LIXO E SERVIÇOS DE SAÚDE: UMA REVISÃO Renata Aparecida

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LIXO E SERVIÇOS DE SAÚDE: UMA REVISÃO Renata Aparecida
LIXO E SERVIÇOS DE SAÚDE: UMA REVISÃO
Renata Aparecida Belei
Marcelo de Souza Tavares
Neuza da Silva Paiva
Resumo
Genericamente, lixo é o conjunto de resíduos sólidos resultantes das atividades humanas. As instituições de saúde são
produtoras de uma imensa quantidade de resíduos sólidos e vários autores discordam dos riscos de infecções atribuídos a estes
materiais. Baseado nestes dados foi feito uma revisão bibliográfica enfocando risco biológico e destino do lixo hospitalar.
PALAVRAS CHAVE: lixo hospitalar, risco biológico, destino do lixo.
INTRODUÇÃO
“LIXO”, palavra de apenas 4 letras que define qualquer rejeito que ninguém quer. Definir lixo é uma pretensão, pois o que
é lixo para alguns, é alimento para outros (BERTUSSI FILHO, 1989). Genericamente, lixo é o conjunto de resíduos sólidos
resultantes das atividades humanas.
O Brasil produz um estádio de futebol, do tamanho do Maracanã, de lixo por semana. A maior parte desse lixo é depositado
em aterros ou em lixões clandestinos e representa um enorme impacto ambiental, um grande desperdício de matérias-primas e
energia, que poderiam ser reaproveitadas e recicladas.
A nossa civilização chega ao limiar do século XX como a civilização dos resíduos, marcada pelo desperdício e pelas
contradições de um desenvolvimento industrial e tecnológico sem precedentes na história da humanidade, enquanto populações
inteiras são mantidas à margem, não só dos benefícios de tal desenvolvimento, mas das condições mínimas de subsistência
(FERREIRA, 1995).
Ao mesmo tempo em que utilizamos os recursos da biosfera como se fossem inexauríveis, todos os dias lançamos à
natureza o desafio de ter que assimilar novos produtos artificiais, desconhecidos dos agentes naturais, ultrapassando os limites
da capacidade dos ciclos naturais e dos fluxos de energia. Para FERREIRA (1995), a unificação dos habitantes da terra pela
globalização dos efeitos no meio ambiente e a constatação tecnocientífica da possibilidade de responsabilizar-se pelo fim da
humanidade, colocam o homem moderno frente à questão central da vida. Embora existam evidências de uma tomada de
consciência dos problemas ambientais, os movimentos mundiais de proteção da natureza e o meio ambiente tem uma atuação
descoordenada e confusa e sofrem a interferência do sistema político - econômico - capitalista dominante, cuja hegemonia
extrapola os limites do mundo ocidental e começa a alcançar o mundo todo.
No Brasil, 90% da quantidade diária de lixo é jogada a céu aberto em aterros sanitários, locais de trabalho e moradia de
milhares de famílias, tornando-se focos irradiadores de moscas, ratos, poluição das águas e do ar e de doenças (BARTOLI,
1997).
Segundo BERTUSSI FILHO (1989), o lixo, por conter muita matéria orgânica, constitui-se em um ambiente
ecologicamente favorável para inúmeras organizações que tornam-se veiculadores ou reservatórios de moléstias, como
roedores, moscas, mosquitos, suínos, aves.
A resolução número 05 de 1993 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), art. 1°, define resíduos sólidos:
I. Resíduos Sólidos: conforme a Norma Brasileira - NBR n ° 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT - “Resíduo nos estados sólidos e acima - sólidos, que resultam de atividades de comunidade de origem: industrial,
doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição todos os provenientes de
sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como
determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública, de esgoto ou corpos d’água, ou
exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis, em face à melhor tecnologia disponível...”
A questão da Limpeza Urbana é parte integrante do Sistema de Saneamento Básico. Neste sistema, destaca-se como
prioridade o tratamento de água para atividades vitais básicas, e depois, a necessidade de afastar do ambiente mais próximo os
resíduos gerados - esgotos e lixo. Essa preocupação reflete a ação dos governantes que acabam agindo principalmente na coleta
de resíduos, enquanto muito pouco se faz a respeito do tratamento e do destino final corretos destes resíduos. Como
consequência, a grande maioria dos municípios brasileiros não tratam, nem dão destino adequado a seus resíduos.
