocava recursos (aproximadamente
US$ 1 bilhão do orçamento do Departamento de Energia).8
No Japão, arranjos de cooperação vêm sendo promovidos
freqüentemente pelo governo, e o suporte a redes de P&D
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SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ...
e implica conjuntos específicos de requerimentos que variam
no tempo e podem levar a diversos caminhos.
Uma segunda diferença, que é correlata, é a ignorância da influência dos diferentes contextos macroeconômicos e nacionais, que chegam a constituir políticas
implícitas com o poder de dificultar e até anular as políticas explícitas específicas. Uma terceira diferença referese ao papel das diversas instâncias governamentais na
formulação e implementação de políticas em PMDs. A
ênfase nas agências locais e no fortalecimento do capital
social local tem sido acompanhada por uma menção explícita à diminuição da importância do poder do governo nacional e o conseqüente aumento do papel das instâncias locais e do chamado terceiro setor (em especial
as ONGs). Além do possível questionamento da falta de
legitimidade dessas organizações, deve-se recordar que,
na abordagem de sistemas de inovação, está explícita a
importância da sua dimensão nacional. Assim – e de acordo com a abordagem apresentada aqui – a efetividade das
políticas locais será reforçada com sua articulação à estratégia nacional e até supranacional. Mostra-se necessária uma coordenação dos diferentes níveis (desde o
local, ao nacional e internacional) e tipos de políticas,
assim como agências intervenientes – o que demanda uma
forma de ação que só pode ser realizada na instância mais
elevada do governo.
Outra diferença de como os sistemas de inovação são
vistos pelos organismos internacionais de financiamento
refere-se à suposição de que o acesso ao mercado externo
traz oportunidades de aprendizado superiores e que, portanto, a política industrial deve priorizar exportações. Como
decorrência disso, uma parte significativa das prioridades
das políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico
atualmente em vigor está ainda mais fortemente centrada
nas possibilidades de exportação e nas empresas exportadoras. No entanto, torna-se cada vez mais evidente que os
produtores locais, que operam em cadeias globais, encontram barreiras significativas para desenvolver capacitação
inovativa e que cadeias integradas em âmbito nacional (ou
que se estendem aos países vizinhos) proporcionam melhores oportunidades para isso. Schmitz (2005), por exemplo, assinala que os resultados de pesquisas empíricas
indicam que as empresas que têm os mercados nacionais ou regionais como alvo investem mais em design e
marketing e têm adquirido capacidades que não foram
desenvolvidas pelos fabricantes que exportam para a
América do Norte ou para a Europa. Assim, ele demonstra
que essas empresas deveriam ser “as novas heroínas no
mente clientes e fornecedores de materiais e componentes
– também tenham uma função importante nos acordos
cooperativos nacionais voltados à inovação, elas cumprem
um papel secundário.
Resumindo, principalmente nos países mais avançados,
a forma de atuação do Estado no campo das políticas industriais e tecnológicas tem-se alterado, havendo cada vez
mais interesse em promover as interações e a cooperação
entre os agentes visando a inovação. No próximo item pretende-se apontar como as novas políticas de inovação vêm
sendo traduzidas para o contexto dos países em desenvolvimento.
AS NOVAS POLÍTICAS E OS PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS A
SEREM SUPERADOS
Com a constatação da ineficácia das políticas neoliberais
do Consenso de Washington, a premência na formulação
de alternativas levou a uma maior percepção da importância
da inovação e do conhecimento como importantes determinantes nos processos de desenvolvimento. A partir de
então, a ênfase à promoção de sistemas de produção e de
inovação, a formatos associativos e a rede, passou a
orientar as políticas também na maioria dos países menos
desenvolvidos (PMDs). Tais propostas foram encaminhadas, em sua maioria, por agências internacionais, e
passaram a influenciar as estratégias implementadas em
vários países. Entretanto, ainda persistem profundas
diferenças, tanto na compreensão e forma como tais
agências as utilizam como na abordagem de sistemas de
inovação acima apresentada.
Em primeiro lugar, as propostas formuladas por agências
internacionais continuam se valendo de uma visão parcial
do processo de globalização, o que sugere a idéia de
convergência dos processos de desenvolvimento e padronização do espaço econômico global. Daí a proposição de
modelos genéricos de política baseados em benchmarks e
best practices, os quais têm como referência o desempenho
de grandes empresas multinacionais e as instituições de
alguns países desenvolvidos. No entanto, a abordagem de
sistemas de inovação nega que tanto as tecnologias, quanto
as suas formas de promoção, tendam a se tornar globais –
não sendo, desse modo, passíveis de generalização. Tal
abordagem nega ainda a possibilidade de existência de
instituições-padrão passíveis de réplica. O reconhecimento
da especificidade de cada sistema local significa que não há
uma única fórmula comum a ser aplicada em todos os casos
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EM
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adas a grandes revoluções tecnológicas têm levado a uma
constante redefinição do grau e forma da intervenção pública;12 essa redefinição não implica em maior ou menor grau
de intervenção, mas sim em diferentes formas de intervenção; a divisão de atribuições entre Estado e setor privado
envolve necessariamente complexos fenômenos sociais de
aprendizado de agentes e grupos, assim como os conflitos
sociais e políticos a eles associados. Lembrando, portanto,
que o que muda ao longo do capitalismo é a natureza da
intervenção e as maneiras pelas quais ela se apresenta, o
autor observa que, acompanhando a diversidade, há três
características gerais que merecem ser resgatadas:
- a experiência histórica de ciclos e mudanças nos processos de concorrência internacional tem demonstrado a
crescente importância da orientação do Estado, tanto na
educação básica e nos demais níveis como na pesquisa;
debate de política industrial”. Essas conclusões são consistentes com os resultados da análise de mais 30 sistemas
produtivos e inovativos locais realizados pela RedeSist em
diferentes estados brasileiros (CASSIOLATO, et al., 2003).
Deve-se notar que esta prática de utilizar novos enfoques como o de sistema de inovação apenas como um rótulo novo em posturas tradicionais vem sofrendo sérias
críticas. Como apontado, por exemplo, por Reinert e Reinert
(2003, p. 5):
em nossa visão, existe um risco de se implementar a abordagem de sistemas nacionais de inovação como uma fina
camada de glacê num sólido bolo neoliberal.11
Assim, se é verdade que as propostas de política
sugeridas por organizações internacionais passam a dar
ênfase a variáveis como conhecimento e inovação, elas
continuam a conceber a intervenção do Estado a partir das
necessidades de compensar ou corrigir as imperfeições do
mercado, e de criar instituições adequadas ao seu bom
funcionamento – quase sempre aquelas que se referem
especificamente à evolução histórica dos países anglosaxões. A política tecnológica da maioria dos países em
desenvolvimento (inclusive o Brasil) parte do pressuposto de que o papel do Estado é fundamentalmente auxiliar,
deixando ao mercado a definição dos programas empresariais. Tal política é assim parte de uma “agenda reformista” que aceita a intervenção para “corrigir falhas de mercado”, supostamente relativas ao tempo de reação dos
empresários aos estímulos trazidos pela concorrência
advinda da desregulamentação e abertura e a carências do
mercado de capitais.
E, principalmente, as políticas continuam a ser “horizontais” e voltadas ou à entidade empresarial isoladamente
(por meio da concessão de benefícios fiscais e creditícios)
ou à relação universidade-empresa. Ora, como sugere a literatura, mecanismos de estímulo (fiscal e creditício) à
empresa individual são no máximo subsidiários (alguns
países, como o Reino Unido simplesmente não o utilizam)
e os processos de colaboração universidade-empresa respondem por uma pequena parcela da cooperação voltada
à inovação. Assim, o Brasil continua a ter uma atitude tímida e parcial quanto a essa importante questão.
- a necessidade de envolvimento do Estado para administrar os problemas de instabilidade da moeda, taxas de
câmbio, taxas de juros, confiança no sistema bancário e de
crédito;
- as mudanças de paradigma tecnológico trazem novas
necessidades por regulamentação e desregulamentação
que invariavelmente demandam a intervenção do Estado.
A perspectiva histórica mostra que cabem ao Estado
papéis da maior importância, seja como agente estruturante
das novas forças produtivas, seja como propulsor e
orientador da sua difusão através da economia e sociedade. Constituem um elemento importante dessa visão as
coalizões estratégicas entre o Estado e os segmentos da
sociedade civil, com objetivos e compromissos recíprocos
definidos de forma explícita. Por outro lado, a ênfase à preservação e promoção da diversidade e a importância atribuída à cooperação conferem ao Estado importante papel
de coordenador das necessárias políticas descentralizadas
– isso tudo dentro de um projeto de desenvolvimento de
longo prazo para o país.
Há claras proposições de política que emanam da abordagem de sistemas de inovação que poderiam inspirar a
política brasileira. Inicialmente, é necessária uma transformação do sistema nacional de inovação, no sentido de
incorporar os sistemas baseados nas novas tecnologias.
Em segundo lugar, deve-se buscar o apoio substantivo a
mudanças na estrutura produtiva, isto é, à transição de
trajetórias nas diferentes atividades econômicas permitidas pelas mesmas novas tecnologias.
Em ambos os casos, a abordagem enfatizada neste texto sugere a inoperância das chamadas “políticas neutras”.
CONCLUSÕES
Utilizando uma abordagem histórica para analisar o papel do Estado no âmbito das políticas industrial e tecnológica
Freeman (1983) mostra que as mudanças estruturais associ-
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9. Ver os resultados das pesquisas do grupo da OCDE em Christensen
et al. (1999) e OECD (1999).
Estas, que têm sido sugeridas e implementadas a partir das
recomendações das agências internacionais, podem ser tão
irrelevantes que terão efeito nulo. Esse é, por exemplo, o
caso dos incentivos fiscais generalizados voltados a P&D.
Podem até gerar efeitos perversos ao acirrarem as desigualdades, como é o caso das políticas que tentam buscar a
modernização rápida através da importação pura e simples
de equipamentos. Cabe ao Estado o caráter pró-ativo voltado para coordenação e indução dos processos de transformação produtiva, visando internalizar os benefícios
potenciais proporcionados por tecnologias de um novo
paradigma tecnológico.
Por fim, a política de sistemas de inovação deve apresentar claramente um viés pró-emprego. Assim, o governo
deveria estimular com clareza sistemas produtivos e
inovativos caracterizados pela alta importância de inovações de produto dado que eles tendem a apresentar um
efeito líquido positivo de geração de novos empregos. Por
outro lado, sistemas produtivos e inovativos na qual inovações de processo são mais relevantes deveriam combinar as necessárias políticas de inovação a outras que amortecessem a queda no emprego resultante.
10. Utilizou-se a metodologia pioneira desenvolvida pelo grupo da
Universidade de Aalborg para um trabalho sobre cooperação na Dinamarca (a pesquisa DISKO). Ver: <www.aalborg.auc.dk>.
11. “We argue that by integrating some Schumpeterian variable to
mainstream economics we may not arrive at the root causes of
development. We risk applying a thin icing on what is essentially
a profoundly neoclassical way of thinking […] As emphasized in
the NIS approach, it is crucial to understand the different national
contexts” (REINERT; REINERT, 2003, p. 60).
12. Por exemplo, a institucionalização de organismos de defesa da
concorrência não pode ser compreendida sem se levar em consideração as profundas mudanças associadas ao surgimento de grandes
empresas e à concorrência oligopolista do início do século XX, que
tornaram ultrapassadas a concorrência atomizada entre pequenas
empresas típicas do início do século XIX.
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3. No mesmo período, uma série de trabalhos capitaneados por
Nathan Rosenberg na Universidade de Stanford também propiciou
um melhor entendimento do processo inovativo. O ápice destes
trabalhos é a produção do chamado chain link model (KLINE;
ROSENBERG, 1986) que teve um profundo impacto nos policymakers e na elaboração do Manual de Oslo.
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4. Ver também Katz (2005) e Coutinho (2005).
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5. “When the outcome of this programme was summed up in
Montreal in 1991, the concept, National systems of Innovation,
was given a prominent place in the conclusions” (LUNDVALL,
1992, p. 5).
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6. Veja Lundvall (1992) e Freeman (1995).
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Pequim-China: 2004.
7. Para detalhes ver Lastres (1994).
8. Uma dimensão particularmente importante da intervenção norteamericana refere-se ao federalismo do país. Existem 83.000 instituições de política industrial em nível subnacional no país e as instituições financeiras locais desempenham um papel importante no
financiamento de atividades de longo prazo (CASSIOLATO;
BRITTO, 1997).
SÃO PAULO
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Artigo recebido em 21 de fevereiro de 2005.
Aprovado em 18 de março de 2005.
45
LUÍS FERNANDO T IRONI
POLÍTICA DE INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
escolhas e propostas baseadas na Pintec
LUÍS FERNANDO T IRONI
Resumo: O artigo oferece algumas ponderações referentes a alternativas de políticas de inovação elaboradas
com base na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec. A intensidade tecnológica da inovação é
considerada uma questão importante para políticas e estratégias de inovação.
Palavras-chave: Tecnologia. Inovação. Política. Estratégia.
Abstract: The paper focuses some issues related to innovation policy alternatives based on the Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec. The technological intensity of innovation is considered an important
issue for policies and strategies of innovation.
Key words: Technology. Innovation. Policy. Strategy.
N
o Brasil, há o consenso de que a atividade
inovativa da indústria brasileira é insuficiente
como elemento propulsor do crescimento econômico, da geração de emprego, da renda e do bem-estar
da população. Indicadores de C,T&I (ciência, tecnologia e
inovação) respaldam esse conceito, e oferecem uma referência para formulações de políticas voltadas a elevação
dos investimentos em P&D, de um modo geral, mas especialmente os realizados pelos setores produtivos. O dispêndio nacional em P&D, em torno de 1% do PIB, está próximo dos da Espanha (0,94%) e de Portugal (0,8%), mas
distante da média (2,2 %) dos países da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
embora se situe acima da média (0,6%) dos países da América Latina.1 Outros indicadores – como os que apontam
para a defasagem existente entre o conteúdo tecnológico
dos produtos exportados e os importados e os de paten-
tes –, ilustram a relativamente baixa propensão inovativa
da indústria brasileira.
A Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica –
Pintec, realizada pelo IBGE, oferece um novo e importante conjunto de informações sobre a atividade inovativa
da indústria, possibilitando a elaboração de novos trabalhos de avaliação do desempenho tecnológico das
empresas brasileiras e de proposição de políticas públicas para promover a inovação. Uma característica extremamente importante da Pintec é possibilitar a realização de trabalhos que considerem tanto a dimensão
tecnológica quanto a econômica do processo inovativo.
As abordagens do fenômeno da inovação tecnológica e
da atividade inovativa com base no instrumental analítico da teoria econômica são relativamente recentes, e a
Pintec representa um passo fundamental para a ampliação desse esforço.
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SÃO PAULO
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ...
se é de produto ou de processo (natureza da inovação); se
é de pesquisa e desenvolvimento (P&D); se é por aquisição externa do P&D; se é por aquisição de máquinas e equipamentos, por treinamento ou por introdução de inovações
no mercado; sobre o projeto industrial, o perfil dos quadros envolvidos com a atividade inovativa e os impactos
econômicos e tecnológicos da inovação; sobre as fontes
de informação, as relações de cooperação, o suporte do
governo; sobre os problemas e obstáculos relativos à inovação.
Este trabalho aborda questões suscitadas diretamente
pela Pintec como, por exemplo, a “inovação para o mercado” confrontada com a “inovação para a empresa”, e
também outras, derivadas, explicitadas ou não na bibliografia: a importância relativa da inovação de produto diante da inovação de processo; a percepção da importância
da difusão tecnológica; a classificação da inovação
tecnológica em setorial ou não-setorial; inovações “radicais” versus inovações “incrementais”.
São focalizadas, particularmente, as variáveis que se
considera serem referentes à “natureza” e ao “tipo” da
inovação ou, nos termos da Pintec: (a) se a inovação é
um produto ou um processo tecnologicamente novo ou
significativamente melhorado (natureza da inovação),
e (b) se a inovação é tecnologicamente inovadora para o
mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação). A partir dessas variáveis da Pintec – mas não exclusivamente
delas – são tecidas considerações, algumas das quais
remetem a proposições de políticas apresentadas por
outros autores.
A primeira Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
– Pintec, de 2000, trouxe informações sobre as atividades
inovativas realizadas no período de 1998 a 2000 pelas
empresas industriais brasileiras com 10 ou mais empregados (perfazendo o total de 72.005 empresas) apresentando um conjunto de informações com um grau de
detalhamento muito maior sobre as características da atividade inovativa na empresa industrial brasileira, o que
permitiu a elaboração de diagnósticos de alcance bem
maior do que os existentes até então. O detalhamento das
informações sobre a atividade inovativa da empresa industrial proporcionada pela Pintec, permite um maior grau
de detalhamento também na formulação de sugestões de
políticas. Assim, tornaram-se possíveis novos cortes analíticos que até então não eram feitos, com conseqüentes
nuanças nas alternativas políticas.
O intuito deste texto é levantar e iniciar um debate sobre algumas questões selecionadas a partir da Pintec, eventualmente suscitadas em outros trabalhos,2 que têm na
Pintec sua principal fonte – de dados e informações. É
importante registrar que, se esses pontos são de fato passíveis de debates, isso se deve, antes de tudo, à natureza
complexa (tecnológica, econômica e social) da inovação
e do processo inovativo.
O procedimento metodológico adotado neste artigo é
o de tecer considerações sobre os pontos selecionados,
realçando sua relação com propostas de políticas
inovativas, cotejando-os com os dados da Pintec e com
base nas referências obtidas na bibliografia. As questões
selecionadas o foram também pela relevância que possam apresentar para opções de políticas públicas de inovação tecnológica.
Espera-se que as ponderações aqui apresentadas
estimulem a realização de mais estudos, mesmo porque a
Pintec 2003 estará em breve à disposição dos interessados.
Qualquer estudo baseado nos dados da Pintec pode
articular o diagnóstico com as propostas de políticas públicas, de várias maneiras, segundo seus próprios objetivos e a metodologia utilizada. Pode, por exemplo, selecionar para diagnóstico um ou mais grupos de variáveis dentre
as que formam o questionário da Pintec. Pode também analisar os dados relativos às variáveis selecionadas conjuntamente com os dados de outras pesquisas, como, por
exemplo, os da Pesquisa Industrial Anual – PIA, também
do IBGE. São exemplos de grupos de variáveis selecionáveis para análise as seguintes questões: sobre a origem
do capital controlador da empresa; se a inovação é nova
para o mercado e/ou para a empresa (tipo de inovação);
SÃO PAULO
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
INOVAÇÃO PARA O MERCADO E
INOVAÇÃO PARA A EMPRESA
O trabalho da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras –
Anpei (2004, p. 117) apresenta proposta de incentivos às
empresas, por meio de um mecanismo que premie as inovações que forem de fato implementadas no mercado. O
direito ao incentivo, tributário, seria gerado no ato da
comercialização, no mercado, do novo produto ou processo.
A Pintec distingue entre inovação para o mercado e
inovação para a empresa. Embora não sejam a mesma
coisa (inovação no mercado – Anpei, e inovação para o
mercado – IBGE), se identificarmos as expressões, apenas
para efeito de estimativa, teremos que o incentivo proposto alcançaria 23,5% das empresas que inovaram em produ-
47
LUÍS FERNANDO T IRONI
e equipamentos – que é vista como uma atividade
inovativa menos importante do que, por exemplo, a pesquisa e desenvolvimento. Os dados da Pintec mostram
que a aquisição de máquinas e equipamentos é significativamente predominante dentre as atividades inovativas
das empresas – seja quanto ao montante dos gastos ou à
importância atribuída pelos respondentes do questionário. Porém, quando a aquisição de máquinas e equipamentos4 é considerada uma atividade inovativa de menor importância, conclui-se que há menor importância relativa
na inovação de processo ante a inovação de produto. Essa
conclusão, entretanto, é questionável. Algumas ponderações são: a literatura econômica considera o progresso
técnico como causador do aumento da produtividade na
economia (especialmente a produtividade total dos fatores), mas não lança muitas luzes sobre a relação entre o
aumento de produtividade e a natureza da inovação – se
ocorre em produtos ou em processos.
Na Tabela 1, observa-se que o número de empresas do
grupo das que inovaram em produto e processo (linha c)
é significativamente superior aos dois grupos de empresas inovadoras apenas em produto (linha a) ou apenas
em processo (linha b). Ou seja, a situação que prevalece
é aquela em que ocorrem ambos os tipos de inovação –
de produto e de processo considerando-se qualquer um
dos tipos isoladamente – o que indica que a empresa inovadora em produto também o é em processo, e vice-versa. O grande grupo das empresas de capital nacional com
menos de 500 empregados discrepa desta tendência, pois
o número das que inovaram em processo ultrapassa o das
que inovaram em produto, e em produto e processo. Essa
situação deve estar relacionada com o fato de que, das
20.624 empresas de capital nacional com menos de 500
empregados que implementaram inovação, 11.893, ou 57,7
%, atribuem grande importância à “aquisição de máquinas e equipamentos” como atividade inovadora.
Os dados da Tabela 1 permitem verificar também que,
do total das empresas pesquisadas que inovaram (22.698),
apenas 2.395 (10,6%) e 1.531 (6,7%), respectivamente,
inovaram em produto e processo para o mercado, sendo
que, para as empresas de capital nacional, esses percentuais são de 9,3 % e 5,8 % e para as de capital
estrangeiro, de 29,8% e 20,7% – o que revela maior
desempenho inovativo do grupo das empresas de capital
estrangeiro. Considerando-se os quatro grupos de
empresas da Tabela 1, observa-se que a relação entre o
número das inovadoras em produto e o das inovadoras
em processo nas empresas estrangeiras com mais de 500
to, sendo 20,4% das nacionais e 56,1% das estrangeiras, e
11,0% das empresas que inovaram em processo, sendo 8,9%
das nacionais e 44,7% das estrangeiras (Anpei, 2004, p. 9,
dados da tabela 1.2). A questão a realçar, a partir do ponto
de vista das questões em discussão neste texto, é que a
proposta de política do trabalho da Anpei não distingue
“inovação de produto” de “inovação de processo”.
Nos termos da Pintec, se a inovação é “para a empresa”, ela já existe no mercado. A inovação “para o mercado” abre novos mercados. A “inovação para a empresa”
tem um caráter de difusão, para dentro da empresa, de uma
inovação já produzida por outrem que já teria conquistado mercado novo e se beneficiado das rendas de monopólio – que são o grande atrativo impulsionador da atitude
inovadora. É razoável supor que a “inovação para o mercado” demande maior esforço em atividades inovativas,
inclusive investimento em P&D, do que a “inovação para
a empresa”, que possivelmente se faz predominantemente, dentre as possibilidades consideradas pela Pintec, pela
aquisição de máquinas e equipamentos. Então, é plausível o pressuposto de que a “inovação para o mercado” seja
mais intensiva (represente maior impacto tecnológico e
econômico) do que a “inovação para a empresa”.
A IMPORTÂNCIA RELATIVA DA INOVAÇÃO DE
PRODUTO VIS-À-VIS A INOVAÇÃO DE PROCESSO
Acompanhando o padrão internacional das pesquisas
sobre inovação que se orientam pelo Manual de Oslo, a
Pintec adota a distinção entre produto tecnologicamente
novo (ou significativamente melhorado) e processo
tecnologicamente novo (ou significativamente melhorado). A partir da perspectiva das políticas de promoção da
inovação, seria adequado considerar mais importante o
produto tecnologicamente novo (ou significativamente
melhorado) do que o processo tecnologicamente novo ou
significativamente melhorado?
Uma resposta afirmativa a esta pergunta pode decorrer
da idéia de que a inovação de processo derive predominantemente da busca da competitividade por meio do aumento da produtividade – o que reflete uma atitude defensiva em termos de comportamento da firma no mercado,
enquanto a inovação de produto refletiria um comportamento empresarial mais pró-ativo, pois buscaria, por meio
de novos produtos, alcançar a competitividade pela diferenciação e a abertura de novos mercados.3
Ademais, pode haver, para o analista, uma associação
entre a inovação de processo e a aquisição de máquinas
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POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ...
Nos segmentos science based, a inovação tecnológica é
um processo complexo, não seqüencial ( seria, se obedecesse
à seguinte ordem: pesquisa-desenvolvimento-processoproduto) Na verdade, apresenta-se como um processo circular complexo em que aquelas etapas podem ocorrer simultaneamente, até mesmo confundindo inovação de produto
com inovação de processo: a um novo produto corresponde
um novo processo e vice-versa. Não é por outra razão que
as tecnologias “portadoras do futuro” são a microeletrônica,
a tecnologia da informação e comunicação, a biotecnologia
e a de novos materiais. A nanotecnologia também é fortemente baseada em ciência e em novos processos. Aqui, o
argumento é que, no contexto do paradigma da inovação
science based, a distinção entre inovação de produto e de
processo tem seu significado enfraquecido.
empregados é de 98%; no grupo das nacionais com mais
de 500 empregados é de 74%; no das estrangeiras com
499 empregados ou menos é de 109%; e no das nacionais
dessa mesma categoria, 66%. Esses percentuais sugerem
que nos grupos mais inovativos (empresas de capital
estrangeiro) o número das empresas que inovam em
processo iguala-se ou suplanta o das que inovaram em
produto,5 ou tende a aproximar-se, quando a referência
for o grupo das empresas nacionais com 500 ou mais
empregados. Embora a diversificação de produtos seja
uma importante estratégia competitiva das firmas, principalmente das de grande porte, esse comportamento, por
si só, não preenche uma característica do paradigma da
sociedade do conhecimento, segundo o qual a inovação
é crescentemente baseada na ciência (science based).
TABELA 1
Número de Empresas, por Porte e Origem do Capital, segundo Tipo de Inovação
Brasil – 2000
Tipo de Inovação
Número de Empregados
500 ou Mais Empregados
499 ou Menos Empregados
Capital Estrangeiro Capital Nacional
Capital Estrangeiro Capital Nacional
1) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa
14
37
131
3.321
2) Inovadoras em Produto Novo para o Mercado
17
12
136
745
7
16
16
86
4) Inovadoras em Produto e Processo Novo para a Empresa
39
167
222
5.321
5) Inovadoras em Produto e Processo Novo para o Mercado
22
42
115
286
6) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa e Processo
Novo para o Mercado
9
16
37
240
7) Inovadoras em Produto Novo para o Mercado e Processo
Novo para a Empresa
13
30
82
770
3) Inovadoras em Produto Novo para a Empresa e
para o Mercado
8) Inovadoras em Processo Novo para a Empresa e
para o Mercado
8
19
5
193
9) Inovadoras em Processo Novo para a Empresa
22
143
137
8.975
10) Inovadoras em Processo Novo para o Mercado
10
18
78
433
59
49
86
38
40
83
121
123
100
95
153
65
180
255
320
435
349
235
469
283
220
456
739
676
1.887
1.152
866
4.152
9.601
6.617
10.769
16.218
Total das que Informaram (a + b + c)
161
500
959
20.370
Total das Inovadoras
326
703
1.045
20.624
Inovaram em Produto para o Mercado: 2+3+5+7
Inovaram em Processo para o Mercado: 5+6+8+10
Inovaram para o Mercado: 2+3+5+6+7+8+10
a) Inovaram somente em Produto
b) Inovaram somente em Processo
c) Inovaram em Produto e Processo
d) Inovaram em Produto (a + c)
e) Inovaram em Processo (b + c)
Fonte: IBGE (2002). Pintec 2000.
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LUÍS FERNANDO T IRONI
a atribuíram às atividades internas de P&D. Por outro lado,
10,3 % delas atribuíram elevada importância à aquisição de
outros conhecimentos externos, e 55,0 % à aquisição de
máquinas e equipamentos.
O argumento deste tópico é que a difusão de tecnologia
está a merecer mais atenção dos formuladores de políticas de inovação do que tem tradicionalmente merecido.
A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO TECNOLÓGICA
As diversas atividades inovativas apontadas pela Pintec
podem ser reunidas em três agrupamentos: “P&D”, “aquisição” e “outros”. No agrupamento “P&D” está a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da própria empresa. O agrupamento “aquisição” é composto pela
aquisição externa de: pesquisa e desenvolvimento (P&D);
de outros conhecimentos externos; de máquinas e equipamentos; de treinamento; e de introdução das inovações
tecnológicas no mercado. No grupo “outros” estão: o projeto industrial e outras preparações técnicas para produção e distribuição.
No contexto institucional da política de C,T&I vigente
no Brasil, a aquisição de tecnologia como um fator de inovação ou como esforço inovador tem um status menos
relevante, comparativamente, do que a inovação baseada
na “geração de conhecimento”, obtida por meio de P&D.6
Talvez essa percepção derive, em parte, do fato de que a
modalidade predominante da aquisição de tecnologia é a
aquisição de máquinas e equipamentos, associada à inovação em processo e à inovação para a empresa.
A atividade de P&D possui maior relevância dentro do
arcabouço da política brasileira de C,T&I (ciência,
tecnologia e inovação), uma vez que os instrumentos da
política de inovação são operados, basicamente, pelos
mesmos agentes das políticas de P&D. O desenvolvimento (D do P&D), que é um elo entre a pesquisa e a inovação, vincula-se, institucional e tradicionalmente, mais à
pesquisa do que à inovação. A maioria dos instrumentos
das políticas de inovação pertence ao arcabouço institucional da política de P&D.
É de se perguntar até que ponto esse entendimento da
inovação, principalmente como resultante da geração do
conhecimento obtido através de P&D, não contribui, na
esfera dos formuladores de políticas no Brasil, para a pouca
importância atribuída à aquisição de tecnologia como atividade inovadora – por licenciamento de patentes, por
exemplo.
A difusão tecnológica, vista como o processo através
do qual a inovação é implementada a partir de tecnologia
adquirida de terceiros, pode ser o resultado da aquisição
de tecnologia incorporada em uma máquina ou equipamento, ou por meio de licenciamento de patentes, contratos de parceria, etc. A P&D também pode ser adquirida.
Segundo a Pintec, apenas 4,8 % das empresas que implementaram inovações atribuíram elevada importância à atividade de aquisição externa de P&D, enquanto 24,2 % delas
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA É SETORIAL?7
A inovação tecnológica é motivada tanto pelo mercado (o lado da demanda, a competição), como pela existência de conhecimento novo, de uma descoberta ou invenção (o lado da oferta). A motivação do mercado para
a inovação geralmente ocorre em um contexto setorial.
Determinados setores da indústria apresentam taxas de
inovação superiores a outros (fato confirmado pelos dados da Pintec): tanto que os setores industriais podem ser
classificados segundo o seu “dinamismo tecnológico”, ou
por aquilo que oferecem em termos de “oportunidades de
inovação”. Tais classificações podem ser baseadas no
desempenho dos setores da indústria em nível global, ou
de países desenvolvidos ou países em desenvolvimento.
As comparações entre o desempenho inovador de setores
são inclusive úteis como benchmarking para os formuladores de políticas. Os instrumentos da política industrial
e de inovação tecnológica são, em larga medida, organizados setorialmente.
Essa tendência à setorialização é explicada, tanto do
ângulo dos diagnósticos como da formulação de políticas, pela natureza setorial do conhecimento que os agentes executores da política devem possuir. Em conseqüência disso, o conhecimento setorial irá intervir em algum
ponto da cadeia decisória da sistemática operacional de
uma política. Um exemplo recente dessa relevância na
configuração de instrumentos de política é a constituição
dos Fundos Setoriais, que apresentam recorte setorial, em
sua maioria.
Como exemplos de uso do corte setorial em diagnósticos do desempenho inovador da indústria brasileira,
Sergio Queiroz e Ruy Quadros (2004) apontam a concentração de mestres e doutores e de cooperação com universidades nos setores de média-alta intensidade tecnológica
e afirmam que: “a especialização brasileira em P&D de
média-alta intensidade reflete a relativamente baixa
intensidade tecnológica dos setores de alta tecnologia
brasileiros, em comparação”; o trabalho da Anpei (2004,
p. 11, gráfico 1.1), com base nos dados da Pintec, assinala
50
SÃO PAULO
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ...
INOVAÇÕES RADICAIS VIS-À-VIS
INOVAÇÕES INCREMENTAIS
que as empresas de capital nacional, em comparação com
as de capital estrangeiro, apresentam desempenho
inovador superior nos setores tidos como de alta
tecnologia, tais como a fabricação de máquinas para
escritórios e equipamentos de informática, fabricação de
material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de
telecomunicações, fabricação de equipamentos e
instrumentos médico-hospitalares, instrumentos de
precisão e ópticos, equipamentos de automação industrial,
cronômetros e relógios, fabricação de máquinas, aparelhos
e equipamentos elétricos, fabricação de máquinas e
equipamentos. Por outro lado, os setores com as maiores
taxas de inovação no grupo das empresas estrangeiras são
os de fabricação de móveis e os de indústrias diversas,
como os de fabricação de máquinas de escritório e
equipamentos de informática, fabricação e montagem de
veículos automotores, reboques e carrocerias, fabricação
de outros equipamentos de transporte e fabricação de
produtos de minerais não-metálicos.
Naquela perspectiva, é interessante comparar o trabalho
de Queiroz e Quadros com o da Anpei, pois à primeira vista
haveria uma discrepância, uma vez que a concentração de
mestres e doutores (média-alta intensidade tecnológica), nas
empresas brasileiras, não se encontra nos setores em que
essas empresas apresentam desempenho inovativo superior (alta intensidade tecnológica). A explicação para isso
talvez esteja no fato de que os setores classificados por um
critério internacional como sendo de alta intensidade
tecnológica, não o seriam assim, de fato, no Brasil, se o critério de intensidade tecnológica utilizado fosse baseado, por
exemplo, na especialização da mão-de-obra.
A questão “a inovação é setorial?” também mereceria
ser discutida à luz da dicotomia tecnologia versus inovação, o que poderia, por exemplo, ser feito nos seguintes
termos: a inovação, por ser tecnologia aplicada com finalidade econômica, tem seus determinantes mais fortemente
vinculados à atividade econômica, à estrutura e ao desempenho do mercado. Portanto, está sujeita ao contexto
setorial, que denota um conceito eminentemente econômico. Do ponto de vista de política pública, a distinção é relevante, uma vez que não se pode confundir a promoção
de inovação tecnológica do setor industrial com a promoção do desenvolvimento da base tecnológica. Embora
ambas se conectem estreitamente, a promoção do desenvolvimento da base tecnológica envolve outras instâncias
de geração, concentração e reprodução do conhecimento,
como universidades e centros tecnológicos.
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
Quando entendida como um processo que leva a uma
mudança tecnológica, a inovação é um fenômeno difícil de
ser mensurado. O crescente interesse em abordar o fenômeno
da inovação com instrumentos da análise econômica tem
suscitado diversas metodologias para mensurá-lo, algumas
adotadas em importantes iniciativas de alcance internacional,
como as baseadas no Manual de Oslo (no qual a Pintec se
fundamenta). Uma sumaríssima e seletiva apreciação
daquelas abordagens apontaria as seguintes vertentes para
os esforços de mensuração da inovação: as que medem
efeitos – como patentes e publicações; as que medem esforço
– como gastos e investimentos em P&D; as que medem
impacto – como as que calculam a produtividade total dos
fatores ou aumento de competitividade; as que medem capacidade tecnológica, por exemplo, por meio da avaliação
de competências; as que medem a capacidade multiplicadora
da inovação – por meio de análises de cluster, a partir de
patentes e publicações. Seguindo a linha do Manual de Oslo,
a Pintec oferece estatísticas sobre esforços e impactos, além
de fatores indutores, obstáculos etc., a partir da informação
qualitativa proporcionada por informantes qualificados nas
empresas. A estatística transforma informações qualitativas
em quantitativas.
Uma expressão quantitativa do fenômeno da inovação,
ainda que partindo de informações “qualitativas”, oferece
uma medida da “qualidade” da inovação. Essa informação
quantitativa poderá ser considerada uma medida da “intensidade” da inovação. Assim, quando a Pintec pergunta se a
inovação é “para o mercado” ou “para a própria empresa”,
está gerando, indiretamente, uma informação sobre a “intensidade” da inovação. Se a inovação é para o mercado externo (como pergunta a Pintec 2003), será gerada uma medida
adicional da “intensidade” da inovação. E quanto maior a
intensidade de uma inovação, mais próxima ela estará de ser
considerada uma inovação radical. Pelo raciocínio inverso, chega-se à idéia de inovação incremental.
O estudo de Duguet, que se baseia numa pesquisa sobre
inovação na indústria realizada na França em 1991, aponta
algumas questões importantes, a partir da distinção entre
inovação incremental e inovação radical. A pesquisa francesa utilizada classifica a inovação em um dos cinco tipos
seguintes: melhoramento significativo de um produto já
existente; lançamento de um produto que é novo para a firma, mas não o é para o mercado; melhoramento significativo de um processo já existente; lançamento de um produto
51
LUÍS FERNANDO T IRONI
que é novo para a firma e para o mercado; implementação de
um processo breakthrough. As três primeiras situações são
tomadas, por Duguet, como inovações incrementais, e as
duas últimas, como inovações radicais.
Algumas das conclusões do trabalho de Duguet são:
primeiramente, a inovação radical depende muito mais de
spillovers do que a inovação incremental. A inovação
incremental é devida preponderantemente a novo equipamento, sugerindo relação com fatores de modernização
do processo produtivo, acompanhado de pesquisa informal e desenvolvimento. A inovação radical depende fortemente da P&D formal e informal, mas se utiliza muito
mais de fontes externas de conhecimento (externas e internas ao grupo), como também de conhecimento codificado em patentes e licenças. Essas fontes de inovação
são utilizadas para obter novo produto para o mercado e
processo breakthrough.
Esse estudo também conclui que apenas as inovações
radicais contribuem para o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF). Afirma também que o retorno
proporcionado pelas inovações radicais cresce com o grau
de oportunidades tecnológicas do setor.
O estudo de Duguet aponta que, para a França, segundo essa pesquisa de 1991, 37 % das inovações seriam
classificáveis como radicais. No Brasil, tendo por base a
Pintec 2000, aplicando-se o critério grosseiro de considerar como “inovadoras radicais” a soma de todas as alternativas em que houve inovação para o mercado (ver
Tabela 1 – lembrando que foram incluídas apenas as que
responderam a essa pergunta no questionário), o resultado seria algo como: 17% das empresas que inovaram teriam inovações classificadas como “radicais”. Portanto, o
argumento deste tópico é que, independentemente de se
tratar de inovação de produto ou de processo, o importante é que as políticas busquem promover o aumento da
freqüência da inovação mais radical.
Uma proposta de política de inovação tecnológica que
privilegie a inovação de produto vis-à-vis a inovação de
processo será talvez fundamentada nas condições e características mais identificadas com as indústrias de
tecnologia “madura”, mas possivelmente corresponderá
menos às condições e possibilidades dos segmentos
tecnológicos emergentes, “portadores de futuro”.
no grupo de países que dispõem desse ferramental para a
realização de diagnósticos e proposição de políticas.
Este artigo levanta questões encontradas em opções de
política de inovação formuladas a partir dos dados da
Pintec, algumas já explicitadas como propostas em outros
trabalhos. As questões abordadas são relativas aos temas:
“tipo”da inovação (se para o mercado ou para a empresa); “natureza” da inovação (se de produto ou de processo); se a inovação tecnológica é setorial; e a percepção da
importância da difusão tecnológica pelos agentes formuladores das políticas. A título de conclusão, são as
ponderações referentes aos dois primeiros temas que receberam destaque.
Este artigo defende que a distinção entre “inovação para
o mercado” e “inovação para a empresa” deve de fato
refletir um diferencial de intensidade tecnológica, e que
isso depende da atenção que a política de inovação
tecnológica venha a dedicar – como deve – à promoção
da inovação radical. Porém, não se reconhece a mesma
propriedade na distinção entre “inovação em produto” e
“inovação em processo”. Portanto, no contexto de formulação de políticas, a opção por privilegiar a inovação
de produto, em detrimento da inovação de processo,
poderá significar não levar devidamente em conta a questão da intensidade tecnológica da inovação, pois uma
inovação de processo pode também ser portadora de significativa intensidade tecnológica. Na perspectiva deste
artigo, o principal desafio da política de inovação
tecnológica brasileira seria conseguir aumentar a freqüência da inovação radical, entendida como de maior intensidade tecnológica.
NOTAS
1. Referência feita por ocasião da divulgação da Pintec 2000 (ANPEI,
2004).
2. São levados em conta, sobretudo, os seguintes trabalhos que utilizam a base de dados da Pintec: Anpei (2004) e Queiroz e Quadros
(2004) (as referências são feitas a “estudo PNAFE”), mimeo.
3. Segundo o trabalho da Anpei (2004, p. 7), para os setores que
apresentam maior intensidade e complexidade tecnológica e que
apresentam as taxas de inovação mais elevadas: “[...] a inovação
de produto é mais importante do que a inovação de processo, o que
se encontra espelhado nas taxas de inovação diferenciadas para
produto e processo”. Conforme mostra o trabalho da Anpei (2004,
p. 14, tabela 1.4), o principal responsável pela inovação de produto é a própria empresa, enquanto “outras empresas ou institutos”,
são o principal responsável pela inovação de processo, e, segundo
este trabalho “esses resultados dizem respeito às características
distintas dos dois tipos de inovação, em particular devido ao fato
de que a tecnologia de produto guarda diferencial da empresa em
relação a seus concorrentes, o que induz à própria empresa a rea-
CONCLUSÃO
A Pintec oferece uma base de dados que possibilita abordagens de análise econômica ao fenômeno da inovação
tecnológica. Isto é muito auspicioso, porque inclui o Brasil
52
SÃO PAULO
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ...
lizar este tipo de atividade inovativa. A maior parte das inovações
de processo caracteriza-se pela introdução de modernização nos
processos de fabricação, sinalizando que os responsáveis pelo desenvolvimento dessas inovações seriam outras empresas ou institutos”.
DUGUET, E. Innovation heigth, spillovers and TFP growth at
the firm level: Evidence from the French manufacturing,
Cahiers de la MSE – EUREQua. NEP – New Economics Papers
Issue, p. 11-22, 2004.
FIGUEIREDO, P.N. Aprendizagem tecnológica e inovação
industrial em economias emergentes: uma breve contribuição
para o desenho e implementação de estudos empíricos e
estratégias no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, v. 3, n. 2,
jul./dez. 2004.
4. A aquisição de máquinas e equipamentos é uma das atividades
inovativas do questionário da Pintec. Sua definição é: “aquisição de
máquinas, equipamentos, hardware, especificamente comprados para
implementação de produtos ou processos novos ou tecnologicamente
aprimorados”.
HARA, T. Innovation in the Pharmaceutical Industry – The
Process of Drug Discovery and Development. Cheltenham UK:
Edward Elgar, 2003.
5. O trabalho da Anpei (2004, p. 8) observa que a empresa de capital
estrangeiro, em relação ao seu próprio grupo, apresenta taxas de inovação em produto superiores às nacionais, mas para a inovação em
processo há menos disparidade entre a empresa estrangeira e a nacional. Conclui que “[...] enquanto as empresas de capital nacional privilegiam as inovações de processo, mantendo a trajetória tecnológica das
empresas brasileiras de buscarem a competitividade através da eficiência produtiva, as estrangeiras buscam tanto a inovação de produto quanto de processo”.
IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec
2000. Análise dos Resultados. Rio de Janeiro: 2002.
PIANTA, M.; SIRILLI, G. The Use of Innovation Surveys for
Policy Evaluation in Italy. In: CONFERENCE ON POLICY
EVALUATION IN INNOVATION AND TECHNOLOGY, Part
IV, OECD, 26-27 June 1997.
6. O trabalho da Anpei (2004, p. 7-8) associa a inovação para o
mercado com o esforço próprio de capacitação tecnológica, enquanto a inovação para a empresa é associada à difusão tecnológica,
uma forma de apropriação de conhecimento já produzido e difundido no mercado, “[...] em países como o Brasil o comportamento
inovador da indústria é dominado predominantemente pelos processos de difusão tecnológica”.
QUEIROZ, S.; QUADROS, R. Inovação e desenvolvimento
tecnológico nas empresas brasileiras. Campinas: Ipea/PNAFE,
2004.
VIOTTI, E.B. Fundamentos e evolução dos indicadores de C&T.
In: VIOTTI, E.B; MACEDO, M. de M. (Org.). Indicadores de
ciência tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed.
Unicamp, 2003.
7. Em debate realizado em 2004, no IFHC, o presidente do Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE, ressaltou que a inovação
é uma questão de postura, muito mais do que setorial (Boletim eletrônico Inovação Unicamp, de 30 de setembro de 2004).
LUÍS FERNANDO TIRONI: Técnico do Ipea, engenheiro mecânico pela
EESC-USP, com mestrado em economia pela Unicamp. Foi Secretário de Mecânica de Precisão do MCT e Diretor de Planejamento e
Políticas Públicas e Diretor de Estudos Setoriais do Ipea.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANPEI – Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e
Engenharia das Empresas Inovadoras. Como Alavancar a
Inovação Tecnológica nas Empresas. São Paulo: 2004.
(Elaborado por Mauro Arruda e Roberto Vermulm).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 46-53, jan./mar. 2005
Artigo recebido em 17 de março de 2005.
Aprovado em 7 de abril de 2005.
