III Seminário da Pós-Graduação em Engenharia Mecânica – Unesp

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III Seminário da Pós-Graduação em Engenharia Mecânica – Unesp
III Seminário da Pós-Graduação em
Engenharia Mecânica – Unesp - Bauru
INVESTIGAÇÃO DE UM PROCESSO ABRASIVO BASEADO NOS PRINCÍPIOS DA
LAPIDAÇÃO E RETIFICAÇÃO
Arthur Alves Fiocchi
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica – Unesp – Bauru
Prof. Dr. Luiz Eduardo de Angelo Sanchez
Orientador – Depto de Engenharia Mecânica – Unesp – Bauru
RESUMO
Este trabalho trata do desenvolvimento de um processo abrasivo para acabamento de
peças planas baseado na combinação de importantes características da retificação e da
lapidação. Ao invés de grãos abrasivos soltos entre a peça e o disco de lapidação, um rebolo
resinóide de carboneto de silício prensado a quente é colocado sobre o disco de uma máquina
parecida com uma lapidadora o qual é dressado. Além de manter o disco plano, a dressagem
também tem a função de interferir no comportamento do processo por meio da variação do
grau de recobrimento de dressagem (Ud). Verificou-se que o processo proposto pode ser
controlado mais facilmente do que na lapidação, a qual conta com um grande número de
variáveis, reduzindo substancialmente o tempo de preparação de usinagem. Os valores obtidos
de rugosidade e planicidade mostraram-se comparáveis aos da lapidação com a vantagem da
superfície da peça ser menos contaminada tendo aspecto brilhante. Buscou-se ainda o
monitoramento do processo por meio da emissão acústica (AE) revelando ser uma técnica
adequada para a aplicação neste processo.
PALAVRAS-CHAVE: Lapidação, Retificação, Grau de Recobrimento, Emissão
Acústica.
1 INTRODUÇÃO
Com a expansão da indústria mecânica de componentes de precisão, onde as
tolerâncias dimensionais e geométricas são estreitas, tem-se verificado crescente demanda por
processos de fabricação capazes de atender esses requisitos. Com isso, os usuais processos de
usinagem muitas vezes não se mostram adequados para atender essa demanda. Dentro desse
panorama, as indústrias metal-mecânica têm sido obrigadas a investir em novos processos e
tecnologia, dentre as quais incluem-se as máquinas-ferramenta capazes de alcançar níveis de
acabamento superficial melhores que as máquinas até então disponíveis (Stähli, 1998; Saljé &
Paulmann, 1988).
A retificação é o processo de fabricação mais utilizado para correção da forma de
componentes usinados por processos anteriores, bem como para conferir acabamento
superficial final. Porém, muitos componentes necessitam de acabamento em nível mais fino
do que a retificação é capaz de proporcionar. Somado a esse problema estão as peças finas,
cujo aquecimento produzido na região de corte pode ocasionar deformações inaceitáveis ou,
então, o calor gerado pode afetar as propriedades mecânicas introduzindo transformações
microestruturais. Outro problema recorrente às peças finas está relacionado à sua fixação na
máquina-ferramenta, podendo deformá-las irremediavelmente (Stähli, 1998; Tomlinson &
Newton, 1990; Spur & Sabotka, 1991).
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A lapidação, apesar de ser um processo abrasivo de baixa taxa de remoção de
material, quando comparada a outros processos tradicionais, elimina muito dos problemas já
citados na retificação. No entanto, os problemas da lapidação não residem apenas no longo
tempo de usinagem de uma peça, mas também na dificuldade em selecionar o conjunto de
parâmetros adequados para satisfazer as especificações da peça, pois o número de variáveis é
bastante numeroso. Dentre as variáveis pode-se citar: granulometria do abrasivo; tipo do
abrasivo; friabilidade (“fragilidade”) do grão; concentração do abrasivo no veículo; material
do disco de lapidação; velocidade do disco; e carga de lapidação, entre outros. Além disso o
desperdício de abrasivo em estado ainda útil, expulso do disco de lapidação pela força
centrífuga, constitui-se num aspecto negativo, sobretudo quando se utiliza os caros grãos de
diamante (Touge & Matsuo, 1996; Chandrasekar et al., 1987a e 1987b).
