O Anjo ao Contrário

Transcrição

O Anjo ao Contrário
O Anjo ao Contrário
Poemas de André Ramos
Pinturas de Nadir Ferrari
OFFICIO | Florianópolis (SC) | 2009
André Ramos nasceu em Lages,
Santa Catarina, mas passou a maior
parte de sua vida em Florianópolis,
onde veio morar ainda criança com
seus pais e quatro irmãos. Graduouse em Agronomia pela Universidade
Federal de Santa Catarina, onde mais
tarde veio a se tornar professor. É lá
que o autor atua, desde 1992, como
professor e pesquisador da Divisão
de Genética. André Ramos publicou
dois livros de poesia: Lata de Banha,
pela prefeitura de Lages, em 1986, e
De Nariz na Vidraça, pela Editora
da UFSC, em 1994, ambos com suas
edições esgotadas. Em vários de seus
poemas, André expressa a influência
forte e mesclada das terras onde viveu:
os campos de Lages, a ilha de Santa
Catarina, Nova Scotia no Canadá e
Bordeaux na França.
Nadir FerR ari nasceu em
Arapongas, Paraná e, como André,
mora há tanto tempo em Florianópolis
que se sente aqui em sua terra. Pinta
desde os onze anos de idade e adora
ler desde que se conhece por gente,
mas entre o prazer de ler e escrever e
o gosto pela ciência, optou por esta.
O caminho foi mais ou menos linear:
graduação na Universidade Estadual
de Londrina, mestrado na Federal do
Paraná, doutorado em Oxford, carreira
científica e docente na Federal de Santa
Catarina, atividades entremeadas
de incursões na literatura e nas artes
plásticas. Durante uma licença da
UFSC, no início da década de 90,
atuou de forma profissional com
pintura, gravura e um pouco de
literatura, em Rennes, França. Ao
aposentar-se da UFSC em 2006,
retornou de forma mais regular
à pintura, leitura e escrita, o que
possibilitou este projeto com o colega
e amigo André.
Mú sic a e pa i s a g e m
Catalogação na fonte elaborada na Bibli oteca da
Unive rsidad e Fed e ral d e S anta Catar ina
R175a
Ramos, André
O anjo ao contrário / poemas de André Ramos ;
ilustrações de Nadir Ferrari. – Florianópolis : [s. n.],
2009.
60 p. : il.
ISBN: 9788562720017
1. Poesia catarinense. I. Ferrari, Nadir. II. Título.
A o l o n g o da s próx ima s
pág ina s , você vai e ncont rar um
mos ai co d e image ns e palav ra s ;
uma compos i ção orque st rada por
E du Far ia , da O f f i c i o, d e poe ma s
inéditos d e A ndré R amos com
p int ura s també m or ig inai s d e
Nadir Fe r rar i . Os poe ma s não
foram e scr itos para d e scre ve r a s
p int ura s. A s p int ura s não foram
fe ita s para ilu st rar os poe ma s.
Tanto e ste s quanto aquela s
na sce ram liv re s , se m pre te ns ão
mai or que a d e t rocar mut uame nte ,
e nt re s i e com o l e itor, lampe jos
d e bel e z a e ar te. Uma e spéc i e d e
s ine rg ia , ond e se e spe ra que o
con junto pos s a supe rar a s par te s.
Mai s a f ins pela l e ve z a d o
que pel o pe so, nos sos poe ma s
e p int ura s se pe r me iam , como
d oi s líquid os. Qual a relação,
pod e rão se pe rg untar alg uns ,
e nt re a poe s ia col oquial , cotidiana
e r imada d e A ndré R amos , e a
p int ura minimali sta , e s se nc ial e
calig rá f i ca , na sc ida da t radi ção
japone s a d o sumi - ê , d e Nadir
Fe r rar i ? Pod e r íamos di z e r que a
me sma e x i ste nte e nt re a mú s i ca
que s ai d os láb i os d e um home m
d o campo, que a s sob ia e nquanto
t rabal ha , e a bela pai s age m
campe st re que o ce rca . Uma não
foi fe ita para e x pli car a out ra , ma s
amba s se e mbel e z am e compl e tam .
E spe ramos que você e ncont re , na s
pág ina s que se se g ue m , mú s i ca e
pai s age m ; e moção e har monia .
