sociedade do conhecimento
Transcrição
sociedade do conhecimento
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 3-16, 2003 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO SOCIEDADE DO CONHECIMENTO VAGNER DE CARVALHO BESSA MARCELO BATISTA NERY DANIELA CRISTINA TERCI Resumo: Este artigo retrata tanto a discussão internacional a respeito das novas métricas da sociedade da informação como a exploração desse tema nos últimos anos pela Fundação Seade e, deste modo, o resultado dos esforços nos processos de obtenção, compilação e análise de dados sobre o assunto. Palavras-chave: tecnologia; informação; conhecimento. Abstract: This article describes the international debate with regard to the new paradigms of the information society, and the exploration of this subject in recent years by Fundação Seade, in order to assess the efforts towards obtaining, compiling and analyzing data on the subject. Key words: technology; information; knowledge. O debate sobre os rumos do desenvolvimento econômico é impulsionado pela difusão dos paradigmas produtivos que atingem o modo de produção de bens e serviços. Existe a plena convicção de que os segmentos que experimentam profundas mudanças, em função dos impactos das novas tecnologias digitais, mostram potencial econômico para criação de empregos qualificados e geração de renda. Impulsionado pela visibilidade da Internet e a expansão das empresas “ponto.com”, esse processo ganhou amplitude e demarcou o significado das novas formas de produção, consumo e conhecimento. De fato, o que se convencionou chamar de “nova economia” envolve um conjunto distinto de significados. Currás, Nanclares e López (2001) advertem que o termo “nova economia” deve ser analisado em aspectos diferenciados. Na perspectiva macroeconômica, a noção tem sido tomada como sinônimo de crescimento do emprego e da produtividade, dentro de um contexto de baixas taxas de juros e inflação, internacionalização da economia americana e mudanças no sistema financeiro internacional, tendo como pano de fundo a difusão das novas tecnologias de informação e comunicação e da Internet. Entrementes, há variações nessa abordagem, pois enquanto alguns defendem que o termo reflete uma mudança de ordem estrutural na economia mundial pas- sível de reprodução em outras regiões (Schreyer, 2000), outros assinalam que o fenômeno registra uma fase do ciclo de crescimento restrito à economia americana nos anos 90, desenvolvida pelos investimentos na nova infraestrutura de telecomunicações, mas de difícil reprodução em outros países. Do ponto de vista microeconômico, por sua vez, há um entendimento generalizado e mais consensual acerca da liderança que os setores ligados às novas tecnologias exerceram sobre a Globalização Industrial. As fusões e alianças estratégicas entre grandes grupos proporcionaram a emergência de mercados e modelos de negócios nas fronteiras das novas áreas de exploração econômica. A importância das redes de aprendizado se fortalecem como novos padrões de competitividade e as informações dirigidas às inovações tecnológicas e produção de conhecimento passam a constituir um importante insumo para o processo de reestruturação produtiva. Ampliam-se as possibilidades para a aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs em vários campos e a nova infra-estrutura de telecomunicações proporciona, simultaneamente, a criação de novos produtos e a revitalização de mercados tradicionais em bases tecnológicas renovadas, como nas áreas de telemedicina, de educação a distância e de ação do Estado – por intermédio do governo eletrônico (Cohen et al., 2000). 3 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 entre os setores de atividades, as dificuldades de mensurar serviços de natureza intangível e as dificuldades de regionalização de uma “economia em rede”, impõem desafios ainda maiores. Entretanto, a despeito dessa problemática, há na perspectiva dos organismos internacionais e dos fóruns especializados uma certeza generalizada agindo no intuito de que sejam estabelecidas convenções padronizadas para o exercício de uma métrica dentro das práticas estatísticas adequadas às novas exigências. Na ótica social, o ritmo de difusão da nova infra-estrutura de telecomunicações mostra potencialidades inéditas para a abertura e ampliação dos canais de participação nas sociedades democráticas e para o aparecimento dos novos direitos no que se convencionou chamar de “sociedade do conhecimento”. O impacto é observado no mercado de trabalho, nas relações comerciais, no crescimento econômico, na forma de produzir, coordenar e distribuir bens e serviços e no cotidiano dos indivíduos; na maneira que adquire informações, aprende, negocia, interage, etc. O vasto campo de aplicações das novas tecnologias tem conduzido ao debate de como medir os impactos do desenvolvimento e difusão das TICs sobre a vida econômica e social. As instituições reclamam novas regulamentações e incentivos, oferecem e demandam novos saberes. Entretanto, leituras menos otimistas enfatizam que a difusão diferenciada das novas tecnologias, quando não reforça, repete os padrões de exclusão social presentes em sociedades com profundas diferenciações distributivas. Nesse contexto, a questão da “exclusão digital” ou da “infoinclusão” surge como temática privilegiada que enfatiza a necessidade de políticas públicas voltadas não apenas para universalização ao acesso às novas tecnologias de comunicação e informação, mas também aos benefícios globais da sociedade do conhecimento. O debate sobre a importância das TICs tem levado a uma ampla discussão a respeito das alterações nas convenções estatísticas necessárias para medir a relevância dos novos processos desenvolvidos no âmbito do que se convencionou chamar de “Sociedade da Informação” ou “Sociedade do Conhecimento”. Porcaro (2001) chama a atenção para o fato de os esquemas conceituais, dos sistemas estatísticos oficiais, assentarem-se sobre premissas teóricas umbilicalmente ligadas a uma dada concepção em relação à realidade econômica e social. Segundo a autora, os modelos estatísticos se apropriaram de constructos analíticos ligados à divisão do trabalho da sociedade industrial e ganharam consistência ao desenhar uma representação estatística homogênea e comparativa de uma sociedade cujos padrões culturais, científicos e tecnológicos eram relativamente estáveis, assentados sobre a organização regulada, fordista e circunscrita aos marcos dos Estados Nacionais do pós-guerra. Os desafios para os sistemas nacionais de estatística são enormes porque compreendem uma agenda aberta. O extenso campo de aplicações das novas tecnologias de informação e comunicação, a grande heterogeneidade de fontes produtoras de informações, a ambigüidade dos fenômenos, a constante destruição e recriação de barreiras ESTATÍSTICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Indicadores de Compatibilidade Internacional Proveniente da necessidade que cada país possui em entender e adaptar as tecnologias globais para as exigências locais, alguns indicadores têm sido compostos para avaliar o nível de progresso tecnológico e a capacidade destes países em participar dessa nova era. A composição de tais índices auxilia as políticas de difusão em mensurar a inserção de cada país em relação aos demais e, em especial, verificar quais são os pontos que proporcionam seu distanciamento daqueles que estão no topo tecnológico. Muitos elementos contribuem para avaliar as realizações tecnológicas, mas em geral poucos são levados em consideração para mensuração, devido à dificuldade de obtenção e compatibilidade encontrada. Em estatísticas e indicadores existentes de tecnologia, esforços são feitos, sobretudo pela Unesco, OECD e Eurostat (Unesco, 2002), para promover uma maneira sistemática de mensuração, coleta e disseminação desses números, que até o momento estão disponíveis, em sua maioria, apenas para os países industrializados, no que se refere aos recursos humanos e financeiros em P&D, inovações, citações, patentes, produtos de alta tecnologia, etc. Estatísticas que vêm sendo coletadas tendo por referência os conceitos e as metodologias internacionais estabelecidas em documentos como o Manual Frascati (OECD, 1993), de Oslo (OECD, 1996) e Canberra (OECD, 1995), por exemplo. Assim sendo, macroindicadores foram desenvolvidos com intento de compreender o processo de produção e aplicação do conhecimento como uma série de sucessivos e necessários estágios que partem da pesquisa básica até a inovação, passando pela pesquisa aplicada e pelo desenvolvimento experimental, transformando-se freqüentemente em um modelo para os países, principalmente para os desenvolvidos, que procuram adaptá-los de acordo com 4 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO é designada para medir mudanças no decorrer do tempo. Os dados para sua construção advêm das séries internacionais mais utilizadas e difundidas em relação ao uso de tecnologia, porém alguns países acabam por ser subdimensionados pela falta de informação ou pela qualidade da coleta. O objetivo dessa proposição não é medir apenas qual país lidera o desenvolvimento tecnológico, mas sim a condição do país como participativo na criação e uso de tecnologia. Para exemplificar, podem-se analisar os componentes do índice, tendo como início a criação de tecnologia. O TAI usa dois indicadores para capturar o nível de inovação na sociedade: número de patentes concedidas per capita, para refletir a intensidade de atividades novas; e o número de royalties e licenças obtidas no exterior, demonstrando a evolução das inovações bem sucedidas ainda utilizadas e com valor de mercado. Por fim, temos o indicador de habilidade humana que utiliza o número de anos na escola para população acima de 15 anos, que fornece uma boa medida das habilidades proporcionadas pelo ensino básico geral da população, não esquecendo que a qualidade da educação é variável para cada país. Além disso, o número de graduados em ciência, matemática e engenharia, possibilita igualmente uma avaliação dos esforços atuais em desenvolver e avançar o conhecimento em ciência e matemática. Alguns outros modelos foram produzidos para mensurar a difusão das novas tecnologias de informação, um deles, que merece destaque, é o modelo Inexsk (Mansell e Wehn, 1998) que procura identificar indicadores para o acompanhamento do crescimento de uma sociedade da informação nos países em desenvolvimento. Esse modelo foi desenvolvido para analisar comparativamente a difusão de TI em diferentes países, a partir das seguintes variáveis: infra-estrutura, experiência, habilidades e conhecimento. Segundo Mansell e Wehn, o grande desafio para a política de difusão é equilibrar os investimentos em equipamentos com o desenvolvimento do capital humano. Os exemplos de Taiwan e Coréia demonstram que é possível se tornar um líder em exportações de bens de TI sem que o padrão de utilização doméstica seja muito afetado. Por esse motivo, a análise dos impactos da TI sobre o crescimento econômico deve abranger uma diversidade de índices, tais como: índice de computadores pessoais; de linhas telefônicas; de produção de eletrônicos; de consumo de eletrônicos; de disponibilidade de recursos humanos qualificados; de alfabetização; de hosts de Internet; e de difusão de televisores; etc. suas políticas, porém que encobre as características específicas dos processos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico. Essa é uma das principais razões desse modelo ser intensamente questionado pelas escolas e instituições afins, e em conseqüência disso temos a busca incessante por novos indicadores, como os de inovação. Apesar dos vários modelos criados para mensurar TI, muitas dificuldades são encontradas para quantificar tais questões pelo seu caráter intangível, entretanto existe um número de indicadores que refletem objetivamente o grau de difusão das novas tecnologias e vêm sendo investigados de forma regular por organismos internacionais, como será abordado mais adiante. Entretanto, existem algumas propostas apontando para que os países em desenvolvimento se estendam além dos indicadores tradicionais de entrada (como centros de pesquisa, pesquisadores, treinamento de pessoal com nível científico e técnico, recursos financeiros) e produtos (artigos publicados, licenças, patentes, número de citações, etc.), incluindo uma mensuração sistemática da capacidade científica e tecnológica (Unesco, 2002). A questão que se sobrepõe, então, é qual a melhor maneira de desenvolver uma estratégia viável para mensurá-los em acordo com as prioridades políticas. Outra interpretação dada é a realizada pelo Relatório do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2002), que faz uma estimativa com relação à justiça econômica do ponto de vista do uso da Internet, concluindo que no âmbito do processo global há a expectativa de que o número de usuários de Internet aumente de 500 milhões para cerca de 1 bilhão até 2005. Todavia, também é constatado que 72% dos atuais utilizadores vivem em países da OCDE, tendo elevados rendimentos e contemplando apenas 14% da população mundial. Assim como no Relatório de Desenvolvimento Humano, o Technology Achievement Index – TAI1 tem como propósito servir de ponto de partida para uma avaliação tecnológica geral, primeiramente, para que depois sejam examinados outros indicadores de forma mais detalhada (Sagasti et al., 2001:7), para 72 países. Os índices estabelecidos pelo TAI têm como alvo mensurar a tecnologia de cada país, baseados em quatro dimensões: criação de novas tecnologias; difusão e adoção de novas tecnologias; difusão das já existentes, que ainda são básicas para a entrada de novas; e a construção da habilidade humana para a criação e conseqüente adoção de tecnologia. A metodologia usada para o cálculo é similar à usada para o índice de desenvolvimento humano, entretanto não 5 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 até motivações de ordem socioculturais. Segundo Navarro (2001), as inovações metodológicas das pesquisas estão registradas na coleta de indicadores para a construção de tipologias familiares e de grupo, pois entende que as questões sobre a exclusão digital não se resumem às características dos indivíduos, mas às necessidades específicas de classes e grupos sociais. No Canadá, onde as pesquisas são estruturadas pela orientação pragmática das políticas de governo,3 a exclusão é pensada como uma segmentação que atravessa todos os grupos socioeconômicos. Em adição à tradicional divisão entre usuários e não-usuários (first divide), há uma segunda segmentação dos não-usuários, que podem ser divididos por sua vez em dois grupos: aqueles que possuem interesses em estar conectados, no entanto não estão, em função de barreiras de custo, habilidades e capacidade de uso; e aqueles que possuem pouco ou nenhum interesse nos serviços oferecidos (second divide), que resulta de uma diferença em relação à percepção de valores, dificuldades com a língua, de usabilidade ou de um desestímulo em relação à pouca densidade de conteúdos sociais e geração de oportunidades, como informações sobre emprego, moradia ou capacitação (Navarro, 2001: 32). As primeiras referências para a medição desse processo de exclusão digital nas estatísticas produzidas na Fundação Seade se remetem a Pesquisa de Condições de Vida 1998.4 A pesquisa, que já trazia desde suas primeiras versões (1990 e 1994) dados a respeito do número de linhas telefônicas residenciais, incorporou questões relativas à existência de telefones celulares e computadores nos domicílios. Esse levantamento possibilitou a formulação de indicadores sobre a disponibilidade de terminais de acesso telefônico e computadores a partir de cruzamentos com as informações de renda do chefe da família, gênero e demais condições dos domicílios e de seus ocupantes, permitindo traçar um retrato das condições de acessibilidade dos indivíduos às tecnologias básicas para o acesso às redes digitais. Segundo os dados da pesquisa, para cada mil famílias com renda superior a 20 salários mínimos, havia cerca de mil computadores por domicílio (média de um para cada domicílio), enquanto para aqueles com até dois salários, a densidade era de 160 terminais para cada grupo de mil famílias.5 Tal disparidade pode ser vista também por meio da apropriação das novas tecnologias segundo o grau de escolaridade dos residentes: observando a distribuição dos indivíduos com 7 anos ou mais que freqüentam algum nível de ensino regular, 24% dos estudantes dispunham de PCs em suas residências na Região Exclusão Digital e Infoinclusão O debate sobre a difusão das novas tecnologias tem intensificado o debate relativo aos benefícios ou o acirramento das desigualdades sociais. Ao contrário de um otimismo generalizado sobre as ondas de crescimento provocadas pela nova economia, a apropriação desigual destas tecnologias tem se traduzido em um forte debate a respeito da assimetria entre aqueles que possuem e os que não possuem informação; em que pesem as mudanças tecnológicas e o profundo rompimento com o marco regulatório anteriormente existente, não há ainda um plano de políticas públicas cuja engenharia possibilite alcançar o nível de universalização promovido pelo Estado do Bem-Estar Social no caso da telefonia fixa. O significado de “serviço universal” sofre mudanças e deixa de ser apresentado unicamente como acesso à infra-estrutura de comunicações, passando a ser entendido como a disponibilização de recursos para a criação e disponibilidade de conteúdos informacionais aos quais todos os indivíduos devem ter acesso segundo suas necessidades (Tápia; Rallet, 2000). Duas questões se colocam: como medir a difusão de acessos e, de outra forma, como os indivíduos estão capacitados para lidar com as novas tecnologias.2 Do ponto de vista das tecnologias e do pioneirismo, as pesquisas nos Estados Unidos realizadas pela Agência Nacional de Administração de Telecomunicações e Informação do Departamento de Comércio vêm se constituindo como um marco para o monitoramento da questão de exclusão digital entre as pesquisas domiciliares. Do primeiro relatório publicado em 1995, “Falling through the net: a survey of the net: new data on the digital divide” até o quarto relatório “Falling through the net: toward digital inclusion”, em 2000, a pesquisa vem assimilando elementos importantes referentes à metodologia de inferência da exclusão e às mudanças no âmbito das novas tecnologias: se, no primeiro estudo, a idéia de inclusão se definia em função da disponibilidade de acesso residencial de telefonia, computadores e Internet, já em 2000 a pesquisa ganha uma novo âmbito: em primeiro lugar, existe um suplemento para cada indivíduo do domicílio e são investigadas a disponibilidade de Internet de alta velocidade e o uso da rede por indivíduos com deficiências físicas e mentais (Navarro, 2001). Outras pesquisas realizadas no âmbito da OECD mostram que as causas que impedem o acesso dos indivíduos às novas tecnologias podem variar, indo de fatores relacionados à infra-estrutura de telecomunicações ou às dificuldades de acesso em localidades geograficamente isoladas, 6 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO (61,7%) ou no trabalho (46%).7 O acesso compartilhado em lugares públicos é utilizado por apenas 16% dos indivíduos, sendo ainda menor o acesso pela escola e pela universidade (12,3%).8 Esses dados indicam o espaço para uma política de infoinclusão, uma vez que o acesso à Internet ainda é extremamente dependente dos recursos despendidos pelos próprios indivíduos e pelas empresas. Conforme Bessa e Tápia (2003: 88), “a distribuição dos bens e serviços decorrentes das novas tecnologias digitais leva à apropriação desigual dos seus benefícios, e esse processo não decorre do tempo relativamente pequeno entre a chegada da Internet no Brasil e o levantamento das informações da pesquisa, como alguns poderiam sugerir. Mais do que isso, os dados mostram que o entrelaçamento entre a concentração de renda e o nível de escolaridade, por um lado, e o acesso a computadores, de outro, colocam obstáculos de fundo estrutural que podem vir a auto-reforçar os níveis de exclusão já existentes e que estão longe de ser resolvidos pelas políticas tradicionais.” Metropolitana de São Paulo; entretanto, enquanto entre os estudantes de escolas públicas esse percentual era de 11%, para aqueles que estudavam em escolas particulares, esse número alcançava 62% – ou, de outra forma, 66% dos alunos que dispunham de computador em seus domicílios estavam no sistema privado (Bessa; Tápia, 2003). Entretanto, se o acesso residencial contempla uma análise importante sobre a disponibilidade de computadores e telefones fixos e celulares, questões que dizem respeito a essas tecnologias fora dos domicílios, assim como as motivações, freqüência, intensidade e barreiras para o seu uso, somente poderiam ser contempladas em uma pesquisa específica do tema. A pesquisa “Hábitos de leitura e uso da Internet”, resultado do convênio entre a Fundação Seade e a Imprensa Oficial do Estado – Imesp, foi capaz de avançar significativamente nesse campo, com uma investigação específica sobre o uso da Internet em suas múltiplas dimensões.6 A pesquisa permitia avaliar, entre outras questões, o uso da rede mundial de computadores fora das residências e explorar as barreiras que impediam os indivíduos de acessar as redes digitais, segundo várias segmentações (renda, gênero, faixa etária, cor e escolaridade). Segundo os dados da pesquisa, a proporção de indivíduos que acessam a Internet é de 18,9% na RMSP, sendo a proporção de domicílios com internautas de apenas 8,5% dentre aqueles com renda per capita de até meio salário mínimo. A maior parte acessa a web nos domicílios Governo Eletrônico A discussão sobre Governo Eletrônico demarca um compromisso recente de proposições na forma do exercício da democracia e da administração pública. Conseqüentemente, não há ainda uma agenda para produção de informações desse âmbito entre instituições estatísticas, sendo os levantamentos limitados à produção de indicadores em relação à expansão dos serviços públicos pela Internet, mais com a finalidade de divulgação do esforço das administrações governamentais em produzir serviços pela WEB do que em instituir um conjunto de indicadores com requisitos estatísticos propriamente ditos. A Fundação Seade, além de cumprir papel estratégico no governo eletrônico como núcleo de produção de informações para monitoramento das políticas públicas e transparência das ações governamentais, desenvolve atividades para o levantamento de estatísticas voltadas para ações nessa área. As informações estão centradas na coleta de informações diretas obtidas pela Pesquisa Municipal Unificada – PMU e na montagem do “Guia da Oferta de Informações e Sistemas do Governo do Estado de São Paulo”. Na primeira versão da PMU, a coleta destinava-se a observar a difusão dos equipamentos de informática entre as várias instâncias da administração pública municipal. Após algumas tentativas pioneiras para a obtenção GRÁFICO 1 Distribuição da População em Idade Ativa que usa Microcomputador, mas não utiliza Internet, segundo Motivo Principal para Não-Utilização da Internet Região Metropolitana de São Paulo – 20011 Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. Suplemento da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Os dados referem-se ao período de abril a agosto de 2001. 7 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Os resultados da primeira PMU apontam para um quadro representativo da estrutura do governo eletrônico entre as prefeituras. Embora a temática relacionada ao Governo Eletrônico tenha importância crucial para a construção de novas relações entre o chamado “poder local” e os cidadãos, no Estado de São Paulo a maioria delas ainda não assimilou importantes elementos que compõem a agenda pública focalizada na Sociedade da Informação. A incorporação das novas tecnologias da informação, que parece se dar em níveis acelerados, não tem revelado os efeitos desejáveis sobre a performance do setor público municipal como, por exemplo, maior transparência na administração ou fortalecimento da “cidadania eletrônica”. O esforço para a assimilação de novas tecnologias é impulsionado pela necessidade de informatização mais imediata de alguns setores da administração municipal, sobretudo pelas demandas da Secretaria de Finanças (dada a necessidade de organizar a arrecadação municipal10 ), e também nas áreas sociais, cujas relações com outras instâncias governamentais (convênios, repasses, etc.) exigem a informatização dos dados. Sintoma da pouca importância que as prefeituras conferem ao governo eletrônico é o fato de somente 21% delas contarem com alguma estrutura administrativa, formalizada e com capacitação específica, voltada para a gestão da TI (núcleos, secretarias, centro de processamento de dados, etc.). A inserção das prefeituras na web por meio de home pages alcança 19% das administrações no Estado de São Paulo, em relação a 83% nos Estados Unidos. Predominam sites pouco estruturados em informações de serviços de utilidade pública ou mecanismos de interatividade para o alargamento da participação popular em espaços virtuais de discussão (fóruns, salas de debates, murais virtuais). Nesse sentido, os serviços on-line limitam-se a um centro de informações com perfil “estático” (apenas relacionando políticas, serviços e procedimentos). São poucos os que se estruturam em função de uma postura “dinâmica” (serviços realizados prontamente por meio do envolvimento de todos os setores da administração pública). Vale notar que a discussão sobre a difusão das novas tecnologias da informação e a gestão pública ganha espaço no âmbito das ações estratégicas do Estado em diferentes níveis (federal, estadual e municipal) e nas instâncias do poder legislativo e judiciário (Takahashi, 2000). As experiências mais reconhecidas estão ligadas à declaração do imposto de renda pela Internet e ao sistema eleitoral em meio eletrônico, ambas de referência internacio- de dados de forma mais eficiente, em 1999, chegou-se a um levantamento de informações mediado por uma concepção conceitual bem mais definida – passa-se da noção genérica de “informatização” para o conceito integrado de “Governo Eletrônico”. Isso se deu em função do próprio amadurecimento da discussão nos núcleos de inteligência das administrações públicas e nos fóruns acadêmicos, voltados para temas estratégicos, como democracia e participação.9 Embora não haja ainda consenso para a definição precisa de governo eletrônico (assim como para a definição de comércio eletrônico, como veremos adiante), já se notam algumas linhas de concordância sobre seus aspectos mais importantes. O governo eletrônico não significa apenas o uso da Internet para tornar disponíveis informações e serviços aos cidadãos de forma ininterrupta, onde e no momento que eles os desejam. Governo eletrônico implica o desenvolvimento de uma estratégia para implementar formas mais eficazes, descentralizadas e transparentes de gerenciamento público, além de garantir a todos os benefícios da Sociedade da Informação dentro de uma perspectiva democrática e de coesão social. Nesse sentido, a estrutura da PMU de Comunicações e Informática é organizada em torno de alguns eixos básicos: disseminação de serviços a distância, infra-estrutura digital, Internet, política de recursos humanos, parcerias e políticas de inclusão digital e comércio eletrônico. Em um plano mais concreto, são investigados a disseminação dos recursos físicos ligados às tecnologias de informação e à infra-estrutura de telecomunicações (parque de computadores, recursos multimídia, existência de redes de comunicação e da Inter e Intranet), as aplicações de recursos telemáticos como instrumento de gestão administrativa e o esforço dos municípios no que se refere a treinamento e capacitação na área de informática. Além disso, investigam-se as prefeituras que dispõem de páginas na Internet, indicando as informações de utilidade pública e serviços disponíveis na página e os recursos oferecidos para a interação on-line entre a administração municipal e os cidadãos (e-mail, chats, grupos de discussão, etc.), busca-se identificar tanto a existência de diretrizes programáticas de difusão de novas tecnologias, como políticas de universalização de acesso público a redes de comunicação de dados e à Internet, por meio da disseminação de terminais on-line em quiosques, bibliotecas, postos de saúde, escolas, etc. e verifica-se se os esforços das prefeituras na área da política da informação são realizados mediante parcerias com o setor privado e os setores não-governamentais. 8 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO no Estado constituindo um instrumento valioso para os estudos futuros. nal.11 Entretanto, no âmbito dos governos estaduais, algumas experiências têm ocorrido para racionalizar o processo de compras, com a montagem de pregões eletrônicos e a informatização do sistema de arrecadação e gestão orçamentária, cujos efeitos mais imediatos são: redução dos custos de arrecadação, diminuição do volume de transações realizadas em papel e de erros de preenchimento e agilidade para a identificação de contribuintes devedores ou omissos.12 Comércio Eletrônico A Tecnologia da Informação e Comunicação constitui um novo campo que começa a ser explorado por instituições como agências estatísticas e de governo, institutos de pesquisas, consultoria e planejamento e pela área acadêmica. Um bom exemplo dessa condição envolve as contradições originadas em torno do comércio eletrônico, ou e-commerce. Desde sua incursão, a definição de comércio eletrônico tem sido a fonte de muitos debates. Mediante a exigência de conhecimento ditada pelo cenário socioeconômico internacional, discute-se um arcabouço teórico, de medidas estatísticas e de definições a serem adotadas para melhor compreender a interação entre tecnologia e o processo de negócios. Desse modo, discute-se sobre a identificação de oportunidades, o aperfeiçoamento das aplicações de estudos e políticas, a aquisição de maior entendimento e melhor visão de todos os atores econômicos e seus objetivos e a revisão de pressupostos já estabelecidos. Além disso, investiga-se a maneira mais acertada de produzir índices que retratem a intensidade e o impacto do comércio eletrônico, possibilitando fundamentar critérios e diretrizes para modelos teóricos, metodológicos e conceituais que permitam o incremento da comunicação e a colaboração entre empresas, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de previsões para futuras necessidades no âmbito da sociedade da informação. Tantas incógnitas confirmam a necessidade de estabelecer um conjunto de conceitos que permitam compreender melhor a nova economia. Entrementes, segundo Porcaro, pode-se verificar que a maioria das definições existentes de e-commerce difere de alguns elementos centrais: abrangência das atividades e/ou os tipos de transações incluídas na definição ampla (comércio, transporte, marketing, propaganda, saúde, educação, engenharia, serviços de informação, concorrência pública, etc.) ou restrita (somente comércio varejista e entrega eletrônica). O que se tem hoje são descrições, das definições muito abrangentes às muito limitadas, que variam conforme a procedência, ou seja, diferem de acordo com cada pesquisa, com quem a elabora e com o local em que é feita. Com o adendo de serem freqüentemente posicionadas mais por questões políticas e/ou mercadológicas que por propostas práticas de mensuração. Guia da Oferta de Informações e Sistemas Outra pesquisa realizada com objetivo de mapear a infra-estrutura do parque de informática e a disponibilização de serviços públicos é o Guia da Oferta de Informações e Sistemas13 que visa dar visibilidade ao acervo de informações do Estado de São Paulo por meio da divulgação dos sistemas informatizados em operação, localizados nas diversas Secretarias e órgãos vinculados. Além de mostrar quais são e onde estão as principais informações produzidas e armazenadas pela administração pública estadual, facilita o acesso às informações e estimula o seu uso, bem como o intercâmbio de experiências entre órgãos, incluindo a troca de sistemas e informações operacionais. O Guia possui dois módulos: no primeiro, estão reunidas informações a respeito dos sistemas informatizados, fornecendo dados individuais sobre cada sistema desde as principais características dos bancos de dados e sistemas gerenciais existentes no Estado, tais como nome, situação atual, ano de implantação, objetivo, assuntos específicos, natureza, meios de acesso e disponibilização das informações, softwares utilizados e tipos de saídas possíveis, além de dados sobre o responsável pelo sistema. No segundo módulo, são abordados os aspectos relativos aos ambientes de informática, mostrando a situação da área de informática nas instituições públicas estaduais, no que se refere a ambientes, equipamentos, programas e recursos humanos existentes. A constituição dos ambientes é feita de forma detalhada (grande e médio portes, microinformática, internet e intranet); os equipamentos, formas de conexão utilizadas e pessoas alocadas no setor de informática por tipo de atividade e nível de escolaridade também são levantados. Cabe ressaltar que a base de dados é composta de maneira desagregada, por secretarias e órgãos do governo estadual, contudo permite delinear o perfil da informática 9 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 a intenção desse conjunto de especialistas é desenvolver uma definição realística, facilmente compreensível e mensurável, ampla o bastante para ser mantida com o decorrer do tempo, além de estreita o bastante para constituir uma concepção objetiva. Uma referência fundamental é a OECD. Estudando suas muitas publicações torna-se evidente o tom ponderado de suas asserções. Contudo, após esclarecer a dificuldade de mensurar o comércio eletrônico (a diversidade dos conceitos, a incompatibilidade de muitas estatísticas oficiais e a heterogeneidade das fontes privadas, etc.), a ela pode ser atribuída a seguinte definição: comércio eletrônico refere-se geralmente a toda forma de transação relacionada com atividades comerciais, incluindo organizações e indivíduos que estão baseados no processo e transmissão de dados digitalizados, incluindo texto, som e imagens (OCDE, 1997). Concomitantemente, Statistics Canada descreve comércio eletrônico como uma forma de conduzir negócios, uma “transação”15 que compreende a transferência da posse ou da propriedade de uso de recursos tangíveis ou intangíveis e que deve ser mediada necessariamente por meio do uso de computadores. Na mesma linha a Electronic Commerce in Canada apresenta duas definições. A definição “técnica” diz ser o comércio eletrônico uma atividade comercial conduzida por meio de redes que ligam dispositivos eletrônicos (principalmente computadores). Na definição “básica” o comércio eletrônico é tido como uma maneira barata de conectar computadores, a fim realizar as tarefas que tradicionalmente têm absorvido muito tempo e dinheiro dos negócios. Coisas como a venda de produtos, faturas, controle de inventários e comunicação com clientes e fornecedores.16 Já o U. S. Bureau of the Census define-o como algum processo que uma organização de negócios conduz mediado por rede de computadores (Mesenbourg, 2001). O Eletronic Commerce Promotion Council of Japan ao questionar o que é comércio eletrônico, expõe a seguinte resposta: comércio eletrônico suporta uma infinidade de atividades – design de produto, fabricação, anúncio, transações comerciais, estabelecimento de clientes –usando uma variedade de tipos de redes de computador (ECOM, 1996 apud OCDE, 1997). Segundo a European Information Technology Observatory,17 comércio eletrônico é o suporte das atividades de negócio que conduzem a troca de valores por meio das redes de telecomunicações (EITO, 1997 apud OCDE, 1997). Para a Comissão Européia, comércio eletrônico está baseado no proces- Isso porque os agentes econômicos têm muito a ganhar com o estabelecimento de seu envolvimento nesse novo seguimento. Conseqüentemente, os principais atores inseridos nessa empresa também estão trazendo sua própria definição, dirigida exclusivamente por imperativos de marketing, visando estratégias planejadas para conseguir vantagens na economia digital. Um desafio adicional ao esclarecimento do tema é ocasionado pelo contínuo desenvolvimento da microeletrônica, da computação (hardware e software), das telecomunicações, da optoeletrônica e da biotecnologia,14 responsável pela alta velocidade das mudanças nas estruturas das transações eletrônicas e na natureza dos processos de negócios, produzindo transformações nas referências usadas para apreender a economia eletrônica. A respeito da novidade desse âmbito, pode-se citar a decisão da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), que apenas em abril de 1999 decidiu criar um grupo para compilar definições politicamente relevantes e estatisticamente viáveis a respeito de comércio eletrônico (Colecchia et al., 2000:10). Idealmente, QUADRO 1 Tipologia das Definições de Comércio Eletrônico Fonte: OCDE (1997). 10 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO vimento do e-commerce. Até mesmo elementos “culturais” podem representar obstáculo, visto que a comercialização por esse meio depende da existência de um sentimento de segurança do consumidor que precisa depositar confiança na companhia da qual está comprando, ou seja, que poderá efetuar o pagamento e o produto será entregue ou o serviço prestado, protegendo a sua privacidade e impedindo quaisquer tipos de contratempo. Ademais, a própria confiança proporcionada pela estrutura que o suporta é um fator “institucional” que deve ser levado em consideração. Em todos esses casos, surge a necessidade de captar as informações com um recorte apropriado no qual, em pesquisas domiciliares, é essencial obter os resultados por faixa etária, gênero, nível educacional, ocupação e renda. Concomitantemente, pela perspectiva das pesquisas econômicas, o ano de constituição da empresa, características do(s) proprietário(s), segmentação por porte, receita e setor de atividade, localidade em que está instalada, capacitação exigida e treinamento oferecido pelas empresas são alguns exemplos das variáveis fundamentais a serem estudadas. samento e transmissão eletrônica dos dados e abrange diversas atividades, incluindo negociação eletrônica de bens e serviços, entrega on-line dos conteúdos digitais, transferência eletrônica de fundos, negociação eletrônica de ações, transmissão eletrônica de notas promissórias, pesquisas on-line, requerimento público, marketing direto ao consumidor, serviços de pós-venda, etc. (Commission Europeu, 1997 apud OCDE, 1997). A World Trade Organization (WTO), por sua vez, apresenta-o como a produção, anúncio, venda e distribuição de produtos por meio de redes de telecomunicação.18 Entretanto, verificaram-se diferentes enunciações até em publicações da mesma instituição, refletindo que, na verdade, nenhuma das definições constituiu um conceito conclusivo, o que torna ainda mais evidente a variedade de significados e amplitudes existentes tanto nos diversos grupos que estudam o assunto como nos vários países. Uma estratégia que parece cada vez mais consensual, dá-se no plano dos temas relevantes para a abordagem do comércio eletrônico e que seriam objeto de pesquisa direta. Segundo Porcaro (2001), esses temas se dão apenas em torno dos aspectos relativos a mensuração propriamente dita das transações eletrônicas, mas circunscreve um núcleo de questões que incidem sobre as condições de expansão dessas atividades. Nesse sentido, as pesquisas devem comportar questões que revelem os aspectos relativos a barreiras, uso, infra-estrutura e impactos do comércio eletrônico sobre as atividades das empresas. Uso – Em um quadro de crescente competitividade do mercado, a eficiência torna-se um fator fundamental para determinar a diferenciação de produtos e serviços, estabelecer nichos de mercado, manter e buscar novos clientes. Desse modo, a tendência em se optar por um tipo de relacionamento comercial via Internet aparece como uma ótima alternativa. Hoje, o volume do comércio eletrônico é relativamente pequeno. Entretanto, ele está crescendo rapidamente, evolução ligada a elementos como o aumento da confiabilidade do sistema, a redução do tempo de transação e de custos operacionais, expressos em tudo aquilo que envolve o seu uso – a intensidade, o volume, o valor, a qualidade, a eficiência e a natureza19 das transações. Em vista disso, em alguns países como os Estados Unidos investigam-se, por exemplo, o custo comparativo da aquisição e o tempo para a entrega do produto ou a satisfação do cliente e a qualidade do relacionamento com o fornecedor, com o objetivo de calcular a capacidade para a realização do comércio eletrônico. Barreiras – Com toda a disseminação tecnológica e investimento por parte das empresas para propiciar cada vez mais a comodidade do consumidor e, conseqüentemente, ultrapassar a concorrência, vários setores ou empresas ainda não adotaram o comércio eletrônico como prática. Para perceber quais são os principais empecilhos, tanto no que diz respeito à infra-estrutura, quanto ao uso por parte dos consumidores e/ou fornecedores e a falta de capacitação dos funcionários com as novas tecnologias, perguntou-se às empresas quais elementos poderiam estar envolvidos com esses aspectos impeditivos. As barreiras que dificultam o progresso do comércio eletrônico podem ser identificadas por aspectos como o ainda restrito acesso e uso da Internet, a baixa instrução e treinamento em informática, a falta de proficiência em língua estrangeira ou o simples desconhecimento do assunto. As ações do setor público (má-coordenação ou regulamentação, por exemplo) e as questões políticas e legais também constituem impedimentos para o bom desenvol- Infra-estrutura – Todos os aspectos estão fortemente interligados, o comércio eletrônico exige tecnologias e serviços de telecomunicações eficientes e amplamente disponíveis e isso envolve a utilização de computadores, roteadores e outros hardwares envolvidos na interconexão, 11 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 são de dados, que possibilitam a hierarquização das redes de valor em torno de novos modelos organizacionais. Nesse sentido, as informações sobre TICs se limitaram à captação de dados relativos ao parque de computadores e às redes de transmissão de dados. O levantamento permitiu inferir o nível de difusão das redes digitais locais (LAN) e redes de longas distâncias – WAN entre as empresas. A existência de redes para transações econômicas com fornecedores, clientes e outros agentes foram abordados com a finalidade de se observar a formação de elos comerciais e produtivos na cadeia de suprimentos no que se convencionou chamar de supply chain management, conceito que então organizava a abordagem da pesquisa no capítulo de tecnologias de informação. A segunda versão da pesquisa apresentava modificações importantes, construídas por algumas diretrizes. No capítulo de tecnologia da informação o conceito de infraestrutura é ampliado com informações sobre a velocidade de conexão de rede e aprofundam-se as questões relativas ao uso da Internet. Em que pese a ausência de um consenso sobre a melhor metodologia para a apuração do que se convencionou chamar de “comércio eletrônico”, esse tema ganha destaque e amplia sua importância na pesquisa, com um capítulo exclusivo dedicado ao tema. Foram apropriadas questões das pesquisas realizadas em vários países, destacando-se as do Canadá e dos Estados Unidos. Em termos gerais, foi construído um núcleo de questões que segue de perto as recomendações observadas internacionalmente: levantar informações a respeito de barreiras, infra-estrutura e impactos, seguindo muito de perto a proposta canadense. Entretanto, como a definição de comércio eletrônico do Canadá mostrou-se por demais restrita, resumindo-se basicamente a Internet, a opção da Paep foi mais flexível, oferecendo uma definição suficientemente genérica, como sugere a experiência americana. A fim de superar o conflito entre definições fechadas ou genéricas de comércio eletrônico, foram investigados separadamente os canais mais comuns de vendas por meio eletrônico, sejam tradicionais (cartões de crédito on-line, cheque eletrônico, etc.), sejam aqueles mais modernos (Internet, EDI, web-EDI), a fim de possibilitar que os pesquisadores e usuários pudessem compatibilizar as informações extraídas da Paep com suas opções metodológicas particulares. Outro elemento fundamental apropriado pelas pesquisas econômicas é o peso dos setores de tecnologia que tornam a economia digital possível. Isso coloca modelos de análise para a Economia da Internet, na qual o Setor satélites e comunicação de redes de fibra ótica e sem fio, sistemas, aplicativos, etc. Da mesma forma, forte impressão do impacto ocorre quando observamos o mercado de trabalho, já que para suportar processos de negócios eletrônicos e conduzir transações on-line são necessários serviços de suporte, tais como desenvolvimento e hospedagem de sites, consultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano, como programadores, analistas, projetistas e especialistas, utilizados nos negócios e comércios eletrônicos. Busca-se, assim, a adequação dos currículos levando em conta as maneiras de proporcionar aos profissionais capacitação suficiente para o desempenho oportuno das funções definidas por essas novas formas de atividade, em um esforço de desenvolver as capacidades humanas, com ênfase na educação e emprego, nos setores mais diretamente afetados pelas TICs. Impactos – Por fim, deve-se ressaltar que as medidas estatísticas sobre os impactos do e-commerce vêm recebendo, ainda, pouca atenção (Porcaro, 2001). Contudo, importantes exemplos de levantamentos puderam ser citados e mais poderiam ser mencionados. Desse modo, por intermédio de tais pesquisas, a avaliação das variáveis pesquisadas ajudará a responder algumas questões: o número de computadores das empresas pode indicar o grau de informatização em um setor de atividade econômica. Indicadores de conectividade oferecem uma visão do nível de conexão das empresas com o mundo digital. Uma análise dos motivos que levam a empresa a não utilizar o comércio eletrônico permite inferir onde os investimentos devem ser feitos. E assim por diante, envolvendo um conjunto de informações que permitem entender melhor as mudanças e diferenças nas dinâmicas, nos padrões e na difusão das novas tecnologias. Esses aspectos são importantes para se entender como foi feito o levantamento de informações sobre o tema pela Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. No caso da primeira versão da pesquisa, em 1996, considerava-se que o levantamento de informações sobre tecnologias de informação e comunicação entre as empresas era um elemento fundamental para a descrição do processo de reestruturação produtiva, dado que esse processo vem alterando as formas de produção e distribuição das corporações empresariais. A emergência de “novos modelos de negócios” surge na esteira da ampliação das redes corporativas e do rápido desenvolvimento das redes corporativas de transmis- 12 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO ou seja, que diferem de acordo com cada pesquisa, com quem a elabora e com o local em que é feita. Além disso, uma vez que os pressupostos dessa discussão estão amparados em algumas transformações importantes que se dão no âmbito da sociedade e da economia, mas que não há um consenso sobre as formas de conceituar esse processo, há uma forte ambivalência a respeito dos melhores indicadores para aferir o desenvolvimento social e econômico dele resultante. Existe uma tensão entre indicadores de compatibilidade internacional e a formulação de estatísticas vinculadas às questões políticas específicas de cada país, questões derivadas da forma como são organizados os programas políticos, que por sua vez estão correlacionados a contextos históricos, governamentais e demográficos particulares, que insinuam uma importância diferenciada para grupos imigrantes, perfil escolar da população, nível de renda, etc. Além disso, como foi observado neste artigo, é possível apontar pontos comuns dentre os indicadores genéricos coletados sistematicamente por países de todo o mundo. No entanto, também se verificou que um certo consenso dirigido àquilo que se deveria medir não leva à homogeneidade metodológica. Da Ásia à Europa, da África à América, os governos estão discutindo e realizando alterações nas convenções estatísticas necessárias para medir os muitos aspectos ligados à “Sociedade do Conhecimento”. Com relação à condição nacional, verificam-se significativos progressos com o desenvolvimento de portais e sites, a difusão de terminais de acesso público e a propagação de prêmios de excelência, fóruns de discussões e projetos de inclusão digital.20 Destarte, é possível afirmar que no Brasil, como em todo o resto do mundo, as pesquisas sobre Tecnologia da Informação ainda estão em formação. São inúmeras as tarefas que se impõem às instituições públicas na construção dos fundamentos da sociedade do conhecimento. O processo de difusão e adoção de novas tecnologias exige um conjunto de conhecimentos e serviços eficientes e amplamente disponíveis. Fatores que envolvem a montagem de uma infra-estrutura regulatória adequada, o suporte à organização de um sistema de ciência e inovação tecnológica e investimentos direcionados para a educação de qualidade, apenas para destacar alguns. Do mesmo modo, forte impressão do seu impacto ocorre, por exemplo, quando observamos o mercado de trabalho: para suportar processos de negócios eletrônicos e conduzir transações on-line são necessários serviços de suporte, tais como desenvolvimento e hospedagem de sites, Informacional tem um recorte horizontal na perspectiva da convergência dos setores de segmentos específicos do comércio e serviços de telecomunicações, informática e audiovisual. Entretanto, além desses serviços, são de fundamental importância os domínios da indústria eletroeletrônica e informática, fornecedores de equipamentos e softwares de rede e banco de dados, os quais determinaram as condições de oferta de infra-estrutura das novas infovias digitais. Entretanto, há ainda no plano internacional uma intensa discussão sobre os contornos mais precisos desse novo arranjo de atividades (Zabelsky, 1997; Colecchia, 2001). Esse grupo de segmentos apresenta forte concentração de investimentos e rápido crescimento ao longo dos anos 90, impulsionando o ciclo de acumulação da economia dos países desenvolvidos (Departamento de Comércio, 1999), compreendendo desde a produção de computadores e softwares até os serviços de comunicação de voz, imagem e dados. CONCLUSÃO Nos últimos 20 anos as políticas para ciência e tecnologia desenvolveram-se substancialmente, uma vez que a competitividade econômica clamava por uma redefinição do papel do conhecimento na construção das vantagens competitivas das empresas e na forma de organização do Estado. Concomitantemente, a adoção de programas ligados à Sociedade da Informação, no contexto dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, reforçou a discussão sobre a necessidade de indicadores e análises técnicas, econômicas e sociais no âmbito das agências estatísticas. Todavia, seja porque as estruturas tecnológicas e patrimoniais encontram-se em pleno processo de transformação, seja porque os processos relacionados à sociedade da informação não podem ser descritos unicamente em termos tecnológicos strictu sensu – dado que incorporam simultaneamente determinações qualitativas de ordem sociocultural, ligadas à dimensão da experiência e ao conhecimento –, as dificuldades desse processo não são nada desprezíveis. Entrementes, questiona-se a identificação de oportunidades, o aperfeiçoamento das aplicações de estudos e políticas, a aquisição de maior entendimento e melhor visão de todos os atores econômicos e seus objetivos, e a revisão de pressupostos já estabelecidos, pois o que se tem hoje, das definições muito abrangentes às muito limitadas, são descrições que variam mediante a procedência, 13 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 4. Sobre a Pesquisa de Condições de Vida, ver <http:// www.seade.gov.br>. consultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano, como programadores, analistas, projetistas e especialistas, utilizados nos negócios e comércios eletrônicos. Por conseguinte, busca-se a adequação dos currículos levando em conta formas de proporcionar aos profissionais capacitação suficiente para o desempenho oportuno das funções definidas por novas formas de ocupação. Nesse contexto, fica evidente a necessidade de medir a composição física e a direção que as TICs podem estar tomando. Portanto, cabe lembrar que importantes exemplos de levantamentos podem ser citados, visto que, além das pesquisas realizadas pela Fundação Seade, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) coleta dados como número de PCs e de acesso doméstico à Internet, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) afere o número de domínios,21 o Ministério da Educação avalia o acesso à TI na escola e a disponibilidade de serviços de suporte, o Ministério do Planejamento levanta a abrangência dos serviços públicos via Internet, institutos independentes estimam informações como acesso à Internet no trabalho e usuários de telefonia celular, etc. Assim, de posse dos resultados, a avaliação das variáveis pesquisadas ajudará a responder a algumas questões: o número de computadores das empresas pode indicar o grau de informatização em um setor de atividade econômica; indicadores de conectividade oferecem uma visão do nível de conexão das empresas com o mundo digital; uma análise dos motivos que levam a empresa a não utilizar o comércio eletrônico permite inferir onde os investimentos devem ser feitos; e assim por diante, envolvendo um conjunto de informações que permitem entender melhor as mudanças e diferenças nas dinâmicas, nos padrões e na difusão das novas tecnologias. 5. Dentro do escopo da nova versão da pesquisa, haverá uma ampliação dos itens de bens duráveis investigados, com a introdução de uma questão sobre a posse de DVDs. Além disso, haverá uma abordagem em relação ao uso de Internet para os indivíduos escolarizados com mais de sete anos. 6. Os dados para este estudo foram obtidos a partir da aplicação de um questionário complementar à Pesquisa de Emprego e Desemprego, pesquisa domiciliar realizada pela Fundação Seade desde 1985 em convênio com o Dieese. O questionário complementar, especialmente desenvolvido, foi aplicado durante os meses de abril a setembro de 2001. Foram realizadas, aproximadamente, 45 mil entrevistas, com pessoas de 10 anos e mais que sabem ler e escrever. Elas representam 95% do total de pessoas com 10 anos e mais (População em Idade Ativa – PIA) da RMSP. 7. Entretanto, é necessário ressaltar que, nesse último grupo, os mecanismos de exclusão dentro das empresas estão subordinados às estruturas hierárquicas, que favorecem os quadros de maior remuneração e escolaridade. Segundo dados da pesquisa, entre os indivíduos que dispõem de cargos de planejamento, gerenciamento e direção, 73,8% têm acesso a computadores e 61,0% à Internet; entre aqueles que exercem atividades operacionais, essas proporções são de 23,7% e 13,1%, respectivamente. 8. Considerando apenas a população de estudantes, o acesso à web por meio das escolas alcança cerca de 35%, número, entretanto, bem menor quando se considera a proporção de acessos realizados nos domicílios para o mesmo universo (73%). 9. A partir de meados da década de 90, é possível acompanhar o esforço geral dos governos na montagem do governo eletrônico (egovernment). Nos EUA, a estimativa do Departamento de Administração e Orçamento do governo federal para o ano 2000 era de que 75% das transações entre os indivíduos e o governo seriam efetivadas eletronicamente (Neu; Anderson; Bikson, 1999). A importância das novas tecnologias levou a administração Clinton/Gore a promover a Internet como política prioritária para “reinventar o governo”. Na Inglaterra, a implementação do governo eletrônico é vista como ponto central para o aumento da governança do Estado, no plano da modernização das políticas públicas. Ver Britain, 1999. 10. Processo a ser reforçado pela necessidade de as prefeituras se enquadrarem nas exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, que requisita a divulgação na Internet de informações sobre execução orçamentária. 11. Em 2001, 95% das declarações de pessoas físicas foram entregues pela Internet; no caso de pessoas jurídicas esse número chegou a 100%. Ver Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2000). 12. No caso do governo do Estado de São Paulo, o esforço para a informatização e modernização do sistema financeiro e orçamentário é objeto de dois programas, ambos financiados pelo BID: o Programa de Modernização da Coordenação da Administração Tributária (Promocat) e o Programa de Modernização do Controle Interno e da Administração Financeira (Promociaf). Além do pregão eletrônico, o governo estadual vem investindo em infra-estrutura para oferecer alguns serviços on-line, como o Poupatempo, pagamento de IPVA, marcação de consultas no Hospital das Clínicas, requisição de editais, verificação de multas e cadastro de veículos, Boletim de Ocorrência, acesso a informações socioeconômicas e demográficas do Estado, o Acessa São Paulo, entre outros. Ver Prandi; Mori, 2000. NOTAS 1. Esse indicador foi desenvolvido para o Relatório de Desenvolvimento Humano 2001 – Making New Technologies Work for Human Development – PNUD. 2. Outro grande desafio para os estatísticos passa além da construção de instrumentos metodológicos relativamente homogêneos capazes de lidar com a disponibilidade de acessos, e alcança a questão dos conteúdos – cujas determinações subjetivas e de difícil quantificação são constituídas no campo da cultura e do conhecimento. Para uma discussão sobre os indicadores nessa área ver Institut de la Statistique du Québec e Unesco Institute for Statistics, 2002. 13. Esse produto é uma iniciativa da Secretaria de Governo e Gestão Estratégica e tem como executores a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo – Prodesp, 2001. 3. Nesse país, as agências públicas entendem que o problema de estar ou não conectado tem implicações diretas sobre a inserção de determinados indivíduos na sociedade da informação e, ao mesmo tempo, sobre a viabilidade de alguns mercados. Ver Navarro, 2001:31 e segs. 14. Castells (1999) definiu as tecnologias de informação como um conjunto convergente dessas tecnologias. 14 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO 15. O termo “atividade” é mais usado quando se refere a e-business. MANSELL, R.; WEHN, U. Knowledge societies: information technology for sustainable development. Oxford: University Press, 1998. 16. <http://e-com.ic.gc.ca/english/links/814.html>. 17. <http://www.eito.com>. MESENBOURG, T.L. Measuring the Digital Economy, U.S. Bureau of the Census, 2001. 18. <http://www.wto.org/>. 19. Entendida como natureza dos modelos de negócios das redes que suprem as transações. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Proposta de política de governo eletrônico para o poder executivo federal. Brasília, DF: 2000. Disponível em: <http:// www.governoeletronico.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2000. 20. Como o Programa Acessa São Paulo que o Governo do Estado de São Paulo desenvolve. Ver <http://www.acessasaopaulo.sp.gov.br/>. NAVARRO, T.R. Exclusão digital ou infoinclusão? A experiência norte-americana nos anos 90. Campinas, CNPq/Unicamp, Instituto de Economia, 2001 (Relatório de iniciação científica). 21. O segmento final de um endereço eletrônico que identifica a rede local, a instituição ou o provedor de acesso. NERI, M.C. Mapa da exclusão digital. Rio de Janeiro: FGV/Ibre, CPS, 2003. 143 p. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NEU, R.C.; ANDERSON, R.H.; BIKSON, T.K. Sending you government a message: e-mail communication between citizens and government, 1999 Disponível em: <http://www.Radn.org/publication/MR/MR/1095/>. Acesso em: 24 set. 2003. BESSA, V. de C.; TÁPIA, J.R.B. Exclusão digital e cidades mundiais: a experiência de São Paulo. In: SILVEIRA, S.A.; CASSINO, J. (Orgs.). Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003, p.77-100. OECD. Committee for information, computer and comunication policy: measuring eletronic commerce. Paris, OECD/GD, v.97, n.185, 1997. BRITAIN, Cabinet Office. Modernising government, March, 1999. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ________ . The measurement of scientific and technical activities: proposed guidelines for collecting and interpreting technological innovation data – Oslo Manual. Paris, 1996. COHEN, S.S. et al. Tools for throught: what is new and important about the “e-economy”, Berkeley Roundtable on the International Economy, University of California at Berkeley, 2000. COLECCHIA, A. Reviewing the ICT sector definition: issues for discussion. 16 th MEETING OF THE VOORBUR GROUP ON SERVICES STATISTICS, Örebro, Sweden, 17-21 september 2001. ________ . The measurement of scientific and technical activities: human resources in science & technology – Canberra Manual. Paris, OECD/GD, v.95, n.77, 1995. COLECCHIA, A. et al. Defining and measuring eletronic commerce. Paris, OECD, February 2000 (Discussion paper). ________ . The measurement of scientific and technical activities: standard practice for surveys of research and experimental development – Frascati Manual. Paris, 1993. CURRÁS, M.B.; NANCLARES, N.H.; LÓPEZ, F.L. The debate surrounding the new economy: an approach for an analysis, 2001. Disponível em: <http://ideas.repec.org/p/nav/ecupna/0110.html>. Acesso em: 24 set. 2003. PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2002: aprofundar a democracia num mundo fragmentado. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2002. DEPARTAMENTO DE COMÉRCIO DOS ESTADOS UNIDOS. Falling through the Net: defining the digital divide, Washington, DC: Administração Nacional de Informação e Telecomunicações, 2000. PRANDI, M.L.; MORI, P. Crise e reforma do Estado no Brasil. Cadernos do Fórum Século XXI. São Paulo, Diário Oficial do Estado de São Paulo, Assembléia Legislativa de São Paulo/Fundação Seade, 2000. ________ . Falling through the Net: defining the digital divide, Washington, DC, Administração Nacional de Informação e Telecomunicações, 1999. PORCARO, R.M. A mensuração da economia eletrônica no sistema de informação estatística, IBGE/DPE/Demet, texto base do Seminário realizado em 12 de dezembro de 2001. ________ . Falling through the Net: a survey of the net: new data on the digital divide. Washington, DC, Administração Nacional de Informação e Telecomunicações, 1997. SAGASTI, F.; JOHANSSON, C.; FUKUDA-PARR, S.; DESAI, M. Measuring technology achievement of nations and the capacity to participate in the network age. PNUD, 2001. Disponível em: <http://www.statistics.gov.uk/IAOSlondon2002/ contributed_papers/IP_Desai.as>. Acesso em: 24 set. 2003. ________ . Falling through the Net: a survey of the have-nots in rural and urban America. Washington, DC, Administração Nacional de Informação e Telecomunicações, 1995. SCHREYER, P. The contribution of information and communication to output growth: a study of the G7 countries. DOC 2, OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, DSTI/mar. 2000. FAPESP. Indicadores de ciência e tecnologia e inovação em São Paulo – 2001. São Paulo: Fapesp, 2002. FUNDAÇÃO SEADE. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.13, n.1-2, jan./jun. 1999. GEBAUER, J.; BEAM, C.; SEGEV, A. Impact of the Internet on procurement. Paper submitted to Acquisition Review Quarterly, 1998. SEDISI. Asociación Española de Empresas de las Tecnologías de la Información, Metrica de la Sociedad de la Información Datos 1999-2000, noviembre de 2001. Disponível em: <http://www.campus-oei.org/salacts:/>. Acesso em: set.2003. INSTITUT DE LA STATISTIQUE DU QUÉBEC; UNESCO Institute for Statistics. INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON CULTURE STATISTICS. Proceedings ... Montréal, 21 to 23 october, 2002. SILVEIRA, S.A. O novo desafio da democracia na sociedade da informação. Anuário de Jornalismo da Cásper Líbero. São Paulo: Fundação Cásper Líbero, 2000. KONDO, E.K. Desenvolvendo indicadores estratégicos em ciência e tecnologia: as principais questões. Ci. Inf., Brasília, v. 27, n. 2, p. 128-133, maio/ago. 1998. STATISTICS CANADA. A reality check to defining e-commerce, CGI Information Systems and Management Consultants Inc., Canada, 1999. 15 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TAKAHASHI, T. Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. UNITED NATIONS. E-Commerce and Development Report, UNCTAD/SDTE/ECB/2, Executive Summary, New York and Geneva, 2002. TÁPIA, J.R.B. (Org.). A difusão das tecnologias da informação na economia paulista nos anos 90. Campinas: Instituto de Economia da Unicamp, 2000. Mimeografado. WONG, J.; LAM, E. Measuring electronic commerce in Singapore: methodological issues and survey findings. Singapore Department of Statistics, 1999. TÁPIA, J.R.B.; RALLET, A. Telecomunicações, desregulamentação e convergência tecnológica. Uma análise comparada. Campinas, Ed. da Unicamp, 2000. ZABELSKY, T.E. Measuring the information sector in census bureau program. 12 th MEETING OF THE VOORBUR GROUP ON SERVICES STATISTICS, Copenhagem, 15-19 september, 1997. TIGRE, P.B. Agenda de Pesquisas e Indicadores para Estudos de Difusão de Tecnologias da Informação e Comunicação. Brasília, Ipea, nov. 2002. (Texto para discussão n.920). VAGNER DE CARVALHO BESSA: Geógrafo, Analista da Fundação Seade U.S. DEPARTAMENT OF COMMERCE. The emerging digital economy II. Washington: Economic and Statistics Administration/ Office of Policy Development, 1999. ([email protected]). MARCELO BATISTA NERY: Sociólogo, Analista da Fundação Seade UNESCO. Division of Science Policy and Analysis. Science & technology statistics and indicators in developing countries: perspectives and challenges. Working Paper. Montreal: 2002. Disponível em: <http://www.unesco.org/pao/events/it.htm>. Acesso em: 10 ago. 2003. ([email protected]). DANIELA CRISTINA TERCI: Economista, Analista da Fundação Seade ([email protected]). 16 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 17-25, 2003 PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS uma abordagem institucional SINÉSIO PIRES FERREIRA Resumo: Os avanços tecnológicos, o aumento e a mudança do perfil da demanda por informações estatísticas e a produção de indicadores cada vez mais complexos têm obrigado a Fundação Seade, como as demais instituições produtoras de informações, a reciclar-se permanentemente. Palavras-chave: informação estatística; produção de indicadores; banco de dados. Abstract: Technological progress, the increase and changing profile of the demand of statistical information and the production of ever more complex indicators have required Fundação Seade, as well as other statisticproducing institutions, to constantly renew them selves in order to achieve their mission. Key words: statistical information; production of indicators; database. A importância da informação na sociedade contemporânea tem sido ressaltada por diversos autores que, de modo geral, associam-na aos progressos recentes nos campos das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs. Nesse contexto, a Fundação Seade e demais instituições de produção de informações estatísticas, pela própria natureza de suas atividades, estão sendo direta e indiretamente afetadas, mas com certas particularidades que este artigo busca salientar. Entre os impactos que tais tecnologias causaram, destacam-se: aumento da velocidade de transmissão e de acesso às informações; aumento da capacidade de produzir, armazenar e transmitir informações; maior flexibilidade dos formatos em que as informações podem ser produzidas, armazenadas, disponibilizadas e acessadas; e crescimento da demanda por informações. O último elemento apresenta características próprias, pois enquanto os demais derivam diretamente do desenvolvimento tecnológico, ele depende de como os usuários reagem às possibilidades abertas pelas TICs. Evidentemente, a maior demanda por informações decorre do interesse dos usuários e da qualidade das informações disponíveis, bem como das facilidades e do custo de acesso. Não há dúvidas de que governos, empresas, pesquisadores e diferentes segmentos sociais passaram a depender, crescentemente, do acesso às mais diversas fontes de informação para a realização de suas atividades, o que, por seu turno, tem provocado um novo impulso ao desenvolvimento e à difusão das TICs (Alberts et al., 2002). Um dos elementos determinantes da crescente demanda por informações é o processo de globalização – em parte, ele próprio favorecido pela difusão das TICs –, caracterizado pela exacerbação da concorrência entre empresas que as faz buscar novos espaços para a valorização de seu capital, independentemente de sua localização geográfica, culminando, portanto, na busca permanente de informações. Contudo, tal como no âmbito global, é igualmente crescente a importância das informações no espaço local, uma vez que “se oferecem como uma âncora social a nos proteger da excessiva padronização cultural que nos vem no rastro da globalização” (Senra, 1999). Assim, na visão simplificada deste autor, “a informação resulta dever ser um bem público da maior relevância a atrair a atenção, seja dos atores e agentes voltados ao espaço global, mais afeitos aos problemas econômicos e financeiros, seja dos atores e agen- 17 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 informações. Isso as tem obrigado a se reorganizar com vista em atendê-las de modo adequado e permanente. São vários os elementos que explicam esse fenômeno, alguns de natureza “universal”, como o progresso tecnológico e o processo de globalização, anteriormente mencionados, outros específicos ao Brasil, estreitamente relacionados com sua história recente. Diante das profundas mudanças por que nosso país tem passado, seria impossível, nesse espaço, tratar de todas elas e de seus impactos sobre a produção de estatísticas. Assim, destacaram-se algumas, talvez as mais visíveis, mas que, certamente, revelam apenas parte do problema. A primeira foi o próprio processo de democratização. Decerto, é de se esperar que governos democráticos procurem desenhar suas políticas com base em informações estatísticas, uma vez que necessitam, permanentemente, prestar contas de suas ações à sociedade que os elegeu. Também tendem a ampliar os órgãos de controle e avaliação dessas ações, pois a transparência e a correção da ação governamental e do trato das finanças públicas estão entre os elementos centrais da democracia. Além disso, a agenda de atuação governamental deve ampliar-se, sobretudo, no campo social. Da mesma forma, novos personagens entram em cena, com os vários segmentos sociais e suas organizações, como sindicatos, partidos políticos e organizações não-governamentais, que também passam a utilizar, crescentemente, de informações estatísticas, seja para definir seus focos de atuação, seja para acompanhar a ação governamental. Uma das conseqüências da redemocratização foi o processo de descentralização da ação pública, que se acentuou a partir dos anos 80, como uma espécie de contraponto à grande centralização do poder político e da ação governamental do período autoritário. “Foi louvado como algo que, em si, resolveria todos os problemas intergovernamentais, sobretudo mediante a autonomia do poder local e, por conseguinte, o repasse das funções para Estados e municípios” (Abrucio; Soares, 2001). Uma das formas pela qual este processo se realizou, sobretudo ao longo da década de 90, foi a “municipalização” de várias tarefas públicas, vale dizer, o repasse de funções, pela União e pelos Estados, aos municípios, a quem delegam competências (Krell, 2003). A maior proximidade entre os governantes e os cidadãos, que caracteriza a esfera municipal, é uma das principais justificativas da municipalização. Assim, esperase uma maior presença da sociedade na definição, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas. De- tes voltados ao espaço local, mais afeitos aos problemas sociais” (Senra, 1999). Outro aspecto que merece menção, decorrente, em parte, da própria difusão das TICs, mas principalmente de avanços teóricos e metodológicos no campo da estatística e das ciências sociais aplicadas, refere-se a todo um conjunto de novos indicadores, de construção muito mais complexa que os tradicionais e que exigem, além de novas fontes de informação, equipamentos, softwares e conhecimentos técnicos avançados. Os indicadores sintéticos, as estatísticas espaciais e o georreferenciamento das informações estatísticas são exemplos desse movimento. No caso brasileiro, um conjunto de fenômenos sociais, políticos e institucionais concorrem para a crescente demanda por informações, dando-lhe contornos próprios. Nesse contexto, podem-se mencionar a democratização do país, institucionalizada pela Constituição de 1988, uma série de novos preceitos constitucionais e legais que têm levado à descentralização da execução de políticas sociais, o crescimento dos controles das ações e dos gastos públicos, nas três esferas de governo, a expansão de políticas sociais focalizadas, de planejamento, execução e controle mais complexos, e a retomada do planejamento como instrumento para a intervenção pública, notadamente na esfera social. Todos esses fenômenos implicam a necessidade de informações, em especial estatísticas, o que tem levado as instituições produtoras a se reaparelharem nos campos tecnológico, científico e administrativo, de modo que possam corresponder a tais demandas, num contexto de conhecidas restrições fiscais. Na Fundação Seade, também, surgem esses desafios. O presente artigo não pretende abarcar todos os aspectos anteriormente mencionados, mas apenas destacar, numa abordagem histórica, como esses movimentos se sucederam, como as instituições produtoras de estatística, em particular a Fundação Seade, reagiram ou se anteciparam a eles e quais os desafios que ainda deverão ser enfrentados pelo Sistema Nacional de Estatística e pela Fundação, nesse caso, com destaque para seu sistema de armazenamento e disponibilização de dados. CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃO DA DEMANDA POR INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS Atualmente, as entidades produtoras de informação vêem-se alvo das mais distintas e crescentes demandas por 18 PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL muito elevado – ou da utilização de registros administrativos que, originalmente, foram construídos para outros fins. Expandem-se, assim, suas tarefas de permanente coleta, organização, avaliação, validação e disponibilização desses registros, ampliando significativamente o escopo de atuação dessas instituições. certo, é necessário que os cidadãos disponham de instrumentos institucionais e de informações para que tais intenções se concretizem. Independentemente das avaliações que se possa fazer dos resultados desse processo, o fato é que surge a necessidade de se dispor de um grande conjunto de informações municipais e, em muitos casos, intramunicipais. Contudo, como observou Krell (2003), uma das características da realidade administrativa brasileira é a superposição de tarefas de uma multiplicidade de órgãos públicos, agora distribuídos nas três esferas de governo. Ademais, este autor demonstra que ainda persistem grandes ambigüidades na distribuição de competências entre os entes federados. Se isso dificulta a fiscalização da atuação desses órgãos por parte da sociedade civil e dos organismos oficiais de controle, amplifica em muito a necessidade de informações para o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de governo, seja pelos próprios (e múltiplos) órgãos públicos responsáveis por essas ações, seja pelos diversos representantes da sociedade civil organizada. Outra mudança, mais recente, da forma de atuação governamental, em especial no campo social, que tem implicado novas demandas por informações, foi a chamada focalização das políticas sociais. Várias das ações governamentais passaram a eleger segmentos específicos da população como seu público-alvo, requerendo para tanto informações detalhadas das características da população, de modo a permitir a identificação do segmento prioritário, objeto da intervenção, incluindo, em muitos casos, sua localização espacial e a construção de cadastros das famílias ou pessoas beneficiárias. Poder-se-iam mencionar várias outras mudanças institucionais, sociais e econômicas que têm implicado aumento e diversificação das necessidades de informações, mas as mencionadas parecem suficientes para sugerir a extensão desse fenômeno. Um aspecto adicional, porém, merece ser destacado. Para que subsidiem a elaboração, o acompanhamento e a avaliação das ações governamentais, as informações estatísticas, além de cobrir amplo escopo temático e territorial, necessitam ser atualizadas permanentemente. Isso significa que não bastam informações censitárias, atualizadas a cada dez anos, nem as originárias de pesquisas amostrais, que são mais freqüentes, mas com possibilidades de desagregação espacial limitadas. Assim, as instituições produtoras de informações têm de valer-se ou de levantamentos primários específicos às necessidades de seus usuários – cujo custo, em geral, é AVANÇOS METODOLÓGICOS A seção anterior procurou demonstrar que a demanda por informações estatísticas elevou-se expressivamente, nos últimos anos, e que suas características se alteraram: seu escopo temático passou a ser muito mais amplo e diversificado e seu detalhamento, no tempo e no espaço, bem maior. Ao lado disso, uma série de avanços teóricos e metodológicos na produção de estatísticas e indicadores tornou muito mais complexa sua elaboração. Um dos mais conhecidos foi a busca por um substituto do PIB per capita como medida do desenvolvimento. Desde a década de 50, há manifestações de insatisfação com este indicador. Em 1954, um relatório de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU, 1954) sugeria que a mensuração do bem-estar não deveria basear-se exclusivamente em indicadores monetários, mas em múltiplos componentes que, juntos, conformariam o nível de vida de um indivíduo ou uma população (Erikson, 1996). Desde então, diversos esforços têm sido realizados para atingir esse objetivo. A própria Fundação Seade, no final dos anos 80, aportou sua contribuição por meio da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, em que propõe um método de classificação das famílias em grupos com distintos graus de vulnerabilidade, seguindo uma abordagem multimensional, em substituição à tradicional adoção da linha de pobreza (Fundação Seade, 1992).1 No entanto, foi com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, que esta abordagem se generalizou. Inicialmente formulado para a comparação do desenvolvimento humano entre países, logo foi adaptado para medir a situação de municípios. No Brasil, o escritório do PNUD patrocinou o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano, em 1996, e duas edições do Atlas de Desenvolvimento Humano, em 1998 e em 2003, respectivamente. Elaborado conjuntamente pelo Ipea, IBGE e Fundação João Pinheiro, o Atlas utiliza uma medida similar ao IDH – o IDH-M – e reconstituiu sua evolução para o período de 1970 a 1991, 19 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 na primeira edição, e atualizou-o com as informações censitárias de 2000, na última. Desde sua divulgação, o IDH-M passou a ser utilizado, algumas vezes de forma imprópria, como referência para o planejamento e avaliação das políticas sociais no país. A produção de um indicador composto, com a importância que o IDH passou a ter, levantou, entre os produtores e usuários de informações, uma série de questionamentos de ordem metodológica: por que excluir dimensões reconhecidamente importantes como as condições habitacionais e o meio ambiente? Que pesos atribuir às diversas dimensões consideradas? Que escalas adotar? Adicionalmente, à medida que passou a ser utilizado como instrumento para a definição e avaliação de políticas públicas, novos problemas se colocaram: o IDH seria suficiente para avaliar transformações de curto prazo, típicas de certas políticas públicas? Seria adequado para a definição ou avaliação de qualquer (ou de alguma) política?2 Tais questionamentos levaram várias instituições produtoras de informações, sobretudo as de âmbito estadual, a buscar o desenvolvimento de novos indicadores sintéticos, inspirados no IDH, mas considerando as necessidades e especificidades de seus respectivos Estados. Num contexto de grande interesse por indicadores municipais, a difusão de indicadores sintéticos, com tal cobertura geográfica, cresceu de forma exponencial e desarticulada.3 Também aqui a contribuição da Fundação Seade, com seu Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, foi relevante. Assim, essas instituições passaram a ter a necessidade de se aparelhar técnica e cientificamente (inclusive com a aquisição e o domínio de pacotes estatísticos mais avançados e dispendiosos) para contribuir e participar do debate em torno dos indicadores sintéticos, assim como para atender à demanda de diferentes usuários, interessados nessa nova “família” de indicadores. Além dos esforços dirigidos à elaboração de indicadores sintéticos, em especial referidos a municípios, vários outros avanços metodológicos ocorreram nos últimos anos. Entre eles destacam-se as estatísticas espaciais e o geoprocessamento. Também nesse caso, não foram desprezíveis os investimentos por parte das instituições produtoras de estatísticas em capacitação de pessoal, desenvolvimento e aquisição de informações passíveis de geoprocessamento, softwares, bases cartográficas, imagens de satélite e equipamentos. Note-se que esse tipo de informação passou a ter interesse crescente, seja pela já mencionada ênfase na focalização das políticas sociais – em que a localização espacial das populações-alvo é particularmente importante –, seja pela introdução de novos temas na agenda da produção de informações, como meio ambiente e violência urbana, em que a delimitação precisa da área de ocorrência dos eventos que se deseja mensurar é relevante. Houve, portanto, em simultâneo ao grande crescimento da demanda por informações estatísticas, o aumento da complexidade dessas informações, de sua abrangência temática e das formas de sua análise e apresentação. Recorrendo, porém, mais uma vez, a Senra, convém ter presente que “métodos e mais métodos são criados e usados, considerando todos os aspectos do processo de geração das estatísticas, lançando-se mão de novas e melhores tecnologias de comunicação, de observação, de apresentação, de processamento. Mas, em que pese a importância desses avanços, os principais ‘instrumentos’ são ainda as massas de seres humanos: para registrar, interpretar, classificar, perguntar” (Senra, 1999). Em outros termos, tal como nas demais atividades humanas, mas com maior ênfase na produção de estatísticas, a qualidade das informações é função direta da qualidade do pessoal envolvido em sua elaboração. Desse modo, ao se pensar sobre as possibilidades de avanço e de aprimoramento da produção de informações estatísticas este aspecto não deve ser menosprezado. INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DE INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS Quanto às instituições produtoras de informações estatísticas, cabe destacar alguns dos problemas com que se defrontaram no período recente. Durante o período autoritário, a centralização das decisões era a regra. Portanto, a produção de estatísticas subordinava-se às necessidades do planejamento nacional, em especial no campo econômico, fazendo com que a Contabilidade Nacional e os Censos Demográficos e Econômicos constituíssem o cerne das estatísticas nacionais. Em 1967, concebeu-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (Fletcher; Ribeiro, s.d.), que buscava prover o Estado Nacional de informações necessárias ao planejamento socioeconômico.4 Do ponto de vista metodológico, conforme um estudo da época citado por Fletcher e Ribeiro (s.d.), o advento da PNAD significou a consagração “da técnica de amostragem como processo para obtenção de dados considerados essenciais para o desenvolvimento de estudos básicos para estabelecimento 20 PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL dos planos e programas que deverão acelerar o desenvolvimento econômico e social do país” (Oliveira, 1970). A PNAD foi concebida, inicialmente, para prover informações demográficas e socioeconômicas para o conjunto do país. Ingerências oriundas de órgãos de planejamento regional (Sudam, Sudene, Sudeco e Sudesul), que demandavam dados da PNAD com detalhamento regional, fizeram-na ampliar sua abrangência geográfica (Fletcher e Ribeiro, s.d.),5 o que se refletiu no aumento de sua amostra: o plano amostral original, de 30 mil domicílios, ampliou-se, chegando a 110 mil, em 1982 e a 130 mil, em 2002. Entre o final dos anos 60 e o início dos 80, uma série de novas pesquisas foram introduzidas pelo IBGE, como as pesquisas industriais, vários índices de preços e a Pesquisa Mensal de Emprego. Assim, esse período se caracterizou por importantes avanços técnicos e metodológicos e pela grande proliferação de estatísticas que, reafirmese, visavam muito mais atender aos interesses do planejamento nacional, do que dos demais entes federados e dos vários agentes econômicos e sociais. Mesmo assim, não se pode negar o excepcional desempenho do IBGE ao longo desses anos. Todavia, o sucesso alcançado no período e o próprio caráter centralizador do governo geraram certa auto-suficiência dos produtores de estatísticas (Senra, 1999; Guizzardi Filho; Conti, 2001), tornando-os impermeáveis às novas necessidades e às críticas, muitas delas oriundas do próprio governo, que não tardaram a surgir. Recorde-se que, já a partir do final dos anos 70, começa a se esboçar a crise que atingiu a economia e o Estado brasileiros, de que decorreram novas demandas por informações, capazes de explicar essa conjuntura. A incapacidade em atendê-las adequadamente, seja pela mencionada inflexibilidade, seja pelas próprias restrições orçamentárias, que se acentuaram no período, acabou minando a própria credibilidade da instituição. Com a redemocratização do país, já mencionada, aprofundou-se o processo de descentralização e municipalização das ações governamentais. Ora, a multiplicação de centros de decisão governamental, em si mesma, gerou aumento das necessidades de informação, potencializada pelas novas oportunidades abertas pelas TICs. Desse modo, deixaram de ser suficientes as informações abrangentes, de cobertura nacional ou mesmo regional. Requerem-se, agora, além de todo o cardápio de estatísticas nacionais, informações específicas, freqüentes e com detalhamento municipal e, muitas vezes, intramunicipal. As dificuldades, no entanto, não pararam aí. Ao final dos anos 80, disseminam-se questionamentos sobre o pa- pel do Estado e da própria eficácia do planejamento. As dificuldades orçamentárias, associadas à descrença da própria capacidade do Estado em definir os rumos do desenvolvimento e mesmo de executar suas políticas, provocaram efeitos deletérios sobre as instituições produtoras de estatísticas, simbolizados pelo adiamento da coleta de informações do Censo Demográfico de 1990, que só foi a campo no ano subseqüente. Não deixa de ser paradoxal a situação vivida naquele período: o aumento exponencial da demanda por informações e das novas possibilidades tecnológicas e metodológicas aplicáveis em sua produção encontra seus produtores oficiais numa situação de extrema fragilidade. Apenas ao longo dos anos 90 a situação começa a se estabilizar, sobretudo no IBGE. Grandes esforços foram realizados para sua reorganização e modernização, em termos tecnológicos e metodológicos. A substituição dos censos econômicos por pesquisas amostrais – bem mais ágeis e menos custosas e passíveis de serem complementadas com “pesquisas-satélite” (mas com importantes limitações para seu detalhamento espacial) – simbolizam esses avanços, assim como a revisão metodológica da PNAD e, mais recentemente, da PME. Também atestam essa nova fase, entre outros avanços, o bem-sucedido Censo Demográfico de 2000, a introdução das contagens populacionais na metade do período intercensitário, a inclusão de novos temas na agenda de pesquisas do IBGE, como inovação tecnológica e meio ambiente, e as facilidades de acesso aos resultados de suas pesquisas, inclusive na forma de microdados. Outros órgãos federais produtores de informações primárias ou de registros administrativos lograram obter progressos importantes, ampliando significativamente a oferta e o acesso a informações de qualidade sobre diferentes temas de interesse público, como o mercado de trabalho formal, o ensino e os serviços de saúde. Como resultado das marchas e contramarchas que marcaram os últimos 20 anos, sobretudo no campo da produção de estatísticas, várias outras instituições públicas federais, estaduais, municipais e mesmo organizações privadas, não-governamentais e acadêmicas passaram a produzir informações estatísticas.6 O grande desafio do momento é a constituição de uma coordenação nacional dos entes produtores de informações, papel que o IBGE deveria assumir mais agressivamente. Em certa medida, os primeiros passos nessa direção já foram dados, como a instituição da Comissão Nacional de Classificações – Concla e os esforços coordenados pelo IBGE, com a par- 21 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 ticipação das instituições estaduais, para a produção das contas regionais. Mesmo assim, falta muito a se avançar nesse campo, decisivo para que o país construa um verdadeiro Sistema Nacional de Estatística. novas informações estatísticas, sobretudo sociais e com corte regional, que não vinham sendo supridas pelo IBGE pelas razões expostas anteriormente, passaram a ser produzidas, no caso do Estado de São Paulo, pela Fundação Seade. No início da década de 90, após importantes investimentos em recursos humanos e tecnológicos, a Fundação Seade preparou-se para novos desafios. Com a substituição dos Censos Econômicos do IBGE pelas pesquisas amostrais, as possibilidades de detalhamento espacial das informações econômicas ficaram bastante limitadas. Além disso, novas questões referentes à reestruturação produtiva e à introdução de inovações tecnológicas, até então apenas conhecidas por meio de estudos de casos mas cujos efeitos sobre o mercado de trabalho já vinham sendo captados pela PED, necessitavam ser melhor estudadas. Nesse contexto, veio à luz a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, que não só supriu o Estado de informações detalhadas sobre a atividade econômica, como permitiu mensurar a extensão e as características da reestruturação tecnológica e gerencial por que passavam as empresas paulistas. Outra frente de expansão das atividades da Fundação foi a coleta e produção de informações sobre as administrações municipais. Na esteira da expansão da demanda por informações municipais decorrente do processo de municipalização das ações de governo, a Fundação Seade, que já coletava informações sobre as administrações municipais, optou por reestruturar suas atividades nesse campo, constituindo, desde 1992, a Pesquisa Municipal Unificada – PMU, atualmente com periodicidade bianual. Esta pesquisa coleta informações sobre as estruturas administrativas e de recursos humanos e financeiros das prefeituras paulistas, bem como sobre a gestão municipal das políticas e dos serviços públicos, abarcando quase 800 variáveis em seu questionário. Diversos levantamentos primários têm sido realizados pela Fundação Seade, em geral com ênfase em temas ou regiões específicas, atendendo a solicitações de seus inúmeros parceiros e clientes. Alguns se resumem ao cadastramento de famílias a serem beneficiadas por determinado programa social e outros se referem a pesquisas propriamente ditas. Como é sabido, a coleta primária de informações, além de dispendiosa, possui ritmo próprio que decorre das diversas fases que necessariamente tem de percorrer (planejamento, coleta e tratamento dos dados), nem sempre adequado às necessidades dos usuários. Assim, a utilização de registros administrativos tem-se FUNDAÇÃO SEADE Em meio a esse período turbulento, há 25 anos, nasce a Fundação Seade, herdeira de outros órgãos da administração pública estadual que remontam ao final do século XIX.7 Já em seu primeiro ano de existência, passa por sérios problemas orçamentários, que a obrigam a reduzir seu quadro de pessoal e a abrangência de sua atuação. Até meados dos anos 80, dedica-se basicamente aos estudos demográficos e à coleta e organização de dados secundários e de registros administrativos. A partir daí, realizou um grande esforço de revisão das metodologias de pesquisas sobre força de trabalho – logo após o período crítico por que passou a economia brasileira e paulista, com graves reflexos sobre o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo – e, em conjunto com o Dieese, desenvolveu e levou a campo, a partir de 1984, a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Note-se que o governo de então, preocupado com a situação social do Estado e com as fortes manifestações sociais decorrentes da deterioração do mercado de trabalho metropolitano, necessitava de informações sobre o tema, adequadas à realidade regional, e determinou à Fundação Seade que as desenvolvesse. A realização dessa pesquisa permitiu à Fundação Seade capacitar-se, seja no campo teórico-metodológico, seja no da realização de levantamentos primários, abrindo assim uma perspectiva promissora e que foi crescentemente trilhada pela instituição. No final da década de 80, uma nova pesquisa foi desenvolvida pela Fundação – a já mencionada PCV, cuja primeira tomada ocorreu em 1990 – que, ao adotar uma abordagem inovadora para a mensuração e caracterização da pobreza, que transcendia a perspectiva simples do cálculo da linha de pobreza, demonstrou sua capacidade de intervir, com competência, na fronteira do conhecimento social da época. Houve, assim, um primeiro ciclo de atuação da Fundação Seade, centrada na produção de estudos demográficos, logo enriquecidos com novos aportes de estatísticas sociais. Note-se que se está falando de um período em que o chamado resgate da dívida social estava no centro das discussões e das propostas políticas dos primeiros governadores eleitos pelo voto popular. As necessidades de 22 PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL ram seu escopo temático ampliado, como se procurou demonstrar, a Fundação Seade passou também a realizar uma série de pesquisas, estudos, diagnósticos, avaliações e cadastros para diferentes instituições, em geral públicas, complementando, desse modo, suas necessidades de financiamento. Se isso lhe permitiu capacitar-se para novas funções e preservar um corpo técnico qualificado, também redirecionou capacidades e recursos para outras áreas que não a estrita produção e análise de informações estatísticas. Uma das áreas que mais se ressentiu da carência de investimentos foi a de armazenamento e disponibilização das informações. mostrado uma opção cada vez mais interessante para os usuários, tanto mais pela melhoria da qualidade que tais informações experimentaram nos últimos anos. A produção das estatísticas vitais, por exemplo, um dos temas em que a Fundação Seade goza de grande prestígio, faz-se por meio das informações do registro civil. Para tanto, são coletados mensalmente os dados sobre nascimentos, casamentos e óbitos nos 849 cartórios de registro civil do Estado, compondo um banco de dados que incorpora, a cada ano, cerca de 1,2 milhão de novos registros. Um subproduto desse levantamento foi a informatização dos cartórios, que teve decisiva participação da Fundação Seade. Não por acaso o Estado de São Paulo é uma das poucas unidades da federação que possui informações atualizadas e com o máximo detalhamento espacial de todas as informações demográficas relevantes, como as taxas de mortalidade por causa, sexo e idade, de fecundidade, natalidade e nupcialidade. Vários outros registros administrativos são coletados pela Fundação Seade (Quadro 1). Alguns são bem organizados e documentados pelas instituições produtoras, mas muitos requerem um minucioso trabalho de análise, tratamento e organização das informações em banco de dados consistentes e dotados de toda a documentação necessária a seu manuseio. Foi a disponibilidade de tais informações que permitiu à Fundação atender à solicitação da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo para produzir um indicador que permitisse o acompanhamento da situação socioeconômica de cada um dos 645 municípios paulistas, o Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS. Além de um desenho metodológico inovador, com o concurso de sofisticadas técnicas estatísticas, sua construção se baseou em informações do registro civil, das Secretarias da Fazenda e da Educação do Estado de São Paulo, das empresas concessionárias de energia elétrica, do Ministério do Trabalho e Emprego, além dos microdados do Censo Demográfico. Sua elaboração dependeu não só do conhecimento de metodologias e técnicas estatísticas, mas de todo um trabalho de coleta e organização de bases de dados, com origens e características tão distintas, que exige habilidades específicas para seu manuseio. A reunião dessas competências e desse acervo de informações é, sem dúvida, o principal ativo da Fundação Seade. É bom lembrar que todos esses esforços se concretizaram em meio a uma importante crise das finanças estaduais. Assim, ao lado de suas atividades de produção de informações para uso geral, que se aperfeiçoaram e tive- QUADRO 1 Bases de Dados Disponíveis da Fundação Seade Classificadas por Tema Tema Total Administração Municipal Administração Pública Agropecuária Comércio Condições de Vida Demografia Demografia (Georreferenciada) Desenvolvimento Humano Educação Educação (Georreferenciada) Eleições Estatísticas Municipais Estatísticas Vitais Finanças Públicas Estaduais Finanças Públicas Municipais Indústria Informações Socioeconômicas e Demográficas Infra-estrutura (Georreferenciada) Mapas de Setor Censitário Meio Ambiente (Georreferenciada) Mercado de Trabalho e Emprego Orçamento Familiar Saúde Transporte Transporte (Georreferenciada) Nos Absolutos 93 1 1 2 1 1 6 1 1 20 2 1 2 8 6 11 1 6 1 2 1 3 1 12 1 1 Fonte: Fundação Seade. ARMAZENAMENTO E DISPONIBILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES A Fundação Seade realizou esforços significativos para atualizar-se técnica e metodologicamente, tem prestado serviços relevantes à sociedade paulista e brasileira, assim como para a administração pública nas três esferas de 23 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 tar, por exemplo, critérios próprios de arredondamento de valores fracionários, atribuir a um mesmo dado valores diferentes; governo. Reuniu grande acervo de informações estatísticas, mas a forma de seu armazenamento e disponibilização, tanto para seu próprio corpo técnico como para usuários externos, ainda requer inúmeros esforços para ser aperfeiçoada. O Quadro 1 busca sintetizar esse acervo, revelando para cada um dos múltiplos temas o número de bancos de dados disponíveis. Evidentemente, esse quadro dá apenas uma visão parcial do acervo, uma vez que os bancos de dados ali mencionados possuem coberturas e detalhamentos geográficos e temporais distintos, alguns são mais especializados outros mais genéricos, ainda que classificados no mesmo tema, e suas dimensões são muito distintas. Embora estejam em meio eletrônico, possuem diferentes formatos e alguns seriam melhor descritos como arquivos eletrônicos e, talvez, nem possam ser chamados, estritamente, de banco de dados. Ademais, não estão considerados nesse quadro os arquivos com informações mais antigas, armazenadas em papel ou microfichas, que ainda esperam uma oportunidade para serem digitalizadas. É fácil perceber os esforços necessários para sua simples atualização, uma vez que, além dos produzidos pela própria Fundação, foram incluídos os originários das mais distintas instituições. Atualmente, esses bancos são fragmentados e gerenciados por técnicos alocados nas diferentes áreas da Fundação Seade, de modo que, vistos em conjunto, assemelham-se muito mais a um sistema de arquivos tradicional do que a um banco de dados institucional e integrado. Ainda que não se pretenda fundir todos esses conjuntos de informações num único banco, muito pode ser feito para integrá-los e reduzir várias das desvantagens características do atual sistema. Entre suas desvantagens, podem-se mencionar: - a falta de flexibilidade, pois o acesso a diferentes bancos de dados implica a mobilização de distintas áreas da instituição, com suas próprias prioridades de trabalho. Assim, a produção de relatórios específicos nem sempre pode ser realizada rapidamente, sem prejudicar outras atividades da área responsável pelo gerenciamento do banco que se deseja consultar. Torna-se ainda mais difícil e demorada a produção de relatórios que envolvam informações contidas em mais de um banco de dados; - a falta de padronização das nomenclaturas e das classificações é outro problema associado a este sistema de armazenamento de dados. A adoção de códigos de municípios diferentes em duas bases de dados, por exemplo, dificulta sua utilização conjunta, que pode ser ainda agravada se os nomes dos municípios também adotarem grafias distintas. Da mesma forma, a adoção de sistemas de classificação diferentes (de setor de atividade econômica, por exemplo) torna seu uso mais complexo e tende a levar à existência de dados com o mesmo nome associados a fenômenos diferentes ou, ao contrário, que um mesmo fenômeno seja denominado de forma diferente em bancos de dados distintos; - as dificuldades de manutenção num sistema desse tipo são evidentes. Várias pessoas, pertencentes a diferentes áreas da instituição, com prioridades e ritmos de trabalho próprios, são mobilizadas para tanto. Assim, dificilmente se dispõe de uma posição atualizada da situação de cada uma das bases da Fundação; - a multiplicidade de softwares é mais uma das desvantagens que este sistema apresenta, pois como cada banco constituiu-se independentemente, seus dados estão armazenados em softwares diferentes. Evidentemente, esta característica reduz a flexibilidade do sistema e eleva seus custos de manutenção e o tempo das consultas; - por fim, um sistema fragmentado como esse dificulta a elaboração da documentação necessária à definição e descrição da base de dados (metadados) e, portanto, o acesso direto dos usuários aos bancos de dados. Um sistema com essas características negativas acaba por reduzir a própria capacidade de atuação do conjunto da Fundação, impedindo-a de ampliar sua produtividade e reduzir seus custos e dificultando a elaboração de respostas rápidas a consultas ad hoc e a perguntas imprevistas, freqüentemente dirigidas a instituições com as características da Fundação Seade por seus múltiplos usuários. Sua superação, no entanto, requer tempo, recursos humanos e investimentos, todos eles escassos na atual conjuntura econômica do Estado e do país. Mesmo assim, os primeiros passos nessa direção já vem sendo dados. Entre as primeiras providências para reduzir a fragmentação desse sistema está o armazenamento conjunto dos dados em um único servidor, a fim de facilitar o controle - a redundância dos dados, entendida como a possibilidade de a mesma informação estar contida em mais de um banco de dados. Além de ocupar espaços de armazenamento desnecessários e envolver maior trabalho de atualização, ainda se corre o risco de, caso cada um deles ado- 24 PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL 6. A explosão da produção de índices de preço pelas mais diversas instituições, sobretudo ao longo da década de 80, é um bom exemplo desse movimento. de sua atualização e manutenção e reduzir a dependência dos usuários em relação a seus atuais gerenciadores. Para tanto, será necessário padronizar nomenclaturas e classificações e aperfeiçoar os metadados que, além de reduzir as redundâncias e eventuais inconsistências dos dados, tornará o sistema mais flexível. Os passos subseqüentes, que induzam, na medida do possível, a efetiva integração desse sistema, ainda dependem de estudos que conduzam às decisões mais acertadas, até para a definição de um sistema de gerenciamento que facilite e controle, o acesso e o uso da base da Fundação, garantindo a flexibilidade, a integridade e a segurança de seus dados. Nos 25 anos de existência da Fundação Seade, muito se avançou, sobretudo no que diz respeito ao volume e à qualidade de seus resultados. Seu perfil se modificou, não podendo mais ser vista como uma instituição dedicada exclusivamente à produção de informações estatísticas, ainda que tenha sido exatamente essa característica que lhe tenha permitido trilhar outros caminhos. Assim, sua gestão ficou mais complexa e as necessidades de aperfeiçoamento de seu corpo técnico e de seus recursos tecnológicos se ampliaram. Num contexto de restrições fiscais, a Fundação Seade vem avançando, enfrentando desafios e provendo a sociedade com informações fundamentais para o seu desenvolvimento. 7. Essa breve reconstituição da história da Fundação Seade se baseia no trabalho de Guizzardi Filho e Conti (2001). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, F.L.; SOARES, M.F. Redes federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001 (Série Pesquisas, n. 24). ALBERTS, D.S.; PAPP, D.S.; KEMP III, W.T. The technologies of the information revolution. In: ALBERTS, D.S.; PAPP, D.S. (Org.). The information age: an anthology on its impact and consequences. Washington: National Defense University, 2002. Disponível em: <http://www.ndu.edu/books>. Acesso em: 6 out. 2003. CONTI, V.L. Informações socioeconômicas sobre o Estado de São Paulo. Comunicação e Educação, São Paulo, ECA-USP, n.21, p.107-112, maio/ago. 2001. ERIKSON, R. Descripciones de la desigualdad: el enfoque sueco de la investigación sobre el bienestar. In: NUSSBAUM, M.; SEN, A. La calidad de vida. México: The United Nations University e Fondo de Cultura Económica, 1996. FLETCHER, P.R.; RIBEIRO, S.C. A educação na estatística nacional. In: SAWYER, D. (Org.). PNADs em foco: anos 80. Belo Horizonte: Abep, [s.d.]. FUNDAÇÃO SEADE. Índice Paulista de Responsabilidade Social. São Paulo, 2001. Mimeografado. ________ . Survey of living conditions in the metropolitan area of São Paulo. Genebra: ILO/ILLS, 1994 (Research Series, n. 101). ________ . Pesquisa de condições de vida: uma abordagem multissetorial. São Paulo, 1992. NOTAS GUIZZARDI FILHO, O.; CONTI, V.L. Produção e disseminação de informações socioeconômicas. Transinformação. Campinas: Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia – PUC-Campinas, v.13, n.2, p. 43-54, jul./dez. 2001. O autor agradece às sugestões de Vivaldo L. Conti para a elaboração deste artigo. 1. Este estudo obteve certa repercussão internacional, chegando a ser publicado, em 1994, pelo Internacional Institute for Labour Studies, em Genebra (Fundação Seade, 1994). JANNUZZI, P.M. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2001. KRELL, A.J. O município no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Oficina Municipal, 2003. 2. Para maiores detalhes desse debate, ver Seade (2001) e Jannuzzi (2001). OLIVEIRA, R.R. A utilização dos dados das pesquisas por amostra domiciliar. Revista Brasileira de Estatísticas, Rio de Janeiro, IBGE, v.31, n.122, 1970. 3. Um rápido e não exaustivo levantamento realizado pela Fundação Seade nas instituições estaduais de pesquisa, estatística e planejamento sobre a elaboração de indicadores municipais desse tipo, identificou sua existência nos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará e Goiás, além de São Paulo. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). International Definition and Measurements of Standards and Levels of Living. New York: United Nations Publications, 1954. 4. Senra (1999) considera que o sucesso do planejamento econômico nacional, constatado no pós-guerra, levou, posteriormente, sua extensão para o campo social, implicando novas necessidades de informações estatísticas. Já nos anos 60, era reconhecido o sucesso das experiências norte-americana e canadense em pesquisas contínuas de população, inspiradoras da PNAD, proporcionando informações para o planejamento socioeconômico (Fletcher e Ribeiro, s.d.). PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: PNUD, 1996. SENRA, N.C. Informação estatística: política, regulação, coordenação. Ciência da Informação, Brasília, IBICT, v.28, n.2, 1999. 5. Note-se que esse autores só destacam as ingerências de órgãos federais de planejamento regional, não fazendo menção a qualquer iniciativa dos governos estaduais para o maior detalhamento espacial da PNAD, o que atesta o caráter centralizado do planejamento e das ações públicas no período. SINÉSIO PIRES FERREIRA: Economista, Diretor Adjunto de Análise Socioeconômica da Fundação Seade ([email protected]). 25 SÃO 26-34, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS MARILDA LOPES GINEZ DE LARA VIVALDO LUIZ CONTI Resumo: A disseminação é analisada segundo a perspectiva da transferência de informação em face à reconfiguração da idéia de cidadão e cidadania. Contextualiza a discussão focando o universo das informações estatísticas e mostra as ações, serviços e produtos do Seade nessa direção. Palavras-chave: informação estatística; usuário e cidadania; estatísticas públicas. Abstract: Dissemination is analyzed from the perspective of information transfer and how it affects the reconfiguration of the notion of the citizen and his role in society. Emphasis is placed on the universe of statistical information and the services and products of Seade in this regard. Key words: statistical information; the end-user and the role of the individual in society; publicly available statistics. D isseminar informação supõe tornar público a produção de conhecimentos gerados ou organizados por uma instituição. A noção de disseminação é comumente interpretada como equivalente à de difusão, ou mesmo de divulgação. Assume formas variadas, dirigidas ou não, que geram inúmeros produtos e serviços, dependendo do enfoque, da prioridade conferida às partes ou aos aspectos da informação e dos meios utilizados para sua operacionalização. Em sua base existe um centro difusor – o produtor –, que, a despeito do controle exercido sobre o que é disponibilizado, não tem garantias quanto aos usuários atingidos, ao sucesso das operações de divulgação e à aplicação efetiva das informações. Teoricamente, pela disseminação, busca-se oferecer informações úteis, mas o conceito de utilidade nem sempre é bem definido. O debate sobre o uso, por sua vez, remete pari passu não só ao próprio conceito de “informação” como também ao de usuário e envolve problemas de delimitação de públicos de linguagem. Neste artigo, pretende-se introduzir o debate sobre disseminação de informações em geral (englobando as duas distinções, mas enfatizando, sobretudo, o segundo sentido) para, em seguida, discuti-la na ação governamental. Parte-se do princípio que é importante compreender o significado da disseminação contemporaneamente, que, afetada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, necessita observar a recepção de forma não monolítica. Compreende-se como disseminação da informação governamental não só os resultados dos esforços e das iniciativas de divulgação à sociedade das atividades próprias da administração pública, como também as ações que visam a transferência de informações. Os dois tipos de disseminação podem compreender ampla gama de informações que vão desde as políticas públicas adotadas até as que possam subsidiar os indivíduos e a sociedade civil no desenvolvimento de suas tarefas ou mesmo no acompanhamento e cobrança da própria atividade pública. O leque de informações disseminadas pelas instituições públicas varia conforme sua atividade básica, seus objetivos e percepção de necessidades da sociedade. As tecnologias de informação permitem ampliar o universo de disseminação das informações governamentais, mas é prudente verificar em que medida há efetivamente transmissão de informação e como e se ela atinge efetivamente a sociedade. Pode-se afirmar que existe, hoje, um número maior de canais de informação à disposição das 26 DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS instituições e do público, mas não estamos seguros quanto a seu alcance: qual é a parcela da população que tem acesso à Internet? Quem utiliza as informações disponibilizadas? Com que facilidade e nível de compreensão? Qual é o significado dessas informações para o público? Qual é a relação entre as informações divulgadas e as demandas informacionais da população? Que aplicação é feita dessas informações? Perguntas do gênero devem ser feitas para que se possa aquilatar a extensão das realizações concretas de disseminação, e muitas delas são válidas mesmo nas situações em que são utilizados meios tradicionais de disseminação. para a assimilação, ocorre, segundo Barreto, modificação do estoque de informações do indivíduo, razão pela qual o autor sugere que ela seja concebida como uma “estrutura significante” capaz de gerar conhecimento (Barreto, 1994). Dito de outro modo, falar em transferência da informação via serviços de disseminação de informações – distribuição física ou virtual de documentos e dados – supõe considerar que os benefícios dessa ação se relacionam diretamente às possibilidades de geração do conhecimento. Caso contrário, há apenas divulgação unilateral que atinge heterogeneamente o conjunto da sociedade. Se o conhecimento é inseparável do indivíduo (sujeito do conhecimento), as ações de disseminação para transferência devem observar os requisitos que permitam adaptar as informações e suas formas de acesso aos veículos, públicos e contextos. Do mesmo modo, enfatizar os serviços de disseminação de informações no emissor, ignorando as características de seu público, ou concebê-lo em sua condição supostamente potencial valendo-se de referências imaginadas ou idealizadas, não corrobora seu êxito. Enfrentar essas questões não é tarefa simples. Se, teoricamente, os vínculos entre a emissão e a recepção são visualizados como necessários, sua operacionalização requer investimentos, a começar pela definição do usuário. INFORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO Não existe um conceito único de informação. Sua concepção varia de acordo com os aspectos selecionados. Numa abordagem pragmática, a informação pode ser distinguida, como: processo (que se relaciona à alteração de um estado de conhecimento); conhecimento (o que é comunicado, o que concerne a algum fato, evento ou assunto particular, o que reduz – ou aumenta1 – a incerteza); e “coisa” (atributo de objetos – documentos ou dados referidos como informação por serem considerados “informativos”) (Buckland, 1991). A informação, como processo, relaciona-se aos fluxos formais e informais que podem conduzir a alterações de estoques de conhecimento. Se, no entanto, a ênfase for no conhecimento, ela será intangível, já que depende de crença, opinião, concepções e conhecimentos anteriores, ou, enfim, de referências subjetivas. A informação como conhecimento pode depender da “coisa”, ou da existência de documentos informativos, mas não exclusivamente. Nos sistemas de informação, ela, como conhecimento, vincula-se a sua materialidade (coisa = documento, dado = informação), conferindo-lhe um estatuto tangível. A existência de fluxos informacionais e a materialidade (ou tangibilidade), porém, não significam necessariamente a geração de conhecimento. Originalmente referida com base no esquema tradicional de comunicação – emissor, canal, mensagem, receptor –, o debate sobre disseminação da informação associado à transferência sugere, atualmente, abandonar a unidirecionalidade emissor-receptor para contemplar o usuário numa dimensão mais ampla que o inclui como participante ativo do processo informacional. Essa perspectiva põe em destaque o significado da mensagem, cuja compreensão e utilização dependem da forma como ela é veiculada e das condições do receptor e da recepção. Quando há condições O USUÁRIO, O CIDADÃO As atividades de disseminação formuladas pelos serviços e produtos, em geral e, sobremaneira, governamentais, buscam, quase sempre, a “democratização da informação”. O conceito, porém, tem sido desgastado pelo uso, particularmente quanto se verifica que as decisões sobre quais informações e em que formato divulgá-las são permeadas por julgamentos unilaterais. As instituições nem sempre se questionam sobre o que produzem, sobre a relação entre seus produtos e as necessidades de informação, sobre as formas de disponibilização utilizadas e, em especial, sobre seus públicos. E se o termo “democratização da informação” gradativamente desaparece dos discursos públicos e é substituído pelos de “cidadão” ou “sociedade civil”, tal fato não vem necessariamente acompanhado de uma análise quanto a seu significado efetivo. O conceito de cidadão, não raras vezes, é delimitado com base em referências hoje sob suspeita. Houve um tempo, bastante próximo, que o cidadão era incorporado como “cliente”, embora essa prática caracterizasse menos as instituições públicas (por um certo cuidado ou pudor humanista?) em reservar o termo para relacioná- 27 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 lo a operações que envolviam lucro. Prevalece, todavia, a imagem de cidadão desenhada de acordo com um critério político-jurídico: a cidadania é reconhecida pelo Estado como um direito, principalmente em relação à igualdade (mas não à diferença). O conceito de cidadão como alguém que participa das discussões e decide sobre assuntos de interesse coletivo é cunhado no séc. XVIII na Alemanha e na França. Seu alcance era restrito, reservado àqueles que liam e participavam dos círculos ilustrados. Como revela Canclini (1999), a condição de participação nos debates sobre o interesse comum e sobre o estabelecimento de uma cultura “democrática centrada na crítica racional” e limitada àqueles que podiam informar-se lendo, compreendia “o social a partir das regras comunicativas da escrita”. Segundo o autor, essa situação perdura até meados do século XX, quando os setores excluídos da esfera pública burguesa – mulheres, operários, camponeses – eram considerados, no melhor dos casos, virtuais cidadãos, cuja inserção nos círculos de debate dependia da assimilação da cultura letrada. A alteração desse quadro é lenta, sendo percebida por políticos e intelectuais (Bakthin, Gramsci, Raymond Willians e Richard Hoggart) e referida como identificadora da existência de “culturas paralelas” que constituiriam uma espécie de “esfera pública plebéia informal” (Canclini, 1999:49). Nos dias de hoje, tende-se a reconhecer o papel dessas diferentes modalidades de comunicação, mas o mesmo não acontece com o papel que os circuitos populares demonstram no desenvolvimento de redes diferenciadas de informação e aprendizagem, nas quais o consumo dos meios de comunicação apresentam papel preponderante. Como observa Canclini, as oportunidades criadas pelos novos meios de comunicação são tão ou mais responsáveis pelas alterações do que as revoluções sociais ou movimentos alternativos políticos e artísticos. “Foram estabelecidas outras maneiras de se informar, de entender as comunidades a que se pertence, de conceber e exercer os direitos. Desiludidos com as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre ao rádio e à televisão para conseguir o que as instituições cidadãs não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples atenção” (Canclini, 1999:50). Contra a lentidão dos órgãos públicos, a rapidez (mas não necessariamente a eficácia) da televisão. Os meios massivos de comunicação corroboram uma reestruturação das articulações entre o público e o privado e a remodelação do consumo e da vida. Entre as várias conseqüências desse fato, destacamos a transformação do conceito de cidadão, de um “representante de uma opinião pública a um cidadão interessado em desfrutar uma certa qualidade de vida” (Canclini, 1999:50). Mais do que querer participar do debate e da crítica, o novo cidadão transforma-se em um consumidor que prefere a fruição. Essa é uma saída, a nosso ver, individual, e a despeito de seu significado distante do ideal cidadão iluminista que de certa forma também estava na base da cultura do “democratizar a informação”, é uma situação real que não podemos ignorar. É notório verificar como a participação cidadã (partidos, sindicatos, associações) perde sua força diante da oferta da distribuição global de bens e de informação proporcionados, primeiramente, pela transnacionalização da economia e, depois, pela globalização. A maior oferta de informação e de bens de consumo potencializada pelos meios eletrônicos e mais recentemente pela Internet e a emergência de um parâmetro de “bemestar” e fruição não levam efetivamente ao exercício da cidadania, nem nos moldes tradicionais, nem no que restaria desse modelo se ele pudesse ser revisado para contemplar a diferença. A generalização de direitos, projeto iluminista, no projeto neoliberal esbarra em uma concepção desigual de direito, já que “as novidades modernas aparecem para a maioria apenas como objetos de consumo, e para muitos apenas como espetáculo. O direito de ser cidadão, ou seja, de decidir como são produzidos, distribuídos e utilizados esses bens, se restringe novamente às elites” (Canclini, 1999:54). A aproximação das idéias de cidadania e de consumo impõe ver este último não estritamente vinculado à aquisição do supérfluo, ao impulso primário e individual, mas como algo movido por escolha e reelaboração do sentido social. Conseqüência da reorganização da vida social contemporânea em função dos meios massivos de comunicação, consumir passa a ser selecionar bens e apropriá-los com base no que se considera publicamente valioso. O processo que relaciona cidadania e consumo não se desenha mais pelo reconhecimento de um estado de direito – quando os contornos da noção de cidadão passavam pela idéia de nação, língua, etnia – mas às práticas sociais e culturais que unem e separam as pessoas. “O princípio democrático acha-se então transferido de uma igualdade real, das capacidades, responsabilidades, e possibilidades sociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do objeto e outros sinais evidentes do êxito social e da felicidade.” (Baudrillard, 1990:62). A congregação de indivíduos não se atém a valores tradicionais, nem 28 DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS tampouco geográficos, ela se configura em comunidades de interesse, nas quais os participantes se reconhecem mutuamente (como, por exemplo, as tribos, conforme sugere Maffesolli (1991), as minorias ou mesmo os grupos esporádicos formados via Internet), apoiadas em uma diversidade multicultural. A constituição de um novo modo de ser cidadão está embasada no consumo. sistem, de início, pela ausência de referenciais facilitadores de busca e acesso. Muitos são, porém, os excluídos do universo de usuários, por razões socioeconômicas e mesmo culturais. Existem certamente usuários cujas necessidades informacionais não são cobertas ou mesmo identificadas. É claro que cada instituição tem um público mais freqüente que compartilha do mesmo universo cultural e simbólico e cujas necessidades informacionais convergem aos objetivos institucionais, mas o uso de segmentações tradicionais que ignoram a complexidade de formação de vínculos compromete as ações de disseminação que visam a transferência e a aplicação. Teixeira Coelho (1997:324, verbete público), referindo-se às políticas culturais, menciona a preocupação em relação à formação do público, que pode ser estendida à definição de políticas de informação. A formação do público (ou para nós, dos públicos) passa pela homogeneização de juízos de valor, reações e usos que atuam como denominadores comuns entre as pessoas que o constituem. Ignorar as nuances que conformam os vários públicos é, na melhor das hipóteses, continuar a conceber o usuário moldado à semelhança da instituição veiculadora de informações, isto é, um modelo moderno e iluminista. O esforço na identificação dos gêneros de usuários e de suas necessidades tem, como implicação, a possibilidade da própria revisão de conteúdos disseminados ou mesmo produzidos, cuja ignorância ou indiferença reforça o dirigismo e corrobora a estagnação. CIDADÃO, CONSUMIDOR E PÚBLICO(S) DA DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES Vê-se, pelo exposto, que as características socioespaciais que definiam a identidade e o cidadão passam a ser, com o processo de globalização, delimitadas por traços sociocomunicacionais. A nova identidade cidadã forjada depois do modelo moderno e iluminista (jurídico-político, postulante do direito à igualdade) não é única, una ou homogênea, mas, ao contrário, difusa e múltipla. Ela se constitui atravessando fronteiras territoriais e de classe, e se conforma por agregações estabelecidas por vínculos de interesse pulverizados, fugidios e, muitas vezes, esporádicos. O juntar/separar conhece o movimento imposto pelas regras de um contínuo fazer e desfazer, pois os interesses não são mais permanentes. Alternam-se momentos de agregação e desagregação de indivíduos pela precariedade de sedimentação dos vínculos que os unem. Por conseqüência, perante esse novo estado de coisas, não se poderia falar em usuário de forma genérica e todas as formulações de serviços de disseminação nascidos de políticas de informação que ignoram os aspectos da pluralidade dos públicos têm seu âmbito de cobertura comprometido. A rigor, não existe o usuário da informação pública governamental, mas os de diferentes motivações, origem, nível de instrução e idade. Pode haver, ao mesmo tempo, os eventuais e, sistematicamente, os que procuram por informação. Em face da gama de informações fornecidas tradicionalmente, os distintos usuários escolhem determinados assuntos ou aspectos: alguns buscam informação utilitária, relacionada à satisfação de necessidades básicas; outros são motivados pela necessidade de conhecer para manter sua sobrevivência em determinados grupos; outros, ainda, procuram informação por vontade de autorealização (Lara et al., 2002). Variam, do mesmo modo, os níveis de especificidade e de profundidade relativos às informações desejadas e consultadas. Quanto à forma de apresentação das informações, alguns preferem as visuais, gráficas, outros textuais. Há os que são estimulados a voltar a pesquisar (numa instituição ou num sítio) e os que de- DISSEMINAÇÃO QUE VISA A TRANSFERÊNCIA: AÇÃO PEDAGÓGICA OU CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES DE FAMILIARIDADE COM A INFORMAÇÃO? As políticas de informação e de disseminação correm o perigo de ser desenvolvidas exclusivamente numa perspectiva orientada da emissão para a recepção. A modificação dessa situação pressupõe considerar as alterações já apontadas e, por conseguinte, observar o espectro multivariado de seus públicos. Não há, todavia, modelos para enfrentar essa questão. Num primeiro momento, pode-se julgar que uma ação voltada à educação dos usuários seja o caminho. A ação pedagógica, porém, é também marcada pela moral moderno-iluminista, orientada por um desejo humanista que pretende salvaguardar determinados princípios que considera, a seu modo, fundamentais. É a mesma moral que está na base da concepção da democratização da informação e, de certo modo, das políticas de inclusão. Supõe um processo claro, com início e ponto de 29 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 inclusão. E se agora a obrigação não é mais ligarmo-nos aos outros, mas a nós próprios, há que se verificar que o abandono do dever não é necessariamente acompanhado do declínio das virtudes (Lipovetsky, 1994:15-18). Uma ação formadora desenhada em torno desse conflito – individualismo e virtude – deve, para Lipovetsky, recuar o individualismo irresponsável e estimular um individualismo responsável. Não há modelos, mas diante de um moralismo insensível em relação ao individual e ao social, e um neoliberalismo que conduz à fratura da sociedade reforçando a oportunidade de poucos, o autor propõe uma “ética inteligente”, dialogada, que procura equilíbrios entre eficácia e eqüidade, voltando-se ao respeito ao indivíduo e ao bem coletivo. Se essa ética é menos exigente para o indivíduo, menos categórica para os homens, deve ser mais imperativa para as organizações, numa aposta na inteligência científica e técnica, política e empresarial (Lipovetsky, 1994:23). Se ela é ainda teórica, vale ao menos verificar o estado das políticas de disseminação públicas para que, apoiada em sua análise, possa nascer uma reflexão que aponte algumas formas de trabalho. chegada (numa paráfrase à situação que opõe a ação educativa à ação cultural, conforme sugere Teixeira Coelho (1989:30). Não se dá conta da centralidade dessa visão em torno de princípios apriorísticos, como não discute, hoje, o significado que está latente no conceito de inclusão que pressupõe uma relação lógica de pertinência: incluir significa abranger e, por conseqüência, não compreende a diversidade. Há outro discurso que é de desesperança, cético em relação a qualquer possibilidade de ação: não se acredita na possibilidade de estabelecer vínculos entre pólos tão distintos. Se o setor público responde formalmente por uma orientação política determinada, que possibilidades haveria de uma ação que contemplasse a diversidade? Existirá um caminho alternativo que permita desencadear uma política de informação que dê conta da nova reconfiguração do universo de usuários? Será contraditória a perspectiva que procura buscar uma ação de disseminação perante uma cultura notoriamente individualista? Se essas questões não podem ser respondidas integralmente, convém ao menos enunciá-las para explicitar os limites de atuação das políticas de disseminação da informação pública institucional. Qualquer ação de formação deve ser entendida com a finalidade de renovação. A disseminação para transferência e utilização, diferentemente da disseminação como “propaganda”, como divulgação ou como ato educacional dirigido, objetiva mais o processo do que o objeto, pretende, antes de tudo, criar familiaridade com as informações, para que os usuários sejam um pouco mais eles mesmos os motores de sua formação, numa analogia à proposta já citada (Teixeira Coelho, 1989; 1997). É, também, uma aposta que poderá exigir alterações na própria oferta de informações produzidas. Como formulação teórica, está embuída de um humanismo que aspira transformar a ação do dever moralista e aplacador de consciências, numa conduta pautada numa “ética prudente” (expressão utilizada por Lipovetsky), que contenha, em princípio, uma possibilidade de intervenção do Estado como promotor do desenvolvimento das pessoas. Para Lipovetsky, a adoção de uma ética prudente não significa uma ruptura com as leis ou uma invenção de novos valores. Os princípios morais têm sido os mesmos ao longo do tempo: as alterações relacionam-se mais aos pontos de referência2 e é em relação a eles que se faz necessário, agora, pensar as formas de ação. Se a moral laica manteve da moral religiosa a noção de dívida e dever, compreendese onde estão as raízes da ação educativa e mesmo da DA REFLEXÃO TEÓRICA AO EXAME DA PRÁTICA: O CASO DAS AGÊNCIAS PÚBLICAS DE ESTATÍSTICA Há certamente uma distância entre a reflexão teórica e uma situação concreta de disseminação de informações. Vários fatores intervêm na formulação de propostas pragmáticas, particularmente quando se trata de instituições governamentais. Ao trazer o debate para situações mais concretas, é importante tecer algumas observações que possam auxiliar a definição de políticas de informação mais consistentes. Ao falar de disseminação de informações no Brasil e na América Latina, não se identificam políticas públicas claras para o setor. Julio Cubillo aponta como principal responsável por essa ausência o vendaval neoliberal que soprou a partir dos anos 90 e os modelos de gestão pública nele inspirados que afastaram o estado da coordenação dos projetos de mudança social (Cubillo, 2003). Pondera-se, entretanto, que em épocas anteriores a situação não era muito diferente. A falta de políticas de informação não é novidade, já que mesmo os discursos passados de democratização da informação ou de promoção da cidadania não eram sedimentados em bases claras e não encontravam eco suficiente nas instituições públicas. À exceção de iniciativas pontuais, as políticas de informação e de 30 DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS disseminação (se é que se pode concebê-las como políticas) tendiam (e tendem) a refletir as fronteiras fluidas de um marco teórico rarefeito. Tomando o caso das agências públicas de estatística, verifica-se que a situação é muito parecida. Não raras vezes, a disseminação é vista como uma conseqüência, um resultado natural da produção, mais ou menos como um apêndice ao capítulo crucial dos levantamentos e pesquisas que dão origem à informação. É como o final de uma maratona, no qual os atletas exauridos pelo esforço despendido nas etapas anteriores querem apenas chegar, sem importar com a precisão ou elegância das passadas. Prova disso, além da escassa literatura existente sobre o tema, é que os planos tabulares, a seleção dos recortes de informações a serem divulgadas, as formas de saída dos dados são quase que inteiramente pré-definidas, praticamente à revelia da recepção. Observa-se, ao mesmo tempo, que o debate sobre a disseminação é restrito, grande parte das vezes, às Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs. Sem desprezar sua importância, há uma tendência em circunscrever a disseminação ao problema da melhor escolha e combinação entre hardware, software, quando a questão é principalmente de conteúdo e de formas de instituição de elos com os públicos. Essa situação é, talvez, resultante do vazio criado pela falta de uma política sólida de informação que, preenchido apressadamente pelas TICs, passa a subordinar, a interesses empresariais, o esforço das ações governamentais de fornecer informações que possam ser transformadas em conhecimento. A tecnologia passa a pensar (e a limitar) a disseminação. Metafraseando a célebre frase sobre a guerra, cuja autoria é motivo de dúvidas, sendo atribuída ora a Talleyrand, ora a Clemenceau ou Lloyd George: “a disseminação é uma coisa muito importante para ser deixada nas mãos dos ‘informáticos’ ”. A expansão vertiginosa da Internet, a economia de custos e agilidade que ela permite aliadas ao crescente fascínio das novas tecnologias têm levado as instituições a investir maciçamente nessa mídia, deixando de resolver problemas a ela anteriores concernentes às condições reais para a transferência da informação. Como tantos aqueles que atualmente alimentam, como aqueles que formam o público cativo das informações conhecem e se utilizam da rede, cria-se entre esses atores a sensação do alcance universal da Internet. Em conseqüência, empalidece o prestígio de outras mídias, esquece-se de suas diferentes linguagens e apaga-se quase que definitivamente a discussão sobre o ponto nevrálgico da questão: a criação de condições para a apropriação da informação e sua transformação em conhecimento. A emergência das novas tecnologias, ao mesmo tempo de sua absorção muitas vezes desacompanhada de políticas de informação, insere também na esfera das discussões a questão da inclusão. Segundo levantamentos da International Telecommunication Union – ITU, 14,3 milhões de pessoas tinham acesso à Internet em 2002, no Brasil. No mesmo ano, os indivíduos de 10 anos e mais no país somavam 138,5 milhões, o que significa que 89,7% da população nessa faixa etária estavam à margem do caudal de informações contidas na web. Em face dos custos para se ter acesso à Internet, desde os preços dos equipamentos às elevadas tarifas da comunicação telefônica privatizada, não é arriscado estabelecer uma relação direta entre poder econômico e inclusão digital. Todavia, não é pertinente discutir a inclusão digital sem analisar, anteriormente, a inclusão social. Ainda que não se questione o significado de “incluir” (incluir em que, onde), há que se considerar que, se verifica hoje uma exclusão digital, a exclusão social lhe é anterior. Saber ler ou ter acesso à informação não significa necessariamente a possibilidade do conhecimento. Os números, portanto, devem ser interpretados como um potencial teórico. As afirmações sobre exclusão digital, para serem interpretadas em profundidade, deveriam também ser comparadas ao alcance das tiragens de publicações, por exemplo. A correlação de resultados poderia indicar uma situação mais próxima do real. No campo de ação da disseminação das informações estatísticas, pode-se dizer que, de certo modo, as agências disseminam para seus pares, de modo que seus atuais usuários estão no mesmo estamento social, têm voz, podem realizar uma interlocução com os responsáveis pela oferta da informação. Como quem não tem voz não reclama (ou mesmo que a tenha nem sempre possui os meios para fazê-lo), não é preciso muito esforço para identificar de onde advém a impressão de que o acesso às informações está universalizado, porque se entende que o “dever” foi cumprido. Na realidade, porém, o universo de usuários é dessa forma e não de outra, porque nem todas as pessoas estão preparadas para receber informação (ou pelo menos a informação que está sendo divulgada e a sua forma), como nem sempre as informações divulgadas são as que as pessoas desejam. Pode-se dizer, portanto, que as agências estatísticas nem sempre estão suficientemente atentas quanto ao universo de usuários potenciais. É aí que uma ação de formação de públicos, em sentido amplo e renovado como já se sugeriu, pode fazer sentido. 