Uma importante característica do processo de retificação reside na operação de
dressagem, ou seja, na reafiação do rebolo quando se verifica uma queda do desempenho do
processo. A superfície desgastada do rebolo é removida dando lugar a uma nova camada de
grãos abrasivos restabelecendo-se, portanto, as condições de corte.
A dressagem, segundo König & Messer (1980) e Foellinger (1985), é uma operação
que influencia fortemente o processo de retificação, dependendo da maneira como é
executada, e para seu controle é definido um parâmetro denominado grau de recobrimento
(Ud), que é expresso pela relação:
Ud = bd
Sd
onde: bd é a largura de dressagem para um determinado valor de profundidade de dressagem
(ad); e Sd é o passo de dressagem, como pode ser visto na representação esquemática da
Figura 1, que também mostra a área de dressagem (Asd), o raio de ponta do dressador (rp), a
lagura real de atuação do dressador (bdr) e a ondulação teórica (Wt).
Ud > 1
Ud = 1
Ud < 1
Figura 1- Operação de dressagem e o grau de recobrimento (adaptado de Oliveira,
1989).
De um modo geral, observa-se que a dressagem executada com valores de Ud
próximos a 1 ( Sd igual a bd) produz máxima taxa de remoção enquanto Ud entre 4 e 5 dá ao
processo de retificação melhor acabamento superficial. Dessa forma, percebe-se que com um
mesmo rebolo é possível executar as operações de desbaste e acabamento bastando, para isso,
mudar o valor do Ud antes de iniciar cada tipo de operação (Oliveira, 1989).
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Ao contrário da retificação, que apesar da sua difícil predição conta com o recurso da
dressagem, na lapidação não há nenhum tipo de operação capaz de interferir no processo a fim
de modificar as condições de usinagem.
Numa lapidadora, o disco de lapidação é o elemento que serve de substrato ao
abrasivo e cujo movimento em relação à peça permite a remoção de material. Além do
abrasivo a carga sobre a peça é outro parâmetro essencial na lapidação, cuja intensidade
implica diretamente na taxa de remoção de material e no acabamento superficial (Sanchez et
al, 1999).
A Figura 2 apresenta uma configuração típica de uma lapidadora plana onde, além
dos elementos já citados, pode-se observar um anel armazenador dentro do qual as peças são
confinadas e pressionadas por uma carga posta sobre elas. Este anel é sujeitado por um
anteparo permitindo o movimento de rotação tanto do anel quanto das peças em seu interior,
graças à velocidade tangencial relativa imprimida pelo disco sobre o anel nos diferentes
pontos radiais. Pelo fato do anel se manter em contato permanente com o disco, e ser feito de
um material mais duro, verifica-se um desgaste gradativo do disco sendo seus possíveis
desvios de planicidade corrigidos progressivamente, transferindo às peças esta desejável
característica. Em alusão à correção de forma do disco pelo anel armazenador de peças ele
também é usualmente denominado “anel dressador”.
anteparo
anel dressador
(a)
carga (peso)
peça
Disco de lapidação
(b)
Figura 2 – Vista superior (a) e lateral em detalhe (b) de uma lapidadora plana.
Uma das características marcantes da lapidação é o movimento relativo entre o disco
de lapidação e a peça, ambos em rotação. Este movimento faz com que os grãos abrasivos em
contato com a peça desenvolvam trajetórias complexas e de grande densidade pela superfície
usinada. A Figura 3 mostra a trajetória ciclóide descrita por um ponto da peça sobre o disco de
lapidação num caso em que a peça e o disco têm os mesmos valores de rotação e sentido
(Sanchez et al, 1999).