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PAULO N. FIGUEIREDO
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA E
INOVAÇÃO INDUSTRIAL
conceitos, mensuração e evidências no Brasil
PAULO N. FIGUEIREDO
Resumo: Este artigo oferece uma contribuição à gestão do processo de desenvolvimento industrial no contexto
de economias em desenvolvimento, particularmente no Brasil. Para isso, esclarece certas terminologias relativas
a acumulação de capacidade tecnológica e inovação industrial e apresenta um modelo, acompanhado de breve
aplicação prática, que pode ser usado para examinar – e gerir – o processo de desenvolvimento industrial.
Palavras-chave: Capacidade tecnológica. Inovação industrial. Economias em desenvolvimento.
Abstract: This article offers a contribution to the management of the industrial development process in the
context of developing economies, particularly Brazil. The article clarifies certain terminologies relative to
technological capability accumulation and industrial innovation. Finally, the article presents a metric, followed
by a brief empirical application, that can be used to examine – and manage – the process of industrial
development.
Key words: Technological capability. Industrial innovation. Developing economies.
fim da política de substituição de importações, no
início dos anos 80, e a intensificação da globalização e da liberalização comercial, durante os
anos 90, contribuíram para tornar a acumulação tecnológica fator ainda mais crucial para o crescimento econômico e a competitividade internacional de países em desenvolvimento.
No Brasil, nos últimos 15 anos, tem havido uma profusão de estudos baseados em “diagnósticos”, descrições,
análises e propostas relativas ao papel da política tecnológica no desenvolvimento econômico e inserção da economia brasileira no mercado internacional.1 Porém, ainda
há escassez de abordagens gerenciais para estratégias de
inovação industrial do ponto de vista de acumulação de
capacidade tecnológica. Observa-se ainda o uso indiscriminado de certos termos sem fundamentos analíticos e
empíricos adequados, tanto no discurso como em documentos acadêmicos, governamentais e de consultoria,
relativos a estratégias de inovação industrial. Isto pode
conduzir, de um lado, à realização de estudos cujo foco de
análise não capte adequadamente a realidade industrial e,
de outro, a uma interpretação equivocada da realidade. Por
conseguinte, pode deturpar e interferir negativamente no
processo de desenho e implementação de estratégias de
inovação industrial, tanto em nível governamental como
empresarial.
O
CAPACIDADE TECNOLÓGICA INOVADORA:
FATOR-CHAVE PARA O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Embora os benefícios da capacidade tecnológica inovadora para o desenvolvimento econômico de indústrias
e países tenham sido observados, desde a Revolução Industrial, por Adam Smith, Alexis de Tocqueville e Karl Marx,
foi J. Schumpeter, na década de 30, quem enfatizou a im-
54
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
Desenvolvimento Tecnológico
no Contexto de Economias em Crescimento
No final dos anos 70, sob a influência intelectual da
“abordagem baseada em recursos” e da “perspectiva neoschumpeteriana”, emergiu um conjunto de estudos sobre
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
...
o desenvolvimento tecnológico em empresas de países em
desenvolvimento – ou de industrialização tardia. Mais
especificamente, no início dos anos 70, a pesquisa sobre
tecnologia em países em desenvolvimento adotou uma
perspectiva dinâmica. Deixando de lado o ponto de vista
estático dos economistas ortodoxos – os quais também
argumentavam a inexistência de atividades tecnológicas
inovadoras em empresas de economias em desenvolvimento – os novos estudos concentram-se nas mudanças ao
longo do tempo na tecnologia e na maneira como as empresas implementavam tais mudanças (STEWART; JAMES,
1982). Esses novos estudos, que tiveram origem na América Latina sob a liderança de Jorge Katz, deram grande
atenção às mudanças na capacidade tecnológica das empresas ao longo do tempo.4 Em seguida, estudos similares
foram desenvolvidos na Ásia (BELL et al., 1982; LALL,
1987) e alguns poucos foram implementados na África
(MLAWA, 1983).5
Durante meados dos anos 90, um novo conjunto de
estudos emergiu para examinar as implicações dos processos de aprendizagem na trajetória de acumulação tecnológica de empresas de países em desenvolvimento.6 Diferentemente daqueles dos anos 70, essa nova geração de
estudos examinou a base organizacional dos processos de
aprendizagem e suas implicações para a acumulação
tecnológica das empresas. Adotou-se, portanto, uma perspectiva muito mais ampla do que a descrição de trajetórias
tecnológicas de firmas, característica dos estudos iniciais.
Alguns estudos também examinaram, nas diferenças entre
as empresas, o papel dos processos de aprendizagem em
termos de acumulação tecnológica e aprimoramento de
performance técnico-econômica (FIGUEIREDO, 2001) e o
papel da cultura organizacional em termos de acumulação
tecnológica (VERA-CRUZ, 2002). O exame da velocidade
de acumulação tecnológica, medida em número de anos,
aparece em dois estudos dessa literatura (ARIFFIN, 2000;
FIGUEIREDO, 2001).
Essas literaturas têm examinado a relação entre acumulação tecnológica e inovação industrial de maneira exaustiva, tanto conceitualmente como empiricamente. Durante
os últimos dez anos, houve um considerável avanço na
pesquisa sobre esses temas, no contexto de empresas de
economias em desenvolvimento. Os estudos têm demonstrado, com adequado grau de detalhe e profundidade se e
como os processos de aprendizagem afetam a capacidade
inovadora e competitiva de empresas. Os resultados, análises e recomendações gerados por tais estudos são fontes valiosas para o aprimoramento de estratégias empre-
portância da inovação para o desenvolvimento econômico das nações. Também foi Schumpeter quem nos ensinou
que o conceito de inovação não se restringe a produtos e
processos, mas envolve novas formas de gestão, novos
mercados e novos insumos de produção.
A partir da década de 50, alguns pesquisadores buscaram explicações para questões não abordadas por
Schumpeter: fontes de inovação, melhoria contínua e características de empresas inovadoras. Mais especificamente, houve a emergência de um conjunto de estudos dedicados a examinar a capacidade tecnológica, os ativos
específicos à empresa ou a base de conhecimento como
fontes de diferenças entre empresas em termos de performance competitiva, ainda que no mesmo setor industrial.
Essa perspectiva, ancorada na “abordagem baseada em
recursos” gerou um conjunto de estudos inspiradores tanto
conceituais como empíricos.2
No final dos anos 70, começou a emergir um conjunto
de estudos que, de maneira mais sistemática, buscava examinar o papel da mudança tecnológica no desenvolvimento industrial e econômico de países e empresas. A partir
de raízes intelectuais diversas, tanto no campo da economia como da gestão, essa nova abordagem passou a ser
popularmente conhecida como neo-schumpeteriana ou
evolucionista.3 Vários desses estudos enfatizaram o papel da capacidade tecnológica como fonte de diferenças
entre setores industriais e países, em termos de progresso
industrial e crescimento econômico.
Um ponto comum nesses estudos é a rejeição à abordagem da economia ortodoxa, na qual a tecnologia era
considerada meramente como informação e apenas uma
variável exógena nos modelos de desenvolvimento econômico. Os estudos neo-schumpeterianos apontavam o
caráter tácito e intrínseco da tecnologia como um dos
fatores para explicar a impossibilidade de sua transferência
automática de um contexto para outro. Isso, por sua vez,
estava no seio das explicações das diferenças entre
empresas e setores industriais em termos de performance
técnico-econômica. Porém, tais estudos focavam tecnologia e inovação no contexto de empresas e países que já
se encontravam em estágio avançado de industrialização.
SÃO PAULO
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
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PAULO N. FIGUEIREDO
sariais e governamentais de melhoria da performance inovadora e técnico-econômica tanto de empresas como de
países. Para a operacionalização das várias recomendações
emanadas desses estudos, primeiro faz-se necessário o
entendimento de duas questões-chave: o real significado
do conceito “capacidade tecnológica” e a maneira apropriada de identificá-la e medi-la.
A partir da “abordagem baseada nos recursos específicos da firma” (PENROSE, 1959) e valendo-se de evidências empíricas, Bell (1982) faz distinção entre dois tipos de
recursos: os que são necessários para usar os sistemas de
produção existentes e os que são necessários para mudar
os sistemas de produção. Estes últimos não devem ser
tomados como um conjunto distinto de recursos especializados pois, por serem de natureza difusa, estão amplamente disseminados por toda a organização.
Em outras palavras, a capacidade tecnológica de uma
empresa (ou de um setor industrial) está armazenada, acumulada, em pelo menos quatro componentes (LALL, 1992;
BELL; PAVITT, 1993; 1995; FIGUEIREDO, 2001)9 apresentados a seguir e ilustrados na Figura 1.
- sistemas técnicos físicos – referem-se à maquinaria e
equipamentos, sistemas baseados em tecnologia de informação (como os bancos de dados), software em geral, plantas de manufatura;
Capacidade Tecnológica: o que é, afinal?7
Bell e Pavitt (1993; 1995) formularam uma definição ampla, segundo a qual a capacidade tecnológica incorpora os
recursos necessários para gerar e gerir mudanças tecnológicas. Tais recursos acumulam-se e incorporam-se aos
indivíduos (como aptidões, conhecimentos e experiência)
e aos sistemas organizacionais. Essa definição baseia-se
em outras formuladas anteriormente.8 Além disso, a capacidade tecnológica é de natureza difusa.
FIGURA 1
Dimensões da Capacidade Tecnológica
Sistema físico, base de dados, software,
máquinas e equipamentos
Sistema (tecido)
organizacional e
estratégias gerenciais;
Procedimentos e
rotinas
organizacionias.
Capacidade
Tecnológica =
conhecimento
específico à
organização / empresa
Mentes dos indivíduos –
conhecimento tácito e
qualificação formal de
engenheiros técnicos,
operadores. Sua
experiência e talento
acumulado.
Produtos e Serviços
Fonte: Elaboração do autor.
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
- pessoas – referem-se ao conhecimento tácito, às experiências e habilidades de gerentes, engenheiros, técnicos
e operadores que são adquiridos ao longo do tempo, mas
que também abrangem sua qualificação formal. Essa dimensão tem sido geralmente denominada de “capital humano”
da empresa ou do país;
- produtos e serviços – referem-se à parte mais visível
da capacidade tecnológica e refletem o conhecimento
tácito das pessoas e da organização e dos seus sistemas
físicos e organizacionais. Por exemplo, nas atividades de
desenho, desenvolvimento, prototipagem, teste, produção e na parte de comercialização de produtos e
serviços, estão refletidos os outros três componentes da
capacidade tecnológica.
Portanto, existe uma relação inseparável (simbiótica)
entre esses quatro componentes. A capacidade tecnológica possui uma natureza não apenas disseminada, mas
abrangente. Ademais, a capacidade tecnológica é intrínseca ao contexto da firma, região ou país onde é desenvolvida (PENROSE, 1959; NELSON; WINTER, 1982;
DOSI, 1988a, 1988b).10 Logo, é curioso o termo “transferência” de tecnologia. Esse termo pode transmitir a falsa
idéia de que a tecnologia pode ser automaticamente
transladada de um contexto para outro. No entanto, a real
transferência de tecnologia de economias industrializadas
para economias em desenvolvimento envolve, de um lado,
a gestão da aquisição, instalação e operação da tecnologia importada. De outro, implica assegurar o engajamento da organização recipiente em um contínuo e
sistemático processo de aprendizagem tecnológica. É
justamente essa segunda “metade” que tende a ser negligenciada em estratégias de inovação industrial. Isso
contribui para explicar o processo irregular de desenvolvimento tecnológico que tende a ocorrer em economias
em desenvolvimento.
Em razão da natureza tácita e ampla da capacidade
tecnológica, aqui não se faz distinção entre capacidade
tecnológica e organizacional – ou entre tecnologia e
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
...
organização –, já que a última é parte integrante da primeira.
Porém, há uma tendência a negligenciar-se a dimensão
organizacional da capacidade tecnológica.11 Ou seja, enquanto costuma-se dar grande ênfase ao “capital humano”
como fonte de desenvolvimento tecnológico, dedica-se
atenção inadequada ao “capital organizacional”, ou seja,
à capacidade tecnológica embutida e armazenada no sistema (tecido) organizacional. A adoção de perspectivas limitadas de capacidade tecnológica (como sistema físico ou
capital humano) pode ter implicações negativas para implementação de estratégias de inovação industrial. Uma das
causas de resultados pífios, em termos de desempenho
inovador e/ou técnico-econômico da tecnologia importada
para a empresa receptora, é a “compra” de tecnologia
limitada aos sistemas físicos e técnicos. Em outras palavras, estratégias industriais que enfocam apenas os elementos mais visíveis da capacidade tecnológica (oferta de
capital e de sistemas físicos), sem considerar o desenvolvimento do capital organizacional, conduzem a resultados
insignificantes em termos de inovação e produtividade.12
Em outros casos, ainda que seja dada forte atenção
ao desenvolvimento de “capital humano” para absorver
a tecnologia importada, a dimensão organizacional é
normalmente negligenciada. Por exemplo, em nossas
atividades de trabalho de campo de pesquisa, é comum
encontrarmos gerentes que afirmam que, a despeito da
presença de máquinas avançadas e de engenheiros e
técnicos altamente qualificados, a empresa não consegue
obter inovação em produtos e serviços e nem melhorar
seu desempenho técnico. Ou seja, como se costuma
justificar, falta nas empresas uma “organização” para
integrar esses elementos e transformar o conhecimento
tácito em novos produtos e práticas de produção. Isso
parece refletir, de um lado, a ausência ou inadequação
de esforços para aprimorar o tecido organizacional e
gerencial no qual a capacidade tecnológica da empresa
é acumulada. De outro, reflete uma percepção limitada
sobre o que vem a ser “capacidade tecnológica”. Por
exemplo, é louvável a meta brasileira de formar cerca de
10 mil doutores por ano. Porém, muito embora esse seja
um elemento importante do desenvolvimento tecnológico nacional, primeiro é essencial responder a
questões como: “Para que e em que áreas a oferta de
tal capital humano é relevante para o país?” Em outras
palavras, primeiro, é preciso saber como se pretende
integrá-los aos demais componentes da capacidade
tecnológica nacional.
- sistema (tecido) organizacional – refere-se ao conhecimento acumulado nas rotinas organizacionais e gerenciais das empresas, nos procedimentos, nas instruções, na documentação, na implementação de técnicas de
gestão (total quality management – TQM; material
requirement planning – MRP; just-in-time – JIT, entre
outras), nos processos e fluxos de produção de produtos e serviços e nos modos de realizar certas atividades
nas organizações;
SÃO PAULO
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
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PAULO N. FIGUEIREDO
MENSURAÇÃO DE CAPACIDADE TECNOLÓGICA
perspectiva agregada das atividades tecnológicas em empresas no Brasil. Vários deles têm suas raízes na literatura internacional sobre fatores determinantes das atividades inovadoras no âmbito empresarial (como COHEN;
LEVIN, 1989; COHEN; LEVINTHAL, 1990; KUMAR;
SIDDHARTHAN, 1997).
Porém, como argumentado em Lall (1992), Bell e Pavitt
(1993; 1995), Dutrénit (2000), Ariffin (2000) e Figueiredo
(2001; 2003a; 2003b), há situações em que algumas dessas
medidas têm suas próprias limitações e são menos relevantes pelas seguintes razões:
- indicadores relativos às atividades de P&D e de patentes
são apenas prevalentes em alguns setores industriais de
países tecnologicamente avançados (como por exemplo,
Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Alemanha), onde
certas empresas têm níveis suficientemente profundos de
P&D e intensiva produção de patentes internacionais. Logo,
a aplicação desses indicadores para empresas em economias
em desenvolvimento – que, em geral, não possuem níveis
sofisticados de capacidade tecnológica inovadora para conduzir atividades de P&D e patentes – seria irrelevante;
No que concerne à identificação e medição da capacidade tecnológica em empresas ou setores industriais, particularmente no contexto de economias em desenvolvimento, o que é importante é não apenas identificar se essa
capacidade existe ou não, mas também a direção, extensão
– ou nível – e velocidade de seu desenvolvimento ou acumulação. Por isso, é preciso levar em conta o princípio
básico de gestão, segundo o qual se pode gerir com eficácia aquilo que se pode medir. Antes porém, de introduzir a
métrica para este fim, serão comentadas algumas das principais limitações dos indicadores convencionais para identificar e medir a capacidade tecnológica.
Indicadores Convencionais: por que são Limitados?
Indicadores relativos à base de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e patentes têm sido extensivamente usados
para medir a capacidade tecnológica de empresas, setores
industriais e países. Normalmente, é realizada avaliação do
pessoal alocado em laboratórios de P&D, dos gastos em
P&D e da intensidade da atividade de patentes internacionais registradas nos Estados Unidos como parâmetro para
inovações internacionalmente reconhecidas.13
Há uma vasta literatura internacional, concernente ao
contexto de empresas e países tecnologicamente avançados, que mede capacidade tecnológica de firmas e indústrias, à base, por exemplo, de gastos em P&D (MANSFIELD
et al., 1979), qualificações formais de indivíduos (PACK,
1987; JACOBSSON; OSKARSSON, 1995), investimentos
em pessoal alocado em laboratórios de P&D (WORTMAN,
1990) e estatísticas de patentes depositadas nos EUA
(PATEL, 1995; PATEL; PAVITT, 1997) e mesmo uma combinação de P&D, patentes, gastos em educação, e estatísticas de pessoal de engenharia (DANIELS, 1997). Além disso, há o Manual de Oslo (OECD, 1997) que, embora tenha
avançado em relação ao padrão de medida anterior (Manual Frascati), adota como critério-chave a medição de atividades tecnológicas por meio de estatísticas de P&D.
No Brasil, a combinação de estatísticas de patentes e
outras medidas quantitativas – como gastos em P&D, educação, percentual de cientistas e engenheiros qualificados
e intensidade de capital – tem sido usada em alguns estudos para medir a capacidade tecnológica (MACEDO;
ALBUQUERQUE, 1999; QUADROS et al., 2001;
ANDREASSI; SBRAGIA, 2002; KANNEBLEY, 2003). Tais
estudos são extremamente meritórios ao apresentarem uma
- estatísticas de patentes internacionais, particularmente
patentes nos Estados Unidos, são geralmente aceitas como
uma medida superior de capacidade tecnológica. Estão
disponíveis por longo período de tempo e fornecem detalhes estatísticos altamente quantificáveis, que poderiam ser
examinados de acordo com a localização geográfica e área
técnica (PATEL, 1995). Entretanto, muito embora isso seja
verdadeiro, avaliar capacidades tecnológicas tendo como
base essas estatísticas internacionais poderia ser limitante
e tendencioso para empresas em economias em desenvolvimento que não exportam significativamente produtos
especializados e de marca própria para o mercado dos EUA.
- nas empresas que operam em economias em desenvolvimento (América Latina, Ásia, África do Sul ou alguns
países do Oriente Médio e Leste Europeu) é rara a incidência
de laboratórios de P&D formalmente estruturados conforme
os encontrados em empresas de economias industrializadas.
Não obstante, atividades tecnológicas inovadoras e
complexas são conduzidas através dos departamentos de
engenharia, de qualidade e de manutenção. É muitas vezes
nessas unidades organizacionais que está acumulada grande
parte das capacidades tecnológicas inovadoras das empresas;
- a maneira como a empresa constrói a sua base organizacional influencia no sucesso ou fracasso de seu
engajamento em atividades inovadoras – de básicas à P&D.
58
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ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
Porém, as abordagens baseadas em indicadores convencionais não captam as características e elementos do tecido organizacional, no qual a capacidade tecnológica é desenvolvida, acumulada e sustentada.
Subjacente à persistência do uso desses indicadores
convencionais para medir capacidade tecnológica no contexto de economias em desenvolvimento, está uma perspectiva de inovação que tende a negligenciar tanto as atividades de imitação, cópia, adaptação, experimentação, como a
adoção de novos produtos e processos e de novos arranjos organizacionais que são parte do processo inovador
(DOSI, 1988a; 1988b; LALL, 1992). Tais atividades são essenciais para o entendimento do processo de desenvolvimento tecnológico em economias em desenvolvimento
(BELL; PAVITT, 1993, 1995; DUTRÉNIT, 2000; ARIFFIN,
2000; FIGUEIREDO, 2001). Ou seja, há diversos graus de inovação – de básica a complexa – que não são captados pelos
estudos à base de indicadores convencionais. Identificar a
progressão por meio dos diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico é crucial para entender a dinâmica industrial de economias e regiões em desenvolvimento. Para
isso, é fundamental examinar os diferentes estágios percorridos por empresas e setores industriais.
Métrica Alternativa para Identificar e Medir
a Capacidade Tecnológica
Baseando-se em Katz (1987), Dahlman et al. (1987) e Lall
(1987; 1992; 1994) desenvolveu um modelo no qual as capacidades tecnológicas de uma empresa são categorizadas
por funções. Tal modelo sugere que a acumulação processa-se a partir das categorias mais simples para as mais complexas.15 O princípio dessa métrica começou a ser desenvolvido pelo clássico estudioso russo Alexander
Gerschenkron (1962), com base na idéia de estágios de
desenvolvimento no contexto de industrialização tardia.
Depois, outro avanço significativo foi feito em Lall (1992)
e, mais tarde, refinada em Bell e Pavitt (1995). Em Figueiredo
(2001), esse modelo foi empiricamente adaptado para
explicitar melhor as diferenças entre empresas do setor de
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
...
aço, em termos da maneira e da taxa (velocidade) de acumulação de capacidade tecnológica e em termos de aprimoramento de desempenho técnico-econômico (ver o modelo adaptado no Quadro 1).16
Em outras palavras, o modelo permite identificar e medir a acumulação de capacidade tecnológica baseada em
atividades que a empresa é capaz de realizar ao longo de
sua existência. Com base nesse modelo, é possível distinguir entre: capacidades rotineiras e capacitações inovadoras. As primeiras são para usar ou operar certa tecnologia e sistemas de produção, enquanto as segundas são
para adaptar e/ou desenvolver novos processos de produção, sistemas organizacionais, produtos, equipamentos
e projetos de engenharia (isto é, para gerar e gerir a inovação tecnológica).
O Quadro 1 apresenta um exemplo do modelo modificado para aplicação empírica. Embora essa adaptação tenha
sido feita, inicialmente, para a indústria do aço, o modelo
tem sido utilizado para estudos de desenvolvimento
tecnológico em outros setores industriais, como será apresentado com mais detalhes a seguir. 17 A capacidade
tecnológica por função e nível de dificuldade é medida pelo
tipo de atividade que a empresa é capaz de realizar por
si mesma em diferentes intervalos de tempo.
Com relação à aplicação empírica desse modelo, é importante notar os seguintes pontos:
- O modelo permite captar dois tipos de trajetória de desenvolvimento tecnológico: pela evolução da simples produção de bens e serviços cada vez mais complexos e de
maior valor agregado e pelo aprofundamento do nível de
capacidade tecnológica. No primeiro caso, estuda-se, por
exemplo, a evolução da manufatura de simples aparelhos
de áudio à de DVDs. No segundo, pode-se analisar a produção básica para a engenharia, desenho e desenvolvimento de processos e/ou produtos.
- outro problema dos estudos baseados em estatísticas de
indicadores convencionais é que eles examinam a capacidade tecnológica em um ponto no tempo (momento atual –
snap-shot studies).14 Tal abordagem estática não permite esclarecer como empresas desenvolveram progressivamente
níveis mais profundos de capacidade tecnológica. Ou seja,
não há exame do processo de acumulação tecnológica.
SÃO PAULO
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
- Embora apresente a capacidade tecnológica em níveis
ou “estágios”, como em Gerschenkron (1962), o modelo não
pressupõe que todas as empresas de um certo setor industrial – e até mesmo unidades de uma mesma empresa –
necessariamente capacitem-se nessa seqüência linear. O
modelo também não pressupõe que as capacidades sejam
construídas, acumuladas, sustentadas (ou debilitadas), ao
mesmo tempo e à mesma velocidade, para as diferentes funções tecnológicas. Ademais, é difícil fazer uma separação
entre as atividades relacionadas aos produtos e o processo de sua fabricação, incluindo-se aí o instrumental e o
equipamento utilizado.
59
PAULO N. FIGUEIREDO
QUADRO 1
Modelo Descritivo da Capacidade Tecnológica em Empresas de Economias Emergentes
Níveis de
Competências
Tecnológicas
(1)
Básico
(2)
Renovado
(3)
Extra-básico
(4)
Pré-Intermediário
(5)
Intermediário
(6)
Intermediário
Superior
(7)
Avançado
Investimentos
Decisão e Controle sobre a Planta
Engenharia de Projetos
Decisão sobre localização da planta. Preparação inicial de projeto.
Termos de referência.
Sincronização de trabalhos de
construção civil e instalações.
Monitoramento ativo de rotina de
Serviços rotineiros de engenharia na
unidades existentes na planta.
planta nova e/ou existente.
Funções Tecnológicas e Atividades Relacionadas
Processos e Organização
Produtos
da Produção
CAPACIDADES DE ROTINA
Coordenação de rotina na planta. Absorção Replicação de aços seguindo especificações
da capacidade da planta. PCP e CQ
amplamente aceitas. CQ de rotina.
básicos.
Fornecimento a mercados de exportação.
Estabilidade do AF e aciaria. Coordenação Replicação aprimorada de especificações de
aprimorada da planta. Obtenção de
aços dados ou próprias. Obtenção de
certificação (ex.: ISO 9002, QS 9000)
certificação internacional para CQ de rotina.
Reposição de rotina de componentes de
equipamento. Participação em
instalações e testes de performance.
Manufatura e reposição de componentes
(ex.: cilindros) sob certificação
internacional (ISO 9002)
CAPACIDADES INOVADORAS
Pequenas adaptações e intermitentes em
processos, eliminação de gargalos, e
alongamento de capacidade.
Pequenas adaptações em especificações
dadas. Criação de especificações próprias para
aços (dimensão, forma, propriedades
mecânicas).
Aprimoramentos sistemáticos em especificações
dadas. ‘Engenharia reversa’ sistemática.
Desenho e desenvolvimento de aços
tecnicamente assistidos. Desenvolvimento de
especificações próprias.
Pequenas adaptações em equipamentos
para ajustá-los a matérias-primas locais.
Manutenção break-down.
Aprimoramento contínuo em especificações
próprias. Desenho, desenvolvimento,
manufatura e comercialização, de aços
complexos e de alto valor sem assistência
técnica. Certificação para desenvolvimento de
produto (ex.: ISO 9001).
Adição de valor a aços desenvolvidos
internamente. Desenho e desenvolvimento de
aços extra complexos e de alto valor agregado.
Engajamento em projetos de desenho e
desenvolvimento com usuários.
Desenho e desenvolvimento de produtos em
classe mundial. Desenho original via E, P e D.
Contínua engenharia básica e de detalhe
e manufatura de plantas individuais (ex.:
AF, Sinter). Manutenção preventiva.
Envolvimento ativo em fontes de
financiamento de tecnologia.
Planejamento de projeto. Estudos de
viabilidade tecnicamente assistidos,
para grandes expansões.
Monitoramento parcial e controle de
estudos de viabilidade de expansão,
busca, avaliação, e seleção de
tecnologia e fornecedores.
Engenharia de instalações. Expansões Alongamentos sistemáticos de capacidade.
tecnicamente assistidas. Engenharia
Manipulação de parâmetros-chave de
de detalhamento.
processo. Novas técnicas organizacionais
(TQC/M, ZD, JIT).
Monitoramento completo, controle e
execução de estudos de viabilidade,
busca, avaliação, seleção, e
atividades de financiamento.
Engenharia básica de plantas
individuais. Expansão da planta sem
assistência técnica. Provisão
intermitente de assistência técnica.
Aprimoramento contínuo de processo.
Desenho de sistemas automatizados
estáticos. Integração de sistemas
automatizados de processo e PCP.
Alongamento rotinizado de capacidade.
Elaboração e execução próprias de
projetos. Provisão de assistência
técnica em decisões de investimentos.
Engenharia básica da planta inteira.
Provisão sistemática de assistência
técnica em estudos de viabilidade,
engenharia de aquisição, de detalhe,
básica, e partida da planta.
Engenharia de classe mundial. Novos
desenhos de processos e P&D
relacionado.
Integração entre sistemas operacionais e
sistemas corporativos. Engajamento em
processos de inovação baseados em
pesquisa e engenharia.
Gestão de projetos de classe mundial.
Desenvolvimento de novos sistemas
de produção via P&D.
Produção de classe mundial. Desenhos e
desenvolvimento de novos processos
baseados em E e P&D.
Equipamentos
Reforma de grandes equipamentos (ex.:
AF) sem assistência técnica. Engenharia
reversa de detalhe e básica. Manufatura
de grandes equipamentos.
Continua E básica e detalhe de
equipamento para planta inteira de aço
e/ou componentes para outras
indústrias. Assistência técnica (ex.:
reforma de AF) para outras empresas.
Desenho e manufatura de equipamentos
de classe mundial. P&D para novos
equipamentos e componentes.
Fonte: Figueiredo (2001; 2003a; 2003b).
Nota: E = Engenharia; PCP = Planejamento e controle da produção; CQ = controle de qualidade; AF = alto forno.
dustrial leva para alcançar determinado nível de capacidade para funções tecnológicas específicas. Também é possível identificar quanto tempo uma empresa – ou conjunto
de empresas – permaneceu estacionada em certo nível de
capacidade tecnológica. A identificação e o exame da progressão por meio dos diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico é crucial para entender a dinâmica industrial de economias e regiões em desenvolvimento
(KATZ, 1987; LALL, 1992; BELL; PAVITT, 1993; 1995).
Exemplos de medições da velocidade de acumulação de
capacidade tecnológica são apresentados em Figueiredo
(2001; 2002; 2003a), enquanto Ariffin desenvolve um método e sua aplicação empírica sistemática na indústria
eletroeletrônica (2000). Essa preocupação em medir o tempo de acumulação tecnológica presente nesses dois estudos ainda é uma questão negligenciada em estudos
empíricos e em estratégias de inovação industrial – embora seja crucial para empresas de economias emergentes,
como foi já mencionado nesse artigo.
Como uma extensão do modelo no Quadro 1, o Gráfico 1 (a “escada”) é uma estrutura auxiliar, que facilita a
visualização da trajetória tecnológica de empresas de
economias em desenvolvimento. Tão importante quanto
focalizar a acumulação do nível mais avançado de capacidade tecnológica, é entender que a construção e a acumu-
- Em estudos no âmbito de empresas – e mesmo de setores
industriais – recomenda-se classificar as funções tecnológicas específicas (como produtos, processo e organização da produção), em termos de tipos e níveis de
capacidades, em vez da empresa ou do setor industrial em
si (DUTRÉNIT, 2000; FIGUEIREDO, 2003a; 2003b). As
empresas acumulam suas capacidades para funções tecnológicas diversas, de várias maneiras, em diferentes direções
e velocidades. Para certa função tecnológica (produtos, por
exemplo) pode-se alcançar uma profundidade de capacidade tecnológica (nível 5), enquanto que em uma outra
função (gestão de projetos) pode-se acumular um nível mais
superficial (nível 2).
- Lembrando que as capacidades rotineiras e inovadoras
acumulam-se de maneira paralela dentro da empresa, e também do setor industrial, é possível acumular partes de certas capacidades inovadoras sem que o acúmulo de suas
capacidades rotineiras esteja consolidado. Chamamos a
esse fenômeno “acumulação truncada ou incompleta”, observado, com certa freqüência, em empresas que operam
em economias ou áreas emergentes (DUTRÉNIT, 2000;
ARIFFIN, 2000; FIGUEIREDO, 2001, 2003a).
A aplicação empírica mais sofisticada desse modelo permite ainda examinar a velocidade (ou taxa) de acumulação
– isto é, o número de anos que uma empresa ou setor in-
60
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
lação dessa capacidade em níveis intermediários são uma
pré-condição para o alcance de patamares mais elevados
(DOSI, 1988a; LALL, 1992; HOBDAY, 1995; BELL;
PAVITT, 1993, 1995; DUTRÉNIT, 2000; ARIFFIN, 2000;
FIGUEIREDO, 2001, 2003a). Entretanto, estudos sobre
inovação industrial em economias em desenvolvimento
tendem a ignorar os seguintes aspectos: a importância da
acumulação de capacidades em níveis intermediários e
como e em quanto tempo as empresas evoluem da acumulação de capacidades rotineiras para inovadoras – de
básicas a avançadas.
Por isso, a aplicação empírica dos modelos apresentados no Quadro 1 e no Gráfico 1 permite levantar questões
aparentemente simples. Mas a busca sistemática e disciplinada de respostas para elas pode conduzir a uma estratégia de inovação industrial focada e coerente – tanto
no âmbito de empresas como de setores industriais ou até
mesmo de um país. As questões são:
- quanto tempo levamos para chegar até aqui?;
- por quanto tempo estamos “estacionados” em um determinado nível de capacidade para uma função tecnológica
específica?;
- quão distante estamos da fronteira tecnológica internacional?;
- onde queremos estar até o ano x?;
- quais são os recursos e como geri-los para alcançar um
nível de capacidade tecnológica em x número de anos?
APLICAÇÃO EMPÍRICA DA MÉTRICA DE
CAPACIDADE TECNOLÓGICA
Apresenta-se a seguir uma breve aplicação empírica do
modelo de mensuração de capacidade tecnológica. Isso foi
GRÁFICO 1
Tipos de Competência
Tecnológica
“Profundidade” da
Competência
Tecnológica
Competências em P&D e
Engenharia para desenvolver e
implementar novas
tecnologias
Competência
Tecnológica
Acumulada
Fronteira
Tecnológica
Internacional
Competências em P&D e
Engenharia básica/gestão de
projetos para copiar,
implementar e desenvolver
tecnologias existentes
Competências em desenho,
engenharia, gestão e P&D para
aprimoramento incremental de
produtos/processos e
organizacional
Competências técnica e
gerencial/organizacional para
usar e operar tecnologias
existentes
5
10
15
20
25
Tempo (anos)
Fonte: Bell (1997).
Nota: Ver aplicação empírica em Figueiredo (2001; 2003b).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
...
- onde estamos em termos de capacidade tecnológica?;
Modelo Ilustrativo de Trajetória de Acumulação de Capacidade Tecnológica em
Empresas de Economias Emergentes (Escada de Capacidades Tecnológicas)
Complexidade
da Tecnologia
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
61
30
PAULO N. FIGUEIREDO
representam as capacidades para inovar. O estudo encontrou uma diversidade de tipos e níveis de capacidades
tecnológicas inovadoras na amostra examinada, conforme mostrado na Tabela 1.
As principais evidências relativas ao estágio atual da
capacidade tecnológica dos participantes da amostra são:
- A função tecnológica “engenharia de software” é a que
concentra mais institutos nos níveis 5 e 6 (“intermediáriosuperior” e “avançado”, respectivamente). Embora apenas um deles (correspondente a 5,5% da amostra) tenha
alcançado as capacidades de nível 6, as capacidades de
nível 5 representam o máximo de capacitação de onze participantes (61,1%).
feito com base em recente estudo sobre desenvolvimento
tecnológico na indústria de tecnologia de informação e comunicação (TIC) no Brasil (FIGUEIREDO; MARINS, 2005).
O estudo examinou o desenvolvimento de capacidades
tecnológicas em 18 dos mais importantes institutos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) vocacionados para o setor de TIC localizados nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste
e Norte.18
A composição da amostra obedeceu a três critérios:
localização; idade; e natureza dos institutos. Localização
refere-se à dispersão geográfica dos institutos de P&D no
território nacional. Assim, a amostra foi composta por
institutos geograficamente distribuídos em todas as regiões
do Brasil.
Quanto à idade dos institutos de P&D foram pesquisados desde aqueles criados na década de 60 até os
mais recentes, como de 2001. Por fim, examinou-se institutos de natureza diversa: tanto públicos como privados, tanto ligados a universidades quanto independentes ou ligados a empresas. Portanto, foi obtida uma amostra
representativa, rica em evidências e diversificada.
Para examinar as questões pesquisadas com adequado detalhamento e profundidade, foi necessária a coleta
de evidências empíricas primárias. Tais evidências foram
coletadas por meio de fontes variadas: entrevistas, observação direta e análise de documentação. Em razão das idades diferentes dos institutos – e no intuito de obter-se comparações interessantes – foi criada uma estrutura de três
fases comuns:
- fase inicial: período em que começam suas atividades;
- As capacidades de nível 4 (“intermediário”), representam o grau máximo de capacitação na função “engenharia
de software” em seis institutos pesquisados (33,3%). O
instituto que consolidou as capacidades de nível 6 representa um centro de referência mundial no desenvolvimento
de determinada tecnologia. Em termos de “gestão de projetos”, o nível 4 (“intermediário”) é o que concentra maior
número de participantes e 12 institutos o têm como nível
máximo alcançado (66,6% da amostra).
- O nível 3 (“inovação básica”) representa o grau máximo
alcançado por quatro participantes (22,0%).
- O nível 5 (“intermediário-superior”) representa o grau
máximo de capacitação em “gestão de projetos” de dois
institutos estudados (11,1%) – sendo um deles independente e o outro ligado a uma empresa.
Muito embora nenhum instituto estudado tenha consolidado as capacidades de nível 6 (“avançado”) em “gestão de projetos”, um dos participantes da amostra encontra-se em processo de transição para aquele nível. Nesse
instituto há esforços deliberados no sentido de transformar a prevenção de falhas e defeitos durante a realização
de um projeto (não apenas em produtos, mas também em
processos) em uma rotina estruturada e formalizada.
A função “produtos e soluções” é a única em que os
participantes da amostra estão distribuídos em torno de
quatro níveis de especialização máxima, estando apenas
um deles (5,5%) restrito ao nível 3 (“inovação básica”).
O nível 4 (“intermediário”) concentra dez institutos estudados (55,5%). Os níveis 5 (“intermediário-superior”)
e 6 (“avançado”) representam o nível máximo alcançado
por seis e por um participante (33,3% e 5,5%, respectivamente). As evidências apontam que o instituto que alcançou o nível 6 de capacitação nessa função é capaz de
desenvolver produtos e soluções de elevada complexi-
- fase intermediária: período de transição da primeira fase
para a última – marcada pelo amadurecimento tecnológico
e pela adaptação a condições externas (como a desregulamentação e a privatização do setor de telecomunicações nacional e a criação da Lei de Informática);
- fase atual.
Para o exame da capacidade tecnológica nas organizações da amostra, foi construída uma métrica específica para
esse tipo de indústria com base em extensivo trabalho de
adaptação, calibração e validação (ver o modelo adaptado no Quadro 2). Quanto aos tipos, foram examinadas as
capacidades construídas pelos institutos em quatro funções tecnológicas: engenharia de software; gestão de projetos; produtos e soluções; e ferramentas e processos. As
capacidades tecnológicas foram divididas em seis níveis
de complexidade crescente, sendo que os níveis 1 e 2 representam as capacidades de rotina e os níveis de 3 a 6
62
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
...
senvolvimento de práticas próprias e de processos adequados a suas especificidades.
Além disso, assim como o ocorrido com a função “gestão de projetos”, não há institutos que tenham consolidado as capacidades de nível 6 (“avançado”) na função “ferramentas e processos”. As evidências sugerem a ausência
de institutos que venham realizando o aprimoramento contínuo de processos e sistemas operacionais próprios, uma
vez que muitos nem mesmo estruturaram por completo seus
processos organizacionais e operacionais.
Portanto, o estudo contribuiu para elucidar a realidade
desse segmento da indústria de TIC no Brasil. Tal realidade é, por vezes, desconhecida justamente pela escassez ou
ausência de estudos dessa natureza. Isso contribui para a
emergência de certas generalizações comuns sobre o desenvolvimento tecnológico na América Latina e no Brasil.
É assim que, com base em análises agregadas, tem-se argumentado que a partir da década de 90 iniciou-se um pro-
dade, dotados de capacidade de personalização para atender necessidades ainda não identificadas. Além disso, há
a geração de spin-offs por conta da complexidade e da especialização das atividades em que esse instituto vem se
engajando.
Finalmente, em relação a “ferramentas e processos”, os
institutos estudados estão agrupados em três níveis de
capacitação tecnológica: 10 (55,5%) encontram-se no nível 3 (“inovação básica”); 7 (38,8%) no nível 4 (“intermediário”); e 1 (5,5%), que é um instituto independente, no
nível 5 (“intermediário-superior”).
As evidências indicam que os institutos têm buscado
organizar suas atividades em torno de métodos de trabalho internacionalmente praticados. No entanto, embora uma
parte significativa deles esteja orientada para a organização de suas práticas em torno de padrões internacionais,
as evidências sugerem que poucos são os que, ao se organizarem e obterem certificações, voltaram-se para o de-
QUADRO 2
Modelo Descritivo para Mensurar as Capacidades Tecnológicas no Setor de Tecnologia de Informação e Comunicação
Níveis de
Competência
Atividades de Engenharia e Gestão de Projetos
Engenharia de Software
Ferramentas básicas e tecnologias pré-existentes
de desenvolvimento de software. Práticas de
gestão incipientes. Ambiente instável para o
desenvolvimento de software e atividades de P&D
correlacionadas.
Nível 1
Básico
Nível 2
Extra básico
Utilização e adaptação de tecnologias
desenvolvidas por terceiros. Formalização das
práticas básicas de engenharia de software.
Nível 3
Inovação
básica
Processos de desenvolvimento de software
estruturados e padronizados. Interação com
clientes e parceiros para desenvolvimento de
novas tecnologias.
Produtos e Soluções
Gestão de Projetos
CAPACIDADES DE ROTINA
Práticas internas de gestão de projetos informais e
intermitentes. Imprevisibilidade de prazos,
Replicação de especificações determinadas pelos
orçamentos, funcionalidade e qualidade do
clientes. Pequenas adaptações de tecnologias já
produto. Gestão de projetos realizada pelos
existentes.
clientes.
Gestão de projetos realizada informalmente, com
base nas práticas dos clientes. Padronização das
Atividades de reengenharia e cópia. Novas aplicações
fases básicas de um projeto (ex.: planejamento,
para tecnologias e produtos, visando ao atendimento
testes e desenvolvimento). Gestão de projetos
das necessidades pontuais da empresa-cliente.
abrangendo fornecedores e sub-contratados.
CAPACIDADES INOVADORAS
Planejamento e coordenação formal de projetos
simples. Capacidade de gestão de projetos
Processo de identificação das necessidades da
empresa-cliente. Desenvolvimento de produtos e
baseada na performance de projetos anteriores.
Capacidade de identificação dos riscos dos
soluções para solucionar problemas específicos.
Análise, definição e especificação de requisitos.
projetos. Sistemas de controle de documentação
de projetos. Capacitação de gerentes de projeto.
Uso de ferramentas básicas de engenharia de
software. Processos operacionais não-formalizados.
Técnicas de controle de qualidade incipientes.
Estruturação dos processos operacionais. Controle
de documentos operacionais e gerenciais. Controle
de instruções técnicas para projetos. Uso de canais
de comunicação em redes compartilhadas.
Sistemas institucionais para integração de
informações e dados (ex.: base de projetos).
Padronização do processo de desenvolvimento de
software. Capacitação em metodologias de gestão
de processos. Práticas operacionais orientadas por
pré-requisitos e especificações CMM2.
Gestão de projetos complexos, envolvendo áreas
de especialização tecnológica complementares.
Interação contínua entre gerentes de projeto do
instituto e gerentes de projeto dos clientes.
Documentação formal das fases do projeto em
base de dados.
Tecnologias inovadoras visando ao mercado em
potencial. Soluções complexas a partir da integração de
áreas de especialização (ex.: óptica, Java,
reconhecimento de voz).
Criação de novas unidades organizacionais.
Fortalecimento das práticas de gestão de projetos.
Gestão estratégica da qualidade; obtenção de
certificações internacionais (ISO, PMP-PMI).
Processos baseados em e controlados por web
intranet. Práticas operacionais orientadas por prérequisitos e especificações CMM3.
Transformação (reengenharia) dos processos
críticos do instituto. Ferramentas avançadas de
gestão de processos. Normas e padrões de projetos
próprios (ex.: Prosces). Execução de projetos
envolvendo gestão de processos globais e
simultâneos. Práticas operacionais orientadas por
pré-requisitos e especificações CMM4.
Aprimoramento contínuo dos processos e sistemas
operacionais, tanto a partir de avanços incrementais
nos processos existentes quanto a partir de novos
métodos e tecnologias. Práticas operacionais
orientadas por pré-requisitos e especificações
CMM5.
Nível 4
Intermediário
Integração das ferramentas do instituto com as
utilizadas por clientes e parceiros.
Complementaridade das atividades de P&D para
viabilizar o desenvolvimento de tecnologias
inovadoras.
Nível 5
Intermediáriosuperior
Equipes multidisciplinares, rotativas, de alta
especialização tecnológica. Soluções inovadoras
em engenharia de software e novas tecnologias a
partir de insights próprios. Desenvolvimento de
software em conjunto com centros globais.
Formalização da gestão de risco. Avaliação de
performance em projetos por meio de métricas
quantitativas.
Interação com o mercado global. Desenvolvimento de
produtos e soluções em tecnologias de última geração
(ex.: TV digital, PDAs, integração, telefonia celular –
CDMA, TDMA, GSM, iDEN).
