sociedade do conhecimento

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sociedade do conhecimento
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 3-16, 2003
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
VAGNER DE CARVALHO BESSA
MARCELO BATISTA NERY
DANIELA CRISTINA TERCI
Resumo: Este artigo retrata tanto a discussão internacional a respeito das novas métricas da sociedade da
informação como a exploração desse tema nos últimos anos pela Fundação Seade e, deste modo, o resultado
dos esforços nos processos de obtenção, compilação e análise de dados sobre o assunto.
Palavras-chave: tecnologia; informação; conhecimento.
Abstract: This article describes the international debate with regard to the new paradigms of the information
society, and the exploration of this subject in recent years by Fundação Seade, in order to assess the efforts
towards obtaining, compiling and analyzing data on the subject.
Key words: technology; information; knowledge.
O
debate sobre os rumos do desenvolvimento
econômico é impulsionado pela difusão dos
paradigmas produtivos que atingem o modo
de produção de bens e serviços. Existe a plena convicção de que os segmentos que experimentam profundas mudanças, em função dos impactos das novas
tecnologias digitais, mostram potencial econômico
para criação de empregos qualificados e geração de
renda. Impulsionado pela visibilidade da Internet e a
expansão das empresas “ponto.com”, esse processo ganhou amplitude e demarcou o significado das novas
formas de produção, consumo e conhecimento. De fato,
o que se convencionou chamar de “nova economia”
envolve um conjunto distinto de significados. Currás,
Nanclares e López (2001) advertem que o termo “nova
economia” deve ser analisado em aspectos diferenciados. Na perspectiva macroeconômica, a noção tem
sido tomada como sinônimo de crescimento do emprego e da produtividade, dentro de um contexto de baixas taxas de juros e inflação, internacionalização da
economia americana e mudanças no sistema financeiro internacional, tendo como pano de fundo a difusão
das novas tecnologias de informação e comunicação e
da Internet. Entrementes, há variações nessa abordagem,
pois enquanto alguns defendem que o termo reflete uma
mudança de ordem estrutural na economia mundial pas-
sível de reprodução em outras regiões (Schreyer, 2000),
outros assinalam que o fenômeno registra uma fase do
ciclo de crescimento restrito à economia americana nos
anos 90, desenvolvida pelos investimentos na nova infraestrutura de telecomunicações, mas de difícil reprodução em outros países.
Do ponto de vista microeconômico, por sua vez, há um
entendimento generalizado e mais consensual acerca da
liderança que os setores ligados às novas tecnologias exerceram sobre a Globalização Industrial. As fusões e alianças estratégicas entre grandes grupos proporcionaram a
emergência de mercados e modelos de negócios nas fronteiras das novas áreas de exploração econômica. A importância das redes de aprendizado se fortalecem como
novos padrões de competitividade e as informações
dirigidas às inovações tecnológicas e produção de conhecimento passam a constituir um importante insumo para o
processo de reestruturação produtiva. Ampliam-se as possibilidades para a aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs em vários campos e a nova
infra-estrutura de telecomunicações proporciona, simultaneamente, a criação de novos produtos e a revitalização
de mercados tradicionais em bases tecnológicas renovadas, como nas áreas de telemedicina, de educação a distância e de ação do Estado – por intermédio do governo
eletrônico (Cohen et al., 2000).
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entre os setores de atividades, as dificuldades de mensurar serviços de natureza intangível e as dificuldades de
regionalização de uma “economia em rede”, impõem desafios ainda maiores. Entretanto, a despeito dessa problemática, há na perspectiva dos organismos internacionais
e dos fóruns especializados uma certeza generalizada agindo no intuito de que sejam estabelecidas convenções padronizadas para o exercício de uma métrica dentro das práticas estatísticas adequadas às novas exigências.
Na ótica social, o ritmo de difusão da nova infra-estrutura de telecomunicações mostra potencialidades inéditas
para a abertura e ampliação dos canais de participação nas
sociedades democráticas e para o aparecimento dos novos direitos no que se convencionou chamar de “sociedade do conhecimento”. O impacto é observado no mercado de trabalho, nas relações comerciais, no crescimento
econômico, na forma de produzir, coordenar e distribuir
bens e serviços e no cotidiano dos indivíduos; na maneira
que adquire informações, aprende, negocia, interage, etc.
O vasto campo de aplicações das novas tecnologias tem
conduzido ao debate de como medir os impactos do desenvolvimento e difusão das TICs sobre a vida econômica e social. As instituições reclamam novas regulamentações e incentivos, oferecem e demandam novos saberes.
Entretanto, leituras menos otimistas enfatizam que a
difusão diferenciada das novas tecnologias, quando não
reforça, repete os padrões de exclusão social presentes em
sociedades com profundas diferenciações distributivas.
Nesse contexto, a questão da “exclusão digital” ou da
“infoinclusão” surge como temática privilegiada que
enfatiza a necessidade de políticas públicas voltadas não
apenas para universalização ao acesso às novas tecnologias
de comunicação e informação, mas também aos benefícios globais da sociedade do conhecimento.
O debate sobre a importância das TICs tem levado a uma
ampla discussão a respeito das alterações nas convenções
estatísticas necessárias para medir a relevância dos novos processos desenvolvidos no âmbito do que se convencionou
chamar de “Sociedade da Informação” ou “Sociedade do
Conhecimento”. Porcaro (2001) chama a atenção para o fato
de os esquemas conceituais, dos sistemas estatísticos oficiais, assentarem-se sobre premissas teóricas umbilicalmente
ligadas a uma dada concepção em relação à realidade econômica e social. Segundo a autora, os modelos estatísticos
se apropriaram de constructos analíticos ligados à divisão
do trabalho da sociedade industrial e ganharam consistência
ao desenhar uma representação estatística homogênea e comparativa de uma sociedade cujos padrões culturais, científicos e tecnológicos eram relativamente estáveis, assentados
sobre a organização regulada, fordista e circunscrita aos
marcos dos Estados Nacionais do pós-guerra.
Os desafios para os sistemas nacionais de estatística
são enormes porque compreendem uma agenda aberta. O
extenso campo de aplicações das novas tecnologias de
informação e comunicação, a grande heterogeneidade de
fontes produtoras de informações, a ambigüidade dos fenômenos, a constante destruição e recriação de barreiras
ESTATÍSTICAS NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO
Indicadores de Compatibilidade Internacional
Proveniente da necessidade que cada país possui em
entender e adaptar as tecnologias globais para as exigências locais, alguns indicadores têm sido compostos para
avaliar o nível de progresso tecnológico e a capacidade
destes países em participar dessa nova era. A composição
de tais índices auxilia as políticas de difusão em mensurar
a inserção de cada país em relação aos demais e, em especial, verificar quais são os pontos que proporcionam seu
distanciamento daqueles que estão no topo tecnológico.
Muitos elementos contribuem para avaliar as realizações
tecnológicas, mas em geral poucos são levados em consideração para mensuração, devido à dificuldade de obtenção e compatibilidade encontrada.
Em estatísticas e indicadores existentes de tecnologia, esforços são feitos, sobretudo pela Unesco, OECD e Eurostat
(Unesco, 2002), para promover uma maneira sistemática de
mensuração, coleta e disseminação desses números, que até
o momento estão disponíveis, em sua maioria, apenas para
os países industrializados, no que se refere aos recursos humanos e financeiros em P&D, inovações, citações, patentes,
produtos de alta tecnologia, etc. Estatísticas que vêm sendo
coletadas tendo por referência os conceitos e as metodologias
internacionais estabelecidas em documentos como o Manual Frascati (OECD, 1993), de Oslo (OECD, 1996) e Canberra
(OECD, 1995), por exemplo.
Assim sendo, macroindicadores foram desenvolvidos
com intento de compreender o processo de produção e
aplicação do conhecimento como uma série de sucessivos e necessários estágios que partem da pesquisa básica
até a inovação, passando pela pesquisa aplicada e pelo
desenvolvimento experimental, transformando-se freqüentemente em um modelo para os países, principalmente para
os desenvolvidos, que procuram adaptá-los de acordo com
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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
é designada para medir mudanças no decorrer do tempo.
Os dados para sua construção advêm das séries internacionais mais utilizadas e difundidas em relação ao uso de
tecnologia, porém alguns países acabam por ser subdimensionados pela falta de informação ou pela qualidade
da coleta.
O objetivo dessa proposição não é medir apenas qual
país lidera o desenvolvimento tecnológico, mas sim a condição do país como participativo na criação e uso de tecnologia. Para exemplificar, podem-se analisar os componentes do índice, tendo como início a criação de tecnologia.
O TAI usa dois indicadores para capturar o nível de inovação na sociedade: número de patentes concedidas per
capita, para refletir a intensidade de atividades novas; e o
número de royalties e licenças obtidas no exterior, demonstrando a evolução das inovações bem sucedidas ainda utilizadas e com valor de mercado.
Por fim, temos o indicador de habilidade humana que
utiliza o número de anos na escola para população acima
de 15 anos, que fornece uma boa medida das habilidades
proporcionadas pelo ensino básico geral da população, não
esquecendo que a qualidade da educação é variável para
cada país. Além disso, o número de graduados em ciência, matemática e engenharia, possibilita igualmente uma
avaliação dos esforços atuais em desenvolver e avançar o
conhecimento em ciência e matemática.
Alguns outros modelos foram produzidos para mensurar
a difusão das novas tecnologias de informação, um deles,
que merece destaque, é o modelo Inexsk (Mansell e Wehn,
1998) que procura identificar indicadores para o acompanhamento do crescimento de uma sociedade da informação nos países em desenvolvimento. Esse modelo foi desenvolvido para analisar comparativamente a difusão de
TI em diferentes países, a partir das seguintes variáveis:
infra-estrutura, experiência, habilidades e conhecimento.
Segundo Mansell e Wehn, o grande desafio para a política de difusão é equilibrar os investimentos em equipamentos com o desenvolvimento do capital humano. Os
exemplos de Taiwan e Coréia demonstram que é possível
se tornar um líder em exportações de bens de TI sem que
o padrão de utilização doméstica seja muito afetado. Por
esse motivo, a análise dos impactos da TI sobre o crescimento econômico deve abranger uma diversidade de índices, tais como: índice de computadores pessoais; de linhas telefônicas; de produção de eletrônicos; de consumo
de eletrônicos; de disponibilidade de recursos humanos
qualificados; de alfabetização; de hosts de Internet; e de
difusão de televisores; etc.
suas políticas, porém que encobre as características específicas dos processos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico. Essa é uma das principais razões
desse modelo ser intensamente questionado pelas escolas e
instituições afins, e em conseqüência disso temos a busca
incessante por novos indicadores, como os de inovação.
Apesar dos vários modelos criados para mensurar TI,
muitas dificuldades são encontradas para quantificar tais
questões pelo seu caráter intangível, entretanto existe um
número de indicadores que refletem objetivamente o grau
de difusão das novas tecnologias e vêm sendo investigados de forma regular por organismos internacionais, como
será abordado mais adiante.
Entretanto, existem algumas propostas apontando para
que os países em desenvolvimento se estendam além dos
indicadores tradicionais de entrada (como centros de pesquisa, pesquisadores, treinamento de pessoal com nível
científico e técnico, recursos financeiros) e produtos (artigos publicados, licenças, patentes, número de citações,
etc.), incluindo uma mensuração sistemática da capacidade científica e tecnológica (Unesco, 2002). A questão que
se sobrepõe, então, é qual a melhor maneira de desenvolver uma estratégia viável para mensurá-los em acordo com
as prioridades políticas.
Outra interpretação dada é a realizada pelo Relatório
do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2002), que faz uma
estimativa com relação à justiça econômica do ponto de
vista do uso da Internet, concluindo que no âmbito do
processo global há a expectativa de que o número de usuários de Internet aumente de 500 milhões para cerca de 1
bilhão até 2005. Todavia, também é constatado que 72%
dos atuais utilizadores vivem em países da OCDE, tendo
elevados rendimentos e contemplando apenas 14% da
população mundial.
Assim como no Relatório de Desenvolvimento Humano, o Technology Achievement Index – TAI1 tem como
propósito servir de ponto de partida para uma avaliação
tecnológica geral, primeiramente, para que depois sejam
examinados outros indicadores de forma mais detalhada
(Sagasti et al., 2001:7), para 72 países. Os índices estabelecidos pelo TAI têm como alvo mensurar a tecnologia de
cada país, baseados em quatro dimensões: criação de novas tecnologias; difusão e adoção de novas tecnologias;
difusão das já existentes, que ainda são básicas para a
entrada de novas; e a construção da habilidade humana
para a criação e conseqüente adoção de tecnologia.
A metodologia usada para o cálculo é similar à usada
para o índice de desenvolvimento humano, entretanto não
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até motivações de ordem socioculturais. Segundo Navarro
(2001), as inovações metodológicas das pesquisas estão
registradas na coleta de indicadores para a construção de
tipologias familiares e de grupo, pois entende que as questões sobre a exclusão digital não se resumem às características dos indivíduos, mas às necessidades específicas
de classes e grupos sociais.
No Canadá, onde as pesquisas são estruturadas pela
orientação pragmática das políticas de governo,3 a exclusão é pensada como uma segmentação que atravessa todos os grupos socioeconômicos. Em adição à tradicional
divisão entre usuários e não-usuários (first divide), há uma
segunda segmentação dos não-usuários, que podem ser
divididos por sua vez em dois grupos: aqueles que possuem interesses em estar conectados, no entanto não estão, em função de barreiras de custo, habilidades e capacidade de uso; e aqueles que possuem pouco ou nenhum
interesse nos serviços oferecidos (second divide), que
resulta de uma diferença em relação à percepção de valores, dificuldades com a língua, de usabilidade ou de um
desestímulo em relação à pouca densidade de conteúdos
sociais e geração de oportunidades, como informações sobre emprego, moradia ou capacitação (Navarro, 2001: 32).
As primeiras referências para a medição desse processo de exclusão digital nas estatísticas produzidas na Fundação Seade se remetem a Pesquisa de Condições de Vida
1998.4 A pesquisa, que já trazia desde suas primeiras versões (1990 e 1994) dados a respeito do número de linhas
telefônicas residenciais, incorporou questões relativas à
existência de telefones celulares e computadores nos domicílios. Esse levantamento possibilitou a formulação de
indicadores sobre a disponibilidade de terminais de acesso telefônico e computadores a partir de cruzamentos com
as informações de renda do chefe da família, gênero e
demais condições dos domicílios e de seus ocupantes,
permitindo traçar um retrato das condições de acessibilidade dos indivíduos às tecnologias básicas para o acesso
às redes digitais. Segundo os dados da pesquisa, para cada
mil famílias com renda superior a 20 salários mínimos,
havia cerca de mil computadores por domicílio (média de
um para cada domicílio), enquanto para aqueles com até
dois salários, a densidade era de 160 terminais para cada
grupo de mil famílias.5 Tal disparidade pode ser vista também por meio da apropriação das novas tecnologias segundo o grau de escolaridade dos residentes: observando
a distribuição dos indivíduos com 7 anos ou mais que freqüentam algum nível de ensino regular, 24% dos estudantes dispunham de PCs em suas residências na Região
Exclusão Digital e Infoinclusão
O debate sobre a difusão das novas tecnologias tem intensificado o debate relativo aos benefícios ou o acirramento das desigualdades sociais. Ao contrário de um otimismo
generalizado sobre as ondas de crescimento provocadas pela
nova economia, a apropriação desigual destas tecnologias
tem se traduzido em um forte debate a respeito da assimetria
entre aqueles que possuem e os que não possuem informação; em que pesem as mudanças tecnológicas e o profundo
rompimento com o marco regulatório anteriormente existente,
não há ainda um plano de políticas públicas cuja engenharia
possibilite alcançar o nível de universalização promovido pelo
Estado do Bem-Estar Social no caso da telefonia fixa. O significado de “serviço universal” sofre mudanças e deixa de
ser apresentado unicamente como acesso à infra-estrutura de
comunicações, passando a ser entendido como a disponibilização de recursos para a criação e disponibilidade de
conteúdos informacionais aos quais todos os indivíduos devem ter acesso segundo suas necessidades (Tápia; Rallet,
2000). Duas questões se colocam: como medir a difusão de
acessos e, de outra forma, como os indivíduos estão capacitados para lidar com as novas tecnologias.2
Do ponto de vista das tecnologias e do pioneirismo, as
pesquisas nos Estados Unidos realizadas pela Agência
Nacional de Administração de Telecomunicações e Informação do Departamento de Comércio vêm se constituindo como um marco para o monitoramento da questão de
exclusão digital entre as pesquisas domiciliares. Do primeiro relatório publicado em 1995, “Falling through the
net: a survey of the net: new data on the digital divide”
até o quarto relatório “Falling through the net: toward
digital inclusion”, em 2000, a pesquisa vem assimilando
elementos importantes referentes à metodologia de
inferência da exclusão e às mudanças no âmbito das novas tecnologias: se, no primeiro estudo, a idéia de inclusão se definia em função da disponibilidade de acesso
residencial de telefonia, computadores e Internet, já em
2000 a pesquisa ganha uma novo âmbito: em primeiro
lugar, existe um suplemento para cada indivíduo do domicílio e são investigadas a disponibilidade de Internet
de alta velocidade e o uso da rede por indivíduos com
deficiências físicas e mentais (Navarro, 2001).
Outras pesquisas realizadas no âmbito da OECD mostram que as causas que impedem o acesso dos indivíduos
às novas tecnologias podem variar, indo de fatores relacionados à infra-estrutura de telecomunicações ou às dificuldades de acesso em localidades geograficamente isoladas,
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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
(61,7%) ou no trabalho (46%).7 O acesso compartilhado
em lugares públicos é utilizado por apenas 16% dos indivíduos, sendo ainda menor o acesso pela escola e pela universidade (12,3%).8 Esses dados indicam o espaço para
uma política de infoinclusão, uma vez que o acesso à
Internet ainda é extremamente dependente dos recursos
despendidos pelos próprios indivíduos e pelas empresas.
Conforme Bessa e Tápia (2003: 88), “a distribuição dos
bens e serviços decorrentes das novas tecnologias digitais leva à apropriação desigual dos seus benefícios, e esse
processo não decorre do tempo relativamente pequeno
entre a chegada da Internet no Brasil e o levantamento
das informações da pesquisa, como alguns poderiam sugerir. Mais do que isso, os dados mostram que o entrelaçamento entre a concentração de renda e o nível de escolaridade, por um lado, e o acesso a computadores, de
outro, colocam obstáculos de fundo estrutural que podem
vir a auto-reforçar os níveis de exclusão já existentes e
que estão longe de ser resolvidos pelas políticas tradicionais.”
Metropolitana de São Paulo; entretanto, enquanto entre
os estudantes de escolas públicas esse percentual era de
11%, para aqueles que estudavam em escolas particulares, esse número alcançava 62% – ou, de outra forma, 66%
dos alunos que dispunham de computador em seus domicílios estavam no sistema privado (Bessa; Tápia, 2003).
Entretanto, se o acesso residencial contempla uma análise importante sobre a disponibilidade de computadores
e telefones fixos e celulares, questões que dizem respeito
a essas tecnologias fora dos domicílios, assim como as
motivações, freqüência, intensidade e barreiras para o seu
uso, somente poderiam ser contempladas em uma pesquisa específica do tema.
A pesquisa “Hábitos de leitura e uso da Internet”, resultado do convênio entre a Fundação Seade e a Imprensa
Oficial do Estado – Imesp, foi capaz de avançar significativamente nesse campo, com uma investigação específica sobre o uso da Internet em suas múltiplas dimensões.6
A pesquisa permitia avaliar, entre outras questões, o uso
da rede mundial de computadores fora das residências e
explorar as barreiras que impediam os indivíduos de acessar as redes digitais, segundo várias segmentações (renda, gênero, faixa etária, cor e escolaridade).
Segundo os dados da pesquisa, a proporção de indivíduos que acessam a Internet é de 18,9% na RMSP, sendo
a proporção de domicílios com internautas de apenas 8,5%
dentre aqueles com renda per capita de até meio salário
mínimo. A maior parte acessa a web nos domicílios
Governo Eletrônico
A discussão sobre Governo Eletrônico demarca um
compromisso recente de proposições na forma do exercício da democracia e da administração pública. Conseqüentemente, não há ainda uma agenda para produção de informações desse âmbito entre instituições estatísticas,
sendo os levantamentos limitados à produção de indicadores em relação à expansão dos serviços públicos pela
Internet, mais com a finalidade de divulgação do esforço
das administrações governamentais em produzir serviços
pela WEB do que em instituir um conjunto de indicadores com requisitos estatísticos propriamente ditos.
A Fundação Seade, além de cumprir papel estratégico
no governo eletrônico como núcleo de produção de informações para monitoramento das políticas públicas e transparência das ações governamentais, desenvolve atividades para o levantamento de estatísticas voltadas para ações
nessa área. As informações estão centradas na coleta de
informações diretas obtidas pela Pesquisa Municipal
Unificada – PMU e na montagem do “Guia da Oferta de
Informações e Sistemas do Governo do Estado de São
Paulo”.
Na primeira versão da PMU, a coleta destinava-se a
observar a difusão dos equipamentos de informática entre as várias instâncias da administração pública municipal. Após algumas tentativas pioneiras para a obtenção
GRÁFICO 1
Distribuição da População em Idade Ativa que usa Microcomputador, mas não
utiliza Internet, segundo Motivo Principal para Não-Utilização da Internet
Região Metropolitana de São Paulo – 20011
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. Suplemento da Pesquisa de Emprego e Desemprego
– PED.
(1) Os dados referem-se ao período de abril a agosto de 2001.
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Os resultados da primeira PMU apontam para um quadro representativo da estrutura do governo eletrônico entre as prefeituras. Embora a temática relacionada ao Governo Eletrônico tenha importância crucial para a
construção de novas relações entre o chamado “poder local” e os cidadãos, no Estado de São Paulo a maioria delas ainda não assimilou importantes elementos que compõem a agenda pública focalizada na Sociedade da
Informação. A incorporação das novas tecnologias da informação, que parece se dar em níveis acelerados, não tem
revelado os efeitos desejáveis sobre a performance do setor
público municipal como, por exemplo, maior transparência na administração ou fortalecimento da “cidadania eletrônica”.
O esforço para a assimilação de novas tecnologias é
impulsionado pela necessidade de informatização mais
imediata de alguns setores da administração municipal,
sobretudo pelas demandas da Secretaria de Finanças (dada
a necessidade de organizar a arrecadação municipal10 ), e
também nas áreas sociais, cujas relações com outras instâncias governamentais (convênios, repasses, etc.) exigem
a informatização dos dados. Sintoma da pouca importância que as prefeituras conferem ao governo eletrônico é o
fato de somente 21% delas contarem com alguma estrutura administrativa, formalizada e com capacitação específica, voltada para a gestão da TI (núcleos, secretarias,
centro de processamento de dados, etc.).
A inserção das prefeituras na web por meio de home
pages alcança 19% das administrações no Estado de São
Paulo, em relação a 83% nos Estados Unidos. Predominam sites pouco estruturados em informações de serviços
de utilidade pública ou mecanismos de interatividade para
o alargamento da participação popular em espaços virtuais
de discussão (fóruns, salas de debates, murais virtuais).
Nesse sentido, os serviços on-line limitam-se a um centro
de informações com perfil “estático” (apenas relacionando políticas, serviços e procedimentos). São poucos os que
se estruturam em função de uma postura “dinâmica” (serviços realizados prontamente por meio do envolvimento de
todos os setores da administração pública).
Vale notar que a discussão sobre a difusão das novas
tecnologias da informação e a gestão pública ganha espaço no âmbito das ações estratégicas do Estado em diferentes níveis (federal, estadual e municipal) e nas instâncias do poder legislativo e judiciário (Takahashi, 2000).
As experiências mais reconhecidas estão ligadas à declaração do imposto de renda pela Internet e ao sistema eleitoral em meio eletrônico, ambas de referência internacio-
de dados de forma mais eficiente, em 1999, chegou-se a
um levantamento de informações mediado por uma concepção conceitual bem mais definida – passa-se da noção
genérica de “informatização” para o conceito integrado
de “Governo Eletrônico”. Isso se deu em função do próprio amadurecimento da discussão nos núcleos de inteligência das administrações públicas e nos fóruns acadêmicos, voltados para temas estratégicos, como democracia e
participação.9
Embora não haja ainda consenso para a definição precisa de governo eletrônico (assim como para a definição
de comércio eletrônico, como veremos adiante), já se notam algumas linhas de concordância sobre seus aspectos
mais importantes. O governo eletrônico não significa apenas o uso da Internet para tornar disponíveis informações
e serviços aos cidadãos de forma ininterrupta, onde e no
momento que eles os desejam. Governo eletrônico implica o desenvolvimento de uma estratégia para implementar
formas mais eficazes, descentralizadas e transparentes de
gerenciamento público, além de garantir a todos os benefícios da Sociedade da Informação dentro de uma perspectiva democrática e de coesão social.
Nesse sentido, a estrutura da PMU de Comunicações e
Informática é organizada em torno de alguns eixos básicos: disseminação de serviços a distância, infra-estrutura
digital, Internet, política de recursos humanos, parcerias
e políticas de inclusão digital e comércio eletrônico. Em
um plano mais concreto, são investigados a disseminação
dos recursos físicos ligados às tecnologias de informação
e à infra-estrutura de telecomunicações (parque de computadores, recursos multimídia, existência de redes de
comunicação e da Inter e Intranet), as aplicações de recursos telemáticos como instrumento de gestão administrativa e o esforço dos municípios no que se refere a treinamento e capacitação na área de informática.
Além disso, investigam-se as prefeituras que dispõem de
páginas na Internet, indicando as informações de utilidade
pública e serviços disponíveis na página e os recursos oferecidos para a interação on-line entre a administração municipal e os cidadãos (e-mail, chats, grupos de discussão, etc.),
busca-se identificar tanto a existência de diretrizes programáticas de difusão de novas tecnologias, como políticas de
universalização de acesso público a redes de comunicação
de dados e à Internet, por meio da disseminação de terminais on-line em quiosques, bibliotecas, postos de saúde, escolas, etc. e verifica-se se os esforços das prefeituras na área
da política da informação são realizados mediante parcerias
com o setor privado e os setores não-governamentais.
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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
no Estado constituindo um instrumento valioso para os
estudos futuros.
nal.11 Entretanto, no âmbito dos governos estaduais, algumas experiências têm ocorrido para racionalizar o processo de compras, com a montagem de pregões eletrônicos e a informatização do sistema de arrecadação e gestão
orçamentária, cujos efeitos mais imediatos são: redução
dos custos de arrecadação, diminuição do volume de transações realizadas em papel e de erros de preenchimento e
agilidade para a identificação de contribuintes devedores
ou omissos.12
Comércio Eletrônico
A Tecnologia da Informação e Comunicação constitui
um novo campo que começa a ser explorado por instituições como agências estatísticas e de governo, institutos
de pesquisas, consultoria e planejamento e pela área acadêmica. Um bom exemplo dessa condição envolve as contradições originadas em torno do comércio eletrônico, ou
e-commerce.
Desde sua incursão, a definição de comércio eletrônico
tem sido a fonte de muitos debates. Mediante a exigência
de conhecimento ditada pelo cenário socioeconômico
internacional, discute-se um arcabouço teórico, de medidas
estatísticas e de definições a serem adotadas para melhor
compreender a interação entre tecnologia e o processo de
negócios. Desse modo, discute-se sobre a identificação de
oportunidades, o aperfeiçoamento das aplicações de
estudos e políticas, a aquisição de maior entendimento e
melhor visão de todos os atores econômicos e seus
objetivos e a revisão de pressupostos já estabelecidos.
Além disso, investiga-se a maneira mais acertada de
produzir índices que retratem a intensidade e o impacto
do comércio eletrônico, possibilitando fundamentar critérios e diretrizes para modelos teóricos, metodológicos
e conceituais que permitam o incremento da comunicação e a colaboração entre empresas, o desenvolvimento e
aperfeiçoamento de previsões para futuras necessidades
no âmbito da sociedade da informação.
Tantas incógnitas confirmam a necessidade de estabelecer um conjunto de conceitos que permitam compreender melhor a nova economia. Entrementes, segundo
Porcaro, pode-se verificar que a maioria das definições
existentes de e-commerce difere de alguns elementos centrais: abrangência das atividades e/ou os tipos de transações incluídas na definição ampla (comércio, transporte,
marketing, propaganda, saúde, educação, engenharia, serviços de informação, concorrência pública, etc.) ou restrita (somente comércio varejista e entrega eletrônica).
O que se tem hoje são descrições, das definições muito
abrangentes às muito limitadas, que variam conforme a
procedência, ou seja, diferem de acordo com cada pesquisa, com quem a elabora e com o local em que é feita.
Com o adendo de serem freqüentemente posicionadas mais
por questões políticas e/ou mercadológicas que por propostas práticas de mensuração.
Guia da Oferta de Informações e Sistemas
Outra pesquisa realizada com objetivo de mapear a
infra-estrutura do parque de informática e a disponibilização de serviços públicos é o Guia da Oferta de Informações e Sistemas13 que visa dar visibilidade ao acervo de informações do Estado de São Paulo por meio da
divulgação dos sistemas informatizados em operação, localizados nas diversas Secretarias e órgãos vinculados.
Além de mostrar quais são e onde estão as principais informações produzidas e armazenadas pela administração
pública estadual, facilita o acesso às informações e estimula o seu uso, bem como o intercâmbio de experiências
entre órgãos, incluindo a troca de sistemas e informações
operacionais.
O Guia possui dois módulos: no primeiro, estão reunidas informações a respeito dos sistemas informatizados, fornecendo dados individuais sobre cada
sistema desde as principais características dos bancos
de dados e sistemas gerenciais existentes no Estado, tais
como nome, situação atual, ano de implantação, objetivo, assuntos específicos, natureza, meios de acesso e
disponibilização das informações, softwares utilizados
e tipos de saídas possíveis, além de dados sobre o responsável pelo sistema. No segundo módulo, são abordados os aspectos relativos aos ambientes de informática, mostrando a situação da área de informática nas
instituições públicas estaduais, no que se refere a ambientes, equipamentos, programas e recursos humanos
existentes. A constituição dos ambientes é feita de forma detalhada (grande e médio portes, microinformática,
internet e intranet); os equipamentos, formas de conexão utilizadas e pessoas alocadas no setor de informática
por tipo de atividade e nível de escolaridade também
são levantados.
Cabe ressaltar que a base de dados é composta de maneira desagregada, por secretarias e órgãos do governo
estadual, contudo permite delinear o perfil da informática
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
a intenção desse conjunto de especialistas é desenvolver
uma definição realística, facilmente compreensível e
mensurável, ampla o bastante para ser mantida com o decorrer do tempo, além de estreita o bastante para constituir uma concepção objetiva.
Uma referência fundamental é a OECD. Estudando suas
muitas publicações torna-se evidente o tom ponderado de
suas asserções. Contudo, após esclarecer a dificuldade de
mensurar o comércio eletrônico (a diversidade dos conceitos, a incompatibilidade de muitas estatísticas oficiais
e a heterogeneidade das fontes privadas, etc.), a ela pode
ser atribuída a seguinte definição: comércio eletrônico
refere-se geralmente a toda forma de transação relacionada com atividades comerciais, incluindo organizações e
indivíduos que estão baseados no processo e transmissão
de dados digitalizados, incluindo texto, som e imagens
(OCDE, 1997).
Concomitantemente, Statistics Canada descreve comércio eletrônico como uma forma de conduzir negócios, uma
“transação”15 que compreende a transferência da posse ou
da propriedade de uso de recursos tangíveis ou intangíveis e que deve ser mediada necessariamente por meio do
uso de computadores. Na mesma linha a Electronic
Commerce in Canada apresenta duas definições. A definição “técnica” diz ser o comércio eletrônico uma atividade comercial conduzida por meio de redes que ligam
dispositivos eletrônicos (principalmente computadores).
Na definição “básica” o comércio eletrônico é tido como
uma maneira barata de conectar computadores, a fim realizar as tarefas que tradicionalmente têm absorvido muito
tempo e dinheiro dos negócios. Coisas como a venda de
produtos, faturas, controle de inventários e comunicação
com clientes e fornecedores.16 Já o U. S. Bureau of the
Census define-o como algum processo que uma organização de negócios conduz mediado por rede de computadores (Mesenbourg, 2001).
O Eletronic Commerce Promotion Council of Japan
ao questionar o que é comércio eletrônico, expõe a seguinte resposta: comércio eletrônico suporta uma infinidade de atividades – design de produto, fabricação, anúncio, transações comerciais, estabelecimento de clientes –usando uma variedade de tipos de redes de computador
(ECOM, 1996 apud OCDE, 1997). Segundo a European
Information Technology Observatory,17 comércio eletrônico é o suporte das atividades de negócio que conduzem
a troca de valores por meio das redes de telecomunicações (EITO, 1997 apud OCDE, 1997). Para a Comissão
Européia, comércio eletrônico está baseado no proces-
Isso porque os agentes econômicos têm muito a ganhar
com o estabelecimento de seu envolvimento nesse novo
seguimento. Conseqüentemente, os principais atores inseridos nessa empresa também estão trazendo sua própria
definição, dirigida exclusivamente por imperativos de
marketing, visando estratégias planejadas para conseguir
vantagens na economia digital.
Um desafio adicional ao esclarecimento do tema é ocasionado pelo contínuo desenvolvimento da microeletrônica, da computação (hardware e software), das telecomunicações, da optoeletrônica e da biotecnologia,14
responsável pela alta velocidade das mudanças nas estruturas das transações eletrônicas e na natureza dos processos de negócios, produzindo transformações nas referências usadas para apreender a economia eletrônica.
A respeito da novidade desse âmbito, pode-se citar a
decisão da Organisation for Economic Co-operation and
Development (OECD), que apenas em abril de 1999 decidiu criar um grupo para compilar definições politicamente relevantes e estatisticamente viáveis a respeito de comércio eletrônico (Colecchia et al., 2000:10). Idealmente,
QUADRO 1
Tipologia das Definições de Comércio Eletrônico
Fonte: OCDE (1997).
10
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
vimento do e-commerce. Até mesmo elementos “culturais”
podem representar obstáculo, visto que a comercialização
por esse meio depende da existência de um sentimento de
segurança do consumidor que precisa depositar confiança na companhia da qual está comprando, ou seja, que
poderá efetuar o pagamento e o produto será entregue ou
o serviço prestado, protegendo a sua privacidade e impedindo quaisquer tipos de contratempo. Ademais, a própria confiança proporcionada pela estrutura que o suporta é um fator “institucional” que deve ser levado em
consideração.
Em todos esses casos, surge a necessidade de captar as
informações com um recorte apropriado no qual, em pesquisas domiciliares, é essencial obter os resultados por faixa
etária, gênero, nível educacional, ocupação e renda.
Concomitantemente, pela perspectiva das pesquisas econômicas, o ano de constituição da empresa, características do(s)
proprietário(s), segmentação por porte, receita e setor de atividade, localidade em que está instalada, capacitação exigida
e treinamento oferecido pelas empresas são alguns exemplos
das variáveis fundamentais a serem estudadas.
samento e transmissão eletrônica dos dados e abrange diversas atividades, incluindo negociação eletrônica de bens
e serviços, entrega on-line dos conteúdos digitais, transferência eletrônica de fundos, negociação eletrônica de
ações, transmissão eletrônica de notas promissórias, pesquisas on-line, requerimento público, marketing direto ao
consumidor, serviços de pós-venda, etc. (Commission
Europeu, 1997 apud OCDE, 1997). A World Trade
Organization (WTO), por sua vez, apresenta-o como a
produção, anúncio, venda e distribuição de produtos por
meio de redes de telecomunicação.18
Entretanto, verificaram-se diferentes enunciações até
em publicações da mesma instituição, refletindo que, na
verdade, nenhuma das definições constituiu um conceito
conclusivo, o que torna ainda mais evidente a variedade
de significados e amplitudes existentes tanto nos diversos
grupos que estudam o assunto como nos vários países.
Uma estratégia que parece cada vez mais consensual,
dá-se no plano dos temas relevantes para a abordagem do
comércio eletrônico e que seriam objeto de pesquisa direta. Segundo Porcaro (2001), esses temas se dão apenas
em torno dos aspectos relativos a mensuração propriamente
dita das transações eletrônicas, mas circunscreve um núcleo de questões que incidem sobre as condições de expansão dessas atividades. Nesse sentido, as pesquisas devem comportar questões que revelem os aspectos relativos
a barreiras, uso, infra-estrutura e impactos do comércio
eletrônico sobre as atividades das empresas.
Uso – Em um quadro de crescente competitividade do
mercado, a eficiência torna-se um fator fundamental para
determinar a diferenciação de produtos e serviços, estabelecer nichos de mercado, manter e buscar novos clientes. Desse modo, a tendência em se optar por um tipo de
relacionamento comercial via Internet aparece como uma
ótima alternativa.
Hoje, o volume do comércio eletrônico é relativamente pequeno. Entretanto, ele está crescendo rapidamente,
evolução ligada a elementos como o aumento da confiabilidade do sistema, a redução do tempo de transação e
de custos operacionais, expressos em tudo aquilo que envolve o seu uso – a intensidade, o volume, o valor, a qualidade, a eficiência e a natureza19 das transações.
Em vista disso, em alguns países como os Estados
Unidos investigam-se, por exemplo, o custo comparativo
da aquisição e o tempo para a entrega do produto ou a
satisfação do cliente e a qualidade do relacionamento com
o fornecedor, com o objetivo de calcular a capacidade para
a realização do comércio eletrônico.
Barreiras – Com toda a disseminação tecnológica e investimento por parte das empresas para propiciar cada vez
mais a comodidade do consumidor e, conseqüentemente,
ultrapassar a concorrência, vários setores ou empresas
ainda não adotaram o comércio eletrônico como prática.
Para perceber quais são os principais empecilhos, tanto
no que diz respeito à infra-estrutura, quanto ao uso por
parte dos consumidores e/ou fornecedores e a falta de
capacitação dos funcionários com as novas tecnologias,
perguntou-se às empresas quais elementos poderiam estar envolvidos com esses aspectos impeditivos.
As barreiras que dificultam o progresso do comércio
eletrônico podem ser identificadas por aspectos como o
ainda restrito acesso e uso da Internet, a baixa instrução e
treinamento em informática, a falta de proficiência em língua estrangeira ou o simples desconhecimento do assunto. As ações do setor público (má-coordenação ou regulamentação, por exemplo) e as questões políticas e legais
também constituem impedimentos para o bom desenvol-
Infra-estrutura – Todos os aspectos estão fortemente interligados, o comércio eletrônico exige tecnologias e serviços de telecomunicações eficientes e amplamente disponíveis e isso envolve a utilização de computadores,
roteadores e outros hardwares envolvidos na interconexão,
11
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
são de dados, que possibilitam a hierarquização das redes
de valor em torno de novos modelos organizacionais.
Nesse sentido, as informações sobre TICs se limitaram à
captação de dados relativos ao parque de computadores e
às redes de transmissão de dados. O levantamento permitiu inferir o nível de difusão das redes digitais locais (LAN)
e redes de longas distâncias – WAN entre as empresas. A
existência de redes para transações econômicas com fornecedores, clientes e outros agentes foram abordados com
a finalidade de se observar a formação de elos comerciais
e produtivos na cadeia de suprimentos no que se convencionou chamar de supply chain management, conceito que
então organizava a abordagem da pesquisa no capítulo de
tecnologias de informação.
A segunda versão da pesquisa apresentava modificações importantes, construídas por algumas diretrizes. No
capítulo de tecnologia da informação o conceito de infraestrutura é ampliado com informações sobre a velocidade
de conexão de rede e aprofundam-se as questões relativas
ao uso da Internet. Em que pese a ausência de um consenso sobre a melhor metodologia para a apuração do que se
convencionou chamar de “comércio eletrônico”, esse tema
ganha destaque e amplia sua importância na pesquisa, com
um capítulo exclusivo dedicado ao tema.
Foram apropriadas questões das pesquisas realizadas
em vários países, destacando-se as do Canadá e dos Estados Unidos. Em termos gerais, foi construído um núcleo
de questões que segue de perto as recomendações observadas internacionalmente: levantar informações a respeito de barreiras, infra-estrutura e impactos, seguindo muito de perto a proposta canadense. Entretanto, como a
definição de comércio eletrônico do Canadá mostrou-se
por demais restrita, resumindo-se basicamente a Internet,
a opção da Paep foi mais flexível, oferecendo uma definição suficientemente genérica, como sugere a experiência
americana. A fim de superar o conflito entre definições
fechadas ou genéricas de comércio eletrônico, foram investigados separadamente os canais mais comuns de vendas por meio eletrônico, sejam tradicionais (cartões de
crédito on-line, cheque eletrônico, etc.), sejam aqueles
mais modernos (Internet, EDI, web-EDI), a fim de possibilitar que os pesquisadores e usuários pudessem compatibilizar as informações extraídas da Paep com suas opções metodológicas particulares.
Outro elemento fundamental apropriado pelas pesquisas econômicas é o peso dos setores de tecnologia que
tornam a economia digital possível. Isso coloca modelos
de análise para a Economia da Internet, na qual o Setor
satélites e comunicação de redes de fibra ótica e sem fio,
sistemas, aplicativos, etc.
Da mesma forma, forte impressão do impacto ocorre
quando observamos o mercado de trabalho, já que para
suportar processos de negócios eletrônicos e conduzir transações on-line são necessários serviços de suporte, tais
como desenvolvimento e hospedagem de sites, consultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano, como
programadores, analistas, projetistas e especialistas, utilizados nos negócios e comércios eletrônicos. Busca-se,
assim, a adequação dos currículos levando em conta as
maneiras de proporcionar aos profissionais capacitação
suficiente para o desempenho oportuno das funções definidas por essas novas formas de atividade, em um esforço
de desenvolver as capacidades humanas, com ênfase na
educação e emprego, nos setores mais diretamente afetados pelas TICs.
Impactos – Por fim, deve-se ressaltar que as medidas estatísticas sobre os impactos do e-commerce vêm recebendo, ainda, pouca atenção (Porcaro, 2001). Contudo, importantes exemplos de levantamentos puderam ser citados
e mais poderiam ser mencionados. Desse modo, por intermédio de tais pesquisas, a avaliação das variáveis
pesquisadas ajudará a responder algumas questões: o número de computadores das empresas pode indicar o grau
de informatização em um setor de atividade econômica.
Indicadores de conectividade oferecem uma visão do nível de conexão das empresas com o mundo digital. Uma
análise dos motivos que levam a empresa a não utilizar o
comércio eletrônico permite inferir onde os investimentos devem ser feitos. E assim por diante, envolvendo um
conjunto de informações que permitem entender melhor
as mudanças e diferenças nas dinâmicas, nos padrões e na
difusão das novas tecnologias.
Esses aspectos são importantes para se entender como
foi feito o levantamento de informações sobre o tema pela
Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. No caso
da primeira versão da pesquisa, em 1996, considerava-se
que o levantamento de informações sobre tecnologias de
informação e comunicação entre as empresas era um elemento fundamental para a descrição do processo de
reestruturação produtiva, dado que esse processo vem alterando as formas de produção e distribuição das corporações empresariais.
A emergência de “novos modelos de negócios” surge
na esteira da ampliação das redes corporativas e do rápido desenvolvimento das redes corporativas de transmis-
12
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
ou seja, que diferem de acordo com cada pesquisa, com
quem a elabora e com o local em que é feita. Além disso,
uma vez que os pressupostos dessa discussão estão amparados em algumas transformações importantes que se dão
no âmbito da sociedade e da economia, mas que não há
um consenso sobre as formas de conceituar esse processo, há uma forte ambivalência a respeito dos melhores indicadores para aferir o desenvolvimento social e econômico dele resultante.
Existe uma tensão entre indicadores de compatibilidade internacional e a formulação de estatísticas vinculadas
às questões políticas específicas de cada país, questões
derivadas da forma como são organizados os programas
políticos, que por sua vez estão correlacionados a contextos históricos, governamentais e demográficos particulares, que insinuam uma importância diferenciada para grupos imigrantes, perfil escolar da população, nível de renda,
etc. Além disso, como foi observado neste artigo, é possível apontar pontos comuns dentre os indicadores genéricos coletados sistematicamente por países de todo o mundo. No entanto, também se verificou que um certo consenso
dirigido àquilo que se deveria medir não leva à homogeneidade metodológica. Da Ásia à Europa, da África à
América, os governos estão discutindo e realizando alterações nas convenções estatísticas necessárias para medir
os muitos aspectos ligados à “Sociedade do Conhecimento”. Com relação à condição nacional, verificam-se significativos progressos com o desenvolvimento de portais e
sites, a difusão de terminais de acesso público e a propagação de prêmios de excelência, fóruns de discussões e
projetos de inclusão digital.20 Destarte, é possível afirmar
que no Brasil, como em todo o resto do mundo, as pesquisas sobre Tecnologia da Informação ainda estão em
formação.
São inúmeras as tarefas que se impõem às instituições
públicas na construção dos fundamentos da sociedade do
conhecimento. O processo de difusão e adoção de novas
tecnologias exige um conjunto de conhecimentos e serviços eficientes e amplamente disponíveis. Fatores que envolvem a montagem de uma infra-estrutura regulatória
adequada, o suporte à organização de um sistema de ciência e inovação tecnológica e investimentos direcionados
para a educação de qualidade, apenas para destacar alguns. Do mesmo modo, forte impressão do seu impacto
ocorre, por exemplo, quando observamos o mercado de
trabalho: para suportar processos de negócios eletrônicos
e conduzir transações on-line são necessários serviços de
suporte, tais como desenvolvimento e hospedagem de sites,
Informacional tem um recorte horizontal na perspectiva
da convergência dos setores de segmentos específicos do
comércio e serviços de telecomunicações, informática e
audiovisual. Entretanto, além desses serviços, são de fundamental importância os domínios da indústria eletroeletrônica e informática, fornecedores de equipamentos e
softwares de rede e banco de dados, os quais determinaram as condições de oferta de infra-estrutura das novas
infovias digitais. Entretanto, há ainda no plano internacional uma intensa discussão sobre os contornos mais precisos desse novo arranjo de atividades (Zabelsky, 1997;
Colecchia, 2001).
Esse grupo de segmentos apresenta forte concentração
de investimentos e rápido crescimento ao longo dos anos
90, impulsionando o ciclo de acumulação da economia dos
países desenvolvidos (Departamento de Comércio, 1999),
compreendendo desde a produção de computadores e
softwares até os serviços de comunicação de voz, imagem e dados.
CONCLUSÃO
Nos últimos 20 anos as políticas para ciência e tecnologia desenvolveram-se substancialmente, uma vez que a
competitividade econômica clamava por uma redefinição
do papel do conhecimento na construção das vantagens
competitivas das empresas e na forma de organização do
Estado. Concomitantemente, a adoção de programas ligados à Sociedade da Informação, no contexto dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento, reforçou a discussão sobre a necessidade de indicadores e análises técnicas, econômicas e sociais no âmbito das agências estatísticas. Todavia, seja porque as estruturas tecnológicas e
patrimoniais encontram-se em pleno processo de transformação, seja porque os processos relacionados à sociedade da informação não podem ser descritos unicamente em
termos tecnológicos strictu sensu – dado que incorporam
simultaneamente determinações qualitativas de ordem
sociocultural, ligadas à dimensão da experiência e ao conhecimento –, as dificuldades desse processo não são nada
desprezíveis.
Entrementes, questiona-se a identificação de oportunidades, o aperfeiçoamento das aplicações de estudos e
políticas, a aquisição de maior entendimento e melhor visão
de todos os atores econômicos e seus objetivos, e a revisão de pressupostos já estabelecidos, pois o que se tem
hoje, das definições muito abrangentes às muito limitadas, são descrições que variam mediante a procedência,
13
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
4. Sobre a Pesquisa de Condições de Vida, ver <http://
www.seade.gov.br>.
consultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano,
como programadores, analistas, projetistas e especialistas, utilizados nos negócios e comércios eletrônicos. Por
conseguinte, busca-se a adequação dos currículos levando em conta formas de proporcionar aos profissionais
capacitação suficiente para o desempenho oportuno das
funções definidas por novas formas de ocupação.
Nesse contexto, fica evidente a necessidade de medir a
composição física e a direção que as TICs podem estar
tomando. Portanto, cabe lembrar que importantes exemplos de levantamentos podem ser citados, visto que, além
das pesquisas realizadas pela Fundação Seade, o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) coleta
dados como número de PCs e de acesso doméstico à
Internet, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo) afere o número de domínios,21 o
Ministério da Educação avalia o acesso à TI na escola e a
disponibilidade de serviços de suporte, o Ministério do
Planejamento levanta a abrangência dos serviços públicos via Internet, institutos independentes estimam informações como acesso à Internet no trabalho e usuários de
telefonia celular, etc. Assim, de posse dos resultados, a
avaliação das variáveis pesquisadas ajudará a responder
a algumas questões: o número de computadores das empresas pode indicar o grau de informatização em um setor
de atividade econômica; indicadores de conectividade oferecem uma visão do nível de conexão das empresas com
o mundo digital; uma análise dos motivos que levam a
empresa a não utilizar o comércio eletrônico permite inferir onde os investimentos devem ser feitos; e assim por
diante, envolvendo um conjunto de informações que permitem entender melhor as mudanças e diferenças nas dinâmicas, nos padrões e na difusão das novas tecnologias.
5. Dentro do escopo da nova versão da pesquisa, haverá uma ampliação dos itens de bens duráveis investigados, com a introdução de uma
questão sobre a posse de DVDs. Além disso, haverá uma abordagem
em relação ao uso de Internet para os indivíduos escolarizados com
mais de sete anos.
6. Os dados para este estudo foram obtidos a partir da aplicação de
um questionário complementar à Pesquisa de Emprego e Desemprego,
pesquisa domiciliar realizada pela Fundação Seade desde 1985 em
convênio com o Dieese. O questionário complementar, especialmente
desenvolvido, foi aplicado durante os meses de abril a setembro de
2001. Foram realizadas, aproximadamente, 45 mil entrevistas, com
pessoas de 10 anos e mais que sabem ler e escrever. Elas representam
95% do total de pessoas com 10 anos e mais (População em Idade Ativa – PIA) da RMSP.
7. Entretanto, é necessário ressaltar que, nesse último grupo, os mecanismos de exclusão dentro das empresas estão subordinados às estruturas hierárquicas, que favorecem os quadros de maior remuneração e
escolaridade. Segundo dados da pesquisa, entre os indivíduos que dispõem de cargos de planejamento, gerenciamento e direção, 73,8% têm
acesso a computadores e 61,0% à Internet; entre aqueles que exercem
atividades operacionais, essas proporções são de 23,7% e 13,1%, respectivamente.
8. Considerando apenas a população de estudantes, o acesso à web
por meio das escolas alcança cerca de 35%, número, entretanto, bem
menor quando se considera a proporção de acessos realizados nos domicílios para o mesmo universo (73%).
9. A partir de meados da década de 90, é possível acompanhar o esforço geral dos governos na montagem do governo eletrônico (egovernment). Nos EUA, a estimativa do Departamento de Administração e Orçamento do governo federal para o ano 2000 era de que
75% das transações entre os indivíduos e o governo seriam efetivadas
eletronicamente (Neu; Anderson; Bikson, 1999). A importância das
novas tecnologias levou a administração Clinton/Gore a promover a
Internet como política prioritária para “reinventar o governo”. Na Inglaterra, a implementação do governo eletrônico é vista como ponto
central para o aumento da governança do Estado, no plano da modernização das políticas públicas. Ver Britain, 1999.
10. Processo a ser reforçado pela necessidade de as prefeituras se enquadrarem nas exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, que requisita a divulgação na Internet de informações sobre execução orçamentária.
11. Em 2001, 95% das declarações de pessoas físicas foram entregues
pela Internet; no caso de pessoas jurídicas esse número chegou a 100%.
Ver Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2000).
12. No caso do governo do Estado de São Paulo, o esforço para a
informatização e modernização do sistema financeiro e orçamentário
é objeto de dois programas, ambos financiados pelo BID: o Programa
de Modernização da Coordenação da Administração Tributária
(Promocat) e o Programa de Modernização do Controle Interno e da
Administração Financeira (Promociaf). Além do pregão eletrônico, o
governo estadual vem investindo em infra-estrutura para oferecer alguns serviços on-line, como o Poupatempo, pagamento de IPVA, marcação de consultas no Hospital das Clínicas, requisição de editais,
verificação de multas e cadastro de veículos, Boletim de Ocorrência,
acesso a informações socioeconômicas e demográficas do Estado, o
Acessa São Paulo, entre outros. Ver Prandi; Mori, 2000.
NOTAS
1. Esse indicador foi desenvolvido para o Relatório de Desenvolvimento Humano 2001 – Making New Technologies Work for Human
Development – PNUD.
2. Outro grande desafio para os estatísticos passa além da construção
de instrumentos metodológicos relativamente homogêneos capazes de
lidar com a disponibilidade de acessos, e alcança a questão dos conteúdos – cujas determinações subjetivas e de difícil quantificação são
constituídas no campo da cultura e do conhecimento. Para uma discussão sobre os indicadores nessa área ver Institut de la Statistique du
Québec e Unesco Institute for Statistics, 2002.
13. Esse produto é uma iniciativa da Secretaria de Governo e Gestão
Estratégica e tem como executores a Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados – Seade e a Companhia de Processamento de Dados
do Estado de São Paulo – Prodesp, 2001.
3. Nesse país, as agências públicas entendem que o problema de estar
ou não conectado tem implicações diretas sobre a inserção de determinados indivíduos na sociedade da informação e, ao mesmo tempo,
sobre a viabilidade de alguns mercados. Ver Navarro, 2001:31 e segs.
14. Castells (1999) definiu as tecnologias de informação como um
conjunto convergente dessas tecnologias.
14
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
15. O termo “atividade” é mais usado quando se refere a e-business.
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1998.
16. <http://e-com.ic.gc.ca/english/links/814.html>.
17. <http://www.eito.com>.
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18. <http://www.wto.org/>.
19. Entendida como natureza dos modelos de negócios das redes que
suprem as transações.
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Proposta de política de governo eletrônico para o poder executivo federal. Brasília, DF: 2000. Disponível em:
<http:// www.governoeletronico.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2000.
20. Como o Programa Acessa São Paulo que o Governo do Estado de
São Paulo desenvolve. Ver <http://www.acessasaopaulo.sp.gov.br/>.
NAVARRO, T.R. Exclusão digital ou infoinclusão? A experiência
norte-americana nos anos 90. Campinas, CNPq/Unicamp, Instituto de Economia, 2001 (Relatório de iniciação científica).
21. O segmento final de um endereço eletrônico que identifica a rede
local, a instituição ou o provedor de acesso.
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([email protected]).
16
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 17-25, 2003
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO
DE ESTATÍSTICAS
uma abordagem institucional
SINÉSIO PIRES FERREIRA
Resumo: Os avanços tecnológicos, o aumento e a mudança do perfil da demanda por informações estatísticas
e a produção de indicadores cada vez mais complexos têm obrigado a Fundação Seade, como as demais instituições produtoras de informações, a reciclar-se permanentemente.
Palavras-chave: informação estatística; produção de indicadores; banco de dados.
Abstract: Technological progress, the increase and changing profile of the demand of statistical information
and the production of ever more complex indicators have required Fundação Seade, as well as other statisticproducing institutions, to constantly renew them selves in order to achieve their mission.
Key words: statistical information; production of indicators; database.
A
importância da informação na sociedade contemporânea tem sido ressaltada por diversos autores
que, de modo geral, associam-na aos progressos
recentes nos campos das Tecnologias de Informação e
Comunicação – TICs. Nesse contexto, a Fundação Seade
e demais instituições de produção de informações estatísticas, pela própria natureza de suas atividades, estão sendo direta e indiretamente afetadas, mas com certas particularidades que este artigo busca salientar.
Entre os impactos que tais tecnologias causaram, destacam-se: aumento da velocidade de transmissão e de acesso às informações; aumento da capacidade de produzir,
armazenar e transmitir informações; maior flexibilidade
dos formatos em que as informações podem ser produzidas, armazenadas, disponibilizadas e acessadas; e crescimento da demanda por informações.
O último elemento apresenta características próprias,
pois enquanto os demais derivam diretamente do desenvolvimento tecnológico, ele depende de como os usuários
reagem às possibilidades abertas pelas TICs. Evidentemente, a maior demanda por informações decorre do interesse dos usuários e da qualidade das informações disponíveis, bem como das facilidades e do custo de acesso. Não
há dúvidas de que governos, empresas, pesquisadores e
diferentes segmentos sociais passaram a depender,
crescentemente, do acesso às mais diversas fontes de informação para a realização de suas atividades, o que, por
seu turno, tem provocado um novo impulso ao desenvolvimento e à difusão das TICs (Alberts et al., 2002).
Um dos elementos determinantes da crescente demanda por informações é o processo de globalização – em
parte, ele próprio favorecido pela difusão das TICs –,
caracterizado pela exacerbação da concorrência entre
empresas que as faz buscar novos espaços para a valorização de seu capital, independentemente de sua localização geográfica, culminando, portanto, na busca permanente de informações. Contudo, tal como no âmbito
global, é igualmente crescente a importância das informações no espaço local, uma vez que “se oferecem como
uma âncora social a nos proteger da excessiva padronização cultural que nos vem no rastro da globalização”
(Senra, 1999). Assim, na visão simplificada deste autor, “a informação resulta dever ser um bem público da
maior relevância a atrair a atenção, seja dos atores e
agentes voltados ao espaço global, mais afeitos aos problemas econômicos e financeiros, seja dos atores e agen-
17
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
informações. Isso as tem obrigado a se reorganizar com
vista em atendê-las de modo adequado e permanente. São
vários os elementos que explicam esse fenômeno, alguns
de natureza “universal”, como o progresso tecnológico e
o processo de globalização, anteriormente mencionados,
outros específicos ao Brasil, estreitamente relacionados
com sua história recente. Diante das profundas mudanças
por que nosso país tem passado, seria impossível, nesse
espaço, tratar de todas elas e de seus impactos sobre a
produção de estatísticas. Assim, destacaram-se algumas,
talvez as mais visíveis, mas que, certamente, revelam apenas parte do problema.
A primeira foi o próprio processo de democratização.
Decerto, é de se esperar que governos democráticos procurem desenhar suas políticas com base em informações
estatísticas, uma vez que necessitam, permanentemente,
prestar contas de suas ações à sociedade que os elegeu.
Também tendem a ampliar os órgãos de controle e avaliação dessas ações, pois a transparência e a correção da ação
governamental e do trato das finanças públicas estão entre os elementos centrais da democracia. Além disso, a
agenda de atuação governamental deve ampliar-se, sobretudo, no campo social. Da mesma forma, novos personagens entram em cena, com os vários segmentos sociais e
suas organizações, como sindicatos, partidos políticos e
organizações não-governamentais, que também passam a
utilizar, crescentemente, de informações estatísticas, seja
para definir seus focos de atuação, seja para acompanhar
a ação governamental.
Uma das conseqüências da redemocratização foi o processo de descentralização da ação pública, que se acentuou a partir dos anos 80, como uma espécie de contraponto
à grande centralização do poder político e da ação governamental do período autoritário. “Foi louvado como algo
que, em si, resolveria todos os problemas intergovernamentais, sobretudo mediante a autonomia do poder local
e, por conseguinte, o repasse das funções para Estados e
municípios” (Abrucio; Soares, 2001). Uma das formas pela
qual este processo se realizou, sobretudo ao longo da década de 90, foi a “municipalização” de várias tarefas públicas, vale dizer, o repasse de funções, pela União e pelos Estados, aos municípios, a quem delegam competências
(Krell, 2003).
A maior proximidade entre os governantes e os cidadãos, que caracteriza a esfera municipal, é uma das principais justificativas da municipalização. Assim, esperase uma maior presença da sociedade na definição, no
monitoramento e na avaliação das políticas públicas. De-
tes voltados ao espaço local, mais afeitos aos problemas sociais” (Senra, 1999).
Outro aspecto que merece menção, decorrente, em parte, da própria difusão das TICs, mas principalmente de
avanços teóricos e metodológicos no campo da estatística
e das ciências sociais aplicadas, refere-se a todo um conjunto de novos indicadores, de construção muito mais complexa que os tradicionais e que exigem, além de novas
fontes de informação, equipamentos, softwares e conhecimentos técnicos avançados. Os indicadores sintéticos,
as estatísticas espaciais e o georreferenciamento das informações estatísticas são exemplos desse movimento.
No caso brasileiro, um conjunto de fenômenos sociais,
políticos e institucionais concorrem para a crescente demanda por informações, dando-lhe contornos próprios.
Nesse contexto, podem-se mencionar a democratização do
país, institucionalizada pela Constituição de 1988, uma
série de novos preceitos constitucionais e legais que têm
levado à descentralização da execução de políticas sociais,
o crescimento dos controles das ações e dos gastos públicos, nas três esferas de governo, a expansão de políticas
sociais focalizadas, de planejamento, execução e controle mais complexos, e a retomada do planejamento como
instrumento para a intervenção pública, notadamente na
esfera social.
Todos esses fenômenos implicam a necessidade de informações, em especial estatísticas, o que tem levado as
instituições produtoras a se reaparelharem nos campos
tecnológico, científico e administrativo, de modo que possam corresponder a tais demandas, num contexto de conhecidas restrições fiscais.
Na Fundação Seade, também, surgem esses desafios.
O presente artigo não pretende abarcar todos os aspectos
anteriormente mencionados, mas apenas destacar, numa
abordagem histórica, como esses movimentos se sucederam, como as instituições produtoras de estatística, em particular a Fundação Seade, reagiram ou se anteciparam a
eles e quais os desafios que ainda deverão ser enfrentados pelo Sistema Nacional de Estatística e pela Fundação, nesse caso, com destaque para seu sistema de
armazenamento e disponibilização de dados.
CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃO
DA DEMANDA POR
INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS
Atualmente, as entidades produtoras de informação
vêem-se alvo das mais distintas e crescentes demandas por
18
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
muito elevado – ou da utilização de registros administrativos que, originalmente, foram construídos para outros
fins. Expandem-se, assim, suas tarefas de permanente coleta, organização, avaliação, validação e disponibilização
desses registros, ampliando significativamente o escopo
de atuação dessas instituições.
certo, é necessário que os cidadãos disponham de instrumentos institucionais e de informações para que tais intenções se concretizem. Independentemente das avaliações
que se possa fazer dos resultados desse processo, o fato é
que surge a necessidade de se dispor de um grande conjunto de informações municipais e, em muitos casos,
intramunicipais.
Contudo, como observou Krell (2003), uma das
características da realidade administrativa brasileira é a
superposição de tarefas de uma multiplicidade de órgãos
públicos, agora distribuídos nas três esferas de governo.
Ademais, este autor demonstra que ainda persistem grandes
ambigüidades na distribuição de competências entre os
entes federados. Se isso dificulta a fiscalização da atuação desses órgãos por parte da sociedade civil e dos
organismos oficiais de controle, amplifica em muito a
necessidade de informações para o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de governo, seja pelos
próprios (e múltiplos) órgãos públicos responsáveis por
essas ações, seja pelos diversos representantes da sociedade civil organizada.
Outra mudança, mais recente, da forma de atuação governamental, em especial no campo social, que tem implicado novas demandas por informações, foi a chamada
focalização das políticas sociais. Várias das ações governamentais passaram a eleger segmentos específicos da população como seu público-alvo, requerendo para tanto
informações detalhadas das características da população,
de modo a permitir a identificação do segmento prioritário,
objeto da intervenção, incluindo, em muitos casos, sua localização espacial e a construção de cadastros das famílias ou pessoas beneficiárias.
Poder-se-iam mencionar várias outras mudanças institucionais, sociais e econômicas que têm implicado aumento e diversificação das necessidades de informações,
mas as mencionadas parecem suficientes para sugerir a
extensão desse fenômeno. Um aspecto adicional, porém,
merece ser destacado. Para que subsidiem a elaboração,
o acompanhamento e a avaliação das ações governamentais, as informações estatísticas, além de cobrir amplo
escopo temático e territorial, necessitam ser atualizadas
permanentemente. Isso significa que não bastam informações censitárias, atualizadas a cada dez anos, nem as originárias de pesquisas amostrais, que são mais freqüentes,
mas com possibilidades de desagregação espacial limitadas. Assim, as instituições produtoras de informações têm
de valer-se ou de levantamentos primários específicos às
necessidades de seus usuários – cujo custo, em geral, é
AVANÇOS METODOLÓGICOS
A seção anterior procurou demonstrar que a demanda
por informações estatísticas elevou-se expressivamente,
nos últimos anos, e que suas características se alteraram:
seu escopo temático passou a ser muito mais amplo e diversificado e seu detalhamento, no tempo e no espaço, bem
maior.
Ao lado disso, uma série de avanços teóricos e metodológicos na produção de estatísticas e indicadores tornou muito mais complexa sua elaboração. Um dos mais
conhecidos foi a busca por um substituto do PIB per capita
como medida do desenvolvimento. Desde a década de 50,
há manifestações de insatisfação com este indicador. Em
1954, um relatório de especialistas da Organização das
Nações Unidas (ONU, 1954) sugeria que a mensuração
do bem-estar não deveria basear-se exclusivamente em
indicadores monetários, mas em múltiplos componentes
que, juntos, conformariam o nível de vida de um indivíduo ou uma população (Erikson, 1996). Desde então, diversos esforços têm sido realizados para atingir esse objetivo. A própria Fundação Seade, no final dos anos 80,
aportou sua contribuição por meio da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, em que propõe um método de classificação das famílias em grupos com distintos graus de
vulnerabilidade, seguindo uma abordagem multimensional,
em substituição à tradicional adoção da linha de pobreza
(Fundação Seade, 1992).1
No entanto, foi com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, proposto pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento – PNUD, que esta abordagem se
generalizou. Inicialmente formulado para a comparação
do desenvolvimento humano entre países, logo foi adaptado para medir a situação de municípios.
No Brasil, o escritório do PNUD patrocinou o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano, em 1996, e
duas edições do Atlas de Desenvolvimento Humano, em
1998 e em 2003, respectivamente. Elaborado conjuntamente pelo Ipea, IBGE e Fundação João Pinheiro, o Atlas
utiliza uma medida similar ao IDH – o IDH-M – e
reconstituiu sua evolução para o período de 1970 a 1991,
19
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
na primeira edição, e atualizou-o com as informações
censitárias de 2000, na última. Desde sua divulgação, o
IDH-M passou a ser utilizado, algumas vezes de forma
imprópria, como referência para o planejamento e avaliação das políticas sociais no país.
A produção de um indicador composto, com a importância que o IDH passou a ter, levantou, entre os produtores e usuários de informações, uma série de questionamentos de ordem metodológica: por que excluir dimensões
reconhecidamente importantes como as condições habitacionais e o meio ambiente? Que pesos atribuir às diversas
dimensões consideradas? Que escalas adotar? Adicionalmente, à medida que passou a ser utilizado como instrumento para a definição e avaliação de políticas públicas,
novos problemas se colocaram: o IDH seria suficiente para
avaliar transformações de curto prazo, típicas de certas
políticas públicas? Seria adequado para a definição ou
avaliação de qualquer (ou de alguma) política?2
Tais questionamentos levaram várias instituições produtoras de informações, sobretudo as de âmbito estadual,
a buscar o desenvolvimento de novos indicadores sintéticos, inspirados no IDH, mas considerando as necessidades e especificidades de seus respectivos Estados. Num
contexto de grande interesse por indicadores municipais,
a difusão de indicadores sintéticos, com tal cobertura geográfica, cresceu de forma exponencial e desarticulada.3
Também aqui a contribuição da Fundação Seade, com seu
Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, foi
relevante.
Assim, essas instituições passaram a ter a necessidade
de se aparelhar técnica e cientificamente (inclusive com a
aquisição e o domínio de pacotes estatísticos mais avançados e dispendiosos) para contribuir e participar do debate em torno dos indicadores sintéticos, assim como para
atender à demanda de diferentes usuários, interessados
nessa nova “família” de indicadores.
Além dos esforços dirigidos à elaboração de indicadores sintéticos, em especial referidos a municípios, vários outros avanços metodológicos ocorreram nos últimos anos. Entre eles destacam-se as estatísticas espaciais
e o geoprocessamento. Também nesse caso, não foram
desprezíveis os investimentos por parte das instituições
produtoras de estatísticas em capacitação de pessoal, desenvolvimento e aquisição de informações passíveis de
geoprocessamento, softwares, bases cartográficas, imagens de satélite e equipamentos. Note-se que esse tipo
de informação passou a ter interesse crescente, seja pela
já mencionada ênfase na focalização das políticas sociais
– em que a localização espacial das populações-alvo é
particularmente importante –, seja pela introdução de
novos temas na agenda da produção de informações,
como meio ambiente e violência urbana, em que a delimitação precisa da área de ocorrência dos eventos que
se deseja mensurar é relevante.
Houve, portanto, em simultâneo ao grande crescimento da demanda por informações estatísticas, o aumento da
complexidade dessas informações, de sua abrangência
temática e das formas de sua análise e apresentação. Recorrendo, porém, mais uma vez, a Senra, convém ter presente que “métodos e mais métodos são criados e usados,
considerando todos os aspectos do processo de geração
das estatísticas, lançando-se mão de novas e melhores
tecnologias de comunicação, de observação, de apresentação, de processamento. Mas, em que pese a importância desses avanços, os principais ‘instrumentos’ são ainda as massas de seres humanos: para registrar, interpretar,
classificar, perguntar” (Senra, 1999). Em outros termos,
tal como nas demais atividades humanas, mas com maior
ênfase na produção de estatísticas, a qualidade das informações é função direta da qualidade do pessoal envolvido em sua elaboração. Desse modo, ao se pensar sobre as
possibilidades de avanço e de aprimoramento da produção de informações estatísticas este aspecto não deve ser
menosprezado.
INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DE
INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS
Quanto às instituições produtoras de informações estatísticas, cabe destacar alguns dos problemas com que se
defrontaram no período recente. Durante o período autoritário, a centralização das decisões era a regra. Portanto,
a produção de estatísticas subordinava-se às necessidades do planejamento nacional, em especial no campo econômico, fazendo com que a Contabilidade Nacional e os
Censos Demográficos e Econômicos constituíssem o cerne
das estatísticas nacionais.
Em 1967, concebeu-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (Fletcher; Ribeiro, s.d.), que
buscava prover o Estado Nacional de informações necessárias ao planejamento socioeconômico.4 Do ponto de vista
metodológico, conforme um estudo da época citado por
Fletcher e Ribeiro (s.d.), o advento da PNAD significou a
consagração “da técnica de amostragem como processo
para obtenção de dados considerados essenciais para o desenvolvimento de estudos básicos para estabelecimento
20
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
dos planos e programas que deverão acelerar o desenvolvimento econômico e social do país” (Oliveira, 1970).
A PNAD foi concebida, inicialmente, para prover informações demográficas e socioeconômicas para o conjunto
do país. Ingerências oriundas de órgãos de planejamento
regional (Sudam, Sudene, Sudeco e Sudesul), que demandavam dados da PNAD com detalhamento regional, fizeram-na ampliar sua abrangência geográfica (Fletcher e Ribeiro, s.d.),5 o que se refletiu no aumento de sua amostra: o
plano amostral original, de 30 mil domicílios, ampliou-se,
chegando a 110 mil, em 1982 e a 130 mil, em 2002.
Entre o final dos anos 60 e o início dos 80, uma série
de novas pesquisas foram introduzidas pelo IBGE, como
as pesquisas industriais, vários índices de preços e a Pesquisa Mensal de Emprego. Assim, esse período se caracterizou por importantes avanços técnicos e metodológicos
e pela grande proliferação de estatísticas que, reafirmese, visavam muito mais atender aos interesses do planejamento nacional, do que dos demais entes federados e dos
vários agentes econômicos e sociais. Mesmo assim, não
se pode negar o excepcional desempenho do IBGE ao longo desses anos. Todavia, o sucesso alcançado no período
e o próprio caráter centralizador do governo geraram certa auto-suficiência dos produtores de estatísticas (Senra,
1999; Guizzardi Filho; Conti, 2001), tornando-os impermeáveis às novas necessidades e às críticas, muitas delas
oriundas do próprio governo, que não tardaram a surgir.
Recorde-se que, já a partir do final dos anos 70, começa a
se esboçar a crise que atingiu a economia e o Estado brasileiros, de que decorreram novas demandas por informações, capazes de explicar essa conjuntura. A incapacidade em atendê-las adequadamente, seja pela mencionada
inflexibilidade, seja pelas próprias restrições orçamentárias, que se acentuaram no período, acabou minando a
própria credibilidade da instituição.
Com a redemocratização do país, já mencionada,
aprofundou-se o processo de descentralização e municipalização das ações governamentais. Ora, a multiplicação
de centros de decisão governamental, em si mesma, gerou aumento das necessidades de informação, potencializada pelas novas oportunidades abertas pelas TICs.
Desse modo, deixaram de ser suficientes as informações
abrangentes, de cobertura nacional ou mesmo regional.
Requerem-se, agora, além de todo o cardápio de estatísticas nacionais, informações específicas, freqüentes e com
detalhamento municipal e, muitas vezes, intramunicipal.
As dificuldades, no entanto, não pararam aí. Ao final
dos anos 80, disseminam-se questionamentos sobre o pa-
pel do Estado e da própria eficácia do planejamento. As
dificuldades orçamentárias, associadas à descrença da
própria capacidade do Estado em definir os rumos do desenvolvimento e mesmo de executar suas políticas, provocaram efeitos deletérios sobre as instituições produtoras de estatísticas, simbolizados pelo adiamento da coleta
de informações do Censo Demográfico de 1990, que só
foi a campo no ano subseqüente.
Não deixa de ser paradoxal a situação vivida naquele
período: o aumento exponencial da demanda por informações e das novas possibilidades tecnológicas e
metodológicas aplicáveis em sua produção encontra seus
produtores oficiais numa situação de extrema fragilidade.
Apenas ao longo dos anos 90 a situação começa a se
estabilizar, sobretudo no IBGE. Grandes esforços foram
realizados para sua reorganização e modernização, em
termos tecnológicos e metodológicos. A substituição dos
censos econômicos por pesquisas amostrais – bem mais
ágeis e menos custosas e passíveis de serem complementadas com “pesquisas-satélite” (mas com importantes limitações para seu detalhamento espacial) – simbolizam
esses avanços, assim como a revisão metodológica da
PNAD e, mais recentemente, da PME. Também atestam
essa nova fase, entre outros avanços, o bem-sucedido
Censo Demográfico de 2000, a introdução das contagens
populacionais na metade do período intercensitário, a inclusão de novos temas na agenda de pesquisas do IBGE,
como inovação tecnológica e meio ambiente, e as facilidades de acesso aos resultados de suas pesquisas, inclusive na forma de microdados.
Outros órgãos federais produtores de informações primárias ou de registros administrativos lograram obter progressos importantes, ampliando significativamente a oferta
e o acesso a informações de qualidade sobre diferentes
temas de interesse público, como o mercado de trabalho
formal, o ensino e os serviços de saúde.
Como resultado das marchas e contramarchas que marcaram os últimos 20 anos, sobretudo no campo da produção de estatísticas, várias outras instituições públicas federais, estaduais, municipais e mesmo organizações
privadas, não-governamentais e acadêmicas passaram a
produzir informações estatísticas.6 O grande desafio do
momento é a constituição de uma coordenação nacional
dos entes produtores de informações, papel que o IBGE
deveria assumir mais agressivamente. Em certa medida,
os primeiros passos nessa direção já foram dados, como a
instituição da Comissão Nacional de Classificações –
Concla e os esforços coordenados pelo IBGE, com a par-
21
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
ticipação das instituições estaduais, para a produção das
contas regionais. Mesmo assim, falta muito a se avançar
nesse campo, decisivo para que o país construa um verdadeiro Sistema Nacional de Estatística.
novas informações estatísticas, sobretudo sociais e com
corte regional, que não vinham sendo supridas pelo IBGE
pelas razões expostas anteriormente, passaram a ser produzidas, no caso do Estado de São Paulo, pela Fundação
Seade.
No início da década de 90, após importantes investimentos em recursos humanos e tecnológicos, a Fundação
Seade preparou-se para novos desafios. Com a substituição
dos Censos Econômicos do IBGE pelas pesquisas
amostrais, as possibilidades de detalhamento espacial das
informações econômicas ficaram bastante limitadas. Além
disso, novas questões referentes à reestruturação produtiva
e à introdução de inovações tecnológicas, até então apenas
conhecidas por meio de estudos de casos mas cujos efeitos
sobre o mercado de trabalho já vinham sendo captados
pela PED, necessitavam ser melhor estudadas. Nesse
contexto, veio à luz a Pesquisa da Atividade Econômica
Paulista – Paep, que não só supriu o Estado de informações
detalhadas sobre a atividade econômica, como permitiu
mensurar a extensão e as características da reestruturação
tecnológica e gerencial por que passavam as empresas
paulistas.
Outra frente de expansão das atividades da Fundação
foi a coleta e produção de informações sobre as administrações municipais. Na esteira da expansão da demanda
por informações municipais decorrente do processo de
municipalização das ações de governo, a Fundação Seade,
que já coletava informações sobre as administrações municipais, optou por reestruturar suas atividades nesse campo, constituindo, desde 1992, a Pesquisa Municipal
Unificada – PMU, atualmente com periodicidade bianual.
Esta pesquisa coleta informações sobre as estruturas administrativas e de recursos humanos e financeiros das prefeituras paulistas, bem como sobre a gestão municipal das
políticas e dos serviços públicos, abarcando quase 800
variáveis em seu questionário.
Diversos levantamentos primários têm sido realizados
pela Fundação Seade, em geral com ênfase em temas ou
regiões específicas, atendendo a solicitações de seus inúmeros parceiros e clientes. Alguns se resumem ao cadastramento de famílias a serem beneficiadas por determinado programa social e outros se referem a pesquisas
propriamente ditas. Como é sabido, a coleta primária de
informações, além de dispendiosa, possui ritmo próprio
que decorre das diversas fases que necessariamente tem
de percorrer (planejamento, coleta e tratamento dos dados), nem sempre adequado às necessidades dos usuários.
Assim, a utilização de registros administrativos tem-se
FUNDAÇÃO SEADE
Em meio a esse período turbulento, há 25 anos, nasce
a Fundação Seade, herdeira de outros órgãos da administração pública estadual que remontam ao final do século
XIX.7 Já em seu primeiro ano de existência, passa por
sérios problemas orçamentários, que a obrigam a reduzir
seu quadro de pessoal e a abrangência de sua atuação. Até
meados dos anos 80, dedica-se basicamente aos estudos
demográficos e à coleta e organização de dados secundários e de registros administrativos.
A partir daí, realizou um grande esforço de revisão das
metodologias de pesquisas sobre força de trabalho – logo
após o período crítico por que passou a economia brasileira e paulista, com graves reflexos sobre o mercado de
trabalho na Região Metropolitana de São Paulo – e, em
conjunto com o Dieese, desenvolveu e levou a campo, a
partir de 1984, a Pesquisa de Emprego e Desemprego –
PED. Note-se que o governo de então, preocupado com a
situação social do Estado e com as fortes manifestações
sociais decorrentes da deterioração do mercado de trabalho metropolitano, necessitava de informações sobre o
tema, adequadas à realidade regional, e determinou à Fundação Seade que as desenvolvesse.
A realização dessa pesquisa permitiu à Fundação Seade
capacitar-se, seja no campo teórico-metodológico, seja no
da realização de levantamentos primários, abrindo assim
uma perspectiva promissora e que foi crescentemente trilhada pela instituição. No final da década de 80, uma nova
pesquisa foi desenvolvida pela Fundação – a já mencionada PCV, cuja primeira tomada ocorreu em 1990 – que,
ao adotar uma abordagem inovadora para a mensuração e
caracterização da pobreza, que transcendia a perspectiva
simples do cálculo da linha de pobreza, demonstrou sua
capacidade de intervir, com competência, na fronteira do
conhecimento social da época.
Houve, assim, um primeiro ciclo de atuação da Fundação Seade, centrada na produção de estudos demográficos,
logo enriquecidos com novos aportes de estatísticas sociais. Note-se que se está falando de um período em que o
chamado resgate da dívida social estava no centro das
discussões e das propostas políticas dos primeiros governadores eleitos pelo voto popular. As necessidades de
22
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
ram seu escopo temático ampliado, como se procurou demonstrar, a Fundação Seade passou também a realizar uma
série de pesquisas, estudos, diagnósticos, avaliações e cadastros para diferentes instituições, em geral públicas,
complementando, desse modo, suas necessidades de financiamento. Se isso lhe permitiu capacitar-se para novas funções e preservar um corpo técnico qualificado, também redirecionou capacidades e recursos para outras áreas
que não a estrita produção e análise de informações estatísticas. Uma das áreas que mais se ressentiu da carência
de investimentos foi a de armazenamento e disponibilização das informações.
mostrado uma opção cada vez mais interessante para os
usuários, tanto mais pela melhoria da qualidade que tais
informações experimentaram nos últimos anos.
A produção das estatísticas vitais, por exemplo, um dos
temas em que a Fundação Seade goza de grande prestígio, faz-se por meio das informações do registro civil. Para
tanto, são coletados mensalmente os dados sobre nascimentos, casamentos e óbitos nos 849 cartórios de registro
civil do Estado, compondo um banco de dados que incorpora, a cada ano, cerca de 1,2 milhão de novos registros.
Um subproduto desse levantamento foi a informatização
dos cartórios, que teve decisiva participação da Fundação Seade. Não por acaso o Estado de São Paulo é uma
das poucas unidades da federação que possui informações
atualizadas e com o máximo detalhamento espacial de
todas as informações demográficas relevantes, como as
taxas de mortalidade por causa, sexo e idade, de fecundidade, natalidade e nupcialidade.
Vários outros registros administrativos são coletados
pela Fundação Seade (Quadro 1). Alguns são bem organizados e documentados pelas instituições produtoras, mas
muitos requerem um minucioso trabalho de análise, tratamento e organização das informações em banco de dados
consistentes e dotados de toda a documentação necessária a seu manuseio.
Foi a disponibilidade de tais informações que permitiu
à Fundação atender à solicitação da Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo para produzir um indicador que
permitisse o acompanhamento da situação socioeconômica
de cada um dos 645 municípios paulistas, o Índice Paulista
de Responsabilidade Social – IPRS. Além de um desenho
metodológico inovador, com o concurso de sofisticadas
técnicas estatísticas, sua construção se baseou em informações do registro civil, das Secretarias da Fazenda e da
Educação do Estado de São Paulo, das empresas concessionárias de energia elétrica, do Ministério do Trabalho e
Emprego, além dos microdados do Censo Demográfico.
Sua elaboração dependeu não só do conhecimento de
metodologias e técnicas estatísticas, mas de todo um trabalho de coleta e organização de bases de dados, com origens e características tão distintas, que exige habilidades
específicas para seu manuseio. A reunião dessas competências e desse acervo de informações é, sem dúvida, o
principal ativo da Fundação Seade.
É bom lembrar que todos esses esforços se concretizaram em meio a uma importante crise das finanças estaduais. Assim, ao lado de suas atividades de produção de
informações para uso geral, que se aperfeiçoaram e tive-
QUADRO 1
Bases de Dados Disponíveis da Fundação Seade Classificadas por Tema
Tema
Total
Administração Municipal
Administração Pública
Agropecuária
Comércio
Condições de Vida
Demografia
Demografia (Georreferenciada)
Desenvolvimento Humano
Educação
Educação (Georreferenciada)
Eleições
Estatísticas Municipais
Estatísticas Vitais
Finanças Públicas Estaduais
Finanças Públicas Municipais
Indústria
Informações Socioeconômicas e Demográficas
Infra-estrutura (Georreferenciada)
Mapas de Setor Censitário
Meio Ambiente (Georreferenciada)
Mercado de Trabalho e Emprego
Orçamento Familiar
Saúde
Transporte
Transporte (Georreferenciada)
Nos Absolutos
93
1
1
2
1
1
6
1
1
20
2
1
2
8
6
11
1
6
1
2
1
3
1
12
1
1
Fonte: Fundação Seade.
ARMAZENAMENTO E DISPONIBILIZAÇÃO
DE INFORMAÇÕES
A Fundação Seade realizou esforços significativos para
atualizar-se técnica e metodologicamente, tem prestado
serviços relevantes à sociedade paulista e brasileira, assim como para a administração pública nas três esferas de
23
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
tar, por exemplo, critérios próprios de arredondamento de
valores fracionários, atribuir a um mesmo dado valores
diferentes;
governo. Reuniu grande acervo de informações estatísticas, mas a forma de seu armazenamento e disponibilização,
tanto para seu próprio corpo técnico como para usuários
externos, ainda requer inúmeros esforços para ser aperfeiçoada.
O Quadro 1 busca sintetizar esse acervo, revelando para
cada um dos múltiplos temas o número de bancos de dados disponíveis. Evidentemente, esse quadro dá apenas
uma visão parcial do acervo, uma vez que os bancos de
dados ali mencionados possuem coberturas e detalhamentos geográficos e temporais distintos, alguns são mais
especializados outros mais genéricos, ainda que classificados no mesmo tema, e suas dimensões são muito distintas. Embora estejam em meio eletrônico, possuem diferentes formatos e alguns seriam melhor descritos como
arquivos eletrônicos e, talvez, nem possam ser chamados,
estritamente, de banco de dados. Ademais, não estão considerados nesse quadro os arquivos com informações mais
antigas, armazenadas em papel ou microfichas, que ainda
esperam uma oportunidade para serem digitalizadas. É fácil
perceber os esforços necessários para sua simples atualização, uma vez que, além dos produzidos pela própria
Fundação, foram incluídos os originários das mais distintas instituições.
Atualmente, esses bancos são fragmentados e gerenciados por técnicos alocados nas diferentes áreas da Fundação Seade, de modo que, vistos em conjunto, assemelham-se muito mais a um sistema de arquivos tradicional
do que a um banco de dados institucional e integrado.
Ainda que não se pretenda fundir todos esses conjuntos
de informações num único banco, muito pode ser feito para
integrá-los e reduzir várias das desvantagens características do atual sistema. Entre suas desvantagens, podem-se
mencionar:
- a falta de flexibilidade, pois o acesso a diferentes bancos de dados implica a mobilização de distintas áreas da
instituição, com suas próprias prioridades de trabalho.
Assim, a produção de relatórios específicos nem sempre
pode ser realizada rapidamente, sem prejudicar outras atividades da área responsável pelo gerenciamento do banco que se deseja consultar. Torna-se ainda mais difícil e
demorada a produção de relatórios que envolvam informações contidas em mais de um banco de dados;
- a falta de padronização das nomenclaturas e das classificações é outro problema associado a este sistema de
armazenamento de dados. A adoção de códigos de municípios diferentes em duas bases de dados, por exemplo,
dificulta sua utilização conjunta, que pode ser ainda agravada se os nomes dos municípios também adotarem grafias
distintas. Da mesma forma, a adoção de sistemas de classificação diferentes (de setor de atividade econômica, por
exemplo) torna seu uso mais complexo e tende a levar à
existência de dados com o mesmo nome associados a fenômenos diferentes ou, ao contrário, que um mesmo fenômeno seja denominado de forma diferente em bancos de
dados distintos;
- as dificuldades de manutenção num sistema desse tipo
são evidentes. Várias pessoas, pertencentes a diferentes
áreas da instituição, com prioridades e ritmos de trabalho
próprios, são mobilizadas para tanto. Assim, dificilmente
se dispõe de uma posição atualizada da situação de cada
uma das bases da Fundação;
- a multiplicidade de softwares é mais uma das desvantagens que este sistema apresenta, pois como cada banco
constituiu-se independentemente, seus dados estão armazenados em softwares diferentes. Evidentemente, esta característica reduz a flexibilidade do sistema e eleva seus
custos de manutenção e o tempo das consultas;
- por fim, um sistema fragmentado como esse dificulta a
elaboração da documentação necessária à definição e descrição da base de dados (metadados) e, portanto, o acesso
direto dos usuários aos bancos de dados.
Um sistema com essas características negativas acaba
por reduzir a própria capacidade de atuação do conjunto
da Fundação, impedindo-a de ampliar sua produtividade
e reduzir seus custos e dificultando a elaboração de
respostas rápidas a consultas ad hoc e a perguntas
imprevistas, freqüentemente dirigidas a instituições com
as características da Fundação Seade por seus múltiplos
usuários.
Sua superação, no entanto, requer tempo, recursos humanos e investimentos, todos eles escassos na atual conjuntura econômica do Estado e do país. Mesmo assim, os
primeiros passos nessa direção já vem sendo dados.
Entre as primeiras providências para reduzir a fragmentação desse sistema está o armazenamento conjunto dos
dados em um único servidor, a fim de facilitar o controle
- a redundância dos dados, entendida como a possibilidade de a mesma informação estar contida em mais de um
banco de dados. Além de ocupar espaços de armazenamento desnecessários e envolver maior trabalho de atualização, ainda se corre o risco de, caso cada um deles ado-
24
PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
6. A explosão da produção de índices de preço pelas mais diversas
instituições, sobretudo ao longo da década de 80, é um bom exemplo
desse movimento.
de sua atualização e manutenção e reduzir a dependência
dos usuários em relação a seus atuais gerenciadores. Para
tanto, será necessário padronizar nomenclaturas e classificações e aperfeiçoar os metadados que, além de reduzir
as redundâncias e eventuais inconsistências dos dados,
tornará o sistema mais flexível.
Os passos subseqüentes, que induzam, na medida do
possível, a efetiva integração desse sistema, ainda dependem de estudos que conduzam às decisões mais acertadas, até para a definição de um sistema de gerenciamento
que facilite e controle, o acesso e o uso da base da Fundação, garantindo a flexibilidade, a integridade e a segurança de seus dados.
Nos 25 anos de existência da Fundação Seade, muito
se avançou, sobretudo no que diz respeito ao volume e à
qualidade de seus resultados. Seu perfil se modificou, não
podendo mais ser vista como uma instituição dedicada
exclusivamente à produção de informações estatísticas,
ainda que tenha sido exatamente essa característica que
lhe tenha permitido trilhar outros caminhos.
Assim, sua gestão ficou mais complexa e as necessidades de aperfeiçoamento de seu corpo técnico e de seus
recursos tecnológicos se ampliaram. Num contexto de
restrições fiscais, a Fundação Seade vem avançando, enfrentando desafios e provendo a sociedade com informações fundamentais para o seu desenvolvimento.
7. Essa breve reconstituição da história da Fundação Seade se baseia
no trabalho de Guizzardi Filho e Conti (2001).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, F.L.; SOARES, M.F. Redes federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2001 (Série Pesquisas, n. 24).
ALBERTS, D.S.; PAPP, D.S.; KEMP III, W.T. The technologies of
the information revolution. In: ALBERTS, D.S.; PAPP, D.S. (Org.).
The information age: an anthology on its impact and consequences.
Washington: National Defense University, 2002. Disponível em:
<http://www.ndu.edu/books>. Acesso em: 6 out. 2003.
CONTI, V.L. Informações socioeconômicas sobre o Estado de São
Paulo. Comunicação e Educação, São Paulo, ECA-USP, n.21,
p.107-112, maio/ago. 2001.
ERIKSON, R. Descripciones de la desigualdad: el enfoque sueco de la
investigación sobre el bienestar. In: NUSSBAUM, M.; SEN, A.
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FLETCHER, P.R.; RIBEIRO, S.C. A educação na estatística nacional. In: SAWYER, D. (Org.). PNADs em foco: anos 80. Belo Horizonte: Abep, [s.d.].
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São Paulo, 2001. Mimeografado.
________ . Survey of living conditions in the metropolitan area of
São Paulo. Genebra: ILO/ILLS, 1994 (Research Series, n. 101).
________ . Pesquisa de condições de vida: uma abordagem multissetorial. São Paulo, 1992.
NOTAS
GUIZZARDI FILHO, O.; CONTI, V.L. Produção e disseminação de
informações socioeconômicas. Transinformação. Campinas: Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia – PUC-Campinas,
v.13, n.2, p. 43-54, jul./dez. 2001.
O autor agradece às sugestões de Vivaldo L. Conti para a elaboração
deste artigo.
1. Este estudo obteve certa repercussão internacional, chegando a ser
publicado, em 1994, pelo Internacional Institute for Labour Studies,
em Genebra (Fundação Seade, 1994).
JANNUZZI, P.M. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de
dados e aplicações. Campinas: Alínea, 2001.
KRELL, A.J. O município no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Oficina Municipal, 2003.
2. Para maiores detalhes desse debate, ver Seade (2001) e Jannuzzi
(2001).
OLIVEIRA, R.R. A utilização dos dados das pesquisas por amostra
domiciliar. Revista Brasileira de Estatísticas, Rio de Janeiro,
IBGE, v.31, n.122, 1970.
3. Um rápido e não exaustivo levantamento realizado pela Fundação
Seade nas instituições estaduais de pesquisa, estatística e planejamento
sobre a elaboração de indicadores municipais desse tipo, identificou
sua existência nos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará e Goiás, além de São Paulo.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). International
Definition and Measurements of Standards and Levels of Living.
New York: United Nations Publications, 1954.
4. Senra (1999) considera que o sucesso do planejamento econômico
nacional, constatado no pós-guerra, levou, posteriormente, sua extensão para o campo social, implicando novas necessidades de informações estatísticas. Já nos anos 60, era reconhecido o sucesso das experiências norte-americana e canadense em pesquisas contínuas de população, inspiradoras da PNAD, proporcionando informações para o
planejamento socioeconômico (Fletcher e Ribeiro, s.d.).
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil.
Brasília: PNUD, 1996.
SENRA, N.C. Informação estatística: política, regulação, coordenação. Ciência da Informação, Brasília, IBICT, v.28, n.2, 1999.
5. Note-se que esse autores só destacam as ingerências de órgãos federais de planejamento regional, não fazendo menção a qualquer iniciativa dos governos estaduais para o maior detalhamento espacial da
PNAD, o que atesta o caráter centralizado do planejamento e das ações
públicas no período.
SINÉSIO PIRES FERREIRA: Economista, Diretor Adjunto de Análise
Socioeconômica da Fundação Seade ([email protected]).
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SÃO
26-34, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO
E USUÁRIOS
MARILDA LOPES GINEZ DE LARA
VIVALDO LUIZ CONTI
Resumo: A disseminação é analisada segundo a perspectiva da transferência de informação em face à reconfiguração da idéia de cidadão e cidadania. Contextualiza a discussão focando o universo das informações estatísticas e mostra as ações, serviços e produtos do Seade nessa direção.
Palavras-chave: informação estatística; usuário e cidadania; estatísticas públicas.
Abstract: Dissemination is analyzed from the perspective of information transfer and how it affects the
reconfiguration of the notion of the citizen and his role in society. Emphasis is placed on the universe of
statistical information and the services and products of Seade in this regard.
Key words: statistical information; the end-user and the role of the individual in society; publicly available
statistics.
D
isseminar informação supõe tornar público a produção de conhecimentos gerados ou organizados
por uma instituição. A noção de disseminação é
comumente interpretada como equivalente à de difusão,
ou mesmo de divulgação. Assume formas variadas, dirigidas ou não, que geram inúmeros produtos e serviços,
dependendo do enfoque, da prioridade conferida às partes ou aos aspectos da informação e dos meios utilizados
para sua operacionalização. Em sua base existe um centro difusor – o produtor –, que, a despeito do controle exercido sobre o que é disponibilizado, não tem garantias quanto aos usuários atingidos, ao sucesso das operações de
divulgação e à aplicação efetiva das informações.
Teoricamente, pela disseminação, busca-se oferecer
informações úteis, mas o conceito de utilidade nem sempre é bem definido. O debate sobre o uso, por sua vez,
remete pari passu não só ao próprio conceito de “informação” como também ao de usuário e envolve problemas
de delimitação de públicos de linguagem.
Neste artigo, pretende-se introduzir o debate sobre disseminação de informações em geral (englobando as duas
distinções, mas enfatizando, sobretudo, o segundo sentido) para, em seguida, discuti-la na ação governamental.
Parte-se do princípio que é importante compreender o significado da disseminação contemporaneamente, que, afetada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação,
necessita observar a recepção de forma não monolítica.
Compreende-se como disseminação da informação
governamental não só os resultados dos esforços e das
iniciativas de divulgação à sociedade das atividades próprias da administração pública, como também as ações que
visam a transferência de informações. Os dois tipos de
disseminação podem compreender ampla gama de informações que vão desde as políticas públicas adotadas até
as que possam subsidiar os indivíduos e a sociedade civil
no desenvolvimento de suas tarefas ou mesmo no acompanhamento e cobrança da própria atividade pública. O
leque de informações disseminadas pelas instituições públicas varia conforme sua atividade básica, seus objetivos e percepção de necessidades da sociedade.
As tecnologias de informação permitem ampliar o universo de disseminação das informações governamentais,
mas é prudente verificar em que medida há efetivamente
transmissão de informação e como e se ela atinge efetivamente a sociedade. Pode-se afirmar que existe, hoje, um
número maior de canais de informação à disposição das
26
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS
instituições e do público, mas não estamos seguros quanto a seu alcance: qual é a parcela da população que tem
acesso à Internet? Quem utiliza as informações disponibilizadas? Com que facilidade e nível de compreensão?
Qual é o significado dessas informações para o público?
Qual é a relação entre as informações divulgadas e as demandas informacionais da população? Que aplicação é
feita dessas informações? Perguntas do gênero devem ser
feitas para que se possa aquilatar a extensão das realizações concretas de disseminação, e muitas delas são válidas mesmo nas situações em que são utilizados meios tradicionais de disseminação.
para a assimilação, ocorre, segundo Barreto, modificação
do estoque de informações do indivíduo, razão pela qual
o autor sugere que ela seja concebida como uma “estrutura
significante” capaz de gerar conhecimento (Barreto, 1994).
Dito de outro modo, falar em transferência da informação via serviços de disseminação de informações – distribuição física ou virtual de documentos e dados – supõe
considerar que os benefícios dessa ação se relacionam
diretamente às possibilidades de geração do conhecimento. Caso contrário, há apenas divulgação unilateral que
atinge heterogeneamente o conjunto da sociedade. Se o
conhecimento é inseparável do indivíduo (sujeito do conhecimento), as ações de disseminação para transferência devem observar os requisitos que permitam adaptar as
informações e suas formas de acesso aos veículos, públicos e contextos. Do mesmo modo, enfatizar os serviços
de disseminação de informações no emissor, ignorando
as características de seu público, ou concebê-lo em sua
condição supostamente potencial valendo-se de referências imaginadas ou idealizadas, não corrobora seu êxito.
Enfrentar essas questões não é tarefa simples. Se, teoricamente, os vínculos entre a emissão e a recepção são
visualizados como necessários, sua operacionalização requer investimentos, a começar pela definição do usuário.
INFORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO
Não existe um conceito único de informação. Sua concepção varia de acordo com os aspectos selecionados.
Numa abordagem pragmática, a informação pode ser distinguida, como: processo (que se relaciona à alteração de
um estado de conhecimento); conhecimento (o que é comunicado, o que concerne a algum fato, evento ou assunto
particular, o que reduz – ou aumenta1 – a incerteza); e “coisa” (atributo de objetos – documentos ou dados referidos
como informação por serem considerados “informativos”)
(Buckland, 1991). A informação, como processo, relaciona-se aos fluxos formais e informais que podem conduzir
a alterações de estoques de conhecimento. Se, no entanto,
a ênfase for no conhecimento, ela será intangível, já que
depende de crença, opinião, concepções e conhecimentos
anteriores, ou, enfim, de referências subjetivas. A informação como conhecimento pode depender da “coisa”, ou
da existência de documentos informativos, mas não exclusivamente. Nos sistemas de informação, ela, como conhecimento, vincula-se a sua materialidade (coisa = documento,
dado = informação), conferindo-lhe um estatuto tangível.
A existência de fluxos informacionais e a materialidade
(ou tangibilidade), porém, não significam necessariamente a geração de conhecimento.
Originalmente referida com base no esquema tradicional
de comunicação – emissor, canal, mensagem, receptor –,
o debate sobre disseminação da informação associado à
transferência sugere, atualmente, abandonar a unidirecionalidade emissor-receptor para contemplar o usuário
numa dimensão mais ampla que o inclui como participante
ativo do processo informacional. Essa perspectiva põe em
destaque o significado da mensagem, cuja compreensão e
utilização dependem da forma como ela é veiculada e das
condições do receptor e da recepção. Quando há condições
O USUÁRIO, O CIDADÃO
As atividades de disseminação formuladas pelos serviços e produtos, em geral e, sobremaneira, governamentais,
buscam, quase sempre, a “democratização da informação”.
O conceito, porém, tem sido desgastado pelo uso, particularmente quanto se verifica que as decisões sobre quais
informações e em que formato divulgá-las são permeadas
por julgamentos unilaterais. As instituições nem sempre
se questionam sobre o que produzem, sobre a relação entre seus produtos e as necessidades de informação, sobre
as formas de disponibilização utilizadas e, em especial,
sobre seus públicos. E se o termo “democratização da informação” gradativamente desaparece dos discursos públicos e é substituído pelos de “cidadão” ou “sociedade
civil”, tal fato não vem necessariamente acompanhado de
uma análise quanto a seu significado efetivo.
O conceito de cidadão, não raras vezes, é delimitado
com base em referências hoje sob suspeita. Houve um
tempo, bastante próximo, que o cidadão era incorporado como “cliente”, embora essa prática caracterizasse
menos as instituições públicas (por um certo cuidado ou
pudor humanista?) em reservar o termo para relacioná-
27
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
lo a operações que envolviam lucro. Prevalece, todavia,
a imagem de cidadão desenhada de acordo com um critério político-jurídico: a cidadania é reconhecida pelo Estado como um direito, principalmente em relação à igualdade (mas não à diferença).
O conceito de cidadão como alguém que participa das
discussões e decide sobre assuntos de interesse coletivo é
cunhado no séc. XVIII na Alemanha e na França. Seu alcance era restrito, reservado àqueles que liam e participavam dos círculos ilustrados. Como revela Canclini
(1999), a condição de participação nos debates sobre o
interesse comum e sobre o estabelecimento de uma cultura
“democrática centrada na crítica racional” e limitada
àqueles que podiam informar-se lendo, compreendia “o
social a partir das regras comunicativas da escrita”.
Segundo o autor, essa situação perdura até meados do
século XX, quando os setores excluídos da esfera pública
burguesa – mulheres, operários, camponeses – eram
considerados, no melhor dos casos, virtuais cidadãos, cuja
inserção nos círculos de debate dependia da assimilação
da cultura letrada. A alteração desse quadro é lenta, sendo
percebida por políticos e intelectuais (Bakthin, Gramsci,
Raymond Willians e Richard Hoggart) e referida como
identificadora da existência de “culturas paralelas” que
constituiriam uma espécie de “esfera pública plebéia
informal” (Canclini, 1999:49). Nos dias de hoje, tende-se
a reconhecer o papel dessas diferentes modalidades de
comunicação, mas o mesmo não acontece com o papel que
os circuitos populares demonstram no desenvolvimento
de redes diferenciadas de informação e aprendizagem, nas
quais o consumo dos meios de comunicação apresentam
papel preponderante.
Como observa Canclini, as oportunidades criadas pelos novos meios de comunicação são tão ou mais responsáveis pelas alterações do que as revoluções sociais ou
movimentos alternativos políticos e artísticos. “Foram
estabelecidas outras maneiras de se informar, de entender
as comunidades a que se pertence, de conceber e exercer
os direitos. Desiludidos com as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre ao rádio e à televisão para conseguir o que as instituições cidadãs não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples
atenção” (Canclini, 1999:50). Contra a lentidão dos órgãos públicos, a rapidez (mas não necessariamente a eficácia) da televisão.
Os meios massivos de comunicação corroboram uma
reestruturação das articulações entre o público e o privado e a remodelação do consumo e da vida. Entre as várias
conseqüências desse fato, destacamos a transformação do
conceito de cidadão, de um “representante de uma opinião pública a um cidadão interessado em desfrutar uma
certa qualidade de vida” (Canclini, 1999:50). Mais do que
querer participar do debate e da crítica, o novo cidadão
transforma-se em um consumidor que prefere a fruição.
Essa é uma saída, a nosso ver, individual, e a despeito de
seu significado distante do ideal cidadão iluminista que
de certa forma também estava na base da cultura do “democratizar a informação”, é uma situação real que não
podemos ignorar. É notório verificar como a participação
cidadã (partidos, sindicatos, associações) perde sua força
diante da oferta da distribuição global de bens e de informação proporcionados, primeiramente, pela transnacionalização da economia e, depois, pela globalização.
A maior oferta de informação e de bens de consumo
potencializada pelos meios eletrônicos e mais recentemente
pela Internet e a emergência de um parâmetro de “bemestar” e fruição não levam efetivamente ao exercício da
cidadania, nem nos moldes tradicionais, nem no que restaria desse modelo se ele pudesse ser revisado para contemplar a diferença. A generalização de direitos, projeto
iluminista, no projeto neoliberal esbarra em uma concepção desigual de direito, já que “as novidades modernas
aparecem para a maioria apenas como objetos de consumo, e para muitos apenas como espetáculo. O direito de
ser cidadão, ou seja, de decidir como são produzidos, distribuídos e utilizados esses bens, se restringe novamente
às elites” (Canclini, 1999:54).
A aproximação das idéias de cidadania e de consumo
impõe ver este último não estritamente vinculado à aquisição do supérfluo, ao impulso primário e individual, mas
como algo movido por escolha e reelaboração do sentido
social. Conseqüência da reorganização da vida social contemporânea em função dos meios massivos de comunicação, consumir passa a ser selecionar bens e apropriá-los
com base no que se considera publicamente valioso. O
processo que relaciona cidadania e consumo não se desenha mais pelo reconhecimento de um estado de direito –
quando os contornos da noção de cidadão passavam pela
idéia de nação, língua, etnia – mas às práticas sociais e
culturais que unem e separam as pessoas. “O princípio
democrático acha-se então transferido de uma igualdade
real, das capacidades, responsabilidades, e possibilidades
sociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a
igualdade diante do objeto e outros sinais evidentes do êxito
social e da felicidade.” (Baudrillard, 1990:62). A congregação de indivíduos não se atém a valores tradicionais, nem
28
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS
tampouco geográficos, ela se configura em comunidades
de interesse, nas quais os participantes se reconhecem
mutuamente (como, por exemplo, as tribos, conforme sugere Maffesolli (1991), as minorias ou mesmo os grupos
esporádicos formados via Internet), apoiadas em uma diversidade multicultural. A constituição de um novo modo
de ser cidadão está embasada no consumo.
sistem, de início, pela ausência de referenciais facilitadores de busca e acesso. Muitos são, porém, os excluídos do
universo de usuários, por razões socioeconômicas e mesmo culturais. Existem certamente usuários cujas necessidades informacionais não são cobertas ou mesmo identificadas. É claro que cada instituição tem um público mais
freqüente que compartilha do mesmo universo cultural e
simbólico e cujas necessidades informacionais convergem
aos objetivos institucionais, mas o uso de segmentações
tradicionais que ignoram a complexidade de formação de
vínculos compromete as ações de disseminação que visam a transferência e a aplicação.
Teixeira Coelho (1997:324, verbete público), referindo-se às políticas culturais, menciona a preocupação em
relação à formação do público, que pode ser estendida à
definição de políticas de informação. A formação do público (ou para nós, dos públicos) passa pela homogeneização de juízos de valor, reações e usos que atuam como
denominadores comuns entre as pessoas que o constituem.
Ignorar as nuances que conformam os vários públicos é,
na melhor das hipóteses, continuar a conceber o usuário
moldado à semelhança da instituição veiculadora de informações, isto é, um modelo moderno e iluminista.
O esforço na identificação dos gêneros de usuários e
de suas necessidades tem, como implicação, a possibilidade da própria revisão de conteúdos disseminados ou
mesmo produzidos, cuja ignorância ou indiferença reforça o dirigismo e corrobora a estagnação.
CIDADÃO, CONSUMIDOR E PÚBLICO(S)
DA DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES
Vê-se, pelo exposto, que as características socioespaciais que definiam a identidade e o cidadão passam a ser,
com o processo de globalização, delimitadas por traços
sociocomunicacionais. A nova identidade cidadã forjada
depois do modelo moderno e iluminista (jurídico-político,
postulante do direito à igualdade) não é única, una ou homogênea, mas, ao contrário, difusa e múltipla. Ela se constitui atravessando fronteiras territoriais e de classe, e se
conforma por agregações estabelecidas por vínculos de
interesse pulverizados, fugidios e, muitas vezes, esporádicos. O juntar/separar conhece o movimento imposto pelas
regras de um contínuo fazer e desfazer, pois os interesses
não são mais permanentes. Alternam-se momentos de agregação e desagregação de indivíduos pela precariedade de
sedimentação dos vínculos que os unem. Por conseqüência, perante esse novo estado de coisas, não se poderia falar em usuário de forma genérica e todas as formulações
de serviços de disseminação nascidos de políticas de informação que ignoram os aspectos da pluralidade dos públicos têm seu âmbito de cobertura comprometido.
A rigor, não existe o usuário da informação pública
governamental, mas os de diferentes motivações, origem,
nível de instrução e idade. Pode haver, ao mesmo tempo,
os eventuais e, sistematicamente, os que procuram por
informação. Em face da gama de informações fornecidas
tradicionalmente, os distintos usuários escolhem determinados assuntos ou aspectos: alguns buscam informação
utilitária, relacionada à satisfação de necessidades básicas; outros são motivados pela necessidade de conhecer
para manter sua sobrevivência em determinados grupos;
outros, ainda, procuram informação por vontade de autorealização (Lara et al., 2002). Variam, do mesmo modo,
os níveis de especificidade e de profundidade relativos às
informações desejadas e consultadas. Quanto à forma de
apresentação das informações, alguns preferem as visuais,
gráficas, outros textuais. Há os que são estimulados a voltar
a pesquisar (numa instituição ou num sítio) e os que de-
DISSEMINAÇÃO QUE VISA A TRANSFERÊNCIA:
AÇÃO PEDAGÓGICA OU CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES
DE FAMILIARIDADE COM A INFORMAÇÃO?
As políticas de informação e de disseminação correm
o perigo de ser desenvolvidas exclusivamente numa perspectiva orientada da emissão para a recepção. A modificação dessa situação pressupõe considerar as alterações
já apontadas e, por conseguinte, observar o espectro multivariado de seus públicos. Não há, todavia, modelos para
enfrentar essa questão. Num primeiro momento, pode-se
julgar que uma ação voltada à educação dos usuários seja
o caminho. A ação pedagógica, porém, é também marcada pela moral moderno-iluminista, orientada por um desejo humanista que pretende salvaguardar determinados
princípios que considera, a seu modo, fundamentais. É a
mesma moral que está na base da concepção da democratização da informação e, de certo modo, das políticas de
inclusão. Supõe um processo claro, com início e ponto de
29
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
inclusão. E se agora a obrigação não é mais ligarmo-nos
aos outros, mas a nós próprios, há que se verificar que o
abandono do dever não é necessariamente acompanhado
do declínio das virtudes (Lipovetsky, 1994:15-18).
Uma ação formadora desenhada em torno desse conflito – individualismo e virtude – deve, para Lipovetsky, recuar o individualismo irresponsável e estimular um individualismo responsável. Não há modelos, mas diante de
um moralismo insensível em relação ao individual e ao
social, e um neoliberalismo que conduz à fratura da sociedade reforçando a oportunidade de poucos, o autor propõe uma “ética inteligente”, dialogada, que procura equilíbrios entre eficácia e eqüidade, voltando-se ao respeito
ao indivíduo e ao bem coletivo. Se essa ética é menos exigente para o indivíduo, menos categórica para os homens,
deve ser mais imperativa para as organizações, numa aposta
na inteligência científica e técnica, política e empresarial
(Lipovetsky, 1994:23). Se ela é ainda teórica, vale ao menos verificar o estado das políticas de disseminação públicas para que, apoiada em sua análise, possa nascer uma
reflexão que aponte algumas formas de trabalho.
chegada (numa paráfrase à situação que opõe a ação educativa à ação cultural, conforme sugere Teixeira Coelho
(1989:30). Não se dá conta da centralidade dessa visão
em torno de princípios apriorísticos, como não discute,
hoje, o significado que está latente no conceito de inclusão que pressupõe uma relação lógica de pertinência: incluir significa abranger e, por conseqüência, não compreende a diversidade.
Há outro discurso que é de desesperança, cético em
relação a qualquer possibilidade de ação: não se acredita
na possibilidade de estabelecer vínculos entre pólos tão
distintos. Se o setor público responde formalmente por uma
orientação política determinada, que possibilidades haveria
de uma ação que contemplasse a diversidade?
Existirá um caminho alternativo que permita desencadear uma política de informação que dê conta da nova
reconfiguração do universo de usuários? Será contraditória
a perspectiva que procura buscar uma ação de disseminação perante uma cultura notoriamente individualista?
Se essas questões não podem ser respondidas integralmente, convém ao menos enunciá-las para explicitar os
limites de atuação das políticas de disseminação da
informação pública institucional.
Qualquer ação de formação deve ser entendida com a
finalidade de renovação. A disseminação para transferência e utilização, diferentemente da disseminação como
“propaganda”, como divulgação ou como ato educacional dirigido, objetiva mais o processo do que o objeto,
pretende, antes de tudo, criar familiaridade com as informações, para que os usuários sejam um pouco mais eles
mesmos os motores de sua formação, numa analogia à
proposta já citada (Teixeira Coelho, 1989; 1997). É, também, uma aposta que poderá exigir alterações na própria
oferta de informações produzidas. Como formulação teórica, está embuída de um humanismo que aspira transformar a ação do dever moralista e aplacador de consciências, numa conduta pautada numa “ética prudente”
(expressão utilizada por Lipovetsky), que contenha, em
princípio, uma possibilidade de intervenção do Estado
como promotor do desenvolvimento das pessoas.
Para Lipovetsky, a adoção de uma ética prudente não
significa uma ruptura com as leis ou uma invenção de novos
valores. Os princípios morais têm sido os mesmos ao longo
do tempo: as alterações relacionam-se mais aos pontos de
referência2 e é em relação a eles que se faz necessário,
agora, pensar as formas de ação. Se a moral laica manteve
da moral religiosa a noção de dívida e dever, compreendese onde estão as raízes da ação educativa e mesmo da
DA REFLEXÃO TEÓRICA AO EXAME DA
PRÁTICA: O CASO DAS AGÊNCIAS PÚBLICAS
DE ESTATÍSTICA
Há certamente uma distância entre a reflexão teórica e
uma situação concreta de disseminação de informações.
Vários fatores intervêm na formulação de propostas pragmáticas, particularmente quando se trata de instituições
governamentais. Ao trazer o debate para situações mais
concretas, é importante tecer algumas observações que
possam auxiliar a definição de políticas de informação mais
consistentes.
Ao falar de disseminação de informações no Brasil e
na América Latina, não se identificam políticas públicas
claras para o setor. Julio Cubillo aponta como principal
responsável por essa ausência o vendaval neoliberal que
soprou a partir dos anos 90 e os modelos de gestão pública nele inspirados que afastaram o estado da coordenação
dos projetos de mudança social (Cubillo, 2003). Pondera-se, entretanto, que em épocas anteriores a situação não
era muito diferente. A falta de políticas de informação não
é novidade, já que mesmo os discursos passados de democratização da informação ou de promoção da cidadania não eram sedimentados em bases claras e não encontravam eco suficiente nas instituições públicas. À exceção
de iniciativas pontuais, as políticas de informação e de
30
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS
disseminação (se é que se pode concebê-las como políticas) tendiam (e tendem) a refletir as fronteiras fluidas de
um marco teórico rarefeito.