O grão abrasivo ao longo da trajetória desenvolvida entre o disco de lapidação e a
peça pode executar um movimento de rolamento. Neste caso a superfície da peça sofre
repetidas deformações microplásticas pelas arestas dos grãos abrasivos levando ao
desprendimento de pequenas porções de material. De outra forma, os grãos podem estar
ancorados no disco de lapidação, desempenhando efeito similar a um rebolo, resultando no
corte de finas camadas de material da peça. A predominância por um dos mecanismos de
remoção de material, produzido por rolamento ou embutimento do grão abrasivo, está
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associado principalmente à dureza do disco de lapidação utilizado. De maneira geral, discos
duros promovem o rolamento dos grãos e discos moles e/ou porosos o embutimento com a
correspondente formação de superfícies fosca e brilhante (Sanchez et al, 1999).
Figura 3. Exemplo da trajetória descrita por um ponto da peça sobre o disco de
lapidação (Sanchez, 1999).
Na última década, nos anos 90, difundiu-se nos EUA e Europa um processo abrasivo
de grãos fixos, no qual as peças e o disco abrasivo produzem movimento relativo análogo ao
da lapidação. O disco empregado é composto de pastilhas ou grandes segmentos feitos de
CBN (Nitreto de Boro Cúbico) ou, então, de diamante. Este processo industrial, que permite a
usinagem de grande número de peças, assume diferentes denominações não estando ainda
claramente padronizado. Os fabricantes de máquinas o denominam “fine grinding”
(retificação fina) ou “flat honing” (brunimento plano). Na literatura, pode ser tratado por
diferentes autores como “fine grinding” (Tönshoff et al, 1998 e Mackensen et al, 1997,
Marinescu et al 2006), “flat honing” (Stähli, 2000 e Beyer & Ravenzwaaij, 2005), “face
grinding on lapping machine” (Ulhman & Ardelt, 1999) e “high speed lapping” (Yang et al,
2007). Em francês o processo é conhecido por “La Rectirodologie”, que livremente traduzido
significa ciência da retificação e lapidação (“rectifier”= retificação, “roder”=lapidação).
Este processo, cujo primeiro registro de sua criação reporta-se ao início dos anos 80
pela extinta empresa alemã de máquinas-ferramenta Hahn & Kolb, traz algumas importantes
vantagens em relação à lapidação, com quem originalmente compete, como: peça limpa, uma
vez que é livre do veículo de lapidação; reduzido desperdício de abrasivo, já que os grãos são
presos ao ligante; e usinagem mais rápida, pois a taxa de remoção é maior. Na usinagem de
peças de elevado nível de acabamento superficial são comuns as etapas de usinagem
preliminar (na maioria das vezes a retificação), seguido da lapidação e, por último, o
polimento. Esse novo processo permite a drástica redução dos tempos de lapidação e
polimento ou até suas eliminações. De maneira geral, observa-se nas informações
disponibilizadas por fabricantes a possibilidade desse processo usinar peças com planicidade
da ordem de 0,3µm a 0,6µm e rugosidade Ra de até 0,025µm (Wolters, 1998).
Pelo fato de se utilizar um disco com material superabrasivo, a reafiação do rebolo é
naturalmente feita com o desgaste progressivo do ligante e, assim, o surgimento de novos
grãos. Quando necessário, o restabelecimento de forma do disco é feito por um anel dressador,
análogo ao da lapidação, mas feito de material cerâmico em sua superfície inferior onde se dá
o contato com o disco abrasivo (Beyer & Ravenzwaaij, 2005).
Talvez, por se tratar de um processo derivado da lapidação, criado por tradicionais
fabricantes de lapidadoras, não se tem registro da transferência do conceito do grau de
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recobrimento (Ud), oriundo da retificação, aplicado a este novo processo com a utilização de
disco abrasivo convencional de ligante resinóide. A esta hipótese, somava-se o incipiente
estudo do grau de recobrimento (Ud) por König & Messer (1980) na mesma época do
surgimento do novo processo.