31 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 O grande problema da disseminação é a criação de condições para facilitar o fluxo de informações para propiciar o conhecimento. E ele reside na linguagem, ou mais especificamente, nas linguagens, que requer, antes de tudo, a existência de elos de significação entre produção e recepção. Não se pode confundir, porém, os meios com as mensagens. Ao par da crítica à circunscrição do problema da disseminação a seus aspectos tecnológicos e informáticos, também não se deve esquecer que os meios são distintos e devem ser utilizados considerando suas especificidades. Do mesmo modo, cada meio (ou suporte informacional) é caracterizado por linguagem própria. Assim como para cada tipo de usuário há uma linguagem e uma informação, cada meio é mais (ou menos) apropriado para diferentes tipos de informação. Nesse ângulo, verifica-se que, de modo geral, os sites das agências estatísticas nem sempre se utilizam, de forma devida a linguagem específica da Internet. A organização das páginas nos sites é, na maioria das vezes, excessivamente elaborada na perspectiva do produtor da informação, exigindo do usuário esforço para compreender sua lógica ou o conhecimento prévio do universo de informações normalmente produzidas. Há problemas relacionados à linguagem, seja porque a mesma informação é apresentada com diferentes denominações e não há mecanismos de compatibilização entre as linguagens, seja porque tais denominações são excessivamente marcadas pelo jargão técnico. Não é raro verificar que os usuários encontram dificuldades para localizar informações, pois na construção do site e das páginas não se considera se ele conhece ou não as principais pesquisas da instituição ou não se questiona se eles entendem a linguagem na qual as informações são veiculadas. Se ele desconhece, restalhe a tarefa de peregrinar pelo site na tentativa de adivinhar os princípios de arranjo utilizados pelo proprietário ou sua forma de expressão que, invariavelmente, deixam pouco espaço à participação de quem se aventura a navegar nele. Faz parte da formação do público a inclusão de estratégias incorporadas nas próprias páginas na web: metadados (definições, explicações sobre conceitos, formas de mensuração de eventos, fonte), seções para públicos especiais (por exemplo, crianças, jovens) ou mapeamento de informações ou sites relacionados. Eles constituem recursos importantes para viabilizar o acesso e promover a apropriação das informações. Observe-se, também, que uma mídia não substitui necessariamente outra. O uso do CD-ROM, embora não goze de uma possibilidade de aplicação em todos os segmentos da população, tem vantagens não desprezíveis, como a grande capacidade de armazenamento de informações, a incorporação dos recursos de som e imagem e o baixo custo da mídia e da gravação. Não se deve desprezar o significado, para os parcos recursos, que ele traz para a economia de pulsos telefônicos e de tempo de conexão a provedores de acesso. O CD-ROM é um suporte extremamente adequado para veiculação de grandes volumes de dados, séries históricas, informações institucionais. Essas características os tornam ideais também para utilização em locais que possuam equipamentos de informática compartilhados por vários usuários, como escolas, bibliotecas, associações e ONGs, por exemplo. Assim, mesmo baixas tiragens teriam potencial para alcançar um número significativo de pessoas, cuja capacidade de explorar as informações poderia ser aperfeiçoada por instruções incluídas no próprio CD-ROM. A promoção de palestras, cursos e seminários também é um meio a ser explorado pela disseminação. Além de seu papel de divulgação institucional e de apresentação das pesquisas desenvolvidas, esses recursos podem mobilizar públicos inicialmente não atendidos ou previstos. Essa ação terá maior sentido desde que sua concepção origine-se num intenso processo de negociação com os públicos-alvo: quais seus desejos, quais suas necessidades, que familiaridade possuem com as informações e com os meios, que utilidade elas poderiam ter para eles, que exemplos concretos poderiam fazer sentido para o universo de expectativas dos diferentes grupos? Percorrendo diferentes gradientes de profundidade e realizando experiências dialogadas, eventos, cursos ou outras formas sugeridas também pelos usuários poderiam ser uma forma de trabalho. Algumas questões relativas à produção poderiam surgir no decurso dessas experiências: que significado há no espectro de informações produzidas, qual seu limite representativo em face do que se observa extra-institucionalmente, que carências de coleta existem? Além disso, que observações, críticas e sugestões poderiam advir desse processo? Esse pode ser um investimento formador e ampliador do universo dos públicos da informação estatística. Em seu sentido renovado, portanto, uma política de informação deve utilizar vários meios, aproveitar as novas tecnologias, observar seus limites, as características de linguagem das distintas mídias e suas aplicações mais adequadas. Contudo, nem a Internet, nem os CD-ROMs, nem as publicações impressas, nem a promoção de eventos, cursos ou palestras realizam os fins de promoção do 32 DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS conhecimento se não estiverem coordenadas numa política de informação sólida. encontrar com mais facilidade as informações e tenha os elementos necessários para sua compreensão, mesmo não sendo iniciado nessas áreas de conhecimento. Na imprensa, são divulgadas regularmente as principais pesquisas da instituição e também estudos e projetos especiais. A cobertura atinge todas as mídias, com preponderância dos grandes jornais diários, revistas semanais, televisão e rádio. A divulgação é feita por press releases e entrevistas coletivas, procurando-se sempre garantir a isonomia no acesso à informação para todos os órgãos de imprensa, ou seja, não se fornecem informações exclusivas para este ou aquele meio de comunicação. O usuário pode dispor, ainda, de outras formas de acessar as informações da Fundação Seade: - atendimento presencial – na sede da instituição (Av. Cásper Líbero, 478 – São Paulo/SP), das 9 às 17 horas, de segunda a sexta-feira, é possível consultar todo o acervo de informações existente (Internet, biblioteca, produtos e bases de dados), seja oriundo de pesquisas próprias, seja produzido por outros órgãos afins. É possível, também, a assessoria de técnicos especializados na busca de informações. A consulta é totalmente gratuita, mas cópias reprográficas, impressões, gravação de arquivos em disquetes ou CD-ROM e publicações são pagas. DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES NA FUNDAÇÃO SEADE O modelo de disseminação de informações adotado pela Fundação Seade é bastante semelhante aos utilizados pelas principais agências públicas de estatística, nacionais e internacionais. A seguir, faz-se um breve relato da situação atual dessa atividade e das formas e condições para obter informações da instituição. Os meios utilizados pela Fundação Seade para a realização da tarefa de disseminar informações são as publicações, a Internet e a imprensa. No caso das primeiras, compreendem os resultados das pesquisas da instituição, dos registros administrativos e, mais raramente, de estudos especiais. Em virtude da política de contingenciamento de gastos a que estão submetidos os órgãos públicos em geral nos últimos anos, houve uma reorientação da política editorial nesse segmento. Além da diminuição da quantidade de publicações, houve uma migração do meio impresso para o eletrônico, ou seja, do papel para o CD-ROM e para a Internet. Em tempos de contenção, as despesas com a produção gráfica e papel tornam-se significativas, quando comparadas com a confecção de mesmo conteúdo em meio eletrônico. Assim, outra desvantagem adicional da mídia impressa é que elas precisam ser expedidas para que a informação chegue a seu destino, gerando novos custos, desta vez com as tarifas postais. Dessa forma, mas, evidentemente, também pelos motivos já apontados, a Internet foi conquistando preponderância e hoje é, de longe, o principal veículo de disseminação das informações da Fundação Seade. No site <www.seade.gov.br>, existe um grande número de informações organizadas em temas e produtos que respondem pela quase totalidade da produção da instituição. Entre as ausências mais significativas pode-se citar a Base de Óbitos por Causa e a revista São Paulo em Perspectiva. Uma lacuna adicional é a falta de sistemas que permitam extrair resultados dos microdados de pesquisas como a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Pesquisa de Condições de Vida – PCV e da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. No entanto, existe uma tentativa, ainda modesta, de construir linguagens que permitam o relacionamento entre as diversas bases da instituição com a inclusão de metadados, para que o usuário possa - atendimento telefônico – no mesmo horário e dias da semana, pelo Serviço de Orientação ao Usuário (SOU), no telefone (11) 3313-5777, no qual se obtêm referências sobre, onde e como estão disponíveis informações socioeconômicas, assistência técnica aos produtos da Fundação Seade, esclarecimento de dúvidas acerca de informações e produtos, encomenda de publicações e preparações de dados e ainda informações disponíveis na Internet. Ou se preferir, a comunicação poderá ser feita por fax (11) 3224-1700. - correio eletrônico – pelo endereço <[email protected]>, consegue-se os mesmos serviços prestados no atendimento telefônico. Todas as mensagens são respondidas em, no máximo, 24 horas. Por meio de qualquer uma dessas entradas, o usuário pode encomendar tabulações especiais, ou seja, construção de novos cruzamentos de informações e processamento de microdados em formatos por ele definidos, de acordo com suas necessidades. Após fazer a demanda, o usuário recebe orçamento e prazo de execução da tabulação. O trabalho começa a ser executado após a aprovação do interessado e o prazo é rigorosamente respeitado. 33 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 NOTAS A política de preços da Fundação Seade permite, até o momento, que o acesso à Internet seja inteiramente livre, como estratégia para incentivar o usuário a utilizar cada vez mais essa mídia. No caso das publicações, os preços procuram apenas cobrir os custos de produção e distribuição tanto para o impresso como para o eletrônico e nunca as despesas com as pesquisas e atividades que dão origem às informações nelas contidas. Pelo mesmo critério, nas tabulações especiais, o usuário paga somente o valor da mão-de-obra dos técnicos envolvidos em sua confecção. Os diferentes grupos de usuários têm status diversos no que se refere aos preços e acesso às informações da Fundação Seade: - órgãos do governo estadual – têm acesso livre aos dados disponíveis, mesmo os que envolvem tabulações especiais. As publicações podem ser doadas ou cobradas, dependendo da análise de cada caso pela diretoria. Entretanto, quando as informações solicitadas não existem e precisam ser obtidas por meio de pesquisas ou levantamentos que impliquem dispêndios expressivos, orçamentos específicos são apresentados e, se aceitos, ensejam tabulações especiais e/ou a celebração de contratos remunerados para sua produção. 1. Grifo nosso. 2. A moral religiosa (Deus) foi substituída pela moral laica (1700-1950, família, sociedade, pátria), que contemporaneamente o é pela moral individualista (o indivíduo como referência primeira). A moral laica, ao emancipar-se da religião, manteve a noção de dívida infinita, de dever absoluto. Entre a moral religiosa e a laica não aconteceu verdadeiramente senão uma transferência das obrigações: para com Deus, para com o homem e para com a coletividade ou, em outros termos, a moral moderna é a moral do de uma religião do dever laico. A lógica contemporânea é outra, e o processo de secularização da moral acaba por dissolver socialmente a sua forma religiosa, o dever. Liquidam-se os valores sacrificiais e o dever é substituído pelo bem-estar e pelos direitos subjetivos (Lipovetsky, 1994:15-16). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, A.A. A questão da informação. São Paulo em Perspectiva, v.8, n.4, out./dez. 1994. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1990. BUCKLAND, M. Information and information systems. New York; London: Praeger, 1991. CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. CUBILLO, J. Políticas públicas de información en América Latina: cuanto nos hemos renovado? DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, v.4, n.4, ago. 2003. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/ago03/art_03.htm>. Acesso em: 26 ago. 2003. LARA, M.L.G.; CAMARGO, J.C.C.; ROCHA, S.G. Informação estatística e cidadania. São Paulo em Perspectiva, v.16, n.3, jul./set. 2002. - imprensa – todos os dados são colocados à disposição da imprensa, desde que estejam disponíveis ou que sua obtenção não gere despesas significativas. As publicações são cedidas gratuitamente. LIPOVETSKY, G. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Tradução de Fátima Gaspar e Carlos Gaspar. Lisboa: Dom Quixote, 1994. - demais usuários – compreendem vasta gama de organizações e indivíduos como empresas privadas, consultores, ONGs, instituições de ensino, órgãos do governo federal e municipal, estudantes, sindicatos, associações de classe, etc. Para todos eles, publicações e tabulações especiais são cobradas. Contratos remunerados para obtenção de informações de maior fôlego também podem ser celebrados dentro desse grupo. Estudantes de mestrado e doutorado podem ter descontos de até 80% em microdados e tabulações especiais, para obter informações que serão aplicadas em suas teses ou trabalhos de conclusão de curso. Eventualmente, alguns desses usuários que não disponham de recursos podem receber doações de publicações, dependendo do julgamento do mérito de cada pedido pela diretoria. MAFFESOLLI, M. Aux creux des apparences. Paris: Poche, 1991. TEIXEIRA COELHO, J. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Fapesp; Iluminuras, 1997. ________ . O que é ação cultural. São Paulo: Brasiliense, 1989. WORLD Telecommunication Indicators Database. Geneva, ITU, 2003. Disponível em: <http://www.itu.int/itu-d/ict/statistics>. Acesso em: 19 ago. 2003. MARILDA LOPES GINEZ DE LARA: Professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Consultora da Fundação Seade ([email protected]). VIVALDO LUIZ CONTI: Economista, Diretor Adjunto de Produção de Dados da Fundação Seade ([email protected]). 34 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 35-44, 2003 O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA HAROLDO DA GAMA TORRES Resumo: A participação da Fundação Seade no Centro de Estudos da Metrópole – CEM estabeleceu o uso das ferramentas do Sistema de Informações Geográficas em projetos desenvolvidos de forma direta pela Fundação, ou em parceria com o CEM. Duas atividades destacam-se nesse processo: a consolidação de banco de dados e mapas digitais sobre a Metrópole e o desenvolvimento de novas metodologias de coleta e difusão de informações. Palavras-chave: sistema de informações geográficas; Região Metropolitana; análise espacial. Abstract: The participation of Fundação Seade in the Center for the Study of the Metropolis – CEM – established the use of the tools of Geographic Information System in projects developed directly by Seade, or in partnership with CEM. Two activities stand out in this process: the consolidation of the data bank and digitized maps of the metropolis and the development of new methodologies for gathering and disseminating this information. Key words: geographic information system; metropolitan region; spatial analysis. A partir de 2000, a Fundação Seade passou a integrar o Centro de Estudos da Metrópole – CEM, em conjunto com o Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU e a Escola de Comunicações e Artes – ECA da USP e o Sesc São Paulo. Trata-se de um projeto financiado pela Fapesp, inserido no programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão – Cepid, cujo objetivo é desenvolver atividades de pesquisa, transferência de conhecimento e difusão de informações a respeito da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Uma das novidades colocadas pelo CEM no tratamento de informações sobre a metrópole paulistana refere-se ao vínculo entre os resultados de pesquisas diretas (que envolve novas abordagens conceituais e metodológicas para as questões metropolitanas) e a consistência de dados secundários (tornando-se um centro de referência para a documentação e consolidação de informações e estudos sobre a RMSP). Os dados coletados e tratados são georreferenciados e difundidos por instrumentos como internet, seminários, palestras, workshops e publicações. A constituição e a disponibilização das bases de dados no formato de Sistema de Informações Geográficas – SIG são atribuições do Seade como parceiro no projeto CEM, e estão inseridas no componente Inovação e Transferência de Tecnologia, cujos objetivos são: - constituir um Sistema de Informações Georreferenciadas por meio da consolidação de dados espacializados para uso de planejadores urbanos e formuladores de políticas públicas; - sistematizar, consolidar e disseminar informações sobre diferentes experiências no campo da política urbana, tornando o Centro um multiplicador nessa área; - desenvolver aplicativos próprios para integrar dados de diversas origens; - treinar profissionais para o uso de dados georreferenciados na formulação e implementação de políticas públicas urbanas. Para tanto, a Fundação constituiu um grupo de trabalho que foi agregado à Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais – Digeo, que vincula-se à Gerência de Métodos Quantitativos – Gemec. Os trabalhos de geoprocessamento dos dois anos iniciais de estruturação do CEM centralizaram-se em três frentes: - montagem do SIG georreferenciando informações cadastrais de equipamentos públicos (de educação e saúde) 35 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 encanada, numa região com 5 milhões de domicílios? A solução para esse tipo de problema passa por um tratamento espacial das informações, porque somente mediante uma análise que leve em conta dados microlocalizados podem-se identificar as principais manchas de ocorrência do problema a ser enfrentado. A rigor, a utilização de sistemas de informações geográficas e de indicadores microlocalizados para políticas públicas tende a responder um problema básico: onde agir. De fato, para qualquer política pública, tal pergunta é bastante problemática numa área metropolitana com quase 20 milhões de habitantes, como a RMSP. Essa questão, de modo mais específico, remete a três aspectos principais: - a distribuição dos equipamentos públicos não é consistente com a distribuição da população demandante. Equipamentos podem estar localizados no centro da cidade, distantes dos locais de moradia da população mais pobre. Em outras palavras, entender a distribuição dos equipamentos vis-à-vis à lógica de uma demanda que varia espacialmente e ao longo do tempo é um desafio permanente do ponto de vista das políticas sociais, principalmente se o objetivo da política tem a ver com a democratização do acesso; e mortalidade, existentes na Fundação, e a vetorização e consolidação da malha cartográfica digital dos setores censitários para os 21 municípios mais populosos da RMSP, para os censos demográficos de 1991 e 2000 e para a contagem populacional de 1996; - a elaboração de projetos específicos a clientes e pesquisadores do CEM que envolveram a montagem de SIGs; e - desenvolvimento de treinamentos para usuários dos SIGs (pesquisadores do CEM e do Seade e clientes do Centro que demandaram projetos georreferenciados). A Fundação Seade habilitou-se a participar como parceiro do CEM no componente Inovação e Transferência de Tecnologia, porque já vinha desenvolvendo projetos que continham em seu escopo a elaboração e estruturação de sistemas de informações geográficas, cujo objetivo era suprir gestores públicos de um importante instrumento para a tomada de decisão. De fato, alguns exemplos podem ser dados, como o desenvolvimento de SIGs para a Diretoria de Planejamento da Sabesp e para a Central de Informações Educacionais da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Contudo, os maiores desafios e avanços do uso do SIG no Seade deram-se com sua participação no CEM.1 - o perfil da população varia ao longo da dimensão espacial, seja em estrutura etária e taxa de crescimento, seja em termos socioeconômicos. Em outras palavras, em função da grande dinâmica demográfica intra-urbana podem existir escolas em locais sem crianças e crianças em locais sem escolas, mesmo se a taxa de cobertura para todo o município se aproxima de 100%. Isso indica que, até quando existentes, equipamentos sociais têm de ser adaptados ao perfil da população local, suas características sociodemográficas; GEOPROCESSAMENTO VOLTADO PARA POLÍTICAS PÚBLICAS As experiências que os pesquisadores da Fundação Seade e do Cebrap acumularam nos estudos sobre a Região Metropolitana já apontavam para a necessidade de um tratamento de dados que ultrapassavam as tradicionais unidades administrativas, como municípios e distritos, pois alguns fenômenos só poderiam ser compreendidos quando se descesse à escala intradistrital. O fato é que a falta de informações nesse nível de detalhe tem dificultado a formulação de políticas, uma vez que as unidades espaciais tradicionalmente utilizadas para planejamento têm grande porte. Por exemplo, alguns distritos de São Paulo possuem até 400 mil habitantes, um porte comparável a um grande município como São José dos Campos, dificultando a identificação dos locais com maior nível de carência. Esse tipo de dificuldade é ainda maior naquelas situações em que é preciso identificar prioridades de investimento quando a cobertura de uma dada política – como a oferta de água, por exemplo – atinge níveis próximos a 100%. Como distinguir os 60 mil domicílios sem água - riscos sociais são cumulativos. Certas regiões agregam um conjunto significativo de problemas sociais, tais como baixos níveis de escolaridade, domicílios precários, baixa renda, exposição a riscos ambientais, etc. A identificação desses locais é crucial para as políticas sociais voltadas para os grupos sociais mais vulneráveis, tais como as políticas de transferência de renda. Isso indica também que o enfrentamento desse tipo de fenômeno requer políticas que ultrapassem o recorte setorial. De todo modo, para que tal tipo de análise seja possível, é necessário que as informações que alimentam os estudos sejam consistidas em escalas espaciais menores que os tradicionais municípios e distritos. Foi esse o de- 36 O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS safio a que se propôs o projeto do CEM para a RMSP: construir bases de informação na escala intramunicipal e intradistrital, a partir da localização georreferenciada dos eventos estudados; e também produzir os dados que servirão de denominador nos estudos na escala dos setores censitários, a qual permite uma aproximação da escala local. São unidades espaciais, no urbano, que correspondem a um conjunto de quadras, ou a quadras, ou a face de quadras, ou a um conjunto de edifícios em uma face de quadra, ou mesmo a um edifício e seus andares, dependendo de sua densidade demográfica. pode se utilizar do ferramental dessa análise. Grosso modo, a análise regional dá conta de apreender as grandes diferenças – particularidades na escala nacional e entre as nações. Ela seria um excelente “pano de fundo”, contudo não oferece a possibilidade do olhar para a tomada de decisões em escala local. Tal passagem do olhar regional para o local, um dos grandes desafios para os gestores públicos, conta hoje com a ajuda fundamental das ferramentas contidas nos Sistemas de Informação Geográfica, que permitem mapear os eventos estudados onde eles realmente ocorrem e cruzar suas informações com dados de outra natureza, podendo ajudar na compreensão de seu conteúdo e de sua distribuição. Foi sobre essa ordem de preocupações que o projeto CEM teve sua concepção estruturada, ou seja, avançar na escala de observação de como ocorrem os processos socioeconômicos, demográficos e culturais na RMSP, para além da totalidade metropolitana – um além para o interior, voltado para o local. O ESPAÇO COMO CATEGORIA A tradição das análises espaciais nas ciências sociais e na economia conduziu a análise espacial à esfera dos estudos regionais. Os desafios postos para a solução da questão do desenvolvimento econômico, de um lado, e os efeitos da divisão territorial do trabalho, de outro, pontuaram as discussões sobre a problemática da diversidade do desenvolvimento econômico expressa no espaço. A região pode ser lida como a materialização espacial, pela história, das relações econômicas dentro da esfera da divisão do trabalho, ou seja, as diversidades da organização socioeconômica das sociedades, sua matriz produtiva, as trocas, o mercado de trabalho (estrutura de emprego) e a urbanidade estão gravados no espaço e expressam a forma como o capital se organiza. Assim, a diversidade regional e a maneira como as regiões se organizam e se relacionam aparecem como uma manifestação material das desigualdades dos níveis do desenvolvimento econômico. Procurar decifrar quais as características da estruturação econômica das regiões passou a ser etapa fundamental para entender seu significado nas relações das trocas mercantis na matriz produtiva (regiões funcionais ou polarizadas – redes), bem como elucidar qual o melhor caminho para viabilizar a implantação de políticas econômicas na escala nacional. Uma outra concepção de região é aquela associada à divisão administrativa dos territórios pelo Estado. Fruto da organização política do Estado, essas unidades se impõem como realidades concretas, mais pela forma como as estatísticas oficiais são tratadas e disponibilizadas e menos pela “legitimidade” de suas fronteiras.2 O problema da análise regional é que ela somente consegue dar conta, ou servir de subsídio, de políticas quando a ação visa à intervenção na escala regional. Qualquer direcionamento para ações e recursos no objeto local não DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR ESPACIALIZADO A construção para um “olhar espacializado” impõe a necessidade de se pensar como interpretar a relação entre a distribuição da ocorrência de um determinado fenômeno, representado em uma determinada área (óbitos por homicídios em distritos da capital), com as várias dimensões da realidade naquele espaço (como a condição de instrução e renda dos chefes das famílias, e de qualidade dos domicílios). Quando essas informações estão agregadas na escala municipal, ou distrital (a forma tradicional de agregação das informações administrativas e censitárias), perde-se o poder de explicação, pois as correlações possíveis somente poderão se dar a partir dos valores médios dos dados para aquela unidade espacial. Como exemplo, vejamos a distribuição da taxa de homicídios nos distritos do Município de São Paulo, representado no Mapa 1. As maiores concentrações de óbitos por homicídios, segundo o local de moradia das vítimas, estão nos distritos do sul, no extremo leste da capital e na zona norte, onde evidenciam-se os distritos de Cachoeirinha e Brasilândia. Destacam-se ainda as altas taxas nos distritos da Sé e Brás, na região central da cidade. Tais “regiões” são aquelas que também apresentam os piores indicadores sociais (com exceção dos centrais), o que induziria à conclusão de que os homicídios estariam diretamente ligados a essas condições socioeconômicas. 37 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 cídios e a população em seu entorno, ou seja, é possível se reconstruir uma taxa de homicídios utilizando-se como denominador a população total residente nos setores censitários. O SIG permite agregações de informações de bases cartográficas em objetos geográficos distintos. É possível transpor as informações de população que estão agregadas em setores censitários (um objeto geográfico cuja natureza é uma área) e as informações dos locais de residência das vítimas de homicídios (cujo objeto geográfico é um ponto), para uma terceira unidade geográfica representada, por exemplo, por uma grade, cuja área, no caso do exemplo aqui tratado, é de 250.000 m2 (próxima de uma quadra). A partir daí pode-se criar uma taxa de homicídios para a grade e mapeá-la utilizando-se uma outra ferramenta do SIG, que permite a constituição de manchas construídas a partir de isolíneas (como curvas de nível) de taxas com mesmo valor. O resultado dessa técnica No caso, a correlação entre o evento óbito e a realidade renda, por exemplo, se dará a partir das médias distritais o que causa uma série de problemas. Um deles é admitir que o comportamento dos fenômenos analisados apresentase de modo uniforme em todo o território observado e que a correlação dos fenômenos é verdadeira para a totalidade da região. No caso do exemplo apresentado, o resultado da implementação de políticas que venham a tratar dos efeitos da violência obviamente priorizará os distritos cujas taxas são elevadas. Contudo, como trata-se de territórios com áreas extensas e os recursos públicos são sempre escassos, o problema que se coloca é onde, no interior de cada distrito, devem-se priorizar as ações? Nessa escala de trabalho as prioridades vêm sendo tratadas a partir de demandas locais, geralmente mediadas por pressões políticas. Não é errado o atendimento de reivindicações sociais, contudo existe um setor da sociedade que vive em tal grau de exclusão social, que não tem possibilidade de organização para expor suas necessidades, e geralmente se tem visto nas políticas públicas que as populações mais organizadas é que acabam sendo objeto de programas sociais. A questão da definição de critérios de priorização de investimentos públicos tem surgido como uma demanda do Estado, sobremaneira pelos avanços na democratização das tomadas de decisão e pelo aprimoramento das instâncias de participação popular. Nesse contexto, as informações, como tradicionalmente eram tratadas, não respondem mais às necessidades dos gestores públicos; afinal, observando novamente o Mapa 1, onde naqueles distritos violentos deve-se investir? Somente uma observação: a teoria regional de cunho crítico já alertava para o perigo de fetichização do espaço, com a idéia de que sua identidade se daria a partir de sua característica típica. Nesse mapa as regiões escuras são tipicamente violentas. A pergunta é: será que são realmente assim? Para responder a essa pergunta, as formas tradicionais de tratamento dos dados espaciais devem alterar-se, e o caminho dessa mudança passa pela fragmentação das unidades administrativas tradicionais (municípios e distritos) e pelo mapeamento dos eventos estudados, com a utilização das ferramentas do Sistema de Informações Geográficas. A partir das informações da localização dos eventos já é possível identificar a concentração da violência e assim melhor definir a que locais as ações que se desejam devem ser dirigidas. Esse estudo pode avançar e considerar a relação entre o local de residência das vítimas de homi- MAPA 1 Taxa de Homicídios, segundo Distritos Município de São Paulo – 1998/20001 Homicídios por mil habitantes Menos de 70,4 De 70,5 a 113,9 De 114,0 a 163,9 164,0 e mais Fonte: Fundação Seade (2001). (1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000. 38 O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS cartográfica está representado no Mapa 2. Pode-se constatar que as áreas mais críticas em relação à ocorrência de homicídios estão bem definidas, sendo possível observar na escala local onde elas ocorrem. Como a rigor os SIGs permitem uma ampliação dos mapas a escalas muito grandes, é possível apontar os locais mais críticos com suas quadras e logradouros. O Mapa 3 mostra um detalhe das áreas de maior violência do distrito de Cidade Ademar, onde é possível identificar a malha de logradouros. Para um gestor da área de segurança essa informação é de extrema importância, pois lhe permite uma ação localizada e pontual. Esse exemplo pode ser estendido para outras situações em que haja interesse de investigação de processo e fenômenos em pequenas escalas, como ocorrem nos projetos e pesquisas desenvolvidos pelo CEM. Segundo o que foi afirmado anteriormente, as ferramentas do SIG possibilitam o cruzamento de informações que se encontram em bases de dados distintas e que possuem unidades espaciais diferentes. Isso possibilita o estabelecimento de correlações espaciais entre esses eventos expressos nos mapas e, do ponto de vista espacial, indicar com mais critério as áreas de intervenção. O grande salto qualitativo no uso da sobreposição de cartografias digitais é a possibilidade de criação de um novo dado, que seria impossível de ser elaborado por simples cruzamento de tabelas, porque as unidades espaciais de agregação das informações são diferentes.3 Tal possibilidade de cruzamento espacial dos dados viabilizou a construção de uma série de indicadores extremamente sofisticados, como o Índice de Vulnerabilidade Social elaborado pelo CEM para a Secretaria de Assistência Social do Município de São Paulo.4 Contudo, mesmo não chegando a um nível mais sofisticado do uso estatístico das informações espaciais a partir de bases cartográficas distintas, a simples observação do mapa permite a tomada de algum nível de decisão. No Mapa 4, observa-se um exemplo de sobreposição de cartografias que permite uma focalização da ação. No caso está representada a mesma mancha de concentração de homicídio apresentada no Mapa 3, mas acrescida da informação dos setores censitários com maiores índices de vulnerabilidade daquela região. Supondo que a intenção do gestor público seja a implantação de ações sociais que venham mitigar os efeitos da violência e da vulnerabilidade social, ele poderá iniciar sua ação pelos locais onde ocorram a combinação desses eventos. No mínimo, essa informação poderia auxiliar uma investigação focalizada para que daí as decisões fossem tomadas. Como os sistemas de informação geográfica não se resumem à elaboração de cartografias, mas são, em sua essência, instrumentos que permitem a relação automática entre banco de dados e sua representação espacial, os produtos elaborados no SIG não se limitam aos mapas, mas a um sistema de informações em que os usuários têm plena possibilidade de manuseio. Dessa forma, a escolha das variáveis que serão representadas e os cruzamentos de dados desejados para a construção de indicadores poderão ser feitos livremente pelo usuário, o que permite a elaboração de vários exercícios para a confirmação de hipóteses, ou serve como insumo para a investigação desejada. É por esse motivo que uma importante atividade do CEM, sob a responsabilidade da Fundação Seade, é o treinamento no uso dos SIGs – o eixo condutor da transferência de tecnologia dos envolvidos nas pesquisas e projetos. MAPA 2 Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas Município de São Paulo – 1998/20001 Homicídios por mil habitantes Menos de 12 De 12 a 23 23 e mais Fonte: Fundação Seade (2001). (1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000. 39 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 MAPA 3 Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001 Cidade Ademar Av .C up ec Av .Y er va nt ê Homicídios por mil habitantes Ki ss aj ik De 23 a 37 De 37 a 50 50 e mais ia n Fonte: Fundação Seade (2001). (1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000. MAPA 4 Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas e Setores Censitários muito Vulneráveis Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001 Cidade Ademar Av .C Av .Y er up ec ê va nt Ki ss aj ik ia n Setores censitários Vulneráveis Mancha de homicídios Mais de 23 homicídios por mil Perímetro prioritário para implementação de políticas sociais Fonte: Fundação Seade (2001). (1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000. 40 O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS bilidade de manipulação de informações em microáreas permitem uma melhor escolha e posterior caracterização desse universo. Um dos possíveis métodos propiciados pelo uso do Sistema de Informações Geográficas é a aplicação de investigações indiretas, como uso, por exemplo, de telefones para realização da pesquisa. Como é viável mapear, por intermédio do georreferenciamento, os endereços dos telefones pesquisados e associar este mapa à base de dados coletados, é possível estabelecer quais deles serão amostrados (a partir de critérios de localização relacionados aos dados socioeconômicos dos setores censitários); observar se nos resultados obtidos ocorrem padrões espaciais na distribuição dos eventos; correlacionar esses resultados ao banco de dados dos setores censitários; e realizar tratamentos desses dados utilizando as ferramentas de estatísticas espaciais existentes no SIG. Apesar das restrições que essa metodologia impõe (como o acesso da população ao telefone), ela permite um barateamento da investigação, porque desobriga o trabalho de campo e por isso permite que se aumente a amostra da pesquisa tornando-a mais representativa. A Fundação Seade tem se utilizado dessa metodologia em algumas pesquisas e obtido bons resultados. Um outro exemplo do uso das ferramentas do SIG em surveys é a possibilidade de georreferenciar os procedimentos nas pesquisas diretas. No caso, o uso do SIG poderá facilitar a definição de quem vai ser pesquisado, melhorando a escolha da amostra, porque em vez de utilizar como unidade de pesquisa, por exemplo, os distritos, pode-se usar uma unidade menor constituída por um conjunto de setores censitários; clarear a abrangência territorial da pesquisa (evitando-se os erros comuns da generalização dos resultados encontrados para uma área em que ela não seria significativa); e observar, na análise dos resultados, onde seria possível encontrar padrões espaciais dos dados e investigar as correlações entre esses padrões e as informações socioeconômicas dos setores censitários. Existe, porém, um uso potencialmente rico da associação entre surveys e o georreferenciamento, que hoje já pode ser realizado na Fundação Seade sem qualquer alteração nas metodologias existentes: o da possibilidade de incorporação de novas informações aos dados coletados em pesquisas diretas. Por exemplo, a partir do endereçamento dos domicílios pesquisados é possível acrescentar informações da distância desses domicílios a qualquer outro ponto relevante que se queira considerar, como a equipamentos públicos, a locais de consumo, ou a pontos de Destaca-se, ainda, que esse conjunto de procedimentos somente é possível se existirem dados desagregados para a escala local associados às cartografias digitais. Por esse motivo, um dos grandes esforços da Fundação Seade e do CEM concentra-se na preparação dessas bases, tendo em vista que elas não se encontram disponíveis para o uso gratuito. Mesmo aquelas existentes em órgãos públicos, como o IBGE, e no mercado apresentam alguns problemas de ordem técnica que necessitam ser corrigidos para as bases serem utilizadas. Assim, dentre desses esforços hoje realizados pelo Seade no projeto CEM, destacam-se: - a vetorização da malha dos setores censitários da RMSP de 1996 e 2000 (os setores de 2000 foram corrigidos para sua consolidação em uma base única e o problema de projeção geográfica foi corrigido, o que implicou uma redigitalização das bases fornecidas pelo IBGE5); - a correção e redigitalização da malha dos setores censitários de 1991 da RMSP (a base fornecida pela Emplasa apresentava inconsistência dos atributos geográficos dos polígonos); - o endereçamento dos equipamentos públicos de saúde e educação na RMSP; - o endereçamento dos locais de residência dos óbitos, segundo a causa de morte no Município de São Paulo; - o endereçamento das empresas (do banco de dados da Rais), segundo sua natureza, na RMSP; - a vetorização para a escala metropolitana da base ambiental de suscetibilidade à erosão, escorregamento, assoreamento e inundação do Projeto Gaia do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Esse esforço tem continuidade com a digitalização dos setores censitários urbanos para o municípios com menos de 25 mil habitantes urbanos e para os setores censitários rurais da RMSP (bases não disponibilizadas pelo IBGE); e atualização da base de equipamentos públicos e dos óbitos. SURVEY E A ANÁLISE ESPACIAL Como apresentado anteriormente, uma das inovações do CEM, como Cepid, está no uso de metodologias inovadoras na aplicação e na análise de surveys. Além do conteúdo inovador das investigações sobre a metrópole, a proposta do uso das ferramentas de geoprocessamento, tanto na etapa de definição do universo pesquisado, quanto na de análise dos resultados, permite uma nova abordagem das informações. Isso porque a existência e a possi- 41 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 a Secretaria Estadual da Educação, no formato de um atlas, na escala de setores censitários, para 96 municípios do Estado. Cada município contou com um conjunto de 20 cartogramas (em papel e em meio digital no formato SIG), em que foram representadas informações de oferta, demanda e desempenho do sistema público de educação. ônibus. Ou ainda relacionar as informações coletadas na pesquisa com outros dados, como os censitários. Esse tipo de técnica permite, sem custos elevados, o enriquecimento das informações coletadas no campo, criando novas variáveis de difícil captação direta que podem auxiliar na explicação do comportamento desses dados coletados pessoalmente. Tais procedimentos, além de agregar vantagens e permitir a melhora nos resultados dos surveys, apresentamse como um instigante desafio que começa a ser vencido. - Projeto PAC – Programa de Atuação em Cortiços – constituição de um sistema de informações geográficas para o CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, com informações de uso do solo e dos dados dos cortiços levantados em pesquisas domiciliares, na escala dos lotes. Para tanto, formam digitalizados mais de 50 mil polígonos correspondentes aos lotes dos setores de atuação do programa. Foi construído um aplicativo de SIG livre por meio da plataforma TerraView,6 com as bases do PAC. PROJETOS COM INFORMAÇÕES ESPACIAIS A Fundação Seade já vinha desenvolvendo projetos cujo componente estruturador era a produção de sistemas de informações geográficas, que tinham como objetivo instrumentalizar gestores públicos de uma importante ferramenta para sua tomada de decisões. O amadurecimento desse tipo de demanda na Fundação propiciou a criação da Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais – Digeo e sua capacitação para participar do projeto CEM como responsável da área de Transferência de Tecnologia em SIG. Dentre esses projetos envolvendo o desenvolvimento de aplicativos em SIG, destacam-se: - Projeto Priorizando Investimentos em Saneamento – elaborado para a Diretoria de Planejamento da Sabesp, cujo objetivo foi a constituição de uma base de dados municipais georreferenciada, com a agregação das informações por grupos de dados (por meio de análises fatoriais) e a agregação de municípios por aglomerados (análise de cluster), segundo suas condições socioeconômicas, de saneamento, demográfica e de saúde. O produto final foi a constituição de um relatório e de um sistema de informações geográficas. - Projeto Fábrica de Cultura – elaboração de mapas digitais para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a definição de áreas prioritárias de implementação do programa Fábricas de Cultura, no Município de São Paulo. - Projeto União de Vila Nova/Vila Nair – constituição de um sistema de informações geográficas para o Projeto de Intervenção na Várzea do Rio Tietê, da CDHU, com informações do levantamento socioeconômico nos domicílios da favela. Para isso, mantém digitalizados mais de 5 mil polígonos correspondentes aos lotes, com a agregação do banco de dados da pesquisa. Foram elaborados 17 mapas temáticos com as informações mais relevantes desse banco. À semelhança com o PAC, foi construído um aplicativo de SIG livre por meio da plataforma TerraView, com as bases do projeto. A esses projetos desenvolvidos pela Fundação Seade, somam-se aqueles realizados diretamente pela equipe de geoprocessamento do CEM e que tiveram apoio da equipe da Digeo. Nesse caso, foram realizados mais oito projetos para as prefeituras de Guarulhos (Secretaria da Educação), Embu (Secretaria da Educação), prefeitura de São Paulo (Secretarias da Educação, Assistência Social, Habitação e de Governo) e Emurb – Empresa Municipal de Urbanização da Prefeitura do Município de São Paulo. O perfil desses projetos foi a constituição de bases georrefenciadas de informações administrativas, a digitalização de bases cartográficas (base de favelas do Município de São Paulo), o apoio ao Ressolo (da Sehab) na digitalização da base de loteamentos irregulares do Município de São Paulo e a elaboração de aplicativos de - Projeto Educação – constituição de uma base de dados municipais para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, com informações educacionais e demográficas. O produto final foi a constituição de um relatório e de um sistema de informações geográficas. - Entidades Sociais do Terceiro Setor – mapeamento digital das entidades do terceiro setor da zona leste do Município de São Paulo, para o Sebrae. - Entidades Culturais – mapeamento digital das entidades e instituições que desenvolvem atividades culturais na Região Metropolitana de São Paulo. - Projeto Atlas Educacional do Estado de São Paulo – constituição de sistema de informações geográficas para 42 O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS são atmosférica, a ocorrência mineral, o solo e até com a cobertura vegetal. Contudo, dificilmente essa lógica pode se reproduzir para fenômenos sociais, com exceção da área de saúde (o contato entre pessoas produz um efeito epidemiológico dos eventos), porque os processos socioeconômicos e culturais possuem uma espacialidade que independe da sua condição topológica (a influência dos vizinhos é menos importante na determinação do comportamento de seus atributos). O uso das estatísticas espaciais no tratamento de dados socioeconômicos, porém, servem mais para mitigar o efeito ecológico da rigidez da organização dos dados em unidades administrativas (conforme visto no Mapa 1) e menos para a imputação de dados, como ocorre para os fenômenos da natureza. Esse uso mais “simples” das estatísticas espaciais (como na análise de superfícies e de vizinhança) tem auxiliado sobremaneira nos tipos de representação dos eventos analisados. Um exemplo disso são os Mapas 2 e 3, nos quais foi aplicada a técnica de análise de superfície, que proporciona a visualização da hierarquização da ocorrência de eventos. Existe ainda um outro campo de desafios no uso das estatísticas espaciais que se refere à criação de indicadores em microáreas. Se as metodologias de construção de taxas estão consolidadas quando há um grande número de eventos e quando o denominador utilizado é aceito universalmente (uma população qualquer), elas não existem quando os dados são em menor volume (como ocorre na escala dos setores censitários). Alguns estudos já realizados na Fundação Seade mostram que o cálculo das taxas de homicídio por setores censitários tem resultados não muito satisfatórios, porque sua variabilidade é muito grande. Algumas alternativas estudadas indicam que a melhor solução é a agregação de setores, que pode-se dar de várias formas, dependendo do estudo feito. Isso indica, ao contrário do que ocorria anteriormente com o uso das ferramentas do SIG, que se pode ter várias taxas de homicídio, conforme o olhar que se lance sobre o tema. Mas o fato é que essas metodologias ainda devem ser aprimoradas, pois as aparentes soluções para o efeito ecológico do “grande número” (Souza, 2000) podem se transformar em um outro problema. SIG livre, por meio da plataforma TerraView, com as bases de dados dos projetos. DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS Duas ordens de desafios se colocam para os próximos anos de participação da Fundação Seade no desenvolvimento do CEM. O primeiro refere-se à constituição de bases de imagens orbitais de alta resolução para realização de análises urbanísticas e ambientais. Essa tarefa se dará com a participação da Fundação Seade no esforço que o Governo do Estado de São Paulo vem desenvolvendo para a constituição de um banco de dados único de imagens orbitais que hoje encontram-se dispersas por vários órgãos estaduais. A aplicação no CEM vincula-se ao seu uso como instrumento de análise espacial para a definição de ações locais e como suporte para o mapeamento de componentes ambientais relevantes para a tomada de decisões. Dois exemplos de aplicação da análise espacial por imagens podem ser dados. Um foi a experiência das equipes do Seade e do CEM no uso de imagens para a indicação de áreas prioritárias para a construção de escolas para a prefeitura de Guarulhos. Sobrepostas às informações socioeconômicas, foram plotadas imagens das áreas mais críticas com relação à necessidade de equipamentos de educação, que auxiliaram na busca de terrenos para a edificação das escolas e para o estudo da acessibilidade às áreas municipais onde elas poderiam ser construídas. O outro exemplo refere-se ao potencial uso das imagens para o estudo ambiental de locais com indicadores sociais críticos, ampliando o conceito de risco social para o de “riscos socioambientais”, como pode ser o caso das áreas de proteção ambiental e de mananciais, de inundações e escorregamentos, associadas a favelas e loteamentos irregulares.7 A segunda ordem de desafios refere-se ao desenvolvimento de aplicações das estatísticas espaciais para análises socioeconômicas. A lógica matemática dos algoritmos que tratam das estatísticas por atributos espaciais trabalha com o conceito de que a localização dos eventos no espaço explica seus atributos, e aqueles outros eventos que estão em seu entorno possuem características semelhantes à sua. A diferenciação dessas características dá-se pelo aumento da distância. Do ponto de vista geográfico essa lógica é clara, pois a altitude de um determinado objeto deve ser muito semelhante à de um vizinho próximo; o mesmo também deve acontecer com a temperatura, a pres- NOTAS 1. A Fundação Seade também participa como colaboradora no projeto Estudos do Trabalho; para mais informações consultar o site do CEM <www.centrodametropole.org.br>. 43 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 2. Existem inúmeros estudos que utilizam o conceito de divisão territorial do trabalho, mas ao discutir a diversidade regional do Brasil reiteram as unidades macrorregionais hoje existentes, sob a alegação de que os dados disponíveis somente existem para tais unidades (mesmo quando se voltam para unidades intraestaduais, o que prevalece são as Meso e Microrregiões homogêneas – um conceito de região oriundo da “Escola Francesa”, marcadamente fisiográfico). HARVEY, D. Modelos da evolução dos padrões espaciais na geografia humana. In: . Explanation in geography. London: Edward Arnold Ltda., 1969. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2000. Rio de Janeiro: 2000. LAVINAS, L.; CARLEIAL, L.; NABUCO, M. (Orgs.). Reestruturação do espaço urbano e regional no Brasil. São Paulo: Hucitec/ Anpur/Annablume, 1993. 3. Como ocorria quando se desejava, por exemplo, criar algum tipo de indicador de saúde, porque as unidades de saúde possuíam uma área que não correspondia à dos distritos censitários, ou seja, não era possível o estabelecimento de um denominador. LLOYD, P.; DICKEN, P. Location in space: a theoritical approach to economic geography. New York: Harper and Row Publishers Inc.; 1972. 4. Ver informações no site do CEM: <www.centrodametropole.org.br>. 5. O IBGE teve papel fundamental no processo de digitalização e correção das bases dos setores censitários de 1996 e 2000, pois possibilitou o acesso aos arquivos de mapas em papel dos setores de 1996 e forneceu a base digital da malha de setores censitários de 2000, assim como de seu banco de dados. SOUZA, G.C. As populações nos estudos e relatórios de impacto ambiental. Ou, da demografia dos grandes números à demografia dos pequenos números. In: XII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Anais... Caxambu, 2000. TORRES, H.G.; SOUZA, G.C. Primary education and residential segregation in the municipality of São Paulo – a study using geographic information systems. International Seminar on Segregation in the City, Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, MA, 2001. 6. Aplicativo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE <www.inpe.dpi.br>. 7. Os primeiros estudos avaliando a situação ambiental das porções mais pobres do Município de São Paulo já começaram, com o cruzamento dos dados da condição socioeconômica dos setores censitários, das favelas mapeadas pelo CEM e dos loteamentos irregulares digitalizados pelo Ressolo, com os dados do mapa de suscetibilidade do Projeto Gaia. TORRES, H. G. Social policies for the urban poor: the role of population information systems. Mexico city: UNFPA Country Support Team for Latin America and Caribbean. Working Papers Series, n.24, 2002. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA: Sociólogo e Geógrafo, chefe da Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais da Fundação Seade, Professor do Departamento de Geografia da PUC-SP ([email protected]). CHOLEY, R. Modelos integrados em geografia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1974. HAROLDO DA GAMA TORRES: Demógrafo, Coordenador do Núcleo de Geoprocessamento e Informações do Centro de Estudos da Metrópole, Consultor da Fundação Seade ([email protected]). FUNDAÇÃO SEADE. Sistema Estadual de Análise de Dados. Mapa dos óbitos no município de São Paulo, segundo as causas. Dados acumulados para os anos de 1998, 1999 e 2000. São Paulo: 2001. 44 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 45-54, 2003 ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS retratos de diferentes épocas OSVALDO GUIZZARDI FILHO ZILDA PEREIRA DA SILVA ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY Resumo: As estatísticas, como forma de tradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, e os anuários, enquanto instrumentos para sua disseminação, são hoje de utilização corriqueira, sendo que muitos desconhecem o longo caminho percorrido para que se chegasse até eles. Este artigo discute a relação entre estatística, informação e conhecimento e apresenta um breve histórico da produção das estatísticas e dos anuários, em particular, do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, desde sua criação, passando pelas transformações que sofreu, até seu formato atual. Palavras-chave: anuários estatísticos; informações estatísticas; disseminação. Abstract: Statistics, as a translation of phenomena under study, and almanacs, as instruments for their dissemination, are today widely used, although many are unaware of the long process involved in their preparation. This article discusses the relationship between statistics, information and knowledge, and presents a brief history of the production of statistics and almanacs, particularly the Statistical Almanac of the State of São Paulo, tracing it back from its beginnings, through its many transformation, and up to its current format. Key words: statistical almanacs; statistical information; dissemination. T odo pesquisador acostumado a utilizar informações estatísticas, certamente, tem como primeira referência para seus levantamentos uma publicação: os anuários estatísticos. Com informações sobre um tema ou um determinado espaço geográfico, eles são, sem dúvida, os meios de divulgação mais tradicionais das agências produtoras de estatísticas, apresentando coletâneas de dados em tabelas, gráficos e mapas que facilitam em muito o trabalho dos pesquisadores, principalmente daqueles que se iniciam na utilização dos números como representação do mundo. As estatísticas, como forma de tradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, e os anuários, enquanto instrumentos para sua disseminação, são hoje de utilização corriqueira, e muitos desconhecem o longo caminho percorrido para que se chegasse até eles. É tal caminho que este artigo pretende explorar, com um olhar especial para o Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. ESTATÍSTICA, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO A informação pode ser definida como o insumo fundamental do conhecimento. O homem, ao longo de sua vida, com base nas informações que recebe em seu dia-a-dia, apoiado na experiência das gerações que o precederam e que lhe é transmitida na convivência cotidiana com a família, a escola, o trabalho, constrói algo absolutamente seu, individual – o conhecimento –, que lhe permite agir e transformar, de alguma forma, as condições que o rodeiam. A informação, de acordo com Barreto (1994:3), “quando adequadamente assimilada, produz conhecimento, modifica o estoque mental de informações do indivíduo e traz benefícios ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento da sociedade em que ele vive. Assim, como agente mediador na produção do conhecimento, a informação qualifica-se, em forma e substância, como estruturas significantes 45 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 com a competência de gerar conhecimento para o indivíduo e seu grupo.” Depois da invenção da imprensa por Gutemberg, no século XV, e com o progresso técnico observado desde então, o registro e a circulação do conhecimento produzido sobre as mais diferentes áreas cresceram exponencialmente. Numa espécie de espiral que vai continuamente se ampliando, um número crescente de pessoas tem acesso a cada vez mais informações, o que resulta na criação de novo conhecimento: é o que Wersig (1993:231) chama de despersonalização do conhecimento, fruto do desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Nos tempos recentes, com as novas tecnologias de comunicação e informação, com a capacidade que possui o homem de acessar e processar um volume sempre crescente de informações, existem condições para que o conhecimento possa ser incrementado de forma cada vez mais acelerada. Esta expansão quase que ilimitada na oferta de informações, que chega a todos de maneira incessante pelos mais diferentes meios, coloca uma questão, já que a produção do conhecimento não está diretamente associada à quantidade de informação disponível. É preciso que se selecionem, neste manancial, aquelas informações verdadeiramente relevantes para o trabalho que se realiza. Conforme afirma Sfez (1996:6), “todos os pesquisadores sabem: a coleta de documentos não é senão uma etapa embrionária do trabalho de organização que se lhe segue. A organização, sim, pode dar acesso a um determinado conhecimento sobre o assunto”. Com todas estas transformações, a informação e o conhecimento que dela resulta passaram a ser recursos preciosos para o desenvolvimento de indivíduos, organizações e nações, demarcando suas possibilidades de inserção num mundo cada vez mais competitivo. A expressão “economia baseada no conhecimento” é bastante utilizada hoje para identificar aqueles que se aproveitam do desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia, resultados que dependem do valor e da qualidade de investimentos realizados em áreas estratégicas como educação e pesquisa e desenvolvimento. No processo de geração do conhecimento, as estatísticas são um tipo muito especial de informação, pois elaboradas em centros especializados, buscam representar, através de números, aspectos do mundo que se quer conhecer: a população por sexo e grau de instrução; o número de empresas; a produção e o pessoal ocupado em determinados setores da economia; os alunos matriculados por faixa etária num nível de ensino; a renda de uma determinada região; etc. Através destas representações, que traduzem em números realidades complexas, compostas por quantidades enormes de indivíduos,1 governos, empresas, cientistas sociais, sindicatos e organizações não-governamentais podem planejar e controlar suas atividades, ou conhecer aspectos determinados da vida em sociedade que são objeto de sua atenção. A produção destas sínteses só é possível, no entanto, se, em algum momento, for realizado um contato direto com os indivíduos que compõem os grupos que se quer estudar, sejam eles, por exemplo, a população, sejam empresas que atuam numa determinada atividade, operação esta que é realizada pelas organizações produtoras de estatística através de suas pesquisas e levantamentos. Produção de Estatísticas: Breve História O termo estatística tem sua origem no alemão Statistik e foi utilizado pela primeira vez pelo professor Gottfried Achenwall, em 1749 (Senra, 1998:10). De acordo com este autor, a estatística “era, a essa época, considerada como a ciência do Estado ou como a ciência que se referia ao Estado. Mais precisamente, referia-se aos acontecimentos tidos como memoráveis ao entendimento de um Estado, descrevendo-se seu território e sua população, compondo assim referências a amparar a ação de seus dirigentes. Inventariando os recursos e as forças de um Estado, oferecia-se em documentos como espelho do príncipe, tomando-se o príncipe como a própria encarnação do Estado. Semelhante aos trabalhos dos geógrafos e historiadores, nesses documentos os números não são predominantes, seja por não estarem sistematicamente disponíveis, seja também por não serem considerados essenciais a uma boa explanação, o que significa dizer que, ao tempo que chamaríamos de sua proto-história, as estatísticas não estavam necessariamente associadas aos números, sendo não raro descritivas e mesmo algo literárias”. Os números só passaram a ser identificados com a produção de estatísticas com o incremento do comércio e o papel cada vez mais ativo dos Estados no controle da produção e da circulação de mercadorias, que colocaram a necessidade de se dispor de informações para o controle dos processos econômicos e sociais associados à geração da riqueza. Aquelas que são consideradas as primeiras pesquisas estatísticas foram realizadas no século XVII, na Inglaterra, tomando como base os registros de nascimentos e mortes. O primeiro Departamento de Estatísticas Oficiais foi criado em 1695, também na Inglaterra, para contabilizar as quantidades e os valores das mercadorias 46 ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS comercializadas (Porcaro, 2000:70-71). Nestes primórdios e durante muito tempo ainda, a fonte primeira das estatísticas eram os chamados registros administrativos, mantidos por empresas, para o controle de seus negócios, e por governos, para monitorar a população ou a arrecadação de impostos. Até hoje, o registro civil constitui importante fonte para o acompanhamento do crescimento vegetativo da população, ou de suas causas de morte. A partir da segunda metade do século XIX, ocorreu a criação de uma série de organismos produtores de estatísticas, se bem que nem sempre suas existências tenham sido longas. No Brasil, ainda no Império, em 1871, foi instituída a Diretoria Geral de Estatística, antecessora da atual Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, criada em 1936 com o nome de Instituto Nacional de Estatística. Logo no ano seguinte, em 1872, realizou-se o primeiro censo demográfico brasileiro (Guizzardi Filho; Conti, 2001:45). No Estado de São Paulo, a Repartição de Estatística e Arquivo, predecessora da Fundação Seade, iniciou suas atividades em 1892. Em 1894, o diretor da Repartição apresentou ao secretário dos Negócios do Interior o Relatorio do Anno de 1893, considerado o primeiro Anuário Estatístico do Estado. Este trabalho trazia, entre outras informações, o movimento de entrada e saída de imigrantes, o número de nascimentos e óbitos, o movimento dos hospitais e casas de saúde, o movimento das bibliotecas e a população da capital por cor, sexo e estado civil. Sua introdução informa a apuração de “milhares de mappas da população da ex-provincia de S. Paulo, nos tempos coloniaes, desde meiado do seculo passado até a epoca da nossa independencia”, além da realização, em 1893, de um “recenseamento da população, casas e ruas da capital, que mostrasse com alguma exactidão não sómente o total dos seus habitantes, como também a sua densidade nos diversos bairros e freguesias”. Este recenseamento foi realizado em período de estado de sítio, declarado em razão de ter-se iniciado, em 6 de setembro de 1893, uma revolta de parte da marinha brasileira. Estão enunciadas nesta introdução duas das atribuições básicas de um organismo de estatísticas: a pesquisa e a organização da informação. No que diz respeito à produção da informação, os registros administrativos foram sendo substituídos pelas pesquisas primárias como principal fonte de dados das organizações nacionais de estatísticas. Estas pesquisas ganharam impulso acentuado com o desenvolvimento das técnicas de amostragem, permitindo a coleta de dados em menores períodos de tempo, com custos também inferiores. Estes avanços ocorreram principalmente depois da Se- gunda Guerra Mundial, quando o planejamento deixou de ser visto como técnica exclusiva dos países do bloco socialista, impondo-se, num primeiro momento, como necessidade para a reconstrução das economias atingidas por aquele conflito. Nos anos que se seguiram, a prática do planejamento disseminou-se, assim como a demanda por informações que o tornassem possível, o que criou as condições para a afirmação das organizações produtoras de estatísticas e a ampliação de seus quadros técnicos e do espectro de pesquisas a que se dedicavam. Ao longo deste caminho, foram criadas instituições de pesquisa especializadas em todos os processos associados à produção e à disseminação de informações, os quais pressupõem um trabalho permanente de organização. Estes processos desenvolvem-se, permanentemente, através da interação entre as organizações e os pesquisadores que se dedicam a esta produção, intercambiando informações e formando quadros com um tipo de conhecimento bastante específico, dificilmente encontrado em outros tipos de organização, o que é característico dos centros especializados em pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento. ORGANIZAÇÃO, PRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO A decisão sobre a produção de informações estatísticas não resulta de um processo linear, totalmente técnico. Ela é o efeito de interações, conflitos e interesses que se manifestam ao longo de uma cadeia de relações que envolvem todos os agentes associados direta ou indiretamente a esta produção, como os governos que a financiam, as instituições e pessoas que demandam os dados e os pesquisadores das mais diversas formações envolvidos nos levantamentos. Ela pode ter seu início quando um determinado agente desta cadeia de relações manifesta a necessidade do conhecimento de certos aspectos da vida econômica e social, ou quando a própria instituição se antecipa a esta demanda, ao perceber a emergência de alguns eventos cujas dimensões precisam ser mais bem conhecidas. Numa relação que se torna cada vez mais extremamente dinâmica, os centros de produção de estatísticas são instados a produzir informações sobre questões sempre novas, que vão resultando das transformações permanentes por que passa a sociedade. Decididas quais delas serão objeto de estudo, parte-se para a definição de uma série de procedimentos, como a demarcação da população que será objeto da pesquisa, o tipo de levantamento que será realizado – censitário ou amostral –, a definição 47 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 das categorias em que serão classificados os indivíduos pesquisados e a conceituação das características ou resultados que serão levantados. Hoje, já existe extensa bibliografia originada em centros de pesquisa de atuação internacional voltada para a disseminação destas classificações e conceitos, de modo que se disponha de estatísticas comparáveis no tempo e no espaço. Porém, sempre é necessário um trabalho de adequação destas classificações e conceitos às diferentes realidades locais. Um exemplo deste trabalho é aquele realizado pelo IBGE, através da Comissão Nacional de Classificação – Concla, para a produção da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, baseada na International Standard Industrial Classification of All Economic Activities – ISIC, 3a revisão, das Nações Unidas, que teve sua primeira versão divulgada no final de 1994. Este trabalho acabou por ter desdobramentos, com a criação da CNAE – Fiscal, que hoje já está sendo utilizada por uma série de órgãos das três esferas de governo para a identificação das instituições que constam de seus cadastros, unificação que abre perspectivas bastante promissoras para a produção de estatísticas a partir dos registros mantidos por estes órgãos. A clareza nestas definições é fundamental, sendo necessária sua disseminação entre as equipes que vão aplicar a pesquisa em campo, normalmente compostas por indivíduos das mais diferentes formações e experiências. Elas precisam ser compreensíveis também para os que vão responder aos levantamentos, sem o que será muito difícil a produção de resultados que possam ser agregados e comparados, bem como para os que vão utilizar as informações coletadas: os recortes feitos, as limitações dos dados em razão destes recortes e as mudanças por que eles passam ao longo do tempo precisam ser explicitados, para que os usuários não cheguem a conclusões equivocadas a partir das informações consultadas – efeito inverso ao que seria esperado delas, que é a produção de conhecimento. Recebidos estes resultados e verificada sua qualidade, tem início um processo que, para Latour (2000), corresponde à elaboração de inscrições sucessivas, que vão refinando os primeiros números coletados e extraindo deles as informações. A partir, por exemplo, da idade ou do nível de ensino informados pelas pessoas no censo demográfico, da receita e do pessoal ocupado das empresas que responderam uma pesquisa econômica, das doenças que levaram pacientes à internação e que são registradas nos hospitais, são delimitados conjuntos que, expressos em números, fornecerão as informações necessárias ao trabalho dos diferentes analistas. Afirmou-se, anteriormente, que os registros administrativos foram sendo abandonados como fonte de informações estatísticas, à medida que se desenvolveram as pesquisas primárias. Este abandono, no entanto, não foi total. Continua-se levantando apontamentos feitos pelos mais diferentes tipos de organizações, e que podem fornecer informações importantes sobre um número abrangente de áreas de estudo, tendo papel significativo para o conhecimento do que ocorre nos municípios, principalmente no que diz respeito à economia, já que, desde 1985, o IBGE não realiza mais os censos industriais, comerciais e de serviços. Estes registros são também importantes para a definição e o acompanhamento da realização de políticas públicas em áreas estratégicas como saúde, educação e saneamento básico. A geração de estatísticas a partir destes registros, que não foram elaborados originalmente com este fim, exige a implantação de uma série de procedimentos. O primeiro deles refere-se ao estabelecimento das relações institucionais que garantirão o fornecimento regular dos dados, o que exige a construção de uma relação de confiança entre as partes, garantindo a manutenção do fluxo de informações e de sua qualidade. Normalmente, nas verificações dos dados recebidos que as organizações produtoras de estatísticas realizam, constatam-se inconsistências que são reportadas às fontes, exigindo, muitas vezes, checagens das informações que não seriam necessárias caso seu uso se limitasse aos fins para os quais elas foram elaboradas. Estes processos, freqüentemente, ocorrem mais de uma vez, demandando a alocação de recursos humanos e materiais que, na maioria das vezes, são escassos e não foram previstos para a produção de informações estatísticas. Há que se tecer neste trabalho, necessariamente, relações institucionais em que se evidencie a importância das informações que dele resultam, e que vão servir a um número muito mais amplo de usuários do que os normalmente previstos quando se estabeleceu a necessidade da elaboração daqueles registros. Levantados os dados oriundos das pesquisas e dos registros administrativos, uma outra tarefa se impõe: sua organização em bases que possibilitem o processamento das inscrições de ordens sucessivas referidas anteriormente, e sua disseminação, objetivo que deve basear as ações de instituições que trabalham com a produção de informações e que vai muito além do tornar disponíveis os dados. Para que esta disseminação tenha sucesso, é preciso que se considerem as diferenças de grupos de origem, de formação e de conhecimento existentes entre os usuá- 48 ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS rios que utilizam as informações, o que vai requerer esforços para a definição de produtos diferenciados para o atendimento das demandas destes grupos. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação estabeleceu um novo patamar para a formulação destas demandas e para as possibilidades de respostas que a elas podem ser dadas. Dispõe-se agora de recursos e ferramentas para a disseminação, como a Internet e bases de dados em CDs, que colocam possibilidades quase ilimitadas de acesso e utilização das informações. Existem também instrumentos para seu armazenamento e processamento que fornecem aos usuários um grau de liberdade para o manuseio dos dados inimaginável até bem pouco tempo, o que contribui para que estes realizem exigências de informações também difíceis de se prever há alguns anos. Ao longo da história das instituições produtoras de estatística, os anuários são uma da formas que expressam sua organização para a geração, armazenamento e disseminação de informações. São também um retrato de diferentes épocas, com suas distintas maneiras de enxergar e categorizar o mundo, que são expressas pelas estatísticas. departamento foi extinto pela Lei no 185, de 13 de novembro de 1948, cujo artigo 42 autorizou o governo estadual a contratar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para a apuração dos dados estatísticos que interessassem ao Estado. Em 1953, quando o órgão estadual foi reinstalado, com o nome de Departamento de Estatística do Estado – denominação que se manteria até 1978, ano de criação da Fundação Seade –, editou-se o anuário de 1950. Em sua introdução, chamada de “Nota Prévia”, este anuário informa: “desconhecidos que ficaram desde 1946 os resultados dos levantamentos efetuados, devido à interrupção das atividades do nosso Departamento de 1948 a 1950, preocupou-nos agora a apresentação do maior repertório possível de informações relativas aos 369 municípios, por considerarmos que o balanço numérico dessas células deve ser focalizado com minuciosidades tais, que possibilitem as comparações da situação de cada uma delas em relação às demais” (Departamento de Estatística do Estado, 1950: vii). A publicação voltou a ser interrompida entre 1952 e 1954, sendo novamente impressa entre 1955 e 1963 e no período 1966-1973. A edição seguinte, de 1979, já foi produzida pela Fundação Seade. O primeiro Anuário Estatístico do Brasil, dividido em três volumes, teve sua publicação iniciada em 1916, com dados referentes ao período 1908-12. Foi elaborado pela Diretoria Geral de Estatística, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. A série foi suspensa de 1913 a 1935, retornando o anuário com informações para 1936, já sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística que, em janeiro de 1938, passou a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Para que se tenha uma idéia da importância que tinha o anuário como instrumento de divulgação das informações produzidas, logo na segunda página desta edição consta uma cópia do artigo 17, do Decreto no 24.609 de 6 de julho de 1934, que criou o instituto e que determinava: “Como obrigação essencial do Instituto e sob a responsabilidade direta da Diretoria de Estatística Geral e, solidariamente, da Junta Executiva, fica assentada, de modo expresso, a da publicação regular e uniforme da série dos anuários estatísticos do Brasil”. Embora hoje, com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, que potencializaram em muito as possibilidades de disseminação das informações, os anuários tenham perdido importância como ferramenta para este fim, eles continuam a ter relevância por uma OS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS Os anuários podem ser considerados o produto de disseminação mais tradicional das organizações produtoras de estatísticas, pensados para fornecer ao público uma seleção da ampla variedade de informações que elas, o tempo todo, coletam, processam e analisam. Segundo Senra (1997:1), existem referências sobre a edição de anuários estatísticos já nos séculos XVII e XVIII, quando as estatísticas ainda eram encaradas como segredos de Estado. Mas é a partir do século XIX, sob a égide do liberalismo e com a afirmação da ciência como instrumento privilegiado para o conhecimento do mundo, que a produção de estatísticas cresce significativamente, expansão acompanhada pela divulgação ampla dos dados em publicações cada vez mais parecidas com os atuais anuários. Já foi feita referência, neste artigo, ao relatório apresentado em 1894, pela Repartição de Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo, para o secretário dos Negócios do Interior, considerado o precursor dos anuários estatísticos paulistas. Aquela repartição os publicou até o ano de 1929, quando a série foi interrompida. O Anuário Estatístico do Estado de São Paulo voltou a ser impresso em 1940, sob a responsabilidade do Departamento Estadual de Estatística, criado em 1938, que os produziu até 1947, quando a publicação foi novamente suspensa: o 49 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 série de razões. Como já foi dito, eles sintetizam a produção das organizações de estatística, servindo como preciosa obra de referência para os pesquisadores, principalmente quando existe a preocupação dos que elaboram os anuários de orientar os leitores, indicando quais são as outras possibilidades de obtenção de informações de que eles podem dispor, e que não estão cobertas pelos anuários, em função de seus papéis de síntese de uma produção. Como afirma Senra (1997: 2), os anuários servem como um guia, um “catálogo não apenas do conjunto selecionado de informações estatísticas nele divulgadas, mas antes de todo o sistema estatístico que lhe é subjacente, conforme visto anteriormente. Para tanto será preciso que o anuário seja equilibradamente organizado, a um só tempo explicando a lógica de seu conteúdo, reportando-se ao seu todo maior, bem como explicando as razões das ausências praticadas, que se há de crer conscientes, antes que inconscientes”. Os anuários exercem também um papel importante como documentos reveladores das mudanças que ocorrem nas organizações de estatísticas ao longo do tempo, do ponto de vista da riqueza e da organização de sua produção e da preocupação em fornecer aos pesquisadores os elementos necessários para que eles se situem entre a enorme quantidade de dados divulgados, extraindo deles as informações de que necessitam. Exercem ainda um outro papel, talvez mais significativo que o anterior, ao fornecer pistas para o conhecimento das modificações por que passa a sociedade ao longo do tempo do ponto de vista de sua organização e de suas dinâmicas econômica e social, e das maneiras utilizadas para recortá-la, categorizá-la – para compreendê-la, enfim –, que são produtos destes diferentes momentos. No Annuario Estatistico de São Paulo de 1902, por exemplo, os eleitores são classificados de acordo com as seguintes profissões: agricultores, artistas, clérigos, comerciantes, empregados públicos, industriais, jornalistas, letrados, militares e operários. Observados os números referentes aos casamentos, fica-se sabendo que, aos cônjuges, poderiam ser associados dois estados civis anteriores ao enlace: solteiro ou viúvo. A produção era classificada em três grandes grupos: agrícola, extrativa e zootécnica, sendo que a agrícola era detalhada nos seguintes produtos: aguardente, algodão, arroz, açúcar, café, feijão, milho, tabaco e vinho. No porto de Santos carregavam e descarregavam mercadorias de dois tipos de embarcações: vapores e navios à vela. Já os municípios eram financiados por receitas como o imposto de indústrias e profissões, o imposto sobre café saído do município, as rendas do cemitério, do matadouro e do mercado. O ANUÁRIO ESTATÍSTICO A PARTIR DA CRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO SEADE Conforme colocado anteriormente, as transformações por que passam os anuários revelam as potencialidades e limitações dos sistemas estatísticos que estão sendo sintetizados. Isso está claramente refletido nas diversas fases da história do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, das quais destaca-se, a seguir, aquela ocorrida após a criação da Fundação Seade. Com sua edição interrompida em 1973, foi só a partir da criação da Fundação, em dezembro de 1978, que o Anuário Estatístico voltou a ser produzido de forma regular e ininterrupta até os dias de hoje. O Anuário 1979 teve o mérito de preencher a lacuna existente na divulgação das estatísticas relevantes sobre o Estado, com apresentação de séries históricas para recuperar informações do período em que ficou sem ser editado. Nessa edição, ampliaram-se de forma significativa os assuntos abordados até então, substituindo a organização por temas abrangentes do Anuário 1973 (situação econômica, social, cultural e administrativa e política) por um enfoque setorial. Os dados foram organizados em 20 capítulos temáticos: Brasil e Estado de São Paulo – Indicadores Comparados, Caracterização do Território, Contabilidade Social, Demografia, Saúde, Saneamento, Emprego, Educação, Cultos Religiosos, Justiça e Segurança, Agropecuária, Indústria, Construção Civil, Comércio e Serviços, Comércio Exterior, Mercado Financeiro, Transportes e Comunicações e Energia, Preços, Finanças Públicas e Renda. O leque de temas cobertos por um anuário reflete o conhecimento de determinada realidade, como já foi abordado anteriormente: ao longo do tempo, algumas áreas perdem relevância, enquanto novas surgem ou ganham outro significado. No Anuário de 1973, havia um capítulo intitulado Silvicultura, que deixou de ser publicado e que continha, entre outros, dados agrupados no tema Abate de Árvores, com números da produção de lenha, madeira e carvão. Parte desses dados foi incorporada, como seção, ao atual capítulo Agricultura, que abrange um conjunto mais amplo de áreas do setor primário da economia, como produção da terra, produção vegetal e produção animal. Por outro lado, na década de 90, foi incorporado o capítulo Meio Ambiente, abordando aspectos geográficos 50 ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS relevantes do ponto de vista da qualidade ambiental e da atuação da administração pública para disciplinar as diversas formas de intervenção no meio físico, com dados, por exemplo, de processos de Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Ao longo desses últimos 24 anos, a maior parte do conjunto de temas abordados no Anuário de São Paulo manteve-se constante. Foram introduzidos novos capítulos e informações e retirados dos outros poucos, o que, na maioria das vezes, deveu-se à falta de dados por perda de importância da temática, como cultos religiosos, ou à dificuldade de acesso às informações, decorrentes, por exemplo, da concessão ao setor privado dos serviços de transportes, energia e comunicações. No caso particular de energia e comunicações, isso se refletiu na ausência de informações municipais.2 Assim, o último Anuário Estatístico divulgado (2001) está organizado nos seguintes capítulos: Caracterização do Território; Demografia; Saúde; Saneamento; Meio Ambiente; Habitação; Educação; Cultura; Justiça e Segurança; Previdência; Emprego; Contas Nacionais/Regionais; Agricultura; Indústria; Comércio; Energia; Transportes; Sistema Financeiro; Comércio Exterior e Finanças Públicas. O primeiro Anuário publicado após a criação da Fundação Seade apresentava também um formato editorial muito diverso do que ele tem hoje. Foi a partir da edição de 1980 que começou a tomar corpo o formato atual, com a definição de um padrão editorial e gráfico que, na sua essência, perdura até agora. Nessa edição, foram incorporados textos introdutórios geral e específicos de cada capítulo, com apresentação sobre o conteúdo e a organização dos capítulos, além de alguns conceitos e notas metodológicas. A apresentação tabular foi redefinida, a partir da criação de um padrão baseado nas normas do IBGE, e o item Convenções e Critérios Utilizados foi ampliado, fornecendo informações mais claras para auxílio aos usuários. Nos anos 80, o Anuário ocupava a posição de publicação mais importante da Fundação Seade e era o principal meio de disseminação das informações sobre o Estado. Visando seu aperfeiçoamento, iniciou-se, em 1988, um processo de avaliação que seria retomado no começo dos anos 90, revertendo no aprimoramento das edições de 1991, 1992 e 1993. um novo projeto para o Anuário. Como resultado deste trabalho, produziu-se um exaustivo diagnóstico, que propôs diversas sugestões gerais e específicas para cada capítulo, que poderiam ser implementadas em curto e médio prazos, compreendendo: organização geral do Anuário; adoção da nova organização político-administrativa na apresentação dos dados; medidas orientadoras sobre concepção geral, estrutura e conteúdo dos capítulos; ampliação de conteúdos; coleta dos dados; etapas de produção; fortalecimento das relações institucionais com as fontes primárias; e ampliação das ações de divulgação do Anuário (Fundação Seade, 1988). No relatório sobre a Elaboração de Novo Projeto do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, em 1988, ressaltava-se também a importância de manter um grupo de trabalho interdisciplinar, para acompanhar a implantação de propostas, a reavaliação permanente da publicação e dar continuidade ao trabalho apresentado. Novas reformulações ocorreram na edição de 1991: foi realizada uma revisão ampla de conteúdo dos capítulos existentes – que resultou na agregação de indicadores e publicação de séries históricas –; incluíram-se novos capítulos (Contas Regionais, Comércio Exterior e Previdência Social, este último retomando a publicação de capítulo que integrou apenas o Anuário 1980); e alterou-se a forma de agregação dos dados para Regiões Administrativas e Regiões de Governo – até o Anuário anterior, na maior parte dos capítulos, as tabelas eram publicadas por RA e seus respectivos municípios-sede. Na edição de 1992 do Anuário, além da ampliação de conteúdo, com a incorporação de informações sobre a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED e a introdução de dois novos capítulos (Meio Ambiente e Sistema Financeiro) foram incluídas, em cada capítulo, notas metodológicas e definições de conceitos, com o objetivo de fornecer aos usuários informações sobre as potencialidades e as possíveis restrições dos dados divulgados, que demandassem conhecimentos especializados, ou quando ocorressem modificações metodológicas que pudessem influir na comparabilidade das séries históricas. No período 1993-94, foi criado um novo grupo de trabalho com a incumbência de avaliar e coordenar a elaboração do Anuário. Nessa época, estava sendo desenvolvida, na Fundação Seade, uma pesquisa sobre o Perfil do Usuário, em que o Anuário foi citado como o produto mais conhecido. A partir desta constatação, o GT Anuário demandou a realização de uma avaliação da publicação, para identificar o perfil do seu usuário e as expectativas com Avaliações Realizadas e seus Resultados Em 1988, foi criado um grupo que envolveu técnicos de diversas áreas da Fundação, com objetivo de elaborar 51 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 relação à publicação. A avaliação foi feita3 a partir de entrevistas em profundidade (pesquisa qualitativa), com técnicos envolvidos na elaboração da publicação e usuários dos setores público e privado, e por meio de questionários com perguntas fechadas (pesquisa quantitativa) aplicados no atendimento direto ao público e via encarte distribuído com o Anuário 1992. Vale destacar alguns resultados deste levantamento. Na caracterização das empresas onde atuam os usuários, observou-se que, apesar da diversidade, as áreas de atuação e responsabilidade dos setores ou projetos nos quais se encontravam os entrevistados variavam em torno de objetivos comuns. Notou-se predomínio das áreas de sistematização e análise de dados econômicos, seguidas por aquelas ligadas a projetos de planejamento urbano municipal e regional, além daquelas responsáveis por centros de informação, dados e referências bibliográficas. A maioria dos entrevistados conheceu a publicação no ambiente de trabalho, vinculando-a à atividade profissional e referindo-se à mesma como instrumento de trabalho. Eram antigos usuários do Anuário, e, assim demonstravam familiaridade e fidelidade ao produto. Em relação ao tipo de informações utilizadas, as mais citadas foram as dos capítulos de Demografia e Finanças Públicas, seguindo-se as de Saúde, Educação e Indústria e Emprego (Fundação Seade, 1994). A pesquisa forneceu subsídios importantes que, somados à avaliação feita pelo GT, resultaram em algumas inovações que foram implantadas no Anuário 1993, das quais destacam-se aquelas de natureza documental, com o objetivo de dar maior acessibilidade ao seu conteúdo, como o novo padrão editorial, a re-introdução de índice de assuntos e, a mais importante, a substituição dos textos introdutórios, com caráter de apresentação de conteúdo e de esclarecimentos metodológicos, por textos analíticos. As notas metodológicas também foram adensadas, apresentando maior detalhamento, e passaram a constituir um novo capítulo, agrupando todos os temas. Em particular, este primeiro teve sua composição feita em linotipo – o que significava montar as matrizes das tabelas, caracter por caracter – na gráfica da Fundação, processo que foi realizado externamente no período 1980-84. Em 1985, o Seade retomou a etapa de composição, usando tecnologia mais moderna – as máquinas Forma Composer. Em 1988, com a ampliação dos recursos da microinformática (equipamentos e softwares), passou-se a utilizar o software de editoração eletrônica Pagemaker na diagramação do Anuário 1987, o que agilizou a etapa de finalização da publicação, com a eliminação da diagramação feita à mão. 4 A introdução dos equipamentos de microinformática na Fundação teve impacto em todas as etapas de produção do Anuário 1987: o processo de elaboração foi inteiramente informatizado, desde o tratamento estatístico dispensado aos dados e variáveis primárias, passando pela substituição das tabelas e gráficos manuscritos, até a edição final do volume. Até 1986, a produção do Anuário, com elaboração manual das tabelas e composição mecânica, envolvia uma fase de conferências de sucessivas provas até obter-se a versão final, trabalho que demandava tempo e equipe consideráveis. Esse novo processo avançou em 1993, com a instalação da rede de informática, quando passou-se a produzir o Anuário integralmente em ambiente de rede, o que permitiu maior agilidade e qualidade no seu processo de elaboração. Nesse mesmo ano, visando fornecer uma nova forma de acesso aos dados, foi elaborada a primeira versão eletrônica (em DOS) para consulta interna dos usuários e, em 1995, foi produzida a primeira versão do Anuário (1994) em ambiente Windows, disponível ao público em geral. Seguindo a política de comunicação/disseminação adotada pela Fundação Seade, com a criação do seu site,5 inaugurou-se a fase do Anuário na Internet, em 1996, disponibilizando todas as edições a partir da de 1994. Até o Anuário de 1998, foram mantidas as versões impressas e na Internet. Porém, as edições de 1999 a 2001 foram disponibilizadas apenas na Internet. Com a multiplicação das linhas de trabalho da Fundação e a ampliação das formas de disseminação – especialmente a partir dos recursos introduzidos pela Internet –, de forma mais intensa na segunda metade da década de 90, o Anuário deixou de ser o principal meio de divulgação dos dados produzidos pela instituição. Isto resultou em restrição para implementar a proposta de constante avaliação desse produto, restringindo-se, na maioria das vezes, à avaliação dos meios de disseminação, o que, in- Diversas Versões Produzidas desde 1979 e a Situação Hoje: versão apenas na Internet O Anuário, como principal publicação da Fundação Seade nos anos 80, era o produto utilizado para introduzir as inovações tecnológicas do processo de produção. Desde o Anuário 1979, os trabalhos de diagramação, fotolito e impressão eram feitos na Fundação. 52 ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS clusive, suscitou algumas discussões sobre a pertinência da manutenção de uma edição impressa. O Anuário Estatístico do Estado de São Paulo é o produto mais tradicional da Fundação Seade. Sua elaboração sempre foi fruto de um grande esforço – característica presente na produção de todo e qualquer Anuário, dada a magnitude da tarefa – e hoje envolve cerca de 80 profissionais de diversas áreas produtoras de informações, de informática e de artes e editoração da instituição. O esforço referido é o de procurar sintetizar um sistema, enquanto um conjunto amplo e constantemente em expansão, de estatísticas entendidas como necessárias à compreensão das mais diversas dimensões de uma determinada realidade em um certo espaço físico. As estatísticas expressam conhecimento sobre a sociedade de determinada época, daí a importância do Anuário como documento, como registro concreto da história. Ele registra transformações de toda ordem no cotidiano dos paulistas, como, por exemplo, na forma de viver e adoecer – o Anuário registrou a erradicação da poliomielite, em 1989, e o primeiro caso de Aids no país, ocorrido no Estado, em 1980 –, bem como a inauguração de um novo meio de transporte, com o início da operação comercial do metrô, em 1974 (registrado no Anuário de 1979). Mesmo sendo instrumentos tradicionais, que ainda expressam uma forma de organização dos dados para a disseminação que pode ser considerada anacrônica, observados os recursos que as tecnologias de informação e comunicação propiciam atualmente – tabelas, organizadas de forma hierárquica por capítulos e seções –, os anuários ainda têm uma função importante a cumprir, em razão dos motivos expressos anteriormente. Torna-se necessário, no entanto, que eles sejam submetidos a processos permanentes de avaliação, no que diz respeito tanto aos seus conteúdos quanto à incorporação dos recursos propiciados pelas novas tecnologias, que estão o tempo todo passando por mudanças, e de outros que possam facilitar a navegação dos usuários pelo mar de dados que eles contêm, sem perder sua característica principal, que é, como já colocado anteriormente, a de servir como síntese da produção das organizações de estatística. Estes recursos tecnológicos fornecem as condições, inclusive, para que sejam elaboradas versões diferenciadas dos anuários, com conjuntos de dados e ferramentas para sua recuperação também diferenciados, indo da mais tradicional, que é a impressa, ao CD e à Internet, atendendo às demandas dos mais diferentes tipos de usuários. Estas duas últimas mí- dias não impõem as restrições que existem para a publicação impressa no que se refere ao volume de dados divulgados e ao seu manuseio, permitindo, por exemplo, a inclusão de bases de dados municipais – demanda antiga dos usuários –, cruzamento dos números divulgados para a construção de indicadores e produção de gráficos e mapas de forma interativa. Não se pode perder de vista, no entanto, aquele que deve ser o objetivo final dos anuários: fornecer um amplo panorama das informações levantadas pelas instituições produtoras de estatística, não cabendo a eles, em função de sua periodicidade, abarcar todos os resultados desta produção, que deve ir sendo colocada à disposição do público assim que é finalizada, com o aproveitamento de todos os meios para a disseminação que hoje estão disponíveis. Como alerta Senra (1997), essas possibilidades abertas pelas novas tecnologias “exige um intenso pensar e repensar da questão de conteúdo, estabelecendo com propriedade as aproximações e os afastamentos entre os anuários impresso e em meio magnético”. CONSIDERAÇÕES FINAIS As imensas possibilidades oferecidas pela informática e Internet na disseminação de dados e informações não tornam, por si só, inexorável a substituição do documento impresso pelo digital. Apesar dos reconhecidos ganhos na utilização das novas tecnologias – agilizam a disseminação, eliminam distâncias, permitindo acesso a indivíduos em diferentes localidades, facilitam o trabalho de pesquisadores –, não se deve restringir a publicação do Anuário ao formato eletrônico, sob o risco de promover exclusão ao desconsiderar que esse meio se limita à parcela da população que tem acesso a essas tecnologias. É necessário, portanto, reconhecer que o livro ainda é a forma mais acessível para um número maior de indivíduos, além de assegurar um registro físico, e não apenas virtual, das informações, garantindo sua preservação ao longo do tempo. Possibilitar a existência das duas formas “é almejar assegurar a indestrutibilidade do texto e de suas formas de difusão, tendo a certeza de que, enquanto objetos culturais, o impresso e o digital indiciam aspectos das sociedades que os produziram (e produzem) e em que circularam (ou circulam)” (Vidal, 2002). É reconhecida a necessidade de permanente avaliação do conteúdo e da forma dos anuários, para que eles possam expressar os movimentos no acervo de informações e de transformações da sociedade. Senra (1997) chama 53 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 FUNDAÇÃO SEADE. Projeto de Avaliação do ANUESP: Sumário Executivo. São Paulo, 1994. Mimeografado. atenção para a necessidade de se captar junto à sociedade, com maior detalhamento possível, a dimensão política – representação dos objetivos específicos – que se deseja imprimir a um determinado anuário, traduzida na seleção de variáveis que comporão o seu conteúdo. Feito isso, há que se estar atento às evoluções de demandas dessa sociedade, de modo que o anuário possa ser sempre útil, em outras palavras, estar sempre afinado com sua dimensão política. Como o anuário é uma obra de interesse de um público de amplo perfil, é de extrema utilidade o acompanhamento de como esse público, nos seus mais variados segmentos, recebe essa publicação, tarefa que deve ser assumida por um grupo de trabalho interdisciplinar, que avalie permanentemente o conteúdo do anuário e as demandas dos usuários, como na pesquisa realizada em 1993, o que traz benefícios não só para a sua produção, mas também para a definição de agenda de pesquisas que devem ser realizadas pela instituição. ________ . Relatório do Grupo de Trabalho Criado pelo Diretor Executivo para Elaboração de Novo Projeto do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. São Paulo, 1988. Mimeografado. GUIZZARDI FILHO, O.; CONTI, V.L. Produção e disseminação de informações socioeconômicas. Transinformação, Campinas, v.13, n.2, p.43-54, jul./dez. 2001. LATOUR, B. Ciência em ação – como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp, 2000. PORCARO, R.M. Produção de informação estatística oficial na (des)ordem social da modernidade. 2000. 186f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Rio de Janeiro, 2000. REPARTIÇÃO DA ESTATISTICA E ARCHIVO DE SÃO PAULO. Relatorio do anno de 1893. Rio de Janeiro, 1894. REPARTIÇÃO DE ESTATISTICA E DO ARCHIVO DE SÃO PAULO. Annuario estatistico de São Paulo (Brazil) 1902. São Paulo, 1905. 761 p. SÃO PAULO (Estado). Lei no 185, de 13 de novembro de 1948. Lex: coletânea de legislação estadual, São Paulo, v.12, p.333-375, 1948. SENRA, N.C. A coordenação da estatística nacional: o equilíbrio entre o desejável e o possível. 1998. 178p. Tese (Doutorado em Ciência da Informação). Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Rio de Janeiro, 1998. NOTAS 1. O termo “indivíduo” deve ser entendido aqui num sentido amplo, compreendendo não apenas pessoas, mas também coisas e instituições das mais diferentes naturezas, como empresas, escolas, sindicatos, famílias, etc. ________ . Um olhar sobre os anuários estatísticos. Ciência da formação, Brasília, v.26, n.1, 1997. 2. Ressalte-se o empenho da Secretaria de Energia do Estado de São Paulo para retomada da série de dados municipais sobre consumo e consumidores de energia elétrica. SFEZ, L. Informação, saber e comunicação. INFORMARE – Cad. Prog. Pós-Grad. Ci. Inf., Rio de Janeiro, v.2, n.1, p.5-13, jan./jun. 1996. 3. O projeto foi executado pelo Grupo de Aferição da Central de Dados e Referência (atual Gerência de Atendimento e Disseminação de Informações). VIDAL, D.G. O livro e a biblioteca, o documento e o arquivo na era digital. História da Educação, Pelotas, v.6, n.11, p.53-64, abr. 2002. 4. Depoimentos de Neuma Maria de B. Menegatti, Cristiane de Rosa Meira e Vania R. Fontanesi. WERSIG, G. Information science: the study of postmodern knowledge usage. Information Processing & Management, v.29, n.2, p.229239, 1993. 5. Lançado em 1994. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OSVALDO GUIZZARDI FILHO: Economista, Chefe da Divisão de Produção de Indicadores da Fundação Seade. BARRETO, A. de A. A questão da informação. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.8, n.4, p.3-8, out./dez. 1994. ZILDA PEREIRA DEPARTAMENTO DE ESTATÍSTICA DO ESTADO. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo: situação física, social e cultural 1950. São Paulo, v.I, 1953. 305 p. Seade. DA SILVA: Socióloga, Analista da Fundação Seade. ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY: Matemática, Analista da Fundação 54 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 55-66, 2003 ESTATÍSTICAS DA VIDA ESTATÍSTICAS DA VIDA BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA Resumo: A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísticas Vitais de São Paulo, com base na Pesquisa Mensal de Eventos Vitais. Essas informações são produzidas desde o final do século XIX e constituem um rico acervo de dados que permitem o monitoramento das variáveis demográficas e subsidiam as atividades de planejamento. Palavras-chave: estatísticas vitais; demografia; população. Abstract: Fundação Seade is responsible for the System of Vital Statistics of the State of São Paulo, based on the Monthly Survey of Vital Events. This information has been gathered since the end of the nineteenth century and contributes to a rich data archive that permits the monitoring of demographic variables, while helping to fund planning activities. Key words: vital statistics; demographics; population. C diretamente com questões decisivas do desenvolvimento econômico e da distribuição dos benefícios alcançados. Para atingir seus objetivos, a demografia serve-se de informações básicas sobre a sociedade que refletem o estado e o movimento da população. Podem-se distinguir quatro tipos de fontes de informações básicas: os censos populacionais, as estatísticas do registro civil, as pesquisas por amostra de domicílios e alguns registros administrativos relevantes. Os censos e as pesquisas amostrais proporcionam uma visão da estrutura e composição da população em um determinado momento e correspondem, portanto, às estatísticas do estado da população. As estatísticas do registro civil e, eventualmente, de outros registros administrativos informam sobre as mudanças que afetam a evolução da população e se caracterizam como estatísticas do movimento da população. Os principais eventos da vida – nascimentos, casamentos e óbitos – são registrados por uma determinação legal que dá alicerce à cidadania e define direitos e responsabilidades civis. A lei dos registros civis regulamenta também a coleta de informações para fins estatísticos, o que possibilita a elaboração de indicadores fundamentais para a omo a demografia pode auxiliar as atividades de planejamento? Uma contribuição tradicional relaciona-se com a análise e monitoramento das variáveis demográficas – fecundidade, nupcialidade, mortalidade e migração – responsáveis pelo crescimento e estrutura da população. Tais variáveis destacam-se tanto nas atividades específicas dos planejadores como no conhecimento da sociedade. Da mesma forma, o volume, o crescimento, a composição etária e a distribuição espacial da população são dados fundamentais para o planejamento, desde o primeiro diagnóstico até a avaliação final dos planos já executados. A análise demográfica e os estudos populacionais, além de enriquecer as análises dos planejadores, fornecem elementos e critérios para o balizamento do processo de planificação em seus diversos estágios. Por um lado, as informações demográficas apontam as necessidades atuais e futuras de uma população quanto à demanda por serviços de saúde, educação, mão-de-obra, segurança, habitação, entre outros setores da esfera social. Por outro lado, as análises demográficas específicas sobre as desigualdades sociais podem ser relacionadas 55 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 As projeções populacionais viabilizam os estudos prospectivos de demanda em diversos setores da sociedade e servem de denominador para a construção de índices e indicadores sociais. São fundamentais para o estudo de segmentos específicos da população relevantes para o planejamento, como: população idosa, população em idade escolar, população em idade ativa, população infantil, população feminina, etc. administração, o planejamento e a pesquisa científica. Essas características asseguram a fidedignidade das informações declaradas e a organização da coleta dos dados. As sociedades que tradicionalmente dispõem de bons sistemas de estatísticas vitais apóiam-se na combinação dos dados originários do censo e do registro civil para a construção dos principais indicadores demográficos, o que permite o conhecimento aprofundado das características da população nas diversas unidades geográficas de seu território. METODOLOGIA DE PRODUÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS PRODUÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS EM SÃO PAULO A produção das estatísticas vitais com base na coleta de dados, que é feita em cartórios de registro civil do Estado, originou-se em 1892 sob a responsabilidade da Seção Especial de Estatística Demógrafo-Sanitária da Secretaria do Interior. Em 1942, com a criação do Departamento Estadual de Estatística –DEE, as estatísticas vitais passaram a fazer parte da Diretoria de Estatísticas Demográficas e, em 1979, as atividades do DEE foram assimiladas pela Fundação Seade. A tradição do antigo DEE era realizar a pesquisa mensal nos cartórios de registro civil com base em dois tipos de instrumentos de coleta: mapas estatísticos com dados específicos dos registros legais e cópias das declarações de óbito. As causas básicas de morte eram, então, selecionadas nas declarações e associadas aos respectivos registros de óbito relacionados nos mapas estatísticos. A atribuição da causa de morte só era possível de ser realizada após a devida vinculação de cada declaração com o respectivo registro de óbito nos mapas estatísticos de coleta nos cartórios. Essa metodologia foi aperfeiçoada posteriormente pela Fundação Seade, que passou a aproveitar os recursos da microinformática para agilizar o processamento e a vinculação dos dois instrumentos de coleta de dados sobre óbitos e complementar a base de dados com todas as informações disponíveis nas duas fontes. As informações que eram comuns às duas fontes passaram a ser comparadas para análise das divergências e melhoria da qualidade. Uma metodologia semelhante passou a ser aplicada, posteriormente, às estatísticas de nascimentos, com a adoção da declaração de nascido vivo, enviada também à Fundação Seade pelos cartórios de registro civil. Assim, tradicionalmente, o Estado de São Paulo sempre processou de forma integrada as declarações de óbitos/ nascimentos e os registros civis de óbitos/nascimentos. A vinculação dos indivíduos presentes nas duas fontes permitia a unificação de todas as variáveis demográficas e epidemio- A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísticas Vitais de São Paulo, com base na Pesquisa Mensal de Eventos Vitais que coleta informações sobre casamentos, nascidos vivos, nascidos mortos, óbitos gerais, óbitos infantis e óbitos fetais em todos os Cartórios de Registro Civil do Estado. Em 2002 foram processados 1.058.912 eventos com diversas variáveis relacionadas, gerando um banco de estatísticas vitais com 32.419.930 informações. Essa base de dados cobre o universo dos eventos vitais ocorridos e registrados no Estado de São Paulo, contendo informações para todos os municípios paulistas e os distritos da capital. Cabe destacar que essas informações são produzidas desde o final do século XIX e constituem um rico acervo de dados disponível na Fundação Seade. As bases de dados disponíveis permitem a recuperação de séries históricas seculares dos eventos vitais. Um exemplo dessa disponibilidade é o trabalho “Ontem, Vila de São Vicente. Hoje, Estado de São Paulo – 500 Anos de Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demográficas Municipais” que apresenta a história de formação dos 645 municípios do Estado, com a série dos eventos vitais desde a data de criação de cada município paulista até o ano 2000. Divulgado em forma de CD-ROM, contém arquivos históricos que permitem a recuperação de séries estatísticas seculares (Gráfico 1). Com as informações do registro civil e as dos Censos Demográficos, são realizados estudos sobre a distribuição espacial da população; sobre as tendências: da mortalidade por idade, sexo e causas de morte; da fecundidade e seu impacto na estrutura etária e no processo de envelhecimento populacional; dos fluxos migratórios; projeções populacionais com diversos níveis de desagregação por áreas geográficas e faixas etárias, etc. 56 ESTATÍSTICAS DA VIDA GRÁFICO 1 Evolução das Estatísticas Vitais Estado e Município de São Paulo – 1900-2002 Estado de São Paulo Município de São Paulo Nascidos Vivos Casamentos 250 Em mil 900 Em mil 800 200 700 600 150 500 400 100 300 200 50 100 0 00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 Anos 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 8 9 6 7 4 5 2 1 3 0 0 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 Anos Óbitos Gerais 250 Em mil 60 Em mil Óbitos Menores de 1 Ano 50 200 40 150 30 100 20 50 0 10 Anos 0 Anos 00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 Fonte: Fundação Seade. "500 Anos de Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demográficas Municipais". recém-nascido e a idade ao morrer são de boa qualidade, mas, quando há divergências, os dados provenientes do registro civil geralmente contêm a informação correta. Isso acontece porque os registros são regulamentados por lei e as características declaradas dos indivíduos são utilizadas na elaboração de documentos básicos da cidadania, na transmissão de direitos, na comprovação de responsabilidades civis, etc. lógicas em uma única base de dados, aprimorada por uma rotina de verificação de consistência das variáveis baseada na comparação das informações comuns às duas fontes. A experiência de vinculação dessas duas fontes resultou, ao longo do tempo, no conhecimento detalhado das limitações e potencialidades das informações básicas e foi decisiva no aperfeiçoamento das estatísticas vitais de São Paulo. Assim, por exemplo, as informações sobre sexo do 57 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 nho depende muito do nível de treinamento e da estabilidade da equipe técnica que possibilita o acúmulo de experiência ao longo dos anos. Na Fundação Seade, essa experiência vem-se consolidando há mais de 25 anos e é objeto de rigoroso controle de qualidade e da avaliação crítica permanente por parte de uma equipe formada por estatísticos/demógrafos e médico sanitarista especializado em classificação de causas de morte. A plena utilização dos recursos da informática, em todas as etapas do processo de produção das estatísticas, possibilitou a automatização e a agilização de vários procedimentos de controle, codificação e processamento das informações, resultando em redução dos prazos e permitindo disponibilizar as estatísticas mensais dos municípios paulistas e dos distritos da capital, em cerca de 60 dias. Outro aspecto relevante no desenvolvimento dessas estatísticas deve-se à integração entre as atividades de produção e as atividades de análise. A utilização imediata dos dados produzidos com a finalidade de construir indicadores, a realização de análises de tendência das variáveis demográficas e o desenvolvimento de projetos diversificados de pesquisa, asseguraram um contínuo feedback em avaliação e crítica para o aperfeiçoamento dos dados. Nesse sentido, também foi decisivo o enfoque multisetorial que orienta a produção e análise das estatísticas vitais, atendendo, igualmente, as demandas do planejamento governamental e dos mais diversos setores da sociedade, envolvendo temas que se relacionam com saneamento, saúde, previdência, educação, segurança, transportes, etc. Um outro exemplo é o endereço de residência do indivíduo – endereço habitual do indivíduo que morreu ou da mãe do recém-nascido – que constitui uma informaçãochave para a classificação municipal e regional dos eventos vitais. É por meio dessa informação que os sistemas estatísticos conseguem definir a relação de pertinência de um evento vital a uma determinada área ou unidade administrativa e re-classificar todas as ocorrências observadas, em estatísticas, conforme o local habitual de residência. Esse procedimento é fundamental para a análise adequada dos fenômenos demográficos e epidemiológicos, evitando os efeitos das “invasões” e “evasões” dos eventos vitais – nascimentos e óbitos – que interferem na qualidade dos indicadores produzidos. Essas dificuldades existiam nas estatísticas elaboradas até meados do século XX. A era da informática contribuiu para superar, em parte, essa dificuldade. Permaneceu, todavia, o problema da “invasão disfarçada”, que decorre da declaração intencionalmente errada do endereço de residência habitual com a finalidade de justificar o acesso a unidades de saúde em cidades diferentes daquela da residência habitual. Várias razões estruturais, interesses ou conveniências pessoais, induzem a essa prática que resulta no preenchimento inadequado do endereço de residência, principalmente na declaração de nascimento. Os dados do registro civil são menos afetados por esse fenômeno e, freqüentemente, em caso de divergências nos endereços, o cartório exige, no momento do registro do nascimento, uma explicação por escrito. A vinculação das fontes na Fundação Seade permite identificar as divergências nos endereços, representando assim um fator de melhoria da classificação por local de residência. Essa tradição de integração sistêmica entre duas fontes de dados, demográfica e epidemiológica, é inédita no País e foi decisiva na evolução da qualidade das estatísticas vitais de São Paulo. Cabe destacar que as estatísticas são elaboradas para cada um dos 645 municípios do Estado e para cada um dos 96 distritos da Capital, por uma equipe especializada de codificadores que aplica a todos os municípios e distritos, os mesmos critérios de codificação e análise, garantindo assim o mesmo grau de qualidade e comparabilidade aos indicadores construídos para todas as unidades administrativas do Estado. A codificação das causas de morte, por exemplo, atividade crucial na produção de estatísticas de mortalidade, pode sofrer graves distorções causadas por erros de natureza subjetiva do técnico codificador. O bom desempe- APLICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS Um primeiro projeto de pesquisa, no final da década de 70, no âmbito do recém-criado Grupo Especial de Análise Demográfica e com o apoio da Fundação Ford, teve como objetivo o estudo da nupcialidade paulista, explorando detalhadamente as estatísticas de casamentos do registro civil. Também data dessa época a incorporação das bases de dados de mortalidade do Seade no sistema nacional coordenado pelo Ministério da Saúde. No final da década de 70, foram desenvolvidos esforços a fim de aperfeiçoar o sistema tradicional de classificação da causa básica de morte, com a implementação de um sistema de classificação de causas múltiplas, em parceria com o Centro Brasileiro de Classificação de Doenças em Língua Portuguesa da Organização Mundial da 58 ESTATÍSTICAS DA VIDA DIAGRAMA 1 Acervo das Estatísticas Vitais Evento Ano 1894 a 1929 Base Física Anuários e Boletins Abrangência Geográfica Estados Interior Tabelas Manuscritas - Casamentos 1930 a 1969 Idade Capital Sexo Municípios Causas de Morte Cor Micro-filmes - Nascidos Vivos Variáveis Naturalidade - Óbitos Ocupação - Óbitos Fetais 1970 a 1979 Micro-fichas Estado Grau de Instrução Interior Mun. Residência Capital (distritos) Mun. Ocorrência Reg. Admin. etc. Reg. Governo 1980 a 2003 Municípios Fonte: Fundação Seade. Saúde. Após vários testes de processamento, os dados de óbitos por causas múltiplas passaram a ser produzidos como rotina, a partir de 1983. Com apoio da Fundação Ford e da Associação Brasileira de Estudos Populacionais – Abep foi realizada uma pesquisa, no início da década de 80, que visava o estudo da mortalidade infantil, com base nas estatísticas vitais, e o teste de um modelo de declaração de nascimento em São Paulo. O resultado da pesquisa suscitou a criação de um grupo de trabalho na Secretaria de Estado da Saúde com especialistas da área e coordenado pelo Seade, com o objetivo de testar o modelo de forma mais ampla. Na década de 90, o Ministério da Saúde formou um grupo de trabalho, com participação do Seade, para introduzir o documento em todo o território nacional. Desse modo, a base de dados sobre nascidos vivos, produzida pelo Seade, passou a integrar o sistema nacional sobre informações de nascidos vivos coordenado pelo Ministério da Saúde, tal como já vinha ocorrendo com o banco de mortalidade. Ainda nos anos 80, o Ministério do Interior, dentro do Programa de Migrações Internas, firmou um convênio com a Fundação Seade, para um estudo mais aprofundado da dinâmica demográfica paulista dentro do projeto “Repercussões do Pró-Álcool na dinâmica migratória do Estado de São Paulo”. As estatísticas vitais foram decisivas na caracterização demográfica da Região Administrativa de Ribeirão Preto e no dimensionamento de forma indireta dos saldos migratórios nas décadas de 60 e 70. O conhecimento das características demográficas regionais permitiu o delineamento de uma pesquisa amostral adicional, que foi realizada em 1981, com a aplicação de questionários domiciliares em 17 municípios da região estudada, valendo-se de cadernetas dos recenseadores do Censo Demográfico de 1980. Os resultados do projeto trouxeram mais elementos para a compreensão do padrão regional de sazonalidade dos deslocamentos populacionais. A tradição de São Paulo na produção de estatísticas vitais e as grandes disparidades nacionais em qualidade dessas estatísticas motivaram o desenvolvimento de um projeto na Fundação Seade, com o apoio do International Development Research Centre – IDRC, do Canadá, com o objetivo de adaptar e aplicar o “método do filho prévio” para monitorar a mortalidade infantil, em três Estados do Nordeste do Brasil. Essa experiência de coleta e análise de dados sobre a mortalidade infantil com base em procedimentos metodológicos simples e de baixo cus- 59 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 do da Saúde, a Fundação Seade desenvolveu uma metodologia para estimar a população infantil que considera os dados do Sistema de Estatísticas Vitais, e subsidia, dessa forma, a organização das campanhas anuais de vacinação e a estimativa das respectivas coberturas, em cada município paulista. Também com a Secretaria de Estado da Saúde, em 1995/ 96 o Seade desenvolveu um projeto de acompanhamento contínuo da mortalidade infantil, mortalidade materna e características do recém-nascido. Mais recentemente, uma nova parceria com a Secretaria de Estado da Saúde teve por objetivo a avaliação da qualidade dos dados de nascimentos e óbitos, produzidos pelas administrações municipais de saúde para o controle das ocorrências municipais e a vigilância epidemiológica local. A comparação entre os arquivos de ocorrências elaborados nos municípios, por um lado, e a base de dados da Fundação Seade, por outro, permitem a identificação e análise da regularidade, cobertura e qualidade dos dados produzidos pelos municípios. Essa prática vem delineando um novo papel para o Seade no monitoramento da qualidade dos arquivos de dados municipais. No âmbito das estatísticas de causas de morte, a Secretaria da Segurança utiliza as informações municipais sobre mortes por afogamentos, queimaduras e outros acidentes com base na classificação dos óbitos por causas múltiplas, para subsidiar as atividades de planejamento do Comando do Corpo de Bombeiros. Nessa mesma linha de interesse, os dados de mortes por acidentes de transporte, em cada município paulista, são utilizados pelo Detran. Os dados sobre mortalidade por causas são informações utilizadas, também, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que estabeleceu um convênio com o Seade para a análise das informações sobre óbitos de profissionais médicos. A disseminação de indicadores demográficos e a elaboração de indicadores específicos constituiram-se, ao longo do tempo, em uma atividade crescente que contribuiu na elaboração do Plano Plurianual – PPA do Governo do Estado de São Paulo e na composição do Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, elaborado especialmente para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e no Índice de Vulnerabilidade Juvenil elaborado para a Secretaria da Cultura. O conhecimento adquirido com a exploração e análise de registros administrativos resultou no desenvolvimento de novos desafios metodológicos de relacionamento de bancos de dados distintos, por meio das técnicas de vin- to operacional representou uma alternativa valiosa e factível para as instituições públicas de regiões que não dispõem de boas estatísticas. A experiência acumulada com análises demográficas prospectivas e a elaboração de projeções populacionais regionais e para pequenas áreas, detalhadas por idade e sexo, estão relacionadas com a demanda crescente do planejamento. Os exemplos mais eloqüentes estão nas experiências com a área da educação, em projeções da população em idade escolar, nas parcerias firmadas com a Sabesp, a fim de caracterizar a demanda em saneamento, e na área da saúde para a estimativa da população-alvo das campanhas de vacinação. No primeiro exemplo, as projeções da demanda escolar foram detalhadas por nível de ensino e desagregadas por municípios. A evolução dos efetivos escolares nos diferentes níveis de ensino está associada à dinâmica demográfica, por um lado, e às taxas de escolarização, por outro. Em geral, nas idades que se caracterizam por uma taxa de escolarização próxima aos 100%, os efetivos escolares decorrem basicamente do fator demográfico. O processo de redução da fecundidade repercute diretamente no número de nascimentos e, portanto, na evolução das novas gerações escolares. Considerando que esse processo é regionalmente bastante diferenciado, a Secretaria de Estado da Educação solicitou ao Seade projeções da demanda escolar conforme distintos cenários demográficos e de escolarização. A Sabesp, tendo em vista a necessidade de um novo modelo de gestão descentralizado em unidades regionalizadas e de um planejamento baseado em informações adequadas, requisitou o Seade, em vários momentos, para desenvolver projeções demográficas que subsidiassem o dimensionamento da demanda por saneamento básico no Estado. Dessa forma, foram firmados convênios em 1988, em 1996 e em 2002 com o objetivo de viabilizar o estudo prospectivo da dinâmica demográfica paulista por meio da elaboração, para todos os municípios paulistas, da projeção da população residente e flutuante, de domicílios ocupados, vagos e de uso ocasional, de acordo com as condições de localização urbana e rural. O terceiro exemplo mencionado relaciona-se com campanhas na área da saúde pública. O público-alvo das campanhas nacionais de vacinação realizadas todos os anos é a população infantil, menor de cinco anos, pertencente às gerações de nascimentos ocorridos nos cinco anos anteriores que sobreviveram até a data das campanhas. Para responder a essa demanda específica da Secretaria de Esta- 60 ESTATÍSTICAS DA VIDA Visando o aperfeiçoamento da coleta de dados nos cartórios de registro civil do Estado de São Paulo, a Fundação Seade e o IBGE firmaram um convênio de cooperação técnica com o intuito de unificar a coleta dos dados nos cartórios, desonerando, assim, essas instituições informantes, e somando esforços para melhorar a qualidade das estatísticas do registro civil. A experiência vem demonstrando maior agilidade na coleta e na instalação de novas tecnologias de transmissão dos dados. Além disso, o trabalho conjunto das duas instituições resultou na integração de experiências que potencializam a capacidade de pesquisa e análise. Também nessa linha de preocupação, o convênio entre a Fundação Seade e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo – Arpen-SP favoreceu o intercâmbio entre as duas instituições com intuito da informatização e automação de vários processos na transmissão de dados e no balanço periódico do movimento de registros de cada cartório do Estado. Finalmente, cabe assinalar as consultas freqüentes das secretarias da administração municipal, de instituições privadas, das universidades, da mídia e do poder judiciário a respeito de casamentos, nascimentos e óbitos, encontrando nos bancos de dados do Seade uma fonte centralizada, ágil e completa sobre os registros da cidadania. Essa síntese demonstra, por um lado, a multiplicidade temática que envolve o uso das estatísticas vitais e, por outro, a demanda crescente de informações por instituições responsáveis direta ou indiretamente por atividades de planejamento no âmbito governamental. culação de registros que foram aplicadas em dois importantes projetos. No primeiro, a busca de uma alternativa para solucionar o problema da inexistência de uma fonte de dados mais completa sobre os casos fatais de acidentes do trabalho resultou em duas parcerias entre a Fundacentro e a Fundação Seade, com o apoio do Ministério do Trabalho, tendo como um dos objetivos a vinculação das informações das duas principais fontes de dados sobre esse tema: registros do INSS e registros de óbitos do Estado de São Paulo. Essa pesquisa resultou em avanços metodológicos importantes que permitem a análise mais aprofundada sobre saúde dos trabalhadores. O segundo projeto foi desenvolvido com o Centro de Vigilância Epidemiológica de Aids, da Secretaria de Estado da Saúde, com financiamento da Unesco, com o objetivo de melhorar o dimensionamento e a caracterização de todos os casos de Aids ocorridos no Estado. Procurando ampliar o universo de casos notificados da doença, foi realizada a recuperação histórica de todos os óbitos ocorridos nos municípios paulistas, por meio das informações constantes no Sistema de Estatísticas Vitais da Fundação Seade, e realizada a vinculação dos registros desse banco de óbitos com os registros do banco de dados de notificação dos casos de Aids elaborado no CRT-DST/Aids. Mais recentemente, foi firmado um contrato com o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – Ipesp, para o monitoramento demográfico dos pensionistas cadastrados nesse órgão por meio da vinculação dos registros das bases demográficas do Seade, com os registros das bases do Ipesp. Essa metodologia abre uma nova perspectiva de utilização das estatísticas do registro civil, produzidas no Seade, como subsídio para os processos administrativos relacionados com aposentadoria e pensão. As potencialidades dessas estatísticas também ficam evidentes com os novos desafios metodológicos introduzidos pela análise espacial e a possibilidade de georreferenciamento dos óbitos e nascimentos por logradouros. Esse tipo de abordagem torna possível a análise mais detalhada do espaço geográfico e permite o inter-relacionamento das variáveis pertencentes a diferentes bancos de dados. A participação da Fundação Seade no Projeto CEM – Centro de Estudos da Metrópole, com sede no Cebrap e apoio da Fapesp, vem possibilitando um acúmulo de experiência no campo do georreferenciamento das estatísticas vitais que se revela promissor na exploração futura dessas estatísticas. EVOLUÇÃO RECENTE DAS ESTATÍSTICAS VITAIS O ano de 2002 caracterizou-se por um pequeno recuo do número de nascimentos e de aumento dos totais de casamentos e de óbitos ocorridos no Estado de São Paulo. As informações enviadas mensalmente pelos 855 cartórios de registro civil do Estado durante o ano de 2002 permitiram contabilizar o nascimento de 631,8 mil crianças contra 646,0 mil ocorridos no ano de 2001. Da mesma forma, registraram-se 185,9 mil casamentos em 2002 e 185,0 mil em 2001. Além disso, os registros indicam que morreram 236,7 mil pessoas, contra 234,0 mil em 2001, entre os residentes no Estado de São Paulo compostos de cidadãos brasileiros naturais de São Paulo, cidadãos brasileiros não-naturais e estrangeiros. 