Centro de P&D de excelência mundial no
desenvolvimento de novas tecnologias (ex.:
games, grid computing, messaging, iDEN).
Gestão de projetos de classe mundial. Gerência de
equipes fisicamente distantes. Capacidade próativa de reconhecer fraquezas. Prevenção da
ocorrência de falhas em processos e de defeitos
em produtos.
Desenvolvimento de produtos e soluções de alta
complexidade, com grande capacidade de
personalização e adaptação para atender a
necessidades ainda não identificadas via P&D (ex.: grid
computing, convergência).
Geração de spin-offs em decorrência da elevada
especialização tecnológica.
Nível 6
Avançado
Ferramentas e Processos
Fonte: Figueiredo (2001).
Nota: Adaptado de e elaborado a partir de trabalho de campo que levou em consideração certas métricas específicas existentes: Capability Maturity Model – Software Engineering Institute (CMMSEI) e Project Management Body of Knowledge – Project Management Institute (PMBok – PMI).
iDEN: Integrated Digital Enhanced Network; PDAs: Personal Digital Assistants; CDMA: Code-Division Multiple Access; TDMA: Time Division Multiple Access; GSM: Global System for Mobile
communication; Prosces: Processo Padrão de Desenvolvimento de Software do CESAR.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
63
PAULO N. FIGUEIREDO
COMENTÁRIOS FINAIS E RECOMENDAÇÕES
PARA ESTRATÉGIA INDUSTRIAL
cesso de deterioração das capacidades tecnológicas
construídas até a década de 80 (CIMOLI; KATZ, 2003;
KATZ, 2004). Segundo a perspectiva desses estudos, as
atividades de P&D estão cada vez mais concentradas em
países industrializados. Nas economias latino-americanas,
há certa tendência de especialização na produção de
commodities e na atividade de produção industrial básica,
sendo elas geralmente descritas como passivas em termos
de aprendizagem e inovação. Outros estudos sugerem que
a interação entre infra-estrutura tecnológica e empresas
vem sendo seriamente deteriorada a partir da década de 90,
e que o processo de deterioração de capacidade tecnológica industrial caracteriza-se pela aprendizagem passiva
do sistema nacional de inovação (CASSIOLATO;
LASTRES, 2000; CASSIOLATO et al., 2001; VIOTTI, 1997,
2000).
Ocorre que tais argumentos e generalizações normalmente não são apoiados por evidências empíricas de primeira mão e suficientemente detalhadas em nível de organizações. Por isso, as conclusões que emergem de tais
estudos não refletem a realidade de empresas e indústrias
de países ou áreas em desenvolvimento. Especificamente, tais generalizações não se sustentam frente ao escrutínio empírico detalhado que a aplicação desta métrica
permite.
Este artigo buscou oferecer uma contribuição ao aprimoramento da gestão do processo de desenvolvimento
tecnológico no contexto de economias em desenvolvimento, particularmente no Brasil. Para isso, procurou esclarecer o significado de certas terminologias relativas a aprendizagem tecnológica e inovação industrial e apresentou um
modelo de mensuração que pode ser usado para examinar
o processo de desenvolvimento industrial.
Tal iniciativa pode ser interpretada por alguns como
“demasiadamente acadêmica”. Contudo, convém reiterar
que tem havido uso indiscriminado de certos termos relativos à inovação industrial sem a adequada fundamentação analítica e empírica. Essa prática pode deturpar e interferir negativamente no processo de desenho e na
implementação de estratégias governamentais e empresariais de inovação. Por isso, foram apresentadas algumas
definições e um modelo de mensuração alternativo para a
acumulação de capacidade tecnológica. Isso é particularmente importante para o contexto da indústria no Brasil,
pelos seguintes motivos:
- permite esclarecer as definições subjacentes ao desenho
de estudos empíricos e de estratégias de inovação indus-
TABELA 1
Institutos da Amostra, por Tipo da Capacidade Tecnológica Acumulada, segundo Níveis de Competência
Atividades de Engenharia e Gestão de Projetos
Níveis de Competência
Engenharia de Software
N os Abs.
Produtos e Soluções
Ferramentas e Processos
Gestão de Projetos
%
N os Abs.
N os Abs.
%
%
N os Abs.
%
Capacidades Rotineiras
Nível 1 (Básico)
18
100,0
18
100,0
18
100,0
18
100,0
Nível 2 (Extra básico)
18
100,0
18
100,0
18
100,0
18
100,0
Nível 3 (Inovação básica)
18
100,0
18
100,0
18
100,0
18
100,0
Nível 4 (Intermediário)
18
100,0
14
77,7
17
94,4
8
44,4
Nível 5 (Intermediário-superior)
12
66,6
2
11,1
7
38,8
1
5,5
1
5,5
0
0,0
1
5,5
0
0,0
Capacidades Inovadoras
Nível 6 (Avançado)
Fonte: Figueiredo e Marins (2005).
64
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
ACUMULAÇÃO TECNOLÓGICA
trial. A partir de uma noção mais clara do real escopo do
tema e das variáveis envolvidas, é possível calibrar, desenhar ou redesenhar estratégias com foco mais coerente com
as necessidades do contexto industrial e tecnológico do
Brasil e das suas diferentes regiões;
Mais especificamente, estudos baseados em amostra de
dezenas de milhares de empresas, sem distinção intersetorial e à base de indicadores convencionais captados
em um ponto no tempo podem gerar apenas uma mera
“radiografia” de uma situação que nem sempre reflete a realidade industrial do país. Ou seja, estudos dessa natureza
pouco contribuem para o entendimento da real dinâmica
industrial – tão necessário para o desenho e redesenho de
estratégias governamentais e empresariais.
A aplicação empírica do modelo de mensuração de capacidade tecnológica permite:
- avaliar, identificar e pontuar, de modo contínuo e à luz
de taxonomias coerentes, o nível tecnológico dos setoreschave da indústria na economia brasileira;
- identificar a maneira e a velocidade com que certos setores têm acumulado suas capacidades tecnológicas ao
longo do tempo. Ou seja, distinguir os setores mais dinâmicos dos mais lentos em termos de acumulação de capacidades tecnológicas pois, setores mais vagarosos em termos de acumulação tecnológica talvez necessitem de
incentivos diferentes e de maior exposição às pressões
competitivas internacionais;
- identificar os setores industriais que têm maior potencial e que devem receber maior atenção – em termos de recursos materiais, humanos, técnicos, organizacionais e financeiros – para aprofundar o desenvolvimento de
capacidades tecnológicas;
- recomendar políticas específicas para disseminar atividades que conduzam ao desenvolvimento de capacidades
tecnológicas nos setores mais relevantes para cada uma
das regiões do Brasil.
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 54-69, jan./mar. 2005
...
De fato, atingir níveis de inovação próximos daqueles
alcançados por empresas de países tecnologicamente
avançados não é tarefa fácil. Porém, são duvidosas as
perspectivas que advogam o avanço industrial de economias em desenvolvimento à base de proteção tarifária
e subsídios, no intuito de resgatar a experiência histórica
de certos países hoje tecnologicamente avançados
(CHANG, 2002). Evidências e análises de estudos sobre
inovação industrial realizados ao longo das últimas décadas – alguns citados aqui – sugerem que a gestão da
acumulação tecnológica, no âmbito das empresas, associada a diferentes estratégias governamentais, que convergem para apoiar e estimular o desenvolvimento
tecnológico na indústria, são fatores essenciais para que
empresas, de economias emergentes sigam uma trajetória ascendente na intricada “escada” de capacidades
tecnológicas.
Na verdade, a intensificação da globalização e da
liberalização comercial não elimina a necessidade de intervenções governamentais à base de desenho e implementação de estratégias para suportar, direta e indiretamente, a acumulação de capacidade tecnológica industrial.
Assim, como sugere a perspectiva subjacente ao modelo apresentado no Gráfico 1, durante o processo de desenho de estratégias de inovação industrial é importante
distinguir dois tipos de desenvolvimento de capacidade
tecnológica: a rotineira (para usar) e a inovadora (para
gerar e gerir mudança tecnológica). Enquanto os governos estiverem interessados em acelerar ambos os tipos de
trajetória, serão necessários diferentes recursos e ações
para cada caso. Por isso, as decisões relativas a essas duas
trajetórias estão no coração das opções estratégicas de
desenvolvimento industrial de um país.
Em termos de estratégia industrial, a questão-chave é
não apenas calibrar o grau de incentivos a empresas – para
a compra de máquinas e equipamentos ou para exportação,
por exemplo (abordagem estática) – mas também estimular que um grande número de empresas se mova, com adequada velocidade, para a acumulação de níveis inovadores de capacidade tecnológica por meio de um contínuo
processo de aprendizagem (abordagem dinâmica).
Por isso, no intuito de contribuir para facilitar a materialização de certos objetivos, tanto governamentais como
empresariais – por exemplo, o alcance de alto nível de desempenho inovador e exportador, com base em uma perspectiva de 2020, para certos segmentos da indústria no
Brasil –, sugere-se a criação de metas de desenvolvimento
de capacidade tecnológica. Isso significa criar prazos para
- auxilia a condução de novos estudos de inovação industrial fundamentados principalmente no trabalho de campo
– e não apenas em análises de estatísticas oficiais – que
possibilitam coletar evidências qualitativas e quantitativas
de primeira mão e captar a realidade das atividades tecnológicas na indústria com adequado nível de detalhe e profundidade. Isso contribuiria para ampliar o debate para além
das generalizações comuns – ou mesmo derrotistas – sobre o desenvolvimento tecnológico da indústria que, de
tempos em tempos, emergem não apenas no Brasil, mas
também na América Latina.
SÃO PAULO
E INOVAÇÃO INDUSTRIAL:
65
PAULO N. FIGUEIREDO
11. Há uma literatura clássica sobre a relação simbiótica entre
tecnologia e organização. Ver Rosenberg (1976; 1982), Salomon
(1984), Pavitt (1985).
o alcance de diferentes tipos e níveis de capacidades
tecnológicas para os vários setores industriais no longo
prazo, com avaliação a cada dois anos. Essa medida possibilitaria que ajustes periódicos, em termos, por exemplo,
de fortalecimento e/ou reorganização da infra-estrutura
tecnológica e de processos de aprendizagem, pudessem
ser implementados, a fim de contribuir para a materialização
dos níveis tecnológicos desejados. O processo de elaboração e implementação das metas de desenvolvimento de
capacidade tecnológica poderia envolver lideranças empresariais, governamentais, acadêmicas e de outras organizações da sociedade comprometidas com o desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.
12. Ver exemplos em Bell et al. (1982), Leonard-Barton (1995),
Dutrénit (2000) e Figueiredo (2001).
13. Discussões detalhadas sobre a limitação desses indicadores para
o contexto de empresas em economias em desenvolvimento são
desenvolvidas em Bell e Pavitt (1993, 1995); Ariffin e Bell (1999);
Ariffin (2000) e Figueiredo (2001; 2003a; 2003b).
14. É o caso, por exemplo, do desenho da Pintec (IBGE) e de seu
desdobramento refletido no estudo ‘Inovação, padrões tecnológicos
e desempenho de firmas industriais brasileiras’, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Não obstante, um
dos méritos do estudo do Ipea é chamar a atenção para as implicações positivas dos esforços das empresas em ‘inovação tecnológica’
para a sua performance econômica.
15. Outros modelos descrevem as trajetórias de acumulação de
capacidade tecnológica adotando perspectivas diversas. O ‘ciclo
reverso de produto’ de Hobday (1995) está mais ligado à acumulação
de capacidades para os mercados exportadores, ao passo que o modelo
‘aquisição-assimilação-aprimoramento’ de Kim (1997) tem mais a
ver com a acumulação de capacidade para produtos do que para outros
tipos de funções tecnológicas (por exemplo, equipamento, gestão
de projetos, processos e organização da produção).
NOTAS
16. O processo de adaptação e validação desse modelo para sua
aplicação empírica em um estudo centrado na indústria de aço levou aproximadamente um ano. As principais atividades desse processo envolveram a seleção das funções tecnológicas relevantes, a
coleta e a classificação das atividades específicas para expressar os
diversos níveis de capacidade tecnológica e uma contínua validação com diferentes profissionais de empresas de aço e especialistas
da indústria.
Este artigo foi gerado no âmbito do Programa de Pesquisa em Gestão da Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil,
da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape),
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
1. Para uma breve revisão de alguns desses estudos, ver Figueiredo
(2004).
17. Ver, por exemplo, Ariffin (2000) e Ariffin e Figueiredo (2003)
para a indústria eletrônica; Tacla e Figueiredo (2003) para indústria de bens de capital fornecedora de sistemas de produção para a
indústria de celulose e papel. Uma adaptação para a indústria de
motocicletas e bicicletas foi realizada em Figueiredo (2005). No
âmbito do Programa de Pesquisa em Gestão da Aprendizagem
Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da Ebape/FGV, adaptações têm sido feitas em estudos empíricos de desenvolvimento
tecnológico em empresas de diferentes setores industriais no Brasil: metal-mecânico, linha branca (geladeiras, máquinas de lavar,
ar condicionado e fornos microondas), componentes eletrônicos,
telefonia celular e fixa.
2. Ver Penrose (1959); Hollander (1965), dentre outros.
3. Ver Freeman (1974; 1982); Rosenberg (1976); Rothwell (1977);
Nelson e Winter (1982); Dosi (1988a; 1988b); Dietrickx e Cool
(1989); Teece et al. (1990); Pavitt (1984; 1991); Pavitt e Wald
(1971) e muitos outros.
4. Ver Katz (1976); Maxwell (1981); Dahlman e Fonseca (1978)
e vários outros sumariados em Katz (1987).
5. Para uma extensiva revisão desses estudos, ver Figueiredo (2001).
6. Ver, por exemplo, Hobday (1995); Kim (1997; 1998); Dutrénit
(2000); Figueiredo (2001).
18. O estudo também examinou duas fontes utilizadas pelos institutos pesquisados para construir suas capacidades tecnológicas:
processos de aprendizagem intra-organizacionais e ligações com
empresas e componentes da infra-estrutura tecnológica (universidades, institutos de pesquisa, centros de formação e treinamento e
laboratórios), ver Figueiredo e Marins (2005).
7. Há uma ampla literatura na qual se busca distinguir entre os termos capacidades e capacidades tecnológicas. Mais precisamente, na língua inglesa, os diferentes termos usados são, por exemplo, capabilities, competence e competencies. Porém, não é o
objetivo deste artigo discutir as diferentes perspectivas, mas apresentar a definição mais ampliada do termo capacidade tecnológica
no contexto de economias em desenvolvimento. Por isso, daqui
em diante, será usado apenas o termo capacidade tecnológica. Não
obstante, é importante lembrar que o termo capacitação tecnológica refere-se ao processo de acumulação de capacidades
tecnológicas por meio dos vários processos subjacentes de aprendizagem.
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9. Essa perspectiva ampla para capacidade tecnológica também é
encontrada na literatura sobre gestão da inovação no contexto de
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10. Para mais detalhes sobre essa perspectiva, ver Bell e Pavitt
(1993; 1995) e Bell (1996).
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PADRÕES DE INTENSIDADE
TECNOLÓGICA DA
INDÚSTRIA BRASILEIRA
um estudo comparativo com os países centrais
ANDRÉ TOSI FURTADO
RUY DE Q UADROS C ARVALHO
Resumo: O objetivo deste artigo é mostrar que a indústria brasileira tem padrões diferenciados de esforços
tecnológicos em relação aos países desenvolvidos. Para identificar esses padrões, usaram-se indicadores de
intensidade tecnológica (dispêndio em P&D/valor adicionado), de estrutura do dispêndio em P&D e de recursos humanos por setor da indústria. Em razão dessas diferenças, este trabalho propõe uma nova classificação
dos setores por intensidade tecnológica, diferente da OCDE, aplicada ao caso brasileiro.
Palavras-chave: Pesquisa industrial. Padrões setoriais. Comparações internacionais.
Abstract: The present work aims to demonstrate that the Brazilian industry display a level of technology effort
that differ from those found in developed countries. In order to define these levels we have adopted indicators of
technology intensity, measured as R&D expenditure by value added, of R&D expenditure structure and of Human
Resources by sector of the industry. Due to these differences, the present work proposes a classification of sectors
based on technological intensity for the Brazilian case, which differs from the classification defined by OECD.
Key words: Industrial Research. Sectoral Patterns. International comparisons.
O
Brasil teve um processo de industrialização
retardatária que ocorreu a partir dos anos 30 do
século XX. Apesar do acelerado crescimento até
1980, o nível de desenvolvimento do país ainda fica muito
aquém do alcançado pelos países desenvolvidos. A
indústria, que se orienta basicamente para o mercado
interno, é tributária de fluxos externos de tecnologia incorporada e desincorporada. Ainda assim, essa indústria
realiza um substancial esforço tecnológico voltado, na
maior parte das vezes, para adaptar, ao contexto local, o
fluxo de conhecimentos externos. Esse esforço também
resulta de demandas tecnológicas locais que não podem
ser satisfeitas a partir do fluxo externo de tecnologia. São
ainda excepcionais os casos de setores em que empresas
geram fluxos de novos conhecimentos para conquistar
vantagens competitivas dinâmicas.
O objetivo deste trabalho é mostrar que essa posição
intermediária, e relativamente dependente, confere aos
setores da indústria brasileira padrões diferenciados de
esforços tecnológicos em relação aos países desenvolvidos. Para identificar esses padrões usaram-se indicadores
de intensidade de pesquisa e desenvolvimento – P&D (dispêndio em P&D/valor adicionado), de estrutura do gasto
em P&D e de recursos humanos por setor da indústria.
Esses indicadores foram comparados com os de outros
países desenvolvidos para os quais existem estatísticas
similares. A pesquisa recente de inovação tecnológica
realizada pelo IBGE, denominada Pintec 2000, que possibilita um salto qualitativo em matéria de dados sobre
esforços tecnológicos de empresas industriais brasileiras,
apresenta-se num padrão semelhante ao da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –
70
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
(Tabela 1) e os recursos humanos destinados a essas atividades por nível de qualificação.
As informações sobre dispêndio publicadas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia anteriormente se apoiavam em estimativas feitas a partir de bases de dados incompletas. Esses dados não permitiam a desagregação em
termos setoriais. Contudo, agora está disponível no país
uma base de dados que possibilita comparações com os
números publicados pela OCDE.
A cobertura da Pintec 2000 é destacável. Abrange
empresas industriais com mais de dez empregados, cuja
amostra é de 11.044 empresas, representando um universo de 72.005 empresas industriais. Deste total, 22.698
(31,5%) afirmaram ter introduzido inovações tecnológicas
entre 1998 e 2000. Um subconjunto das inovadoras composto de 7.412 empresas (32,7%) fez dispêndios internos
de P&D em 2000. Esse conjunto subdivide-se entre 3.178
empresas que fizeram P&D de forma contínua e 4.236 que
o fizeram descontinuamente.
Os dados de dispêndios em P&D da Pintec 2000 se
apóiam em um universo de empresas um pouco distinto
daquela que fornece os dados utilizados em países desenvolvidos. Normalmente, tais valores são obtidos a partir
de pesquisas baseadas no Manual Frascati, que restringem
o universo às empresas com pelo menos uma pessoa em
tempo integral atuando em P&D, o que equivale às atividades contínuas. As pesquisas de inovação podem eventualmente produzir dados sobre dispêndio interno em P&D,
mas estes não são usados pelas estatísticas oficiais. Assim, as duas grandes diferenças metodológicas residem na
cobertura. O Manual Frascati restringe o levantamento às
empresas que têm atividades contínuas de P&D, ao passo
que as pesquisas apoiadas no Manual de Oslo incluem as
empresas que têm atividades de P&D irregulares. Em compensação, as pesquisas com base no Manual de Oslo só
levantam informações sobre dispêndio em P&D das empresas que inovaram, excluindo aquelas que realizaram
esse tipo de dispêndio sem ter inovado. No conjunto, a
cobertura das pesquisas apoiadas no Manual de Oslo é mais
ampla do que aquelas apoiadas no Manual Frascati
(SIRILLI, 1998).
OCDE, permitindo exercícios de comparação internacional. Este trabalho pretende dar continuidade a artigos que
buscaram definir padrões de inovação na indústria brasileira e de outros países latino-americanos (FURTADO et.
al, 1994; QUADROS et al., 1999; ERBER, 2001; KATZ;
STUMPO, 2001).
Pretende-se estabelecer uma classificação dos setores
industriais por intensidade tecnológica distinta daquela da
OCDE. Para tanto, faz-se uma breve caracterização da
metodologia da base de dados da Pintec 2000. Em seguida, apresenta-se a classificação da OCDE dos setores por
intensidade tecnológica e analisam-se os dados de esforço tecnológico (dispêndio em P&D) da indústria brasileira por setor, comparando-os com os de países desenvolvidos. Em outra seção, há uma análise comparativa entre
a estrutura de recursos humanos, (pesquisadores) do Brasil e a dos Estados Unidos. São introduzidos, então, elementos analíticos que permitem explicar os padrões diferenciados de esforço tecnológico, a partir dos quais se
propõe uma classificação dos setores da indústria brasileira.
A BASE DE DADOS DA PINTEC 2000 E
OS INDICADORES DE P&D
A Pesquisa Industrial Inovação Tecnológica 2000 –
Pintec 2000, produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, representa um marco para as
estatísticas de inovação tecnológica do setor industrial no
Brasil (IBGE, 2002a). Anteriormente, uma pesquisa de
inovação fora realizada, apoiada na metodologia do Manual de Oslo, para o Estado de São Paulo, cobrindo o período 1994-1996 (QUADROS et al., 1999). Esse levantamento, denominado Pesquisa de Atividade Econômica
Paulista – PAEP, foi coordenado pela Fundação Seade e
não trazia estatísticas sobre dispêndios em P&D das empresas. Apenas faziam parte do seu escopo os recursos
humanos alocados a esse tipo de atividade.
A Pintec 2000 é uma novidade porque, além de representar a primeira pesquisa de inovação de âmbito nacional, apoiada no Manual de Oslo da OCDE e na terceira
versão do questionário “Community Innovation Survey”,
da Comunidade Européia, trouxe pela primeira vez estatísticas sistemáticas do dispêndio em P&D das empresas
industriais brasileiras. Trata-se de uma pesquisa de inovação tecnológica que incorporou um capítulo específico
sobre P&D, no qual se solicita às empresas que indiquem
o valor do dispêndio em atividades internas e externas
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
CLASSIFICAÇÃO DA OCDE POR
INTENSIDADE TECNOLÓGICA
A intensidade de P&D é o mais importante indicador
usado pela OCDE para classificar os setores industriais
de acordo com a sua intensidade tecnológica. O outro in-
71
ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
TABELA 1
Esforços de P&D da Indústria de Transformação, segundo Setores
Brasil – 2000
Dispêndio
Estrutura
Setores
Valor da
Transformação
Industrial
P&D
Interno
P&D
Externo
P&D
Total
Total Manufaturado
Intensidade
P&D
Interno
P&D
Total
P&D Int./
VTI
%
P&D Tot./
VTI
Dispêndio
Externo
249.217.209
3.712.478
624.000
4.336.478
1,49
1,74
14,39
Alim., Beb. e Fumo
35.807.205
227.680
31.965
259.645
6,13
5,99
0,64
0,73
12,31
Têxt., Conf. e Calç.
16.914.909
101.262
9.898
111.160
2,73
2,56
0,60
0,66
8,90
Mad. e Papel e Cel.
10,70
13.738.816
85.565
10.249
95.814
2,30
2,21
0,62
0,70
Papel e Celul.
10.872.983
73.591
7.941
81.532
1,98
1,88
0,68
0,75
9,74
Refino e Outros
35.664.372
446.064
52.393
498.457
12,02
11,49
1,25
1,40
10,51
33.797.426
444.637
497.030
11,98
11,46
1,32
1,47
10,54
30.733.502
527.072
127.811
654.883
14,20
15,10
1,71
2,13
19,52
23.332.298
414.094
38.394
452.488
11,15
10,43
1,77
1,94
8,49
7.401.204
112.978
89.417
202.395
3,04
4,67
1,53
2,73
44,18
Refino
Química Total
Prod. Químicos
Prod. Farmacêuticos
Borracha e Plástico
8.721.609
91.227
27.059
118.286
2,46
2,73
1,05
1,36
22,88
Min. Não-Metál.
9.297.993
51.411
12.357
63.768
1,38
1,47
0,55
0,69
19,38
Metalurgia Básica
16.248.928
144.842
10.217
155.059
3,90
3,58
0,89
0,95
6,59
Produtos de Metal
7.939.072
60.585
13.179
73.764
1,63
1,70
0,76
0,93
17,87
Máquinas e Equipamentos
13.475.191
341.960
20.394
362.354
9,21
8,36
2,54
2,69
5,63
Informática
2.967.765
109.060
18.391
127.451
2,94
2,94
3,67
4,29
14,43
Máq. e Material Elét.
6.183.593
260.631
38.608
299.239
7,02
6,90
4,21
4,84
12,90
Eletrôn. e Telecom.
8.265.740
387.155
154.778
541.933
10,43
12,50
4,68
6,56
28,56
Instrumentação
2.128.912
70.292
3.152
73.444
1,89
1,69
3,30
3,45
4,29
Mat. Transp.
23.269.248
732.507
79.111
811.618
19,73
18,72
3,15
3,49
9,75
Automob.
13,95
19.322.086
472.237
76.566
548.803
12,72
12,66
2,44
2,84
Out. Mat. Transp.
3.947.162
260.270
2.545
262.815
7,01
6,06
6,59
6,66
0,97
Móveis e Diversos
5.497.977
41.329
5.952
47.281
1,11
1,09
0,75
0,86
12,59
Fonte: IBGE (2002a). Pintec 2000; IBGE (2002b). Pesquisa Industrial 2000.
- média-alta intensidade tecnológica: setores de material elétrico; veículos automotores; química, excluído o setor farmacêutico; ferroviário e de equipamentos de transporte; máquinas e equipamentos;
dicador usado pela entidade é o gasto em P&D mais o gasto
em tecnologia incorporada em bens intermediários e de
investimento. Os primeiros trabalhos da OCDE exploraram, além dos dados de gastos em P&D, indicadores de
fluxos tecnológicos inter-setoriais construídos a partir da
matriz insumo-produto. No entanto, mais recentemente a
classificação da OCDE tem se restringido aos gastos em
P&D para classificar os setores.1 Baseada no indicador
de intensidade de P&D (gasto em P&D/valor adicionado
ou gasto em P&D/produção), a OCDE classifica os setores em quarto grupos principais de intensidade tecnológica:
- alta intensidade tecnológica: setores aeroespacial; farmacêutico; de informática; eletrônica e telecomunicações;
instrumentos;
- média-baixa intensidade tecnológica: setores de construção naval; borracha e produtos plásticos; coque, produtos refinados de petróleo e de combustíveis nucleares;
outros produtos não metálicos; metalurgia básica e produtos metálicos;
- baixa intensidade tecnológica: outros setores e de
reciclagem, madeira, papel e celulose; editorial e gráfica;
alimentos, bebidas e fumo; têxtil e de confecção, couro e
calçados.
72
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
selecionado um conjunto de dez países que integram a
organização, entre eles as principais economias desse bloco
mais a Noruega, a qual foi escolhida por apresentar algumas semelhanças com a economia brasileira, devido à
importância do setor primário (energia e pesca). A indústria manufatureira brasileira apresenta uma intensidade
tecnológica (1,5%) bem inferior à de todos esses países.
O grupo da OCDE pode ser subdividido em quatro: um
subconjunto de líderes com intensidade superior a 8% (Japão e EUA), um subgrupo de países europeus próximos
com intensidade entre 6% e 7% (Alemanha, França e Reino Unido), um terceiro subconjunto de nações que exibem patamar intermediário de 4% (Coréia, Noruega e
Canadá) e, finalmente, um subgrupo de países atrasados
com intensidade de 2% (Itália e Espanha). O Brasil estaria em um patamar próximo ao dos países do Mediterrâneo, embora em nível ainda inferior (Tabela 2).
Essas diferenças de intensidade entre países se devem
a estruturas industriais distintas e sobretudo a disparidade
de intensidade entre os mesmos setores de países diferentes. Pode-se atribuir tanto o primeiro tipo de distinção
como o segundo à especialização produtiva e a diferentes
formas de inserção produtiva na Divisão Internacional do
Trabalho. Neste artigo enfocam-se, principalmente, as
diferenças de intensidades setoriais entre países e no interior de uma mesma economia.
Ao destacar a heterogeneidade entre países percebe-se
que as maiores diferenças ocorrem em alguns setores de
média e alta intensidades tecnológicas (como as indústrias
farmacêutica, de instrumentação, de computação e automobilística), que são atribuídas à especialização produtiva. A maior intensidade tecnológica indica a existência
de uma sólida indústria que se apóia em importantes grupos locais. O caso contrário sinaliza uma indústria local
menos forte e, em certos casos, com presença marcante
de filais de empresas multinacionais. Este segundo aspecto
fica mais nítido para o caso da indústria automobilística,
em que países com grande implantação de multinacionais
(Canadá e Espanha) apresentam intensidade muito abaixo de países com importantes grupos nacionais (EUA,
Japão, França, Alemanha, Coréia e Itália).
A heterogeneidade mais importante para os propósitos
deste trabalho ocorre inter-setorialmente dentro de cada
país. Medindo-se a diferença entre intensidades tecnológicas setoriais extremas tem-se uma percepção de tal
desigualdade. Assim, a intensidade do setor de instrumentação (29,9%) é aproximadamente 60 vezes superior
à do setor têxtil (0,5%) nos Estados Unidos (Tabela 2).
A classificação por intensidade tecnológica é interessante para identificar algumas diferenças estruturais
entre o padrão de esforços inovativos e de mudança tecnológica de países desenvolvidos e a daqueles em desenvolvimento. Nas nações desenvolvidas, a intensidade
tecnológica descreve em geral a velocidade de deslocamento da fronteira tecnológica internacional. Nos países
em desenvolvimento, essa intensidade descreve os esforços
relativos que devem ser realizados no processo de
transferência internacional de tecnologia.
O indicador (gasto em P&D/valor adicionado) possibilita comparações com os países da OCDE que publicam
regularmente essas estatísticas (2002) e será usado como
a principal variável para classificar a intensidade tecnológica setorial da indústria brasileira, neste artigo.
Deve-se considerar que existe uma grande variabilidade de comportamentos nacionais em termos de esforços
de P&D setoriais (gasto em P&D/valor adicionado). Os
números que levam à construção da classificação da OCDE
se apóiam em gastos agregados de todos os países pertencentes à organização. Muitas vezes comportamentos nacionais fogem a essa média. No entanto, a classificação
da OCDE reflete o comportamento da indústria dos países desenvolvidos em escala mundial. Seria de alguma
forma o padrão de comportamento da indústria na fronteira tecnológica. Como veremos adiante esse modelo
possui importantes variantes nacionais. Esse aspecto não
oculta, entretanto, as importantes diferenças estruturais
com o padrão de esforço tecnológico de um país em desenvolvimento.
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO
DISPÊNDIO EM P&D DA INDÚSTRIA
BRASILEIRA – UMA COMPARAÇÃO
INTERNACIONAL
As atividades de P&D do setor industrial brasileiro não
são desprezíveis. Elas representam 32,7% do dispêndio
interno em P&D.2 O restante é executado por instituições
públicas ou privadas de ensino e pesquisa. Embora essa
proporção fique bem abaixo da dos países desenvolvidos,
onde ela chega a ultrapassar os 75% (nos Estados Unidos, por exemplo), o esforço de P&D executado internamente pelas empresas tem um peso significativo, que define o padrão tecnológico da indústria brasileira.
O esforço tecnológico pode ser medido por meio do
indicador (gasto em P&D/valor adicionado) porque possibilita comparações com países da OCDE (2002). Foi
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
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ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
TABELA 2
Intensidade Tecnológica dos Setores Industriais (P&D/VTI), segundo Setores
Brasil e Países Selecionados – 1997-2000
Em porcentagem
EUA
2000
Japão
1998
Coréia
1999
Alemanha
2000
Itália
2000
Total Manufaturados
8,3
8,6
4,5
4,0
7,0
7,4
2,1
2,1
6,1
4,3
1,5
Alimentos, Bebidas e Fumo
1,0
1,9
0,7
0,5
1,0
0,5
0,3
0,5
1,2
1,6
0,6
Têxt., Conf. e Calç.
Madeira, Papel, Celulose,
Edição e Impressão
0,5
2,1
0,9
1,0
0,9
2,0
0,1
0,6
0,4
1,9
0,6
1,6
1,2
Refino e Outros
3,2
0,8
0,5
0,6
0,3
0,3
0,1
0,3
0,2
1,0
0,6
0,5
10,0
4,1
1,9
2,0
1,4
9,6
6,4
1,3
Prod. Químicos
6,6
15,2
3,6
1,7
7,2
-
2,2
2,3
6,6
5,0
1,8
Prod. Farmacêuticos
19,9
21,5
3,9
24,4
27,6
-
10,7
10,1
54,2
23,1
1,5
Borracha e Plástico
2,8
18,2
3,5
0,8
4,7
2,9
1,2
1,5
1,0
3,7
1,0
Min. Não-Metál.
2,0
5,6
1,9
0,3
2,2
2,3
0,1
0,6
1,1
1,6
0,6
Metalurgia Básica
1,2
4,3
1,0
1,6
3,3
1,5
0,3
1,1
1,3
5,2
0,9
1,9
1,0
1,0
0,9
1,3
0,2
0,6
0,7
1,1
0,8
Setores
Produtos de Metal
Máquinas e Equipamentos
Informática
Máq. e Material Elétrico
Eletrôn. e Telecom.
1,8
Canadá França
1997
1999
Espanha RU
1999
1999
Noruega Brasil
1997
2000
5,0
6,6
3,6
2,7
4,6
5,4
1,7
2,9
4,9
7,1
2,5
25,9
37,7
7,0
44,9
13,3
16,7
9,3
7,5
3,1
16,5
3,7
9,1
18,7
10,6
3,4
7,7
3,3
1,5
3,3
6,6
4,8
4,2
19,6
17,8
17,9
37,7
34,1
36,2
22,3
19,1
13,7
54,5
4,7
Instrumentação
29,9
23,8
4,1
16,9
11,7
3,1
3,7
10,2
7,7
3,3
Veículos Automotores
15,5
13,1
8,9
1,1
13,1
19,2
9,7
2,6
10,3
10,4
2,4
Outros Mat. Transp.
18,5
10,7
1,1
16,7
28,8
28,1
13,7
13,0
22,1
1,8
Aeroespacial
21,0
29,9
0,0
22,7
40,1
-
30,3
25,0
27,8
3,1
Móveis e Diversos
-
-
1,6
1,2
2,2
1,4
-
1,0
-
-
0,8
Reciclagem
-
-
-
-
0,3
0,7
-
1,1
-
-
-
6,6 (1)
Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000.
(1) Inclui os setores Aeroespacial e Outros Materiais de Transporte.
No caso japonês, essa razão é de 47 entre os setores de
computação e de refino, coque e nuclear. Na Alemanha,
ela alcança 120 vezes (eletrônica/madeira, papel e celulose). No caso francês , chega à 133 vezes (aeronáutica/
madeira, papel e celulose). Mesmo países em situação
intermediária como a Coréia, com 35 vezes (eletrônica/
madeira, papel e celulose), e os de baixa intensidade como
a Itália, com 303 vezes (aeroespacial/minerais não-metálicos), apresentam diferenças notáveis. Essas distinções
revelam que, em geral, os esforços tecnológicos dos países industrializados tendem a se concentrar em alguns
setores de alta e média-alta tecnologia, nos quais foram
construídas vantagens competitivas internas.
Esse aspecto é sensivelmente diferente em um país
periférico como o Brasil, onde a diferença máxima chega a ser de 16 vezes (outros materiais de transporte/minerais não-metálicos). Se o contraste de intensidade
tecnológica inter-setorial é relativamente menor do que
nos países desenvolvidos, isso não significa que o Brasil tenha um maior nível de desenvolvimento industrial.
Pelo contrário, neste caso, a homogeneidade dos níveis
setoriais de intensidade tecnológica demonstra o oposto
da homogeneidade dos níveis de produtividade. 3 Ela
revela, na verdade, a fraqueza dos setores de alta
tecnologia e a falta de especialização dinâmica do sistema produtivo brasileiro.
74
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
A razão entre os extremos setoriais de intensidade
tecnológica é um indicador imperfeito que pode esconder uma maior ou menor dispersão em torno de um comportamento médio da indústria. Já o indicador de dispersão média 4 corrobora que os níveis de dispersão
médios são muito superiores nos países desenvolvidos
do que no Brasil. Neste país, esse indicador é próximo
de um (1,15), ao passo que alcança patamares mais elevados em outras nações: Coréia (3,11), Espanha (5,02),
Alemanha (8,48) e Canadá (11), conforme a Tabela 3).
Esse indicador parece ser ainda mais sensível ao nível
de desenvolvimento de um país. Quanto maior a renda
per capita, maiores são as diferenças de intensidade de
P&D devidas à especialização (Gráfico 1). No entanto,
existem algumas distinções desse indicador nos países
de maior renda entre aqueles que têm maiores mercados
internos, tais como Estados Unidos, Japão e Alemanha,
os quais têm menor coeficiente de dispersão, e países
menores, como Canadá e França.
O maior grau de dispersão das intensidades de P&D
setoriais nos países desenvolvidos se deve a uma acentuada especialização produtiva e tecnológica de seus sistemas de inovação em setores de alta e média-alta intensidade tecnológica. Em contrapartida, no Brasil, o menor
grau de concentração dos esforços de P&D setoriais se
devem à maior fraqueza dos setores de alta tecnologia e à
falta de especialização da indústria brasileira em setores
tecnologicamente dinâmicos.
Esse aspecto fica ainda mais nítido na comparação, entre
países, dos setores classificados pela OCDE como sendo
de alta tecnologia. Enquanto no setor farmacêutico a intensidade tecnológica do Reino Unido, que detém uma
sensível vantagem competitiva no setor, ultrapassa a barreira dos 50%, ela é de apenas 1,5% no Brasil (Tabela 1).
No setor de computação, a proporção é muito inferior à dos
Estados Unidos e à do Japão, o mesmo ocorrendo em
instrumentação. Na aeronáutica, essa comparação não pode
ser plenamente feita por causa de problemas de agregação,5 mas observam-se sensíveis desníveis entre o Brasil
e outros países que detêm posições de liderança nessa indústria, como Estados Unidos, Canadá, França, Itália e
Reino Unido. Embora nem sempre os países desenvolvidos apresentem intensidades altas em setores de alta ou
média-alta intensidade tecnológica, esse coeficiente tende a ser mais elevado em pelo menos um desses setores,
em que o país detém vantagem competitiva tecnológica.
Assim, ainda que a intensidade tecnológica da indústria
da Itália seja relativamente baixa, o coeficiente é elevado
para os setores farmacêutico (10,7%), de informática
(9,3%), de eletrônica (22,3%), automobilístico (9,7%) e
aeroespacial (30,3%).
Já para setores de baixa intensidade tecnológica (alimentos, têxtil, madeira, refino, minerais não-metálicos,
metalúrgica básica) e média-baixa (maquinaria, borracha
e plásticos), a situação é muito mais favorável para o Brasil. As diferenças com os países ricos, quando elas existem, são menos acentuadas. Esse aspecto contribui para
entender por que nesses setores o Brasil acumula suas
vantagens competitivas. As empresas têm escala e apresentam níveis de atualização tecnológica e de produtividade mais próximos aos da fronteira tecnológica internacional (KATZ; STUMPO, 2001).
Os dados da estrutura do dispêndio por setor e por grupo
de setor de intensidade (classificação da OCDE), conforme as Tabelas 4 e 5, confirmam as informações de intensidade tecnológica. Os setores de alta tecnologia possuem
uma importância relativamente menor no dispêndio em
P&D da indústria. O setor de alta tecnologia ocupa 27,9%
TABELA 3
Renda per capita, Quociente das Intensidades Extremas Setoriais de P&D e Desvio Médio das Intensidades de P&D Setoriais
Brasil e Países Selecionados – 1997-2000
Indicadores
Quociente das Intensidades
Extremas
Desvio Médio da
Intensidade de P&D
EUA
2000
Japão
1998
Coréia
1997
Canadá
1999
França
2000
Alemanha
2000
Itália
2000
59,8
47,1
35,8
81,33
133,7
120,7
303,0
Espanha
1999
83,3
RU
1999
271,0
Noruega
1997
Brasil
2000
54,5
16,5
8,70
8,93
3,11
11,00
9,92
8,48
6,64
5,02
8,89
7,75
1,15
PIB/p.c. (1999)
33.900
34.500
8.800
20.400
23.600
25.700
20.100
15.000
23.900
33.900
4.900
PIB/p.c.ppp (1999)
33.900
24.500
15.900
25.900
21.900
23.600
21.800
18.100
22.300
27.600
8.900
Fonte: OCDE (2000); MCT (2004).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
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ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
GRÁFICO 1
PIB per capita e Índice de Desvio da Intensidade Média de P&D
Brasil e Países Selecionados – 1999-2000
Desvio Médio da Intensidade de P&D
14,00
12,00
Canadá
França
10,00
Japão
Reino Unido
Alemanha
8,00
EUA
Noruega
Itália
6,00
Espanha
4,00
Coréia
2,00
Brasil
0,00
0
10000
20000
30000
40000
PIB per capita em PPP (1999 or 2000)
Fonte: OCDE (2000); MCT (2004).
pão, 14,6% na França, 43,8% na Coréia, 24,5% na Itália e
42,4% no Canadá, em relação a 12,5% no Brasil. Novamente, a presença de grandes grupos nacionais no campo
da eletrônica explica a maior participação desse setor nos
gastos dos países desenvolvidos. A Alemanha destoa um
pouco desse quadro, devido ao maior peso relativo dos setores de média-alta intensidade tecnológica para a competitividade dessa economia. No setor de instrumentação, a
pequena proporção do gasto no Brasil (1,7%) se contrapõe
aos 14,3% dos norte-americanos e aos 7,8% dos franceses.
Aqui também se manifesta a força da indústria de instrumentação de alguns países desenvolvidos, principalmente
os Estados Unidos.
A situação do Brasil é proporcionalmente mais favorável nos setores de menor intensidade tecnológica. Nos setores de média-alta intensidade tecnológica pela classificação da OCDE, a proporção de dispêndio interno da indústria
é significativamente maior (38,4%) e fica aquém apenas de
países como Alemanha (58%) e Japão (41,7%) e igualando-se à Itália (38,8%). Setores como o automobilístico, de
máquinas e material elétrico e de equipamentos representam a principal parcela do dispêndio em P&D da indústria
brasileira. Mas nos setores de média-baixa intensidade (refino e outros, borracha e plástico, minerais não-metálicos,
metalurgia básica e produtos de metal) e nos de baixa intensidade (alimentos, têxtil, madeira e papel e móveis), a
proporção de gastos das empresas brasileiras tende a ser
do dispêndio da indústria brasileira, ao passo que essa
proporção atinge 80% no Canadá e patamares elevados
em outros países: Estados Unidos (61,6%), Reino Unido
(62,7%), França (54,4%), Coréia (60,9%), Itália (53,7%),
Japão (44,3%). Apenas a Alemanha (34%) se aproxima
do Brasil (Tabela 3). A Alemanha e o Japão possuem fortes posições competitivas nos setores de média-alta
tecnologia.
De maneira geral, esse descompasso acontece em quase
todos os setores de alta tecnologia, mas com países desenvolvidos distintos devido às especializações competitivas
de cada um deles. Enquanto o setor farmacêutico representa 4,7% do dispêndio interno da indústria brasileira, essa
proporção alcança 30,8% no Reino Unido, 15,4% na França e 10% nos Estados Unidos. No setor de informática, a
proporção no Brasil é de 2,9%, em relação a 8% nos Estados Unidos, 11,3% no Japão e 8,5% na Coréia (Tabela 5).
Mas nesse mesmo setor, a proporção brasileira é relativamente maior do que em países como França, Alemanha,
Itália, Espanha e Reino Unido. Isso porque, nesses países,
a indústria nacional de computadores praticamente deixou
de existir, enquanto no Brasil a Lei de Informática criou
incentivos para a execução interna de uma parcela do dispêndio dessa indústria. A mesma diferença se confirma nos
setores eletrônico e de telecomunicações, cuja participação no dispêndio total é das mais expressivas nos países
desenvolvidos: 19,9% nos Estados Unidos, 19,8% no Ja-
76
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
TABELA 4
Estrutura do Dispêndio Interno da Indústria Manufatureira Brasileira,
segundo Grupos de Intensidade Tecnológica na Classificação da OCDE
Brasil e Países Selecionados – 1998-2001
Em porcentagem
Grupos de Intensidade
Tecnológica na OCDE
Canadá
2001
EUA
2000
Japão
2000
Coréia
2000
França
1999
80,03
61,63
44,32
60,93
Média-Alta Intensidade
Tecnológica
9,84
28,97
41,68
Média-Baixa Intensidade
Tecnológica
4,99
4,78
Baixa Intensidade
Tecnológica
5,29
4,47
Alta Intensidade
Tecnológica
Alemanha
2000
Itália
2001
Noruega
1998
Espanha
2000
RU
2000
Brasil
2000
54,38
34,06
53,73
43,75
43,41
62,72
25,31
28,08
32,32
58,05
38,81
29,04
33,92
28,93
40,11
8,63
6,93
9,22
5,59
4,85
16,73
10,93
4,49
20,97
5,37
4,18
4,08
2,30
2,61
10,29
11,74
3,87
12,28
Espanha
2000
RU
2000
Brasil
2000
Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000.