Também utilizando conceitos estabelecidos na lapidação, surgiram alguns processos
abrasivos mais dedicados, particularmente voltados ao acabamento de componentes de
equipamentos para gravação de dados digitais (recording head). Em um desses trabalhos, Eda
& Tomita (1996) elaboraram discos abrasivos de SiC com ligante composto de resinas PVA,
melamine e phenol, que em porcentagens adequadas, 20%, 15%, 5% em peso
respectivamente, produzem um disco com características necessárias para a lapidação de
substrato de disco magnético. Este tipo de componente, feito de uma liga de alumínio de alta
pureza, apresenta problemas de impregnação de finas partículas de abrasivos e rugosidade
inadequada (Ra ≈ 0.9 µm) quando lapidado com partículas de SiC de 20 µm de tamanho em
disco de ferro fundido. Já o disco abrasivo com o mesmo tamanho de grão é capaz de produzir
rugosidade significativamente menor (Ra≈ 0 ,13 µm) e sem a deletéria impregnação de
abrasivos. Com o uso do disco sintético, nota-se que a rugosidade e a taxa de remoção é
diretamente proporcional ao tamanho médio do grão abrasivo. O menor abrasivo usado nos
testes foi de 3 µm (4000 mesh) correspondendo a uma rugosidade Ra de 0,02 µm e
planicidade de 1,3 µm em peças medindo cerca de 130 mm de diâmetro.
Outro trabalho, também empregando a cinemática da lapidação e destinado ao
acabamento de cabeçote de leitura de disco rígido, é o processo “nanogrinding”, assim
denominado por seus criadores Gatzen, Maetzig e Schwab (1996). Este processo consiste,
basicamente, de duas etapas: a criação de um disco abrasivo específico e a usinagem da peça
propriamente dita. No primeiro passo, um disco metálico macio mole, feito em alumínio, é
submetido à rotação e depositado uma pasta abrasiva de grãos de diamante em sua superfície.
Um anel de condicionamento percorre esta superfície impregnando-a com grãos de diamante e
nivelando seus picos coplanar à superfície do disco. Nesta técnica, as peças são usinadas
primeiro em regime de desbaste. Para isso, utilizam-se grãos de 1,5 a 3 µm e um disco
confeccionado com ranhuras radiais por onde migra o excesso de abrasivo. Depois, no regime
de acabamento, é empregado um disco sem ranhuras e grãos abrasivos pequenos, de 0,5 a 1
µm, cujo excesso deposita-se nos riscos pertencentes à rugosidade. Aliás, constatou-se que
discos muito lisos não produzem bom desempenho, por isso, previamente à sua criação, devese lapidá-los com grãos abrasivos de Al 2 O 3 e SiO 2 de no máximo 50 µm. Naturalmente, após
este condicionamento, se faz necessário uma rigorosa limpeza da superfície do disco para
eliminação dos grãos remanescentes que seriam contaminantes na usinagem da peça.
Nos trabalhos envolvendo o processo “nanogrinding”, encontrou-se valores de
rugosidade de até Ra = 1,14 nm, obtido em cabeçote de leitura feito em Al 2 O 3 -TiC, e Ra =
0,79 nm em cabeçote feito de SiC (Gatzen e Maetzig, 1997). Quanto aos desvios de
planicidade, conseguiu-se o valor mínimo de 6 nm em cabeçote feito de Al 2 O 3 -TiC (Gatzen,
Maetzig e Schwab, 1996). Em peças de grande exigência de acabamento, como esta, o
desprendimento de grão abrasivo do disco torna-se um aspecto crítico do processo uma vez
que um risco pode comprometer o seu uso.
Na direção de entender melhor os mecanismos de remoção na lapidação e explorar
mais a sua capacidade, Touge e Matsuo (1996) identificaram que, além da influência dos
numerosos parâmetros já conhecidos, a operação de faceamento do disco de lapidação exerce
significante efeito sobre o processo. No experimento realizado, em cabeçote magnético de
gravação em ferrita (Fe 2 O 3 , Mn e ZnO), uma lapidadora dotada de um dispositivo de
faceamento, com ferramenta de ponta de diamante arredondada, corrige a forma e o desgaste
do disco metálico macio, feito em Sn. No entanto, observa-se que diferentes avanços
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produzem marcas de ondulações (sulcos) na superfície em forma de semi-arcos de diferentes
tamanhos de passos, mantendo-se a mesma profundidade de corte. Com o progressivo
aumento dos passos, pode-se criar três situações distintas: (a) altura das cristas das marcas de
ondulação abaixo da profundidade de corte; (b) altura das cristas igual à profundidade de
corte; e (c) sulcos com altura igual à profundidade de corte, mas totalmente separados por
áreas planas da superfície do disco. Nestes casos, o número de abrasivos contidos no fluido de
lapidação aumenta da primeira situação (a) para a segunda (b), quando a quantidade de grãos
soltos é máxima. No terceiro caso (c), os grãos abrasivos também cobrem a região plana entre
os sulcos encravando ali. Portanto, tem-se uma situação de lapidação com grãos fixos. Como
primeiro resultado, os autores verificaram que a maior taxa de remoção de material ocorre na
situação (b) quando a quantidade de grãos abrasivos, de 0,5 a 1 µm, é máxima.
