SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA 1o semestre de 2016 1

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SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA 1o semestre de 2016 1
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
1o semestre de 2016
1. Geometria e álgebra de vetores
1.1. Relações de equivalência. Quando dizemos que um objeto é igual a um outro quase sempre
não temos em mente uma igualdade plena. Por exemplo, dizendo que R$1=R$1, não afirmamos que
qualquer moeda de R$1 é idêntica, ou ainda realmente igual, a uma outra. Seria mais adequado dizer
que, como um meio de pagamento, todas as moedas de R$1 são iguais. Ainda melhor afirmar que são
equivalentes em tal papel. Quando declaramos que todas as pessoas são iguais, não temos intenção de
afirmar isto literalmente. Talvez, queremos dizer que todas as pessoas desfrutam direitos iguais ou têm
uma mesma idade ou . . .
Entre objetos neste mundo triste, mesmo como entre pessoas, há relações. Por exemplo, a relação de
amizade: em vez de dizer que p1 é um amigo de p2 , podemos escrever p1 @p2 . Já que na realidade não
existe uma igualdade plena, precisamos lidar com relações que fazem o papel de igualdade do melhor
jeito possı́vel, ou seja, com relações de equivalência.
1.1.1. Definição. Dizemos que uma relação (binária) ≈ é uma relação de equivalência (ou simplesmente equivalência) se ela é reflexiva, simétrica e transitiva. Isto quer dizer que
• (reflexividade) a ≈ a para todo a;
• (simetria) a ≈ b implica b ≈ a;
• (transitividade) se a ≈ b e b ≈ c, então a ≈ c.
1.1.2. Exercı́cio. É a relação de amizade @ reflexiva? Simétrica? Transitiva? As mesmas perguntas
sobre a relação “ter a mesma idade” e sobre a relação “estar em uma mesma turma de alunos”.
1.2. Vetores no espaço. Denotamos por E 3 nosso espaço de dimensão 3 (onde talvez vivemos).
Consideremos pares ordenados de pontos em E 3 , escrevendo (p1 , p2 ) para um tal par de pontos p1 e p2 .
Note que é bem possı́vel que p1 = p2 e que o par ordenado (p1 , p2 ) é em geral diferente do par (p2 , p1 ).
Mais precisamente, um par ordenado (p1 , p2 ) é igual a um par ordenado (q1 , q2 ) se e só se p1 = q1 e
p2 = q2 . Agora é claro que (p1 , p2 ) = (p2 , p1 ) apenas quando p1 = p2 .
No lugar de um par ordenado (p1 , p2 ), podemos desenhar no espaço E 3 um segmento orientado [p1 , p2 ]
sendo p1 a origem e p2 a extremidade do segmento orientado.
1.2.1. Definição. Um segmento orientado [p1 , p2 ] é dito semelhante a um segmento orientado [q1 , q2 ]
se todos os quatro pontos p1 , p2 , q1 , q2 estão em um mesmo plano e os segmentos [p1 , p2 ] e [q1 , q2 ] constituem lados opostos de um paralelogramo. (Aqui admitimos paralelogramos degenerados.) Em outras
palavras, p1 , p2 , q2 , q1 são vértices consecutivos de um paralelogramo.
1.2.2. Exercı́cio. Mostre que [p1 , q1 ] e [p2 , q2 ] são semelhantes se [p1 , p2 ] e [q1 , q2 ] são semelhantes.
Será que [p, p] é sempre semelhante a [q, q] ?
1.2.3. Exercı́cio. Será que [q2 , q1 ] e [p1 , p2 ] são sempre semelhantes se [p1 , p2 ] e [q1 , q2 ] são semelhantes?
1.2.4. Lema. A relação “ser semelhante” é uma relação de equivalência entre segmentos orientados.
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Demonstração. Os segmentos ordenados [p1 , p2 ] e [p1 , p2 ] são obviamente semelhantes, pois formam
um paralelogramo (degenerado). Logo, a relação é reflexiva. Se [p1 , p2 ] é semelhante a [q1 , q2 ], ou seja,
[p1 , p2 ] e [q1 , q2 ] formam lados opostos de um paralelogramo, então [q1 , q2 ] é semelhante a [p1 , p2 ] :
o paralelogramo é o mesmo. Concluı́mos que a relação é simétrica. Finalmente, se [p1 , p2 ] é semelhante
a [q1 , q2 ] e [q1 , q2 ] é semelhante a [d1 , d2 ], então, usando nossos conhecimentos do segundo grau, podemos
ver que [p1 , p2 ] é semelhante a [d1 , d2 ] : basta considerar um prisma triangular com os vértices p1 , q1 , d1
do triângulo da base e com os vértices p2 , q2 , d2 da face oposta à base. O paralelogramo que faz [p1 , p2 ]
semelhante a [q1 , q2 ] e o paralelogramo que faz [q1 , q2 ] semelhante a [d1 , d2 ] constituem duas faces laterais
do prisma. Daı́ deduzimos que a terceira face lateral do prisma é um paralelogramo. Isto significa que
[p1 , p2 ] é semelhante a [d1 , d2 ]. Assim, verificamos a transitividade da relação ■
1.2.5. Definição. Segmentos orientados, considerados a menos da relação de equivalência “ser
semelhante”, se chamam vetores. Em outras palavras, cada vetor é representado por um segmento
orientado e vetores se tratam como iguais se seus segmentos orientados são semelhantes. Denotamos
−→
por p1 p2 o vetor representado pelo segmento orientado [p1 , p2 ].
Na prática, a definição acima significa que podemos continuar a pensar em vetores como se fossem
segmentos orientados, mas, entretanto, temos a liberdade de colocar a origem (ou a extremidade se a
gente preferir) do segmento em qualquer ponto do espaço. Deste modo, o vetor é o mesmo ainda que
seu representante, um segmento orientado, se altere. Os vetores são móveis.
1.3. Adição (subtração) de vetores. Para somar vetores v1 e v2 , podemos colocar, por exemplo,
a origem de v2 na extremidade de v1 e o vetor v1 +v2 é aquele cuja origem é a origem de v1 e cuja extremidade é a extremidade de v2 . A definição de soma que acabamos de apresentar é um pouco defeituosa,
pois parece depender da escolha de representates dos vetores. Precisamos mostrar a independência desta
escolha.
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Sejam v1 = p1 p2 = p′1 p′2 e v2 = p2 p3 = p′2 p′3 . Usando os primeiros representantes de v1 e v2 , obtemos
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o vetor soma v = p1 p3 . Usando os segundos representantes de v1 e v2 , obtemos o vetor soma w = p′1 p′3 .
Precisamos mostrar que v = w, ou seja, que [p1 , p3 ] é semelhante a [p′1 , p′3 ]. Como acima, consideramos
um prisma triangular com os vértices p1 , p2 , p3 do triângulo da base e com os vértices p′1 , p′2 , p′3 da face
oposta à base. O paralelogramo que faz [p1 , p2 ] semelhante a [p′1 , p′2 ] e o paralelogramo que faz [p2 , p3 ]
semelhante a [p′2 , p′3 ] constituem duas faces laterais do prisma. Daı́ deduzimos que a terceira face lateral
do prisma é um paralelogramo. Isto implica que [p1 , p3 ] é semelhante a [p′1 , p′3 ].
Agora, a definição da soma de vetores é correta.
−→
O vetor ⃗0 := pp é dito nulo. Este faz papel do elemento neutro na adição de vetores:
N. ⃗0 + v = v + ⃗0 = v para qualquer vetor v.
−→
−→
Seja v = p1 p2 . Definimos o vetor oposto a v como −v := p2 p1 . É fácil verificar que esta definição é
correta, isto é, independe da escolha do representante [p1 , p2 ] de v. É imediato que −⃗0 = ⃗0. Mais ainda,
se verifica facilmente que
O. v + (−v) = (−v) + v = ⃗0 para qualquer vetor v.
A adição de vetores é comutativa:
C. v1 + v2 = v2 + v1 para quaisquer vetores v1 e v2 .
Para ver isto, basta construir um paralelogramo cujos lados (em geral) não-paralelos representam
os vetores v1 e v2 . (O fato que a definição de soma de vetores é correta dá a liberdade de cosiderar
este desenho ficando em um plano!) A soma é representada pela diagonal do paralelogramo. Além de
vislumbrar a comutatividade da adição, chegamos a uma (outra) definição famosa de soma, a regra do
paralelogramo.
A adição é associativa:
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A. v1 + (v2 + v3 ) = (v1 + v2 ) + v3 para quaisquer vetores v1 , v2 e v3 .
Já que a definição de soma é correta, para mostrar a associatividade, podemos colocar todos os três
vetores na mesma origem p. Construı́mos um paralelepı́pedo (em geral, não reto!) cujas arestas partindo
do vértice p representam os vetores v1 , v2 e v3 . Para vislumbrar a associatividade, resta entender que a
diagonal do paralelepı́pedo representa tanto o vetor v1 + (v2 + v3 ) como o vetor (v1 + v2 ) + v3 .
Note que a associatividade permite omitir parênteses quando lidamos com somas de vários vetores.
A regra v1 −v2 := v1 +(−v2 ) introduz
esta definição
e as propriedades
( a subtração) de vetores. Usando
(
)
A, O e N, obtemos (v1 − v2 ) + v2 = v1 + (−v2 ) + v2 = v1 + (−v2 ) + v2 = v1 + ⃗0 = v1 , ou seja,
(v1 −v2 )+v2 = v1 , um fato esperado. O cálculo geométrico da diferença de vetores v1 e v2 se faz pela regra
do triângulo: Colocando v1 e v2 na mesma origem, encontramos um representante da diferença v1 − v2 .
Este é o segmento orientado cuja origem é a extremidade de v2 e cuja extremidade é a extremidade
de v1 .
1.4. Multiplicação de vetores por escalar. Cada segmento orientado [p, q] com p ̸= q determina
univocamente uma reta R que contém os pontos p e q. Esta reta é orientada, pois temos um determinado
sentido do percurso de R durante o qual passamos primeiramente pelo ponto p e depois pelo ponto q.
É claro que o segmento [q, p] define na mesma reta R a orientação oposta. Uma reta orientada se chama
também eixo.
Definamos como multiplicar um vetor por um número real (esta será a multiplicação por escalar ).
−→
Seja v = pq um vetor e seja r um número real. Caso r = 0 ou v = ⃗0, definimos r · v := ⃗0. Suponha
agora que r ̸= 0 e v ̸= ⃗0. Sendo p ̸= q, existe uma única reta R que contém p e q, como acima. Se r > 0,
existe um único ponto d na reta R tal que o comprimento de [p, d] é r vezes o comprimento de [p, q] e
os segmentos orientados [p, q] e [p, d] produzem a mesma orientação de R. Se r < 0, existe um único
ponto d na reta R tal que o comprimento de [p, d] é |r| vezes o comprimento de [p, q] e os segmentos
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orientados [p, q] e [p, d] produzem orientações opostas de R. Definimos r · v := pd . Em outras palavras,
quando multiplicamos um vetor v por um número real r, esticamos |r| vezes o vetor v de modo que os
sentidos de v e r · v são os mesmos se r > 0 e opostos se r < 0. (Não é difı́cil verificar que a apresentada
definição independe da escolha do representate de v.) Obviamente,
U. 1 · v = v para qualquer vetor v.
Também é fácil ver que valem as distributividade e associatividade
DE. (r1 + r2 ) · v = r1 · v + r2 · v para qualquer vetor v e quaisquer números reais r1 e r2 ,
AM. (r1 r2 ) · v = r1 · (r2 · v) para qualquer vetor v e quaisquer números reais r1 e r2 .
De fato, estas propriedades são consequências simples das distributividade e associatividade da multiplicação de números reais.
A outra distributividade fica como um exercı́cio simples para o leitor:
DD. r · (v1 + v2 ) = r · v1 + r · v2 para qualquer número real r e quaisquer vetores v1 e v2 .
Valem também as propriedades (−1) · v = −v e r · (v1 − v2 ) = r · v1 − r · v2 para qualquer número
real r e quaisquer vetores v, v1 e v2 . Mas estas podem ser deduzidas das anteriores de jeito formal.
Seja v um vetor não-nulo. Tomemos qualquer representante [p1 , p2 ] de v. Já que v ̸= ⃗0, temos p1 ̸= p2
e podemos construir uma reta orientada determinada por [p1 , p2 ], como acima. Se escolher um outro
representante [p′1 , p′2 ] de v, construı́mos uma outra reta orientada R′ . Sem dúvida, R′ é paralela a R.
Deste modo, com cada vetor não-nulo podemos associar uma certa classe de retas paralelas. Esta classe
se chama direção do vetor v. Além da direção, qualquer vetor não-nulo possui sentido que é nada mais
do que a orientação (simultânea) de todas as retas paralelas que constituem a direção do vetor. O vetor
oposto −v ao vetor v tem a mesma direção, mas o sentido oposto.
1.5. Descrições vetoriais de espaço, de reta e de segmento. Se fixarmos um ponto arbitrário o
no espaço E 3 , que chamaremos de origem, podemos identificar vetores com pontos de E 3 : a cada ponto
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p de E 3 associamos o vetor op e, vice-versa, dado um vetor v, colocando-o na origem o, a extremidade
do segmento orientado obtido, denotada por p := o + v, é um ponto de E 3 que corresponde ao vetor v.
Sim, aqui entendemos como somar um ponto com um vetor. Podemos também dizer que, por meio
desta operação, os vetores agem sobre o espaço E 3 , ou seja, “movem” os pontos do espaço. Tal ação é
sujeita às seguintes propriedades:
0. o + ⃗0 = o para todo ponto o,
AA. (o + v1 ) + v2 = o + (v1 + v2 ) para qualquer ponto o e todos vetores v1 e v2 .
Assim, fixando uma origem o, podemos pensar que pontos do espaço são vetores. Esta é a descrição
vetorial do espaço.1 É importante entender que, escolhendo um outro ponto o′ como origem, temos uma
diferente descrição vetorial do espaço. Realmente, se o ponto p corresponde ao vetor v na descrição com
−→
a origem o, isto é, p = o + v, ou seja, op = v, então na descrição com a origem o′ este mesmo ponto
−→
−→
p corresponde ao vetor o′ p = v ′ e tais vetores se relacionam pela fórmula v = oo′ + v ′ de mudança de
origem.
Seja R uma reta no espaço E 3 e sejam p, p′ pontos distintos de R. Dado um ponto arbitrário q de R,
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−→
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o vetor d := pp′ não é nulo e o vetor pq é um múltiplo escalar de d. Portanto, pq = r · d para algum
número real r. Daı́, q = p + r · d. Reciprocamente, para qualquer número real r, o ponto p + r · d está na
reta R. Podemos expressar o fato obtido pela fórmula R = {p + r · d | r ∈ R}. Isto se lê assim: (a reta)
R é formada por todos os pontos p + r · d, onde r percorre (todos) os números reais (a letra R denota o
conjunto de todos os números reais). Chegamos à descrição vetorial de reta.
Podemos vê-la por outro ângulo: dados um ponto p no espaço E 3 e um vetor não-nulo d, o conjunto
de pontos {p + r · d | r ∈ R} é uma reta no espaço. O vetor não-nulo d é um vetor diretor da reta e r
é um parâmetro, variando o qual, listamos todos os pontos da reta: quando r = 0, obtemos o ponto p
de R; quando r = 1, obtemos o ponto p′ de R. Note que uma mesma reta R pode ser descrita através
de qualquer outro seu ponto no lugar de p e com outro vetor diretor.
1.5.1. Exercı́cio. Mostre que dois vetores diretores d1 , d2 de uma mesma reta são proporcionais,
isto é, existe um número real r tal que d2 = r · d1 . Um vetor diretor de uma reta pode ser nulo?
1.5.2. Exercı́cio. Mostre que duas retas são paralelas se e só se seus vetores diretores são proporcionais.
Que tal se variarmos o parâmetro r apenas no intervalo 0 ⩽ r ⩽ 1 ? Os pontos da reta listados por
tais valores do parâmetro constituem um segmento da reta. É fácil ver isto lembrando-se da definição
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de multiplicação por escalar. Com efeito, a fórmula q = p + r · d com d = pp′ significa que pq = r · pp′ .
−→
Pela mencionada definição, o comprimento do vetor pq colocado na origem p é r vezes o comprimento
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do vetor pp′ colocado na mesma origem. Deste modo, variando r no intervalo 0 ⩽ r ⩽ 1, o ponto q
percorre exatamente o segmento [p, p′ ] da reta R. Mais ainda, o ponto q divide o intervalo [p, p′ ] na
razão r : (1 − r).
Assim, obtemos uma descrição vetorial de segmento.
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Escolhemos uma origem o no espaço E 3 . Já que pq = oq − op e d = pp′ = op′ − op , a fórmula
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′
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′
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′
pq = r·pp pode ser lida como oq − op = r·op −r· op , ou seja, como oq = (1−r)· op +r·op . Identificando
pontos de E 3 com vetores com o uso da origem o, parece possı́vel dizer que o ponto q := (1 − r) · p + r · p′
divide o segmento [p, p′ ] na razão r : (1 − r). Apesar de que a fórmula q := (1 − r) · p + r · p′ deve ser lida
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como oq = (1 − r) · op + r · op′ e, deste modo, refere-se a uma escolha da origem o, ela independe desta
1 Note, entretanto, que fixando uma origem, cometemos um certo crime, um ato de violência: o espaço E 3 não possui
nenhum ponto distinguido. Por outro lado, a geometria analı́tica é um crime por si.
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escolha. Realmente, para uma outra origem o′ , temos oq = oo′ + o′ q, op = oo′ + o′ p e op′ = oo′ + o′ p′ .
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Portanto, oq = (1 − r) · op + r · op′ implica o′ q = (1 − r) · o′ p + r · o′ p′ (note que os termos envolvendo
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o vetor oo′ se cancelam). Este milagre possibilita escrever q = (1 − r) · p + r · p′ sem mencionar qual é a
origem. (O momento crucial aqui é que (1 − r) + r = 1.)
1.5.3. Lema. Seja 0 ⩽ r ⩽ 1. Então o ponto q = (1 − r) · p + r · p′ divide o segmento [p, p′ ] na razão
r : (1 − r) ■
1.5.4. Exemplo. Usando vetores, provaremos que as medianas de um triângulo se interceptam
em um mesmo ponto. Sejam p1 , p2 , p3 os vértices do triângulo. Então os pontos m1 := 21 p2 + 12 p3 ,
m2 := 12 p3 + 12 p1 e m3 := 21 p1 + 12 p2 são pontos médios dos correspondentes lados pelo Lema 1.5.3.
O segmento [pi , mi ] é a i-ésima mediana do triângulo. Vamos adivinhar qual seria o ponto p da interseção
das medianas. Deveria ser uma expressão bastante simétrica relativamente às trocas de papéis dos
vértices . . . Digamos, p := 13 p1 + 13 p2 + 13 p3 , que tal? Verifiquemos que a mediana [p1 , m1 ] passa pelo
ponto p. Com efeito, 13 p1 + 32 m1 = 13 p1 + 23 ( 12 p2 + 12 p3 ) = 13 p1 + 13 p2 + 31 p3 = p. Trocando os papéis
dos vértices (sem repetir o cálculo), concluı́mos que toda mediana [pi , mi ] passa por p só pelas razões
de simetria. Temos ainda uma gratificação: pelo Lema 1.5.3, entendenos que o ponto p divide cada
mediana na razão 2 : 1 ■
1.5.5. Exercı́cio. Sejam p1 , p2 , p3 , p4 , p5 pontos no espaço. Denotemos por m1 , m2 , m3 , m4 os pontos
médios dos segmentos [p1 , p2 ], [p2 , p3 ], [p3 , p4 ], [p4 , p5 ], respectivamente. Sejam n1 , n2 os pontos médios
dos segmentos [m1 , m3 ], [m2 , m4 ], respectivamente. Será que os segmentos [n1 , n2 ] e [p1 , p5 ] são paralelos?
1.5.6. Exercı́cio. Sejam p1 , p2 , p3 , p4 vértices de um tetraedro no espaço. Denotamos por m1 o
ponto de interseção das medianas do triângulo p2 p3 p4 , por m2 o ponto de interseção das medianas do
triângulo p1 p3 p4 , por m3 o ponto de interseção das medianas do triângulo p1 p2 p4 e por m4 o ponto de
interseção das medianas do triângulo p1 p2 p3 . Será que os segmentos [p1 , m1 ], [p2 , m2 ], [p3 , m3 ], [p4 , m4 ]
têm um ponto em comum? (Dica: se acha que sim, tente adivinhar tal ponto.)
1.5.7. Envelopes convexos de configurações finitas de pontos. Uma figura F no espaço é convexa se F contém
o segmento [p1 , p2 ] toda vez quando contém pontos os p1 , p2 . A menor figura convexa que contém um dado conjunto
C de pontos se chama o envelope convexo de C. Sabemos várias figuras convexas: ponto, segmento, reta, triângulo,
quadrado, retângulo, paralelogramo, trapézio, plano, cı́rculo, tetraedro, cubo, paralelepı́pedo, pirâmide, prisma, octaedro,
dodecaedro, icosaedro, cone, bola, cilindro, elipsóide, porco redondo, etc.
Sejam p1 , p2 , . . . , pn pontos no espaço. A expressão r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rn · pn , onde r1 , r2 , . . . , rn ⩾ 0 são números
reais tais que r1 + r2 + · · · + rn = 1, é dita uma combinação convexa de p1 , p2 , . . . , pn . Sendo um pouco mais cuidadosos,
−→
−→
−→
deverı́amos talvez escrever r1 · op1 + r2 · op2 + · · · + rn · opn no lugar de r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rn · pn , onde o é uma origem
fixa no espaço, mas, devido à relação r1 + r2 + · · · + rn = 1, a escolha de origem é irrelevante pelas mesmas razões como
na demonstração do Lema 1.5.3.
Como foi entendido acima, o segmento [p, p′ ] pode ser descrito como o conjunto de todas as combinações convexas
de p, p′ , isto é, [p, p′ ] = {s · p + s′ · p′ | s + s′ = 1 com s, s′ ⩾ 0}.
Teorema. O envelope convexo E de pontos p1 , p2 , . . . , pn é formado por todas as combinações convexas destes pontos,
E = {r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rn · pn | r1 + r2 + · · · + rn = 1 com r1 , r2 , . . . , rn ⩾ 0}.
Demonstração. Para 1 ⩽ k ⩽ n, denotemos Ek := {r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rk · pk | r1 + r2 + · · · + rk = 1 com
r1 , r2 , . . . , rk ⩾ 0}. Precisamos mostrar que En é convexo e que En está contido em qualquer figura convexa que contém
os pontos p1 , p2 , . . . , pn .
′ · p para alguns
Sejam p e p′ pontos de En . Então p = r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rn · pn e p′ = r1′ · p1 + r2′ · p2 + · · · + rn
n
′ ⩾ 0 tais que r + r + · · · + r = r ′ + r ′ + · · · + r ′ = 1. Para provar que o
números reais r1 , r2 , . . . , rn , r1′ , r2′ , . . . , rn
n
1
2
n
1
2
segmento [p, p′ ] está contido em En , basta tomar quaisquer números reais s, s′ ⩾ 0 tais que s + s′ = 1 e verificar que o
ponto s · p + s′ · p′ está em En . Temos
′
s · p + s′ · p′ = s · (r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rn · pn ) + s′ · (r1′ · p1 + r2′ · p2 + · · · + rn
· pn ) =
′
= (sr1 + s′ r1′ ) · p1 + (sr2 + s′ r2′ ) · p2 + · · · + (srn + s′ rn
) · pn
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′ ) = s(r + r + · · · + r ) + s′ (r ′ + r ′ + · · · + r ′ ) = s + s′ = 1. Logo,
com (sr1 + s′ r1′ ) + (sr2 + s′ r2′ ) + · · · + (srn + s′ rn
n
1
2
n
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2
o ponto s · p + s′ · p′ está em En . Concluı́mos que En é convexo.
Agora, seja F uma figura convexa que contém os pontos p1 , p2 , . . . , pn . Mostraremos, por indução sobre k, que F
contém Ek . Já que E1 é simplesmente o ponto p1 , vemos que F contém E1 . Suponha que F contém Ek . Precisamos
mostrar que F contém Ek+1 . Seja p = r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rk · pk + rk+1 · pk+1 um ponto arbitrário de Ek+1 , onde
r1 + r2 + · · · + rk + rk+1 = 1 e r1 , r2 , . . . , rk , rk+1 ⩾ 0. Se r1 + r2 + · · · + rk = 0, então o ponto p = pk+1 está contido
em F . Caso contrário, r := 1 − rk+1 = r1 + r2 + · · · + rk ̸= 0 e rr1 + rr2 + · · · + rrk = 1 com rr1 , rr2 , . . . , rrk ⩾ 0.
O ponto q := rr1 · p1 + rr2 · p2 + · · · + rrk · pk está em Ek pela definição de Ek . Pela hipótese de indução, o ponto q está
em F . Sendo F uma figura convexa que contém o ponto pk+1 , o ponto (1 − rk+1 ) · q + rk+1 · pk+1 está em F . Mas
(1 − rk+1 ) · q + rk+1 · pk+1 = r · ( rr1 · p1 + rr2 · p2 + · · · + rrk · pk ) + rk+1 · pk+1 = r1 · p1 + r2 · p2 + · · · + rk · pk + rk+1 · pk+1 = p ■
Este teorema tem muito uso, inclusive em otimização convexa e em computação gráfica.