O Brasil gera cerca de 241.614 toneladas de lixo por dia (IPT/CEMPRE - 1995), e utiliza métodos muito primitivos em
relação ao lixo (BARTOLI, 1997). Os resíduos gerados em um município são classificados em domiciliares, de varrição, de
coleta seletiva, de saúde, entulhos e industriais.
“Os Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), classificados pela NBR 12808 da ABNT representam cerca de 1% do total de
resíduos gerados nos municípios” (BARTOLI, 1997).
Apenas 10% dos hospitais brasileiros dispõem de recursos e profissionais capacitados para atuar na área de Higiene
Hospitalar; entretanto, 90% não têm enfermeiros especializados nem verbas para investir em materiais e equipamentos que
possam minimizar os problemas gerados pelo lixo hospitalar (KNIESTEDT, 1990).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam no Relatório da Pesquisa Nacional de
Saneamento Básico, publicado em 1989, mostrava que 55% dos municípios brasileiros tinham coleta específica de resíduos
hospitalares. Desse total, apenas 54% eram incinerados. A maioria jogava esse material, de alto poder de contaminação, nos
“lixões” a céu aberto.
Em 1992 estimava-se que nos Estados Unidos da América fossem produzidos cerca de 800 mil toneladas por dia dos
chamados resíduos domiciliares. No Brasil, a produção de resíduos domiciliares era em torno de 100 mil toneladas por dia. A
produção mundial era estimada entre 1 e 2 bilhões de toneladas de resíduos por ano. Na América Latina, nos últimos anos foi
implantado o uso de latas, vidros e embalagens plásticas como recipientes descartáveis, que aumentam o consumo de energia,
inundando o ambiente com material não possível de decomposição biológica e convergindo com a estratégia da propaganda, na
formação de uma cultura consumista (BARTOLI, 1997).
Há no Brasil mais de 30 mil unidades de saúde, produzindo resíduos cuja destinação final não está resolvida,
predominando os vazadouros a céu aberto (BOTUCATU, 1995).
As instituições de saúde são produtoras de uma imensa quantidade de resíduos sólidos. A maioria destes estabelecimentos
não possui um sistema adequado de segregação e destino do seu lixo hospitalar, sendo que a grande parte deste lixo,
considerado contaminado, poderia ter um destino diferente do atual, não precisando ser enterrada nas valas sépticas. Cada vez
mais há um maior comprometimento do meio ambiente que recebe esses resíduos e que sofre para repor os produtos
necessários à vida humana (BOTUCATU, 1995).
Os resíduos são uma característica do desenvolvimento industrial e urbano. A alta produtividade, as economias de escala e
a concentração populacional têm gerado problemas para sua eliminação, que significa de imediato um alto custo, além dos
efeitos negativos a longo prazo (HINTZE, 1987).
Vários autores discordam dos riscos de infecções relacionados aos resíduos de serviços de saúde, com exceção dos
materiais pérfuro-cortantes, representado pelas agulhas e outros materiais utilizados na assistência aos pacientes.
A legislação brasileira atual respalda-se nos documentos Management of Waste from Hospitals - WHO, da Organização
Mundial de Saúde, de 1983, e EPA Guideline for Infections Waste Management, da Agência de Proteção Ambiental dos
Estados Unidos, de 1986, que serviram de referência básica para a maior parte dos trabalhos elaborados no Brasil, com vistas
ao gerenciamento dos resíduos hospitalares. A Resolução número 05 do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA de 05 de agosto de 1993, atribui responsabilidade pelo correto gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde a
quem gera, ou seja, aos estabelecimentos de saúde, desde a sua geração até a sua disposição final.
Talvez o traço mais marcante da civilização moderna tenha sido a ideia de que o ser humano é tão mais humano quanto
mais ele domina a natureza e os outros homens (UNGER apud FERREIRA, 1995).