Tomando o caso das agências públicas de estatística,
verifica-se que a situação é muito parecida. Não raras vezes, a disseminação é vista como uma conseqüência, um
resultado natural da produção, mais ou menos como um
apêndice ao capítulo crucial dos levantamentos e pesquisas que dão origem à informação. É como o final de uma
maratona, no qual os atletas exauridos pelo esforço
despendido nas etapas anteriores querem apenas chegar,
sem importar com a precisão ou elegância das passadas.
Prova disso, além da escassa literatura existente sobre o
tema, é que os planos tabulares, a seleção dos recortes de
informações a serem divulgadas, as formas de saída dos
dados são quase que inteiramente pré-definidas, praticamente à revelia da recepção.
Observa-se, ao mesmo tempo, que o debate sobre a disseminação é restrito, grande parte das vezes, às Tecnologias
de Informação e Comunicação – TICs. Sem desprezar sua
importância, há uma tendência em circunscrever a disseminação ao problema da melhor escolha e combinação entre
hardware, software, quando a questão é principalmente de
conteúdo e de formas de instituição de elos com os públicos. Essa situação é, talvez, resultante do vazio criado pela
falta de uma política sólida de informação que, preenchido apressadamente pelas TICs, passa a subordinar, a interesses empresariais, o esforço das ações governamentais
de fornecer informações que possam ser transformadas em
conhecimento. A tecnologia passa a pensar (e a limitar) a
disseminação. Metafraseando a célebre frase sobre a guerra,
cuja autoria é motivo de dúvidas, sendo atribuída ora a
Talleyrand, ora a Clemenceau ou Lloyd George: “a disseminação é uma coisa muito importante para ser deixada
nas mãos dos ‘informáticos’ ”.
A expansão vertiginosa da Internet, a economia de custos e agilidade que ela permite aliadas ao crescente fascínio das novas tecnologias têm levado as instituições a investir maciçamente nessa mídia, deixando de resolver
problemas a ela anteriores concernentes às condições reais
para a transferência da informação. Como tantos aqueles
que atualmente alimentam, como aqueles que formam o
público cativo das informações conhecem e se utilizam
da rede, cria-se entre esses atores a sensação do alcance
universal da Internet. Em conseqüência, empalidece o prestígio de outras mídias, esquece-se de suas diferentes linguagens e apaga-se quase que definitivamente a discussão sobre o ponto nevrálgico da questão: a criação de
condições para a apropriação da informação e sua transformação em conhecimento.
A emergência das novas tecnologias, ao mesmo tempo
de sua absorção muitas vezes desacompanhada de políticas de informação, insere também na esfera das discussões a questão da inclusão. Segundo levantamentos da
International Telecommunication Union – ITU, 14,3 milhões de pessoas tinham acesso à Internet em 2002, no
Brasil. No mesmo ano, os indivíduos de 10 anos e mais no
país somavam 138,5 milhões, o que significa que 89,7%
da população nessa faixa etária estavam à margem do caudal de informações contidas na web. Em face dos custos
para se ter acesso à Internet, desde os preços dos equipamentos às elevadas tarifas da comunicação telefônica privatizada, não é arriscado estabelecer uma relação direta
entre poder econômico e inclusão digital. Todavia, não é
pertinente discutir a inclusão digital sem analisar, anteriormente, a inclusão social. Ainda que não se questione o significado de “incluir” (incluir em que, onde), há que se considerar que, se verifica hoje uma exclusão digital, a exclusão
social lhe é anterior. Saber ler ou ter acesso à informação
não significa necessariamente a possibilidade do conhecimento. Os números, portanto, devem ser interpretados como
um potencial teórico. As afirmações sobre exclusão digital, para serem interpretadas em profundidade, deveriam
também ser comparadas ao alcance das tiragens de publicações, por exemplo. A correlação de resultados poderia
indicar uma situação mais próxima do real.
No campo de ação da disseminação das informações
estatísticas, pode-se dizer que, de certo modo, as agências disseminam para seus pares, de modo que seus atuais
usuários estão no mesmo estamento social, têm voz, podem realizar uma interlocução com os responsáveis pela
oferta da informação. Como quem não tem voz não reclama (ou mesmo que a tenha nem sempre possui os meios
para fazê-lo), não é preciso muito esforço para identificar
de onde advém a impressão de que o acesso às informações está universalizado, porque se entende que o “dever”
foi cumprido. Na realidade, porém, o universo de usuários é dessa forma e não de outra, porque nem todas as
pessoas estão preparadas para receber informação (ou pelo
menos a informação que está sendo divulgada e a sua forma), como nem sempre as informações divulgadas são as
que as pessoas desejam. Pode-se dizer, portanto, que as
agências estatísticas nem sempre estão suficientemente
atentas quanto ao universo de usuários potenciais. É aí que
uma ação de formação de públicos, em sentido amplo e
renovado como já se sugeriu, pode fazer sentido.
31
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
O grande problema da disseminação é a criação de
condições para facilitar o fluxo de informações para propiciar o conhecimento. E ele reside na linguagem, ou mais
especificamente, nas linguagens, que requer, antes de tudo,
a existência de elos de significação entre produção e recepção. Não se pode confundir, porém, os meios com as
mensagens. Ao par da crítica à circunscrição do problema da disseminação a seus aspectos tecnológicos e informáticos, também não se deve esquecer que os meios são
distintos e devem ser utilizados considerando suas especificidades. Do mesmo modo, cada meio (ou suporte
informacional) é caracterizado por linguagem própria.
Assim como para cada tipo de usuário há uma linguagem
e uma informação, cada meio é mais (ou menos) apropriado
para diferentes tipos de informação.
Nesse ângulo, verifica-se que, de modo geral, os sites
das agências estatísticas nem sempre se utilizam, de forma devida a linguagem específica da Internet. A organização das páginas nos sites é, na maioria das vezes, excessivamente elaborada na perspectiva do produtor da
informação, exigindo do usuário esforço para compreender sua lógica ou o conhecimento prévio do universo de
informações normalmente produzidas. Há problemas relacionados à linguagem, seja porque a mesma informação
é apresentada com diferentes denominações e não há
mecanismos de compatibilização entre as linguagens, seja
porque tais denominações são excessivamente marcadas
pelo jargão técnico. Não é raro verificar que os usuários
encontram dificuldades para localizar informações, pois
na construção do site e das páginas não se considera se
ele conhece ou não as principais pesquisas da instituição
ou não se questiona se eles entendem a linguagem na qual
as informações são veiculadas. Se ele desconhece, restalhe a tarefa de peregrinar pelo site na tentativa de adivinhar os princípios de arranjo utilizados pelo proprietário
ou sua forma de expressão que, invariavelmente, deixam
pouco espaço à participação de quem se aventura a navegar nele.
Faz parte da formação do público a inclusão de estratégias incorporadas nas próprias páginas na web: metadados (definições, explicações sobre conceitos, formas de
mensuração de eventos, fonte), seções para públicos especiais (por exemplo, crianças, jovens) ou mapeamento
de informações ou sites relacionados. Eles constituem recursos importantes para viabilizar o acesso e promover a
apropriação das informações.
Observe-se, também, que uma mídia não substitui necessariamente outra. O uso do CD-ROM, embora não goze
de uma possibilidade de aplicação em todos os segmentos da população, tem vantagens não desprezíveis, como
a grande capacidade de armazenamento de informações,
a incorporação dos recursos de som e imagem e o baixo
custo da mídia e da gravação. Não se deve desprezar o
significado, para os parcos recursos, que ele traz para a
economia de pulsos telefônicos e de tempo de conexão a
provedores de acesso. O CD-ROM é um suporte extremamente adequado para veiculação de grandes volumes de
dados, séries históricas, informações institucionais. Essas
características os tornam ideais também para utilização
em locais que possuam equipamentos de informática compartilhados por vários usuários, como escolas, bibliotecas, associações e ONGs, por exemplo. Assim, mesmo
baixas tiragens teriam potencial para alcançar um número
significativo de pessoas, cuja capacidade de explorar as
informações poderia ser aperfeiçoada por instruções incluídas no próprio CD-ROM.
A promoção de palestras, cursos e seminários também
é um meio a ser explorado pela disseminação. Além de
seu papel de divulgação institucional e de apresentação das
pesquisas desenvolvidas, esses recursos podem mobilizar
públicos inicialmente não atendidos ou previstos. Essa ação
terá maior sentido desde que sua concepção origine-se num
intenso processo de negociação com os públicos-alvo: quais
seus desejos, quais suas necessidades, que familiaridade
possuem com as informações e com os meios, que utilidade elas poderiam ter para eles, que exemplos concretos
poderiam fazer sentido para o universo de expectativas dos
diferentes grupos? Percorrendo diferentes gradientes de
profundidade e realizando experiências dialogadas, eventos, cursos ou outras formas sugeridas também pelos usuários poderiam ser uma forma de trabalho. Algumas questões relativas à produção poderiam surgir no decurso dessas
experiências: que significado há no espectro de informações produzidas, qual seu limite representativo em face do
que se observa extra-institucionalmente, que carências de
coleta existem? Além disso, que observações, críticas e
sugestões poderiam advir desse processo? Esse pode ser
um investimento formador e ampliador do universo dos
públicos da informação estatística.
Em seu sentido renovado, portanto, uma política de
informação deve utilizar vários meios, aproveitar as novas tecnologias, observar seus limites, as características
de linguagem das distintas mídias e suas aplicações mais
adequadas. Contudo, nem a Internet, nem os CD-ROMs,
nem as publicações impressas, nem a promoção de eventos, cursos ou palestras realizam os fins de promoção do
32
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS
conhecimento se não estiverem coordenadas numa política de informação sólida.
encontrar com mais facilidade as informações e tenha os
elementos necessários para sua compreensão, mesmo não
sendo iniciado nessas áreas de conhecimento.
Na imprensa, são divulgadas regularmente as principais pesquisas da instituição e também estudos e
projetos especiais. A cobertura atinge todas as mídias,
com preponderância dos grandes jornais diários, revistas
semanais, televisão e rádio. A divulgação é feita por press
releases e entrevistas coletivas, procurando-se sempre
garantir a isonomia no acesso à informação para todos
os órgãos de imprensa, ou seja, não se fornecem informações exclusivas para este ou aquele meio de comunicação.
O usuário pode dispor, ainda, de outras formas de acessar as informações da Fundação Seade:
- atendimento presencial – na sede da instituição (Av.
Cásper Líbero, 478 – São Paulo/SP), das 9 às 17 horas,
de segunda a sexta-feira, é possível consultar todo o acervo de informações existente (Internet, biblioteca, produtos e bases de dados), seja oriundo de pesquisas próprias,
seja produzido por outros órgãos afins. É possível, também, a assessoria de técnicos especializados na busca de
informações. A consulta é totalmente gratuita, mas cópias
reprográficas, impressões, gravação de arquivos em
disquetes ou CD-ROM e publicações são pagas.
DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES
NA FUNDAÇÃO SEADE
O modelo de disseminação de informações adotado pela
Fundação Seade é bastante semelhante aos utilizados pelas principais agências públicas de estatística, nacionais e
internacionais. A seguir, faz-se um breve relato da situação atual dessa atividade e das formas e condições para
obter informações da instituição.
Os meios utilizados pela Fundação Seade para a
realização da tarefa de disseminar informações são as
publicações, a Internet e a imprensa. No caso das primeiras, compreendem os resultados das pesquisas da instituição, dos registros administrativos e, mais raramente,
de estudos especiais. Em virtude da política de contingenciamento de gastos a que estão submetidos os órgãos
públicos em geral nos últimos anos, houve uma reorientação da política editorial nesse segmento. Além da
diminuição da quantidade de publicações, houve uma
migração do meio impresso para o eletrônico, ou seja,
do papel para o CD-ROM e para a Internet. Em tempos
de contenção, as despesas com a produção gráfica e papel
tornam-se significativas, quando comparadas com a
confecção de mesmo conteúdo em meio eletrônico.
Assim, outra desvantagem adicional da mídia impressa
é que elas precisam ser expedidas para que a informação
chegue a seu destino, gerando novos custos, desta vez
com as tarifas postais.
Dessa forma, mas, evidentemente, também pelos motivos já apontados, a Internet foi conquistando preponderância e hoje é, de longe, o principal veículo de disseminação das informações da Fundação Seade. No site
<www.seade.gov.br>, existe um grande número de informações organizadas em temas e produtos que respondem
pela quase totalidade da produção da instituição. Entre as
ausências mais significativas pode-se citar a Base de Óbitos por Causa e a revista São Paulo em Perspectiva. Uma
lacuna adicional é a falta de sistemas que permitam extrair resultados dos microdados de pesquisas como a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Pesquisa de Condições de Vida – PCV e da Pesquisa da Atividade
Econômica Paulista – Paep. No entanto, existe uma tentativa, ainda modesta, de construir linguagens que permitam o relacionamento entre as diversas bases da instituição com a inclusão de metadados, para que o usuário possa
- atendimento telefônico – no mesmo horário e dias da
semana, pelo Serviço de Orientação ao Usuário (SOU),
no telefone (11) 3313-5777, no qual se obtêm referências sobre, onde e como estão disponíveis informações
socioeconômicas, assistência técnica aos produtos da
Fundação Seade, esclarecimento de dúvidas acerca de
informações e produtos, encomenda de publicações e preparações de dados e ainda informações disponíveis na
Internet. Ou se preferir, a comunicação poderá ser feita
por fax (11) 3224-1700.
- correio eletrônico – pelo endereço <[email protected]>,
consegue-se os mesmos serviços prestados no atendimento
telefônico. Todas as mensagens são respondidas em, no
máximo, 24 horas.
Por meio de qualquer uma dessas entradas, o usuário
pode encomendar tabulações especiais, ou seja, construção de novos cruzamentos de informações e processamento
de microdados em formatos por ele definidos, de acordo
com suas necessidades. Após fazer a demanda, o usuário
recebe orçamento e prazo de execução da tabulação. O
trabalho começa a ser executado após a aprovação do interessado e o prazo é rigorosamente respeitado.
33
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
NOTAS
A política de preços da Fundação Seade permite, até
o momento, que o acesso à Internet seja inteiramente livre, como estratégia para incentivar o usuário a utilizar
cada vez mais essa mídia. No caso das publicações, os
preços procuram apenas cobrir os custos de produção e
distribuição tanto para o impresso como para o eletrônico e nunca as despesas com as pesquisas e atividades
que dão origem às informações nelas contidas. Pelo mesmo critério, nas tabulações especiais, o usuário paga somente o valor da mão-de-obra dos técnicos envolvidos
em sua confecção.
Os diferentes grupos de usuários têm status diversos
no que se refere aos preços e acesso às informações da
Fundação Seade:
- órgãos do governo estadual – têm acesso livre aos dados disponíveis, mesmo os que envolvem tabulações especiais. As publicações podem ser doadas ou cobradas,
dependendo da análise de cada caso pela diretoria. Entretanto, quando as informações solicitadas não existem e
precisam ser obtidas por meio de pesquisas ou levantamentos que impliquem dispêndios expressivos, orçamentos específicos são apresentados e, se aceitos, ensejam
tabulações especiais e/ou a celebração de contratos remunerados para sua produção.
1. Grifo nosso.
2. A moral religiosa (Deus) foi substituída pela moral laica (1700-1950,
família, sociedade, pátria), que contemporaneamente o é pela moral
individualista (o indivíduo como referência primeira). A moral laica,
ao emancipar-se da religião, manteve a noção de dívida infinita, de
dever absoluto. Entre a moral religiosa e a laica não aconteceu verdadeiramente senão uma transferência das obrigações: para com Deus,
para com o homem e para com a coletividade ou, em outros termos, a
moral moderna é a moral do de uma religião do dever laico. A lógica
contemporânea é outra, e o processo de secularização da moral acaba
por dissolver socialmente a sua forma religiosa, o dever. Liquidam-se
os valores sacrificiais e o dever é substituído pelo bem-estar e pelos
direitos subjetivos (Lipovetsky, 1994:15-16).
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BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70,
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London: Praeger, 1991.
CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais
da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
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cuanto nos hemos renovado? DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, v.4, n.4, ago. 2003. Disponível em:
<http://www.dgz.org.br/ago03/art_03.htm>. Acesso em: 26 ago.
2003.
LARA, M.L.G.; CAMARGO, J.C.C.; ROCHA, S.G. Informação estatística e cidadania. São Paulo em Perspectiva, v.16, n.3, jul./set.
2002.
- imprensa – todos os dados são colocados à disposição
da imprensa, desde que estejam disponíveis ou que sua
obtenção não gere despesas significativas. As publicações
são cedidas gratuitamente.
LIPOVETSKY, G. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos
tempos democráticos. Tradução de Fátima Gaspar e Carlos Gaspar.
Lisboa: Dom Quixote, 1994.
- demais usuários – compreendem vasta gama de organizações e indivíduos como empresas privadas, consultores, ONGs, instituições de ensino, órgãos do governo federal e municipal, estudantes, sindicatos, associações de
classe, etc. Para todos eles, publicações e tabulações especiais são cobradas. Contratos remunerados para obtenção de informações de maior fôlego também podem ser
celebrados dentro desse grupo. Estudantes de mestrado e
doutorado podem ter descontos de até 80% em microdados e tabulações especiais, para obter informações que
serão aplicadas em suas teses ou trabalhos de conclusão
de curso. Eventualmente, alguns desses usuários que não
disponham de recursos podem receber doações de publicações, dependendo do julgamento do mérito de cada pedido pela diretoria.
MAFFESOLLI, M. Aux creux des apparences. Paris: Poche, 1991.
TEIXEIRA COELHO, J. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Fapesp; Iluminuras, 1997.
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Disponível em: <http://www.itu.int/itu-d/ict/statistics>. Acesso em:
19 ago. 2003.
MARILDA LOPES GINEZ DE LARA: Professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Consultora da Fundação Seade ([email protected]).
VIVALDO LUIZ CONTI: Economista, Diretor Adjunto de Produção de
Dados da Fundação Seade ([email protected]).
34
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 35-44, 2003
O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS
O ESTUDO DA METRÓPOLE
E O USO DE INFORMAÇÕES
GEORREFERENCIADAS
GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA
HAROLDO DA GAMA TORRES
Resumo: A participação da Fundação Seade no Centro de Estudos da Metrópole – CEM estabeleceu o uso das
ferramentas do Sistema de Informações Geográficas em projetos desenvolvidos de forma direta pela Fundação, ou em parceria com o CEM. Duas atividades destacam-se nesse processo: a consolidação de banco de
dados e mapas digitais sobre a Metrópole e o desenvolvimento de novas metodologias de coleta e difusão de
informações.
Palavras-chave: sistema de informações geográficas; Região Metropolitana; análise espacial.
Abstract: The participation of Fundação Seade in the Center for the Study of the Metropolis – CEM – established
the use of the tools of Geographic Information System in projects developed directly by Seade, or in partnership
with CEM. Two activities stand out in this process: the consolidation of the data bank and digitized maps of
the metropolis and the development of new methodologies for gathering and disseminating this information.
Key words: geographic information system; metropolitan region; spatial analysis.
A
partir de 2000, a Fundação Seade passou a integrar o Centro de Estudos da Metrópole – CEM,
em conjunto com o Cebrap – Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento, a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo – FAU e a Escola de Comunicações e Artes –
ECA da USP e o Sesc São Paulo. Trata-se de um projeto
financiado pela Fapesp, inserido no programa Centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão – Cepid, cujo objetivo é desenvolver atividades de pesquisa, transferência de conhecimento e difusão de informações a respeito da Região
Metropolitana de São Paulo – RMSP.
Uma das novidades colocadas pelo CEM no tratamento
de informações sobre a metrópole paulistana refere-se ao
vínculo entre os resultados de pesquisas diretas (que envolve novas abordagens conceituais e metodológicas para as
questões metropolitanas) e a consistência de dados secundários (tornando-se um centro de referência para a documentação e consolidação de informações e estudos sobre a
RMSP). Os dados coletados e tratados são georreferenciados e difundidos por instrumentos como internet, seminários, palestras, workshops e publicações.
A constituição e a disponibilização das bases de dados
no formato de Sistema de Informações Geográficas – SIG
são atribuições do Seade como parceiro no projeto CEM,
e estão inseridas no componente Inovação e Transferência de Tecnologia, cujos objetivos são:
- constituir um Sistema de Informações Georreferenciadas por meio da consolidação de dados espacializados para
uso de planejadores urbanos e formuladores de políticas
públicas;
- sistematizar, consolidar e disseminar informações sobre diferentes experiências no campo da política urbana,
tornando o Centro um multiplicador nessa área;
- desenvolver aplicativos próprios para integrar dados de
diversas origens;
- treinar profissionais para o uso de dados georreferenciados na formulação e implementação de políticas públicas urbanas.
Para tanto, a Fundação constituiu um grupo de trabalho que foi agregado à Divisão de Geoprocessamento e
Estatísticas Espaciais – Digeo, que vincula-se à Gerência
de Métodos Quantitativos – Gemec. Os trabalhos de
geoprocessamento dos dois anos iniciais de estruturação
do CEM centralizaram-se em três frentes:
- montagem do SIG georreferenciando informações cadastrais de equipamentos públicos (de educação e saúde)
35
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
encanada, numa região com 5 milhões de domicílios? A
solução para esse tipo de problema passa por um tratamento espacial das informações, porque somente mediante
uma análise que leve em conta dados microlocalizados podem-se identificar as principais manchas de ocorrência do
problema a ser enfrentado.
A rigor, a utilização de sistemas de informações geográficas e de indicadores microlocalizados para políticas
públicas tende a responder um problema básico: onde agir.
De fato, para qualquer política pública, tal pergunta é
bastante problemática numa área metropolitana com quase 20 milhões de habitantes, como a RMSP. Essa questão, de modo mais específico, remete a três aspectos principais:
- a distribuição dos equipamentos públicos não é consistente com a distribuição da população demandante. Equipamentos podem estar localizados no centro da cidade,
distantes dos locais de moradia da população mais pobre.
Em outras palavras, entender a distribuição dos equipamentos vis-à-vis à lógica de uma demanda que varia espacialmente e ao longo do tempo é um desafio permanente do ponto de vista das políticas sociais, principalmente
se o objetivo da política tem a ver com a democratização
do acesso;
e mortalidade, existentes na Fundação, e a vetorização e
consolidação da malha cartográfica digital dos setores
censitários para os 21 municípios mais populosos da
RMSP, para os censos demográficos de 1991 e 2000 e
para a contagem populacional de 1996;
- a elaboração de projetos específicos a clientes e pesquisadores do CEM que envolveram a montagem de SIGs; e
- desenvolvimento de treinamentos para usuários dos SIGs
(pesquisadores do CEM e do Seade e clientes do Centro
que demandaram projetos georreferenciados).
A Fundação Seade habilitou-se a participar como parceiro do CEM no componente Inovação e Transferência
de Tecnologia, porque já vinha desenvolvendo projetos
que continham em seu escopo a elaboração e estruturação
de sistemas de informações geográficas, cujo objetivo era
suprir gestores públicos de um importante instrumento para
a tomada de decisão. De fato, alguns exemplos podem ser
dados, como o desenvolvimento de SIGs para a Diretoria
de Planejamento da Sabesp e para a Central de Informações Educacionais da Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo. Contudo, os maiores desafios e avanços do
uso do SIG no Seade deram-se com sua participação no
CEM.1
- o perfil da população varia ao longo da dimensão espacial, seja em estrutura etária e taxa de crescimento, seja
em termos socioeconômicos. Em outras palavras, em função da grande dinâmica demográfica intra-urbana podem
existir escolas em locais sem crianças e crianças em locais sem escolas, mesmo se a taxa de cobertura para todo
o município se aproxima de 100%. Isso indica que, até
quando existentes, equipamentos sociais têm de ser adaptados ao perfil da população local, suas características
sociodemográficas;
GEOPROCESSAMENTO VOLTADO
PARA POLÍTICAS PÚBLICAS
As experiências que os pesquisadores da Fundação
Seade e do Cebrap acumularam nos estudos sobre a Região Metropolitana já apontavam para a necessidade de
um tratamento de dados que ultrapassavam as tradicionais
unidades administrativas, como municípios e distritos, pois
alguns fenômenos só poderiam ser compreendidos quando se descesse à escala intradistrital. O fato é que a falta
de informações nesse nível de detalhe tem dificultado a
formulação de políticas, uma vez que as unidades espaciais tradicionalmente utilizadas para planejamento têm
grande porte. Por exemplo, alguns distritos de São Paulo
possuem até 400 mil habitantes, um porte comparável a
um grande município como São José dos Campos, dificultando a identificação dos locais com maior nível de
carência.
Esse tipo de dificuldade é ainda maior naquelas situações em que é preciso identificar prioridades de investimento quando a cobertura de uma dada política – como a
oferta de água, por exemplo – atinge níveis próximos a
100%. Como distinguir os 60 mil domicílios sem água
- riscos sociais são cumulativos. Certas regiões agregam
um conjunto significativo de problemas sociais, tais como
baixos níveis de escolaridade, domicílios precários, baixa renda, exposição a riscos ambientais, etc. A identificação desses locais é crucial para as políticas sociais voltadas para os grupos sociais mais vulneráveis, tais como as
políticas de transferência de renda. Isso indica também
que o enfrentamento desse tipo de fenômeno requer políticas que ultrapassem o recorte setorial.
De todo modo, para que tal tipo de análise seja possível, é necessário que as informações que alimentam os
estudos sejam consistidas em escalas espaciais menores
que os tradicionais municípios e distritos. Foi esse o de-
36
O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS
safio a que se propôs o projeto do CEM para a RMSP:
construir bases de informação na escala intramunicipal e
intradistrital, a partir da localização georreferenciada dos
eventos estudados; e também produzir os dados que servirão de denominador nos estudos na escala dos setores
censitários, a qual permite uma aproximação da escala
local. São unidades espaciais, no urbano, que correspondem a um conjunto de quadras, ou a quadras, ou a face de
quadras, ou a um conjunto de edifícios em uma face de
quadra, ou mesmo a um edifício e seus andares, dependendo de sua densidade demográfica.
pode se utilizar do ferramental dessa análise. Grosso modo,
a análise regional dá conta de apreender as grandes diferenças – particularidades na escala nacional e entre as
nações. Ela seria um excelente “pano de fundo”, contudo
não oferece a possibilidade do olhar para a tomada de
decisões em escala local. Tal passagem do olhar regional
para o local, um dos grandes desafios para os gestores
públicos, conta hoje com a ajuda fundamental das ferramentas contidas nos Sistemas de Informação Geográfica,
que permitem mapear os eventos estudados onde eles realmente ocorrem e cruzar suas informações com dados de
outra natureza, podendo ajudar na compreensão de seu
conteúdo e de sua distribuição.
Foi sobre essa ordem de preocupações que o projeto
CEM teve sua concepção estruturada, ou seja, avançar na
escala de observação de como ocorrem os processos socioeconômicos, demográficos e culturais na RMSP, para
além da totalidade metropolitana – um além para o interior, voltado para o local.
O ESPAÇO COMO CATEGORIA
A tradição das análises espaciais nas ciências sociais
e na economia conduziu a análise espacial à esfera dos
estudos regionais. Os desafios postos para a solução da
questão do desenvolvimento econômico, de um lado, e
os efeitos da divisão territorial do trabalho, de outro,
pontuaram as discussões sobre a problemática da
diversidade do desenvolvimento econômico expressa no
espaço. A região pode ser lida como a materialização
espacial, pela história, das relações econômicas dentro
da esfera da divisão do trabalho, ou seja, as diversidades
da organização socioeconômica das sociedades, sua
matriz produtiva, as trocas, o mercado de trabalho
(estrutura de emprego) e a urbanidade estão gravados no
espaço e expressam a forma como o capital se organiza.
Assim, a diversidade regional e a maneira como as regiões
se organizam e se relacionam aparecem como uma
manifestação material das desigualdades dos níveis do
desenvolvimento econômico. Procurar decifrar quais as
características da estruturação econômica das regiões
passou a ser etapa fundamental para entender seu
significado nas relações das trocas mercantis na matriz
produtiva (regiões funcionais ou polarizadas – redes), bem
como elucidar qual o melhor caminho para viabilizar a
implantação de políticas econômicas na escala nacional.
Uma outra concepção de região é aquela associada à
divisão administrativa dos territórios pelo Estado. Fruto
da organização política do Estado, essas unidades se
impõem como realidades concretas, mais pela forma como
as estatísticas oficiais são tratadas e disponibilizadas e
menos pela “legitimidade” de suas fronteiras.2
O problema da análise regional é que ela somente consegue dar conta, ou servir de subsídio, de políticas quando a ação visa à intervenção na escala regional. Qualquer
direcionamento para ações e recursos no objeto local não
DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM OLHAR ESPACIALIZADO
A construção para um “olhar espacializado” impõe a
necessidade de se pensar como interpretar a relação entre
a distribuição da ocorrência de um determinado fenômeno, representado em uma determinada área (óbitos por
homicídios em distritos da capital), com as várias dimensões da realidade naquele espaço (como a condição de
instrução e renda dos chefes das famílias, e de qualidade
dos domicílios). Quando essas informações estão agregadas na escala municipal, ou distrital (a forma tradicional
de agregação das informações administrativas e censitárias), perde-se o poder de explicação, pois as correlações
possíveis somente poderão se dar a partir dos valores
médios dos dados para aquela unidade espacial.
Como exemplo, vejamos a distribuição da taxa de
homicídios nos distritos do Município de São Paulo,
representado no Mapa 1. As maiores concentrações de
óbitos por homicídios, segundo o local de moradia das
vítimas, estão nos distritos do sul, no extremo leste da
capital e na zona norte, onde evidenciam-se os distritos
de Cachoeirinha e Brasilândia. Destacam-se ainda as altas
taxas nos distritos da Sé e Brás, na região central da cidade.
Tais “regiões” são aquelas que também apresentam os
piores indicadores sociais (com exceção dos centrais), o
que induziria à conclusão de que os homicídios estariam
diretamente ligados a essas condições socioeconômicas.
37
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
cídios e a população em seu entorno, ou seja, é possível
se reconstruir uma taxa de homicídios utilizando-se como
denominador a população total residente nos setores censitários.
O SIG permite agregações de informações de bases
cartográficas em objetos geográficos distintos. É possível transpor as informações de população que estão agregadas em setores censitários (um objeto geográfico cuja
natureza é uma área) e as informações dos locais de residência das vítimas de homicídios (cujo objeto geográfico
é um ponto), para uma terceira unidade geográfica representada, por exemplo, por uma grade, cuja área, no caso
do exemplo aqui tratado, é de 250.000 m2 (próxima de
uma quadra). A partir daí pode-se criar uma taxa de homicídios para a grade e mapeá-la utilizando-se uma outra
ferramenta do SIG, que permite a constituição de manchas construídas a partir de isolíneas (como curvas de nível) de taxas com mesmo valor. O resultado dessa técnica
No caso, a correlação entre o evento óbito e a realidade
renda, por exemplo, se dará a partir das médias distritais
o que causa uma série de problemas. Um deles é admitir
que o comportamento dos fenômenos analisados apresentase de modo uniforme em todo o território observado e que
a correlação dos fenômenos é verdadeira para a totalidade
da região.
No caso do exemplo apresentado, o resultado da implementação de políticas que venham a tratar dos efeitos
da violência obviamente priorizará os distritos cujas taxas são elevadas. Contudo, como trata-se de territórios com
áreas extensas e os recursos públicos são sempre escassos, o problema que se coloca é onde, no interior de cada
distrito, devem-se priorizar as ações? Nessa escala de trabalho as prioridades vêm sendo tratadas a partir de demandas locais, geralmente mediadas por pressões políticas. Não é errado o atendimento de reivindicações sociais,
contudo existe um setor da sociedade que vive em tal grau
de exclusão social, que não tem possibilidade de organização para expor suas necessidades, e geralmente se tem
visto nas políticas públicas que as populações mais organizadas é que acabam sendo objeto de programas sociais.
A questão da definição de critérios de priorização de investimentos públicos tem surgido como uma demanda do
Estado, sobremaneira pelos avanços na democratização
das tomadas de decisão e pelo aprimoramento das instâncias de participação popular. Nesse contexto, as informações, como tradicionalmente eram tratadas, não respondem mais às necessidades dos gestores públicos; afinal,
observando novamente o Mapa 1, onde naqueles distritos
violentos deve-se investir? Somente uma observação: a
teoria regional de cunho crítico já alertava para o perigo
de fetichização do espaço, com a idéia de que sua identidade se daria a partir de sua característica típica. Nesse
mapa as regiões escuras são tipicamente violentas. A pergunta é: será que são realmente assim?
Para responder a essa pergunta, as formas tradicionais
de tratamento dos dados espaciais devem alterar-se, e o
caminho dessa mudança passa pela fragmentação das unidades administrativas tradicionais (municípios e distritos)
e pelo mapeamento dos eventos estudados, com a utilização das ferramentas do Sistema de Informações Geográficas.
A partir das informações da localização dos eventos já
é possível identificar a concentração da violência e assim
melhor definir a que locais as ações que se desejam devem ser dirigidas. Esse estudo pode avançar e considerar
a relação entre o local de residência das vítimas de homi-
MAPA 1
Taxa de Homicídios, segundo Distritos
Município de São Paulo – 1998/20001
Homicídios por mil habitantes
Menos de 70,4
De 70,5 a 113,9
De 114,0 a 163,9
164,0 e mais
Fonte: Fundação Seade (2001).
(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.
38
O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS
cartográfica está representado no Mapa 2. Pode-se constatar que as áreas mais críticas em relação à ocorrência de
homicídios estão bem definidas, sendo possível observar
na escala local onde elas ocorrem. Como a rigor os SIGs
permitem uma ampliação dos mapas a escalas muito grandes, é possível apontar os locais mais críticos com suas
quadras e logradouros. O Mapa 3 mostra um detalhe das
áreas de maior violência do distrito de Cidade Ademar,
onde é possível identificar a malha de logradouros. Para
um gestor da área de segurança essa informação é de extrema importância, pois lhe permite uma ação localizada
e pontual.
Esse exemplo pode ser estendido para outras situações
em que haja interesse de investigação de processo e fenômenos em pequenas escalas, como ocorrem nos projetos
e pesquisas desenvolvidos pelo CEM. Segundo o que foi
afirmado anteriormente, as ferramentas do SIG possibilitam o cruzamento de informações que se encontram em
bases de dados distintas e que possuem unidades espaciais diferentes. Isso possibilita o estabelecimento de correlações espaciais entre esses eventos expressos nos mapas e, do ponto de vista espacial, indicar com mais critério
as áreas de intervenção. O grande salto qualitativo no uso
da sobreposição de cartografias digitais é a possibilidade
de criação de um novo dado, que seria impossível de ser
elaborado por simples cruzamento de tabelas, porque as
unidades espaciais de agregação das informações são diferentes.3
Tal possibilidade de cruzamento espacial dos dados
viabilizou a construção de uma série de indicadores extremamente sofisticados, como o Índice de Vulnerabilidade Social elaborado pelo CEM para a Secretaria de
Assistência Social do Município de São Paulo.4 Contudo,
mesmo não chegando a um nível mais sofisticado do uso
estatístico das informações espaciais a partir de bases
cartográficas distintas, a simples observação do mapa
permite a tomada de algum nível de decisão. No Mapa 4,
observa-se um exemplo de sobreposição de cartografias
que permite uma focalização da ação. No caso está representada a mesma mancha de concentração de homicídio
apresentada no Mapa 3, mas acrescida da informação dos
setores censitários com maiores índices de vulnerabilidade daquela região. Supondo que a intenção do gestor público seja a implantação de ações sociais que venham
mitigar os efeitos da violência e da vulnerabilidade social, ele poderá iniciar sua ação pelos locais onde ocorram a combinação desses eventos. No mínimo, essa informação poderia auxiliar uma investigação focalizada
para que daí as decisões fossem tomadas.
Como os sistemas de informação geográfica não se
resumem à elaboração de cartografias, mas são, em sua
essência, instrumentos que permitem a relação automática entre banco de dados e sua representação espacial,
os produtos elaborados no SIG não se limitam aos mapas, mas a um sistema de informações em que os usuários têm plena possibilidade de manuseio. Dessa forma,
a escolha das variáveis que serão representadas e os cruzamentos de dados desejados para a construção de indicadores poderão ser feitos livremente pelo usuário, o que
permite a elaboração de vários exercícios para a confirmação de hipóteses, ou serve como insumo para a investigação desejada. É por esse motivo que uma importante
atividade do CEM, sob a responsabilidade da Fundação
Seade, é o treinamento no uso dos SIGs – o eixo condutor da transferência de tecnologia dos envolvidos nas
pesquisas e projetos.
MAPA 2
Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas
Município de São Paulo – 1998/20001
Homicídios por mil habitantes
Menos de 12
De 12 a 23
23 e mais
Fonte: Fundação Seade (2001).
(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.
39
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
MAPA 3
Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas
Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001
Cidade Ademar
Av
.C
up
ec
Av
.Y
er
va
nt
ê
Homicídios por mil habitantes
Ki
ss
aj
ik
De 23 a 37
De 37 a 50
50 e mais
ia
n
Fonte: Fundação Seade (2001).
(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.
MAPA 4
Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas e Setores Censitários muito Vulneráveis
Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001
Cidade Ademar
Av
.C
Av
.Y
er
up
ec
ê
va
nt
Ki
ss
aj
ik
ia
n
Setores censitários
Vulneráveis
Mancha de homicídios
Mais de 23 homicídios por mil
Perímetro prioritário para
implementação de políticas sociais
Fonte: Fundação Seade (2001).
(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.
40
O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS
bilidade de manipulação de informações em microáreas
permitem uma melhor escolha e posterior caracterização
desse universo.
Um dos possíveis métodos propiciados pelo uso do
Sistema de Informações Geográficas é a aplicação de investigações indiretas, como uso, por exemplo, de telefones para realização da pesquisa. Como é viável mapear,
por intermédio do georreferenciamento, os endereços dos
telefones pesquisados e associar este mapa à base de dados coletados, é possível estabelecer quais deles serão
amostrados (a partir de critérios de localização relacionados aos dados socioeconômicos dos setores censitários);
observar se nos resultados obtidos ocorrem padrões espaciais na distribuição dos eventos; correlacionar esses resultados ao banco de dados dos setores censitários; e realizar tratamentos desses dados utilizando as ferramentas
de estatísticas espaciais existentes no SIG. Apesar das
restrições que essa metodologia impõe (como o acesso da
população ao telefone), ela permite um barateamento da
investigação, porque desobriga o trabalho de campo e por
isso permite que se aumente a amostra da pesquisa tornando-a mais representativa. A Fundação Seade tem se
utilizado dessa metodologia em algumas pesquisas e obtido bons resultados.
Um outro exemplo do uso das ferramentas do SIG em
surveys é a possibilidade de georreferenciar os procedimentos nas pesquisas diretas. No caso, o uso do SIG poderá facilitar a definição de quem vai ser pesquisado,
melhorando a escolha da amostra, porque em vez de utilizar como unidade de pesquisa, por exemplo, os distritos,
pode-se usar uma unidade menor constituída por um conjunto de setores censitários; clarear a abrangência territorial da pesquisa (evitando-se os erros comuns da generalização dos resultados encontrados para uma área em que
ela não seria significativa); e observar, na análise dos resultados, onde seria possível encontrar padrões espaciais
dos dados e investigar as correlações entre esses padrões
e as informações socioeconômicas dos setores censitários.
Existe, porém, um uso potencialmente rico da associação entre surveys e o georreferenciamento, que hoje já pode
ser realizado na Fundação Seade sem qualquer alteração
nas metodologias existentes: o da possibilidade de incorporação de novas informações aos dados coletados em
pesquisas diretas. Por exemplo, a partir do endereçamento
dos domicílios pesquisados é possível acrescentar informações da distância desses domicílios a qualquer outro
ponto relevante que se queira considerar, como a equipamentos públicos, a locais de consumo, ou a pontos de
Destaca-se, ainda, que esse conjunto de procedimentos
somente é possível se existirem dados desagregados para
a escala local associados às cartografias digitais. Por esse
motivo, um dos grandes esforços da Fundação Seade e do
CEM concentra-se na preparação dessas bases, tendo em
vista que elas não se encontram disponíveis para o uso
gratuito. Mesmo aquelas existentes em órgãos públicos,
como o IBGE, e no mercado apresentam alguns problemas de ordem técnica que necessitam ser corrigidos para
as bases serem utilizadas. Assim, dentre desses esforços
hoje realizados pelo Seade no projeto CEM, destacam-se:
- a vetorização da malha dos setores censitários da RMSP
de 1996 e 2000 (os setores de 2000 foram corrigidos para
sua consolidação em uma base única e o problema de projeção geográfica foi corrigido, o que implicou uma
redigitalização das bases fornecidas pelo IBGE5);
- a correção e redigitalização da malha dos setores censitários de 1991 da RMSP (a base fornecida pela Emplasa
apresentava inconsistência dos atributos geográficos dos
polígonos);
- o endereçamento dos equipamentos públicos de saúde
e educação na RMSP;
- o endereçamento dos locais de residência dos óbitos,
segundo a causa de morte no Município de São Paulo;
- o endereçamento das empresas (do banco de dados da
Rais), segundo sua natureza, na RMSP;
- a vetorização para a escala metropolitana da base ambiental de suscetibilidade à erosão, escorregamento, assoreamento e inundação do Projeto Gaia do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
Esse esforço tem continuidade com a digitalização dos
setores censitários urbanos para o municípios com menos
de 25 mil habitantes urbanos e para os setores censitários
rurais da RMSP (bases não disponibilizadas pelo IBGE);
e atualização da base de equipamentos públicos e dos
óbitos.
SURVEY E A ANÁLISE ESPACIAL
Como apresentado anteriormente, uma das inovações
do CEM, como Cepid, está no uso de metodologias inovadoras na aplicação e na análise de surveys. Além do
conteúdo inovador das investigações sobre a metrópole,
a proposta do uso das ferramentas de geoprocessamento,
tanto na etapa de definição do universo pesquisado, quanto
na de análise dos resultados, permite uma nova abordagem das informações. Isso porque a existência e a possi-
41
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
a Secretaria Estadual da Educação, no formato de um atlas,
na escala de setores censitários, para 96 municípios do
Estado. Cada município contou com um conjunto de 20
cartogramas (em papel e em meio digital no formato SIG),
em que foram representadas informações de oferta, demanda e desempenho do sistema público de educação.
ônibus. Ou ainda relacionar as informações coletadas na
pesquisa com outros dados, como os censitários. Esse tipo
de técnica permite, sem custos elevados, o enriquecimento das informações coletadas no campo, criando novas
variáveis de difícil captação direta que podem auxiliar na
explicação do comportamento desses dados coletados
pessoalmente.
Tais procedimentos, além de agregar vantagens e permitir a melhora nos resultados dos surveys, apresentamse como um instigante desafio que começa a ser vencido.
- Projeto PAC – Programa de Atuação em Cortiços –
constituição de um sistema de informações geográficas
para o CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, com informações de uso do solo e dos dados dos cortiços levantados
em pesquisas domiciliares, na escala dos lotes. Para tanto, formam digitalizados mais de 50 mil polígonos correspondentes aos lotes dos setores de atuação do programa. Foi construído um aplicativo de SIG livre por meio
da plataforma TerraView,6 com as bases do PAC.
PROJETOS COM INFORMAÇÕES ESPACIAIS
A Fundação Seade já vinha desenvolvendo projetos cujo
componente estruturador era a produção de sistemas de
informações geográficas, que tinham como objetivo
instrumentalizar gestores públicos de uma importante ferramenta para sua tomada de decisões. O amadurecimento
desse tipo de demanda na Fundação propiciou a criação
da Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais
– Digeo e sua capacitação para participar do projeto CEM
como responsável da área de Transferência de Tecnologia em SIG. Dentre esses projetos envolvendo o desenvolvimento de aplicativos em SIG, destacam-se:
- Projeto Priorizando Investimentos em Saneamento –
elaborado para a Diretoria de Planejamento da Sabesp,
cujo objetivo foi a constituição de uma base de dados
municipais georreferenciada, com a agregação das informações por grupos de dados (por meio de análises fatoriais)
e a agregação de municípios por aglomerados (análise de
cluster), segundo suas condições socioeconômicas, de
saneamento, demográfica e de saúde. O produto final foi
a constituição de um relatório e de um sistema de informações geográficas.
- Projeto Fábrica de Cultura – elaboração de mapas digitais para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a definição de áreas prioritárias de implementação do programa Fábricas de Cultura, no Município de
São Paulo.
- Projeto União de Vila Nova/Vila Nair – constituição
de um sistema de informações geográficas para o Projeto
de Intervenção na Várzea do Rio Tietê, da CDHU, com
informações do levantamento socioeconômico nos domicílios da favela. Para isso, mantém digitalizados mais de
5 mil polígonos correspondentes aos lotes, com a agregação do banco de dados da pesquisa. Foram elaborados 17
mapas temáticos com as informações mais relevantes desse
banco. À semelhança com o PAC, foi construído um
aplicativo de SIG livre por meio da plataforma TerraView,
com as bases do projeto.
A esses projetos desenvolvidos pela Fundação Seade,
somam-se aqueles realizados diretamente pela equipe de
geoprocessamento do CEM e que tiveram apoio da equipe da Digeo. Nesse caso, foram realizados mais oito projetos para as prefeituras de Guarulhos (Secretaria da Educação), Embu (Secretaria da Educação), prefeitura de São
Paulo (Secretarias da Educação, Assistência Social, Habitação e de Governo) e Emurb – Empresa Municipal
de Urbanização da Prefeitura do Município de São Paulo.
O perfil desses projetos foi a constituição de bases
georrefenciadas de informações administrativas, a
digitalização de bases cartográficas (base de favelas do
Município de São Paulo), o apoio ao Ressolo (da Sehab)
na digitalização da base de loteamentos irregulares do
Município de São Paulo e a elaboração de aplicativos de
- Projeto Educação – constituição de uma base de dados
municipais para a Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo, com informações educacionais e demográficas. O produto final foi a constituição de um relatório e
de um sistema de informações geográficas.
- Entidades Sociais do Terceiro Setor – mapeamento digital das entidades do terceiro setor da zona leste do Município de São Paulo, para o Sebrae.
- Entidades Culturais – mapeamento digital das entidades e instituições que desenvolvem atividades culturais na
Região Metropolitana de São Paulo.
- Projeto Atlas Educacional do Estado de São Paulo –
constituição de sistema de informações geográficas para
42
O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS
são atmosférica, a ocorrência mineral, o solo e até com a
cobertura vegetal. Contudo, dificilmente essa lógica pode
se reproduzir para fenômenos sociais, com exceção da área
de saúde (o contato entre pessoas produz um efeito
epidemiológico dos eventos), porque os processos socioeconômicos e culturais possuem uma espacialidade que
independe da sua condição topológica (a influência dos
vizinhos é menos importante na determinação do comportamento de seus atributos). O uso das estatísticas espaciais no tratamento de dados socioeconômicos, porém,
servem mais para mitigar o efeito ecológico da rigidez da
organização dos dados em unidades administrativas (conforme visto no Mapa 1) e menos para a imputação de dados, como ocorre para os fenômenos da natureza. Esse
uso mais “simples” das estatísticas espaciais (como na
análise de superfícies e de vizinhança) tem auxiliado sobremaneira nos tipos de representação dos eventos analisados. Um exemplo disso são os Mapas 2 e 3, nos quais
foi aplicada a técnica de análise de superfície, que proporciona a visualização da hierarquização da ocorrência
de eventos.
Existe ainda um outro campo de desafios no uso das
estatísticas espaciais que se refere à criação de indicadores em microáreas. Se as metodologias de construção de
taxas estão consolidadas quando há um grande número de
eventos e quando o denominador utilizado é aceito universalmente (uma população qualquer), elas não existem
quando os dados são em menor volume (como ocorre na
escala dos setores censitários). Alguns estudos já realizados na Fundação Seade mostram que o cálculo das taxas
de homicídio por setores censitários tem resultados não
muito satisfatórios, porque sua variabilidade é muito grande. Algumas alternativas estudadas indicam que a melhor
solução é a agregação de setores, que pode-se dar de várias formas, dependendo do estudo feito. Isso indica, ao
contrário do que ocorria anteriormente com o uso das ferramentas do SIG, que se pode ter várias taxas de homicídio, conforme o olhar que se lance sobre o tema. Mas o
fato é que essas metodologias ainda devem ser aprimoradas, pois as aparentes soluções para o efeito ecológico do
“grande número” (Souza, 2000) podem se transformar em
um outro problema.
SIG livre, por meio da plataforma TerraView, com as bases de dados dos projetos.
DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS
Duas ordens de desafios se colocam para os próximos
anos de participação da Fundação Seade no desenvolvimento do CEM. O primeiro refere-se à constituição de
bases de imagens orbitais de alta resolução para realização de análises urbanísticas e ambientais. Essa tarefa se
dará com a participação da Fundação Seade no esforço
que o Governo do Estado de São Paulo vem desenvolvendo para a constituição de um banco de dados único de
imagens orbitais que hoje encontram-se dispersas por vários órgãos estaduais.
A aplicação no CEM vincula-se ao seu uso como instrumento de análise espacial para a definição de ações
locais e como suporte para o mapeamento de componentes ambientais relevantes para a tomada de decisões. Dois
exemplos de aplicação da análise espacial por imagens podem ser dados. Um foi a experiência das equipes do Seade
e do CEM no uso de imagens para a indicação de áreas
prioritárias para a construção de escolas para a prefeitura
de Guarulhos. Sobrepostas às informações socioeconômicas, foram plotadas imagens das áreas mais críticas com
relação à necessidade de equipamentos de educação, que
auxiliaram na busca de terrenos para a edificação das escolas e para o estudo da acessibilidade às áreas municipais onde elas poderiam ser construídas. O outro exemplo refere-se ao potencial uso das imagens para o estudo
ambiental de locais com indicadores sociais críticos, ampliando o conceito de risco social para o de “riscos
socioambientais”, como pode ser o caso das áreas de proteção ambiental e de mananciais, de inundações e escorregamentos, associadas a favelas e loteamentos irregulares.7
A segunda ordem de desafios refere-se ao desenvolvimento de aplicações das estatísticas espaciais para análises socioeconômicas. A lógica matemática dos algoritmos
que tratam das estatísticas por atributos espaciais trabalha com o conceito de que a localização dos eventos no
espaço explica seus atributos, e aqueles outros eventos que
estão em seu entorno possuem características semelhantes à sua. A diferenciação dessas características dá-se pelo
aumento da distância. Do ponto de vista geográfico essa
lógica é clara, pois a altitude de um determinado objeto
deve ser muito semelhante à de um vizinho próximo; o
mesmo também deve acontecer com a temperatura, a pres-
NOTAS
1. A Fundação Seade também participa como colaboradora no projeto
Estudos do Trabalho; para mais informações consultar o site do CEM
<www.centrodametropole.org.br>.
43
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
2. Existem inúmeros estudos que utilizam o conceito de divisão territorial do trabalho, mas ao discutir a diversidade regional do Brasil reiteram as unidades macrorregionais hoje existentes, sob a alegação de
que os dados disponíveis somente existem para tais unidades (mesmo
quando se voltam para unidades intraestaduais, o que prevalece são as
Meso e Microrregiões homogêneas – um conceito de região oriundo
da “Escola Francesa”, marcadamente fisiográfico).
HARVEY, D. Modelos da evolução dos padrões espaciais na geografia humana. In:
. Explanation in geography. London:
Edward Arnold Ltda., 1969.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2000. Rio de Janeiro: 2000.
LAVINAS, L.; CARLEIAL, L.; NABUCO, M. (Orgs.). Reestruturação do espaço urbano e regional no Brasil. São Paulo: Hucitec/
Anpur/Annablume, 1993.
3. Como ocorria quando se desejava, por exemplo, criar algum tipo de
indicador de saúde, porque as unidades de saúde possuíam uma área
que não correspondia à dos distritos censitários, ou seja, não era possível o estabelecimento de um denominador.
LLOYD, P.; DICKEN, P. Location in space: a theoritical approach to
economic geography. New York: Harper and Row Publishers Inc.;
1972.
4. Ver informações no site do CEM: <www.centrodametropole.org.br>.
5. O IBGE teve papel fundamental no processo de digitalização e correção das bases dos setores censitários de 1996 e 2000, pois possibilitou o acesso aos arquivos de mapas em papel dos setores de 1996 e
forneceu a base digital da malha de setores censitários de 2000, assim
como de seu banco de dados.
SOUZA, G.C. As populações nos estudos e relatórios de impacto ambiental. Ou, da demografia dos grandes números à demografia dos
pequenos números. In: XII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Anais... Caxambu, 2000.
TORRES, H.G.; SOUZA, G.C. Primary education and residential
segregation in the municipality of São Paulo – a study using
geographic information systems. International Seminar on
Segregation in the City, Lincoln Institute of Land Policy,
Cambridge, MA, 2001.
6. Aplicativo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE
<www.inpe.dpi.br>.
7. Os primeiros estudos avaliando a situação ambiental das porções
mais pobres do Município de São Paulo já começaram, com o cruzamento dos dados da condição socioeconômica dos setores censitários,
das favelas mapeadas pelo CEM e dos loteamentos irregulares
digitalizados pelo Ressolo, com os dados do mapa de suscetibilidade
do Projeto Gaia.
TORRES, H. G. Social policies for the urban poor: the role of population
information systems. Mexico city: UNFPA Country Support Team
for Latin America and Caribbean. Working Papers Series, n.24,
2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA: Sociólogo e Geógrafo,
chefe da Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais da Fundação Seade, Professor do Departamento de Geografia da PUC-SP
([email protected]).
CHOLEY, R. Modelos integrados em geografia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. Universidade de São
Paulo, 1974.
HAROLDO DA GAMA TORRES: Demógrafo, Coordenador do Núcleo de
Geoprocessamento e Informações do Centro de Estudos da Metrópole,
Consultor da Fundação Seade ([email protected]).
FUNDAÇÃO SEADE. Sistema Estadual de Análise de Dados. Mapa
dos óbitos no município de São Paulo, segundo as causas. Dados
acumulados para os anos de 1998, 1999 e 2000. São Paulo: 2001.
44
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 45-54, 2003
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS
retratos de diferentes épocas
OSVALDO GUIZZARDI FILHO
ZILDA PEREIRA DA SILVA
ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY
Resumo: As estatísticas, como forma de tradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, e os anuários,
enquanto instrumentos para sua disseminação, são hoje de utilização corriqueira, sendo que muitos desconhecem o longo caminho percorrido para que se chegasse até eles. Este artigo discute a relação entre estatística,
informação e conhecimento e apresenta um breve histórico da produção das estatísticas e dos anuários, em
particular, do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, desde sua criação, passando pelas transformações
que sofreu, até seu formato atual.
Palavras-chave: anuários estatísticos; informações estatísticas; disseminação.
Abstract: Statistics, as a translation of phenomena under study, and almanacs, as instruments for their
dissemination, are today widely used, although many are unaware of the long process involved in their
preparation. This article discusses the relationship between statistics, information and knowledge, and presents
a brief history of the production of statistics and almanacs, particularly the Statistical Almanac of the State of
São Paulo, tracing it back from its beginnings, through its many transformation, and up to its current format.
Key words: statistical almanacs; statistical information; dissemination.
T
odo pesquisador acostumado a utilizar informações estatísticas, certamente, tem como primeira referência para seus levantamentos uma
publicação: os anuários estatísticos. Com informações sobre
um tema ou um determinado espaço geográfico, eles são,
sem dúvida, os meios de divulgação mais tradicionais das
agências produtoras de estatísticas, apresentando coletâneas
de dados em tabelas, gráficos e mapas que facilitam em
muito o trabalho dos pesquisadores, principalmente
daqueles que se iniciam na utilização dos números como
representação do mundo. As estatísticas, como forma de
tradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, e
os anuários, enquanto instrumentos para sua disseminação,
são hoje de utilização corriqueira, e muitos desconhecem
o longo caminho percorrido para que se chegasse até eles.
É tal caminho que este artigo pretende explorar, com um
olhar especial para o Anuário Estatístico do Estado de São
Paulo.
ESTATÍSTICA, INFORMAÇÃO E
CONHECIMENTO
A informação pode ser definida como o insumo fundamental do conhecimento. O homem, ao longo de sua vida,
com base nas informações que recebe em seu dia-a-dia,
apoiado na experiência das gerações que o precederam e
que lhe é transmitida na convivência cotidiana com a família, a escola, o trabalho, constrói algo absolutamente
seu, individual – o conhecimento –, que lhe permite agir e
transformar, de alguma forma, as condições que o rodeiam.
A informação, de acordo com Barreto (1994:3), “quando
adequadamente assimilada, produz conhecimento, modifica o estoque mental de informações do indivíduo e traz
benefícios ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento
da sociedade em que ele vive. Assim, como agente mediador na produção do conhecimento, a informação qualifica-se, em forma e substância, como estruturas significantes
45
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
com a competência de gerar conhecimento para o indivíduo e seu grupo.”
Depois da invenção da imprensa por Gutemberg, no
século XV, e com o progresso técnico observado desde
então, o registro e a circulação do conhecimento produzido sobre as mais diferentes áreas cresceram exponencialmente. Numa espécie de espiral que vai continuamente se ampliando, um número crescente de pessoas tem
acesso a cada vez mais informações, o que resulta na criação de novo conhecimento: é o que Wersig (1993:231)
chama de despersonalização do conhecimento, fruto do
desenvolvimento das tecnologias de comunicação.
Nos tempos recentes, com as novas tecnologias de comunicação e informação, com a capacidade que possui o
homem de acessar e processar um volume sempre crescente de informações, existem condições para que o conhecimento possa ser incrementado de forma cada vez mais
acelerada. Esta expansão quase que ilimitada na oferta de
informações, que chega a todos de maneira incessante pelos
mais diferentes meios, coloca uma questão, já que a produção do conhecimento não está diretamente associada à
quantidade de informação disponível. É preciso que se selecionem, neste manancial, aquelas informações verdadeiramente relevantes para o trabalho que se realiza. Conforme afirma Sfez (1996:6), “todos os pesquisadores
sabem: a coleta de documentos não é senão uma etapa
embrionária do trabalho de organização que se lhe segue.
A organização, sim, pode dar acesso a um determinado
conhecimento sobre o assunto”.
Com todas estas transformações, a informação e o conhecimento que dela resulta passaram a ser recursos preciosos para o desenvolvimento de indivíduos, organizações e nações, demarcando suas possibilidades de inserção
num mundo cada vez mais competitivo. A expressão “economia baseada no conhecimento” é bastante utilizada hoje
para identificar aqueles que se aproveitam do desenvolvimento do conhecimento, da ciência e da tecnologia, resultados que dependem do valor e da qualidade de investimentos realizados em áreas estratégicas como educação
e pesquisa e desenvolvimento.
No processo de geração do conhecimento, as estatísticas
são um tipo muito especial de informação, pois elaboradas
em centros especializados, buscam representar, através de
números, aspectos do mundo que se quer conhecer: a população por sexo e grau de instrução; o número de empresas; a
produção e o pessoal ocupado em determinados setores da
economia; os alunos matriculados por faixa etária num nível
de ensino; a renda de uma determinada região; etc. Através
destas representações, que traduzem em números realidades
complexas, compostas por quantidades enormes de indivíduos,1 governos, empresas, cientistas sociais, sindicatos e organizações não-governamentais podem planejar e controlar
suas atividades, ou conhecer aspectos determinados da vida
em sociedade que são objeto de sua atenção. A produção
destas sínteses só é possível, no entanto, se, em algum momento, for realizado um contato direto com os indivíduos
que compõem os grupos que se quer estudar, sejam eles, por
exemplo, a população, sejam empresas que atuam numa determinada atividade, operação esta que é realizada pelas organizações produtoras de estatística através de suas pesquisas e levantamentos.
Produção de Estatísticas: Breve História
O termo estatística tem sua origem no alemão Statistik
e foi utilizado pela primeira vez pelo professor Gottfried
Achenwall, em 1749 (Senra, 1998:10). De acordo com este
autor, a estatística “era, a essa época, considerada como a
ciência do Estado ou como a ciência que se referia ao
Estado. Mais precisamente, referia-se aos acontecimentos tidos como memoráveis ao entendimento de um Estado, descrevendo-se seu território e sua população, compondo assim referências a amparar a ação de seus
dirigentes. Inventariando os recursos e as forças de um
Estado, oferecia-se em documentos como espelho do príncipe, tomando-se o príncipe como a própria encarnação
do Estado. Semelhante aos trabalhos dos geógrafos e historiadores, nesses documentos os números não são predominantes, seja por não estarem sistematicamente disponíveis, seja também por não serem considerados
essenciais a uma boa explanação, o que significa dizer que,
ao tempo que chamaríamos de sua proto-história, as estatísticas não estavam necessariamente associadas aos números, sendo não raro descritivas e mesmo algo literárias”.
Os números só passaram a ser identificados com a produção de estatísticas com o incremento do comércio e o
papel cada vez mais ativo dos Estados no controle da produção e da circulação de mercadorias, que colocaram a
necessidade de se dispor de informações para o controle
dos processos econômicos e sociais associados à geração
da riqueza. Aquelas que são consideradas as primeiras
pesquisas estatísticas foram realizadas no século XVII, na
Inglaterra, tomando como base os registros de nascimentos e mortes. O primeiro Departamento de Estatísticas
Oficiais foi criado em 1695, também na Inglaterra, para
contabilizar as quantidades e os valores das mercadorias
46
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS
comercializadas (Porcaro, 2000:70-71). Nestes primórdios
e durante muito tempo ainda, a fonte primeira das estatísticas eram os chamados registros administrativos, mantidos por empresas, para o controle de seus negócios, e por
governos, para monitorar a população ou a arrecadação
de impostos. Até hoje, o registro civil constitui importante fonte para o acompanhamento do crescimento vegetativo
da população, ou de suas causas de morte.
A partir da segunda metade do século XIX, ocorreu a
criação de uma série de organismos produtores de estatísticas, se bem que nem sempre suas existências tenham
sido longas. No Brasil, ainda no Império, em 1871, foi
instituída a Diretoria Geral de Estatística, antecessora da
atual Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, criada em 1936 com o nome de Instituto
Nacional de Estatística. Logo no ano seguinte, em 1872,
realizou-se o primeiro censo demográfico brasileiro
(Guizzardi Filho; Conti, 2001:45). No Estado de São
Paulo, a Repartição de Estatística e Arquivo, predecessora
da Fundação Seade, iniciou suas atividades em 1892. Em
1894, o diretor da Repartição apresentou ao secretário dos
Negócios do Interior o Relatorio do Anno de 1893,
considerado o primeiro Anuário Estatístico do Estado. Este
trabalho trazia, entre outras informações, o movimento de
entrada e saída de imigrantes, o número de nascimentos e
óbitos, o movimento dos hospitais e casas de saúde, o
movimento das bibliotecas e a população da capital por cor,
sexo e estado civil. Sua introdução informa a apuração de
“milhares de mappas da população da ex-provincia de S.
Paulo, nos tempos coloniaes, desde meiado do seculo passado até a epoca da nossa independencia”, além da realização,
em 1893, de um “recenseamento da população, casas e ruas
da capital, que mostrasse com alguma exactidão não sómente
o total dos seus habitantes, como também a sua densidade
nos diversos bairros e freguesias”. Este recenseamento foi
realizado em período de estado de sítio, declarado em razão
de ter-se iniciado, em 6 de setembro de 1893, uma revolta de
parte da marinha brasileira. Estão enunciadas nesta introdução
duas das atribuições básicas de um organismo de estatísticas:
a pesquisa e a organização da informação.
No que diz respeito à produção da informação, os
registros administrativos foram sendo substituídos pelas
pesquisas primárias como principal fonte de dados das
organizações nacionais de estatísticas. Estas pesquisas ganharam impulso acentuado com o desenvolvimento das
técnicas de amostragem, permitindo a coleta de dados em
menores períodos de tempo, com custos também inferiores.
Estes avanços ocorreram principalmente depois da Se-
gunda Guerra Mundial, quando o planejamento deixou de
ser visto como técnica exclusiva dos países do bloco
socialista, impondo-se, num primeiro momento, como
necessidade para a reconstrução das economias atingidas
por aquele conflito. Nos anos que se seguiram, a prática
do planejamento disseminou-se, assim como a demanda
por informações que o tornassem possível, o que criou as
condições para a afirmação das organizações produtoras
de estatísticas e a ampliação de seus quadros técnicos e
do espectro de pesquisas a que se dedicavam.
Ao longo deste caminho, foram criadas instituições de
pesquisa especializadas em todos os processos associados
à produção e à disseminação de informações, os quais
pressupõem um trabalho permanente de organização. Estes
processos desenvolvem-se, permanentemente, através da
interação entre as organizações e os pesquisadores que se
dedicam a esta produção, intercambiando informações e
formando quadros com um tipo de conhecimento bastante
específico, dificilmente encontrado em outros tipos de
organização, o que é característico dos centros especializados em pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento.
ORGANIZAÇÃO, PRODUÇÃO E
DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO
A decisão sobre a produção de informações estatísticas não resulta de um processo linear, totalmente técnico.
Ela é o efeito de interações, conflitos e interesses que se
manifestam ao longo de uma cadeia de relações que envolvem todos os agentes associados direta ou indiretamente
a esta produção, como os governos que a financiam, as
instituições e pessoas que demandam os dados e os pesquisadores das mais diversas formações envolvidos nos
levantamentos. Ela pode ter seu início quando um determinado agente desta cadeia de relações manifesta a necessidade do conhecimento de certos aspectos da vida
econômica e social, ou quando a própria instituição se
antecipa a esta demanda, ao perceber a emergência de alguns eventos cujas dimensões precisam ser mais bem conhecidas. Numa relação que se torna cada vez mais extremamente dinâmica, os centros de produção de estatísticas
são instados a produzir informações sobre questões sempre novas, que vão resultando das transformações permanentes por que passa a sociedade. Decididas quais delas
serão objeto de estudo, parte-se para a definição de uma
série de procedimentos, como a demarcação da população que será objeto da pesquisa, o tipo de levantamento
que será realizado – censitário ou amostral –, a definição
47
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
das categorias em que serão classificados os indivíduos
pesquisados e a conceituação das características ou resultados que serão levantados. Hoje, já existe extensa bibliografia originada em centros de pesquisa de atuação
internacional voltada para a disseminação destas classificações e conceitos, de modo que se disponha de estatísticas comparáveis no tempo e no espaço. Porém, sempre é
necessário um trabalho de adequação destas classificações
e conceitos às diferentes realidades locais. Um exemplo
deste trabalho é aquele realizado pelo IBGE, através da
Comissão Nacional de Classificação – Concla, para a produção da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, baseada na International Standard Industrial Classification of All Economic Activities – ISIC, 3a
revisão, das Nações Unidas, que teve sua primeira versão
divulgada no final de 1994. Este trabalho acabou por ter
desdobramentos, com a criação da CNAE – Fiscal, que
hoje já está sendo utilizada por uma série de órgãos das
três esferas de governo para a identificação das instituições que constam de seus cadastros, unificação que abre
perspectivas bastante promissoras para a produção de estatísticas a partir dos registros mantidos por estes órgãos.
A clareza nestas definições é fundamental, sendo necessária sua disseminação entre as equipes que vão aplicar a pesquisa em campo, normalmente compostas por indivíduos das mais diferentes formações e experiências.
Elas precisam ser compreensíveis também para os que vão
responder aos levantamentos, sem o que será muito difícil a produção de resultados que possam ser agregados e
comparados, bem como para os que vão utilizar as informações coletadas: os recortes feitos, as limitações dos
dados em razão destes recortes e as mudanças por que eles
passam ao longo do tempo precisam ser explicitados, para
que os usuários não cheguem a conclusões equivocadas a
partir das informações consultadas – efeito inverso ao que
seria esperado delas, que é a produção de conhecimento.
Recebidos estes resultados e verificada sua qualidade,
tem início um processo que, para Latour (2000), corresponde à elaboração de inscrições sucessivas, que vão refinando os primeiros números coletados e extraindo deles
as informações. A partir, por exemplo, da idade ou do nível
de ensino informados pelas pessoas no censo demográfico,
da receita e do pessoal ocupado das empresas que responderam uma pesquisa econômica, das doenças que levaram
pacientes à internação e que são registradas nos hospitais,
são delimitados conjuntos que, expressos em números,
fornecerão as informações necessárias ao trabalho dos
diferentes analistas.
Afirmou-se, anteriormente, que os registros administrativos foram sendo abandonados como fonte de informações estatísticas, à medida que se desenvolveram as
pesquisas primárias. Este abandono, no entanto, não foi
total. Continua-se levantando apontamentos feitos pelos
mais diferentes tipos de organizações, e que podem fornecer informações importantes sobre um número abrangente de áreas de estudo, tendo papel significativo para o
conhecimento do que ocorre nos municípios, principalmente no que diz respeito à economia, já que, desde 1985,
o IBGE não realiza mais os censos industriais, comerciais
e de serviços. Estes registros são também importantes para
a definição e o acompanhamento da realização de políticas públicas em áreas estratégicas como saúde, educação
e saneamento básico.
A geração de estatísticas a partir destes registros, que
não foram elaborados originalmente com este fim, exige
a implantação de uma série de procedimentos. O primeiro
deles refere-se ao estabelecimento das relações institucionais que garantirão o fornecimento regular dos dados,
o que exige a construção de uma relação de confiança entre
as partes, garantindo a manutenção do fluxo de informações e de sua qualidade. Normalmente, nas verificações
dos dados recebidos que as organizações produtoras de
estatísticas realizam, constatam-se inconsistências que são
reportadas às fontes, exigindo, muitas vezes, checagens
das informações que não seriam necessárias caso seu uso
se limitasse aos fins para os quais elas foram elaboradas.
Estes processos, freqüentemente, ocorrem mais de uma
vez, demandando a alocação de recursos humanos e materiais que, na maioria das vezes, são escassos e não foram previstos para a produção de informações estatísticas. Há que se tecer neste trabalho, necessariamente,
relações institucionais em que se evidencie a importância
das informações que dele resultam, e que vão servir a um
número muito mais amplo de usuários do que os normalmente previstos quando se estabeleceu a necessidade da
elaboração daqueles registros.
Levantados os dados oriundos das pesquisas e dos registros administrativos, uma outra tarefa se impõe: sua
organização em bases que possibilitem o processamento
das inscrições de ordens sucessivas referidas anteriormente, e sua disseminação, objetivo que deve basear as ações
de instituições que trabalham com a produção de informações e que vai muito além do tornar disponíveis os
dados. Para que esta disseminação tenha sucesso, é preciso que se considerem as diferenças de grupos de origem,
de formação e de conhecimento existentes entre os usuá-
48
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS
rios que utilizam as informações, o que vai requerer esforços para a definição de produtos diferenciados para o
atendimento das demandas destes grupos. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação estabeleceu um novo patamar para a formulação destas demandas e para as possibilidades de respostas que a elas
podem ser dadas. Dispõe-se agora de recursos e ferramentas para a disseminação, como a Internet e bases de dados
em CDs, que colocam possibilidades quase ilimitadas de
acesso e utilização das informações. Existem também instrumentos para seu armazenamento e processamento que
fornecem aos usuários um grau de liberdade para o manuseio dos dados inimaginável até bem pouco tempo, o que
contribui para que estes realizem exigências de informações também difíceis de se prever há alguns anos.
Ao longo da história das instituições produtoras de estatística, os anuários são uma da formas que expressam
sua organização para a geração, armazenamento e disseminação de informações. São também um retrato de diferentes épocas, com suas distintas maneiras de enxergar e
categorizar o mundo, que são expressas pelas estatísticas.
departamento foi extinto pela Lei no 185, de 13 de novembro de 1948, cujo artigo 42 autorizou o governo estadual
a contratar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para a apuração dos dados estatísticos que interessassem ao Estado.
Em 1953, quando o órgão estadual foi reinstalado, com
o nome de Departamento de Estatística do Estado – denominação que se manteria até 1978, ano de criação da Fundação Seade –, editou-se o anuário de 1950. Em sua introdução, chamada de “Nota Prévia”, este anuário informa:
“desconhecidos que ficaram desde 1946 os resultados dos
levantamentos efetuados, devido à interrupção das atividades do nosso Departamento de 1948 a 1950, preocupou-nos agora a apresentação do maior repertório possível de informações relativas aos 369 municípios, por
considerarmos que o balanço numérico dessas células deve
ser focalizado com minuciosidades tais, que possibilitem
as comparações da situação de cada uma delas em relação às demais” (Departamento de Estatística do Estado,
1950: vii).
A publicação voltou a ser interrompida entre 1952 e
1954, sendo novamente impressa entre 1955 e 1963 e no
período 1966-1973. A edição seguinte, de 1979, já foi
produzida pela Fundação Seade.
O primeiro Anuário Estatístico do Brasil, dividido em
três volumes, teve sua publicação iniciada em 1916, com
dados referentes ao período 1908-12. Foi elaborado pela
Diretoria Geral de Estatística, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. A série foi
suspensa de 1913 a 1935, retornando o anuário com informações para 1936, já sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística que, em janeiro de 1938, passou a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Para que se tenha uma idéia da importância
que tinha o anuário como instrumento de divulgação das
informações produzidas, logo na segunda página desta
edição consta uma cópia do artigo 17, do Decreto no 24.609
de 6 de julho de 1934, que criou o instituto e que determinava: “Como obrigação essencial do Instituto e sob a responsabilidade direta da Diretoria de Estatística Geral e,
solidariamente, da Junta Executiva, fica assentada, de
modo expresso, a da publicação regular e uniforme da série
dos anuários estatísticos do Brasil”.
Embora hoje, com o desenvolvimento das tecnologias
de informação e comunicação, que potencializaram em
muito as possibilidades de disseminação das informações,
os anuários tenham perdido importância como ferramenta para este fim, eles continuam a ter relevância por uma
OS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS
Os anuários podem ser considerados o produto de disseminação mais tradicional das organizações produtoras
de estatísticas, pensados para fornecer ao público uma
seleção da ampla variedade de informações que elas, o
tempo todo, coletam, processam e analisam.
Segundo Senra (1997:1), existem referências sobre a
edição de anuários estatísticos já nos séculos XVII e XVIII,
quando as estatísticas ainda eram encaradas como segredos de Estado. Mas é a partir do século XIX, sob a égide
do liberalismo e com a afirmação da ciência como instrumento privilegiado para o conhecimento do mundo, que a
produção de estatísticas cresce significativamente, expansão acompanhada pela divulgação ampla dos dados em
publicações cada vez mais parecidas com os atuais anuários. Já foi feita referência, neste artigo, ao relatório apresentado em 1894, pela Repartição de Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo, para o secretário dos Negócios
do Interior, considerado o precursor dos anuários estatísticos paulistas. Aquela repartição os publicou até o ano
de 1929, quando a série foi interrompida. O Anuário Estatístico do Estado de São Paulo voltou a ser impresso
em 1940, sob a responsabilidade do Departamento Estadual de Estatística, criado em 1938, que os produziu até
1947, quando a publicação foi novamente suspensa: o
49
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
série de razões. Como já foi dito, eles sintetizam a produção das organizações de estatística, servindo como preciosa obra de referência para os pesquisadores, principalmente quando existe a preocupação dos que elaboram os
anuários de orientar os leitores, indicando quais são as outras possibilidades de obtenção de informações de que eles
podem dispor, e que não estão cobertas pelos anuários,
em função de seus papéis de síntese de uma produção.
Como afirma Senra (1997: 2), os anuários servem como
um guia, um “catálogo não apenas do conjunto selecionado de informações estatísticas nele divulgadas, mas antes
de todo o sistema estatístico que lhe é subjacente, conforme visto anteriormente. Para tanto será preciso que o anuário seja equilibradamente organizado, a um só tempo explicando a lógica de seu conteúdo, reportando-se ao seu
todo maior, bem como explicando as razões das ausências praticadas, que se há de crer conscientes, antes que
inconscientes”.
Os anuários exercem também um papel importante
como documentos reveladores das mudanças que ocorrem
nas organizações de estatísticas ao longo do tempo, do
ponto de vista da riqueza e da organização de sua produção e da preocupação em fornecer aos pesquisadores os
elementos necessários para que eles se situem entre a enorme quantidade de dados divulgados, extraindo deles as
informações de que necessitam. Exercem ainda um outro
papel, talvez mais significativo que o anterior, ao fornecer pistas para o conhecimento das modificações por que
passa a sociedade ao longo do tempo do ponto de vista de
sua organização e de suas dinâmicas econômica e social,
e das maneiras utilizadas para recortá-la, categorizá-la –
para compreendê-la, enfim –, que são produtos destes diferentes momentos.
No Annuario Estatistico de São Paulo de 1902, por
exemplo, os eleitores são classificados de acordo com as
seguintes profissões: agricultores, artistas, clérigos, comerciantes, empregados públicos, industriais, jornalistas, letrados, militares e operários. Observados os números referentes aos casamentos, fica-se sabendo que, aos cônjuges,
poderiam ser associados dois estados civis anteriores ao
enlace: solteiro ou viúvo. A produção era classificada em
três grandes grupos: agrícola, extrativa e zootécnica, sendo que a agrícola era detalhada nos seguintes produtos:
aguardente, algodão, arroz, açúcar, café, feijão, milho,
tabaco e vinho. No porto de Santos carregavam e descarregavam mercadorias de dois tipos de embarcações: vapores e navios à vela. Já os municípios eram financiados
por receitas como o imposto de indústrias e profissões, o
imposto sobre café saído do município, as rendas do cemitério, do matadouro e do mercado.
O ANUÁRIO ESTATÍSTICO A PARTIR DA
CRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO SEADE
Conforme colocado anteriormente, as transformações
por que passam os anuários revelam as potencialidades e
limitações dos sistemas estatísticos que estão sendo sintetizados. Isso está claramente refletido nas diversas fases da história do Anuário Estatístico do Estado de São
Paulo, das quais destaca-se, a seguir, aquela ocorrida após
a criação da Fundação Seade.
Com sua edição interrompida em 1973, foi só a partir
da criação da Fundação, em dezembro de 1978, que o
Anuário Estatístico voltou a ser produzido de forma regular e ininterrupta até os dias de hoje.
O Anuário 1979 teve o mérito de preencher a lacuna
existente na divulgação das estatísticas relevantes sobre
o Estado, com apresentação de séries históricas para recuperar informações do período em que ficou sem ser
editado. Nessa edição, ampliaram-se de forma significativa os assuntos abordados até então, substituindo a organização por temas abrangentes do Anuário 1973 (situação econômica, social, cultural e administrativa e política)
por um enfoque setorial. Os dados foram organizados em
20 capítulos temáticos: Brasil e Estado de São Paulo –
Indicadores Comparados, Caracterização do Território,
Contabilidade Social, Demografia, Saúde, Saneamento,
Emprego, Educação, Cultos Religiosos, Justiça e Segurança, Agropecuária, Indústria, Construção Civil, Comércio e Serviços, Comércio Exterior, Mercado Financeiro,
Transportes e Comunicações e Energia, Preços, Finanças
Públicas e Renda.
O leque de temas cobertos por um anuário reflete o
conhecimento de determinada realidade, como já foi abordado anteriormente: ao longo do tempo, algumas áreas
perdem relevância, enquanto novas surgem ou ganham
outro significado. No Anuário de 1973, havia um capítulo intitulado Silvicultura, que deixou de ser publicado e
que continha, entre outros, dados agrupados no tema Abate
de Árvores, com números da produção de lenha, madeira
e carvão. Parte desses dados foi incorporada, como seção, ao atual capítulo Agricultura, que abrange um conjunto mais amplo de áreas do setor primário da economia,
como produção da terra, produção vegetal e produção animal. Por outro lado, na década de 90, foi incorporado o
capítulo Meio Ambiente, abordando aspectos geográficos
50
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS
relevantes do ponto de vista da qualidade ambiental e da
atuação da administração pública para disciplinar as diversas formas de intervenção no meio físico, com dados,
por exemplo, de processos de Estudos e Relatórios de
Impacto Ambiental (EIA/Rima).
Ao longo desses últimos 24 anos, a maior parte do conjunto de temas abordados no Anuário de São Paulo manteve-se constante. Foram introduzidos novos capítulos e
informações e retirados dos outros poucos, o que, na maioria das vezes, deveu-se à falta de dados por perda de importância da temática, como cultos religiosos, ou à dificuldade de acesso às informações, decorrentes, por
exemplo, da concessão ao setor privado dos serviços de
transportes, energia e comunicações. No caso particular
de energia e comunicações, isso se refletiu na ausência de
informações municipais.2
Assim, o último Anuário Estatístico divulgado (2001)
está organizado nos seguintes capítulos: Caracterização
do Território; Demografia; Saúde; Saneamento; Meio Ambiente; Habitação; Educação; Cultura; Justiça e Segurança;
Previdência; Emprego; Contas Nacionais/Regionais; Agricultura; Indústria; Comércio; Energia; Transportes; Sistema Financeiro; Comércio Exterior e Finanças Públicas.
O primeiro Anuário publicado após a criação da Fundação Seade apresentava também um formato editorial muito
diverso do que ele tem hoje. Foi a partir da edição de 1980
que começou a tomar corpo o formato atual, com a definição de um padrão editorial e gráfico que, na sua essência,
perdura até agora. Nessa edição, foram incorporados textos introdutórios geral e específicos de cada capítulo, com
apresentação sobre o conteúdo e a organização dos capítulos, além de alguns conceitos e notas metodológicas. A apresentação tabular foi redefinida, a partir da criação de um
padrão baseado nas normas do IBGE, e o item Convenções
e Critérios Utilizados foi ampliado, fornecendo informações mais claras para auxílio aos usuários.
Nos anos 80, o Anuário ocupava a posição de publicação mais importante da Fundação Seade e era o principal
meio de disseminação das informações sobre o Estado.
Visando seu aperfeiçoamento, iniciou-se, em 1988, um
processo de avaliação que seria retomado no começo dos
anos 90, revertendo no aprimoramento das edições de
1991, 1992 e 1993.
um novo projeto para o Anuário. Como resultado deste
trabalho, produziu-se um exaustivo diagnóstico, que propôs diversas sugestões gerais e específicas para cada capítulo, que poderiam ser implementadas em curto e médio prazos, compreendendo: organização geral do Anuário;
adoção da nova organização político-administrativa na
apresentação dos dados; medidas orientadoras sobre concepção geral, estrutura e conteúdo dos capítulos; ampliação de conteúdos; coleta dos dados; etapas de produção;
fortalecimento das relações institucionais com as fontes
primárias; e ampliação das ações de divulgação do Anuário (Fundação Seade, 1988).
No relatório sobre a Elaboração de Novo Projeto do
Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, em 1988,
ressaltava-se também a importância de manter um grupo
de trabalho interdisciplinar, para acompanhar a implantação de propostas, a reavaliação permanente da publicação e dar continuidade ao trabalho apresentado.
Novas reformulações ocorreram na edição de 1991: foi
realizada uma revisão ampla de conteúdo dos capítulos
existentes – que resultou na agregação de indicadores e
publicação de séries históricas –; incluíram-se novos capítulos (Contas Regionais, Comércio Exterior e Previdência Social, este último retomando a publicação de capítulo que integrou apenas o Anuário 1980); e alterou-se a
forma de agregação dos dados para Regiões Administrativas e Regiões de Governo – até o Anuário anterior, na
maior parte dos capítulos, as tabelas eram publicadas por
RA e seus respectivos municípios-sede.
Na edição de 1992 do Anuário, além da ampliação de
conteúdo, com a incorporação de informações sobre a
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED e a introdução de dois novos capítulos (Meio Ambiente e Sistema
Financeiro) foram incluídas, em cada capítulo, notas metodológicas e definições de conceitos, com o objetivo de
fornecer aos usuários informações sobre as potencialidades
e as possíveis restrições dos dados divulgados, que demandassem conhecimentos especializados, ou quando
ocorressem modificações metodológicas que pudessem influir na comparabilidade das séries históricas.
No período 1993-94, foi criado um novo grupo de trabalho com a incumbência de avaliar e coordenar a elaboração do Anuário. Nessa época, estava sendo desenvolvida, na Fundação Seade, uma pesquisa sobre o Perfil do
Usuário, em que o Anuário foi citado como o produto mais
conhecido. A partir desta constatação, o GT Anuário demandou a realização de uma avaliação da publicação, para
identificar o perfil do seu usuário e as expectativas com
Avaliações Realizadas e seus Resultados
Em 1988, foi criado um grupo que envolveu técnicos
de diversas áreas da Fundação, com objetivo de elaborar
51
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
relação à publicação. A avaliação foi feita3 a partir de
entrevistas em profundidade (pesquisa qualitativa), com
técnicos envolvidos na elaboração da publicação e usuários dos setores público e privado, e por meio de questionários com perguntas fechadas (pesquisa quantitativa)
aplicados no atendimento direto ao público e via encarte
distribuído com o Anuário 1992.
Vale destacar alguns resultados deste levantamento.
Na caracterização das empresas onde atuam os usuários,
observou-se que, apesar da diversidade, as áreas de
atuação e responsabilidade dos setores ou projetos nos
quais se encontravam os entrevistados variavam em torno de objetivos comuns. Notou-se predomínio das áreas
de sistematização e análise de dados econômicos,
seguidas por aquelas ligadas a projetos de planejamento
urbano municipal e regional, além daquelas responsáveis
por centros de informação, dados e referências bibliográficas.
A maioria dos entrevistados conheceu a publicação no
ambiente de trabalho, vinculando-a à atividade profissional e referindo-se à mesma como instrumento de trabalho. Eram antigos usuários do Anuário, e, assim demonstravam familiaridade e fidelidade ao produto. Em relação
ao tipo de informações utilizadas, as mais citadas foram
as dos capítulos de Demografia e Finanças Públicas, seguindo-se as de Saúde, Educação e Indústria e Emprego
(Fundação Seade, 1994).
A pesquisa forneceu subsídios importantes que, somados à avaliação feita pelo GT, resultaram em algumas inovações que foram implantadas no Anuário 1993, das quais
destacam-se aquelas de natureza documental, com o objetivo de dar maior acessibilidade ao seu conteúdo, como
o novo padrão editorial, a re-introdução de índice de assuntos e, a mais importante, a substituição dos textos
introdutórios, com caráter de apresentação de conteúdo e
de esclarecimentos metodológicos, por textos analíticos.
As notas metodológicas também foram adensadas, apresentando maior detalhamento, e passaram a constituir um
novo capítulo, agrupando todos os temas.
Em particular, este primeiro teve sua composição feita
em linotipo – o que significava montar as matrizes das
tabelas, caracter por caracter – na gráfica da Fundação,
processo que foi realizado externamente no período
1980-84. Em 1985, o Seade retomou a etapa de composição, usando tecnologia mais moderna – as máquinas Forma Composer. Em 1988, com a ampliação dos
recursos da microinformática (equipamentos e softwares),
passou-se a utilizar o software de editoração eletrônica Pagemaker na diagramação do Anuário 1987, o que
agilizou a etapa de finalização da publicação, com a
eliminação da diagramação feita à mão. 4
A introdução dos equipamentos de microinformática
na Fundação teve impacto em todas as etapas de produção do Anuário 1987: o processo de elaboração foi inteiramente informatizado, desde o tratamento estatístico dispensado aos dados e variáveis primárias, passando pela
substituição das tabelas e gráficos manuscritos, até a edição final do volume. Até 1986, a produção do Anuário,
com elaboração manual das tabelas e composição mecânica, envolvia uma fase de conferências de sucessivas provas até obter-se a versão final, trabalho que demandava
tempo e equipe consideráveis. Esse novo processo avançou em 1993, com a instalação da rede de informática,
quando passou-se a produzir o Anuário integralmente em
ambiente de rede, o que permitiu maior agilidade e qualidade no seu processo de elaboração.
Nesse mesmo ano, visando fornecer uma nova forma
de acesso aos dados, foi elaborada a primeira versão eletrônica (em DOS) para consulta interna dos usuários e,
em 1995, foi produzida a primeira versão do Anuário
(1994) em ambiente Windows, disponível ao público em
geral. Seguindo a política de comunicação/disseminação
adotada pela Fundação Seade, com a criação do seu site,5
inaugurou-se a fase do Anuário na Internet, em 1996,
disponibilizando todas as edições a partir da de 1994. Até
o Anuário de 1998, foram mantidas as versões impressas
e na Internet. Porém, as edições de 1999 a 2001 foram
disponibilizadas apenas na Internet.
Com a multiplicação das linhas de trabalho da Fundação e a ampliação das formas de disseminação – especialmente a partir dos recursos introduzidos pela Internet –,
de forma mais intensa na segunda metade da década de
90, o Anuário deixou de ser o principal meio de divulgação dos dados produzidos pela instituição. Isto resultou
em restrição para implementar a proposta de constante
avaliação desse produto, restringindo-se, na maioria das
vezes, à avaliação dos meios de disseminação, o que, in-
Diversas Versões Produzidas desde 1979 e a
Situação Hoje: versão apenas na Internet
O Anuário, como principal publicação da Fundação
Seade nos anos 80, era o produto utilizado para introduzir as inovações tecnológicas do processo de produção. Desde o Anuário 1979, os trabalhos de diagramação, fotolito e impressão eram feitos na Fundação.
52
ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS
clusive, suscitou algumas discussões sobre a pertinência
da manutenção de uma edição impressa.
O Anuário Estatístico do Estado de São Paulo é o
produto mais tradicional da Fundação Seade. Sua elaboração sempre foi fruto de um grande esforço – característica presente na produção de todo e qualquer
Anuário, dada a magnitude da tarefa – e hoje envolve
cerca de 80 profissionais de diversas áreas produtoras
de informações, de informática e de artes e editoração
da instituição.
O esforço referido é o de procurar sintetizar um sistema, enquanto um conjunto amplo e constantemente em
expansão, de estatísticas entendidas como necessárias à
compreensão das mais diversas dimensões de uma determinada realidade em um certo espaço físico. As estatísticas expressam conhecimento sobre a sociedade de determinada época, daí a importância do Anuário como
documento, como registro concreto da história. Ele registra transformações de toda ordem no cotidiano dos
paulistas, como, por exemplo, na forma de viver e adoecer – o Anuário registrou a erradicação da poliomielite,
em 1989, e o primeiro caso de Aids no país, ocorrido no
Estado, em 1980 –, bem como a inauguração de um novo
meio de transporte, com o início da operação comercial
do metrô, em 1974 (registrado no Anuário de 1979).
Mesmo sendo instrumentos tradicionais, que ainda expressam uma forma de organização dos dados para a disseminação que pode ser considerada anacrônica, observados os recursos que as tecnologias de informação e
comunicação propiciam atualmente – tabelas, organizadas
de forma hierárquica por capítulos e seções –, os anuários
ainda têm uma função importante a cumprir, em razão dos
motivos expressos anteriormente. Torna-se necessário, no
entanto, que eles sejam submetidos a processos permanentes de avaliação, no que diz respeito tanto aos seus conteúdos quanto à incorporação dos recursos propiciados
pelas novas tecnologias, que estão o tempo todo passando por mudanças, e de outros que possam facilitar a navegação dos usuários pelo mar de dados que eles contêm,
sem perder sua característica principal, que é, como já colocado anteriormente, a de servir como síntese da produção das organizações de estatística. Estes recursos tecnológicos fornecem as condições, inclusive, para que sejam
elaboradas versões diferenciadas dos anuários, com conjuntos de dados e ferramentas para sua recuperação também diferenciados, indo da mais tradicional, que é a impressa, ao CD e à Internet, atendendo às demandas dos
mais diferentes tipos de usuários. Estas duas últimas mí-
dias não impõem as restrições que existem para a publicação impressa no que se refere ao volume de dados divulgados e ao seu manuseio, permitindo, por exemplo, a
inclusão de bases de dados municipais – demanda antiga
dos usuários –, cruzamento dos números divulgados para
a construção de indicadores e produção de gráficos e mapas
de forma interativa.
Não se pode perder de vista, no entanto, aquele que
deve ser o objetivo final dos anuários: fornecer um amplo
panorama das informações levantadas pelas instituições
produtoras de estatística, não cabendo a eles, em função
de sua periodicidade, abarcar todos os resultados desta
produção, que deve ir sendo colocada à disposição do
público assim que é finalizada, com o aproveitamento de
todos os meios para a disseminação que hoje estão disponíveis. Como alerta Senra (1997), essas possibilidades
abertas pelas novas tecnologias “exige um intenso pensar
e repensar da questão de conteúdo, estabelecendo com propriedade as aproximações e os afastamentos entre os anuários impresso e em meio magnético”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As imensas possibilidades oferecidas pela informática
e Internet na disseminação de dados e informações não
tornam, por si só, inexorável a substituição do documento
impresso pelo digital. Apesar dos reconhecidos ganhos na
utilização das novas tecnologias – agilizam a disseminação, eliminam distâncias, permitindo acesso a indivíduos
em diferentes localidades, facilitam o trabalho de pesquisadores –, não se deve restringir a publicação do Anuário
ao formato eletrônico, sob o risco de promover exclusão
ao desconsiderar que esse meio se limita à parcela da população que tem acesso a essas tecnologias. É necessário,
portanto, reconhecer que o livro ainda é a forma mais acessível para um número maior de indivíduos, além de assegurar um registro físico, e não apenas virtual, das informações, garantindo sua preservação ao longo do tempo.
Possibilitar a existência das duas formas “é almejar assegurar a indestrutibilidade do texto e de suas formas de
difusão, tendo a certeza de que, enquanto objetos culturais, o impresso e o digital indiciam aspectos das sociedades que os produziram (e produzem) e em que circularam
(ou circulam)” (Vidal, 2002).
É reconhecida a necessidade de permanente avaliação
do conteúdo e da forma dos anuários, para que eles possam expressar os movimentos no acervo de informações
e de transformações da sociedade. Senra (1997) chama
53
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
FUNDAÇÃO SEADE. Projeto de Avaliação do ANUESP: Sumário
Executivo. São Paulo, 1994. Mimeografado.
atenção para a necessidade de se captar junto à sociedade, com maior detalhamento possível, a dimensão política – representação dos objetivos específicos – que se deseja imprimir a um determinado anuário, traduzida na
seleção de variáveis que comporão o seu conteúdo. Feito
isso, há que se estar atento às evoluções de demandas dessa
sociedade, de modo que o anuário possa ser sempre útil,
em outras palavras, estar sempre afinado com sua dimensão política. Como o anuário é uma obra de interesse de
um público de amplo perfil, é de extrema utilidade o acompanhamento de como esse público, nos seus mais variados segmentos, recebe essa publicação, tarefa que deve
ser assumida por um grupo de trabalho interdisciplinar,
que avalie permanentemente o conteúdo do anuário e as
demandas dos usuários, como na pesquisa realizada em
1993, o que traz benefícios não só para a sua produção,
mas também para a definição de agenda de pesquisas que
devem ser realizadas pela instituição.
________ . Relatório do Grupo de Trabalho Criado pelo Diretor
Executivo para Elaboração de Novo Projeto do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. São Paulo, 1988. Mimeografado.
GUIZZARDI FILHO, O.; CONTI, V.L. Produção e disseminação de
informações socioeconômicas. Transinformação, Campinas, v.13,
n.2, p.43-54, jul./dez. 2001.
LATOUR, B. Ciência em ação – como seguir cientistas e engenheiros
sociedade afora. São Paulo: Unesp, 2000.
PORCARO, R.M. Produção de informação estatística oficial na
(des)ordem social da modernidade. 2000. 186f. Tese (Doutorado
em Ciência da Informação) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Rio de Janeiro, 2000.
REPARTIÇÃO DA ESTATISTICA E ARCHIVO DE SÃO PAULO.
Relatorio do anno de 1893. Rio de Janeiro, 1894.
REPARTIÇÃO DE ESTATISTICA E DO ARCHIVO DE SÃO PAULO. Annuario estatistico de São Paulo (Brazil) 1902. São Paulo,
1905. 761 p.
SÃO PAULO (Estado). Lei no 185, de 13 de novembro de 1948. Lex:
coletânea de legislação estadual, São Paulo, v.12, p.333-375,
1948.
SENRA, N.C. A coordenação da estatística nacional: o equilíbrio entre
o desejável e o possível. 1998. 178p. Tese (Doutorado em Ciência
da Informação). Escola de Comunicação, Universidade Federal do
Rio de Janeiro e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, Rio de Janeiro, 1998.
NOTAS
1. O termo “indivíduo” deve ser entendido aqui num sentido amplo,
compreendendo não apenas pessoas, mas também coisas e instituições
das mais diferentes naturezas, como empresas, escolas, sindicatos, famílias, etc.
________ . Um olhar sobre os anuários estatísticos. Ciência da formação, Brasília, v.26, n.1, 1997.
2. Ressalte-se o empenho da Secretaria de Energia do Estado de São
Paulo para retomada da série de dados municipais sobre consumo e
consumidores de energia elétrica.
SFEZ, L. Informação, saber e comunicação. INFORMARE – Cad. Prog.
Pós-Grad. Ci. Inf., Rio de Janeiro, v.2, n.1, p.5-13, jan./jun. 1996.
3. O projeto foi executado pelo Grupo de Aferição da Central de Dados e Referência (atual Gerência de Atendimento e Disseminação de
Informações).
VIDAL, D.G. O livro e a biblioteca, o documento e o arquivo na era
digital. História da Educação, Pelotas, v.6, n.11, p.53-64, abr.
2002.
4. Depoimentos de Neuma Maria de B. Menegatti, Cristiane de Rosa
Meira e Vania R. Fontanesi.
WERSIG, G. Information science: the study of postmodern knowledge
usage. Information Processing & Management, v.29, n.2, p.229239, 1993.
5. Lançado em 1994.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OSVALDO GUIZZARDI FILHO: Economista, Chefe da Divisão de Produção de Indicadores da Fundação Seade.
BARRETO, A. de A. A questão da informação. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.8, n.4, p.3-8, out./dez. 1994.
ZILDA PEREIRA
DEPARTAMENTO DE ESTATÍSTICA DO ESTADO. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo: situação física, social e cultural
1950. São Paulo, v.I, 1953. 305 p.
Seade.
DA
SILVA: Socióloga, Analista da Fundação Seade.
ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY: Matemática, Analista da Fundação
54
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 55-66, 2003
ESTATÍSTICAS DA VIDA
ESTATÍSTICAS DA VIDA
BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL
CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA
Resumo: A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísticas Vitais de São Paulo, com base na Pesquisa
Mensal de Eventos Vitais. Essas informações são produzidas desde o final do século XIX e constituem um
rico acervo de dados que permitem o monitoramento das variáveis demográficas e subsidiam as atividades de
planejamento.
Palavras-chave: estatísticas vitais; demografia; população.
Abstract: Fundação Seade is responsible for the System of Vital Statistics of the State of São Paulo, based on
the Monthly Survey of Vital Events. This information has been gathered since the end of the nineteenth century
and contributes to a rich data archive that permits the monitoring of demographic variables, while helping to
fund planning activities.
Key words: vital statistics; demographics; population.
C
diretamente com questões decisivas do desenvolvimento
econômico e da distribuição dos benefícios alcançados.
Para atingir seus objetivos, a demografia serve-se de
informações básicas sobre a sociedade que refletem o estado e o movimento da população. Podem-se distinguir
quatro tipos de fontes de informações básicas: os censos
populacionais, as estatísticas do registro civil, as pesquisas por amostra de domicílios e alguns registros administrativos relevantes.
Os censos e as pesquisas amostrais proporcionam uma
visão da estrutura e composição da população em um determinado momento e correspondem, portanto, às estatísticas do estado da população.
As estatísticas do registro civil e, eventualmente, de
outros registros administrativos informam sobre as mudanças que afetam a evolução da população e se caracterizam como estatísticas do movimento da população. Os
principais eventos da vida – nascimentos, casamentos e
óbitos – são registrados por uma determinação legal que
dá alicerce à cidadania e define direitos e responsabilidades civis. A lei dos registros civis regulamenta também a
coleta de informações para fins estatísticos, o que possibilita a elaboração de indicadores fundamentais para a
omo a demografia pode auxiliar as atividades de
planejamento? Uma contribuição tradicional relaciona-se com a análise e monitoramento das
variáveis demográficas – fecundidade, nupcialidade, mortalidade e migração – responsáveis pelo crescimento e
estrutura da população. Tais variáveis destacam-se tanto
nas atividades específicas dos planejadores como no conhecimento da sociedade.
Da mesma forma, o volume, o crescimento, a composição etária e a distribuição espacial da população são
dados fundamentais para o planejamento, desde o primeiro diagnóstico até a avaliação final dos planos já executados.
A análise demográfica e os estudos populacionais, além
de enriquecer as análises dos planejadores, fornecem elementos e critérios para o balizamento do processo de planificação em seus diversos estágios. Por um lado, as informações demográficas apontam as necessidades atuais
e futuras de uma população quanto à demanda por serviços de saúde, educação, mão-de-obra, segurança, habitação, entre outros setores da esfera social.
Por outro lado, as análises demográficas específicas
sobre as desigualdades sociais podem ser relacionadas
55
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
As projeções populacionais viabilizam os estudos
prospectivos de demanda em diversos setores da sociedade e servem de denominador para a construção de índices
e indicadores sociais. São fundamentais para o estudo de
segmentos específicos da população relevantes para o planejamento, como: população idosa, população em idade
escolar, população em idade ativa, população infantil,
população feminina, etc.
administração, o planejamento e a pesquisa científica.
Essas características asseguram a fidedignidade das informações declaradas e a organização da coleta dos dados.
As sociedades que tradicionalmente dispõem de bons sistemas de estatísticas vitais apóiam-se na combinação dos dados originários do censo e do registro civil para a construção
dos principais indicadores demográficos, o que permite o
conhecimento aprofundado das características da população
nas diversas unidades geográficas de seu território.
METODOLOGIA DE PRODUÇÃO DAS
ESTATÍSTICAS VITAIS
PRODUÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS
EM SÃO PAULO
A produção das estatísticas vitais com base na coleta
de dados, que é feita em cartórios de registro civil do Estado, originou-se em 1892 sob a responsabilidade da Seção Especial de Estatística Demógrafo-Sanitária da
Secretaria do Interior. Em 1942, com a criação do Departamento Estadual de Estatística –DEE, as estatísticas vitais passaram a fazer parte da Diretoria de Estatísticas Demográficas e, em 1979, as atividades do DEE foram
assimiladas pela Fundação Seade.
A tradição do antigo DEE era realizar a pesquisa mensal
nos cartórios de registro civil com base em dois tipos de
instrumentos de coleta: mapas estatísticos com dados específicos dos registros legais e cópias das declarações de óbito.
As causas básicas de morte eram, então, selecionadas
nas declarações e associadas aos respectivos registros de
óbito relacionados nos mapas estatísticos. A atribuição da
causa de morte só era possível de ser realizada após a devida
vinculação de cada declaração com o respectivo registro
de óbito nos mapas estatísticos de coleta nos cartórios.
Essa metodologia foi aperfeiçoada posteriormente pela
Fundação Seade, que passou a aproveitar os recursos da
microinformática para agilizar o processamento e a
vinculação dos dois instrumentos de coleta de dados sobre
óbitos e complementar a base de dados com todas as
informações disponíveis nas duas fontes. As informações
que eram comuns às duas fontes passaram a ser comparadas
para análise das divergências e melhoria da qualidade. Uma
metodologia semelhante passou a ser aplicada, posteriormente, às estatísticas de nascimentos, com a adoção da
declaração de nascido vivo, enviada também à Fundação
Seade pelos cartórios de registro civil.
Assim, tradicionalmente, o Estado de São Paulo sempre
processou de forma integrada as declarações de óbitos/
nascimentos e os registros civis de óbitos/nascimentos. A
vinculação dos indivíduos presentes nas duas fontes permitia
a unificação de todas as variáveis demográficas e epidemio-
A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísticas Vitais de São Paulo, com base na Pesquisa Mensal de
Eventos Vitais que coleta informações sobre casamentos,
nascidos vivos, nascidos mortos, óbitos gerais, óbitos infantis e óbitos fetais em todos os Cartórios de Registro
Civil do Estado.
Em 2002 foram processados 1.058.912 eventos com
diversas variáveis relacionadas, gerando um banco de estatísticas vitais com 32.419.930 informações. Essa base
de dados cobre o universo dos eventos vitais ocorridos e
registrados no Estado de São Paulo, contendo informações para todos os municípios paulistas e os distritos da
capital.
Cabe destacar que essas informações são produzidas
desde o final do século XIX e constituem um rico acervo
de dados disponível na Fundação Seade.
As bases de dados disponíveis permitem a recuperação de séries históricas seculares dos eventos vitais. Um
exemplo dessa disponibilidade é o trabalho “Ontem, Vila
de São Vicente. Hoje, Estado de São Paulo – 500 Anos
de Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demográficas Municipais” que apresenta a história de formação dos 645 municípios do Estado, com a série dos eventos vitais desde a data de criação de cada município paulista
até o ano 2000. Divulgado em forma de CD-ROM, contém arquivos históricos que permitem a recuperação de
séries estatísticas seculares (Gráfico 1).
Com as informações do registro civil e as dos Censos
Demográficos, são realizados estudos sobre a distribuição espacial da população; sobre as tendências: da mortalidade por idade, sexo e causas de morte; da fecundidade e seu impacto na estrutura etária e no processo de
envelhecimento populacional; dos fluxos migratórios; projeções populacionais com diversos níveis de desagregação por áreas geográficas e faixas etárias, etc.
56
ESTATÍSTICAS DA VIDA
GRÁFICO 1
Evolução das Estatísticas Vitais
Estado e Município de São Paulo – 1900-2002
Estado de São Paulo
Município de São Paulo
Nascidos Vivos
Casamentos
250
Em mil
900
Em mil
800
200
700
600
150
500
400
100
300
200
50
100
0
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20
Anos
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
8
9
6
7
4
5
2
1
3
0
0
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20
Anos
Óbitos Gerais
250
Em mil
60
Em mil
Óbitos Menores de 1 Ano
50
200
40
150
30
100
20
50
0
10
Anos
0
Anos
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20
00 10 20 30 40 50 60 70 80 90 00
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20
Fonte: Fundação Seade. "500 Anos de Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demográficas Municipais".
recém-nascido e a idade ao morrer são de boa qualidade,
mas, quando há divergências, os dados provenientes do
registro civil geralmente contêm a informação correta. Isso
acontece porque os registros são regulamentados por lei e
as características declaradas dos indivíduos são utilizadas na elaboração de documentos básicos da cidadania,
na transmissão de direitos, na comprovação de responsabilidades civis, etc.
lógicas em uma única base de dados, aprimorada por uma
rotina de verificação de consistência das variáveis baseada
na comparação das informações comuns às duas fontes.
A experiência de vinculação dessas duas fontes resultou, ao longo do tempo, no conhecimento detalhado das
limitações e potencialidades das informações básicas e foi
decisiva no aperfeiçoamento das estatísticas vitais de São
Paulo. Assim, por exemplo, as informações sobre sexo do
57
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
nho depende muito do nível de treinamento e da estabilidade da equipe técnica que possibilita o acúmulo de experiência ao longo dos anos. Na Fundação Seade, essa
experiência vem-se consolidando há mais de 25 anos e é
objeto de rigoroso controle de qualidade e da avaliação
crítica permanente por parte de uma equipe formada por
estatísticos/demógrafos e médico sanitarista especializado em classificação de causas de morte.
A plena utilização dos recursos da informática, em todas as etapas do processo de produção das estatísticas,
possibilitou a automatização e a agilização de vários procedimentos de controle, codificação e processamento das
informações, resultando em redução dos prazos e permitindo disponibilizar as estatísticas mensais dos municípios
paulistas e dos distritos da capital, em cerca de 60 dias.
Outro aspecto relevante no desenvolvimento dessas
estatísticas deve-se à integração entre as atividades de
produção e as atividades de análise. A utilização imediata dos dados produzidos com a finalidade de construir
indicadores, a realização de análises de tendência das variáveis demográficas e o desenvolvimento de projetos diversificados de pesquisa, asseguraram um contínuo
feedback em avaliação e crítica para o aperfeiçoamento
dos dados.
Nesse sentido, também foi decisivo o enfoque multisetorial que orienta a produção e análise das estatísticas
vitais, atendendo, igualmente, as demandas do planejamento governamental e dos mais diversos setores da
sociedade, envolvendo temas que se relacionam com
saneamento, saúde, previdência, educação, segurança,
transportes, etc.
Um outro exemplo é o endereço de residência do indivíduo – endereço habitual do indivíduo que morreu ou da
mãe do recém-nascido – que constitui uma informaçãochave para a classificação municipal e regional dos eventos vitais. É por meio dessa informação que os sistemas
estatísticos conseguem definir a relação de pertinência de
um evento vital a uma determinada área ou unidade administrativa e re-classificar todas as ocorrências observadas,
em estatísticas, conforme o local habitual de residência.
Esse procedimento é fundamental para a análise adequada dos fenômenos demográficos e epidemiológicos, evitando os efeitos das “invasões” e “evasões” dos eventos
vitais – nascimentos e óbitos – que interferem na qualidade dos indicadores produzidos. Essas dificuldades existiam nas estatísticas elaboradas até meados do século XX.
A era da informática contribuiu para superar, em parte,
essa dificuldade. Permaneceu, todavia, o problema da “invasão disfarçada”, que decorre da declaração intencionalmente errada do endereço de residência habitual com a
finalidade de justificar o acesso a unidades de saúde em
cidades diferentes daquela da residência habitual. Várias
razões estruturais, interesses ou conveniências pessoais,
induzem a essa prática que resulta no preenchimento inadequado do endereço de residência, principalmente na
declaração de nascimento.
Os dados do registro civil são menos afetados por esse
fenômeno e, freqüentemente, em caso de divergências nos
endereços, o cartório exige, no momento do registro do
nascimento, uma explicação por escrito. A vinculação das
fontes na Fundação Seade permite identificar as divergências nos endereços, representando assim um fator de melhoria da classificação por local de residência.
Essa tradição de integração sistêmica entre duas fontes de dados, demográfica e epidemiológica, é inédita no
País e foi decisiva na evolução da qualidade das estatísticas vitais de São Paulo.
Cabe destacar que as estatísticas são elaboradas para
cada um dos 645 municípios do Estado e para cada um
dos 96 distritos da Capital, por uma equipe especializada
de codificadores que aplica a todos os municípios e distritos, os mesmos critérios de codificação e análise, garantindo assim o mesmo grau de qualidade e comparabilidade aos indicadores construídos para todas as unidades
administrativas do Estado.
A codificação das causas de morte, por exemplo, atividade crucial na produção de estatísticas de mortalidade,
pode sofrer graves distorções causadas por erros de natureza subjetiva do técnico codificador. O bom desempe-
APLICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS
Um primeiro projeto de pesquisa, no final da década de
70, no âmbito do recém-criado Grupo Especial de Análise
Demográfica e com o apoio da Fundação Ford, teve como
objetivo o estudo da nupcialidade paulista, explorando
detalhadamente as estatísticas de casamentos do registro civil. Também data dessa época a incorporação das bases de
dados de mortalidade do Seade no sistema nacional coordenado pelo Ministério da Saúde.
No final da década de 70, foram desenvolvidos esforços a fim de aperfeiçoar o sistema tradicional de classificação da causa básica de morte, com a implementação de
um sistema de classificação de causas múltiplas, em parceria com o Centro Brasileiro de Classificação de Doenças em Língua Portuguesa da Organização Mundial da
58
ESTATÍSTICAS DA VIDA
DIAGRAMA 1
Acervo das Estatísticas Vitais
Evento
Ano
1894 a 1929
Base Física
Anuários e
Boletins
Abrangência
Geográfica
Estados
Interior
Tabelas
Manuscritas
- Casamentos
1930 a 1969
Idade
Capital
Sexo
Municípios
Causas de Morte
Cor
Micro-filmes
- Nascidos Vivos
Variáveis
Naturalidade
- Óbitos
Ocupação
- Óbitos Fetais
1970 a 1979
Micro-fichas
Estado
Grau de Instrução
Interior
Mun. Residência
Capital (distritos)
Mun. Ocorrência
Reg. Admin.
etc.
Reg. Governo
1980 a 2003
Municípios
Fonte: Fundação Seade.
Saúde. Após vários testes de processamento, os dados de
óbitos por causas múltiplas passaram a ser produzidos
como rotina, a partir de 1983.
Com apoio da Fundação Ford e da Associação Brasileira de Estudos Populacionais – Abep foi realizada
uma pesquisa, no início da década de 80, que visava o
estudo da mortalidade infantil, com base nas estatísticas vitais, e o teste de um modelo de declaração de nascimento em São Paulo. O resultado da pesquisa suscitou a criação de um grupo de trabalho na Secretaria de
Estado da Saúde com especialistas da área e coordenado pelo Seade, com o objetivo de testar o modelo de
forma mais ampla. Na década de 90, o Ministério da
Saúde formou um grupo de trabalho, com participação
do Seade, para introduzir o documento em todo o território nacional. Desse modo, a base de dados sobre nascidos vivos, produzida pelo Seade, passou a integrar o
sistema nacional sobre informações de nascidos vivos
coordenado pelo Ministério da Saúde, tal como já vinha ocorrendo com o banco de mortalidade.
Ainda nos anos 80, o Ministério do Interior, dentro
do Programa de Migrações Internas, firmou um convênio
com a Fundação Seade, para um estudo mais aprofundado
da dinâmica demográfica paulista dentro do projeto
“Repercussões do Pró-Álcool na dinâmica migratória do
Estado de São Paulo”. As estatísticas vitais foram
decisivas na caracterização demográfica da Região
Administrativa de Ribeirão Preto e no dimensionamento
de forma indireta dos saldos migratórios nas décadas de
60 e 70. O conhecimento das características demográficas
regionais permitiu o delineamento de uma pesquisa
amostral adicional, que foi realizada em 1981, com a
aplicação de questionários domiciliares em 17 municípios
da região estudada, valendo-se de cadernetas dos
recenseadores do Censo Demográfico de 1980. Os resultados do projeto trouxeram mais elementos para a compreensão do padrão regional de sazonalidade dos deslocamentos populacionais.
A tradição de São Paulo na produção de estatísticas
vitais e as grandes disparidades nacionais em qualidade
dessas estatísticas motivaram o desenvolvimento de um
projeto na Fundação Seade, com o apoio do International
Development Research Centre – IDRC, do Canadá, com
o objetivo de adaptar e aplicar o “método do filho prévio” para monitorar a mortalidade infantil, em três Estados do Nordeste do Brasil. Essa experiência de coleta e
análise de dados sobre a mortalidade infantil com base
em procedimentos metodológicos simples e de baixo cus-
59
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
do da Saúde, a Fundação Seade desenvolveu uma metodologia para estimar a população infantil que considera
os dados do Sistema de Estatísticas Vitais, e subsidia, dessa
forma, a organização das campanhas anuais de vacinação
e a estimativa das respectivas coberturas, em cada município paulista.
Também com a Secretaria de Estado da Saúde, em 1995/
96 o Seade desenvolveu um projeto de acompanhamento
contínuo da mortalidade infantil, mortalidade materna e
características do recém-nascido.
Mais recentemente, uma nova parceria com a Secretaria de Estado da Saúde teve por objetivo a avaliação da
qualidade dos dados de nascimentos e óbitos, produzidos
pelas administrações municipais de saúde para o controle
das ocorrências municipais e a vigilância epidemiológica
local. A comparação entre os arquivos de ocorrências elaborados nos municípios, por um lado, e a base de dados
da Fundação Seade, por outro, permitem a identificação e
análise da regularidade, cobertura e qualidade dos dados
produzidos pelos municípios. Essa prática vem delineando um novo papel para o Seade no monitoramento da qualidade dos arquivos de dados municipais.