Exercı́cio. Mostre que a interseção de (duas) figuras convexas é uma figura convexa.
Exercı́cio. Descreva todas as figuras convexas contidas em uma reta.
Exercı́cio. Quais das figuras listadas no inı́cio da subseção 1.5.7 são envelopes convexos de configurações finitas de
pontos?
1.6. Dependência linear de vetores. Sejam r1 , r2 , . . . , rn números reais e sejam v1 , v2 , . . . , vn
vetores. Usando as operações com vetores, as quais acabamos de introduzir acima, podemos elaborar
deste material uma expressão do tipo r1 · v1 + r2 · v2 + · · · + rn · vn chamada combinação linear dos vetores
v1 , v2 , . . . , vn . Os números r1 , r2 , . . . , rn são os coeficientes da combinação. Quando todos os coeficientes
de uma combinação linear são nulos a combinação se trata como trivial. Sabendo que 0 · v = ⃗0 para
todo vetor v, é óbvio que a combinação linear trivial produz o vetor nulo, 0 · v1 + 0 · v2 + · · · + 0 · vn = ⃗0.
1.6.1. Definição. Os vetores v1 , v2 , . . . , vn são linearmente dependentes (abreviamos isto por LD)
se existe uma combinação linear não-trivial que produz o vetor nulo. Neste caso, a igualdade r1 · v1 +
r2 · v2 + · · · + rn · vn = ⃗0 se chama dependência linear (não-trivial) entre v1 , v2 , . . . , vn . Caso contrário,
os vetores v1 , v2 , . . . , vn são ditos linearmente independentes (abreviamos isto por LI). Assim, os vetores
v1 , v2 , . . . , vn são LI se e só se toda dependência linear entre si é trivial.
A coleção de um único vetor nulo ⃗0 é LD, pois 1 · ⃗0 = ⃗0. A coleção v, v de dois vetores iguais é
sempre LD, pois 1 · v + (−1) · v = ⃗0. Se uma subcoleção v1 , v2 , . . . , vm de uma coleção de vetores
v1 , v2 , . . . , vm , vm+1 . . . , vn é LD, então a coleção é LD. Realmente, se r1 · v1 + r2 · v2 + . . . rm · vm = ⃗0 e
nem todos os ri ’s são nulos, então obtemos uma dependência linear não-trivial r1 · v1 + r2 · v2 + . . . rm ·
vm + 0 · vm+1 + · · · + 0 · vn = ⃗0. (Em particular, se o vetor nulo ⃗0 participa de uma coleção de vetores,
a coleção é LD.) Portanto, qualquer subcoleção de uma coleção LI é LI.
• Um vetor v é LD se e só se v = ⃗0.
Isto vale, pois r · v = ⃗0 com r ̸= 0 implica v = ⃗0 : basta multiplicar ambos os lados da igualdade por
r e usar AM e U.
−1
• Dois vetores v1 , v2 são LD se e só se um vetor é um múltiplo escalar do outro.
Com efeito, se r1 · v1 + r2 · v2 = ⃗0 é uma dependência linear não-trivial, então, por exemplo, r2 ̸= 0.
Usando O, AM e U, obtemos v2 = (−r2−1 r1 ) · v1 . Quando vetores v1 , v2 são LD, dizemos que são
colineares. Neste caso, se ambos são não-nulos, a reta gerada por qualquer representate de v1 é paralela
a reta gerada por qualquer representate de v2 . Grosso modo, podemos dizer que v1 e v2 são paralelos.
1.6.2. Exercı́cio. A relação “ser colinear” é uma relação de equivalência entre vetores?
Sejam v1 , v2 , v3 LD. Então r1 · v1 + r2 · v2 + r3 · v3 = ⃗0 e, digamos, r3 ̸= 0. Usando O, AM, U e DD,
vemos que o vetor v3 é uma combinação linear de v1 e v2 : v3 = (−r3−1 r1 ) · v1 + (−r3−1 r2 ) · v2 . Colocando
os vetores v1 , v2 , v3 em uma mesma origem, é fácil concluir que os correspondentes segmentos orientados
estão em um plano contendo o paralelogramo que realiza o cálculo da soma (−r3−1 r1 ) · v1 + (−r3−1 r2 ) · v2
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7
dos vetores. Por isto, dizemos que os vetores LD v1 , v2 , v3 são coplanares. Grosso modo, estes vetores são
paralelos a um plano: na prática, para decidir se alguns três vetores são coplanares, podemos colocá-los
em uma mesma origem e ver se os segmentos obtidos estão em um mesmo plano.
• Três vetores v1 , v2 , v3 são LD se e só se são coplanares.
1.7. Descrição vetorial de plano. Seja P um plano no espaço E 3 e sejam p, p1 , p2 pontos no plano
P que não ficam em uma mesma reta (pontos não-colineares). Consideramos retas R1 e R2 que passam
pelos pontos p, p1 e p, p2 , respectivamente. As retas R1 e R2 estão contidas em P e se interceptam no
−→
−→
ponto p. Os vetores não-colineares v1 := pp1 e v2 := pp2 são vetores diretores destas retas.
Seja q um ponto arbitrário de P . Traçamos duas retas R1′ e R2′ , contidas em P , que passam por q
e são respectivamente paralelas às retas R1 e R2 . Obtemos um paralelogramo com vértices p, q1 , q, q2
−→
−→
−→
tal que q1 está em R1 e q2 está em R2 . Pela regra do paralelogramo, pq = pp1 + pp2 . Sendo v1 e v2
−→
−→
vetores diretores das retas R1 e R2 , existem números reais r1 e r2 tais que pp1 = r1 · v1 e pp2 = r2 · v2 .
−→
Concluı́mos, usando AA, que q = p + pq = p + r1 · v1 + r2 · v2 . Reciprocamente, o ponto p + r1 · v1 + r2 · v2
está no plano P para quaisquer números reais r1 e r2 . Chegamos à descrição vetorial de plano: P =
{p + r1 · v1 + r2 · v2 | r1 , r2 ∈ R}.
Como no caso da descrição vetorial de reta, podemos interpretar os números r1 e r2 como parâmetros,
variando os quais, listamos todos os pontos do plano. De modo semelhante, é fácil entender que, fazendo
os parâmetros variar nos intervalos 0 ⩽ r1 ⩽ 1 e 0 ⩽ r2 ⩽ 1, descrevemos o paralelogramo com os vértices
p, p1 , p′ , p2 , onde p′ := p + v1 + v2 .
Uma outra variante desta descrição: dados um ponto p e dois vetores não-colineares v1 e v2 , o conjunto
de pontos {p + r1 · v1 + r2 · v2 | r1 , r2 ∈ R} é um plano no espaço E 3 .
1.8. Base linear. Suponha que vetores v1 , v2 , . . . , vn são LI. Se um vetor v se expressa na forma
de uma combinação linear de v1 , v2 , . . . , vn , esta expressão é única. Realmente, se, por acaso, v =
r1 · v1 + r2 · v2 + · · · + rn · vn e v = r1′ · v1 + r2′ · v2 + · · · + rn′ · vn , então obtemos uma dependência linear
(r1 − r1′ ) · v1 + (r2 − r2′ ) · v2 + · · · + (rn − rn′ ) · vn = ⃗0 entre v1 , v2 , . . . , vn . Sendo v1 , v2 , . . . , vn LI, esta
deve ser trivial, ou seja, ri − ri′ = 0 para todo i. Assim, ri = ri′ para todo i.
1.8.1. Definição. Uma coleção LI de vetores b1 , b2 , . . . , bn é dita uma base linear se todo vetor é uma
combinação linear dos vetores b1 , b2 , . . . , bn . Dada uma base linear B, podemos escrever uma n-upla de
números reais v = (r1 , r2 , . . . , rn )B no lugar de um vetor v expresso como uma combinação linear da
base, v = r1 · b1 + r2 · b2 + · · · + rn · bn , e dizer que os ri ’s são coordenadas de v relativas à base B.
(Se a base está fixa, escrevemos v = (r1 , r2 , . . . , rn ).) É importante entender que, escolhendo uma outra
base linear, as coordenadas relativas à nova base de um mesmo vetor podem ser bastante diferentes das
velhas.
Existem várias bases lineares diferentes e não há nenhuma que seja preferida. Escolhendo uma
base linear concreta e usando as correspondentes coordenadas, cometemos um certo crime, um ato de
violência. Mas quando precisamos efetuar cálculos explı́citos para obter um resultado numérico que é
necessário em uma aplicação prática, as coordenadas podem ser realmente bem-vindas. Mesmo neste
caso, sim, fazemos uma violência, mas esta pode ser comparada com a de um cirurgião e não tem nada
a ver com um crime.
Como comportam-se coordenadas quando somamos vetores ou multiplicamos por escalar? Sejam
v = (r1 , r2 , . . . , rn ) e v ′ = (r1′ , r2′ , . . . , rn′ ) vetores (uma base linear está fixa). Isto significa que v =
r1 · b1 + r2 · b2 + · · · + rn · bn e v ′ = r1′ · b1 + r2′ · b2 + · · · + rn′ · bn . Portanto, v + v ′ = (r1 + r1′ ) · b1 + (r2 +
r2′ ) · b2 + · · · + (rn + rn′ ) · bn . Assim, v + v ′ = (r1 + r1′ , r2 + r2′ , . . . , rn + rn′ ), ou seja, quando somamos dois
vetores, as correspondentes coordenadas se somam. Seja r um número real e seja v = (r1 , r2 , . . . , rn )
um vetor. De v = r1 · b1 + r2 · b2 + · · · + rn · bn , deduzimos r · v = rr1 · b1 + rr2 · b2 + · · · + rrn · bn , isto é,
r · v = (rr1 , rr2 , . . . , rrn ). Em outras palavras, multiplicando um vetor por um escalar, simplesmente
multiplicamos todas as coordenadas do vetor pelo escalar.
1o SEMESTRE DE 2016
8
1.8.2. Lema. Quaisquer três vetores não-coplanares b1 , b2 , b3 no espaço E 3 formam uma base linear.
Demonstração. Por definição, b1 , b2 , b3 são LI. Os colocamos em uma mesma origem o. Seja v um
vetor arbitrário. Precisamos expressá-lo como uma combinação linear de b1 , b2 , b3 .
Sendo b1 , b2 , b3 LI, o vetor b3 não é nulo e os vetores b1 , b2 não são colineares. Pelas descrições vetoriais
de plano e de reta, P := {o + r1 · b1 + r2 · b2 | r1 , r2 ∈ R} é um plano e R := {o + r · b3 | r ∈ R} é uma
reta. A reta não pode ser paralela ao plano, pois os vetores b1 , b2 , b3 não são coplanares.
Traçamos uma reta R′ paralela a R que passa pelo ponto q := o + v. Já que a reta R′ não é paralela
ao plano P , obtemos o ponto de interseção p de R′ e P . Deste modo, o segmento [p, q] esta contido
−→
na reta R′ paralela a reta R. Daı́, pq = r3 · b3 para algum número real r3 , pois b3 é um vetor diretor
de R. Por outro lado, o ponto p está em P , isto é, p = o + r1 · b1 + r2 · b2 para alguns números reais r1
−→
e r2 . Resta observar que as igualdades q = p + pq = o + r1 · b1 + r2 · b2 + r3 · b3 e q = o + v implicam
v = r1 · b1 + r2 · b2 + r3 · b3 ■
Em termos de coordenadas, é facil decidir se vetores v, v ′ são colineares: isto ocorre exatamente
quando as triplas (r1 , r2 , r3 ) (coordenadas de v) e (r1′ , r2′ , r3′ ) (coordenadas de v ′ ) são proporcionais.
Para três vetores, o critério numérico que decide, olhando para as coordenadas dos vetores, se são LD é
um pouco mais
[ sofisticado.
]
Seja M :=
r11 r12 r13
r21 r22 r23
r31 r32 r33
uma matriz (=tabela) 3 × 3 de números reais. Definimos o determinante de
M pela fórmula det M := r11 r22 r33 + r12 r23 r31 + r13 r21 r32 − r13 r22 r31 − r11 r23 r32 − r12 r22 r21 .
1.8.3. Lema (sem demonstração). Sejam u = (u1 , u2 , u3 ), v = (v1 , v2 , v3[) e w = (w
] 1 , w2 , w3 ) vetores
u1 v1 w1
(uma base linear está fixa). Então os vetores u, v, w são LD se e só se det u2 v2 w2 = 0.
u3 v3 w3
2
1.9. Sistema de coordenadas. Na subseção 1.5, percebemos que, fixando uma origem no espaço,
podemos considerar pontos como vetores. Na subseção 1.8, descobrimos que qualquer vetor é uma única
combinação linear de vetores de uma base linear. Estas observações permitem introduzir coordenadas
no espaço.
1.9.1. Definição. Um sistema de coordenadas (lineares) no espaço E 3 é uma origem o e uma
tripla ordenada b1 , b2 , b3 de vetores LI. Dado um sistema S de coordenadas em E 3 , a cada ponto p
no espaço podemos associar uma tripla ordenada de números reais (r1 , r2 , r3 )S . Tais números são
−→
únicos que providenciam a igualdade op = r1 · b1 + r2 · b2 + r3 · b3 ou, equivalentemente, a igualdade
p = o + r1 · b1 + r2 · b2 + r3 · b3 . Assim, escrevemos p = (r1 , r2 , r3 )S ou, ainda, p = (r1 , r2 , r3 )
quando o sistema de coordenadas está fixo. É importante entender que, escolhendo um outro sistema de
coordenadas, as coordenadas de um mesmo ponto relativas ao novo sistema podem ser bem diferentes
das velhas.
1.9.2. Equações de reta. Seja fixo um sistema de coordenadas. Em termos de coordenadas,
a descrição vetorial de reta vira uma descrição paramétrica de reta. Realmente, seja d = (d1 , d2 , d3 )
um vetor diretor de uma reta R e seja p = (p1 , p2 , p3 ) um ponto na reta. Um ponto qualquer de R
tem a forma p + r · d, onde o parâmetro r percorre todos os
{ números reais. Denotando por (x1 , x2 , x3 )
as coordenadas deste ponto (arbitrário) de R, obtemos
x1 =p1 +rd1
x2 =p2 +rd2
x3 =p3 +rd3
. Assim, chegamos à descrição
paramétrica de reta.
Suponha que d1 , d2 , d3 ̸= 0. Neste caso, excluı́ndo o parâmetro r, obtemos equações simétricas de
1
2
3
reta: x1d−p
= x2d−p
= x3d−p
.
1
2
3
2 Em
geral, não-cartesiano!
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Quando um dos di ’s é nulo, não haverá equações tão simétricas. Mas, mesmo assim, excluindo o
parâmetro r na descrição paramétrica de uma reta, chegamos a duas equações da reta.
Resumindo, uma reta pode ser dada
•
•
•
•
•
•
por dois pontos distintos na reta;
por um vetor diretor (não-nulo) e um ponto na reta;
por uma descrição vetorial;
por uma descrição paramétrica;
por duas equações, às vezes simétricas;
como a interseção de dois planos não-paralelos.
Faz pleno sentido imaginar como traduzir uma destas descrições para uma outra. (Quanto à última
descrição, precisa inicialmente estudar a equação geral de plano.)
1.9.3. Exercı́cio. Sejam p := (p1 , p2 , p3 ) e p′ := (p′1 , p′2 , p′3 ) pontos no espac̃o tais que p1 ̸= p′1 ,
−p1
−p2
−p3
p2 ̸= p′2 e p3 ̸= p′3 . Mostre que a reta que passa por p e p′ é dada pelas equações xp′1−p
= xp′2 −p
= xp′3−p
.
1
2
3
1
2
3
1.9.4. Equação geral de plano. Seja fixo um sistema de coordenadas. Em termos de coordenadas,
a descrição vetorial de plano vira uma descrição paramétrica de plano. Com efeito, seja p = (p1 , p2 , p3 )
um ponto de um plano P e sejam u = (u1 , u2 , u3 ) e v = (v1 , v2 , v3 ) vetores não-colineares tais que
um ponto qualquer de P tem a forma p + r · u + s · v, onde os parâmetros r e s percorrem todos
os
{ números reais. Denotando por (x1 , x2 , x3 ) as coordenadas deste ponto (arbitrário) de P , obtemos
x1 =p1 +ru1 +sv1
x2 =p2 +ru2 +sv2
x3 =p3 +ru3 +sv3
. Assim, chegamos à descrição paramétrica de plano. Na prática, tal descrição não é
muito útil.
−→
Quando um ponto q = (x1 , x2 , x3 ) de E 3 está no plano P ? Quando os vetores pq , u e v são
−→
coplanares, ou seja, LD. Aqui usamos o Lema[1.8.3. Sabendo
] que pq = (x1 − p1 , x2 − p2 , x3 − p3 ), vemos
x1 −p1 u1 v1
que o ponto q está no plano P se e só se det x2 −p2 u2 v2 = 0. Desenvolvendo esta expressão, obtemos
x3 −p3 u3 v3
uma equação do tipo c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c, onde os coeficientes c, c1 , c2 , c3 são números reais tais que
nem todos os ci ’s são nulos, pois caso contrário, tal equação descreveria ou um conjunto vazio de pontos
(se c ̸= 0), ou todo espaço E 3 (se c = 0).
Reciprocamente, consideramos o conjunto C de pontos em E 3 que satisfazem c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c,
onde, digamos, c3 ̸= 0. O ponto p := (0, 0, c−1
3 c) está em C. Os vetores v1 := (c3 , 0, −c1 ) e v2 :=
(0, c3 , −c2 ) não são colineares, pois r1 · v1 + r2 · v2 = 0 implicaria r1 c3 = r2 c3 = 0 e r1 = r2 = 0
devido a c3 ̸= 0. Logo, P := {p + r1 · v1 + r2 · v2 | r1 , r2 ∈ R} é um plano. Vamos mostrar que
C = P . Um ponto arbitrário de P tem a forma (r1 c3 , r2 c3 , c−1
3 c − r1 c1 − r2 c2 ). É fácil ver que as
coordenadas deste ponto satisfazem a equação c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c. Consequentemente, P está
contido em C. Por outro lado, se um ponto q := (x1 , x2 , x3 ) satisfaz a equação c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c,
x1
x2
então q = (0, 0, c−1
3 c) + c3 · (c3 , 0, −c1 ) + c3 · (0, c3 , −c2 ), isto é, q está em P .
A equação c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c com um dos ci ’s não-nulo se chama equação geral de plano.
Resumindo, um plano pode ser determinado
•
•
•
•
•
•
•
•
por
por
por
por
por
por
por
por
três pontos não-colineares no plano;
dois vetores não-colineares (“paralelos” ao plano) e um ponto no plano;
uma descrição vetorial;
uma descrição paramétrica;
uma equação geral do plano;
um ponto no plano e uma reta contida no plano que não passa pelo ponto;
duas retas paralelas distintas contidas no plano;
duas retas concorrentes contidas no plano.
10
1o SEMESTRE DE 2016
Faz pleno sentido imaginar como traduzir uma destas descrições para uma outra. De fato, já foram
consideradas as traduções entre as primeiras cinco descrições. (Quanto às últimas duas descrições,
talvez precisamos previamente estudar posições relativas de duas retas.) Será que a gente pode sugerir
mais uma descrição de plano?
1.10. Posições relativas de dois planos. Seja fixo um sistema de coordenadas.
Note que o plano descrito através da equação geral c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c passa pela origem se e só
se c = 0.
Para r ̸= 0, a equação geral de plano rc1 x1 + rc2 x2 + rc3 x3 = rc é equivalente à equação c1 x1 +
c2 x2 + c3 x3 = c. Portanto, ambas determinam um mesmo plano. Por outro lado, os planos dados pelas
equações gerais c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c e c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c′ não interceptam se c ̸= c′ . Logo, tais
planos são paralelos.
Reciprocamente, se os planos P e P ′ com as respectivas equações gerais c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c e
′
c1 x1 + c′2 x2 + c′3 x3 = c′ são paralelos, então a tripla ordenada de números reais (c1 , c2 , c3 ) é proporcional
à tripla (c′1 , c′2 , c′3 ). Realmente, sem perda de generalidade, podemos supor que c = c′ = 0. (Assim,
no lugar de planos P e P ′ , consideramos os paralelos que passam pela origem.) Agora, P = P ′ . Sem
perda de generalidade, podemos supor que c3 = 1. Então os pontos (1, 0, −c1 ) e (0, 1, −c2 ) pertencem
a P e, portanto, a P ′ . Daı́, c′1 − c′3 c1 = 0 e c′2 − c′3 c2 = 0. Em outras palavras, a tripla (c′1 , c′2 , c′3 ) =
(c′3 c1 , c′3 c2 , c′3 ) é proporcional à tripla (c1 , c2 , c3 ) = (c1 , c2 , 1).
Acabamos de elaborar um critério numérico decidindo se dois planos são iguais ou paralelos. Consequentemente, obtemos um critério numérico que determina se dois planos não são iguais nem paralelos,
ou seja, interceptam em uma reta. Em particular, entendemos quando uma reta pode ser dada como a
interseção de dois planos não-paralelos (vide o final do item 1.9.2).
1.10.1. Exercı́cio. Escreva a equação geral do plano que passa pelo ponto (p1 , p2 , p3 ) e é paralelo
ao plano dado pela equação geral c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c.
1.11. Posições relativas de reta e plano. Dados uma reta R e um plano P , temos três alternativas:
ou P contém R, ou R é paralela a P , ou R intercepta P em um ponto.
Seja fixo um sistema de coordenadas.
Suponha que o plano P é dado através da equação geral c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c, que a reta R passa
pelo ponto p := (p1 , p2 , p3 ) e que d := (d1 , d2 , d3 ) é um vetor diretor de R.
A reta R está contida no plano P se e só se dois pontos distintos da reta estão no plano. Assim,
basta testar se os pontos p e p + d satisfazem a equação c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c.
Para decidir se a reta R é paralela ao plano P , podemos trocar a reta por uma reta R′ paralela a
R e o plano por um plano P ′ paralelo a P . Pelo Exercı́cio 1.5.2, duas reta são paralelas se têm um
mesmo vetor diretor. Assim, escolhemos a reta R′ que passa pela origem (0, 0, 0) com o vetor diretor d.
Escolhemos o plano P ′ que é paralelo ao plano P e passa pela origem. Já sabemos que o plano P ′ é
dado pela equação geral c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = 0. A reta R é paralela ao plano P se e só se a reta R′ é
paralela ao plano P ′ . Mas R′ e P ′ passam pela origem. Consequentemente, R′ é paralela a P ′ se e só
se R′ está contida em P ′ . Pelo critério acima, R′ esta contida em P ′ se e só se c1 d1 + c2 d2 + c3 d3 = 0.
Possuindo um critério que decide se uma reta está contida ou é paralela a um plano, temos um critério
decidindo se uma reta não é paralela nem está contida em um plano, isto é, intercepta o plano em um
ponto. Resta aprender como calcular este ponto.
Resolvendo problemas explı́citos, sempre procure as descrições mais adequadas dos objetos envolvidos
no problema. Por exemplo, para achar o ponto de interseção de uma reta com um plano, é mais
confortável usar a descrição paramétrica da reta e a equação geral do plano.
1.12. Posições relativas de duas retas. Duas retas podem ser iguais, paralelas, concorrentes
(isto significa que interceptam em um ponto só) e reversas (isto significa que não são paralelas, mas não
interceptam).
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
11
Seja fixo um sistema de coordenadas.
Suponha que a reta R passa pelo ponto p e tem o vetor diretor d e que a reta R′ passa pelo ponto p′
e tem o vetor diretor d′ .
Pelo Exercı́cio 1.5.2, R e R′ são paralelas se e só se d e d′ são colineares, ou seja, proporcionais.
Sabendo que as retas são paralelas, é fácil entender se são iguais: as retas paralelas R e R′ são iguais se
−→
e só se os vetores pp′ e d são colineares.
No caso de duas retas paralelas não-iguais, podemos querer descrever o plano P que contém ambas
−→
as retas. Para isto, temos o ponto p contido em P e os vetores pp′ e d não-colineares “paralelos” a P .
Agora, suponha que R e R′ não são paralelas. Como decidir se são concorrentes ou reversas? As retas
−→
R e R′ são concorrentes se e só se estão em um mesmo plano. Isto significa que os vetores d, d′ e pp′
são coplanares. Para decidir se três vetores são coplanares aplica-se o Lema 1.8.3.
No caso de duas retas concorrentes, podemos querer descrever o plano P que contém ambas as retas
e encontrar o ponto de interseção das retas. Já sabemos como resolver a primeira tarefa: o plano P
passa pelo ponto p e é “paralelo” aos vetores não-colineares d e d′ . Para a segunda tarefa, basta usar
descrições paramétricas das retas, escapando a armadilha de denotar pela mesma letra os parâmetros
envolvidos.