A inadaptação das análises da ecologia moderna à dimensão do problema ecológico é grave. Mais, ela é a prova de uma
certa obstinação: a recusa a examinar a crise ecológica como uma totalidade de síndromes notáveis num ambiente fechado, a
considerar a responsabilidade de más escolhas tecnológicas impostas por uma civilização específica a outros povos, servindose do argumento irreplicável da universalidade dos problemas e da unicidade da raça humana (PARAIRE apud FERREIRA,
1995).
O ser humano recebe forte influência do meio em que vive, ao mesmo tempo que o influencia em inúmeras situações, como
na que concerne ao nível de higiene e de limpeza pública. Este, por sua vez, encontra-se diretamente relacionado com as
condições de desenvolvimento e de qualidade de vida da população quase sempre direcionada pela sua condição sócioeconômica e cultural. Cada um, então, organiza sua própria maneira de viver, subordinada à cultura, à educação, ao poder
econômico e ao meio ao qual pertence. Deste modo, pode-se dizer que o controle da situação de saneamento de uma
comunidade não é exclusivo do pessoal técnico que assume a limpeza pública, e sim, que depende de toda uma visão e postura
pessoal, estreitamente ligadas à condição sócio-econconômica, cultural e educacional da população (TAKAYANAGUI, 1993).
Assim como ocorre com uma cultura de bactérias quando colocada em presença de um meio nutritivo, o crescimento
da população foi a partir do século XVIII, cerca de 5 vezes mais incrementado se comparado a todo o período da história
anterior da humanidade. A expectativa da vida dos cidadãos dobrou em grande parte do Planeta Terra (BARTOLI, 1997).
A grande diferença dos seres humanos com relação a outras formas de vida, pelo menos teoricamente, é a responsabilidade
daqueles com a sobrevivência das gerações futuras, implicando, então, na existência de uma postura ética com relação à
utilização do ambiente natural. Onde há qualquer forma de vida, do ponto de vista biológico, há o “equilíbrio ecológico”. Os
desequilíbrios deixam de ser locais e passam a envolver vários ambientes (BARTOLI, 1997).
Os resíduos produzidos nas unidades de saúde são constituídos de lixo comum (papel, restos de jardim, restos de comida
de refeitórios e cozinhas, etc), resíduos infectantes ou de risco biológico (sangue, gaze, curativos, agulhas, etc) e resíduos
especiais (químicos, farmacêuticos e radioativos) (FERREIRA, 1995).
Os resíduos que podem ser acondicionados em sacos devem ser encaminhados aos depósitos das unidades hospitalares
quando ocuparem 2/3 da capacidade do saco. A embalagem deve ser vedada, impedindo a eliminação de líquidos. Os pérfurocortantes devem ser acondicionados em recipientes de paredes rígidas, também preenchendo apenas 2/3 da capacidade do
recipiente, que deve ser identificado com o símbolo dos materiais infectantes (BARTOLI, 1997).
Considera-se estabelecimento de saúde os hospitais, sanatórios, clínicas, centros clínicos, centros médicos, maternidades,
salas de primeiros socorros e todo estabelecimento onde se pratica atendimento humano ou animal, em qualquer nível, com
fins de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Também são considerados os estabelecimentos onde são realizadas
pesquisas ligadas à área de saúde (OPAS/OMS, 1997).
ZANON (1991), define lixo como o conjunto de resíduos sólidos resultantes da atividade humana e afirma que os
microrganismos encontrados nos resíduos domésticos ou hospitalares originam-se dos seres humanos, dos animais vegetais em
decomposição e do solo. A maioria são saprófitas do solo e patógenos oportunistas que constituem a microbiota normal do
homem e dos animais, como coliformes (Escherichia coli, Klebsiella sp., Enterobacter sp.,), Proteus sp., Staphylococcus sp.,
Streptococcus fecalis, Pseudomonas sp., Bacillus sp., e Candida sp. Todos pertencem à microbiota normal humana,
exceto Pseudomonas e Bacillus, cujo habitat natural é, respectivamente, a água e o solo. Esses patógenos oportunistas tanto
podem ser encontrados no lixo hospitalar quanto no domiciliar. Estes microrganismos sobrevivem, em média, 10 dias expostos
ao meio ambiente. Assim, os resíduos domésticos podem ser considerados mais contaminados do que os hospitalares.