No âmbito das estatísticas de causas de morte, a Secretaria da Segurança utiliza as informações municipais sobre
mortes por afogamentos, queimaduras e outros acidentes com
base na classificação dos óbitos por causas múltiplas, para
subsidiar as atividades de planejamento do Comando do
Corpo de Bombeiros. Nessa mesma linha de interesse, os
dados de mortes por acidentes de transporte, em cada município paulista, são utilizados pelo Detran.
Os dados sobre mortalidade por causas são informações utilizadas, também, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que estabeleceu um convênio com o
Seade para a análise das informações sobre óbitos de profissionais médicos.
A disseminação de indicadores demográficos e a elaboração de indicadores específicos constituiram-se, ao
longo do tempo, em uma atividade crescente que contribuiu na elaboração do Plano Plurianual – PPA do Governo do Estado de São Paulo e na composição do Índice
Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, elaborado
especialmente para a Assembléia Legislativa do Estado
de São Paulo e no Índice de Vulnerabilidade Juvenil elaborado para a Secretaria da Cultura.
O conhecimento adquirido com a exploração e análise
de registros administrativos resultou no desenvolvimento
de novos desafios metodológicos de relacionamento de
bancos de dados distintos, por meio das técnicas de vin-
to operacional representou uma alternativa valiosa e factível para as instituições públicas de regiões que não dispõem de boas estatísticas.
A experiência acumulada com análises demográficas
prospectivas e a elaboração de projeções populacionais
regionais e para pequenas áreas, detalhadas por idade e
sexo, estão relacionadas com a demanda crescente do planejamento. Os exemplos mais eloqüentes estão nas experiências com a área da educação, em projeções da população em idade escolar, nas parcerias firmadas com a
Sabesp, a fim de caracterizar a demanda em saneamento,
e na área da saúde para a estimativa da população-alvo
das campanhas de vacinação.
No primeiro exemplo, as projeções da demanda escolar foram detalhadas por nível de ensino e desagregadas
por municípios. A evolução dos efetivos escolares nos
diferentes níveis de ensino está associada à dinâmica demográfica, por um lado, e às taxas de escolarização, por
outro. Em geral, nas idades que se caracterizam por uma
taxa de escolarização próxima aos 100%, os efetivos escolares decorrem basicamente do fator demográfico. O
processo de redução da fecundidade repercute diretamente
no número de nascimentos e, portanto, na evolução das
novas gerações escolares. Considerando que esse processo é regionalmente bastante diferenciado, a Secretaria de
Estado da Educação solicitou ao Seade projeções da demanda escolar conforme distintos cenários demográficos
e de escolarização.
A Sabesp, tendo em vista a necessidade de um novo
modelo de gestão descentralizado em unidades regionalizadas e de um planejamento baseado em informações
adequadas, requisitou o Seade, em vários momentos, para
desenvolver projeções demográficas que subsidiassem o
dimensionamento da demanda por saneamento básico no
Estado. Dessa forma, foram firmados convênios em 1988,
em 1996 e em 2002 com o objetivo de viabilizar o estudo
prospectivo da dinâmica demográfica paulista por meio
da elaboração, para todos os municípios paulistas, da projeção da população residente e flutuante, de domicílios
ocupados, vagos e de uso ocasional, de acordo com as
condições de localização urbana e rural.
O terceiro exemplo mencionado relaciona-se com campanhas na área da saúde pública. O público-alvo das campanhas nacionais de vacinação realizadas todos os anos é
a população infantil, menor de cinco anos, pertencente às
gerações de nascimentos ocorridos nos cinco anos anteriores que sobreviveram até a data das campanhas. Para responder a essa demanda específica da Secretaria de Esta-
60
ESTATÍSTICAS DA VIDA
Visando o aperfeiçoamento da coleta de dados nos cartórios de registro civil do Estado de São Paulo, a Fundação Seade e o IBGE firmaram um convênio de cooperação técnica com o intuito de unificar a coleta dos dados
nos cartórios, desonerando, assim, essas instituições informantes, e somando esforços para melhorar a qualidade
das estatísticas do registro civil. A experiência vem demonstrando maior agilidade na coleta e na instalação de
novas tecnologias de transmissão dos dados. Além disso,
o trabalho conjunto das duas instituições resultou na integração de experiências que potencializam a capacidade
de pesquisa e análise.
Também nessa linha de preocupação, o convênio entre
a Fundação Seade e a Associação dos Registradores de
Pessoas Naturais de São Paulo – Arpen-SP favoreceu o
intercâmbio entre as duas instituições com intuito da
informatização e automação de vários processos na transmissão de dados e no balanço periódico do movimento de
registros de cada cartório do Estado.
Finalmente, cabe assinalar as consultas freqüentes das
secretarias da administração municipal, de instituições
privadas, das universidades, da mídia e do poder judiciário a respeito de casamentos, nascimentos e óbitos,
encontrando nos bancos de dados do Seade uma fonte
centralizada, ágil e completa sobre os registros da cidadania.
Essa síntese demonstra, por um lado, a multiplicidade
temática que envolve o uso das estatísticas vitais e, por
outro, a demanda crescente de informações por instituições responsáveis direta ou indiretamente por atividades
de planejamento no âmbito governamental.
culação de registros que foram aplicadas em dois importantes projetos.
No primeiro, a busca de uma alternativa para solucionar o problema da inexistência de uma fonte de dados mais
completa sobre os casos fatais de acidentes do trabalho
resultou em duas parcerias entre a Fundacentro e a Fundação Seade, com o apoio do Ministério do Trabalho, tendo como um dos objetivos a vinculação das informações
das duas principais fontes de dados sobre esse tema: registros do INSS e registros de óbitos do Estado de São
Paulo. Essa pesquisa resultou em avanços metodológicos
importantes que permitem a análise mais aprofundada
sobre saúde dos trabalhadores.
O segundo projeto foi desenvolvido com o Centro de
Vigilância Epidemiológica de Aids, da Secretaria de Estado da Saúde, com financiamento da Unesco, com o
objetivo de melhorar o dimensionamento e a caracterização de todos os casos de Aids ocorridos no Estado.
Procurando ampliar o universo de casos notificados da
doença, foi realizada a recuperação histórica de todos
os óbitos ocorridos nos municípios paulistas, por meio
das informações constantes no Sistema de Estatísticas
Vitais da Fundação Seade, e realizada a vinculação dos
registros desse banco de óbitos com os registros do banco
de dados de notificação dos casos de Aids elaborado no
CRT-DST/Aids.
Mais recentemente, foi firmado um contrato com o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – Ipesp, para
o monitoramento demográfico dos pensionistas cadastrados nesse órgão por meio da vinculação dos registros das
bases demográficas do Seade, com os registros das bases
do Ipesp. Essa metodologia abre uma nova perspectiva
de utilização das estatísticas do registro civil, produzidas
no Seade, como subsídio para os processos administrativos relacionados com aposentadoria e pensão.
As potencialidades dessas estatísticas também ficam
evidentes com os novos desafios metodológicos introduzidos pela análise espacial e a possibilidade de georreferenciamento dos óbitos e nascimentos por logradouros.
Esse tipo de abordagem torna possível a análise mais detalhada do espaço geográfico e permite o inter-relacionamento das variáveis pertencentes a diferentes bancos de
dados. A participação da Fundação Seade no Projeto
CEM – Centro de Estudos da Metrópole, com sede no
Cebrap e apoio da Fapesp, vem possibilitando um acúmulo de experiência no campo do georreferenciamento das
estatísticas vitais que se revela promissor na exploração
futura dessas estatísticas.
EVOLUÇÃO RECENTE DAS
ESTATÍSTICAS VITAIS
O ano de 2002 caracterizou-se por um pequeno recuo do
número de nascimentos e de aumento dos totais de casamentos e de óbitos ocorridos no Estado de São Paulo.
As informações enviadas mensalmente pelos 855 cartórios de registro civil do Estado durante o ano de 2002
permitiram contabilizar o nascimento de 631,8 mil crianças contra 646,0 mil ocorridos no ano de 2001. Da mesma forma, registraram-se 185,9 mil casamentos em 2002
e 185,0 mil em 2001. Além disso, os registros indicam
que morreram 236,7 mil pessoas, contra 234,0 mil em
2001, entre os residentes no Estado de São Paulo compostos de cidadãos brasileiros naturais de São Paulo, cidadãos brasileiros não-naturais e estrangeiros.
61
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
A diferença entre o volume de nascimentos e óbitos,
no valor de 395,0 mil, sugere o crescimento vegetativo
da população paulista nesse ano, podendo-se considerar,
adicionalmente, o saldo migratório anual, resultante do
balanço entre as entradas e saídas de migrantes, para
contabilizar a população residente no Estado de São
Paulo.
As migrações não são objeto de registro contínuo
(salvo em alguns países europeus) como é o caso dos nascimentos, casamentos e óbitos mas podem ser analisadas
com base nos recenseamentos ou estimadas indiretamente.
A composição das mortes, conforme as características
dos indivíduos, reflete a composição da população paulista e sua dinâmica intrínseca associada com os processos migratórios. Do total de mortos, 63% eram paulistas
de nascimento, 31% eram naturais de outros Estados e 4%
eram originários de outros países. Entre os naturais de
outros Estados, 32% eram mineiros, 20% baianos, 12%
pernambucanos e 7% paranaenses.
Da mesma forma, entre os casamentos registrados também se observa a influência da migração na constatação
da naturalidade dos cônjuges: em 59% dos casamentos
ambos são paulistas, em 15% as mulheres são paulistas
com homens não-paulistas e em 12% inverte-se a composição. Cerca de 14% dos casamentos registrados são de
ambos os cônjuges não-naturais do Estado. Assim, em 86%
dos casamentos legais ocorridos em São Paulo, pelo menos um dos cônjuges é paulista de nascimento. Esse último panorama se reflete, evidentemente, na composição
dos nascimentos segundo a naturalidade dos pais ou seja:
na maioria dos nascimentos ocorridos em 2002, o pai e/
ou a mãe são naturais de São Paulo.
A população do Estado de São Paulo continua crescendo em um ritmo que acrescenta, a cada ano, cerca de
meio milhão de habitantes, basicamente em conseqüência
de seu crescimento natural, apesar da fecundidade baixa
e próxima do nível de reposição das gerações. A dinâmica
do crescimento da população paulista beneficia-se de uma
distribuição por idade favorável que assegura um número
relativamente elevado de nascimentos, apesar de os casais
continuarem a diminuir sua descendência final.
A evolução demográfica intrínseca do Estado nos últimos 20 anos está marcada por mudanças radicais: a fecundidade sofreu um acelerado movimento de queda. A mortalidade infanto-juvenil regrediu sensivelmente e a
mortalidade adulta por causas externas aumentou rapidamente.
GRÁFICO 2
Evolução do Número de Nascidos Vivos
Estado de São Paulo – 1950-2002
Fonte: Fundação Seade; Sistema de Estatísticas Vitais.
VIDAS EVITADAS
O impacto da queda da fecundidade sobre a população
paulista foi intenso o suficiente para reduzir progressivamente o ritmo anual de crescimento dos nascimentos e
também diminuir seu número absoluto.
O maior número de nascimentos já ocorrido no Estado
de São Paulo aconteceu em 1982, com 771,8 mil nascidos vivos. A partir de 1983, os valores diminuíram ou
oscilaram para mais e para menos sem recuperar a cifra
de 1982. O maior registro desse período recente foi de
734,5 mil nascimentos em 1998.
Uma questão que se coloca é a de qual teria sido o acréscimo populacional hoje se os nascimentos tivessem continuado a crescer, caso a taxa de fecundidade tivesse permanecido no mesmo patamar de 1982? A manutenção
dessa taxa de fecundidade indica que o número de nascimentos teria alcançado em 2002 o volume de 1,13 milhão
de nascidos vivos em vez de 631,8 mil (Gráfico 2) e a
diferença acumulada desde 1982 indica que a população
hoje seria superior em, aproximadamente, 5 milhões de
habitantes.
Caso a fecundidade não tivesse declinado, haveria uma
população adicional jovem, com menos de 20 anos de idade, compondo um efetivo suficientemente grande para pres-
62
ESTATÍSTICAS DA VIDA
sionar o sistema escolar por mais vagas, desde a pré-escola
até o segundo ciclo e parte do terceiro, ou pressionando o
mercado de trabalho por mais postos de trabalho. Na área da
saúde significaria mais demanda por vacinas e por atenção
materno-infantil nos postos, nas clínicas, etc. As repercussões seriam infindáveis caso fossem contabilizados todos os
demais setores da sociedade.
culados com os observados concluiu-se que 280,8 mil
crianças foram poupadas da morte em conseqüência da
queda rápida da mortalidade infantil nos últimos 20 anos.
Relacionando-se esse resultado com o total anterior, verifica-se que do total de vidas poupadas em todas as faixas
etárias, 62% corresponde a crianças menores de um ano que
foram beneficiadas pelo declínio da mortalidade infantil.
As tendências da mortalidade em todas as faixas etárias
revelam um saldo de 293,6 mil vidas femininas e de 172,6
mil vidas masculinas poupadas. O número menor de vidas
poupadas na população masculina está associado principalmente às perdas por causas de morte violentas e Aids, que
aumentaram sensivelmente no período considerado, incidindo
principalmente na população masculina, e representam grande
desperdício de vidas por morte precoce.
VIDAS POUPADAS
O impacto da queda da mortalidade nos últimos 20 anos,
sobre a população do Estado de São Paulo, pode ser avaliado pelo cálculo do número de vidas poupadas de 1983
a 2002 em conseqüência da redução dos riscos de morte.
Se o nível da mortalidade de 1982 tivesse permanecido
constante ao longo dos últimos 20 anos, o número de
mortes teria superado o número de óbitos registrados no
mesmo período. O resultado dessa simulação indicou que
aproximadamente, 454,3 mil vidas foram poupadas de
morte precoce em decorrência do declínio das taxas de
mortalidade observado desde 1983 (Gráfico 3).
Nesse mesmo período analisado, as taxas de mortalidade infantil apresentaram um grande recuo, caindo de um
patamar de 47,9 óbitos de menores de um ano por mil crianças nascidas vivas em 1982 para 15,0 por mil em 2002.
Assim, aplicando-se o mesmo método de simulação de
manter constante a taxa de 1982 e comparar os óbitos cal-
VIDAS DESPERDIÇADAS
Se os últimos 20 anos foram caracterizados por progressos significativos nas condições de saúde, reduzindo a mortalidade por causas naturais e poupando vidas, também foram marcados por um aumento na mortalidade por causas
externas (acidentes de trânsito, agressões, etc.), desperdiçando
vidas no Estado de São Paulo. Essas mortes se concentram
principalmente na faixa etária masculina dos adultos jovens.
Somam-se, ainda, nessa faixa etária as mortes decorrentes
da epidemia de Aids, que surgiu no mesmo período considerado. Observou-se que nas faixas etárias do intervalo de 15 a
44 anos da população masculina não há ganhos de vidas mas,
pelo contrário, há perdas adicionais.
No período analisado (1983 a 2002), o total de mortes
por Aids, em todas as faixas etárias, no Estado de São
Paulo, atingiu a cifra de 70,6 mil óbitos. O total de mortes
por agressões foi de 206,7 mil; por acidentes de transportes de 139,7 mil e para o conjunto de todas as causas externas de 548,7 mil.
Se o nível da mortalidade por causas externas de 1982
tivesse permanecido constante ao longo dos últimos 20
anos, as mortes anuais esperadas por essas causas teriam
sido sistematicamente menores que as mortes observadas.
O número de óbitos esperados nessa situação para o total
de causas externas teria 110,6 mil mortes a menos do que
o volume realmente observado. Isso indica que o número
de vidas poupadas poderia ter sido maior, nessa ordem de
grandeza, se o nível da mortalidade por essas causas não
tivesse se deteriorado tanto.
GRÁFICO 3
Óbitos Observados e Óbitos Esperados
Estado de São Paulo – 1982-2002
Fonte: Fundação Seade. Sistema de Estatísticas Vitais.
63
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
COMENTÁRIOS FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Essas tendências analisadas dão uma idéia do processo
de transição demográfica que vem ocorrendo em São Paulo,
nos últimos 20 anos, pela ótica do movimento das estatísticas vitais. As quantidades apresentadas são significativas do
impacto dessas transformações na sociedade paulista. Com
base nessas variáveis, podem ser desenvolvidos diversos indicadores específicos que atendem a determinadas necessidades dos diversos setores de planejamento socioeconômico.
O uso das estatísticas vitais no Seade vem-se renovando em função das novas e crescentes demandas, o que representa um constante desafio para a produção e análise
dessas estatísticas. A grande diversidade de usuários, de
diferentes setores e de temas envolvidos, implica cuidados especiais na produção de indicadores adequados e na
interpretação dos resultados. A multisetorialidade da demanda é uma característica crescente que exige abordagens metodológicas mais complexas e sintonias mais finas de acordo com a finalidade desejada. O antigo
paradigma da qualidade dos dados ressurgiu, com mais
nitidez, diante dos desafios de regularidade, cobertura e
coerência dos dados produzidos. O fato da produção estar organicamente integrada às atividades de análise assegurou a retroalimentação contínua de observações críticas e valiosas para o aperfeiçoamento das estatísticas vitais
produzidas na Fundação Seade.
A evolução da qualidade das estatísticas vitais no Estado de São Paulo está, também, associada à tradição de
integrar informações demográficas (registro civil) e
epidemiológicas (declarações de óbitos e nascimentos).
Essa prática resultou em conhecimento acumulado e possibilitou o desenvolvimento de novas experiências de relacionamento entre bases de dados distintas, buscando a
ampliação do universo pesquisado, o enriquecimento do
conjunto de variáveis contempladas e a expansão do potencial de análise.
Da mesma forma, a experiência de georreferenciamento
das estatísticas vitais, segundo os logradouros, potencializa essas informações e amplia a capacidade de compreensão da dinâmica populacional.
Diante da evolução das atividades de planejamento na
área governamental, a implementação dessas metodologias de pesquisa abre novas perspectivas no âmbito da produção de informação e análise demográfica que subsidiam
o planejamento.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
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([email protected]).
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Técnico da Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade ([email protected]).
66
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 67-79, 2003
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO
PAULISTA COMO INSTRUMENTO
DE PLANEJAMENTO
BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL
CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA
LÚCIA MAYUMI YAZAKI
RUTE EDUVIGES GODINHO
SONIA REGINA PERILLO
Resumo: Projeções populacionais para o Estado de São Paulo realizadas pela Fundação Seade, a partir dos
estudos detalhados sobre os componentes da dinâmica demográfica: fecundidade, mortalidade e migração. A
metodologia utilizada considera a interação desses três componentes e a formulação de hipóteses de comportamento futuro.
Palavras-chave: projeção da população; componentes demográficos; crescimento populacional.
Abstract: Projections of the population of the State of São Paulo were carried out by Fundação Seade, based
on detailed studies of the components of the demographic dynamic: fertility, mortality, and migration. The
methodology used considers the integration of these three components and the formulation of hypotheses of
future behavior.
Key words: population projection; demographic components; population growth.
O
conhecimento do tamanho e da composição da
população, por idade e sexo, constitui instrumento fundamental para todas as esferas de planejamento, tanto na administração pública quanto privada. Com
essa informação, é possível uma melhor previsão das demandas de necessidades básicas, como saúde, habitação,
educação, previdência, emprego, transporte, entre outros.
São informações decisivas no cálculo de indicadores, que
auxiliam nas estratégias de tomadas de decisão e nos estudos de caráter científico.
A construção de cenários demográficos futuros tornase relevante e primordial para a orientação de políticas
públicas que necessitem quantificar o público-alvo conforme as características da população. Esses cenários representam simulações das tendências demográficas futuras baseadas na análise de tendências históricas, no
diagnóstico das realidades regional e estadual, e na construção de hipóteses de comportamento futuro para os componentes do crescimento populacional.
A Fundação Seade, órgão vinculado à Secretaria de
Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, tem
como uma de suas funções fornecer, aos mais diferentes
usuários, informações relativas ao movimento anual da po-
pulação, como as estatísticas vitais do Registro Civil e as
projeções de população.
A elaboração e o aprimoramento de metodologias para
projetar a população, com diversos níveis de desagregação por áreas geográficas e faixas etárias, representam uma
das atividades mais importantes nos estudos de abordagem demográfica desenvolvidos na Fundação Seade.
Seu procedimento metodológico, para projetar a população paulista, é o método dos componentes demográficos, que foi aplicado pela primeira vez ainda com os resultados do Censo Demográfico de 1970 e tem sido
renovado com os sucessivos Censos de 1980 e 1991, e
agora com o Censo de 2000.
Procurando aumentar a precisão das projeções realizadas para áreas menores, como os municípios, em diferentes
contextos de crescimento populacional, foram desenvolvidos, na Fundação Seade, procedimentos metodológicos
para adaptar o método dos componentes demográficos no
campo municipal (Waldvogel, 1989) e técnicas aprimoradas para projetar cada componente demográfico (Fundação Seade, 1999).
O estudo demográfico para o total da população paulista, ora apresentado, foi desenvolvido no Projeto “Projeção
67
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
da População e dos Domicílios para os Municípios do Estado de São Paulo, até 2025”, realizado em parceria com a
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
– Sabesp. Seu objetivo foi subsidiar essa companhia na aplicação de seus serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O intercâmbio entre a Sabesp e o Seade,
iniciado em 1988 e renovado em 1997, foi novamente intensificado no projeto realizado em 2002/2003, consolidando
a atuação conjunta das duas instituições governamentais.
ples extrapolação de tendências passadas, o método perde seu caráter analítico e se equipara àqueles tradicionais.
Sua principal vantagem reside na flexibilidade de estabelecer hipóteses baseadas em uma análise pormenorizada
da dinâmica demográfica regional.
O primeiro passo para a operacionalização desta metodologia, que projeta a população por idade e sexo, é obter
as funções de fecundidade, mortalidade e migração requeridas neste modelo, referentes ao período base. Em seguida, formulam-se hipóteses de comportamento futuro para
as tendências demográficas.
O método consiste em projetar qüinqüenalmente a população por grupos etários, por meio da aplicação de probabilidades de sobrevivência, e acrescentar (ou subtrair)
aos sobreviventes, assim calculados, a migração correspondente a cada grupo. Estas operações são realizadas dentro
de cada coorte independentemente, em etapas qüinqüenais
sucessivas, de tal forma que a população final da primeira
etapa constitua a população inicial da segunda e, assim,
sucessivamente, até se alcançar o período total desejado.
A cada etapa da projeção surge uma nova coorte, formada
pelos nascimentos do período considerado.
O Estado de São Paulo, acompanhando uma tendência
observada em todo o Brasil, está passando por rápidas transformações em sua dinâmica demográfica. A elaboração das
hipóteses apresentadas a seguir, para cada componente demográfico, procurou considerar todos os elementos disponíveis até o presente, como os últimos recenseamentos populacionais realizados pelo IBGE (1980, 1991 e 2000), e
os indicadores demográficos produzidos pelo acompanhamento contínuo de eventos vitais da pesquisa tradicionalmente realizada pela Fundação Seade.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A Fundação Seade realiza a Pesquisa Mensal de Estatísticas Vitais nos Cartórios de Registro Civil de todos os
municípios do Estado de São Paulo, coletando informações minuciosas sobre o registro legal dos eventos vitais –
nascimentos, casamentos e óbitos –, que possibilitam o
acompanhamento contínuo da dinâmica demográfica para
o total do Estado de São Paulo, bem como de forma desagregada por regiões, municípios e distritos da capital.
Estes dados, combinados com as informações dos recenseamentos populacionais realizados pelo IBGE, possibilitam o cálculo de uma série de indicadores demográficos que definem o perfil da população e suas principais
características. Entre eles pode-se destacar as taxas de mortalidade infantil e mortalidade por causas, as estimativas
de esperanças de vida ao nascer, as taxas de fecundidade
total e por idade, os saldos migratórios e respectivas taxas de migração, por exemplo.
Esse conjunto detalhado de informações habilita a Fundação Seade a aplicar uma metodologia de projeção que,
conceitualmente, soma uma série de vantagens em relação a outros métodos de extrapolação matemática. Tratase do método dos componentes demográficos, processo
analítico que destaca o papel da fecundidade, da mortalidade e da migração no crescimento populacional, permitindo a construção de hipóteses de projeção mais seguras
e mais eficazes para a área-alvo a ser projetada. Essa metodologia permite, também, certo controle sobre o resultado final, em que os efeitos e as conseqüências na composição e no volume da população podem ser explicados
demograficamente, mediante hipóteses formuladas para o
comportamento futuro dos componentes populacionais.
O método de projeção de população pelos componentes
demográficos, por si só, não representa grande vantagem
sobre os métodos tradicionais de extrapolação matemática. Se a formulação das hipóteses sobre o comportamento futuro das variáveis demográficas se limitar a uma sim-
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS
DA MIGRAÇÃO
As últimas décadas foram marcadas por transformações
socioeconômicas e políticas profundas, tanto em âmbito
mundial como nacional. Essas mudanças tiveram desdobramentos importantes, alterando os padrões da redistribuição espacial da população, nos anos recentes.
Segundo alguns especialistas da área econômica, até
os anos 70, a dinâmica e a localização das atividades industriais pautavam, em grande medida, os possíveis caminhos da população no Estado de São Paulo (Cano, 1994;
Caiado, 1996; Pacheco, 1998).
Na década de 80, o poder de atração exercido pela indústria paulista diminuiu consideravelmente, repercutin-
68
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
do de forma pronunciada no mercado de trabalho e nos
movimentos populacionais. A recessão, que abalou o país,
atingiu predominantemente a atividade industrial, provocando queda generalizada nos níveis de atividades, de emprego e de renda. Tendo em vista que grande parte da economia industrial do país concentrava-se na Região Sudeste,
sobretudo no Estado de São Paulo, os efeitos dessa crise
econômica incidiram fortemente no território paulista
(Cano, 1994; Unicamp/Nepo, 1997).
Nos anos 90, novos fatores passaram a interferir na dinâmica econômica e migratória estadual. Com a abertura
comercial e financeira e a conseqüente internacionalização da economia, a política econômica vigente induziu a
processos de reestruturação da base produtiva. Os principais setores que compunham o parque industrial buscaram novos mercados e incrementaram a produtividade com
estratégias de competitividade. Esse movimento provocou
não apenas a “liberalização econômica” como também foi
responsável pela quebra de empresas, transferências patrimoniais, mudanças nos padrões tecnológicos, alteração
dos métodos e modelos de gestão e eliminação de empregos, entre outros (Negri e Pacheco, 1993; Negri, 1996).
Neste período, em continuidade com a década anterior,
mesmo em menores proporções, verificou-se um processo de interiorização econômica e populacional do Estado. Segundo Araújo (1992), esse processo ocorreu em um
espaço concentrado num raio de aproximadamente 150 km
a partir do centro da metrópole, abrangendo as regiões de
Campinas, São José dos Campos, Santos e Sorocaba.
Considerando-se as estimativas dos saldos migratórios, resultantes das entradas e saídas de migrantes do
Estado de São Paulo, nas últimas décadas, é possível avaliar o impacto desse cenário econômico na dinâmica demográfica paulista. Essas estimativas foram realizadas
com base nas diferenças entre o crescimento populacional proveniente dos censos demográficos (IBGE) e o
saldo vegetativo calculado com os nascimentos e óbitos
disponíveis no Sistema de Estatísticas Vitais (Fundação
Seade).
No tocante à dinâmica migratória, observou-se que, depois de registrar um arrefecimento bastante acentuado da
migração nos anos 80, o Estado voltou a exibir ganhos
migratórios na década de 90. Nesse período, o volume de
migração estadual foi de 147 mil migrantes ao ano, ou seja,
praticamente triplicou em relação ao registrado entre 1980
e 1991 (51 mil). A taxa anual do Estado passou de 1,8
migrante por mil habitantes, entre 1980 e 1991, para 4,3
por mil, entre 1991 e 2000 (Gráfico 1).
Apesar da recuperação migratória nos anos 90, em termos prospectivos, dificilmente o ritmo de migração retornará aos patamares atingidos até os anos 70, quando a
migração chegou a responder por 42% do crescimento
populacional paulista.
Comparativamente aos anos 80, a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP apresentou diminuição nas perdas migratórias, revertendo o saldo anual migratório negativo de 26 mil migrantes, registrado entre 1980 e 1991,
para um saldo anual positivo de 24 mil migrantes, entre
1991 e 2000. A capital caracterizou-se como a grande área
de evasão de população do Estado, exibindo uma perda
de 68 mil pessoas ao ano, entre 1980-1991. Nos anos 90,
verificou-se lenta diminuição da evasão populacional da
capital e um ganho migratório dos outros municípios da
RMSP, que passaram a registrar a maior taxa de migração do Estado: 11,4 migrantes ao ano por mil habitantes
nos anos 90.
O interior demonstrou ganhos migratórios importantes:
o saldo migratório anual que era de 77 mil pessoas entre
1980 e 1991, passou a ser de 123 mil pessoas, entre 1991
e 2000, o que representou um aumento de 60% no volume
de migração no período 1980-2000.
Mediante as considerações estabelecidas, pode-se dizer que, mesmo diante de um contexto de grandes transformações econômico-sociais, o Estado de São Paulo conGRÁFICO 1
Evolução da Taxa Anual de Migração
Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo
e Interior – 1980-2000
Fonte: Fundação Seade.
(1) Corresponde ao Estado de São Paulo, excluindo os municípios da Região Metropolitana
de São Paulo.
69
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
tinuou protagonizando o processo de redistribuição da população no território brasileiro, destacando-se como a
principal área de atração populacional do país.
Refletir sobre as tendências prospectivas da migração,
para o Estado de São Paulo, é uma tarefa de extrema complexidade. Na verdade, diante da estreita relação que os deslocamentos populacionais guardam com outras dimensões
econômicas, sociais e culturais, a construção de hipóteses
para o comportamento futuro da migração torna-se um exercício de reflexão sobre os rumos a serem seguidos pela economia das áreas envolvidas nos fluxos migratórios.
A seleção das hipóteses de comportamento futuro da
migração procurou vincular e aproximar as tendências econômicas e populacionais, tomando-se como base as taxas
anuais de migração. Ressalte-se que as taxas de migração
constituem um indicador bastante refinado para se pensar
a projeção da migração, pois ao relacionar o volume dos
saldos migratórios com a população total, essa taxa expressa o impacto da migração na população de cada área.
A elaboração das hipóteses futuras de migração para o
Estado de São Paulo teve, como cenário, os supostos formulados para a RMSP e o interior.
Para a metrópole, supôs-se lenta redução das taxas migratórias ao longo do período da projeção. Essa tendência
estaria relacionada a uma redução da evasão populacional
da capital e a uma diminuição das taxas migratórias recentes observadas nos demais municípios metropolitanos.
Para o interior do Estado, considerou-se que as regiões
mais dinâmicas, situadas no entorno metropolitano, tenderiam a exibir uma diminuição das taxas migratórias ao
longo do período da projeção. Para as regiões situadas a
oeste do Estado, a tendência seria de uma manutenção ou
mesmo uma lenta recuperação nas taxas migratórias, de
modo que estas áreas reduziriam a perda populacional e
conseguiriam reter mais a população, e para as regiões
centrais supôs-se uma manutenção das taxas migratórias
durante todo o período da projeção.
Dessa forma, as hipóteses resultantes para o total do
Estado de São Paulo foram de redução das taxas migratórias registradas no período 1991-2000, de modo que, no
horizonte de 2025, contaria com uma taxa de 1,6 migrante ao ano por mil habitantes.
nhecida há vários anos, tem permitido obter estimativas
confiáveis dos níveis e das estruturas de fecundidade para
Estado de São Paulo e suas regiões desde os anos 60. Em
São Paulo, o uso das estatísticas do Registro Civil associado à aplicação, na década de 90, da Declaração de Nascidos Vivos, apresenta grande vantagem em relação às
estimativas obtidas pelos dados censitários. Com os primeiros bancos de dados, a fecundidade é calculada direta
e anualmente, ao contrário dos censos, cujas estimativas
são para intervalos de aproximadamente dez anos. A partir da década de 90, a PNAD tem permitido estimar a fecundidade anualmente, porém sua amostra não permite
desagregações para áreas menores como regiões administrativas ou municípios. A importância do Censo Demográfico e da PNAD, fontes de informação produzidas pelo
IBGE, é, entretanto, imensurável em muitas regiões brasileiras, nas quais foram e ainda são a única fonte confiável para estimar a fecundidade. Além disso, são, de forma
geral, as que permitem revelar o comportamento reprodutivo das mulheres conforme características, como instrução, raça/cor ou renda, que denunciam as diferenças
da população de acordo com os grupos sociais.
Assim, o Estado de São Paulo conta com estimativas
de fecundidade calculadas com estatísticas do Registro Civil desde os anos 60 e sua evolução tem sido analisada
por diversos autores (Camargo e Yazaki, 2002; Campanário e Yazaki, 1994; Wong, 1986; entre outros), e é possível acompanhar o processo de transição da fecundidade
das mulheres paulistas, assim como projetar tendências
futuras para esse comportamento.
A diminuição da fecundidade no Estado de São Paulo
é observada desde os anos 60, entretanto as quedas foram
mais acentuadas no início das décadas de 70 e de 80, desencadeando alterações importantes no ritmo de crescimento da população, bem como alterações em sua estrutura etária.
A Taxa de Fecundidade Total – TFT, no período 19601980, passou de 4,7 a 3,4 filhos por mulher, uma redução
de aproximadamente 27% (Gráfico 2). No início da década de 80, foi registrada nova queda importante e esta tendência foi contínua até o início dos anos 90, quando se
observou uma estabilização da taxa em torno de 2,3 filhos por mulher. Ao final dessa década, foi registrado um
pequeno aumento nas taxas de fecundidade, para, em seguida, apresentar uma diminuição no período 1998-2002.
Assim, em 2000, a fecundidade foi de 2,2 e em 2002 chegou a 1,9 filho por mulher, valor inferior ao nível de reposição.1
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS
DA FECUNDIDADE
A disponibilidade de dados de nascimentos produzidos pela Fundação Seade, cuja qualidade tem sido reco-
70
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
GRÁFICO 2
No Estado de São Paulo, como em todo o país, a fecundidade das adolescentes de 15 a 19 anos é elevada
quando comparada à de outros países (Europa ou Japão).
Assim, a fecundidade em São Paulo caracteriza-se por
atingir níveis baixos, com uma estrutura jovem, em que a
taxa mais elevada é observada entre 20 e 25 anos, configurando uma curva com cúspide do tipo precoce.
Entre 1960 e 2000, a redução da fecundidade em todas
as faixas etárias foi bastante importante, com exceção do
grupo de 15 a 19 anos. Nele, a fecundidade diminuiu entre 1960 e 1980, mas depois se manteve praticamente no
mesmo nível, ao redor de 70 filhos para cada mil jovens e
somente a partir de 2000 tem mostrado sinais de redução.
Na faixa de 20 a 24 anos, cuja fecundidade oscilava em
torno de 240 nascimentos por mil mulheres, na década de
60, passou para 188 nascimentos, em 1980, e atualmente
registra uma taxa de 104 nascimentos, apresentando reduções importantes no período: 23% e 45%, respectivamente. Nos grupos etários seguintes, 25 a 29 e 30 a 34
anos, a variação chegou a ultrapassar os 60%. Dos 35 a
39 anos, a fecundidade é mais baixa e registrou queda de
aproximadamente 70% no período; nos grupos etários
seguintes, a fecundidade, já bastante reduzida, diminuiu
para menos de 10 filhos por mil mulheres, no grupo de 40
a 44 anos, e para menos de um filho, no de 45 a 49 anos.
Evolução da Taxa de Fecundidade Total
Estado de São Paulo – 1960-2002
Fonte: Fundação Seade.
Cabe lembrar que essa diminuição reflete as quedas
ocorridas em todas as regiões, independentemente de seus
níveis de desenvolvimento socioeconômico, indicando que
a queda é universal. Contudo, os dados censitários e de
pesquisas demográficas evidenciam que as alterações ocorridas a partir dos anos 80 refletem, sobretudo, as diminuições da fecundidade dos grupos que estavam menos avançados no processo de transição, ou seja, dos grupos menos
favorecidos da população (população rural, menos instruída, etc.).
Os estudos sobre os determinantes da queda da fecundidade no país apontam que a transição foi resultado de
um complexo conjunto de transformações econômicas,
sociais, culturais e institucionais (Carvalho; Wong, 1996;
Campanário; Yazaki, 1994, entre outros). Destacam também que essa queda deveu-se principalmente à utilização
de dois métodos anticoncepcionais: a pílula e a esterilização, cujas prevalências entre as mulheres unidas alcançam 55% nas décadas de 80 e 90, no Estado de São Paulo
(Bemfam-IRD, 1986; Bemfam-DHS, 1996).
As mudanças nos níveis de fecundidade são acompanhadas pelas alterações em suas estruturas por grupos de
idade, isto é, a fecundidade diminui em todas as faixas
etárias, mas, em especial, nas mulheres com mais de 30
anos, concentrando-se, assim, entre 20 e 30 anos, como
mostra o Gráfico 3.
GRÁFICO 3
Taxa de Fecundidade, por Idade da Mãe
Estado de São Paulo – 1960-2002
Fonte: Fundação Seade.
71
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Esta análise da evolução da fecundidade em São Paulo, brevemente apresentada, serviu de insumo para a elaboração das hipóteses de comportamento feitas para o nível
e a estrutura da fecundidade até 2025.
Embora a diminuição da fecundidade pareça ser contínua no início dos anos 2000, espera-se que essa tendência
nos próximos anos seja de desaceleração, tendendo à estabilização, pois muitas das regiões em que se subdivide
o Estado já registram valores bem baixos (em torno de
1,5 filho por mulher), próximos dos níveis verificados em
países europeus; como por exemplo, 1,7 filho por mulher
na França, em 1993, 1,5 na Holanda, em 1993, 1,3 na Itália, em 1991 (Nações Unidas, 1995; 1999), países em que
a fecundidade registra valores abaixo do nível de reposição há algum tempo.
A projeção das taxas de fecundidade por idade seguiu
um modelo que utiliza a relação existente entre o nível de
fecundidade e sua estrutura etária. O modelo baseia-se na
relação decrescente existente entre as taxas específicas de
fecundidade e a diminuição das respectivas TFTs, em todos os grupos etários, com exceção do primeiro, de 15 a 19
anos. Neste grupo, as taxas são praticamente constantes com
a queda das TFTs, como foi observado anteriormente. Entretanto, análise dos dados e de tendências de outros países
revelou que a tendência deste grupo jovem de mulheres seria decrescente ou de estabilização. Dessa forma, estimase que as mulheres, no Estado de São Paulo, tenderão a compor suas famílias em idades mais jovens, com a maior
concentração no grupo etário entre 20 e 24 anos.
Para a projeção dos níveis de fecundidade, isto é, das
TFTs, considerou-se que a fecundidade tenderá a níveis
baixos e estáveis. Por um lado, esta redução deverá ser fortemente influenciada pelo timing da queda no período 19802000, queda esta que, ao que tudo indica, continuará existindo em ritmo mais lento. Por outro lado, no futuro, o nível
da fecundidade deverá alcançar um limite baixo. Para a
projeção dos valores da TFT, no período 2000-2025, admitiu-se um cenário em que as mulheres paulistas assumiriam uma fecundidade de 1,8 filhos por mulher.
É conhecido o impacto positivo sobre as condições de
saúde, durante as décadas de 40 e 50, causado pelas medidas adotadas na área de saúde pública e saneamento
básico, pela introdução dos antibióticos e conseqüente
redução da incidência e letalidade, ou mesmo erradicação de diversas doenças infecciosas e parasitárias. A população infantil, que em geral representa o setor populacional mais sensível às agressões do meio ambiente, foi
beneficiada pela diminuição bastante rápida dos riscos de
morte por doenças infecciosas. Dessa forma, as mortes precoces foram reduzidas substancialmente, com reflexos diretos sobre a vida média da população.
Durante a década de 60 e a primeira metade dos anos
70, os fatores determinantes desse processo já não produziam os mesmos efeitos. Em primeiro lugar, foi alcançada uma redução importante da incidência das doenças infecciosas, de forma que os ganhos, a partir daí, passaram
a ser sistematicamente menores. Em segundo, o rápido
crescimento populacional das cidades não foi acompanhado pela expansão, no mesmo ritmo, da infra-estrutura urbana de serviços básicos, acarretando um rápido processo de deterioração da qualidade de vida nos setores
periféricos das grandes cidades e aumentando sensivelmente os diferenciais de mortalidade entre o centro e a
periferia urbana.
Como reflexo direto desses fatores e do agravamento
das condições socioeconômicas, a mortalidade infantil
inverteu a tendência histórica e passou a apresentar aumentos sistemáticos desde meados da década de 60 até a
primeira metade dos anos 70. No entanto, ainda na década de 70, as intervenções governamentais na área da saúde, com ênfase na rede de serviços básicos, de atendimento
médico-sanitário, da cobertura de vacinas, etc., trouxeram
ganhos visíveis com os indicadores de saúde. Este novo
comportamento interferiu, de forma direta, na diminuição
das taxas de mortalidade infanto-juvenil e adulta e no aumento da esperança de vida estimada para 1980.
Durante a década de 80, a permanência da tendência
de redução dos riscos de morte da população infanto-juvenil representou uma contribuição importante para o crescimento da esperança de vida ao nascer. Nas demais faixas etárias, observou-se aumento da mortalidade da
população masculina com idades entre 15 e 39 anos e relativa estabilidade naquelas acima dos 40 anos; enquanto
para a população feminina, registrou-se redução da mortalidade em todas as idades.
No período mais recente, 1991 a 2000, o aumento das
probabilidades de morte nas idades entre 15 e 39 anos se
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS
DA MORTALIDADE
A evolução da esperança de vida no Estado de São
Paulo, no período 1940-2000, caracteriza-se por ganhos
importantes de anos de vida média, nas décadas de 40 e
50, e por uma diminuição sistemática desses ganhos ao
longo das décadas subseqüentes (Tabela 1).
72
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
contrapôs aos ganhos obtidos pela população infantil, e a
esperança de vida ao nascer, no Estado, aumentou em 2,1
anos.
Os diferenciais de tendência da mortalidade resultaram
no aumento inferior da esperança de vida masculina em
relação à feminina. Enquanto a mortalidade para as mulheres diminuiu em praticamente todas as idades, para os
homens os ganhos obtidos com a redução da mortalidade
infanto-juvenil foram parcialmente anulados pelo forte
aumento da mortalidade dos adultos jovens. A ampliação
da diferença entre a esperança de vida feminina e masculina passou de 2,39 anos, em 1940, para 8,82 anos em 2000.
A origem da concentração das diferenças entre os adultos jovens fica mais nítida quando se observam as tendências dos riscos de morte em cada faixa etária, tanto para a
população masculina como para a feminina, no período
1950-2000. Foram representadas, no Gráfico 4, as probabilidades de morte q(x) masculinas e femininas para todas as idades.
O conjunto de curvas demonstra as alterações no padrão etário da mortalidade masculina causadas pela tendência de aumento da mortalidade nas faixas etárias de
15 a 39 anos. Nas idades entre 15 e 24 anos, as probabilidades de morte q(x), em 2000, superam os níveis observados 50 anos antes. Trata-se de um retrocesso muito intenso nos níveis de mortalidade, que distorce o padrão
anterior da mortalidade masculina, diferenciando-o fortemente do padrão feminino, que mantém aproximadamente a mesma estrutura das décadas anteriores.
GRÁFICO 4
Probabilidades de Morte q(x), por Sexo
Estado de São Paulo – 1950-2000
TABELA 1
Evolução da Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo
Estado de São Paulo – 1940-2000
Ano
1940
Homens
e0
Incremento
44,29
Mulheres
e0
46,68
8,46
1950
52,75
63,67
59,32
65,48
63,30
70,02
64,87
66,75
6,72
3,22
73,24
1,88
2000
6,16
4,54
1,57
1991
4,63
1,81
3,98
1980
3,14
7,78
0,28
1970
Examinou-se, mais detalhadamente, as tendências das
principais causas de morte no Estado, com o objetivo de
caracterizar melhor o comportamento evolutivo de cada
uma delas, em especial do grupo de causas externas e da
Aids. Foram elaboradas taxas de mortalidade para a faixa
etária de 15 a 39 anos, adotando-se, como critério de classificação para as causas de morte, uma compatibilização
dos Capítulos da Classificação Internacional de Doenças,
relativas à nona e décima revisões. Foram selecionados
alguns capítulos de maior peso para efeito de comparação com aquele das causas externas. A mortalidade por
Aids foi considerada isoladamente, devido a sua elevada
incidência e rápido crescimento nesta faixa etária.
2,39
55,89
59,04
Diferença
entre os Sexos
e0 (fem.) - e0 (masc.)
9,21
6,29
1960
Incremento
Fonte: Fundação Seade.
8,37
2,33
75,57
8,82
Fonte: Fundação Seade.
73
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
No caso da mortalidade masculina, verifica-se o papel
predominante das causas externas com relação aos demais
capítulos, tendo sua tendência de aumento ocorrido em
duas etapas: de 1980 a 1989, seguindo-se um curto período de decréscimo até 1992; e de 1993 a 2002, quando
foram registrados aumentos sucessivos, atingindo o nível
máximo em 1999. Os anos de 2000 e 2002 já indicam uma
quebra de tendência com redução visível no Gráfico 5. É
importante salientar que a taxa de mortalidade por causas
externas passou de um patamar de 150 por 100 mil habitantes, em 1980, para um outro próximo de 245 óbitos por
100 mil, em 1999, diminuindo para 222 em 2002. Esse
aumento das mortes por causas externas foi decisivo na
tendência geral da mortalidade masculina no grupo etário
de 15 a 39 anos. Entre as causas externas que atingem essa
população, os homicídios aparecem em primeiro lugar,
seguidos pelos acidentes de veículo a motor. Com relação às demais causas de morte agrupadas nos capítulos
selecionados, não se verifica uma tendência nítida de aumento, prevalecendo certa estabilidade ou pequeno decréscimo, como, por exemplo, as doenças do aparelho circulatório, a partir de 1989.
GRÁFICO 5
Taxa de Mortalidade da População de 15 a 39 Anos, por Sexo, segundo Grupos de Causas de Morte
Estado de São Paulo – 1980-2002
Fonte: Fundação Seade.
74
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
Resta, então, o caso da epidemia de Aids, que se destaca pela rápida ascensão entre 1988 e 1994, representando
um outro fator de risco importante que se soma àqueles
associados com as causas externas. A taxa de mortalidade por Aids, a partir de 1991, passou a superar todas as
taxas calculadas por capítulo, com exceção daquelas referentes às causas externas. Em 1995 ocorreu uma inversão de tendência da mortalidade por Aids, diminuindo
efetivamente até 2002.
Para a população feminina, o panorama é muito distinto do anterior. Primeiramente, os níveis de mortalidade
são bem inferiores aos dos homens, tornando necessária
uma adaptação da escala do Gráfico 5 para uma melhor
visualização das tendências. Em segundo, as taxas por
causas externas, além de bem inferiores, oscilam muito
ao longo do período de observação: identifica-se um acréscimo sistemático, entre 1980 e 1986, e um posterior decréscimo até 1992, voltando a apresentar taxas crescentes
entre 1993 e 1996, tal como se verificou para a população
masculina. Assim, as taxas mudaram a tendência e declinaram até 2002. Entre as causas externas que atingem a
população feminina, as de maior peso são os acidentes de
veículos a motor e os homicídios. Quanto aos demais capítulos selecionados, há uma nítida tendência de queda
observada nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório: em 1980, igualavam-se ao nível do capítulo das causas externas, diminuindo sistematicamente
até 2002. As taxas por neoplasmas apresentaram certa
estabilidade com algumas flutuações e os demais capítulos registraram pequeno declínio.
As taxas de mortalidade por Aids da população feminina cresceram rapidamente a partir de 1988, superando
os níveis de vários capítulos e se igualaram, em 1994, às
taxas de mortalidade por neoplasmas. Nos anos de 1995 e
1996, a taxa de mortalidade por Aids, na faixa etária de
15 a 39 anos, passou a superar todas as demais causas,
com exceção daquelas referentes às causas externas. O
nível de mortalidade permaneceu praticamente constante
nesses dois anos, e passou a cair sistematicamente em seguida, apresentando a mesma quebra de tendência já observada para os homens.
A evolução da mortalidade no modelo de projeção demográfica para o Estado de São Paulo foi operacionalizada por intermédio de pressupostos sobre as mudanças futuras da esperança de vida ao nascer, por sexo, e pela
determinação de probabilidades de sobrevivência, por
idade e sexo, coerentes com a evolução esperada para a
composição das causas de morte da população paulista.
Para medir a evolução da esperança de vida ao nascer,
seguiram-se os parâmetros do modelo desenvolvido pelas Nações Unidas sobre a evolução da mortalidade. Tal
modelo, desenvolvido com base na evolução da mortalidade observada em uma grande quantidade de países, apresenta ganhos qüinqüenais de esperança de vida de acordo
com o nível inicial. Na medida em que a esperança de vida
aumenta, os ganhos diminuem sistematicamente.
As probabilidades de sobrevivência, por idade e sexo,
correspondentes às esperanças de vida projetadas, foram
determinadas por meio de interpolações nas tábuas-modelo de mortalidade elaboradas para o Estado de São Paulo.
Foram consideradas as alterações do padrão etário provocadas pela influência das causas externas de mortalidade.
A evolução futura da esperança de vida, até 2025, para
o Estado de São Paulo, considerou que a população feminina viveria, em média, 80,38 anos, e a masculina viveria
72,25 anos.
CENÁRIOS FUTUROS
DA POPULAÇÃO PAULISTA
A população residente no Estado de São Paulo era composta de 36.974.378 pessoas, na data do Censo Demográfico de 2000 (IBGE), concentrando 22% da população
brasileira. O ritmo de crescimento observado na última
década foi de apenas 1,82% ao ano, praticamente a metade do registrado na década de 70. Em trinta anos, a população paulista mais que dobrou (Tabela 2).
O modelo de projeção adotado pela Fundação Seade,
que considera a interação dos três componentes demográficos: fecundidade, mortalidade e migração na simulação
dos possíveis cenários futuros para a população paulista,
TABELA 2
Evolução da População Residente
Estado de São Paulo – 1970-2000
Ano
População
1o de julho
1970
17.670.013
1980
24.953.238
1991
31.436.273
2000
36.974.378
Fonte: Fundação Seade; IBGE.
75
Crescimento
Absoluto
Anual
Taxa Anual
de Crescimento
(%)
728.323
3,51
589.367
2,12
615.345
1,82
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
já previa essa desaceleração no ritmo de crescimento, com
as hipóteses formuladas ainda com as informações disponíveis na década de 80. A confirmação dessa tendência
descarta, definitivamente, as afirmações recorrentes naquele momento sobre a expectativa de “vertiginoso crescimento populacional” do Estado de São Paulo.
As hipóteses de comportamento elaboradas para os
componentes demográficos no futuro, com base no Censo Demográfico de 2000 (IBGE) e das estatísticas vitais
recentes (Fundação Seade), deverão resultar na continuidade deste processo de desaceleração do ritmo de crescimento. A população paulista deverá atingir um volume de
48.974 mil habitantes, em 2025. A redução gradativa das
taxas de crescimento esperadas responderá por um ritmo
de crescimento populacional de aproximadamente 0,73%
ao ano, no qüinqüênio 2020-2025.
Essas alterações na dinâmica populacional definirão
diferentes estruturas etárias, nos primeiros 25 anos do século XXI. Trata-se de um conjunto de informações deci-
sivas para adaptação e formulação de políticas públicas
específicas para os contingentes populacionais relativos
a cada grupo etário.
Na tentativa de ressaltar a relevância das informações
decorrentes das projeções populacionais, tornando-as mais
úteis para aqueles que refletem sobre os impasses da intervenção pública em um país como o nosso, de muita
carência e poucos recursos para investir na área social, os
resultados são aqui apresentados de duas formas. A primeira é a pirâmide etária populacional projetada, que revela uma população marcadamente adulta, em pleno processo de envelhecimento populacional (Gráfico 6). A
segunda é a evolução do volume populacional em cinco
grandes grupos etários, que explicita a tendência diferenciada de crescimento de cada um deles e indica a pressão
demográfica resultante em diversos setores da sociedade
(Gráfico 7).
O envelhecimento populacional fica mais explícito ao
se comparar a evolução da idade mediana da população pau-
GRÁFICO 6
Pirâmide Etária da População Residente, por Sexo
Estado de São Paulo – 2000-2025
Fonte: Fundação Seade; IBGE.
76
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO
GRÁFICO 7
População Residente, por Faixas Etárias
Estado de São Paulo – 1980-2025
Fonte: Fundação Seade; IBGE.
lista. No ano 2000, a divisão populacional em volumes iguais
estava concentrada na idade de 25 anos. Já em 2025, esse
corte deverá ser registrado na idade de 35 anos. Outro dado
interessante, que confirma as alterações na estrutura etária,
é relativo ao grupo etário de maior destaque em volume.
Em 2000, esse grupo era de 15 a 19 anos, enquanto em 2025
esse destaque deverá ficar com a parcela populacional com
idades entre 40 e 44 anos, que representa justamente o grupo etário de 15 a 19 anos, 25 anos depois.
A população idosa, representada pelo contingente com
mais de 65 anos, será a parcela que mais crescerá. Seu
ritmo de crescimento, nos próximos 25 anos, deverá ser,
em média, 3,8% ao ano. A principal conseqüência será a
elevação da participação desse contingente na população
total que deverá dobrar, passando de 6%, em 2000, para
12% em 2025. O contingente populacional correspondente
deverá atingir um volume de 5.734 mil pessoas, o que significa um aumento de 2,5 vezes em relação aos 2.261 mil
recenseados em 2000. As mulheres idosas continuarão
sendo maioria neste grupo etário.
Uma conseqüência dessa evolução pode ser percebida
na razão de dependência da população idosa, calculada pela
relação entre este grupo etário e a população potencialmente
mais ativa, entre 15 e 64 anos. Em 2000, esse indicador era
9,1, enquanto em 2025 passa a 17,0, demonstrando um
importante aumento na pressão que os idosos terão em relação à população contribuinte, por exemplo, para a Previdência Social. Outro importante impacto será na área da
saúde, em que o volume crescente de idosos demandarão
maior número de consultas, exames e internações.
A segunda parcela que mais crescerá nos próximos anos
é a população de 50 a 64 anos. Seu ritmo de crescimento
deverá ser de 3,2% ao ano, nos próximos 25 anos. Concentrará cerca de 18% da população paulista e deverá atingir um total de 8.727 mil pessoas. Nesse grupo, as mulheres também serão maioria, mas a razão entre os sexos não
será tão diferenciada: 1,1 mulher para cada homem.
A população adulta, entre 30 e 49 anos, será a parcela
a apresentar o maior volume: 14.836 mil pessoas, concentrando 30% da população total residente no Estado de São
Paulo. Nesse grupo, deverá existir um equilíbrio populacional entre os dois sexos. A taxa média de crescimento
esperado para os próximos 25 anos deverá ser de 1,4% ao
ano, aproximando-se mais do ritmo de crescimento do total
da população (1,1%).
Os contingentes populacionais com menos de 30 anos
deverão manter, aproximadamente, o mesmo volume até
2025, apresentando taxas médias de crescimento negativas, mas muito próximas de zero. Também neste grupo o
equilíbrio entre a população para ambos os sexos será
perfeito: uma mulher para cada homem.
O grupo jovem-adulto, com idades entre 15 e 29 anos,
deverá ser composto por 10.246 mil pessoas em 2025,
volume bastante semelhante ao registrado em 2000, que
era de 10.366 mil. Esse comportamento deverá manter
estável a pressão por novos empregos, no futuro.
77
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Já a população com menos de 15 anos deverá contar
com 9.430 mil pessoas em 2025, decrescendo em média,
0,12% ao ano. Esta redução é conseqüência direta da tendência decrescente esperada para os níveis de fecundidade. Nesse grupo, é possível separar duas parcelas que demandam necessidades distintas: as crianças com menos de
4 anos e a população em idade escolar, entre 7 e 14 anos.
Esse comportamento demográfico permite dizer que, no
futuro, não haverá aumento da pressão resultante na área
de educação, cuja resposta deste setor, para garantir a cobertura da população com idade regular para cursar o ensino fundamental, poderá trabalhar com uma perspectiva
segura de manutenção dos níveis de demandas em um patamar estável e constante. Contudo, a área de saúde infantil também contará com volumes uniformes nos próximos
25 anos, auxiliando no planejamento de serviços especiais
para essa população infantil, como o dimensionamento
estável de doses de vacina e serviços de saúde maternoinfantil, por exemplo.
As análises realizadas decorrem de projeções que guardam implícitas em seus resultados hipóteses de comportamento esperado para os componentes demográficos. As
informações apresentadas pretendem servir de subsídios
aos encarregados pelas formulações de políticas públicas
e para planos específicos, que considerem a população
residente no Estado de São Paulo como público-alvo.
O conhecimento da ordem de grandeza da população
no futuro e sua composição por sexo e idade, considerando aspectos apontados que sinalizam a dinâmica da população e o processo de mudança de seu perfil, torna possível trabalhar com um retrato mais aproximado para este
começo de século. A concentração de esforços, para um
preparo antecipado para atender às demandas emergentes
da população, pode reduzir, quando não for possível evitar, os problemas e as dificuldades a serem enfrentadas
pela população paulista amanhã.
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79
SÃO
80-90, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
INDICADORES SOCIAIS
por que construir novos indicadores como o IPRS
HAROLDO DA GAMA TORRES
MARIA PAULA FERREIRA
NÁDIA PINHEIRO DINI
Resumo: O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a experiência da Fundação Seade na construção de
indicadores sociais, particularmente o Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS e seu sistema de
indicadores. Também são apresentados os resultados do IPRS 2000.
Palavras-chave: indicadores sociais; dados estatísticos; desenvolvimento humano.
Abstract: This article describes the experience of Fundação Seade in creating social indicators, particularly
the São Paulo Index of Social Responsibility – IPRS and its system of indicators. It includes a presentation of
the results of IPRS 2000.
Key words: social indicators; statistical data; human development.
E
ntre as aspirações das agências produtoras de dados e informações estatísticas – como o Seade –
uma das mais importantes talvez seja a de que os
formuladores de políticas públicas utilizem efetivamente
a sua produção para o planejamento e a avaliação de políticas. Em tese, a utilização de informações e resultados
estatísticos, tanto na definição de metas como na
priorização e direcionamento das intervenções, possibilitariam mais rapidez e eficiência ao gestor público para
atingir seus diferentes objetivos. Entre outras coisas, as
estatísticas constituem instrumento importante para: desenvolver melhor as políticas sociais, permitindo o acompanhamento e a evolução dos processos; aumentar o consenso social sobre as difíceis escolhas diante do sempre
presente constrangimento dos recursos; revelar e criar responsabilidades dos diferentes atores envolvidos nesses processos; e incluir na agenda de políticas sociais temas muitas
vezes negligenciados no campo de ação de determinada
política setorial (como a questão racial, por exemplo).
Atualmente, é crescente a demanda que a Fundação
Seade recebe tanto de órgãos públicos como da mídia para
fornecer e organizar estatísticas. Portanto, essa procura é
um indício de que essa aspiração e esse desafio vêm-se
concretizando. Responder a esse desafio não é trivial. Envolve não apenas a organização de bancos de dados e seu
tratamento, mas a compreensão de como a informação é
apreendida e utilizada pelos usuários. Existe relativo consenso de que a melhor (e mais arriscada) forma de “comunicar” complexos fenômenos sociais de modo mais simples tem sido pela utilização de indicadores, no que pese
as dificuldades e os problemas metodológicos envolvidos
na elaboração desses instrumentos.
Nesse sentido, a proposta deste artigo é produzir uma
reflexão a respeito da produção de indicadores, seus riscos e suas possibilidades. Em particular, descrevemos aqui
a experiência da instituição no processo de construção de
indicadores sintéticos de desenvolvimento em nível municipal, especificamente os que compõem o sistema de
indicadores do Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS. Esses indicadores foram criados no Fórum
São Paulo – Século XXI, por solicitação de seus componentes, que requereram a construção de indicadores sintéticos que permitissem captar, de forma contínua, a progressão do desenvolvimento dos municípios paulistas em
direção à sociedade desejada e discutida amplamente nesse
Fórum.
80
INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
condições de trabalho, quais direitos legais e políticos
usufruem seus cidadãos, que liberdades possuem para
conduzir suas relações sociais e pessoais, como se
estruturam as relações familiares e entre os gêneros e como
estas estruturas promovem ou dificultam outros aspectos
da atividade humana. E, sobretudo, saber de que forma a
sociedade em questão permite às pessoas imaginar, maravilhar-se e sentir emoções, o que efetivamente faz com
que a vida seja mais do que um conjunto de relações comerciais (Nussbaum e Sen, 1998).
A ênfase em diferentes componentes para a mensuração
da qualidade de vida implica considerar vários aspectos,
que não são transferíveis entre si. Não é suficiente conhecer somente as condições econômicas, também deve-se
ter informações sobre a saúde, conhecimento e habilidades, relações sociais, condições de trabalho, etc., para
medir o nível de vida. O IDH propôs-se a enfrentar este
desafio, sintetizando em um único indicador dimensões
de renda, longevidade e escolaridade.
Apesar de o sucesso alcançado pelo IDH, a escolha das
dimensões cobertas pelo índice bem como as estratégias
de ponderação e de operacionalização das diferentes dimensões têm provocado bastante desconforto na comunidade produtora de dados. Não poderia ser diferente, pois
quem lida com estatísticas sociais sabe que ao reduzir em
um único número a complexa evolução e dinâmica do
desenvolvimento social e econômico, faz-se uma série de
reduções e simplificações, muitas vezes difíceis de serem
captadas por não-especialistas ou mesmo aplicadas no
âmbito do senso comum.
Apesar dessas objeções, é inegável a importância do
IDH como medida catalisadora, que introduz na agenda
temas em que as Nações Unidas gostariam de ver ventiladas. Nas palavras de Sen “... o índice imperfeito falou alto
e claro e recebeu uma atenção inteligente e, através desse
veículo, a realidade complexa contida no Relatório1 encontrou também uma audiência interessada”1 (PNUD,
1998).
Simultaneamente ao processo de difusão do IDH nos
anos 90, há uma nova ênfase em políticas sociais descentralizadas, focalizadas e que envolvem a participação de
atores não governamentais. Isso reforça a demanda por
diferentes tipos de indicadores ao nível nacional e local.
Com o advento do IDH, há um verdadeiro boom na produção de indicadores sintéticos para países, Estados, municípios e até distritos ou bairros em diferentes países em
desenvolvimento, como Índia, Honduras, Guatemala,
Costa Rica e Brasil (PNUD, 1999; PNUD, 2000).2
Um dos principais responsáveis por esse renovado interesse por estatísticas para políticas sociais é o Índice de
Desenvolvimento Humano – IDH, lançado no início dos
anos 90 e que, rapidamente, tornou-se a mais conhecida
das medidas de desenvolvimento. Valendo-se do impressionante sucesso do IDH, as Nações Unidas tornaram-se
capazes de sinalizar aos governantes dos diversos países
e regiões em desenvolvimento, a proposição de que buscar crescimento não é sinônimo exclusivo de fazer aumentar a produção. No bojo desta questão, tem sido possível
constituir um considerável debate internacional a respeito de que, pelo menos, a melhoria das condições de saúde
e educação da população deve também ser considerada como
parte fundamental do processo de desenvolvimento.
A construção desse novo indicador de desenvolvimento reflete a estreita relação com os debates em torno da
mensuração da qualidade de vida. A rigor, um indicador
sobre esse tema se baseia na admissão de que a qualidade
de vida não se resume à esfera econômica da experiência
humana. A grande questão que se coloca quando se pretende avaliar o nível de prosperidade ou qualidade de vida
de um país, região ou município é como fazê-lo. Quais as
informações necessárias? E talvez o mais importante, quais
os critérios verdadeiramente significativos para o desenvolvimento humano.
É possível que a medida de qualidade de vida mais difundida, até o surgimento do IDH, tenha sido o PIB per
capita. No entanto, conhecer o PIB per capita de um país
ou região não é suficiente para avaliar as condições de
vida de sua população, uma vez que, também, é necessário conhecer a distribuição desses recursos e como se dá
o acesso a eles.
Esse entendimento, de que o PIB per capita é uma
medida insuficiente para avaliar a qualidade de vida das
pessoas, já estava evidente na década de 50, quando em
1954 um grupo de especialistas das Nações Unidas propôs que, além da dimensão monetária, outras dimensões
deveriam ser consideradas na avaliação da qualidade de
vida das pessoas.
Essa idéia se baseia no pressuposto de que o progresso
de um país ou localidade não pode ser mensurado apenas
pelo dinheiro que possuem (ou carecem) seus cidadãos,
mas também em sua saúde, na qualidade dos serviços
médicos e em sua educação. Essas medidas deverão ser
consideradas não só pela disponibilidade mas também pela
qualidade. Da mesma forma, é necessário conhecer as
81
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
- a maioria dos indicadores construídos refere-se a valores agregados para áreas específicas, tais como médias de
renda ou de anos de estudo. Isso pode encobrir importantes desigualdades existentes dentro das áreas, ou mesmo
situações de segregação. Nesse caso, a unidade geográfica é muito importante, uma vez que, quanto menor o tamanho da área maior a possibilidade de identificar situações de desigualdades e/ou segregação. Esse fato é
particularmente importante quando se constrói índices para
municípios de diferentes portes populacionais com a pretensão de compará-los;
Uma vez que, com o avanço da descentralização, a mensuração do desenvolvimento tornou-se mais central para os
governos locais e nacionais que pretendem introduzir políticas de desenvolvimento social e econômico no local. O principal motivo desse comportamento parece ser o fato de que
os indicadores são vistos como poderosas ferramentas, não
somente para o planejamento, mas também como formas dos
governos democráticos se relacionarem com a opinião pública e a mídia e com as pressões vindas dos políticos tradicionais e demais forças locais (PNUD, 2000).
Existe pouca certeza a respeito de que indicador ou
indicadores seriam adequados ou suficientes, especialmente se o pesquisador considera a questão do ponto de vista
de uma política pública específica quanto ao local
(Inforegio, 2000). Assim, quando um gestor de políticas
públicas pretende utilizar um indicador como ferramenta
de avaliação e acompanhamento da política social, algumas questões importantes precisam ser analisadas: Como
produzir um indicador para pequenas áreas? Este indicador será sensível a variações de curto prazo? Ou seja, é
condizente com o tempo de execução da política social?
Estas são apenas algumas das várias questões que surgem
quando os gestores públicos e a sociedade tornam-se
demandantes de indicadores que serão utilizados para tomadas de decisões e avaliações.
Em geral, deve-se considerar que:
- a percepção de que algumas regiões são desenvolvidas
e outras não está no centro dos principais dilemas das
políticas nacionais e internacionais do último século, particularmente desde o processo de descolonização. No entanto, a construção de medidas de desenvolvimento não é
simples. Ela implica identificar, medir e comparar as dimensões que caracterizam esse fenômeno, bem como suas
transformações ao longo do tempo;
- em regimes democráticos, o processo de formulação de
políticas envolve convencimento e geração de consensos.
Assim, as variáveis utilizadas para orientar as estratégias
de uma particular política social devem ser simples e desfrutar de muita credibilidade no governo, tanto interna
como externamente.
Em síntese, a demanda por novos índices parece ser
parte de uma tendência dos governantes de tornar cada
vez mais racionais os processos de tomadas de decisão.
Soma-se a isso a maior utilização dos indicadores pela
sociedade civil e pela mídia, que os utilizam para traçar
um panorama da questão social nacional ou local.
Assim, ao passarem também a produzir indicadores, em
especial os sintéticos, várias organizações produtoras de
dados entenderam que, apesar de suas limitações, eles
podem transformar-se em mensagens fortes e, nesta condição, tornarem-se aliadas na criação de uma cultura de
responsabilidade e na realização efetiva dos direitos humanos, ambos comportamentos indispensáveis para a construção de sociedades que anseiam por um desenvolvimento
sustentável e com a democratização da sociedade do conhecimento. No entanto, estamos bem longe de produzir
indicadores que respondam efetivamente a todos os requisitos desejáveis do ponto de vista de sua perfeita utilização por parte dos gestores públicos. A seguir, alguns
esforços realizados pelo Seade nesse campo.
- apesar de serem na teoria ferramentas ideais para políticas públicas, os indicadores criados dificilmente possuem, ao mesmo tempo, os atributos classicamente tidos
como indispensáveis a um bom indicador, como: credibilidade, simplicidade, desagregação espacial, reprodutibilidade, comparabilidade, periodicidade, acurácia, baixo
custo e sensibilidade;
POR QUE CONSTRUIR O IPRS
O Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS
passou a ser desenvolvido pela Fundação Seade em 2000,
após uma encomenda de um índice que refletisse o desenvolvimento e a qualidade de vida dos municípios paulistas.
A construção desse indicador partiu, a princípio, de uma
avaliação das experiências com outros indicadores municipais, particularmente o IDH-M (o IDH desenvolvido para
municípios do Brasil). Avaliou-se que este indicador, no
- muitas políticas sociais são planejadas e aplicados para
um período relativamente pequeno, em geral um mandato
governamental. Assim, os indicadores deveriam poder
expressar as variações ocorridas nesse intervalo de tempo, o que não é fácil, diante da lógica do processo de coleta e produção de dados;
82
INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS
caso de São Paulo, apresentava pouca diferenciação entre as diversas situações socioeconômicas observadas nos
municípios paulistas, e não era adequado aos objetivos da
Assembléia Legislativa.
Uma das primeiras tarefas na construção do IPRS referia-se ao problema de como combinar as diferentes dimensões (renda, escolaridade, etc.) que se deseja representar no índice. O IDH tinha optado pela média aritmética,
opção simples mas arbitrária. Contudo, dentro do
paradigma adotado para a construção do IPRS, no qual a
mensuração da qualidade de vida pressupõe considerar
vários aspectos não transferíveis entre si, nenhuma das
dimensões poderia ser utilizada para substituir a outra, nem
hierarquizável. Dessa forma, não existe forma objetiva ou
imparcial pela qual seria possível decidir qual de duas
pessoas está melhor, se uma delas possui, por exemplo,
uma saúde deficiente, porém melhores condições socioeconômicas que a outra.
A rigor, ao se considerar a qualidade de vida como
multidimensional, duas questões surgem. A primeira é o
fato de que não existe nenhuma teoria universal que aponte
quais componentes são essenciais para a mensuração da
qualidade de vida. É desejável que esses componentes reflitam os problemas que afetam todas as condições de vida
e sejam de tal importância que em todas as sociedades se
façam esforços organizados e coletivos para combatê-los.
Erikson (1998), discutindo a experiência sueca, alerta para
o fato de que esses componentes dependem da situação e
cultura do lugar. Destaca também o caráter político das escolhas, selecionando-se somente os componentes passíveis
de sofrerem intervenção pelas políticas públicas.
A segunda questão é o fato de que a multidimensionalidade implica tornar impossível a elaboração de um único indicador ordenável de condições de vida. Assim, uma
das formas de contornar esse “problema” seria a descrição das condições de vida feita com base em um conjunto
de indicadores que expressariam a situação da população
estudada para cada uma das dimensões consideradas na
mensuração da qualidade de vida. A desvantagem desse
tipo de abordagem é o grande número de indicadores necessários e a dificuldade na visualização de uma imagem
geral das condições de vida.
Uma alternativa a esse enfoque é a criação de uma
tipologia que permita distinguir as diferentes situações que
configuram as condições de vida de uma população. Observe-se, entretanto, que esse procedimento de classificação, mesmo incapaz de ordenar essas situações, permite
distingui-las claramente, o que, com certeza, é o que im-
porta quando se pensa no desenho de políticas públicas
específicas para cada grupo de municípios.3
O sistema de indicadores IPRS, cujo objetivo é permitir a caracterização e o acompanhamento da evolução dos
municípios paulistas, foi organizado valendo-se da idéia
de que a tipologia de municípios é um modo mais transparente de hierarquizar as diferentes situações sociais observadas do que por qualquer estratégia arbitrária de ponderação. Ele é originalmente composto por um conjunto
de indicadores sintéticos que mais à frente derivam diferentes tipos de municípios. Pelo IPRS, é possível o agrupamento de municípios de acordo com as características
relevantes para a definição de prioridades de ação e, no
interior de cada grupo, a construção de rankings de municípios, segundo os indicadores específicos. Outra característica do sistema IPRS é permitir a identificação dos
problemas que colocam os municípios em situação de
vantagem ou desvantagem em relação aos demais municípios do Estado de São Paulo.4
Índice Paulista de Responsabilidade Social
Tomando-se por base esses desafios, considerou-se que
o indicador a ser construído deveria conter certas
especificidades. A primeira seria preservar as três dimensões que compõem o IDH – renda, longevidade e escolaridade –, tendo em vista o interesse em se manter consistente com o paradigma do desenvolvimento humano
proposto pelo PNUD. A segunda, a inclusão de variáveis
capazes, na medida do possível, de captar mudanças de
curto prazo e os esforços dos municípios em relação às
três dimensões consideradas. Em terceiro lugar, basear-se
prioritariamente em registros administrativos, por causa
da cobertura e periodicidade dessas fontes de dados, o que
permitiria a atualização do indicador para os anos entre
os censos demográficos e para todos os municípios do
Estado de São Paulo. Assim, as variáveis escolhidas para
compor são distintas daquelas empregadas no cálculo do
IDH, apesar de representarem as mesmas dimensões: renda, longevidade e escolaridade.
Para cada uma das três dimensões consideradas, foram
criados, para 1992, 1997 e 2000, indicadores sintéticos
que permitem a hierarquização dos municípios paulistas
conforme seus níveis de riqueza, longevidade e escolaridade. Esses indicadores estão expressos em uma escala
de 0 a 100 e se constituem em uma combinação linear das
variáveis selecionadas para compor o indicador sintético.
A estrutura de ponderação foi obtida de acordo com um
83
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
QUADRO 1
Síntese das Variáveis Selecionadas e Estrutura de Pesos Adotada,
segundo Dimensões do IPRS
Dimensões
Riqueza Municipal
Variáveis
Consumo de energia elétrica residencial (44%)
Consumo de energia elétrica na agricultura, no comércio e em serviços (23%)
Rendimento médio dos empregados com carteira assinada e do setor público (19%)
Valor adicionado per capita (14%)
Longevidade
Mortalidade infantil (30%)
Mortalidade de adultos de 60 anos e mais (20%)
Mortalidade de adultos de 15 a 39 anos (20%)
Mortalidade perinatal (30%)
Educação
Porcentagem de jovens de 15 a 19 anos que concluíram o ensino fundamental (26%)
Porcentagem de jovens de 20 a 24 anos que concluíram o ensino médio (24%)
Porcentagem de crianças de 10 a 14 anos alfabetizadas (24%)
Porcentagem de jovens de 15 a 24 anos alfabetizadas (23%)
Porcentagem de matrículas de ensino fundamental oferecidas pela rede municipal (3%)
Fonte: Fundação Seade. IPRS.
modelo de análise fatorial, em que se estuda a estrutura
de interdependência entre diversas variáveis. O Quadro 1
apresenta as variáveis que compõem os três indicadores
sintéticos e a estrutura de ponderação obtida para cada
uma das dimensões consideradas.
O indicador riqueza municipal procura captar, ao mesmo tempo, a riqueza do município (por intermédio das
variáveis: consumo de energia elétrica na agricultura, no
comércio e em serviços e valor adicionado per capita) e a
renda familiar (por meio das variáveis: consumo de energia elétrica residencial e rendimento médio dos empregados no setor privado com carteira assinada e setor público). Esse indicador pode ser reproduzido anualmente, uma
vez que isso ocorre também nas variáveis que o compõem.
As fontes de informação utilizadas foram os registros administrativos fornecidos pelas Secretarias de Estado dos
Negócios da Fazenda e da Energia do Estado de São Paulo e do Ministério do Trabalho e Emprego.
O indicador de longevidade, expresso pela combinação
de quatro taxas de mortalidade específicas a determinadas
faixas etárias – mortalidade perinatal, infantil, de adultos de
15 a 39 anos e a de pessoas de 60 anos e mais – pretendeu
destacar as dimensões da mortalidade consideradas relevantes para o estudo da qualidade de vida no Estado de São Paulo.
Assim, devido às especificidades do Estado, com crescente
mortalidade de adultos e significativos problemas de óbitos
maternos e perinatais, que abrange os natimortos, enfatizouse essas dimensões. As fontes de informação utilizadas fo-
ram os dados do registro civil, organizados e disponibilizados
pela Fundação Seade.
A opção por um indicador fundamentado em quatro
tipos de mortalidade, em detrimento da esperança de vida
que, a rigor, permite captar as condições médias da mortalidade de determinada região para todos os diferentes grupos
de idade, baseou-se no fato de que a esperança de vida
carrega forte componente inercial e, portanto, de pouca
sensibilidade a variações conjunturais e incapaz de revelar
as particularidades da mortalidade em diferentes regiões.
Na construção do indicador de escolaridade, enfatizouse a situação escolar dos adolescentes e jovens. As razões
para isso foram, em primeiro lugar, o fato de que o nível
de escolaridade dos jovens e adolescentes reflete, com
maior precisão, a situação geral do sistema de ensino nos
últimos anos. Em segundo lugar, como os jovens comporão no futuro a força de trabalho. Os locais com menor
escolaridade de jovens tendem e tenderão a ter, em geral,
mais problemas no que diz respeito à inserção desses indivíduos no mundo do trabalho, uma vez que esse mercado é
crescentemente seletivo de acordo com a escolaridade.
Diferentemente dos indicadores de riqueza municipal
e longevidade o de escolaridade é embasado em dados
primários: censos demográficos e contagem da população.
A principal razão para isso foi a ocorrência de mudanças,
na década de 90, no questionário do censo escolar – fonte
alternativa para a produção desses indicadores – que dificultou a construção de séries históricas.
84
INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS
QUADRO 2
reprodução, sintetizou-se os três indicadores sintéticos de
riqueza municipal, longevidade e escolaridade em escalas categóricas, que expressam o “padrão geral” dos grupos criados. Para os indicadores de longevidade e escolaridade, foram identificadas três categorias – Baixa, Média
e Alta – e para o de riqueza municipal duas categorias –
Baixa e Alta. O Quadro 2 apresenta a descrição dos cinco
grupos de municípios.
Síntese dos Critérios Adotados para a Formação dos Grupos de Municípios
Grupos
Categorias
Grupo 1
Alta riqueza, média longevidade e alta escolaridade
Alta riqueza, média longevidade e média escolaridade
Alta riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade
Alta riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade
Alta riqueza, alta longevidade e média escolaridade
Alta riqueza, alta longevidade e alta escolaridade
Grupo 2
Resultados do IPRS 2000
Alta riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade
Os Mapas de 1 a 3 apresentam a distribuição dos municípios conforme os indicadores sintéticos de riqueza,
longevidade e escolaridade, principais resultados obtidos
por meio da reprodução da tipologia de municípios em
2000.
Por estes mapas, é possível observar em primeiro lugar
a concentração dos municípios mais ricos na Região
Metropolitana de São Paulo, em parte do litoral e no eixo
em torno das rodovias Anhangüera e Presidente Dutra
(Mapa 1). Para o indicador de longevidade, Mapa 2, notase uma grande concentração de municípios localizados nas
regiões sul e leste, incluindo partes do Vale do Paraíba,
com baixos níveis de longevidade. A maior parte dos
municípios do Estado apresenta níveis médios e altos de
longevidade, com grande concentração no oeste de municípios com altos níveis de longevidade. No indicador de
escolaridade, Mapa 3, observa-se um padrão semelhante ao
apresentado pelo indicador de longevidade, destacando-se o
melhor perfil do Estado em relação a este indicador.
O Mapa 4 apresenta as distintas situações existentes
entre os municípios paulistas, e é possível traçar um perfil dos municípios que compõem cada um dos cinco agrupamentos:
- Grupo 1: composto por 81 municípios localizados ao
longo das principais rodovias do Estado de São Paulo –
Presidente Dutra e Anhangüera. É o maior grupo na questão populacional com aproximadamente 23 milhões de
habitantes. Fazem parte deste grupo os municípios de São
Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos,
Sorocaba e Santos entre outros. Os municípios desse grupo se destacam em relação aos demais municípios do Estado por apresentar, ao mesmo tempo, níveis mais elevados de riqueza e nos indicadores sociais.
Alta riqueza, média longevidade e baixa escolaridade
Alta riqueza, baixa longevidade e média escolaridade
Grupo 3
Baixa riqueza, média longevidade e média escolaridade
Baixa riqueza, alta longevidade e média escolaridade
Baixa riqueza, média longevidade e alta escolaridade
Baixa riqueza, alta longevidade e alta escolaridade
Grupo 4
Baixa riqueza, baixa longevidade e média escolaridade
Baixa riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade
Baixa riqueza, média longevidade e baixa escolaridade
Baixa riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade
Grupo 5
Baixa riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade
Fonte: Fundação Seade. IPRS.
O indicador de escolaridade é bastante assemelhado
ao IDH, que combina as taxas de matrícula nos ensinos
fundamental, médio e superior com os níveis de analfabetismo adulto. De modo geral, as taxas de conclusão refletem as condições gerais de ensino, enquanto as de analfabetismo, que inclui as pessoas analfabetas e com até 1 ano
de estudo, indicam a proporção de indivíduos totalmente
excluídos do sistema escolar, apontando para a questão
dos níveis de exclusão.
Com a combinação dos três indicadores, foi criada uma
tipologia que classifica os 645 municípios do Estado de
São Paulo em cinco grupos com características similares
de riqueza municipal, longevidade e escolaridade. A
tipologia de municípios criada constitui-se em ferramenta analítica que permite identificar a situação de cada um
dos municípios paulistas em cada uma das três dimensões
da análise. Da mesma forma, nenhuma delas é privilegiada a despeito de outra.
A construção dessa tipologia baseou-se em técnicas
estatísticas multivariadas (Seade, 2001) que agrupam
municípios de acordo com a similaridade existente entre
eles nas três dimensões consideradas. Para fins de simplificação da descrição dos grupos criados e sua posterior
- Grupo 2: formado por 48 municípios, cerca de 5 milhões de pessoas, localizados sobretudo no entorno das
Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, caracteriza-se por apresentar um perfil de
85
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
MAPA 1
Indicador Sintético de Riqueza Municipal
2000
Fonte: Fundação Seade. IPRS.
MAPA 2
Indicador Sintético de Longevidade
2000
Fonte: Fundação Seade. IPRS.
86
INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS
MAPA 3
Indicador Sintético de Escolaridade
2000
Fonte: Fundação Seade. IPRS.
MAPA 4
Índice Paulista de Responsabilidade Social
2000
Grupo 1
Fonte: Fundação Seade. IPRS
87
Grupo 2
Grupo 3
Grupo 4
Grupo 5
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
relativa riqueza municipal e situação social inadequada
com precárias condições de longevidade e escolaridade.
Identificam-se, neste conjunto de municípios, três importantes segmentos: 1) municípios industriais, como Mauá,
Cubatão, Diadema e Guarulhos, localizados nos entornos
das regiões metropolitanas, cuja riqueza municipal pode
ser considerada elevada devido, sobretudo, à presença de
indústrias de grande porte; 2) municípios que abrigam
condomínios de alto padrão, como Barueri, Cotia e
Itapecerica da Serra; 3) municípios turísticos, tais como
Guarujá, Campos do Jordão, Ilhabela, Ibiúna e Atibaia.
efetiva, a heterogeneidade regional do Estado de São Paulo. Segundo essa classificação, os municípios pertencentes ao Grupo 1 localizam-se principalmente ao longo do
eixo das Rodovias Dutra e Anhangüera, e têm o Município de São Paulo como vértice; os municípios do Grupo 2
concentram-se nos entornos metropolitanos de São Paulo, Campinas e Baixada Santista; já os municípios do Grupo 3 encontram-se, principalmente, no oeste do Estado;
enquanto os municípios dos Grupos 4 e 5 tendem, por sua
vez, a ficar mais concentrados nos bolsões de pobreza do
Vale do Ribeira e das Serras do Mar e da Mantiqueira.
Quando se comparam esses resultados com os obtidos
em 1997, observa-se a permanência do padrão já identificado naquele ano. Apesar de não ser objeto deste artigo a
comparação da evolução dos indicadores setoriais entre
esses dois períodos, é interessante salientar os expressivos progressos nas dimensões de longevidade e, principalmente, escolaridade. Quanto aos níveis de riqueza
municipal, praticamente, não houve alteração entre os anos
1997 e 2000.5
- Grupo 3: engloba 211 municípios; em geral, são de
pequeno porte, baixo nível de riqueza municipal e elevadas condições de escolaridade e de longevidade, quando
comparados ao restante do Estado de São Paulo. Localizam-se nas regiões norte e oeste do Estado, com uma população de 3,5 milhões de habitantes, ou uma média de
16,7 mil habitantes. Quanto ao porte populacional, as exceções são Franca e Santa Bárbara d’Oeste, ambos com
mais de 100 mil habitantes. Entre as possíveis explicações para a emergência destas localidades está seu pequeno
tamanho populacional, que, em tese, é um elemento que
poderia tornar mais transparentes e eficazes os instrumentos de política de descentralização em saúde e educação.
Além disso, os dados demográficos disponíveis apontam
para a continuidade do padrão histórico de emigração
nestas áreas. Em princípio, esse elemento torna menos
premente a necessidade de investimentos em infra-estrutura viária para a urbanização de novas áreas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IPRS compartilha com o IDH a perspectiva de que o
desenvolvimento é um processo que, além dos aspectos
econômicos, necessita incorporar dimensões da vida social e da qualidade de vida dos indivíduos.
O IPRS, idealizado como um diálogo com o IDH e com
o paradigma do desenvolvimento humano, incorpora certas especificidades decorrentes das condições particulares do Estado de São Paulo:
- priorização de indicadores que produzem variações num
período de quatro ou cinco anos, que corresponde ao tempo
de uma gestão governamental, constituindo-se assim em
uma importante ferramenta para o monitoramento de políticas públicas;
- Grupo 4: agrega 191 municípios, com 3,5 milhões de
habitantes, que, de modo geral, apresentam baixo nível
de riqueza municipal e níveis intermediários de escolaridade e/ou longevidade. Esses municípios estão localizados em quase todas as regiões do Estado, com destaque
para áreas tradicionalmente consideradas problemáticas.
- Grupo 5: formado por localidades tradicionalmente
pobres, caracterizadas por baixos níveis de riqueza municipal, longevidade e escolaridade. Este grupo concentra
os piores municípios do Estado, tanto em riqueza como
nos indicadores sociais. Seus 114 municípios localizamse em áreas bem específicas do Estado, como o Vale da
Ribeira e as Serras do Mar e da Mantiqueira. Sua população total é de apenas 2 milhões de habitantes.
- criação, não de um único índice, mas de uma tipologia
de municípios que agregam características comuns, possibilitando a identificação dos principais problemas econômicos ou sociais de um município;
- indicadores do IPRS são fundamentados em critérios relativos, definidos com base na situação apresentada pelo
próprio Estado. Este fato permite a construção de um quadro muito mais heterogêneo da diversidade paulista do que
o proporcionado pelo IDH, que utiliza escalas ajustadas à
heterogeneidade observada na comparação entre os diversos países.
Entre os resultados apresentados, é possível identificar os perfis específicos de cada um dos cinco agrupamentos e também perceber padrões espaciais que demonstram que os indicadores gerados caracterizam, de forma
88
INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS
ERIKSON, R. Descripciones de la desigualdad: el enfoque sueco de la
investigación sobre el bienestar. In: NUSSBAUN, M.; SEN, A.
(Comp.). La calidad de vida. México: Fondo de Cultura
Económica; The United Nations University, 1998.
Assim, esse conjunto de indicadores fornece mais subsídios para se refletir a respeito dos elementos que induzem diferentes performances econômicas e sociais dos
municípios paulistas. No entanto, a continuidade dessa
proposta apresenta novos e importantes desafios, e um dos
mais importantes é a compreensão sobre a heterogeneidade
existente no interior do município. Pois, apesar de o IPRS
revelar a heterogeneidade existente entre os municípios,
há também uma heterogeneidade no interior de cada município, implicando desafios às políticas públicas estaduais
e municipais, em especial no campo do combate à pobreza. Uma vez que, mesmo os municípios mais ricos do
Estado, como São Paulo e Campinas, apresentam em seu
interior significativos bolsões de pobreza, que constituem
recorrente dificuldade para uma satisfatória resolução de
seus problemas sociais.
Nesse sentido, vêm sendo desenvolvidos, em uma segunda etapa do IPRS, estudos que objetivam captar a
heterogeneidade intra-urbana, utilizando-se dos Setores
Censitários, como unidade geográfica e dos dados dos
Censos Demográficos. Da mesma forma, está se buscando a criação de indicadores que permitam captar os esforços municipais para melhorar a situação de seus habitantes nos campos da saúde e educação.6
FUNDAÇÃO SEADE. Índice paulista de responsabilidade social.
Atualização. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo,
2003a.
________ . Índice paulista de responsabilidade social. Cluster de
pobreza região administrativa de Campinas. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2003b.
________ . Índice paulista de responsabilidade social. Geração do
indicador de esforços em saúde. São Paulo: Assembléia Legislativa
de São Paulo, 2003c.
________ . Índice paulista de responsabilidade social. São Paulo:
Assembléia Legislativa de São Paulo, 2001.
________ . Cadernos do fórum: São Paulo, século XXI. São Paulo:
Assembléia Legislativa de São Paulo, 2000.
________ . Prestação de serviços para a elaboração do projeto
priorizando o saneamento no Estado de São Paulo. São Paulo,
1998a. Mimeografado.
________ . Prestação de serviços especializados de consultoria para
a realização de estudos, pesquisas, análises, sistematização,
georreferenciamento e disseminação de indicadores socioeducacionais para o Estado de São Paulo. São Paulo: 1998b.
Mimeografado.
________ . São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo, 1993, v.
1-6.
________ . Pesquisa de condições de vida na região metropolitana
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GOUVÊA, G. Uma salto para o presente: a educação básica no Brasil.
São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.14, n.1,
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HADDAD, S.; PIERRO, M. Satisfação das necessidades básicas de
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Paulo, Fundação Seade, v.14, n.1, 2000.
NOTAS
1. Trata-se do Relatório de Desenvolvimento Humano publicado anualmente pelo Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD).
IBASE. Observatório da Cidadania, n. 3. Rio de Janeiro, 1999a.
________ . Cadernos do Observatório, n. 0. Rio de Janeiro, 1999b.
2. No Brasil, existem mais de 10 diferentes índices produzidos para
municípios (PNUD et al., 1998; Seade, 2001) e intramunicipais para
grandes cidades como São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Santo André,
Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Campinas e Brasília. Parte dessa
produção pode ser encontrada na Internet em: <www.pbh.gov.br>;
<www.ipea.gov.br> e <www.undp.org.br>.
________ . Observatório da Cidadania, n.2. Rio de Janeiro, 1998.
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3. Ressalte-se, porém, que a opção pela criação de um único indicador, no caso do IDH, mostrou-se bastante adequada a seu objetivo de
ordenar de forma simples e inteligível unidades geográficas, segundo
o grau de desenvolvimento humano.
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Zahar, 1965.
4. A Fundação Seade já possuía experiência na criação de tipologias,
como os grupos socioeconômicos da Pesquisa de Condições de Vida
na Região Metropolitana de São Paulo, realizada em 1990.
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5. Uma análise detalhada da evolução dos indicadores IPRS está apresentada no relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003a).
NICOLAU, J. Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro:
Foglio, 1993.
6. Para maiores detalhes ver relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003b; c).
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90
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 91-103, 2003
SPMULHERES EM DADOS
SPMULHERES EM DADOS
MARIA CECÍLIA COMEGNO
Resumo: A conquista de direitos formais para as mulheres parece diluída na persistência de práticas discriminatórias tanto no espaço público como no privado. A informação é um dos elementos indispensáveis ao exercício da plena cidadania e ferramenta para a formulação de políticas públicas. O artigo trata de um sistema de
informações sobre temas estruturantes na vida das mulheres no Estado de São Paulo que permite diagnosticar
diversos processos em curso nas relações de gênero.
Palavras-chave: políticas públicas; gênero; mulheres paulistas.
Abstract: The achievement of formal rights by women is diluted by the persistence of discriminatory practices
both in the public and private spheres. Information is one of the essential elements towards full social participation
and is a tool in the formulation of public policy. This text discusses a system of information on the state of
women in São Paulo State and permits a diagnosis of the diverse processes underway in gender relations.
Key words: public policy; gender; women of São Paulo State.
N
as últimas décadas, registraram-se avanços significativos nas relações entre homens e mulheres, mas persistem ainda práticas discriminatórias, tanto no espaço público como no privado. Essas práticas foram mundialmente reconhecidas pela necessidade de ampliação do conceito de direitos humanos, que
adquiriram significado e alcance novos quando a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim (1995), declara que “os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável,
integrante e indivisível dos direitos universais”. Essa concepção foi incorporada aos tratados e acordos assinados
nos anos 90 entre nações, com efeitos diretos no âmbito
interno dos países signatários das convenções, como é o
caso do Brasil, colocando novos desafios e oportunidades para os órgãos institucionais de direitos da mulher
no que diz respeito à definição de políticas públicas de
gênero. Nesse sentido, um dos mais importantes instrumentos que introduz essa visão é a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw, ratificada pelo Brasil em 1984 e
promulgada pelo Decreto no 4.377, de 13 de setembro
de 2002.
Cabe, ainda, ressaltar que quando se focaliza a questão das desigualdades sociais as soluções tornam-se ainda mais problemáticas, uma vez que a capacidade dos
Estados de sustentar políticas de bem-estar social e, desse modo, garantir a universalidade dos direitos sociais, está
altamente comprometida com a reestruturação do sistema
econômico mundial, das economias nacionais e do gasto
público. Acresce-se a esse quadro a expansão da população economicamente ativa, uma das mais importantes
transformações sociais ocorridas no país desde os anos
70, que deriva das mudanças demográficas, culturais e
sociais manifestadas no Brasil e tem como base a necessidade econômica e as oportunidades oferecidas, afetando
em particular esse contingente populacional.
A criação legal do Conselho Estadual da Condição
Feminina – CECF, em 1986, pelo governo do Estado de
São Paulo, mas que por decreto funcionava desde 1983,
iniciou o processo de formulação e implementação de
políticas públicas dirigidas às mulheres, com base na ação
conjunta de entidades femininas e de órgãos executores.
À medida que o CECF ampliava sua área de atuação, com
a multiplicação dos conselhos municipais, e crescia a demanda por subsídios para a aplicação de políticas locais,
91
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
tornou-se evidente a carência de informações sistematizadas sobre a situação das mulheres paulistas. Apesar de
algumas iniciativas pontuais, persistia a dispersão e a fragmentação das informações.
A Fundação Seade, desde 1993, trabalha em parceria
com o Conselho para suprir tal carência. Nesse mesmo
ano, foi firmado entre ambos um convênio de prestação
de serviços técnicos especializados de produção de dados e indicadores sobre a mulher paulista. E desde 1996,
valendo-se de um contrato de cooperação técnica ajustado com a Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional/Fundo para Eqüidade de Gênero, a Fundação
Seade vem trabalhando para a produção de indicadores
sobre a mulher e o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo.
Em 2000, essa parceria se repetiu no Programa de Políticas Públicas, com apoio da Fapesp, para produzir um
sistema de informações que permite diagnosticar a situação da mulher paulista, e, ao mesmo tempo, propiciar a
formulação de políticas e programas públicos pela ótica
de gênero.
Intitulado SPMulheres em Dados e formatado em padrão Internet, esse produto acolhe uma antiga reivindicação do CECF: dispor de estatísticas quanto à situação da
mulher no Estado em suas áreas prioritárias de atuação.
O projeto inscreve-se no campo do fortalecimento dos
mecanismos de promoção da mulher, para integrar suas
demandas nos programas governamentais e ao mesmo
tempo identificar os aspectos críticos na trajetória da
construção das políticas de gênero no Estado de São
Paulo.
A concepção da parceria apresentada neste projeto teve,
entre outros objetivos, a introdução de uma alteração qualitativa e inovadora nos trabalhos do CECF, pois, ao se
apropriar de um sistema de informações selecionadas com
base em seu centro de interesse, passa ele a ter um diagnóstico da situação da mulher no Estado de São Paulo, o
que lhe permite propor políticas públicas prioritárias e
articuladas, sob a perspectiva de gênero, como também
atender a seus diferentes usuários – secretarias estaduais
e municipais, conselhos municipais da condição feminina, entidades de mulheres, etc.
luta pela implementação da Plataforma de Ação aprovada na IV Conferência Mundial das Mulheres.1
Procurou-se, assim, voltar-se para temas que se referem
às áreas prioritárias de atuação do CECF, sobretudo seus
aspectos que incorporam a perspectiva de gênero como
fator transversal em suas respectivas ações programáticas.
Foram, então, selecionados os seguintes temas: demografia, saúde e direitos reprodutivos, educação, trabalho,
violência e participação política. Essa escolha deveu-se,
também, ao fato de eles serem estruturantes na vida das
mulheres e abrirem caminhos para mudanças necessárias.
É preciso salientar que a complexidade que envolve a
questão dos direitos humanos relativos à mulher abrange
um campo de preocupações muito mais amplo do que o
proposto neste projeto, como é o caso, por exemplo, dos
efeitos da globalização sobre a vida das mulheres nas áreas
ambiental, cultural e de acesso a novas tecnologias de
informação e comunicações. De toda forma, esses temas
ainda estão praticamente ausentes da agenda do movimento
de mulheres como também da agenda de pesquisas de
gênero – o que demonstra a baixa capacidade da sociedade
civil e do Estado em pautar tais demandas e propor ações.
A problemática das relações sociais de sexo exige uma
leitura da sociedade de tal forma que desenvolva a percepção da hierarquia entre masculino e feminino e que
essas relações não sejam neutras. A relação social de sexo
ou a noção de gênero é um conceito recente que ainda
apresenta inúmeras controvérsias, mas, graças à produção
acadêmica e à emergência dos movimentos feministas,
após os anos 70, acumulou-se uma série de abordagens
conceituais fundamentais que orientam a leitura do
cotidiano das mulheres.
Perfil Demográfico
As estatísticas demográficas constituem elemento de
diagnóstico importante para identificar as desigualdades
entre os sexos. Embora a variável sexo esteja presente nas
pesquisas e nos recenseamentos, não necessariamente revela as relações socialmente valorizadas e prescritas entre homens e mulheres que permitam, por sua vez, compreender os mecanismos que determinarão os diferentes
comportamentos.
Em sua reflexão quanto às metodologias quantitativas
em pesquisas sobre relações de gênero, Bruschini (1992:
291) assinala que uma “abordagem feminista é o exame
crítico das relações sociais tendo em vista a existência de
um recorte de gênero, que também define desigualdades
ABORDAGENS TEMÁTICAS DIFERENCIADAS
O ponto de partida para estabelecer o referencial temático do SPMulheres em Dados foi a leitura de diversos
documentos, cujos signatários comprometeram-se com a
92
SPMULHERES EM DADOS
sociais”. Não se trata, portanto, de estudo tradicional sobre as mulheres, e a diferença estaria no exame das relações de gênero e na busca de uma resposta à opressão da
mulher pelo gênero. Em análises demográficas, é importante o conhecimento de quem decide o quê, tanto em relação à fecundidade, à saúde como à migração, mas as estatísticas são incapazes de responder corretamente a essas
questões com perguntas individuais e “fechadas”.
Outros autores (Moreira, 1994; Goldani, 1994-2000;
Alves, 1994) têm assinalado as dificuldades para incorporar nos determinantes da fecundidade (ou de outra variável) as relações de gênero, utilizando dados censitários
e pesquisas demográficas e de saúde, devido, basicamente, à ausência de informações diretas capazes de consubstanciá-las. Para dimensionar todos os aspectos da discriminação feminina, Goldani (2000) incorpora a seu estudo
tanto as práticas como as representações individuais, selecionando algumas áreas específicas para captar os indicadores de (des)igualdade de gênero nas famílias: a estrutura diferencial da divisão de trabalho de produção e
reprodução na família, as formas de divisão do poder e
tomadas de decisão pelos membros da família, a sexualidade e os comportamentos sexuais, redes de apoios familiares, violência doméstica, representações de casamento, filhos e família. Esse estudo sinaliza a complexidade
de se construir e obter indicadores adequados para estudos de gênero; na prática, aproximações e adequações são
realizadas utilizando-se os dados e as fontes de informação disponíveis.
Apesar dessas considerações, as informações demográficas são importantes instrumentos para o conhecimento
do perfil das populações feminina e masculina, assim como
para avaliar sua modificação ao longo do tempo, e é um
indicador da persistência ou não da desigualdade entre
homens e mulheres. Principalmente para o planejamento
e a elaboração de políticas públicas referentes ao segmento
feminino, elas permitem quantificar as populações-alvo e
caracterizar as formas de desigualdade de gênero que emergem, sobretudo, quanto aos seus efeitos sobre a saúde das
mulheres e para os quais é preciso elaborar intervenções.
De fato, nas últimas décadas, observam-se modificações no perfil demográfico das mulheres paulistas que
acarretam novas demandas de políticas voltadas para esse
segmento populacional. Elas são principalmente urbanas,
adultas-jovens, diminuíram o tamanho de suas famílias e
várias declaram ser chefes das mesmas.
Ao tratar das especificidades da mulher, é fundamental considerar as desigualdades raciais e de gênero como
resultado do processo histórico que conformou a sociedade brasileira. Estudiosos produziram ampla literatura
mostrando que, no Brasil, as mulheres são mais discriminadas racialmente do que os homens, o que pode ser traduzido em acessos e oportunidades desiguais, gerando
formas freqüentemente perversas de exclusão.
Quando se faz o recorte etário, a população adolescente-jovem constitui uma das maiores preocupações de sociedades, governos e organismos internacionais, visto que
se encontra entre os grupos sociais mais atingidos pelas
rápidas e profundas mudanças da pós-modernidade. Para
este segmento, destacam-se problemas específicos da gravidez e maternidade precoce, que estariam limitando suas
oportunidades de inserção social numa sociedade competitiva.
As mudanças projetadas na pirâmide demográfica também indicam preocupações sobre o envelhecimento populacional e colocam a questão da feminização da velhice, exigindo um olhar atento às relações de gênero.
Existem, ainda, outros problemas relacionados com o
estado conjugal das mulheres, tais como: casamento em
idade sistematicamente inferior à do homem, aceito e
mesmo imposto cultural e socialmente no país; casamento precoce, que muitas vezes alija a mulher do trabalho
fora do lar; viuvez, divórcio e separação que, em geral,
afetam mais a mulher. Nas zonas urbanas, e em especial
nas áreas metropolitanas, constata-se um número crescente
de mulheres que vivem sem cônjuge e com filhos ou simplesmente sozinhas.
Saúde e Direitos Reprodutivos
Na área da saúde, a literatura registra diferenciais entre homens e mulheres com relação às seguintes dimensões: necessidades especiais de atenção à saúde; riscos
específicos ligados a atividades ou tarefas definidas como
masculinas ou femininas; percepção da doença; condutas
de busca de serviços de saúde; grau de acesso e controle
exercido sobre os recursos básicos de atenção a saúde,
tanto no nível intrafamiliar como público; e, no nível
macrossocial, prioridades na distribuição de recursos públicos destinados à saúde e investigação dos problemas
que afetam diferente ou exclusivamente um dos sexos
(Gomez Gomez, 1993).
Nesse sentido, uma análise de gênero reconhece o impacto específico que os problemas de saúde têm em homens e mulheres e procura entender de que modo, pelas
relações e pela ideologia de gênero vigentes, são diferen-
93
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
tes as experiências/ percepções/ necessidades/ papéis de
homens e mulheres com respeito à saúde e seu acesso aos
recursos e benefícios dela própria e ainda como as instituições, estatais ou privadas, encarregadas dos serviços
de saúde, encaram o processo de reforçar ou questionar
os papéis atribuídos socialmente a homens e mulheres
(Casas et al., 1998).
Com a ampliação dos movimentos de mulheres e as
resoluções adotadas pelas diferentes conferências mundiais
de que os direitos reprodutivos são reconhecidos como
direitos humanos, as relações de gênero incorporaram-se
às pautas de debate dos serviços de saúde, propondo alteração no eixo do atendimento, que passa a trabalhar com
o conceito de saúde integral da mulher em todas as fases
da vida, não só no período reprodutivo. Embora esse conceito tenha sido incorporado, desde 1986, como política
pelo Ministério da Saúde, com o Programa de Atenção
Integral à Saúde da Mulher – Paism, “existem ainda grandes distorções e desigualdade de gênero no atendimento
à saúde sexual e reprodutiva, e a qualidade do atendimento ainda deixa muito a desejar” (Galvão; Diaz, 1999: 17).
A saúde reprodutiva é conceituada como um estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doenças ou incapacidades, em todas as questões relacionadas ao sistema reprodutivo.
É preocupante a precocidade cada vez maior do início
da vida sexual, detectada pelo aumento da gestação na
adolescência (Fundação Seade, 1998a) e que apresenta
grandes riscos, em comparação a outros grupos etários.
O aumento da esperança de vida, especialmente para
as mulheres, deve ser acompanhado por uma maior qualidade nas condições de saúde da população idosa, o que
significa assegurar orientação adequada e prevenção de
doenças decorrentes do envelhecimento, além da garantia de acesso aos serviços de saúde com atendimento especializado.
Um estudo de gênero da morbimortalidade implica
necessariamente a análise dos diferenciais entre os sexos
por causas específicas. No Brasil, estima-se que o câncer
do colo do útero seja o segundo mais comum na população feminina, representando 15% de todos os tumores malignos em mulheres, superado apenas pelo de mama.
Embora não existam estatísticas nacionais confiáveis,
foram realizadas várias investigações sobre a mortalidade materna. No Brasil, o risco de morte ou de lesões permanentes em conseqüência de um aborto clandestino depende, em última instância, não só da clandestinidade em
si, mas do poder aquisitivo da mulher (Bacha; Grassioto,
1994). Mulheres pobres, cuja qualidade de vida já está
marcadamente prejudicada pela dificuldade de acesso à
educação, à alimentação e aos cuidados básicos de saúde,
são as que engrossam as estatísticas de mortalidade por
aborto.
É considerável o número de doenças transmitidas sexualmente, representando um grave problema por suas
repercussões médicas, sociais e econômicas. Além das
Doenças Sexualmente Transmitidas – DSTs, existe ainda
a alta incidência de infecção pelo vírus HIV em mulheres, e a vulnerabilidade depende de inúmeros determinantes
sociais, remetendo às formas como homens e mulheres
relacionam-se em nossa sociedade (Simões Barbosa,
1999).
Pouco se conhece acerca do impacto do trabalho sobre
a saúde da mulher. Pesquisadores esclarecem que a aplicação do conceito de gênero contribui e alarga a compreensão do fenômeno do processo saúde-doença ao introduzir
“a dimensão de poder crivada pela desigualdade sexual
para explicar os diferentes impactos que a exposição aos
mesmos riscos químicos, ergonômicos e psíquicos nos
locais de trabalho provocam no homem e na mulher” (Oliveira; Barreto, 1997).
No Brasil, também não existe a dimensão exata do fenômeno da violência doméstica, conjugal e intrafamiliar
na saúde das mulheres. Este ainda é um fato pouco esclarecido, em razão do silêncio feminino e da ausência de
escuta social. Apesar da implantação da Norma Técnica
do Ministério da Saúde para a “Prevenção e Tratamento
dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” (1998), os serviços de saúde não
estão preparados para reconhecer a violência de gênero
como causa dos problemas de saúde das mulheres, especialmente no atendimento médico.
O recorte por grupos raciais também é de suma importância nos estudos de saúde, uma vez que além de predisposições de ordem biológica, fatores ligados a condições
socioeconômicas e padrões culturais podem trazer uma
vulnerabilidade maior em relação a determinadas doenças.
Situação Educacional
No Brasil, como em vários países do mundo, menos ou
mais desenvolvidos, as mulheres – desde a escola primária até a universidade – apresentam melhores resultados
escolares que os homens. De fato, o combate à desigualdade envolve a oferta de serviços sociais básicos, públicos e de caráter universal como mostra o exemplo da edu-
94
SPMULHERES EM DADOS
cação pública em que as mulheres são as maiores beneficiárias da universalização do acesso ao ensino fundamental. No entanto, o paradoxo permanece: se as mulheres
apresentam melhor rendimento escolar, por que os homens,
com o mesmo nível educacional que as mulheres, recebem melhor salário no mercado de trabalho?
As discussões relevantes na temática “mulher e educação” convergem para os seguintes pontos:
- a educação da mulher como importante fator de mudança
sociocultural;
sofram menos reprovações que os meninos de mesma condição social, nem por isso deixam de ser atingidas pelos
reveses do sistema em face da tarefa de promover a formação básica para a cidadania. E, mais grave, as explicações para o insucesso feminino (Abramowicz, 1991) mostram-se diferenciadas daquelas consideradas para o
segmento masculino. Para este segmento, enquanto a retenção é vista e, em alguma medida, aceita como “coisa de
moleque”, a interpretação para o mesmo fenômeno entre
as meninas é bem menos condescendente, prevalecendo
colocações que reacendem velhos preconceitos relativos à
capacidade intelectual da mulher, influenciando negativamente sobre sua auto-estima e sugerindo uma inserção social restrita.
Por fim, perpassando as discussões mencionadas, as
explorações relativas à articulação mulher/educação remetem a uma outra, de natureza diferente, mas nem por
isso de menor importância, que decorre da correlação
positiva existente entre a escolaridade das mães e os elevados níveis médios de anos de estudo e a alta freqüência
à escola dos filhos, fenômeno regular, que ocorre com os
alunos dos ensinos fundamental e médio. Esta recorrência sugere a idéia de que mudanças acentuadas nos níveis
de escolaridade da população também dependem de ciclos geracionais, isto é, da emergência de gerações de mães
instruídas, demandando e facilitando a aquisição de nível
de escolaridade mais elevado para seus filhos (Fundação
Seade, 1998b).
Nessa perspectiva, ressalta-se a importância dos equipamentos coletivos como as instituições de educação infantil – creches e pré-escolas –, para que os filhos não
constituam entraves ao engajamento da mulher no mercado de trabalho, compartilhando, assim, com toda a sociedade, o direito à reprodução, sem punir a mulher no que
se refere à descontinuidade no trabalho e conseqüente reflexo em sua qualificação, competitividade e qualidade de
vida.
- a ampliação do leque de escolha do curso superior avançando para áreas tradicionalmente masculinas; e
- a problemática das diferenças e significados do desempenho escolar de acordo com o sexo.
A educação da mulher é motivo de preocupação para
determinados organismos internacionais, já que seu avanço
é um fator de mudança sociocultural. Todos recomendam
eliminar os estereótipos de gênero das práticas, matérias,
materiais, currículos e instalações educacionais; e eliminar as barreiras que impedem o acesso à educação de adolescentes grávidas ou mães jovens à educação.
Há consenso de que investimentos na educação da
mulher exercem importante papel social, contribuindo para
a melhoria de suas condições de vida ao dotá-la de bagagem cultural que lhe permite agir positivamente na busca
de melhores oportunidades.
A oferta de cursos superiores, tradicionalmente masculinos, ganha força em um cenário de crescentes inovações tecnológicas, em que exigências por novas competências e habilidades colocam-se ao cidadão, superando
cada vez mais restrições definidas a priori, tais como aquelas associadas ao sexo.
Quanto às diferenças de desempenho escolar observadas entre os dois sexos, Madeira (1996) observa que desde a metade dos anos 70 os indicadores educacionais são
ligeiramente favoráveis às meninas, o que requer novas
abordagens para identificar as desigualdades existentes.
No caso do Brasil, é fundamental agregar, além do recorte de gênero, o de raça para visualizar o quadro de desigualdade existente, uma vez que pesquisas indicam diferenças nas taxas de analfabetismo e número de anos de
estudo entre brancos e negros.
Ainda que relevantes, essas discussões, não podem caminhar isoladamente, já que o melhor desempenho da população feminina em relação à população masculina estaria longe de representar uma conquista (Madeira, 1996).
Ou seja, as jovens, sobretudo as de baixa renda, ainda que
Inserção no Mercado de Trabalho
O trabalho, como principal atividade humana, é um dos
fundamentos da organização social, tanto no nível econômico como nas relações entre grupos sociais. Por sua vez,
a noção de divisão do trabalho, de acordo com o sexo,
constitui uma das dimensões relevantes da divisão social
do trabalho e, conseqüentemente, da organização e do
funcionamento de cada sociedade (Hirata; Kergoat, 1994).
A relação entre divisão social e divisão sexual do traba-
95
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
lho, entretanto, não é automática, porque não está condicionada unicamente às formas de produção ou de relações
do trabalho, mas é influenciada também pelas representações e padrões de conduta determinados para cada sexo,
ou seja, pelas relações de gênero criadas no âmbito da
família, cultura, religião, etc.
Ao entrar no mercado de trabalho, as mulheres o fazem
em condições absolutamente desiguais, porque sua existência e habilitação para o trabalho são vistas pelo filtro
da imagem do gênero dominante na consciência dos membros da sociedade, que até parece natural, isto é, biológica. Para elas estão reservadas, primordialmente, funções
associadas à vida privada, ao cuidado com a família e, por
isso, sua inserção profissional seria uma extensão da vida
doméstica, sobretudo nas atividades de cuidado com crianças e adolescentes (professoras), ou adultos (enfermeiras,
psicólogas, terapeutas, etc.), e de manutenção de espaços
domésticos ou empresariais (empregadas domésticas, prestadoras de serviços de limpeza, etc.). Diversas análises
sobre as mulheres no mercado de trabalho indicam uma
tendência à conformação de nichos ocupacionais, espaços
de inserção predominantemente femininos, criados pela
sobreposição de alguns processos sociais ou pela dinâmica do mercado de trabalho (Costa, 1996; Leone, 1998).
As diferenças são visíveis ao se contrapor a remuneração de mulheres e homens, em qualquer momento da história brasileira, sem dúvida um exercício de demonstração da inferioridade do primeiro segmento e a existência
de discriminação que resultam da interação de vários fatores, cujas causas devem ser identificadas (Alves et al.,
1996; Fundação Seade, 1997; Bruschini, 1998).
Um dos aspectos está diretamente relacionado a políticas de enfrentamento da pobreza. É certo que um dos principais determinantes da pobreza seja a baixa disponibilidade de renda per capita,2 e a participação das mulheres
na força de trabalho pode ser um importante fator de redução desse fenômeno. A inserção das mulheres no mercado de trabalho, sejam cônjuges ou filhas, agrega uma
fonte adicional de renda à família, e quanto maiores e
melhores suas oportunidades, maior impacto terão sobre
as condições de vida familiares. Quando a mulher é chefe, essa relação se aprofunda ainda mais, pois sua capacidade de geração de renda é fundamental para compor o
rendimento familiar.
Quanto à situação da mulher brasileira, de modo particular da que vive no Estado de São Paulo, os estudos acusam sua crescente participação no mercado de trabalho
(Bruschini, 1998; Wajnman; Rios Neto, 2000; Fundação
Seade, 2002), embora também cresça o contingente das
que permanecem desempregadas e o das que têm obtido
trabalho em condições menos favoráveis no contexto da
reestruturação econômica, não apenas pela segmentação
do mercado mas pelo tipo de remuneração e de condições
de trabalho (Segnini, 2000).