−→
Concluı́mos que as retas R e R′ são reversas se e só se os vetores d, d′ e pp′ não são coplanares. Neste
caso, existem únicos planos paralelos distintos P e P ′ tais que a reta R está contida no plano P e a reta
R′ está contida no plano P ′ . Com efeito, a reta R tem que estar contida no plano P e a reta R′ , estando
contida no plano P ′ paralelo ao plano P , tem que ser paralela o plano P . Logo, os vetores diretores
d e d′ das retas R e R′ têm que ser “paralelos” ao plano P . Sendo d e d′ não-colineares, o plano P é
determinado pelo ponto p (o ponto p está em R e R está contida em P ) e pelos vetores d e d′ . Por
motivo semelhante, o plano P ′ é determinado pelo ponto p′ e pelos vetores não-colineares d e d′ . Se fosse
P = P ′ , as retas não-paralelas R e R′ estariam contidas em um mesmo plano e lá interceptariam.
1.13. Equação segmentária de plano. Às vezes, a gente tem sorte. Podemos saber que um
plano P intercepta os eixos coodenados nos pontos (a1 , 0, 0), (0, a2 , 0) e (0, 0, a3 ) diferentes da origem.
Neste caso, o plano dado pela equação segmentária xa11 + xa22 + xa33 = 1 obviamente passa pelos pontos
mencionados. Sendo tais pontos não-colineares, eles determinam o plano em questão.
1.14. Números pitagóricos. Todo mundo sabe que existe um triângulo retângulo com lados de comprimentos 3,
4 e 5. Como descobrir todos os triângulos retângulos com lados de comprimentos naturais? Em outras palavras, como
encontrar todas as soluções naturais da equação x2 + y 2 = z 2 ? (Quando procuramos soluções inteiras ou naturais de
equações, lidamos com equações diofantinas.)
Primeiramente, observamos que cada solução inteira (x, y, z) da equação x2 + y 2 = z 2 gera várias outras: basta
multiplicar (x, y, z) por qualquer número inteiro t, obtendo uma nova solução (tx, ty, tz). Estas não são muito interessantes.
Vamos então procurar soluções tais que x, y, z não possuem um divisor inteiro comum não-trivial (os triviais seriam ±1).
Neste caso, x, y, z se chamam coprimos.
Exceto pela solução trivial (0, 0, 0), sempre temos z ̸= 0. Portanto, cada solução inteira da equação x2 + y 2 = z 2 com
z ̸= 0 gera uma solução racional da equação x21 + x22 = 1, fazendo x1 := xz e x2 := yz . Reciprocamente, se temos uma
solução racional da equação x21 + x22 = 1, escrevendo os números racionais x1 , x2 com um denominador comum z, isto é,
x1 = xz e x2 = yz , onde x, y, z são inteiros, obtemos uma solução da equação diofantina em questão.
Qual figura no plano é dada pela equação x21 + x22 = 1 ? Sim, a circunferência unitária! Estamos assim procurando
todos os pontos nesta que têm coordenadas racionais. Um tal ponto é bem conhecido, é (por exemplo) o ponto p0 := (1, 0).
Imagine que você tem mais um ponto p1 := (r1 , r2 ) com coordenadas racionais nesta circunferência. Temos dois pontos
p0 e p1 na circunferência. Fazer o que? Certo, ligar os pontos por uma reta R ! Note que a equação da reta R pode ser
escrita com coeficientes racionais (a situação é bem análoga àquela considerada no Exercicio 1.9.3), isto é, R é dada pela
equação x2 = cx1 + c′ , onde c e c′ são números racionais. O fato que R passa por p0 significa que a equação tem a forma
x2 = c(x1 − 1) com c racional.
Está acontecendo algo interessante: partimos de uma solução racional (r1 , r2 ) — chegamos a uma reta dada pela
equação x2 = c(x1 − 1) com c racional. E se partirmos de uma reta R dada pela equação x2 = c(x1 − 1) com c racional?
1o SEMESTRE DE 2016
12
A reta R intercepta a circunferência em p0 e em mais um ponto p. Substituindo x2 = c(x1 − 1) na equação x21 + x22 = 1,
obtemos uma equação quadrática para achar x1 , sabendo o qual encontramos x2 , ou seja, calculamos as coordenadas
de p. É chato resolver uma equação quadrática . . . Mas não precisamos: uma raiz, x1 = 1, já é conhecida! A equação
2
c2 −1
c2 −1
(para não resolver) é x21 + c2 (x1 − 1)2 = 1, isto é, x21 − c2c
2 +1 x1 + c2 +1 = 0. Assim, a outra raiz é x1 = c2 +1 . Daı́,
( 2
)
x2 = c(x1 − 1) = − c22c
. Concluı́mos que p = cc2 −1
, − c22c
. Se c é racional, as coordenadas do segundo ponto de
+1
+1
+1
interseção de R com a circunferência são racionais! Grosso modo, retas racionais produzem pontos racionais e vice-versa.
O resto é simples. Se tomar c na forma c = ab , onde a e b > 0 são inteiros coprimos, as soluções encontradas ganham a
( 2 2
)
forma aa2 −b
, − a22ab
e as soluções da equação diofantina original se expressam como (x, y, z) = (a2 − b2 , −2ab, a2 + b2 ).
+b2
+b2
Resta fazer um pequeno ajuste. Se um número primo p ̸= ±2 divide os apresentados x, y, z, então p divide um dos a, b e,
portanto, divide o outro. Isto é impossı́vel, pois escolhemos c na forma c = ab com a e b > 0 inteiros coprimos. Pelo mesmo
( 2 2
2
2)
motivo, a, b não são ambos pares, mas se ambos são ı́mpares, precisamos corrigir a solução: (x, y, z) = a −b
, −ab, a +b
.
2
2
2
2
2
Resposta. As triplas coprimas (x, y, z) de números naturais satisfazendo a equação diofantina x + y = z são da
forma (x, y, z) = (0, 0, 0), ou da forma (x, y, z) = (a2 − b2 , 2ab, a2 + b2 ), onde a, b são números naturais coprimos não
( 2 2
2
2)
, ab, a +b
, onde a, b são números naturais ı́mpares
ambos ı́mpares tais que a ⩾ b > 0, ou da forma (x, y, z) = a −b
2
2
coprimos tais que a ⩾ b > 0.
Exercı́cio. Resolva as equações diofantinas x2 + 2y 2 = 3z 2 e x21 + x22 + x23 = x24 .
2. Matrizes e sistemas de equações lineares
 r11 r12 ...
r1n
r21 r22 ... r2n
2.1. Matrizes. Uma matriz é uma tabela retangular M :=  ..
.

.. . . ..  de números reais.
. .
.
rm1 rm2 ... rmn
Os números rij ’s se chamam coeficientes (ou entradas) da matriz, rij é o coeficiente ij-ésimo da matriz
M indicando assim a posição do coeficiente: rij está na i-ésima linha e na j-ésima coluna. A matriz
M tem tamanhos m × n, onde m é o número de linhas e n é o número de colunas da matriz. De modo
mais econômico, escrevemos M = [rij ]m×n ou, ainda, M = [rij ] se os tamanhos são previstos.
′
2.1.1. Adição (subtração) de matrizes. Sejam M := [rij ]m×n e M ′ := [rij
]m×n matrizes,
′
ambas de tamanhos m × n. A soma destas matrizes M + M é uma m × n-matriz dada pela fórmula
′
M + M ′ := [rij + rij
]. Se rij = 0 para todos i, j, temos a matriz nula 0m×n . A matriz oposta da
matriz M := [rij ] é dada por −M := [−rij ]. As propriedades análogas às N, O, C e A são obviamente
válidas. A fórmula M − M ′ := M + (−M ′ ) introduz a diferença das matrizes M e M ′ . Enfatizamos
que as operações que acabamos de descrever se aplicam apenas para matrizes dos mesmos tamanhos.
Escrevendo M + M ′ (ou M − M ′ ), silenciosamente assumimos que as matrizes M e M ′ têm mesmos
tamanhos.
2.1.2. Multiplicação de matrizes por escalar. Seja M := [rij ]m×n uma matriz e seja r um
número real. O r-múltiplo escalar da matriz M é uma m × n-matriz dada pela fórmula r · M := [rrij ].
As propriedades análogas às U, DE, AM e DD são obviamente válidas.
2.1.3. Transposição de matrizes. A matriz transposta M t de uma m × n-matriz M := [rij ]m×n é
uma n × m matriz cujo ij-ésimo coeficiente é igual ao ji-ésimo coeficiente de M , isto é, M t := [cij ]n×m ,
onde cij := rji para todos i, j. Deste modo, a i-ésima linha de M vira a i-ésima coluna de M t e a
j-ésima coluna de M vira a j-ésima linha de M t . A transposição de matrizes é obviamente sujeita às
seguintes propriedades:
t
M t = M,
(M + M ′ )t = M t + M ′ ,
t
(r · M )t = r · M t .
2.1.4. Notação de somatório. Sejam ri números reais indexados por i que percorre os números
n
∑
naturais no intervalo 1 ⩽ i ⩽ n. Denotemos
ri := r1 + r2 + · · · + rn . Tal notação é bem útil quando
i=1
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
13
lidamos com matrizes, especialmente se levar em conta as seguintes propriedades de somatório:
n
∑
ri =
i=1
n
∑
rj ,
j=1
n
n
n
∑
∑
∑
(ri + ri′ ) =
ri +
ri′ ,
i=1
i=1
r
i=1
n
∑
i=1
ri =
n
∑
m ∑
n
∑
rri ,
i=1
rij =
i=1 j=1
n ∑
m
∑
rij .
j=1 i=1
A demonstração destas é fácil e fica ao cargo do leitor.
′
2.1.5. Multiplicação de matrizes. Seja M := [rij ]l×m uma l×m-matriz e seja M ′ := [rjk
]m×n uma
′
m × n-matriz. Neste (e apenas neste) caso podemos multiplicar as matrizes M ∑
e M . O produto M · M ′
m
′
é uma l × n-matriz [cik ]l×n cujos coeficientes são definidos pela regra cik := j=1 rij rjk
. Em outras
′
palavras, para obter o ik-ésimo coeficiente da matriz produto M · M , “multiplicamos” a i-ésima linha
da matriz M pela k-ésima coluna da matriz M ′ : coincidentemente, cada uma das mencionadas linha e
coluna têm m coeficientes, o que torna possı́vel multiplicar os correspondentes coeficientes e somar tais
produtos para obter o coeficiente ik-ésimo da matriz produto M · M ′ . A apresentada regra “linha por
coluna” serve bem para memorizar a definição de multiplicação.
Escrevendo M · M ′ , silenciosamente assumimos que as matrizes M e M ′ têm tamanhos compatı́veis
para a multiplicação.
Listamos as propriedades básicas da multiplicação:
de. (M1 + M2 ) · M = M1 · M + M2 · M para quaisquer l × m-matrizes M1 , M2 e m × n-matriz M ;
dd. M · (M1 + M2 ) = M · M1 + M · M2 para quaisquer l × m-matriz M e m × n-matrizes M1 , M2 ;
am. (M1 · M2 ) · M3 = M1 · (M2 · M3 ) para quaisquer matrizes M1 , M2 e M3 de tamanhos k × l, l × m e
m × n, respectivamente;
tm. (M1 · M2 )t = M2t · M1t para quaisquer l × m-matriz M1 e m × n-matriz M1 ;
em. r · (M1 · M2 ) = (r · M1 ) · M2 = M1 · (r · M2 ) para quaisquer número real r, l × m-matriz M1 e
m × n-matriz M1 .
Usando a notação de somatório, o leitor é bem-vindo verificar estas propriedades. Para exemplificar,
mostramos am e tm.
am. Suponha que M1 := [uab ], M2 := [vbc ] e M3 := [wcd ] (note uma escolha confortável de letras
l
∑
para os ı́ndices). Então M1 · M2 = [fac ], onde fac =
uab vbc . Portanto, (M1 · M2 ) · M3 = [gad ], onde
gad =
m ( ∑
l
∑
c=1
b=1
l
m
)
(∑
)
∑
uab vbc wcd . Analogamente, M1 · (M2 · M3 ) = [had ], onde had =
uab
vbc wcd . Pela
b=1
terceira propriedade de somatório, gad =
m ∑
l
∑
c=1 b=1
uab vbc wcd e had =
l ∑
m
∑
uab vbc wcd . Para mostrar que
b=1 c=1
gad = had para todos a e d, resta usar a quarta propriedade de somatório
■
tm. Suponha que M1 := [uij ] e M2 := [vjk ]. Então M1 · M2 = [fik ] com fik =
(M1 · M2 )t = [gab ], onde gab = fba =
m
∑
j=1
c=1
b=1
m
∑
uij vjk . Portanto,
j=1
ubj vja . Por outro lado, M2t · M1t = [hab ] com hab =
m
∑
vja ubj
j=1
■
1 0
... 0 
0 1 ... 0
2.1.6. Matriz identidade e matriz inversa. A n × n-matriz (quadrada) 1n :=  .. .. . . ..  é a
.. ..
0 0 ... 1
matriz identidade. Não é difı́cil verificar que tal matriz satisfaz a propriedade
u. M · 1n = M e 1n · M ′ = M ′ para quaisquer m × n-matriz M e n × l-matriz M ′ .
′
′
Seja M uma m × n-matriz. Uma [n ×
] m-matriz[ M] é dita inversa
[ ] da matriz M se M · M = 1m e
M ′ · M = 1n . As igualdades [ 1 0 ] · 10 = [ 1 ] e 10 · [ 1 0 ] = 10 00 mostram que M · M ′ = 1m não
1o SEMESTRE DE 2016
14
implica M ′ · M = 1n . A inversa é única se existir. Realmente, se M ′′ é mais uma inversa de M , então
M ′′ = 1n · M ′′ = (M ′ · M ) · M ′′ = M ′ · (M · M ′′ ) = M ′ · 1m = M ′ pelas propriedades u, am e u, pois
1n = M ′ · M e M · M ′′ = 1m .
É possı́vel mostrar que apenas matrizes quadrados podem possuir inversa. A inversa de M , se existir,
se denota por M −1 .
2.2. Sistemas de equações lineares. Qualquer sistema de equações lineares

c x + c12 x2 + · · · + c1n xn = c1

 11 1
c21 x1 + c22 x2 + · · · + c2n xn = c2
...


cm1 x1 + cm2 x2 + . . . + cmn xn = cm

c11 c12 ... c1n
c21 c22 ... c2n

pode ser escrita na forma matricial M · X = C, onde M :=  .. .. . . ..  é a matriz do sistema,
. .
. .
cm1 cm2 ... cmn
 x1 
 c1 
x2
c2
X :=  ..  é a coluna das variáveis e C :=  ..  é a coluna das partes direitas das equações. A matriz
.
.
xn
m
 c11 cc12
... c1n | c1 
c21 c22 ... c2n | c2

aumentada do sistema A := [M |C] :=  ..
.
.. . . .. .. 
codifica toda informação sobre o sistema.
. . . 
.
cm1 cm2 ... cmn | cm
Note que cada coluna da matriz do sistema corresponde a uma variável e cada linha da matriz aumentada
do sistema pode (e deve) ser interpretada como uma equação do sistema.
A cada sistema associamos um sistema homogêneo. Em termos de matrizes aumentadas, o sistema
homogêneo associado a [M |C] é [M |0m×1 ], ou seja, tem a forma M · X = 0m×1 .
Primeiramente, consideramos um sistema homogêneo M · X = 0. É claro que 0n×1 é uma solução
(trivial ) do sistema. Seja S uma solução do sistema, isto é, M · S = 0m×1 . Pela propriedade em, r · S
também é uma solução do sistema para qualquer número real r. Sejam S1 e S2 soluções do sistema.
Então S1 +S2 também é uma solução do sistema pelas propriedades dd e N. Consequentemente, qualquer
combinação linear de soluções do sistema é uma solução do sistema.
Caso o sistema possua uma solução não-trivial, ele tem infinitas soluções. E aı́, como listar agora
todas as soluções? Acontece que podemos encontrar uma quantidade finita de soluções S1 , S2 , . . . , Sk
(uma base linear de soluções do sistema homogêneo) tal que toda solução é uma única combinação linear
destas.3 Assim, uma solução arbitrária do sistema tem a (única) forma p1 · S1 + p2 · S2 + · · · + pk · Sk ,
onde os números reais p1 , p2 , . . . , pk podem ser interpretados como parâmetros. Variando os parâmetros,
listamos todas as soluções.
Voltamos a considerar o sistema não-homogêneo M · X = C. Seja S0 uma solução particular desta,
M · S0 = C. Para uma solução arbitrária S do sistema, S − S0 é uma solução do sistema homogêneo
associado, pois M · (S − S0 ) = M · S − M · S0 = C − C = 0m×1 pelas propriedades dd e O. Portanto, para resolver o sistema geral, basta encontrar uma solução particular S0 do sistema e achar uma
base S1 , S2 , . . . , Sk de soluções do sistema homogêneo associado. Variando os parâmetros p1 , p2 , . . . pk ,
a fórmula S0 + p1 · S1 + p2 · S2 + · · · + pk · Sk lista todas as soluções do sistema geral.
2.2.1. Exercı́cio. Se um sistema de equações lineares tem mais variáveis do que equações, é verdade
que o sistema tem infinitas soluções?
3 Deixamos
este fato sem demonstração. Este assunto se estuda na álgebra linear.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
15
2.2.2. Escalonamento e pivotização. Dois sistemas de equações lineares são ditos equivalentes se
possuem as mesmas soluções. Estudamos (ou recordamos) aqui o método de Gauss-Jordan de solução de
um sistema de equações lineares. Grosso modo, o método consiste em modificar o sistema várias vezes
para um sistema equivalente (melhor dizendo, modificamos a matriz aumentada do sistema), de modo
que as soluções do sistema ficam enfim transparentes.
As seguintes operações elementares com a matriz aumentada do sistema
• trocar a posição de duas linhas da matriz,
• multiplicar uma linha da matriz por um escalar diferente de zero,
• somar a uma linha da matriz um múltiplo escalar de outra linha
mantêm equivalente o correspondente sistema. Nosso objetivo é, aplicando operações elementares, conseguir a matriz escalonada reduzida que se caracteriza pelas propriedades:
•
•
•
•
todas as linhas nulas ocorrem abaixo das não-nulas;
o primeiro coeficiente não-nulo de cada linha não-nula, chamado pivô, é igual a 1;
o pivô da (i + 1)-ésima linha não-nula está à direita do da i-ésima;
na coluna de um pivô, todos os outros coeficientes são nulos.
Omitindo a segunda exigência, caracterizamos uma matriz escalonada semi-reduzida. Para conseguir
a escalonada semi-reduzida, as operações elementares do segundo tipo serão desnecessárias. Lidando
com exemplos explı́citos, é melhor tentar escapar o segundo tipo de operações elementares quando elas
levam a números fracionais, deixando o uso de tais operações mais para o final.
Primeiramente, vamos entender por que, tendo obtido a forma escalonada reduzida da matriz aumentada do sistema, de fato resolvemos o sistema.
Se o pivô de uma linha está na última coluna, o sistema não admite soluções, pois a correspondente
equação tem a forma 0 = 1. Caso contrário, chamamos livres as variáveis que não correspondem às
colunas com pivôs. Estas servem como parâmetros da solução geral do sistema. Ainda mais, a solução
geral obtida deste modo já providencia uma solução particular S0 e uma base linear de soluções do
sistema homogêneo associado.


1 0 3 0 0|2
0 1 2 0 0|3
É melhor ver isto em um exemplo numérico. A matriz aumentada  0 0 0 1 4 | 1  do sistema já é
0 0 0 0 0|0
escalonada reduzida. As variáveis livres são x3 e x5 . O sistema correspondente tem a forma
{x
1 +3x3 = 2
x2 +2x3 = 3
x4 +4x5 = 1
.
Considerando
as variáveis livres como parâmetros, p1 := x3 e p2 := x5 , reescrevemos o sistema como
{ x =2−3p
1
1
x2 =3−2p1 . Escolhendo valores arbitrários para as variáveis livres x3 e x5 , isto é, para os parâmetros
x4 =1−4p2
p1 e p2 , as equações do último sistema calculam os valores das variáveis não-livres x1 , x2 e x4 . Sendo
o último sistema
 equivalente
   ao original,
  listamos
 assim
 todas as soluções. Portanto, todas as soluções
x1
x
2
x4
x5
1
0
−3
 2  3
 −2 

são da forma  x3  =  0  + p1 ·  1  + p2 · 
0
0
0
0

0 
−4
1
:= S0 + p1 · S1 + p2 · S2 . Aqui S0 é uma solução
particular do sistema e S1 , S2 formam uma base linear de soluções do sistema homogêneo associado.4
2.2.3. Teorema. Usando as operações elementares com as linhas de uma matriz M , podemos
fazê-la escalonada reduzida. Sem uso das operações do segundo tipo, podemos fazer M escalonada
semi-reduzida.
4 O fato que S , S são LI segue de uma óbvia observação, válida em geral: Seja x uma variável livre. Então os
1
2
i
i-ésimos coeficientes das colunas-soluções do sistema homogêneo são todos nulos, exceto aquele correspondendo à própria
variável xi , que é igual a 1.
1o SEMESTRE DE 2016
16
Demonstração. Provaremos só a segunda afirmação, pois a primeira se mostra analogamente.
Passo 1. Usando operações elementares do primeiro tipo, colocamos todas as linhas nulas de M
abaixo das não-nulas. Em seguida, sempre que encontramos uma linha nula em M , aplicamos este
passo.
Passo 2. Procuramos a primeira coluna não-nula de M . Se não há nenhuma, paramos pois a matriz
já é escalonada semi-reduzida. Usando operações elementares do primeiro tipo, podemos supor que o
coeficiente não-nulo desta coluna fica na primeira linha.
Passo 3. Pivotizamos aqueles coeficientes desta coluna que não ficam na primeira linha por meio
de pivô da primeira linha usando o terceiro tipo de operações elementares. Assim, conseguimos todos
coeficientes nulos nesta coluna, além do pivô.
Passo 4. Temporariamente desconsiderando a primeira linha, procedemos com o resto da matriz
como nos passos 1–3. Obtemos um pivô na segunda linha.
Passo 5. Aplicando uma operação elementar do terceiro tipo, zeramos o coeficiente da primera linha
que fica na coluna do pivô da segunda linha.
Passo 6. Temporariamente desconsiderando as primeira e segunda linhas, procedemos com o resto
da matriz como nos passos 1–3. Obtemos um pivô na terceira linha • • • ■
2.2.4. Como achar a matriz inversa usando escalonamento. Como resolver a equação mx = c,
onde m e c são números reais? Se m ̸= 0, multiplicar ambas as partes da equação por m−1 , chegando a
solução x = m−1 c. A mesma ideia funciona para um sistema M · X = C de equações lineares se a matriz
do sistema M é quadrada e possui inversa, pois X = 1n · X = (M −1 · M ) · X = M −1 · (M · X) = M −1 · C
pelas propriedades u, am e definição da matriz inversa. Um único problema aqui é como calcular
explicitamente a matriz inversa M −1 .
Dada uma n × n-matriz (quadrada) M , montamos a matriz A := [M |1n ] e escalonamos a matriz A.
Pelo Teorema 2.2.3, obtemos uma matriz escalonada reduzida [U |V ], onde U e V são n × n-matrizes.
Se U = 1n , então a matriz M é inversı́vel e M −1 = V . Se U ̸= 1n , a matriz M não possui inversa.5
2.2.5. Determinante. O determinante determina se as colunas de uma matriz quadrada são LD,
como no Lema 1.8.3. Boa parte dos fatos apresentados neste item fica sem demonstração.6
Seja M := [cij ] uma n × n-matriz (quadrada) e sejam 1 ⩽ i, j ⩽ n ı́ndices. Retirando-se a i-ésima
linha e a j-ésima coluna da matriz M , obtemos uma (n − 1) × (n − 1)-matriz Mij chamada o ij-ésimo
menor de M .
Definimos indutivamente o determinante det M . Para 1 × 1-matrizes, o determinante é dado por
det[c] := c. Suponha que já se sabe a fórmula para o determinante de (n−1)×(n−1)-matrizes. Seja M :=
n
∑
[cij ] uma n × n-matriz. Definimos o determinante det M pela fórmula det M :=
ci1 (−1)i+1 det Mi1 .
i=1
[ c c12 ]
Deste modo, obtemos a fórmula det c11
= c11 c22 − c12 c21 e a fórmula para o determinante de
21 c22
3 × 3-matriz apresentada na página 8.
Listamos as propriedades básicas do determinante.
• O determinante é linear em cada coluna de matriz. Mais precisamente, escrevemos n × n-matrizes
como sendo compostas pelas suas colunas [C 1 . . . C i . . . C n ]. Mantendo todas as colunas as mesmas,
além da i-ésima, temos
det[C 1 . . . C i + C ′ . . . C n ] = det[C 1 . . . C i . . . C n ] + det[C 1 . . . C ′ . . . C n ],
i
i
det[C 1 . . . r · C i . . . C n ] = r det[C 1 . . . C i . . . C n ]
para qualquer número real r.
5 Deixamos
6 Esta
esta “receita” sem demonstração. Talvez o assunto aparecerá na álgebra linear.
matéria se estuda na álgebra linear.