CDU: 869.0(816.4)-1
| Os auto re s
C on t é m
o an jo ao cont rár i o.. . . . . . . . . . . . . . . 9
t re ns ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0
tinta ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2
sed e s.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 5
andança s.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6
conte d e fée s... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 8
no f und o.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1
li ção d o d e se r to... . . . . . . . . . . . . . . . . 2 2
w ithdrawal... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 4
e - poe m.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 6
bouque t... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 8
e scr ito no ve nto ... . . . . . . . . . . . . . . . . 3 0
o f fe r... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2
antíd oto.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 4
borbol e ta s.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7
re vanche.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 8
minha .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 0
o al faiate.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 3
se m pe so e se m idad e.. . . . . . . . . . . 4 4
os milag re s d e bord eau x.. . . . . . 4 6
incômod o.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 9
praga.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2
e staçõe s ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 5
março.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 6
concre ti smo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 8
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
o a n jo a o c on t r á r io
d e nt ro d o me u ar már i o
hab ita um an jo ao cont rár i o :
se ns ato como um s apato,
s aga z como um dromedár i o.
e nt re e st úp id o e a st uto
à noite f uma char uto
d e fol ha s d e cal e ndár i o
e quand o o dia amanhece
sor r i e d e s aparece
num vôo tor to e precár i o.
prostit uto e me rce nár i o
que dá e mata d e g raça .
t rans for ma pai x ão e m d e s g raça
e abraça a s mágoa s d o mund o.
pel o e r rad o e pel o ce r to
só b u sca ág ua e m d e se r to
ou poços que não tê m f und o.
8
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
trens
e m cada tre m que eu e mbarco
me pe rco.
me e ncontro e m cada barco
que abordo.
me e squeço e me le mbro
que a bordo
de cada ae ronave
a rota é se mpre mais suave
que as trilhas
da te r ra.
se e nte r ro
nos trilhos meus calcanhare s,
ao e nxe rgar luare s
ve r melhos
me e rgo pelos cabelos. decolo
do mundo
e no seg uinte seg undo
me ancoro
com medo da te mpe stade.
na ve rdade tão ig ual
e tão dife re nte
de sta multidão doe nte
que e mbarca e m tre ns de me ntira.
te nho o olho,
a bala e a mira.
me mato e me salvo
se, e m minha breve trajetória,
mudo o final da e stória
e ace r to
no alvo.
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
tinta
depois dos trinta
meus olhos v iraram tinta
e florianopolitaname nte
pintam nos horizonte s
trê s ponte s e um poe nte.
supe r fície s ve rde s,
objetos transpare nte s,
cada traço
e m seu lugar dev ido
e como dizia um amigo
a um oceano daqui:
tar rafa é no sambaqui
e gar rafa no bom abrigo.
... pinta poe sia,
pinta,
que te nho meus olhos já rasos de tinta...
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P o e m a s
d e
a n d r é
r a m o s
|
P i n t u r a s
d e
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
sede s
à s ve z e s e nl ouqueço
e e s queço o caminho d o poço.
o bald e que t rago é d e ge s so,
a sed e que s into é no os so.
os líquid os e u conheço,
me rg ul had o até o pe scoço,
d o mai s f ino ao mai s e spe s so
tod os mol ham só a líng ua .
bebe nd o e mor re nd o à míng ua ,
te nho a sed e que me reço.
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
andanças
par ti de canoa
de uma te r ra boa,
com o ve nto f raco
da praia do for te:
paulo lope s ou polo nor te?
...o mar balança,
uma ae romoça joga sua trança...
– ‘rapunzel ,
amé rica ou f rança?’
eu podia te r sido criança
nas pedras da aquitânia,
rancho que imado, bar racão, betânia.
ve nho do por to
de bordeau x ,
do ar roio do porco mor to,
troglodita de lascaux.
no ae ropor to,
onde pouso
pra pousada no raposo,
cochilo cox ilha rica.
velha ig reja dos mor rinhos,
santa ana da mão quebrada
da catedral do santo andré,
costeira
do pirajubaé,
v ila seca, lava pé,
sacré coeur
ou saco g rande.
não impor ta onde eu ande
g uardo na boca o sotaque
do me smo poeta de araque
que pra por re de cachaça
te m re ssaca de conhaque.
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
conte de fées
l’e mpe reur e st mor t,
le gé né ral batt u,
le royaume triste,
le peuple vaincu.
et un tel chag rin
couv re le s jardins
que mê me le s chevaux
n’y galope nt plus.
le lac mag ique
a e mpoisonné se s fée s
et se s chants mystique s
jadis euphorique s
sont deve nus muets.
et la pluie de l’âme
si long te mps gardée
mainte nant déborde
du fond de se s yeux.
le s goutte s qui tombe nt
font de s tache s ronde s
sur le velours
du sile nce.
la v ie était belle
et le monde imme nse
avant que ce conte
n’ait pe rdu son se ns.
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
no f un d o
o f und o não é o f und o.