A análise de programas de intermediação de mão-deobra e capacitação profissional (Fundação Seade, 2000)
mostra que as mulheres têm oportunidades bastante expressivas de acesso a esses programas e a outros de caráter variável, como microcrédito e frentes de trabalho nas
regiões metropolitanas.
Diferentemente de outros países, mesmo latino-americanos, essa situação ocorre em um contexto de políticas
de acesso universal que apenas de forma secundária privilegia a inserção feminina, mas apesar de esses programas não terem sido desenhados explicitamente com a perspectiva de gênero, o certo é que obtiveram como resultado
grande participação feminina.
Violência Contra a Mulher
Os estudos sobre violência contra a mulher, tradicionalmente, têm enfatizado duas ordens de fenômenos: a
violência sexual e a conjugal. Esses tipos de violência singularizaram-se, destacaram-se da massa indiferenciada de
atos violentos, adquiriram face própria e, desse modo,
politizaram-se (Heilborn, 1987).
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pela
Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 1994, e ratificada pelo Brasil em 1995, introduziu conceitos importantes, com vista em melhorar a proteção legal dos direitos das mulheres. Entre esses,
destacam-se o reconhecimento da categoria “gênero”, a
noção de “direito a uma vida livre de violência”, a visibilidade da violência sexual e psicológica e a consideração
dos âmbitos público e privado como espaços de ocorrência de atos violentos contra mulheres.
Além dessas preocupações mais amplas, vários movimentos sociais voltados para a questão da violência contra a mulher também enfatizam temas pontuais, relacionados a mulheres que pertencem a grupos que as colocam
em situação de maior fragilidade: presidiárias, negras,
pobres, etc.
Da mesma forma, o tema violência contra a mulher firmou-se como um “problema de gênero”, configurando-se
como “(...) um conjunto de papéis que são conferidos à
96
SPMULHERES EM DADOS
de participação política adquire uma perspectiva própria
com o deslocamento das prioridades do movimento feminista: uma postura de denúncia dos mecanismos geradores da exclusão e de crítica da natureza do Estado presente até os anos 80, para formulação de políticas que visam
a ampliação dos espaços da mulher no poder (Oliveira
Araújo, 1999).
É nesse cenário que surge, nas últimas décadas do século XX, a formulação e a adoção, em diferentes partes
do mundo, da política de cotas para mulheres ou de cotas
por sexo a fim de reequilibrar a participação das mulheres na política.
Embora em diversos países essa política tenha sido
adotada ao mesmo tempo em diferentes instâncias privadas e públicas, no Brasil, ela teve início nos partidos políticos e sindicatos e consolidou-se pela legislação eleitoral, com a Lei n o 9.100/95, quando foi aprovada a
regulamentação para as eleições de 1996, assegurando uma
cota mínima, em cada partido ou coligação, de 20% de
candidaturas de mulheres para as Câmaras Municipais. A
Lei no 9.504/97 ampliou essa reserva para um mínimo de
30% e máximo de 70% para os candidatos de cada sexo a
todas as instâncias legislativas, eleitos pelo voto proporcional nas eleições de 1998. No entanto, as disposições
transitórias da Lei no 9.504/97 que regulamentaram as eleições de 1998 introduzem uma mudança significativa ao
estabelecer proporcionalidade mínima de 25% e máxima
de 75% para a candidatura de qualquer dos sexos. Como
observa Malheiros (2000), deixa de ser uma medida compensatória para as mulheres e passa a ser uma medida de
redistribuição de poder, a partir de parâmetros mínimos
de eqüidade e universalidade.
Apoiada em experiências de países europeus, essa legislação abre um espaço de intervenção que nem os partidos políticos e nem as próprias mulheres estão preparados para ocupar, levando a bancada feminina e diversas
entidades governamentais e não-governamentais a introduzir em suas agendas a preparação e capacitação de
mulheres para a disputa de cargos eletivos.
Mesmo não correspondendo à capacidade de liderança exercida pelas mulheres em organizações comunitárias
e não-governamentais, a questão da participação da mulher nas estruturas de poder, e particularmente no poder
legislativo local ou nacional, ganhou centralidade e prioridade na agenda dos órgãos oficiais formuladores de políticas públicas, não apenas pela aprovação de leis regulamentando cotas para as mulheres nas candidaturas
partidárias e criando a oportunidade de acompanhar sua
mulher como obrigatórios e dos quais ela não pode afastar-se, sob pena de perder as condicionantes que justificam o ‘respeito’ que a sociedade lhe deve dedicar”
(Pimental et al., 1998).
Embora haja avanços legais alcançados nas últimas
décadas, o que se tornou visível ao sistema de justiça foram questões incorporadas em debates mais amplos, relacionadas aos direitos da cidadania. Permanece invisível
ao sistema boa parte da violência praticada contra a mulher, seja porque não é por ele percebida como problema,
pois escapa a suas categorias e tipificações (especialmente, lesões de natureza psicossocial), seja porque as próprias vítimas se calam perante os poderes instituídos, tanto por medo de vingança de seus agressores, quanto por
desacreditarem nesses poderes como instrumentos legítimos e eficazes de resolução de conflitos.
Não obstante a criação das Delegacias de Defesa da
Mulher – DDM tenha facilitado o registro de queixas,
continuam havendo graves empecilhos para apresentar
quadros mais detalhados e amplos e ao mesmo tempo capazes de caracterizar a complexidade das violências praticadas contra as mulheres.
Participação Política
O tema da relação das mulheres com o poder remete,
prioritariamente, à questão da baixa presença feminina nas
instâncias de representação política, apesar de o Brasil
estar entre os primeiros países da América Latina a instituir, em 1932, o direito da mulher de votar e ser votada.
Fatores estruturais e culturais concorrem para o reduzido acesso da mulher ao poder: desigual divisão do trabalho, atitudes preconceituosas conscientes ou inconscientes contra a mulher, incorporadas até por ela, hábitos
tradicionais e práticas discriminatórias presentes nos partidos políticos e nas estruturas governamentais, estereótipos sociais negativos sobre funções da mulher e do homem, reforçando a tendência de as funções políticas
permanecerem no domínio masculino. As responsabilidades com a família e a criação dos filhos trazem um elevado custo para as mulheres que aspiram a cargos públicos
e conservá-las significa um fator de desestímulo a futuras
candidaturas.
Organismos e fóruns internacionais sobre a mulher vêm
reafirmando a necessidade de se adotarem medidas que
visem a compensar a discriminação e acelerar a igualdade no plano político entre homens e mulheres.3 Dessa forma, a luta das mulheres pela ampliação de seus direitos
97
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
eficácia, mas também pela existência de um hiato importante entre a conquista formal dos direitos e a possibilidade de seu desfrute real.
Nesse sentido, a política de cotas, efetivando-se em um
espaço caracterizado como atividade estruturada, ao menos nos períodos eleitorais, apresenta-se como uma política pública institucional que pode ser analisada com base
nas características de seu processo e dos resultados obtidos com base em indicadores objetivos.
Na exploração dos microdados oriundos das pesquisas
quantitativas e informações fornecidas pelos registros
administrativos, procurou-se estabelecer os seguintes critérios comparativos intersetoriais: recorte de idade, valendo-se de cruzamentos de variáveis com comportamento diferenciado para cada ciclo de vida e inserção social,
pela natureza substantiva do fenômeno ou do programa
setorial de política pública, a fim de fornecer uma visão
multidimensional das populações-alvo; recorte espacial
pela agregação dos dados para Estado, regiões administrativas e municípios, com algumas informações de saúde
apresentadas por Direção Regional de Saúde – com o objetivo de diagnosticar tendências distintas na reprodução
das relações de gênero e regiões prioritárias de intervenção e definir ações públicas que podem ser implementadas por iniciativas regionais, prefeituras, conselhos municipais da condição feminina e comunidades.
Na determinação de potencializar a relação entre produtores (Fundação Seade) e usuários de estatísticas
(CECF), adotou-se um modelo de recuperação de informações flexível e amigável para garantir o acesso de usuários que guardam entre si naturezas diferentes: de formação no manuseio de estatísticas; de interesse ou motivação
com fins individuais ou coletivos; demandas de informações básicas ou mais desagregadas, para grandes aglomerações ou localizadas espacialmente, de utilização imediata, ou, ainda, uma série histórica para uma reflexão mais
profunda. Assim, o sistema de recuperação de informações contém: banco de tabelas, que oferece um conjunto
de indicadores que retratam a realidade captada no tempo
e no espaço, a fim de fornecer informações previamente
elaboradas; acesso de dados numéricos selecionados em
tabelas, – resultado de um cruzamento, com intuito de um
recorte mais restrito no enfoque do plano tabular; banco
de variáveis para que o usuário possa no espaço e no tempo desejados criar seu próprio plano tabular; mecanismos
de localização das informações disponíveis com lista dos
temas e assuntos, índice alfabético dos títulos de tabelas e
variáveis e índice de palavras-chave.
Metodologia de Construção do Banco de Dados
Com vista em produzir indicadores de gênero comparáveis, partiu-se de uma avaliação do que é proposto pelas instituições públicas produtoras de dados estatísticos,
centros de pesquisa universitários, organizações governamentais nacionais e internacionais. Merece destaque a
proposta – Uso de Indicadores de Gênero no Desenvolvimento de Políticas Públicas – desenvolvida pela Unidade
Mulher e Desenvolvimento/Divisão de Estatísticas da
Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina e Caribe – Cepal (2001), em maio de 1999, por
ter como base a seleção das principais dimensões em que
se expressam as desigualdades de gênero, identificadas
pelo “Programa de Acción Regional para las Mujeres de
América Latina y el Caribe, 1995 – 2001 y la Plataforma
de Acción de Beijing”, a comparação entre países e a validada pela Cepal e organismos internacionais especializados. Ao contrapor a proposta da Cepal ao elenco de
indicadores usualmente utilizados no Brasil, evidenciaramse dois tipos de problemas: inadequação de alguns indicadores às situações específicas vivenciadas pelas mulheres brasileiras, demandando, portanto, o desenvolvimento
de novas medidas; e a limitação das informações disponíveis para a captação da dimensão gênero e políticas públicas.
A construção de uma abordagem quantitativa e multissetorial da situação da mulher, relevante para os que devem tomar decisões práticas na condução das políticas
públicas, esbarra na compartimentação das pesquisas, com
objetos e metodologias diferentes, e na própria padronização das ações públicas, cujos registros são adequados
às condições específicas de reprodução do objeto de sua
ação, mas esses critérios comprometem a comparação com
outros registros, que, por sua vez, apresentam as mesmas
características, de aspectos interferentes na vida das pessoas e sobretudo das mulheres.
Algumas Observações Empíricas
Ao agregar informações dispersas e fragmentadas das
mais diferentes fontes de dados, descortina-se um mundo
de reflexão em cada área temática, e, ao apresentar um
conjunto de variáveis por municípios, abrem-se caminhos
para o fortalecimento de ações de gênero em âmbito local. Para efeito deste artigo, alguns indicadores foram
98
SPMULHERES EM DADOS
analisados para explicitar as tendências observadas, na
última década, na situação das mulheres no Estado.
As tendências observadas no comportamento demográfico da população feminina são subsídios importantes para
o planejamento de políticas públicas em setores, como
saúde, educação, lazer, entre outros, pois implicam alterações nas demandas da população. A pirâmide etária, que
ilustra, ao mesmo tempo, a distribuição da população por
sexo e grupos de idade, vem, desde 1991, apresentando
um estreitamento devido à redução da fecundidade e um
alargamento de seu topo, em conseqüência do aumento
da sobrevida da população, indicando crescimento da parcela mais velha da população. Essas mudanças alteram o
formato da representação, ou seja, dentro de alguns anos,
a estrutura da população por sexo e idade se assemelhará
mais a um barril que a uma pirâmide. As Regiões Administrativas de Registro e de São José do Rio Preto representam os extremos neste processo de mudança. Em 1991,
a pirâmide etária de Registro possuía uma base mais larga, afunilando-se à medida que alcançava o topo, o que
indica uma estrutura mais jovem, enquanto a de São José
do Rio Preto, em 2000, apresentava estrutura mais envelhecida, pois o afunilamento da base já era percebido há
três qüinqüênios e a parte correspondente à população
idosa é maior. De fato, o crescimento do segmento de idosos é uma tendência generalizada não só no país, como no
Estado de São Paulo, em que a população com mais de 60
anos correspondia a 7,7% do total em 1991, passando a
9% em 2000. Nessa faixa etária, o contingente feminino
possui participação superior, por causa da sobrevivência
maior. Assim, em 2000, as mulheres idosas respondiam
por quase 10% da população feminina, enquanto os homens idosos representavam 9% da masculina.
Se alguns indicadores na área de saúde e direitos reprodutivos reafirmam tendências já bastante conhecidas,
eles são valiosos para qualificar o ritmo e a distribuição
espacial dessas tendências. Como é o caso da redução da
fecundidade, cujo ritmo foi mais lento na década de 90,
mas chegando em 2000 a 2,16 filhos por mulher, muito
próxima ao nível de reposição. Das 15 regiões administrativas, dez já registravam fecundidade inferior ao da
reposição. A RA de São José do Rio Preto apresenta a
menor fecundidade do Estado (1,64 filho por mulher),
muito próxima ao nível observado em diversos países
europeus, enquanto a de Registro possui a maior (2,71 filhos por mulher).
A gravidez na adolescência, fenômeno bastante conhecido, indica crescimento preocupante: no Estado, as mães
adolescentes correspondiam a 16,3% da totalidade dos
nascimentos ocorridos em 1990, aumentando para 18,8%
em 1995 e para 19,2% em 2001. Em outros termos, aproximadamente em cada mil adolescentes de 15 a 19 anos,
75 tiveram filhos na década de 90.
A esperança de vida ao nascer da população paulista
aumentou de 69 para 71 anos, entre os censos de 1991 e
2000, fruto da diminuição da mortalidade. As mulheres
ainda registram uma esperança maior (75,6 anos) em relação à dos homens (66,8 anos) com uma diferença de
quase nove anos. Isso se deve a vários fatores, mas destaca-se a elevada mortalidade masculina por violência, que
provoca o crescimento da sobremortalidade masculina na
população de jovens e adultos.
Na análise dos determinantes por sexo da mortalidade,
no Estado, verificam algumas novas tendências: as doenças do aparelho circulatório eram a primeira causa de morte
nos triênios 1993-95 para mulheres e homens. Já no triênio 1999-01 permanece a mesma causa para as mulheres,
passando os homicídios a ser a primeira causa para a população masculina. Quando se comparam as taxas de
mortalidade de homens e mulheres, nota-se que em todas
as regiões do Estado as taxas masculinas são aproximadamente 50% maiores que as femininas. Essa diferença
deve-se principalmente às altas taxas por causas externas
entre os homens.
Para as mulheres, o segundo agrupamento mais freqüente
como causa de morte corresponde aos cânceres, sendo o
de mama o que possui as maiores taxas (14,5 por 100 mil
mulheres)4 e no período 1980 a 2001, houve um aumento
de 60% desse tipo de câncer. O câncer do colo do útero,
doença passível de ser prevenida, tem apresentado, no
Estado de São Paulo, taxas de mortalidade inalteradas desde
1980, em torno de 4,5 por 100 mil mulheres, número bastante alto quando comparado com os dos países desenvolvidos.5 É importante lembrar o aumento da mortalidade por
Aids entre as mulheres; essa doença representa a principal
causa de morte da população feminina entre 15 e 44 anos
e, ao incidir predominantemente na população em idade
reprodutiva, a Aids tem assumido um papel desestabilizador nos níveis de mortalidade feminina.
A tendência à “cirurgificação” dos eventos reprodutivos, em especial a prática de partos cesáreos, com taxas
de 51,6% em 1995 e 49,2% em 2001, continua pouco declinante no conjunto do Estado e diferenciando-se espacialmente. São ainda bastante elevados os valores apresentados, em 2001, nas Regiões Regionais de Saúde de
Araçatuba, Araraquara, Barretos e São José do Rio Preto
99
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
(superiores a 58,3%) e nota-se, entre 1995 e 2001, pequena redução dessa prática em regiões como Ribeirão Preto,
Campinas e Taubaté. Já a proporção de partos cesáreos,
realizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, continua
alta (32%) e apresenta pequena elevação em relação a 2000
(29%), diferentemente da tendência de queda observada
desde 1995 (41%). Em 2001, os partos de adolescentes
representavam 24% do total realizado pelo SUS.
Quanto à morbidade hospitalar, o grupo de causas mais
freqüentes de internação no SUS da população de 15 anos
e mais decorre da gravidez, parto e puerpério que responde por 44% das internações femininas, incluindo partos
normais e cesáreos, e por 27% do total de internações. Na
diferenciação entre os sexos, destacam-se as causas externas que representam as internações vinculadas a acidentes e violências e que, em números absolutos, são, em
2001, 2,5 vezes maiores entre os homens.
A morbidade por Aids, apesar de ter uma incidência
maior para os homens, apresenta situação preocupante em
virtude do aumento de casos, expresso na vertiginosa diminuição da relação de casos masculinos/femininos que,
em 1985, era de 27/1, passou para 5/1, em 1991, e desde
1997 é de 2/1. A principal forma de transmissão para as
mulheres é a heterossexual, que, em 2000, respondia por
89% dos casos femininos com transmissão definida. A
expansão do número de casos deu-se também em termos
territoriais: dos 132 municípios com casos femininos de
Aids notificados, em 1991, o Estado passou a ter 255, em
2000.
A morbidade percebida pelos indivíduos, medida pela
condição de saúde, inatividade e prevalência de doenças
crônicas, evidenciam diferenciais por sexo e idade e indicam diferentes graus de necessidades e de demandas por
serviços de saúde. Em 1998, segundo o Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD, a proporção de pessoas que referiram melhor condição de seu estado de saúde cai gradativamente conforme a faixa etária, passando de 91,8%, entre os adolescentes e jovens (de 15 a 24 anos), para 45%, entre os idosos
com 65 anos e mais. Os homens referem, em média, melhor situação (81,6%) que as mulheres (75,2%).
Também bastante conhecido, o fenômeno, observado
sobretudo no último quarto do século XX, de aumento
contínuo da presença feminina no mercado de trabalho não
é acompanhado de melhores relações de trabalho, persistindo, ainda, desigualdades de tratamento entre homens e
mulheres, e a mais evidente é a discriminação salarial.
Basta observar, no Estado de São Paulo, a distribuição
dos salários mais elevados registrados em 2001: eles se
encontram entre as mulheres empregadas no setor de serviços, com 40 a 49 anos de idade, percebendo em média
R$ 1.346,61 e entre os homens, da mesma faixa etária, e
ocupados na indústria, totalizando R$ 2.107,21.
Apesar do ingresso de mulheres em ocupações que, até
há pouco tempo, eram monopólio dos homens e da crescente participação feminina no emprego industrial e em
ocupações de direção e planejamento, nichos ora privilegiados do emprego masculino, sua maior representação
se dava no setor de serviços, correspondendo a 24,8% do
total dos empregados, em 2001, e somente 6,5% e 6,1%,
respectivamente, no comércio e indústria. Já os homens
respondiam por 27,1%, 17,5% e 10,5% do empregado, nos
mesmos setores. No entanto, cresceu a proporção de mulheres ocupadas com vínculo não formalizado, representando, no mesmo período, cerca de 40% dos ocupados, os
serviços domésticos são fonte importante de inserção ocupacional.
Conforme os dados dos censos demográficos para o
Estado de São Paulo, houve aumento do número de mulheres chefes de domicílio: em 2000, elas eram 24% do
total; em 1991 esse percentual era de 17%. Identificouse, ainda, a persistência de acentuada desigualdade de
rendimentos, com elevada proporção de chefes de domicílio que recebiam até dois salários mínimos.
Vale destacar que o valor do rendimento feminino, em
proporção ao masculino, tende a mostrar menor desigualdade nos municípios menos dinâmicos economicamente,
encobrindo situações de extrema necessidade de renda,
enquanto as maiores diferenças são constatadas nos municípios-pólo, que são fonte da oportunidades de trabalho
mais diversificadas tanto para homens quanto para mulheres e também de maiores rendimentos médios.
Apesar de serem as grandes beneficiárias do processo
de universalização do acesso ao ensino fundamental, mesmo em declínio entre os períodos censitários, as mulheres
apresentam taxas de analfabetismo ligeiramente superiores a dos homens. Em 1991, registraram-se taxas de analfabetismo das mulheres de 15 anos e mais de 11,8% e para
os homens de 8,6%, em 2000, 7,5% e 5,7%, respectivamente.
É interessante observar que, em 1991, as mulheres apresentaram taxas de analfabetismo ligeiramente inferiores a
dos homens nos seguintes grupos etários:15 a 19 anos
(2,5%), 20 a 24 (3,8%), 25 a 29 (4,6%); no grupo de 30 a
39 anos, delineou-se a inversão desse quadro, taxa de 6,9%
para as mulheres e 5,8% para os homens, atingindo no
100
SPMULHERES EM DADOS
grupo de idade de 60 anos e mais valores de 36,1% e
23,9%, respectivamente.
Em 2000, diminui o analfabetismo em todos os grupos
etários: nas faixas de 15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29 anos, as
taxas para as mulheres eram de 1,1%, 1,7% e 2,4% e para
os homens de 1,7%, 2,6% e 3,3%. Já no grupo de 30 a 39
anos, diferentemente do observado em 1991, verifica-se
valor menor para as mulheres (3,8%) do que para os homens (4,3%), ocorrendo a reversão de tendência apenas
na faixa etária de 40 a 49 anos, em que se observaram
taxas de 6,6% para as mulheres e de 5,3% para os homens.
Na população idosa – 60 anos e mais –, as taxas eram de
26,3% para o contingente feminino e de 17,2% para o
masculino.
Ao analisar a instrução da população de 10 anos pelos
recortes sexo e raça/cor, evidenciam algumas desigualdades: em 2000, 17,7% das mulheres brancas e 12,5% das
negras tinham 11 anos de estudo; entre os homens, os percentuais são de 16,6 % para os brancos e 10,9% para os
negros. A categoria de 12 anos e mais de estudo escancara o quadro de desigualdade racial existente no Estado,
uma vez que, apenas 3,1% de mulheres e 2,7% dos homens negros atingiram esse patamar de escolaridade em
contrapartida aos 12,7% de mulheres e 13% de homens
brancos.
Reforçar a promoção da igualdade de gênero e a melhoria da condição da mulher passa pela avaliação dos
programas de atendimento à criança de 0 a 6 anos, sobretudo, no Brasil, quando a Constituição de 1988 e a Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 estabeleceram competências e
diretrizes para a educação infantil em colaboração com
os Estados e municípios. Os dados do Censo de 2000, que
informam o atendimento de crianças nessa faixa etária,
indicam sua pouca abrangência: em mais da metade dos
municípios paulistas (379) a rede de creches e de educação infantil cobrem entre 20,1% e 40% das crianças de 0
a 6 anos e apenas 53 deles atendem mais de 50%.
Nos últimos anos, observa-se que os registros de crimes de natureza sexual possuem certa estabilidade em sua
magnitude. Isso pode significar tanto a existência de um
determinado padrão de incidência na sociedade paulista
com relação aos crimes sexuais, como pode refletir mais
a capacidade do Estado em captar e processar os crimes
desta natureza do que o real movimento dessa criminalidade. A taxa de estupros/tentativas por 100 mil mulheres,
crimes que juridicamente vitimam somente as mulheres,
passou, no Estado de São Paulo, de 29,18 em 1997 para
26,90 em 2001. As Regiões de Governo de São Carlos,
Adamantina e Marília apresentaram as menores taxas
médias de estupros/tentativas, por 100 mil mulheres, entre 1997 e 2001, em contrapartida, as Regiões de Governo de Registro, Caraguatatuba e Itapeva registraram as
maiores taxas médias no período. Apesar de termos somente 126 Delegacias de Defesa da Mulher para 645
municípios, elas continuam ocupando papel de destaque
no atendimento de vítimas de violência sexual, pois são
as que mais processam, proporcionalmente, casos dessa
natureza. Afinal, trabalhando concomitantemente aos distritos policiais, elas são responsáveis por quase 50% dos
registros policiais relativos aos crimes de estupros existentes no Estado.
As informações que têm por base os dados do sistema
de mortalidade, indicam que em 2001 o grupo de mortes
por causas externas para a população feminina com mais
de 10 anos ocupa o quinto lugar entre as causas de morte
mais freqüentes, com um dado surpreendente: considerando-se o período de 1980 e 2001, o índice de homicídios
aumentou 120%. Para os triênios 1993-95 e 1999-01, as
taxas de homicídio apresentaram elevação de 4,5 para 5,6
por 100 mil mulheres, reproduzindo o fenômeno observado para o sexo masculino. Ainda em relação aos homicídios, sua distribuição em relação ao total de óbitos, passa
de 4,4% para 6,4% para o sexo feminino no Estado e de
19,7% para 29,6% para o sexo masculino.
A participação das mulheres nas candidaturas partidárias continua extremamente desigual mesmo com a introdução da política de cotas no processo eleitoral, que, desde 1997, prevê que partido ou coligação deverá reservar
o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas
de cada sexo nas eleições para a Câmara dos Deputados,
Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras
Municipais.
Nas eleições para deputados federais de 2002, o número de candidaturas femininas aumentou 27,9% em relação às eleições anteriores. Em 1998, dos 30 partidos que
apresentaram candidatos, nove não registraram candidaturas femininas e, em 2002, oito não o fizeram. Mesmo
não atingindo a indicação da política de cotas, alguns partidos tiveram melhoria dessa participação entre as duas
eleições, como PFL, PV, PCB, PDT, PAN, PTB, PSTU,
PSD, enquanto outros reduziram-na, como PSDB, PMDB,
PT e Prona. Outros partidos aumentaram o número total
de candidatos, mas não melhoraram a proporção da representação feminina entre as candidaturas, como, por
exemplo, o PSB. Dessa forma, somente quatro mulheres
se elegeram deputadas federais, em 1998 e seis, em 2002.
101
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Dos 1.465 candidatos à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo em 2002, 242 eram mulheres, representando 15,5% do total. Em termos absolutos, houve
aumento significativo de 37,5% na participação das mulheres entre as duas últimas eleições legislativas estaduais,
uma vez que, em 1998, elas totalizavam 176. Quanto à
participação relativa das mulheres nos partidos, em 2002,
somente o PSDC e o PCO, cuja expressão política é bastante reduzida, cobriram a cota de 30% com candidaturas
femininas. Também são os partidos de pequeno porte que
têm participação feminina de candidaturas entre 20% e
30%. Entretanto, observa uma relação inversa entre volume de candidatos e participação feminina: PT, PMDB,
PSDB, PDT, PSB, PPS, PMDB e PSDB estão entre os
partidos com maior número de candidatos e com cotas de
candidatura feminina inferiores a 20%. As únicas exceções foram o PV e o PTB, que apresentaram cotas entre
20% e 30%. Observa-se, entretanto, certa correlação entre mulheres eleitas para deputadas estaduais e força política de seu partido: em 2002, foram eleitas dez mulheres
(elas eram sete no período legislativo de 1997/2002), e
três delas são filiadas ao PSDB e três, ao PT.
Mesmo não atingindo as cotas femininas previstas de
candidaturas por partido, é maior a participação das mulheres na disputa pelo poder legislativo municipal comparativamente às outras Câmaras. Em 2000, 13.317 mulheres candidataram-se a cargos de vereadores dos
municípios paulistas, representando 20,07% do total. Dos
30 partidos que concorreram às câmaras municipais, 13
registraram proporções de participação feminina entre 18%
e 26%. A correlação aumenta entre os partidos com maior
representação em termos absolutos de candidaturas femininas e sua expressão política, tais como PSDB, PMDB,
PFL e PTB, que agregaram quase 40% das candidaturas
femininas. São esses mesmos partidos que elegeram proporcionalmente mais vereadoras: das 812 eleitas em 2000,
quase 60% são filiadas ao PSDB, PMDB, PTB e PFL. É
interessante notar que alguns partidos melhoraram sua
participação feminina em relação à masculina entre o
momento das candidaturas e das eleições. As proporções
de candidatas e de eleitas foram, respectivamente, de:
11,0% e 21,6% no PSDB; 9,8% e 14,2% no PMDB; 9,2%
e 11,5% no PTB; 6,5% e 9,1% no PT; 6,9% e 8,3% no
PPB. Esses resultados apontam que: os canais de participação das mulheres aos postos legislativos são mais permeáveis quando se trata de eleições locais, em que os custos das campanhas eleitorais são menores; a dispersão de
votos entre as candidaturas femininas é provavelmente
menor do que nas eleições para deputados; e, finalmente,
há uma aproximação maior entre candidatas e eleitores o
que pode abrandar as resistências culturais contra o voto
feminino.
NOTAS
Este artigo foi possível graças aos trabalhos setoriais desenvolvidos
no âmbito do projeto sob minha coordenação dos seguintes analistas
da Fundação Seade: Catarina Guarnieri Silverio, Cecília Polidoro
Mameri, Eliana B. Trindade Bordini, Guiomar de Haro Aquilini, Lúcia Mayumi Yazaki, Paula Montagner, Renato Sérgio de Lima,
Rosileide de Lima Rosendo e Zilda Pereira da Silva.
1. Resoluções adotadas pela IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, 1995; Relatório Geral sobre a Mulher na Sociedade Brasileira/1994; Relatório Nacional Pequim + 5 apresentado à Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas “Mulher 2000: Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”; Programa de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e Caribe,
1995-2001, aprovado pela Cepal durante a VI Conferência Regional
sobre a Integração da Mulher no Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina e Caribe/1994; protocolos de cooperação assinados pelo CECF e secretarias estaduais para a implementação de políticas públicas referentes a educação, saúde, trabalho, segurança pública, administração penitenciária, justiça e defesa da cidadania.
2. A pobreza individual ou familiar não se esgota no montante de renda disponível para atender aos gastos de consumo, mas se expressa
também pelas condições de moradia, de acesso diferenciado ao sistema educacional e aos serviços de saúde. Embora a insuficiência de
renda seja a face mais visível do fenômeno, políticas de combate ao
problema devem intervir em suas várias dimensões. A abordagem da
pobreza como fenômeno multissetorial é uma preocupação norteadora
da Pesquisa de Condições de Vida – PCV, cujos resultados para o Estado de São Paulo estão disponíveis na Fundação Seade (Fundação
Seade, 1992).
3. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948; Convenção dos
Direitos Políticos, 1952 e 1960; a Convenção para a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979; a Conferência de Nairobi, 1985; a VI Conferência Mundial sobre a Mulher,1995.
4. Essas taxas referem-se ao triênio 1999-01 para o Estado de São Paulo.
5. As taxas de mortalidade por câncer do colo do útero na Itália, Japão
e Estados Unidos são respectivamente de 0,8, 1,8 e 2,6 por 100 mil
mulheres.
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Gênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta de
Produção de Dados desta Fundação ([email protected]).
103
SÃO
104-114, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA
instrumento para o estudo
da gestão municipal
AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO
Resumo: A Pesquisa Municipal Unificada – PMU, realizada pela Fundação Seade desde 1992, disponibiliza
um grande conjunto de informações sobre gestão municipal, possibilitando análises de todos os municípios
paulistas. O artigo apresenta as principais características da PMU e desenvolve um tema com estatísticas construídas a partir daquela base de dados.
Palavras-chave: gestão municipal; incentivos municipais; localização industrial; guerra fiscal.
Abstract: The Unified Municipal Survey – PMU – carried out by Fundação Seade since 1992, provides a large
body of information regarding municipal governance, making possible an analysis of all of São Paulo State’s
municipalities. The article presents the PMU’s principal characteristics and develops a theme using statistics
built from that data base.
Key words: municipal governance; municipal incentives; industrial localization; tax war.
D
esde a década de 90, tem-se ampliado a atenção
e os estudos sobre os municípios, notadamente
no que se refere à gestão municipal. Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, os municípios adquiriram status de entes federativos além de ampliadas suas competências e estabelecidos os processos
de descentralização de ações e do poder decisório. A descentralização possibilitou, aos municípios, acesso a maior
parcela de recursos públicos, mas, ao mesmo tempo, a
atuação direta foi ampliada em áreas que antes eram de
responsabilidade do governo estadual ou federal.
Com as novas responsabilidades e atribuições específicas assumidas pelos municípios, aumentaram tanto as
exigências de profissionalização da gestão municipal quanto a necessidade de instituição de controles democráticos/
populares da ação pública.
A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar no 101, de 4 de maio de 2000), que fixa
limites para gastos públicos, nas três esferas de governo,
ampliou ainda mais a necessidade de profissionalização e
transparência na gestão pública, em particular na municipal, e requereu esforço adicional de “enxugamento” da
máquina pública.
No entanto, a nação assistiu, durante os anos 90, à implementação de propostas liberalizantes que redundaram
na redução da presença do Estado, flexibilização e desregulamentação das regras de concorrência, abertura do
mercado e privatização de ativos públicos, com impactos
significativos na gestão municipal, sobretudo em municípios de grande ou médio portes.
Em síntese, uma miríade de fatores – aqui só foram listados os mais importantes – contribuiu para que houvesse
grandes alterações no padrão de gestão municipal na última década do século XX. Esse “novo padrão”, ainda em
processo de constituição e consolidação, pode ser observado pela análise da estrutura e da forma de articulação
da ação nos diversos setores executores de políticas públicas.
Para acompanhar esse processo e fornecer à sociedade
paulista informações estruturadas sobre a gestão de cada
um de seus municípios, a Fundação Seade, em 1992, unificou as diversas pesquisas setoriais de abrangência municipal, adaptando os diversos instrumentos de coleta a
um mesmo padrão metodológico e consolidando-os em
uma pesquisa única, denominada Pesquisa Municipal
Unificada.
104
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA
disponível em outra fonte pública de informações. Isso
tem permitido certa redução no número de questões, sem
prejuízo da qualidade das análises.
O amplo espectro de questões, em torno de 200 perguntas, possibilitaram a organização de uma base de dados com mais de duas mil variáveis para cada município.
Essas informações estão disponíveis na página do Seade
na Internet, no <http://www.seade.gov.br/pmu/> e têm
apoiado a elaboração de vários produtos nos últimos anos,
com destaque para o Índice Paulista de Responsabilidade
Social – IPRS, feito em parceria com a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
São bem amplas as possibilidades de estudos sobre
gestão municipal, valendo-se das informações coletadas
pela PMU. Neste artigo, optou-se por apresentar uma análise sobre a atuação dos municípios na atração de novos
investimentos produtivos. Tema de grande atualidade, o
esforço direto dos municípios por atração de novos investimentos tem-se ampliado nos últimos anos, quase numa
reprodução, ao nível local, da “guerra fiscal” praticada
por estados e a PMU é a única fonte de dados que possibilita análises desagregadas por porte e por localização
regional dos municípios.2
A heterogeneidade dos 645 municípios paulistas repercute na configuração de suas organizações administrativas e na complexidade e abrangência das ações públicas
municipais.1 Igualmente diferenciadas são a capacidade e
a disponibilidade política das prefeituras e das comunidades perante novas atribuições. O grande desafio da equipe técnica da PMU foi estruturar uma pesquisa que desse
conta da heterogeneidade e diversidade de ação dos municípios e, ao mesmo tempo, fosse flexível o suficiente
para acompanhar as mudanças e transformações na gestão. Essas duas dimensões tornam estratégica a PMU, seja
para contemplar a profunda diferenciação das realidades
municipais, seja pela crescente importância da instância
municipal na gestão das políticas públicas.
A pesquisa tem por campo de ação o município e é censitária, com informações coletadas em todos os municípios
paulistas. Os informantes são as prefeituras municipais, incluindo os órgãos da administração direta e indireta, o que
garante informações precisas e possibilita aquilatar o desempenho delas diante do novo papel que os municípios vêm
assumindo na administração das políticas públicas, principalmente as de cunho social. A amplitude dos assuntos captados, a profundidade das questões levantadas, bem com a
grande interface existente entre elas, permitem análises sobre as principais questões da gestão pública e podem orientar a formulação de políticas públicas.
A pesquisa está organizada em 13 grandes temas, cada
qual com um questionário dirigido à área ou setor específico da prefeitura. Os questionários são: Assistência e
Desenvolvimento Social; Comunicações e Informática;
Cultura, Esporte e Turismo; Educação; Estrutura Administrativa; Estrutura Urbana; Finanças Públicas Municipais; Guarda Municipal; Habitação; Limpeza Pública;
Saneamento Básico; Saúde; e Transportes Municipais. Está
sendo estudada a inclusão de dois novos temas: Abastecimento e Segurança Alimentar; e Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo.
É importante ressaltar que as questões referentes ao
meio ambiente são coletadas em três questionários distintos: saneamento básico, limpeza pública e estrutura urbana, porque esse tema é tratado por mais de uma instância
nas prefeituras e a estratégia da pesquisa é encaminhar um
questionário específico para cada setor responsável por
respondê-lo.
Outra questão importante a ser ressaltada é a estratégia adotada pela pesquisa de só perguntar o que não está
INSTRUMENTOS MUNICIPAIS DE INCENTIVO
E RESTRIÇÃO À INSTAURAÇÃO DE
EMPREENDIMENTOS3
A concessão de benefícios fiscais para a atração de
investimentos é uma prática relativamente antiga que se
intensificou na década de 90, transformando-a em verdadeira guerra na disputa entre Estados e localidades, principalmente entre 1993 e 1994. Dessa forma, os governos
subnacionais têm buscado influenciar a decisão locacional dos investimentos privados, com um verdadeiro “leilão de localização” em que Estados e municípios disputam acirradamente a instalação de uma nova empresa em
seus territórios.
Estudos comprovam que as decisões de investimentos
privados são tomadas independentemente dos incentivos
fiscais. Alguns fatores determinam essas decisões: a qualidade da infra-estrutura viária e de telecomunicações,
proximidade com o mercado consumidor, qualificação da
mão-de-obra local, etc. (Prado; Cavalcanti, 1998). Com
base nesses critérios, a empresa escolhe um local “ótimo”
para a instalação da unidade industrial. Assim, para aceitar a condição de uma localização afastada, ela exige um
volume de benefícios que cubra não apenas o “custo de
105
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
afastamento” mas também ofereça um “prêmio” adicional pelos riscos de uma opção que passa a depender dos
compromissos assumidos por um governo. Como os governos locais não conhecem a preferência alocativa das
empresas, abre-se espaço para o leilão. Além disso, “é
elemento central da estratégia privada da guerra fiscal
construir a imagem do ‘empate’ entre locações alternativas, a fim de remeter para a competição entre incentivos
o papel decisório final” (Prado; Cavalcanti, 1998: 44). Tal
postura obriga Estados e municípios a maximizarem os
incentivos oferecidos.
Isso significa que os incentivos fiscais até podem promover o deslocamento de um investimento dentro do país
ou de um Estado, no entanto isso se dá com elevado custo
fiscal. Se o investimento já estava programado para ser
realizado em determinado Estado/município, o deslocamento é feito com o desperdício de recursos públicos, pois
abre-se mão de receita tributária e de recursos orçamentários para assegurar a instalação de um investimento que
já ocorreria (Varsano, 1997). Mesmo se o investimento
for bem-sucedido, com efeitos positivos para a economia
local, acarretará prejuízo a toda sociedade, pois a arrecadação e a receita orçamentária global passarão por redução. Além disso, o caso extremo pode ocorrer se a locação preferencial for a mesma em que a empresa decida se
instalar após a disputa fiscal. Utilizando o argumento dos
autores citados, em tal caso extremo, os incentivos fiscais
representariam apenas um generoso prêmio para a empresa,
transferência líquida de recursos públicos para empresas
privadas (Caiado, 2002).
No caso do Estado de São Paulo, o governo praticamente esteve fora do “leilão locacional” pois, em muitos
setores industriais, o denominado “ótimo locacional” definido pela empresa já é o Estado. Contudo, tem-se acirrado a disputa entre os municípios paulistas, com ampliação da oferta de incentivos.
A PMU apresenta, desde 1995, informações sobre os
principais mecanismos de incentivo à instalação de empreendimentos utilizados pelos municípios paulistas, tornando-se importante referência para análise do tema. Além
disso, a pesquisa contribui para o entendimento da forma
como os municípios inserem-se no processo geral de guerra
fiscal.
É crescente e significativa a parcela dos municípios do
Estado que se valem de algum mecanismo de incentivo à
instalação de empreendimentos (Tabela 1). Em 1995, 37%
dos municípios existentes utilizavam esses mecanismos e,
em 1999, 51%. Os incentivos são ofertados, sobretudo,
por municípios de médio ou grande portes. Em 1999, mais
de 70% dos municípios com mais de 50 mil habitantes
possuíam instrumentos de incentivo à instalação de empreendimentos. O uso desses instrumentos concentra-se,
principalmente, nos municípios com mais de 500 mil habitantes. Dos oito municípios nessa faixa de população,
em 1999, somente São Bernardo do Campo não possuía
nenhum instrumento com esse propósito. No entanto, é
TABELA 1
Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação de
Empreendimento, segundo Porte Populacional
Estado de São Paulo – 1995-1999
Número de Municípios
População
1995
Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimentos
1995
1999
1999
Possui
%
Possui
%
Total
625
645
231
37
329
51
Até 5 Mil Hab.
167
180
36
22
66
37
Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab.
120
116
32
27
47
41
Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab.
119
117
43
36
62
53
Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab.
116
117
54
47
70
60
Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab.
50
53
33
66
39
74
Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab.
33
40
22
67
29
73
Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab.
14
14
8
57
10
71
6
8
3
50
6
75
Mais de 500 Mil Hab.
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
106
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...
centivos municipais, e a oferta de subsídios, às vezes, está
condicionada à instalação do empreendimento nos limites do Distrito. Entre 1995 e 1999, ampliou-se de 24%
para 36% a parcela de municípios que possuía DI regulamentado.
Até 1995, os DIs existiam principalmente em municípios de médio e grande portes. Entre os municípios com
mais de 50 mil habitantes, mais de 40% o possuíam, enquanto naqueles com até 5 mil habitantes apenas 7% (11,
em 167 municípios). Em 1999, a maior freqüência de DI
foi verificada nos municípios da faixa populacional compreendida entre 20 mil e 50 mil habitantes. Houve variações significativas na participação dos municípios com
até 5 mil habitantes, cuja parcela de municípios com DI
aumentou de 7% para 19% entre 1995 e 1999. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, a participação
dos municípios com Distrito Industrial caiu de 50% em
1995 para 25% em 1999. O número absoluto de Distritos aumentou de 208 unidades para 347, no período (Tabelas 3 e 4).
preciso observar que mesmo entre os municípios pequenos é alta a freqüência da aplicação de incentivos nos dois
períodos pesquisados.
A utilização de incentivos a novos empreendimentos
apresenta baixa diferenciação regional, de acordo com as
Regiões Administrativas – RAs. Em 1995 mais da metade
dos municípios das Regiões Metropolitanas de São Paulo
– RMSP e da Baixada Santista – RMBS utilizou-os, sendo
também expressiva a participação nas RAs de Campinas
(46% dos municípios) e Bauru (45% dos municípios). Em
1999, mais da metade dos municípios da RMBS e RMSP e
das RAs de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Sorocaba, São José dos Campos e Bauru utilizavam algum tipo de incentivo. Nas demais regiões, a parcela de
municípios que o utilizavam também se mostrou elevada.
Estes resultados indicam que os incentivos fiscais são intensamente utilizados em todas as regiões do Estado, conforme pode ser observado na Tabela 2 e no Mapa 1.
A existência de Distritos Industriais – DI, em muitos
municípios, é componente importante do programa de in-
TABELA 2
Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimento
Estado de São Paulo – 1995-1999
Regiões Administrativas e
Regiões Metropolitanas
Total
RA de Araçatuba
Número de Municípios
Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimentos
1995
1999
625
40
1995
1999
Possui
%
Possui
%
645
231
37
329
51
43
14
35
19
44
RA de Barretos
19
19
3
16
8
42
RA de Bauru
38
39
17
45
21
54
RA de Campinas
90
90
41
46
56
62
RA Central
24
26
8
33
11
42
RA de Franca
23
23
7
30
11
48
RA de Marília
48
51
18
38
16
31
RA de Presidente Prudente
51
53
17
33
22
42
RA de Registro
14
14
3
21
4
29
RA de Ribeirão Preto
23
25
7
30
14
56
9
9
5
56
6
67
RM de São Paulo
39
39
20
51
26
67
RA de São José do Rio Preto
92
96
31
34
53
55
RA de São José dos Campos
38
39
12
32
20
51
RA de Sorocaba
77
79
28
36
42
53
RM da Baixada Santista
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
107
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
MAPA 1
Existência de Distritos Industriais
1999
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
TABELA 3
Municípios com Distritos Industriais Regulamentados, segundo Porte Populacional
Estado de São Paulo – 1995-1999
População
Número de
Municípios
1995
1999
Existência de Distrito
Industrial Regulamentado
1995
Número de Distritos
Industriais
1999
1995
Possui
%
Possui
%
1999
Cessão de Terrenos
1995
Possui
Doação de Terrenos
1999
%
Possui
1995
%
1999
Possui
%
Possui
%
Total
625
645
153
24
229
36
208
347
96
15
152
24
150
24
195
30
Até 5 Mil Hab.
167
180
11
7
34
19
12
35
16
10
41
23
27
16
41
23
Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab.
120
116
19
16
31
27
21
37
14
12
23
20
25
21
32
28
Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab.
119
117
31
6
47
40
31
64
17
14
32
27
29
24
45
38
Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab.
116
117
45
39
65
56
57
94
20
17
36
31
36
31
44
38
Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab.
50
53
23
46
26
49
37
51
17
34
17
32
19
38
21
40
Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab.
33
40
15
45
18
45
34
56
8
24
3
8
10
30
11
28
Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab.
14
14
6
43
6
43
11
6
3
21
0
0
3
21
1
7
6
8
3
50
2
25
5
4
1
17
0
0
1
17
0
0
Mais de 500 Mil Hab.
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
108
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...
TABELA 4
Municípios com Distritos Industriais Regulamentados
Estado de São Paulo – 1995-1999
Regiões Administrativas e
Regiões Metropolitanas
Total
RA de Araçatuba
RA de Barretos
RA de Bauru
RA de Campinas
RA Central
RA de Franca
RA de Marília
RA de Presidente Prudente
RA de Registro
RA de Ribeirão Preto
RM da Baixada Santista
RM de São Paulo
RA de São José do Rio Preto
RA de São José dos Campos
RA de Sorocaba
Número de
Municípios
1995
625
40
19
38
90
24
23
48
51
14
23
9
39
92
38
77
Existência de Distrito
Industrial Regulamentado
1995
1999
645
43
19
39
90
26
23
51
53
14
25
9
39
96
39
79
Número de Distritos
Industriais
1999
1995
Possui
%
Possui
%
153
6
4
14
24
7
8
9
14
4
7
1
7
23
7
18
24
15
21
37
27
29
35
19
27
29
30
11
18
25
18
23
229
11
7
18
37
12
9
19
13
3
15
2
8
44
4
27
36
26
37
46
41
46
39
37
25
21
60
22
21
46
10
34
1999
Cessão de Terrenos
Doação de Terrenos
1995
1995
Possui
208
8
5
18
35
11
7
14
20
4
7
1
9
40
8
21
347
16
12
30
61
23
9
29
16
4
22
2
11
70
7
35
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
MAPA 2
Mecanismo de Incentivo
1999
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
109
96
8
1
11
11
4
1
8
8
1
4
0
6
12
5
16
1999
%
15
20
5
29
12
17
4
17
16
7
17
0
15
13
13
21
Possui
152
12
7
17
17
5
7
7
13
2
8
1
1
28
6
21
%
24
28
37
44
19
19
30
14
25
14
32
11
3
29
15
27
1999
Possui
%
Possui
150
10
3
14
17
7
5
13
14
3
3
0
5
28
8
20
24
25
16
37
19
29
22
27
27
21
13
0
13
30
21
26
195
11
6
16
25
8
8
10
17
1
8
0
2
41
14
28
%
30
26
32
41
28
31
35
20
32
7
32
0
5
43
36
35
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Em 1999, mais de 40% dos municípios das RAs de Bauru, Campinas, Central, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto
possuíam DI. Neste ano, a menor participação foi verificada na RA de São José dos Campos, com 10% dos municípios, principalmente pela ausência nos municípios das Regiões de Governo de Caraguatatuba e Cruzeiro (Mapa 2).
As isenções podem envolver a totalidade ou uma parcela do imposto. No segundo caso, a porcentagem isenta
do tributo varia entre 1% e 80%.
Em 1995, 27% dos municípios paulistas isentavam totalmente do pagamento do Imposto Predial e Territorial
Urbano – IPTU dos novos investimentos. Essa participação aumentou para 36% em 1999, e, nos municípios com
mais de 50 mil habitantes, mais de 50%. O prazo de isenção total do IPTU tem sido de até 35 anos. Observa-se, no
entanto, que a isenção parcial do IPTU é pouco utilizada.
Também neste caso se verifica que os municípios maiores
utilizavam mais intensivamente o benefício (Tabela 5).
Mais de 30% dos municípios das RAs de Bauru, Campinas, RMBS e RMSP ofereciam isenção total de IPTU
em 1995. As três primeiras regiões também usavam mais
intensivamente as isenções parciais de IPTU, em mais de
10% de seus municípios. Em 1999, os municípios das RAs
de Bauru, Campinas, Ribeirão Preto e RMBS continuavam sendo, proporcionalmente, os principais ofertantes
de isenção total de IPTU.
As informações sobre concessão de incentivo pela isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza –
ISS estão disponíveis, na PMU, somente para 1999, e indicam que 29% dos municípios a concediam. As maiores
ocorrências foram verificadas nos municípios com mais
de 500 mil habitantes e na RMBS, RMSP, RA de Campinas e RA de Franca. Também eram significativas as parcelas dos municípios das RAs de São José dos Campos e
Sorocaba (Tabela 6).
A isenção de taxas municipais é uma prática de incentivo que vem-se ampliando, ocorrendo em 20% dos municípios, em 1995, e em 30%, em 1999. O tempo de fruição
desse benefício varia de um a 20 anos. Tanto em 1995
quanto em 1999, os municípios com população superior a
50 mil habitantes utilizavam mais intensamente este instrumento, e a menor freqüência residia no grupo com
menos de 5 mil habitantes.
Quanto à distribuição regional, em 1995, mais de 25%
dos municípios da RA de Campinas e da RMSP isentavam de taxas municipais os novos empreendimentos. Em
1999, as Regiões Administrativas que mais aplicaram esse
recurso foram: Barretos, Campinas, Sorocaba, São José
dos Campos e RMSP. Observa-se que em 1995 nenhum
município da RMBS lançou mão desse benefício e, em
1999, quatro o concediam (44% dos municípios dessa
região).
TABELA 5
Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTU, segundo Porte Populacional
Estado de São Paulo – 1995-1999
População
Número de
Municípios
1995
Isenção Total
de IPTU
1995
1999
Isenção Parcial
de IPTU
1999
1995
Isenção de ISS
1999
1999
Isenção de Taxas
1995
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
1999
%
Possui
%
Total
625
645
168
27
235
36
46
7
56
9
190
29
124
20
194
30
Até 5 Mil Hab.
167
180
24
14
47
26
7
4
8
4
38
21
20
12
35
19
Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab.
120
116
22
18
31
27
8
7
6
5
26
22
19
16
32
28
Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab.
119
117
28
24
44
38
9
8
10
9
34
29
16
13
32
27
Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab.
116
117
41
35
48
41
8
7
17
15
35
30
28
24
40
34
Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab.
50
53
27
54
30
57
4
8
4
8
26
49
23
46
30
57
Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab.
33
40
19
58
24
60
6
18
6
15
20
50
15
45
19
48
Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab.
14
14
5
36
7
50
2
14
2
14
5
36
2
14
4
29
6
8
2
33
4
50
2
33
3
38
6
75
1
17
2
25
Mais de 500 Mil Hab.
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
110
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...
TABELA 6
Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTU
Estado de São Paulo – 1995-1999
Regiões Administrativas e
Regiões Metropolitanas
Total
RA de Araçatuba
RA de Barretos
RA de Bauru
RA de Campinas
RA Central
RA de Franca
RA de Marília
RA de Presidente Prudente
RA de Registro
RA de Ribeirão Preto
RM da Baixada Santista
RM de São Paulo
RA de São José do Rio Preto
RA de São José dos Campos
RA de Sorocaba
Número de
Municípios
1995
625
40
19
38
90
24
23
48
51
14
23
9
39
92
38
77
Isenção Total
de IPTU
1995
1999
645
43
19
39
90
26
23
51
53
14
25
9
39
96
39
79
Isenção Parcial
de IPTU
1999
1995
Isenção de ISS
1999
1999
Isenção de Taxas
1995
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
168
10
1
13
31
7
6
14
10
3
4
4
14
21
8
22
27
25
5
34
34
29
26
29
20
21
17
44
36
23
21
29
235
14
6
19
43
6
9
5
17
4
11
5
14
36
15
31
36
33
32
49
48
23
39
10
32
29
44
56
36
38
38
39
46
2
0
5
8
2
1
1
2
0
3
1
8
6
2
5
7
5
0
13
9
8
4
2
4
0
13
11
21
7
5
6
56
1
1
2
6
2
2
4
2
2
3
2
9
6
6
8
9
2
5
5
7
8
9
8
4
14
12
22
23
6
15
10
190
8
6
12
35
5
9
6
12
0
6
5
19
28
13
26
29
19
32
31
39
19
39
12
23
0
24
56
49
29
33
33
124
10
1
9
25
4
4
10
6
2
4
0
10
15
8
16
1999
%
20
25
5
24
28
17
17
21
12
14
17
0
26
16
21
21
Possui
194
12
8
13
35
3
6
8
14
1
7
4
14
26
14
29
%
30
28
42
33
39
12
26
16
26
7
28
44
36
27
36
37
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
A Doação de Terrenos tem sido outro instrumento bastante utilizado. Em 1995, 24% dos municípios doavam. Esta
parcela aumentou para 30%, em 1999. No entanto, esse
incentivo não foi adotado em municípios de grande porte,
ou seja, com mais de 500 mil habitantes. Outro recurso
utilizado, nesse mesmo período, foi a Cessão de Terrenos,
mas não por municípios com mais de 250 mil habitantes.
Em 1995, mais de 20% dos municípios das RAs de Bauru e de Sorocaba cediam terrenos a novos empreendimentos. A doação era utilizada por 37% dos municípios da RA
de Bauru e 30% dos municípios da RA de São José do Rio
Preto, naquele ano. Em 1999, a Cessão de Terrenos era,
sobretudo, utilizada pelos municípios das RAs de Bauru,
Barretos e Ribeirão Preto e a Doação de Terrenos, pelas
RAs de São José do Rio Preto, Bauru e São José dos Campos. Nesse mesmo ano, destaca-se a baixa participação dos
municípios da RMBS, RMSP e RA de Registro, no uso desse
instrumento como atrativo de novos investimentos.
Essas observações sugerem que a doação e a cessão de
terrenos têm sido utilizadas, em especial, por municípios
mais afastados da RMSP, à exceção da RA de Sorocaba
onde significativa parcela dos municípios dispunha desses
dois mecanismos de incentivo nos dois anos considerados.
Além de dispor de mecanismos de incentivo e apoio a
novos investimentos, os municípios também recorrem, com
menor intensidade, aos mecanismos de restrição à edificação de empreendimentos. Procuram evitar, de alguma
forma, os investimentos que agridam o meio ambiente. Em
1999, 17% dos municípios mantinham esse cuidado. A
maior ocorrência foi verificada nos municípios com população superior a 50 mil habitantes. Contrariamente, nos
municípios com menos de 5 mil habitantes (180 municípios), apenas dez declararam utilizar algum mecanismo
de restrição à instauração de empreendimentos em 1999,
o que representa apenas 6% dos municípios dessa faixa.
Os municípios que mais adotam tal restrição estão nas RAs
de Campinas, Ribeirão Preto, RMBS, RMSP, São José dos
Campos e Sorocaba (Tabelas 7 e 8).
Entre os mecanismos de restrição à instauração de novos
empreendimentos, a PMU permitiu observar que a legislação municipal é mais utilizada do que a tributação. Em
1999, 15% dos municípios do Estado declararam utilizar
a legislação como mecanismo de restrição, principalmente
os municípios com mais de 50 mil habitantes. Já os
municípios com população superior a 500 mil habitantes,
63% deles utilizam esse tipo de legislação específica. Na
adoção desse sistema, destacam-se as RAs de Campinas,
RMBS e RMSP (Mapa 3).
A tributação municipal, como instrumento de restrição
à implantação de empreendimentos, não só é pouco
111
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 7
Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos, segundo Porte Populacional
Estado de São Paulo – 1995-1999
Mecanismos de Restrição
à Implantação de
Empreendimentos
Número de
Municípios
População
1995 1999
1995
Possui
1999
%
Utilização de Legislação
como Restrição à
Implantação de
Empreendimentos
1995
Utilização de Tributação
como Restrição à
Implantação de
Empreendimentos
1999
Possui
%
Possui %
17
108
17
93
15
1995
Mecanismo de Restrição à
Implantação de Indústria
Poluidora
1999
1995
1999
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
95
15
8
1
6
1
104
17
97
15
Total
625
645
108
Até 5 Mil Hab.
167
180
11
7
10
6
9
5
8
4
0
0
1
1
11
7
10
6
Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab.
120
116
13
11
12
10
9
8
11
9
1
1
0
0
11
9
12
10
Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab.
119
117
11
9
18
15
9
8
15
13
0
0
1
1
10
8
14
12
Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab.
116
117
26
22
19
16
23
20
15
13
2
2
0
0
26
22
16
14
Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab.
50
53
26
52
19
36
23
46
19
36
3
6
2
4
26
52
16
30
Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33
40
11
33
19
48
10
30
17
43
0
0
1
3
10
30
19
48
Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14
14
6
43
6
43
6
43
5
36
1
7
1
7
6
43
5
36
8
4
67
5
63
4
67
5
63
1
17
0
0
4
67
5
63
Mais de 500 Mil Hab.
6
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
TABELA 8
Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos
Estado de São Paulo – 1995-1999
Regiões Administrativas e
Regiões Metropolitanas
Mecanismos de Restrição
à Implantação de
Empreendimentos
Número de
Municípios
1995 1999
1995
Possui
Total
1999
%
Utilização de Legislação
como Restrição à
Implantação de
Empreendimentos
1995
Possui
%
Utilização de Tributação
como Restrição à
Implantação de
Empreendimentos
1999
Possui %
1995
Mecanismo de Restrição à
Implantação de Indústria
Poluidora
1999
1995
1999
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
Possui
%
15
625
645
108
17
108
17
93
15
94
15
8
1
6
1
104
17
97
RA de Araçatuba
40
43
3
8
2
5
2
5
2
5
0
0
1
2
3
8
2
5
RA de Barretos
19
19
0
0
2
11
0
0
2
11
0
0
1
5
0
0
2
11
RA de Bauru
38
39
2
5
2
5
2
5
2
5
0
0
0
0
2
5
2
5
RA de Campinas
90
90
31
34
34
38
27
30
30
33
0
0
0
0
28
31
31
34
RA Central
24
26
1
4
1
4
1
4
1
4
0
0
0
0
1
4
1
4
RA de Franca
23
23
1
4
1
4
1
4
1
4
0
0
0
0
1
4
1
4
RA de Marília
48
51
5
10
2
4
4
8
2
4
0
0
0
0
5
10
2
4
RA de Presidente Prudente
51
53
5
10
3
6
4
8
3
6
1
2
0
0
4
8
2
4
RA de Registro
14
14
2
14
1
7
2
14
1
7
0
0
0
0
2
14
1
7
RA de Ribeirão Preto
23
25
4
17
7
28
3
13
5
20
0
0
0
0
4
17
5
20
RM da Baixada Santista
9
9
4
44
4
44
4
44
4
44
2
22
1
11
4
44
4
44
RM de São Paulo
39
39
13
33
16
41
13
33
15
38
2
5
0
0
13
33
13
33
RA de São José do Rio Preto
92
96
8
9
8
8
6
7
6
6
0
0
0
0
8
9
8
8
RA de São José dos Campos
38
39
11
29
10
26
10
26
10
26
2
5
1
3
11
29
9
23
RA de Sorocaba
77
79
18
23
15
19
14
18
11
14
1
1
2
3
18
23
14
18
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
112
PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...
aplicada no Estado de São Paulo como também é reduzida.
Em 1995, apenas 8 dos 625 municípios declararam dispor
desse mecanismo: Tarabaí na RA de Presidente Prudente,
Cubatão e São Vicente na RMBS, Poá e Guarulhos na
RMSP, Taubaté na RA de São José dos Campos e Mairinque na RA de Sorocaba. Em 1999, somente seis
municípios recorriam a esse mecanismo: Penápolis na RA
de Araçatuba, Avaré e Itapetininga na RA de Sorocaba,
São Vicente na RMBS e Caçapava na RA de São José dos
Campos.
A proporção de municípios que responderam afirmativamente à questão referente à utilização de mecanismos
de restrição à implantação de indústria poluidora declinou ligeiramente durante os anos considerados, passando
de 17% em 1995 para 15% em 1999.
Estes mecanismos são mais utilizados nos municípios
de maior porte, em especial naqueles com população superior a 500 mil habitantes (67% dos municípios em 1995
e 63% em 1999). Nesta faixa, apenas os municípios de
Ribeirão Preto, Santo André e Osasco não apresentavam
mecanismos de restrição à criação de indústrias poluidoras, em 1995 e 1999. A maior intensidade de aplicação
desses instrumentos foi observada nas RAs de Campinas,
RMBS e RMSP, sendo também significativa em São José
dos Campos e Sorocaba, nos dois anos considerados.
A razão para maior concentração da utilização desses
mecanismos em municípios com mais de 500 mil habitantes e nas regiões mais industrializadas do Estado é facilmente identificável. É porque esses municípios são industrializados, e em alguns casos com condições ambientais
já bastante afetadas, e exigem maior atenção com a deterioração da qualidade de vida.
A instalação de uma unidade de indústria extrativa
mineral, como no caso de indústria poluidora, pode comprometer seriamente as condições ambientais, razão pela
qual os municípios maiores e mais industrializados têmse mostrado mais preocupados em estabelecer restrições
quanto à adoção desse tipo de empreendimento. Entretanto,
essa prática é pouco expressiva nos municípios paulistas.
Em 1995 apenas 7%, tendo esta participação aumentado
apenas um ponto percentual em 1999. Observa-se, também, que a maior freqüência é de municípios com mais de
500 mil habitantes. Nessa faixa, apenas Ribeirão Preto,
Santo André e Osasco não dispunham desse mecanismo.
MAPA 3
Mecanismo de Restrição
1999
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.
113
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Em contraste, ele é muito pouco utilizado pelos municípios com menos de 20 mil habitantes. É curioso o fato de
que, na faixa até 5 mil habitantes, apenas Águas de São
Pedro, Macedônia, Álvares Florence e Tuiuti declararam
utilizar esse tipo de instrumento.
Da mesma forma que os instrumentos de restrição à
instalação de indústrias poluidoras, as RAs que mais utilizavam esse mecanismo são Campinas, RMBS e RMSP,
seguidas pelas RAs de São José dos Campos e Sorocaba.
Nos setores intensivos em conhecimento, cada vez
mais deixam de ser preponderantes, para a estratégia empresarial de localização, os ganhos de escala – tão comuns no “regime fordista” de produção em massa. A localização passa a ser determinada pela existência de
mão-de-obra qualificada, pela possibilidade de constituição de rede de fornecedores, por ganhos de escopo,
pela proximidade do mercado consumidor, pela possibilidade de uma qualidade de vida “amena” para seus funcionários, entre outros.
Esses são os motivos que justificam a escolha da localização de novos empreendimentos em municípios de
médio porte do interior paulista. É provável que num futuro próximo continuem prevalecendo esses mesmos fatores e que incentivos fiscais municipais permaneçam com
um peso reduzidíssimo no processo de decisão locacional. Essa lógica prevalece sobretudo para a grande indústria de bens de consumo duráveis, responsável por parcela significativa dos novos investimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais da metade dos municípios paulistas oferece algum tipo de incentivo a novos empreendimentos, não se
observando um padrão espacial definido, visto que uma
parcela significativa dos municípios de todas as regiões
do Estado dispõe desses mecanismos.
Quando se desagregam os principais instrumentos de
incentivo, verifica-se que as isenções de IPTU, ISS e isenções de taxas municipais – mecanismos estritamente tributários –, são utilizadas, sobretudo, pelos municípios
maiores e/ou próximos à RMSP. Já as concessões e doações de terrenos são utilizadas, em especial, pelos municípios menores e/ou mais afastados do eixo mais industrializado do Estado.
Os mecanismos de restrição à instalação de empreendimentos são mais utilizados pelos municípios das RAs
mais industrializadas e por municípios de médio e grande
portes. Estes, em sua maioria, já enfrentam sérios problemas ambientais e por isso têm que se mostrar mais vigilantes quanto à instalação de investimentos que possam
impactar negativamente o meio ambiente. Os municípios
buscam impedir, em particular, a instalação de unidades
industriais poluidoras. O principal instrumento, para tanto, é a legislação específica. O instrumental tributário é
pouco utilizado com esse propósito.
Observa-se, em síntese, que tem crescido a disputa nas
municipalidades, com generalização de políticas municipais de atração industrial. Todavia, os incentivos municipais, ainda menos que os estaduais, não são suficientes
para uma estratégia bem-sucedida a longo prazo. A recente decisão da Embraer de realizar grande investimento em Gavião Peixoto, pequeno município da região de
Araraquara, reforça esta hipótese, ao mesmo tempo em
que não desmonta a afirmação de que estão sendo privilegiados os municípios pólos regionais ou seus entornos
imediatos.
NOTAS
1. Sobre a heterogeneidade dos municípios paulistas, ver Caiado (1995).
2. Sobre “guerra fiscal” entre Estados da Federação, ver Fundap (1999)
e Alves (2001).
3. Este subitem foi escrito em parceria com Maria Abadia da Silva Alves.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, M.A.S. Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: o caso
do setor automotivo. 2001. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2001.
CAIADO, A.S.D. Desconcentração industrial regional no Brasil
(1985-1998): pausa ou retrocesso? Tese (Doutorado) – Instituto
de Economia da Universidade de Campinas, Campinas, 2002.
________ . Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista. São
Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, p.4653, jul./set.1995.
FUNDAP. Guerra fiscal no Brasil: três estudos de caso: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. São Paulo: Fundap, 1999.
PRADO, S.; CAVALCANTI, C.E.G. Aspectos da guerra fiscal no
Brasil. São Paulo: Ipea/Fundap, 1998.
VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde.
Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, Ipea, n.15, p.13-18,
1997.
AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da Fundação
Seade e Professor da Universidade de Sorocaba.
114
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 115-124, 2003
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO?
um olhar sobre os processos socioespaciais
AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO
SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS
Resumo: O artigo discute alguns processos socioespaciais em curso em municípios do Estado de São Paulo,
tais como a conurbação, metropolização e a expansão da ocupação urbana em áreas oficialmente definidas
como rurais, para mostrar que não existe mais a velha dicotomia urbano-rural e que a definição oficial do
IBGE não mais dá conta de explicar a diversidade de usos, carecendo de redefinição.
Palavras-chave: política urbana; urbanização; rural-urbano.
Abstract: This article discusses some of the socio-spatial processes underway in the cities of the State of São
Paulo, such as conurbation, metropolitanization and the expansion of urban occupation in areas officially
defined as rural, to demonstrate that the old rural-urban dichotomy is no longer valid and that the official
IGBE definition no longer explains the diversity of usages, and is in need of being re-elaborated.
Key words: urban policy; urbanization; rural-urban.
P
ara procurar avançar na discussão das definições
de rural e urbano, com vistas à análise do desenvolvimento regional, parte-se do princípio que os
conceitos formais de rural e urbano, baseados nos limites
administrativos (lei do perímetro urbano), já não são suficientes para explicar os complexos processos socioeconômicos e socioespaciais em curso no Estado de São Paulo.
Nas últimas décadas, a principal característica das transformações socioespaciais é o crescimento da conurbação
em aglomerações metropolitanas ou não-metropolitanas,
concentrando parcela crescente da população. Por outro
lado, o fenômeno de redução do peso das atividades agrícolas no emprego e na renda das pessoas que habitam o
meio rural, que tem sido registrado em países desenvolvidos, apresenta tendência crescente em São Paulo.
Com vistas a reunir informações sobre o crescente processo de transformação e diversificação das espacialidades presentes no Estado de São Paulo, analisam-se informações coletadas pela Pesquisa Municipal Unificada da
Fundação Seade – PMU/1999,1 em todos os municípios
paulistas, sobre a existência de ocupações urbanas em áreas
rurais, tais como: loteamentos sem aprovação, loteamentos aprovados por lei especial, grandes equipamentos de
lazer e indústrias, e sobre processos de conurbação com
outros municípios. A análise desses dados segundo informações sobre legislações municipais, mostra a extensão
do fenômeno no Estado e faz refletir sobre a necessidade
de buscar novos instrumentais de análise que representem a complexa realidade de uma sociedade urbana, cada
vez mais metropolitana. Para tanto o artigo está dividido
em três itens. O primeiro discute as principais características da rede urbana paulista e a redução do peso das atividades agrícolas na área rural. O segundo apresenta os
resultados da PMU/1999 sobre a existência de ocupações
urbanas em áreas rurais e o terceiro traz alguns comentários finais.
A REDE URBANA PAULISTA
A rede de cidades do Estado de São Paulo é a mais
complexa do país. Sua constituição remonta ao século XIX,
quando, a partir do dinamismo econômico impulsionado
pelo complexo cafeeiro, o território passou por processo
contínuo e permanente de ocupação (Caiado, 1995).
O recorte tradicional usado em estudos sobre urbanização, que partia da dicotomia existente entre cidade e cam-
115
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
po (moderno e atrasado) e estudava a rede urbana paulista
distinguindo a área metropolitana da capital do restante do
Estado – denominado interior –, não consegue mais explicar os diversos processos de integração produtiva, funcional e física em curso fora da Região Metropolitana de São
Paulo. Esta continua sendo a principal metrópole do país e
a principal cidade mundial da América do Sul, pelas articulações econômicas com os demais centros nacionais e
com as principais metrópoles internacionais. Entretanto,
no que diz respeito ao padrão de urbanização vigente no
Estado, com a interiorização do desenvolvimento, as realidades territoriais tornaram-se mais complexas, engendrando formações espaciais que refletem o caráter contraditório do dinamismo econômico.
As maiores cidades do interior estão localizadas nas
regiões mais industrializadas e de maior desenvolvimento, demonstrando a relação entre a dinâmica populacional e o crescimento econômico no Estado de São Paulo.
A localização das atividades econômicas e da população
privilegiou as sedes regionais e/ou seus entornos imediatos, notadamente as Regiões Administrativas de Campinas, Santos, Sorocaba, São José dos Campos e Ribeirão
Preto, fortalecendo o papel daqueles centros na rede urbana estadual e levando para o interior um padrão de urbanização até então vigente somente na metrópole.2
A estruturação e a ampliação do mercado imobiliário,
articulado e organizado em suas diversas etapas de reprodução do capital mercantil (parcelamento, construção, incorporação, financiamento e vendas), ampliaram o processo
de verticalização das cidades, com a construção de residências multifamiliares e de edifícios de escritórios. Favoreceram, também, o surgimento dos condomínios fechados horizontais para a classe média, de bairros periféricos
sem infra-estrutura urbana e favelas em quase todas as cidades do interior, independentemente de seu porte, expressões visíveis desse padrão contraditório de urbanização.
Esse processo expressa-se em uma dinâmica socioespacial
que se repete nas diversas realidades territoriais como
ambientes construídos pelo capital e para o capital.
A principal característica da rede urbana estadual, nas
últimas décadas, é a conurbação, produzindo aglomerações metropolitanas ou não-metropolitanas e concentrando parcela crescente da população.3 Além da grande diversidade e da alta densidade de centros, apresenta as
interações espaciais mais intensas e complexas de todo o
país. Isso se reflete em padrões espaciais que variam segundo as especificidades das diferentes regiões do Estado e compreendem, nas suas escalas superiores:4
- metrópoles de caráter mundial, nacional e regional;
- aglomerações urbanas que se desenvolveram a partir de
um núcleo;
- aglomerações urbanas constituídas de centros urbanos
com complementaridade funcional, que dividem as funções
polarizadoras e, espacialmente, se articulam com alguma
contigüidade, muitas vezes ao longo de eixos viários;
- aglomerações urbanas constituídas por centros urbanos
que dividem as funções polarizadoras sem possuir contigüidade espacial, formando um conjunto de cidades articuladas;
- centros urbanos que polarizam sozinhos os municípios de
seu entorno desempenhando o papel de centro regional.
Essas espacialidades nem sempre são perfeitamente
identificáveis ou passíveis de serem isoladas, dada a complexidade da rede e as múltiplas inter-relações. Em regiões
mais dinâmicas e de maior densidade de centros, as relações socioeconômicas se dão segundo diferentes vetores,
fazendo com que as articulações, quer de subordinação
quer de complementaridade, aconteçam entre centros de
diferentes aglomerações. Isso é facilmente evidenciado nos
municípios próximos da RMSP. Além da forte atração
exercida por aquela metrópole, os processos de conurbação e integração produtiva existentes na região de Jundiaí,
por exemplo, e sua articulação com municípios da Região
Metropolitana de Campinas – RMC e da Aglomeração
Urbana de Sorocaba dificultam o estudo e a delimitação
da aglomeração. O mesmo pode ser dito em relação às
Aglomerações Urbanas de São José dos Campos, de
Sorocaba e de Guaratinguetá.
O crescimento urbano tem ampliado a divisão de funções urbanas entre algumas cidades e a atração que alguns
centros exercem sobre o território. A existência de três áreas
metropolitanas, onze aglomerações urbanas e várias cidades de porte médio são a face de uma estrutura territorial,
cuja contraface está no grande número de municípios com
população urbana inferior a 20 mil habitantes.
É um Estado urbano, com 75% da população residindo
em regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas.
No conjunto as RMs e AUs tiveram crescimento médio
anual de 1,9%, entre 1991 e 2000, acima, portanto, da
média estadual.
A rede de cidades paulistas se estrutura em subsistemas que se constituíram vis-à-vis os processos econômicos das regiões onde se localizam e que possuem características diversificadas. Fortemente polarizada pela capital,
a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP é a princi-
116
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...
pal metrópole e, a despeito do processo de diminuição de
seu ritmo de crescimento, continuava abarcando em 2000
quase metade da população estadual, 17.852 mil habitantes (48,3%).
As outras principais aglomerações estão situadas no
entorno da metrópole paulistana, principalmente ao longo de quatro eixos principais a partir da capital:
- o eixo Anhangüera/Bandeirantes em direção ao interior,
passando por Campinas, indo até Ribeirão Preto;
2,59%, respectivamente) e ampliaram suas participações
no total da população estadual (Tabelas 1 e 2).
As 11 aglomerações urbanas existentes, envolvendo 58
municípios, tiveram crescimento médio de 2,2% e somente
as AUs de Araçatuba e Guaratinguetá tiveram crescimento abaixo da média estadual (1,7% e 1,2%, respectivamente) entre 1991 e 20005 (Tabela 2).
Os demais municípios paulistas não pertencentes às
aglomerações urbanas (RMs ou AUs), num total de 520
municípios, tiveram crescimento abaixo da média estadual
(1,6%). Desse conjunto, os pequenos, com população até
20 mil habitantes, que somam 396 municípios e abrigam
7,7% da população estadual, tiveram taxa negativa de crescimento (-0,5 a.a.) com perda populacional de 144 mil
habitantes, entre 1991 e 2000. Aqueles com população
entre 20 mil e 50 mil (86 municípios) cresceram a uma
taxa média equivalente à média estadual, 1,8% a.a. Os na
faixa entre 50 mil e 100 mil habitantes (27 municípios)
tiveram crescimento médio medíocre, de 0,5% a.a., entretanto essa taxa é explicada pela mudança de faixa de
vários municípios que passaram a ter mais de 100 mil
habitantes em 2000. Isso explica, também, a elevada taxa
de crescimento dos municípios com população de mais
de 100 mil habitantes, em 2000 (7,5% a.a.).
Em síntese, há forte concentração demográfica em áreas
urbanas de maior complexidade (RMs e AUs) ou em municípios isolados considerados pólos regionais.6 Cabe salientar que nas regiões metropolitanas as sedes tiveram
- o eixo formado pelas rodovias Carvalho Pinto/Presidente
Dutra que liga São Paulo ao Vale do Paraíba;
- aquele formado pelas rodovias Castelo Branco e Raposo
Tavares, que articula as cidades da Região de Sorocaba; e
- as rodovias Anchieta e Imigrantes, que ligam a capital
à Baixada Santista.
A Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS,
instituída pela Lei Complementar no 815/96, tem 1.473
mil habitantes (4,0%) e a Região Metropolitana de Campinas – RMC, instituída pela Lei Complementar no 870/
2000, 2.332 mil habitantes (6,3%).
As três regiões metropolitanas juntas abrigam 58,6%
da população estadual (21.659 mil hab.) e tiveram taxa
média anual de crescimento de 1,81% entre 1991 e 2000,
praticamente igual à média estadual (1,82%). A única RM
que cresceu abaixo da média estadual foi a RMSP (1,68%).
As outras – RMBS e RMC – tiveram taxa média de crescimento demográfico superior à média estadual (2,17% e
TABELA 1
Rede Urbana– Síntese
Estado de São Paulo – 1991-2000
Rede Urbana
Número de
Municípios
(2000)
População EstimadaTotal
1991
2000
Taxa Média
Anual
1991/2000
Distribuição
1991
2000
Regiões Metropolitanas
Aglomerações Urbanas
Demais Municípios
67
58
520
18.437.098
5.124.364
7.874.811
21.659.537
6.254.044
9.060.797
1,8
2,2
1,6
58,6
16,3
25,1
58,6
16,9
24,5
Municípios Isolados por Faixa de Tamanho
Até 5 mil Habitantes
De 5 a 10 mil Habitantes
De 10 a 20 mil Habitantes
De 20 a 50 mil Habitantes
De 50 a 100 mil Habitantes
De 100 a 250 mil Habitantes
Mais de 250 mil Habitantes
179
111
106
86
27
9
2
602.832
818.396
1.572.708
2.212.397
1.733.091
657.998
277.389
577.031
788.021
1.484.541
2.600.029
1.818.775
1.176.596
615.804
-0,5
-0,4
-0,6
1,8
0,5
6,7
9,3
1,9
2,6
5,0
7,0
5,5
2,1
0,9
1,6
2,1
4,0
7,0
4,9
3,2
1,7
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
117
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 2
Rede Urbana
Estado de São Paulo – 1991-2000
Rede Urbana
Número de
Municípios
(2000)
ESTADO DE SÃO PAULO
645
Região Metropolitana de São Paulo
39
São Paulo
Demais Municípios
Região Metropolitana de Campinas
19
Campinas
Demais Municípios
Região Metropolitana da Baixada Santista
9
Santos
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de São José dos Campos
6
São José dos Campos
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto
9
Ribeirão Preto
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Sorocaba
10
Sorocaba
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Jundiaí
6
Jundiaí
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de São José do Rio Preto
3
São José do Rio Preto
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos
5
Araraquara
São Carlos
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Araçatuba
2
Araçatuba
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Bauru
4
Bauru
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro
6
Limeira
Rio Claro
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Guaratinguetá
3
Guaratinguetá
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim
4
Mogi Guaçu
Moji Mirim
Demais Municípios
Municípios Não Pertencentes a RMs ou AUs
520
População EstimadaTotal
1991
2000
Taxa Média
Anual
1991/2000
31.436.273
15.369.305
9.610.659
5.758.646
1.852.813
843.516
1.009.297
1.214.980
417.114
797.866
1.002.477
439.231
563.246
615.390
428.377
187.013
813.202
376.513
436.689
453.917
288.228
165.689
324.251
279.507
44.744
358.911
158.934
157.549
42.428
226.699
152.018
74.681
365.880
259.504
106.376
523.436
206.456
137.041
179.939
195.488
92.077
103.411
244.713
100.237
64.523
79.953
7.874.811
36.974.378
17.852.637
10.426.384
7.426.253
2.332.988
968.160
1.364.828
1.473.912
417.975
1.055.937
1.209.640
538.298
671.342
739.857
504.162
235.695
1.040.967
492.245
548.722
561.931
323.056
238.875
417.413
357.705
59.708
433.576
182.240
192.639
58.697
263.185
169.087
94.098
439.455
315.493
123.962
634.235
248.618
167.902
217.715
216.903
104.101
112.802
296.882
123.984
81.293
91.605
9.060.797
1,8
1,7
0,9
2,9
2,6
1,5
3,4
2,2
0,0
3,2
2,1
2,3
2,0
2,1
1,8
2,6
2,8
3,0
2,6
2,4
1,3
4,1
2,8
2,8
3,3
2,1
1,5
2,3
3,7
1,7
1,2
2,6
2,1
2,2
1,7
2,2
2,1
2,3
2,1
1,2
1,4
1,0
2,2
2,4
2,6
1,5
1,6
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
118
Distribuição
1991
2000
100,0
48,9
30,6
18,3
5,9
2,7
3,2
3,9
1,3
2,5
3,2
1,4
1,8
2,0
1,4
0,6
2,6
1,2
1,4
1,4
0,9
0,5
1,0
0,9
0,1
1,1
0,5
0,5
0,1
0,7
0,5
0,2
1,2
0,8
0,3
1,7
0,7
0,4
0,6
0,6
0,3
0,3
0,8
0,3
0,2
0,3
25,1
100,0
48,3
28,2
20,1
6,3
2,6
3,7
4,0
1,1
2,9
3,3
1,5
1,8
2,0
1,4
0,6
2,8
1,3
1,5
1,5
0,9
0,6
1,1
1,0
0,2
1,2
0,5
0,5
0,2
0,7
0,5
0,3
1,2
0,9
0,3
1,7
0,7
0,5
0,6
0,6
0,3
0,3
0,8
0,3
0,2
0,2
24,5
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...
- atividades derivadas da disponibilidade de mão-de-obra
excedente no meio rural, que inclui o trabalho em domicílio e o trabalho complementar daqueles que exercem
outra atividade não-agrícola remunerada;
crescimento baixo (São Paulo e Campinas) ou nulo (Santos), mas os demais municípios metropolitanos cresceram
acima da média estadual, inclusive na RMSP.
É importante destacar que não só as áreas urbanas têm
mudado suas feições. No que diz respeito à área rural, a
agropecuária paulista é predominantemente de alto padrão
tecnológico, com um expressivo segmento moderno, responsável por uma parcela significativa da produção de
lavouras comerciais que demandam cada vez menos trabalhadores, e cujo perfil exigido é diferente do tradicional “homem do campo” e com algum nível de instrução.
Também persiste, em algumas regiões, uma agropecuária
tradicional e de baixo padrão tecnológico.
Entretanto, apenas as tradicionais atividades produtivas agrícolas e pecuárias não conseguem mais explicar a
dinâmica do emprego e da população rural do Estado. É
preciso incluir outras variáveis rurais não-agrícolas, decorrentes da crescente urbanização do meio rural, tais
como: hospedagem, turismo, lazer e outros serviços, atividades de preservação do meio ambiente, além de um
conjunto de atividades intensivas em mão-de-obra, como
olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura e criação de pequenos animais (rãs, canários, aves exóticas, etc.) que buscam “nichos de mercado” específicos
(Graziano da Silva, 1999; Balsadi; Borin; Julio, 2001).
Do total de pessoas ocupadas com residência rural, mais
de 50% já estavam ocupadas em atividades não-agrícolas
em 1999. Chama a atenção o ritmo desse processo nos
anos 90, pois entre 1992 e 1997 houve uma clara inversão
a favor do emprego rural não-agrícola no Estado de São
Paulo.7
Houve redução no número de pessoas ocupadas em
atividades agrícolas no Estado, de 1.211 mil, em 1992,
para 927 mil, em 1999. O total de pessoas com domicílio
rural e ocupado em atividades não-agrícolas em 1999 era
de 472 mil, superando o total ocupado em atividades agrícolas (455 mil pessoas).8
As principais dinâmicas que influenciam o crescimento de ocupações não-agrícolas no meio rural podem ser
resumidas da seguinte forma:
- atividades vinculadas à produção agropecuária, principalmente a produção direta de bens e serviços agropecuários, e a indireta, relacionada com sua comercialização,
processamento e transporte;
- expansão dos serviços públicos no meio rural;
- demanda por terras para uso não-agrícola pelas (agro)
indústrias e empresas prestadoras de serviços;
- demanda da população urbana de baixa renda por terrenos para autoconstrução de suas moradias em áreas rurais situadas nas proximidades das cidades;
- demanda da população urbana de alta renda por áreas
de lazer e/ou segunda residência, bem como pelos serviços a elas relacionados;
- consumo não-agrícola da população urbana, que é constituído por bens e serviços realizados no meio rural (artesanato, turismo ecológico, etc.);
- “novas atividades agropecuárias”, que buscam nichos
de mercado.
Em resumo, já não se pode caracterizar o meio rural
paulista somente como agrário. O comportamento do
emprego no meio rural não pode mais ser explicado apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração
das áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto
de atividades não-agrícolas que responde, cada vez mais,
pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista.
OCUPAÇÃO URBANA EM ÁREA RURAL
NOS MUNICÍPIOS PAULISTAS
As diferenças na caracterização das áreas urbanas e rurais nos diversos países do mundo fazem com que não exista
uma definição de população urbana aplicável a todos. As
definições nacionais de população urbana são mais comumente baseadas no tamanho da localidade. A população rural
está sendo definida por exclusão: aquela que não habita as
áreas urbanas (United Nations Statistics Division, 2002).
Na América Latina, para os 20 maiores países,9 cerca
de 35% utilizam o tamanho da localidade como parâmetro na definição de população urbana, sendo que o tamanho mínimo varia de 1.500 a 2.500 habitantes. Alguns
países acrescentam a esse parâmetro a existência de serviços ou outras características urbanas. Cerca de 30% utilizam a categoria de sede de municípios e/ou de distritos;
e outros utilizam leis para a definição da área urbana.
Verifica-se que de 1960 até os dias atuais muitos países alteraram sua definição de população urbana para efeito
dos censos demográficos, quer acrescentando caracterís-
- atividades derivadas do consumo da população rural,
que incluem a produção de bens e de serviços não-agropecuários, tanto de origem rural quanto urbana e os serviços auxiliares a eles relacionados;
119
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
ticas específicas, qualificadoras do espaço urbano, quer
aumentando a exigência de aglomeração (população mínima), chegando-se em alguns casos a definições complexas e com muitas exceções. 10
O desenvolvimento mundial e a urbanização crescente
das populações resultam nessa complexidade presente na
atualidade para a identificação do rural e do urbano.
No Brasil, cabe ao município definir o limite oficial
entre as zonas urbanas e zonas rurais de seu território através da Lei de Perímetro Urbano.
Em 1999, 67,1% dos municípios brasileiros possuíam
Lei de Perímetro Urbano, a lei mais encontrada em nossos municípios (Bremaeker, 2001). Para o Estado de São
Paulo esse percentual era de 57% em 1992 e passou a 65%
em 1999, segundo dados da PMU/Seade.
Analisando as datas das leis de perímetro urbano, informadas pelas prefeituras paulistas, verifica-se a sua pequena incidência até o final da década de 70, quando da
aprovação da Lei Lhemam (no 6.766/79).11 Na década de
80, o número de municípios que aprovaram leis de perímetro urbano cresceu e, na década de 90, esse número triplicou. Isso ocorreu paralelamente à expansão das áreas
urbanizadas, freqüentemente sem controle, das municipalidades. As leis vieram muitas vezes a reboque do processo (Gráfico 1).
Com efeito, o crescimento desordenado de nossas cidades vem acontecendo em muitos municípios através de uma
expansão que extrapola os limites urbanos definidos por
lei, avançando sobre áreas rurais em detrimento da produção agrícola e algumas vezes com conseqüências negativas
para o meio ambiente. Essa expansão tem ocorrido tanto
por meio de loteamentos populares que expandem as periferias com urbanização precária, quanto através de condomínios de alto padrão destinados à população com alto poder
aquisitivo, que busca melhor qualidade de vida em áreas
menos densas e afastadas dos centros urbanos.
Cerca de um terço dos municípios paulistas afirmaram
possuir algum tipo de ocupação urbana em área rural em
seus territórios, em 1999. Para 75% dos maiores municípios, população superior a 500 mil habitantes, a resposta
foi afirmativa; para aqueles com população entre 50 mil e
500 mil esse percentual é de 45% (Tabela 3).
O tipo mais freqüente de ocupação urbana em área rural é o loteamento sem aprovação da prefeitura, observado em 19% dos municípios paulistas, num total de 1.051
loteamentos nessa situação em todo o Estado. A incidência é de 75% nos grandes municípios, está entre 23% e
35% nos municípios com população entre 50 mil e 500
mil habitantes, e é de 12% nos pequenos municípios (população inferior a 5 mil habitantes).
Existem ainda, localizados em área rural, cerca de 300
loteamentos aprovados por legislação especial em todo
Estado, situados em 12% dos municípios. As maiores incidências estão nos municípios das faixas de população
GRÁFICO 1
Número de Municípios, segundo Lei de Perímetro Urbano
Estado de São Paulo – 1970-99
Nº de Municípios
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
19
70 971 972 973 974 975 976 977 978 979 980 981 982 983 984 985 986 987 988 989 990 991 992 993 994 995 996 997 998 999
1
1
1 1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1 1
1
1
1 1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Data da Lei
Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.
120
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...
TABELA 3
Ocupação Urbana em Área Rural
Estado de São Paulo – 1999
Tipologia
Total
Até 5 Mil
Mais de
5 Mil
a 10 Mil
Número de Municípios
645
180
116
211
32,7
36
20,0
123
19,1
Ocupação Urbana em Área Rural
Possui
%
Loteamentos sem Aprovação
Possui
%
Loteamentos de Lei Especial
Possui
%
Indústria
Possui
%
Lazer
Possui
%
Mais de
10 Mil
a 20 Mil
Mais de
20 Mil
a 50 Mil
Mais de
50 Mil
a 100 Mil
Mais de
100 Mil
a 250 Mil
Mais de
250 Mil
a 500 Mil
Mais de
500 Mil
117
117
53
40
14
8
39
33,6
40
34,2
42
35,9
24
45,3
20
50,0
4
28,6
6
75,0
21
11,7
21
18,1
26
22,2
19
16,2
12
22,6
14
35,0
4
28,6
6
75,0
74
11,5
13
7,2
10
8,6
16
13,7
20
17,1
5
9,4
7
17,5
2
14,3
1
12,5
75
11,6
8
4,4
14
12,1
11
9,4
18
15,4
10
18,9
10
25
2
14,3
2
25
36
5,6
7
3,9
3
2,6
6
5,1
9
7,7
7
13,2
2
5,0
1
7,1
1
12,5
Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.
gistra o maior número de indústrias localizadas em área
rural.
No caso da RG de Jaú as ocorrências se dividem entre
indústrias e loteamentos aprovados por lei especial, com
apenas um caso de loteamento sem aprovação.
Em apenas sete das 42 regiões de governo paulistas não
se registram loteamentos sem aprovação localizados em
área rural: Caraguatatuba, Rio Claro, São João da Boa
Vista, Lins, Jales, Votuporanga, Dracena e Tupã.
Para os loteamentos aprovados por lei especial, o maior
número é observado na RA de Campinas, seguida da RA
de Sorocaba, não tendo sido registrado nenhum na RA de
Marília e apenas um na RA de Santos.
Analisando a incidência da ocupação urbana em área
rural vis-à-vis a rede urbana paulista, constata-se uma forte
relação entre o número de eventos e a localização do
município em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou nos principais centros. Localizam-se nos 134 municípios de maior hierarquia da rede, cerca de 64% dos
loteamentos sem aprovação, 76% dos loteamentos aprovados por lei especial, 60% das indústrias localizadas em
área rural e 56% dos grandes equipamentos de lazer localizados fora dos perímetros urbanos municipais (Tabela 4
e Mapa 1).
de 20 mil a 50 mil habitantes e de 100 mil a 250 mil habitantes (17% dos municípios, em cada grupo).
Por outro lado, 12% dos municípios afirmaram possuir
indústrias em área rural, não sendo possível no entanto
identificar o tipo de indústria, se agroindústria ou não.
A distribuição regional mostra uma ligeira concentração do fenômeno na região mais urbanizada do Estado, mas
também a presença nas demais regiões paulistas. Verificase que mais de 60% dos municípios de Regiões de Governo próximas à metrópole paulistana declararam possuir
ocupações urbanas em área rural. São elas as Regiões de
Governo – RG de São José dos Campos e Taubaté, pertencentes à Região Administrativa – RA de São José dos Campos; na RG de Sorocaba, pertencente à RA de Sorocaba;
nas RGs de Campinas, Jundiaí e Bragança Paulista, da RA
de Campinas; e na RG de Jaú, da RA de Bauru. Do conjunto de 42 RGs paulistas, apenas nas RGs de Caraguatatuba
no litoral e de Dracena no extremo noroeste não existem
ocorrências de ocupações urbanas em área rural.
Na RA de São José dos Campos, a maior parte das ocupações diz respeito a loteamentos sem aprovação. O maior
número de loteamentos sem aprovação está na RG de São
José dos Campos, seguida da RG de Sorocaba. A RA de
São José dos Campos, seguida da RA de Campinas, re-
121
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 4
Número de Ocupações Urbanas em Área Rural
Estado de São Paulo – 1999
Regiões Metropolitanas, Aglomerações
e Centros Urbanos
ESTADO DE SÃO PAULO
Total das Regiões Metropolitanas
Região Metropolitana de São Paulo
São Paulo
Demais Municípios
Região Metropolitana de Campinas
Campinas
Demais Municípios
Região Metropolitana da Baixada Santista
Santos
Demais Municípios
Total das Aglomerações Urbanas
Aglomeração Urbana de São J. dos Campos
São José dos Campos
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto
Ribeirão Preto
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Sorocaba
Sorocaba
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Jundiaí
Jundiaí
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de São J. do Rio Preto
São José do Rio Preto
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos
Araraquara
São Carlos
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Araçatuba
Araçatuba
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Bauru
Bauru
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro
Limeira
Rio Claro
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Guaratinguetá
Guaratinguetá
Demais Municípios
Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim
Mogi Guaçu
Moji Mirim
Demais Municípios
Total dos Centros Urbanos (1)
Demais Municípios
Número de
Municípios
Número de Loteamentos
sem Aprovação
645
1.051
140
106
...
...
29
17
12
5
0
5
453
200
141
59
3
2
1
66
3
63
78
56
22
100
100
0
2
0
2
0
4
4
0
0
0
0
0
...
0
0
0
0
0
0
...
0
0
76
382
39
1
38
19
1
18
9
1
8
6
1
5
9
1
8
10
1
9
6
1
5
3
1
2
5
1
1
3
2
1
1
4
1
3
6
1
1
4
3
1
2
4
1
1
2
9
511
Número de Loteamentos
Aprovados por Lei Especial
1.270
25
11
6
5
13
0
13
1
0
1
939
3
0
3
0
0
0
4
3
1
912
11
901
0
0
0
10
0
10
0
0
0
0
0
0
0
0
0
...
...
0
0
0
10
1
6
3
6
300
Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.
(1) Inclui os municípios de Botucatu, Bragança Paulista, Catanduva, Franca, Itapetininga, Jaú, Marília, Piracicaba e Presidente Prudente.
122
Número
de Indústrias
Equipamentos
de Lazer
289
72
26
...
...
45
0
45
1
0
1
94
71
22
49
4
0
4
5
4
1
2
0
2
0
...
...
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
4
4
...
0
6
0
6
2
1
1
0
7
116
74
9
6
...
...
3
0
3
0
0
0
7
0
0
0
0
0
0
1
0
1
0
0
0
2
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
4
0
4
0
0
0
0
0
58
FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...
MAPA 1
Municípios com Ocupação Urbana em Área Rural
1999
Limite Municipal
Loteamento com aprovação especial
Loteamento sem aprovação
Indústria
Grandes equipamentos de lazer
Centro Urbano
Aglomeração Urbana
Região Metropolitana
Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.
(1) Não respondeu à PMU/1999.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
os conceitos de área urbana e área rural, adotados pelo
IBGE.
Além disso, pode-se dizer que uma das principais características da rede urbana paulista é o processo de conurbação, com formação de aglomerações urbanas e regiões
metropolitanas. Nessas áreas registra-se com mais freqüência conurbações entre dois ou mais municípios, constituindo
mancha urbana única, o que reforça o argumento da
necessidade de se analisar e principalmente de constituir
estruturas de planejamento para as aglomerações, tratandoas como espaço urbano único de interrelações complexas.
Por fim é importante alertar para a necessidade de o
planejamento municipal abarcar todo o território do município e não somente a área considerada urbana, regulando o uso e a ocupação do solo no município de sorte a
evitar o surgimento e expansão de ocupações ilegais, a
margem do poder público.
Analistas que estudam a dinâmica do setor agrícola têm
chamado a atenção para a mudança de padrão do trabalho
no campo, com o crescimento de atividades não-agrícolas. Para desenvolver seus estudos, reclassificam as informações estatísticas coletadas pelo IBGE, segundo local
de moradia, para fugir da clássica divisão entre rural e
urbano e, mesmo considerando rural somente os moradores que habitam em áreas isoladas, constatam a mudança
do padrão e a existência de um novo rural (Projeto rurbano,
2002).
Este trabalho procurou analisar o outro lado da questão, ou seja: o avanço da ocupação tipicamente urbana
em áreas oficialmente consideradas rurais. A conclusão
a que chegamos é consentânea àquela da equipe do Projeto Rurbano e aponta para a necessidade de rediscutir
123
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
9. Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua,
Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela.
NOTAS
1. A PMU é uma pesquisa aplicada em todos os municípios paulistas
desde 1992.
10. Conforme informações do Centro Latinoamericano y Caribeño de
Demografia – Celade/Cepal, Boletim Demográfico n.63 de janeiro de
1999, que traz as definições de população urbana e rural utilizadas
nos censos demográfico de países da América Latina a partir de 1960.
2. São consideradas sedes regionais as sedes das regiões administrativas. O Estado de São Paulo tem uma divisão administrativa em 15 regiões, sendo 14 Regiões Administrativas – RAs e a Região Metropolitana de São Paulo. As RAs são as seguintes: RA de Registro, RA de
Santos, RA de São José dos Campos, RA de Campinas, RA de Sorocaba,
RA de Ribeirão Preto, RA de Bauru, RA de Marília, RA de São José
do Rio Preto, RA de Presidente Prudente, RA de Araçatuba, RA de
Franca, RA de Barretos e RA Central. A Região Metropolitana da Baixada Santista coincide com a RA de Santos e a Região Metropolitana
de Campinas compreende 19 dos 90 municípios da RA de Campinas.
11. Lei federal que discorre sobre o parcelamento do solo urbano e
exprime a exigência da definição de perímetro urbano para a aplicação da mesma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3. Cerca de 11% dos 645 municípios paulistas apresentam-se conurbados, segundo a PMU/1999. O processo de conurbação é uma realidade consolidada nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Campinas e nos eixos das Rodovias Anhangüera e Dutra. O tipo mais freqüente de conurbação é o da mancha urbana principal contínua em
dois ou mais municípios, que ocorre em sete dos oito municípios com
mais de 500 mil habitantes existentes no Estado, e em 43% dos municípios com população entre 250 mil e 500 mil habitantes. A conurbação do tipo mancha urbana de um município que extrapola para o município limítrofe está mais presente entre os municípios com população variando entre 100 mil e 500 mil habitantes.
BALSADI, O.V.; BORIN, M.R.; JULIO, J.E. A agropecuária paulista. São Paulo: Fundação Seade, 2001. Mimeografado.
BREMAEKER, F.E.J. Os instrumentos de gestão urbana dos municípios para a aplicação do Estatuto da Cidade. Ibam, 2001.
CAIADO, A.S.C. Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista. São
Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, p.4653, jul./set. 1995.
CAIADO, A.S.C.; SANTOS, S.M.M. Novas espacialidades na rede
urbana paulista. In: IX ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR.
Anais... Rio de Janeiro, 2001.
4. Sobre os padrões espaciais da rede urbana paulista ver Caiado e
Santos, 2001.
CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo:
Hucitec, 1990.
5. As aglomerações urbanas estão assim distribuídas: três na RA de
Campinas (AU de Limeira/Rio Claro e AU de Jundiaí, AU de Mogi
Guaçu/Moji Mirim); duas na RA de São José dos Campos (AU de São
José dos Campos e AU de Guaratinguetá); uma na RA de Sorocaba
(AU de Sorocaba ), uma na RA de São José do Rio Preto (AU de São
José do Rio Preto); uma na RA de Ribeirão Preto (AU de Ribeirão
Preto); uma na RA Araçatuba (AU de Araçatuba), uma na RA Central
(AU de Araraquara/São Carlos); uma na RA de Bauru (AU de Bauru).
CENTRO LATINOAMERICANO Y CARIBEÑO DE DEMOGRAFIA
(Celade/Cepal). Boletin Demográfico n.63, enero 1999.
GRAZIANO DA SILVA, J.F. O novo rural brasileiro. Campinas:
Unicamp – Instituto de Economia, 1999. (Coleção Pesquisa, 1).
IPEA/UNICAMP.IE.NESUR/IBGE (Org.). Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Campinas, SP: Unicamp – Instituto de Economia, 1999 (Coleção Pesquisas, 3).
6. Os principais Centros Urbanos Isolados têm a seguinte distribuição, por RA: Franca na RA de Franca; Piracicaba e Bragança Paulista
na RA de Campinas; Itapetininga e Botucatu na RA de Sorocaba; Jaú
na RA de Bauru; Catanduva na RA de São José do Rio Preto; e Presidente Prudente e Marília situadas em RAs de mesmo nome.
KAGEYAMA, A.; LEONE, E. Uma tipologia dos municípios paulistas com base em indicadores sociodemográficos. Textos para discussão, n.66, IE/Unicamp, 1999.
NEGRI, B. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1994.
7. Do total de pessoas ocupadas na agricultura paulista, praticamente
50% têm residência urbana e 50%, residência rural (ou seja, a queda
do emprego também terá fortes efeitos nas cidades, onde reside boa
parte dos trabalhadores rurais).
PACHECO, C.A. Fragmentação da nação. Campinas: Unicamp – Instituto de Economia, 1998.
8. O número de pessoas ocupadas com domicílio rural teve uma queda de apenas 0,3% ao ano no período 1992-99, comportamento que
só não foi pior devido ao excelente desempenho das atividades nãoagrícolas, que apresentaram crescimento de 6,1% ao ano no número
de pessoas ocupadas, passando de 326 mil pessoas ocupadas, em 1992,
para 472 mil, em 1999. O total de ocupados na agropecuária residentes no meio rural teve redução significativa de 5,0% ao ano, valor próximo ao observado para aqueles com residência urbana (4,9%
ao ano).
PROJETO RURBANO. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/
projetos/rurbano/rurbanw.html>. Acesso em: 13 out. 2002
UNITED NATIONS STATISTICS DIVISION. Disponível em:
<http://www.millenniumindicators.un.org>. Acesso em: 12 dez.
2002.
AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da Fundação
Seade e Professor da Universidade de Sorocaba.
Os principais ramos de atividade não-agrícola responsáveis pela ocupação da PEA rural foram: prestação de serviços, indústria de transformação, indústria da construção, comércio de mercadorias e serviços sociais. Em 1999, esses cinco ramos de atividade respondiam por
90% do total das ocupações não-agrícolas no interior.
SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS: Engenheira-Urbanista, Analista da Fundação Seade.
124
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 125-134, 2003
PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
PLANO AMOSTRAL
Pesquisa de Emprego e Desemprego
WILTON DE OLIVEIRA BUSSAB
NÁDIA PINHEIRO DINI
SILVIA REGINA MANCINI
Resumo: Discussão dos aspectos principais do plano amostral de uma pesquisa domiciliar, a PED – Pesquisa
de Emprego e Desemprego, realizada mensalmente pela Fundação Seade e pelo Dieese desde 1985. Abordamse questões metodológicas, teóricas e práticas e as soluções para elas adotadas, bem como procura-se avaliar
a contribuição da realização dessa pesquisa para o desenvolvimento da Fundação Seade.
Palavras-chave: plano amostral; pesquisa domiciliar; painel rotativo.
Abstract: A discussion of the principle aspects of the sampling plan of a household survey, the PED – Survey
of Employment and Unemployment, conducted monthly by Fundação Seade and Dieese since 1985.
Methodological, theoretical and practical issues, as well as adopted solutions, are addressed. An attempt is
made to evaluate the contribution of this survey to the development of Fundação Seade.
Key words: sampling plan; household survey; rotating panel.
A
PED surgiu em 1984, a partir de um convênio
firmado entre a Fundação Seade – Sistema Estadual de Análise de Dados – e o Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, com o objetivo principal de acompanhar a inserção da população em idade ativa – PIA
no mercado de trabalho da Região Metropolitana de
São Paulo, caracterizado por grande heterogeneidade
e por tênues limites entre as possíveis condições de
atividade dos indivíduos (ocupação, desemprego e
inatividade).
Desde seu início, a pesquisa buscou ser fonte de informações que subsidiem a formulação de políticas econômicas e sociais, em especial de emprego e de renda,
através da geração de indicadores referentes à medição de desemprego, às características dos postos de
trabalho e aos rendimentos do trabalho, entre outros
(Troyano, 1990).
Para melhor atender a esses objetivos, a pesquisa é
realizada em caráter contínuo e através de entrevistas diretas com a população da Região Metropolitana de São
Paulo. Selecionam-se, para tanto, domicílios particulares
de maneira probabilística, de acordo com um plano amos-
tral predefinido, e entrevistam-se todos os moradores desses domicílios.
CARACTERÍSTICAS DO PLANO AMOSTRAL
A descrição de um plano amostral probabilístico deve
especificar o universo de investigação, as unidades
amostrais, os critérios de estratificação, os procedimentos de sorteio das unidades amostrais, as probabilidades
de inclusão, os estimadores e os respectivos erros
amostrais. Desse modo, saberemos do que e de quem
estamos falando e avaliando os desvios esperados para as
estimativas (Bolfarine; Bussab, 2000).
Outros aspectos e decisões operacionais também precisam ser considerados a fim de se obter um planejamento amostral eficiente, em relação a custo e precisão, e bem
ajustado aos propósitos da investigação a ser realizada.
Esses objetivos só serão alcançados com um estudo detalhado das informações e recursos disponíveis para a realização da pesquisa. Após a identificação e conhecimento
do cenário à disposição, pode-se escolher o plano amostral
e respectivos estimadores que melhor respondam aos interesses do levantamento.
125
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Universo da Pesquisa
A população-alvo ou universo inicial de interesse era
a população em idade ativa moradora na área urbana da
Região Metropolitana de São Paulo, que em 1984 era constituída por 37 municípios. Também tinha-se como acordado que as informações seriam obtidas nos domicílios
particulares que, portanto, constituiriam a última unidade
amostral, qualquer que fosse o plano amostral adotado.
sa. Esse sistema é atualizado à medida que as informações dos censos mais recentes são disponibilizadas. Independentemente da atualização do cadastro de setores através do Censo, procede-se regularmente a uma renovação
dos setores que compõem a amostra, selecionando-se novos setores para substituí-los. Mensalmente, uma pequena parcela dos setores da amostra é substituída, o que a
mantém atualizada e ao mesmo tempo evita impactos bruscos às séries de dados.
Sistema de Referência
Organização do Cadastro
O uso de amostras probabilísticas exige uma listagem
das unidades amostrais, ou seja, um sistema de referência
das unidades amostrais. Em 1984, momento de implantação da pesquisa, consideraram-se, como possíveis fontes
de informação, os cadastros telefônicos, de suprimento de
água ou ainda de energia elétrica. Além da dificuldade de
acesso a esses cadastros, eles excluíam parcelas importantes da população urbana da Região Metropolitana de
São Paulo, como, por exemplo, aquela moradora em favelas, além de parcelas de domicílios que ainda não estavam cobertos por esses serviços e apresentavam características indesejáveis de identificação, como falta de clareza
entre consumidores comerciais e residenciais e outras
especificidades. Optou-se, então, por usar as informações
fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – por meio dos Censos Demográficos na
Região Metropolitana de São Paulo, detalhadas ao nível
menor de Setor Censitário – SC. Tais setores censitários
correspondem a regiões geográficas delimitadas com cerca de 300 domicílios cada uma, definidas previamente à
realização de cada Censo Demográfico para todo o território nacional. Desse modo, tem-se cobertura total de todos os municípios por setores censitários, com a vantagem adicional de que, em regiões de elevada densidade
demográfica, como é o caso da Região Metropolitana de
São Paulo, esses setores são geograficamente pequenos,
o que facilita muito o trabalho de um entrevistador ao
percorrê-los a pé.
A escolha de tal sistema de referência geográfico obriga-nos à utilização de planos amostrais em múltiplos estágios, modelo bastante difundido em pesquisas amostrais
domiciliares. Assim, em uma primeira etapa serão selecionados SCs e dentro deles serão sorteados domicílios.
O cadastro de setores censitários urbanos do Censo
Demográfico de 1980 do IBGE constituiu o sistema de
referência original por ocasião da implantação da pesqui-
Conhecer bem e trabalhar o sistema de referência é
importante para aumentar a precisão dos resultados de
pesquisas amostrais. Um dos recursos bastante comuns
para isso é a utilização de estratificação, ou seja, a organização do sistema de referência adotado em subgrupos
ou estratos de tal forma que esses estratos sejam ao mesmo tempo bastante homogêneos internamente quanto a
certas características relacionadas ao que se busca medir,
e tão heterogêneos quanto possível entre si, no que se refere a essas mesmas características.
No caso da PED, um dos indicadores cujo erro se pretendia controlar é a taxa de desemprego, que serve de
base para todo o planejamento da amostra. As informações disponíveis no Censo Demográfico mais relacionadas a esse indicador são aquelas referentes à inserção da
mão-de-obra no mercado de trabalho, tais como a distribuição dos ocupados por setor de atividade econômica e
o rendimento dos chefes de domicílio, que foram utilizados para a estratificação do sistema de referência. Por
meio de técnicas estatísticas multivariadas como a análise de agrupamentos, produziram-se regiões homogêneas
demunicípios ou distritos (dez regiões em 1980 e sete
regiões em 1991) (Bussab; Dini, 1985). Cada uma dessas regiões pode ser caracterizada pela maior ou menor
presença de sua mão-de-obra ocupada em cada um dos
principais setores de atividade econômica. Como exemplo, um dos resultados da aplicação dessa técnica aos
dados de 1980 foi a obtenção de uma região que incluía
os principais municípios do ABC paulista, além de Caieiras e de Cajamar, com forte presença de mão-de-obra
inserida no setor industrial, refletindo a realidade dessa
região naquele momento.
A análise dos tipos de SC existentes no Censo sugeriu
eliminar do cadastro os setores rurais e alguns setores especiais, entre eles os quartéis, as cadeias, os asilos e as
aldeias indígenas. Desse modo, a população de referên-
126
PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
cia da pesquisa passou a ser constituída pelos moradores
de domicílios particulares em setores censitários urbanos
e suburbanos da RMSP, inclusive aqueles de favelas e de
alojamentos. Deve-se salientar que a quase totalidade dos
domicílios dessa região é considerada urbana (cerca de
98%).
Entretanto, quanto mais a pesquisa se afasta da data do
Censo, mais desatualizadas vão ficando as informações
dos SCs, o que recomenda a recontagem do número de
domicílios dentro dos setores sorteados (relistagem dos
SCs). Como o número de domicílios pode crescer ou decrescer, a recontagem usualmente altera o número existente para um novo número N*j, necessitando-se, então,
corrigir a probabilidade de seleção. Em tais casos, costuma-se alterar o número de domicílios sorteados dentro dos
setores de tal modo que se mantenha a probabilidade de
seleção inicial, ou seja,
b/Nj = bj/N*j
Determinação do Tamanho da Amostra
Estudos realizados com o objetivo de balancear o custo da pesquisa com a precisão desejada para seus principais indicadores (dos quais considerou-se principalmente
a taxa de desemprego desagregada em seus tipos – total,
aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento) previam amostras de 9 mil unidades domiciliares a
serem selecionadas trimestralmente. Após analisar as dificuldades operacionais de treinamento e aplicação de
questionários de forma não-contínua, decidiu-se alterar o
procedimento inicial de uma única tomada a cada três
meses, e dividi-la em três tomadas a cada mês, com cerca
de 3 mil domicílios entrevistados em cada tomada. Esse
procedimento implicou propor novos parâmetros e estimadores, bem como a decisão do uso de acúmulo de informações para a produção de estatísticas de tendências.
Com essa alteração, perde-se um pouco o controle sobre o tamanho final da amostra, mas de um modo geral
não são modificações dramáticas.
Deve-se enfrentar agora a questão de como alocar a
amostra pelos SCs e domicílios, ou seja, quantos setores
e quantos domicílios selecionar para obter a amostra final
de cerca de 3 mil domicílios por mês.
Para melhor definir esses dois números, devem ser considerados aspectos como os custos associados à inclusão
de cada setor censitário na amostra e à realização das entrevistas em cada unidade domiciliar e o grau de correlação entre as informações de unidades domiciliares pertencentes a um mesmo setor censitário, a chamada
correlação intraclasse.
Quanto maior o número de setores censitários na amostra,
maiores as despesas com seu arrolamento e com os deslocamentos dos pesquisadores para a realização das entrevistas.
Por outro lado, espera-se uma forte correlação entre as
informações de domicílios dentro de um mesmo setor;
assim, quanto maior a correlação entre as informações de
unidades domiciliares pertencentes a um mesmo setor
censitário, menor deverá ser o número de unidades domiciliares selecionadas por setor censitário. Entretanto, como
a correlação é desconhecida até que o levantamento seja
de fato efetuado, procura-se, nessa fase, utilizar a experiência proveniente de outras pesquisas e o senso comum
para se estabelecer a divisão mais conveniente do tamanho total previsto para a amostra entre setores censitários
e unidades domiciliares por setor censitário. Experiência
anterior e simulações de custos sugeriram que a alocação
da amostra deveria ser feita em 600 SCs e 15 domicílios
em cada um, perfazendo um total de 9 mil domicílios trimestralmente. Com essa escolha, a fração amostral passou a corresponder a cerca de um domicílio sorteado para
cada 500 existentes na RMSP.
Amostras Selecionadas com Probabilidade
Proporcional ao Tamanho
O principal cuidado a ser tomado com planos amostrais
em múltiplos estágios é o controle do tamanho final da
amostra, que pode ser conseguido com sorteio do conglomerado (SC) com probabilidade propocional ao tamanho
(PPT) e, no segundo estágio, selecionar um número fixo
de domicílios (Bolfarine; Bussab, 2000). Assim, o plano
amostral pode ser resumido como a seleção de “a” setores censitários com probabilidade proporcional ao tamanho, e “b” domicílios com igual probabilidade dentro de
cada SC sorteado. Usou-se como medida do tamanho do
SC o número de domicílios ocupados no Censo Demográfico à disposição. A probabilidade de seleção do domicílio i dentro do setor j, passa a ser:
Pij=(aNj/T)(b/Nj) = ab/T
Nj =número de domicílos no setor j
T = total de domicílios no Censo
Ou seja, com esse procedimento cada domicílio teria a
mesma probabilidade de pertencer à amostra, pelo menos
teoricamente.