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17
• As colunas C 1 , . . . , C i , . . . , C n são LD se e só se det[C 1 . . . C i . . . C n ] = 0. Em particular, o determinante é nulo se duas colunas da matriz são iguais. Pela linearidade do determinante, deduzimos daqui
que, permutando duas colunas da matriz, o determinante muda de sinal. Com efeito,
0 = det[. . . C i + C j . . . C i + C j . . . ] = det[. . . C i . . . C i . . . ] + det[. . . C i . . . C j . . . ]+
+ det[. . . C j . . . C i . . . ] + det[. . . C j . . . C j . . . ] = det[. . . C i . . . C j . . . ] + det[. . . C j . . . C i . . . ],
isto é, det[. . . C j . . . C i . . . ] = − det[. . . C i . . . C j . . . ]. Mais uma consequência óbvia:
det[. . . C i . . . C j . . . ] = det[. . . C i + r · C j . . . C j . . . ],
onde r é um número real arbitrário. Em outras palavras, o determinante não se altera se adicionar a
uma coluna da matriz um múltiplo escalar de uma outra coluna. Assim, para calcular o determinante,
podemos escalonar a matriz por colunas anotando durante o escalonamento as trocas de sinal e os fatores
em evidência. (Não há necessidade de escalonar até uma matriz escalonada reduzida. Basta obter uma
matriz triangular, isto é, uma matriz cujos coeficientes abaixo (ou acima) da diagonal principal são
nulos.) Note que tal método é bem mais econômico na prática do que a própria definição.
• det(M1 · M2 ) = (det M1 ) · (det M2 ) para quaisquer n × n-matrizes M1 e M2 .
n
∑
• det M =
cij (−1)i+j det Mij para quaisquer n × n-matriz M := [cij ] e 1 ⩽ j ⩽ n. Este é o
i=1
desenvolvimento de Laplace pela j-ésima coluna. A definição de determinante é nada mais do que o
desenvolvimento de Laplace pela primeira coluna. O termo (−1)i+j det Mij se chama ij-ésimo cofator
da matriz M . A matriz transposta da matriz formada pelos cofatores de M é dita a matriz adjunta
a M , isto é, adj M := [fij ], onde fij := (−1)i+j det Mji .
• det M t = det M para qualquer matriz quadrada M . Assim, tudo que foi dito acima a respeito de
colunas pode ser repetido para linhas.
• M · adj M = adj M · M = (det M ) · 1n para qualquer n × n-matriz M . Isto é uma consequência do
desenvolvimento de Laplace. Mais ainda, uma matriz quadrada M possui inversa se e só se det M ̸= 0.
Portanto, obtemos uma fórmula explı́cita para a matriz inversa: M −1 = det1M · adj M . A gloriosa
regra de Cramer segue desta fórmula e do desenvolvimento de Laplace: o sistema de equações lineares
M · X = C, onde M := [C 1 . . . C n ] é uma n × n-matriz com det M ̸= 0, admite uma única solução dada
det[C 1 . . . C i−1 CC i+1 . . . C n ]
pela fórmula xi :=
.
det M
3. Espaço euclidiano
Na seção 1, estávamos estudando aspectos lineares dos vetores e do espaço. A presente seção é
dedicada ao estudo das propriedades métricas dos vetores e do espaço tais como distâncias, ângulos,
áreas, volumes, etc. Para tal fim, precisamos introduzir no espaço uma estrutura mais rica do que aquela
linear/afim com a qual lidamos até agora.
3.1. Produto escalar. Seja v um vetor. O módulo (ou comprimento ou norma) de v, denotado
por |v|, é simplesmente o comprimento de qualquer representante de v. A definição é claramente correta.
Listamos as propriedades básicas do módulo:
• |v| = 0 se e só se v = ⃗0;
• (desigualdade triangular ) |v1 + v2 | ⩽ |v1 | + |v2 | para quaisquer vetores v1 e v2 ;
• |r · v| = |r| · |v| para quaisquer vetor v e número real r.
A última segue da definição de multiplicação por escalar.
18
1o SEMESTRE DE 2016
Sejam v1 , v2 ̸= ⃗0 vetores não-nulos. Os colocando na mesma origem, podemos medir o ângulo α entre
v1 e v2 . Como na demonstração do Lema 1.2.4 ou no segundo parágrafo do item 1.3, podemos construir
um prisma para ver que a definição é correta. Não é possı́vel medir o ângulo se um dos vetores é nulo.
O ângulo α entre dois vetores assume valores no intervalo 0 ⩽ α ⩽ π. (Assim, sabendo cos α, sabemos
o ângulo α.) Se α = 0, então v2 = r · v1 com r > 0. Se α = π2 , os vetores são ortogonais. Se α = π,
então v2 = r · v1 com r < 0.
Para definir o espaço euclidiano, começamos com um crime:
3.1.1. Definição. Fixemos uma base ortonormal b1 , b2 , b3 de vetores.7 Isto significa que os vetores
b1 , b2 , b3 são ortogonais por pares e |b1 | = |b2 | = |b3 | = 1. Sejam v = (v1 , v2 , v3 ) e w = (w1 , w2 , w3 )
vetores. Definamos o produto escalar (ou produto interno) v · w de v e w pela fórmula v · w := [v1 v2 v3 ] ·
[w1 w2 w3 ]t , ou seja, v · w := v1 w1 + v2 w2 + v3 w3 .
Listamos as propriedades básicas do produto escalar.
• O produto escalar é bilinear. Isto significa que (r1 · v1 + r2 · v2 ) · w = r1 (v1 · w) + r2 (v2 · w) (o produto
escalar v · w é linear em v) e v · (r1 · w1 + r2 · w2 ) = r1 (v · w1 ) + r2 (v · w2 ) (o produto escalar v · w
é linear em w) para quaisquer números reais r1 , r2 e vetores v, v1 , v2 , w, w1 , w2 . A bilinearidade segue
imediatamente das propriedades de, dd e em de multiplicação de matrizes.
• O produto escalar é simétrico, isto é, v · w = w · v para quaisquer vetores v e w.
• O produto escalar é positivo. Isto significa que v · v ⩾ 0 e v · v = 0 apenas se v = ⃗0.
√
• |v| = v · v para qualquer vetor v. (Poderı́amos usar isto como a definição de módulo de vetor.)
2
Realmente, se v = (v1 , v2 , v3 ), então (v1 , v2 , 0) = v12 + v22 pelo teorema de Pitágoras, pois os vetores
(v1 , 0, 0) e (0, v2 , 0) são ortogonais. Sendo ortogonais os vetores (v1 , v2 , 0) e (0, 0, v3 ), pelo teorema
2
2
de Pitágoras, obtemos (v1 , v2 , v3 ) = (v1 , v2 , 0) + v32 . Finalmente, |v|2 = v12 + v22 + v32 , ou seja,
√
|v| = v · v.
• v · w = |v| · |w| · cos α, onde α é o ângulo entre os vetores v e w. (Se um dos vetores é nulo, o valor do
ângulo é irrelevante.) Com efeito, considere o triângulo “formado” pelos vetores v, w, v − w. Pelo lei do
cosseno, |v −w|2 = |v|2 +|w|2 −2|v|·|w|·cos α. Mas |v −w|2 = (v −w)·(v −w) = v ·v −v ·w −w ·v +w ·w =
|v|2 + |w|2 − 2v · w, pois o produto escalar é bilinear e simétrico. Isto implica o desejado.
As duas últimas propriedades constituem o sentido geométrico do produto escalar; são caracterı́sticas geométricas que determinam o produto em questão. Portanto, o produto escalar não tem nada
a ver com a escolha particular de uma base ortonormal como poderia parecer logo após a Definição 3.1.1.
(Poderı́amos tomar a última propriedade como uma definição do produto escalar.)
Usando o produto escalar, podemos medir o ângulo 0 ⩽ α ⩽ π entre quaisquer vetores não-nulos v1
·v2
e v2 : cos α = |vv11|·|v
. Também podemos medir a distância entre dois pontos p e p′ , pois dist(p, p′ ) =
2|
√
−→
−→ −→
|pp′ | =
pp′ · pp′ . Em termos das coordenadas relativas a um sistema cartesiano, isto é, quando
√
temos uma origem e uma base ortonormal fixos, dist(p, p′ ) =
(r1′ − r1 )2 + (r2′ − r2 )2 + (r3′ − r3 )2 ,
′
′
′
′
onde p = (r1 , r2 , r3 ) e p = (r1 , r2 , r3 ).
Outras notações para o produto escalar v · w que se encontram na literatura são (v, w) e ⟨v, w⟩.
3.1.2. Exercı́cio. Sejam v1 e v2 vetores. Mostre que |v1 ± v2 |2 ∓ 2v1 · v2 = |v1 |2 + |v2 |2 .
3.1.3. Exercı́cio. Sejam v1 e v2 vetores. Mostre que |v1 | = |v2 | se e só se o vetor v1 + v2 é ortogonal
ao vetor v1 − v2 .
3.1.4. Exercı́cio. Sejam u e v ̸= ⃗0 vetores. Mostre que existem vetores w0 e w1 tais que w0 e v são
colineares, w1 e v são ortogonais e u = w0 + w1 . Será que w1 = u − u·v
v·v · v ?
7 Em livros de geometria analı́tica se usa a notação ⃗i, ⃗
j, ⃗k para uma base ortonormal “padrão” no espaço. (Graças a
deus, não usam hieróglifos!) Salvaremos i, j, k para uso um pouco mais adequado.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
19
3.1.5. Ângulos diretores de vetor. Seja b1 , b2 , b3 uma base ortonormal e seja v ̸= ⃗0 um vetor
não
1
1
1
nulo. Então w := |v|
· v é um vetor unitário. Isto significa que |w| = 1 (realmente, |w| = |v|
· v = |v|
· |v|
= 1). Em termos de coordenadas relativas à base b1 , b2 , b3 , temos w = (w1 , w2 , w3 ) com w12 +w22 +w32 = 1.
É imediato que b1 = (1, 0, 0), b2 = (0, 1, 0) e b3 = (0, 0, 1). Portanto, w ·b1 = w1(, w ·b2)= w2 e w ·b3 = w3 .
v·bi
1
Denotamos por αi o ângulo entre os vetores v e bi . Temos cos αi = |v|·|b
= |v|
· v · bi = w · bi = wi ,
i|
pois |bi | = 1. Logo, w = (cos α1 , cos α2 , cos α3 ). Os ângulos α1 , α2 , α3 são os ângulos diretores do vetor v
relativos à base b1 , b2 , b3 . Como vemos, cos2 α1 + cos2 α2 + cos2 α3 = 1. Reciprocamente, dados ângulos
α1 , α2 , α3 , se cos2 α1 + cos2 α2 + cos2 α3 = 1, existe um vetor não-nulo v tal que os αi ’s são ângulos
diretores de v : usando argumentos os como acima, basta verificar que o vetor v := (cos α1 , cos α2 , cos α3 )
tem os mencionados ângulos como diretores. De fato, tal vetor v é único a menos de multiplicá-lo por
um escalar positivo.
3.1.6. Ângulo entre retas. Sejam R1 e R2 retas com vetores diretores d1 e d2 , respectivamente.
·d2
Para medir o ângulo α entre R1 e R2 , poderı́amos usar a fórmula cos α = |dd11|·|d
? Quase, pois temos
2|
um pequeno probleminha: se trocarmos, digamos, d1 por −d1 , a reta R1 não se altera. Entretanto,
a expressão acima muda de sinal. Para entender a essência do problema, vamos supor que as retas são
concorrentes e aumentar pouco a pouco o ângulo entre si. Quando chegamos ao ângulo π2 , as retas ficam
perpendiculares. Após este momento, o ângulo diminui! Agora é claro que o ângulo entre retas assume
valores no intervalo 0 ⩽ α ⩽ π2 . Quando o ângulo β entre os vetores d1 e d2 ultrapassa π2 , o ângulo entre
as retas será π − β. Sabemos que cos(π − β) = − cos β, ou seja, cos(π − β) = | cos β| quando π2 ⩽ β ⩽ π.
·d2 |
Como consertar a fórmula? O remédio é simples: cos α = |d|d11|·|d
. A nova fórmula independe da
2|
escolha de vetores diretores (vide o Exercı́cio 1.5.1) e, quando α varia no intervalo indicado, o cosseno
é não-negativo.
Sim, a fórmula está medindo o ângulo, mesmo se as retas são reversas.
3.1.7. Vetor normal a plano. Ângulos entre planos e entre reta e plano. Consideramos
um plano P dado pela equação geral c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c em termos de um sistema cartesiano de
coordenadas. Então o vetor n := (c1 , c2 , c3 ) ̸= ⃗0 é um vetor normal a P . Isto significa que n é ortogonal
a qualquer vetor “paralelo” a P . Com efeito, sejam p = (r1 , r2 , r3 ) e q = (x1 , x2 , x3 ) pontos em P . Então
−→
c1 r1 + c2 r2 + c3 r3 = c, c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c e n · pq = c1 (x1 − r1 ) + c2 (x2 − r2 ) + c3 (x3 − r3 ) = c − c = 0.
−→
Reciprocamente, dados um vetor não-nulo n ̸= ⃗0 e um ponto p = (r1 , r2 , r3 ), a equação n · pq = 0 para
um ponto q = (x1 , x2 , x3 ) determina o plano passando por p com o vetor normal n.
Note que um mesmo plano possui vários vetores normais, mas todos são colineares. Dois planos são
paralelos se e só se seus vetores normais são colineares.
Da mesma forma como o ângulo entre retas, o ângulo α entre planos varia no intervalo 0 ⩽ α ⩽ π2 .
·n2 |
Pelas razões semelhantes, podemos calcular tal ângulo pela fórmula cos α = |n|n11|·|n
, onde n1 e n2 são
2|
vetores normais aos planos. Esta fórmula trata como nulo o ângulo entre planos paralelos.
Seja R uma reta com um vetor diretor d e seja P um plano com um vetor normal n. Qual ângulo
|d·n|
β calcula a fórmula cos β = |d|·|n|
? Não é o ângulo entre a reta e o plano! É fácil ver que o ângulo α
entre R e P está no intervalo 0 ⩽ α ⩽ π2 e que α + β = π2 . Portanto, sen α =
como nulo o ângulo entre um plano e uma reta paralela ao plano.
|d·n|
|d|·|n| .
Esta fórmula trata
3.1.8. Distâncias entre ponto e plano, entre planos paralelos e entre plano e reta paralela ao plano. A distância entre duas figuras F1 e F2 no espaço é definida como o mı́nimo das
distâncias dist(p1 , p2 ), onde p1 percorre a figura F1 e p2 percorre a figura F2 . Assim, dist(F1 , F2 ) :=
min dist(p1 , p2 ). É claro que dist(F1 , F2 ) = 0 se as figuras F1 e F2 se interceptam. Talvez, é melhor
p1 ∈F1
p2 ∈F2
escrever inf (ı́nfimo) no lugar de min, pois há casos quando o mı́nimo não se atinge. Por exemplo, consi-
1o SEMESTRE DE 2016
20
dere a figura F1 dada no plano com coordenadas cartesianas pela equação x1 x2 = 1 e a figura F2 dada
neste plano pela equação x2 = 0 : as figuras F1 e F2 não se interceptam; entretanto, dist(F1 , F2 ) = 0.
Seja P o plano passando pelo ponto p com um vetor normal n e seja q um ponto. Então dist(q, P ) =
−→
|n· pq |
|n| .
Realmente, considere o triângulo retângulo com os vértices p, q, q ′ , onde q ′ é o ponto mais
próximo a q no plano P . Então dist(q, P ) = dist(q, q ′ ). Por outro lado,
−→
−→
−→
|n· pq |
|n|
−→
= | pq | · | cos α|, onde α é
o ângulo entre os vetores pq e n. Resta perceber que | pq | · | cos α| é o comprimento do cateto [q, q ′ ].
Suponha que um sistema cartesiano de coordenadas está fixo. Sejam P e P ′ planos paralelos. Como
sabemos da subseção 3.1.7, podemos supor que os planos P e P ′ têm um mesmo vetor normal n =
(c1 , c2 , c3 ) e admitem assim as equações gerais c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c e c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 = c′ ,
′
−c|
respectivamente. Então dist(P, P ′ ) = |c|n|
. Com efeito, escolhendo um ponto p = (x1 , x2 , x3 ) em P
−→
e um ponto p′ = (x′1 , x′2 , x′3 ) em P ′ , temos dist(P, P ′ ) = dist(P, p′ ) =
−→
|n·pp′ |
|n| ,
−→
com pp′ = (x′1 − x1 , x′2 −
x2 , x′3 − x3 ). Daı́, n · pp′ = c1 (x′1 − x1 ) + c2 (x′2 − x2 ) + c3 (x′3 − x3 ) = c′ − c, pois p está em P e p′ está
em P ′ .
A tarefa de medir a distância entre um plano P e uma reta R paralela ao plano se reduz à questão
já resolvida: basta tomar qualquer ponto q na reta R, pois dist(R, P ) = dist(q, P ).
3.1.9. Números complexos. É proibido extrair raiz quadrada de −1. Portanto, vamos8 fazê-la.
√
Denotamos por i := −1 a unidade imaginária. Um número complexo é uma expressão (por enquanto) formal do tipo
x + yi, onde x e y são números reais. Denotamos por C := {x + yi | x, y ∈ R} o conjunto de todos os números complexos.
Desta forma, os números complexos formam um plano com dois eixos distinguidos: o eixo real R := {x+0i | x ∈ R} e o eixo
imaginário Ri := {0 + yi | y ∈ R}. Chamamos x a parte real do número complexo z := x + yi e y a parte imaginária de z,
denotando Re z := x e Im z := y. A adição dos números complexos é dada pela regra esperada (x1 + y1 i) + (x2 + y2 i) :=
(x1 + x2 ) + (y1 + y2 )i. Obviamente, a adição é comutativa, associativa, possui um elemento neutro 0 := 0 + 0i (0 + z = z
para qualquer número complexo z) e, para cada número complexo z := x + yi, temos o oposto −z := (−x) + (−y)i tal que
z + (−z) = 0. Introduzimos a multiplicação de números complexos: (x1 + y1 i)(x2 + y2 i) := (x1 x2 − y1 y2 ) + (x1 y2 + y1 x2 )i.
Tal definição parece óbvia se levar em conta que i2 = −1. É claro que a multiplicação é comutativa. Por uma verificação
direta, podemos mostrar a associatividade e a distributividade da multiplicação.
Aplicando as operações introduzidas para os números reais (pertencentes ao eixo real), obtemos obviamente as operações
usuais com os números reais. Isto possibilita pensar no conjunto R de números reais como contido no conjunto C de números
complexos.
Sendo honesto, há mais um número complexo, além de i, cujo quadrado é −1. É o ofendido −i. Para restituir
(parcialmente) a justiça, introduzimos a conjugação complexa que troca os papéis de i e −i : x + yi := x − yi.
Listamos algumas propriedades das operações introduzidas, válidas para quaisquer números complexos z, z1 , z2 e
número real r :
z = Re z + (Im z)i,
Re(z1 + z2 ) = Re z1 + Re z2 ,
Im(z1 + z2 ) = Im z1 + Im z2 ,
z1 + z2 = z 1 + z 2 ,
Re(rz) = r Re z,
Im(rz) = r Im z,
rz = rz,
Re z = Re z,
Im z = − Im z,
z1 z2 = z 1 z 2 .
A última, não-óbvia, se√mostra por uma
√ verificação direta e tem consequências importantes. O número complexo z = x+yi
possui módulo |z| := x2 + y 2 = zz que é multiplicativo. Isto significa que |z1 z2 | = |z1 | · |z2 |. Realmente, |z1 z2 |2 =
z1 z2 z1 z2 = z1 z2 z 1 z 2 = |z1 |2 · |z2 |2 , implicando o resultado. Claramente, 1 é um elemento neutro para a multiplicação
(1z = z para qualquer número complexo z). Mais interessante é que cada número complexo não-nulo possui inverso:
1
1
se z ̸= 0, então zz ̸= 0 é um número real e z · ( zz
· z) = 1. Assim, o inverso de z se calcula pela fórmula z −1 = zz
·z e
−1
podemos dividir números complexos: z1 /z2 := z1 z2 para z2 ̸= 0. A conjugação complexa permite também calcular as
z+z
z−z
partes real e imaginária: Re z =
e Im z =
.
2
2i
Mais uma consequência (a restituição da justiça é sempre bem paga) é que o produto de números complexos unitários,
que formam a circunferência unitária C := {z ∈ C | |z| = 1} no plano de números complexos, é novamente um número
8 Enfim,
estamos no paı́s por enquanto livre e democrático.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
21
unitário; o mesmo vale para o inverso de um número unitário, o qual também é unitário.
Mais ainda, cada número
1
1
1
complexo não-nulo z se decompõe como z = |z| · u, onde u := |z|
· z é unitário, pois |z|
· z = |z|
· |z| = 1.
Como descrever os números complexos que ficam na circunferência unitária C ? Sim, usando aqueles chatos seno e
cosseno! Se z está em C, então z = cos α + i sen α para um ângulo apropriado α. De modo mais geral, dados números
complexos não-nulos z1 , z2 ̸= 0, o ângulo orientado α de z1 a z2 se calcula no sentido anti-horário e assume valores9 no
intervalo 0 ⩽ α < 2π. O ângulo orientado de 1 a z ̸= 0 é dito o argumento de z e se denota por arg z (se z = 0, o argumento
de z não faz sentido).
Para acabar com o pesadelo da trigonometria, denotamos ez := ex (cos y + i sen y), onde z = x + yi é um número
complexo. As fórmulas trigonométricas cos(y1 + y2 ) = cos y1 · cos y2 − sen y1 · sen y2 e sen(y1 + y2 ) = sen y1 · cos y2 + cos y1 ·
sen y2 viram agora nada mais do que e(y1 +y2 )i = ey1 i ey2 i , é uma belezinha! Na verdade, a decomposição ex+yi = ex eyi
é aquela decomposição z = |z| · u para o número complexo ez ̸= 0, pois |ex+yi | = ex e |eyi | = 1. Desta forma, para um
número complexo arbitrário z, obtemos a forma trigonométrica z = |z|(cos arg z + i sen arg z) (se z = 0, o fato que arg z
′
′
não faz sentido é irrelevante). Vale também a fórmula ez+z = ez ez para quaisquer números complexos z e z ′ . Com
′
′
′
′
′
′
′
′
′
′
′
z+z
efeito, se z = x + yi e z = x + y i com x, x , y, y reais, então e
= ex+x e(y+y )i = ex ex eyi ey i = ez ez .
Poderı́amos expressar a propriedade do argumento pelas palavras
“o argumento
do produto de números complexos é
(
)
a soma dos argumentos destes números”. Mas 0 = arg 1 = arg (−1)(−1) com arg(−1) = π. Assim, o modo certo será
arg(z1 z2 ) ≡ arg z1 + arg z2 mod 2π, isto é, o argumento do produto de dois números complexos não-nulos é a soma dos
argumentos dos fatores a menos de um múltiplo inteiro de 2π.
eαi + e−αi
Para finalizar o assunto, note que arg(z2 z 1 ) é o ângulo orientado de z1 ̸= 0 a z2 ̸= 0, que cos α =
e sen α =
2
eαi − e−αi
para qualquer número real α e que eπi +1 = 0. A fórmula de de Moivre (cos α+i sen α)n = cos(nα)+i sen(nα),
2i
válida para quaisquer número real α e número natural n, parece agora uma trivialidade, mas mesmo assim é útil e bacana.
Após todo este progresso, perdemos a ordem (vide, entretanto, o primeiro exercı́cio). Para quaisquer números reais r1
e r2 , vale r1 ⩽ r2 ou r1 ⩾ r2 . Porém, não há uma ordem razoável para os números complexos. Se fosse i > 0, deverı́amos
ter −1 = i2 > 0. Se fosse −i > 0, então −1 = (−i)2 > 0.
Exercı́cio. Mostre que |z1 + z2 | ⩽ |z1 | + |z2 | para quaisquer números complexos z1 e z2 . (Dica: esta se chama a
desigualdade triangular.)
Exercı́cio. Sejam z1 , z2 números complexos. Mostre que |z1 ± z2 |2 = |z1 |2 + |z2 |2 ± 2 Re(z1 z 2 ).
Exercı́cio. Para quais números complexos z1 , z2 , z3 o conjunto {z ∈ C | z1 z + z2 z + z3 = 0} é uma reta no plano de
números complexos?
z −z 2 1
Exercı́cio. Sejam z1 , z2 números complexos tais que |z1 |, |z2 | < 1. Mostre que < 1.
1 − z 1 z2
Exercı́cio. Sejam z1 , z2 , z3 números complexos. Mostre que a área (orientada) do triângulo com os vértices z1 , z2 , z3
z1 z 2 + z2 z 3 + z3 z 1
.
2
( )
( )
( )
cosn−6 α sen6 α + . . . ,
cosn−4 α sen4 α − n
cosn−2 α sen2 α + n
Exercı́cio. Prove a fórmula cos(nα) = cosn α − n
6
4
2
onde α é um número real e n é um número natural.