TABELA 5
Estrutura do Dispêndio Interno da Indústria, segundo Setores
Brasil e Países Selecionados – 1998-2001
Canadá
2001
EUA
2000
Japão
2000
Coréia
2000
França
1999
Alemanha
2000
Itália
2001
Noruega
1998
Alim., Bebidas e Fumo
1,47
1,23
2,53
1,67
2,10
0,66
1,62
5,33
4,34
2,87
6,13
Têxt., Conf. e Calçados
1,03
0,15
0,74
1,08
0,58
0,66
0,37
0,74
4,02
0,37
2,73
Mad., Pap., Celul. e Edição
1,91
2,47
1,16
0,48
0,47
0,44
0,37
4,23
2,09
0,37
2,30
Refino e Outros
0,73
0,92
0,32
2,39
1,63
0,11
0,87
2,94
1,29
2,00
12,02
Prod. Químicos
1,91
6,47
8,53
5,62
7,12
11,94
6,09
7,90
8,20
7,36
10,43
Prod. Farmacêuticos
9,25
10,02
7,26
1,67
15,40
6,68
10,70
8,09
12,22
30,80
3,04
Borracha e Plástico
0,44
1,23
2,53
1,67
3,27
1,86
2,49
1,84
2,57
0,62
2,46
Minerais Não-Metál.
0,15
0,62
1,68
0,60
1,52
1,31
0,37
1,47
2,73
0,50
1,38
Metalurgia Básica
2,06
0,46
2,95
1,55
1,63
0,77
0,37
9,01
1,93
0,62
3,90
Produtos de Metal
1,62
1,54
1,16
0,72
1,17
1,53
0,75
1,47
2,41
0,75
1,63
Máquinas e Equip.
3,08
5,24
9,79
3,35
5,25
10,41
9,33
13,42
9,00
7,61
9,21
Informática
7,05
8,01
11,37
8,48
2,22
2,08
1,24
1,84
1,29
1,25
2,94
Máq. e Material Elét.
2,20
2,93
10,32
2,03
4,32
3,29
2,99
4,41
6,27
4,61
7,02
Eletrôn. e Telecom.
42,44
19,88
19,79
43,85
14,59
11,72
24,25
24,82
14,63
11,10
10,43
Instrumentação
1,91
14,79
4,74
1,19
7,82
5,37
3,48
3,86
3,05
5,24
1,89
Veículos Automotores
2,64
14,33
13,05
17,08
15,64
32,42
20,40
3,31
10,45
9,35
12,66
Out. Mat. Transp.
19,38
8,94
1,16
5,73
14,35
8,21
14,05
5,15
12,22
14,34
7,01
Móveis e Diversos
0,88
0,62
0,95
0,96
0,93
0,55
0,25
0,00
1,29
0,25
1,11
Setores
Fonte: OCDE (2002); IBGE (2002a). Pintec 2000.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
77
ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
substancialmente superior à dos países desenvolvidos. A
diferença mais notável a favor do Brasil fica por conta do
setor de refino, cuja participação é de 11,5% e nos demais
países desenvolvidos não alcança os 3%. Aqui, o peso da
Petrobras explica indubitavelmente essa maior expressão
de um setor que normalmente ocupa uma pequena parcela
do gasto de um país desenvolvido. Mesmo na Noruega e
no Reino Unido, dotados de indústrias do petróleo de maior
envergadura que a brasileira, o gasto desse setor é relativamente menor do que o daqueles intensivos em tecnologia
(Tabela 5).
anteriores, apoiadas nos dispêndios. Os setores de maior
peso na alocação de recursos humanos para P&D pertencem
ao grupo de média-alta tecnologia (Tabela 6). Esse conjunto
é acompanhado por um outro mais heterogêneo (alimentos
e bebidas, eletrônica e telecomunicações, outros materiais
de transporte, máquinas e material elétrico), que junto com
o anterior representa 61,4% dos pesquisadores da indústria
brasileira. Esse grupo é mais heterogêneo tecnologicamente
porque reúne setores de baixa intensidade (alimentos), de
média-alta (máquinas e material elétrico) e de alta
intensidade tecnológica (eletrônica e telecomunicações e
outros materiais de transporte). Esses dados, além de
revelarem importantes forças competitivas setoriais,
mostram que a indústria brasileira possui uma distribuição
relativamente mais homogênea de seus esforços de P&D
do que a dos países desenvolvidos.
O padrão de esforço da indústria brasileira não se concentra nos setores de alta intensidade tecnológica, como
revela a comparação com a estrutura dos recursos huma-
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DOS
ESFORÇOS DE RECURSOS HUMANOS:
COMPARAÇÃO COM OS ESTADOS UNIDOS
Os dados sobre recursos humanos, entendidos como
pesquisadores em tempo integral dedicados à P&D na
indústria, confirmam basicamente as observações
TABELA 6
Estrutura dos Recursos Humanos em P&D(1), segundo Setores da Indústria
Brasil e Estados Unidos – 2000-2001
Setores de Indústria
Total Manufaturados
Alimentos, Bebidas e Fumo
Brasil
2000
EUA
2001
19.802
515.400
1.707
9.100
Brasil
%
EUA
%
8,62
1,77
Têxtil, Conf. e Calç.
914
2.100
4,62
0,41
Mad. e Papel e Cel. e Gráf.
661
13.700
3,34
2,66
Refino e Outros
894
2.800
4,51
0,54
Prod. Químicos
2.162
38.800
10,92
7,53
Prod. Farmacêuticos
814
42.500
4,11
8,25
Borracha e Plástico
691
12.300
3,49
2,39
Min. Não-Metálicos
345
6.600
1,74
1,28
Metalurgia Básica
727
4.600
3,67
0,89
Produtos de Metal
544
9.800
2,75
1,90
Máquinas e Equip.
2.108
51.700
10,65
10,03
741
23.200
3,74
4,50
Máq. e Material Elét.
1.326
22.700
6,70
4,40
Eletrôn. e Telecom.
1.507
89.400
7,61
17,35
889
75.100
4,49
14,57
Veículos Automotores
2.013
75.200
10,17
14,59
Out. Mat. Transp.
1.330
33.400
6,72
6,48
429
2.400
2,17
0,47
Informática
Instrumentação
Móveis e Diversos
Fonte: National Science Foundation (2003); IBGE (2002a). Pintec 2000.
(1) Por Pesquisador Equivalente de Tempo Integral – ETI.
78
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
No caso brasileiro, apenas os esforços observados no
setor de outros materiais de transporte, entre os de alta
intensidade tecnológica, podem ser atribuídos a uma necessidade competitiva. Nesse setor, a Embraer se tornou
uma grande exportadora de aviões apoiando-se no desenvolvimento de produtos próprios. Mas essa é uma exceção na indústria brasileira de alta tecnologia. Nos demais
setores desse grupo, a maior parte da produção destina-se
ao mercado interno e se apóia em conceitos tecnológicos
desenvolvidos externamente. Os esforços tecnológicos
mais expressivos do setor eletrônico e de informática são
devidos a políticas explícitas de incentivo à P&D (incentivos fiscais da Lei de Informática).
A situação é bem diferente nos setores de maior peso
nos esforços de P&D, que pertencem ao complexo metalmecânico (máquinas, material elétrico e automobilística,
metalúrgica básica, produtos de metal) e à química básica
(química, refino e borracha e plásticos). Nesses segmentos a estrutura da indústria brasileira é mais sólida. Isso
não significa que as empresas possuam uma capacidade
de geração tecnológica endógena, salvo raras exceções
como a Petrobras. Na maior parte dos casos os esforços
tecnológicos visam adaptar a tecnologia importada ao
contexto nacional. As necessidades de adaptação costumam ser maiores nesses setores do que nos de alta
tecnologia.
Essa situação se reproduz nos segmentos de baixa intensidade tecnológica. A comparação do Brasil com os
Estados Unidos revela que o esforço nacional, medido em
termos de recursos humanos, é proporcionalmente muito
maior nesses setores. Assim, o setor de alimentos é responsável por 8,6% do total de pesquisadores da indústria,
ao passo que essa proporção é apenas de 1,77% nos Estados Unidos (Tabela 5). Nesse caso, também, os esforços
tecnológicos empresariais se orientam à adaptação de produtos e processos ao mercado local.
nos dedicados à P&D da indústria manufatureira americana, obtida a partir dos dados levantados pela National
Science Foundation – NSF. Nos Estados Unidos, responsável por quase a metade do dispêndio de P&D industrial
na OCDE, há forte concentração nos setores de alta
tecnologia (eletrônica, instrumentação, outros materiais de
transporte e informática), com 51,1% dos recursos humanos, e em alguns segmentos de média-alta intensidade
tecnológica (automobilística, máquinas e equipamentos e
química), com 32,2%. Os dois grupos somam 83,3% do
contingente total de recursos humanos da indústria
alocados para P&D (Tabela 6).
EM BUSCA DE UM MARCO CONCEITUAL
PARA EXPLICAR OS ESFORÇOS
TECNOLÓGICOS DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
Essas diferenças estruturais dos esforços tecnológicos
do Brasil em relação aos países desenvolvidos apontam
para padrões setoriais muito distintos. As nações desenvolvidas possuem economias abertas, em que as indústrias
crescem num ambiente competitivo. Essas economias são
fortemente especializadas em setores de alta intensidade
tecnológica e em alguns de média-alta intensidade. Conseqüentemente, possuem sistemas de P&D que concentram esforços nesses setores. Isso não se deve necessariamente a uma falta de vocação para segmentos de menor
intensidade tecnológica, mas ao fato de que as barreiras
tecnológicas à entrada, nos setores de alta tecnologia são
muito elevadas. Para que empresas desses países possam
construir posições competitivas, elas devem realizar substanciais esforços tecnológicos.
Nos países em desenvolvimento, os esforços tecnológicos
ainda se realizam no contexto de economias relativamente
fechadas, submetidas às limitações do estrangulamento externo, em que a indústria, sobretudo a de maior conteúdo
tecnológico, desenvolve-se em razão da ocupação do mercado interno. As corporações têm estratégias imitativas,
apoiadas na reprodução, imitação e adaptação de tecnologias
provenientes dos países desenvolvidos líderes. Os esforços
tecnológicos das empresas se direcionam a gerar inovações
incrementais (KATZ, 1976; LALL, 1982). Nesse contexto
de economias fechadas e dependentes, as multinacionais costumam liderar os setores de maior intensidade tecnológica,
por terem um acesso privilegiado à importação de tecnologia
das demais empresas do grupo, localizadas em países desenvolvidos. Com isso, observa-se um menor esforço
tecnológico nos setores de alta tecnologia.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE ESFORÇOS TECNOLÓGICOS DA
INDÚSTRIA BRASILEIRA: PROPOSTA DE
CLASSIFICAÇÃO SETORIAL
Durante muito tempo se considerou que os países em
desenvolvimento eram meros importadores de tecnologia
proveniente de países desenvolvidos. Somente a partir dos
anos 70 e 80 começou-se a atentar para a existência de
atividades tecnológicas nas empresas desses países
(KATZ, 1976; BELL, 1984; LALL, 1982). Na maior parte das vezes, as atividades tecnológicas das empresas es-
79
ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
tavam ligadas à produção e não requeriam P&D rotineira.
As corporações não possuíam laboratórios de P&D. De
toda evidência houve uma sensível evolução da P&D industrial no Brasil. Hoje, são quase 20 mil profissionais
dedicados à atividade na indústria em equivalente tempo
integral (Tabela 6). Existem 7.412 empresas que realizam
P&D, das quais 3.178 de forma contínua.
Apesar do seu porte, os esforços tecnológicos da indústria brasileira seguem um padrão sensivelmente distinto daquele dos países desenvolvidos. Os setores de alta
tecnologia, pela classificação da OCDE, têm menor expressão nesse quesito, em comparação com os dos países
centrais. Eles formam um conjunto que não se destaca significativamente nem em termos proporcionais nem em
intensidade tecnológica com relação aos demais setores
da indústria.
Assim, propõe-se, neste trabalho, uma classificação
alternativa para a indústria brasileira que eventualmente
sirva de ponto de partida para uma reflexão mais sistemática sobre as características estruturais diferenciadas das
trajetórias tecnológicas de países em desenvolvimento.
Entretanto, a ausência de dados sobre os demais países
desse grupo impossibilita ainda qualquer pretensão de
generalização da classificação apresentada. Algumas das
posições fortes no Brasil não são encontradas em outros
países em desenvolvimento, ou seja, é provável que existam significativas diferenças de intensidade tecnológica
entre essas nações, assim como as que são encontradas
em países desenvolvidos. Uma classificação aplicável ao
conjunto dos países em desenvolvimento requereria uma
maior cobertura das estatísticas de P&D da indústria
desagregadas setorialmente e elaboradas a partir de uma
metodologia comum.
A classificação dos setores de acordo a sua intensidade de P&D possui significados distintos em um país desenvolvido daqueles assumidos nas nações em desenvolvimento. No primeiro caso, a classificação usada pela
OCDE está apoiada no comportamento médio da indústria. Ela representa a dinâmica geral da fronteira tecnológica internacional. No entanto, como mostrado anteriormente, cada país desenvolvido se especializa em um
pequeno número de indústrias, que variam caso a caso.
Os países grandes possuem um maior número de setores
em que se especializam do que os menores (Tabela 3 e
Gráfico 1). No caso de um país em desenvolvimento, devese esperar um menor nível médio de esforço tecnológico
e um comportamento muito mais homogêneo entre os setores.
Entretanto, uma carência de informações sobre gastos
de P&D na indústria desagregadas setorialmente impossibilita a generalização dos padrões encontrados no Brasil
para os demais países em desenvolvimento. Uma maior
cobertura de casos nacionais seria necessária para que se
chegasse a uma classificação setorial semelhante à da
OCDE. Mesmo assim, informações ainda esparsas
permitem adiantar que um aspecto importante do padrão
dos países em desenvolvimento consiste em um menor
nível de esforços de P&D, principalmente nos setores de
alta tecnologia. Um recente estudo da indústria mexicana
(CAPDEVIELLE, 2003), que se apoiou em dados de 19891991, corrobora dois aspectos centrais dos esforços
tecnológicos de empresas industriais em países em
desenvolvimento que são uma menor dispersão intersetorial dos esforços tecnológicos e uma posição relativamente mais fraca nos setores de alta intensidade
tecnológica.6
A classificação proposta para o caso brasileiro se apóia
nas cifras de intensidade em P&D como as da OCDE. As
diferenças de intensidade inter-setoriais que existem entre os quatro grandes grupos são muito menos acentuadas
do que nos países desenvolvidos porque uma das características básicas dos esforços tecnológicos dos países em
desenvolvimento é a sua maior homogeneidade. Em compensação, nos países da OCDE essas diferenças eram de
1,2% para o setor de baixa intensidade tecnológica até
27,5% para o setor de alta tecnologia, em 1999 (OECD,
2003). Na classificação proposta para o Brasil, esse leque se distribui entre 0,7% e 4,9% (Tabela 6).
Tais diferenças estruturais entre países desenvolvidos
e em desenvolvimento podem ser amenizadas ou acentuadas por fatores variáveis de país para país. Uma análise do caso brasileiro permite identificar quatro itens principais:
- origem do capital;
- conteúdo local;
- conteúdo tácito/conteúdo codificado da tecnologia;
- políticas governamentais.
A origem estrangeira do capital atua, com os demais
fatores, no sentido de reduzir o esforço tecnológico local.
Já o conteúdo local, o conteúdo tácito e as políticas governamentais tendem a agir em sentido contrário, incrementando os esforços tecnológicos e aproximando-os dos
esforços existentes em países desenvolvidos.
Assim, as maiores discrepâncias da nova classificação
com a da OCDE estão no grupo de alta intensidade
80
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
justifica os esforços que são realizados tanto por empresas nacionais como multinacionais nos setores de informática e eletrônica no Brasil (Tabela 1). O caso da indústria aeronáutica se diferencia dos demais, na medida em
que os esforços se direcionam para a geração endógena
de tecnologia que dá sustentação à vantagem competitiva
dinâmica adquirida no mercado internacional. Esse é o caso
mais próximo ao de um país desenvolvido. No entanto,
mesmo nesse exemplo, políticas públicas orientadas para
a implantação de capacidade tecnológica no setor
aeroespacial foram determinantes para explicar as diferenças inter-setoriais.
O único setor considerado neste artigo como de alta
tecnologia, mas que não está incluído na classificação da
OCDE, é o de material e equipamentos elétricos. Este possui uma forte presença de empresas multinacionais no Brasil, mas em compensação tem maiores necessidades de
adaptação da tecnologia do que os setores eletrônico e farmacêutico. No segmento de bens de capital de encomenda é notória a necessidade de desenvolvimentos específicos, em razão do porte do parque hidroelétrico brasileiro.
Para o segmento de eletrodomésticos presencia-se a uma
indústria de grande porte, que se destaca na exportação
de alguns produtos, como compressores.
Entre os setores de média-alta intensidade tecnológica,
cujo comportamento pode ser explicado pela maior necessidade de adaptação da tecnologia transferida, destacam-se os de veículos automotores e máquinas e equipamentos. Esses setores realizam um significativo esforço
tecnológico, que os coloca entre os mais expressivos no
conjunto da indústria (Tabelas 4 e 5). Tanto na indústria
de bens de capital como na de bens de consumo duráveis
metal-mecânica, a transferência internacional de tecnologia
requer um considerável esforço de adaptação que está
associado a especificidades do mercado local. O grande
porte do mercado brasileiro de veículos automotores, que
foi ampliado para o Mercosul, justifica que empresas
multinacionais desenvolvam esforços adaptativos. No caso
da indústria de bens de capital, tais iniciativas decorrem
de exigências dos setores usuários.
Os setores de média-baixa tecnologia formam um grupo heterogêneo, que inclui o setor farmacêutico, considerado de alta intensidade tecnológica, segundo a OCDE,
mas em que as empresas multinacionais têm um padrão
de esforço local muito mais modesto porque as necessidades de adaptação são relativamente baixas (maior conteúdo codificado). Não há políticas setoriais para o setor farmacêutico que incentivem as empresas a investirem
tecnológica. O setor farmacêutico é o segmento de alta
tecnologia que, no caso brasileiro, apresenta um nível de
esforço tecnológico, notoriamente, muito inferior ao dos
países desenvolvidos, sendo classificado como de médiabaixa intensidade tecnológica. A maior presença de empresas multinacionais, que controlam 70% da produção
desse setor, explica parcialmente esse comportamento. Mas
esse não é o único fator, pois outros setores, em que empresas multinacionais estão fortemente implantadas, como
os de eletrônica e veículos automotores, apresentam intensidades de P&D mais expressivas e até relativamente
mais próximas das dos países desenvolvidos.
Entre os demais fatores, destaca-se a necessidade de
adaptação da tecnologia transferida a partir dos países
desenvolvidos, a qual tende a crescer com o conteúdo de
produção local. Esse esforço de internalização da produção está muito associado, no caso brasileiro, ao tamanho
do mercado interno. A sua grande dimensão justifica que
as empresas tanto estrangeiras quanto nacionais realizem
investimentos em diversas etapas do processo produtivo.
Porém, o esforço tecnológico local depende de muitos
outros elementos, como as especificidades do mercado
interno, dos insumos e dos serviços ofertados localmente
e da relação entre conteúdo tácito e codificado da tecnologia transferida. As novas tecnologias, associadas aos
complexos eletrônico e químico, comportam um maior
nível de codificação, que torna o custo de sua cópia muito
inferior ao de geração. Esse maior grau de codificação das
novas tecnologias reconfigurou a agenda internacional
sobre questões relativas à propriedade intelectual a partir
da década de 80 e trouxe no seu bojo o acordo do Trade
Related Propierty Rights – TRIPS (CORREA, 1989;
1997). Também possui fortes implicações na forma como
ocorre a divisão do trabalho entre centro e periferia no
processo de geração e difusão internacional da tecnologia.
O maior grau de codificação das novas tecnologias tende
a reduzir sensivelmente os esforços de adaptação aos
contextos específicos locais, o que implica, por sua vez,
uma menor intensidade tecnológica nesses setores nos
países receptores.
Esse efeito resultante do elevado grau de codificação
das novas tecnologias só é contrabalançado por um quarto fator: as políticas públicas. Estas explicam, em grande
medida, os esforços tecnológicos internos e externos dos
setores de alta tecnologia. A Lei de Informática, que permite o abatimento do imposto de renda dos gastos executados internamente e externamente com P&D e isenta de
IPI as empresas que gastam 5% do faturamento em P&D,
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
81
ANDRÉ T OSI F URTADO / R UY DE QUADROS C ARVALHO
CONCLUSÃO
em P&D semelhantes às da indústria da informática e de
telecomunicações (eletrônica). Paralelamente, o setor
químico realiza um respeitável esforço tecnológico por
conta da adaptação de tecnologia de processo e da introdução de inovações incrementais de produto, mas não
se equipara com o de países desenvolvidos líderes, como
Estados Unidos, Japão, França e Reino Unido (Tabela
1). Isso acontece porque, além de recorrer abundantemente à transferência internacional de tecnologia, a indústria química brasileira posiciona-se a montante da
cadeia produtiva, quando são os segmentos posicionados
a jusante (química fina) que apresentam maior intensidade tecnológica. A situação é muito distinta para o refino, em que a indústria brasileira apresenta uma expressiva posição de liderança. No conjunto, o grupo dos
setores de média-baixa intensidade tecnológica ocupa o
primeiro lugar no dispêndio interno (28,9%).
Os setores de baixa intensidade tecnológica são mais
numerosos do que os presentes na classificação da OCDE.
Incluem-se, além desses, minerais não-metálicos,
metalúrgica básica e produtos metálicos. Eles possuem
intensidades em níveis semelhantes aos dos países desenvolvidos (Tabela 1) e representam uma parcela muito maior do dispêndio total das empresas em P&D (Tabela 4 e Quadro 1).
A comparação dos dados de dispêndio e de recursos
humanos do Brasil com um grupo de países da OCDE revela sensíveis diferenças estruturais nos padrões setoriais
de esforço tecnológico. Os países em desenvolvimento,
como o Brasil, realizam menos esforços tecnológicos que
os países desenvolvidos. As diferenças são mais acentuadas nos setores de alta intensidade tecnológica do que nos
de média e baixa tecnologia da classificação da OCDE.
Isso explica porque há maior homogeneidade setorial das
intensidades de P&D na indústria brasileira.
O padrão mais homogêneo de esforço tecnológico torna a classificação dos setores industriais por intensidade
tecnológica da OCDE pouco significativa para países em
desenvolvimento. Essa sistematização descreve o dinamismo da fronteira tecnológica internacional mas é pouco
apropriada para descrever o processo de difusão tecnológica mundial, principalmente em países em desenvolvimento. A difusão internacional de tecnologia não pode ser
entendida como um processo automático e sem esforço
endógeno. No entanto, a natureza desse esforço é bastante distinta da vigente nos países desenvolvidos e tende a
ser mais homogênea setorialmente. O caso brasileiro indica que alguns fatores adicionais podem atuar no senti-
QUADRO 1
Classificação dos Setores da Indústria Brasileira, segundo Intensidade Tecnológica
Intensidade Tecnológica
Estrutura do
(P&D/Valor Adicionado)
Faixa
0 a menos de 1%
Dispêndio
Intensidade
Interno da
Média (%)
Indústria
0,68
Grupo
19,20
Baixa Intensidade: Alimentos, Bebidas e Fumo; Têxtil, Confecção
e Calçados; Madeira, Papel, Celulose, Edição e Gráfica; Minerais
Não-Metálicos, Metalúrgica Básica, Produtos Metálicos, Móveis e
Diversos
1 a menos de 2%
1,42
28,67
Média-Baixa Intensidade: Refino e Outros, Química, Borracha e
Plástico, Farmacêutica
2 a menos de 4%
2,62
26,76
Média-Alta Intensidade: Informática, Máquinas e Equipamentos,
Instrumentos e Veículos Automotores
4% e mais
4,94
24,46
Alta Intensidade Tecnológica: Material e Máquinas Elétricas,
Eletrônica e Outro Material de Transporte
Fonte: IBGE (2002a). Pintec 2000.
82
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
PADRÕES DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ...
do de reduzir ou aumentar a distância entre o nível de esforço local e aquele vigente na fronteira tecnológica internacional.
Este artigo propôs uma classificação dos setores de
acordo com a sua intensidade em P&D em quatro grandes
grupos. Cada um dos grupos recebeu uma denominação
similar à da classificação da OCDE. No entanto, as diferenças de intensidade entre esses grupos são bem menores no caso brasileiro do que no da OCDE. Esse esforço
ainda não é suficiente para gerar uma nova classificação
setorial porque o Brasil é apenas um caso. Ainda assim,
tal classificação foi útil para identificar fatores críticos que
explicam a diferença em relação aos padrões setoriais
existentes nos países desenvolvidos.
Com o intuito de ajudar a explicar as distinções de
intensidade de P&D dos setores industriais brasileiros, quatro importantes fatores foram identificados: origem do capital; o conteúdo de produção local; conteúdo codificado/tácito da tecnologia; e políticas públicas. A origem estrangeira
do capital e o grau de codificação da tecnologia podem contribuir negativamente para o nível de esforço local, ao passo que o maior conteúdo local, o maior grau de conhecimento tácito da tecnologia e as políticas públicas de
promoção da inovação podem agir de maneira contrária,
ou seja, induzindo o maior nível de esforço tecnológico
local.
Em alguns setores, como o farmacêutico, o alto grau de
codificação da tecnologia ou, ao contrário, o baixo nível
de conteúdo tácito que demanda a tecnologia transferida
(incorporada em insumos) requer poucos esforços adaptativos. Em decorrência disso, os esforços de P&D são muito
menores em países desenvolvidos. Entretanto, mesmo em
setores com dinâmicas tecnológicas similares, a ação de
políticas governamentais pode exercer um efeito contrário,
como é o caso do setor eletrônico e de telecomunicações.
A propriedade estrangeira do capital pode se constituir em fator limitante dos esforços internos de P&D. A
filial tem acesso privilegiado às fontes externas de conhecimento tecnológico e organizacional. Essa facilidade tende a inibir a necessidade de esforço interno. No entanto,
esse fator pode ser contrabalançado por níveis mais elevados de conteúdo produtivo local e de conteúdo tácito
da tecnologia. Esse é particularmente o caso de setores
como o de veículos automotores e de equipamentos elétricos. O maior nível de conteúdo local está associado com
o tamanho do mercado interno.
Dessa forma, os quatro fatores apresentados são importantes para explicar as diferenças de intensidade
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
tecnológica entre países em desenvolvimento e, também,
para elucidar as diferenças entre as menores ou maiores
aproximações com a classificação da OCDE.
NOTAS
1. A metodologia da OCDE está baseada em “three indicators of
technological intensity reflecting, to different degrees, the ‘technology
producer’ and the ‘technology user’ aspects: i) R&D expenditures
divided by the value added; ii) R&D expenditures divided by the
production; and iii) R&D expenditures plus technology embodied in
intermediate and investment goods divided by production”. No entanto, “In the absence of updated ISIC Rev. 3 input-output tables (required
for estimated embodied technology), only the first two indicators could
be calculated” (OCDE, 2003, p. 155).
2. O total do dispêndio interno foi estimado a partir dos dados das
empresas (gasto interno e externo) mais os dados do MCT de dispêndio público e das universidades privadas em pós-graduação. É interessante notar que a participação empresarial no financiamento da P&D
é bastante superior, equivalendo a 38,2% do dispêndio interno.
3. Com base na teoria da Cepal (PINTO, 2000), pode-se afirmar que a
heterogeneidade da produtividade entre atividades econômicas indica
uma falta de desenvolvimento econômico e a existência de um tecido
produtivo fraturado. A “heterogeneidade estrutural” é uma característica dos países em desenvolvimento devido à forma irregular e
descontínua com que se difundem as novas tecnologias no sistema
econômico, que se restringe aos segmentos mais modernos da economia. O restante das atividades econômicas e sociais permanecem excluídas, em grande parte, dos benefícios do progresso técnico. Por
conseguinte, há uma maior dispersão da produtividade e também uma
maior heterogeneidade tecnológica nos países em desenvolvimento
(FURTADO, 1972).
4. Esse indicador é a média aritmética dos desvios absolutos dos setores em torno da média da indústria de um determinado país.
5. A indústria aeronáutica não é separada do restante de Outros Materiais de Transporte.
6. “Se compararmos com o gasto realizado nos Estados Unidos, podemos apreciar que no México o quociente P&D/Vendas é 0,58% contra
3,12% no primeiro país. Mas as diferenças setoriais variam de 0,35%
para 1,6% no México, enquanto elas vão de 0,18% a 20,19% nos Estados Unidos. No setor intensivo em ciência a intensidade de P&D é de
9% nos Estados Unidos, enquanto ela é de 0,79% no México”
(CAPDEVIELLE, 2003, p. 459, tradução do autor).
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Artigo recebido em 15 de fevereiro de 2005.
Aprovado em 9 de março de 2005.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ...
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE
BASE TECNOLÓGICA
uma primeira avaliação baseada numa
pesquisa abrangente
MAURO ROCHA CÔRTES
MARCELO PINHO
ANA CRISTINA FERNANDES
RODRIGO BUSTAMANTE SMOLKA
ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO
Resumo: Explorando os resultados de uma pesquisa de campo que interrogou 100 empresas de base tecnológica
brasileiras, este artigo aborda as relações de cooperação em que essas empresas se envolvem. Conclui-se que
a adoção de esquemas de cooperação é limitada e muito concentrada nas relações com instituições acadêmicas, tendendo a caracterizar redes pouco densas, configurando um tipo de arranjo que não é o mais favorável
ao desempenho inovativo.
Palavras-chave: Cooperação. Redes de inovação. Empresas de base tecnológica.
Abstract: This paper approaches the issue of cooperation activities carried out by technology-based firms
(TBFs). Drawing on a database built from a survey including 100 Brazilian TBFs, we argue that among these
firms the practice of cooperation is quite restricted, too concentrated on relationships with universities, and
reflects a low density networking. Such circumstances clearly hinder the innovative performance of Brazilian
TBFs, thus undermining their competitiveness as a whole in the long run.
Key words: Cooperation. Innovation Networks. Technology-Based Firms.
A
s empresas de base tecnológica – EBTs são objeto de crescente interesse. Sua importância como
espaço de atuação profissional é reconhecida por
engenheiros e cientistas há muito tempo e, talvez por isso,
os estudiosos com esse tipo de formação foram os primeiros que se debruçaram sobre as especificidades de tais
empresas. Com a disseminação do entendimento de que
muitas delas padeciam de problemas gerenciais básicos,
a administração passou a se dedicar ao tema, analisando
as deficiências das EBTs e propondo modelos de gestão
adaptados às suas características. Mais recentemente, as
EBTs passaram a fazer parte da agenda de economistas e
cientistas sociais, que, com certo retardo, perceberam o
papel crítico que elas exercem nos processos de inovação
nas economias contemporâneas.
Em contrapartida, avolumam-se as evidências da importância dos mecanismos de cooperação na dinâmica
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
tecnológica. A literatura evolucionista, mesmo afirmando a relevância da concorrência como mecanismo de seleção, tem enfatizado a insuficiência de abordagens
centradas exclusivamente nas competências internas das
empresas, especialmente no caso das atividades em que
são maiores a complexidade tecnológica e a freqüência
da inovação. Paralelamente, a sociologia econômica tem
lançado uma nova visão sobre o tema, a qual tende a privilegiar as redes e as relações entre os agentes como objetos precípuos de investigação.
Parece, portanto, oportuno combinar um objeto e uma
temática que são de grande interesse, tratando das relações de cooperação em que estão envolvidas as empresas
de base tecnológica brasileiras. Tal é precisamente o objeto deste artigo, apoiado na base empírica fornecida por
uma pesquisa de campo recentemente concluída. Antes de
apresentar os primeiros resultados da análise, contudo, a
85
MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO
tante que seja, essa função tem menor relevância. Naturalmente, num contexto como o atual, em que a intensificação
do conteúdo de conhecimento dos processos produtivos e
a aceleração das dinâmicas de desenvolvimento tecnológico são fenômenos presentes em muitos setores de
atividade econômica, essa discriminação não é tarefa
simples, mas nem por isso impossível ou desnecessária.
A construção de um conceito de EBT que seja adequado nessa perspectiva e também aplicável nos esforços de
identificação empírica dessas empresas foi uma das tarefas centrais da etapa inicial da pesquisa. A revisão da literatura e a discussão realizada sugeriram que um conceito
apropriado deveria reconhecer e atender a uma série de
requisitos, entre os quais se destacam:
- As condições de uma economia de desenvolvimento
tardio, historicamente caracterizada pela importação de
tecnologia e por esforços limitados de constituição de
capacidades inovativas (SUZIGAN, 1992). Nesse contexto, a noção de inovação deve contemplar não apenas a inovação “significativa” mas também a incremental e a imitação, de modo a assegurar, seguindo os argumentos de
Freeman (1995), Bell e Pavitt (1993), a identificação dos
processos de inovação característicos de economias menos desenvolvidas.
seção subseqüente discute o conceito de empresa de base
tecnológica e os marcos metodológicos gerais da pesquisa de campo. Em seguida, apresenta-se uma revisão sucinta, mas abrangente, da literatura sobre redes sociais,
atentando principalmente para suas aplicações na análise
dos processos de inovação. O passo seguinte consiste em
analisar os dados obtidos na pesquisa de campo, com o
propósito central de examinar a relação entre a presença
de esquemas de cooperação e algumas variáveis que influenciam sua adoção e seu desenvolvimento. Por fim, são
apresentadas algumas considerações, inclusive com a identificação de tópicos que merecem análise e pesquisa adicionais.
REFERENCIAL CONCEITUAL E
METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO
Na literatura sobre empresas de base tecnológica –
EBTs há conceitos diferentes, quando não divergentes,
para esse conjunto de empresas. Procurando aperfeiçoar
e detalhar a definição proposta originalmente por
Marcovitch et al. (1986),1 Ferro e Torkomian (1988, p.
44), que preferem a expressão ‘empresa de alta tecnologia’,
sugerem particularizar com esse conceito aquelas empresas que “dispõem de competência rara ou exclusiva em
termos de produtos ou processos, viáveis comercialmente, que incorporam grau elevado de conhecimento científico”, circunscrevendo, todavia, a densidade tecnológica
e a viabilidade econômica no devido contexto histórico e
geográfico. Stefanuto (1993), por sua vez, propõe considerar como EBTs as empresas de capital nacional que, em
cada país, se situem na fronteira tecnológica de seu setor.
Mais recentemente, Carvalho et al. (1998, p. 462) identificaram como EBTs as micro e pequenas empresas
- A EBT certamente é caracterizada por um esforço
tecnológico expressivo, mas no contexto de pequenas e
médias empresas em países em desenvolvimento tal iniciativa pode ser realizada em outros formatos que não o
de P&D estruturado em centros próprios de pesquisa. Isso
significa que os indicadores de esforço não devem se restringir aos critérios clássicos de intensidade em P&D, mas
cobrir também arranjos menos formalizados e a articulação direta com instituições de pesquisa.
- Considerando que nas EBTs a inovação não pode deixar de constituir um eixo central das estratégias competitivas, deve-se contemplar na sua caracterização a presença de resultados expressivos em termos de tecnologia de
produto. Procedendo dessa maneira consegue-se separar
as empresas tecnologicamente dinâmicas daquelas que
estão baseadas em atividades em que o deslocamento da
fronteira é mais lento, ainda que a tecnologia seja densa e
sofisticada.
comprometidas com o projeto, desenvolvimento e produção
de novos produtos e/ou processos, caracterizando-se ainda
pela aplicação sistemática de conhecimento técnicocientífico (ciência aplicada e engenharia).
A comparação entre essas definições permite perceber
de imediato que a conceituação do objeto desta pesquisa
não é um problema trivial. Ao juízo dos autores, uma
definição proveitosa deve possuir a capacidade de discriminar adequadamente as empresas em que atividades de
cunho propriamente tecnológico sejam críticas para seu
desempenho competitivo, distinguindo, portanto, firmas
em que a capacitação tecnológica cumpre um papel estratégico de primeira ordem daquelas em que, por mais impor-
Um conceito que respeite esses requisitos e seja capaz
de discriminar adequadamente as EBTs no universo empresarial deve, portanto, enfatizar a dimensão das
tecnologias de produto com relação às de processo. Empresas que têm nas capacidades inovativas – mesmo quan-
86
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ...
do se emprega essa expressão de forma ampla, de maneira a abranger as capacidades de imitação, adaptação e
engenharia reversa que tipicamente caracterizam o processo de inovação em economias em desenvolvimento –
um atributo estratégico crucial expressam suas competências específicas no desenvolvimento de produtos “novos”.2
Essa ênfase permitiria distinguir as EBTs daquelas empresas que se empenham intensamente em modernizar suas
bases produtivas, modificando suas tecnologias de processo, mas cujas operações se concentram na produção
de bens e serviços há muito existentes no mercado.
Em contrapartida, é preciso considerar também que
certas empresas operam com produtos inovadores para os
seus mercados mesmo sem realizar esforços tecnológicos
significativos. Seria o caso, por exemplo, de firmas
dedicadas à montagem não-qualificada de artigos eletrônicos padronizados, como as maquiladoras mexicanas e
algumas fábricas da Zona Franca de Manaus, cuja operação é fortemente baseada em licenciamento de tecnologia.
Além disso, em alguns setores de atividade, tanto no setor de serviços quanto em setores industriais maduros, a
introdução de novos produtos pode ser realizada sem o
suporte de uma firme base tecnológica. Portanto, um conceito útil de EBT não pode deixar de incorporar a dimensão do esforço de constituição de capacidades tecnológicas. Ainda que não adotem necessariamente o formato
mais sólido e convencional de um departamento de P&D,3
EBTs são empresas que necessariamente aplicam parcela
expressiva de seus recursos nessas atividades e nas quais
a qualificação de, ao menos, uma parcela expressiva da
força de trabalho é um requisito imprescindível para o
sucesso da operação.
Nessa perspectiva, as EBTs seriam sinteticamente definidas como empresas que: realizam esforços tecnológicos
significativos e concentram suas operações na fabricação de “novos” produtos. O quadro subseqüente ajuda a
entender como a combinação desses dois eixos de definição propicia uma segmentação do universo empresarial.
O critério proposto pode, em princípio, ser aplicado a diferentes espaços geográficos, bastando que se atente para
os diferentes conteúdos que podem ser atribuídos à noção
de produto “novo”.
A delimitação aqui proposta permite evitar a reprodução do procedimento adotado por outros estudiosos do
tema que estipulam recortes adicionais – propriedade do
capital, setor, idade, ramo de atividade – na definição das
EBTs. Esses recortes são, mais do que desnecessários,
inconvenientes, já que implicam limitar a capacidade de
abordar a variada dinâmica que sabidamente envolve esse
tipo de empresa. Por exemplo, excluir na partida a possibilidade de pesquisar empresas de capital estrangeiro significaria não estudar os interessantes casos de EBTs originalmente constituídas por capital nacional, cujo controle
foi posteriormente adquirido por empresas transnacionais
– ETNs. Limitações igualmente indesejáveis emergiriam
se o conceito se restringisse a empresas industriais, “jovens” ou de setores caracterizados por alguma dinâmica
tecnológica específica.4 É preciso reconhecer que, mesmo num ambiente menos intensivo em esforços tecnológicos, como é a economia brasileira, o conceito proposto alcança um número não desprezível de grandes
empresas, que exibem características, estruturas e problemas muito diferentes daqueles que tipificam as EBTs. Por
conseguinte, determinar que as empresas de base tecnológica a serem estudadas são aquelas de pequeno e médio
portes é um imperativo ditado pela busca de consistência
interna no objeto de estudo.
A aplicação da definição exige o detalhamento de indicadores que captem a “novidade” dos produtos e a relevância dos esforços tecnológicos, bem como a determinação dos respectivos parâmetros de corte. Entre os
indicadores de desempenho inovativo em tecnologia de
QUADRO 1
Identificação das Empresas de Base Tecnológica
Maior Inovação em Produto
Maior Esforço Tecnológico
Menor Esforço Tecnológico
Menor Inovação em Produto
EBTs (ou de “alta intensidade e
dinamismo tecnológicos”)
Empresas modernizadas e densas,
mas não-dinâmicas
Empresas produtoras, por exemplo, de bens
de consumo leves não-maduros
Empresas tradicionais em
setores maduros
Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
87
MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO
produto, consideraram-se a parcela do faturamento com
produtos novos, o número de patentes e os projetos de
novos produtos em andamento. Quanto à relevância dos
esforços tecnológicos, adotaram-se a intensidade em P&D,
a existência de atividades de P&D não-estruturadas, a
participação de engenheiros e cientistas na força de trabalho, o relacionamento com instituições de pesquisa e o
envolvimento em redes de cooperação, conforme detalhado
em Fernandes et al. (2000).
Um dos objetivos centrais da investigação consistia
precisamente em aplicar o conceito à base de dados obtida na pesquisa de campo, distinguindo as empresas que
se ajustam à definição. Assim, já na composição da lista
de entrevistadas tentou-se identificar empresas com alta
probabilidade de se enquadrarem no conceito proposto de
EBTs. O primeiro procedimento foi elaborar, a partir de
uma ampla variedade de fontes, uma base com 1.316
“candidatas” a EBT.5 A ausência de estudos prévios com
alcance nacional para caracterizar essa população impedia a montagem de amostras estatisticamente representativas e, antes disso, a definição de critérios de estratificação. Nesse contexto, buscou-se compor uma amostra
abrangente, característica definida com referência à cobertura (1) de setores em que tipicamente se desenvolvem
atividades de EBTs e (2) das principais regiões do país
em que há indicações prévias da existência desse tipo de
empresa. Portanto, mesmo sem ambicionar a representatividade estatística, procurou-se evitar vieses mais
evidentes na composição da lista de empresas a sondar.
Partindo de uma meta inicial de 150 entrevistas, foi possível realizar 117, o que, levando em conta a resistência
de muitas empresas à pesquisa, pode ser considerado uma
boa cobertura.
Ressalte-se que a pesquisa de campo foi desenvolvida
por meio de entrevistas com os gerentes ou proprietários
das empresas. Nessas sondagens, além da aplicação de um
questionário, procurou-se avaliar qualitativamente as atividades das firmas, dedicando-se especial atenção à avaliação de seu esforço tecnológico e às características de
seus produtos e serviços. Informações de caráter qualitativo foram também consideradas no exame de cada uma
das empresas e em sua classificação ou não como EBT.
Com base nesse procedimento, 100 das 117 empresas
entrevistadas foram consideradas EBTs. Ainda que esses
não sejam os parâmetros mais precisos para avaliar o significado econômico de empresas particularizadas por seus
efeitos na dinâmica tecnológica, a relevância desse conjunto de 100 EBTs pode ser atestada até mesmo por indi-
cadores econômicos básicos: juntas, essas empresas faturaram, em 2002, R$ 874 milhões e empregaram 6.215
pessoas.6
REDES: CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Contemporaneamente, esforços importantes têm sido
feitos para considerar as organizações em geral, e as empresas em particular, como estruturas que não são independentes, mas estão envolvidas em redes sociais ou
networks (POWELL, 1990). De forma geral, na perspectiva da Nova Economia Institucional, as formas de
governança das relações econômicas se dão ou pelo mercado (seja através de preços, seja através de contratos),
ou pela hierarquia, manifesta na relação de emprego
(POWELL, 1990). Com a perspectiva de redes sociais busca-se analisar essas estruturas levando em conta o caráter
relacional dos agentes envolvidos no sistema.
Para Powell e Smith-Doerr (1994) existem duas
abordagens de estudo utilizando redes sociais. A primeira
usa o conceito como ferramenta analítica para elucidar as
relações sociais informais existentes e sua ligação com
força e autonomia. A segunda entende as redes como uma
forma de governança, ou seja, a estrutura das inter-relações
existentes entre os diversos atores econômicos acaba
criando condutas que outros tendem a seguir. Os dois
caminhos têm como base conceitos como conectividade,
reciprocidade e embeddedness, considerando as redes
como estruturas de oportunidade e fonte de restrições.
Outro ponto destacado é que as redes sociais procuram
levar em conta o contexto social em que se dão as relações.
Para os autores supracitados, na análise das organizações como redes sociais, os esforços devem se concentrar
em entender como ocorrem as trocas de informações, o
porquê de os agentes estarem ligados uns com os outros,
como ocorrem os benefícios para cada agente e a disseminação de informações pela rede formada e qual a força
das ligações. Outros aspectos de grande importância são
a reciprocidade entre os agentes, a confiança estabelecida
e o tempo de existência da ligação.
A noção de rede, ainda segundo Powell e Smith-Doer
(1994), pode ser utilizada para estudar diversos fenômenos, tais como redes de produção, de oportunidade e acesso, de poder e influência e de tratados, nas quais diversas
estruturas podem ser formadas, levando em conta diferentes características dos sistemas enfocados.