KALNONSKY apud ZANON (1991), cita um estudo onde verificou-se experimentalmente que o lixo domiciliar não
apresentavam diferenças qualitativas do hospitalar, quando analisada sua carga microbiana; porém, os resíduos domiciliares
apresentavam contaminação bacteriana entre 10 e 100.000 vezes maior do que os hospitalares. Outro estudo desenvolvido por
MOSE e REINTALER apud ZANON (1991), determinou que há uma maior variedade de espécies bacterianas em resíduos
hospitalares, mas registraram que 1/3 dos mesmos eram estéreis.
Ainda ZANON (1991), afirma que não existem fatos que comprovem que os resíduos sólidos hospitalares causem doenças
no hospital ou na comunidade, nem que sejam mais contaminadores do que os domiciliares. Existem, todavia, muitos conceitos
populares equivocados e temor desnecessário em relação ao lixo hospitalar. Por preconceito ou por interesse comercial, a
comunidade não tem sido informada de que a maioria dos microrganismos isolados de Infecção Hospitalar pertence à
microbiota normal humana e são incapazes de causar infecções em pessoas sadias, que esses microrganismos são encontrados
também em panos de prato, panos de chão e em resíduos domésticos e que não há evidência de aumento da frequência de
infecções no pessoal que manipula o lixo hospitalar ou da comunidade.
LANGMUIR apud ZANON (1991): “a literatura médico-sanitária não registra casos de infecção respiratória relacionados a
aerossalização do lixo”. Há registros de raros casos documentados de contaminação de lençóis de água, pelo chorume de
aterros sanitários, porém não encontrou-se registro de casos comprovados de infecção gastrointestinal atribuídos a essa via.
Assim, praticamente, a via de transmissão e a porta de entrada ficam limitadas ao contato dos resíduos com lesões cutâneas.
Consequentemente, desde que sejam selecionados os resíduos cortantes e perfurantes, a possibilidade de transmissão de
agentes infecciosos do lixo para o hospedeiro é nula (ZANON, 1991).
HANK (1991), revendo a literatura, não encontrou fatos que comprovassem uma relação etiológica entre resíduos sólidos e
doenças microbianas e adverte que “até mesmo entre os empregados dos serviços de limpeza urbana, não tem sido constatada
morbidade maior causada pelo contato com lixo”.
A Organização Pan-Americana de Saúde afirma que a correta solução do problema do lixo possibilita a redução de 90%
das moscas, 65% dos ratos e 45% dos mosquitos. Moscas, baratas e ratos eventualmente são encontrados em hospitais,
restaurantes e residências. Embora sejam transmissores potenciais de determinadas doenças infecciosas (amebíase,
balantidíase, febres entéricas e gastroenterites por Salmonella e febre de arranhadura do rato) a frequência destas em
comunidades que dispõem de esgotos sanitários e água tratada é rara. Não há registro na literatura de casos de amebíase,
balantidíase e de febres tifóide, paratifóide e estreptobacilar contraídos em hospitais. A prevenção das doenças de transmissão
fecal-oral baseia-se, prioritariamente, na remoção sanitária das fezes e no tratamento da água. Quando estas condições são
asseguradas “o controle de vetores em hospitais passa a ser mais uma prioridade estética, do que infecciosa”
(MALLISON apud ZANON, 1991).
Em 1991, FEDORAK & ROGERS apud FERREIRA (1995), observaram que os “resíduos domiciliares podem contribuir
com grandes quantidades de microrganismos originados de lenços de papel, papel higiênico, fezes de animais domésticos,
fraldas descartáveis e de restos de comidas. Nos EUA, quase 1% da fração seca dos resíduos municipais são de fraldas
descartáveis, que geram uma concentração de fezes nos resíduos de cerca de 0,5 Kg por tonelada de resíduo”.
Para COLLINS & KENEDY (1992), as unidades de saúde não são as únicas fontes de resíduos com sangue e que podem
ser associados a AIDS e Hepatites, pois grande número de fraldas descartáveis e papel higiênicos são descartados como
resíduos domiciliares.
COLLINS & KENEDY (1992) acreditam que “a maioria, se não todos os receios do público sobre os riscos de infecção por
resíduos sólidos de saúde (com exceção das agulhas), considerados diferentes do lixo domiciliar, antes e depois da disposição,
tem pouca base científica”.