( ) (n) (n) (n)
− 2 + 4 − 6 + . . . , onde α é um
Exercı́cio. Simplifique as expressões 1 + cos α + cos(2α) + · · · + cos(nα) e n
0
número real e n é um número natural.
se calcula pela fórmula Im
Pode não acreditar, mas ocorre que faz pleno sentido pensar que todas as raı́zes quadradas de −1 formam uma esfera
bidimensional. Mas esta é uma outra história . . .
3.2. Produto vetorial. Fixemos uma base ortonormal b1 , b2 , b3 . Sejam v = (v1 , v2 , v3 ) e w =
(w1 , w2 , w3 ) vetores. Definamos o produto vetorial v ∧ w pela fórmula
v ∧ w := (v2 w3 − v3 w2 , v3 w1 − v1 w3 , v1 w2 − v2 w1 ).
É impossı́vel memorizar! Tudo bem, vamos definir de um outro jeito. Façamos
(
[v v ]
[v v ]
[ v v ])
v ∧ w := det w22 w33 , − det w11 w33 , det w11 w22 .
9 Lembrando que, para vetores, o intervalo foi 0 ⩽ α ⩽ π, cabe uma explicação que o plano de números complexos é
orientado, assim possibilitando medir os ângulos de uma maneira mais precisa.
1o SEMESTRE DE 2016
22
Melhorou? Um pouco. Então definamos v ∧ w := det
[b
b2 b3
v1 v2 v3
w1 w2 w3
1
]
. Que tal? Ótimo! Pare aı́! Foram
usados vetores como coeficientes da matriz. Não pode! Mas isto é apenas para memorizar a fórmula.
Listamos as propriedades básicas do produto vetorial.
• O produto vetorial é bilinear. Isto pode ser verificado por um cálculo direto (é chato, sim) ou usando
as propriedades do determinante, aproveitando a segunda definição de produto vetorial. Realmente,
para mostrar que (r · v + r′ · v ′ ) ∧ w = r · (v ∧ w) + r′ · (v ′ ∧ w), lembramos as propriedades básicas do
determinante: o determinante é linear em cada linha de matriz. Se v = (v1 , v2 , v3 ), v ′ = (v1′ , v2′ , v3′ ) e
w = (w1 , w2 , w3 ), então
(r · v + r′ · v ′ ) ∧ w =
(
[v
= r det w22
v3
w3
]
(
[
det
+ r′ det
[
rv2 +r ′ v2′ rv3 +r ′ v3′
w2
w3
v2′ v3′
w2 w3
]
, −r det
[ v1
]
, − det
v3
w1 w3
]
[
rv1 +r ′ v1′ rv3 +r ′ v3′
w1
w3
− r′ det
[
v1′ v3′
w1 w3
]
]
, r det
[
, det
[ v1
rv1 +r ′ v1′ rv2 +r ′ v2′
w1
w2
v2
w1 w2
]
+ r′ det
[
])
v1′ v2′
w1 w2
=
])
=
= r · (v ∧ w) + r′ · (v ′ ∧ w)
pela propriedade do determinante.
• O produto vetorial é anti-simétrico, isto é, v ∧ w = −w ∧ v. Tal propriedade segue do fato que,
permutando as linhas de matriz, o determinante muda de sinal. Em particular, obtemos v ∧ v = ⃗0.
• |v ∧ w|2 = |v|2 · |w|2 − (v · w)2 . Segue uma demonstração por força bruta. Se v = (v1 , v2 , v3 ) e
w = (w1 , w2 , w3 ), então, pela primeira definição do produto vetorial, temos
|v ∧ w|2 = (v2 w3 − v3 w2 )2 + (v3 w1 − v1 w3 )2 + (v1 w2 − v2 w1 )2 =
= v22 w32 + v32 w22 − 2v2 v3 w2 w3 + v32 w12 + v12 w32 − 2v1 v3 w1 w3 + v12 w22 + v22 w12 − 2v1 v2 w1 w2 .
Por outro lado,
|v|2 · |w|2 − (v · w)2 = (v12 + v22 + v32 )(w12 + w22 + w32 ) − (v1 w1 + v2 w2 + v3 w3 )2 =
= v12 w12 + v12 w22 + v12 w32 + v22 w12 + v22 w22 + v22 w32 + v32 w12 + v32 w22 + v32 w32 −
−v12 w12 − v22 w22 − v32 w32 − 2v1 v2 w1 w2 − 2v1 v3 w1 w3 − 2v2 v3 w2 w3 =
= v12 w22 + v12 w32 + v22 w12 + v22 w32 + v32 w12 + v32 w22 − 2v1 v2 w1 w2 − 2v1 v3 w1 w3 − 2v2 v3 w2 w3 .
Resta comparar os termos. Lembrando o sentido geométrico do produto escalar, podemos reescrever a
propriedade demonstrada como |v ∧ w|2 = |v|2 · |w|2 − |v|2 · |w|2 · cos2 α, onde α é o ângulo entre os
vetores v e w. Logo, |v ∧ w|2 = |v|2 · |w|2 · sen2 α, ou seja, |v ∧ w| = |v| · |w| · | sen α|. Em outras palavras,
o módulo do produto vetorial v ∧ w dos vetores v e w é a área do paralelogramo “formado” por v e w.
De repente, ganhamos uma ferramenta para medir áreas.
• v · (v ∧ w) = 0, ou seja, o produto vetorial v ∧ w é ortogonal a ambos os vetores v e w. A propriedade
é uma consequência do desenvolvimento de Laplace, pois
[ v1 v2 v3 ]
[v v ]
[v v ]
[v v ]
0 = det v1 v2 v3 = v1 det w22 w33 − v2 det w11 w33 + v3 det w11 w22 = v · (v ∧ w).
w1 w2 w3
As últimas duas propriedades constituem uma parte essencial do sentido geométrico do produto
vetorial: o produto vetorial v ∧ w dos vetores v e w é um vetor ortogonal a ambos v e w e o módulo de
v ∧ w é a área do paralelogramo formado por v e w. Estas propriedades quase determinam o produto
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
23
vetorial. Apenas o sentido do produto vetorial está indeterminado pelas propriedades em questão.
Assim, chegamos à conclusão que o produto vetorial não deveria ter nada a ver com a escolha particular
de uma base ortonormal adotada no inı́cio desta subseção.
• v ∧ w = ⃗0 se e só se os vetores v e w são colineares.
• b1 ∧ b2 = b3 , b2 ∧ b3 = b1 , b3 ∧ b1 = b2 . Esta é uma tabela de multiplicação para os vetores da base
ortonormal b1 , b2 , b3 .
• u ∧ (v ∧ w) = (u · w) · v − (u · v) · w para quaisquer vetores u, v, w. Talvez é possı́vel demonstrar esta
identidade aplicando uma força bruta como acima. Mas a gente vai procurar um caminho inteligente.
Primeiramente, observamos que ambos os lados da identidade são trilineares (só por causa que os
produtos escalar e vetorial são bilineares). Portanto, para verificar a identidade para vetores arbitrários,
basta testá-la para os vetores da base. Assim, precisamos . . . deixe me calcular . . . de 27 testes. Parece
que é melhor usar uma força bruta . . . Mas não precisamos todos estes! Se u, v, w são b1 , b2 , b3 em
possivelmente outra ordem, a identidade é obviamente válida — olhe para a tabela de multiplicação.
Se v = w, a verificação é trivial. Restam apenas 6 casos com u = v ̸= w (e mesmo aqui pode-se diminuir
o número de variantes aproveitando uma certa simetria da tabela de multiplicação).
Outras notações para o produto vetorial v ∧ w que se encontram na literatura são v × w e [v, w].
3.2.1. Exercı́cio. Prove a identidade de Jacobi u ∧ (v ∧ w) + v ∧ (w ∧ u) + w ∧ (u ∧ v) = ⃗0.
3.2.2. Exercı́cio. Prove a identidade (u + v) ∧ (u − v) = 2 · (v ∧ u).
3.2.3. Exercı́cio. Supondo que u + v + w = ⃗0, mostre que u ∧ v = v ∧ w = w ∧ u.
3.2.4. Exercı́cio. Será que é válida a identidade (v ∧ w) ∧ w = ⃗0 ? Mostre que o produto vetorial
não é associativo.
3.2.5. Distâncias entre ponto e reta e entre retas paralelas. Seja R uma reta dada através
−→
de um vetor diretor d ̸= ⃗0 e de um ponto p em R. Então dist(q, R) = | pq ∧d| , pois esta fórmula calcula
|d|
a altura do paralelogramo relativa ao “lado” d. Por esta mesma fórmula, se R e R′ são retas paralelas,
−→
′
então dist(R, R′ ) = |pp|d|∧d| , onde d ̸= ⃗0 é o vetor diretor (comum) para ambas as retas e os pontos p e
p′ estão em R e R′ , respectivamente.
3.2.6. Os perigos de se viajar ao redor do mundo. Em três dimensões, o ser humano possui duas pernas.
Isto parece suficiente, apesar de que cairı́amos menos frequentemente caso possuı́ssemos três. Portanto, em um mundo
bidimensional, uma perna deve bastar. Digamos, a direita.
No melhor de todos os possı́veis mundos bidimensionais, Cândido, filho de uma mãe amorosa, decidiu
realizar uma aventura incrı́vel: dar a volta ao mundo.
Temendo os riscos desta empreitada, a mãe deu ao
filho um telefone celular sofisticado, capaz de enviar
imagens, e pediu-lhe que transmitisse continuamente
um vı́deo da jornada. Quando a viagem terminou,
que infortúnio! Uma criatura de perna esquerda retornou ao doce lar!
— Onde está meu filho tão amado? — perguntou
a mãe em desespero.
— E mais importante . . . agora, onde diabos vou
comprar-lhe os sapatos?
Obviamente, a última questão é meramente alfandegária e pode ser resolvida por um sistema adequado de importação/exportação. Mais interessante
seria a seguinte
Questão. Em que momento Cândido trocou de perna?
1o SEMESTRE DE 2016
24
3.3. Produto misto. Fixemos uma base ortonormal b1 , b2 , b3 . Sejam u = (u1 , u2 , u3 ), v = (v1 , v2 , v3 )
e w = (w1 , w2 , w3 ) vetores. Definamos o produto misto [u, v, w] pela fórmula [u, v, w] := u · (v ∧ w).
Listamos as propriedades básicas do produto misto.
• O produto misto é trilinear. Isto segue imediatamente da bilinearidade dos produtos escalar e vetorial.
[ u1 v1 w1 ]
• [u, v, w] = det u2 v2 w2 para quaisquer vetores u = (u1 , u2 , u3 ), v = (v1 , v2 , v3 ) e w = (w1 , w2 , w3 ).
u3 v3 w3
A propriedade é uma consequência do desenvolvimento de Laplace, pois
[ u1
det
v1 w 1
u2 v2 w2
u3 v3 w3
]
= u1 det
[ v2
w2
v3 w3
]
− u2 det
[ v1
w1
v3 w3
]
+ u3 det
[ v1
]
w1
v2 w 2
= u · (v ∧ w).
• O produto misto é anti-simétrico. Isto significa que [u, v, w] = −[v, u, w], [u, v, w] = −[u, w, v] e
[u, v, w] = −[w, v, u] para quaisquer vetores u, v e w. Tal propriedade segue da propriedade anterior e
do fato que, permutando colunas de matriz, o determinante muda de sinal.
• [u, v, w] = 0 se e só se os vetores u, v e w são LD (vide o Lema 1.8.3).
• O número [u, v, w] é o volume do paralelepı́pedo (em geral, não reto) “formado”
pelos
vetores u, v e w.
Com efeito, lembrando o sentido geométrico do produto escalar, vemos que [u, v, w] = |u|·|v∧w|·| cos α|,
onde α é o ângulo entre os vetores u e v ∧ w. Lembrando o sentido geométrico do produto vetorial,
o vetor v ∧ w, cujo módulo é a área do paralelogramo “formado” por v e w, é ortogonal a v e a w.
Portanto, |u| · | cos α| é o comprimento da altura do paralelepı́pedo em questão relativa ao paralelogramo
“formado” por v e w. Isto implica o resultado desejado.
A última propriedade constitue uma parte do sentido geométrico do produto misto e claramente
determina o mencionado produto a menos de sinal. Deste modo, o produto misto não deveria depender
da escolha particular de uma base ortonormal.
3.3.1. Exercı́cio. Prove a identidade (u ∧ v) · w = (v ∧ w) · u.
3.4. Mudança de base linear. Consideramos bases lineares B : b1 , b2 , b3 e B ′ : b′1 , b′2 , b′3 , não
necessariamente ortonormais. Como são relacionadas as coordenadas
] vetor v relativas
[ x1de
] um [mesmo
x′1
= x′2
. Em particular,
a B e a B ′ ? Escrevemos coordenadas na forma de coluna: v = x2
x3 B
x′3 B ′
[ c1i ]
para todo i = 1, 2, 3. Montando destes números uma
para alguns números reais cij , temos bi = c2i
c3i B ′
[ c11 c12 c13 ] [ x1 ]
[ x′ ]
1
c
c
c
x
3 × 3-matriz, obtemos a fórmula de mudança de base 21 22 23 · 2
= x′2
que relaciona as
c31 c32 c33
x3
x′3
B
B′
coordenadas (x1 , x2 , x3 )B relativas[a B] com [as coordenadas
(x′1 , x′2 , x′3 )B ′ relativas a B ′ . Realmente,
]
x1
x′1
já que a fórmula é linear em v = x2
= x′2
pelas propriedades dd e em da multiplicação de
x3 B
x′3 B ′
[1]
[0]
[0]
matrizes, basta verificá-la para v = bi . Isto é imediato, pois b1 = 0 , b2 = 1
e b3 = 0 .
0 B
0 B
1 B
[ c11 c12 c13 ]
A matriz de mudança M := c21 c22 c23 é inversı́vel: pelo Lema 1.8.3, det M ̸= 0, implicando, pelas
c31 c32 c33
propriedades de determinante, que M possui
A inversa[M −1
[ x′inversa.
]
] de [Mx1é]a matriz de mudança da
x1
1
′
−1
′
−1
base B para a base B. Realmente, M · x2
= M · M · x2
= x2 .
x′3
B′
x3
B
x3
B
Uma n × n-matriz M é dita ortogonal se M é inversı́vel e M −1 = M t . As matrizes de mudança de
uma base ortonormal para uma outra base ortonormal são exatamente as ortogonais. Com efeito, seja
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
B ′ : b′1 , b′2 , b′3 uma base ortonormal. O fato que os vetores LI bi :=
ortonormal é equivalente a M t · M = 13 , ou seja, a M −1
25
[ c1i ]
, i = 1, 2, 3, formam uma base
[ c11 c12 c13 ]
= M t , onde M := c21 c22 c23 .
c2i
c3i
B′
c31 c32 c33
3.5. Orientação. Imagine que uma base linear b1 , b2 , b3 (não necessariamente ortonormal) está
sendo continuamente deformada de modo que permaneça uma base linear em qualquer momento da
deformação. A deformação pode ser descrita através da matriz M (p) da mudança da base b1 , b2 , b2
para a base b1 (p), b2 (p), b3 (p), onde p é um parâmetro variando o qual temos uma variação contı́nua da
base. Assim, a função f (p) := det M (p) é contı́nua. Por outro lado, pelo Lema 1.8.3, det M (p) ̸= 0
para todo p. No momento inicial p0 da deformação, b1 (p0 ) = b1 , b2 (p0 ) = b2 e b3 (p0 ) = b3 , ou seja,
M (p0 ) = 13 , implicando f (p0 ) = 1 > 0. Portanto, f (p) > 0 para todos os valores do parâmetro p. Isto
significa, em particular, que a gente não pode deformar continuamente
uma base linear b1 , b2 , b3 para a
[
]
base b2 , b1 , b3 por que a matriz da mudança entre si é M :=
010
100
001
com det M = −1.
3.5.1. Definição. Dizemos que duas bases lineares b1 , b2 , b3 e b′1 , b′2 , b′3 têm a mesma orientação se o
determinante da matriz de mudança entre as bases é positivo. Deste modo, todas as bases lineares são
divididas em duas classes: a matriz de mudança de bases tem determinante positivo se as bases estão
em uma mesma classe e negativo, se as bases estão em classes diferentes. Uma orientação do espaço E 3
é uma escolha de uma tal classe. A outra classe produz a orientação oposta.
3.5.2. Exercı́cio. Observando que o produto de duas matrizes quadradas com determinantes positivos é uma matriz com determinante positivo, mostre que “ter a mesma orientação” é uma relação de
equivalência entre bases lineares.
3.6. Sentidos geométricos dos produtos vetoriais e misto. Os mencionados produtos foram
definidos fixando uma base ortonormal. Tal base determina uma orientação do espaço [que em seguida
]
se refere como direita. A orientação oposta é a esquerda. Sabendo que [u, v, w] = det
u1 v1 w1
u2 v2 w2
u3 v3 w3
para
vetores u = (u1 , u2 , u3 ), v = (v1 , v2 , v3 ) e w = (w1 , w2 , w3 ), obtemos o sentido geométrico do produto
misto:
• [u, v, w] é o volume do paralelepı́pedo “formado” pelos vetores u, v, w;
• [u, v, w] = 0 se e só se u, v, w são LD;
• [u, v, w] > 0 se e só se u, v, w são LI e a base u, v, w tem orientação direita;
• [u, v, w] < 0 se e só se u, v, w são LI e a base u, v, w tem orientação esquerda.
[ u1 v1 w1 ]
(Nos últimos dois casos, u2 v2 w2 é a matriz de mudança de u, v, w para b1 , b2 , b3 .)
u3 v3 w3
O sentido geométrico do produto vetorial:
• |v ∧ w| é a área do paralelogramo “formado” pelos vetores v e w;
• o vetor v ∧ w é ortogonal aos vetores v e w;
• v ∧ w = ⃗0 se e só se v e w são colineares;
• se os vetores v e w não são colineares, então v, w, v ∧ w é uma base com orientação direita.
verificar ]a última propriedade, note, usando a primeira definição do produto
[ v Para
[ v w vvetorial,
]que
1 w1 v2 w3 −v3 w2
1
1 2 w3 −v3 w2
v2 w2 v3 w1 −v1 w3
é a matriz de mudança de v, w, v ∧ w para b1 , b2 , b3 e que det v2 w2 v3 w1 −v1 w3 =
v3 w3 v1 w2 −v2 w1
v3 w3 v1 w2 −v2 w1
[ v w ]2
[ v1 w1 ]2
[ v2 w2 ]2
det v3 w3 + det v3 w3 + det v21 w21 pelo desenvolvimento de Laplace pela terceira coluna.
26
1o SEMESTRE DE 2016
3.6.1. Exercı́cio. Por que na sua imagem especular frente/trás e cima/baixo estão mantidos, entretanto, esquerda/direita estão invertidas?
3.7. Área e volume. Pelo
sentido geométrico do produto vetorial, a área do triângulo com os
−→
1 −→
vértices p0 , p1 , p2 é igual a 2 p0 p1 ∧ p0 p2 , a metade da área do correspondente paralelogramo.
−→
Para calcular o volume do tetraedro com os vértices p0 , p1 , p2 , p3 , consideramos
os vetores v1 := p0 p1 ,
−→
−→
v2 := p0 p2 e v3 := p0 p3 . Pelo sentido geométrico do produto misto, [v1 , v2 , v3 ] é o volume do paralelepı́pedo “formado”
pelos
vetores v1 , v2 , v3 . Logo, o prisma com os vértices p0 , p1 , p2 , p3 , p1 +v3 , p2 +v3
tem volume 21 [v1 , v2 , v3 ]. O prisma é composto de três tetraedros: o tetraedro com os vértices
p0 , p1 , p2 , p3 , o tetraedro com os vértices p1 , p2 , p3 , p1 + v3 e o tetraedro com os vértices p2 , p3 , p1 + v3 ,
p2 + v3 . Os primeiros dois têm volumes iguais, pois têm a mesma altura relativa às bases p0 , p1 , p3 e
p3 , p1 , p1 + v3 , cujas áreas são iguais. Os segundos dois também têm volumes iguais, pois têm a mesma
altura relativa às bases p1 , p2 , p1 + v3 e p1 + v3 , p2 , p2 + v3 , cujas áreas são iguais. (É útil desenhar o
paralelepı́pedo,
o prisma e os tetraedros.) Consequentemente, o volume do tetraedro em questão é igual
a 61 [v1 , v2 , v3 ].
3.8. Pontos mais próximos de retas reversas. Consideramos duas retas reversas R1 e R2 , dadas
pelos vetores diretores d1 e d2 , que passam pelos pontos p1 e p2 , respectivamente. Sabemos que R1 e R2
−→
são reversas se e só se os vetores d1 , d2 , p1 p2 são LI (vide o item 1.12). Temos também planos paralelos
P1 e P2 tais que P1 contém R1 e P2 contém R2 . O plano Pi é determinado pelo ponto pi e pelos vetores
não-colineares d1 e d2 .
Pelo sentido geométrico do produto vetorial, n := d1 ∧ d2 é um vetor normal
os planos P1
a ambos
−→ −→ e P2 . Pelos sentidos geométricos dos produto misto e vetorial, [d1 , d2 , p1 p2 ] = n · p1 p2 é o volume do
−→
paralelepı́pedo
−→ “formado” pelos vetores d1 , d2 , p1 p2 e |n| é a área da base deste paralelepı́pedo. Portanto,
n·p1 p2 d := |n| é a distância entre P1 e P2 (= a altura do paralelepı́pedo). Normalizamos o vetor normal
n de modo que o novo
vetor normal n0 tenha o módulo igual a distância d entre os planos, isto é,
n·p−1→
p2 d
n0 := |n| · n = n·n · n.
Dependendo do sentido do vetor n0 , o plano P2 é o plano P1 transladado por n0 ou o plano P1 é o
plano P2 transladado por n0 . Em outras palavras, P2 = P1 + n0 ou P1 = P2 + n0 . É fácil testar qual
das alternativas ocorre: no primeiro caso, por exemplo, o ponto p1 + n0 tem que estar no plano P2 e
sabemos como elaborar uma equação geral de P2 . Em seguida, vamos supor que P2 = P1 + n0 .
Transladando a reta R1 , contida em P1 , obtemos uma reta R1′ := R1 + n0 , contida em P2 e paralela
a R1 , com o vetor diretor d1 . As retas R1′ e R2 estão contidas em P2 e têm vetores diretores nãocolineares d1 e d2 . Logo, estas retas se interceptam em um único ponto q2 . Analogamente, as retas R1 e
R2′ := R2 − n0 , contidas em P1 , interceptam-se em um único ponto q1 . É fácil entender que q2 = q1 + n0 .
Afirmamos que os pontos q1 e q2 , pertencentes respectivamente às retas R1 e R2 , são pontos mais
próximos destas retas. Com efeito, a distância entre os pontos q1 e q2 é igual à distância d entre os planos
P1 e P2 . Já que as retas R1 e R2 estão respectivamente contidas nos planos P1 e P2 , a distância entre
as retas não pode ser menor do que d (vide a definição de distância entre figuras dada no item 3.1.8).
Logo, os pontos q1 e q2 realizam a distância entre R1 e R2 , ou seja, são pontos mais próximos das retas
R1 e R2 .
3.9. Mudança de coordenadas. Sejam S : o, b1 , b2 , b3 e S ′ : o′ , b′1 , b′2 , b′3 sistemas (em geral, nãocartesianos) de coordenadas. Como são relacionadas as coordenadas de um mesmo ponto p relativas a S
[ x1 ]
[ x′ ]
e a S ′ ? Escrevemos coordenadas na forma de coluna p =
x2
x3
1
1
=
S
x′2
x′3
1
. Em particular, para alguns
S′
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
27
[ c1 ]
c2
c3
1
números reais ci , temos o =
[ c11
. Pelo item 3.4, temos também a matriz
[ c11
S′
c12
] [ x1 ]
c13
c23 · x2
c12 c13
c21 c22 c23
c31 c32 c33
]
de mudança
[ x′ ]
1
da base B : b1 , b2 , b3 para a base B ′ : b′1 , b′2 , b′3 tal que c21 c22
= x′2
para qualquer
c31 c32 c33
x3 B
x′3 B ′
[ x1 ]
[ x′ ]
−→
−→
1
−→
vetor v := x2
= x′2
. Levando em conta a fórmula de mudança de origem o′ p = o′ o + op (vide
′
x3 B
x
[ x′ ]
[ c31 ]B ′
[ x1 ]
[ ]
[ ]
−→
′
[ x′ ]
1
x′2
x′3
c11 c12 c13 c1
e op =
[
c21 c22 c23 c2
c31 c32 c33 c3
0 0 0 1
−→
c2
c3
1
o item 1.5), que o =
significa o′ o =
S′
c1
c2
c3
e que p =
B′
x2
x3
1
1
=
S
x′2
x′3
1
−→
significa op =
S′
x1
x2
x3
B
, obtemos pela fórmula de mudança de base a fórmula de mudança de coordenadas
[ x′ ]
[ c11 c12 c13 c1 ]
x1 ]
]B[′
·
x2
x3
1
1
x′2
x′3
1
=
S
. A matriz de mudança de coordenadas M :=
S′
c21 c22 c23 c2
c31 c32 c33 c3
0 0 0 1
é inversı́vel
pelas propriedades de determinante, pois det M ̸= 0 (use o desenvolvimento de Laplace pela quarta
linha). A inversa M −1 de M é a matriz de mudança das coordenadas relativas a S ′ para as relativas
a S, como no item 3.4.