No trabalho de Touge e Matsuo (1996), fez-se um ensaio, dividido em três partes, no
qual preparou-se o disco de acordo com o terceiro caso (c). Na primeira parte do ensaio
usinou-se apenas com grãos fixados sobre a região plana entre os sulcos. Depois, na segunda
parte, adicionaram-se grãos abrasivos soltos, coexistindo com os grãos fixos. E na terceira
parte, interrompeu-se a adição de grãos abrasivos.
Os resultados apontaram que, somente com grãos fixos, a taxa de remoção de
material foi relativamente baixa e decrescente até o final da primeira etapa. A rugosidade
manteve-se em nível praticamente constante, entre 1,4 a 1,5 nm, indicando que houve modesta
quantidade de desprendimento de grãos e a maioria dos remanescentes mantiveram sua
protusão .
Na etapa intermediária, onde há grãos fixos e soltos juntos, a taxa de remoção
mostrou-se 2,7 vezes maior do que na condição de grãos somente fixos indicando, mais uma
vez, o forte efeito dos grãos soltos na remoção de material. Na última parte, com a interrupção
da alimentação dos grãos abrasivos, nota-se a contínua diminuição da taxa de remoção,
quando a rugosidade tende aos valores mais baixos ao final do ensaio. Nesta etapa, os autores
creditam este comportamento à gradativa redução do número de grãos de protusão mais alta.
Neste trabalho é proposto um processo abrasivo o qual combina algumas das mais
importantes características da lapidação e retificação, bem como investigado sua capacidade
no acabamento de peças planas. Da lapidação são tomados os movimentos cinemáticos entre a
peça e o disco de trabalho além da transferência de forma do disco para a peça. Da retificação
é utilizado um disco abrasivo de características similares aos rebolos e, principalmente, a
operação de dressagem para a manutenção do desempenho do processo e da forma plana da
superfície do disco abrasivo. Com essa combinação procura-se um processo mais previsível e
de maior controle que a lapidação, com equivalente nível de acabamento, sem o inconveniente
aquecimento da retificação. Ainda que existam processos bastante específicos parecidos com
o proposto neste trabalho, conhecidos com o nome de “flathoning” ou “microgrinding”, eles
não contam com sistema de dressagem, segundo o conceito de grau de recobrimento, e nem o
utilizam no controle do processo.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
A lápidoretificadora CNC empregada neste trabalho foi projetada e construída no
Laboratório de Tecnologia da Usinagem – LATUS. Dentre os principais elementos da
máquina-ferramenta estão um disco de ferro fundido nodular de 350 mm de diâmetro, apoiado
por mancais de rolamento e acionado por um motor principal de corrente alternada de 1CV;
estrutura de alta rigidez feita de perfis e chapas de aço ABNT 1020 soldados; conjunto
aplicador de fluido de corte; 3 drivers e 3 motores de passo; guias lineares e fusos de esferas
recirculantes e mancais de rolamento. A velocidade do disco é controlada por meio de um
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inversor de freqüência e reduzida por um par de polias, sendo a rotação do rebolo de,
aproximadamente, de 100 rpm.
A máquina contém um conjunto mecânico para fixação dos corpos-de-prova,
constituinte do eixo Z, e outro para o sistema de dressagem, integrante do eixo Y, ambos
fixados no mesmo pórtico, que, por sua vez, movimenta-se ao longo do eixo X. O porta-peça
é acionado por meio de um eixo flexível conectado ao motor principal. A Figura 4 representa,
esquematicamente, os principais conjuntos mecânicos da lápidoretificadora.