A preocupação da população com os resíduos hospitalares tem aumentado principalmente após o advento da AIDS.
“Entretanto, existem ainda dúvidas na compreensão dos modos de transmissão dos agentes associados a doenças originárias do
sangue ” (LI & JENQ apud ZANON, 1991).
Até 1986, nos E.U.A., a Environmental Protection Agency (EPA), afirmava que não existia definição universalmente
aceita para resíduos infecciosos. Além disso, a EPA ainda não estabeleceu regulamentação para gerenciamento de resíduos
infecciosos, que teria efeito de lei, nem trouxe a público qualquer evidência de que haveria de fato uma relação entre o
gerenciamento ou o mau gerenciamento de resíduos hospitalares infecciosos e doenças infecciosas produzidas na população
que tenha estado em contato com tais resíduos” (DUNGAN apud FERREIRA, 1995).
Na conclusão de um artigo sobre tratamento de resíduos hospitalares, PLASSAIS apud FERREIRA (1995), indaga: “mas
este tipo de resíduo gera algum risco epidemiológico para a população?”
No Relatório Preliminar sobre gerenciamento de Resíduos Hospitalares nos EUA, enviado ao Congresso norte-americano
em 1990, a EPA “reconhecia que a maioria dos especialistas na área era de opinião de que os mesmos não apresentam riscos à
população, mesmo quando são mal gerenciados ou impropriamente dispostos” (DUNGAN apud FERREIRA, 1995).
Segundo RUTALA apud ZANON (1991), “a subjetividade da definição do resíduo infectante, além de ser a responsável
pela divergência entre a EPA, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) e as autoridades sanitárias estatais e
locais dos EUA, oficializa o conceito equivocado de que a doença infecciosa pode ser induzida apenas pela presença do agente
infeccioso. O risco de transmissão da doença infecciosa não pode ser definido pelos resultados de exames microbiológicos sem
levar em conta outros fatores, que só podem ser avaliados através da análise epidemiológica.”
Estudos comparativos realizados pela Associação dos Praticantes do Controle de Infecção (APIC) em 1992, sobre a
contaminação microbiológica entre lixo hospitalar e domiciliar, demonstram que o hospitalar é menos contaminado. “A
percepção pública dos riscos associados aos resíduos hospitalares gerou a promulgação de legislação baseada mais em histeria
e motivação política que em fatos científicos” (KEENE apud FERREIRA, 1995).
Segundo a FIOCRUZ as causas das 8.269.089 hospitalizações na rede contratada pelo antigo INAMPS (hoje SUS), em
1986, somente 9% resultam de doenças infecciosas e parasitárias. Atualmente, a maior parte das doenças infecto-contagiosas é
tratada em ambulatórios, ou seja, o risco de contraí-las é, portanto, maior no local onde vivem os doentes do que no
ambulatório onde passam apenas algumas horas (ZANON, 1991).
A APIC (1992) relata que o método mais efetivo de gerenciar os resíduos sólidos de saúde é reduzir o volume gerado e
estabelecer um programa de reciclagem com aquisição de produtos que possam ser eficientemente reciclados.
A legislação de vários países, de certo modo, confirma essa abordagem. O Guide Sur L’elimination des Dechets
Hospitaliers do Ministério da Solidariedade, da Saúde e da Proteção Social da França, autoriza a incineração para os resíduos
de risco (de cirurgias, anatomopatologia, bacteriologia, virologia, bioquímica e isolamento) (FERREIRA, 1995).
No Japão, a segregação dos resíduos infecciosos é estabelecida na legislação, bem como a esterilização em incineradores
ou autoclaves antes da deposição no solo (FERREIRA, 1995).
A Norma Brasileira NBR - 12809 sobre Manuseio de Resíduos de Serviços de Saúde estabelece a segregação dos resíduos
infectantes.