127
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Como já mencionado, a fim de realmente garantir que
todos os domicílios tenham a mesma probabilidade de
seleção, é necessário que cada um dos setores censitários
selecionados seja arrolado por completo e o número esperado de unidades domiciliares para cada setor (15) seja
ajustado proporcionalmente às alterações encontradas
entre o tamanho presumido do setor e o observado em
campo no momento do arrolamento. Dessa forma, setores
que apresentem, no arrolamento, um número maior de
domicílios do que o divulgado no Censo deverão também
ter um acréscimo às 15 unidades domiciliares esperadas,
e esse acréscimo deverá ser proporcional ao crescimento
observado no setor. Inversamente, setores que apresentem menos domicílios no arrolamento do que no Censo
deverão ter um número proporcionalmente menor de unidades domiciliares selecionadas. Tais alterações no tamanho do setor são comuns em uma região dinâmica como a
metrópole paulistana, onde são freqüentes fenômenos
como o brusco aumento do número de residências graças
à verticalização ou a sua redução devido ao surgimento
de grandes eixos comerciais em áreas anteriormente
residenciais. Assim, devem-se realizar esforços constantes para a manutenção de arrolamentos atualizados.
Quando a implantação da pesquisa ocorre em um momento outro que o do Censo Demográfico, convém que o
cálculo inicial do tamanho da amostra leve em consideração as estimativas do crescimento populacional anual ocorrido, evitando-se, assim, a indesejada perda de controle
do tamanho final.
processamento dos indicadores. Esse aspecto é bastante
vantajoso para uma pesquisa de caráter contínuo, pois, se
houver necessidade de pesos, o cálculo exato destes não é
trivial e exige informações extras sobre a distribuição
populacional, podendo estar sujeito a distorções à medida que a pesquisa se distancia de seu sistema de referência, ou seja, do último Censo Demográfico disponível.
Além das facilidades computacionais que advêm da
autoponderação, existe outra vantagem adicional expressa em menores erros amostrais. A teoria de amostragem
determina que quanto maior a diferença entre as frações
amostrais utilizadas e, conseqüentemente, entre os pesos
posteriormente atribuídos aos dados, maiores os erros
amostrais dos indicadores calculados.
Com a autoponderação, a maioria dos indicadores divulgados pode ser calculada diretamente a partir dos dados amostrais; já para os indicadores de contingentes
populacionais preferiu-se adotar um sistema misto: utilizam-se os resultados da amostra aplicados a dados externos, ou seja, projeções populacionais produzidas pela
Gerência de Demografia da Fundação Seade.
Periodicidade da Coleta
O tamanho inicial definido para a amostra (9 mil domicílios) por trimestre, por razões já mencionadas de custo, não
é levantado em um único mês, mas em três meses, com a
coleta de 3 mil domicílios por mês. Para tanto, divide-se o
número total de setores censitários sorteados em três painéis
distintos rotulados de A, B e C. Nos três primeiros meses da
pesquisa, levantam-se as informações dos painéis A, B e C,
respectivamente. No quarto, sétimo e décimo mês da pesquisa, utilizam-se novamente os setores censitários do painel A, selecionando-se, entretanto, novas unidades domiciliares nesses setores. No quinto, oitavo e décimo primeiro
mês, repetem-se os setores censitários do painel B, ao passo
que o painel C serve de base para o sorteio do sexto, nono e
décimo segundo mês. A partir do décimo terceiro mês, repete-se esse esquema, sempre com a seleção de novas unidades domiciliares a cada novo mês. Dessa forma, podem-se
aproveitar os custos despendidos no processo de arrolamento dos setores censitários e ao mesmo tempo obter amostras
mensais independentes (Figura 1).
Sistema de Ponderação
O sistema de referência (setores censitários) foi inicialmente agrupado de acordo com as regiões homogêneas definidas. Em seguida, dentro de cada região homogênea, foi ordenado por município e distrito e, dentro destes, por rendimento médio dos chefes de domicílio. A partir
do sistema assim ordenado, realizou-se o sorteio de setores censitários em pares aleatórios, o que garantiu uma
estratificação implícita da amostra. Isso quer dizer que a
distribuição da amostra pelos estratos considerados coincide com aquela da população, sem outro esforço adicional para se obter essa característica.
Além disso, a utilização de uma fração amostral constante, ou seja, o fato de que todas as unidades domiciliares têm a mesma chance de ser incluídas na amostra, garante que os dados sejam autoponderados, não havendo,
portanto, a necessidade de criação de pesos para o
Divulgação das Informações
Embora o levantamento seja realizado todos os meses,
para garantir a precisão desejada, o cálculo dos indicadores
128
PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
FIGURA 1
Esquema de Coleta de Dados da PED
Meses
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Painéis
A
B
C
A
B
C
A
B
C
A
B
C
trim. 1
trim. 2
trim. 3
trim. 4
trim. 5
Base para
trim. 6
Cálculo dos Indicadores
trim. 7
trim. 8
trim. 9
trim. 10
Fonte: Fundação Seade. PED.
O cálculo das estimativas é obtido diretamente dos
dados acumulados no banco de dados, ao passo que o dos
erros amostrais, sendo bastante complexo, requer a utilização de softwares específicos, como PCCARP, SAS e
Sudaan. Atualmente, a Fundação Seade vem utilizando o
software SAS para o cálculo dos erros.
é efetuado com a amostra acumulada do trimestre. Como
será apresentado a seguir, a independência das amostras
mensais permite esse acúmulo, bem como a divulgação,
todos os meses, de novos resultados obtidos a partir de
trimestres móveis, uma vez que incluem sempre os três
painéis definidos. Dessa forma, é possível acompanhar
mensalmente a tendência dos principais indicadores divulgados, entre os quais se destacam as estimativas dos
contingentes de ocupados, desempregados e inativos, as
taxas de desemprego total, por tipo e por atributos pessoais, a distribuição dos ocupados por setor de atividade
econômica e por posição na ocupação e os rendimentos
médios da população ocupada e assalariada.
Controle de Qualidade dos Resultados
O tamanho da amostra foi calculado a fim de garantir a
precisão desejada para alguns indicadores, considerandose principalmente a taxa de desemprego total. Para garantir a confiabilidade de todos os resultados divulgados, quer
em estudos de caráter conjuntural, quer de caráter estrutural, determinou-se que sejam disponibilizados de forma
rotineira apenas os indicadores cujo coeficiente de variação seja no máximo 7,5%. Estudos com erros superiores
a esse limite só são divulgados em casos muito especiais.
Cálculo dos Indicadores
Conforme já mencionado, o plano amostral em dois estágios, utilizado com a seleção, no primeiro estágio, de conglomerados (setores censitários) e, no segundo, de domicílios dentro dos setores previamente selecionados, faz com
que o tamanho da amostra a cada mês possa oscilar, dependendo do crescimento ou da diminuição do SC sorteado.
Desse modo, a maioria dos indicadores produzidos tais como
taxas, distribuições de freqüências e médias, é calculada por
meio de estimadores do tipo razão, ou seja, pelo quociente
de duas variáveis aleatórias ou características. Por exemplo,
a taxa de desemprego total divulgada corresponde ao
estimador razão combinado no trimestre, expresso pelo quociente entre o número total de desempregados obtido em três
meses de pesquisa e o número total de pessoas economicamente ativas obtido no mesmo período.
Erros Não Amostrais
Além do esforço para controlar os erros amostrais, através da determinação do tamanho de amostra adequado para
a precisão desejada e da divulgação de indicadores com
coeficiente de variação de no máximo 7,5%, a PED também realiza diversos procedimentos a fim de controlar os
erros de origem não amostral, entre eles os relacionados a
cobertura, coleta e processamento de informações.
Uma equipe de checagem investiga aproximadamente
30% do material coletado pela PED, verificando tanto
aspectos de cobertura, ou seja, da realização da entrevis-
129
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
ta no domicílio preestabelecido, como de qualidade das
principais informações levantadas. Uma equipe interna de
crítica analisa todos os questionários preenchidos, dando
atenção especial à coerência das informações e à existência de possíveis viéses devidos à atuação dos entrevistadores. Após a entrada eletrônica dos dados, efetuada
com programa específico para minimizar erros, realizase o controle final pela execução de um programa de consistência eletrônica de dados, que busca eliminar possíveis erros ocorridos durante a entrada dos mesmos e
incoerências que tenham passado despercebidas no processo de crítica.
de atividade. Por exemplo, é mais provável que um entrevistado que já se encontrava ocupado no mês anterior de
pesquisa continue nessa situação no mês atual do que um
desempregado se torne ocupado, no mesmo intervalo de
tempo. Ou seja, existe correlação, quase sempre positiva,
nas partes fixas dos painéis. A utilização desse recurso
também pode contribuir para reduzir custos, se houver a
possibilidade, para a parte fixa da amostra, de simplificar
a coleta das informações, como por exemplo, através da
realização da entrevista inicial, pessoalmente, e das subseqüentes, por telefone.
As vantagens potenciais desse esquema de coleta de
dados, entretanto, são muitas vezes suplantadas pelas sérias dificuldades em sua aplicação, que não devem ser
desconsideradas no momento do planejamento. Uma delas reside em se efetuarem análises estatísticas que tirem
o justo proveito desses modelos mais complexos de
amostragem. Outra, não menos importante, deve-se à já
mencionada dinâmica das metrópoles e a conseqüente dificuldade de localização dos domicílios que compõem a
parte fixa da amostra – é comum que, embora a mesma
unidade domiciliar seja entrevistada em dois momentos
diferentes, os moradores já não sejam mais os mesmos ou
que simplesmente não seja possível localizar exatamente
a mesma unidade domiciliar, em áreas de rápido crescimento e mudanças, como favelas, por exemplo.
Um dos problemas mais sérios desse método de coleta, todavia, encontra-se no aumento da taxa de recusa dos
moradores em responder à pesquisa, que tende a ocorrer
justamente quando se localiza a unidade domiciliar procurada e ela continua habitada pelos mesmos moradores.
Isso se deve a um desgaste natural produzido pela realização de entrevistas consecutivas com os mesmos indivíduos. Outro efeito prejudicial comum é o condicionamento
dos entrevistados, ou seja, suas respostas passam a ser
influenciadas pelo conhecimento prévio do que lhes será
perguntado. Finalmente, pode haver discrepâncias importantes e difíceis de serem contornadas entre as respostas
oferecidas pelos mesmos entrevistados em tomadas diferentes.
As amostras independentes, por outro lado, permitem
que se realizem estimativas pontuais e também que se
avaliem as alterações ocorridas entre duas tomadas determinadas, sem as dificuldades e desvantagens das amostras de painéis, embora com uma variabilidade maior para
as comparações entre tomadas distintas. No entanto, cabe
ressaltar que a PED, ao divulgar seus indicadores baseados em trimestres móveis, controla a variabilidade das
Tipo de Amostra
Levantamentos amostrais periódicos envolvem decisões
metodológicas difíceis e controversas, principalmente
aquelas relativas ao uso de painéis fixos, amostras independentes, rotacionadas ou de outras combinações. Maiores informações podem ser encontradas em Duncan e
Kalton (1987).
Amostras independentes são aquelas em que, a cada
novo momento ou tomada do levantamento, sorteiam-se
unidades domiciliares que nunca haviam sido selecionadas.
Por outro lado, o uso de painéis fixos implica a utilização
das mesmas unidades amostrais em todas as tomadas do
levantamento, ao passo que as amostras rotacionadas combinam parcela de unidades amostrais que permanecem na
amostra por um número predeterminado de tomadas (sendo substituídas findo esse prazo) e parcela de novas unidades, daí a referência à rotação em seu nome.
Um dos principais guias para orientar a opção por um
ou outro plano amostral deve ser o objetivo primário para
o levantamento das informações. Freqüentemente, as pesquisas contínuas são utilizadas para estimar parâmetros
pontuais e ao mesmo tempo avaliar as mudanças ocorridas entre um instante e outro, como nas pesquisas sobre
desemprego, por exemplo. Isso poderia sugerir o uso de
painéis, rotacionados ou não, devido à menor variabilidade das estimativas entre uma tomada e outra, o que garante a confiabilidade da informação. A variabilidade de um
momento a outro tende a ser menor, já que toda a amostra, no caso de painéis fixos, ou parcela dela, no caso de
amostras rotacionadas, é composta pelas mesmas unidades domiciliares, onde pode-se esperar que, para intervalos relativamente curtos entre uma tomada e outra, como
no caso de levantamentos mensais, os entrevistados não
tenham sofrido alterações substanciais em sua condição
130
PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
comparações entre trimestres consecutivos graças à presença, nesses trimestres, de dois meses com as mesmas
informações.
Além disso, as amostras independentes são particularmente
interessantes quando se deseja acumular informações de várias tomadas. O acúmulo de dados coletados em momentos
diversos constitui uma boa alternativa para o estudo de fenômenos raros pois, sem esse recurso, seria necessário o levantamento de uma única amostra suficientemente grande para
tal, cujo custo poderia, muitas vezes, inviabilizar por completo o estudo desses fenômenos. Entretanto, ao utilizar o
acúmulo de informações, é importante ter sempre em mente
questões relacionadas à estabilidade das populações em estudo. Por exemplo, quando o fenômeno de interesse é bastante mutável com o passar do tempo, não é conveniente que
se acumulem dados referentes a longos períodos de coleta,
sob pena de se obterem resultados e conclusões distorcidos.
Por outro lado, se os fenômenos ou características que se
pretende estudar apresentam relativa estabilidade ao longo
do tempo, os resultados dos dados acumulados são bastante
confiáveis.
Outra importante utilização das amostras independentes encontra-se na construção de bancos de dados que
possam servir como uma amostra mestra para o planejamento de amostras futuras, como será visto a seguir.
A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE e a
LFS (Labor Force Survey – Pesquisa de Mão-de-Obra)
do Canadá constituem exemplos de pesquisas sobre mercado de trabalho realizadas com painéis rotacionados.
Além da PED, outro exemplo de pesquisa que se serve de
amostras independentes é a U.K. General Household
Survey, pesquisa geral domiciliar do Reino Unido.
seja para análises de caráter mais estrutural, por meio do
acúmulo de informações ao longo de períodos mais extensos, em geral um ano ou biênio. Diversos estudos desse tipo foram e continuam sendo realizados periodicamente
com os dados acumulados da PED. Destacam-se os perfis
traçados de importantes grupos de mão-de-obra, entre eles
os jovens, os idosos, os negros e as mulheres e de diversas categorias profissionais como metalúrgicos, trabalhadores nos serviços creditícios e financeiros, na construção civil e nos serviços domésticos. Estudam-se também
os desempregados, sua estrutura familiar e seus meios de
sobrevivência utilizados, os ocupados e sua inserção
setorial, jornada de trabalho e rendimentos recebidos.
A segunda forma de aproveitar a possibilidade de acúmulo de dados oferecida pelas amostras independentes
consiste em coletar, além dos dados normalmente levantados pela PED através de seu questionário-padrão, informações adicionais nos mesmos domicílios selecionados para entrevista, por questionários complementares
desenhados com o objetivo de colher informações que
ajudem a aprofundar as análises normalmente realizadas,
possibilitando um melhor entendimento ou detalhamento
de questões relacionadas à mão-de-obra da região. Como
exemplos, podem ser citados os questionários referentes
à mobilidade ocupacional da população em idade ativa e
à formação profissional. Tal procedimento mostra-se bastante adequado, uma vez que certos aspectos relacionados ao mercado de trabalho urbano, embora relevantes,
não justificam a coleta permanente de informações a seu
respeito e sua conseqüente sobrecarga nos custos e prazos da pesquisa.
A terceira forma consiste na obtenção de dados referentes a novas dimensões normalmente não investigadas,
por meio de questionários suplementares ao da PED. Constituem exemplos já realizados a pesquisa sobre hábitos de
leitura e acesso à Internet e a pesquisa sobre renda e pobreza e acesso a programas sociais.
Esses questionários complementares ou suplementares
são geralmente aplicados durante um período predeterminado, como um ano ou um semestre, podendo repetir-se o
processo a grandes intervalos de tempo, a fim de se obterem parâmetros de comparação.
Utilização da Amostra da PED
Para o planejamento da PED, optou-se pela utilização
de amostras independentes graças a duas grandes vantagens que ela apresenta: a possibilidade de acumular informações e a de utilizar a amostra da PED como uma
amostra mestra para outras pesquisas.
Acúmulo de informações – A PED serve-se do acúmulo
de informações oferecido pelas amostras independentes
de três formas distintas. A primeira refere-se ao acúmulo
dos próprios dados levantados pelo questionário-padrão
da pesquisa, seja para análises conjunturais, com a divulgação mensal de indicadores produzidos a partir dos dados de trimestres móveis, como mencionado anteriormente,
A PED como amostra mestra – Devido ao tamanho da
amostra mensal da PED (aproximadamente 3 mil novos
domicílios a cada mês) e também ao fato de vir sendo realizada ininterruptamente desde 1985, tem-se, hoje, um
grande conjunto de domicílios já selecionados que pode,
131
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Embora os microdados estejam disponíveis, a privacidade dos entrevistados está completamente protegida graças a diversas características desses bancos de dados: não
constam os nomes nem os endereços dos entrevistados e
as informações referentes aos setores censitários encontram-se descaracterizadas, servindo apenas para o cálculo de erros amostrais.
por sua vez, servir como base para a seleção de novas
amostras. Esse fim também pode ser alcançado aproveitando-se o arrolamento de domicílios dos 600 setores censitários que totalizam cerca de 300 mil domicílios. Ou seja,
a PED pode ser utilizada como uma amostra mestra para
outras pesquisas, entre as quais se destacam a de Condições de Vida – PCV na Região Metropolitana de São Paulo
e a de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
A extensão do banco de dados acumulado da PED também permite que ele seja considerado como universo para
estudos de simulação (Figura 2).
Resumo do Plano Amostral
Conforme o apresentado, podemos resumir que o plano amostral utilizado na PED é:
- uma amostra probabilística estratificada obtida em dois
estágios dos moradores da RMSP localizados nos setores
censitários urbanos do IBGE listados no último Censo disponível;
Disponibilização dos Microdados
Todas as informações coletadas pela PED desde seu
início estão disponíveis aos usuários que tenham interesse em estudá-las mediante recortes diferentes daqueles
normalmente divulgados. Os dados encontram-se em bancos estruturados anualmente e extensivamente documentados, com o objetivo de simplificar sua utilização.
- o uso de dois critérios de estratificação: um explícito,
resultante de agrupamentos homogêneos segundo as características do emprego, e outro implícito, obtido da ordenação geográfica e por renda dos SCs;
FIGURA 2
Utilização da Amostra da PED
ACUMULAÇÃO DE
INFORMAÇÕES
AMOSTRA
MESTRA
Pesquisa sobre
Hábitos de Leitura e
Acesso e Usos da
Internet
Pesquisa sobre
Mobilidade
Ocupacional da PIA
Posição sobre
Formação
Profissional
Pesquisa de
Condições de Vida
(PCV)
Pesquisa de Emprego
e Desemprego
(PED)
Pesquisa sobre
Acidentes de Trabalho
e Doenças
Profissionais
Pesquisa Orçamento
Familiar
(POF)
Pesquisa sobre
Renda e Pobreza e
Acesso a Programas
Sociais
Fonte: Fundação Seade. PED.
132
PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
- sorteio dos SCs com probabilidade proporcional ao
número de domicílios residenciais ocupados na época do
Censo, e este número é atualizado antes do sorteio dos
domicílios;
base em sua condição de vida, avaliada em dimensões distintas, como características da moradia e educação, rendimento, inserção no mercado de trabalho e saúde dos membros da família. Outro exemplo de seu uso encontra-se na
geração do IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social, que tem o objetivo de analisar os municípios do Estado
de São Paulo por meio de indicadores sintéticos que abrangessem diversas dimensões de riqueza dos municípios e de
educação e saúde de seus habitantes.
- sorteio dos domicílios com igual probabilidade dentro
de cada SC;
- sorteio mensal dos SCs, conjugado em três painéis
rotativos.
CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO
DA FUNDAÇÃO SEADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No momento da implantação da PED, a Fundação Seade
não dispunha de um corpo técnico especializado na elaboração de planos amostrais de pesquisas domiciliares, o
que a levou a buscar profissionais acadêmicos com esse
perfil. Além da realização do plano amostral, a necessidade de acompanhamento permanente da pesquisa, devida ao seu caráter de levantamento contínuo, fez com que
alguns desses profissionais passassem a integrar o corpo
de funcionários da Fundação.
A incorporação desses técnicos e a experiência adquirida com a realização da PED possibilitaram à Fundação
Seade o desenvolvimento e a realização de diversas outras
pesquisas domiciliares e não-domiciliares por amostragem.
Além disso, o desafio de obter controle de qualidade praticamente total nos resultados da pesquisa, que só poderia
ser superado com o trabalho integrado de todas as equipes
envolvidas em sua produção, levou a uma nova consciência e a um novo padrão de trabalho, por sua vez também
estendido a futuras pesquisas e estudos realizados.
Um dos aspectos de controle de qualidade das informações que merece destaque é o da opção por divulgar
apenas indicadores com confiabilidade fixada (coeficiente de variação de no máximo 7,5%), o que garante a precisão de todos os dados que vêm a público, e permite que
especialistas ou leigos utilizem os resultados da pesquisa
divulgados sem a necessidade de cuidados adicionais.
Outra contribuição importante oferecida pela PED à instituição foi a introdução e incorporação de técnicas estatísticas até então pouco exploradas, por exemplo, os métodos
multivariados, como análise de agrupamentos (clusters),
discriminante e outras. A familiarização dos analistas com
tais técnicas permitiu a geração de indicadores capazes de
refletir diversas dimensões de uma realidade. A análise de
agrupamentos foi utilizada com sucesso na Pesquisa de Condições de Vida, na qual se procura classificar as famílias com
Assim como em sua parte conceitual, a PED busca atender a questões específicas da realidade brasileira, como a
grande heterogeneidade dos mercados de trabalho urbanos e a dificuldade de se estabelecerem limites específicos entre as possíveis condições de atividade da população em idade ativa, no que se refere ao levantamento da
amostra também foi considerada a especificidade regional, bem como a experiência internacional, a fim de se
obter um planejamento eficiente e condizente com os recursos disponíveis.
A limitação de recursos financeiros e a necessidade de
um tamanho mínimo de amostra para garantir a confiabilidade dos resultados levaram à solução de se realizarem levantamentos trimestrais com divulgação mensal de
dados, obtendo-se, assim, a possibilidade de acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho com uma amostra mensal relativamente pequena e custos menores.
A adoção de amostras independentes, além de simplificar o procedimento de coleta dos dados, permitiu que se
acumulassem informações por períodos mais extensos e,
dessa forma, se realizassem análises estruturais ou estudos de fenômenos raros. Tal possibilidade de acúmulo de
dados, combinada à longa duração da pesquisa, realizada
ininterruptamente desde sua origem em 1985, faz com que
a amostra da PED possa, por sua vez, ser considerada uma
amostra mestra para futuros estudos.
A organização de todos os dados até hoje coletados em
bancos estruturados e bem documentados garante a facilidade de acesso da sociedade às informações que buscam retratar alguns de seus aspectos importantes.
Finalmente, a realização da PED exigiu a formação de
uma equipe interna com um novo perfil profissional que
pôde servir-se da experiência adquirida nessa pesquisa para
o desenvolvimento e a realização de outras investigações,
domiciliares ou não, e para a geração de indicadores sociais inovadores.
133
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
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134
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 135-141, 2003
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO...
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
sua importância como metodologia de pesquisa
PAULA MONTAGNER
ATSUKO HAGA
Resumo: A importância da desenvolvimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED para a Região
Metropolitana de São Paulo ultrapassa a capacidade de gerar informações sobre um mercado de trabalho heterogêneo. Além da inovadora construção teórica, a PED criou uma metodologia de dados que complementa as
percepções dos analistas e que pode ser reproduzida para outros temas e localidades.
Palavras-chave: pesquisa domiciliar; mercado de trabalho; coleta de informações.
Abstract: The importance of the development of the Survey on Employment and Unemployment – PED – for
the São Paulo Metropolitan Area goes beyond the capacity to generate information about the heterogeneous
labor market. Aside from the innovative theoretical construction, the PED created a data methodology that
complements the perceptions of analysts and that can be adapted to other subjects and locations.
Key words: household research; labor market; data gathering.
A
realização de uma pesquisa domiciliar contínua
é uma das experiências marcantes pelas quais a
Fundação Seade, e seu corpo técnico e diretivo,
têm passado nos últimos 20 anos. A relativa unanimidade
do papel fundamental que essa pesquisa teve para a definição dos rumos dessa instituição, que mantém destacado
papel na geração de informações sociais, demográfica e
econômicas, decorre da percepção de que apenas adquirindo o domínio da elaboração de metodologias e da
tecnologia de produção de informação, as instituições
públicas podem cumprir seu papel de gerar informações
de qualidade destinadas a subsidiar políticas públicas e
apoiar o funcionamento pleno da cidadania.
Este artigo procura demonstrar como a realização da
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED permitiu não
apenas o desenvolvimento de uma metodologia inovadora quanto às questões do trabalho, mas também estruturar
um conjunto de pesquisas quantitativas, que podem ser
adaptadas e reproduzidas em diferentes localidades, para
diferentes temas socioeconômicos.
Os motivos que levaram o governo do Estado de São Paulo,
no início dos anos 80, a combinar esforços mediante parceria de pesquisadores do setor público, de universidades e de
entidades de pesquisa ligadas ao movimento sindical, para a
realização de uma pesquisa domiciliar contínua na Região
Metropolitana de São Paulo, são relativamente conhecidos.
Como decorrência da profunda crise econômica dos dois
primeiros anos da década de 80, havia um considerável
descompasso entre as estatísticas oficiais de desemprego e a
demanda por postos de trabalho da população na região. A
tensão social do período manifestou-se de forma organizada, por meio do apoio dos sindicatos combativos que buscavam ativamente sua reorganização e a articulação com autoridades do governo estadual – que representavam grupos
políticos mais progressistas –, mas também por manifestações sociais menos organizadas, tal como o saque a supermercados e a outras formas de comércio em áreas em que se
concentravam as pessoas que procuravam trabalho sem encontrar. Com efeito essa era a primeira crise urbana experimentada no país depois de quase 40 anos de crescimento praticamente ininterrupto e ocorria na área mais fortemente
industrializada do país, invertendo assim o sinal de atração
populacional que fora uma de suas mais fortes marcas da
década anterior.
Inicialmente buscava-se apenas acesso a informações
sobre a questão do desemprego, de modo que se pudesse
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
priedades de pequeno porte, que mal proviam a subsistência de seus moradores. Com o crescimento da necessidade de mão-de-obra no Sudeste, essa população pobre e
com baixa escolaridade migrou para o Sudeste em busca
de melhores condições de vida, encontrando trabalho nas
atividades urbanas, na indústria, na construção civil, comércio e prestação de serviços.
O trabalho encontrado, no entanto, nem sempre correspondia ao assalariamento, reproduziam-se nas áreas
urbanas experiências de informalidade dos vínculos que
eram comuns nas áreas rurais, ao arrepio da lei, que não
era suficientemente fiscalizada. Nos anos 70, acreditavase que esse era um mal menor diante da elevada rotatividade da mão-de-obra que, em geral, permitia trajetórias
ascendentes à maioria dos trabalhadores.
A crise dos anos 80 interrompeu esse processo, evidenciando os aspectos negativos, como: demissões sem
justa causa por parte dos empregadores; utilização do processo inflacionário para invalidar o crescimento dos salários, mantendo a participação destes como uma parcela
reduzida do custo de produção. No entanto, naquele período, não apenas se interrompia a dança das cadeiras, mas
algumas deixaram de existir e com isso parcela expressiva da população deixou de ter emprego em que pese esta
nova situação, a figura do desempregado, enquanto grupo social, era, pode-se dizer, inexistente. As pessoas que
viviam na Região Sudeste, em especial na Região Metropolitana de São Paulo, a desconheciam, pois uma realidade diferente havia conformado as duas últimas décadas –
a figura do desempregado não era uma designação facilmente admitida, ao contrário do que supunham as
metodologias utilizadas para mensurar a situação de desemprego.
Entre os elementos novos trazidos pela PED, destacase a utilização dos procedimentos operacionais, que passaram a ser adotados pela OIT a partir dos anos 80 (ILO,
1983), para o desemprego aberto, ao tomar como referência o período de 30 dias anterior à pesquisa e não apenas
o de sete dias que havia sido utilizado até então, mas que
já se mostravam insuficientes para caracterizar situações
de desemprego em países industrializados, que haviam
passado por recente período de desaceleração de suas atividades econômicas, com elevação de preços e crise em
suas matrizes energéticas, devido ao aumento do petróleo
imposto pelos países produtores na segunda metade dos
anos 70.
Aproveitando a flexibilidade contemplada pelas recomendações internacionais da OIT, a PED passou também
quantificar o número de desempregados e seu perfil e avaliar a necessidade de postos a serem gerados. No entanto,
as primeiras experiências de coleta e análise das informações realizadas pelo Dieese, conforme suplemento de pesquisa de orçamentos familiares do Município de São Paulo – PPVE (Dieese, 1984), sugeriam que a heterogeneidade
de situações encontradas mereciam aprofundamento analítico, a fim de bem descrever o desemprego maciço, fenômeno inédito no cenário nacional, e também as diferentes formas de inserção encontradas entre os que ainda
não eram assalariados.
O desenvolvimento da nova metodologia para conceituar as situações de trabalho e de desemprego/desocupação foi uma decorrência da experiência vivida no início
dos anos 80, mas que não se refletia nas estatísticas oficiais, que seguiam as normas preconizadas pela OIT, estabelecidas no início dos anos 50, para a coleta de informações sobre o emprego, que tem por modelo países em
que o assalariamento de há muito constituía a forma largamente majoritária de inserção ocupacional, sendo usual acordos que determinavam o número de horas trabalhadas similar para as várias categorias de trabalhadores
e uma escala salarial em que as diferenças não eram excepcionalmente elevadas. As possibilidades de ocupação
naquele período do pós-guerra eram relativamente simples, pois nas áreas em que havia investimentos para a reconstrução de infra-estrutura faltava mão-de-obra, e a
permanência em situação de desemprego era curta, e naquelas em que o crescimento era menor, havia a possibilidade de migrar para áreas em que a situação permitia trabalhar e gerar melhores condições de vida.
A reprodução das recomendações internacionais decorrentes desse contexto social e econômico particular impunha problemas para sociedades e economias como as
latino-americanas em que a industrialização era recente
e, em muitos casos, envolvia apenas alguns tipos de atividades. O crescimento econômico experimentado pelo Brasil representava um caso particular, pois, em pouco mais
de 40 anos, a população havia experimentado grande transformação, passando de majoritariamente rural (dois terços, segundo o Censo Demográfico de 1940), para majoritariamente urbana (dois terços da população, Censo
Demográfico de 1980). No entanto, essa transformação
era espacialmente desigual, com crescente concentração
de atividades econômicas e populacionais na Região Sudeste, enquanto a Região Nordeste permanecia desindustrializada, economicamente dependente de atividades
agrárias, e com um grande segmento populacional em pro-
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PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO...
com o exercício de trabalho, privilegiando-se a identificação das formas de trabalho descontínuas/instáveis de
auto-ocupação para redefinir as fronteiras dos subconjuntos de trabalhadores ocupados, desempregados e inativos.
Uma vez identificadas as três situações de condição de
atividade, detalham-se, para os ocupados, informações
sobre as características dos seus postos de trabalho e dos
rendimentos auferidos; para os desempregados, as características do seu último trabalho e os meios de sua sobrevivência; e, para os inativos, a principal situação de inatividade. Adicionalmente são caracterizadas as atividades/
trabalhos eventuais realizados pelos desempregados ou
inativos nos últimos 30 dias, que permitem não só confirmar a captação da sua condição de atividade, como também preservar as variáveis mínimas para caracterização
do trabalho exercido.
Definidas as questões anteriores, um novo conjunto de
decisões se impunha: como coletar essas informações com
qualidade e agilidade numa pesquisa contínua com divulgação mensal. Entre os problemas mais conhecidos das
pesquisas quantitativas, na área socioeconômica, este permanece sendo o que merece destaque, pois exige elaborados procedimentos a serem perseguidos por toda equipe,
em especial dos pesquisadores de campo, na tentativa de
enquadrar a multiplicidade do real vivida pelas pessoas
entrevistadas e as simplificações necessárias para fins
classificatórios.
A solução encontrada foi dupla: por um lado, buscou-se
um desenho de questionário que combinasse, para algumas
questões, a possibilidade de descrição da resposta do entrevistado e o seu enquadramento nas alternativas pré-codificadas; por outro, estabeleceu-se um sistema de controle de
qualidade, que perpassa todas as atividades no âmbito da
pesquisa, sustentado por um trabalho interativo das diversas
equipes de campo e apoiado por manuais (pesquisador,
supervisor, crítica, checagem e consistência eletrônica) que
orientam essas atividades, bem como uma discussão
metodológica permanente de situações particulares, não
previstas nas codificações das respostas às questões levantadas, e consistência eletrônica dos dados.
Um sistema informatizado de controle de atividade de
campo permite acompanhar diariamente o aproveitamento da amostra, de tal forma a garantir ao final do levantamento mensal a representatividade desejada das informações levantadas.
A equipe responsável pela coleta da PED é incentivada a recolher informações adicionais que considerar mais
a identificar os indivíduos que estavam desalentados, pois
tendo procurado trabalho por um longo período haviam
percebido que não havia espaço para sua inserção no mercado de trabalho e deixavam de fazer procura de trabalho, embora reconhecessem sua necessidade e disponibilidade de tempo para trabalhar.
De forma crítica aos procedimentos usuais no país e às
próprias normas internacionais, buscou-se resgatar uma
parcela da população que realizava alguma atividade remunerada com ganhos avulsos, descontínua e instável,
enquanto procurava por um novo trabalho, situação típica da realidade do nosso mercado de trabalho, marcado
por grande heterogeneidade e elevada concentração de
renda, que dificultam a sobrevivência dos trabalhadores
nos períodos de desemprego. Ainda hoje, é fundamental
insistir que essas pessoas não desejam continuar nessa situação, posto que sabem da descontinuidade e precariedade da atividade exercida e buscam efetivamente um
posto de trabalho que lhes permita alterar sua condição
de inserção no mercado de trabalho.
Desta forma, a PED passou a identificar três situações
de desemprego: desemprego aberto com procura de trabalho aferida nos últimos 30 dias; desemprego oculto pelo
desalento; e desemprego oculto pelo trabalho precário, que
constituem o conjunto dos desempregados.
Para uma adequada captação dessas três situações diferenciadas de desemprego, foi fundamental bem definir
os parâmetros classificatórios da condição de atividade
da população em idade ativa, ou seja, da população em
idade de trabalhar.
Em mercados de trabalhos heterogêneos, existe um
obscurecimento dos limites que separam as situações de
trabalho – com ou sem vínculo formalizado – das situações de não trabalho, e de procura e não procura de trabalho, que deviam ser traduzidas na classificação dos indivíduos como ocupados, desempregados ou inativos, que
por envolver hipóteses simplificadoras dessa realidade
tendem a privilegiar a classificação dos indivíduos como
ocupados.
Vencer esses obstáculos conduziu à formulação de um
questionário diferente do habitual, evitando que o entrevistado fosse classificado a partir de uma única questão,
utilizando apenas a combinação dos parâmetros mencionados (trabalho e não trabalho, procura e não procura)
(Fundação Seade – Dieese, 1995). Pelo contrário, investiga-se com detalhes a procura de trabalho (providências
tomadas e motivos da procura, bem como a disponibilidade para trabalhar) e suas diversas formas de associação
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
estudos realizados em São Paulo sobre: acidentes de trabalho (Informações Suplementares sobre Acidente de Trabalho – 1994); a situação dos jovens estudantes e recémegressos do ensino médio e suas ambições de continuidade
de formação escolar e necessidades de capacitação (Informações Suplementares sobre Formação Profissional –
1997); o novo perfil demandado pelos empregadores em
termos de requisitos de seleção e contratação (Informações Suplementares sobre Formação Profissional – 1997);
e o estudo sobre acesso e uso da Internet por parte da
população metropolitana e suas demandas para sites públicos (Hábitos de Leitura, Acesso e Usos da Internet –
2001).
A existência da PED e o reconhecimento de sua
metodologia propiciaram também a possibilidade de participar de uma pesquisa comparativa internacional, em que
pesquisadores de outros países – França, Japão e Brasil –
buscam comparar as semelhanças e as diferenças entre os
desempregados e as trajetórias de seus ocupados para
averiguar a importância das experiências regionais e de
suas diferentes instituições, tal como as agências de
intermediação de mão-de-obra e outras políticas de emprego e proteção social, com a inclusão de um novo suplemento especial sobre mobilidade ocupacional (Informações Complementares sobre Mobilidade Ocupacional
da PIA com Experiência nos Últimos Oito Anos – 2001).
Um desdobramento de certa forma menos esperado foi
a reprodução da metodologia PED em outras regiões do
país. Há, nesse caso, experiências amplamente exitosas
como as de Porto Alegre, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Distrito Federal e aquelas que por interferências
externas, em geral de ordem financeira, foram menos favoráveis, como as de Curitiba e Belém. Em todas essas
regiões, no entanto, a situação de emprego e desemprego
da população urbana foi investigada e incorporados aspectos regionais relevantes.
Com o reconhecimento da PED como parte do sistema
nacional de informações sobre o trabalho por parte do
Conselho do Fundo de Amparo do Trabalhador, que financia parte dos custos dessa pesquisa, um novo estágio
foi almejado e vem sendo construído desde então, com a
articulação de ações das diferentes equipes regionais a fim
de que haja um crescente ajuste de tempos e de temas de
análise, além da troca crescente de experiências, para que
se possa construir de fato, um sistema de informações
regionalizado e capacitado a apoiar políticas públicas com
desenho nacional e local. Este sem dúvida é um dos grandes desafios de nossas equipes que para atingir esse fim
relevantes nos domicílios em que realiza as entrevistas.
Essas são avaliadas pelas equipes responsáveis pela execução da coleta de dados e pela aplicação da metodologia
da pesquisa para o correto tratamento/enquadramento do
caso diferenciado, descrito de acordo com os critérios
classificatórios da pesquisa, expressos nos seus instrumentos de coleta. Este procedimento permite um saudável
debate entre entrevistadores, críticos, analistas, estatísticos e integrantes do grupo metodológico, sobre as situações inusitadas que o campo recolhe.
Após muitos anos de pesquisa, são conhecidos os casos de situações em que a percepção de que havia alterações em curso no mercado de trabalho regional decorreu
de informações que foram constatadas inicialmente entre
os entrevistadores e cuja generalização levou a que novas
codificações fossem estabelecidas para medir a importância do fenômeno observado. Como esperado, na maioria
dos casos, tratava-se de situações particulares que não
atingiam parcelas significativas da população.
A capilaridade representada pela interação do entrevistador com entrevistados e os demais profissionais que integram a equipe de pesquisa representam, sem prejuízo
da objetividade dos critérios de classificação, a sempre
saudável interação entre as equipes com suas variadas
expertises e a realidade social que se pretende apreender
e mensurar, mediante conceitos e indicadores, que tendem
a ser preservados ao longo do tempo, para garantir séries
históricas que são a base de estudos estatísticos que envolvem modelagem simplificadora da realidade concreta.
Ao longo dos anos foi possível, com a experiência da
PED-RMSP, garantir um conjunto de desdobramentos,
alguns esperados, como a possibilidade de trazer novos
aspectos para o âmbito da investigação, por exemplo em
suplementos especiais.
A existência da PED permitiu a notável possibilidade
de rapidamente avaliar a introdução de uma nova legislação de contratação por tempo determinado (1998), uma
captação mais abrangente dos rendimentos individuais e
familiares e acesso a programas sociais (Informações
Complementares sobre Rendimentos e Acesso a Programas Sociais – 1999, Informações Complementares sobre
Renda – 2003) e um suplemento sobre mobilidade
ocupacional da PIA (População em Idade Ativa com Experiência de Trabalho nos Anos 90 – 1996). Ainda nesse
campo podem ser contabilizadas as experiências de atendimento a demandas de outras secretarias de Estado e
outras instituições públicas que buscavam informações
específicas para melhor atender o público. Destacam-se
138
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO...
de coleta adequados a novos indicadores. Provêm, pelo
menos parcialmente, dessas percepções as pistas que levaram à formatação e execução da Pesquisa de Condições
de Vida – PCV, realizada em 1990, 1994 e 1998, pela Fundação Seade, apoiada grandemente nas experiências
metodológicas e de execução adquiridas com a PED.
Do ponto de vista metodológico, pode-se dizer que nesta
pesquisa se manteve a pressuposição de que deveria ser
possível agregar às informações usuais as que averiguavam situações locais não generalizáveis, expandindo conceitos para além dos marcos típicos das pesquisas internacionais, intencionalmente buscando caracterizar
aspectos novos que haviam se tornado essenciais para a
compreensão das necessidades e carências da população
menos favorecida. Em vez de partir para elementos sintéticos, o final dos anos 80 já faziam antever a necessidade
de procurar novos aspectos para as questões centrais das
carências da população. Foi um período de estimulante
avanço para expandir a compreensão do trabalho e da renda, em quadro mais amplo de necessidades sociais, em
que se destacam a educação, a saúde e a habitação, em
especial.
A PCV nos seus levantamentos periódicos também proporcionou a coleta de informações sobre outros aspectos
relevantes, como: acidentes de trabalho e doenças profissionais; associativismo; violência e vitimização; e deslocamentos urbanos para as atividades de trabalho e estudo.
O levantamento de informações sobre acidentes de trabalho e morbidade na PCV (1994) indicaram ainda a ocorrência de acidentes de trajeto e de trabalho entre os trabalhadores com vínculo informalizado, para os quais, em
geral, não ocorre a informação do acidente, uma vez que
os empregadores tendem a não preencher a notificação da
ocorrência. Com efeito, o número estimado de acidentes
seria o dobro daquele oficialmente notificado, observando-se incidência similar entre empregados com vínculo
formalizado e entre os trabalhadores sem vínculo formalizado.
Com a experiência acumulada por equipes crescentemente especializadas em geração de metodologia de
pesquisa, estatística e análise na PED e mais recentemente na PCV, foi possível aos técnicos da Fundação Seade
participarem também de novos tipos de pesquisas demandadas por outros organismos fora do âmbito estadual, tal
como foi o caso das pesquisas sobre saúde e acidentes de
motoristas de ônibus nas regiões de São Paulo e Belo
Horizonte, demanda pela Fundacentro – Fundação para a
Saúde do Trabalhador. Em ambos os casos, foram reali-
devem avançar nos processos de integração, tanto nos
métodos de trabalho, quanto nos projetos analíticos, além
da integração de suas bases de dados regionais.
Um outro aspecto importante que merece ser destacado
com relação à PED, é a possibilidade de aprofundamento
analítico sobre aspectos especiais da estrutura do mercado
de trabalho metropolitano, além do acompanhamento mensal
da sua evolução conjuntural. A amostragem da pesquisa
(objeto de artigo específico) propicia a acumulação de dados
e permite que aspectos estruturais do mercado de trabalho e
fenômenos raros sejam objeto de estudos específicos. Há,
pelo menos, alguns segmentos populacionais que vêm sendo
motivo de recorrente estudo ao longo dos anos: a inserção
da mulher no mercado de trabalho; a situação da população
de raça/cor negra; os jovens; os migrantes; os arranjos
familiares; os ocupados com menor rendimento; e alguns
grupos ocupacionais formados pelos ocupados nas indústrias metalúrgicas, têxtil e vestuário e os bancários, que têm
sido objeto de análise ao longo dos anos, principalmente por
parte de pesquisadores universitários, mas também pelos
sindicalistas que negociam as pautas de reivindicações desses
trabalhadores.
No caso das situação das mulheres, a demanda social
crescente por informações, associada à presença de financiamento internacional, propiciada pelo Fundo para a
Igualdade de Gênero, do Canadá, originou um conjunto
de publicações que sistematiza as informações sobre a
inserção da mulher no mercado de trabalho regional, disseminando a necessidade de gerar igualdade de oportunidade de trabalho e de remuneração para ambos os sexos e
com isso melhorando a qualidade do debate em curso para
uma sociedade mais justa e eqüitativa, também do ponto
de vista dos gêneros, esperando-se que venha a ser possível avançar igualmente, pelo menos quanto à sistemática
disseminação que diz respeito à situação desigual entre
pessoas de cor negra e não-negra.
Dos estudos especiais realizados pela PED que já evidenciavam a estreita relação entre inserção no mercado
de trabalho e desigualdades sociais e a percepção de que
a renda não era a única dimensão da pobreza, surgiu a
possibilidade de um entendimento multidimensional, deste
fenômeno ainda no final dos anos 80. A corrosão dos rendimentos do trabalho, propiciada pelas elevadas e recorrentes variações dos preços que caracterizavam os anos
80, e a tentativa de estabelecer novas bases para políticas
sociais compensatórias, destinadas a diminuir para toda a
população as dimensões mais notórias da desigualdade de
oportunidades, obrigavam a construção de instrumentos
139
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
usuários dos diversos programas habitacionais da CDHU
para subsidiar as ações de planejamento habitacional do
Governo do Estado de São Paulo (Levantamento Cadastral e Pesquisa Socioeconômica – Programa de Atuação
em Cortiços – PAC – 2000/2001/2002; Cadastramento Socioeconômico e Levantamento Físico/Cadastral – Vila
Pantanal – 1998; Mapeamento dos Setores, Pichação e
Aplicação da Pesquisa Socioeconômica das Favelas de
União de Vila Nova e Vila Nair – 1999/2002; Pesquisa
de Situação Pós-Ocupacional – 1999; entre outros); levantamento censitário de informações do funcionalismo
municipal de São Paulo relacionadas a seu perfil, avaliação dos procedimentos e locais de trabalho (Censo do
Funcionalismo Público – 2002); informações sobre os deslocamentos da população residente na Região Metropolitana de São Paulo, para subsidiar a avaliação da política
de transporte metropolitano (Aferição da Pesquisa Origem e Destino na RMSP – 2002).
Por último, cabe mencionar a participação da Fundação Seade na produção de informações primárias para o
projeto Fábrica de Cultura integrante do Programa Cultura e Cidadania para Inclusão Social – PCCIS desenvolvido pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo de
São Paulo, com a parceria do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID.
Os fundamentos que permitem acreditar nesse tipo de
afirmação encontram-se na reiterada possibilidade de reproduzir procedimentos que garantam a qualidade das
informações coletadas e analisadas e na ousadia de não se
limitar aos indicadores consagrados, mas na permanente
experimentação, o que garante a possibilidade de que os
membros das equipes possam ser integrados com base em
suas idéias, garantindo que as experiências venham a ser
postas a serviço do conhecimento comum.
zadas junto a motoristas pesquisas que permitiram avaliar os principais problemas de saúde e de trabalho dessa
categoria que, sendo vital para a ampliação do volume e
da qualidade do transporte público, permanece entre aquelas em que mais claramente se manifestam problemas de
saúde ocupacional, decorrentes das condições do exercício do trabalho, em veículos que nem sempre se encontram em condições ideais, resultando além dos conhecidos problemas osteomusculares, graves problemas de
surdez e outros de ordem física e psíquica.
O impacto dessas pesquisas foi importante, uma vez
que, combinadas com aquelas realizadas com outros profissionais do transporte (motoristas de táxi, caminhões e
motocicletas), elucidaram bem as transformações a serem
implementadas nos transportes públicos e alertaram para
o crescimento da violência, uma vez que, pelo menos, 35%
desses profissionais, em ambas as regiões, tinham passado por uma situação de assalto armado em seu veículo,
nos doze meses anteriores à pesquisa.
A participação e a experiência adquirida pela Fundação
Seade no desenvolvimento de pesquisas de campo, como a
PED e mais recentemente a PCV, foram e continuam fundamentais para que outros levantamentos de informações primárias sejam realizados, com a finalidade de gerar indicadores de novos e velhos problemas enfrentados pelos
trabalhadores e pela população em geral inseridos em uma
realidade sujeita a constantes transformações.
Para melhor compreensão dessas situações, como também para subsidiar a formulação e a avaliação de políticas públicas relacionadas, cabe destacar alguns exemplos
destas possibilidades de pesquisas específicas já realizadas pela Fundação Seade, tais como: levantamento nacional de informações sobre execução e resultados de
Telecursos para subsidiar a avaliação do programa de
ensino à distância (Avaliação Externa e Acompanhamento de Egressos do Telecurso 2000 – 2000/2001); avaliação e acompanhamento da participação do jovem e da
empresa contratante no programa jovem cidadão – meu
primeiro trabalho (Avaliação do Programa Jovem Cidadão – Meu Primeiro Trabalho – início em 2000); cadastramento de entidades da sociedade civil que atuam na
região Leste do Município de São Paulo (Cadastro de Entidades Sociais sem Fins Lucrativos – Zona Leste do Município de São Paulo – 2001); cadastramento de entidades sociais que atuam na área cultural ou esportiva na
Região Metropolitana de São Paulo (Cadastro de Entidades Sociais que Atuam na Área Cultural ou Esportiva na
RMSP – 2001); levantamento de informações sobre os
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142-150, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA
OLAVO VIANA COSTA
Resumo: Este artigo tem por finalidade reconstituir a trajetória da Pesquisa de Condições de Vida – PCV,
levantamento socioeconômico por amostragem de domicílios, concebido pela Fundação Seade, no final da
década de 80. Tomando por base publicações oficiais que constituem a memória técnica da PCV, procurarse-á evidenciar a importância relativa desta pesquisa na estratégia de desenvolvimento institucional recente
da Fundação Seade.
Palavras-chave: pobreza; pesquisa domiciliar; políticas governamentais; estatística aplicada.
Abstract: This article seeks to reconstruct the history of the Survey of Living Conditions (PCV), a socioeconomic study based on the sampling of households, created by Fundação Seade in the late 1980s. Using
official publications that constitute the technical memory of the PCV, an attempt is made to highlight the
relative importance of this survey in the recent institutional development of Fundação Seade.
Key words: poverty; household research; governmental policies; applied statistics.
A
Pesquisa de Condições de Vida – PCV é um levantamento por amostragem de domicílios, concebido pela Fundação Seade, no final da década
de 80, com o objetivo de suprir a ausência de fonte primária de dados para a realização periódica de análises e
interpretações sobre características demográficas e
socioeconômicas, determinantes das condições de vida da
população, que explicam a magnitude e a distribuição da
pobreza nas áreas metropolitanas e nas aglomerações urbanas não-metropolitanas de maior concentração populacional no Estado de São Paulo. Inovadora em vários
aspectos, a pesquisa foi a campo pela primeira vez entre
junho e agosto de 1990. Adotando perspectiva diversa das
investigações tradicionais – centradas em um único indicador, geralmente a renda –, foram coletadas, por meio
de questionário especialmente elaborado para essa finalidade, informações sobre habitação, patrimônio familiar,
freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde em uma amostra de aproximadamente 5.500 domicílios na Região Metropolitana de São Paulo.
Técnicas estatísticas multivariadas, aplicadas à análise dos indicadores sintéticos de carência em moradia, ins-
trução, emprego e renda, possibilitaram, em 1990, a divisão do conjunto das famílias da Região Metropolitana de
São Paulo em quatro grupos com perfis socioeconômicos
distintos: Grupos A, B, C e D. O Grupo D, que reunia
pouco mais de 20% das famílias, foi considerado em situação de pobreza, por apresentar, em comparação aos três
outros grupos socioeconômicos identificados pela pesquisa, os piores índices de instrução, emprego e renda. Parcela expressiva das famílias classificadas no Grupo D
(10%) apresentava carência simultânea em moradia, instrução, emprego e renda, sendo, por isso, considerada em
situação de miséria. Caso fosse utilizada a “linha de pobreza” tradicional, baseada exclusivamente na disponibilidade de renda para a aquisição de produtos e serviços
de consumo corrente, cerca de 50% das famílias da Região Metropolitana de São Paulo teriam sido classificadas como pobres.
Estimativas tão díspares, cuja utilização implica classificar como pobres contingentes populacionais bastante
expressivos, ilustram bem as dificuldades associadas à
mensuração desse fenômeno social complexo, tanto pela
diversidade de critérios de mensuração da pobreza, quanto pelos problemas, de natureza qualitativa, referentes à
142
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA
própria definição do que é ser pobre. Na ausência de um
conceito teórico de pobreza claramente formulado, as
pesquisas sobre o tema costumam trabalhar apenas com
definições normativas, apoiadas em referências quanto ao
padrão de vida desejável em determinada sociedade. A
metodologia adotada pela PCV, ao organizar as famílias
por tipo e sobreposição de carências, procurou exatamente
fugir das definições normativas e aprofundar mais o conhecimento sobre as características empíricas do fenômeno.
Sete volumes, lançados pela Fundação Seade em dezembro de 1992, comprovaram o acerto da metodologia
da PCV e a riqueza de sua base de dados. Os cinco primeiros – Educação, Habitação, Mercado de Trabalho, Renda e Saúde – descrevem os procedimentos utilizados para
a definição de “linhas de pobreza” em cada um desses
aspectos. O sexto – Definição e Mensuração da Pobreza:
uma abordagem multissetorial – detalha a metodologia de
classificação socioeconômica que permite dividir as famílias em grupos homogêneos quanto às suas características de moradia, instrução, emprego e renda. O sétimo –
Principais Resultados – resume o conjunto das informações estudadas, descrevendo as características mais importantes de cada grupo socioeconômico identificado pela
pesquisa.
Amplamente noticiadas e comentadas, essas publicações motivaram a Fundação Seade a voltar a campo uma
segunda vez, entre maio e outubro de 1994, para a execução de um projeto ainda mais ambicioso: a ampliação da
abrangência territorial da amostra, mediante a incorporação dos municípios do interior do Estado de São Paulo
com mais de 80 mil habitantes na área urbana. No decorrer daqueles meses, pesquisadores da Fundação Seade
visitaram cerca de 14 mil domicílios, recolhendo, além
das informações sobre habitação, patrimônio familiar, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde investigadas em
1990, dados sobre associativismo, meios de transporte
coletivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais.
Inédita em levantamentos domiciliares, a investigação de
questões relativas a esse último tema atendeu a uma demanda da Fundacentro, órgão do governo federal responsável pela execução de programas de segurança e medicina do trabalho.
A definição da amostra também obedeceu a procedimento inovador: os domicílios pertencentes à Região
Metropolitana de São Paulo foram selecionados valendose do cadastro de endereços da Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED, realizada mensalmente, desde 1984,
pela Fundação Seade em parceria com o Dieese. A ausência de cadastro similar para o interior do Estado de São
Paulo condicionou o sorteio dos domicílios à estratificação
dos 37 novos municípios incorporados à amostra, formando-se dois anéis concêntricos em relação à Região Metropolitana de São Paulo. No caso de Campinas, graças a
um acordo de cooperação entre a prefeitura e a Fundação
Seade, a amostra totalizou cerca de 2.100 domicílios, possibilitando a divulgação de informações desagregadas para
o município.
Buscando guardar a periodicidade quadrienal da PCV,
a Fundação Seade realizou um terceiro levantamento de
campo, entre junho e novembro de 1998. Neste levantamento, além de coletar informações em todos os municípios da Região Metropolitana de São Paulo, a PCV ampliou sua cobertura no interior do Estado de São Paulo,
incorporando à amostra os 73 municípios paulistas com
mais de 50 mil habitantes na área urbana. Com isso, passou a fornecer informações socioeconômicas sobre a composição e a evolução diferenciada de uma das áreas geográficas mais importantes do país que, paradoxalmente,
não tem sido objeto de levantamentos sistemáticos de informações, salvo os Censos Demográficos.
Em 1998, a amostra da PCV foi planejada para atender a sete agrupamentos urbanos, cobrindo 83% da população urbana do Estado de São Paulo. A Região Metropolitana de São Paulo formou um domínio da amostra,
enquanto os outros seis – Central, Leste, Região Metropolitana da Baixada Santista, Norte, Oeste e Vale do
Paraíba – englobavam os 73 municípios do interior
paulista. Para cada agrupamento, selecionou-se uma amostra probabilística de domicílios, tendo sido sorteadas em
torno de 4.500 unidades habitacionais na Região Metropolitana de São Paulo e cerca de 1.700 para os demais
domínios, perfazendo um total de aproximadamente 15.000
domicílios na amostra.
Outra inovação foi a substituição de temas investigados, atendendo às necessidades da agenda social em nível
nacional. Na PCV-98 foram excluídas questões relativas
aos temas associativismo, usos de meios de transporte coletivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais, sendo incorporadas informações sobre o acesso da população a bens e serviços coletivos, total ou parcialmente
subsidiados pelo poder público, conforme demanda do
PNUD e do Ipea – instituições às quais a Fundação Seade
associou-se no âmbito do projeto “Avaliação da Incidência e do Impacto Distributivo dos Gastos Público e Social
143
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
por Estratos de Renda”. Além disso, alguns quesitos sobre indivíduos portadores de deficiências e ocorrência de
roubos, furtos e agressões físicas foram incorporados ao
questionário da PCV-98 por iniciativa da própria Fundação Seade, levando em conta a grande demanda por informações sobre tais assuntos de diferentes instituições
públicas e privadas.
necessidades básicas monetárias e não-monetárias dos
indivíduos; e estudos que consideram a pobreza um fenômeno de privação relativa de renda e outras dimensões
socioeconômicas.
Pobreza como síndrome de insuficiência de renda parece constituir a abordagem mais largamente disseminada e empregada pelos organismos estatísticos oficiais, na
esfera internacional, para dimensionar a população em
situação de pobreza. Nessa perspectiva metodológica, uma
família – unidade de análise preferencial nesta abordagem
– é considerada pobre se sua renda disponível ou dispêndio total é menor que um dado valor monetário normativamente estabelecido (a linha de pobreza), o qual representaria o custo de todos os produtos e serviços
considerados básicos para satisfazer as necessidades de
sobrevivência e consumo de todos os membros da família. O conjunto de necessidades a atender, o grau de satisfação mínimo, bem como a escolha dos produtos e serviços adequados à satisfação dessas necessidades, podem
apresentar grande variabilidade em âmbito internacional,
em especial entre países desenvolvidos, onde a universalização do acesso a alguns produtos básicos já foi
atingida há muito tempo, e aqueles em desenvolvimento,
onde parcela considerável da população não tem sequer
acesso a recursos mínimos para garantir alimentação adequada.
A abordagem da pobreza como resultado de um conjunto de necessidades básicas insatisfeitas representa uma
concepção complementar à da pobreza como insuficiência de renda, uma vez que identifica as famílias sujeitas à
privação absoluta de patamares mínimos – também normativos – de bens e serviços (públicos e privados) necessários à sobrevivência. Acesso a água potável, esgotamento
sanitário, tipo de habitação, alimentação (quantidade e
diversidade adequadas) e grau de assistência escolar são
elementos que compõem algumas das dimensões passíveis
de avaliação mediante essa abordagem analítica, que tem
sido recomendada por organismos internacionais em razão da possibilidade de identificação de carências específicas e de grupos-alvo para intervenção da política social.
O conceito de pobreza relativa refere-se à desigualdade de acesso dos indivíduos e famílias a bens ou serviços
ou de disponibilidade de renda. Não se trata de quantificar
as pessoas que não dispõem de determinado nível de renda para consumo de uma cesta de produtos (como na abordagem da linha de pobreza) ou que não têm acesso a um
padrão mínimo de habitação e serviços públicos (como
A IMPORTÂNCIA DA PCV
Na configuração da estratégia de desenvolvimento institucional recente da Fundação Seade, a importância da
PCV pode ser avaliada por referência a três grandes questões: a tendência ao aumento da pobreza em aglomerações urbanas no interior paulista; o potencial da abordagem metodológica da PCV para a mensuração desta
tendência; e a possibilidade de utilização do banco de
dados da pesquisa para subsidiar as atividades de planejamento e avaliação de políticas públicas de corte social,
bem como a realização de estudos e pesquisas acadêmicos.
Tendência ao Aumento da Pobreza em
Aglomerações Urbanas no Interior Paulista
Desde meados dos anos 80, têm ganhado relevância os
estudos e pesquisas voltados ao levantamento da situação
de pobreza, indigência e exclusão social no Brasil. Embora essas temáticas já viessem sendo tratadas nas universidades e figurassem como objeto de investigação e análise nos órgãos ligados ao planejamento público desde o
final dos anos 60, foi com a crise e a estagnação econômica na década de 80 – e seus efeitos sobre o empobrecimento de diversos segmentos sociais – que elas começaram a comparecer com maiores freqüência e profundidade
na literatura acadêmica e na agenda política. Assim, passaram a disputar a centralidade do debate social com os
estudos sobre distribuição de renda e constituição do mercado de trabalho urbano – temáticas privilegiadas no contexto do aumento generalizado e desigual da renda e do
crescimento econômico acelerado da população urbana nos
anos 70. Diferentes abordagens analíticas vêm sendo empregadas, desde então, para mensuração da pobreza, destacando-se três perspectivas principais: estudos voltados
para o dimensionamento da pobreza como expressão da
insuficiência de renda disponível para o consumo de uma
cesta de produtos e serviços básicos; análises ancoradas
na percepção da pobreza como ausência de satisfação de
144
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA
na abordagem de necessidades básicas insatisfeitas), mas
sim de avaliar como se distribuem os recursos públicos e
privados pela sociedade, na forma de renda, bens ou serviços, e como eles são apropriados pelos estratos de rendimento mais baixo. Em geral, os pobres são tomados como
os indivíduos que integram os decis de renda per capita
mais baixa ou aqueles que integram os grupos de acesso
mais precário a bens ou serviços. É uma perspectiva mais
adequada a países desenvolvidos, onde os níveis mínimos
de subsistência estão garantidos para parcela majoritária
da população e, portanto, a ênfase da política social volta-se para a redução da desigualdade social entre grupos
populacionais, e é menos freqüente em países em desenvolvimento.
Além dessas abordagens analíticas, começam a ganhar
importância nas instituições de pesquisa os estudos de
pobreza baseados na construção de indicadores derivados
de quesitos de autodeclaração de pobreza, que alguns autores denominam estudos de pobreza subjetiva. Nos estudos tradicionais, a pobreza era dimensionada de acordo
com a resposta dos entrevistados a quesitos relacionados
à capacidade de cobrir gastos para manutenção do domicílio e os custos correntes da vida cotidiana. Em estudos
mais recentes, o escopo das informações para caracterizar o fenômeno é mais amplo, abordando quesitos relacionados ao nível de satisfação de necessidades básicas, mas
também de necessidades e aspirações socioculturais.
Um dos maiores avanços da PCV está na possibilidade
da realização de estudos e análises baseados nas diferentes abordagens de pobreza mencionadas, abrindo a possibilidade de diagnósticos mais precisos a respeito de temas sociais em geral e da pobreza em especial. O primeiro
levantamento da PCV, realizado em 1990, focalizou exclusivamente a Região Metropolitana de São Paulo, por
ser, até meados da década de 80, o principal espaço urbano de destino de milhares de famílias e indivíduos que se
deslocavam no Brasil, gerando enormes espaços destinados a pobres e miseráveis – favelas e periferias. No entanto, a tendência à desconcentração da atividade industrial em direção aos principais centros urbanos do interior
do Estado de São Paulo – sobretudo Campinas e São José
dos Campos – motivou a Fundação Seade a ampliar a
abrangência territorial da PCV nos dois levantamentos subseqüentes, realizados em 1994 e 1998, a fim de verificar
em que medida as transformações estruturais da economia no interior paulista repetiam ou não o padrão de desenvolvimento observado na Região Metropolitana de São
Paulo nas últimas décadas.
Potencial da Abordagem Metodológica da PCV para
a Mensuração da Tendência ao Aumento da Pobreza
em Aglomerações Urbanas no Interior Paulista
Excetuando-se o Censo Demográfico, realizado
decenalmente pela Fundação IBGE em todo o território
nacional, nenhuma outra fonte de dados secundários possibilita a desagregação de informações estatísticas para a
avaliação das condições de vida e pobreza da população
residente na Região Metropolitana de São Paulo e nos
municípios do interior paulista com mais de 50 mil habitantes em sua área urbana. No entanto, o alto custo financeiro e a complexidade logística das operações de coleta,
processamento e análise de dados obrigam a Fundação
IBGE a limitar o escopo temático do Censo Demográfico
à investigação de um conjunto reduzido de características
da população e dos domicílios particulares permanentes.
A PNAD, realizada anualmente pela Fundação IBGE,
embora investigue um conjunto mais amplo de características da população e dos domicílios particulares permanentes em todo o território nacional, possibilita a desagregação de informações estatísticas exclusivamente para
a avaliação das condições de vida e pobreza da população residente na Região Metropolitana de São Paulo. Isso
porque a amostra da PNAD não permite a desagregação
de informações similares para os municípios do interior
paulista, o que inviabiliza sua utilização como fonte alternativa para subsidiar as atividades de planejamento,
execução, controle e avaliação de políticas públicas nesse nível de abrangência geográfica.
Nesse contexto, para enfrentar o desafio de medir a
pobreza por um enfoque multidimensional, a PCV desenvolveu um conjunto de instrumentos de coleta de dados
que possibilitam, além da caracterização do domicílio e
de cada um de seus moradores, a investigação de variáveis relativas a situação de moradia, instrução, emprego,
renda e utilização de serviços de saúde. Considerou-se que
a investigação simultânea desses temas permitiria construir um amplo painel das condições de vida em cada espaço regional pesquisado, pois as variáveis levantadas possibilitariam avaliar o grau em que as necessidades básicas
da população estariam sendo atendidas, qualificar o acesso dos indivíduos e famílias ao mercado de consumo conforme sua disponibilidade de renda e estimar as necessidades de ampliação da oferta de trabalho em face das
demandas populacionais em um momento específico.
Ainda que a PCV utilize três unidades de coleta de
dados distintas – domicílios, famílias e pessoas –, a uni-
145
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
dade de análise adotada na pesquisa é a família. Consensual entre os estudiosos da pobreza, essa opção tornou obrigatória a construção de indicadores capazes de resumir,
da perspectiva familiar, as quatro dimensões privilegiadas para a mensuração da pobreza: moradia, instrução, emprego e renda. No caso da moradia, o indicador sintético
de 1990 leva em conta, além do tipo de edificação e do
material empregado em sua construção, o espaço interno
disponível e sua utilização pelos moradores. No que diz
respeito à instrução, a medida construída considera a condição de freqüência à escola, os anos de escolaridade e o
correspondente grau de ensino obtido pelos indivíduos de
sete anos de idade ou mais. No que se refere ao emprego,
a classificação adotada resume, além da disponibilidade
para o trabalho, a condição de atividade econômica e as
principais características dos postos de trabalho ocupados pelos indivíduos de dez anos de idade ou mais. Quanto à renda, o indicador construído expressa valores per
capita em reais, correspondentes aos rendimentos do trabalho e de outras fontes declarados pelos indivíduos de
dez anos de idade ou mais.
Passo intermediário na construção metodológica da PCV,
os indicadores sintéticos construídos em 1990 definem requisitos ou exigências materiais que, se não são atendidos
de modo adequado, revelam a existência de privações ou
carências em moradia, instrução, emprego ou renda. Suas
versões resumidas, com apenas duas categorias de análise,
traduzem para o plano operacional noções de “pobreza absoluta” em cada um desses aspectos, possibilitando identificar, separadamente, as famílias por segmentos: as que vivem
em moradias insatisfatórias; aquelas que apresentam nível
de instrução precário; as que têm inserção vulnerável no
mercado de trabalho; e as que não dispõem de renda suficiente para a aquisição de bens e serviços de consumo corrente. Há, porém, versões mais desagregadas desses mesmos
indicadores, com múltiplas categorias ou valores.
O uso dos indicadores sintéticos da PCV, em suas escalas
resumidas ou desagregadas, influi decisivamente na definição dos parâmetros para a mensuração da pobreza. Isso porque, ao contrapor situações de carência e não-carência nas
várias dimensões pesquisadas, a escala resumida impede a
percepção de diferenças entre as famílias que ocupam posições intermediárias na escala desagregada, imediatamente
acima ou abaixo do ponto de corte utilizado nas definições
operacionais de “pobreza absoluta” em moradia, instrução,
emprego e renda.
Para avaliar o impacto dessas diferenças de escala, a
PCV definiu classificações socioeconômicas distintas,
utilizando aqueles indicadores tanto em suas versões resumidas, com apenas duas categorias, quanto em suas
versões desagregadas, com múltiplas categorias ou valores. No primeiro caso, identificou grupos de famílias que
se diferenciam pelo tipo de carência – Grupos I, II, III e
IV. No segundo caso, formou grupos de famílias que se
diferenciam não somente pelo tipo, mas também pelo grau
de carência – Grupos A, B, C e D.
Se as diferenças de escala fossem pouco relevantes para
a mensuração da pobreza, os agrupamentos resultantes das
classificações adotadas pela PCV deveriam apresentar distribuições percentuais e perfis socioeconômicos assemelhados. A análise dos dados apontou em sentido contrário, revelando que famílias originalmente incorporadas ao Grupo
I, resultante da classificação por tipo de carência, foram posteriormente redistribuídas nos Grupos A, B e C, obtidos conforme classificação por grau de carência. O mesmo ocorreu
para as famílias reunidas nos demais agrupamentos da primeira classificação, com exceção daquelas pertencentes ao
Grupo IV, as quais foram integralmente incorporadas ao
Grupo D, resultante da segunda classificação.
Apesar das dificuldades de ordenação dos agrupamentos resultantes da análise simultânea dos indicadores de
moradia, instrução, emprego e renda, com múltiplas categorias ou valores, a Fundação Seade decidiu utilizar a classificação socioeconômica por grau de carência como tradução operacional da metodologia da PCV, voltada para
a mensuração da pobreza de uma perspectiva multidimensional. Para minimizar aquelas dificuldades em 1990, foram definidas como pobres as famílias pertencentes ao
Grupo D, o de pior situação relativa em instrução, emprego e renda. Além disso, foram consideradas como miseráveis aquelas que apresentavam carência simultânea em
moradia, instrução, emprego e renda.
A realização do segundo levantamento de campo, entre maio e outubro de 1994, trouxe novos desafios para a
PCV. Em decorrência da ampliação da abrangência
territorial da amostra, que passou a incluir também os
municípios do interior do Estado de São Paulo com mais
de 80 mil habitantes em sua área urbana, foi necessário
revalidar a metodologia de classificação socioeconômica
adotada em 1990. A despeito das implicações associadas
a esse procedimento, que abstrai mudanças sociais importantes no tempo e no espaço, decidiu-se gerar grupos de
família com características de moradia, instrução, emprego e renda similares às dos agrupamentos que haviam sido
determinados quatro anos antes, exclusivamente para a
Região Metropolitana de São Paulo.
146
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA
Os novos agrupamentos socioeconômicos da PCV foram obtidos mediante funções de classificação definidas
com o auxílio de técnicas de análise estatística multivariada. Em 1990, a utilização dessas funções revelou
ter sido menor que 3% a probabilidade de classificação
de uma família em outro grupo socioeconômico que não
aquele originalmente resultante da análise simultânea de
suas características de moradia, instrução, emprego e renda.
Reutilizadas em 1994, essas funções permitem inferir que
famílias com alto nível de instrução tiveram maior probabilidade de classificação no Grupo A – o de melhor situação
socioeconômica –, da mesma forma que aquelas com baixa
qualidade de inserção no mercado de trabalho tiveram maior
probabilidade de classificação no Grupo D – o de pior situação relativa em instrução, emprego e renda. Não satisfazendo
os requisitos acima, famílias com condições habitacionais
satisfatórias tiveram maior probabilidade de classificação no
Grupo B – cuja situação de moradia é comparável à do Grupo A, ainda que apresente níveis de instrução mais elevados.
Da mesma forma, aquelas com condições habitacionais insatisfatórias tiveram alta probabilidade de classificação no
Grupo C – o de pior situação relativa quanto a esse aspecto,
ainda que registre condições de emprego mais favoráveis se
comparado ao Grupo D.
De fato, além de perseguir objetivos específicos, relativos à mensuração da pobreza como fenômeno multidimensional, a PCV considera diferentes aspectos das condições de vida do cidadão paulista, permitindo, assim,
subvencionar ações públicas em diversos setores sociais,
notadamente nas áreas de habitação e focalização de programas sociais. No caso da habitação, os dados obtidos
pela PCV permitiram realizar estimativas mais precisas
do déficit habitacional para o Estado de São Paulo, auxiliando, inicialmente as atividades do Fórum Parlamentar
São Paulo Século XXI e, posteriormente, aperfeiçoadas,
subsidiando as ações de planejamento da CDHU, órgão
responsável pela execução da política estadual de habitação popular. A interação das diferentes equipes especializadas que trataram o tema de acordo com essa base de
dados conduziu à realização de uma pesquisa com características similares à da PCV em aglomerações urbanas
não-metropolitanas com até 50.000 habitantes, cujas características da pobreza são notadamente distintas daquelas observadas para as cidades próximas às metrópoles.
Trata-se da Pesquisa de Condições Habitacionais – PCH,
recentemente concluída, que abrangeu uma amostra de
aproximadamente 3.000 domicílios na Região Administrativa de São José do Rio Preto. As alterações introduzidas
no questionário de habitação da PCH, para atender à demanda da CDHU, quando incorporados à nova PCV, deverão contribuir para a formulação de indicadores capazes de detectar novas formas de morar mal, já visíveis nas
áreas mais urbanizadas do Estado, em decorrência das
alterações profundas na paisagem dos grandes centros
urbanos, que implicam, entre outros desafios analíticos, a
necessidade de redefinir conceitos tradicionais, como o
de favela e de cortiço, cujas características originais foram encobertas pelo uso de novos materiais e pela busca
de urbanização determinada por políticas públicas.
No que diz respeito à focalização de programas sociais,
as inovações metodológicas da PCV serviram de base para
a inclusão de questionário suplementar sobre rendimentos e acesso a programas sociais no campo de ação da PED
na Região Metropolitana de São Paulo. O suplemento
contemplou a coleta de informações sobre rendimentos
familiares (provenientes de aluguel, doações, retiradas de
poupança, etc.), assim como rendimentos individuais complementares não coletados na PED (como PIS/Pasep),
benefícios indiretos do trabalho e acesso a programas sociais específicos de combate à pobreza (doação de cestas
básicas, merenda escolar, bolsa-escola, renda-mínima,
frente-de-trabalho, etc.). Também incluiu-se um quesito
Possibilidade de Utilização do Banco de Dados da
PCV para Subsidiar as Atividades de Planejamento
e Avaliação de Políticas Públicas de Corte Social,
bem como Estudos e Pesquisas Acadêmicos
A divisão das famílias do Estado de São Paulo em grupos socioeconômicos que se diferenciam pelo tipo e grau
de carência em moradia, instrução, emprego e renda é
apenas uma das possibilidades de exploração analítica da
base de dados da PCV. Tendo em vista a utilização de
três unidades de coleta distintas (domicílios, famílias e
pessoas) e cobertura de duas áreas territoriais com
caraterísticas socioeconômicas e demográficas diversas (a
Região Metropolitana de São Paulo e os municípios do
interior paulista com mais de 50 mil habitantes em sua
área urbana), a pesquisa amplia significativamente o conjunto de informações disponíveis tanto para o planejamento
e avaliação de políticas públicas de corte social quanto
para a realização de estudos e pesquisas acadêmicos. Como
apontado, esse leque de possibilidades para sua utilização decorre das inovações metodológicas introduzidas a
cada tomada, que envolvem tanto a renovação temática
como a ampliação da abrangência espacial da pesquisa.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
sobre gasto com aluguel ou prestação do imóvel, com o
objetivo de conseguir, em etapa posterior, implementar
uma eventual imputação de renda adicional àqueles que
dispunham de casa própria. A introdução de quesitos sobre o acesso a programas sociais de combate à pobreza,
benefícios indiretos do trabalho e rendas não monetárias
permitiu averiguar a importância dessas fontes para análises mais precisas do comportamento da renda e da efetividade das políticas, uma vez que algumas das políticas
públicas de combate à pobreza podem implicar transferências não monetárias (distribuição de cestas, merenda
escolar, vale-transporte para desempregados, por exemplo) que não figurariam nas estatísticas convencionais de
renda familiar. Com a inclusão de quesitos similares nos
instrumentos de coleta de dados da nova PCV, a Fundação Seade espera garantir a produção de indicadores e
análises sobre renda familiar e pobreza para todo o Estado de São Paulo, bem como avaliar o impacto de políticas
públicas específicas de combate à pobreza e à indigência
nos principais centros urbanos do interior paulista.
Cabe também destacar que a PCV foi, e continua sendo, importante fonte de dados empíricos para dissertações
e teses acadêmicas em diferentes áreas do conhecimento.
Em tese de doutorado em sociologia, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP,
que se propôs a uma reflexão circunstanciada sobre as
relações entre saúde e assistência médica no Brasil, o banco
de dados da PCV serviu de fonte primária para o desenvolvimento de um modelo de análise sobre a demanda por
serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo.
Levando em consideração exigências relacionadas à necessidade de atendimento, à facilidade de ser atendido e à
satisfação dos usuários, definidas operacionalmente por
meio de variáveis levantadas pelo questionário específico da PCV sobre utilização de serviços de saúde, o referido modelo permitiu aferir, tal como prevê a Constituição
Federal, se o sistema de saúde da Região Metropolitana
de São Paulo garante acesso universal e igualitário, independentemente dos atributos pessoais e da condição social dos usuários. Inicialmente, aceitou-se a hipótese referente à universalização do acesso aos serviços de saúde
na Região Metropolitana de São Paulo, pois as medidas
de associação estatística obtidas de acordo com a análise
da distribuição de freqüência relativa da condição e do
resultado da procura de atendimento, segundo sexo, idade, cor, nível de escolaridade e classe de renda familiar
per capita, revelaram não haver associação significativa
entre as variáveis consideradas, levando à conclusão que
tanto a condição como o resultado da procura independem
dos atributos pessoais e da condição social dos entrevistados. Em seguida, confirmou-se a importância da posse
de convênio ou plano de saúde como fator de diferenciação do acesso aos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, uma vez que as medidas de associação estatística obtidas na análise da distribuição de
freqüência relativa das principais variáveis de utilização
de serviços de saúde da PCV revelaram haver associação
significativa com os níveis de escolaridade e as classes de
renda familiar per capita considerados, concluindo que
tanto a condição de posse de convênio médico quanto o
tipo de serviço utilizado são dependentes da condição
social dos entrevistados. Por fim, rejeitou-se a hipótese
referente à igualização do acesso aos serviços de saúde
na Região Metropolitana de São Paulo, porque as medidas de associação estatística calculadas pelo modelo revelaram que o tipo de serviço de saúde utilizado no período de referência da PCV exerce influência decisiva sobre
as variáveis que traduzem para o plano operacional a noção de facilidade de atendimento (Costa, 1999).
O banco de dados da PCV foi também utilizado como
fonte primária em dissertação de mestrado na área de
medicina preventiva. Apresentada à Faculdade de Medicina da USP, essa dissertação investigou a prevalência e
os fatores associados a acidentes de trabalho referidos pela
população em idade ativa, com experiência de trabalho,
residente na Região Metropolitana de São Paulo. Foi desenvolvido um modelo de determinação para explicitar a
relação entre ocorrência de acidentes de trabalho nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias e variáveis relativas
à estrutura do processo de trabalho (atividade econômica, tamanho da empresa e tipo de empresa), à inserção
individual no processo de trabalho (posição na ocupação,
registro em carteira, tipo de ocupação, nível de instrução,
sexo e idade) e ao ambiente de trabalho (uso de equipamentos de proteção coletiva e uso de equipamentos de proteção individual, cargas de trabalho e desgaste referido
ao final da jornada de trabalho) (Ribeiro, 2000). Concluiuse que o uso da PCV como inquérito domiciliar para determinar a prevalência e os fatores associados a acidentes
de trabalho atendeu a duas demandas: produzir informações relevantes sobre a realidade do acidente de trabalho
em áreas metropolitanas, que podem ser utilizadas por
aqueles que formulam políticas de saúde; e desvelar interessantes associações do acidente do trabalho que merecem outras investigações, a fim de monitorar a relação entre
saúde e trabalho.
148
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA
Outra tese de doutorado na área de ciência política
também utilizou, como fonte primária, o banco de dados
da PCV. Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP, esse estudo teve como núcleo
de análise a centralidade da vida pública no pensamento
político-social como chave heurística para equacionar a
configuração do espaço público no país. Partindo da
premissa que a ambigüidade semântica é característica
da noção “público”, a primeira parte do trabalho objetivou
montar um cenário em que pudessem ser elaborados tanto
a relação entre o espaço e a vida públicos quanto o
conjunto de determinações do próprio espaço público a
escapar dessa relação. Ainda na primeira parte, há uma
seção de transição entre as balizas teóricas mais gerais e
os condicionantes históricos que permitem compreender
a recorrência da vida pública no pensamento políticosocial. Uma vez preparado o caminho, a segunda parte
transcorre por inteiro no nível do exame das idéias, dando
tratamento pormenorizado ao surgimento e à lógica interna
da caracterização mais difundida do espaço público no
Brasil ao longo do século XX. Nos últimos anos, a vida
pública reapareceu com renovado vigor nos estudos
sociológicos, agora tematizada de outra perspectiva: a
emergência de uma nova sociedade civil. A terceira parte
desenvolve balanço amplo dessa perspectiva e entabula
um diálogo com ela, tomando por base os resultados da
PCV sobre participação da população residente na Região
Metropolitana de São Paulo em associações civis.
Concluiu-se que, embora exista consenso na produção
acadêmica dos anos 80 e 90 quanto ao vertiginoso
crescimento do associativismo civil e quanto à diversificação dos tipos de interesses organizados, os dados
disponíveis acusam o peso modesto dos atores representativos da nova sociedade civil em face da expansão
de outras formas associativas de índole tradicional:
sindicatos, lazer e, sobretudo, cultos e igrejas (Lavalle,
2001).
Outros estudos acadêmicos, em nível de pós-graduação, que também utilizam a PCV como fonte de dados,
encontram-se atualmente em fase de conclusão, o que leva
a reafirmar a convicção de que a crescente disseminação
das novas tecnologias de informação, as quais permitem
o acesso on-line aos microdados de levantamentos domiciliares, tornará o banco de dados da PCV ainda mais acessível aos analistas, atraindo o interesse de novos usuários,
tanto na universidade como fora dela. Reiterando essa percepção, resta lembrar que a Fundação Seade tem atendido sistematicamente inúmeras solicitações externas em
busca de indicadores gerados pela PCV, de modo que esta
fonte de dados tem sido amplamente utilizada por pesquisadores, consultores e profissionais de mídia.
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
Embora sua trajetória esteja intimamente ligada à mensuração da pobreza como fenômeno multidimensional, a
PCV busca complementar as pesquisas domiciliares realizadas pelo IBGE no país. Em relação à PNAD – única
pesquisa domiciliar de âmbito nacional que é realizada
anualmente –, a PCV diferencia-se basicamente pela
abrangência geográfica da amostra. Enquanto a PNAD
divulga resultados agregados para o Estado de São Paulo
e a Região Metropolitana de São Paulo, a PCV permite,
além deles, resultados desagregados para seis aglomerados urbanos do interior paulista, formados pela reunião dos
municípios com população urbana igual ou superior a 50
mil habitantes. Em relação ao Censo Demográfico, que é a
única pesquisa domiciliar que possibilita a desagregação
de resultados para todos os municípios brasileiros, a PCV
diferencia-se fundamentalmente por dois aspectos: menor
periodicidade de coleta de dados e maior amplitude
temática. Enquanto o Censo Demográfico é realizado de
dez em dez anos, a PCV vai a campo de quatro em quatro
anos, investigando, em cada levantamento, além de características sociodemográficas usualmente pesquisadas pelo
Censo Demográfico, informações indispensáveis para caracterização das condições de vida da população e formulação de políticas e programas sociais.
Para avançar na linha de complementaridade com os
levantamentos realizados pelo IBGE, sem perder a
comparabilidade com as tomadas anteriores, a Fundação
Seade busca atualmente fontes alternativas de financiamento para ampliar substancialmente a amostra da PCV.
Caso seja bem-sucedida nesta empreitada, o próximo levantamento de campo da pesquisa, a ser iniciado ainda
em 2003, deverá disseminar informações para o Estado
de São Paulo, as Regiões Metropolitanas de São Paulo
(destacando-se a Região do ABC), de Santos e de Campinas, as Regiões Administrativas de Ribeirão Preto, São
José do Rio Preto, Araçatuba/Presidente Prudente, Bauru/
Marília, São José dos Campos e Sorocaba e para os municípios-sede de Araçatuba, Bauru, Presidente Prudente, São
José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, Campinas,
Jundiaí, São José do Rio Preto e Santos.
Além disso, o aperfeiçoamento da metodologia de análise multivariada, que organizou a população em grupos
149
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
diversificados segundo tipos de carências, permitirá verificar com mais elementos e clareza como elas vêm-se transformando ou se superpondo em cada um desses grupos.
Nesse sentido, será especialmente inovadora a possibilidade de explorar as informações relativas às aglomerações urbanas não-metropolitanas dos quase desconhecidos interior e litoral paulistas, com destaque para os
processos capazes de explicar a concomitância entre riqueza e pobreza.
Na organização dos temas abordados pela PCV, permanecem aqueles tradicionais, como habitação, patrimônio
familiar, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendimentos e utilização de serviços de saúde, devendo ser os respectivos questionários atualizados para
ampliar a ótica de novos aspectos percebidos como relevantes com base nos resultados anteriores e na agenda de
programas públicos. Já as novidades são de duas naturezas: o aperfeiçoamento decorrente do intenso diálogo que
a Fundação Seade vem mantendo com a CDHU, que resulta em uma busca por detalhar a demanda habitacional
no interior do Estado de São Paulo, além de avançar na
caracterização de aspectos empíricos que permitam repensar o espaço urbano das metrópoles; e os temas que ganham destaque na agenda social contemporânea, como o
detalhamento da organização do cotidiano da mulher que
trabalha, o associativismo em suas diferentes dimensões
– política, sindical, religiosa, de lazer e outras –, a participação voluntária em entidades do terceiro setor, o acesso aos novos meios de comunicação da informação e a
percepção subjetiva da pobreza.
Finalmente, em virtude do enorme avanço na área de
tecnologia de captação, organização das informações e
acesso público às bases de dados, pode-se prever, de um
lado, uma importante reorganização dos processos de planejamento, execução e controle dos trabalhos de campo
da PCV, mediante inovações gerenciais e tecnológicas que
possibilitem, além da descentralização das atividades de
recrutamento, seleção, treinamento, contratação e pagamento de pesquisadores, a informatização dos procedimentos de controle de entrevistas, entrada de dados e verificação e crítica das informações obtidas por meio da
aplicação do questionário. De outro lado, pretende-se garantir o acesso on-line aos microdados das pesquisas, de
modo que se agilize o atendimento das demandas dos usuários, em especial dos pesquisadores que se encontram fora
da cidade de São Paulo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
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________ . Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo: renda. São Paulo, 1992d.
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Fórum São Paulo Século XXI: habitação e desenvolvimento urbano. São Paulo, Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo,
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LAVALLE, A.G. Espaço e vida públicos: reflexões teóricas e sobre o
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RIBEIRO, M.C.S. de A. Acidentes de trabalho referidos por trabalhadores moradores na Região Metropolitana de São Paulo: um
levantamento de base populacional. Dissertação (Mestrado em medicina preventiva) – Faculdade de Medicina da USP, São Paulo,
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Brasília: Ipea, 1999. (Texto para Discussão, n. 643).
OLAVO VIANA COSTA: Sociólogo, Assessor Técnico da Fundação Seade
([email protected]).
150
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 151-167, 2003
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
PAEP 1996-2001
ROBERTO BERNARDES
Resumo: Mapeamento da gênese e do ciclo evolutivo do debate metodológico e conceitual contemporâneo
liderado pelas principais agências multilaterais e instituições internacionais produtoras de informações sobre
inovação tecnológica à luz da experiência e do esforço de convergência metodológica da Fundação Seade na
produção de pesquisas e novas métricas estatísticas que mensurem a criação e difusão do conhecimento na
economia.
Palavras-chave: surveys de inovação; tecnologia; indicadores intersetoriais de produção do conhecimento.
Abstract: This article traces the genesis and evolutionary cycle of the contemporary methodological and
conceptual debate being led by the principle multilateral international agencies and institutions that produce
information on technological innovation, with concomitant consideration given to the methodological
convergence practiced by Fundação Seade in the production of research and new statistical tools that measure
the creation and dissemination of knowledge in the economy.
Key words: innovation surveys; technology; intersectorial indicators of the production of knowledge.
O
propósito deste artigo é sistematizar o histórico institucional e a discussão contemporânea
sobre produção, bem como a construção de
séries intertemporais de estatísticas de inovação e difusão tecnológica no âmbito da OECD, da perspectiva
de países em desenvolvimento, tendo como parâmetro
a experiência da implementação da Paep – Pesquisa da
Atividade Econômica Paulista, concebida pela Fundação Seade no Estado de São Paulo. O artigo está
estruturado essencialmente em três partes. Na primeira, é operado um histórico da evolução das instituições
produtoras de estatísticas, descrevendo o aperfeiçoamento dos conceitos e das metodologias de indicadores tecnológicos. A segunda parte é dedicada a relatar
a experiência da Fundação Seade na implementação da
Paep (aplicada no Estado de São Paulo) e da Paer –
Pesquisa da Atividade Econômica Regional, realizada
em todas as Unidades Federativas do Brasil. As duas
pesquisas de natureza econômica captaram informações
sobre inovação e novas tecnologias na economia. Neste tópico, é registrada a metodologia aplicada, assim
como os procedimentos de composição amostral e alguns resultados obtidos. Por fim, são retratados os prin-
cipais aprendizados e desafios futuros para a produção
de estatísticas de inovação e difusão tecnológica no
Brasil.
GÊNESE E EVOLUÇÃO DOS SURVEYS DE
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO PÓS-GUERRA
Desde o pós-guerra, com o reconhecimento do progresso tecnológico como força motriz do crescimento econômico, as agências governamentais, organizações multilaterais e instituições produtoras de informações têm
mobilizado grandes esforços no sentido de construir
metodologias capazes em mensurar a nova dinâmica e a
natureza da mudança tecnológica nas economias hegemônicas. Além da valorização das informações sobre
CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação para planejamento
público e refinamento dos instrumentos de gestão para o
desenvolvimento, tem se tornado candente o debate sobre
a criação de novos indicadores que mensurem a produção
do conhecimento, a participação das indústrias e dos serviços high-tech na economia e a alta correlação territorial
dos processos de inovação e capacitação tecnológica das
nações. As evidências sinalizam que as economias con-
151
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
temporâneas são cada vez mais baseadas no conhecimento e no aprendizado proporcionado pela interação social.
Com efeito, o regime de acumulação econômico tornouse mais interdependente das competências criadas pelo
desenvolvimento científico e tecnológico e por seus sistemas nacionais de inovação.1
As pesquisas estatísticas sobre CT&I nas economias
cêntricas e em desenvolvimento inserem-se nesse contexto de crescente valorização conferida pelos respectivos
governos e policy makers, que em estimulam, por meio
de ações públicas, novos instrumentos e arranjos institucionais direcionados para a promoção do progresso da
CT&I, e pelo conhecimento das performances de suas
economias. Na década de 50, surgiram as primeiras iniciativas para a mensuração dos inputs (insumos), basicamente
investigando as variáveis relacionadas às atividades de
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, entendidas como uma
proxy dos esforços de inovação tecnológica. Esta agenda
de pesquisa era orientada pela noção de um “movimento
linear no processo de inovação”, compreendido como produto de um modelo lógico seqüencial expresso nas fases:
invenção-inovação-difusão. A referência teórica do processo de inovação sustentava-se no modelo linear, cuja
cadeia seqüencial de atividades seria a pesquisa básica,
pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, produção, mercado e marketing. De acordo com as preposições
de Kline e Rosemberg (1986), a inovação ocorreria a partir de uma seqüência linear de causas e efeitos, na qual o
desenvolvimento da pesquisa básica desencadeia outras
etapas para geração da inovação. Nesse modelo, essas etapas são distintas e isoladas, pressupondo uma divisão
institucional e uma separação entre os atores institucionais.
Esse modelo, que vigorou como compreensão do processo de inovação nas décadas de 50 e 60, influenciou instituições na definição de políticas públicas e corporativas
de P&D.
Em 1963, a OECD – Organização para Cooperação do
Desenvolvimento Econômico, editou o Manual Frascati2
escrito por experts da comunidade européia e da divisão
de análise econômica e estatísticas desta organização,
dando origem a uma família de manuais metodológicos
para mensurar as atividades de inovação tecnológica, com
o objetivo de sistematizar e harmonizar a construção de
séries estatísticas intertemporais e internacionalmente
comparativas. Os surveys de inovação acompanharam o
ciclo evolutivo das transformações econômicas, tecnológicas e sociais, alterando-se ao longo do tempo seus
conceitos, metodologias e instrumentos de captação des-
tes fenômenos, mas seguindo as recomendações de preservação da comparabilidade internacional destas informações. Nesse aspecto, os manuais metodológicos foram
as principais referências para a harmonização destas pesquisas (Quadro 1). Os surveys pioneiros realizados na
década de 60 para elaboração de indicadores de C&T
(ciência e tecnologia) tinham como referência o Manual
Frascati e objetivavam, a partir de pesquisas estatísticas,
a construção de indicadores de intensidade de P&D (número de pessoas alocadas e gastos), privilegiando ainda
informações sobre o desenvolvimento experimental, entre outros. Adquire “status paradigmático”, neste período, a experiência da National Science Foundation,3 localizada nos EUA, que se consolidou como a instituição de
pesquisa pioneira na produção de indicadores sobre gastos e pessoal alocado em atividades de P&D.
Nas décadas de 70 e 80, foram introduzidos os indicadores de balanço de pagamentos tecnológico4 – os indicadores
de output (resultados) –, como os de produções científica
(bibliometria) e tecnológica (patente). Os indicadores
bibliométricos são as informações sobre os artigos publicados nas revistas indexadas pelo Institute for Scientific
Information – ISI, com sede nos Estados Unidos.5 As patentes formam até hoje o principal indicador de produção
tecnológica nos países centrais e o número delas é uma medida que auxilia a avaliação da capacidade de inovação. Entre
as atividades patentárias,6 a modalidade mais relevante para
indicar o surgimento de novas tecnologias é aquela concedida para o privilégio de invenção (propriedade intelectual).7
Com o objetivo de mensurar a participação das atividades
baseadas em conhecimento na geração de riqueza nos países
industrializados desenvolveu-se neste período a primeira
proposta da OECD8 para a classificação de produtos industriais segundo uma taxonomia setorial privilegiando a intensidade tecnológica.
No final da década de 80 e mais particularmente na de
90, a partir da ação conjuntas das agências produtoras de
estatísticas internacionais inicia-se uma nova etapa das pesquisas estatísticas de inovação com a revisão da metodologia, incorporando e ampliando os conceitos, não restringindo-os exclusivamente às atividades de P&D. A percepção
de que o processo de inovação e aprendizado tecnológico é
resultado de uma pletora complexa de interações (learning
by interaction) entre os diversos atores institucionais, empresas, fornecedores, usuários e agências de fomentos que
integram o sistema de CT&I e, por isso, implicando em trajetórias tecnológicas sistêmicas e não-lineares, exigiu o aperfeiçoamento da metodologia e em novos indicadores que
152
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
QUADRO 1
Documentos Metodológicos de Mensuração para Construção de Indicadores de CT&I
Ano
Documento
1963
Manual Frascati
1978
Unesco. Recommendation concerning the International Standardization of Statistics on Science and Technology, Paris, 27 November
1984
Unesco. Manual for statistics on scientific and technological activities (Unesco Division of Statistics on Science and Technology, Office of Statistics ST-84/WS/12)
1992
TEP – The Technology-Economy-Productivity Program – The Key Relationships
1994
Using Patent Data as Science and Technology Indicators – Patent Manual
1994
Manual de Oslo (5ª edição)
1994
Manual de Canberra
1995
The Measurement of Scientific and Technological Activities Manual on the Measurement of Human Resources Devoted to S&T “Canberra Manual”
1997
Manual de Oslo (2ª Versão). Proposed Guidelines for Collecting and Interpreting Technological Innovation
1997
Revision of the high-technology sector and product classification
1997
Committee for information, computer and comunication policy: measuring eletronic commerce, Paris, OECD/GD(97)185.
1998
2000
Mesuring intangible investiment. Intangible investiment in the statistical frameworks for the collection and comparison of science and technology statistics.
Stuz, J. “Las encuestas de innovación latinoamericana: un análisis comparativo de las formas de indagación”. Trabajo preparado para el Proyecto
Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina, OEA, Junio.
2000
Manual de Bogotá – Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina y el Caribe – OEA Organización de Estados Americanos –
Ricyt, Colciencias, Cyted, OcyT.
2000
Brisolla, S. y Quadros, R. Innovaciones en los indicadores de innovación. Un estudio de las metodologías adoptadas en los países en vías de desarollo. Trabajo
preparado para el Proyecto Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina. OEA, Junio.
Com o consenso entre os especialistas que o setor de
serviços representa cada vez mais um elo crítico no processo de integração econômica setorial, principalmente
pela função de geração de emprego e renda, assim como
pelo crescente peso destas atividades tecnológicas na sua
interface com a indústria para o fomento do progresso e a
criação da riqueza social nas economias industriais avançadas, iniciaram-se esforços por parte das agências produtoras de estatísticas na implementação de surveys de
inovação neste segmento (Quadro 2).
dimensionassem estes novos fenômenos relacionados às economias de aprendizado (Lundvall, 1992). Esta nova agenda
de pesquisas passou a interpretar a inovação não mais como
um resultado absoluto e restrito às rotinas de P&D, mas como
um fenômeno oriundo dos processos de aprendizagem e, por
isso, dependente de outras esferas produtivas e institucionais.
Assim, tornaram-se imperativas a elaboração e a captação
de indicadores de difusão de novos equipamentos, de recursos humanos,9 do uso de novas tecnologias de informação e
comunicação, da adoção e adaptação de novos processos e
das formas de interação entre as empresas, usuários e instituições de CT&I.
A noção de que os processos de capacitação e difusão
tecnológica na economia constituem fundamentos para o
desenvolvimento econômico e social implicou a criação de
dois novos indicadores: o TAI – Technology Achievement
Index e, mais recentemente, o ArCo – Capacitação Tecnológica para o Desenvolvimento. Ambos visam construir indicadores de inovação e capacitação tecnológica para países
desenvolvidos e em desenvolvimento a partir de algumas dimensões: criação, difusão e adoção de novas tecnologias;
difusão das tecnologias existentes, que constituem base para
a introdução de novas; idade das redes de TIs; construção da
habilidade dos recursos humanos para a geração e uso de
tecnologia; e infra-estrutura tecnológica.10
SURVEYS DE INOVAÇÃO:
TIPOS DE ABORDAGEM
A aplicação dos surveys ou da construção dos indicadores de inovação pode ser elaborada a partir de duas
abordagens de mensuração: o objeto econômico, no caso
do resultado ou produto da inovação; e o sujeito econômico, no caso da inovação na empresa.
A Abordagem Baseada no Objeto
A construção de indicadores a partir da abordagem
baseada no objeto tem como base a mensuração por meio
da contagem e a análise dos resultados da inovação. A
153
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
QUADRO 2
Evolução dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Pós-Guerra
Indicadores
Décadas de 50 e 60
Década de 70
Década de 80
Principais indicadores
utilizados
P&D
P&D
P&D
Patentes
Balanços de
pagamentos
tecnológicos
Patentes
Balanços de pagamentos tecnológicos
Conceito e padrão
de inovação
Função dos experts e
instituições produtoras
de estatísticas na área
de indicadores de CT&I
Classificação de produtos por intensidade
e conteúdo tecnológico
Bibliométricos
Recursos humanos
Surveys de inovação na indústria
LINEAR
INTEGRADO EM CADEIA
Década de 90
P&D
Patentes
Balanços de pagamentos tecnológicos
Classificação de produtos por intensidade
conteúdo tecnológico
Bibliométricos
Recursos humanos (ocupações científicas)
Surveys de inovação nos serviços
Inovações citadas na literatura científicas
Surveys de tecnologias de produção
Suporte público para tecnologias industriais
Investimentos intangíveis
Indicadores de tecnologias de informação e
comunicação (TCIs)
Matriz de insumo-produto
Capital de risco (venture capital)
Fusões e aquisições, joint venture, alianças
estratégicas
Produtividade
SISTÊMICO
Fornecedores de dados, metodologias,
análises; integração de vários tipos de
indicadores, análise conjunta e complementar
com indicadores socioeconômicos
Fornecedores de metodologias e dados
Fonte: Archibugi; Sirilli (2000).
maior parte dos surveys realizados foi ocasional e, por isso,
apresentando algumas desvantagens para exercícios de
comparações internacionais. Neste grupo incluem-se as
estatísticas de P&D, as informações sobre patentes, indicadores bibliométricos, informações sobre os fluxos comerciais de produtos de alta tecnologia, balanço de pagamento tecnológico e indicadores de recursos humanos de
alta qualificação. A principal crítica a este tipo de abordagem reside no argumento de que a captação destas informações limita-se apenas às inovações bem sucedidas,
não comparando as empresas inovadoras e as não-inovadoras (Archibugi; Sirilli, 2000:09).
abrangendo as empresas inovadoras e as não-inovadoras.
Desde 1970, estes surveys apresentavam uma periodicidade ocasional e irregular e as iniciativas eram financiadas por instituições acadêmicas de pesquisa. Somente na
década de 80, a partir das iniciativas da OECD, é que foram estabelecidos três vetores de organização para a consecução permanente deste surveys: periodicidade regular;
padronização da metodologia estatística; e padronização
dos questionários.
Nos anos 90, a implementação de pesquisas de inovação
com este tipo de abordagem tem prevalecido em larga escala na Europa e nos países não-europeus, após a publicação
do Manual de Oslo e a aplicação dos três Community
Innovation Surveys (CIS). Alguns dos fatores que favoreceram a consecução dos CISs e deste tipo de abordagem são à
alta potencialidade de comparação internacional das estatísticas, a organização de séries temporais e uma investigação
mais ampla e representativa dos processos de surgimento da
inovação e do aprendizado tecnológico.
A Abordagem Baseada no Sujeito
O foco da abordagem baseada no sujeito é basicamente a empresa (o sujeito). Os instrumentos de coleta são
estruturados com a finalidade de investigar questões quantitativas e qualitativas sobre as atividades de inovação,
154
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
1998, para o período 1994-96, sendo respondido por aproximadamente 55.000 empresas dos setores manufatureiros
e de serviços de 15 países europeus: Áustria, Bélgica,
Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, França, Itália,
Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Noruega. Além de alterações na elaboração
do questionário, este segundo survey de inovação na Europa incluiu o setor de serviços. A metodologia propugnada
pelo programa CIS se entendeu por outros países da Europa Central e do Leste, da América Latina (entre outros,
o Brasil), Canadá, Austrália, Coréia do Norte, México,
Suíça e Turquia. Em 2002, foi iniciado o terceiro
Community Innovation Survey – CIS-III, coletando dados para o período 1998-2000 (Costa, 2003:78).
Segundo o Manual de Oslo, o conceito de inovação
tecnológica corresponde à introdução no mercado de um
produto (bem ou serviço) novo ou significativamente
melhorado, ou à introdução, por parte da empresa, de processos novos ou significativamente melhorados. A inovação pode ser baseada em novos desenvolvimentos
tecnológicos, em novas combinações de tecnologias existentes, ou na utilização de outro tipo de conhecimento
adquirido pela empresa. A metodologia faz uma distinção entre inovação de produto e de processo. A inovação
de produto corresponde à introdução no mercado de um
produto (bem ou serviço) novo ou significativamente
melhorado relativamente às suas características fundamentais, às suas especificações técnicas, ao software ou outros componentes imateriais incorporados, às utilizações
para que foi concebido, ou à facilidade de utilização. A
inovação tem que ser nova para a empresa; não tem que
ser necessariamente nova no mercado servido pela empresa. A inovação pode ter sido desenvolvida tanto pela
empresa como fora dela.
A inovação de processo corresponde à adoção de métodos de produção novos ou significativamente melhorados, assim como de meios novos ou significativamente
melhorados de fornecimento de serviços e de distribuição
de produtos. O resultado da inovação de processo terá que
ter um impacto significativo na produção, na qualidade
dos produtos (bens ou serviços) ou nos custos de produção e de distribuição. A inovação tem que ser nova para a
empresa; não tem que ser necessariamente nova no mercado servido pela empresa. O Manual sugere um conjunto de exemplos de inovação tecnológica, a saber:
- inovação de produto: módulos para a área da ciência
da vida produzidos através de engenharia biológica; programa de estabilização eletrônica para veículos a motor
MANUAL DE OSLO: CONCEITOS E MEDIDAS
As iniciativas para mensurar a natureza da mudança
tecnológica conduziram ao longo dos anos 80, ao desenvolvimento de pesquisas baseadas no tipo de abordagem
que privilegia os sujeitos (as empresas), buscando identificar qualitativa e quantitativamente suas atividades
tecnológicas. Em particular, os surveys de inovação, como
são denominadas estas pesquisas, cuja metodologia de
coleta e análise está sistematizada no Manual de Oslo,11
investigam os setores industrial e de serviços.
É neste contexto que foi desenvolvido pela OECD, em
conjunto com a Eurostat (Comunidade Européia) e DGXIII do European Innovations Monitoring System, o Manual de Oslo em 1992 (revisado posteriormente em 1996),
com o objetivo de harmonizar a coleta e as análises de
surveys de inovação na Europa, com base no principal
sujeito do processo inovativo: as empresas. Com o apoio
da Eurostat (Statistical Office of the European
Communities), foram revisados os conceitos de inovação
tecnológica e sua metodologia de mensuração. As revisões do Manual de Oslo foram operadas, sobretudo, após
a avaliação das experiências de implementação dos surveys
na Europa, em 1993 (CIS-I), 1998 (CIS-II) e 2001 (CISIII) (Costa, 2003:77). Na revisão de 1996, não foram feitas mudanças significativas, mas forte ênfase foi conferida
à orientação dos procedimentos de coleta das informações
relevantes para a promoção de políticas e para as características do estudo da inovação. Definiu-se mais precisamente a distinção entre as inovações tecnológicas e aquelas puramente estéticas e organizacionais, identificando
com maior rigor a origem, o principal agente da inovação
e o nível de originalidade da inovação para o mercado. A
maior novidade consistiu na inclusão do setor de serviços
nos surveys de inovação.
A primeira pesquisa de inovação baseada no Manual
de Oslo foi o Community Innovation Survey – CIS-I, realizado em 1993 (para o período-base 1992-93). Neste primeiro levantamento, foram incluídas aproximadamente
40.000 empresas de 13 países europeus: Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Noruega (Archibugi; Sirilli, 2000).
Apesar dos esforços realizados no CIS-I, permaneceram as dificuldades de harmonização entre os países. O
Manual de Oslo foi então revisado em 1996 e adotado
como base metodológica para um segundo Community
Innovation Survey – o CIS-II. O CIS-II foi conduzido em
155
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
medida como a participação percentual das empresas inovadoras, seja em número de empresas seja em valor, naquele setor. Portanto, a taxa de inovação, em períodos
selecionados, mensura a participação das empresas que
introduziram produtos e/ou processos tecnológicos novos
ou substancialmente modificados, no total das empresas.
(ESP); linhas de alta tensão isoladas com gás; digitalização
de processos de impressão; novos tipos de sistemas de lâminas para produção de aparas de madeira (wood chips);
novo modelo de unidade de remoção e recuperação de
água; medição de partículas por sensores em exaustão de
gases; novo tipo de papel para impressoras específicas;
novos tipos de motores em navios, e linhas de alta tensão
isoladas com gás;
PRODUÇÃO DE INDICADORES
ESTATÍSTICOS DE INOVAÇÃO EM PAÍSES
EM DESENVOLVIMENTO
- inovação de processo: novos sistemas de CAD; novos
sistemas de distribuição da informação; interligação de
sistemas de processamento de dados, software para computadores em rede; introdução de métodos de assistência/
auxílio e/ou baseados em computador para desenvolvimento de produto; introdução de programas de simulação com
base em elementos finitos para otimização de componentes; recurso ao comércio eletrônico interligado com a produção (ex. bancos eletrônicos com ofertas personalizadas,
compras via Internet); disponibilização de canais diretos
de comunicação entre o cliente e o produtor; controle do
tempo e fase de execução da produção pela Internet, entre outros;
Na América Latina e na Central, em particular no Brasil, a elaboração de metodologias e a construção de séries
históricas de indicadores a partir da aplicação de surveys
de inovação eram ações institucionais pouco exploradas
nas pesquisas estatísticas até a década de 90. Como observou Quadros et al. (2003:3), “desde os trabalhos pioneiros de Erber, Dahlman e Katz (1987), até estudos bem
recentes, como os de Figueiredo (2001), os estudos de caso
e setoriais têm sido decisivos para apontar a natureza
incremental, cumulativa e variada em escopo, da capacitação tecnológica das empresas industriais. No entanto,
esses estudos se referem a um número limitado de setores
e não permitem generalizações”.
A partir da segunda metade dos anos 90, registram-se
algumas iniciativas importantes na América Latina, no
campo dos surveys de inovação no setor industrial, tratando-se em sua maioria de pesquisas focadas nas abordagens baseadas no sujeito, mas nem sempre adotando o
Manual de Oslo como referencial metodológico básico.
Entretanto, a ampla cobertura amostral proporcionada por
estas pesquisas permitiu a elaboração de exercícios de
comparação dos resultados. São exemplos as pesquisas do
México (1997), Colômbia (1996), Venezuela (1997), Argentina (1997) e Chile (1995). Deste conjunto de pesquisas implementadas, nos casos de México, Colômbia e
Chile, foram seguidas as recomendações do Manual de
Oslo, enquanto as da Venezuela, Uruguai e Argentina investigaram aspectos sobre a capacidade tecnológica e inovadora das empresas e a do Uruguai partiu de um escopo
mais abrangente, investigando, além destas variáveis, elementos sobre os recursos humanos na indústria manufatureira (Stuz, 1999).
A adoção do Manual de Oslo em surveys de inovação
em países em desenvolvimento tem suscitado um conjunto de indagações quanto à aderência de metodologias desenvolvidas em economias avançadas e aplicadas em países em desenvolvimento que apresentam um padrão
- exemplos de não inovações tecnológicas: melhorias em
produtos com o propósito de torná-los mais atrativos aos
consumidores sem mudança em suas características
tecnológicas, como as inovações estéticas ou de estilo
(como mudança de cor, alterações superficiais, um novo
corte de tecido, etc.), muito comuns nas indústrias têxteis
ou de vestuário e calçados, entre outras – nestes segmentos, deve ser considerada inovação tecnológica a aplicação ou desenvolvimento de um novo tecido (fibra), que
implique pesquisa e desenvolvimento de um novo material –; pequenas mudanças tecnológicas (melhorias não
substanciais) de produtos e processos, modificações que
não apresentam grande novidade, mudanças puramente
organizacionais; modificações de produtos e processos
cuja novidade não diz respeito às características objetivas de uso ou desempenho dos produtos, ou da maneira
pela qual eles são produzidos ou distribuídos, mas antes
às suas qualidades estéticas ou subjetivas. A implementação das normas ISO 9000 só deve ser considerada
uma inovação tecnológica se a sua introdução implicou o
desenvolvimento de uma nova tecnologia ou gerou um
avanço tecnológico significativo em produto ou processo12 (Quadro 4).
De acordo com o conceito propugnado pelo Manual
de Oslo, o indicador de desempenho inovador das empresas ou de um determinado setor é sua taxa de inovação,
156
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
QUADRO 3
Formas de Abordagens dos Surveys de Inovação
Características da Abordagem
Abordagem Baseada no Objeto
Abordagem Baseada no Sujeito
Unidade de análise
Método de coleta da informação
Empresa
Coleta de informações no âmbito da empresa pela
aplicação de questionários ou entrevistas diretas.
Periodicidade
Inovação tecnológica
Coleta de informações realizada de diferentes fontes
produtoras públicas e privadas, surveys especializados
e detalhados. São exemplos as informações sobre
patentes, P&D, bibliometria, etc.
Registro de informações sobre o resultado (output) do
processo de inovação
Surveys ocasionais
Cobertura
Amostra de inovações bem-sucedidas
Critérios de classificação
Área tecnológica
Produto
Atividade econômica principal da empresa
Exemplos típicos
Small bussiness administration, EUA
(Acs & Audretsch, 1991)
Forma de captação da inovação
Registro de informações sobre os insumos (input) do
processo de inovação.
Surveys periódicos e intertemporais para a construção
de séries estatísticas através do programa CIS
(Community Innovation Survey)
Amostra de inovações bem e mal-sucedidas.
Empresas inovadoras e não-inovadoras, abrangendo
os setores da indústria e dos serviços
Tamanho da empresa
Tipos de inovação
Formas de cooperação e interação
Atividade econômica principal da empresa
Surveys de inovação
(CIS – Communitty Innovation Surveys)
(Guellec and Pattinson, 2002)
Fonte: Archibugi; Sirilli (2000).
QUADRO 4
Tipo e Grau da Novidade e Definição da Inovação
Maximum
Nova para
o Mundo
Inovação
Tecnológica de
Produto e
Processo
(ITPP)
Tecnologicamente nova
Produto
Processo de produção
Processo de distribuição
Melhoria
tecnológica
significativa
Outra inovação
Não-Inovação
Inovação
Intermediária
(1)
Produto
Processo de produção
Processo de distribuição
Puramente organizacional
Mudança não
significativa
Mudança sem
novidade ou
outro
melhoramento
criativo
Produto
Processo de produção
Processo de distribuição
Puramente organizacional
ITPP
Outro tipo de inovação
Fonte: Manual de Oslo.
(1) Pode ser geograficamente nova para o país ou região.