é o iní c i o d o me i o,
a quina ,
a borda .
o bald e na ponta da corda
que toca ape na s a marge m .
no f und o é me ra mirage m
d e um náu f rago no d e se r to.
e m noite s d e cé u e ncobe r to,
o f und o é a mar i pos a
que pou s a no f i o da naval ha ,
é o cor re r sobre a mural ha
d e mil hare s d e chine se s.
mul he re s d e campone se s
d ebr uçada s na s s acada s ,
f re ira s var re nd o e scada s
e m conve ntos car melita s.
o f und o, no f und o, s ão f ita s
d e um f ilme na pré - e st ré ia ,
é a e spe ra da platé ia
que ate nta e ncara a cor tina .
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
lição do deserto
na ime nsidão de seda se nto,
tonto
de tanta luz
e de tão pouco ve nto.
te nto, e st udo
e tarde ou cedo
apre ndo o seg redo:
não há nada
alé m de t udo
no de se r to mudo.
E g ito, nove mbro de 1996
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23
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
withdrawal
it catche s me
lik e a v ir us,
it hits me
lik e a tropical infection.
red dreams of a yellow feve r
are drive n
right into my cells.
in my soul
it plunge s
lik e a single-dose dr ug
in the veins
of a junky.
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25
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
e-poem
refe re nte à sua msg rece nte,
vc seque r se nte, sua boba,
q nas cur vas de sua @
eu e scondi minha se r pe nte.
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27
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
bouquet
no sábado de chuva fina
só o dedo da ig reja
f ura o bolo da neblina.
e porquê é sete mbro,
a feira se ilumina.
e porquê ela se ilumina, chove
e porquê chove,
eu apre sso meus passos,
louco pra te ve r v irando uma e squina
com um bouquet de g irassol nos braços.
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29
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
escrito no vento
te amo como posso,
não como devo
e os poe mas que te e screvo
risco com o dedo no ve nto.
não te pe nso quando que ro
e sim quando te nto
e squece r na gaveta
poe mas de ve nto.
tão mais longe de mim
tanto mais me agar ro,
me ancoro,
me amar ro,
me alge mo a teu braço.
e m t ua s mãos me de smancho
e m t ua s mãos eu re nasço
se chove s t ua chuva
e m meu peito de bar ro.
30
31
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
offer
i offe r to you
the salt of the se tears,
the bitte r taste of my fears
and the sile nce,
my most beautif ul song.
and maybe one day, among
the planets ove r your head
you w ill see a falling star,
in the sky,
draw ing an angle.
it may be the wax of my candle
that t ur ned into flame
and flame into light .
so bright to mak e us believe
that lights don’t disappear.
God ble ss the pain of this sile nce
and the wate r of the se tears.
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
antídoto
pra t ua boca de se r pe nte
o meu de nte antiofídico.
nada de mais fatídico
pra cobra da t ua laia
que um ve ne no
que faia.
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O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
b or b ol e tas
( p ro o s h o)
e u v i você , el e fante l e ve ,
com pé s d e raque te dançand o na ne ve.
e u v i você l ogo após o me rg ul ho
voand o com a s a s d e papel d e e mbr ul ho.
e u pe nso e m você e ar r i sco um poe ma ,
ma s da ponta da minha cane ta
t ud o o que s ai
é borbol e ta .
37
escanear a borboleta
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
re vanche
cravei e m t ua car ne um caco
do v idro mais vagabundo
e quanto mais mete s o dedo
mais o e mpur ras pro f undo.
às ve ze s o se nte s no joelho,
be m ao lado do me nisco;
às ve ze s só se nte s um risco,
como um relho, e ntre as costelas;
outras ve ze s ne m o se nte s,
sobret udo e m dias que nte s
e noite s de lua amarela.
por ve ze s o crê s extraído
e aleg re te atiras na cama,
mas ao se se ntir e squecido
e m teu cor po distraído
e nraivecido o caco inflama.
e e ntão o se nte s ace so,
e m bra s a , no mú scul o te so
ond e a in fecção se apro f unda
e d e poi s ge ne rali z a .
só e ntão el e ate r r i s a
e m t ua vag ina r ub i cunda ,
no ve nt re , na s cox a s , na b unda
e ond e mai s te d e r ve rgonha .
e ne s s a re vanche med onha
só uma coi s a o caco sonha :
é voltar a se r inte iro
juntand o - se aos out ros cacos
para e nt re te u s ol hos opacos
dar se u gol pe d e r rad e iro.
38
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
minha
minha moura, minha mirage m ,
minha improvável parage m ,
oásis onde finda
e principia
de minhas caravanas toda v iage m.
linho de e stranha linhage m ,
meio de se r to, meio savana,
meio af rodite e meio af ricana,
metade donzela, metade cigana,
e m par te de ate nas,
e m par te e spar tana.
doce tirana,
se sou o teu bárbaro, é s minha romana.
eu, o e scravo. t u, sobe rana.
sábia me orde na
à boca peque na
e num ge sto te r no
o que e ra infe r no
se faz nir vana.