Embora a principal discussão se dê sobre os resíduos infecciosos, também os resíduos químicos devem ser considerados
quanto ao aspecto dos riscos para a saúde humana é o meio ambiente. Ácidos, solventes, produtos à base de formaldeídos,
remédios e outros materiais perigosos podem ser encontrados, tanto nos resíduos hospitalares, quanto nos domiciliares. Devido
a esses determinantes, deve-se contar com recipientes apropriados para cada tipo de resíduo. O tamanho, o peso, a cor, a forma
e o material devem garantir uma apropriada identificação, facilitar as operações de transporte e limpeza, ser herméticos para
evitar exposições desnecessárias e estar integrados às condições físicas e arquitetônicas do local. Esses recipientes são
complementados com o uso de sacos plásticos para efetuar uma embalagem apropriada dos resíduos” (OPAS/OMS, 1997).
A coleta consiste em transferir os resíduos em forma segura e rápida das fontes de geração até o local destinado para seu
armazenamento temporário armazenamento interno consiste em selecionar um ambiente apropriado onde será centralizado o
acúmulo de resíduos que deverão ser transportados ao local de tratamento, reciclagem ou disposição final. Tanto a coleta
e armazenamento quanto o transporte interno são operações rotineiras, que, geralmente, estão a cargo do setor de limpeza e
requerem tanto uma logística apropriada, quanto um pessoal especializado, aspectos que frequentemente são deficientes e
pouco atendidos.
O sistema de manuseio interno de resíduos sólidos deve colocar em funcionamento uma série de operações utilizando a
tecnologia apropriada para satisfazer dois objetivos fundamentais: visar o controle dos riscos para a saúde que a exposição a
resíduos sólidos hospitalares do tipo infeccioso ou especiais poderia ocasionar e facilitar a reciclagem, tratamento, o
armazenamento, o transporte e a disposição final dos resíduos sólidos hospitalares, de forma eficiente, econômica e
ambientalmente segura.
O manuseio apropriado dos resíduos sólidos de saúde segue um fluxo de operações que começa com a segregação. Essa é a
primeira e mais importante operação pois requer a participação ativa e consciente de toda a comunidade hospitalar.
Devem ser adotadas ações para prevenir a mistura dos resíduos, evitando-se a alteração da composição de um determinado
tipo por outro ou outros resíduos gerados no mesmo serviço, pois isso comprometerá sua recuperação ou reciclagem.
O transporte, tratamento e disposição final são operações que se realizam geralmente fora do estabelecimento de saúde por
entidades ou empresas especializadas. No entanto, alguns estabelecimentos de saúde, devido à sua complexidade e magnitude,
contam com sistemas de tratamento de resíduos dentro de suas instalações.
Os resíduos especiais, segundo suas características devem ser submetidos a tratamentos específicos ou acondicionados para
serem colocados em aterros sanitários de segurança ou locais de confinamentos.
Os resíduos comuns podem ser descartados junto com os resíduos municipais em aterros sanitários. Dependendo da
composição e das características de seus elementos podem ser reciclados e comercializados (OPAS/OMS, 1997).
Embora a legislação sobre resíduos sólidos no Brasil se estenda às esferas federal, estadual e municipal, na maioria dos
casos não é respeitada devido ao desconhecimento do próprio gerador das leis e normas existentes, além da falta de uma
fiscalização mais atuante.
As regras gerais sobre o controle ambiental encontram-se na lei 6938 de 31/07/81, que estabelece a Política Nacional do
Meio Ambiente. Esta lei define poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou
indiretamente por atividades, acusadoras de degradação ambiental, ou seja, pela alteração adversa das características do meio
ambiente, que, no caso dos resíduos sólidos de saúde, são traduzidas por disposição inadequada em aterros ou lixões, podendo
causar a contaminação do solo e água por agentes patogênicos (BARTOLI, 1997).
Segundo resolução n° 05 de 05 de agosto de 1993 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, os resíduos sólidos se
classificam em:
GRUPO A: resíduo que apresentam riscos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente devido à presença de agentes
biológicos.
Enquadram-se neste grupo, dentre outro: sangue e hemoderivados, animais usados em experimentos, bem como materiais
que tenham entrado em contato com os mesmos; excreções, secreções e líquidos orgânicos; meios de cultura; tecidos, órgãos,
fetos e peças anatômicas; filtros de gases aspirados de área contaminada; resíduos advindos de área de isolamento; restos
alimentares de unidades de isolamento; resíduo de laboratórios de análises clínicas; resíduos de unidades de atendimento
ambulatorial; resíduos de sanitário de unidade de internação e de enfermaria e animais mortos a bordo dos meios de transporte,
objeto desta Resolução.