Neste estudo entende-se que EBTs, analisadas sob a
perspectiva das redes sociais, possam ser caracterizadas
88
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ...
como o número de ligações existentes dividido pelo número de ligações possíveis. Quanto maior o número de
ligações, mais densa a rede é.
A análise da distância entre os atores numa rede pode
ajudar a entender os padrões de difusão das informações,
os custos de transação e as estruturas de governança. Como
Davis, citado por Granovetter (1973), destaca:
como redes de produção e de oportunidade e acesso, por
serem estruturas em que as relações de poder são minimizadas, os agentes são horizontais e a maioria das relações
(em particular as orientadas a P&D) é de cooperação,
difundindo-se pela rede informações, proporcionando
troca de conhecimento para inovação e tecnologia. Nessa
dinâmica, o nível da cooperação é variável dependente do
grau de confiança que se estabelece entre os atores.
Redes de pesquisa e desenvolvimento têm caráter mais
colaborativo, possivelmente por seus membros pertencerem a associações industriais e científicas. Para o conhecimento de dinâmicas inovativas, o contato com redes de
P&D torna-se indispensável, pois elas aproximam as empresas, permitindo o compartilhamento de competências
diferentes e a geração de novas idéias.
Apoiando-se nas formulações pioneiras de Albert
Hirschman, Powell e Smith-Doerr (1994) sustentam que
confiança e outras formas de capital social são particularmente interessantes, pois são recursos morais que operam de forma diferente do capital físico. Com isso, as
relações e as formas de governança ganham importância, já que na presença de confiança os riscos de cooperar ficam minimizados e a necessidade de monitoramento,
diminuída.
Segundo Granovetter (1973), a análise de processos em
redes interpessoais oferece uma ponte poderosa entre os
níveis analíticos micro e macro, permitindo que interações
em pequena escala possam ser convertidas em propriedades de grande dimensão.
Na análise das estruturas de redes, um conceito fundamental é o de ligação e suas características. As ligações são importantes, pois além de caracterizarem a estrutura da rede, possibilitam que esta seja usada para o
estudo de fenômenos como difusão, mobilidade e coesão social.
A força de uma ligação é definida como “uma combinação, provavelmente linear, de tempo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos” (GRANOVETTER,
1973, p. 1.361). Assim, podem ser fortes ou fracas. Em geral,
costuma-se dar grande importância às ligações fortes. Todavia, como destaca o autor, as fracas possuem características importantes e podem ser mais interessantes nos processos de difusão de informação, pois podem reduzir a
redundância e trazer informações novas aos agentes mais
rapidamente.
Conceitos como densidade, distância e freqüência são
igualmente fundamentais. A densidade, conceito relativamente difícil de ser observado empiricamente, é definida
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
o que quer que seja que irá fluir de uma pessoa i para uma
pessoa j, é (a) diretamente proporcional ao número de
ligações positivas entre i e j; e (b) inversamente proporcional
à distância desta ligação.
As ligações fracas conseguem atravessar maior distância social e difundir as informações mais rapidamente e
com menor redundância do que as ligações fortes. Com
relação às inovações, Granovetter (1973) argumenta que
agentes com várias ligações fracas estão mais bem
posicionados na rede para difundir uma inovação. Assim,
se esta for percebida como ‘boa’ ou considerada como
‘vantagem’, provavelmente será difundida rapidamente
pelos diversos agentes da rede, num típico processo de
isomorfismo mimético, caso contrário, a probabilidade de
ela subsistir é muito pequena. Portanto, as ligações fracas
podem ser tidas como estimuladoras da inovação, pois
trazem informações novas e não redundantes às redes,
embora não sejam muito ricas em detalhes.
O último atributo importante para a análise das ligações é a freqüência, que indica a quantidade de encontros
entre os agentes por um período de tempo. Sua função é
permitir o estreitamento do relacionamento ao longo do
tempo, criando confiança mútua e enriquecendo o fluxo
de informações. É razoável assumir que quanto maiores
os recursos envolvidos numa troca, mais freqüentemente
os atores deverão se encontrar, e vice-versa.
No processo de inovação das EBTs, construir um relacionamento robusto (ligações fortes) com outros atores –
em geral por meio das estruturas (formais ou não) de P&D
– mostra-se importante, especialmente nos casos em que
esse processo exige informação e competência específicas. Em processos como esses, a confiança e a familiaridade precisam ser intensas, bem como o compartilhamento
de recursos e tempo.
Governança também é tratada por Granovetter (1973)
quando o autor argumenta que o comportamento do agente é formatado e delimitado pela estrutura da rede, ainda
que alguns atores possam estar estruturalmente melhor
localizados do que outros e consigam, dessa forma, interferir na governança e modificá-la com suas ações.
89
MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO
Das 100 EBTs entrevistadas, 93 responderam a essa
questão. Dentre estas, 76 (82% dos respondentes) declararam desenvolver atividade de cooperação, ao passo que
17 afirmaram não participar de qualquer arranjo cooperativo. O Gráfico 1 mostra que as universidades e os institutos de pesquisa destacadamente figuram mais freqüentemente como parceiras das EBTs pesquisadas. Essas
organizações foram mencionadas quase três vezes mais
do que os clientes e cerca de cinco vezes mais do que empresas de consultoria e fornecedores. Concorrentes, por
sua vez, foram mencionados por apenas cinco das empresas entrevistadas, representando uma proporção muito pequena das iniciativas de cooperação.
Do Gráfico 1 pode-se inferir também que as EBTs estão envolvidas em redes pouco densas, visto que as relações com outras empresas, concorrentes, fornecedores e
empresas de consultoria/engenharia representam apenas
28% das parcerias existentes. Entre as conseqüências dessa
situação, considerando que se analisam iniciativas de P&D,
pode-se admitir que o nível de informações e troca de
conhecimentos para inovação que circula na rede seja limitado, tanto em termos de conteúdo como de acesso, o
que tem impacto negativo sobre a dinâmica inovativa das
empresas. Mesmo que estas acessem oportunidades interessantes via ligações fracas, sua tradução em produtos
objetivos dependerá da atividade de P&D, que estará limitada pela capacidade instalada na empresa e pelas ligações fortes que esta estabelece. Além disso, a baixa densidade da rede implica a internalização de iniciativas de
P&D que poderiam ser desenvolvidas por meio das par-
O conceito de embeddedness7 é de extrema importância para o entendimento da dinâmica das redes. Por meio
dele, procura-se expressar a noção de que um grupo de
agentes, quando imerso ou enraizado em um certo meio,
segue padrões semelhantes de comportamento, evidenciando uma estrutura que governa tais ações. Uma possibilidade de tradução do termo é “cristalização”, refletindo
a idéia de uniformidade dos agentes.
Rowley et al. (2000) utilizam o conceito para compreender como empresas diferentes estão embeddedness numa
rede, distinguindo embeddedness relacional, que avalia a
força das ligações entre os atores, e embeddedness estrutural, que diz respeito à densidade da rede formada. Seu
objetivo é discutir em quais condições o embeddedness
relacional e estrutural estão positivamente relacionados
com o desempenho empresarial.
ESQUEMAS DE COOPERAÇÃO EM
EBTs BRASILEIRAS
Nesta seção, procura-se promover uma primeira aproximação das atividades de cooperação desenvolvidas pelas EBTs brasileiras, explorando informações provenientes da pesquisa de campo descrita na segunda seção deste
artigo. O objetivo primordial é verificar a associação existente entre a adoção efetiva de práticas de cooperação e
um conjunto de variáveis que, em princípio, afetariam a
tendência das empresas em cooperar.
A informação básica aqui utilizada corresponde à resposta dos representantes das empresas entrevistadas à seguinte pergunta: “a empresa já desenvolveu ou está desenvolvendo algum projeto/atividade em cooperação/
parceria com outros agentes?”. O entrevistado era informado de que, no contexto da pesquisa, cooperação equivale a qualquer relação, formal ou informal, que envolva
a colaboração ativa com outras organizações, empresariais ou não, em atividades de P&D, projetos de inovação
ou capacitação. Apesar do esforço de delimitar o escopo
do termo, fazendo referência a iniciativas de certo alcance, deve-se reconhecer que a qualificação da relação como
de cooperação esteve sujeita à interpretação do respondente. De todo modo, procurou-se identificar as ligações
fortes, mesmo sem qualificar sua intensidade, visto ser este
o tipo de ligação necessariamente presente em atividades
cooperativas orientadas para P&D. Ligações fracas, embora fundamentais na difusão de informações que possam
dar suporte às atividades exploratórias de P&D, não sustentam as parcerias fundadas com tal objetivo.
GRÁFICO 1
Distribuição dos Parceiros de EBTs em Esforços de Cooperação
Universidades ou institutos de pesquisa
Clientes
Empresas de consultoria ou engenharia
Fornecedores
Concorrentes
Outras empresas do grupo
Outros
51%
2%
19%
4%
4%
9%
11%
Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar.
90
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ...
presas com menos de dez funcionários (78%) e mesmo
entre as 48 que apresentavam entre 10 e 100 funcionários (81%). Vale registrar que resultados muito próximos são obtidos quando a avaliação do porte das empresas é feita com base no seu faturamento. Esses dados
sugerem que, à medida que a empresa se consolida, cresce
também a necessidade de realizar novas ligações (com
clientes, fornecedores, empresas de consultoria, etc.),
além das estabelecidas com as instituições acadêmicas,
para manter sua dinâmica de inovação.
De maneira análoga, ainda que em grau menos acentuado, a cooperação está positivamente correlacionada
com o market-share do principal produto de cada empresa. Mais de 40% das EBTs pesquisadas declararam
controlar pelo menos 25% do seu mercado. Essa situação pode parecer contraditória ao pequeno porte dessas
empresas, mas é coerente com a inserção típica das EBTs
brasileiras em nichos de mercado de extensão reduzida
(PINHO et al., 2002). De todo modo, as EBTs mais bem
posicionadas, com mais de 50% de parcela de mercado,
demonstram uma tendência a cooperar mais pronunciada do que aquelas com posições mais frágeis.
Nichos específicos exigem o desenvolvimento de produtos igualmente específicos, o que implica iniciativas
de P&D sustentadas por ligações fortes. Em contrapartida, a condição de atuação em mercado de nicho representa um entrave ao crescimento das EBTs (PINHO
et al., 2002). Tal constrangimento pode ser enfrentado
por meio de estratégias de diferenciação rumo a novos
nichos, o que, em princípio, é feito de maneira mais eficiente com ligações fracas. Nesse sentido, ligações fortes potencializariam o crescimento das EBTs em nichos
específicos, enquanto ligações fracas permitiriam que elas
superassem o problema do travamento estrutural. Isso
posto, o fato de as empresas entrevistadas estabelecerem poucas relações de parceria, diante das possibilidades colocadas, pode indicar dificuldade em explorar
novos segmentos, iniciativa fundamental para a superação do entrave estrutural a que as EBTs brasileiras estão
submetidas. 8
A estruturação de P&D é outro fator que se associa
positivamente com as práticas de cooperação. No contexto
de pequenas EBTs, a escala diminuta nem sempre permite
um desdobramento das funções ao ponto de a empresa
dispor de uma estrutura voltada especificamente à
atividade. De fato, das EBTs inquiridas, apenas 37%
apresentam em sua organização uma estrutura desse tipo.
O estabelecimento de P&D é, contudo, indicador de apro-
cerias, limitando os efeitos de diluição dos elevados custos e riscos associados a essas atividades.
Em contrapartida, a predominância de parcerias com
universidades e institutos de pesquisa (51%) pode ser interpretada de duas formas. Indica, primeiramente, que tais
empresas procuram preservar uma relação importante para
o acesso a recursos fundamentais para sua dinâmica (informação, pessoal, serviços especializados, etc.). De outra
parte, sabe-se que universidades e institutos de pesquisa são,
por sua própria natureza institucional, pouco orientados para
P&D ‘empresarial’, em seu sentido estrito. O problema, por
assim dizer, não está no forte relacionamento com as instituições acadêmicas, mas no seu grande peso em comparação aos outros tipos de parcerias. Isso reforça a noção de
uma estrutura de rede pouco dinâmica, em termos de inovação em produto, mesmo considerando o tipo de inovação próprio de economias em desenvolvimento.
Muitas são as variáveis que presumivelmente influenciam a propensão a cooperar das EBTs. Algumas delas
são apresentadas na Tabela 1. Os fundadores de uma
EBT, naturalmente, tendem a estabelecer contatos e relações com o tipo de organização do qual provêm, em
particular se a nova empresa não compete com a instituição de origem. Com efeito, nas EBTs cujos fundadores são oriundos de instituições acadêmicas – universidades e institutos de pesquisa –, a proporção de empresas
envolvidas em cooperação (97%) é significativamente
maior do que naquelas formadas por empreendedores
provenientes de outras empresas (72%). Vale frisar, porém, que, contrariamente ao senso comum, a pesquisa
de campo identificou uma proporção minoritária dos
chamados spin-offs acadêmicos entre as EBTs
interrogadas. Em compensação, a constatação de que
quase todas as EBTs desse tipo estão envolvidas em atividades cooperativas com as instituições de origem indica a permanência de laços de confiança e o aproveitamento de oportunidades oferecidas pelas agências de
fomento em seus programas de apoio a EBTs. Pode-se
também especular que persiste uma dinâmica ainda muito
focada na fase de “projeto”, etapa inicial de uma dinâmica virtuosa.
A adoção de práticas de cooperação cresce nitidamente
com o porte da empresa. Das 93 empresas que responderam à pergunta sobre cooperação, 85 informaram também o número de funcionários, dentre as quais apenas
14 contavam com mais de 100 empregados. Os esquemas de cooperação são mais difundidos entre essas empresas – 93% delas os adotam – do que entre as 23 em-
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91
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TABELA 1
EBTs que Adotam Esquemas de Cooperação, segundo Recortes Analíticos
Recortes Analíticos
Total
Cooperam
N os Absolutos
Não Cooperam
%
Total
Nos Absolutos
%
N os Absolutos
%
76
82
17
18
93
100
Empresas
39
72
15
28
54
100
Instituições Acadêmicas
32
97
1
3
33
100
Outras
13
81
3
19
16
100
2
100
-
0
2
100
Origem dos Fundadores da Empresa (1)
Sem Resposta
Número de Funcionários (2002)
Menos de 10
18
78
5
22
23
100
De 10 a 100
39
81
9
19
48
100
Mais de 100
13
93
1
7
14
100
6
75
2
25
8
100
Sem Resposta
Market-share do Principal Produto
Menos de 25%
27
84
5
16
32
100
De 25% a 50%
10
83
2
17
12
100
Mais de 50%
10
91
1
9
11
100
Sem Resposta
29
76
9
24
38
100
Menos de 10%
10
100
-
0
10
100
De 10% a 20%
10
83
2
17
12
100
Crescimento das Vendas (1997-2002)(2)
Mais de 20%
9
69
4
31
13
100
Sem Resposta
47
81
11
19
58
100
Estruturação da Atividade de P&D
P&D Estruturado
33
89
4
11
37
100
P&D Não-estruturado
34
72
13
28
47
100
Não Realiza P&D
1
100
-
0
1
100
Sem Resposta
8
100
-
0
8
100
Apoio de Políticas Públicas
Recebeu Apoio de Algum Tipo
59
94
4
6
63
100
Não Recebeu Apoio
17
57
13
43
30
100
Fonte: Grupo de Gestão da Tecnologia/UFSCar.
(1) Empresas fundadas por mais de um empreendedor têm mais de uma instituição de origem.
(2) Taxa média geométrica de crescimento anual do faturamento deflacionado pelo IPCA.
fundamento das competências tecnológicas. A caracterização convencional da cooperação como uma via de
mão dupla ajuda a entender porque ela é mais comum entre
EBTs que contam com P&D – 89% delas cooperam – do
que entre as que não contam com tal estrutura (72%).
Longe de substituir a capacitação interna, as iniciativas
de cooperação complementam-na e, ao mesmo tempo, dela
se alimentam.
No tocante à taxa de crescimento real das vendas, os
resultados da pesquisa são, à primeira vista, paradoxais.
Maior cautela é requerida na análise dessa variável, já que
nesse caso foi bem menor o índice de resposta e estão dis-
poníveis informações sobre apenas 35 empresas. Mesmo
assim, a proporção de empresas que realizam atividades
de cooperação é claramente menor no grupo das que apresentam maior taxa de crescimento, isto é, acima de 20%
reais ao ano.9 Esse resultado se deve ao dinamismo particularmente elevado de quatro das empresas que declararam não adotar esquemas de cooperação. Todas elas são
desenvolvedoras de software, atividade na qual a cooperação parece exercer um papel menos crítico do que em
outros setores intensivos em tecnologia. Por um lado, a
dinâmica de constituição de competências não exige um
relacionamento estreito com instituições acadêmicas, que,
92
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
COOPERAÇÃO EM EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICA: ...
NOTAS
como já se disse, constituem o principal foco de cooperação das EBTs no Brasil. Por outro, diferentemente do que
ocorre em processos de montagem que caracterizam a produção de artefatos eletrônicos e mecânicos de precisão,
na “produção” de software um relacionamento estreito com
fornecedores de componentes não é vital para o desempenho da operação e para a própria qualidade do produto.10
Um último aspecto a ressaltar nessa primeira avaliação dos esquemas de cooperação em que estão envolvidas as EBTs brasileiras consiste em sua vinculação positiva com algum tipo de apoio por políticas públicas. Das
EBTs entrevistadas, 65% foram beneficiadas individualmente por apoio governamental, oriundo de qualquer uma
das três esferas de governo.11 Empresas que não foram
apoiadas por políticas públicas aparentemente inclinamse bem menos vigorosamente para a cooperação. Apenas
57% delas desenvolveram atividades cooperativas, enquanto 94% das empresas apoiadas por algum programa
oficial o fizeram. Duas interpretações que não são mutuamente excludentes podem ser oferecidas para esses dados: algumas políticas públicas – como o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas – Pipe, da
Fapesp – podem estar gerando resultados efetivos em termos de promoção da cooperação; empresas com uma rede
de relações mais rica podem se posicionar melhor na disputa por recursos provenientes de instituições públicas.
Este artigo apresenta resultados de projetos de pesquisa apoiados pelo
Programa de Políticas Públicas da Fapesp e pelo Diretório da Pesquisa Privada da Finep. Os autores reconhecem explicitamente que este
artigo não teria sido escrito caso não tivessem contado com o apoio
eficiente e diligente de muitos estudantes que contribuíram tanto na
etapa da pesquisa de campo quanto no processamento e na tabulação
dos dados. São merecedores de agradecimentos especiais Larissa Vilela,
Renato Orlando e Rosângela Pereira. A responsabilidade pelo conteúdo, no entanto, cabe inteiramente aos autores.
1. Segundo esses autores, “empresas de alta tecnologia são aquelas
criadas para fabricar produtos ou serviços que utilizam alto conteúdo
tecnológico”.
2. No contexto de economias em desenvolvimento, essa noção deve
incluir também a introdução de novas variedades e gerações atualizadas
de produtos mais antigos.
3. Nas EBTs brasileiras, laços estreitos e sistemáticos com universidades e institutos públicos de pesquisa podem constituir o foco de boa
parte do esforço tecnológico.
4. É claro que com a aplicação do conceito a tendência é identificar
um maior número de EBTs nos setores de maior intensidade em P&D
que lideram em escala internacional a dinâmica de progresso técnico.
No entanto, a definição ora proposta embute o benefício de excluir da
categoria de EBTs aquelas empresas que atuam nesses setores sem
esforços tecnológicos importantes. Mais do que isso, permite incluir
nessa categoria empresas inovadoras e tecnologicamente agressivas que
eventualmente operem em setores que, na média, são menos vigorosos
em termos de ritmo de mudança técnica.
5. Para compor essa listagem inicial, utilizaram-se relações de empresas que foram: apoiadas por fundos privados de capital de risco
(Votorantim, GP, IP e FIR Capital Partners); beneficiadas por instituições gestoras de políticas públicas (Finep, BNDES, Fapesp e Softex);
participantes da disputa pelo Prêmio Finep de Inovação; integrantes
de alguns clusters de alta tecnologia (aeronáutica, em São José dos
Campos; biotecnologia, em Belo Horizonte e eletrônica, em Santa Rita
do Sapucaí); ou interrogadas em 1998 num esforço de pesquisa liderado por dois dos autores deste artigo (FERNANDES; CÔRTES, 1998).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. Esses números equivalem às 80 empresas que informaram o
faturamento e às 92 que indicaram o número de funcionários em 2002.
Este artigo procurou abordar a cooperação e a formação de redes voltadas à inovação em empresas de base
tecnológica brasileiras. Pode-se verificar, entre outros
aspectos, que a adoção de mecanismos de cooperação é
limitada e excessivamente concentrada nas relações com
instituições acadêmicas, tendendo a caracterizar redes
pouco densas e com ligações fracas entre os agentes, um
tipo de arranjo que, em princípio, não é o mais favorável
ao desempenho inovativo. Em compensação, os esforços
de cooperação intensificam-se à medida que as empresas
crescem e parecem sensíveis a estímulos provenientes de
políticas públicas.
Estes são resultados iniciais de um esforço de pesquisa em andamento. Naturalmente, há muitos aspectos dessa temática em que é possível e necessário aprofundar a
análise. A caracterização mais precisa da densidade das
redes, da força das ligações e das relações que tipos diferentes de EBTs estabelecem são alguns dos aspectos a
explorar em pesquisas e estudos futuros.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
7. Esse termo, usado por Granovetter (1973), deriva diretamente das
análises de Polanyi (1980).
8. Ligações fracas podem ser tipicamente construídas por meio da
participação em feiras e congressos, prestação de serviços, capacitação
profissional e relações comerciais em geral. Rigorosamente, devido às
possíveis variações interpretativas dos entrevistados, não se pode
afirmar que entre as iniciativas apontadas como ‘cooperativas’ não
estejam algumas que poderiam ser caracterizadas como típicas de
ligações fracas. Em compensação, é importante que se reforce que
ligações fortes não impedem a prospecção de novas oportunidades,
apenas tendem a produzir certa redundância de informações, levando
a que aqueles que atuam nos mesmos mercados a vislumbrar as mesmas
possibilidades.
9. Com efeito, 12% das empresas que cooperam tiveram crescimento
real anual acima de 20%; entre as que não cooperam, a proporção é o
dobro.
10. Isso não significa que a cooperação não traga benefícios às empresas de software. Em algumas das entrevistas, ficou patente que um
dos fatores que limitam a competitividade internacional do software
brasileiro é a dificuldade de dispor nas estruturas internas de todas as
competências requeridas. A formação de parcerias com o propósito de
modularizar o desenvolvimento de sistemas é uma prática menos comum no Brasil do que nos países desenvolvidos.
93
MAURO R. CÔRTES/MARCELO PINHO/ANA CRISTINA FERNANDES/RODRIGO B. SMOLKA/ANTONIO LUIZ C. M. BARRETO
11. O vigor relativo das políticas públicas voltadas às EBTs foi
comentado em trabalho anterior (PINHO et al., 2005). Aparentemente, ocorreu durante os anos 90, década que em outros âmbitos
da política industrial ficou marcada por uma indiscutível redução
do “ativismo”, uma intensificação das iniciativas voltadas para as
EBTs, que são hoje muito variadas e envolvem todas as esferas de
governo, além de instituições públicas com certa autonomia – como
as Universidades – e organizações não-governamentais. Pode-se
especular sobre as razões desse comportamento paradoxal. Parece
ser decisivo o custo relativamente baixo para o fisco dessas iniciativas. Além disso, a ênfase no conteúdo tecnológico desse tipo de
empresa representa, no contexto atual, uma importante fonte de
legitimação política e jurídica dessas políticas, que encontrariam
amparo até nas regras impostas pela OMC. Por fim, a adoção de
medidas vinculadas ao estímulo de valores e iniciativas empreendedoras encontra-se claramente em conformidade com o ideário
liberal.
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Artigo recebido em 31 de março de 2005.
Aprovado em 18 de abril de 2005.
94
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 85-94, jan./mar. 2005
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ...
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA
INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E
UNIVERSIDADES NO BRASIL
EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE
LEANDRO ALVES SILVA
LUCIANO PÓVOA
Resumo: Este artigo apresenta resultados preliminares de tabulações especiais preparadas pelo IBGE (a partir
da Pintec), focalizando a relação entre universidades e empresas. A hipótese básica é a de que o envolvimento
de uma empresa com atividades de P&D (interna e/ou externa) amplia a importância das universidades como
fonte de informação para suas atividades inovativas. Esta hipótese é investigada e se sustenta tanto nos dados
gerais como em uma análise intersetorial.
Palavras-chave: Sistemas de inovação. P&D industrial. Universidades.
Abstract: This short paper presents results based on special tabulations prepared by IBGE, using data from
Pintec in order to focus on the interaction between firms and universities in the Brazilian industry. The basic
hypothesis states that the relevance of universities as a source of information to the firms’ innovation activities
is greater when firms are engaged in R&D activities (both internal and external). The hypothesis is not rejected
neither for the industry as a whole nor for inter-sectoral analysis.
Key words: Innovation systems. Industrial R&D. Universities.
Avaliando o Brasil em termos de sua produção científica e tecnológica, é possível classificá-lo como parte de
um grupo de países que estariam ainda em processo de
construção de seus sistemas de inovação. Assim como
México, Índia e África do Sul, o Brasil teria um sistema
de inovação caracterizado como imaturo. Nesses países
seriam encontradas “conexões parciais” entre a infra-estrutura científica e as atividades tecnológicas (ALBUQUERQUE, 2004). Rapini (2005) apresenta evidências
de setores em que se identificariam essas “conexões parciais”, indicando aqueles nos quais a interação entre empresas e grupos de pesquisa em universidades já está funcionando efetivamente no Brasil.
A pesquisa que informa este artigo pretende contribuir
para a avaliação dessas “conexões parciais” no caso brasileiro. Para mapear essas interações, a Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica 2000 (Pintec), realizada pelo
niversidades e instituições de pesquisa ocupam
lugar estratégico nos sistemas nacionais de inovação. Sua infra-estrutura científica relaciona-se
com a dimensão tecnológica, colocando-se no centro de
uma dinâmica complexa plena de circuitos virtuosos que
se reforçam mutuamente. Como Nelson e Rosenberg
(1993) colocaram de forma sintética, a ciência tanto lidera como segue o desenvolvimento tecnológico.
No interior da abordagem evolucionista, a partir da elaboração e dos estudos em torno de sistemas nacionais e
setoriais de inovação, o tema sobre o papel das universidades vem ganhando importância e atenção. Duas referências recentes são os trabalhos de Mowery et al. (2004)
e de Mowery e Sampat (2005). Certamente essa atenção
está consoante com a crescente importância das universidades no apoio da capacitação tecnológica de países, regiões, setores e firmas.
U
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
95
EDUARDO
DA
MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA
IBGE (2002), traz contribuições inestimáveis. A partir de
solicitação de um conjunto de tabulações especiais, o IBGE
forneceu dados que permitem uma focalização nas relações entre atividade inovativa, P&D (interno e externo) e
importância de universidades e institutos de pesquisa como
fonte de informação para as atividades inovativas das
empresas. Este artigo apresenta uma avaliação preliminar
desses dados.
A hipótese é simples: o envolvimento de uma empresa
com atividades de P&D (interna e/ou externa) amplia a
importância das universidades como fonte de informação
para suas atividades inovativas. Essa hipótese se relaciona com a identificação já mencionada de “conexões parciais” entre ciência e tecnologia no sistema de inovação
brasileiro: essas conexões estariam se estabelecendo a
partir de um núcleo de firmas que investem em P&D.
tecnológicos e a interação entre universidade e indústria. Os autores apontam alguns “produtos” economicamente importantes resultantes da pesquisa universitária,
tais como: informações tecnológicas e científicas; equipamentos e instrumentação; capital humano; redes de capacidade científica e tecnológica; e protótipos de novos
produtos e processos. Destacam também que o fortalecimento da interação entre a universidade e as outras
instituições e atores do Sistema Nacional de Inovação,
em especial a indústria, é fundamental para que a primeira possa contribuir de forma mais eficaz para o avanço
tecnológico.
Vários estudos mostram que tem havido um aumento
considerável na cooperação entre universidade e indústria recentemente (MEYER-KRAHMER; SCHMOCH,
1998; COHEN et al., 2002). Este fato deve-se não só ao
crescente reconhecimento da importância da pesquisa
universitária para as atividades inovativas da indústria, mas
também a mudanças estruturais, como restrições orçamentárias relacionadas aos fundos públicos. Desta forma, as
universidades têm adotado uma postura mais agressiva e
“empresarial” na busca por novas fontes de recursos para
a pesquisa (MOWERY; SAMPAT, 2005, p. 211).
Com base no conceito de Sistema Nacional de Inovação, Meyer-Krahmer e Schmoch (1998, p. 847) destacam
as seguintes variáveis como determinantes da interação
universidade-indústria:
- a “capacidade de absorção” de cada instituição, o que
torna possível a interação;
A UNIVERSIDADE EM UM SISTEMA
NACIONAL DE INOVAÇÃO:
BREVE REVISÃO DA LITERATURA
Sistema Nacional de Inovação pode ser definido como
um conjunto de instituições, atores e mecanismos de um
país que contribuem para criação, avanço e difusão das
inovações tecnológicas. Entre estas instituições, atores e
mecanismos, destacam-se os institutos de pesquisa, o sistema educacional, as empresas e seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, a estrutura do sistema financeiro, as leis de propriedade intelectual e as universidades.
A importância do Sistema Nacional de Inovação para
o avanço tecnológico não está na existência não apenas
deste conjunto de instituições, mas principalmente de fortes
interações entre as instituições, permitindo uma atuação
conjunta e coerente. Nelson e Rosenberg (1993, p. 11)
destacam que as universidades possuem papel importante
em um Sistema Nacional de Inovação, atuando como formadoras de cientistas e engenheiros e como fontes de conhecimentos científicos e de pesquisas que fornecem técnicas úteis para o desenvolvimento tecnológico industrial.1
Como a estrutura institucional difere entre os países, o
papel das universidades, embora importante, varia de intensidade (NELSON, 1988; FREEMAN, 1988) e sua influência pode ser potencializada de acordo com a base industrial de uma região ou país e com a relevância dos
incentivos e fundos públicos para a pesquisa científica.
Em um recente trabalho, Mowery e Sampat (2005)
apresentam um excelente apanhado dos estudos sobre a
importância da pesquisa universitária para os avanços
- a estrutura de incentivos das interações, que influencia
na intensidade da interação;
- importantes condições macroestruturais (como a característica de centralização do sistema de pesquisa e a orientação de curto ou longo prazo do sistema financeiro) e
mesoestruturais (como a estrutura industrial e tecnológica).
É importante destacar que a capacidade de absorção,
ou seja, a capacidade da firma em adquirir, da melhor forma possível, os avanços das pesquisas científicas está relacionada aos investimentos internos em P&D. De acordo com Cohen e Levinthal (1989), os gastos com P&D
não apenas estão ligados ao processo de inovação e aperfeiçoamento de produtos e processos, mas também contribuem para o aprendizado da firma, ou seja, para desenvolver a sua capacidade de absorção.
A contribuição da pesquisa acadêmica para o avanço
tecnológico ocorre por vários mecanismos, além de variar entre os setores industriais e de existirem ramos da
96
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ...
ciência cujos avanços são considerados mais relevantes
para as inovações tecnológicas. Klevorick et al. (1995)
apontam os avanços no conhecimento científico como
sendo a fonte mais importante de oportunidades tecnológicas. 2 A ciência fornece dados, explicações teóricas, técnicas e soluções gerais de problemas que podem
ser utilizadas no desenvolvimento e na pesquisa industrial, além de desenvolver conhecimentos que podem
abrir diretamente novas possibilidades tecnológicas
(KLEVORICK et al., 1995, p. 193). Através das respostas de questionários enviados às empresas de vários setores, os autores identificaram as indústrias nas quais a relevância da pesquisa universitária para o progresso
tecnológico era maior. Os autores também verificaram os
ramos da ciência que mais contribuem para os avanços
tecnológicos em determinadas indústrias, mostrando que
os setores industriais possuem percepções diferenciadas
em relação aos avanços de cada campo científico e de
pesquisa universitária.
Utilizando o mesmo método de envio de questionários
às empresas, Cohen et al. (2002) procuram analisar se a
pesquisa pública influencia a geração de novos projetos
de P&D industrial e contribui para a conclusão de projetos existentes. Os resultados sugerem que a pesquisa universitária exerce impacto substancial na pesquisa industrial, mas este impacto é direto em apenas poucas
indústrias, como a farmacêutica. Os autores destacam que
os principais canais de transmissão de conhecimento das
pesquisas públicas para a pesquisa industrial são publicações e relatórios.
de oportunidades tecnológicas. Em outras palavras, a infraestrutura científica em países em desenvolvimento deve
contribuir para vincular o país aos fluxos científicos e
tecnológicos internacionais.
Neste sentido, o papel da ciência durante processos
de catching up pode ser desdobrado em três dimensões:
ela atua como “instrumento de focalização”, contribuindo para a identificação de oportunidades e para a
vinculação do país aos fluxos internacionais; cumpre o
papel de instrumento de apoio para o desenvolvimento
industrial, provendo conhecimento necessário para a
entrada em setores industriais estratégicos (PEREZ;
SOETE, 1988); e serve como fonte para algumas soluções criativas que dificilmente seriam obtidas fora do país
(exemplo: vacinas contra doenças tropicais, desenvolvimento de certas ligas metálicas, preparação de softwares
aplicados, etc.).
Certamente há uma inter-relação entre esses diferentes
papéis, uma vez que o desenvolvimento da capacidade de
absorção é uma precondição para desenvolvimentos
tecnológicos locais, originais e incrementais.3
A PINTEC E OS DADOS GERAIS SOBRE
EMPRESAS E ATIVIDADES INOVATIVAS
O principal intuito da Pintec é identificar, de forma rigorosa e pioneira, o envolvimento das empresas brasileiras com atividades inovativas, inclusive identificando o
total de gastos em P&D do setor industrial e o pessoal
empregado em atividades de P&D. 4 Para uma apreciação
geral dos resultados da Pintec, algumas informações são
importantes para dimensionar o papel das universidades
e instituições de pesquisa:
- a Pintec envolve um total de 72.005 empresas industriais com dez ou mais empregados;
O PAPEL DE UNIVERSIDADES NA
CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS DE
INOVAÇÃO NA PERIFERIA
A situação prevalecente nos países menos desenvolvidos não pode ser compreendida a partir da aplicação direta e sem qualificações das conclusões alcançadas na literatura sobre os países avançados. Há diferenças que
devem ser levadas em conta.
No que diz respeito ao papel da ciência, a principal
diferença reside na contribuição que ela pode oferecer
durante o processo de catching up: a infra-estrutura científica atua como “instrumento de focalização” e “antena”
para identificar oportunidades tecnológicas e constituir a
capacidade de absorção do país. Em uma nação atrasada,
a infra-estrutura científica oferece “conhecimento para
focalizar buscas”, em vez de ser apenas uma fonte direta
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
- 22.698 empresas implementaram inovações (de produto e/ou processo), sendo que “aquisição de máquinas e
equipamentos” é a atividade inovativa mais importante,
com 15.540 empresas informando gastos nesse quesito
(IBGE, 2002, p. 52);
- 7.412 empresas informaram gastos com “atividades internas de P&D”, totalizando R$ 3,74 bilhões (IBGE, 2002,
p. 51);
- nessas 7.412 empresas, foram encontradas 31.447 pessoas ocupadas com “dedicação exclusiva” em atividades
de P&D e 32.945 pessoas ocupadas com “dedicação parcial” (IBGE, 2002, p. 54);
97
EDUARDO
DA
MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA
A partir dessas informações gerais, um conjunto de
tabulações especiais foi solicitado ao IBGE, focalizando
especificamente as atividades internas de P&D e a importância atribuída pela empresa às universidades e institutos de pesquisa como fonte de informação.
Os dados solicitados envolvem o cruzamento das questões 35 e 36 do questionário da Pintec, respondidas por
todos que realizaram atividades internas e/ou externas de
P&D entre 1998 e 2000, e da questão 97, na qual o entrevistado indica o grau de importância (alto, médio, baixo
ou não relevante) das universidades e centros de pesquisa
como fonte de informação para as atividades inovativas
(para esta tabulação especial, o IBGE agregou as respostas em dois grupos: o primeiro com as empresas que responderam importância alta ou média; e o segundo com
- avaliando as “fontes de informação empregadas” pelas
22.698 empresas que implementaram inovações, 3.732
informaram utilizar “universidades e institutos de pesquisa” localizados no Brasil e 94 afirmaram que utilizam “universidades e institutos de pesquisa” localizados no exterior (IBGE, 2002, p. 70);
- outra fonte de informação diretamente relacionada à
infra-estrutura científica utilizada diz respeito a “conferências, encontros e publicações especializadas”, empregada por 8.950 empresas no Brasil e 3.202 no exterior
(IBGE, 2002, p. 71);
- quanto às parcerias, 641 empresas consideram importantes as “relações de cooperação” com universidades e
institutos de pesquisa.
QUADRO 1
Identificação dos Setores
Código
Nome
S1
Indústrias extrativas
S2
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
S3
Fabricação de produtos de fumo
S4
Fabricação de produtos têxteis
S5
Confecção de artigos do vestuário e acessórios
S6
Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados
S7
Fabricação de produtos de madeira
S8
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel
S9
Edição, impressão e reprodução de gravações
S10
Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool
S11
Fabricação de produtos químicos
S12
Fabricação de artigos de borracha e plástico
S13
Fabricação de produtos de minerais não-metálicos
S14
Metalurgia básica
S15
Fabricação de produtos de metal
S16
Fabricação de máquinas e equipamentos
S17
Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática
S18
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
S19
Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações
S20
Fabricação de equip. de inst. médico-hospitalares, inst. de precisão e ópticos, equip. para automação
industrial, cronômetros e relógios
S21
Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias
S22
Fabricação de outros equipamentos de transporte
S23
Fabricação de móveis e indústrias diversas
S24
Reciclagem
98
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ...
parte significativa das “conexões parciais” já identificadas
no sistema de inovação brasileiro. Possivelmente, há uma
relação de complementaridade entre o P&D das empresas (interno) e o das universidades (externo).
O conjunto das empresas que realizam apenas P&D
externo (649), das quais 222 (34,1%) consideram universidades importantes, ocupa o segundo lugar na valorização das universidades. Possivelmente essas firmas utilizam diretamente as universidades como fonte de seu P&D
(contratação de pesquisas), substituindo (pelo menos temporário) o P&D interno.
O terceiro lugar na valorização das universidades é ocupado pelas empresas que realizam apenas P&D interno: das
6.394 com atividades internas de P&D, 1.066 (16,7%) consideram as universidades importantes. Ressalte-se que essa
porcentagem é quase três vezes maior do que a encontrada
para as empresas que não realizam P&D (apenas 6,1% consideram as universidades importantes).
Finalmente, é necessário um comentário sobre a quantidade de empresas (893) que, embora não realizem P&D,
valorizam as universidades, aproximando-se do total de
empresas com P&D interno que consideram importantes
as universidades. Uma explicação para a existência de um
número elevado de empresas sem atividades internas de
P&D e atribuindo importância alta e média para as universidades como fonte de informação pode ser a utilização de recursos da universidade como substituto do investimento interno (talvez em função da restrição de
recursos financeiros passíveis de alocação para atividades contínuas ou não de P&D). Outra hipótese seria a de
que essas empresas, pelo relacionamento com as universidades, estariam em vias de iniciar atividades internas de
P&D.
aquelas que responderam importância baixa ou não relevante).
Além dos dados gerais para o Brasil, solicitou-se ao
IBGE a desagregação por setor industrial (classes CNAE,
conforme o Quadro 1).
P&D INDUSTRIAL E IMPORTÂNCIA
DAS UNIVERSIDADES
Firmas que investem em P&D utilizam mais as universidades como fontes de informação para suas atividades
inovativas.
A Tabela 1 apresenta os dados da Pintec indicando a
natureza da atividade de P&D: empresas que realizam
apenas P&D interno; aquelas somente com P&D externo;
as que possuem os dois tipos de P&D; e aquelas que não
desenvolvem P&D. Assim verifica-se que, entre as empresas com atividades inovativas, 35,6% investiram em
P&D, sendo 28,2% apenas em P&D interno, 2,9% somente
em P&D externo e 4,5% nos dois tipos de P&D.
A relação entre atividades de P&D e importância da
universidade como fonte de informação pode ser identificada comparando os dois conjuntos de firmas: 6,1% das
empresas que não realizam P&D consideram universidades importantes enquanto 21,1% das que realizaram algum tipo de P&D utilizaram universidades como fonte de
informação (1.701 firmas em 8.062 firmas com P&D).
Entre as empresas com atividade de P&D, destaca-se
um conjunto minoritário mas relevante: das 1.019 com
P&D interno e externo, 413 (40,6%) utilizaram universidades e institutos de pesquisa como fontes de informação. Essas firmas devem constituir o núcleo mais dinâmico e capacitado tecnologicamente, que responderia por
TABELA 1
Empresas, por Grau de Importância Atribuído às Universidades como Fonte de Informação, segundo Modalidades de P&D
Brasil – 2000
Alta e Média
Modalidades de P&D
Baixa e Não-Relevante
Total
Nos Absolutos
%
Nos Absolutos
%
Nos Absolutos
%
Total
2.594
11,4
20.104
88,6
22.698
100,0
P&D Interno
1.066
16,7
5.327
83,3
6.394
28,2
P&D Externo
222
34,1
427
65,9
649
2,9
P&D Interno e Externo
413
40,6
606
59,4
1.019
4,5
Não Realizam P&D
893
6,1
13.744
93,9
14.636
64,5
Fonte: IBGE. Tabulações especiais.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
99
EDUARDO DA MOTTA E A LBUQUERQUE / L EANDRO ALVES S ILVA / L UCIANO PÓVOA
DIFERENÇAS INTERSETORIAIS
trônico e de equipamentos de comunicações), nos quais
mais de 50% das firmas realizam atividades internas de
P&D. No extremo oposto encontram-se os setores 24
(reciclagem), 9 (edição, impressão), 5 (vestuário e acessórios) e 7 (produtos de madeira), com menos de 13% das
empresas realizando P&D interno.
Quanto às atividades externas de P&D, destacam-se os
setores 1 (indústrias extrativas), 10 (fabricação de coque,
refino de petróleo, nuclear e produção de álcool), 11 (produtos químicos) e 19 (material eletrônico e de equipamentos de comunicações). Nesses setores, de 6% a 10% das
firmas realizam apenas P&D externo. No extremo oposto, têm-se os setores 24 (reciclagem), 3 (fumo) e 18 (máquinas e aparelhos elétricos), com menos de 0,2% das firmas com apenas P&D externo.
Em relação ao grupo mais sofisticado, que realiza P&D
tanto interno como externo, destacam-se os setores 17 (fa-
Envolvimento em Atividades de P&D
O Gráfico 1 sistematiza as diferenças intersetoriais em
termos do envolvimento das empresas com atividades de
P&D. Seguindo a divisão apresentada na Tabela 1, os
dados são apresentados de acordo com a porcentagem de
firmas por setor que realizam P&D interno, P&D externo, P&D interno e externo e as que não realizam P&D.
Os gráficos estão organizados de forma a indicar os setores industriais que apresentam desvio-padrão acima e abaixo das médias setoriais.
Em relação às atividades internas de P&D, destacamse os setores 17 (fabricação de máquinas para escritório e
equipamentos de informática), 22 (outros equipamentos
de transporte), 11 (produtos químicos) e 19 (material ele-
GRÁFICO 1
Proporção das Firmas, por Setor, segundo Modalidade de P&D – Média e Desvio-Padrão
Brasil – 2000
Realizam P&D Externo
Realizam P&D Interno
Em %
Em %
10,00
70,00
S10
S1
S17
9,00
60,00
S22
8,00
S11
S19
S18
50,00
S16
40,00
7,00
S20
S19
6,00
S11
S8
5,00
S21
S6
S3 S4
30,00
S12
S2
S23
3,00
20,00 S1
S13
S2
2,00
S7
S9
S5
S5
1,00
S9
0,00
S24
0,00
S16
S17
S12
S7
S22
S18
S3
S24
Setores
Média
Desvio-Padrão
Desvio-Padrão
Não Realizam P&D
Realizam P&D Interno e Externo
25,00
S20
S21
S14
S8
Setores
Média
S23
S15
S13
S10
10,00
S6
S4
4,00
S14
S15
Em %
Em %
100,00
S24
90,00
S17
S9
S5
S7
20,00
80,00
S13
70,00
15,00
60,00
S1 S2
S3
S10
S4
S12
S15
S14
S23
S6
S21
S8
50,00
S16
S19
10,00
S16
S11
5,00
0,00
S08
S02
S01
S10
S13
S14
30,00
S18
S20
S18
40,00
S21S22
S23
S20
S22
S11
S19
20,00
S04
S07
S06
S05
S12
S15
S17
10,00
S09
S24
S03
0,00
Setores
Média
Média Setores
Desvio-Padrão
Desvio-Padrão
Fonte: IBGE. Tabulações especiais.
Nota: Para a identificação dos setores, consulte o Quadro 1.