157
Não-inovação
Minimum
Nova para
Empresa
NãoInovação
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
diferenciado da mudança tecnológica. Na ótica destas indagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/Interamericana
de Indicadores de Ciencia e Tecnología desenvolveu o
Manual de Bogotá (Jaramillo et al., 2000), resultado de
um esforço conjunto de pesquisadores latino-americanos
para contornar dificuldades da adoção do Manual de Oslo
em pesquisas de inovação na América Latina. Como observou Costa (2003:89), apesar dos esforços, muitas das
críticas ao Manual de Oslo não foram superadas pelo
Manual de Bogotá, que acabou por não alcançar uma unanimidade entre os especialistas enquanto status referencial
de um manual metodológico de inovação para a América
Latina.13
No Brasil, a literatura econômica acumulou considerável estoque de conhecimento empírico, baseado em
estudos setoriais e em estudos de caso de empresas, 14
mas eram poucas as iniciativas de estudos analíticos para
a compreensão da natureza da inovação, difusão
tecnológica e de seus impactos, sob uma perspectiva
transversal e intersetorial na economia. A Anpei – Associação Nacional de Desenvolvimento das Empresas
Industriais desenvolveu no Brasil, a partir de 1992, uma
pesquisa pioneira inspirada na experiência da National
Science Foundation, uma base de indicadores empresariais de P&D. Constituída a partir de um painel de
cerca de 365 empresas, esta base reúne informações
sobre P&D e engenharia não rotineira. A pesquisa, desde
o início, contou com o apoio do governo federal através do Pacti – Programa de Apoio à Capacitação
Tecnológica da Indústria e de agências, como Finep e
Sebrae. Saliente-se que o inquérito da Anpei não se enquadra nos padrões dos surveys de inovação da OECD,
sendo uma pesquisa focada na P&D das empresas.15
Recorde-se que, desde 1960, a produção de estatísticas
econômicas no Brasil esteve fortemente ancorada na
realização dos censos econômicos pelo IBGE, com periodicidade qüinqüenal a partir de 1970 até 1985, quando
foram suspensos. Saliente-se que a disposição do IBGE
em não mais implementar censos econômicos deveu-se
não somente à crise do sistema estatístico nacional (SEN),
mas também a uma decisão estratégica como forma de
modernização e redução dos custos de monitoramento
da economia, aliada à política de descentralização em
curso naquele órgão desde a missão Canadá (1994/95).16
Naquele momento eram poucas as iniciativas estaduais
ou municipais na produção de informações econômicas
e tecnológicas, mesmo nas localidades que eram providas
de instituições públicas de produção de estatísticas. As
incertezas geradas pelo protelamento do Censo Demográfico de 1990 para 1991, a não realização do Censo Econômico de 1990, o atraso na divulgação das pesquisas anuais
(PIA – Pesquisa Industrial Anual, PAC – Pesquisa Anual
do Comércio, etc.) e as dificuldades de acesso aos resultados do Censo Econômico são alguns dos exemplos deste
período. Simultaneamente, entrava em ebulição o
interesse no cenário nacional conferido aos movimentos
empresariais de reestruturação, difusão tecnológica e na
emergência das cidades e dos espaços territoriais
enquanto locus privilegiados para a compreensão dos
processos de inovação e aprendizado e, por isso,
reacendia-se o debate sobre a necessidade de mensuração
dos novos indicadores de conhecimento na economia e
nas diferentes regiões do Estado. Os novos indicadores
seriam estratégicos para a análise da economia paulista
e para a definição de políticas públicas de desenvolvimento regional.17
Em sintonia com a nova agenda de pesquisas contemporâneas, a Fundação Seade acumulou ao longo destes anos
uma significativa experiência na concepção e gestão de
pesquisas de inovação tecnológica, tendo como parâmetros
a experiência internacional de produção de estatísticas.
Nesse sentido, a aplicação da Paep consagrou-se como uma
pesquisa econômica estrutural que incorporava em seu
projeto o primeiro survey de inovação realizado no Brasil,18
adotando o referencial conceitual recomendado pelo
Manual de Oslo e tendo como universo de investigação
as empresas industriais do Estado de São Paulo. Além deste
survey, foram incluídos no questionário da Paep três
capítulos destinados aos estilos de gestão da produção, à
automação industrial e à difusão de novas tecnologias de
informação e comunicações, permitindo avaliar a magni-
PAEP/SEADE: CONVERGÊNCIA E INOVAÇÃO
NA PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS
Diante da complexidade da nova agenda de pesquisas
estatísticas, a Fundação Seade dedicou-se, desde 1992, à
arquitetura de uma nova metodologia, buscando captar os
novos processos econômicos e inovativos, parcialmente
eclipsados pela ausência de informações, no Estado de São
Paulo. O objetivo de iluminar e mensurar o real dimensionamento dos impactos derivados das transformações
macroeconômicas sobre a estrutura produtiva paulista em
particular, somado à inexistência de dados atualizados,
motivou a elaboração da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.
158
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
tude e amplitude da base tecnológica e informacional das
empresas industriais.
De forma geral, os indicadores setoriais de inovação
tecnologia da Paep foram construídos a partir de cinco
perspectivas:
- esforço de inovação, captado para a indústria e os serviços, medido através de um conjunto de informações tendo como base duas variáveis constantes no questionário,
referentes especificamente a essa temática: algum tipo de
inovação tecnológica na empresa, seja de produto, seja
de processo; e se a empresa, nesse período, desenvolveu
atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D);
verso representativo de mais de 40.000 empresas industriais no Estado de São Paulo, incluindo no questionário
deste setor um capítulo composto por nove questões
dedicadas às atividades inovadoras e rotinas de P&D destas empresas. A metodologia utilizada para o survey de
inovação na Paep foi a mesma recomendada pelo Manual
de Oslo, tendo como parâmetro o questionário da CIS-I –
Community Innovation Survey, assegurando assim a
comparabilidade dos indicadores com outros surveys de
inovação. As questões mais semelhantes ao CIS-I referiamse a:
- adoção ou não de, pelo menos, uma inovação tecnológica
pela empresa, de produto e/ou de processo;
- difusão de novas tecnologias, medida por meio de um
conjunto de variáveis intersetoriais que investigavam a amplitude da utilização de equipamentos de automação, da utilização de técnicas de controle de qualidade e produtividade
e da utilização de computadores: uso de técnicas de produtividade e qualidade (just-in-time, engenharia simultânea, uso
de minifábricas, etc.); uso de equipamentos de automação
com base microeletrônica; uso de sistemas CAD/CAE/CAM
(tecnologias utilizadas na engenharia de projeto); uso de
equipamentos de automação de processos; uso de computadores; uso de redes de informação corporativa aplicadas à
engenharia de projeto e produção; entre outras;
- classificação da importância dos motivos da adoção de
inovações;
- classificação da importância das fontes de informação
utilizadas pela empresa para a inovação;
- indicação pela empresa do percentual das vendas decorrente de novos produtos;
- dispêndios e número de funcionários empregados em atividades de P&D, com a discriminação do subconjunto de
empregados em P&D com curso universitário completo.
A Paep combinou a investigação de variáveis econômicas comuns em pesquisas estruturais com a abordagem
de variáveis quantitativas e qualitativas relacionadas à
difusão tecnológica. A definição das variáveis de difusão
tecnológica foi diferenciada de acordo com o setor de atividade econômica.
As informações foram coletadas em 1997, tendo 1996
como ano-base para a atividade econômica, e o período
1994-1996, para as questões que se referiam a intervalos
de tempo para inovação. A Paep investigou uma amostra
estratificada de empresas, identificadas e selecionadas com
base nas informações contidas no cadastro. Para a constituição da amostra, as empresas da população de referência (empresas do cadastro) foram divididas em dois estratos: certo e aleatório. O primeiro abrange as empresas
classificadas como industriais, com 30 ou mais empregados e que, em 1995, possuíssem sua sede, ou ao menos
uma unidade produtiva, em operação e 30 ou mais pessoas ocupadas no Estado de São Paulo. O estrato aleatório compreendeu somente empresas de pequeno porte (entre 5 e 29 empregados), que possuíam sede no Estado São
Paulo. Com base nestes critérios, selecionou-se uma amostra inicial de 19.334 empresas industriais, sendo 12.476
do estrato certo e 6.858 do estrato aleatório. A amostra
final (efetiva) da Paep totalizou 10.658 empresas indus-
- uso da tecnologia, entendido como estilos de gestão,
complementar ao processo de difusão da inovação
tecnológica. As variáveis escolhidas para esta caracterização são: se os computadores das empresas estavam ligados em rede, configurando um sistema de troca de dados interno; uso de sistemas de troca e consulta eletrônica
de dados externa (rede de longa distância, e-commerce,19
EDI, Internet, etc.); informações quantitativas e de perfil
do uso de computadores, entre outros;
- origem e fontes das novas tecnologias: nacionalidade
do capital controlador; origem do agente que desenvolveu a inovação; nacionalidade do agente que realizou acordos de cooperação para o desenvolvimento da inovação;
fontes de informação para as atividades de inovação
tecnológica; entre outras;
- impactos da tecnologia: participação na receita dos
novos produtos; informações sobre patentes, indicadores
de produtividade; entre outras.
A Experiência do Survey de Inovação na Paep
A Paep foi uma iniciativa pioneira no cenário de produção estatística nacional, na qual pesquisou-se um uni-
159
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
triais e, expandida, correspondeu ao universo de 41.466
empresas.
Fizeram parte da Paep/96 todas as empresas dos segmentos
da indústria de transformação, da extrativa, da construção
civil, de serviços de informática, bancos e comércio. A
construção civil foi incluída, após estudos realizados junto a
entidades de classe, devido à importância que este segmento
tem como absorvedor de mão-de-obra e por estar sendo alvo
de processos de reestruturação técnico-produtiva. Tendo em
vista a integração com o Sistema de Estatísticas Nacional
(SEN), buscou-se maximizar a comparabilidade entre a Paep
e as pesquisas econômicas produzidas por outras fontes. Para
assegurar maior homogeneidade entre os vários segmentos
estudados, adotou-se o sistema da CNAE/95 – Classificação
Nacional de Atividades Econômicas, com a disponibilização
das informações do Cadastro do IBGE de 1996. Complementarmente, para o detalhamento da análise de alguns
segmentos mais relevantes do ponto de vista econômico e
dos processos de reestruturação produtiva do Estado de São
Paulo, estabeleceu-se uma agregação especial, denominada
Caepaep – Classificação de Atividade Econômica específica
da Paep, que orientou a amostragem da pesquisa. A base de
informações da Paep, devido à sua ampla cobertura e representatividade estatística, permitiu que se explorasse a
influência das características econômicas das empresas sobre
seu comportamento inovador. Outro fator que contribuiu para
a grande representatividade das informações foi o índice de
resposta da pesquisa, ou seja, a resposta aos questionários
foi da ordem de 84%, sendo o índice de recusa de cerca de
16%.
As informações da Paep apontaram que, no nível agregado, a taxa de inovação da indústria paulista, no período
1994-96, foi de 24,8%, ou seja, cerca de um quarto de
todas as empresas industriais paulistas introduziu alguma
inovação de produto ou processo nesse período. A expressão econômica das empresas inovadoras paulistas é ainda
maior: elas foram responsáveis por 68% do valor adicionado pela indústria de transformação no Estado de São
Paulo (Gráfico 1). Com base nas informações captadas
pela Paep, em 1996, havia 8.870 pessoas de nível superior alocadas em P&D, na indústria de transformação paulista. Os setores que mais se destacavam eram a indústria
automobilística, com 2.803 pessoas de nível superior
alocadas em P&D, seguida pela química (956) e outros
equipamentos de transporte, que incluem a indústria aeronáutica (613), entre outras.
As informações sugeriam que o maior volume em P&D20
da indústria paulista (e brasileira) estava concentrado em
segmentos industriais não intensivos em ciência, que apresentavam menores oportunidades tecnológicas. As indústrias
produtoras de bens intermediários e algumas metal-mecânicas e elétricas convencionais compõem o grupo de indústrias brasileiras mais competitivas, e estão entre aquelas que
desenvolveram uma considerável capacitação tecnológica.
O Survey de Inovação na Paer
A partir da avaliação da importância da Paep, a Fundação Seade foi convidada pelo Ministério da Educação – MEC,
no âmbito do Programa de Expansão da Educação Profissional – Proep, a apresentar uma proposta para a realização
de uma pesquisa similar, para ser aplicada em todos os Estados do Brasil, visando a reformulação do ensino profissionalizante do país. Aceita a proposta, a Fundação Seade iniciou, em 1998, o levantamento de campo das primeiras
informações da Pesquisa da Atividade Econômica Regional
– Paer, que incorpora, em grande medida, um subconjunto
de variáveis (sobretudo qualitativas) da Paep, além de um
detalhamento dos requisitos de contratação, requisitos para
as rotinas de trabalho e instrumentos de seleção dos recursos
humanos, bem como investigação sobre o relacionamento das
empresas com as escolas técnicas e suas perspectivas de investimento e contratação de mão-de-obra. A Paer foi aplicada em todos os Estados do Brasil, levantando cerca de 19.038
unidades locais, distribuídas entre a indústria (10.583) e os
serviços (8.455). A pedidos do MEC, a Fundação Seade enviou àquela instituição uma proposta para a realização da
Paer/SP, cujo levantamento de campo foi realizado para o
ano de 2001, ou seja, concomitante ao da Paep. Na Paer,
para todos os Estados, a coleta de informações para a pesquisa se deu entre 1998 e 1999.
Na Paer, foi realizado um novo survey sobre inovação
tecnológica. As informações sobre as atividades de inovação foram coletadas tendo como referência, em geral, o intervalo de 1995 a 1999. O universo de investigação desta
pesquisa foi de 3.150 unidades locais da indústria com mais
de 100 pessoas ocupadas, considerando a articulação deste
segmento com o ensino técnico destas regiões. A representatividade destas informações, a exemplo da experiência
da Paep, foi elevada, pois o índice de resposta foi da ordem
de 95%. Aproveitou-se o aprendizado metodológico adquirido através das atividades operacionais e de análise da Paep,
no Estado de São Paulo, cujos principais avanços constituemse em dois aspectos centrais: atualização e inclusão de novas questões no instrumento de coleta, com base na versão
do CIS-II, o questionário da pesquisa de inovação da Eurostat
160
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
GRÁFICO 1
Empresas Inovadoras (1) e sua Participação no Valor Adicionado, segundo Atividades Industriais
Estado de São Paulo – 1996
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.
(1) Correspondem às empresas que desenvolveram ou introduziram alguma inovação de produto ou de processo (incremental ou significativa).
(2) Agregam as divisões: 16 - Fab. de Produtos do Fumo; 20 - Fabricação de Produtos de Madeira; e 36 - Fab. de Móveis e Indústrias Diversas.
Nota: Refere-se às empresas com sede no Estado de São Paulo.
(Statistical Office of the European Communities); e aprimoramento conceitual e metodológico das definições sobre inovação tecnológica, implicando maior rigor nos critérios de
identificação e classificação das empresas inovadoras e, ao
mesmo tempo, assegurando uma comparabilidade subnacional e internacional das informações obtidas. Baseandose nas novas questões do CIS-II, foram introduzidas as seguintes questões: solicitação à empresa da descrição da
principal inovação de produto e/ou processo, que se mostrou apropriada para o trabalho de verificação da consistência da ocorrência de inovação e, portanto, para aperfeiçoar o
rigor da pesquisa; identificação do principal agente do desenvolvimento do novo produto ou processo; indicação, pela
empresa, se ela introduziu produtos que fossem tecnologicamente novos não apenas para ela, mas para o seu mercado. Tendo em vista a experiência da Paep, em que se verificou que o universo amostral das empresas inovadoras é
composto majoritariamente por empresas de grande e médio
portes, decidiu-se pela inclusão de um suplemento ao questionário da indústria da Paer, que foi aplicado nas empresas
com 100 ou mais pessoas ocupadas e que possuíam sua sede
localizada nos Estados investigados.
As performances das taxas de inovação das empresas
industriais brasileiras com 100 ou mais empregados revelaram uma estrutura produtiva e um comportamento
tecnológico regional heterogêneo. As pesquisas aplicadas
entre 1994 e 1999 demonstram que o Estado de São Paulo apresentou uma taxa de inovação de cerca de 56%, próxima à performance inovativa das empresas do Estado de
Santa Catarina (54,4%) e relativamente superior ao Amazonas (45,9%), considerando particularmente a região de
Manaus, e ao Rio Grande do Sul (46,7%).
Quando comparada a participação relativa das empresas destes Estados em relação à sua importância nas
161
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
GRÁFICO 2
Taxa de Inovação da Indústria de Transformação
Estados Selecionados – 1994-1999
Em %
11,3
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep; Pesquisa da Atividade Econômica Regional – Paer.
(1) Refere-se ao período de 1994 a 1996.
(2) Refere-se ao período de 1994 a 1998.
(3) Refere-se ao período de 1994 a 1999.
Nota: Participação percentual do número de empresas industriais com 100 e mais empregados com sede no Estado,
que realizaram inovação de produto e/ou processo sobre o total de empresas industriais com as mesmas características.
Ciência e Tecnologia e Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, foi realizado um
novo levantamento da Paep. Desta vez, a pesquisa foi
realizada num período mais curto, captando informações sobre o ano-base de 2001 (para as informações
quantitativas e financeiras) e o período entre 1999 e
2001 para as questões de inovação tecnológica, sendo
o campo realizado entre agosto de 2002 e fevereiro de
2003. Para a execução da Paep/2001, foi utilizado o
cadastro de empresas fornecido pelo IBGE – Cempre
(jun./2001), do qual foram selecionados 1.006.037 registros de empresas de acordo com o âmbito Paep/2001.
Consideraram-se todas as empresas com sede no Estado de São Paulo e empresas com sede fora do Estado
com 30 ou mais pessoas ocupadas (PO) no Estado. Para
os setores da indústria, instituição financeira e construção civil, foram consideradas as empresas com pelo
menos cinco pessoas ocupadas. Já para os setores de
comércio e serviços incluíram-se todas as empresas.
empresas inovadoras no país, a discrepância da representatividade regional é latente. O Estado de São
Paulo respondia por 62,6% das empresas inovadoras no
Brasil, enquanto Santa Catarina (7,1%), Amazonas (1%)
e Rio Grande do Sul (9,6%) apresentam participação
significativamente menores.
As informações produzidas pela Paer revelaram que empresas inovadoras com participação de capital multinacional
com mais de 100 pessoas ocupadas e que desenvolvem rotinas de P&D são geograficamente concentradas no Estado
de São Paulo. As informações evidenciaram a importante
função que estas empresas desempenham no desenvolvimento tecnológico regional e nacional (Gráfico 2).
O Survey de Inovação na Paep/2001:
a inclusão do setor de serviços
Com um importante apoio institucional e financeiro
de agentes públicos, como Fapesp, MEC, Secretaria de
162
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
Na Paep/2001, para a formulação das questões de
inovação, foi utilizado como referência o conjunto de
questões organizadas no CIS-III, sendo que as questões
relativas a automação e tecnologias de informação e comunicação foram elaboradas com base em outros surveys
temáticos implementados pela OECD e Canadá.22 O bloco
de questões sobre inovação foi concebido através de
intensa colaboração com os técnicos do IBGE, no sentido
de harmonizar a metodologia e proporcionar uma complementariedade das informações geradas pela pesquisa
industrial Pintec – Pesquisa de Inovação Tecnológica.23
As questões relativas à composição de custos financeiros
da inovação, tais como dispêndios em P&D interno e
externo, treinamentos, aquisição de equipamentos para
inovação, etc., não foram captadas pela Paep/2001 para
que não se sobrecarregasse o questionário excessivamente,
mas considerou-se a possibilidade de comparação com as
informações captadas pela Pintec, que organizou um bloco
específico e detalhado sobre estas questões.
De acordo com as recomendações do Manual de
Oslo, da OECD, e já incorporando as discussões
concluídas por essa organização no encontro de julho
de 2001, este potencial analítico foi acrescido significativamente com a Paep/2001, mediante a aplicação do
primeiro survey de inovação de serviços no Brasil.
Ademais, na Paep/2001, os indicadores de inovação
foram construídos a partir das possibilidades de
cruzamento segundo os setores de atividade (indústria,
construção civil, comércio, serviços, bancos e instituições financeiras), elevando ainda a possibilidade da
regionalização das informações tecnológicas de inovação24 para as regiões administrativas do Estado de São
Paulo. As empresas dos setores de indústria, comércio
e serviços foram classificadas segundo a sede da
empresa nas seguintes oito regiões que consistem em
agregações de regiões administrativas do Estado de São
Paulo: Região Metropolitana de São Paulo (exceto
região do ABC); ABC; Litoral (Santos e Registro); São
José dos Campos; Sorocaba; Campinas; Norte (Ribeirão
Preto, São José do Rio Preto, Central, Barretos e Franca); Oeste (Bauru, Araçatuba, Presidente Prudente e Marília).
A Paep/2001 será divulgada no final de dezembro de
2003. Entretanto, alguns resultados preliminares já demonstram a alta concentração no padrão de localização
dos laboratórios na Região Metropolitana de São Paulo,
que abriga também uma robusta infra-estrutura de CT&I
(Mapa 1).
Para a definição da amostra, as empresas da população
de referência foram divididas em dois estratos: certo e
aleatório. O estrato certo abrangeu as empresas com sede
fora do Estado de São Paulo e que possuíam 30 ou mais
pessoas ocupadas no Estado de São Paulo. O número de
pessoas ocupadas foi contabilizado apenas nas unidades
locais cujo setor era o mesmo que o da sede; foram
consideradas as sedes no Estado de São Paulo dos setores
da indústria, construção civil, comércio e instituição
financeira com 30 ou mais pessoas ocupadas e dos serviços
com 100 ou mais pessoas ocupadas. Para bancos, o recorte
foi censitário, sendo entrevistados todos os bancos que
operaram no Estado de São Paulo até 31 de dezembro de
2001.
Após o encerramento dos trabalhos de campo, a Paep/
2001 obteve como resultado final cerca de 27.602 mil
questionários. Considerada a amostra inicial de 43.013
empresas, a quebra de cadastro foi da ordem de 12,7%. O
índice de recusa da coleta foi de 16,0%, que pode ser considerado baixo no segmento de pesquisas econômicas. Os
números apresentados demonstram a abrangência e a magnitude do banco de dados construído. No caso dos bancos, os resultados finais da pesquisa revelaram que os informantes representam cerca de 85% do ativo total do
sistema bancário em 2001, podendo-se concluir que o resultado geral do campo foi satisfatório.
Na Paep/2001, além dos demais setores da pesquisa anterior, foram incluídas todas as atividades de serviços. O fato
de a Fundação Seade ter desenvolvido uma metodologia de
pesquisa sobre micro e pequenas empresas (Pecompe) sobre
o setor de serviços para o Sebrae21 permitiu a apropriação de
um grande conhecimento sobre o cadastro das informações
das empresas, bem como definir com maior precisão uma
classificação de atividades econômicas neste segmento. O
levantamento do setor de serviços tornou-se um desafio
metodológico devido a uma série de problemas de classificação, ao agregar sob uma mesma divisão de atividades diversas, que somente poderiam ser pesquisadas com instrumentos de coleta diferentes. Assim, se nos demais setores há
uma comparação direta com a CNAE (em dois ou três dígitos), no caso dos serviços a classificação foi compatibilizada
com outros levantamentos realizados pela Paer nos Estados
do Brasil e com outros levantamentos do gênero (por exemplo, a Pesquisa Anual de Serviços, do IBGE). A classificação proposta pela Paep/2001 sugere uma divisão básica de
47 ramos, que poderão posteriormente ser desagregados: 21
industriais; quatro da construção civil; nove comerciais e 13
de serviços.
163
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
MAPA 1
Infra-estrutura de CT&I e Localização dos Laboratórios de P&D das Empresas Industriais
2001
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.
CONCLUSÕES
tem caracterizar os processos de difusão e inovação tecnológica nas empresas e nos territórios produtivos. Os desafios
futuros na produção de estatísticas de inovação sinalizam para
alguns pontos críticos: calibrar mais finamente a captação
da inovação, qualificando melhor sua natureza, ou seja, o grau
de novidade para o mercado; identificar o papel das multinacionais nos processos de aprendizagem e inovação local,
mapeando os fluxos de origem da inovação (se partem de
um centro de excelência nacional ou externo); compreender
melhor a relação das empresas inovadoras com os centros de
pesquisa e universidades locais, entre outros.
A experiência destas pesquisas demonstrou que é possível inovar na produção metodológica, desde que sejam considerados pelo menos três fatores estratégicos: o conhecimento
da demanda e a interação com os usuários de informações; o
estabelecimento de parâmetros de comparabilidade, sejam
eles internacionais, nacionais ou subnacionais; e a própria
continuidade destas novas séries históricas estatísticas. Uma
das contribuições fundamentais da Paep é a disponibilização aos usuários de um amplo, sofisticado e diversificado
Neste artigo, espera-se ter demonstrado de forma sintética o grande desafio e o esforço coletivo institucional que
consistiram a concepção, a gestão operacional e a disponibilização das informações de inovação nas Paeps e na Paer.
Embora reconhecendo o longo caminho ainda a ser percorrido na produção de informações estatísticas, contabilizando
os erros, acertos e as dificuldades reveladas pela pesquisa,
parece que o balanço geral é positivo. A Paep e a Paer representaram um avanço no conhecimento institucional na produção de estatísticas econômicas e tecnológicas e na reflexão metodológica sobre as implicações e os resultados da
aplicação dos conceitos de inovação recomendados pelo
Manual de Oslo, possibilitando uma visão mais detalhada e
integrada, assim como desenhar a cartografia do comportamento econômico e tecnológico empresarial nas diversas
regiões do território nacional. Os resultados concluem que
as informações da Paep e da Paer possibilitam a análise
desagregada de um amplo conjunto de variáveis que permi-
164
PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001
base de dados sobre publicações científicas internacionais do ISI, a base
Scientific Electronic Library Online – Brazil – SciELO (que está sendo
desenvolvida com o apoio da Fapesp), assim como a base de dados do
Diretório dos Grupos de Pesquisa e do Sistema de Currículos Lattes do
CNPq. Os indicadores de impacto da produção científica são constituídos pelas citações desses artigos, compiladas pela base de dados do ISI no
Science Citation Index – SCI. As críticas quanto à representatividade latinoamericana na base do ISI referem-se a algumas áreas específicas, como
ciências humanas e ciências agrárias, por exemplo, estão sub-representadas, comprometendo significativamente as análises sobre produção científica. Devem ser registradas as iniciativas de aperfeiçoamento dessas informações por meio de parcerias institucionais via Ricyt – Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia e outras instituições
que estão implementando iniciativas pioneiras para superar tais limitações. Um desses projetos denomina-se Latindex, organizado pela Universidade Nacional Autônoma do México – Unam.
banco de dados com informações convencionais e inéditas
sobre a economia regional paulista contemporânea. Nesta
ótica, da base de informações econômicas e cadastrais da
Paep, poderão frutificar vários produtos analíticos ou projetos de pesquisas temáticas e acadêmicas. Com o novo projeto, será possível seqüenciar os gens que dão vida e vêm transformando a economia paulista, a partir do mapeamento e
codificação das informações registradas entre as milhares de
empresas que integram este complexo e diverso organismo.
Através desta lente microscópica analítica, será possível
mapear a evolução biológica das empresas, a arquitetura das
cadeias produtivas, os padrões de inovação e aprendizado
tecnológico, a interação das empresas com o sistema de CT&I
e sua distribuição geográfica no Estado de São Paulo. Este
universo de questões poderá ser elucidado a partir dos resultados a serem apresentados pela Paep/2001.
6. No Brasil são duas as principais instituições que regulam as informações sobre as atividades de patentes e os fluxos tecnológicos. A
primeira é o Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que
se responsabiliza pelo controle dos contratos de transferência de tecnologia e registro de marcas, direitos autoriais e patentes, averbando
as estimativas plurianuais de fluxos de remessas conforme expressas
nos atos contratuais. A segunda é o Banco Central do Brasil, que atua
no registro de todas as transações cambiais que compõem o Balanço
de Pagamentos, contabilizando os ingressos e remessas associados aos
atos de fechamento do câmbio dos contratos de transferência de tecnologia, além de cuidar de outras tarefas, como o registro do capital
estrangeiro, que mantêm correlação com esses contratos.
NOTAS
1. A formulação de expressões como “economias baseadas em conhecimento”, “sociedade da informação”, “economia do aprendizado” e
“capitalismo de alianças, relacional e coletivo” tenta retratar, grosso
modo, a transição de um modelo linear de CT&I para um modelo de
ligações em cadeia (chain linked model), e posteriormente, alterandose para um padrão, no qual a idiossincrasia, diversidade e seletividade
dos ambientes e das instituições, e os sistemas e redes (networks) de
conhecimentos locais, regionais ou transterritoriais adquirem efeitos
sinergéticos e sistêmicos mutuamente reforçantes ou excludentes em
relação às oportunidades tecnológicas e à inserção dos espaços locais
diante do processo de globalização econômica. Essa nova perspectiva
teórica tenta traduzir o significado da produção, distribuição e do uso
do conhecimento e da informação acelerados pelas novas tecnologias
de informação e comunicação (TICs) como elementos nucleares para
a mudança social, progresso tecnológico e o desenvolvimento econômico das nações avançadas (OECD, 1996; Johnson e Lundvall, 2000).
7. As estatísticas de patentes possibilitam a construção de indicadores
de avaliação da produção inventiva ao longo do tempo, de mudança
tecnológica e de mensuração da competição tecnológica. As vantagens
e limitações desses indicadores são apresentadas resumidamente a seguir: a) nem todo conhecimento economicamente útil é codificável,
sobretudo o conhecimento tácito; b) nem toda inovação é patenteável,
com referência às exigências legais mínimas; c) devido ao item anterior, há outros mecanismos de apropriação que podem ser considerados mais adequados em função da invenção; d) setores industriais variam consideravelmente suas propensões a patentear, sendo desaconselhável comparar essas taxas de efetividade ou eficiência entre indústrias; e) pode haver inconsistência de qualidade, isto é, as inovações patenteadas não possuem, necessariamente, o mesmo valor econômico.
8. Dois indicadores são utilizados para a classificação dos setores industriais por intensidade tecnológica: Intensidade direta – relação entre o
grau dos dispêndios sobre o valor adicionado; e Intensidade indireta –
relação entre os gastos de P&D sobre o valor adicionado, multiplicados
pelos coeficientes técnicos dos setores obtidos a partir da matriz insumoproduto. Este procedimento se justifica pela incorporação de tecnologia,
que, para um determinado setor, ocorre pela P&D incorporada na compra
de bens e equipamentos e bens intermediários. Esta abordagem, entretanto, traz consigo inúmeras limitações, a saber: os recortes de intensidade
tecnológica (alta, média-alta, média-baixa e baixa) são na maior parte das
vezes arbitrários; as trajetórias de aprendizado e inovação setorial variam
muito entre os países, setores e as firmas, não sendo captados por estes
indicadores. OECD (1996) e Ferri e Martin (2001).
2. O manual Frascati foi revisado até 1993, quando foi lançada a quinta edição sob o título “The proposed Standard Practice for Surveys of
Research and Experimental Development, Frascati Manial” 1993. As
principais críticas aos indicadores de P&D podem ser sumarizadas nos
seguintes tópicos: as rotinas de inovação são restritas às atividades de
P&D; avalia de forma inadequada a atividade inovativa nas pequenas
e médias empresas, que não têm rotinas formalizadas, laboratórios ou
unidades específicas para a condução destas atividades; não capta a
eficiência dos esforços; o conceito de P&D não é preciso; subestima
atividades inovativas relacionadas à mudança de processo (Archibugi;
Sirilli, 2000).
3. Informações sobre a história e o acesso ao banco de indicadores organizados por esta instituição podem ser encontrados no site: <http://
www.nsf.gov/od/lpa/nsf50/history.htm>.
9. O Manual de Camberra é a principal publicação metodológica internacional que orienta as pesquisas sobre os recursos humanos e ocupações científicas de alta qualificação que contribuem para a produção da ciência, tecnologia e inovação nas economias baseadas em conhecimento ou em desenvolvimento. O objetivo deste manual é proporcionar o referencial metodológico e conceitual básico para o acompanhamento dos dados de estoque e fluxos de recursos humanos empregados e do perfil da estrutura ocupacional nestas economias.
4. O Balanço de Pagamentos contempla o conjunto das transações econômicas de um país com os demais. Essas transações envolvem produtos (balança comercial), serviços (balança de serviços) e movimentos de capitais (investimentos diretos e de natureza financeira). O conceito de Balanço de Pagamentos Tecnológico inclui os fluxos de produtos e serviços com conteúdo tecnológico de um país.
10. Para os critérios de cálculo do TAI e ArCo, ver: Desai et al. (2003)
e Archibugi e Coco (2003).
5. Ver os comentários críticos sobre a base ISI no Relatório Fapesp de
Indicadores de Ciência e Tecnologia em São Paulo, 1998 e Livro Verde,
publicado pelo MCT, Brasília, julho, 2001. No Brasil, merece destaque a
11. A primeira versão do Manual de Oslo foi publicada em 1992, seguida por uma segunda versão em 1996, após revisões e inclusão do
165
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
technological innovation data 1997. A pesquisa se inspirou na experiência do modelo harmonizado proposto pelo Eurostat, a terceira versão da Community Innovation Survey. Seguindo tais referências, as
informações da Pintec concentram-se na inovação tecnológica de produtos e processos, sendo adotada a abordagem do “sujeito”, ou seja,
as informações obtidas são relativas ao comportamento, às atividades
empreendidas aos fatores que influenciam a empresa. A maioria das
variáveis qualitativas refere-se a um período de três anos consecutivos, de 1998 a 2000, e as informações quantitativas são para o ano de
2000. A pesquisa abrangeu todas as empresas industriais do território
nacional. As informações da Pintec estão disponibilizadas no site do
IBGE: <http://www.ibge.gov.br/>.
setor de serviços. O Manual de Oslo traz definições e orientações
metodológicas para a coleta e a análise de informações, recomendando seis áreas prioritárias para investigação: estratégia corporativa; papel
da difusão; fontes de informação e obstáculos para inovação; insumos
para inovação; o papel das políticas públicas na inovação industrial; e
resultados e impactos da inovação (Ver: <http://www.oecd.org/pdf/
M00018000/M00018312.pdf>.
12. Na América Latina, no âmbito da Ricyt, tem sido desenvolvido
um amplo debate metodológico sobre a necessidade de se rever as recomendações do Manual de Oslo para os critérios de inovação. Defende-se nesta vertente de autores latinos a necessidade de uma distinção entre as mudanças organizacionais na produção (uma vez que elas
são elementos críticos para a inovação) e as não-inovações tecnológicas. Para uma discussão detalhada, ver Lugones e Peirano (2003).
24. No Brasil, avanços recentes no sentido de regionalizar as informações
foram empreendidos pela RedeSist (Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais), uma rede de pesquisa interdisciplinar, formalizada desde 1997, sediada no Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. A RedeSist produziu e disponibilizou em seu
site um Banco de Indicadores Georreferenciados – BIG organizado pela
própria RedeSist sistematizando bases de dados de diversas fontes e indicadores de elaboração própria, em especial, referentes aos municípios
brasileiros e aos arranjos e sistemas produtivos pesquisados pela RedeSist.
Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>.
13. Uma especificidade dos sistemas de aprendizados do continente que
não foi explicitamente considerada nesta versão latino-americana do
Manual de Oslo é a presença considerável de multinacionais estrangeiras
como agentes importantes do processo de mudança tecnológica e de captação de recursos para inovação nestes sistemas. Outra especificidade do
Manual de Bogotá refere-se à inclusão da mudança organizacional no
conceito de inovação tecnológica. Ver Costa (2003:78).
14. Uma das iniciativas mais significativas nesta área, entre outras,
foi o estudo conduzido por Coutinho e Ferraz (1994).
15. Destaque-se o atual esforço do Diretório da Pesquisa Privada (DPP)
na organização de um banco de dados sobre a natureza da mudança
tecnológica e da organização P&D no Brasil. O DPP foi concebido
como um sistema de informação auxiliar na definição e implementação
das políticas brasileiras de desenvolvimento de CT&I. O objetivo é
subsidiar as tomadas de decisões pelos organismos nacionais de fomento (Finep e MCT), propiciando uma alocação mais eficiente dos
recursos e financiamento. Ver: <http://www.finep.gov.br/portaldpp/>.
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16. O novo modelo de produção estatísticas proposto pelo IBGE adotou
uma estratégia estruturada em alguns pontos críticos, a saber: elaboração
e publicação de uma nova Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE); realização da Pesquisa do Censo Cadastro; reformulação
das pesquisas anuais (PIA e PAC); e reação de pesquisas satélites, com
substanciais ganhos de flexibilidade e agilidade operacionais.
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Campinas. Campinas, Unicamp Instituto de Economia, set. 1999.
17. Para maiores detalhes ver o texto de Proença Soares (1999).
18. Os exercícios de análise dos resultados desta pesquisa foram
registrados em diversos trabalhos, entre eles ver: Quadros et al. (2001);
Quadros, Bernardes e Franco (2002); entre outros. Para uma discussão crítica sobre a validade e os limites da análise de resultados de
indicadores de inovação e capacitação tecnológica a partir de surveys
de inovação, ver o trabalho de Ionara Costa (2003).
COSTA, I. Empresas multinacionais e capacitação tecnológica na
indústria brasileira. 2003. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Universidade Estadual de Campinas/Instituto
de Geociências, Campinas, 2003.
COUTINHO, L.; FERRAZ, J.C. (Coord.). Estudo da competitividade
da indústria brasileira. São Paulo: Papyrus, 1994.
19. No que diz respeito aos indicadores de comércio eletrônico, foram
analisados e adaptados os conceitos atribuídos pela OECD, Statistics
Canada – E-commerce Definition, U.S. Bureau of the Census, European
Information Technology Observatory – Eito. Ver: <http://www.eito.com>.
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20. A análise dos dados da Paep/96 permitiu estabelecer uma comparação entre o número de pessoas alocadas em atividades de P&D na indústria paulista e em outros países. Assim, a despeito das diferenças temporais e conceituais envolvidas na obtenção deste tipo de indicador pela Paep
e por outras estatísticas internacionais que adotaram a mesma metodologia,
verifica-se o hiato entre o volume de esforço em P&D produzido por países industrializados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e França, e
por países em desenvolvimento, como Brasil, México, Espanha e Hungria.
Ver: Quadros, Furtado, Bernardes e Franco (1999).
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Trabajo, 5/10).
21. Para maiores informações sobre esta pesquisa consultar o site:
<http://www.sebraesp.com.br/>.
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22. Ver o estudo metodológico sobre medidas e conceitos sobre pesquisas internacionais sobre inovação tecnológico elaborado por Giorgio
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23. A referência conceitual e metodológica da Pintec segue o Oslo manual: proposed guidelines for collections and interpreting
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167
SÃO
168-176, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO
ESTADO DE SÃO PAULO
MARIA CECÍLIA COMEGNO
LUÍS ANTONIO PAULINO
Resumo: A Pesquisa de Investimento no Estado de São Paulo acompanha as tendências econômicas pela captação das intenções de investimentos anunciados e, ao apresentar os dados desagregados espacial e regionalmente, permite a identificação e a localização de segmentos empresariais mais dinâmicos, particularmente
aqueles de base tecnológica e de maior potencial de consumo.
Palavras-chave: investimento produtivo; atividade econômica; atração de negócios.
Abstract: The Survey of Investment in the State of São Paulo tracks economic trends as reflected by stated
investment plans. The presentation of the loose data in spatial and regional terms allows for the identification
of the most dynamic business sectors and their locations, especially those with a technological base and large
consumer potential.
Key words: productive investment; economical activity; attraction of businesses.
V
verno e das prefeituras, no sentido de criar um ambiente
favorável à tomada de decisões de investimento. Como
trata de intenções de investimentos, ela é uma das únicas
fontes de dados de tipo prospectivo e, nesse sentido, propicia informações importantes para as ações de planejamento público, em particular as do Plano Plurianual de
Governo e as múltiplas ações desenvolvidas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico
e Turismo, que requerem contínuo acompanhamento das
tendências econômicas no Estado de São Paulo. Além disso, essa pesquisa, ao captar as tendências setoriais e espaciais e os tipos de investimento, proporciona a identificação de segmentos empresariais mais dinâmicos,
particularmente aqueles de base tecnológica e maior potencial de crescimento, bem como os segmentos carentes
de apoio governamental, mas com perspectivas de autosustentação a médio prazo. O conhecimento das intenções
de investimentos permite orientar as políticas públicas,
possibilitando a concentração de esforços e coordenação
de recursos, com o objetivo de promover o desenvolvimento integrado do Estado nos planos regional e setorial.
A Pesquisa de Investimentos subsidia, igualmente, a
ação do investidor privado. As decisões de investimento
isando acompanhar os efeitos deletérios da guerra fiscal entre os Estados brasileiros sobre a capacidade de São Paulo de atrair novos investimentos e a do governo paulista de contra-arrestar tais efeitos, através do desenvolvimento de vantagens competitivas genuínas, o então governador Mário Covas, ainda em
sua primeira gestão à frente do Executivo paulista, demandou à Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento
Econômico e Turismo a Pesquisa de Investimentos no
Estado de São Paulo com o objetivo de monitorar as tendências do investimento produtivo no território paulista.
Dada a necessidade de manter, de forma sistemática, um
levantamento de dados que permitisse acompanhar as tendências setoriais e regionais das intenções de investimento, essa tarefa passou, em julho de 1998, a ser realizada
pela Fundação Seade.
Se essa pesquisa nasceu num clima de guerra fiscal,
como foi batizada a disputa entre governos estaduais pela
atração de investimentos diretos, ela transformou-se no
principal instrumento à disposição do governo e prefeituras paulistas para acompanhar a evolução das intenções
de investimentos do setor privado no Estado de São Paulo e a resposta dos empreendedores aos esforços do go-
168
TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
guerra fiscal ou de mudanças do seu padrão produtivo,
bem como conhecer o movimento de alocação espacial
das atividades produtivas, já apontado por vários estudos,
na direção ao interior do Estado de São Paulo.
Apesar de uma certa descentralização da atividade
produtiva brasileira, o Estado de São Paulo continua
apresentando melhores condições para produzir, tais como,
maior centro industrial, comercial e financeiro da América
do Sul, melhor infra-estrutura de transporte, telecomunicações e energia do Brasil, maior concentração de
centros de conhecimento tecnológico no país, alto nível
de qualificação da mão-de-obra local, ampla rede de
serviços de apoio, maior mercado consumidor e qualidade
de vida de suas cidades. De fato, o Estado de São Paulo
permanece na liderança do ranking dos Estados brasileiros
com maior captação de investimentos estrangeiros.
Comparando os dados acumulados pela pesquisa realizada
em todos os Estados brasileiros pela Simonsen Associados, nos períodos de 1995-2001 e 2002, a região Sudeste
permanece liderando as intenções de investimento e,
segundo Simonsen Jr., “os investimentos no Estado de São
Paulo continuam altos em valor, mas em porcentual os de
outras regiões cresceram rápido” (www.estadao.com.br,
24/9/2003).
A produção e a disponibilização permanentes de informações sobre as decisões dos investidores passam, assim, a ser instrumento fundamental para o acompanhamento da dinâmica econômica do Estado de São Paulo e
para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento do Estado, que permita ao poder público manter uma
atitude pró-ativa em relação a esse processo de transformação, seja estimulando fatores e características que
impulsionem tal desenvolvimento, seja se antecipando
na eliminação dos gargalos que possam vir a dificultá-lo
no futuro.
não são tomadas de maneira isolada. Dependem, na
maioria das vezes, de investimentos anteriores em setores
estratégicos como energia, infra-estrutura de transportes
e telecomunicações. Uma decisão de investimento
desencadeia outras complementares e ao longo da cadeia
produtiva. Ao dar publicidade a essas decisões de investir, a pesquisa contribui para corrigir assimetrias de informação e dar maior eficiência aos mecanismos de
mercado. As decisões de investir são tomadas sempre com
base em expectativas de demanda futura que, se frustradas, implicam quase sempre prejuízos. A possibilidade
de se entrar e sair de determinados mercados sem custos
irrecuperáveis é apenas teórica, prevista na chamada
teoria dos mercados contestáveis, mas sem contrapartida
na realidade. Por isso, um ambiente institucional seguro,
um horizonte claro e compromissos críveis dos parceiros
públicos são ativos da maior importância para os empreendedores privados. A longo prazo, o que conta na
atração de investimentos é a presença ou não de fatores
favoráveis e facilitadores para a escolha da localização
do investimento. Nesse sentido, a Pesquisa de Investimentos no Estado de São Paulo é um desses ativos que
o governo paulista oferece também ao investidor privado.
Ao dar maior transparência ao ambiente geral de negócios
existente no Estado, aumenta o grau de visibilidade em
relação ao futuro, incerto por sua própria natureza.
O investimento produtivo é uma variável-chave para
conhecer o comportamento da economia. Num momento em que no Brasil se discute com intensidade o retorno
ao desenvolvimento, mostra-se como variável bastante
importante a ser monitorada tendo em vista auxiliar as
decisões privadas de investimento. Dados recentemente
divulgados pelo IBGE revelam que a taxa de investimento
do país atingiu, no segundo trimestre deste ano, o menor
índice trimestral em dez anos. A taxa, que mede a participação dos investimentos públicos e privados no Produto Interno Bruto (PIB), foi de 17,88%. Restrições fiscais limitam o investimento público a não mais que 3%
ou 4% do PIB e não há perspectiva de que esse quadro
se altere substancialmente em futuro próximo. Desse
modo, para que a taxa de investimento alcance os 25%
do PIB, valor considerado, pela maioria dos analistas,
necessário para que o Brasil retome uma trajetória firme
de crescimento, o investimento privado precisa elevarse, no mínimo, em sete ou oito pontos percentuais nos
próximos anos.
Além disso, pode-se também avaliar se a desconcentração da economia brasileira decorre exclusivamente da
METODOLOGIA DA PESQUISA
A metodologia atualmente utilizada pela Fundação
Seade para realizar o levantamento das intenções de investimentos no Estado de São Paulo, desenvolvida a partir daquela originalmente empregada pela Secretaria da
Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico –
SCTDE, consiste em captar diariamente as informações
primárias – anúncios de investimentos privados – na grande
imprensa (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo), em
publicações especializadas (Gazeta Mercantil, Diário do
Comércio & Indústria, Valor Econômico, inclusive nos
169
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS
sites desses jornais) e nas versões on-line de diversos jornais das regiões do Estado, de modo a abranger todas as
regiões administrativas. Uma vez coletada a notícia, é feito
um levantamento em listas telefônicas para o pré-cadastramento das empresas. Com o objetivo de confirmar a
veracidade das informações divulgadas pela imprensa e
para se obterem outros dados, é efetivada consulta às
empresas por telefone, fax e/ou e-mail, com base em um
questionário contendo as seguintes questões: valor a ser
investido; tipo de investimento (implantação, ampliação,
modernização); origem do capital (nacional ou estrangeira); município onde será realizado o investimento (são
considerados apenas aqueles localizados no Estado de São
Paulo); e complementação ou correção das informações
cadastrais da empresa. Depois de confirmados, os dados
são consistidos com as informações disponíveis para evitar dupla contagem e para eliminar os anúncios de investimentos referentes a transferências de patrimônio através de privatizações e de fusões de empresas privadas,
marketing, treinamento de recursos humanos, investimentos no mercado de capitais, compra de bens duráveis, construção de imóveis residenciais e feiras, congressos, leilões e outros eventos. Todos os dados consistidos são
organizados segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e por região administrativa e
de governo. Os valores anunciados em reais são convertidos para dólares pela taxa de câmbio média do mês em
que foi publicado o anúncio. Em seguida, as informações
são digitadas no banco de dados e mensalmente são emitidos relatórios em que os investimentos anunciados são
totalizados e classificados por setor de atividade e região
do Estado.
Deve-se ressaltar que o objetivo desta pesquisa é coletar apenas os anúncios de investimentos produtivos, ou
seja, aqueles que, uma vez realizados, aumentarão a capacidade produtiva da economia, passando a contribuir
para o crescimento da produção de bens e serviços e, conseqüentemente, para a geração de empregos em caráter
permanente. Dessa forma, estão excluídos da coleta todos os investimentos anunciados na construção de imóveis residenciais. Destaca-se, ainda, que, atendendo a recomendações da ONU e do próprio IBGE para o cálculo
da taxa de investimento do setor privado nas contas nacionais, as empresas estatais, por ofertarem bens e serviços no mercado segundo a mesma lógica das empresas
privadas, foram equiparadas a estas para efeito da coleta
de anúncios de investimentos.
Nos últimos quatro anos a economia paulista, não diferentemente da brasileira, apresentou dois movimentos
do ponto de vista da atração de investimentos. O primeiro, que vem no esteio dos processos de privatização e de
abertura da economia (1999-2001), caracterizou-se por
uma forte atração de investimentos. É importante destacar que, apesar dos acontecimentos que abalaram a economia mundial e latino-americana ao longo de 2001 (crise na Bolsa de Nova York e recessão nos Estados Unidos,
atentados terroristas de 11 de setembro, crise na Argentina), provocando uma expectativa de queda de intenções
de investimentos produtivos anunciados pelas empresas
privadas, a economia paulista manteve praticamente a
mesma capacidade de atração de investimentos.
GRÁFICO 1
Anúncios de Investimentos
Estado de São Paulo – 1999-2002
Fonte: Fundação Seade.
Já o segundo movimento, ocorrido em 2002, representou a queda de 38,28% nos anúncios de investimentos,
refletindo certamente as conjunturas internacional e nacional desfavoráveis ao investimento produtivo. No âmbito internacional, 2002 foi um ano de contração de investimentos, com reflexos negativos sobre a economia
brasileira. Basta lembrar a expectativa criada pelo recrudescimento dos conflitos internacionais no rastro dos atentados terroristas de setembro de 2001, os escândalos corporativos ocorridos na Europa e nos Estados Unidos, que
levaram muitos investidores a descobrirem de forma amarga que seu dinheiro não estava em aplicação tão segura
quanto imaginavam, e o baixo crescimento da economia
mundial (2,4% nos EUA e 0,9% na EU). Esses fatos pro-
170
TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
vocaram um brutal recuo no fluxo de investimento direto
estrangeiro em todo o mundo e particularmente para a
América Latina (redução de 42% em 2002). No Brasil,
não foi diferente: baixo crescimento da economia em 2002
(1,5%), falta de recursos de investimentos estrangeiros –
ingresso de US$ 16,6 bilhões, valor 26% inferior aos US$
22,5 recebidos em 2001 – e aumento da incerteza associada ao processo eleitoral.
Brasil; e o chamado “apagão”, como ficou conhecida a
crise de abastecimento no setor ocorrida em 2001, devido
ao baixo nível dos reservatórios.
O setor de geração e distribuição de energia elétrica
foi privatizado no final dos anos 90. Desde então, as novas concessionárias privadas têm anunciado inúmeros investimentos para modernização e ampliação das atividades de geração e distribuição.
A construção do gasoduto Bolívia-Brasil, também no
final dos anos 90, tinha por propósito mudar a matriz energética nacional, dando mais peso para a geração de energia a partir do gás natural, em face do esgotamento do
potencial hídrico na região Sudeste. Tão logo o gasoduto,
cujo traçado percorre praticamente todo o Estado de São
Paulo, entrou em funcionamento, foram anunciados inúmeros investimentos para geração termelétrica em inúmeros municípios servidos pelo gás natural. Alguns deles,
por questões ambientais e pela elevação do custo do gás
após a desvalorização do real em 1999, ainda não foram
viabilizados.
Por último, o chamado “apagão”, como ficou conhecida a crise de abastecimento elétrico em 2001 por causa
do baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas
na região Sudeste e das deficiências nos sistemas de transmissão que interliga as diversas regiões do país, levou ao
anúncio de novos investimentos, particularmente na área
de geração termelétrica em função da oferta do gás natural boliviano. Não é de se estranhar, portanto, que o setor
de eletricidade tenha estado, em todo o período, entre os
que mais atraíram novos investimentos (1o lugar em 1999;
3o lugar em 2000; 1o lugar em 2001; 2o lugar em 2002).
A indústria automobilística foi o segundo subsetor industrial que mais anunciou novos investimentos no período. Foram US$ 7,4 bilhões ou 9% do total. Essa posição
de destaque deve-se, principalmente, ao enorme peso desta
indústria no parque industrial paulista e brasileiro. Há que
se considerar ainda que, ao longo da década de 90, praticamente todas as grandes montadoras mundiais de automóveis que não estavam instaladas no Brasil resolveram
fazê-lo, motivadas pelo potencial do mercado nacional e
pelos processos de integração regional e hemisférica em
curso. Isso levou a investimentos tanto por parte dos novos concorrentes quanto das empresas já estabelecidas,
visando preservar sua liderança de mercado. Observe-se,
entretanto, que no período considerado pode-se distinguir
dois momentos distintos. Entre 1999 e 2000, ocorreram
grandes anúncios de investimentos na indústria automobilística, tendo ocupado respectivamente o quarto e o pri-
Tendências Setoriais
Pela análise da distribuição setorial, observa-se que, entre
1999 e 2002, houve predominância dos anúncios de
investimentos voltados para a indústria, trajetória que só
foi interrompida em 2001, quando foram superados pelos
serviços, impulsionados basicamente por três subsetores:
telecomunicações, transporte aéreo e atividades imobiliárias.
GRÁFICO 2
Investimentos Anunciados, por Setor de Atividade
Estado de São Paulo – 1999-2002
Fonte: Fundação Seade.
Do total dos investimentos anunciados entre 1999 e 2002,
55% destinaram-se à indústria, somando US$ 45,3 bilhões,
42% foram para os serviços, num total de US$ 34,1 bilhões,
e o comércio ficou com 2,7% ou US$ 2,2 bilhões.
Na indústria, o subsetor que apresentou maior volume
de intenções de investimento foi o serviço industrial de
utilidade pública de produção, transmissão e distribuição
de eletricidade: US$ 11,6 bilhões, o que representa 14,2%
do total dos anúncios de investimentos no período.
Essa posição de destaque explica-se por três fatores: a
privatização do setor; a construção do gasoduto Bolívia-
171
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 1
Investimentos Anunciados, segundo Setores e Subsetores de Atividade Econômica
Estado de São Paulo – 1999-2002
Setores e Subsetores de Atividade
Total
Transporte Terrestre
Eletricidade, Gás e Água Quente
Atividades Imobiliárias
Papel e Celulose
Refino de Petróleo e Álcool
Produtos Químicos
Material Eletrônico e Equip. Comunicação
Aeronáutica (1)
Telecomunicações
Alimentos e Bebidas
Automotiva
Ativ. Aux. Transportes e Ag. Viagens
Alojamento e Alimentação
Varejo e Reparação de Objetos
Minerais Não-Metálicos
Metalurgia Básica
Limpeza Urbana e Esgoto
Atividades Recreativas, Culturais e
Desportivas
Educação
Captação, Trat. e Distrib. de Água
Produtos Farmacêuticos (1)
Atividades de Informática
Saúde e Serviços Sociais
Ativ. Juríd., Cont. e de Asses. Empresarial
Com. e Rep. Automotores e Varejo
de Combustível
Têxtil
Intermed. Financ. (excl. seguros e prev. priv.)
Borracha e Plástico
Produtos de Metal (exclusive máq. e equip.)
Máq. Escrit. e Equip. Informática
Outros Equip. de Transporte
Atacado
Edição, Impressão e Gravações
Pesquisa e Desenvolvimento
Máquinas e Equipamentos
Reciclagem
Transporte Aéreo
Madeira
Construção
Atividades Associativas
Máq., Aparelhos e Materiais Elétricos
Móveis e Indústrias Diversas
Vestuário e Acessórios
Extração de Carvão Mineral
Serviços Pessoais
Aluguel Veíc., Máq. e Equip. e Obj. Pessoais
Agropecuária e Pesca
Seguro e Previdência Privada
Couro e Calçados
Equip. Médicos, Ópticos, de Automação
e Precisão
Ativ. Aux. Intermediação Financeira
Transporte Aquaviário
Fumo
Extração de Minerais Não-Metálicos
Outras Atividades
Extração de Minerais Metálicos
1999
Posição
2000
2001
2002
1999
Valor
(US$
%
milhões)
2000
Valor
(US$
%
milhões)
2001
Valor
(US$
milhões)
%
2002
Valor
(US$
milhões)
%
38
1
3
19
21
5
6
40
2
8
4
17
7
12
24
15
35
40
3
6
5
17
4
18
7
2
13
1
8
10
11
33
9
49
6
1
4
34
12
11
16
46
2
14
9
17
10
13
38
8
32
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
21.135,08
25,79
3.958,96
2.612,56
238,94
209,97
1.515,50
1.097,38
9,52
2.799,62
553,38
2.120,54
300,89
694,63
403,75
140,43
346,87
29,48
100,00
0,12
18,73
12,36
1,13
0,99
7,17
5,19
0,05
13,25
2,62
10,03
1,42
3,29
1,91
0,66
1,64
0,14
22.978,03
19,63
2.717,68
1.238,45
1.272,61
249,10
1.559,76
237,39
1.035,44
4.028,55
388,28
4.264,58
904,54
730,25
567,97
40,19
760,47
100,00
0,09
11,83
5,39
5,54
1,08
6,79
1,03
4,51
17,53
1,69
18,56
3,94
3,18
2,47
0,17
3,31
23.376,40
1.675,48
3.551,92
2.259,53
38,27
544,91
548,84
350,31
2,29
3.371,40
448,32
611,83
230,71
555,23
463,40
24,95
624,98
42,60
100,00
7,17
15,19
9,67
0,16
2,33
2,35
1,50
0,01
14,42
1,92
2,62
0,99
2,38
1,98
0,11
2,67
0,18
14.431,40
1.898,78
1.394,79
1.273,21
1.148,67
1.134,13
967,60
858,70
807,44
574,70
443,62
400,65
383,99
338,91
303,49
289,43
277,03
264,63
100,00
13,16
9,66
8,82
7,96
7,86
6,70
5,95
5,60
3,98
3,07
2,78
2,66
2,35
2,10
2,01
1,92
1,83
11
33
50
20
32
18
13
25
30
53
23
12
19
20
18
19
5
24
28
29
27
18
19
20
21
22
23
24
416,52
40,54
237,43
62,36
246,75
374,92
1,97
0,19
1,12
0,30
1,17
1,77
78,80
44,25
93,55
526,04
180,44
103,74
0,34
0,19
0,41
2,29
0,79
0,45
198,39
171,24
1.833,44
111,32
65,82
65,18
80,16
0,85
0,73
7,84
0,48
0,28
0,28
0,34
210,89
157,18
130,34
107,31
101,10
84,50
83,75
1,46
1,09
0,90
0,74
0,70
0,59
0,58
26
37
16
10
30
25
48
36
29
46
14
42
41
22
34
49
27
28
53
51
45
47
23
54
39
36
24
14
21
22
26
31
37
38
52
34
50
32
16
28
46
15
41
45
54
44
47
27
29
42
23
36
15
20
22
25
40
35
37
55
30
41
3
50
7
26
21
39
44
56
42
33
31
49
48
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
118,85
26,07
301,71
441,58
93,34
133,05
2,40
28,97
93,74
3,70
347,15
7,11
9,34
156,55
38,21
2,00
98,55
95,46
3,93
2,72
146,15
13,38
0,56
0,12
1,43
2,09
0,44
0,63
0,01
0,14
0,44
0,02
1,64
0,03
0,04
0,74
0,18
0,01
0,47
0,45
0,02
0,01
0,69
0,06
29,68
84,39
382,50
102,04
94,38
59,51
43,47
28,94
26,56
39,80
41,99
371,22
49,88
0,82
372,70
19,35
1,42
2,61
0,08
52,21
45,89
18,47
0,13
0,37
1,66
0,44
0,41
0,26
0,19
0,13
0,12
0,17
0,18
1,62
0,22
0,00
1,62
0,08
0,01
0,01
0,00
0,23
0,20
0,08
122,95
32,88
374,64
162,22
153,21
101,98
22,47
36,64
30,96
64,52
19,80
3.078,13
0,51
910,79
83,87
160,16
24,27
4,40
13,96
41,33
51,45
0,78
1,39
0,53
0,14
1,60
0,69
0,66
0,44
0,10
0,16
0,13
0,28
0,08
13,17
0,00
3,90
0,36
0,69
0,10
0,02
0,06
0,18
0,22
0,00
0,01
70,93
66,28
63,92
53,27
51,62
50,42
45,03
43,36
43,18
42,58
40,74
39,22
29,34
25,21
19,95
19,71
19,08
16,49
16,28
11,34
9,36
4,95
4,84
3,66
3,37
0,49
0,46
0,44
0,37
0,36
0,35
0,31
0,30
0,30
0,30
0,28
0,27
0,20
0,17
0,14
0,14
0,13
0,11
0,11
0,08
0,06
0,03
0,03
0,03
0,02
31
43
55
52
44
56
9
39
35
55
43
51
56
48
43
52
45
47
51
53
54
50
51
52
53
54
55
56
74,20
5,19
5,00
450,00
0,35
0,02
0,02
2,13
23,45
33,91
11,06
-
0,10
0,15
0,05
-
5,46
0,22
4,30
2,19
0,32
0,08
-
0,02
0,00
0,02
0,01
0,00
0,00
-
2,28
0,15
-
0,02
0,00
-
Fonte: Fundação Seade.
(1) Por se caracterizarem como de alta intensidade tecnológica, as indústrias aeronáutica e de produtos farmacêuticos foram desagregadas
dos subsetores Outros Equipamentos e Produtos Químicos.
172
TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
meiro lugares no ranking geral dos setores que mais anunciaram investimentos. Já em 2001 e 2002, os anúncios de
investimentos apresentaram uma queda expressiva (9o e
11o lugares), reflexo da crise mundial no setor e, principalmente, do fato de os investimentos no Brasil, nos anos
anteriores, terem, aparentemente, superestimado a demanda potencial existente.
A indústria química e a de papel e celulose foram, respectivamente, o terceiro e quarto subsetores industriais que
fizeram mais anúncios de investimentos no período. A
indústria química divide com a automobilística a liderança na produção industrial paulista. Durante o período em
estudo, 2001 foi o único ano em que o setor não esteve
entre os três setores da indústria que mais anunciaram investimentos no Estado de São Paulo. A indústria de papel
e celulose, por sua vez, tem o ritmo de investimentos determinado apenas em parte pelo mercado interno, uma vez
que é um setor muito voltado para exportação. Dessa forma, os anúncios de investimentos são condicionados, em
grande medida, pelo comportamento do mercado internacional. Depois de realizar grandes investimentos no início da década de 90, com a crise asiática, em 1997, e sua
repercussão mundial, os investimentos refluíram no final
da década, ocupando a 19a posição no ranking geral em
1999. Com a melhora do mercado mundial, em 2000 os
investimentos voltaram, ocupando o quinto lugar no
ranking geral. Em 2001, com a crise americana, os investimentos novamente regrediram para a 34a posição, voltando, em 2002, a figurar no quarto lugar.
O subsetor de material eletrônico e equipamentos de
telecomunicações aparece em quinto lugar na lista dos
setores que mais anunciaram intenções de investimento
no Estado de São Paulo entre 1999 e 2002. O comportamento desse setor está intimamente relacionado com o
setor de telecomunicações. Desse modo, no rastro do processo de privatização do setor no final da década de 90,
com enorme expansão do parque instalado de telefonia
móvel e fixa, o setor de equipamentos experimentou uma
grande expansão nos anúncios de investimentos, tendo
ocupado, em 1999, a sexta colocação no ranking geral dos
setores que mais investiram no país. Em 2000 e 2001, reflexo do fim das privatizações, da crise americana e dos
escândalos corporativos envolvendo grandes conglomerados mundiais de telecomunicações, o setor entrou em
refluxo, ocupando respectivamente a 18a e a 16a posições
no ranking geral. Em 2002, os anúncios de investimentos
retornaram aos patamares do final da década, impulsionados principalmente pelos fabricantes de telefones celu-
lares para atender tanto ao mercado interno quanto à exportação, obtendo grande impulso em função do câmbio
extremamente favorável nos últimos dois anos.
Os outros setores industriais que merecem destaque são
o de refino de petróleo e álcool, metalurgia básica, captação, tratamento e distribuição de água, indústria aeronáutica e indústria de alimentos e bebidas, que ocuparam,
respectivamente, a 6 a, 7a, 8a, 9a e 10a posições entre os
subsetores industriais no período analisado. Os investimentos da Petrobrás em refino de petróleo têm sido constantes no Estado de São Paulo, nas refinarias de Paulínia,
Cubatão e São José dos Campos. O setor alcooleiro, depois de um período de crise em meados da década de 90,
retomou parcialmente os investimentos em função das
medidas de incentivo do governo do Estado para o setor.
Os investimentos na captação, tratamento e distribuição de água são de responsabilidade quase exclusiva de
uma empresa estatal, a Sabesp. Falta ainda um marco
regulatório consistente para atração de investimentos privados para o setor, que certamente demandará grandes
investimentos nos próximos anos, diante da perspectiva
de escassez de fornecimento de água, principalmente na
Região Metropolitana de São Paulo.
A indústria aeronáutica, embora afetada pela crise
mundial do setor resultante dos atentados terroristas de
2001, vem apresentando um grande desempenho exportador, basicamente em função da Embraer, localizada em
São José dos Campos. Essa empresa tem uma carteira de
exportação de jatos regionais de vários bilhões de dólares
e um programa de investimentos no Estado de São Paulo
que, apenas nos quatro anos considerados, alcança quase
US$ 2 bilhões.
Finalmente, o subsetor de alimentos e bebidas tem presença difusa em todo o Estado de São Paulo e, seguramente, é o setor industrial com maior capacidade de geração de empregos. Por ser um setor mais intensivo em
mão-de-obra do que em capital, tem figurado nos últimos
anos em posições intermediárias quando se analisa o montante dos investimentos anunciados. É, contudo, por essas mesmas características, o setor que mais tem gerado
empregos formais no interior do Estado, estando presente
em praticamente todas as regiões do Estado. O bom desempenho exportador do setor agroindustrial brasileiro tem
impulsionado esse subsetor em todo o interior do Estado
de São Paulo.
Em serviços, o subsetor de telecomunicações foi o que,
depois de eletricidade, mais atraiu investimentos no Estado de São Paulo entre 1999 e 2002. Foram anúncios de
173
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
tana de São Paulo. Os investimentos em Metrô e em redes
de trens urbanos responderam pela maior parte dos anúncios. Ocorreram também investimentos, mas bem menos
significativos, em serviços de ônibus urbanos. No setor
de transporte aéreo, o auge foi em 2001, quando a disputa
acirrada entre as duas maiores empresas do setor levou ao
anúncio de grandes investimentos, principalmente na aquisição de novas aeronaves. Depois dos atentados de 11 de
setembro de 2001, o setor aeronáutico entrou em crise
mundial com reflexos sobre as principais empresas brasileiras. Os investimentos em 2002 caíram praticamente a
zero.
O subsetor de alojamento e alimentação foi, entre os
subsetores de serviços, o quinto em volume de investimento. Entre 1999 e 2002, foram anunciados investimentos
de US$ 2,3 bilhões, o que corresponde a 2,8% do total
anunciado no Estado para o período. Os principais responsáveis são os grandes empreendimentos no setor hoteleiro,
com a implantação das principais bandeiras do setor
hoteleiro mundial não só na cidade de São Paulo, como
também em número crescente de municípios do interior.
Houve também investimentos significativos em outras
áreas de serviços, tanto pessoais quanto os prestados a
empresas, destacando-se: atividades auxiliares de transportes e agências de viagens; intermediação financeira;
atividades recreativas, culturais e desportivas; e atividades de informática.
investimentos no valor de US$ 10, 8 bilhões, o que representa 13,2% do total de investimentos anunciados no Estado de São Paulo, no período considerado. No ranking
geral dos subsetores que mais atraem investimentos, manteve-se de 1999 a 2001 sempre em segundo lugar, tendo
caído, em 2002, para a nona posição.
Tal desempenho está associado, por um lado, ao processo de privatização do setor iniciado em meados da
década de 90 e, por outro, ao fato de o Estado de São Paulo
possuir a mais densa rede de telecomunicações do país. A
maior parte dos investimentos ocorreu no setor de telefonia, fixa e móvel, praticamente universalizando o acesso
em todo o Estado de São Paulo. Também houve grandes
investimentos em redes de fibras óticas que comunicam
grande parte dos municípios paulistas entre si e com as
demais grandes cidades do país. Os chamados serviços de
valor adicionado no setor de telecomunicações, como o
acesso à Internet por banca larga, também apresentaram
grande impulso, estando disponíveis em todos os municípios do Estado. Os serviços de TV a cabo ou por miniparabólicas estão presentes em todos os 645 municípios
paulistas.
Atividades imobiliárias corresponderam ao segundo
segmento no setor de serviços que mais atraiu investimentos, respondendo por anúncios no valor de US$ 7,4 bilhões, o que equivale a 9% do total dos investimentos
anunciados no Estado de São Paulo, no período em questão. Esse desempenho do setor imobiliário deve-se basicamente a dois fatores: grande número de novos empreendimentos imobiliários de alto padrão tecnológico para
instalação de escritórios, bancos e sedes de grandes empresas, principalmente na cidade de São Paulo, com sofisticados serviços de telecomunicações, informática,
heliponto, etc.; e a enorme expansão de grandes shopping
centers em praticamente todo o Estado de São Paulo, principalmente nos municípios de médio e grande portes.
Mesmo em cidades tradicionais do interior do Estado, a
praça central, geralmente a da Igreja Matriz, perdeu há
muito para os shopping centers seu papel de centro de
encontro e convivência social.
Transportes terrestre e aéreo foram os subsetores que
ficaram, respectivamente, em terceiro e quarto lugares em
volume de investimentos no setor de serviços. Enquanto
o primeiro atraiu anúncios de investimentos no valor de
US$ 3,6 bilhões no período (4,4% do total), o segundo
registrou anúncios de US$ 3,2 bilhões (3,9% do total). No
subsetor de transporte terrestre, a maior parte dos investimentos concentrou-se na capital e na Região Metropoli-
Distribuição Regional dos Investimentos
Quando se observa a distribuição espacial dos anúncios de investimentos no período 1999-2002, chama a atenção a continuidade da expansão da mancha de concentração de investimentos para além das regiões contíguas à
Região Metropolitana de São Paulo. De fato, nos últimos
anos, o processo de reestruturação da indústria paulista
provocou deslocamento de indústrias para o interior do
Estado, sobretudo para as regiões de Campinas, São José
dos Campos, Santos e Sorocaba, que já tinham tradição
manufatureira e mão-de-obra qualificada. Somente em
2001, a RMSP ultrapassou o interior em volume de investimentos anunciados. Entretanto, se considerados aqueles anúncios localizados em diversos municípios – originários de empresas com atuação em mais de um município,
sem especificação do investimento por localidade e que
estão espalhados por todo o Estado – no período analisado, o interior tem mostrado uma força crescente na atração de investimentos.
174
TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
TABELA 2
Investimentos Anunciados
Estado de São Paulo – 1999-2002
Regiões
Estado de São Paulo
1999
Valor
(US$ milhões)
2000
%
Valor
(US$ milhões)
%
21.171,36
100,00
23.478,03
100,00
2001
Valor
(US$ milhões)
23.381,90
%
100,00
2002
Valor
(US$ milhões)
14.432,33
%
100,00
RM de São Paulo
8.301,78
39,21
5.898,76
25,12
9.860,49
42,17
4.735,93
32,81
Interior do Estado
8.503,56
40,17
11.785,60
50,20
9.061,65
38,75
8.721,72
60,43
Demais Municípios (1)
4.366,02
20,62
5.793,67
24,68
4.459,76
19,07
974,68
6,75
Fonte: Fundação Seade.
(1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município.
É preciso, entretanto, matizar a clivagem RMSP/interior, pois a designação genérica interior já não dá conta
das múltiplas realidades existentes fora da Região Metropolitana de São Paulo. Vale lembrar que o interior abriga
municípios de grande porte e até mesmo duas regiões
metropolitanas (Baixada Santista e Campinas), ao lado de
áreas rurais com baixo grau de desenvolvimento econômico, como o Vale do Ribeira. Considere-se, ainda, que a
distribuição dos investimentos pelo interior do Estado não
é uniforme, ao contrário, está fortemente concentrada nos
municípios e regiões mais próximos da capital, configurando uma mancha que se estende num raio de cerca de
150 quilômetros da capital do Estado. É bem verdade que
esta pesquisa tem captado, nos últimos dois anos, um certo alargamento desta mancha, com a inclusão de municípios e regiões não contíguas à Região Metropolitana de
São Paulo no rol dos municípios com boa capacidade de
atração de investimentos. O fato concreto a se observar é
que esta mancha compreende o resultado de movimentos
complexos. No caso da RMSP, há uma força centrífuga
representada pelas deseconomias de aglomeração (poluição, trânsito, violência, custo de terreno, impostos, etc.),
que tende a deslocar empreendimentos já existentes e a
não atrair novos investimentos, e uma força centrípeta
representada pelas economias de aglomeração (tamanho
do mercado consumidor, oferta de mão-de-obra, rede de
serviços, proximidade com clientes e fornecedores), que
mantém os que já estão instalados e atraem outros. No caso
do interior, há um movimento com sentido oposto. A qualidade de vida, o custo da mão-de-obra e a boa infra-estrutura de transporte e telecomunicações atraem novos
empreendimentos para essas regiões. A distância dos principais mercados consumidores, dos fornecedores ou dos
principais clientes atua no sentido oposto. Da interação
dessas forças surge uma resultante que, em última instância, acaba por beneficiar aquelas regiões e cidades que
não estão tão longe da RMSP a ponto de dificultar o acesso ao mercado, clientes e fornecedores, mas que permitem às empresas livrar-se dos seus graves problemas urbanos. Conclusão: o equilíbrio entre essas forças acaba
por determinar o tamanho da mancha de concentração da
atividade econômica e, portanto, dos investimentos. Deste modo, quanto maiores as deseconomias de aglomeração associadas à RMSP e quanto mais vantagens oferecidas pelas demais regiões em termos de infra-estrutura,
estrutura produtiva e tamanho de mercado, maior disposição terão as empresas de ir cada vez mais longe da RMSP.
Mantidas as tendências atuais, portanto, é de se esperar
que essa mancha vá se espalhando a uma velocidade que
dependerá, de um lado, da taxa de crescimento da economia e, de outro, da capacidade ou não do poder público
de fazer frente aos graves problemas que afetam a metrópole vis-à-vis a capacidade das grandes cidades do interior de atrair novos investimentos sem degradar o meio
ambiente e a qualidade de vida local.
O movimento de atração de anúncios de investimentos
por regiões administrativas também indica que a rigor não
houve uma mudança significativa no ranking das regiões.
As cinco primeiras regiões em valor de anúncios de investimentos continuam a ser as mesmas desde 1999, com
exceção do ano 2000, quando a Região Administrativa
Central (São Carlos e Araraquara) ocupou a quarta posição, ultrapassando a Região Metropolitana da Baixada
Santista e a Região Administrativa de Sorocaba, enquanto a região de São José dos Campos ocupou a segunda
posição, passando a região de Campinas. Exceto naquele
ano, a ordem tem sido exatamente a mesma, ou seja, a
Região Metropolitana de São Paulo permanece em pri-
175
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 3
Investimentos Anunciados
Estado de São Paulo – 1999-2002
Regiões Metropolitanas e
Regiões Administrativas
1999
Posição
2000
2001
2002
Total
1999
Valor
(US$
%
milhões)
2000
Valor
(US$
%
milhões)
Valor
(US$
milhões)
2001
2002
Valor
(US$
milhões)
%
21.171,36
100,00
23.478,03
100,00
23.389,30
100,00
14.561,57
100,00
%
RM de São Paulo
1
1
1
1
8.301,78
39,21
5.898,76
25,12
9.867,89
42,19
4.729,93
32,48
RA de Campinas
2
3
2
2
4.086,37
19,30
3.816,76
16,26
3.736,36
15,97
2.797,48
19,21
RA de São José dos Campos
3
2
3
3
1.569,28
7,41
4.635,95
19,75
1.754,58
7,50
2.702,74
18,56
RM da Baixada Santista
4
5
4
4
1.193,90
5,64
654,07
2,79
1.361,33
5,82
752,12
5,17
RA de Sorocaba
5
6
5
5
953,70
4,50
651,01
2,77
698,74
2,99
558,20
3,83
RA de Araçatuba
11
8
11
6
39,87
0,19
215,42
0,92
34,52
0,15
479,57
3,29
RA Central
7
4
8
7
136,22
0,64
1.080,73
4,60
86,07
0,37
191,37
1,31
RA de Bauru
8
7
6
8
99,37
0,47
457,70
1,95
619,88
2,65
165,13
1,13
0,75
RA de Ribeirão Preto
6
9
7
9
219,11
1,03
102,42
0,44
565,43
2,42
108,67
RA de São José do Rio Preto
9
12
9
10
86,67
0,41
33,17
0,14
85,04
0,36
61,16
0,42
RA de Marília
10
11
10
11
77,45
0,37
53,52
0,23
66,12
0,28
56,18
0,39
RA de Franca
13
13
14
12
13,20
0,06
14,67
0,06
8,64
0,04
37,40
0,26
RA de Barretos
14
14
12
13
12,18
0,06
5,17
0,02
33,82
0,14
25,76
0,18
RA de Presidente Prudente
12
10
13
14
16,24
0,08
65,02
0,28
10,22
0,04
8,86
0,06
RA de Registro
15
15
15
15
-
-
-
-
0,90
0,00
-
-
4.366,02
20,62
5.793,67
24,68
4.459,76
19,07
1.887,00
12,96
Diversos Municípios (1)
Fonte: Fundação Seade.
(1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município.
meiro lugar, seguida pelas regiões administrativas de Campinas, São José dos Campos, Região Metropolitana da
Baixada Santista e Região Administrativa de Sorocaba.
O bloco que compõe a mancha de concentração de investimentos formada pela Região Metropolitana de São
Paulo e seu entorno (regiões administrativas de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Região Metropolitana da Baixada Santista) respondeu por quase 74,0% dos
anúncios de investimentos coletados entre 1999 e 2002.
É nessa mancha que se concentra o parque industrial paulista, com diversas vantagens locacionais que favorecem
a recente renovação industrial e, ao mesmo tempo, constituem fatores de atração de novas indústrias e de expansão daquelas existentes. Essa mancha mostra-se como um
pólo receptor de grandes volumes de capital, mas também
como destino para investimentos tecnologicamente de
ponta pelas vantagens comparativas de proximidade ao
grande mercado consumidor da metrópole, mão-de-obra
qualificada, densidade da malha urbana, infra-estrutura de
transporte, telecomunicações e energia, serviços sofisticados de apoio, grande complementariedade industrial e
concentração de centros de conhecimento tecnológico. Nas
demais regiões do Estado, chama atenção o fato de que
várias delas mantêm-se ao longo período variando muito
pouco a sua posição no ranking das regiões que registraram anúncios de novos investimentos, tais como Bauru,
Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Marília, Franca,
Barretos, Presidente Prudente e Registro. Outras, como
Central e Araçatuba, destacam-se pela sua variação no
ranking, pois a primeira recebeu, em 1999, importantes
investimentos no subsetor automobilístico no município
de São Carlos e a segunda, em 2002, em virtude de um
grande investimento na construção de usina termelétrica
no município de Andradina.
MARIA CECÍLIA COMEGNO: Socióloga, Coordenadora de Projetos de
Gênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta de
Produção de Dados desta Fundação ([email protected]).
LUÍS ANTONIO PAULINO : Engenheiro, Analista da Fundação Seade
([email protected]).
176
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 177-184, 2003
O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR
O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO
TERCEIRO SETOR
FELÍCIA REICHER MADEIRA
MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI
Resumo: O presente texto traz as experiências que a Fundação Seade vem desenvolvendo a fim de contribuir
para a quantificação e qualificação de informações estatísticas relacionadas ao Terceiro Setor.
Palavras-chave: produção de dados estatísticos; terceiro setor; cadastro georreferenciado.
Abstract: This text presents those experiments being carried out by Fundação Seade aimed at contributing to
the quantification and the qualification of statistical information related to the Third Sector, Non-Governmental
Organizations.
Key words: data production; third sector; geo-referenced registry.
O
Terceiro Setor é considerado hoje, ao lado do Estado e do setor privado, um importante sustentáculo da sociedade moderna. Muito embora as organizações da sociedade civil de caráter público existam
desde há muito tempo, estas, curiosamente, não eram reconhecidas como pertencentes a um setor específico da economia. Somente a partir do início da década de 90 é que
estas organizações passaram a ser conceituadas e mensuradas como um setor específico da economia, revelando sua
importância tanto social como econômica. A explicação para
tal omissão são várias, mas uma dificuldade importante está
na metodologia do cálculo das Contas Nacionais, conceito
macroeconômico que, dividindo as atividades humanas em
agrícolas, industriais e de serviços, incluía as organizações
da sociedade civil nesta última classificação sem, no entanto, destacar suas características próprias. Neste conceito econômico, pertencem ao item educação, por exemplo,
tanto as organizações privadas como as públicas e as do
Terceiro Setor. Ao conceituar o Terceiro Setor como o conjunto das organizações constituídas por agentes privados,
mas com finalidade de produzir bens e serviços públicos,
foi possível dar-lhe uma identidade distinta dos outros setores, permitindo sua visualização.
A verdade é que a questão do Terceiro Setor vem ganhando muita importância e destaque no contexto do debate acadêmico e político atual sobre o papel da sociedade civil. De fato, embora a reflexão sobre a sociedade civil
tenha sido sempre corrente nestes debates, nos últimos anos
esta reflexão revestiu-se de novas e precisas especificações conceituais, passando a ser reconhecida agora sob a
rubrica de “a nova sociedade civil”. Esta concepção inova basicamente ao referir-se à emergência de novos atores sociais, imbuídos de qualificações e que são considerados indispensáveis para a implementação de um
desenvolvimento sustentável.
Como eco desta reflexão internacional, processo semelhante vem acontecendo no Brasil. As entidades da
sociedade civil sem fins lucrativos dedicadas a ações
sociais têm longa existência no país, entretanto, nas últimas décadas, têm se multiplicado com rapidez e alterado suas características no que diz respeito tanto à sua
constituição como à sua ação e aumentando a sua visibilidade. Cada vez mais elas vêm se consolidando em um
formato que as distancia da tradicional dedicação à filantropia e à caridade, para focalizar sua atuação no
âmbito de um espaço mais politizado da sociedade or-
177
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Pois bem, apesar do consenso em torno da relevância
do Terceiro Setor no desenvolvimento social, são crescentes os desafios enfrentados pelos três setores para garantir a eficiência esperada neste novo arranjo. Estes desafios se traduzem por necessidades de redefinição de suas
funções tradicionais, novos formatos de organização interna, adequação de conformações jurídicas, melhorias na
capacitação de recursos humanos e na gestão institucional, em busca da eficiência, transparência, avaliação e
qualidade de resultados e reconhecimento e legitimidade
junto à sociedade.
Várias ações têm sido desenvolvidas no sentido de enfrentar estes desafios, sobretudo para qualificar melhor as
entidades e torná-las capazes de captar recursos, elaborar e
gerir os projetos, desenvolver metodologias de avaliação de
resultados qualitativos e financeiros, etc. Entretanto, persiste
ainda um conjunto de dúvidas e incertezas sobre este modelo de atuação: como escolher a entidade mais adequada para
a realização de determinada parceria? A presença ou ausência de uma parceria com entidades comunitárias faz diferença? Se faz, quanto e de que tipo? Quais são e como mensurar e reproduzir os efeitos benéficos?
Para começar a encaminhar respostas a estas e a outras
questões, é absolutamente consensual a idéia da importância e da urgência de organizar tanto um bom cadastro
que atue com instrumento gerencial, como o desenvolvimento de uma pesquisa que qualifique e quantifique melhor o que vem sendo genericamente chamado de Terceiro Setor. Ocorre que, talvez, o maior desafio seja mesmo
construir este cadastro.
O objetivo central deste texto é relatar três experiências
da Fundação Seade relacionadas ao tema Terceiro Setor,
explicitando as dificuldades, as limitações e as formas encontradas para enfrentar e/ou contornar as dificuldades:
- Cadastro das Entidades da Sociedade Civil da Região
Leste do Município de São Paulo, que serviu como subsídio para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae implementar o projeto Integração Leste;
ganizada e na busca de ampliação e racionalização da
sua ação social. De fato, o crescimento do associativismo e de participação da população brasileira vem amadurecendo em simultâneo à idéia de fragmentar a sociedade em espaços de ação política que não mais se
confundem com as formas de representação, mas que
podem formar redes que se conectam solidariamente e
potencializam as ações de proteção sociais. Essas novas
formas de organização da sociedade têm sido recebidas
e, mais do que isto, muito estimuladas, devido também a
reflexões que vêm se reforçando na área de economia
institucional e que apontam para o fato de que o associativismo é um forte indutor do desenvolvimento econômico/social.
Certamente é este cenário, ou, mais que isto, esta crença que faz com que estas novas entidades ou novas associações com serviços dedicados ao público venham se
tornando atores cada vez mais presentes tanto nas ações
mais gerais de desenvolvimento social (sobretudo na área
de geração de renda e alívio da pobreza), quanto nas ações
mobilizadoras de interlocutores mais qualificados nos
fóruns de debates e discussões de políticas mais gerais,
adquirindo por este motivo crescente visibilidade junto à
mídia e ao público em geral.
A discussão internacional, com forte impacto sobre a
agenda nacional, tem sido um reforço constante na questão da importância da co-responsabilidade social e de complementaridade entre as ações efetivadas pelos diversos
setores e atores que atuam no campo social. Existe a compreensão, quase um consenso, de que a interação de ações
e agentes que implementam políticas públicas propicia uma
troca de conhecimento sobre as distintas experiências, o
que acaba por proporcionar maior racionalidade, criatividade, qualidade e eficácia às ações desenvolvidas em todas as instâncias envolvidas, sobretudo por evitar as superposições de recursos e competências.
A crescente aposta na importância da co-responsabilidade, por sua vez, tem impulsionado a constituição da
figura das parcerias, que implica reconhecer, entender e
encontrar as formas de relacionamento entre agentes com
lógicas distintas de atuação em torno de objetivos comuns, sem perda de identidade e desvio de suas missões
institucionais. Na verdade, as significativas diferenças
entre as lógicas de governo, de mercado e da sociedade
civil organizada são entendidas como complementares e
cada vez mais necessárias e produtivas nas tarefas de
formulação e implementação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
- Censo/Cadastro Georreferenciado de Entidades Sociais
que atuam na área de cultura do Estado de São Paulo, que
subsidiou o projeto Fábrica de Cultura em Áreas de Violência Juvenil, desenvolvido em parceria com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID);
- Guia do Terceiro Setor, que está em fase de desenvolvimento, em parceria com a Fundação Mário Covas e
Unicamp. As duas experiências anteriores oferecem pistas decisivas para o aperfeiçoamento deste projeto.
178
O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR
nar mais fácil e eficiente o esforço de responsabilidade
social que vem ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São Paulo. A idéia é trazer à tona e disseminar informações sobre a atuação das entidades do Terceiro Setor e seu papel social, tais como: tipo de ações
desenvolvidas; população atendida; história das parcerias; etc. Seria interessante também dar um tratamento
especial aos aspectos econômicos relativos a receitas,
despesas, fontes de financiamento, características dos
seus colaboradores, bem como remuneração e jornada
de trabalho dos funcionários. Finalmente, é importante
tentar coletar e organizar as informações de modo a se
tornarem minimamente comparáveis com os levantamentos internacionais.
DEMANDAS QUE CHEGAM
À FUNDAÇÃO SEADE
Há algum tempo a Fundação Seade vem se qualificando para enfrentar, de forma competente, os desafios colocados para gerar, administrar e analisar um Cadastro de
Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos, mais
conhecidas como Terceiro Setor. Entende-se como Primeiro Setor aquele no qual a origem e a destinação dos recursos são públicas, isto é, correspondem às ações do Estado.
Já o Segundo Setor refere-se ao capital privado, sendo a
aplicação dos recursos revertida em benefício próprio. A
atuação do Terceiro Setor ocorre na esfera pública nãoestatal, formada a partir de iniciativas privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, e no sentido do bem comum.
Por se tratar de tarefa importante, demandada insistentemente por diferentes setores da sociedade, a Fundação
Seade decidiu enfrentar este desafio, mesmo tendo presente as enormes dificuldades de levar a cabo tal atividade. Como órgão estatal responsável pela produção e disseminação de estatísticas para a sociedade em geral, a
Fundação Seade está atenta às novas e crescentes demandas de informação colocadas pela agenda social mais atualizada, contribuindo para a transparência das ações de interesse público e social. Neste sentido, a instituição está
ciente da importância deste produto para todos aqueles
que necessitam de instrumentos de gestão para programas
sociais e que atuam notadamente nos campos de planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas.
A situação vivenciada hoje, de enorme lacuna de informações sistematizadas e organizadas do Terceiro Setor, decorre de três fatores: inexistência de um cadastro
qualificado, já que os disponíveis foram idealizados para
outras finalidades, são de difícil acesso e restringem-se,
muitas vezes, a áreas de atuação específicas, além de raramente atualizados; os cadastros existentes quase nunca
contêm dados que permitam qualificar adequadamente este
setor; e, muito especificamente, as dificuldades para se
conceituar o que é, afinal, o Terceiro Setor, uma vez que
a denominação abriga uma grande variedade de instituições da sociedade civil com objetivos e estratégias distintas, cujos elementos de identidade correspondem à ausência de fins lucrativos e à promoção de interesses
públicos. Nesse universo, incluem-se instituições filantrópicas, entidades profissionais, associações religiosas e de
bairros, fundações, etc.
A intenção é gerar e disponibilizar na Internet um conjunto de informações que contribuirá fortemente para tor-
RELATO DAS EXPERIÊNCIAS
Cadastro das Entidades da Sociedade Civil da
Região Leste de São Paulo
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Metropolitano – Prodem – Integração Leste, concebido pelo SebraeSP, tinha como objetivo central a promoção de ações integradas de políticas voltadas para o desenvolvimento
socioeconômico sustentável do grande e problemático
aglomerado urbano que é a região Leste do Município de
São Paulo. Em sua concepção, o Prodem apostava – em
consonância com o conceito que predomina hoje: o poder
da “nova sociedade civil” – que a melhor forma de implementar um projeto desta natureza seria através da formação de parcerias com agentes locais da sociedade civil.
Ou seja, considerava-se que a integração das micros e
pequenas empresas com outras formas de organizações da
sociedade civil – cooperativas, empresas de participação,
empresas de autogestão, associações, entidades de representação, ONGs, instituições de ensino, etc. – seria de vital
importância para a economia local e para a construção de
novos espaços sociais de geração de ocupação e renda de
forma sustentável. Assumida essa postura conceitual, uma
das ações prioritárias passou a ser a elaboração de um
Cadastro das Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos desta área do Município de São Paulo.
Na verdade, tal demanda vinda do Sebrae, para o desenvolvimento do projeto Integração Leste, repetia uma
solicitação constante e insistente, que chegava ao Seade,
de órgãos públicos e privados que lidam com implementação de ações na área genericamente conhecida como
desenvolvimento social.
179
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
meiros telefonemas mostraram que os responsáveis pelas
entidades tinham enorme interesse em nos contatar pessoalmente para relatar com maior precisão a complexidade de sua ação.
Decidiu-se, então, realizar uma pesquisa por meio de
visitas às entidades, o que mostrou ser de grande valia para
começar a entender melhor este complexo universo. Entre março e junho de 2001, pesquisadores treinados pela
Fundação Seade realizaram visitas aos locais de funcionamento das entidades arroladas, procedendo ao levantamento dos dados cadastrais e demais informações já relacionadas.
O primeiro exercício de georreferenciamento do cadastro obtido via comparação/compatibilização dos cadastros
IBGE e Rais mostrou a existência de inesperados vazios,
exatamente em áreas habitadas pelas populações de mais
baixa renda, que deveriam ser o alvo das ações do Sebrae.
Ocorre que, empiricamente, era do conhecimento do
Sebrae que, naquela área, havia um número expressivo de
associações em funcionamento. Para investigar o porquê
da ocorrência desses vazios, foram tomadas duas decisões:
coletar cadastros de diferentes entidades que realizavam
parcerias com entidades na RMSP – fundações, associações, secretarias, etc. –; e realizar uma busca de endereços individuais através das consultas ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, da Secretaria da Receita Federal.
Retiradas as duplicidades, o cadastro preexistente foi
ampliado em cerca de 25% (em torno de 1.100 novas entidades foram encontradas, somando-se a um cadastro
original de cerca de 4.000 entidades).
O levantamento foi a campo com um Cadastro Base de
5.047 entidades. Deste total, cerca de 26,2% das entrevistas não foram realizadas por diversos motivos, como
exposto na Tabela 1. Entre estes, destaca-se o problema
relativo à atualidade do cadastro, comum em levantamentos desta natureza, que foi responsável por cerca de 18%
dos questionários não respondidos. O produto final é constituído por 3.501 Entidades da Sociedade Civil Sem Fins
Lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo,
sendo que 3.341 contam com informações integrais e 160
somente com os dados cadastrais.
As entidades sem fins lucrativos cadastradas, que estavam ativas na Zona Leste, em 2000, totalizam 3.388 e
foram distribuídas segundo sua natureza jurídica (Tabela
2). As Associações representam a maioria das entidades
sem fins lucrativos pesquisadas na Zona Leste (49,5%),
seguidas pelas Instituições Religiosas e/ou entidades
Confessionais (31,7%). As formas consideradas mais
Diante desta constante demanda, a Fundação Seade
aceitou a tarefa proposta pelo Sebrae de cadastrar todas
as Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos da
Zona Leste do Município de São Paulo, buscando levantar tanto dados puramente cadastrais como algumas indicações sobre a atuação das mesmas no ano de 2000: objetivos, âmbito de atuação, número de funcionários ou
prestadores de serviços, número de voluntários, fontes de
recursos, atividades principais, beneficiários, etc. Considerou-se importante também, para o bom andamento do
projeto, que o cadastro de endereços pudesse contar com
o recurso de georreferenciamento e que, além disso, os
mesmos fossem plotados sobre uma base digitalizada de
setores censitários, o que possibilitaria agregar importantes informações demográficas e socioeconômicas ao cadastro. Organizado e apresentado nesta forma, ou seja,
somando a visualização geográfica do conjunto de entidades que atua em uma determinada região a informações
sociodemográficas disponíveis para os setores censitários,
o cadastro seria uma ferramenta poderosa para se chegar
de forma direta e pontual à entidade desejada, bem como
ao público-alvo, tornando muito mais eficientes e transparentes tanto as ações quanto o processo de escolha das
entidades.
O primeiro problema que se colocou para a nossa equipe
foi exatamente responder à questão: o que é Terceiro Setor? Após uma consulta bibliográfica nacional e internacional, discutindo inclusive a pesquisa desenvolvida pelo
pessoal do Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS/
FGV e aplicada em Jaboticabal, tomou-se a primeira decisão: em face da fragilidade dos estudos teóricos encontrados e da diversidade de situações nacionais apontadas,
a investigação seria estendida a todas as entidades sem
fins lucrativos (exceto cartórios e condomínios), de modo
a identificar, em toda sua complexidade, a situação encontrada no país.
O cadastro inicialmente utilizado foi uma combinação
dos cadastros IBGE-97 e Rais MTE-98, selecionando-se
as entidades sem fins lucrativos e também cooperativas e
entidades com natureza jurídica pública atuando em ações
sociais, para averiguar se pertenciam ou não ao Terceiro
Setor. Aí também se apresentou outra dificuldade, que era
como separá-las segundo sua organização jurídica.
A idéia inicial era contatar, por telefone, as entidades
localizadas pelos cadastros. Entretanto, esta proposta foi
inviabilizada dada a mudança dos prefixos dos números
de telefones que acontecia, exatamente naquele momento, em todo o Estado de São Paulo. Além disso, os pri-
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O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR
modernas de organização, ONGs e Oscips, correspondem
a cerca de 2% do universo pesquisado. Ainda de maneira
expressiva aparecem as Associações de Pais e Mestres
(15,4%).
De maneira geral, observou-se que grande parte das
entidades atua há longo período, pois mais da metade desenvolve suas atividades há dez anos. Cerca de um terço
delas foi fundado a partir de 1991. Entre estas, 53,8% no
período entre 1991 e 1995 e as demais entre 1996 e 2001.
Em resumo, estas experiências mostram que organizar
um cadastro qualificado das entidades da sociedade civil
sem fins lucrativos foi e persiste sendo uma tarefa desafiadora, com grandes obstáculos, entretanto, perfeitamente
factível, contrariando o freqüentemente enunciado. As
principais dificuldades compreendem:
- obtenção dos diferentes cadastros pertencentes a diversas instituições, já que estes são percebidos pelas mesmas como uma espécie de fonte de poder;
TABELA 1
Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos,
segundo Levantamento da Pesquisa
Zona Leste do Município de São Paulo – 2000
Números
Absolutos
Levantamento da Pesquisa
%
Cadastro Original
5.047
100,0
Entrevistas Realizadas Completas
3.341
66,2
Entrevistas Realizadas só a Parte Cadastral
160
3,3
1.321
26,2
Fechada
607
12,0
Mudança para Local Desconhecido da Zona Leste
175
3,5
Duplicidade no Cadastro
169
3,3
Mudança para Local Fora da Zona Leste
112
2,2
Recusa
136
2,7
Sem Informação
122
2,4
225
4,5
Entrevistas Não Realizadas
Entidades Excluídas Posteriormente (1)
Entidades Novas (2)
33
- enorme quantidade e heterogeneidade dos cadastros
parciais disponíveis: quanto à linguagem, aos critérios de
seleção e à superposição ou duplicação de informações;
Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo.
(1) Entidades privadas com fins lucrativos; telemínios, escolas e pessoas físicas.
(2) Não estão incluídas no Cadastro Original.
- organização e formatação das questões que compõem o
questionário. Nesse sentido, o cadastro gerado ultrapassa
em muito a simples coleta e agrupamento de cadastros já
existentes, uma vez que envolve ampla tarefa de padronização, normatização e estruturação da linguagem para a
fácil e rápida recuperação desses registros.
TABELA 2
Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos Ativas,
segundo Natureza Jurídica
Zona Leste do Município de São Paulo – 2000
Natureza Jurídica
Total Geral
Associações
Associação sem Fins Lucrativos
Organização Não-Governamental – ONG
Números
Absolutos
%
3.388
100,0
1.676
49,5
1.603
47,3
64
1,2
9
1,9
Cadastro da Área Cultural e Esportiva
na Região Metropolitana de São Paulo
Trata-se de uma demanda da Secretaria de Cultura do
Estado de São Paulo e o objetivo foi cadastrar e georreferenciar as entidades sem fins lucrativos que atuam na área
de cultura, esporte e lazer na Região Metropolitana de São
Paulo. Esta informação foi utilizada para subsidiar o projeto Fábricas de Cultura, realizado com o financiamento
do BID e que pretende desenvolver equipamentos e ações
culturais em áreas periféricas do Município de São Paulo, onde se concentram as áreas de maior índice de violência juvenil.
A base do cadastro foi novamente o Cadastro Central
de Empresas – Cempre, organizado pelo IBGE, para 1999,
com dados referentes a 1998. Através deste cadastro, chegou-se a uma relação de 1.743 entidades sem fins lucrativos, definidas segundo a natureza jurídica da empresa.
Com a atualização realizada através do cadastro de 2000,
Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público – Oscip
Fundação ou Instituto
Igrejas – Instituição Religiosa / Entidade Confessional
Associação de Pais e Mestres
Outros
Cooperativa
Entidade Sindical de Trabalhadores
Sociedade de Advogados
41
1,2
1.073
31,7
522
15,4
76
2,2
6
0,2
39
1,2
3
0,2
1
0,0
Órgão Público dos Poderes Executivo,
Legislativo ou Judiciário
Outra Natureza
Entidade Sindical Patronal
23
0,7
4
0,1
Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo.
181
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
ção destas entidades. Além dessa ampliação do escopo
do trabalho, apresentam-se também as informações georreferenciadas, que proporcionam uma outra dimensão na
análise dos resultados, uma vez que possibilitam localizar espaços de atuação das entidades culturais e identificar em que medida esses espaços de atuação na área
cultural substituem, complementam ou se sobrepõem a
ação governamental.
O padrão de atuação do Estado nessa área tem-se pautado não mais exclusivamente pela atuação direta, mas pelo
incentivo às entidades não-governamentais (privadas com
ou sem fins lucrativos) no estímulo às atividades culturais. As leis de incentivo nos âmbitos federal, estadual ou
municipal são instrumentos que possibilitam efetivar a
estratégia de descentralização e de fortalecimento da participação da sociedade civil na definição de ações na área
cultural.
foram incorporadas 140 novas entidades. A seleção da área
de atuação – esporte, cultura e lazer – foi definida segundo a atividade principal e baseou-se na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. Da combinação dos cadastros do Cempre 1998 e 1999 com a CNAE
em cultura e esportes, chegou-se a um total de 2.287 entidades (1.743 do cadastro original; 146 novas entidades
da atualização do cadastro Cempre/1999; 430 classificadas, por meio da CNAE, como “possíveis entidades com
atuação em cultura e esportes”; excluindo-se 32 que haviam encerrado suas atividades, conforme apurado pela
pesquisa “Cadastro de Entidades Sem Fins Lucrativos da
Zona Leste”). Desse total, excluíram-se 344 entidades
devido à falta ou erro de informação sobre o endereço,
totalizando 1.943 entidades no cadastro. Dessas, foram
realizadas, entre agosto e outubro de 2001, 1.129 entrevistas completas, 36 apenas o bloco cadastral e 802 não
foram realizadas. Note-se que foram acrescidas 24 entidades que não faziam parte do cadastro original, mas foram localizadas nos endereços investigados e se enquadravam nos critérios do levantamento, perfazendo 1.967
instituições no universo pesquisado.
Com a distribuição espacial das entidades na Região
Metropolitana de São Paulo, observaram-se, ao mesmo
tempo, enorme concentração de equipamentos culturais e
entidades que trabalham com cultura nas áreas centrais
do Município de São Paulo e grandes “vazios” de entidades culturais no espaço da Região Metropolitana de São
Paulo. Em seguida, buscou-se localizar novos equipamentos culturais junto à população jovem em uma das áreas
periféricas em que há elevada incidência de violência: o
Jardim Ângela, na Zona Sul do Município de São Paulo.
Considerou-se relevante mencionar a enumeração de
pessoas que realizam trabalho voluntário – 75 mil na Zona
Leste (1,9% da população local) e cerca de 8 mil em entidades culturais, esportivas e de lazer.
A importância da construção de um cadastro das entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para a promoção da cultura, é ratificada pelo reconhecimento crescente da importante participação dessas entidades como
parceiras ou protagonistas no desenvolvimento e inserção
de atividades, programas e políticas das áreas social e
cultural. Esse reconhecimento é um fenômeno mundial e
vem sendo objeto de investigação de diversos organismos
e instituições internacionais.
Deve-se ressaltar que se buscou ampliar a pesquisa
para além da atualização de cadastro, disponibilizando
informações abrangentes sobre o perfil e a forma de atua-
Guia do Terceiro Setor
Trata-se de um projeto que ambiciona disponibilizar
na Internet, no formato georreferenciado, um conjunto
significativo de entidades do Terceiro Setor que atuam no
Estado de São Paulo. Este modelo de disseminação das
informações possibilitará localizar no espaço das cidades
as organizações cadastradas, além de caracterizá-las segundo um conjunto de informações básicas: nome, endereço, telefone, endereço eletrônico, natureza jurídica, data
da fundação, atividade principal, existência de computador com acesso à Internet, número de funcionários e voluntários, ocorrência de parcerias com o setor público e
privado, principal fonte de recursos e público-alvo. O projeto prevê ainda a atualização anual do cadastro.
O desenvolvimento de um instrumento de gestão de
projetos sociais de tal envergadura e sua disponibilização
na Internet certamente tornariam mais fácil e muito mais
eficiente o esforço de responsabilidade social que vem
ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São
Paulo. Particularmente beneficiados serão os organismos
públicos, em geral, e as secretarias estaduais e municipais, em particular, que firmam parcerias com redes de
entidades da sociedade civil, além de instituições do setor privado que desenvolvem ou pretendem desenvolver
projetos sociais que incluam redes de Organizações NãoGovernamentais da sociedade civil.
Apesar da experiência acumulada nos trabalhos anteriores, e que sugeriam a importância do contato direto com
a entidade a ser cadastrada, a metodologia para realizar o
182
O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR
tantemente, apresentação de um formulário eletrônico que
poderá ser acessado pelas instituições por meio de uma
senha (CNPJ), para que as mesmas, mediante seu representante legal, confirmem seus dados cadastrais e respondam a resposta a uma pesquisa de qualificação dos dados
da instituição. Obviamente, procedimentos específicos
serão utilizados para tratar com as novas instituições (não
constantes do cadastro inicial) que acessem os sites, de
modo a incluí-las e qualificá-las;
Guia do Terceiro Setor deverá seguir um outro caminho.
O principal motivo desta correção de rumo é o acesso recente ao Cadastro da Receita Federal. De acordo com este
cadastro, existem no Estado de São Paulo cerca de 130.000
entidades da sociedade civil sem fins lucrativos.
Destaca-se que o universo de pesquisa foi composto
pelo Cadastro da Receita Federal (CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal) e também
pelos cadastros da Rais – Relação Anual de Informações
Sociais, do Cempre – Cadastro Central de Empresas, do
IBGE, cadastros de diferentes secretarias estaduais e municipais e até os vários cadastros das entidades e instituições públicas e privadas que atuam no Terceiro Setor. A
Fundação Telefônica contribuiu com a doação de uma base
de dados que associou aos CNPJs disponíveis cerca de
25% de números telefônicos, o que, infelizmente, é um
percentual pouco expressivo, inviabilizando uma abordagem somente telefônica às entidades.
Essa unificação e consolidação possibilitou, ainda que
em caráter preliminar, um conjunto bem interessante de
resultados, como o já observado, de que estamos tratando
de um universo com a magnitude de quase 130.000 entidades da sociedade civil, formalmente constituídas e instaladas no Estado de São Paulo. Dessas, quase 60% estão
dispersas no interior do Estado. Já a Região Metropolitana de São Paulo participa com mais de 40%, ou seja, aproximadamente 60 mil entidades. O Município de São Paulo destaca-se no abrigamento de mais de 40 mil instituições
sem fins lucrativos, em 2002. Desse total, cerca de 70%
correspondem a organizações religiosas, entidades desportivas e outras associações.
Essas informações serão objeto de inúmeras checagens
e consistências. Adicionalmente, o Guia do Terceiro Setor pretende desvelar alguns dos tantos aspectos, tais como:
questionamentos sobre as respectivas áreas de atuação;
segmentos sociais que costumam atender; fontes de financiamento; relações de parcerias; etc.
Desse modo, em função da magnitude do universo pesquisado e dos altos custos que decorreriam de uma investigação em campo (à propósito do que ocorreu com os
projetos Sebrae e Secretaria de Estado da Cultura) com o
contato direto dos pesquisadores junto aos representantes
das associações, a Fundação Seade e parceiros decidiram
por um novo conjunto de procedimentos para coleta de
informações:
- disponibilização, no site do Seade e da Fundação Mário Covas, de informações oriundas do atual cadastro unificado e sistematizado pela Fundação Seade e, concomi-
- desenvolvimento de uma estratégia de divulgação e
marketing junto aos mais relevantes agentes relacionados
ao Terceiro Setor, desde rádios comunitárias, jornais regionais e de bairro, até prefeitos dos municípios paulistas, redes como RITS – Rede de Informação do Terceiro
Setor, Setor 3 do Senac, Abong – Associação Brasileira
de ONGS, Conselho Regional dos Contabilistas, Fundação Telefônica, Instituto Ethos, entre outros. Nossos esforços serão no sentido de tê-los como agentes de divulgação e parceiros estratégicos na construção do Guia, com
contribuições que poderão traduzir-se na cessão de voluntários para ações específicas, investimento de recursos financeiros ou intercâmbio de expertises;
- aplicação de um sistema de controle e consistência dos
dados coletados pela Internet, por intermédio de uma equipe de telepesquisa, especialmente treinada para contatos
telefônicos e checagem da veracidade das informações
obtidas remotamente;
- retroalimentação do site do Seade e da Fundação Mário Covas com os dados cadastrais e de qualificação das
entidades, num processo cumulativo e de aperfeiçoamento permanente do Guia do Terceiro Setor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que serão muitas as dificuldades, desde
compor parcerias eficazes e sensibilizar dirigentes do setor sobre a importância e fidedignidade das informações
relativas às suas entidades, até desenvolver e aperfeiçoar
instrumentos eletrônicos de coleta de dados, solucionar
problemas metodológicos conceituais (como, por exemplo, decidir sobre a melhor forma de classificar as atividades desenvolvidas pelas entidades), oferecer treinamento
especializado em pesquisa telefônica e analisar, especialmente de forma criteriosa, os aspectos relevantes para
divulgação.
Entretanto, como comprova a trajetória que a Fundação Seade escolheu fazer desde a primeira vez em que foi
183
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
croeconomia, uma vez que permitirá o conhecimento das
estatísticas reais de um importante segmento da atividade econômica, geração de emprego e cidadania.
O legado mais importante da realização deste trabalho,
contudo, talvez seja o de instalar a transparência das ações
realizadas em parcerias com o setor público. De fato, uma
vez instalado o Guia do Terceiro Setor na Internet, problemas graves e freqüentes, como o desconhecimento do
desempenho da entidade para a qual se está repassando
verba, das fontes de financiamentos a que ela teve acesso,
da sua capacidade de gerenciamento dos mesmos e da sua
inserção na comunidade do entorno, poderão ser naturalmente minimizados.
solicitada a produzir informações estatísticas sobre o Terceiro Setor, não faltarão empenho, flexibilidade e criatividade para alcance desse objetivo.
O desenvolvimento de um instrumento de gestão de
projetos sociais de tal envergadura e sua disponibilização
na Internet certamente tornarão mais fácil e muito mais
eficiente o esforço de responsabilidade social que vem
ganhando força no Brasil e, de modo especial, em São
Paulo.
Particularmente beneficiados serão os organismos públicos, em geral, e as secretarias estaduais e municipais,
em particular, que firmam parcerias com redes de entidades da sociedade civil, além de instituições do setor privado que desenvolvem ou pretendem desenvolver projetos
sociais que incluam redes de organizações não-governamentais da sociedade civil.
O propósito é que ao longo do tempo, ao se cristalizar
uma metodologia de captação e organização de dados do
Terceiro Setor, especialmente aquela parcela que envolve as pequenas entidades comunitárias, a Fundação Seade
e seus parceiros venham a se tornar, via Internet, centros
de referência para coleta e consultas mais detalhadas de
informações relativas ao Terceiro Setor, sobretudo aquele de perfil mais comunitário.
Portanto, essa contribuição será decisiva ao fortalecimento do Terceiro Setor para a evolução e o aperfeiçoamento da implementação de políticas compensatórias,
visando as populações mais necessitadas, e para a ma-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BNDES. Terceiro Setor e desenvolvimento social. Brasília: jul. 2001.
(Relato setorial, n.3).
FERNANDES, R.C. Privado porém público – o Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
SALAMON, L.M.; HELMUT, K.A. The emerging nonprofit sector –
an overview. Manchester, UK: Manchester University Press, 1996.
FELÍCIA REICHER MADEIRA: Socióloga, Demógrafa, Diretora Executiva da Fundação Seade ([email protected]).
MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI: Economista, Analista da Fundação Seade
([email protected]).
184
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 185-197, 2003
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS
balanço das experiências
e contribuição para o debate
SONIA NAHAS DE CARVALHO
Resumo: O artigo recupera as avaliações de programas sociais desenvolvidas pela Fundação Seade. Inicia-se
com os pressupostos teóricos e metodológicos que orientam a atividade de avaliação de programas e recupera
as principais experiências existentes, com ênfase nos aspectos metodológicos.
Palavras-chave: programas sociais; metodologias de avaliação.
Abstract: This article revisits the evaluations of social programs elaborated by Fundação Seade. It takes as its
starting point the theoretical and methodological assumptions that guide program evaluation, and addresses
the principal prevailing experiences, with an emphasis on methodological aspects.
Key words: social programs; evaluation methods.
A
avaliação de políticas públicas na Fundação Seade
data de período recente e a experiência acumulada até o momento consiste na avaliação de programas sociais específicos para atender a demandas distintas e baseadas em orientações metodológicas heterogêneas. Apresentar essa experiência tem por propósito contribuir para a discussão do significado da avaliação no
processo das políticas públicas e para o aperfeiçoamento
de metodologias de avaliação, com ênfase nas políticas
sociais. Os projetos de avaliação escolhidos foram: pósocupação de conjuntos habitacionais ofertados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano –
CDHU; Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho, de coordenação da Secretaria Estadual do Emprego e
Relações do Trabalho; Programa Telecurso 2000, executado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego;
e os programas estaduais Atuação em Cortiços e Fábricas
de Cultura, desenvolvidos pela CDHU e Secretaria da
Cultura, com apoio financeiro do Banco Interamericano
de Desenvolvimento.
Além de recente, a avaliação de programas sociais na
Fundação Seade é uma atividade em processo de cons-
trução permanente com, pelo menos, dois sentidos complementares. O primeiro refere-se às metodologias de avaliação e consiste no aperfeiçoamento contínuo de modelos de análise, técnicas e instrumentos. O segundo define
os objetivos que orientam a promoção dessa atividade que,
mantendo-se técnica, destina-se ao aprimoramento das
políticas sociais em seus propósitos de solucionar problemas e atender a carências. Com base nas experiências desenvolvidas e na literatura sobre o tema, alguns pressupostos vêm orientando a construção dessa atividade.
O campo mais geral de entendimento da avaliação pressupõe a noção de que políticas públicas consistem em
processo contínuo de decisões, que se alteram permanentemente. Em realidade, “o objeto central da avaliação é o
processo das políticas públicas. (...) Parece-nos mais apropriado, do ponto de vista empírico, e sem dúvida mais
consistente com a proposição relativa à onipresença da
política, ver o sistema das políticas públicas como um
processo em fluxo (grifo nosso), que se caracteriza por
constantes barganhas, pressões e contrapressões, e não raro
por redefinições do próprio objeto das decisões”. Dois
aspectos devem ser destacados. “Um, o processo temporal da constante redefinição dos objetos em jogo, como
185
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
avaliação de políticas públicas visa ajustar ou validar objetivos, metas e focos sociais, adequar os meios utilizados aos fins propostos, quantificar e qualificar o atendimento realizado e os benefícios gerados, identificar os
impactos ou efeitos das ações nas condições de vida dos
beneficiários diretos e indiretos. Diante desses objetivos,
a avaliação distingue-se nas modalidades avaliação de
processo e avaliação de impacto, estruturadas, em geral,
em metodologias de análise comparada entre o “antes” e
o “depois”, entre o “proposto” e o “realizado” e entre
“meios” e “fins”.
A avaliação de processo visa acompanhar e avaliar a
execução dos procedimentos de implantação dos programas e políticas e diferencia-se em avaliação de eficácia e
de eficiência. O objeto central dessa modalidade é avaliar
a adequação dos meios e recursos utilizados perante os
resultados parciais ou finais, referenciados aos objetivos
e metas propostos pela política ou programa. Ressalvese, contudo, que avaliar processo não pode se confundir
com monitorar programas, uma ferramenta de gerenciamento aplicada durante sua execução.
A avaliação de impacto é aquela que focaliza os efeitos ou impactos produzidos sobre a sociedade e, portanto, para além dos beneficiários diretos da intervenção
pública, avaliando-se sua efetividade social. Dois pressupostos orientam a avaliação de impacto. O primeiro reconhece propósitos de mudança social na política em análise e, neste caso, faz sentido estruturar a investigação para
mensurar seus impactos. O segundo pressuposto é o que
estrutura a análise com base em uma relação causal entre
a política ou programa e a mudança social provocada.
Pode-se constatar empiricamente mudanças, proceder à
sua diferenciação, à sua quantificação, etc. Contudo, para
se analisar o impacto dessas mudanças, é preciso estabelecer a relação causa–efeito entre estas e a ação pública
realizada por meio da política. Em suma, não basta constatar a ocorrência da mudança; é preciso provar que foi
causada pelo programa.
Por fim, a avaliação é instrumental de análise para
avaliar a eficiência, a eficácia – e, portanto, o processo da
política ou programa – e a efetividade – ou seja, os impactos das ações promovidas pela política ou programa.
Nessa perspectiva, a avaliação inscreve-se no campo das
Ciências Sociais Aplicadas e se organiza e se desenvolve
apoiada nos referenciais conceituais das diferentes Ciências Sociais. As abordagens podem ser da Microeconomia
com conceitos como os da maximização de benefícios e
minimização de custos, da Ciência Política apoiando-se
produto de decisões anteriores. Outro, o processo pelo qual
se altera a própria definição do que é ou não objeto de
decisão política; ou seja, o processo pelo qual objetos antes
congelados ou tidos como parâmetros não negociáveis
deixam de sê-lo.” (Lamounier, s.d.:3-4).