40
41
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
o a l fa i at e
sobre a mad e ira da me s a
há re tal hos d e seda chine s a
d e core s que nunca houve
ma s que d e v ia te r hav id o.
r i scad os a g i z no tec id o,
os d e se nhos d o al faiate
sonham um dia te r s id o
bonequinhos d e combate.
42
43
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
sem peso e sem idade
( pra nema)
par tiu ao meio-dia,
meio tia,
meio mãe,
meio vó,
muito obrigado
por te re s e stado ao meu lado.
e se hoje e stás mais acima,
inundada e m claridade,
é que luz não se domina
pela lei da g rav idade.
já se m pe so e se m idade,
e ntre flautas, har pas e banjos,
libe r ta da lamparina,
t ua chama agora ilumina
o azul dos olhos dos anjos.
44
45
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
os mil a gres de bordeaux
tirar o pe so da pedra
e transfor má-la e m re nda,
tirar o fato da história
e transfor má-la e m le nda,
tirar o bar ulho do tombo,
extrair r ubis
do sang ue do pombo,
botar ovos de colombo
ou de galinha,
ape r tar as tetas da v inha
até que se deleite
o mosto
na gar rafa oca,
tirar da me sa o e nfeite
e transfor má-la e m gosto
de café com bolo
na boca.
46
47
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
i nc ômod o
no dia d e z e s se te ,
madame ive te s ampai o
qua se fa z um d e smai o
ve nd o o s ang ue no car pe te.
. . . coi s a d o gato racl e t te ,
ca st rad o ainda na se mana
por te r ur inad o,
inte nc i onalme nte ,
na porcelana .
“d e s g raça nunca ve m soz inha” ,
cumpr iu - se o ditad o :
a tard e ,
p ifa o ar condi c i onad o
da coz inha .
48
49
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
a noite,
depois do café com biscoito
e pamonha,
ve m o jor nal das oito,
que não e r ra:
“no pará,
policia mata de zoito
caboclos se m -te r ra
e se m ve rgonha”.
dona ivete e m seu decote,
com uma mão no raclette
e a outra num pote
de place nta de baleia,
g rita:
“troca de canal joão pedro,
que e sse humor neg ro
me ape r reia”.
50
51
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
praga
na moráv ia, na morada
maeda sof ria e cantava
praga pela calçada.
traga a ela o teu ce ntavo,
me nino je sus de praga,
trinta crivos, um e slavo
que foi kr idel ,
que foi cravo
me nino je sus de praga,
por favor també m lhe traga
quatro pregos com ponta de cristal
e cabeça de g ranada,
de z voze s, cinqüe nta bocas
e quinhe ntas tor re s bar rocas.
52
53
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
e s ta ç õe s
no inve r no choro,
pr imave ra ad oro,
no ve rão d ecoro
a cara d o sol ,
o mor no d o sol ,
o for no d o sol ,
o contor no d o sol ,
o arco d o cé u
e m tor no d o sol .
ve ja , ve ja ,
como el e be ija
a pel e da ge nte
branca d e tanta
f ina neblina .
ol ha me nina ,
cê não imag ina
que pe nitê nc ia ,
que pe rdi ção,
varar t rê s inve r nos
se m ve r um ve rão.
aí o sol che ga
que ntinho na nuca ,
que ntinho na cuca ,
que ntinho na cara
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
car inho que vara
a pel e da ge nte
e toca na alma
que se e scancara ,
que se d e r rama
e que ilumina
com força d e u s ina
o f im d o inve r no.
ol ha me nina ,
que hi pe rbacana ,
que se ns ac i onal ,
que bra s a , mora ?
geada agora
só no natal .
54
55
a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
m arço
foi tão e scasso
o mê s de março
que abril se abriu
como um abraço.
‘muito sonho e pouco faço,
mas de sse outono eu não saio’
disse logo o mê s de maio,
pois be m sabe que e m junho
o org ulho é não se r julho
ce sar rei posto e deposto
para o gosto de aug usto
també m te r seu próprio agosto.
se não le mbro de sete mbro
e vai que de scubro out ubro
só e m nove mbro,
de ze mbro não sai inteiro.
jove m ge nte de janeiro
peg ue m febre e m feve reiro,
pois o te mpo é tão e scasso
que, olha lá,
já se abriu março.
56
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a n d r é
r a m o s
&
N a d i r
F e r r a r i
O
A n j o
a o
C o n t r á r i o
concretismo
un poè me dit concret .
um poe ma de concreto
cai pe sado, o objeto
g r uda ao chão,
só voa ao ve nto
a leve poeira do cime nto.
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C O N C E P Ç Ã O
G R Á F I C A
DESENHO GRÁFICO
I M P R E S S Ã O