100
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ...
bricação de máquinas para escritório e equipamentos de
informática) e 19 (material eletrônico e de equipamentos
de comunicações), com mais de 10% das empresas com
tais atividades. No extremo oposto, novamente aparecem
os setores 3 (fumo) e 24 (reciclagem), sem nenhuma firma envolvida.
Finalmente, o Gráfico 1 apresenta os setores que se
destacam pela não realização de P&D: com mais de 80%
das empresas sem estas atividades, encontram-se os setores 24 (reciclagem), 9 (edição, impressão), 5 (vestuário e
acessórios) e 7 (produtos de madeira). No extremo oposto, com menos de 35% das firmas não envolvidas, estão
os setores 17 (fabricação de máquinas para escritório e
equipamentos de informática), 19 (material eletrônico e
de equipamentos de comunicações), 11 (produtos químicos) e 22 (outros equipamentos de transporte).
P&D e a tendência de valorizar as universidades como
fonte de informação. À medida que diminui a média
setorial de “não-envolvimento” com P&D, cresce a importância das universidades para as atividades inovativas.
O Gráfico 2 mostra, em um extremo, o setor 24
(reciclagem), com 100% das firmas não-envolvidas com
P&D e 0% considerando universidades importantes e, no
outro, se o setor 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), com cerca de 10%
das firmas não-envolvidas com P&D e com cerca de 30%
atribuindo importância às universidades.
O setor 20 (equipamentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão, equipamentos de automação industrial) destaca-se como o que mais valoriza as universidades (um pouco mais de 30% das empresas), embora esteja
em sétimo lugar em termos de envolvimento com P&D. É
também importante mencionar o setor 14 (metalurgia básica), que, embora esteja em décimo terceiro lugar em termos de envolvimento com P&D, é o quarto setor que mais
valoriza as universidades. Isso talvez expresse a tradição
do setor e o envolvimento histórico com universidades.
Aliás, o quinto lugar em termos da valorização de universidades encontra-se com as indústrias extrativas (S1), que
detêm apenas a décima sexta colocação em termos de
P&D e Importância de Universidades
O Gráfico 2 permite avaliar a correlação entre o nãoenvolvimento com atividades de P&D e a importância das
universidades para a inovação no setor. O resultado mais
importante refere-se à relação inversa entre o nãoenvolvimento de um setor industrial com atividades de
GRÁFICO 2
Proporção de firmas que não fazem P&D
120,00
Em %
Em %
35,00
30,00
100,00
25,00
80,00
20,00
60,00
15,00
40,00
10,00
20,00
5,00
0,00
0,00
S24 S9 S5 S7 S13 S15 S3 S10 S2 S1 S12 S14 S23 S4 S6 S21 S8 S20 S16 S18 S22 S11 S19 S17
Setores (1)
Não fazem P&D
Atribuem Importância Alta e Média
Linear (Atribuem Importância Alta e Média)
Fonte: IBGE. Tabulações especiais.
(1) Para identificação dos setores, ver Quadro 1.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
101
Proporção de firmas que atribuem importância
alta ou média às universidades
Proporção das Firmas que Não Fazem P&D e das que Atribuem Importância Alta ou Média
às Universidades como Fonte de Informação, por Setor
Brasil – 2000
DA
MOTTA E ALBUQUERQUE / LEANDRO ALVES SILVA / LUCIANO PÓVOA
0% das empresas envolvidas com P&D interno e externo
e com 0% considerando universidades importantes.
Destaca-se que, em décimo segundo lugar entre os setores com mais envolvimento simultâneo em P&D interno e externo, está o setor que mais valoriza as universidades: o 14 (metalurgia básica), com cerca de 5% das
empresas realizando P&D interno e externo, das quais mais
de 80% consideram as universidades importantes. É interessante também notar que com mais de 65% das empresas com P&D interno e externo valorizando as universidades estão os setores 10 (fabricação de coque, refino de
petróleo, nuclear e produção de álcool), 11 (produtos químicos) e 1 (indústrias extrativas).
Esses comentários reforçam novamente a indicação de
que a base para a competitividade, nesses setores importantes da economia brasileira (com exceção do setor 11,
produtos químicos, não são de alta tecnologia), parece
depender, de alguma forma, da interação desses setores
com atividades de universidades e institutos de pesquisa.
envolvimento com P&D. Esses dois comentários podem
indicar que a base para a competitividade nesses setores
importantes na economia brasileira (que não são de alta
tecnologia) depende das atividades de universidades.
P&D Interno e Externo e Universidades
O Gráfico 3 focaliza o que pode ser considerado o grupo mais sofisticado: as empresas que realizam simultaneamente P&D interno e externo. O resultado mais importante indicado é a relação direta entre um setor
industrial que desenvolve atividades internas e externas
de P&D e a tendência de valorizar as universidades como
fonte de informação. À medida que decresce a média
setorial do envolvimento com P&D interno e externo, diminui a tendência de valorizar as universidades como fonte
de informação para as atividades inovativas.
Os setores localizados nos extremos do Gráfico 3 são
os mesmos do Gráfico 2, mas com posições invertidas: de
um lado está o setor 17 (fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática), com mais de 20%
das firmas com atividades internas e externas de P&D, das
quais cerca de 20% valorizam as universidades como fonte
de informação; e, do outro, o setor 24 (reciclagem), com
COMENTÁRIOS FINAIS
A hipótese básica deste artigo (o envolvimento de uma
empresa com atividades de P&D amplia a importância das
GRÁFICO 3
Proporção de firmas com P&D interno e externo
Proporção das Firmas com P&D Interno e Externo e das que Atribuem Importância Alta ou Média
às Universidades como Fonte de Informação, por Setor
Brasil – 2000
25,00
Em %
Em %
90,00
80,00
20,00
70,00
60,00
15,00
50,00
40,00
10,00
30,00
20,00
5,00
10,00
0,00
0,00
S17 S19 S16 S11 S18 S21 S13 S22 S10 S08 S02 S14 S23 S20 S04 S01 S07 S15 S06 S12 S05 S09 S03 S24
Setores (1)
Proporção de firmas que atribuem importância
alta e média às universidades
EDUARDO
Fazem P&D Interno e Externo
Atribuem Importância Alta e Média
Linear (Atribuem Importância Alta e Média)
Fonte: IBGE. Tabulações especiais.
(1) Para identificação dos setores, ver Quadro 1.
102
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
DIFERENCIAÇÃO INTERSETORIAL NA INTERAÇÃO ENTRE EMPRESAS E ...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
universidades como fonte de informação para suas atividades inovativas) não foi refutada pelos dados apresentados. Além disso, essa relação entre investimentos em P&D
utilização de universidades e institutos de pesquisa como
fontes de informação sustenta-se em comparações
intersetoriais.
Os dados apresentados sugerem que as empresas ao
realizarem investimentos em P&D, ampliam sua capacidade de absorção de conhecimentos e, por isso, tendem
a valorizar mais as universidades como fonte de informação.
Essa relação pode ser mais investigada por meio de
estudos de caso e de novas avaliações quantitativas a partir dos dados da Pintec.
Há um duplo papel para as universidades na discussão
aqui realizada: por um lado, a ampliação de investimentos
em P&D multiplica a importância das universidades como
fonte de informação para atividades inovativas empresariais (os canais dessas fontes de informação são
diversos: publicações, contratação de pessoal, participação em congressos, patentes, contratos, pesquisa
conjunta, etc.); e, por outro, o início e a ampliação de
investimentos em P&D dependem de profissionais com
formação universitária atuando nas empresas. Essa dupla
função possivelmente sugere que o papel das universidades e institutos de pesquisa nos processos de
catching up contemporâneos é maior do que o normalmente considerado.
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catching up: uma introdução à discussão sobre o papel dos sistemas
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Os dados aqui apresentados foram fornecidos pelo IBGE, em tabulações
especiais. As contribuições de Mariana Rebouças e do Deind do IBGE
são essenciais para a implementação da pesquisa que informa esta comunicação. A preparação deste texto contou com a colaboração das
bolsistas de iniciação científica Elaine Rodrigues, Thaís Henriques e
Raquel Guimarães. Esta pesquisa é apoiada pelo CNPq e pelo NepaqUFMG.
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1. Narin et al. (1997) fornecem evidências empíricas da crescente influência das pesquisas universitárias e de instituições de pesquisa governamentais como fonte de conhecimento para as inovações
tecnológicas nos Estados Unidos.
2. As oportunidades tecnológicas compreendem o “conjunto de possibilidades para o avanço tecnológico” (KLEVORICK et al., 1995, p.
188).
NARIN, F.; HAMILTON, K.S.; OLIVASTRO, D. The increasing
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3. Para uma discussão mais geral das relações entre processos de
catching up e tecnologia, ver Albuquerque (1997).
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4. Para uma discussão detalhada da construção da Pintec, ver Bastos,
Rebouças e Bivar (2003).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
103
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LEANDRO ALVES SILVA: Mestre em Economia, Pesquisador do Centro de
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LUCIANO PÓVOA: Mestre em Economia.
ROSENBERG, N. Schumpeter and the endogeneity of
technology: some American perspectives. London: Routledge,
2000.
Artigo recebido em 24 de março de 2005.
Aprovado em 13 de abril de 2005.
104
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 95-104, jan./mar. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ...
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES
DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DAS
EMPRESAS TRANSNACIONAIS
análise da inserção das filiais brasileiras
CÉLIO HIRATUKA
Resumo: O presente trabalho busca analisar o processo de internacionalização das atividades de P&D das
Empresas Transnacionais, a partir das informações das corporações com sede nos Estados Unidos. Procura-se
verificar como essas empresas distribuem seus gastos em P&D nos países em desenvolvimento, analisando
comparativamente os países da Ásia e da América Latina, com ênfase no caso brasileiro.
Palavras-chave: Pesquisa e desenvolvimento. Empresas transnacionais. Globalização.
Abstract: The aim of this paper is to analyse the internationalisation of Research and Development activities
carried by the Transnational Corporations. Based on the information of Transnational Corporations from United
States provided by the Bureou of Economic Analisys, the paper try to assess how these corporations allocate
its R&D expenses inf foreign countries, comparing the the role of Asia and Latin America affiliates, with
special reference to Brazilian affiliates.
Key words: Research and development. Transnational corporations. Globalization.
D
epois de um período de retração em decorrência
da crise ocorrida nos anos 80, a economia brasileira voltou a receber volumes significativos de
Investimento Direto Estrangeiro – IDE, a partir da década de 90, em especial em sua segunda metade. A participação brasileira no total dos fluxos mundiais passou de
cerca de 1%, no período 1990-95, para 2,9%, entre 1996
e 2001, atingindo uma média anual de aproximadamente
US$ 23,7 bilhões.
Como resultado, o grau de internacionalização da estrutura produtiva, que já era alto, aumentou ainda mais.
Em 1996, as empresas majoritariamente estrangeiras respondiam por 27% do total do faturamento da indústria,
passando para 42%, em 2000. Em termos de comércio
exterior, também verificou-se elevação significativa na
participação das empresas estrangeiras majoritárias no total
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
exportado: com uma participação de 31%, em 1995, as
filiais passaram a responder por 41% do total exportado
pelo Brasil.
Dado esse aumento da importância das filiais de empresas transnacionais – ETNs na estrutura produtiva da
economia brasileira, torna-se fundamental a questão de
como essas empresas têm conduzido suas atividades de
Pesquisa e Desenvolvimento – P&D no país e contribuído para a evolução do sistema nacional de inovação. Em
especial quando se considera que os gastos de P&D em
relação ao PIB na economia brasileira têm se mantido
estagnados em níveis relativamente modestos (0,97% em
2000) e majoritariamente financiados com recursos públicos (56% do total contra 42% financiado pelo setor
empresarial), de acordo com dados do Ministério de Ciência e Tecnologia.
105
CÉLIO HIRATUKA
ETN E GLOBALIZAÇÃO DAS
ATIVIDADES DE P&D
Outro fator importante é que o aumento da presença de
ETNs na economia brasileira ocorre em um momento em que
essas empresas vêm implementando um processo intenso
de reorganização das suas atividades internacionais.
Considerando a globalização das atividades tecnológicas
das ETNs, vários autores destacam que, embora a internacionalização dos laboratórios de P&D ocorra em ritmo
muito inferior ao verificado na atividade de produção e
comercialização, esses laboratórios estariam também mais
integrados globalmente, cumprindo a função não apenas de
adaptar produto e processo aos locais de implantação, mas
também de alavancar capacitações tecnológicas, buscando
ativos intangíveis imóveis internacionalmente e que
poderiam ser mais bem aproveitados por meio da instalação
de atividades de P&D no exterior.
Potencialmente, esse processo poderia, de acordo com
alguns autores, representar um aprofundamento das atividades de P&D nos países de implantação das filiais, aumentando a possibilidade de efeitos positivos de transbordamento em relação a atividades simples de adaptação. Em
especial, esse efeito seria importante nos países em desenvolvimento dada a carência em termos de capacitação
tecnológica do sistema empresarial local. Entretanto, outros autores ressaltam que o processo de internacionalização tem ficado concentrado nos países centrais,
mantendo as nações em desenvolvimento ainda marginalizadas do processo de globalização das atividades
inovativas.
Este artigo busca recolher evidências sobre a internacionalização das atividades de P&D das grandes
corporações, a partir dos dados das ETN com sede nos
Estados Unidos. O objetivo do trabalho é não apenas analisar as características das atividades internacionais de
P&D das filiais de empresas norte-americanas nos países
em desenvolvimento, comparando em especial a América
Latina e a Ásia, mas também ressaltar o papel e a inserção
das filiais instaladas no Brasil.
Além desta introdução, o presente trabalho está organizado em mais três seções. Na primeira, são tecidas breves considerações sobre o processo de globalização das
atividades de P&D a partir da literatura internacional. Na
segunda seção, são analisados os dados sobre P&D das
filiais de ETN dos Estados Unidos, comparando a inserção dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e,
nestes últimos, separando os países da Ásia e da América
Latina, com ênfase no Brasil. A terceira seção apresenta
as considerações finais do artigo.
A literatura sobre as atividades de P&D das corporações
multinacionais tem destacado tanto os fatores que levam
à centralização das atividades mais importantes de P&D
no país de origem quanto aqueles que poderiam contribuir para que essa atividade fosse efetivamente deslocada
para o exterior.1
Pearce (1999) destaca três fatores que levariam as grandes corporações a manterem as atividades de P&D centralizadas no país de origem. O primeiro seria a existência de
economias de escala em P&D, associadas à utilização de
equipamentos, laboratórios e equipes de pesquisa. Ou seja,
a instalação de um segundo centro de pesquisa no exterior
não seria economicamente viável enquanto os recursos
indivisíveis destinados ao laboratório central não estivessem
plenamente utilizados. O segundo fator seria o fato de que
as atividades tecnológicas e de inovação teriam o benefício
de interagir com outros elementos do sistema de inovação
do país de origem, como centros de pesquisa, fornecedores,
comunidade científica, etc. A reprodução dessas vantagens
no exterior demandaria esforços elevados e, principalmente,
um tempo prolongado. Por fim, o terceiro fator estaria
associado aos custos de coordenação e controle relacionados
à descentralização de uma atividade estratégica como a
P&D. Além do risco de perda de foco dos programas
definidos como prioritários, existiria também o risco de difusão indesejada das tecnologias desenvolvidas na passagem
de uma estrutura centralizada para outra mais dispersa.
Apesar da influência desses fatores, os elementos que
favorecem a maior internacionalização das atividades de
P&D vêm ganhando força nos anos recentes. O estudo de
Cantwell e Janne (2000) mostra o aumento da tendência à
internacionalização a partir da análise das patentes depositadas nos Estados Unidos por um conjunto de 748 ETNs.
Enquanto no período 1977-79, 11,1% dessas patentes resultavam de pesquisas realizadas fora do país de origem
da corporação, entre 1987 e 1995, essa proporção teria se
elevado para 16,2%.
Entre os fatores explicativos para um maior deslocamento das atividades de P&D para fora do país de origem, estariam a própria internacionalização das vendas e
a procura de novos mercados por parte das ETNs. Ou seja,
a internacionalização tecnológica estaria associada à maior internacionalização produtiva buscada pelas grandes
corporações, ocorrendo, entretanto, em ritmo e intensidade muito menores. É importante ressaltar que, nessa in-
106
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ...
os desenvolvimentos científicos e tecnológicos em outros
países, que potencialmente poderiam ser complementares
às atividades inovativas desenvolvidas no país de origem,
reforçando, portanto, as competências já desenvolvidas no
interior da corporação. Nesse caso, as vantagens do país
de destino, associadas à possibilidade de aproveitamento
de externalidades tecnológicas propiciadas pelas firmas e
instituições desse país, ocorreriam em áreas semelhantes
ao núcleo de competências tecnológicas da ETN no país
de origem.
A segunda estratégia, seguida com menos intensidade
do que a primeira, seria buscar, em outros países, vantagens e novas capacitações que não estariam disponíveis
tão facilmente no país de origem. Portanto, ao contrário
da primeira estratégia, o investimento na montagem de
laboratórios de P&D no exterior estaria associado a áreas
tecnológicas em que existissem fragilidades no sistema
nacional de inovação, com o investimento no exterior cumprindo a função justamente de compensar esse aspecto.
Essas estratégias indicariam que as ETNs adotaram um
enfoque mais integrado nas suas atividades tecnológicas,
com o objetivo não apenas de adaptar produtos aos diferentes mercados, mas também de desenvolver novos produtos e acumular competências associadas às atividades de
P&D no exterior. Nesse contexto, os laboratórios de P&D
fora do país de origem cumpririam uma função muito mais
estratégica, abrindo a possibilidade de maior autonomia e,
ao mesmo tempo, de maior profundidade nas atribuições
desses laboratórios (GERYBADZE; REGER, 1999).
Entretanto, é importante destacar, que, apesar do
enfoque mais internacionalizado das atividades de P&D,
estas continuam sendo bastante seletivas no que se refere
às possibilidades de reforçar as competências domésticas
ou acumular capacitações consideradas estratégicas, porém, com melhores condições de serem desenvolvidas fora
do país de origem. De acordo com Cassiolato et al. (2001),
o processo de globalização das atividades tecnológicas das
ETNs estaria ocorrendo basicamente entre EUA, Europa
e Japão, uma vez que, quando essas corporações buscam
interagir com sistemas nacionais de inovação que não os
do próprio país de origem, o fazem procurando infra-estruturas de ciência e tecnologia igualmente desenvolvidas.
De acordo com Hagedoorn (2002), dos acordos de cooperação tecnológica interfirmas realizados entre 1990 e
1998, apenas 6,8% teriam ocorrido fora dos países da
tríade. Nas nações em desenvolvimento, portanto, o escopo e a profundidade das atividades de P&D dessas empresas seriam limitados, mantendo o caráter tradicional de
adaptação de produtos e processo.
terpretação, o aumento das atividades de P&D no exterior refletiria apenas a intensificação de uma tendência que
vem desde o pós-guerra, uma vez que as atividades
tecnológicas no exterior teriam basicamente um papel de
suporte à exploração de mercados externos, associado à
necessidade de adaptar produtos e processos às especificidades dos mercados de implantação. A internacionalização cumpriria fundamentalmente a função de garantir
a exploração de vantagens criadas por avanços tecnológicos desenvolvidos no país de origem. Nesse caso,
embora as atividades de P&D fossem mais deslocadas para
o exterior, seu escopo seria bastante reduzido, mantendose as atividades nucleares no país de origem.
Entretanto, vários autores, como Pearce (1999), Le Bas
e Sierra (2002) e Narula e Zanfei (2003), vêm destacando
que a internacionalização das atividades tecnológicas das
ETNs representaria não apenas um aprofundamento da
tendência anterior, em que a internacionalização da P&D
seria meramente reflexo do aumento da internacionalização
da produção, mas também uma mudança qualitativa, associada a alterações nas estratégias de operação para acumulação de recursos em nível global, implementada pelas
ETNs no período recente.
A desestruturação das condições que haviam garantido o ciclo de crescimento das décadas de 50 e 60 e as
mudanças na ordem econômica mundial observadas a partir
da crise econômica dos anos 70 nos países centrais impulsionaram um profundo processo de reestruturação nas
grandes corporações. No novo ambiente de instabilidade
e volatilidade macroeconômica, com baixas taxas de crescimento nos principais países desenvolvidos, as ETNs buscaram reforçar suas vantagens proprietárias, acirrando a
concorrência e a disputa por mercados nas várias regiões
do globo. A busca de capacitação para inovação em produtos e processos e o aumento em gastos de P&D constituíram um dos aspectos mais importantes, embora não o
único, uma vez que foram acompanhados pela estratégia
de desenvolvimento de outros ativos intangíveis, como diferenciação de produtos, fixação de marcas e vantagens
organizacionais.
No bojo desse processo, a organização internacional
das atividades de P&D sofreu alterações importantes. Além
da estratégia tradicional de explorar as vantagens criadas
no país de origem em terceiros mercados, Patel e Vega
(1999) e Le Bas e Sierra (2002) destacam outros dois tipos de estratégias de internacionalização da P&D que
ganharam importância no período recente.
O primeiro e principal deles seria a estratégia de montar
laboratórios de P&D no exterior com o intuito de monitorar
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
107
CÉLIO HIRATUKA
Se é verdade que a nova fase de internacionalização das
atividades de P&D implementada pelas grandes
corporações abre espaço para maior grau de profundidade das atividades tecnológicas realizadas no exterior, aumentando portanto os possíveis impactos positivos dessa
internacionalização sobre os países hospedeiros, também
é verdade que a seletividade nesse processo cria novas
dificuldades para os países em desenvolvimento.
Em primeiro lugar, cabe destacar que a possibilidade de
se beneficiar desse processo está diretamente associada à
capacidade dos países em desenvolvimento de criarem
vantagens de localização não-naturais (DUNNING, 1993)
associadas à infra-estrutura de ciência e tecnologia capazes
de favorecer o aumento da densidade das atividades de P&D
das filiais. Em segundo lugar, vale lembrar que, mesmo que
ocorra investimentos em P&D por parte das ETNs, a
possibilidade de que esses investimentos transbordem para
o restante do sistema econômico depende em grande medida
da capacidade de absorção do sistema empresarial local.
Ou seja, é necessário que haja alguma capacitação tecnológica prévia na estrutura produtiva já existente para que possa
ocorrer de fato uma transferência das capacitações tecnológicas desenvolvidas pelas ETNs para a economia dos países.
Esses dois aspectos em conjunto ressaltam a importância da existência de políticas ativas de ciência e
tecnológica voltadas não apenas para o desenvolvimento de infra-estrutura, mas também para que essa infraestrutura esteja mais integrada às atividades de aprendizado tecnológico do sistema empresarial, tanto de
empresas nacionais quanto estrangeiras. Em especial, nos
países onde as ETNs exercem papel relevante no siste-
ma produtivo, a política científica e tecnológica deveria
estar mais integrada à política industrial e de investimentos estrangeiros, com o intuito de contribuir para o processo de aprendizado e a criação de capacitações
tecnológicas locais (LALL, 2000).
Na próxima seção, busca-se analisar a internacionalização tecnológica das ETNs a partir da evolução dos gastos
em P&D efetuado pelas filiais de empresas com sede nos
Estados Unidos. A partir dos dados, procura-se verificar a
inserção das filiais brasileiras, em comparação com outros
países em desenvolvimento na América Latina e na Ásia.
INTERNACIONALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
DE P&D DAS ETNS DOS ESTADOS UNIDOS E A
INSERÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS
Esta seção tem como objetivo analisar a internacionalização das atividades de P&D das grandes corporações
transnacionais norte-americanas no exterior. A partir dos
dados coletados pelo Bureau of Economic Analisys nas
pesquisas censitárias sobre as operações das ETNs no
exterior, as informações foram organizadas e classificadas, separando países desenvolvidos e em desenvolvimento
e, neste último grupo, os países da América Latina e da
Ásia. Além dos anos de 1989, 1994 e 1999, para os quais
estavam disponíveis as pesquisas censitárias, foi analisado também 2002, ano com cobertura amostral e com quantidade menor de informações do que os demais.
A Tabela 1 mostra a evolução da internacionalização
das ETNs dos Estados Unidos, tanto em termos das vendas como dos gastos em P&D. Como é possível perceber,
TABELA 1
Evolução da Internacionalização das Empresas Transnacionais (ETNs), segundo Gastos em P&D e Vendas
Estados Unidos – 1989-2002
Em US$ milhões correntes
Gastos e Vendas
1989
1994
1999
2002
59.925
91.574
126.291
(1)
7.048
11.877
18.144
21.151
11,8
12,9
14,3
(1)
Total
3.329.443
3.990.013
5.975.478
6.426.628
Realizado pelas Filiais
1.019.966
1.435.901
2.218.945
2.548.625
30,6
36,0
37,1
39,7
Gastos em P&D
Total
Realizados nas Filiais
Participação das Filiais no Total (%)
Vendas
Participação das Filiais no Total (%)
Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp.
(1) Dado não disponível.
108
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ...
pação entre os países em desenvolvimento analisados. Em
1989, os gastos em P&D das filiais brasileiras chegaram
a representar 25% do total realizado nos países em desenvolvimento, diminuindo para cerca de 20% em 1994 e 10%
em 1999. Em relação ao total dos países, a participação
brasileira caiu de 2% em 1994 para 1,4% em 2002.
Fica evidente, portanto, a perda de importância relativa das filiais brasileiras nas atividades tecnológicas internacionais das grandes empresas norte-americanas. Ainda
assim, o Brasil continua sendo o país com maior importância relativa na América Latina, posicionando-se ainda
à frente do México, mesmo considerando o aumento da
importância das filiais mexicanas em termos de vendas,2
quase duas vezes maior do que a participação brasileira.
As demais economias da América Latina possuem
representatividade menor ficando bem abaixo de Brasil e
México.
Comparando-se com os países em desenvolvimento da
Ásia, o contraste com a América Latina é evidente, uma
vez que, nos primeiros, a tendência de aumento de participação ocorre em praticamente todos os países. Merecem destaque a evolução das filiais instaladas na China e
em Cingapura, que passaram a ser os dois centros com
maior importância entre todos os países em desenvolvimento analisados, além da Malásia, que, embora não tenha dados para 2002, apresentou crescimento acelerado
entre 1989 e 1999.
É interessante também comparar, na Tabela 4, a participação das filiais de cada país no total de gastos em P&D
e nas vendas. Enquanto os países da América Latina são,
invariavelmente, mercados mais importantes do que centros de P&D, nos países asiáticos a disparidade entre participação nas vendas e em P&D não é tão grande. Alguns
países até mesmo se destacam por apresentarem maior
importância relativa para a atividade de P&D do que para
vendas.
o aumento da importância das atividades das filiais ocorreu nos dois indicadores e com ritmo parecido. Porém,
fica evidente que a internacionalização da P&D ainda é
muito mais concentrada no mercado norte-americano do
que as vendas.
Enquanto a participação dos gastos de P&D realizados no exterior através das filiais aumentou de 11,8% do
total em 1989 para 14,3% em 1999, nas vendas essa proporção cresceu de 30,6% para 37,1%, no mesmo período.
Considerando a distribuição dos gastos em P&D entre
as filiais, a Tabela 2 indica o aumento da importância relativa dos países em desenvolvimento, que em 1989 respondiam por apenas 5,2% do total e atingiram 15,1% em
1999. Entre os países em desenvolvimento, comparando
o desempenho da América Latina e da Ásia, observa-se
que até 1994 os dois grupos conseguiram aumentar sua
participação, mas com a Ásia já apresentando taxa de crescimento maior. Ainda assim, nesse ano, a participação das
filiais da América Latina ainda era superior. Entre 1994 e
1999, verifica-se perda de importância relativa da América Latina, que teve sua participação reduzida para 3,4%
do total, enquanto a Ásia continuou sua trajetória de crescimento, atingindo 7,7% do total. Os dados para 2002 só
estão disponíveis para a Ásia e mostram que a região representou nesse ano 10% do total.
Portanto, pelo menos para as ETNs dos Estados Unidos, a internacionalização dos gastos em P&D não ficou
restrita às atividades dos países centrais, deslocando-se
em direção àqueles em desenvolvimento, embora em ritmo ainda relativamente lento. Entretanto, esse foi um movimento concentrado nos países em desenvolvimento da
Ásia, em especial na segunda metade da década de 90.
Os dados da Tabela 3 detalham as informações anteriores, mostrando os principais países em cada região. Analisando o caso do Brasil, observa-se que, em 1989 e 1994,
as filiais instaladas no país representaram a maior partici-
TABELA 2
Participação dos Países em Desenvolvimento no Total de Gastos de P&D das Filiais de ETN dos Estados Unidos
Países em Desenvolvimento, América Latina e Ásia – 1989-2002
Em porcentagem
Região
1989
1994
1999
Países em Desenvolvimento
5,2
10,3
15,1
-
América Latina
2,2
4,0
3,4
(1)
Ásia
1,1
3,4
7,7
10,0
Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IE/Unicamp.
(1) Dado não disponível.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
109
2002
CÉLIO HIRATUKA
TABELA 3
Participação no Total de Gastos de P&D das Filiais de ETNs dos Estados Unidos, segundo Países em Desenvolvimento
América Latina e Ásia – 1989-2002
Em porcentagem
Países em Desenvolvimento
1989
1994
1999
2002
América Latina
Argentina
Brasil
Chile
Venezuela
México
2,2
0,1
1,3
0,01
0,1
0,5
4,0
0,2
2,0
0,02
0,1
1,5
3,4
0,1
1,6
0,02
0,2
1,3
(1)
0,1
1,4
0,03
0,2
1,3
Ásia
China
Hong Kong
Índia
Coréia
Malásia
Filipinas
Cingapura
Taiwan
Tailândia
1,1
0,0
0,1
0,03
0,1
0,04
0,1
0,4
0,3
0,01
3,4
0,1
0,4
0,04
0,1
0,2
0,1
1,4
0,9
0,03
7,7
1,8
1,2
0,1
0,6
0,9
0,2
2,3
0,7
0,04
10,0
3,1
(1)
0,4
0,8
(1)
0,2
2,8
0,3
0,1
Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp.
(1) Dado não disponível.
TABELA 4
Comparação entre a Participação no Total de Gastos de P&D e no Total de Vendas das Filiais de ETN dos
Estados Unidos, segundo Países em Desenvolvimento
América Latina e Ásia – 2002
Em porcentagem
Participação no Total
de Gastos de P&D
(A)
Participação no Total
de Vendas
(B)
A/B
América Latina
Argentina
Brasil
Chile
Venezuela
México
(1)
0,1
1,4
0,03
0,2
1,3
12,1
0,7
2,3
0,3
0,5
4,4
(1)
14,3
60,9
10,0
40,0
29,5
Ásia
China
Hong Kong
Índia
Coréia
Malásia (2)
Filipinas
Cingapura
Taiwan
Tailândia
10,0
3,1
2,1
0,4
0,8
1,0
0,2
2,8
0,3
0,1
12,3
1,7
1,2
0,3
0,7
0,9
0,4
3,7
0,9
0,8
81,3
182,4
55,4
133,3
114,3
90,1
50,0
75,7
33,3
12,5
Países em Desenvolvimento
Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp.
(1) Dado não disponível.
(2) Dados de 1999.
110
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ...
Nesta situação encontram-se Índia, Coréia do Sul e
China. O caso da China, em especial, chama atenção, uma
vez que as filiais chinesas, em 2002, representavam 1,7%
das vendas de todas as filiais, mas 3,1% dos gastos em
P&D, ou seja, a participação nos gastos em P&D chega a
ser quase duas vezes maior do que nas vendas. Comparando-se com o Brasil, a participação nos gastos em P&D
representa 60,9% daquela referente às vendas. Em 2002,
portanto, o Brasil era ainda um centro de produção e vendas mais importante do que a China, mas com uma importância para as atividades tecnológicas muito menor.
Em relação aos demais países, o Brasil está na primeira
posição na América Latina e supera ainda alguns países na
Ásia, como Tailândia, Taiwan e Filipinas, mas fica abaixo
de outros, como Cingapura e Malásia (dados de 1999).
Outro indicador que revela a maior importância relativa das atividades inovativas nos países em desenvolvimento da Ásia do que nos da América Latina é o dispêndio de
P&D em relação às vendas. De acordo com a Tabela 5, no
total de suas operações mundiais, inclusive na matriz, a
proporção de gastos em P&D em relação às vendas das
ETNs dos EUA aumentou de 1,8% em 1989 para 2,3%
em 1994, reduzindo-se um pouco em 1999, quando atingiu 2,1%. Considerando esse mesmo indicador para todas as operações das filiais, o índice chegou a 0,7% em
1989, subindo para 0,8% em 1994 e mantendo-se nesse
patamar em 1999 e 2002.
Nas filiais instaladas nos países desenvolvidos, como
seria de se esperar, a intensidade do esforço inovativo é
maior do que a média para o total das filiais, aumentando
de 0,8% para 1% entre 1994 e 1999. No conjunto dos
países em desenvolvimento, o mesmo indicador apresentou tendência de aumento e passou de 0,2% em 1989 para
0,3% em 1994 e 0,4% em 1999, reduzindo, portanto, a
diferença em relação ao nível observado nos países desenvolvidos.
TABELA 5
Proporção dos Gastos em P&D sobre Vendas Total e nas Filiais no Exterior das ETNs dos Estados Unidos,
segundo Países em Desenvolvimento
América Latina e Ásia – 1989-2002
Em porcentagem
Países em Desenvolvimento
1989
1994
1999
2002
Total das ETNs
1,8
2,3
2,1
(1)
Total das Filiais
0,7
0,8
0,8
0,8
Países Desenvolvidos
0,8
1,0
1,0
(1)
Países em Desenvolvimento
0,2
0,3
0,4
(1)
América Latina
0,2
0,4
0,2
(1)
Argentina
0,2
0,2
0,1
0,1
Brasil
0,3
0,7
0,5
0,5
Chile
0,05
0,04
0,04
0,05
Venezuela
0,3
0,3
0,4
0,3
México
0,2
0,5
0,3
0,3
Ásia
0,1
0,3
0,6
0,7
1,5
China
0,0
0,2
1,6
Hong Kong
0,1
0,2
0,5
(1)
Índia
0,6
0,5
0,4
1,0
Coréia
0,2
0,3
0,9
0,9
Malásia
0,1
0,2
0,7
(1)
Filipinas
0,2
0,3
0,4
0,5
Cingapura
0,2
0,4
0,5
0,6
Taiwan
0,3
0,8
0,7
0,3
0,02
0,04
0,05
0,1
Tailândia
Fonte: Bureou of Economic Analisys. Elaboração NEIT/IEL/Unicamp.
(1) Dado não disponível.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
111
CÉLIO HIRATUKA
internacionalizando suas atividades tecnológicas em ritmo similar ao verificado para as vendas. Porém, o mais
importante é que, nessa internacionalização, os países em
desenvolvimento ganharam importância em relação aos
desenvolvidos. Embora estes continuem respondendo pela
maioria dos gastos em P&D realizados fora dos Estados
Unidos, é nítido o aumento da importância dos primeiros.
De certa maneira, esse fato pode refutar a conclusão de
Cassiolato et al. (2001), de que o processo de internacionalização permanece restrito à tríade. Apesar disso, os
dados analisados mostram a seletividade das ETNs na
escolha de onde localizar as atividades de P&D e a posição desigual entre os próprios países em desenvolvimento.
Num primeiro nível, fica evidente a diferença que se
estruturou ao longo da década de 90, em especial na sua
segunda metade, entre os países da Ásia e da América
Latina. O aumento da importância relativa da Ásia e a redução da participação da América Latina aparece em todos os indicadores analisados.
Com certeza, o aumento da importância da Ásia enquanto
região preferencial de produção, principalmente de produtos associados ao complexo eletrônico/tecnologia de informação, teve peso importante nesse processo.3 Entretanto, é válido observar que, mesmo na Ásia, o movimento
de aumento na importância nas atividades de P&D não foi
uniforme, permanecendo restrito a alguns países.
Analisando-se os dados por região, verifica-se que, na
América Latina, a proporção de gastos em P&D teve um
aumento importante entre 1989 e 1994, subindo de 0,2% para
0,4%, mas voltou a diminuir para 0,2% em 1999. Enquanto
no final da década de 80 o indicador estava no mesmo
patamar da média das filiais instaladas em países em desenvolvimento, no final da década de 90 a proporção na
América Latina era bem menor.
Na economia brasileira, o aumento na proporção de
gastos em P&D sobre vendas das filiais foi ainda mais
acentuado entre 1989 e 1994, passando de 0,3% para 0,7%.
Nesse último ano, entre os países discriminados na tabela,
o Brasil apresentou o segundo indicador mais elevado, ficando atrás apenas de Taiwan. Entretanto, entre 1994 e
1999, a proporção voltou a se reduzir, atingindo 0,5%, patamar que se manteve em 2002.
Nos demais países da América Latina, a proporção esteve sempre abaixo da verificada na economia brasileira.
Em 2002, as filiais da Argentina e do Chile atingiram 0,1%
e as do México e Venezuela chegaram a 0,3%.
Já na Ásia a proporção de gastos em P&D sobre vendas apresentou tendência de aumento, principalmente a
partir de 1994, confirmando o fato de que efetivamente alguns países asiáticos conseguiram atrair importantes investimentos voltados para o desenvolvimento tecnológico.
Analisados em conjunto, os países em desenvolvimento
da Ásia experimentaram uma elevação contínua da intensidade de P&D no período analisado: de 0,1% em 1989, o
indicador passou para 0,3% em 1994, 0,6% em 1999 e 0,7%
em 2002.
Novamente, destaca-se o caso da China, que de 0,2%,
em 1994, atingiu 1,6% em 1999, patamar inclusive superior
ao verificado para o conjunto dos países desenvolvidos.
Em 2002, o indicador se reduziu um pouco, ficando em 1,5%.
A Índia também merece destaque, uma vez que, desde
o início do período analisado, as filiais instaladas nesse
país sempre tiveram uma proporção de gastos em P&D
sobre vendas muito superior aos demais países da região.
Apesar de uma queda de 0,6% para 0,4%, entre 1989 e 1999,
em 2002 o indicador atingiu 1%.
Outros dois países asiáticos importantes em termos de
intensidade de P&D são Coréia e Malásia. No primeiro, a
proporção foi de 0,2% em 1989, aumentando para 0,9% em
1999 e permanecendo estável em 2002 nesse mesmo nível.
No caso da Malásia, a elevação foi de 0,1% em 1989 para
0,7% em 1999.
Em resumo, observa-se que as grandes ETNs dos Estados Unidos aumentaram os gastos em P&D no exterior,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações analisadas neste trabalho mostram que,
apesar de ainda manterem uma grande parte das atividades de P&D no exterior concentrada nos países centrais,
as multinacionais americanas têm aumentado os gastos
tecnológicos nas filiais de países em desenvolvimento.
Observa-se, entretanto, um movimento bastante seletivo, com a concentração de atividades nos países em desenvolvimento da Ásia e, mesmo dentro desta região, em
alguns poucos países, que conseguiram não apenas aumentar a participação nos gastos de P&D das ETNs norteamericanas, mas também apresentar uma relação dispêndio de P&D/vendas em níveis elevados e em patamares
semelhantes ao observado nos países centrais.
O traço comum entre os países que demonstraram essa
capacidade, destacando-se China, Coréia, Malásia,
Cingapura e Índia, é a adoção de políticas tecnológicas
ativas voltadas para criação de vantagens locacionais importantes para as atividades de elevado conteúdo tecnológico (qualificação de mão-de-obra, educação técnica e
112
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ...
superior, suporte à pesquisa básica, financiamento e incentivos às atividades de P&D), combinada com políticas
de investimento seletivas, estruturadas com o objetivo de
elevar o conteúdo tecnológico das atividades realizadas
pelas filiais estrangeiras e aumentar o grau de complementaridade e integração com empresas e instituições locais (UNCTAD, 2002; LALL, 2000; 2003).
Dessa perspectiva, e comparando com a situação da
América Latina, o trabalho de Katz (2001) ressalta que as
reformas estruturais implementadas nessa região, na década de 90, assentadas sobre a abertura comercial, liberalização dos fluxos de capitais, privatizações e redução
do poder de atuação do setor público, embora tenham tido
impactos positivos sobre a modernização e eficiência (estática) do sistema produtivo, resultaram em redução dos
esforços tecnológicos internos, tanto de empresas nacionais como daquelas transnacionais. Em primeiro lugar, a
possibilidade de contar com insumos e bens de capital
importados significou a substituição dos esforços tecnológicos das empresas anteriormente operando no mercado local por tecnologia incorporada diretamente nos bens
importados. Do ponto de vista das ETNs, o novo padrão
de utilização de tecnologia, mais convergente com os padrões internacionais, significou a redução dos esforços
voltados para adaptação de produtos e processos ao mercado local. Em segundo lugar, a privatização de empresas
públicas de infra-estrutura, em especial de energia e telecomunicações, foi acompanhada da desmobilização dos
departamentos de P&D e engenharia construídos durante
a fase anterior. Por fim, os gastos na infra-estrutura de
Ciência e Tecnologia, que nos países da América Latina
sempre estiveram a cargo do Estado, sofreram impacto de
sucessivos processos de corte de recursos em razão da
necessidade de ajustes fiscais.
Pode-se adicionar a esses fatores a política direcionada
para o investimento estrangeiro, que, ao contrário do verificado nos países em desenvolvimento da Ásia, não se
preocupou em criar mecanismos voltados para aumento
das atividades tecnológicas das filiais instaladas ou das
novas entrantes no boom recente de IDE. Em vez de uma
política seletiva em termos setoriais ou focada em atividades mais intensivas em tecnologia, os países da América Latina tiveram, em geral, uma política horizontal, em
que a principal preocupação era retirar as restrições existentes ao IDE e à atuação das empresas estrangeiras e eliminar as regulamentações para remessas de lucros.
Analisando especificamente o caso do Brasil, os dados
revelam a perda de posição relativa das filiais brasileiras
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
na distribuição internacional de gastos em P&D das
multinacionais norte-americanas. Embora permaneça como
o país na América Latina onde as filiais mais gastam em
P&D, a participação é muito menor do que a verificada
nas vendas.
O recente boom de investimento estrangeiro ocorrido
na década de 90 não alterou o papel das filiais brasileiras,
que permaneceram tendo uma função restrita em termos
de envolvimento em atividades de P&D com maior densidade. De acordo com o trabalho de Araújo (2004), no final da década de 90, as filiais estrangeiras, apesar de serem mais inovadoras, em média gastavam menos em P&D
do que as empresas nacionais, o que evidenciaria que as
atividades tecnológicas continuariam tendo uma função
de adaptação às condições locais.
A vasta presença de filiais de grandes empresas
transnacionais no Brasil, líderes mundiais em seus setores de atuação, com intensa atividade inovativa globalmente, continua, por enquanto, sendo um potencial de
transferência de tecnologia que permanece pouco aproveitado. Com certeza as filiais operando no Brasil poderiam ter um papel muito mais relevante no desenvolvimento
tecnológico e na geração de spillovers capazes de aumentar o grau de desenvolvimento da economia. Entretanto,
essa não é uma tarefa trivial, já que, como ressaltado, a
globalização das atividades de P&D, embora crescente,
vem ocorrendo de maneira muito mais seletiva, exigindo
vantagens de localização relacionadas à infra-estrutura de
ciência e tecnologia e qualificação de mão-de-obra, além
de capacidade do setor público de coordenar ações no
sentido de atrair investimentos ou estimular as ETNs já
presentes a realizarem atividades ou funções corporativas
com maior interação com o sistema nacional de inovação
e com maior capacidade de geração de externalidades. Essa
é uma tarefa que não foi realizada pelo Brasil no último
ciclo de investimentos estrangeiros, e que permanece como
desafio para esse início de século.
NOTAS
O autor agradece a ajuda prestada pelo auxiliar de pesquisa e bolsista
Raphael Cega (Pibic do CNPq), pelo auxílio na organização dos dados deste artigo.
1. Na terminologia de Hirschey e Caves (1981), essas seriam as
forças centrípetas e centrífugas, respectivamente.
113
CÉLIO HIRATUKA
2. De uma participação nas vendas de 1,6%, em 1989, o México
aumentou para 2,7% em 1994 e, após a integração com a economia norte-americana por intermédio do Nafta, atingiu 4,4% em
2002. Ver Boletim Neit, n. 6.
KATZ, J. Structural reforms and technological behavior. The
sources and nature of technological change in Latin America in
the 1990s. Research Policy, v. 30, 2001.
LALL, S. Reinventing industrial strategy: the role of government
policy in building industrial competitiveness. 2003. Mimeografado.
(Texto preparado para o Grupo Intergovernamental de questões
monetárias e desenvolvimento do G-24).
3. Ver Boletim Neit n. 6, para uma análise detalhada da distribuição geográfica das atividades das filiais norte-americanas.
________. Export performance technological upgrading and foreign
direct investment strategies in the Asian newly industrializing
economies with special reference to Singapur. Desarollo Productivo.
Cepal, n. 88, 2000.
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Artigo recebido em 4 de março de 2005.
Aprovado em 28 de abril de 2005.
114
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 105-114, jan./mar. 2005
ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO
DE
S ISTEMAS
DE
...