Neste grupo incluem-se, dentre outros, os objetos perfurantes ou cortantes, capazes de causar punctura ou corte, tais como
lâminas de barbear, bisturi, agulhas, escalpes, vidros quebrados, etc., provenientes de estabelecimentos prestadores de serviços
de saúde.
GRUPO B: resíduos que apresentam riscos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente devido às características
químicas.
Enquadram-se neste grupo, dentre outros:
a) drogas quimioterápicas e produtos por elas contaminados;
b) resíduos farmacêuticos (medicamentos vencidos, contaminados, interditados ou não utilizados);
c) demais produtos considerados perigosos, conforme classificação da NBR 10001 da ABNT (tóxicos, corrosivos,
inflamáveis e reativos).
GRUPO C: rejeitos radioativos, enquadrando neste grupo os materiais radioativos ou contaminados com radionuclídeos,
proveniente de laboratórios de análises clínicas, serviços de medicina nuclear e radioterapia, segundo Resolução da Comissão
Nacional de Energia Nuclear - CNEN 6.05.
GRUPO D: resíduos comuns são todos os demais que não se enquadram nos grupos descritos anteriormente.
No que se refere à legislação específica sobre resíduos sólidos, a Portaria n° 53 do Ministério do Interior, de 01/03/79,
parcialmente revogada pela Resolução CONAMA 05/93 que abriga, entre outros, o tratamento, ou acondicionamento adequado
no próprio local de produção dos resíduos sólidos de natureza tóxica e os que contém substâncias inflamáveis, corrosivas e
explosivas, radioativas e outras consideradas prejudiciais nas condições estabelecidas pelo órgão estadual de controle de
poluição e de preservação ambiental. Essa norma proíbe a utilização de incineradores de resíduos sólidos em edificações
residenciais, comerciais, ou de prestação de serviços.
A Resolução CONAMA 05/93 recomenda a incineração ou esterilização a vapor como forma de tratamento de resíduos.
Diz, ainda, que outros tratamentos podem ser usados, desde que sejam aprovados pelo órgãos de saúde e de meio ambiente
competentes.
“Todos os municípios devem ter leis regulamentando a questão dos RSS, do contrário, cabe a aplicação da lei estadual ou
federal pertinente ” (BARTOLI, 1997).
Para BARTOLI (1997), um dos principais aspectos envolvidos na busca da qualidade total pelos hospitais refere-se ao
gerenciamento dos resíduos de saúde. “Ainda há muito a se fazer nesta área, embora tenha ocorrido algum progresso nos
últimos anos promovido por órgãos públicos, empresas do segmento de saúde e instituições hospitalares.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tecnologia oferece soluções para problemas ambientais, mas isso não ocorrerá de modo automático, dependerá de
pressões exercidas pela opinião pública e setores organizados da sociedade e pela condução de políticas públicas ambientais.
Instrumentos de políticas públicas são os meios que o Estado dispõe para tratar das questões ambientais. Sua eficácia
depende da comunidade e agentes privados. Sem estímulos de mercado, as empresas não se sentirão incentivadas a atingir uma
situação tecnologicamente melhor para o meio ambiente. Também deve-se investir em projetos de pesquisa e desenvolvimento
voltados para desenvolver tecnologias ambientalmente saudáveis e estímulo para se adotarem as soluções encontradas. “No
Brasil, as empresas de modo geral, relutam em incorporar as melhores tecnologias ambientais, e, entre aquelas que passaram a
adotar tecnologias “limpas”, grande parte foram estimuladas muito mais por mecanismos de auto-regulamentação do que
pelos instrumentos da política pública brasileira (BARTOLI, 1997).
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[1] Enfermeira, Especialista em Saúde Coletiva, Coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar – HURNP –
Londrina – Pr.
[2] Médico, Doutor em Nefrologia, Docente Depto. Materno Infantil e Saúde Comunitária – UEL – Londrina Pr.
[3] Técnico Adminstrativo do HURNP – Londrina – Pr.

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