A fórmula que acabamos de mostrar e as do item 3.4 têm seus análogos para qualquer dimensão do
espaço. Vamos considerá-las detalhadamente no caso de
dimensão
2. Sejam B : b1 , b2 e B ′ : b′1 , b′2 bases
[ c1i
]
lineares. Para alguns números reais cij , temos bi = c2i B ′ , i = 1, 2. As coordenadas de um vetor
[ ′]
[x ]
x
arbitrário v = x12 B = x1′
relativas a B e a B ′ , são relacionadas pela fórmula de mudança de base
2 B′
[
]
[ c11 c12 ] [ x1 ]
x′1
.
c21 c22 · x2 B = x′
′
2
B
Suponha que as bases B e B ′ são ortonormais e têm a mesma orientação. Isto significa que lidamos
com um plano orientado e, deste modo, podemos medir o ângulo orientado α (no sentido anti-horário)
de um vetor não-nulo para um outro vetor não-nulo. Tal ângulo assume valores no intervalo 0 ⩽ α < 2π
e o ângulo de b1 a b2 é π2 . Denotemos por α o ângulo orientado de b′1 a b1 . Então o ângulo orientado
de b(′1 a b2 )é α + π2 . Pelo sentido geométrico do produto escalar, c11 = b′1 · b1 = cos α e c12 = b′1 · b2 =
cos α + π2 = − sen α. Sendo o vetor b′2 ortogonal a b′1 , o ângulo orientado de b′2 a b′1 é π2 ou o ângulo
orientado de b′1 a b′2 é π2 . Assim, no primeiro
de b′2 a b1 seria π2 + α e de b′2 a b2
(π
) caso, o ângulo orientado
π
π
′
′
seria 2 +α+ 2 . Daı́, c21 = b2 ·b1 = cos 2 +α = − sen α e c22 = b2 ·b2 = cos(π+α) = − cos α, implicando
[ c c12 ]
det c11
= − cos2 α − sen2 α = −1. Isto contradiz a hipótese que as bases B e B ′ têm a mesma
21 c22
orientação. Portanto, o ângulo orientado de b′1 a b′2 é π2 . Agora, o ângulo orientado de( b′2 a b1 é) − π2 + α
e o ângulo orientado de b′2 a b2 é − π2 + α + π2 . [Deduzimos daqui
que c21 = b′2 · b1 = cos − π2 + α = sen α
]
[
]
c
c
11
12
cos
α
−
sen
α
e c22 = b′2 · b2 = cos α. Em suma, c21 c22 = sen α cos α .
Considerando dois sistemas [cartesianos S :]o, b1 , b2 e S ′ : o′ , b′1 , b′2 com a mesma orientação, a matriz
cos α − sen α c1
de mudança de coordenadas sen α cos α c2 que relaciona as coordenadas de um ponto arbitrário
0
0
1
[x ]
[ ′]
[ cos
] [x ]
[ ′]
α − sen α c1
1
1
x1
x1
p = x2
= x′2
pela fórmula sen α cos α c2 · x2
= x′2
, onde α é o ângulo orientado
1 S
1 S
0
0[
1
1 S′
1 S′
]
c1
de b′1 a b1 (ou de b′2 a b2 , tanto faz) e o = c2
são as coordenadas “novas” da origem “velha”.
1 S′
[ cos α − sen α c ] [ 1 0 c ] [ cos
]
α − sen α 0
1
1
Observando que sen α cos α c2 = 0 1 c2 · sen α cos α 0 , podemos dizer que qualquer mudança de
0
0
1
00 1
0
0
1
coordenadas cartesianas no plano orientado pode ser efetuada em duas etapas: primeiramente rotando
a base e mantendo a origem e depois movendo a origem sem rotação.
28
1o SEMESTRE DE 2016
4. Cônicas
As figuras que vamos estudar nesta seção são chamadas cônicas em homenagem à interpretação
adotada pelos gregos antigos, que as trataram como seções planas dos cones circulares.
Nosso objetivo aqui é classificar e estudar as cônicas. A estratégia principal da classificação será uma
certa escolha de coordenadas cartesianas que simplificam ao máximo a equação de uma dada cônica.
Tais coordenadas facilitam também o estudo destas figuras.
4.1. Exemplos de cônicas. Qualquer expressão da forma p(x1 , x2 ) := ax21 + bx1 x2 + cx22 + dx1 +
gx2 + h chama-se um polinômio de grau ⩽ 2 nas variáveis x1 e x2 . Os números reais a, b, c, d, g, h são
os coeficientes do polinômio p.
4.1.1. Circunferência. Seja fixo um sistema cartesiano de coordenadas no plano orientado E 2 .
Dado um ponto c = (c1 , c2 ) e um número real positivo r > 0, a equação (x1 − c1 )2 + (x2 − c2 )2 = r2
descreve a circunferência de raio r centrada no ponto c.
2
Parábola. Seja D uma
{ 4.1.2.
} reta e seja f um ponto no plano E . Definamos a figura P (f, D) :=
2
p ∈ E | dist(p, f ) = dist(p, D) de todos os pontos equidistantes de f e D.
Para escrever a equação de P (f, D), escolhemos um sistema cartesiano de coordenadas tal que D
seja
√ o eixo de x1 e f = (0, u) com u ⩾ 0. Seja p = (x1 , x2 ). A condição dist(p, f ) = dist(p, D) significa
x21 + (x2 − u)2 = |x2 | ou, equivalentemente, x21 − 2ux2 + u2 = 0.
4.1.3. Elipse. Sejam f1 e f2 dois pontos no plano E 2 (não necessariamente
distintos) e seja d ⩾ }0
{
um número real não-negativo. Definamos a figura E(f1 , f2 , d) := p ∈ E 2 | dist(p, f1 ) + dist(p, f2 ) = d
de todos os pontos de E 2 cujas distâncias aos pontos f1 e f2 têm soma d.
Para escrever a equação de E(f1 , f2 , d), escolhemos um sistema cartesiano de coordenadas tal que
f1 = (−u,
com u ⩾ 0. Seja p = (x1 , x2 ). A condição dist(p, f1 ) + dist(p, f2 ) = d
√0) e f2 = (u, 0) √
2
2
significa
(x1 − u)2 + x22 = d ou, equivalentemente, (x1 + u)2 + x22 + (x1 − u)2 +
√( (x1 + u) + x)2 +
)
(
x22 + 2 (x1 + u)2 + x22 · (x1 − u)2 + x22 = d2 . Simplificando, obtemos
√
2 x41 + u4 − 2x21 u2 + 2x21 x22 + 2u2 x22 + x42 = d2 − 2x21 − 2u2 − 2x22 .
Elevando ao quadrado, temos 4(x41 + u4 − 2x21 u2 + 2x21 x22 + 2u2 x22 + x42 ) = (d2 − 2x21 − 2u2 − 2x22 )2 . Daı́,
−8x21 u2 = d4 − 4d2 (x21 + u2 + x22 ) + 8x21 u2 . Finalmente, (4d2 − 16u2 )x21 + 4d2 x22 − d2 (d2 − 4u2 ) = 0.
Se d < 2u, a figura E(f1 , f2 , d) é claramente vazia. Se d = 2u, a figura E(f1 , f2 , d) é um ponto só.
4x2
4x22
Assim, podemos supor que d > 2u. Com isto, obtemos a equação d21 + d2 −4u
2 = 1. Note que o cálculo
acima não mostra que todos os pontos que satisfazem a equação obtida pertencem a figura E(f1 , f2 , d).
4.1.4. Hipérbole. Sejam f1 e f2{dois pontos no plano E 2 e seja d ⩾ 0 um
} número real não-negativo.
2 Definamos a figura H(f1 , f2 , d) := p ∈ E | dist(p, f1 ) − dist(p, f2 ) = d de todos os pontos de E 2
cujas distâncias aos pontos f1 e f2 têm diferença ±d.
Para escrever a equação de H(f1 , f2 , d), escolhemos um sistema cartesiano de coordenadas tal que
f1 = (−u, 0) e f2 = (u, 0) com u ⩾ 0. Por um cálculo semelhante ao acima, obtemos (16u2 − 4d2 )x21 −
4d2 x22 − d2 (4u2 − d2 ) = 0.
Se d = 0, a figura H(f1 , f2 , d) é a reta de pontos equidistantes dos pontos f1 e f2 (se f1 = f2 e
d = 0, temos H(f1 , f2 , d) = E 2 ). Se d > 2u, a figura H(f1 , f2 , d) é vazia pela desigualdade triangular.
Se d = 2u > 0, a figura H(f1 , f2 , d) consiste de dois raios contidos na reta ligando f1 e f2 . Assim,
4x22
4x2
podemos supor que 0 < d < 2u. Com isto, obtemos a equação d21 − 4u2 −d
2 = 1. Note que o cálculo
acima não mostra que todos os pontos que satisfazem a equação obtida pertencem à figura H(f1 , f2 , d).
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
29
4.2. Forma matricial de polinômio de grau ⩽ 2. Vamos padronizar os nomes dos coeficientes do
polinômio p(x1 , x2 ) := s11 x21 + 2s12 x1 x2 + s22 x22 + [2s13 x1 + 2s]23 x2 + s33 . Definindo s21 := s12 , s31 := s13
s11 s12 s13
s21 s22 s23
s31 s32 s33
e s32 := s23 , obtemos uma matriz simétrica S :=
S = S t .)
[ s11
s12 s13
s21 s22 s23
s31 s32 s33
Reciprocamente, dada uma matriz simétrica
[ x1
x2 1 ]
·
[ s11
s12 s13
s21 s22 s23
s31 s32 s33
. (Uma matriz quadrada S é simétrica se
]
, obtemos um polinômio
] [x ]
1
· x2 = s11 x21 + (s12 + s21 )x1 x2 + s22 x22 + (s13 + s31 )x1 + (s23 + s32 )x2 + s33 =
1
= s11 x21 + 2s12 x1 x2 + s22 x22 + 2s13 x1 + 2s23 x2 + s33 .
t
Concluı́mos que todo polinômio p(x1 , x2 ) de grau ⩽ 2 tem a forma p(x1 , x2 ) = [ x1 x2 1 ] · S · [ x1 x2 1 ] ,
onde S é uma 3 × 3-matriz simétrica. Para indicar um polinômio, precisamos apenas indicar seus
coeficientes. Podemos indicar os coeficientes na forma matricial, por uma matriz simétrica do polinômio.
Assim, na verdade, um polinômio não é nada mais do que uma matriz simétrica.
A equação p(x1 , x2 ) = 0 descreve uma figura geométrica em termos de um sistema cartesiano de
coordenadas. Como se altera a equação,
[ ] quando
[ ] mudamos as coordenadas? Seja M a matriz da
mudança de coordenadas tal que M ·
[ x ]t
1
p(x1 , x2 ) =
x2
1
·S·
x′1
x′2
1
=
x1
x2
1
. Então, pela propriedade tm,
[ x ] ( [ ′ ])t
[ ′]
1
x1
x1
x2 = M · x′2
·S·M · x′2 = [ x′1
1
1
x′2 1 ]·M
t
·S·M ·[ x′1
x′2 1 ]
t
= [ x′1
x′2 1 ]·S
′
·[ x′1
x′2 1 ]
t
,
1
onde S ′ := M t ·S ·M . A última fórmula descreve como se altera a matriz simétrica do polinômio quando
mudamos o sistema de coordenadas, em termos da matriz M de mudança das coordenadas x′1 , x′2 para
as coordenadas x1 , x2 .
4.3. Classificação de cônicas. Nosso plano é simplificar a equação de uma cônica pela mudança
de coordenadas, isto é, simplificar a correspondente matriz simétrica.
[ s11 s12 s13 ]
Primeiramente, tentamos zerar o coeficiente s12 da matriz simétrica S := s21 s22 s23 por meio da
s31 s32 s33
[ cos α − sen α 0 ]
rotação M := sen α cos α 0 de coordenadas (vide o final do item 3.9).
0
0
1
[
M ·S·M =
t
cos α sen α 0
− sen α cos α 0
0
0 1
] [ s11
· s21
s31
s12 s13
s22 s23
s32 s33
] [ cos α − sen α 0 ]
· sen α cos α 0 =
0
0
1
[s
=
[
=
] [ cos α − sen α 0 ]
11 cos α+s21 sen α s12 cos α+s22 sen α ∗
∗
∗
∗ · sen α cos α 0 =
∗
∗
∗
∗ −s11 sen α cos α−s21 sen2 α+s12 cos2 α+s22 sen α cos α ∗
∗
∗
∗
∗
∗
∗
0
[
]
=
∗
∗
∗
0
s22 −s11
2
1
sen 2α+s12 cos 2α ∗
∗
∗
∗
∗
]
.
11
Assim, procuramos α tal que s22 −s
sen 2α + s12 cos 2α = 0. Tal α sempre existe! (Por quê?)
2
Após o grande sucesso em zerar o coeficiente s12 pela rotação, qual seria o plano mais viável de
simplificação da matriz simétrica de uma cônica? Não faz sentido rotar de novo as coordenadas, pois
podemos talvez perder o resultado já atingido. De acordo com o final do item 3.9, faz pleno sentido
mudar a origem. Mas como? Será que existe um candidato privilegiado para tal ponto?
1o SEMESTRE DE 2016
30
Seja F uma figura no plano E 2 . Um ponto c é um centro de simetria de F se, para qualquer ponto
p que está em F , o ponto simétrico p′ relativamente a c também pertence a F ; aqui c é o ponto médio
do segmento [p, p′ ]. Por exemplo, o centro de uma circunferência é um (único) centro de simetria dela.
Quando a origem é um centro de simetria da cônica dada pela equação s11 x21 + 2s12 x1 x2 + s22 x22 +
2s13 x1 + 2s23 x2 + s33 = 0 ? A reflexão na origem leva o ponto (x1 , x2 ) para o ponto (−x1 , −x2 ).
Portanto, a condição s13 = s23 = 0 garante que a origem é um centro de simetria da cônica. Parece
que, colocando a origem no centro de simetria da cônica, zeramos
s13 e s23 !
[ os coeficientes
]
Tentar não custa nada: para uma matriz simétrica S :=
[1 0 c ]
1
M := 0 1 c2 de mudança de origem, temos
s11 0 s13
0 s22 s23
s31 s32 s33
com s12 = 0 e uma matriz
00 1
[
M ·S·M =
t
1 0 0
0 1 0
c1 c2 1
] [s
11
· 0
s31
0 s13
s22 s23
s32 s33
] [1 0 c ] [
1
· 0 1 c2 =
00 1
1 0 0
0 1 0
c1 c2 1
] [s
11
· 0
0 s11 c1 +s13
s22 s22 c2 +s23
∗ ∗
∗
]
[s
0 s11 c1 +s13
0 s22 s22 c2 +s23
∗ ∗
∗
11
=
]
.
{
s11 c1 =−s13
Concluı́mos que qualquer solução do sistema s22
providencia um centro de simetria (c1 , c2 ) da
[ s 0 s ] c2 =−s23
11
13
cônica dada pela matriz simétrica 0 s22 s23 . Se tal solução existe, podemos zerar os coeficientes s13
s31 s32 s33
e s23 mantendo s12 = 0. Além disto, mantendo s12 = 0, podemos zerar o coeficiente s13 se s11 ̸= 0 ou o
coeficiente s23 se s22 ̸= 0.
pequeno ajuste antes ou depois de buscar um centro de simetria. [Usando a ]rotação M :=
[ Um ]
0 −1 0
1 0 0
0 0 1
s11 0 s13
pelo ângulo π2 , podemos permutar s11 e s22 na matriz simétrica S := 0 s22 s23 , se necessário.
[ 0 1 0 ] [ s 0 s ] [ 0 −1 0 ] [ 0 1 0 ] [ 0 −s s31s s32] s33 [ s
]
0
s23
11
13
11 13
22
t
Realmente, M · S · M = −1 0 0 · 0 s22 s23 · 1 0 0 = −1 0 0 · s22 0 s23 = 0 s11 −s13 .
s31 s32 s33
s32 −s31 s33
s32 −s31 s33
0 0 1
0 01
{0 0 1
s11 c1 =−s13
Deste modo, se o sistema s22 c2 =−s23 não admite soluções, podemos supor que s11 = 0 ̸= s13 .
Finalmente, cabe mencionar que multiplicando a equação (ou, equivalentemente, a matriz simétrica)
de uma cônica por um número real não-nulo, obtemos a mesma cônica.
Usando as ferramentas apresentadas acima, chegamos a
Classificaç~
ao de c^
onicas
2
• Todo plano E dado pela equação 0 = 0.
• Cônica vazia dada pela equação a1 x21 + a2 x22 = −1 com a2 ⩾ a1 ⩾ 0.
• Um ponto (a origem) dado pela equação x21 + ax22 = 0 com a ⩾ 1.
• Reta dupla (o eixo x1 ) dada pela equação x22 = 0.
• Reta (o eixo x1 ) dada pela equação x2 = 0.
• Duas retas paralelas dadas pela equação x22 = a2 com a > 0.
• Duas retas concorrentes dadas pela equação x21 = a2 x22 com a ⩾ 1.
• Parábola dada pela equação x22 = 4ax1 com a > 0.
• Elipse dada pela equação
x21
a21
• Hipérbole dada pela equação
+
x21
a21
x22
a22
−
= 1 com a1 ⩾ a2 > 0.
x22
a22
= 1 com a1 , a2 > 0.
A lista acima apresenta as cônicas na forma canônica. Os primeiros 7 casos são degenerados e não
têm muita importância. Em seguida, estudaremos os últimos 3.
4.3.1. Definição. Seja F uma figura no plano E 2 . Dizemos que uma reta R em E 2 é uma reta
de simetria de F se, refletindo qualquer ponto de F na reta R, obtemos um ponto de F . Seja C uma
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
31
cônica. Um ponto de interseção de uma reta de simetria de C com a própria cônica é dito um vértice
da cônica C. Por exemplo, qualquer reta que passa pelo centro de uma circunferência C é uma reta de
simetria de C. Assim, todo ponto de C é um vértice de C.
s22 −s11
2α + s]12
2
[ cos sen
α − sen α 0
rotação sen α cos α 0 ,
0
0
1
Finalmente, algumas dicas de como resolver a equação
precisamos do valor de α. Para montar a matriz de
cos 2α = 0. De fato, não
precisamos saber apenas
{
)sc=s12 (c2 −s2 )
os números c := cos α e s := sen α. Para c e s, temos o sistema de equações (s11 −ss222+c
.
2
=1
Destas equações, obtemos (s11 − s22 )2 s2 c2 = s212 (c2 − s2 )2 , isto é, (s11 − s22 )2 (1 − c2 )c2 = s212 (2c2 − 1)2 .
A última é uma equação quadrática para c2 , a qual a gente sabe resolver. Assim, a gente consegue
encontrar o valor de c. (Em geral, podemos encontrar
√ quatro possı́veis valores de c; basta lidar com
um só.) O número s se calcula pela fórmula s := ± 1 − c2 . A escolha do sinal de s é normalmente
determinada pela equação (s11 − s22 )sc = s12 (2c2 − 1).
4.4. Parábola. Consideramos uma parábola P na forma canônica, isto é, dada pela equação x22 =
4ax1 com a > 0. A reflexão na reta R dada pela equação x2 = 0 (o eixo de x1 ) leva o ponto (x1 , x2 )
para o ponto (x1 , −x2 ). Portanto, R é uma reta de simetria de P . É possı́vel demonstrar que esta é a
única reta de simetria de P e que P não possui um centro de simetria. Logo, P possui um único vértice
v := (0, 0), a origem. O foco da parábola P é o ponto f = (a, 0). A diretriz da parábola P é a reta D
dada pela equação x1 = −a. Obviamente, a reta de simetria R de P é perpendicular à diretriz D da
parábola.
2
A parábola P é o lugar geométrico dos pontos do plano
√ E que são equidistantes de f e D. Com
efeito, estes pontos são dados pela equação |x1 + a| = (x1 − a)2 + x22 que é equivalente à equação
x21 + 2ax1 + a2 = x21 − 2ax1 + a2 + x22 , isto é, à equação canônica x22 = 4ax1 de P . Vemos que
P = P (f, D) (vide o item 4.1.2). Usando o fato que P possui uma única reta de simetria R, concluı́mos
pelo item 4.1.2 que o foco fica em R e que D é perpendicular a R. Daı́ segue a unicidade dos foco e
diretriz.
4.4.1. Exercı́cio. Dada uma parábola P , mostre que existem únicos ponto f e reta D tais que
P = P (f, D).
Rotando uma parábola no espaço em torno da sua reta de simetria, obtemos uma superfı́cie que se
usa como espelho de luz em faróis: para ligar a luz alta, coloca-se a fonte de luz no foco.
x2
x2
4.5. Elipse. Consideramos uma elipse E na forma canônica, isto é, dada pela equação a21 + a22 = 1
1
2
com a1 ⩾ a2 > 0. As reflexões nas retas R1 e R2 dadas respectivamente pelas equações x2 = 0 e x1 = 0
(os eixos de x1 e de x2 ) levam o ponto (x1 , x2 ) respectivamente para o ponto (x1 , −x2 ) e para o ponto
(−x1 , x2 ). Portanto, R1 e R2 são retas de simetria de E, obviamente perpendiculares. A reflexão na
origem leva o ponto (x1 , x2 ) para o ponto (−x1 , −x2 ), implicando que a origem é um centro de simetria
c de E. É óbvio que c é o ponto de interseção de R1 e R2 . É possı́vel demonstrar que E possui um
único centro de simetria e que, caso a1 > a2 , as retas R1 e R2 são as únicas retas de simetria de E.
Caso a1 = a2 , a elipse é uma circunferência. Já sabemos que as retas de simetria da circunferência são
exatamente as retas passando por c e que todo ponto da circunferência é um vértice. Caso a1 > a2 ,
os vértices são v1 := (a1 , 0), v2 := (0, a2 ), v3 := (−a1 , 0) e v4 := (0, −a2 ); estes estão situados em R1
e R2 ; os segmentos [v3 , v1 ] e [v4 , v2 ] se chamam o eixo maior e o eixo menor da elipse.
Seja u ⩾ 0 o número real determinado pela igualdade a21 = a22 +u2 e sejam f1 := (−u, 0) e f2 := (u, 0).
a2 a2 −a2 x2
Tomemos qualquer ponto p = (x1 , x2 ) de E. Então x22 = 1 2a2 2 1 com ux1 + a21 ⩾ 0 e −ux1 + a21 ⩾ 0,
1
pois a1 ⩾ |x1 | e a1 ⩾ u. Logo,
√ 2 2 2
√ 2 2 2
√
a1 x1 +2a1 ux1 +a21 u2 +a21 a22 −a22 x21
u x1 +2a1 ux1 +a41
ux +a2
=
= 1a1 1 ,
dist(p, f1 ) = (x1 + u)2 + x22 =
a1
a1
32
1o SEMESTRE DE 2016
pois a22 = a21 − u2 e ux1 + a21 ⩾ 0. Da mesma maneira,
√ 2 2
√ 2 2
√
a1 x1 −2a21 ux1 +a21 u2 +a21 a22 −a22 x21
u x1 −2a21 ux1 +a41
2
2
dist(p, f2 ) = (x1 − u) + x2 =
=
=
a1
a1
−ux1 +a21
,
a1
pois a22 = a21 − u2 e −ux1 + a21 ⩾ 0. Consequentemente, dist(p, f1 ) + dist(p, f2 ) = 2a. Os pontos f1 e f2
se chamam focos da elipse. Lembrando o item 4.1.3, podemos concluir que a elipse é o lugar geométrico
E(f1 , f2 , d) de todos os pontos do plano E 2 cujas distâncias aos pontos f1 e f2 (os focos) têm soma
d := 2a1 . A distância 2u entre os focos é dita distância focal..
A excentricidade da elipse é o número e = au1 , 0 ⩽ e < 1. A excentricidade mede como a elipse difere
da circunferência. A última tem excentricidade nula.
Usando o fato que a elipse com a1 > a2 possui exatamente duas retas de simetria, entendemos pelo
item 4.1.3 que os focos da elipse ficam no seu eixo maior. Daı́ segue a unicidade dos focos.
4.5.1. Exercı́cio. Dada uma elipse E, mostre que existem um único número real d > 0 e únicos
pontos f1 e f2 tais que E = E(f1 , f2 , d).
4.5.2. Exercı́cio. Seja E uma elipse com excentricidade e > 0 e seja f um dos focos de E. Mostre
que existe uma reta D tal que dist(p, f ) = e · dist(p, D) para todo ponto p de E. Tal reta é dita a diretriz
da elipse. (Dica: considere a elipse na forma canônica, tome f := f1 e a reta D dada pela equação
ux1 + a21 = 0.)
Pelas fofocas fı́sicas, as trajetórias dos planetas do sistema solar são elipses com o sol em um dos
focos.