61 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 A diferença entre o volume de nascimentos e óbitos, no valor de 395,0 mil, sugere o crescimento vegetativo da população paulista nesse ano, podendo-se considerar, adicionalmente, o saldo migratório anual, resultante do balanço entre as entradas e saídas de migrantes, para contabilizar a população residente no Estado de São Paulo. As migrações não são objeto de registro contínuo (salvo em alguns países europeus) como é o caso dos nascimentos, casamentos e óbitos mas podem ser analisadas com base nos recenseamentos ou estimadas indiretamente. A composição das mortes, conforme as características dos indivíduos, reflete a composição da população paulista e sua dinâmica intrínseca associada com os processos migratórios. Do total de mortos, 63% eram paulistas de nascimento, 31% eram naturais de outros Estados e 4% eram originários de outros países. Entre os naturais de outros Estados, 32% eram mineiros, 20% baianos, 12% pernambucanos e 7% paranaenses. Da mesma forma, entre os casamentos registrados também se observa a influência da migração na constatação da naturalidade dos cônjuges: em 59% dos casamentos ambos são paulistas, em 15% as mulheres são paulistas com homens não-paulistas e em 12% inverte-se a composição. Cerca de 14% dos casamentos registrados são de ambos os cônjuges não-naturais do Estado. Assim, em 86% dos casamentos legais ocorridos em São Paulo, pelo menos um dos cônjuges é paulista de nascimento. Esse último panorama se reflete, evidentemente, na composição dos nascimentos segundo a naturalidade dos pais ou seja: na maioria dos nascimentos ocorridos em 2002, o pai e/ ou a mãe são naturais de São Paulo. A população do Estado de São Paulo continua crescendo em um ritmo que acrescenta, a cada ano, cerca de meio milhão de habitantes, basicamente em conseqüência de seu crescimento natural, apesar da fecundidade baixa e próxima do nível de reposição das gerações. A dinâmica do crescimento da população paulista beneficia-se de uma distribuição por idade favorável que assegura um número relativamente elevado de nascimentos, apesar de os casais continuarem a diminuir sua descendência final. A evolução demográfica intrínseca do Estado nos últimos 20 anos está marcada por mudanças radicais: a fecundidade sofreu um acelerado movimento de queda. A mortalidade infanto-juvenil regrediu sensivelmente e a mortalidade adulta por causas externas aumentou rapidamente. GRÁFICO 2 Evolução do Número de Nascidos Vivos Estado de São Paulo – 1950-2002 Fonte: Fundação Seade; Sistema de Estatísticas Vitais. VIDAS EVITADAS O impacto da queda da fecundidade sobre a população paulista foi intenso o suficiente para reduzir progressivamente o ritmo anual de crescimento dos nascimentos e também diminuir seu número absoluto. O maior número de nascimentos já ocorrido no Estado de São Paulo aconteceu em 1982, com 771,8 mil nascidos vivos. A partir de 1983, os valores diminuíram ou oscilaram para mais e para menos sem recuperar a cifra de 1982. O maior registro desse período recente foi de 734,5 mil nascimentos em 1998. Uma questão que se coloca é a de qual teria sido o acréscimo populacional hoje se os nascimentos tivessem continuado a crescer, caso a taxa de fecundidade tivesse permanecido no mesmo patamar de 1982? A manutenção dessa taxa de fecundidade indica que o número de nascimentos teria alcançado em 2002 o volume de 1,13 milhão de nascidos vivos em vez de 631,8 mil (Gráfico 2) e a diferença acumulada desde 1982 indica que a população hoje seria superior em, aproximadamente, 5 milhões de habitantes. Caso a fecundidade não tivesse declinado, haveria uma população adicional jovem, com menos de 20 anos de idade, compondo um efetivo suficientemente grande para pres- 62 ESTATÍSTICAS DA VIDA sionar o sistema escolar por mais vagas, desde a pré-escola até o segundo ciclo e parte do terceiro, ou pressionando o mercado de trabalho por mais postos de trabalho. Na área da saúde significaria mais demanda por vacinas e por atenção materno-infantil nos postos, nas clínicas, etc. As repercussões seriam infindáveis caso fossem contabilizados todos os demais setores da sociedade. culados com os observados concluiu-se que 280,8 mil crianças foram poupadas da morte em conseqüência da queda rápida da mortalidade infantil nos últimos 20 anos. Relacionando-se esse resultado com o total anterior, verifica-se que do total de vidas poupadas em todas as faixas etárias, 62% corresponde a crianças menores de um ano que foram beneficiadas pelo declínio da mortalidade infantil. As tendências da mortalidade em todas as faixas etárias revelam um saldo de 293,6 mil vidas femininas e de 172,6 mil vidas masculinas poupadas. O número menor de vidas poupadas na população masculina está associado principalmente às perdas por causas de morte violentas e Aids, que aumentaram sensivelmente no período considerado, incidindo principalmente na população masculina, e representam grande desperdício de vidas por morte precoce. VIDAS POUPADAS O impacto da queda da mortalidade nos últimos 20 anos, sobre a população do Estado de São Paulo, pode ser avaliado pelo cálculo do número de vidas poupadas de 1983 a 2002 em conseqüência da redução dos riscos de morte. Se o nível da mortalidade de 1982 tivesse permanecido constante ao longo dos últimos 20 anos, o número de mortes teria superado o número de óbitos registrados no mesmo período. O resultado dessa simulação indicou que aproximadamente, 454,3 mil vidas foram poupadas de morte precoce em decorrência do declínio das taxas de mortalidade observado desde 1983 (Gráfico 3). Nesse mesmo período analisado, as taxas de mortalidade infantil apresentaram um grande recuo, caindo de um patamar de 47,9 óbitos de menores de um ano por mil crianças nascidas vivas em 1982 para 15,0 por mil em 2002. Assim, aplicando-se o mesmo método de simulação de manter constante a taxa de 1982 e comparar os óbitos cal- VIDAS DESPERDIÇADAS Se os últimos 20 anos foram caracterizados por progressos significativos nas condições de saúde, reduzindo a mortalidade por causas naturais e poupando vidas, também foram marcados por um aumento na mortalidade por causas externas (acidentes de trânsito, agressões, etc.), desperdiçando vidas no Estado de São Paulo. Essas mortes se concentram principalmente na faixa etária masculina dos adultos jovens. Somam-se, ainda, nessa faixa etária as mortes decorrentes da epidemia de Aids, que surgiu no mesmo período considerado. Observou-se que nas faixas etárias do intervalo de 15 a 44 anos da população masculina não há ganhos de vidas mas, pelo contrário, há perdas adicionais. No período analisado (1983 a 2002), o total de mortes por Aids, em todas as faixas etárias, no Estado de São Paulo, atingiu a cifra de 70,6 mil óbitos. O total de mortes por agressões foi de 206,7 mil; por acidentes de transportes de 139,7 mil e para o conjunto de todas as causas externas de 548,7 mil. Se o nível da mortalidade por causas externas de 1982 tivesse permanecido constante ao longo dos últimos 20 anos, as mortes anuais esperadas por essas causas teriam sido sistematicamente menores que as mortes observadas. O número de óbitos esperados nessa situação para o total de causas externas teria 110,6 mil mortes a menos do que o volume realmente observado. Isso indica que o número de vidas poupadas poderia ter sido maior, nessa ordem de grandeza, se o nível da mortalidade por essas causas não tivesse se deteriorado tanto. GRÁFICO 3 Óbitos Observados e Óbitos Esperados Estado de São Paulo – 1982-2002 Fonte: Fundação Seade. Sistema de Estatísticas Vitais. 63 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 COMENTÁRIOS FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Essas tendências analisadas dão uma idéia do processo de transição demográfica que vem ocorrendo em São Paulo, nos últimos 20 anos, pela ótica do movimento das estatísticas vitais. As quantidades apresentadas são significativas do impacto dessas transformações na sociedade paulista. Com base nessas variáveis, podem ser desenvolvidos diversos indicadores específicos que atendem a determinadas necessidades dos diversos setores de planejamento socioeconômico. O uso das estatísticas vitais no Seade vem-se renovando em função das novas e crescentes demandas, o que representa um constante desafio para a produção e análise dessas estatísticas. A grande diversidade de usuários, de diferentes setores e de temas envolvidos, implica cuidados especiais na produção de indicadores adequados e na interpretação dos resultados. A multisetorialidade da demanda é uma característica crescente que exige abordagens metodológicas mais complexas e sintonias mais finas de acordo com a finalidade desejada. O antigo paradigma da qualidade dos dados ressurgiu, com mais nitidez, diante dos desafios de regularidade, cobertura e coerência dos dados produzidos. O fato da produção estar organicamente integrada às atividades de análise assegurou a retroalimentação contínua de observações críticas e valiosas para o aperfeiçoamento das estatísticas vitais produzidas na Fundação Seade. A evolução da qualidade das estatísticas vitais no Estado de São Paulo está, também, associada à tradição de integrar informações demográficas (registro civil) e epidemiológicas (declarações de óbitos e nascimentos). Essa prática resultou em conhecimento acumulado e possibilitou o desenvolvimento de novas experiências de relacionamento entre bases de dados distintas, buscando a ampliação do universo pesquisado, o enriquecimento do conjunto de variáveis contempladas e a expansão do potencial de análise. Da mesma forma, a experiência de georreferenciamento das estatísticas vitais, segundo os logradouros, potencializa essas informações e amplia a capacidade de compreensão da dinâmica populacional. Diante da evolução das atividades de planejamento na área governamental, a implementação dessas metodologias de pesquisa abre novas perspectivas no âmbito da produção de informação e análise demográfica que subsidiam o planejamento. ALMEIDA, M.F. de O. Uso da declaração de nascido vivo na caracterização dos partos hospitalares. In: FUNDAÇÃO SEADE. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1995. p.107122. (Informe Demográfico, 29). ARANHA, V.J. Migração na metrópole paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, p.83-91, abr./jun. 1996. BERQUÓ, E.; GONÇALVES, M.A.I. A invasão de óbitos no município de São Paulo. Cadernos Cebrap, São Paulo, n.19, 1974. BERCOVICH, A.M.; MADEIRA, F.R.; TORRES, H. da G. Descontinuidade demográfica. Vinte anos no ano 2000: estudos sociodemográficos sobre a juventude paulista. São Paulo, Fundação Seade, 1998, p.2-12. BRITO, A.L. de S. A mortalidade infanto-juvenil no Estado de São Paulo, 1980/1994. Sua repartição segundo as Direções Regionais de Saúde. Projeto Sistema de Acompanhamento Contínuo da Mortalidade Infantil, Mortalidade Materna e Características do Recém-Nascido. São Paulo, Fundação Seade, 1996. (Relatório Análise Demográfica, 3). Mimeografado. CAMARGO, A.B.M. Estimativas dos saldos migratórios através das estatísticas vitais: uma aplicação para o Estado de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1985. p.187-225. (Informe Demográfico, 16). ________ . Os fenômenos da invasão e evasão de óbitos em São Paulo (1977-80): fatores determinantes e diferenciais regionais. São Paulo, Fundação Seade, 1984. 162p. (Informe Demográfico, 12). ________ . Mortalidade por causas externas no Estado de São Paulo e suas regiões. 2002. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo. CAMARGO, A.B.M.; CUNHA, J.M.P. da. Considerações preliminares sobre os fenômenos de invasão de óbitos em São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.163-184. (Informe Demográfico, 7). CAMARGO, A.B.M.; ORTIZ, L.P. A declaração de nascido vivo: instrumento de acompanhamento da saúde materno-infantil. In: FUNDAÇÃO SEADE. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. São Paulo, Seade, 1995. p.61-89. (Informe Demográfico, 29). FERREIRA, C.E. de C. A declaração de nascido vivo, uma fonte promissora. In: FUNDAÇÃO SEADE. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. São Paulo, 1995. p.1-4 (Informe Demográfico, 29). ________ . A definição dos fatos vitais e sua aplicação prática: a questão dos nascidos mortos. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.19-32. (Informe Demográfico, 8). ________ . Acidentes com motoristas no transporte rodoviário de produtos perigosos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.17, n.2, p.68-80, abr./jun. 2003. ________ . Projeções demográficas para São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, p.45-49, maio/ago. 1985. ________ . Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. 1990. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo. FERREIRA, C.E. de C.; CASTIÑEIRAS LESTIDO, L. O rápido aumento da mortalidade dos jovens adultos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, p.3441, abr./jun. 1996. 64 ESTATÍSTICAS DA VIDA FERREIRA, C.E. de C.; CENEVIVA, P.V.S. Mortes maternas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.2, n.1, p.1724, jan./abr. 1986. ORTIZ, L.P. Avaliação das estatísticas de óbitos de menores de 1 ano. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.33-68. (Informe Demográfico, 8). FERREIRA, C.E. de C.; ORTIZ, L.P. Proposta de implantação de uma “declaração de nascimento” uma pesquisa de campo na Grande São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.83-121. (Informe Demográfico, 7). ORTIZ, L.P.; CAMARGO, A.B.M. A construção de indicadores regionais de mortalidade e a questão da evasão dos óbitos. Conjuntura Demográfica, v.24/25, p.5-11, jul./dez. 1993. FERREIRA, C.E. de C.; WALDVOGEL, B.C. Os novos cenários da população paulista. Conjuntura Demográfica, v.26, p.1-14, jan./ mar.1994. PERILLO, S.R.; RODRIGUES, R. do N. Aplicações metodológicas para estimar a migração no Estado de São Paulo no período intercensitário 1970/80. São Paulo, Fundação Seade, 1985. p.1138. (Informe Demográfico, 16). FREITAS, R.M.V. de. Casamentos e uniões. Vinte anos no ano 2000: estudos sociodemográficos sobre a juventude paulista. São Paulo, Fundação Seade, 1998, p.126-135. ROCHA, S.G.; GODINHO, R.E. Estatísticas vitais: acesso às informações. Conjuntura Demográfica, v.10, p.1-6, jan./mar. 1990. RODRIGUEZ WONG, L. Tendência e perspectiva da fecundidade no Estado de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1986. p.47-171. (Informe Demográfico, 19). FUNDAÇÃO SEADE. Ontem, Vila de São Vicente. Hoje, Estado de São Paulo: 500 anos de divisão territorial e 100 anos de estatísticas demográficas municipais. São Paulo, Fundação Seade/Arpen, 2001. CD-ROM. SAAD, P.M. O problema das taxas demográficas dos distritos e subdistritos do Município de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1984. p.1-15. (Informe Demográfico, 13). ________ . Perspectivas de população para o Estado de São Paulo e suas regiões administrativas (1980-2000). São Paulo, 1985. 165p. (Informe Demográfico, 18). SAAD, P.M.; MAMERI, C.P.; MAIA, P.B. Vítimas potenciais da violência. In: Vinte anos no ano 2000: estudos sociodemográficos sobre a juventude paulista. São Paulo, Fundação Seade, 1998. p.58-73. GODINHO, R.E. A trajetória das estatísticas vitais nos anos 80 e seus reflexos no fim do milênio no Estado de São Paulo. 1999. Tese (Doutorado) – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo. SAAD, P.M.; WALDVOGEL, B.C. Considerações sobre a implantação no Estado de São Paulo do sistema automático de causas de morte. São Paulo, Fundação Seade, 1984. p.137-159. (Informe Demográfico, 13). GOLDANI, A.M. O potencial e o uso das estatísticas vitais de São Paulo: a experiência do Geade. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.57-81. (Informe Demográfico, 7). TEIXEIRA, M. La P.; FREITAS, R.M.V. de. Acidentes do trabalho rural no interior paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.17, n.2, p.81-90, abr./jun. 2003. GONZALEZ DE MORELL, M.G. A declaração de nascido vivo no Estado de São Paulo: alguns resultados. In: FUNDAÇÃO SEADE. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. São Paulo, 1995. p.15-59. (Informe Demográfico, 29). WALDVOGEL, B.C. O que muda na composição e no volume da população paulista até o final do século XX. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.3, n.3, p.7-14, jul./set. 1989. JORDANI, M.S.; CAMARGO, A.B.M. Nova forma de processamento das estatísticas vitais: informações mais rápidas e precisas. Conjuntura Demográfica, v.29, p.1-5, out./dez.1994. ________ . Mortes precoces de trabalhadores em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.7, n.2, p.124-132, abr./jun. 1993. JORGE, M.H.P. de M. et al. Avaliação do sistema de informação sobre nascidos vivos. In: FUNDAÇÃO SEADE. Nascer aqui: análise de uma nova fonte de dados sobre os nascimentos no Estado de São Paulo. São Paulo, Fundação Seade, 1995. p.5-13. (Informe Demográfico, 29). ________ . Parâmetros demográficos proporcionais: uma alternativa para aplicar o “Método dos Componentes” para projetar a população de áreas pequenas. São Paulo, Fundação Seade, 1989. p.127. (Informe Demográfico, 22). ________ . Projeção populacional para São Paulo: um método analítico como alternativa. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, p.110-115, abr./jun. 1996. LIMA, V.V. Uma análise das causas associadas à Aids no Estado de São Paulo. Conjuntura Demográfica, v.27/28, p.21-31, abr./set. 1994. ________ . Vidas roubadas no exercício do trabalho. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.3, p.126-136, jul./set. 1999. MADEIRA, F.R. Notas preliminares sobre a idade média ao casar no Estado de São Paulo, neste século: algumas contribuições à perspectiva histórico-estrutural. In: PRIMEIRO ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 1978, Campos do Jordão, Anais... Campos do Jordão, Abep, 1978. ________ . Acidentes do trabalho: os casos fatais. A questão da identificação e da mensuração. 1999. Tese (Doutorado) – Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo. MADEIRA, F.R.; OLIVEIRA, M.C. Democracia, população e políticas públicas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.3, n.3, jul./set.1989. WALDVOGEL, B.C.; CAPASSI, R. Cenários da população paulista dos anos 90 ao futuro. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.1/2, p.186-195, jan./jun. 1999. MADEIRA, F.R.; TORRES, H. da G. População e reestruturação produtiva. Novos elementos para projeções demográficas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. WALDVOGEL, B.C.; SAAD, P.M. Estudo da sazonalidade dos eventos vitais no Estado de São Paulo no período 1930-1980. São Paulo, Fundação Seade, 1982. p.123-161. (Informe Demográfico, 7). MAIA, P.B. Vinte anos de homicídios no Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.4, p.121-129, out./dez. 1999. WALDVOGEL, B.; RODRIGUEZ WONG, L. O comportamento do registro atrasado de nascimento (RAN) no Estado de São Paulo: uma tentativa de correção do sub-registro. São Paulo, Fundação Seade, 1984. p.53-135. (Informe Demográfico, 13). MAMERI, C.P. Óbitos por causas mal definidas. Conjuntura Demográfica, v.10, p.7-10, jan./mar.1990. WALDVOGEL, B.C.; MORAIS, L.C.C. O cenário promissor da evolução da mortalidade por Aids no Estado de São Paulo no final do século XX. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. CRT/ DST/AIDS/CVE. Boletim Epidemiológico ano XXI, n.1. ORTIZ, L.P. Características da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo. 1999. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo. 65 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 YAZAKI, L.M. Causas de morte e esperança de vida ao nascer no Estado de São Paulo e regiões, 1975-1983. São Paulo, Fundação Seade, 1990. (Coleção Realidade Paulista). BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL: Estatística e demógrafa, Gerente YAZAKI, L.M.; MORELL, M.G.G. de. Fecundidade é antecipada. Vinte anos no ano 2000. Estudos sociodemográficos sobre a juventude paulista. São Paulo: Fundação Seade, 1998, p.106-118. CARLOS EUGENIO de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade ([email protected]). DE CARVALHO FERREIRA: Demógrafo, Assessor Técnico da Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade ([email protected]). 66 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 67-79, 2003 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA LÚCIA MAYUMI YAZAKI RUTE EDUVIGES GODINHO SONIA REGINA PERILLO Resumo: Projeções populacionais para o Estado de São Paulo realizadas pela Fundação Seade, a partir dos estudos detalhados sobre os componentes da dinâmica demográfica: fecundidade, mortalidade e migração. A metodologia utilizada considera a interação desses três componentes e a formulação de hipóteses de comportamento futuro. Palavras-chave: projeção da população; componentes demográficos; crescimento populacional. Abstract: Projections of the population of the State of São Paulo were carried out by Fundação Seade, based on detailed studies of the components of the demographic dynamic: fertility, mortality, and migration. The methodology used considers the integration of these three components and the formulation of hypotheses of future behavior. Key words: population projection; demographic components; population growth. O conhecimento do tamanho e da composição da população, por idade e sexo, constitui instrumento fundamental para todas as esferas de planejamento, tanto na administração pública quanto privada. Com essa informação, é possível uma melhor previsão das demandas de necessidades básicas, como saúde, habitação, educação, previdência, emprego, transporte, entre outros. São informações decisivas no cálculo de indicadores, que auxiliam nas estratégias de tomadas de decisão e nos estudos de caráter científico. A construção de cenários demográficos futuros tornase relevante e primordial para a orientação de políticas públicas que necessitem quantificar o público-alvo conforme as características da população. Esses cenários representam simulações das tendências demográficas futuras baseadas na análise de tendências históricas, no diagnóstico das realidades regional e estadual, e na construção de hipóteses de comportamento futuro para os componentes do crescimento populacional. A Fundação Seade, órgão vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, tem como uma de suas funções fornecer, aos mais diferentes usuários, informações relativas ao movimento anual da po- pulação, como as estatísticas vitais do Registro Civil e as projeções de população. A elaboração e o aprimoramento de metodologias para projetar a população, com diversos níveis de desagregação por áreas geográficas e faixas etárias, representam uma das atividades mais importantes nos estudos de abordagem demográfica desenvolvidos na Fundação Seade. Seu procedimento metodológico, para projetar a população paulista, é o método dos componentes demográficos, que foi aplicado pela primeira vez ainda com os resultados do Censo Demográfico de 1970 e tem sido renovado com os sucessivos Censos de 1980 e 1991, e agora com o Censo de 2000. Procurando aumentar a precisão das projeções realizadas para áreas menores, como os municípios, em diferentes contextos de crescimento populacional, foram desenvolvidos, na Fundação Seade, procedimentos metodológicos para adaptar o método dos componentes demográficos no campo municipal (Waldvogel, 1989) e técnicas aprimoradas para projetar cada componente demográfico (Fundação Seade, 1999). O estudo demográfico para o total da população paulista, ora apresentado, foi desenvolvido no Projeto “Projeção 67 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 da População e dos Domicílios para os Municípios do Estado de São Paulo, até 2025”, realizado em parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp. Seu objetivo foi subsidiar essa companhia na aplicação de seus serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O intercâmbio entre a Sabesp e o Seade, iniciado em 1988 e renovado em 1997, foi novamente intensificado no projeto realizado em 2002/2003, consolidando a atuação conjunta das duas instituições governamentais. ples extrapolação de tendências passadas, o método perde seu caráter analítico e se equipara àqueles tradicionais. Sua principal vantagem reside na flexibilidade de estabelecer hipóteses baseadas em uma análise pormenorizada da dinâmica demográfica regional. O primeiro passo para a operacionalização desta metodologia, que projeta a população por idade e sexo, é obter as funções de fecundidade, mortalidade e migração requeridas neste modelo, referentes ao período base. Em seguida, formulam-se hipóteses de comportamento futuro para as tendências demográficas. O método consiste em projetar qüinqüenalmente a população por grupos etários, por meio da aplicação de probabilidades de sobrevivência, e acrescentar (ou subtrair) aos sobreviventes, assim calculados, a migração correspondente a cada grupo. Estas operações são realizadas dentro de cada coorte independentemente, em etapas qüinqüenais sucessivas, de tal forma que a população final da primeira etapa constitua a população inicial da segunda e, assim, sucessivamente, até se alcançar o período total desejado. A cada etapa da projeção surge uma nova coorte, formada pelos nascimentos do período considerado. O Estado de São Paulo, acompanhando uma tendência observada em todo o Brasil, está passando por rápidas transformações em sua dinâmica demográfica. A elaboração das hipóteses apresentadas a seguir, para cada componente demográfico, procurou considerar todos os elementos disponíveis até o presente, como os últimos recenseamentos populacionais realizados pelo IBGE (1980, 1991 e 2000), e os indicadores demográficos produzidos pelo acompanhamento contínuo de eventos vitais da pesquisa tradicionalmente realizada pela Fundação Seade. ASPECTOS METODOLÓGICOS A Fundação Seade realiza a Pesquisa Mensal de Estatísticas Vitais nos Cartórios de Registro Civil de todos os municípios do Estado de São Paulo, coletando informações minuciosas sobre o registro legal dos eventos vitais – nascimentos, casamentos e óbitos –, que possibilitam o acompanhamento contínuo da dinâmica demográfica para o total do Estado de São Paulo, bem como de forma desagregada por regiões, municípios e distritos da capital. Estes dados, combinados com as informações dos recenseamentos populacionais realizados pelo IBGE, possibilitam o cálculo de uma série de indicadores demográficos que definem o perfil da população e suas principais características. Entre eles pode-se destacar as taxas de mortalidade infantil e mortalidade por causas, as estimativas de esperanças de vida ao nascer, as taxas de fecundidade total e por idade, os saldos migratórios e respectivas taxas de migração, por exemplo. Esse conjunto detalhado de informações habilita a Fundação Seade a aplicar uma metodologia de projeção que, conceitualmente, soma uma série de vantagens em relação a outros métodos de extrapolação matemática. Tratase do método dos componentes demográficos, processo analítico que destaca o papel da fecundidade, da mortalidade e da migração no crescimento populacional, permitindo a construção de hipóteses de projeção mais seguras e mais eficazes para a área-alvo a ser projetada. Essa metodologia permite, também, certo controle sobre o resultado final, em que os efeitos e as conseqüências na composição e no volume da população podem ser explicados demograficamente, mediante hipóteses formuladas para o comportamento futuro dos componentes populacionais. O método de projeção de população pelos componentes demográficos, por si só, não representa grande vantagem sobre os métodos tradicionais de extrapolação matemática. Se a formulação das hipóteses sobre o comportamento futuro das variáveis demográficas se limitar a uma sim- TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DA MIGRAÇÃO As últimas décadas foram marcadas por transformações socioeconômicas e políticas profundas, tanto em âmbito mundial como nacional. Essas mudanças tiveram desdobramentos importantes, alterando os padrões da redistribuição espacial da população, nos anos recentes. Segundo alguns especialistas da área econômica, até os anos 70, a dinâmica e a localização das atividades industriais pautavam, em grande medida, os possíveis caminhos da população no Estado de São Paulo (Cano, 1994; Caiado, 1996; Pacheco, 1998). Na década de 80, o poder de atração exercido pela indústria paulista diminuiu consideravelmente, repercutin- 68 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO do de forma pronunciada no mercado de trabalho e nos movimentos populacionais. A recessão, que abalou o país, atingiu predominantemente a atividade industrial, provocando queda generalizada nos níveis de atividades, de emprego e de renda. Tendo em vista que grande parte da economia industrial do país concentrava-se na Região Sudeste, sobretudo no Estado de São Paulo, os efeitos dessa crise econômica incidiram fortemente no território paulista (Cano, 1994; Unicamp/Nepo, 1997). Nos anos 90, novos fatores passaram a interferir na dinâmica econômica e migratória estadual. Com a abertura comercial e financeira e a conseqüente internacionalização da economia, a política econômica vigente induziu a processos de reestruturação da base produtiva. Os principais setores que compunham o parque industrial buscaram novos mercados e incrementaram a produtividade com estratégias de competitividade. Esse movimento provocou não apenas a “liberalização econômica” como também foi responsável pela quebra de empresas, transferências patrimoniais, mudanças nos padrões tecnológicos, alteração dos métodos e modelos de gestão e eliminação de empregos, entre outros (Negri e Pacheco, 1993; Negri, 1996). Neste período, em continuidade com a década anterior, mesmo em menores proporções, verificou-se um processo de interiorização econômica e populacional do Estado. Segundo Araújo (1992), esse processo ocorreu em um espaço concentrado num raio de aproximadamente 150 km a partir do centro da metrópole, abrangendo as regiões de Campinas, São José dos Campos, Santos e Sorocaba. Considerando-se as estimativas dos saldos migratórios, resultantes das entradas e saídas de migrantes do Estado de São Paulo, nas últimas décadas, é possível avaliar o impacto desse cenário econômico na dinâmica demográfica paulista. Essas estimativas foram realizadas com base nas diferenças entre o crescimento populacional proveniente dos censos demográficos (IBGE) e o saldo vegetativo calculado com os nascimentos e óbitos disponíveis no Sistema de Estatísticas Vitais (Fundação Seade). No tocante à dinâmica migratória, observou-se que, depois de registrar um arrefecimento bastante acentuado da migração nos anos 80, o Estado voltou a exibir ganhos migratórios na década de 90. Nesse período, o volume de migração estadual foi de 147 mil migrantes ao ano, ou seja, praticamente triplicou em relação ao registrado entre 1980 e 1991 (51 mil). A taxa anual do Estado passou de 1,8 migrante por mil habitantes, entre 1980 e 1991, para 4,3 por mil, entre 1991 e 2000 (Gráfico 1). Apesar da recuperação migratória nos anos 90, em termos prospectivos, dificilmente o ritmo de migração retornará aos patamares atingidos até os anos 70, quando a migração chegou a responder por 42% do crescimento populacional paulista. Comparativamente aos anos 80, a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP apresentou diminuição nas perdas migratórias, revertendo o saldo anual migratório negativo de 26 mil migrantes, registrado entre 1980 e 1991, para um saldo anual positivo de 24 mil migrantes, entre 1991 e 2000. A capital caracterizou-se como a grande área de evasão de população do Estado, exibindo uma perda de 68 mil pessoas ao ano, entre 1980-1991. Nos anos 90, verificou-se lenta diminuição da evasão populacional da capital e um ganho migratório dos outros municípios da RMSP, que passaram a registrar a maior taxa de migração do Estado: 11,4 migrantes ao ano por mil habitantes nos anos 90. O interior demonstrou ganhos migratórios importantes: o saldo migratório anual que era de 77 mil pessoas entre 1980 e 1991, passou a ser de 123 mil pessoas, entre 1991 e 2000, o que representou um aumento de 60% no volume de migração no período 1980-2000. Mediante as considerações estabelecidas, pode-se dizer que, mesmo diante de um contexto de grandes transformações econômico-sociais, o Estado de São Paulo conGRÁFICO 1 Evolução da Taxa Anual de Migração Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1980-2000 Fonte: Fundação Seade. (1) Corresponde ao Estado de São Paulo, excluindo os municípios da Região Metropolitana de São Paulo. 69 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 tinuou protagonizando o processo de redistribuição da população no território brasileiro, destacando-se como a principal área de atração populacional do país. Refletir sobre as tendências prospectivas da migração, para o Estado de São Paulo, é uma tarefa de extrema complexidade. Na verdade, diante da estreita relação que os deslocamentos populacionais guardam com outras dimensões econômicas, sociais e culturais, a construção de hipóteses para o comportamento futuro da migração torna-se um exercício de reflexão sobre os rumos a serem seguidos pela economia das áreas envolvidas nos fluxos migratórios. A seleção das hipóteses de comportamento futuro da migração procurou vincular e aproximar as tendências econômicas e populacionais, tomando-se como base as taxas anuais de migração. Ressalte-se que as taxas de migração constituem um indicador bastante refinado para se pensar a projeção da migração, pois ao relacionar o volume dos saldos migratórios com a população total, essa taxa expressa o impacto da migração na população de cada área. A elaboração das hipóteses futuras de migração para o Estado de São Paulo teve, como cenário, os supostos formulados para a RMSP e o interior. Para a metrópole, supôs-se lenta redução das taxas migratórias ao longo do período da projeção. Essa tendência estaria relacionada a uma redução da evasão populacional da capital e a uma diminuição das taxas migratórias recentes observadas nos demais municípios metropolitanos. Para o interior do Estado, considerou-se que as regiões mais dinâmicas, situadas no entorno metropolitano, tenderiam a exibir uma diminuição das taxas migratórias ao longo do período da projeção. Para as regiões situadas a oeste do Estado, a tendência seria de uma manutenção ou mesmo uma lenta recuperação nas taxas migratórias, de modo que estas áreas reduziriam a perda populacional e conseguiriam reter mais a população, e para as regiões centrais supôs-se uma manutenção das taxas migratórias durante todo o período da projeção. Dessa forma, as hipóteses resultantes para o total do Estado de São Paulo foram de redução das taxas migratórias registradas no período 1991-2000, de modo que, no horizonte de 2025, contaria com uma taxa de 1,6 migrante ao ano por mil habitantes. nhecida há vários anos, tem permitido obter estimativas confiáveis dos níveis e das estruturas de fecundidade para Estado de São Paulo e suas regiões desde os anos 60. Em São Paulo, o uso das estatísticas do Registro Civil associado à aplicação, na década de 90, da Declaração de Nascidos Vivos, apresenta grande vantagem em relação às estimativas obtidas pelos dados censitários. Com os primeiros bancos de dados, a fecundidade é calculada direta e anualmente, ao contrário dos censos, cujas estimativas são para intervalos de aproximadamente dez anos. A partir da década de 90, a PNAD tem permitido estimar a fecundidade anualmente, porém sua amostra não permite desagregações para áreas menores como regiões administrativas ou municípios. A importância do Censo Demográfico e da PNAD, fontes de informação produzidas pelo IBGE, é, entretanto, imensurável em muitas regiões brasileiras, nas quais foram e ainda são a única fonte confiável para estimar a fecundidade. Além disso, são, de forma geral, as que permitem revelar o comportamento reprodutivo das mulheres conforme características, como instrução, raça/cor ou renda, que denunciam as diferenças da população de acordo com os grupos sociais. Assim, o Estado de São Paulo conta com estimativas de fecundidade calculadas com estatísticas do Registro Civil desde os anos 60 e sua evolução tem sido analisada por diversos autores (Camargo e Yazaki, 2002; Campanário e Yazaki, 1994; Wong, 1986; entre outros), e é possível acompanhar o processo de transição da fecundidade das mulheres paulistas, assim como projetar tendências futuras para esse comportamento. A diminuição da fecundidade no Estado de São Paulo é observada desde os anos 60, entretanto as quedas foram mais acentuadas no início das décadas de 70 e de 80, desencadeando alterações importantes no ritmo de crescimento da população, bem como alterações em sua estrutura etária. A Taxa de Fecundidade Total – TFT, no período 19601980, passou de 4,7 a 3,4 filhos por mulher, uma redução de aproximadamente 27% (Gráfico 2). No início da década de 80, foi registrada nova queda importante e esta tendência foi contínua até o início dos anos 90, quando se observou uma estabilização da taxa em torno de 2,3 filhos por mulher. Ao final dessa década, foi registrado um pequeno aumento nas taxas de fecundidade, para, em seguida, apresentar uma diminuição no período 1998-2002. Assim, em 2000, a fecundidade foi de 2,2 e em 2002 chegou a 1,9 filho por mulher, valor inferior ao nível de reposição.1 TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DA FECUNDIDADE A disponibilidade de dados de nascimentos produzidos pela Fundação Seade, cuja qualidade tem sido reco- 70 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO GRÁFICO 2 No Estado de São Paulo, como em todo o país, a fecundidade das adolescentes de 15 a 19 anos é elevada quando comparada à de outros países (Europa ou Japão). Assim, a fecundidade em São Paulo caracteriza-se por atingir níveis baixos, com uma estrutura jovem, em que a taxa mais elevada é observada entre 20 e 25 anos, configurando uma curva com cúspide do tipo precoce. Entre 1960 e 2000, a redução da fecundidade em todas as faixas etárias foi bastante importante, com exceção do grupo de 15 a 19 anos. Nele, a fecundidade diminuiu entre 1960 e 1980, mas depois se manteve praticamente no mesmo nível, ao redor de 70 filhos para cada mil jovens e somente a partir de 2000 tem mostrado sinais de redução. Na faixa de 20 a 24 anos, cuja fecundidade oscilava em torno de 240 nascimentos por mil mulheres, na década de 60, passou para 188 nascimentos, em 1980, e atualmente registra uma taxa de 104 nascimentos, apresentando reduções importantes no período: 23% e 45%, respectivamente. Nos grupos etários seguintes, 25 a 29 e 30 a 34 anos, a variação chegou a ultrapassar os 60%. Dos 35 a 39 anos, a fecundidade é mais baixa e registrou queda de aproximadamente 70% no período; nos grupos etários seguintes, a fecundidade, já bastante reduzida, diminuiu para menos de 10 filhos por mil mulheres, no grupo de 40 a 44 anos, e para menos de um filho, no de 45 a 49 anos. Evolução da Taxa de Fecundidade Total Estado de São Paulo – 1960-2002 Fonte: Fundação Seade. Cabe lembrar que essa diminuição reflete as quedas ocorridas em todas as regiões, independentemente de seus níveis de desenvolvimento socioeconômico, indicando que a queda é universal. Contudo, os dados censitários e de pesquisas demográficas evidenciam que as alterações ocorridas a partir dos anos 80 refletem, sobretudo, as diminuições da fecundidade dos grupos que estavam menos avançados no processo de transição, ou seja, dos grupos menos favorecidos da população (população rural, menos instruída, etc.). Os estudos sobre os determinantes da queda da fecundidade no país apontam que a transição foi resultado de um complexo conjunto de transformações econômicas, sociais, culturais e institucionais (Carvalho; Wong, 1996; Campanário; Yazaki, 1994, entre outros). Destacam também que essa queda deveu-se principalmente à utilização de dois métodos anticoncepcionais: a pílula e a esterilização, cujas prevalências entre as mulheres unidas alcançam 55% nas décadas de 80 e 90, no Estado de São Paulo (Bemfam-IRD, 1986; Bemfam-DHS, 1996). As mudanças nos níveis de fecundidade são acompanhadas pelas alterações em suas estruturas por grupos de idade, isto é, a fecundidade diminui em todas as faixas etárias, mas, em especial, nas mulheres com mais de 30 anos, concentrando-se, assim, entre 20 e 30 anos, como mostra o Gráfico 3. GRÁFICO 3 Taxa de Fecundidade, por Idade da Mãe Estado de São Paulo – 1960-2002 Fonte: Fundação Seade. 71 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Esta análise da evolução da fecundidade em São Paulo, brevemente apresentada, serviu de insumo para a elaboração das hipóteses de comportamento feitas para o nível e a estrutura da fecundidade até 2025. Embora a diminuição da fecundidade pareça ser contínua no início dos anos 2000, espera-se que essa tendência nos próximos anos seja de desaceleração, tendendo à estabilização, pois muitas das regiões em que se subdivide o Estado já registram valores bem baixos (em torno de 1,5 filho por mulher), próximos dos níveis verificados em países europeus; como por exemplo, 1,7 filho por mulher na França, em 1993, 1,5 na Holanda, em 1993, 1,3 na Itália, em 1991 (Nações Unidas, 1995; 1999), países em que a fecundidade registra valores abaixo do nível de reposição há algum tempo. A projeção das taxas de fecundidade por idade seguiu um modelo que utiliza a relação existente entre o nível de fecundidade e sua estrutura etária. O modelo baseia-se na relação decrescente existente entre as taxas específicas de fecundidade e a diminuição das respectivas TFTs, em todos os grupos etários, com exceção do primeiro, de 15 a 19 anos. Neste grupo, as taxas são praticamente constantes com a queda das TFTs, como foi observado anteriormente. Entretanto, análise dos dados e de tendências de outros países revelou que a tendência deste grupo jovem de mulheres seria decrescente ou de estabilização. Dessa forma, estimase que as mulheres, no Estado de São Paulo, tenderão a compor suas famílias em idades mais jovens, com a maior concentração no grupo etário entre 20 e 24 anos. Para a projeção dos níveis de fecundidade, isto é, das TFTs, considerou-se que a fecundidade tenderá a níveis baixos e estáveis. Por um lado, esta redução deverá ser fortemente influenciada pelo timing da queda no período 19802000, queda esta que, ao que tudo indica, continuará existindo em ritmo mais lento. Por outro lado, no futuro, o nível da fecundidade deverá alcançar um limite baixo. Para a projeção dos valores da TFT, no período 2000-2025, admitiu-se um cenário em que as mulheres paulistas assumiriam uma fecundidade de 1,8 filhos por mulher. É conhecido o impacto positivo sobre as condições de saúde, durante as décadas de 40 e 50, causado pelas medidas adotadas na área de saúde pública e saneamento básico, pela introdução dos antibióticos e conseqüente redução da incidência e letalidade, ou mesmo erradicação de diversas doenças infecciosas e parasitárias. A população infantil, que em geral representa o setor populacional mais sensível às agressões do meio ambiente, foi beneficiada pela diminuição bastante rápida dos riscos de morte por doenças infecciosas. Dessa forma, as mortes precoces foram reduzidas substancialmente, com reflexos diretos sobre a vida média da população. Durante a década de 60 e a primeira metade dos anos 70, os fatores determinantes desse processo já não produziam os mesmos efeitos. Em primeiro lugar, foi alcançada uma redução importante da incidência das doenças infecciosas, de forma que os ganhos, a partir daí, passaram a ser sistematicamente menores. Em segundo, o rápido crescimento populacional das cidades não foi acompanhado pela expansão, no mesmo ritmo, da infra-estrutura urbana de serviços básicos, acarretando um rápido processo de deterioração da qualidade de vida nos setores periféricos das grandes cidades e aumentando sensivelmente os diferenciais de mortalidade entre o centro e a periferia urbana. Como reflexo direto desses fatores e do agravamento das condições socioeconômicas, a mortalidade infantil inverteu a tendência histórica e passou a apresentar aumentos sistemáticos desde meados da década de 60 até a primeira metade dos anos 70. No entanto, ainda na década de 70, as intervenções governamentais na área da saúde, com ênfase na rede de serviços básicos, de atendimento médico-sanitário, da cobertura de vacinas, etc., trouxeram ganhos visíveis com os indicadores de saúde. Este novo comportamento interferiu, de forma direta, na diminuição das taxas de mortalidade infanto-juvenil e adulta e no aumento da esperança de vida estimada para 1980. Durante a década de 80, a permanência da tendência de redução dos riscos de morte da população infanto-juvenil representou uma contribuição importante para o crescimento da esperança de vida ao nascer. Nas demais faixas etárias, observou-se aumento da mortalidade da população masculina com idades entre 15 e 39 anos e relativa estabilidade naquelas acima dos 40 anos; enquanto para a população feminina, registrou-se redução da mortalidade em todas as idades. No período mais recente, 1991 a 2000, o aumento das probabilidades de morte nas idades entre 15 e 39 anos se TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DA MORTALIDADE A evolução da esperança de vida no Estado de São Paulo, no período 1940-2000, caracteriza-se por ganhos importantes de anos de vida média, nas décadas de 40 e 50, e por uma diminuição sistemática desses ganhos ao longo das décadas subseqüentes (Tabela 1). 72 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO contrapôs aos ganhos obtidos pela população infantil, e a esperança de vida ao nascer, no Estado, aumentou em 2,1 anos. Os diferenciais de tendência da mortalidade resultaram no aumento inferior da esperança de vida masculina em relação à feminina. Enquanto a mortalidade para as mulheres diminuiu em praticamente todas as idades, para os homens os ganhos obtidos com a redução da mortalidade infanto-juvenil foram parcialmente anulados pelo forte aumento da mortalidade dos adultos jovens. A ampliação da diferença entre a esperança de vida feminina e masculina passou de 2,39 anos, em 1940, para 8,82 anos em 2000. A origem da concentração das diferenças entre os adultos jovens fica mais nítida quando se observam as tendências dos riscos de morte em cada faixa etária, tanto para a população masculina como para a feminina, no período 1950-2000. Foram representadas, no Gráfico 4, as probabilidades de morte q(x) masculinas e femininas para todas as idades. O conjunto de curvas demonstra as alterações no padrão etário da mortalidade masculina causadas pela tendência de aumento da mortalidade nas faixas etárias de 15 a 39 anos. Nas idades entre 15 e 24 anos, as probabilidades de morte q(x), em 2000, superam os níveis observados 50 anos antes. Trata-se de um retrocesso muito intenso nos níveis de mortalidade, que distorce o padrão anterior da mortalidade masculina, diferenciando-o fortemente do padrão feminino, que mantém aproximadamente a mesma estrutura das décadas anteriores. GRÁFICO 4 Probabilidades de Morte q(x), por Sexo Estado de São Paulo – 1950-2000 TABELA 1 Evolução da Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo Estado de São Paulo – 1940-2000 Ano 1940 Homens e0 Incremento 44,29 Mulheres e0 46,68 8,46 1950 52,75 63,67 59,32 65,48 63,30 70,02 64,87 66,75 6,72 3,22 73,24 1,88 2000 6,16 4,54 1,57 1991 4,63 1,81 3,98 1980 3,14 7,78 0,28 1970 Examinou-se, mais detalhadamente, as tendências das principais causas de morte no Estado, com o objetivo de caracterizar melhor o comportamento evolutivo de cada uma delas, em especial do grupo de causas externas e da Aids. Foram elaboradas taxas de mortalidade para a faixa etária de 15 a 39 anos, adotando-se, como critério de classificação para as causas de morte, uma compatibilização dos Capítulos da Classificação Internacional de Doenças, relativas à nona e décima revisões. Foram selecionados alguns capítulos de maior peso para efeito de comparação com aquele das causas externas. A mortalidade por Aids foi considerada isoladamente, devido a sua elevada incidência e rápido crescimento nesta faixa etária. 2,39 55,89 59,04 Diferença entre os Sexos e0 (fem.) - e0 (masc.) 9,21 6,29 1960 Incremento Fonte: Fundação Seade. 8,37 2,33 75,57 8,82 Fonte: Fundação Seade. 73 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 No caso da mortalidade masculina, verifica-se o papel predominante das causas externas com relação aos demais capítulos, tendo sua tendência de aumento ocorrido em duas etapas: de 1980 a 1989, seguindo-se um curto período de decréscimo até 1992; e de 1993 a 2002, quando foram registrados aumentos sucessivos, atingindo o nível máximo em 1999. Os anos de 2000 e 2002 já indicam uma quebra de tendência com redução visível no Gráfico 5. É importante salientar que a taxa de mortalidade por causas externas passou de um patamar de 150 por 100 mil habitantes, em 1980, para um outro próximo de 245 óbitos por 100 mil, em 1999, diminuindo para 222 em 2002. Esse aumento das mortes por causas externas foi decisivo na tendência geral da mortalidade masculina no grupo etário de 15 a 39 anos. Entre as causas externas que atingem essa população, os homicídios aparecem em primeiro lugar, seguidos pelos acidentes de veículo a motor. Com relação às demais causas de morte agrupadas nos capítulos selecionados, não se verifica uma tendência nítida de aumento, prevalecendo certa estabilidade ou pequeno decréscimo, como, por exemplo, as doenças do aparelho circulatório, a partir de 1989. GRÁFICO 5 Taxa de Mortalidade da População de 15 a 39 Anos, por Sexo, segundo Grupos de Causas de Morte Estado de São Paulo – 1980-2002 Fonte: Fundação Seade. 74 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO Resta, então, o caso da epidemia de Aids, que se destaca pela rápida ascensão entre 1988 e 1994, representando um outro fator de risco importante que se soma àqueles associados com as causas externas. A taxa de mortalidade por Aids, a partir de 1991, passou a superar todas as taxas calculadas por capítulo, com exceção daquelas referentes às causas externas. Em 1995 ocorreu uma inversão de tendência da mortalidade por Aids, diminuindo efetivamente até 2002. Para a população feminina, o panorama é muito distinto do anterior. Primeiramente, os níveis de mortalidade são bem inferiores aos dos homens, tornando necessária uma adaptação da escala do Gráfico 5 para uma melhor visualização das tendências. Em segundo, as taxas por causas externas, além de bem inferiores, oscilam muito ao longo do período de observação: identifica-se um acréscimo sistemático, entre 1980 e 1986, e um posterior decréscimo até 1992, voltando a apresentar taxas crescentes entre 1993 e 1996, tal como se verificou para a população masculina. Assim, as taxas mudaram a tendência e declinaram até 2002. Entre as causas externas que atingem a população feminina, as de maior peso são os acidentes de veículos a motor e os homicídios. Quanto aos demais capítulos selecionados, há uma nítida tendência de queda observada nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório: em 1980, igualavam-se ao nível do capítulo das causas externas, diminuindo sistematicamente até 2002. As taxas por neoplasmas apresentaram certa estabilidade com algumas flutuações e os demais capítulos registraram pequeno declínio. As taxas de mortalidade por Aids da população feminina cresceram rapidamente a partir de 1988, superando os níveis de vários capítulos e se igualaram, em 1994, às taxas de mortalidade por neoplasmas. Nos anos de 1995 e 1996, a taxa de mortalidade por Aids, na faixa etária de 15 a 39 anos, passou a superar todas as demais causas, com exceção daquelas referentes às causas externas. O nível de mortalidade permaneceu praticamente constante nesses dois anos, e passou a cair sistematicamente em seguida, apresentando a mesma quebra de tendência já observada para os homens. A evolução da mortalidade no modelo de projeção demográfica para o Estado de São Paulo foi operacionalizada por intermédio de pressupostos sobre as mudanças futuras da esperança de vida ao nascer, por sexo, e pela determinação de probabilidades de sobrevivência, por idade e sexo, coerentes com a evolução esperada para a composição das causas de morte da população paulista. Para medir a evolução da esperança de vida ao nascer, seguiram-se os parâmetros do modelo desenvolvido pelas Nações Unidas sobre a evolução da mortalidade. Tal modelo, desenvolvido com base na evolução da mortalidade observada em uma grande quantidade de países, apresenta ganhos qüinqüenais de esperança de vida de acordo com o nível inicial. Na medida em que a esperança de vida aumenta, os ganhos diminuem sistematicamente. As probabilidades de sobrevivência, por idade e sexo, correspondentes às esperanças de vida projetadas, foram determinadas por meio de interpolações nas tábuas-modelo de mortalidade elaboradas para o Estado de São Paulo. Foram consideradas as alterações do padrão etário provocadas pela influência das causas externas de mortalidade. A evolução futura da esperança de vida, até 2025, para o Estado de São Paulo, considerou que a população feminina viveria, em média, 80,38 anos, e a masculina viveria 72,25 anos. CENÁRIOS FUTUROS DA POPULAÇÃO PAULISTA A população residente no Estado de São Paulo era composta de 36.974.378 pessoas, na data do Censo Demográfico de 2000 (IBGE), concentrando 22% da população brasileira. O ritmo de crescimento observado na última década foi de apenas 1,82% ao ano, praticamente a metade do registrado na década de 70. Em trinta anos, a população paulista mais que dobrou (Tabela 2). O modelo de projeção adotado pela Fundação Seade, que considera a interação dos três componentes demográficos: fecundidade, mortalidade e migração na simulação dos possíveis cenários futuros para a população paulista, TABELA 2 Evolução da População Residente Estado de São Paulo – 1970-2000 Ano População 1o de julho 1970 17.670.013 1980 24.953.238 1991 31.436.273 2000 36.974.378 Fonte: Fundação Seade; IBGE. 75 Crescimento Absoluto Anual Taxa Anual de Crescimento (%) 728.323 3,51 589.367 2,12 615.345 1,82 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 já previa essa desaceleração no ritmo de crescimento, com as hipóteses formuladas ainda com as informações disponíveis na década de 80. A confirmação dessa tendência descarta, definitivamente, as afirmações recorrentes naquele momento sobre a expectativa de “vertiginoso crescimento populacional” do Estado de São Paulo. As hipóteses de comportamento elaboradas para os componentes demográficos no futuro, com base no Censo Demográfico de 2000 (IBGE) e das estatísticas vitais recentes (Fundação Seade), deverão resultar na continuidade deste processo de desaceleração do ritmo de crescimento. A população paulista deverá atingir um volume de 48.974 mil habitantes, em 2025. A redução gradativa das taxas de crescimento esperadas responderá por um ritmo de crescimento populacional de aproximadamente 0,73% ao ano, no qüinqüênio 2020-2025. Essas alterações na dinâmica populacional definirão diferentes estruturas etárias, nos primeiros 25 anos do século XXI. Trata-se de um conjunto de informações deci- sivas para adaptação e formulação de políticas públicas específicas para os contingentes populacionais relativos a cada grupo etário. Na tentativa de ressaltar a relevância das informações decorrentes das projeções populacionais, tornando-as mais úteis para aqueles que refletem sobre os impasses da intervenção pública em um país como o nosso, de muita carência e poucos recursos para investir na área social, os resultados são aqui apresentados de duas formas. A primeira é a pirâmide etária populacional projetada, que revela uma população marcadamente adulta, em pleno processo de envelhecimento populacional (Gráfico 6). A segunda é a evolução do volume populacional em cinco grandes grupos etários, que explicita a tendência diferenciada de crescimento de cada um deles e indica a pressão demográfica resultante em diversos setores da sociedade (Gráfico 7). O envelhecimento populacional fica mais explícito ao se comparar a evolução da idade mediana da população pau- GRÁFICO 6 Pirâmide Etária da População Residente, por Sexo Estado de São Paulo – 2000-2025 Fonte: Fundação Seade; IBGE. 76 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO GRÁFICO 7 População Residente, por Faixas Etárias Estado de São Paulo – 1980-2025 Fonte: Fundação Seade; IBGE. lista. No ano 2000, a divisão populacional em volumes iguais estava concentrada na idade de 25 anos. Já em 2025, esse corte deverá ser registrado na idade de 35 anos. Outro dado interessante, que confirma as alterações na estrutura etária, é relativo ao grupo etário de maior destaque em volume. Em 2000, esse grupo era de 15 a 19 anos, enquanto em 2025 esse destaque deverá ficar com a parcela populacional com idades entre 40 e 44 anos, que representa justamente o grupo etário de 15 a 19 anos, 25 anos depois. A população idosa, representada pelo contingente com mais de 65 anos, será a parcela que mais crescerá. Seu ritmo de crescimento, nos próximos 25 anos, deverá ser, em média, 3,8% ao ano. A principal conseqüência será a elevação da participação desse contingente na população total que deverá dobrar, passando de 6%, em 2000, para 12% em 2025. O contingente populacional correspondente deverá atingir um volume de 5.734 mil pessoas, o que significa um aumento de 2,5 vezes em relação aos 2.261 mil recenseados em 2000. As mulheres idosas continuarão sendo maioria neste grupo etário. Uma conseqüência dessa evolução pode ser percebida na razão de dependência da população idosa, calculada pela relação entre este grupo etário e a população potencialmente mais ativa, entre 15 e 64 anos. Em 2000, esse indicador era 9,1, enquanto em 2025 passa a 17,0, demonstrando um importante aumento na pressão que os idosos terão em relação à população contribuinte, por exemplo, para a Previdência Social. Outro importante impacto será na área da saúde, em que o volume crescente de idosos demandarão maior número de consultas, exames e internações. A segunda parcela que mais crescerá nos próximos anos é a população de 50 a 64 anos. Seu ritmo de crescimento deverá ser de 3,2% ao ano, nos próximos 25 anos. Concentrará cerca de 18% da população paulista e deverá atingir um total de 8.727 mil pessoas. Nesse grupo, as mulheres também serão maioria, mas a razão entre os sexos não será tão diferenciada: 1,1 mulher para cada homem. A população adulta, entre 30 e 49 anos, será a parcela a apresentar o maior volume: 14.836 mil pessoas, concentrando 30% da população total residente no Estado de São Paulo. Nesse grupo, deverá existir um equilíbrio populacional entre os dois sexos. A taxa média de crescimento esperado para os próximos 25 anos deverá ser de 1,4% ao ano, aproximando-se mais do ritmo de crescimento do total da população (1,1%). Os contingentes populacionais com menos de 30 anos deverão manter, aproximadamente, o mesmo volume até 2025, apresentando taxas médias de crescimento negativas, mas muito próximas de zero. Também neste grupo o equilíbrio entre a população para ambos os sexos será perfeito: uma mulher para cada homem. O grupo jovem-adulto, com idades entre 15 e 29 anos, deverá ser composto por 10.246 mil pessoas em 2025, volume bastante semelhante ao registrado em 2000, que era de 10.366 mil. Esse comportamento deverá manter estável a pressão por novos empregos, no futuro. 77 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Já a população com menos de 15 anos deverá contar com 9.430 mil pessoas em 2025, decrescendo em média, 0,12% ao ano. Esta redução é conseqüência direta da tendência decrescente esperada para os níveis de fecundidade. Nesse grupo, é possível separar duas parcelas que demandam necessidades distintas: as crianças com menos de 4 anos e a população em idade escolar, entre 7 e 14 anos. Esse comportamento demográfico permite dizer que, no futuro, não haverá aumento da pressão resultante na área de educação, cuja resposta deste setor, para garantir a cobertura da população com idade regular para cursar o ensino fundamental, poderá trabalhar com uma perspectiva segura de manutenção dos níveis de demandas em um patamar estável e constante. Contudo, a área de saúde infantil também contará com volumes uniformes nos próximos 25 anos, auxiliando no planejamento de serviços especiais para essa população infantil, como o dimensionamento estável de doses de vacina e serviços de saúde maternoinfantil, por exemplo. As análises realizadas decorrem de projeções que guardam implícitas em seus resultados hipóteses de comportamento esperado para os componentes demográficos. As informações apresentadas pretendem servir de subsídios aos encarregados pelas formulações de políticas públicas e para planos específicos, que considerem a população residente no Estado de São Paulo como público-alvo. O conhecimento da ordem de grandeza da população no futuro e sua composição por sexo e idade, considerando aspectos apontados que sinalizam a dinâmica da população e o processo de mudança de seu perfil, torna possível trabalhar com um retrato mais aproximado para este começo de século. A concentração de esforços, para um preparo antecipado para atender às demandas emergentes da população, pode reduzir, quando não for possível evitar, os problemas e as dificuldades a serem enfrentadas pela população paulista amanhã. ARAÚJO, M.F.I.; PACHECO, C.A. A trajetória econômica e demográfica da metrópole nas décadas de 70-80. São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo: Fundação Seade, v.6, mar. 1992. NOTA FERREIRA, C.E. de C.; CASTIÑEIRAS LESTIDO, L. O rápido aumento da mortalidade dos jovens adultos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, p.3441, abr./jun. 1996. BEMFAM-DHS. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde PNDSBrasil, 1996. BEMFAM-IRD. Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar PNSMIPF-Brasil, 1986. CAIADO, A.S.C. Desenvolvimento regional: novos requisitos para a localização industrial em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. CAMARGO, A.B.M. Migrações internas no Estado de São Paulo: avaliação dos saldos regionais, 1960-1970. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.6, p.45-124, 1981. CAMARGO, A.B.M.; YAZAKI, L.M. A fecundidade recente em São Paulo: abaixo do nível de reposição? In: XIII ENCONTRO DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais... Ouro Preto: Abep, 2002. Disponível em: <http://www.abep.org.br/XIII Encontro> e em CD-ROM. CAMPANÁRIO, P.; GODINHO, R. Fecundidade: tendências e modelo de projeção. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, p.26-33, abr./jun. 1996. CAMPANÁRIO, P.; YAZAKI, L.M. A fecundidade em São Paulo e suas regiões de governo: níveis e tendências. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.25, p.11-57, 1994. CANO, W. et al. A nova realidade da indústria paulista: subsídios para a política de desenvolvimento regional do Estado de São Paulo. Relatório de Pesquisa. Campinas: IE/Unicamp/Fecamp, 1994. CARVALHO, J.A.M. de; WONG, L.R. Causes and consequences of the fertility decline in Brazil. In: GUZMÁN, J.M. et al. (Eds.). The fertility transition in Latin America. Oxford: Oxford University Press, 1996. p.373-396. FERREIRA, C.E. de C. Saneamento e mortalidade infantil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.6, n.4, p.62-68, out./dez. 1992. ________ . Mortalidade infantil e desenvolvimento: a persistência dos diferenciais regionais. Conjuntura Demográfica, n.14/15, p.1-6, jan./jun.1991. ________ . Projeções demográficas para São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, p.45-49 maio/ ago. 1985. ________ . Métodos para estimar a migração: aplicações para o Estado de São Paulo, 1940/50, 1950/60, 1960/70. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.6, p.3-43, 1981. ________ . Tábuas abreviadas de mortalidade para o Estado de São Paulo 1939/41, 1949/51, 1959/61, 1969/71. Níveis e padrões de mortalidade em São Paulo. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.4, p.1-43, 1980. 1. Nível de reposição é um índice que corresponde ao número médio de filhos que cada mulher deveria ter durante sua vida fértil para reposição de sua geração, calculada em 2,1 filhos por mulher. FERREIRA, C.E. de C.; PERINI, S.C. Está aumentando a vida média da população paulista. Conjuntura Demográfica n.9, p.7-13, out./ dez.1989. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRA, C.E. de C.; WALDVOGEL, B.C. Os novos cenários da população paulista. Conjuntura Demográfica, n.26, p.1-14, jan./ mar.1994. ARANHA, V. Migração na metrópole paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. FUNDAÇÃO SEADE. Sistema de Estatísticas Vitais. São Paulo, 1950 a 2002. 78 PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO WALDVOGEL, B.C.; CAMARGO, A.B.M. As mudanças do comportamento demográfico paulista durante a década de 80. Conjuntura Demográfica, São Paulo, Fundação Seade, n.20/21, jul./dez. 1992. ________ . Demanda futura por saneamento. Projeções da população e dos domicílios paulistas. São Paulo: Seade/Sabesp, jan. 2000. (volumes I e II). IBGE. Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991, 2000. WALDVOGEL, B.C.; CAPASSI, R. Cenários da população paulista dos anos 90 ao futuro. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.1-2, jan./jun. 1999. MADEIRA, F.R.; TORRES, H. da G. População e reestruturação produtiva. Novos elementos para projeções demográficas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. ________ . A mortalidade nas 11 Regiões Administrativas do Estado de São Paulo: tábuas de mortalidade 1970/1971. Níveis e padrões de mortalidade em São Paulo. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.4, p.107-250, 1980. NAÇÕES UNIDAS. Anuário Demográfico, 1995; 1999. NEGRI, B. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1880-1990). Campinas: Unicamp, 1996. WONG, L.R.; PERPÉTUO, I.H.O. Perspectivas de uma fecundidade abaixo do nível de reposição: algumas evidências para o Brasil. XIII ENCONTRO DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais... Ouro Preto, Abep, 2002. Disponível em CD-ROM. NEGRI, B.; PACHECO, C.A. Mudança tecnológica e desenvolvimento regional nos anos 90: da interiorização do desenvolvimento à nova dimensão espacial da indústria paulista. In: SUZIGAN, W.; COUTINHO, L. (Coord.). Projeto de desenvolvimento tecnológico e competitividade da indústria brasileira. Campinas: SCTDE/ Pecamp/Unicamp – IE, 1993. ________ . Tendência recente da fecundidade no Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, Abep, v.2, n.1, jan./jun. 1985. PACHECO, C.A. et al. Dinâmica demográfica regional recente: o caso de São Paulo. ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO. Anais... Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), Curitiba, 1998. WONG, L.R. Tendência e perspectiva da fecundidade no Estado de São Paulo. Informe Demográfico, São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986. YAZAKI, L.M.; MORELL, M.G.G. Fecundidade é antecipada. In: MADEIRA, F.R.; MAMERI, C.P. (Coord.). 20 anos no ano 2000. Estudos sociodemográficos sobre juventude paulista. São Paulo, Fundação Seade, 1998, p.105-118. PERILLO, S.R. Novos caminhos da migração no Estado de São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. ________ . Vinte anos de migração no Estado de São Paulo: uma análise do período 1980/2000. XIII ENCONTRO DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais... Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), Ouro Preto, nov. 2002. YAZAKI, L.M. Fecundidade no Estado de São Paulo na década de 80. Conjuntura Demográfica, São Paulo, Fundação Seade, n.12, 1990. UNICAMP/NEPO. Desenvolvimento econômico e crescimento populacional: tendências recentes e cenários futuros. Campinas, abr. 1997. BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL: Estatística, Demógrafa, Gerente de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade ([email protected]). WALDVOGEL, B.C. Parâmetros demográficos proporcionais: uma alternativa para aplicar o método dos componentes para projetar a população de áreas pequenas. Informe Demográfico, São Paulo, n.22, 1999. CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA: Demógrafo, Assessor da Fundação Seade ([email protected]). ________ . Técnicas de projeção populacional para o planejamento regional. Estudos Cedeplar 1, Belo Horizonte, UFMG, 1997. LÚCIA MAYUMI YAZAKI: Demógrafa, Analista da Fundação Seade ________ . Projeções populacionais em São Paulo: um modelo analítico como alternativa. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.10, n.2, abr./jun. 1996. RUTE EDUVIGES GODINHO: Demógrafa, Analista da Fundação Seade ([email protected]). ([email protected]). ________ . O que muda na composição e no volume da população paulista, até o final do século XX. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.3, n.3, jul./set. 1989. SONIA REGINA PERILLO: Demógrafa, Analista da Fundação Seade ([email protected]). 79 SÃO 80-90, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 INDICADORES SOCIAIS por que construir novos indicadores como o IPRS HAROLDO DA GAMA TORRES MARIA PAULA FERREIRA NÁDIA PINHEIRO DINI Resumo: O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a experiência da Fundação Seade na construção de indicadores sociais, particularmente o Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS e seu sistema de indicadores. Também são apresentados os resultados do IPRS 2000. Palavras-chave: indicadores sociais; dados estatísticos; desenvolvimento humano. Abstract: This article describes the experience of Fundação Seade in creating social indicators, particularly the São Paulo Index of Social Responsibility – IPRS and its system of indicators. It includes a presentation of the results of IPRS 2000. Key words: social indicators; statistical data; human development. E ntre as aspirações das agências produtoras de dados e informações estatísticas – como o Seade – uma das mais importantes talvez seja a de que os formuladores de políticas públicas utilizem efetivamente a sua produção para o planejamento e a avaliação de políticas. Em tese, a utilização de informações e resultados estatísticos, tanto na definição de metas como na priorização e direcionamento das intervenções, possibilitariam mais rapidez e eficiência ao gestor público para atingir seus diferentes objetivos. Entre outras coisas, as estatísticas constituem instrumento importante para: desenvolver melhor as políticas sociais, permitindo o acompanhamento e a evolução dos processos; aumentar o consenso social sobre as difíceis escolhas diante do sempre presente constrangimento dos recursos; revelar e criar responsabilidades dos diferentes atores envolvidos nesses processos; e incluir na agenda de políticas sociais temas muitas vezes negligenciados no campo de ação de determinada política setorial (como a questão racial, por exemplo). Atualmente, é crescente a demanda que a Fundação Seade recebe tanto de órgãos públicos como da mídia para fornecer e organizar estatísticas. Portanto, essa procura é um indício de que essa aspiração e esse desafio vêm-se concretizando. Responder a esse desafio não é trivial. Envolve não apenas a organização de bancos de dados e seu tratamento, mas a compreensão de como a informação é apreendida e utilizada pelos usuários. Existe relativo consenso de que a melhor (e mais arriscada) forma de “comunicar” complexos fenômenos sociais de modo mais simples tem sido pela utilização de indicadores, no que pese as dificuldades e os problemas metodológicos envolvidos na elaboração desses instrumentos. Nesse sentido, a proposta deste artigo é produzir uma reflexão a respeito da produção de indicadores, seus riscos e suas possibilidades. Em particular, descrevemos aqui a experiência da instituição no processo de construção de indicadores sintéticos de desenvolvimento em nível municipal, especificamente os que compõem o sistema de indicadores do Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS. Esses indicadores foram criados no Fórum São Paulo – Século XXI, por solicitação de seus componentes, que requereram a construção de indicadores sintéticos que permitissem captar, de forma contínua, a progressão do desenvolvimento dos municípios paulistas em direção à sociedade desejada e discutida amplamente nesse Fórum. 80 INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO condições de trabalho, quais direitos legais e políticos usufruem seus cidadãos, que liberdades possuem para conduzir suas relações sociais e pessoais, como se estruturam as relações familiares e entre os gêneros e como estas estruturas promovem ou dificultam outros aspectos da atividade humana. E, sobretudo, saber de que forma a sociedade em questão permite às pessoas imaginar, maravilhar-se e sentir emoções, o que efetivamente faz com que a vida seja mais do que um conjunto de relações comerciais (Nussbaum e Sen, 1998). A ênfase em diferentes componentes para a mensuração da qualidade de vida implica considerar vários aspectos, que não são transferíveis entre si. Não é suficiente conhecer somente as condições econômicas, também deve-se ter informações sobre a saúde, conhecimento e habilidades, relações sociais, condições de trabalho, etc., para medir o nível de vida. O IDH propôs-se a enfrentar este desafio, sintetizando em um único indicador dimensões de renda, longevidade e escolaridade. Apesar de o sucesso alcançado pelo IDH, a escolha das dimensões cobertas pelo índice bem como as estratégias de ponderação e de operacionalização das diferentes dimensões têm provocado bastante desconforto na comunidade produtora de dados. Não poderia ser diferente, pois quem lida com estatísticas sociais sabe que ao reduzir em um único número a complexa evolução e dinâmica do desenvolvimento social e econômico, faz-se uma série de reduções e simplificações, muitas vezes difíceis de serem captadas por não-especialistas ou mesmo aplicadas no âmbito do senso comum. Apesar dessas objeções, é inegável a importância do IDH como medida catalisadora, que introduz na agenda temas em que as Nações Unidas gostariam de ver ventiladas. Nas palavras de Sen “... o índice imperfeito falou alto e claro e recebeu uma atenção inteligente e, através desse veículo, a realidade complexa contida no Relatório1 encontrou também uma audiência interessada”1 (PNUD, 1998). Simultaneamente ao processo de difusão do IDH nos anos 90, há uma nova ênfase em políticas sociais descentralizadas, focalizadas e que envolvem a participação de atores não governamentais. Isso reforça a demanda por diferentes tipos de indicadores ao nível nacional e local. Com o advento do IDH, há um verdadeiro boom na produção de indicadores sintéticos para países, Estados, municípios e até distritos ou bairros em diferentes países em desenvolvimento, como Índia, Honduras, Guatemala, Costa Rica e Brasil (PNUD, 1999; PNUD, 2000).2 Um dos principais responsáveis por esse renovado interesse por estatísticas para políticas sociais é o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, lançado no início dos anos 90 e que, rapidamente, tornou-se a mais conhecida das medidas de desenvolvimento. Valendo-se do impressionante sucesso do IDH, as Nações Unidas tornaram-se capazes de sinalizar aos governantes dos diversos países e regiões em desenvolvimento, a proposição de que buscar crescimento não é sinônimo exclusivo de fazer aumentar a produção. No bojo desta questão, tem sido possível constituir um considerável debate internacional a respeito de que, pelo menos, a melhoria das condições de saúde e educação da população deve também ser considerada como parte fundamental do processo de desenvolvimento. A construção desse novo indicador de desenvolvimento reflete a estreita relação com os debates em torno da mensuração da qualidade de vida. A rigor, um indicador sobre esse tema se baseia na admissão de que a qualidade de vida não se resume à esfera econômica da experiência humana. A grande questão que se coloca quando se pretende avaliar o nível de prosperidade ou qualidade de vida de um país, região ou município é como fazê-lo. Quais as informações necessárias? E talvez o mais importante, quais os critérios verdadeiramente significativos para o desenvolvimento humano. É possível que a medida de qualidade de vida mais difundida, até o surgimento do IDH, tenha sido o PIB per capita. No entanto, conhecer o PIB per capita de um país ou região não é suficiente para avaliar as condições de vida de sua população, uma vez que, também, é necessário conhecer a distribuição desses recursos e como se dá o acesso a eles. Esse entendimento, de que o PIB per capita é uma medida insuficiente para avaliar a qualidade de vida das pessoas, já estava evidente na década de 50, quando em 1954 um grupo de especialistas das Nações Unidas propôs que, além da dimensão monetária, outras dimensões deveriam ser consideradas na avaliação da qualidade de vida das pessoas. Essa idéia se baseia no pressuposto de que o progresso de um país ou localidade não pode ser mensurado apenas pelo dinheiro que possuem (ou carecem) seus cidadãos, mas também em sua saúde, na qualidade dos serviços médicos e em sua educação. Essas medidas deverão ser consideradas não só pela disponibilidade mas também pela qualidade. Da mesma forma, é necessário conhecer as 81 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 - a maioria dos indicadores construídos refere-se a valores agregados para áreas específicas, tais como médias de renda ou de anos de estudo. Isso pode encobrir importantes desigualdades existentes dentro das áreas, ou mesmo situações de segregação. Nesse caso, a unidade geográfica é muito importante, uma vez que, quanto menor o tamanho da área maior a possibilidade de identificar situações de desigualdades e/ou segregação. Esse fato é particularmente importante quando se constrói índices para municípios de diferentes portes populacionais com a pretensão de compará-los; Uma vez que, com o avanço da descentralização, a mensuração do desenvolvimento tornou-se mais central para os governos locais e nacionais que pretendem introduzir políticas de desenvolvimento social e econômico no local. O principal motivo desse comportamento parece ser o fato de que os indicadores são vistos como poderosas ferramentas, não somente para o planejamento, mas também como formas dos governos democráticos se relacionarem com a opinião pública e a mídia e com as pressões vindas dos políticos tradicionais e demais forças locais (PNUD, 2000). Existe pouca certeza a respeito de que indicador ou indicadores seriam adequados ou suficientes, especialmente se o pesquisador considera a questão do ponto de vista de uma política pública específica quanto ao local (Inforegio, 2000). Assim, quando um gestor de políticas públicas pretende utilizar um indicador como ferramenta de avaliação e acompanhamento da política social, algumas questões importantes precisam ser analisadas: Como produzir um indicador para pequenas áreas? Este indicador será sensível a variações de curto prazo? Ou seja, é condizente com o tempo de execução da política social? Estas são apenas algumas das várias questões que surgem quando os gestores públicos e a sociedade tornam-se demandantes de indicadores que serão utilizados para tomadas de decisões e avaliações. Em geral, deve-se considerar que: - a percepção de que algumas regiões são desenvolvidas e outras não está no centro dos principais dilemas das políticas nacionais e internacionais do último século, particularmente desde o processo de descolonização. No entanto, a construção de medidas de desenvolvimento não é simples. Ela implica identificar, medir e comparar as dimensões que caracterizam esse fenômeno, bem como suas transformações ao longo do tempo; - em regimes democráticos, o processo de formulação de políticas envolve convencimento e geração de consensos. Assim, as variáveis utilizadas para orientar as estratégias de uma particular política social devem ser simples e desfrutar de muita credibilidade no governo, tanto interna como externamente. Em síntese, a demanda por novos índices parece ser parte de uma tendência dos governantes de tornar cada vez mais racionais os processos de tomadas de decisão. Soma-se a isso a maior utilização dos indicadores pela sociedade civil e pela mídia, que os utilizam para traçar um panorama da questão social nacional ou local. Assim, ao passarem também a produzir indicadores, em especial os sintéticos, várias organizações produtoras de dados entenderam que, apesar de suas limitações, eles podem transformar-se em mensagens fortes e, nesta condição, tornarem-se aliadas na criação de uma cultura de responsabilidade e na realização efetiva dos direitos humanos, ambos comportamentos indispensáveis para a construção de sociedades que anseiam por um desenvolvimento sustentável e com a democratização da sociedade do conhecimento. No entanto, estamos bem longe de produzir indicadores que respondam efetivamente a todos os requisitos desejáveis do ponto de vista de sua perfeita utilização por parte dos gestores públicos. A seguir, alguns esforços realizados pelo Seade nesse campo. - apesar de serem na teoria ferramentas ideais para políticas públicas, os indicadores criados dificilmente possuem, ao mesmo tempo, os atributos classicamente tidos como indispensáveis a um bom indicador, como: credibilidade, simplicidade, desagregação espacial, reprodutibilidade, comparabilidade, periodicidade, acurácia, baixo custo e sensibilidade; POR QUE CONSTRUIR O IPRS O Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS passou a ser desenvolvido pela Fundação Seade em 2000, após uma encomenda de um índice que refletisse o desenvolvimento e a qualidade de vida dos municípios paulistas. A construção desse indicador partiu, a princípio, de uma avaliação das experiências com outros indicadores municipais, particularmente o IDH-M (o IDH desenvolvido para municípios do Brasil). Avaliou-se que este indicador, no - muitas políticas sociais são planejadas e aplicados para um período relativamente pequeno, em geral um mandato governamental. Assim, os indicadores deveriam poder expressar as variações ocorridas nesse intervalo de tempo, o que não é fácil, diante da lógica do processo de coleta e produção de dados; 82 INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS caso de São Paulo, apresentava pouca diferenciação entre as diversas situações socioeconômicas observadas nos municípios paulistas, e não era adequado aos objetivos da Assembléia Legislativa. Uma das primeiras tarefas na construção do IPRS referia-se ao problema de como combinar as diferentes dimensões (renda, escolaridade, etc.) que se deseja representar no índice. O IDH tinha optado pela média aritmética, opção simples mas arbitrária. Contudo, dentro do paradigma adotado para a construção do IPRS, no qual a mensuração da qualidade de vida pressupõe considerar vários aspectos não transferíveis entre si, nenhuma das dimensões poderia ser utilizada para substituir a outra, nem hierarquizável. Dessa forma, não existe forma objetiva ou imparcial pela qual seria possível decidir qual de duas pessoas está melhor, se uma delas possui, por exemplo, uma saúde deficiente, porém melhores condições socioeconômicas que a outra. A rigor, ao se considerar a qualidade de vida como multidimensional, duas questões surgem. A primeira é o fato de que não existe nenhuma teoria universal que aponte quais componentes são essenciais para a mensuração da qualidade de vida. É desejável que esses componentes reflitam os problemas que afetam todas as condições de vida e sejam de tal importância que em todas as sociedades se façam esforços organizados e coletivos para combatê-los. Erikson (1998), discutindo a experiência sueca, alerta para o fato de que esses componentes dependem da situação e cultura do lugar. Destaca também o caráter político das escolhas, selecionando-se somente os componentes passíveis de sofrerem intervenção pelas políticas públicas. A segunda questão é o fato de que a multidimensionalidade implica tornar impossível a elaboração de um único indicador ordenável de condições de vida. Assim, uma das formas de contornar esse “problema” seria a descrição das condições de vida feita com base em um conjunto de indicadores que expressariam a situação da população estudada para cada uma das dimensões consideradas na mensuração da qualidade de vida. A desvantagem desse tipo de abordagem é o grande número de indicadores necessários e a dificuldade na visualização de uma imagem geral das condições de vida. Uma alternativa a esse enfoque é a criação de uma tipologia que permita distinguir as diferentes situações que configuram as condições de vida de uma população. Observe-se, entretanto, que esse procedimento de classificação, mesmo incapaz de ordenar essas situações, permite distingui-las claramente, o que, com certeza, é o que im- porta quando se pensa no desenho de políticas públicas específicas para cada grupo de municípios.3 O sistema de indicadores IPRS, cujo objetivo é permitir a caracterização e o acompanhamento da evolução dos municípios paulistas, foi organizado valendo-se da idéia de que a tipologia de municípios é um modo mais transparente de hierarquizar as diferentes situações sociais observadas do que por qualquer estratégia arbitrária de ponderação. Ele é originalmente composto por um conjunto de indicadores sintéticos que mais à frente derivam diferentes tipos de municípios. Pelo IPRS, é possível o agrupamento de municípios de acordo com as características relevantes para a definição de prioridades de ação e, no interior de cada grupo, a construção de rankings de municípios, segundo os indicadores específicos. Outra característica do sistema IPRS é permitir a identificação dos problemas que colocam os municípios em situação de vantagem ou desvantagem em relação aos demais municípios do Estado de São Paulo.4 Índice Paulista de Responsabilidade Social Tomando-se por base esses desafios, considerou-se que o indicador a ser construído deveria conter certas especificidades. A primeira seria preservar as três dimensões que compõem o IDH – renda, longevidade e escolaridade –, tendo em vista o interesse em se manter consistente com o paradigma do desenvolvimento humano proposto pelo PNUD. A segunda, a inclusão de variáveis capazes, na medida do possível, de captar mudanças de curto prazo e os esforços dos municípios em relação às três dimensões consideradas. Em terceiro lugar, basear-se prioritariamente em registros administrativos, por causa da cobertura e periodicidade dessas fontes de dados, o que permitiria a atualização do indicador para os anos entre os censos demográficos e para todos os municípios do Estado de São Paulo. Assim, as variáveis escolhidas para compor são distintas daquelas empregadas no cálculo do IDH, apesar de representarem as mesmas dimensões: renda, longevidade e escolaridade. Para cada uma das três dimensões consideradas, foram criados, para 1992, 1997 e 2000, indicadores sintéticos que permitem a hierarquização dos municípios paulistas conforme seus níveis de riqueza, longevidade e escolaridade. Esses indicadores estão expressos em uma escala de 0 a 100 e se constituem em uma combinação linear das variáveis selecionadas para compor o indicador sintético. A estrutura de ponderação foi obtida de acordo com um 83 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 QUADRO 1 Síntese das Variáveis Selecionadas e Estrutura de Pesos Adotada, segundo Dimensões do IPRS Dimensões Riqueza Municipal Variáveis Consumo de energia elétrica residencial (44%) Consumo de energia elétrica na agricultura, no comércio e em serviços (23%) Rendimento médio dos empregados com carteira assinada e do setor público (19%) Valor adicionado per capita (14%) Longevidade Mortalidade infantil (30%) Mortalidade de adultos de 60 anos e mais (20%) Mortalidade de adultos de 15 a 39 anos (20%) Mortalidade perinatal (30%) Educação Porcentagem de jovens de 15 a 19 anos que concluíram o ensino fundamental (26%) Porcentagem de jovens de 20 a 24 anos que concluíram o ensino médio (24%) Porcentagem de crianças de 10 a 14 anos alfabetizadas (24%) Porcentagem de jovens de 15 a 24 anos alfabetizadas (23%) Porcentagem de matrículas de ensino fundamental oferecidas pela rede municipal (3%) Fonte: Fundação Seade. IPRS. modelo de análise fatorial, em que se estuda a estrutura de interdependência entre diversas variáveis. O Quadro 1 apresenta as variáveis que compõem os três indicadores sintéticos e a estrutura de ponderação obtida para cada uma das dimensões consideradas. O indicador riqueza municipal procura captar, ao mesmo tempo, a riqueza do município (por intermédio das variáveis: consumo de energia elétrica na agricultura, no comércio e em serviços e valor adicionado per capita) e a renda familiar (por meio das variáveis: consumo de energia elétrica residencial e rendimento médio dos empregados no setor privado com carteira assinada e setor público). Esse indicador pode ser reproduzido anualmente, uma vez que isso ocorre também nas variáveis que o compõem. As fontes de informação utilizadas foram os registros administrativos fornecidos pelas Secretarias de Estado dos Negócios da Fazenda e da Energia do Estado de São Paulo e do Ministério do Trabalho e Emprego. O indicador de longevidade, expresso pela combinação de quatro taxas de mortalidade específicas a determinadas faixas etárias – mortalidade perinatal, infantil, de adultos de 15 a 39 anos e a de pessoas de 60 anos e mais – pretendeu destacar as dimensões da mortalidade consideradas relevantes para o estudo da qualidade de vida no Estado de São Paulo. Assim, devido às especificidades do Estado, com crescente mortalidade de adultos e significativos problemas de óbitos maternos e perinatais, que abrange os natimortos, enfatizouse essas dimensões. As fontes de informação utilizadas fo- ram os dados do registro civil, organizados e disponibilizados pela Fundação Seade. A opção por um indicador fundamentado em quatro tipos de mortalidade, em detrimento da esperança de vida que, a rigor, permite captar as condições médias da mortalidade de determinada região para todos os diferentes grupos de idade, baseou-se no fato de que a esperança de vida carrega forte componente inercial e, portanto, de pouca sensibilidade a variações conjunturais e incapaz de revelar as particularidades da mortalidade em diferentes regiões. Na construção do indicador de escolaridade, enfatizouse a situação escolar dos adolescentes e jovens. As razões para isso foram, em primeiro lugar, o fato de que o nível de escolaridade dos jovens e adolescentes reflete, com maior precisão, a situação geral do sistema de ensino nos últimos anos. Em segundo lugar, como os jovens comporão no futuro a força de trabalho. Os locais com menor escolaridade de jovens tendem e tenderão a ter, em geral, mais problemas no que diz respeito à inserção desses indivíduos no mundo do trabalho, uma vez que esse mercado é crescentemente seletivo de acordo com a escolaridade. Diferentemente dos indicadores de riqueza municipal e longevidade o de escolaridade é embasado em dados primários: censos demográficos e contagem da população. A principal razão para isso foi a ocorrência de mudanças, na década de 90, no questionário do censo escolar – fonte alternativa para a produção desses indicadores – que dificultou a construção de séries históricas. 84 INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS QUADRO 2 reprodução, sintetizou-se os três indicadores sintéticos de riqueza municipal, longevidade e escolaridade em escalas categóricas, que expressam o “padrão geral” dos grupos criados. Para os indicadores de longevidade e escolaridade, foram identificadas três categorias – Baixa, Média e Alta – e para o de riqueza municipal duas categorias – Baixa e Alta. O Quadro 2 apresenta a descrição dos cinco grupos de municípios. Síntese dos Critérios Adotados para a Formação dos Grupos de Municípios Grupos Categorias Grupo 1 Alta riqueza, média longevidade e alta escolaridade Alta riqueza, média longevidade e média escolaridade Alta riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade Alta riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade Alta riqueza, alta longevidade e média escolaridade Alta riqueza, alta longevidade e alta escolaridade Grupo 2 Resultados do IPRS 2000 Alta riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade Os Mapas de 1 a 3 apresentam a distribuição dos municípios conforme os indicadores sintéticos de riqueza, longevidade e escolaridade, principais resultados obtidos por meio da reprodução da tipologia de municípios em 2000. Por estes mapas, é possível observar em primeiro lugar a concentração dos municípios mais ricos na Região Metropolitana de São Paulo, em parte do litoral e no eixo em torno das rodovias Anhangüera e Presidente Dutra (Mapa 1). Para o indicador de longevidade, Mapa 2, notase uma grande concentração de municípios localizados nas regiões sul e leste, incluindo partes do Vale do Paraíba, com baixos níveis de longevidade. A maior parte dos municípios do Estado apresenta níveis médios e altos de longevidade, com grande concentração no oeste de municípios com altos níveis de longevidade. No indicador de escolaridade, Mapa 3, observa-se um padrão semelhante ao apresentado pelo indicador de longevidade, destacando-se o melhor perfil do Estado em relação a este indicador. O Mapa 4 apresenta as distintas situações existentes entre os municípios paulistas, e é possível traçar um perfil dos municípios que compõem cada um dos cinco agrupamentos: - Grupo 1: composto por 81 municípios localizados ao longo das principais rodovias do Estado de São Paulo – Presidente Dutra e Anhangüera. É o maior grupo na questão populacional com aproximadamente 23 milhões de habitantes. Fazem parte deste grupo os municípios de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Sorocaba e Santos entre outros. Os municípios desse grupo se destacam em relação aos demais municípios do Estado por apresentar, ao mesmo tempo, níveis mais elevados de riqueza e nos indicadores sociais. Alta riqueza, média longevidade e baixa escolaridade Alta riqueza, baixa longevidade e média escolaridade Grupo 3 Baixa riqueza, média longevidade e média escolaridade Baixa riqueza, alta longevidade e média escolaridade Baixa riqueza, média longevidade e alta escolaridade Baixa riqueza, alta longevidade e alta escolaridade Grupo 4 Baixa riqueza, baixa longevidade e média escolaridade Baixa riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade Baixa riqueza, média longevidade e baixa escolaridade Baixa riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade Grupo 5 Baixa riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade Fonte: Fundação Seade. IPRS. O indicador de escolaridade é bastante assemelhado ao IDH, que combina as taxas de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior com os níveis de analfabetismo adulto. De modo geral, as taxas de conclusão refletem as condições gerais de ensino, enquanto as de analfabetismo, que inclui as pessoas analfabetas e com até 1 ano de estudo, indicam a proporção de indivíduos totalmente excluídos do sistema escolar, apontando para a questão dos níveis de exclusão. Com a combinação dos três indicadores, foi criada uma tipologia que classifica os 645 municípios do Estado de São Paulo em cinco grupos com características similares de riqueza municipal, longevidade e escolaridade. A tipologia de municípios criada constitui-se em ferramenta analítica que permite identificar a situação de cada um dos municípios paulistas em cada uma das três dimensões da análise. Da mesma forma, nenhuma delas é privilegiada a despeito de outra. A construção dessa tipologia baseou-se em técnicas estatísticas multivariadas (Seade, 2001) que agrupam municípios de acordo com a similaridade existente entre eles nas três dimensões consideradas. Para fins de simplificação da descrição dos grupos criados e sua posterior - Grupo 2: formado por 48 municípios, cerca de 5 milhões de pessoas, localizados sobretudo no entorno das Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, caracteriza-se por apresentar um perfil de 85 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 MAPA 1 Indicador Sintético de Riqueza Municipal 2000 Fonte: Fundação Seade. IPRS. MAPA 2 Indicador Sintético de Longevidade 2000 Fonte: Fundação Seade. IPRS. 86 INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS MAPA 3 Indicador Sintético de Escolaridade 2000 Fonte: Fundação Seade. IPRS. MAPA 4 Índice Paulista de Responsabilidade Social 2000 Grupo 1 Fonte: Fundação Seade. IPRS 87 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 relativa riqueza municipal e situação social inadequada com precárias condições de longevidade e escolaridade. Identificam-se, neste conjunto de municípios, três importantes segmentos: 1) municípios industriais, como Mauá, Cubatão, Diadema e Guarulhos, localizados nos entornos das regiões metropolitanas, cuja riqueza municipal pode ser considerada elevada devido, sobretudo, à presença de indústrias de grande porte; 2) municípios que abrigam condomínios de alto padrão, como Barueri, Cotia e Itapecerica da Serra; 3) municípios turísticos, tais como Guarujá, Campos do Jordão, Ilhabela, Ibiúna e Atibaia. efetiva, a heterogeneidade regional do Estado de São Paulo. Segundo essa classificação, os municípios pertencentes ao Grupo 1 localizam-se principalmente ao longo do eixo das Rodovias Dutra e Anhangüera, e têm o Município de São Paulo como vértice; os municípios do Grupo 2 concentram-se nos entornos metropolitanos de São Paulo, Campinas e Baixada Santista; já os municípios do Grupo 3 encontram-se, principalmente, no oeste do Estado; enquanto os municípios dos Grupos 4 e 5 tendem, por sua vez, a ficar mais concentrados nos bolsões de pobreza do Vale do Ribeira e das Serras do Mar e da Mantiqueira. Quando se comparam esses resultados com os obtidos em 1997, observa-se a permanência do padrão já identificado naquele ano. Apesar de não ser objeto deste artigo a comparação da evolução dos indicadores setoriais entre esses dois períodos, é interessante salientar os expressivos progressos nas dimensões de longevidade e, principalmente, escolaridade. Quanto aos níveis de riqueza municipal, praticamente, não houve alteração entre os anos 1997 e 2000.5 - Grupo 3: engloba 211 municípios; em geral, são de pequeno porte, baixo nível de riqueza municipal e elevadas condições de escolaridade e de longevidade, quando comparados ao restante do Estado de São Paulo. Localizam-se nas regiões norte e oeste do Estado, com uma população de 3,5 milhões de habitantes, ou uma média de 16,7 mil habitantes. Quanto ao porte populacional, as exceções são Franca e Santa Bárbara d’Oeste, ambos com mais de 100 mil habitantes. Entre as possíveis explicações para a emergência destas localidades está seu pequeno tamanho populacional, que, em tese, é um elemento que poderia tornar mais transparentes e eficazes os instrumentos de política de descentralização em saúde e educação. Além disso, os dados demográficos disponíveis apontam para a continuidade do padrão histórico de emigração nestas áreas. Em princípio, esse elemento torna menos premente a necessidade de investimentos em infra-estrutura viária para a urbanização de novas áreas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O IPRS compartilha com o IDH a perspectiva de que o desenvolvimento é um processo que, além dos aspectos econômicos, necessita incorporar dimensões da vida social e da qualidade de vida dos indivíduos. O IPRS, idealizado como um diálogo com o IDH e com o paradigma do desenvolvimento humano, incorpora certas especificidades decorrentes das condições particulares do Estado de São Paulo: - priorização de indicadores que produzem variações num período de quatro ou cinco anos, que corresponde ao tempo de uma gestão governamental, constituindo-se assim em uma importante ferramenta para o monitoramento de políticas públicas; - Grupo 4: agrega 191 municípios, com 3,5 milhões de habitantes, que, de modo geral, apresentam baixo nível de riqueza municipal e níveis intermediários de escolaridade e/ou longevidade. Esses municípios estão localizados em quase todas as regiões do Estado, com destaque para áreas tradicionalmente consideradas problemáticas. - Grupo 5: formado por localidades tradicionalmente pobres, caracterizadas por baixos níveis de riqueza municipal, longevidade e escolaridade. Este grupo concentra os piores municípios do Estado, tanto em riqueza como nos indicadores sociais. Seus 114 municípios localizamse em áreas bem específicas do Estado, como o Vale da Ribeira e as Serras do Mar e da Mantiqueira. Sua população total é de apenas 2 milhões de habitantes. - criação, não de um único índice, mas de uma tipologia de municípios que agregam características comuns, possibilitando a identificação dos principais problemas econômicos ou sociais de um município; - indicadores do IPRS são fundamentados em critérios relativos, definidos com base na situação apresentada pelo próprio Estado. Este fato permite a construção de um quadro muito mais heterogêneo da diversidade paulista do que o proporcionado pelo IDH, que utiliza escalas ajustadas à heterogeneidade observada na comparação entre os diversos países. Entre os resultados apresentados, é possível identificar os perfis específicos de cada um dos cinco agrupamentos e também perceber padrões espaciais que demonstram que os indicadores gerados caracterizam, de forma 88 INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS ERIKSON, R. Descripciones de la desigualdad: el enfoque sueco de la investigación sobre el bienestar. In: NUSSBAUN, M.; SEN, A. (Comp.). La calidad de vida. México: Fondo de Cultura Económica; The United Nations University, 1998. Assim, esse conjunto de indicadores fornece mais subsídios para se refletir a respeito dos elementos que induzem diferentes performances econômicas e sociais dos municípios paulistas. No entanto, a continuidade dessa proposta apresenta novos e importantes desafios, e um dos mais importantes é a compreensão sobre a heterogeneidade existente no interior do município. Pois, apesar de o IPRS revelar a heterogeneidade existente entre os municípios, há também uma heterogeneidade no interior de cada município, implicando desafios às políticas públicas estaduais e municipais, em especial no campo do combate à pobreza. Uma vez que, mesmo os municípios mais ricos do Estado, como São Paulo e Campinas, apresentam em seu interior significativos bolsões de pobreza, que constituem recorrente dificuldade para uma satisfatória resolução de seus problemas sociais. Nesse sentido, vêm sendo desenvolvidos, em uma segunda etapa do IPRS, estudos que objetivam captar a heterogeneidade intra-urbana, utilizando-se dos Setores Censitários, como unidade geográfica e dos dados dos Censos Demográficos. Da mesma forma, está se buscando a criação de indicadores que permitam captar os esforços municipais para melhorar a situação de seus habitantes nos campos da saúde e educação.6 FUNDAÇÃO SEADE. Índice paulista de responsabilidade social. Atualização. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2003a. ________ . Índice paulista de responsabilidade social. Cluster de pobreza região administrativa de Campinas. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2003b. ________ . Índice paulista de responsabilidade social. Geração do indicador de esforços em saúde. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2003c. ________ . Índice paulista de responsabilidade social. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2001. ________ . Cadernos do fórum: São Paulo, século XXI. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2000. ________ . Prestação de serviços para a elaboração do projeto priorizando o saneamento no Estado de São Paulo. São Paulo, 1998a. Mimeografado. ________ . Prestação de serviços especializados de consultoria para a realização de estudos, pesquisas, análises, sistematização, georreferenciamento e disseminação de indicadores socioeducacionais para o Estado de São Paulo. São Paulo: 1998b. Mimeografado. ________ . São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo, 1993, v. 1-6. ________ . Pesquisa de condições de vida na região metropolitana de São Paulo: uma abordagem multissetorial. São Paulo, 1992. GOUVÊA, G. Uma salto para o presente: a educação básica no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.14, n.1, 2000. HADDAD, S.; PIERRO, M. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos no Brasil: uma avaliação da década da educação para todos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.14, n.1, 2000. NOTAS 1. Trata-se do Relatório de Desenvolvimento Humano publicado anualmente pelo Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). IBASE. Observatório da Cidadania, n. 3. Rio de Janeiro, 1999a. ________ . Cadernos do Observatório, n. 0. Rio de Janeiro, 1999b. 2. No Brasil, existem mais de 10 diferentes índices produzidos para municípios (PNUD et al., 1998; Seade, 2001) e intramunicipais para grandes cidades como São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Santo André, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Campinas e Brasília. Parte dessa produção pode ser encontrada na Internet em: <www.pbh.gov.br>; <www.ipea.gov.br> e <www.undp.org.br>. ________ . Observatório da Cidadania, n.2. Rio de Janeiro, 1998. INFOREGIO. The urban audit: toward a benchmark of quality of life in 58 European Cities. In: Office for Official Publications of the European Comunities. Luxembourg, 2000. Disponível em: <http:/ /www.inforegio.cec.eu.int>. KUMAR, A.K. S. Short term changes in development: tracking inputs, assessing efforts, measuring outcomes. Delhi: Draft for Discussion, 1999. 3. Ressalte-se, porém, que a opção pela criação de um único indicador, no caso do IDH, mostrou-se bastante adequada a seu objetivo de ordenar de forma simples e inteligível unidades geográficas, segundo o grau de desenvolvimento humano. MARSHALL, T. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. 4. A Fundação Seade já possuía experiência na criação de tipologias, como os grupos socioeconômicos da Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo, realizada em 1990. MURRAY, C.J.L.; CHEN, L.C. Understanding Morbidity Change. CHEN, L.C. et al. Health and social change in international perspective. Cambridge: Harvard University Press, 1993. p.87-114. 5. Uma análise detalhada da evolução dos indicadores IPRS está apresentada no relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003a). NICOLAU, J. Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro: Foglio, 1993. 6. Para maiores detalhes ver relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003b; c). NUSSBAUM, M.; SEN, A. La calidad de vida (Introdução). México: Fondo de Cultura Económica; The United Nations University, 1998. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PNUD. Relatório do desenvolvimento humano 2000. Lisboa: Trinova, 2000. DEBRAJ, R. Development economics. New Jersey: Princeton University Press, 1998. ________ . Relatório do desenvolvimento humano 1999. Lisboa: Trinova, 1999. 89 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 ________ . Relatório do desenvolvimento humano no Brasil. 1996. Brasília: 1996. TORRES, H.G. Social policies for the urban poor: the role of populations, information systems. Working Papers Series CST/ LAC, n.24, Mexico: UNFPA Country Support Team for Latin America & The Caribbean, jan. 2002. PNUD et al. Desenvolvimento humano e condições de vida: indicadores brasileiros. Brasília: PNUD, 1998. ________________________ HAROLDO DA GAMA TORRES: Demógrafo, Pesquisador do Cebrap e do Centro de Estudos da Metrópole, Consultor da Fundação Seade. PUTNAM, R.D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. SANTOS, W.G. Cidadania e justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979. TENDLER, J. Good government in the tropics. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1997. MARIA PAULA FERREIRA: Estatística, Analista da Fundação Seade, Consultora do Centro de Estudos da Metrópole. TODD, A. Health inequalities in urban areas: guide to the literature. Environment and Urbanization, v.8, n.2, 1996, p.141-152. NÁDIA PINHEIRO DINI: Estatística, Gerente de Métodos Quantitativos da Fundação Seade. 