ESTUDOS PROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO
DE SISTEMAS DE INOVAÇÃO NO BRASIL
M AURO ZACKIEWICZ
M ARIA BEATRIZ BONACELLI
SERGIO S ALLES FILHO
Resumo: As condições institucionais para a competitividade na sociedade do conhecimento são dinâmicas e
estão em contínua reconstrução, sendo a capacidade de inovação tecnológica um de seus fatores determinantes.
O elevado grau de incerteza e o alto custo associados à inovação tecnológica são desafios para a sustentação
dos padrões tradicionais de investimento em ciência e tecnologia. Este artigo centra-se no tema do desenvolvimento de capacidade antecipativa e a incorporação da função prospectiva na gestão das organizações de
C,T&I.
Palavras-chave: Políticas de C,T&I. Prospectiva tecnológica. Inovação tecnológica.
Abstract: Competitiveness in the knowledge society is more and more dependent on fostering innovative
activities. The high degrees of incertitude and the increasing costs associated to technological development
are challenging the present levels of investment in S,T&I. This article focuses on this theme specially on the
necessity of developing anticipative capabilities in order to create a prospective culture in S,T&I organizations.
Key words: Science and Technology policies. Technological prospective. Technological innovation.
É
notável a crescente importância dos estudos
prospectivos. Hoje, eles são componentes fundamentais para políticas e estratégias de inovação, não só como subsídios para ampliar a capacidade de
antecipação, mas também porque estimulariam virtuosamente a organização dos sistemas de inovação.
Este artigo propõe-se a discutir, sob o ponto de vista
do conceito de sistema de inovação, alguns dos meios
pelos quais tal efeito estruturante poderia se manifestar a
partir da execução de estudos prospectivos.
Em sua origem, os estudos prospectivos para os rumos da ciência e da tecnologia buscavam aumentar ao máximo a capacidade de previsão de seus avanços – algo
plausível no contexto de estabilidade institucional que caracterizou as décadas de 50 e 60. A partir dos centros de
pesquisa militares dos EUA motivados pelo conflito velado da Guerra Fria, inúmeras técnicas e metodologias
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005
foram criadas e aperfeiçoadas para prever o desenvolvimento tecnológico do inimigo e orientar as estratégias da
P&D militar. Empresas e outros setores da sociedade civil rapidamente se apropriaram de muitas dessas ferramentas e as incorporaram a suas rotinas de planejamento e de
busca por oportunidades.
Uma segunda corrente de estudos prospectivos desenvolveu-se a partir da década de 70, em contrapartida à
tendência tecnocentrada predominante: a dos futuristas
(JOHNSTON, 2002). Sua abordagem dava ênfase à compreensão das raízes profundas e da evolução dos propósitos
da humanidade, de seus valores, condições e expectativas.
Quando ficou mais claro que a estabilidade era a exceção e que a mudança técnica exercia uma influência mais
complexa do que se supunha nas mudanças institucionais,
das quais também era dificilmente dissociável, a quimera
da previsão tecnológica e a utopia normativa dos futuris-
115
MAURO ZACKIEWICZ / M ARIA BEATRIZ B ONACELLI / SERGIO SALLES FILHO
rio. Entretanto, não descarta a validade de políticas voltadas para a inovação que definam linhas de ação e pesquisa prioritárias – desde que não sufoquem o espaço da ciência aberta. Uma vez que os recursos são limitados, elas
passariam por reconfigurações de papéis institucionais e
culturas organizacionais que ainda não se materializaram
na prática. O fato é que é difícil criar instrumentos de
política, planejamento e avaliação que estejam plenamente
de acordo com a noção de sistema de inovação e estabeleçam um grau de coerência e determinação compatível
com os dos modelos lineares, que são simplistas, porém
facilmente comunicáveis. A maior parte dos atores envolvidos nessas atividades ainda tem dificuldade de operar
em um marco cognitivo que estabeleça a complexidade, a
incerteza e a ambigüidade como regra.
Os grandes desafios metodológicos da atualidade para
os estudos prospectivos referem-se a essas questões. A
política para a organização de sistemas de inovação não
pode se restringir a incorporar o lado da demanda nem a
transferir todo o ônus do financiamento para o setor privado. A política precisa, essencialmente, promover ações
que levem a um novo patamar de entendimento do papel
da C&T na sociedade – e os estudos prospectivos são
decisivos nesse processo. Afinal, a noção de prospecção
quase se confunde com esse objetivo.
Tanto, que a tendência atual dos estudos prospectivos
é a de evoluir das abordagens estritamente tecnológicas
para outras que enfatizem questões organizacionais do
desenvolvimento da C&T no contexto de sistemas de
inovação (RENN, 2002). Essa tendência também aproxima
os estudos prospectivos dos sistemas de apoio à decisão
para o planejamento e dos esforços de avaliação da evolução das redes sociotécnicas (ZACKIEWICZ, 2002). Cada
vez mais, os estudos sobre o futuro das atividades de C&T
deixam de ser encarados como encomendas ad hoc para
se tornarem atividades perenes e internalizadas nas organizações presentes nos sistemas de inovação. Os estudos
prospectivos deparam-se com o desafio da complexidade
a partir do momento em que há dificuldade para estabelecer
os nexos causais para deduzir as múltiplas possibilidades
de mudanças técnicas e suas conseqüências (RENN, 2002).
A incerteza é relacionada com a complexidade, mas se
distingue desta por se referir ao grau de confiança nas relações causais estabelecidas por um modelo explicativo,
e não ao modelo em si. A incerteza aumenta se a complexidade não puder ser resolvida por teorias e métodos que
gerem modelos mais adequados. Se o efeito estudado possuir natureza estocástica, isso também colaborará para a
incerteza (RENN, 2002).
tas foram enfraquecidas e amalgamadas em abordagens
bem mais pragmáticas. Assim, é comum encontrar definições para prospecção tecnológica como:
A systematic attempt to look into the longer-term future of
science, technology, economy and society with a view to
identifying emerging generic technologies likely to yield the
greatest economic and social benefits (OCDE, 1996).
A percepção de que o fenômeno da inovação tecnológica é complexo e se manifesta a partir de diversos níveis, em processos multicausais e retroalimentados e com
a atuação mais ou menos determinante de diversos atores,
trouxe a necessidade de projetá-lo sobre a sintaxe dos sistemas abertos. Se, por um lado, pensar a inovação a partir
de sistemas superava a simplicidade arriscada dos antigos modelos lineares, de inovação, por outro, criava novas dificuldades analíticas – especialmente para a identificação das relações causais responsáveis pelas novas
tecnologias e para as projeções prospectivas.
COMPLEXIDADE, INCERTEZA E
AMBIGÜIDADE
A partir da década de 80, diversos autores perceberam
que a mudança para uma óptica sistêmica na explicação
do fenômeno da inovação implicava, também, em mudanças nos métodos e propósitos da prospecção tecnológica
(MARTIN; IRVINE, 1989; GODET, 1993). Desde então,
foram feitas diversas tentativas, propostas novas metodologias e cunhados novos termos.
Paul David (2002) faz uma interessante crítica aos estudos recentes de technology foresight no Reino Unido,
dizendo que eles não superaram totalmente o antigo modelo linear, o que ocorreu foi muito mais uma inversão.
David afirma que a exagerada ênfase na orientação pelo
mercado (demand-pull) pode ser desastrosa e que seria
simplista tentar enquadrar o avanço – e o financiamento
público – da ciência e tecnologia apenas por demandas
de curto prazo e de alto retorno econômico potencial. Além
disso, com a insistência nesse processo, poderiam ocorrer mudanças organizacionais nas instituições de C&T que,
ao invés de gerar o círculo virtuoso da inovação, levariam
a uma perda sistêmica de eficiência na produção de novos conhecimentos. O autor prefere chamar de “ciência
aberta” o que comumente se chama de “ciência básica” e
advoga a manutenção do investimento público como o mais
adequado para financiar a produção da commodity “conhecimento”, assumindo seu caráter incerto e aleató-
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ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO
S ISTEMAS
DE
...
A partir de então, a ênfase voltou-se fortemente para
os processos, muitas vezes até em detrimento dos produtos. Métodos como o Delphi ganharam nova força sob
o novo enfoque. Diversos estudos – agora também chamados exercícios – prospectivos foram lançados pelo
mundo para estruturar e definir prioridades a seus SNIs.2
Irvine e Martin (1984), bem ao estilo minimalístico das
ferramentas de gestão, enxergam a essência desse novo
espírito nos 5Cs do technology foresight: concentração,
comunicação, consenso, compromisso e coordenação. A
idéia de concentração refere-se ao fato de que os participantes de um exercício de prospecção são convidados
a refletir de modo sistemático sobre certas questões,
definir prioridades e buscar identificar a relevância de
suas próprias atividades. Comunicação, porque os exercícios prospectivos se transformariam em canais por onde
a informação fluiria de modo eficiente e plural. O consenso é um atributo buscado explicitamente e é o sustentáculo da identificação e da seleção de prioridades de
investimento a partir da prospecção. Dado o caráter
participativo e “socialmente construído” dos processos
de foresight, o compromisso dos atores envolvidos seria
mais um resultado, a garantir a legitimidade do processo
e viabilizar a efetiva implementação das prioridades
estabelecidas. Por fim, a coordenação do sistema de inovação e a cooperação na pesquisa seriam promovidas pela
formação de redes proporcionada pelas conexões entre
pessoas, grupos e temas de pesquisa derivados do exercício.
Claramente, os 5Cs não são independentes entre si.
Aparecem acima listados em uma ordem causal na qual
cada C seria uma etapa rumo à coordenação. O sucesso
de cada etapa seria o impulso para a seguinte. Porém,
esse processo é fortemente condicionado pela metodologia adotada, por contextos políticos e institucionais
do país em que ocorre o exercício e pelo entendimento
prévio dos atores em relação aos objetivos do estudo
prospectivo.
De fato, trata-se de um processo de aprendizado que
poderia levar a uma reorganização mais ampla do que esses
5Cs mostram – especialmente no contexto dos países em
desenvolvimento. Isso é importante porque coloca outras
questões que precisam ser observadas.
A questão do aprendizado está presente nos dois níveis nos quais os estudos prospectivos atuam – ou seja,
tanto na capacidade de antecipação quanto na organização da inovação. No primeiro deles, o aprendizado refere-se à construção progressiva de noções mais ou menos
A ambigüidade refere-se à variabilidade das interpretações possíveis – e legitimadas teoricamente – a partir
de uma mesma base de dados ou a partir da observação
dos mesmos fatos. Alta complexidade e incerteza favorecem o surgimento de controvérsias e, portanto, de ambigüidade (RENN, 2002).
A emergência desses atributos no contexto dos estudos sobre a evolução dos processos de inovação é argumento tanto para a apologia quanto para a crítica sobre a
necessidade de planejamento e de definição de prioridades. De um lado, os que defendem o enquadramento dos
rumos da C&T apoiados na execução de estudos prospectivos advogam que, desse modo, seria possível reduzir a incerteza e a ambigüidade na execução das pesquisas, além de melhor orientá-las para as necessidades
econômicas e sociais. De outro lado, argumenta-se que,
por conta da complexidade e da imprevisibilidade dos
processos de inovação, todo planejamento ancorado em
metodologias prospectivas seria claramente reducionista
e nocivo à riqueza de possibilidades que o avanço do conhecimento poderia proporcionar, se fosse estimulado em
toda sua potencialidade.
Novamente, o que está em jogo é a questão da organização. Seria possível conjugar o melhor dos dois lados?
Seria possível fazer com que o planejamento e a definição de prioridades orientadas a problemas do país
potencializassem ainda mais o avanço do conhecimento?
Para tentar uma resposta afirmativa a essa questão, é
preciso examinar como a prospecção pode estimular a
organização dos sistemas de inovação e o surgimento de
novos padrões cognitivos acerca da produção de conhecimento e tecnologia.
EFEITOS SOBRE A ORGANIZAÇÃO
DA INOVAÇÃO
A idéia de que os resultados da prospecção tecnológica
são úteis para a organização dos processos de inovação é
tributária da escola norte-americana do pós-guerra e foi
amplamente disseminada, junto com suas metodologias e
abordagens, principalmente por autores interessados nas
estratégias e no planejamento empresarial.1
Com o surgimento do conceito de Sistemas Nacionais
de Inovação – SNIs na década de 80 (FREEMAN, 1987),
essa idéia ganha em escopo ao identificar uma série de
efeitos colaterais dos processos subjacentes à obtenção
dos resultados prospectivos que atuariam como fatores
estruturantes para os SNIs.
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compartilhadas sobre como será o futuro da sociedade e
as implicações das tecnologias que poderão surgir e/ou
se tornar dominantes em determinado campo. São essas
visões que fundamentam as decisões dos atores no presente e, de certo modo, moldam as trajetórias tecnológicas. Idier (2000) chama a atenção para o componente motivacional da inovação e observa o quanto as
imagens socialmente compartilhadas sobre o futuro –
incluindo aí fatores culturais, psicológicos e estéticos 3
– influenciariam as decisões e, portanto, as trajetórias
tecnológicas. Assim, a atividade prospectiva teria um
papel mais profundo do que aquilo que Irvine e Martin
chamam de “concentração” e “comunicação”. A natureza compartimentalizada do conhecimento organizado em
disciplinas e especialidades estanques, a lógica reativa
e de curto prazo de grande parte dos atores das cadeias
produtivas, as múltiplas influências culturais e heranças
institucionais, tudo isso cria obstáculos formidáveis à
concentração e à comunicação. Eles começam nas diferenças semânticas e se aprofundam em direção às diferenças de valores e expectativas. Esses obstáculos só
podem ser superados por meio de aprendizado, mas a
geração de círculos virtuosos de aprendizado que culminem em frentes de consenso – o próximo passo dos
5Cs – não é direta e nem tampouco óbvia.
A abordagem invariavelmente adotada para viabilizar
esse salto é a da participação. Essa idéia já é, por princípio um tanto nebulosa, e mais facilmente apropriada pela
retórica do que pela ação. Entretanto, é na prática da participação que está o segundo nível de aprendizado, o que
desde logo mais interessa à organização da inovação e que,
não obstante, é ainda o mais incipiente e fragilmente compreendido.
Antes de colaborar para a superação dos obstáculos
impostos à concentração e à comunicação, a participação também é dificultada e limitada pelos mesmos obstáculos. Assim, se nas oportunidades que a participação
for invocada, a discussão for orientada para objetos que
reforcem esses obstáculos, o resultado poderá ser o inverso do esperado. A participação precisa ocorrer sobre
enfoques multidisciplinares, sobre visões conflitantes,
sobre referências multiculturais. A participação precisa
exigir o aprendizado dos atores, a compreensão dos limites impostos pelos contextos institucionais nos quais
estão inseridos e a ampliação de suas visões particulares
de futuro. Renn (2002) atribui ainda à participação a
função de reduzir a ambigüidade e os custos de transação entre os atores, uma vez que a busca por frentes de
consenso evitaria a maximização parcial dos benefícios
dos atores.
É na reação à ação desconstrutiva da participação que
está a chave do aprendizado para uma organização mais
dinâmica da inovação. A formação de redes, a definição
de competências essenciais, o compromisso com prioridades, o compromisso público, são todos características
de um certo padrão de organização fundamentado em formas comportamentais e contratuais que precisam ser, antes de tudo, aprendidas. Essas novas formas de organização cresceriam então no espaço vazio do futuro, de modo
tão aberto à criatividade quanto as tecnologias e o conhecimento que produziriam.
A coordenação a que Irvine e Martin fazem referência
envolve esses atributos. Mas fica claro que essa abordagem percebe mais o dinamismo das tecnologias que a necessidade do dinamismo das organizações e instituições.
Como bem observou Johnston (2002) ao analisar os principais exercícios de prospecção no cenário internacional,
não há conexão natural entre prospecção, planejamento e
tomada de decisão. E tampouco há, necessariamente, o
efeito virtuoso de coordenação sobre o sistema de inovação. Na prática, as abordagens metodológicas têm dificuldade para concretizar esses saltos. Isso reforça a importância de se ampliar o entendimento conceitual do que
significa, hoje, fazer prospecção tecnológica, para que se
reformulem as abordagens metodológicas vigentes que,
em sua esmagadora maioria, apenas tangenciam as questões realmente importantes para a política e a gestão da
inovação.
ESBOÇO PARA UM ESQUEMA ANALÍTICO
Nessa seção, é proposta uma primeira tentativa de construção de um esquema analítico para estudos prospectivos.
O objetivo é duplo: caracterizar os estudos de modo a
permitir a identificação de correlações entre objetivos,
padrões metodológicos, tipos de organizações envolvidas
como atores e, finalmente, as áreas e formas de conhecimento consideradas; e medir o impacto dos estudos
prospectivos na organização da inovação.
Por meio dessa análise, espera-se aprofundar o entendimento dos nexos conceituais e metodológicos da função estruturante da prospecção tecnológica, assim como
fornecer indicadores que permitam a seus executores melhor orientá-la nesse sentido.
Desse modo, para a caracterização dos estudos
prospectivos, não obstante a já clássica tipologia propos-
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ESTUDOS P ROSPECTIVOS E A ORGANIZAÇÃO
ta por Martin e Irvine (1989), há especial interesse em
certos aspectos qualificáveis e quantificáveis dos exercícios prospectivos. O esquema analítico considera importante a associação de escalas de medida às variáveis consideradas, para permitir a identificação de correlações e
padrões que poderão gerar conclusões interessantes.
Assim, para a caracterização dos exercícios prospectivos, consideram-se quatro variáveis:
- A aderência do objetivo do exercício prospectivo aos
seguintes objetivos gerais e não excludentes (escala –
nenhuma; implícita; marginal; explícita): a) prospecção
de áreas de conhecimento e tecnologias emergentes; b)
identificação de tecnologias críticas para cadeias produtivas; c) prospecção voltada para problemas sociais ou
ambientais; d) identificação de competências essenciais;
e) definição de prioridades; f) formação de redes de pesquisa voltadas para problemas.
S ISTEMAS
DE
...
diretos do exercício prospectivo, palpável e quantificáveis
no tempo e no espaço: visões de futuro, previsões,
prioridades, encontros e discussões. Esses objetos em si
não interessam diretamente para este esquema analítico.
Os “impactos” vêm depois dos resultados: são os efeitos
que a existência desses objetos provocam em outras
estruturas. Para a análise proposta, o que interessa são as
transformações que ocorrem em estruturas-chave para a
organização da inovação.
Desse modo, foram escolhidos três importantes elementos para descrever tal processo: o efeito sobre a coordenação entre os atores, o efeito sobre o aprendizado e
o efeito sobre a evolução da estrutura do conhecimento.
Para cada um desses impactos, foram selecionados três
indicadores mensuráveis qualitativamente ou quantitativamente:
- Efeitos sobre a coordenação entre atores: a) intercâmbio de recursos humanos (mostrando a existência de agendas comuns ou complementares); b) redução dos custos
de transação para a difusão de tecnologia e circulação de
conhecimento; c) aumento e perenidade dos investimentos para pesquisas a longo prazo.
- As técnicas utilizadas para compor a metodologia (escala – forma clássica; modificada; associada a x, associada a y, etc.4 ): a) Delphi; b) cenários; c) painéis de atores
(plataformas); d) extrapolação de séries temporais; e)
modelos de simulação dinâmica; f) análise morfológica;
g) métodos multicritérios; h) mineração de dados ou textual; i) evolução de mapas de conhecimento e monitoramento tecnológico.
- Efeitos sobre o aprendizado: a) institucionalização da
função prospectiva nas organizações; b) aumento nos registros de patentes e publicações em temas prioritários;
c) novos arranjos organizacionais para a produção de conhecimento e tecnologia.
- A estrutura institucional do estudo se dá entre os seguintes atores (escala – não participam; quantos indivíduos têm participação passiva; quantos indivíduos têm
participação ativa; quantos indivíduos podem ser considerados decisores): a) empresas; b) universidades; c) institutos de pesquisa; d) organizações da sociedade civil;
e) agências regionais de fomento e planejamento; f) agências nacionais de fomento e planejamento; g) agências
supranacionais de fomento e planejamento; h) mídia;
i) indivíduos sem vínculo formal com as organizações anteriores.
- Efeitos sobre a estrutura do conhecimento: a) aumento
do número de projetos de pesquisa inseridos em contextos de aplicação; b) aumento de projetos de pesquisa e de
publicações conduzidos em redes multiinstitucionais;
c) aumento do número de cursos multidisciplinares.
Essa estrutura de impactos pode ser modelada de modo
hierárquico e agregada a partir de funções de valor aditivas.
Um modelo dessa natureza requer ainda alguns parâmetros
auxiliares para uma interpretação mais realista do impacto de cada estudo prospectivo. Entre eles, coeficientes de
ponderação da importância de cada indicador e efeito e
coeficientes de credibilidade para cada indicador – uma
vez que nem sempre a existência do impacto pode ser integralmente atribuída à existência de um exercício em
particular.
Como foi destacado no início desta seção, esta proposta
analítica ainda é fruto de um esforço inicial de construção. A abordagem que se pretende seguir é a de ampliar o
entendimento estrutural e funcional dos exercícios de
prospecção em sua relação com a organização dos siste-
- A estrutura cognitiva do estudo refere-se a (escala – não
se refere; refere-se um pouco; refere-se bastante; referese quase/ou exclusivamente): a) demandas dos usuários;
b) gargalos de cadeias produtivas; c) problemas sociais
ou ambientais; d) condicionantes do futuro e causalidades; e) projetos ou programas científicos ou tecnológicos;
f) disciplinas; g) técnicas ou tecnologias gerais; h) profissões.
Para medir os impactos sobre a organização da inovação
é importante, antes, fazer a distinção entre os conceitos
de impacto e de resultado. “Resultados” são os produtos
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NOTAS
mas de inovação, mais do que a de determinar um conjunto de quesitos para julgá-los ex post em sua efetividade,
embora isso também seja possível. A característica processual e perene que cada vez mais se imprime às atividades prospectivas exige que sejam criados mecanismos de
ajuste e atualização, uma vez que um indicador de sucesso é a própria mudança do contexto institucional em que
elas ocorrem. O tipo de análise que este artigo propõe vai
nessa direção.
Este artigo faz parte da pesquisa Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação – Geopi do Departamento de Política Científica e Tecnológica – DPCT/IG da Unicamp com financiamento da Finep.
1. Cf. Whitehill (1996) para uma breve revisão da evolução dos
conceitos e para conhecer os autores mais importantes que adotaram essa perspectiva.
2. Uma revisão bastante completa sobre essa febre prospectiva pode
ser realizada a partir de OCDE (1996), Gavigan e Scapolo (1999) e
Johnston (2002).
CONCLUSÕES
3. Para o autor, as obras de ficção científica exerceriam uma forte influência na percepção social sobre o futuro das tecnologias. Cita o caso
do projeto Guerra nas Estrelas do governo Reagan nos EUA e as previsões sombrias atribuídas à biotecnologia. A engenhosidade terrorista de 2001 pode também ter sido inspirada pela ficção.
Johnston (2002) assinala que é difícil generalizar a
experiência de prospecção dos diferentes países, que os
países em desenvolvimento tendem a mimetizar os exercícios dos desenvolvidos e que por isso não são tão bemsucedidos. Acrescenta que é preciso metodologias e abordagens próprias. É certo que há uma concepção de
procedimentos que têm aplicação geral, mas não é menos
certo que as distintas realidades de países, regiões e organizações contribuem para a definição de metodologias
específicas.
Em qualquer ambiente complexo, o velho e o novo não
se dissociam, as percepções e interpretações tributárias a
ambos convivem lado a lado, por vezes durante longo tempo. Dependendo do quadro institucional vigente, ambigüidade e incerteza assumem dimensões particulares. E
esse é um bom ponto de partida quando se pretende instituir a prática do planejamento e da prospecção. Organizar sistemas de inovação significa mexer com ambientes
complexos. É tarefa de longo prazo que combina atores
diferentes e suas diferentes perspectivas. Mais que isso: é
tarefa balizada por alvos em constante movimento. É,
portanto, uma atividade permanente. Os princípios do
foresight (os 5Cs) são especialmente importantes, em todos os níveis: macro, meso e microinstitucionais. Criar
uma cultura que incorpore esses princípios especialmente
uma cultura voltada à formação de canais de comunicação, de planejamento participativo entre os diversos atores dos sistemas de inovação –, é o desafio maior da
estruturação da política de inovação, seja no nível
microinstitucional (organizações de pesquisa, firmas, etc.),
seja no mesoinstitucional (arranjos produtivos locais, sistemas locais), seja ainda no plano macroinstitucional (sistema nacional de inovação e seus componentes no âmbito
federal).
4. As variáveis internas x, y, etc. referem-se às demais técnicas em
suas formas clássicas e podem assumir valores de 0 a 9. O comprimento do vetor de dados será definido pelo caso que contar mais associações na amostra considerada.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 115-121, jan./mar. 2005
DE
Artigo recebido em 18 de fevereiro de 2005.
Aprovado em 22 de março de 2005.
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FÁBIO DUARTE
CIDADES INTELIGENTES
inovação tecnológica no meio urbano
FÁBIO DUARTE
Resumo: Neste artigo analisa-se como o desenvolvimento dos pólos de inovação tecnológica pode ser incorporado nos processos de gestão urbana, especialmente em projetos de recuperação de áreas urbanas.
Palavras-chave: Inovação tecnológica. Arranjos produtivos locais. Gestão urbana.
Abstract: In this article we analyze how the development of regions of technological innovation within the
cities can be appropriated into the urban management process, making these innovation poles catalytic to
projects of recovery of urban areas.
Key words: Technological innovation. Local productive arrangements. Urban management.
O
s pólos tecnológicos são comumente analisados
pela inserção de processos produtivos inovadores, pela articulação de atores científicos, empresariais, financeiros e políticos e pelos arranjos econômicos locais. Grande parte desses pólos é implantada em meios
urbanos que, por despreparo ou desarticulação dos organismos públicos locais, da iniciativa privada e dos centros
de pesquisa, perdem oportunidades de torná-los catalisadores de requalificação de áreas urbanas.
Destacam-se, nesta análise, os aspectos dos processos
de inovação que trazem conseqüências para a gestão urbana, buscando saber como é possível otimizar valores
de um contexto urbano central de modo a atrair a implantação de um pólo de inovação tecnológica e torná-lo, ao
mesmo tempo, catalisador de requalificação urbana.
Como estudo de caso, tomou-se a Cidade Multimídia,
desenvolvida a partir de 1998 em região central degrada-
da de Montreal. Para isso, analisaram-se seus planos de
implementação tecnológica, econômica, política e urbana; foram realizadas visitas técnicas à região; entrevistaram-se responsáveis por órgãos públicos, empresas e institutos de pesquisa envolvidos e estudou-se material
científico e jornalístico, em que especialistas debateram
o assunto.
O foco de todos os esforços se manteve nas estratégias
urbanas adotadas para a implantação do pólo e nos instrumentos decisórios e de gestão envolvendo as empresas, a universidade e a cidade, resultando em uma análise
dos impactos sociais, culturais e urbanos conseqüentes do
processo de planejamento e implantação adotado.
Demonstra-se que a articulação de políticas nacionais
e provinciais com objetivos claros de desenvolvimento
socioeconômico ligado a um ramo tecnológico inovador,
o diagnóstico de oportunidades de mercado e o envol-
122
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO
bretudo aqueles ligados ao desenvolvimento de produtos
tecnológicos digitais. Se Manuel Castells (1996, p. 375)
afirma que “o espaço de fluxos substitui o espaço dos lugares”, que continuariam importantes para a concretização
de transformações econômicas globais mas perderiam seu
significado cultural, geográfico e histórico, Félix Guattari
(1986) ressalta que as cidades perderiam sua importância
por qualidades particulares para se converterem em nós
de uma rede multidimensional de processos técnicos, científicos e artísticos, mas concentrariam e atrairiam as
pessoas responsáveis pela “produção da subjetividade”,
isto é, pela germinação da criatividade cultural, tecnológica
e econômica que animaria a sociedade informacional.
As cidades, assim, mantêm seu papel por serem “formadas e formadoras da diversidade, atratoras e dispersoras
de valores que nelas se transformam” (DUARTE, 2002).
E tais qualidades, que mais que se perpetuam, revigoramse em alguns lugares, são o destaque que Peter Hall (1995)
coloca à luz ao dizer que Londres, Paris, Barcelona, Milão ou Roma (restringindo-se ao continente europeu) são
importantes dínamos sociais há mais de 2 mil anos, cuja
força está tanto em possíveis características físicas quanto na dinâmica de fatores políticos, culturais, econômicos, financeiros, sociais e técnicos. Assim, as empresas e
pessoas inovadoras dependem de um ambiente informacionalmente rico e esse ambiente está intimamente ligado
às qualidades do contexto urbano.
Com essa análise, busca-se responder à primeira pergunta que guia este estudo, destacando a importância permanente das cidades na rede de fluxos, dentro da sociedade da informação.
Passa-se, então, à segunda questão: como as cidades
podem propor planos para usufruir a instalação de empresas da economia de informação em benefício a uma
região urbana?
vimento da escala municipal na atração de determinado tipo
de empresa para uma região específica da cidade e na articulação com outros atores, como investidores imobiliários e universidades, podem fazer com que, mais do que
apenas um receptáculo, a cidade torne-se a catalisadora
do desenvolvimento de um pólo tecnológico inovador –
tanto pela economia tecnológica quanto pela recuperação
de um contexto urbano.
A CIDADE NA SOCIEDADE INFORMACIONAL
Parte-se da reflexão de que a sociedade contemporânea é construída com base nas tecnologias de informação,
responsáveis tanto pelos produtos característicos da época – sejam eles independentes (como softwares), parte de
produtos tecnológicos (de veículos a eletrodomésticos) ou
commodities (alimentos geneticamente modificados) –
quanto pelos processos de fabricação e gerenciamento de
produção, distribuição e venda dos produtos (CASTELLS,
1996; SANTOS, 1996). Nessa sociedade, caracterizada
pelos fluxos de informação organizados em redes flexíveis e mutantes, colocam-se duas questões:
- Qual a importância das cidades, lugares geograficamente
determinados, na comunidade de fluxos, dentro da sociedade da informação?
- Como as cidades podem propor planos para usufruir a
instalação de empresas da economia de informação em
benefício de uma região urbana?
A sociedade informacional abre mão da proximidade de
fontes de matéria-prima, fontes de energia, mão-de-obra
abundante e mercado consumidor contíguo (PORTER,
1993; MUMFORD, 1982). No início da industrialização, a
necessidade de matéria-prima e fontes de energia em locais
adjacentes impulsionou o desenvolvimento de regiões
industriais nas cercanias de minas de carvão (energia) e de
minérios (matéria-prima). As cidades tornaram-se, então,
organização ideal para o provimento de mão-de-obra ou
mercado – de forma que Henri Lefebvre (1999) prognosticou que o fenômeno urbano tenderia a ser universal,
estando na base, portanto, de importantes discussões futuras
de Manuel Castells (Sociedade da Informação) e Saskia
Sassen (Cidades Mundiais), por exemplo.
Porém, a economia de base informacional e os arranjos geopolíticos contemporâneos tendem, de um lado, a
tornar as indústrias independentes de proximidade com
insumos físicos ou reserva de mão-de-obra e, de outro, a
facilitar a circulação de mercadorias e profissionais – so-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
OS AGLOMERADOS E O MEIO URBANO
A constituição de pólos tecnológicos é um dos primeiros arranjos urbanos próprios da sociedade da informação. A exemplo de Silicon Valley, nos Estados Unidos,
ou Sophia-Antipolis, na França, os primeiros pólos
tecnológicos foram implantados a distâncias médias de
grandes centros urbanos e foram, até certo ponto, responsáveis pelo desenvolvimento de suas respectivas regiões
(CASTELLS; HALL, 1994).
A concentração de fatores positivos para o desenvolvimento tecnológico está ligada a um conjunto de aspec-
123
FÁBIO DUARTE
- condições empresariais favoráveis, com procedimentos
administrativos simplificados e eficientes;
tos políticos, intelectuais, financeiros, tecnológicos, sociais e culturais. Os lugares que os possuem articulados
podem ser considerados “informacionalmente ricos”. A
partir dos anos 70, início do desenvolvimento do que ora
se chamam tecnologias de informação, o modelo nacional foi substituído por outro, o das regiões, onde se desenvolveram os tecnopolos, formados nas proximidades
de cidades que possuíam atrativos econômicos e culturais,
mas com estrutura urbana independente, e que serviam,
como escreveram Georges Benko e Alain Lipietz (2000),
como articulação entre as economias nacional e internacional.
Philippe Aydalot (1985) analisa que desde os anos 80
as inovações tecnológicas privilegiam um desenvolvimento
descentralizado em que os atrativos das cidades (e não mais
as nações ou macrorregiões infranacionais) têm força para
imantar empresas inovadoras. Poder-se-ia dizer que isso
ocorre tanto por sua base tecnológica, social e intelectual
mais maleável a essas transformações quanto pela autonomia (relativa às organizações territoriais maiores) que
têm para se colocarem na rede de inter-relações comerciais e intelectuais do espaço de fluxos.
Nos últimos anos, exemplos como os ambientes inovadores de Nova Iorque e Montreal demonstram que um
número crescente de pólos tecnológicos é implantado em
regiões internas ou centrais nas cidades, tendo, portanto,
ligação estreita com a dinâmica socioeconômica e política urbana.
Para analisar a dinâmica econômica dos pólos tecnológicos, Michael Porter (1999, p. 211) define como aglomerados as “concentrações geográficas de empresas e indústrias concorrentes, complementares ou interdependentes que realizam negócios entre si e/ou possuem
necessidades comuns de tecnologia, pessoas, infra-estrutura”, com cinco principais características que beneficiariam as empresas participantes:
- acesso a insumos e pessoal especializado;
- ambiente propício à inovação, indo da infra-estrutura
à diversidade cultural;
- iniciativas locais, advindas da comunidade local e regional.
Essas duas perspectivas podem ser complementares,
mas apresentam dois enfoques que merecem ser destacados: Porter atém-se aos aspectos internos do pólo, às características que otimizariam os arranjos produtivos locais, enquanto Spolidoro trata das características do
contexto onde os pólos podem surgir e vingar. Esses dois
pontos de vista, complementares, estão sempre presentes
na literatura sobre os aglomerados e sinalizam uma possível ordem para a efetivação de um pólo tecnológico, que
seria:
- conjunto de qualidades infra-estruturais, científicas,
socioeconômicas e políticas, pré-existentes ou induzidas
em uma região, que cria condições para a implantação de
um pólo;
- conjunto de apoios e instrumentos institucionais na região que facilite a organização empresarial a fim de
otimizar os arranjos produtivos do pólo.
Do modelo de complexos industriais (como Silicon
Valley, Estados Unidos), às cidades da ciência, aos parques tecnológicos (como Sophia-Antipolis, França) e às
tecnópoles (Japão), em todos os casos Castells e Hall
(1994, p. 31-33) mostram que o foco está na consolidação ou constituição de condições favoráveis ao desenvolvimento de pólos tecnológicos cujas externalidades à região contígua estão, sobretudo, voltadas ao crescimento
industrial e econômico.
Todos, porém, apontam que as sinergias ótimas que
impulsionariam os pólos não devem se restringir às empresas envolvidas diretamente na cadeia de produção; ou
seja, além das relações mais imediatas entre as empresas
envolvidas no desenvolvimento de um mesmo produto, os
aglomerados1 possibilitam as cadeias produtivas paralelas e se beneficiam delas. Tais cadeias vão desde a realização de pesquisas agrícolas e a indústria de equipamentos até a consolidação do mercado turístico e gastronômico
e de centros universitários.
Apesar disso, o que se vê na literatura é que essas
complementaridades estão sempre voltadas à otimização
produtiva dos diferentes arranjos e setores econômicos.
Maria Elizabeth Lunardi (1997) elenca as três principais
características de um parque tecnológico implantado em
- acesso a informações técnicas e de mercado;
- complementaridade entre negócios;
- acesso a instituições e bens públicos, o que reduziria,
entre outros, os custos com treinamentos;
- incentivos e mensuração de desempenho.
Também são cinco as condições apontadas por Roberto
Spolidoro (1997) como necessárias para a efetivação de
uma tecnópole:
- instituições de ensino superior e de pesquisa;
- mercado e políticas governamentais;
124
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO
presas ligadas à tecnologia, seja na aquisição de novos
processos e produtos, seja na abertura de mercado. Mesmo com essa influência direta no desempenho das empresas, as escalas nacional e local também têm papel fundamental no seu desenvolvimento – e como já se ressaltou,
a inovação tecnológica está fortemente atrelada ao ambiente em que as empresas estão inseridas (PORTER,
1999; SPOLIDORO, 1997), onde se materializam um
possível ambiente institucional propício à inovação e redes formais e informais entre empresas do mesmo setor.
Nesse sentido, Joe Tidd, John Bessant e Keith Pavitt
(1997) consideram que os fatores mais influentes no sucesso do setor industrial ligado à inovação tecnológica são
a posição em relação aos competidores e a existência de
um sistema nacional de inovação. O primeiro indício do
sistema nacional pode ser visto pelo porcentual do PIB
ligado à pesquisa e ao desenvolvimento – P&D. O Japão,
por exemplo, apresentou crescimento de 0,85% do PIB
ligado a P&D, em 1967, para 1,9%, em 1993. Nos Estados Unidos, essa taxa passou, no mesmo período, de 0,99%
para 1,45%; e no Canadá, esses números foram de 0,40%
a 0,58%.
meio urbano: as ligações formais com universidades e instituições de pesquisa; o crescimento de empresas de outras bases tecnológicas implantadas na região; a coordenação por entidade com funções gerenciais, estimulando
ações voltadas à capacitação das empresas do pólo e também das outras instaladas na região. Em se tratando de
pólos inseridos em meio urbano, as ações urbanísticas estão
comumente voltadas à preparação do terreno para atrair e
otimizar os arranjos produtivos, com raras exceções prognosticando as conseqüências da implantação dos pólos
como fomento de novas ações de política urbana.
Tendo-se destacado que as cidades têm um papel fundamental como ambiente informacionalmente rico e propício ao desenvolvimento de pólos de inovação, colocase a pergunta: quais medidas de planejamento e gestão são
possíveis para otimizar valores de um contexto urbano
central de modo a atrair a implantação de um pólo de inovação tecnológica e torná-lo, ao mesmo tempo, catalisador
de requalificação urbana?
ESTUDO DE CASO: CIDADE MULTIMÍDIA,
MONTREAL
TABELA 1
No final da década de 90, a província de Quebec, no
Canadá, iniciou a implementação de uma grande política
de desenvolvimento tecnológico com um diferencial importante: seu vínculo estreito com o desenvolvimento de
áreas urbanas centrais que passavam por um processo de
degradação.
Atento às oportunidades globais do mercado de
software, à fuga de talentos jovens da área de informática
para os Estados Unidos e ao potencial tecnológico interno existente, o governo do Quebec lançou no início de
1997 a política dos Centros de Desenvolvimento de
Tecnologia de Informação – CDTI, apoiada em medidas
legais e financeiras. Em menos de um ano, mais de 200
empresas já haviam se cadastrado no programa.
Antes de partir para o estudo de caso da Cidade
Multimídia, de Montreal, é importante entender a posição do Canadá em relação aos parâmetros de inovação
tecnológica no mundo, sua indústria interna e a decisão
política de privilegiar esse setor.
PIB Investido em Pesquisa e Desenvolvimento
Países selecionados da OECD – 1999
Em porcentagem
País
Suécia
3,80
Japão
3,04
Estados Unidos
2,64
Alemanha
2,44
França
2,17
Reino Unido
1,87
Canadá
1,77
Itália
1,04
Fonte: OECD (2001).
Comparando os dados anteriores de Japão, Estados
Unidos e Canadá com os da Tabela 1, percebe-se que houve
crescimento expressivo de investimentos em P&D em todos os países, sendo que a média dos países desenvolvidos é de 2,2% (CALAMAI, 2002).
A defasagem dos investimentos canadenses levou o
governo a criar o programa Innovation Strategy, que almeja elevar o índice de investimento em P&D à casa dos
3% até 2010 – chegando a taxas similares às projetadas
Inovação Tecnológica – Fatores Institucionais
e Territoriais
É certo que o mercado global e interconectado é uma
realidade cada vez mais presente nas diretrizes das em-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
PIB Investido em P&D
125
FÁBIO DUARTE
para os países que mais investem em tecnologia (Finlândia, Islândia, Suécia, Japão e Estados Unidos) e também
ao compromisso assumido pelos países da União Européia (CANADÁ, 2002). Esse incremento tem apoio em
programa de governo nacional que envolve também empresas privadas e universidades.
Na província de Quebec, as diretrizes incluem investimento em empresas tecnológicas iniciantes; adoção de
práticas de gestão avançadas; acesso dessas empresas a
serviços especializados de transferência tecnológica; desenvolvimento e marketing para os produtos criados. Todas essas iniciativas passam por uma diretriz governamental geral: a de que “O desenvolvimento de uma cultura de
inovação nos negócios é central para uma visão moderna
do desenvolvimento econômico regional” (CANADÁ,
2002, tradução do autor).
sobretudo pequenas empresas reforça os dados levantados por Stéphane Dion (2001, p. 17), segundo os quais as
parcerias são cruciais nessa área, tanto no desenvolvimento
de produtos, no marketing e nas vendas quanto no acesso
a tecnologia e na distribuição de produtos.
O relacionamento estreito entre as empresas é fundamental para seu crescimento, abrangendo da rivalidade
competitiva à colaboração – critérios importantes para
pesquisa e desenvolvimento de indústrias ligadas à inovação tecnológica estudadas por J. Tidd, J. Bessant e K.
Pavitt (1997). E é nesse sentido que a configuração em
clusters torna-se decisiva (PORTER, 1999). Os clusters
são marcados por proximidade geográfica entre empresas
(fornecedores, indústria e acesso a mercados), autonomia
das indústrias para buscar soluções e criar mercados, independentemente de uma estrutura piramidal de grandes
corporações, e conexões próximas entre as empresas, sejam formais ou informais.
No Canadá, três clusters ligados à indústria multimídia
têm destaque: Vancouver, Toronto e Montreal – não por
acaso, centros de importantes aglomerados urbanos onde
se encontram desde centros de pesquisa e formação de
profissionais das áreas de criação, técnica, administrativa
e marketing, até os principais mercados internos, distribuídos tanto geograficamente (Toronto e Montreal no
extremo leste, Vancouver no extremo oeste) quanto culturalmente (Toronto e Vancouver de cultura anglófona,
Montreal, francófona), como também pela proximidade
com os Estados Unidos.
Assim, a província de Quebec estabeleceu um vínculo
rápido com o mercado francês, tanto pela proximidade
lingüística quanto pela distância de tecnologia de software
(por exemplo, a França vivia os estertores de um sistema
próprio de redes de computadores por via telefônica, o
Minitel). Nessa época, a província de Quebec contava mais
de 3 mil empresas de desenvolvimento de softwares com
produtos nas áreas de comércio, saúde, educação, construção civil, etc.
Em um estudo conduzido pela British Trade International (1999), a indústria multimídia do Quebec aparece como a mais dinâmica e inovadora do Canadá – e a
Cidade Multimídia de Montreal é seu centro. Resgatando as características sintéticas dos clusters, nota-se que
no programa da Cidade Multimídia outros fatores estão
explicitamente presentes. No lado institucional, uma das
características citadas como das mais importantes pelo
seu sucesso, segundo a British Trade International, consiste na articulação de organizações como a Associação
Indústria Multimídia no Canadá
Desde a década de 90 o Canadá vem investindo de modo
sistemático na indústria das tecnologias de informação e
um dos destaques é a indústria multimídia, que pode ser
considerada uma combinação da indústria cultural e de
entretenimento com a indústria da informática e abrange
desde o desenvolvimento de equipamentos eletrônicos e
programas específicos a design de portais web e jogos
eletrônicos.
O desenvolvimento dessa indústria conta com uma base
consumidora nacional crescente. De acordo com pesquisa da consultoria ACNielsen (1999), realizada entre 1996
e 1999, sabe-se que 11% de canadenses efetuaram compras on-line em 1996, número que chegou a 25% em 1999.
As empresas privadas são os maiores consumidores da
indústria multimídia, seguidas da educação, que gera 20%
da receita dessa indústria, os consumidores individuais
(13%) e o governo (10%). Um detalhe importante é que
53% das empresas também vendem seus produtos para os
Estados Unidos.
Os créditos governamentais auxiliam no desenvolvimento de dois terços das empresas e crescem a oferta e a
procura por crédito internacional – considerado estratégico por 61% das empresas.
Uma de suas principais características é a configuração em micro e pequenas empresas, sendo que 37% têm
menos de 5 empregados, 40% entre 6 e 25 e 6% contam
com mais de 100 trabalhadores, sendo que as principais
funções são de criação (26% dos empregados), técnicos
(22%) e administração e vendas (20%). O fato de haver
126
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CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO
de Produtores de Multimídia do Quebec – APMQ, o Centro de Promoção do Software do Quebec – CPLQ e a
Alliance NumeriQC, que dão suporte para o desenvolvimento e a promoção das empresas ligadas a multimídia.