Conjunto de
movimentação
transversal
Conjunto de
movimentação
transversal
conjunto de
fixação e
rotação da peça
Conjunto de
movimentação
longitudinal
Conjunto de
movimentação
longitudinal
Conjunto de rotação
do disco abrasivo
conjunto de
rotação do
Conjunto estrutural
rebolo
conjunto estrutural
Conjunto de
fixação
da peça
Y
X
Z
conjunto
aplicador de
fluido de corte
Conjunto aplicador
de fluido de corte
Figura 4 – Principais conjuntos mecânicos da lápidoretificadora (Fiocchi, 2009).
O dispositivo de dressagem trata-se, basicamente, de um conjunto mecânico, no qual
é preso o dressador. Este dispositivo permite o ajuste da profundidade de dressagem e
principalmente o deslocamento radial do dressador no sentido da periferia para o centro do
disco abrasivo segundo uma velocidade correspondente ao grau de recobrimento desejado. O
movimento do dressador é feito por meio da rotação de um fuso longitudinal acionado por um
motor de passo que é controlado, por sua vez, por um programa computacional de linguagem
aberta instalado em um microcomputador. A velocidade de dressagem é calculada por um
programa no qual se deve informar o grau de recobrimento (Ud) e a largura de atuação (bd)
para uma correspondente profundidade de dressagem (ad). A Figura 5 ilustra a
lápidoretificadora destacando-se o reservatório de fluido de corte, o painel elétrico e o painel
de acionamento, o microcomputador e o dispositivo porta-peça.
O disco abrasivo empregado, similar a um rebolo, foi especialmente fabricado para
esta utilização. Ele é constituído de grãos de carboneto de silício de 800 mesh e ligante
resinóide prensados a quente. Seu diâmetro é de 350 mm e espessura de 30 mm.
O dressador usado foi do tipo ponta única, de forma cônica com raio de ponta (rp) de
500 µm e ângulo de ponta de 80°.
Após feita a dressagem do disco abrasivo o corpo-de-prova é pressionado contra o
rebolo por uma mola.
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O corpo-de-prova, de forma cilíndrica com diâmetro de 47 mm e espessura de 10 mm,
é feito de aço ABNT 4340 temperado e revenido alcançando uma dureza média de 60 HRc.
Antes de serem utilizados nos ensaios, as faces dos corpos-de-prova foram retificadas para
redução dos valores de planicidade e rugosidade.
painel de acionamento
PC
reservatório de fluido
painel elétrico
Figura 7 – Lápidoretificadora CNC (Fiocchi, 2009).
Neste trabalho foram avaliados a rugosidade, a taxa de remoção de material e o
desvio de planicidade dos corpos-de-prova para diferentes graus de recobrimento ao longo do
tempo de usinagem. O parâmetro de rugosidade medido foi a rugosidade média aritmética
(Ra) utilizando um apalpador com raio de ponta de 0,2 µm e “cut-off” de 0,025 mm, a taxa de
remoção foi determinada pela pesagem dos corpos-de-prova em balança de leitura milesimal e
a planicidade avaliada em um medidor de circularidade/planicidade (Talyround 31 da Taylor
Hobson).
Em adição, na busca por uma técnica capaz de permitir o monitoramento do processo
proposto fez-se a aquisição de sinais de emissão acústica (EA) durante os ensaios
posicionando o sensor junto ao dispositivo de aplicação de carga. Os sinais de EA foram
filtrados e seus valores RMS (valor médio quadrático) calculados em um monitor de EA, no
qual selecionou-se a constante de tempo de 10 ms. Em ensaios preliminares encontrou-se a
pressão de trabalho e a profundidade de dressagem adequadas de 100 kPa e 350 µm,
respectivamente.
Nos ensaios preliminares também se observou que os valores de rugosidade dos
corpos-de-prova foram menores quando se utilizou fluido de corte. A aplicação foi feita pela
técnica da mínima quantidade de fluido de corte (MQF) por um bico tipo venturi numa vazão
de 150 ml/h. O fluido de corte empregado foi semi-sintético diluido na de proporção de 1:40.