90 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 91-103, 2003 SPMULHERES EM DADOS SPMULHERES EM DADOS MARIA CECÍLIA COMEGNO Resumo: A conquista de direitos formais para as mulheres parece diluída na persistência de práticas discriminatórias tanto no espaço público como no privado. A informação é um dos elementos indispensáveis ao exercício da plena cidadania e ferramenta para a formulação de políticas públicas. O artigo trata de um sistema de informações sobre temas estruturantes na vida das mulheres no Estado de São Paulo que permite diagnosticar diversos processos em curso nas relações de gênero. Palavras-chave: políticas públicas; gênero; mulheres paulistas. Abstract: The achievement of formal rights by women is diluted by the persistence of discriminatory practices both in the public and private spheres. Information is one of the essential elements towards full social participation and is a tool in the formulation of public policy. This text discusses a system of information on the state of women in São Paulo State and permits a diagnosis of the diverse processes underway in gender relations. Key words: public policy; gender; women of São Paulo State. N as últimas décadas, registraram-se avanços significativos nas relações entre homens e mulheres, mas persistem ainda práticas discriminatórias, tanto no espaço público como no privado. Essas práticas foram mundialmente reconhecidas pela necessidade de ampliação do conceito de direitos humanos, que adquiriram significado e alcance novos quando a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim (1995), declara que “os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integrante e indivisível dos direitos universais”. Essa concepção foi incorporada aos tratados e acordos assinados nos anos 90 entre nações, com efeitos diretos no âmbito interno dos países signatários das convenções, como é o caso do Brasil, colocando novos desafios e oportunidades para os órgãos institucionais de direitos da mulher no que diz respeito à definição de políticas públicas de gênero. Nesse sentido, um dos mais importantes instrumentos que introduz essa visão é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw, ratificada pelo Brasil em 1984 e promulgada pelo Decreto no 4.377, de 13 de setembro de 2002. Cabe, ainda, ressaltar que quando se focaliza a questão das desigualdades sociais as soluções tornam-se ainda mais problemáticas, uma vez que a capacidade dos Estados de sustentar políticas de bem-estar social e, desse modo, garantir a universalidade dos direitos sociais, está altamente comprometida com a reestruturação do sistema econômico mundial, das economias nacionais e do gasto público. Acresce-se a esse quadro a expansão da população economicamente ativa, uma das mais importantes transformações sociais ocorridas no país desde os anos 70, que deriva das mudanças demográficas, culturais e sociais manifestadas no Brasil e tem como base a necessidade econômica e as oportunidades oferecidas, afetando em particular esse contingente populacional. A criação legal do Conselho Estadual da Condição Feminina – CECF, em 1986, pelo governo do Estado de São Paulo, mas que por decreto funcionava desde 1983, iniciou o processo de formulação e implementação de políticas públicas dirigidas às mulheres, com base na ação conjunta de entidades femininas e de órgãos executores. À medida que o CECF ampliava sua área de atuação, com a multiplicação dos conselhos municipais, e crescia a demanda por subsídios para a aplicação de políticas locais, 91 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 tornou-se evidente a carência de informações sistematizadas sobre a situação das mulheres paulistas. Apesar de algumas iniciativas pontuais, persistia a dispersão e a fragmentação das informações. A Fundação Seade, desde 1993, trabalha em parceria com o Conselho para suprir tal carência. Nesse mesmo ano, foi firmado entre ambos um convênio de prestação de serviços técnicos especializados de produção de dados e indicadores sobre a mulher paulista. E desde 1996, valendo-se de um contrato de cooperação técnica ajustado com a Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional/Fundo para Eqüidade de Gênero, a Fundação Seade vem trabalhando para a produção de indicadores sobre a mulher e o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo. Em 2000, essa parceria se repetiu no Programa de Políticas Públicas, com apoio da Fapesp, para produzir um sistema de informações que permite diagnosticar a situação da mulher paulista, e, ao mesmo tempo, propiciar a formulação de políticas e programas públicos pela ótica de gênero. Intitulado SPMulheres em Dados e formatado em padrão Internet, esse produto acolhe uma antiga reivindicação do CECF: dispor de estatísticas quanto à situação da mulher no Estado em suas áreas prioritárias de atuação. O projeto inscreve-se no campo do fortalecimento dos mecanismos de promoção da mulher, para integrar suas demandas nos programas governamentais e ao mesmo tempo identificar os aspectos críticos na trajetória da construção das políticas de gênero no Estado de São Paulo. A concepção da parceria apresentada neste projeto teve, entre outros objetivos, a introdução de uma alteração qualitativa e inovadora nos trabalhos do CECF, pois, ao se apropriar de um sistema de informações selecionadas com base em seu centro de interesse, passa ele a ter um diagnóstico da situação da mulher no Estado de São Paulo, o que lhe permite propor políticas públicas prioritárias e articuladas, sob a perspectiva de gênero, como também atender a seus diferentes usuários – secretarias estaduais e municipais, conselhos municipais da condição feminina, entidades de mulheres, etc. luta pela implementação da Plataforma de Ação aprovada na IV Conferência Mundial das Mulheres.1 Procurou-se, assim, voltar-se para temas que se referem às áreas prioritárias de atuação do CECF, sobretudo seus aspectos que incorporam a perspectiva de gênero como fator transversal em suas respectivas ações programáticas. Foram, então, selecionados os seguintes temas: demografia, saúde e direitos reprodutivos, educação, trabalho, violência e participação política. Essa escolha deveu-se, também, ao fato de eles serem estruturantes na vida das mulheres e abrirem caminhos para mudanças necessárias. É preciso salientar que a complexidade que envolve a questão dos direitos humanos relativos à mulher abrange um campo de preocupações muito mais amplo do que o proposto neste projeto, como é o caso, por exemplo, dos efeitos da globalização sobre a vida das mulheres nas áreas ambiental, cultural e de acesso a novas tecnologias de informação e comunicações. De toda forma, esses temas ainda estão praticamente ausentes da agenda do movimento de mulheres como também da agenda de pesquisas de gênero – o que demonstra a baixa capacidade da sociedade civil e do Estado em pautar tais demandas e propor ações. A problemática das relações sociais de sexo exige uma leitura da sociedade de tal forma que desenvolva a percepção da hierarquia entre masculino e feminino e que essas relações não sejam neutras. A relação social de sexo ou a noção de gênero é um conceito recente que ainda apresenta inúmeras controvérsias, mas, graças à produção acadêmica e à emergência dos movimentos feministas, após os anos 70, acumulou-se uma série de abordagens conceituais fundamentais que orientam a leitura do cotidiano das mulheres. Perfil Demográfico As estatísticas demográficas constituem elemento de diagnóstico importante para identificar as desigualdades entre os sexos. Embora a variável sexo esteja presente nas pesquisas e nos recenseamentos, não necessariamente revela as relações socialmente valorizadas e prescritas entre homens e mulheres que permitam, por sua vez, compreender os mecanismos que determinarão os diferentes comportamentos. Em sua reflexão quanto às metodologias quantitativas em pesquisas sobre relações de gênero, Bruschini (1992: 291) assinala que uma “abordagem feminista é o exame crítico das relações sociais tendo em vista a existência de um recorte de gênero, que também define desigualdades ABORDAGENS TEMÁTICAS DIFERENCIADAS O ponto de partida para estabelecer o referencial temático do SPMulheres em Dados foi a leitura de diversos documentos, cujos signatários comprometeram-se com a 92 SPMULHERES EM DADOS sociais”. Não se trata, portanto, de estudo tradicional sobre as mulheres, e a diferença estaria no exame das relações de gênero e na busca de uma resposta à opressão da mulher pelo gênero. Em análises demográficas, é importante o conhecimento de quem decide o quê, tanto em relação à fecundidade, à saúde como à migração, mas as estatísticas são incapazes de responder corretamente a essas questões com perguntas individuais e “fechadas”. Outros autores (Moreira, 1994; Goldani, 1994-2000; Alves, 1994) têm assinalado as dificuldades para incorporar nos determinantes da fecundidade (ou de outra variável) as relações de gênero, utilizando dados censitários e pesquisas demográficas e de saúde, devido, basicamente, à ausência de informações diretas capazes de consubstanciá-las. Para dimensionar todos os aspectos da discriminação feminina, Goldani (2000) incorpora a seu estudo tanto as práticas como as representações individuais, selecionando algumas áreas específicas para captar os indicadores de (des)igualdade de gênero nas famílias: a estrutura diferencial da divisão de trabalho de produção e reprodução na família, as formas de divisão do poder e tomadas de decisão pelos membros da família, a sexualidade e os comportamentos sexuais, redes de apoios familiares, violência doméstica, representações de casamento, filhos e família. Esse estudo sinaliza a complexidade de se construir e obter indicadores adequados para estudos de gênero; na prática, aproximações e adequações são realizadas utilizando-se os dados e as fontes de informação disponíveis. Apesar dessas considerações, as informações demográficas são importantes instrumentos para o conhecimento do perfil das populações feminina e masculina, assim como para avaliar sua modificação ao longo do tempo, e é um indicador da persistência ou não da desigualdade entre homens e mulheres. Principalmente para o planejamento e a elaboração de políticas públicas referentes ao segmento feminino, elas permitem quantificar as populações-alvo e caracterizar as formas de desigualdade de gênero que emergem, sobretudo, quanto aos seus efeitos sobre a saúde das mulheres e para os quais é preciso elaborar intervenções. De fato, nas últimas décadas, observam-se modificações no perfil demográfico das mulheres paulistas que acarretam novas demandas de políticas voltadas para esse segmento populacional. Elas são principalmente urbanas, adultas-jovens, diminuíram o tamanho de suas famílias e várias declaram ser chefes das mesmas. Ao tratar das especificidades da mulher, é fundamental considerar as desigualdades raciais e de gênero como resultado do processo histórico que conformou a sociedade brasileira. Estudiosos produziram ampla literatura mostrando que, no Brasil, as mulheres são mais discriminadas racialmente do que os homens, o que pode ser traduzido em acessos e oportunidades desiguais, gerando formas freqüentemente perversas de exclusão. Quando se faz o recorte etário, a população adolescente-jovem constitui uma das maiores preocupações de sociedades, governos e organismos internacionais, visto que se encontra entre os grupos sociais mais atingidos pelas rápidas e profundas mudanças da pós-modernidade. Para este segmento, destacam-se problemas específicos da gravidez e maternidade precoce, que estariam limitando suas oportunidades de inserção social numa sociedade competitiva. As mudanças projetadas na pirâmide demográfica também indicam preocupações sobre o envelhecimento populacional e colocam a questão da feminização da velhice, exigindo um olhar atento às relações de gênero. Existem, ainda, outros problemas relacionados com o estado conjugal das mulheres, tais como: casamento em idade sistematicamente inferior à do homem, aceito e mesmo imposto cultural e socialmente no país; casamento precoce, que muitas vezes alija a mulher do trabalho fora do lar; viuvez, divórcio e separação que, em geral, afetam mais a mulher. Nas zonas urbanas, e em especial nas áreas metropolitanas, constata-se um número crescente de mulheres que vivem sem cônjuge e com filhos ou simplesmente sozinhas. Saúde e Direitos Reprodutivos Na área da saúde, a literatura registra diferenciais entre homens e mulheres com relação às seguintes dimensões: necessidades especiais de atenção à saúde; riscos específicos ligados a atividades ou tarefas definidas como masculinas ou femininas; percepção da doença; condutas de busca de serviços de saúde; grau de acesso e controle exercido sobre os recursos básicos de atenção a saúde, tanto no nível intrafamiliar como público; e, no nível macrossocial, prioridades na distribuição de recursos públicos destinados à saúde e investigação dos problemas que afetam diferente ou exclusivamente um dos sexos (Gomez Gomez, 1993). Nesse sentido, uma análise de gênero reconhece o impacto específico que os problemas de saúde têm em homens e mulheres e procura entender de que modo, pelas relações e pela ideologia de gênero vigentes, são diferen- 93 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 tes as experiências/ percepções/ necessidades/ papéis de homens e mulheres com respeito à saúde e seu acesso aos recursos e benefícios dela própria e ainda como as instituições, estatais ou privadas, encarregadas dos serviços de saúde, encaram o processo de reforçar ou questionar os papéis atribuídos socialmente a homens e mulheres (Casas et al., 1998). Com a ampliação dos movimentos de mulheres e as resoluções adotadas pelas diferentes conferências mundiais de que os direitos reprodutivos são reconhecidos como direitos humanos, as relações de gênero incorporaram-se às pautas de debate dos serviços de saúde, propondo alteração no eixo do atendimento, que passa a trabalhar com o conceito de saúde integral da mulher em todas as fases da vida, não só no período reprodutivo. Embora esse conceito tenha sido incorporado, desde 1986, como política pelo Ministério da Saúde, com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Paism, “existem ainda grandes distorções e desigualdade de gênero no atendimento à saúde sexual e reprodutiva, e a qualidade do atendimento ainda deixa muito a desejar” (Galvão; Diaz, 1999: 17). A saúde reprodutiva é conceituada como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou incapacidades, em todas as questões relacionadas ao sistema reprodutivo. É preocupante a precocidade cada vez maior do início da vida sexual, detectada pelo aumento da gestação na adolescência (Fundação Seade, 1998a) e que apresenta grandes riscos, em comparação a outros grupos etários. O aumento da esperança de vida, especialmente para as mulheres, deve ser acompanhado por uma maior qualidade nas condições de saúde da população idosa, o que significa assegurar orientação adequada e prevenção de doenças decorrentes do envelhecimento, além da garantia de acesso aos serviços de saúde com atendimento especializado. Um estudo de gênero da morbimortalidade implica necessariamente a análise dos diferenciais entre os sexos por causas específicas. No Brasil, estima-se que o câncer do colo do útero seja o segundo mais comum na população feminina, representando 15% de todos os tumores malignos em mulheres, superado apenas pelo de mama. Embora não existam estatísticas nacionais confiáveis, foram realizadas várias investigações sobre a mortalidade materna. No Brasil, o risco de morte ou de lesões permanentes em conseqüência de um aborto clandestino depende, em última instância, não só da clandestinidade em si, mas do poder aquisitivo da mulher (Bacha; Grassioto, 1994). Mulheres pobres, cuja qualidade de vida já está marcadamente prejudicada pela dificuldade de acesso à educação, à alimentação e aos cuidados básicos de saúde, são as que engrossam as estatísticas de mortalidade por aborto. É considerável o número de doenças transmitidas sexualmente, representando um grave problema por suas repercussões médicas, sociais e econômicas. Além das Doenças Sexualmente Transmitidas – DSTs, existe ainda a alta incidência de infecção pelo vírus HIV em mulheres, e a vulnerabilidade depende de inúmeros determinantes sociais, remetendo às formas como homens e mulheres relacionam-se em nossa sociedade (Simões Barbosa, 1999). Pouco se conhece acerca do impacto do trabalho sobre a saúde da mulher. Pesquisadores esclarecem que a aplicação do conceito de gênero contribui e alarga a compreensão do fenômeno do processo saúde-doença ao introduzir “a dimensão de poder crivada pela desigualdade sexual para explicar os diferentes impactos que a exposição aos mesmos riscos químicos, ergonômicos e psíquicos nos locais de trabalho provocam no homem e na mulher” (Oliveira; Barreto, 1997). No Brasil, também não existe a dimensão exata do fenômeno da violência doméstica, conjugal e intrafamiliar na saúde das mulheres. Este ainda é um fato pouco esclarecido, em razão do silêncio feminino e da ausência de escuta social. Apesar da implantação da Norma Técnica do Ministério da Saúde para a “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” (1998), os serviços de saúde não estão preparados para reconhecer a violência de gênero como causa dos problemas de saúde das mulheres, especialmente no atendimento médico. O recorte por grupos raciais também é de suma importância nos estudos de saúde, uma vez que além de predisposições de ordem biológica, fatores ligados a condições socioeconômicas e padrões culturais podem trazer uma vulnerabilidade maior em relação a determinadas doenças. Situação Educacional No Brasil, como em vários países do mundo, menos ou mais desenvolvidos, as mulheres – desde a escola primária até a universidade – apresentam melhores resultados escolares que os homens. De fato, o combate à desigualdade envolve a oferta de serviços sociais básicos, públicos e de caráter universal como mostra o exemplo da edu- 94 SPMULHERES EM DADOS cação pública em que as mulheres são as maiores beneficiárias da universalização do acesso ao ensino fundamental. No entanto, o paradoxo permanece: se as mulheres apresentam melhor rendimento escolar, por que os homens, com o mesmo nível educacional que as mulheres, recebem melhor salário no mercado de trabalho? As discussões relevantes na temática “mulher e educação” convergem para os seguintes pontos: - a educação da mulher como importante fator de mudança sociocultural; sofram menos reprovações que os meninos de mesma condição social, nem por isso deixam de ser atingidas pelos reveses do sistema em face da tarefa de promover a formação básica para a cidadania. E, mais grave, as explicações para o insucesso feminino (Abramowicz, 1991) mostram-se diferenciadas daquelas consideradas para o segmento masculino. Para este segmento, enquanto a retenção é vista e, em alguma medida, aceita como “coisa de moleque”, a interpretação para o mesmo fenômeno entre as meninas é bem menos condescendente, prevalecendo colocações que reacendem velhos preconceitos relativos à capacidade intelectual da mulher, influenciando negativamente sobre sua auto-estima e sugerindo uma inserção social restrita. Por fim, perpassando as discussões mencionadas, as explorações relativas à articulação mulher/educação remetem a uma outra, de natureza diferente, mas nem por isso de menor importância, que decorre da correlação positiva existente entre a escolaridade das mães e os elevados níveis médios de anos de estudo e a alta freqüência à escola dos filhos, fenômeno regular, que ocorre com os alunos dos ensinos fundamental e médio. Esta recorrência sugere a idéia de que mudanças acentuadas nos níveis de escolaridade da população também dependem de ciclos geracionais, isto é, da emergência de gerações de mães instruídas, demandando e facilitando a aquisição de nível de escolaridade mais elevado para seus filhos (Fundação Seade, 1998b). Nessa perspectiva, ressalta-se a importância dos equipamentos coletivos como as instituições de educação infantil – creches e pré-escolas –, para que os filhos não constituam entraves ao engajamento da mulher no mercado de trabalho, compartilhando, assim, com toda a sociedade, o direito à reprodução, sem punir a mulher no que se refere à descontinuidade no trabalho e conseqüente reflexo em sua qualificação, competitividade e qualidade de vida. - a ampliação do leque de escolha do curso superior avançando para áreas tradicionalmente masculinas; e - a problemática das diferenças e significados do desempenho escolar de acordo com o sexo. A educação da mulher é motivo de preocupação para determinados organismos internacionais, já que seu avanço é um fator de mudança sociocultural. Todos recomendam eliminar os estereótipos de gênero das práticas, matérias, materiais, currículos e instalações educacionais; e eliminar as barreiras que impedem o acesso à educação de adolescentes grávidas ou mães jovens à educação. Há consenso de que investimentos na educação da mulher exercem importante papel social, contribuindo para a melhoria de suas condições de vida ao dotá-la de bagagem cultural que lhe permite agir positivamente na busca de melhores oportunidades. A oferta de cursos superiores, tradicionalmente masculinos, ganha força em um cenário de crescentes inovações tecnológicas, em que exigências por novas competências e habilidades colocam-se ao cidadão, superando cada vez mais restrições definidas a priori, tais como aquelas associadas ao sexo. Quanto às diferenças de desempenho escolar observadas entre os dois sexos, Madeira (1996) observa que desde a metade dos anos 70 os indicadores educacionais são ligeiramente favoráveis às meninas, o que requer novas abordagens para identificar as desigualdades existentes. No caso do Brasil, é fundamental agregar, além do recorte de gênero, o de raça para visualizar o quadro de desigualdade existente, uma vez que pesquisas indicam diferenças nas taxas de analfabetismo e número de anos de estudo entre brancos e negros. Ainda que relevantes, essas discussões, não podem caminhar isoladamente, já que o melhor desempenho da população feminina em relação à população masculina estaria longe de representar uma conquista (Madeira, 1996). Ou seja, as jovens, sobretudo as de baixa renda, ainda que Inserção no Mercado de Trabalho O trabalho, como principal atividade humana, é um dos fundamentos da organização social, tanto no nível econômico como nas relações entre grupos sociais. Por sua vez, a noção de divisão do trabalho, de acordo com o sexo, constitui uma das dimensões relevantes da divisão social do trabalho e, conseqüentemente, da organização e do funcionamento de cada sociedade (Hirata; Kergoat, 1994). A relação entre divisão social e divisão sexual do traba- 95 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 lho, entretanto, não é automática, porque não está condicionada unicamente às formas de produção ou de relações do trabalho, mas é influenciada também pelas representações e padrões de conduta determinados para cada sexo, ou seja, pelas relações de gênero criadas no âmbito da família, cultura, religião, etc. Ao entrar no mercado de trabalho, as mulheres o fazem em condições absolutamente desiguais, porque sua existência e habilitação para o trabalho são vistas pelo filtro da imagem do gênero dominante na consciência dos membros da sociedade, que até parece natural, isto é, biológica. Para elas estão reservadas, primordialmente, funções associadas à vida privada, ao cuidado com a família e, por isso, sua inserção profissional seria uma extensão da vida doméstica, sobretudo nas atividades de cuidado com crianças e adolescentes (professoras), ou adultos (enfermeiras, psicólogas, terapeutas, etc.), e de manutenção de espaços domésticos ou empresariais (empregadas domésticas, prestadoras de serviços de limpeza, etc.). Diversas análises sobre as mulheres no mercado de trabalho indicam uma tendência à conformação de nichos ocupacionais, espaços de inserção predominantemente femininos, criados pela sobreposição de alguns processos sociais ou pela dinâmica do mercado de trabalho (Costa, 1996; Leone, 1998). As diferenças são visíveis ao se contrapor a remuneração de mulheres e homens, em qualquer momento da história brasileira, sem dúvida um exercício de demonstração da inferioridade do primeiro segmento e a existência de discriminação que resultam da interação de vários fatores, cujas causas devem ser identificadas (Alves et al., 1996; Fundação Seade, 1997; Bruschini, 1998). Um dos aspectos está diretamente relacionado a políticas de enfrentamento da pobreza. É certo que um dos principais determinantes da pobreza seja a baixa disponibilidade de renda per capita,2 e a participação das mulheres na força de trabalho pode ser um importante fator de redução desse fenômeno. A inserção das mulheres no mercado de trabalho, sejam cônjuges ou filhas, agrega uma fonte adicional de renda à família, e quanto maiores e melhores suas oportunidades, maior impacto terão sobre as condições de vida familiares. Quando a mulher é chefe, essa relação se aprofunda ainda mais, pois sua capacidade de geração de renda é fundamental para compor o rendimento familiar. Quanto à situação da mulher brasileira, de modo particular da que vive no Estado de São Paulo, os estudos acusam sua crescente participação no mercado de trabalho (Bruschini, 1998; Wajnman; Rios Neto, 2000; Fundação Seade, 2002), embora também cresça o contingente das que permanecem desempregadas e o das que têm obtido trabalho em condições menos favoráveis no contexto da reestruturação econômica, não apenas pela segmentação do mercado mas pelo tipo de remuneração e de condições de trabalho (Segnini, 2000). A análise de programas de intermediação de mão-deobra e capacitação profissional (Fundação Seade, 2000) mostra que as mulheres têm oportunidades bastante expressivas de acesso a esses programas e a outros de caráter variável, como microcrédito e frentes de trabalho nas regiões metropolitanas. Diferentemente de outros países, mesmo latino-americanos, essa situação ocorre em um contexto de políticas de acesso universal que apenas de forma secundária privilegia a inserção feminina, mas apesar de esses programas não terem sido desenhados explicitamente com a perspectiva de gênero, o certo é que obtiveram como resultado grande participação feminina. Violência Contra a Mulher Os estudos sobre violência contra a mulher, tradicionalmente, têm enfatizado duas ordens de fenômenos: a violência sexual e a conjugal. Esses tipos de violência singularizaram-se, destacaram-se da massa indiferenciada de atos violentos, adquiriram face própria e, desse modo, politizaram-se (Heilborn, 1987). A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 1994, e ratificada pelo Brasil em 1995, introduziu conceitos importantes, com vista em melhorar a proteção legal dos direitos das mulheres. Entre esses, destacam-se o reconhecimento da categoria “gênero”, a noção de “direito a uma vida livre de violência”, a visibilidade da violência sexual e psicológica e a consideração dos âmbitos público e privado como espaços de ocorrência de atos violentos contra mulheres. Além dessas preocupações mais amplas, vários movimentos sociais voltados para a questão da violência contra a mulher também enfatizam temas pontuais, relacionados a mulheres que pertencem a grupos que as colocam em situação de maior fragilidade: presidiárias, negras, pobres, etc. Da mesma forma, o tema violência contra a mulher firmou-se como um “problema de gênero”, configurando-se como “(...) um conjunto de papéis que são conferidos à 96 SPMULHERES EM DADOS de participação política adquire uma perspectiva própria com o deslocamento das prioridades do movimento feminista: uma postura de denúncia dos mecanismos geradores da exclusão e de crítica da natureza do Estado presente até os anos 80, para formulação de políticas que visam a ampliação dos espaços da mulher no poder (Oliveira Araújo, 1999). É nesse cenário que surge, nas últimas décadas do século XX, a formulação e a adoção, em diferentes partes do mundo, da política de cotas para mulheres ou de cotas por sexo a fim de reequilibrar a participação das mulheres na política. Embora em diversos países essa política tenha sido adotada ao mesmo tempo em diferentes instâncias privadas e públicas, no Brasil, ela teve início nos partidos políticos e sindicatos e consolidou-se pela legislação eleitoral, com a Lei n o 9.100/95, quando foi aprovada a regulamentação para as eleições de 1996, assegurando uma cota mínima, em cada partido ou coligação, de 20% de candidaturas de mulheres para as Câmaras Municipais. A Lei no 9.504/97 ampliou essa reserva para um mínimo de 30% e máximo de 70% para os candidatos de cada sexo a todas as instâncias legislativas, eleitos pelo voto proporcional nas eleições de 1998. No entanto, as disposições transitórias da Lei no 9.504/97 que regulamentaram as eleições de 1998 introduzem uma mudança significativa ao estabelecer proporcionalidade mínima de 25% e máxima de 75% para a candidatura de qualquer dos sexos. Como observa Malheiros (2000), deixa de ser uma medida compensatória para as mulheres e passa a ser uma medida de redistribuição de poder, a partir de parâmetros mínimos de eqüidade e universalidade. Apoiada em experiências de países europeus, essa legislação abre um espaço de intervenção que nem os partidos políticos e nem as próprias mulheres estão preparados para ocupar, levando a bancada feminina e diversas entidades governamentais e não-governamentais a introduzir em suas agendas a preparação e capacitação de mulheres para a disputa de cargos eletivos. Mesmo não correspondendo à capacidade de liderança exercida pelas mulheres em organizações comunitárias e não-governamentais, a questão da participação da mulher nas estruturas de poder, e particularmente no poder legislativo local ou nacional, ganhou centralidade e prioridade na agenda dos órgãos oficiais formuladores de políticas públicas, não apenas pela aprovação de leis regulamentando cotas para as mulheres nas candidaturas partidárias e criando a oportunidade de acompanhar sua mulher como obrigatórios e dos quais ela não pode afastar-se, sob pena de perder as condicionantes que justificam o ‘respeito’ que a sociedade lhe deve dedicar” (Pimental et al., 1998). Embora haja avanços legais alcançados nas últimas décadas, o que se tornou visível ao sistema de justiça foram questões incorporadas em debates mais amplos, relacionadas aos direitos da cidadania. Permanece invisível ao sistema boa parte da violência praticada contra a mulher, seja porque não é por ele percebida como problema, pois escapa a suas categorias e tipificações (especialmente, lesões de natureza psicossocial), seja porque as próprias vítimas se calam perante os poderes instituídos, tanto por medo de vingança de seus agressores, quanto por desacreditarem nesses poderes como instrumentos legítimos e eficazes de resolução de conflitos. Não obstante a criação das Delegacias de Defesa da Mulher – DDM tenha facilitado o registro de queixas, continuam havendo graves empecilhos para apresentar quadros mais detalhados e amplos e ao mesmo tempo capazes de caracterizar a complexidade das violências praticadas contra as mulheres. Participação Política O tema da relação das mulheres com o poder remete, prioritariamente, à questão da baixa presença feminina nas instâncias de representação política, apesar de o Brasil estar entre os primeiros países da América Latina a instituir, em 1932, o direito da mulher de votar e ser votada. Fatores estruturais e culturais concorrem para o reduzido acesso da mulher ao poder: desigual divisão do trabalho, atitudes preconceituosas conscientes ou inconscientes contra a mulher, incorporadas até por ela, hábitos tradicionais e práticas discriminatórias presentes nos partidos políticos e nas estruturas governamentais, estereótipos sociais negativos sobre funções da mulher e do homem, reforçando a tendência de as funções políticas permanecerem no domínio masculino. As responsabilidades com a família e a criação dos filhos trazem um elevado custo para as mulheres que aspiram a cargos públicos e conservá-las significa um fator de desestímulo a futuras candidaturas. Organismos e fóruns internacionais sobre a mulher vêm reafirmando a necessidade de se adotarem medidas que visem a compensar a discriminação e acelerar a igualdade no plano político entre homens e mulheres.3 Dessa forma, a luta das mulheres pela ampliação de seus direitos 97 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 eficácia, mas também pela existência de um hiato importante entre a conquista formal dos direitos e a possibilidade de seu desfrute real. Nesse sentido, a política de cotas, efetivando-se em um espaço caracterizado como atividade estruturada, ao menos nos períodos eleitorais, apresenta-se como uma política pública institucional que pode ser analisada com base nas características de seu processo e dos resultados obtidos com base em indicadores objetivos. Na exploração dos microdados oriundos das pesquisas quantitativas e informações fornecidas pelos registros administrativos, procurou-se estabelecer os seguintes critérios comparativos intersetoriais: recorte de idade, valendo-se de cruzamentos de variáveis com comportamento diferenciado para cada ciclo de vida e inserção social, pela natureza substantiva do fenômeno ou do programa setorial de política pública, a fim de fornecer uma visão multidimensional das populações-alvo; recorte espacial pela agregação dos dados para Estado, regiões administrativas e municípios, com algumas informações de saúde apresentadas por Direção Regional de Saúde – com o objetivo de diagnosticar tendências distintas na reprodução das relações de gênero e regiões prioritárias de intervenção e definir ações públicas que podem ser implementadas por iniciativas regionais, prefeituras, conselhos municipais da condição feminina e comunidades. Na determinação de potencializar a relação entre produtores (Fundação Seade) e usuários de estatísticas (CECF), adotou-se um modelo de recuperação de informações flexível e amigável para garantir o acesso de usuários que guardam entre si naturezas diferentes: de formação no manuseio de estatísticas; de interesse ou motivação com fins individuais ou coletivos; demandas de informações básicas ou mais desagregadas, para grandes aglomerações ou localizadas espacialmente, de utilização imediata, ou, ainda, uma série histórica para uma reflexão mais profunda. Assim, o sistema de recuperação de informações contém: banco de tabelas, que oferece um conjunto de indicadores que retratam a realidade captada no tempo e no espaço, a fim de fornecer informações previamente elaboradas; acesso de dados numéricos selecionados em tabelas, – resultado de um cruzamento, com intuito de um recorte mais restrito no enfoque do plano tabular; banco de variáveis para que o usuário possa no espaço e no tempo desejados criar seu próprio plano tabular; mecanismos de localização das informações disponíveis com lista dos temas e assuntos, índice alfabético dos títulos de tabelas e variáveis e índice de palavras-chave. Metodologia de Construção do Banco de Dados Com vista em produzir indicadores de gênero comparáveis, partiu-se de uma avaliação do que é proposto pelas instituições públicas produtoras de dados estatísticos, centros de pesquisa universitários, organizações governamentais nacionais e internacionais. Merece destaque a proposta – Uso de Indicadores de Gênero no Desenvolvimento de Políticas Públicas – desenvolvida pela Unidade Mulher e Desenvolvimento/Divisão de Estatísticas da Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina e Caribe – Cepal (2001), em maio de 1999, por ter como base a seleção das principais dimensões em que se expressam as desigualdades de gênero, identificadas pelo “Programa de Acción Regional para las Mujeres de América Latina y el Caribe, 1995 – 2001 y la Plataforma de Acción de Beijing”, a comparação entre países e a validada pela Cepal e organismos internacionais especializados. Ao contrapor a proposta da Cepal ao elenco de indicadores usualmente utilizados no Brasil, evidenciaramse dois tipos de problemas: inadequação de alguns indicadores às situações específicas vivenciadas pelas mulheres brasileiras, demandando, portanto, o desenvolvimento de novas medidas; e a limitação das informações disponíveis para a captação da dimensão gênero e políticas públicas. A construção de uma abordagem quantitativa e multissetorial da situação da mulher, relevante para os que devem tomar decisões práticas na condução das políticas públicas, esbarra na compartimentação das pesquisas, com objetos e metodologias diferentes, e na própria padronização das ações públicas, cujos registros são adequados às condições específicas de reprodução do objeto de sua ação, mas esses critérios comprometem a comparação com outros registros, que, por sua vez, apresentam as mesmas características, de aspectos interferentes na vida das pessoas e sobretudo das mulheres. Algumas Observações Empíricas Ao agregar informações dispersas e fragmentadas das mais diferentes fontes de dados, descortina-se um mundo de reflexão em cada área temática, e, ao apresentar um conjunto de variáveis por municípios, abrem-se caminhos para o fortalecimento de ações de gênero em âmbito local. Para efeito deste artigo, alguns indicadores foram 98 SPMULHERES EM DADOS analisados para explicitar as tendências observadas, na última década, na situação das mulheres no Estado. As tendências observadas no comportamento demográfico da população feminina são subsídios importantes para o planejamento de políticas públicas em setores, como saúde, educação, lazer, entre outros, pois implicam alterações nas demandas da população. A pirâmide etária, que ilustra, ao mesmo tempo, a distribuição da população por sexo e grupos de idade, vem, desde 1991, apresentando um estreitamento devido à redução da fecundidade e um alargamento de seu topo, em conseqüência do aumento da sobrevida da população, indicando crescimento da parcela mais velha da população. Essas mudanças alteram o formato da representação, ou seja, dentro de alguns anos, a estrutura da população por sexo e idade se assemelhará mais a um barril que a uma pirâmide. As Regiões Administrativas de Registro e de São José do Rio Preto representam os extremos neste processo de mudança. Em 1991, a pirâmide etária de Registro possuía uma base mais larga, afunilando-se à medida que alcançava o topo, o que indica uma estrutura mais jovem, enquanto a de São José do Rio Preto, em 2000, apresentava estrutura mais envelhecida, pois o afunilamento da base já era percebido há três qüinqüênios e a parte correspondente à população idosa é maior. De fato, o crescimento do segmento de idosos é uma tendência generalizada não só no país, como no Estado de São Paulo, em que a população com mais de 60 anos correspondia a 7,7% do total em 1991, passando a 9% em 2000. Nessa faixa etária, o contingente feminino possui participação superior, por causa da sobrevivência maior. Assim, em 2000, as mulheres idosas respondiam por quase 10% da população feminina, enquanto os homens idosos representavam 9% da masculina. Se alguns indicadores na área de saúde e direitos reprodutivos reafirmam tendências já bastante conhecidas, eles são valiosos para qualificar o ritmo e a distribuição espacial dessas tendências. Como é o caso da redução da fecundidade, cujo ritmo foi mais lento na década de 90, mas chegando em 2000 a 2,16 filhos por mulher, muito próxima ao nível de reposição. Das 15 regiões administrativas, dez já registravam fecundidade inferior ao da reposição. A RA de São José do Rio Preto apresenta a menor fecundidade do Estado (1,64 filho por mulher), muito próxima ao nível observado em diversos países europeus, enquanto a de Registro possui a maior (2,71 filhos por mulher). A gravidez na adolescência, fenômeno bastante conhecido, indica crescimento preocupante: no Estado, as mães adolescentes correspondiam a 16,3% da totalidade dos nascimentos ocorridos em 1990, aumentando para 18,8% em 1995 e para 19,2% em 2001. Em outros termos, aproximadamente em cada mil adolescentes de 15 a 19 anos, 75 tiveram filhos na década de 90. A esperança de vida ao nascer da população paulista aumentou de 69 para 71 anos, entre os censos de 1991 e 2000, fruto da diminuição da mortalidade. As mulheres ainda registram uma esperança maior (75,6 anos) em relação à dos homens (66,8 anos) com uma diferença de quase nove anos. Isso se deve a vários fatores, mas destaca-se a elevada mortalidade masculina por violência, que provoca o crescimento da sobremortalidade masculina na população de jovens e adultos. Na análise dos determinantes por sexo da mortalidade, no Estado, verificam algumas novas tendências: as doenças do aparelho circulatório eram a primeira causa de morte nos triênios 1993-95 para mulheres e homens. Já no triênio 1999-01 permanece a mesma causa para as mulheres, passando os homicídios a ser a primeira causa para a população masculina. Quando se comparam as taxas de mortalidade de homens e mulheres, nota-se que em todas as regiões do Estado as taxas masculinas são aproximadamente 50% maiores que as femininas. Essa diferença deve-se principalmente às altas taxas por causas externas entre os homens. Para as mulheres, o segundo agrupamento mais freqüente como causa de morte corresponde aos cânceres, sendo o de mama o que possui as maiores taxas (14,5 por 100 mil mulheres)4 e no período 1980 a 2001, houve um aumento de 60% desse tipo de câncer. O câncer do colo do útero, doença passível de ser prevenida, tem apresentado, no Estado de São Paulo, taxas de mortalidade inalteradas desde 1980, em torno de 4,5 por 100 mil mulheres, número bastante alto quando comparado com os dos países desenvolvidos.5 É importante lembrar o aumento da mortalidade por Aids entre as mulheres; essa doença representa a principal causa de morte da população feminina entre 15 e 44 anos e, ao incidir predominantemente na população em idade reprodutiva, a Aids tem assumido um papel desestabilizador nos níveis de mortalidade feminina. A tendência à “cirurgificação” dos eventos reprodutivos, em especial a prática de partos cesáreos, com taxas de 51,6% em 1995 e 49,2% em 2001, continua pouco declinante no conjunto do Estado e diferenciando-se espacialmente. São ainda bastante elevados os valores apresentados, em 2001, nas Regiões Regionais de Saúde de Araçatuba, Araraquara, Barretos e São José do Rio Preto 99 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 (superiores a 58,3%) e nota-se, entre 1995 e 2001, pequena redução dessa prática em regiões como Ribeirão Preto, Campinas e Taubaté. Já a proporção de partos cesáreos, realizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, continua alta (32%) e apresenta pequena elevação em relação a 2000 (29%), diferentemente da tendência de queda observada desde 1995 (41%). Em 2001, os partos de adolescentes representavam 24% do total realizado pelo SUS. Quanto à morbidade hospitalar, o grupo de causas mais freqüentes de internação no SUS da população de 15 anos e mais decorre da gravidez, parto e puerpério que responde por 44% das internações femininas, incluindo partos normais e cesáreos, e por 27% do total de internações. Na diferenciação entre os sexos, destacam-se as causas externas que representam as internações vinculadas a acidentes e violências e que, em números absolutos, são, em 2001, 2,5 vezes maiores entre os homens. A morbidade por Aids, apesar de ter uma incidência maior para os homens, apresenta situação preocupante em virtude do aumento de casos, expresso na vertiginosa diminuição da relação de casos masculinos/femininos que, em 1985, era de 27/1, passou para 5/1, em 1991, e desde 1997 é de 2/1. A principal forma de transmissão para as mulheres é a heterossexual, que, em 2000, respondia por 89% dos casos femininos com transmissão definida. A expansão do número de casos deu-se também em termos territoriais: dos 132 municípios com casos femininos de Aids notificados, em 1991, o Estado passou a ter 255, em 2000. A morbidade percebida pelos indivíduos, medida pela condição de saúde, inatividade e prevalência de doenças crônicas, evidenciam diferenciais por sexo e idade e indicam diferentes graus de necessidades e de demandas por serviços de saúde. Em 1998, segundo o Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, a proporção de pessoas que referiram melhor condição de seu estado de saúde cai gradativamente conforme a faixa etária, passando de 91,8%, entre os adolescentes e jovens (de 15 a 24 anos), para 45%, entre os idosos com 65 anos e mais. Os homens referem, em média, melhor situação (81,6%) que as mulheres (75,2%). Também bastante conhecido, o fenômeno, observado sobretudo no último quarto do século XX, de aumento contínuo da presença feminina no mercado de trabalho não é acompanhado de melhores relações de trabalho, persistindo, ainda, desigualdades de tratamento entre homens e mulheres, e a mais evidente é a discriminação salarial. Basta observar, no Estado de São Paulo, a distribuição dos salários mais elevados registrados em 2001: eles se encontram entre as mulheres empregadas no setor de serviços, com 40 a 49 anos de idade, percebendo em média R$ 1.346,61 e entre os homens, da mesma faixa etária, e ocupados na indústria, totalizando R$ 2.107,21. Apesar do ingresso de mulheres em ocupações que, até há pouco tempo, eram monopólio dos homens e da crescente participação feminina no emprego industrial e em ocupações de direção e planejamento, nichos ora privilegiados do emprego masculino, sua maior representação se dava no setor de serviços, correspondendo a 24,8% do total dos empregados, em 2001, e somente 6,5% e 6,1%, respectivamente, no comércio e indústria. Já os homens respondiam por 27,1%, 17,5% e 10,5% do empregado, nos mesmos setores. No entanto, cresceu a proporção de mulheres ocupadas com vínculo não formalizado, representando, no mesmo período, cerca de 40% dos ocupados, os serviços domésticos são fonte importante de inserção ocupacional. Conforme os dados dos censos demográficos para o Estado de São Paulo, houve aumento do número de mulheres chefes de domicílio: em 2000, elas eram 24% do total; em 1991 esse percentual era de 17%. Identificouse, ainda, a persistência de acentuada desigualdade de rendimentos, com elevada proporção de chefes de domicílio que recebiam até dois salários mínimos. Vale destacar que o valor do rendimento feminino, em proporção ao masculino, tende a mostrar menor desigualdade nos municípios menos dinâmicos economicamente, encobrindo situações de extrema necessidade de renda, enquanto as maiores diferenças são constatadas nos municípios-pólo, que são fonte da oportunidades de trabalho mais diversificadas tanto para homens quanto para mulheres e também de maiores rendimentos médios. Apesar de serem as grandes beneficiárias do processo de universalização do acesso ao ensino fundamental, mesmo em declínio entre os períodos censitários, as mulheres apresentam taxas de analfabetismo ligeiramente superiores a dos homens. Em 1991, registraram-se taxas de analfabetismo das mulheres de 15 anos e mais de 11,8% e para os homens de 8,6%, em 2000, 7,5% e 5,7%, respectivamente. É interessante observar que, em 1991, as mulheres apresentaram taxas de analfabetismo ligeiramente inferiores a dos homens nos seguintes grupos etários:15 a 19 anos (2,5%), 20 a 24 (3,8%), 25 a 29 (4,6%); no grupo de 30 a 39 anos, delineou-se a inversão desse quadro, taxa de 6,9% para as mulheres e 5,8% para os homens, atingindo no 100 SPMULHERES EM DADOS grupo de idade de 60 anos e mais valores de 36,1% e 23,9%, respectivamente. Em 2000, diminui o analfabetismo em todos os grupos etários: nas faixas de 15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29 anos, as taxas para as mulheres eram de 1,1%, 1,7% e 2,4% e para os homens de 1,7%, 2,6% e 3,3%. Já no grupo de 30 a 39 anos, diferentemente do observado em 1991, verifica-se valor menor para as mulheres (3,8%) do que para os homens (4,3%), ocorrendo a reversão de tendência apenas na faixa etária de 40 a 49 anos, em que se observaram taxas de 6,6% para as mulheres e de 5,3% para os homens. Na população idosa – 60 anos e mais –, as taxas eram de 26,3% para o contingente feminino e de 17,2% para o masculino. Ao analisar a instrução da população de 10 anos pelos recortes sexo e raça/cor, evidenciam algumas desigualdades: em 2000, 17,7% das mulheres brancas e 12,5% das negras tinham 11 anos de estudo; entre os homens, os percentuais são de 16,6 % para os brancos e 10,9% para os negros. A categoria de 12 anos e mais de estudo escancara o quadro de desigualdade racial existente no Estado, uma vez que, apenas 3,1% de mulheres e 2,7% dos homens negros atingiram esse patamar de escolaridade em contrapartida aos 12,7% de mulheres e 13% de homens brancos. Reforçar a promoção da igualdade de gênero e a melhoria da condição da mulher passa pela avaliação dos programas de atendimento à criança de 0 a 6 anos, sobretudo, no Brasil, quando a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 estabeleceram competências e diretrizes para a educação infantil em colaboração com os Estados e municípios. Os dados do Censo de 2000, que informam o atendimento de crianças nessa faixa etária, indicam sua pouca abrangência: em mais da metade dos municípios paulistas (379) a rede de creches e de educação infantil cobrem entre 20,1% e 40% das crianças de 0 a 6 anos e apenas 53 deles atendem mais de 50%. Nos últimos anos, observa-se que os registros de crimes de natureza sexual possuem certa estabilidade em sua magnitude. Isso pode significar tanto a existência de um determinado padrão de incidência na sociedade paulista com relação aos crimes sexuais, como pode refletir mais a capacidade do Estado em captar e processar os crimes desta natureza do que o real movimento dessa criminalidade. A taxa de estupros/tentativas por 100 mil mulheres, crimes que juridicamente vitimam somente as mulheres, passou, no Estado de São Paulo, de 29,18 em 1997 para 26,90 em 2001. As Regiões de Governo de São Carlos, Adamantina e Marília apresentaram as menores taxas médias de estupros/tentativas, por 100 mil mulheres, entre 1997 e 2001, em contrapartida, as Regiões de Governo de Registro, Caraguatatuba e Itapeva registraram as maiores taxas médias no período. Apesar de termos somente 126 Delegacias de Defesa da Mulher para 645 municípios, elas continuam ocupando papel de destaque no atendimento de vítimas de violência sexual, pois são as que mais processam, proporcionalmente, casos dessa natureza. Afinal, trabalhando concomitantemente aos distritos policiais, elas são responsáveis por quase 50% dos registros policiais relativos aos crimes de estupros existentes no Estado. As informações que têm por base os dados do sistema de mortalidade, indicam que em 2001 o grupo de mortes por causas externas para a população feminina com mais de 10 anos ocupa o quinto lugar entre as causas de morte mais freqüentes, com um dado surpreendente: considerando-se o período de 1980 e 2001, o índice de homicídios aumentou 120%. Para os triênios 1993-95 e 1999-01, as taxas de homicídio apresentaram elevação de 4,5 para 5,6 por 100 mil mulheres, reproduzindo o fenômeno observado para o sexo masculino. Ainda em relação aos homicídios, sua distribuição em relação ao total de óbitos, passa de 4,4% para 6,4% para o sexo feminino no Estado e de 19,7% para 29,6% para o sexo masculino. A participação das mulheres nas candidaturas partidárias continua extremamente desigual mesmo com a introdução da política de cotas no processo eleitoral, que, desde 1997, prevê que partido ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo nas eleições para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Nas eleições para deputados federais de 2002, o número de candidaturas femininas aumentou 27,9% em relação às eleições anteriores. Em 1998, dos 30 partidos que apresentaram candidatos, nove não registraram candidaturas femininas e, em 2002, oito não o fizeram. Mesmo não atingindo a indicação da política de cotas, alguns partidos tiveram melhoria dessa participação entre as duas eleições, como PFL, PV, PCB, PDT, PAN, PTB, PSTU, PSD, enquanto outros reduziram-na, como PSDB, PMDB, PT e Prona. Outros partidos aumentaram o número total de candidatos, mas não melhoraram a proporção da representação feminina entre as candidaturas, como, por exemplo, o PSB. Dessa forma, somente quatro mulheres se elegeram deputadas federais, em 1998 e seis, em 2002. 101 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Dos 1.465 candidatos à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo em 2002, 242 eram mulheres, representando 15,5% do total. Em termos absolutos, houve aumento significativo de 37,5% na participação das mulheres entre as duas últimas eleições legislativas estaduais, uma vez que, em 1998, elas totalizavam 176. Quanto à participação relativa das mulheres nos partidos, em 2002, somente o PSDC e o PCO, cuja expressão política é bastante reduzida, cobriram a cota de 30% com candidaturas femininas. Também são os partidos de pequeno porte que têm participação feminina de candidaturas entre 20% e 30%. Entretanto, observa uma relação inversa entre volume de candidatos e participação feminina: PT, PMDB, PSDB, PDT, PSB, PPS, PMDB e PSDB estão entre os partidos com maior número de candidatos e com cotas de candidatura feminina inferiores a 20%. As únicas exceções foram o PV e o PTB, que apresentaram cotas entre 20% e 30%. Observa-se, entretanto, certa correlação entre mulheres eleitas para deputadas estaduais e força política de seu partido: em 2002, foram eleitas dez mulheres (elas eram sete no período legislativo de 1997/2002), e três delas são filiadas ao PSDB e três, ao PT. Mesmo não atingindo as cotas femininas previstas de candidaturas por partido, é maior a participação das mulheres na disputa pelo poder legislativo municipal comparativamente às outras Câmaras. Em 2000, 13.317 mulheres candidataram-se a cargos de vereadores dos municípios paulistas, representando 20,07% do total. Dos 30 partidos que concorreram às câmaras municipais, 13 registraram proporções de participação feminina entre 18% e 26%. A correlação aumenta entre os partidos com maior representação em termos absolutos de candidaturas femininas e sua expressão política, tais como PSDB, PMDB, PFL e PTB, que agregaram quase 40% das candidaturas femininas. São esses mesmos partidos que elegeram proporcionalmente mais vereadoras: das 812 eleitas em 2000, quase 60% são filiadas ao PSDB, PMDB, PTB e PFL. É interessante notar que alguns partidos melhoraram sua participação feminina em relação à masculina entre o momento das candidaturas e das eleições. As proporções de candidatas e de eleitas foram, respectivamente, de: 11,0% e 21,6% no PSDB; 9,8% e 14,2% no PMDB; 9,2% e 11,5% no PTB; 6,5% e 9,1% no PT; 6,9% e 8,3% no PPB. Esses resultados apontam que: os canais de participação das mulheres aos postos legislativos são mais permeáveis quando se trata de eleições locais, em que os custos das campanhas eleitorais são menores; a dispersão de votos entre as candidaturas femininas é provavelmente menor do que nas eleições para deputados; e, finalmente, há uma aproximação maior entre candidatas e eleitores o que pode abrandar as resistências culturais contra o voto feminino. NOTAS Este artigo foi possível graças aos trabalhos setoriais desenvolvidos no âmbito do projeto sob minha coordenação dos seguintes analistas da Fundação Seade: Catarina Guarnieri Silverio, Cecília Polidoro Mameri, Eliana B. Trindade Bordini, Guiomar de Haro Aquilini, Lúcia Mayumi Yazaki, Paula Montagner, Renato Sérgio de Lima, Rosileide de Lima Rosendo e Zilda Pereira da Silva. 1. Resoluções adotadas pela IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, 1995; Relatório Geral sobre a Mulher na Sociedade Brasileira/1994; Relatório Nacional Pequim + 5 apresentado à Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas “Mulher 2000: Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”; Programa de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e Caribe, 1995-2001, aprovado pela Cepal durante a VI Conferência Regional sobre a Integração da Mulher no Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina e Caribe/1994; protocolos de cooperação assinados pelo CECF e secretarias estaduais para a implementação de políticas públicas referentes a educação, saúde, trabalho, segurança pública, administração penitenciária, justiça e defesa da cidadania. 2. A pobreza individual ou familiar não se esgota no montante de renda disponível para atender aos gastos de consumo, mas se expressa também pelas condições de moradia, de acesso diferenciado ao sistema educacional e aos serviços de saúde. Embora a insuficiência de renda seja a face mais visível do fenômeno, políticas de combate ao problema devem intervir em suas várias dimensões. A abordagem da pobreza como fenômeno multissetorial é uma preocupação norteadora da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, cujos resultados para o Estado de São Paulo estão disponíveis na Fundação Seade (Fundação Seade, 1992). 3. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948; Convenção dos Direitos Políticos, 1952 e 1960; a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979; a Conferência de Nairobi, 1985; a VI Conferência Mundial sobre a Mulher,1995. 4. Essas taxas referem-se ao triênio 1999-01 para o Estado de São Paulo. 5. As taxas de mortalidade por câncer do colo do útero na Itália, Japão e Estados Unidos são respectivamente de 0,8, 1,8 e 2,6 por 100 mil mulheres. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOWICZ, A. A menina repetente: o duplo fracasso. 1991. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1991. ALVES, J.E.D. Transição e fecundidade e relações de gênero no Brasil. Tese (Doutorado) – Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte, 1994. ALVES, E.L.G.; AMORIM, B.M.F.; CUNHA, G.H.M. Emprego e ocupação: algumas evidências do mercado de trabalho de gênero na Grande São Paulo – 1988/1995. Brasília: Ipea, dez. 1996. Mimeografado. BACHA, A.M.; GRASSIOTO, O.R. Aspectos éticos das práticas abortivas clandestinas. Revista Bioética, v.2, n.1, 1994. Disponível em: <www.cfm.org.br>. 102 SPMULHERES EM DADOS BRUSCHINI, C. O uso de abordagens quantitativas em pesquisas sobre relações de gênero. In: COSTA, A.O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1992. LEONE, E.T. Renda familiar e trabalho da mulher na Região Metropolitana de São Paulo: anos 1981, 1990 e 1995. In: SEMINÁRIO TRABALHO E GÊNERO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIAS E DESAFIOS. Campinas, Abep, abr. 1998. Mimeografado. BRUSCHINI, M.C.A. Trabalho das mulheres no Brasil – continuidades e mudanças no período 1985-1995. São Paulo: Fundação Carlos Chagas/DPE, 1998. MADEIRA, F.R. (Org.). Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/Unicef, 1996. MALHEIROS, S.M. A política de cotas por sexo. Um estudo das primeiras experiências no legislativo brasileiro. Brasília: Centro Feminista de Estudos e Assessoria – Cfemea, 2000. CASAS, M.I.; SILVA, T. da; LOFORTE, A.; MEJIA, M. Perfil de gênero da província de Nampula. Relatório Final. Saúde numa Perspectiva de Gênero. Maputo-Nampula, out. 1998, cap. 6. CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E CARIBE. Disponível em: <www.eclac.cl/mujer>. Acesso em: 2001. MOREIRA, M. de M. Relações de gênero e fecundidade: Nordeste, 1991. In: BEMFAM, Fecundidade, anticoncepção e mortalidade infantil. Pesquisa sobre Saúde Familiar no Nordeste 1991. Rio de Janeiro, 1994. p.81-91. COSTA, L.B. Absorção diferencial da mulher no mercado de trabalho. In: X ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. 1996, Caxambu. Anais... Caxambu: Abep, v.1, 1996. p.559567. OLIVEIRA, E.M.; BARRETO, M. Engendrando gênero na compreensão das lesões por esforços repetitivos. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.6, n.1, jan./jul. 1997. FUNDAÇÃO SEADE. Mulher & trabalho. São Paulo: Fundação Seade – Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional – Conselho Estadual da Condição Feminina, 2002 (vários números). OLIVEIRA ARAÚJO, C.M. Cidadania incompleta: o impacto da lei de cotas sobre a representação política das mulheres no Brasil. 1999. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, UFRJ, Rio de Janeiro, 1999. ________ . Mulher & trabalho. São Paulo: Fundação Seade – Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional – Conselho Estadual da Condição Feminina, 2000 (vários números). ONU/CEPAL. Indicadores de género para el seguimiento y la evaluación del Programa de Acción Regional para las Mujeres de América Latina y el Caribe, 1995-2001 y la Plataforma de Acción de Beijing. Santigo do Chile, 1999. Disponível em: <www.eclac.org>. ________ . 20 anos no ano 2000. Estudos sociodemográficos sobre a juventude paulista. São Paulo, 1998a. ________ . Avaliação da qualidade dos dados da declaração de nascimentos em 1997. Sistema de acompanhamento contínuo da mortalidade infantil. Mortalidade materna e características do recém-nascido. São Paulo, 1998b. ONU/CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. IV Conferência Mundial sobre a Mulher. Beijing, China-1995. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 1996. ________ . Mulher & trabalho. São Paulo: Fundação Seade – Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional – Conselho Estadual da Condição Feminina, 1997 (vários números). PIMENTEL, S.; SCHRITZMEYER, A.L.P.; PANDJIARJIAN, V. Estupro: crime ou “cortesia”? Abordagem sociojurídica de gênero. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998. p.23-24. ________ . Pesquisa de condições de vida – Uma abordagem multissetorial. São Paulo, 1992. RELATÓRIO Nacional Pequim + 5 apresentado à Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas “Mulher 2000: Igualdades de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI” (Pequim + 5), Nova York, jun. 2000. Disponível em: <www.brasil.gov.br/ minst_set.htm>. GALVÃO, L.; DIAZ, J. (Orgs.). Saúde sexual e reprodutiva no Brasil. Dilemas e desafios. São Paulo, Hucitec/Population Council, 1999. GOLDANI, A.M. Família, relações de gênero e fecundidade no Nordeste do Brasil. In: BEMFAM. Fecundidade, anticoncepção e mortalidade infantil. Pesquisa sobre Saúde Familiar no Nordeste 1991. Rio de Janeiro, 1994. p.57-80. SEGNINI, L.R.P. Desemprego, terceirização e intensificação do trabalho nos bancos brasileiros. In: ROCHA, M.I.B. (Org.). Trabalho e gênero – Mudanças, permanências e desafios. São Paulo: Editora 34, 2000. ________ . Famílias e gêneros: uma proposta para avaliar (des)igualdades. In: XII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu: Abep, 2000. (CD-ROM). SIMÕES BARBOSA, R.H. Aids e saúde reprodutiva: novos desafios. In: GIFFIN, K.; COSTA, S.H. (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 1999. GOMEZ GOMEZ, E. Introducción. In: GOMEZ GOMEZ, E. (Ed.). Género, mujer y salud en las américas. Washington D.C.: Organización Panamericana de la Salud, 1993. (Publicación Científica, 541). WAJNMAN, S.; RIOS NETO, E.L.G. Quantas serão as mulheres: cenários para atividade feminina. In: ROCHA, M.I.B. (Org.). Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios. São Paulo: Editora 34, 2000. HEILBORN, M.L. Cidadania para as mulheres. Revista Ciência Hoje, v.5, n.28, p.13-15, jan./fev. 1987. (Violência – Encarte Especial). MARIA CECÍLIA COMEGNO: Socióloga. Coordenadora de Projetos de HIRATA, H.; KERGOAT, D. A classe operária tem dois sexos. Revista Estudos Feministas. Rio de Janeiro, CIEC/UFRJ, n.1, p.93-100, 1994. Gênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta de Produção de Dados desta Fundação ([email protected]). 103 SÃO 104-114, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA instrumento para o estudo da gestão municipal AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO Resumo: A Pesquisa Municipal Unificada – PMU, realizada pela Fundação Seade desde 1992, disponibiliza um grande conjunto de informações sobre gestão municipal, possibilitando análises de todos os municípios paulistas. O artigo apresenta as principais características da PMU e desenvolve um tema com estatísticas construídas a partir daquela base de dados. Palavras-chave: gestão municipal; incentivos municipais; localização industrial; guerra fiscal. Abstract: The Unified Municipal Survey – PMU – carried out by Fundação Seade since 1992, provides a large body of information regarding municipal governance, making possible an analysis of all of São Paulo State’s municipalities. The article presents the PMU’s principal characteristics and develops a theme using statistics built from that data base. Key words: municipal governance; municipal incentives; industrial localization; tax war. D esde a década de 90, tem-se ampliado a atenção e os estudos sobre os municípios, notadamente no que se refere à gestão municipal. Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, os municípios adquiriram status de entes federativos além de ampliadas suas competências e estabelecidos os processos de descentralização de ações e do poder decisório. A descentralização possibilitou, aos municípios, acesso a maior parcela de recursos públicos, mas, ao mesmo tempo, a atuação direta foi ampliada em áreas que antes eram de responsabilidade do governo estadual ou federal. Com as novas responsabilidades e atribuições específicas assumidas pelos municípios, aumentaram tanto as exigências de profissionalização da gestão municipal quanto a necessidade de instituição de controles democráticos/ populares da ação pública. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000), que fixa limites para gastos públicos, nas três esferas de governo, ampliou ainda mais a necessidade de profissionalização e transparência na gestão pública, em particular na municipal, e requereu esforço adicional de “enxugamento” da máquina pública. No entanto, a nação assistiu, durante os anos 90, à implementação de propostas liberalizantes que redundaram na redução da presença do Estado, flexibilização e desregulamentação das regras de concorrência, abertura do mercado e privatização de ativos públicos, com impactos significativos na gestão municipal, sobretudo em municípios de grande ou médio portes. Em síntese, uma miríade de fatores – aqui só foram listados os mais importantes – contribuiu para que houvesse grandes alterações no padrão de gestão municipal na última década do século XX. Esse “novo padrão”, ainda em processo de constituição e consolidação, pode ser observado pela análise da estrutura e da forma de articulação da ação nos diversos setores executores de políticas públicas. Para acompanhar esse processo e fornecer à sociedade paulista informações estruturadas sobre a gestão de cada um de seus municípios, a Fundação Seade, em 1992, unificou as diversas pesquisas setoriais de abrangência municipal, adaptando os diversos instrumentos de coleta a um mesmo padrão metodológico e consolidando-os em uma pesquisa única, denominada Pesquisa Municipal Unificada. 104 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO... PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA disponível em outra fonte pública de informações. Isso tem permitido certa redução no número de questões, sem prejuízo da qualidade das análises. O amplo espectro de questões, em torno de 200 perguntas, possibilitaram a organização de uma base de dados com mais de duas mil variáveis para cada município. Essas informações estão disponíveis na página do Seade na Internet, no <http://www.seade.gov.br/pmu/> e têm apoiado a elaboração de vários produtos nos últimos anos, com destaque para o Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, feito em parceria com a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. São bem amplas as possibilidades de estudos sobre gestão municipal, valendo-se das informações coletadas pela PMU. Neste artigo, optou-se por apresentar uma análise sobre a atuação dos municípios na atração de novos investimentos produtivos. Tema de grande atualidade, o esforço direto dos municípios por atração de novos investimentos tem-se ampliado nos últimos anos, quase numa reprodução, ao nível local, da “guerra fiscal” praticada por estados e a PMU é a única fonte de dados que possibilita análises desagregadas por porte e por localização regional dos municípios.2 A heterogeneidade dos 645 municípios paulistas repercute na configuração de suas organizações administrativas e na complexidade e abrangência das ações públicas municipais.1 Igualmente diferenciadas são a capacidade e a disponibilidade política das prefeituras e das comunidades perante novas atribuições. O grande desafio da equipe técnica da PMU foi estruturar uma pesquisa que desse conta da heterogeneidade e diversidade de ação dos municípios e, ao mesmo tempo, fosse flexível o suficiente para acompanhar as mudanças e transformações na gestão. Essas duas dimensões tornam estratégica a PMU, seja para contemplar a profunda diferenciação das realidades municipais, seja pela crescente importância da instância municipal na gestão das políticas públicas. A pesquisa tem por campo de ação o município e é censitária, com informações coletadas em todos os municípios paulistas. Os informantes são as prefeituras municipais, incluindo os órgãos da administração direta e indireta, o que garante informações precisas e possibilita aquilatar o desempenho delas diante do novo papel que os municípios vêm assumindo na administração das políticas públicas, principalmente as de cunho social. A amplitude dos assuntos captados, a profundidade das questões levantadas, bem com a grande interface existente entre elas, permitem análises sobre as principais questões da gestão pública e podem orientar a formulação de políticas públicas. A pesquisa está organizada em 13 grandes temas, cada qual com um questionário dirigido à área ou setor específico da prefeitura. Os questionários são: Assistência e Desenvolvimento Social; Comunicações e Informática; Cultura, Esporte e Turismo; Educação; Estrutura Administrativa; Estrutura Urbana; Finanças Públicas Municipais; Guarda Municipal; Habitação; Limpeza Pública; Saneamento Básico; Saúde; e Transportes Municipais. Está sendo estudada a inclusão de dois novos temas: Abastecimento e Segurança Alimentar; e Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo. É importante ressaltar que as questões referentes ao meio ambiente são coletadas em três questionários distintos: saneamento básico, limpeza pública e estrutura urbana, porque esse tema é tratado por mais de uma instância nas prefeituras e a estratégia da pesquisa é encaminhar um questionário específico para cada setor responsável por respondê-lo. Outra questão importante a ser ressaltada é a estratégia adotada pela pesquisa de só perguntar o que não está INSTRUMENTOS MUNICIPAIS DE INCENTIVO E RESTRIÇÃO À INSTAURAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS3 A concessão de benefícios fiscais para a atração de investimentos é uma prática relativamente antiga que se intensificou na década de 90, transformando-a em verdadeira guerra na disputa entre Estados e localidades, principalmente entre 1993 e 1994. Dessa forma, os governos subnacionais têm buscado influenciar a decisão locacional dos investimentos privados, com um verdadeiro “leilão de localização” em que Estados e municípios disputam acirradamente a instalação de uma nova empresa em seus territórios. Estudos comprovam que as decisões de investimentos privados são tomadas independentemente dos incentivos fiscais. Alguns fatores determinam essas decisões: a qualidade da infra-estrutura viária e de telecomunicações, proximidade com o mercado consumidor, qualificação da mão-de-obra local, etc. (Prado; Cavalcanti, 1998). Com base nesses critérios, a empresa escolhe um local “ótimo” para a instalação da unidade industrial. Assim, para aceitar a condição de uma localização afastada, ela exige um volume de benefícios que cubra não apenas o “custo de 105 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 afastamento” mas também ofereça um “prêmio” adicional pelos riscos de uma opção que passa a depender dos compromissos assumidos por um governo. Como os governos locais não conhecem a preferência alocativa das empresas, abre-se espaço para o leilão. Além disso, “é elemento central da estratégia privada da guerra fiscal construir a imagem do ‘empate’ entre locações alternativas, a fim de remeter para a competição entre incentivos o papel decisório final” (Prado; Cavalcanti, 1998: 44). Tal postura obriga Estados e municípios a maximizarem os incentivos oferecidos. Isso significa que os incentivos fiscais até podem promover o deslocamento de um investimento dentro do país ou de um Estado, no entanto isso se dá com elevado custo fiscal. Se o investimento já estava programado para ser realizado em determinado Estado/município, o deslocamento é feito com o desperdício de recursos públicos, pois abre-se mão de receita tributária e de recursos orçamentários para assegurar a instalação de um investimento que já ocorreria (Varsano, 1997). Mesmo se o investimento for bem-sucedido, com efeitos positivos para a economia local, acarretará prejuízo a toda sociedade, pois a arrecadação e a receita orçamentária global passarão por redução. Além disso, o caso extremo pode ocorrer se a locação preferencial for a mesma em que a empresa decida se instalar após a disputa fiscal. Utilizando o argumento dos autores citados, em tal caso extremo, os incentivos fiscais representariam apenas um generoso prêmio para a empresa, transferência líquida de recursos públicos para empresas privadas (Caiado, 2002). No caso do Estado de São Paulo, o governo praticamente esteve fora do “leilão locacional” pois, em muitos setores industriais, o denominado “ótimo locacional” definido pela empresa já é o Estado. Contudo, tem-se acirrado a disputa entre os municípios paulistas, com ampliação da oferta de incentivos. A PMU apresenta, desde 1995, informações sobre os principais mecanismos de incentivo à instalação de empreendimentos utilizados pelos municípios paulistas, tornando-se importante referência para análise do tema. Além disso, a pesquisa contribui para o entendimento da forma como os municípios inserem-se no processo geral de guerra fiscal. É crescente e significativa a parcela dos municípios do Estado que se valem de algum mecanismo de incentivo à instalação de empreendimentos (Tabela 1). Em 1995, 37% dos municípios existentes utilizavam esses mecanismos e, em 1999, 51%. Os incentivos são ofertados, sobretudo, por municípios de médio ou grande portes. Em 1999, mais de 70% dos municípios com mais de 50 mil habitantes possuíam instrumentos de incentivo à instalação de empreendimentos. O uso desses instrumentos concentra-se, principalmente, nos municípios com mais de 500 mil habitantes. Dos oito municípios nessa faixa de população, em 1999, somente São Bernardo do Campo não possuía nenhum instrumento com esse propósito. No entanto, é TABELA 1 Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimento, segundo Porte Populacional Estado de São Paulo – 1995-1999 Número de Municípios População 1995 Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimentos 1995 1999 1999 Possui % Possui % Total 625 645 231 37 329 51 Até 5 Mil Hab. 167 180 36 22 66 37 Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 32 27 47 41 Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 43 36 62 53 Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 54 47 70 60 Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 33 66 39 74 Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 22 67 29 73 Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 8 57 10 71 6 8 3 50 6 75 Mais de 500 Mil Hab. Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 106 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO... centivos municipais, e a oferta de subsídios, às vezes, está condicionada à instalação do empreendimento nos limites do Distrito. Entre 1995 e 1999, ampliou-se de 24% para 36% a parcela de municípios que possuía DI regulamentado. Até 1995, os DIs existiam principalmente em municípios de médio e grande portes. Entre os municípios com mais de 50 mil habitantes, mais de 40% o possuíam, enquanto naqueles com até 5 mil habitantes apenas 7% (11, em 167 municípios). Em 1999, a maior freqüência de DI foi verificada nos municípios da faixa populacional compreendida entre 20 mil e 50 mil habitantes. Houve variações significativas na participação dos municípios com até 5 mil habitantes, cuja parcela de municípios com DI aumentou de 7% para 19% entre 1995 e 1999. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, a participação dos municípios com Distrito Industrial caiu de 50% em 1995 para 25% em 1999. O número absoluto de Distritos aumentou de 208 unidades para 347, no período (Tabelas 3 e 4). preciso observar que mesmo entre os municípios pequenos é alta a freqüência da aplicação de incentivos nos dois períodos pesquisados. A utilização de incentivos a novos empreendimentos apresenta baixa diferenciação regional, de acordo com as Regiões Administrativas – RAs. Em 1995 mais da metade dos municípios das Regiões Metropolitanas de São Paulo – RMSP e da Baixada Santista – RMBS utilizou-os, sendo também expressiva a participação nas RAs de Campinas (46% dos municípios) e Bauru (45% dos municípios). Em 1999, mais da metade dos municípios da RMBS e RMSP e das RAs de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Sorocaba, São José dos Campos e Bauru utilizavam algum tipo de incentivo. Nas demais regiões, a parcela de municípios que o utilizavam também se mostrou elevada. Estes resultados indicam que os incentivos fiscais são intensamente utilizados em todas as regiões do Estado, conforme pode ser observado na Tabela 2 e no Mapa 1. A existência de Distritos Industriais – DI, em muitos municípios, é componente importante do programa de in- TABELA 2 Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimento Estado de São Paulo – 1995-1999 Regiões Administrativas e Regiões Metropolitanas Total RA de Araçatuba Número de Municípios Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimentos 1995 1999 625 40 1995 1999 Possui % Possui % 645 231 37 329 51 43 14 35 19 44 RA de Barretos 19 19 3 16 8 42 RA de Bauru 38 39 17 45 21 54 RA de Campinas 90 90 41 46 56 62 RA Central 24 26 8 33 11 42 RA de Franca 23 23 7 30 11 48 RA de Marília 48 51 18 38 16 31 RA de Presidente Prudente 51 53 17 33 22 42 RA de Registro 14 14 3 21 4 29 RA de Ribeirão Preto 23 25 7 30 14 56 9 9 5 56 6 67 RM de São Paulo 39 39 20 51 26 67 RA de São José do Rio Preto 92 96 31 34 53 55 RA de São José dos Campos 38 39 12 32 20 51 RA de Sorocaba 77 79 28 36 42 53 RM da Baixada Santista Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 107 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 MAPA 1 Existência de Distritos Industriais 1999 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. TABELA 3 Municípios com Distritos Industriais Regulamentados, segundo Porte Populacional Estado de São Paulo – 1995-1999 População Número de Municípios 1995 1999 Existência de Distrito Industrial Regulamentado 1995 Número de Distritos Industriais 1999 1995 Possui % Possui % 1999 Cessão de Terrenos 1995 Possui Doação de Terrenos 1999 % Possui 1995 % 1999 Possui % Possui % Total 625 645 153 24 229 36 208 347 96 15 152 24 150 24 195 30 Até 5 Mil Hab. 167 180 11 7 34 19 12 35 16 10 41 23 27 16 41 23 Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 19 16 31 27 21 37 14 12 23 20 25 21 32 28 Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 31 6 47 40 31 64 17 14 32 27 29 24 45 38 Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 45 39 65 56 57 94 20 17 36 31 36 31 44 38 Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 23 46 26 49 37 51 17 34 17 32 19 38 21 40 Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 15 45 18 45 34 56 8 24 3 8 10 30 11 28 Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 6 43 6 43 11 6 3 21 0 0 3 21 1 7 6 8 3 50 2 25 5 4 1 17 0 0 1 17 0 0 Mais de 500 Mil Hab. Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 108 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO... TABELA 4 Municípios com Distritos Industriais Regulamentados Estado de São Paulo – 1995-1999 Regiões Administrativas e Regiões Metropolitanas Total RA de Araçatuba RA de Barretos RA de Bauru RA de Campinas RA Central RA de Franca RA de Marília RA de Presidente Prudente RA de Registro RA de Ribeirão Preto RM da Baixada Santista RM de São Paulo RA de São José do Rio Preto RA de São José dos Campos RA de Sorocaba Número de Municípios 1995 625 40 19 38 90 24 23 48 51 14 23 9 39 92 38 77 Existência de Distrito Industrial Regulamentado 1995 1999 645 43 19 39 90 26 23 51 53 14 25 9 39 96 39 79 Número de Distritos Industriais 1999 1995 Possui % Possui % 153 6 4 14 24 7 8 9 14 4 7 1 7 23 7 18 24 15 21 37 27 29 35 19 27 29 30 11 18 25 18 23 229 11 7 18 37 12 9 19 13 3 15 2 8 44 4 27 36 26 37 46 41 46 39 37 25 21 60 22 21 46 10 34 1999 Cessão de Terrenos Doação de Terrenos 1995 1995 Possui 208 8 5 18 35 11 7 14 20 4 7 1 9 40 8 21 347 16 12 30 61 23 9 29 16 4 22 2 11 70 7 35 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. MAPA 2 Mecanismo de Incentivo 1999 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 109 96 8 1 11 11 4 1 8 8 1 4 0 6 12 5 16 1999 % 15 20 5 29 12 17 4 17 16 7 17 0 15 13 13 21 Possui 152 12 7 17 17 5 7 7 13 2 8 1 1 28 6 21 % 24 28 37 44 19 19 30 14 25 14 32 11 3 29 15 27 1999 Possui % Possui 150 10 3 14 17 7 5 13 14 3 3 0 5 28 8 20 24 25 16 37 19 29 22 27 27 21 13 0 13 30 21 26 195 11 6 16 25 8 8 10 17 1 8 0 2 41 14 28 % 30 26 32 41 28 31 35 20 32 7 32 0 5 43 36 35 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Em 1999, mais de 40% dos municípios das RAs de Bauru, Campinas, Central, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto possuíam DI. Neste ano, a menor participação foi verificada na RA de São José dos Campos, com 10% dos municípios, principalmente pela ausência nos municípios das Regiões de Governo de Caraguatatuba e Cruzeiro (Mapa 2). As isenções podem envolver a totalidade ou uma parcela do imposto. No segundo caso, a porcentagem isenta do tributo varia entre 1% e 80%. Em 1995, 27% dos municípios paulistas isentavam totalmente do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU dos novos investimentos. Essa participação aumentou para 36% em 1999, e, nos municípios com mais de 50 mil habitantes, mais de 50%. O prazo de isenção total do IPTU tem sido de até 35 anos. Observa-se, no entanto, que a isenção parcial do IPTU é pouco utilizada. Também neste caso se verifica que os municípios maiores utilizavam mais intensivamente o benefício (Tabela 5). Mais de 30% dos municípios das RAs de Bauru, Campinas, RMBS e RMSP ofereciam isenção total de IPTU em 1995. As três primeiras regiões também usavam mais intensivamente as isenções parciais de IPTU, em mais de 10% de seus municípios. Em 1999, os municípios das RAs de Bauru, Campinas, Ribeirão Preto e RMBS continuavam sendo, proporcionalmente, os principais ofertantes de isenção total de IPTU. As informações sobre concessão de incentivo pela isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS estão disponíveis, na PMU, somente para 1999, e indicam que 29% dos municípios a concediam. As maiores ocorrências foram verificadas nos municípios com mais de 500 mil habitantes e na RMBS, RMSP, RA de Campinas e RA de Franca. Também eram significativas as parcelas dos municípios das RAs de São José dos Campos e Sorocaba (Tabela 6). A isenção de taxas municipais é uma prática de incentivo que vem-se ampliando, ocorrendo em 20% dos municípios, em 1995, e em 30%, em 1999. O tempo de fruição desse benefício varia de um a 20 anos. Tanto em 1995 quanto em 1999, os municípios com população superior a 50 mil habitantes utilizavam mais intensamente este instrumento, e a menor freqüência residia no grupo com menos de 5 mil habitantes. Quanto à distribuição regional, em 1995, mais de 25% dos municípios da RA de Campinas e da RMSP isentavam de taxas municipais os novos empreendimentos. Em 1999, as Regiões Administrativas que mais aplicaram esse recurso foram: Barretos, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e RMSP. Observa-se que em 1995 nenhum município da RMBS lançou mão desse benefício e, em 1999, quatro o concediam (44% dos municípios dessa região). TABELA 5 Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTU, segundo Porte Populacional Estado de São Paulo – 1995-1999 População Número de Municípios 1995 Isenção Total de IPTU 1995 1999 Isenção Parcial de IPTU 1999 1995 Isenção de ISS 1999 1999 Isenção de Taxas 1995 Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui 1999 % Possui % Total 625 645 168 27 235 36 46 7 56 9 190 29 124 20 194 30 Até 5 Mil Hab. 167 180 24 14 47 26 7 4 8 4 38 21 20 12 35 19 Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 22 18 31 27 8 7 6 5 26 22 19 16 32 28 Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 28 24 44 38 9 8 10 9 34 29 16 13 32 27 Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 41 35 48 41 8 7 17 15 35 30 28 24 40 34 Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 27 54 30 57 4 8 4 8 26 49 23 46 30 57 Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 19 58 24 60 6 18 6 15 20 50 15 45 19 48 Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 5 36 7 50 2 14 2 14 5 36 2 14 4 29 6 8 2 33 4 50 2 33 3 38 6 75 1 17 2 25 Mais de 500 Mil Hab. Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 110 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO... TABELA 6 Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTU Estado de São Paulo – 1995-1999 Regiões Administrativas e Regiões Metropolitanas Total RA de Araçatuba RA de Barretos RA de Bauru RA de Campinas RA Central RA de Franca RA de Marília RA de Presidente Prudente RA de Registro RA de Ribeirão Preto RM da Baixada Santista RM de São Paulo RA de São José do Rio Preto RA de São José dos Campos RA de Sorocaba Número de Municípios 1995 625 40 19 38 90 24 23 48 51 14 23 9 39 92 38 77 Isenção Total de IPTU 1995 1999 645 43 19 39 90 26 23 51 53 14 25 9 39 96 39 79 Isenção Parcial de IPTU 1999 1995 Isenção de ISS 1999 1999 Isenção de Taxas 1995 Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui 168 10 1 13 31 7 6 14 10 3 4 4 14 21 8 22 27 25 5 34 34 29 26 29 20 21 17 44 36 23 21 29 235 14 6 19 43 6 9 5 17 4 11 5 14 36 15 31 36 33 32 49 48 23 39 10 32 29 44 56 36 38 38 39 46 2 0 5 8 2 1 1 2 0 3 1 8 6 2 5 7 5 0 13 9 8 4 2 4 0 13 11 21 7 5 6 56 1 1 2 6 2 2 4 2 2 3 2 9 6 6 8 9 2 5 5 7 8 9 8 4 14 12 22 23 6 15 10 190 8 6 12 35 5 9 6 12 0 6 5 19 28 13 26 29 19 32 31 39 19 39 12 23 0 24 56 49 29 33 33 124 10 1 9 25 4 4 10 6 2 4 0 10 15 8 16 1999 % 20 25 5 24 28 17 17 21 12 14 17 0 26 16 21 21 Possui 194 12 8 13 35 3 6 8 14 1 7 4 14 26 14 29 % 30 28 42 33 39 12 26 16 26 7 28 44 36 27 36 37 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. A Doação de Terrenos tem sido outro instrumento bastante utilizado. Em 1995, 24% dos municípios doavam. Esta parcela aumentou para 30%, em 1999. No entanto, esse incentivo não foi adotado em municípios de grande porte, ou seja, com mais de 500 mil habitantes. Outro recurso utilizado, nesse mesmo período, foi a Cessão de Terrenos, mas não por municípios com mais de 250 mil habitantes. Em 1995, mais de 20% dos municípios das RAs de Bauru e de Sorocaba cediam terrenos a novos empreendimentos. A doação era utilizada por 37% dos municípios da RA de Bauru e 30% dos municípios da RA de São José do Rio Preto, naquele ano. Em 1999, a Cessão de Terrenos era, sobretudo, utilizada pelos municípios das RAs de Bauru, Barretos e Ribeirão Preto e a Doação de Terrenos, pelas RAs de São José do Rio Preto, Bauru e São José dos Campos. Nesse mesmo ano, destaca-se a baixa participação dos municípios da RMBS, RMSP e RA de Registro, no uso desse instrumento como atrativo de novos investimentos. Essas observações sugerem que a doação e a cessão de terrenos têm sido utilizadas, em especial, por municípios mais afastados da RMSP, à exceção da RA de Sorocaba onde significativa parcela dos municípios dispunha desses dois mecanismos de incentivo nos dois anos considerados. Além de dispor de mecanismos de incentivo e apoio a novos investimentos, os municípios também recorrem, com menor intensidade, aos mecanismos de restrição à edificação de empreendimentos. Procuram evitar, de alguma forma, os investimentos que agridam o meio ambiente. Em 1999, 17% dos municípios mantinham esse cuidado. A maior ocorrência foi verificada nos municípios com população superior a 50 mil habitantes. Contrariamente, nos municípios com menos de 5 mil habitantes (180 municípios), apenas dez declararam utilizar algum mecanismo de restrição à instauração de empreendimentos em 1999, o que representa apenas 6% dos municípios dessa faixa. Os municípios que mais adotam tal restrição estão nas RAs de Campinas, Ribeirão Preto, RMBS, RMSP, São José dos Campos e Sorocaba (Tabelas 7 e 8). Entre os mecanismos de restrição à instauração de novos empreendimentos, a PMU permitiu observar que a legislação municipal é mais utilizada do que a tributação. Em 1999, 15% dos municípios do Estado declararam utilizar a legislação como mecanismo de restrição, principalmente os municípios com mais de 50 mil habitantes. Já os municípios com população superior a 500 mil habitantes, 63% deles utilizam esse tipo de legislação específica. Na adoção desse sistema, destacam-se as RAs de Campinas, RMBS e RMSP (Mapa 3). A tributação municipal, como instrumento de restrição à implantação de empreendimentos, não só é pouco 111 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 7 Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos, segundo Porte Populacional Estado de São Paulo – 1995-1999 Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos Número de Municípios População 1995 1999 1995 Possui 1999 % Utilização de Legislação como Restrição à Implantação de Empreendimentos 1995 Utilização de Tributação como Restrição à Implantação de Empreendimentos 1999 Possui % Possui % 17 108 17 93 15 1995 Mecanismo de Restrição à Implantação de Indústria Poluidora 1999 1995 1999 Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % 95 15 8 1 6 1 104 17 97 15 Total 625 645 108 Até 5 Mil Hab. 167 180 11 7 10 6 9 5 8 4 0 0 1 1 11 7 10 6 Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 13 11 12 10 9 8 11 9 1 1 0 0 11 9 12 10 Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 11 9 18 15 9 8 15 13 0 0 1 1 10 8 14 12 Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 26 22 19 16 23 20 15 13 2 2 0 0 26 22 16 14 Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 26 52 19 36 23 46 19 36 3 6 2 4 26 52 16 30 Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 11 33 19 48 10 30 17 43 0 0 1 3 10 30 19 48 Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 6 43 6 43 6 43 5 36 1 7 1 7 6 43 5 36 8 4 67 5 63 4 67 5 63 1 17 0 0 4 67 5 63 Mais de 500 Mil Hab. 6 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. TABELA 8 Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos Estado de São Paulo – 1995-1999 Regiões Administrativas e Regiões Metropolitanas Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos Número de Municípios 1995 1999 1995 Possui Total 1999 % Utilização de Legislação como Restrição à Implantação de Empreendimentos 1995 Possui % Utilização de Tributação como Restrição à Implantação de Empreendimentos 1999 Possui % 1995 Mecanismo de Restrição à Implantação de Indústria Poluidora 1999 1995 1999 Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % 15 625 645 108 17 108 17 93 15 94 15 8 1 6 1 104 17 97 RA de Araçatuba 40 43 3 8 2 5 2 5 2 5 0 0 1 2 3 8 2 5 RA de Barretos 19 19 0 0 2 11 0 0 2 11 0 0 1 5 0 0 2 11 RA de Bauru 38 39 2 5 2 5 2 5 2 5 0 0 0 0 2 5 2 5 RA de Campinas 90 90 31 34 34 38 27 30 30 33 0 0 0 0 28 31 31 34 RA Central 24 26 1 4 1 4 1 4 1 4 0 0 0 0 1 4 1 4 RA de Franca 23 23 1 4 1 4 1 4 1 4 0 0 0 0 1 4 1 4 RA de Marília 48 51 5 10 2 4 4 8 2 4 0 0 0 0 5 10 2 4 RA de Presidente Prudente 51 53 5 10 3 6 4 8 3 6 1 2 0 0 4 8 2 4 RA de Registro 14 14 2 14 1 7 2 14 1 7 0 0 0 0 2 14 1 7 RA de Ribeirão Preto 23 25 4 17 7 28 3 13 5 20 0 0 0 0 4 17 5 20 RM da Baixada Santista 9 9 4 44 4 44 4 44 4 44 2 22 1 11 4 44 4 44 RM de São Paulo 39 39 13 33 16 41 13 33 15 38 2 5 0 0 13 33 13 33 RA de São José do Rio Preto 92 96 8 9 8 8 6 7 6 6 0 0 0 0 8 9 8 8 RA de São José dos Campos 38 39 11 29 10 26 10 26 10 26 2 5 1 3 11 29 9 23 RA de Sorocaba 77 79 18 23 15 19 14 18 11 14 1 1 2 3 18 23 14 18 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 112 PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO... aplicada no Estado de São Paulo como também é reduzida. Em 1995, apenas 8 dos 625 municípios declararam dispor desse mecanismo: Tarabaí na RA de Presidente Prudente, Cubatão e São Vicente na RMBS, Poá e Guarulhos na RMSP, Taubaté na RA de São José dos Campos e Mairinque na RA de Sorocaba. Em 1999, somente seis municípios recorriam a esse mecanismo: Penápolis na RA de Araçatuba, Avaré e Itapetininga na RA de Sorocaba, São Vicente na RMBS e Caçapava na RA de São José dos Campos. A proporção de municípios que responderam afirmativamente à questão referente à utilização de mecanismos de restrição à implantação de indústria poluidora declinou ligeiramente durante os anos considerados, passando de 17% em 1995 para 15% em 1999. Estes mecanismos são mais utilizados nos municípios de maior porte, em especial naqueles com população superior a 500 mil habitantes (67% dos municípios em 1995 e 63% em 1999). Nesta faixa, apenas os municípios de Ribeirão Preto, Santo André e Osasco não apresentavam mecanismos de restrição à criação de indústrias poluidoras, em 1995 e 1999. A maior intensidade de aplicação desses instrumentos foi observada nas RAs de Campinas, RMBS e RMSP, sendo também significativa em São José dos Campos e Sorocaba, nos dois anos considerados. A razão para maior concentração da utilização desses mecanismos em municípios com mais de 500 mil habitantes e nas regiões mais industrializadas do Estado é facilmente identificável. É porque esses municípios são industrializados, e em alguns casos com condições ambientais já bastante afetadas, e exigem maior atenção com a deterioração da qualidade de vida. A instalação de uma unidade de indústria extrativa mineral, como no caso de indústria poluidora, pode comprometer seriamente as condições ambientais, razão pela qual os municípios maiores e mais industrializados têmse mostrado mais preocupados em estabelecer restrições quanto à adoção desse tipo de empreendimento. Entretanto, essa prática é pouco expressiva nos municípios paulistas. Em 1995 apenas 7%, tendo esta participação aumentado apenas um ponto percentual em 1999. Observa-se, também, que a maior freqüência é de municípios com mais de 500 mil habitantes. Nessa faixa, apenas Ribeirão Preto, Santo André e Osasco não dispunham desse mecanismo. MAPA 3 Mecanismo de Restrição 1999 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU. 113 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Em contraste, ele é muito pouco utilizado pelos municípios com menos de 20 mil habitantes. É curioso o fato de que, na faixa até 5 mil habitantes, apenas Águas de São Pedro, Macedônia, Álvares Florence e Tuiuti declararam utilizar esse tipo de instrumento. Da mesma forma que os instrumentos de restrição à instalação de indústrias poluidoras, as RAs que mais utilizavam esse mecanismo são Campinas, RMBS e RMSP, seguidas pelas RAs de São José dos Campos e Sorocaba. Nos setores intensivos em conhecimento, cada vez mais deixam de ser preponderantes, para a estratégia empresarial de localização, os ganhos de escala – tão comuns no “regime fordista” de produção em massa. A localização passa a ser determinada pela existência de mão-de-obra qualificada, pela possibilidade de constituição de rede de fornecedores, por ganhos de escopo, pela proximidade do mercado consumidor, pela possibilidade de uma qualidade de vida “amena” para seus funcionários, entre outros. Esses são os motivos que justificam a escolha da localização de novos empreendimentos em municípios de médio porte do interior paulista. É provável que num futuro próximo continuem prevalecendo esses mesmos fatores e que incentivos fiscais municipais permaneçam com um peso reduzidíssimo no processo de decisão locacional. Essa lógica prevalece sobretudo para a grande indústria de bens de consumo duráveis, responsável por parcela significativa dos novos investimentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais da metade dos municípios paulistas oferece algum tipo de incentivo a novos empreendimentos, não se observando um padrão espacial definido, visto que uma parcela significativa dos municípios de todas as regiões do Estado dispõe desses mecanismos. Quando se desagregam os principais instrumentos de incentivo, verifica-se que as isenções de IPTU, ISS e isenções de taxas municipais – mecanismos estritamente tributários –, são utilizadas, sobretudo, pelos municípios maiores e/ou próximos à RMSP. Já as concessões e doações de terrenos são utilizadas, em especial, pelos municípios menores e/ou mais afastados do eixo mais industrializado do Estado. Os mecanismos de restrição à instalação de empreendimentos são mais utilizados pelos municípios das RAs mais industrializadas e por municípios de médio e grande portes. Estes, em sua maioria, já enfrentam sérios problemas ambientais e por isso têm que se mostrar mais vigilantes quanto à instalação de investimentos que possam impactar negativamente o meio ambiente. Os municípios buscam impedir, em particular, a instalação de unidades industriais poluidoras. O principal instrumento, para tanto, é a legislação específica. O instrumental tributário é pouco utilizado com esse propósito. Observa-se, em síntese, que tem crescido a disputa nas municipalidades, com generalização de políticas municipais de atração industrial. Todavia, os incentivos municipais, ainda menos que os estaduais, não são suficientes para uma estratégia bem-sucedida a longo prazo. A recente decisão da Embraer de realizar grande investimento em Gavião Peixoto, pequeno município da região de Araraquara, reforça esta hipótese, ao mesmo tempo em que não desmonta a afirmação de que estão sendo privilegiados os municípios pólos regionais ou seus entornos imediatos. NOTAS 1. Sobre a heterogeneidade dos municípios paulistas, ver Caiado (1995). 2. Sobre “guerra fiscal” entre Estados da Federação, ver Fundap (1999) e Alves (2001). 3. Este subitem foi escrito em parceria com Maria Abadia da Silva Alves. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, M.A.S. Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: o caso do setor automotivo. 2001. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2001. CAIADO, A.S.D. Desconcentração industrial regional no Brasil (1985-1998): pausa ou retrocesso? Tese (Doutorado) – Instituto de Economia da Universidade de Campinas, Campinas, 2002. ________ . Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, p.4653, jul./set.1995. FUNDAP. Guerra fiscal no Brasil: três estudos de caso: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. São Paulo: Fundap, 1999. PRADO, S.; CAVALCANTI, C.E.G. Aspectos da guerra fiscal no Brasil. São Paulo: Ipea/Fundap, 1998. VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, Ipea, n.15, p.13-18, 1997. AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da Fundação Seade e Professor da Universidade de Sorocaba. 114 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 115-124, 2003 FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS... FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? um olhar sobre os processos socioespaciais AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS Resumo: O artigo discute alguns processos socioespaciais em curso em municípios do Estado de São Paulo, tais como a conurbação, metropolização e a expansão da ocupação urbana em áreas oficialmente definidas como rurais, para mostrar que não existe mais a velha dicotomia urbano-rural e que a definição oficial do IBGE não mais dá conta de explicar a diversidade de usos, carecendo de redefinição. Palavras-chave: política urbana; urbanização; rural-urbano. Abstract: This article discusses some of the socio-spatial processes underway in the cities of the State of São Paulo, such as conurbation, metropolitanization and the expansion of urban occupation in areas officially defined as rural, to demonstrate that the old rural-urban dichotomy is no longer valid and that the official IGBE definition no longer explains the diversity of usages, and is in need of being re-elaborated. Key words: urban policy; urbanization; rural-urban. P ara procurar avançar na discussão das definições de rural e urbano, com vistas à análise do desenvolvimento regional, parte-se do princípio que os conceitos formais de rural e urbano, baseados nos limites administrativos (lei do perímetro urbano), já não são suficientes para explicar os complexos processos socioeconômicos e socioespaciais em curso no Estado de São Paulo. Nas últimas décadas, a principal característica das transformações socioespaciais é o crescimento da conurbação em aglomerações metropolitanas ou não-metropolitanas, concentrando parcela crescente da população. Por outro lado, o fenômeno de redução do peso das atividades agrícolas no emprego e na renda das pessoas que habitam o meio rural, que tem sido registrado em países desenvolvidos, apresenta tendência crescente em São Paulo. Com vistas a reunir informações sobre o crescente processo de transformação e diversificação das espacialidades presentes no Estado de São Paulo, analisam-se informações coletadas pela Pesquisa Municipal Unificada da Fundação Seade – PMU/1999,1 em todos os municípios paulistas, sobre a existência de ocupações urbanas em áreas rurais, tais como: loteamentos sem aprovação, loteamentos aprovados por lei especial, grandes equipamentos de lazer e indústrias, e sobre processos de conurbação com outros municípios. A análise desses dados segundo informações sobre legislações municipais, mostra a extensão do fenômeno no Estado e faz refletir sobre a necessidade de buscar novos instrumentais de análise que representem a complexa realidade de uma sociedade urbana, cada vez mais metropolitana. Para tanto o artigo está dividido em três itens. O primeiro discute as principais características da rede urbana paulista e a redução do peso das atividades agrícolas na área rural. O segundo apresenta os resultados da PMU/1999 sobre a existência de ocupações urbanas em áreas rurais e o terceiro traz alguns comentários finais. A REDE URBANA PAULISTA A rede de cidades do Estado de São Paulo é a mais complexa do país. Sua constituição remonta ao século XIX, quando, a partir do dinamismo econômico impulsionado pelo complexo cafeeiro, o território passou por processo contínuo e permanente de ocupação (Caiado, 1995). O recorte tradicional usado em estudos sobre urbanização, que partia da dicotomia existente entre cidade e cam- 115 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 po (moderno e atrasado) e estudava a rede urbana paulista distinguindo a área metropolitana da capital do restante do Estado – denominado interior –, não consegue mais explicar os diversos processos de integração produtiva, funcional e física em curso fora da Região Metropolitana de São Paulo. Esta continua sendo a principal metrópole do país e a principal cidade mundial da América do Sul, pelas articulações econômicas com os demais centros nacionais e com as principais metrópoles internacionais. Entretanto, no que diz respeito ao padrão de urbanização vigente no Estado, com a interiorização do desenvolvimento, as realidades territoriais tornaram-se mais complexas, engendrando formações espaciais que refletem o caráter contraditório do dinamismo econômico. As maiores cidades do interior estão localizadas nas regiões mais industrializadas e de maior desenvolvimento, demonstrando a relação entre a dinâmica populacional e o crescimento econômico no Estado de São Paulo. A localização das atividades econômicas e da população privilegiou as sedes regionais e/ou seus entornos imediatos, notadamente as Regiões Administrativas de Campinas, Santos, Sorocaba, São José dos Campos e Ribeirão Preto, fortalecendo o papel daqueles centros na rede urbana estadual e levando para o interior um padrão de urbanização até então vigente somente na metrópole.2 A estruturação e a ampliação do mercado imobiliário, articulado e organizado em suas diversas etapas de reprodução do capital mercantil (parcelamento, construção, incorporação, financiamento e vendas), ampliaram o processo de verticalização das cidades, com a construção de residências multifamiliares e de edifícios de escritórios. Favoreceram, também, o surgimento dos condomínios fechados horizontais para a classe média, de bairros periféricos sem infra-estrutura urbana e favelas em quase todas as cidades do interior, independentemente de seu porte, expressões visíveis desse padrão contraditório de urbanização. Esse processo expressa-se em uma dinâmica socioespacial que se repete nas diversas realidades territoriais como ambientes construídos pelo capital e para o capital. A principal característica da rede urbana estadual, nas últimas décadas, é a conurbação, produzindo aglomerações metropolitanas ou não-metropolitanas e concentrando parcela crescente da população.3 Além da grande diversidade e da alta densidade de centros, apresenta as interações espaciais mais intensas e complexas de todo o país. Isso se reflete em padrões espaciais que variam segundo as especificidades das diferentes regiões do Estado e compreendem, nas suas escalas superiores:4 - metrópoles de caráter mundial, nacional e regional; - aglomerações urbanas que se desenvolveram a partir de um núcleo; - aglomerações urbanas constituídas de centros urbanos com complementaridade funcional, que dividem as funções polarizadoras e, espacialmente, se articulam com alguma contigüidade, muitas vezes ao longo de eixos viários; - aglomerações urbanas constituídas por centros urbanos que dividem as funções polarizadoras sem possuir contigüidade espacial, formando um conjunto de cidades articuladas; - centros urbanos que polarizam sozinhos os municípios de seu entorno desempenhando o papel de centro regional. Essas espacialidades nem sempre são perfeitamente identificáveis ou passíveis de serem isoladas, dada a complexidade da rede e as múltiplas inter-relações. Em regiões mais dinâmicas e de maior densidade de centros, as relações socioeconômicas se dão segundo diferentes vetores, fazendo com que as articulações, quer de subordinação quer de complementaridade, aconteçam entre centros de diferentes aglomerações. Isso é facilmente evidenciado nos municípios próximos da RMSP. Além da forte atração exercida por aquela metrópole, os processos de conurbação e integração produtiva existentes na região de Jundiaí, por exemplo, e sua articulação com municípios da Região Metropolitana de Campinas – RMC e da Aglomeração Urbana de Sorocaba dificultam o estudo e a delimitação da aglomeração. O mesmo pode ser dito em relação às Aglomerações Urbanas de São José dos Campos, de Sorocaba e de Guaratinguetá. O crescimento urbano tem ampliado a divisão de funções urbanas entre algumas cidades e a atração que alguns centros exercem sobre o território. A existência de três áreas metropolitanas, onze aglomerações urbanas e várias cidades de porte médio são a face de uma estrutura territorial, cuja contraface está no grande número de municípios com população urbana inferior a 20 mil habitantes. É um Estado urbano, com 75% da população residindo em regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas. No conjunto as RMs e AUs tiveram crescimento médio anual de 1,9%, entre 1991 e 2000, acima, portanto, da média estadual. A rede de cidades paulistas se estrutura em subsistemas que se constituíram vis-à-vis os processos econômicos das regiões onde se localizam e que possuem características diversificadas. Fortemente polarizada pela capital, a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP é a princi- 116 FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS... pal metrópole e, a despeito do processo de diminuição de seu ritmo de crescimento, continuava abarcando em 2000 quase metade da população estadual, 17.852 mil habitantes (48,3%). As outras principais aglomerações estão situadas no entorno da metrópole paulistana, principalmente ao longo de quatro eixos principais a partir da capital: - o eixo Anhangüera/Bandeirantes em direção ao interior, passando por Campinas, indo até Ribeirão Preto; 2,59%, respectivamente) e ampliaram suas participações no total da população estadual (Tabelas 1 e 2). As 11 aglomerações urbanas existentes, envolvendo 58 municípios, tiveram crescimento médio de 2,2% e somente as AUs de Araçatuba e Guaratinguetá tiveram crescimento abaixo da média estadual (1,7% e 1,2%, respectivamente) entre 1991 e 20005 (Tabela 2). Os demais municípios paulistas não pertencentes às aglomerações urbanas (RMs ou AUs), num total de 520 municípios, tiveram crescimento abaixo da média estadual (1,6%). Desse conjunto, os pequenos, com população até 20 mil habitantes, que somam 396 municípios e abrigam 7,7% da população estadual, tiveram taxa negativa de crescimento (-0,5 a.a.) com perda populacional de 144 mil habitantes, entre 1991 e 2000. Aqueles com população entre 20 mil e 50 mil (86 municípios) cresceram a uma taxa média equivalente à média estadual, 1,8% a.a. Os na faixa entre 50 mil e 100 mil habitantes (27 municípios) tiveram crescimento médio medíocre, de 0,5% a.a., entretanto essa taxa é explicada pela mudança de faixa de vários municípios que passaram a ter mais de 100 mil habitantes em 2000. Isso explica, também, a elevada taxa de crescimento dos municípios com população de mais de 100 mil habitantes, em 2000 (7,5% a.a.). Em síntese, há forte concentração demográfica em áreas urbanas de maior complexidade (RMs e AUs) ou em municípios isolados considerados pólos regionais.6 Cabe salientar que nas regiões metropolitanas as sedes tiveram - o eixo formado pelas rodovias Carvalho Pinto/Presidente Dutra que liga São Paulo ao Vale do Paraíba; - aquele formado pelas rodovias Castelo Branco e Raposo Tavares, que articula as cidades da Região de Sorocaba; e - as rodovias Anchieta e Imigrantes, que ligam a capital à Baixada Santista. A Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS, instituída pela Lei Complementar no 815/96, tem 1.473 mil habitantes (4,0%) e a Região Metropolitana de Campinas – RMC, instituída pela Lei Complementar no 870/ 2000, 2.332 mil habitantes (6,3%). As três regiões metropolitanas juntas abrigam 58,6% da população estadual (21.659 mil hab.) e tiveram taxa média anual de crescimento de 1,81% entre 1991 e 2000, praticamente igual à média estadual (1,82%). A única RM que cresceu abaixo da média estadual foi a RMSP (1,68%). As outras – RMBS e RMC – tiveram taxa média de crescimento demográfico superior à média estadual (2,17% e TABELA 1 Rede Urbana– Síntese Estado de São Paulo – 1991-2000 Rede Urbana Número de Municípios (2000) População EstimadaTotal 1991 2000 Taxa Média Anual 1991/2000 Distribuição 1991 2000 Regiões Metropolitanas Aglomerações Urbanas Demais Municípios 67 58 520 18.437.098 5.124.364 7.874.811 21.659.537 6.254.044 9.060.797 1,8 2,2 1,6 58,6 16,3 25,1 58,6 16,9 24,5 Municípios Isolados por Faixa de Tamanho Até 5 mil Habitantes De 5 a 10 mil Habitantes De 10 a 20 mil Habitantes De 20 a 50 mil Habitantes De 50 a 100 mil Habitantes De 100 a 250 mil Habitantes Mais de 250 mil Habitantes 179 111 106 86 27 9 2 602.832 818.396 1.572.708 2.212.397 1.733.091 657.998 277.389 577.031 788.021 1.484.541 2.600.029 1.818.775 1.176.596 615.804 -0,5 -0,4 -0,6 1,8 0,5 6,7 9,3 1,9 2,6 5,0 7,0 5,5 2,1 0,9 1,6 2,1 4,0 7,0 4,9 3,2 1,7 Fonte: IBGE; Fundação Seade. 117 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 2 Rede Urbana Estado de São Paulo – 1991-2000 Rede Urbana Número de Municípios (2000) ESTADO DE SÃO PAULO 645 Região Metropolitana de São Paulo 39 São Paulo Demais Municípios Região Metropolitana de Campinas 19 Campinas Demais Municípios Região Metropolitana da Baixada Santista 9 Santos Demais Municípios Aglomeração Urbana de São José dos Campos 6 São José dos Campos Demais Municípios Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto 9 Ribeirão Preto Demais Municípios Aglomeração Urbana de Sorocaba 10 Sorocaba Demais Municípios Aglomeração Urbana de Jundiaí 6 Jundiaí Demais Municípios Aglomeração Urbana de São José do Rio Preto 3 São José do Rio Preto Demais Municípios Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos 5 Araraquara São Carlos Demais Municípios Aglomeração Urbana de Araçatuba 2 Araçatuba Demais Municípios Aglomeração Urbana de Bauru 4 Bauru Demais Municípios Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro 6 Limeira Rio Claro Demais Municípios Aglomeração Urbana de Guaratinguetá 3 Guaratinguetá Demais Municípios Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim 4 Mogi Guaçu Moji Mirim Demais Municípios Municípios Não Pertencentes a RMs ou AUs 520 População EstimadaTotal 1991 2000 Taxa Média Anual 1991/2000 31.436.273 15.369.305 9.610.659 5.758.646 1.852.813 843.516 1.009.297 1.214.980 417.114 797.866 1.002.477 439.231 563.246 615.390 428.377 187.013 813.202 376.513 436.689 453.917 288.228 165.689 324.251 279.507 44.744 358.911 158.934 157.549 42.428 226.699 152.018 74.681 365.880 259.504 106.376 523.436 206.456 137.041 179.939 195.488 92.077 103.411 244.713 100.237 64.523 79.953 7.874.811 36.974.378 17.852.637 10.426.384 7.426.253 2.332.988 968.160 1.364.828 1.473.912 417.975 1.055.937 1.209.640 538.298 671.342 739.857 504.162 235.695 1.040.967 492.245 548.722 561.931 323.056 238.875 417.413 357.705 59.708 433.576 182.240 192.639 58.697 263.185 169.087 94.098 439.455 315.493 123.962 634.235 248.618 167.902 217.715 216.903 104.101 112.802 296.882 123.984 81.293 91.605 9.060.797 1,8 1,7 0,9 2,9 2,6 1,5 3,4 2,2 0,0 3,2 2,1 2,3 2,0 2,1 1,8 2,6 2,8 3,0 2,6 2,4 1,3 4,1 2,8 2,8 3,3 2,1 1,5 2,3 3,7 1,7 1,2 2,6 2,1 2,2 1,7 2,2 2,1 2,3 2,1 1,2 1,4 1,0 2,2 2,4 2,6 1,5 1,6 Fonte: IBGE; Fundação Seade. 118 Distribuição 1991 2000 100,0 48,9 30,6 18,3 5,9 2,7 3,2 3,9 1,3 2,5 3,2 1,4 1,8 2,0 1,4 0,6 2,6 1,2 1,4 1,4 0,9 0,5 1,0 0,9 0,1 1,1 0,5 0,5 0,1 0,7 0,5 0,2 1,2 0,8 0,3 1,7 0,7 0,4 0,6 0,6 0,3 0,3 0,8 0,3 0,2 0,3 25,1 100,0 48,3 28,2 20,1 6,3 2,6 3,7 4,0 1,1 2,9 3,3 1,5 1,8 2,0 1,4 0,6 2,8 1,3 1,5 1,5 0,9 0,6 1,1 1,0 0,2 1,2 0,5 0,5 0,2 0,7 0,5 0,3 1,2 0,9 0,3 1,7 0,7 0,5 0,6 0,6 0,3 0,3 0,8 0,3 0,2 0,2 24,5 FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS... - atividades derivadas da disponibilidade de mão-de-obra excedente no meio rural, que inclui o trabalho em domicílio e o trabalho complementar daqueles que exercem outra atividade não-agrícola remunerada; crescimento baixo (São Paulo e Campinas) ou nulo (Santos), mas os demais municípios metropolitanos cresceram acima da média estadual, inclusive na RMSP. É importante destacar que não só as áreas urbanas têm mudado suas feições. No que diz respeito à área rural, a agropecuária paulista é predominantemente de alto padrão tecnológico, com um expressivo segmento moderno, responsável por uma parcela significativa da produção de lavouras comerciais que demandam cada vez menos trabalhadores, e cujo perfil exigido é diferente do tradicional “homem do campo” e com algum nível de instrução. Também persiste, em algumas regiões, uma agropecuária tradicional e de baixo padrão tecnológico. Entretanto, apenas as tradicionais atividades produtivas agrícolas e pecuárias não conseguem mais explicar a dinâmica do emprego e da população rural do Estado. É preciso incluir outras variáveis rurais não-agrícolas, decorrentes da crescente urbanização do meio rural, tais como: hospedagem, turismo, lazer e outros serviços, atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de atividades intensivas em mão-de-obra, como olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura e criação de pequenos animais (rãs, canários, aves exóticas, etc.) que buscam “nichos de mercado” específicos (Graziano da Silva, 1999; Balsadi; Borin; Julio, 2001). Do total de pessoas ocupadas com residência rural, mais de 50% já estavam ocupadas em atividades não-agrícolas em 1999. Chama a atenção o ritmo desse processo nos anos 90, pois entre 1992 e 1997 houve uma clara inversão a favor do emprego rural não-agrícola no Estado de São Paulo.7 Houve redução no número de pessoas ocupadas em atividades agrícolas no Estado, de 1.211 mil, em 1992, para 927 mil, em 1999. O total de pessoas com domicílio rural e ocupado em atividades não-agrícolas em 1999 era de 472 mil, superando o total ocupado em atividades agrícolas (455 mil pessoas).8 As principais dinâmicas que influenciam o crescimento de ocupações não-agrícolas no meio rural podem ser resumidas da seguinte forma: - atividades vinculadas à produção agropecuária, principalmente a produção direta de bens e serviços agropecuários, e a indireta, relacionada com sua comercialização, processamento e transporte; - expansão dos serviços públicos no meio rural; - demanda por terras para uso não-agrícola pelas (agro) indústrias e empresas prestadoras de serviços; - demanda da população urbana de baixa renda por terrenos para autoconstrução de suas moradias em áreas rurais situadas nas proximidades das cidades; - demanda da população urbana de alta renda por áreas de lazer e/ou segunda residência, bem como pelos serviços a elas relacionados; - consumo não-agrícola da população urbana, que é constituído por bens e serviços realizados no meio rural (artesanato, turismo ecológico, etc.); - “novas atividades agropecuárias”, que buscam nichos de mercado. Em resumo, já não se pode caracterizar o meio rural paulista somente como agrário. O comportamento do emprego no meio rural não pode mais ser explicado apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto de atividades não-agrícolas que responde, cada vez mais, pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista. OCUPAÇÃO URBANA EM ÁREA RURAL NOS MUNICÍPIOS PAULISTAS As diferenças na caracterização das áreas urbanas e rurais nos diversos países do mundo fazem com que não exista uma definição de população urbana aplicável a todos. As definições nacionais de população urbana são mais comumente baseadas no tamanho da localidade. A população rural está sendo definida por exclusão: aquela que não habita as áreas urbanas (United Nations Statistics Division, 2002). Na América Latina, para os 20 maiores países,9 cerca de 35% utilizam o tamanho da localidade como parâmetro na definição de população urbana, sendo que o tamanho mínimo varia de 1.500 a 2.500 habitantes. Alguns países acrescentam a esse parâmetro a existência de serviços ou outras características urbanas. Cerca de 30% utilizam a categoria de sede de municípios e/ou de distritos; e outros utilizam leis para a definição da área urbana. Verifica-se que de 1960 até os dias atuais muitos países alteraram sua definição de população urbana para efeito dos censos demográficos, quer acrescentando caracterís- - atividades derivadas do consumo da população rural, que incluem a produção de bens e de serviços não-agropecuários, tanto de origem rural quanto urbana e os serviços auxiliares a eles relacionados; 119 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 ticas específicas, qualificadoras do espaço urbano, quer aumentando a exigência de aglomeração (população mínima), chegando-se em alguns casos a definições complexas e com muitas exceções. 10 O desenvolvimento mundial e a urbanização crescente das populações resultam nessa complexidade presente na atualidade para a identificação do rural e do urbano. No Brasil, cabe ao município definir o limite oficial entre as zonas urbanas e zonas rurais de seu território através da Lei de Perímetro Urbano. Em 1999, 67,1% dos municípios brasileiros possuíam Lei de Perímetro Urbano, a lei mais encontrada em nossos municípios (Bremaeker, 2001). Para o Estado de São Paulo esse percentual era de 57% em 1992 e passou a 65% em 1999, segundo dados da PMU/Seade. Analisando as datas das leis de perímetro urbano, informadas pelas prefeituras paulistas, verifica-se a sua pequena incidência até o final da década de 70, quando da aprovação da Lei Lhemam (no 6.766/79).11 Na década de 80, o número de municípios que aprovaram leis de perímetro urbano cresceu e, na década de 90, esse número triplicou. Isso ocorreu paralelamente à expansão das áreas urbanizadas, freqüentemente sem controle, das municipalidades. As leis vieram muitas vezes a reboque do processo (Gráfico 1). Com efeito, o crescimento desordenado de nossas cidades vem acontecendo em muitos municípios através de uma expansão que extrapola os limites urbanos definidos por lei, avançando sobre áreas rurais em detrimento da produção agrícola e algumas vezes com conseqüências negativas para o meio ambiente. Essa expansão tem ocorrido tanto por meio de loteamentos populares que expandem as periferias com urbanização precária, quanto através de condomínios de alto padrão destinados à população com alto poder aquisitivo, que busca melhor qualidade de vida em áreas menos densas e afastadas dos centros urbanos. Cerca de um terço dos municípios paulistas afirmaram possuir algum tipo de ocupação urbana em área rural em seus territórios, em 1999. Para 75% dos maiores municípios, população superior a 500 mil habitantes, a resposta foi afirmativa; para aqueles com população entre 50 mil e 500 mil esse percentual é de 45% (Tabela 3). O tipo mais freqüente de ocupação urbana em área rural é o loteamento sem aprovação da prefeitura, observado em 19% dos municípios paulistas, num total de 1.051 loteamentos nessa situação em todo o Estado. A incidência é de 75% nos grandes municípios, está entre 23% e 35% nos municípios com população entre 50 mil e 500 mil habitantes, e é de 12% nos pequenos municípios (população inferior a 5 mil habitantes). Existem ainda, localizados em área rural, cerca de 300 loteamentos aprovados por legislação especial em todo Estado, situados em 12% dos municípios. As maiores incidências estão nos municípios das faixas de população GRÁFICO 1 Número de Municípios, segundo Lei de Perímetro Urbano Estado de São Paulo – 1970-99 Nº de Municípios 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 19 70 971 972 973 974 975 976 977 978 979 980 981 982 983 984 985 986 987 988 989 990 991 992 993 994 995 996 997 998 999 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Data da Lei Fonte: Fundação Seade. PMU/1999. 120 FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS... TABELA 3 Ocupação Urbana em Área Rural Estado de São Paulo – 1999 Tipologia Total Até 5 Mil Mais de 5 Mil a 10 Mil Número de Municípios 645 180 116 211 32,7 36 20,0 123 19,1 Ocupação Urbana em Área Rural Possui % Loteamentos sem Aprovação Possui % Loteamentos de Lei Especial Possui % Indústria Possui % Lazer Possui % Mais de 10 Mil a 20 Mil Mais de 20 Mil a 50 Mil Mais de 50 Mil a 100 Mil Mais de 100 Mil a 250 Mil Mais de 250 Mil a 500 Mil Mais de 500 Mil 117 117 53 40 14 8 39 33,6 40 34,2 42 35,9 24 45,3 20 50,0 4 28,6 6 75,0 21 11,7 21 18,1 26 22,2 19 16,2 12 22,6 14 35,0 4 28,6 6 75,0 74 11,5 13 7,2 10 8,6 16 13,7 20 17,1 5 9,4 7 17,5 2 14,3 1 12,5 75 11,6 8 4,4 14 12,1 11 9,4 18 15,4 10 18,9 10 25 2 14,3 2 25 36 5,6 7 3,9 3 2,6 6 5,1 9 7,7 7 13,2 2 5,0 1 7,1 1 12,5 Fonte: Fundação Seade. PMU/1999. gistra o maior número de indústrias localizadas em área rural. No caso da RG de Jaú as ocorrências se dividem entre indústrias e loteamentos aprovados por lei especial, com apenas um caso de loteamento sem aprovação. Em apenas sete das 42 regiões de governo paulistas não se registram loteamentos sem aprovação localizados em área rural: Caraguatatuba, Rio Claro, São João da Boa Vista, Lins, Jales, Votuporanga, Dracena e Tupã. Para os loteamentos aprovados por lei especial, o maior número é observado na RA de Campinas, seguida da RA de Sorocaba, não tendo sido registrado nenhum na RA de Marília e apenas um na RA de Santos. Analisando a incidência da ocupação urbana em área rural vis-à-vis a rede urbana paulista, constata-se uma forte relação entre o número de eventos e a localização do município em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou nos principais centros. Localizam-se nos 134 municípios de maior hierarquia da rede, cerca de 64% dos loteamentos sem aprovação, 76% dos loteamentos aprovados por lei especial, 60% das indústrias localizadas em área rural e 56% dos grandes equipamentos de lazer localizados fora dos perímetros urbanos municipais (Tabela 4 e Mapa 1). de 20 mil a 50 mil habitantes e de 100 mil a 250 mil habitantes (17% dos municípios, em cada grupo). Por outro lado, 12% dos municípios afirmaram possuir indústrias em área rural, não sendo possível no entanto identificar o tipo de indústria, se agroindústria ou não. A distribuição regional mostra uma ligeira concentração do fenômeno na região mais urbanizada do Estado, mas também a presença nas demais regiões paulistas. Verificase que mais de 60% dos municípios de Regiões de Governo próximas à metrópole paulistana declararam possuir ocupações urbanas em área rural. São elas as Regiões de Governo – RG de São José dos Campos e Taubaté, pertencentes à Região Administrativa – RA de São José dos Campos; na RG de Sorocaba, pertencente à RA de Sorocaba; nas RGs de Campinas, Jundiaí e Bragança Paulista, da RA de Campinas; e na RG de Jaú, da RA de Bauru. Do conjunto de 42 RGs paulistas, apenas nas RGs de Caraguatatuba no litoral e de Dracena no extremo noroeste não existem ocorrências de ocupações urbanas em área rural. Na RA de São José dos Campos, a maior parte das ocupações diz respeito a loteamentos sem aprovação. O maior número de loteamentos sem aprovação está na RG de São José dos Campos, seguida da RG de Sorocaba. A RA de São José dos Campos, seguida da RA de Campinas, re- 121 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 4 Número de Ocupações Urbanas em Área Rural Estado de São Paulo – 1999 Regiões Metropolitanas, Aglomerações e Centros Urbanos ESTADO DE SÃO PAULO Total das Regiões Metropolitanas Região Metropolitana de São Paulo São Paulo Demais Municípios Região Metropolitana de Campinas Campinas Demais Municípios Região Metropolitana da Baixada Santista Santos Demais Municípios Total das Aglomerações Urbanas Aglomeração Urbana de São J. dos Campos São José dos Campos Demais Municípios Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto Ribeirão Preto Demais Municípios Aglomeração Urbana de Sorocaba Sorocaba Demais Municípios Aglomeração Urbana de Jundiaí Jundiaí Demais Municípios Aglomeração Urbana de São J. do Rio Preto São José do Rio Preto Demais Municípios Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos Araraquara São Carlos Demais Municípios Aglomeração Urbana de Araçatuba Araçatuba Demais Municípios Aglomeração Urbana de Bauru Bauru Demais Municípios Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro Limeira Rio Claro Demais Municípios Aglomeração Urbana de Guaratinguetá Guaratinguetá Demais Municípios Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim Mogi Guaçu Moji Mirim Demais Municípios Total dos Centros Urbanos (1) Demais Municípios Número de Municípios Número de Loteamentos sem Aprovação 645 1.051 140 106 ... ... 29 17 12 5 0 5 453 200 141 59 3 2 1 66 3 63 78 56 22 100 100 0 2 0 2 0 4 4 0 0 0 0 0 ... 0 0 0 0 0 0 ... 0 0 76 382 39 1 38 19 1 18 9 1 8 6 1 5 9 1 8 10 1 9 6 1 5 3 1 2 5 1 1 3 2 1 1 4 1 3 6 1 1 4 3 1 2 4 1 1 2 9 511 Número de Loteamentos Aprovados por Lei Especial 1.270 25 11 6 5 13 0 13 1 0 1 939 3 0 3 0 0 0 4 3 1 912 11 901 0 0 0 10 0 10 0 0 0 0 0 0 0 0 0 ... ... 0 0 0 10 1 6 3 6 300 Fonte: Fundação Seade. PMU/1999. (1) Inclui os municípios de Botucatu, Bragança Paulista, Catanduva, Franca, Itapetininga, Jaú, Marília, Piracicaba e Presidente Prudente. 122 Número de Indústrias Equipamentos de Lazer 289 72 26 ... ... 45 0 45 1 0 1 94 71 22 49 4 0 4 5 4 1 2 0 2 0 ... ... 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 4 ... 0 6 0 6 2 1 1 0 7 116 74 9 6 ... ... 3 0 3 0 0 0 7 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0 4 0 0 0 0 0 58 FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS... MAPA 1 Municípios com Ocupação Urbana em Área Rural 1999 Limite Municipal Loteamento com aprovação especial Loteamento sem aprovação Indústria Grandes equipamentos de lazer Centro Urbano Aglomeração Urbana Região Metropolitana Fonte: Fundação Seade. PMU/1999. (1) Não respondeu à PMU/1999. CONSIDERAÇÕES FINAIS os conceitos de área urbana e área rural, adotados pelo IBGE. Além disso, pode-se dizer que uma das principais características da rede urbana paulista é o processo de conurbação, com formação de aglomerações urbanas e regiões metropolitanas. Nessas áreas registra-se com mais freqüência conurbações entre dois ou mais municípios, constituindo mancha urbana única, o que reforça o argumento da necessidade de se analisar e principalmente de constituir estruturas de planejamento para as aglomerações, tratandoas como espaço urbano único de interrelações complexas. Por fim é importante alertar para a necessidade de o planejamento municipal abarcar todo o território do município e não somente a área considerada urbana, regulando o uso e a ocupação do solo no município de sorte a evitar o surgimento e expansão de ocupações ilegais, a margem do poder público. Analistas que estudam a dinâmica do setor agrícola têm chamado a atenção para a mudança de padrão do trabalho no campo, com o crescimento de atividades não-agrícolas. Para desenvolver seus estudos, reclassificam as informações estatísticas coletadas pelo IBGE, segundo local de moradia, para fugir da clássica divisão entre rural e urbano e, mesmo considerando rural somente os moradores que habitam em áreas isoladas, constatam a mudança do padrão e a existência de um novo rural (Projeto rurbano, 2002). Este trabalho procurou analisar o outro lado da questão, ou seja: o avanço da ocupação tipicamente urbana em áreas oficialmente consideradas rurais. A conclusão a que chegamos é consentânea àquela da equipe do Projeto Rurbano e aponta para a necessidade de rediscutir 123 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 9. Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela. NOTAS 1. A PMU é uma pesquisa aplicada em todos os municípios paulistas desde 1992. 10. Conforme informações do Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografia – Celade/Cepal, Boletim Demográfico n.63 de janeiro de 1999, que traz as definições de população urbana e rural utilizadas nos censos demográfico de países da América Latina a partir de 1960. 2. São consideradas sedes regionais as sedes das regiões administrativas. O Estado de São Paulo tem uma divisão administrativa em 15 regiões, sendo 14 Regiões Administrativas – RAs e a Região Metropolitana de São Paulo. As RAs são as seguintes: RA de Registro, RA de Santos, RA de São José dos Campos, RA de Campinas, RA de Sorocaba, RA de Ribeirão Preto, RA de Bauru, RA de Marília, RA de São José do Rio Preto, RA de Presidente Prudente, RA de Araçatuba, RA de Franca, RA de Barretos e RA Central. A Região Metropolitana da Baixada Santista coincide com a RA de Santos e a Região Metropolitana de Campinas compreende 19 dos 90 municípios da RA de Campinas. 11. Lei federal que discorre sobre o parcelamento do solo urbano e exprime a exigência da definição de perímetro urbano para a aplicação da mesma. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 3. Cerca de 11% dos 645 municípios paulistas apresentam-se conurbados, segundo a PMU/1999. O processo de conurbação é uma realidade consolidada nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Campinas e nos eixos das Rodovias Anhangüera e Dutra. O tipo mais freqüente de conurbação é o da mancha urbana principal contínua em dois ou mais municípios, que ocorre em sete dos oito municípios com mais de 500 mil habitantes existentes no Estado, e em 43% dos municípios com população entre 250 mil e 500 mil habitantes. A conurbação do tipo mancha urbana de um município que extrapola para o município limítrofe está mais presente entre os municípios com população variando entre 100 mil e 500 mil habitantes. BALSADI, O.V.; BORIN, M.R.; JULIO, J.E. A agropecuária paulista. São Paulo: Fundação Seade, 2001. Mimeografado. BREMAEKER, F.E.J. Os instrumentos de gestão urbana dos municípios para a aplicação do Estatuto da Cidade. Ibam, 2001. CAIADO, A.S.C. Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, p.4653, jul./set. 1995. CAIADO, A.S.C.; SANTOS, S.M.M. Novas espacialidades na rede urbana paulista. In: IX ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais... Rio de Janeiro, 2001. 4. Sobre os padrões espaciais da rede urbana paulista ver Caiado e Santos, 2001. CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1990. 5. As aglomerações urbanas estão assim distribuídas: três na RA de Campinas (AU de Limeira/Rio Claro e AU de Jundiaí, AU de Mogi Guaçu/Moji Mirim); duas na RA de São José dos Campos (AU de São José dos Campos e AU de Guaratinguetá); uma na RA de Sorocaba (AU de Sorocaba ), uma na RA de São José do Rio Preto (AU de São José do Rio Preto); uma na RA de Ribeirão Preto (AU de Ribeirão Preto); uma na RA Araçatuba (AU de Araçatuba), uma na RA Central (AU de Araraquara/São Carlos); uma na RA de Bauru (AU de Bauru). CENTRO LATINOAMERICANO Y CARIBEÑO DE DEMOGRAFIA (Celade/Cepal). Boletin Demográfico n.63, enero 1999. GRAZIANO DA SILVA, J.F. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp – Instituto de Economia, 1999. (Coleção Pesquisa, 1). IPEA/UNICAMP.IE.NESUR/IBGE (Org.). Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Campinas, SP: Unicamp – Instituto de Economia, 1999 (Coleção Pesquisas, 3). 6. Os principais Centros Urbanos Isolados têm a seguinte distribuição, por RA: Franca na RA de Franca; Piracicaba e Bragança Paulista na RA de Campinas; Itapetininga e Botucatu na RA de Sorocaba; Jaú na RA de Bauru; Catanduva na RA de São José do Rio Preto; e Presidente Prudente e Marília situadas em RAs de mesmo nome. KAGEYAMA, A.; LEONE, E. Uma tipologia dos municípios paulistas com base em indicadores sociodemográficos. Textos para discussão, n.66, IE/Unicamp, 1999. NEGRI, B. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1994. 7. Do total de pessoas ocupadas na agricultura paulista, praticamente 50% têm residência urbana e 50%, residência rural (ou seja, a queda do emprego também terá fortes efeitos nas cidades, onde reside boa parte dos trabalhadores rurais). PACHECO, C.A. Fragmentação da nação. Campinas: Unicamp – Instituto de Economia, 1998. 8. O número de pessoas ocupadas com domicílio rural teve uma queda de apenas 0,3% ao ano no período 1992-99, comportamento que só não foi pior devido ao excelente desempenho das atividades nãoagrícolas, que apresentaram crescimento de 6,1% ao ano no número de pessoas ocupadas, passando de 326 mil pessoas ocupadas, em 1992, para 472 mil, em 1999. O total de ocupados na agropecuária residentes no meio rural teve redução significativa de 5,0% ao ano, valor próximo ao observado para aqueles com residência urbana (4,9% ao ano). PROJETO RURBANO. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/ projetos/rurbano/rurbanw.html>. Acesso em: 13 out. 2002 UNITED NATIONS STATISTICS DIVISION. Disponível em: <http://www.millenniumindicators.un.org>. Acesso em: 12 dez. 2002. AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da Fundação Seade e Professor da Universidade de Sorocaba. Os principais ramos de atividade não-agrícola responsáveis pela ocupação da PEA rural foram: prestação de serviços, indústria de transformação, indústria da construção, comércio de mercadorias e serviços sociais. Em 1999, esses cinco ramos de atividade respondiam por 90% do total das ocupações não-agrícolas no interior. SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS: Engenheira-Urbanista, Analista da Fundação Seade. 124 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 125-134, 2003 PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO PLANO AMOSTRAL Pesquisa de Emprego e Desemprego WILTON DE OLIVEIRA BUSSAB NÁDIA PINHEIRO DINI SILVIA REGINA MANCINI Resumo: Discussão dos aspectos principais do plano amostral de uma pesquisa domiciliar, a PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada mensalmente pela Fundação Seade e pelo Dieese desde 1985. Abordamse questões metodológicas, teóricas e práticas e as soluções para elas adotadas, bem como procura-se avaliar a contribuição da realização dessa pesquisa para o desenvolvimento da Fundação Seade. Palavras-chave: plano amostral; pesquisa domiciliar; painel rotativo. Abstract: A discussion of the principle aspects of the sampling plan of a household survey, the PED – Survey of Employment and Unemployment, conducted monthly by Fundação Seade and Dieese since 1985. Methodological, theoretical and practical issues, as well as adopted solutions, are addressed. An attempt is made to evaluate the contribution of this survey to the development of Fundação Seade. Key words: sampling plan; household survey; rotating panel. A PED surgiu em 1984, a partir de um convênio firmado entre a Fundação Seade – Sistema Estadual de Análise de Dados – e o Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, com o objetivo principal de acompanhar a inserção da população em idade ativa – PIA no mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo, caracterizado por grande heterogeneidade e por tênues limites entre as possíveis condições de atividade dos indivíduos (ocupação, desemprego e inatividade). Desde seu início, a pesquisa buscou ser fonte de informações que subsidiem a formulação de políticas econômicas e sociais, em especial de emprego e de renda, através da geração de indicadores referentes à medição de desemprego, às características dos postos de trabalho e aos rendimentos do trabalho, entre outros (Troyano, 1990). Para melhor atender a esses objetivos, a pesquisa é realizada em caráter contínuo e através de entrevistas diretas com a população da Região Metropolitana de São Paulo. Selecionam-se, para tanto, domicílios particulares de maneira probabilística, de acordo com um plano amos- tral predefinido, e entrevistam-se todos os moradores desses domicílios. CARACTERÍSTICAS DO PLANO AMOSTRAL A descrição de um plano amostral probabilístico deve especificar o universo de investigação, as unidades amostrais, os critérios de estratificação, os procedimentos de sorteio das unidades amostrais, as probabilidades de inclusão, os estimadores e os respectivos erros amostrais. Desse modo, saberemos do que e de quem estamos falando e avaliando os desvios esperados para as estimativas (Bolfarine; Bussab, 2000). Outros aspectos e decisões operacionais também precisam ser considerados a fim de se obter um planejamento amostral eficiente, em relação a custo e precisão, e bem ajustado aos propósitos da investigação a ser realizada. Esses objetivos só serão alcançados com um estudo detalhado das informações e recursos disponíveis para a realização da pesquisa. Após a identificação e conhecimento do cenário à disposição, pode-se escolher o plano amostral e respectivos estimadores que melhor respondam aos interesses do levantamento. 