Quanto à autonomia das empresas, o programa de incentivos do Centro de Desenvolvimento de Tecnologias de
Informação – CDTI tem como pré-requisito que as integrantes sejam novas, portanto com liberdade de decisão,
sem passar por grandes corporações. Ademais, as trocas
de informações em ambientes informais estão suportadas por um empreendimento urbanístico que privilegia a
mistura de usos em uma área restrita, de unidades das
universidades locais aos edifícios de escritório, dos cafés aos edifícios residenciais. Isso propicia um convívio
intensivo entre os profissionais, por concentrar as empresas da área multimídia em um mesmo setor, como
também um convívio extensivo, pela diversidade de usos
que proporciona justamente a troca de informações em
âmbito informal.
Os benefícios fiscais:
- cinco anos de isenção de impostos sobre lucro, capital
e para o fundo de saúde dos empregados;
- 40% de abatimento como crédito em taxas ligadas aos
salários dos empregados;
- 40% de abatimento como crédito em taxas ligadas a
compra ou aluguel de equipamentos especializados.
Para ter acesso ao programa, as empresas deveriam:
- submeter projeto enquadrado em setor emergente da indústria das tecnologias de informação e comunicação
(multimídia, software, telecomunicações, etc.);
- comprometer-se em desenvolver expertise em sua área
de atuação;
- ser novas e ter como único negócio o desenvolvimento
de projetos de inovação tecnológica;
- desenvolver todas ou quase todas as atividades nos locais indicados;
- realizar atividades que gerassem novos negócios para a
província de Quebec.
Cidade Multimídia – Base Institucional
Foram considerados projetos inovadores:
- investigação com objetivo de formar novos conhecimentos técnicos ou científicos;
A Cidade Multimídia2 poderia ser segmentada em três
principais itens: a) um programa de ajuda fiscal a empresas ligadas às novas tecnologias; b) uma sociedade imobiliária destinada à construção de escritórios; c) um projeto urbanístico para recuperar um antigo bairro industrial
de Montreal.
O programa de ajuda fiscal exibia um caráter eminentemente do governo da província, para alavancar a indústria ligada às tecnologias de informação, em especial a
multimídia, de telecomunicações, de sistemas de informação e de software, sob coordenação do organismo
Investissement Québec (www.invest-quebec.com/en/
accueil.jsp).
Iniciado em 1997 e concluído em 2003, o programa
institucional do CDTI foi destinado às empresas ligadas
à inovação tecnológica e teve o objetivo explícito de
- pesquisa aplicada, com objeto claro e aplicação prática, ou pesquisa pura;
- ou ainda a estruturação comercial de conhecimentos e
inovações tecnológicas prévias que ainda não estivessem
no mercado.
Os empregados contados para os benefícios fiscais deveriam ter as seguintes características:
- contrato de pelo menos 26 horas semanais, por um período mínimo de 40 semanas;
- função que permitisse sua especialização em um setor
emergente;
- no mínimo 50% do tempo de trabalho cumprido na
empresa;
reunir corporações em edifícios específicos para encorajar
a criação de redes tecnológicas para maximizar a sinergia
e cooperação e ao mesmo tempo oferecer-lhes facilidades
adaptadas às suas necessidades (QUEBEC, 2003).
- no mínimo 90% do horário de trabalho envolvido nos
projetos de inovação.
Em Montreal, o programa dedicou-se especialmente às
empresas emergentes ligadas à indústria multimídia, daí
Cidade Multimídia para a região onde foi implantado.
Na Cidade Multimídia, 46% das empresas estão voltadas ao desenvolvimento e design em multimídia, 13% são
provedores de Internet, 17% dedicam-se ao desenvolvimento de equipamentos e softwares e 32% são de servi-
Foram designadas cinco localidades onde os centros
se desenvolveriam: Gatineua, Sherbrooke, Laval, Quebec
e Montreal. Seguem as principais características desse
programa institucional de incentivo à inovação tecnológica.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
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FÁBIO DUARTE
novas mídias tendem a buscar localização mais central” do
que as grandes indústrias que requeriam grandes plantas
industriais.
Uma das diretrizes do programa CDTI é instalar essas
empresas em edifícios desocupados em áreas urbanas centrais, que costumam ter infra-estrutura disponível (não só
eletricidade, água, esgoto, mas também cabeamento óptico,
retransmissores celulares, etc.), são servidas por transporte
público de massa e possuem redes de equipamentos urbanos complementares (de cafés a faculdades). Todavia, elas
passam por um processo de esvaziamento crescente – e
quando são recuperadas, na maioria das vezes é com expressivo montante de dinheiro público com empreendimentos que formam edificações, mas raramente conseguem
trazer ocupantes constantes e diversificados (empresas,
comércio e habitação) de volta às áreas centrais.
Nos 121 mil metros quadrados de escritórios da Cidade Multimídia trabalham mais de 6 mil pessoas, com
idade média de 32 anos e salários acima da média de
Montreal. Unidades das principais universidades da cidade foram inauguradas ou ampliadas na região e a chegada desses trabalhadores e estudantes impulsionou o
mercado imobiliário residencial a construir cerca de 500
unidades habitacionais onde vivem aproximadamente 800
pessoas – além de dezenas de empreendimentos comerciais e de serviços (de restaurantes a oficinas gráficas)
que se instalaram dando apoio cotidiano à Cidade
Multimídia.
Tanto por meio dos incentivos fiscais quanto na recuperação de áreas urbanas, o governo investiu milhões de
dólares. Se já de início tais medidas provocaram reação
negativa de setores da sociedade (de jornalistas a pesquisadores), tal fato se agravou com o estouro da bolha
ponto com, no início dos anos 2000. As críticas foram
ferozes, mas circunstanciais: entre o estouro da bolha e
o abalo do modo de sustentação tecnológica da sociedade contemporânea, apenas alguns anos foram necessários para que a retomada econômica se apresentasse vigorosa. Assim, a previsão do governo de Quebec de
investir na consolidação da Cidade Multimídia por dez
anos, quando os edifícios deveriam ser vendidos, foi antecipada. Em 2004 (seis anos após o lançamento do programa), sete das oito fases do empreendimento foram vendidas à iniciativa privada por quase 150 milhões de dólares
canadenses. Tal valor superou o investimento governamental, lembrando que a cidade ainda recolhe mais de CN$
7 milhões anuais de impostos com esses edifícios (LE
DEVOIR, 2004).
ços. Hoje, trabalham nesse pólo mais de 6 mil pessoas nos
121 mil m2 de edificações para escritórios, com salários
médios 50% superiores aos da média de Montreal; de 700
a 800 pessoas vivem nos edifícios residenciais construídos
ou revitalizados no bairro histórico, que tem sua recuperação quase completa.
A articulação entre organismos públicos, privados e
setoriais teve como principais participantes os seguintes
atores e atividades:
- Cité Multimédia, promotor imobiliário;
- Cidade de Montreal, especialmente pelos organismos
SDM, sociedade paramunicipal; SITQ, banco de investimentos; SOLIM, fundo dos trabalhadores de Quebec;
- governo de Quebec, com Investissement Québec, programa de apoio fiscal; Ministério do Meio Ambiente, para
recuperação de terrenos contaminados na área portuária e
industrial; Ministério de Assuntos Municipais e Metropolitanos, com investimento em infra-estrutura;
- organismos sem fins lucrativos, como CEIM, incubadora de empresas, e Quartier Éphémère, que se encarregou da recuperação e transformação da Fundição Darling
em centro de artes;
- sociedades privadas, como Gueymard e McGill, com
projeto para a Universidade McGill, e Prével, com o projeto Quai de la Commune.
Processo Urbano da Cidade Multimídia
New ideas need old buildings.
Jane Jacobs
Com as mudanças tecnológicas no complexo industrial
(da produção aos meios de distribuição, dos produtos aos
mercados), várias indústrias importantes deixaram a cidade de Montreal, instalando-se na vizinha Laval, junto
às rodovias – o mesmo padrão de implantação regional e
urbanístico encontrados em parques industriais ao redor
do mundo (ROBITAILLE; ROY, 1998).3
Como as novas empresas ligadas às tecnologias de informação não produziam máquinas, não encontravam brechas para se aproveitar dos incentivos fiscais e também
não usufruíam a sinergia científica e tecnológica dos parques industriais – um dos quesitos de sucesso dos aglomerados. Elas foram, então, abrindo mão dos parques industriais e instalando-se em outras regiões urbanas.
Como notaram Éric Robitaille e Philippe Roy (1998,
tradução do autor), “as empresas do setor de multimídia e
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CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO
nal – indústrias e depósitos abandonaram os galpões e
barracões que ocupavam, instalando-se alhures.4
Apesar desse esvaziamento, o bairro é adjacente ao
centro histórico de Montreal (Vieux-Montréal). Com suas
docas recuperadas com museus, circos, bares, etc., ele
recebe milhares de turistas anualmente, além de abrigar o
distrito financeiro e administrativo da cidade. Portanto,
Faubourg apresentava dezenas de edifícios vazios em região bem servida de infra-estrutura e serviços urbanos.
Várias tentativas governamentais de recuperação foram
feitas em vão. Atentos às qualidades urbanas da região,
no final dos anos 90 havia no bairro cerca de 150 pequenas empresas ligadas a moda, design, publicidade e à
incipiente indústria multimídia.
Dessa forma, a escolha do bairro para se tornar a Cidade Multimídia atrelou ganhos tecnológicos e econômicos
aos urbanos. As empresas que ali se instalaram, além de
incentivos fiscais desde que cumprissem regras de formação e retenção de talentos científicos, artísticos e tecnológicos, beneficiaram-se também de um contexto urbano
bem servido de infra-estrutura e serviços. Em contraponto,
a cidade de Montreal viu um bairro central em processo
de esvaziamento ser revigorado com custo que seria pago
em período máximo de dez anos (como já esclarecido, isso
aconteceu antes).
O governo de Quebec (por meio de agências de capital
misto) investiu não apenas no fomento de um segmento
econômico, mas também em um projeto de reestruturação
urbana. Por conseguinte, não parece conveniente argumentar sobre as políticas de incentivos estritamente por seus
aspectos tecnológico e econômico: os custos de recuperação do bairro Faugbourg des Récollets hora ou outra
incidiria exclusivamente como despesa nas finanças públicas (raros são os projetos de recuperação de áreas centrais onde o poder público não é o grande, senão único,
financiador).
Além disso, os incentivos e investimentos do governo
na Cidade Multimídia referiram-se exclusivamente às
empresas ligadas à atividade fim (desenvolvimento de
aplicativos multimídia), não abarcando todas as demais
que se instalaram na região, dando apoio às empresas e
aos profissionais que passaram a viver no bairro, dos restaurantes aos empreendimentos residenciais, das unidades
universitárias aos prestadores de serviços gráficos e às
galerias. Enfim, empresas, empregados, prestadores de
serviços, estudantes e moradores que passaram a vivenciar
a região 24 horas por dia, sete dias por semana. A
revitalização do bairro, do ponto de vista arquitetônico,
Tais benefícios financeiros deveriam ganhar relevância
por serem provenientes de um desenvolvimento
tecnológico de incentivo à retenção de talentos e de formação e consolidação de empresas locais de desenvolvimento de software. Há, contudo, um outro benefício que
constitui o motivo pelo qual a Cidade Multimídia é estudada neste trabalho: os aspectos urbanos do projeto, articulando os desenvolvimentos tecnológico, científico e
urbanístico da cidade.
Política Tecnológica e Política Urbana
Comentando as eventuais políticas fiscais do governo de Quebec para incentivar a industrialização, Pierre
Desrochers (2002) combate a idéia de vincular ajuda fiscal à implantação de empresas de tecnologia em determinados locais, ressaltando que se isso implica a concentração de desenvolvimento imobiliário em uma região,
ao mesmo tempo implica o não-investimento (ou mesmo
o esvaziamento e a desvalorização) em outras áreas. Seu
foco principal de crítica são as cidades industriais, que
se distanciam do meio urbano, enquanto algumas áreas
urbanas, pelos seus próprios atrativos e sinergias, apresentam espontaneamente o vicejo de um desenvolvimento
econômico temático, citando, entre sete áreas em Montreal em 1998, a Cidade Multimídia. Não obstante,
Desrochers critica, embasado por outros estudiosos do
desenvolvimento econômico canadense, a “territorialização” de benefícios fiscais: se o foco é incentivar o
desenvolvimento econômico, os incentivos deveriam
valer para as empresas, independentemente das regiões
de implantação.
Entre os dados utilizados por Desrochers e da crítica
por ele formulada, para este estudo torna-se relevante
destacar que: focando apenas o lado econômico do desenvolvimento tecnológico, a localização das empresas cabe apenas a elas; a região que recebeu a Cidade
Multimídia já conhecia uma fomentação de empresas
tecnológicas.
Aqui, discorda-se do primeiro aspecto, visto que, por
vezes, a territorialização induzida traz outros benefícios,
que não se restringem ao setor econômico diretamente
envolvido com as empresas de tecnologia. Para sustentar
tal discordância e apresentar um outro ponto de vista, focaliza-se a região onde a Cidade Multimídia foi implantada: no bairro Faubourg des Récollets, antiga região portuária de Montreal que perdeu importância quando o canal
Lachine foi fechado, causando seu esvaziamento funcio-
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FÁBIO DUARTE
contou com a recuperação de edifícios antigos e construção de novos, em um contraste estimulante entre dois tempos de pujança econômica do local: a região portuária e o
bairro das novas tecnologias.
Nesse sentido, o projeto Cidade Multimídia deve ser
analisado pela diversidade de questões que traçaram seus
objetivos desde o início:
- uma política regional de desenvolvimento tecnológico;
versas fontes, e centrífugo, por emanar esses mesmos elementos pelo espaço.
Algumas cidades elaboraram estratégias para serem
catalisadoras de inovações tecnológicas na sociedade de
informação, articulando atores públicos e privados – órgãos públicos, empresas e universidades. Pode-se dizer
que a constituição de pólos tecnológicos é um dos primeiros arranjos urbanos próprios da sociedade da informação. Se antes a sua maioria era implantada nas regiões
periféricas às cidades, com formato semelhante a parques
industriais, hoje os pólos de inovação, espontâneos ou
induzidos, consolidam-se em áreas urbanas “ricamente
informadas” – com infra-estrutura tecnológica, social,
econômica, cultural e científica.
Os resultados desta pesquisa, utilizando como estudo
de caso a Cidade Multimídia, em Montreal, ampliaram os
parâmetros de análise dos pólos tecnológicos incorporando referenciais estratégicos de gestão urbana, de modo que
as cidades deixem de ser o receptáculo passivo e informe
de atividades econômicas e tecnológicas vigorosas para
se tornarem agentes capazes de oferecer ambiente ativo e
informado para esse desenvolvimento.
A cidade-palco é substituída pela cidade-atriz, que se
envolve em processos de negociação, planejamento e gestão urbana e regional, aliando seus trunfos de catalisadoras
de inovação científica às suas necessidades de recuperação urbanística de determinadas áreas.
Por fim, propôs-se com este estudo que as análises de
aglomerados e pólos não apenas citem os aspectos
locacionais como importantes para o sucesso das sinergias
empresariais, colocando as avaliações sempre do ponto
de vista dos aglomerados, mas ensaie críticas e forme base
conceitual, metodológica e referencial para analisar o
sucesso de arranjos produtivos do ponto de vista das
cidades: como elas tornam-se agentes nesse processo, o
que oferecem, quais benefícios colhem. Enquanto o
sucesso da primeira análise foca os resultados empresariais, a segunda permite ver os resultados urbanos, os quais
se espraiam por segmentos da sociedade que, mesmo não
estando ligados às empresas dos pólos, usufruem seus
ganhos urbanísticos.
- ênfase em um setor da economia tecnológica, cuidando
das sinergias empresariais necessárias;
- aspectos de desenvolvimento humano e científico da
região (com formação e retenção de talentos como parte
das condicionantes à cessão de benefícios às empresas);
- a análise urbana buscando identificar regiões que apresentassem potencial incipiente para esse setor empresarial tecnológico (como visto, foram identificadas sete, em
Montreal);
- a estratégia de usar uma política de desenvolvimento
empresarial tecnológico para catalisar a recuperação de
uma área urbana.
Se os três primeiros itens são comuns às recomendações para o desenvolvimento de pólos tecnológicos, os
últimos itens diferenciam o projeto da Cidade Multimídia
– se não pelo seu caráter inaugural, ao menos pelo sucesso que obteve. Em quase todos os pólos, os motivos de
localização são levantados, mesmo que signifiquem a repetição de modelos tanto empresariais quanto urbanísticos, como a implantação de centros de desenvolvimento
de softwares junto a parques industriais.
Em análise financeira estrita, o investimento pagou-se
alguns anos antes do previsto. Porém, se o espectro analítico fosse ampliado, incluindo a estratégia urbana
subjacente ao empreendimento, um bairro histórico central em decadência, adjacente a áreas nobres, acaba recuperado não apenas pela remodelação de seu conjunto
edilício, mas por, efetivamente, voltar a ser usado pela
cidade, retornando à cena socioeconômica urbana de
Montreal.
CONCLUSÕES
Considerando a reflexão inicial sobre as cidades na
sociedade informacional, o contraponto entre sociedade
de fluxo e localidades fixas não retira do meio urbano o
potencial de ser um dos nós no espaço de fluxos, um dos
dínamos dessa sociedade, pois são ao mesmo tempo seu
pólo centrípeto, por atrair bens, pessoas e signos de di-
NOTAS
1. Os aglomerados, termo usado nas traduções da obra de Michael Porter
e aqui adotado, aparecem também como clusters ou ambientes de inovação.
2. Ver detalhes em: <http://www.citemultimedia.com>.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
CIDADES INTELIGENTES: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO MEIO URBANO
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 122-131, jan./mar. 2005
131
JORGE R UBEN BITON TAPIA
DESENVOLVIMENTO LOCAL,
CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA
a experiência dos pactos territoriais na Itália
JORGE RUBEN B ITON TAPIA
Resumo: O objetivo do artigo é resgatar a trajetória da problemática do desenvolvimento local desde os estudos sobre a industrialização difusa até suas modalidades políticas mais recentes e programas territoriais descentralizados nos anos 90. Do ponto de vista analítico, o artigo procura mostrar o deslocamento conceitual
produzido pela incorporação do tema das estruturas de governança e dos mecanismos de regulação social. Do
ponto de vista empírico, analisa o perfil das intervenções fundadas na lógica da concertação social no caso dos
pactos territoriais na Itália, sublinhando suas inovações, diversidade e o peso das dimensões históricas e político-institucionais.
Palavras-chave: Desenvolvimento local. Concertação social. Pactos territoriais.
Abstract: This paper aims to retake the path of the local development problematic since the studies on diffuse
industrialization until the most recent political modalities and territorial decentralized programs of the 1990´s.
From the analytical point of view, the article aims at showing the conceptual displacement produced by the
incorporation of structure governance issues and social regulation mechanisms. From the empirical point of
view, it analyses the profile of the interventions based on the logic of social concertation in the case of territorial
pacts in Italy, underlining your innovations, diversity and the weight of historical and political-institutional
dimensions.
Key words: Local development. Social concertation. Territorial pacts.
N
- a política regional européia, que procurou estimular o
desenvolvimento local não mais como resgate de situações
históricas bem-sucedidas, mas como o resultado da adoção de novas orientações de políticas públicas e de arranjos institucionais e de interação estratégica entre o público e o privado;
- o surgimento de problemas de saturação no interior dos
distritos industriais ligados a questões ambientais, ao aumento do individualismo em detrimento de estratégias
coletivas, à necessidade de desenhar estratégias inovadoras ante os impactos da globalização e das grandes empresas multinacionais no território.
Do ponto de vista teórico, impõe-se a reflexão que
emerge da imbricação entre a problemática dos distritos
os anos 90, a relevância da temática do desenvolvimento local e das políticas descentralizadas cresceu em razão da estratégia européia de
reforço dos programas de descentralização para as regiões,
do acirramento da competição entre elas, e das próprias
dificuldades de sistemas econômicos locais.
Há um relativo consenso por parte dos autores de que
entre os principais vetores de mudanças que ocorreram
nesse período estão:
- o aprofundamento do processo de globalização capitalista e a incorporação da produção flexível, provenientes
das grandes empresas multinacionais, que impuseram novos desafios ao modelo de desenvolvimento endógeno dos
distritos industriais;
132
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ...
se os principais temas e proposições analíticas discutidas
ao longo do trabalho.
industriais e aquela do desenvolvimento local apoiado em
estratégias de governança do tipo “concertação social”.
Estas foram estimuladas pela política européia de desenvolvimento regional apoiada na lógica do diálogo social
(TAPIA, 2005a; 2005b) e também pelas orientações dos
governos nacionais materializadas nos pactos territoriais.
O resultado foi a constituição de uma nova agenda, marcada
pela introdução de inovações institucionais, e de uma nova
lógica de desenho e implementação de programas e políticas de desenvolvimento local.
Em outras palavras: há uma nova agenda teórica e de
policy que foi fortemente impulsionada – seja pelas políticas regionais desenhadas no âmbito da Comunidade
Européia, seja por aquelas elaboradas pelos diferentes
governos nacionais – direcionadas para o incentivo da
revitalização de áreas economicamente decadentes e para
a reorientação de outras rumo a novas vocações econômicas. São duas as principais proposições deste artigo.
Primeiro, do ponto de vista teórico, a literatura ao longo
das últimas décadas tem-se deslocado da reflexão sobre
as condições históricas de surgimento de sistemas econômicos locais e distritos industriais para uma outra mais
ampla. Nesta, a reprodução e a transformação dos sistemas locais de inovação e dos modelos de desenvolvimento local, no atual quadro de transformações econômicas
globais, dependeriam das modalidades de regulação social e de estruturas de governança locais. Essas estruturas de governança seriam resultantes da ação coletiva de
um sistema de atores – públicos e privados – que
interagem dentro de um contexto espacial, institucional,
político e cultural específico. Segundo, a experiência de
políticas de desenvolvimento local na modalidade de
pactos territoriais, apoiada em estratégias de concertação
social, tem sido responsável por importantes inovações
institucionais, embora as características históricas e os
arranjos institucionais pretéritos exerçam fortes condicionamentos em relação ao grau de eficácia dessas estratégias.
Este trabalho está organizado em três partes. Na primeira, apresenta-se o itinerário da reflexão teórica sobre
a relação entre distritos industriais e desenvolvimento local, sublinhando a relevância analítica do deslocamento
conceitual trazido pela incorporação dos conceitos de
governança e de regulação social.
Na segunda, o foco da análise volta-se para o exame
das experiências de pactos territoriais com ênfase na sua
estrutura operativa, lógica de decisória e seus principais
resultados e desafios. Nas considerações finais, resgata-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
DA TEMÁTICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO
DIFUSA À PROBLEMÁTICA DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL CONCERTADO
A literatura sobre a industrialização difusa surgiu, a
partir de meados dos anos 70 e primórdios dos anos 80,
refletindo sobre a emergência de modelos de desenvolvimento industrial baseados nas pequenas empresas e em
regiões consideradas “periféricas” (BECATTINI, 1975;
1989; 1990; GAROFOLI, 1978; 1981; FUÀ; ZACCHIA,
1983). O principal desafio teórico desses autores foi explicar as possíveis combinações de pequenas empresas,
capazes de gerar modelos alternativos de desenvolvimento pela superação de problemas clássicos como acesso ao
crédito e a recursos competitivos estratégicos.
A experiência inovadora da industrialização difusa foi
analisada a partir de uma visão teórica que integrava um
esquema analítico composto por três dimensões ou esferas: a sociedade, o território e as formas de organização
produtiva. Esse modelo analítico integra a esfera econômica (relação entre as empresas), a esfera social (as características da estrutura social e as condições para a coesão social) e a territorial (organização do território e a
estrutura de governança no plano local).
Posteriormente, a agenda de pesquisa deslocou-se para
dois novos temas: a análise da diferenciação dos modelos
de desenvolvimento local e a construção de classificações
de tipologias pelo agrupamento de elementos comuns entre as diferentes experiências. Um dos resultados dessas
mudanças analíticas foi a passagem da problemática baseada no conceito de distritos industriais para uma outra,
voltada para o desenvolvimento local ou territorial.
Nesta nova perspectiva, a ênfase passou para o estudo
dos principais traços das estratégias endógenas de desenvolvimento, as quais são dirigidas por atores locais e baseadas em fatores de competitividade territorial. O modelo endógeno1 de desenvolvimento garantiria a autonomia
do processo de mudança do sistema econômico local, para
a qual teria centralidade a ação estratégica dos atores sociais locais, isto é, sua capacidade de controlar e
internalizar o conhecimento e as informações externas –
variáveis-chaves que afetam o desenvolvimento.
Portanto, a dinâmica do sistema econômico local e sua
transformação dependeriam tanto das especificidades locais quanto das estruturas de governança,2 assim como
133
JORGE R UBEN BITON TAPIA
competências específicas). Porém, é preciso colocar o
problema das condições de reprodução das “economias
externas” para garantir a manutenção das vantagens dinâmicas locais. Ou seja, há limites ao desenvolvimento local espontâneo e à auto-regulação privada.
Nesse sentido, uma importante contribuição ao entendimento das características das estruturas de governança
locais, sua dinâmica e desafios está inspirada na literatura produzida durante a década de 90 sobre o revival das
práticas de concertação na Europa (SCHMITTER;
GROTTE, 1999; REGINI, 2000; FAJERTAG; POCHET,
2001; TAPIA, 2003).
O desenvolvimento das experiências de concertação
social de segunda geração em diversos países europeus
nos anos 90 representou uma fonte de intensos debates
teóricos sobre o neocorporativismo. É necessário observar que o debate tem ido além das questões relativas às
novas orientações das políticas de renda, ou de desregulação, ou ainda de re-regulação do mercado de trabalho, de descentralização e de redimensionamento do
Welfare State, incluindo também novos temas acerca das
novas características e agenda dessas experiências, especialmente no tocante às novas modalidades de concertação
no plano territorial.
Dentro do amplo conjunto de trabalhos teóricos sobre
a problemática dos pactos sociais de segunda geração,
encontramos o esforço analítico e empírico para examinar as características desses processos de ajustamento e
inovação institucional e social no plano subnacional.
Essas experiências de concertação, impulsionadas pelas políticas estabelecidas pela Comunidade Européia para
os níveis subnacionais, caracterizaram-se pela construção
de novos mecanismos de regulação descentralizada ou de
formas de governança local, no plano meso e micro, e por
novas modalidades de desenho e de implementação de políticas e programas. Seguindo essa perspectiva analítica,
alguns estudos recentes discutem o papel das associações
de representação de interesses como policy makers, examinando os pactos descentralizados de desenvolvimento
(BAGLIONI, 1999).
Nesse contexto, a concertação como modo de policy
making ganhou relevância em diversos países. As práticas de concertação seriam uma resposta diante da fase de
incerteza vivida pelos estados-membros dentro do processo
de unificação regional, seja em termos da política social,
seja quanto às identidades políticas.
Nesse quadro, a produção de consenso seria uma estratégia vista como do tipo win-win capaz de reduzir as
da capacidade das elites locais que controlam as variáveischaves que afetam o desenvolvimento.
A importância dessa trajetória analítica pode ser mais bem
compreendida se lembrarmos que, na visão da primeira geração de estudos sobre os distritos industriais e a industrialização difusa, essas experiências foram interpretadas
como processos espontâneos, fruto da combinação de diversos fatores internos favoráveis e catalisadores externos.
Entretanto, como observa Garofoli (2000), o desenvolvimento local não pode ser explicado pela excepcionalidade
não intencional, porque há um conjunto de requisitos sociais e institucionais que não são oferecidos pelas empresas e pelos mecanismos tipicamente de mercado.3
Em presença de uma multiplicidade de pequenas empresas e de múltiplos atores sociais e institucionais, o processo de desenvolvimento local coloca problemas de coordenação e de governabilidade fundamentais para o
desenvolvimento local. Trata-se de reproduzir as condições sociais, a acumulação de conhecimento e de competências, e também a produção de economias externas, que
são as bases do desenvolvimento endógeno e dos processos de industrialização territorial que, no seu conjunto,
representam o “outro” do sistema de empresas (ou seja,
as condições de contexto institucional e estrutural sobre
as quais se baseiam as relações entre as empresas). Em
outras palavras; as condições de reprodução e de transformação do sistema socioeconômico dependeriam de instituições e de mecanismos de regulação fundamentados
em uma lógica não estritamente de mercado.
As instituições intermediárias são elementos estratégicos nas relações entre Estado e mercado, porque elas são
responsáveis pela construção destes, por meio dos mecanismos de formação de competências e da organização de
redes de conhecimentos externos, ensejando a articulação
entre a oferta e a demanda sobre bases coerentes e com
capacidade de realização.
DESENVOLVIMENTO LOCAL E
GOVERNANÇA: A REGULAÇÃO COMO
CONCERTAÇÃO DA ECONOMIA LOCAL
Apesar da sua inegável relevância para a dinâmica e a
transformação da industrialização local, a dimensão da
governança é freqüentemente pouco explorada no debate
sobre o desenvolvimento endógeno. Bem verdade que o
desenvolvimento territorial é o resultado de economias
externas e é sedimentado historicamente no território
(como resultado da acumulação de conhecimento e de
134
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ...
quais o governo central aloca recursos financeiros visando incentivar a constituição de uma coalizão política e
econômica local responsável pela elaboração de um projeto de desenvolvimento territorial. Os pactos territoriais
estariam, assim, apoiados num
incertezas e de assegurar um acordo mínimo sobre os grandes temas da agenda do desenvolvimento. Particularmente, as experiências de concertação descentralizada ou de
pactos territoriais correspondem a processos de institutional building fortemente ancorados na ação concertada,
envolvendo uma pluralidade de atores sociais, públicos e
privados. Esses atores coletivos têm sido responsáveis pela
construção simultânea de instituições e de policies.
acordo entre sujeitos públicos e privados para a realização
de ações coordenadas de diferentes naturezas visando a
promoção de estratégias de desenvolvimento local nas áreas
economicamente desfavorecidas (CNEL, 2001, tradução do
autor).
PACTOS TERRITORIAIS: ENSINAMENTOS
E DESAFIOS
Os principais objetivos dos pactos sociais são, de um
lado, constituir uma coalizão estável de atores locais (uma
espécie de ator coletivo), e de outro, deflagrar um processo de transformação da economia e da sociedade local
visando à melhoria da oferta de bens coletivos.
Como podemos perceber, esses dois objetivos são concebidos tanto como condições de partida como elementos
dinâmicos de retro-alimentação da estratégia de implementação dos pactos territoriais, uma vez que o reforço
da ação conjunta dos atores sociais locais e o projeto de
desenvolvimento inicial podem estimular novas iniciativas, adensando seu desenho inicial.
Como mencionado anteriormente, uma das inovações
trazidas pelos pactos territoriais foi quanto à sua lógica
operativa fundada na concertação social, pois esta é bastante diferente daquela dos programas tradicionais de socorro a regiões em grave situação econômica.
Diferentemente da mera alocação de recursos financeiros pela instância nacional, nos pactos territoriais a elaboração e a implementação dos programas de intervenção constituem o resultado de uma metodologia de tomada
de decisão na qual diversos atores (representantes das
forças sociais), os entes locais e as empresas privadas
pactuam e aderem a uma estratégia comum de desenvolvimento local. O pacto territorial apresenta-se, então, como
um instrumento seletivo de política de desenvolvimento
local, baseado num conjunto de compromissos negociados entre os atores sociais públicos e privados envolvidos nos programas aprovados.
É importante sublinhar que a concertação social no
plano local é distinta daquela clássica do “neocorporativismo”, porque envolve um elenco mais amplo de atores sociais – e sua agenda de negociação é também mais
abrangente. Os segmentos empresariais e de representações de trabalhadores devem mobilizar-se para negociar
com os atores públicos locais (regionais e provinciais).
Além disso, a concertação no plano local deve reunir uma
No caso italiano, entre as principais razões que impulsionaram a elaboração da experiência inédita de política
de desenvolvimento descentralizada, baseada na lógica da
concertação social, estão os princípios comunitários de
políticas regionais adotados a partir da reforma dos fundos estruturais europeus, no final dos anos 80, e os resultados amplamente desfavoráveis das políticas de intervenção extraordinária no Mezzogiorno (ARRIGHETTI;
SERAVALLI, 1999).
Na Itália, a discussão e a adoção de estratégias de desenvolvimento local sob a forma de pactos territoriais e
de responsabilidade de atores locais ocorreram na metade dos anos 90. Mais precisamente, a partir de 1995, com
a Lei no 341/95, o governo italiano decidiu “ativar uma
série de instrumentos específicos de programmazione
negoziata” para desenhar programas locais que envolvessem uma multiplicidade de atores públicos e privados e
uma gestão unitária dos recursos financeiros.
Essa decisão significou uma mudança na orientação da
política de desenvolvimento regional e local, cuja característica principal era o de ter um caráter de alocação de
recursos automático e assistencial. Mesmo nos projetos
financiados pelos fundos europeus não havia a participação de atores sociais – seja na fase de formulação dos
projetos, seja na de escolha dos instrumentos de implementação das políticas inovadoras.
Portanto, em seu desenho original, os pactos territoriais
trouxeram uma inovação institucional e de procedimento,
na medida em que foram concebidos como um instrumento de intervenção pública descentralizada, ancorado em
uma forte cooperação entre o governo, as regiões e as províncias autônomas, para o estabelecimento de objetivos
comuns de maneira conjunta e para a escolha dos setores
econômicos a serem estimulados.
Os pactos territoriais se definem como uma política de
desenvolvimento endógeno em áreas circunscritas, nas
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
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JORGE R UBEN BITON TAPIA
ciais e da cultura, que são fatores explicativos para as diferentes formas de implementação descentralizada das
propostas de concertação gestadas no plano nacional.
Assim, nas regiões onde havia uma tradição de práticas
concertadas, como a Toscana e a Emilio Rogmana
(TRIGILIA, 1989; REGINI, 1991; CROUCH, 1993), esses modelos obtiveram resultados mais satisfatórios do que
em outras, como o Veneto, na qual a tradição pluralista
colocou sérios obstáculos às tentativas de construção de
arranjo institucional de inspiração neocorporativa
(GIACCONE, 2001).
Nos anos 90, no bojo da difusão dos pactos territoriais,
houve na região do Veneto4 iniciativas de construção de
instituições e de políticas apoiadas na lógica da concertação ou de partnership. Essas iniciativas ocorreram tanto no plano das Regiões quanto das províncias5 e estiveram voltadas para a modernização do tecido econômico
regional. Basicamente, tratava-se de construir uma estratégia negociada entre os diferentes atores no plano
subnacional para enfrentar o desafio da competição internacional. Dessa forma, a expectativa era que fosse definida uma estratégia comum de desenvolvimento regional.
Quanto ao desenho de instituições segundo a lógica da
concertação, o saldo é bastante modesto na região do
Veneto. O principal saldo positivo dessas tentativas foram
os Observatórios Econômicos Provinciais de Treviso, Padova e Verona. Esse fato indica que, numa estrutura decisória
fragmentada, o que funciona é o compartilhamento das
informações sobre as tendências econômicas e sociais entre
os atores locais. Além da fragmentação institucional e da
lógica política pluralista, outra especificidade fundamental
do Veneto é o papel dominante da grande empresa. Como
observam Burroni (1999) e Giaccone (2001),
cultura administrativa e política associada à dinâmica
territorial, mais ampla do que aquela da negociação, que
envolve capital e trabalho.
Elaborados para as regiões meridionais, mas atualmente
difusos de modo capilar, os pactos territoriais podem ser
descritos e analisados a partir de uma característica intrínseca: o desenho de baixo para cima (bottom up) – isto
é, a partir do nível da comunidade local de uma programação socioeconômica plurianual que mobiliza, através
da concertação social, um elevado número de atores públicos e privados. Trata-se de uma estratégia de implementação de políticas públicas do tipo bottom-up.
O pacto territorial constitui um ponto de partida de um
processo de concertação em âmbito local, no qual a presença de uma idéia-força de desenvolvimento do território é essencial, pois funciona como ponto de referência
fundamental, seja para poder delimitar a área sujeita ao
pacto, seja para fazer uma seleção de objetivos e estabelecer as prioridades entre os vários interesses presentes
em nível local.
Como observam vários estudiosos, no que tange à estratégia de concertação social, há um componente de experimentação institucional nas vivências dos pactos
territoriais, uma vez que eles buscam articular as demandas dos atores sociais locais e regionais com a capacidade de resposta apresentada pelos mesmos no plano do território. Graças à experiência acumulada dos pactos
territoriais, alguns princípios de estruturação da política
de desenvolvimento descentralizado foram se consolidando. É o caso da descentralização das competências administrativas a favor de instituições intermediárias (regiões,
comunas e províncias) e da constituição de estruturas de
governança de tipo concertativa apoiadas no social
(partnership).
Do ponto de vista teórico, os pactos territoriais reafirmam dois princípios básicos da nova modalidade de política de desenvolvimento descentralizada: o local como
unidade básica do desenvolvimento socioeconômico, e a
opção por uma estratégia concertada de tipo bottom-up,
que mobiliza o conjunto de atores sociais pertencentes ao
território.
Uma das questões mais instigantes que emergiu da experiência italiana de pactos territoriais e da tentativa de
difundir o policy making da concertação para os níveis
das regiões e províncias é a diversidade das modalidades
de regulação social ou de governança. Essa diversidade
tem raízes na história política e social das regiões, e reflete as peculiaridades do espaço político e das relações so-
a diferença de outras regiões de pequena empresa, o suporte
estratégico foi dado pela grande empresa, que organizou
redes próprias ou em consórcio com outras empresas de
produção de serviços [...] oferecendo serviços estratégicos
(inovação, marketing, formação, logística), que orientaram
as políticas de desenvolvimento do tecido produtivo em
interação com a empresa-líder (GIACCONE, 2001, p. 17,
tradução do autor).
Essa forma de articulação entre a grande empresa e as
pequenas e médias assemelha-se à idéia de “governos privados” (SCHMITTER; STREECK, 1985) e traduziu-se
em uma delegação efetiva das atribuições de policy do
poder público local para o mundo empresarial. Ao mesmo tempo, a representação sindical mostrou-se frágil e com
136
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
DESENVOLVIMENTO LOCAL, CONCERTAÇÃO SOCIAL E GOVERNANÇA: ...
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pouca capacidade de interlocução em relação às associações empresariais.
Portanto, numa situação de forte desequilíbrio entre os
parceiros sociais, e na ausência de instituições e de tradição de políticas pactuadas, predomina a racionalidade da
imposição dos atores empresariais, que resistem à proposta
de concertação territorial, de scambio generalizado
(PIZZORNO, 1978). Afinal, por que colocar os recursos
que conferem às entidades empresariais sua posição de
controle político como moeda de troca de uma negociação tripartite? Na verdade, essa situação típica do Veneto
mostra como um arranjo institucional fragmentado e uma
forte assimetria entre os parceiros sociais geram um quadro propenso a que decisões estratégicas unilaterais
condicionem as escolhas sucessivas dos outros atores.
Ora, nesse caso, a estratégia de descentralização concertada que se desenhou no plano nacional encontrou limites na grande autonomia do nível regional e local e,
por isso, os resultados foram modestos e incapazes de
introduzir alterações duradouras e abrangentes na lógica de decisão das políticas de modernização locais
(CONTARINO, 1998). Em conseqüência, como indica
o caso da região do Veneto, é possível encontrar o seguinte paradoxo: uma estratégia de produção de consenso e de negociação neocorporativa convivendo com a
manutenção de uma lógica decisória de tipo pluralista e
fragmentada.
Da experiência dos pactos territoriais é possível extrair
a existência da disputa entre diferentes modelos regionais
de regulação. O primeiro, de caráter pluralista e fortemente
polarizado em torno das associações de representação de
interesses empresariais, é uma variante da delegação pública que ficou conhecida na literatura como “governos
privados”. A segunda tem forte tradição de práticas de
microconcertação e representaria uma manifestação, no
plano local, da estratégia de pactuação, como método de
decisão e construção das alternativas de desenvolvimento.
Embora essa polarização represente uma estilização de
alternativas, no essencial parece plausível – frente ao debate sobre o futuro da concertação social travado na Itália em anos recentes. Em outras palavras, o argumento é
que o movimento de aprofundamento da descentralização
da regulação social estaria projetando cenários alternativos que, antes de representarem uma alternativa à
hegemonia da dimensão nacional, exprimem diferentes
formas de articulação entre as dimensões nacional, regional e local ao oporem o modelo do Veneto ao da Toscana
e da Emilia Romagna.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 1, p. 132-139, jan./mar. 2005
A variável territorial tem sido valorizada no debate
recente sobre o futuro dos distritos industriais e dos modelos
de desenvolvimento local. Diferentes correntes e autores
concordam sobre o caráter estratégico da dimensão espacial,
seja para a redefinição da inserção dos distritos industriais
clássicos, seja para as estratégias de construção de modelos
de desenvolvimento local, particularmente em zonas tidas
como desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano.
Nesse conjunto de trabalhos observa-se uma convergência para a valorização do papel dos atores sociais (diferentes órgãos de governos, agências de desenvolvimento local, associações de representação de interesses, etc.)
e o das estratégias integradas de desenvolvimento local e
regional. Novamente, o caráter intencional do desenvolvimento local e o peso atribuído às estruturas de mediação reforçam a importância da reflexão analítica sobre a
diversidade e a coerência das modalidades de regulação e
de governança locais.
A esse respeito, as experiências recentes de desenvolvimento local, na modalidade de pactos territoriais, têm
apresentado características inovadoras. Primeiro, elas
envolvem um número muito maior de atores – o que implica intenso processo de negociação e indica o caráter
mais inclusivo dos arranjos de concertação recentes. Segundo, eles representam uma mudança no processo
decisório – o que denota a passagem do modelo de planejamento induzido pelo governo, no caso local, para um
outro baseado no modelo de parceria (partnership model).
Quando bem-sucedido, este modelo permite a definição
de objetivos estratégicos, traduzidos em programas de
intervenção, que contemplam os interesses econômicos e
sociais mais amplos presentes no território.
Ao mesmo tempo, os estudos sobre a implementação
dos pactos territoriais têm ressaltado algumas dificuldades e obstáculos. Primeiro, as experiências de concertação
social, principalmente nas áreas economicamente desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano, indicam a importância das dimensões de capacitação técnica.
No plano da implementação das estratégias locais, uma
variável crucial é a existência de uma capacidade técnica
para auxiliar nas escolhas estratégicas dos atores sociais –
seja em termos dos objetivos prioritários, seja dos principais instrumentos. A debilidade técnica parece comprometer as estratégias de desenvolvimento local, e apresenta-se
de forma particularmente crucial nas áreas economicamente
mais desfavorecidas.
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JORGE R UBEN BITON TAPIA
Nessas áreas geralmente não há um patrimônio de políticas de desenvolvimento bem-sucedidas, que possam
servir de ponto de referência para o desenho de novas
modalidades de programas – o que torna mais difícil a
identificação de uma estratégia de desenvolvimento. A
fragilidade quanto à capacidade técnica para desenhar e
escolher instrumentos de intervenção apropriados torna
mais agudas as desvantagens das áreas mais desfavorecidas.
Ainda no plano da execução, a ausência de mecanismos adequados de monitoramento das iniciativas e programas adotados, traz como conseqüências dificuldades
na fase de implementação, e mesmo o descumprimento
dos objetivos definidos pelos parceiros sociais.
Ao contrário, nas áreas mais desenvolvidas e com maior
tradição de implementação de distritos industriais e de
novas iniciativas locais, as condições técnicas e a experiência acumulada permitem que o desenho de intervenções efetue-se com mais facilidade. Entretanto, os estudos advertem que não há um nexo causal entre o nível de
desenvolvimento inicial e a performance dos pactos
territoriais.
Por fim, as estratégias de pactos territoriais apoiados
na lógica da concertação social têm esbarrado em alguns
casos, como na região do Veneto, na tradição pluralista
do policy making e na forte assimetria entre os atores coletivos locais. Esse exemplo sugere que as inovações
institucionais e o jogo estratégico dos atores sociais, apesar de não serem determinados pela “trajetória percorrida”, pela estrutura econômica territorial e pela cultura
política local, são fortemente afetados.
3. Nas palavras de Garofoli (2000, p. 7) “há a questão da existência de problemas comuns a muitas empresas e que o mercado não é
capaz de resolver”.
NOTAS
CROUCH, C. Industrial Relations and the European State
Tradition. Oxford: Clarendon Press, 1993.
1. Apesar da ênfase no caráter endógeno do desenvolvimento local,
esse não deveria ser interpretado como algo “fechado” ao exterior. Na
verdade, a própria dinâmica do desenvolvimento local implicaria progressivamente no estabelecimento e aprofundamento de relações com
o exterior, mercados de produtos, de conhecimento e de tecnologia.
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4. Na região do Veneto, foram assinados 11 pactos territoriais, entre
1997 e 2000. Segundo Giaccone (2001), na maioria eles foram instrumentos para obter financiamento de Fundos Comunitários. Os pactos
territoriais, principalmente, serviram para buscar recursos financeiros
europeus para setores industriais e agrícolas em crise.
5. Pela constituição italiana, a federação é constituída pelos comunes,
províncias, regiões e o estado nacional. As funções administrativas
entre essas estruturas são repartidas segundo o princípio da
subsidiariedade.
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2. Essa construção social, econômica e institucional tem quatros características principais:
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Artigo recebido em 1 de março de 2005.
Aprovado em 20 de abril de 2005.
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