Se o sistema das políticas públicas é um processo em
fluxo, por associação uma dada política pública não pode
configurar-se como seqüência linear de etapas. De forma distinta de interpretações anteriores,1 que tratavam as
políticas públicas como etapas estanques e sucessivas de
formulação, implementação e avaliação de decisões previamente tomadas, a abordagem que melhor expressa o
quadro real das políticas públicas é as que a considera
como processo contínuo de decisões que, se de um lado
pode contribuir para ajustar e melhor adequar as ações ao
seu objeto, de outro, pode alterar substancialmente uma
política pública.
Consoante esse entendimento, a avaliação é parte constitutiva do processo da política pública. Ou seja, ele não
é unicamente formulação e implementação de ações. A
avaliação integra-se a esse processo como atividade permanente que acompanha todas as fases da política pública, desde a identificação do problema da política até a análise das mudanças sociais advindas da intervenção pública.
Se, na aparência, a formulação e a implementação de
políticas ou programas são vistas como fases distintas, pois
entendidas, respectivamente, como diagnóstico de problemas e propostas para sua solução e como execução de
passos previamente definidos e organizados, em realidade elas não se distinguem tão facilmente. A própria implementação de ações é, e de fato assim ocorre, um constante (re)definir das decisões, recomendadas pela política
em momentos anteriores de seu processo.
A avaliação, por sua vez, não se confunde com a seqüência final desse processo. “De princípio, é preciso frisar que a avaliação deve ser remetida strictu senso à noção de análise. Isso quer dizer que a avaliação se dá ao
longo de todo o processo, seja na formulação, seja na
implementação, ou mesmo nos impactos ou efeitos provocados pelas duas etapas anteriores” (Carvalho; Costa,
1986:8).
Integrar a avaliação ao processo das políticas públicas
não significa, contudo, que ela deva ser promovida pelas
agências responsáveis por sua implantação. Ao contrário,
a posição que a avaliação ocupa no processo das políticas
públicas é externa aos agentes gestores e executores e singular em face de seus propósitos. Semelhante aos estudos feitos em outras instituições, na Fundação Seade a
186
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
na teoria dos conflitos e em conceitos como o da formação de arenas decisórias e das formas institucionais de
governo, ou da Sociologia e os referenciais conceituais
para a elaboração de diagnósticos, reconstrução de processos sociais, etc.
Como instrumental de análise, a avaliação vale-se também dos métodos próprios da pesquisa social. A sua escolha, contudo, não é aleatória nem mesmo predeterminada, pois o pressuposto é que seja conforme aos objetivos,
explícitos e implícitos, estabelecidos pela política em análise. De acordo com Deutscher, citado por Figueiredo e
Figueiredo (1986:109), “a escolha do método a ser utilizado decorre mais do objetivo da política ou programa
sob observação e de seu escopo social do que da preferência intelectual do analista. O mais importante nessa discussão é o estabelecimento das conexões lógicas entre os
objetivos da avaliação, os critérios de avaliação e os modelos analíticos capazes de dar conta da pergunta básica
de toda pesquisa de avaliação: a política ou programa social sob observação foi um sucesso ou um fracasso?”
sim, para a escolha dos empreendimentos consideraramse as alternativas de tipologia de edificação (casa ou apartamento) e de construção (por empreitada ou mutirão).
Além dessas variáveis, tal escolha levou em conta a data
de entrega do empreendimento: anterior e posterior a 1994.
Dois procedimentos foram adotados para a execução
do projeto. O primeiro baseou-se na exploração de base
de dados de fiscalização e cobrança, disponível na CDHU,
que, contudo, mostrou-se inadequada em face de problemas de consistência e confiabilidade dos dados. O segundo procedimento consistiu na investigação em campo.
Diante do conhecimento não sistematizado sobre o fenômeno da inadimplência, optou-se pela realização de estudos de caso, tendo sido escolhidos cinco empreendimentos habitacionais implantados no município de São Paulo
a partir da combinação das variáveis tipo de edificação,
tipo de construção e data de entrega.3
O desafio inicial para a investigação referiu-se à inadimplência contratual, uma vez que os mutuários originais – que haviam firmado contrato com a CDHU – não
eram mais localizados e, portanto, não seria possível pesquisar as razões que os levaram à transferência do imóvel. Para superar esse desafio, as alternativas foram a de
levantar informações indiretas, obtidas com os mutuários
residentes, e a de identificar o perfil do novo mutuário,
comparando-o ao mutuário original.
Os pressupostos para a análise da inadimplência definiram os temas de investigação, considerando-se as variáveis sociodemográficas, para classificação dos mutuários segundo as situações de adimplência, a participação
em associações e na administração condominial, graus e
níveis de satisfação com a moradia, o conjunto e o entorno urbano, e estrutura de despesas, identificados como parâmetros de qualificação dos empreendimentos e da população residente. Com a clareza de que dados quantitativos não seriam suficientes para se entender o fenômeno, dados qualitativos foram também coletados por meio
de entrevistas estruturadas feitas com lideranças, síndicos e alguns moradores. O questionário, composto em perguntas fechadas, foi aplicado a todas as famílias residentes nos empreendimentos habitacionais selecionados.
A análise feita seguiu duas abordagens. Na primeira, o
empreendimento foi a unidade de análise e se procurou
apontar a especificidade de cada empreendimento em relação aos aspectos demográficos, socioeconômicos, de
participação em associações e administração do condomínio, níveis de satisfação, estrutura de despesas e situações de adimplência contratual, condominial e financei-
PÓS-OCUPAÇÃO DE CONJUNTOS
DE HABITAÇÃO POPULAR
O estudo de pós-ocupação de conjuntos habitacionais,
encomendado pela CDHU em 1999, estruturou-se com o
propósito de contribuir para explicar a inadimplência nas
unidades habitacionais, classificada em três tipos: financeira, de atraso no pagamento das prestações de financiamento habitacional; contratual, com a transferência do
imóvel a outras famílias não mutuárias da CDHU; e
condominial, de atraso no pagamento do condomínio.
Tratava-se, portanto, de um projeto para avaliar intervenções públicas realizadas, com benefícios já concedidos ao
público-alvo da política.
Os pressupostos para o estudo consideraram o modelo
de solução única da política habitacional paulista no atendimento das necessidades da população de baixa renda.
Esse modelo caracteriza-se pela provisão de casa própria,
em conjuntos habitacionais, em geral de grande porte, destinada às famílias entre um e dez salários mínimos de renda familiar que assumem um contrato de financiamento
por um período de 25 anos, passível de subsídio de acordo com a capacidade de pagamento das famílias.2
Diante de parâmetros uniformes e rígidos, o estudo
investigou a existência de diferenciações no comportamento dos mutuários nos aspectos em que a política guarda
alguma flexibilidade, qual seja, de sua implantação. As-
187
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
programa, e se estende até os dias atuais. Por decorrência,
o foco principal da avaliação tem sido o de acompanhar e
avaliar o processo de desenvolvimento do programa e se
estrutura em torno de dois campos: analisar resultados à
medida que o programa é executado; e identificar,
qualificando, as atribuições de fato exercidas pelos agentes
de implementação do programa em relação aos objetivos
do programa. 5 Para dar conta desse foco, a estratégia
metodológica escolhida foi, de um lado, a de analisar os
grandes números que mostram o desempenho quantitativo
do programa e, de outro, de privilegiar a investigação dos
principais atores, compreendendo mais intensamente os
beneficiários finais, as empresas que aderiram ao programa, os monitores e as escolas parceiras na implantação
do programa. Em face dos pressupostos da análise de
avaliação, os instrumentos de coleta têm sido diversificados e adequados à natureza das informações
requeridas, incluindo questionários, entrevistas estruturadas e grupos de discussão.
A análise dos resultados do programa segue dois procedimentos analítico-metodológicos distintos e complementares. O primeiro, destinado ao acompanhamento conjuntural, desenvolve-se mediante a exploração analítica de
indicadores especialmente construídos com base no registro de alunos inscritos e de empresas.6 Editado na forma
de boletins, esse acompanhamento foi mensal entre outubro/2000 e dezembro/2002, passando a ser trimestral em
2003. Ao final de cada ano, um novo produto é editado,
consolidando-se a análise de desempenho do programa.
Como produto, os boletins atendem ao objetivo de disseminação do programa e, com isso, oferecem à sociedade meios para conhecer e controlar a ação pública. As
possibilidades de realização desse propósito foram ampliadas em 2003 com a divulgação dos boletins na página
da Fundação Seade na Internet.7
Já na perspectiva de seu conteúdo, os boletins expõem
a evolução da inscrição de estudantes e da oferta e preenchimento de vagas, qualificada segundo dados gerenciais
disponíveis como idade e sexo dos alunos inscritos, porte
e setor de atividade das empresas, conclusão de estágio e
motivos para a não-conclusão em relação às vagas preenchidas, bem como a distribuição espacial segundo as Diretorias de Ensino existentes na Região Metropolitana
de São Paulo. A análise feita permite avaliar, de um lado,
os rumos adotados pelos agentes de implementação do
programa, sugerindo capacidades e recursos existentes para
a colocação dos estudantes em uma vaga de estágio e, de
outro, os efeitos que o comportamento do mercado de tra-
ra. A segunda abordagem considerou o domicílio como
unidade de análise e buscou explicar as situações de inadimplência financeira, condominial e contratual a partir
da análise do comportamento de variáveis socioeconômicas selecionadas. A inadimplência financeira foi também
examinada considerando-se os “fatores de risco” à inadimplência dos mutuários. Assim, o risco à inadimplência (atraso superior a três meses) ou ao atraso no pagamento das prestações (atraso de até três meses) foi
analisado tendo-se por referência o nível médio de renda
domiciliar, a estrutura de despesas, a posição socioocupacional do chefe do domicílio e sua situação de trabalho e
fatores não estritamente econômicos.
PROGRAMA JOVEM CIDADÃO:
MEU PRIMEIRO TRABALHO
De iniciativa do governo do Estado de São Paulo e
coordenado pela Secretaria do Emprego e Relações do
Trabalho, o Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho visa proporcionar, aos estudantes de 16 a 21 anos
da rede pública estadual de ensino médio, a primeira oportunidade de experiência profissional no mercado de trabalho, preparando-os para o exercício da cidadania. O
benefício oferecido consiste em aprendizado e prática
profissional, de preferência em empresas do setor privado, concedendo-se aos jovens admitidos uma bolsa de, no
mínimo, R$130.4 Decidida sua implantação, a execução
do programa restringiu o atendimento aos alunos das escolas estaduais de ensino médio localizadas na Região
Metropolitana de São Paulo, situação em que se encontra
atualmente.
O projeto de avaliação desse programa pretendia construir uma metodologia e produzir indicadores destinados
ao aperfeiçoamento e à aferição dos resultados obtidos.
Alguns aspectos distinguem o processo desenvolvido. Em
primeiro lugar, a participação da Fundação Seade deu-se
desde a concepção inicial do programa, com a elaboração
de metodologia para a classificação dos estudantes inscritos segundo carência social, destinada à escolha dos
beneficiários do programa. A contribuição localizada nessa definição pode ser interpretada já como parte do próprio processo de avaliação e vista como recurso para
auxiliar a identificação de instrumentos de implementação do programa.
A segunda característica refere-se à simultaneidade
entre a implementação e a avaliação do programa. Esta
começou ainda em 2000, poucos meses após o início do
188
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
balho, com rebatimentos diferenciados no espaço metropolitano, possa ter sobre um programa como o Jovem Cidadão, que articula a geração de benefícios sociais à oferta de vagas para estágio pelo setor privado. Em suma,
analisar o programa mediante os indicadores de desempenho apontados possibilita avaliar a extensão em que os
objetivos e metas são realizados em relação ao atendimento
do público-alvo.8
A avaliação do programa é também realizada com base
em informações colhidas com os estudantes atendidos com
uma vaga de estágio. Complementar à análise de desempenho, avalia-se, da ótica dos beneficiários, se o programa cumpre os objetivos de oferecer a oportunidade de
prática e aprendizado profissional e de atender aos socialmente mais carentes dentre os estudantes inscritos. Para
além dessas dimensões, a investigação com os estagiários
contribui também para avaliar os efeitos imediatos produzidos sobre suas condições sociais e perspectivas futuras. Essa é uma dimensão que, apesar de se referir a efeitos sociais decorrentes da ação pública executada, não deve
ser confundida com a avaliação de impacto.
Para atender a esses propósitos, os estagiários vêm sendo tratados segundo suas diferentes situações, que são
múltiplas, de inserção no programa. Com a clareza de que
todas essas situações ainda não foram investigadas, a avaliação já realizada restringiu-se aos estudantes que haviam
sido bem-sucedidos de acordo com os objetivos do programa, ou seja, contemplados com uma vaga de estágio.9
Nas pesquisas realizadas adotaram-se procedimentos
de investigação distintos, diante da natureza das informações que se queria levantar e do tratamento analítico
a ser dado a elas. O primeiro procedimento destinou-se
à análise comparada entre grupos de beneficiários distinguidos por tempo de estágio. Para cada grupo aplicou-se um questionário composto de perguntas comuns
sobre características pessoais e familiares e diferenciadas por tempo de estágio quanto às características, expectativas e proveitos do estágio.10 As coletas foram realizadas em abril/2001, agosto/2001 e setembro/2002 e
a análise foi desenvolvida da perspectiva da comparação dos segmentos de estudantes pesquisados. A partir
da segunda coleta, a comparação foi também feita entre
os grupos que passaram pelo programa nos diferentes
momentos de coleta.
Vale destacar os principais indicadores elaborados. No
que se refere ao perfil do estagiário, consideram-se os
indicadores que identificam o grupo social atendido pelo
programa. Em relação ao estágio oferecido, os indicado-
res são de dois tipos: os relacionados aos mecanismos
operacionais do programa, como o pagamento em dia da
bolsa-estágio e do vale-transporte e a duração da jornada
diária de estágio; e os relacionados ao aprendizado, como
treinamento recebido, atividades realizadas, nível de satisfação e relações construídas no ambiente de trabalho.
A análise dos efeitos sobre as condições de vida e expectativas futuras é feita com base em indicadores que incluem
as possibilidades de efetivação na empresa, melhorias para
a vida escolar e relacionamento social e familiar, contribuições para escolhas profissionais e para a continuidade
dos estudos.
O segundo procedimento de investigação visou levantar informações com ex-estagiários. Esse segmento era
formado por jovens que concluíram o estágio entre oito e
12 meses da data de realização da pesquisa e foram escolhidos dentre os que haviam respondido às pesquisas de
abril e agosto de 2001. Nesse caso, a proposta foi essencialmente qualitativa, pois se pretendia explorar e aprofundar aspectos fundamentais para o aprimoramento do
programa. Por se tratar de um público composto por jovens, a técnica utilizada foi a de grupos de discussão, aplicando-se “dinâmicas que estimulam e facilitam a manifestação dos participantes, como simulações e jogos,
tornando a pesquisa quase lúdica. Tais dinâmicas ajudam
a atenuar dificuldades como inibição, timidez, desconfiança de determinados públicos. Isso é particularmente
útil no caso de jovens, segmento que geralmente se caracteriza por falas lacônicas, em código, em especial diante
de adultos.” (Fundação Seade, junho 2002:2).
A utilização de métodos de investigação qualitativa no
projeto de avaliação do programa justifica-se por sua adequação para captar dados de percepção dos beneficiários
em relação aos benefícios obtidos, ao significado da experiência realizada e ao potencial do programa como componente de uma política para jovens, contemplando a oportunidade de contato com o mercado de trabalho e a
construção da cidadania. Os resultados reforçaram os alcançados pelas pesquisas quantitativas anteriores, como
o tipo de atividade mais freqüente desenvolvida pelos estudantes no estágio, permitiram aprofundar outros aspectos, como o dos efeitos do programa para a vida profissional e pessoal dos jovens, e identificar novas dimensões,
como a possibilidade de existir discriminação de raça/cor
e de sugestões para o aprimoramento do programa, como
a revisão do período de seis meses para a experiência de
estágio e a interrupção do atendimento público assim que
concluída esta experiência.
189
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
capacitação para compreender as implicações dos objetivos gerais do programa para a execução de suas atividades rotineiras e realização dos objetivos específicos de
cada etapa de funcionamento. Quanto às condições infraestruturais para o exercício das atividades, chamaram a
atenção os indicadores de adequação dos espaços físicos
de trabalho, a oferta de linhas telefônicas, de computadores e de acesso à Internet.
Quanto às escolas, a pesquisa permitiu apontar limites
e problemas existentes, como a relação entre o número de
estudantes inscritos e de vagas para estágio, descompasso que se acentua quando são considerados o perfil social
da população-alvo e a localização da escola/residência do
aluno no território metropolitano. A isso se somam o tipo
e grau de participação ou envolvimento da escola no programa que pouco incorpora a facilidade que a escola oferece de contato diário com os estudantes.
Ao lado do beneficiário final, outro ator importante,
podendo-se dizer estratégico, para o programa são as
empresas ofertantes de vagas para estágio. Desde a sua
concepção, o mecanismo de adesão das empresas ao programa é voluntário, com a restrição relativa ao número de
vagas proporcional ao número de empregados da empresa. Com esse segmento, foram utilizadas duas técnicas de
pesquisa. A primeira, aplicada no início de 2001, consistiu em questionário de autopreenchimento enviado por
correio a todas as empresas participantes do programa.
Além do retorno não ter sido alto (cerca de 33% do universo), as informações obtidas não foram suficientemente satisfatórias para uma análise que visava identificar a
compreensão das empresas sobre o programa e os estagiários em treinamento, as condições de trabalho e os progressos alcançados em seu processo de formação. A crítica à época feita concluiu que o próprio instrumento de
coleta – um questionário – não era adequado para atender
a tais objetivos. Uma segunda técnica de pesquisa foi introduzida, com a coleta de dados qualitativos obtidos por
meio de entrevistas estruturadas realizadas com empresas
escolhidas segundo critérios predefinidos de classificação.
Nesse caso, alcançaram-se resultados analíticos mais satisfatórios, que permitiram reconhecer a heterogeneidade
de comportamento das empresas em relação ao programa
e das razões para sua adesão, bem como qualificar a inserção do estagiário quanto a treinamento, aprendizagem
e atividades desenvolvidas na empresa.
Por fim, a avaliação compreende também analisar o
funcionamento do programa, tendo-se por “propósito identificar aspectos críticos e gargalos que se interpõem na
atuação dos agentes envolvidos. É, normalmente, por meio
desse tipo de análise que questões aparentemente minimizadas por exigências práticas ou mesmo encobertas por
rotinas de trabalho se intensificam, adquirindo a relevância que em geral lhes cabe perante a realização dos objetivos do programa.” (Fundação Seade, novembro 2002:3).
Para atender a esse propósito, foram investigados os
agentes centrais no processo de implementação, quais sejam: o monitor, responsável pelo contato direto com a
população-alvo do programa; e a escola, na figura do responsável pelo programa, elo na divulgação do programa
e no apoio à inscrição dos alunos no programa. A pesquisa com esses agentes visou levantar informações qualitativas e se realizou por meio da aplicação de roteiros estruturados para entrevista.
Em relação aos monitores, são relevantes os indicadores de tempo de permanência na função e, em especial, de
TELECURSO 2000
A primeira avaliação do Telecurso 2000, como parte
do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador –
Planfor,11 elaborado e coordenado pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, foi feita em 2000,12 objeto de
contrato com a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo – Fiesp, entidade coordenadora do programa. No
ano seguinte o programa foi novamente avaliado, considerando-se a execução de 2001. A oportunidade dessa experiência veio carregada de desafios, que permitiram acumular novos conhecimentos à Fundação Seade. Em breves
palavras, tratava-se de um projeto de avaliação a ser executado em um prazo de apenas cinco meses, com coleta
de dados em diferentes locais do território nacional e que
pressupunha assimilar e aplicar a metodologia elaborada
pelo MTE/SPPE, com definição das dimensões e dos procedimentos de avaliação.
Para a agência coordenadora do Planfor, programas
precisam ser supervisionados e avaliados, atividades a
serem realizadas com entidades ou equipes diferentes, pois
se distinguem em dimensões fundamentais, como objetivos e foco. De acordo com o MTE/SPPE, a supervisão
tem por objetivo “monitorar ou medir a eficiência”13 de
um programa e constitui “ferramenta gerencial” que visa
“orientar e corrigir o processo, durante a execução do programa, e apoiar ou aprimorar sua gestão”. A avaliação,
sempre externa aos agentes executores, focaliza-se na
“mensuração da eficácia e da efetividade social de um
190
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
A metodologia do MTE/SPPE sugeria também que a
avaliação considerasse amostras representativas do universo de atendimento do programa. A dispersão nacional
das telessalas, combinada a razões operacionais de custo
e tempo para execução do projeto, forçou a introdução de
um segundo ajuste na metodologia proposta. Para a avaliação de 2000, adotou-se, como critério, a combinação
entre concentração espacial de telessalas e representatividade dos agentes parceiros da Fiesp, responsáveis regionais pela execução do programa. Para a de 2001, o
critério foi o de realizar as pesquisas em outros locais e
com outras entidades, distintos dos pesquisados em 2000.16
Se, por um lado, as escolhas feitas impediram que os
dados para análise fossem representativos do universo de
atendimento do Telecurso 2000, por outro, permitiram a
investigação aprofundada e o melhor entendimento dos
processos de implementação existentes. Além disso, a
escolha de bases territoriais distintas para 2000 e 2001
permitiu acumular conhecimento sobre o programa, em
decorrência da maior diversidade de situações e da ampliação da oportunidade de comparação entre os processos de implementação.
As dimensões consideradas para avaliação, por sua vez,
demandaram esforços de investigação distintos quanto às
fontes, procedimentos e instrumentos de coleta. Os dados
de fonte secundária compreenderam os documentos contratuais, instrucionais e orientadores do Planfor e do
Telecurso 2000, a base de dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (IBGE) e o Registro dos Alunos
Inscritos no programa. Nos dois anos de avaliação enfrentaram-se dificuldades no manuseio dos dados cadastrais
dos alunos do programa, decorrentes de problemas de preenchimento dos campos de informação sobre os inscritos,
de conceituação das variáveis de caracterização dos mesmos, de atualização dos dados cadastrais e de ausência de
controle da data de entrada das informações.17
A organização da coleta em fontes primárias foi precedida da identificação dos agentes de implementação do
programa e de suas atribuições básicas, conformando um
modelo de implantação, a priori construído, hierárquico
e vertical no processo de tomada de decisões. A recuperação e confirmação desse modelo em campo considerou
os agentes em todos os níveis da estrutura identificada,
utilizando-se de instrumentos de coleta especificamente
elaborados para atender aos propósitos de avaliar a eficácia e efetividade do Telecurso 2000.
Tendo-se por referência as atribuições dos agentes de
implementação, foram realizadas entrevistas estruturadas
programa”,14 e constitui “subsídio para a política pública” para “orientar o aprimoramento metodológico e conceitual do Planfor e prestar contas à sociedade”. Com propósitos diferentes, a supervisão desenvolve-se somente
durante a execução das ações e a avaliação externa ocorre também após o término do programa, procedendo-se
ao acompanhamento dos beneficiários (MTE, 2000:10).
Em face do foco proposto e dos objetivos visados, a
metodologia de avaliação dos programas só poderia ser
abrangente, compreendendo diferentes dimensões para se
medir a eficácia e a efetividade social, assim identificadas: foco na demanda do mercado de trabalho; atendimento
da população-alvo; adequação dos programas ofertados;
adequação das entidades executoras; produtividade e custos; gestão da parceria (ou do PEQ); gestão do Planfor;
impactos para os treinandos; e impactos como política
pública.15
Essa metodologia, contudo, estruturou-se a partir dos
Planos Estaduais de Qualificação – PEQs, de oferta de
cursos de capacitação ou requalificação profissional de
trabalhadores para que obtenham ou melhorem sua inserção no mercado de trabalho. Os cursos oferecidos restringem-se aos residentes de cada Estado brasileiro de atuação das Secretarias do Trabalho. O Telecurso 2000, por
sua vez, diferencia-se dos PEQs por visar a elevação da
escolaridade de jovens e adultos que não conseguiram
concluir o ensino básico na idade adequada, oferecendo
cursos de educação supletiva à distância. Assim, a despeito da influência que um maior nível de instrução possa
ter para a inserção profissional dos indivíduos, reconhecia-se que esse não era um resultado a ser dimensionado
de forma específica como o seria no caso de cursos de
formação profissional. Além disso, o Telecurso 2000 compreendia a instalação de telessalas espalhadas por diferentes regiões brasileiras.
Em decorrência, adaptações e ajustes precisaram ser
introduzidos. Em primeiro lugar, o projeto de avaliação
definiu hipóteses de investigação e, por decorrência, procedimentos metodológicos, fontes e instrumentos de coleta orientados pelo objetivo do Telecurso 2000 de elevar
a escolaridade da população. As análises baseadas em
dados secundários deram prioridade à segmentação da
população segundo o nível educacional em relação ao acesso ao ensino supletivo e ao grau de ensino concluído. E as
análises dos dados primários foram feitas após a adequação dos instrumentos de coleta para investigar as percepções e efeitos em diferentes dimensões pessoais e sociais
relacionadas à elevação da escolaridade.
191
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Avaliação de utilização de medidas de eficácia relacionadas à inserção no mercado de trabalho e níveis de renda,
os indicadores utilizados para avaliar a eficácia do
Telecurso 2000 representaram o esforço de se adequar à
avaliação aos objetivos desse programa, dando-se ênfase
a indicadores relativos à elevação ou recuperação da autoestima e à formação básica e cidadã.
Complementar à análise da eficácia, a avaliação incluiu
a análise da eficiência do programa. Ou seja, a avaliação
do Telecurso 2000 não só procurou dar conta da análise
sobre o cumprimento das metas físicas e financeiras solicitadas pelo Guia de Avaliação em capítulo específico
sobre otimização de custos, como compreendeu também
a exploração das condições organizacionais existentes dos
agentes envolvidos e dos recursos físicos como parte da
avaliação. A própria opção metodológica que privilegiou
a investigação segundo agentes regionais/locais possibilitou um ganho analítico adicional que confirma o pressuposto de que a implementação não constitui mera etapa
que operacionaliza decisões ou definições anteriores, tomadas na fase da formulação de programas. Não obstante
o modelo vertical de implantação do Telecurso 2000, os
agentes e as estruturas regionais/locais de implementação
influenciam os resultados do programa, em decorrência
de diferenças de recursos, dos mecanismos utilizados e
das formas de articulação com outros agentes e de mobilização da população.
A avaliação da efetividade social do programa não foi
plenamente atingida, mesmo se considerada a pesquisa com
os concluintes em 2001. Ao lado de indicadores, também
construídos para os alunos, relativos aos níveis de satisfação alcançados e do significado da elevação da escolaridade para sua vida pessoal, familiar e social, além da
profissional, com os concluintes a ênfase recaiu sobre os
indicadores de comparação entre as situações anterior e
posterior à realização do curso quanto a renda, inserção
profissional e alguns aspectos da vida familiar e social.
Longe de se considerar tais indicadores como de impacto, porque não seria de fato possível, a comparação feita
simplesmente mostrou as condições existentes em dois
momentos e, somente por hipótese, estabeleceu-se alguma relação causal entre a situação então atual e as ações
do programa.
A análise da efetividade social de um programa com
objetivos como os do Telecurso 2000 compreendeu também o significado social da promoção de ações para a elevação do nível de escolaridade da população para a expansão da cidadania e como parte constitutiva de uma
com o propósito de verificar o cumprimento dos objetivos e metas do programa e de identificar o funcionamento quanto à existência de dificuldades na execução, às articulações entre agentes de níveis diferentes e às formas
de relacionamento estabelecidas com a clientela potencial
e efetiva. Considerados os dois anos de avaliação, a coleta qualitativa foi feita com a entidade de coordenação
(Fiesp), os parceiros responsáveis, com atuação nacional
(Fundação Roberto Marinho, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Confederação Nacional da
Indústria e novamente a Fiesp), os parceiros organizadores, com atuação regional (Senai regionais, Instituto Superior de Administração e Economia da Amazônia e Viva
Rio) e os parceiros executores, com atuação local, constituídos por associações comunitárias ou de moradores,
órgãos públicos, sindicatos, cooperativas, etc. Ao lado
destes, foram também entrevistados supervisores do programa e orientadores de aprendizagem.
Em relação aos beneficiários, a metodologia de avaliação recomendava a investigação com treinandos e egressos dos programas. O tempo de implantação do programa
como parte do Planfor exigiu novas adaptações. A primeira
foi a de ajustar a denominação treinandos – mais adequada para cursos de capacitação profissional – à real clientela do Telecurso 2000, ou seja, alunos de ensino supletivo de níveis fundamental e médio. A segunda adaptação
decorreu do calendário de implantação do programa e de
duração dos cursos, pois o Telecurso 2000 não dispunha
de beneficiários que atendessem ao requisito de 90 a 180
dias após o término do curso e pudessem, assim, ser considerados egressos. Na avaliação de 2000, toda a clientela do programa freqüentava telessala. E para a de 2001 já
se contava com pequena parcela de beneficiários com término de curso, porém em prazo inferior ao requerido para
serem egressos. Alterando o foco de investigação para
concluintes, posto que mais adequados à real situação, foi
estruturado um novo grupo de pesquisa que considerou
os efeitos imediatos produzidos com o término do curso
sobre as condições pessoais e sociais dos beneficiários.
As informações levantadas nas diferentes fontes permitiram chegar a resultados analíticos sobre a eficácia e a
efetividade social do Telecurso 2000, apresentados em
relatório organizado segundo as dimensões de avaliação
demandadas pela metodologia, não sem ajustes em relação às recomendações do Guia de Avaliação do Planfor.
A avaliação da eficácia do programa foi atingida, validando os procedimentos adotados para a captação e análise dos dados. Diferentemente da orientação do Guia de
192
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
cional, com atividades de fortalecimento institucional das
agências de um programa e de definição e montagem de
sistemas de acompanhamento e de avaliação.
A metodologia do marco lógico e a de avaliação do
Planfor se distinguem pela forma como se relacionam ao
programa que delas faz uso, com forte associação ao próprio momento de seu desenvolvimento e aplicação. Sem
desconsiderar o fato de que desde sua origem haveria um
componente de avaliação, a metodologia dos programas
integrados ao Planfor só se definiu em momento posterior ao início da sua implantação. Se nessa forma de condução da política há um aspecto positivo de construção
em processo da metodologia com a contribuição de diversos atores, não sem polêmicas, permanece também a
sombra da dissociação entre a avaliação e as demais atividades dos programas. Apesar desse aspecto, tal metodologia se destaca pela clareza na distinção dos conceitos
de avaliação e de monitoramento e das atividades requeridas para seu desenvolvimento, bem como na proposição de dimensões para avaliação, possibilitando resultados analíticos baseados em uma interpretação integrada
do comportamento dos agentes, das atribuições das instâncias de implementação e da interação com as populações potencial e beneficiária.
Em relação à metodologia do Planfor, salientamos dois
diferenciais da metodologia recomendada pelo BID.19 O
primeiro reside no momento em que é montada a matriz
do marco lógico, simultânea à fase de definição do projeto de intervenção e anterior ao início de sua implantação.
Trata-se de um esforço que pode dar maior clareza aos
objetivos do programa, dos instrumentos e recursos necessários e de antecipação, pelo menos teórica, dos riscos
e oportunidades para atingir os resultados esperados. O
segundo diferencial dessa metodologia é o esforço de fazer da avaliação parte, de fato constitutiva, do processo
das políticas públicas. Ao introduzir, desde a montagem
da matriz, requerimentos para o diagnóstico das condições existentes e a definição de critérios para intervenção, o modelo metodológico recomendado propõe as bases que integram a avaliação às demais ações de um
programa. Uma integração que se constrói em duas direções. A primeira baseia-se na hipótese de que diagnosticar a realidade sobre a qual se pretende intervir já é parte
da avaliação. E a segunda funda-se no suposto de que esse
diagnóstico prévio é a condição para o acompanhamento
das mudanças nas condições sociais gerais e dos beneficiários de um programa após iniciada sua execução e ao
seu término. No atendimento desses requisitos é que se
política pública de emprego e renda. Conforme as conclusões apresentadas, “a execução do Telecurso 2000 converge na direção dos objetivos do Planfor, expressando,
de fato, avanço conceitual, ao integrar ações que visam
elevar a escolaridade em uma política nacional de geração de emprego e renda”. Um avanço identificado em três
dimensões: “ao promover um bem público de caráter universal às populações que não tiveram oportunidade social
de concluir a educação básica na idade adequada; ao propiciar a elevação do estoque de capital humano e, por
conseguinte, aumento da produtividade da mão-de-obra
e, portanto, aumento da competitividade da economia brasileira; e ao ampliar o escopo do sistema público de emprego para além de atividades de capacitação profissional e intermediação de mão-de-obra.” (Fundação Seade/
Fiesp, 2001:108).
ATUAÇÃO EM CORTIÇOS
E FÁBRICAS DE CULTURA
Os programas Atuação em Cortiços e Fábricas de Cultura, promovidos pela CDHU e Secretaria Estadual de
Cultura, respectivamente, são reunidos em um mesmo item
devido a seguirem a mesma metodologia de elaboração e
execução de projetos recomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, parceiro no financiamento. Para a Fundação Seade, essas experiências se diferenciam das anteriores em alguns aspectos que serão
enfatizados.
Dispor dos recursos financeiros do BID é também estruturar projetos seguindo parâmetros razoavelmente rígidos, definidos em metodologia complexa e ampla, denominada metodologia do marco lógico.18 Em linhas gerais,
a estruturação dessa metodologia parte da concepção de
políticas públicas como processo e estabelece os recursos
metodológicos que articulam a política pública, seus programas e projetos, e inter-relacionam o que seriam as etapas de um mesmo programa, desde o diagnóstico da população-alvo até a definição de critérios para intervenção.
Segundo seus pressupostos, a avaliação é constitutiva e
integrada ao próprio processo da política pública, programa e projeto. Para tanto, a ferramenta de base estrutura-se
em forma de matriz – a matriz do marco lógico – de organização, de um lado, dos objetivos, indicadores, meios de
aferição e fatores externos a influenciar os resultados do
programa e, de outro, da especificação dos objetivos geral
e específicos, componentes e atividades. Dentre os componentes, inclui-se, em geral, o desenvolvimento institu-
193
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
identifica a contribuição feita até o momento pela Fundação Seade para os programas Atuação em Cortiços e Fábricas de Cultura.
A parceria com a CDHU inicia-se com a colaboração
técnica na montagem da matriz do marco lógico do programa, feita por técnicos da própria Companhia e do BID.
Na continuidade do processo, a participação da Fundação Seade foi sistemática, com a realização de levantamentos, pesquisas e estudos de diagnóstico de cortiços.
Em Santos, as atividades restringiram-se à coleta e análise socioeconômica dos cortiços identificados pela CDHU
com base em mapeamento de uso do solo urbano já disponível. Em São Paulo, as atividades foram diversificadas e de maior extensão, compreendendo também a coleta e análise socioeconômica da população encortiçada,
precedida por levantamento cadastral de uso do solo para
identificação dos imóveis encortiçados. Essas atividades
somente se realizaram após a definição dos parâmetros
de estruturação da proposta de intervenção relativos às
alternativas de solução, aos mecanismos de acesso da
população e à escolha das cidades com a delimitação dos
setores de intervenção.
As técnicas utilizadas para o levantamento cadastral e
pesquisa socioeconômica seguem as usuais, à exceção dos
procedimentos adotados para a identificação dos imóveis
classificados como cortiços.20 A relevância da experiência, porém, residiu sobretudo nos esforços para integrar
as atividades desenvolvidas e os produtos elaborados às
necessidades do programa, a fim de subsidiar as etapas
subseqüentes de elaboração dos projetos para intervenção em um único setor, em Santos, e em nove setores delimitados em São Paulo.
Os dados cadastrais e socioeconômicos receberam tratamento georreferenciado, em formato Maptitude, contendo a identificação, lote a lote, do uso urbano. Nos lotes
classificados como cortiços foram adicionados dados de
caracterização física dos imóveis e socioeconômicos da
população residente, além de fotos. Os dados socioeconômicos foram também analiticamente tratados com base
em indicadores construídos para expressar o perfil sociodemográfico e educacional, as condições de renda e de
inserção no mercado de trabalho, estrutura de despesas e
comprometimento da renda, condições de moradia e avaliação da moradia atual. Dos resultados encontrados surpreendeu a elevada presença de famílias unipessoais, tendo sido objeto de análise mais aprofundada.21
A participação da Fundação Seade no programa Fábricas de Cultura, de implantação ainda não iniciada, foi
posterior à definição de seu objetivo de “buscar a inserção social, familiar e cidadã de crianças e jovens socialmente vulneráveis mediante a promoção de atividades
culturais”, mas simultânea às definições dos instrumentos de intervenção e escolha das áreas de atuação.
Consoante a uma estratégia de intervenção localmente
focalizada, mediante parcerias com entidades sociais existentes, reforma de instalações e construção de “fábricas
de cultura” em distritos do município de São Paulo com
concentração de população infantil e jovem e elevados
índices de violência, o ingresso da Fundação Seade no
projeto foi fundamental, pois atendeu aos requerimentos
técnicos para a escolha das áreas para implantação do programa. Assim, com base em metodologia especialmente
criada, a Fundação Seade elaborou o que se denominou
índice de vulnerabilidade juvenil (IVJ), construído a partir das variáveis: taxa anual de crescimento populacional
entre 1991 e 2000; percentual de jovens, de 15 a 19 anos,
no total da população dos distritos; taxa de mortalidade
por homicídio da população masculina de 15 a 19 anos;
percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 anos, no total de nascidos vivos; valor do rendimento nominal médio mensal, das pessoas com rendimento, responsáveis
pelos domicílios particulares permanentes; e percentual
de jovens de 15 a 17 anos que não freqüentam escola.
Como resultado, foram classificados todos os distritos da
capital segundo uma escala de 0 a 100 pontos, em que o
100 representa o distrito de maior vulnerabilidade, agrupados em cinco categorias. Do grupo cinco, com 19 distritos de maior vulnerabilidade juvenil, foram escolhidos
os nove distritos para intervenção. 22
Da mesma forma que as análises sobre os cortiços, a
criação desse índice, integrando-o às necessidades do programa das Fábricas de Cultura, introduz a avaliação ao
processo desses programas como atividade que também
analisa e identifica as condições sociais existentes da população a ser objeto de intervenção pública. Seja com a
coleta de dados para aprofundar e sistematizar o conhecimento da população, seja valendo-se do tratamento analítico e estatístico de dados, essas experiências são exemplos que podem contribuir para rever procedimentos, com
a incorporação do uso adequado de dados e informações
para fundamentar as decisões tomadas na definição de
propostas de intervenção pública.
A continuidade das atividades previstas para a Fundação Seade atende às demandas do programa Fábricas de
Cultura de estruturação de sistemas de acompanhamento
e avaliação. Ao lado da própria criação desses sistemas,
194
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
cutadas, metas físicas, metas financeiras, resultados apresentados, etc.), não pode ser confundido com produzir informações. Estas requerem procedimentos de coleta, como
a definição conceitual das variáveis, regras de consistência, com padronização e sistematização dos dados. Além
disso, recuperar informações exige procedimentos ágeis
para que se possa acompanhar a execução de programas e
identificar os problemas em seu processo de implementação. Portanto, dispor de indicadores de acompanhamento
e, se possível, organizados em sistemas estruturados por
variáveis estratégicas à avaliação de processo, é dispor
de instrumental que permita introduzir ajustes para adequar metas originalmente propostas, rever procedimentos
de execução, mobilizar novos recursos ou redirecionar
recursos alocados, dentre outros mecanismos que venham
a contribuir para ampliar a eficácia e a eficiência de políticas ou programas públicos.
A metodologia de acompanhamento e avaliação proposta pelo BID e o registro informatizado de inscritos e
empresas do Jovem Cidadão são subsídios à revisão de
conceitos e de procedimentos que podem conduzir à transformação de dados em informações. E se, além disso, o
propósito for o de tornar a avaliação atividade constitutiva do processo das políticas públicas, é preciso avançar
nas discussões para a estruturação de sistemas de informações para o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas.24
O segundo ponto é menos um questionamento e mais
um reforço do fato de que a atividade de avaliação se
realiza pela utilização de diferentes métodos da pesquisa
social. De acordo com Figueiredo e Figueiredo (1986:109),
os estudos de avaliação podem incluir “a pesquisa de populações por amostragem, a análise de dados agregados
(também chamada de contabilidade social), a análise de
conteúdo e a observação participante.” Na avaliação de
um programa ou política específica, contudo, não são todos os métodos de pesquisa social que devem ser utilizados; ao contrário, a sua escolha é feita por adequação aos
objetivos da política ou programa em análise, aos objetivos da avaliação e, algumas vezes, à especificidade do
público beneficiário. Diante dos propósitos da avaliação
e do programa, os estudos do Programa Jovem Cidadão
incluem a análise dos dados do programa, a pesquisa censitária de grupos de estagiários, entrevistas estruturadas e
grupos de discussão, por se considerar a necessidade de
informações qualitativas aprofundadas e pelo fato de o
público jovem ser mais refratário a entrevistas individuais.
E a avaliação do Telecurso 2000 incluiu a percepção do
segundo uma concepção que incorpora variáveis de gestão física e financeira do programa, essas atividades incluem a elaboração de instrumentos de cadastro dos agentes do programa – beneficiários, entidades sociais e
educadores de arte – e a realização de coleta domiciliar e
análise de dados socioeconômicos das nove áreas previstas para intervenção, acrescidas de uma décima, definida
para acompanhamento e controle das mudanças sociais
provocadas pela ação pública.23 Como resultado, essas
atividades possibilitarão construir, na linguagem do BID,
a “linha de base” do programa, seja com o diagnóstico
social prévio dos distritos, seja com o cadastramento dos
agentes à medida que ingressam no programa, condição
técnica necessária para o acompanhamento e avaliação na
fase intermediária de execução, final e após 12 meses de
término do programa, previsto para quatro anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As avaliações das ações públicas de provisão habitacional, intervenção em cortiços, oferta de educação supletiva a distância, estágio para estudantes de ensino médio e atividades culturais para populações socialmente
vulneráveis, mostram singularidades e regularidades que
se somam às reflexões sobre metodologias de avaliação,
em particular no campo das políticas sociais e sobre o lugar da avaliação no processo das políticas públicas. No
lugar da síntese dessas experiências, dois ou três pontos
devem ser colocados a título de conclusão.
O primeiro parte da constatação de fragilidade dos critérios utilizados no registro e armazenamento dos dados
dos programas públicos, dificultando e, por vezes impossibilitando seu acompanhamento e avaliação. Quadro semelhante ao que enfrentamos na utilização dos dados cadastrais no estudo de pós-ocupação habitacional e na
avaliação do Telecurso 2000, os analistas de políticas públicas sistematicamente também se deparam, dificultando a avaliação de processo, além de, muitas vezes, comprometer o acompanhamento gerencial dos programas.
Provocar a discussão para promover mudanças desse
quadro pressupõe dois referenciais: de ordem conceitual,
relativo ao entendimento do significado da “informação”
no processo das políticas públicas; e ordem operacional,
referente aos instrumentos que organizam os dados para
que possam ser recuperados segundo unidades de análise
padronizadas e com recortes temporais adequados. Assim,
coletar dados, que se materializam na forma de cadastros
ou registros de naturezas distintas (inscrições, ações exe-
195
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
9. No momento de elaboração deste artigo, nova pesquisa estava em
andamento, considerando-se os estudantes inscritos no programa no
mesmo período e encaminhados para uma vaga de estágio, distinguidos
em alunos admitidos em estágio e que não foram aceitos para estágio.
pesquisador dos ambientes regionais diferenciados decorrentes do modelo de sua implantação.
Por fim, a última questão reconhece que a posição ocupada pela avaliação situa-se na fronteira entre a produção
de conhecimentos e a sua aplicação prática para o aperfeiçoamento do sistema das políticas públicas, notadamente no campo das sociais.25 Os estudos realizados permitem identificar distinções, por vezes conflituosas, de
conceitos fundamentais à atividade de avaliação, com repercussões operacionais, e sugerem o aprofundamento das
noções de eficiência, eficácia e efetividade na avaliação
de políticas públicas e, de forma correlata, de resultados,
efeitos, mudanças e impactos. Em um outro plano, essa
questão também diz respeito às prioridades das modalidades de avaliação a serem desenvolvidas no interesse das
próprias prioridades da ação pública. Para tanto, é oportuno o questionamento de Vilmar Faria (2002:76) ao colocar que “mais importante talvez do que a avaliação de
impacto seja a avaliação de processo de uma política à
medida que ela vai sendo desenvolvida”.
10. O procedimento de coleta é o autopreenchimento, para o que tem
sido fundamental a parceria com a Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo, da Secretaria Estadual da Educação, que se responsabiliza pela distribuição e pelo retorno dos questionários.
11. O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador foi, em sua origem em 1995, estruturado para ser implementado por meio de Planos
Estaduais de Qualificação (PEQs), executados pelas Secretarias Estaduais do Trabalho e parcerias regionais ou nacionais firmadas para
projetos ou estudos específicos. À medida que era implantado, outras
parcerias foram sendo estabelecidas com heterogeneidade de ações,
como a firmada com a Fiesp para oferecer ensino supletivo de níveis
fundamental e médio para jovens e adultos.
12. O processo de avaliação estruturado pelo MTE/SPPE compreendeu, até 1999, somente os Planos Estaduais de Qualificação. A partir de 2000, os programas das parcerias foram incorporados a esse
processo.
13. Eficiência é “entendida como grau de aproximação entre o previsto e o realizado, em matéria de treinandos, carga horária, abrangência
espacial e setorial, aplicação de recursos, etc.” (MTE, 2000:8).
14. Eficácia “se expressa pelo benefício das ações de educação profissional para os treinandos, traduzido em obtenção ou manutenção de
trabalho, geração ou elevação de renda, ganhos de produtividade e
qualidade, integração ou reintegração social”. E efetividade social diz
respeito aos “impactos do Planfor como política pública, do ponto de
vista mais amplo das populações, comunidades ou setores focalizados” (MTE, 2000:8).
NOTAS
15. Para a avaliação de 2001, o Guia de Avaliação do Planfor redefiniu algumas dimensões de avaliação sem, contudo, os seus objetivos e
parâmetros básicos.
Este artigo é o resultado do trabalho coletivo de pesquisadores, analistas e funcionários da Fundação Seade e, em especial, dos técnicos da
Divisão de Estudos Especiais. Agradecemos em particular a Lilia Belluzzo
e Stella Christina Schrijnemaekers que leram versões preliminares.
16. Em 2000, a pesquisa foi feita nos municípios da região metropolitana, exceto a capital, e do interior do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, e nas cidades de Manaus/AM e Campina Grande/RN e, em 2001, nas cidades de São Paulo e Sorocaba e em cidades
das Regiões Norte e Nordeste.
1. Essas interpretações foram, em especial, desenvolvidas pelas Ciências da Administração que, nas primeiras fases da produção das políticas públicas, assumiram posição de preponderância por sua natureza
agregadora dos vários conhecimentos necessários à consecução de atividades burocrático-organizacionais. Ver Carvalho e Costa (1986).
17. O esforço do MTE/SPPE de montagem do Sistema de Informações
Gerenciais sobre Ações de Emprego (Sigae), apesar de bastante abrangente em relação aos programas executados, não incluía o Telecurso
2000 no período em que foi feita a avaliação.
2. Ao seu lado, o governo do Estado de São Paulo promove iniciativas
de outra natureza, como a urbanização de favelas, recuperação de áreas
de mananciais e, no período mais recente, de recuperação de cortiços
em grandes centros urbanos. Contudo, a escala dessas intervenções está
muito distante da oferta de novas unidades habitacionais que continua
sendo predominante.
18. Ver Banco Interamericano de Desarrollo, 1997.
19. Não é nosso propósito discutir a metodologia do marco lógico, que
contém outras vantagens e mesmo desvantagens, e nos ativemos exclusivamente à identificação de alguns aspectos e à forma como se tem
dado a participação da Fundação Seade.
3. O atendimento do critério data de entrega ficou parcialmente prejudicado em face de o predomínio da produção de moradias no município de São Paulo ter ocorrido somente em período mais recente.
20. Ver Fundação Seade/CDHU, maio de 2003.
21. Com base na metodologia do marco lógico, a Fundação Seade desenvolveu também projeto que detalha a metodologia de avaliação para
o Projeto Setorial Pari, no município de São Paulo, correspondente à
primeira fase de implantação do programa.
4. Ver Decreto estadual n 44.860, 27 abr. 2000.
o
5. Cabe observar que, em seu desenho original, a proposta de avaliação elaborada incluía também o esforço de investigação dos impactos
diretos e indiretos sobre a população beneficiária. Como se verá, a avaliação restringiu-se aos efeitos produzidos sobre os beneficiários do
programa.
22. A metodologia para a criação do IVJ e os resultados obtidos
estão disponíveis na página da Fundação Seade na Internet
<www.seade.gov.br>.
6. O gerenciamento do programa é feito pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo – Prodesp e os dados são organizados em duas bases: de alunos inscritos e de vagas ofertadas.
7. Ver <www:seade.gov.br>.
23. Essa pesquisa vale-se da experiência acumulada pela Fundação
Seade com a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), realizada desde
1990, orientada para a investigação das condições de pobreza da população urbana.
8. Ao longo desse período, vários aperfeiçoamentos foram introduzidos
nos boletins como resultado do diálogo com os gestores do programa e
de ajustes na base gerencial dos dados de inscritos e empresas.
24. Complementar, com perspectivas de integração, à montagem desses sistemas somam-se os cadastros únicos de beneficiários potenciais
implantado pelo governo federal em 2001, articulado aos programas
196
AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...
sociais de transferência de renda e em elaboração pelo governo do Estado de São Paulo, com o Cadastro Pró-social.
________ . Avaliação Externa do Programa Telecurso 2000. Relatório Final. Contrato Seade/Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo, jan. 2001.
25. Ou, como propôs Vilmar Faria (2002), de reestruturação do sistema das políticas sociais às condições socioestruturais do período mais
recente.
FUNDAÇÃO SEADE/SERT. Avaliação do Programa Jovem Cidadão:
Meu Primeiro Trabalho. Relatório de análise II: Pesquisa qualitativa com escolas que aderiram ao PJC. Contrato Seade/Sert, dez.
2002a.
________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro
Trabalho. Relatório IV: Pesquisa quantitativa com estagiários de
setembro de 2002. Contrato Seade/Sert, dez. 2002b.
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________ . Avaliação do Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro
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197
SÃO
198-204, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL
capacidade de conduzir ações
MARIA JOSEFA DEL CARMEN MARTINEZ SOTO
Resumo: O texto aborda a demanda cotidiana por planejamento no ambiente de trabalho, a necessidade de
desenvolver diretrizes de desenvolvimento institucional e a eficiência na produção e gestão. Associam-se, ao
desempenho da atividade de planejar, a capacidade de coordenação, a persistência e a motivação.
Palavras-chave: desenvolvimento institucional; coordenação; gestão.
Abstract: This text addresses the daily need for planning in the workplace, developing institutional guidelines
and obtaining efficiency in production and management. Associated with the activity of planning is the capacity
to coordinate, and the qualities of persistence and motivation.
Key words: institutional development; coordination; management.
tuições, a ação cotidiana pode não refletir as expectativas
de evolução; em organizações maduras, idéias de desenvolvimento estão refletidas em suas ações. A existência
de um corpo visível de políticas e de um plano viável de
médio prazo, resultado de muitas interações e avaliações,
pode ser o instrumento capaz de efetivamente promover
esta identidade.
É necessário precisar os objetivos, perguntar pelo seu
significado dentro da instituição, como é entendido, como
é gerado, em que tempo é possível obter resultados, qual
o impacto esperado e custo de adiar, quais as dificuldades esperadas e a experiência exigida. Este trabalho de
explicitar e explicar os problemas reorganiza o entendimento das questões, integra os diversos pontos de vista,
traduz as tendências em planos de ação concretos e
potencializa a experiência prática e as oportunidades de
melhoria.
Em suma, a consciência tem de estar presente
para que os sentimentos influenciem o indivíduo
que os tem, além do aqui e agora imediato
Damásio (2000)
Os planejadores têm que sair para o mundo. Uma vez lá fora,
eles precisam olhar para a sua empresa e se perguntar:
que relevância essas forças externas que vemos podem ter
para o mundo mais limitado de nossa própria empresa?
Geus (1998)
A
necessidade de planejar – mesmo vagamente declarada como “precisamos nos organizar para” –
pressupõe objetivos e demanda por coordenação.
Uma instituição se transforma em uma organização na
medida em que é capaz de perceber e organizar a experiência e as expectativas sobre o futuro, integrando cotidianamente o conhecimento, o conteúdo da comunicação, selecionando questões e inserindo ações em torno de objetivos
precisos que orientem as competências, os processos de
produção, as relações e as parcerias. A falta de clareza
alimenta uma cultura desordenada de enunciados sobre
demandas e insatisfações à espera de atenção. Nas insti-
PLANO DE TRABALHO E CONSCIÊNCIA
ORGANIZACIONAL
O grau de atenção à percepção e organização de novas
idéias, à qualidade dos resultados e aos fatos do ambiente
198
PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES
interno e externo, que desafiam a forma como estamos
atuando e exigem adaptações e ajuste de diretivas, revela
a disposição em planejar e ser propositivo na experiência. É objetivo do planejamento conhecer o grau de complexidade das situações, identificando, por vezes, o
“estresse” que o adiamento dos problemas já causou, configurar uma organização de equipes capazes de reconhecer os desafios e torná-los seus, desenvolver espaços de
aprendizado e propostas adequadas e estabelecer realizações no tempo e representá-las em um projeto para a organização.
O plano de trabalho pode ser entendido como a “consciência organizacional atualizada e disseminada” sobre
importâncias, objetivos, metas, recursos, resultados e prazos que orientam a gestão e norteiam a composição e a
harmonização da agenda interna e externa.
A construção desta consciência resulta do esforço contínuo em relacionar a multiplicidade de problemas singulares que se apresentam, eleger prioridades, comunicar e
explicar as necessidades e tendências do ambiente de produção e da demanda, atribuir responsabilidades e negociar compromissos dentro de uma visão de desenvolvimento. Este ideal do planejamento, muitas vezes, é alcançado
no âmbito de algumas funções da gestão ou da produção
e decorre da atenção que gerentes e funcionários atribuem
à captação, integração e avaliação da experiência local,
desenvolvendo ilhas de excelência. São sucessos pontuais,
dependentes de empenhos personalizados e de lutas diárias no sentido de comprometer os recursos institucionais
com produtos e prazos.
A qualidade do planejamento, entretanto, não se desenvolve da soma de planos pontuais e isolados bem-sucedidos, mas se evidencia no grau de responsabilidade e
coordenação constante com que a organização seleciona,
atribui e monitora um conjunto integrado de realizações.
A determinação de objetivos estratégicos, operacionais e
de coordenação é essencial, porém, insuficiente, sendo
necessário ainda, o interesse dos funcionários e da direção, a motivação em persistir e ter presente um saudável
sentido de urgência. A motivação para o planejamento tem
origem no real reconhecimento das situações insatisfatórias
que envolvem insegurança e incerteza e para as quais é
necessário somar esforços e coordenar impaciências, em
face do impacto no futuro da instituição. A motivação também pode vir da convicção de que é possível encontrar,
pela reflexão e pela arte de atuar em conjunto, uma visão
satisfatória e responsável, passível de ser traduzida em
ações. O sistema de planejamento em uma organização
pode ser avaliado pelo nível de coordenação e foco das
agendas – estratégica, gerencial e operacional –, pela agilidade e acuidade com que se antecipam desafios e inovações necessárias, pela capacidade de dimensionar, captar
e garantir os recursos exigidos e pela capacidade de
envolvimento e comprometimento responsável e integrado das competências diretivas e técnicas das principais
funções, que em instituições produtoras de informação
técnica e estatística podem ser resumidas como: identificação de necessidades de informação; proposição de novos projetos e produtos; desenvolvimento de metodologia
de pesquisa; captação e organização de dados e informações; análise; disseminação; comunicação interna e externa; adequação e inserção de tecnologia na otimização de
processos; e desenvolvimento das competências institucionais e individuais.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTO
EM INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DE
INFORMAÇÃO
O primeiro resultado da atividade de planejamento é
selecionar objetivos e avaliar sua pertinência. Para isso, é
necessário iniciar pelo estabelecimento de diretrizes para
o desenvolvimento institucional, para a qualidade da coordenação e para a efetividade do sistema de informações
em suas funções básicas: produção e disseminação da informação; e capacitação da produção. A demanda de produção tem origem em solicitações de informações por parte
da comunidade social e do governo. Para a comunidade,
é necessário que o sistema de produção seja pró-ativo e
estabeleça uma agenda que acompanhe a demanda por
explicação das principais questões e assegure o seu cumprimento. Com o governo é preciso negociar políticas,
conhecer os planos e desenvolvimentos esperados que
precisam de apoio de informações.
A atualidade do papel das instituições na geração, integração e disseminação de informações é referência para
determinar diretrizes, em cada estágio da sua maturidade
institucional. A atualidade se evidencia na relevância da
informação produzida, na integração do sistema de informações, no conhecimento antecipado das necessidades do
governo e usuários – resultantes de preocupações sociais,
econômicas ou governamentais –, nos esforços de integração e coordenação com outras fontes produtoras de informação, na disponibilidade da informação para aqueles
que têm sob sua responsabilidade a tomada de decisões,
nas inovações metodológicas de investigação estatística
199
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
e no uso adequado de padrões e instrumentos de trabalho.
Esta avaliação tem como objetivo a indicação das fragilidades acumuladas, dos aspectos restritivos e críticos e das
competências e oportunidades, subsidiando a formulação
das diretrizes para o desenvolvimento e a maturidade institucional aqui entendida como: capacidade de investimento em produtos e pesquisas; desempenho da produção junto
aos usuários; aproveitamento da experiência institucional;
e capacidade de articular parcerias com usuários e fornecedores de informação.
A aplicabilidade, o uso e o custo da informação produzida e a natureza e a freqüência com que as necessidades
dos usuários são atendidas definem a efetividade da produção de informações. Demandas mal enunciadas, falta de
diretórios de bases de dados e documentação da informação disponível, resultados da comparação entre cronogramas e custos reais e previstos e inadequações funcionais ou estruturais têm impacto no custo da informação
produzida. A falta de conhecimento sobre o programa de
disseminação das informações, a indisponibilidade das
bases de micro, macro e meta-dados, o acesso à informação e a falta de clareza nas diretrizes para a função de disseminação se refletem no uso da informação. Escassez de
formulações de uso das informações para atender à lógica
de decisão das políticas públicas, desequilíbrio na
priorização e na atribuição de recursos aos projetos, falta
de decisões sobre medidas e objetivos de integração e coordenação entre as informações produzidas e reações dos
usuários à resposta de suas necessidades são alguns fatores que têm impacto na aplicabilidade da informação. É
impossível enfrentar todos os desafios de uma só vez. Planejar é, antes de tudo, saber fazer escolhas viáveis.
Objetivos estratégicos bem definidos orientam a escolha das metas operacionais. Se os objetivos estratégicos
são expressos por um conjunto de indicadores, os problemas da produção provavelmente estarão entre as causas
críticas que conformam os indicadores insatisfatórios.
Estas causas críticas, analisadas e detalhadas sobre o aspecto da experiência, dos recursos exigidos e da viabilidade, organizados e orçados por projetos, fundamentam
o plano de trabalho. Na demanda por coordenação, têmse os objetivos da gestão: capacidade de prover e articular recursos de informação e conhecimento, recursos
organizativos, políticos e financeiros em função do tempo, prioridades estratégicas e operacionais concretamente estabelecidas no plano de trabalho, detalhado em projetos. O plano de trabalho em forma de projetos exige
capacitação, metodologia e sistemas de gestão.
Estabelecida a estratégia de desenvolvimento para as
competências organizacionais, é necessário completá-las
estabelecendo objetivos para as competências individuais
e das equipes: desenvolvimento, remuneração, avaliação,
processo de ascensão, dimensionamento e adequação do
quadro de pessoal. Estas condições são difíceis de se garantir em se tratando de instituições públicas. Entretanto,
tais restrições não devem inibir a criação de um processo
responsável de avaliação de possibilidades e formas de resposta, que devem ser contempladas no plano.
EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO SEADE
No período de 1991 a 1994, a Fundação Seade desenvolveu ações de planejamento, partindo do problema “O
usuário é pouco valorizado”. A explicação deste problema, usando a metodologia PES – Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvida por Carlos Matus,1 revelou
seis fatores críticos, entendidos como causa da situação
“O usuário é pouco valorizado”. Estes novos problemas
foram enunciados como:
- conhecimento pouco preciso do mercado que se quer
atingir;
- inadequação dos mecanismos de disseminação das informações;
- inadequação dos métodos de tratamento de informações;
- não existe “data-fatal”;
- informação não é considerada produto;
- não são claras as prioridades.
Este trabalho harmonizou de tal forma o entendimento
sobre a necessidade de atuar dentro desses objetivos que
suscitou novo impulso na comunidade Seade, uma nova
etapa do seu desenvolvimento. Esta experiência positiva
motivou a Fundação Seade a contratar o Prof. Carlos Matus
para ministrar um curso de PES, de 9 a 20 de maio de
1994. Um corte no orçamento, em 1995, resultou numa
quebra deste processo e conseqüente desmonte da equipe. Como legado, permaneceu uma cultura de pensar por
problemas, de estar atento a todos os pontos de vista dos
envolvidos, de analisar a governabilidade das situações,
de levantar o conhecimento sobre as questões de forma
participativa, subsidiando os responsáveis pelas decisões.
Em 2001, a Fundação Seade coordenou e desenvolveu
o plano de trabalho “Ações para o Desenvolvimento
Institucional”. Este projeto elegeu como diretriz duas qualidades essenciais às instituições públicas que produzem
informação socioeconômica: credibilidade social – garantir
200
PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES
a relevância, a fidedignidade, a qualidade e a disponibilização atualizada das informações necessárias à caracterização da dinâmica socioeconômica de um Estado
com a complexidade de São Paulo –; e aplicabilidade e
uso das informações produzidas – desempenho da produção Seade junto aos governo, parceiros institucionais, órgãos similares de pesquisa e atores sociais envolvidos com
o uso de informações.
O processo de trabalho se desenvolveu numa agenda
de conversações orientada por um roteiro que fundamentou
a dinâmica das reuniões e garantiu a identificação, o
aprofundamento e a seleção das questões relevantes que
se constituíram referência para analisar alguns aspectos
do desenvolvimento da Fundação Seade. “Prioridades e
preocupações” foram inicialmente identificadas e organizadas segundo temas: missão, indicadores de avaliação
externa, modelo organizacional, receita própria, infraestrutura, indicadores de avaliação interna, desenvolvimento do corpo técnico e administrativo, convivência,
seminários e eventos culturais. A cada âmbito de problemas foi aplicado um protocolo de questões em que se
procurou identificar o nível – alto, médio e baixo – das
dificuldades e da experiência da Fundação Seade. A
necessidade de amadurecer um modelo de organização que
pudesse compatibilizar a missão Seade e o atendimento
de projetos sob demanda, desenvolver visões integradas
entre os diversos grupos temáticos, divulgar a Fundação
Seade e desenvolver plano de carreira foram questões
classificadas como: dificuldade alta e experiência baixa.
Por outro lado, verificou-se que as questões pré-produzir
e disponibilizar resposta às demandas já conhecidas e
aperfeiçoar o diálogo entre as decisões da direção e do
corpo técnico, apesar de serem classificadas como baixa
dificuldade e alta experiência, continuavam sendo problemas não resolvidos. À criação de condições para estudo,
intercâmbio de conhecimento e atualidade foi atribuída
dificuldade baixa e experiência baixa. A aplicação deste
protocolo para conhecer a relação cognitiva do grupo diretivo
com os problemas foi de grande valia para ajustar a
consciência real sobre os desafios. As classificações nem
sempre se revelaram válidas no momento de atuar, mas foram
oportunas para construir uma nova compreensão sobre as
dificuldades.
Os atores, que de alguma forma tinham governabilidade sobre as ações projetadas, também foram
identificados: atores internos (diretores, governo, conselho curador, gerentes, técnicos, funcionários) e atores
externos (usuários, fornecedores de informação –
prefeituras, empresas, secretarias, ministérios, cartórios,
fontes de informação –, instituições similares no país e
no exterior e agências de fomento). Numa segunda etapa,
as importâncias da direção foram apresentadas ao Fórum
de Gerentes, que pôde, então, conhecer e contribuir com
as ações propostas. A colaboração dos gerentes e assessorias reafirmou a necessidade de pensar o Seade futuro,
fazer um esforço de antever a instituição nos próximos
dois e quatro anos, avaliar os eixos estruturantes do
conhecimento e das competências, desenvolver um novo
papel dentro do governo, universidades e institutos de
pesquisa.
O Plano Ações para o Desenvolvimento Institucional
priorizou a gestão de projetos, o aperfeiçoamento do modelo de organização e a adequação da infra-estrutura:
- Ação 1 – Desenvolver a gestão por projetos;
- Ação 2 – Adequar a infra-estrutura:
2.1 – pessoas (ações de atualização em pesquisa
social, políticas públicas, economia regional e construção de indicadores, capacitação avançada em
análise multivariada e amostragem e capacitação
básica em estatística para técnicos envolvidos com
pesquisa e não estatísticos);
2.2 – ambiência (disponibilizar um espaço de convivência e adequação do mobiliário);
2.3 – processamento (treinamento básico e avançado e programa de desenvolvimento de informática: organização e tratamento de bases de dados,
Internet, tecnologia, sistemas, hardware e software,
comitê consultivo de Internet, de tecnologia da informação, de avaliação de softwares estatísticos e
organização de bases de dados);
- Ação 3 – Aperfeiçoar um modelo de organização com
o objetivo de melhorar a sinergia entre a missão Seade e o
atendimento de projetos demandados;
- Ação 4 – Atuar na gestão de pessoal (concurso público,
programa de estágio, programas de incentivo a demandas
por capacitação técnica e gerencial);
- Ação 5 – Desenvolver a comunicação interna e externa
(seminários, pesquisa interna de opinião, matérias na mídia
e Internet, sala de imprensa na Internet, agenda de eventos comemorativos, palestras para públicos externos sobre a produção de informações, comunicação com o usuário, divulgação do publishop e do site do Seade).
Na seqüência, estabeleceu-se uma rede de facilitadores que se responsabilizaram por detalhar as ações e monitorar sua execução, subsidiando sistematicamente a di-
201
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
reção colegiada com indicadores de resultados e avaliações do nível de dificuldade encontrado.
Para o propósito deste artigo, cabe destacar o desenvolvimento da gestão de projetos. A Fundação Seade concentrou esforços no sentido de desenvolver conhecimentos, habilidades e instrumentos, visando incentivar a
coordenação de compromissos dentro de uma visão integrada, otimizar e acompanhar a alocação dos recursos,
coordenar e integrar as funções técnicas e funções administrativas para o melhor desempenho dos projetos. A
capacitação das gerências dentro de uma visão de conjunto da administração de projetos, do entendimento do
papel do gerente de projetos, da compreensão das características individuais e seu impacto no desempenho das
equipes de projetos também foi contemplada.
Entre agosto e dezembro de 2002, profissionais do
Seade, sob a orientação de uma equipe de professores da
FIA/USP, foram capacitados no modelo referencial de
gestão de projetos proposto pelo guia PMBoK – Project
Management Body of Knowledge – do PMI – Project
Management Institute. Para consolidar este aprendizado
e adequar sua utilização às especificidades dos projetos
Seade, o Comitê Seade de Gestão de projetos, em reuniões
coordenadas pela Fundação Instituto de Administração
(FIA), desenvolveu, no período de março a abril de 2003,
o Manual de Gestão de Projetos Seade, que define e detalha uma metodologia estruturada, buscando assegurar que
os vários elementos do projeto sejam coordenados. O
objetivo é oferecer um conjunto de diretrizes e procedimentos e identificar papéis (responsabilidades e autoridades) que possam servir de referência básica na condução das atividades da gestão de projetos.
O Manual de Gestão de Projetos Seade estabelece o
entendimento comum do que é um projeto, caracteriza os
tipos de projetos da Fundação Seade, estuda o ciclo de
vida dos projetos (Quadro 1), avalia a complexidade dos
projetos e estrutura uma metodologia identificando processos (Quadro 2), fluxos de trabalho e decisões, responsabilidades e desenvolvimento de funções para a organização de um sistema de informações que possa apoiar a
gestão por projetos.
Neste trabalho, o estudo sobre os fatores críticos que
têm impacto na complexidade dos projetos resultou nos
seguintes critérios:
- origem da demanda: governamental, institucional, interna e externa;
- complexidade técnica: metodologia (continuidade, adaptação, inovação); execução (desenho amostral – pequeno,
médio, grande –, estratégia operacional – continuidade,
adaptação, inovação) e tecnologia (existente, adaptação,
nova);
- recursos humanos: disponibilidade segundo o cronograma do projeto (disponível, não-disponível) e número
de pessoas alocadas no projeto (pequeno, médio, alto,
muito alto);
- áreas técnicas envolvidas: internas (uma gerência, mais
de uma gerência) e externas (não existem, existem instituições externas envolvidas na execução do projeto);
- custos: baixo, médio, alto;
- duração: pequena, média, grande;
- dificuldade de obtenção de recursos materiais: pouca,
média, alta (regras das instituições públicas).
QUADRO 1
Manual de Gestão de Projetos Seade: Ciclo de Vida dos Projetos
Fases do Gerenciamento dos Projetos
Fase Operacional
(comum a todos os tipos de projetos)
Execução
Planejamento
Controle
Iniciação
Encerramento
• Desenvolvimento da metodologia da pesquisa (elaboração do instrumental de coleta, consistência de dados e qualidade)
• Coleta de dados, desenvolvimento do plano de análise e plano tabular
• Geração das bases de dados e processamento do plano tabular
• Análise dos resultados
• Elaboração dos produtos finais
• Disseminação das informações
Fonte: Fundação Seade.
202
PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES
QUADRO 2
Manual de Gestão de Projetos Seade: Fases e Processos
1. Iniciação
2. Planejamento
3. Execução e
4. Controle
5. Encerramento
1.1 Analisar oportunidades
2.1 Definir equipe de planejamento
3.1 Detalhar o plano do projeto
5.1 Encerrar projeto
1.2 Autorizar o projeto
2.2 Detalhar o escopo do projeto
3.2 Executar o plano operacional
5.2 Finalizar a aceitação
2.3 Definir recursos e aquisições externas
3.3 Solicitar e acompanhar aquisições
5.3 Documentar aprendizado
2.4 Identificação de riscos
3.4 Executar plano de comunicação
2.5 Desenvolver cronograma
2.6 Estimar custos e preço
4.1 Controle de desvios de desempenho
2.7 Validar plano do projeto
4.2 Controle de alterações
2.8 Encaminhar decisão sobre o projeto
2.9 Preparar e acompanhar solicitações
de financiamento
2.10 Encaminhar decisão sobre o projeto
2.11 Preparar e acompanhar proposta técnica
2.12 Encaminhar decisão
Fonte: Fundação Seade.
O manual também descreve e detalha as responsabilidades de cada “papel”, identificando, para cada processo, o tipo de atuação: se executa, gerencia, apóia, aprova
ou acompanha. Convencionou-se definir “papéis” como
um conjunto de atribuições de trabalho ou roteiros organizados de modo a garantir a execução dos procedimentos. Em sua maioria, os papéis adotados no manual
independem da estrutura organizacional formal e são ocupados por profissionais do quadro, alocados temporariamente, de modo exclusivo ou não. Os papéis podem ser
subdivididos em decisórios, operacionais e de suporte. Os
decisórios são as atribuições de decisão sobre o projeto e
implica, necessariamente, que tenha correspondência com
as funções diretivas, ou com suas delegações formais. Os
papéis operacionais são as atribuições operacionais diretas da gestão e da execução do projeto, que tendem a ser
preenchidas por profissionais das áreas técnicas. Os papéis de suporte são atribuições de suporte e apoio administrativo à gestão e à execução do projeto, que tendem a
ser preenchidas por profissionais das gerências e assessorias. O Sistema de Informações da Gestão de Projetos,
ferramenta fundamental para o sucesso da gestão de projetos, também é descrito nas suas funcionalidades: deve
suportar os aspectos do projeto desde o início até o encerramento; pode incluir tanto sistemas manuais como
automatizados; deve ser integrado com os sistemas já existentes; e consolidar informações para a direção providenciando diversos níveis de informação.
Estão em fase de detalhamento as próximas ações: treinamento e teste da metodologia; aplicações-piloto para
cada tipo de projeto; atualização da versão atual do manual de gestão de projetos a partir do aprendizado nas
aplicações-piloto; adequação e expansão do atual sistema
de informações para suportar as funcionalidades da metodologia; e implantação do escritório de projetos.
Este trabalho de planejamento contribuiu ainda para o
significativo esforço de capacitação técnica, programas
de incentivo a novas especializações e atualização da
tecnologia da informação. Hoje, está em processo de
implementação o espaço de convivência e a diretoria retomou a demanda “Aperfeiçoar o modelo de organização
da Fundação Seade”.
NOTA
1. Economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos
de pós-graduação em Planejamento da Cepal e do Instituto Latino-Americano de Planificación Y Desarrollo (Ilpes) das Nações Unidas. Autor
de vários livros sobre planejamento. Presidiu a Fundación Altadir, Caracas, Venezuela.
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204
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 205-217, 2003
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
TENDÊNCIAS RECENTES
NO MERCADO DE TRABALHO
Pesquisa de Emprego e Desemprego
JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD
Resumo: Análise do mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo (1995-2002), associando-o às
diversas transições socioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vêm ocorrendo no Brasil, desde o início da década de 90. Para tanto, o autor utiliza-se da PED da Fundação Seade como fonte de informações.
Palavras-chave: mercado de trabalho; pesquisa de emprego e desemprego; informalidade.
Abstract: Analysis of the labor market in the Metropolitan Region of São Paulo (1995-2002), with consideration
given to the various socio-economic, technological and demographic transitions taking place in Brazil since
the early 1990s. For this purpose, the author draws on the Survey on Employment and Unemployment by
Fundação Seade.
Key words: labor market; survey of employment and unemployment; unrecorded economic activity.
E
ste texto examina as tendências recentes do mercado de trabalho na Região Metropolitana de São
Paulo, utilizando como fonte de informações a
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, da Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade.1 Ele contempla dois objetivos. O primeiro busca revelar a evolução e o comportamento do mercado de trabalho paulista,
associando-o, quando possível, às diversas transições socioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vem ocorrendo no Brasil, e suas regiões, desde o início da década
de 90.
De fato, em parte como imperativo da globalização dos
mercados e em parte pelo caminho natural de uma sociedade que busca continuamente, mesmo com pouco sucesso, crescer permanentemente, o país tem experimentado
várias transições, entre as quais, a abertura comercial, a
reforma do papel do Estado, a estabilidade de preços, o
avanço tecnológico, a integração em blocos econômicos,
o surgimento de formas atípicas de contrato de trabalho,
o avanço da negociação coletiva, a busca da flexibilidade
nas relações de emprego, as quais, entre outras, têm afetado significativamente o mercado de trabalho. Nesse sentido, a escolha do período, de 1995 até 2002, visou con-
templar a época recente, em que algumas dessas transições devem ainda estar produzindo seus efeitos definitivos, ou mesmo completando-se, com resultados importantes de serem verificados.
O segundo objetivo é o de revelar a importância da PED
como fonte de dados para investigações, pesquisas, testes
estatísticos e análises econométricas, assim como os mais
variados estudos que pretendam investigar o mercado de
trabalho de São Paulo, o que a torna muito mais importante do que reduzi-la à polêmica da taxa de desemprego
com a qual, algumas vezes, ela é identificada.2 De fato,
trata-se de uma ampla base de dados, com uma grande riqueza temática, que a torna uma rica fonte de informações, prestando-se a investigar os mais variados temas
sobre o mercado de trabalho, desde a evolução dos principais indicadores até as estratégias de sobrevivência dos
desempregados.3
Visando atingir esses objetivos, este texto foi estruturado da seguinte forma: a primeira seção resenha, sucintamente, as principais transições pelas quais tem passado
o país, desde o final dos anos 80, e início da década de
90, as quais produziram impactos no mercado de trabalho. A segunda seção mostra as flutuações do PIB brasi-
205
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
dade. O fim da inflação melhorou a distribuição da renda
em direção ao maior consumo de bens e serviços das classes mais pobres. Certamente um novo perfil de consumidor conduz a um novo perfil de produção que, embora não
seja radicalmente diferente, determina o surgimento e
desaparecimento de postos de trabalho específicos, com
implicações para a estrutura do emprego.
A segunda transição diz respeito à passagem de uma
economia fechada para uma economia aberta. O processo
de abertura comercial teve impactos setoriais bastante nítidos. Por exemplo, o setor industrial passou por uma forte reestruturação produtiva e organizacional, que levou à
perda de dinamismo da economia brasileira e uma diminuição sensível da mão-de-obra absorvida pelos seus diferentes ramos industriais, implicando profundas transformações na geração de empregos, em sua qualidade e nas
relações de emprego.
Além disso, destaca-se que a liberalização da economia vem acompanhada de um conjunto de características
que afetam também, de forma indireta, o mercado de trabalho. A maior abertura provoca um aumento na elasticidade-preço da demanda dos bens, assim como os avanços
tecnológicos vindos do exterior são fortemente poupadores de mão-de-obra. Esses são fatores que afetam o mercado de trabalho com conseqüências sobre o mercado de
bens e serviços.
A terceira transição refere-se ao surgimento e proliferação de formas atípicas de ocupação e de novos contratos de trabalho, requerendo mudanças institucionais em
todos os campos da vida econômica, originando um extenso e profundo processo de informalidade, o qual, no
mercado de trabalho, tem contribuído para a flexibilização das relações de trabalho. Uma das razões para tal informalidade, além das pressões advindas das mudanças
tecnológicas, diz respeito ao fato de a reforma trabalhista, a tributária e a previdenciária não terem se completado na última década no Brasil.
As dificuldades políticas, devidas ao conflito de
interesses entre empregadores, trabalhadores e governo,
resultaram em uma modificação parcial das leis trabalhistas. As alterações efetuadas, muitas inicialmente por
meio de Medidas Provisórias do Poder Executivo, trataram
dos principais componentes do contrato de trabalho, horas
e remuneração, introduzindo ou ampliando a adoção de
contratos alternativos ao contrato-padrão. O avanço das
práticas de flexibilização no mercado de trabalho, sem a
participação ativa dos sindicatos, tem limitado a padronização das novas regras e a ressonância dos seus efeitos
leiro e paulista indicando que o impacto dessas transições,
ocorrido no mercado de trabalho brasileiro, deve ter acontecido também em São Paulo. A terceira seção mostra a
evolução da PEA. A quarta seção revela as tendências da
ocupação. A quinta seção focaliza o desemprego aberto e
sua incidência entre os grupos populacionais. Na sexta
seção, apresenta-se a evolução do rendimento real dos
ocupados e a sétima seção traz as principais conclusões.
PRINCIPAIS TRANSIÇÕES BRASILEIRAS
NA DÉCADA DE 90
Observando-se a evolução recente da economia
brasileira, especialmente a partir do início da década de
90, é possível destacar um rol de importantes transições
econômicas, sociais, demográficas e tecnológicas, com
profundas implicações para a evolução do mercado de
trabalho e para as mudanças nas relações de emprego.
Essas transições devem ser entendidas como indo muito
além de sua influência sobre o nível das principais variáveis
que compõem o mercado de trabalho, afetando-lhe,
também, a dinâmica e as estruturas regional, setorial e
ocupacional.
Tais transições produzem certamente efeitos em praticamente todas as regiões e estados brasileiros, inclusive
nas áreas metropolitanas, onde se concentram os pólos mais
dinâmicos da economia brasileira, caso da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, objeto de análise neste
texto. Embora com impactos diferenciados quanto à sua
intensidade, e defasados no tempo, essas transições estão
presentes na evolução, no comportamento e nos resultados observados para o mercado de trabalho da RMSP,
razão pela qual elas são a seguir sumariadas.
A primeira transição, e talvez a mais importante, refere-se à passagem de uma economia inflacionária para outra, na qual se convive com a estabilidade de preços. O
controle dos altos níveis de inflação, que adveio do Plano
Real, trouxe consigo o fim do “imposto inflacionário”, com
implicações positivas para a diminuição dos índices de
pobreza. Por outro lado, o controle da inflação, por meio
da política monetária – altas taxas de juros, e controle do
déficit fiscal restringindo o crescimento econômico –,
originou taxas de desemprego aberto maiores, assim como
um aumento do trabalho informal.
A passagem de um regime de altas taxas inflacionárias
para outro de estabilidade de preços acarretou, para a sociedade brasileira, outros impactos sobre o mercado de
trabalho além da elevação do desemprego e da informali-
206
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
positivos, além de cooperar para o aprofundamento do
processo de informalidade, causando ainda uma diminuição das receitas do sistema de seguridade social público.
A quarta transição diz respeito a uma lenta modificação
do papel do Estado na sociedade, antes marcado por fortes
estímulos à promoção direta da produção, tanto no setor
público quanto no setor privado, e agora mais orientado
para a fiscalização e regulação da economia. Em particular,
o processo de privatizações promoveu ajustes no estoque
de mão-de-obra das empresas privatizadas, com implicações ainda incertas para o mercado de trabalho, quando
observado numa perspectiva de médio e longo prazos.
Existem ainda os efeitos indiretos decorrentes dessa
transição, pois na medida em que ocorre essa redefinição
da atuação do Estado limita-se a capacidade de formação
de poupança interna, comprometendo, conseqüentemente,
a capacidade de investimentos do país, com comprometimentos danosos para a absorção de mão-de-obra.
A quinta transição refere-se ao processo de inovação
tecnológica implementado no Brasil desde o início da
década de 90, nos primórdios da abertura comercial, como
instrumento de resposta às crescentes pressões por maior
competitividade e mais produtividade das empresas, decorrentes da globalização dos mercados. Por se tratar de
um dos principais fatores determinantes do grau de competitividade entre países, setores e organizações empresariais, essas inovações tornaram-se condição indispensável ao desenvolvimento econômico-social, sendo
processadas em níveis cada vez mais intensos, que levaram as empresas a repensar o modo de organização do
processo produtivo e as formas de gestão da produção,
causando impacto no emprego, na estrutura ocupacional,
no conteúdo do trabalho e nas relações de emprego.
Outro ponto que merece destaque na análise dos
reflexos das novas tecnologias sobre a dinâmica do emprego refere-se à capacitação dos trabalhadores, cujo nível
de exigência de qualidade, pelas empresas, torna-se cada
vez mais intenso. Os trabalhadores com pouca escolaridade
vão sendo excluídos do mercado de trabalho e substituídos
pelos mais capacitados e a com maior gama de competências.
A sexta transição refere-se ao elemento demográfico.
Embora o crescimento populacional venha diminuindo
sensivelmente há várias décadas, a pressão demográfica
herdada do passado ainda foi muito forte na década de
90, e continuará sendo até o final da primeira década do
terceiro milênio, quando os demógrafos afirmam que se
encerrará a atual transição demográfica brasileira.
O ainda forte crescimento da PEA brasileira, na última
década, continuou trazendo dificuldades para a absorção
de mão-de-obra pelo setor formal, com impactos no
mercado de trabalho. O primeiro deles refere-se à
contribuição demográfica para a ocorrência de altas das
taxas de desemprego, notadamente nas áreas urbanas do
país, onde se concentra grande parte das ocupações
brasileiras. O segundo refere-se ao surgimento da chamada
“onda jovem”, decorrente do nascimento, em décadas
passadas, de um grande número de pessoas, que agora
afluem à força de trabalho. Nesse contexto, na ausência
de um sistema de proteção social adequado aos desempregados, pressiona-se, simultaneamente, o desemprego
e a informalidade.
EVOLUÇÃO DO PIB
Esse conjunto de transições tem seu principal reflexo
na evolução da atividade econômica, tanto em âmbito
nacional como regional, inclusive em Estados e municípios. Em qualquer caso, a evolução do PIB condiciona a
evolução do mercado de trabalho, afetando seu comportamento e suas modificações ao longo do período em consideração.
Relativamente ao Estado de São Paulo, com grande peso
na economia brasileira, o impacto dessas transições deve
ser semelhante ao que ocorreu no país, o que pode ser
observado no Gráfico 1, no qual se verifica grande aderência entre as taxas de variação do PIB real brasileiro e
GRÁFICO 1
Variação Real Anual do Produto Interno Bruto
Brasil e Estado de São Paulo – 1992-01
Brasil
7,00
Em %
6,18
6,00
5,00
4,92
4,00
5,94
5,85
2,00
-3,00
4,36
3,84
2,66
2,65
3,70
3,27
-0,54
2,80
0,81
0,31
1,00
-1,00
-2,00
4,68
4,22
3,00
0,00
Estado de São Paulo
0,36
1,51
0,13
-2,50
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
207
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
o paulista. Nota-se, ainda, que as transformações ocorridas ao longo da década de 90 e início da primeira década
do século XXI causaram a redução das taxas de crescimento e o aumento do grau de volatilidade do nível de
atividade econômica, fatos que têm condicionado o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro (Chahad,
2003).
Diante dessas amplas transformações pelas quais passou, e continua passando, a economia, qual teria sido o
comportamento do mercado de trabalho paulista? Quais
mudanças têm ocorrido na absorção de mão-de-obra? Onde
a estrutura do emprego se modificou? Quais grupos populacionais perderam espaço e quais aumentaram sua participação no emprego? O que ocorreu com a qualidade do
emprego? Como evoluiu a remuneração entre setores e
entre categoriais ocupacionais? Quais são os grupos que
compõem o conjunto dos desempregados, especialmente
aqueles em situação de desemprego aberto? Quais são os
trabalhadores mais penalizados pelo desemprego aberto?
Essas e outras questões requerem uma análise das informações fornecidas pela PED.
contraposição, cresceu menos a PEA dos homens, a dos
chefes, havendo ainda decréscimo na PEA dos jovens e
da população analfabeta.6
GRÁFICO 2
Evolução da PIA, da PEA e dos Inativos
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
PIA
115,0
PEA
Inativos
Índice (Base: 1995=100)
114,5
113,0
112,1
111,0
110,0
109,0
108,1
107,0
106,0
104,5
105,0
102,9
103,0
103,8
106,2
103,2
107,5
103,6
103,9
103,4
101,9
99,9
99,0
1995
O COMPORTAMENTO DA PIA, DA PEA
E DOS INATIVOS4
103,5
101,7
101,0 100,0
105,1
110,2
108,9
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Em 1995, a PIA da RMSP era de aproximadamente 13,3
milhões de pessoas, sendo 8,1 milhões de economicamente
ativos e 5,2 milhões de inativos. De acordo com o Gráfico 2, entre 1995-2002, houve crescimento desses três grupos populacionais, mais acentuadamente da PEA (14,5%),
vindo a seguir a PIA (10,2%) e os Inativos (3,4%), fazendo com que a PIA passasse para 15,1 milhões de habitantes, a PEA para 9,6 milhões, e os Inativos para 5,5 milhões de habitantes.
Tais cifras indicam que, apesar do agravamento das
condições do mercado de trabalho, houve um aumento da
taxa de participação na força de trabalho (relação PEA/
PIA) de 61,1%, em 1995, para 63,5%, em 2002. Isso significa um maior engajamento da população na atividade
econômica, independentemente das condições adversas por
ela experimentada. Esse resultado não significa, contudo,
que o aumento da participação ocorreu em todos os grupos populacionais.
De fato, o Gráfico 3 mostra que o impacto da atividade
econômica, assim como decorrentes de fatores socioculturais, fez crescer mais rapidamente a PEA feminina, a
dos cônjuges,5 a dos indivíduos acima de 18 anos, assim
como a PEA do pessoal semiqualificado e qualificado. Em
GRÁFICO 3
Crescimento da PEA, segundo Atributos Pessoais (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
40,0
Em %
33,1
29,2
27,7
30,0
19,6
17,7
20,0
22,2
11,8
10,2
-23,0
-30,0
Escolaridade 3 (2)
Escolaridade 1 (2)
Escolaridade 2 (2)
-20,0
18 a 59 anos
10 a 17 anos
Filho
Cônjuge
Chefe
-10,0
Mulheres
0,0
Homens
10,0
-19,6
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.
(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3:
Superior Completo.
208
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
EVOLUÇÃO DO PESSOAL OCUPADO
GRÁFICO 5
Evolução da PEA e da Ocupação
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
115,0
112,1
111,0
109,0
108,1
106,0
104,5
100,7
101,0
99,0
106,5
106,9
2001
2002
104,4
102,9
103,0
101,1
99,9
100,0
1995
1996
1997
8,9
5,9
7,7
Escolaridade 3 (2)
Escolaridade 1 (2)
-30,0
Escolaridade 2 (2)
18 a 59 anos
Filho
Chefe
10 a 17 anos
-20,0
Cônjuge
-10,0
Mulheres
0,0
-25,1
-40,0
-42,0
No caso do trabalho jovem, adiciona-se, ainda, o avanço
da legislação procurando coibir o trabalho infantil, com a
elevação da idade mínima para ingressar no mercado de
trabalho, além dos esforços em aumentar a taxa de ingresso
escolar, elevar a taxa de permanência na escola e reduzir
a taxa de evasão escolar (Chahad; Portela Souza, 2003).
Ainda que de forma menos articulada, mas em volume
crescente, as transferências de recursos às famílias carentes
devem ter contribuído para a redução do trabalho infantil
e dos jovens em geral. No caso do trabalho não-qualificado,
trata-se de um imperativo das novas tecnologias que
exigem trabalhadores cada vez mais educados e mais bem
treinados para exercer qualquer ocupação. Nessa perspectiva, até mesmo o próprio exercício da cidadania
somente pode ocorrer em sua plenitude com níveis
crescentes de educação.
110,0
105,0
10,0
15,0
13,9
12,4
114,5
113,0
107,0
22,6
17,2
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.
(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens. Fundamental Completo e Ens. Médio Incompleto; 3:
Superior Completo.
Ocupação
Índice (Base: 1995 = 100)
Em %
20,0
-50,0
GRÁFICO 4
PEA
30,0
Homens
O comportamento da ocupação global encontra-se no
Gráfico 4. Verifica-se que houve um crescimento muito
pequeno, em torno de 6,9% no período, abaixo, portanto,
do crescimento da PEA, que foi de 14,5%. Esse fraco crescimento do emprego parece ser um dos responsáveis pelo
grande aumento do desemprego nesse período, juntandose às pressões demográficas decorrentes de altas taxas de
natalidade verificadas em passado recente, as quais promoveram a chamada “onda jovem”, com significativos
contingentes de indivíduos ainda jovens ingressando maciçamente na força de trabalho, em condições de baixo
nível de absorção de mão-de-obra.
Crescimento dos Ocupados, segundo Atributos Pessoais (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
1998
100,5
1999
2000
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Atributos Pessoais
O lento crescimento da ocupação global mascara uma
evolução bastante diferenciada entre os grupos que compõem a população ocupada, conforme indica o Gráfico 5.
A ocupação feminina, dos cônjuges, dos adultos e dos
indivíduos com ensino médio (pessoal semiqualificado)
cresceram bem acima da ocupação total. Em contraposição, os jovens entre 10 e 17 anos e os analfabetos tiveram
um crescimento negativo em sua ocupação. Claramente,
o impacto das transformações socioeconômicas causou a
discriminação do trabalho jovem e do não-qualificado.
Comportamento da Ocupação segundo a
Atividade Econômica
Aqui aparecem mudanças profundas no mercado de
trabalho. De acordo com o Gráfico 6, enquanto o emprego no setor privado expandiu-se pouco, houve uma diminuição absoluta do emprego no setor público paulista, da
ordem de 2,8%, indicando um relativo sucesso no ajuste
do emprego público empreendido pelo governo estadual.
209
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Essa situação é mais dramática quando se observa a
evolução do emprego de acordo com os ramos da atividade econômica: enquanto os Serviços cresceram bem acima da média, o emprego no Comércio praticamente ficou
estagnado entre 1995 e 2002, e a Indústria sofreu um declínio em sua ocupação de cerca de 13,5%.
te o contingente de trabalhadores informais. Dentre esses, os grupos que mais cresceram na RMSP foram os de
trabalhadores autônomos e, principalmente, os de assalariados sem carteira de trabalho assinada, conforme revela
o Gráfico 7. Nota-se que o crescimento da absorção de
mão-de-obra na forma de carteira de trabalho assinada
ocorreu em praticamente todos os tamanhos de estabelecimentos, mas em maior percentual nas grandes empresas
conforme mostra o Gráfico 8.
GRÁFICO 6
Crescimento dos Ocupados, segundo Setores de Atividade
Econômica (1) e Setores de Ocupação
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
20,0
GRÁFICO 7
Evolução dos Assalariados com Carteira e
sem Carteira Assinada e dos Autônomos
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
Em %
16,8
15,0
Com Carteira Assinada
10,0
6,8
140,0
Sem Carteira Assinada
135,7
5,0
0,0
Indústria
-10,0
-15,0
135,8
1,2
Serviços
Setor
Privado
122,7
-2,8
Setor
Público
120,0
110,0
109,0
117,0
108,0
100,0
100,9
100,0
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Setores de atividade econômica selecionados.
114,5
108,1
125,8
118,3
115,2
-13,5
134,8
129,6
130,0
Comércio
-5,0
Autônomos
Índice (Base: 1995 = 100)
95,3
98,6
92,6
92,7
1997
1998
91,0
99,9
93,5
90,0
1995
Parte desse declínio pode ser atribuído à mudança no
padrão de emprego que acompanha o surgimento de uma
sociedade de Serviços, mas a explicação mais plausível é
a do impacto da abertura comercial e a conseqüente introdução de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, que
obrigaram as empresas industriais a reorganizar sua estrutura de emprego, buscando tornar-se mais competitivas, tanto no plano interno, quanto, principalmente, no
comércio internacional.
1996
1999
2000
2001
2002
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
GRÁFICO 8
Participação dos Assalariados do Setor Privado,
segundo Tamanho da Empresa (1) e Tipo de Contratação,
sobre o Total de Assalariados do Setor Privado
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
30,0
1995
Em %
27,5
23,2
25,0
Trabalho Assalariado e Jornada de Trabalho
2002
20,0
15,0
Seguindo uma tendência que tem se verificado desde
meados da década de 80, as mudanças na atividade produtiva, associada a outros aspectos, como baixo nível de
escolaridade da força de trabalho, pressão demográfica,
desequilíbrios regionais, distribuição desigual da renda e
políticas incipientes de amparo aos desempregados, têm
determinado o surgimento de formas atípicas de ocupação, muitas de qualidade precária, aumentando rapidamen-
10,0
5,0
7,0
4,6
8,1
4,6
0,9
0,0
Até 5 Empregados
Com Carteira
Assinada
Até 5 Empregados
Sem Carteira
Assinada
500 Empregados
ou Mais Com
Carteira Assinada
1,8
500 Empregados ou
ou Mais Sem
Carteira Assinada
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Tamanhos da empresa selecionados.
210
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
A Forma de Inserção Ocupacional e a Terceirização
Deve-se observar, também, que a ocupação com carteira de trabalho assinada, de natureza formal, após cair
continuamente até 1999, voltou a se recuperar, mesmo sem
um crescimento muito vigoroso da atividade econômica.
Isso se deve a dois fatos: a retomada das exportações logo
após a desvalorização cambial ocorrida em janeiro de 1999
e, principalmente, o impacto do programa Simples do
governo federal, de unificação de tributos e redução de
alíquotas, o qual trouxe benefícios na contratação com
carteira assinada para as pequenas e médias empresas
(Chahad; Macedo, 2003).7
Além do forte crescimento dos assalariados sem carteira de trabalho assinada houve outros efeitos sobre os
trabalhadores, particularmente sobre a jornada de trabalho na economia paulista. De fato, de acordo com as informações do Gráfico 9, cresceu, nos principais ramos da
atividade econômica, o grupo de ocupados assalariados
trabalhando mais que a jornada de trabalho legal determinada pela Constituição Federal.
O pequeno crescimento da ocupação global, da ordem
de 6,9% oculta um crescimento bastante diferenciado quando observado do ponto de vista da inserção ocupacional
dos trabalhadores, conforme mostra o Gráfico 10, ou da
evolução dos trabalhadores terceirizados (subcontratados)
em relação aos demais trabalhadores, apresentada no Gráfico 11. Ademais, percebe-se uma evolução também diferenciada ao longo do tempo.
GRÁFICO 10
Evolução dos Ocupados, segundo Grupos de Ocupação (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
Tarefas de Direção, Gerência e Planejamento
Tarefas de Execução
Tarefas de Apoio
120,0
Índice (Base 1995 = 100)
117,3
110,0
Assalariados Trabalhando Mais que a Jornada Legal,
segundo Setores de Atividade (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
105,0
101,0
100,0
99,6
Serviços
55,1
55,1
111,5
111,4
103,0
102,5
103,6
99,2
99,1
56,0
57,5
1995
62,2
59,2
53,9
52,1
1996
1997
1998
37,4
36,6
1996
1997
1998
2000
2001
2002
54,8
49,6
37,0
1999
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Grupos de ocupação selecionados.
58,4
53,8
49,9
59,1
61,1
GRÁFICO 11
45,0
35,9
115,8
108,5
102,7
99,5
115,7
95,0
Em %
55,5
55,0
Construção Civil
110,0
109,2
104,5
100,0
65,0
111,4
110,1
GRÁFICO 9
Comércio
116,5
115,0
38,3
39,7
38,2
38,8
2001
2002
Evolução dos Ocupados Terceirizados do Setor Privado
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
35,0
1995
1999
2000
Subcontratados
Demais
155,0 Índice (Base: 1995= 100)
150,0
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Setores de atividade selecionados.
145,5
145,0
135,0
Na realidade, é possível que tal resultado reflita o próprio crescimento do trabalho assalariado sem carteira de
trabalho assinada, no qual, possivelmente, as restrições
legais à jornada de trabalho estão menos presentes. De
qualquer forma, a jornada de trabalho acima da legalmente
determinada, parece ser uma prática comum em determinados setores, como, por exemplo, no Comércio e na Construção Civil, em que, regra geral, mais de 50,0% dos assalariados encontram-se nesta condição de trabalho.
125,0
121,9
119,6
115,0
115,0
105,0 100,0
103,4
104,7
98,2
97,4
96,5
107,0
106,2
97,3
96,9
95,0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
211
2002
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
estar recebendo os benefícios do seguro-desemprego, por
um prazo bastante limitado.8
As informações da PED indicam, após a estabilização
trazida com o advento do Plano Real, um crescimento
acelerado do desemprego aberto, da ordem de 53,9%, no
período 1995-2002 (Gráfico 12). Com o fim da inflação,
ele passou a ser o vilão da economia brasileira, a preocupação da maioria dos trabalhadores e um mal a ser combatido pelo governo. Apesar da magnitude dessa cifra, a
situação é mais dramática quando se investiga a incidência do desemprego aberto segundo com as características
dos trabalhadores nessa situação.
De fato, embora o conjunto dos ocupados em Tarefas
de Direção, Gerência e Planejamento tenha acrescido cerca
de 16,5% entre 1995 e 1998, sua absorção declinou bastante desde então até 2002. Em contraposição, após uma
estagnação até 1998, cresceu bastante o emprego de trabalhadores nas Tarefas de Execução, bem como o emprego daqueles em Tarefas de Apoio.
Tal comportamento deve representar um ponto de inflexão no chamado “ajuste produtivo” a que se submeteu
o setor produtivo nacional, notadamente após a abertura
comercial ocorrida no início dos anos 90. A isso se soma
o processo de inovação tecnológica experimentado pelo
país, e já mencionado neste texto. Em ambos os casos, o
reflexo inicial parece ter sido o de preservar a mão-deobra mais treinada, mais educada, mais experiente, utilizando-a inclusive em maior proporção, tendo em vista a
reorganização dos recursos humanos da empresa. Após
essa fase, houve uma recuperação do emprego dos trabalhadores mais diretamente ligados ao processo produtivo, principalmente após a desvalorização cambial de 1999,
quando a economia voltou a crescer, ainda que modestamente.
A evolução dos trabalhadores terceirizados revela um
crescimento vigoroso de cerca de 45,5% entre 1995 e 2002,
bastante acima do crescimento verificado para o total de
ocupados, ou mesmo dos assalariados ocupados. Dentre
as possíveis explicações, duas se destacam. Em primeiro
lugar, um fenômeno estatístico: em 1995, os subcontratados representavam apenas 2,4% do total de assalariados ocupados e somente 4,3% do total de assalariados
do setor privado. Ou seja, com uma base inicial pequena
(pequena participação relativa), o crescimento dos terceirizados foi superdimensionado. A explicação mais importante, entretanto, diz respeito ao crescimento da subcontratação como expediente para contornar questões relativas
aos custos do trabalho, em direção a flexibilizar ainda mais
as formas de contratação da mão-de-obra (Zockun;
Chahad, 2003).
GRÁFICO 12
Evolução da PEA e dos Desempregados em
Situação de Desemprego Aberto
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
PEA
160,0
Desempregados
Índice (Base: 1995 = 100)
153,9
150,0
145,3
140,7
140,0
137,7
134,5
130,0
119,6
120,0
114,3
110,0
100,0
100,0
1995
102,9
1996
104,5
1997
106,0
1998
108,1
1999
110,0
2000
112,1
2001
114,5
2002
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Atributos Pessoais
Pela evolução do desemprego aberto segundo esses
atributos (Gráfico 13), pode-se constatar que os grupos
mais penalizados foram os de mulheres, cônjuges, trabalhadores adultos (com mais de 18 anos), e pessoal com
educação intermediária e superior.
Destaca-se, também, o forte crescimento do desemprego
dos chefes de família, que, em parte, explica o crescimento igualmente forte do desemprego dos cônjuges, uma vez
que o chamado “efeito-renda” negativo, decorrente da
queda abrupta nos ganhos dos maridos (devido ao desemprego), induz mais mulheres casadas a ingressar na força
TENDÊNCIAS DO DESEMPREGO ABERTO
Dentre as categorias de desemprego investigadas pela
PED (total, aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto
pelo desalento), o desemprego aberto merece destaque,
pois se refere à situação mais dramática do ponto de vista
de sobrevivência de quem se encontra nesta condição: o
desempregado não está envolvido em nenhuma atividade
que lhe garanta alguma renda, podendo, eventualmente,
212
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
de trabalho buscando complementar o orçamento familiar
e acabam por se tornar, também, desempregadas, diante
da escassez generalizada de oportunidades de emprego.
O aumento do “desemprego de longo prazo” deve-se,
principalmente, a razões de natureza estrutural no mercado de trabalho. Uma delas refere-se ao baixo nível de escolaridade da força de trabalho brasileira, dificultando sua
absorção num contexto de rápido avanço tecnológico, em
que as empresas necessitam de trabalhadores cada vez mais
educados, mais bem treinados e mais versáteis. Em outros termos, existe um descompasso entre o perfil de trabalhador requerido pelo setor produtivo e o conjunto de
requisitos existentes na oferta de trabalho, o que acaba se
transformando em “desemprego de longa duração”.
GRÁFICO 13
Crescimento dos Desempregados em Situação de
Desemprego Aberto, segundo Atributos Pessoais (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
Em %
91,1
72,0
88,5
78,6
72,8
70,0
GRÁFICO 14
53,3
Tempo Médio de Procura por Trabalho
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
45,2
55
Escolaridade 3 (2)
Escolaridade 2 (2)
Escolaridade 1 (2)
10 a 17 anos
51
50
18 a 59 Anos
Filho
Cônjuge
Chefe
Mulheres
Em semanas
8,2
4,4
Homens
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
48
48
2000
2001
44
45
40
35
35
28
30
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.
(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3:
Superior Completo.
25
24
22
20
1995
1996
1997
1998
1999
2002
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
A Procura por Trabalho9
GRÁFICO 15
Além do forte crescimento do desemprego aberto, bem
como da sua incidência em grupos específicos da PEA,
alguns entre os mais vulneráveis, verificou-se um agravamento ainda maior das condições de desemprego na medida em que o tempo médio de procura por trabalho passou de 22 semanas, em 1995, para 51 semanas, em 2002,
ou seja, um aumento de cerca de 150,0% no tempo necessário para a obtenção de um novo emprego (Gráfico 14).
Ademais, elevou-se substancialmente o conjunto de
trabalhadores que compõem o chamado “desemprego de
longa duração”, referente àqueles desempregados há mais
de um ano buscando trabalho. De fato, de acordo com o
Gráfico 15, a participação desse grupo, que correspondia
a 6,4% do total de desempregados, em 1995, passou para
24,1%, em 2002. Diminuiu bastante, portanto, a participação dos desempregados obtendo uma nova ocupação em
menos de 30 dias: em 1995 eles eram 29,9% do total, passando para 14,6% em 2002.
Participação dos Desempregados, segundo
Classes de Tempo de Procura por Trabalho (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
Procurando há até 30 dias
Procurando há mais de 1 ano
30,0 Em %
29,9
26,5
21,8
23,6
22,3
24,1
23,4
20,0
17,7
14,1
10,0
10,0
6,4
14,6
15,5
16,9
14,6
7,0
0,0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Classes de tempo de procura por trabalho selecionadas.
213
2002
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
Outro problema diz respeito à falta de estrutura de serviços de apoio para atender o trabalhador desempregado
em sua busca por trabalho. Em primeiro lugar, o país não
dispõe de um conjunto bem desenvolvido de políticas ativas que complementem o programa de seguro-desemprego brasileiro.10 Em segundo lugar, apesar dos esforços do
governo federal na década de 90, o país não conta ainda
com um sólido Sistema de Emprego, cujo papel é articular as diversas políticas (ativas e passivas) voltadas para
o mercado de trabalho. Isso possibilitaria melhorar o processo de intermediação da mão-de-obra com a finalidade
de oferecer uma assistência mais eficiente ao trabalhador
buscando um novo emprego. Por último, parte desse desemprego estrutural decorre das dificuldades em se organizar adequadamente a oferta de treinamento profissional, a fim de reduzir o descompasso entre oferta e demanda
de trabalho.
GRÁFICO 16
Construção
Civil
Serviços
Comércio
Indústria
Setor Público (2)
Setor Privado (2)
Com Carteira
Assinada (1)
Sem Carteira
Assinada (1)
Total dos
Ocupados
0
Emp. Domésticos
0,05
Autônomos
Em %
Assalariados
Crescimento do Rendimento Médio Real dos Ocupados,
segundo Posição na Ocupação, Forma de Contratação,
Setor de Ocupação e Setor de Atividade Econômica
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
-0,05
-0,1
-0,08
-0,09
-0,15
-0,17
-0,2
-0,3
-0,22
-0,21
-0,25
-0,22
-0,26
-0,28
-0,26
-0,28
-0,35
-0,4
-0,39
-0,41
-0,45
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Assalariados do setor privado.
(2) Assalariados totais.
COMPORTAMENTO DO RENDIMENTO
MÉDIO REAL DOS OCUPADOS
GRÁFICO 17
A evolução dos ganhos reais dos trabalhadores paulistas na RMSP revela um quadro dramático de queda acentuada durante todo o período analisado. Ao final de 2002,
os rendimentos reais tinham se reduzido cerca de 28,4%,
não havendo qualquer recuperação durante este período.11
Apoio
Execução
Direção,
Gerência e
Planejamento
Demais
Em %
10,0
Subcontratados
Crescimento do Rendimento Real Médio, dos Assalariados do Setor Privado,
e dos Ocupados Totais, segundo Grupos de Ocupação (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
0,0
Forma de Contratação e Ramo de
Atividade Econômica
-2,1
-10,0
Houve uma significativa queda no rendimento real
(Gráfico 16) em praticamente todos os grupos de trabalhadores que compõem o conjunto dos ocupados da economia paulista. Também setorialmente esta queda ocorreu de forma indiscriminada. No caso das formas de
contratação ou ocupação dos trabalhadores, os autônomos
tiveram a maior queda (40,6%), bastante acima da queda
observada para os assalariados em geral (21,5%) e, dentre estes, os assalariados com carteira de trabalho assinada (21,8%).
Em relação à atividade econômica, pode-se verificar
que as quedas foram significativas em praticamente todos
os ramos do setor produtivo, com destaque para o Comércio, cujo ganho real do trabalhador declinou 39,4%, enquanto os demais ramos – Indústria, Serviços e Construção Civil – tiveram queda semelhante. Ainda com respeito
ao nível setorial, a queda foi mais acentuada na esfera
privada (21,8%) do que na esfera pública (17,3%).
-20,0
-30,0
-15,5
-18,0
-26,0
-26,1
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Grupos de ocupação selecionados.
Ganhos Reais: Terceirização e Grupos de Ocupação
Vimos anteriormente que o fenômeno da subcontratação,
indicativo da terceirização da mão-de-obra, cresceu
bastante na RMSP, embora represente uma parcela diminuta
da mão-de-obra ocupada. Com freqüência essa prática tem
sido apontada como indicativa da crescente flexibilização
das formas de contratação, com impactos negativos nas
condições de trabalho e no nível de remuneração real dos
trabalhadores com esta forma de contrato.
214
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
GRÁFICO 18
Se, por um lado, tal prática pode ser condenada por
embutir uma redução de custos originada pela supressão
de direitos trabalhistas, por outro, revela-se um expediente
em que os trabalhadores sofreram menos com a queda
generalizada dos ganhos reais. De fato, enquanto para o
total dos assalariados do setor privado a redução de rendimentos reais foi de aproximadamente 15,5%, para os
terceirizados essa redução não passou de 2,1%, num período de oito anos.
No caso dos grupos de ocupação, verifica-se que os
trabalhadores nas Tarefas de Apoio tiveram queda menor
(18,0%) em relação aos trabalhadores nas Tarefas de Execução (26,1%) e nas Tarefas de Direção, Gerência e Planejamento (26,0%).
Mais de 5 Anos
Mais de 2 Anos
até 5 Anos
Até 6 Meses
Em %
Até 5
Empregados
10,0
500 Empregados
ou Mais
Crescimento do Rendimento Real Médio dos Assalariados do Setor
Privado, segundo Tamanho da Empresa (1) e
Tempo de Permanência no Atual Emprego
Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02
0,0
-10,0
-11,2
-13,6
-20,0
-18,8
-21,0
Tamanho do Estabelecimento e Tempo
de Permanência na Empresa
-30,0
-27,8
Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Tamanho da empresa e tempo de permanência no atual emprego, ambos selecionados.
Segundo a evolução dos rendimentos médios reais dos
assalariados do setor privado, de acordo com o tamanho
do estabelecimento e tempo de empresa (Gráfico 18), verifica-se que os trabalhadores em pequenos estabelecimentos do setor privado (com até cinco empregados) experimentaram uma queda em seus ganhos reais da ordem de
11,2%, bastante próxima das grandes empresas (acima de
500 empregados), que foi de 13,6%. Tais cifras são bem
menores que aquelas verificadas para o total de ocupados
(28,4%) e mesmo para os ocupados assalariados no setor
privado (21,8%), anteriormente apresentadas.
Quanto ao tempo de permanência dos trabalhadores na
empresa, um indicativo da experiência no trabalho, é
surpreendente que os assalariados mais penalizados com
a queda dos rendimentos reais foram exatamente aqueles
com maior tempo de serviço na empresa.
Isso evidencia uma grave distorção no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que o investimento em
capital humano realizado pelas empresas, ou pelos trabalhadores, através de educação formal, treinamento profissional ou treinamento na função, tem contribuído pouco
para elevar a produtividade do trabalhador, com implicações danosas para a evolução dos seus rendimentos reais
e para a própria distribuição de renda.
balho nacional. A abertura comercial, a estabilidade de
preços, as privatizações, as inovações tecnológicas e o
fenômeno demográfico atuaram conjuntamente na promoção de transformações na estrutura, no funcionamento e
na evolução do mercado de trabalho brasileiro, inclusive
em um dos seus pólos mais dinâmicos, a RMSP.
Utilizando as informações da PED/Seade, pode-se destacar algumas das principais tendências verificadas no mercado de trabalho após a segunda metade da década de 90:
- crescimento contínuo da PEA, fruto de fortes pressões
demográficas;
- crescimento lento da ocupação total, em virtude, especialmente, das restrições ao trabalho infantil e do jovem
(legislação mais severa), e das limitações impostas ao trabalho dos não-qualificados (inovação tecnológica e ambiente empresarial altamente competitivo);
- queda no emprego industrial decorrente do ajuste produtivo (conseqüência da abertura comercial) e aumento
no emprego do setor Serviços (rota para uma sociedade
moderna);
- estagnação do emprego com carteira assinada e aumento
de formas atípicas de contratação (assalariado sem carteira
assinada) e ocupação (autônomos), em parte refletindo a
demanda por flexibilização nas relações de emprego e,
também, decorrente da pobreza e miséria, mas, em ambos
os casos, originando um aumento da informalidade no mercado de trabalho;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a década de 90, intensificou-se o processo de
transições experimentado pelo Brasil, com efeitos na estrutura produtiva e, conseqüentemente, no mercado de tra-
215
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
- aumento no conjunto de assalariados trabalhando mais
que a jornada legal de trabalho, outro reflexo da busca da
flexibilização, especialmente devido à estrutura rígida de
encargos trabalhistas;
- avanço da terceirização da mão-de-obra, determinado,
igualmente, pela busca de relações menos rígidas de
emprego que permitam uma redução do custo da mão-deobra;
- forte crescimento do desemprego aberto decorrente tanto das crises de natureza conjuntural, com o intuito de
preservar a estabilidade de preços ou defender-se de crises internacionais, quanto de natureza estrutural, fruto do
desajuste entre o perfil de mão-de-obra demandada e a
qualidade da oferta de trabalho existente;
- elevação do chamado “desemprego de longo prazo”, seja
pelo agravamento das oportunidades de emprego derivado do ambiente competitivo imposto pela globalização,
seja pela inexistência de um sólido Serviço de Emprego
que permita assistir o desempregado em sua busca por trabalho, com uma ampla oferta de serviços;
- queda acentuada, e generalizada, do rendimento real do
trabalhador ocupado assalariado (com ou sem carteira);
absorvido pelo setor público ou privado, terceirizado ou
não, atuando em atividades de Direção, ou de Execução
ou de Apoio; empregado em pequenas ou grandes
empresas; ou possuindo pouca ou muita experiência na
empresa. Parte dessa queda dos ganhos reais pode ser
atribuída à relativa estagnação do PIB, ou ao declínio da
atividade econômica, existindo ainda os que acreditam
tratar-se da continuidade do processo de flexibilização do
mercado de trabalho, na ausência de uma reforma
trabalhista ampla.
De qualquer forma, o lento crescimento da economia e
a grande volatilidade dos níveis de produto têm imposto
mudanças no funcionamento e no perfil do mercado de
trabalho, inclusive na RMSP, os quais são captados pela
PED com grande grau de detalhe, tornando-a uma fonte
extremamente útil para os estudiosos da área, bem como
para fornecer importantes subsídios na formulação de
políticas sociais, demográficas e trabalhistas pelas autoridades governamentais.
Souza Ribeiro pelo trabalho de levantamento, organização e tabulação dos dados. Agradece, também, a Ana Maria Penza Ferri pela formatação da versão final.
1. A PED é realizada em colaboração com o Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese, desde janeiro de
1985.