4.6. Hipérbole. Consideramos uma hipérbole H na forma canônica, isto é, dada pela equação
x2
− a22 = 1 com a1 , a2 > 0. As reflexões nas retas R1 e R2 dadas respectivamente pelas equações
2
x2 = 0 e x1 = 0 (os eixos de x1 e de x2 ) levam o ponto (x1 , x2 ) respectivamente para o ponto (x1 , −x2 )
e para o ponto (−x1 , x2 ). Portanto, R1 e R2 são retas de simetria de H, obviamente perpendiculares.
A reflexão na origem leva o ponto (x1 , x2 ) para o ponto (−x1 , −x2 ), implicando que a origem é um
centro de simetria c de H. É óbvio que c é o ponto de interseção de R1 e R2 . É possı́vel demonstrar
que H possui um único centro de simetria e que as retas R1 e R2 são as únicas retas de simetria de H.
Portanto, os vértices de H são v1 := (−a1 , 0) e v2 := (a1 , 0), situados em R1 .
Seja u ⩾ 0 o número real determinado pela igualdade u2 = a21 +a22 e sejam f1 := (−u, 0) e f2 := (u, 0).
a2 x2 −a2 a2
Tomemos qualquer ponto p = (x1 , x2 ) de H. Então x22 = 2 1a2 1 2 . Logo,
x21
a21
1
√ 2 2 2
√ 2 2 2
√
a1 x1 +2a1 ux1 +a21 u2 −a21 a22 +a22 x21
u x1 +2a1 ux1 +a41
=
=
dist(p, f1 ) = (x1 + u)2 + x22 =
a1
a1
pois u2 = a21 + a22 . Da mesma maneira,
√ 2 2
√ 2 2
√
a1 x1 −2a21 ux1 +a21 u2 −a21 a22 +a22 x21
u x1 −2a21 ux1 +a41
dist(p, f2 ) = (x1 − u)2 + x22 =
=
=
a1
a1
|ux +a2 |−|−ux +a2 |
|ux1 +a21 |
,
a1
|−ux1 +a21 |
,
a1
1
1
1
1
pois u2 = a21 + a22 . Consequentemente, dist(p, f1 ) − dist(p, f2 ) =
. Temos u > a1 .
a1
Da equação canônica da hipérbole, segue |x1 | ⩾ a1 . Se x1 > 0, então ux1 +a21 > 0 e −ux1 +a21 < 0. Neste
ux +a2 −ux +a2
caso, dist(p, f1 ) − dist(p, f2 ) = 1 1a1 1 ! = 2a1 . Se x1 < 0, então ux1 + a21 < 0 e −ux1 + a21 > 0.
−ux1 −a21 +ux1 −a21
Neste caso, dist(p, f1 ) − dist(p, f2 ) =
= −2a1 . Assim, dist(p, f1 ) − dist(p, f2 ) = 2a1 .
a1
Os pontos f1 e f2 se chamam focos da hipérbole. Lembrando o item 4.1.4, podemos concluir que a
hipérbole é o lugar geométrico H(f1 , f2 , d) de todos os pontos do plano E 2 cujas distâncias aos pontos
f1 e f2 (os focos) têm diferença ±d, onde d := 2a1 . A distância 2u entre os focos é dita distância focal.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
33
Usando o fato que a hipérbole possui exatamente duas retas de simetria, entendemos pelo item 4.1.4
que os focos da hipérbole ficam na sua reta de simetria R1 . Daı́ segue a unicidade dos focos.
4.6.1. Exercı́cio. Dada uma hipérbole H, mostre que existem um único número real d > 0 e únicos
pontos f1 e f2 tais que H = H(f1 , f2 , d).
x2
x2
A equação a21 − a22 = 0 (em vez da equação canônica da hipérbole) define duas retas A1 e A2 dadas
1
2
pelas equações xa11 − xa22 = 0 e xa11 + xa22 = 0, respectivamente. Tais retas se chamam as assı́ntotas da
hipérbole. A propriedade essencial destas é que a hipérbole se aproxima mais e mais às suas assı́ntotas
à medida que os pontos se afastam do centro de simetria da hipérbole. Realmente, seja p = (x1 , x2 ) um
ponto da hipérbole. Supondo que x1 > 0 e x2 ⩾ 0, calculemos a distância de p a A1 (o caso de x1 < 0 e
x2 ⩽ 0 é semelhante; nos casos de x1 < 0 e x2 ⩾ 0 ou de x1 > 0 e x2 ⩽ 0, precisa fazer o mesmo com a
reta A2 ). Para isto, usamos a fórmula para a distância entre ponto e plano apresentada no item 3.1.8 :
x
x
1 + x2 · x1 − x2 1 − x2 1
a1
a2
a1
a2
a1
a2
√
√
dist(p, A1 ) = √
=
=
1
1
1
1
1
1
x1 + x2 ·
x1 + x2 ·
2 +
2
2 +
2
2 +
2
a1
a1
a2
a2
a1
a1
a2
a2
a1
a1
√
x2
pela equação canônica da hipérbole. No caso em questão, xa22 = a21 − 1. Portanto, xa11 + xa22 tende a
1
infinito quando x1 ⩾ a1 tende a infinito. Logo, a distância dist(p, A1 ) tende a zero.
A excentricidade da hipérbole é o número e = au1 , e > 1. Esta grandeza mede o ângulo α entre as
assı́ntotas,
de abertura
da
( chamado
)
(
) hipérbole. Com efeito, os vetores diretores das assı́ntotas A1 e A2
são d1 = a12 , a11 e d2 = a12 , − a11 , respectivamente. Sendo d1 · d2 = |d1 | · |d2 | · cos α, obtemos
cos α =
Daı́ segue que cos α2 =
excentricidade é maior.
1
e
1
a22
1
a22
−
+
com 0 ⩽
1
a21
1
a21
=
α
2
⩽
2a2 − a2 − a2
2
a21 − a22
= 1 2 1 2 2 = 2 − 1.
2
2
a1 + a2
a1 + a2
e
π
2.
Portanto, a abertura é maior exatamente quando a
4.6.2. Exercı́cio. Seja H uma hipérbole com excentricidade e > 1 e seja f um dos focos de H.
Mostre que existe uma reta D tal que dist(p, f ) = e · dist(p, D) para todo ponto p de H. Tal reta é dita
a diretriz da hipérbole. (Dica: considere a hipérbole na forma canônica, tome f := f1 e a reta D dada
pela equação ux1 + a21 = 0.)
4.6.3. Exercı́cio. Sejam f um ponto e{D uma reta no plano E 2 e seja e >}0 um número real positivo.
Considere o lugar geométrico C(f, D) = p ∈ E 2 | dist(p, f ) = e · dist(p, D) . Será que C(f, D) é uma
cônica? Para quais valores de e, este é uma parábola, uma elipse, uma hipérbole?
4.7. Plano projetivo real. No plano E 2 , fixemos um ponto f e consideremos todas as
retas que passam por f . Tais retas constituem pontos no espaço P1R chamado reta projetiva
real. Intuitivamente, P1R é unidimensional. Para visualizar este espaço, escolha uma circunferência S1 ⊂ E 2 centrada em f . A circunferência “lista” todas as retas passando por f : cada
ponto p na circunferência gera a reta ligando p e f . Obviamente, cada reta (isto é, cada ponto
em P1R ) é listada exatamente duas vezes, por um par de pontos diametricamente opostos na circunferência. Podemos, portanto, visualizar a reta projetiva real como sendo uma circunferência
“dobrada”. Entendemos desta forma que a própria reta projetiva P1R é uma circunferência.
A circunferência P1R pode ser também obtida a partir de qualquer semi-circunferência contida em S1 , bastando para tal
colar os fins da semi-circunferência.
Há outra maneira de visualizar P1R . Escolhemos arbitrariamente um ponto em P1R e o denotamos por ∞. Este ponto
corresponde a uma reta R0 que passa por f , f ∈ R0 ⊂ E 2 . Escolhemos uma reta T ̸∋ f , paralela a R0 , que não passa
por f . À reta T chamamos tela. Cada ponto r ∈ P1R (ou seja, cada reta R, f ∈ R ⊂ E 2 ), à exceção de ∞, é exibido
1o SEMESTRE DE 2016
34
na tela como o ponto de interseção R ∩ T . Deste modo, a reta projetiva real é uma reta usual com um ponto adicional:
P1R = E 1 ⊔ ∞, onde E 1 = T . Enfatizamos novamente que, a priori, qualquer ponto em P1R pode fazer o papel de ∞.
Problema. Seja R uma reta no plano E 2 e seja p um ponto tal que R ̸∋ p ∈ E 2 . Será que é possı́vel, utilizando
somente uma régua, construir a reta R′ passando por p e paralela a R ?
Para resolver o Problema, necessitamos analisar o conceito de “paralelismo” e descobrir um “novo” objeto matemático.
No plano, duas retas distintas quase sempre se interceptam em um ponto. A única exceção ocorre quando as retas são
paralelas. Seria bom se a regra pudesse não admitir exceções . . .
Por analogia com a reta projetiva real, construiremos o plano projetivo real. No espaço 3-dimensional E 3 , fixemos um
ponto f (a fonte de luz). O plano projetivo real é o conjunto P2R de todas as retas em E 3 passando por f .
@
@
@
R
R
1
2 @
PP
@
PPf @
•P
@
@
PP
@ @
@
@
@ P
@
Definição. Seja f ∈ P ⊂ E 3 um
P
plano em E 3 passando por f . O con PPP
PP
junto {R | f ∈ R ⊂ P } de todas as
retas R em P passando por f é dito
uma reta em P2R (relativa a P ). Clara
mente, este conjunto é uma espécie de @
f reta projetiva real P1R .
@
•
@
Dados dois pontos distintos r1 , r2
@
@ ∈ P2R , r1 ̸= r2 , denotamos por R1 , R2
@
@
⊂ E 3 as correspondentes retas em E 3 .
2
@
Logo, existe uma única reta em PR que
@
P
“liga” r1 e r2 : o plano P relativo à reta em questão é aquele determinado por
PP @
R1 , R2 ⊂ P . Duas retas distintas em P2R interceptam-se em um único ponto uma
PP P
vez que a interseção de dois planos distintos que contêm f é uma reta em E 3 passando por f .
Em seguida, mostraremos que o plano E 2 pode ser visto como parte do plano projetivo P2R de um modo tal que as
retas em ambos os planos sejam as “mesmas”.
De fato, seja f ∈
/ T ⊂ E 3 um plano que não passa
por f . Interpretando f como uma fonte de luz e T
como uma tela, podemos identificar quase todo ponto
P0
T
P0
T
r ∈ P2R com sua imagem p na tela, isto é, com a interseção T ∩ R = p da tela T com a reta correspondente
l′ f
R ⊂ E 3 . Quais pontos não possuem imagem na tela?
X
l
HHf
X•XX P XXX
•
X @
Denotando por P0 o plano que passa por f e é paralelo @
à tela T , f ∈ P0 ⊂ E 3 , podemos ver que os pontos que
HH
não possuem imagem na tela formam a reta L0 ≃ P1R
H•p
HH
em P2R relativa a P0 . Deste modo, podemos ver que
2
2
1
2
1
R H PR = E ⊔ PR , onde E = T e PR = L0 .
Seja L ⊂ P2R a reta em P2R distinta de L0 e seja P
o plano relativo a L. Assim, P não é paralelo a T . Portanto, a reta l = T ∩ P no plano T é a imagem da reta L em P2R .
Nos termos acima, temos L = l ⊔ ∞l , onde o ponto ∞l ∈ L0 ⊂ P2R corresponde à reta l′ = P0 ∩ P ⊂ E3 . Deste modo,
obtemos uma correspondência biunı́voca entre as retas em T e as retas em P2R distintas de L0 . Cada reta l ⊂ T se estende
em P2R por seu ponto no infinito ∞l ∈ L0 . A reta L0 ⊂ P2R é formada por
todos os pontos no infinito das retas em T .
É fácil ver que duas retas são paralelas em T se e só se os seus pontos no
"@
P0
T "
@
infinito são os mesmos. Em outras palavras, cada famı́lia de retas paralelas
@ em T é formada pelas retas em P2 que passam por um mesmo ponto em L .
0
R
""
"XXXX""@ Logo, a reta no infinito L0 pode ser vista como uma lista de tais famı́lias.
!
Movendo ao longo de uma reta
"
L0
X!!
"X
l ⊂ T , independentemente do
!
′
"
!
l
f
X
sentido escolhido, nós finalmente
"!
X•X
!
"!XXX @
!
@
X
!
chegamos ao ponto no infinito
!
"
T
"
!!
∞l ∈ L0 . Chegaremos a um mes""@
!
@! ""
mo
ponto
∞
se
movermo-nos
ao
l
@
@
∞l
"
longo de uma reta paralela a l e
@"
l
a um ponto diferente se movermonos ao longo de uma reta não
paralela a l.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
35
A seguinte observação é fácil, mas muito importante: Qualquer reta em P2R pode ser tomada como a reta no infinito.
Isto resolve o Problema imediatamente! De fato, considere o plano E 2 como pertencendo ao plano projetivo real E 2 ⊂ P2R
e utilize uma régua mais poderosa, que permita traçar, no plano projetivo, a reta passando por quaisquer dois pontos
distintos. Vamos assumir que seja possı́vel construir a reta paralela R′ . Então, podemos construir a interseção no infinito
q = R ∩ R′ . Seja Q o conjunto finito, p, q ∈ Q, de todos os pontos que subsequentemente aparecem durante a construção.
Tais pontos são pontos de interseção de retas em P2R que já foram construı́das em estágios anteriores mais um número
finito de pontos arbitrariamente escolhidos (que podem ou não pertencer às retas que já foram construı́das). Escolhemos
uma nova reta no infinito L′0 de modo que L′0 não passe por nenhum ponto em Q. Tomamos E ′ 2 := P2R \ L′0 como sendo
um novo plano (usual). Agora, a construção neste novo plano E ′ 2 deve providenciar a mesma reta R′ , a qual, por outro
lado, não é paralela a R já que q = R ∩ R′ ⊂ E ′ 2 = P2R \ L′0 . Uma contradição.
Utilizando a régua mais poderosa, é fácil resolver o seguinte
Exercı́cio. Sejam R1 , R2 retas paralelas distintas no plano E 2 e seja p ∈
/ R1 , R2 um ponto, R1 , R2 ̸∋ p ∈ E 2 . Será
que é possı́vel, utilizando somente uma régua, construir a reta R passando por p e paralela a R1 , R2 ?
Mas que tal se a régua é a usual?
Agora, tentemos visualizar o plano projetivo real P2R . Toda esfera S2 ⊂ E 3 centrada em f lista os pontos em P2R : cada
ponto em P2R é listado duas vezes, por um par de pontos diametricamente opostos
na esfera. Mas isto não dá a mı́nima ideia sobre o espaço P2R . Para entender
melhor a topologia do plano projetivo real, inicialmente cortamos S2 em quatro
partes e desconsideramos duas partes redundantes. Realizando as identificações
necessárias em uma das duas partes restantes, obtemos uma fita de Möbius.
Resta identificar o disco e a fita de Möbius ao longo de seus bordos, que são
circunferências. Assim, a estrutura do espaço P2R torna-se mais ou menos clara.
Infelizmente, é impossı́vel realizar uma tal colagem dentro de E 3 .
Exercı́cio. Toda reta divide o plano E 2 em duas partes. Em quantas partes
4 retas genéricas em P2R dividem o plano projetivo real?
Exercı́cio. Visualize o espaço formado por todos os pares não-ordenados de
pontos na circunferência.
4.8. Coordenadas projetivas e a classificação projetiva
Aqui lançamos [uma] luz para o mistério
]
[ c cde ccônicas.
x1
11 12 1
c21 c22 c2
e do coeficiente 1 em x2 .
dos coeficientes 0, 0, 1 na matriz de mudança de coordenadas
0
0
1
1
Seja fixo um sistema de coordenadas em E 3 e seja f := o, a origem. Denotamos por (x1 , x2 , x3 ) as correspondentes
coordenadas.
Sabemos que cada reta f ∈ R ⊂ E 3 que passa pela origem f é bem determinada por um vetor diretor. Dois vetores
não-nulos determinam uma mesma reta passando pela origem se e só se são proporcionais. As coordenadas (x1 , x2 , x3 )
de um vetor diretor da reta R correspondendo a um ponto p ∈ P2R no plano projetivo real dão origem às coordenadas
projetivas [x1 : x2 : x3 ] do ponto p. Escrevemos p = [x1 : x2 : x3 ]. Uma das coordenadas projetivas x1 , x2 , x3 é não-nula e,
por convenção, [rx1 : rx2 : rx3 ] = [x1 : x2 : x3 ] para qualquer número real não-nulo r ̸= 0. Assim, é melhor pensar que
[x1 : x2 : x3 ] é uma razão. Por si, cada “coordenada projetiva” xi não é um número, mas faz sentido dizer que xi = 0
ou que xi ̸= 0. Por exemplo, os pontos [x1 : x2 : x3 ] com x3 ̸= 0 formam
plano
“usual” E 2 munido das coordenadas
[ 1 um
]
x2
“usuais” (y1 , y2 ), onde yi := xxi para i = 1, 2, pois [x1 : x2 : x3 ] = x
:
:
1
.
Por
outro lado, os pontos com x3 = 0
x3
x3
3
formam uma reta projetiva real P1R no infinito e P2R = E 2 ⊔ P1R , como no item 4.7.
Consideramos agora uma cônica C ⊂ E 2 dada pela equação s11 y12 + 2s12 y1 y2 + s22 y22 + 2s13 y1 + 2s23 y2 + s33 = 0.
A correspondente equação homogênea s11 x21 + 2s12 x1 x2 + s22 x22 + 2s13 x1 x3 + 2s23 x2 x3 + s33 x23 = 0 faz pleno sentido
para as coordenadas projetivas [x1 : x2 : x3 ], pois ela permanece válida se trocarmos os xi ’s pelos rxi ’s. Assim, a equação
homogênea define uma cônica projetiva C̄ ⊂ P2R . É fácil ver que C̄ ∩ E 2 = C. Em outras palavras, a cônica projetiva é a
cônica usual C completada pelos pontos no infinito, dados pelas equações x3 = 0 e s11 x21 + 2s12 x1 x2 + s22 x22 = 0. Supondo
que a última equação não é trivial (caso s11 = s12 = s22 = 0, a cônica C é vazia ou uma reta ou todo o plano E 2 ), temos
no máximo 2 pontos no infinito: se, por exemplo, s11 ̸= 0 e a equação quadrática s11 x2 + 2s12 x + s22 = 0 possui duas
raı́zes r1 e r2 , os pontos no infinito são [r1 : 1 : 0] e [r2 : 1 : 0].
Curiosamente, as cônicas não-degeneradas, isto é, elipse, parábola e hipérbole, podem ser distinguidas por sua posição
relativa à reta projetiva no infinito:
Exercı́cio. Mostre que uma cônica não-degenerada C ⊂ E 2 é uma elipse, parábola ou hipérbole se e só se a correspondente cônica projetiva C̄ ⊂ P2R tem respectivamente 0, 1 ou 2 pontos no infinito. No caso de uma hipérbole, as assı́ntotas
passam pelos 2 pontos no infinito.
1o SEMESTRE DE 2016
36
[ c11
[ c11 c12 c13 ] [ x1 ]
c12 c13 ]
Dada uma matriz M := c21 c22 c23 com det M ̸= 0, a fórmula c21 c22 c23 · x2 =
c31 c32 c33
c31 c32 c33
x3
M sobre o plano projetivo P2R . Isto significa que, para todo ponto p ∈ P2R , temos um certo
coordenadas projetivas, p := [x1 : x2 : x3 ] e M · p := [x′1 : x′2 : x′3 ]. A definição é correta
[
x′1
x′2
x′3
]
define a ação projetiva
ponto M · p ∈ P2R ; em termos
devido à propriedade em de
[ c11 c12 c13 ] [ x ] [ ∗ ]
1
Quando tal ação leva a reta no infinito para ela mesma? Isto ocorre exatamente quando c21 c22 c23 · x2 = ∗ para
de
de
matrizes.
c31 c32 c33
0
0
todos x1 e x2 , ou seja, quando c31 = c32 = 0. Neste caso, de det M ̸= 0 segue que c33 ̸= 0. Notando que M ·p = (c−1
33 ·M )·p
para todo p ∈ P2R , concluı́mos que, lidando com matrizes que agem sobre o plano projetivo e preservam a reta no infinito,
[c c c ]
11 12 1
basta considerar as matrizes da forma c21 c22 c2 . É imediato que tais matrizes preservam o plano E 2 ⊂ P2R cujos pontos
0
0 1
[x ]
1
x
têm a forma
em termos de coordenadas projetivas [x1 : x2 : 1].
2
1
Como entendemos no item 4.7, a reta no infinito não é nem um pouco especı́fica. Acontece que a classificação projetiva
das cônicas projetivas não-degeneradas é muito simples:
Exercı́cio. Sejam C̄1 , C̄2 ⊂ P2R cônicas projetivas não-degeneradas. Mostre que existe uma 3 × 3-matriz M com
det M ̸= 0 tal que C̄2 = M · C̄1 .
{
}
4.9. Projeção estereográfica e esfera de Riemann. Seja v ∈ Rn+1 | |v| = 1
=: Sn ⊂ Rn+1 a esfera unitária de dimensão n, seja p ∈ Sn e seja −p ∈
/ P ⊂ Rn+1 um
−p
hiperplano paralelo ao hiperplano tangente Tp Sn a Sn em p. A projeção estereográfica
Sn \ −p → P manda o ponto q ∈ Sn \ −p para a interseção L(−p, q) ∩ P , onde L(−p, q)
q
denota a reta que liga os pontos −p e q. (Assim se fazem alguns mapas geográficos.)
Sn
Seja H := C + C · j := {c1 + c2 · j | c1 , c2 ∈ C} um espaço com duas coordenadas comv
plexas c1 , c2 . Todos os “vetores” não-nulos de H, sendo considerados a menos de proporp
cionalidade complexa formam uma reta projetiva complexa, P1C . Assim temos uma função
×
1
×
sobrejetiva π : H → PC , onde H := {q ∈ H | q ̸= 0}. Usando as coordenadas complexas
c1 , c2 em H, introduzimos coordenadas projetivas (comTp Sn
iR
plexas) [c1 : c2 ] em P1C . Por definição, um dos c1 , c2 em
R
[c1 : c2 ] é não-nulo e [c1 : c2 ] = [c′1 : c′2 ] se e só se existe 0 ̸= c ∈ C tal que c′1 = cc1 e
c′2 = cc2 . Grosso modo, [c1 : c2 ] = cc2 se c1 ̸= 0 e [0 : c2 ] = ∞.
1
Podemos interpretar a “reta” P1C como feita de dois planos de números complexos:
{
}
{
}
S2 = P1C
C1 := [z1 : 1] | z1 ∈ C com a coordenada complexa z1 ∈ C e C2 := [1 : z2 ] | z2 ∈ C
com a coordenada complexa z2 ∈ C.
Note que [z1 : 1] = [1 : z2 ] se e só se z1 z2 = 1. Isto significa que P1C pode ser obtido
de C1 e C2 identificando os pontos de acordo com a relação z1 z2 = 1.
R
Usando duas projeções estereográficas, podemos observar que a composta das projeiR
ções estereográficas inverte o argumento e o módulo de um número complexo. Deste
modo, P1C vira uma esfera bidimensional, chamada esfera de Riemann.
5. Quádricas. Coordenadas polares, cilı́ndricas e esféricas
5.1. Quádricas. Nosso método de classificação de cônicas funciona bem em qualquer dimensão. Por
exemplo, podemos classificar quádricas em E 3 , isto é, as superfı́cies dadas por uma equação polinomial
de grau ⩽ 2 nas coordenadas cartesianas x1 , x2 , x3 . Aqui listamos apenas as respostas interessantes,
omitindo as quádricas cuja equação canônica independe de uma variável.
5.1.1. Elipsóide. A equação canônica de um elipsóide tem a forma
a3 > 0.
x21
a21
x2
x2
2
3
+ a22 + a23 = 1 com a1 ⩾ a2 ⩾
5.1.2. Hiperbolóide de duas folhas. A equação canônica de um hiperbolóide de duas folhas tem
x2
x2
x2
a forma a21 − a22 − a23 = 1 com a1 > 0 e a2 ⩾ a3 > 0.
1
2
3
5.1.3. Hiperbolóide de uma folha. A equação canônica de um hiperbolóide de uma folha tem a
x2
x2
x2
forma a21 + a22 − a23 = 1 com a1 ⩾ a2 > 0 e a3 > 0. Curiosamente, esta superfı́cie é a união disjunta de
1
2
3
retas reversas por pares. Mais ainda, há duas famı́lias de tais retas.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
x21
a21
37
5.1.4. Parabolóide hiperbólico. A equação canônica de um parabolóide hiperbólico tem a forma
x2
− a22 = a3 x3 com a1 ⩾ a2 > 0 e a3 > 0.
2
x2
x2
5.1.5. Cone elı́ptico. A equação canônica de um cone elı́ptico tem a forma a21 + a22 = x23 com
1
2
a1 ⩾ a2 > 0. Esta superfı́cie não é lisa, pois possui um ponto singular, a origem. Ela é a união de retas
concorrentes por pares passando pela origem. O cone elı́ptico faz papel de assı́ntota para hiperbolóides
de uma e de duas folhas.