125 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Universo da Pesquisa A população-alvo ou universo inicial de interesse era a população em idade ativa moradora na área urbana da Região Metropolitana de São Paulo, que em 1984 era constituída por 37 municípios. Também tinha-se como acordado que as informações seriam obtidas nos domicílios particulares que, portanto, constituiriam a última unidade amostral, qualquer que fosse o plano amostral adotado. sa. Esse sistema é atualizado à medida que as informações dos censos mais recentes são disponibilizadas. Independentemente da atualização do cadastro de setores através do Censo, procede-se regularmente a uma renovação dos setores que compõem a amostra, selecionando-se novos setores para substituí-los. Mensalmente, uma pequena parcela dos setores da amostra é substituída, o que a mantém atualizada e ao mesmo tempo evita impactos bruscos às séries de dados. Sistema de Referência Organização do Cadastro O uso de amostras probabilísticas exige uma listagem das unidades amostrais, ou seja, um sistema de referência das unidades amostrais. Em 1984, momento de implantação da pesquisa, consideraram-se, como possíveis fontes de informação, os cadastros telefônicos, de suprimento de água ou ainda de energia elétrica. Além da dificuldade de acesso a esses cadastros, eles excluíam parcelas importantes da população urbana da Região Metropolitana de São Paulo, como, por exemplo, aquela moradora em favelas, além de parcelas de domicílios que ainda não estavam cobertos por esses serviços e apresentavam características indesejáveis de identificação, como falta de clareza entre consumidores comerciais e residenciais e outras especificidades. Optou-se, então, por usar as informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – por meio dos Censos Demográficos na Região Metropolitana de São Paulo, detalhadas ao nível menor de Setor Censitário – SC. Tais setores censitários correspondem a regiões geográficas delimitadas com cerca de 300 domicílios cada uma, definidas previamente à realização de cada Censo Demográfico para todo o território nacional. Desse modo, tem-se cobertura total de todos os municípios por setores censitários, com a vantagem adicional de que, em regiões de elevada densidade demográfica, como é o caso da Região Metropolitana de São Paulo, esses setores são geograficamente pequenos, o que facilita muito o trabalho de um entrevistador ao percorrê-los a pé. A escolha de tal sistema de referência geográfico obriga-nos à utilização de planos amostrais em múltiplos estágios, modelo bastante difundido em pesquisas amostrais domiciliares. Assim, em uma primeira etapa serão selecionados SCs e dentro deles serão sorteados domicílios. O cadastro de setores censitários urbanos do Censo Demográfico de 1980 do IBGE constituiu o sistema de referência original por ocasião da implantação da pesqui- Conhecer bem e trabalhar o sistema de referência é importante para aumentar a precisão dos resultados de pesquisas amostrais. Um dos recursos bastante comuns para isso é a utilização de estratificação, ou seja, a organização do sistema de referência adotado em subgrupos ou estratos de tal forma que esses estratos sejam ao mesmo tempo bastante homogêneos internamente quanto a certas características relacionadas ao que se busca medir, e tão heterogêneos quanto possível entre si, no que se refere a essas mesmas características. No caso da PED, um dos indicadores cujo erro se pretendia controlar é a taxa de desemprego, que serve de base para todo o planejamento da amostra. As informações disponíveis no Censo Demográfico mais relacionadas a esse indicador são aquelas referentes à inserção da mão-de-obra no mercado de trabalho, tais como a distribuição dos ocupados por setor de atividade econômica e o rendimento dos chefes de domicílio, que foram utilizados para a estratificação do sistema de referência. Por meio de técnicas estatísticas multivariadas como a análise de agrupamentos, produziram-se regiões homogêneas demunicípios ou distritos (dez regiões em 1980 e sete regiões em 1991) (Bussab; Dini, 1985). Cada uma dessas regiões pode ser caracterizada pela maior ou menor presença de sua mão-de-obra ocupada em cada um dos principais setores de atividade econômica. Como exemplo, um dos resultados da aplicação dessa técnica aos dados de 1980 foi a obtenção de uma região que incluía os principais municípios do ABC paulista, além de Caieiras e de Cajamar, com forte presença de mão-de-obra inserida no setor industrial, refletindo a realidade dessa região naquele momento. A análise dos tipos de SC existentes no Censo sugeriu eliminar do cadastro os setores rurais e alguns setores especiais, entre eles os quartéis, as cadeias, os asilos e as aldeias indígenas. Desse modo, a população de referên- 126 PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO cia da pesquisa passou a ser constituída pelos moradores de domicílios particulares em setores censitários urbanos e suburbanos da RMSP, inclusive aqueles de favelas e de alojamentos. Deve-se salientar que a quase totalidade dos domicílios dessa região é considerada urbana (cerca de 98%). Entretanto, quanto mais a pesquisa se afasta da data do Censo, mais desatualizadas vão ficando as informações dos SCs, o que recomenda a recontagem do número de domicílios dentro dos setores sorteados (relistagem dos SCs). Como o número de domicílios pode crescer ou decrescer, a recontagem usualmente altera o número existente para um novo número N*j, necessitando-se, então, corrigir a probabilidade de seleção. Em tais casos, costuma-se alterar o número de domicílios sorteados dentro dos setores de tal modo que se mantenha a probabilidade de seleção inicial, ou seja, b/Nj = bj/N*j Determinação do Tamanho da Amostra Estudos realizados com o objetivo de balancear o custo da pesquisa com a precisão desejada para seus principais indicadores (dos quais considerou-se principalmente a taxa de desemprego desagregada em seus tipos – total, aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento) previam amostras de 9 mil unidades domiciliares a serem selecionadas trimestralmente. Após analisar as dificuldades operacionais de treinamento e aplicação de questionários de forma não-contínua, decidiu-se alterar o procedimento inicial de uma única tomada a cada três meses, e dividi-la em três tomadas a cada mês, com cerca de 3 mil domicílios entrevistados em cada tomada. Esse procedimento implicou propor novos parâmetros e estimadores, bem como a decisão do uso de acúmulo de informações para a produção de estatísticas de tendências. Com essa alteração, perde-se um pouco o controle sobre o tamanho final da amostra, mas de um modo geral não são modificações dramáticas. Deve-se enfrentar agora a questão de como alocar a amostra pelos SCs e domicílios, ou seja, quantos setores e quantos domicílios selecionar para obter a amostra final de cerca de 3 mil domicílios por mês. Para melhor definir esses dois números, devem ser considerados aspectos como os custos associados à inclusão de cada setor censitário na amostra e à realização das entrevistas em cada unidade domiciliar e o grau de correlação entre as informações de unidades domiciliares pertencentes a um mesmo setor censitário, a chamada correlação intraclasse. Quanto maior o número de setores censitários na amostra, maiores as despesas com seu arrolamento e com os deslocamentos dos pesquisadores para a realização das entrevistas. Por outro lado, espera-se uma forte correlação entre as informações de domicílios dentro de um mesmo setor; assim, quanto maior a correlação entre as informações de unidades domiciliares pertencentes a um mesmo setor censitário, menor deverá ser o número de unidades domiciliares selecionadas por setor censitário. Entretanto, como a correlação é desconhecida até que o levantamento seja de fato efetuado, procura-se, nessa fase, utilizar a experiência proveniente de outras pesquisas e o senso comum para se estabelecer a divisão mais conveniente do tamanho total previsto para a amostra entre setores censitários e unidades domiciliares por setor censitário. Experiência anterior e simulações de custos sugeriram que a alocação da amostra deveria ser feita em 600 SCs e 15 domicílios em cada um, perfazendo um total de 9 mil domicílios trimestralmente. Com essa escolha, a fração amostral passou a corresponder a cerca de um domicílio sorteado para cada 500 existentes na RMSP. Amostras Selecionadas com Probabilidade Proporcional ao Tamanho O principal cuidado a ser tomado com planos amostrais em múltiplos estágios é o controle do tamanho final da amostra, que pode ser conseguido com sorteio do conglomerado (SC) com probabilidade propocional ao tamanho (PPT) e, no segundo estágio, selecionar um número fixo de domicílios (Bolfarine; Bussab, 2000). Assim, o plano amostral pode ser resumido como a seleção de “a” setores censitários com probabilidade proporcional ao tamanho, e “b” domicílios com igual probabilidade dentro de cada SC sorteado. Usou-se como medida do tamanho do SC o número de domicílios ocupados no Censo Demográfico à disposição. A probabilidade de seleção do domicílio i dentro do setor j, passa a ser: Pij=(aNj/T)(b/Nj) = ab/T Nj =número de domicílos no setor j T = total de domicílios no Censo Ou seja, com esse procedimento cada domicílio teria a mesma probabilidade de pertencer à amostra, pelo menos teoricamente. 127 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Como já mencionado, a fim de realmente garantir que todos os domicílios tenham a mesma probabilidade de seleção, é necessário que cada um dos setores censitários selecionados seja arrolado por completo e o número esperado de unidades domiciliares para cada setor (15) seja ajustado proporcionalmente às alterações encontradas entre o tamanho presumido do setor e o observado em campo no momento do arrolamento. Dessa forma, setores que apresentem, no arrolamento, um número maior de domicílios do que o divulgado no Censo deverão também ter um acréscimo às 15 unidades domiciliares esperadas, e esse acréscimo deverá ser proporcional ao crescimento observado no setor. Inversamente, setores que apresentem menos domicílios no arrolamento do que no Censo deverão ter um número proporcionalmente menor de unidades domiciliares selecionadas. Tais alterações no tamanho do setor são comuns em uma região dinâmica como a metrópole paulistana, onde são freqüentes fenômenos como o brusco aumento do número de residências graças à verticalização ou a sua redução devido ao surgimento de grandes eixos comerciais em áreas anteriormente residenciais. Assim, devem-se realizar esforços constantes para a manutenção de arrolamentos atualizados. Quando a implantação da pesquisa ocorre em um momento outro que o do Censo Demográfico, convém que o cálculo inicial do tamanho da amostra leve em consideração as estimativas do crescimento populacional anual ocorrido, evitando-se, assim, a indesejada perda de controle do tamanho final. processamento dos indicadores. Esse aspecto é bastante vantajoso para uma pesquisa de caráter contínuo, pois, se houver necessidade de pesos, o cálculo exato destes não é trivial e exige informações extras sobre a distribuição populacional, podendo estar sujeito a distorções à medida que a pesquisa se distancia de seu sistema de referência, ou seja, do último Censo Demográfico disponível. Além das facilidades computacionais que advêm da autoponderação, existe outra vantagem adicional expressa em menores erros amostrais. A teoria de amostragem determina que quanto maior a diferença entre as frações amostrais utilizadas e, conseqüentemente, entre os pesos posteriormente atribuídos aos dados, maiores os erros amostrais dos indicadores calculados. Com a autoponderação, a maioria dos indicadores divulgados pode ser calculada diretamente a partir dos dados amostrais; já para os indicadores de contingentes populacionais preferiu-se adotar um sistema misto: utilizam-se os resultados da amostra aplicados a dados externos, ou seja, projeções populacionais produzidas pela Gerência de Demografia da Fundação Seade. Periodicidade da Coleta O tamanho inicial definido para a amostra (9 mil domicílios) por trimestre, por razões já mencionadas de custo, não é levantado em um único mês, mas em três meses, com a coleta de 3 mil domicílios por mês. Para tanto, divide-se o número total de setores censitários sorteados em três painéis distintos rotulados de A, B e C. Nos três primeiros meses da pesquisa, levantam-se as informações dos painéis A, B e C, respectivamente. No quarto, sétimo e décimo mês da pesquisa, utilizam-se novamente os setores censitários do painel A, selecionando-se, entretanto, novas unidades domiciliares nesses setores. No quinto, oitavo e décimo primeiro mês, repetem-se os setores censitários do painel B, ao passo que o painel C serve de base para o sorteio do sexto, nono e décimo segundo mês. A partir do décimo terceiro mês, repete-se esse esquema, sempre com a seleção de novas unidades domiciliares a cada novo mês. Dessa forma, podem-se aproveitar os custos despendidos no processo de arrolamento dos setores censitários e ao mesmo tempo obter amostras mensais independentes (Figura 1). Sistema de Ponderação O sistema de referência (setores censitários) foi inicialmente agrupado de acordo com as regiões homogêneas definidas. Em seguida, dentro de cada região homogênea, foi ordenado por município e distrito e, dentro destes, por rendimento médio dos chefes de domicílio. A partir do sistema assim ordenado, realizou-se o sorteio de setores censitários em pares aleatórios, o que garantiu uma estratificação implícita da amostra. Isso quer dizer que a distribuição da amostra pelos estratos considerados coincide com aquela da população, sem outro esforço adicional para se obter essa característica. Além disso, a utilização de uma fração amostral constante, ou seja, o fato de que todas as unidades domiciliares têm a mesma chance de ser incluídas na amostra, garante que os dados sejam autoponderados, não havendo, portanto, a necessidade de criação de pesos para o Divulgação das Informações Embora o levantamento seja realizado todos os meses, para garantir a precisão desejada, o cálculo dos indicadores 128 PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO FIGURA 1 Esquema de Coleta de Dados da PED Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Painéis A B C A B C A B C A B C trim. 1 trim. 2 trim. 3 trim. 4 trim. 5 Base para trim. 6 Cálculo dos Indicadores trim. 7 trim. 8 trim. 9 trim. 10 Fonte: Fundação Seade. PED. O cálculo das estimativas é obtido diretamente dos dados acumulados no banco de dados, ao passo que o dos erros amostrais, sendo bastante complexo, requer a utilização de softwares específicos, como PCCARP, SAS e Sudaan. Atualmente, a Fundação Seade vem utilizando o software SAS para o cálculo dos erros. é efetuado com a amostra acumulada do trimestre. Como será apresentado a seguir, a independência das amostras mensais permite esse acúmulo, bem como a divulgação, todos os meses, de novos resultados obtidos a partir de trimestres móveis, uma vez que incluem sempre os três painéis definidos. Dessa forma, é possível acompanhar mensalmente a tendência dos principais indicadores divulgados, entre os quais se destacam as estimativas dos contingentes de ocupados, desempregados e inativos, as taxas de desemprego total, por tipo e por atributos pessoais, a distribuição dos ocupados por setor de atividade econômica e por posição na ocupação e os rendimentos médios da população ocupada e assalariada. Controle de Qualidade dos Resultados O tamanho da amostra foi calculado a fim de garantir a precisão desejada para alguns indicadores, considerandose principalmente a taxa de desemprego total. Para garantir a confiabilidade de todos os resultados divulgados, quer em estudos de caráter conjuntural, quer de caráter estrutural, determinou-se que sejam disponibilizados de forma rotineira apenas os indicadores cujo coeficiente de variação seja no máximo 7,5%. Estudos com erros superiores a esse limite só são divulgados em casos muito especiais. Cálculo dos Indicadores Conforme já mencionado, o plano amostral em dois estágios, utilizado com a seleção, no primeiro estágio, de conglomerados (setores censitários) e, no segundo, de domicílios dentro dos setores previamente selecionados, faz com que o tamanho da amostra a cada mês possa oscilar, dependendo do crescimento ou da diminuição do SC sorteado. Desse modo, a maioria dos indicadores produzidos tais como taxas, distribuições de freqüências e médias, é calculada por meio de estimadores do tipo razão, ou seja, pelo quociente de duas variáveis aleatórias ou características. Por exemplo, a taxa de desemprego total divulgada corresponde ao estimador razão combinado no trimestre, expresso pelo quociente entre o número total de desempregados obtido em três meses de pesquisa e o número total de pessoas economicamente ativas obtido no mesmo período. Erros Não Amostrais Além do esforço para controlar os erros amostrais, através da determinação do tamanho de amostra adequado para a precisão desejada e da divulgação de indicadores com coeficiente de variação de no máximo 7,5%, a PED também realiza diversos procedimentos a fim de controlar os erros de origem não amostral, entre eles os relacionados a cobertura, coleta e processamento de informações. Uma equipe de checagem investiga aproximadamente 30% do material coletado pela PED, verificando tanto aspectos de cobertura, ou seja, da realização da entrevis- 129 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 ta no domicílio preestabelecido, como de qualidade das principais informações levantadas. Uma equipe interna de crítica analisa todos os questionários preenchidos, dando atenção especial à coerência das informações e à existência de possíveis viéses devidos à atuação dos entrevistadores. Após a entrada eletrônica dos dados, efetuada com programa específico para minimizar erros, realizase o controle final pela execução de um programa de consistência eletrônica de dados, que busca eliminar possíveis erros ocorridos durante a entrada dos mesmos e incoerências que tenham passado despercebidas no processo de crítica. de atividade. Por exemplo, é mais provável que um entrevistado que já se encontrava ocupado no mês anterior de pesquisa continue nessa situação no mês atual do que um desempregado se torne ocupado, no mesmo intervalo de tempo. Ou seja, existe correlação, quase sempre positiva, nas partes fixas dos painéis. A utilização desse recurso também pode contribuir para reduzir custos, se houver a possibilidade, para a parte fixa da amostra, de simplificar a coleta das informações, como por exemplo, através da realização da entrevista inicial, pessoalmente, e das subseqüentes, por telefone. As vantagens potenciais desse esquema de coleta de dados, entretanto, são muitas vezes suplantadas pelas sérias dificuldades em sua aplicação, que não devem ser desconsideradas no momento do planejamento. Uma delas reside em se efetuarem análises estatísticas que tirem o justo proveito desses modelos mais complexos de amostragem. Outra, não menos importante, deve-se à já mencionada dinâmica das metrópoles e a conseqüente dificuldade de localização dos domicílios que compõem a parte fixa da amostra – é comum que, embora a mesma unidade domiciliar seja entrevistada em dois momentos diferentes, os moradores já não sejam mais os mesmos ou que simplesmente não seja possível localizar exatamente a mesma unidade domiciliar, em áreas de rápido crescimento e mudanças, como favelas, por exemplo. Um dos problemas mais sérios desse método de coleta, todavia, encontra-se no aumento da taxa de recusa dos moradores em responder à pesquisa, que tende a ocorrer justamente quando se localiza a unidade domiciliar procurada e ela continua habitada pelos mesmos moradores. Isso se deve a um desgaste natural produzido pela realização de entrevistas consecutivas com os mesmos indivíduos. Outro efeito prejudicial comum é o condicionamento dos entrevistados, ou seja, suas respostas passam a ser influenciadas pelo conhecimento prévio do que lhes será perguntado. Finalmente, pode haver discrepâncias importantes e difíceis de serem contornadas entre as respostas oferecidas pelos mesmos entrevistados em tomadas diferentes. As amostras independentes, por outro lado, permitem que se realizem estimativas pontuais e também que se avaliem as alterações ocorridas entre duas tomadas determinadas, sem as dificuldades e desvantagens das amostras de painéis, embora com uma variabilidade maior para as comparações entre tomadas distintas. No entanto, cabe ressaltar que a PED, ao divulgar seus indicadores baseados em trimestres móveis, controla a variabilidade das Tipo de Amostra Levantamentos amostrais periódicos envolvem decisões metodológicas difíceis e controversas, principalmente aquelas relativas ao uso de painéis fixos, amostras independentes, rotacionadas ou de outras combinações. Maiores informações podem ser encontradas em Duncan e Kalton (1987). Amostras independentes são aquelas em que, a cada novo momento ou tomada do levantamento, sorteiam-se unidades domiciliares que nunca haviam sido selecionadas. Por outro lado, o uso de painéis fixos implica a utilização das mesmas unidades amostrais em todas as tomadas do levantamento, ao passo que as amostras rotacionadas combinam parcela de unidades amostrais que permanecem na amostra por um número predeterminado de tomadas (sendo substituídas findo esse prazo) e parcela de novas unidades, daí a referência à rotação em seu nome. Um dos principais guias para orientar a opção por um ou outro plano amostral deve ser o objetivo primário para o levantamento das informações. Freqüentemente, as pesquisas contínuas são utilizadas para estimar parâmetros pontuais e ao mesmo tempo avaliar as mudanças ocorridas entre um instante e outro, como nas pesquisas sobre desemprego, por exemplo. Isso poderia sugerir o uso de painéis, rotacionados ou não, devido à menor variabilidade das estimativas entre uma tomada e outra, o que garante a confiabilidade da informação. A variabilidade de um momento a outro tende a ser menor, já que toda a amostra, no caso de painéis fixos, ou parcela dela, no caso de amostras rotacionadas, é composta pelas mesmas unidades domiciliares, onde pode-se esperar que, para intervalos relativamente curtos entre uma tomada e outra, como no caso de levantamentos mensais, os entrevistados não tenham sofrido alterações substanciais em sua condição 130 PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO comparações entre trimestres consecutivos graças à presença, nesses trimestres, de dois meses com as mesmas informações. Além disso, as amostras independentes são particularmente interessantes quando se deseja acumular informações de várias tomadas. O acúmulo de dados coletados em momentos diversos constitui uma boa alternativa para o estudo de fenômenos raros pois, sem esse recurso, seria necessário o levantamento de uma única amostra suficientemente grande para tal, cujo custo poderia, muitas vezes, inviabilizar por completo o estudo desses fenômenos. Entretanto, ao utilizar o acúmulo de informações, é importante ter sempre em mente questões relacionadas à estabilidade das populações em estudo. Por exemplo, quando o fenômeno de interesse é bastante mutável com o passar do tempo, não é conveniente que se acumulem dados referentes a longos períodos de coleta, sob pena de se obterem resultados e conclusões distorcidos. Por outro lado, se os fenômenos ou características que se pretende estudar apresentam relativa estabilidade ao longo do tempo, os resultados dos dados acumulados são bastante confiáveis. Outra importante utilização das amostras independentes encontra-se na construção de bancos de dados que possam servir como uma amostra mestra para o planejamento de amostras futuras, como será visto a seguir. A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE e a LFS (Labor Force Survey – Pesquisa de Mão-de-Obra) do Canadá constituem exemplos de pesquisas sobre mercado de trabalho realizadas com painéis rotacionados. Além da PED, outro exemplo de pesquisa que se serve de amostras independentes é a U.K. General Household Survey, pesquisa geral domiciliar do Reino Unido. seja para análises de caráter mais estrutural, por meio do acúmulo de informações ao longo de períodos mais extensos, em geral um ano ou biênio. Diversos estudos desse tipo foram e continuam sendo realizados periodicamente com os dados acumulados da PED. Destacam-se os perfis traçados de importantes grupos de mão-de-obra, entre eles os jovens, os idosos, os negros e as mulheres e de diversas categorias profissionais como metalúrgicos, trabalhadores nos serviços creditícios e financeiros, na construção civil e nos serviços domésticos. Estudam-se também os desempregados, sua estrutura familiar e seus meios de sobrevivência utilizados, os ocupados e sua inserção setorial, jornada de trabalho e rendimentos recebidos. A segunda forma de aproveitar a possibilidade de acúmulo de dados oferecida pelas amostras independentes consiste em coletar, além dos dados normalmente levantados pela PED através de seu questionário-padrão, informações adicionais nos mesmos domicílios selecionados para entrevista, por questionários complementares desenhados com o objetivo de colher informações que ajudem a aprofundar as análises normalmente realizadas, possibilitando um melhor entendimento ou detalhamento de questões relacionadas à mão-de-obra da região. Como exemplos, podem ser citados os questionários referentes à mobilidade ocupacional da população em idade ativa e à formação profissional. Tal procedimento mostra-se bastante adequado, uma vez que certos aspectos relacionados ao mercado de trabalho urbano, embora relevantes, não justificam a coleta permanente de informações a seu respeito e sua conseqüente sobrecarga nos custos e prazos da pesquisa. A terceira forma consiste na obtenção de dados referentes a novas dimensões normalmente não investigadas, por meio de questionários suplementares ao da PED. Constituem exemplos já realizados a pesquisa sobre hábitos de leitura e acesso à Internet e a pesquisa sobre renda e pobreza e acesso a programas sociais. Esses questionários complementares ou suplementares são geralmente aplicados durante um período predeterminado, como um ano ou um semestre, podendo repetir-se o processo a grandes intervalos de tempo, a fim de se obterem parâmetros de comparação. Utilização da Amostra da PED Para o planejamento da PED, optou-se pela utilização de amostras independentes graças a duas grandes vantagens que ela apresenta: a possibilidade de acumular informações e a de utilizar a amostra da PED como uma amostra mestra para outras pesquisas. Acúmulo de informações – A PED serve-se do acúmulo de informações oferecido pelas amostras independentes de três formas distintas. A primeira refere-se ao acúmulo dos próprios dados levantados pelo questionário-padrão da pesquisa, seja para análises conjunturais, com a divulgação mensal de indicadores produzidos a partir dos dados de trimestres móveis, como mencionado anteriormente, A PED como amostra mestra – Devido ao tamanho da amostra mensal da PED (aproximadamente 3 mil novos domicílios a cada mês) e também ao fato de vir sendo realizada ininterruptamente desde 1985, tem-se, hoje, um grande conjunto de domicílios já selecionados que pode, 131 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Embora os microdados estejam disponíveis, a privacidade dos entrevistados está completamente protegida graças a diversas características desses bancos de dados: não constam os nomes nem os endereços dos entrevistados e as informações referentes aos setores censitários encontram-se descaracterizadas, servindo apenas para o cálculo de erros amostrais. por sua vez, servir como base para a seleção de novas amostras. Esse fim também pode ser alcançado aproveitando-se o arrolamento de domicílios dos 600 setores censitários que totalizam cerca de 300 mil domicílios. Ou seja, a PED pode ser utilizada como uma amostra mestra para outras pesquisas, entre as quais se destacam a de Condições de Vida – PCV na Região Metropolitana de São Paulo e a de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. A extensão do banco de dados acumulado da PED também permite que ele seja considerado como universo para estudos de simulação (Figura 2). Resumo do Plano Amostral Conforme o apresentado, podemos resumir que o plano amostral utilizado na PED é: - uma amostra probabilística estratificada obtida em dois estágios dos moradores da RMSP localizados nos setores censitários urbanos do IBGE listados no último Censo disponível; Disponibilização dos Microdados Todas as informações coletadas pela PED desde seu início estão disponíveis aos usuários que tenham interesse em estudá-las mediante recortes diferentes daqueles normalmente divulgados. Os dados encontram-se em bancos estruturados anualmente e extensivamente documentados, com o objetivo de simplificar sua utilização. - o uso de dois critérios de estratificação: um explícito, resultante de agrupamentos homogêneos segundo as características do emprego, e outro implícito, obtido da ordenação geográfica e por renda dos SCs; FIGURA 2 Utilização da Amostra da PED ACUMULAÇÃO DE INFORMAÇÕES AMOSTRA MESTRA Pesquisa sobre Hábitos de Leitura e Acesso e Usos da Internet Pesquisa sobre Mobilidade Ocupacional da PIA Posição sobre Formação Profissional Pesquisa de Condições de Vida (PCV) Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) Pesquisa sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais Pesquisa Orçamento Familiar (POF) Pesquisa sobre Renda e Pobreza e Acesso a Programas Sociais Fonte: Fundação Seade. PED. 132 PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO - sorteio dos SCs com probabilidade proporcional ao número de domicílios residenciais ocupados na época do Censo, e este número é atualizado antes do sorteio dos domicílios; base em sua condição de vida, avaliada em dimensões distintas, como características da moradia e educação, rendimento, inserção no mercado de trabalho e saúde dos membros da família. Outro exemplo de seu uso encontra-se na geração do IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social, que tem o objetivo de analisar os municípios do Estado de São Paulo por meio de indicadores sintéticos que abrangessem diversas dimensões de riqueza dos municípios e de educação e saúde de seus habitantes. - sorteio dos domicílios com igual probabilidade dentro de cada SC; - sorteio mensal dos SCs, conjugado em três painéis rotativos. CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DA FUNDAÇÃO SEADE CONSIDERAÇÕES FINAIS No momento da implantação da PED, a Fundação Seade não dispunha de um corpo técnico especializado na elaboração de planos amostrais de pesquisas domiciliares, o que a levou a buscar profissionais acadêmicos com esse perfil. Além da realização do plano amostral, a necessidade de acompanhamento permanente da pesquisa, devida ao seu caráter de levantamento contínuo, fez com que alguns desses profissionais passassem a integrar o corpo de funcionários da Fundação. A incorporação desses técnicos e a experiência adquirida com a realização da PED possibilitaram à Fundação Seade o desenvolvimento e a realização de diversas outras pesquisas domiciliares e não-domiciliares por amostragem. Além disso, o desafio de obter controle de qualidade praticamente total nos resultados da pesquisa, que só poderia ser superado com o trabalho integrado de todas as equipes envolvidas em sua produção, levou a uma nova consciência e a um novo padrão de trabalho, por sua vez também estendido a futuras pesquisas e estudos realizados. Um dos aspectos de controle de qualidade das informações que merece destaque é o da opção por divulgar apenas indicadores com confiabilidade fixada (coeficiente de variação de no máximo 7,5%), o que garante a precisão de todos os dados que vêm a público, e permite que especialistas ou leigos utilizem os resultados da pesquisa divulgados sem a necessidade de cuidados adicionais. Outra contribuição importante oferecida pela PED à instituição foi a introdução e incorporação de técnicas estatísticas até então pouco exploradas, por exemplo, os métodos multivariados, como análise de agrupamentos (clusters), discriminante e outras. A familiarização dos analistas com tais técnicas permitiu a geração de indicadores capazes de refletir diversas dimensões de uma realidade. A análise de agrupamentos foi utilizada com sucesso na Pesquisa de Condições de Vida, na qual se procura classificar as famílias com Assim como em sua parte conceitual, a PED busca atender a questões específicas da realidade brasileira, como a grande heterogeneidade dos mercados de trabalho urbanos e a dificuldade de se estabelecerem limites específicos entre as possíveis condições de atividade da população em idade ativa, no que se refere ao levantamento da amostra também foi considerada a especificidade regional, bem como a experiência internacional, a fim de se obter um planejamento eficiente e condizente com os recursos disponíveis. A limitação de recursos financeiros e a necessidade de um tamanho mínimo de amostra para garantir a confiabilidade dos resultados levaram à solução de se realizarem levantamentos trimestrais com divulgação mensal de dados, obtendo-se, assim, a possibilidade de acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho com uma amostra mensal relativamente pequena e custos menores. A adoção de amostras independentes, além de simplificar o procedimento de coleta dos dados, permitiu que se acumulassem informações por períodos mais extensos e, dessa forma, se realizassem análises estruturais ou estudos de fenômenos raros. Tal possibilidade de acúmulo de dados, combinada à longa duração da pesquisa, realizada ininterruptamente desde sua origem em 1985, faz com que a amostra da PED possa, por sua vez, ser considerada uma amostra mestra para futuros estudos. A organização de todos os dados até hoje coletados em bancos estruturados e bem documentados garante a facilidade de acesso da sociedade às informações que buscam retratar alguns de seus aspectos importantes. Finalmente, a realização da PED exigiu a formação de uma equipe interna com um novo perfil profissional que pôde servir-se da experiência adquirida nessa pesquisa para o desenvolvimento e a realização de outras investigações, domiciliares ou não, e para a geração de indicadores sociais inovadores. 133 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KISH, L. Survey sampling. 3. ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1965. BOLFARINE, H.; BUSSAB, W.O. Elementos de amostragem. Versão preliminar. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, 2000. TROYANO, A.A.A. Trajetória de uma pesquisa: avanços e obstáculos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.4, n.3/4, jul./dez. 1990. BUSSAB, W.O.; DINI, N.P. Pesquisa de Emprego e Desemprego Seade/ Dieese: regiões homogêneas da Grande São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.3, p.5-11, set./ dez. 1985. COCHRAN, W.G. Sampling techniques. 3. ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1977. WILTON DE OLIVEIRA BUSSAB: Professor de Métodos Quantitativos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo – FGV. DUNCAN, G.J.; KALTON, G. Issues of design and analysis of surveys across time. International Statistical Review, Great Britain, v.55, n.1, p.99-117, 1987. NÁDIA PINHEIRO DINI: Estatística, Gerente de Métodos Quantitativos da KALTON, G. Introduction to survey sampling. 4. ed. Beverly Hills: Sage Publications, Inc., 1983. SILVIA REGINA MANCINI: Estatística, Analista da Fundação Seade. Fundação Seade. 134 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 135-141, 2003 PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO... PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO sua importância como metodologia de pesquisa PAULA MONTAGNER ATSUKO HAGA Resumo: A importância da desenvolvimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED para a Região Metropolitana de São Paulo ultrapassa a capacidade de gerar informações sobre um mercado de trabalho heterogêneo. Além da inovadora construção teórica, a PED criou uma metodologia de dados que complementa as percepções dos analistas e que pode ser reproduzida para outros temas e localidades. Palavras-chave: pesquisa domiciliar; mercado de trabalho; coleta de informações. Abstract: The importance of the development of the Survey on Employment and Unemployment – PED – for the São Paulo Metropolitan Area goes beyond the capacity to generate information about the heterogeneous labor market. Aside from the innovative theoretical construction, the PED created a data methodology that complements the perceptions of analysts and that can be adapted to other subjects and locations. Key words: household research; labor market; data gathering. A realização de uma pesquisa domiciliar contínua é uma das experiências marcantes pelas quais a Fundação Seade, e seu corpo técnico e diretivo, têm passado nos últimos 20 anos. A relativa unanimidade do papel fundamental que essa pesquisa teve para a definição dos rumos dessa instituição, que mantém destacado papel na geração de informações sociais, demográfica e econômicas, decorre da percepção de que apenas adquirindo o domínio da elaboração de metodologias e da tecnologia de produção de informação, as instituições públicas podem cumprir seu papel de gerar informações de qualidade destinadas a subsidiar políticas públicas e apoiar o funcionamento pleno da cidadania. Este artigo procura demonstrar como a realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED permitiu não apenas o desenvolvimento de uma metodologia inovadora quanto às questões do trabalho, mas também estruturar um conjunto de pesquisas quantitativas, que podem ser adaptadas e reproduzidas em diferentes localidades, para diferentes temas socioeconômicos. Os motivos que levaram o governo do Estado de São Paulo, no início dos anos 80, a combinar esforços mediante parceria de pesquisadores do setor público, de universidades e de entidades de pesquisa ligadas ao movimento sindical, para a realização de uma pesquisa domiciliar contínua na Região Metropolitana de São Paulo, são relativamente conhecidos. Como decorrência da profunda crise econômica dos dois primeiros anos da década de 80, havia um considerável descompasso entre as estatísticas oficiais de desemprego e a demanda por postos de trabalho da população na região. A tensão social do período manifestou-se de forma organizada, por meio do apoio dos sindicatos combativos que buscavam ativamente sua reorganização e a articulação com autoridades do governo estadual – que representavam grupos políticos mais progressistas –, mas também por manifestações sociais menos organizadas, tal como o saque a supermercados e a outras formas de comércio em áreas em que se concentravam as pessoas que procuravam trabalho sem encontrar. Com efeito essa era a primeira crise urbana experimentada no país depois de quase 40 anos de crescimento praticamente ininterrupto e ocorria na área mais fortemente industrializada do país, invertendo assim o sinal de atração populacional que fora uma de suas mais fortes marcas da década anterior. Inicialmente buscava-se apenas acesso a informações sobre a questão do desemprego, de modo que se pudesse 135 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 priedades de pequeno porte, que mal proviam a subsistência de seus moradores. Com o crescimento da necessidade de mão-de-obra no Sudeste, essa população pobre e com baixa escolaridade migrou para o Sudeste em busca de melhores condições de vida, encontrando trabalho nas atividades urbanas, na indústria, na construção civil, comércio e prestação de serviços. O trabalho encontrado, no entanto, nem sempre correspondia ao assalariamento, reproduziam-se nas áreas urbanas experiências de informalidade dos vínculos que eram comuns nas áreas rurais, ao arrepio da lei, que não era suficientemente fiscalizada. Nos anos 70, acreditavase que esse era um mal menor diante da elevada rotatividade da mão-de-obra que, em geral, permitia trajetórias ascendentes à maioria dos trabalhadores. A crise dos anos 80 interrompeu esse processo, evidenciando os aspectos negativos, como: demissões sem justa causa por parte dos empregadores; utilização do processo inflacionário para invalidar o crescimento dos salários, mantendo a participação destes como uma parcela reduzida do custo de produção. No entanto, naquele período, não apenas se interrompia a dança das cadeiras, mas algumas deixaram de existir e com isso parcela expressiva da população deixou de ter emprego em que pese esta nova situação, a figura do desempregado, enquanto grupo social, era, pode-se dizer, inexistente. As pessoas que viviam na Região Sudeste, em especial na Região Metropolitana de São Paulo, a desconheciam, pois uma realidade diferente havia conformado as duas últimas décadas – a figura do desempregado não era uma designação facilmente admitida, ao contrário do que supunham as metodologias utilizadas para mensurar a situação de desemprego. Entre os elementos novos trazidos pela PED, destacase a utilização dos procedimentos operacionais, que passaram a ser adotados pela OIT a partir dos anos 80 (ILO, 1983), para o desemprego aberto, ao tomar como referência o período de 30 dias anterior à pesquisa e não apenas o de sete dias que havia sido utilizado até então, mas que já se mostravam insuficientes para caracterizar situações de desemprego em países industrializados, que haviam passado por recente período de desaceleração de suas atividades econômicas, com elevação de preços e crise em suas matrizes energéticas, devido ao aumento do petróleo imposto pelos países produtores na segunda metade dos anos 70. Aproveitando a flexibilidade contemplada pelas recomendações internacionais da OIT, a PED passou também quantificar o número de desempregados e seu perfil e avaliar a necessidade de postos a serem gerados. No entanto, as primeiras experiências de coleta e análise das informações realizadas pelo Dieese, conforme suplemento de pesquisa de orçamentos familiares do Município de São Paulo – PPVE (Dieese, 1984), sugeriam que a heterogeneidade de situações encontradas mereciam aprofundamento analítico, a fim de bem descrever o desemprego maciço, fenômeno inédito no cenário nacional, e também as diferentes formas de inserção encontradas entre os que ainda não eram assalariados. O desenvolvimento da nova metodologia para conceituar as situações de trabalho e de desemprego/desocupação foi uma decorrência da experiência vivida no início dos anos 80, mas que não se refletia nas estatísticas oficiais, que seguiam as normas preconizadas pela OIT, estabelecidas no início dos anos 50, para a coleta de informações sobre o emprego, que tem por modelo países em que o assalariamento de há muito constituía a forma largamente majoritária de inserção ocupacional, sendo usual acordos que determinavam o número de horas trabalhadas similar para as várias categorias de trabalhadores e uma escala salarial em que as diferenças não eram excepcionalmente elevadas. As possibilidades de ocupação naquele período do pós-guerra eram relativamente simples, pois nas áreas em que havia investimentos para a reconstrução de infra-estrutura faltava mão-de-obra, e a permanência em situação de desemprego era curta, e naquelas em que o crescimento era menor, havia a possibilidade de migrar para áreas em que a situação permitia trabalhar e gerar melhores condições de vida. A reprodução das recomendações internacionais decorrentes desse contexto social e econômico particular impunha problemas para sociedades e economias como as latino-americanas em que a industrialização era recente e, em muitos casos, envolvia apenas alguns tipos de atividades. O crescimento econômico experimentado pelo Brasil representava um caso particular, pois, em pouco mais de 40 anos, a população havia experimentado grande transformação, passando de majoritariamente rural (dois terços, segundo o Censo Demográfico de 1940), para majoritariamente urbana (dois terços da população, Censo Demográfico de 1980). No entanto, essa transformação era espacialmente desigual, com crescente concentração de atividades econômicas e populacionais na Região Sudeste, enquanto a Região Nordeste permanecia desindustrializada, economicamente dependente de atividades agrárias, e com um grande segmento populacional em pro- 136 PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO... com o exercício de trabalho, privilegiando-se a identificação das formas de trabalho descontínuas/instáveis de auto-ocupação para redefinir as fronteiras dos subconjuntos de trabalhadores ocupados, desempregados e inativos. Uma vez identificadas as três situações de condição de atividade, detalham-se, para os ocupados, informações sobre as características dos seus postos de trabalho e dos rendimentos auferidos; para os desempregados, as características do seu último trabalho e os meios de sua sobrevivência; e, para os inativos, a principal situação de inatividade. Adicionalmente são caracterizadas as atividades/ trabalhos eventuais realizados pelos desempregados ou inativos nos últimos 30 dias, que permitem não só confirmar a captação da sua condição de atividade, como também preservar as variáveis mínimas para caracterização do trabalho exercido. Definidas as questões anteriores, um novo conjunto de decisões se impunha: como coletar essas informações com qualidade e agilidade numa pesquisa contínua com divulgação mensal. Entre os problemas mais conhecidos das pesquisas quantitativas, na área socioeconômica, este permanece sendo o que merece destaque, pois exige elaborados procedimentos a serem perseguidos por toda equipe, em especial dos pesquisadores de campo, na tentativa de enquadrar a multiplicidade do real vivida pelas pessoas entrevistadas e as simplificações necessárias para fins classificatórios. A solução encontrada foi dupla: por um lado, buscou-se um desenho de questionário que combinasse, para algumas questões, a possibilidade de descrição da resposta do entrevistado e o seu enquadramento nas alternativas pré-codificadas; por outro, estabeleceu-se um sistema de controle de qualidade, que perpassa todas as atividades no âmbito da pesquisa, sustentado por um trabalho interativo das diversas equipes de campo e apoiado por manuais (pesquisador, supervisor, crítica, checagem e consistência eletrônica) que orientam essas atividades, bem como uma discussão metodológica permanente de situações particulares, não previstas nas codificações das respostas às questões levantadas, e consistência eletrônica dos dados. Um sistema informatizado de controle de atividade de campo permite acompanhar diariamente o aproveitamento da amostra, de tal forma a garantir ao final do levantamento mensal a representatividade desejada das informações levantadas. A equipe responsável pela coleta da PED é incentivada a recolher informações adicionais que considerar mais a identificar os indivíduos que estavam desalentados, pois tendo procurado trabalho por um longo período haviam percebido que não havia espaço para sua inserção no mercado de trabalho e deixavam de fazer procura de trabalho, embora reconhecessem sua necessidade e disponibilidade de tempo para trabalhar. De forma crítica aos procedimentos usuais no país e às próprias normas internacionais, buscou-se resgatar uma parcela da população que realizava alguma atividade remunerada com ganhos avulsos, descontínua e instável, enquanto procurava por um novo trabalho, situação típica da realidade do nosso mercado de trabalho, marcado por grande heterogeneidade e elevada concentração de renda, que dificultam a sobrevivência dos trabalhadores nos períodos de desemprego. Ainda hoje, é fundamental insistir que essas pessoas não desejam continuar nessa situação, posto que sabem da descontinuidade e precariedade da atividade exercida e buscam efetivamente um posto de trabalho que lhes permita alterar sua condição de inserção no mercado de trabalho. Desta forma, a PED passou a identificar três situações de desemprego: desemprego aberto com procura de trabalho aferida nos últimos 30 dias; desemprego oculto pelo desalento; e desemprego oculto pelo trabalho precário, que constituem o conjunto dos desempregados. Para uma adequada captação dessas três situações diferenciadas de desemprego, foi fundamental bem definir os parâmetros classificatórios da condição de atividade da população em idade ativa, ou seja, da população em idade de trabalhar. Em mercados de trabalhos heterogêneos, existe um obscurecimento dos limites que separam as situações de trabalho – com ou sem vínculo formalizado – das situações de não trabalho, e de procura e não procura de trabalho, que deviam ser traduzidas na classificação dos indivíduos como ocupados, desempregados ou inativos, que por envolver hipóteses simplificadoras dessa realidade tendem a privilegiar a classificação dos indivíduos como ocupados. Vencer esses obstáculos conduziu à formulação de um questionário diferente do habitual, evitando que o entrevistado fosse classificado a partir de uma única questão, utilizando apenas a combinação dos parâmetros mencionados (trabalho e não trabalho, procura e não procura) (Fundação Seade – Dieese, 1995). Pelo contrário, investiga-se com detalhes a procura de trabalho (providências tomadas e motivos da procura, bem como a disponibilidade para trabalhar) e suas diversas formas de associação 137 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 estudos realizados em São Paulo sobre: acidentes de trabalho (Informações Suplementares sobre Acidente de Trabalho – 1994); a situação dos jovens estudantes e recémegressos do ensino médio e suas ambições de continuidade de formação escolar e necessidades de capacitação (Informações Suplementares sobre Formação Profissional – 1997); o novo perfil demandado pelos empregadores em termos de requisitos de seleção e contratação (Informações Suplementares sobre Formação Profissional – 1997); e o estudo sobre acesso e uso da Internet por parte da população metropolitana e suas demandas para sites públicos (Hábitos de Leitura, Acesso e Usos da Internet – 2001). A existência da PED e o reconhecimento de sua metodologia propiciaram também a possibilidade de participar de uma pesquisa comparativa internacional, em que pesquisadores de outros países – França, Japão e Brasil – buscam comparar as semelhanças e as diferenças entre os desempregados e as trajetórias de seus ocupados para averiguar a importância das experiências regionais e de suas diferentes instituições, tal como as agências de intermediação de mão-de-obra e outras políticas de emprego e proteção social, com a inclusão de um novo suplemento especial sobre mobilidade ocupacional (Informações Complementares sobre Mobilidade Ocupacional da PIA com Experiência nos Últimos Oito Anos – 2001). Um desdobramento de certa forma menos esperado foi a reprodução da metodologia PED em outras regiões do país. Há, nesse caso, experiências amplamente exitosas como as de Porto Alegre, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Distrito Federal e aquelas que por interferências externas, em geral de ordem financeira, foram menos favoráveis, como as de Curitiba e Belém. Em todas essas regiões, no entanto, a situação de emprego e desemprego da população urbana foi investigada e incorporados aspectos regionais relevantes. Com o reconhecimento da PED como parte do sistema nacional de informações sobre o trabalho por parte do Conselho do Fundo de Amparo do Trabalhador, que financia parte dos custos dessa pesquisa, um novo estágio foi almejado e vem sendo construído desde então, com a articulação de ações das diferentes equipes regionais a fim de que haja um crescente ajuste de tempos e de temas de análise, além da troca crescente de experiências, para que se possa construir de fato, um sistema de informações regionalizado e capacitado a apoiar políticas públicas com desenho nacional e local. Este sem dúvida é um dos grandes desafios de nossas equipes que para atingir esse fim relevantes nos domicílios em que realiza as entrevistas. Essas são avaliadas pelas equipes responsáveis pela execução da coleta de dados e pela aplicação da metodologia da pesquisa para o correto tratamento/enquadramento do caso diferenciado, descrito de acordo com os critérios classificatórios da pesquisa, expressos nos seus instrumentos de coleta. Este procedimento permite um saudável debate entre entrevistadores, críticos, analistas, estatísticos e integrantes do grupo metodológico, sobre as situações inusitadas que o campo recolhe. Após muitos anos de pesquisa, são conhecidos os casos de situações em que a percepção de que havia alterações em curso no mercado de trabalho regional decorreu de informações que foram constatadas inicialmente entre os entrevistadores e cuja generalização levou a que novas codificações fossem estabelecidas para medir a importância do fenômeno observado. Como esperado, na maioria dos casos, tratava-se de situações particulares que não atingiam parcelas significativas da população. A capilaridade representada pela interação do entrevistador com entrevistados e os demais profissionais que integram a equipe de pesquisa representam, sem prejuízo da objetividade dos critérios de classificação, a sempre saudável interação entre as equipes com suas variadas expertises e a realidade social que se pretende apreender e mensurar, mediante conceitos e indicadores, que tendem a ser preservados ao longo do tempo, para garantir séries históricas que são a base de estudos estatísticos que envolvem modelagem simplificadora da realidade concreta. Ao longo dos anos foi possível, com a experiência da PED-RMSP, garantir um conjunto de desdobramentos, alguns esperados, como a possibilidade de trazer novos aspectos para o âmbito da investigação, por exemplo em suplementos especiais. A existência da PED permitiu a notável possibilidade de rapidamente avaliar a introdução de uma nova legislação de contratação por tempo determinado (1998), uma captação mais abrangente dos rendimentos individuais e familiares e acesso a programas sociais (Informações Complementares sobre Rendimentos e Acesso a Programas Sociais – 1999, Informações Complementares sobre Renda – 2003) e um suplemento sobre mobilidade ocupacional da PIA (População em Idade Ativa com Experiência de Trabalho nos Anos 90 – 1996). Ainda nesse campo podem ser contabilizadas as experiências de atendimento a demandas de outras secretarias de Estado e outras instituições públicas que buscavam informações específicas para melhor atender o público. Destacam-se 138 PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO... de coleta adequados a novos indicadores. Provêm, pelo menos parcialmente, dessas percepções as pistas que levaram à formatação e execução da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, realizada em 1990, 1994 e 1998, pela Fundação Seade, apoiada grandemente nas experiências metodológicas e de execução adquiridas com a PED. Do ponto de vista metodológico, pode-se dizer que nesta pesquisa se manteve a pressuposição de que deveria ser possível agregar às informações usuais as que averiguavam situações locais não generalizáveis, expandindo conceitos para além dos marcos típicos das pesquisas internacionais, intencionalmente buscando caracterizar aspectos novos que haviam se tornado essenciais para a compreensão das necessidades e carências da população menos favorecida. Em vez de partir para elementos sintéticos, o final dos anos 80 já faziam antever a necessidade de procurar novos aspectos para as questões centrais das carências da população. Foi um período de estimulante avanço para expandir a compreensão do trabalho e da renda, em quadro mais amplo de necessidades sociais, em que se destacam a educação, a saúde e a habitação, em especial. A PCV nos seus levantamentos periódicos também proporcionou a coleta de informações sobre outros aspectos relevantes, como: acidentes de trabalho e doenças profissionais; associativismo; violência e vitimização; e deslocamentos urbanos para as atividades de trabalho e estudo. O levantamento de informações sobre acidentes de trabalho e morbidade na PCV (1994) indicaram ainda a ocorrência de acidentes de trajeto e de trabalho entre os trabalhadores com vínculo informalizado, para os quais, em geral, não ocorre a informação do acidente, uma vez que os empregadores tendem a não preencher a notificação da ocorrência. Com efeito, o número estimado de acidentes seria o dobro daquele oficialmente notificado, observando-se incidência similar entre empregados com vínculo formalizado e entre os trabalhadores sem vínculo formalizado. Com a experiência acumulada por equipes crescentemente especializadas em geração de metodologia de pesquisa, estatística e análise na PED e mais recentemente na PCV, foi possível aos técnicos da Fundação Seade participarem também de novos tipos de pesquisas demandadas por outros organismos fora do âmbito estadual, tal como foi o caso das pesquisas sobre saúde e acidentes de motoristas de ônibus nas regiões de São Paulo e Belo Horizonte, demanda pela Fundacentro – Fundação para a Saúde do Trabalhador. Em ambos os casos, foram reali- devem avançar nos processos de integração, tanto nos métodos de trabalho, quanto nos projetos analíticos, além da integração de suas bases de dados regionais. Um outro aspecto importante que merece ser destacado com relação à PED, é a possibilidade de aprofundamento analítico sobre aspectos especiais da estrutura do mercado de trabalho metropolitano, além do acompanhamento mensal da sua evolução conjuntural. A amostragem da pesquisa (objeto de artigo específico) propicia a acumulação de dados e permite que aspectos estruturais do mercado de trabalho e fenômenos raros sejam objeto de estudos específicos. Há, pelo menos, alguns segmentos populacionais que vêm sendo motivo de recorrente estudo ao longo dos anos: a inserção da mulher no mercado de trabalho; a situação da população de raça/cor negra; os jovens; os migrantes; os arranjos familiares; os ocupados com menor rendimento; e alguns grupos ocupacionais formados pelos ocupados nas indústrias metalúrgicas, têxtil e vestuário e os bancários, que têm sido objeto de análise ao longo dos anos, principalmente por parte de pesquisadores universitários, mas também pelos sindicalistas que negociam as pautas de reivindicações desses trabalhadores. No caso das situação das mulheres, a demanda social crescente por informações, associada à presença de financiamento internacional, propiciada pelo Fundo para a Igualdade de Gênero, do Canadá, originou um conjunto de publicações que sistematiza as informações sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho regional, disseminando a necessidade de gerar igualdade de oportunidade de trabalho e de remuneração para ambos os sexos e com isso melhorando a qualidade do debate em curso para uma sociedade mais justa e eqüitativa, também do ponto de vista dos gêneros, esperando-se que venha a ser possível avançar igualmente, pelo menos quanto à sistemática disseminação que diz respeito à situação desigual entre pessoas de cor negra e não-negra. Dos estudos especiais realizados pela PED que já evidenciavam a estreita relação entre inserção no mercado de trabalho e desigualdades sociais e a percepção de que a renda não era a única dimensão da pobreza, surgiu a possibilidade de um entendimento multidimensional, deste fenômeno ainda no final dos anos 80. A corrosão dos rendimentos do trabalho, propiciada pelas elevadas e recorrentes variações dos preços que caracterizavam os anos 80, e a tentativa de estabelecer novas bases para políticas sociais compensatórias, destinadas a diminuir para toda a população as dimensões mais notórias da desigualdade de oportunidades, obrigavam a construção de instrumentos 139 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 usuários dos diversos programas habitacionais da CDHU para subsidiar as ações de planejamento habitacional do Governo do Estado de São Paulo (Levantamento Cadastral e Pesquisa Socioeconômica – Programa de Atuação em Cortiços – PAC – 2000/2001/2002; Cadastramento Socioeconômico e Levantamento Físico/Cadastral – Vila Pantanal – 1998; Mapeamento dos Setores, Pichação e Aplicação da Pesquisa Socioeconômica das Favelas de União de Vila Nova e Vila Nair – 1999/2002; Pesquisa de Situação Pós-Ocupacional – 1999; entre outros); levantamento censitário de informações do funcionalismo municipal de São Paulo relacionadas a seu perfil, avaliação dos procedimentos e locais de trabalho (Censo do Funcionalismo Público – 2002); informações sobre os deslocamentos da população residente na Região Metropolitana de São Paulo, para subsidiar a avaliação da política de transporte metropolitano (Aferição da Pesquisa Origem e Destino na RMSP – 2002). Por último, cabe mencionar a participação da Fundação Seade na produção de informações primárias para o projeto Fábrica de Cultura integrante do Programa Cultura e Cidadania para Inclusão Social – PCCIS desenvolvido pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo, com a parceria do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Os fundamentos que permitem acreditar nesse tipo de afirmação encontram-se na reiterada possibilidade de reproduzir procedimentos que garantam a qualidade das informações coletadas e analisadas e na ousadia de não se limitar aos indicadores consagrados, mas na permanente experimentação, o que garante a possibilidade de que os membros das equipes possam ser integrados com base em suas idéias, garantindo que as experiências venham a ser postas a serviço do conhecimento comum. zadas junto a motoristas pesquisas que permitiram avaliar os principais problemas de saúde e de trabalho dessa categoria que, sendo vital para a ampliação do volume e da qualidade do transporte público, permanece entre aquelas em que mais claramente se manifestam problemas de saúde ocupacional, decorrentes das condições do exercício do trabalho, em veículos que nem sempre se encontram em condições ideais, resultando além dos conhecidos problemas osteomusculares, graves problemas de surdez e outros de ordem física e psíquica. O impacto dessas pesquisas foi importante, uma vez que, combinadas com aquelas realizadas com outros profissionais do transporte (motoristas de táxi, caminhões e motocicletas), elucidaram bem as transformações a serem implementadas nos transportes públicos e alertaram para o crescimento da violência, uma vez que, pelo menos, 35% desses profissionais, em ambas as regiões, tinham passado por uma situação de assalto armado em seu veículo, nos doze meses anteriores à pesquisa. A participação e a experiência adquirida pela Fundação Seade no desenvolvimento de pesquisas de campo, como a PED e mais recentemente a PCV, foram e continuam fundamentais para que outros levantamentos de informações primárias sejam realizados, com a finalidade de gerar indicadores de novos e velhos problemas enfrentados pelos trabalhadores e pela população em geral inseridos em uma realidade sujeita a constantes transformações. Para melhor compreensão dessas situações, como também para subsidiar a formulação e a avaliação de políticas públicas relacionadas, cabe destacar alguns exemplos destas possibilidades de pesquisas específicas já realizadas pela Fundação Seade, tais como: levantamento nacional de informações sobre execução e resultados de Telecursos para subsidiar a avaliação do programa de ensino à distância (Avaliação Externa e Acompanhamento de Egressos do Telecurso 2000 – 2000/2001); avaliação e acompanhamento da participação do jovem e da empresa contratante no programa jovem cidadão – meu primeiro trabalho (Avaliação do Programa Jovem Cidadão – Meu Primeiro Trabalho – início em 2000); cadastramento de entidades da sociedade civil que atuam na região Leste do Município de São Paulo (Cadastro de Entidades Sociais sem Fins Lucrativos – Zona Leste do Município de São Paulo – 2001); cadastramento de entidades sociais que atuam na área cultural ou esportiva na Região Metropolitana de São Paulo (Cadastro de Entidades Sociais que Atuam na Área Cultural ou Esportiva na RMSP – 2001); levantamento de informações sobre os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALTAR, P.E.A. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano. Campinas: Unicamp-IE-Cesit, 1996. Mimeografado. BALTAR, P.E.A.; DEDECCA, C.S.; HENRIQUE, W. Mercado de trabalho e exclusão social no Brasil. In: OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J.E.L. Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. BESSON, J.L. As estatísticas: verdadeiras ou falsas? In: BESSON, J.L. (Org.). A ilusão das estatísticas. Tradução Emir Sader. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. BRANDÃO, S.M.C. Medição do desemprego em mercado de trabalho heterogêneo: a experiência da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Rio de Janeiro, Ipea: out. 1997 (Série Seminário 15/97). 140 PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO... CÉZARD, M. Le chômage et son halo. Economie et statistique. Paris, n.193-4, 1986. In: THIRTEENTH INTERNATIONAL CONFERENCE OF LABOUR STATISTICIANS. Geneva: ILO, 1983. CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE. La medición del empleo y de los ingressos en areas urbanas a traves de encuestas de hogares. Santiago do Chile: Cepal, Informe Final do Grupo de Trabalho, agosto 1979. MENDONÇA, S.E.A.; HOFFMANN, M.P. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED: inovações metodológicas. In: DIEESE (Org.). Emprego e desenvolvimento tecnológico: processos de integração regional. São Paulo, 1999. COMTE, M. Três milhões de desempregados. In: BESSON, J.L. (Org.). A ilusão das estatísticas. Tradução Emir Sader. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. POK, C.; TRABUCHI, C.C. Encuesta permanente de hogares: desarrollo actual y perspectivas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE MEDICIÓN DEL EMPLEO – INDEC. Buenos Aires, dez. 1995. Mimeografado. DEDECCA, C.S. Desemprego e regulação no Brasil hoje. Campinas: Unicamp-IE-Cesit, 1996. (Cadernos do Cesit n. 20). PROGRAMA REGIONAL DEL EMPLEO PARA AMERICA LATINA E EL CARIBE – PREALC. Dinámica del subempleo en America Latina. Santiago do Chile: Cepal, ago. 1981. (Estudios e Informe). DIEESE. Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande São Paulo: conceitos, metodologia e principais resultados (1981-1983). São Paulo: jul. 1984. TROYANO, A.A. Pesquisa de Emprego e Desemprego – metodologia, conceitos e aferições de resultados. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 6, n. 2, p. 124-134, out./dez. 1992. FUNDAÇÃO SEADE – DIEESE. Pesquisa de Emprego e Desemprego – Relatório metodológico. São Paulo: Fundação Seade, 1995. Mimeografado. TROYANO, A.A. et al. A necessidade de uma nova conceituação de emprego e desemprego. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 1, n. 1, 1985. HOFFMANN, M.P.; BRANDÃO, S.M.C. Medição do emprego: recomendações da OIT e práticas nacionais. Campinas: Unicamp-IECesit 1996. (Cadernos do Cesit n. 22). ________ . Pesquisa de Emprego e Desemprego – operacionalização dos conceitos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 1, n. 2, 1985. HOFFMANN, M.P.; COSTA, P.L.; SANCHES, S. Pesquisa de Emprego e Desemprego em seis regiões metropolitanas. Porto Alegre, FGTAS/SINE-RS, 2002. HUSSMANNS, R.; MEHRAN, F.; VERMA, V. Surveys of economically active population, employment, unemployment and underemployment: an ILO manual on concepts and methods. Geneva: International Labour Office, 1990. PAULA MONTAGNER: Economista, Gerente de Análise e Estudos Especiais da Fundação Seade. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION – ILO. Resolution concerning statistics of the economically active population, employment, unemployment and underemployment (Resolution I). ATSUKO HAGA: Socióloga, Gerente de Métodos e Pesquisa da Fundação Seade. 141 SÃO 142-150, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA OLAVO VIANA COSTA Resumo: Este artigo tem por finalidade reconstituir a trajetória da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, levantamento socioeconômico por amostragem de domicílios, concebido pela Fundação Seade, no final da década de 80. Tomando por base publicações oficiais que constituem a memória técnica da PCV, procurarse-á evidenciar a importância relativa desta pesquisa na estratégia de desenvolvimento institucional recente da Fundação Seade. Palavras-chave: pobreza; pesquisa domiciliar; políticas governamentais; estatística aplicada. Abstract: This article seeks to reconstruct the history of the Survey of Living Conditions (PCV), a socioeconomic study based on the sampling of households, created by Fundação Seade in the late 1980s. Using official publications that constitute the technical memory of the PCV, an attempt is made to highlight the relative importance of this survey in the recent institutional development of Fundação Seade. Key words: poverty; household research; governmental policies; applied statistics. A Pesquisa de Condições de Vida – PCV é um levantamento por amostragem de domicílios, concebido pela Fundação Seade, no final da década de 80, com o objetivo de suprir a ausência de fonte primária de dados para a realização periódica de análises e interpretações sobre características demográficas e socioeconômicas, determinantes das condições de vida da população, que explicam a magnitude e a distribuição da pobreza nas áreas metropolitanas e nas aglomerações urbanas não-metropolitanas de maior concentração populacional no Estado de São Paulo. Inovadora em vários aspectos, a pesquisa foi a campo pela primeira vez entre junho e agosto de 1990. Adotando perspectiva diversa das investigações tradicionais – centradas em um único indicador, geralmente a renda –, foram coletadas, por meio de questionário especialmente elaborado para essa finalidade, informações sobre habitação, patrimônio familiar, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde em uma amostra de aproximadamente 5.500 domicílios na Região Metropolitana de São Paulo. Técnicas estatísticas multivariadas, aplicadas à análise dos indicadores sintéticos de carência em moradia, ins- trução, emprego e renda, possibilitaram, em 1990, a divisão do conjunto das famílias da Região Metropolitana de São Paulo em quatro grupos com perfis socioeconômicos distintos: Grupos A, B, C e D. O Grupo D, que reunia pouco mais de 20% das famílias, foi considerado em situação de pobreza, por apresentar, em comparação aos três outros grupos socioeconômicos identificados pela pesquisa, os piores índices de instrução, emprego e renda. Parcela expressiva das famílias classificadas no Grupo D (10%) apresentava carência simultânea em moradia, instrução, emprego e renda, sendo, por isso, considerada em situação de miséria. Caso fosse utilizada a “linha de pobreza” tradicional, baseada exclusivamente na disponibilidade de renda para a aquisição de produtos e serviços de consumo corrente, cerca de 50% das famílias da Região Metropolitana de São Paulo teriam sido classificadas como pobres. Estimativas tão díspares, cuja utilização implica classificar como pobres contingentes populacionais bastante expressivos, ilustram bem as dificuldades associadas à mensuração desse fenômeno social complexo, tanto pela diversidade de critérios de mensuração da pobreza, quanto pelos problemas, de natureza qualitativa, referentes à 142 PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA própria definição do que é ser pobre. Na ausência de um conceito teórico de pobreza claramente formulado, as pesquisas sobre o tema costumam trabalhar apenas com definições normativas, apoiadas em referências quanto ao padrão de vida desejável em determinada sociedade. A metodologia adotada pela PCV, ao organizar as famílias por tipo e sobreposição de carências, procurou exatamente fugir das definições normativas e aprofundar mais o conhecimento sobre as características empíricas do fenômeno. Sete volumes, lançados pela Fundação Seade em dezembro de 1992, comprovaram o acerto da metodologia da PCV e a riqueza de sua base de dados. Os cinco primeiros – Educação, Habitação, Mercado de Trabalho, Renda e Saúde – descrevem os procedimentos utilizados para a definição de “linhas de pobreza” em cada um desses aspectos. O sexto – Definição e Mensuração da Pobreza: uma abordagem multissetorial – detalha a metodologia de classificação socioeconômica que permite dividir as famílias em grupos homogêneos quanto às suas características de moradia, instrução, emprego e renda. O sétimo – Principais Resultados – resume o conjunto das informações estudadas, descrevendo as características mais importantes de cada grupo socioeconômico identificado pela pesquisa. Amplamente noticiadas e comentadas, essas publicações motivaram a Fundação Seade a voltar a campo uma segunda vez, entre maio e outubro de 1994, para a execução de um projeto ainda mais ambicioso: a ampliação da abrangência territorial da amostra, mediante a incorporação dos municípios do interior do Estado de São Paulo com mais de 80 mil habitantes na área urbana. No decorrer daqueles meses, pesquisadores da Fundação Seade visitaram cerca de 14 mil domicílios, recolhendo, além das informações sobre habitação, patrimônio familiar, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde investigadas em 1990, dados sobre associativismo, meios de transporte coletivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais. Inédita em levantamentos domiciliares, a investigação de questões relativas a esse último tema atendeu a uma demanda da Fundacentro, órgão do governo federal responsável pela execução de programas de segurança e medicina do trabalho. A definição da amostra também obedeceu a procedimento inovador: os domicílios pertencentes à Região Metropolitana de São Paulo foram selecionados valendose do cadastro de endereços da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, realizada mensalmente, desde 1984, pela Fundação Seade em parceria com o Dieese. A ausência de cadastro similar para o interior do Estado de São Paulo condicionou o sorteio dos domicílios à estratificação dos 37 novos municípios incorporados à amostra, formando-se dois anéis concêntricos em relação à Região Metropolitana de São Paulo. No caso de Campinas, graças a um acordo de cooperação entre a prefeitura e a Fundação Seade, a amostra totalizou cerca de 2.100 domicílios, possibilitando a divulgação de informações desagregadas para o município. Buscando guardar a periodicidade quadrienal da PCV, a Fundação Seade realizou um terceiro levantamento de campo, entre junho e novembro de 1998. Neste levantamento, além de coletar informações em todos os municípios da Região Metropolitana de São Paulo, a PCV ampliou sua cobertura no interior do Estado de São Paulo, incorporando à amostra os 73 municípios paulistas com mais de 50 mil habitantes na área urbana. Com isso, passou a fornecer informações socioeconômicas sobre a composição e a evolução diferenciada de uma das áreas geográficas mais importantes do país que, paradoxalmente, não tem sido objeto de levantamentos sistemáticos de informações, salvo os Censos Demográficos. Em 1998, a amostra da PCV foi planejada para atender a sete agrupamentos urbanos, cobrindo 83% da população urbana do Estado de São Paulo. A Região Metropolitana de São Paulo formou um domínio da amostra, enquanto os outros seis – Central, Leste, Região Metropolitana da Baixada Santista, Norte, Oeste e Vale do Paraíba – englobavam os 73 municípios do interior paulista. Para cada agrupamento, selecionou-se uma amostra probabilística de domicílios, tendo sido sorteadas em torno de 4.500 unidades habitacionais na Região Metropolitana de São Paulo e cerca de 1.700 para os demais domínios, perfazendo um total de aproximadamente 15.000 domicílios na amostra. Outra inovação foi a substituição de temas investigados, atendendo às necessidades da agenda social em nível nacional. Na PCV-98 foram excluídas questões relativas aos temas associativismo, usos de meios de transporte coletivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais, sendo incorporadas informações sobre o acesso da população a bens e serviços coletivos, total ou parcialmente subsidiados pelo poder público, conforme demanda do PNUD e do Ipea – instituições às quais a Fundação Seade associou-se no âmbito do projeto “Avaliação da Incidência e do Impacto Distributivo dos Gastos Público e Social 143 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 por Estratos de Renda”. Além disso, alguns quesitos sobre indivíduos portadores de deficiências e ocorrência de roubos, furtos e agressões físicas foram incorporados ao questionário da PCV-98 por iniciativa da própria Fundação Seade, levando em conta a grande demanda por informações sobre tais assuntos de diferentes instituições públicas e privadas. necessidades básicas monetárias e não-monetárias dos indivíduos; e estudos que consideram a pobreza um fenômeno de privação relativa de renda e outras dimensões socioeconômicas. Pobreza como síndrome de insuficiência de renda parece constituir a abordagem mais largamente disseminada e empregada pelos organismos estatísticos oficiais, na esfera internacional, para dimensionar a população em situação de pobreza. Nessa perspectiva metodológica, uma família – unidade de análise preferencial nesta abordagem – é considerada pobre se sua renda disponível ou dispêndio total é menor que um dado valor monetário normativamente estabelecido (a linha de pobreza), o qual representaria o custo de todos os produtos e serviços considerados básicos para satisfazer as necessidades de sobrevivência e consumo de todos os membros da família. O conjunto de necessidades a atender, o grau de satisfação mínimo, bem como a escolha dos produtos e serviços adequados à satisfação dessas necessidades, podem apresentar grande variabilidade em âmbito internacional, em especial entre países desenvolvidos, onde a universalização do acesso a alguns produtos básicos já foi atingida há muito tempo, e aqueles em desenvolvimento, onde parcela considerável da população não tem sequer acesso a recursos mínimos para garantir alimentação adequada. A abordagem da pobreza como resultado de um conjunto de necessidades básicas insatisfeitas representa uma concepção complementar à da pobreza como insuficiência de renda, uma vez que identifica as famílias sujeitas à privação absoluta de patamares mínimos – também normativos – de bens e serviços (públicos e privados) necessários à sobrevivência. Acesso a água potável, esgotamento sanitário, tipo de habitação, alimentação (quantidade e diversidade adequadas) e grau de assistência escolar são elementos que compõem algumas das dimensões passíveis de avaliação mediante essa abordagem analítica, que tem sido recomendada por organismos internacionais em razão da possibilidade de identificação de carências específicas e de grupos-alvo para intervenção da política social. O conceito de pobreza relativa refere-se à desigualdade de acesso dos indivíduos e famílias a bens ou serviços ou de disponibilidade de renda. Não se trata de quantificar as pessoas que não dispõem de determinado nível de renda para consumo de uma cesta de produtos (como na abordagem da linha de pobreza) ou que não têm acesso a um padrão mínimo de habitação e serviços públicos (como A IMPORTÂNCIA DA PCV Na configuração da estratégia de desenvolvimento institucional recente da Fundação Seade, a importância da PCV pode ser avaliada por referência a três grandes questões: a tendência ao aumento da pobreza em aglomerações urbanas no interior paulista; o potencial da abordagem metodológica da PCV para a mensuração desta tendência; e a possibilidade de utilização do banco de dados da pesquisa para subsidiar as atividades de planejamento e avaliação de políticas públicas de corte social, bem como a realização de estudos e pesquisas acadêmicos. Tendência ao Aumento da Pobreza em Aglomerações Urbanas no Interior Paulista Desde meados dos anos 80, têm ganhado relevância os estudos e pesquisas voltados ao levantamento da situação de pobreza, indigência e exclusão social no Brasil. Embora essas temáticas já viessem sendo tratadas nas universidades e figurassem como objeto de investigação e análise nos órgãos ligados ao planejamento público desde o final dos anos 60, foi com a crise e a estagnação econômica na década de 80 – e seus efeitos sobre o empobrecimento de diversos segmentos sociais – que elas começaram a comparecer com maiores freqüência e profundidade na literatura acadêmica e na agenda política. Assim, passaram a disputar a centralidade do debate social com os estudos sobre distribuição de renda e constituição do mercado de trabalho urbano – temáticas privilegiadas no contexto do aumento generalizado e desigual da renda e do crescimento econômico acelerado da população urbana nos anos 70. Diferentes abordagens analíticas vêm sendo empregadas, desde então, para mensuração da pobreza, destacando-se três perspectivas principais: estudos voltados para o dimensionamento da pobreza como expressão da insuficiência de renda disponível para o consumo de uma cesta de produtos e serviços básicos; análises ancoradas na percepção da pobreza como ausência de satisfação de 144 PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA na abordagem de necessidades básicas insatisfeitas), mas sim de avaliar como se distribuem os recursos públicos e privados pela sociedade, na forma de renda, bens ou serviços, e como eles são apropriados pelos estratos de rendimento mais baixo. Em geral, os pobres são tomados como os indivíduos que integram os decis de renda per capita mais baixa ou aqueles que integram os grupos de acesso mais precário a bens ou serviços. É uma perspectiva mais adequada a países desenvolvidos, onde os níveis mínimos de subsistência estão garantidos para parcela majoritária da população e, portanto, a ênfase da política social volta-se para a redução da desigualdade social entre grupos populacionais, e é menos freqüente em países em desenvolvimento. Além dessas abordagens analíticas, começam a ganhar importância nas instituições de pesquisa os estudos de pobreza baseados na construção de indicadores derivados de quesitos de autodeclaração de pobreza, que alguns autores denominam estudos de pobreza subjetiva. Nos estudos tradicionais, a pobreza era dimensionada de acordo com a resposta dos entrevistados a quesitos relacionados à capacidade de cobrir gastos para manutenção do domicílio e os custos correntes da vida cotidiana. Em estudos mais recentes, o escopo das informações para caracterizar o fenômeno é mais amplo, abordando quesitos relacionados ao nível de satisfação de necessidades básicas, mas também de necessidades e aspirações socioculturais. Um dos maiores avanços da PCV está na possibilidade da realização de estudos e análises baseados nas diferentes abordagens de pobreza mencionadas, abrindo a possibilidade de diagnósticos mais precisos a respeito de temas sociais em geral e da pobreza em especial. O primeiro levantamento da PCV, realizado em 1990, focalizou exclusivamente a Região Metropolitana de São Paulo, por ser, até meados da década de 80, o principal espaço urbano de destino de milhares de famílias e indivíduos que se deslocavam no Brasil, gerando enormes espaços destinados a pobres e miseráveis – favelas e periferias. No entanto, a tendência à desconcentração da atividade industrial em direção aos principais centros urbanos do interior do Estado de São Paulo – sobretudo Campinas e São José dos Campos – motivou a Fundação Seade a ampliar a abrangência territorial da PCV nos dois levantamentos subseqüentes, realizados em 1994 e 1998, a fim de verificar em que medida as transformações estruturais da economia no interior paulista repetiam ou não o padrão de desenvolvimento observado na Região Metropolitana de São Paulo nas últimas décadas. Potencial da Abordagem Metodológica da PCV para a Mensuração da Tendência ao Aumento da Pobreza em Aglomerações Urbanas no Interior Paulista Excetuando-se o Censo Demográfico, realizado decenalmente pela Fundação IBGE em todo o território nacional, nenhuma outra fonte de dados secundários possibilita a desagregação de informações estatísticas para a avaliação das condições de vida e pobreza da população residente na Região Metropolitana de São Paulo e nos municípios do interior paulista com mais de 50 mil habitantes em sua área urbana. No entanto, o alto custo financeiro e a complexidade logística das operações de coleta, processamento e análise de dados obrigam a Fundação IBGE a limitar o escopo temático do Censo Demográfico à investigação de um conjunto reduzido de características da população e dos domicílios particulares permanentes. A PNAD, realizada anualmente pela Fundação IBGE, embora investigue um conjunto mais amplo de características da população e dos domicílios particulares permanentes em todo o território nacional, possibilita a desagregação de informações estatísticas exclusivamente para a avaliação das condições de vida e pobreza da população residente na Região Metropolitana de São Paulo. Isso porque a amostra da PNAD não permite a desagregação de informações similares para os municípios do interior paulista, o que inviabiliza sua utilização como fonte alternativa para subsidiar as atividades de planejamento, execução, controle e avaliação de políticas públicas nesse nível de abrangência geográfica. Nesse contexto, para enfrentar o desafio de medir a pobreza por um enfoque multidimensional, a PCV desenvolveu um conjunto de instrumentos de coleta de dados que possibilitam, além da caracterização do domicílio e de cada um de seus moradores, a investigação de variáveis relativas a situação de moradia, instrução, emprego, renda e utilização de serviços de saúde. Considerou-se que a investigação simultânea desses temas permitiria construir um amplo painel das condições de vida em cada espaço regional pesquisado, pois as variáveis levantadas possibilitariam avaliar o grau em que as necessidades básicas da população estariam sendo atendidas, qualificar o acesso dos indivíduos e famílias ao mercado de consumo conforme sua disponibilidade de renda e estimar as necessidades de ampliação da oferta de trabalho em face das demandas populacionais em um momento específico. Ainda que a PCV utilize três unidades de coleta de dados distintas – domicílios, famílias e pessoas –, a uni- 145 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 dade de análise adotada na pesquisa é a família. Consensual entre os estudiosos da pobreza, essa opção tornou obrigatória a construção de indicadores capazes de resumir, da perspectiva familiar, as quatro dimensões privilegiadas para a mensuração da pobreza: moradia, instrução, emprego e renda. No caso da moradia, o indicador sintético de 1990 leva em conta, além do tipo de edificação e do material empregado em sua construção, o espaço interno disponível e sua utilização pelos moradores. No que diz respeito à instrução, a medida construída considera a condição de freqüência à escola, os anos de escolaridade e o correspondente grau de ensino obtido pelos indivíduos de sete anos de idade ou mais. No que se refere ao emprego, a classificação adotada resume, além da disponibilidade para o trabalho, a condição de atividade econômica e as principais características dos postos de trabalho ocupados pelos indivíduos de dez anos de idade ou mais. Quanto à renda, o indicador construído expressa valores per capita em reais, correspondentes aos rendimentos do trabalho e de outras fontes declarados pelos indivíduos de dez anos de idade ou mais. Passo intermediário na construção metodológica da PCV, os indicadores sintéticos construídos em 1990 definem requisitos ou exigências materiais que, se não são atendidos de modo adequado, revelam a existência de privações ou carências em moradia, instrução, emprego ou renda. Suas versões resumidas, com apenas duas categorias de análise, traduzem para o plano operacional noções de “pobreza absoluta” em cada um desses aspectos, possibilitando identificar, separadamente, as famílias por segmentos: as que vivem em moradias insatisfatórias; aquelas que apresentam nível de instrução precário; as que têm inserção vulnerável no mercado de trabalho; e as que não dispõem de renda suficiente para a aquisição de bens e serviços de consumo corrente. Há, porém, versões mais desagregadas desses mesmos indicadores, com múltiplas categorias ou valores. O uso dos indicadores sintéticos da PCV, em suas escalas resumidas ou desagregadas, influi decisivamente na definição dos parâmetros para a mensuração da pobreza. Isso porque, ao contrapor situações de carência e não-carência nas várias dimensões pesquisadas, a escala resumida impede a percepção de diferenças entre as famílias que ocupam posições intermediárias na escala desagregada, imediatamente acima ou abaixo do ponto de corte utilizado nas definições operacionais de “pobreza absoluta” em moradia, instrução, emprego e renda. Para avaliar o impacto dessas diferenças de escala, a PCV definiu classificações socioeconômicas distintas, utilizando aqueles indicadores tanto em suas versões resumidas, com apenas duas categorias, quanto em suas versões desagregadas, com múltiplas categorias ou valores. No primeiro caso, identificou grupos de famílias que se diferenciam pelo tipo de carência – Grupos I, II, III e IV. No segundo caso, formou grupos de famílias que se diferenciam não somente pelo tipo, mas também pelo grau de carência – Grupos A, B, C e D. Se as diferenças de escala fossem pouco relevantes para a mensuração da pobreza, os agrupamentos resultantes das classificações adotadas pela PCV deveriam apresentar distribuições percentuais e perfis socioeconômicos assemelhados. A análise dos dados apontou em sentido contrário, revelando que famílias originalmente incorporadas ao Grupo I, resultante da classificação por tipo de carência, foram posteriormente redistribuídas nos Grupos A, B e C, obtidos conforme classificação por grau de carência. O mesmo ocorreu para as famílias reunidas nos demais agrupamentos da primeira classificação, com exceção daquelas pertencentes ao Grupo IV, as quais foram integralmente incorporadas ao Grupo D, resultante da segunda classificação. Apesar das dificuldades de ordenação dos agrupamentos resultantes da análise simultânea dos indicadores de moradia, instrução, emprego e renda, com múltiplas categorias ou valores, a Fundação Seade decidiu utilizar a classificação socioeconômica por grau de carência como tradução operacional da metodologia da PCV, voltada para a mensuração da pobreza de uma perspectiva multidimensional. Para minimizar aquelas dificuldades em 1990, foram definidas como pobres as famílias pertencentes ao Grupo D, o de pior situação relativa em instrução, emprego e renda. Além disso, foram consideradas como miseráveis aquelas que apresentavam carência simultânea em moradia, instrução, emprego e renda. A realização do segundo levantamento de campo, entre maio e outubro de 1994, trouxe novos desafios para a PCV. Em decorrência da ampliação da abrangência territorial da amostra, que passou a incluir também os municípios do interior do Estado de São Paulo com mais de 80 mil habitantes em sua área urbana, foi necessário revalidar a metodologia de classificação socioeconômica adotada em 1990. A despeito das implicações associadas a esse procedimento, que abstrai mudanças sociais importantes no tempo e no espaço, decidiu-se gerar grupos de família com características de moradia, instrução, emprego e renda similares às dos agrupamentos que haviam sido determinados quatro anos antes, exclusivamente para a Região Metropolitana de São Paulo. 146 PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA Os novos agrupamentos socioeconômicos da PCV foram obtidos mediante funções de classificação definidas com o auxílio de técnicas de análise estatística multivariada. Em 1990, a utilização dessas funções revelou ter sido menor que 3% a probabilidade de classificação de uma família em outro grupo socioeconômico que não aquele originalmente resultante da análise simultânea de suas características de moradia, instrução, emprego e renda. Reutilizadas em 1994, essas funções permitem inferir que famílias com alto nível de instrução tiveram maior probabilidade de classificação no Grupo A – o de melhor situação socioeconômica –, da mesma forma que aquelas com baixa qualidade de inserção no mercado de trabalho tiveram maior probabilidade de classificação no Grupo D – o de pior situação relativa em instrução, emprego e renda. Não satisfazendo os requisitos acima, famílias com condições habitacionais satisfatórias tiveram maior probabilidade de classificação no Grupo B – cuja situação de moradia é comparável à do Grupo A, ainda que apresente níveis de instrução mais elevados. Da mesma forma, aquelas com condições habitacionais insatisfatórias tiveram alta probabilidade de classificação no Grupo C – o de pior situação relativa quanto a esse aspecto, ainda que registre condições de emprego mais favoráveis se comparado ao Grupo D. De fato, além de perseguir objetivos específicos, relativos à mensuração da pobreza como fenômeno multidimensional, a PCV considera diferentes aspectos das condições de vida do cidadão paulista, permitindo, assim, subvencionar ações públicas em diversos setores sociais, notadamente nas áreas de habitação e focalização de programas sociais. No caso da habitação, os dados obtidos pela PCV permitiram realizar estimativas mais precisas do déficit habitacional para o Estado de São Paulo, auxiliando, inicialmente as atividades do Fórum Parlamentar São Paulo Século XXI e, posteriormente, aperfeiçoadas, subsidiando as ações de planejamento da CDHU, órgão responsável pela execução da política estadual de habitação popular. A interação das diferentes equipes especializadas que trataram o tema de acordo com essa base de dados conduziu à realização de uma pesquisa com características similares à da PCV em aglomerações urbanas não-metropolitanas com até 50.000 habitantes, cujas características da pobreza são notadamente distintas daquelas observadas para as cidades próximas às metrópoles. Trata-se da Pesquisa de Condições Habitacionais – PCH, recentemente concluída, que abrangeu uma amostra de aproximadamente 3.000 domicílios na Região Administrativa de São José do Rio Preto. As alterações introduzidas no questionário de habitação da PCH, para atender à demanda da CDHU, quando incorporados à nova PCV, deverão contribuir para a formulação de indicadores capazes de detectar novas formas de morar mal, já visíveis nas áreas mais urbanizadas do Estado, em decorrência das alterações profundas na paisagem dos grandes centros urbanos, que implicam, entre outros desafios analíticos, a necessidade de redefinir conceitos tradicionais, como o de favela e de cortiço, cujas características originais foram encobertas pelo uso de novos materiais e pela busca de urbanização determinada por políticas públicas. No que diz respeito à focalização de programas sociais, as inovações metodológicas da PCV serviram de base para a inclusão de questionário suplementar sobre rendimentos e acesso a programas sociais no campo de ação da PED na Região Metropolitana de São Paulo. O suplemento contemplou a coleta de informações sobre rendimentos familiares (provenientes de aluguel, doações, retiradas de poupança, etc.), assim como rendimentos individuais complementares não coletados na PED (como PIS/Pasep), benefícios indiretos do trabalho e acesso a programas sociais específicos de combate à pobreza (doação de cestas básicas, merenda escolar, bolsa-escola, renda-mínima, frente-de-trabalho, etc.). Também incluiu-se um quesito Possibilidade de Utilização do Banco de Dados da PCV para Subsidiar as Atividades de Planejamento e Avaliação de Políticas Públicas de Corte Social, bem como Estudos e Pesquisas Acadêmicos A divisão das famílias do Estado de São Paulo em grupos socioeconômicos que se diferenciam pelo tipo e grau de carência em moradia, instrução, emprego e renda é apenas uma das possibilidades de exploração analítica da base de dados da PCV. Tendo em vista a utilização de três unidades de coleta distintas (domicílios, famílias e pessoas) e cobertura de duas áreas territoriais com caraterísticas socioeconômicas e demográficas diversas (a Região Metropolitana de São Paulo e os municípios do interior paulista com mais de 50 mil habitantes em sua área urbana), a pesquisa amplia significativamente o conjunto de informações disponíveis tanto para o planejamento e avaliação de políticas públicas de corte social quanto para a realização de estudos e pesquisas acadêmicos. Como apontado, esse leque de possibilidades para sua utilização decorre das inovações metodológicas introduzidas a cada tomada, que envolvem tanto a renovação temática como a ampliação da abrangência espacial da pesquisa. 147 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 sobre gasto com aluguel ou prestação do imóvel, com o objetivo de conseguir, em etapa posterior, implementar uma eventual imputação de renda adicional àqueles que dispunham de casa própria. A introdução de quesitos sobre o acesso a programas sociais de combate à pobreza, benefícios indiretos do trabalho e rendas não monetárias permitiu averiguar a importância dessas fontes para análises mais precisas do comportamento da renda e da efetividade das políticas, uma vez que algumas das políticas públicas de combate à pobreza podem implicar transferências não monetárias (distribuição de cestas, merenda escolar, vale-transporte para desempregados, por exemplo) que não figurariam nas estatísticas convencionais de renda familiar. Com a inclusão de quesitos similares nos instrumentos de coleta de dados da nova PCV, a Fundação Seade espera garantir a produção de indicadores e análises sobre renda familiar e pobreza para todo o Estado de São Paulo, bem como avaliar o impacto de políticas públicas específicas de combate à pobreza e à indigência nos principais centros urbanos do interior paulista. Cabe também destacar que a PCV foi, e continua sendo, importante fonte de dados empíricos para dissertações e teses acadêmicas em diferentes áreas do conhecimento. Em tese de doutorado em sociologia, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, que se propôs a uma reflexão circunstanciada sobre as relações entre saúde e assistência médica no Brasil, o banco de dados da PCV serviu de fonte primária para o desenvolvimento de um modelo de análise sobre a demanda por serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo. Levando em consideração exigências relacionadas à necessidade de atendimento, à facilidade de ser atendido e à satisfação dos usuários, definidas operacionalmente por meio de variáveis levantadas pelo questionário específico da PCV sobre utilização de serviços de saúde, o referido modelo permitiu aferir, tal como prevê a Constituição Federal, se o sistema de saúde da Região Metropolitana de São Paulo garante acesso universal e igualitário, independentemente dos atributos pessoais e da condição social dos usuários. Inicialmente, aceitou-se a hipótese referente à universalização do acesso aos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, pois as medidas de associação estatística obtidas de acordo com a análise da distribuição de freqüência relativa da condição e do resultado da procura de atendimento, segundo sexo, idade, cor, nível de escolaridade e classe de renda familiar per capita, revelaram não haver associação significativa entre as variáveis consideradas, levando à conclusão que tanto a condição como o resultado da procura independem dos atributos pessoais e da condição social dos entrevistados. Em seguida, confirmou-se a importância da posse de convênio ou plano de saúde como fator de diferenciação do acesso aos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, uma vez que as medidas de associação estatística obtidas na análise da distribuição de freqüência relativa das principais variáveis de utilização de serviços de saúde da PCV revelaram haver associação significativa com os níveis de escolaridade e as classes de renda familiar per capita considerados, concluindo que tanto a condição de posse de convênio médico quanto o tipo de serviço utilizado são dependentes da condição social dos entrevistados. Por fim, rejeitou-se a hipótese referente à igualização do acesso aos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, porque as medidas de associação estatística calculadas pelo modelo revelaram que o tipo de serviço de saúde utilizado no período de referência da PCV exerce influência decisiva sobre as variáveis que traduzem para o plano operacional a noção de facilidade de atendimento (Costa, 1999). O banco de dados da PCV foi também utilizado como fonte primária em dissertação de mestrado na área de medicina preventiva. Apresentada à Faculdade de Medicina da USP, essa dissertação investigou a prevalência e os fatores associados a acidentes de trabalho referidos pela população em idade ativa, com experiência de trabalho, residente na Região Metropolitana de São Paulo. Foi desenvolvido um modelo de determinação para explicitar a relação entre ocorrência de acidentes de trabalho nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias e variáveis relativas à estrutura do processo de trabalho (atividade econômica, tamanho da empresa e tipo de empresa), à inserção individual no processo de trabalho (posição na ocupação, registro em carteira, tipo de ocupação, nível de instrução, sexo e idade) e ao ambiente de trabalho (uso de equipamentos de proteção coletiva e uso de equipamentos de proteção individual, cargas de trabalho e desgaste referido ao final da jornada de trabalho) (Ribeiro, 2000). Concluiuse que o uso da PCV como inquérito domiciliar para determinar a prevalência e os fatores associados a acidentes de trabalho atendeu a duas demandas: produzir informações relevantes sobre a realidade do acidente de trabalho em áreas metropolitanas, que podem ser utilizadas por aqueles que formulam políticas de saúde; e desvelar interessantes associações do acidente do trabalho que merecem outras investigações, a fim de monitorar a relação entre saúde e trabalho. 148 PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA Outra tese de doutorado na área de ciência política também utilizou, como fonte primária, o banco de dados da PCV. Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, esse estudo teve como núcleo de análise a centralidade da vida pública no pensamento político-social como chave heurística para equacionar a configuração do espaço público no país. Partindo da premissa que a ambigüidade semântica é característica da noção “público”, a primeira parte do trabalho objetivou montar um cenário em que pudessem ser elaborados tanto a relação entre o espaço e a vida públicos quanto o conjunto de determinações do próprio espaço público a escapar dessa relação. Ainda na primeira parte, há uma seção de transição entre as balizas teóricas mais gerais e os condicionantes históricos que permitem compreender a recorrência da vida pública no pensamento políticosocial. Uma vez preparado o caminho, a segunda parte transcorre por inteiro no nível do exame das idéias, dando tratamento pormenorizado ao surgimento e à lógica interna da caracterização mais difundida do espaço público no Brasil ao longo do século XX. Nos últimos anos, a vida pública reapareceu com renovado vigor nos estudos sociológicos, agora tematizada de outra perspectiva: a emergência de uma nova sociedade civil. A terceira parte desenvolve balanço amplo dessa perspectiva e entabula um diálogo com ela, tomando por base os resultados da PCV sobre participação da população residente na Região Metropolitana de São Paulo em associações civis. Concluiu-se que, embora exista consenso na produção acadêmica dos anos 80 e 90 quanto ao vertiginoso crescimento do associativismo civil e quanto à diversificação dos tipos de interesses organizados, os dados disponíveis acusam o peso modesto dos atores representativos da nova sociedade civil em face da expansão de outras formas associativas de índole tradicional: sindicatos, lazer e, sobretudo, cultos e igrejas (Lavalle, 2001). Outros estudos acadêmicos, em nível de pós-graduação, que também utilizam a PCV como fonte de dados, encontram-se atualmente em fase de conclusão, o que leva a reafirmar a convicção de que a crescente disseminação das novas tecnologias de informação, as quais permitem o acesso on-line aos microdados de levantamentos domiciliares, tornará o banco de dados da PCV ainda mais acessível aos analistas, atraindo o interesse de novos usuários, tanto na universidade como fora dela. Reiterando essa percepção, resta lembrar que a Fundação Seade tem atendido sistematicamente inúmeras solicitações externas em busca de indicadores gerados pela PCV, de modo que esta fonte de dados tem sido amplamente utilizada por pesquisadores, consultores e profissionais de mídia. PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Embora sua trajetória esteja intimamente ligada à mensuração da pobreza como fenômeno multidimensional, a PCV busca complementar as pesquisas domiciliares realizadas pelo IBGE no país. Em relação à PNAD – única pesquisa domiciliar de âmbito nacional que é realizada anualmente –, a PCV diferencia-se basicamente pela abrangência geográfica da amostra. Enquanto a PNAD divulga resultados agregados para o Estado de São Paulo e a Região Metropolitana de São Paulo, a PCV permite, além deles, resultados desagregados para seis aglomerados urbanos do interior paulista, formados pela reunião dos municípios com população urbana igual ou superior a 50 mil habitantes. Em relação ao Censo Demográfico, que é a única pesquisa domiciliar que possibilita a desagregação de resultados para todos os municípios brasileiros, a PCV diferencia-se fundamentalmente por dois aspectos: menor periodicidade de coleta de dados e maior amplitude temática. Enquanto o Censo Demográfico é realizado de dez em dez anos, a PCV vai a campo de quatro em quatro anos, investigando, em cada levantamento, além de características sociodemográficas usualmente pesquisadas pelo Censo Demográfico, informações indispensáveis para caracterização das condições de vida da população e formulação de políticas e programas sociais. Para avançar na linha de complementaridade com os levantamentos realizados pelo IBGE, sem perder a comparabilidade com as tomadas anteriores, a Fundação Seade busca atualmente fontes alternativas de financiamento para ampliar substancialmente a amostra da PCV. Caso seja bem-sucedida nesta empreitada, o próximo levantamento de campo da pesquisa, a ser iniciado ainda em 2003, deverá disseminar informações para o Estado de São Paulo, as Regiões Metropolitanas de São Paulo (destacando-se a Região do ABC), de Santos e de Campinas, as Regiões Administrativas de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Araçatuba/Presidente Prudente, Bauru/ Marília, São José dos Campos e Sorocaba e para os municípios-sede de Araçatuba, Bauru, Presidente Prudente, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, Campinas, Jundiaí, São José do Rio Preto e Santos. Além disso, o aperfeiçoamento da metodologia de análise multivariada, que organizou a população em grupos 149 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 diversificados segundo tipos de carências, permitirá verificar com mais elementos e clareza como elas vêm-se transformando ou se superpondo em cada um desses grupos. Nesse sentido, será especialmente inovadora a possibilidade de explorar as informações relativas às aglomerações urbanas não-metropolitanas dos quase desconhecidos interior e litoral paulistas, com destaque para os processos capazes de explicar a concomitância entre riqueza e pobreza. Na organização dos temas abordados pela PCV, permanecem aqueles tradicionais, como habitação, patrimônio familiar, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde, devendo ser os respectivos questionários atualizados para ampliar a ótica de novos aspectos percebidos como relevantes com base nos resultados anteriores e na agenda de programas públicos. Já as novidades são de duas naturezas: o aperfeiçoamento decorrente do intenso diálogo que a Fundação Seade vem mantendo com a CDHU, que resulta em uma busca por detalhar a demanda habitacional no interior do Estado de São Paulo, além de avançar na caracterização de aspectos empíricos que permitam repensar o espaço urbano das metrópoles; e os temas que ganham destaque na agenda social contemporânea, como o detalhamento da organização do cotidiano da mulher que trabalha, o associativismo em suas diferentes dimensões – política, sindical, religiosa, de lazer e outras –, a participação voluntária em entidades do terceiro setor, o acesso aos novos meios de comunicação da informação e a percepção subjetiva da pobreza. Finalmente, em virtude do enorme avanço na área de tecnologia de captação, organização das informações e acesso público às bases de dados, pode-se prever, de um lado, uma importante reorganização dos processos de planejamento, execução e controle dos trabalhos de campo da PCV, mediante inovações gerenciais e tecnológicas que possibilitem, além da descentralização das atividades de recrutamento, seleção, treinamento, contratação e pagamento de pesquisadores, a informatização dos procedimentos de controle de entrevistas, entrada de dados e verificação e crítica das informações obtidas por meio da aplicação do questionário. De outro lado, pretende-se garantir o acesso on-line aos microdados das pesquisas, de modo que se agilize o atendimento das demandas dos usuários, em especial dos pesquisadores que se encontram fora da cidade de São Paulo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, O.V. Saúde e assistência médica no Brasil: entre a prevenção de doenças e o tratamento de doentes. Tese (Doutorado em sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 1999. FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: educação. São Paulo, 1992a. ________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: habitação. São Paulo, 1992b. ________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: mercado de trabalho. São Paulo, 1992c. ________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: renda. São Paulo, 1992d. ________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: saúde. São Paulo, 1992e. ________ . Definição e mensuração da pobreza na Região Metropolitana de São Paulo: uma abordagem multissetorial. São Paulo, 1992f. ________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: principais resultados. São Paulo, 1992g. FUNDAÇÃO SEADE/ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. Cadernos do Fórum São Paulo Século XXI: habitação e desenvolvimento urbano. São Paulo, Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 2000. FUNDAÇÃO SEADE/CDHU. Serviços para diagnóstico das condições habitacionais no Estado de São Paulo: relatório final. São Paulo, 2001. LAVALLE, A.G. Espaço e vida públicos: reflexões teóricas e sobre o pensamento brasileiro. Tese (Doutorado em ciência política) – Faculdade de Fiolosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2001. RAMOS, C.A. Impacto distributivo do gasto público: uma análise a partir da PCV/1998. Rio de Janeiro: Ipea, 2000. (Texto para Discussão, n. 732). RIBEIRO, M.C.S. de A. Acidentes de trabalho referidos por trabalhadores moradores na Região Metropolitana de São Paulo: um levantamento de base populacional. Dissertação (Mestrado em medicina preventiva) – Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, 2000. SOARES, M.C. A mensuração do impacto redistributivo do gasto social: um estudo para a Região Metropolitana de São Paulo. Brasília: Ipea, 1999. (Texto para Discussão, n. 643). OLAVO VIANA COSTA: Sociólogo, Assessor Técnico da Fundação Seade ([email protected]). 150 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 151-167, 2003 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PAEP 1996-2001 ROBERTO BERNARDES Resumo: Mapeamento da gênese e do ciclo evolutivo do debate metodológico e conceitual contemporâneo liderado pelas principais agências multilaterais e instituições internacionais produtoras de informações sobre inovação tecnológica à luz da experiência e do esforço de convergência metodológica da Fundação Seade na produção de pesquisas e novas métricas estatísticas que mensurem a criação e difusão do conhecimento na economia. Palavras-chave: surveys de inovação; tecnologia; indicadores intersetoriais de produção do conhecimento. Abstract: This article traces the genesis and evolutionary cycle of the contemporary methodological and conceptual debate being led by the principle multilateral international agencies and institutions that produce information on technological innovation, with concomitant consideration given to the methodological convergence practiced by Fundação Seade in the production of research and new statistical tools that measure the creation and dissemination of knowledge in the economy. Key words: innovation surveys; technology; intersectorial indicators of the production of knowledge. O propósito deste artigo é sistematizar o histórico institucional e a discussão contemporânea sobre produção, bem como a construção de séries intertemporais de estatísticas de inovação e difusão tecnológica no âmbito da OECD, da perspectiva de países em desenvolvimento, tendo como parâmetro a experiência da implementação da Paep – Pesquisa da Atividade Econômica Paulista, concebida pela Fundação Seade no Estado de São Paulo. O artigo está estruturado essencialmente em três partes. Na primeira, é operado um histórico da evolução das instituições produtoras de estatísticas, descrevendo o aperfeiçoamento dos conceitos e das metodologias de indicadores tecnológicos. A segunda parte é dedicada a relatar a experiência da Fundação Seade na implementação da Paep (aplicada no Estado de São Paulo) e da Paer – Pesquisa da Atividade Econômica Regional, realizada em todas as Unidades Federativas do Brasil. As duas pesquisas de natureza econômica captaram informações sobre inovação e novas tecnologias na economia. Neste tópico, é registrada a metodologia aplicada, assim como os procedimentos de composição amostral e alguns resultados obtidos. Por fim, são retratados os prin- cipais aprendizados e desafios futuros para a produção de estatísticas de inovação e difusão tecnológica no Brasil. GÊNESE E EVOLUÇÃO DOS SURVEYS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO PÓS-GUERRA Desde o pós-guerra, com o reconhecimento do progresso tecnológico como força motriz do crescimento econômico, as agências governamentais, organizações multilaterais e instituições produtoras de informações têm mobilizado grandes esforços no sentido de construir metodologias capazes em mensurar a nova dinâmica e a natureza da mudança tecnológica nas economias hegemônicas. Além da valorização das informações sobre CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação para planejamento público e refinamento dos instrumentos de gestão para o desenvolvimento, tem se tornado candente o debate sobre a criação de novos indicadores que mensurem a produção do conhecimento, a participação das indústrias e dos serviços high-tech na economia e a alta correlação territorial dos processos de inovação e capacitação tecnológica das nações. As evidências sinalizam que as economias con- 151 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 temporâneas são cada vez mais baseadas no conhecimento e no aprendizado proporcionado pela interação social. Com efeito, o regime de acumulação econômico tornouse mais interdependente das competências criadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico e por seus sistemas nacionais de inovação.1 As pesquisas estatísticas sobre CT&I nas economias cêntricas e em desenvolvimento inserem-se nesse contexto de crescente valorização conferida pelos respectivos governos e policy makers, que em estimulam, por meio de ações públicas, novos instrumentos e arranjos institucionais direcionados para a promoção do progresso da CT&I, e pelo conhecimento das performances de suas economias. Na década de 50, surgiram as primeiras iniciativas para a mensuração dos inputs (insumos), basicamente investigando as variáveis relacionadas às atividades de P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, entendidas como uma proxy dos esforços de inovação tecnológica. Esta agenda de pesquisa era orientada pela noção de um “movimento linear no processo de inovação”, compreendido como produto de um modelo lógico seqüencial expresso nas fases: invenção-inovação-difusão. A referência teórica do processo de inovação sustentava-se no modelo linear, cuja cadeia seqüencial de atividades seria a pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, produção, mercado e marketing. De acordo com as preposições de Kline e Rosemberg (1986), a inovação ocorreria a partir de uma seqüência linear de causas e efeitos, na qual o desenvolvimento da pesquisa básica desencadeia outras etapas para geração da inovação. Nesse modelo, essas etapas são distintas e isoladas, pressupondo uma divisão institucional e uma separação entre os atores institucionais. Esse modelo, que vigorou como compreensão do processo de inovação nas décadas de 50 e 60, influenciou instituições na definição de políticas públicas e corporativas de P&D. Em 1963, a OECD – Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico, editou o Manual Frascati2 escrito por experts da comunidade européia e da divisão de análise econômica e estatísticas desta organização, dando origem a uma família de manuais metodológicos para mensurar as atividades de inovação tecnológica, com o objetivo de sistematizar e harmonizar a construção de séries estatísticas intertemporais e internacionalmente comparativas. Os surveys de inovação acompanharam o ciclo evolutivo das transformações econômicas, tecnológicas e sociais, alterando-se ao longo do tempo seus conceitos, metodologias e instrumentos de captação des- tes fenômenos, mas seguindo as recomendações de preservação da comparabilidade internacional destas informações. Nesse aspecto, os manuais metodológicos foram as principais referências para a harmonização destas pesquisas (Quadro 1). Os surveys pioneiros realizados na década de 60 para elaboração de indicadores de C&T (ciência e tecnologia) tinham como referência o Manual Frascati e objetivavam, a partir de pesquisas estatísticas, a construção de indicadores de intensidade de P&D (número de pessoas alocadas e gastos), privilegiando ainda informações sobre o desenvolvimento experimental, entre outros. Adquire “status paradigmático”, neste período, a experiência da National Science Foundation,3 localizada nos EUA, que se consolidou como a instituição de pesquisa pioneira na produção de indicadores sobre gastos e pessoal alocado em atividades de P&D. Nas décadas de 70 e 80, foram introduzidos os indicadores de balanço de pagamentos tecnológico4 – os indicadores de output (resultados) –, como os de produções científica (bibliometria) e tecnológica (patente). Os indicadores bibliométricos são as informações sobre os artigos publicados nas revistas indexadas pelo Institute for Scientific Information – ISI, com sede nos Estados Unidos.5 As patentes formam até hoje o principal indicador de produção tecnológica nos países centrais e o número delas é uma medida que auxilia a avaliação da capacidade de inovação. Entre as atividades patentárias,6 a modalidade mais relevante para indicar o surgimento de novas tecnologias é aquela concedida para o privilégio de invenção (propriedade intelectual).7 Com o objetivo de mensurar a participação das atividades baseadas em conhecimento na geração de riqueza nos países industrializados desenvolveu-se neste período a primeira proposta da OECD8 para a classificação de produtos industriais segundo uma taxonomia setorial privilegiando a intensidade tecnológica. No final da década de 80 e mais particularmente na de 90, a partir da ação conjuntas das agências produtoras de estatísticas internacionais inicia-se uma nova etapa das pesquisas estatísticas de inovação com a revisão da metodologia, incorporando e ampliando os conceitos, não restringindo-os exclusivamente às atividades de P&D. A percepção de que o processo de inovação e aprendizado tecnológico é resultado de uma pletora complexa de interações (learning by interaction) entre os diversos atores institucionais, empresas, fornecedores, usuários e agências de fomentos que integram o sistema de CT&I e, por isso, implicando em trajetórias tecnológicas sistêmicas e não-lineares, exigiu o aperfeiçoamento da metodologia e em novos indicadores que 152 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 QUADRO 1 Documentos Metodológicos de Mensuração para Construção de Indicadores de CT&I Ano Documento 1963 Manual Frascati 1978 Unesco. Recommendation concerning the International Standardization of Statistics on Science and Technology, Paris, 27 November 1984 Unesco. Manual for statistics on scientific and technological activities (Unesco Division of Statistics on Science and Technology, Office of Statistics ST-84/WS/12) 1992 TEP – The Technology-Economy-Productivity Program – The Key Relationships 1994 Using Patent Data as Science and Technology Indicators – Patent Manual 1994 Manual de Oslo (5ª edição) 1994 Manual de Canberra 1995 The Measurement of Scientific and Technological Activities Manual on the Measurement of Human Resources Devoted to S&T “Canberra Manual” 1997 Manual de Oslo (2ª Versão). Proposed Guidelines for Collecting and Interpreting Technological Innovation 1997 Revision of the high-technology sector and product classification 1997 Committee for information, computer and comunication policy: measuring eletronic commerce, Paris, OECD/GD(97)185. 1998 2000 Mesuring intangible investiment. Intangible investiment in the statistical frameworks for the collection and comparison of science and technology statistics. Stuz, J. “Las encuestas de innovación latinoamericana: un análisis comparativo de las formas de indagación”. Trabajo preparado para el Proyecto Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina, OEA, Junio. 2000 Manual de Bogotá – Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina y el Caribe – OEA Organización de Estados Americanos – Ricyt, Colciencias, Cyted, OcyT. 2000 Brisolla, S. y Quadros, R. Innovaciones en los indicadores de innovación. Un estudio de las metodologías adoptadas en los países en vías de desarollo. Trabajo preparado para el Proyecto Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina. OEA, Junio. Com o consenso entre os especialistas que o setor de serviços representa cada vez mais um elo crítico no processo de integração econômica setorial, principalmente pela função de geração de emprego e renda, assim como pelo crescente peso destas atividades tecnológicas na sua interface com a indústria para o fomento do progresso e a criação da riqueza social nas economias industriais avançadas, iniciaram-se esforços por parte das agências produtoras de estatísticas na implementação de surveys de inovação neste segmento (Quadro 2). dimensionassem estes novos fenômenos relacionados às economias de aprendizado (Lundvall, 1992). Esta nova agenda de pesquisas passou a interpretar a inovação não mais como um resultado absoluto e restrito às rotinas de P&D, mas como um fenômeno oriundo dos processos de aprendizagem e, por isso, dependente de outras esferas produtivas e institucionais. Assim, tornaram-se imperativas a elaboração e a captação de indicadores de difusão de novos equipamentos, de recursos humanos,9 do uso de novas tecnologias de informação e comunicação, da adoção e adaptação de novos processos e das formas de interação entre as empresas, usuários e instituições de CT&I. A noção de que os processos de capacitação e difusão tecnológica na economia constituem fundamentos para o desenvolvimento econômico e social implicou a criação de dois novos indicadores: o TAI – Technology Achievement Index e, mais recentemente, o ArCo – Capacitação Tecnológica para o Desenvolvimento. Ambos visam construir indicadores de inovação e capacitação tecnológica para países desenvolvidos e em desenvolvimento a partir de algumas dimensões: criação, difusão e adoção de novas tecnologias; difusão das tecnologias existentes, que constituem base para a introdução de novas; idade das redes de TIs; construção da habilidade dos recursos humanos para a geração e uso de tecnologia; e infra-estrutura tecnológica.10 SURVEYS DE INOVAÇÃO: TIPOS DE ABORDAGEM A aplicação dos surveys ou da construção dos indicadores de inovação pode ser elaborada a partir de duas abordagens de mensuração: o objeto econômico, no caso do resultado ou produto da inovação; e o sujeito econômico, no caso da inovação na empresa. A Abordagem Baseada no Objeto A construção de indicadores a partir da abordagem baseada no objeto tem como base a mensuração por meio da contagem e a análise dos resultados da inovação. A 153 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 QUADRO 2 Evolução dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Pós-Guerra Indicadores Décadas de 50 e 60 Década de 70 Década de 80 Principais indicadores utilizados P&D P&D P&D Patentes Balanços de pagamentos tecnológicos Patentes Balanços de pagamentos tecnológicos Conceito e padrão de inovação Função dos experts e instituições produtoras de estatísticas na área de indicadores de CT&I Classificação de produtos por intensidade e conteúdo tecnológico Bibliométricos Recursos humanos Surveys de inovação na indústria LINEAR INTEGRADO EM CADEIA Década de 90 P&D Patentes Balanços de pagamentos tecnológicos Classificação de produtos por intensidade conteúdo tecnológico Bibliométricos Recursos humanos (ocupações científicas) Surveys de inovação nos serviços Inovações citadas na literatura científicas Surveys de tecnologias de produção Suporte público para tecnologias industriais Investimentos intangíveis Indicadores de tecnologias de informação e comunicação (TCIs) Matriz de insumo-produto Capital de risco (venture capital) Fusões e aquisições, joint venture, alianças estratégicas Produtividade SISTÊMICO Fornecedores de dados, metodologias, análises; integração de vários tipos de indicadores, análise conjunta e complementar com indicadores socioeconômicos Fornecedores de metodologias e dados Fonte: Archibugi; Sirilli (2000). maior parte dos surveys realizados foi ocasional e, por isso, apresentando algumas desvantagens para exercícios de comparações internacionais. Neste grupo incluem-se as estatísticas de P&D, as informações sobre patentes, indicadores bibliométricos, informações sobre os fluxos comerciais de produtos de alta tecnologia, balanço de pagamento tecnológico e indicadores de recursos humanos de alta qualificação. A principal crítica a este tipo de abordagem reside no argumento de que a captação destas informações limita-se apenas às inovações bem sucedidas, não comparando as empresas inovadoras e as não-inovadoras (Archibugi; Sirilli, 2000:09). abrangendo as empresas inovadoras e as não-inovadoras. Desde 1970, estes surveys apresentavam uma periodicidade ocasional e irregular e as iniciativas eram financiadas por instituições acadêmicas de pesquisa. Somente na década de 80, a partir das iniciativas da OECD, é que foram estabelecidos três vetores de organização para a consecução permanente deste surveys: periodicidade regular; padronização da metodologia estatística; e padronização dos questionários. Nos anos 90, a implementação de pesquisas de inovação com este tipo de abordagem tem prevalecido em larga escala na Europa e nos países não-europeus, após a publicação do Manual de Oslo e a aplicação dos três Community Innovation Surveys (CIS). Alguns dos fatores que favoreceram a consecução dos CISs e deste tipo de abordagem são à alta potencialidade de comparação internacional das estatísticas, a organização de séries temporais e uma investigação mais ampla e representativa dos processos de surgimento da inovação e do aprendizado tecnológico. A Abordagem Baseada no Sujeito O foco da abordagem baseada no sujeito é basicamente a empresa (o sujeito). Os instrumentos de coleta são estruturados com a finalidade de investigar questões quantitativas e qualitativas sobre as atividades de inovação, 154 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 1998, para o período 1994-96, sendo respondido por aproximadamente 55.000 empresas dos setores manufatureiros e de serviços de 15 países europeus: Áustria, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, França, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Noruega. Além de alterações na elaboração do questionário, este segundo survey de inovação na Europa incluiu o setor de serviços. A metodologia propugnada pelo programa CIS se entendeu por outros países da Europa Central e do Leste, da América Latina (entre outros, o Brasil), Canadá, Austrália, Coréia do Norte, México, Suíça e Turquia. Em 2002, foi iniciado o terceiro Community Innovation Survey – CIS-III, coletando dados para o período 1998-2000 (Costa, 2003:78). Segundo o Manual de Oslo, o conceito de inovação tecnológica corresponde à introdução no mercado de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou à introdução, por parte da empresa, de processos novos ou significativamente melhorados. A inovação pode ser baseada em novos desenvolvimentos tecnológicos, em novas combinações de tecnologias existentes, ou na utilização de outro tipo de conhecimento adquirido pela empresa. A metodologia faz uma distinção entre inovação de produto e de processo. A inovação de produto corresponde à introdução no mercado de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado relativamente às suas características fundamentais, às suas especificações técnicas, ao software ou outros componentes imateriais incorporados, às utilizações para que foi concebido, ou à facilidade de utilização. A inovação tem que ser nova para a empresa; não tem que ser necessariamente nova no mercado servido pela empresa. A inovação pode ter sido desenvolvida tanto pela empresa como fora dela. A inovação de processo corresponde à adoção de métodos de produção novos ou significativamente melhorados, assim como de meios novos ou significativamente melhorados de fornecimento de serviços e de distribuição de produtos. O resultado da inovação de processo terá que ter um impacto significativo na produção, na qualidade dos produtos (bens ou serviços) ou nos custos de produção e de distribuição. A inovação tem que ser nova para a empresa; não tem que ser necessariamente nova no mercado servido pela empresa. O Manual sugere um conjunto de exemplos de inovação tecnológica, a saber: - inovação de produto: módulos para a área da ciência da vida produzidos através de engenharia biológica; programa de estabilização eletrônica para veículos a motor MANUAL DE OSLO: CONCEITOS E MEDIDAS As iniciativas para mensurar a natureza da mudança tecnológica conduziram ao longo dos anos 80, ao desenvolvimento de pesquisas baseadas no tipo de abordagem que privilegia os sujeitos (as empresas), buscando identificar qualitativa e quantitativamente suas atividades tecnológicas. Em particular, os surveys de inovação, como são denominadas estas pesquisas, cuja metodologia de coleta e análise está sistematizada no Manual de Oslo,11 investigam os setores industrial e de serviços. É neste contexto que foi desenvolvido pela OECD, em conjunto com a Eurostat (Comunidade Européia) e DGXIII do European Innovations Monitoring System, o Manual de Oslo em 1992 (revisado posteriormente em 1996), com o objetivo de harmonizar a coleta e as análises de surveys de inovação na Europa, com base no principal sujeito do processo inovativo: as empresas. Com o apoio da Eurostat (Statistical Office of the European Communities), foram revisados os conceitos de inovação tecnológica e sua metodologia de mensuração. As revisões do Manual de Oslo foram operadas, sobretudo, após a avaliação das experiências de implementação dos surveys na Europa, em 1993 (CIS-I), 1998 (CIS-II) e 2001 (CISIII) (Costa, 2003:77). Na revisão de 1996, não foram feitas mudanças significativas, mas forte ênfase foi conferida à orientação dos procedimentos de coleta das informações relevantes para a promoção de políticas e para as características do estudo da inovação. Definiu-se mais precisamente a distinção entre as inovações tecnológicas e aquelas puramente estéticas e organizacionais, identificando com maior rigor a origem, o principal agente da inovação e o nível de originalidade da inovação para o mercado. A maior novidade consistiu na inclusão do setor de serviços nos surveys de inovação. A primeira pesquisa de inovação baseada no Manual de Oslo foi o Community Innovation Survey – CIS-I, realizado em 1993 (para o período-base 1992-93). Neste primeiro levantamento, foram incluídas aproximadamente 40.000 empresas de 13 países europeus: Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Noruega (Archibugi; Sirilli, 2000). Apesar dos esforços realizados no CIS-I, permaneceram as dificuldades de harmonização entre os países. O Manual de Oslo foi então revisado em 1996 e adotado como base metodológica para um segundo Community Innovation Survey – o CIS-II. O CIS-II foi conduzido em 155 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 medida como a participação percentual das empresas inovadoras, seja em número de empresas seja em valor, naquele setor. Portanto, a taxa de inovação, em períodos selecionados, mensura a participação das empresas que introduziram produtos e/ou processos tecnológicos novos ou substancialmente modificados, no total das empresas. (ESP); linhas de alta tensão isoladas com gás; digitalização de processos de impressão; novos tipos de sistemas de lâminas para produção de aparas de madeira (wood chips); novo modelo de unidade de remoção e recuperação de água; medição de partículas por sensores em exaustão de gases; novo tipo de papel para impressoras específicas; novos tipos de motores em navios, e linhas de alta tensão isoladas com gás; PRODUÇÃO DE INDICADORES ESTATÍSTICOS DE INOVAÇÃO EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO - inovação de processo: novos sistemas de CAD; novos sistemas de distribuição da informação; interligação de sistemas de processamento de dados, software para computadores em rede; introdução de métodos de assistência/ auxílio e/ou baseados em computador para desenvolvimento de produto; introdução de programas de simulação com base em elementos finitos para otimização de componentes; recurso ao comércio eletrônico interligado com a produção (ex. bancos eletrônicos com ofertas personalizadas, compras via Internet); disponibilização de canais diretos de comunicação entre o cliente e o produtor; controle do tempo e fase de execução da produção pela Internet, entre outros; Na América Latina e na Central, em particular no Brasil, a elaboração de metodologias e a construção de séries históricas de indicadores a partir da aplicação de surveys de inovação eram ações institucionais pouco exploradas nas pesquisas estatísticas até a década de 90. Como observou Quadros et al. (2003:3), “desde os trabalhos pioneiros de Erber, Dahlman e Katz (1987), até estudos bem recentes, como os de Figueiredo (2001), os estudos de caso e setoriais têm sido decisivos para apontar a natureza incremental, cumulativa e variada em escopo, da capacitação tecnológica das empresas industriais. No entanto, esses estudos se referem a um número limitado de setores e não permitem generalizações”. A partir da segunda metade dos anos 90, registram-se algumas iniciativas importantes na América Latina, no campo dos surveys de inovação no setor industrial, tratando-se em sua maioria de pesquisas focadas nas abordagens baseadas no sujeito, mas nem sempre adotando o Manual de Oslo como referencial metodológico básico. Entretanto, a ampla cobertura amostral proporcionada por estas pesquisas permitiu a elaboração de exercícios de comparação dos resultados. São exemplos as pesquisas do México (1997), Colômbia (1996), Venezuela (1997), Argentina (1997) e Chile (1995). Deste conjunto de pesquisas implementadas, nos casos de México, Colômbia e Chile, foram seguidas as recomendações do Manual de Oslo, enquanto as da Venezuela, Uruguai e Argentina investigaram aspectos sobre a capacidade tecnológica e inovadora das empresas e a do Uruguai partiu de um escopo mais abrangente, investigando, além destas variáveis, elementos sobre os recursos humanos na indústria manufatureira (Stuz, 1999). A adoção do Manual de Oslo em surveys de inovação em países em desenvolvimento tem suscitado um conjunto de indagações quanto à aderência de metodologias desenvolvidas em economias avançadas e aplicadas em países em desenvolvimento que apresentam um padrão - exemplos de não inovações tecnológicas: melhorias em produtos com o propósito de torná-los mais atrativos aos consumidores sem mudança em suas características tecnológicas, como as inovações estéticas ou de estilo (como mudança de cor, alterações superficiais, um novo corte de tecido, etc.), muito comuns nas indústrias têxteis ou de vestuário e calçados, entre outras – nestes segmentos, deve ser considerada inovação tecnológica a aplicação ou desenvolvimento de um novo tecido (fibra), que implique pesquisa e desenvolvimento de um novo material –; pequenas mudanças tecnológicas (melhorias não substanciais) de produtos e processos, modificações que não apresentam grande novidade, mudanças puramente organizacionais; modificações de produtos e processos cuja novidade não diz respeito às características objetivas de uso ou desempenho dos produtos, ou da maneira pela qual eles são produzidos ou distribuídos, mas antes às suas qualidades estéticas ou subjetivas. A implementação das normas ISO 9000 só deve ser considerada uma inovação tecnológica se a sua introdução implicou o desenvolvimento de uma nova tecnologia ou gerou um avanço tecnológico significativo em produto ou processo12 (Quadro 4). De acordo com o conceito propugnado pelo Manual de Oslo, o indicador de desempenho inovador das empresas ou de um determinado setor é sua taxa de inovação, 156 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 QUADRO 3 Formas de Abordagens dos Surveys de Inovação Características da Abordagem Abordagem Baseada no Objeto Abordagem Baseada no Sujeito Unidade de análise Método de coleta da informação Empresa Coleta de informações no âmbito da empresa pela aplicação de questionários ou entrevistas diretas. Periodicidade Inovação tecnológica Coleta de informações realizada de diferentes fontes produtoras públicas e privadas, surveys especializados e detalhados. São exemplos as informações sobre patentes, P&D, bibliometria, etc. Registro de informações sobre o resultado (output) do processo de inovação Surveys ocasionais Cobertura Amostra de inovações bem-sucedidas Critérios de classificação Área tecnológica Produto Atividade econômica principal da empresa Exemplos típicos Small bussiness administration, EUA (Acs & Audretsch, 1991) Forma de captação da inovação Registro de informações sobre os insumos (input) do processo de inovação. Surveys periódicos e intertemporais para a construção de séries estatísticas através do programa CIS (Community Innovation Survey) Amostra de inovações bem e mal-sucedidas. Empresas inovadoras e não-inovadoras, abrangendo os setores da indústria e dos serviços Tamanho da empresa Tipos de inovação Formas de cooperação e interação Atividade econômica principal da empresa Surveys de inovação (CIS – Communitty Innovation Surveys) (Guellec and Pattinson, 2002) Fonte: Archibugi; Sirilli (2000). QUADRO 4 Tipo e Grau da Novidade e Definição da Inovação Maximum Nova para o Mundo Inovação Tecnológica de Produto e Processo (ITPP) Tecnologicamente nova Produto Processo de produção Processo de distribuição Melhoria tecnológica significativa Outra inovação Não-Inovação Inovação Intermediária (1) Produto Processo de produção Processo de distribuição Puramente organizacional Mudança não significativa Mudança sem novidade ou outro melhoramento criativo Produto Processo de produção Processo de distribuição Puramente organizacional ITPP Outro tipo de inovação Fonte: Manual de Oslo. (1) Pode ser geograficamente nova para o país ou região. 