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A Figura 8 mostra a montagem do experimento onde se pode observar o rebolo, o dispositivo
porta-peça e o conjunto aplicador de fluido de corte (abundante e MQF).
aplicadores de
fluido de corte
porta-peça
rebolo
Figura 8 – Montagem do experimento (Fiocchi, 2009).
1 mm
1 mm
1 mm
(c)
(b)
(a)
Figura 9 – Aspecto da superfície do disco abrasivo dressado com Ud = 1 (a), Ud = 3 (b) e
Ud = 5 (c).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 10 mostra o comportamento da rugosidade dos corpos-de-prova para
diferentes valores de grau de recobrimento ao longo do tempo de usinagem. De maneira geral,
pode-se identificar três regiões distintas: uma primeira, até 1 minuto de usinagem, na qual se
tem acentuada diminuição da rugosidade; uma segunda, de 1 a 4 minutos, com decréscimo
moderado da rugosidade; e a terceira, a partir de 4 minutos de usinagem, na qual se tem muito
pouca redução da rugosidade. O grande decréscimo da rugosidade verificado na primeira
região pode ser creditado à rápida remoção dos picos mais altos deixados pelo processo de
usinagem anterior, a retificação. Na segunda região tem-se a remoção dos picos
remanescentes, menos pronunciados, chegando depois à terceira região na qual praticamente
não se tem marcas oriundas da retificação.
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Rugosidade superficial, Ra (µm)
Pelo comportamento da rugosidade ao longo dos ensaios pode-se inferir que no início
da usinagem tem-se uma condição próxima à retificação, na qual a remoção de material se dá
pelos grãos abrasivos ancorados na estrutura do rebolo. A medida que a usinagem progride os
grãos abrasivos sofrem fratura e desprendem-se interpondo-se entre o disco e a peça
participando do mecanismo de remoção de material de maneira similar ao processo de
lapidação. Pelas características da terceira região este mecanismo de remoção deve estar
presente.
O fato do aumento dos valores de grau de recobrimento produzir diminuição mais
rápida dos valores de rugosidade, principalmente nas duas primeiras regiões, pode ser devido
a maior densidade de picos gerados nas dressagens correspondentes aos maiores graus de
recobrimento.
Mais especificamente, os valores de rugosidade encontrados ao final dos ensaios (8
minutos), foram: Ra = 1,5 nm com Ud = 1, Ra = 1,3 nm com Ud = 5 e Ra = 0,8 nm com Ud =
3.
Tempo de usinagem (min)
Figura 10 – Rugosidade (Ra) para diferentes valores de grau de recobrimento.
A figura 11 mostra a topografia do corpo-de-prova ao final da usinagem para Ud = 3.
Figura 11 – Superfície após lápidoretificação com Ud = 3.
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Taxa de remoção de material (g/min)
Na Figura 12 pode-se observar o decréscimo da taxa de remoção de material dos
corpos-de-prova, para todos os grau de recobrimento, com o tempo de usinagem. Tal
comportamento pode ser creditado à combinação da rápida remoção dos picos deixados pela
retificação e ao desgaste progressivo do disco abrasivo. No início, nota-se maiores taxas de
remoção na usinagem com Ud = 1e as menores com Ud = 5. A maior taxa de remoção para
Ud = 1 deve-se a maior agressividade do rebolo nesta condição de dressagem na qual o
macroefeito da superfície do disco destaca-se. No entanto, ao final do ensaio constata-se taxas
de remoção baixas e próximas para os três grau de recobrimento. Isto sugere que o invariável
desgaste do disco abrasivo seja acompanhado da formação de grãos soltos entre o disco e a
peça limitando a taxa de remoção de material, mas produzindo menores valores de rugosidade
dos corpos-de-prova.
Tempo de usinagem (min)
Figura 12 – Taxa de remoção de material para diferentes valores de grau de
recobrimento.