5.2. Outras coordenadas. Alguns problemas têm natureza simétrica, mas com a simetria não tão
linear como acima. Listamos aqui alguns poucos tipos de coordenadas que podem ser úteis se a tarefa
em questão possui uma certa simetria.
5.2.1. Coordenadas polares. Estas são coordenadas no plano considerado sem origem. As coordenadas polares (r, α) variam nos intervalos 0 < r < ∞ e 0 ⩽ α < 2π e são relacionadas com as
coordenadas cartesianas pelas fórmulas x1 = r · cos α e x2 = r · sen α. Em outras palavras, r é a
−→
distância do ponto p para a origem o e α é o ângulo orientado do eixo de x1 ao vetor op . As coordenadas
polares são úteis quando um problema tem caráter simétrico rotacional relativamente à origem; vide,
por exemplo, o item 3.1.9.
5.2.2. Coordenadas cilı́ndricas. Estas são coordenadas no espaço considerado sem o eixo de x3 .
As coordenadas cilı́ndricas (r, α, h) variam nos intervalos 0 < r < ∞, 0 ⩽ α < 2π e −∞ < h < ∞ e
são relacionadas com as coordenadas cartesianas pelas fórmulas x1 = r · cos α, x2 = r · sen α e x3 = h.
As coordenadas cilı́ndricas são úteis quando um problema tem caráter simétrico rotacional relativamente
ao eixo de x3 .
5.2.3. Coordenadas esféricas. Estas são coordenadas no espaço considerado sem o eixo de x3 .
As coordenadas esféricas (r, α, β) variam nos intervalos 0 < r < ∞, 0 ⩽ α < 2π e 0 < β < π e são
relacionadas com as coordenadas cartesianas pelas fórmulas x1 = r · cos α · sen β, x2 = r · sen α · sen β e
x3 = r · cos β. Em outras palavras, r é a distância do ponto p para a origem o, α é o ângulo orientado do
−→
eixo de x1 à projeção do vetor op para o plano coordenado de x1 , x2 e β é o ângulo entre o eixo de x3
−→
e o vetor op . As coordenadas esféricas são úteis quando um problema tem caráter simétrico rotacional
relativamente à origem.
5.3. Como emagrecer? A gente se vira! Há a seguinte dieta da fı́sica elementar para pessoas bidimensionais que
vivem na esfera bidimensional S2 .
As retas na esfera são as circunferências grandes, isto é, as interseções da esfera com os planos passando pelo centro
da esfera. Quando um ponto se move com velocidade constante ao longo de uma reta, ele não sente nenhuma força.
Mas se move-se ao longo de uma circunferência diferente de reta, sente as forças centrı́petas. Portanto, um corpo (feito,
digamos, de uma gelatina bidimensional) cujo centro de massa se move ao longo de uma reta com velocidade constante
sente, em seus pontos laterais, as forças centrı́petas, ficando assim mais e mais magro. Indo mais rápido, emagrecemos
mais rápido. Pela preservação de 2-massa, ficamos entretanto mais altos.
5.3.1. Esfera tridimensional. Fibrado de Hopf. Mas a gente é tridimensional e vive talvez em uma esfera
tridimensional S3 .
{
Já que H = C + C · j (vide o item 4.9), temos H ≃ R4 . Logo, a esfera tridimensional é dada por S3 := c1 + c2 · j ∈ H |
}
2
2
2
×
×
1
|c1 | + |c2 | = 1 ,→ H . Compondo esta seta com π : H → PC ≃ S , obtemos o fibrado de Hopf χ : S3 → S2 . Sendo
a função π sobrejetiva, a função χ também é sobrejetiva, pois cada q ∈ H× é proporcional a um “vetor” v ∈ S3 , até com
um coeficiente real positivo.
Quando χ(c1 + c2 · j) = χ(c′1 + c′2 · j) ? Se e só se existe um 0 ̸= c ∈ C tal que cc1 = c′1 e cc2 = c′2 . Portanto,
1 = |c′1 |2 + |c′2 |2 = |c|2 |c1 |2 + |c|2 |c2 |2 = |c|2 , pois |c1 |2 + |c2 |2 = 1. Daı́, c ∈ {eit | t ∈ R}. Concluı́mos que cada fibra
do fibrado de Hopf é uma circunferência χ−1 (v) = {eit q | t ∈ R}. Em outras palavras, a esfera S3 é a união disjunta de
circunferências e a esfera S2 é simplesmente a lista dessas circunferências.
Para
√ o sucesso do emagrecimento, precisamos introduzir os números ainda mais complexos. Pode advinhar quantas
raı́zes −1 vamos adicionar?
1o SEMESTRE DE 2016
38
5.3.2. Quatérnions. Para aprender a multiplicar elementos de H, chamados quatérnions, basta usar as regras j·j = −1
e j · c = c · j para todo c ∈ C. Em outras palavras, H = R + Ri + Rj + Rk, onde k := i · j. Para verificar a associatividade
desta multiplicação, podemos utilizar a sequinte tabela de multiplicação
i · i = j · j = k · k = −1,
i · j = −j · i = k,
j · k = −k · j = i,
k · i = −i · k = j.
Pela R-bilinearidade da multiplicação, é suficiente verificar a identidade q1 · (q2 · q3 ) = (q1 · q2 ) · q2 substituindo apenas
q1 , q2 , q3 ∈ {1, i, j, k}.
De modo parecido com os números complexos, introduzimos a conjugação: r1 + r2 i + r3 j + r4 k := r1 − r2 i − r3 j − r4 k.
Sendo a multiplicação R-bilinear e a conjugação R-linear, podemos verificar a identidade q1 · q2 = q 2 · q 1 para quaisquer
q1 , q2 ∈ H apenas substituindo q1 , q2 ∈ {1, i, j, k}.
Para q := r1 + r2 i + r3 j + r4 k, é fácil ver que q · q = q · q = r12 + r22 + r32 + r42 , ou seja, q · q = q · q = |q|2 . Agora,
|q1 · q2 |2 = q1 · q2 · q1 · q2 = q1 · q2 · q 2 · q 1 = q1 · |q2 |2 · q 1 = q1 · q 1 · |q2 |2 = |q1 |2 |q2 |2 , pois |q2 |2 é um número real e, sendo
assim, comuta com todo mundo.
5.3.3. Lema. |q1 · q2 | = |q1 | · |q2 | para todos q1 , q2 ∈ H
■
5.3.4. Corolário. Seja q ∈ S3 . Então as funções x 7→ q · x e x 7→ x · q preservam a distância em H
■
5.3.5. Que tal se já emagrecemos? A vida em S3 . Sabemos que, para emagrecer em S2 , não precisa de nenhum
esforço: basta ir rápido ao longo de uma reta e as forças centrı́petas vão fazer o necessário.
Como em S2 , as retas em S3 são interseções de S3 com 2-planos passando pela origem. Por exemplo, S3 ∩ (C + 0 · j) =
{eit | t ∈ R} =: S1 é uma reta. Portanto, para todo q ∈ S3 , a circunferência S1 · q também é uma reta em S3 . Mais ainda,
a variável t ∈ R providencia uma parametrização destas retas pelo comprimento, ou seja, eit · q descreve uma viagem ao
longo de uma reta com velocidade constante 1, onde t ∈ R é a variável do tempo.
Seja C ⊂ S3 uma criatura de gelatina. Para q1 , q2 ∈ C, as distâncias entre eit · q1 e eit · q2 estão mantidas. Parece que
a vida em S3 é tão trivial quanto em R3 : indo ao longo de uma reta, todos as partes da criatura C estão indo pelas fibras
do fibrado de Hopf, não sentindo nenhuma força . . . nada. Não há como
{ emagrecer!
}
5.3.6. A esperança é a última que morre! Definimos Ts := c1 + c2 · j | |c1 |2 = s, |c2 |2 = 1 − s ⊂ S3 para
qualquer s ∈ [0, 1].
É claro que a esfera S3 é a união disjunta destes Ts , variando s ∈ [0, 1]. Além disso, eit · Ts ⊂ Ts , ou seja, Ts é uma
união de fibras inteiras. Para s = 0 ou para s = 1, Ts é uma fibra só. Para s ̸= 0, 1, Ts é o produto cartesiano de duas
circunferências, isto é, um toro. Estas circunferências servem como “coordenadas” no toro e, neste sentido, a fibra S1 · q é
uma “diagonal” do toro para qualquer q ∈ Ts .
Façamos mais uma projeção estereográfica para entender a posição relativa das fibras. Escolhemos o hiperplano
C × R ⊂ H (com as coordenadas (c, r), c ∈ C, r ∈ R) dado pela equação r4 = 0. É fácil ver que a projeção estereográfica
1
1
2
4
p : S3 \ k → C × R age pela regra p : (c1 , c2 ) 7→ 1−Im
(c , c ) + ImImc c−1
(0, i) = 1−r
(c1 , c2 ) + r r−1
(0, i), isto é,
c2 1 2
2
4
4
c1
r3
p : (c1 , c2 ) 7→ (c, r), onde c = 1−r e r = 1−r .
4
4
Visualizamos p(Ts ) ⊂ C × R. A imagem p(T0 ) é o “eixo vertical r” (a circunferência T0 sem o ponto k).
Para s ̸= 0, temos |c|2 =
2
−1 + 2 1−r
. Portanto,
4
s
e
(1−r4 )2
2
2
|c| + r + 1 =
palavras, |c|2 + r2 + 1 =
2
√
|c|,
s
2
2
2
r4
r4
1−r4
1−s
1−s
s
2
2
= (1−r
2 . Daı́, |c| + r = (1−r )2 + (1−r )2 − (1−r )2 = (1−r )2 =
(1−r4 )2
4)
4
4
4
4
(
)2
( 2
)2
2
4s
2
e |c|2 + r2 + 1 s = (1−r
s = 4|c|2 . Em outras
2 , implicando |c| + r + 1
1−r4
4)
r2 +
ou seja,
(
1 )2
1
|c| − √
+ r2 = − 1.
s
s
Esta equação determina a figura obtida pela rotação em torno do “eixo de r” da circunferência centrada em √1s de raio
√
√
√
1
− 1 (se s = 1, a circunferência se degenera para um ponto). É fácil ver que a função f (s) := √1s − 1s − 1 = 1−√1−s
s
s }
{
é positiva e sua derivada também. Esperadamente, obtemos um toro se s ̸= 0, 1. A imagem da fibra eit · q | t ∈ [0, 2π]
faz uma volta na “direção” da rotação, pois arg c1 = arg c. Quando t varia em [0, 2π], a coordenada r (que tem o mesmo
sinal que r3 ) muda de sinal duas vezes, implicando que a imagem da fibra faz exatamente uma volta na “direção” da
circunferência que está sendo rotada. Portanto, a imagem da fibra é uma “diagonal” no toro.
No desenho a seguir estão exibidos os resultados dos nossos esforços. Se o centro de massa de C se move ao longo
da circunferência p(T1 ), os outros pontos de C se movem pelas diagonais dos toros p(Ts ). Será que engordamos assim se
movendo? Não, já entendemos no final do item 5.3.5 que as distâncias entre os pontos de C permanecem as mesmas. Olhe
bem! A figura p(C) está se rodando durante o movimento . . . A gente se vira!
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
Exercı́cio. Mostre que {q ∈ H | q · q = −1} é a esfera bidimensional {r2 i + r3 j + r4 k | r22 + r32 + r42 = 1}.
39
40
1o SEMESTRE DE 2016
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos alunos e às alunas da turma 2016104 de Engenharia de Computação e da
turma 2016113 de Engenharia de Materiais e Manufatura
Adilson Vital Junior
Alex José Arantes
Alexandre Batistella Bellas
Altair Fernando Pereira Junior
Alysson Rogério Oliveira
André Balogh de Carvalho
Ariel Douglas das Almas Gomes
Augusto Ribeiro Castro
Beatriz Landgraf Gomes
Bruna Mazzi Viana
Bruno Almeida Moreno Santos
Bruno Blundi Corona
Bruno Lopes da Cunha
Bruno de Favari Signini
Caio Castelain Rossini
Caio César Lima Cagnoto
Carlos Henrique de Oliveira Franco
Carolina Ribeiro Alves
César Augusto Lima
Enrico Vicenzo Salvador Robazza
Estevam Fernandes Arantes
Felipe Coêlho Freire
Felipe Manfio Barbosa
Felipe Sandron Takata
Felipe Santos Montero
Felippe Migliato Marega
Fernanda de Camargo Costa
Fernando Nogueira Siqueira
Filipe Junqueira Pedras Passos
Filipe Lourenco Dal Ri
Filipe Sauretti Henrique
Flávio Vinicius Vieira Santana
Frederico Lago Silva
Gabriel Lopes de Castro Martinelli
Gabriel Ribeiro Evangelista
Gabriel Salvatti
Gabriel Santos Ribeiro
Gabriel da Silva Darcoleto
Gianfrancesco Grignoli
Giovanni Nilson Rosalino
Giovanni Rocha Campbell
Guilherme Brunassi Nogima
Guilherme Lima Blatt
Guilherme Medeiros e Souza
Gustavo Costa Carvalho
Henrique Andrews Prado Marques
Henrique Santiago da Silva Cunha
Henrique de Morais Oliveira
Henry Shinji Suzukawa
Hiago de Franco Moreira
Igor Guedes Rodrigues
Ikaro Jose Urei Basso
Isa Benatti
Isabella Loretti de Sousa
Ivan Costa de Sousa
João Henrique Nativio Dal Pra
João Manoel Herrera Pinheiro
João Pedro Doimo Torrezan
João Pedro Silva Mambrini Ruiz
João Vitor Granzotti Machado
Júlia Carderan Nardy Vasconcellos
Júlia Pascon
Leonardo Akel Daher
Leonardo Carneiro Feltran
Leonardo Chieppe Carvalho
Leonardo Florio Nacir
Leonardo Masson Oliveira
Leonardo Morando Barbosa de
Freitas
Leonardo Pereira de Almeida
Campos
Leonardo Perin Alves
Leonardo Sensiate
Letı́icia Cursini
Letı́icia Lie Maeda
Letı́icia Maria Rubo
Linneu Augusto Mendo Zanco
Lı́via Fares
Lucas Akira Morishita
Lucas Rojas Hernandes Panizza
Luı́s Antonio Rezende de Freitas
Luı́s Gustavo Pecanha
Maria Carolina de Alcântara
Faleiros
Mateus Castilho Leite
Mateus Morishigue Borges
Matheus Resende Miranda
Miguel Braga Baraldi
Murilo Luz Stucki
Olı́via de Mendonca e Morais
Osmar Bor Horng Chen
Pedro Henrique Fini
Pedro Henrique Gotardelo
Armani
Pedro Lima Autran Dourado
Pedro Luı́s Velasco
Cornachioni
Pedro Vı́tor Novo Formagin
Pedro Zanini Segnini
Pedro de Castro Oliveira
Cordeiro
Rafael Corsi Zucherato
Rafael Godoy Polonio
Rafael Micali de Carvalho
Roberto Furtado Udegbunam
Rodrigo Stranieri Bastos
Tácio Teixeira Lopez Torres
Thiago Musico
Thiago Yudi Nakazaki
Tiago José de Oliveira Toledo
Junior
Túlio Fernandes Rickli Costa
Victor Rozzatti Tornisiello
Victor da Silva Torricillas
Vincenzo Spatuzza Felip
Vinı́cius Henrique Borges
Vinı́cius Nakasone Dilda
Vı́tor Zanini Segnini
Willian César Ramos
Willian Gonzaga Leodegario
Yuri Santo Rugeri
pela participação ativa nas aulas teóricas e nas aulas de monitoria, pela paciência por um lado e pela
atitude positiva ao estudo por outro.
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
41
Quero agradecer ao Christian Vilas Boas Lemos, monitor da disciplina no primeiro semestre de 2016,
por ajudar verdadeiramente os alunos ao não seguir a tradição de resolver para eles os exercı́cios propostos. Além disso, sou grato por sua capacidade ı́mpar de registrar com precisão, ao longo da cadeia
evolutiva, algumas reações curiosas ao ensino da geometria analı́tica.
Finalmente, gostaria de culpar o professor Carlos Henrique Grossi Ferreira pela ajuda na edição destas
notas e pela permissão de usar o material legal apresentado em letras pequenas. Enfim, tudo isto não
foi mea culpa!
42
1o SEMESTRE DE 2016
Índice
3 × 3-matriz 8-17
i-ésima coluna de matriz 12-20
i-ésima linha de matriz 12-20
ij-ésimo cofator de matriz 17-17
ij-ésimo menor de matriz 16-16b
ação de vetores sobre espaço 4-4
ação projetiva de uma matriz 36-1
abertura de hipérbole 33-16
adição de matrizes 12-18b
adição de vetores 2-19
ângulo entre vetores 18-1
ângulo orientado 27-16
ângulo orientado entre números complexos 21-5
ângulos diretores de vetor 19-6
área de paralelogramo 22-8b
área de triângulo 26-3
argumento de número complexo 21-6
assı́ntota de hipérbole 33-6
associatividade de ação de vetores 4-7
associatividade de adição de vetores 3-1
associatividade de multiplicação 3-16b
base de soluções de sistema homogêneo 14-13b
base linear de vetores 7-21b
base ortonormal 18-8
cônica degenerada 30-4b
cônica projetiva 35-10b
centro de simetria 30-1
circunferência 28-12
circunferência grande 37-18b
classificação de cônicas
classificação projetiva de cônicas 36-10
coeficiente ij-ésimo de matriz 12-19
coeficientes de combinação linear 5-19
coeficientes de matriz 12-19
coeficientes de polinômio 28-9
combinação convexa de pontos 5-17b
combinação linear de vetores 5-18
combinação linear trivial 5-20
comprimento de vetor 17-7b
comutatividade de adição de vetores 2-7b
cone elı́ptico 37-3
conjugação complexa 20-16b
conjugação de quatérnions 38-7
coordenadas cilı́ndricas 37-17
coordenadas esféricas 37-22
coordenadas polares 37-10
coordenadas projetivas 35-20b
coordenadas projetivas complexas 36-23
coordenadas relativas a uma base linear 7-18b
dependência linear de vetores 5-22b
descrição paramétrica de plano 9-19
descrição paramétrica de reta 8-5b
descrição vetorial de plano 7-14
descrição vetorial de reta 4-19
descrição vetorial de segmento 4-8b
descrição vetorial do espaço 4-8
desenvolvimento de Laplace 17-16
desigualdade triangular 17-3b, 21-20b
determinante 16-14b, 16-12b
determinante de uma 3-matriz 8-17
diferença de matrizes 12-15b
diferença de vetores 3-7
direção de vetor 3-5b
diretriz de elipse 32-14
diretriz de hipérbole 33-18b
diretriz de parábola 31-16
distância entre figuras 19-4b
distância focal de elipse 32-6
distância focal de hipérbole 32-1b
distributividade de multiplicação 3-17b, 3-12b
eixo 3-17
eixo imaginário 20-19
eixo maior de elipse 31-5b
eixo menor de elipse 31-5b
eixo real 20-19
elipse 28-18, 30-6b
elipsóide 36-7b
entradas de matriz 12-19
envelope convexo 5-21b
equação geral de plano 9-10b
equação homogênea de cônica projetiva 35-12b
equação segmentária de plano 11-23b
equações diofantinas 11-18b
equações simétricas de reta 8-3b
equivalência 1-13
esfera de Riemann 36-13b
esfera unitária 36-15
excentricidade de elipse 32-7
excentricidade de hipérbole 33-15
extremidade de segmento orientado 1-10b
fórmula de de Moivre 21-20
fórmula de mudança de base 24-9b
fórmula de mudança de coordenadas 27-5
fibra de fibrado de Hopf 37-5b
SMA0300. GEOMETRIA ANALÍTICA
fibrado de Hopf 37-9b
figura convexa 5-23b
fita de Möbius 35-20
foco de elipse 32-4
foco de hipérbole 32-3b
foco de parábola 31-16
fonte de luz 34-27
forma canônica de cônica 30-4b
forma matricial de polinômio 29-10
forma matricial de sistema 14-8
forma trigonométrica de números complexos 21-12
hipérbole 28-11b, 30-5b
hiperbolóide de duas folhas 36-5b
hiperbolóide de uma folha 36-3b
identidade de Jacobi 23-17
imagem na tela 34-28b
ı́nfimo 19-1b
LD 5-22
LI 5-21b
linearidade de determinante em uma coluna 16-8b
módulo de um número complexo 20-9b
módulo de vetor 17-7b
múltiplo escalar de matriz 12-10b
matriz 12-18
matriz adjunta 17-18
matriz aumentada de sistema 14-9
matriz de mudança de base 24-5b
matriz de mudança de coordenadas 27-6
matriz de sistema 14-8
matriz escalonada reduzida 15-11
matriz escalonada semi-reduzida 15-16
matriz identidade 13-4b
matriz inversa 13-2b
matriz nula 12-17b
matriz oposta 12-17b
matriz ortogonal 24-2b
matriz simétrica 29-3
matriz simétrica de polinômio 29-10
matriz transposta 12-8b
matriz triangular 17-12
movimento da origem 27-1b
mudança de origem 4-12
multiplicação de matrizes 13-5
multiplicação de quatérnions 38-1
multiplicação por escalar 3-18
multiplicatividade do módulo 20-9b
norma de vetor 17-7b
número complexo 20-17
número complexo unitário 20-3b
números coprimos 11-14b
operações elementares 15-6
orientação de bases lineares 25-12
orientação de espaço 25-15
orientação direita 25-16b
orientação esquerda 25-16b
orientação oposta de espaço 25-16
orientação oposta de reta 3-16
origem 3-1b
origem de segmento orientado 1-10b
par ordenado 1-15b
parábola 28-13, 30-7b
parâmetro de reta 4-22
parâmetros de plano 7-16
parâmetros de sistema homogêneo 14-11b
parâmetros de solução de sistema geral 14-5b
parabolóide hiperbólico 37-1
pares ordenados iguais 1-13b
parte imaginária de um número complexo 20-20
parte real de um número complexo 20-20
pivô de uma linha 15-13
pivotização 16-7
plano orientado 21-1b, 27-16
plano projetivo real 34-9
polinômio de cônica 28-8
polinômio de grau ⩽ 2 28-8
ponto no infinito de reta 34-16b
ponto singular 37-4
pontos mais próximos de retas reversas 26-5b
pontos não-colineares 7-6
pontos no infinito de cônica 35-9b
produto de matrizes 13-5
produto escalar 18-10
produto escalar bilinear 18-13
produto escalar positivo 18-18
produto escalar simétrico 18-17
produto interno 18-10
produto misto 24-2
produto misto anti-simétrico 24-8
produto misto trilinear 24-4
produto vetorial 21-6b
produto vetorial anti-simétrico 22-13
produto vetorial bilinear 22-4
projeção estereográfica 36-16
proporcionalidade complexa 36-20
quádrica 36-10b
quatérnions 38-1
régua poderosa 35-3
reflexividade de relação 1-14
43
44
1o SEMESTRE DE 2016
regra “linha por coluna” 13-10
regra de Cramer 17-15b
regra do paralelogramo 2-3b
regra do triângulo 3-10
relação de equivalência 1-12
relação reflexiva 1-14
relação simétrica 1-15
relação transitiva 1-16
reta de simetria 30-2b
reta em S3 38-17
reta na esfera 37-18-b
reta no infinito 34-11b
reta orientada 3-14
reta projetiva complexa 36-21
reta projetiva real 33-12b
reta projetiva relativa a plano 34-14
retas concorrentes 10-3b
retas reversas 10-2b
rotação de base 27-2b
segmento orientado 1-11b
segmentos orientados semelhantes 1-9b
sentido anti-horário 27-16
sentido de vetor 3-5b
sentido geométrico do produto escalar 18-17b
sentido geométrico do produto misto 24-8b, 25-15b
sentido geométrico do produto vetorial 22-3b, 25-8b
simetria de relação 1-15
sistema cartesiano de coordenadas 18-11b
sistema de coordenadas lineares 8-17b
sistema homogêneo 14-13
sistema homogêneo associado 14-13
sistemas equivalentes 15-1
solução particular de sistema geral 14-9b
soma de matrizes 12-18b
soma de vetores 2-19
somatório 12-2b
subtração de matrizes 12-15b
subtração de vetores 3-7
tabela de multiplicação 23-5
tabela de multiplicação de quatérnions 38-3
tamanhos de matriz 12-21
tela 33-1b, 34-28
topologia do plano projetivo real 35-18
toro 38-21b
transitividade de relação 1-16
unidade imaginária 20-17
vértice de cônica 31-1
variável livre 15-18b
variavel não-livre 15-18b
vetor 2-12
vetor diretor de reta 4-21
vetor normal a plano 19-19b
vetor nulo 2-14b, 2-13b
vetor oposto 2-12b, 2-9b
vetor unitário 19-2
vetores colineares 5-7b
vetores coplanares 7-1
vetores iguais 2-13
vetores linearmente dependentes 5-22
vetores linearmente independentes 5-21b
vetores ortogonais 18-5
vetores proporcionais 4-19b
volume de paralelepı́pedo 24-12
volume de prisma 26-8
volume de tetraedro 26-13