157 Não-inovação Minimum Nova para Empresa NãoInovação SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 diferenciado da mudança tecnológica. Na ótica destas indagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/Interamericana de Indicadores de Ciencia e Tecnología desenvolveu o Manual de Bogotá (Jaramillo et al., 2000), resultado de um esforço conjunto de pesquisadores latino-americanos para contornar dificuldades da adoção do Manual de Oslo em pesquisas de inovação na América Latina. Como observou Costa (2003:89), apesar dos esforços, muitas das críticas ao Manual de Oslo não foram superadas pelo Manual de Bogotá, que acabou por não alcançar uma unanimidade entre os especialistas enquanto status referencial de um manual metodológico de inovação para a América Latina.13 No Brasil, a literatura econômica acumulou considerável estoque de conhecimento empírico, baseado em estudos setoriais e em estudos de caso de empresas, 14 mas eram poucas as iniciativas de estudos analíticos para a compreensão da natureza da inovação, difusão tecnológica e de seus impactos, sob uma perspectiva transversal e intersetorial na economia. A Anpei – Associação Nacional de Desenvolvimento das Empresas Industriais desenvolveu no Brasil, a partir de 1992, uma pesquisa pioneira inspirada na experiência da National Science Foundation, uma base de indicadores empresariais de P&D. Constituída a partir de um painel de cerca de 365 empresas, esta base reúne informações sobre P&D e engenharia não rotineira. A pesquisa, desde o início, contou com o apoio do governo federal através do Pacti – Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria e de agências, como Finep e Sebrae. Saliente-se que o inquérito da Anpei não se enquadra nos padrões dos surveys de inovação da OECD, sendo uma pesquisa focada na P&D das empresas.15 Recorde-se que, desde 1960, a produção de estatísticas econômicas no Brasil esteve fortemente ancorada na realização dos censos econômicos pelo IBGE, com periodicidade qüinqüenal a partir de 1970 até 1985, quando foram suspensos. Saliente-se que a disposição do IBGE em não mais implementar censos econômicos deveu-se não somente à crise do sistema estatístico nacional (SEN), mas também a uma decisão estratégica como forma de modernização e redução dos custos de monitoramento da economia, aliada à política de descentralização em curso naquele órgão desde a missão Canadá (1994/95).16 Naquele momento eram poucas as iniciativas estaduais ou municipais na produção de informações econômicas e tecnológicas, mesmo nas localidades que eram providas de instituições públicas de produção de estatísticas. As incertezas geradas pelo protelamento do Censo Demográfico de 1990 para 1991, a não realização do Censo Econômico de 1990, o atraso na divulgação das pesquisas anuais (PIA – Pesquisa Industrial Anual, PAC – Pesquisa Anual do Comércio, etc.) e as dificuldades de acesso aos resultados do Censo Econômico são alguns dos exemplos deste período. Simultaneamente, entrava em ebulição o interesse no cenário nacional conferido aos movimentos empresariais de reestruturação, difusão tecnológica e na emergência das cidades e dos espaços territoriais enquanto locus privilegiados para a compreensão dos processos de inovação e aprendizado e, por isso, reacendia-se o debate sobre a necessidade de mensuração dos novos indicadores de conhecimento na economia e nas diferentes regiões do Estado. Os novos indicadores seriam estratégicos para a análise da economia paulista e para a definição de políticas públicas de desenvolvimento regional.17 Em sintonia com a nova agenda de pesquisas contemporâneas, a Fundação Seade acumulou ao longo destes anos uma significativa experiência na concepção e gestão de pesquisas de inovação tecnológica, tendo como parâmetros a experiência internacional de produção de estatísticas. Nesse sentido, a aplicação da Paep consagrou-se como uma pesquisa econômica estrutural que incorporava em seu projeto o primeiro survey de inovação realizado no Brasil,18 adotando o referencial conceitual recomendado pelo Manual de Oslo e tendo como universo de investigação as empresas industriais do Estado de São Paulo. Além deste survey, foram incluídos no questionário da Paep três capítulos destinados aos estilos de gestão da produção, à automação industrial e à difusão de novas tecnologias de informação e comunicações, permitindo avaliar a magni- PAEP/SEADE: CONVERGÊNCIA E INOVAÇÃO NA PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS Diante da complexidade da nova agenda de pesquisas estatísticas, a Fundação Seade dedicou-se, desde 1992, à arquitetura de uma nova metodologia, buscando captar os novos processos econômicos e inovativos, parcialmente eclipsados pela ausência de informações, no Estado de São Paulo. O objetivo de iluminar e mensurar o real dimensionamento dos impactos derivados das transformações macroeconômicas sobre a estrutura produtiva paulista em particular, somado à inexistência de dados atualizados, motivou a elaboração da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. 158 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 tude e amplitude da base tecnológica e informacional das empresas industriais. De forma geral, os indicadores setoriais de inovação tecnologia da Paep foram construídos a partir de cinco perspectivas: - esforço de inovação, captado para a indústria e os serviços, medido através de um conjunto de informações tendo como base duas variáveis constantes no questionário, referentes especificamente a essa temática: algum tipo de inovação tecnológica na empresa, seja de produto, seja de processo; e se a empresa, nesse período, desenvolveu atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D); verso representativo de mais de 40.000 empresas industriais no Estado de São Paulo, incluindo no questionário deste setor um capítulo composto por nove questões dedicadas às atividades inovadoras e rotinas de P&D destas empresas. A metodologia utilizada para o survey de inovação na Paep foi a mesma recomendada pelo Manual de Oslo, tendo como parâmetro o questionário da CIS-I – Community Innovation Survey, assegurando assim a comparabilidade dos indicadores com outros surveys de inovação. As questões mais semelhantes ao CIS-I referiamse a: - adoção ou não de, pelo menos, uma inovação tecnológica pela empresa, de produto e/ou de processo; - difusão de novas tecnologias, medida por meio de um conjunto de variáveis intersetoriais que investigavam a amplitude da utilização de equipamentos de automação, da utilização de técnicas de controle de qualidade e produtividade e da utilização de computadores: uso de técnicas de produtividade e qualidade (just-in-time, engenharia simultânea, uso de minifábricas, etc.); uso de equipamentos de automação com base microeletrônica; uso de sistemas CAD/CAE/CAM (tecnologias utilizadas na engenharia de projeto); uso de equipamentos de automação de processos; uso de computadores; uso de redes de informação corporativa aplicadas à engenharia de projeto e produção; entre outras; - classificação da importância dos motivos da adoção de inovações; - classificação da importância das fontes de informação utilizadas pela empresa para a inovação; - indicação pela empresa do percentual das vendas decorrente de novos produtos; - dispêndios e número de funcionários empregados em atividades de P&D, com a discriminação do subconjunto de empregados em P&D com curso universitário completo. A Paep combinou a investigação de variáveis econômicas comuns em pesquisas estruturais com a abordagem de variáveis quantitativas e qualitativas relacionadas à difusão tecnológica. A definição das variáveis de difusão tecnológica foi diferenciada de acordo com o setor de atividade econômica. As informações foram coletadas em 1997, tendo 1996 como ano-base para a atividade econômica, e o período 1994-1996, para as questões que se referiam a intervalos de tempo para inovação. A Paep investigou uma amostra estratificada de empresas, identificadas e selecionadas com base nas informações contidas no cadastro. Para a constituição da amostra, as empresas da população de referência (empresas do cadastro) foram divididas em dois estratos: certo e aleatório. O primeiro abrange as empresas classificadas como industriais, com 30 ou mais empregados e que, em 1995, possuíssem sua sede, ou ao menos uma unidade produtiva, em operação e 30 ou mais pessoas ocupadas no Estado de São Paulo. O estrato aleatório compreendeu somente empresas de pequeno porte (entre 5 e 29 empregados), que possuíam sede no Estado São Paulo. Com base nestes critérios, selecionou-se uma amostra inicial de 19.334 empresas industriais, sendo 12.476 do estrato certo e 6.858 do estrato aleatório. A amostra final (efetiva) da Paep totalizou 10.658 empresas indus- - uso da tecnologia, entendido como estilos de gestão, complementar ao processo de difusão da inovação tecnológica. As variáveis escolhidas para esta caracterização são: se os computadores das empresas estavam ligados em rede, configurando um sistema de troca de dados interno; uso de sistemas de troca e consulta eletrônica de dados externa (rede de longa distância, e-commerce,19 EDI, Internet, etc.); informações quantitativas e de perfil do uso de computadores, entre outros; - origem e fontes das novas tecnologias: nacionalidade do capital controlador; origem do agente que desenvolveu a inovação; nacionalidade do agente que realizou acordos de cooperação para o desenvolvimento da inovação; fontes de informação para as atividades de inovação tecnológica; entre outras; - impactos da tecnologia: participação na receita dos novos produtos; informações sobre patentes, indicadores de produtividade; entre outras. A Experiência do Survey de Inovação na Paep A Paep foi uma iniciativa pioneira no cenário de produção estatística nacional, na qual pesquisou-se um uni- 159 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 triais e, expandida, correspondeu ao universo de 41.466 empresas. Fizeram parte da Paep/96 todas as empresas dos segmentos da indústria de transformação, da extrativa, da construção civil, de serviços de informática, bancos e comércio. A construção civil foi incluída, após estudos realizados junto a entidades de classe, devido à importância que este segmento tem como absorvedor de mão-de-obra e por estar sendo alvo de processos de reestruturação técnico-produtiva. Tendo em vista a integração com o Sistema de Estatísticas Nacional (SEN), buscou-se maximizar a comparabilidade entre a Paep e as pesquisas econômicas produzidas por outras fontes. Para assegurar maior homogeneidade entre os vários segmentos estudados, adotou-se o sistema da CNAE/95 – Classificação Nacional de Atividades Econômicas, com a disponibilização das informações do Cadastro do IBGE de 1996. Complementarmente, para o detalhamento da análise de alguns segmentos mais relevantes do ponto de vista econômico e dos processos de reestruturação produtiva do Estado de São Paulo, estabeleceu-se uma agregação especial, denominada Caepaep – Classificação de Atividade Econômica específica da Paep, que orientou a amostragem da pesquisa. A base de informações da Paep, devido à sua ampla cobertura e representatividade estatística, permitiu que se explorasse a influência das características econômicas das empresas sobre seu comportamento inovador. Outro fator que contribuiu para a grande representatividade das informações foi o índice de resposta da pesquisa, ou seja, a resposta aos questionários foi da ordem de 84%, sendo o índice de recusa de cerca de 16%. As informações da Paep apontaram que, no nível agregado, a taxa de inovação da indústria paulista, no período 1994-96, foi de 24,8%, ou seja, cerca de um quarto de todas as empresas industriais paulistas introduziu alguma inovação de produto ou processo nesse período. A expressão econômica das empresas inovadoras paulistas é ainda maior: elas foram responsáveis por 68% do valor adicionado pela indústria de transformação no Estado de São Paulo (Gráfico 1). Com base nas informações captadas pela Paep, em 1996, havia 8.870 pessoas de nível superior alocadas em P&D, na indústria de transformação paulista. Os setores que mais se destacavam eram a indústria automobilística, com 2.803 pessoas de nível superior alocadas em P&D, seguida pela química (956) e outros equipamentos de transporte, que incluem a indústria aeronáutica (613), entre outras. As informações sugeriam que o maior volume em P&D20 da indústria paulista (e brasileira) estava concentrado em segmentos industriais não intensivos em ciência, que apresentavam menores oportunidades tecnológicas. As indústrias produtoras de bens intermediários e algumas metal-mecânicas e elétricas convencionais compõem o grupo de indústrias brasileiras mais competitivas, e estão entre aquelas que desenvolveram uma considerável capacitação tecnológica. O Survey de Inovação na Paer A partir da avaliação da importância da Paep, a Fundação Seade foi convidada pelo Ministério da Educação – MEC, no âmbito do Programa de Expansão da Educação Profissional – Proep, a apresentar uma proposta para a realização de uma pesquisa similar, para ser aplicada em todos os Estados do Brasil, visando a reformulação do ensino profissionalizante do país. Aceita a proposta, a Fundação Seade iniciou, em 1998, o levantamento de campo das primeiras informações da Pesquisa da Atividade Econômica Regional – Paer, que incorpora, em grande medida, um subconjunto de variáveis (sobretudo qualitativas) da Paep, além de um detalhamento dos requisitos de contratação, requisitos para as rotinas de trabalho e instrumentos de seleção dos recursos humanos, bem como investigação sobre o relacionamento das empresas com as escolas técnicas e suas perspectivas de investimento e contratação de mão-de-obra. A Paer foi aplicada em todos os Estados do Brasil, levantando cerca de 19.038 unidades locais, distribuídas entre a indústria (10.583) e os serviços (8.455). A pedidos do MEC, a Fundação Seade enviou àquela instituição uma proposta para a realização da Paer/SP, cujo levantamento de campo foi realizado para o ano de 2001, ou seja, concomitante ao da Paep. Na Paer, para todos os Estados, a coleta de informações para a pesquisa se deu entre 1998 e 1999. Na Paer, foi realizado um novo survey sobre inovação tecnológica. As informações sobre as atividades de inovação foram coletadas tendo como referência, em geral, o intervalo de 1995 a 1999. O universo de investigação desta pesquisa foi de 3.150 unidades locais da indústria com mais de 100 pessoas ocupadas, considerando a articulação deste segmento com o ensino técnico destas regiões. A representatividade destas informações, a exemplo da experiência da Paep, foi elevada, pois o índice de resposta foi da ordem de 95%. Aproveitou-se o aprendizado metodológico adquirido através das atividades operacionais e de análise da Paep, no Estado de São Paulo, cujos principais avanços constituemse em dois aspectos centrais: atualização e inclusão de novas questões no instrumento de coleta, com base na versão do CIS-II, o questionário da pesquisa de inovação da Eurostat 160 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 GRÁFICO 1 Empresas Inovadoras (1) e sua Participação no Valor Adicionado, segundo Atividades Industriais Estado de São Paulo – 1996 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. (1) Correspondem às empresas que desenvolveram ou introduziram alguma inovação de produto ou de processo (incremental ou significativa). (2) Agregam as divisões: 16 - Fab. de Produtos do Fumo; 20 - Fabricação de Produtos de Madeira; e 36 - Fab. de Móveis e Indústrias Diversas. Nota: Refere-se às empresas com sede no Estado de São Paulo. (Statistical Office of the European Communities); e aprimoramento conceitual e metodológico das definições sobre inovação tecnológica, implicando maior rigor nos critérios de identificação e classificação das empresas inovadoras e, ao mesmo tempo, assegurando uma comparabilidade subnacional e internacional das informações obtidas. Baseandose nas novas questões do CIS-II, foram introduzidas as seguintes questões: solicitação à empresa da descrição da principal inovação de produto e/ou processo, que se mostrou apropriada para o trabalho de verificação da consistência da ocorrência de inovação e, portanto, para aperfeiçoar o rigor da pesquisa; identificação do principal agente do desenvolvimento do novo produto ou processo; indicação, pela empresa, se ela introduziu produtos que fossem tecnologicamente novos não apenas para ela, mas para o seu mercado. Tendo em vista a experiência da Paep, em que se verificou que o universo amostral das empresas inovadoras é composto majoritariamente por empresas de grande e médio portes, decidiu-se pela inclusão de um suplemento ao questionário da indústria da Paer, que foi aplicado nas empresas com 100 ou mais pessoas ocupadas e que possuíam sua sede localizada nos Estados investigados. As performances das taxas de inovação das empresas industriais brasileiras com 100 ou mais empregados revelaram uma estrutura produtiva e um comportamento tecnológico regional heterogêneo. As pesquisas aplicadas entre 1994 e 1999 demonstram que o Estado de São Paulo apresentou uma taxa de inovação de cerca de 56%, próxima à performance inovativa das empresas do Estado de Santa Catarina (54,4%) e relativamente superior ao Amazonas (45,9%), considerando particularmente a região de Manaus, e ao Rio Grande do Sul (46,7%). Quando comparada a participação relativa das empresas destes Estados em relação à sua importância nas 161 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 GRÁFICO 2 Taxa de Inovação da Indústria de Transformação Estados Selecionados – 1994-1999 Em % 11,3 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep; Pesquisa da Atividade Econômica Regional – Paer. (1) Refere-se ao período de 1994 a 1996. (2) Refere-se ao período de 1994 a 1998. (3) Refere-se ao período de 1994 a 1999. Nota: Participação percentual do número de empresas industriais com 100 e mais empregados com sede no Estado, que realizaram inovação de produto e/ou processo sobre o total de empresas industriais com as mesmas características. Ciência e Tecnologia e Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, foi realizado um novo levantamento da Paep. Desta vez, a pesquisa foi realizada num período mais curto, captando informações sobre o ano-base de 2001 (para as informações quantitativas e financeiras) e o período entre 1999 e 2001 para as questões de inovação tecnológica, sendo o campo realizado entre agosto de 2002 e fevereiro de 2003. Para a execução da Paep/2001, foi utilizado o cadastro de empresas fornecido pelo IBGE – Cempre (jun./2001), do qual foram selecionados 1.006.037 registros de empresas de acordo com o âmbito Paep/2001. Consideraram-se todas as empresas com sede no Estado de São Paulo e empresas com sede fora do Estado com 30 ou mais pessoas ocupadas (PO) no Estado. Para os setores da indústria, instituição financeira e construção civil, foram consideradas as empresas com pelo menos cinco pessoas ocupadas. Já para os setores de comércio e serviços incluíram-se todas as empresas. empresas inovadoras no país, a discrepância da representatividade regional é latente. O Estado de São Paulo respondia por 62,6% das empresas inovadoras no Brasil, enquanto Santa Catarina (7,1%), Amazonas (1%) e Rio Grande do Sul (9,6%) apresentam participação significativamente menores. As informações produzidas pela Paer revelaram que empresas inovadoras com participação de capital multinacional com mais de 100 pessoas ocupadas e que desenvolvem rotinas de P&D são geograficamente concentradas no Estado de São Paulo. As informações evidenciaram a importante função que estas empresas desempenham no desenvolvimento tecnológico regional e nacional (Gráfico 2). O Survey de Inovação na Paep/2001: a inclusão do setor de serviços Com um importante apoio institucional e financeiro de agentes públicos, como Fapesp, MEC, Secretaria de 162 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 Na Paep/2001, para a formulação das questões de inovação, foi utilizado como referência o conjunto de questões organizadas no CIS-III, sendo que as questões relativas a automação e tecnologias de informação e comunicação foram elaboradas com base em outros surveys temáticos implementados pela OECD e Canadá.22 O bloco de questões sobre inovação foi concebido através de intensa colaboração com os técnicos do IBGE, no sentido de harmonizar a metodologia e proporcionar uma complementariedade das informações geradas pela pesquisa industrial Pintec – Pesquisa de Inovação Tecnológica.23 As questões relativas à composição de custos financeiros da inovação, tais como dispêndios em P&D interno e externo, treinamentos, aquisição de equipamentos para inovação, etc., não foram captadas pela Paep/2001 para que não se sobrecarregasse o questionário excessivamente, mas considerou-se a possibilidade de comparação com as informações captadas pela Pintec, que organizou um bloco específico e detalhado sobre estas questões. De acordo com as recomendações do Manual de Oslo, da OECD, e já incorporando as discussões concluídas por essa organização no encontro de julho de 2001, este potencial analítico foi acrescido significativamente com a Paep/2001, mediante a aplicação do primeiro survey de inovação de serviços no Brasil. Ademais, na Paep/2001, os indicadores de inovação foram construídos a partir das possibilidades de cruzamento segundo os setores de atividade (indústria, construção civil, comércio, serviços, bancos e instituições financeiras), elevando ainda a possibilidade da regionalização das informações tecnológicas de inovação24 para as regiões administrativas do Estado de São Paulo. As empresas dos setores de indústria, comércio e serviços foram classificadas segundo a sede da empresa nas seguintes oito regiões que consistem em agregações de regiões administrativas do Estado de São Paulo: Região Metropolitana de São Paulo (exceto região do ABC); ABC; Litoral (Santos e Registro); São José dos Campos; Sorocaba; Campinas; Norte (Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Central, Barretos e Franca); Oeste (Bauru, Araçatuba, Presidente Prudente e Marília). A Paep/2001 será divulgada no final de dezembro de 2003. Entretanto, alguns resultados preliminares já demonstram a alta concentração no padrão de localização dos laboratórios na Região Metropolitana de São Paulo, que abriga também uma robusta infra-estrutura de CT&I (Mapa 1). Para a definição da amostra, as empresas da população de referência foram divididas em dois estratos: certo e aleatório. O estrato certo abrangeu as empresas com sede fora do Estado de São Paulo e que possuíam 30 ou mais pessoas ocupadas no Estado de São Paulo. O número de pessoas ocupadas foi contabilizado apenas nas unidades locais cujo setor era o mesmo que o da sede; foram consideradas as sedes no Estado de São Paulo dos setores da indústria, construção civil, comércio e instituição financeira com 30 ou mais pessoas ocupadas e dos serviços com 100 ou mais pessoas ocupadas. Para bancos, o recorte foi censitário, sendo entrevistados todos os bancos que operaram no Estado de São Paulo até 31 de dezembro de 2001. Após o encerramento dos trabalhos de campo, a Paep/ 2001 obteve como resultado final cerca de 27.602 mil questionários. Considerada a amostra inicial de 43.013 empresas, a quebra de cadastro foi da ordem de 12,7%. O índice de recusa da coleta foi de 16,0%, que pode ser considerado baixo no segmento de pesquisas econômicas. Os números apresentados demonstram a abrangência e a magnitude do banco de dados construído. No caso dos bancos, os resultados finais da pesquisa revelaram que os informantes representam cerca de 85% do ativo total do sistema bancário em 2001, podendo-se concluir que o resultado geral do campo foi satisfatório. Na Paep/2001, além dos demais setores da pesquisa anterior, foram incluídas todas as atividades de serviços. O fato de a Fundação Seade ter desenvolvido uma metodologia de pesquisa sobre micro e pequenas empresas (Pecompe) sobre o setor de serviços para o Sebrae21 permitiu a apropriação de um grande conhecimento sobre o cadastro das informações das empresas, bem como definir com maior precisão uma classificação de atividades econômicas neste segmento. O levantamento do setor de serviços tornou-se um desafio metodológico devido a uma série de problemas de classificação, ao agregar sob uma mesma divisão de atividades diversas, que somente poderiam ser pesquisadas com instrumentos de coleta diferentes. Assim, se nos demais setores há uma comparação direta com a CNAE (em dois ou três dígitos), no caso dos serviços a classificação foi compatibilizada com outros levantamentos realizados pela Paer nos Estados do Brasil e com outros levantamentos do gênero (por exemplo, a Pesquisa Anual de Serviços, do IBGE). A classificação proposta pela Paep/2001 sugere uma divisão básica de 47 ramos, que poderão posteriormente ser desagregados: 21 industriais; quatro da construção civil; nove comerciais e 13 de serviços. 163 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 MAPA 1 Infra-estrutura de CT&I e Localização dos Laboratórios de P&D das Empresas Industriais 2001 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. CONCLUSÕES tem caracterizar os processos de difusão e inovação tecnológica nas empresas e nos territórios produtivos. Os desafios futuros na produção de estatísticas de inovação sinalizam para alguns pontos críticos: calibrar mais finamente a captação da inovação, qualificando melhor sua natureza, ou seja, o grau de novidade para o mercado; identificar o papel das multinacionais nos processos de aprendizagem e inovação local, mapeando os fluxos de origem da inovação (se partem de um centro de excelência nacional ou externo); compreender melhor a relação das empresas inovadoras com os centros de pesquisa e universidades locais, entre outros. A experiência destas pesquisas demonstrou que é possível inovar na produção metodológica, desde que sejam considerados pelo menos três fatores estratégicos: o conhecimento da demanda e a interação com os usuários de informações; o estabelecimento de parâmetros de comparabilidade, sejam eles internacionais, nacionais ou subnacionais; e a própria continuidade destas novas séries históricas estatísticas. Uma das contribuições fundamentais da Paep é a disponibilização aos usuários de um amplo, sofisticado e diversificado Neste artigo, espera-se ter demonstrado de forma sintética o grande desafio e o esforço coletivo institucional que consistiram a concepção, a gestão operacional e a disponibilização das informações de inovação nas Paeps e na Paer. Embora reconhecendo o longo caminho ainda a ser percorrido na produção de informações estatísticas, contabilizando os erros, acertos e as dificuldades reveladas pela pesquisa, parece que o balanço geral é positivo. A Paep e a Paer representaram um avanço no conhecimento institucional na produção de estatísticas econômicas e tecnológicas e na reflexão metodológica sobre as implicações e os resultados da aplicação dos conceitos de inovação recomendados pelo Manual de Oslo, possibilitando uma visão mais detalhada e integrada, assim como desenhar a cartografia do comportamento econômico e tecnológico empresarial nas diversas regiões do território nacional. Os resultados concluem que as informações da Paep e da Paer possibilitam a análise desagregada de um amplo conjunto de variáveis que permi- 164 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 base de dados sobre publicações científicas internacionais do ISI, a base Scientific Electronic Library Online – Brazil – SciELO (que está sendo desenvolvida com o apoio da Fapesp), assim como a base de dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa e do Sistema de Currículos Lattes do CNPq. Os indicadores de impacto da produção científica são constituídos pelas citações desses artigos, compiladas pela base de dados do ISI no Science Citation Index – SCI. As críticas quanto à representatividade latinoamericana na base do ISI referem-se a algumas áreas específicas, como ciências humanas e ciências agrárias, por exemplo, estão sub-representadas, comprometendo significativamente as análises sobre produção científica. Devem ser registradas as iniciativas de aperfeiçoamento dessas informações por meio de parcerias institucionais via Ricyt – Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia e outras instituições que estão implementando iniciativas pioneiras para superar tais limitações. Um desses projetos denomina-se Latindex, organizado pela Universidade Nacional Autônoma do México – Unam. banco de dados com informações convencionais e inéditas sobre a economia regional paulista contemporânea. Nesta ótica, da base de informações econômicas e cadastrais da Paep, poderão frutificar vários produtos analíticos ou projetos de pesquisas temáticas e acadêmicas. Com o novo projeto, será possível seqüenciar os gens que dão vida e vêm transformando a economia paulista, a partir do mapeamento e codificação das informações registradas entre as milhares de empresas que integram este complexo e diverso organismo. Através desta lente microscópica analítica, será possível mapear a evolução biológica das empresas, a arquitetura das cadeias produtivas, os padrões de inovação e aprendizado tecnológico, a interação das empresas com o sistema de CT&I e sua distribuição geográfica no Estado de São Paulo. Este universo de questões poderá ser elucidado a partir dos resultados a serem apresentados pela Paep/2001. 6. No Brasil são duas as principais instituições que regulam as informações sobre as atividades de patentes e os fluxos tecnológicos. A primeira é o Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que se responsabiliza pelo controle dos contratos de transferência de tecnologia e registro de marcas, direitos autoriais e patentes, averbando as estimativas plurianuais de fluxos de remessas conforme expressas nos atos contratuais. A segunda é o Banco Central do Brasil, que atua no registro de todas as transações cambiais que compõem o Balanço de Pagamentos, contabilizando os ingressos e remessas associados aos atos de fechamento do câmbio dos contratos de transferência de tecnologia, além de cuidar de outras tarefas, como o registro do capital estrangeiro, que mantêm correlação com esses contratos. NOTAS 1. A formulação de expressões como “economias baseadas em conhecimento”, “sociedade da informação”, “economia do aprendizado” e “capitalismo de alianças, relacional e coletivo” tenta retratar, grosso modo, a transição de um modelo linear de CT&I para um modelo de ligações em cadeia (chain linked model), e posteriormente, alterandose para um padrão, no qual a idiossincrasia, diversidade e seletividade dos ambientes e das instituições, e os sistemas e redes (networks) de conhecimentos locais, regionais ou transterritoriais adquirem efeitos sinergéticos e sistêmicos mutuamente reforçantes ou excludentes em relação às oportunidades tecnológicas e à inserção dos espaços locais diante do processo de globalização econômica. Essa nova perspectiva teórica tenta traduzir o significado da produção, distribuição e do uso do conhecimento e da informação acelerados pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) como elementos nucleares para a mudança social, progresso tecnológico e o desenvolvimento econômico das nações avançadas (OECD, 1996; Johnson e Lundvall, 2000). 7. As estatísticas de patentes possibilitam a construção de indicadores de avaliação da produção inventiva ao longo do tempo, de mudança tecnológica e de mensuração da competição tecnológica. As vantagens e limitações desses indicadores são apresentadas resumidamente a seguir: a) nem todo conhecimento economicamente útil é codificável, sobretudo o conhecimento tácito; b) nem toda inovação é patenteável, com referência às exigências legais mínimas; c) devido ao item anterior, há outros mecanismos de apropriação que podem ser considerados mais adequados em função da invenção; d) setores industriais variam consideravelmente suas propensões a patentear, sendo desaconselhável comparar essas taxas de efetividade ou eficiência entre indústrias; e) pode haver inconsistência de qualidade, isto é, as inovações patenteadas não possuem, necessariamente, o mesmo valor econômico. 8. Dois indicadores são utilizados para a classificação dos setores industriais por intensidade tecnológica: Intensidade direta – relação entre o grau dos dispêndios sobre o valor adicionado; e Intensidade indireta – relação entre os gastos de P&D sobre o valor adicionado, multiplicados pelos coeficientes técnicos dos setores obtidos a partir da matriz insumoproduto. Este procedimento se justifica pela incorporação de tecnologia, que, para um determinado setor, ocorre pela P&D incorporada na compra de bens e equipamentos e bens intermediários. Esta abordagem, entretanto, traz consigo inúmeras limitações, a saber: os recortes de intensidade tecnológica (alta, média-alta, média-baixa e baixa) são na maior parte das vezes arbitrários; as trajetórias de aprendizado e inovação setorial variam muito entre os países, setores e as firmas, não sendo captados por estes indicadores. OECD (1996) e Ferri e Martin (2001). 2. O manual Frascati foi revisado até 1993, quando foi lançada a quinta edição sob o título “The proposed Standard Practice for Surveys of Research and Experimental Development, Frascati Manial” 1993. As principais críticas aos indicadores de P&D podem ser sumarizadas nos seguintes tópicos: as rotinas de inovação são restritas às atividades de P&D; avalia de forma inadequada a atividade inovativa nas pequenas e médias empresas, que não têm rotinas formalizadas, laboratórios ou unidades específicas para a condução destas atividades; não capta a eficiência dos esforços; o conceito de P&D não é preciso; subestima atividades inovativas relacionadas à mudança de processo (Archibugi; Sirilli, 2000). 3. Informações sobre a história e o acesso ao banco de indicadores organizados por esta instituição podem ser encontrados no site: <http:// www.nsf.gov/od/lpa/nsf50/history.htm>. 9. O Manual de Camberra é a principal publicação metodológica internacional que orienta as pesquisas sobre os recursos humanos e ocupações científicas de alta qualificação que contribuem para a produção da ciência, tecnologia e inovação nas economias baseadas em conhecimento ou em desenvolvimento. O objetivo deste manual é proporcionar o referencial metodológico e conceitual básico para o acompanhamento dos dados de estoque e fluxos de recursos humanos empregados e do perfil da estrutura ocupacional nestas economias. 4. O Balanço de Pagamentos contempla o conjunto das transações econômicas de um país com os demais. Essas transações envolvem produtos (balança comercial), serviços (balança de serviços) e movimentos de capitais (investimentos diretos e de natureza financeira). O conceito de Balanço de Pagamentos Tecnológico inclui os fluxos de produtos e serviços com conteúdo tecnológico de um país. 10. Para os critérios de cálculo do TAI e ArCo, ver: Desai et al. (2003) e Archibugi e Coco (2003). 5. Ver os comentários críticos sobre a base ISI no Relatório Fapesp de Indicadores de Ciência e Tecnologia em São Paulo, 1998 e Livro Verde, publicado pelo MCT, Brasília, julho, 2001. No Brasil, merece destaque a 11. A primeira versão do Manual de Oslo foi publicada em 1992, seguida por uma segunda versão em 1996, após revisões e inclusão do 165 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 technological innovation data 1997. A pesquisa se inspirou na experiência do modelo harmonizado proposto pelo Eurostat, a terceira versão da Community Innovation Survey. Seguindo tais referências, as informações da Pintec concentram-se na inovação tecnológica de produtos e processos, sendo adotada a abordagem do “sujeito”, ou seja, as informações obtidas são relativas ao comportamento, às atividades empreendidas aos fatores que influenciam a empresa. A maioria das variáveis qualitativas refere-se a um período de três anos consecutivos, de 1998 a 2000, e as informações quantitativas são para o ano de 2000. A pesquisa abrangeu todas as empresas industriais do território nacional. As informações da Pintec estão disponibilizadas no site do IBGE: <http://www.ibge.gov.br/>. setor de serviços. O Manual de Oslo traz definições e orientações metodológicas para a coleta e a análise de informações, recomendando seis áreas prioritárias para investigação: estratégia corporativa; papel da difusão; fontes de informação e obstáculos para inovação; insumos para inovação; o papel das políticas públicas na inovação industrial; e resultados e impactos da inovação (Ver: <http://www.oecd.org/pdf/ M00018000/M00018312.pdf>. 12. Na América Latina, no âmbito da Ricyt, tem sido desenvolvido um amplo debate metodológico sobre a necessidade de se rever as recomendações do Manual de Oslo para os critérios de inovação. Defende-se nesta vertente de autores latinos a necessidade de uma distinção entre as mudanças organizacionais na produção (uma vez que elas são elementos críticos para a inovação) e as não-inovações tecnológicas. Para uma discussão detalhada, ver Lugones e Peirano (2003). 24. No Brasil, avanços recentes no sentido de regionalizar as informações foram empreendidos pela RedeSist (Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais), uma rede de pesquisa interdisciplinar, formalizada desde 1997, sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A RedeSist produziu e disponibilizou em seu site um Banco de Indicadores Georreferenciados – BIG organizado pela própria RedeSist sistematizando bases de dados de diversas fontes e indicadores de elaboração própria, em especial, referentes aos municípios brasileiros e aos arranjos e sistemas produtivos pesquisados pela RedeSist. Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>. 13. Uma especificidade dos sistemas de aprendizados do continente que não foi explicitamente considerada nesta versão latino-americana do Manual de Oslo é a presença considerável de multinacionais estrangeiras como agentes importantes do processo de mudança tecnológica e de captação de recursos para inovação nestes sistemas. Outra especificidade do Manual de Bogotá refere-se à inclusão da mudança organizacional no conceito de inovação tecnológica. Ver Costa (2003:78). 14. Uma das iniciativas mais significativas nesta área, entre outras, foi o estudo conduzido por Coutinho e Ferraz (1994). 15. Destaque-se o atual esforço do Diretório da Pesquisa Privada (DPP) na organização de um banco de dados sobre a natureza da mudança tecnológica e da organização P&D no Brasil. O DPP foi concebido como um sistema de informação auxiliar na definição e implementação das políticas brasileiras de desenvolvimento de CT&I. O objetivo é subsidiar as tomadas de decisões pelos organismos nacionais de fomento (Finep e MCT), propiciando uma alocação mais eficiente dos recursos e financiamento. Ver: <http://www.finep.gov.br/portaldpp/>. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCHIBUGI, D.; COCO, A. A new indicator of technological capabilities for developed and developing countries (ArCo). The First Globelics Conference Innovation Systems and Development Strategies for the Third Millennium. Rio de Janeiro, November 26 2003. 16. O novo modelo de produção estatísticas proposto pelo IBGE adotou uma estratégia estruturada em alguns pontos críticos, a saber: elaboração e publicação de uma nova Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE); realização da Pesquisa do Censo Cadastro; reformulação das pesquisas anuais (PIA e PAC); e reação de pesquisas satélites, com substanciais ganhos de flexibilidade e agilidade operacionais. ARCHIBUGI, D.; SIRILLI, G. The direct measurement of technological innovation in business. Roma: National Research Council, 2000 (paper). CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H. Inovação, globalização e as novas políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico. Cluster e sistemas locais de inovação: estudos de casos e avaliação da região de Campinas. Campinas, Unicamp Instituto de Economia, set. 1999. 17. Para maiores detalhes ver o texto de Proença Soares (1999). 18. Os exercícios de análise dos resultados desta pesquisa foram registrados em diversos trabalhos, entre eles ver: Quadros et al. (2001); Quadros, Bernardes e Franco (2002); entre outros. Para uma discussão crítica sobre a validade e os limites da análise de resultados de indicadores de inovação e capacitação tecnológica a partir de surveys de inovação, ver o trabalho de Ionara Costa (2003). COSTA, I. Empresas multinacionais e capacitação tecnológica na indústria brasileira. 2003. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Universidade Estadual de Campinas/Instituto de Geociências, Campinas, 2003. COUTINHO, L.; FERRAZ, J.C. (Coord.). Estudo da competitividade da indústria brasileira. São Paulo: Papyrus, 1994. 19. No que diz respeito aos indicadores de comércio eletrônico, foram analisados e adaptados os conceitos atribuídos pela OECD, Statistics Canada – E-commerce Definition, U.S. Bureau of the Census, European Information Technology Observatory – Eito. Ver: <http://www.eito.com>. DESAI, M.; FUKUDA-PARR, S.; JOHANSSON, C.; SAGATI, F. Measuring technology achievement of nations and the capacity to participate in the network age. PNUD, 2001. Disponível em:<http:/ /www.statistics.gov.uk/IAOSlondon2002/contributed_papers/ IP_Desai.as>. Acesso em: 24 set. 2003. 20. A análise dos dados da Paep/96 permitiu estabelecer uma comparação entre o número de pessoas alocadas em atividades de P&D na indústria paulista e em outros países. Assim, a despeito das diferenças temporais e conceituais envolvidas na obtenção deste tipo de indicador pela Paep e por outras estatísticas internacionais que adotaram a mesma metodologia, verifica-se o hiato entre o volume de esforço em P&D produzido por países industrializados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e França, e por países em desenvolvimento, como Brasil, México, Espanha e Hungria. Ver: Quadros, Furtado, Bernardes e Franco (1999). DOSI, G. The contribution of economic theory to the understanding of a knowledge-based economy. In: OECD. The knowledge-based economy. Paris, 1998. FERRI, J.L.C.; MARTIN, C.A. Indicadores de alta tecnologia. Madri: Instituto Nacional de Estatística, 2001 (Documentos de Trabajo, 5/10). 21. Para maiores informações sobre esta pesquisa consultar o site: <http://www.sebraesp.com.br/>. FIGUEIREDO, P.N. Technological learning and competitive performance. Cheltenham e Orthhampton: Edward Elgar, 2001. 22. Ver o estudo metodológico sobre medidas e conceitos sobre pesquisas internacionais sobre inovação tecnológico elaborado por Giorgio Sirilli (1998). GUELLEC, D.; PATTINSON, B. Innovation surveys: a few lessons from OECD countries experience, In: 4 th INTERNATIONAL CONFERENCE ON TECHNOLOGY POLICY AND INNOVATION. Curitiba: OECD, Secretariat, August 2002. (Preliminary draft). 23. A referência conceitual e metodológica da Pintec segue o Oslo manual: proposed guidelines for collections and interpreting JARAMILLO, H.; LUGONES, G.; SALAZAR, M. Manual de Bogotá: normalización de indicadores de innovación tecnológica en Amé- 166 PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001 rica Latina y el Caribe. Proyecto Financiado por la Organización de Estados Americanos OEA. Bogotá, Colombia, 2000. PROENÇA SOARES, L.H. Sobre os modos de fazer: novas institucionalidades para as pesquisas econômicas em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.12, jan./jun. 1999. JOHNSON, B.; LUNDVALL, B.A. Promoting innovation systems as a response to the globalising learning economy. In: INTERNATIONAL SEMINAR ON LOCAL PRODUCTIVE CLUSTERS AND INNOVATION SYSTEMS AND NEW INDUSTRIAL AND TECHNOLOGICAL POLICIES. Rio de Janeiro, Universidade do Rio de Janeiro, set. 2000. QUADROS, R.; FURTADO, A.; BERNARDES, R.; FRANCO, E. Padrões de inovação tecnológica na indústria paulista: semelhanças e diferenças em relação aos países industrializados. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.13, n.1-2, jan./jun. 1999. KATZ, J. (Ed.). Technology generation in latin-american manufacturing industries. Basingstoke: MacMillam, 1987. QUADROS, R.; FURTADO, A.; BRISOLLA, S.; BERNARDES, R. Força e fragilidade do sistema de inovação paulista. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.14, n.3, jul./set. 2001. KLINE, S.J.; ROSEMBERG, N. An overview of innovation. In: LANDAU, R.; OECD. Transitions to learning economies and societies. Paris, 1996a. ________ . The knowledge-based economy. Paris, 1996b. QUADROS, R.; BERNARDES, R.; FRANCO, E.C. Inovação tecnológica na indústria – Resultados da Paep/Seade. In: VIOTTI, E.B. e MACEDO, M. de M. (Coord.). Projeto indicadores sobre ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed. Unicamp, 2003. ________ . An overview of innovation. In: LANDAU, R.; ROSEMBERG, N. (Ed.). The positive sum strategy. Harnessing technology for economic growth. Washington: National Academy Press, 1986. SIRILLI, G. Conceptualising and measuring technological innovation. In: II CONFERENCE ON TECHNOLOGICAL POLICY INNOVATION, Aug. 1998. LUGONES, G.; PEIRANO, F. The innovation surveys in Latin America: results and methodological novelties. The First Globelics Conference Innovation Systems and Development Strategies for the Third Millennium. Rio de Janeiro, November 2-6 2003. SMITH, K. Innovation indicators and the knowledge economy: concepts, results and policy challenges. Oslo: STEP Group, nov. 2000. Mimeografado. LUNDVALL, B.A. National systems of innovation: towards a theory of innovation and interactive learning. London: Printer, 1992. STUZ, J. La innovación realmente existente en América Latina: medidas y lecturas (Universidad de la Republica). Apresentada para o Projeto Globalização e Inovação Localizada: Experiências de Sistemas Locais no Âmbito do Mercosul e Proposições de Políticas de C&T. Rio de Janeiro, IE/UFRJ, 1999. (Nota Técnica n. 33/99). OECD. Science, technology and Industry Outlook. Science and Innovation, 2000. ________ . Revision of the high-technology and product classification. Paris, v.97, n.216, 1996. ________ . Main science and technology indicators 1995 (1). Paris, 1995a. ________ . Research and development expenditure in industry: 19731992. Paris, 1995b. ROBERTO BERNARDES: Professor colaborador do Departamento de Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências/Unicamp, Professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Analista da Fundação Seade ([email protected]). ________ . Manual Frascati, 1993. Paris, OECD, 1994. ________ . Oslo Manual. Paris, OECD, 1993. 167 SÃO 168-176, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO MARIA CECÍLIA COMEGNO LUÍS ANTONIO PAULINO Resumo: A Pesquisa de Investimento no Estado de São Paulo acompanha as tendências econômicas pela captação das intenções de investimentos anunciados e, ao apresentar os dados desagregados espacial e regionalmente, permite a identificação e a localização de segmentos empresariais mais dinâmicos, particularmente aqueles de base tecnológica e de maior potencial de consumo. Palavras-chave: investimento produtivo; atividade econômica; atração de negócios. Abstract: The Survey of Investment in the State of São Paulo tracks economic trends as reflected by stated investment plans. The presentation of the loose data in spatial and regional terms allows for the identification of the most dynamic business sectors and their locations, especially those with a technological base and large consumer potential. Key words: productive investment; economical activity; attraction of businesses. V verno e das prefeituras, no sentido de criar um ambiente favorável à tomada de decisões de investimento. Como trata de intenções de investimentos, ela é uma das únicas fontes de dados de tipo prospectivo e, nesse sentido, propicia informações importantes para as ações de planejamento público, em particular as do Plano Plurianual de Governo e as múltiplas ações desenvolvidas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, que requerem contínuo acompanhamento das tendências econômicas no Estado de São Paulo. Além disso, essa pesquisa, ao captar as tendências setoriais e espaciais e os tipos de investimento, proporciona a identificação de segmentos empresariais mais dinâmicos, particularmente aqueles de base tecnológica e maior potencial de crescimento, bem como os segmentos carentes de apoio governamental, mas com perspectivas de autosustentação a médio prazo. O conhecimento das intenções de investimentos permite orientar as políticas públicas, possibilitando a concentração de esforços e coordenação de recursos, com o objetivo de promover o desenvolvimento integrado do Estado nos planos regional e setorial. A Pesquisa de Investimentos subsidia, igualmente, a ação do investidor privado. As decisões de investimento isando acompanhar os efeitos deletérios da guerra fiscal entre os Estados brasileiros sobre a capacidade de São Paulo de atrair novos investimentos e a do governo paulista de contra-arrestar tais efeitos, através do desenvolvimento de vantagens competitivas genuínas, o então governador Mário Covas, ainda em sua primeira gestão à frente do Executivo paulista, demandou à Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo a Pesquisa de Investimentos no Estado de São Paulo com o objetivo de monitorar as tendências do investimento produtivo no território paulista. Dada a necessidade de manter, de forma sistemática, um levantamento de dados que permitisse acompanhar as tendências setoriais e regionais das intenções de investimento, essa tarefa passou, em julho de 1998, a ser realizada pela Fundação Seade. Se essa pesquisa nasceu num clima de guerra fiscal, como foi batizada a disputa entre governos estaduais pela atração de investimentos diretos, ela transformou-se no principal instrumento à disposição do governo e prefeituras paulistas para acompanhar a evolução das intenções de investimentos do setor privado no Estado de São Paulo e a resposta dos empreendedores aos esforços do go- 168 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO guerra fiscal ou de mudanças do seu padrão produtivo, bem como conhecer o movimento de alocação espacial das atividades produtivas, já apontado por vários estudos, na direção ao interior do Estado de São Paulo. Apesar de uma certa descentralização da atividade produtiva brasileira, o Estado de São Paulo continua apresentando melhores condições para produzir, tais como, maior centro industrial, comercial e financeiro da América do Sul, melhor infra-estrutura de transporte, telecomunicações e energia do Brasil, maior concentração de centros de conhecimento tecnológico no país, alto nível de qualificação da mão-de-obra local, ampla rede de serviços de apoio, maior mercado consumidor e qualidade de vida de suas cidades. De fato, o Estado de São Paulo permanece na liderança do ranking dos Estados brasileiros com maior captação de investimentos estrangeiros. Comparando os dados acumulados pela pesquisa realizada em todos os Estados brasileiros pela Simonsen Associados, nos períodos de 1995-2001 e 2002, a região Sudeste permanece liderando as intenções de investimento e, segundo Simonsen Jr., “os investimentos no Estado de São Paulo continuam altos em valor, mas em porcentual os de outras regiões cresceram rápido” (www.estadao.com.br, 24/9/2003). A produção e a disponibilização permanentes de informações sobre as decisões dos investidores passam, assim, a ser instrumento fundamental para o acompanhamento da dinâmica econômica do Estado de São Paulo e para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento do Estado, que permita ao poder público manter uma atitude pró-ativa em relação a esse processo de transformação, seja estimulando fatores e características que impulsionem tal desenvolvimento, seja se antecipando na eliminação dos gargalos que possam vir a dificultá-lo no futuro. não são tomadas de maneira isolada. Dependem, na maioria das vezes, de investimentos anteriores em setores estratégicos como energia, infra-estrutura de transportes e telecomunicações. Uma decisão de investimento desencadeia outras complementares e ao longo da cadeia produtiva. Ao dar publicidade a essas decisões de investir, a pesquisa contribui para corrigir assimetrias de informação e dar maior eficiência aos mecanismos de mercado. As decisões de investir são tomadas sempre com base em expectativas de demanda futura que, se frustradas, implicam quase sempre prejuízos. A possibilidade de se entrar e sair de determinados mercados sem custos irrecuperáveis é apenas teórica, prevista na chamada teoria dos mercados contestáveis, mas sem contrapartida na realidade. Por isso, um ambiente institucional seguro, um horizonte claro e compromissos críveis dos parceiros públicos são ativos da maior importância para os empreendedores privados. A longo prazo, o que conta na atração de investimentos é a presença ou não de fatores favoráveis e facilitadores para a escolha da localização do investimento. Nesse sentido, a Pesquisa de Investimentos no Estado de São Paulo é um desses ativos que o governo paulista oferece também ao investidor privado. Ao dar maior transparência ao ambiente geral de negócios existente no Estado, aumenta o grau de visibilidade em relação ao futuro, incerto por sua própria natureza. O investimento produtivo é uma variável-chave para conhecer o comportamento da economia. Num momento em que no Brasil se discute com intensidade o retorno ao desenvolvimento, mostra-se como variável bastante importante a ser monitorada tendo em vista auxiliar as decisões privadas de investimento. Dados recentemente divulgados pelo IBGE revelam que a taxa de investimento do país atingiu, no segundo trimestre deste ano, o menor índice trimestral em dez anos. A taxa, que mede a participação dos investimentos públicos e privados no Produto Interno Bruto (PIB), foi de 17,88%. Restrições fiscais limitam o investimento público a não mais que 3% ou 4% do PIB e não há perspectiva de que esse quadro se altere substancialmente em futuro próximo. Desse modo, para que a taxa de investimento alcance os 25% do PIB, valor considerado, pela maioria dos analistas, necessário para que o Brasil retome uma trajetória firme de crescimento, o investimento privado precisa elevarse, no mínimo, em sete ou oito pontos percentuais nos próximos anos. Além disso, pode-se também avaliar se a desconcentração da economia brasileira decorre exclusivamente da METODOLOGIA DA PESQUISA A metodologia atualmente utilizada pela Fundação Seade para realizar o levantamento das intenções de investimentos no Estado de São Paulo, desenvolvida a partir daquela originalmente empregada pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico – SCTDE, consiste em captar diariamente as informações primárias – anúncios de investimentos privados – na grande imprensa (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo), em publicações especializadas (Gazeta Mercantil, Diário do Comércio & Indústria, Valor Econômico, inclusive nos 169 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 PRINCIPAIS TENDÊNCIAS sites desses jornais) e nas versões on-line de diversos jornais das regiões do Estado, de modo a abranger todas as regiões administrativas. Uma vez coletada a notícia, é feito um levantamento em listas telefônicas para o pré-cadastramento das empresas. Com o objetivo de confirmar a veracidade das informações divulgadas pela imprensa e para se obterem outros dados, é efetivada consulta às empresas por telefone, fax e/ou e-mail, com base em um questionário contendo as seguintes questões: valor a ser investido; tipo de investimento (implantação, ampliação, modernização); origem do capital (nacional ou estrangeira); município onde será realizado o investimento (são considerados apenas aqueles localizados no Estado de São Paulo); e complementação ou correção das informações cadastrais da empresa. Depois de confirmados, os dados são consistidos com as informações disponíveis para evitar dupla contagem e para eliminar os anúncios de investimentos referentes a transferências de patrimônio através de privatizações e de fusões de empresas privadas, marketing, treinamento de recursos humanos, investimentos no mercado de capitais, compra de bens duráveis, construção de imóveis residenciais e feiras, congressos, leilões e outros eventos. Todos os dados consistidos são organizados segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e por região administrativa e de governo. Os valores anunciados em reais são convertidos para dólares pela taxa de câmbio média do mês em que foi publicado o anúncio. Em seguida, as informações são digitadas no banco de dados e mensalmente são emitidos relatórios em que os investimentos anunciados são totalizados e classificados por setor de atividade e região do Estado. Deve-se ressaltar que o objetivo desta pesquisa é coletar apenas os anúncios de investimentos produtivos, ou seja, aqueles que, uma vez realizados, aumentarão a capacidade produtiva da economia, passando a contribuir para o crescimento da produção de bens e serviços e, conseqüentemente, para a geração de empregos em caráter permanente. Dessa forma, estão excluídos da coleta todos os investimentos anunciados na construção de imóveis residenciais. Destaca-se, ainda, que, atendendo a recomendações da ONU e do próprio IBGE para o cálculo da taxa de investimento do setor privado nas contas nacionais, as empresas estatais, por ofertarem bens e serviços no mercado segundo a mesma lógica das empresas privadas, foram equiparadas a estas para efeito da coleta de anúncios de investimentos. Nos últimos quatro anos a economia paulista, não diferentemente da brasileira, apresentou dois movimentos do ponto de vista da atração de investimentos. O primeiro, que vem no esteio dos processos de privatização e de abertura da economia (1999-2001), caracterizou-se por uma forte atração de investimentos. É importante destacar que, apesar dos acontecimentos que abalaram a economia mundial e latino-americana ao longo de 2001 (crise na Bolsa de Nova York e recessão nos Estados Unidos, atentados terroristas de 11 de setembro, crise na Argentina), provocando uma expectativa de queda de intenções de investimentos produtivos anunciados pelas empresas privadas, a economia paulista manteve praticamente a mesma capacidade de atração de investimentos. GRÁFICO 1 Anúncios de Investimentos Estado de São Paulo – 1999-2002 Fonte: Fundação Seade. Já o segundo movimento, ocorrido em 2002, representou a queda de 38,28% nos anúncios de investimentos, refletindo certamente as conjunturas internacional e nacional desfavoráveis ao investimento produtivo. No âmbito internacional, 2002 foi um ano de contração de investimentos, com reflexos negativos sobre a economia brasileira. Basta lembrar a expectativa criada pelo recrudescimento dos conflitos internacionais no rastro dos atentados terroristas de setembro de 2001, os escândalos corporativos ocorridos na Europa e nos Estados Unidos, que levaram muitos investidores a descobrirem de forma amarga que seu dinheiro não estava em aplicação tão segura quanto imaginavam, e o baixo crescimento da economia mundial (2,4% nos EUA e 0,9% na EU). Esses fatos pro- 170 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO vocaram um brutal recuo no fluxo de investimento direto estrangeiro em todo o mundo e particularmente para a América Latina (redução de 42% em 2002). No Brasil, não foi diferente: baixo crescimento da economia em 2002 (1,5%), falta de recursos de investimentos estrangeiros – ingresso de US$ 16,6 bilhões, valor 26% inferior aos US$ 22,5 recebidos em 2001 – e aumento da incerteza associada ao processo eleitoral. Brasil; e o chamado “apagão”, como ficou conhecida a crise de abastecimento no setor ocorrida em 2001, devido ao baixo nível dos reservatórios. O setor de geração e distribuição de energia elétrica foi privatizado no final dos anos 90. Desde então, as novas concessionárias privadas têm anunciado inúmeros investimentos para modernização e ampliação das atividades de geração e distribuição. A construção do gasoduto Bolívia-Brasil, também no final dos anos 90, tinha por propósito mudar a matriz energética nacional, dando mais peso para a geração de energia a partir do gás natural, em face do esgotamento do potencial hídrico na região Sudeste. Tão logo o gasoduto, cujo traçado percorre praticamente todo o Estado de São Paulo, entrou em funcionamento, foram anunciados inúmeros investimentos para geração termelétrica em inúmeros municípios servidos pelo gás natural. Alguns deles, por questões ambientais e pela elevação do custo do gás após a desvalorização do real em 1999, ainda não foram viabilizados. Por último, o chamado “apagão”, como ficou conhecida a crise de abastecimento elétrico em 2001 por causa do baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas na região Sudeste e das deficiências nos sistemas de transmissão que interliga as diversas regiões do país, levou ao anúncio de novos investimentos, particularmente na área de geração termelétrica em função da oferta do gás natural boliviano. Não é de se estranhar, portanto, que o setor de eletricidade tenha estado, em todo o período, entre os que mais atraíram novos investimentos (1o lugar em 1999; 3o lugar em 2000; 1o lugar em 2001; 2o lugar em 2002). A indústria automobilística foi o segundo subsetor industrial que mais anunciou novos investimentos no período. Foram US$ 7,4 bilhões ou 9% do total. Essa posição de destaque deve-se, principalmente, ao enorme peso desta indústria no parque industrial paulista e brasileiro. Há que se considerar ainda que, ao longo da década de 90, praticamente todas as grandes montadoras mundiais de automóveis que não estavam instaladas no Brasil resolveram fazê-lo, motivadas pelo potencial do mercado nacional e pelos processos de integração regional e hemisférica em curso. Isso levou a investimentos tanto por parte dos novos concorrentes quanto das empresas já estabelecidas, visando preservar sua liderança de mercado. Observe-se, entretanto, que no período considerado pode-se distinguir dois momentos distintos. Entre 1999 e 2000, ocorreram grandes anúncios de investimentos na indústria automobilística, tendo ocupado respectivamente o quarto e o pri- Tendências Setoriais Pela análise da distribuição setorial, observa-se que, entre 1999 e 2002, houve predominância dos anúncios de investimentos voltados para a indústria, trajetória que só foi interrompida em 2001, quando foram superados pelos serviços, impulsionados basicamente por três subsetores: telecomunicações, transporte aéreo e atividades imobiliárias. GRÁFICO 2 Investimentos Anunciados, por Setor de Atividade Estado de São Paulo – 1999-2002 Fonte: Fundação Seade. Do total dos investimentos anunciados entre 1999 e 2002, 55% destinaram-se à indústria, somando US$ 45,3 bilhões, 42% foram para os serviços, num total de US$ 34,1 bilhões, e o comércio ficou com 2,7% ou US$ 2,2 bilhões. Na indústria, o subsetor que apresentou maior volume de intenções de investimento foi o serviço industrial de utilidade pública de produção, transmissão e distribuição de eletricidade: US$ 11,6 bilhões, o que representa 14,2% do total dos anúncios de investimentos no período. Essa posição de destaque explica-se por três fatores: a privatização do setor; a construção do gasoduto Bolívia- 171 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 1 Investimentos Anunciados, segundo Setores e Subsetores de Atividade Econômica Estado de São Paulo – 1999-2002 Setores e Subsetores de Atividade Total Transporte Terrestre Eletricidade, Gás e Água Quente Atividades Imobiliárias Papel e Celulose Refino de Petróleo e Álcool Produtos Químicos Material Eletrônico e Equip. Comunicação Aeronáutica (1) Telecomunicações Alimentos e Bebidas Automotiva Ativ. Aux. Transportes e Ag. Viagens Alojamento e Alimentação Varejo e Reparação de Objetos Minerais Não-Metálicos Metalurgia Básica Limpeza Urbana e Esgoto Atividades Recreativas, Culturais e Desportivas Educação Captação, Trat. e Distrib. de Água Produtos Farmacêuticos (1) Atividades de Informática Saúde e Serviços Sociais Ativ. Juríd., Cont. e de Asses. Empresarial Com. e Rep. Automotores e Varejo de Combustível Têxtil Intermed. Financ. (excl. seguros e prev. priv.) Borracha e Plástico Produtos de Metal (exclusive máq. e equip.) Máq. Escrit. e Equip. Informática Outros Equip. de Transporte Atacado Edição, Impressão e Gravações Pesquisa e Desenvolvimento Máquinas e Equipamentos Reciclagem Transporte Aéreo Madeira Construção Atividades Associativas Máq., Aparelhos e Materiais Elétricos Móveis e Indústrias Diversas Vestuário e Acessórios Extração de Carvão Mineral Serviços Pessoais Aluguel Veíc., Máq. e Equip. e Obj. Pessoais Agropecuária e Pesca Seguro e Previdência Privada Couro e Calçados Equip. Médicos, Ópticos, de Automação e Precisão Ativ. Aux. Intermediação Financeira Transporte Aquaviário Fumo Extração de Minerais Não-Metálicos Outras Atividades Extração de Minerais Metálicos 1999 Posição 2000 2001 2002 1999 Valor (US$ % milhões) 2000 Valor (US$ % milhões) 2001 Valor (US$ milhões) % 2002 Valor (US$ milhões) % 38 1 3 19 21 5 6 40 2 8 4 17 7 12 24 15 35 40 3 6 5 17 4 18 7 2 13 1 8 10 11 33 9 49 6 1 4 34 12 11 16 46 2 14 9 17 10 13 38 8 32 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 21.135,08 25,79 3.958,96 2.612,56 238,94 209,97 1.515,50 1.097,38 9,52 2.799,62 553,38 2.120,54 300,89 694,63 403,75 140,43 346,87 29,48 100,00 0,12 18,73 12,36 1,13 0,99 7,17 5,19 0,05 13,25 2,62 10,03 1,42 3,29 1,91 0,66 1,64 0,14 22.978,03 19,63 2.717,68 1.238,45 1.272,61 249,10 1.559,76 237,39 1.035,44 4.028,55 388,28 4.264,58 904,54 730,25 567,97 40,19 760,47 100,00 0,09 11,83 5,39 5,54 1,08 6,79 1,03 4,51 17,53 1,69 18,56 3,94 3,18 2,47 0,17 3,31 23.376,40 1.675,48 3.551,92 2.259,53 38,27 544,91 548,84 350,31 2,29 3.371,40 448,32 611,83 230,71 555,23 463,40 24,95 624,98 42,60 100,00 7,17 15,19 9,67 0,16 2,33 2,35 1,50 0,01 14,42 1,92 2,62 0,99 2,38 1,98 0,11 2,67 0,18 14.431,40 1.898,78 1.394,79 1.273,21 1.148,67 1.134,13 967,60 858,70 807,44 574,70 443,62 400,65 383,99 338,91 303,49 289,43 277,03 264,63 100,00 13,16 9,66 8,82 7,96 7,86 6,70 5,95 5,60 3,98 3,07 2,78 2,66 2,35 2,10 2,01 1,92 1,83 11 33 50 20 32 18 13 25 30 53 23 12 19 20 18 19 5 24 28 29 27 18 19 20 21 22 23 24 416,52 40,54 237,43 62,36 246,75 374,92 1,97 0,19 1,12 0,30 1,17 1,77 78,80 44,25 93,55 526,04 180,44 103,74 0,34 0,19 0,41 2,29 0,79 0,45 198,39 171,24 1.833,44 111,32 65,82 65,18 80,16 0,85 0,73 7,84 0,48 0,28 0,28 0,34 210,89 157,18 130,34 107,31 101,10 84,50 83,75 1,46 1,09 0,90 0,74 0,70 0,59 0,58 26 37 16 10 30 25 48 36 29 46 14 42 41 22 34 49 27 28 53 51 45 47 23 54 39 36 24 14 21 22 26 31 37 38 52 34 50 32 16 28 46 15 41 45 54 44 47 27 29 42 23 36 15 20 22 25 40 35 37 55 30 41 3 50 7 26 21 39 44 56 42 33 31 49 48 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 118,85 26,07 301,71 441,58 93,34 133,05 2,40 28,97 93,74 3,70 347,15 7,11 9,34 156,55 38,21 2,00 98,55 95,46 3,93 2,72 146,15 13,38 0,56 0,12 1,43 2,09 0,44 0,63 0,01 0,14 0,44 0,02 1,64 0,03 0,04 0,74 0,18 0,01 0,47 0,45 0,02 0,01 0,69 0,06 29,68 84,39 382,50 102,04 94,38 59,51 43,47 28,94 26,56 39,80 41,99 371,22 49,88 0,82 372,70 19,35 1,42 2,61 0,08 52,21 45,89 18,47 0,13 0,37 1,66 0,44 0,41 0,26 0,19 0,13 0,12 0,17 0,18 1,62 0,22 0,00 1,62 0,08 0,01 0,01 0,00 0,23 0,20 0,08 122,95 32,88 374,64 162,22 153,21 101,98 22,47 36,64 30,96 64,52 19,80 3.078,13 0,51 910,79 83,87 160,16 24,27 4,40 13,96 41,33 51,45 0,78 1,39 0,53 0,14 1,60 0,69 0,66 0,44 0,10 0,16 0,13 0,28 0,08 13,17 0,00 3,90 0,36 0,69 0,10 0,02 0,06 0,18 0,22 0,00 0,01 70,93 66,28 63,92 53,27 51,62 50,42 45,03 43,36 43,18 42,58 40,74 39,22 29,34 25,21 19,95 19,71 19,08 16,49 16,28 11,34 9,36 4,95 4,84 3,66 3,37 0,49 0,46 0,44 0,37 0,36 0,35 0,31 0,30 0,30 0,30 0,28 0,27 0,20 0,17 0,14 0,14 0,13 0,11 0,11 0,08 0,06 0,03 0,03 0,03 0,02 31 43 55 52 44 56 9 39 35 55 43 51 56 48 43 52 45 47 51 53 54 50 51 52 53 54 55 56 74,20 5,19 5,00 450,00 0,35 0,02 0,02 2,13 23,45 33,91 11,06 - 0,10 0,15 0,05 - 5,46 0,22 4,30 2,19 0,32 0,08 - 0,02 0,00 0,02 0,01 0,00 0,00 - 2,28 0,15 - 0,02 0,00 - Fonte: Fundação Seade. (1) Por se caracterizarem como de alta intensidade tecnológica, as indústrias aeronáutica e de produtos farmacêuticos foram desagregadas dos subsetores Outros Equipamentos e Produtos Químicos. 172 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO meiro lugares no ranking geral dos setores que mais anunciaram investimentos. Já em 2001 e 2002, os anúncios de investimentos apresentaram uma queda expressiva (9o e 11o lugares), reflexo da crise mundial no setor e, principalmente, do fato de os investimentos no Brasil, nos anos anteriores, terem, aparentemente, superestimado a demanda potencial existente. A indústria química e a de papel e celulose foram, respectivamente, o terceiro e quarto subsetores industriais que fizeram mais anúncios de investimentos no período. A indústria química divide com a automobilística a liderança na produção industrial paulista. Durante o período em estudo, 2001 foi o único ano em que o setor não esteve entre os três setores da indústria que mais anunciaram investimentos no Estado de São Paulo. A indústria de papel e celulose, por sua vez, tem o ritmo de investimentos determinado apenas em parte pelo mercado interno, uma vez que é um setor muito voltado para exportação. Dessa forma, os anúncios de investimentos são condicionados, em grande medida, pelo comportamento do mercado internacional. Depois de realizar grandes investimentos no início da década de 90, com a crise asiática, em 1997, e sua repercussão mundial, os investimentos refluíram no final da década, ocupando a 19a posição no ranking geral em 1999. Com a melhora do mercado mundial, em 2000 os investimentos voltaram, ocupando o quinto lugar no ranking geral. Em 2001, com a crise americana, os investimentos novamente regrediram para a 34a posição, voltando, em 2002, a figurar no quarto lugar. O subsetor de material eletrônico e equipamentos de telecomunicações aparece em quinto lugar na lista dos setores que mais anunciaram intenções de investimento no Estado de São Paulo entre 1999 e 2002. O comportamento desse setor está intimamente relacionado com o setor de telecomunicações. Desse modo, no rastro do processo de privatização do setor no final da década de 90, com enorme expansão do parque instalado de telefonia móvel e fixa, o setor de equipamentos experimentou uma grande expansão nos anúncios de investimentos, tendo ocupado, em 1999, a sexta colocação no ranking geral dos setores que mais investiram no país. Em 2000 e 2001, reflexo do fim das privatizações, da crise americana e dos escândalos corporativos envolvendo grandes conglomerados mundiais de telecomunicações, o setor entrou em refluxo, ocupando respectivamente a 18a e a 16a posições no ranking geral. Em 2002, os anúncios de investimentos retornaram aos patamares do final da década, impulsionados principalmente pelos fabricantes de telefones celu- lares para atender tanto ao mercado interno quanto à exportação, obtendo grande impulso em função do câmbio extremamente favorável nos últimos dois anos. Os outros setores industriais que merecem destaque são o de refino de petróleo e álcool, metalurgia básica, captação, tratamento e distribuição de água, indústria aeronáutica e indústria de alimentos e bebidas, que ocuparam, respectivamente, a 6 a, 7a, 8a, 9a e 10a posições entre os subsetores industriais no período analisado. Os investimentos da Petrobrás em refino de petróleo têm sido constantes no Estado de São Paulo, nas refinarias de Paulínia, Cubatão e São José dos Campos. O setor alcooleiro, depois de um período de crise em meados da década de 90, retomou parcialmente os investimentos em função das medidas de incentivo do governo do Estado para o setor. Os investimentos na captação, tratamento e distribuição de água são de responsabilidade quase exclusiva de uma empresa estatal, a Sabesp. Falta ainda um marco regulatório consistente para atração de investimentos privados para o setor, que certamente demandará grandes investimentos nos próximos anos, diante da perspectiva de escassez de fornecimento de água, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo. A indústria aeronáutica, embora afetada pela crise mundial do setor resultante dos atentados terroristas de 2001, vem apresentando um grande desempenho exportador, basicamente em função da Embraer, localizada em São José dos Campos. Essa empresa tem uma carteira de exportação de jatos regionais de vários bilhões de dólares e um programa de investimentos no Estado de São Paulo que, apenas nos quatro anos considerados, alcança quase US$ 2 bilhões. Finalmente, o subsetor de alimentos e bebidas tem presença difusa em todo o Estado de São Paulo e, seguramente, é o setor industrial com maior capacidade de geração de empregos. Por ser um setor mais intensivo em mão-de-obra do que em capital, tem figurado nos últimos anos em posições intermediárias quando se analisa o montante dos investimentos anunciados. É, contudo, por essas mesmas características, o setor que mais tem gerado empregos formais no interior do Estado, estando presente em praticamente todas as regiões do Estado. O bom desempenho exportador do setor agroindustrial brasileiro tem impulsionado esse subsetor em todo o interior do Estado de São Paulo. Em serviços, o subsetor de telecomunicações foi o que, depois de eletricidade, mais atraiu investimentos no Estado de São Paulo entre 1999 e 2002. Foram anúncios de 173 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 tana de São Paulo. Os investimentos em Metrô e em redes de trens urbanos responderam pela maior parte dos anúncios. Ocorreram também investimentos, mas bem menos significativos, em serviços de ônibus urbanos. No setor de transporte aéreo, o auge foi em 2001, quando a disputa acirrada entre as duas maiores empresas do setor levou ao anúncio de grandes investimentos, principalmente na aquisição de novas aeronaves. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o setor aeronáutico entrou em crise mundial com reflexos sobre as principais empresas brasileiras. Os investimentos em 2002 caíram praticamente a zero. O subsetor de alojamento e alimentação foi, entre os subsetores de serviços, o quinto em volume de investimento. Entre 1999 e 2002, foram anunciados investimentos de US$ 2,3 bilhões, o que corresponde a 2,8% do total anunciado no Estado para o período. Os principais responsáveis são os grandes empreendimentos no setor hoteleiro, com a implantação das principais bandeiras do setor hoteleiro mundial não só na cidade de São Paulo, como também em número crescente de municípios do interior. Houve também investimentos significativos em outras áreas de serviços, tanto pessoais quanto os prestados a empresas, destacando-se: atividades auxiliares de transportes e agências de viagens; intermediação financeira; atividades recreativas, culturais e desportivas; e atividades de informática. investimentos no valor de US$ 10, 8 bilhões, o que representa 13,2% do total de investimentos anunciados no Estado de São Paulo, no período considerado. No ranking geral dos subsetores que mais atraem investimentos, manteve-se de 1999 a 2001 sempre em segundo lugar, tendo caído, em 2002, para a nona posição. Tal desempenho está associado, por um lado, ao processo de privatização do setor iniciado em meados da década de 90 e, por outro, ao fato de o Estado de São Paulo possuir a mais densa rede de telecomunicações do país. A maior parte dos investimentos ocorreu no setor de telefonia, fixa e móvel, praticamente universalizando o acesso em todo o Estado de São Paulo. Também houve grandes investimentos em redes de fibras óticas que comunicam grande parte dos municípios paulistas entre si e com as demais grandes cidades do país. Os chamados serviços de valor adicionado no setor de telecomunicações, como o acesso à Internet por banca larga, também apresentaram grande impulso, estando disponíveis em todos os municípios do Estado. Os serviços de TV a cabo ou por miniparabólicas estão presentes em todos os 645 municípios paulistas. Atividades imobiliárias corresponderam ao segundo segmento no setor de serviços que mais atraiu investimentos, respondendo por anúncios no valor de US$ 7,4 bilhões, o que equivale a 9% do total dos investimentos anunciados no Estado de São Paulo, no período em questão. Esse desempenho do setor imobiliário deve-se basicamente a dois fatores: grande número de novos empreendimentos imobiliários de alto padrão tecnológico para instalação de escritórios, bancos e sedes de grandes empresas, principalmente na cidade de São Paulo, com sofisticados serviços de telecomunicações, informática, heliponto, etc.; e a enorme expansão de grandes shopping centers em praticamente todo o Estado de São Paulo, principalmente nos municípios de médio e grande portes. Mesmo em cidades tradicionais do interior do Estado, a praça central, geralmente a da Igreja Matriz, perdeu há muito para os shopping centers seu papel de centro de encontro e convivência social. Transportes terrestre e aéreo foram os subsetores que ficaram, respectivamente, em terceiro e quarto lugares em volume de investimentos no setor de serviços. Enquanto o primeiro atraiu anúncios de investimentos no valor de US$ 3,6 bilhões no período (4,4% do total), o segundo registrou anúncios de US$ 3,2 bilhões (3,9% do total). No subsetor de transporte terrestre, a maior parte dos investimentos concentrou-se na capital e na Região Metropoli- Distribuição Regional dos Investimentos Quando se observa a distribuição espacial dos anúncios de investimentos no período 1999-2002, chama a atenção a continuidade da expansão da mancha de concentração de investimentos para além das regiões contíguas à Região Metropolitana de São Paulo. De fato, nos últimos anos, o processo de reestruturação da indústria paulista provocou deslocamento de indústrias para o interior do Estado, sobretudo para as regiões de Campinas, São José dos Campos, Santos e Sorocaba, que já tinham tradição manufatureira e mão-de-obra qualificada. Somente em 2001, a RMSP ultrapassou o interior em volume de investimentos anunciados. Entretanto, se considerados aqueles anúncios localizados em diversos municípios – originários de empresas com atuação em mais de um município, sem especificação do investimento por localidade e que estão espalhados por todo o Estado – no período analisado, o interior tem mostrado uma força crescente na atração de investimentos. 174 TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO TABELA 2 Investimentos Anunciados Estado de São Paulo – 1999-2002 Regiões Estado de São Paulo 1999 Valor (US$ milhões) 2000 % Valor (US$ milhões) % 21.171,36 100,00 23.478,03 100,00 2001 Valor (US$ milhões) 23.381,90 % 100,00 2002 Valor (US$ milhões) 14.432,33 % 100,00 RM de São Paulo 8.301,78 39,21 5.898,76 25,12 9.860,49 42,17 4.735,93 32,81 Interior do Estado 8.503,56 40,17 11.785,60 50,20 9.061,65 38,75 8.721,72 60,43 Demais Municípios (1) 4.366,02 20,62 5.793,67 24,68 4.459,76 19,07 974,68 6,75 Fonte: Fundação Seade. (1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município. É preciso, entretanto, matizar a clivagem RMSP/interior, pois a designação genérica interior já não dá conta das múltiplas realidades existentes fora da Região Metropolitana de São Paulo. Vale lembrar que o interior abriga municípios de grande porte e até mesmo duas regiões metropolitanas (Baixada Santista e Campinas), ao lado de áreas rurais com baixo grau de desenvolvimento econômico, como o Vale do Ribeira. Considere-se, ainda, que a distribuição dos investimentos pelo interior do Estado não é uniforme, ao contrário, está fortemente concentrada nos municípios e regiões mais próximos da capital, configurando uma mancha que se estende num raio de cerca de 150 quilômetros da capital do Estado. É bem verdade que esta pesquisa tem captado, nos últimos dois anos, um certo alargamento desta mancha, com a inclusão de municípios e regiões não contíguas à Região Metropolitana de São Paulo no rol dos municípios com boa capacidade de atração de investimentos. O fato concreto a se observar é que esta mancha compreende o resultado de movimentos complexos. No caso da RMSP, há uma força centrífuga representada pelas deseconomias de aglomeração (poluição, trânsito, violência, custo de terreno, impostos, etc.), que tende a deslocar empreendimentos já existentes e a não atrair novos investimentos, e uma força centrípeta representada pelas economias de aglomeração (tamanho do mercado consumidor, oferta de mão-de-obra, rede de serviços, proximidade com clientes e fornecedores), que mantém os que já estão instalados e atraem outros. No caso do interior, há um movimento com sentido oposto. A qualidade de vida, o custo da mão-de-obra e a boa infra-estrutura de transporte e telecomunicações atraem novos empreendimentos para essas regiões. A distância dos principais mercados consumidores, dos fornecedores ou dos principais clientes atua no sentido oposto. Da interação dessas forças surge uma resultante que, em última instância, acaba por beneficiar aquelas regiões e cidades que não estão tão longe da RMSP a ponto de dificultar o acesso ao mercado, clientes e fornecedores, mas que permitem às empresas livrar-se dos seus graves problemas urbanos. Conclusão: o equilíbrio entre essas forças acaba por determinar o tamanho da mancha de concentração da atividade econômica e, portanto, dos investimentos. Deste modo, quanto maiores as deseconomias de aglomeração associadas à RMSP e quanto mais vantagens oferecidas pelas demais regiões em termos de infra-estrutura, estrutura produtiva e tamanho de mercado, maior disposição terão as empresas de ir cada vez mais longe da RMSP. Mantidas as tendências atuais, portanto, é de se esperar que essa mancha vá se espalhando a uma velocidade que dependerá, de um lado, da taxa de crescimento da economia e, de outro, da capacidade ou não do poder público de fazer frente aos graves problemas que afetam a metrópole vis-à-vis a capacidade das grandes cidades do interior de atrair novos investimentos sem degradar o meio ambiente e a qualidade de vida local. O movimento de atração de anúncios de investimentos por regiões administrativas também indica que a rigor não houve uma mudança significativa no ranking das regiões. As cinco primeiras regiões em valor de anúncios de investimentos continuam a ser as mesmas desde 1999, com exceção do ano 2000, quando a Região Administrativa Central (São Carlos e Araraquara) ocupou a quarta posição, ultrapassando a Região Metropolitana da Baixada Santista e a Região Administrativa de Sorocaba, enquanto a região de São José dos Campos ocupou a segunda posição, passando a região de Campinas. Exceto naquele ano, a ordem tem sido exatamente a mesma, ou seja, a Região Metropolitana de São Paulo permanece em pri- 175 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 3 Investimentos Anunciados Estado de São Paulo – 1999-2002 Regiões Metropolitanas e Regiões Administrativas 1999 Posição 2000 2001 2002 Total 1999 Valor (US$ % milhões) 2000 Valor (US$ % milhões) Valor (US$ milhões) 2001 2002 Valor (US$ milhões) % 21.171,36 100,00 23.478,03 100,00 23.389,30 100,00 14.561,57 100,00 % RM de São Paulo 1 1 1 1 8.301,78 39,21 5.898,76 25,12 9.867,89 42,19 4.729,93 32,48 RA de Campinas 2 3 2 2 4.086,37 19,30 3.816,76 16,26 3.736,36 15,97 2.797,48 19,21 RA de São José dos Campos 3 2 3 3 1.569,28 7,41 4.635,95 19,75 1.754,58 7,50 2.702,74 18,56 RM da Baixada Santista 4 5 4 4 1.193,90 5,64 654,07 2,79 1.361,33 5,82 752,12 5,17 RA de Sorocaba 5 6 5 5 953,70 4,50 651,01 2,77 698,74 2,99 558,20 3,83 RA de Araçatuba 11 8 11 6 39,87 0,19 215,42 0,92 34,52 0,15 479,57 3,29 RA Central 7 4 8 7 136,22 0,64 1.080,73 4,60 86,07 0,37 191,37 1,31 RA de Bauru 8 7 6 8 99,37 0,47 457,70 1,95 619,88 2,65 165,13 1,13 0,75 RA de Ribeirão Preto 6 9 7 9 219,11 1,03 102,42 0,44 565,43 2,42 108,67 RA de São José do Rio Preto 9 12 9 10 86,67 0,41 33,17 0,14 85,04 0,36 61,16 0,42 RA de Marília 10 11 10 11 77,45 0,37 53,52 0,23 66,12 0,28 56,18 0,39 RA de Franca 13 13 14 12 13,20 0,06 14,67 0,06 8,64 0,04 37,40 0,26 RA de Barretos 14 14 12 13 12,18 0,06 5,17 0,02 33,82 0,14 25,76 0,18 RA de Presidente Prudente 12 10 13 14 16,24 0,08 65,02 0,28 10,22 0,04 8,86 0,06 RA de Registro 15 15 15 15 - - - - 0,90 0,00 - - 4.366,02 20,62 5.793,67 24,68 4.459,76 19,07 1.887,00 12,96 Diversos Municípios (1) Fonte: Fundação Seade. (1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município. meiro lugar, seguida pelas regiões administrativas de Campinas, São José dos Campos, Região Metropolitana da Baixada Santista e Região Administrativa de Sorocaba. O bloco que compõe a mancha de concentração de investimentos formada pela Região Metropolitana de São Paulo e seu entorno (regiões administrativas de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Região Metropolitana da Baixada Santista) respondeu por quase 74,0% dos anúncios de investimentos coletados entre 1999 e 2002. É nessa mancha que se concentra o parque industrial paulista, com diversas vantagens locacionais que favorecem a recente renovação industrial e, ao mesmo tempo, constituem fatores de atração de novas indústrias e de expansão daquelas existentes. Essa mancha mostra-se como um pólo receptor de grandes volumes de capital, mas também como destino para investimentos tecnologicamente de ponta pelas vantagens comparativas de proximidade ao grande mercado consumidor da metrópole, mão-de-obra qualificada, densidade da malha urbana, infra-estrutura de transporte, telecomunicações e energia, serviços sofisticados de apoio, grande complementariedade industrial e concentração de centros de conhecimento tecnológico. Nas demais regiões do Estado, chama atenção o fato de que várias delas mantêm-se ao longo período variando muito pouco a sua posição no ranking das regiões que registraram anúncios de novos investimentos, tais como Bauru, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Marília, Franca, Barretos, Presidente Prudente e Registro. Outras, como Central e Araçatuba, destacam-se pela sua variação no ranking, pois a primeira recebeu, em 1999, importantes investimentos no subsetor automobilístico no município de São Carlos e a segunda, em 2002, em virtude de um grande investimento na construção de usina termelétrica no município de Andradina. MARIA CECÍLIA COMEGNO: Socióloga, Coordenadora de Projetos de Gênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta de Produção de Dados desta Fundação ([email protected]). LUÍS ANTONIO PAULINO : Engenheiro, Analista da Fundação Seade ([email protected]). 176 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 177-184, 2003 O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR FELÍCIA REICHER MADEIRA MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI Resumo: O presente texto traz as experiências que a Fundação Seade vem desenvolvendo a fim de contribuir para a quantificação e qualificação de informações estatísticas relacionadas ao Terceiro Setor. Palavras-chave: produção de dados estatísticos; terceiro setor; cadastro georreferenciado. Abstract: This text presents those experiments being carried out by Fundação Seade aimed at contributing to the quantification and the qualification of statistical information related to the Third Sector, Non-Governmental Organizations. Key words: data production; third sector; geo-referenced registry. O Terceiro Setor é considerado hoje, ao lado do Estado e do setor privado, um importante sustentáculo da sociedade moderna. Muito embora as organizações da sociedade civil de caráter público existam desde há muito tempo, estas, curiosamente, não eram reconhecidas como pertencentes a um setor específico da economia. Somente a partir do início da década de 90 é que estas organizações passaram a ser conceituadas e mensuradas como um setor específico da economia, revelando sua importância tanto social como econômica. A explicação para tal omissão são várias, mas uma dificuldade importante está na metodologia do cálculo das Contas Nacionais, conceito macroeconômico que, dividindo as atividades humanas em agrícolas, industriais e de serviços, incluía as organizações da sociedade civil nesta última classificação sem, no entanto, destacar suas características próprias. Neste conceito econômico, pertencem ao item educação, por exemplo, tanto as organizações privadas como as públicas e as do Terceiro Setor. Ao conceituar o Terceiro Setor como o conjunto das organizações constituídas por agentes privados, mas com finalidade de produzir bens e serviços públicos, foi possível dar-lhe uma identidade distinta dos outros setores, permitindo sua visualização. A verdade é que a questão do Terceiro Setor vem ganhando muita importância e destaque no contexto do debate acadêmico e político atual sobre o papel da sociedade civil. De fato, embora a reflexão sobre a sociedade civil tenha sido sempre corrente nestes debates, nos últimos anos esta reflexão revestiu-se de novas e precisas especificações conceituais, passando a ser reconhecida agora sob a rubrica de “a nova sociedade civil”. Esta concepção inova basicamente ao referir-se à emergência de novos atores sociais, imbuídos de qualificações e que são considerados indispensáveis para a implementação de um desenvolvimento sustentável. Como eco desta reflexão internacional, processo semelhante vem acontecendo no Brasil. As entidades da sociedade civil sem fins lucrativos dedicadas a ações sociais têm longa existência no país, entretanto, nas últimas décadas, têm se multiplicado com rapidez e alterado suas características no que diz respeito tanto à sua constituição como à sua ação e aumentando a sua visibilidade. Cada vez mais elas vêm se consolidando em um formato que as distancia da tradicional dedicação à filantropia e à caridade, para focalizar sua atuação no âmbito de um espaço mais politizado da sociedade or- 177 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Pois bem, apesar do consenso em torno da relevância do Terceiro Setor no desenvolvimento social, são crescentes os desafios enfrentados pelos três setores para garantir a eficiência esperada neste novo arranjo. Estes desafios se traduzem por necessidades de redefinição de suas funções tradicionais, novos formatos de organização interna, adequação de conformações jurídicas, melhorias na capacitação de recursos humanos e na gestão institucional, em busca da eficiência, transparência, avaliação e qualidade de resultados e reconhecimento e legitimidade junto à sociedade. Várias ações têm sido desenvolvidas no sentido de enfrentar estes desafios, sobretudo para qualificar melhor as entidades e torná-las capazes de captar recursos, elaborar e gerir os projetos, desenvolver metodologias de avaliação de resultados qualitativos e financeiros, etc. Entretanto, persiste ainda um conjunto de dúvidas e incertezas sobre este modelo de atuação: como escolher a entidade mais adequada para a realização de determinada parceria? A presença ou ausência de uma parceria com entidades comunitárias faz diferença? Se faz, quanto e de que tipo? Quais são e como mensurar e reproduzir os efeitos benéficos? Para começar a encaminhar respostas a estas e a outras questões, é absolutamente consensual a idéia da importância e da urgência de organizar tanto um bom cadastro que atue com instrumento gerencial, como o desenvolvimento de uma pesquisa que qualifique e quantifique melhor o que vem sendo genericamente chamado de Terceiro Setor. Ocorre que, talvez, o maior desafio seja mesmo construir este cadastro. O objetivo central deste texto é relatar três experiências da Fundação Seade relacionadas ao tema Terceiro Setor, explicitando as dificuldades, as limitações e as formas encontradas para enfrentar e/ou contornar as dificuldades: - Cadastro das Entidades da Sociedade Civil da Região Leste do Município de São Paulo, que serviu como subsídio para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae implementar o projeto Integração Leste; ganizada e na busca de ampliação e racionalização da sua ação social. De fato, o crescimento do associativismo e de participação da população brasileira vem amadurecendo em simultâneo à idéia de fragmentar a sociedade em espaços de ação política que não mais se confundem com as formas de representação, mas que podem formar redes que se conectam solidariamente e potencializam as ações de proteção sociais. Essas novas formas de organização da sociedade têm sido recebidas e, mais do que isto, muito estimuladas, devido também a reflexões que vêm se reforçando na área de economia institucional e que apontam para o fato de que o associativismo é um forte indutor do desenvolvimento econômico/social. Certamente é este cenário, ou, mais que isto, esta crença que faz com que estas novas entidades ou novas associações com serviços dedicados ao público venham se tornando atores cada vez mais presentes tanto nas ações mais gerais de desenvolvimento social (sobretudo na área de geração de renda e alívio da pobreza), quanto nas ações mobilizadoras de interlocutores mais qualificados nos fóruns de debates e discussões de políticas mais gerais, adquirindo por este motivo crescente visibilidade junto à mídia e ao público em geral. A discussão internacional, com forte impacto sobre a agenda nacional, tem sido um reforço constante na questão da importância da co-responsabilidade social e de complementaridade entre as ações efetivadas pelos diversos setores e atores que atuam no campo social. Existe a compreensão, quase um consenso, de que a interação de ações e agentes que implementam políticas públicas propicia uma troca de conhecimento sobre as distintas experiências, o que acaba por proporcionar maior racionalidade, criatividade, qualidade e eficácia às ações desenvolvidas em todas as instâncias envolvidas, sobretudo por evitar as superposições de recursos e competências. A crescente aposta na importância da co-responsabilidade, por sua vez, tem impulsionado a constituição da figura das parcerias, que implica reconhecer, entender e encontrar as formas de relacionamento entre agentes com lógicas distintas de atuação em torno de objetivos comuns, sem perda de identidade e desvio de suas missões institucionais. Na verdade, as significativas diferenças entre as lógicas de governo, de mercado e da sociedade civil organizada são entendidas como complementares e cada vez mais necessárias e produtivas nas tarefas de formulação e implementação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável. - Censo/Cadastro Georreferenciado de Entidades Sociais que atuam na área de cultura do Estado de São Paulo, que subsidiou o projeto Fábrica de Cultura em Áreas de Violência Juvenil, desenvolvido em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); - Guia do Terceiro Setor, que está em fase de desenvolvimento, em parceria com a Fundação Mário Covas e Unicamp. As duas experiências anteriores oferecem pistas decisivas para o aperfeiçoamento deste projeto. 178 O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR nar mais fácil e eficiente o esforço de responsabilidade social que vem ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São Paulo. A idéia é trazer à tona e disseminar informações sobre a atuação das entidades do Terceiro Setor e seu papel social, tais como: tipo de ações desenvolvidas; população atendida; história das parcerias; etc. Seria interessante também dar um tratamento especial aos aspectos econômicos relativos a receitas, despesas, fontes de financiamento, características dos seus colaboradores, bem como remuneração e jornada de trabalho dos funcionários. Finalmente, é importante tentar coletar e organizar as informações de modo a se tornarem minimamente comparáveis com os levantamentos internacionais. DEMANDAS QUE CHEGAM À FUNDAÇÃO SEADE Há algum tempo a Fundação Seade vem se qualificando para enfrentar, de forma competente, os desafios colocados para gerar, administrar e analisar um Cadastro de Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos, mais conhecidas como Terceiro Setor. Entende-se como Primeiro Setor aquele no qual a origem e a destinação dos recursos são públicas, isto é, correspondem às ações do Estado. Já o Segundo Setor refere-se ao capital privado, sendo a aplicação dos recursos revertida em benefício próprio. A atuação do Terceiro Setor ocorre na esfera pública nãoestatal, formada a partir de iniciativas privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, e no sentido do bem comum. Por se tratar de tarefa importante, demandada insistentemente por diferentes setores da sociedade, a Fundação Seade decidiu enfrentar este desafio, mesmo tendo presente as enormes dificuldades de levar a cabo tal atividade. Como órgão estatal responsável pela produção e disseminação de estatísticas para a sociedade em geral, a Fundação Seade está atenta às novas e crescentes demandas de informação colocadas pela agenda social mais atualizada, contribuindo para a transparência das ações de interesse público e social. Neste sentido, a instituição está ciente da importância deste produto para todos aqueles que necessitam de instrumentos de gestão para programas sociais e que atuam notadamente nos campos de planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas. A situação vivenciada hoje, de enorme lacuna de informações sistematizadas e organizadas do Terceiro Setor, decorre de três fatores: inexistência de um cadastro qualificado, já que os disponíveis foram idealizados para outras finalidades, são de difícil acesso e restringem-se, muitas vezes, a áreas de atuação específicas, além de raramente atualizados; os cadastros existentes quase nunca contêm dados que permitam qualificar adequadamente este setor; e, muito especificamente, as dificuldades para se conceituar o que é, afinal, o Terceiro Setor, uma vez que a denominação abriga uma grande variedade de instituições da sociedade civil com objetivos e estratégias distintas, cujos elementos de identidade correspondem à ausência de fins lucrativos e à promoção de interesses públicos. Nesse universo, incluem-se instituições filantrópicas, entidades profissionais, associações religiosas e de bairros, fundações, etc. A intenção é gerar e disponibilizar na Internet um conjunto de informações que contribuirá fortemente para tor- RELATO DAS EXPERIÊNCIAS Cadastro das Entidades da Sociedade Civil da Região Leste de São Paulo O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Metropolitano – Prodem – Integração Leste, concebido pelo SebraeSP, tinha como objetivo central a promoção de ações integradas de políticas voltadas para o desenvolvimento socioeconômico sustentável do grande e problemático aglomerado urbano que é a região Leste do Município de São Paulo. Em sua concepção, o Prodem apostava – em consonância com o conceito que predomina hoje: o poder da “nova sociedade civil” – que a melhor forma de implementar um projeto desta natureza seria através da formação de parcerias com agentes locais da sociedade civil. Ou seja, considerava-se que a integração das micros e pequenas empresas com outras formas de organizações da sociedade civil – cooperativas, empresas de participação, empresas de autogestão, associações, entidades de representação, ONGs, instituições de ensino, etc. – seria de vital importância para a economia local e para a construção de novos espaços sociais de geração de ocupação e renda de forma sustentável. Assumida essa postura conceitual, uma das ações prioritárias passou a ser a elaboração de um Cadastro das Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos desta área do Município de São Paulo. Na verdade, tal demanda vinda do Sebrae, para o desenvolvimento do projeto Integração Leste, repetia uma solicitação constante e insistente, que chegava ao Seade, de órgãos públicos e privados que lidam com implementação de ações na área genericamente conhecida como desenvolvimento social. 179 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 meiros telefonemas mostraram que os responsáveis pelas entidades tinham enorme interesse em nos contatar pessoalmente para relatar com maior precisão a complexidade de sua ação. Decidiu-se, então, realizar uma pesquisa por meio de visitas às entidades, o que mostrou ser de grande valia para começar a entender melhor este complexo universo. Entre março e junho de 2001, pesquisadores treinados pela Fundação Seade realizaram visitas aos locais de funcionamento das entidades arroladas, procedendo ao levantamento dos dados cadastrais e demais informações já relacionadas. O primeiro exercício de georreferenciamento do cadastro obtido via comparação/compatibilização dos cadastros IBGE e Rais mostrou a existência de inesperados vazios, exatamente em áreas habitadas pelas populações de mais baixa renda, que deveriam ser o alvo das ações do Sebrae. Ocorre que, empiricamente, era do conhecimento do Sebrae que, naquela área, havia um número expressivo de associações em funcionamento. Para investigar o porquê da ocorrência desses vazios, foram tomadas duas decisões: coletar cadastros de diferentes entidades que realizavam parcerias com entidades na RMSP – fundações, associações, secretarias, etc. –; e realizar uma busca de endereços individuais através das consultas ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, da Secretaria da Receita Federal. Retiradas as duplicidades, o cadastro preexistente foi ampliado em cerca de 25% (em torno de 1.100 novas entidades foram encontradas, somando-se a um cadastro original de cerca de 4.000 entidades). O levantamento foi a campo com um Cadastro Base de 5.047 entidades. Deste total, cerca de 26,2% das entrevistas não foram realizadas por diversos motivos, como exposto na Tabela 1. Entre estes, destaca-se o problema relativo à atualidade do cadastro, comum em levantamentos desta natureza, que foi responsável por cerca de 18% dos questionários não respondidos. O produto final é constituído por 3.501 Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo, sendo que 3.341 contam com informações integrais e 160 somente com os dados cadastrais. As entidades sem fins lucrativos cadastradas, que estavam ativas na Zona Leste, em 2000, totalizam 3.388 e foram distribuídas segundo sua natureza jurídica (Tabela 2). As Associações representam a maioria das entidades sem fins lucrativos pesquisadas na Zona Leste (49,5%), seguidas pelas Instituições Religiosas e/ou entidades Confessionais (31,7%). As formas consideradas mais Diante desta constante demanda, a Fundação Seade aceitou a tarefa proposta pelo Sebrae de cadastrar todas as Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo, buscando levantar tanto dados puramente cadastrais como algumas indicações sobre a atuação das mesmas no ano de 2000: objetivos, âmbito de atuação, número de funcionários ou prestadores de serviços, número de voluntários, fontes de recursos, atividades principais, beneficiários, etc. Considerou-se importante também, para o bom andamento do projeto, que o cadastro de endereços pudesse contar com o recurso de georreferenciamento e que, além disso, os mesmos fossem plotados sobre uma base digitalizada de setores censitários, o que possibilitaria agregar importantes informações demográficas e socioeconômicas ao cadastro. Organizado e apresentado nesta forma, ou seja, somando a visualização geográfica do conjunto de entidades que atua em uma determinada região a informações sociodemográficas disponíveis para os setores censitários, o cadastro seria uma ferramenta poderosa para se chegar de forma direta e pontual à entidade desejada, bem como ao público-alvo, tornando muito mais eficientes e transparentes tanto as ações quanto o processo de escolha das entidades. O primeiro problema que se colocou para a nossa equipe foi exatamente responder à questão: o que é Terceiro Setor? Após uma consulta bibliográfica nacional e internacional, discutindo inclusive a pesquisa desenvolvida pelo pessoal do Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS/ FGV e aplicada em Jaboticabal, tomou-se a primeira decisão: em face da fragilidade dos estudos teóricos encontrados e da diversidade de situações nacionais apontadas, a investigação seria estendida a todas as entidades sem fins lucrativos (exceto cartórios e condomínios), de modo a identificar, em toda sua complexidade, a situação encontrada no país. O cadastro inicialmente utilizado foi uma combinação dos cadastros IBGE-97 e Rais MTE-98, selecionando-se as entidades sem fins lucrativos e também cooperativas e entidades com natureza jurídica pública atuando em ações sociais, para averiguar se pertenciam ou não ao Terceiro Setor. Aí também se apresentou outra dificuldade, que era como separá-las segundo sua organização jurídica. A idéia inicial era contatar, por telefone, as entidades localizadas pelos cadastros. Entretanto, esta proposta foi inviabilizada dada a mudança dos prefixos dos números de telefones que acontecia, exatamente naquele momento, em todo o Estado de São Paulo. Além disso, os pri- 180 O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR modernas de organização, ONGs e Oscips, correspondem a cerca de 2% do universo pesquisado. Ainda de maneira expressiva aparecem as Associações de Pais e Mestres (15,4%). De maneira geral, observou-se que grande parte das entidades atua há longo período, pois mais da metade desenvolve suas atividades há dez anos. Cerca de um terço delas foi fundado a partir de 1991. Entre estas, 53,8% no período entre 1991 e 1995 e as demais entre 1996 e 2001. Em resumo, estas experiências mostram que organizar um cadastro qualificado das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos foi e persiste sendo uma tarefa desafiadora, com grandes obstáculos, entretanto, perfeitamente factível, contrariando o freqüentemente enunciado. As principais dificuldades compreendem: - obtenção dos diferentes cadastros pertencentes a diversas instituições, já que estes são percebidos pelas mesmas como uma espécie de fonte de poder; TABELA 1 Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos, segundo Levantamento da Pesquisa Zona Leste do Município de São Paulo – 2000 Números Absolutos Levantamento da Pesquisa % Cadastro Original 5.047 100,0 Entrevistas Realizadas Completas 3.341 66,2 Entrevistas Realizadas só a Parte Cadastral 160 3,3 1.321 26,2 Fechada 607 12,0 Mudança para Local Desconhecido da Zona Leste 175 3,5 Duplicidade no Cadastro 169 3,3 Mudança para Local Fora da Zona Leste 112 2,2 Recusa 136 2,7 Sem Informação 122 2,4 225 4,5 Entrevistas Não Realizadas Entidades Excluídas Posteriormente (1) Entidades Novas (2) 33 - enorme quantidade e heterogeneidade dos cadastros parciais disponíveis: quanto à linguagem, aos critérios de seleção e à superposição ou duplicação de informações; Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo. (1) Entidades privadas com fins lucrativos; telemínios, escolas e pessoas físicas. (2) Não estão incluídas no Cadastro Original. - organização e formatação das questões que compõem o questionário. Nesse sentido, o cadastro gerado ultrapassa em muito a simples coleta e agrupamento de cadastros já existentes, uma vez que envolve ampla tarefa de padronização, normatização e estruturação da linguagem para a fácil e rápida recuperação desses registros. TABELA 2 Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos Ativas, segundo Natureza Jurídica Zona Leste do Município de São Paulo – 2000 Natureza Jurídica Total Geral Associações Associação sem Fins Lucrativos Organização Não-Governamental – ONG Números Absolutos % 3.388 100,0 1.676 49,5 1.603 47,3 64 1,2 9 1,9 Cadastro da Área Cultural e Esportiva na Região Metropolitana de São Paulo Trata-se de uma demanda da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e o objetivo foi cadastrar e georreferenciar as entidades sem fins lucrativos que atuam na área de cultura, esporte e lazer na Região Metropolitana de São Paulo. Esta informação foi utilizada para subsidiar o projeto Fábricas de Cultura, realizado com o financiamento do BID e que pretende desenvolver equipamentos e ações culturais em áreas periféricas do Município de São Paulo, onde se concentram as áreas de maior índice de violência juvenil. A base do cadastro foi novamente o Cadastro Central de Empresas – Cempre, organizado pelo IBGE, para 1999, com dados referentes a 1998. Através deste cadastro, chegou-se a uma relação de 1.743 entidades sem fins lucrativos, definidas segundo a natureza jurídica da empresa. Com a atualização realizada através do cadastro de 2000, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip Fundação ou Instituto Igrejas – Instituição Religiosa / Entidade Confessional Associação de Pais e Mestres Outros Cooperativa Entidade Sindical de Trabalhadores Sociedade de Advogados 41 1,2 1.073 31,7 522 15,4 76 2,2 6 0,2 39 1,2 3 0,2 1 0,0 Órgão Público dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário Outra Natureza Entidade Sindical Patronal 23 0,7 4 0,1 Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo. 181 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 ção destas entidades. Além dessa ampliação do escopo do trabalho, apresentam-se também as informações georreferenciadas, que proporcionam uma outra dimensão na análise dos resultados, uma vez que possibilitam localizar espaços de atuação das entidades culturais e identificar em que medida esses espaços de atuação na área cultural substituem, complementam ou se sobrepõem a ação governamental. O padrão de atuação do Estado nessa área tem-se pautado não mais exclusivamente pela atuação direta, mas pelo incentivo às entidades não-governamentais (privadas com ou sem fins lucrativos) no estímulo às atividades culturais. As leis de incentivo nos âmbitos federal, estadual ou municipal são instrumentos que possibilitam efetivar a estratégia de descentralização e de fortalecimento da participação da sociedade civil na definição de ações na área cultural. foram incorporadas 140 novas entidades. A seleção da área de atuação – esporte, cultura e lazer – foi definida segundo a atividade principal e baseou-se na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. Da combinação dos cadastros do Cempre 1998 e 1999 com a CNAE em cultura e esportes, chegou-se a um total de 2.287 entidades (1.743 do cadastro original; 146 novas entidades da atualização do cadastro Cempre/1999; 430 classificadas, por meio da CNAE, como “possíveis entidades com atuação em cultura e esportes”; excluindo-se 32 que haviam encerrado suas atividades, conforme apurado pela pesquisa “Cadastro de Entidades Sem Fins Lucrativos da Zona Leste”). Desse total, excluíram-se 344 entidades devido à falta ou erro de informação sobre o endereço, totalizando 1.943 entidades no cadastro. Dessas, foram realizadas, entre agosto e outubro de 2001, 1.129 entrevistas completas, 36 apenas o bloco cadastral e 802 não foram realizadas. Note-se que foram acrescidas 24 entidades que não faziam parte do cadastro original, mas foram localizadas nos endereços investigados e se enquadravam nos critérios do levantamento, perfazendo 1.967 instituições no universo pesquisado. Com a distribuição espacial das entidades na Região Metropolitana de São Paulo, observaram-se, ao mesmo tempo, enorme concentração de equipamentos culturais e entidades que trabalham com cultura nas áreas centrais do Município de São Paulo e grandes “vazios” de entidades culturais no espaço da Região Metropolitana de São Paulo. Em seguida, buscou-se localizar novos equipamentos culturais junto à população jovem em uma das áreas periféricas em que há elevada incidência de violência: o Jardim Ângela, na Zona Sul do Município de São Paulo. Considerou-se relevante mencionar a enumeração de pessoas que realizam trabalho voluntário – 75 mil na Zona Leste (1,9% da população local) e cerca de 8 mil em entidades culturais, esportivas e de lazer. A importância da construção de um cadastro das entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para a promoção da cultura, é ratificada pelo reconhecimento crescente da importante participação dessas entidades como parceiras ou protagonistas no desenvolvimento e inserção de atividades, programas e políticas das áreas social e cultural. Esse reconhecimento é um fenômeno mundial e vem sendo objeto de investigação de diversos organismos e instituições internacionais. Deve-se ressaltar que se buscou ampliar a pesquisa para além da atualização de cadastro, disponibilizando informações abrangentes sobre o perfil e a forma de atua- Guia do Terceiro Setor Trata-se de um projeto que ambiciona disponibilizar na Internet, no formato georreferenciado, um conjunto significativo de entidades do Terceiro Setor que atuam no Estado de São Paulo. Este modelo de disseminação das informações possibilitará localizar no espaço das cidades as organizações cadastradas, além de caracterizá-las segundo um conjunto de informações básicas: nome, endereço, telefone, endereço eletrônico, natureza jurídica, data da fundação, atividade principal, existência de computador com acesso à Internet, número de funcionários e voluntários, ocorrência de parcerias com o setor público e privado, principal fonte de recursos e público-alvo. O projeto prevê ainda a atualização anual do cadastro. O desenvolvimento de um instrumento de gestão de projetos sociais de tal envergadura e sua disponibilização na Internet certamente tornariam mais fácil e muito mais eficiente o esforço de responsabilidade social que vem ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São Paulo. Particularmente beneficiados serão os organismos públicos, em geral, e as secretarias estaduais e municipais, em particular, que firmam parcerias com redes de entidades da sociedade civil, além de instituições do setor privado que desenvolvem ou pretendem desenvolver projetos sociais que incluam redes de Organizações NãoGovernamentais da sociedade civil. Apesar da experiência acumulada nos trabalhos anteriores, e que sugeriam a importância do contato direto com a entidade a ser cadastrada, a metodologia para realizar o 182 O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR tantemente, apresentação de um formulário eletrônico que poderá ser acessado pelas instituições por meio de uma senha (CNPJ), para que as mesmas, mediante seu representante legal, confirmem seus dados cadastrais e respondam a resposta a uma pesquisa de qualificação dos dados da instituição. Obviamente, procedimentos específicos serão utilizados para tratar com as novas instituições (não constantes do cadastro inicial) que acessem os sites, de modo a incluí-las e qualificá-las; Guia do Terceiro Setor deverá seguir um outro caminho. O principal motivo desta correção de rumo é o acesso recente ao Cadastro da Receita Federal. De acordo com este cadastro, existem no Estado de São Paulo cerca de 130.000 entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. Destaca-se que o universo de pesquisa foi composto pelo Cadastro da Receita Federal (CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal) e também pelos cadastros da Rais – Relação Anual de Informações Sociais, do Cempre – Cadastro Central de Empresas, do IBGE, cadastros de diferentes secretarias estaduais e municipais e até os vários cadastros das entidades e instituições públicas e privadas que atuam no Terceiro Setor. A Fundação Telefônica contribuiu com a doação de uma base de dados que associou aos CNPJs disponíveis cerca de 25% de números telefônicos, o que, infelizmente, é um percentual pouco expressivo, inviabilizando uma abordagem somente telefônica às entidades. Essa unificação e consolidação possibilitou, ainda que em caráter preliminar, um conjunto bem interessante de resultados, como o já observado, de que estamos tratando de um universo com a magnitude de quase 130.000 entidades da sociedade civil, formalmente constituídas e instaladas no Estado de São Paulo. Dessas, quase 60% estão dispersas no interior do Estado. Já a Região Metropolitana de São Paulo participa com mais de 40%, ou seja, aproximadamente 60 mil entidades. O Município de São Paulo destaca-se no abrigamento de mais de 40 mil instituições sem fins lucrativos, em 2002. Desse total, cerca de 70% correspondem a organizações religiosas, entidades desportivas e outras associações. Essas informações serão objeto de inúmeras checagens e consistências. Adicionalmente, o Guia do Terceiro Setor pretende desvelar alguns dos tantos aspectos, tais como: questionamentos sobre as respectivas áreas de atuação; segmentos sociais que costumam atender; fontes de financiamento; relações de parcerias; etc. Desse modo, em função da magnitude do universo pesquisado e dos altos custos que decorreriam de uma investigação em campo (à propósito do que ocorreu com os projetos Sebrae e Secretaria de Estado da Cultura) com o contato direto dos pesquisadores junto aos representantes das associações, a Fundação Seade e parceiros decidiram por um novo conjunto de procedimentos para coleta de informações: - disponibilização, no site do Seade e da Fundação Mário Covas, de informações oriundas do atual cadastro unificado e sistematizado pela Fundação Seade e, concomi- - desenvolvimento de uma estratégia de divulgação e marketing junto aos mais relevantes agentes relacionados ao Terceiro Setor, desde rádios comunitárias, jornais regionais e de bairro, até prefeitos dos municípios paulistas, redes como RITS – Rede de Informação do Terceiro Setor, Setor 3 do Senac, Abong – Associação Brasileira de ONGS, Conselho Regional dos Contabilistas, Fundação Telefônica, Instituto Ethos, entre outros. Nossos esforços serão no sentido de tê-los como agentes de divulgação e parceiros estratégicos na construção do Guia, com contribuições que poderão traduzir-se na cessão de voluntários para ações específicas, investimento de recursos financeiros ou intercâmbio de expertises; - aplicação de um sistema de controle e consistência dos dados coletados pela Internet, por intermédio de uma equipe de telepesquisa, especialmente treinada para contatos telefônicos e checagem da veracidade das informações obtidas remotamente; - retroalimentação do site do Seade e da Fundação Mário Covas com os dados cadastrais e de qualificação das entidades, num processo cumulativo e de aperfeiçoamento permanente do Guia do Terceiro Setor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que serão muitas as dificuldades, desde compor parcerias eficazes e sensibilizar dirigentes do setor sobre a importância e fidedignidade das informações relativas às suas entidades, até desenvolver e aperfeiçoar instrumentos eletrônicos de coleta de dados, solucionar problemas metodológicos conceituais (como, por exemplo, decidir sobre a melhor forma de classificar as atividades desenvolvidas pelas entidades), oferecer treinamento especializado em pesquisa telefônica e analisar, especialmente de forma criteriosa, os aspectos relevantes para divulgação. Entretanto, como comprova a trajetória que a Fundação Seade escolheu fazer desde a primeira vez em que foi 183 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 croeconomia, uma vez que permitirá o conhecimento das estatísticas reais de um importante segmento da atividade econômica, geração de emprego e cidadania. O legado mais importante da realização deste trabalho, contudo, talvez seja o de instalar a transparência das ações realizadas em parcerias com o setor público. De fato, uma vez instalado o Guia do Terceiro Setor na Internet, problemas graves e freqüentes, como o desconhecimento do desempenho da entidade para a qual se está repassando verba, das fontes de financiamentos a que ela teve acesso, da sua capacidade de gerenciamento dos mesmos e da sua inserção na comunidade do entorno, poderão ser naturalmente minimizados. solicitada a produzir informações estatísticas sobre o Terceiro Setor, não faltarão empenho, flexibilidade e criatividade para alcance desse objetivo. O desenvolvimento de um instrumento de gestão de projetos sociais de tal envergadura e sua disponibilização na Internet certamente tornarão mais fácil e muito mais eficiente o esforço de responsabilidade social que vem ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São Paulo. Particularmente beneficiados serão os organismos públicos, em geral, e as secretarias estaduais e municipais, em particular, que firmam parcerias com redes de entidades da sociedade civil, além de instituições do setor privado que desenvolvem ou pretendem desenvolver projetos sociais que incluam redes de organizações não-governamentais da sociedade civil. O propósito é que ao longo do tempo, ao se cristalizar uma metodologia de captação e organização de dados do Terceiro Setor, especialmente aquela parcela que envolve as pequenas entidades comunitárias, a Fundação Seade e seus parceiros venham a se tornar, via Internet, centros de referência para coleta e consultas mais detalhadas de informações relativas ao Terceiro Setor, sobretudo aquele de perfil mais comunitário. Portanto, essa contribuição será decisiva ao fortalecimento do Terceiro Setor para a evolução e o aperfeiçoamento da implementação de políticas compensatórias, visando as populações mais necessitadas, e para a ma- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BNDES. Terceiro Setor e desenvolvimento social. Brasília: jul. 2001. (Relato setorial, n.3). FERNANDES, R.C. Privado porém público – o Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. SALAMON, L.M.; HELMUT, K.A. The emerging nonprofit sector – an overview. Manchester, UK: Manchester University Press, 1996. FELÍCIA REICHER MADEIRA: Socióloga, Demógrafa, Diretora Executiva da Fundação Seade ([email protected]). MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI: Economista, Analista da Fundação Seade ([email protected]). 