2. O autor reconhece a existência dessa polêmica, tendo tomado parte
dela em algumas ocasiões. Contudo, não será aqui abordada, uma vez
que não se enquadra no espírito deste texto.
3. Além das séries históricas, e suas desagregações correspondentes, a
Fundação Seade passou, recentemente, a disponibilizar os microdados da PED, aumentando bastante o potencial de análises sobre o mercado de trabalho paulista. Com base nessas fontes, os pesquisadores
do Departamento de Economia da FEA-USP e da Fipe desenvolveram
alguns estudos para o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil.
Picchetti, Chahad e Orellano (2002) investigaram as decisões relacionadas à rotatividade da mão-de-obra no Brasil; Picchetti e Zylberstajn
(2003) e Fernandes (2003) analisaram, com versoões diferentes, as
fontes de recursos e as estratégias de sobrevivência do trabalhador desempregado na RMSP; e Menezes-Filho e Picchetti (2003) estudaram
a duração das relações de emprego em São Paulo. Embora a base geográfica da PED seja a Região Metropolitana de São Paulo, essas pesquisas permitiram verificar que, dentro de certos limites, é possível
investigar fenômenos do mercado de trabalho que tenham abrangência nacional, e outros que representem comprovações de hipóteses teóricas sobre o comportamento de determinadas variáveis do mercado
de trabalho.
4. De acordo com as notas metodológicas da PED, a PIA representa a
População em Idade Ativa com 10 anos e mais. A PEA é a População
Economicamente Ativa, representada pela parcela da PIA que está ocupada ou desempregada. Os Inativos representam a parcela da PIA com
mais de 10 anos que não estão nem ocupados nem desempregados.
5. Certamente este resultado pode ser atribuído ao fato de o grupo dos
cônjuges é composto basicamente de mulheres.
6. A desagregação dos dados indica que houve um forte aumento da
taxa de participação na força de trabalho das mulheres, dos grupos
etários adultos (25 a 39 anos), dos cônjuges e filhos, dos mais qualificados, e uma queda na taxa de participação dos homens, dos chefes de
família, dos jovens entre 10 e 14 anos, e dos analfabetos.
7. O Simples é o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, instituído pelo Governo Federal através da Lei no 9.317, de 5 de dezembro de
1996. Entrou em vigor em 1/1/1997.
8. Atualmente o seguro-desemprego é concedido, por tempo limitado,
ao trabalhador despedido sem justa causa, inclusive a indireta, que,
entre outros requisitos, tenha tido vínculo empregatício durante seis
meses ou mais, nos últimos 36 meses que antecederam sua dispensa.
A duração do benefício varia entre três e cinco parcelas mensais, dependendo do tempo de serviço exercido no emprego que originou a
dispensa.
9. Esta subseção se refere ao desemprego total computado pela PED,
englobando o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho
precário e o desemprego oculto pelo desalento.
10. As políticas ativas compreendem um amplo conjunto de medidas
voltadas para melhorar o acesso dos desempregados ao mercado de
trabalho, bem como às vagas de emprego, além de aspectos referentes
à qualificação da mão-de-obra. Regra geral, elas contemplam os seguintes programas: serviço de emprego, treinamento, apoio aos jovens,
subsídios ao emprego, medidas para os incapacitados, assistência à
procura por trabalho, criação direta de emprego no setor público e
auxílio para os desempregados se estabelecerem em negócio próprio.
As políticas passivas compreendem os gastos com benefícios do seguro-desemprego e outros benefícios a ele relacionados, em especial
os referentes à aposentadoria precoce.
NOTAS
Texto elaborado especialmente para a São Paulo em Perspectiva, por
ocasião da edição comemorativa dos 25 anos da Fundação Seade. O
autor agradece a dedicação e competência do estagiário Leandro de
216
TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...
11. A observação da evolução do rendimento médio real, ano a ano,
permite verificar que, para a maioria das categorias ocupacionais desta seção, ele se manteve relativamente estável entre 1995 e 1997, começou a declinar com a queda do nível de atividade em 1998, sofrendo uma queda abrupta a partir de então, especialmente depois da desvalorização cambial de 1999.
FERNANDES, R.; PICCHETTI, P. Uma análise da estrutura do desemprego e da inatividade no Brasil metropolitano. Pesquisa e
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FUNDAÇÃO SEADE/DIEESE. Pesquisa de emprego e desemprego na
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dos trabalhadores, a cláusula social e o comércio internacional: o
caso de trabalho infantil no Brasil. In: CHAHAD, J.P.Z.;
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de trabalho no Brasil: padrões de comportamento e transformações institucionais. São Paulo: Editora LTr, 2003.
JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD: Professor da FEA-USP, Pesquisador da
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.
217
SÃO
218-233, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
DA POPULAÇÃO
tendências e trajetória
JOSÉ MARCOS PINTO CUNHA
Resumo: Análise das transformações ocorridas a partir dos anos 80 que tiveram importantes conseqüências no
processo de urbanização, nos sistemas urbanos e nos padrões de assentamentos humanos no Brasil, com ênfase especial ao desempenho do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo neste processo. Para tanto,
foram utilizados os dados dos Censos Demográficos de 1980 a 2000.
Palavras-chave: distribuição espacial da população; urbanização; migração interna; metropolização.
Abstract: An analysis of the transformation that occurred beginning in the 1980s and that had important
consequences for the process of urbanization, in the urban systems and patterns of human settlement in Brazil,
with special emphasis on the role played by the State and the Metropolitan Region of São Paulo in this process.
Data from the Demographic Censuses of 1980 and 2000 were used for this purpose.
Key words: spatial distribution of the population; urbanization; internal migration; metropolitanization.
A
ssim como observado para quase toda a América
Latina, a partir dos anos 80 as dinâmicas econômica, social e demográfica brasileiras passaram
por significativas transformações que tiveram profundas
implicações nos seus processos de redistribuição espacial
da população e urbanização, sendo uma delas a interrupção do ímpeto concentrador que, durante décadas, caracterizou a dinâmica demográfica nacional.
Além disso, não apenas diversificaram-se as formas de
assentamentos humanos, como também ganharam importância, na dinâmica demográfica nacional, novos espaços
regionais e outros tipos de mobilidade populacional, com
claras conseqüências nos padrões locacionais da população dentro e fora dos grandes centro urbanos, caracterizando, assim, uma relativa desconcentração demográfica.
Em termos econômicos, a questão da desconcentração no
Brasil também suscitou um cadente debate (Azzoni, 1986;
Diniz, 1993; Pacheco 1998; Lencioni, 1996), cujas teses,
sem negar a manutenção do papel do núcleo hegemônico
nacional (São Paulo), diferiam tanto na intensidade quanto na abrangência espacial do fenômeno.
De qualquer maneira, o fato é que o país transformouse. Estados da Região Sudeste, como São Paulo e Rio de
Janeiro, foram os que mais sofreram não apenas com a
crise econômica, mas também com as novas tendências
locacionais da atividade produtiva que, de uma forma ou
de outra, também tiveram impactos sobre a redistribuição
espacial da população.
A partir de análise dos dados censitários de 1970 a 2000,
pretende-se mostrar que, embora real, a desconcentração
demográfica, em particular desde as metrópoles, é apenas
relativa e, mais que isso, praticamente circunscrita ao centro dinâmico do país situado no Sudeste brasileiro. Além
disso, enfatizando o papel do conjunto das regiões metropolitanas nesse processo, são mostradas a força que o fenômeno metropolitano ainda tem sobre a dinâmica nacional e a forma como as características deste tipo de
assentamento humano se repetem no país.
Finalmente, conclui-se este estudo com uma avaliação
do papel do Estado e da Região Metropolitana de São
Paulo nas tendências redistributivas observadas no Brasil. Com ênfase nas principais mudanças nos processos
migratórios destas áreas, busca-se mostrar a importância
que ainda hoje a dinâmica paulista possui sobre os rumos
da mobilidade da população brasileira, mesmo considerando a situação de crise pela qual vem passando. O re-
218
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
e Pará. Essa região também ganhou peso relativo na distribuição de sua população no total do País: respondia por
4,43% da população nacional em 1970, passando para
5,57% em 1980, e alcançando 6,53% em 1991.
Esse enorme crescimento populacional da Região Norte
esteve condicionado, sem dúvida, aos fluxos migratórios
que para lá se dirigiram do final da década de 70 até metade dos anos 80. Entretanto, como aponta Martine (1994),
o ímpeto de ocupação da região reduziu-se significativamente, coincidindo com o fim de programas e subsídios
governamentais, além de dificuldades operacionais e
tecnológicas para desenvolver a região. De fato, entre 1991
e 2000, a taxa de crescimento da população do Norte diminuiu para 2,62% a.a., apesar de ser ainda a mais elevada entre as regiões.
No período 1980-91, as Regiões Nordeste e CentroOeste registraram taxas de crescimento da população
(1,82% a.a. e 2,99% a.a., respectivamente) superiores às
das Regiões Sudeste (1,76% a.a.) e Sul (1,38% a.a.).
No caso do Nordeste, a constituição de algumas “ilhas
de produtividade” (Pacheco, 1998) com o dinamismo ligado ao Pólo Petroquímico de Camaçari (no Estado da
Bahia), a implantação de novas plantas industriais em
Estados como Ceará, Pernambuco e Bahia, as atividades
turísticas, a agricultura irrigada para exportação, o emprego público, etc. ampliaram e diversificaram a estrutura econômica nordestina, contribuindo tanto para a absorção de uma população que potencialmente migraria, quanto
para incentivar fluxos migratórios de retorno, oriundos
principalmente do Sudeste (Cunha; Baeninger, 2000; Cano,
1998). Nota-se, no entanto, que nos anos 90 o crescimento demográfico nordestino teve uma das reduções mais
pronunciadas do país, fato que, como se verá adiante, coincide com um incremento de sua emigração, fato, aliás,
já prenunciado por Cano (1998) ao reconhecer a redução
dos impactos dos investimentos do II PND, além das crises na produção industrial, do setor público em particular
nas maiores aglomerações.
Considerando a Região Centro-Oeste, o crescimento
populacional relativamente elevado observado no período 1980-91 esteve condicionado à sua situação de fronteira agrícola, à dinamização das atividades agropecuárias
voltadas para o complexo grãos/carne e também ao importante efeito das atividades de garimpo, que tiveram forte
ação no processo de ocupação regional no final dos anos
80 até começo dos 90. Contudo, como se percebe na Tabela 1, este mesmo desempenho não foi repetido nos anos
90, uma vez que vários dos condicionantes de ocupação
crudescimento de certos fluxos migratórios, em particular aqueles originados no Nordeste, e a redução da diferença entre os crescimentos demográficos da metrópole e
do interior, a despeito da continuidade das perdas migratórias líquidas da primeira para o segundo, são alguns dos
aspectos relevantes revelados pelos dados do Censo
Demográfico de 2000 e que marcam inequivocamente o
papel central da Região Metropolitana de São Paulo para
se entender processos inter e intra-estaduais.
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA
POPULAÇÃO NO BRASIL
Os dados do Censo Demográfico de 1991, assim como
os mais recentes de 2000, revelaram uma redução generalizada no ritmo do crescimento demográfico das regiões
brasileiras, fruto não apenas da queda da fecundidade (de
cerca de 4 filhos por mulher em 1980 para 2,3 no momento atual), mas também de alterações significativas nas tendências migratórias.
Para o conjunto da população nacional, observa-se que,
de uma taxa de crescimento correspondente a 3,05% a.a.
no período 1950-60, o país passou para 2,48% a.a. nos
anos 70, diminuindo para 1,93% a.a. entre 1980 e 1991.
De 1991 a 2000, a taxa de crescimento da população brasileira chegou a 1,62% a.a. (Tabela 1).
Quanto às regiões do país, o Norte destacou-se no período 1980-1991 por apresentar a taxa de crescimento
populacional mais elevada (4% a.a.), demonstrando a
importância da fronteira agrícola nos anos 80 como
canalizadora de importantes fluxos migratórios para as
áreas rurais, particularmente para os Estados de Rondônia
TABELA 1
Taxa de Crescimento Médio Anual, segundo Grandes Regiões
Brasil – 1940-2000
Em porcentagem
Grandes
Regiões
1940/
1950
1950/
1960
1960/
1970
1970/
1980
1980/
1991
1991/
2000
Brasil
2,35
3,04
2,89
2,48
1,93
1,62
Norte
2,30
3,40
3,47
5,02
3,85
2,86
Nordeste
2,23
2,12
2,40
2,16
1,82
1,31
Sudeste
2,11
3,11
2,67
2,64
1,76
1,61
São Paulo
2,40
3,50
3,30
3,50
2,02
1,79
Minas Gerais
1,50
2,33
1,49
1,54
1,48
1,42
3,19
4,14
3,45
1,44
1,38
1,42
5,61
7,16
4,97
0,97
0,93
1,40
3,30
5,45
5,60
3,99
2,99
2,38
Sul
Paraná
Centro-Oeste
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1940 a 2000.
219
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
anteriores – como subsídios governamentais para o processo de colonização e a atividade garimpeira – já não
mais estavam presentes.
Na Região Sudeste percebe-se que, nos anos 90, sua
taxa de crescimento demográfico continuou em queda,
muito embora em ritmo bem inferior ao observado na década de 80, certamente em função da menor redução relativa da fecundidade e da migração. Há de se notar que,
como sustenta Pacheco (1993), foi esta a região que mais
sofreu os impactos do processo de reestruturação e
desconcentração produtiva, uma vez que, particularmente no caso do Estado de São Paulo, detinha parcela significativa de produção e emprego industrial.
Para a Região Sul, o período 1980-1991 apresentou a
menor taxa de crescimento populacional (1,38% a.a.), refletindo, em grande medida, sua taxa negativa de crescimento da população rural (-2,0% a.a.), devido ao grande
êxodo rural do Paraná, que se iniciou nos anos 70 e se
estendeu aos 80. Contudo, entre 1991 e 2000, a Região
Sul apresentou uma significativa recuperação de seu crescimento demográfico, refletindo os efeitos do desempenho da atividade industrial, particularmente no caso do
Paraná, que foi beneficiário importante do processo de
desconcentração da industria nacional. Como mostraram
os dados, de fato, este Estado, após duas décadas de crescimento demográfico pífio, recuperou-se significativamente nos anos 90.
TABELA 2
Distribuição da População Total, segundo Grandes Regiões
Brasil – 1970/2000
Em porcentagem
Grandes Regiões
1970
1980
1991
2000
Brasil
100,00
100,00
100,00
100,00
Norte
4,43
5,57
6,83
7,62
Nordeste
30,18
29,25
28,94
28,12
Sudeste
42,79
43,47
42,73
42,62
12,34
11,24
10,71
10,54
Minas Gerais
Rio de Janeiro
São Paulo
Sul
Paraná
Centro-Oeste
9,66
9,49
8,70
8,49
19,09
21,04
21,47
21,84
17,71
15,99
15,08
14,79
7,43
6,41
5,75
5,65
4,89
5,72
6,42
6,85
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1970 a 2000.
gráfica brasileira pouco tem se alterado, sobretudo quando se consideram as duas últimas décadas. De fato, de 1970
a 2000, poucas foram as modificações nos pesos relativos
da população de cada um dos Estados (Tabela 2). Mesmo
com uma ligeira diminuição relativa de sua população no
total nacional (de 43,5% nos anos 70 para 42,6% em 2000),
o Sudeste ainda detém o maior volume populacional do
país. De maneira especial, percebe-se que, no caso do
Estado de São Paulo, o seu peso relativo continuou aumentando, muito embora em ritmo bem menos acentuado, refletindo a redução do impacto da migração no seu
crescimento demográfico.
Tendo em vista os diferenciais regionais de fecundidade
ainda existentes no Brasil – com as áreas mais desenvolvidas do Sudeste e Sul registrando taxas de fecundidade,
em média, 25% menores que as mais pobres –, pode-se
deduzir facilmente que o efeito da migração foi decisivo
nesse processo de distribuição espacial da população brasileira.
Pelo menos até os anos 70, impulsionada pela intensa
imigração, a Região Sudeste, em particular o Estado de
São Paulo, cresceu a taxas significativamente maiores que
o país, fato não observado nos anos 80 e 90. A contrapartida para essa situação pode ser percebida pelo comportamento das taxas de crescimento das regiões historicamente “fornecedoras” de migrantes, como Paraná,
Minas Gerais e o Nordeste. Nesses casos, constata-se que
a diminuição das taxas de crescimento da população foi
bem menor que no Sudeste ou mesmo no Brasil, o que
mostra que a emigração sofreu uma significativa redução
(Cunha; Baeninger, 2000). Contudo, isso não significa que
Distribuição Espacial da População e Urbanização
Como já se adiantou, a distribuição espacial da população brasileira esteve pautada, pelo menos até o início
dos anos 80, pela progressiva concentração demográfica
na Região Sudeste, sobretudo em São Paulo, e, em menor
medida, pelo crescimento da importância relativa das regiões de fronteiras agrícolas. Desde 1950, o Sudeste concentra mais de 40% da população nacional, sendo que
somente o Estado de São Paulo abrigou em média, no
período, 19% dos brasileiros. Em termos das principais
tendências entre 1950 e 2000, o que se observa é que apenas as Regiões Norte e Centro-Oeste aumentaram seus
pesos relativos, comportamento que espelha a ocupação
de suas áreas de fronteiras agrícolas e, no caso do CentroOeste, da ocupação progressiva e intensa do Distrito Federal e seu entorno.
A despeito de todos os movimentos de população ocorridos ao longo de várias décadas, na verdade, o padrão
concentrador que sempre caracterizou a dinâmica demo-
220
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
Portanto, os diferentes ritmos de crescimento da população brasileira regional, apontados anteriormente, revelam que, a partir dos anos 80, ocorreram significativas
mudanças no quadro migratório nacional, algumas já esperadas em função de tendências passadas, como o caso
da fronteira e a recuperação da Região Sul, e outras, se
não surpreendente, no mínimo, merecedoras de uma mais
longa e ampla reflexão. Este é o caso do recrudescimento
da migração nordestina justamente num momento em que
as grandes transformações produtivas no país levavam a
apostar num arrefecimento deste tipo de migração. Neste
particular, vale lembrar reflexões como as de Cano
(1995:131): “Sob o ponto de vista do nosso processo de
urbanização, os efeitos da reestruturação produtiva sob a
égide de políticas neoliberais serão igualmente danosos e
complexos para a economia e a sociedade brasileiras. Com
a reconcentração industrial e com a falta de empregos
pouco qualificados que surgiriam, os fluxos migratórios
inter-regionais, notadamente os originários do Nordeste e
de Minas Gerais e orientados principalmente para São
Paulo, diminuiriam ainda mais, fazendo com que os
migrantes do mundo rural devessem ter guarida nas cidades médias e grandes da própria periferia nacional”.
De fato, tendo em vista a inequívoca redução das alternativas nas áreas de fronteira agrícola, bem como os
impactos da crise econômica dos anos 80 e o processo de
reestruturação produtiva sobre o aparato industrial, especialmente do Estado de São Paulo, era de se esperar uma
redução dos movimentos populacionais interestaduais.
Na verdade, se, por um lado, o “fechamento” das fronteiras significou o estreitamento das possibilidades de
redistribuição espacial da população no país, por outro,
os processos de reestruturação econômica tiveram implicações decisivas na geração de emprego (e, por conseguinte, no crescimento do desemprego), na deterioração
das relações de trabalho (Dedecca; Baltar, s.d.) e, conseqüentemente, nas possibilidades concretas de absorção dos
migrantes, inaugurando o que Faria (1992) chamou de
período de “mobilidade travada”. Nesta mesma linha de
raciocínio, podem ser incluídas as hipóteses de Pacheco
(1993:22) para quem “o bloqueio à mobilidade, representado pela redução do crescimento econômico, pode tanto ter
incentivado uma menor migração em direção às principais
metrópoles, como favorecido a migração de retorno”.
A relativa desconcentração industrial para Estados
como Minas Gerais e Paraná, o crescimento da agricultura e agroindústria no Centro-Oeste e a conseqüente “urbanização da fronteira agrícola” também foram fatores que
a evasão demográfica destas áreas tenha se esgotado, haja
vista que as taxas de crescimento registradas para os anos
80 foram ainda muito baixas (Tabela 1).
Já o crescimento demográfico acima da média nacional apresentado pelas regiões Norte e Centro-Oeste mostra que ainda nos anos 80 e 90 essas áreas registraram
saldos migratórios positivos, que certamente foram mais
importantes na primeira região, em especial nos Estados
de Roraima, Amapá e Amazonas, que ainda cresciam na
última década a taxas elevadas, da ordem de 4,6%, 5,8%
e 3,3% a.a., respectivamente.
A Migração Interestadual
Com base nos dados da Tabela 3, observam-se várias
alterações na migração interestadual no Brasil na década
passada. Em primeiro lugar, chama atenção que o volume
de pessoas residindo há menos de dez anos nas várias
Unidades da Federação aumentou significativamente, sugerindo, a princípio, um crescimento da mobilidade interna no país.
Esta visão geral deixa, contudo, de considerar comportamentos importantes, tais como:
- a redução significativa das perdas populacionais de Estados historicamente emissores de migrantes, como Minas
Gerais e Paraná;
- o importante recrudescimento da emigração em vários
Estados do Nordeste, particularmente Bahia, Piauí, Maranhão e Alagoas; nos demais chama também a atenção a manutenção dos patamares de perdas demográficas dos anos 80;
- em certo sentido como contrapartida do anterior, o incremento, nos anos 90, do volume de imigração registrado no Sudeste, não apenas em São Paulo, mas também no
Rio de Janeiro e Minas Gerais;
- o aumento da imigração no Centro-Oeste, processo este,
contudo, visivelmente “desconectado” da fronteira agrícola, tendo em vista que tal comportamento deve-se muito mais à performance do Distrito Federal e de Goiás; no
caso do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a tendência
dos anos 80 de redução da imigração mantém-se; ainda
nestes dois casos, a emigração do decênio 1990-2000
manteve os patamares elevados atingidos na década anterior, o que mostra a continuidade de um processo de
desaceleração da ocupação da fronteira nestes Estados;
- a significativa recuperação dos volumes de imigração
dos três Estados da Região Sul, acompanhada por uma
redução ou certa estabilização das perdas populacionais.
221
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 3
População com Menos de 10 Anos de Residência, por Condição Migratória, segundo Unidade da Federação
Brasil – 1970-2000
1970/80
Unidades da Federação
Imigrante
TOTAL
1981/91
Emigrante
9.587.459
Imigrante
1990/2000
Emigrante
10.614.223
Imigrante
Emigrante
12.478.790
Norte
812.090
294.520
1.327.603
797.813
1.305.242
958.921
Rondônia
285.670
39.672
411.802
157.957
197.589
152.867
Acre
16.640
19.080
29.245
30.550
36.070
30.993
Amazonas
73.353
55.151
113.399
96.782
189.953
119.703
Roraima
Pará
Amapá
18.300
4.122
62.579
13.526
87.975
23.283
395.378
165.773
508.412
340.289
475.891
451.819
22.749
10.722
43.152
14.006
98.842
29.106
Tocantins
-
-
159.015
144.702
218.922
151.150
Nordeste
1.452.763
3.229.734
2.140.462
3.668.244
2.574.710
4.033.524
Maranhão
182.825
329.057
236.891
498.083
262.555
573.807
Piauí
92.677
227.224
161.234
287.566
196.658
320.115
Ceará
150.434
464.781
292.914
519.712
388.399
434.086
99.802
167.322
159.248
165.447
174.915
152.213
Paraíba
124.518
363.650
208.521
356.296
245.653
364.182
Pernambuco
654.965
R.G. do Norte
280.279
654.491
370.588
657.833
410.619
Alagoas
98.635
192.261
133.852
212.367
151.187
283.325
Sergipe
73.122
103.133
122.046
94.040
125.552
117.034
Bahia
350.471
727.815
455.169
876.900
619.172
1.133.797
4.921.007
3.243.050
4.322.510
3.331.922
5.236.890
3.407.631
Minas Gerais
613.732
1.218.957
797.879
1.016.120
910.447
887.733
Espírito Santo
201.156
204.985
269.063
197.134
296.248
180.482
Rio de Janeiro
855.230
531.360
576.399
623.739
775.806
549.872
3.250.889
1.287.748
2.679.169
1.494.930
3.254.389
1.789.544
Sudeste
São Paulo
Sul
923.255
1.884.734
1.151.959
1.649.104
1.522.397
1.353.429
Paraná
523.856
1.329.474
588.088
1.081.535
754.178
798.265
Santa Catarina
245.628
242.877
329.917
271.443
458.614
285.084
R.G. do Sul
153.771
312.383
233.954
296.126
309.605
279.080
Centro-Oeste
1.478.344
935.421
1.671.688
1.167.140
1.839.551
1.180.535
M.G. do Sul
292.914
224.978
262.612
237.424
236.030
206.103
Mato Grosso
326.148
151.093
541.742
244.438
420.296
249.423
Goiás
383.475
408.237
518.145
345.179
758.863
341.856
Distrito Federal
475.807
151.113
349.189
340.098
424.362
383.153
Fonte: IBGE. Censos Demográfico 1980, 1991 e 2000 (tabulação especial Nepo/Unicamp).
depende apenas da situação nos destinos, mas também nas
origens. No caso do Nordeste, em particular, haveria que se
considerar outros elementos que tenham atuado no sentido
de, mesmo em condições pouco favoráveis nas áreas “atrativas”, sua emigração ter se incrementado.
Embora fuja do escopo deste artigo, algumas especulações poderiam ser feitas. Em primeiro lugar, deve-se considerar os impactos de certos problemas estruturais cujas
contribuíram para o redirecionamento de certos fluxos migratórios.1
Não obstante as considerações anteriores e seus graus de
validade ou veracidade, fica claro que parte das tendências
reveladas pelo Censo Demográfico de 2000 no que se refere
à mobilidade espacial da população ainda carece de melhor
interpretação, especialmente ao se levar em conta que o processo migratório sempre tem “duas pontas”, ou seja, não
222
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
TABELA 4
intensificações cíclicas ou sazonais podem agir de maneira
mais aguda em certos momentos, como, por exemplo, a
seca; outro elemento diz respeito às questões fundiárias,
particularmente aquela relacionada à redução da pequena
propriedade, que podem ter se agudizado em certas regiões;2 finalmente, a crise, nos moldes do ocorrido no sudeste, também nas maiores aglomerações urbanas regionais, particularmente nas metropolitanas que, como se
sabe, constituem importantes pontos de chegada para parte
do contingente liberado no interior destes Estados.
Neste último caso, as considerações de Cano sugerem
que, após um período de recuperação apoiado na maturação de investimentos e um processo de industrialização
periférica, o Nordeste volta a apresentar maus resultados
em termos de seu crescimento econômico, o que parece
ter tido impacto no seu poder de retenção populacional,
em especial no caso de suas maiores aglomerações urbanas. O autor sustentava, por um lado, que “os grandes investimentos do II PND, a partir de 1985, já haviam
maturado, diminuindo assim seus impactos adicionais na
periferia” (Cano, 1998:331) e, por outro, que o Nordeste
teria perdido peso relativo na produção industrial entre
1985 e 1995, “principalmente pela continuidade do retrocesso de Pernambuco, pela crise de indústria química nacional, que também afetou a Bahia, e pela contração sofrida pelos setores Têxtil e Confecções em quase toda a
região” (Cano, 1998:329).
Taxa de Urbanização, segundo Grandes Regiões
Brasil – 1950/2000
Em porcentagem
Grandes
Regiões
1950
Brasil
36,2
44,7
Norte
31,5
37,4
Nordeste
26,4
33,9
Sudeste
47,5
57
Sul
29,5
Centro-Oeste
24,4
1960
1970
1980
1991
2000
55,9
67,6
75,5
81,2
45,1
51,7
59
69,9
41,8
50,5
60,7
69,1
72,7
82,8
88
90,5
37,1
44,3
62,4
74,1
80,9
34,2
48
67,8
81,3
86,9
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950 a 2000.
Um olhar mais pormenorizado do grau de urbanização
da população brasileira permite apreciar um elemento que,
no calor da interpretação e estudo do processo de urbanização brasileiro, acaba sendo negligenciado por boa parte dos estudiosos: a significativa parcela de população rural
que ainda existe no país e sua importância relativa em
âmbito regional.
Ainda hoje, no país, mais de 31,8 milhões de pessoas
vivem no campo, sendo que quase metade desse total
(46,4%) reside na Região Nordeste que, como já mencionado, tem sido historicamente a principal área de evasão
demográfica do país. Além disso, em outros Estados,
mesmo com pequena participação na população nacional,
a importância do contingente rural é clara, por exemplo,
no Acre e em Rondônia, na Região Norte (mais de 33%),
ou no Piauí e Maranhão, no Nordeste (superior a 37%).
Mesmo nas regiões mais urbanizadas do país, alguns
Estados se destacam pela parcela significativa de população rural, como Espírito Santo e Santa Catarina. Contudo, não se pode esquecer que parte significativa da população dita “rural” encontra-se, na verdade, dentro ou nas
áreas de influência das grandes aglomerações urbanas e,
portanto, pouco reflete a realidade do fenômeno rural,
sendo em vários casos muito mais expressões da expansão urbana.
Entretanto, é interessante notar que a Região CentroOeste, a despeito de ter seu processo de ocupação intimamente ligado à expansão da fronteira agrícola, registra um
elevado percentual de população urbana, mesmo quando
se desconsidera o Distrito Federal que, como se sabe, justifica o grau de urbanização por sua função de capital
administrativa do país. O fenômeno que vem sendo chamado de “urbanização da fronteira” (Ipea/IBGE/Nesur,
1999) espelha claramente a forma como a atividade agropecuária vem se estruturando há algumas décadas no país
O Processo de Urbanização
Apesar das mudanças nos fluxos migratórios interestaduais, o processo de urbanização brasileiro seguiu seu
curso, impulsionado pelo êxodo rural sem precedentes dos
anos 60 e 70, quando cerca de 13,5 e 15,6 milhões de
pessoas, respectivamente, saíram da área rural (Camargo;
Martine, 1984). Inclusive nos anos 80, pela primeira vez,
a população rural brasileira reduziu-se em números absolutos. Nesse processo, o país chegou em 2000 com mais
de 81% das pessoas vivendo nas cidades.
É interessante observar, no entanto, as diferenças internas existentes em algumas das regiões: no caso do Sudeste, registram-se situações como a do Rio de Janeiro e
São Paulo, com 96% e 93% de população urbana, respectivamente, e a de Minas Gerais com 82%; no Centro-Oeste, as disparidades são ainda maiores, quando comparados o Distrito Federal (95,6%) e o Mato Grosso (79,4%).
Evidentemente, tais situações se explicam pelas diferenças em termos das estruturas produtivas de cada Estado.
223
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
dades de mensuração do fenômeno rural ou urbano sempre na mesma direção. Se, por um lado, como sustentam
Elgler (2001) e Veiga (2002), o “rural” em várias partes
do país fora do eixo industrial é muito maior que aquele
mostrado pelos dados censitários, por outro, no contexto
das grandes aglomerações urbanas o seu tamanho certamente é menor do que os dados sugerem.
Seja qual for o tamanho real da população urbana, podese dizer que, ao mesmo tempo em que se urbanizou, a
população brasileira também se concentrou espacialmente, muito embora com um grau de heterogeneidade regional menor que qualquer país da América do Sul. Em trabalho anterior (Cunha, 2001), pôde-se mostrar que o Brasil
se diferencia em grande medida de países como Argentina, Chile e Uruguai, onde o peso da região metropolitana
formada ao redor da capital do país chega a representar
mais de 40% da população nacional.
A verdade é que, no Brasil, a maior região metropolitana (São Paulo), além de não ter se formado a partir da
Capital Federal, responde por pouco mais de 10% da população total do país. Segundo Pacheco (1993:22), “o
caráter relativamente desconcentrado do sistema urbano
brasileiro se deve às origens históricas de seu processo de
ocupação”, caracterizando-se pela formação de “uma rede
de cidades dispersa, em comparação a outras experiências latino-americanas”.
Mesmo assim, e aceitando a existência, nas últimas duas
décadas, de uma tendência de desconcentração relativa, a
rede de cidades brasileira está muito longe de se caracterizar como “equilibrada”, uma vez que é patente a concentração da população nos municípios de maior tamanho.
Assim, em 2000, quase três quartos dos municípios
brasileiros (com menos de 20 mil habitantes) respondiam
por menos de 20% da população nacional, enquanto menos de 0,6% deles (aqueles com mais de 500 mil habitantes) abrigavam quase 30% dos brasileiros. Entre 1970 e
2000 o peso relativo dos municípios pequenos na população brasileira caiu de 32% para menos de 20%, enquanto
o grupo que mais ganhou peso relativo foi o correspondente aos municípios médios (de 100 a 500 mil habitantes), que elevou sua participação de 14,5% para 23,4%
nestas três décadas.4
Tomados em conjunto, os municípios com mais de 100
mil habitantes, embora representando apenas 4% do total, abrigavam em 2000 mais de 51% dos habitantes no
país. Observando apenas os municípios “milionários”
(0,24% do total de municípios e 20,27% da população
nacional), nota-se que estes também aumentaram sua par-
e, infelizmente para a população rural e pequenos proprietários agrícolas, como prescinde destes últimos. De fato,
nessa região, o setor terciário e a atividade industrial estão fortemente atrelados ao dinamismo agropecuário com
reflexos importantes na configuração urbana regional, sendo, aliás, a única opção para boa parcela dos migrantes
(Cunha, 2000b).
Um fato curioso se observa a partir da taxa de crescimento demográfico da população rural. Nesse caso, percebe-se que o crescimento mais intenso da população rural brasileira, nos anos 90, foi observado em duas áreas
diametralmente opostas em termos de suas características
econômicas, sociais e demográficas: nos Estados do Norte, como Amazonas, Acre e Rondônia, e em São Paulo e
no Distrito Federal. Enquanto nos primeiros Estados tal
comportamento se justificaria pela estrutura produtiva e
forma de ocupação dos mesmos, nos últimos claramente
os dados apresentados denunciam uma “anomalia”
provocada, na verdade, pela natureza do dado coletado.3
Nesse sentido, hoje ainda há uma grande discussão
sobre a natureza da urbanização brasileira, em particular
sobre a forma como os assentamentos humanos são classificados pelas estatísticas oficiais. Como se sabe, a definição de urbano e rural no Brasil é ainda hoje uma matéria normativa, dependendo muito mais de decisões
administrativas do que considerações substantivas do significado e função destas áreas. Ao que tudo indica, a importância do rural brasileiro ainda não pode ser bem avaliada pelos dados oficiais devido a, pelo menos, dois
motivos: o primeiro deles é de ordem teórica, considerando-se as novas relações existentes entre a cidade e o campo; e o segundo é de ordem operacional, tendo em conta a
forma como são classificadas, no Brasil, as áreas urbanas
e rurais.
Veiga (2002:3), por exemplo, sustenta que o rural brasileiro é muito maior do que aquele apontado pelos dados
do IBGE e esta subestimação deve-se à definição vigente
de urbano no Brasil – com apenas algumas modificações,
a mesma desde 1938 –, que “transformou em cidades todas as sedes municipais existentes, independentemente de
suas características estruturais e funcionais”, e, portanto,
“foram consideradas urbanas todas essas sedes, mesmo que
não passassem de ínfimos vilarejos ou povoados”. Estes
fatos, ainda segundo o autor, levaria a profundas distorções
da rede urbana brasileira.
Além disso, há que se reconhecer que as diversidades
regionais no país fazem com que os problemas derivados
dessa dificuldade de mensuração não impliquem dificul-
224
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
ticipação, com exceção daqueles com mais de 5 milhões
de habitantes (somente São Paulo e Rio de Janeiro), cuja
expansão foi “apropriada” pelos municípios periféricos de
suas respectivas áreas metropolitanas, ou por processos
de desconcentração regional ou interiorização das respectivas populações estaduais.
Assim, embora os dados possam sugerir a existência
no país de uma desconcentração desde as “megacities” em
direção aos municípios médios e intermediários, no entender deste autor, tal conclusão necessita de alguns reparos ou, pelo menos, deve ser relativizada.
Primeiro porque esse fenômeno não necessariamente
significa o fim ou redução da aglomeração demográfica em
territórios específicos, já que boa parte dessa “desconcentração” acaba implicando o surgimento de outras –
menores é bem verdade – concentrações urbanas; segundo
porque parte significativa desta “perda” de peso relativo das
“megacities” dá-se em favor de seus próprios “hinterlands”
ou do interior de seus próprios Estados.
Portanto, deve-se reconhecer o caráter ainda pouco
disperso deste processo, bem como o fato de que o termo
“desconcentração/concentrada”, utilizado por Baeninger
(1997) para descrever o caso do Estado de São Paulo,
talvez pudesse ser aplicado para o caso das tendências
atuais da rede urbana brasileira.
milhão de habitantes, categorias de tamanho que, como
se mostrou, foram as que amealharam boa parte da desconcentração demográfica.
O que se pretende mostrar, na verdade, é que a realidade da desconcentração metropolitana é apenas visível, e
também relativa, no grande centro econômico e demográfico do país, representado pelos Estados de São Paulo e
Rio de Janeiro, fortemente afetados pela grave crise econômica que assolou o país nos anos 80. Uma das conseqüências foi a redução significativa do crescimento de suas
áreas metropolitanas, em função de uma redução importante da imigração e também de um aumento da emigração intra e interestadual.
Assim, pode-se dizer que, a não ser no caso dos Estados anteriormente mencionados, o processo de metropolização brasileiro continuou com significativo fôlego
no resto do país. No contexto de uma pequena, mas, segundo Pacheco (1998), efetiva desconcentração econômica
e da crise e reestruturação da economia paulista, os anos
80 e 90 presenciaram a emergência e/ou consolidação de
várias outras regiões metropolitanas que, como Curitiba
(Estado do Paraná), Belo Horizonte (Estado de Minas
Gerais), ou algumas áreas do Nordeste como Salvador
(Bahia), Recife (Pernambuco) e Fortaleza (Ceará), acabaram abrigando parcela significativa dos fluxos migratórios que potencialmente poderiam dirigir-se para o centro dinâmico nacional.
A Tabela 6, que traz as dez principais Regiões
Metropolitanas, permite observar a evolução do crescimento demográfico das mesmas e constatar o que foi
dito até aqui. Basta observar o comportamento das duas
principais áreas metropolitanas do país (São Paulo e Rio
de Janeiro) para perceber que tanto a redução do crescimento da população metropolitana no Brasil como a perda
O Fenômeno Metropolitano
Como já se adiantou, a afirmação de existência de um
processo de desconcentração demográfica desde as metrópoles no Brasil, com o conseqüente crescimento das
localidades não metropolitanas, sobretudo as de tamanho
médio (Baeninger, 2000a), embora inegável, acaba tendo
que ser ao menos relativizada ao serem considerados os
dados a partir da perspectiva do conjunto das áreas metropolitanas do país.
Considerando as RMs oficialmente instituídas no momento da realização do Censo 2000,5 constata-se que cerca de 50% do crescimento demográfico brasileiro (cerca
de 11 milhões de pessoas) ocorreu dentro dessas aglomerações, que, inclusive, aumentaram sua participação relativa na população nacional na década de 90 em quase 1,3
ponto percentual (38,6% para 39,9%), ganho incrementado
ainda mais quando se retiram do grupo São Paulo e Rio
de Janeiro.
Além disso, como se percebe na Tabela 5, estas RMs
abrigavam cerca de 40% dos municípios de 100 a 500 mil
habitantes e quase dois terços daqueles entre 500 mil e 1
TABELA 5
Participação dos Municípios das Regiões Metropolitanas Oficiais e suas
Respectivas Populações no Conjunto de Municípios Brasileiros,
segundo Faixas de Tamanho
Brasil – 1991-2000
Em 1.000 hab.
1991
Tamanho dos Municípios
100 a 1.000
2000
Municípios
População
Municípios
População
40,7
47,6
42,7
50,4
100 a 500
37,7
40,1
40,4
43,6
500 a 1.000
73,3
69,4
66,7
72,0
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991 e 2000.
225
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 6
População Residente e Taxa Média Anual de Crescimento Demográfico
Regiões Metropolitanas – 1980-2000
Taxa de Crescimento (%)
População
(Nos Absolutos)
Região Metropolitana
1980/91
RM
Porcentagem na
População Nacional
1991/2000
1980
1991
2000
Estado
Total
36.099.417
45.112.785
53.243.381
2,05
-
São Paulo (SP)
12.588.749
15.444.941
17.627.965
1,88
2,12
Rio de Janeiro (RJ)
8.772.277
9.814.574
10.871.970
1,03
Belo Horizonte (MG)
2.618.801
3.445.574
4.331.180
2,53
Curitiba (PR)
1.489.351
2.051.307
2.725.505
Porto Alegre (RS)
2.305.552
3.051.575
Distrito Federal
1.557.211
Belém (PA)
RM
Estado
1980
1991
2000
1,88
-
30,32
30,71
31,45
1,49
1,78
10,57
10,51
10,41
1,13
1,15
1,31
7,37
6,68
6,42
1,48
2,60
1,99
2,20
2,35
2,56
2,95
0,98
3,24
1,39
1,25
1,40
1,61
3.715.430
2,58
1,48
2,23
1,21
1,94
2,08
2,19
2.161.709
2.851.557
3,03
3,15
2,77
1,31
1,47
1,68
1.021.473
1.401.305
1.794.981
2,92
3,64
2,81
1,99
0,86
0,95
1,06
Fortaleza (CE)
1.592.665
2.325.300
2.974.915
3,50
1,70
2,80
1,72
1,34
1,58
1,76
Recife (PE)
2.386.600
2.919.979
3.331.552
1,85
1,35
1,49
1,17
2,00
1,99
1,97
Salvador (BA)
1.766.738
2.496.521
3.018.326
3,19
2,08
2,15
1,09
1,48
1,70
1,78
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
ríodo 1970-80, taxas de crescimento mais elevadas em seus
municípios periféricos.7 Nos anos 80, a despeito do processo de desconcentração populacional e do fato de as
sedes metropolitanas terem registrado decréscimos em suas
taxas de crescimento populacional, o processo de
periferização intensificou-se ainda mais, com os municípios não centrais exibindo taxas elevadas e superiores às
do núcleo metropolitano (Gráfico 1).
Assim, embora existindo diferenças importantes entre
os “momentos” em que se encontra cada uma das RMs
em termos da expansão de suas periferias, a verdade é que
em todas elas o processo de “espraiamento” do centro
principal é notável e progressivo.
No plano interno dos Estados, a dinâmica demográfica
dessas áreas apresentou características bastante peculiares, sendo que, ao longo do tempo, observou-se um crescimento cada vez mais intenso das áreas periféricas em
detrimento das zonas centrais. Estudos realizados a esse
respeito (Cunha, 2000a; Lago, 1998; Matos, 1995; Rigotti,
1994) mostraram que, além do maior crescimento vegetativo da periferia em função de maior fecundidade da população de baixa renda, o grande crescimento das áreas
mais distantes ao centro esteve estreitamente associado
com a migração intrametropolitana de pessoas predominantemente dos estratos sociais mais baixos.
Há que se reconhecer que, não obstante o crescimento
mais intenso das zonas periféricas, esse diferencial não
de seu peso relativo espelham basicamente o que aconteceu
nessas regiões.
De fato, embora outras RMs tenham apresentado uma
pequena redução de seus crescimentos demográficos e Recife tenha perdido peso relativo na população nacional, foi
sem dúvida naquelas duas áreas que a dinâmica metropolitana foi mais abalada. A maioria das demais RMs experimentou ainda nos anos 90 um significativo crescimento demográfico e, por conseguinte, incrementou sua participação na
população brasileira, o que mostra o caráter “localizado” do
processo de desconcentração metropolitana no país.
Desta forma, conclui-se que a desconcentração metropolitana no Brasil é apenas “relativa” e um fenômeno vigente
somente em parte da Região Sudeste. Mesmo assim, os dados mostram que boa parte dessa desconcentração ocorre no
interior dos próprios Estados. No Estado de São Paulo, em
1980, 50,3% da população residia em municípios metropolitanos, enquanto em 1991 e 2000, esta cifra se reduziu para
48,9% e 47,7%, respectivamente.6 No Rio de Janeiro, para
esses mesmos anos, os valores foram 77,8%, 76,6% e 75,7%.
Metropolização e “Periferização”
No Brasil, o fenômeno da metropolização teve como
corolário um marcante processo de “periferização” de boa
parte da população nacional. De fato, a maioria das regiões metropolitanas brasileiras havia apresentado, no pe-
226
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
GRÁFICO 1
Taxa de Crescimento da População no Centro e na Periferia
Regiões Metropolitanas Selecionadas – 1980-2000
Fonte: IBGE. Censo Demográfico.
(1) Para a Região Metropolitana do Pará, o valor real para o crescimento da periferia, em 1991/2000, é 14,3%, contudo, este não foi considerado de modo a tornar a escala do gráfico mais
adequada para visualização dos demais dados.
implicou necessariamente uma redução considerável da
primazia do município central em relação aos periféricos
em muitas das regiões. Na verdade, ainda em 2000 nas
RMs nordestinas, com exceção de Recife, mais de 70%
da população regional estava concentrada no município
central, o mesmo ocorrendo no Paraná, no caso da região
de Curitiba, e também no Distrito Federal/Entorno, onde
a capital nacional representava 71% da população dessas
áreas. Tal primazia era menos intensa nas Regiões Sudeste e Sul.
É bom que se reconheça, no entanto, que, em função
da natureza dos dados aqui analisados, pelo menos no que
tange à sua dimensão espacial, o processo de expansão
demográfica/espacial da metrópole é captado apenas parcialmente. Os dados organizados em âmbito municipal fazem com que a análise simplifique muito a realidade do
tecido urbano, uma vez que se restringe às divisões administrativas que, como se sabe, são totalmente arbitrárias
quando se trata de áreas altamente integradas e, em grande medida, conurbadas, como as observadas em uma aglomeração metropolitana.
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E URBANIZAÇÃO:
O PAPEL DO ESTADO E DA RMSP
NO CENÁRIO NACIONAL8
Como fica claro na análise até aqui realizada, o papel
do Estado de São Paulo e, em particular, de sua principal
região metropolitana, no processo de redistribuição espacial da população brasileira, foi e continua sendo a chave
para o entendimento da dinâmica nacional neste particular. Como se notou, mesmo tendo sofrido fortes impactos
do processo de desconcentração econômica, do surgimento
de algumas “ilhas de produtividade” (Pacheco, 1998) e
efeitos de investimentos nas áreas periféricas do país
(Cano, 1998), São Paulo tem aumentado lenta mas progressivamente o seu peso relativo na população nacional,
chegando, em 2000, a abrigar mais de um quinto dos brasileiros em seu território, metade dos quais vivendo em
sua principal região metropolitana.
Particularmente ao longo dos anos 90, parece que o
Estado ressurgiu no cenário nacional como uma renovada
capacidade de atração demográfica, a despeito da conti-
227
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
demais regiões no seu conjunto expandiram-se não mais
que 2%, fato que, se não descaracteriza a continuidade da
pequena, mas progressiva, desconcentração demográfica
fruto do processo de interiorização do Estado (Cano;
Pacheco, 1992; Baeninger, 2000b), no mínimo sugere uma
redução do seu ímpeto.
Uma análise dos dados recentes sobre migração divulgados pelo IBGE permite, de certa forma, entender a tendência anterior, uma vez que mostram um recrudescimento
da migração para o Estado de São Paulo e, em particular,
para a sua mais importante região metropolitana.
Estes dados apontam para uma certa recuperação do
poder atrativo pelo menos do Estado de São Paulo e, particularmente, de sua principal Região Metropolitana. Cálculos elaborados pela gerência de estudos populacionais
da Fundação Seade já haviam mostrado que a migração
líquida do Estado e da RMSP tinha sofrido, nos anos 90,
uma clara inflexão em sua tendência a declínio: “Na década de 90, a recuperação migratória do Estado de São
Paulo deve-se, em grande medida, às tendências verificadas na Região Metropolitana. Comparativamente aos
anos 80, a RMSP mostrou recuperação das perdas migratórias, revertendo o saldo anual migratório negativo da
ordem de -26 mil pessoas, registrado entre 1980 e 1991,
para um saldo anual positivo de 24 mil pessoas, na última
década” (Perillo, 2002:2).
De fato, os dados são claros. Mesmo não tendo sido
suficiente para aumentar a sua taxa média anual de imigração (Gráfico 2), o contingente de imigrantes recebi-
nuidade da queda de seu crescimento demográfico e do
seu pífio desempenho em termos do crescimento econômico e do seu mercado de trabalho.
Mesmo antes de serem liberados os dados do Censo 2000,
já existiam claras evidências da continuidade da redução do
crescimento demográfico do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, que se justificavam, por um lado,
pela manutenção da queda da fecundidade e, por outro lado,
pela expressiva redução de fluxos imigratórios tradicionais,
como os de Minas Gerais e Paraná e, em menor medida, do
Nordeste (Cunha; Baeninger, 2000).
De fato, como mostram os dados da Tabela 7, o crescimento médio anual do Estado e de sua principal região metropolitana, nos anos 90, continuou sua escalada de descenso,
chegando a níveis próximos a 1,8% ao ano. Claro que este
crescimento não reflete a heterogeneidade observada na comparação entre “metrópole” e “interior” e muito menos entre
“município central” e “periferia”. Como se nota, particularmente nesse último caso, há uma visível diferença entre o
que foi a dinâmica demográfica de ambos os subespaços.
Percebe-se que, enquanto o Município de São Paulo
cresceu, na década de 90, a menos de 1% a.a., a periferia
metropolitana ainda mostrava grande pujança, alcançando níveis de incremento demográfico da ordem de 2,8%
a.a., fato que, como já se comentou, reflete a continuidade do processo de expansão da mancha metropolitana que
incorpora espaços cada vez mais distantes.
Já na comparação entre área metropolitana e interior,
embora se perceba uma superioridade deste último em
termos do ritmo de crescimento demográfico apresentado
ao longo dos vinte anos considerados na tabela, fica patente o fato de que o nível da discrepância verificada, nos
anos 80, reduziu-se bastante na década seguinte. Assim,
enquanto a RMSP crescia a pouco menos de 1,7% a.a., as
GRÁFICO 2
Taxa Média Anual de Imigração
Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970/2000
TABELA 7
População Residente e Taxa Média de Crescimento Anual
Estado de São Paulo – 1980-2000
Regiões
População Residente
Taxa de
Crescimento
1991
80/91 91/00
1980
2000
Estado de São Paulo
25.042.074 31.588.925 37.032.403
Região Metropolitana
de São Paulo
49,21
47,86
47,22
Município de São Paulo
33,23
29,93
27,60
Outros Municípios
Interior
2,12
1,83
1,86
1,15
1,68
0,92
15,98
17,93
19,62
3,20
2,85
51,72
53,00
53,89
2,36
1,97
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000; Fundação Seade.
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000.
228
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
TABELA 8
Pessoas Não-Naturais e Residentes há Menos de 10 Anos no Estado de São Paulo, por Período de Migração, segundo Residência Anterior
Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000
Estado de São Paulo
Região de Residência Anterior
TOTAL
Norte
Nordeste
Região Metropolitana de São Paulo
1970/80
1981/91
1990/2000
1970/80
1981/91
1990/2000
3.325.430
2.774.245
2.927.147
2.253.327
1.641.718
1.690.265
24.911
59.555
58.446
17.552
28.314
26.071
1.381.697
1.362.859
1.672.647
1.181.358
1.085.308
1.231.954
Piauí
58.315
80.976
109.354
52.451
68.894
86.079
Alagoas
96.893
94.287
142.461
79.481
68.419
96.417
Ceará
175.062
191.384
163.811
52.451
68.894
86.079
Pernambuco
366.585
327.338
331.071
79.481
68.419
96.417
Bahia
447.928
443.439
652.208
387.478
355.215
483.370
Sudeste
811.478
628.732
530.762
490.488
299.877
228.377
661.652
482.124
411.584
392.596
216.622
166.500
854.935
500.527
406.353
418.188
140.746
105.105
799.053
446.634
347.392
379.719
111.761
76.689
165.346
166.112
168.239
73.212
44.041
44.873
87.062
56.460
90.700
72.529
43.432
53.895
Minas Gerais
Sul
Paraná
Centro-Oeste
Outros (1)
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000. Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp.
(1) Incluem estrangeiros e sem declaração.
dos por São Paulo, na década de 90, foi bem maior que
aquele registrado nos anos 80; o mesmo pode ser dito com
relação à RMSP.
Constata-se, com os dados mais recentes do Censo
2000, que tanto o Estado quanto a RMSP experimentaram um recrudescimento de seus volumes de imigração,
para o que contribuíram decisivamente os fluxos originários no Nordeste, em especial nos tradicionais Estados da
Bahia, Pernambuco e Ceará, além do Piauí e Alagoas.
Como explicitado em outro estudo (Dedecca; Cunha,
2002), é bastante curioso o fato de que tal incremento da
imigração interestadual justamente se dê em uma década
em que as condições em termos econômicos, em especial
do mercado de trabalho no Estado e, particularmente, na
RMSP, não levariam a sugerir a ocorrência de tal fenômeno.
Assim, ao mesmo tempo em que se pode afirmar que
dificilmente o Estado de São Paulo volte a apresentar uma
performance migratória como no auge de seu crescimento econômico, é arriscado prever em que medida esta
inflexão possa ser sustentada ao longo do tempo. Na verdade, para uma análise mais profunda dessa questão, tam-
bém devem ser considerados os condicionantes que até
então, teoricamente, vinham reduzindo os fluxos em direção a São Paulo e incrementado a emigração, particularmente a de retorno (Cunha; Baeninger, 2000): desemprego, precarização do trabalho, empobrecimento, etc.
Entretanto, tampouco se observam, nas áreas tradicionalmente de evasão, grandes modificações que implicassem o aumento de seus poderes de retenção, sobretudo
após a maturação de vários investimentos lá realizados nas
áreas industriais, petroquímica, etc. (Cano, 1998); em especial, haveria de se perguntar em que medida o efeito da
crise nas regiões metropolitanas ou maiores aglomerações
dos Estados emissores também não estariam contribuindo para uma redução do poder de fixação dos migrantes
nativos. Também não se pode perder de vista que o “fechamento das fronteiras” é uma outra realidade que tem
contribuído para a redução das alternativas dos migrantes
no país, incrementando, portanto, a procura pelos maiores centros ou aglomerações urbanas do país.9
Assim, pode-se dizer que, embora os dados registrem
uma certa recuperação demográfica do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo, ainda é muito cedo para
229
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
TABELA 9
TABELA 10
Volume e Taxa Média Anual de Migração Líquida
Estado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000
Volume de Migrantes Maiores de Cinco Anos de Idade e Taxa Média Anual
de Migração, segundo Fluxos Migratórios
Região Metropolitana de São Paulo – 1986/91 – 1995/00
Área Geográfica
Saldos Migratórios
Médios Anuais
1970/
1980
1980/
1991
1991/
2000
Estado de São Paulo
228.700
50.584 147.443
RM de São Paulo
229.576 -26.405
24.399
Taxa Média Anual
de Migração Líquida
1970/
1980
1980/
1991
1991/
2000
1,07
0,18
0,43
2.22
-0,19
0,15
Município de São Paulo
114.395 -68.578 -50.824
1,59
-0,76
-0,51
Outros Municípios
115.181
3,66
0,86
1,14
42.173
75.223
Fluxos
Migratórios
1986/1991
1995/2000
Volumes
Taxas
Volumes
Taxas
Do Interior
110.391
0,04
128.866
0,04
Para o Interior
382.728
0,13
468.296
0,14
-272.337
-0,09
-339.430
-0,10
Trocas (1)
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000.
Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp.
(1) Trocas negativas significam perdas líquidas para a RMSP no intercâmbio com o Interior.
Fonte: Fundação Seade.
se apostar numa tendência consistente e continuada. Em
todo caso, é sempre importante se ter em conta que autores como De Mattos (2001), analisando o caso de Santiago de Chile, mostram que esta tendência à reconcentração
nas metrópoles primazes10 já é uma realidade em alguns
países e se justifica, em outros elementos, pelas grandes
transformações pelas quais passam estes países em termos de reestruturação produtiva, inserção no mercado
global, etc. No entanto, não é isso que os dados parecem
sugerir para São Paulo.
É verdade que a RMSP, nos anos 90, não apenas reduziu – ou interrompeu – abruptamente a trajetória de perdas demográficas à qual vinha sendo submetida, mas também, em certo sentido, até se recuperou ao apresentar taxa
de migração líquida positiva (Tabela 9). Contudo, ao se
observarem outros dados, fica claro que esta recuperação
está muito mais vinculada ao recrudescimento da imigração interestadual, em particular de nordestinos, do que a
um possível movimento de reconcentração que, neste caso,
deveria envolver não apenas Estados que se beneficiaram
do processo de dispersão de décadas anteriores, como
Paraná e Minas Gerais, mas também do interior do próprio Estado.
Como se percebe na Tabela 10, assim como ocorria nos
anos 80, a metrópole continua a amargar perdas populacionais nas trocas migratórias intra-estaduais. Assim, se,
por um lado, ela ainda respondia por cerca de 58% de
imigração proveniente de outros Estados na década de 90
(74% no caso da migração nordestina), por outro, sua perda
líquida para outras regiões do Estado de São Paulo mantinha-se em patamares significativos da ordem de mais de
320 mil pessoas.
Em suma, o que fica claro dos dados sucintamente analisados nesta seção é que o Estado de São Paulo e sua prin-
cipal região metropolitana incrementaram, nos anos 90,
suas posições como destinos preferenciais para novas levas de migrantes, em particular aqueles provenientes do
Nordeste. Neste sentido, fica evidente que a RMSP continua a ser a principal porta de entrada de migração externa
no Estado, muito embora seu papel como âmbito intraestadual, aparentemente, pouco tenha se modificado com
relação ao que já se assistia na década de 80.
À GUISA DE CONCLUSÕES
Após algumas décadas marcadas por grande crescimento
e concentração econômica e populacional, a partir dos anos
80, o Brasil passou por grandes transformações, atingido por
uma forte crise e pelas tendências de reestruturação e
desconcentração produtiva que afetaram de maneira significativa seu centro mais dinâmico localizado no Sudeste.
Também coincidindo com um período de forte redução das oportunidades nas áreas de fronteiras agrícola, à
população brasileira somente restou urbanizar-se ainda
mais, muito embora com clara tendência a uma dispersão
relativa ao longo do território, o que beneficiou não apenas as emergentes aglomerações metropolitanas do país,
mas também os municípios de porte intermediário no interior dos Estados, em detrimento do centro hegemônico.
Dentro deste quadro, o sistema urbano brasileiro tornou-se ainda mais complexo, apresentando, em termos
espaciais, novas e diversificadas modalidades de assentamentos humanos. Modificaram-se claramente as relações
entre urbano e rural, surgiram novas territorialidades, intensificaram-se ou ganharam importância relativa os movimentos de mais curta distância, em particular os de tipo
urbano-urbano, e ampliaram-se as alternativas de ocupação econômica e demográfica.
230
REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA
locando para uma associação com a riqueza (ou renda)
existente em São Paulo, o que permitiria ao migrante garantir sua reprodução social ainda que em condições extremamente precárias quanto à sua inserção produtiva
(Cunha; Dedecca, 2000).
Assim, este comportamento sugere que, mais do que
as oportunidades de São Paulo, a migração estaria sim
refletindo a exaustão dos impactos de investimento em
vários Estados nordestinos, em especial em suas maiores
aglomerações urbanas e, portanto, das oportunidades lá
existentes. Do mesmo modo, o quase “fechamento das
fronteiras” também poderia ser mencionado como fator
de restrição em termos das alternativas migratórias.
Não se pode perder de vista que, a despeito do aumento de imigração, a emigração desencadeada em São Paulo
também sofreu um incremento nada desprezível, sugerindo que a hipótese da circulação11 ainda se sustenta diante
dos mais recentes dados censitários.
É neste quadro que a RMSP, após uma década de retração relativa, volta a apresentar ganhos populacionais
líquidos e a reduzir sua distância com relação ao crescimento demográfico do interior paulista. Embora muito
sugestivo e evidente, tal comportamento não pode ser
considerado uma mudança radical naquilo que se vinha
sendo constatado na década anterior. Em primeiro lugar
porque, com relação aos processos interestaduais, tanto
esta região quanto o Estado não recuperaram seu poder
de atração com relação àqueles Estados que mais se beneficiaram com o processo de desconcentração industrial,
ou seja, Paraná e Minas Gerias; em segundo lugar porque, como se mostrou, nos anos 90, a metrópole paulista
não apenas repetiu perdas líquidas migratórias em suas
trocas com o interior, como também as incrementou, muito embora em termos relativos (ou seja, quanto às taxas)
esse aumento tenha sido praticamente desprezível.
Enfim, ao mesmo tempo em que os dados não deixam
dúvidas quanto ao crescimento da imigração para São
Paulo, eles não configuram definitivamente claras e nítidas mudanças no processo migratório estadual, seja porque os fluxos predominantes não se modificaram, seja
porque as perdas populacionais via emigração sofreram
um importante incremento.
Se houve mudanças, certamente estas não ocorreram
no “padrão migratório” nacional, mas sim nas condições
específicas das principais áreas de origem dos movimentos. Não se pode esquecer, no entanto, que várias outras
questões emergem contemporaneamente no nível intraestadual ou intra-regional: configuração de novos
No âmbito dos estudos populacionais, questões como
a pendularidade (commuting), a segregação ou segmentação socioespacial, o espraiamento urbano, a interiorização da população, etc. começaram a despertar os interesses que, durante as décadas anteriores, estiveram
muito mais voltados para a migração rural-urbana e de mais
longa distância e suas conseqüências.
De um lado, a partir de uma análise que privilegiou os
aspectos relativos ao crescimento e redistribuição populacional, a constituição da rede de cidades e o papel das RMs
no processo de urbanização brasileiro, este estudo sustentou
que, a despeito dos claros indícios de desconcentração
demográfica, mais que “desmetropolizar”, o período pós anos
80 parece ter reforçado ou disseminado o fenômeno metropolitano em outras regiões de seu território – em certa medida, à custa da crise do Sudeste – e, com ele, todas as questões próprias desta forma de assentamento: “periferização”,
empobrecimento e precarização do trabalho, segmentação
socioespacial, etc.
Não obstante deva-se reconhecer que o padrão concentrador que dominou a história de ocupação do território brasileiro tenha perdido seu ímpeto após os anos 80, é importante não perder de vista que boa parte da população brasileira
ainda vive e se reproduz em grandes aglomerações urbanas.
Esse fato, que se desprende claramente da análise quantitativa dos dados, faz com que a desconcentração sugerida pela
redução do crescimento das grandes metrópoles do Sudeste
deva ser considerada apenas relativa, parcial e muito localizada em termos regionais.
De outro lado, em um primeiro e sucinto escrutínio dos
dados sobre migração disponível no Censo 2000, mostrouse que, ao mesmo tempo em que se observou um aumento
da mobilidade interestadual da população na década de
90, também ficou caracterizado um recrudescimento da
emigração de áreas historicamente emissoras de população, como o Nordeste, tendo como contrapartida uma certa
recuperação dos volumes de imigrantes que chegavam ao
Sudeste, em especial a São Paulo.
Embora este Estado não tenha sido o único a se beneficiar do incremento de emigração nordestina, já que o Distrito Federal e Goiás (muito provavelmente a RM de
Goiânia e o entorno de Brasília) também registraram aumentos significativos dos seus volumes de imigração, não
resta dúvida que o fenômeno experimentado por São Paulo,
no mínimo, contradiz a clássica associação entre migração e trabalho (Dedecca; Cunha, 2002), uma vez que ocorre
em um período de péssimo desempenho regional neste
particular. Muito provavelmente esta relação estaria se des-
231
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
subespaços e de novas relações entre o rural e o urbano;
surgimento de formas diversificadas de mobilidade
populacional e de assentamentos humanos; processos complexos de diferenciação socioespacial; etc. Entretanto,
estas seriam motivos para outras reflexões.
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NOTAS
1. Uma discussão mais detalhada sobre as transformações econômicas
no Brasil nas últimas décadas, bem como seus impactos sobre o processo de urbanização, pode ser encontrada em Ipea/IBGE/Nesur (1999).
________ . Reestruturação urbana: algumas considerações sobre o
debate atual. Campinas: Nepo/Unicamp, 1998. Mimeografado.
________ . Redistribución espacial de la población: características y
tendencias de caso brasileño. Notas de Población, Santiago de
Chile, Año 35, n.65, 1997.
2. Em trabalho recente sobre a migração em Sergipe, Oliveira (2003:64)
considera a questão da modificação da estrutura fundiária como importante para se entender, ainda nos anos 90, a situação migratória
estadual.
BENKO, G. Organização econômica do território: algumas reflexões
sobre a evolução no século XX. In: SANTOS, M.; SOUZA, M.A.A.
de; SILVEIRA, M.L. (Org.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec-Anpur, 1996.
3. Para uma discussão mais detalhada desta questão ver Cunha (2003).
4. A análise da rede de cidades no Brasil torna-se mais complexa pelo
grande número de desmembramentos municipais ocorridos nos anos
80 e 90. Nesse período, mais de 2.000 novos municípios foram criados, sendo os seus territórios subtraídos de outros municípios mais
antigos. De forma a minorar esse problema, os dados aqui analisados
consideram os desmembramentos ocorridos e reconstituem a população, para 1970 e 1980, dos municípios criados até 1991. Infelizmente
não se pode completar esta reconstituição até o ano 2000 por falta da
informação necessária. Estes dados somente foram possíveis graças
ao esforço conjunto do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (Nesur)
e Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.
CANO, W. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no
Brasil, 1930-1995. 2. ed. Campinas: Instituto de Economia/
Unicamp, 1998. (30 Anos de Economia – Unicamp, 2).
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CANO, W.; PACHECO, C.A. Trajetórias econômicas e demográficas
para a década de 90. Cenários e diagnósticos: a economia no Brasil
e no mundo. São Paulo: Fundação Seade, 1992. (Coleção São Paulo
no Limiar do Século XXI, 1).
5. No Brasil a constituição das Regiões Metropolitanas é determinada
por legislação estadual. Assim sendo, não há necessariamente um padrão para determinar as condições necessárias para que uma aglomeração urbana seja dessa maneira rotulada. Para que se tenha uma idéia,
hoje no país existem oficialmente mais de 20 destas áreas, completamente heterogêneas em termos de composição, tamanho e função. Além
disso, Estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina
possuem mais de uma RM em seus territórios.
CHAMPION, A. Population distribution in developed countries: has
counter-urbanization stopped? Population distribution and
migration. New York: United Nations, 1998.
CUNHA, J.M.P. da. La movilidad intrarregional en el contexto de los
cambios migratorios en Brasil en el periodo 1970-1991: el caso
de la Región Metropolitana de São Paulo. Notas de Población,
Santiago de Chile, n.70, 2000a.
6. Sobre o processo de “interiorização” no Estado de São Paulo, ver
Baeninger (2000a), Ipea/IBGE/Nesur (1999) e Fundação Seade (1992).
________ . Migrações no Centro-Oeste brasileiro: as tendências e
características do período de 1986-1996. In: ENCONTRO DE
DEMOGRAFIA DA REGIÃO CENTRO-OESTE, 2, 2000, Brasília.
Anais... Brasília: Codeplan/FNUAP, 2000b.
7. Núcleo é o município-sede da área metropolitana ou região e periferia compreende os demais. Admite-se, contudo, que esse procedimento implica uma grande simplificação da realidade, tendo em vista a
heterogeneidade interna dos municípios e a possibilidade da existência de aglomerações policêntricas, como certamente é o caso da RM
de São Paulo.
________ . Urbanización y redistribución espacial de la población
en América Latina: notas sobre tendencias y condicionantes. Santiago de Chile: Cepal/Celade, 2001 (Working Paper).
8. Esta seção se beneficia de reflexões já realizadas em outro estudo
(Dedecca; Cunha, 2002) e em sua revisão elaborada em 2003.
________ . Aspectos demográficos da estruturação das regiões metropolitanas brasileiras. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.). Migração
e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas: Nepo-Unicamp/
Pronex, 2001a.
9. Além de São Paulo, os dados do Censo 2000 também mostram nitidamente o incremento da imigração em direção ao Distrito Federal e
seu entorno.
________ . Urbanization and metropolitanization in Brazil: trends and
methodological challenges. In: CHAMPION, A.; HUGO, G. Beyond
the urban-rural dichotomy: towards a new conceptualization of human
settlement systems. Burlington/USA: Ashgate, 2003, no prelo.
10. Na verdade, o grau de primazia de metrópoles como Santiago,
Buenos Aires, Montevidéu, etc. em relação ao restante da rede urbana
nacional é imensamente maior que o caso da RMSP em relação ao
Brasil.
CUNHA, J.M.P.; BAENINGER, R. (Des)continuidades no padrão
demográfico do fluxo São Paulo/Bahia no período 1970/91: qual
o efeito da crise? Revista Brasileira de Estudos de População,
Campinas: Abep, v.16, n.1/2, jan./dez. 2000.
11. Esta hipótese, sugerida em Cunha e Baeninger (2000), considera
que somente um processo de contínuo ir e vir poderia explicar a coexistência de altos volumes de imigração e emigração, particularmente no caso dos fluxos envolvendo São Paulo e o Nordeste. Neste particular, a intensificação da migração de retorno, fruto da incapacidade
do Estado em absorver e “estabilizar” seus migrantes, seria uma das
modalidades de deslocamento que permitiria, em boa medida, justificar as volumosas perdas populacionais apresentadas por São Paulo.
________ . A migração nos Estados brasileiros no período recente:
principais tendências e mudanças. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.).
Migração e ambiente em São Paulo: aspectos relevantes da dinâmica recente. Campinas: Nepo-Unicamp/Pronex, 2000.
232
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de Filosofia e Ciências Humanas, Pesquisador do Núcleo de Estudos
de População da Universidade Estadual de Campinas
([email protected]).
233
SÃO
234-246, 2003
ÃO PAULO
AULO EM
EM PERSPECTIVA
ERSPECTIVA, 17(3-4):
17(3-4) 2003
A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA
DE OCUPAÇÕES
anotações de uma pesquisa empírica
NELSON HIDEIKI NOZOE
ANA MARIA BIANCHI
ANA CRISTINA ABLAS RONDET
Resumo: Abordagem da revisão da classificação brasileira de ocupações (CBO), recentemente promovida pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com algumas instituições de pesquisa, entre as quais a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP. A discussão apresenta uma breve caracterização do
contexto em que ocorreram as mudanças por que passou o mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas.
Palavras-chave: classificação brasileira de ocupações; ocupações; famílias ocupacionais.
Abstract: A survey of the revision of the Brazilian Classification of Occupations (CBO), recently carried out
by the Ministry of Labor and Employment, in partnership with research institutions, among them Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) of the University of São Paulo. The discussion presents a brief
description of the changes in the Brazilian labor market in recent decades.
Key words: Brazilian Classification of Occupations; occupational clusters.
A
atividade de revisão da Classificação Brasileira
de Ocupações foi conduzida no âmbito da Comissão Nacional de Classificação, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
Em articulação com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, reviu-se a classificação das ocupações
brasileiras tendo em vista sua compatibilização com a classificação internacional de ocupações (CIUO 88), definida
pela Organização Internacional do Trabalho. Para dar conta
da tarefa, o MTE estabeleceu parcerias com algumas instituições brasileiras dedicadas à pesquisa socioeconômica, entre
as quais a Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo.1
As páginas que se seguem relatam a experiência da
Fipe na empreitada de revisão da CBO. A discussão está
organizada em três partes principais: na primeira delas
caracterizaremos brevemente o contexto em que ocorreram as mudanças por que passou o mercado de trabalho
brasileiro nas últimas décadas; na sessão seguinte descreveremos o conjunto de famílias ocupacionais e ocupações revistas pela Fipe, bem como o método adotado
na coleta e atualização dos dados referentes às mesmas;
na terceira sessão focalizaremos o ciclo de vida das ocupações, segundo os grandes grupos de famílias ocupa-
cionais. Fecharemos o artigo com algumas considerações
finais, decorrentes da análise empreendida nas sessões
anteriores.
O CONTEXTO
Nas últimas décadas, o mercado de trabalho brasileiro
viu-se submetido a intenso processo de mudanças econômicas, culturais, sociais e políticas, cujas manifestações
se fizeram visíveis no âmbito da estrutura das ocupações,
dos requerimentos de recrutamento e contratação de
profissionais, da condição e vínculos de exercício profissional e das funções desempenhadas sob dada denominação ocupacional.
Tais mudanças, mais acentuadas nos dois últimos lustros do século findo, têm sido relacionadas a uma gama
variada de fatores, dentre os quais sobressaem a introdução de novas tecnologias – em especial da informática e
internet –, a adoção de novas modalidades de organização produtiva e de gestão, a abertura de mercados nacionais ao capital estrangeiro, o aumento da concorrência
interna e o declínio do desempenho econômico do país.2
Como sabido, tais fenômenos levaram à adoção de medidas técnicas e administrativas de contenção de custos, por
234
A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...
anos 90, e o produto desse esforço foi dado a público no
último ano findo. Além da revisão e atualização completa
de seu conteúdo, a edição 2002 faz uso de uma nova metodologia de classificação. Esta versão contém as ocupações do mercado brasileiro, organizadas e descritas por
famílias ocupacionais – também denominadas grupos de
base –, cada uma delas correspondente a um conjunto de
ocupações similares que integram um domínio de trabalho mais amplo do que aquele da ocupação.
O trabalho de modernização da CBO contou, em sua
etapa de descrição, com a participação de quatro entidades, dentre as quais inclui-se a Fipe. O presente artigo
pretende resgatar, ainda que superficialmente, alguns aspectos julgados relevantes da participação da Fundação
Seade nesta experiência inovadora e de profunda importância para os estudiosos de nosso mercado de trabalho,
administradores de recursos humanos e gestores e
formuladores de políticas trabalhistas.
sua vez determinantes de redução do nível de emprego e
dos postos formais de trabalho.
O resultado desse amplo conjunto de transformações
foi o aumento na discrepância entre a Classificação Brasileira de Ocupação – CBO, publicada em 1994, e a realidade de nosso mercado de trabalho. Como qualquer classificação, trata-se de um documento mediante o qual se
pretende reconhecer, nomear e codificar os títulos e descrever as características das ocupações do mercado de trabalho. No Brasil, a CBO é utilizada na codificação do
emprego do mercado de trabalho. Seu código ocupacional
é a chave de identificação do emprego, juntamente com a
Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE
e da natureza jurídica dos estabelecimentos. O MTE utiliza esses códigos na Relação Anual de Informações Sociais – Rais, no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, no Seguro-Desemprego, dentre outros
registros administrativos, e no controle da imigração.
Ademais, a CBO é usada no rastreamento de vagas dos
Serviços de Intermediação de mão-de-obra, na elaboração de currículos e no planejamento da educação profissional. No setor público, porém fora do âmbito desse ministério, é utilizada nas estatísticas de mortalidade do
Ministério da Saúde e na identificação da ocupação no
Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF pela Secretaria
da Receita Federal.
Desde a edição pioneira de 1982, a CBO viu-se submetida a alterações pontuais, sem modificações estruturais e metodológicas de monta. A decisão de submetê-la a
uma revisão, de sorte a torná-la mais consentânea com a
realidade do mercado de trabalho, foi tomada em fins dos
FAMÍLIAS OCUPACIONAIS E OCUPAÇÕES
DESCRITAS PELA FIPE
A Fipe responsabilizou-se pela descrição de 181 famílias ocupacionais, número equivalente a pouco menos de
um terço do total de famílias da nova versão da CBO.
Mediante aquelas famílias previa-se dar conta da descrição de 636 ocupações. A Tabela 1 discrimina os grandes
grupos em que se enquadram as diferentes famílias
ocupacionais constantes da CBO.
De acordo com a Tabela 1, pode-se verificar que as
ocupações descritas pela Fipe distribuíram-se por oito dos
TABELA 1
Distribuição das Famílias Ocupacionais e Ocupações Descritas pela Fipe, segundo Grandes Grupos
Brasil – 2002
Famílias Ocupacionais
Grandes Grupos
Ocupações
Nos Absolutos
%
Nos Absolutos
%
181
100
636
100
36
26
20
14
135
109
21
17
3. Técnicos de Nível Médio
42
23
119
19
4. Trabalhadores de Serviços Administrativos
15
8
68
11
5. Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados
Total
1. Membros Superiores do Poder Público, Dirigentes de Organizações de
Interesse Público e de Empresas, Gerentes
2. Profissionais das Ciências e das Artes
36
20
131
20
7. Trabalhadores da Produção de Bens e Serviços Industriais
9
5
43
7
9. Trabalhadores em Serviços de Reparação e Manutenção
5
3
8
1
12
7
23
4
10. Membros das Forças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares
Fonte: Fipe.
235
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
dez Grandes Grupos de famílias que estruturam a CBO
2002, com acentuada concentração nos grupos 3 (Técnicos de Nível Médio), 5 (Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados), 1 (Membros
Superiores do Poder Público, Dirigentes de Organizações
de Interesse Público e de Empresas, Gerentes) e, em menor grau, 2 (Profissionais das Ciências e das Artes).3 Ficaram de fora, tão-somente, os grupos concernentes às
famílias que albergam ocupações rurais, incluídas as
extrativas e industriais. Em ambos os casos, todavia, a
instituição encarregou-se da descrição das ocupações referentes aos cargos de direção e gerência.
No tocante àqueles descritos, verifica-se que a Fipe teve
sob sua responsabilidade parcela importante de alguns
grandes grupos. Assim, no Grande Grupo 0 (Membros das
Forças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares), a fundação descreveu mais de três quartos das 13 famílias; a
participação correlata no caso do Grande Grupo 4 (Trabalhadores de Serviços Administrativos) situou-se em torno dos dois terços: 14 das 21 famílias do grupo. Os fatos
relatados neste capítulo dizem respeito, portanto, à descrição das famílias mencionadas, atividade levada a cabo
entre maio de 2000 e o segundo semestre de 2002.
Previamente à realização da atividade de descrição
propriamente dita, os integrantes da equipe da Fipe foram
treinados no método Dacum, em fins de fevereiro e início
de março de 2000.4
O processo de descrição das famílias ocupacionais pelos
facilitadores teve como ponto de partida o estudo do escopo, atividade realizada a partir dos arquivos magnéticos disponibilizados pelo MTE ao final da primeira fase
do Projeto de Modernização da CBO. Nessa etapa, iniciada em 1996 e completada três anos depois, foi reunida a
documentação primordial para o trabalho das entidades
conveniadas, a saber:
- Nomenclatura da nova CBO, com cerca de 600 famílias
ocupacionais. Reagrupa as ocupações e os sinônimos da
CBO94, bem como as novas ocupações e títulos surgidos
posteriormente. Elimina ocupações e sinônimos totalmente
extintos e ocupações que se transformaram em atividades
de uma nova ocupação;
nela contemplado e, para cada ocupação, os respectivos
sinônimos. No que concerne às famílias trabalhadas pela
Fipe, a documentação oriunda da primeira fase do Projeto de Modernização antecipava a inclusão de 143 ocupações na nova CBO e a supressão de outras 46 que figuravam da versão de 1994. 5 Estas foram mantidas apenas para
fins de composição da série histórica. Dentre as ocupações incorporadas, quase a metade enquadra-se no Grande Grupo 1, justamente aquele onde também se verificou
a maior parcela de supressões. Apenas na família dos Diretores Gerais (1210), foram suprimidas 35 ocupações, o
equivalente a mais de três quartos daquele total. No decorrer do estudo de escopo, todavia, nem todas essas
mudanças viram-se corroboradas. Assim, ocupações como
as de Corretor Especializado em Locais para Antenas (site
acquisitor) e de Remarcador acabaram por ficar de fora
da CBO 2002, apesar de constarem da documentação da
primeira etapa do Projeto de Modernização da CBO. Ademais, durante as investigações que precederam a realização dos painéis, bem como durante a sessão de descrição,
novas mudanças no mercado de trabalho acabaram sendo
identificadas.
Pelo que ficou dito acima, pode-se verificar que esse
material constituiu um conjunto fundamental de informações, que balizou o trabalho de rastreamento dos profissionais a serem convidados para integrar os comitês de especialistas, permitiu identificar o aparecimento de ocupações
próximas (parentes) e, no caso de empresas, orientar os
responsáveis pelas sessões do pessoal ou de recursos humanos na indicação dos empregados. Para as ocupações
formais, seu uso foi complementado com os dados da RaisIdentificada, que propicia conhecer, para cada ocupação,
o número de postos de trabalho existentes em determinada empresa, bem como seu endereço. Os dados da Rais
permitem verificar, por exemplo, a distribuição espacial
das ocupações no território brasileiro e, assim, garantir
certo grau mínimo de representatividade regional.6
O estudo dos escopos das famílias ocupacionais foi
realizado mediante entrevistas em empresas, órgãos e associações de classe e os próprios profissionais. Também
os informes disponíveis na internet foram amplamente
consultados nesta fase do trabalho.
Uma vez concluído o estudo do escopo, seguia-se o
extenuante processo de agendamento dos especialistas. Em
média, a presença de um especialista envolveu aproximadamente dez tentativas frustradas. Grande parte da dificuldade adveio da duração das reuniões, que se estendia
normalmente por dois dias, e do fato de tratar-se de ativi-
- Revisão do índice ampliado, também conhecido como
sinônimos, com cerca de 30 mil títulos;
- Descrição sumária, em caráter provisório, redigida a partir
de fontes secundárias (CBO/94, CIUO/88, dentre outros).
Nessa documentação era possível obter uma descrição
sumária de cada família ocupacional, o rol de ocupações
236
A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...
feita a partir da nova estrutura da CBO. Obtiveram-se,
assim, dois conjuntos de famílias ocupacionais: um
concernente àquelas específicas e outro pertinente às transversais do setor bancário. O primeiro conjunto ficou formado por 7 e o segundo, por 5 famílias, distribuídas pelos
quatro primeiros Grandes Grupos da CBO 2002.8 Ao término dessa tarefa, tais famílias passaram a ser descritas
mediante a aplicação do método Dacum. As dificuldades
no agendamento foram superadas mediante a convocação
dos especialistas de 13 instituições bancárias, por intermédio da Febraban. Mesmo assim, os Diretores Gerais
(1210) e os Diretores de Operações de Serviços em Instituição de Intermediação Financeira (1227) acabaram
sendo descritos mediante entrevistas. Tais desdobramentos fizeram com que a segunda fase do processo de descrição se alongasse por cerca de dois anos.
Os fatos relatados nos parágrafos precedentes, ao mesmo tempo em que evidenciam algumas modalidades de
resistência enfrentadas pelos facilitadores da instituição,
permitem aquilatar a magnitude do esforço e da persistência envolvidos na superação das mesmas. A seção seguinte registra as observações colhidas pelos facilitadores
no curso das descrições das diversas famílias. A percepção das mudanças ocorridas no mercado de trabalho brasileiro foi acentuada entre os especialistas que participaram dos painéis organizados pela Fipe. A freqüência com
que estes profissionais mencionavam a necessidade de
“Manterem-se Atualizados”, durante a montagem da sua
lista de Competências Pessoais constitui evidência cabal
do vulto das mudanças a que precisaram adequar-se para
permanecer no mercado de trabalho.
A sessão que se segue descreve o ciclo de vida das
ocupações, retratando movimentos de extinção e desaparecimento das mesmas.
dade não remunerada para os especialistas convocados.
No caso de algumas famílias do Grande Grupo 1, especialmente aquelas referentes aos cargos de Diretores e Gerentes, buscou-se reduzir a duração das reuniões mediante o uso de “descrições-tronco”. Este recurso consiste em
detalhar, em sessões de apenas um dia, uma matriz Dacum
com as competências e habilidades gerais e comuns àqueles cargos, elaborada a partir de um conjunto de gráficos
obtidos pelo método convencional. Em situações de absoluta inviabilidade, por exemplo, dos Diretores Gerais
(1210), as reuniões foram substituídas por entrevistas (no
mínimo cinco) no próprio local de trabalho, de duração
variável. Em tais ocorrências, o painel de validação não
foi realizado. A implementação de ambos os procedimentos ocorreu sob supervisão e orientação do MTE.
Os óbices enfrentados no agendamento dos profissionais vinculados ao setor bancário requereram um longo
esforço, do qual resultou a formação de uma comissão
constituída sob os auspícios da Assessoria de Recursos
Humanos da Febraban e integrada por representantes dos
indicados por alguns estabelecimentos bancários, pelo
MTE e pela Fipe.7 As dificuldades no agendamento estiveram relacionadas, de um lado, ao zelo com o sigilo que
normalmente cercam as operações bancárias. Além disso,
o setor sofreu, durante a segunda metade dos 1990, um
intenso processo de fusão e mudança de controlador, fenômeno marcado por uma ampla privatização e por maciço ingresso de capital estrangeiro. Por fim, somou-se o
fato de ser o segmento financeiro, em especial o bancário, aquele para o qual a antiga CBO se mostrava profundamente inadequado: cerca de dois quintos de suas informações ocupacionais na Rais, obrigatoriamente fornecidas
em consonância com a CBO, eram enquadradas na categoria outros (antigo código 90).
A comissão formada junto à Febraban com o objetivo
de diminuir esse descompasso incumbiu-se de avaliar a
estrutura de títulos das famílias ocupacionais específicas
do setor bancário, suas ocupações e sinônimos, compatibilizar os títulos de cargos dos bancos participantes em
postos e ocupações da CBO94 e a nova CBO. Deste esforço resultou uma consolidação preliminar dos títulos de
cargos dos bancos participantes, classificados segundo
cinco domínios – seguros, crédito, comercial, câmbio e
mercado de capitais –, cuja descrição foi majoritariamente colocada sob a responsabilidade da Fipe.
Ao se iniciar a segunda etapa do projeto de modernização da CBO, já com a participação da Fipe, os títulos
foram novamente consolidados e reclassificados, desta
O CICLO DE VIDA DAS OCUPAÇÕES
O mundo das ocupações é complexo e altamente dinâmico, permanentemente afetado pelo contexto social e econômico mais amplo e, ao mesmo tempo, capaz de afetar
esse próprio contexto. Como os seres vivos, as ocupações
parecem estar sujeitas a um ciclo de vida. Elas nascem,
crescem, transformam-se e eventualmente declinam e
morrem.
No que diz respeito ao mercado de trabalho brasileiro,
as grandes transformações pelas quais este vem passando
nas últimas décadas refletiram-se diretamente em sua estrutura ocupacional. Enquanto várias ocupações simples-
237
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
mente desapareceram, ou estão a caminho disso, outras
vêm sofrendo uma reestruturação de suas funções, que leva
à definição de novos perfis profissionais. Esse processo
está associado, como já foi visto, às modificações
tecnológicas ocorridas na economia, inclusive aquelas que
afetam a organização do trabalho dentro de empresas públicas e privadas. De uma maneira geral, estão sendo presenciadas mudanças cuja natureza não é auto-evidente, mas
cuja direção é importante entender para a definição de políticas públicas adequadas.
A presente sessão focaliza o ciclo de vida das ocupações, que se exprime na emergência de novas ocupações,
na extinção de outras e na transformação de muitas. As
informações em que se baseia a análise provêm, como observado anteriormente, de depoimentos colhidos entre os
especialistas que colaboraram na pesquisa da Fipe, em três
momentos sucessivos: durante o trabalho preliminar de
definição do escopo de cada família, no painel de descrição e no de validação.
O conceito de ocupação emergente foi definido de forma ampla e não necessariamente isenta de ambigüidades.
Assim, as ocupações qualificadas como tal podem ser efetivamente novas no mercado de trabalho, como seria de
se esperar. Abrangem ainda, porém, aquelas que são novas do ponto de vista da CBO; ou aquelas que, embora
muito antigas, sofreram transformações substanciais ou
viram crescer significativamente o número de postos de
trabalho a elas associados; finalmente, podem ser novas
apenas no mercado de trabalho brasileiro, mas não no
mercado de trabalho mundial como um todo.
A unidade de análise considerada compreende as famílias ocupacionais e as ocupações propriamente ditas.
Alguns processos afetam todo o agrupamento profissional, manifestando-se no âmbito da família; outros são mais
circunscritos, cingindo-se a ocupações específicas dentro
de uma família ocupacional, sem afetar de modo significativo as demais categorias que a compõem.
A ordem adotada para a exposição segue a seqüência
dos Grandes Grupos definidos pela CBO 2002. Para cada
um desses grandes conjuntos, serão abordadas simultaneamente as famílias e ocupações em processo de extinção e
as emergentes.
Dentre as ocupações classificadas na nova Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) como pertencentes
ao Grande Grupo 1, ou seja, “Membros Superiores do
Poder Público, Diretores de Organizações de Interesse
Público e de Empresas e Gerentes”, existem poucas ocupações realmente novas. No entanto, dada a reestruturação
por que vêm passando diversas empresas, principalmente
no setor privado, muitas delas extinguem postos de diretoria e gerência, fazendo com que os diretores e gerentes
remanescentes acumulem funções diferentes.
Nesse contexto, merece destaque a inclusão de uma
nova ocupação na família ocupacional dos Gerentes administrativos, financeiros e de riscos (1421). Trata-se do
Gerente de riscos. De acordo com os especialistas presentes ao painel de covalidação, essa ocupação ainda não
atingiu no Brasil o nível de importância encontrado em
países como os Estados Unidos, onde existe um número
significativo de cursos regulares de graduação, pós-graduação e MBA na área do chamado Risk Management.
Trata-se, portanto, de uma ocupação em ascensão, que
acompanha uma tendência de mercado bastante forte no
exterior, embora ainda em fase preliminar de expansão no
Brasil.
Cabe acrescentar que muitas vezes o gerente de riscos
não ocupa um cargo com esse nome, embora atue como
tal. Segundo os especialistas, as funções desse profissional diferem daquelas executadas pelos engenheiros de segurança industrial, de tempos e métodos, de qualidade,
de riscos ou dos técnicos de seguros, principalmente no
que diz respeito aos compromissos objetivos e mensuráveis
a partir dos resultados operacionais da empresa. As atividades desenvolvidas pelo gerente de riscos não se caracterizam como atividades gerenciais por excelência, uma
vez que estão mais voltadas às atividades desenvolvidas
dentro de um processo produtivo, o que lhes dá um cunho
mais executor.
O Grande Grupo 2 (“Profissionais das Ciências e das
Artes”) reúne ocupações cujas tarefas demandam conhecimentos profissionais de alto nível de competência ligado ao ensino superior, além dos profissionais das artes e
desportos. Dentro desse grupo existem diversas famílias
ocupacionais que possuem uma ou mais ocupações novas
ou em processo de reestruturação.
É o caso, por exemplo, dos Professores de artes do ensino superior (FO 2349), que congregam as seguintes ocupações: Professor de artes do espetáculo, Professor de artes
visuais e Professor de música no ensino superior. Embora
não possa ser considerada uma família ocupacional emergente, o mercado de trabalho brasileiro tem especificidades
que o distinguem do mercado de países onde o ensino
superior nessa área está sedimentado há mais tempo. Segundo os especialistas presentes aos painéis de descrição
e validação, houve mudanças substanciais em um período
relativamente recente no Brasil, com a implementação de
238
A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...
inúmeros cursos superiores de graduação na área de artes, que compreendem os segmentos de artes visuais, teatro, dança e música. Isso gerou a necessidade de uma rápida e por vezes radical adaptação no perfil dos professores
que lecionam nesses cursos. Antigamente, a arte era acessível a poucas pessoas e era ensinada principalmente em
ateliês dos próprios artistas. A mudança assinalada afetou esse padrão. Hoje em dia, nem sempre um professor
de artes é efetivamente um artista, ele pode ser um especialista em determinada área e com isso qualificar-se para
transmitir seus conhecimentos aos alunos.
Merece destaque também a família ocupacional das Secretárias executivas e bilíngües (FO2523), que congrega
as ocupações de Secretária executiva, Secretária bilíngüe
e Secretária trilíngüe.9 Segundo o relato dos especialistas, não se observa a tendência de extinção da profissão.
Na prática, grande parte das secretárias ainda executa tarefas tradicionais, às vezes atendendo mais de um diretor
ou até mesmo toda uma área. Nos últimos anos houve uma
diminuição significativa no número de postos de trabalho
de secretária nas empresas, devido basicamente a dois
motivos: informatização e reestruturação funcional, diante da necessidade de reduzir custos operacionais. Com a
difusão dos computadores de uso pessoal, os executivos
passaram a executar fácil e rapidamente tarefas antes delegadas às secretárias, cujo perfil profissional sofreu alterações significativas, levando-as a atuar cada vez mais
como assessoras do executivo. Isso significa que a profissão foi afetada por um duplo movimento, de diminuição do
número de postos de trabalho associada a alguma perda de
funções tradicionais, mas, ao mesmo tempo, à absorção de
novas funções e à ampliação de responsabilidades.
A família ocupacional dos Locutores, comentaristas e
repórteres de rádio e televisão (FO 2617) reúne profissionais cujo perfil apresentou modificações bastante importantes nos últimos anos, que afetaram as ocupações componentes da família: Âncora, Comentarista, Locutor,
Narrador e Repórter de rádio e televisão. Como em outros
setores da economia, houve uma série de alterações econômicas e tecnológicas, associadas a um processo de reorganização funcional, em que as empresas enxugaram consideravelmente o número de funcionários em seus quadros.
Nesse contexto, a própria definição das atividades
precípuas de um Locutor de rádio e televisão mudou substancialmente. Atualmente, as atividades de locução são desempenhadas por jornalistas, que não mais simplesmente lêem
as notícias, como no modelo anterior. Eles tornaram-se profissionais multifuncionais e multimídia, para os quais não
basta – nem mesmo chega a ser necessário – ter uma bela
voz. Eles atuam no processo desde a produção da notícia até
sua apresentação. A tendência do mercado é substituir o locutor tradicional por um profissional com formação em jornalismo capaz de atuar indiscriminadamente em rádio, televisão e outros meios de comunicação.
No caso do rádio, as mudanças tecnológicas nos equipamentos utilizados facilitaram a operação de equipamentos. Assim, as tarefas técnicas, como a de operador de
transmissões externas no rádio, podem ser hoje também
desempenhadas pelo próprio locutor, quando este atua fora
da sede da emissora. O advento das rádios FM e das TVs
por assinatura também foi um importante fator na indução
das mudanças observadas.
Cabe acrescentar que a partir da década de 90 o locutor clássico passou a chamar-se “Âncora”, por influência
dos Estados Unidos, onde existia há muito tempo. Essa
diferença, que à primeira vista parece indicar uma mera
mudança de terminologia, reflete uma transformação mais
profunda no perfil profissional dos especialistas que exercem essa função.
No domínio da informática, ainda no Grande Grupo 2,
existem diversas ocupações emergentes e em reestruturação. Isso se deve principalmente ao fato de que o
mercado de trabalho ligado a esta área ser relativamente
novo e encontrar-se em fase de consolidação. Assim,
muitos profissionais possuem uma atuação mais abrangente, executando diversas tarefas, padrão que não necessariamente será mantido no futuro próximo.
É o caso, por exemplo, do Web master, profissional
responsável pela manutenção de um website, que entende
o site de forma global e o administra. É ele quem garante
o contato entre as diversas áreas: produção de conteúdo,
design, desenvolvimento e manutenção do site. Os especialistas presentes aos painéis relataram que, com o
surgimento do ambiente web, muitas vezes este profissional
acumulava funções que iam desde a elaboração de textos
até o gerenciamento dos sites. No entanto, com a especialização do mercado, as funções foram aos poucos se
diferenciando e se tornando mais específicas, embora o
web master tenha de certa forma mantido sua característica
de programador. Trata-se, portanto, de um profissional
relativamente novo no mercado, que exerce funções bastante híbridas e muito variáveis de uma empresa para outra.
Já a figura do Web Designer surgiu com o aparecimento dos recursos visuais dentro do ambiente web. Ele é o
responsável pela parte visual dos sites, fazendo inclusive
interface com a animação. É ele quem desenha e define
239
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
as cores e o design das páginas ou dos sites. A formação
desse profissional tende a ser bastante heterogênea, uma
vez que é atualmente integrada por indivíduos com diferentes origens profissionais, entre eles arquitetos, artistas
gráficos e profissionais da indústria gráfica, entre outros,
que decidiram aproveitar as oportunidades abertas graças
ao surgimento do ambiente web.
Finalmente, os especialistas mencionaram a figura do Web
Editor, profissional responsável pelo conteúdo dos textos
apresentados nos sites. A maioria deles possui formação em
jornalismo, relações públicas ou publicidade, entre outras.
Na verdade, observa-se aqui um fenômeno parecido com o
que determinou a mudança do perfil do locutor, acima relatada: trata-se de um jornalista que exerce suas funções em
um meio de divulgação diferente do usual.
O Grande Grupo 3 (“Técnicos de Nível Médio”) compreende aquelas ocupações cujas atividades requerem um
nível de conhecimento técnico para sua execução. É interessante notar a presença de indivíduos com formação
universitária nesse grande grupo, que reúne um grande
número de famílias ocupacionais. Essa presença é crescente, embora, em tese, a execução das atividades não
requeira escolaridade de nível superior. Na prática, contudo, observa-se a exigência cada vez maior de formação
universitária para preenchimento das vagas oferecidas no
mercado de trabalho. Essa exigência pode ser atribuída a
uma gama de fatores, inclusive o aumento do nível de
desemprego, que leva o indivíduo a aceitar tarefas aquém
de sua qualificação formal.
Vale mencionar, a propósito, a existência de três famílias ocupacionais ligadas à educação que vêm passando
por uma série de modificações. Aqui existe uma mescla
de processos de extinção de ocupações e criação de novas, bastante difícil de descrever. A mudança afeta as famílias dos Professores de nível médio na educação infantil (FO 3311), Professores de nível médio no ensino
fundamental (FO 3312) e Professores leigos no ensino
fundamental (FO 3321).
As três famílias citadas reúnem professores cuja formação foi adquirida na prática ou em cursos de, no máximo, nível médio, que atuam na educação infantil e no ensino fundamental (antigos primário e ginásio). Houve uma
mudança legal segundo a qual, a partir de 2007, somente
poderão habilitar-se a preencher os postos de trabalho
associados a essas ocupações indivíduos com diploma
universitário ou formados por treinamento em serviço.10
Isso significa que aqueles que não tiverem concluído o
segundo grau até 2007 não poderão continuar lecionan-
do. Perante essa exigência, os docentes vêm se atualizando para poder continuar no exercício de suas funções quando da aplicação da nova lei.
O caso dos professores leigos merece destaque, uma
vez que são profissionais que não possuem a formação
mínima já exigida por lei, o que poderá determinar a
extinção dessa categoria. Vale mencionar, porém, que a
maioria desses profissionais participa de programas do
MEC (como o Proformação – Programa de Formação de
Professores em Exercício), cujo objetivo é a formação de
professores leigos num nível equivalente ao do magistério. Esses programas beneficiam prioritariamente as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
A família ocupacional dos Profissionais de direitos autorais e de avaliação de produtos dos meios de comunicação (FO 3524) também sofreu modificações profundas
em sua estrutura, que resultaram na convergência de processos de extinção e emergência. Inicialmente, antes do
trabalho de definição de seu escopo, foi identificada pelo
MTE como a família dos Agentes de Fiscalização de Espetáculos e Meios de Comunicação, composta apenas pela
ocupação de Técnico em Censura, tristemente associada
ao período da ditadura militar no Brasil. Com a abolição
desse tipo de censura, a ocupação deixou formalmente de
existir no mercado de trabalho. Persistem, porém, os profissionais que atuam na área de direitos autorais, na fiscalização de espetáculos de música, dança, etc. Por outro
lado, os especialistas apontaram a necessidade de orientação do público a partir da definição de faixas etárias para
as quais diversos tipos de produtos culturais são adequados. Além dessa tarefa, algumas empresas que atuam nesse segmento sentiram a necessidade de recrutar profissionais incumbidos da avaliação qualitativa do programa, que
abrange funções relacionadas à avaliação dos meios de
comunicação do ponto de vista ético, educativo e artístico, sendo que os profissionais podem realizar a classificação indicativa e qualitativa da programação.
Os participantes dos painéis destacaram que, enquanto
as ocupações de Agente de Direitos autorais e Ouvidor de
meios de comunicação (ombudsman) são bem definidas
no mercado de trabalho, a ocupação de Avaliador de produtos do meio de comunicação, que define o responsável
pela avaliação e classificação, qualitativa e indicativa dos
programas, ainda é relativamente nova e encontra-se em
fase inicial de estruturação, não estando efetivamente
implantada na maioria das empresas.
Um fenômeno interessante foi observado em relação à
ocupação de Radiotelegrafista, enquadrada pela CBO 2002
240
A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...
na família ocupacional dos Operadores de rede de teleprocessamento e afins (FO 3722), ao lado do Operador de
rede de teleprocessamento. No período de definição do
escopo e na convocação para os painéis, o facilitador teve
grande dificuldade de recrutar radiotelegrafistas, tendo de
fazê-lo na Região Norte, por intermédio da Funai. Vale
notar que na estrutura original da CBO, que balizou a
pesquisa do facilitador da Fipe, o título dessa família foi
definido como sendo “Técnicos em operação de máquinas
de transmissão de dados”, prevendo-se que compreendia
oito ocupações distintas. Contudo, após a investigação
detalhada de sua situação atual no mercado de trabalho,
esse número ficou reduzido a dois, sendo que, no caso do
radiotelegrafista, observou-se sensível perda de especificidade. Os especialistas presentes aos painéis confirmaram a existência desse processo: embora tenham mantido
a ocupação na família, apontaram sua tendência à extinção.
No caso da família ocupacional dos Técnicos em
necrópsia e taxidermistas (FO 3281), os especialistas também registraram a ocorrência de uma alteração interessante no perfil das atividades executadas pelos profissionais da área. O título da família ocupacional proposto
inicialmente pelo MTE (Embalsamadores e Taxidermistas) foi modificado pelos especialistas no painel de validação. De acordo com o comitê, a alteração justifica-se
pelo fato de que o embalsamamento é apenas uma das técnicas de conservação de corpos. Optaram, contudo, por
preservar o título de Embalsamador para designar uma das
ocupações da família, pois este é o termo utilizado no
mercado de trabalho, embora o referido profissional utilize outras técnicas além do embalsamamento. Os especialistas relataram ainda que a ocupação de Embalsamador é
hoje pouco expressiva no mercado de trabalho, uma vez
que, oficialmente, a atividade deve ser desenvolvida por
um médico patologista. O médico é responsável por assinar a liberação do corpo embalsamado, embora, na prática, ele costume ensinar as operações técnicas ao pessoal
de apoio, que as executa.
A segunda ocupação que integra a família é a de Taxidermista. A Taxidermia é uma especialização da Biologia, e conta ainda com um pequeno número de profissionais no mercado de trabalho brasileiro. Trata-se de uma
atividade auxiliar da biologia, cuja finalidade é a conservação de animais mortos, utilizando somente a pele curtida do exemplar. Existe ainda a Taxidermia Artística e a
Científica, desenvolvida em Universidades e Museus, com
o objetivo de catalogar espécies para a preservação da história natural.
Cabe ainda ressaltar que, por motivos técnicos, foi eliminado o sinônimo “Empalhador de Animais”. De acordo com os especialistas, esse termo é incorreto, pois as
técnicas de taxidermia utilizam uma infinidade de materiais além da palha (a que o sinônimo eliminado faz referência) na recomposição do corpo do animal a partir de
sua pele.
O Mecânico de vôo, que integra a família ocupacional
dos Pilotos de aviação comercial, mecânicos de vôo e afins
(FO 3411), é outra ocupação do Grande Grupo 3 que está
perdendo expressão no mercado de trabalho em decorrência de mudanças tecnológicas. O profissional com esse
tipo de formação e experiência era recrutado apenas para
trabalhar nas aeronaves de grande porte. As aeronaves
modernas, porém, que possuem computador de bordo,
prescindem de seu trabalho. Os raros remanescentes da
ocupação têm deixado o País, acompanhando antigos
aviões vendidos para outros países, principalmente
africanos.
Quanto às ocupações emergentes, cabe mencionar a família ocupacional dos Técnicos de odontologia (FO 3224),
que reúne as ocupações de Técnico em higiene dental,
Protético dentário, Atendente de consultório dentário e
Auxiliar de prótese dentária. O trabalho prévio de definição de escopo e os painéis realizados apontaram o
surgimento de uma nova ocupação, o Técnico em higiene
dental, que atua majoritariamente em órgãos públicos, sob
a supervisão de um cirurgião-dentista.
Durante os trabalhos da fase de descrição da família
ocupacional dos Técnicos de seguros e afins (FO 3517),
os especialistas presentes ao painel de descrição identificaram uma ocupação emergente, a do Técnico de Inspeção Veicular. De acordo com os participantes, esse profissional pode passar a existir em larga escala no mercado
de trabalho num futuro próximo, em função das exigências dos Detran estaduais e das seguradoras de veículos.
Trata-se de um profissional que realiza inspeções em veículos que passaram por alterações em sua estrutura original, sofreram sinistros ou foram reformados e, portanto,
necessitam de aprovação para transitar. Vale acrescentar,
porém, que essa ocupação não foi reconhecida pelo comitê de validação e, portanto, não aparece na versão final
da família ocupacional.
Na mesma família, outra ocupação “descoberta” durante
os trabalhos, mantida após a validação, foi a do Técnico
de Resseguros, que negocia, administra e controla os contratos com o IRB (Instituto de Resseguros Brasil), órgão
que possui o monopólio dos resseguros no país. Como
241
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
existem estudos no sentido de quebrar esse monopólio,
poderá vir a ocorrer uma expansão dos postos de trabalho
ligados a essa ocupação no futuro.
Na família ocupacional dos Técnicos em secretariado,
taquígrafos e estenotipistas (FO 3515), vale destacar que
a nova denominação do Estenógrafo, consagrada pelo
mercado, na verdade desdobra-se em duas ocupações: o
Taquígrafo, que procede manualmente às atividades de
registro, tanto no setor público quanto privado (depoimentos, discursos, etc.); e o Estenotipista, cujas atividades
refletem o avanço tecnológico na área de comunicações,
já que faz uso do computador no exercício de suas funções, possibilitando o registro dos fatos em tempo presente (close caption, mensagens para deficientes auditivos na televisão, atividades que necessitem de legendas).
A família ocupacional dos Acupunturistas, podólogos,
quiropraxistas e afins (FO 3221) agrupa duas ocupações
já existentes na CBO 94 (Acupunturista e Quiropraxista),
ao lado de uma nova ocupação definida no âmbito da nova
CBO: o Podólogo. Inicialmente havia sido definida como
ocupação também o Técnico em Fisioterapia, que compunha o título da família. No entanto, durante o estudo de
escopo, essa denominação mostrou-se inadequada.11
Na verdade, os profissionais que prestam serviços nessa
área, em geral conhecidos como atendentes, não são reconhecidos como técnicos em fisioterapia. Entre os motivos alegados destacam-se: o fato de que estes profissionais não possuem formação na área de saúde, tampouco
formação específica em fisioterapia; não prescrevem exercícios ou verificam se os mesmos estão sendo realizados
corretamente (o que é feito pelo fisioterapeuta). Suas funções consistem apenas em instalar os pacientes em aparelhos específicos, utilizando-os sob constante supervisão;
também cuidam da limpeza e organização da clínica. Outra razão que levou à solicitação de exclusão da denominação “técnico em fisioterapia” foi o fato de não ter sido
localizada nenhuma instituição de ensino que ministrasse
o curso de fisioterapia em nível médio.
Os especialistas que representaram a ocupação dos
Podólogos destacaram que sua prática advém da medicina ortodoxa, e seus procedimentos direcionam-se à saúde
do pé. Tratam de afecções, infecções, patologias dos pés
e deformidades podológicas, utilizando-se de instrumental pérfuro-cortante, medicamentos de uso tópico, órteses
e próteses. Com a multiplicação de clínicas especializadas
nos grandes centros urbanos brasileiros, há indícios de que
essa ocupação venha conquistando um lugar de maior
destaque no mercado de trabalho brasileiro.
Ainda dentro do Grande Grupo 3, os Recreadores (FO
3714) constituem uma família ocupacional relativamente
nova no mercado, que tende a ser mais valorizada. Segundo
os especialistas, isso vem ocorrendo principalmente depois que hotéis e resorts reconheceram a importância desse
profissional como diferencial para atrair um maior número de clientes. Apesar de existirem alguns cursos na área
– desde cursos técnicos pertencentes ao sistema Senai/
Senac até cursos de graduação em Gestão de Lazer e Eventos –, a maioria dos profissionais não possui formação
específica. Nesse sentido, seu nível de escolaridade varia
muito, indo desde o segundo grau incompleto até o nível
superior, este nem sempre na área específica).
O Grande Grupo 4, “Trabalhadores de Serviços Administrativos”, compreende as ocupações ligadas ao trabalho burocrático, com ou sem contato constante com o público.
Dentro desse grande grupo, merece destaque a família
ocupacional dos Apontadores e conferentes (FO 4142).
No trabalho inicial de definição do escopo, a facilitadora
entrevistou vários empresários e diretores de recursos
humanos do setor industrial que relataram a extinção da
ocupação de Apontador de Produção, decorrente de mudanças tecnológicas. No prosseguimento do trabalho, foi
possível constatar que as atividades dessa área foram incorporadas por outras ocupações, porém o redesenho do
trabalho, quando da reestruturação produtiva, diferia de
empresa para empresa e de setor para setor. Na construção civil, os apontadores de produção e de mão-de-obra
são ainda numerosos, e provavelmente ainda o serão por
muito tempo. Também permaneciam, segundo os entrevistados, em atividades de apontamento de produção de
serviços públicos. Durante a realização dos painéis, verificou-se, de um lado, a tendência ao desaparecimento da
ocupação de Apontador (seja de produção, seja de mãode-obra), devido à incorporação de novas tecnologias ao
processo produtivo, que levam ao esvaziamento das funções exercidas; de outro lado, porém, os trabalhadores
remanescentes vêm acumulando funções tradicionalmente exercidas por trabalhadores de outros cargos. A tendência seria assim a transformação do apontador em um
encarregado que tem, entre outras tarefas, a função de
apontador de mão-de-obra e/ou de produção.
Ainda nessa mesma família ocupacional, foi incluída
uma ocupação inexistente na CBO 94, embora antiga no
mercado de trabalho: o Conferente de carga e descarga,
que atua na área portuária e anota tudo o que diz respeito
ao embarque e desembarque de mercadorias nos portos e
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A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...
terminais portuários (avarias, tipo de carga, volume, peso,
etc.). Ao conferir, o profissional toma nota e/ou aponta,
realizando tarefas muito semelhantes às executadas pelos
apontadores, o que justificou sua inclusão nessa família
ocupacional.
Entre os Operadores de telefonia (FO 4222), a ocupação de Telefonista propriamente dita encontra-se em processo de extinção, segundo o depoimento dos especialistas e os contatos feitos durante o trabalho prévio de
definição de escopo. A tendência da ocupação é desaparecer, devido aos avanços técnicos nos sistemas de telecomunicações. Atualmente, grande parte das ligações é
feita diretamente da origem para o destino, sem a necessidade de auxílio de telefonistas. Por outro lado, em empresas pequenas e mesmo em algumas médias, os recepcionistas ou secretários fazem o serviço de atendimento
telefônico. Em empresas grandes, os departamentos já
possuem ramais diretos e os funcionários fazem e recebem suas próprias ligações. O telefonista fica mais como
prestador de informações em casos especiais em que os
usuários externos não possuem o número direto do ramal.
Os participantes dos painéis mencionaram outros fatores
que estão levando à progressiva extinção da ocupação. Um
deles é o serviço de atendimento eletrônico, que está se expandindo muito entre empresas de todos os portes. Nesse caso,
os ramais dos departamentos são fornecidos pela gravação.
Adicionalmente, foi mencionado o processo de terceirização
do atendimento das operadoras telefônicas, como a Embratel
e a Telefônica. Tais empresas não possuem mais teleoperadores em seu quadro de funcionários, pois contratam
outras empresas para esse serviço, sendo caracterizadas mais
como prestadoras de informações do que de completadoras
de chamadas. A difusão da internet também provocou mudanças nas ocupações dessa família, pois informações como
números da lista telefônica, códigos de área interurbanos e
internacionais e tarifas podem ser obtidas diretamente no site
da operadora.
É importante registrar o esvaziamento do mercado de
muitas ocupações que integram a família ocupacional dos
Operadores de equipamentos de entrada e transmissão
de dados (FO 4121). Essa família, que na CBO 94 abrigava
dez ocupações, agora abriga apenas quatro: Datilógrafo,
Digitador, Operador de mensagens de telecomunicações
(correios) e Supervisor de digitação e operação. Ocupações
que constavam da CBO 94, ligadas à operação de máquinas
de escritório – tais como Conferidor (cartões e fitas),
Operador de equipamento de entrada de dados, Operador
de máquina contábil, Operador de máquinas classificadoras
e tabuladoras e Operador de teleimpressão –, foram
eliminadas ou fundidas em função das mudanças tecnológicas no setor, entre elas o advento do computador
de uso pessoal. Mesmo algumas das remanescentes, como
Datilógrafo e Digitador, vêm perdendo expressão numérica
no mercado de trabalho.
O Grande Grupo 5, “Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados”, reúne trabalhadores cujo conhecimento e experiência são utilizados na prestação de serviços (em geral, de proteção e
segurança) às pessoas ou na venda de mercadorias no comércio em geral.
Na família dos Agentes comunitários de saúde e afins
(FO 5151) inclui-se uma ocupação emergente, a de Agente comunitário de saúde. Essa ocupação foi criada na década de 90, principalmente por iniciativa do Ministério
da Saúde. Os especialistas que exercem a ocupação prestam assistência de saúde em comunidades carentes, entre
as quais a dispensa de cuidados simples de saúde sob supervisão de profisssionais do setor, a orientação da comunidade para a promoção da saúde, a participação em
campanhas preventivas, o incentivo a atividades comunitárias e assim por diante.
Nota-se também na mesma família ocupacional, a presença de uma ocupação em processo de extinção, que é a
Parteira leiga. Muito comum nas zonas rurais brasileiras
ainda em meados do século XX, essa profissão entrou em
desuso com a difusão dos serviços de saúde e o aumento
da possibilidade de acesso das parturientes a hospitais e
postos. Segundo as parteiras leigas que participaram dos
painéis, a rede pública de saúde está se empenhando em
aproveitar seus conhecimentos e habilidades ancestrais no
atendimento à comunidade prestado pelos postos e pela
rede hospitalar. Elas tornaram-se, portanto, auxiliares da
rede oficial de saúde.
Com o declínio da navegação fluvial no Brasil, ocupações tipicamente ligadas a esse setor encontram-se em processo de extinção ou de transformação. Entre elas, destaca-se a ocupação de Taifeiro, que pertence à família dos
Trabalhadores de segurança e atendimento aos usuários
de transportes (FO 5111). Apesar de essa mesma denominação aparecer como sinônimo em outra família
ocupacional (Praças das forças armadas – FO 0103), é
na FO 5111 que ela aparece como ocupação propriamente dita. O Taifeiro é o profissional responsável pela organização e controle do paiol (despensa da embarcação), pelo
serviço de refeições aos passageiros ou tripulantes, bem
como pela limpeza e arrumação das partes internas das
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003
(FO 5193) inclui um tipo de trabalhador que vem adquirindo importância cada vez maior no mercado de trabalho, segundo os especialistas que participaram dos painéis. As exposições de animais de pequeno porte estão se
tornando mais freqüentes no país, e 

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