O gráfico da Figura 13 apresenta o desvio de planicidade dos corpos-de-prova
retificados, antes dos ensaios, e após a usinagem pelo processo proposto sob três diferentes
graus de recobrimento, Ud = 1, Ud = 3 e Ud = 5. Pode-se notar que o desvio de circularidade
diminui significativamente após a usinagem com o processo proposto para qualquer dos graus
de recobrimento. Tal como ocorre na lapidação plana, este resultado sugere a transferência da
forma plana do disco abrasivo, corrigida pela dressagem, para o corpo-de-prova. Mesmo que
os três graus de recobrimento produzam desvios de planicidade próximos, Ud = 3 apresenta o
menor desvio sugerindo que nesta condição a boa capacidade de remoção de material aliado a
regularidade da superfície do disco abrasivo (Figura 9b) gere a combinação mais satisfatória
das três. Ainda que Ud = 1 produza a condição de usinagem mais agressiva, de maior taxa de
remoção de material, a superfície do disco abrasivo parece mais irregular em virtude de
fraturas geradas pela dressagem no local dos picos da ondulação (Figura 9a) ocasionando
maior desvio de planicidade nos corpos-de-prova usinados. Ao contrário, a superfície do disco
abrasivo tem o aspecto regular na dressagem com Ud = 5 (Figura 9c), tal como para Ud = 3,
mas seu macroefeito é pequeno resultando numa menor correção do desvio de planicidade.
Desvio de planicidade (µm)
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lápidoretificação
retificação
Grau de recobrimento (Ud)
Figura 13 – Desvio de planicidade para diferentes graus de recobrimento.
Emissão acuústica, EA (Vmrs)
A Figura 14 mostra o comportamento do nível RMS da emissão acústica (EA) para
diferentes graus de recobrimento ao longo do tempo de usinagem com o processo proposto.
Nota-se, para os três graus de recobrimento, maior nível de EA no início do processo quando a
taxa de remoção de material também é maior. A medida que a taxa de remoção, e também a
rugosidade, diminui com o tempo a emissão acústica envolvida no processo também diminui.
Este fato deve-se ao progressivo surgimento de grãos abrasivos soltos que atuam rolando entre
a peça e o disco abrasivo.
Tempo de usinagem (min)
Figura 14 – Comportamento da emissão acústica na usinagem com o processo proposto
sob diferentes graus de recobrimento.
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Ainda com relação ao gráfico da Figura 14 tem-se menores níveis de EA para
maiores valores de grau de recobrimento correspondendo ao comportamento verificado para a
rugosidade e a taxa de remoção. Com a estabilização do nível de EA , observa-se que o valor
da rugosidade diminui muito pouco, ou seja, a partir deste instante pode-se optar pela
interrupção do processo.
A Figura 15 mostra a qualidade especular de uma superfície lápidoretificada (a) e o
aspecto fosco de uma superfície manufaturada por retificação convencional.
Figura 15 – Corpos-de-prova usinados por lápidoretificação (a) e retificação
convencional (b).
4 CONCLUSÕES
Diante dos resultados obtidos no decorrer da análise dos ensaios, pode-se
concluir objetivamente que:
- O processo proposto é capaz de diminuir significativamente a rugosidade e o
desvio de planicidade de corpos-de-prova retificados e produz pequena taxa de remoção;
- Diferentes graus de recobrimento produzem taxas de remoção distintas, sendo
Ud = 1 a condição mais agressiva que gera maior taxa de remoção e Ud = 5 a menor taxa de
remoção. O Ud = 3 parece produzir a combinação entre o melhor acabamento superficial e a
maior taxa de remoção de material, sendo com este Ud, alcançado o menor valor de
rugosidade nos ensaios (Ra = 0,8 nm);
- Os sinais de emissão acústica podem ser utilizados no monitoramento do
processo proposto sendo possível estabelecer uma relação com a rugosidade e a taxa de
remoção;
- O processo de lápidoretificação tem conceito simples quando comparado a
outros processos específicos de acabamento superficial, com ajuste das condições de
usinagem mais fácil e com menor número de variáveis de entrada.
- Pelas características dos corpos-de-prova usinados este processo pode ser
incluído na categoria dos processos especiais para obtenção de acabamento de alta qualidade
superficial.
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