184 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 185-197, 2003 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS balanço das experiências e contribuição para o debate SONIA NAHAS DE CARVALHO Resumo: O artigo recupera as avaliações de programas sociais desenvolvidas pela Fundação Seade. Inicia-se com os pressupostos teóricos e metodológicos que orientam a atividade de avaliação de programas e recupera as principais experiências existentes, com ênfase nos aspectos metodológicos. Palavras-chave: programas sociais; metodologias de avaliação. Abstract: This article revisits the evaluations of social programs elaborated by Fundação Seade. It takes as its starting point the theoretical and methodological assumptions that guide program evaluation, and addresses the principal prevailing experiences, with an emphasis on methodological aspects. Key words: social programs; evaluation methods. A avaliação de políticas públicas na Fundação Seade data de período recente e a experiência acumulada até o momento consiste na avaliação de programas sociais específicos para atender a demandas distintas e baseadas em orientações metodológicas heterogêneas. Apresentar essa experiência tem por propósito contribuir para a discussão do significado da avaliação no processo das políticas públicas e para o aperfeiçoamento de metodologias de avaliação, com ênfase nas políticas sociais. Os projetos de avaliação escolhidos foram: pósocupação de conjuntos habitacionais ofertados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU; Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho, de coordenação da Secretaria Estadual do Emprego e Relações do Trabalho; Programa Telecurso 2000, executado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego; e os programas estaduais Atuação em Cortiços e Fábricas de Cultura, desenvolvidos pela CDHU e Secretaria da Cultura, com apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Além de recente, a avaliação de programas sociais na Fundação Seade é uma atividade em processo de cons- trução permanente com, pelo menos, dois sentidos complementares. O primeiro refere-se às metodologias de avaliação e consiste no aperfeiçoamento contínuo de modelos de análise, técnicas e instrumentos. O segundo define os objetivos que orientam a promoção dessa atividade que, mantendo-se técnica, destina-se ao aprimoramento das políticas sociais em seus propósitos de solucionar problemas e atender a carências. Com base nas experiências desenvolvidas e na literatura sobre o tema, alguns pressupostos vêm orientando a construção dessa atividade. O campo mais geral de entendimento da avaliação pressupõe a noção de que políticas públicas consistem em processo contínuo de decisões, que se alteram permanentemente. Em realidade, “o objeto central da avaliação é o processo das políticas públicas. (...) Parece-nos mais apropriado, do ponto de vista empírico, e sem dúvida mais consistente com a proposição relativa à onipresença da política, ver o sistema das políticas públicas como um processo em fluxo (grifo nosso), que se caracteriza por constantes barganhas, pressões e contrapressões, e não raro por redefinições do próprio objeto das decisões”. Dois aspectos devem ser destacados. “Um, o processo temporal da constante redefinição dos objetos em jogo, como 185 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 avaliação de políticas públicas visa ajustar ou validar objetivos, metas e focos sociais, adequar os meios utilizados aos fins propostos, quantificar e qualificar o atendimento realizado e os benefícios gerados, identificar os impactos ou efeitos das ações nas condições de vida dos beneficiários diretos e indiretos. Diante desses objetivos, a avaliação distingue-se nas modalidades avaliação de processo e avaliação de impacto, estruturadas, em geral, em metodologias de análise comparada entre o “antes” e o “depois”, entre o “proposto” e o “realizado” e entre “meios” e “fins”. A avaliação de processo visa acompanhar e avaliar a execução dos procedimentos de implantação dos programas e políticas e diferencia-se em avaliação de eficácia e de eficiência. O objeto central dessa modalidade é avaliar a adequação dos meios e recursos utilizados perante os resultados parciais ou finais, referenciados aos objetivos e metas propostos pela política ou programa. Ressalvese, contudo, que avaliar processo não pode se confundir com monitorar programas, uma ferramenta de gerenciamento aplicada durante sua execução. A avaliação de impacto é aquela que focaliza os efeitos ou impactos produzidos sobre a sociedade e, portanto, para além dos beneficiários diretos da intervenção pública, avaliando-se sua efetividade social. Dois pressupostos orientam a avaliação de impacto. O primeiro reconhece propósitos de mudança social na política em análise e, neste caso, faz sentido estruturar a investigação para mensurar seus impactos. O segundo pressuposto é o que estrutura a análise com base em uma relação causal entre a política ou programa e a mudança social provocada. Pode-se constatar empiricamente mudanças, proceder à sua diferenciação, à sua quantificação, etc. Contudo, para se analisar o impacto dessas mudanças, é preciso estabelecer a relação causa–efeito entre estas e a ação pública realizada por meio da política. Em suma, não basta constatar a ocorrência da mudança; é preciso provar que foi causada pelo programa. Por fim, a avaliação é instrumental de análise para avaliar a eficiência, a eficácia – e, portanto, o processo da política ou programa – e a efetividade – ou seja, os impactos das ações promovidas pela política ou programa. Nessa perspectiva, a avaliação inscreve-se no campo das Ciências Sociais Aplicadas e se organiza e se desenvolve apoiada nos referenciais conceituais das diferentes Ciências Sociais. As abordagens podem ser da Microeconomia com conceitos como os da maximização de benefícios e minimização de custos, da Ciência Política apoiando-se produto de decisões anteriores. Outro, o processo pelo qual se altera a própria definição do que é ou não objeto de decisão política; ou seja, o processo pelo qual objetos antes congelados ou tidos como parâmetros não negociáveis deixam de sê-lo.” (Lamounier, s.d.:3-4). Se o sistema das políticas públicas é um processo em fluxo, por associação uma dada política pública não pode configurar-se como seqüência linear de etapas. De forma distinta de interpretações anteriores,1 que tratavam as políticas públicas como etapas estanques e sucessivas de formulação, implementação e avaliação de decisões previamente tomadas, a abordagem que melhor expressa o quadro real das políticas públicas é as que a considera como processo contínuo de decisões que, se de um lado pode contribuir para ajustar e melhor adequar as ações ao seu objeto, de outro, pode alterar substancialmente uma política pública. Consoante esse entendimento, a avaliação é parte constitutiva do processo da política pública. Ou seja, ele não é unicamente formulação e implementação de ações. A avaliação integra-se a esse processo como atividade permanente que acompanha todas as fases da política pública, desde a identificação do problema da política até a análise das mudanças sociais advindas da intervenção pública. Se, na aparência, a formulação e a implementação de políticas ou programas são vistas como fases distintas, pois entendidas, respectivamente, como diagnóstico de problemas e propostas para sua solução e como execução de passos previamente definidos e organizados, em realidade elas não se distinguem tão facilmente. A própria implementação de ações é, e de fato assim ocorre, um constante (re)definir das decisões, recomendadas pela política em momentos anteriores de seu processo. A avaliação, por sua vez, não se confunde com a seqüência final desse processo. “De princípio, é preciso frisar que a avaliação deve ser remetida strictu senso à noção de análise. Isso quer dizer que a avaliação se dá ao longo de todo o processo, seja na formulação, seja na implementação, ou mesmo nos impactos ou efeitos provocados pelas duas etapas anteriores” (Carvalho; Costa, 1986:8). Integrar a avaliação ao processo das políticas públicas não significa, contudo, que ela deva ser promovida pelas agências responsáveis por sua implantação. Ao contrário, a posição que a avaliação ocupa no processo das políticas públicas é externa aos agentes gestores e executores e singular em face de seus propósitos. Semelhante aos estudos feitos em outras instituições, na Fundação Seade a 186 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... na teoria dos conflitos e em conceitos como o da formação de arenas decisórias e das formas institucionais de governo, ou da Sociologia e os referenciais conceituais para a elaboração de diagnósticos, reconstrução de processos sociais, etc. Como instrumental de análise, a avaliação vale-se também dos métodos próprios da pesquisa social. A sua escolha, contudo, não é aleatória nem mesmo predeterminada, pois o pressuposto é que seja conforme aos objetivos, explícitos e implícitos, estabelecidos pela política em análise. De acordo com Deutscher, citado por Figueiredo e Figueiredo (1986:109), “a escolha do método a ser utilizado decorre mais do objetivo da política ou programa sob observação e de seu escopo social do que da preferência intelectual do analista. O mais importante nessa discussão é o estabelecimento das conexões lógicas entre os objetivos da avaliação, os critérios de avaliação e os modelos analíticos capazes de dar conta da pergunta básica de toda pesquisa de avaliação: a política ou programa social sob observação foi um sucesso ou um fracasso?” sim, para a escolha dos empreendimentos consideraramse as alternativas de tipologia de edificação (casa ou apartamento) e de construção (por empreitada ou mutirão). Além dessas variáveis, tal escolha levou em conta a data de entrega do empreendimento: anterior e posterior a 1994. Dois procedimentos foram adotados para a execução do projeto. O primeiro baseou-se na exploração de base de dados de fiscalização e cobrança, disponível na CDHU, que, contudo, mostrou-se inadequada em face de problemas de consistência e confiabilidade dos dados. O segundo procedimento consistiu na investigação em campo. Diante do conhecimento não sistematizado sobre o fenômeno da inadimplência, optou-se pela realização de estudos de caso, tendo sido escolhidos cinco empreendimentos habitacionais implantados no município de São Paulo a partir da combinação das variáveis tipo de edificação, tipo de construção e data de entrega.3 O desafio inicial para a investigação referiu-se à inadimplência contratual, uma vez que os mutuários originais – que haviam firmado contrato com a CDHU – não eram mais localizados e, portanto, não seria possível pesquisar as razões que os levaram à transferência do imóvel. Para superar esse desafio, as alternativas foram a de levantar informações indiretas, obtidas com os mutuários residentes, e a de identificar o perfil do novo mutuário, comparando-o ao mutuário original. Os pressupostos para a análise da inadimplência definiram os temas de investigação, considerando-se as variáveis sociodemográficas, para classificação dos mutuários segundo as situações de adimplência, a participação em associações e na administração condominial, graus e níveis de satisfação com a moradia, o conjunto e o entorno urbano, e estrutura de despesas, identificados como parâmetros de qualificação dos empreendimentos e da população residente. Com a clareza de que dados quantitativos não seriam suficientes para se entender o fenômeno, dados qualitativos foram também coletados por meio de entrevistas estruturadas feitas com lideranças, síndicos e alguns moradores. O questionário, composto em perguntas fechadas, foi aplicado a todas as famílias residentes nos empreendimentos habitacionais selecionados. A análise feita seguiu duas abordagens. Na primeira, o empreendimento foi a unidade de análise e se procurou apontar a especificidade de cada empreendimento em relação aos aspectos demográficos, socioeconômicos, de participação em associações e administração do condomínio, níveis de satisfação, estrutura de despesas e situações de adimplência contratual, condominial e financei- PÓS-OCUPAÇÃO DE CONJUNTOS DE HABITAÇÃO POPULAR O estudo de pós-ocupação de conjuntos habitacionais, encomendado pela CDHU em 1999, estruturou-se com o propósito de contribuir para explicar a inadimplência nas unidades habitacionais, classificada em três tipos: financeira, de atraso no pagamento das prestações de financiamento habitacional; contratual, com a transferência do imóvel a outras famílias não mutuárias da CDHU; e condominial, de atraso no pagamento do condomínio. Tratava-se, portanto, de um projeto para avaliar intervenções públicas realizadas, com benefícios já concedidos ao público-alvo da política. Os pressupostos para o estudo consideraram o modelo de solução única da política habitacional paulista no atendimento das necessidades da população de baixa renda. Esse modelo caracteriza-se pela provisão de casa própria, em conjuntos habitacionais, em geral de grande porte, destinada às famílias entre um e dez salários mínimos de renda familiar que assumem um contrato de financiamento por um período de 25 anos, passível de subsídio de acordo com a capacidade de pagamento das famílias.2 Diante de parâmetros uniformes e rígidos, o estudo investigou a existência de diferenciações no comportamento dos mutuários nos aspectos em que a política guarda alguma flexibilidade, qual seja, de sua implantação. As- 187 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 programa, e se estende até os dias atuais. Por decorrência, o foco principal da avaliação tem sido o de acompanhar e avaliar o processo de desenvolvimento do programa e se estrutura em torno de dois campos: analisar resultados à medida que o programa é executado; e identificar, qualificando, as atribuições de fato exercidas pelos agentes de implementação do programa em relação aos objetivos do programa. 5 Para dar conta desse foco, a estratégia metodológica escolhida foi, de um lado, a de analisar os grandes números que mostram o desempenho quantitativo do programa e, de outro, de privilegiar a investigação dos principais atores, compreendendo mais intensamente os beneficiários finais, as empresas que aderiram ao programa, os monitores e as escolas parceiras na implantação do programa. Em face dos pressupostos da análise de avaliação, os instrumentos de coleta têm sido diversificados e adequados à natureza das informações requeridas, incluindo questionários, entrevistas estruturadas e grupos de discussão. A análise dos resultados do programa segue dois procedimentos analítico-metodológicos distintos e complementares. O primeiro, destinado ao acompanhamento conjuntural, desenvolve-se mediante a exploração analítica de indicadores especialmente construídos com base no registro de alunos inscritos e de empresas.6 Editado na forma de boletins, esse acompanhamento foi mensal entre outubro/2000 e dezembro/2002, passando a ser trimestral em 2003. Ao final de cada ano, um novo produto é editado, consolidando-se a análise de desempenho do programa. Como produto, os boletins atendem ao objetivo de disseminação do programa e, com isso, oferecem à sociedade meios para conhecer e controlar a ação pública. As possibilidades de realização desse propósito foram ampliadas em 2003 com a divulgação dos boletins na página da Fundação Seade na Internet.7 Já na perspectiva de seu conteúdo, os boletins expõem a evolução da inscrição de estudantes e da oferta e preenchimento de vagas, qualificada segundo dados gerenciais disponíveis como idade e sexo dos alunos inscritos, porte e setor de atividade das empresas, conclusão de estágio e motivos para a não-conclusão em relação às vagas preenchidas, bem como a distribuição espacial segundo as Diretorias de Ensino existentes na Região Metropolitana de São Paulo. A análise feita permite avaliar, de um lado, os rumos adotados pelos agentes de implementação do programa, sugerindo capacidades e recursos existentes para a colocação dos estudantes em uma vaga de estágio e, de outro, os efeitos que o comportamento do mercado de tra- ra. A segunda abordagem considerou o domicílio como unidade de análise e buscou explicar as situações de inadimplência financeira, condominial e contratual a partir da análise do comportamento de variáveis socioeconômicas selecionadas. A inadimplência financeira foi também examinada considerando-se os “fatores de risco” à inadimplência dos mutuários. Assim, o risco à inadimplência (atraso superior a três meses) ou ao atraso no pagamento das prestações (atraso de até três meses) foi analisado tendo-se por referência o nível médio de renda domiciliar, a estrutura de despesas, a posição socioocupacional do chefe do domicílio e sua situação de trabalho e fatores não estritamente econômicos. PROGRAMA JOVEM CIDADÃO: MEU PRIMEIRO TRABALHO De iniciativa do governo do Estado de São Paulo e coordenado pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, o Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho visa proporcionar, aos estudantes de 16 a 21 anos da rede pública estadual de ensino médio, a primeira oportunidade de experiência profissional no mercado de trabalho, preparando-os para o exercício da cidadania. O benefício oferecido consiste em aprendizado e prática profissional, de preferência em empresas do setor privado, concedendo-se aos jovens admitidos uma bolsa de, no mínimo, R$130.4 Decidida sua implantação, a execução do programa restringiu o atendimento aos alunos das escolas estaduais de ensino médio localizadas na Região Metropolitana de São Paulo, situação em que se encontra atualmente. O projeto de avaliação desse programa pretendia construir uma metodologia e produzir indicadores destinados ao aperfeiçoamento e à aferição dos resultados obtidos. Alguns aspectos distinguem o processo desenvolvido. Em primeiro lugar, a participação da Fundação Seade deu-se desde a concepção inicial do programa, com a elaboração de metodologia para a classificação dos estudantes inscritos segundo carência social, destinada à escolha dos beneficiários do programa. A contribuição localizada nessa definição pode ser interpretada já como parte do próprio processo de avaliação e vista como recurso para auxiliar a identificação de instrumentos de implementação do programa. A segunda característica refere-se à simultaneidade entre a implementação e a avaliação do programa. Esta começou ainda em 2000, poucos meses após o início do 188 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... balho, com rebatimentos diferenciados no espaço metropolitano, possa ter sobre um programa como o Jovem Cidadão, que articula a geração de benefícios sociais à oferta de vagas para estágio pelo setor privado. Em suma, analisar o programa mediante os indicadores de desempenho apontados possibilita avaliar a extensão em que os objetivos e metas são realizados em relação ao atendimento do público-alvo.8 A avaliação do programa é também realizada com base em informações colhidas com os estudantes atendidos com uma vaga de estágio. Complementar à análise de desempenho, avalia-se, da ótica dos beneficiários, se o programa cumpre os objetivos de oferecer a oportunidade de prática e aprendizado profissional e de atender aos socialmente mais carentes dentre os estudantes inscritos. Para além dessas dimensões, a investigação com os estagiários contribui também para avaliar os efeitos imediatos produzidos sobre suas condições sociais e perspectivas futuras. Essa é uma dimensão que, apesar de se referir a efeitos sociais decorrentes da ação pública executada, não deve ser confundida com a avaliação de impacto. Para atender a esses propósitos, os estagiários vêm sendo tratados segundo suas diferentes situações, que são múltiplas, de inserção no programa. Com a clareza de que todas essas situações ainda não foram investigadas, a avaliação já realizada restringiu-se aos estudantes que haviam sido bem-sucedidos de acordo com os objetivos do programa, ou seja, contemplados com uma vaga de estágio.9 Nas pesquisas realizadas adotaram-se procedimentos de investigação distintos, diante da natureza das informações que se queria levantar e do tratamento analítico a ser dado a elas. O primeiro procedimento destinou-se à análise comparada entre grupos de beneficiários distinguidos por tempo de estágio. Para cada grupo aplicou-se um questionário composto de perguntas comuns sobre características pessoais e familiares e diferenciadas por tempo de estágio quanto às características, expectativas e proveitos do estágio.10 As coletas foram realizadas em abril/2001, agosto/2001 e setembro/2002 e a análise foi desenvolvida da perspectiva da comparação dos segmentos de estudantes pesquisados. A partir da segunda coleta, a comparação foi também feita entre os grupos que passaram pelo programa nos diferentes momentos de coleta. Vale destacar os principais indicadores elaborados. No que se refere ao perfil do estagiário, consideram-se os indicadores que identificam o grupo social atendido pelo programa. Em relação ao estágio oferecido, os indicado- res são de dois tipos: os relacionados aos mecanismos operacionais do programa, como o pagamento em dia da bolsa-estágio e do vale-transporte e a duração da jornada diária de estágio; e os relacionados ao aprendizado, como treinamento recebido, atividades realizadas, nível de satisfação e relações construídas no ambiente de trabalho. A análise dos efeitos sobre as condições de vida e expectativas futuras é feita com base em indicadores que incluem as possibilidades de efetivação na empresa, melhorias para a vida escolar e relacionamento social e familiar, contribuições para escolhas profissionais e para a continuidade dos estudos. O segundo procedimento de investigação visou levantar informações com ex-estagiários. Esse segmento era formado por jovens que concluíram o estágio entre oito e 12 meses da data de realização da pesquisa e foram escolhidos dentre os que haviam respondido às pesquisas de abril e agosto de 2001. Nesse caso, a proposta foi essencialmente qualitativa, pois se pretendia explorar e aprofundar aspectos fundamentais para o aprimoramento do programa. Por se tratar de um público composto por jovens, a técnica utilizada foi a de grupos de discussão, aplicando-se “dinâmicas que estimulam e facilitam a manifestação dos participantes, como simulações e jogos, tornando a pesquisa quase lúdica. Tais dinâmicas ajudam a atenuar dificuldades como inibição, timidez, desconfiança de determinados públicos. Isso é particularmente útil no caso de jovens, segmento que geralmente se caracteriza por falas lacônicas, em código, em especial diante de adultos.” (Fundação Seade, junho 2002:2). A utilização de métodos de investigação qualitativa no projeto de avaliação do programa justifica-se por sua adequação para captar dados de percepção dos beneficiários em relação aos benefícios obtidos, ao significado da experiência realizada e ao potencial do programa como componente de uma política para jovens, contemplando a oportunidade de contato com o mercado de trabalho e a construção da cidadania. Os resultados reforçaram os alcançados pelas pesquisas quantitativas anteriores, como o tipo de atividade mais freqüente desenvolvida pelos estudantes no estágio, permitiram aprofundar outros aspectos, como o dos efeitos do programa para a vida profissional e pessoal dos jovens, e identificar novas dimensões, como a possibilidade de existir discriminação de raça/cor e de sugestões para o aprimoramento do programa, como a revisão do período de seis meses para a experiência de estágio e a interrupção do atendimento público assim que concluída esta experiência. 189 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 capacitação para compreender as implicações dos objetivos gerais do programa para a execução de suas atividades rotineiras e realização dos objetivos específicos de cada etapa de funcionamento. Quanto às condições infraestruturais para o exercício das atividades, chamaram a atenção os indicadores de adequação dos espaços físicos de trabalho, a oferta de linhas telefônicas, de computadores e de acesso à Internet. Quanto às escolas, a pesquisa permitiu apontar limites e problemas existentes, como a relação entre o número de estudantes inscritos e de vagas para estágio, descompasso que se acentua quando são considerados o perfil social da população-alvo e a localização da escola/residência do aluno no território metropolitano. A isso se somam o tipo e grau de participação ou envolvimento da escola no programa que pouco incorpora a facilidade que a escola oferece de contato diário com os estudantes. Ao lado do beneficiário final, outro ator importante, podendo-se dizer estratégico, para o programa são as empresas ofertantes de vagas para estágio. Desde a sua concepção, o mecanismo de adesão das empresas ao programa é voluntário, com a restrição relativa ao número de vagas proporcional ao número de empregados da empresa. Com esse segmento, foram utilizadas duas técnicas de pesquisa. A primeira, aplicada no início de 2001, consistiu em questionário de autopreenchimento enviado por correio a todas as empresas participantes do programa. Além do retorno não ter sido alto (cerca de 33% do universo), as informações obtidas não foram suficientemente satisfatórias para uma análise que visava identificar a compreensão das empresas sobre o programa e os estagiários em treinamento, as condições de trabalho e os progressos alcançados em seu processo de formação. A crítica à época feita concluiu que o próprio instrumento de coleta – um questionário – não era adequado para atender a tais objetivos. Uma segunda técnica de pesquisa foi introduzida, com a coleta de dados qualitativos obtidos por meio de entrevistas estruturadas realizadas com empresas escolhidas segundo critérios predefinidos de classificação. Nesse caso, alcançaram-se resultados analíticos mais satisfatórios, que permitiram reconhecer a heterogeneidade de comportamento das empresas em relação ao programa e das razões para sua adesão, bem como qualificar a inserção do estagiário quanto a treinamento, aprendizagem e atividades desenvolvidas na empresa. Por fim, a avaliação compreende também analisar o funcionamento do programa, tendo-se por “propósito identificar aspectos críticos e gargalos que se interpõem na atuação dos agentes envolvidos. É, normalmente, por meio desse tipo de análise que questões aparentemente minimizadas por exigências práticas ou mesmo encobertas por rotinas de trabalho se intensificam, adquirindo a relevância que em geral lhes cabe perante a realização dos objetivos do programa.” (Fundação Seade, novembro 2002:3). Para atender a esse propósito, foram investigados os agentes centrais no processo de implementação, quais sejam: o monitor, responsável pelo contato direto com a população-alvo do programa; e a escola, na figura do responsável pelo programa, elo na divulgação do programa e no apoio à inscrição dos alunos no programa. A pesquisa com esses agentes visou levantar informações qualitativas e se realizou por meio da aplicação de roteiros estruturados para entrevista. Em relação aos monitores, são relevantes os indicadores de tempo de permanência na função e, em especial, de TELECURSO 2000 A primeira avaliação do Telecurso 2000, como parte do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – Planfor,11 elaborado e coordenado pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, foi feita em 2000,12 objeto de contrato com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, entidade coordenadora do programa. No ano seguinte o programa foi novamente avaliado, considerando-se a execução de 2001. A oportunidade dessa experiência veio carregada de desafios, que permitiram acumular novos conhecimentos à Fundação Seade. Em breves palavras, tratava-se de um projeto de avaliação a ser executado em um prazo de apenas cinco meses, com coleta de dados em diferentes locais do território nacional e que pressupunha assimilar e aplicar a metodologia elaborada pelo MTE/SPPE, com definição das dimensões e dos procedimentos de avaliação. Para a agência coordenadora do Planfor, programas precisam ser supervisionados e avaliados, atividades a serem realizadas com entidades ou equipes diferentes, pois se distinguem em dimensões fundamentais, como objetivos e foco. De acordo com o MTE/SPPE, a supervisão tem por objetivo “monitorar ou medir a eficiência”13 de um programa e constitui “ferramenta gerencial” que visa “orientar e corrigir o processo, durante a execução do programa, e apoiar ou aprimorar sua gestão”. A avaliação, sempre externa aos agentes executores, focaliza-se na “mensuração da eficácia e da efetividade social de um 190 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... A metodologia do MTE/SPPE sugeria também que a avaliação considerasse amostras representativas do universo de atendimento do programa. A dispersão nacional das telessalas, combinada a razões operacionais de custo e tempo para execução do projeto, forçou a introdução de um segundo ajuste na metodologia proposta. Para a avaliação de 2000, adotou-se, como critério, a combinação entre concentração espacial de telessalas e representatividade dos agentes parceiros da Fiesp, responsáveis regionais pela execução do programa. Para a de 2001, o critério foi o de realizar as pesquisas em outros locais e com outras entidades, distintos dos pesquisados em 2000.16 Se, por um lado, as escolhas feitas impediram que os dados para análise fossem representativos do universo de atendimento do Telecurso 2000, por outro, permitiram a investigação aprofundada e o melhor entendimento dos processos de implementação existentes. Além disso, a escolha de bases territoriais distintas para 2000 e 2001 permitiu acumular conhecimento sobre o programa, em decorrência da maior diversidade de situações e da ampliação da oportunidade de comparação entre os processos de implementação. As dimensões consideradas para avaliação, por sua vez, demandaram esforços de investigação distintos quanto às fontes, procedimentos e instrumentos de coleta. Os dados de fonte secundária compreenderam os documentos contratuais, instrucionais e orientadores do Planfor e do Telecurso 2000, a base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE) e o Registro dos Alunos Inscritos no programa. Nos dois anos de avaliação enfrentaram-se dificuldades no manuseio dos dados cadastrais dos alunos do programa, decorrentes de problemas de preenchimento dos campos de informação sobre os inscritos, de conceituação das variáveis de caracterização dos mesmos, de atualização dos dados cadastrais e de ausência de controle da data de entrada das informações.17 A organização da coleta em fontes primárias foi precedida da identificação dos agentes de implementação do programa e de suas atribuições básicas, conformando um modelo de implantação, a priori construído, hierárquico e vertical no processo de tomada de decisões. A recuperação e confirmação desse modelo em campo considerou os agentes em todos os níveis da estrutura identificada, utilizando-se de instrumentos de coleta especificamente elaborados para atender aos propósitos de avaliar a eficácia e efetividade do Telecurso 2000. Tendo-se por referência as atribuições dos agentes de implementação, foram realizadas entrevistas estruturadas programa”,14 e constitui “subsídio para a política pública” para “orientar o aprimoramento metodológico e conceitual do Planfor e prestar contas à sociedade”. Com propósitos diferentes, a supervisão desenvolve-se somente durante a execução das ações e a avaliação externa ocorre também após o término do programa, procedendo-se ao acompanhamento dos beneficiários (MTE, 2000:10). Em face do foco proposto e dos objetivos visados, a metodologia de avaliação dos programas só poderia ser abrangente, compreendendo diferentes dimensões para se medir a eficácia e a efetividade social, assim identificadas: foco na demanda do mercado de trabalho; atendimento da população-alvo; adequação dos programas ofertados; adequação das entidades executoras; produtividade e custos; gestão da parceria (ou do PEQ); gestão do Planfor; impactos para os treinandos; e impactos como política pública.15 Essa metodologia, contudo, estruturou-se a partir dos Planos Estaduais de Qualificação – PEQs, de oferta de cursos de capacitação ou requalificação profissional de trabalhadores para que obtenham ou melhorem sua inserção no mercado de trabalho. Os cursos oferecidos restringem-se aos residentes de cada Estado brasileiro de atuação das Secretarias do Trabalho. O Telecurso 2000, por sua vez, diferencia-se dos PEQs por visar a elevação da escolaridade de jovens e adultos que não conseguiram concluir o ensino básico na idade adequada, oferecendo cursos de educação supletiva à distância. Assim, a despeito da influência que um maior nível de instrução possa ter para a inserção profissional dos indivíduos, reconhecia-se que esse não era um resultado a ser dimensionado de forma específica como o seria no caso de cursos de formação profissional. Além disso, o Telecurso 2000 compreendia a instalação de telessalas espalhadas por diferentes regiões brasileiras. Em decorrência, adaptações e ajustes precisaram ser introduzidos. Em primeiro lugar, o projeto de avaliação definiu hipóteses de investigação e, por decorrência, procedimentos metodológicos, fontes e instrumentos de coleta orientados pelo objetivo do Telecurso 2000 de elevar a escolaridade da população. As análises baseadas em dados secundários deram prioridade à segmentação da população segundo o nível educacional em relação ao acesso ao ensino supletivo e ao grau de ensino concluído. E as análises dos dados primários foram feitas após a adequação dos instrumentos de coleta para investigar as percepções e efeitos em diferentes dimensões pessoais e sociais relacionadas à elevação da escolaridade. 191 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Avaliação de utilização de medidas de eficácia relacionadas à inserção no mercado de trabalho e níveis de renda, os indicadores utilizados para avaliar a eficácia do Telecurso 2000 representaram o esforço de se adequar à avaliação aos objetivos desse programa, dando-se ênfase a indicadores relativos à elevação ou recuperação da autoestima e à formação básica e cidadã. Complementar à análise da eficácia, a avaliação incluiu a análise da eficiência do programa. Ou seja, a avaliação do Telecurso 2000 não só procurou dar conta da análise sobre o cumprimento das metas físicas e financeiras solicitadas pelo Guia de Avaliação em capítulo específico sobre otimização de custos, como compreendeu também a exploração das condições organizacionais existentes dos agentes envolvidos e dos recursos físicos como parte da avaliação. A própria opção metodológica que privilegiou a investigação segundo agentes regionais/locais possibilitou um ganho analítico adicional que confirma o pressuposto de que a implementação não constitui mera etapa que operacionaliza decisões ou definições anteriores, tomadas na fase da formulação de programas. Não obstante o modelo vertical de implantação do Telecurso 2000, os agentes e as estruturas regionais/locais de implementação influenciam os resultados do programa, em decorrência de diferenças de recursos, dos mecanismos utilizados e das formas de articulação com outros agentes e de mobilização da população. A avaliação da efetividade social do programa não foi plenamente atingida, mesmo se considerada a pesquisa com os concluintes em 2001. Ao lado de indicadores, também construídos para os alunos, relativos aos níveis de satisfação alcançados e do significado da elevação da escolaridade para sua vida pessoal, familiar e social, além da profissional, com os concluintes a ênfase recaiu sobre os indicadores de comparação entre as situações anterior e posterior à realização do curso quanto a renda, inserção profissional e alguns aspectos da vida familiar e social. Longe de se considerar tais indicadores como de impacto, porque não seria de fato possível, a comparação feita simplesmente mostrou as condições existentes em dois momentos e, somente por hipótese, estabeleceu-se alguma relação causal entre a situação então atual e as ações do programa. A análise da efetividade social de um programa com objetivos como os do Telecurso 2000 compreendeu também o significado social da promoção de ações para a elevação do nível de escolaridade da população para a expansão da cidadania e como parte constitutiva de uma com o propósito de verificar o cumprimento dos objetivos e metas do programa e de identificar o funcionamento quanto à existência de dificuldades na execução, às articulações entre agentes de níveis diferentes e às formas de relacionamento estabelecidas com a clientela potencial e efetiva. Considerados os dois anos de avaliação, a coleta qualitativa foi feita com a entidade de coordenação (Fiesp), os parceiros responsáveis, com atuação nacional (Fundação Roberto Marinho, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Confederação Nacional da Indústria e novamente a Fiesp), os parceiros organizadores, com atuação regional (Senai regionais, Instituto Superior de Administração e Economia da Amazônia e Viva Rio) e os parceiros executores, com atuação local, constituídos por associações comunitárias ou de moradores, órgãos públicos, sindicatos, cooperativas, etc. Ao lado destes, foram também entrevistados supervisores do programa e orientadores de aprendizagem. Em relação aos beneficiários, a metodologia de avaliação recomendava a investigação com treinandos e egressos dos programas. O tempo de implantação do programa como parte do Planfor exigiu novas adaptações. A primeira foi a de ajustar a denominação treinandos – mais adequada para cursos de capacitação profissional – à real clientela do Telecurso 2000, ou seja, alunos de ensino supletivo de níveis fundamental e médio. A segunda adaptação decorreu do calendário de implantação do programa e de duração dos cursos, pois o Telecurso 2000 não dispunha de beneficiários que atendessem ao requisito de 90 a 180 dias após o término do curso e pudessem, assim, ser considerados egressos. Na avaliação de 2000, toda a clientela do programa freqüentava telessala. E para a de 2001 já se contava com pequena parcela de beneficiários com término de curso, porém em prazo inferior ao requerido para serem egressos. Alterando o foco de investigação para concluintes, posto que mais adequados à real situação, foi estruturado um novo grupo de pesquisa que considerou os efeitos imediatos produzidos com o término do curso sobre as condições pessoais e sociais dos beneficiários. As informações levantadas nas diferentes fontes permitiram chegar a resultados analíticos sobre a eficácia e a efetividade social do Telecurso 2000, apresentados em relatório organizado segundo as dimensões de avaliação demandadas pela metodologia, não sem ajustes em relação às recomendações do Guia de Avaliação do Planfor. A avaliação da eficácia do programa foi atingida, validando os procedimentos adotados para a captação e análise dos dados. Diferentemente da orientação do Guia de 192 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... cional, com atividades de fortalecimento institucional das agências de um programa e de definição e montagem de sistemas de acompanhamento e de avaliação. A metodologia do marco lógico e a de avaliação do Planfor se distinguem pela forma como se relacionam ao programa que delas faz uso, com forte associação ao próprio momento de seu desenvolvimento e aplicação. Sem desconsiderar o fato de que desde sua origem haveria um componente de avaliação, a metodologia dos programas integrados ao Planfor só se definiu em momento posterior ao início da sua implantação. Se nessa forma de condução da política há um aspecto positivo de construção em processo da metodologia com a contribuição de diversos atores, não sem polêmicas, permanece também a sombra da dissociação entre a avaliação e as demais atividades dos programas. Apesar desse aspecto, tal metodologia se destaca pela clareza na distinção dos conceitos de avaliação e de monitoramento e das atividades requeridas para seu desenvolvimento, bem como na proposição de dimensões para avaliação, possibilitando resultados analíticos baseados em uma interpretação integrada do comportamento dos agentes, das atribuições das instâncias de implementação e da interação com as populações potencial e beneficiária. Em relação à metodologia do Planfor, salientamos dois diferenciais da metodologia recomendada pelo BID.19 O primeiro reside no momento em que é montada a matriz do marco lógico, simultânea à fase de definição do projeto de intervenção e anterior ao início de sua implantação. Trata-se de um esforço que pode dar maior clareza aos objetivos do programa, dos instrumentos e recursos necessários e de antecipação, pelo menos teórica, dos riscos e oportunidades para atingir os resultados esperados. O segundo diferencial dessa metodologia é o esforço de fazer da avaliação parte, de fato constitutiva, do processo das políticas públicas. Ao introduzir, desde a montagem da matriz, requerimentos para o diagnóstico das condições existentes e a definição de critérios para intervenção, o modelo metodológico recomendado propõe as bases que integram a avaliação às demais ações de um programa. Uma integração que se constrói em duas direções. A primeira baseia-se na hipótese de que diagnosticar a realidade sobre a qual se pretende intervir já é parte da avaliação. E a segunda funda-se no suposto de que esse diagnóstico prévio é a condição para o acompanhamento das mudanças nas condições sociais gerais e dos beneficiários de um programa após iniciada sua execução e ao seu término. No atendimento desses requisitos é que se política pública de emprego e renda. Conforme as conclusões apresentadas, “a execução do Telecurso 2000 converge na direção dos objetivos do Planfor, expressando, de fato, avanço conceitual, ao integrar ações que visam elevar a escolaridade em uma política nacional de geração de emprego e renda”. Um avanço identificado em três dimensões: “ao promover um bem público de caráter universal às populações que não tiveram oportunidade social de concluir a educação básica na idade adequada; ao propiciar a elevação do estoque de capital humano e, por conseguinte, aumento da produtividade da mão-de-obra e, portanto, aumento da competitividade da economia brasileira; e ao ampliar o escopo do sistema público de emprego para além de atividades de capacitação profissional e intermediação de mão-de-obra.” (Fundação Seade/ Fiesp, 2001:108). ATUAÇÃO EM CORTIÇOS E FÁBRICAS DE CULTURA Os programas Atuação em Cortiços e Fábricas de Cultura, promovidos pela CDHU e Secretaria Estadual de Cultura, respectivamente, são reunidos em um mesmo item devido a seguirem a mesma metodologia de elaboração e execução de projetos recomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, parceiro no financiamento. Para a Fundação Seade, essas experiências se diferenciam das anteriores em alguns aspectos que serão enfatizados. Dispor dos recursos financeiros do BID é também estruturar projetos seguindo parâmetros razoavelmente rígidos, definidos em metodologia complexa e ampla, denominada metodologia do marco lógico.18 Em linhas gerais, a estruturação dessa metodologia parte da concepção de políticas públicas como processo e estabelece os recursos metodológicos que articulam a política pública, seus programas e projetos, e inter-relacionam o que seriam as etapas de um mesmo programa, desde o diagnóstico da população-alvo até a definição de critérios para intervenção. Segundo seus pressupostos, a avaliação é constitutiva e integrada ao próprio processo da política pública, programa e projeto. Para tanto, a ferramenta de base estrutura-se em forma de matriz – a matriz do marco lógico – de organização, de um lado, dos objetivos, indicadores, meios de aferição e fatores externos a influenciar os resultados do programa e, de outro, da especificação dos objetivos geral e específicos, componentes e atividades. Dentre os componentes, inclui-se, em geral, o desenvolvimento institu- 193 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 identifica a contribuição feita até o momento pela Fundação Seade para os programas Atuação em Cortiços e Fábricas de Cultura. A parceria com a CDHU inicia-se com a colaboração técnica na montagem da matriz do marco lógico do programa, feita por técnicos da própria Companhia e do BID. Na continuidade do processo, a participação da Fundação Seade foi sistemática, com a realização de levantamentos, pesquisas e estudos de diagnóstico de cortiços. Em Santos, as atividades restringiram-se à coleta e análise socioeconômica dos cortiços identificados pela CDHU com base em mapeamento de uso do solo urbano já disponível. Em São Paulo, as atividades foram diversificadas e de maior extensão, compreendendo também a coleta e análise socioeconômica da população encortiçada, precedida por levantamento cadastral de uso do solo para identificação dos imóveis encortiçados. Essas atividades somente se realizaram após a definição dos parâmetros de estruturação da proposta de intervenção relativos às alternativas de solução, aos mecanismos de acesso da população e à escolha das cidades com a delimitação dos setores de intervenção. As técnicas utilizadas para o levantamento cadastral e pesquisa socioeconômica seguem as usuais, à exceção dos procedimentos adotados para a identificação dos imóveis classificados como cortiços.20 A relevância da experiência, porém, residiu sobretudo nos esforços para integrar as atividades desenvolvidas e os produtos elaborados às necessidades do programa, a fim de subsidiar as etapas subseqüentes de elaboração dos projetos para intervenção em um único setor, em Santos, e em nove setores delimitados em São Paulo. Os dados cadastrais e socioeconômicos receberam tratamento georreferenciado, em formato Maptitude, contendo a identificação, lote a lote, do uso urbano. Nos lotes classificados como cortiços foram adicionados dados de caracterização física dos imóveis e socioeconômicos da população residente, além de fotos. Os dados socioeconômicos foram também analiticamente tratados com base em indicadores construídos para expressar o perfil sociodemográfico e educacional, as condições de renda e de inserção no mercado de trabalho, estrutura de despesas e comprometimento da renda, condições de moradia e avaliação da moradia atual. Dos resultados encontrados surpreendeu a elevada presença de famílias unipessoais, tendo sido objeto de análise mais aprofundada.21 A participação da Fundação Seade no programa Fábricas de Cultura, de implantação ainda não iniciada, foi posterior à definição de seu objetivo de “buscar a inserção social, familiar e cidadã de crianças e jovens socialmente vulneráveis mediante a promoção de atividades culturais”, mas simultânea às definições dos instrumentos de intervenção e escolha das áreas de atuação. Consoante a uma estratégia de intervenção localmente focalizada, mediante parcerias com entidades sociais existentes, reforma de instalações e construção de “fábricas de cultura” em distritos do município de São Paulo com concentração de população infantil e jovem e elevados índices de violência, o ingresso da Fundação Seade no projeto foi fundamental, pois atendeu aos requerimentos técnicos para a escolha das áreas para implantação do programa. Assim, com base em metodologia especialmente criada, a Fundação Seade elaborou o que se denominou índice de vulnerabilidade juvenil (IVJ), construído a partir das variáveis: taxa anual de crescimento populacional entre 1991 e 2000; percentual de jovens, de 15 a 19 anos, no total da população dos distritos; taxa de mortalidade por homicídio da população masculina de 15 a 19 anos; percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 anos, no total de nascidos vivos; valor do rendimento nominal médio mensal, das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes; e percentual de jovens de 15 a 17 anos que não freqüentam escola. Como resultado, foram classificados todos os distritos da capital segundo uma escala de 0 a 100 pontos, em que o 100 representa o distrito de maior vulnerabilidade, agrupados em cinco categorias. Do grupo cinco, com 19 distritos de maior vulnerabilidade juvenil, foram escolhidos os nove distritos para intervenção. 22 Da mesma forma que as análises sobre os cortiços, a criação desse índice, integrando-o às necessidades do programa das Fábricas de Cultura, introduz a avaliação ao processo desses programas como atividade que também analisa e identifica as condições sociais existentes da população a ser objeto de intervenção pública. Seja com a coleta de dados para aprofundar e sistematizar o conhecimento da população, seja valendo-se do tratamento analítico e estatístico de dados, essas experiências são exemplos que podem contribuir para rever procedimentos, com a incorporação do uso adequado de dados e informações para fundamentar as decisões tomadas na definição de propostas de intervenção pública. A continuidade das atividades previstas para a Fundação Seade atende às demandas do programa Fábricas de Cultura de estruturação de sistemas de acompanhamento e avaliação. Ao lado da própria criação desses sistemas, 194 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... cutadas, metas físicas, metas financeiras, resultados apresentados, etc.), não pode ser confundido com produzir informações. Estas requerem procedimentos de coleta, como a definição conceitual das variáveis, regras de consistência, com padronização e sistematização dos dados. Além disso, recuperar informações exige procedimentos ágeis para que se possa acompanhar a execução de programas e identificar os problemas em seu processo de implementação. Portanto, dispor de indicadores de acompanhamento e, se possível, organizados em sistemas estruturados por variáveis estratégicas à avaliação de processo, é dispor de instrumental que permita introduzir ajustes para adequar metas originalmente propostas, rever procedimentos de execução, mobilizar novos recursos ou redirecionar recursos alocados, dentre outros mecanismos que venham a contribuir para ampliar a eficácia e a eficiência de políticas ou programas públicos. A metodologia de acompanhamento e avaliação proposta pelo BID e o registro informatizado de inscritos e empresas do Jovem Cidadão são subsídios à revisão de conceitos e de procedimentos que podem conduzir à transformação de dados em informações. E se, além disso, o propósito for o de tornar a avaliação atividade constitutiva do processo das políticas públicas, é preciso avançar nas discussões para a estruturação de sistemas de informações para o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas.24 O segundo ponto é menos um questionamento e mais um reforço do fato de que a atividade de avaliação se realiza pela utilização de diferentes métodos da pesquisa social. De acordo com Figueiredo e Figueiredo (1986:109), os estudos de avaliação podem incluir “a pesquisa de populações por amostragem, a análise de dados agregados (também chamada de contabilidade social), a análise de conteúdo e a observação participante.” Na avaliação de um programa ou política específica, contudo, não são todos os métodos de pesquisa social que devem ser utilizados; ao contrário, a sua escolha é feita por adequação aos objetivos da política ou programa em análise, aos objetivos da avaliação e, algumas vezes, à especificidade do público beneficiário. Diante dos propósitos da avaliação e do programa, os estudos do Programa Jovem Cidadão incluem a análise dos dados do programa, a pesquisa censitária de grupos de estagiários, entrevistas estruturadas e grupos de discussão, por se considerar a necessidade de informações qualitativas aprofundadas e pelo fato de o público jovem ser mais refratário a entrevistas individuais. E a avaliação do Telecurso 2000 incluiu a percepção do segundo uma concepção que incorpora variáveis de gestão física e financeira do programa, essas atividades incluem a elaboração de instrumentos de cadastro dos agentes do programa – beneficiários, entidades sociais e educadores de arte – e a realização de coleta domiciliar e análise de dados socioeconômicos das nove áreas previstas para intervenção, acrescidas de uma décima, definida para acompanhamento e controle das mudanças sociais provocadas pela ação pública.23 Como resultado, essas atividades possibilitarão construir, na linguagem do BID, a “linha de base” do programa, seja com o diagnóstico social prévio dos distritos, seja com o cadastramento dos agentes à medida que ingressam no programa, condição técnica necessária para o acompanhamento e avaliação na fase intermediária de execução, final e após 12 meses de término do programa, previsto para quatro anos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As avaliações das ações públicas de provisão habitacional, intervenção em cortiços, oferta de educação supletiva a distância, estágio para estudantes de ensino médio e atividades culturais para populações socialmente vulneráveis, mostram singularidades e regularidades que se somam às reflexões sobre metodologias de avaliação, em particular no campo das políticas sociais e sobre o lugar da avaliação no processo das políticas públicas. No lugar da síntese dessas experiências, dois ou três pontos devem ser colocados a título de conclusão. O primeiro parte da constatação de fragilidade dos critérios utilizados no registro e armazenamento dos dados dos programas públicos, dificultando e, por vezes impossibilitando seu acompanhamento e avaliação. Quadro semelhante ao que enfrentamos na utilização dos dados cadastrais no estudo de pós-ocupação habitacional e na avaliação do Telecurso 2000, os analistas de políticas públicas sistematicamente também se deparam, dificultando a avaliação de processo, além de, muitas vezes, comprometer o acompanhamento gerencial dos programas. Provocar a discussão para promover mudanças desse quadro pressupõe dois referenciais: de ordem conceitual, relativo ao entendimento do significado da “informação” no processo das políticas públicas; e ordem operacional, referente aos instrumentos que organizam os dados para que possam ser recuperados segundo unidades de análise padronizadas e com recortes temporais adequados. Assim, coletar dados, que se materializam na forma de cadastros ou registros de naturezas distintas (inscrições, ações exe- 195 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 9. No momento de elaboração deste artigo, nova pesquisa estava em andamento, considerando-se os estudantes inscritos no programa no mesmo período e encaminhados para uma vaga de estágio, distinguidos em alunos admitidos em estágio e que não foram aceitos para estágio. pesquisador dos ambientes regionais diferenciados decorrentes do modelo de sua implantação. Por fim, a última questão reconhece que a posição ocupada pela avaliação situa-se na fronteira entre a produção de conhecimentos e a sua aplicação prática para o aperfeiçoamento do sistema das políticas públicas, notadamente no campo das sociais.25 Os estudos realizados permitem identificar distinções, por vezes conflituosas, de conceitos fundamentais à atividade de avaliação, com repercussões operacionais, e sugerem o aprofundamento das noções de eficiência, eficácia e efetividade na avaliação de políticas públicas e, de forma correlata, de resultados, efeitos, mudanças e impactos. Em um outro plano, essa questão também diz respeito às prioridades das modalidades de avaliação a serem desenvolvidas no interesse das próprias prioridades da ação pública. Para tanto, é oportuno o questionamento de Vilmar Faria (2002:76) ao colocar que “mais importante talvez do que a avaliação de impacto seja a avaliação de processo de uma política à medida que ela vai sendo desenvolvida”. 10. O procedimento de coleta é o autopreenchimento, para o que tem sido fundamental a parceria com a Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo, da Secretaria Estadual da Educação, que se responsabiliza pela distribuição e pelo retorno dos questionários. 11. O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador foi, em sua origem em 1995, estruturado para ser implementado por meio de Planos Estaduais de Qualificação (PEQs), executados pelas Secretarias Estaduais do Trabalho e parcerias regionais ou nacionais firmadas para projetos ou estudos específicos. À medida que era implantado, outras parcerias foram sendo estabelecidas com heterogeneidade de ações, como a firmada com a Fiesp para oferecer ensino supletivo de níveis fundamental e médio para jovens e adultos. 12. O processo de avaliação estruturado pelo MTE/SPPE compreendeu, até 1999, somente os Planos Estaduais de Qualificação. A partir de 2000, os programas das parcerias foram incorporados a esse processo. 13. Eficiência é “entendida como grau de aproximação entre o previsto e o realizado, em matéria de treinandos, carga horária, abrangência espacial e setorial, aplicação de recursos, etc.” (MTE, 2000:8). 14. Eficácia “se expressa pelo benefício das ações de educação profissional para os treinandos, traduzido em obtenção ou manutenção de trabalho, geração ou elevação de renda, ganhos de produtividade e qualidade, integração ou reintegração social”. E efetividade social diz respeito aos “impactos do Planfor como política pública, do ponto de vista mais amplo das populações, comunidades ou setores focalizados” (MTE, 2000:8). NOTAS 15. Para a avaliação de 2001, o Guia de Avaliação do Planfor redefiniu algumas dimensões de avaliação sem, contudo, os seus objetivos e parâmetros básicos. Este artigo é o resultado do trabalho coletivo de pesquisadores, analistas e funcionários da Fundação Seade e, em especial, dos técnicos da Divisão de Estudos Especiais. Agradecemos em particular a Lilia Belluzzo e Stella Christina Schrijnemaekers que leram versões preliminares. 16. Em 2000, a pesquisa foi feita nos municípios da região metropolitana, exceto a capital, e do interior do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, e nas cidades de Manaus/AM e Campina Grande/RN e, em 2001, nas cidades de São Paulo e Sorocaba e em cidades das Regiões Norte e Nordeste. 1. Essas interpretações foram, em especial, desenvolvidas pelas Ciências da Administração que, nas primeiras fases da produção das políticas públicas, assumiram posição de preponderância por sua natureza agregadora dos vários conhecimentos necessários à consecução de atividades burocrático-organizacionais. Ver Carvalho e Costa (1986). 17. O esforço do MTE/SPPE de montagem do Sistema de Informações Gerenciais sobre Ações de Emprego (Sigae), apesar de bastante abrangente em relação aos programas executados, não incluía o Telecurso 2000 no período em que foi feita a avaliação. 2. Ao seu lado, o governo do Estado de São Paulo promove iniciativas de outra natureza, como a urbanização de favelas, recuperação de áreas de mananciais e, no período mais recente, de recuperação de cortiços em grandes centros urbanos. Contudo, a escala dessas intervenções está muito distante da oferta de novas unidades habitacionais que continua sendo predominante. 18. Ver Banco Interamericano de Desarrollo, 1997. 19. Não é nosso propósito discutir a metodologia do marco lógico, que contém outras vantagens e mesmo desvantagens, e nos ativemos exclusivamente à identificação de alguns aspectos e à forma como se tem dado a participação da Fundação Seade. 3. O atendimento do critério data de entrega ficou parcialmente prejudicado em face de o predomínio da produção de moradias no município de São Paulo ter ocorrido somente em período mais recente. 20. Ver Fundação Seade/CDHU, maio de 2003. 21. Com base na metodologia do marco lógico, a Fundação Seade desenvolveu também projeto que detalha a metodologia de avaliação para o Projeto Setorial Pari, no município de São Paulo, correspondente à primeira fase de implantação do programa. 4. Ver Decreto estadual n 44.860, 27 abr. 2000. o 5. Cabe observar que, em seu desenho original, a proposta de avaliação elaborada incluía também o esforço de investigação dos impactos diretos e indiretos sobre a população beneficiária. Como se verá, a avaliação restringiu-se aos efeitos produzidos sobre os beneficiários do programa. 22. A metodologia para a criação do IVJ e os resultados obtidos estão disponíveis na página da Fundação Seade na Internet <www.seade.gov.br>. 6. O gerenciamento do programa é feito pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo – Prodesp e os dados são organizados em duas bases: de alunos inscritos e de vagas ofertadas. 7. Ver <www:seade.gov.br>. 23. Essa pesquisa vale-se da experiência acumulada pela Fundação Seade com a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), realizada desde 1990, orientada para a investigação das condições de pobreza da população urbana. 8. Ao longo desse período, vários aperfeiçoamentos foram introduzidos nos boletins como resultado do diálogo com os gestores do programa e de ajustes na base gerencial dos dados de inscritos e empresas. 24. Complementar, com perspectivas de integração, à montagem desses sistemas somam-se os cadastros únicos de beneficiários potenciais implantado pelo governo federal em 2001, articulado aos programas 196 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E... sociais de transferência de renda e em elaboração pelo governo do Estado de São Paulo, com o Cadastro Pró-social. ________ . Avaliação Externa do Programa Telecurso 2000. Relatório Final. Contrato Seade/Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, jan. 2001. 25. Ou, como propôs Vilmar Faria (2002), de reestruturação do sistema das políticas sociais às condições socioestruturais do período mais recente. FUNDAÇÃO SEADE/SERT. Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório de análise II: Pesquisa qualitativa com escolas que aderiram ao PJC. Contrato Seade/Sert, dez. 2002a. ________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório IV: Pesquisa quantitativa com estagiários de setembro de 2002. Contrato Seade/Sert, dez. 2002b. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANCO Interamericano de Desarrollo. Una herramienta de gestion para mejorar el desempeño de los projectos. S.l. 1997. ________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório de análise III: Pesquisa qualitativa com monitores do PJC. Contrato Seade/Sert, nov. 2002. CARVALHO, S.N. de; COSTA, V. da. Problemas da análise de políticas públicas: formulação, implementação e avaliação. Trabalho apresentado na X REUNIÃO ANUAL DA ANPOCS. Campos do Jordão/SP, 1986. ________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório V: Pesquisa quantitativa com estagiários de abril e agosto de 2001. Contrato Seade/Sert, set. 2002. SÃO PAULO (Estado). Decreto no 44.860, de 27 de abril de 2000. Instituição do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. ________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório VII: Pesquisa qualitativa com ex-estagiários. Contrato Seade/Sert, jun. 2002. FARIA, V. Políticas públicas e governabilidade: desafios teóricos e práticos. In: FAUSTO, A. (Org.). Desenvolvimento e integração na América Latina e no Caribe: a contribuição das Ciências Sociais. Brasília: IPRI/Funag/Flacso/Ministério da Cultura, 2002. p.65-81. ________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho. Relatório II: Perfil e avaliação das empresas. Contrato Seade/Sert, mar. 2001. FIGUEIREDO, M.F.; FIGUEIREDO, A.C. Avaliação política e avaliação de políticas: um quadro de referência teórica. Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v.1, n.3, p.107-127, set./dez. 1986. FUNDAÇÃO SEADE/CDHU. Programa de Atuação em Cortiços: Levantamento cadastral e pesquisa socioeconômica. Município de São Paulo, maio 2003. INSTITUTO POLIS/OIT. Organização Internacional do Trabalho. Construção de indicadores de avaliação de programas sociais: sistematização a partir dos programas sociais desenvolvidos pelas prefeituras de Santo André e São Paulo e pelo Governo do Estado de São Paulo. Relatório final. jun. 2003. ________ . Definição de metodologia de acompanhamento e avaliação do Programa de Atuação em Cortiços – PAC, mar. 2002. LAMOUNIER, B. Análise de políticas públicas: quadro teórico-metodológico de referência. s.d. Mimeografado. ________ . Análise da regularidade de ocupação das unidades habitacionais comercializadas na Capital e Grande São Paulo. Relatório final. Contrato Seade/CDHU, fev. 2000. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador: guia de avaliação. Brasília, 2000. (Série Referenciais de Planejamento). ________ . Análise da regularidade de ocupação das unidades habitacionais comercializadas na Capital e Grande São Paulo. Relatório de andamento. Contrato Seade/CDHU, dez. 1999. SONIA NAHAS DE CARVALHO: Socióloga, Chefe da Divisão de Estudos Especiais da Fundação Seade ([email protected]). FUNDAÇÃO SEADE/FIESP. Avaliação Externa do Programa Telecurso 2000. Relatório Final. Contrato Seade/Fiesp, jan. 2002. 197 SÃO 198-204, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL capacidade de conduzir ações MARIA JOSEFA DEL CARMEN MARTINEZ SOTO Resumo: O texto aborda a demanda cotidiana por planejamento no ambiente de trabalho, a necessidade de desenvolver diretrizes de desenvolvimento institucional e a eficiência na produção e gestão. Associam-se, ao desempenho da atividade de planejar, a capacidade de coordenação, a persistência e a motivação. Palavras-chave: desenvolvimento institucional; coordenação; gestão. Abstract: This text addresses the daily need for planning in the workplace, developing institutional guidelines and obtaining efficiency in production and management. Associated with the activity of planning is the capacity to coordinate, and the qualities of persistence and motivation. Key words: institutional development; coordination; management. tuições, a ação cotidiana pode não refletir as expectativas de evolução; em organizações maduras, idéias de desenvolvimento estão refletidas em suas ações. A existência de um corpo visível de políticas e de um plano viável de médio prazo, resultado de muitas interações e avaliações, pode ser o instrumento capaz de efetivamente promover esta identidade. É necessário precisar os objetivos, perguntar pelo seu significado dentro da instituição, como é entendido, como é gerado, em que tempo é possível obter resultados, qual o impacto esperado e custo de adiar, quais as dificuldades esperadas e a experiência exigida. Este trabalho de explicitar e explicar os problemas reorganiza o entendimento das questões, integra os diversos pontos de vista, traduz as tendências em planos de ação concretos e potencializa a experiência prática e as oportunidades de melhoria. Em suma, a consciência tem de estar presente para que os sentimentos influenciem o indivíduo que os tem, além do aqui e agora imediato Damásio (2000) Os planejadores têm que sair para o mundo. Uma vez lá fora, eles precisam olhar para a sua empresa e se perguntar: que relevância essas forças externas que vemos podem ter para o mundo mais limitado de nossa própria empresa? Geus (1998) A necessidade de planejar – mesmo vagamente declarada como “precisamos nos organizar para” – pressupõe objetivos e demanda por coordenação. Uma instituição se transforma em uma organização na medida em que é capaz de perceber e organizar a experiência e as expectativas sobre o futuro, integrando cotidianamente o conhecimento, o conteúdo da comunicação, selecionando questões e inserindo ações em torno de objetivos precisos que orientem as competências, os processos de produção, as relações e as parcerias. A falta de clareza alimenta uma cultura desordenada de enunciados sobre demandas e insatisfações à espera de atenção. Nas insti- PLANO DE TRABALHO E CONSCIÊNCIA ORGANIZACIONAL O grau de atenção à percepção e organização de novas idéias, à qualidade dos resultados e aos fatos do ambiente 198 PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES interno e externo, que desafiam a forma como estamos atuando e exigem adaptações e ajuste de diretivas, revela a disposição em planejar e ser propositivo na experiência. É objetivo do planejamento conhecer o grau de complexidade das situações, identificando, por vezes, o “estresse” que o adiamento dos problemas já causou, configurar uma organização de equipes capazes de reconhecer os desafios e torná-los seus, desenvolver espaços de aprendizado e propostas adequadas e estabelecer realizações no tempo e representá-las em um projeto para a organização. O plano de trabalho pode ser entendido como a “consciência organizacional atualizada e disseminada” sobre importâncias, objetivos, metas, recursos, resultados e prazos que orientam a gestão e norteiam a composição e a harmonização da agenda interna e externa. A construção desta consciência resulta do esforço contínuo em relacionar a multiplicidade de problemas singulares que se apresentam, eleger prioridades, comunicar e explicar as necessidades e tendências do ambiente de produção e da demanda, atribuir responsabilidades e negociar compromissos dentro de uma visão de desenvolvimento. Este ideal do planejamento, muitas vezes, é alcançado no âmbito de algumas funções da gestão ou da produção e decorre da atenção que gerentes e funcionários atribuem à captação, integração e avaliação da experiência local, desenvolvendo ilhas de excelência. São sucessos pontuais, dependentes de empenhos personalizados e de lutas diárias no sentido de comprometer os recursos institucionais com produtos e prazos. A qualidade do planejamento, entretanto, não se desenvolve da soma de planos pontuais e isolados bem-sucedidos, mas se evidencia no grau de responsabilidade e coordenação constante com que a organização seleciona, atribui e monitora um conjunto integrado de realizações. A determinação de objetivos estratégicos, operacionais e de coordenação é essencial, porém, insuficiente, sendo necessário ainda, o interesse dos funcionários e da direção, a motivação em persistir e ter presente um saudável sentido de urgência. A motivação para o planejamento tem origem no real reconhecimento das situações insatisfatórias que envolvem insegurança e incerteza e para as quais é necessário somar esforços e coordenar impaciências, em face do impacto no futuro da instituição. A motivação também pode vir da convicção de que é possível encontrar, pela reflexão e pela arte de atuar em conjunto, uma visão satisfatória e responsável, passível de ser traduzida em ações. O sistema de planejamento em uma organização pode ser avaliado pelo nível de coordenação e foco das agendas – estratégica, gerencial e operacional –, pela agilidade e acuidade com que se antecipam desafios e inovações necessárias, pela capacidade de dimensionar, captar e garantir os recursos exigidos e pela capacidade de envolvimento e comprometimento responsável e integrado das competências diretivas e técnicas das principais funções, que em instituições produtoras de informação técnica e estatística podem ser resumidas como: identificação de necessidades de informação; proposição de novos projetos e produtos; desenvolvimento de metodologia de pesquisa; captação e organização de dados e informações; análise; disseminação; comunicação interna e externa; adequação e inserção de tecnologia na otimização de processos; e desenvolvimento das competências institucionais e individuais. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTO EM INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DE INFORMAÇÃO O primeiro resultado da atividade de planejamento é selecionar objetivos e avaliar sua pertinência. Para isso, é necessário iniciar pelo estabelecimento de diretrizes para o desenvolvimento institucional, para a qualidade da coordenação e para a efetividade do sistema de informações em suas funções básicas: produção e disseminação da informação; e capacitação da produção. A demanda de produção tem origem em solicitações de informações por parte da comunidade social e do governo. Para a comunidade, é necessário que o sistema de produção seja pró-ativo e estabeleça uma agenda que acompanhe a demanda por explicação das principais questões e assegure o seu cumprimento. Com o governo é preciso negociar políticas, conhecer os planos e desenvolvimentos esperados que precisam de apoio de informações. A atualidade do papel das instituições na geração, integração e disseminação de informações é referência para determinar diretrizes, em cada estágio da sua maturidade institucional. A atualidade se evidencia na relevância da informação produzida, na integração do sistema de informações, no conhecimento antecipado das necessidades do governo e usuários – resultantes de preocupações sociais, econômicas ou governamentais –, nos esforços de integração e coordenação com outras fontes produtoras de informação, na disponibilidade da informação para aqueles que têm sob sua responsabilidade a tomada de decisões, nas inovações metodológicas de investigação estatística 199 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 e no uso adequado de padrões e instrumentos de trabalho. Esta avaliação tem como objetivo a indicação das fragilidades acumuladas, dos aspectos restritivos e críticos e das competências e oportunidades, subsidiando a formulação das diretrizes para o desenvolvimento e a maturidade institucional aqui entendida como: capacidade de investimento em produtos e pesquisas; desempenho da produção junto aos usuários; aproveitamento da experiência institucional; e capacidade de articular parcerias com usuários e fornecedores de informação. A aplicabilidade, o uso e o custo da informação produzida e a natureza e a freqüência com que as necessidades dos usuários são atendidas definem a efetividade da produção de informações. Demandas mal enunciadas, falta de diretórios de bases de dados e documentação da informação disponível, resultados da comparação entre cronogramas e custos reais e previstos e inadequações funcionais ou estruturais têm impacto no custo da informação produzida. A falta de conhecimento sobre o programa de disseminação das informações, a indisponibilidade das bases de micro, macro e meta-dados, o acesso à informação e a falta de clareza nas diretrizes para a função de disseminação se refletem no uso da informação. Escassez de formulações de uso das informações para atender à lógica de decisão das políticas públicas, desequilíbrio na priorização e na atribuição de recursos aos projetos, falta de decisões sobre medidas e objetivos de integração e coordenação entre as informações produzidas e reações dos usuários à resposta de suas necessidades são alguns fatores que têm impacto na aplicabilidade da informação. É impossível enfrentar todos os desafios de uma só vez. Planejar é, antes de tudo, saber fazer escolhas viáveis. Objetivos estratégicos bem definidos orientam a escolha das metas operacionais. Se os objetivos estratégicos são expressos por um conjunto de indicadores, os problemas da produção provavelmente estarão entre as causas críticas que conformam os indicadores insatisfatórios. Estas causas críticas, analisadas e detalhadas sobre o aspecto da experiência, dos recursos exigidos e da viabilidade, organizados e orçados por projetos, fundamentam o plano de trabalho. Na demanda por coordenação, têmse os objetivos da gestão: capacidade de prover e articular recursos de informação e conhecimento, recursos organizativos, políticos e financeiros em função do tempo, prioridades estratégicas e operacionais concretamente estabelecidas no plano de trabalho, detalhado em projetos. O plano de trabalho em forma de projetos exige capacitação, metodologia e sistemas de gestão. Estabelecida a estratégia de desenvolvimento para as competências organizacionais, é necessário completá-las estabelecendo objetivos para as competências individuais e das equipes: desenvolvimento, remuneração, avaliação, processo de ascensão, dimensionamento e adequação do quadro de pessoal. Estas condições são difíceis de se garantir em se tratando de instituições públicas. Entretanto, tais restrições não devem inibir a criação de um processo responsável de avaliação de possibilidades e formas de resposta, que devem ser contempladas no plano. EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO SEADE No período de 1991 a 1994, a Fundação Seade desenvolveu ações de planejamento, partindo do problema “O usuário é pouco valorizado”. A explicação deste problema, usando a metodologia PES – Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvida por Carlos Matus,1 revelou seis fatores críticos, entendidos como causa da situação “O usuário é pouco valorizado”. Estes novos problemas foram enunciados como: - conhecimento pouco preciso do mercado que se quer atingir; - inadequação dos mecanismos de disseminação das informações; - inadequação dos métodos de tratamento de informações; - não existe “data-fatal”; - informação não é considerada produto; - não são claras as prioridades. Este trabalho harmonizou de tal forma o entendimento sobre a necessidade de atuar dentro desses objetivos que suscitou novo impulso na comunidade Seade, uma nova etapa do seu desenvolvimento. Esta experiência positiva motivou a Fundação Seade a contratar o Prof. Carlos Matus para ministrar um curso de PES, de 9 a 20 de maio de 1994. Um corte no orçamento, em 1995, resultou numa quebra deste processo e conseqüente desmonte da equipe. Como legado, permaneceu uma cultura de pensar por problemas, de estar atento a todos os pontos de vista dos envolvidos, de analisar a governabilidade das situações, de levantar o conhecimento sobre as questões de forma participativa, subsidiando os responsáveis pelas decisões. Em 2001, a Fundação Seade coordenou e desenvolveu o plano de trabalho “Ações para o Desenvolvimento Institucional”. Este projeto elegeu como diretriz duas qualidades essenciais às instituições públicas que produzem informação socioeconômica: credibilidade social – garantir 200 PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES a relevância, a fidedignidade, a qualidade e a disponibilização atualizada das informações necessárias à caracterização da dinâmica socioeconômica de um Estado com a complexidade de São Paulo –; e aplicabilidade e uso das informações produzidas – desempenho da produção Seade junto aos governo, parceiros institucionais, órgãos similares de pesquisa e atores sociais envolvidos com o uso de informações. O processo de trabalho se desenvolveu numa agenda de conversações orientada por um roteiro que fundamentou a dinâmica das reuniões e garantiu a identificação, o aprofundamento e a seleção das questões relevantes que se constituíram referência para analisar alguns aspectos do desenvolvimento da Fundação Seade. “Prioridades e preocupações” foram inicialmente identificadas e organizadas segundo temas: missão, indicadores de avaliação externa, modelo organizacional, receita própria, infraestrutura, indicadores de avaliação interna, desenvolvimento do corpo técnico e administrativo, convivência, seminários e eventos culturais. A cada âmbito de problemas foi aplicado um protocolo de questões em que se procurou identificar o nível – alto, médio e baixo – das dificuldades e da experiência da Fundação Seade. A necessidade de amadurecer um modelo de organização que pudesse compatibilizar a missão Seade e o atendimento de projetos sob demanda, desenvolver visões integradas entre os diversos grupos temáticos, divulgar a Fundação Seade e desenvolver plano de carreira foram questões classificadas como: dificuldade alta e experiência baixa. Por outro lado, verificou-se que as questões pré-produzir e disponibilizar resposta às demandas já conhecidas e aperfeiçoar o diálogo entre as decisões da direção e do corpo técnico, apesar de serem classificadas como baixa dificuldade e alta experiência, continuavam sendo problemas não resolvidos. À criação de condições para estudo, intercâmbio de conhecimento e atualidade foi atribuída dificuldade baixa e experiência baixa. A aplicação deste protocolo para conhecer a relação cognitiva do grupo diretivo com os problemas foi de grande valia para ajustar a consciência real sobre os desafios. As classificações nem sempre se revelaram válidas no momento de atuar, mas foram oportunas para construir uma nova compreensão sobre as dificuldades. Os atores, que de alguma forma tinham governabilidade sobre as ações projetadas, também foram identificados: atores internos (diretores, governo, conselho curador, gerentes, técnicos, funcionários) e atores externos (usuários, fornecedores de informação – prefeituras, empresas, secretarias, ministérios, cartórios, fontes de informação –, instituições similares no país e no exterior e agências de fomento). Numa segunda etapa, as importâncias da direção foram apresentadas ao Fórum de Gerentes, que pôde, então, conhecer e contribuir com as ações propostas. A colaboração dos gerentes e assessorias reafirmou a necessidade de pensar o Seade futuro, fazer um esforço de antever a instituição nos próximos dois e quatro anos, avaliar os eixos estruturantes do conhecimento e das competências, desenvolver um novo papel dentro do governo, universidades e institutos de pesquisa. O Plano Ações para o Desenvolvimento Institucional priorizou a gestão de projetos, o aperfeiçoamento do modelo de organização e a adequação da infra-estrutura: - Ação 1 – Desenvolver a gestão por projetos; - Ação 2 – Adequar a infra-estrutura: 2.1 – pessoas (ações de atualização em pesquisa social, políticas públicas, economia regional e construção de indicadores, capacitação avançada em análise multivariada e amostragem e capacitação básica em estatística para técnicos envolvidos com pesquisa e não estatísticos); 2.2 – ambiência (disponibilizar um espaço de convivência e adequação do mobiliário); 2.3 – processamento (treinamento básico e avançado e programa de desenvolvimento de informática: organização e tratamento de bases de dados, Internet, tecnologia, sistemas, hardware e software, comitê consultivo de Internet, de tecnologia da informação, de avaliação de softwares estatísticos e organização de bases de dados); - Ação 3 – Aperfeiçoar um modelo de organização com o objetivo de melhorar a sinergia entre a missão Seade e o atendimento de projetos demandados; - Ação 4 – Atuar na gestão de pessoal (concurso público, programa de estágio, programas de incentivo a demandas por capacitação técnica e gerencial); - Ação 5 – Desenvolver a comunicação interna e externa (seminários, pesquisa interna de opinião, matérias na mídia e Internet, sala de imprensa na Internet, agenda de eventos comemorativos, palestras para públicos externos sobre a produção de informações, comunicação com o usuário, divulgação do publishop e do site do Seade). Na seqüência, estabeleceu-se uma rede de facilitadores que se responsabilizaram por detalhar as ações e monitorar sua execução, subsidiando sistematicamente a di- 201 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 reção colegiada com indicadores de resultados e avaliações do nível de dificuldade encontrado. Para o propósito deste artigo, cabe destacar o desenvolvimento da gestão de projetos. A Fundação Seade concentrou esforços no sentido de desenvolver conhecimentos, habilidades e instrumentos, visando incentivar a coordenação de compromissos dentro de uma visão integrada, otimizar e acompanhar a alocação dos recursos, coordenar e integrar as funções técnicas e funções administrativas para o melhor desempenho dos projetos. A capacitação das gerências dentro de uma visão de conjunto da administração de projetos, do entendimento do papel do gerente de projetos, da compreensão das características individuais e seu impacto no desempenho das equipes de projetos também foi contemplada. Entre agosto e dezembro de 2002, profissionais do Seade, sob a orientação de uma equipe de professores da FIA/USP, foram capacitados no modelo referencial de gestão de projetos proposto pelo guia PMBoK – Project Management Body of Knowledge – do PMI – Project Management Institute. Para consolidar este aprendizado e adequar sua utilização às especificidades dos projetos Seade, o Comitê Seade de Gestão de projetos, em reuniões coordenadas pela Fundação Instituto de Administração (FIA), desenvolveu, no período de março a abril de 2003, o Manual de Gestão de Projetos Seade, que define e detalha uma metodologia estruturada, buscando assegurar que os vários elementos do projeto sejam coordenados. O objetivo é oferecer um conjunto de diretrizes e procedimentos e identificar papéis (responsabilidades e autoridades) que possam servir de referência básica na condução das atividades da gestão de projetos. O Manual de Gestão de Projetos Seade estabelece o entendimento comum do que é um projeto, caracteriza os tipos de projetos da Fundação Seade, estuda o ciclo de vida dos projetos (Quadro 1), avalia a complexidade dos projetos e estrutura uma metodologia identificando processos (Quadro 2), fluxos de trabalho e decisões, responsabilidades e desenvolvimento de funções para a organização de um sistema de informações que possa apoiar a gestão por projetos. Neste trabalho, o estudo sobre os fatores críticos que têm impacto na complexidade dos projetos resultou nos seguintes critérios: - origem da demanda: governamental, institucional, interna e externa; - complexidade técnica: metodologia (continuidade, adaptação, inovação); execução (desenho amostral – pequeno, médio, grande –, estratégia operacional – continuidade, adaptação, inovação) e tecnologia (existente, adaptação, nova); - recursos humanos: disponibilidade segundo o cronograma do projeto (disponível, não-disponível) e número de pessoas alocadas no projeto (pequeno, médio, alto, muito alto); - áreas técnicas envolvidas: internas (uma gerência, mais de uma gerência) e externas (não existem, existem instituições externas envolvidas na execução do projeto); - custos: baixo, médio, alto; - duração: pequena, média, grande; - dificuldade de obtenção de recursos materiais: pouca, média, alta (regras das instituições públicas). QUADRO 1 Manual de Gestão de Projetos Seade: Ciclo de Vida dos Projetos Fases do Gerenciamento dos Projetos Fase Operacional (comum a todos os tipos de projetos) Execução Planejamento Controle Iniciação Encerramento • Desenvolvimento da metodologia da pesquisa (elaboração do instrumental de coleta, consistência de dados e qualidade) • Coleta de dados, desenvolvimento do plano de análise e plano tabular • Geração das bases de dados e processamento do plano tabular • Análise dos resultados • Elaboração dos produtos finais • Disseminação das informações Fonte: Fundação Seade. 202 PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES QUADRO 2 Manual de Gestão de Projetos Seade: Fases e Processos 1. Iniciação 2. Planejamento 3. Execução e 4. Controle 5. Encerramento 1.1 Analisar oportunidades 2.1 Definir equipe de planejamento 3.1 Detalhar o plano do projeto 5.1 Encerrar projeto 1.2 Autorizar o projeto 2.2 Detalhar o escopo do projeto 3.2 Executar o plano operacional 5.2 Finalizar a aceitação 2.3 Definir recursos e aquisições externas 3.3 Solicitar e acompanhar aquisições 5.3 Documentar aprendizado 2.4 Identificação de riscos 3.4 Executar plano de comunicação 2.5 Desenvolver cronograma 2.6 Estimar custos e preço 4.1 Controle de desvios de desempenho 2.7 Validar plano do projeto 4.2 Controle de alterações 2.8 Encaminhar decisão sobre o projeto 2.9 Preparar e acompanhar solicitações de financiamento 2.10 Encaminhar decisão sobre o projeto 2.11 Preparar e acompanhar proposta técnica 2.12 Encaminhar decisão Fonte: Fundação Seade. O manual também descreve e detalha as responsabilidades de cada “papel”, identificando, para cada processo, o tipo de atuação: se executa, gerencia, apóia, aprova ou acompanha. Convencionou-se definir “papéis” como um conjunto de atribuições de trabalho ou roteiros organizados de modo a garantir a execução dos procedimentos. Em sua maioria, os papéis adotados no manual independem da estrutura organizacional formal e são ocupados por profissionais do quadro, alocados temporariamente, de modo exclusivo ou não. Os papéis podem ser subdivididos em decisórios, operacionais e de suporte. Os decisórios são as atribuições de decisão sobre o projeto e implica, necessariamente, que tenha correspondência com as funções diretivas, ou com suas delegações formais. Os papéis operacionais são as atribuições operacionais diretas da gestão e da execução do projeto, que tendem a ser preenchidas por profissionais das áreas técnicas. Os papéis de suporte são atribuições de suporte e apoio administrativo à gestão e à execução do projeto, que tendem a ser preenchidas por profissionais das gerências e assessorias. O Sistema de Informações da Gestão de Projetos, ferramenta fundamental para o sucesso da gestão de projetos, também é descrito nas suas funcionalidades: deve suportar os aspectos do projeto desde o início até o encerramento; pode incluir tanto sistemas manuais como automatizados; deve ser integrado com os sistemas já existentes; e consolidar informações para a direção providenciando diversos níveis de informação. Estão em fase de detalhamento as próximas ações: treinamento e teste da metodologia; aplicações-piloto para cada tipo de projeto; atualização da versão atual do manual de gestão de projetos a partir do aprendizado nas aplicações-piloto; adequação e expansão do atual sistema de informações para suportar as funcionalidades da metodologia; e implantação do escritório de projetos. Este trabalho de planejamento contribuiu ainda para o significativo esforço de capacitação técnica, programas de incentivo a novas especializações e atualização da tecnologia da informação. Hoje, está em processo de implementação o espaço de convivência e a diretoria retomou a demanda “Aperfeiçoar o modelo de organização da Fundação Seade”. NOTA 1. Economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos de pós-graduação em Planejamento da Cepal e do Instituto Latino-Americano de Planificación Y Desarrollo (Ilpes) das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre planejamento. Presidiu a Fundación Altadir, Caracas, Venezuela. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CRUZ, A.C. de A. et al. Manual de gestão de projetos Seade. São Paulo: Seade, 2003. 124p. DAMÁSIO, A. O mistério da consciência. São Paulo: Ed. Schwarcz Ltda., 2000. 474p. 203 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 DAVENPORT, T.H.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998. OLIVEIRA, D. de P.R. Sistemas, organização & métodos & OM – uma abordagem gerencial. São Paulo: Atlas S.A., 2002. PETERS, T. Rompendo as barreiras da administração: a necessária desorganização para enfrentar a nova realidade. São Paulo: Ed. Harbra Ltda., 1993. GEUS, A. de. A empresa viva: como as organizações podem aprender a prosperar e se perpetuar. Rio de Janeiro: Campus, 1998. HANS-GEORG, G. Verdade e método. São Paulo: Vozes, 1997. 731p. PMBOK GUIDE. Conjunto de conhecimentos do gerenciamento de projetos. Pennsylvania: Project Management Institute, 2000. KAO, J.J. A arte e a disciplina da criatividade na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 211p. SCHWARTZ, P. A arte da previsão: planejando o futuro em um mundo de incertezas. São Paulo: Página Aberta, 1995. KRUGLIANSKAS, I.; TERRA, J.C.C. Gestão do conhecimento em pequenas e médias empresas – lições extraídas de casos reais. São Paulo: Negócio Editora, 2003. ZILHÃO, M.J.; CLODE, T. Qualidade em estatística. Portugal: Instituto Nacional de Estatística, 2003. MATUS, C. Planejamento estratégico situacional: guia de análises teórico. Venezuela: Fundação Altadir, 1994. 210p. ________ . Política, planejamento & governo. Brasília: Ipea, tomo I, 1993. MARIA JOSEFA DEL CARMEN MARTINEZ SOTO: Estatística, Assessora ________ . O plano como aposta. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.5, n.4, p.22-42, out./dez. 1991. de Planejamento da Fundação Seade. 204 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 205-217, 2003 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO Pesquisa de Emprego e Desemprego JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD Resumo: Análise do mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo (1995-2002), associando-o às diversas transições socioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vêm ocorrendo no Brasil, desde o início da década de 90. Para tanto, o autor utiliza-se da PED da Fundação Seade como fonte de informações. Palavras-chave: mercado de trabalho; pesquisa de emprego e desemprego; informalidade. Abstract: Analysis of the labor market in the Metropolitan Region of São Paulo (1995-2002), with consideration given to the various socio-economic, technological and demographic transitions taking place in Brazil since the early 1990s. For this purpose, the author draws on the Survey on Employment and Unemployment by Fundação Seade. Key words: labor market; survey of employment and unemployment; unrecorded economic activity. E ste texto examina as tendências recentes do mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo, utilizando como fonte de informações a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade.1 Ele contempla dois objetivos. O primeiro busca revelar a evolução e o comportamento do mercado de trabalho paulista, associando-o, quando possível, às diversas transições socioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vem ocorrendo no Brasil, e suas regiões, desde o início da década de 90. De fato, em parte como imperativo da globalização dos mercados e em parte pelo caminho natural de uma sociedade que busca continuamente, mesmo com pouco sucesso, crescer permanentemente, o país tem experimentado várias transições, entre as quais, a abertura comercial, a reforma do papel do Estado, a estabilidade de preços, o avanço tecnológico, a integração em blocos econômicos, o surgimento de formas atípicas de contrato de trabalho, o avanço da negociação coletiva, a busca da flexibilidade nas relações de emprego, as quais, entre outras, têm afetado significativamente o mercado de trabalho. Nesse sentido, a escolha do período, de 1995 até 2002, visou con- templar a época recente, em que algumas dessas transições devem ainda estar produzindo seus efeitos definitivos, ou mesmo completando-se, com resultados importantes de serem verificados. O segundo objetivo é o de revelar a importância da PED como fonte de dados para investigações, pesquisas, testes estatísticos e análises econométricas, assim como os mais variados estudos que pretendam investigar o mercado de trabalho de São Paulo, o que a torna muito mais importante do que reduzi-la à polêmica da taxa de desemprego com a qual, algumas vezes, ela é identificada.2 De fato, trata-se de uma ampla base de dados, com uma grande riqueza temática, que a torna uma rica fonte de informações, prestando-se a investigar os mais variados temas sobre o mercado de trabalho, desde a evolução dos principais indicadores até as estratégias de sobrevivência dos desempregados.3 Visando atingir esses objetivos, este texto foi estruturado da seguinte forma: a primeira seção resenha, sucintamente, as principais transições pelas quais tem passado o país, desde o final dos anos 80, e início da década de 90, as quais produziram impactos no mercado de trabalho. A segunda seção mostra as flutuações do PIB brasi- 205 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 dade. O fim da inflação melhorou a distribuição da renda em direção ao maior consumo de bens e serviços das classes mais pobres. Certamente um novo perfil de consumidor conduz a um novo perfil de produção que, embora não seja radicalmente diferente, determina o surgimento e desaparecimento de postos de trabalho específicos, com implicações para a estrutura do emprego. A segunda transição diz respeito à passagem de uma economia fechada para uma economia aberta. O processo de abertura comercial teve impactos setoriais bastante nítidos. Por exemplo, o setor industrial passou por uma forte reestruturação produtiva e organizacional, que levou à perda de dinamismo da economia brasileira e uma diminuição sensível da mão-de-obra absorvida pelos seus diferentes ramos industriais, implicando profundas transformações na geração de empregos, em sua qualidade e nas relações de emprego. Além disso, destaca-se que a liberalização da economia vem acompanhada de um conjunto de características que afetam também, de forma indireta, o mercado de trabalho. A maior abertura provoca um aumento na elasticidade-preço da demanda dos bens, assim como os avanços tecnológicos vindos do exterior são fortemente poupadores de mão-de-obra. Esses são fatores que afetam o mercado de trabalho com conseqüências sobre o mercado de bens e serviços. A terceira transição refere-se ao surgimento e proliferação de formas atípicas de ocupação e de novos contratos de trabalho, requerendo mudanças institucionais em todos os campos da vida econômica, originando um extenso e profundo processo de informalidade, o qual, no mercado de trabalho, tem contribuído para a flexibilização das relações de trabalho. Uma das razões para tal informalidade, além das pressões advindas das mudanças tecnológicas, diz respeito ao fato de a reforma trabalhista, a tributária e a previdenciária não terem se completado na última década no Brasil. As dificuldades políticas, devidas ao conflito de interesses entre empregadores, trabalhadores e governo, resultaram em uma modificação parcial das leis trabalhistas. As alterações efetuadas, muitas inicialmente por meio de Medidas Provisórias do Poder Executivo, trataram dos principais componentes do contrato de trabalho, horas e remuneração, introduzindo ou ampliando a adoção de contratos alternativos ao contrato-padrão. O avanço das práticas de flexibilização no mercado de trabalho, sem a participação ativa dos sindicatos, tem limitado a padronização das novas regras e a ressonância dos seus efeitos leiro e paulista indicando que o impacto dessas transições, ocorrido no mercado de trabalho brasileiro, deve ter acontecido também em São Paulo. A terceira seção mostra a evolução da PEA. A quarta seção revela as tendências da ocupação. A quinta seção focaliza o desemprego aberto e sua incidência entre os grupos populacionais. Na sexta seção, apresenta-se a evolução do rendimento real dos ocupados e a sétima seção traz as principais conclusões. PRINCIPAIS TRANSIÇÕES BRASILEIRAS NA DÉCADA DE 90 Observando-se a evolução recente da economia brasileira, especialmente a partir do início da década de 90, é possível destacar um rol de importantes transições econômicas, sociais, demográficas e tecnológicas, com profundas implicações para a evolução do mercado de trabalho e para as mudanças nas relações de emprego. Essas transições devem ser entendidas como indo muito além de sua influência sobre o nível das principais variáveis que compõem o mercado de trabalho, afetando-lhe, também, a dinâmica e as estruturas regional, setorial e ocupacional. Tais transições produzem certamente efeitos em praticamente todas as regiões e estados brasileiros, inclusive nas áreas metropolitanas, onde se concentram os pólos mais dinâmicos da economia brasileira, caso da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, objeto de análise neste texto. Embora com impactos diferenciados quanto à sua intensidade, e defasados no tempo, essas transições estão presentes na evolução, no comportamento e nos resultados observados para o mercado de trabalho da RMSP, razão pela qual elas são a seguir sumariadas. A primeira transição, e talvez a mais importante, refere-se à passagem de uma economia inflacionária para outra, na qual se convive com a estabilidade de preços. O controle dos altos níveis de inflação, que adveio do Plano Real, trouxe consigo o fim do “imposto inflacionário”, com implicações positivas para a diminuição dos índices de pobreza. Por outro lado, o controle da inflação, por meio da política monetária – altas taxas de juros, e controle do déficit fiscal restringindo o crescimento econômico –, originou taxas de desemprego aberto maiores, assim como um aumento do trabalho informal. A passagem de um regime de altas taxas inflacionárias para outro de estabilidade de preços acarretou, para a sociedade brasileira, outros impactos sobre o mercado de trabalho além da elevação do desemprego e da informali- 206 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... positivos, além de cooperar para o aprofundamento do processo de informalidade, causando ainda uma diminuição das receitas do sistema de seguridade social público. A quarta transição diz respeito a uma lenta modificação do papel do Estado na sociedade, antes marcado por fortes estímulos à promoção direta da produção, tanto no setor público quanto no setor privado, e agora mais orientado para a fiscalização e regulação da economia. Em particular, o processo de privatizações promoveu ajustes no estoque de mão-de-obra das empresas privatizadas, com implicações ainda incertas para o mercado de trabalho, quando observado numa perspectiva de médio e longo prazos. Existem ainda os efeitos indiretos decorrentes dessa transição, pois na medida em que ocorre essa redefinição da atuação do Estado limita-se a capacidade de formação de poupança interna, comprometendo, conseqüentemente, a capacidade de investimentos do país, com comprometimentos danosos para a absorção de mão-de-obra. A quinta transição refere-se ao processo de inovação tecnológica implementado no Brasil desde o início da década de 90, nos primórdios da abertura comercial, como instrumento de resposta às crescentes pressões por maior competitividade e mais produtividade das empresas, decorrentes da globalização dos mercados. Por se tratar de um dos principais fatores determinantes do grau de competitividade entre países, setores e organizações empresariais, essas inovações tornaram-se condição indispensável ao desenvolvimento econômico-social, sendo processadas em níveis cada vez mais intensos, que levaram as empresas a repensar o modo de organização do processo produtivo e as formas de gestão da produção, causando impacto no emprego, na estrutura ocupacional, no conteúdo do trabalho e nas relações de emprego. Outro ponto que merece destaque na análise dos reflexos das novas tecnologias sobre a dinâmica do emprego refere-se à capacitação dos trabalhadores, cujo nível de exigência de qualidade, pelas empresas, torna-se cada vez mais intenso. Os trabalhadores com pouca escolaridade vão sendo excluídos do mercado de trabalho e substituídos pelos mais capacitados e a com maior gama de competências. A sexta transição refere-se ao elemento demográfico. Embora o crescimento populacional venha diminuindo sensivelmente há várias décadas, a pressão demográfica herdada do passado ainda foi muito forte na década de 90, e continuará sendo até o final da primeira década do terceiro milênio, quando os demógrafos afirmam que se encerrará a atual transição demográfica brasileira. O ainda forte crescimento da PEA brasileira, na última década, continuou trazendo dificuldades para a absorção de mão-de-obra pelo setor formal, com impactos no mercado de trabalho. O primeiro deles refere-se à contribuição demográfica para a ocorrência de altas das taxas de desemprego, notadamente nas áreas urbanas do país, onde se concentra grande parte das ocupações brasileiras. O segundo refere-se ao surgimento da chamada “onda jovem”, decorrente do nascimento, em décadas passadas, de um grande número de pessoas, que agora afluem à força de trabalho. Nesse contexto, na ausência de um sistema de proteção social adequado aos desempregados, pressiona-se, simultaneamente, o desemprego e a informalidade. EVOLUÇÃO DO PIB Esse conjunto de transições tem seu principal reflexo na evolução da atividade econômica, tanto em âmbito nacional como regional, inclusive em Estados e municípios. Em qualquer caso, a evolução do PIB condiciona a evolução do mercado de trabalho, afetando seu comportamento e suas modificações ao longo do período em consideração. Relativamente ao Estado de São Paulo, com grande peso na economia brasileira, o impacto dessas transições deve ser semelhante ao que ocorreu no país, o que pode ser observado no Gráfico 1, no qual se verifica grande aderência entre as taxas de variação do PIB real brasileiro e GRÁFICO 1 Variação Real Anual do Produto Interno Bruto Brasil e Estado de São Paulo – 1992-01 Brasil 7,00 Em % 6,18 6,00 5,00 4,92 4,00 5,94 5,85 2,00 -3,00 4,36 3,84 2,66 2,65 3,70 3,27 -0,54 2,80 0,81 0,31 1,00 -1,00 -2,00 4,68 4,22 3,00 0,00 Estado de São Paulo 0,36 1,51 0,13 -2,50 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: IBGE; Fundação Seade. 207 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 o paulista. Nota-se, ainda, que as transformações ocorridas ao longo da década de 90 e início da primeira década do século XXI causaram a redução das taxas de crescimento e o aumento do grau de volatilidade do nível de atividade econômica, fatos que têm condicionado o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro (Chahad, 2003). Diante dessas amplas transformações pelas quais passou, e continua passando, a economia, qual teria sido o comportamento do mercado de trabalho paulista? Quais mudanças têm ocorrido na absorção de mão-de-obra? Onde a estrutura do emprego se modificou? Quais grupos populacionais perderam espaço e quais aumentaram sua participação no emprego? O que ocorreu com a qualidade do emprego? Como evoluiu a remuneração entre setores e entre categoriais ocupacionais? Quais são os grupos que compõem o conjunto dos desempregados, especialmente aqueles em situação de desemprego aberto? Quais são os trabalhadores mais penalizados pelo desemprego aberto? Essas e outras questões requerem uma análise das informações fornecidas pela PED. contraposição, cresceu menos a PEA dos homens, a dos chefes, havendo ainda decréscimo na PEA dos jovens e da população analfabeta.6 GRÁFICO 2 Evolução da PIA, da PEA e dos Inativos Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 PIA 115,0 PEA Inativos Índice (Base: 1995=100) 114,5 113,0 112,1 111,0 110,0 109,0 108,1 107,0 106,0 104,5 105,0 102,9 103,0 103,8 106,2 103,2 107,5 103,6 103,9 103,4 101,9 99,9 99,0 1995 O COMPORTAMENTO DA PIA, DA PEA E DOS INATIVOS4 103,5 101,7 101,0 100,0 105,1 110,2 108,9 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Em 1995, a PIA da RMSP era de aproximadamente 13,3 milhões de pessoas, sendo 8,1 milhões de economicamente ativos e 5,2 milhões de inativos. De acordo com o Gráfico 2, entre 1995-2002, houve crescimento desses três grupos populacionais, mais acentuadamente da PEA (14,5%), vindo a seguir a PIA (10,2%) e os Inativos (3,4%), fazendo com que a PIA passasse para 15,1 milhões de habitantes, a PEA para 9,6 milhões, e os Inativos para 5,5 milhões de habitantes. Tais cifras indicam que, apesar do agravamento das condições do mercado de trabalho, houve um aumento da taxa de participação na força de trabalho (relação PEA/ PIA) de 61,1%, em 1995, para 63,5%, em 2002. Isso significa um maior engajamento da população na atividade econômica, independentemente das condições adversas por ela experimentada. Esse resultado não significa, contudo, que o aumento da participação ocorreu em todos os grupos populacionais. De fato, o Gráfico 3 mostra que o impacto da atividade econômica, assim como decorrentes de fatores socioculturais, fez crescer mais rapidamente a PEA feminina, a dos cônjuges,5 a dos indivíduos acima de 18 anos, assim como a PEA do pessoal semiqualificado e qualificado. Em GRÁFICO 3 Crescimento da PEA, segundo Atributos Pessoais (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 40,0 Em % 33,1 29,2 27,7 30,0 19,6 17,7 20,0 22,2 11,8 10,2 -23,0 -30,0 Escolaridade 3 (2) Escolaridade 1 (2) Escolaridade 2 (2) -20,0 18 a 59 anos 10 a 17 anos Filho Cônjuge Chefe -10,0 Mulheres 0,0 Homens 10,0 -19,6 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados. (2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3: Superior Completo. 208 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... EVOLUÇÃO DO PESSOAL OCUPADO GRÁFICO 5 Evolução da PEA e da Ocupação Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 115,0 112,1 111,0 109,0 108,1 106,0 104,5 100,7 101,0 99,0 106,5 106,9 2001 2002 104,4 102,9 103,0 101,1 99,9 100,0 1995 1996 1997 8,9 5,9 7,7 Escolaridade 3 (2) Escolaridade 1 (2) -30,0 Escolaridade 2 (2) 18 a 59 anos Filho Chefe 10 a 17 anos -20,0 Cônjuge -10,0 Mulheres 0,0 -25,1 -40,0 -42,0 No caso do trabalho jovem, adiciona-se, ainda, o avanço da legislação procurando coibir o trabalho infantil, com a elevação da idade mínima para ingressar no mercado de trabalho, além dos esforços em aumentar a taxa de ingresso escolar, elevar a taxa de permanência na escola e reduzir a taxa de evasão escolar (Chahad; Portela Souza, 2003). Ainda que de forma menos articulada, mas em volume crescente, as transferências de recursos às famílias carentes devem ter contribuído para a redução do trabalho infantil e dos jovens em geral. No caso do trabalho não-qualificado, trata-se de um imperativo das novas tecnologias que exigem trabalhadores cada vez mais educados e mais bem treinados para exercer qualquer ocupação. Nessa perspectiva, até mesmo o próprio exercício da cidadania somente pode ocorrer em sua plenitude com níveis crescentes de educação. 110,0 105,0 10,0 15,0 13,9 12,4 114,5 113,0 107,0 22,6 17,2 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados. (2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens. Fundamental Completo e Ens. Médio Incompleto; 3: Superior Completo. Ocupação Índice (Base: 1995 = 100) Em % 20,0 -50,0 GRÁFICO 4 PEA 30,0 Homens O comportamento da ocupação global encontra-se no Gráfico 4. Verifica-se que houve um crescimento muito pequeno, em torno de 6,9% no período, abaixo, portanto, do crescimento da PEA, que foi de 14,5%. Esse fraco crescimento do emprego parece ser um dos responsáveis pelo grande aumento do desemprego nesse período, juntandose às pressões demográficas decorrentes de altas taxas de natalidade verificadas em passado recente, as quais promoveram a chamada “onda jovem”, com significativos contingentes de indivíduos ainda jovens ingressando maciçamente na força de trabalho, em condições de baixo nível de absorção de mão-de-obra. Crescimento dos Ocupados, segundo Atributos Pessoais (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 1998 100,5 1999 2000 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Atributos Pessoais O lento crescimento da ocupação global mascara uma evolução bastante diferenciada entre os grupos que compõem a população ocupada, conforme indica o Gráfico 5. A ocupação feminina, dos cônjuges, dos adultos e dos indivíduos com ensino médio (pessoal semiqualificado) cresceram bem acima da ocupação total. Em contraposição, os jovens entre 10 e 17 anos e os analfabetos tiveram um crescimento negativo em sua ocupação. Claramente, o impacto das transformações socioeconômicas causou a discriminação do trabalho jovem e do não-qualificado. Comportamento da Ocupação segundo a Atividade Econômica Aqui aparecem mudanças profundas no mercado de trabalho. De acordo com o Gráfico 6, enquanto o emprego no setor privado expandiu-se pouco, houve uma diminuição absoluta do emprego no setor público paulista, da ordem de 2,8%, indicando um relativo sucesso no ajuste do emprego público empreendido pelo governo estadual. 209 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Essa situação é mais dramática quando se observa a evolução do emprego de acordo com os ramos da atividade econômica: enquanto os Serviços cresceram bem acima da média, o emprego no Comércio praticamente ficou estagnado entre 1995 e 2002, e a Indústria sofreu um declínio em sua ocupação de cerca de 13,5%. te o contingente de trabalhadores informais. Dentre esses, os grupos que mais cresceram na RMSP foram os de trabalhadores autônomos e, principalmente, os de assalariados sem carteira de trabalho assinada, conforme revela o Gráfico 7. Nota-se que o crescimento da absorção de mão-de-obra na forma de carteira de trabalho assinada ocorreu em praticamente todos os tamanhos de estabelecimentos, mas em maior percentual nas grandes empresas conforme mostra o Gráfico 8. GRÁFICO 6 Crescimento dos Ocupados, segundo Setores de Atividade Econômica (1) e Setores de Ocupação Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 20,0 GRÁFICO 7 Evolução dos Assalariados com Carteira e sem Carteira Assinada e dos Autônomos Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 Em % 16,8 15,0 Com Carteira Assinada 10,0 6,8 140,0 Sem Carteira Assinada 135,7 5,0 0,0 Indústria -10,0 -15,0 135,8 1,2 Serviços Setor Privado 122,7 -2,8 Setor Público 120,0 110,0 109,0 117,0 108,0 100,0 100,9 100,0 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Setores de atividade econômica selecionados. 114,5 108,1 125,8 118,3 115,2 -13,5 134,8 129,6 130,0 Comércio -5,0 Autônomos Índice (Base: 1995 = 100) 95,3 98,6 92,6 92,7 1997 1998 91,0 99,9 93,5 90,0 1995 Parte desse declínio pode ser atribuído à mudança no padrão de emprego que acompanha o surgimento de uma sociedade de Serviços, mas a explicação mais plausível é a do impacto da abertura comercial e a conseqüente introdução de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, que obrigaram as empresas industriais a reorganizar sua estrutura de emprego, buscando tornar-se mais competitivas, tanto no plano interno, quanto, principalmente, no comércio internacional. 1996 1999 2000 2001 2002 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. GRÁFICO 8 Participação dos Assalariados do Setor Privado, segundo Tamanho da Empresa (1) e Tipo de Contratação, sobre o Total de Assalariados do Setor Privado Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 30,0 1995 Em % 27,5 23,2 25,0 Trabalho Assalariado e Jornada de Trabalho 2002 20,0 15,0 Seguindo uma tendência que tem se verificado desde meados da década de 80, as mudanças na atividade produtiva, associada a outros aspectos, como baixo nível de escolaridade da força de trabalho, pressão demográfica, desequilíbrios regionais, distribuição desigual da renda e políticas incipientes de amparo aos desempregados, têm determinado o surgimento de formas atípicas de ocupação, muitas de qualidade precária, aumentando rapidamen- 10,0 5,0 7,0 4,6 8,1 4,6 0,9 0,0 Até 5 Empregados Com Carteira Assinada Até 5 Empregados Sem Carteira Assinada 500 Empregados ou Mais Com Carteira Assinada 1,8 500 Empregados ou ou Mais Sem Carteira Assinada Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Tamanhos da empresa selecionados. 210 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... A Forma de Inserção Ocupacional e a Terceirização Deve-se observar, também, que a ocupação com carteira de trabalho assinada, de natureza formal, após cair continuamente até 1999, voltou a se recuperar, mesmo sem um crescimento muito vigoroso da atividade econômica. Isso se deve a dois fatos: a retomada das exportações logo após a desvalorização cambial ocorrida em janeiro de 1999 e, principalmente, o impacto do programa Simples do governo federal, de unificação de tributos e redução de alíquotas, o qual trouxe benefícios na contratação com carteira assinada para as pequenas e médias empresas (Chahad; Macedo, 2003).7 Além do forte crescimento dos assalariados sem carteira de trabalho assinada houve outros efeitos sobre os trabalhadores, particularmente sobre a jornada de trabalho na economia paulista. De fato, de acordo com as informações do Gráfico 9, cresceu, nos principais ramos da atividade econômica, o grupo de ocupados assalariados trabalhando mais que a jornada de trabalho legal determinada pela Constituição Federal. O pequeno crescimento da ocupação global, da ordem de 6,9% oculta um crescimento bastante diferenciado quando observado do ponto de vista da inserção ocupacional dos trabalhadores, conforme mostra o Gráfico 10, ou da evolução dos trabalhadores terceirizados (subcontratados) em relação aos demais trabalhadores, apresentada no Gráfico 11. Ademais, percebe-se uma evolução também diferenciada ao longo do tempo. GRÁFICO 10 Evolução dos Ocupados, segundo Grupos de Ocupação (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 Tarefas de Direção, Gerência e Planejamento Tarefas de Execução Tarefas de Apoio 120,0 Índice (Base 1995 = 100) 117,3 110,0 Assalariados Trabalhando Mais que a Jornada Legal, segundo Setores de Atividade (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 105,0 101,0 100,0 99,6 Serviços 55,1 55,1 111,5 111,4 103,0 102,5 103,6 99,2 99,1 56,0 57,5 1995 62,2 59,2 53,9 52,1 1996 1997 1998 37,4 36,6 1996 1997 1998 2000 2001 2002 54,8 49,6 37,0 1999 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Grupos de ocupação selecionados. 58,4 53,8 49,9 59,1 61,1 GRÁFICO 11 45,0 35,9 115,8 108,5 102,7 99,5 115,7 95,0 Em % 55,5 55,0 Construção Civil 110,0 109,2 104,5 100,0 65,0 111,4 110,1 GRÁFICO 9 Comércio 116,5 115,0 38,3 39,7 38,2 38,8 2001 2002 Evolução dos Ocupados Terceirizados do Setor Privado Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 35,0 1995 1999 2000 Subcontratados Demais 155,0 Índice (Base: 1995= 100) 150,0 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Setores de atividade selecionados. 145,5 145,0 135,0 Na realidade, é possível que tal resultado reflita o próprio crescimento do trabalho assalariado sem carteira de trabalho assinada, no qual, possivelmente, as restrições legais à jornada de trabalho estão menos presentes. De qualquer forma, a jornada de trabalho acima da legalmente determinada, parece ser uma prática comum em determinados setores, como, por exemplo, no Comércio e na Construção Civil, em que, regra geral, mais de 50,0% dos assalariados encontram-se nesta condição de trabalho. 125,0 121,9 119,6 115,0 115,0 105,0 100,0 103,4 104,7 98,2 97,4 96,5 107,0 106,2 97,3 96,9 95,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. 211 2002 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 estar recebendo os benefícios do seguro-desemprego, por um prazo bastante limitado.8 As informações da PED indicam, após a estabilização trazida com o advento do Plano Real, um crescimento acelerado do desemprego aberto, da ordem de 53,9%, no período 1995-2002 (Gráfico 12). Com o fim da inflação, ele passou a ser o vilão da economia brasileira, a preocupação da maioria dos trabalhadores e um mal a ser combatido pelo governo. Apesar da magnitude dessa cifra, a situação é mais dramática quando se investiga a incidência do desemprego aberto segundo com as características dos trabalhadores nessa situação. De fato, embora o conjunto dos ocupados em Tarefas de Direção, Gerência e Planejamento tenha acrescido cerca de 16,5% entre 1995 e 1998, sua absorção declinou bastante desde então até 2002. Em contraposição, após uma estagnação até 1998, cresceu bastante o emprego de trabalhadores nas Tarefas de Execução, bem como o emprego daqueles em Tarefas de Apoio. Tal comportamento deve representar um ponto de inflexão no chamado “ajuste produtivo” a que se submeteu o setor produtivo nacional, notadamente após a abertura comercial ocorrida no início dos anos 90. A isso se soma o processo de inovação tecnológica experimentado pelo país, e já mencionado neste texto. Em ambos os casos, o reflexo inicial parece ter sido o de preservar a mão-deobra mais treinada, mais educada, mais experiente, utilizando-a inclusive em maior proporção, tendo em vista a reorganização dos recursos humanos da empresa. Após essa fase, houve uma recuperação do emprego dos trabalhadores mais diretamente ligados ao processo produtivo, principalmente após a desvalorização cambial de 1999, quando a economia voltou a crescer, ainda que modestamente. A evolução dos trabalhadores terceirizados revela um crescimento vigoroso de cerca de 45,5% entre 1995 e 2002, bastante acima do crescimento verificado para o total de ocupados, ou mesmo dos assalariados ocupados. Dentre as possíveis explicações, duas se destacam. Em primeiro lugar, um fenômeno estatístico: em 1995, os subcontratados representavam apenas 2,4% do total de assalariados ocupados e somente 4,3% do total de assalariados do setor privado. Ou seja, com uma base inicial pequena (pequena participação relativa), o crescimento dos terceirizados foi superdimensionado. A explicação mais importante, entretanto, diz respeito ao crescimento da subcontratação como expediente para contornar questões relativas aos custos do trabalho, em direção a flexibilizar ainda mais as formas de contratação da mão-de-obra (Zockun; Chahad, 2003). GRÁFICO 12 Evolução da PEA e dos Desempregados em Situação de Desemprego Aberto Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 PEA 160,0 Desempregados Índice (Base: 1995 = 100) 153,9 150,0 145,3 140,7 140,0 137,7 134,5 130,0 119,6 120,0 114,3 110,0 100,0 100,0 1995 102,9 1996 104,5 1997 106,0 1998 108,1 1999 110,0 2000 112,1 2001 114,5 2002 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Atributos Pessoais Pela evolução do desemprego aberto segundo esses atributos (Gráfico 13), pode-se constatar que os grupos mais penalizados foram os de mulheres, cônjuges, trabalhadores adultos (com mais de 18 anos), e pessoal com educação intermediária e superior. Destaca-se, também, o forte crescimento do desemprego dos chefes de família, que, em parte, explica o crescimento igualmente forte do desemprego dos cônjuges, uma vez que o chamado “efeito-renda” negativo, decorrente da queda abrupta nos ganhos dos maridos (devido ao desemprego), induz mais mulheres casadas a ingressar na força TENDÊNCIAS DO DESEMPREGO ABERTO Dentre as categorias de desemprego investigadas pela PED (total, aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento), o desemprego aberto merece destaque, pois se refere à situação mais dramática do ponto de vista de sobrevivência de quem se encontra nesta condição: o desempregado não está envolvido em nenhuma atividade que lhe garanta alguma renda, podendo, eventualmente, 212 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... de trabalho buscando complementar o orçamento familiar e acabam por se tornar, também, desempregadas, diante da escassez generalizada de oportunidades de emprego. O aumento do “desemprego de longo prazo” deve-se, principalmente, a razões de natureza estrutural no mercado de trabalho. Uma delas refere-se ao baixo nível de escolaridade da força de trabalho brasileira, dificultando sua absorção num contexto de rápido avanço tecnológico, em que as empresas necessitam de trabalhadores cada vez mais educados, mais bem treinados e mais versáteis. Em outros termos, existe um descompasso entre o perfil de trabalhador requerido pelo setor produtivo e o conjunto de requisitos existentes na oferta de trabalho, o que acaba se transformando em “desemprego de longa duração”. GRÁFICO 13 Crescimento dos Desempregados em Situação de Desemprego Aberto, segundo Atributos Pessoais (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 Em % 91,1 72,0 88,5 78,6 72,8 70,0 GRÁFICO 14 53,3 Tempo Médio de Procura por Trabalho Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 45,2 55 Escolaridade 3 (2) Escolaridade 2 (2) Escolaridade 1 (2) 10 a 17 anos 51 50 18 a 59 Anos Filho Cônjuge Chefe Mulheres Em semanas 8,2 4,4 Homens 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 48 48 2000 2001 44 45 40 35 35 28 30 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados. (2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3: Superior Completo. 25 24 22 20 1995 1996 1997 1998 1999 2002 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. A Procura por Trabalho9 GRÁFICO 15 Além do forte crescimento do desemprego aberto, bem como da sua incidência em grupos específicos da PEA, alguns entre os mais vulneráveis, verificou-se um agravamento ainda maior das condições de desemprego na medida em que o tempo médio de procura por trabalho passou de 22 semanas, em 1995, para 51 semanas, em 2002, ou seja, um aumento de cerca de 150,0% no tempo necessário para a obtenção de um novo emprego (Gráfico 14). Ademais, elevou-se substancialmente o conjunto de trabalhadores que compõem o chamado “desemprego de longa duração”, referente àqueles desempregados há mais de um ano buscando trabalho. De fato, de acordo com o Gráfico 15, a participação desse grupo, que correspondia a 6,4% do total de desempregados, em 1995, passou para 24,1%, em 2002. Diminuiu bastante, portanto, a participação dos desempregados obtendo uma nova ocupação em menos de 30 dias: em 1995 eles eram 29,9% do total, passando para 14,6% em 2002. Participação dos Desempregados, segundo Classes de Tempo de Procura por Trabalho (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 Procurando há até 30 dias Procurando há mais de 1 ano 30,0 Em % 29,9 26,5 21,8 23,6 22,3 24,1 23,4 20,0 17,7 14,1 10,0 10,0 6,4 14,6 15,5 16,9 14,6 7,0 0,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Classes de tempo de procura por trabalho selecionadas. 213 2002 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 Outro problema diz respeito à falta de estrutura de serviços de apoio para atender o trabalhador desempregado em sua busca por trabalho. Em primeiro lugar, o país não dispõe de um conjunto bem desenvolvido de políticas ativas que complementem o programa de seguro-desemprego brasileiro.10 Em segundo lugar, apesar dos esforços do governo federal na década de 90, o país não conta ainda com um sólido Sistema de Emprego, cujo papel é articular as diversas políticas (ativas e passivas) voltadas para o mercado de trabalho. Isso possibilitaria melhorar o processo de intermediação da mão-de-obra com a finalidade de oferecer uma assistência mais eficiente ao trabalhador buscando um novo emprego. Por último, parte desse desemprego estrutural decorre das dificuldades em se organizar adequadamente a oferta de treinamento profissional, a fim de reduzir o descompasso entre oferta e demanda de trabalho. GRÁFICO 16 Construção Civil Serviços Comércio Indústria Setor Público (2) Setor Privado (2) Com Carteira Assinada (1) Sem Carteira Assinada (1) Total dos Ocupados 0 Emp. Domésticos 0,05 Autônomos Em % Assalariados Crescimento do Rendimento Médio Real dos Ocupados, segundo Posição na Ocupação, Forma de Contratação, Setor de Ocupação e Setor de Atividade Econômica Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 -0,05 -0,1 -0,08 -0,09 -0,15 -0,17 -0,2 -0,3 -0,22 -0,21 -0,25 -0,22 -0,26 -0,28 -0,26 -0,28 -0,35 -0,4 -0,39 -0,41 -0,45 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Assalariados do setor privado. (2) Assalariados totais. COMPORTAMENTO DO RENDIMENTO MÉDIO REAL DOS OCUPADOS GRÁFICO 17 A evolução dos ganhos reais dos trabalhadores paulistas na RMSP revela um quadro dramático de queda acentuada durante todo o período analisado. Ao final de 2002, os rendimentos reais tinham se reduzido cerca de 28,4%, não havendo qualquer recuperação durante este período.11 Apoio Execução Direção, Gerência e Planejamento Demais Em % 10,0 Subcontratados Crescimento do Rendimento Real Médio, dos Assalariados do Setor Privado, e dos Ocupados Totais, segundo Grupos de Ocupação (1) Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 0,0 Forma de Contratação e Ramo de Atividade Econômica -2,1 -10,0 Houve uma significativa queda no rendimento real (Gráfico 16) em praticamente todos os grupos de trabalhadores que compõem o conjunto dos ocupados da economia paulista. Também setorialmente esta queda ocorreu de forma indiscriminada. No caso das formas de contratação ou ocupação dos trabalhadores, os autônomos tiveram a maior queda (40,6%), bastante acima da queda observada para os assalariados em geral (21,5%) e, dentre estes, os assalariados com carteira de trabalho assinada (21,8%). Em relação à atividade econômica, pode-se verificar que as quedas foram significativas em praticamente todos os ramos do setor produtivo, com destaque para o Comércio, cujo ganho real do trabalhador declinou 39,4%, enquanto os demais ramos – Indústria, Serviços e Construção Civil – tiveram queda semelhante. Ainda com respeito ao nível setorial, a queda foi mais acentuada na esfera privada (21,8%) do que na esfera pública (17,3%). -20,0 -30,0 -15,5 -18,0 -26,0 -26,1 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Grupos de ocupação selecionados. Ganhos Reais: Terceirização e Grupos de Ocupação Vimos anteriormente que o fenômeno da subcontratação, indicativo da terceirização da mão-de-obra, cresceu bastante na RMSP, embora represente uma parcela diminuta da mão-de-obra ocupada. Com freqüência essa prática tem sido apontada como indicativa da crescente flexibilização das formas de contratação, com impactos negativos nas condições de trabalho e no nível de remuneração real dos trabalhadores com esta forma de contrato. 214 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... GRÁFICO 18 Se, por um lado, tal prática pode ser condenada por embutir uma redução de custos originada pela supressão de direitos trabalhistas, por outro, revela-se um expediente em que os trabalhadores sofreram menos com a queda generalizada dos ganhos reais. De fato, enquanto para o total dos assalariados do setor privado a redução de rendimentos reais foi de aproximadamente 15,5%, para os terceirizados essa redução não passou de 2,1%, num período de oito anos. No caso dos grupos de ocupação, verifica-se que os trabalhadores nas Tarefas de Apoio tiveram queda menor (18,0%) em relação aos trabalhadores nas Tarefas de Execução (26,1%) e nas Tarefas de Direção, Gerência e Planejamento (26,0%). Mais de 5 Anos Mais de 2 Anos até 5 Anos Até 6 Meses Em % Até 5 Empregados 10,0 500 Empregados ou Mais Crescimento do Rendimento Real Médio dos Assalariados do Setor Privado, segundo Tamanho da Empresa (1) e Tempo de Permanência no Atual Emprego Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02 0,0 -10,0 -11,2 -13,6 -20,0 -18,8 -21,0 Tamanho do Estabelecimento e Tempo de Permanência na Empresa -30,0 -27,8 Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Tamanho da empresa e tempo de permanência no atual emprego, ambos selecionados. Segundo a evolução dos rendimentos médios reais dos assalariados do setor privado, de acordo com o tamanho do estabelecimento e tempo de empresa (Gráfico 18), verifica-se que os trabalhadores em pequenos estabelecimentos do setor privado (com até cinco empregados) experimentaram uma queda em seus ganhos reais da ordem de 11,2%, bastante próxima das grandes empresas (acima de 500 empregados), que foi de 13,6%. Tais cifras são bem menores que aquelas verificadas para o total de ocupados (28,4%) e mesmo para os ocupados assalariados no setor privado (21,8%), anteriormente apresentadas. Quanto ao tempo de permanência dos trabalhadores na empresa, um indicativo da experiência no trabalho, é surpreendente que os assalariados mais penalizados com a queda dos rendimentos reais foram exatamente aqueles com maior tempo de serviço na empresa. Isso evidencia uma grave distorção no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que o investimento em capital humano realizado pelas empresas, ou pelos trabalhadores, através de educação formal, treinamento profissional ou treinamento na função, tem contribuído pouco para elevar a produtividade do trabalhador, com implicações danosas para a evolução dos seus rendimentos reais e para a própria distribuição de renda. balho nacional. A abertura comercial, a estabilidade de preços, as privatizações, as inovações tecnológicas e o fenômeno demográfico atuaram conjuntamente na promoção de transformações na estrutura, no funcionamento e na evolução do mercado de trabalho brasileiro, inclusive em um dos seus pólos mais dinâmicos, a RMSP. Utilizando as informações da PED/Seade, pode-se destacar algumas das principais tendências verificadas no mercado de trabalho após a segunda metade da década de 90: - crescimento contínuo da PEA, fruto de fortes pressões demográficas; - crescimento lento da ocupação total, em virtude, especialmente, das restrições ao trabalho infantil e do jovem (legislação mais severa), e das limitações impostas ao trabalho dos não-qualificados (inovação tecnológica e ambiente empresarial altamente competitivo); - queda no emprego industrial decorrente do ajuste produtivo (conseqüência da abertura comercial) e aumento no emprego do setor Serviços (rota para uma sociedade moderna); - estagnação do emprego com carteira assinada e aumento de formas atípicas de contratação (assalariado sem carteira assinada) e ocupação (autônomos), em parte refletindo a demanda por flexibilização nas relações de emprego e, também, decorrente da pobreza e miséria, mas, em ambos os casos, originando um aumento da informalidade no mercado de trabalho; CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a década de 90, intensificou-se o processo de transições experimentado pelo Brasil, com efeitos na estrutura produtiva e, conseqüentemente, no mercado de tra- 215 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 - aumento no conjunto de assalariados trabalhando mais que a jornada legal de trabalho, outro reflexo da busca da flexibilização, especialmente devido à estrutura rígida de encargos trabalhistas; - avanço da terceirização da mão-de-obra, determinado, igualmente, pela busca de relações menos rígidas de emprego que permitam uma redução do custo da mão-deobra; - forte crescimento do desemprego aberto decorrente tanto das crises de natureza conjuntural, com o intuito de preservar a estabilidade de preços ou defender-se de crises internacionais, quanto de natureza estrutural, fruto do desajuste entre o perfil de mão-de-obra demandada e a qualidade da oferta de trabalho existente; - elevação do chamado “desemprego de longo prazo”, seja pelo agravamento das oportunidades de emprego derivado do ambiente competitivo imposto pela globalização, seja pela inexistência de um sólido Serviço de Emprego que permita assistir o desempregado em sua busca por trabalho, com uma ampla oferta de serviços; - queda acentuada, e generalizada, do rendimento real do trabalhador ocupado assalariado (com ou sem carteira); absorvido pelo setor público ou privado, terceirizado ou não, atuando em atividades de Direção, ou de Execução ou de Apoio; empregado em pequenas ou grandes empresas; ou possuindo pouca ou muita experiência na empresa. Parte dessa queda dos ganhos reais pode ser atribuída à relativa estagnação do PIB, ou ao declínio da atividade econômica, existindo ainda os que acreditam tratar-se da continuidade do processo de flexibilização do mercado de trabalho, na ausência de uma reforma trabalhista ampla. De qualquer forma, o lento crescimento da economia e a grande volatilidade dos níveis de produto têm imposto mudanças no funcionamento e no perfil do mercado de trabalho, inclusive na RMSP, os quais são captados pela PED com grande grau de detalhe, tornando-a uma fonte extremamente útil para os estudiosos da área, bem como para fornecer importantes subsídios na formulação de políticas sociais, demográficas e trabalhistas pelas autoridades governamentais. Souza Ribeiro pelo trabalho de levantamento, organização e tabulação dos dados. Agradece, também, a Ana Maria Penza Ferri pela formatação da versão final. 1. A PED é realizada em colaboração com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese, desde janeiro de 1985. 2. O autor reconhece a existência dessa polêmica, tendo tomado parte dela em algumas ocasiões. Contudo, não será aqui abordada, uma vez que não se enquadra no espírito deste texto. 3. Além das séries históricas, e suas desagregações correspondentes, a Fundação Seade passou, recentemente, a disponibilizar os microdados da PED, aumentando bastante o potencial de análises sobre o mercado de trabalho paulista. Com base nessas fontes, os pesquisadores do Departamento de Economia da FEA-USP e da Fipe desenvolveram alguns estudos para o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil. Picchetti, Chahad e Orellano (2002) investigaram as decisões relacionadas à rotatividade da mão-de-obra no Brasil; Picchetti e Zylberstajn (2003) e Fernandes (2003) analisaram, com versoões diferentes, as fontes de recursos e as estratégias de sobrevivência do trabalhador desempregado na RMSP; e Menezes-Filho e Picchetti (2003) estudaram a duração das relações de emprego em São Paulo. Embora a base geográfica da PED seja a Região Metropolitana de São Paulo, essas pesquisas permitiram verificar que, dentro de certos limites, é possível investigar fenômenos do mercado de trabalho que tenham abrangência nacional, e outros que representem comprovações de hipóteses teóricas sobre o comportamento de determinadas variáveis do mercado de trabalho. 4. De acordo com as notas metodológicas da PED, a PIA representa a População em Idade Ativa com 10 anos e mais. A PEA é a População Economicamente Ativa, representada pela parcela da PIA que está ocupada ou desempregada. Os Inativos representam a parcela da PIA com mais de 10 anos que não estão nem ocupados nem desempregados. 5. Certamente este resultado pode ser atribuído ao fato de o grupo dos cônjuges é composto basicamente de mulheres. 6. A desagregação dos dados indica que houve um forte aumento da taxa de participação na força de trabalho das mulheres, dos grupos etários adultos (25 a 39 anos), dos cônjuges e filhos, dos mais qualificados, e uma queda na taxa de participação dos homens, dos chefes de família, dos jovens entre 10 e 14 anos, e dos analfabetos. 7. O Simples é o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, instituído pelo Governo Federal através da Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996. Entrou em vigor em 1/1/1997. 8. Atualmente o seguro-desemprego é concedido, por tempo limitado, ao trabalhador despedido sem justa causa, inclusive a indireta, que, entre outros requisitos, tenha tido vínculo empregatício durante seis meses ou mais, nos últimos 36 meses que antecederam sua dispensa. A duração do benefício varia entre três e cinco parcelas mensais, dependendo do tempo de serviço exercido no emprego que originou a dispensa. 9. Esta subseção se refere ao desemprego total computado pela PED, englobando o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e o desemprego oculto pelo desalento. 10. As políticas ativas compreendem um amplo conjunto de medidas voltadas para melhorar o acesso dos desempregados ao mercado de trabalho, bem como às vagas de emprego, além de aspectos referentes à qualificação da mão-de-obra. Regra geral, elas contemplam os seguintes programas: serviço de emprego, treinamento, apoio aos jovens, subsídios ao emprego, medidas para os incapacitados, assistência à procura por trabalho, criação direta de emprego no setor público e auxílio para os desempregados se estabelecerem em negócio próprio. As políticas passivas compreendem os gastos com benefícios do seguro-desemprego e outros benefícios a ele relacionados, em especial os referentes à aposentadoria precoce. NOTAS Texto elaborado especialmente para a São Paulo em Perspectiva, por ocasião da edição comemorativa dos 25 anos da Fundação Seade. O autor agradece a dedicação e competência do estagiário Leandro de 216 TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ... 11. A observação da evolução do rendimento médio real, ano a ano, permite verificar que, para a maioria das categorias ocupacionais desta seção, ele se manteve relativamente estável entre 1995 e 1997, começou a declinar com a queda do nível de atividade em 1998, sofrendo uma queda abrupta a partir de então, especialmente depois da desvalorização cambial de 1999. FERNANDES, R.; PICCHETTI, P. Uma análise da estrutura do desemprego e da inatividade no Brasil metropolitano. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.29, n.1, 1999. FUNDAÇÃO SEADE/DIEESE. Pesquisa de emprego e desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. Nota técnica n.9. Atualização dos valores absolutos das séries divulgadas pela PED. São Paulo, ago. 2003. MENEZES-FILHO, N.A.; PICCHETTI, P. Uma análise da duração das relações de emprego em São Paulo – 1988 a 1999. In: CHAHAD, J.P.Z.; PICCHETTI, P. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: padrões de comportamento e transformações institucionais. São Paulo: Editora LTr, 2003. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANCO MUNDIAL. Empregos no Brasil. Volume I: sessão informativa sobre política. Relatório Conjunto com o IPEA, Brasília, n.24.408BR, nov. 2002. CACCIAMALI, M.C. Desgaste da legislação laboral e ajustamento do mercado de trabalho no Brasil nos anos 90. In: POSTHUMA, A. (Org.). Abertura e ajuste no mercado de trabalho no Brasil. Políticas para conciliar os desafios do emprego e da competitividade. São Paulo: OIT, 1999. PICCHETTI, P.; ZYLBERSTAJN, H. Um estudo sobre as fontes de recursos para desempregados na Região Metropolitana de São Paulo – 1986 a 2001. In: CHAHAD, J.P.Z.; PICCHETTI, P. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: padrões de comportamento e transformações institucionais. São Paulo: Editora LTr, 2003. CHAHAD, J.P.Z. As modalidades especiais de contrato de trabalho na CLT e a flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro. In: CHAHAD, J.P.Z.; CACCIAMALI, M.C. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: novas práticas trabalhistas, negociações coletivas, e direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2003. PICCHETTI, P.; CHAHAD, J.P.Z.; ORELLANO, V. Um modelo de decisões relacionadas à rotatividade de mão-de-obra no Brasil. In: CHAHAD, J.P.Z.; MENEZES-FILHO, N.A. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: salário, emprego e desemprego numa era de grandes mudanças. São Paulo: Editora LTr, 2002. CHAHAD, J.P.Z.; MACEDO, R. A evolução do emprego no período 1992-2001 e a ampliação do mercado formal brasileiro desde 1999. In: CHAHAD, J.P.Z.; PICCHETTI, P. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: padrões de comportamento e transformações institucionais. São Paulo: Editora LTr, 2003. RAMOS, L. O funcionamento do mercado de trabalho metropolitano brasileiro no período 1991-2001. Texto de discussão. Rio de Janeiro: Ipea, nov. 2002. ZOCKUN, M.H.; CHAHAD, J.P.Z. A terceirização do trabalho no Brasil: um estudo de caso. In: CHAHAD, J.P.Z.; CACCIAMALI, M.C. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: novas práticas trabalhistas, negociações coletivas, e direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2003. CHAHAD, J.P.Z.; PORTELA SOUZA, A. Os direitos fundamentais dos trabalhadores, a cláusula social e o comércio internacional: o caso de trabalho infantil no Brasil. In: CHAHAD, J.P.Z.; CACCIAMALI, M.C. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: novas práticas trabalhistas, negociações coletiva, e direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: Editora LTr, jun. 2003. 529p. FERNANDES, R. Estratégias de sobrevivência do trabalhador desempregado. In: CHAHAD, J.P.Z.; PICCHETTI, P. (Orgs.). Mercado de trabalho no Brasil: padrões de comportamento e transformações institucionais. São Paulo: Editora LTr, 2003. JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD: Professor da FEA-USP, Pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. 217 SÃO 218-233, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO tendências e trajetória JOSÉ MARCOS PINTO CUNHA Resumo: Análise das transformações ocorridas a partir dos anos 80 que tiveram importantes conseqüências no processo de urbanização, nos sistemas urbanos e nos padrões de assentamentos humanos no Brasil, com ênfase especial ao desempenho do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo neste processo. Para tanto, foram utilizados os dados dos Censos Demográficos de 1980 a 2000. Palavras-chave: distribuição espacial da população; urbanização; migração interna; metropolização. Abstract: An analysis of the transformation that occurred beginning in the 1980s and that had important consequences for the process of urbanization, in the urban systems and patterns of human settlement in Brazil, with special emphasis on the role played by the State and the Metropolitan Region of São Paulo in this process. Data from the Demographic Censuses of 1980 and 2000 were used for this purpose. Key words: spatial distribution of the population; urbanization; internal migration; metropolitanization. A ssim como observado para quase toda a América Latina, a partir dos anos 80 as dinâmicas econômica, social e demográfica brasileiras passaram por significativas transformações que tiveram profundas implicações nos seus processos de redistribuição espacial da população e urbanização, sendo uma delas a interrupção do ímpeto concentrador que, durante décadas, caracterizou a dinâmica demográfica nacional. Além disso, não apenas diversificaram-se as formas de assentamentos humanos, como também ganharam importância, na dinâmica demográfica nacional, novos espaços regionais e outros tipos de mobilidade populacional, com claras conseqüências nos padrões locacionais da população dentro e fora dos grandes centro urbanos, caracterizando, assim, uma relativa desconcentração demográfica. Em termos econômicos, a questão da desconcentração no Brasil também suscitou um cadente debate (Azzoni, 1986; Diniz, 1993; Pacheco 1998; Lencioni, 1996), cujas teses, sem negar a manutenção do papel do núcleo hegemônico nacional (São Paulo), diferiam tanto na intensidade quanto na abrangência espacial do fenômeno. De qualquer maneira, o fato é que o país transformouse. Estados da Região Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram os que mais sofreram não apenas com a crise econômica, mas também com as novas tendências locacionais da atividade produtiva que, de uma forma ou de outra, também tiveram impactos sobre a redistribuição espacial da população. A partir de análise dos dados censitários de 1970 a 2000, pretende-se mostrar que, embora real, a desconcentração demográfica, em particular desde as metrópoles, é apenas relativa e, mais que isso, praticamente circunscrita ao centro dinâmico do país situado no Sudeste brasileiro. Além disso, enfatizando o papel do conjunto das regiões metropolitanas nesse processo, são mostradas a força que o fenômeno metropolitano ainda tem sobre a dinâmica nacional e a forma como as características deste tipo de assentamento humano se repetem no país. Finalmente, conclui-se este estudo com uma avaliação do papel do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo nas tendências redistributivas observadas no Brasil. Com ênfase nas principais mudanças nos processos migratórios destas áreas, busca-se mostrar a importância que ainda hoje a dinâmica paulista possui sobre os rumos da mobilidade da população brasileira, mesmo considerando a situação de crise pela qual vem passando. O re- 218 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA e Pará. Essa região também ganhou peso relativo na distribuição de sua população no total do País: respondia por 4,43% da população nacional em 1970, passando para 5,57% em 1980, e alcançando 6,53% em 1991. Esse enorme crescimento populacional da Região Norte esteve condicionado, sem dúvida, aos fluxos migratórios que para lá se dirigiram do final da década de 70 até metade dos anos 80. Entretanto, como aponta Martine (1994), o ímpeto de ocupação da região reduziu-se significativamente, coincidindo com o fim de programas e subsídios governamentais, além de dificuldades operacionais e tecnológicas para desenvolver a região. De fato, entre 1991 e 2000, a taxa de crescimento da população do Norte diminuiu para 2,62% a.a., apesar de ser ainda a mais elevada entre as regiões. No período 1980-91, as Regiões Nordeste e CentroOeste registraram taxas de crescimento da população (1,82% a.a. e 2,99% a.a., respectivamente) superiores às das Regiões Sudeste (1,76% a.a.) e Sul (1,38% a.a.). No caso do Nordeste, a constituição de algumas “ilhas de produtividade” (Pacheco, 1998) com o dinamismo ligado ao Pólo Petroquímico de Camaçari (no Estado da Bahia), a implantação de novas plantas industriais em Estados como Ceará, Pernambuco e Bahia, as atividades turísticas, a agricultura irrigada para exportação, o emprego público, etc. ampliaram e diversificaram a estrutura econômica nordestina, contribuindo tanto para a absorção de uma população que potencialmente migraria, quanto para incentivar fluxos migratórios de retorno, oriundos principalmente do Sudeste (Cunha; Baeninger, 2000; Cano, 1998). Nota-se, no entanto, que nos anos 90 o crescimento demográfico nordestino teve uma das reduções mais pronunciadas do país, fato que, como se verá adiante, coincide com um incremento de sua emigração, fato, aliás, já prenunciado por Cano (1998) ao reconhecer a redução dos impactos dos investimentos do II PND, além das crises na produção industrial, do setor público em particular nas maiores aglomerações. Considerando a Região Centro-Oeste, o crescimento populacional relativamente elevado observado no período 1980-91 esteve condicionado à sua situação de fronteira agrícola, à dinamização das atividades agropecuárias voltadas para o complexo grãos/carne e também ao importante efeito das atividades de garimpo, que tiveram forte ação no processo de ocupação regional no final dos anos 80 até começo dos 90. Contudo, como se percebe na Tabela 1, este mesmo desempenho não foi repetido nos anos 90, uma vez que vários dos condicionantes de ocupação crudescimento de certos fluxos migratórios, em particular aqueles originados no Nordeste, e a redução da diferença entre os crescimentos demográficos da metrópole e do interior, a despeito da continuidade das perdas migratórias líquidas da primeira para o segundo, são alguns dos aspectos relevantes revelados pelos dados do Censo Demográfico de 2000 e que marcam inequivocamente o papel central da Região Metropolitana de São Paulo para se entender processos inter e intra-estaduais. REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NO BRASIL Os dados do Censo Demográfico de 1991, assim como os mais recentes de 2000, revelaram uma redução generalizada no ritmo do crescimento demográfico das regiões brasileiras, fruto não apenas da queda da fecundidade (de cerca de 4 filhos por mulher em 1980 para 2,3 no momento atual), mas também de alterações significativas nas tendências migratórias. Para o conjunto da população nacional, observa-se que, de uma taxa de crescimento correspondente a 3,05% a.a. no período 1950-60, o país passou para 2,48% a.a. nos anos 70, diminuindo para 1,93% a.a. entre 1980 e 1991. De 1991 a 2000, a taxa de crescimento da população brasileira chegou a 1,62% a.a. (Tabela 1). Quanto às regiões do país, o Norte destacou-se no período 1980-1991 por apresentar a taxa de crescimento populacional mais elevada (4% a.a.), demonstrando a importância da fronteira agrícola nos anos 80 como canalizadora de importantes fluxos migratórios para as áreas rurais, particularmente para os Estados de Rondônia TABELA 1 Taxa de Crescimento Médio Anual, segundo Grandes Regiões Brasil – 1940-2000 Em porcentagem Grandes Regiões 1940/ 1950 1950/ 1960 1960/ 1970 1970/ 1980 1980/ 1991 1991/ 2000 Brasil 2,35 3,04 2,89 2,48 1,93 1,62 Norte 2,30 3,40 3,47 5,02 3,85 2,86 Nordeste 2,23 2,12 2,40 2,16 1,82 1,31 Sudeste 2,11 3,11 2,67 2,64 1,76 1,61 São Paulo 2,40 3,50 3,30 3,50 2,02 1,79 Minas Gerais 1,50 2,33 1,49 1,54 1,48 1,42 3,19 4,14 3,45 1,44 1,38 1,42 5,61 7,16 4,97 0,97 0,93 1,40 3,30 5,45 5,60 3,99 2,99 2,38 Sul Paraná Centro-Oeste Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1940 a 2000. 219 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 anteriores – como subsídios governamentais para o processo de colonização e a atividade garimpeira – já não mais estavam presentes. Na Região Sudeste percebe-se que, nos anos 90, sua taxa de crescimento demográfico continuou em queda, muito embora em ritmo bem inferior ao observado na década de 80, certamente em função da menor redução relativa da fecundidade e da migração. Há de se notar que, como sustenta Pacheco (1993), foi esta a região que mais sofreu os impactos do processo de reestruturação e desconcentração produtiva, uma vez que, particularmente no caso do Estado de São Paulo, detinha parcela significativa de produção e emprego industrial. Para a Região Sul, o período 1980-1991 apresentou a menor taxa de crescimento populacional (1,38% a.a.), refletindo, em grande medida, sua taxa negativa de crescimento da população rural (-2,0% a.a.), devido ao grande êxodo rural do Paraná, que se iniciou nos anos 70 e se estendeu aos 80. Contudo, entre 1991 e 2000, a Região Sul apresentou uma significativa recuperação de seu crescimento demográfico, refletindo os efeitos do desempenho da atividade industrial, particularmente no caso do Paraná, que foi beneficiário importante do processo de desconcentração da industria nacional. Como mostraram os dados, de fato, este Estado, após duas décadas de crescimento demográfico pífio, recuperou-se significativamente nos anos 90. TABELA 2 Distribuição da População Total, segundo Grandes Regiões Brasil – 1970/2000 Em porcentagem Grandes Regiões 1970 1980 1991 2000 Brasil 100,00 100,00 100,00 100,00 Norte 4,43 5,57 6,83 7,62 Nordeste 30,18 29,25 28,94 28,12 Sudeste 42,79 43,47 42,73 42,62 12,34 11,24 10,71 10,54 Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Sul Paraná Centro-Oeste 9,66 9,49 8,70 8,49 19,09 21,04 21,47 21,84 17,71 15,99 15,08 14,79 7,43 6,41 5,75 5,65 4,89 5,72 6,42 6,85 Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1970 a 2000. gráfica brasileira pouco tem se alterado, sobretudo quando se consideram as duas últimas décadas. De fato, de 1970 a 2000, poucas foram as modificações nos pesos relativos da população de cada um dos Estados (Tabela 2). Mesmo com uma ligeira diminuição relativa de sua população no total nacional (de 43,5% nos anos 70 para 42,6% em 2000), o Sudeste ainda detém o maior volume populacional do país. De maneira especial, percebe-se que, no caso do Estado de São Paulo, o seu peso relativo continuou aumentando, muito embora em ritmo bem menos acentuado, refletindo a redução do impacto da migração no seu crescimento demográfico. Tendo em vista os diferenciais regionais de fecundidade ainda existentes no Brasil – com as áreas mais desenvolvidas do Sudeste e Sul registrando taxas de fecundidade, em média, 25% menores que as mais pobres –, pode-se deduzir facilmente que o efeito da migração foi decisivo nesse processo de distribuição espacial da população brasileira. Pelo menos até os anos 70, impulsionada pela intensa imigração, a Região Sudeste, em particular o Estado de São Paulo, cresceu a taxas significativamente maiores que o país, fato não observado nos anos 80 e 90. A contrapartida para essa situação pode ser percebida pelo comportamento das taxas de crescimento das regiões historicamente “fornecedoras” de migrantes, como Paraná, Minas Gerais e o Nordeste. Nesses casos, constata-se que a diminuição das taxas de crescimento da população foi bem menor que no Sudeste ou mesmo no Brasil, o que mostra que a emigração sofreu uma significativa redução (Cunha; Baeninger, 2000). Contudo, isso não significa que Distribuição Espacial da População e Urbanização Como já se adiantou, a distribuição espacial da população brasileira esteve pautada, pelo menos até o início dos anos 80, pela progressiva concentração demográfica na Região Sudeste, sobretudo em São Paulo, e, em menor medida, pelo crescimento da importância relativa das regiões de fronteiras agrícolas. Desde 1950, o Sudeste concentra mais de 40% da população nacional, sendo que somente o Estado de São Paulo abrigou em média, no período, 19% dos brasileiros. Em termos das principais tendências entre 1950 e 2000, o que se observa é que apenas as Regiões Norte e Centro-Oeste aumentaram seus pesos relativos, comportamento que espelha a ocupação de suas áreas de fronteiras agrícolas e, no caso do CentroOeste, da ocupação progressiva e intensa do Distrito Federal e seu entorno. A despeito de todos os movimentos de população ocorridos ao longo de várias décadas, na verdade, o padrão concentrador que sempre caracterizou a dinâmica demo- 220 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA Portanto, os diferentes ritmos de crescimento da população brasileira regional, apontados anteriormente, revelam que, a partir dos anos 80, ocorreram significativas mudanças no quadro migratório nacional, algumas já esperadas em função de tendências passadas, como o caso da fronteira e a recuperação da Região Sul, e outras, se não surpreendente, no mínimo, merecedoras de uma mais longa e ampla reflexão. Este é o caso do recrudescimento da migração nordestina justamente num momento em que as grandes transformações produtivas no país levavam a apostar num arrefecimento deste tipo de migração. Neste particular, vale lembrar reflexões como as de Cano (1995:131): “Sob o ponto de vista do nosso processo de urbanização, os efeitos da reestruturação produtiva sob a égide de políticas neoliberais serão igualmente danosos e complexos para a economia e a sociedade brasileiras. Com a reconcentração industrial e com a falta de empregos pouco qualificados que surgiriam, os fluxos migratórios inter-regionais, notadamente os originários do Nordeste e de Minas Gerais e orientados principalmente para São Paulo, diminuiriam ainda mais, fazendo com que os migrantes do mundo rural devessem ter guarida nas cidades médias e grandes da própria periferia nacional”. De fato, tendo em vista a inequívoca redução das alternativas nas áreas de fronteira agrícola, bem como os impactos da crise econômica dos anos 80 e o processo de reestruturação produtiva sobre o aparato industrial, especialmente do Estado de São Paulo, era de se esperar uma redução dos movimentos populacionais interestaduais. Na verdade, se, por um lado, o “fechamento” das fronteiras significou o estreitamento das possibilidades de redistribuição espacial da população no país, por outro, os processos de reestruturação econômica tiveram implicações decisivas na geração de emprego (e, por conseguinte, no crescimento do desemprego), na deterioração das relações de trabalho (Dedecca; Baltar, s.d.) e, conseqüentemente, nas possibilidades concretas de absorção dos migrantes, inaugurando o que Faria (1992) chamou de período de “mobilidade travada”. Nesta mesma linha de raciocínio, podem ser incluídas as hipóteses de Pacheco (1993:22) para quem “o bloqueio à mobilidade, representado pela redução do crescimento econômico, pode tanto ter incentivado uma menor migração em direção às principais metrópoles, como favorecido a migração de retorno”. A relativa desconcentração industrial para Estados como Minas Gerais e Paraná, o crescimento da agricultura e agroindústria no Centro-Oeste e a conseqüente “urbanização da fronteira agrícola” também foram fatores que a evasão demográfica destas áreas tenha se esgotado, haja vista que as taxas de crescimento registradas para os anos 80 foram ainda muito baixas (Tabela 1). Já o crescimento demográfico acima da média nacional apresentado pelas regiões Norte e Centro-Oeste mostra que ainda nos anos 80 e 90 essas áreas registraram saldos migratórios positivos, que certamente foram mais importantes na primeira região, em especial nos Estados de Roraima, Amapá e Amazonas, que ainda cresciam na última década a taxas elevadas, da ordem de 4,6%, 5,8% e 3,3% a.a., respectivamente. A Migração Interestadual Com base nos dados da Tabela 3, observam-se várias alterações na migração interestadual no Brasil na década passada. Em primeiro lugar, chama atenção que o volume de pessoas residindo há menos de dez anos nas várias Unidades da Federação aumentou significativamente, sugerindo, a princípio, um crescimento da mobilidade interna no país. Esta visão geral deixa, contudo, de considerar comportamentos importantes, tais como: - a redução significativa das perdas populacionais de Estados historicamente emissores de migrantes, como Minas Gerais e Paraná; - o importante recrudescimento da emigração em vários Estados do Nordeste, particularmente Bahia, Piauí, Maranhão e Alagoas; nos demais chama também a atenção a manutenção dos patamares de perdas demográficas dos anos 80; - em certo sentido como contrapartida do anterior, o incremento, nos anos 90, do volume de imigração registrado no Sudeste, não apenas em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro e Minas Gerais; - o aumento da imigração no Centro-Oeste, processo este, contudo, visivelmente “desconectado” da fronteira agrícola, tendo em vista que tal comportamento deve-se muito mais à performance do Distrito Federal e de Goiás; no caso do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a tendência dos anos 80 de redução da imigração mantém-se; ainda nestes dois casos, a emigração do decênio 1990-2000 manteve os patamares elevados atingidos na década anterior, o que mostra a continuidade de um processo de desaceleração da ocupação da fronteira nestes Estados; - a significativa recuperação dos volumes de imigração dos três Estados da Região Sul, acompanhada por uma redução ou certa estabilização das perdas populacionais. 221 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 3 População com Menos de 10 Anos de Residência, por Condição Migratória, segundo Unidade da Federação Brasil – 1970-2000 1970/80 Unidades da Federação Imigrante TOTAL 1981/91 Emigrante 9.587.459 Imigrante 1990/2000 Emigrante 10.614.223 Imigrante Emigrante 12.478.790 Norte 812.090 294.520 1.327.603 797.813 1.305.242 958.921 Rondônia 285.670 39.672 411.802 157.957 197.589 152.867 Acre 16.640 19.080 29.245 30.550 36.070 30.993 Amazonas 73.353 55.151 113.399 96.782 189.953 119.703 Roraima Pará Amapá 18.300 4.122 62.579 13.526 87.975 23.283 395.378 165.773 508.412 340.289 475.891 451.819 22.749 10.722 43.152 14.006 98.842 29.106 Tocantins - - 159.015 144.702 218.922 151.150 Nordeste 1.452.763 3.229.734 2.140.462 3.668.244 2.574.710 4.033.524 Maranhão 182.825 329.057 236.891 498.083 262.555 573.807 Piauí 92.677 227.224 161.234 287.566 196.658 320.115 Ceará 150.434 464.781 292.914 519.712 388.399 434.086 99.802 167.322 159.248 165.447 174.915 152.213 Paraíba 124.518 363.650 208.521 356.296 245.653 364.182 Pernambuco 654.965 R.G. do Norte 280.279 654.491 370.588 657.833 410.619 Alagoas 98.635 192.261 133.852 212.367 151.187 283.325 Sergipe 73.122 103.133 122.046 94.040 125.552 117.034 Bahia 350.471 727.815 455.169 876.900 619.172 1.133.797 4.921.007 3.243.050 4.322.510 3.331.922 5.236.890 3.407.631 Minas Gerais 613.732 1.218.957 797.879 1.016.120 910.447 887.733 Espírito Santo 201.156 204.985 269.063 197.134 296.248 180.482 Rio de Janeiro 855.230 531.360 576.399 623.739 775.806 549.872 3.250.889 1.287.748 2.679.169 1.494.930 3.254.389 1.789.544 Sudeste São Paulo Sul 923.255 1.884.734 1.151.959 1.649.104 1.522.397 1.353.429 Paraná 523.856 1.329.474 588.088 1.081.535 754.178 798.265 Santa Catarina 245.628 242.877 329.917 271.443 458.614 285.084 R.G. do Sul 153.771 312.383 233.954 296.126 309.605 279.080 Centro-Oeste 1.478.344 935.421 1.671.688 1.167.140 1.839.551 1.180.535 M.G. do Sul 292.914 224.978 262.612 237.424 236.030 206.103 Mato Grosso 326.148 151.093 541.742 244.438 420.296 249.423 Goiás 383.475 408.237 518.145 345.179 758.863 341.856 Distrito Federal 475.807 151.113 349.189 340.098 424.362 383.153 Fonte: IBGE. Censos Demográfico 1980, 1991 e 2000 (tabulação especial Nepo/Unicamp). depende apenas da situação nos destinos, mas também nas origens. No caso do Nordeste, em particular, haveria que se considerar outros elementos que tenham atuado no sentido de, mesmo em condições pouco favoráveis nas áreas “atrativas”, sua emigração ter se incrementado. Embora fuja do escopo deste artigo, algumas especulações poderiam ser feitas. Em primeiro lugar, deve-se considerar os impactos de certos problemas estruturais cujas contribuíram para o redirecionamento de certos fluxos migratórios.1 Não obstante as considerações anteriores e seus graus de validade ou veracidade, fica claro que parte das tendências reveladas pelo Censo Demográfico de 2000 no que se refere à mobilidade espacial da população ainda carece de melhor interpretação, especialmente ao se levar em conta que o processo migratório sempre tem “duas pontas”, ou seja, não 222 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA TABELA 4 intensificações cíclicas ou sazonais podem agir de maneira mais aguda em certos momentos, como, por exemplo, a seca; outro elemento diz respeito às questões fundiárias, particularmente aquela relacionada à redução da pequena propriedade, que podem ter se agudizado em certas regiões;2 finalmente, a crise, nos moldes do ocorrido no sudeste, também nas maiores aglomerações urbanas regionais, particularmente nas metropolitanas que, como se sabe, constituem importantes pontos de chegada para parte do contingente liberado no interior destes Estados. Neste último caso, as considerações de Cano sugerem que, após um período de recuperação apoiado na maturação de investimentos e um processo de industrialização periférica, o Nordeste volta a apresentar maus resultados em termos de seu crescimento econômico, o que parece ter tido impacto no seu poder de retenção populacional, em especial no caso de suas maiores aglomerações urbanas. O autor sustentava, por um lado, que “os grandes investimentos do II PND, a partir de 1985, já haviam maturado, diminuindo assim seus impactos adicionais na periferia” (Cano, 1998:331) e, por outro, que o Nordeste teria perdido peso relativo na produção industrial entre 1985 e 1995, “principalmente pela continuidade do retrocesso de Pernambuco, pela crise de indústria química nacional, que também afetou a Bahia, e pela contração sofrida pelos setores Têxtil e Confecções em quase toda a região” (Cano, 1998:329). Taxa de Urbanização, segundo Grandes Regiões Brasil – 1950/2000 Em porcentagem Grandes Regiões 1950 Brasil 36,2 44,7 Norte 31,5 37,4 Nordeste 26,4 33,9 Sudeste 47,5 57 Sul 29,5 Centro-Oeste 24,4 1960 1970 1980 1991 2000 55,9 67,6 75,5 81,2 45,1 51,7 59 69,9 41,8 50,5 60,7 69,1 72,7 82,8 88 90,5 37,1 44,3 62,4 74,1 80,9 34,2 48 67,8 81,3 86,9 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950 a 2000. Um olhar mais pormenorizado do grau de urbanização da população brasileira permite apreciar um elemento que, no calor da interpretação e estudo do processo de urbanização brasileiro, acaba sendo negligenciado por boa parte dos estudiosos: a significativa parcela de população rural que ainda existe no país e sua importância relativa em âmbito regional. Ainda hoje, no país, mais de 31,8 milhões de pessoas vivem no campo, sendo que quase metade desse total (46,4%) reside na Região Nordeste que, como já mencionado, tem sido historicamente a principal área de evasão demográfica do país. Além disso, em outros Estados, mesmo com pequena participação na população nacional, a importância do contingente rural é clara, por exemplo, no Acre e em Rondônia, na Região Norte (mais de 33%), ou no Piauí e Maranhão, no Nordeste (superior a 37%). Mesmo nas regiões mais urbanizadas do país, alguns Estados se destacam pela parcela significativa de população rural, como Espírito Santo e Santa Catarina. Contudo, não se pode esquecer que parte significativa da população dita “rural” encontra-se, na verdade, dentro ou nas áreas de influência das grandes aglomerações urbanas e, portanto, pouco reflete a realidade do fenômeno rural, sendo em vários casos muito mais expressões da expansão urbana. Entretanto, é interessante notar que a Região CentroOeste, a despeito de ter seu processo de ocupação intimamente ligado à expansão da fronteira agrícola, registra um elevado percentual de população urbana, mesmo quando se desconsidera o Distrito Federal que, como se sabe, justifica o grau de urbanização por sua função de capital administrativa do país. O fenômeno que vem sendo chamado de “urbanização da fronteira” (Ipea/IBGE/Nesur, 1999) espelha claramente a forma como a atividade agropecuária vem se estruturando há algumas décadas no país O Processo de Urbanização Apesar das mudanças nos fluxos migratórios interestaduais, o processo de urbanização brasileiro seguiu seu curso, impulsionado pelo êxodo rural sem precedentes dos anos 60 e 70, quando cerca de 13,5 e 15,6 milhões de pessoas, respectivamente, saíram da área rural (Camargo; Martine, 1984). Inclusive nos anos 80, pela primeira vez, a população rural brasileira reduziu-se em números absolutos. Nesse processo, o país chegou em 2000 com mais de 81% das pessoas vivendo nas cidades. É interessante observar, no entanto, as diferenças internas existentes em algumas das regiões: no caso do Sudeste, registram-se situações como a do Rio de Janeiro e São Paulo, com 96% e 93% de população urbana, respectivamente, e a de Minas Gerais com 82%; no Centro-Oeste, as disparidades são ainda maiores, quando comparados o Distrito Federal (95,6%) e o Mato Grosso (79,4%). Evidentemente, tais situações se explicam pelas diferenças em termos das estruturas produtivas de cada Estado. 223 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 dades de mensuração do fenômeno rural ou urbano sempre na mesma direção. Se, por um lado, como sustentam Elgler (2001) e Veiga (2002), o “rural” em várias partes do país fora do eixo industrial é muito maior que aquele mostrado pelos dados censitários, por outro, no contexto das grandes aglomerações urbanas o seu tamanho certamente é menor do que os dados sugerem. Seja qual for o tamanho real da população urbana, podese dizer que, ao mesmo tempo em que se urbanizou, a população brasileira também se concentrou espacialmente, muito embora com um grau de heterogeneidade regional menor que qualquer país da América do Sul. Em trabalho anterior (Cunha, 2001), pôde-se mostrar que o Brasil se diferencia em grande medida de países como Argentina, Chile e Uruguai, onde o peso da região metropolitana formada ao redor da capital do país chega a representar mais de 40% da população nacional. A verdade é que, no Brasil, a maior região metropolitana (São Paulo), além de não ter se formado a partir da Capital Federal, responde por pouco mais de 10% da população total do país. Segundo Pacheco (1993:22), “o caráter relativamente desconcentrado do sistema urbano brasileiro se deve às origens históricas de seu processo de ocupação”, caracterizando-se pela formação de “uma rede de cidades dispersa, em comparação a outras experiências latino-americanas”. Mesmo assim, e aceitando a existência, nas últimas duas décadas, de uma tendência de desconcentração relativa, a rede de cidades brasileira está muito longe de se caracterizar como “equilibrada”, uma vez que é patente a concentração da população nos municípios de maior tamanho. Assim, em 2000, quase três quartos dos municípios brasileiros (com menos de 20 mil habitantes) respondiam por menos de 20% da população nacional, enquanto menos de 0,6% deles (aqueles com mais de 500 mil habitantes) abrigavam quase 30% dos brasileiros. Entre 1970 e 2000 o peso relativo dos municípios pequenos na população brasileira caiu de 32% para menos de 20%, enquanto o grupo que mais ganhou peso relativo foi o correspondente aos municípios médios (de 100 a 500 mil habitantes), que elevou sua participação de 14,5% para 23,4% nestas três décadas.4 Tomados em conjunto, os municípios com mais de 100 mil habitantes, embora representando apenas 4% do total, abrigavam em 2000 mais de 51% dos habitantes no país. Observando apenas os municípios “milionários” (0,24% do total de municípios e 20,27% da população nacional), nota-se que estes também aumentaram sua par- e, infelizmente para a população rural e pequenos proprietários agrícolas, como prescinde destes últimos. De fato, nessa região, o setor terciário e a atividade industrial estão fortemente atrelados ao dinamismo agropecuário com reflexos importantes na configuração urbana regional, sendo, aliás, a única opção para boa parcela dos migrantes (Cunha, 2000b). Um fato curioso se observa a partir da taxa de crescimento demográfico da população rural. Nesse caso, percebe-se que o crescimento mais intenso da população rural brasileira, nos anos 90, foi observado em duas áreas diametralmente opostas em termos de suas características econômicas, sociais e demográficas: nos Estados do Norte, como Amazonas, Acre e Rondônia, e em São Paulo e no Distrito Federal. Enquanto nos primeiros Estados tal comportamento se justificaria pela estrutura produtiva e forma de ocupação dos mesmos, nos últimos claramente os dados apresentados denunciam uma “anomalia” provocada, na verdade, pela natureza do dado coletado.3 Nesse sentido, hoje ainda há uma grande discussão sobre a natureza da urbanização brasileira, em particular sobre a forma como os assentamentos humanos são classificados pelas estatísticas oficiais. Como se sabe, a definição de urbano e rural no Brasil é ainda hoje uma matéria normativa, dependendo muito mais de decisões administrativas do que considerações substantivas do significado e função destas áreas. Ao que tudo indica, a importância do rural brasileiro ainda não pode ser bem avaliada pelos dados oficiais devido a, pelo menos, dois motivos: o primeiro deles é de ordem teórica, considerando-se as novas relações existentes entre a cidade e o campo; e o segundo é de ordem operacional, tendo em conta a forma como são classificadas, no Brasil, as áreas urbanas e rurais. Veiga (2002:3), por exemplo, sustenta que o rural brasileiro é muito maior do que aquele apontado pelos dados do IBGE e esta subestimação deve-se à definição vigente de urbano no Brasil – com apenas algumas modificações, a mesma desde 1938 –, que “transformou em cidades todas as sedes municipais existentes, independentemente de suas características estruturais e funcionais”, e, portanto, “foram consideradas urbanas todas essas sedes, mesmo que não passassem de ínfimos vilarejos ou povoados”. Estes fatos, ainda segundo o autor, levaria a profundas distorções da rede urbana brasileira. Além disso, há que se reconhecer que as diversidades regionais no país fazem com que os problemas derivados dessa dificuldade de mensuração não impliquem dificul- 224 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA ticipação, com exceção daqueles com mais de 5 milhões de habitantes (somente São Paulo e Rio de Janeiro), cuja expansão foi “apropriada” pelos municípios periféricos de suas respectivas áreas metropolitanas, ou por processos de desconcentração regional ou interiorização das respectivas populações estaduais. Assim, embora os dados possam sugerir a existência no país de uma desconcentração desde as “megacities” em direção aos municípios médios e intermediários, no entender deste autor, tal conclusão necessita de alguns reparos ou, pelo menos, deve ser relativizada. Primeiro porque esse fenômeno não necessariamente significa o fim ou redução da aglomeração demográfica em territórios específicos, já que boa parte dessa “desconcentração” acaba implicando o surgimento de outras – menores é bem verdade – concentrações urbanas; segundo porque parte significativa desta “perda” de peso relativo das “megacities” dá-se em favor de seus próprios “hinterlands” ou do interior de seus próprios Estados. Portanto, deve-se reconhecer o caráter ainda pouco disperso deste processo, bem como o fato de que o termo “desconcentração/concentrada”, utilizado por Baeninger (1997) para descrever o caso do Estado de São Paulo, talvez pudesse ser aplicado para o caso das tendências atuais da rede urbana brasileira. milhão de habitantes, categorias de tamanho que, como se mostrou, foram as que amealharam boa parte da desconcentração demográfica. O que se pretende mostrar, na verdade, é que a realidade da desconcentração metropolitana é apenas visível, e também relativa, no grande centro econômico e demográfico do país, representado pelos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, fortemente afetados pela grave crise econômica que assolou o país nos anos 80. Uma das conseqüências foi a redução significativa do crescimento de suas áreas metropolitanas, em função de uma redução importante da imigração e também de um aumento da emigração intra e interestadual. Assim, pode-se dizer que, a não ser no caso dos Estados anteriormente mencionados, o processo de metropolização brasileiro continuou com significativo fôlego no resto do país. No contexto de uma pequena, mas, segundo Pacheco (1998), efetiva desconcentração econômica e da crise e reestruturação da economia paulista, os anos 80 e 90 presenciaram a emergência e/ou consolidação de várias outras regiões metropolitanas que, como Curitiba (Estado do Paraná), Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais), ou algumas áreas do Nordeste como Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco) e Fortaleza (Ceará), acabaram abrigando parcela significativa dos fluxos migratórios que potencialmente poderiam dirigir-se para o centro dinâmico nacional. A Tabela 6, que traz as dez principais Regiões Metropolitanas, permite observar a evolução do crescimento demográfico das mesmas e constatar o que foi dito até aqui. Basta observar o comportamento das duas principais áreas metropolitanas do país (São Paulo e Rio de Janeiro) para perceber que tanto a redução do crescimento da população metropolitana no Brasil como a perda O Fenômeno Metropolitano Como já se adiantou, a afirmação de existência de um processo de desconcentração demográfica desde as metrópoles no Brasil, com o conseqüente crescimento das localidades não metropolitanas, sobretudo as de tamanho médio (Baeninger, 2000a), embora inegável, acaba tendo que ser ao menos relativizada ao serem considerados os dados a partir da perspectiva do conjunto das áreas metropolitanas do país. Considerando as RMs oficialmente instituídas no momento da realização do Censo 2000,5 constata-se que cerca de 50% do crescimento demográfico brasileiro (cerca de 11 milhões de pessoas) ocorreu dentro dessas aglomerações, que, inclusive, aumentaram sua participação relativa na população nacional na década de 90 em quase 1,3 ponto percentual (38,6% para 39,9%), ganho incrementado ainda mais quando se retiram do grupo São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, como se percebe na Tabela 5, estas RMs abrigavam cerca de 40% dos municípios de 100 a 500 mil habitantes e quase dois terços daqueles entre 500 mil e 1 TABELA 5 Participação dos Municípios das Regiões Metropolitanas Oficiais e suas Respectivas Populações no Conjunto de Municípios Brasileiros, segundo Faixas de Tamanho Brasil – 1991-2000 Em 1.000 hab. 1991 Tamanho dos Municípios 100 a 1.000 2000 Municípios População Municípios População 40,7 47,6 42,7 50,4 100 a 500 37,7 40,1 40,4 43,6 500 a 1.000 73,3 69,4 66,7 72,0 Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991 e 2000. 225 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 6 População Residente e Taxa Média Anual de Crescimento Demográfico Regiões Metropolitanas – 1980-2000 Taxa de Crescimento (%) População (Nos Absolutos) Região Metropolitana 1980/91 RM Porcentagem na População Nacional 1991/2000 1980 1991 2000 Estado Total 36.099.417 45.112.785 53.243.381 2,05 - São Paulo (SP) 12.588.749 15.444.941 17.627.965 1,88 2,12 Rio de Janeiro (RJ) 8.772.277 9.814.574 10.871.970 1,03 Belo Horizonte (MG) 2.618.801 3.445.574 4.331.180 2,53 Curitiba (PR) 1.489.351 2.051.307 2.725.505 Porto Alegre (RS) 2.305.552 3.051.575 Distrito Federal 1.557.211 Belém (PA) RM Estado 1980 1991 2000 1,88 - 30,32 30,71 31,45 1,49 1,78 10,57 10,51 10,41 1,13 1,15 1,31 7,37 6,68 6,42 1,48 2,60 1,99 2,20 2,35 2,56 2,95 0,98 3,24 1,39 1,25 1,40 1,61 3.715.430 2,58 1,48 2,23 1,21 1,94 2,08 2,19 2.161.709 2.851.557 3,03 3,15 2,77 1,31 1,47 1,68 1.021.473 1.401.305 1.794.981 2,92 3,64 2,81 1,99 0,86 0,95 1,06 Fortaleza (CE) 1.592.665 2.325.300 2.974.915 3,50 1,70 2,80 1,72 1,34 1,58 1,76 Recife (PE) 2.386.600 2.919.979 3.331.552 1,85 1,35 1,49 1,17 2,00 1,99 1,97 Salvador (BA) 1.766.738 2.496.521 3.018.326 3,19 2,08 2,15 1,09 1,48 1,70 1,78 Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. ríodo 1970-80, taxas de crescimento mais elevadas em seus municípios periféricos.7 Nos anos 80, a despeito do processo de desconcentração populacional e do fato de as sedes metropolitanas terem registrado decréscimos em suas taxas de crescimento populacional, o processo de periferização intensificou-se ainda mais, com os municípios não centrais exibindo taxas elevadas e superiores às do núcleo metropolitano (Gráfico 1). Assim, embora existindo diferenças importantes entre os “momentos” em que se encontra cada uma das RMs em termos da expansão de suas periferias, a verdade é que em todas elas o processo de “espraiamento” do centro principal é notável e progressivo. No plano interno dos Estados, a dinâmica demográfica dessas áreas apresentou características bastante peculiares, sendo que, ao longo do tempo, observou-se um crescimento cada vez mais intenso das áreas periféricas em detrimento das zonas centrais. Estudos realizados a esse respeito (Cunha, 2000a; Lago, 1998; Matos, 1995; Rigotti, 1994) mostraram que, além do maior crescimento vegetativo da periferia em função de maior fecundidade da população de baixa renda, o grande crescimento das áreas mais distantes ao centro esteve estreitamente associado com a migração intrametropolitana de pessoas predominantemente dos estratos sociais mais baixos. Há que se reconhecer que, não obstante o crescimento mais intenso das zonas periféricas, esse diferencial não de seu peso relativo espelham basicamente o que aconteceu nessas regiões. De fato, embora outras RMs tenham apresentado uma pequena redução de seus crescimentos demográficos e Recife tenha perdido peso relativo na população nacional, foi sem dúvida naquelas duas áreas que a dinâmica metropolitana foi mais abalada. A maioria das demais RMs experimentou ainda nos anos 90 um significativo crescimento demográfico e, por conseguinte, incrementou sua participação na população brasileira, o que mostra o caráter “localizado” do processo de desconcentração metropolitana no país. Desta forma, conclui-se que a desconcentração metropolitana no Brasil é apenas “relativa” e um fenômeno vigente somente em parte da Região Sudeste. Mesmo assim, os dados mostram que boa parte dessa desconcentração ocorre no interior dos próprios Estados. No Estado de São Paulo, em 1980, 50,3% da população residia em municípios metropolitanos, enquanto em 1991 e 2000, esta cifra se reduziu para 48,9% e 47,7%, respectivamente.6 No Rio de Janeiro, para esses mesmos anos, os valores foram 77,8%, 76,6% e 75,7%. Metropolização e “Periferização” No Brasil, o fenômeno da metropolização teve como corolário um marcante processo de “periferização” de boa parte da população nacional. De fato, a maioria das regiões metropolitanas brasileiras havia apresentado, no pe- 226 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA GRÁFICO 1 Taxa de Crescimento da População no Centro e na Periferia Regiões Metropolitanas Selecionadas – 1980-2000 Fonte: IBGE. Censo Demográfico. (1) Para a Região Metropolitana do Pará, o valor real para o crescimento da periferia, em 1991/2000, é 14,3%, contudo, este não foi considerado de modo a tornar a escala do gráfico mais adequada para visualização dos demais dados. implicou necessariamente uma redução considerável da primazia do município central em relação aos periféricos em muitas das regiões. Na verdade, ainda em 2000 nas RMs nordestinas, com exceção de Recife, mais de 70% da população regional estava concentrada no município central, o mesmo ocorrendo no Paraná, no caso da região de Curitiba, e também no Distrito Federal/Entorno, onde a capital nacional representava 71% da população dessas áreas. Tal primazia era menos intensa nas Regiões Sudeste e Sul. É bom que se reconheça, no entanto, que, em função da natureza dos dados aqui analisados, pelo menos no que tange à sua dimensão espacial, o processo de expansão demográfica/espacial da metrópole é captado apenas parcialmente. Os dados organizados em âmbito municipal fazem com que a análise simplifique muito a realidade do tecido urbano, uma vez que se restringe às divisões administrativas que, como se sabe, são totalmente arbitrárias quando se trata de áreas altamente integradas e, em grande medida, conurbadas, como as observadas em uma aglomeração metropolitana. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E URBANIZAÇÃO: O PAPEL DO ESTADO E DA RMSP NO CENÁRIO NACIONAL8 Como fica claro na análise até aqui realizada, o papel do Estado de São Paulo e, em particular, de sua principal região metropolitana, no processo de redistribuição espacial da população brasileira, foi e continua sendo a chave para o entendimento da dinâmica nacional neste particular. Como se notou, mesmo tendo sofrido fortes impactos do processo de desconcentração econômica, do surgimento de algumas “ilhas de produtividade” (Pacheco, 1998) e efeitos de investimentos nas áreas periféricas do país (Cano, 1998), São Paulo tem aumentado lenta mas progressivamente o seu peso relativo na população nacional, chegando, em 2000, a abrigar mais de um quinto dos brasileiros em seu território, metade dos quais vivendo em sua principal região metropolitana. Particularmente ao longo dos anos 90, parece que o Estado ressurgiu no cenário nacional como uma renovada capacidade de atração demográfica, a despeito da conti- 227 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 demais regiões no seu conjunto expandiram-se não mais que 2%, fato que, se não descaracteriza a continuidade da pequena, mas progressiva, desconcentração demográfica fruto do processo de interiorização do Estado (Cano; Pacheco, 1992; Baeninger, 2000b), no mínimo sugere uma redução do seu ímpeto. Uma análise dos dados recentes sobre migração divulgados pelo IBGE permite, de certa forma, entender a tendência anterior, uma vez que mostram um recrudescimento da migração para o Estado de São Paulo e, em particular, para a sua mais importante região metropolitana. Estes dados apontam para uma certa recuperação do poder atrativo pelo menos do Estado de São Paulo e, particularmente, de sua principal Região Metropolitana. Cálculos elaborados pela gerência de estudos populacionais da Fundação Seade já haviam mostrado que a migração líquida do Estado e da RMSP tinha sofrido, nos anos 90, uma clara inflexão em sua tendência a declínio: “Na década de 90, a recuperação migratória do Estado de São Paulo deve-se, em grande medida, às tendências verificadas na Região Metropolitana. Comparativamente aos anos 80, a RMSP mostrou recuperação das perdas migratórias, revertendo o saldo anual migratório negativo da ordem de -26 mil pessoas, registrado entre 1980 e 1991, para um saldo anual positivo de 24 mil pessoas, na última década” (Perillo, 2002:2). De fato, os dados são claros. Mesmo não tendo sido suficiente para aumentar a sua taxa média anual de imigração (Gráfico 2), o contingente de imigrantes recebi- nuidade da queda de seu crescimento demográfico e do seu pífio desempenho em termos do crescimento econômico e do seu mercado de trabalho. Mesmo antes de serem liberados os dados do Censo 2000, já existiam claras evidências da continuidade da redução do crescimento demográfico do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, que se justificavam, por um lado, pela manutenção da queda da fecundidade e, por outro lado, pela expressiva redução de fluxos imigratórios tradicionais, como os de Minas Gerais e Paraná e, em menor medida, do Nordeste (Cunha; Baeninger, 2000). De fato, como mostram os dados da Tabela 7, o crescimento médio anual do Estado e de sua principal região metropolitana, nos anos 90, continuou sua escalada de descenso, chegando a níveis próximos a 1,8% ao ano. Claro que este crescimento não reflete a heterogeneidade observada na comparação entre “metrópole” e “interior” e muito menos entre “município central” e “periferia”. Como se nota, particularmente nesse último caso, há uma visível diferença entre o que foi a dinâmica demográfica de ambos os subespaços. Percebe-se que, enquanto o Município de São Paulo cresceu, na década de 90, a menos de 1% a.a., a periferia metropolitana ainda mostrava grande pujança, alcançando níveis de incremento demográfico da ordem de 2,8% a.a., fato que, como já se comentou, reflete a continuidade do processo de expansão da mancha metropolitana que incorpora espaços cada vez mais distantes. Já na comparação entre área metropolitana e interior, embora se perceba uma superioridade deste último em termos do ritmo de crescimento demográfico apresentado ao longo dos vinte anos considerados na tabela, fica patente o fato de que o nível da discrepância verificada, nos anos 80, reduziu-se bastante na década seguinte. Assim, enquanto a RMSP crescia a pouco menos de 1,7% a.a., as GRÁFICO 2 Taxa Média Anual de Imigração Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970/2000 TABELA 7 População Residente e Taxa Média de Crescimento Anual Estado de São Paulo – 1980-2000 Regiões População Residente Taxa de Crescimento 1991 80/91 91/00 1980 2000 Estado de São Paulo 25.042.074 31.588.925 37.032.403 Região Metropolitana de São Paulo 49,21 47,86 47,22 Município de São Paulo 33,23 29,93 27,60 Outros Municípios Interior 2,12 1,83 1,86 1,15 1,68 0,92 15,98 17,93 19,62 3,20 2,85 51,72 53,00 53,89 2,36 1,97 Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000; Fundação Seade. Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000. 228 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA TABELA 8 Pessoas Não-Naturais e Residentes há Menos de 10 Anos no Estado de São Paulo, por Período de Migração, segundo Residência Anterior Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000 Estado de São Paulo Região de Residência Anterior TOTAL Norte Nordeste Região Metropolitana de São Paulo 1970/80 1981/91 1990/2000 1970/80 1981/91 1990/2000 3.325.430 2.774.245 2.927.147 2.253.327 1.641.718 1.690.265 24.911 59.555 58.446 17.552 28.314 26.071 1.381.697 1.362.859 1.672.647 1.181.358 1.085.308 1.231.954 Piauí 58.315 80.976 109.354 52.451 68.894 86.079 Alagoas 96.893 94.287 142.461 79.481 68.419 96.417 Ceará 175.062 191.384 163.811 52.451 68.894 86.079 Pernambuco 366.585 327.338 331.071 79.481 68.419 96.417 Bahia 447.928 443.439 652.208 387.478 355.215 483.370 Sudeste 811.478 628.732 530.762 490.488 299.877 228.377 661.652 482.124 411.584 392.596 216.622 166.500 854.935 500.527 406.353 418.188 140.746 105.105 799.053 446.634 347.392 379.719 111.761 76.689 165.346 166.112 168.239 73.212 44.041 44.873 87.062 56.460 90.700 72.529 43.432 53.895 Minas Gerais Sul Paraná Centro-Oeste Outros (1) Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000. Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp. (1) Incluem estrangeiros e sem declaração. dos por São Paulo, na década de 90, foi bem maior que aquele registrado nos anos 80; o mesmo pode ser dito com relação à RMSP. Constata-se, com os dados mais recentes do Censo 2000, que tanto o Estado quanto a RMSP experimentaram um recrudescimento de seus volumes de imigração, para o que contribuíram decisivamente os fluxos originários no Nordeste, em especial nos tradicionais Estados da Bahia, Pernambuco e Ceará, além do Piauí e Alagoas. Como explicitado em outro estudo (Dedecca; Cunha, 2002), é bastante curioso o fato de que tal incremento da imigração interestadual justamente se dê em uma década em que as condições em termos econômicos, em especial do mercado de trabalho no Estado e, particularmente, na RMSP, não levariam a sugerir a ocorrência de tal fenômeno. Assim, ao mesmo tempo em que se pode afirmar que dificilmente o Estado de São Paulo volte a apresentar uma performance migratória como no auge de seu crescimento econômico, é arriscado prever em que medida esta inflexão possa ser sustentada ao longo do tempo. Na verdade, para uma análise mais profunda dessa questão, tam- bém devem ser considerados os condicionantes que até então, teoricamente, vinham reduzindo os fluxos em direção a São Paulo e incrementado a emigração, particularmente a de retorno (Cunha; Baeninger, 2000): desemprego, precarização do trabalho, empobrecimento, etc. Entretanto, tampouco se observam, nas áreas tradicionalmente de evasão, grandes modificações que implicassem o aumento de seus poderes de retenção, sobretudo após a maturação de vários investimentos lá realizados nas áreas industriais, petroquímica, etc. (Cano, 1998); em especial, haveria de se perguntar em que medida o efeito da crise nas regiões metropolitanas ou maiores aglomerações dos Estados emissores também não estariam contribuindo para uma redução do poder de fixação dos migrantes nativos. Também não se pode perder de vista que o “fechamento das fronteiras” é uma outra realidade que tem contribuído para a redução das alternativas dos migrantes no país, incrementando, portanto, a procura pelos maiores centros ou aglomerações urbanas do país.9 Assim, pode-se dizer que, embora os dados registrem uma certa recuperação demográfica do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo, ainda é muito cedo para 229 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 TABELA 9 TABELA 10 Volume e Taxa Média Anual de Migração Líquida Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000 Volume de Migrantes Maiores de Cinco Anos de Idade e Taxa Média Anual de Migração, segundo Fluxos Migratórios Região Metropolitana de São Paulo – 1986/91 – 1995/00 Área Geográfica Saldos Migratórios Médios Anuais 1970/ 1980 1980/ 1991 1991/ 2000 Estado de São Paulo 228.700 50.584 147.443 RM de São Paulo 229.576 -26.405 24.399 Taxa Média Anual de Migração Líquida 1970/ 1980 1980/ 1991 1991/ 2000 1,07 0,18 0,43 2.22 -0,19 0,15 Município de São Paulo 114.395 -68.578 -50.824 1,59 -0,76 -0,51 Outros Municípios 115.181 3,66 0,86 1,14 42.173 75.223 Fluxos Migratórios 1986/1991 1995/2000 Volumes Taxas Volumes Taxas Do Interior 110.391 0,04 128.866 0,04 Para o Interior 382.728 0,13 468.296 0,14 -272.337 -0,09 -339.430 -0,10 Trocas (1) Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000. Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp. (1) Trocas negativas significam perdas líquidas para a RMSP no intercâmbio com o Interior. Fonte: Fundação Seade. se apostar numa tendência consistente e continuada. Em todo caso, é sempre importante se ter em conta que autores como De Mattos (2001), analisando o caso de Santiago de Chile, mostram que esta tendência à reconcentração nas metrópoles primazes10 já é uma realidade em alguns países e se justifica, em outros elementos, pelas grandes transformações pelas quais passam estes países em termos de reestruturação produtiva, inserção no mercado global, etc. No entanto, não é isso que os dados parecem sugerir para São Paulo. É verdade que a RMSP, nos anos 90, não apenas reduziu – ou interrompeu – abruptamente a trajetória de perdas demográficas à qual vinha sendo submetida, mas também, em certo sentido, até se recuperou ao apresentar taxa de migração líquida positiva (Tabela 9). Contudo, ao se observarem outros dados, fica claro que esta recuperação está muito mais vinculada ao recrudescimento da imigração interestadual, em particular de nordestinos, do que a um possível movimento de reconcentração que, neste caso, deveria envolver não apenas Estados que se beneficiaram do processo de dispersão de décadas anteriores, como Paraná e Minas Gerais, mas também do interior do próprio Estado. Como se percebe na Tabela 10, assim como ocorria nos anos 80, a metrópole continua a amargar perdas populacionais nas trocas migratórias intra-estaduais. Assim, se, por um lado, ela ainda respondia por cerca de 58% de imigração proveniente de outros Estados na década de 90 (74% no caso da migração nordestina), por outro, sua perda líquida para outras regiões do Estado de São Paulo mantinha-se em patamares significativos da ordem de mais de 320 mil pessoas. Em suma, o que fica claro dos dados sucintamente analisados nesta seção é que o Estado de São Paulo e sua prin- cipal região metropolitana incrementaram, nos anos 90, suas posições como destinos preferenciais para novas levas de migrantes, em particular aqueles provenientes do Nordeste. Neste sentido, fica evidente que a RMSP continua a ser a principal porta de entrada de migração externa no Estado, muito embora seu papel como âmbito intraestadual, aparentemente, pouco tenha se modificado com relação ao que já se assistia na década de 80. À GUISA DE CONCLUSÕES Após algumas décadas marcadas por grande crescimento e concentração econômica e populacional, a partir dos anos 80, o Brasil passou por grandes transformações, atingido por uma forte crise e pelas tendências de reestruturação e desconcentração produtiva que afetaram de maneira significativa seu centro mais dinâmico localizado no Sudeste. Também coincidindo com um período de forte redução das oportunidades nas áreas de fronteiras agrícola, à população brasileira somente restou urbanizar-se ainda mais, muito embora com clara tendência a uma dispersão relativa ao longo do território, o que beneficiou não apenas as emergentes aglomerações metropolitanas do país, mas também os municípios de porte intermediário no interior dos Estados, em detrimento do centro hegemônico. Dentro deste quadro, o sistema urbano brasileiro tornou-se ainda mais complexo, apresentando, em termos espaciais, novas e diversificadas modalidades de assentamentos humanos. Modificaram-se claramente as relações entre urbano e rural, surgiram novas territorialidades, intensificaram-se ou ganharam importância relativa os movimentos de mais curta distância, em particular os de tipo urbano-urbano, e ampliaram-se as alternativas de ocupação econômica e demográfica. 230 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA locando para uma associação com a riqueza (ou renda) existente em São Paulo, o que permitiria ao migrante garantir sua reprodução social ainda que em condições extremamente precárias quanto à sua inserção produtiva (Cunha; Dedecca, 2000). Assim, este comportamento sugere que, mais do que as oportunidades de São Paulo, a migração estaria sim refletindo a exaustão dos impactos de investimento em vários Estados nordestinos, em especial em suas maiores aglomerações urbanas e, portanto, das oportunidades lá existentes. Do mesmo modo, o quase “fechamento das fronteiras” também poderia ser mencionado como fator de restrição em termos das alternativas migratórias. Não se pode perder de vista que, a despeito do aumento de imigração, a emigração desencadeada em São Paulo também sofreu um incremento nada desprezível, sugerindo que a hipótese da circulação11 ainda se sustenta diante dos mais recentes dados censitários. É neste quadro que a RMSP, após uma década de retração relativa, volta a apresentar ganhos populacionais líquidos e a reduzir sua distância com relação ao crescimento demográfico do interior paulista. Embora muito sugestivo e evidente, tal comportamento não pode ser considerado uma mudança radical naquilo que se vinha sendo constatado na década anterior. Em primeiro lugar porque, com relação aos processos interestaduais, tanto esta região quanto o Estado não recuperaram seu poder de atração com relação àqueles Estados que mais se beneficiaram com o processo de desconcentração industrial, ou seja, Paraná e Minas Gerias; em segundo lugar porque, como se mostrou, nos anos 90, a metrópole paulista não apenas repetiu perdas líquidas migratórias em suas trocas com o interior, como também as incrementou, muito embora em termos relativos (ou seja, quanto às taxas) esse aumento tenha sido praticamente desprezível. Enfim, ao mesmo tempo em que os dados não deixam dúvidas quanto ao crescimento da imigração para São Paulo, eles não configuram definitivamente claras e nítidas mudanças no processo migratório estadual, seja porque os fluxos predominantes não se modificaram, seja porque as perdas populacionais via emigração sofreram um importante incremento. Se houve mudanças, certamente estas não ocorreram no “padrão migratório” nacional, mas sim nas condições específicas das principais áreas de origem dos movimentos. Não se pode esquecer, no entanto, que várias outras questões emergem contemporaneamente no nível intraestadual ou intra-regional: configuração de novos No âmbito dos estudos populacionais, questões como a pendularidade (commuting), a segregação ou segmentação socioespacial, o espraiamento urbano, a interiorização da população, etc. começaram a despertar os interesses que, durante as décadas anteriores, estiveram muito mais voltados para a migração rural-urbana e de mais longa distância e suas conseqüências. De um lado, a partir de uma análise que privilegiou os aspectos relativos ao crescimento e redistribuição populacional, a constituição da rede de cidades e o papel das RMs no processo de urbanização brasileiro, este estudo sustentou que, a despeito dos claros indícios de desconcentração demográfica, mais que “desmetropolizar”, o período pós anos 80 parece ter reforçado ou disseminado o fenômeno metropolitano em outras regiões de seu território – em certa medida, à custa da crise do Sudeste – e, com ele, todas as questões próprias desta forma de assentamento: “periferização”, empobrecimento e precarização do trabalho, segmentação socioespacial, etc. Não obstante deva-se reconhecer que o padrão concentrador que dominou a história de ocupação do território brasileiro tenha perdido seu ímpeto após os anos 80, é importante não perder de vista que boa parte da população brasileira ainda vive e se reproduz em grandes aglomerações urbanas. Esse fato, que se desprende claramente da análise quantitativa dos dados, faz com que a desconcentração sugerida pela redução do crescimento das grandes metrópoles do Sudeste deva ser considerada apenas relativa, parcial e muito localizada em termos regionais. De outro lado, em um primeiro e sucinto escrutínio dos dados sobre migração disponível no Censo 2000, mostrouse que, ao mesmo tempo em que se observou um aumento da mobilidade interestadual da população na década de 90, também ficou caracterizado um recrudescimento da emigração de áreas historicamente emissoras de população, como o Nordeste, tendo como contrapartida uma certa recuperação dos volumes de imigrantes que chegavam ao Sudeste, em especial a São Paulo. Embora este Estado não tenha sido o único a se beneficiar do incremento de emigração nordestina, já que o Distrito Federal e Goiás (muito provavelmente a RM de Goiânia e o entorno de Brasília) também registraram aumentos significativos dos seus volumes de imigração, não resta dúvida que o fenômeno experimentado por São Paulo, no mínimo, contradiz a clássica associação entre migração e trabalho (Dedecca; Cunha, 2002), uma vez que ocorre em um período de péssimo desempenho regional neste particular. Muito provavelmente esta relação estaria se des- 231 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS subespaços e de novas relações entre o rural e o urbano; surgimento de formas diversificadas de mobilidade populacional e de assentamentos humanos; processos complexos de diferenciação socioespacial; etc. Entretanto, estas seriam motivos para outras reflexões. AZZONI, C.R. Indústria e reversão da polarização. Ensaios Econômicos, São Paulo: IPE/USP, n.58, 1986. BAENINGER, R. Migrações internas no Brasil: municípios metropolitanos e não-metropolitanos. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO, 2, 1999, Ouro Preto. Anais... Belo Horizonte: Abep, 2000a. ________ . Região, metrópole e interior: espaços ganhadores e espaços perdedores nas migrações recentes, Brasil, 1980-1996. Texto Nepo 35, Campinas: Nepo/Unicamp, 2000b. NOTAS 1. Uma discussão mais detalhada sobre as transformações econômicas no Brasil nas últimas décadas, bem como seus impactos sobre o processo de urbanização, pode ser encontrada em Ipea/IBGE/Nesur (1999). ________ . Reestruturação urbana: algumas considerações sobre o debate atual. Campinas: Nepo/Unicamp, 1998. Mimeografado. ________ . Redistribución espacial de la población: características y tendencias de caso brasileño. Notas de Población, Santiago de Chile, Año 35, n.65, 1997. 2. Em trabalho recente sobre a migração em Sergipe, Oliveira (2003:64) considera a questão da modificação da estrutura fundiária como importante para se entender, ainda nos anos 90, a situação migratória estadual. BENKO, G. Organização econômica do território: algumas reflexões sobre a evolução no século XX. In: SANTOS, M.; SOUZA, M.A.A. de; SILVEIRA, M.L. (Org.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec-Anpur, 1996. 3. Para uma discussão mais detalhada desta questão ver Cunha (2003). 4. A análise da rede de cidades no Brasil torna-se mais complexa pelo grande número de desmembramentos municipais ocorridos nos anos 80 e 90. Nesse período, mais de 2.000 novos municípios foram criados, sendo os seus territórios subtraídos de outros municípios mais antigos. De forma a minorar esse problema, os dados aqui analisados consideram os desmembramentos ocorridos e reconstituem a população, para 1970 e 1980, dos municípios criados até 1991. Infelizmente não se pode completar esta reconstituição até o ano 2000 por falta da informação necessária. Estes dados somente foram possíveis graças ao esforço conjunto do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (Nesur) e Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. CANO, W. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1995. 2. ed. Campinas: Instituto de Economia/ Unicamp, 1998. (30 Anos de Economia – Unicamp, 2). ________ . Algumas implicações espaciais da Terceira Revolução Industrial no Brasil. In: GONÇALVES, M.F. (Org.). O novo Brasil urbano: impasses, dilemas, perspectivas. Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 1995. CANO, W.; PACHECO, C.A. Trajetórias econômicas e demográficas para a década de 90. Cenários e diagnósticos: a economia no Brasil e no mundo. São Paulo: Fundação Seade, 1992. (Coleção São Paulo no Limiar do Século XXI, 1). 5. No Brasil a constituição das Regiões Metropolitanas é determinada por legislação estadual. Assim sendo, não há necessariamente um padrão para determinar as condições necessárias para que uma aglomeração urbana seja dessa maneira rotulada. Para que se tenha uma idéia, hoje no país existem oficialmente mais de 20 destas áreas, completamente heterogêneas em termos de composição, tamanho e função. Além disso, Estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina possuem mais de uma RM em seus territórios. CHAMPION, A. Population distribution in developed countries: has counter-urbanization stopped? Population distribution and migration. New York: United Nations, 1998. CUNHA, J.M.P. da. La movilidad intrarregional en el contexto de los cambios migratorios en Brasil en el periodo 1970-1991: el caso de la Región Metropolitana de São Paulo. Notas de Población, Santiago de Chile, n.70, 2000a. 6. Sobre o processo de “interiorização” no Estado de São Paulo, ver Baeninger (2000a), Ipea/IBGE/Nesur (1999) e Fundação Seade (1992). ________ . Migrações no Centro-Oeste brasileiro: as tendências e características do período de 1986-1996. In: ENCONTRO DE DEMOGRAFIA DA REGIÃO CENTRO-OESTE, 2, 2000, Brasília. Anais... Brasília: Codeplan/FNUAP, 2000b. 7. Núcleo é o município-sede da área metropolitana ou região e periferia compreende os demais. Admite-se, contudo, que esse procedimento implica uma grande simplificação da realidade, tendo em vista a heterogeneidade interna dos municípios e a possibilidade da existência de aglomerações policêntricas, como certamente é o caso da RM de São Paulo. ________ . Urbanización y redistribución espacial de la población en América Latina: notas sobre tendencias y condicionantes. Santiago de Chile: Cepal/Celade, 2001 (Working Paper). 8. Esta seção se beneficia de reflexões já realizadas em outro estudo (Dedecca; Cunha, 2002) e em sua revisão elaborada em 2003. ________ . Aspectos demográficos da estruturação das regiões metropolitanas brasileiras. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.). Migração e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas: Nepo-Unicamp/ Pronex, 2001a. 9. Além de São Paulo, os dados do Censo 2000 também mostram nitidamente o incremento da imigração em direção ao Distrito Federal e seu entorno. ________ . Urbanization and metropolitanization in Brazil: trends and methodological challenges. In: CHAMPION, A.; HUGO, G. Beyond the urban-rural dichotomy: towards a new conceptualization of human settlement systems. Burlington/USA: Ashgate, 2003, no prelo. 10. Na verdade, o grau de primazia de metrópoles como Santiago, Buenos Aires, Montevidéu, etc. em relação ao restante da rede urbana nacional é imensamente maior que o caso da RMSP em relação ao Brasil. CUNHA, J.M.P.; BAENINGER, R. (Des)continuidades no padrão demográfico do fluxo São Paulo/Bahia no período 1970/91: qual o efeito da crise? Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas: Abep, v.16, n.1/2, jan./dez. 2000. 11. Esta hipótese, sugerida em Cunha e Baeninger (2000), considera que somente um processo de contínuo ir e vir poderia explicar a coexistência de altos volumes de imigração e emigração, particularmente no caso dos fluxos envolvendo São Paulo e o Nordeste. Neste particular, a intensificação da migração de retorno, fruto da incapacidade do Estado em absorver e “estabilizar” seus migrantes, seria uma das modalidades de deslocamento que permitiria, em boa medida, justificar as volumosas perdas populacionais apresentadas por São Paulo. ________ . A migração nos Estados brasileiros no período recente: principais tendências e mudanças. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.). Migração e ambiente em São Paulo: aspectos relevantes da dinâmica recente. Campinas: Nepo-Unicamp/Pronex, 2000. 232 REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA CUNHA, J.M.P.da; DEDECCA, C.S. Migração e trabalho na Região Metropolitana de São Paulo – Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas: Abep, v.17, n.1/2, 2000. LATTES, A. Population distribution in Latin America: is there a trend towards population deconcentration? Population distribution and migration. New York: United Nations, 1998. DEDECCA, C.S. Emprego e qualificação no Brasil nos anos 90. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1999. Mimeografado. MARTINE, G. A redistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Brasília: Ipea, 1994. (Texto para discussão, n.329). DEDECCA, C.S.; BALTAR, P.E. de A. Mercado de trabalho e informalidade nos anos 90. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, s.d. Mimeografado. ________ . As migrações de origem rural no Brasil: uma perspectiva histórica. História e população: estudos sobre a América Latina. Belo Horizonte: Abep, 1990. DEDECCA, C.S.; CUNHA, J.M.P. da. Migração, trabalho e renda nos anos 90: o caso da Região Metropolitana de São Paulo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13, 2002, Ouro Preto. Anais ... Campinas: Abep, 2002. Texto revisado em 2003 e submetido à Revista Brasileira de Estudos Populacionais. MARTINE, G.; CAMARGO, L. Crescimento de distribuição da população brasileira: tendências recentes. Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas, v.1, n.1, 1984. MATOS, R. Dinâmica migratória e desconcentração populacional na macrorregião de Belo Horizonte. 1995. Tese (Doutorado) – Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais, 1995. DE MATTOS, C.A. Globalización y metropolización en Santiago de Chile: una historia de continuidades y cambios. Santiago de Chile: Metropololización en Chile Interrogantes y Desafios, 2001. OLIVEIRA, K.F. de. Dinâmica migratória em Sergipe dos anos 70 aos 90: uma análise a partir de alguns fatores estruturais. 2003. Dissertação (Mestrado em Demografia) – Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, 2003. DINIZ, C.C. Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte: Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, v.31, n.11, 1993. PACHECO, C.A. Fragmentação da nação. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998. EGLER, C. Mudanças recentes no uso e na cobertura da terra no Brasil. In: SEMINÁRIO MUDANÇAS AMBIENTAIS GLOBAIS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS. Campinas, Unicamp, 2001. Mimeografado. ________ . Evolução recente da urbanização e da questão regional no Brasil: implicações econômicas para a dinâmica demográfica. In: CONFERENCIA LATINOAMERICANA DE POBLACIÓN, 4, 1993, México. Anais... México, 1993. FARIA, V. A conjuntura social brasileira: dilemas e perspectivas. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, Cebrap, n.33, 1992. PERILLO, S.R. Tendências da migração no Estado de São Paulo. São Paulo: Fundação Seade, 2002. (Press release). ________ . O processo de urbanização no Brasil: algumas notas para seu estudo e interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 1, 1978, Campos do Jordão. Anais... São Paulo: Abep, 1978. RIGOTTI, J.I. Distribuição espacial da população na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 1994. Dissertação (Mestrado) – Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais, 1994. RODRÍGUEZ, J.; VILLA, M. Distribución espacial de la población, urbanización y ciudades intermedias: hechos en su contexto. In: JORDAN, R.; SIMIONI, D. Ciudades intermedias en América Latina y el Caribe: propuesta para la gestión urbana. Santiago de Chile: Cepal, 1998. FUNDAÇÃO SEADE. São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo: Fundação Seade, 1992. FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento Administrativo. Tendências demográficas recentes e perspectivas para a próxima década. Documentos de Trabalho, DT/QS 11, São Paulo, 1991. SILVA, J.G. O novo rural brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v.7, n. 1, p.43-81, 1997. GOTTDIENER, M. A produção social do espaço. São Paulo: Edusp, 1993. UNITED NATIONS. Population growth and policies in mega-cities. New York: Departament of Internacional Economic and Social Affairs, 1993. HUGO, G.J.; CHAMPION, A.; LATTES, A. New conceptualisation of settlement for demography: beyond the rural/urban dichotomy. In: IUSSP. Procedings of the XXIV International Conference. Salvador, BA, 2001. VEIGA, J.E. da. Cidades Imaginárias. Campinas: Autores Associados, 2002. IPEA/IBGE/NESUR. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1999. JOSÉ MARCOS PINTO CUNHA: Demógrafo, Professor do Instituto LAGO, L.C. Estruturação urbana e mobilidade espacial: uma análise das desigualdades socioespaciais na metrópole do Rio de Janeiro. 1998. 254 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), São Paulo, Universidade de São Paulo, 1998. de Filosofia e Ciências Humanas, Pesquisador do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas ([email protected]). 233 SÃO 234-246, 2003 ÃO PAULO AULO EM EM PERSPECTIVA ERSPECTIVA, 17(3-4): 17(3-4) 2003 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES anotações de uma pesquisa empírica NELSON HIDEIKI NOZOE ANA MARIA BIANCHI ANA CRISTINA ABLAS RONDET Resumo: Abordagem da revisão da classificação brasileira de ocupações (CBO), recentemente promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com algumas instituições de pesquisa, entre as quais a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP. A discussão apresenta uma breve caracterização do contexto em que ocorreram as mudanças por que passou o mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas. Palavras-chave: classificação brasileira de ocupações; ocupações; famílias ocupacionais. Abstract: A survey of the revision of the Brazilian Classification of Occupations (CBO), recently carried out by the Ministry of Labor and Employment, in partnership with research institutions, among them Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) of the University of São Paulo. The discussion presents a brief description of the changes in the Brazilian labor market in recent decades. Key words: Brazilian Classification of Occupations; occupational clusters. A atividade de revisão da Classificação Brasileira de Ocupações foi conduzida no âmbito da Comissão Nacional de Classificação, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Em articulação com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, reviu-se a classificação das ocupações brasileiras tendo em vista sua compatibilização com a classificação internacional de ocupações (CIUO 88), definida pela Organização Internacional do Trabalho. Para dar conta da tarefa, o MTE estabeleceu parcerias com algumas instituições brasileiras dedicadas à pesquisa socioeconômica, entre as quais a Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo.1 As páginas que se seguem relatam a experiência da Fipe na empreitada de revisão da CBO. A discussão está organizada em três partes principais: na primeira delas caracterizaremos brevemente o contexto em que ocorreram as mudanças por que passou o mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas; na sessão seguinte descreveremos o conjunto de famílias ocupacionais e ocupações revistas pela Fipe, bem como o método adotado na coleta e atualização dos dados referentes às mesmas; na terceira sessão focalizaremos o ciclo de vida das ocupações, segundo os grandes grupos de famílias ocupa- cionais. Fecharemos o artigo com algumas considerações finais, decorrentes da análise empreendida nas sessões anteriores. O CONTEXTO Nas últimas décadas, o mercado de trabalho brasileiro viu-se submetido a intenso processo de mudanças econômicas, culturais, sociais e políticas, cujas manifestações se fizeram visíveis no âmbito da estrutura das ocupações, dos requerimentos de recrutamento e contratação de profissionais, da condição e vínculos de exercício profissional e das funções desempenhadas sob dada denominação ocupacional. Tais mudanças, mais acentuadas nos dois últimos lustros do século findo, têm sido relacionadas a uma gama variada de fatores, dentre os quais sobressaem a introdução de novas tecnologias – em especial da informática e internet –, a adoção de novas modalidades de organização produtiva e de gestão, a abertura de mercados nacionais ao capital estrangeiro, o aumento da concorrência interna e o declínio do desempenho econômico do país.2 Como sabido, tais fenômenos levaram à adoção de medidas técnicas e administrativas de contenção de custos, por 234 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE... anos 90, e o produto desse esforço foi dado a público no último ano findo. Além da revisão e atualização completa de seu conteúdo, a edição 2002 faz uso de uma nova metodologia de classificação. Esta versão contém as ocupações do mercado brasileiro, organizadas e descritas por famílias ocupacionais – também denominadas grupos de base –, cada uma delas correspondente a um conjunto de ocupações similares que integram um domínio de trabalho mais amplo do que aquele da ocupação. O trabalho de modernização da CBO contou, em sua etapa de descrição, com a participação de quatro entidades, dentre as quais inclui-se a Fipe. O presente artigo pretende resgatar, ainda que superficialmente, alguns aspectos julgados relevantes da participação da Fundação Seade nesta experiência inovadora e de profunda importância para os estudiosos de nosso mercado de trabalho, administradores de recursos humanos e gestores e formuladores de políticas trabalhistas. sua vez determinantes de redução do nível de emprego e dos postos formais de trabalho. O resultado desse amplo conjunto de transformações foi o aumento na discrepância entre a Classificação Brasileira de Ocupação – CBO, publicada em 1994, e a realidade de nosso mercado de trabalho. Como qualquer classificação, trata-se de um documento mediante o qual se pretende reconhecer, nomear e codificar os títulos e descrever as características das ocupações do mercado de trabalho. No Brasil, a CBO é utilizada na codificação do emprego do mercado de trabalho. Seu código ocupacional é a chave de identificação do emprego, juntamente com a Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE e da natureza jurídica dos estabelecimentos. O MTE utiliza esses códigos na Relação Anual de Informações Sociais – Rais, no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, no Seguro-Desemprego, dentre outros registros administrativos, e no controle da imigração. Ademais, a CBO é usada no rastreamento de vagas dos Serviços de Intermediação de mão-de-obra, na elaboração de currículos e no planejamento da educação profissional. No setor público, porém fora do âmbito desse ministério, é utilizada nas estatísticas de mortalidade do Ministério da Saúde e na identificação da ocupação no Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF pela Secretaria da Receita Federal. Desde a edição pioneira de 1982, a CBO viu-se submetida a alterações pontuais, sem modificações estruturais e metodológicas de monta. A decisão de submetê-la a uma revisão, de sorte a torná-la mais consentânea com a realidade do mercado de trabalho, foi tomada em fins dos FAMÍLIAS OCUPACIONAIS E OCUPAÇÕES DESCRITAS PELA FIPE A Fipe responsabilizou-se pela descrição de 181 famílias ocupacionais, número equivalente a pouco menos de um terço do total de famílias da nova versão da CBO. Mediante aquelas famílias previa-se dar conta da descrição de 636 ocupações. A Tabela 1 discrimina os grandes grupos em que se enquadram as diferentes famílias ocupacionais constantes da CBO. De acordo com a Tabela 1, pode-se verificar que as ocupações descritas pela Fipe distribuíram-se por oito dos TABELA 1 Distribuição das Famílias Ocupacionais e Ocupações Descritas pela Fipe, segundo Grandes Grupos Brasil – 2002 Famílias Ocupacionais Grandes Grupos Ocupações Nos Absolutos % Nos Absolutos % 181 100 636 100 36 26 20 14 135 109 21 17 3. Técnicos de Nível Médio 42 23 119 19 4. Trabalhadores de Serviços Administrativos 15 8 68 11 5. Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados Total 1. Membros Superiores do Poder Público, Dirigentes de Organizações de Interesse Público e de Empresas, Gerentes 2. Profissionais das Ciências e das Artes 36 20 131 20 7. Trabalhadores da Produção de Bens e Serviços Industriais 9 5 43 7 9. Trabalhadores em Serviços de Reparação e Manutenção 5 3 8 1 12 7 23 4 10. Membros das Forças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares Fonte: Fipe. 235 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 dez Grandes Grupos de famílias que estruturam a CBO 2002, com acentuada concentração nos grupos 3 (Técnicos de Nível Médio), 5 (Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados), 1 (Membros Superiores do Poder Público, Dirigentes de Organizações de Interesse Público e de Empresas, Gerentes) e, em menor grau, 2 (Profissionais das Ciências e das Artes).3 Ficaram de fora, tão-somente, os grupos concernentes às famílias que albergam ocupações rurais, incluídas as extrativas e industriais. Em ambos os casos, todavia, a instituição encarregou-se da descrição das ocupações referentes aos cargos de direção e gerência. No tocante àqueles descritos, verifica-se que a Fipe teve sob sua responsabilidade parcela importante de alguns grandes grupos. Assim, no Grande Grupo 0 (Membros das Forças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares), a fundação descreveu mais de três quartos das 13 famílias; a participação correlata no caso do Grande Grupo 4 (Trabalhadores de Serviços Administrativos) situou-se em torno dos dois terços: 14 das 21 famílias do grupo. Os fatos relatados neste capítulo dizem respeito, portanto, à descrição das famílias mencionadas, atividade levada a cabo entre maio de 2000 e o segundo semestre de 2002. Previamente à realização da atividade de descrição propriamente dita, os integrantes da equipe da Fipe foram treinados no método Dacum, em fins de fevereiro e início de março de 2000.4 O processo de descrição das famílias ocupacionais pelos facilitadores teve como ponto de partida o estudo do escopo, atividade realizada a partir dos arquivos magnéticos disponibilizados pelo MTE ao final da primeira fase do Projeto de Modernização da CBO. Nessa etapa, iniciada em 1996 e completada três anos depois, foi reunida a documentação primordial para o trabalho das entidades conveniadas, a saber: - Nomenclatura da nova CBO, com cerca de 600 famílias ocupacionais. Reagrupa as ocupações e os sinônimos da CBO94, bem como as novas ocupações e títulos surgidos posteriormente. Elimina ocupações e sinônimos totalmente extintos e ocupações que se transformaram em atividades de uma nova ocupação; nela contemplado e, para cada ocupação, os respectivos sinônimos. No que concerne às famílias trabalhadas pela Fipe, a documentação oriunda da primeira fase do Projeto de Modernização antecipava a inclusão de 143 ocupações na nova CBO e a supressão de outras 46 que figuravam da versão de 1994. 5 Estas foram mantidas apenas para fins de composição da série histórica. Dentre as ocupações incorporadas, quase a metade enquadra-se no Grande Grupo 1, justamente aquele onde também se verificou a maior parcela de supressões. Apenas na família dos Diretores Gerais (1210), foram suprimidas 35 ocupações, o equivalente a mais de três quartos daquele total. No decorrer do estudo de escopo, todavia, nem todas essas mudanças viram-se corroboradas. Assim, ocupações como as de Corretor Especializado em Locais para Antenas (site acquisitor) e de Remarcador acabaram por ficar de fora da CBO 2002, apesar de constarem da documentação da primeira etapa do Projeto de Modernização da CBO. Ademais, durante as investigações que precederam a realização dos painéis, bem como durante a sessão de descrição, novas mudanças no mercado de trabalho acabaram sendo identificadas. Pelo que ficou dito acima, pode-se verificar que esse material constituiu um conjunto fundamental de informações, que balizou o trabalho de rastreamento dos profissionais a serem convidados para integrar os comitês de especialistas, permitiu identificar o aparecimento de ocupações próximas (parentes) e, no caso de empresas, orientar os responsáveis pelas sessões do pessoal ou de recursos humanos na indicação dos empregados. Para as ocupações formais, seu uso foi complementado com os dados da RaisIdentificada, que propicia conhecer, para cada ocupação, o número de postos de trabalho existentes em determinada empresa, bem como seu endereço. Os dados da Rais permitem verificar, por exemplo, a distribuição espacial das ocupações no território brasileiro e, assim, garantir certo grau mínimo de representatividade regional.6 O estudo dos escopos das famílias ocupacionais foi realizado mediante entrevistas em empresas, órgãos e associações de classe e os próprios profissionais. Também os informes disponíveis na internet foram amplamente consultados nesta fase do trabalho. Uma vez concluído o estudo do escopo, seguia-se o extenuante processo de agendamento dos especialistas. Em média, a presença de um especialista envolveu aproximadamente dez tentativas frustradas. Grande parte da dificuldade adveio da duração das reuniões, que se estendia normalmente por dois dias, e do fato de tratar-se de ativi- - Revisão do índice ampliado, também conhecido como sinônimos, com cerca de 30 mil títulos; - Descrição sumária, em caráter provisório, redigida a partir de fontes secundárias (CBO/94, CIUO/88, dentre outros). Nessa documentação era possível obter uma descrição sumária de cada família ocupacional, o rol de ocupações 236 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE... feita a partir da nova estrutura da CBO. Obtiveram-se, assim, dois conjuntos de famílias ocupacionais: um concernente àquelas específicas e outro pertinente às transversais do setor bancário. O primeiro conjunto ficou formado por 7 e o segundo, por 5 famílias, distribuídas pelos quatro primeiros Grandes Grupos da CBO 2002.8 Ao término dessa tarefa, tais famílias passaram a ser descritas mediante a aplicação do método Dacum. As dificuldades no agendamento foram superadas mediante a convocação dos especialistas de 13 instituições bancárias, por intermédio da Febraban. Mesmo assim, os Diretores Gerais (1210) e os Diretores de Operações de Serviços em Instituição de Intermediação Financeira (1227) acabaram sendo descritos mediante entrevistas. Tais desdobramentos fizeram com que a segunda fase do processo de descrição se alongasse por cerca de dois anos. Os fatos relatados nos parágrafos precedentes, ao mesmo tempo em que evidenciam algumas modalidades de resistência enfrentadas pelos facilitadores da instituição, permitem aquilatar a magnitude do esforço e da persistência envolvidos na superação das mesmas. A seção seguinte registra as observações colhidas pelos facilitadores no curso das descrições das diversas famílias. A percepção das mudanças ocorridas no mercado de trabalho brasileiro foi acentuada entre os especialistas que participaram dos painéis organizados pela Fipe. A freqüência com que estes profissionais mencionavam a necessidade de “Manterem-se Atualizados”, durante a montagem da sua lista de Competências Pessoais constitui evidência cabal do vulto das mudanças a que precisaram adequar-se para permanecer no mercado de trabalho. A sessão que se segue descreve o ciclo de vida das ocupações, retratando movimentos de extinção e desaparecimento das mesmas. dade não remunerada para os especialistas convocados. No caso de algumas famílias do Grande Grupo 1, especialmente aquelas referentes aos cargos de Diretores e Gerentes, buscou-se reduzir a duração das reuniões mediante o uso de “descrições-tronco”. Este recurso consiste em detalhar, em sessões de apenas um dia, uma matriz Dacum com as competências e habilidades gerais e comuns àqueles cargos, elaborada a partir de um conjunto de gráficos obtidos pelo método convencional. Em situações de absoluta inviabilidade, por exemplo, dos Diretores Gerais (1210), as reuniões foram substituídas por entrevistas (no mínimo cinco) no próprio local de trabalho, de duração variável. Em tais ocorrências, o painel de validação não foi realizado. A implementação de ambos os procedimentos ocorreu sob supervisão e orientação do MTE. Os óbices enfrentados no agendamento dos profissionais vinculados ao setor bancário requereram um longo esforço, do qual resultou a formação de uma comissão constituída sob os auspícios da Assessoria de Recursos Humanos da Febraban e integrada por representantes dos indicados por alguns estabelecimentos bancários, pelo MTE e pela Fipe.7 As dificuldades no agendamento estiveram relacionadas, de um lado, ao zelo com o sigilo que normalmente cercam as operações bancárias. Além disso, o setor sofreu, durante a segunda metade dos 1990, um intenso processo de fusão e mudança de controlador, fenômeno marcado por uma ampla privatização e por maciço ingresso de capital estrangeiro. Por fim, somou-se o fato de ser o segmento financeiro, em especial o bancário, aquele para o qual a antiga CBO se mostrava profundamente inadequado: cerca de dois quintos de suas informações ocupacionais na Rais, obrigatoriamente fornecidas em consonância com a CBO, eram enquadradas na categoria outros (antigo código 90). A comissão formada junto à Febraban com o objetivo de diminuir esse descompasso incumbiu-se de avaliar a estrutura de títulos das famílias ocupacionais específicas do setor bancário, suas ocupações e sinônimos, compatibilizar os títulos de cargos dos bancos participantes em postos e ocupações da CBO94 e a nova CBO. Deste esforço resultou uma consolidação preliminar dos títulos de cargos dos bancos participantes, classificados segundo cinco domínios – seguros, crédito, comercial, câmbio e mercado de capitais –, cuja descrição foi majoritariamente colocada sob a responsabilidade da Fipe. Ao se iniciar a segunda etapa do projeto de modernização da CBO, já com a participação da Fipe, os títulos foram novamente consolidados e reclassificados, desta O CICLO DE VIDA DAS OCUPAÇÕES O mundo das ocupações é complexo e altamente dinâmico, permanentemente afetado pelo contexto social e econômico mais amplo e, ao mesmo tempo, capaz de afetar esse próprio contexto. Como os seres vivos, as ocupações parecem estar sujeitas a um ciclo de vida. Elas nascem, crescem, transformam-se e eventualmente declinam e morrem. No que diz respeito ao mercado de trabalho brasileiro, as grandes transformações pelas quais este vem passando nas últimas décadas refletiram-se diretamente em sua estrutura ocupacional. Enquanto várias ocupações simples- 237 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 mente desapareceram, ou estão a caminho disso, outras vêm sofrendo uma reestruturação de suas funções, que leva à definição de novos perfis profissionais. Esse processo está associado, como já foi visto, às modificações tecnológicas ocorridas na economia, inclusive aquelas que afetam a organização do trabalho dentro de empresas públicas e privadas. De uma maneira geral, estão sendo presenciadas mudanças cuja natureza não é auto-evidente, mas cuja direção é importante entender para a definição de políticas públicas adequadas. A presente sessão focaliza o ciclo de vida das ocupações, que se exprime na emergência de novas ocupações, na extinção de outras e na transformação de muitas. As informações em que se baseia a análise provêm, como observado anteriormente, de depoimentos colhidos entre os especialistas que colaboraram na pesquisa da Fipe, em três momentos sucessivos: durante o trabalho preliminar de definição do escopo de cada família, no painel de descrição e no de validação. O conceito de ocupação emergente foi definido de forma ampla e não necessariamente isenta de ambigüidades. Assim, as ocupações qualificadas como tal podem ser efetivamente novas no mercado de trabalho, como seria de se esperar. Abrangem ainda, porém, aquelas que são novas do ponto de vista da CBO; ou aquelas que, embora muito antigas, sofreram transformações substanciais ou viram crescer significativamente o número de postos de trabalho a elas associados; finalmente, podem ser novas apenas no mercado de trabalho brasileiro, mas não no mercado de trabalho mundial como um todo. A unidade de análise considerada compreende as famílias ocupacionais e as ocupações propriamente ditas. Alguns processos afetam todo o agrupamento profissional, manifestando-se no âmbito da família; outros são mais circunscritos, cingindo-se a ocupações específicas dentro de uma família ocupacional, sem afetar de modo significativo as demais categorias que a compõem. A ordem adotada para a exposição segue a seqüência dos Grandes Grupos definidos pela CBO 2002. Para cada um desses grandes conjuntos, serão abordadas simultaneamente as famílias e ocupações em processo de extinção e as emergentes. Dentre as ocupações classificadas na nova Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) como pertencentes ao Grande Grupo 1, ou seja, “Membros Superiores do Poder Público, Diretores de Organizações de Interesse Público e de Empresas e Gerentes”, existem poucas ocupações realmente novas. No entanto, dada a reestruturação por que vêm passando diversas empresas, principalmente no setor privado, muitas delas extinguem postos de diretoria e gerência, fazendo com que os diretores e gerentes remanescentes acumulem funções diferentes. Nesse contexto, merece destaque a inclusão de uma nova ocupação na família ocupacional dos Gerentes administrativos, financeiros e de riscos (1421). Trata-se do Gerente de riscos. De acordo com os especialistas presentes ao painel de covalidação, essa ocupação ainda não atingiu no Brasil o nível de importância encontrado em países como os Estados Unidos, onde existe um número significativo de cursos regulares de graduação, pós-graduação e MBA na área do chamado Risk Management. Trata-se, portanto, de uma ocupação em ascensão, que acompanha uma tendência de mercado bastante forte no exterior, embora ainda em fase preliminar de expansão no Brasil. Cabe acrescentar que muitas vezes o gerente de riscos não ocupa um cargo com esse nome, embora atue como tal. Segundo os especialistas, as funções desse profissional diferem daquelas executadas pelos engenheiros de segurança industrial, de tempos e métodos, de qualidade, de riscos ou dos técnicos de seguros, principalmente no que diz respeito aos compromissos objetivos e mensuráveis a partir dos resultados operacionais da empresa. As atividades desenvolvidas pelo gerente de riscos não se caracterizam como atividades gerenciais por excelência, uma vez que estão mais voltadas às atividades desenvolvidas dentro de um processo produtivo, o que lhes dá um cunho mais executor. O Grande Grupo 2 (“Profissionais das Ciências e das Artes”) reúne ocupações cujas tarefas demandam conhecimentos profissionais de alto nível de competência ligado ao ensino superior, além dos profissionais das artes e desportos. Dentro desse grupo existem diversas famílias ocupacionais que possuem uma ou mais ocupações novas ou em processo de reestruturação. É o caso, por exemplo, dos Professores de artes do ensino superior (FO 2349), que congregam as seguintes ocupações: Professor de artes do espetáculo, Professor de artes visuais e Professor de música no ensino superior. Embora não possa ser considerada uma família ocupacional emergente, o mercado de trabalho brasileiro tem especificidades que o distinguem do mercado de países onde o ensino superior nessa área está sedimentado há mais tempo. Segundo os especialistas presentes aos painéis de descrição e validação, houve mudanças substanciais em um período relativamente recente no Brasil, com a implementação de 238 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE... inúmeros cursos superiores de graduação na área de artes, que compreendem os segmentos de artes visuais, teatro, dança e música. Isso gerou a necessidade de uma rápida e por vezes radical adaptação no perfil dos professores que lecionam nesses cursos. Antigamente, a arte era acessível a poucas pessoas e era ensinada principalmente em ateliês dos próprios artistas. A mudança assinalada afetou esse padrão. Hoje em dia, nem sempre um professor de artes é efetivamente um artista, ele pode ser um especialista em determinada área e com isso qualificar-se para transmitir seus conhecimentos aos alunos. Merece destaque também a família ocupacional das Secretárias executivas e bilíngües (FO2523), que congrega as ocupações de Secretária executiva, Secretária bilíngüe e Secretária trilíngüe.9 Segundo o relato dos especialistas, não se observa a tendência de extinção da profissão. Na prática, grande parte das secretárias ainda executa tarefas tradicionais, às vezes atendendo mais de um diretor ou até mesmo toda uma área. Nos últimos anos houve uma diminuição significativa no número de postos de trabalho de secretária nas empresas, devido basicamente a dois motivos: informatização e reestruturação funcional, diante da necessidade de reduzir custos operacionais. Com a difusão dos computadores de uso pessoal, os executivos passaram a executar fácil e rapidamente tarefas antes delegadas às secretárias, cujo perfil profissional sofreu alterações significativas, levando-as a atuar cada vez mais como assessoras do executivo. Isso significa que a profissão foi afetada por um duplo movimento, de diminuição do número de postos de trabalho associada a alguma perda de funções tradicionais, mas, ao mesmo tempo, à absorção de novas funções e à ampliação de responsabilidades. A família ocupacional dos Locutores, comentaristas e repórteres de rádio e televisão (FO 2617) reúne profissionais cujo perfil apresentou modificações bastante importantes nos últimos anos, que afetaram as ocupações componentes da família: Âncora, Comentarista, Locutor, Narrador e Repórter de rádio e televisão. Como em outros setores da economia, houve uma série de alterações econômicas e tecnológicas, associadas a um processo de reorganização funcional, em que as empresas enxugaram consideravelmente o número de funcionários em seus quadros. Nesse contexto, a própria definição das atividades precípuas de um Locutor de rádio e televisão mudou substancialmente. Atualmente, as atividades de locução são desempenhadas por jornalistas, que não mais simplesmente lêem as notícias, como no modelo anterior. Eles tornaram-se profissionais multifuncionais e multimídia, para os quais não basta – nem mesmo chega a ser necessário – ter uma bela voz. Eles atuam no processo desde a produção da notícia até sua apresentação. A tendência do mercado é substituir o locutor tradicional por um profissional com formação em jornalismo capaz de atuar indiscriminadamente em rádio, televisão e outros meios de comunicação. No caso do rádio, as mudanças tecnológicas nos equipamentos utilizados facilitaram a operação de equipamentos. Assim, as tarefas técnicas, como a de operador de transmissões externas no rádio, podem ser hoje também desempenhadas pelo próprio locutor, quando este atua fora da sede da emissora. O advento das rádios FM e das TVs por assinatura também foi um importante fator na indução das mudanças observadas. Cabe acrescentar que a partir da década de 90 o locutor clássico passou a chamar-se “Âncora”, por influência dos Estados Unidos, onde existia há muito tempo. Essa diferença, que à primeira vista parece indicar uma mera mudança de terminologia, reflete uma transformação mais profunda no perfil profissional dos especialistas que exercem essa função. No domínio da informática, ainda no Grande Grupo 2, existem diversas ocupações emergentes e em reestruturação. Isso se deve principalmente ao fato de que o mercado de trabalho ligado a esta área ser relativamente novo e encontrar-se em fase de consolidação. Assim, muitos profissionais possuem uma atuação mais abrangente, executando diversas tarefas, padrão que não necessariamente será mantido no futuro próximo. É o caso, por exemplo, do Web master, profissional responsável pela manutenção de um website, que entende o site de forma global e o administra. É ele quem garante o contato entre as diversas áreas: produção de conteúdo, design, desenvolvimento e manutenção do site. Os especialistas presentes aos painéis relataram que, com o surgimento do ambiente web, muitas vezes este profissional acumulava funções que iam desde a elaboração de textos até o gerenciamento dos sites. No entanto, com a especialização do mercado, as funções foram aos poucos se diferenciando e se tornando mais específicas, embora o web master tenha de certa forma mantido sua característica de programador. Trata-se, portanto, de um profissional relativamente novo no mercado, que exerce funções bastante híbridas e muito variáveis de uma empresa para outra. Já a figura do Web Designer surgiu com o aparecimento dos recursos visuais dentro do ambiente web. Ele é o responsável pela parte visual dos sites, fazendo inclusive interface com a animação. É ele quem desenha e define 239 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 as cores e o design das páginas ou dos sites. A formação desse profissional tende a ser bastante heterogênea, uma vez que é atualmente integrada por indivíduos com diferentes origens profissionais, entre eles arquitetos, artistas gráficos e profissionais da indústria gráfica, entre outros, que decidiram aproveitar as oportunidades abertas graças ao surgimento do ambiente web. Finalmente, os especialistas mencionaram a figura do Web Editor, profissional responsável pelo conteúdo dos textos apresentados nos sites. A maioria deles possui formação em jornalismo, relações públicas ou publicidade, entre outras. Na verdade, observa-se aqui um fenômeno parecido com o que determinou a mudança do perfil do locutor, acima relatada: trata-se de um jornalista que exerce suas funções em um meio de divulgação diferente do usual. O Grande Grupo 3 (“Técnicos de Nível Médio”) compreende aquelas ocupações cujas atividades requerem um nível de conhecimento técnico para sua execução. É interessante notar a presença de indivíduos com formação universitária nesse grande grupo, que reúne um grande número de famílias ocupacionais. Essa presença é crescente, embora, em tese, a execução das atividades não requeira escolaridade de nível superior. Na prática, contudo, observa-se a exigência cada vez maior de formação universitária para preenchimento das vagas oferecidas no mercado de trabalho. Essa exigência pode ser atribuída a uma gama de fatores, inclusive o aumento do nível de desemprego, que leva o indivíduo a aceitar tarefas aquém de sua qualificação formal. Vale mencionar, a propósito, a existência de três famílias ocupacionais ligadas à educação que vêm passando por uma série de modificações. Aqui existe uma mescla de processos de extinção de ocupações e criação de novas, bastante difícil de descrever. A mudança afeta as famílias dos Professores de nível médio na educação infantil (FO 3311), Professores de nível médio no ensino fundamental (FO 3312) e Professores leigos no ensino fundamental (FO 3321). As três famílias citadas reúnem professores cuja formação foi adquirida na prática ou em cursos de, no máximo, nível médio, que atuam na educação infantil e no ensino fundamental (antigos primário e ginásio). Houve uma mudança legal segundo a qual, a partir de 2007, somente poderão habilitar-se a preencher os postos de trabalho associados a essas ocupações indivíduos com diploma universitário ou formados por treinamento em serviço.10 Isso significa que aqueles que não tiverem concluído o segundo grau até 2007 não poderão continuar lecionan- do. Perante essa exigência, os docentes vêm se atualizando para poder continuar no exercício de suas funções quando da aplicação da nova lei. O caso dos professores leigos merece destaque, uma vez que são profissionais que não possuem a formação mínima já exigida por lei, o que poderá determinar a extinção dessa categoria. Vale mencionar, porém, que a maioria desses profissionais participa de programas do MEC (como o Proformação – Programa de Formação de Professores em Exercício), cujo objetivo é a formação de professores leigos num nível equivalente ao do magistério. Esses programas beneficiam prioritariamente as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A família ocupacional dos Profissionais de direitos autorais e de avaliação de produtos dos meios de comunicação (FO 3524) também sofreu modificações profundas em sua estrutura, que resultaram na convergência de processos de extinção e emergência. Inicialmente, antes do trabalho de definição de seu escopo, foi identificada pelo MTE como a família dos Agentes de Fiscalização de Espetáculos e Meios de Comunicação, composta apenas pela ocupação de Técnico em Censura, tristemente associada ao período da ditadura militar no Brasil. Com a abolição desse tipo de censura, a ocupação deixou formalmente de existir no mercado de trabalho. Persistem, porém, os profissionais que atuam na área de direitos autorais, na fiscalização de espetáculos de música, dança, etc. Por outro lado, os especialistas apontaram a necessidade de orientação do público a partir da definição de faixas etárias para as quais diversos tipos de produtos culturais são adequados. Além dessa tarefa, algumas empresas que atuam nesse segmento sentiram a necessidade de recrutar profissionais incumbidos da avaliação qualitativa do programa, que abrange funções relacionadas à avaliação dos meios de comunicação do ponto de vista ético, educativo e artístico, sendo que os profissionais podem realizar a classificação indicativa e qualitativa da programação. Os participantes dos painéis destacaram que, enquanto as ocupações de Agente de Direitos autorais e Ouvidor de meios de comunicação (ombudsman) são bem definidas no mercado de trabalho, a ocupação de Avaliador de produtos do meio de comunicação, que define o responsável pela avaliação e classificação, qualitativa e indicativa dos programas, ainda é relativamente nova e encontra-se em fase inicial de estruturação, não estando efetivamente implantada na maioria das empresas. Um fenômeno interessante foi observado em relação à ocupação de Radiotelegrafista, enquadrada pela CBO 2002 240 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE... na família ocupacional dos Operadores de rede de teleprocessamento e afins (FO 3722), ao lado do Operador de rede de teleprocessamento. No período de definição do escopo e na convocação para os painéis, o facilitador teve grande dificuldade de recrutar radiotelegrafistas, tendo de fazê-lo na Região Norte, por intermédio da Funai. Vale notar que na estrutura original da CBO, que balizou a pesquisa do facilitador da Fipe, o título dessa família foi definido como sendo “Técnicos em operação de máquinas de transmissão de dados”, prevendo-se que compreendia oito ocupações distintas. Contudo, após a investigação detalhada de sua situação atual no mercado de trabalho, esse número ficou reduzido a dois, sendo que, no caso do radiotelegrafista, observou-se sensível perda de especificidade. Os especialistas presentes aos painéis confirmaram a existência desse processo: embora tenham mantido a ocupação na família, apontaram sua tendência à extinção. No caso da família ocupacional dos Técnicos em necrópsia e taxidermistas (FO 3281), os especialistas também registraram a ocorrência de uma alteração interessante no perfil das atividades executadas pelos profissionais da área. O título da família ocupacional proposto inicialmente pelo MTE (Embalsamadores e Taxidermistas) foi modificado pelos especialistas no painel de validação. De acordo com o comitê, a alteração justifica-se pelo fato de que o embalsamamento é apenas uma das técnicas de conservação de corpos. Optaram, contudo, por preservar o título de Embalsamador para designar uma das ocupações da família, pois este é o termo utilizado no mercado de trabalho, embora o referido profissional utilize outras técnicas além do embalsamamento. Os especialistas relataram ainda que a ocupação de Embalsamador é hoje pouco expressiva no mercado de trabalho, uma vez que, oficialmente, a atividade deve ser desenvolvida por um médico patologista. O médico é responsável por assinar a liberação do corpo embalsamado, embora, na prática, ele costume ensinar as operações técnicas ao pessoal de apoio, que as executa. A segunda ocupação que integra a família é a de Taxidermista. A Taxidermia é uma especialização da Biologia, e conta ainda com um pequeno número de profissionais no mercado de trabalho brasileiro. Trata-se de uma atividade auxiliar da biologia, cuja finalidade é a conservação de animais mortos, utilizando somente a pele curtida do exemplar. Existe ainda a Taxidermia Artística e a Científica, desenvolvida em Universidades e Museus, com o objetivo de catalogar espécies para a preservação da história natural. Cabe ainda ressaltar que, por motivos técnicos, foi eliminado o sinônimo “Empalhador de Animais”. De acordo com os especialistas, esse termo é incorreto, pois as técnicas de taxidermia utilizam uma infinidade de materiais além da palha (a que o sinônimo eliminado faz referência) na recomposição do corpo do animal a partir de sua pele. O Mecânico de vôo, que integra a família ocupacional dos Pilotos de aviação comercial, mecânicos de vôo e afins (FO 3411), é outra ocupação do Grande Grupo 3 que está perdendo expressão no mercado de trabalho em decorrência de mudanças tecnológicas. O profissional com esse tipo de formação e experiência era recrutado apenas para trabalhar nas aeronaves de grande porte. As aeronaves modernas, porém, que possuem computador de bordo, prescindem de seu trabalho. Os raros remanescentes da ocupação têm deixado o País, acompanhando antigos aviões vendidos para outros países, principalmente africanos. Quanto às ocupações emergentes, cabe mencionar a família ocupacional dos Técnicos de odontologia (FO 3224), que reúne as ocupações de Técnico em higiene dental, Protético dentário, Atendente de consultório dentário e Auxiliar de prótese dentária. O trabalho prévio de definição de escopo e os painéis realizados apontaram o surgimento de uma nova ocupação, o Técnico em higiene dental, que atua majoritariamente em órgãos públicos, sob a supervisão de um cirurgião-dentista. Durante os trabalhos da fase de descrição da família ocupacional dos Técnicos de seguros e afins (FO 3517), os especialistas presentes ao painel de descrição identificaram uma ocupação emergente, a do Técnico de Inspeção Veicular. De acordo com os participantes, esse profissional pode passar a existir em larga escala no mercado de trabalho num futuro próximo, em função das exigências dos Detran estaduais e das seguradoras de veículos. Trata-se de um profissional que realiza inspeções em veículos que passaram por alterações em sua estrutura original, sofreram sinistros ou foram reformados e, portanto, necessitam de aprovação para transitar. Vale acrescentar, porém, que essa ocupação não foi reconhecida pelo comitê de validação e, portanto, não aparece na versão final da família ocupacional. Na mesma família, outra ocupação “descoberta” durante os trabalhos, mantida após a validação, foi a do Técnico de Resseguros, que negocia, administra e controla os contratos com o IRB (Instituto de Resseguros Brasil), órgão que possui o monopólio dos resseguros no país. Como 241 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 existem estudos no sentido de quebrar esse monopólio, poderá vir a ocorrer uma expansão dos postos de trabalho ligados a essa ocupação no futuro. Na família ocupacional dos Técnicos em secretariado, taquígrafos e estenotipistas (FO 3515), vale destacar que a nova denominação do Estenógrafo, consagrada pelo mercado, na verdade desdobra-se em duas ocupações: o Taquígrafo, que procede manualmente às atividades de registro, tanto no setor público quanto privado (depoimentos, discursos, etc.); e o Estenotipista, cujas atividades refletem o avanço tecnológico na área de comunicações, já que faz uso do computador no exercício de suas funções, possibilitando o registro dos fatos em tempo presente (close caption, mensagens para deficientes auditivos na televisão, atividades que necessitem de legendas). A família ocupacional dos Acupunturistas, podólogos, quiropraxistas e afins (FO 3221) agrupa duas ocupações já existentes na CBO 94 (Acupunturista e Quiropraxista), ao lado de uma nova ocupação definida no âmbito da nova CBO: o Podólogo. Inicialmente havia sido definida como ocupação também o Técnico em Fisioterapia, que compunha o título da família. No entanto, durante o estudo de escopo, essa denominação mostrou-se inadequada.11 Na verdade, os profissionais que prestam serviços nessa área, em geral conhecidos como atendentes, não são reconhecidos como técnicos em fisioterapia. Entre os motivos alegados destacam-se: o fato de que estes profissionais não possuem formação na área de saúde, tampouco formação específica em fisioterapia; não prescrevem exercícios ou verificam se os mesmos estão sendo realizados corretamente (o que é feito pelo fisioterapeuta). Suas funções consistem apenas em instalar os pacientes em aparelhos específicos, utilizando-os sob constante supervisão; também cuidam da limpeza e organização da clínica. Outra razão que levou à solicitação de exclusão da denominação “técnico em fisioterapia” foi o fato de não ter sido localizada nenhuma instituição de ensino que ministrasse o curso de fisioterapia em nível médio. Os especialistas que representaram a ocupação dos Podólogos destacaram que sua prática advém da medicina ortodoxa, e seus procedimentos direcionam-se à saúde do pé. Tratam de afecções, infecções, patologias dos pés e deformidades podológicas, utilizando-se de instrumental pérfuro-cortante, medicamentos de uso tópico, órteses e próteses. Com a multiplicação de clínicas especializadas nos grandes centros urbanos brasileiros, há indícios de que essa ocupação venha conquistando um lugar de maior destaque no mercado de trabalho brasileiro. Ainda dentro do Grande Grupo 3, os Recreadores (FO 3714) constituem uma família ocupacional relativamente nova no mercado, que tende a ser mais valorizada. Segundo os especialistas, isso vem ocorrendo principalmente depois que hotéis e resorts reconheceram a importância desse profissional como diferencial para atrair um maior número de clientes. Apesar de existirem alguns cursos na área – desde cursos técnicos pertencentes ao sistema Senai/ Senac até cursos de graduação em Gestão de Lazer e Eventos –, a maioria dos profissionais não possui formação específica. Nesse sentido, seu nível de escolaridade varia muito, indo desde o segundo grau incompleto até o nível superior, este nem sempre na área específica). O Grande Grupo 4, “Trabalhadores de Serviços Administrativos”, compreende as ocupações ligadas ao trabalho burocrático, com ou sem contato constante com o público. Dentro desse grande grupo, merece destaque a família ocupacional dos Apontadores e conferentes (FO 4142). No trabalho inicial de definição do escopo, a facilitadora entrevistou vários empresários e diretores de recursos humanos do setor industrial que relataram a extinção da ocupação de Apontador de Produção, decorrente de mudanças tecnológicas. No prosseguimento do trabalho, foi possível constatar que as atividades dessa área foram incorporadas por outras ocupações, porém o redesenho do trabalho, quando da reestruturação produtiva, diferia de empresa para empresa e de setor para setor. Na construção civil, os apontadores de produção e de mão-de-obra são ainda numerosos, e provavelmente ainda o serão por muito tempo. Também permaneciam, segundo os entrevistados, em atividades de apontamento de produção de serviços públicos. Durante a realização dos painéis, verificou-se, de um lado, a tendência ao desaparecimento da ocupação de Apontador (seja de produção, seja de mãode-obra), devido à incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, que levam ao esvaziamento das funções exercidas; de outro lado, porém, os trabalhadores remanescentes vêm acumulando funções tradicionalmente exercidas por trabalhadores de outros cargos. A tendência seria assim a transformação do apontador em um encarregado que tem, entre outras tarefas, a função de apontador de mão-de-obra e/ou de produção. Ainda nessa mesma família ocupacional, foi incluída uma ocupação inexistente na CBO 94, embora antiga no mercado de trabalho: o Conferente de carga e descarga, que atua na área portuária e anota tudo o que diz respeito ao embarque e desembarque de mercadorias nos portos e 242 A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE... terminais portuários (avarias, tipo de carga, volume, peso, etc.). Ao conferir, o profissional toma nota e/ou aponta, realizando tarefas muito semelhantes às executadas pelos apontadores, o que justificou sua inclusão nessa família ocupacional. Entre os Operadores de telefonia (FO 4222), a ocupação de Telefonista propriamente dita encontra-se em processo de extinção, segundo o depoimento dos especialistas e os contatos feitos durante o trabalho prévio de definição de escopo. A tendência da ocupação é desaparecer, devido aos avanços técnicos nos sistemas de telecomunicações. Atualmente, grande parte das ligações é feita diretamente da origem para o destino, sem a necessidade de auxílio de telefonistas. Por outro lado, em empresas pequenas e mesmo em algumas médias, os recepcionistas ou secretários fazem o serviço de atendimento telefônico. Em empresas grandes, os departamentos já possuem ramais diretos e os funcionários fazem e recebem suas próprias ligações. O telefonista fica mais como prestador de informações em casos especiais em que os usuários externos não possuem o número direto do ramal. Os participantes dos painéis mencionaram outros fatores que estão levando à progressiva extinção da ocupação. Um deles é o serviço de atendimento eletrônico, que está se expandindo muito entre empresas de todos os portes. Nesse caso, os ramais dos departamentos são fornecidos pela gravação. Adicionalmente, foi mencionado o processo de terceirização do atendimento das operadoras telefônicas, como a Embratel e a Telefônica. Tais empresas não possuem mais teleoperadores em seu quadro de funcionários, pois contratam outras empresas para esse serviço, sendo caracterizadas mais como prestadoras de informações do que de completadoras de chamadas. A difusão da internet também provocou mudanças nas ocupações dessa família, pois informações como números da lista telefônica, códigos de área interurbanos e internacionais e tarifas podem ser obtidas diretamente no site da operadora. É importante registrar o esvaziamento do mercado de muitas ocupações que integram a família ocupacional dos Operadores de equipamentos de entrada e transmissão de dados (FO 4121). Essa família, que na CBO 94 abrigava dez ocupações, agora abriga apenas quatro: Datilógrafo, Digitador, Operador de mensagens de telecomunicações (correios) e Supervisor de digitação e operação. Ocupações que constavam da CBO 94, ligadas à operação de máquinas de escritório – tais como Conferidor (cartões e fitas), Operador de equipamento de entrada de dados, Operador de máquina contábil, Operador de máquinas classificadoras e tabuladoras e Operador de teleimpressão –, foram eliminadas ou fundidas em função das mudanças tecnológicas no setor, entre elas o advento do computador de uso pessoal. Mesmo algumas das remanescentes, como Datilógrafo e Digitador, vêm perdendo expressão numérica no mercado de trabalho. O Grande Grupo 5, “Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados”, reúne trabalhadores cujo conhecimento e experiência são utilizados na prestação de serviços (em geral, de proteção e segurança) às pessoas ou na venda de mercadorias no comércio em geral. Na família dos Agentes comunitários de saúde e afins (FO 5151) inclui-se uma ocupação emergente, a de Agente comunitário de saúde. Essa ocupação foi criada na década de 90, principalmente por iniciativa do Ministério da Saúde. Os especialistas que exercem a ocupação prestam assistência de saúde em comunidades carentes, entre as quais a dispensa de cuidados simples de saúde sob supervisão de profisssionais do setor, a orientação da comunidade para a promoção da saúde, a participação em campanhas preventivas, o incentivo a atividades comunitárias e assim por diante. Nota-se também na mesma família ocupacional, a presença de uma ocupação em processo de extinção, que é a Parteira leiga. Muito comum nas zonas rurais brasileiras ainda em meados do século XX, essa profissão entrou em desuso com a difusão dos serviços de saúde e o aumento da possibilidade de acesso das parturientes a hospitais e postos. Segundo as parteiras leigas que participaram dos painéis, a rede pública de saúde está se empenhando em aproveitar seus conhecimentos e habilidades ancestrais no atendimento à comunidade prestado pelos postos e pela rede hospitalar. Elas tornaram-se, portanto, auxiliares da rede oficial de saúde. Com o declínio da navegação fluvial no Brasil, ocupações tipicamente ligadas a esse setor encontram-se em processo de extinção ou de transformação. Entre elas, destaca-se a ocupação de Taifeiro, que pertence à família dos Trabalhadores de segurança e atendimento aos usuários de transportes (FO 5111). Apesar de essa mesma denominação aparecer como sinônimo em outra família ocupacional (Praças das forças armadas – FO 0103), é na FO 5111 que ela aparece como ocupação propriamente dita. O Taifeiro é o profissional responsável pela organização e controle do paiol (despensa da embarcação), pelo serviço de refeições aos passageiros ou tripulantes, bem como pela limpeza e arrumação das partes internas das 243 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003 (FO 5193) inclui um tipo de trabalhador que vem adquirindo importância cada vez maior no mercado de trabalho, segundo os especialistas que participaram dos painéis. As exposições de animais de pequeno porte estão se tornando mais freqüentes no país, e